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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
SÉRGIO ARAÚJO LEITE
ENTRE O RITO E O COTIDIANO: AS MULHERES DA
IGREJA CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL DA
CIDADE DE CARAPICUIBA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
SÉRGIO ARAÚJO LEITE
ENTRE O RITO E O COTIDIANO: AS MULHERES DA
IGREJA CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL DA
CIDADE DE CARAPICUIBA
Dissertação apresentada à Banca examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Ciências da Religião pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
sob a orientação do Professor Doutor Edin Sued
Abumanssur.
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
DEDICATÓRIA
In Memorian
Ao meu pai, Flauzino Araújo Leite, boiadeiro do interior de São Paulo e do
Mato Grosso, que dedicava seu tempo para as boiadas e para cobrar dos seus filhos
o estudo. Ser analfabeto não o impediu de ver a necessidade de seus filhos
estudarem. Esse trabalho é uma dedicatória a esse sertanejo que sempre buscou
uma vida melhor do que ele teve. A sua dedicação obteve sucesso com a formação
de todos os filhos. Esse trabalho, de certa forma, é mais um bloco na edificação do
seu sonho.
A minha mãe, Maria Aparecida, companheira e parceira, que durante quase
cinqüenta anos esteve lado a lado com o marido nessa causa de educar e de fazer
estudar os filhos.
As minhas irmãs, Sueli e Sueleny, mulheres fortes e com que convivi a maior
parte da vida, me ensinaram, na prática, que é possível conviver em igualdade,
respeitando as diferenças. Sem saber ajudaram-me a construir uma relação melhor
com as mulheres.
À Sivonete, mulher da minha vida. À sua paciência, à sua renúncia e à sua
dedicação total, assumindo tantas vezes o papel de pai diante das nossas filhas,
durante todo esse período. O amor dedicado é tão compensador que me sinto
reconfortado pelas minhas constantes ausências.
À Lara, filha que colaborou durante todo o tempo, renunciando a muitas
coisas para ceder tempo e espaço. O meu amor por ti me fortalece.
À Beatriz, filha menor, e por isso, mais exigida, não menos colaborativa, que
em todos os momentos esteve ao meu lado. O seu amor me guia pelos caminhos.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Edin Sued Abumanssur, que pacientemente contribuiu com uma
sabedoria simples, despojada e amiga para a construção dessa dissertação.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo pela feliz idéia de
financiamento de pesquisa para o Magistério Público.
Aos Professores do Programa de Estudos Pós-Graduação em Ciências da
Religião, pelo apoio e pela amizade durante toda a jornada, justificando plenamente
as informações a respeito do humanismo e respeito por todos os alunos, tornando
possível esse sonho. Em especial ao Prof. Dr. Ênio José da Costa Brito, o qual se
pudesse resumir com uma só palavra, essa seria sem dúvida: mestre.
Aos Professores, Mestres em Educação, Ricardo Chiquito Rodrigues e
Aparecida da Graça Carlos, que com sua amizade e seu conhecimento contribuíram
com apoio e ajuda de fato. Aos amigos Everaldo e Marli Teixeira, confidentes e
pacientes.
Às minhas companheiras de trabalho na Escola Pública, Marli Aparecida da
Silva Oliveira e Neide Maria Balassoni Santana, que durante todo o período da
pesquisa tiveram que se desdobrar para cobrir as minhas ausências. As todas (os)
professoras(es) e funcionárias (es) da escola, pela torcida e pela ajuda.
Às mulheres que acompanharam, participaram e dividiram os momentos bons
e outros não tão bons. A disponibilidade em falar dos mais variados assuntos. Aos
seus muitos e deliciosos sucos e bolos, pizzas e outras guloseimas.
À minha esposa, às minhas filhas, à minha mãe e às minhas irmãs. As
mulheres mais próximas do meu cotidiano e que abriram caminho para a construção
de boas relações com as mulheres.
RESUMO
O tema, As mulheres da Igreja Congregação Cristã do Brasil em Carapicuíba,
investiga a chegada da citada igreja nesse município, após a sua fixação em
território brasileiro na chamada Primeira Onda Pentecostal e a participação das
mulheres dessa denominação no seu interior e na sociedade em geral. As
mudanças ocorridas nas ultimas duas décadas e as repercussões dessas no interior
da igreja.
A observação do cotidiano dessas mulheres teve inicio a partir do meu local
de trabalho, a escola pública estadual, onde a atuação referente a escola (APM
Conselho de Escola, mães, e outras responsáveis por alunos da escola). A postura
dessas mulheres diante dos problemas dava mostras de serem inspirações da
pedagogia da Congregação Cristã.
A manutenção de um discurso oficial por parte da igreja, aparentemente
acatado por todos, mas, que em muitos aspectos é driblado pelas mulheres no
contexto da modernidade. Estudar essa igreja é analisar o grande conflito entre
aqueles que buscam uma coerência e manutenção de sua origem com a sociedade
emergida das transformações e necessidades sociais da mulher brasileira.
Analisar as mudanças ocorridas com essa mulher na sociedade, porém, não
enxerga no interior da denominação nenhuma mudança pelo menos no discurso,
uma vez que a tolerância a muitos comportamentos estranhos a doutrina ficaram
evidentes. Enquanto os mais velhos se apegam aos antigos costumes, assiste-se a
uma nova realidade que ira transformar toda a igreja. A mulher pentecostal da
Congregação Cristã permanece em silêncio dentro da Igreja, porém, gestando uma
transformação, ainda que de maneira discreta e vagarosa, sem enfrentamentos
abertos, com a paciência adquirida pela própria pedagogia da Congregação Cristã,
que irá repercutir e transformar a própria igreja.
Palavras-chave: Congregação cristã no Brasil, costumes, tradicional, modernidade,
mulher e sociedade moderna
ABSTRACT
The work on women of the Church Congregation of the Christian world in
Carapicuíba investigates the arrival of that church in this city, after its establishment
in Brazilian territory in the first wave petencostal caller and the participation of
women in the name of its interior and general society, as relates to changes in the
last two decades.
The observation of everyday life of these women began in a state public
school, especially in areas such as APM, the county of school, the conversations with
other mothers responsible for pupils of the school. The posture of the problems these
women face was shown, because at that moment, they are inspirations of the
pedagogy of Christian Congregation.
The maintenance of a speech by the church, apparently accepted by all, is in
many respects, dribble by women in the context of modernity. Studying the church is
considering the great conflict between those who seek consistency and maintenance
of your home with the company coming changes and social needs of the Brazilian
woman.
Despite the changes to this woman in society, it sees itself with in the church,
no change, at least in the speech, because the tolerance to many strange behavior
the doctrine became evident. While the older hold fast to old habits, there is a new
transforming the church. The woman's Pentecostal Christian Congregation remains
in silence inside the church, but a management change, but in a discreet way,
slower, with no open confrontations with the patience acquired by the teaching of the
Christian Congregation, which percurte and transform the church itself.
Key-words: Christian congregation in the world, customs, traditional, modern,
woman.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8
CAPITULO I: O PROTESTANTISMO ...................................................................... 17
1.1 – Trajetória do Protestantismo ....................................................................... 18
1.2 - O Protestantismo no Brasil ........................................................................... 24
1.3 - O Pentecostalismo: a origem e a difusão .................................................... 28
1.3.1- O Pentecostalismo no Brasil ................................................................... 29
1.4 - A Congregação Cristã no Brasil .................................................................. 33
CAPITULO II: A IGREJA CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL EM
CARAPICUíBA ........................................................................................................ 53
2.1 - Um breve histórico do município de Carapicuíba ........................................ 55
2.1.1 O encontro com as mulheres da Congregação Cristã do Brasil: E.E.
Prof. Celso Pacheco Bentin ...................................................................................... 59
2.2 - A Igreja Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba: implantação e
desenvolvimento ....................................................................................................... 61
2.3 - O tratamento do gênero no interior da Igreja ............................................... 73
CAPÍTULO III: AS MANIFESTAÇÕES DO SER MULHER NA IGREJA
CONGREGAÇÃO NO BRASIL NO MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA ..................... 83
3.1 - As mudanças ocorridas nas últimas duas décadas no comportamento das
mulheres da Congregação ....................................................................................... 84
3.1.1 – Contextualizando historicamente .......................................................... 84
3.1.2 – A voz das mulheres da Congregação Cristã nas últimas décadas ....... 86
3.2 A questão de relações de poder e de gênero na Igreja Congregação Cristã
no Brasil em Carapicuíba ......................................................................................... 97
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 109
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 115
8
INTRODUÇÃO
O catolicismo ainda é a religião predominante em nosso país, apesar de um
crescimento significativo do protestantismo principalmente nas duas últimas décadas
com o fenômeno do chamado neopentecostalismo, uma vez que os índices nos
mostram um aumento de pentecostais de 6% em 1991 para 10,37% da população
brasileira, no censo do IBGE (2000), ou seja, são 17.617.307 milhões de
pentecostais num universo mais de 26 milhões de protestantes no Brasil,
praticamente dobrando seu numero em dez anos e perfazendo um total de 67% de
todo o universo protestante brasileiro.
Entre as seis maiores denominações protestantes do Brasil em numero de
adeptos, três (3) são pentecostais da primeira e segunda onda (Assembléia de
Deus, Congregação Cristã no Brasil e Igreja do Evangelho Quadrangular),
chamadas ainda de tradicionais, enquanto a outra entre as maiores é a
neopentecostal (Universal do Reino de Deus).
Esse pentecostalismo surgido na esteira das transformações ocorridas
desde a implantação no Brasil do protestantismo introduzido de forma mais
organizada no século XIX, ainda na época colonial, reascendido na primeira cada
do século XX, no nosso país com a chegada das duas primeiras igrejas
pentecostais, vindas do movimento de reavivamento que ocorria no meio protestante
dos Estados Unidos da América, nascia aqui a Igreja Congregação Cristã no Brasil e
a Igreja Assembléia de Deus, ambas dependeram de suas matrizes fundadoras
pouco tempo, logo se distanciando das mesmas e assimilando aspectos da nossa
cultura, com forte tradição católica.
Essa influência cultural brasileira bastante sentida na Assembléia de Deus
que concentrou suas pregações pelo interior do país, principalmente pelo nordeste,
acabou “se abrasileirando” primeiro, uma vez que a Congregação Cristã nasceu e
deu seus primeiros passos entre a comunidade de imigrantes italiana, mantendo
seus costumes, uma liderança marcadamente familiar e, inclusive a língua falada na
igreja e presente em seus hinários era a italiana, fechando ou pelo menos
dificultando nos primeiros tempos a participação de grupos brasileiros.
9
Outro aspecto que diferencia a Igreja Congregação Cristã no Brasil, das
demais denominações pentecostais, diz respeito ao seu líder e fundador, Sr. Luigi
Francescon, por ter exercido uma liderança bastante centralizada. Através de
inúmeras e longas viagens ao Brasil algumas delas duraram mais de um ano - Sr.
Luiggi procurou acompanhar de perto o processo de formação e consolidação da
igreja, participando das principais decisões de escolha da liderança e dos aspectos
mais doutrinários, muitos deles são mantidos ainda hoje.
Suas correspondências com os membros da denominação no Brasil são
constantes e deixam claro sua influencia nas decisões.
O trabalho apresentado tem a pretensão de ser o coroamento das minhas
questões com esses setores que agora pesquiso: mulheres e religião da minha
cidade. Mulheres em sua maioria pobres, de baixa escolaridade e que devido às
condições do lugar onde moram, não tem muitas informações a respeito de
mudanças em suas condições de vida. O acesso a essas mulheres foi facilitado
pela minha condição de trabalho.
Como professor e diretor de escola pública há 23 anos na rede estadual, pude
perceber a diferenciação no agir de certo grupo de mulheres responsáveis pelas
crianças e jovens estudantes da escola onde atuei e ora atuo. Cada
comparecimento dessas mulheres para resolver questões cotidianas me fazia
pensar, o que fazer para trazer essas mulheres para uma participação mais ativa na
escola, como conhecê-las se aparentemente elas não se envolviam, nas reuniões
pouco ou nada falavam. Problemas mais relevantes com seus filhos tratavam de
uma forma que se percebia um comportamento ditado pela igreja.
O desafio de conhecer essa mulher para poder melhorar o relacionamento
interno que é um numero expressivo no bairro onde se localiza a escola em que
atuo como Diretor. Poder colaborar na melhoria das relações pessoais e nas
tentativas de solucionar conflitos diários que ocorrem numa escola, poder se
relacionar com as crianças dessas mulheres que pela prática religiosa acaba
educando de forma diferenciada essa criança e repercutindo no andamento da
escola.
A importância de se estudar um fenômeno religioso como a Congregação
Cristão no Brasil, que em pleno século XXI, próximo ao centenário de sua fundação,
10
num mundo marcado pelos avanços tecnológicos e pelos discursos modernistas, ela
(igreja) contrariando todas as tendências de adesão a essas facilidades, continua
com sua pedagogia em prática, oralidade, submissão, exclusivismo e todas as
outras características que a faz ser diferente das outras igrejas do campo
pentecostal brasileiro.
A análise da igreja a partir de uma cidade da grande São Paulo (Carapicuíba)
sua expansão por todos os bairros com as mesmas características, grupos
familiares, muitos descendentes de italianos na liderança, até a década de 70,
quando a grande explosão populacional do município advinda de outros estados
brasileiros fez com houvesse mudanças, pelo menos no perfil de seus membros,
uma vez que aparentemente a doutrina não passou por mudanças consideráveis.
A cidade passou dos 184.591 habitantes em 1980, para 281.901, em 1997 e
para 337.668 em 2000, com crescimento 4,04% em 1980, reduzindo em 1996 com
2,98%, elevando-se novamente para 3,17 em 1997 e baixando para 1,18% no ano
de 2000, mesmo com essa redução, Carapicuíba apresenta taxas de crescimento
maiores do que a região metropolitana, do interior e do próprio Estado de São Paulo.
Atualmente segundo dados do IBGE (2007), a população do município
alcança a 379.556 habitantes.
O Pentecostalismo tradicional praticado pela Congregação Cristã no Brasil,
que dita o comportamento dos fiéis e de maneira especial da mulher no seu interior,
as relações de poder e de gênero acabam por se chocar com as mudanças. O
desenvolvimento das relações sociais e a manutenção de gênero construído na
sociedade que mantido e reproduzido, oprimindo de forma sistemática a participação
da mulher dentro da denominação.
A convivência desses fatores bastante estudados por pesquisadores do
pentecostalismo e o tratamento dado a mulher, como Maria das Dores Campos
Machado, Maria Izilda Santos de Matos, Luzia Margareth Rago, Cecília Loreto Mariz
e outras (os) com base principalmente na dissertação feita pela professora Dra.
Eliane Hojaij Gouveia nos meados da década de 80, apresentou uma pesquisa
sobre as mulheres e sua inserção no mundo pentecostal a partir do gradiente
seita/igreja, tendo a Igreja Congregação Cristã como um dos objetos de estudo. Ao
tomar conhecimento desse trabalho, tomei a decisão de tentar falar sobre as
11
mulheres pentecostais, aproveitando e dialogando com aquele, porém, enfatizando
mais a questão das alterações promovidas por essas mulheres.
Falar disso mais de duas décadas depois, foi no sentido de constatar que
ocorreram mudanças sociais e econômicas no nosso país, principalmente aquelas
que, de maneira direta ou indireta atingiram o comportamento da mulher. A luta dos
movimentos feministas presentes nas reivindicações de redemocratização do nosso
país e de seus direitos específicos, sua inserção no mercado de trabalho, na política,
na cultura com a conseqüente e necessária preparação escolar.
As conquistas dessas reivindicações ou pelo menos parte delas, fizeram com
que a mulher no Brasil modificasse seu modo de ser e de produzir o feminino no
interior dessa nova sociedade em gestação, atingindo também as mulheres
pentecostais inclusive as mulheres da Igreja Congregação Cristã no Brasil do
município de Carapicuíba-SP, que embora silenciosas ainda, estão agindo fora do
espaço religioso, ocupando lugares, se transformando e transformando o outro, na
medida em que sua tomada de posição diante do mundo forja uma nova
“irmandade”, que começa a despontar, ainda muito incipiente, porém, com
resultados práticos, bastantes expresssivos.
Todas essas questões levaram a formulação da hipótese desse trabalho. A
mulher da Congregação Cristã no Brasil, no município de Carapicuíba mudou de
comportamento. Essa mudança não ocorreu no interior da igreja, apenas na
sociedade, havendo então uma contradição nesse comportamento. A igreja não
assimilou essas mudanças, não alterou suas estratégias ou adaptou sua pedagogia,
apenas fechou os olhos para as alterações que o conseguiu evitar. Para o novo
papel na sociedade brasileira, assumido por muitas mulheres membros, fez de conta
que nada havia acontecido ou se alterado.
Entretanto, de várias formas, mantém o controle sobre essas mulheres,
dobrando a vigilância, fazendo mais visitas, através das suas pregações,
enfatizando como antes, o importante papel da mulher silenciosa, mãe zelosa,
guardiã da moral e dos bons costumes cristãos. Sempre as lembrando que essas
virtudes são as que contam para a sua salvação de suas almas.
As mulheres membros da igreja foram estudar e trabalhar, por exigência das
necessidades materiais criadas pelo capitalismo e por exigências que a
12
modernidade nos coloca através da forte campanha dos meios de comunicação, aos
quais pelo menos teoricamente, essas mulheres deveriam estar imunes, pela
pedagogia desenvolvida pela igreja, onde a mulher não deve se preocupar com o
sustento da família, incumbência essa que cabe ao homem da casa (varão), ela
tem outras preocupações como educar para manter os filhos na “graça” e trabalhar
para a obra de Deus na terra, porém, o que se viu foi à incorporação delas ao
mercado de trabalho, assumindo lugares na sociedade que a igreja nunca apoiou,
ou pelo menos nunca incentivou.
O objetivo do presente estudo consiste em analisar as mudanças nas duas
ultimas décadas, da mulher membro da Igreja Congregação Cristã de Carapicuíba-
SP, as transformações ocorridas no nosso país afetaram ou não essas relações de
gênero no interior da denominação e na vida em geral dessas mulheres. A
adaptação a uma nova realidade social, contrapondo-se a uma pedagogia
estruturada desde a formação da Igreja (1910), marcada pela tradição de grupos
familiares, imigrantes italianos com forte influência católica, em um bairro operário
(Brás) na maior cidade do Brasil, pode ocorrer sem afetar essas estruturas
arraigadas.
Analisar a formação dessa mulher enquanto fiel, reprodutora de uma doutrina
dentro da igreja e, que fora desse espaço, ela ressignifica essa questão de ser uma
fiel.
O que representa para a instituição prestes a completar 100 anos de sua
fundação no Brasil, manter-se diferenciada das demais igrejas pentecostais no
Brasil, mantendo-se isolada, dirigida por uma administração gerontocrata, arraigada
aos costumes e discursos do século passado, onde as poucas aberturas são
dissimuladas, disfarçadas e não digeridas no corpo geral da instituição, apenas os
lideres (mais velhos) tem o “dom” de decidir o que é bom e o que não é. Através das
orações e da confirmação do Espírito Santo, “único guia da Obra de Deus na terra”.
Para esse trabalho, vou utilizar autores que fizeram um levantamento histórico
do caminho percorrido pelo Protestantismo histórico no Brasil até a chegada do
Pentecostalismo e simultânea organização da Igreja Congregação Cristã no Brasil
na década de 1910, sua consolidação e expansão por nosso território até a chegada
no município em pauta, Carapicuíba-SP.
13
Desses autores, podemos destacar entre outros Antonio Mendonça Gouveia,
Prócoro Velásquez, João Passos, Francisco Rolim Cartaxo, Ricardo Mariano que
trazem em suas obras o histórico sobre a religião protestante, e as suas incursões
por território brasileiro. Paul Freston que utiliza o conceito de “ondas” para analisar
as diferentes fases do pentecostalismo, além disso, obras de Ricardo Mariano,
Beatriz Muniz de Souza também são utilizadas na analise do pentecostalismo e da
diferenciação da Igreja Congregação Cristã no Brasil.
Para a análise das relações de poder e gênero dentro da Igreja Congregação
Cristã no Brasil, recorro entre outras(os) autoras (es) como Joan Scott, Luzia
Margareth Rago, Maria Izilda Santos Matos, Guacira Lopes Louro, Pierre Bourdieu,
Michel Foucault.
Aqui me utilizarei à categoria gênero como uma ferramenta para rejeitar ao
determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença
sexual”. O “gênero” sublinha também o aspecto relacional das definições normativas
de feminilidade. Relacionado conceitos com os aspectos práticos da vida das
mulheres da Igreja Congregação Cristã no Brasil, pretendo clarear os discursos e as
praticas da igreja como sendo masculinistas.
O gênero se torna, uma maneira de indicar as “construções sociais”: a criação
inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres.
Nessa tentativa lançarei mão de categorias como, submissão, sexualidade, poder,
dominação, vida religiosa. Todas se interpondo como condição e condição na
construção do ser feminino dentro da Congregação Cristã no Brasil.
A construção e reprodução de uma pedagogia que inferioriza o ser mulher e a
relação desse ser com a Instituição, ao mesmo tempo que vigia e pune, cria brechas
para a exceção cada vez mais utilizadas por todos a partir de seu uso pela mulher
na sociedade, enquanto mantém e reproduz a formação a que foi submetida e
talhada ao longo da existência dessa. Para obter informações a respeito das
mulheres crentes da Congregação Cristã no Brasil, em Carapicuíba, passei a
freqüentar os cultos e conversar com aquelas que trabalhavam comigo, ou as que
mais freqüentavam a escola na condição de mães de alunos estreitando os laços de
contatos, tanto no trabalho e, até fora desse ambiente. Tendo passado mesmo a
freqüentar as casas de algumas na condição de amigo, local onde nossas conversas
14
puderam fluir muito melhor, com a disposição por parte delas de falar sobre as
relações de poder e gênero dentro de sua igreja, mesmo contrariando um ancião
que consultado a respeito, desautorizou qualquer mulher que freqüentasse a Igreja
que ele atendia a falar como membros da igreja.
Essa proibição não chegou a comprometer essas entrevistas, uma vez que
apenas um ancião foi consultado por uma das mulheres que conversou comigo e
acabou por proibir indiretamente mais duas mulheres que freqüentam à mesma
“comum”, de falarem, ou dar qualquer tipo de informação, porém, as três
continuaram a conversar a respeito da igreja e suas práticas com as mulheres.
Quando questionadas a respeito, disseram que apesar de respeitar a autoridade do
ancião, não viam nessas conversas e perguntas feitas, nada que pudesse ofender
ou desqualificar a igreja ou mesmo a elas.
Falar com essas mulheres foi para mim um aprendizado, entendi o que sente
essas mulheres membros em suas igrejas, como são tratadas por serem mulheres,
muitas vezes, tratamento não percebido por elas próprias, outras vezes percebidos
sim, porém assimilado com uma dinâmica toda sua, do seu jeito de se sentir e se
fazer mulher pentecostal, submetidas a uma inferioridade construída pelas
sociedades humanas ao longo da historia e, de forma muito especial no interior da
denominação por uma série de fatores internos e até externos, essa mulher teve que
construir “uma vida dupla”, dentro da igreja ela se torna silenciosa, submissa, quase
imperceptível, aparecendo quando se faz necessário para respeitar e a
reproduzir para os novos membros à pedagogia da igreja.
Essa mesma mulher, na sociedade que a rodeia, assumiu cargos, posições
de liderança, responsabilidades além da educação de seus filhos e os cuidados com
seus lares, obrigações que segundo seus relatos tornar-se-iam menos penosas se
contassem com um pouco mais de colaboração dos seus maridos, no caso, todos
eles membros da mesma denominação religiosa e, que na visão delas deveriam ser
instruídos pelos serviços religiosos, de alguns “ensinamentos” para que esses
homens assim como elas, membros na graça, pudessem repartir as obrigações do
lar com suas esposas.
Conversei com mulheres conscientes do seu papel na sociedade e, do que
elas podem contribuir com sua participação, duas delas separadas, que tiveram
15
problemas no começo da sua separação, porém, com o tempo foram aceitas, ou
pelo menos, como diz uma delas, “toleradas”. O machismo e a discriminação para
com essas mulheres são evidentes e explicito. A e a certeza de estarem no lugar
certo é a fortaleza que segundo elas, asseguram sua permanência na graça.
Conversei também com mulheres que se realizam cuidando de seus lares, maridos
e filhos, entendendo que Deus lhes reservou a melhor parte, ou seja, adorar a Deus
e trabalhar pela obra do senhor na terra (A Igreja Congregação Cristã no Brasil), não
se mostram insatisfeitas em ter como atividade complementar as suas tarefas de
casa, um dia da semana para a obra de Deus (limpar o templo), fazer visitas a
membros doentes e freqüentar os cultos quase todos os dias da semana, em
templos diferentes, muitos deles, longe de suas casas, dando preferência para
cultos especiais como o de “busca de dons”. A maioria das visitas sociais que essas
mulheres realizam tem finalidade religiosa.
Conversei a respeito da formação da igreja no município de Carapicuíba, com
alguns dos mais antigos membros, explicando-lhes a finalidade, visitei-os nas suas
casas e em conversas bastante informais obtive informações, às vezes
contraditórias quando se tratavam de datas, nomes e até alguns acontecimentos.
Exigindo uma pesquisa maior e mais apurada, porém, muito produtiva e agradável
de ser feita.
Esses antigos membros se mantêm fiéis aos ensinos primordiais da igreja,
não aceitam nenhuma das modernizações que vêem atualmente em suas igrejas,
acham que algumas das práticas vigentes, são desvios do caminho reto. Deus está
permitindo esses acontecimentos para testar sua igreja na terra, mais vai corrigir o
caminho, rumo ao paraíso eterno.
No segundo capítulo, a história do Município de Carapicuíba, com sua
fundação, povoação inicial até os dias de hoje, será revisitada, com alguns dados
recentes do IBGE, no tocante as suas questões sociais e ainda algumas
características do município.
A caracterização do bairro onde se localiza a escola onde trabalho e onde
aconteceu o primeiro contato com as mulheres dessa igreja. Por sua vez também a
escola é contextualizada nesse ambiente.
16
No segundo item a história da fundação e afirmação da Igreja Congregação
Cristã no Brasil, no município, os seus dados iniciais, seus pioneiros e a estrutura
atual, sua distribuição territorial e sua atuação pelo município.
No terceiro item do capitulo II, irei introduzir o conceito do gênero na relação
da Igreja em Carapicuíba, as relações de poder advindas da construção social e as
estratégias das mulheres para conviver com as imposições, se mantendo fiéis à
denominação que elas vêem com sendo o único caminho certo.
No capitulo final III, farei uma espécie de relatório obtido ao longo da
pesquisa, sistematizando as conversas versadas com quinze (15) mulheres sobre
todos os assuntos. Conversas muitas dessas, feitas de maneira informal, por
exemplo, a que fiz com duas mulheres a respeito do que é ser mulher da
Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba, não poder praticamente nada.
Segundo as regras impostas, porém, ao mesmo tempo se inserir numa sociedade
(duas diretoras de escolas publicas) que cada vez menos oferece condições de
participação fora das redes sociais estabelecidas pelo capitalismo moderno.
17
CAPÍTULO I: O PROTESTANTISMO
Nesse capitulo faremos um breve histórico da origem do Protestantismo,
desde a cisão da Igreja Católica na Alemanha (Reforma), com o monge e professor,
Martinho Lutero, que soube canalizar as críticas que a sociedade em geral fazia de
alguns desmandos da Igreja Católica: o celibato, a indulgência, a venda de relíquias,
os impostos extorsivos cobrados e a vida desregrada de religiosos católicos, que
não condizia com as pregações da igreja. O surgimento de uma nova Igreja Cristã
abalou profundamente o cristianismo ocidental e gerou várias transformações.
A expansão desse movimento pela Europa vai entrar em contato com vários
movimentos, que criticaram pontos específicos da conduta da Igreja Romana. Esses
encontros significaram novas formas de implantar novas reformas religiosas. Entre
os mais radicais, em relação ao movimento de Lutero, temos o surgimento na Suíça,
do francês João Calvino, que se diferenciou do nascente luteranismo e em pouco
tempo tornou-se majoritário na Europa. A burguesia tornou-se mais calvinista do que
luterana.
Na Inglaterra, mais por questões políticas do que por convicções doutrinárias,
criou-se uma Igreja Nacional, obediente ao seu fundador (Rei da Inglaterra),
marcada, durante séculos, pela presença da junção de elementos protestantes e
católicos em sua consolidação. É tida hoje como uma das mais liberais igrejas
cristãs da atualidade.
Ainda na Inglaterra surge mais tarde um movimento que podemos chamar de
reavivamento ao protestantismo, sendo seu idealizador John Wesley, um pastor
anglicano que pregava a ênfase no estudo bíblico, de forma metódica, dando origem
aos chamados metodistas. Os metodistas se espalharam pelos Estados Unidos,
tendo uma influência definitiva na religiosidade popular daquele país.
As tentativas do protestantismo entrar no Brasil remonta ao nosso período
colonial, porém, a forte presença dos portugueses e da Igreja Católica junto aos
índios e aos escravos, impediu por várias vezes essas penetrações. Apenas no
Segundo Reinado é que com algumas concessões do Governo Imperial, algumas
Igrejas Protestantes são toleradas, principalmente com os grupos de imigrantes que
chegam durante o século XIX e se espalharam por todo o território brasileiro com o
18
pioneirismo de mulheres e de homens, que se embrenharam pelo interior
convertendo gente.
No final do culo XIX e inicio do século XX, nos EUA, ocorreu uma
renovação no protestantismo histórico, juntando suas características mais
conservadoras com aspectos da doutrina de Wesley. Profundamente marcado por
sua origem entre a população mais humilde, chegou ao Brasil guiado por
missionários convertidos no ambiente norte-americano. Os missionários
desembarcaram no Brasil e, após algumas divisões nas comunidades protestantes
que os acolheram, fundaram as duas primeiras igrejas de tendência pentecostal em
território brasileiro: Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus.
Implantada no interior do país, a Assembléia de Deus entrou em contato
imediato com um Brasil não conhecido nem pelos seus moradores. Enquanto a
Igreja Congregação Cristã no Brasil se estabeleceu entre a comunidade imigrante
italiana do bairro operário do Brás, em São Paulo, de onde se expandiu por todo
país, chegando, aos nossos dias, como a segunda maior denominação em número
de fiéis.
1.1 – Trajetória do Protestantismo
O cristianismo passou por mudanças que se
confundem com as mudanças da história do
ocidente, de forma que é impossível entender um
sem o outro.
1
O movimento protestante pode ser situado como resultado das
transformações das relações sociais ocorridas na Europa e que repercute no clero
tendo como conseqüência as críticas externas e principalmente internas contra a
Igreja Católica Apostólica Romana, até desembocar na chamada Reforma
Protestante com o monge Martinho Lutero no século XVI. Além de fazer coro a
muitas delas, acaba sistematizando de forma escrita essas críticas dando início a
uma tentativa de retomar as origens do cristianismo, rompendo com o dogmatismo
1
João Décio PASSOS, Pentecostais Origem e começo, p.14.
19
da igreja de Roma. Lutero diverge das autoridades romanas em vários aspectos,
como a venda de indulgências (perdão), a venda de relíquias sagradas e a vida
desregrada de alguns membros da igreja, inclusive muitos da alta cúpula de Roma,
aspectos esses que formavam suas principais bases para os ataques constantes à
instituição. Em 1517 afixa na porta da catedral da cidade de Wittenberg na
Alemanha, 95 teses
2
onde torna públicas todas as suas críticas à Igreja Católica
Romana, dando início oficialmente às desavenças com o Papa Leão X.
Por questões políticas internas
3
da Alemanha, vários príncipes se colocaram
ao lado do monge, iniciando assim a Reforma Protestante. O protestante que adere
ao chamado luteranismo tem como único caminho para a salvação a sua fé,
deixando de ter os muitos intermediários entre Deus e ele próprio. Agora é uma
questão pessoal.
Martinho Lutero foi excomungado pela igreja Católica em 1530, mas,
protegido pelo príncipe da Saxônia, recolhe-se ao castelo de Frederico onde, além
de traduzir a bíblia para a língua alemã, consegue sistematizar suas idéias e
desenvolve sua doutrina, na qual se destacam:
A justificação pela fé, sendo a única possibilidade de salvação. Sem ela, as
obras de piedade, os preceitos, as regras não têm valor. O homem está diante de
Deus, sem intermediários. Deus estende ao homem sua salvação e em troca o
homem lhe oferece sua fé;
Por não ter intermediários, a figura do padre era desnecessária e toda a
hierarquia da Igreja, uma farsa.
A Igreja é incapaz de salvar o fiel e por isso a interpretação da bíblia deveria
ser feita individualmente. Por isso Lutero traduz a bíblia para o alemão, dando a
oportunidade para cada um analisá-la segundo sua consciência.
Em relação à mulher, a igreja que se forma partindo das idéias de Lutero não
contribui muito para mudanças imediatas. É mantida a dominação masculina
2
Documento afixado na porta da Catedral de Wittenberg a 1
o
de outubro de 1517,
onde o Monge Lutero pontuava em formato de tópicos, 95 críticas suas a Igreja
Católica Romana
3
A Alemanha estava totalmente fragmentada. O imperador tinha pouco poder. Os
príncipes tinham grande autonomia. As cidades lutavam por uma co-gestão no
conselho e as corporações de artesãos disputavam sua participação no regime
municipal, então dominado pelo príncipe ou pela alta burguesia.
20
presente na Igreja Católica, apesar de ser com a reforma que se destacam algumas
personagens femininas importantes desde o Velho Testamento: Miriam, profetisa e
irmã de Moisés; Débora profetisa e juíza, Ester, Rute, Judite; e Maria, Marta,
Madalena e muitas outras no Novo Testamento. Entretanto, não são raras às idéias
relacionadas à mulher no que diz respeito à total submissão, ao pecado original ou à
maldade.
Outra corrente do protestantismo é organizada por Ulrich Zwingli, teólogo
suíço, que desde o início de seu sacerdócio criticava algumas posturas da igreja
romana como as indulgências, o celibato eclesiástico e o jejum. A partir de 1522,
começou a criticar mais radicalmente a devoção a Nossa Senhora e aos santos, à
autoridade dogmática e disciplinar dos concílios e dos papas. Acabou sendo proibido
de pregar pelo bispo. Apoiado pelo magistrado e por parte da população, ele liderou
a reforma na cidade de Zurique, escreveu 67 breves artigos de fé
4
, onde afirmava
que o único verdadeiro chefe da igreja era Jesus Cristo. Mais tarde nega o caráter
sacrificial da missa, a salvação pelas obras, a intercessão dos santos, a
obrigatoriedade dos votos monásticos e a existência do purgatório.
A reforma de Zwigli tem grande impacto sobre a vida da população local, uma
vez que não se limitou à vida religiosa, pois influenciou muitas transformações na
vida civil e política do cantão, (nome que recebe os 26 Estados que se uniram para
dar origem à atual Suíça). Contemporâneo de Lutero, ele discordou dele em alguns
pontos cruciais da doutrina, como o da afirmação do caráter simbólico da eucaristia.
Apoiava-se em motivos racionalistas e humanistas: as bondades essenciais do
homem, que faz com que ele tenha condições de subir até Deus, pois Zwigli reduzia
a condição do pecado original a um simples vício hereditário que o merecia a
condenação eterna.
Ainda na Suíça tem início a fase mais radical do novo movimento religioso
protestante, onde o teólogo João Calvino se refugiou das perseguições de seus
antigos companheiros católicos franceses e escreveu a obra Institutas da Religião
Cristã, em 1536, ano de sua primeira publicação, com apenas seis capítulos que se
tornariam, em 1560, quatro livros com 80 capítulos. Em Genebra, Calvino
aprofundou as diferenças internas no protestantismo nascente, dando um novo rumo
4
Cf. Nataniel Durval SILVA, A Igreja Militante.
21
teológico tão importante que mereceu ser chamado de Calvinismo pela sua
especificidade e se separando de vez de Lutero, ou seja, uma reforma dentro da
Reforma.
Calvino elabora a Teoria da Predestinação: o ser humano teria seu destino
determinado por Deus, antes mesmo da formação do mundo. Os escolhidos por ele
entrariam na glória do seu reino para toda a eternidade. Para os demais estaria
reservado o fogo eterno sem nenhuma maneira de evitá-lo, uma vez que a decisão
divina seria irrevogável.
Calvino está preocupado em apresentar a grandiosidade de Deus, o seu amor
e poder. Deus é infinitamente mais do que as definições teológicas dão conta
de expressar e possui critérios superiores. Deus é inatingível, é tudo. Em
contrapartida, o ser humano é nada. Ele é definido negativamente, seja
porque toda a matéria e os desejos são pecaminosos, seja porque o intelecto
humano não pode conhecer a mente de Deus. É por isso que do ser humano
nada de bom se pode esperar, pois sua natureza, em si mesma, como
essência, é negativa.
5
Com o calvinismo, o protestantismo ganha um rosto bem mais distinto do
catolicismo, a sua expansão por algumas regiões da Europa possibilita o contato
com novos, movimentos até então simpáticos ao luteranismo em outras regiões
6
e
cria uma estrutura própria diferenciando-se em alguns aspectos, aprofundando
outros, mas todos partindo de uma mesma matriz que foi o pensamento de Calvino.
É correto afirmar que a burguesia européia de forma geral se identificou muito mais
com Calvino do que com Lutero, que não atendeu aos interesses da classe que se
firmava como dominante e exigia uma ideologia religiosa mais liberal no aspecto
econômico, que os livrasse do pecado da usura, do lucro, do luxo e outros. Nesse
sentido eram atendidos, pois de certa forma o calvinismo enxerga o progresso
material como um dos sinais da salvação do indivíduo.
Na questão feminina, Calvino considera a “restrição paulina” à ordenação
feminina não como dogma de fé, mas uma convenção cultural de uma determinada
5
Nilmar PELIZZARO, Movimentos do espírito: matrizes, afinidades e territórios pentecostais, p.197.
6
Grupos de anabadistas, alguns valdenses e outros de menor expressão numéricas
se ligam ao calvinismo. Muitos divergem rapidamente do calvinismo, porém, muitos
acabam se integrando a nova fé, dando sua contribuição na sistematização da
doutrina calvinista.
22
época. Vêm do calvinismo as proibições a várias diversões públicas e um reforço na
idéia de pecado associada à mulher.
Na Inglaterra, o rei Henrique VIII entra em litígio com o papa por questões
políticas e pessoais, porém, como o momento era propício, foi desviado para a
questão religiosa, sob forte influência da burguesia conhecedora das propostas de
Calvino e dividida em vários grupos protestantes. Entre os mais importantes,
destacavam-se os Puritanos, contrários ao absolutismo real e tendo como principal
opositor o grupo dos Presbiterianos, calvinistas mais moderados e, de modo geral,
defensores do poder absoluto da monarquia inglesa. Não tendo seu pedido de
divórcio concedido pelo papa, Henrique VIII promulga o chamado Ato de
Supremacia, em 1534, onde é reconhecida a hegemonia do rei sobre a igreja recém
instituída, a Igreja Anglicana Nacional, dirigida pelo monarca. Foi elaborado um Livro
de Orações e, mais tarde, a Lei dos 42 artigos
7
, que extinguia as missas e
autorizava o casamento dos sacerdotes. Todos os bens da igreja foram confiscados
pelo poder real e os mosteiros católicos romanos foram proibidos.
A doutrina anglicana foi concluída em 1563, durante o reinado de Elizabeth I,
com a renovação do Ato de Supremacia. A Lei dos 39 artigos
8
passou a ser uma
constituição da Igreja Anglicana. A doutrina absorveu elementos católicos em suas
cerimônias: o altar e a comunhão eucarística como centro da vida litúrgica, a
utilização de terminologia típica do catolicismo - paróquia, sacristia, padre, entre
outros, além de uma hierarquia típica daquela denominação. O calvinismo se fez
presente com a ênfase na pregação, na justificação pela e na não exigência do
celibato. A Igreja Anglicana desde a sua fundação tem se equilibrado nessas duas
colunas: uma substância católica e um princípio protestante, numa convivência nem
sempre pacífica e, às vezes, bastante complicada.
Outro movimento no qual se desdobrou à reforma religiosa iniciada por Lutero
no século XVI, ocorreu também na Inglaterra com o pastor anglicano John Wesley,
sacerdote do século XVIII que, em 1738, após uma viagem de missão para a
Virginia (EUA), considerada um fracasso, reunido com algumas pessoas, ouvia uma
7
Cf. Nataniel Durval SILVA, A Igreja Militante.
8
Cf. Ibid.
23
leitura de um texto de Lutero sobre a Carta de Paulo aos Romanos
9
, quando,
segundo seu relato, sentiu seu coração aquecer. Passou então a dar ênfase ao
estudo da bíblia de forma tão metódica que vem daí o nome do movimento
Metodista. Ele estabelecia horas diárias que deveriam ser dedicadas a orações e
leituras. Apesar de ter sido proibido de pregar em templos anglicanos, Wesley
jamais criou uma igreja própria. Continuou pregando ao ar livre. Mais do que uma
doutrina, o metodismo acentua a vida prática e a experiência religiosa. Wesley
voltou-se bastante para a pregação junto aos grupos menos favorecidos no começo
da Revolução Industrial na Inglaterra, aos quais pregava a conversão e uma
mudança de costumes e práticas de vida.
O movimento metodista tem desde seus princípios um forte apelo social, com
atuações contra a prostituição, a escravidão e o alcoolismo. Suas obras
assistenciais eram bastante organizadas e favoreciam as vítimas de calamidades
sociais, muito comuns naquela época de transição para a economia capitalista
industrial.
A Igreja Metodista só iria surgir com os seguidores do movimento nos Estados
Unidos. A mensagem era muito mais focada na conversão do que no batismo.
A expansão do metodismo na América do Norte se na esteira da
colonização do sudoeste americano e das áreas do sudoeste que, por compra
ou conquista, foram sendo incorporadas ao território da nova nação. As
demais denominações acompanharam essa expansão, mas os metodistas,
por suas peculiaridades, conseguiam se adaptar melhor às condições sociais
da “fronteira”.
10
Na Inglaterra, os metodistas se organizam em igreja anos após a morte de
Wesley que, diga-se de passagem, morreu como um sacerdote (presbítero) da Igreja
Anglicana e, apesar de suas diferenças, sempre conservou a mesma liturgia
anglicana e deu significativa importância a santificação pessoal e social.
Aparentemente conseguiu uma feliz síntese das tendências do protestantismo que,
na linha de Calvino, passou pelo arminianismo e pelo puritanismo, não deixando, por
9
Carta em que Paulo descreve as mudanças que Deus realiza no coração pela fé em Cristo. BÍBLIA
SAGRADA, Romanos, 3: 21-31
10
Antonio Gouveia MENDONÇA, O Celeste Porvir, a inserção do protestantismo no Brasil, p.55-56.
24
outro lado, de capitalizar elementos do luteranismo ortodoxo e o emocionalismo dos
pietistas.
11
Todos esses movimentos se comunicavam, se influenciavam e, também,
disputavam a conversão de novas almas. Na medida em que se consolidavam em
seus locais de origem, buscavam se organizar para atravessar suas fronteiras,
levando até as colônias as disputas teológicas e doutrinais, para se expandir,
levando, assim, a verdadeira palavra de Deus. Dessa forma, muitas regiões do
mundo começaram a ter contato com o Protestantismo, que havia se formado,
historicamente, como um movimento religioso da Europa.
1.2 - O protestantismo no Brasil
O protestantismo chega ao Brasil em duas levas durante o período colonial.
Em 1555, com o francês Nicolau Duránd de Villegaignon que chefiou o chamado
projeto França Antártida, de um grupo calvinista francês, os huguenotes, que além
de fugir das perseguições católicas em seu país, também buscava obter algum
ganho com a conquista de terras no novo continente com a invasão do Rio de
Janeiro. Foram derrotados pelas tropas do governador-geral Mem de Sá. A segunda
tentativa de uma presença protestante mais documentada foi à invasão holandesa
no Nordeste brasileiro no período de 1630 a 1654, aproveitando-se da crise
desencadeada na colônia pela união de Portugal a Espanha, a União Ibérica. Uma
operação bancada pela iniciativa privada e com apoio do governo holandês tentou
se apoderar dos meios de produção açucareira. As duas invasões fracassaram por
derrotas militares e políticas e acabaram por impedir maior penetração protestante.
Ou seja, por mais de duzentos anos não tivemos qualquer presença protestante
mais organizada em nosso território colonial.
Em 1808, a abertura dos portos às nações amigas, ato contínuo à chegada da
família imperial portuguesa no Brasil que, fugindo das tropas napoleônicas e com o
apoio da marinha e do governo inglês, permitiu com algumas ressalvas a presença
de protestantes em nossas terras, para que seus aliados ingleses, teoricamente
anglicanos, não ficassem sem assistência espiritual.
11
Cf. Ibid.
25
Após essa primeira penetração do protestantismo, outra mais consistente vai
ocorrer no que ficou conhecido como protestantismo de imigração, de colônia ou
ainda étnico, em que grupos oriundos de territórios europeus onde a reforma
luterana, calvinista e outras tinham consolidado uma tradição protestante chegam
ao Brasil com a intenção de se estabelecer, difundindo seu modo de vida religioso.
Caso dos luteranos alemães e de anglicanos ingleses que de certa forma mantêm
uma dependência em relação a suas igrejas na pátria de origem. Também vai
chegar ao Brasil, ainda nas primeiras décadas do século XIX, o chamado
protestantismo de missão, marcado pela participação ativa de estrangeiros que
adentram em nosso território com o claro propósito de converter o povo. Através das
missões, penetram pelo interior buscando novas almas para a sua causa. Os
primeiros missionários foram os fundadores a Igreja Congregacional no Brasil, o
escocês Robert Reid Kalley e sua esposa Sarah Kalley, que aqui desembarcaram
em 1855. Legítimos representantes do puritanismo inglês, mesclado com o
wesleyanismo-metodista.
12
Os metodistas chegam em 1835, através do missionário americano reverendo
Fontain E. Pitts que pregava nas residências. Em 1836, outro missionário, o
reverendo Justus Spaulding, organiza uma igreja para atender apenas fiéis
estrangeiros. Apenas após a Guerra Civil Americana (1860-1865) é que os
metodistas voltam a fundar igreja e são justamente os derrotados da guerra norte-sul
dos EUA - os confederados do sul - que fundam em 1871 uma nova igreja, dessa
vez em Santa Bárbara D’Oeste, no estado de São Paulo. Apesar de todas essas
atuações, a igreja metodista parece considerar como seu estabelecimento oficial no
Brasil o ano de 1876, com a fundação da terceira igreja no Rio de Janeiro pelo
reverendo J.J.Ramson e mais seis estrangeiros.
Esses missionários foram seguidos por missões presbiterianas que
resultaram na fundação da primeira Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, em 1862,
por Ashbel Green Simonton, que estava no Brasil desde 1859 e depois recebeu o
reforço de outros missionários. Simonton demonstrou grande interesse em pregar
para os brasileiros, ação essa bastante reforçada pela presença do ex-padre José
Manoel da Conceição, que viria a ser o primeiro pastor brasileiro e pregaria por toda
12
Cf. Antonio Gouveia MENDONÇA, O Celeste Porvir, a inserção do protestantismo no Brasil.
26
a paróquia que tão bem conhecia, o que agora facilitava suas pregações pelos
sertões. Os batistas em 1871 também fundaram sua igreja, atraídos pelos sulistas
refugiados em território paulista sem, no entanto, conseguir ser reconhecidos como
missão pela Junta Missionária de Richmond. O missionário William B. Bagby, que
passou por Santa Bárbara D’Oeste, em São Paulo, acabou por fundar na Bahia a
primeira Igreja Batista nacional, com a presença do ex-padre Antonio Teixeira.
O protestantismo que se formou no Brasil teve a influência de pontos da
doutrina fundamentalista
13
que se justifica na verdade absoluta e imutável da Bíblia.
“Se a interpretação literal de um texto opõe-se à verdade fundamental, estabelecida
previamente, a hermenêutica fundamentalista substitui essa interpretação literal pela
interpretação alegórica”
14
.
A penetração inicial foi dificultada pela grande influência social da Igreja
Católica Romana junto ao governo imperial, cuja constituição outorgada por D.
Pedro I, em 1824, firmava em seu artigo o princípio constitucional da Religião do
Estado e institucionalizou como sendo a religião oficial do Império a Igreja Católica
Apostólica Romana, apesar de estar escrito no mesmo artigo, na alínea b que “todas
as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas
para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”
15
.
O protestantismo do século XIX reflete uma era de otimismo em todos os
planos da vida humana, e a sua ética se colocava como provedora de “um conjunto
de valores positivos para o indivíduo e para cultura”. A não resistência da população
brasileira à penetração do protestantismo é assim demonstrada:
Nos altos escalões políticos, simpatia por parte de alguns e indiferença por
parte de outros. A camada dominante da política local, representada pela
burguesia rural, praticamente não tomou conhecimento da infiltração
protestante e, quando o fez, não deve ter visto nele ameaça alguma. Quanto
à religião oficial, se sentiu alguma inquietação, pouco pode fazer porque não
13
O termo fundamentalismo provém de uma série de folhetos publicados, entre 1910 e 1915,
exaltando os princípios de do movimento, que se intitulou The Fundamentals: A testimony to the
truth.
14
Antonio Gouvêa MENDONÇA; V. PROCORO FILHO, Introdução ao
Protestantismo no Brasil, p.147
15
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1824, art. 5º, p.1.
27
lhe era fácil alcançar aos seus fiéis dispersos e nômades pela vastidão do
território.
16
A Constituição de 1891, a primeira escrita sob a égide do regime republicano
instalado em novembro de 1889, toma o cuidado de não ferir a sensibilidade da
igreja católica e publica o famoso Decreto 119-A, de 07 de Janeiro de 1890, que
estabelecia que todas as confissões religiosas:
... por igual faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo sua fé e
não serem contrariados nos atos particulares ou públicos, a todos cabendo o
pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu
credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público.
17
Período bastante conturbado na vida política e social do Brasil, com o novo
governo tentando se consolidar, o problema do grande número de ex-escravos, que
não tinham como ser absorvidos pelo mercado de trabalho. As questões políticas e
econômicas do tempo do Império, que não tinham sido resolvidas, emergiam
trazendo antigos fantasmas (secção, guerra civil, rebeliões). As elites se
organizavam rapidamente, em torno no novo governo, e se firmavam como fiadores
para que o sistema republicano se consolidasse.
Os protestantes, embora ainda encontrassem dificuldades, passaram a ter
mais liberdade de ação. Era grande a movimentação dos missionários dessas
igrejas, embrenhando-se pelos sertões, geralmente com suas famílias, em busca de
almas. As mulheres missionárias ou simplesmente esposas gozavam de uma
grande atuação, no sentido de divulgação da doutrina.
Apesar da forte presença feminina entre os pioneiros do protestantismo no
Brasil e do papel decisivo na expansão da nova fé, a atuação das mulheres foi
ofuscada por seus maridos. São valorizadas, porém, sempre vistas como extensão
das vontades dos homens missionários encarregados da nova fé. Estão sempre
presentes nas pregações, embrenham-se pelos sertões, destacando-se na relação
com o povo local. Isso um caráter familiar para a causa protestante, necessário
16
Antonio Gouveia MENDONÇA, O Celeste Porvir, a inserção do protestantismo no
Brasil, p. 156.
17
Waldir Luiz COSTA apud A. D. REILY, História Documental do Protestantismo no Brasil, art. 119 A.
28
para amenizar as desconfianças relativas à nova por parte da população
marcadamente católica e bastante influenciada pelo discurso oficial da Igreja
Católica. Ao alcançarem o objetivo de arrebanhar fiéis, o esforço de seus esposos
são sempre enaltecidos e suas atuações acabam servindo para a consolidação do
discurso e do poder masculino dentro dessas igrejas.
Enquanto o Protestantismo tratava de se expandir, levando o culto cristão
para todo o planeta. Nos EUA, se fortalecia um movimento de avivamento da
protestante, que vinha acontecendo esporadicamente em algumas comunidades
protestantes influenciados por Wesley e seus seguidores. Dando ênfase ao
chamado batismo no Espírito Santo, que não é novidade no Protestantismo.
1.3 - O Pentecostalismo: a origem e a difusão
O Pentecostalismo tem sua origem ligada aos Estados Unidos da América,
influenciado por movimentos reformistas e outros locais, uns mais abrangentes,
outros menos. Porém, uma coisa é certa: o movimento que chega ao Brasil origina-
se diretamente de um avivamento religioso de segmentos protestantes dos EUA,
que se organizaria de forma mais estruturada e difundida na Rua Azusa, ou antes,
na Rua Bonnie Brae, em Los Angeles, onde o pregador Willian Joseph Seymour,
filho de um ex-escravo, nascido em 1870 teria batizado um garoto negro de 8 anos
de idade.
18
No mesmo dia recebeu também o sacramento a Srta. Jennie Moore, que
mais tarde tornar-se-ia esposa de Seymour. Ela não falou em língua estranha,
como tocou piano sem nunca ter estudado esse instrumento. Foi a primeira mulher a
ser batizada pelo Espírito Santo em Los Angeles. A notícia se espalhou rapidamente
e a pequena comunidade negra tornou-se uma referência do novo fenômeno
religioso. Willian Joseph Seymour tinha se deslocado de sua terra, Houston, no
Texas, para Los Angeles a convite da moradora daquela comunidade Neelly Terry,
freqüentadora da pequena Igreja da Santidade, para quem ele acabou criando um
sério atrito, uma vez que sua comunidade se acreditava batizada pelo Espírito
Santo, enquanto Seymour acreditava ser o dom de língua “o sinal de identificação do
batismo do Espírito Santo”
19
. Após a reação do grupo, a líder da Igreja, Julia
Hutchins, rejeitou os ensinamentos e liderou a comunidade na recusa ao novo
18
Cf. Walter HOLLENWEGER apud Leonildo Silveira CAMPOS, As origens norte-americanas do
pentecostalismo brasileiro, p.8-9.
19
Antonio Gouveia MENDONÇA, O Celeste Porvir, a inserção do protestantismo no
Brasil, p. 156.
29
modelo de culto. Seymour teve que pregar nas casas de alguns membros da
comunidade favoráveis às suas pregações.
O pregador Seymour havia assistido aulas de Charles Parham (do lado de
fora, uma vez que a lei de segregação racial não permitia a mistura de negros com
brancos numa mesma sala). Após as aulas, Seymour começou a pregar a
mensagem pentecostal por todo o Texas com um público ouvinte cada vez maior.
Das várias denominações protestantes tradicionais norte-americanas, foram
recrutados novos adeptos e um grande impulso na divulgação das idéias foi dado
com o aluguel por parte do grupo de Seymour de um antigo prédio onde havia
funcionado uma igreja metodista, na Rua Azusa, 312 . Os anos que se seguiram
foram de expansão, com um farto derramamento do Espírito Santo. Esse modelo de
religião gerou imediatamente - e ainda hoje gera - grupos autônomos (igrejas
pentecostais), assim como movimentos carismáticos dentro de igrejas cristãs
históricas, como a católica, a metodista e a presbiteriana.
20
A liderança inicial era formada por uma maioria de negros e de mulheres.
Entre os doze primeiros anciãos da igreja de Seymor (Missão de Fé Apostólica), seis
eram mulheres, o que mostra que nos primórdios do pentecostalismo havia uma
participação muito acentuada das lideranças femininas, cenário que vai mudando na
medida em que a nova fé se estrutura fora de seu núcleo fundante. A convivência
entre negros e brancos não foi muito duradoura, como era esperado. Os pastores
brancos que se dirigiam a Rua Azusa para receber ministrações de líderes negros
em grande número, até mesmo vindos do sul, não tardam a retirar-se para formar
novos grupos.
Da Igreja de Deus em Cristo, de maioria negra, saíram para fundar a
Assembléia de Deus, majoritariamente branca, liderada por E.N.Bell , além de Daniel
Berg, fundador da mesma denominação no Brasil, e de Luigi Francescon, fundador
da Congregação Cristã no Brasil, todos os batizados no Espírito Santo, na cidade de
Chicago, influenciados pelas pregações de William H. Durham, que havia se oposto
a Seymour na questão das três etapas: conversão,santificação e batismo no Espírito
Santo. Durham propunha apenas duas etapas, que seriam resultantes da união das
20
Cf. João Décio PASSOS, Pentecostais: origem e começo, p.15.
30
duas primeiras em uma só. A difusão da nova fé pelo território norte-americano teve
origem na Azuza e daí se espalhou para vários países do mundo.
Desse cleo de Chicago sairiam os pioneiros do pentecostalismo brasileiro,
fundadores das duas primeiras igrejas e que, ainda na primeira metade do século
XX, tornar-se-iam duas das maiores expressões em número de fiéis, título que
ostentam ainda hoje perto de fazer 100 anos em nosso território.
1.3.1 – O Pentecostalismo no Brasil
Os primeiros missionários pentecostais que aportaram em terras brasileiras
foram os suecos Daniel Berg e Gunnear Vingren e o italiano Luigi Francescon, todos
batizados pelo movimento aviventista norte-americano, baseado na doutrina da
justificação e da santificação (holiness). Essa foi a primeira fase da penetração do
pentecostalismo, também chamada de Primeira Onda (1910-1950).
Os dois primeiros, pertencentes a um ramo da Igreja Batista que havia
aderido ao pentecostalismo e se batizado com o Espírito Santo nos EUA,
deslocaram-se para Belém do Pará, por ordem de uma revelação divina que os
guiava para uma cidade desconhecida. Foi necessário recorrer a um mapa em uma
biblioteca para localizá-la no Brasil e à ajuda dos irmãos para uma coleta que lhes
garantiu a viagem até Nova York. De receberam uma ajuda providencial para
pagar suas passagens no navio Clement. Aqui chegaram em novembro de 1910
“onde entraram em contato com uma comunidade batista daquela cidade,
comandada não por acaso por um pastor sueco-americano”
21
.
Foram amparados na cidade por membros da Igreja Batista de Belém do Pará
- ainda eram ligados a Igreja Batista norte-americana - na qual acabaram por se
abrigar. Seu excessivo zelo pela oração levou alguns irmãos a censurá-los,
enquanto outros membros acabaram aceitando suas pregações, criando assim uma
divisão no interior daquela comunidade.
A situação tornou-se insustentável quando, na madrugada de 2 de junho de
1911, a irmã Celina de Albuquerque, orando, foi batizada pelo Espírito Santo, não
21
João Décio PASSOS, Pentecostais: Origem e Começo, p. 90.
31
havendo mais possibilidade de conciliação entre as duas partes. Em 13 de Junho de
1911, os dois missionários foram expulsos com mais 17 pessoas.
As pregações passaram a serem feitas na casa da Irmã Celina sob orientação
dos missionários estrangeiros que três meses depois fundaram a primeira
Assembléia de Deus no Brasil. Em pouco tempo, a igreja tornou-se uma referência
em todo o território, expandindo-se pelas áreas rurais e mais tarde pelos grandes
centros. Na década de 50 tornou-se a maior igreja pentecostal do Brasil em número
de fiéis, título que detém ainda nos dias de hoje.
O italiano Luigi Francescon, nascido em 1866 na cidade italiana de Cavasso
Nuovo, na província de Udine, em uma família católica, aprendeu a profissão de
mosaísta e aos 24 anos emigrou para os EUA, acompanhando milhões de
compatriotas que fugiam da grande crise que assolava a Itália e boa parte da
Europa
22
. Luigi chega em 1890 na América, onde imediatamente entra em contado
com a pregação protestante e a influência nesses grupos das idéias do grupo
valdense, que se fundamentava principalmente na negação de uma hierarquia e na
divisão entre o mundo sagrado, espaço interno da igreja, e o mundo profano,
espaço externo à igreja. Junto com outros imigrantes italianos, funda em 1892 a
Igreja Presbiteriana Italiana, sendo eleito um dos diáconos da pequena comunidade.
Alguns anos mais tarde é eleito ancião.
Em 1894, Luigi encontra-se em Cincinate, Ohio, quando, ao orar à noite, vive
uma experiência religiosa que transformaria todo o seu trajeto e daria início a uma
das mais bens sucedidas tentativas de se formartar um modelo próprio de igreja.
... estando eu a orar de joelhos, lendo o ca
pítulo
dois da carta aos
colossenses
23
, ao chegar no verso doze ouvi uma voz que me repetiu duas
vezes: tu não obedeceste a este meu mandamento. Então respondi: Senhor
jamais alguém me falou neste assunto.
24
22
Período que precedeu a luta pela Unificação da Itália, fruto dos problemas de
posse de terra que o novo governo não conseguia resolver. O desenvolvimento do
Norte em detrimento do Sul criou uma grande diferença regional. A emigração
italiana já ocorria, mas se intensificou nos primeiros anos de Unificação Nacional.
23
Com ele, vocês foram sepultados no batismo, e nele vocês foram também ressuscitados mediante
a fé no poder de Deus, que ressuscitou Cristo dos mortos”. BÍBLIA SAGRADA, Colossenses, 2: 12.
24
Luigi FRANCESCON, Histórico da obra de Deus revelada pelo espírito santo no século atual, p.15.
32
Voltando para a sua comunidade, falou da experiência e do batismo como
determinado pela santa escritura, porém, foi rechaçado até pelo pastor ao qual
havia relatado o ocorrido em uma carta. Valendo-se de uma viagem a serviço em
1903, Luigi se encontra em Elgin,Illinois, com Giuseppe Baretta, ao qual fala sobre
o batismo segundo o mandamento do senhor. Baretta se convence e é batizado por
um pastor norte-americano. Francescon o convida para batizá-lo em Chicago no dia
7 de setembro. No serviço de domingo, dia 6, Francescon, fala a toda a igreja sobre
o que aconteceria no próximo dia.
Após nove anos que o Senhor me falou em obedecer o seu mandamento,
amanhã com a ajuda de Deus, terei a oportunidade de obedecê-lo e se algum
de vós quiser assistir venham ao Lake-Front, de Chicago, em tal lugar às
tantas hora. Vieram 25, dos quais 18 obedeceram juntamente comigo. Fomos
imersos pelo irmão Giuseppe Baretta”.
25
Pouco tempo depois, apresentou o pedido de demissão ao pastor da sua
igreja e se retirou com os membros que aceitaram o novo batismo. Reuniam-se na
casa de vários irmãos e, na primeira dessas reuniões, Francescon foi eleito ancião.
De 1904 a 1908 as reuniões ocorriam concomitantemente às várias desavenças e
divisões no grupo. Contudo, o proselitismo pentecostal do novo grupo supera as
barreiras, difunde-se no meio da colônia italiana e alcança vários corações norte-
americanos. Em uma dessas ações proselitistas contribui a esposa de Francescon,
Rozina Balzano que, em outubro de 1908, “é enviada pelo Senhor a Los Angeles a
fim de dar testemunho da promessa na manifestação do Espírito Santo a uma
família de italianos que acaba se unindo aos outros americanos do lugar,
convertidos”
26
.
Em 1909, por revelação divina, os irmãos Francescon e G. Lombardi
deixaram seus trabalhos materiais para se dedicar exclusivamente à obra de Deus.
Apesar da crise econômica que passavam, ambos pais de seis filhos menores,
dispuseram-se a embarcar para a Argentina, onde ficaram por algumas semanas e
relataram a abertura em janeiro de 1910 de “uma porta da obra do nosso senhor”
27
,
na cidade de Buenos Aires.
25
Ibid., p.15.
26
Luigi FRANCESCON, Histórico da obra de Deus revelada pelo espírito santo no
século atual, p. 21.
27
Ibid., p. 23.
33
Os dois ramos pentecostais no Brasil, a Congregação Cristã no Brasil e a
Assembléia de Deus, embora independentes entre si, foram oriundos de uma
mesma matriz dos EUA, que privilegiava o batismo no Espírito Santo, o dom de
línguas, além de uma partipação emotiva. O caráter revolucionário que teve nos
EUA, por ter nascido originalmente entre os negros, perdeu-se no Brasil para dar
lugar a um movimento meramente religioso sem nenhuma ligação com
reivindicações políticas ou sociais. Embora também estivessem ligados aos menos
privilegiados da sociedade brasileira, afastaram-se das questões sociais, talvez pelo
fato de terem sido trazidos por imigrantes europeus, com forte tendência ao
moralismo. Estava consolidada no nosso territorio a Primeira Onda
28
, ou seja, a
primeira fase da implantação de uma nova experiência religiosa que se propagaria
de maneira vertiginosa.
1.4 - A Congregação Cristã no Brasil
Em março de 1910, por revelação divina, Luigi Francescon e G. Lombardi,
partiram direto para São Paulo no Brasil. Chegando lá, se encontram com um
italiano, o ateu Vicenzo Pievanti, no Jardim da Luz, ao qual pregam a palavra de
Deus. Dois depois Pievani retorna a sua cidade, Santo Antonio da Platina, no
Paraná, permanecendo na até abril. Quando G. Lombardi retorna para a
Argentina, Francescon parte rumo ao Paraná, sem conhecer o local ao qual se
dirigia. Após uma longa viagem de trem, uma verdadeira saga que incluiria guia
indígena, matas infestadas de feras e cerca de 70 quilômetros em lombo de cavalo,
chegou a Santo Antonio da Platina em 20 de abril. Francescon é recebido pela
esposa de Pievanti. Ele assim narra sua chegada:
Apesar das dificuldades de me encontrar sem dinheiro e doente, Deus,
porém, que tem todos os corações em suas mãos, fez me ver a primeira
maravilha. Ao chegar àquele local, encontrei na janela a esposa do italiano
Vicenzo Pievanti, tendo o
Senh
or lhe dito: Eis o homem que eu vos
enviei”.(note-se que eu não era esperado lá) Assim fui recebido em sua casa,
e, poucos dias depois, o
S
enhor comprazeu-se em abrir seus corações e de
28
Cf. Paul FRETON, Breve História do pentecostalismo brasileiro, In: Alberto
ANTONIAZZI, Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do
pentecostalismo.
34
mais nove pessoas. Foram batizadas na água onze pessoas e confirmadas
com sinais do Altíssimo.
29
O sucesso da estadia na pequena cidade paranaense quase é apagado pela
ação de um sacerdote que incitou o povo local contra o pregador, chegando a
ameaçá-lo de morte. Acreditou que escapou por obra do Senhor que o livrou,
embora tivesse, segundo as próprias palavras, pronto para o sacrifício.
O resto do povo daquele lugar, sabendo da minha chegada e missão, jurou
matar-me tendo como chefe um sacerdote de determinada denominação. Isso
teria acontecido se Deus não interviesse com seus meios. O
Senhor
me fez
saber de permanecer lá até 20 de Junho. Nessa prova eu estava pronto a me
entregar aos inimigos, a fim de poupar a vida dos poucos crentes que o
senhor havia chamado. Deus é testemunha disso, como também os irmãos
que lá vivem.
30
No retorno a capital paulista, Francescon participou dos trabalhos religiosos
da Igreja Presbiteriana no bairro do Brás, reduto de operários imigrantes italianos, de
onde acabou expulso por pregar sobre o batismo no Espírito Santo, retirando-se
acompanhado por alguns irmãos daquela denominação. Algum tempo depois,
Francescon abriria uma porta, com cerca de vinte almas que aceitaram a fé, parte
deles ex-membros da igreja presbiteriana, alguns batistas e metodistas e também
alguns católicos romanos. Nascia assim em julho de 1910, na maior cidade do país,
a Igreja da Congregação Cristã no Brasil, com um pequeno grupo de crentes,
porém, decididos a dar prova da escolha do Senhor Deus de serem seus
verdadeiros representantes na terra. No final de setembro daquele ano, Francescon
partiu do Brasil, deixando a continuidade da obra por conta dos novos fiéis.
A Igreja fundada pelo mosaicista italiano Luigi Francescon se restringiu no
início à cidade de Santo Antonio da Platina, no Paraná, e ao bairro do Brás, na
cidade de São Paulo. Segundo Rolim, o fato de ser instalada no meio da
comunidade operária italiana foi determinante para um crescimento lento, uma vez
que o operariado da década de 1910 tinha forte influência da religião predominante,
29
Luigi FRANCESCON, Histórico da obra de Deus revelada pelo espírito santo no
século atual, p. 21.
30
Ibid., p. 23.
35
a católica. Além dela, a influência sindical anarquista anticlerical era bastante
acentuada entre os imigrantes. Para o autor:
Se o italiano foi no curso de duas ou três décadas o elemento étnico-cultural
a servir de suporte à experiência pentecostal, pelo menos essa era a intenção
do fundador, tal base custou a firmar-se. Permaneceu longos anos tênue e
frágil. Mais forte que este desejado embasamento étnico-cultural, foi a
dimensão de cunho político cujos agentes mais ardorosos e avançados eram
precisamente italianos. Para a Congregação o italiano iria tornar-se o grande
obstáculo, pois trazia na alma uma experiência política amadurecida nos
movimentos grevistas europeus.
De um lado, a Congregação tinha um alvo preciso - conseguir adeptos entre
italianos. Mostrava- o bem o hinário de que os cultos se serviam, publicado
em italiano até 1935. De outro lado, os trabalhadores italianos formavam a
linha de frente da mobilização operária que, em greves sucessivas, sacudia a
consciência do trabalhador urbano brasileiro. E isto dificultava a
Congregação. Obter adeptos entre os italianos não era tarefa fácil.
31
As viagens ao Brasil feitas por Francenscon foram 11 no total, de 1910 a
1948, totalizando uma estada de quase dez anos. Na primeira viagem, a da
fundação da igreja, ele contava com 44 anos. Em sua última visita, em 1948,
acompanhado de sua esposa, passava dos 82 anos. Francescon morreu aos 98
anos, em setembro de 1964, na cidade Oak Park, no estado norte-americano de
Illinóis.
A escassa documentação da denominação não nos permite um conhecimento
mais aprofundado de seu funcionamento e de suas relações internas nos primeiros
anos, inclusive de seu crescimento, uma vez que não adotavam nenhum tipo de
registro dos seus membros. Não havia qualquer tipo de cadastro para comunicação
ou outro tipo de contato, a não ser o registro do número de batizados e dos
participantes da Santa Ceia, divulgados nos finais dessas cerimônias pelo atendente
do culto, que anunciam quantas irmãs ou irmãos (obedeceram) se batizaram ou
tomaram a Santa Ceia, em cada templo espalhado pelo Brasil. Tal comportamento
tem por explicação a interdição bíblica de contar o povo de Deus, sobre a qual
Mendonça afirma:
31
Francisco Cartaxo ROLIM, Pentecostalismo: Brasil e América Latina, p. 49.
36
O relatório anual que ela [ Congregação Cristã ] publica (...) é muito precário
porque a população da Congregação é muito flutuante, isto é, transita de um
templo para outro. Além disso, ninguém sabe o índice de pessoas que,
batizadas, permanecem na Igreja.
32
O número de fiéis cresce na medida em que a igreja começa a ultrapassar as
barreiras da comunidade italiana, na década de 1950, fato que podemos constatar
pelos relatórios anuais que registram a quantidade de batismos feitos em todos os
templos do país. Esses registros são feitos desde 1936, embora os números se
refiram apenas a batismos e não a fiéis que efetivamente se tornam membros
permanentes da igreja. Como esclarece Mendonça, não existe um controle de
pessoas que se batizam e permaneçam fiéis freqüentadores.
A respeito desse crescimento, podemos afirmar que é admirável, uma vez
que a igreja não adota as mesmas práticas de outras denominações, como a
comunicação na mídia. Não emprega nenhum meio de divulgação escrito ou visual e
não faz pregações fora de seus templos. O próprio Mendonça afirma que esse
crescimento se deve à mudança do sujeito social na igreja, os nordestinos em lugar
dos italianos:
Inicialmente Igreja de imigrantes italianos e crescendo pouco nas primeiras
décadas, explodiu” na década de 1950, quando os nordestinos passaram a
ocupar o lugar dos italianos no Brás. Ainda se vêem muitos nomes italianos
em sua liderança, mas a grande massa já não é mais de italianos e seus
descendentes.
33
Na Convenção de 1936, ainda sob a liderança do fundador Luis Francescon,
surgiram os primeiros textos que ordenavam vários dos ensinamentos presentes até
hoje, reunidos no Resumo da Convenção. Durante esses mais de 50 anos passados
até então, não percebemos alterações. Todos os itens de 1936 ainda são mantidos,
embora na prática algumas mudanças sejam percebidas. Quando foram divulgadas,
apresentavam a seguinte ordem:
* Horário – ordem dos serviços espirituais;
* Substituições no serviço – viagens e cartas de apresentação;
32
Antonio Gouvêa MENDONÇA, Introdução ao Pentecostalismo no Brasil, p.50.
33
Antonio Gouvêa MENDONÇA, Introdução ao Pentecostalismo no Brasil, p. 49.
37
* Orações – unção – moléstias contagiosas;
* Manifestações revelações visões profecias estranhas à palavra de
Deus;
* Tentações e fracos na fé;
* Cultos – leituras estranhas;
* Batismos por imersão;
* Batismo do Espírito Santo;
* Santa Ceia;
* Ósculo Santo;
* Visitas;
* Casamentos;
* Infidelidade matrimonial;
* Apresentação de recém-nascidos;
* Comemorações;
* Funerais;
* Vestuários;
* Jejum;
* Fachada de casas de oração e ofertas de imóveis;
* Hinos;
* Novos estatutos e administração;
* Futura convenção.
Como se pôde observar, não aparece nenhuma interdição específica ao sexo
feminino, porém, na medida em que se baixam determinações sobre casamentos,
como se portar dentro da igreja - silêncio, véu, leituras, visitas, vestuário - fica
evidente que as mulheres são as mais atingidas pelo controle, feito com a intenção
de manter inalterada a situação vigente. Fatos reforçados pela freqüência aos cultos
e por um discurso básico recheado de citações bíblicas:
38
Sempre que a mulher orar ou profetizar deve estar com a cabeça coberta; é
necessário estar atenta para em nenhum caso ofender a Palavra de Deus.
Esta não se contradiz; a sabedoria do Senhor não nos deixou um estatuto
imperfeito.
34
Esses assuntos são exaustivamente tratados nos serviços religiosos
regulares. Alguns anciãos e cooperadores são conhecidos pela irmandade como
mais ou menos “doutrinadores”, motivo que acaba determinando maior ou menor
público em seus atendimentos e também no número de fiéis, uma vez que muitos
acabam migrando de igreja em igreja até achar o pregador que se encaixe naquilo
que ele como ideal de sua e essa igreja passa a ser denominada “comum”, ou
seja, aquela que a pessoa freqüenta com mais assiduidade e onde é atendida pela
“obra”. Acaso necessite de qualquer um de seus serviços, também passa a ser
identificada como membro daquela “comum” em toda a estrutura da Congregação
Cristã no Brasil.
A Igreja, além disso, não recomenda a leitura de nenhuma literatura religiosa
a não ser a bíblia e seu hinário. Diferentemente de outras denominações, a
Congregação não adota qualquer veículo de divulgação, não possui jornal, revista,
estações de rádio ou TV. Mantém-se avessa a qualquer propaganda, chegando
mesmo a desestimular seus membros a aparecer nos meios de comunicação.
Com a incorporação de novas tecnologias, sobretudo na informática, e sua
disseminação, mesmo a uma instituição religiosa, claramente resistente à utilização
de tais meios, não foi possível simplesmente proibir o seu emprego, como se deu
durante décadas com o rádio e a televisão. Hoje é comprovado o fracasso de tal
proibição, atualmente restrita a uma simples recomendação: “são coisas do mundo,
podemos usá-los, porém, como servos fiéis de Deus, não devemos por o coração”,
pois tais recursos não deixaram de entrar nos lares e fazer parte do cotidiano. Esses
novos elementos vão agir de modo direto no comportamento dos membros da
Congregação Cristã no Brasil e, é lógico, mesmo se considerando “desligadado
mundo, a igreja terá que conviver com essas interferências. Um exemplo disso pode
ser observado na criação de sites de irmãs e irmãos da Congregação na Internet,
apesar de a Igreja não dispor de tal serviço, nem mesmo reconhecê-los como
válidos, tendo escrito em sua última assembléia um tópico sobre essa ferramenta.
34
CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL, Reuniões e Ensinamentos, p.16.
39
A Congregação Cristã no Brasil não autoriza a divulgação pública, através de
meio eletrônico, de qualquer informação a seu respeito, não estando
autorizado a tanto quem, através de “site” (pronuncia-se “sait”) não pertence a
Á Congregação, se afirme como “site” oficial.
Quem o fizer, estará fazendo em nome e interesse próprio e responsabilidade
pessoal. A Congregação se manifesta através de sua Administração ou do
Conselho de Anciães.
35
A Igreja Congregação Cristã no Brasil não participa de qualquer atividade
relacionada a partidos ou questões políticas, não recebe oficialmente nenhum
candidato, não permite a qualquer um deles utilizar o púlpito para falar com os fiéis
dentro dos templos. No começo dos cultos comuns, a igreja sempre faz uma oração
pedindo proteção para todas as autoridades civis e militares constituídas do Brasil,
enfatizando que não existe nenhum vínculo entre os governantes com a igreja
enquanto instituição, pois não acreditam em nenhum governo organizado por
homens. O governante que lhes interessa é o da “pátria celestial”, muito citado em
seus hinos.
Nas Congregações não são admissíveis partidos de espécie alguma; cada
um é livre, cumprindo o seu dever de votar, que é uma determinação da lei.
Todavia nós, remidos pelo sangue do concerto eterno, nunca devemos votar
em partido que negue a existência de Deus e a sua moral.
36
Os membros da igreja não podem participar ou concorrer para qualquer cargo
eletivo. Diferentemente de outras denominações protestantes históricas,
pentecostais ou neopentecostais, a Congregação não sugere o nome de nenhum
candidato e lembra o tempo todo a seus fiéis seu artigo 1º dos Estatutos aprovados
em 1931: “na parte espiritual não existe nenhum governo humano, só o Divino, como
será explicado nos artigos que seguem
37
deixando a escolha para os fiéis, embora
enfatize que não se deva votar em candidatos que não cumpram algumas
exigências. Por isso reforçam os sermões sobre respeitar as leis e autoridades
35
CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL, Resumo de Ensinamentos, p.1.
36
CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL, Resumo dos Ensinamentos, p.1.
37
IDEM, Estatutos, Art. 4º.
38
Florisvaldo, entrevista concedida ao autor, Carapicuíba, 18/05/2007.
40
legalmente constituídas, pois dessa forma estarão respeitando a vontade de Deus,
que permitiu a essas pessoas se tornar autoridades.
Nas próximas eleições vou votar no candidato A, pois descobri que o
candidato B é da maçonaria e aqui na igreja, somos disciplinados a não votar
em quem não acredita em Deus, podemos votar em qualquer um, porém, não
é certo votar nesse tipo de gente, portanto todos aqueles que servem a Deus
na Congregação não podem votar nele.
38
De certa forma, devidos aos ensinamentos, seus adeptos acabam se alinhado
ao perfil de certos candidatos, obedecendo a uma
regra
de comportamento da igreja
que pode ser aproveitada por algum político mais próximo de algum membro
influente, tornando-se, ainda que não oficialmente, o preferido de um número
significativo de fiéis. Favorecidos pela prática comprovada de sucesso da
capacidade de se comunicar pelo popular boca-a-boca, alguns candidatos podem-se
beneficiar dessa característica particular da igreja.
A evangelização propriamente dita ocorre basicamente no universo de
relacionamentos mais restritos, entre familiares e amigos, nos testemunhos na igreja
bastante divulgados entre os membros e nos comentários para pessoas de fora, que
ao aceitar um convite para assistir um dos seus cultos passam e ser chamados de
“testemunhada (o)”: aquele que ouviu a palavra. A partir de então, é uma questão de
tempo para Deus concluir a obra na vida dessa pessoa que, no batismo, passa à
condição de servo.
A manutenção dos ritos acabou por criar uma pedagogia própria, educando
os membros mais recentes por ações e atos repetidos. Tal pedagogia baseia-se em
dois pilares: o primeiro é de raiz calvinista, a doutrina da predestinação, ou seja, a
impotência do homem ante a obra de Deus; o segundo vem da linha wesleyana
(movimento Holiness) é o da santidade via revelação direta.
O crente da Congregação não tem certeza da sua salvação. Basta-lhe ter
confiança e esperar por meio de uma vida íntegra, uma vez que isso é exclusividade
do Senhor. Resta confiar que Deus o justificou e seguir fielmente seus
mandamentos, o que revela a influência calvinista.
41
A santidade de Wesley afirma o contrário, ou seja, possibilita a imediata
consciência do perdão de seus pecados, sendo que a única base para essa certeza
do perdão é a via emocional, na qual se expressa o testemunho do Espírito Santo.
A partir desses dois princípios, a Congregação Cristã no Brasil elaborou toda
a sua teologia e suas práticas. Diferenciou-se das demais, criando uma igreja que
não é aceita no universo protestante brasileiro como uma igual, mas também não faz
nenhuma questão de ser aceita, uma vez que se considera diferenciada, com seu
povo como o único escolhido por Deus aqui na terra, razão pela qual se auto-
intitulam a “igreja do concerto eterno”.
É administrada por um Conselho de Anciães, com sede nacional no bairro do
Brás que pelo quesito da antiguidade tem autoridade para ordenar outros anciães e
diáconos. Os cooperadores normais e os cooperados de jovens são apresentados
conforme deliberação do Conselho, escolhidos entre aqueles que apresentarem as
virtudes consignadas no Evangelho (para presbítero da igreja o candidato deve ter
conduta irrepreensível,não arrogante,nem beberrão ou violento, nem ávido de lucro
desonesto. Pelo contrario, deve ser hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo,
piedoso, disciplinado, e de tal modo fiel à verdadeira como, conforme o
ensinamento transmitido que seja capaz de aconselhar segundo a doutrina e
também de refutar quando a contradizem-Tm. 3:6-10. Essas quatro funções, ancião,
cooperador, cooperador de jovens e diácono, não são remuneradas como qualquer
outra atividade espiritual e formam a hierarquia oficial da denominação. A questão
da remuneração aos membros é uma das principais fontes de críticas da Igreja
Congregação Cristã no Brasil às demais denominações protestantes em geral no
país: “oferecer de graça, aquilo que recebeste gratuitamente”. É uma frase bastante
utilizada, inclusive nos púlpitos, por ocasião de algum ensinamento referente a parte
financeira.
Ao ancião cabe atender os cultos, aconselhamentos, viajar em missão, unção
dos enfermos, além de ministrar os batizados e os cultos de santa ceia. Esses dois
últimos são exclusividade deles. Nos cultos comuns, podem ser substituídos quando
necessário pelos cooperadores. O seu ministério é o mais alto da denominação e é
requisito indispensável para sua ordenação o chamado dom de línguas, ou seja, o
fenômeno da glossolalia. Os anciões da Congregação Cristã no Brasil não são
escolhidos e ordenados apenas pela idade, como pode se pensar pela nomenclatura
42
do cargo. É comum ver pessoas nesse cargo bastante jovens, porém com muito
tempo de conversão.
O cooperador dirige o culto quando da ausência do ancião e o substitui em
algumas outras funções. O cooperador de jovens e crianças atende especificamente
às reuniões das crianças e dos jovens geralmente aos domingos de manhã e, em
caráter excepcional, substitui o cooperador. A Congregação não tem escola
dominical para a doutrina infanto-juvenil. Esse culto é uma repetição dos cultos
adultos, com um sermão mais voltado à questão particular dos jovens, porém, em
nenhum momento, distingue-se do desenvolvimento normal dos cultos praticados no
dia-a-dia. Faz parte da pedagogia da Congregação ensinar pelo exemplo.
É preciso interessar nossos filhos a aprender a palavra do Senhor.
Esperamos que ele a oportunidade para o inicio dessas reuniões. Os que
ensinam devem estar certos de que o Senhor os preparou e devem usar de
amor em tudo a fim de dar aos seus freqüentadores, o ensejo de receberem
os conselhos que ele preparou para ensiná-los e guiar no seu amor e temor .
Sendo estas reuniões exclusivamente para menores, achamos que os
ensinos deveriam ser ministrados por irmãs, consagradas a este beneficio.
39
Existe ainda o culto específico para os jovens, denominado de reunião da
mocidade, evento que se transforma em verdadeiro ponto de encontro entre jovens
das várias igrejas das regiões próximas. Eles se deslocam, às vezes, de grandes
distâncias para uma das poucas oportunidades de reunião com pessoas de sua
idade e, não raramente, de arranjo de namoro, discretamente estimulados pelas
lideranças da igreja, que o namoro entre fiéis é sempre bem-vindo e apoiado por
toda a comunidade.
O diácono é responsável pelo atendimento da Obra da Piedade e das viagens
de missão. São os responsáveis pela movimentação bancária específica para cada
uma das finalidades: viagens, obras e auxílio, movimentação essa que se dá com a
anuência de no mínimo três membros, sendo que no mínimo dois devem assinar por
qualquer movimentação. Essa forma de ação é repetida em todos os templos e
garante certa transparência nas finanças, motivo de orgulho destacado em
conversas informais com seus membros.
39
CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL, Resumo da Convenção, p. 8.
43
As atividades dos diáconos ligadas à parte financeira normalmente são
realizadas com o auxílio de um contabilista. Outra atividade atribuída aos diáconos é
a de administrar e apoiar a Obra da Piedade, formada por mulheres escolhidas pela
administração de cada igreja, presentes em muitos dos templos do Brasil, e
“confirmada” em oração pelo Espírito Santo.
Essas mulheres eleitas, auxiliadas por voluntários, encarregam-se de fazer
um levantamento de pessoas carentes na sua igreja “comum”, distribuir cestas
básicas e alguns outros auxílios para famílias necessitadas que fazem parte da
igreja. A ajuda é dada aos membros da igreja, nunca é feita para pessoas de
outra denominação e, ainda assim, sob severa vigilância de membros que avaliam
se essas famílias são merecedoras de tal ajuda e por quanto tempo essa ajuda será
concedida.
Ocorre com freqüência o corte dessa contribuição, quando uma das famílias
beneficiadas não corresponde à expectativa da Igreja, ou seja, depois de algum
tempo, seus membros não arrumaram emprego, não melhoraram na questão de
limpeza da casa, na higiene pessoal e, principalmente, na freqüência aos cultos e às
atividades da igreja.
Nós ajudamos a irmanzinha durante 04 meses, mas, fica difícil manter, pois
até hoje seus filhos não arrumaram nenhum bico para fazer (um menino de
16 anos e duas meninas 13 e 14 anos), a gente chega e, sempre encontra
a casa suja, uma bagunça danada, os filhos não freqüentam a igreja, estão
sempre em casa vadiando, então a gente avisou que não vai manter a ajuda,
pois Deus não se agrada dessa situação.
40
Todas essas contribuições são feitas espontaneamente, que a igreja não
adota o sistema de dízimo, comum também às outras igrejas e por isso fonte de
desavença entre elas. A Congregação tem um sistema de arrecadação bastante
próprio, cada irmã(o) interessado em colaborar pede um envelope para o porteiro na
entrada dos cultos e, em algum lugar discreto, sozinho, coloca no envelope sua
contribuição e faz a anotação no próprio envelope, onde encontra escrito os
seguintes itens:
40
Joana (Obra de Piedade), entrevista concedida ao autor, gravação em áudio,
Carapicuíba, 19/05/2007.
44
1. Construção R$ ___________________
2. Obra da Piedade R$____________________
3. Viagens Missionárias R$ ____________________
4. Manutenção R$ ____________________
Além desses itens, ainda se pode anotar a caneta em mais duas linhas em
branco, contribuições reservadas para alguma ajuda especial, escolhidas pelo fiel.
Feita a oferta, lacra-se o envelope, sem colocar nomes ou qualquer outra
identificação. Até pouco tempo era entregue em os ao porteiro que guardava nos
bolsos do paletó. Atualmente, uma nova orientação mudou essa prática e agora foi
colocada uma caixa, espécie de urna, onde o fiel deposita diretamente o envelope
que será depois de terminado o culto retirado, aberto junto com todos os envelopes,
na presença de tesoureiros, secretários, diáconos e quem mais estiver presente. O
dinheiro das coletas será contado, anotado em um documento próprio, assinado
pelo menos por três membros e depositado em uma conta corrente.
Nos estatutos aprovados em 1931 e revisados em 1936 a igreja trata do
assunto de suas lideranças, sempre mencionando passagens bíblicas para
referendar suas opções, ensinando que:
Entre os membros da Congregação mais revestidos de dons espirituais do
alto (1 Cor 12) serão constituídos pelos Anciãos mais velhos, e reconhecidos
e aprovados por unanimidade da Congregação a que pertençam,como
ancião, encarregados, ou diáconos, para presidir ao serviço, manter a ordem
e ministrar a palavra. Na ausência do ancião, ao diácono compete substituí-
lo.
41
Nesses aspectos relacionados à hierarquia, fica evidenciada uma organização
que se legitima pela autoridade tradicional, diferente da maioria de outras
denominações onde essa estrutura é legitimada pela autoridade carismática. A igreja
41
CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL, Estatutos, Art. 4ª.
45
evita dessa forma o fortalecimento de outra liderança mais carismática que possa
colocar em risco sua pedagogia.
Outro aspecto a destacar é a não exigência de um diploma escolar para ser
líder na igreja. Aparentemente, ele não possui nenhuma formação teológica,
descartando dessa maneira o fortalecimento do poder burocrático. É muito comum
se ouvir comentários de fiéis na igreja que “o ancião tal é analfabeto, porém Deus
usa grandemente o irmão e faz obras maravilhosas” O Poder é exercido pela
experiência, não só por idade, mas também pelo tempo “na graça”.
Esses fatores comprovam que a Congregação Cristã no Brasil se caracteriza
por uma hierarquia gerontocrata, baseada na autoridade tradicional do ancião que
tem o dom de interpretar a palavra recebida de Deus e por isso inquestionável em
todos os setores da vida do fiel.
Os cultos comuns ocorrem de duas a três vezes por semana em todos os
templos no Brasil e, por se darem em dias diferentes, o fiel tem a possibilidade de
freqüentar o culto à semana inteira de segunda a segunda, fato muito comum entre
as irmandades mais antiga. As cerimônias são marcadas por uma ordem incomum
às igrejas pentecostais: muita emoção, choro, glossolalia, mas de maneira ordeira. A
estrutura do culto é repetida em todos os lugares onde houver uma igreja, o hinário é
o mesmo, facilitando para que qualquer membro possa assistir a um culto, onde ele
se encontrar.
O culto mais referenciado é o da Santa Ceia, marcado pela administração do
templo local, com bastante antecedência, uma vez por ano e divulgado em todos os
outros templos do município, de maneira que todos aqueles que freqüentem
qualquer templo fiquem cientes do dia em que ocorrerá em todos os outros. Nessas
ocasiões, começam-se os serviços religiosos mais cedo, com rituais específicos,
com hinos próprios. A irmandade se prepara normalmente com roupas novas. São
aconselhados a não convidar ninguém que não seja membro da igreja.
É um dos momentos mais emocionantes e o mais importante para o fiel da
Congregação Cristã no Brasil assim, como nas outras igrejas é a eucaristia. O pão e
o vinho simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, derramado para salvar todos os
pecadores, distribuído a todos aqueles que forem batizados, a partir de um único
cálice e um único pão fabricado pelas irmãs, o que às vezes causa preocupação,
46
pois quando ainda falta um número grande de fieis para partilhá-los, percebe-se a
diminuição do pedaço de pão distribuído a cada membro. Motivo sempre enfatizado
como milagre de Deus, pois todos teriam visto que o pão não seria suficiente, porém
a multiplicação do pão por interferência divina acabou permitindo que não faltasse
para ninguém. Geralmente nessas ocasiões a igreja se torna mais emotiva, assisti-
se a uma maior manifestação de glossolalia, crises de choro e de outras
demonstrações de emoção.
É perceptível também uma maior manifestação por parte das mulheres,
sempre presentes em maior número do que os homens, como pode ser constatado
no final de cada cerimônia pelo cooperador que anuncia o numero de irmãs e de
irmãos que receberam o sacramento da Santa Ceia. Os anciões repetem durante
toda a cerimônia que aqueles que sentirem que não estão bem, com problemas de
relacionamento, ou que não estejam agindo conforme os ensinamentos não devem
se dirigir para o local de distribuição da Santa Ceia, pois seria um pecado aos olhos
de Deus. Entretanto, ao não se levantar para ir até o local, esse membro torna-se
alvo de atenção e de murmúrios de outros fiéis.
Juntamente com a Santa Ceia, o culto de Busca de Dons é o mais procurado.
É uma ocasião importante, normalmente atendida por um ancião de fora, um
visitante. Nesses cultos, a igreja recebe gente de toda a região e, muitas vezes, de
cidades mais distantes. O templo fica lotado bem cedo, com fiéis se acotovelando
nos corredores e nas janelas pelo lado externo. O horário de início é o mesmo,
respeita-se também o mesmo andamento dos cultos comuns, abolindo, porém, o
tempo de testemunhos. Os hinos são próprios para a ocasião.
Nessas cerimônias, os membros buscam os dons que Deus distribui conforme
o merecimento de cada um. Os fiéis acreditam que durante esse culto, o Espírito
Santo os agracia com dons como paciência, profecia, cura, entendimento e o mais
visado por todos, que é dom das línguas, ou seja, o Senhor vai batizá-los com o selo
da promessa, a glossolalia. É um culto cheio de simbolismo e o mais emotivo. No
auge do culto, depois da leitura de um trecho da palavra, o ancião discorre sobre o
significado daquela passagem bíblica, então ocorre o “derramamento do Espírito
Santo” e assim como na Bíblia, muitas pessoas falam em línguas estranhas pela
primeira vez. Outros que falavam antes também entram em transe, deixando o
ambiente barulhento e confuso. Por alguns minutos, toda a ordem que caracteriza
47
essa igreja é esquecida e se aproxima de muitas outras pentecostais nesse curto
espaço de tempo.
Esse momento é breve. Logo em seguida, o ancião que estiver atendendo o
culto chama a atenção para outro momento e tudo volta ser ordenado, porém com
uma carga de emoção bem acentuada. As mulheres mais uma vez se destacam
numericamente nessa cerimônia. Mesmo após a volta à normalidade é comum ouvir
algumas delas ainda falando em línguas estranhas ou chorando, a que o
encarregado peça obediência ao silêncio.
Ao final dessas cerimônias, a confraternização é bem mais demorada,
emotiva e diferente dos dias comuns, onde os membros se dispersam rapidamente
rumo aos seus lares. Homens e mulheres, em seus respectivos espaços,
cumprimentam-se com o ósculo santo, abraçam-se, muitos choram e aqueles que
foram abençoados com algum dom contam emocionados como aconteceu essa
bênção. Todos os contemplados querem contar o que sentiram, dar detalhes, falar
para os outros:
Estava orando na comunhão com Deus, quando senti meu corpo todo tremer,
e me senti saindo dele, como se tivesse flutuando e percebi que falava em
outra língua, depois confirmado pelas irmãs que estavam perto. Foi um
sentimento maravilhoso. Agradeço a Deus por ter me selado com a
promessa, ainda mais por ser nova nessa graça. Ainda não fez um ano que
obedeci ao Senhor.
42
Um dos dons mais respeitados entre os irmãos é o da profecia. São muitos e
emocionantes relatos de fatos acontecidos e que se tornam conhecidos no meio dos
fiéis. A crença de que Deus toca o coração para várias finalidades e objetivos é uma
das mais fortes e presentes entre seus membros. As profecias acontecem de
diversas formas. As mais comuns são através de sonhos, sentimento durante a
oração, mas também há aqueles que acreditam que Deus se utiliza de alguns
irmãos para de alguma forma revelar-lhes alguma missão.
42
Testemunho de uma jovem na igreja da Vila Municipal, Carapicuíba, 04/02/2007,
no horário reservado aos testemunhos em dia de culto comum.
48
Eu estava num culto familiar em minha casa, a meu pedido, quando terminou
a cerimônia, eu me despedi de um por um dos irmãos presente, quando
apertei a mão do ultimo irmãozinho, Deus se utilizou daquele irmão e falou da
minha missão de evangelizar as crianças com as quais eu trabalho. Foi
maravilhoso, Deus falava comigo pela boca do irmão e dizia Não temas,
minha serva, por não saber falar, por acaso, eu falhei com você alguma vez.
Você será uma evangelizadora entre aqueles que você freqüenta”. A partir daí
me tornei muito melhor como professora.
43
Assim como nos outros itens, a profecia é mais comum entre as mulheres.
São muitos os relatos entre elas em conversas informais e amplamente divulgadas
em todos os espaços freqüentados, sejam eles da igreja ou não.
O outro grande momento para os fieis é o batismo, cerimônia bastante
divulgada em todos os cultos e bastante concorrida, feita normalmente na igreja
central de cada cidade ou região, podendo ocorrer ainda em locais diferentes como
em rios onde as pessoas podem se batizar, mesmo que seja sua primeira visita a
um evento da Congregação, uma vez que não se exige uma preparação para essa
finalidade, como é comum na maioria das igrejas pentecostais. As únicas restrições
consistem em não batizar crianças abaixo de 12 anos e também os não legalmente
casados:
Este sacramento se exerce por imersão, conforme declara no capitulo 2,
versículo 12, aos Colossenses, praticados pela igreja primitiva: EM NOME
DE JESUS CRISTO”, Atos 2, versículo 38, e de acordo ao Santo
Mandamento: EM NOME DO PAI E DO FILHO E DO ESPIRITO SANTO”,
São Mateus, 28, versículo 19.
44
O culto propriamente dito destinado para essa finalidade, obedece à mesma
estrutura de funcionamento dos outros, porém é dispensado o momento dos
testemunhos, além de ultrapassar sempre o tempo determinado para os cultos,
embora não seja recomendável que isso ocorra. A cerimônia é presidida por um
ancião visitante. Os hinos cantados são próprios para a ocasião e entrecortam
alguma passagem bíblica escolhida para a cerimônia. É revestido com uma dose de
43
Tamy, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
15/05/2007.
44
CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL, Resumo da Convenção, p. 7.
49
emoção extraordinária. Muitas pessoas choram durante todo o tempo e é desse
público que preferencialmente sai a maioria dos novos batizados.
A Congregação Cristã no Brasil, também se diferencia nesse aspecto. Uma
vez batizado o novo crente se retira no final, sem deixar nenhum registro seu, nada
que a Igreja possa contar para entrar em contato. Não tem nome, endereço ou
qualquer tipo de cadastro e nem sequer controle se ele volta ou não a freqüentar um
dos templos. A contagem de cada batismo é feito no final da cerimônia e é dividida
em mero de irmãs e de irmãos batizados, sempre com uma vantagem para o
número de irmãs, às vezes uma diferença muito pequena e às vezes uma diferença
muito grande.
Os batismos de outras igrejas não são aceitos, inclusive de outras
pentecostais, por se acreditar que elas não seguem as determinações do evangelho,
uma vez, que, para eles, não são batizados em nome de Jesus, tornando-se
obrigatório para ser considerado membro da Congregação Cristã no Brasil um novo
batismo. O ancião no ato do batismo usa as seguintes palavras:
em nome do
Senhor Jesus te batizo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Esses novos membros são aceitos no grupo sem nenhuma restrição, porém
não participam de todas as atividades. Apenas com o tempo e o conhecimento de
suas personalidades, na medida em que conhecem toda a prática religiosa e se
firmam no “caminho da graça” é que o grupo passa a confiar neles como verdadeiros
membros da igreja. É preciso ganhar a confiança dos fiéis mais antigos, numa
espécie de período probatório, sendo finalmente aprovados por comportamento
exemplar.
Assim como o batismo, bastante concorridos são os velórios dos membros.
Pode ser medida a importância do morto pelo número de pessoas em seu velório.
Sempre é feito um culto, enfatizando a salvação daquela alma, após o julgamento
final, evento que o espírito aguardará dormindo, no “descanso no Senhor”. Em
nenhuma hipótese, esses serviços são realizados para suicidas, atendendo escritos
bíblicos.
Uma característica muito particular dessa igreja é a importância que se a
busca da palavra. Busca-se a confirmação para quase todos os momentos da vida,
buscam-se
a confirmação de viagens, casamentos, auxílio a outros irmãos. Essa
50
confirmação se durante o texto bíblico lido pelo dirigente do culto, que cada um
interpreta como se fosse a resposta para as suas dúvidas e pedidos:
Eu estava separada do meu marido, sofrendo muito, quando obedeci a Deus
nessa graça, numa igreja no Jaguaré, onde estava morando, foi então que
busquei a palavra e Deus me confirmou que ele era a pessoa certa para mim.
Enquanto isso, ele, meu marido também obedeceu a Deus em uma igreja em
Carapicuíba, sem que nenhum soubesse da conversão do outro. Deus
também falou com ele e, confirmou que era eu a mulher destinada para ele.
Assim quando ele me procurou, foi muito emocionante, choramos muito e
oramos em agradecimento. Hoje estamos muito felizes, criando nossos filhos
nessa graça que é de Deus.
45
Quando acontece a separação de algum casal que buscou a palavra para a
confirmação da união, os próprios fiéis envolvidos na situação se culpam pela
interpretação errada, ou seja, foram eles que não entenderam a mensagem.
Os ensinamentos que antes não previam a separação estão cada vez mais
sendo deixado de lado. Nos cultos fala-se muito sobre a tolerância que os casais
devem ter, da sabedoria da mulher para manter seu marido sempre contente, do
esforço do homem para agradar sua esposa. Incentivam a manutenção do
casamento, porém o discurso não é de condenação aos separados. Quando a
situação se torna insustentável para alguma das partes envolvidas, o próprio ancião
conversa com ambos, além de sugerir conforme ensinamento da Assembléia do
Brás as leituras e reflexões do evangelho de São Mateus no capitulo 19, do verso 1
ao 12, onde o próprio Jesus discorre sobre o assunto, quando provocado pelos
fariseus e insiste no casamento indissolúvel, abrindo brecha para o divórcio apenas
em caso de adultério.
Se, mesmo após os conselhos do ancião, as orações e a busca da palavra,
ainda assim não chegam a um consenso, a decisão de separação é deixada a
critério das partes envolvidas Caso a separação não tenha sido causada pela
infidelidade de um dos dois, ambos perderão a liberdade, punição que também
atingirá qualquer um que venha a se casar com um dos membros do casal desfeito.
45
Mariana, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
05/05/08.
51
A igreja está se adaptando a uma nova realidade incontestável dos tempos
modernos.
Se alguns dos cônjuges tornar-se infiel ao matrimonio, deixa-se a decisão do
caso a critério da parte ofendida, pois a lei do nosso país permite divórcio a
vínculo, que somente nesse caso Deus permite. (S. Matheus 19:9)
46
. O
pecador será excluído da comunhão com os fiéis.
47
A exclusão citada é comunicada ao fiel, que perde a sua liberdade: não pode
chamar hinos, não pode dar testemunhos, nem participar da Santa Ceia, porém não
é proibido de entrar nos templos. Existe o ensinamento que determina que no caso
desses punidos cumprimentarem os fiéis com “A Paz de Deus”, eles devem
responder a saudação com um “Amém”.
A questão do divórcio também é um dos temas bastante citados no lpito. O
ensinamento ministrado é o da paciência e do entendimento para as crises diárias e
normais nas vidas dos fiéis; deve-se orar muito para Deus conceder o dom da
sabedoria para manter um casamento harmonioso. A vida em comum significa
muitas vezes abrir mão de interesses pessoais, garantindo assim a manutenção da
família. Nessa conjuntura, o papel da mulher é fundamental, pois depende mais
dela, graças a sua sensibilidade e a sua mansidão, os maiores sacrifícios em nome
da manutenção da família:
Quando me casei, era muito nova, achava que estava apaixonada, a família
incentivou o namoro, busquei a palavra e entendi que tinha sido uma
confirmação. Porém, durou pouco, meu marido era mulherengo, me traia
sempre, desviou-se da igreja e a minha vida se tornou uma provação. Sofri
muito, mas Deus me deu o livramento, tive que me separar e, hoje encontrei
um servo de Deus, bom, somos casados e nos mantemos fiel nessa obra de
Deus. Hoje, eu entendo que não foi a palavra que me fez errar e sim a minha
vontade de casar. Pequei por que me deixei levar pela carne e a palavra
ensina, é o espírito que tem que comandar.
48
46
“Eu, por isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de fornicação, e
casar-se com outra, comete adultério”. BÍBLIA SAGRADA, Matheus, 19: 9.
47
CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL, Resumo da Convenção, p. 15.
48
Cida, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba, 01/05/2007.
52
A Congregação Cristã no Brasil é bastante rígida na punição aos fiéis que
cometem algum tipo de infração aos seus ensinamentos, porém nada supera o
pecado mortal do adultério. Os membros punidos com a exclusão podem continuar a
assistir os cultos, porém não tem mais liberdade dentro da igreja.
Toda essa estrutura é repetida pelo território brasileiro dividido por regiões.
Em cada uma dessas regionais, o Conselho Administrativo organiza todo o
funcionamento legal da denominação, enquanto as questões teológicas só podem
ser tratadas pelo Conselho de Anciães da sede central no Brás.
O Protestantismo ao chegar ao Brasil se defrontou com uma cultura católica
arraigada, mas, com muita persistência e esforço dos pioneiros, o novo culto
arrebanhou considerável número de adeptos e abriu o caminho para os movimentos
renovadores. Assim, em 1910 chegaram ao Brasil, vindos do movimento avivalista
dos EUA, a mais nova adaptação do protestantismo, com a implantação de duas
igrejas pentecostais, a Congregação Cristã no Brasil e a Assembléia de Deus.
A implantação da Igreja Congregação Cristã no Brasil deu-se sob a liderança
do ítalo-americano Luigi Francescon, tendo como base o bairro do Brás, em São
Paulo, e a cidade de Santo Antonio da Platina. A igreja foi pensada e organizada, a
partir de uma estrutura familiar, com forte influência dos italianos, sendo a língua
italiana utilizada nos serviços e no hinário. Esse fator dificultou sua expansão, que
ocorreu lentamente, uma vez que além da língua, a denominação se diferenciava
das demais na sua divulgação, pois não utilizava nenhum meio de comunicação
para essa finalidade, sendo completamente oral e mantendo uma independência em
relação às outras igrejas, pentecostais ou não.
No capitulo seguinte, a pesquisa mostrará a história do município de
Carapicuíba desde a fundação da aldeia pelo Padre José de Anchieta, até a
fundação da Igreja Congregação Cristã no Brasil na cidade, apontando suas
principais características e sua estrutura. Ainda, no próximo capítulo
apresentaremos uma descrição da construção do gênero na Igreja.
53
CAPITULO II: A CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL NO
MUNICIPIO DE CARAPICUÍBA E A QUESTÃO DE GÊNERO
Neste capítulo, faremos uma revisão bibliográfica para falar sobre a fundação
da cidade de Carapicuíba, em São Paulo. Um dos primeiros núcleos habitacionais
no período colonial, a Aldeia de Carapicuíba foi fundada pelo padre Jose de
Anchieta em 1580. Esse primeiro aldeamento foi substituído por uma pequena
povoação de comerciantes que abasteciam as fazendas em volta. Carapicuíba
tornou-se um importante centro folclórico e a hoje apresenta algumas
manifestações culturais resultantes das junções e trocas do período inicial com as
várias influências ocorridas.
Falamos da implantação da Igreja Congregação Cristã do Brasil no município
de Carapicuíba, de seus primeiros templos. Para isso, foi preciso uma pesquisa de
campo, que a igreja não tem nenhum registro oficial da sua chegada e expansão
54
pela cidade. Entrevistamos os membros mais antigos da igreja que juntos formaram
a memória da denominação no município. Memória que está desfalcada pela
morte dos mais velhos que lembravam ainda dos tempos de pioneiros, como Sr.
Salvador, um dos mais antigos cooperadores de Carapicuíba, por exemplo.
Depois de falar da igreja, nosso maior desafio de pesquisa é falar sobre as
relações de gênero no interior da Congregação em Carapicuíba: como se dão os
discursos normativos na prática para se preservar a relação que é nitidamente
machista e excludente. Utilizaremos referenciais de pesquisadoras e pesquisadores
que formularam teorias sobre gênero. Os depoimentos de mulheres da igreja
permearão as teorias e conceitos na tentativa de elucidar o que ocorre no dia-a-dia e
de também tornar mais agradável a leitura.
Como vimos, a Igreja Congregação Cristã no Brasil chegou ao nosso país
com Luigi Franscescon, italiano e imigrante nos EUA, onde se converteu ao
protestantismo histórico e em seguida ao pentecostalismo. O nascimento da igreja
em nosso território se deu na cidade de Santo Antonio da Platina, no Paraná, porém,
foi em São Paulo, no bairro do Brás, que a igreja se firmou, a partir de uma cisão da
Igreja Presbiteriana. “As Igrejas Pentecostais conservam praticamente todas as
características das Igrejas não-litúrgicas, e a elas acrescentam a ênfase nos dons
espirituais. Desse modo o que distingue as Igrejas pentecostais é o acento que
colocam na emoção mística religiosa.
15
A Igreja se constituiu no período que Paul Freston denominou de primeira
onda, referindo-se as etapas do movimento vindo da América do Norte, tendo
juntamente, com a Assembléia de Deus, a condição de sair na frente na conquista
de fiéis para a nova forma de se cultuar e pelos próximos quarenta anos sem
nenhuma concorrência mais organizada:
O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido com a história de três
ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década de 1910, com a
chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de Deus (1911) (...).
A segunda onda pentecostal é dos anos 50 e início de 60, na qual o campo
pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza a três
grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a Quadrangular
(1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O contexto dessa
15
Cf. Antonio Gouvêa MENDONÇA; P.VELASQUES FILHO, Introdução ao
protestantismo no Brasil, p.157.
55
pulverização é paulista. A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha
força nos anos 80. Suas principais representantes são a Igreja Universal do
Reino (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) (...) O contexto
é fundamentalmente carioca.
16
A consolidação desse pentecostalismo clássico vai ocorrer num contexto
bastante adequado para a sua proposta, ou seja, no Brasil de 1910, ainda
majoritariamente rural. Era nas poucas cidades grandes do país que se refletia de
forma mais visível as recentes transformações que haviam sacudido o país e o
despertado de sua letargia: a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República
e a Promulgação da Constituição de 1891, fatos que repercutiram profundamente na
história do país. A incorporação de parte da mão-de-obra escrava ao trabalho
assalariado, novas relações políticas advindas do novo regime republicano,
reorganização da vida social, política e econômica.
Atualmente, a Igreja Congregação Cristã no Brasil é a segunda igreja
pentecostal em número de fiéis no Brasil, espalhada por todo o território brasileiro
com maior presença nos estados de São Paulo e do Paraná, além de Rondônia e
Mato Grosso, que receberam muitos paranaenses nos últimos anos. Foi superada
pela Assembléia de Deus na década de 50, mas quando se fala de uma unidade
identitária, a Igreja Congregação Cristã no Brasil é sem dúvida a maior no meio
pentecostal brasileiro. Isso porque a Assembléia de Deus é dividida em vários
ministérios regionais que acabam fragmentando o poder. Não apresentando uma
unidade, mostrando que são várias Assembléias de Deus, cada uma com uma
identidade própria, cada pastor em suas unidades religiosas define com suas
comunidades a sua própria ação religiosa.
A Congregação Cristã é vista e entendida por todos como única no seu
campo, não importando a localização, sua pedagogia fundante é a mesma e pode
ser reconhecida como tal, seja num culto no sertão da Bahia ou no interior do Rio
Grande do Sul, ou ainda no centro da cidade de São Paulo. Os discursos têm
unidade, os procedimentos, as vestimentas, enfim toda a preparação, o
desenvolvimento e a conclusão dos trabalhos religiosos são respeitados
rigorosamente.
16
Paul FRESTON, Breve historia do Pentecostalismo brasileiro, in: Alberto
ANTONIAZZI, Nem anjos nem demônios, p. 70
56
A análise sobre a mulher da Igreja Congregação Cristã no Brasil em
Carapicuíba nas últimas duas décadas deve ser feita a luz dos dados desse
município, desde a sua fundação até a organização e consolidação dessa Igreja em
seu território, onde se expandiu a ponto de ser uma expressão muito significante.
Para sua gente, em grande parte migrante de várias regiões do Brasil, com
suas ressignificações possíveis e necessárias para se integrar a nova vida, a religião
é um dos fatores determinantes para se concretizar a nova leitura.
2.1 – Um breve histórico do município de Carapicuíba
O município de Carapicuíba surgiu originalmente da construção de uma das
12 aldeias fundadas pelo padre José de Anchieta e pelos jesuítas, por volta de 1580,
para catequizar os índios. Primeiramente pertenceu ao município de Santana de
Parnaíba e depois a Barueri. Por volta de 1610 foram registrados os primeiros
conflitos entre autoridades e o clero encarregado pelo lugar, provocando a fuga de
muitos índios, estagnação e o abandono total.
O crescimento populacional da região é marcado pelo aparecimento de
fazendas em Santo Amaro, Itapecerica, Embu e Cotia, colaborando para um
aglomerado urbano na antiga aldeia dos índios, onde os seus habitantes exploravam
pequenos comércios, além de manter várias tradições culturais, tornando-se um
centro folclórico importante de São Paulo. Realiza até hoje a tradicional “Dança de
Santa Cruz”, também conhecida como “Sarabaquê”.
Distante do núcleo inicial cerca de 10 quilômetros, o rio Tiete atraía alguns
moradores em suas proximidades, mas foi com a chegada da Estrada de Ferro
Sorocabana, inaugurada em 1875, pelo seu fundador, produtor de algodão e
industrial de tecido na região de Sorocaba e primeiro exportador de fibra para a
Inglaterra, Luiz Matheus Maylaski. Húngaro de nascimento, viu na ferrovia a
oportunidade de escoar sua produção, além de derivados de ferro, produzidos na
fundição Ipanema, hoje Varnhagem, 20 quilômetros à frente de Sorocaba.
Em 1926, é construída a Estação de Carapicuíba, com o nome de Estação
Sylviania, nome também da vila que crescia em torno da estação. No ano de
1928, chegou ao vilarejo Basílio Wlase Komaroff, ucraniano que tinha
57
conhecimentos de topografia e agrimensura, encarregado de fazer a demarcação
dos lotes. Para facilitar seu serviço, acabou por mudar-se com a família do Bosque
da Saúde, em São Paulo, para a vila que estava surgindo. Tendo bastante
conhecimento entre os imigrantes de sua antiga região, incentivou a vinda de várias
famílias, daí porque se fixaram na região húngaros, russos, ucranianos, lituanos e
poloneses.
Na cidade foi fundada a Igreja Apostólica Ortodoxa Russa de São Serafim,
onde ainda hoje são celebradas esporadicamente missas na língua russa para os
descendentes dos pioneiros, cada vez mais raros, que os jovens não se
interessam pelas tradições. Segundo uma professora de geografia e descendente de
russos, nascida e moradora no município, a igreja encontra-se praticamente
abandonada:
A comunidade está restrita a uns poucos fieis mais velhos. Os jovens não
participam mais dos serviços, cada vez mais raros, desde que o ultimo padre
morreu. E mesmo antes, tinham dificuldades para entender a língua, uma vez
que não pratica o russo, língua em que é rezada a missa.
17
No final da década de 20 houve também um arrendamento de parte das
terras que cercavam o rio Tietê para a exploração de areia. A Sorocabana concedeu
uma cancela para facilitar a escoação da areia do porto para São Paulo, fato que
nessa época gerou vários conflitos entre proprietários e arrendatários pelo
surgimento de verdadeiras crateras deixadas pelas escavações e supostos danos à
natureza.
Além desses grupos de imigrantes citados, na década de 30, cerca de
sessenta famílias de japoneses, cooperadas na extinta Cooperativa Agrícola de
Cotia, produziam no local, batatas, legumes e hortaliças. No mesmo período,
instalou-se na região a Fiação Sul Americana, de propriedade de Pedro e Francisco
Fornasaro, empregando muitas pessoas do município. A Cerâmica Pignatari &
Pazini chegou a empregar 300 operários e em 1948 deu lugar à instalação da
Indústria Nacional de Couros e Afins (INCA).
17
Teodora, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
24/06/2007.
58
A presença de diversas famílias italianas, japonesas, russas, libanesas e
outras são notadas, ainda hoje, nas mais diversas atividades do município, nome de
estabelecimentos, de ruas, praças, escolas, além, é lógico, da presença de seus
descendentes, com sua história e riqueza cultural. Todos esses acontecimentos não
foram suficientes para melhorar a imagem do município. Após a emancipação de
Barueri, em 1964, o município de Carapicuíba não conseguiu o mesmo
desenvolvimento de seus vizinhos que, ao longo dos tempos, conseguiram melhorar
as condições de vida de seus moradores.
O município hoje é mais conhecido pelo problema até pouco tempo sem
solução, do lixão a céu aberto em volta de uma lagoa, considerado o maior da
Grande São Paulo e segundo dados do órgão controlador do meio ambiente no
estado, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, a Cetesb, motivo de
crítica por vários órgãos ligados à preservação do meio ambiente e fechado em abril
de 2001. A lagoa, causada pela extração de areia, finalmente proibida, também
serviu de depósito para parte do material drenado do rio Tietê no afundamento e na
limpeza de sua calha. Existem ainda denúncias de despejos de materiais pesados
como metais, que provocaram uma grande mortalidade de peixes, conforme laudo
da Cetesb, obrigando o governo do estado a mudar o processo de aterro. O local do
aterro abriga hoje uma unidade da Fatec, Faculdade de Tecnologia de o Paulo,
que oferece vários cursos profissionalizantes.
Existe também a promessa da prefeitura de transferir para o mesmo aterro,
todos os órgãos administrativos municipais, duas escolas públicas da região central,
e um grande parque de lazer, promessas que são criticadas, devido às várias
preocupações causadas pelas condições do terreno em questão.
Carapicuíba ainda é lembrada por se localizar entre dois dos mais nobres
bairros da grande São Paulo, Alphaville, com seus atuais 32 condomínios de luxo
que pertencem a Barueri e Santana de Parnaíba. A presença das empresas se
tornou fundamental para que a arrecadação desses municípios permita um
atendimento minimamente decente nas áreas de saúde, cultura, lazer e educação,
além da melhoria das condições de moradia - asfalto, esgoto, iluminação. O outro
condomínio é o da Granja Viana, que se localiza entre Cotia e a própria Carapicuíba,
porém é apenas residencial, ajudando na arrecadação, não tendo o mesmo impacto
que Alphaville, o que provoca um índice de PIB, per capita em Carapicuíba de R$
59
3.573,20, enquanto o de Barueri é de R$ 87.337,92, devido ao fato de abrigar uma
unidade da
Petrobrás,
e o de Santana de Parnaíba é de R$ 10.783,70, segundo
dados do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, publicados em 2003.
Esses índices não deixam vidas sobre as diferenças sociais entre esses
municípios tão próximos geograficamente, porém tão distantes quando se trata de
oportunidades oferecidas pelos dois bairros nobres que pertencem a Barueri e a
Santana do Parnaíba, permitindo uma grande arrecadação de impostos e outros
benefícios. Parte do bairro da Granja Viana pertence à Carapicuíba, mas, mesmo
ajudando na arrecadação, não consegue ter o mesmo peso para as finanças do
município.
Alphaville e Granja Viana constituem-se na maior fonte de oferta de
empregos para o município de Carapicuíba. São postos de trabalho que vão desde
os mais especializados nas empresas de alta tecnologia até aqueles menos
exigentes, ocupados quase que exclusivamente por mulheres: domésticas, diaristas
ou mensalistas; babás, cozinheiras, manicures e outros.
O município apresenta índices sociais bastantes comprometidos quando se
trata da questão social, um dos mais baixos IDH, (Índice de Desenvolvimento
Humano) de apenas 0,793 (PNUD/2000), entre os 39 municípios que fazem parte da
Grande São Paulo, com uma população de 379.566 habitantes (IBGE/2007)
distribuídos em apenas 35 km², proporcionado uma densidade demográfica
altíssima, de 11.141,9 hab/km² (dados do IBGE). A explosão populacional do
município tem a mesma origem das de outras cidades da região metropolitana de
São Paulo. A partir da cada de 50, mas, principalmente nos anos 60 e 70,
quando
sai do patamar de 54.800 para quase 200.000 em 1980 (dados do IBGE), graças
aos milhares de migrantes de outros estados brasileiros. No caso de Carapicuíba,
migrantes de todo o Nordeste, de Minas Gerais e do Paraná.
Esses índices se reforçaram, quando foram implantados na cidade, na
década de 70, os conjuntos habitacionais da Companhia Metropolitana de
Habitação, COHAB, que com seus 2.450.35,00 m² abrigam 71.800 habitantes, e não
por acaso também vários templos de igrejas pentecostais, entre eles, alguns da
Congregação Cristã no Brasil.
60
Os bairros são marcados pela violência e ausência do poder blico,
deixando a população à própria sorte. As igrejas são espaços onde parte da
população procura uma atuação cívica, uma vez que não tem outras oportunidades.
2.1.1 O encontro com as mulheres da Congregação Crisdo Brasil: E.E.
Prof. Celso Pacheco Bentin
O bairro onde se localiza a E.E. Celso Pacheco Bentin, ponto de partida para
o encontro com as mulheres entrevistadas, é a Vila Capriotti, distante 6 km do centro
de Carapicuíba e servido por uma linha de ônibus que liga a estação de trem, CPTM
- antiga FEPASA, até a vila. Não há, além da quadra esportiva descoberta na
escola, outra oferta de lazer para as crianças, jovens e demais moradores. Cercada
por áreas livres, a escola acaba sendo uma válvula de escape para algumas
pessoas da comunidade, principalmente os jovens, que aos sábados e domingos
freqüentam o Projeto Escola da Família, (ainda em andamento) no qual as crianças
jogam tênis de mesa, desenham, têm aulas de reforço, de informática e de xadrez,
atendidas por universitárias que participam do programa do governo estadual.
A escola atende cerca de 2.200 alunos, divididos em três períodos, das 7h às
12h, sendo 19 salas de a série do Ensino Fundamental I, com 18 professoras,
e apenas um professor. No período da tarde, das 13h às 18h, as 19 salas, também
de à série do Ensino Fundamental I, são atendidas exclusivamente por
professoras. As crianças também possuem as professoras especialistas, que
ministram aulas de Educação Física e Artes. Nessas disciplinas, são cinco
professoras e apenas um professor de Educação Física.
No período noturno, das 19h às 23 h, são atendidos em 13 salas, jovens do
Ensino Médio e também jovens e adultos do EJA. Nesse período, o número de
homens ministrando aulas é maior. São 12 mulheres e 10 homens. Nos três
períodos são cerca de 30 funcionários, dos quais 27 são mulheres. Na equipe de
suporte pedagógico, um diretor, duas vice-diretoras e três coordenadoras
pedagógicas.
A Associação de Pais e Mestres, APM, é formada por 21 membros, sendo
que 15 são mulheres, professoras, mães de alunos e funcionárias. Do outro coletivo,
que deve ser parceiro na administração escolar, o Conselho de Escola nove são
61
mulheres no total de 12 membros. As mães dos alunos moram no bairro, muitas
delas trabalham como empregadas domésticas ou em empregos informais. Uma
minoria trabalha em empresas, prestadoras de serviços terceirizados, de outros
municípios.
A falta de saneamento básico é a característica mais acentuada no entorno
da escola e de forma geral de toda a região, além de problemas como violência,
desinteresse gerado pela falta de perspectivas, envolvimento com álcool e outras
drogas, gravidez precoce e outros comuns a esses ambientes.
Na cidade as Igrejas pentecostais oferecem numerosas atrações, para não
falar no mecanismo de proselitismo. Nesse sentido é atrativa a hipótese de
que o católico vai para as Igrejas pentecostais porque exilou-se de seu Deus
num dado momento; e o protestante tradicional o faz porque o seu Deus foi
exilado pela própria igreja.
18
Nesse universo, marcado pela presença da mulher que cuida das crianças em
casa e na escola, com uma dupla jornada ampliada com visitas religiosas a várias
igrejas que se instalam no bairro e em todo o município, é que se a reprodução
do que ocorre na sociedade ou a resistência a esse cotidiano no trato com seus
alunos e filhos. Uma vez que a educação é praticamente uma obrigação apenas da
mãe, quando alguma coisa não bom resultado, ela é a única culpada. Nos seus
discursos, percebe-se que ela se sente realmente responsável.
Essa situação vivenciada no dia-a-dia foi determinante para a decisão de se
estudar um grupo específico desse lugar, as mulheres protestantes, pentecostais da
Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba. Mulheres que nos chamam a
atenção, primeiro pela pobreza social em que vivem, depois pela forma como tentam
educar seus filhos com valores apreendidos na sua denominação e que em boa
parte não têm mais lugar na educação geral da nossa sociedade - a regulação no
uso da TV, Internet, modas e costumes.
Quando iniciamos o trabalho, a visão que tínhamos dessas mulheres da
Congregação era reducionista: todas eram pobres, dignas, resignadas, semi ou
analfabetas. Com o aprofundamento da pesquisa, percebemos que havia outras
mulheres da Congregação que não se encaixavam no perfil já pré-estabelecido
18
Antonio Gouvêa MENDONÇA; P. VELASQUES FILHO, Introdução ao
protestantismo no Brasil, p. 240.
62
como sendo o das mulheres pentecostais da Congregação Cristã no Brasil, uma vez
que, eram atuantes na sociedade e quando questionadas, posicionavam-se sobre os
mais variados assuntos. Cabe, portanto, nos perguntarmos sobre a ambigüidade
presente nessas mulheres. Para tanto, apresentaremos a forma de implantação e o
desenvolvimento da Congregação Cristão no Brasil em Carapicuíba. O jeito de ser
destas mulheres pode estar relacionado com o município no qual elas vivem?
2.2 - A Igreja Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba:
implantação e desenvolvimento
A Igreja Congregação Cristã no Brasil chegou ao município de Carapicuíba na
década de 1940, com a mudança de famílias convertidas em outras regiões, que
se reuniam a princípio na Vila Ana Maria, na casa da família de um senhor chamado
João – que segundo informações era de origem italiana -, passando para uma
pequena igreja em 1946 na Av. Inocêncio Seráfico, ampliada em 1947 e, que
durante muito tempo, foi à igreja central da denominação.
O primeiro diácono, Manoel Figueiredo, foi ordenado em 21 de abril de 1966
pelo ancião João Finotti. Até então a igreja era atendida pelo ancião do bairro da
Lapa, em São Paulo, João Grechi, um dos mais antigos da Congregação, tendo sido
ordenado na sede do Brás, em 1938. A central de Carapicuíba mudou-se para a Av.
Ângela P. Tolaine, antiga Rua Ypê, em 1969. Foi reformada em 1970 e desde então
conserva a mesma fachada e estrutura, tendo apenas sido acrescidas algumas
salas anexas, onde funciona a administração, além de um tanque batismal.
O primeiro ancião foi ordenado apenas em 15 de abril de 1975. Norival
Zanelato foi ordenado por Miguel Spina, ancião da central do Brás. Profundamente
marcada pela presença dos italianos e seus descendentes, a igreja apresentou
durante os primeiros anos no município um pequeno crescimento pelos bairros mais
próximos ao centro, restrito ao círculo familiar e de amigos mais chegados. No final
da década de 60 e durante toda acada de 70, a chegada de milhares de
migrantes do Nordeste, de Minas Gerais e do Paraná deu outro caráter à cidade. Em
busca de melhoria nas condições de vida, essas pessoas se instalaram próximo a
grandes empresas de outras regiões, como Osasco, Leopoldina, Lapa e São Paulo,
ligadas pelos trens da linha férrea da CPTM.
63
Um dos primeiros núcleos da igreja fora do centro foi a casa do baiano
Olegário, trabalhador de uma das empresas que participou da construção da
Rodovia Castelo Branco, na região de Barueri, na década de 50. Segundo ele,
convertido a igreja quando tomou conta de um galpão onde eram guardadas as
ferramentas e máquinas da empresa, num lugar denominado Fazenda do Conde, as
noites de sábado e domingo eram bem solitárias. As únicas pessoas que passavam
por ali eram dois ou três homens de bicicleta que lhe chamavam a atenção pelas
vestimentas, ternos com gravatas. Um dia um desses homens parou e o
cumprimentou. Após breve conversa, o convidou para participar da reunião de uma
igreja que ocorria em uma das casas de uma antiga olaria ainda em funcionamento,
perto dali.
Depois de algum tempo, Olegário acabou indo para ver o que era essa
reunião, também para se afastar um pouco da solidão que sentia, principalmente
nos finais de semana, quando ficava completamente e apertava a saudade da
esposa e dos filhos que haviam ficado na Bahia. Seu relato:
Quando cheguei, a reunião havia começado, tinha cinco pessoas, duas
mulheres com véus na cabeça, e três homens de ternos e gravatas, me senti
meio deslocado, porém, logo em seguida, uma das pessoas pediu para que
eu falasse um número, para que eles cantassem um hino, falei 55, e foi
maravilhoso, depois disso, voltei várias vezes, até que eu trouxe minha
família da Bahia. Quando eu mudei para a Vila Cristina em Carapicuíba
(1952), havia 04 igrejas, a central, a da Aldeia, a do Jd. Guapiúva e a da Vila
Crett. Então a minha casa se tornou um ponto de Reunião.
19
Olegário, que foi batizado em 1953 na central do Brás pelo ancião Miguel
Spina, conta como foi difícil o começo da “obra de Deus” no município. Tudo era
muito longe e eram péssimas as condições de acesso para poder freqüentar a
“igrejinha” que existia na Aldeia. Foi preciso “abrir uma picada a facão pelo mato”.
Quando chovia, era impossível chegar nesse lugar. Tinha problemas com sua
mulher que, embora não fosse católica praticante, dizia que não podia aceitar a nova
religião em respeito a um apelo de seu pai, que havia pedido a ela, ainda na Bahia,
que não passasse “para lei de crente”, pois havia escutado que o genro em São
19
Olegário, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
07/06/2007.
64
Paulo andava com “essas bobagens”. Durante muito tempo, quando tinha reunião
em casa, ela ficava nos fundos sentada, não ouvia a palavra. Até fazia café para os
irmãos, mas não ficava perto durante os cultos e também não criticava:
... aquilo me incomodava muito, mas fiquei na comunhão, pois Deus tocou no
meu coração que aquilo seria rápido e foi. Depois de muita insistência minha
para que visitasse a igreja (na Aldeia), numa das suas primeiras visitas, ainda
no caminho de volta para casa, ela me surpreendeu dizendo que aquilo que
ela ouviu era certo e a partir daí passou a ir em todos os cultos, com a graça
de Deus obedeceu logo, “se batizou”.
20
Desse pequeno núcleo familiar, resultou hoje uma grande igreja, a de Vila
Cristina, onde para o grande orgulho de Olegário, um dos porteiros é seu filho.
Entretanto, também conta com certa mágoa sobre uma das filhas, que foi criada na
graça, mas se desviou do caminho reto. O comentário a respeito desse e de outros
“desvios” não são geralmente acompanhados de repreensão, mas de uma
resignação. Ouvimos dele, e depois em vários outros relatos, frases resignadas
como: “O que é de Deus a ele volta”, “A vontade do senhor será cumprida”, “mas se
seu nome estiver no livro eterno não tem jeito”, porém, nenhuma frase supera a “se
não for por amor, será pela dor”.
Hoje, Olegário congrega sozinho, pois pouco mais de um ano ficou viúvo e
mora só, mesmo contra a vontade dos seis filhos que temem por sua saúde, pois
morar só aos 88 anos pode ser perigoso. Argumento como esse e outros não
conseguem convencer o fiel, que se recusa a alugar ou vender a casa para morar
com os filhos. Ele mantém uma regra espartana: acorda todos os dias as 5h, toma
café preto, faz sua oração de joelhos, canta um hino e sai para caminhar. Na
caminhada, que dura em média duas horas, ele diz que encontra com muitos
irmãos, conversa com eles, obtém informações de famílias que precisam de ajuda e
comunica para a Obra da Piedade. Também visita igrejas que estão em construção
ou reforma, embora tenha sido “proibido”, uma vez que não consegue ficar parado e
quer ajudar, preocupando os irmãos. Uma de suas filhas ajuda nas atividades
domésticas, “servicinho de mulher”, almoça às 12h, dorme um pouco, anda mais à
tarde, congrega quase todos os dias, na sua comum, ou ali por perto mesmo. Às
20
IDEM, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
07/06/2007.
65
21h30min está dormindo. O grande dilema para o antigo fiel é a insistência dos filhos
para que ela deixe a casa. Afirma que não consegue sair dali, pois será muito
penoso deixar o lugar que serviu de “casa de oração” para o início da obra de Deus,
numa época em que se contava o número de irmãos nos dedos da mão.
Em 1969, os irmãos decidiram que os cultos semanais (terça feiras) que
ocorriam na minha casa, passariam a ser num barraco comprado pela irmã
Alva no Jardim Tonato que Deus havia preparado para ela, eu não queria que
isso acontecesse, fiquei muito abatido, orei e busquei a palavra, então Deus
me tranqüilizou, quando os irmãos vieram retirar a placa, senti um aperto no
coração, quando o irmão José Castro perguntou se estava bem, eu
desabafei, falei da minha tristeza, então ele pediu para os irmãos deixar a
placa onde estava. Dois dias depois, ele voltou e me avisou que a irmandade
tinha concordado em abrir uma outra porta no Jd. Tonato no barraco da irmã,
ajudando assim, a ampliar a obra de Deus na terra. Pude ver mais uma vez
que de Deus é fiel e não abandona os seus servos.
21
Olegário, Rubens, Alva, Maria das Dores, Iraci e outros são a memória viva
dessa denominação que não utiliza outros meios que não seja a tradição oral.
Lamentavelmente são poucos fiéis que mantêm a mesma lucidez e memória
privilegiada ao tratar dos primórdios da igreja no município. Outro que permitiu uma
averiguação mais detalhada foi Salvador, que faleceu no começo de 2008, com 90
anos de idade e que ocupava o cargo de cooperador. Pessoas que sem muita
experiência, muitos analfabetos - Olegário conhece o nome de todos os hinos por
número: “Utilizei a força da minha e a convicção de estar no caminho certo para
aprender isso e para plantar as primeiras árvores que agora estão dando frutos”
22
.
O primeiro diácono ordenado em 1966, Manoel Figueiredo, teve muita ajuda
desses irmãos e de tantos outros de municípios vizinhos, para abrir o caminho para
os que vieram depois. O resultado em Carapicuíba é muito positivo para os
interesses da Congregação Cristã no Brasil.
O irmão Manoel Figueiredo era usado grandemente por Deus tinha um
entendimento da palavra que era uma benção. Trabalhava muito, ajudou
bastante, pois quando foi levantado como diácono, em Carapicuíba tinha
21
Olegário, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
07/06/2007.
22
Olegário, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
07/06/2007.
66
cooperador, e foi muito importante para o crescimento, ia de uma igreja para
outra organizando. No começo do teu ministério eram poucas as igrejas, mas
depois ficou muito difícil, pois a obra de Deus cresceu muito e o irmão teve
que se desdobrar, até ter mais ajuda, mas Deus o abençoou muito.
23
Nesse período, a participação das mulheres era discreta. Pelos depoimentos
obtidos, a função delas era acompanhar os maridos, pois no início não havia Obra
da Piedade. Sair sozinhas em grupos era muito difícil, pois tinham muitos filhos e a
maioria dos bairros não era servida por transportes.
A gente se encontrava nos dias de cultos nas Igrejas, como eram longe, a
gente congregava no máximo duas vezes por semana. Todo mundo se
conhecia, pois eram poucos os servos de Deus. passamos por tudo isso,
graças a misericórdia de Deus. Hoje eu fico vendo as irmãs mais novas e
penso, essas aí, não conseguiria passar por tudo o que as mais antigas
passaram. Era um filho por ano, uma pobreza. Médico, escola, tudo o que a
gente precisava era muito longe. Ainda bem que a gente cotava com Deus.
24
A maioria dos migrantes, em seus primeiros anos de grande cidade, não
conheceu melhores condições de trabalho, saúde, educação, moradia. Pelo
contrário, em muitos aspectos a vida piorou, não havia postos de saúde, escolas
próximas, as casas eram simples barracos, os meios de transporte escassos e de
péssima qualidade, não havia rede elétrica, abastecimento de água e nem esgoto.
Fatores que, em muitos casos, foram motivo para abandonar a região.
A falta de condições mínimas de dignidade contribuiu para que a cidade se
tornasse tipicamente uma cidade dormitório. Seus moradores trabalhavam fora e
não encontravam nela nenhuma atividade que pudesse ser feita. O comércio era
feito em municípios vizinhos, uma vez que não tinha praticamente nada que
atendesse às necessidades dos moradores, que acabavam voltando para suas
casas apenas para dormir, o que ainda acontece com uma grande parcela da
população carapicuibana, embora uma pequena parte consiga ser atendida em
suas necessidades básicas no município, com a implantação das primeiras
faculdades, todas particulares. Algumas pequenas empresas atendem com emprego
um número muito insignificante de moradores e assim permite um incipiente
comércio local, com destaque para os hipermercados. O atendimento básico é
23
Rubens, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
07/06/2007.
24
Alva, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba, 15/06/2007.
67
precário e tem piorado, devido ao crescimento desordenado da ocupação irregular e
da população.
É na área de lazer, porém, que a situação é dramática: não é oferecida
nenhuma atividade cultural, não cinemas, teatros, shoppings ou qualquer
alternativa. O município tem três parques, porém sem nenhuma estrutura para
atividades físicas mais elaboradas; não oferecem muitas condições físicas e nem
segurança para o uso.
A ausência quase total dos poderes públicos é notada por todos os bairros da
cidade. A organização do espaço é a prova de uma total falta de planejamento e
visão para o futuro: as ruas não m espaço para calçadas, inclusive a principal
avenida - Inocêncio Seráfico - que corta a cidade toda não pode ser alargada devido
aos altos custos para desalojar o comércio desordenado que se formou dos dois
lados em toda sua extensão.
A perspectiva de um futuro melhor para esses pioneiros simplesmente não é
avistada, o que levou muitas vezes ao desespero. Não enxergando alternativa,
muitos desses migrantes buscaram nas igrejas protestantes, e principalmente
pentecostais, uma saída para suas agruras diárias, transferindo suas esperanças,
antes sociais e possíveis na grande cidade para a fé, de alguma forma mantendo
viva a razão para sua busca, uma vez que essas igrejas representariam uma
oportunidade concreta de se aproximar de Deus. Permitiam também a pertença a
um grupo social, sentimento importante para quem chegava à cidade grande sem
nenhum referencial social, sozinhos numa terra que pouco ou nada em comum tinha
com a sua região natal, a não ser a mesma pobreza que ele estava tentando deixar
para trás: “A doutrina pentecostal constitui uma das maneiras pelas quais as
pessoas compreendem a realidade e encontram quadros de referência para a ação
na vida prática”
25
.
Nesse movimento de adesão também é sentida uma maior presença
feminina. O contato desses migrantes com a Congregação Cristã no Brasil no
município de Carapicuíba, durante toda a década de 70, mudou o perfil social
econômico da denominação no município, porém, no aspecto doutrinário, é mantida
a rigidez característica.
25
Beatriz Muniz SOUZA, A experiência da salvação, p.163.
68
A partir da década de 80, a denominação já havia se espalhado por todos os
bairros. A influência italiana foi quase totalmente substituída por indivíduos oriundos
do nordeste brasileiro. O número de mulheres na igreja sempre foi superior ao de
homens, fato evidenciado pela marcante presença feminina nos cultos e atividades
religiosas. comprovado, no entanto, pelos números que são apresentados nos
finais de cultos especiais como a Santa Ceia e os Batismos, onde é feito o balanço
do numero de irmãs e irmãos que participaram.
Em Carapicuíba, os 60 templos (2007) da Congregação Cristã no Brasil estão
espalhados por todos os bairros e, em alguns casos, com menos de 500 metros de
distância um do outro, como, por exemplo, Jardim Planalto, Vila Caprioti, Jardim
Leopoldina e Vila Silviania. Atualmente, a denominação possui apenas sete anciões
(Relatório Anual- Edição 2006/2007) para atender os cultos diários que ocorrem nos
templos, exigindo deles uma verdadeira maratona. Mesmo com o esforço, igrejas
que ficam um bom período sem serem visitadas por um ancião, fato que é sempre
assunto da irmandade:
O nosso cooperador renunciou ao cargo, alegando motivos particulares,
porém, sabemos que foi por falta de solidariedade dos irmãos que sabem
criticar. Bom, agora estamos sem ninguém para atender os cultos. Irmãos
visitantes e alguns anciães que Deus prepara é quem esta pregando a
palavra, é até bom, pois assim, recebemos mais anciões do que antes,
porém, estamos sem muita orientação. Até a nossa santa ceia desse ano
(2008) não foi marcada ainda.
26
Cada uma das igrejas é atendida por um cooperador (63) e em muitas delas
também por um diácono. No município de Carapicuíba eles o 14. Poucas
possuem um ancião. A hierarquia obedece à estrutura geral. A central localizada no
bairro do Brás, em São Paulo, emite as ordens a serem seguidas por toda a igreja,
decididas pelo Conselho de Anciões que, na prática, é quem dirige a Congregação
no Brasil. Por sua vez, a central de Carapicuíba repassa para todo o município as
ordens recebidas através de uma Administração Regional, criada nos locais em que
a Obra cresceu muito e para desafogar a Administração Nacional.
26
Ester, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,08/06/2007.
69
Essa central é onde se concentram os batizados, porém qualquer pessoa que
deseja se batizar pode fazê-lo em qualquer município, não tendo a obrigação de ir
até a central. O prédio da central se localiza próximo ao centro do município, embora
não seja por isso que recebe a denominação de central, uma vez que em outros
municípios a igreja central está localizada em bairros distantes do centro da cidade.
O prédio possui alguns pavimentos a mais, destinados a reuniões gerais dos líderes,
anciões, cooperadores, diáconos, tesoureiros e porteiros; possui oficinas de costura,
onde irmãs voluntárias se revezam fazendo roupas para doações da Obra da
Piedade.
A igreja central hoje tem como ancião Vitor Aparecido, ordenado em 14 de
abril de 1985, auxiliado pelo cooperador Manoel Julio Almeida, pelos diáconos
Narciso Teixeira Ferreira, Domingos Foltran e Paulo Roberto Alves. Na observação
dos sobrenomes dos líderes fica evidenciada a substituição dos antigos líderes
descendentes de italianos por brasileiros, fenômeno repetido em todo território
brasileiro.
A Congregação Cristã em Carapicuíba mantém intensas e constantes
atividades de reforma e construção de novos templos pela cidade, em terrenos
adquiridos apenas por doação espontânea. São obras tocadas pelo trabalho
voluntário de irmãs e irmãos que não medem esforços aos finais de semana, em
folgas ou férias. A compra de terrenos para essa finalidade é bastante divulgada nos
cultos.
Esses mutirões de construção são acompanhados por uma estrutura que
permite aos irmãos cortar cabelos, consultar advogados, médicos, além de tomar
café e fazer as demais refeições sem sair do local das obras. É muito comentado e
dado como testemunho, também nos cultos, casos de doações de material de
construção, atribuídas a intervenção divina, que a falta desse material coloca em
risco a continuação da obra. Como o testemunho abaixo sobre a construção de um
templo na Vila Santa Catarina, em Carapicuíba:
Estávamos parando a construção por volta das 13:00 horas, que tinha
acabado o cimento e não tinha como continuarmos, dobramos os joelhos em
oração e quase que imediatamente parou um caminhão de um depósito de
material com cinqüenta (50) sacos de cimento, muita pedra e areia. Foi uma
70
grande emoção e demos muitas glórias e aleluias. O doador não quis se
identificar, pois assim é a obra de Deus na terra.
27
Esses comentários servem de estímulo para futuras obras a serem
empreendidas. Mais uma vez, fica nítida a pedagogia da igreja que privilegia a
repetição dos exemplos por meio do testemunho oral, no qual se enfatizam textos
bíblicos apropriados para a ocasião. São formadas equipes masculinas de
voluntários, pedreiros, carpinteiros, marceneiros, encanadores, eletricistas, pintores
e muitos ajudantes não especializados para construções de templos em outras
cidades de São Paulo, e a em outros estados brasileiros. As equipes são
formadas, em sua maioria, por homens aposentados que tem ajuda financeira para
essas empreitadas, feitas em nome da fé e da ampliação da obra de Deus.
Ocorrem também algumas orientações sobre as construções: a que horas
devem chegar se residirem perto da construção; devem-se dirigir a suas casas nos
horários das refeições; não se ausentar por muito tempo em horário de serviço;
Existe, enfim, todo um conjunto de regras que é repetido exaustivamente para evitar,
segundo alguns pregadores, constrangimentos na irmandade.
As igrejas evangélicas estão presentes em todos os bairros do município
desde o início da década de 50, com a fundação das igrejas Presbiteriana
Independente, Batista, do Evangelho Quadrangular, Assembléia de Deus e Reino
das Testemunhas de Jeová. Esse período é aceito como o início das igrejas em
Carapicuíba, porém sabe-se que desde a chegada dos primeiros europeus e
descendentes contávamos com a presença de várias pessoas de filiação
evangélica, a maioria de denominações tradicionais européias, que se reuniam nas
casas dos membros desses grupos religiosos.
Segundo dados do IBGE do ano de 2000
28
, atualmente o município apresenta
a seguinte distribuição religiosa entre as igrejas protestantes:
Igrejas Protestantes Porcentagem (%)
27
Adelmo, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
13/05/2007.
28
www.ibge.gov.br/censo. Acesso em: 11 set 2008.
71
Congregação Cristã 6,5
Assembléia de Deus 5,1
Igreja Universal do Reino de Deus 1,9
Igreja Quadrangular 1,6
Batista 1,2
Presbiteriana 0,7
Adventista 0,6
Luterana 0,0
Outras Pentecostais 4,7
Outras Evangélicas 1,1
Outras de Missão 0,2
Esses índices apresentados pelo IBGE no ano 2000 mostram uma
penetração da Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba mais ampla do que na
maioria das outras cidades que compõem a região metropolitana de São Paulo. Uma
das explicações encontradas é de que a Igreja teve um grande crescimento a partir
da década de 50, coincidindo com a verdadeira explosão demográfica do município
com a chegada dos migrantes que, ao se estabelecer, acabaram por atrair mais
familiares e a conhecidos para o novo local. Como foi dito, a Congregação
Cristã no Brasil se caracteriza pelo proselitismo de seus fiéis no núcleo familiar ou
mais próximo de seu convívio, isso somado à pequena extensão territorial, às
condições de pobreza e à tentativa de uma saída espiritual para seus problemas,
contribuíram para tamanha disseminação da denominação entre os moradores
locais.
Diferente das outras igrejas protestantes, que buscam converter católicos, a
Congregação Cristã no Brasil busca seus adeptos entre outras igrejas protestantes,
convidando-os para fazer uma visita em seus cultos comuns, pois entendem que
esses “estariam no caminho”. Embora seus fiéis não gostem de discutir religião
com algum fiel de outra denominação, eles enfatizam seus usos e costumes e têm a
72
certeza de ser a igreja escolhida por Deus aqui na terra e a única a ser arrebatada
por Jesus, quando se cumprirem os dias.
Aos seus adeptos é passado o ensinamento de que não se deve associar aos
infiéis em negócios desta vida, nem tampouco em enlaces matrimoniais. É obrigação
do ancião ou cooperador apresentar com cuidado essa exortação feita à igreja, a fim
de evitar uma ruptura no plano de Deus.
Eu não fui ao casamento da minha filha, pois ela era católica, e o casamento
foi na Igreja e nós temos ensinamento que não devemos nos misturar, além
disso, também não pude comer nada do que foi servido, pois consideramos
que aquilo foi consagrado aos ídolos e, não podemos nos alimentar com tais
comidas.
29
Esse item é bastante controverso, pois os fiéis também o ensinados a não
se alimentarem em festas religiosas, criando muitos problemas para algumas
famílias, como no caso de Teresa, acima citada. A filha e o genro eram católicos
praticantes e não aceitaram pacificamente a atitude “intransigente” da mãe, uma vez
que o pai, mesmo sendo “crente”, conduziu a filha até ao altar e assistiu toda a
cerimônia. Essa sua atitude louvável aos olhos de parte da família acabou sendo
ofuscada pelo fato de não ter comido nenhum alimento servido, junto com a esposa
e mais alguns adeptos da Congregação Cristã que estiveram presentes na
recepção.
Em relação à escola, também ocorrem alguns problemas advindos de
proibições doutrinárias. Os pais não devem permitir que seus filhos participem de
festas do dia das bruxas - Halloween - que nos últimos anos tornaram-se bastante
populares nas escolas. A não participação nesses eventos provoca situações
constrangedoras para algumas crianças. Elas também não participam de festas
juninas, pois são realizadas em homenagem a santos católicos, impossibilitando que
as crianças possam comer qualquer das guloseimas comuns a essas celebrações
folclóricas. Esses dois ensinamentos se acabam tornando pontos de conflito na
escola, uma vez que alguns educadores não aceitam nem discutir o assunto, por
considerar ignorância dos pais impedirem os filhos de comparecer a esses eventos.
29
Teresa, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
09/06/2007.
73
Os pais, por sua vez, argumentam com o direito da livre escolha de religião e
o fato incontestável de serem os responsáveis legais por seus filhos. Essas
divergências são bastante comuns na escola, não se restringido apenas a filhos de
membros da Congregação e nem apenas a esses dois eventos específicos. Quase
todas as datas comemorativas são fontes de desavenças entre os responsáveis
legais pelas crianças e aqueles que vêem em algumas dessas datas, possibilidades
de educar. São igrejas que proíbem a participação de seus fiéis em comemorações
de Carnaval, Páscoa, Dia das Mães, dos Pais, Dia da Criança e outros menos
populares, mas, nem por isso, toleradas por algumas denominações religiosas.
Essas questões comuns à escola, facilitaram a minha aproximação dessas
mulheres que normalmente ao reclamar, ou informar que seus filhos não irão
participar de alguma atividade, procuram a Direção da Escola, e entram em contato
para justificar suas atitudes, baseadas em motivos religiosos.
Esses encontros acabaram possibilitando um primeiro diálogo e abriram
possibilidades para novos encontros, a fim de tentar entende a aplicação de ensinos
religioso nas suas vidas como um todo.
2.3 - O tratamento do gênero no interior da igreja
Entre os tópicos divulgados pela assembléia de 3 de abril de 2007, na sede
do bairro do Brás, alguns dão sinais de como a situação da mulher é vista e ao
mesmo tempo valorizada pelos ensinamentos da doutrina da igreja, no sentido de
difundir a pedagogia que trata da mulher e de seu papel na Congregação e na
sociedade em geral. Um desses tópicos de ensinamento, que deve ser lido em todos
os templos do Brasil, ilustra bem a situação feminina:
Ultimamente, vem se observando que a vaidade e os costumes mundanos
estão se alastrando no meio do povo de Deus. A irmandade em geral, tem
responsabilidade perante Deus de se enquadrar na doutrina.
As irmãs devem evitar trajes exagerados, trajando sempre roupas modestas.
As santas do senhor não devem usar pinturas, nem depilar as sobrancelhas
ou tingir os cabelos, nem darem-se à exibição de jóias. Devem ter os cabelos
74
crescidos, conforme a Palavra. Vestidos decotados, sem mangas, saias
curtas ou abertas, roupas transparentes ou modelos indecorosos, não devem
fazer parte dos costumes das irmãs.
30
Ainda nesse tópico, a igreja alerta os jovens em geral contra o uso de
piercings, tatuagens e penteados exóticos. Além das pinturas de cabelos e de
bigodes que os irmãos não devem fazer, entrando assim na disciplina. Porém é com
a mulher a maior preocupação, pois anualmente se fala a mesma coisa. Por que a
necessidade de insistir tanto nesse assunto?
Como uma construção sócio-cultural, a religião influencia e é influenciada pelo
meio. Na tentativa de analisar a mulher na Igreja Congregação Cristã no Brasil,em
Carapicuíba, também analisaremos a relação de poder entre os gêneros, o que ou
quem, em que determinado período histórico, dá significado ao feminino e ao
masculino.
A mulher pode tocar órgão na igreja por ser um instrumento discreto, fico
sentada no meio da orquestra, com a cabeça coberta com o véu. Como tem
muitas irmãs sabem tocar o órgão nós nos revezamos. Cada irmã tem seu dia
definido, nos cultos especiais, acontece de cada uma tocar apenas um hino.
31
Nossa pretensão nessa parte do capítulo é discutir a questão da construção
da categoria gênero dentro da Congregação Cristã no Brasil para entender como se
a dominação da igreja pela minoria; como foi possível manter até hoje uma
maioria silenciosa. Para discorrer sobre o assunto vamos adentrar na discussão do
feminismo, uma vez que é ele que traz a questão para o centro do debate. “Pensar a
dominação masculina com um começo no tempo, impreciso e vago, mas que
permite desligar a subordinação das mulheres da evolução ‘natural’ da humanidade,
e entendê-la como um processo histórico de revolução de conflitos”
32
.
Abordaremos o uso do conceito do patriarcado, que se tornou insuficiente
para dar conta do debate. Na medida em que avançam as discussões, surgem
questões mais específicas como opção sexual, violência, questão racial, religião,
30
CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL, Tópicos de Ensinamentos, 72ª
Assembléia da Congregação Cristã no Brasil, 2007.
31
Ana, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba.
32
Teresita de BARBIERE, Sobre la categoria gênero: una introducción teórico-
metodológica. In: Sandra AZEREDO; Verena STOLCKE (coord.), Direitos
reprodutivos, p. 41.
75
partidos políticos e outros, ou seja, as diversidades culturais nem sempre são
contempladas. No âmbito da literatura, a crítica feminista tem o intuito de desvelar os
fundamentos ideológicos patriarcais.
Vejamos a análise introduzida no Brasil pelo movimento feminista, segundo
Sônia Correa, bastante ligado ao marxismo e tendo como referencial o livro de
Engels, História da família, propriedade privada e do Estado:
Esse enfoque marxista identifica a sexualidade feminina aos meios de
reprodução naturais, controlados pelos patriarcas interessados em assegurar
o domínio sobre a economia. A tônica do controle à sexualidade feminina
recaia sobre a necessidade de garantir a posse dos bens matérias pela
hereditariedade.
33
Desde meados do século XX, quando se fortalece o feminismo,
principalmente com a publicação do livro de Simone Beauvoir, o Segundo Sexo,
mostrando as origens da submissão do sexo feminino e que, segundo os estudiosos,
marca um novo tempo nas lutas reivindicatórias, em boa parte embasada na
ideologia marxista, a luta das mulheres se reflete no fortalecimento do movimento de
liberação.
A construção e a reprodução da dominação sexual aparecem em todas as
atividades dessa denominação, historicamente construída. Gênero aqui é tomado de
Joan Scott, que o conceitua como uma categoria útil à história em geral e não
apenas à história da mulher, uma vez que ela enxerga até na organização espacial
das cidades modernas a constituição e o reflexo das diferenças de gênero,
chamando a atenção para um entendimento entre os sexos. O gênero significado
às distinções entre os sexos, não como categorias fixas:
O gênero implica quatro elementos inter-relacionados: em primeiro lugar, os
símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações simbólicas
(e, com freqüência, contraditórias) (...), em segundo lugar conceitos
normativos que expressam interpretações dos significados dos símbolos, que
tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas (...), esse tipo de
análise deve incluir uma concepção de política bem como uma concepção de
política bem como uma referencia às instituições e à organização social
33
Sônia CORREA, Gênero e sexualidade como sistemas autônomos, In: R.
PARKER; R. BAARBOSA (org.), Sexualidades brasileiras, p.149-159.
76
este é o terceiro aspecto das relações de gênero (...) o quarto aspecto do
gênero é a identidade subjetiva.
34
Joan Scott as relações entre os sexos como sendo construídas
socialmente, porém não é isso, pois não daria conta de como essas relações são
elaboradas de forma a privilegiar o sujeito masculino. A autora ultrapassa a noção
de apenas construção social, uma vez que ela não explica o funcionamento e como
se deu sua própria construção e suas mudanças. Para preencher essa lacuna, a
autora afirma que gênero:
... tem duas partes e diversas subpartes. Elas são ligadas entre si, mas
deveriam ser distinguidas na análise. O núcleo essencial da definição repousa
sobre a relação fundamental entre duas proposições: gênero é um elemento
constitutivo das relações sociais, baseadas nas diferenças percebidas entre
os sexos e mais, o gênero é uma forma primeira de dar significado às
relações de poder.
35
A autora faz então a articulação com a noção de poder no meio social que,
quando associado ao homem, está ligado à objetividade, à racionalidade, à
cientificidade, ao profissionalismo e ao rigor. Quando ligado a mulher se vincula à
afetividade, ao cuidado e à maternidade.
O uso do gênero como categoria analítica nos conduz a construção de
significados a partir da distinção feminino/masculino como produção do saber em um
determinado contexto, para ligá-la às relações de poder que ocorrem. Não diz
respeito ao estudo de mulheres ou de homens isoladamente, mas sim às relações
entre ambos, como um processo que é histórica e culturalmente construído.
A mulher tem que se colocar no lugar dela, não pode ser falante nem
intrometida. Eu concordo com o ensinamento de que quando a mulher estiver
sozinha em casa, não deve receber nenhum homem, mesmo que “irmão da
igreja”, pois isso, é dar mal testemunho. A mulher deve se preservar.
36
34
Joan SCOTT, Gênero: uma categoria útil de análise histórica, p.71-99
35
Ibid., p. 71-99.
36
Lazara, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, em 10/06/2007-
Carapicuíba.
77
As linguagens e o papel das diferenças percebidas entre os sexos na
construção de todo o sistema simbólico constituem o foco de Scott, defendendo que
todas as relações sociais são relações de poder, percebidas como: “Constelações
dispersas de relações desiguais, discursivamente constituídas em ‘campos de
forças’ sociais e não como algo “unificado, coerente e centralizado”
37
.
A expansão da fé pentecostal entre a população brasileira e a inserção da
mulher desse segmento religioso nas novas atividades sociais repercute em todas
as denominações religiosas do país e, não na Igreja Congregação Cristã no
Brasil de Carapicuíba, onde essa nova atuação apresenta mudanças no
comportamento das mulheres fora da Igreja, uma vez que no ambiente religioso não
se nota nenhuma mudança que se possa chocar com a doutrina estabelecida. A
submissão da mulher nessa denominação é evidente: não pode exercer nenhum
cargo ministerial, não participa de nenhuma das decisões da igreja; cabe a ela a
manutenção da tradição que constitucionalmente é masculina e imutável, uma vez
que tais regras fazem parte da revelação divina quando foi constituída a “obra de
Deus”:
As mulheres podem sim, dirigir uma oração, nas casas das irmãs que a gente
visita, no caso quando não tiver nenhum irmão para fazer isso, pois é isso
que diz a palavra de Deus, mas temos toda a liberdade de profetizar. A
liberdade existe, mas não podemos escandalizar, pois somos vigiadas
quando erramos pelas outras, que perguntam. Voce não é da
Congregação?
38
As condições históricas e sócio-culturais dos vários grupos em seus espaços,
perpassadas pela trajetória de cada indivíduo, irão refletir sobre a construção de
papéis e conceitos femininos e masculinos. Aparentemente aceitas como fato
consumado, porém, essas diferenças são colocadas em xeque, pois havia o
pensamento dominante, desde o séc.II do paradigma de sexo único, inspirado na
idéia de Herófilo, um anatomista do séc.III a.C., para quem os órgãos reprodutivos
do homem e da mulher eram apenas um, o masculino. O órgão genital feminino era
a reprodução do genital masculino; o ovário, durante dois mil anos, não teve um
37
Joan SCOTT, Gênero: uma categoria útil de análise histórica, p. 71-99.
38
Priscila, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
19/05/2007.
78
nome especifico, ficava na parte interna do corpo, ao contrário dos testículos,
situados na parte externa, devido a ausência de “calor vital-perfeição”:
Ser homem ou mulher era manter uma posição social, um lugar na sociedade,
assumir um papel cultural, não ser organicamente um ou outro de dois sexos
incomensuráveis. Em outras palavras, o sexo antes do século XVII era ainda
uma categoria sociológica e não ontológica.
39
O avanço da ciência vai possibilitar uma ampliação dos horizontes na busca
de respostas mais complexas. A biologia tem um papel importante na questão da
descoberta dos corpos, pois até o século XVIII ligava o prazer sexual à ordem
cósmica. Quando se deixou de acreditar nisso, a nova biologia buscou as diferenças
fundamentais, entre as quais a questão do prazer feminino que surge exatamente
quando a velha ordem social é abalada. Houve um interesse político em se
diferenciar anatômica e fisiologicamente o homem da mulher, novas interpretações
do corpo que não resultam apenas da ciência, mas do rumo de seu desenvolvimento
implicado à política. “Produziu-se, então, uma revolução que continua em processo,
da qual não sabemos ainda todos os seus desdobramentos e conseqüências nos
registros psicológico, ético e político”
40
.
.
Novas formas de explicar o corpo são formuladas a partir do avanço das
ciências naturais e, então, ocorre a substituição da anatomia e da fisiologia por
hierarquias na representação da mulher em relação ao homem, onde as mulheres
são tidas como mais conservadoras, de caráter fraco, feitas apenas para o
casamento e para a maternidade, proibidas de comparecer a lugares públicos
associados ao masculino e por isso vedados ao sexo frágil, para garantir a
submissão, utilizando das novas condições disponíveis para a consolidação desse
sistema.
Eu sei que é pecado, mas estou separada a 11 anos, meu ex-marido
desapareceu, não posso casar de novo no civil, pois ele não é morto. Por isso
fui falar com o ancião, que estava gostando de um irmãozinho, mas ele disse
que isso era adultério, pois não sou divorciada. Expliquei para ele que não
tinha acontecido nada, estava gostando do irmão. Ele disse que o fato
39
Thomas LAQUER, Inventando o sexo, p.19.
40
Joel BIRMAN, Gramáticas do erotismo, p.34.
79
de gostar dele, era adultério e também fazia com que ele estivesse em
adultério. Fazer o quê? me afastei, embora seja pecado, acho que a igreja
devia ser mais compreensiva. Pois dou bom testemunho e mesmo assim não
posso nem namorar certo.
41
Normas que são moldadas e aplicadas pelas relações de poder e que
segundo Bourdieu:
Se é verdade que o princípio de perpetuação dessa relação de dominação
não reside verdadeiramente, ou pelo menos principalmente de um dos
lugares mais visíveis de seu exercício, isto é, dentro da unidade domestica,
sobre a qual um certo discurso feminista concentrou todos os olhares, mas
em instancias como a Escola ou o Estado, lugares de elaboração e de
imposição de princípios de dominação que se exercem dentro mesmo do
universo mais privado, é um campo de ação imensa que se encontra aberto
às lutas feministas, chamadas então a assumir um papel original, e bem-
definido, no seio mesmo das lutas políticas contra as forma de dominação.
42
A década de 80 trouxe consigo mudanças no próprio conceito de feminino, na
tentativa de superar os referenciais biológico-sexuais tão enraizados na cultura que,
de um modo geral, diziam respeito à temática feminista. Dessa forma, tentou-se
circunscrever as expressões culturais, sociais e psicológicas da mulher e reconstruir
o conceito de feminino no campo das suas significações simbólicas; passou-se a
investigar, nos diversos domínios da cultura, da sociedade e da história, as relações
de gênero entre mulheres e homens.
A autora Guacira Louro trata dessas relações lembrando em particular que,
como mulher, sabia que a sexualidade era um assunto privado. O sexo parecia não
ter nenhuma dimensão social; era um assunto pessoal. “Os corpos ganham sentido
socialmente. A inscrição dos gêneros feminino ou masculino nos corpos é feita,
sempre no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa
cultura”
43
.
41
Gessi, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, em 12/06/2007-
Carapicuíba.
42
Pierre BOURDIEU, A dominação masculina, p.10-11.
43
Guacira Lopes LOURO, O corpo educado, p.11.
80
Com novas construções simbólicas são criados também outros
relacionamentos e novas formas de se fazer mulher ou homem. O dispositivo
histórico, chamado de sexualidade, ou seja, uma invenção social, é para Foucault:
Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas (...) o dito e o não dito são elementos do dispositivo. O dispositivo
é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos.
44
A mulher da Congregação Cristã do Brasil em Carapicuíba se construiu de
acordo com as mais diversas imposições culturais. A pedagogia da denominação
valoriza as diferenças entre as práticas dos homens e as das mulheres, nada tendo
a ver com a origem biológica; com uma base, material e não somente ideológica, ou
seja, não as mulheres aprendem a ser submissas e femininas, e o controladas
nisso, mas também os homens são vigiados na manutenção de sua masculinidade.
Joan Scott, ao se perguntar sobre as diferenças biológicas entre os sexos, afirma
que não são elas que determinam as desigualdades, pois as mulheres não
conheceram uma melhoria nas relações sociais, mesmo que se constate a mudança
das mentalidades, na luta por relações mais justas e até algumas importantes
conquistas ao longo desse período. Tais conquistas jamais serão espontâneas, pois
as relações de domínio foram construídas de modo a adequá-las aos critérios
estéticos, higiênicos e morais dos grupos a que pertencemos, estabelecendo
divisões que pretendem fixar a identidade. Ela define, separa e, de forma sutil ou
violenta, também distingue e discrimina. Tomaz da Silva afirma:
Os diferentes grupos sociais utilizam a representação para forjar a sua
identidade e as identidades dos outros grupos sociais. Ela não é, entretanto,
um campo equilibrado de jogo. Através da representação se travam batalhas
decisivas de criação e imposição de significados particulares: esse é um
campo atravessado por relações de poder, (...) o poder define a forma como
se processa a representação; por sua vez, tem efeitos específicos, ligados,
sobretudo, à produção de identidade culturais e sociais, reforçando, assim, as
relações de poder.
45
44
Michel FOUCAULT, Micro física do poder, p.244
45
Tomaz Tadeu SILVA, A poética e a política do currículo como representação, GT -
Currículo na 21ª Reunião Anual da ANPED, 1998.
81
Os estudos de gênero já mostraram como as diferenças entre os sexos,
estabelecidas de maneira hierárquica, são construídas historicamente e como as
noções de masculino e feminino são igualmente históricas. No entanto, uma
tendência muito grande em apagar os traços biológicos da constituição das
identidades sexuais que reflete, em nossa opinião, uma relação de medo e ódio à
natureza. Contra o determinismo biológico, neutralizaram-se as diferenças sexuais.
Quando os dominados nas relações de forças simbólicas entram na luta em
estado isolado, como é o caso das interações na vida cotidiana, não tem
outra escolha a não ser o da aceitação (resignado ou provocante, submisso
ou revoltado) da definição dominante de sua identidade ou da busca da
assimilação a qual supõe um trabalho que faça desaparecer todos os sinais
destinados a lembrar o estigma (no estilo de vida, no vestuário na pronuncia,
etc) e que tenha em vista propor por meio de estratégias de dissimulação ou
de embuste a imagem de si o menos afastado possível da identidade
legitima.
46
No caso das mulheres da Congregação Cristã em Carapicuíba, a luta se
em duas frentes contraditórias, porém complementares: a primeira é quando elas
aceitam as imposições teológicas. Na verdade, estão se mostrando resignadas
diante da ideologia que já definiu sua identidade e continuam reproduzindo em
silêncio, no interior da igreja, como diz Bourdieu, por meio de estratégias de
dissimulação a imagem de si, que a pedagogia religiosa continua apregoando. A
segunda frente nessa luta ocorre fora do ambiente da igreja, onde a mulher foi
cooptada pelas novas exigências e necessidades sociais e econômicas de suas
famílias, deixando-se levar pelos discursos adaptativos da sociedade cheia de
armadilhas e, ao mesmo tempo, de premiações, vedadas aquelas mulheres que não
praticam essa parte da luta, que na verdade nada mais é do que o primeiro passo
para ludibriar a ideologia fundante da denominação, que não aceitava ou pelo
menos indicava que suas fiéis não trabalhassem fora:
As novas tecnologias reprodutivas, as possibilidades de transgredir categorias
e fronteiras sexuais, as articulações corpo-máquina a cada dia desestabilizam
antigas certeza; implodem noções tradicionais de tempo, de espaço, de
46
Pierre BOURDIEU, O poder simbólico, p.124.
82
“realidade”; subvertem as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou
de morrer.
47
A Congregação Cristã no Brasil é representada pelos líderes que tem um
discurso afinado com o discurso da instituição, que chega a negar a própria
existência de uma liderança organizada. Entretanto, são esses líderes que
continuam falando em nome de toda a comunidade e para ela, afirmando aquilo que
é relevante e do interesse da Administração Geral, representando a todos, como se
suas determinações fossem inquestionáveis:
... os grupos sociais que ocupam as posições centrais, “normais” (de gênero,
de sexualidade, de raça, de classe, de religião etc) têm possibilidade não
apenas de representar a si mesmos, mas também de representar os outros.
Eles falam por si e também falam pelos “outros” (e sobre os outros).
48
Essa representação no caso da Congregação Cristã no Brasil se de
maneira a evidenciar que ali se produzem homens e mulheres comprometidos
apenas com as questões religiosas, incapazes de qualquer transgressão a ordem
estabelecida, ou mesmo de se inserir nessa ordem, uma vez que para “os santos de
Deus” não é prudente se envolver em “questões do mundo”. Seus eficientes
ensinamentos, onde cada qual deve cumprir o papel construído pela sociedade,
que a igreja afirma abominar como a perdição da vida eterna e acaba reproduzindo
em maior escala até, por exemplo, o lugar do homem e o da mulher, dessa forma
colaborando para formar a identidade social.
Mesmo reconhecendo que a construção do gênero não responde a todas as
relações, pois Butler indicava que o sexo não é natural, mas é também discursivo e
cultural como o gênero, sendo ele uma construção cultural, ainda assim nos
baseamos fortemente no modelo binário da sexualidade homem e mulher. Talvez
o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre ambos revele-
se absolutamente nenhuma:
47
Guacira Lopes LOURO, O corpo educado, p.10.
48
Ibid., p.16.
83
Quando a ‘cultura’ relevante que ‘constrói’ o gênero é compreendida nos
termos dessa lei ou conjunto de leis, tem-se a impressão de que o gênero é
tão fixo quanto na formulação de que a biologia é o destino. Neste caso, não
a biologia mais a cultura se torna o destino.
49
Para a Igreja que ora é tratada, o gênero consegue responder às questões
mais imediatas, tornando-se suficiente, uma vez que está tão consolidado e
aparentemente eternizado, mas essa construção pode ser e está sendo
sorrateiramente colocada em xeque pela mulher, silenciosa, submissa, mas, que de
forma a dissimulada, prepara uma silenciosa desconstrução dessa opressiva
pedagogia.
No capitulo seguinte a pesquisa tratará das relações de gênero levadas a
cabo no interior da denominação religiosa, suas várias formas de atuação e de se
colocar no interior da Igreja. A questão da relação da Igreja enquanto uma
insitituição com os fieis, a manutenção ou reforma de sua doutrina, principalmente
no controle dos comportamentos do ser mulher, pentecostal em Carapicuíba, como
resolver a questão da inserção dessa fiel na sociedade moderna e ao mesmo tempo
mante-la sob o rígido controle doutrinário formulado e mantido todas essas décadas,
desde 1910.
49
J. BUTLER, Problemas de gênero, p. 25-26.
84
CAPÍTULO III: AS MANIFESTAÇÕES DO SER MULHER NA
IGREJA CONGREGAÇÃO NO BRASIL NO MUNICÍPIO DE
CARAPICUÍBA
... ser masculino e ser feminino é um aprendizado histórico,
cultural e social. Ninguém nasce com estes lugares de sujeito
prescritos. Nascer com uma genitália, com o sexo do macho ou
da fêmea, não nos faz, necessariamente, masculinos ou
femininos.
50
Nesse capitulo apresento e analiso o funcionamento da construção do gênero
na Igreja Congregação Cristã no Brasil. O tratamento dispensado a mulher dessa
denominação em Carapicuíba, mesmo percebendo que a mulher idealizada pela
denominação desde sua fundação nunca existiu e que nas ultimas décadas, ela
ficou muito mais distante desse ideal (dona do lar, mãe zelosa, esposa e mulher
carinhosa), não simplesmente por opção dessa mulher, mas, por condições sociais
resultantes das relações sociais políticas e econômicas nas últimas décadas.
As exigências do capitalismo moderno ocorrem de variadas formas. Nas
periferias das grandes cidades, novas necessidades são acrescidas pela ausência
das condições mínimas anteriores, (saneamento básico, habitação, saúde, escola),
ou seja, as novas demandas cobradas da sociedade, não podem ser alcançadas
pelas classes já menos privilegiadas, defasadas socialmente.
É no contexto dessa modernização, da falta de condições sociais, e do pouco
avanço nas relações sociais, que vamos contextualizar a pesquisa da mulher crente
pentecostal da Igreja Congregação Cristã no Brasil da cidade de Carapicuíba-SP, as
mudanças em suas relações internas e externas. A Igreja como instituição social e a
sua relação com a mulher moderna e atuante, mediado pela pedagogia que durante
todos esses anos não só silenciou, mas, acabou moldando esse perfil feminino.
Para essa finalidade dividimos o capitulo em: As mudanças ocorridas nas
últimas duas décadas no comportamento das mulheres da Congregação, sua
inserção no mercado de trabalho e suas lutas pelo tratamento igualitário na
sociedade em que se coloca.
50
Maria Izilda S. de MATOS, Meu lar é – Alcoolismo e Masculinidade, p. 10.
85
A mulher e seu posicionamento dentro da Igreja Congregação Cristã no Brasil
em Carapicuíba mostrado por ela própria, é a voz dessa mulher nas ultimas duas
décadas a sua forma agir e de se comportar como mulher pentecostal, de produzir e
de reproduzir a cultura ao se relacionar com essas mudanças .
As relações de poder e de gênero no interior da Igreja Congregação Cristã no
Brasil em Carapicuíba é tratada tendo como referencia a Pedagogia construída por
essa denominação ao longo dos quase cem anos de Brasil, a mulher reage da forma
que foi educada, em silencio, se posicionando da maneira que lhe resta, seu papel
na sociedade em geral e a repercussão dessa maneira de agir no interior da igreja,
numa constante e mutua ambigüidade, a mulher não reage e a Igreja não pune
mais, fechando os olhos para não ter que punir pela quebra de suas leis.
Nesse capitulo vou tratar da mulher da Igreja Congregação Cristã no Brasil,
de suas angustias, de suas alegrias, de suas certezas e duvidas, relacionadas a sua
atuação na igreja e em que proporção essa atuação esta relacionada ao seu
comportamento na sociedade que elas (es) crentes chamam de mundo”.
Sentimentos esses que foram (pelos menos tentado), capitalizados em conversas ao
longo da pesquisa
3.1 - As mudanças ocorridas nas últimas duas décadas no
comportamento das mulheres da Congregação
3.1.1 – Contextualizando historicamente
Com o final do chamado “milagre econômico”
51
denominação dada à época
de excepcional crescimento econômico ocorrido durante a ditadura militar, ou anos
de chumbo, especialmente entre 1969 e 1973, no governo Médici. Nesse período
áureo do desenvolvimento brasileiro em que, paradoxalmente, houve aumento da
concentração de renda e da pobreza, instaurou-se um pensamento ufanista de
"Brasil potência", desenvolvido pelos governos militares instaurados em 1964,
chegamos a meados da década de 70 com a certeza de que o “país do futuro”
continuaria a ser uma miragem, que embora pudéssemos alcançar, iríamos demorar
muito tempo para isso. A crise internacional do petróleo faz com que o sonho de ser
51
Jennifer HERMANN, Reforma, Endividamento Externo e o Milagre Econômico (1964/1973), In:
Fabio GIAMBIAGI et al. (orgs), Economia Brasileira Contemporânea.
86
potência mundial seja temporariamente esquecido e substituído por preocupações
mais imediatas.
O desemprego que era apenas um fantasma na década de 70 chegou para
assolar as grandes cidades no inicio dos anos 80, é nessa conjuntura que a mulher
se lança ao mercado na ânsia de suprir a falta de emprego de seus parceiros, em
todos os setores, a mulher passou a freqüentar como trabalhadora.
A ampliação da participação da mulher na atividade econômica continuou a
ocorrer nas duas ultimas décadas, mesmo diante do contexto negativo para a
inserção no mercado de trabalho que atingiu a população em idade ativa em geral.
De fato, entre 1981 e 2002, a taxa de atividade feminina elevou-se de 32,9% para
46,6%, ou seja, um acréscimo de 13,7 pontos percentuais em 21 anos.
52
Durante toda década de 1990, o país estabeleceu a nova estratégia liberal de
integração do governo brasileiro, enfrentando resistências internas que lutava contra
as modificações, apostou no fim das fronteiras nacionais e no nascimento de uma
nova sociedade civil e política internacional ou global. Seu diagnóstico era simples: a
globalização era um fato novo, promissor e irrecusável que impunha uma política de
abertura e interdependência irrestrita, como único caminho de defesa dos interesses
nacionais, num mundo onde já não existiriam mais fronteiras nem ideologias.
Todos esses arranjos, adaptações, avanços em áreas da economia e da
sociedade em geral, não foram suficientes para equacionar as diferenças, em
relação ao tratamento dado à mulher em suas atividades sociais, uma vez que
passou a exercer todas as atividades em igualdade com os homens, porém, não
eram tratadas com a mesma igualdade. Salários menores, assédios, discriminação,
violência, jornada de trabalho estafante, falta de apoio dos órgãos públicos, enfim a
mulher se inseriu no mercado, porém, com uma grande desvantagem, pois, as
chamadas tarefas domésticas, cuidados com os filhos, reuniões em escolas,
consultas dicas e trabalhos braçais domésticos não foram divididos na mesma
proporção.
A mulher ao assumir tantas tarefas, teve que elaborar essas mudanças, nas
duas últimas décadas para poder se adaptar a nova sociedade estabelecida no
52
IBGE- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) referente ao período
de 1981 a 2002). www.ibge.gov.br. Acesso: 10 set 2008.
87
mundo. As necessidades criadas pela globalização capitalista e neoliberal vão exigir
uma mão de obra mais qualificada, melhor formada e informada. A mulher de modo
especial começa a se tornar mais visível, destacando-se como empresárias,
executivas, esportistas, políticas e em todas as áreas tornam-se inevitavelmente
uma referencia para milhões de outras mulheres que até pouco tempo em nosso
país “não tinham” necessidade de estudar por exemplo.
É nesse contexto de transformações e novas formações sociais, econômicas
e políticas que eu quero situar a condição de se fazer mulher pentecostal. Como é
possível se manter afastada do que a sua igreja denomina “mundo” e ao mesmo
tempo estar inserida nessas mudanças, inclusive tendo a obrigação de ajudar a
manter seus lares e em muitos casos, ser o único meio de sustento. A escolaridade
é uma realidade contemporânea na vida das mulheres e, por construção social,
principalmente na vida das evangélicas, (tradicionalmente eram forçadas a
casarem-se cedo e não viam necessidade de estudos), principalmente nas áreas
rurais e periferias das grandes cidades.
3.1.2 – A voz das mulheres da Congregação Cristã nas últimas décadas
As mulheres da Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba passaram
pelas mudanças ocorridas no país nas duas últimas cadas. A economia vigente
no país determinou transformações profundas nas suas atitudes, porém, ainda na
igreja mantém-se o mesmo padrão anterior as grandes mudanças. Toda estrutura de
uma igreja é conservadora, impõe as regras (doutrinas) que por uma série de
relações de poder, acabam sendo aceitas e mantidas, porém, fora das relações da
igreja, essas mulheres se adaptaram as novas regras da sociedade moderna e de
forma contrária aos ensinamentos da igreja, disputam o mercado de trabalho e as
relações complexas da nova sociedade (mundo para igreja). Depoimentos às vezes
emocionados, às vezes muito tímidos de mulheres que não conversam com alguém
de fora do seu círculo religioso muito tempo, e por algum motivo se sentem mais
à vontade de falar com estranhos a fé, talvez por acreditarem que “essa criatura”
não tem condição moral de julgá-la, ou então que por não ser um crente fica mais
fácil falar coisas que normalmente não se fala, ou ainda por acreditarem que ao
contar os muitos acontecimentos que elas atribuem a milagres de Deus
88
conseguiriam converter mais um fiel para a “Igreja do Conserto Eterno”. As
mulheres, agora com essa possibilidade, não perderam a chance, muitas falaram, se
expressaram às vezes de forma surpreendente, como é o caso de uma com 63 anos
de idade, que acabou se desabafando em grimas quando o assunto era o
casamento entre membros da igreja:
Sou casada 45 anos, porém, meu casamento nunca teve comunhão, não
era crente, era muito jovem e sem nenhuma experiência. Na primeira noite,
eu estava com muito medo, pedi ao meu esposo, que não tivéssemos nada,
pois estava cansada, (festa de roça no interior do Paraná é o dia todo, a
mulher trabalha “feito uma mula”), foi o suficiente para ele achar que eu não
queria ele, ou então que eu não era mais virgem, pois como pode uma mulher
recusar o marido na primeira noite, alguma coisa estava errada, ameaçou
devolver-me para os meus pais, foi terrível, mudei logo depois para São Paulo
e conhecemos essa graça, meu marido se converteu primeiro, foi o que me
salvou, pois Deus me deu sabedoria e entendimento para manter meu
casamento até hoje.
53
Convertida quase 20 anos, Dona Antonia cuida de três netos de uma
mesma filha que após se separar do primeiro marido voltou a morar com ela e
alguns anos depois foi morar com um novo companheiro, porém, como as crianças
estavam acostumadas “não quiseram” morar com o casal. A avó tenta suprir as
necessidades das crianças, mas, é na parte afetiva que percebemos o estrago
causado pelos desencontros, dois meninos e series, extremamente agressivos
e, uma menina que está na série do Ensino Fundamental II, que a aafirma
não poder controlar:
Não consigo, a menina cabula aulas, não sei onde fica, os meninos vivem
brigando, estou sempre nas escolas, por causa de agressões. A mãe deles
não tem condições de ajudar, tem mais dois filhos da nova união e não
conta nem deles. Então tem que ser eu mesma, mas, estou cansada. Igreja,
eles não vão, nem querem falar do assunto. O avô, meu marido que ainda
tenta dar uns conselhos, mas, estou vendo que é tempo perdido. É dobrar o
joelho e pedir a Deus sua misericórdia é o que ainda me segura.
54
53
Antonia, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
13/05/2007.
54
IDEM, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
13/05/2007.
89
A igreja se torna dessa forma o único refugio para essa e outras mulheres
menos favorecidas, é que pode por alguns momentos se desligar dos seus
problemas diários, se sentir aceita em um grupo, onde não será cobrada pelos
sucessos e fracassos diários, ou seja, se sentir membro de uma “irmandade” de fato
é o que restou para uma boa parcela de mulheres.
As relações que foram afetadas passam pelo interior da igreja de modo
menos visível, pelo próprio histórico da mulher nessa denominação, onde continuou
sendo proibido o corte de cabelos, o uso da calça comprida, maquiagem, jóia ou
outro qualquer tipo de adereço:
Fiquei desempregada quase um ano, precisando trabalhar resolvi aceitar o
primeiro emprego que encontrasse, porém, meu esposo não aceitou que
trabalhasse em uma padaria no bairro em que moramos. Assim depois de um
tempo, encontrei em uma loja de cosméticos e perfume, porém, uma das
exigências é que as moças trabalhem maquiadas, fato que gerou um
problema, pois além de meu marido não aceitar, eu mesma não me sentia
bem, que nasci na graça (na Igreja Congregação Cristã no Brasil) e nunca
tinha me maquiado. Aceitei por necessidade, mas, me maquiava apenas no
shopping e me lavava antes de vir para casa, consegui ficar dois meses,
não me sentia bem ficar o dia todo maquiada, mesmo sendo bem mais leve
que as outras meninas da loja. Dobrava o joelho e buscava a palavra todos os
dias, pedindo uma graça, até que Deus me preparou outro serviço.
55
As saias ou vestidos devem ser abaixo do joelho, pedem para ser sóbrias e
também elegantes, pois da beleza discreta agrada aos olhos de Deus, é comum
ouvir críticas de outras denominações sobre a elegância da mulher da Congregação
Cristã (fazem um desfile de modas), o comportamento deve ser de humildade, esses
requisitos são facilmente aceitos.
O problema é quando essas mulheres tiveram de cumprir outras funções, a
negociação não é explicita, a igreja não tomou uma posição permitindo ou proibindo
novos papéis, na verdade a igreja se omitiu, foi se adequando a nova situação,
porém, de seu jeito as mulheres o faz, de modo a não se sentir descumpridora da
doutrina. O cabelo é aparado nas pontas, as saias são as mais confortáveis
possíveis e em alguns locais de serviço (lojas ou departamentos de atendimento em
geral), uma leve maquiagem e uma base nas unhas são feitas pelas irmãs.
55
Fátima, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
22/06/2007.
90
Nesse movimento, igreja versus dia-a-dia, surgem algumas questões de como
conciliar os dois, a estrutura da igreja colocou as regras, porém, alarga as
possibilidades de se cumpri-las, dessa forma a mulher acaba burlando minimamente
as regras e ainda facilita em alguns aspectos, pois até pouco tempo era quase
impossível que elas fossem visitar membros doentes ou necessitados
materialmente, durante os dias de semana com carros próprios, sem a presença de
irmãos, hoje isso é uma realidade, além disso a renda da mulher agora trabalhadora
também acaba sendo incorporada nas várias atividades de arrecadação da igreja,
ajudando dessa forma o cumprimento das tarefas da denominação:
Não se explica o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função
repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da
vida social, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos
homens, controlá-los em suas ações, suas potencialidades e utilizando um
sistema de aperfeiçoamento gradual e continuo de suas capacidades
56
.
Como em todos os templos do Brasil, no nosso município (Carapicuíba), a
mulher não é muito visível nos cultos da Congregação Cristã, ela é separada de
qualquer acompanhante masculino na porta, pois nos templos existe a entrada
exclusiva das mulheres e dos homens para não se misturarem, na entrada elas
podem se dirigir a um dos irmãos porteiros e pedir um envelope para a sua
contribuição financeira que é feita num lugar discreto, não tendo como se identificar
nessa doação. É muito comum acontecer doações surpreendentes e tidas como
verdadeiros milagres preparados por Deus.
Estamos nos reunindo algum tempo num salãozinho aqui perto, porém,
não sobra dinheiro para compra de um terreno para construir uma igreja, os
irmãos da comunidade (área livre) são muito pobres e a coleta a cada culto é
muito baixa, estamos dobrando o joelho e pedindo a Deus para preparar o
dinheiro. Nessa quarta (Fevereiro), contávamos a coleta e eis que surgiu no
meio do dinheiro, um recibo (erguido e mostrado) de depósito de R$
10.000,00 (dez mil reais). É um milagre.
57
56
Roberto MACHADO, Por uma genealogia do Poder: Introdução, in: Michel FOUCAULT, Microfísica
do Poder, p. 16
57
Cesar, entrevista concedida ao autor, Carapicuíba, 14/05/2007.
91
À mulher está reservada a única função reconhecida para a usa condição, a
de membro da Obra da Piedade, organismo presente em muitos templos da
denominação (os maiores) que tem como função levantar dados sobre a situação
financeira de algumas famílias, com a finalidade de ajuda, que pode ser: cestas
básicas, roupas, remédios, cadeiras de rodas, muletas, aparelhos de surdez, ajuda
para levantar uma casa e outras, baseando-se em critérios de participação,
assiduidade, obediência e principalmente de iniciativa, pois é muito comum ouvir-se
que tal família foi ajudada durante dois meses ou mais, porém, não será mais
ajudada, pois a situação durante esse período não se alterou e, portanto ajudaremos
outra pessoa que precisa e vai aproveitar melhor. Fazem parte desse órgão, três
mulheres escolhidas pelos lideres da sua igreja comum, confirmada através de
orações pelo Espírito Santo são apresentadas para toda a assembléia e nunca
questionadas.
A indicação para essa função feita pelos anciões é vitalícia, assim, como os
cargos destinados aos homens, só em casos extraordinários é que se entrega
(renuncia) a um deles, geralmente é a morte o motivo mais comum de troca de
pessoas nessas funções. Casos de afastamento dos cargos por punição são
abafados e sussurrados em conversas muito reservadas entre os membros, com
“ensinamentos bem claros” de não comentar essas coisas com pessoas de fora da
comunidade religiosa.
Além de participar da Obra da Piedade e tocar órgão na Orquestra, a mulher
da Congregação pode pedir (chamar) hinos antes do momento culminante da
celebração (hora da palavra), sentada do seu lado, separada pela orquestra,
formadas de homens e uma única mulher (ao teclado), com as cabeças cobertas
pelos véus. Esperam pela hora dos testemunhos, onde são maioria absoluta
relatando várias graças, normalmente de atendimento a pedidos de curas para
familiares, conhecidos e de si próprias, por terem conseguido empregos. Existem
ainda relatos de milagres, alcançando algum objetivo material financeiro e até
amoroso (vistos em menor número). Em agradecimento a essas graças alcançadas,
elas vão para pagar o “voto” feito com Deus, é equivalente a promessa católica e
outras. Esses relatos são geralmente iniciados com a mesma introdução: “Deus seja
louvado, irmandade eu agradeço a Deus pelo perdão dos meus pecados e pela
92
coroa da vida eterna que ele me reserva se eu for fiel aos seus mandamentos”.
Frase ainda bastante utilizada em inicio de orações comuns em todos os cultos
As mulheres não podem exercer nenhum ministério da denominação,
baseando-se literalmente na Bíblia, principalmente nas pregações paulinas. A
mulher deve ouvir e aprender em silêncio, momentos antes da palavra, a assembléia
faz uma oração coletiva de joelhos, em voz alta e após alguns momentos de muita
confusão, se ergue uma voz entre todas as outras e então os outros se calam para
ouvi-la. Essa oração (introdução) pode ser feita por mulheres e de fato é muito
comum que o seja, uma vez que nitidamente elas são maioria nos cultos. Esse
momento é único, pois em nenhuma outra situação, teremos a mulher pregando
para os fiéis dentro do templo.
O conteúdo dessa oração geralmente segue a mesma linha de raciocínio,
agradecimentos gerais a Deus por todos os momentos, pela proteção aos irmãos,
construções, viagens, enfim atribuem a Deus todas as conquistas e também os
obstáculos (Deus permitiu), para testá-los. Tem também pedidos de proteção a
todas as autoridades instituídas no país.
A disciplina na Igreja é absoluta, irmãos nos estacionamentos, nas portas dos
banheiros, nos corredores, enfim cuidam para que tudo ocorra na mais perfeita
ordem. As mulheres do seu lado reservadas do templo também têm todas essa
preocupações para o bom andamento dos trabalhos. A preocupação em manter a
ordem e disciplina, é uma das características da igreja, horários, tempo determinado
para oração, para os hinos, para os testemunhos. Funciona com tanta precisão em
todos os templos que acaba colaborando com a impressão de Unidade.
Unidade, uma idéia que a Igreja se esforça para manter, de sul a norte a
Igreja Congregação Cristã no Brasil controla seu funcionamento, mantém uma
vigilância sobre seus ministros, desfazendo o aparente anarquismo, a igreja é
administrada por uma hierarquia muito bem estruturada e que controla todas as
igrejas no território brasileiro e as espalhadas por vários países do mundo. A
Unidade forjada por mais de nove décadas de existência é garantida por uma
vigilância arepressora, porém, que dificilmente excluí do meio da igreja, ou seja,
como o (a) punido (a) o precisa sair, os riscos de cisões significativas são
bastante amortecidos. Essa mesma vigilância repressora se com as mulheres,
93
maioria entre os fiéis e por não terem nenhum direito reconhecido é vigiada mais de
perto em suas ações, principalmente nas últimas duas décadas em que essas
mulheres se destacam em suas atividades fora do espaço da igreja.
Essa repressão mantém o controle total do comportamento da mulher (dentro
do templo), agora atuante na sociedade mais ampla, exercendo várias funções, mas,
que dentro da igreja volta a ser apenas a mulher que obedece ao varão. A mulher
que nasce na graça (aquela que nasce filha de pai e mãe membros da
Congregação), tem uma educação diferenciada do menino, a obrigatoriedade do
estudo é algo recente, e ainda hoje nas famílias mais pobres, essas mulheres o
incentivadas ao casamento bem cedo. A Igreja como um todo faz apologia ao
casamento dentro do grupo religioso, pois casar com gente de outra igreja acaba
não dando certo, pois Deus não se agrada de seu povo escolhido misturar-se. Ouve-
se muito entre os fiéis a frase “é melhor casar do que abrasar”, por isso é muito
comum às irmãs fazerem oração para Deus preparar um homem bom e membro
“dessa graça”, para suas filhas, para si próprias e parentas. O namoro geralmente é
rápido, “não se pode dar chance à tentação”. O casamento é feito apenas no
cartório, não utiliza cerimônia religiosa. Embora em festa feita em locais apropriados
aconteça uma benção de um irmão preparado para essas ocasiões. São discretas,
sem musica e sem bebida alcoólica. Membros de outras denominações nessas
ocasiões são apenas os parentes mais próximos.
Me casei com 18 anos, meu marido tinha 20 e acabara de ser dispensado do
quartel, após 10 meses de serviço militar, que acabou atrasando nossos
planos. Meus pais e os dele, além dos irmãos, do Cooperador de jovens,
enfim de todos, nos cobrava uma decisão, pois nós já namorávamos 03
anos e não era correto. Oramos e Deus nos confirmou, mesmo que na época
não tínhamos muitas condições, mas, acabamos casando.
58
Os casais mais novos não ignoram os ensinamentos que tratam do controle
de natalidade, normalmente pregados em público com muita prudência e sabedoria,
são feitos no sentido de usarem métodos naturais (tabelinha), porém, a maioria das
mulheres que conversamos não ultrapassa o número de dois filhos, sendo maior
esse número entre as mulheres com idade mais avançadas e não necessariamente
58
Priscila, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio,
Carapicuíba,19/05/2007.
94
as mais antigas como membro da igreja, ou seja, tem algumas antigas na igreja que
tem menos filhos do que mulheres com a mesma idade e, que se converteram
depois.
O papel mais atuante da mulher na sociedade de consumo nas últimas
décadas, tem uma contribuição determinante para esse fato, o trabalho, as
atividades em geral, não permitem a continuidade da política de natalidade adotada
pelos discursos ouvidos na igreja, que era a de “quantos filhos Deus mandar, nós
criaremos na graça”, hoje a mulher não dispõe mais do tempo para cuidar, educar,
prover um numero grande, então quase sem conversa sobre o assunto, elas evitam
utilizando todas as formas de contracepção, sem a aprovação explícita, porém, nem
a condenação repressora da irmandade:
Tomava injeção mensal para não engravidar, sei que não é muito certo, mas,
seria muito pior se não fizesse isso, pois tenho dois filhos e não posso me
arriscar, a situação não era boa, não podemos atender todos os pedidos
das crianças, imagina se tivéssemos um terceiro a coisa se complicava de
vez, não poderia mais trabalhar, sei que Deus não vai nos castigar por isso.
Meu salário ajuda e muito, não podemos ficar sem ele.
59
Esse depoimento foi dado em sua casa, ao lado do marido que tem a mesma
idade e explicaram juntos que não é mais necessário se prevenir da forma que era
feita, pois a questão foi resolvida pela decisão do marido em fazer vasectomia. Sem
saber se estava contrariando algum dogma da igreja, eles procuraram o ancião da
sua comum (Igreja freqüentada normalmente pelos fiéis) para se aconselhar e
ficaram muito felizes com a resposta “o que vocês, casal, fizerem entre quatro
paredes, o devem satisfações a ninguém, pode fazer a cirurgia, mas, tenha
prudência em não ficar comentando sobre isso com todo mundo, para não
escandalizar a irmandade”
O assunto sexualidade ainda é tratado como um tabu, discutido apenas entre
as mulheres ou o assunto é tratado na “roda de homens”. Os jovens não têm muitas
informações em seu meio, o que aprendem, é através de livros, da escola e da
Internet, a igreja aparentemente não faz nenhuma restrição ao assunto, porém, não
59
Mônica, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
20/02/2008.
95
é nenhuma posição oficial. Mais uma vez, as coisas não são claras, ficam
subentendidas, os fiéis comentam entre si, mas termina cada um agindo conforme
sua consciência, porém, todos acreditam estar fazendo a coisa certa e, de estar o
mais perto dos ensinamentos da doutrina.
Quando se fala de relações homem-mulher é sempre no sentido de
aconselhar para o casamento, o grande número de casamentos entre jovens está
repercutindo atualmente no elevado número de separações. Assunto que é tratado
por todos os fiéis de maneira bastante discreta e nos últimos anos com bastante
naturalidade:
Casei-me com 17 anos, com o meu primeiro namorado, apaixonada, não
conseguia ver defeitos. Toda palavra que se referia ao casamento, eu
entendia que era uma confirmação de Deus. As famílias incentivavam e
casamos, eu não tinha nenhuma experiência. Meu marido até então um
santo, revelou-se um cavalo, me agredia o tempo todo com palavrões e até
fisicamente. Escondi de meu pai (por medo do que podia acontecer). Até que
o peguei na cama com um dos muitos colegas que ele levava em casa.
Convocamos uma reunião na Igreja (região da Lapa), ele tentou desmentir,
mas não tinha jeito. Ele perdeu a liberdade, e nós nos separamos, fui para
outro Estado, mas ele me convenceu a voltar, se dizendo arrependido e que
tinha caído em tentação do “adversário” e, eu acabei cedendo. Não tinha mais
ambiente para morar naquela região, então 1980, nos mudamos para
Carapicuíba, onde meu marido voltou a ter liberdade na igreja uma vez que
ninguém o conhecia.
60
Enquanto instituição a igreja zela pela manutenção da ordem. A disciplina tem
de ser cumprida sob o risco de perder sua própria razão de existência enquanto
igreja. Porém em alguns casos falta uma postura mais solidária, mais atuante. Essa
fiel em uma longa conversa comigo, revelou coisas de sua vida conjugal, todas de
conhecimento da sua igreja, que para seus padrões morais e doutrinários, deveriam
chocar e, ser capaz de impressionar, porém, segundo ela, nunca obteve uma ajuda
de qualquer espécie da Igreja:
Logo que chegamos aqui, meu marido começou a sair com rapazes
novamente. Eu me senti sem forças e sozinha, pois, eu voltei por vontade
própria, além disso, tive um filho dele. me manifestei muito tempo depois,
60
Nonata, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
23/06/2007.
96
quando os irmãos quiseram dar um ministério para ele, daí fui falar com o
ancião, ouvi tanta besteira, que parecia que a adultera era eu. Mas, Deus que
tudo sabe não permitiu esse ultraje. Alguns dias depois, ele espancou meu
filho com tamanha selvageria, que eu peguei o menino todo machucado e
levei lá na igreja, então, ele perdeu a nomeação que já era dada como
certa.
61
O relato não se limita a isso, ela conta o verdadeiro suplicio que é viver com
essa pessoa, que atualmente está doente, sem nenhuma fonte de renda para
sobreviver e ainda sobre seus cuidados, que ninguém da família o visita. O filho
que tem uma situação estável se recusa a ajudar e aa vê-lo. Ela critica a sua
Igreja, pois segundo conta, algumas pessoas ainda a olha meio esquisito, porque ela
congrega muito pouco. A situação de seu esposo é pública, inclusive a doença,
porém, ninguém da igreja o visita. A sua fé e a certeza que muito do que Deus lhe
revelou durante anos está se cumprindo é que segura essa mulher. É obrigada a
faltar várias vezes do serviço para socorrer seu marido, gastando muito com
remédios e outras despesas da doente. Mesmo achando que a igreja poderia lhe dar
uma ajuda, sabe que a irmandade não fará nada.
Com resignação religiosa essa mulher se dedica noite e dia para cuidar de
uma pessoa que durante quase 30 anos, lhe mostrou o lado perverso do ser
humano, quando perguntada se é por amor que faz isso? Ela solta uma sonora
gargalhada e suspira:
Depois de tanta humilhação na minha vida, eu simplesmente não sei fazer
outra coisa. (...) Algum tempo atrás, esteve na minha casa, um irmão, mas
veio para discutir uns negócios que tinha com meu marido e, não para visitá-
lo como um irmão na fé. Ele até pediu para esse irmão que lhe aplicasse a
unção dos enfermos, mas o irmão disse que não podia, pois ele está sem
liberdade há muitos anos.
62
As regras antes mais duras, impostas e cobradas, ganham cada vez mais
flexibilidade, “irmãos” contornam várias regras e continuam a fazer parte “dessa
graça.” A punição mais comum, a perda da liberdade, aparentemente perdeu a força
61
IDEM, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
23/06/2007.
62
Nonata, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
23/06/2007.
97
simbólica da “danação eterna” que tinha até pouco tempo. Hoje a (o) irmã (o) que
não consegue manter-se na conduta reta, não se preocupa como antigamente.
As relações matrimoniais fazem parte de um universo mais amplo que está
em situação de mudanças. A igreja impõe até por tradição algumas regras que a
nossa sociedade moderna não permite seu cumprimento total, uma vez que algumas
delas levariam ao rompimento total com o que a igreja chama “mundo” e isso não é
possível completamente. O funcionamento da nossa sociedade, nos coloca
situações que se opõem frontalmente aos ensinamentos da Igreja Congregação
cristã no Brasil.
As negociações são inevitáveis para que essas ações fora da igreja sejam
compreendidas de forma a não tornar um grande dilema para a instituição religiosa.
A vida pública das mulheres da igreja tornou-se algo quase natural, pelo menos
entre as mais novas, que se defendem com o discurso da necessidade econômica,
das dificuldades para sustentar suas famílias. Os próprios maridos dessas mulheres
trabalhadoras evitam o discurso ainda majoritário na Congregação contrário ao
trabalho fora de casa, e amenizam a situação em conversas informais, onde
defendem a necessidade da complementação financeira através dos salários de
suas esposas. Embora esses comentários sejam feitos em caráter mais reservado,
presenciei conversas em grupos onde esses mesmos maridos fazem coro ao
discurso oficial da igreja, mostrando a importância da atuação feminina na criação
dos filhos e da manutenção de seus lares, fato que segundo eles edificam a mulher
de Deus, tornando as mais humildes e compreensivas:
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser
dizer não, você acreditaria que seria obedecido? O que faz com que o poder
se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa como
uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao
prazer, forma saber, produz discurso.
63
Nas ultimas décadas, as mudanças sociais levaram a redefinições de papéis
desempenhados pelos vários elementos e de modo especial o papel da mulher, uma
vez que se criou à necessidade da mulher se inserir cada vez mais no mercado de
trabalho, ela se viu obrigada por imposição a assumir um papel cada vez maior de
71
Michel FOUCAULT, Micro Física do Poder, p.186.
98
provedora, contrariando um discurso construído ao longo da historia da igreja. De
forma mais clara assumiu além da função de mãe, esposa e dona do lar, também a
função de provedora, que durante séculos esteve, reservado ao homem. São
mudanças cio-culturais assimiladas por várias sociedades em diferentes épocas e
em alguns casos ainda não totalmente assimiladas:
Quando separei do meu marido, (por motivo de adultério) tive que me
submeter a um segundo período de aulas, por isso, minha mãe passou a
cuidar o dia inteiro de meu filho, o meu tempo era para o serviço e para
sustentar a casa, sei que não é certo ficar longe do filho assim, mas Deus
sabe do meu esforço, os irmãos nem reparam mais o fato de eu ser
separada, pois sabem que sou uma serva de Deus honesta e trabalhadora.
64
O crescimento urbano-industrial, a expansão demográfica, no Brasil após o
século XIX, criou na sociedade, uma necessidade de adequar o operariado aos seus
valores. Para isso foram pensados e elaborados mecanismos que dessem conta da
vigilância dessa classe operária, mecanismos de controle tanto na fabrica como na
sociedade em geral. O fortalecimento do discurso sobre a inferioridade da mulher
teve de ser readaptado para as novas exigências, para tanto a, redefinição da
família constitui peça mestra. Um modelo imaginário de mulher, voltada para
intimidade do lar.
65
A mulher até os primeiros anos do século XX teve reservado um papel
secundário construído por discursos (inclusive médico) que reforçaram as diferenças
biológicas, desviando o acento dado “... a inferioridade feminina para a idéia de que
as diferenças biológicas e sociais eram necessárias e complementares”
66
. Portanto,
o discurso já existente no senso comum, recebeu um reforço “científico” da medicina
ao justificar esse tratamento dado a mulher como ser inferior, dando um caráter de
aceitação “mais respeitável”.
3.2 A questão de relações de poder e de gênero na Igreja
Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba
64
Adma, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
18/05/2008.
65
Luzia Margareth RAGO, Do cabaré ao lar, p.12.
66
Arthur Fernandes Campos da PAZ, A utilidade do casamento sob o ponto de vista hygienico, p. 33.
99
Como vimos, a mulher continua a ser tratada como um apêndice, importante
na verdade (até pelo seu número), porém, sem direitos especificados. Existe na
verdade duas atitudes distintas dessa mulher, uma é aquela visível para a sua
comunidade religiosa, de muita obediência, passividade e até subserviência
inquestionável, “o homem é a cabeça da família, assim como Jesus Cristo é a
cabeça da Igreja”, cabendo a mulher apenas o modelo rígido da esposa-mãe-dona-
de-casa. Modelo esse bastante enfatizado nos cultos pela “palavra” e dentro da
denominação bastante elogiado pelas próprias mulheres:
Deus criou a mulher para ser companheira do homem, porém, o varão deve
ser o cabeça da casa, a mulher deve obedecer, deve ser humilde e se
submeter à vontade de seu esposo, é lógico que a mulher deve ser ouvida,
consultada em todas as ocasiões, mas, a palavra final é do homem. Assim diz
a palavra.
67
Outra atitude é aquela que notamos fora do espaço das relações religiosas,
ou seja, na sua vida pública, a mulher membro da Congregação Cristã no Brasil,
concilia por conta e elaboração própria uma vida diferente daquela destinada
segundo seus pregadores, aos seus membros, principalmente na ênfase que dão ao
fato de estarem “fora do mundo”:
A construção das representações de gênero nesse discurso (médico), se fez
por meio da tecedura de uma trama que estiveram presentes as relações de
poder, constituindo-se um processo dinâmico em que os perfis de
comportamento de gênero se fazem, se desfazem, circulam e se refazem. O
entrelaçamento das imagens femininas e masculinas se num processo
interno de influencia mútua, ou seja, simultaneamente constituintes e
constituídas, sendo a construção das imagens culturais de gênero
simultaneamente produto e processo de sua representação.
68
As relações de poder, presentes na sociedade como um todo, refletem de
forma impar no interior das igrejas, onde elas (mulheres) são maioria, concluíndo
assim, que elas seriam “mais religiosas” do que os homens, apesar do maior
prestígio masculino na detenção do poder de atuação do sagrado, nessa
67
Márcia, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
21/05/2008.
68
Maria Izilda Santos de MATOS, Meu lar é o botequim, p. 99.
100
denominação e em todas as outras igrejas pentecostais. Como destaca Rosado
Nunes a respeito desse maior investimento feminino em religião.
As religiões são um campo de investimento masculino por excelência”,visto
que são os homens que dominam importantes esferas do sagrado nas
diversas sociedades. Os discursos e práticas religiosas tem a marca dessa
dominação.
69
Esta afirmação nos remete às relações de poder e à constatação de que não
existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas díspares,
heterogêneas, em constante transformação. Conciliar a vida pública e privada de
forma a não “trair” suas convicções é o grande desafio que se coloca para essas
mulheres que na sua igreja passam despercebidas dentro do templo e até na
relação com os homens da irmandade em geral. Porém no seu dia-a-dia já se
comportam de maneira mais tolerante, mais atuante e principalmente mais notada
do que até pouco tempo atrás se faziam.
Entre as mulheres que conversamos verificamos que a maioria tem o discurso
da igreja na ponta da ngua e dentro do templo é assim que se comportam, porém,
em suas atividades diárias a prática se de forma bastante ampla, participam das
suas atividades profissionais, muitas delas, com duas jornadas diárias, por isso,
contam com algum tipo de ajuda material nas suas casas (empregadas, mães, filhas
etc), chegam a admitir que não dedicam ao lar cuidados maiores por falta de tempo,
e não têm consciência pesada por esse fato, podemos afirmar que a modernidade
acabou com o sentimento de falha da mulher em alguns setores, não apresentando
nenhum sentimento de estar pecando perante Deus por não conseguir cuidar dos
filhos, dos lares e dos maridos como é exigido pelo discurso construído do papel
social da mulher:
Nasci “na graça”, só me batizei aos 12 anos e diferente das irmãs da igreja só
me casei depois de acabar a faculdade, eu tinha 27 anos, sabia que depois
eu ia ter problemas para fazer isso, meu marido sempre me apoiou, mas no
começo, meu sogro questionou o fato dele deixar eu trabalhar fora. Sempre
trabalhei, dando aulas no Estado, meu marido me ajuda em casa no que é
possível, mas temos uma empregada para facilitar, pois é muito cansativo
temos duas filhas ainda pequenas. Faz pouco tempo terminei o mestrado,
69
Maria Jose ROSADO NUNES, Gênero e Religião, Revista Estudos Femininos, p.
365.
101
dou aulas em uma faculdade em Cotia e estou conversando com meu esposo
sobre dar inicio ao Doutorado. Vou buscar a palavra para poder começar.
70
Essa fiel representa o perfil de um grupo da nova mulher da Congregação
Cristã no Brasil da Igreja em Carapicuíba, faz parte dos novos casais que cada vez
mais aparecem e se posicionam no meio conservador que caracteriza a igreja. Essa
mulher do depoimento é uma professora, concursada de Língua Portuguesa no
Estado de São Paulo, aumentando consideravelmente sua renda com algumas
aulas em uma Faculdade na cidade de Cotia, aulas que conseguiu após terminar o
seu mestrado (Faculdade Mackenzie). O salário da faculdade ajuda bastante. É uma
professora muito atuante, está sempre buscando cursos, capacitações e se
atualizando, apresenta um bom relacionamento com os alunos e com os seus
colegas de profissão.
Mas é quando se fala da igreja e de sua pratica religiosa, que os seus
posicionamentos acabam surpreendendo, tudo o que vai fazer, conversa com o
marido e às vezes deixa de fazer algo, a pedido dele:
Concordo com o ensinamento que nos diz para permanecermos em silêncio,
não devemos escandalizar, pois Deus não se agrada disso. Como nos casos
de televisão em casa, sei que muitos irmãos têm, pois os pregadores
receberam um ensinamento que não se deve mais falar no púlpito contra a
televisão, o que foi entendido por toda a irmandade, como uma quase
autorização para a compra. Na minha casa não compramos, apesar de
minhas filhas assistirem quando vão na casa de alguém. Não concordo com
as mudanças de alguns preceitos, pois se começa abrindo nas pequenas
coisas, daqui a pouco, toda a doutrina estará modificada.
71
A posição dessa mulher faz com que se reflita, pois apesar de sua inserção
na sociedade, de ter visibilidade no universo em que transita, interagir com a
sociedade, além de ser uma das expressões daquilo que o trabalho queria analisar,
(a inserção social interferindo no comportamento dentro da igreja), ou seja, ela foge
do padrão da pentecostal comum, primeiramente porque, não é pobre, é
escolarizada, se expressa bem, tem uma capacidade de critica. Por isso a
70
Márcia, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
21/05/2008.
71
Márcia, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
21/05/2008.
102
estranheza ao descobrir que essa pessoa defendia, sem muitas restrições, os ideais
da denominação. Ao assumir essa posição a mulher rompe com a sujeição que se
supõe oprimi-la. Somos levados a concordar com o autor quando afirma que:
As mulheres hoje têm oportunidade nominal de seguir toda uma variedade de
possibilidades e chances; mas, numa cultura machista, muitas dessas vias
permanecem efetivamente fechadas. Ademais, para abraçar as que existem,
as mulheres devem abandonar suas antigas identidades “fixas” de maneira
mais completa que os homens. Em outras palavras, experimentam a abertura
da modernidade tardia de uma maneira mais plena e ao mesmo tempo mais
contraditória.
72
O número de mulheres (universitárias) em Carapicuíba, ainda é
numericamente insignificante, porém, é uma realidade que não passa mais
despercebida e, muitas que mesmo não possuindo escolaridade superior tornaram
se trabalhadoras nas mais variadas profissões, servem de exemplo para outras
irmãs que se sentiam desmotivadas a continuarem seus estudos ou mesmo a dar
inicio a algum curso profissionalizante ou não. Essas mulheres que exercem alguma
atividade na sociedade têm que estar sempre atentas para não se mostrarem
arrogantes, petulantes perante as demais e de certa forma de toda a irmandade,
uma vez que a repressão pode ser menor, mas está presente e de variadas formas
de procedimentos: um comentário de alguma irmã, um “conselho” do ancião ou do
cooperador ou mesmo de algum membro mais próximo, com a intenção de ajudar a
mulher a se manter firme na graça, não priorizar “as coisas do mundo”, não
esquecer a sua verdadeira vocação de mãe e esposa, não esquecendo do marido e
dos filhos.
Essas mulheres são acompanhadas e qualquer falta em alguma atividade ou
ausências seguidas ao culto da igreja comum, se torna motivo de movimentação
por parte dos interessados e não raramente são também assunto no culto com
“conselhos” e alertas para “a mulher sábia que escolheu ficar com Jesus”, ou ainda o
antigo conselho “não devemos amealhar tesouros na terra, pois são passageiros,
mas sim, nos céus, onde serão eternos”. Enfim as mulheres que por várias questões
pessoais e/ou mais amplas resolveram trabalhar acabam sendo alvo dos antigos
preceitos religiosos e tornam-se mais “vigiadas”:
72
Anthony GIDDENS, Modernidade e identidade, p. 101-102.
103
O ancião da minha comum fez um piadinha quando eu o saudei ontem com a
paz de Deus, ele disse para outros irmãos, temos uma visita hoje”. Tenho
certeza que estava se referindo ao fato de fazer muito tempo que não
conseguia ir em um culto durante a semana, fiquei chateada, mas, ele nunca
veio perguntar diretamente para mim os motivos.
73
É nítida a preocupação com essas mulheres trabalhadoras, independentes
que chegam à igreja para o culto, sozinhas, dirigindo seus próprios carros, pois elas
são uma realidade recente e que os membros masculinos que detém o poder
hierárquico, não estão acostumados. Alguns homens que cuidam dos
estacionamentos chegam a ser grosseiro com as mulheres, pedindo a chave para
que eles possam estacionar, caso considerem que elas estejam demorando em
manobrar os veículos. Fazendo piadinhas machistas e tendo apoio de outros
homens presentes e de muitas mulheres que com risinhos e gracinhas concordam
com essas atitudes.
Algumas mulheres respondem, enquanto outras acabam aceitando
pacificamente (aparentemente) as brincadeiras e comentários, porém, é cada vez
maior o número de mulheres que se impõe e até criticam atitudes que, até pouco
tempo atrás não eram abertamente questionadas, como a dessa mulher que
reclamou para várias pessoas que aguardavam a retirada de seus carros num
estacionamento de uma igreja:
Acho uma falta de respeito do irmão, pois ele é um servo de Deus e deveria
me respeitar como uma irmã e, não fazer brincadeiras sem graça, por eu não
ter conseguido tirar o carro, eu sei dirigir, trabalho com ele todos os dias. O
estacionamento é apertado e todos têm de fazer um monte de manobras e
não vi ele brincar com nenhum irmão, é com mulheres que ele gosta de
humilhar, isso não é coisa de servo de Deus, isso não é correto.
74
As ordens da Igreja Central do Brás são enviadas a todo território brasileiro
anualmente pela reunião dos anciões, cooperadores e diáconos. Embora não sejam
73
Mara, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
23/06/2007.
74
Mônica, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
20/02/2008.
104
frontalmente questionadas, algumas mulheres acabam fazendo comentários, onde
demonstram suas insatisfações, reclamando da falta de mudanças nas rígidas
regras estabelecidas desde a fundação da igreja em 1910, que no entendimento
delas não comprometeria a doutrina e facilitaria o cotidiano. Na ultima reunião houve
novos “ensinamentos” de como se saudar. Os responsáveis pelos cultos leram, nos
templos em Carapicuíba, que: “não se deve dar a paz de Deus com tapinha nas
costas ou mesmo apertar ao” é só falar “ Paz de Deus” em alto e bom som, ouvir
o “Amém” da pessoa saudada e pronto, deve-se ainda por respeito sempre
responder e não fazer como acontece em muitos casos que a irmã fala tão baixinho
que não se houve, ou simplesmente não respondem. Muitas mulheres acabaram por
comentar que o “Brás” não deveria perder tempo em discussões que não altera nada
na prática, “todas nós sabemos como devemos saudar e como ser correspondida.
Os irmãos deveriam se preocupar com coisas mais aproveitáveis”
75
:
Gostaria que os irmãos do Brás, mandassem um ensinamento para que
pudéssemos cortar o cabelo. Não é por vaidade, mas uma questão de justiça
para com nós mulheres, não podemos fazer nada e no calor a gente que
trabalha, sofre, mas, como não é com eles. Nem ligam.
76
Os ritos são os mesmos desde o inicio de seus trabalhos no nosso país. O
mesmo hinário que após alguns acréscimos e exclusões tem o mesmo conteúdo
desde 1965. Maneiras de se comportar durante a cerimônia desde a sua chegada ao
templo até sua saída, hora marcada para se iniciar o culto e hora para encerrar, tudo
é cronometrado para que em nenhuma das etapas em que se organiza a cerimônia,
o tempo seja extrapolado. O tempo de canto dos hinos, os testemunhos, a oração
inicial, enfim tudo é feito de forma a manter nos mínimos detalhes uma rotina que da
forma à prática pedagógica da igreja na formação de seus fiéis.
As mulheres são parte integrante para essa assimilação doutrinária que se faz
oralmente, pelo visual e repetição, onde no rito das lideranças são excluídas, porém,
no cotidiano relacionado a comunidade da igreja são exaltadas como portadoras de
75
Mônica, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
20/02/2008.
76
IDEM, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
20/02/2008.
105
grandes poderes de dons, línguas, revelações e de orações e parte fundamental
para a expansão da denominação:
Fui procurada pela professora A (membro da Congregação), que me disse ter
sido tocada por Deus, para que desse uma quantia em dinheiro para a
professora B, disse que não sabia o motivo, apenas que Deus tinha lhe
ordenado e, que não queria que eu falasse quem tinha dado. Foi muito
emocionante, pois quando eu dei o dinheiro para a tal professora, ela chorou
muito, pois nesse mês, ela não tinha recebido o pagamento e suas dividas
não poderiam ser pagas.
77
Embora a Igreja continue aparentando uma rigidez imutável, mesmo que isso
não impeça algumas mudanças ao longo da sua história, é visível a transformação
da atuação da mulher. Membro da Congregação, fora do espaço religioso, a
incorporação da mulher ao mercado de trabalho, levou essas mulheres da igreja a
interagir com a sociedade brasileira e em especial com a mulher brasileira que
também passava por profundas transformações. Na década de 70, a imprensa
feminista recomeça suas atividades, denunciando os desmandos contra as
mulheres, na conscientização e na sua afirmação como um ser que tem direitos
específicos, poucas vezes reconhecidos pela sociedade moldada pelo discurso anti-
feminino. O ano 1975 fica instituído como sendo o ano internacional da mulher e o
primeiro de toda uma cada da mulher pela Organização das Nações Unidas, fato
que permitiu uma maior visibilidade ao tema.
A redemocratização do Brasil permitia nessa época uma discussão de vários
temas impensáveis (família, casamento, divórcio, aborto, homossexualismo,
sindicalismo, partidos, feminismo, direitos humanos, condições sociais), apouco
tempo atrás. Discussões e ações que evoluem para a questão prática, buscando
cada vez mais o ensino superior ocupando lugares no mercado antes exercido
por homens, atuando nos sindicatos e partidos, ainda que na condição de
inferioridade presente nessa sociedade em ebulição, mas, ainda mantenedora da
antiga tradição.
Essas relações entre mulheres da Congregação Cristã e da sociedade
brasileira em geral, ainda que indiretamente constituíram novas maneiras de se
77
Marli, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba, 08/04/2008.
106
expressar, cuidadosa dentro do espaço religioso, mas, de forma muito mais plural no
seu cotidiano.
Obedecendo a uma autoridade tradicional, baseado nos costumes da tradição
oral, masculina e, estruturados em uma gerontocracia, os fiéis da Congregação
Cristã no Brasil tem maiores dificuldades para receberem influências externa.
Mesmo assim as mulheres dessa igreja têm encontrado meios de construir uma
trajetória pessoal, muitas vezes apenas reprodutiva da sua condição, porém, outras
vezes de construtora de uma nova produção do feminino e de mulher:
Todas essas praticas e linguagens constituíam e constituem sujeitos
femininos e masculinos, foram e são produtoras de “marcas”. Homens e
mulheres adultos contam como determinados comportamentos ou modos de
ser parecem ter sido gravados” em suas histórias pessoais. para que se
efetivem essas marcas, um investimento significativo é posto em ão:
família, escola, mídia, igreja, lei participam dessa produção. Todas essas
instâncias realizam uma pedagogia.
78
Entre as mulheres que conversaram comigo durante a pesquisa, algumas
delas tornaram-se universitárias e algumas até com mestrado, principalmente nas
duas últimas décadas. Apesar de ser um número ainda insignificante no universo da
denominação em Carapicuíba, percebemos que esse número de mulheres
universitárias cresce a cada dia e tornaram se referências para outras,
principalmente as mais jovens. Uma maior escolaridade significa mais chance de
trabalho, propiciando uma maior relação social em variados espaços de atuação.
Dessa forma a atuação da mulher permite uma inserção que até pouco tempo
atrás era improvável. Elas continuam praticando o silêncio dentro da igreja e o
criando conflitos para a administração religiosa. Porém, percebe-se que a mulher
pentecostal da Igreja Congregação Cristã no Brasil de Carapicuíba está gestando
nesse silêncio uma transformação inevitável. A Pedagogia da Igreja se mantém pelo
aprendizado e, por imposição as mulheres aceitam, mas indiretamente esta
mudando com sua ação diferente na sociedade. Toda a construção do poder se
abalada uma vez que através da mudança do pensamento da mulher, ela está
mudando o homem dessa igreja.
78
Guacira Lopes LOURO, O corpo Educado, p. 25.
107
Na medida em que a mulher se insere na sociedade moderna e capitalista
que transformou nosso país nas ultimas décadas, a mudança se faz, ainda que da
forma em que foi educada. Por outro lado a Igreja enquanto liderança administrativa
fecha os olhos diante das transformações, hoje não tem mais espaços nas
pregações para as condenações ao Trabalho, ao Estudo, a Televisão a Internet:
Comprei computador para os meus filhos, se tornou uma necessidade, pois a
escola pede um monte de pesquisa e quem não tem fica prejudicado. Sei que
tenho que cuidar, pois não podemos por o coração nisso. Mas é possível
conciliaras duas coisas e manter a fé nessa graça.
79
A maior inserção da mulher na sociedade e sua consolidação como força de
trabalho trás para a Igreja um grande dilema, manter a rigidez histórica da Igreja
Congregação Cristã no Brasil ou ceder e alterar as “leis” que fazem da Igreja ser
considerada uma das mais tradicionais e conservadoras do campo pentecostal. A
Igreja tinha ainda uma alternativa que era a de simplesmente fechar os olhos para o
“além da Igreja”, ou seja, dentro dos seus templos não mudaram sua pedagogia. O
discurso continua inalterado, não aceita mudanças. A alternativa adotada pela Igreja
enquanto instituição foi exatamente essa.
Enquanto a mulher se cala, não muda sua atitude diante do poder
institucionalizado, a Igreja alarga sua tolerância relaxando em suas cobranças
costumeiras, levando-o ao afrouxamento em suas vigilâncias históricas: “... as
palavras podem significar muitas coisas. Na verdade, elas o fugidias, instáveis,
tem múltiplos apelos”
80
.
A Igreja não as pequenas contravenções diárias em relação a sua
doutrina, a televisão nas casas dos irmãos, o é mais tão condenada. O controle
de natalidade não é comentado nos sermões “doutrinários”. Cada vez mais crianças,
filhas de membros da Congregação Cristã no Brasil, participam de atividades não
aconselhadas pela igreja. Mas nenhum quesito supera em transgressão as novas
ações das mulheres.
79
Gessi, entrevista concedida ao autor, gravação em áudio, Carapicuíba,
17/06/2007.
80
Guacira Lopes LOURO, Gênero, sexualidade e poder, in: Guacira Lopes LOURO, Gênero,
sexualidade e educação, p. 14.
108
Dirigir automóveis sem acompanhantes, trabalharem fora, depilar o corpo,
pintar as unhas, cortar as pontas do cabelo, contratar empregadas, participar de
atividades não relacionadas à religião. o atividades cada vez mais costumeiras e
comuns entre as mulheres da Igreja Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba.
O futuro dessas ações será conhecido ao longo do tempo, porém, as alterações são
cada vez mais evidentes, principalmente pelos mais antigos fiéis.
A mudança não é tranqüila. Algumas mulheres relatam, “conselhos”, alguns
olhares, críticas indiretas ou mesmo alguns comentários maldosos, porém, o novo
papel que ela assumiu por opção ou por imposição dos novos tempos, é irreversível
e, portanto vai continuar acontecendo juntamente com novos arranjos,
principalmente na questão das relações do gênero, que certamente implicará em
novos lances para serem analisados. As relações de poder dentro da igreja são mais
complexas, uma vez que oficialmente não é reconhecida como existente. “Quando
nos reduzimos às categorias branco/preto ou macho/fêmea, é porque estamos com
uma idéia de antemão, é porque estamos realizando uma operação redutora
binarizante e para nos assegurarmos de um poder sobre elas”
81
.
As questões de poder como resultado das hierarquias, presente nas relações
sociais e em distintos níveis. O poder presente nas relações de gênero e, presente
nas igrejas, tem origem no tratamento dado a categoria gênero nos primeiros
momentos em que eram vistos como sinônimos. Nas Igrejas ainda se reproduz o
discurso masculino de que a história é a responsável pela construção de culturas
que inferioriza o sujeito mulher e lhe atribui papéis perpetuados pelo poder do
macho.
A categoria gênero foi ampliada nas últimas análises, podemos sentir
mudanças, que nos permite ampliar essas análises, antes restritas ao binarismo
homem/mulher, hoje é mais comum estudar além da variável biológica para tentar
dar conta das relações ambíguas que ocorrem em nossa sociedade. “Se as
sociedades são e serão sempre constituídas por sujeitos diferentes, que buscam ser
politicamente iguais, suas múltiplas diferenças talvez possam ser motivo de trocas,
negociações, solidariedades e disputas”
82
.
81
Felix GUATTARI, Revolução Molecular, p. 36.
82
Guacira Lopes LOURO, Gênero, sexualidade e poder, in: Guacira Lopes LOURO, Gênero,
sexualidade e educação, p. 40.
109
A dominação do sexo masculino sobre o feminismo ainda é presente e
majoritário na nossa sociedade e foi introjetada também no campo religioso, onde o
discurso ainda se restringe aos papéis de mãe e esposa, glorificados, porém,
mantidos e reforçados pelas hierarquias religiosas. A reação a essa postura dentro
da Igreja Congregação Cristã no Brasil em Carapicuíba, na medida em que é
provocada a mulher reage e as mudanças sociais provocam novas mudanças de
ação e de reação.
O silêncio das mulheres em Carapicuíba evita o conflito aberto com a
hierarquia da Igreja. Permitindo uma mudança lenta e gradual quase imperceptível,
na medida em que as transformações sociais de uma forma invisível penetra no
interior da Igreja, através dessas mulheres e de suas relações com os membros em
geral, principalmente os mais jovens, que se posicionam de forma diferente perante
a sociedade em geral.
110
CONCLUSÃO
De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava
sempre começando, a certeza de que era preciso
continuar e a certeza de que seria interrompido antes de
terminar. Fazer da interrupção um caminho novo, fazer
da queda, um passo de dança, do medo, uma escada,
do sonho, uma ponte, da procura, um encontro”.
83
Para poder analisar as mulheres pentecostais da igreja Congregação Cristã
no Brasil, em Carapicuíba, fez-se necessário um breve histórico do protestantismo
desde a Reforma de Lutero na Alemanha, passando por outros movimentos
reformistas e suas contribuições, até a introdução desse movimento religioso no
Brasil através das missões. Abordamos o pentecostalismo como movimento
reformador do protestantismo clássico dos EUA, sua consolidação naquele país até
a chegada dos pioneiros em território brasileiro, com a implantação das igrejas
Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus.
Ao chegar a Carapicuíba, o perfil da Congregação Cristã no Brasil, até então
marcado pela presença italiana e pela adesão de migrantes nordestinos que, a partir
da década de 60, fixaram-se no município, foi modificado.
A construção de uma pedagogia religiosa se fez ao longo de quase cem anos
de existência em solo brasileiro, sob a influência da herança italiana - catolicismo,
liderança familiar - acrescida pela cultura brasileira nordestina, principalmente na
periferia da maior cidade do Brasil, São Paulo.
O município de Carapicuíba é contextualizado no meio protestante,
mostrando-se a consolidação da Congregação Cristã no Brasil em seu território, que
abriga, em menos de 36 km², 62 igrejas dessa denominação, com uma presença
majoritariamente feminina. A pesquisa teve início em uma escola estadual, onde a
presença da mulher é marcante em todos os espaços. O número de adeptas ao
pentecostalismo chamou a atenção e, nesse meio específico, as fiéis da
83
Fernando, SABINO. O Encontro Marcado. São Paulo: Ed. Record, 2006.
111
Congregação Cristã no Brasil se destacam por um comportamento bastante
homogêneo.
A pesquisa expôs a ambigüidade da Congregação Cristã no Brasil, em
Carapicuíba, segunda maior igreja pentecostal brasileira. Desde sua fundação, é
caracterizada pelo exclusivismo. Não aceita nenhum tipo de ecumenismo, é apolítica
e principalmente excludente em relação ao sexo feminino. A pedagogia construída
na Congregação exclui a mulher de toda e qualquer possibilidade de exercer cargo
administrativo, mesmo ao absorver parte do grande número de migrantes que
mudou o perfil institucional, até então marcadamente italiano e familiar em vários
setores internos e externos.
A pesquisa teve como tema o comportamento e a atuação da mulher nessa
denominação e na sociedade, nas últimas duas décadas, palco de grandes
transformações políticas e sociais na sociedade brasileira, diante do tratamento que
recebe da igreja. As denominações religiosas de cunho pentecostal tradicionais não
ficaram imunes a essas transformações, enfrentando vários problemas para manter
proibições e vetos à atuação feminina, muito comuns em denominações dessa linha,
como a utilização dos veículos de comunicação, rádio, televisão, Internet; calça
comprida, maquiagem, corte de cabelo, restrições a namoro, entre outras.
Algumas denominações criaram mecanismos próprios para se adequarem às
novas exigências da época. Encontram-se hoje pastores de uma mesma
denominação com posições diferenciadas entre si. Pastores ditos mais liberais, em
algumas igrejas, aceitam mulheres de calça comprida, enquanto outros, da mesma
denominação, continuam proibindo. Casamentos de membros divorciados é outra
questão tratada com bastante abrangência dentro das denominações. Alguns
pastores fazem, outros não.
Neste trabalho, a Congregação Cristã no Brasil é tratada como uma igreja que
não conhece, pelo menos nas suas pregações, nenhuma diferença de tratamento
nos casos acima citados. Por exemplo, a calça comprida não é permitida para as
mulheres em todos os templos do país, não podendo qualquer região mudar isso por
conta própria, uma vez que as questões relativas à doutrina são decididas em
assembléias anuais, na sede, e comunicadas posteriormente a todos os templos do
Brasil, não cabendo nenhum reparo ou crítica por parte de líderes ou demais
112
membros, pelo menos oficialmente. resta aos inconformados o caminho da
submissão ou do afastamento voluntário da igreja. Procedimento que tem
acontecido desde 1910 com reconhecido sucesso, uma vez que não se tem notícias
de grandes cisões ou mesmo movimentos internos para algum tipo de reforma.
A presente pesquisa teve a pretensão de estudar as mudanças ocorridas na
relação diária entre as fiéis e a Congregação Cristã no Brasil. Percebia-se uma
submissão total aos ensinamentos, porém, com um grau cada vez maior de inserção
nos meios sociais. Essa ambigüidade nos chamou a atenção, mais ainda, quando
tivemos acesso a uma pesquisa de 1986, elaborada pela professora Eliane Hojaij
Gouveia, O silêncio que deve ser ouvido: mulheres pentecostais em São Paulo, em
que ela falava da mulher da Congregação e da falta de mudanças, ou seja, da
submissão característica dessa mulher. Partindo dessa idéia, buscamos possíveis
alterações.
Gouveia analisa dois grupos de mulheres pentecostais. Um deles é formado
por mulheres da Congregação Cristã no Brasil, nos anos 80, e demonstra de que
forma a vida delas propicia inserção e participação diferenciada numa sociedade de
classes repleta de heterogeneidades. A autora afirma: “Participa esta mulher de um
universo religioso que prega a igualdade dos seres humanos perante Deus e, ao
mesmo tempo, a mantém vivendo as desigualdades e discriminações sexistas na
ordem social capitalista”
84
. O outro grupo de mulheres analisados pela professora
Eliane Hojaij Gouveia, fazia parte da Igreja Brasil para Cristo.
Servindo como referência para o estudo presente, optamos por trabalhar com
apenas um dos grupos de mulheres que a autora havia analisado na época, o da
Congregação Cristã no Brasil. Nossa intenção era analisar as possíveis mudanças
de comportamento na vida social dentro e fora dos templos; as relações de gênero e
os sentimentos dessas mulheres.
Trabalhamos conceitos do pentecostalismo em diálogo com o papel de
gênero desenvolvido por essa igreja, como isso se encaixa na sua proposta até hoje
exclusivista dentro do campo pentecostal, reforçando ou enfraquecendo sua
pedagogia, independente da modernização em todos os níveis da sociedade.
84
Eliane Hojaij GOUVEIA, O Silêncio que deve ser ouvido, p. 10.
113
Freqüentamos vários cultos da Congregação em Carapicuíba, onde também
freqüentavam algumas fiéis já conhecidas do trabalho e do dia-a-dia na Escola
Estadua Prof. Celso Pacheco Bentinl. Essas mulheres, a partir do nosso
conhecimento prévio, apresentaram-nos um universo bastante rico e cheio de redes
de relações de poder e de convivência, além de outras mulheres que o faziam
parte desse cenário. Mulheres de um mundo pentecostal que se diferenciam do
resto do pentecostalismo brasileiro, mantendo suas tradições e costumes de uma
forma diferente daquelas que se identificam igualmente pentecostais.
Atualmente, a atuação delas está sendo colocada em jogo. Por um lado, a
mulher continua submissa no interior da igreja, assim como havia analisado
Gouveia, porém se coloca cada vez mais atuante na vida “além igreja”.
E também se encontra a ambigüidade da mulher pentecostal da
Congregação Cristã no Brasil. Nesse momento, essa transformação não é
canalizada para um questionamento das normas e valores culturais do sistema de
gênero dominante dentro da sua denominação. Se, por um lado, ela não luta por
direitos femininos, indiretamente encoraja outras a questionar antigos papéis, na
medida em que reforça um sentimento de gênero, classe e cidadania com sua maior
participação na sociedade.
A situação que atravessa a igreja não é muito diferente das outras
tradicionais, a novidade é que a Congregação Cristã no Brasil, como segunda maior
pentecostal do país, marcada pela exclusão da mulher, que compõe a maioria dos
fiéis, não mudou seu discurso e sua ação, obrigando a mulher a agir. A atuação
social dessa mulher crente permite reconhecer num futuro próximo a transformação
que a igreja tenta evitar até com alguns deslizes de sua doutrina.
A nova mulher pentecostal da Congregação Cristã, em Carapicuíba, mesmo
em silêncio na igreja, deixa-nos prever que essa denominação no futuro será
liderada ainda por homens, porém de uma nova geração, fiéis sim, porém com mais
tolerância em casa, no serviço, na política, enfim, em todos os setores da vida social
nos quais essa mulher se tornou sujeito atuante. Essa nova relação entre homens e
mulheres em transformação constante rumo a um melhor convívio, mais ético e mais
justo, está criando um novo homem, um novo crente pentecostal.
114
Um novo crente que com o tempo irá comandar a igreja Congregação Cristã
no Brasil. Embora não se espere um abandono da pedagogia fundante, do
conservadorismo ou mesmo do machismo, podemos esperar uma nova forma de
relação interna, diminuindo a verdadeira opressão consentida pela construção
histórica.
As hipóteses dessa pesquisa se confirmaram na medida em que ficou patente
uma mudança de comportamento das mulheres da igreja Congregação Cristã no
Brasil, em Carapicuíba, nas últimas duas décadas: elas trabalham fora, estudam,
ocupam cargos, alguns deles que as obrigam a se vestir de modo não condizente
com a doutrina da igreja, a se relacionar com chefes ou subalternos homens, fato
estranho a elas, uma vez que a igreja desaconselha receber visita masculina quando
estiver sozinha em casa ou pegar carona quando o homem estiver só no carro.
Enfim, a modernização da sociedade obrigou essa mulher a sair e buscar em
novas e até então proibidas relações sociais meios para suprir as novas demandas.
Todas essas transformações não se transferiram para o interior da igreja, onde a
mulher continua praticamente invisível, embora notadamente maioria. A submissão
ainda é mantida pelo discurso bíblico de interpretação machista. Mesmo nessa
submissão religiosa, nota-se uma mudança brotando, uma vez que a mulher, ao
modificar sua atuação fora do templo, criou novas relações com o seu universo. Ao
transformar-se, ela levou a transformação para o interior da igreja.
A ambigüidade da igreja fica evidenciada quando o discurso é ainda o de veto
a várias coisas: roupas, maquiagem, controle da natalidade, cabelo etc. Entretanto,
na prática percebe-se um afrouxamento da instituição em relação a esses deslizes
doutrinários. A liderança da igreja fecha os olhos para não ver o que está lentamente
mudando.
O objetivo fundamental da pesquisa foi levantar as ambigüidades vividas em
realidades distintas entre as mulheres da Congregação Cristã no Brasil, no
município de Carapicuíba: seu comportamento inalterado dentro da igreja e a sua
atuação fora dela, onde as mudanças o mais visíveis; sua inserção na sociedade
contrariando a rigidez imposta pela tradição. E, por outro lado, evidenciar que a
igreja enquanto instituição faz “vista grossa” para a atuação dessa mulher, numa
postura oportunista, porém preservadora de seus interesses, uma vez que a
115
pedagogia consolidada entre os fiéis não tem mais espaço de aplicação na
sociedade. Se a Igreja insistisse em fazer uma leitura da atuação da mulher na
sociedade hoje, não teria como manter a maioria delas.
Essas relações internas são marcadas por obediência e controvérsia,
exigindo novas elaborações e arranjos que levem em conta suas especificidades.
Como em todo binarismo, um dos dois lados sempre é privilegiado. Na sociedade as
relações construídas privilegiaram o homem.
Nesse sentido, consideramos alcançados os objetivos iniciais da pesquisa,
dentre os quais está o de diferenciar a Igreja Congregação Cristã no Brasil, no meio
do pentecostalismo. Uma modesta colaboração para ampliar as discussões sobre o
assunto, além do objetivo pessoal de nos apropriarmos de uma ferramenta a mais
que nos permita participar das relações sociais no dia-a-dia da escola pública,
compreendendo melhor acontecimentos internos com nítida influência de uma
prática religiosa.
Essa pesquisa é uma tentativa de contribuir para a ampliação da discussão
das relações de gênero no universo da igreja Congregação Cristã de Carapicuíba,
partindo das mudanças sociais ocorridas no país nas duas últimas décadas. Sem
nenhuma pretensão de dar respostas definitivas aos temas tratados.
Embora, bastante limitada a uma denominação religiosa pentecostal do município de
Carapicuíba, na periferia de São Paulo, acreditamos que falar da inserção da mulher na
sociedade abre possibilidades para novas pesquisas no campo do pentecostalismo,
transpassado pela construção social das relações de gênero e pelas perspectivas sob a nova
égide da modernidade.
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