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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: ENSINO E FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Maria dos Anjos Lopes Viella
FETICHISMO DA INFÂNCIA E DO TRABALHO NOS MAPAS DO TRABALHO
INFANTIL
FLORIANÓPOLIS
2008
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MARIA DOS ANJOS LOPES VIELLA
FETICHISMO DA INFÂNCIA E DO TRABALHO NOS MAPAS DO TRABALHO
INFANTIL
Tese apresentada à Universidade Federal de
Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em
Educação, Centro de Ciências da Educação,
como requisito parcial para a obtenção do título
de Doutora em Educação.
Orientadora: Dra. Célia Regina Vendramini
FLORIANÓPOLIS
2008
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331.31 Viella, Maria dos Anjos Lopes
V661f Fetichismo da infância e do trabalho nos mapas do trabalho
infantil / Maria dos Anjos Lopes Viella. – Florianópolis, 2008.
268 p.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina,
2008.
Orientadora: Dra. Célia Regina Vendramini.
1. Trabalho infantil. 2. Fetichismo. 3. Infância. I. Vendramini,
Célia Regina. II. Título.
CDD 331.31
Catalogação elaborada por Paola Cappelletti CRB 14/1087
MARIA DOS ANJOS LOPES VIELLA
FETICHISMO DA INFÂNCIA E DO TRABALHO NOS MAPAS DO TRABALHO
INFANTIL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito para obtenção do título
de Doutora em Educação.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dra. Célia Regina Vendramini - Orientadora
Prof. Dra. Maria Isabel Serrão
Prof. Dra. Marlene Ribeiro
Prof. Dr. Maurício Roberto da Silva
Prof. Dra. Maria Aparecida Ciavatta Pantoja Franco
Prof. Dra. Nadir Zago – Suplente
Prof. Dra. Bernadete Wrublewski Aued – Suplente
AGRADECIMENTOS
Uma pesquisa, ao demandar tantos anos de estudo, pode ser realizada envolvendo
o trabalho e a ajuda de muitas pessoas. E, neste momento de finalização, sempre é bom
lembrar daqueles que conntribuíram nesse caminhar. Professores, pesquisadores,
bibliotecárias, familiares, companheiros de trabalho, de pesquisa, de congressos, de
conversas, alunos, autores dos diversos textos e livros utilizados, afinal nossos constantes
interlocutores.
O acesso a mais de cinqüenta dissertações e a cinco teses sobre trabalho infantil,
espalhadas por quinze estados brasileiros e provenientes de vinte e sete universidades, foi
possível pela preciosa ajuda da Ivete Helbing da Rosa, funcionária da biblioteca da
Unochapecó, sempre disponível aos pedidos feitos, pela calorosa acolhida da Jô (Joseane
Foresti), também da biblioteca da Unochapecó, Zilda Maria F. Gomes, bibliotecária da UFPel,
Márcia Queirós Calil (UFG) e ainda à bibliotecária Lígia, da Biblioteca Central de Gragoatá
(UFF). Às professoras da Unochapecó, Dúnia Cumerlatto e Silvana Tumelero; Herbert Góes e
Gleyva Simões, companheiros de disciplinas no doutorado e responsáveis pelo envio de
dissertações da UEM e da UFMT, respectivamente, e a rios autores cujos contatos feitos
apenas por e-mail socializaram e disponibilizaram suas pesquisas, como Renata Paparelli,
Margarida Barros do Val, Joel B. Marin , Paulo César Carrano, Hedi Luft, Maria de Fátima V.
Costa, Lara Scalise, Kathleen Vasconcelos, Pedro Humberto Faria Campos, Roseli Inês
Hickmann, Laudenir Otávio Mendes, Iara S. F. Caierão, Herculano Ricardo Campos, Maria
José Azevedo, Carla Gelati, Ana Claúdia Gastal Fassa, Rosa Helena, professora da UFAM,
que possibilitou contato com ex-orientanda para acesso à dissertação, entre outros, aos quais
não poderia deixar passar sem esses agradecimentos.
Aos irmãos Toninho, Dora e Júlia, aos cunhados (Altair, Silvana e João (in
memorian)) que, mesmo distantes, dividiam um carinho, uma energia entre o partilhar de
saudades, e aos sobrinhos (Hoover, Sandrine, “Juninhos”, Jordânia, Erich e Gabriel) que
como os filhos, ensinaram-me muio sobre a infância.
Ao Tião, que me propiciou, graças a sua praticidade e organização, orientações e
segurança para continuar o percurso, embora mesclando esses momentos com certas pitadas
de cobrança por uma caminhada que parecia não ter fim.
À Isabela e ao Filipe que puderam usufruir, na nossa convivência, do aprendizado
sobre infância e adolescência, resultado desta tese, e que, embalados pelo ritmo das novas
tecnologias, das delícias (não tantas) desta idade da vida (quinze e dezoito anos), se
5
acostumaram a minha dedicação quase exclusiva e mesmo em meio a tudo isso, ansiavam
pela conclusão do trabalho.
Às crianças trabalhadoras espalhadas pelo Brasil afora, que deixam para a teoria
pedagógica, lições de que o ensinar e o aprender, independentemente do espaço no qual se
realizam, exigem disciplina, esforço e persistência, e supõem muito trabalho.
A minha orientadora Célia pelo jeito sempre tranqüilo de solicitar acréscimos e
supressões, sugerir leituras e uma síntese aqui, mais um parágrafo acolá, implicando em
longos mergulhos de quase tirar o fôlego, exigindo alguns percursos nada fáceis,
materializados nesta produção que vem a público.
Uma gratidão e reconhecimento pelas aulas de Paulo Tumolo e Jucirema Quinteiro
que propiciaram enriquecer as reflexões aqui realizadas, apresentando vários autores que até
então desconhecia. À professora Maria Célia Marcondes (in memorian) da qual não fui aluna,
mas leitora assídua das suas reflexões sobre a agenda pós-moderna e suas inflexões na
educação.
Á Cida Lapa Aguiar, amiga de tantas horas no doutorado e muitas partilhas, e Ione
Slongo pela força e energia, quando elas pareciam faltar, pelos risos necessários, pela
sensibilidade para compreender e observar as crianças e ainda pela parceria nas pesquisas
realizadas na Unochapecó.
Ao CNPq por possibilitar um período com a bolsa que é fundamental para todo
pesquisador.
À mamãe, que acaba de completar 91 anos e continua tecendo seus crochês, puxando
os fios que muito contribuíram no orçamento familiar para a formação dos filhos professores.
E, pelo gosto que tem pela leitura, fez o que pôde, para oferecê-la, a duras penas, para todos
os filhos.
E, por último, à memória de meu pai que soube e pôde aproveitar do ensino que era
possível no seu tempo e que pelo acesso, mesmo por tempo limitado, ao saber escolarizado,
aprendeu a valorizá-lo e sempre tirava o chapéu agradecendo a Deus quando um filho seu
escalava mais um degrau rumo ao conhecimento.
RESUMO
Algumas produções teóricas do campo educativo impregnadas por formas idealizadas e
imaginadas de conceber a infância têm gerado determinadas representações nos profissionais
da educação alimentando propostas e delineando práticas dirigidas às crianças. Muitas dessas
propostas ao apresentar o aprender como algo divertido, quase uma brincadeira,
descaracterizam o trabalho escolar. O objetivo desta pesquisa foi marcar um encontro com a
criança no mundo do trabalho considerado um espaço de formação, embora na direção do
disciplinamento, onde as crianças também têm feito as lições da vida. O diálogo da teoria
pedagógica com o mundo do trabalho infantil apresentava-se como cheio de promessas para
compor os saberes pedagógicos, revolvê-los de forma a abalar imagens tão cristalizadas ou
ainda mal assimiladas que culminavam em práticas bem perversas no trato do ensinar e
aprender. O problema colocado buscou compreender como os campos do trabalho e da
infância se entrelaçam, ignoram-se e/ou se chocam quando se propõe a desvendar o trabalho
infantil como um problema social, atual e estrutural, produzido e reproduzido pela gica
capitalista e a desvendar a exaltação de alguns ideais educativos e suas formas de significar a
infância e orientar práticas dirigidas às crianças no contexto do trabalho escolar. Para
percorrer este caminho elegeu-se o fetichismo como categoria metodológica para desvendar o
que se esconde por trás de tantas imagens de infância e outros segredos que cria para as
crianças um paraíso de direitos. Realizou-se um mapeamento das produções do campo
educativo que tivessem como objeto o debate sobre trabalho infantil, buscando identificar
nesta produção a forma como o trabalho infantil se apresenta e/ou é reconhecido. Foram,
também, analisados dados extraídos dos documentos de organismos nacionais e internacionais
e elaborados mapas do trabalho infantil no Brasil explorando minuciosamente as atividades
desenvolvidas por crianças no mundo do trabalho e os setores da economia em que são
desenvolvidas. Demonstra que, afinal, a luta para erradicação do trabalho infantil e o alardear
de sua redução deixam evidentes os limites dessas propostas que representam apenas uma
maquiagem na feição com que se mostra e no grau da exploração no qual se realiza, expondo
assim a face oculta do capitalismo que gera a pobreza e a inserção precoce das crianças no
trabalho produtivo, deixando aberta a ferida da essencialidade do fenômeno trabalho infantil
para o metabolismo do capital.
Palavras- chave: Infância, criança, trabalho infantil, fetichismo
ABSTRACT
Some theoretical productions of the educative field impregnated by forms idealized and
imagined of conceiving the childhood had been generating determined representations in
many education professionals, guiding and delineating practices directed to children. Many of
these proposals when presenting learning as something entertaining, almost a game, deprive
of characteristics the school work. This research objective was to mark a meeting with the
child in the work world that is considered a formation space, even so in the disciplinely
direction, where the children also have made the life lessons. The pedagogical theory dialogue
with the child labor world was presented as full of promises to compose the pedagogical
knowledge, to solve them in a form to affect so crystallized images or still badly assimilated
that culminated in very perverse practices in the teaching and learning treatment. The placed
problem searched to understand how the work and childhood field are interlaced, are ignored
and/or shocked when consider to unmask the child labor as a social problem, current and
structural, produced and reproduced for the capitalist logic and to unmask the exaltation of
some educative ideals and its forms to mean childhood and to guide practices directed to the
children in the school work context. To explore this subject the fetishism was chosen as a
methodology category to unmask what it is hidden on the backwards of many childhood
images and other secrets that creates for the children a rights paradise. A map of educative
field productions was carried out that had as an objective the debate on child labor, trying to
identify in this production the form as the child labor is presented and/or is recognized. It had
been, also, analyzed information extracted of national and international organisms documents
and elaborated maps of the child labor in Brazil exploring minutely the activities developed
for children in the work world and in the economy sections where they are developed. It
demonstrates that, after all, the fight for the infantile work eradication and the boasting of its
reduction leave visible the limits of these proposals that represent only a mask in the aspect
that it shows and in the level of the exploration that happens, exposing like this the hidden
face of the capitalism that generates the poorness and the precocious insertion of the children
in the productive work, leaving opened the trauma of the phenomenon child labor importance
for the capital metabolism.
Key Words: childhood, child, child labor, fetishism
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Estimativas das diferentes categorias de trabalho infantil por idade: 2000-2004 ...63
Quadro 2. Pessoas ocupadas segundo sexo e Grupo Etário-2004 e 2005 ................................65
Quadro 3: Evolução no número de categorias nos vários níveis da CNAE .............................81
Quadro 4. Relação de Atividades Econômicas, por setores da Economia listadas nos Mapas de
Indicativo do Trabalho da Criança e do Adolescente...............................................................87
Quadro 5. Composição da amostra das atividades econômicas, segundo setores da economia,
por Regiões e Unidades da Federação - 1999 e 2005...............................................................88
Quadro 6. Aumento/ redução das atividades econômicas exercidas por crianças, por setores da
economia nas Regiões do Brasil - 1999-2005 ..........................................................................89
Quadro 7. Atividades ilícitas por regiões, estados e número de municípios nas unidades da
federação.................................................................................................................................102
Quadro 8. Meninas e adolescentes empregadas domésticas por grupos etários- Brasil, Regiões
e Unidades da Federação- 1992 e 1999 respectivamente:......................................................108
Quadro 9. Quadro comparativo de municípios onde ocorre o trabalho infantil em 1999 e 2005
................................................................................................................................................113
Quadro 10. Idade mínima para admissão no emprego ...........................................................125
Quadro 11. Encontros e Congressos realizados por meninos trabalhadores (1988- 2004) ....146
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS
Figura 1. Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente no Ano de 1999 ....69
Figura 2. Mapa de Indicativo do Trabalho da Criança e do Adolescente 1997 - 1999 ............70
Figura 3. Mapa de Indicativo do Trabalho da Criança e do Adolescente no Ano de 2005......71
Figura 4. Mapa de Incidcativos do Trabalho da Criança e do Adolescente Ano de 2005 .......72
Gráfico 1. Percentual de Atividades Econômicas Desenvolvidas por Crianças e Adolescentes
nos Setores da Economia, por Regiões e no Brasil ..................................................................73
Gráfico 2. Aumento/ redução das atividades econômicas exercidas por crianças, por setores da
economia nas Regiões do Brasil- 1999-2005 ...........................................................................92
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12
CAPÍTULO 1 NA TRAMA DO TRABALHO INFANTIL AS IMAGENS DE
INFÂNCIA E DE CRIANÇAS..............................................................................................26
1.1 O TRABALHO INFANTIL ENTRE FICÇÃO E O REAL...........................................27
1.2 FORJANDO UM NOVO TIPO HUMANO SEM DIREITO À PREGUIÇA ...............32
1.3 SOBRE PRÁTICAS E PROCESSOS DE MODELAÇÃO DOS SUJEITOS DA
INFÂNCIA: NA RUA, NAS RODAS...NA HISTÓRIA.....................................................35
1.4 O MITO DAS CLASSES PERIGOSAS: OUTRO INGREDIENTE NA
“FABRICAÇÃO” DE MENINAS E MENINOS TRABALHADORES.............................43
1.5 ESCOLA: ESPAÇO DE ASSEPSIA DA CRIANÇA....................................................48
1.5.1 Lugar de criança é na escola: qual criança, qual escola?.........................................51
CAPÍTULO 2 MAPAS DO TRABALHO INFANTIL: OUTRA FACE DA INFÂNCIA
OCULTA NA LÓGICA CAPITALISTA.............................................................................58
2.1 SITUANDO OS MAPAS: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES.......................................60
2.2 APROXIMANDO-SE DO FETICHE DA REDUÇÃO.................................................62
2.3 O TRABALHO DAS CRIANÇAS NAS DIFERENTES ATIVIDADES
ECONÔMICAS E NOS SETORES DA ECONOMIA........................................................67
2.3.1 MAPAS DE INDICATIVOS: ATIVIDADES ECONÔMICAS.............................78
2.3.2 Mapas de Indicativos: Setores da economia............................................................81
2.4 MAPAS DE INDICATIVOS: CONDIÇÕES DE TRABALHO E RISCOS À SAÚDE
..............................................................................................................................................95
2.4.1 Tarefas geralmente executadas/ Processo de trabalho.............................................98
2.5 MAPA DE INDICATIVOS: ATIVIDADES ILÍCITAS..............................................100
2.6 MAPA DE INDICATIVOS: TRABALHO DOMÉSTICO .........................................105
2.7 O TRABALHO INFANTIL SOB LENTES DOS ORGANISMOS NACIONAIS E
INTERNACIONAIS: O FETICHE DA REDUÇÃO.........................................................110
2.7.1 Corrigindo “excessos” do liberalismo econômico: as políticas compensatórias do
“neoliberalismo social” ..................................................................................................117
CAPÍTULO 3 AS CRIANÇAS NO PARAÍSO DOS DIREITOS E OS DIREITOS DAS
CRIANÇAS AO AVESSO: O DUPLO FETICHE............................................................121
11
3.1 AS CRIANÇAS NO PARAÍSO DOS DIREITOS.......................................................123
3.1.2. “O fim do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance”: Relatório Global da
OIT-2006. ......................................................................................................................129
3.2 O AVESSO DOS DIREITOS: NA DEFESA DO TRABALHO INFANTIL..............135
3.2.1 Protagonismo infantil: afirmação das diferenças etárias ou negação das
desigualdades reais? .......................................................................................................143
3.3 TRABALHO INFANTIL DE “PRESTÍGIO”..............................................................147
3.4 OUTROS FETICHES SOBRE INFÂNCIA E TRABALHO INFANTIL...................151
CAPÍTULO 4 FETICHISMO DA INFÂNCIA: UMA ILUSÃO SOCIAL NECESSÁRIA
................................................................................................................................................157
4.1 AVENTURANDO-SE NOS CAMINHOS DA CATEGORIA FETICHISMO ..........161
4.2 FETICHISMO DA INFÂNCIA 1: SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA, DO OFÍCIO DE
ALUNO AO OFÍCIO DE CRIANÇA................................................................................166
4.3 FETICHISMO DA INFÂNCIA 2 - A LITERATURIZAÇÃO DA PEDAGOGIA E A
PEDAGOGIZAÇÃO DA LITERATURA .........................................................................180
4.4 FETICHISMO DA INFÂNCIA 4: O APRENDER A APRENDER E O BRINCAR. 187
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................193
REFERÊNCIAS....................................................................................................................204
APÊNDICE ...........................................................................................................................224
ANEXOS ...............................................................................................................................250
INTRODUÇÃO
[...] Mas, então, o que hoje o capitalismo consumiria? Os corpos? Eles já são
utilizados muito tempo e a noção antiga de “corpos produtivos” é testemunha
disso. A grande novidade seria a redução dos espíritos. [...] É muito precisamente
esse traço que nos parece propriamente caracterizar a virada dita “pós-moderna”: o
momento em que parte da inteligência do capitalismo se pôs a serviço da “redução
das cabeças”. (DUFOUR, 2005, p.10)
A necessidade de colocar em debate a infância e o trabalho infantil é decorrente de
uma insatisfação ao perceber nas produções teóricas do campo educativo, especificamente no
campo da teoria pedagógica e ainda nas inúmeras discussões realizadas com os pares, uma
idealização na forma de conceber a infância e a criança. A prática de anos como professora
alfabetizadora e também com passagens por classes em diferentes níveis de ensino foi
colocando algumas interrogações relacionadas com a forma de compreender e tratar as
crianças que começaram a causar inquietação. A criança que emergia desse quadro parecia
por demais idealizada, mitificada, fantasmagórica se comparada a outras crianças em outros
espaços sociais de formação.
Algumas problematizações foram se apresentando: seria essa criança idealizada
porque era considerada apenas na condição de aluno? Veiga (2004, p. 78) aponta que “[...] a
escolarização para todos e a socialização universalizada de infância produziu uma criança e
uma infância imaginada [que] pretendeu desfazer as tensões de classe, de gênero e de origem
étnico-racial.” E essa infância imaginada, institucionalizada é justamente o contraponto das
crianças em outros espaços. Como coloca Marx (2002, p. 94), os produtos do cérebro humano
parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os
seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias.
Chamo a isso de fetichismo [...].
Um encontro com a criança nas práticas discursivas educacionais, apresentava-a
completamente diferente do encontro com ela em outros espaços onde também se forma, se
13
revela e faz as lições da vida. Havia um vazio. Estaria um fetiche? O caminho que parecia
levar da criança mítica à real aparecia cheio de atalhos. Uma hipótese que se colocou de
imediato foi vasculhar algum espaço de atuação da criança, diferenciado do espaço escolar,
onde fosse possível apresentar a criança como de fato ela é com todas as suas capacidades e
limitações de modo que impactasse, fizesse contraponto a alguns pensamentos mágicos, a
algumas idéias do ser criança e do que fazer com ela presentes no mundo da escola. O lugar
escolhido para confrontar as representações da criança no mundo da escola foi localizá-la no
mundo do trabalho apontando o movimento dessa própria realidade, de suas fases e seus
momentos. Por ser esse caminho permeado de encruzilhadas, fez-se necessário passar por
entre discursos e práticas que foram delineando o mundo do trabalho para as crianças,
justificando sua inserção e permanência nele assim como desenhando a escola como um
paraíso a conquistar, a salvação das crianças do mundo do trabalho. O encontro com a criança
no mundo do trabalho coloca em questão essas idéias que cercam a infância. Os mapas de
indicativos do trabalho da criança e do adolescente
1
, ao representar as crianças historicizadas,
as relações sociais nas quais estão inseridas, a vida vivida por elas e as condições às quais são
submetidas desvendam como algumas práticas a elas dirigidas, acabam moldando-as para
funcionarem como portadoras de determinadas “imagens” ou “representações”. E não é o
contrário. Não como desvincular mudanças de ordem material de mudanças no plano
cultural, intelectual. Para se aproximar de algumas respostas e avançar na compreensão das
possibilidades efetivas de uma escolarização devida é preciso desvendar que práticas andam
alimentando tais discursos e como vão se efetivando nas propostas de escolas destinadas às
crianças de diferentes classes sociais.
Por que a entrada da criança, no campo educativo ou na teoria pedagógica,
representava-a sem os contornos de classe se era esse mesmo espaço que se apresentava como
o locus de salvação das crianças de outros espaços menos higienizadores, menos assépticos?
O que haveria de tão mágico na escola de forma que fosse possível transformar crença em
práticas? Qual a fórmula mágica que opera essa transformação? Sair de um espaço e ingressar
em outro implica carregar algumas marcas. As marcas extra-escolares são, entretanto, sempre
obscurecidas na escola. Com que amarras essas concepções foram se constituindo de forma a
cristalizar na representação de tantos profissionais de modo que se delineassem práticas? Se
1
Toda vez que forem mencionados os Mapas de Indicativos deve-se ter claro que eles referem-se ao trabalho da
criança e adolescente, mesmo que em algum lugar apareça apenas mencionado Mapa de Indicativos do trabalho
da criança.
14
outros espaços e lugares da criança onde ela se apresenta de forma diferenciada, por que a
entrada na escola ignora esses espaços e essas formas de ser?
O vazio que ficava reclamava ser preenchido por outras concepções de criança às
quais têm-se destinado algumas propostas de práticas pedagógicas cujas conseqüências
apresentam-se bem perversas. Um diálogo da teoria pedagógica com a infância no mundo das
artes, da literatura, do cinema, das novas tecnologias, na dia, no mundo do faz-de-conta,
das brincadeiras e da fantasia estava acontecendo, mesmo que de forma inicial. Pareciam
existir alguns redutos privilegiados de representações acerca da infância, mas sua presença no
mundo do trabalho continuava silenciada. Buscou-se iniciar o diálogo a partir deste campo.
Essa escolha não foi aleatória. Primeiramente, o que era dado a perceber é que, mesmo nas
condições mais adversas e desumanas algo que se extraía da criança no mundo do trabalho,
além das suas possibilidades e limitações, apresentava-se em contradição com aquilo que lhe
era exigido em termos de atividade no contexto escolar. Num espaço, ela se apresentava tal
como os adultos, em condição de ser explorada em todas as suas competências e habilidades,
mesmo que de forma ilegal e indevida; noutro espaço, ela se apresentava imperfeita,
incompleta, imatura para diversas atividades sendo exigido bem menos do que ela seria capaz
de realizar e ao mesmo tempo era coberta de qualidades a ponto de exercitar ao máximo seu
protagonismo, podendo aprender sozinha. Uma infância? Outra infância?
Soma-se a isso a criança fora de forma, fora da norma, a exigir políticas especiais.
Algumas vezes nas ruas, no paraíso dos direitos, pelas instituições além da escola, que a
acolhem, cuidam e/ou a educam apresentando outra forma de ser criança. Por onde quer que
se iniciasse o percurso atravessava-se sempre o mundo do trabalho, quando esse não
constituía, na maioria das vezes, o ponto de chegada. Esse espaço foi se apresentando como
cheio de promessas para um encontro com a criança, como auxílio para compor os saberes
pedagógicos que pareciam imobilizá-la em imagens para enquadrá-la em teorias. Incompletas
para a escola e completas para criar a riqueza deste país.
Como o trabalho sempre fez parte do mundo das crianças, seja ele doméstico ou
praticado no seio da economia familiar, o fato é que as crianças sempre foram partes
intrínsecas da economia industrial e agrícola e também continuamente exploradas com a
industrialização. Elas assim permaneceram até serem resgatadas pela escola, como coloca
Thompson (1987, p. 203). Nesse resgate, muitas crianças ficaram para trás e continuaram no
mundo do trabalho, e continuam até hoje, apesar dos discursos salvacionistas e das inúmeras
“operações de resgate”. Escola e fábrica nascem juntas, e o trabalho, segundo Manacorda
15
(2002, p. 305), entra, de fato, no campo da educação via desenvolvimento objetivo das
capacidades produtivas sociais, isto é, da revolução industrial e pela descoberta da criança.
Considerando esses elementos, configurou-se o seguinte problema de pesquisa:
Como os mundos do trabalho e da escola se entrelaçam, se ignoram e/ou se chocam
quando se propõe a desvendar o trabalho infantil como um problema social , atual e
estrutural, produzido e reproduzido pela lógica capitalista e a desvendar a atividade
escolar e suas formas de significar a infância e orientar práticas dirigidas às crianças?
Para buscar a articulação entre formas de viver e de significar a infância no mundo
do trabalho infantil e na teoria pedagógica levantaram-se as seguintes questões:
Como o trabalho infantil comparece nas produções do campo educativo?
Como o trabalho explorado de crianças é revelado pelos Mapas de Indicativos do trabalho
de crianças e adolescentes no Brasil? Quais as atividades desenvolvidas pelas crianças e
em quais condições?
Em quais setores da economia há maior manifestação e diversificação das atividades
exercidas por crianças e adolescentes? É possível afirmar sua diminuição? Em quais
setores e regiões?
É possível estabelecer distinções reais e fronteiras entre as atividades dos diferentes
setores da economia?
É possível eliminar o trabalho das crianças? Como essa discussão está colocada na teoria
do social?
Como o trabalho explorado realizado por crianças é encoberto na forma de trabalho
doméstico e atividades ilícitas?
Como se (des)articulam as formas de significar a infância na teoria pedagógica e de vivê-
la no mundo do trabalho?
Ao historicizar a criança utilizando-se dos mapas do trabalho infantil é possível melhor
divisar a criança representada, idealizada no ideário pedagógico, na escola?
Que atividades de ensinar e aprender podem emergir desse exercício e que elementos
fornecem para colocar em questão algumas propostas de aprender a aprender que andam
alimentando algumas práticas pedagógicas?
Para percorrer esse caminho foram estabelecidos os seguintes objetivos: fazer
mapeamento das produções do campo educativo que tivessem como objeto o debate sobre
trabalho infantil identificando nessa produção a forma como o trabalho infantil se apresenta
16
e/ou é reconhecido; destacar as convergências e/ou divergências que emergem desse debate e
que aspectos e dimensões são mais ressaltados e/ou silenciados; detectar a presença do
trabalho infantil, no Brasil e no mundo, a partir de dados extraídos dos documentos de
organismos nacionais e internacionais e dos Mapas de Indicativos do trabalho infantil no
Brasil; Situar nesses documentos o debate sobre a erradicação do trabalho infantil; apreender
as concepções de trabalho subjacentes ao trabalho infantil e aspectos da infância que vão
compondo esse quadro; destacar formas de significar a infância e de vivê-la em diferentes
espaços; Apresentar as atividades desenvolvidas por crianças no mundo do trabalho, destacar
os setores da economia onde são desenvolvidas de acordo com os Mapas de Indicativos do
trabalho da criança e do adolescente; colocar em contraposição imagens de infância que
insistem em permanecer na teoria do social com aquelas que vem alimentando algumas
propostas de ensinar e aprender, nas discussões sobre a sociologia da infância.
Aos objetivos enunciados estão subjacentes alguns pressupostos, conforme segue:
O diálogo da educação com o mundo do trabalho é limitado, principalmente com o mundo
do trabalho infantil e as poucas pesquisas que têm se interessado pelo tema apontam
aspectos que demandam ainda investigação, tais como: a sedução pelo trabalho e seus
efeitos benéficos e terapêuticos, o trabalho infantil doméstico e no meio rural, o trabalho
infantil de prestígio, a legislação referente ao trabalho infantil e sua repercussão na
prática, etc.
O mundo do trabalho infantil pressiona para o alargamento da compreensão de infância,
assim como de outros fenômenos educacionais a ela ligados, como o lúdico, o
protagonismo infantil etc., sem obscurecer as tensões de classe e ainda colocando em
causa que se as crianças são imperfeitas, incompletas para escola não o são para serem
exploradas.
As convergências e divergências nos documentos dos organismos nacionais e
internacionais acerca do ao trabalho infantil, não são capazes de revelar sua verdadeira
face como expressão do trabalho abstrato.
A compreensão do trabalho infantil como imanente ao capital, e impossível, portanto, de
ser erradicado e/ou solucionado por meio de políticas públicas.
Propostas pedagógicas com aparência revolucionárias e inovadoras fetichizam a infância
pelo fato de considerar seu desenvolvimento individual como coisa separada de seu
desenvolvimento social.
17
Um primeiro momento da pesquisa foi amparar-se numa concepção de infância e de
criança que garantisse um rigor no percurso e, para isso, a distinção feita por Khulmann Jr. e
Fernandes (2004, p. 15) entre infância e criança foi fundamental:
Podemos compreender a infância como a concepção ou a representação que os
adultos fazem sobre o período inicial da vida ou como o próprio período vivido pela
criança, o sujeito real que vive essa fase da vida. A história da infância seria então a
história da relação da sociedade, da cultura, dos adultos com essa classe de idade, e a
história da criança seria a história da relação das crianças entre si e com os adultos,
com a cultura e a sociedade.
Soma-se a essa distinção a contribuição de Warde (2007, p.28) ao enfatizar a
importância das perguntas a serem feitas:
Em uma ponta, encontram-se os historiadores para quem a pergunta mais
interessante e em melhores condições de resposta diz respeito não à vida vivida
pelas crianças ou as condições em que viveram no passado, e sim às idéias que
cercam a infância, ou as maneiras da “infância” em culturas diferentes que variam
entre a inocência, a ingenuidade, a incapacidade ou a maldade, ou, ainda, estão
mergulhadas na nostalgia de épocas passadas. Trata-se, aqui, da ênfase firmemente
apoiada na construção cultural das idéias do que fazer com a infância. Dela, extrai-
se, ainda, o exame de como tais construções culturais impactam as vidas das
crianças.
Veio também de Warde (2007, p. 27) o alerta para perceber ‘[...] como e quais
práticas dirigidas às crianças e jovens os moldam para funcionar como portadores de
determinadas “imagens” ou “representações” de infância e de adolescência, e como suportes
de determinados “sentimentos” de infância e de adolescência?’.
Nesse sentido, buscando libertar a criança de imagens cristalizadas, decidiu-se
marcar um encontro com a infância e o lugar escolhido foi no mundo do trabalho,
considerando-se as inúmeras contradições vividas no processo de formação de educadores que
prioriza algumas concepções de infância vinculadas prioritariamente a contextos escolares e
familiares, silenciando-se sobre o processo de formação das crianças que se constituem como
diferentes sujeitos na relação com múltiplos tempos e espaços e sobre os jogos de forças
sociais que atravessam as práticas escolares e que constituem as formas de sociabilidade, a
partir das quais os sujeitos se formam, conformam e transformam.
A categoria metodológica eleita para ajudar a desvelar o que se esconde por trás
dessa infância, de forma mais refinada e rigorosa, foi a categoria fetichismo. Acredita-se que
essa ferramenta é de grande ajuda para evitar o risco, tão em moda, de resvalar para o campo
18
do “fragmento alegre”, que apregoa a existência de infâncias, de pluralismos, de diferenças,
sem, contudo reconhecer a articulação desses matizes na lógica capitalista.
Partiu-se de Marx (2002), do fetichismo da mercadoria por considerar que, ao
explicitar seu segredo, isto é, ver relações humanas por trás das relações entre coisas, Marx
fornecia uma chave para compreender que a forma de se viver a infância no mundo do
trabalho escondia um segredo que, se revelado, poderia abalar algumas concepções de
infância cristalizadas na teoria pedagógica. Imagens da infância que pareciam ter vida própria
e, por isso, capaz de moverem-se nesses dois mundos aparentemente opostos: mundo do
trabalho e mundo da escola.
A forma como Marx (2002, p. 94) vai apresentando a mercadoria como coisa nada
trivial, porém cheia de “sutilezas metafísicas”, “algo estranho”,“misterioso” (que não provém
de seu valor-de-uso, como conseqüência do trabalho humano), mas que adquire esse mistério
“simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens,
apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes ao produto do
trabalho”, sugere que essas concepções, representações, são criações dos seres humanos e que
são por eles adoradas. E ainda, de nada adianta eliminar essas concepções se não se eliminar a
realidade social que faz com essas concepções e ilusões sejam necessárias. Por isso, difícil
caminhar na contramão das modas, “decifrar o significado do hieróglifo, descobrir o segredo
de sua própria criação social” (p.96).
Vários autores que se utilizam da categoria fetichismo, como Rubin (1987),
Evangelista (2001), Jappe (2006); Kohan (2007) e Fontenelle (2002 e 2005) foram
fundamentais na continuidade da análise.
Rubin, ao apresentar a essência do pensamento de Marx sobre a teoria do valor,
começa pela teoria do fetichismo da mercadoria; Jappe sintetiza o desenvolvimento dado por
Marx à crítica da mercadoria; Kohan traz para o centro de suas análises a teoria crítica do
fetichismo para compreender e explicar essa proliferação do discurso da fragmentação, do
pluralismo, das diferenças etc., enfatizando que enquanto se rende homenagem ao micro, à
diferença, o mercado mundial capitalista homogeneíza toda a diversidade numa lógica que
integra social, cultural e econômico. Fontenelle (2005, p.64), fortemente ancorada na questão
do fetichismo da mercadoria para melhor investigar a “subjetividade na sociedade
contemporânea a partir da problemática da ilusão, que está na própria base do conceito de
fetiche” na sociedade contemporânea, pretende negar a tese da “falsa consciência” para além
de Marx e insistir em uma “ilusão socialmente necessária”. A autora parte da hipótese que o
19
sistema capitalista desenvolveu uma modalidade nova de fetiche, que precisa ser melhor
investigada naquilo que seria apenas a ponta de seu iceberg: as imagens. Evangelista (2001),
admitindo a existência de muitos enigmas que emanaram do desenvolvimento histórico da
sociabilidade humana contemporânea e que demandam sua decifração intelectual, utiliza as
noções de alienação, fetichismo e reificação como importantes ferramentas de análise dos
processos constitutivos do ser social capitalista, nucleados pela universalização da forma
mercadoria por todas as esferas da organização social. Ao apontar que o desenvolvimento do
capitalismo leva ao paroxismo o fetichismo da mercadoria, produzindo a reificação tanto das
relações sociais quanto da cultura, sustenta a necessidade de decifrar o enigma da Esfinge.
A categoria fetichismo é utilizada como suporte de todos os capítulos, na seleção e
organização da teoria e dos fatos, assim como as categorias de conteúdo infância e trabalho.
Entende-se que, mesmo sob a nova lógica de realização do capital, a exploração da força de
trabalho continua viva, mesmo que essa exploração se apresente sob novas formas, a
finalidade de acumulação não desapareceu e por tal razão persiste a velha lógica do
fetichismo das mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais. Buscou-se com essas
categorias não dar ao pensamento seu livre curso, mas fornecer-lhe apoio.
Um encontro com a infância, partindo-se do mundo do trabalho, anunciava-se muito
promissor, porém cheio de armadilhas. Esse percurso não podia ser realizado sem algumas
coordenadas para alcançar a infância nos dois campos: trabalho e escola. Foi realizado,
portanto, um mapeamento em 8 (oito) periódicos da educação, de circulação nacional,
inclusive cobrindo artigos que traziam os “estados da arte do campo trabalho-educação”,
buscados outros que eram mencionados nesse material, assim como consultadas obras que
resultaram das discussões realizadas nos Grupos de Estudos Trabalho e Educação de diversas
universidades. Foram, também, utilizados dossiês de grupos de estudos e pesquisas que
construíram suas experiências e produção acadêmica nesse campo (Ver Apêndice e Anexo A).
Esse percurso preliminar apontou várias pistas que direcionaram os rumos dessa tese e que
delinearam os capítulos. Ao se percorrer esse caminho, também começa a despontar, com
certa freqüência, a invasão do campo pelos aportes da “sociologia da infância”, sinal de que
uma onda nova começava a erguer-se.
Foi feito ainda, um levantamento de dissertações e teses no Banco da CAPES,
produzidas no período de 1987 a 2003, que contemplassem no título e/ou no resumo a
discussão sobre trabalho infantil. O total da amostra constava de 189 dissertações e 15 teses
de doutorado, provenientes de várias áreas. Dessa amostra, foram selecionadas apenas aquelas
20
da área da educação resultando em 89 dissertações e 4 teses, espalhadas por 15 Estados
brasileiros e provenientes de 27 universidades (Ver Apêndice e Anexo B).
Realizou-se, ainda, uma pesquisa documental submetendo à análise publicações da
OIT (Organização Internacional do Trabalho), especialmente o Relatório Global- 2006 “O fim
do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance, publicações do IFEJANTS (Instituto de
Formación y Educación de Jóvenes Adolescentes y Niños Trabajadores- Peru) , do IPEC
(Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil), do IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística), do FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil), Mapas de Indicativos do trabalho da criança e do Adolescente de 1999 e
2005 publicados pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e SIT (Secretaria de Inspeção
do Trabalho) e ainda um documento do IBGE, a CNAE versão 2.0 (Classificação Nacional
das Atividades Econômicas).
Os denominados Mapas de Indicativos não se apresentavam em forma cartográfica e
sim em quadros, tabelas e gráficos, trazendo no final uma relação, por ordem alfabética, de
todas as atividades econômicas exercidas por crianças e os respectivos Estados onde elas
aconteciam. As 99 atividades listadas no Mapa de 1997-1999 e as 242 atividades listadas no
Mapa de 2005 foram numeradas. Tomou-se o mapa do Brasil, e por meio de um meticuloso
trabalho, elas foram distribuídas pelas regiões e seus respectivos Estados, no formato de
pequenos círculos, devidamente identificados com números correspondentes a cada uma das
atividades econômicas listadas, construindo-se dois Mapas de Indicativos: um referente a
1997-1999 e outro, a 2005. Em seguida as atividades foram agrupadas por setores da
economia (Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aqüicultura, Indústria extrativa e
de transformação, Comércio, Serviços e outras atividades
2
), atribuindo uma cor diferente a
cada um. Para realizar este agrupamento, chegou-se a um extenso documento do IBGE, a
CNAE 2.0 (Classificação Nacional das Atividades Econômicas) e procedeu-se ao complicado
exercício de inserir as atividades nos setores correspondentes, amparando-se em tal
documento, mesmo ciente das dificuldades que se colocariam decorrentes das metamorfoses
no mundo do trabalho, da expansão do assalariamento no setor de serviços, do trabalho
parcial, temporário, terceirizado, subcontratado e outras formas que marcam a sociedade
atual, assim como da reinvenção das atividades econômicas e dos riscos corridos pela
impossibilidade de se estabelecer distinções reais entre as atividades dos diferentes setores da
2
Para esse agrupamento, baseou-se na Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE-versão
2.0/2007) e CONCLA(Comissão Nacional de Classificação).
21
economia, devido as suas estreitas interconexões, principalmente com a “industrialização
crescente da agricultura.” (MANDEL, 1982, p. 266).
E, percorrendo essas direções foram sinalizadas algumas fragilidades do discurso da
redução do trabalho infantil, problematizando-o. Quantificar e qualificar as denúncias,
apreender casos invisíveis e não denunciados desafia auditores fiscais e pesquisadores. A
pesquisa realizada verificou inúmeros problemas na elaboração dos Mapas de Indicativos do
Trabalho Infantil no Brasil, relacionados à dependência que os mapas têm de denúncias, aos
seus limites frente às atuais tendências do mundo do trabalho, afinal problemas de ordem
metodológica relacionados à faixa etária coberta pelas pesquisas, às semanas e meses
diferenciados em que dados foram coletados pela PNAD e pela fiscalização, às classificações
das atividades econômicas utilizadas e inserções de outras denominações não presentes na
CNAE, entre outras explicitadas no decorrer do capítulo 2, colocando em questão a alardeada
redução. Embora a parte introdutória do Mapa de Indicativos de 2005 alerte sobre as
divergências que podem ocorrer na comparação entre os dados estatísticos divulgados nesta
edição com aqueles da anterior, existem outros elementos que permitem questionar o discurso
da redução quando feita análise cuidadosa do referido mapa e comparecem no decorrer do
capítulo 2, além dos citados anteriormente.
Assim, com base nesse percurso delinearam-se os capítulos que compõem esta
pesquisa: O Capítulo 1 tenta desvendar “Na trama do trabalho infantil imagens de infância”
que foram se constituindo, frutos de astuciosas operações colocadas em prática para justificar
o mundo do trabalho como mais adequado para determinadas crianças. Que segredos, magias
e fetiches foram capazes de transformar uma aversão inicial pelo trabalho, inclusive por parte
dos adultos, em uma “paixão moribunda” como diz Lafargue (1990, p.30), em uma estranha
loucura, um chamamento, uma vocação, um bem? As representações que foram sendo tecidas
na história da relação da sociedade e dos adultos com essa classe de idade com suas
justificativas ideológicas e culturais só se materializaram devido às práticas dirigidas às
crianças para fazê-las portadoras de determinadas imagens capazes de respaldar sentimentos
que naturalizassem e justificassem o seu lugar no trabalho.
As instituições que emitiam o passaporte rumo às fábricas encontravam nas rodas,
asilos e workhouses poderosas escolas. Várias estratégias também foram utilizadas para forjar
o tipo humano necessário às relações sociais de produção: a expulsão dos camponeses de suas
terras, os cercamentos, as leis como instrumentos de espoliação para submeter a massa à
condição servil. Acrescenta-se, ainda, capítulos sobre o disciplinamento, reabilitação,
22
correção da desordem, prevenção do perigo e salvação da infância e dos adultos realizados
sob os auspícios das manufaturas e fábricas. O trabalho como remédio para a cura desses
males atravessa páginas e páginas da história. A fabricação do mito das classes perigosas
esconde outros segredos que ameaçam a espécie humana como o perigo do eugenismo, da
repressão seletiva, em que apenas alguns serão escolhidos como os supostos inimigos da
sociedade.
Se a escola surge nesse contexto como oposição ao mundo do trabalho e da rua,
também é local de prevenção e integração marcado por oposição e hierarquias. E, dependendo
da população a quem o trabalho escolar é direcionado, há significativas diferenças na sua
forma e conteúdo. O fato de ser carregado de simbolismo social atesta a indispensabilidade do
trabalho infantil ao capital assim como a de naturalizar uma significação de infância destituída
de direitos. Enfim, esse capítulo aponta as estratégias utilizadas para tornar aceita ou
naturalizada a exploração das crianças no trabalho em todos os recantos do mapa camuflando
as condições nas quais é realizado. Um encontro com as crianças no mundo do trabalho será
objeto do próximo capítulo.
Espalhadas Brasil afora, exercendo as mais variadas atividades econômicas, elas são
presença constante no mundo do trabalho. Encontrá-las não foi tão simples, embora se
soubesse que desde remotos tempos da história, inclusive das estórias da carochinha, elas já se
entregavam a essa faina diária. Os tempos, entretanto, mudaram e já não é tão simples
localizar as crianças no mundo do trabalho. Por várias razões: ora o trabalho aparece como
ajuda, ora ele é escondido a sete chaves, ora se transfigura em virtude, adquire às vezes
formas estranhas em que a mercadoria vendida é o corpo todo, ora se descortina sem o menor
receio frente a mentes e olhares menos avisados, porque se transmutou em outra coisa. Como
ele se estende até os limites do mundo, mundializou-se. O exercício feito neste capítulo foi
procurá-lo. E, para isso, o apoio nos Mapas de Indicativos do Trabalho da Criança e
Adolescente no Brasil, assim como vários outros documentos, permitiu percorrer os caminhos
por onde ele se achava. Uma verdadeira viagem, inclusive por mares nunca d’antes
navegados. Assim, esse capítulo tem como objetivo transitar pelos mapas do trabalho infantil
no Brasil, sem perder sua conexão com a questão do trabalho no mundo, apresentando uma
outra face da infância oculta na gica capitalista que tenta a tudo consumir, não só os
recursos da natureza, mas os recursos humanos. As mais diversas tarefas executadas, nas
condições de trabalho mais abusivas, não escapa a nenhum setor da economia. A flexibilidade
23
atinge seu grau máximo. Aqui, uma completa anulação dos direitos da criança e também
completa indiferenciação entre criança e adulto.
Se a atividade mais séria da criança é brincar, isso não funciona para todas elas.
Enquanto umas brincam, outras trabalham para que essas possam brincar, inclusive
fabricando, no trabalho, os próprios brinquedos que as outras utilizarão. Apropriadas como
força de trabalho nas mais diversas frentes, a flexibilidade parece ser um fenômeno
constitutivo da natureza da criança pobre. Como num passe de gica, as crianças ressurgem
no capítulo 3, também no mundo do trabalho, só que num verdadeiro paraíso dos direitos. Ora
erguem-se bandeiras para defender seus direitos e retirá-las de lá, ora outras bandeiras se
erguem para defender seu direito de trabalhar. Este capítulo vai apontando alguns fetiches que
começam a se mostrar em meio aos discursos que exaltam a abolição do trabalho infantil e
outros que defendem o direito das crianças a exercê-lo, considerando-se, para isso, uma
análise documental referente às publicações da OIT (Organização Internacional do Trabalho),
CMT (Confederación Mundial Del Trabajo- Bruxelas- Bélgica), do IPEC (Programa
Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil), do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil), MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho)
e IFEJANTS (Instituto de Formación y Educación de Jóvenes Adolescentes y Niños
Trabajadores-Peru) e sua publicação semestral Revista NATs (Niños/as y Adolescentes
Trabajadores).
O caminho traçado até aqui foi apontando a força do simbolismo social que vem
elaborando e reproduzindo a lógica de exploração da mão-de-obra infantil. Ao mesmo tempo
em que enaltece a positividade do trabalho como locus de moralidade e civilidade e como
medida de pertencimento social enaltece a positividade da escola. que de um arremedo de
escola que atribui superpodores às crianças, mas não a convoca a usá-los enquanto
possibilidades reais. Esvazia-se a função do professor, a atividade escolar de seu conteúdo, e
afirma o protagonismo no discurso, mas o nega na prática apontando o quão intimamente se
acha atrelado às idéias que cercam a infância, ou às maneiras de ser da infância, às
representação que os adultos fazem sobre esse período inicial da vida. Essas são as reflexões
realizadas no último capítulo denominado “Fetichismo da Infância: uma ilusão social
necessária”.
A concepção de infância presente na teoria pedagógica que tem informado algumas
propostas de escola tão cristalizadas na prática e, às vezes, sinalizado outras como as mais
24
revolucionárias e inovadoras, parece ignorar as tensões de classes que se escondem sob uma
aparência bonachona e democrática.
Numa tentativa de síntese provisória, busca-se nas considerações finais apontar as
contradições entre as concepções ou representações que os adultos fazem sobre infância tanto
no mundo do trabalho quanto no mundo da escola e à vida realmente vivida pelas crianças
nesses espaços assim como as condições as quais são submetidas. Se as crianças se prestam
para todo tipo de atividades no mundo do trabalho tal como os adultos, sem nenhuma
diferenciação e na mesma condição, inclusive, são mencionadas nos mapas de trabalho
infantil no mesmo patamar, nas mesmas condições em que comparecem os adultos, percebe-
se que, dependendo de alguns interesses, as fronteiras entre uma temporalidade humana e
outra inexiste.
Irradia-se, todavia, um discurso do respeito às diferenças etárias, sem medidas e, em
nome dessas diferenças, defende-se a criança enquanto ator, protagonista com direito ao
lúdico, às brincadeiras e, inclusive, com direito a uma educação que também seja mínima em
relação a conteúdos, a obrigatoriedade, ao ensinar; uma pedagogia bem ao estilo da população
à qual se destina, uma pedagogia da pobreza. Para uns, o lema de fazer da educação uma
grande diversão e brincadeira, mas, para outros, uma educação que prime pela disciplina,
lazer na sua medida e que ainda vale como coisa que também pode ser transmitida como se
fosse real, mesmo que, para algumas vozes, exigir das crianças conhecimento, é tarefa
impossível.
Pode-se falar de infância “s” ou de uma outra infância ou o que se tem é uma mesma
infância, porém marcada a ferro e fogo pela condição de classe?
Para desvendar a trama do tecido, é preciso ir descobrindo a armação dos fios que se
escondem no entrelaçado, tais como os fios da concepção de infância, das imagens de infância
que circulam no imaginário social e que são reforçadas cotidianamente através do discurso e
da prática, no uso nada inocente que se faz da utilização político-ideológica da violência para
colocar em cena o mito das classes perigosas ou em risco de vir-a-ser, justificar a higienização
das cidades se atropeladas pelas crianças pobres assim como formatando para elas as políticas
públicas deixando umas frestas de visão para o fato de que os antigos lobos maus dos contos
da carochinha, devoradores de crianças, continuam a existir num universo muito realista. Ora
sob a forma de ogro disfarçado que consome as criancinhas, estupra, devora e transforma tudo
em mercadoria, seja aqui ou acolá nos confins do mundo em reinos bem distantes, transforma
“tudo em objeto de comércio (direitos sobre a água, o genoma, as espécies vivas, a compra e
25
venda de crianças, de órgãos...) mas também traz (er) os velhos assuntos privados, que até
agora eram da alçada individual (subjetivação, sexuação...) para o âmbito da mercadoria.”
(DUFOUR, 2005, [s.p]). Ora aparece sob a forma de fada madrinha que quer proteger as
crianças do trabalho infantil, aboli-lo; afinal, considerando-se portador dos poderes
sobrenaturais das estratégias do verdadeiro feitiço. Apesar de todos esses disfarces, o “fim da
história” das aventuras da mercadoria não é aqui. A possibilidade de o ogro ser transformado,
de se desfazer esse feitiço, existe. Basta insistir, descobrir o segredo, não desanimar e
continuar buscando, mesmo sem saber o que virá depois. E ainda, para se ter um final feliz, há
a possibilidade de imaginar uma maneira de viver e produzir que seja diferente desta que está
sendo imposta.
CAPÍTULO 1
NA TRAMA DO TRABALHO INFANTIL AS IMAGENS DE INFÂNCIA E DE
CRIANÇAS
Desde que tomei os fios quero rumar no empenho de destecer tapetes cujos
engenhos não são visíveis. (LACERDA, 1986, p. 107)
O objetivo deste capítulo é investigar a forma como historicamente o trabalho vai se
enredando na vida das crianças e que configurações vai adquirindo até se transformar naquilo
que é hoje: fruto de astuciosas operações colocadas em práticas para assentar as crianças na
ordem das estruturas materiais e do discurso. Crianças inventadas ao sabor das transformações
na produção da vida material: ora pequenos homens, ora objetos de temor, de caridade, de
assistência e educação, ora romantizadas, ora satanizadas e assim imagens da infância e da
criança que nelas vivem vão se constituindo (des)articuladas ao mundo do trabalho. Uma hora
a infância precisa ser retardada ao máximo, exaltada; outras vezes, a criança precisa ser
amadurecida à força, outras vezes nem se conta como pessoa.
Os percursos para o encontro com as crianças no mundo do trabalho impõem,
inicialmente, uma breve passagem pelo trabalho das crianças nos períodos que antecederam a
revolução industrial, quando eram vistas como um membro a mais da tribo e constituíam com
os adultos uma identidade. Localizar as crianças nesse contexto não é fácil porque o seu
cotidiano estava enredado no cotidiano dos adultos e não havia diferenciação em relação às
idades da vida, à temporalidade hoje considerada. O que determinava a existência do trabalho
era a impossibilidade de os camponeses e seus filhos escaparem a um sistema senhorial que
lhes negava terras suficientes para alcançarem a independência econômica e lhes sugava
qualquer excedente por eles produzido, somada às guerras, epidemias, fome, devido à
exigüidade de alimentos e que levava à prática do infanticídio, do abandono, por todo o
Antigo Regime.
27
Até adquirir o status de atividade mais nobre de se exercer, remédio para muitos
males, antídoto ao crime, à marginalidade, assim como um mal que deve ser eliminado,
abolido, erradicado, inúmeras estratégias foram utilizadas para submeter homens, mulheres e
crianças ao trabalho.
1.1 O TRABALHO INFANTIL ENTRE FICÇÃO E O REAL
Sabe-se pelas páginas da história que o trabalho infantil não nasceu com a
industrialização ainda que tenha, com ela, mudado sua natureza. Nas Histórias que os
camponeses contam: o significado de “Mamãe Ganso”, contos analisados por Darnton (1986)
em O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa, o trabalho
aparece como experiência partilhada pelos camponeses na vida cotidiana de suas aldeias tanto
nos campos como no sistema de manufatura em domicílio. No auge da pior crise demográfica
do século XVII, na França, quando Perrault escreve seus contos, sobreviver era um
imperativo nesse universo malthusiano. A procura por comida pode ser encontrada em quase
todas as histórias que os camponeses contavam.
O mundo de miséria e brutalidade do Antigo Regime não escapa a esses contos
populares analisados por Darnton, mostrando a subnutrição crônica, as epidemias, a fome, a
economia de subsistência que mantinha os aldeões curvados sobre o solo “[...] porque o
senhorialismo e as técnicas agrícolas primitivas não lhes davam qualquer oportunidade de
desencurvarem.” (DARNTON,1986, p.41). Ódio, inveja e conflito de interesses ferviam na
sociedade camponesa. Diante desse quadro da luta pela sobrevivência, da necessidade de
pagar impostos e dízimos senhoriais, alimentar a família, tentar sobreviver aos tempos de
escassez sucedidos pelas más colheitas, entre outras mazelas, era uma aventura. Na luta
inexorável contra a morte, a vida nas estradas à deriva, como população flutuante, fazia parte
da história de muitos pobres em toda a França do início dos tempos modernos. Assim,
“Tornavam-se contrabandistas, salteadores de estradas, pungistas, prostitutas. E no final,
entregavam-se aos hôpitaux, imundas casas para os pobres, ou rastejavam para debaixo de um
arbusto ou de um palheiro e morriam.” (DARNTON, 1986, p.44)
A morte vinha da mesma maneira implacável tanto para aqueles das estradas quanto
para aqueles que permaneciam nas aldeias. A mortalidade infantil, os casamentos terminados
com a morte precoce de um dos pais, a proliferação de madrastas, o abandono, a morte de
28
bebês por sufocamento, o apinhamento de famílias nas mesmas camas levam Darnton (1986,
p. 21) a afirmar que o “universo mental dos não iluminados” pode ser recuperado através dos
contos dos camponeses, mais ou menos como era narrado nas noites de inverno da França do
Século XVIII. “Os camponeses, no início da França moderna, habitavam um mundo de
madrastas e órfãos, de labuta inexorável e interminável e de emoções brutais, tanto aparentes
como reprimidas [...]. É por isso que precisamos reler Mamãe Ganso. (p.47). O autor vê
esses contos populares como documentos históricos que, por meio de seu simbolismo,
retratam um mundo de brutalidade nua e crua na França do século XVIII, expressando a base
comum de uma determinada realidade social. O universo malthusiano aliviado pelo
infanticídio, maus tratos, mendicidade infantil, venda de filhos é representado pelas histórias
de João e Maria, O Pequeno Polegar, Aprendiz de feiticeiro, a existência de madrastas em
Cinderela, a fome sempre saciada através de uma varinha de condão, anéis mágicos ou outros
auxiliares sobrenaturais que fazem a comida aparecer, principalmente a carne que era um luxo
supremo e, nesse imaginário, comem até a exaustão.
Nesses contos Darnton (1986) destaca os contextos em que eles se passam (a casa, a
aldeia, a estrada), pais e filhos trabalhando e, inclusive, a indignação pelo fato dos filhos não
trabalharem levando um pai a livrar-se de sua filha porque ela comia, mas não trabalhava. E
assim é a história de Rumpelstilzchen onde um pai, usando de esperteza, convence o rei a
desposar sua filha dizendo que quando ela tecia , transformava palha em ouro.
Esse universo dos contos infantis é povoado por trabalhos intermináveis, sem limites desde a
mais tenra idade, de todos os membros da família, na roda de fiar, no cuidado dos gados, na
busca de lenha, como aprendizes de ferreiros, alfaiates, carpinteiros até de feiticeiros e
demônios. Darnton (1986, p.85) faz uma análise comparativa desses contos nas versões
inglesa, francesa, alemã, italiana, destacando nisso as diferentes tradições culturais, que
testemunham uma visão de mundo e permitiam aos camponeses “ [...] obter alguma satisfação
logrando, em suas fantasias, os ricos e os poderosos, como tentavam lográ-los no cotidiano,
fosse através de ações judiciais, ou deixando de pagar os tributos senhoriais, ou ainda,
roubando caça.” O autor encerra afirmando que tudo isso pode ter causado gargalhadas
explosivas em torno das lareiras e indaga “[...] mas será que deu aos camponeses
determinação suficiente para derrubar a ordem social? Duvido.” (DARNTON, 1986, p.85).
mesmo no imaginário, no mitológico país da Cocanha, conhecido durante a Idade
Média, foi possível encontrar a abundância. A Terra da Cocanha atendia às reais necessidades
e anseios do homem medieval e enraizou-se no imaginário de vários povos dos séculos
29
seguintes. Essa utopia exercia função de resistência e transgressão. Eram muitas as benesses
encontradas nesse utópico país onde não havia trabalho, mas havia fartura de alimentos e,
principalmente, fartura daqueles bens aos quais só a elite tinha acesso: amor livre, todo tipo de
roupa , calçado e ócio.
Os contos analisados por Darnton refletem a realidade social dos camponeses e,
deles, pode-se apreender a forma como é apresentado o trabalho infantil, quem eram as
crianças que trabalhavam, o tipo de trabalho que realizavam, como eram tratadas e, inclusive,
as condições nas quais esses trabalhos eram realizados, mas o que aqui se propõe é analisar o
processo social real que se esconde por trás da ficção e compreender o contexto do qual a
literatura faz parte, afinal a forma como a realidade é mediada na arte, pois, conforme Duayer
(apud MORAES; DUAYER, 1998), apesar de o texto literário espelhar e engendrar o sentido
de realidade de uma cultura e das formações sociais e apesar da literatura, para além do que é
em si mesma, ser inesgotável fonte de informações para os historiadores. Assim,
[...] o texto literário e o contexto histórico não são uma mesma trama: um não pode
ser reduzido ao outro nem tomados como idênticos. A “narrativa” histórica
constitui-se na possibilidade e no compromisso de compreender o contexto do qual a
literatura faz parte, mesmo consciente de que não pode traduzi-lo mediante uma
imagem categórica e definitiva [...]. (DUAYER apud MORAES; DUAYER, 1998,
p. 70).
O que vem a seguir é, portanto, uma análise do processo social real no qual podem
ser percebidas, além das deploráveis condições de vida dos camponeses, várias estratégias que
foram utilizadas para submeter homens, mulheres e crianças às relações sociais de dominação
e exploração. A forma de tratar os indigentes, reprimir a vagabundagem e montar dispositivos
para forçar sua “integração” social foram alguns dos meios acionados pelos grandes
açambarcadores com o objetivo de empurrar as pessoas para a fábrica, deixá-las disponíveis,
vencer sua resistência sem se importar com qualquer distinção, seja ela geracional ou de
gênero. A preocupação principal é homogeneizar e aplainar todas as diferenças e diversidades
desde que satisfeita a sede do capitalismo nascente de fazer a “integração” no trabalho,
sobretudo num momento em que o trabalho assalariado não gozava de nenhum prestígio entre
a população e que, portanto, precisou ser “integrada” à força nessa nova condição.
Lembrar os campos ingleses do século XVIII e XIX traz um certo ar de pompa. A
Inglaterra aparece como país clássico das grandes propriedades e fazendas, do grande pasto e
seu verdor que alimentou rebanhos de carneiros cuja era explorada. Essa paisagem,
30
entretanto, era também ocupada por uma classe de pequenos proprietários fundiários, a
yeomanry cujo desaparecimento completo data do século XIX. Estes camponeses livres
possuíam o campo no qual viviam e o exploravam, a isto acrescentando algum trabalho
industrial da mulher e dos filhos que cardavam e fiavam lã. Suas pequenas propriedades
foram absorvidas pelas grandes ou vendidas a compradores da cidade ou ainda divididas,
loteadas e cercadas conforme previam as leis do Parlamento de 1714 a 1800, os Enclousures
Acts, os cercamentos, que faziam dos campos, prados e pastos abertos, designados por open
fields e common fields, propriedades fechadas. Desse modo,
[...] abrigos, cabanas, habitações humildes nela se erguiam: as terras baldias tinham
muito pouco valor para se impedir que alguns pobres nela se instalassem e vivessem.
Sem nenhum direito reconhecido, mas por uma espécie de permissão cita,
multiplicavam-se as choças, construídas com materiais leves retirados do próprio
common: os cottagers e os squatters eram muitos e aquilo que lhes permitiam tirar
naquele domínio que não lhes pertencia, trazia algum alívio à sua vida rude e
precária de assalariados rurais. (MANTOUX, 1957, p.138)
As terras cercadas foram transformadas em pasto para os carneiros, o que fez
conhecida a frase que “os carneiros devoram os homens”. Conforme Morus (apud
MANTOUX, 1957, p.140)
Vossas ovelhas, em geral tão mansas e que se alimentam tão pouco, estão se
tornando, dizem, tão indomáveis e tão vorazes que devoram os próprios homens,
despovoam e devastam o campo, as casas e as cidades. Pois, se alguma parte do
reino produz uma mais fina, portanto mais preciosa, logo se os grandes e
pequenos nobres, e até os santos abades [...] suprimirem as terras aráveis e
promoverem cercamentos para criação, por todas as partes demolindo as casas
[...].Para que um só homem possa satisfazer sua avidez insaciável [...] os aldeões são
expulsos de suas terras, despojados pela fraude ou pela violência: ou ainda, lassos
dos vexames que têm de sofrer, se resignam a vender seus bens.
Expulsos de suas terras caem na ociosidade. Esse processo, iniciado no final do
século XV, seguia pelos séculos XVI e XVII, renovando-se no culo XVIII. A própria lei
tornou-se instrumento de espoliação. Foram utilizados os mais sutis atos de rapina
3
e as mais
diferentes estratégias para combater a resistência aos cercamentos e qualquer um que se
arriscasse a reclamar arcava com as taxas de cartórios, gastos com peritos, honorários de
advogados, afinal despesas inúteis, pois, no Parlamento que julgava as petições, estavam os
representantes das grandes propriedades. Para Marx (1981, p.35), as leis sobre o fechamento
3
Ver Marx (1981, p 24 – 7) e Mantoux (1957, p. 140-3).
31
das terras comunais representavam “a forma parlamentar do roubo [...]. São, na realidade,
decretos por meio dos quais os proprietários de terra se presenteavam a si mesmos com os
bens comunais, decreto de expropriação do povo”. E assim foram os processos de acumulação
primitiva. Assim, formou-se uma população flutuante pronta a entregar sua força de trabalho
onde dela precisasse e, nesse caso, as cidades onde estão instaladas as manufaturas e, mais
tarde ,estarão as indústrias, acenavam como a única direção.
O trabalho que foi impossibilitado no campo empurrou um enorme contingente para
as oficinas dos mestres-artesãos, depois para as manufaturas e fábricas, como coloca Marx
(1981, p.26): “O sistema de produção capitalista precisava [...] da condição servil das massas,
sua transformação em mercadoria e a conversão de seus meios de trabalho em capital.”
Para esclarecer a forma como se deu este processo, Marx inicia pela análise da acumulação
capitalista para chegar à acumulação primitiva, mostrando-a como fundamento histórico,
condição preliminar, o ponto de partida da produção especificamente capitalista que sempre
produz uma “[...] população trabalhadora supérflua, relativamente, isto é, que ultrapassa as
necessidades médias da expansão do capital, tornando-se desse modo, excedente” (MARX,
1985a, p.731).
Além dessas formas de existência da superpopulação relativa, Marx fala de outras
três formas: flutuante, latente e estagnada. A flutuante: ora atraída e ora repelida para a
produção. “Parte deles emigra e na realidade apenas segue o capital em sua emigração”
(Marx, 1985a, p. 744). Com a penetração da produção capitalista no campo uma parte da
população que é liberada do trabalho na agricultura constituindo a supérflua latente, a
terceira categoria tratada por Marx é a superpopulação relativa estagnada. Esta tem a duração
máxima de trabalho e o mínimo de salário, ocupação totalmente irregular, compõe aqueles
que trabalham em domicílio. E, por último, o rebotalho do proletariado que se divide nos
aptos para o trabalho, os órfãos e filhos de indigentes e os degradados, desmoralizados,
incapazes de trabalhar (aqueles que ultrapassam a idade normal do trabalhador, os mutilados,
enfermos, viúvas, afinal o asilo dos inválidos, os lázaros da classe trabalhadora). Isso significa
“[...] uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. Acumulação de
riqueza num pólo é ao mesmo tempo acumulação de miséria, de trabalho atormentante, de
escravatura, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto.” (MARX, 1985, p.
749).
Acerca das péssimas condições de vida, alimentação, habitação e degradação moral
dos trabalhadores, nos vários condados da Inglaterra e da Irlanda no século XIX, páginas e
32
páginas desses horrores explodem nas estatísticas e nos quadros apresentados por Marx e
Engels.
Esse quadro não difere muito daquilo que é possível observar no século XXI. Essa
população sobrante cresceu e cresce assustadoramente. Bandos de imigrantes invadem as
regiões industriais e as grandes cidades. Engels fala dos irlandeses, entretanto a proximidade
dessa realidade com o cenário de hoje, aliada aos detalhes de suas descrições não pode deixar
de ser abordada. E, assim, Engels (1986, p.110-111) observa:
Instalam-se em todo o lado. [...] As piores habitações são boas para eles.[...] o
alcoolismo [...] a sujeira [...] lançam todo lixo e detritos em frente à porta. Não se
habituou a ter móveis, um monte de palha, alguns trapos [...] e eis sua cama. Um
pedaço de madeira, uma cadeira partida, uma caixa velha como mesa [...] uma
chaleira, algumas panelas e tigelas de barro equipam a cozinha, que serve
simultaneamente de quarto de dormir e sala de jantar. [...] A aguardente é a única
coisa que dá sentido à vida [...] e, claro, o seu temperamento desleixado e jovial.
O que fazer com essa massa descartável, arrancada bruscamente de suas ocupações
habituais? Nos anais da história, muitas respostas a essa questão.
1.2 FORJANDO UM NOVO TIPO HUMANO SEM DIREITO À PREGUIÇA
4
Mesmo que as condições de vida e de trabalho antes da industrialização fossem
muito duras e não inteiramente diferentes do trabalho fabril, a fábrica e o trabalho assalariado
apareceram como coisas indesejáveis aos trabalhadores europeus. Enguita (1989) vai
apresentando como os dias de festa e impróprios para o trabalho predominaram no calendário
romano, entre os gregos e na Idade Média. Os dias dedicados aos santos e às festas eram
numerosos; mesmo que as jornadas fossem longas, havia um controle do indivíduo sobre o
seu ritmo de trabalho, seu tempo. O recrutamento para as oficinas e fábricas implicou em
romper com essas tradições arraigadas e utilizar-se do recurso ao trabalho forçado. Aqueles
que vão fazer parte do pessoal da fábrica serão recrutados entre os vagabundos, mendigos,
desvalidos, camponeses expulsos de suas aldeias, indigentes, crianças órfãs, abandonadas etc.
Viver essa experiência não era desejo dos indivíduos. Mesmo que, num primeiro momento,
pudessem a ela recorrer, o abandono, as fugas e a rotatividade eram uma constante.
4
Segunda Parte do subtítulo inspirada no livro de Paul Lafargue O direito à preguiça.
33
Era preciso eliminar a aversão inicial pelo trabalho fabril e algumas estratégias foram
colocadas em prática, culminado em “coleção de sagas legislativas em todos os países, que
começaram com fins assistenciais e terminaram por converter-se em uma agressiva política de
mobilização da mão de obra.” (ENGUITA, 1989, p.42).
Thompson (1987, p. 23), ao dirigir o foco de sua análise para a forma como a classe
operária foi se fazendo nos anos da revolução industrial, destaca que essa formação se deu
através de “[...] duas formas intoleráveis de relação: a exploração econômica e a opressão
política.” Com isso, o sistema fabril vai forjando um novo tipo humano. O treino para esse
processo “formativo” inicia-se aos “seis anos de idade, das cinco da manhã até as oito ou nove
da noite.”( p.23), e durante a Revolução Industrial
O trabalho infantil não era uma novidade. A criança era parte intrínseca da economia
industrial e agrícola antes de 1780, e como tal permaneceu até ser resgatada pela
escola. [...] a forma predominante de trabalho infantil era a doméstica ou a praticada
no seio da economia familiar. As crianças que mal sabiam andar podiam ser
incumbidas de apanhar e carregar coisas.[...] O trabalho infantil estava
profundamente arraigado nas atividades xteis, despertando, com freqüência, a
inveja dos trabalhadores em ocupações onde as crianças não podiam trabalhar e
aumentar o rendimento da família. (THOMPSON, 1987, p. 203-204).
Por mais que o trabalho doméstico infantil fosse também penoso em todas as casas e
também na agricultura, entre esse trabalho e o da fábrica, havia diferenças significativas, pois,
no espaço doméstico, o trabalho não se prolongava ininterruptamente, por horas e semanas
seguidas e era intercalado com outras atividades, respeitando a capacidade e idade da criança,
nada podendo ser comparado com a exploração no sistema fabril.
O autor destaca, ainda, (1987, p.215) que o trabalho infantil, no período de 1790 a
1830 não constituía problema aos olhos dos patrões e veio a elevar-se à condição de
problema quando é publicamente revelado ou quando a própria miséria rebela-se. Em todo o
capítulo sobre os tecelões, vai mostrando a escala e intensidade da exploração do trabalho das
crianças nas indústrias da Inglaterra, como “[...] um dos acontecimentos mais vergonhosos de
nossa história.” (THOMPSON, 1987, p.224).
Foi preciso, além da expropriação dos camponeses, uma profunda revolução cultural,
denominada por Thompson de “economia moral” e uma política repressiva dirigida contra
aqueles que se negavam a aceitar as novas relações sociais.
Nessa direção, cabe indagar com Chauí (2000, p.12-13):
34
[...] como e quando o horror pelo trabalho transformou-se em seu contrário? [...]
Quando e por que se passou ao elogio do trabalho como virtude e se viu no elogio do
ócio o convite ao vício, impondo-se negá-lo pelo neg-ócio? [...] .No calvinismo
(particularmente a sua versão inglesa puritana) tornou-se regra moral o dito mãos
desocupadas, oficina do diabo”. Nesse aforismo está sintetizada a metamorfose do
trabalho num ethos. De castigo divino que fora, tornou-se virtude e chamamento (ou
vocação) divino.
Percorrer a trama do trabalho infantil entretecido com os fios da infância supõe
desvendar, portanto, os engenhos que deram sustentabilidade ao enredo, as condições de vida
que foram e continuam sendo forjadas para (des)qualificar a criança de forma que seus “usos”
no mundo do trabalho sejam justificados. Pressupõe, também, que portas sejam abertas para
“abrigar” a criança pobre e depois devolvê-la como mão- de- obra barata, e entender as
representações de criança que se escondem sob a proteção do aluno, afinal, escavar as bases
em que se sustentaram e sustentam os diferentes saberes que julgaram, classificaram e
prescreveram condutas de modo a delimitar para milhares de crianças o mundo do trabalho
em todos os cantos do mapa.
Warde (2007, p. 27) aponta que a interrogação mais fértil é “como e quais práticas
dirigidas a sujeitos determinados os moldam para funcionar como portadores de “imagens”
determinadas? Ou como e quais práticas dirigidas às crianças e jovens os moldam para
funcionar como portadores de determinadas “imagens” ou “representações” de infância e de
adolescência, e como suportes de determinados “sentimentos” de infância e de adolescência?
Que força sustenta a aceitação do trabalho infantil, mesmo nas atuais condições em
que se realiza, como um bem, como um antídoto ao ócio, ao vício e à vagabundagem? Que
estranho feitiço conseguiu desenvolver, como diz Lafargue (1990, p.30), essa estranha loucura
que “é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho”? Como exorcisar de todas as
mentes a regra moral de que “mãos desocupadas é oficina do diabo”.
Feitiços difíceis de desfazer, e é ainda Lafargue (1990, p.30) que sinaliza sobre a
dificuldade de
[...] convencer o proletariado de que a palavra que lhe inocularam é perversa, que o
trabalho desenfreado a que se dedica desde o início do século é o mais terrível
flagelo que alguma vez atacou a humanidade, que o trabalho se tornará um
condimento de prazer da preguiça, um exercício benéfico para o organismo humano,
uma paixão útil ao organismo social, quando for prudentemente regulamentado e
limitado a um máximo de três horas por dia, é uma tarefa árdua superior às minhas
forças; só fisiologistas, higienistas, economistas comunistas poderão empreendê-la.
35
Necessário se faz, portanto, rever os alicerces nos quais foram se edificando práticas
e ações para as crianças e configurando os diferentes espaços onde foram aprisionadas, como
as ruas, o mundo do trabalho, a casa, o bairro, as escolas, etc. Afinal, que infância é essa que
surpreende e, muitas vezes, também amedronta o adulto, fazendo aparecer o fetiche até então
assentado numa outra concepção romantizada e adocicada de infância?
Esse modo de ser, ora encarado como incompletude, deficiência, inadequação e até
mesmo patologia, pode tornar-se outro? Qual o processo?
1.3 SOBRE PRÁTICAS E PROCESSOS DE MODELAÇÃO DOS SUJEITOS DA
INFÂNCIA: NA RUA, NAS RODAS...NA HISTÓRIA
Menores, enjeitados, desvalidos, transviados, assistidos, carentes, pequenos
guerreiros e caçadores, meninas perdidas, são nomes da infância que habitam alguns lugares
da infância: os sótãos, os arquivos, a literatura, as rodas, a memória, a cidade, a escola, as
embarcações, afinal os mais diferentes lugares da história. Nessa perspectiva, todas essas
condições e lugares da infância compõem o mesmo quadro de submissão das massas à
condição servil, em que esse “rebotalho do proletariado” é apenas um detalhe no quadro geral
do desabrigo pintado pelas mesmas mãos que compuseram o quadro clássico dos cercamentos
e da industrialização. A tela para conformar, disciplinar para o trabalho as crianças pobres: a
rua, as rodas, orfanatos, workhouses
5
e a escola.
Autores como Ariés, em História social da criança e da família, De Mause com a
Historia de la infancia e, também, Jaques Donzelot (1986) em A polícia das famílias, quando
discute, no Capítulo II, “A conservação das crianças”, deram suas contribuições para revisitar
a infância no passado e, mais recentemente, as obras de Heywood (2006, p.16) re-examinando
como “as sociedades medievais podem ter percebido a infância, os principais momentos de
sua transformação na história das idéias nessa esfera entre o início da Idade Média e o período
contemporâneo”. O autor aborda rapidamente o infanticídio, o abandono, as brincadeiras, a
5
Instituições do século XVIII, destinadas a “abrigar” a população pobre (homens, mulheres e crianças)
procurando impedir nas cidades a mendicidade e vagabundagem ao mesmo tempo em que disponibilizava mão-
de-obra para a indústria. Segundo Mantoux (1957, p.443) a workhouse “[...] mais parecia uma prisão do que um
asilo e tinha um “caráter de dureza quase desumano” e contavam com o medo que ela inspirava para afastar
aqueles que não haviam descido ao último degrau da miséria”. Existiam, não apenas na Inglaterra, mas em
outros países da Europa.
36
interação entre essas crianças e os adultos. Afinal, destaca aspectos da história da infância e
das crianças, utilizando-se de uma abordagem temática. Num estilo semelhante, Stearns
(2006) faz um passeio nas sociedades agrícolas, nas civilizações clássicas, s-clássica, no
Ocidente pré-moderno, moderno chegando nas abordagens das discussões mais recentes sobre
a infância nas sociedades afluentes dos culos XX e XXI. Apesar de propor discutir a
infância na história mundial, acaba por apresentar ao leitor algumas informações, em forma de
notícias, sobre a infância, sem preocupação de uma análise mais aprofundada das mesmas.
Donzelot (1986, p.24), coloca em discussão os costumes educativos do século XVIII que têm
como alvo os menores abandonados, seja nos hospícios, nas rodas, na criação de crianças
pelas nutrizes e na alta mortalidade infantil nesses espaços de “conservação” das mesmas. Ao
abordar aspectos da tarefa “educativa” das crianças, vai revelando interesses subjacentes à
conquista desse mercado e como “a família burguesa vai tomando, progressivamente, a
aparência de uma estufa aquecida contra as influências exteriores” , propiciando a abertura de
inúmeras frentes de intervenção, seja em relação aos jogos infantis, às histórias, à vigilância,
enfatizando aquilo que é considerado “politicamente correto” nos cuidados com a infância.
Configura-se, assim, aquilo que deve ser o “ofício” de criança para aqueles que pertencem às
camadas populares, mas com modelos extraídos da família burguesa.
O que se propõe a seguir, entretanto, é fazer as “lições de casa”, isto é, retomar
brevemente as obras que trazem a infância brasileira, centralizando a análise em Alvim e
Valladares (1988), Pilotti e Rizzini (1995), Rizzini (1997) e passando ainda por Freitas
(1997), Kuhlmann Jr (1998), Veiga e Faria Filho (1999), Freitas e Kuhlmann Jr (2002), Faria
Filho (2004), Del Priore (2007).
As obras de Alvim e Valladares e Pilotti e Rizzini serão tomadas por representarem
de certa forma, uma síntese das reflexões sobre a condição das crianças anteriormente
mencionadas. Alvim e Valladares (1988), ao fazerem análise de literatura de 212 títulos sobre
a infância pobre no Brasil, de 1960 a 1980, excluindo desse universo a produção jurídica,
apresentam um retrato do Rio de Janeiro da virada do século como um “inferno social”, com a
presença marcante da infância abandonada pela miséria. As ações voltadas para a infância
pobre, mesmo que pudessem expressar o despertar de uma consciência para a sua
especificidade, vinham também travestidas com o objetivo de disciplinamento e higienização,
assim como reabilitação, correção e prevenção dos riscos de uma reprodução social via
mendicidade e criminalidade. Criança na rua é questão de polícia. Faz-se, portanto, necessária
37
a reforma do serviço policial do Rio de Janeiro, apresentando-se em 1906, à Câmara Federal o
primeiro projeto de criação de um Juízo de Menores.
Em contextos de rápida industrialização e desenvolvimento urbano, sempre aparece a
questão da infância. Crianças e jovens habitam esse cenário, desde o culo XIX tanto no
Brasil como em outros países. Segundo Alvim e Valladares (1988, p.3), no contexto do
capitalismo emergente “[...] tanto se falava das crianças exploradas pelo trabalho industrial
como de crianças abandonadas, vadias, mendigas, que integravam o universo cruel da grande
cidade.”
A infância, nessa situação, está estritamente atrelada às ações e propostas
provenientes de vários segmentos e instituições sociais destinadas a examinar e intervir nesta
questão social. As rodas dos expostos
6
, os asilos para crianças abandonadas, as workhouses
estavam presentes desde meados do século XVIII. A pauperização e a miséria povoam esse
universo. Como remédio para os males da desordem, da prevenção do perigo e salvação da
infância da classe trabalhadora “é apresentado o universo fabril, simbolizando o trabalho, a
disciplina, a ordem.” (ALVIM; VALLADARES, 1988, p.4).
Entre o espaço salvador da família e da fábrica, interpõe-se a rua como local do
perigo e da desordem. No quadro que vai se delineando com o acelerado crescimento das
metrópoles, não estavam ausentes a violência, a criminalidade, a mendicância e a vadiagem
para amplos segmentos da população que não conseguiam se inserir no mercado formal de
trabalho. Desde final do século XIX, a infância pobre surge como parte da questão social.
Registra-se, em 1899, segundo Alvim e Valladares (1988, p.4), a criação do Instituto
de Proteção e Assistência à Infância no Rio de Janeiro, pelo médico Arthur Moncorvo Filho,
que tinha entre outros objetivos regulamentar o trabalho da mulher e da criança na indústria.
A infância pobre foi, desde o final do século XIX, e continua sendo objeto de
discussão, preocupação de médicos, juristas, políticos, escritores, jornalistas, Estado, Igreja,
filantropos e aos educadores essa imagem demora a se revelar. Quando se revela a tonalidade
das tintas, não é, entretanto, nada agradável ao olhar, não é nada animadora a realidade que se
descortina no início do século nas ruas da cidade do Rio de Janeiro e São Paulo e nada
romântica a imagem da infância que nela habita. Um retrato dessas crianças no Rio de Janeiro
do início do século XX, trazido nas crônicas da época, é citado por Alvim e Valladares (1988,
p. 5):
6
Discussão sobre as rodas, ver Arantes (1995), Faleiros (1995), Marcílio (1997), Corazza (2000 e 2002 ) etc.
38
no Rio um número considerável de pobrezinhos, sacrificados, petizes que andam
a guiar senhoras falsamente cegas, punguistas sem proteção, paralíticos, amputados,
escrofulosos, gatunos de sacola, apanhadores de pontas de cigarros, crias de famílias
necessitadas, simples vagabundos à espera de complacências escabrosas, um mundo
vario, o olhar de crime, o broto das árvores que irão obumbrar as galerias de
Detenção, todo um exército de desabrigados e de bandidos, de prostitutas futuras,
galopando pela cidade à cata do pão para os exploradores. Interrogados, mentem à
princípio, negando; depois exageram as falcatruas e acabam a chorar, contando que
são o sustento de uma súcia de criminosos que a polícia não percebe.
Os nomes dos primeiros estabelecimentos criados para proteger a infância deixam
bem claro o tratamento dado pela sociedade aos filhos dos pobres: Abrigo de Menores, Casa
Maternal, Escola de Reforma, Casa do Pequeno Jornaleiro, Recolhimento Infantil , Casa das
Mãezinhas.
Essa preocupação com a infância tem por objetivos, segundo Alvim e Valladares
(1988, p.6), “[...] proteger a mão-de-obra infantil largamente utilizada na época pelas fábricas
e combater o mal-estar social provocado pela mendicância e criminalidade, isolando em
instituições especializadas os menores abandonados e delinqüentes.” A questão da infância
aparece repetidas vezes como objeto da alçada jurídica. Cria-se, em 1927, o primeiro Código
de Menores e todo um aparato legal é montado nos anos 1940 : criação do SAM (Serviço de
Assistência ao Menor (1940), Legião Brasileira de Assistência (LBA) e SENAI (Serviço
Nacional de Aprendizagem (1942), SESI (Serviço Social da Indústria), SESC (Serviço Social
do Comércio) , SENAC (Serviço de Aprendizado Comercial) e a Lei orgânica do ensino
primário, em 1946. Ainda, conforme Alvim e Valladares (1988, p.8), “[...] o fato do UNICEF
ter iniciado sua atuação no Brasil em 1948, apenas dois anos após a sua criação na qualidade
de instituição internacional, indica o reconhecimento da questão da infância como uma
questão premente, que se agravaria nas décadas seguintes.” Modernização, industrialização,
urbanização acelerada, níveis de desigualdades acentuados e novas ações voltadas à infância
pobre como a criação, em meados dos anos 60, da Funabem (Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor), depósitos para armazenar crianças. Mas os menininhos do Brasil explodem
como ondas num mar revolto.Acerca disso, Claver (1988, p.3) comenta, também que
Os menininhos do Brasil são muitos. Milhares. Milhões, escorrendo por todo o
mapa. Habitam o nortedocentro, o suldonorte, o nordestedoleste, o oestedosudoeste,
o altodoplanalto, o lisodaplanície, o buracodoabismo, lonjuras, vielas, becos,
viadutos, marquises, esquinas, favelas. Livres! Aprender a lição da vida nas esquinas
de seus mundos.[...].
39
Outras vezes habitam o sótão de alguma instituição, na forma de arquivos que
preservam suas histórias e acabam por fornecer imagens muito representativas da infância que
“[...] se confundem com a história das instituições nas quais viveram”, conforme trazem
Veiga e Faria Filho (1999, p.21) na obra Infância no sótão. Formas de higienizar as cidades,
desodorizar os espaços urbanos, (con) formar a infância pobre, conforme coloca Souza (1999,
[s.p]):
O miserável entope o mercado com seus semelhantes. É como se legiões de bebês
obsoletos, recém saídos do útero da exclusão, gritassem para os bem-nascidos:
“Vocês não vão conseguir nos ignorar. Estaremos em toda parte: debaixo do
viaduto, no semáforo, na saída do restaurante...” [...] O miserável surpreende a
platéia, invadindo a cena. O miserável não cabe nos depósitos que criamos para
armazená-los. Superlotadas as jaulas transbordam. Mais de mil menores infratores
vazaram da Febem nas últimas semanas. Eles inundam de pânico dionisíaco as ruas
de São Paulo. Agem como se quisessem promover a distribuição de renda na
porrada. A crise brasileira está migrando rapidamente da fase do “me uma
esmola” para o período do “isto é um assalto”.
Essas imagens de ontem e de hoje se misturam e, para a cura de tal chaga social,
indica-se o trabalho como antídoto aos perigos decorrentes do ócio e do vício.
Pilotti e Rizzini (1995, p. 49), ao trazerem a história das políticas sociais, da
legislação e da assistência à infância e adolescência pobres no Brasil colocam no centro de
suas reflexões uma análise de todo o conjunto de relações sociais, econômicas, ideológicas e
políticas que deixam à mostra o “[...] processo de formação do ser humano, da mão-de-obra,
da identidade, da herança e outras questões”.Vão apresentando, nessa obra, as principais
etapas no desenvolvimento da assistência à infância na América Latina, sinalizando os
momentos da caridade e filantropia, consolidação do sistema jurídico-administrativo,
fortalecimento de alternativa não-governamental e, a partir de 1990, uma nova etapa inspirada
na Convenção dos Direitos da Criança, de 1989.
Outros autores que participam da obra acima mencionada, abordando as políticas
para a infância seja no Império, na República Velha, na Nova República, não deixam de
realçar o encaminhamento da infância pobre para o trabalho precoce como medida educativa.
Faleiros (1995a, p.62), analisando as propostas de encaminhamentos de política para a
infância nas diferentes conjunturas do período republicano, mostra a forma como o Estado foi
se constituindo ao longo da história e a que interesses servia. Ao lado do discurso
salvacionista e de proteção da criança “está presente a proteção da sociedade. [...] A quem se
quer, efetivamente proteger”?
40
Se o fato de “proteger” as crianças pobres, institucionalizando-as, não serviu para
solucionar a questão das desigualdades sociais, auxiliou, ao menos, para produzir uma
imagem de infância associada a perigo, irregularidade, foi útil, ao mesmo tempo como moeda
de troca que poderia ser posta a serviço de diferentes grupos e interesses, considerando que,
nesse caso, não se aplica a noção de pureza, inocência e ingenuidade. Sabia-se, com clareza,
que o espaço da rua propiciava certas competências, certos saberes sobre as malandragens que
poderia servir de distinção para a exibição de dois objetos distintos: criança e menor. Para
mostrar a funcionalidade estratégica desta distinção, Arantes (1995, p.219) realça que:
[...] as situações dramáticas envolvendo crianças e adolescentes pobres, têm sido
encenadas como lutas entre “menor”, “pivete”, “trombadinha”, “menino de rua”
versus “criança”, “população pacífica” a despeito do Estatuto da Criança e do
Adolescente que teve lugar justamente para desfazer esta encenação.
A autora continua comentando que, em outros casos, as “despretensiosas” imagens
televisivas ou letras garrafais dos periódicos, quando em caso de arrastões, não deixam de
exibir com certa solenidade “menor ataca criança” .
Estabelecendo uma ponte entre o passado e o presente em relação à legislação
voltada para a infância, percebe-se que todas as leis são produtos de suas épocas e refletem a
concepção de infância que perpassa cada período. Imagens datadas. Do primeiro Código de
Menores de 1927, passando pelo Novo Código de Menores de 1979 até a era do Estatuto da
Criança e do Adolescente de 1990, vemos o transitar de uma visão higienista e correcional da
infância à fabricação e invenção do menor, do menor em situação irregular, menor enquanto
objeto de medidas judiciais como questão de segurança nacional até a criança cidadã, sujeito
de direitos das décadas de 1980 e 1990.
A origem jurídica da palavra “menor,” no Brasil, durante a transição do Império para
a Primeira República, feita por Londoño (1996, p.133), mostra escola, fábrica e prisão
misturados num único espaço com objetivo de regular a vida das crianças em torno do
trabalho regenerador. Ser desamparada material e moralmente diferenciava e definia as
crianças em tais condições e era, portanto, a forma de tratamento e proteção, necessários para
assegurar a ordem social aparentemente ameaçada e a modernização capitalista brasileira,
copiando modelos de instituições dos Estados Unidos e Europa.
A literatura sobre a infância no passado aponta como diferentes profissionais
dirigiam o olhar para as crianças e sua infância, partindo-se de diversas abordagens, recortes e
41
métodos. Kuhlmann Jr (1998) expõe algumas reflexões sobre a história da infância e sua
educação, através de um levantamento da bibliografia de pesquisas sobre o tema. Apresenta,
no primeiro capítulo da obra, uma relação considerável de dissertações e teses resultantes de
programas de pós-graduação brasileiros em história, entre 1985 e 1994, focalizando nessas a
história da assistência, da família e da educação como as principais vertentes que têm
contribuído com seus estudos para a história da infância. Ao apreciar as abordagens sobre
infância no campo dos comportamentos e mentalidades aponta as fragilidades do
individualismo metodológico de De Mause, seu determinismo psicológico e visão
evolucionista, assim como a visão linear do desenvolvimento histórico de Áriés, mostrando
através de outras pesquisas que “as fontes não estavam mudas em relação à infância na Idade
Média.” (KUHLMANN JR, 1998, p. 22).
A produção brasileira, mencionada anteriormente reúne vários pesquisadores da
história da infância empenhados em mapear a produção acadêmica a respeito do tema, em
organizar fontes, recuperar a história da criança brasileira, dar voz aos documentos históricos,
afinal são especialistas sensíveis à situação da infância na história, filiados a núcleo de
estudos, coordenadores de estudos, pesquisas e linhas de pesquisa sobre a infância,
coordenadores de centros de pesquisa e documentação, historiadores, sociólogos e outros.
Freitas (1997, p.12), na apresentação de sua obra assinala que ela tem “o objetivo de
oferecer aos estudiosos da infância no Brasil uma cartografia das representações sobre as
crianças, trazendo ao debate [...] “fornecedores” que abalizam imagens e diagnósticos sobre o
tema.” Anuncia, ainda, que se encontra em curso a organização de um dossiê que dará
continuidade às reflexões sobre infância e criança. Esse projeto se materializa cinco anos
depois na obra organizada por ele e Kulhmann Jr. (2002) e reúne trabalhos produzidos no
Brasil, Argentina, Portugal e Estados Unidos sobre a história da infância.
Faria Filho (GONDRA, 2004) também reúne, em obra por ele organizada, artigos de
diversos pesquisadores do Brasil e de Portugal, que integram o Grupo de Trabalho para a
História da Infância e dos Materiais Educativos e Lúdicos (GRUTHIMEL). Os textos que
fazem parte desse volume transitam sobre o sentido da infância, a exclusão (formas de “usos”
e “aproveitamento” das crianças abandonadas e órfãs que se encontravam sobre tutela do
Estado, a necessidade ou não de recolhê-las, o modo de tratá-las, afinal toda uma pedagogia
terapêutica para aqueles considerados “fora da margem” etc.) e a escolarização, refletindo
sobre as experiências de crianças em diversos lugares: na escola, nos internatos, nos asilos.
42
Todas essas contribuições possibilitam uma imersão na história da infância e o
encontro com as mais variadas discussões que compõem o seu mundo. Na impossibilidade de
arrolar todas elas aqui, um destaque para as contribuições trazidas por Veiga (2004, p. 38) ao
colocar a questão: “quais as circunstâncias que possibilitaram a sociedade adulta perceber a
criança como um outro distinto?”. A autora apresenta uma série de acontecimentos históricos
para mostrar como foi se efetivando “[...] o longo processo de aprendizagem empreendido
pelos adultos, nobres e burgueses, para possibilitar a produção de um comportamento distinto
tanto em relação aos pobres como às crianças” (p.41) e apresenta como complemento dos
argumentos que tece ao longo do texto, o seguinte:
[...] vários outros acontecimentos que viabilizaram a elaboração da infância como
uma unidade de referência de tempo geracional, ou seja, o desenvolvimento dos
saberes científicos: o higienismo, a medicina, a psicologia, a eugenia e a pedagogia;
o aparecimento das instituições especializadas na infância, com destaque para a
escola primária; o desenvolvimento da família nuclear e seu entorno, tais como a
intimidade e o privado, o desenvolvimento de uma nova e cada vez mais abundante
materialidade e de hábitos de consumo; a elaboração de novas formas de lazer e
comemoração das festividades; as reformas urbanas e previsão ao final do século
XIX de construção de parques infantis; a proliferação de muitos equipamentos
destinados à criança; a estruturação das leis trabalhistas ao final do século XIX e a
regulamentação do trabalho infantil. (VEIGA, 2004, p. 41)
Enfim, o que a autora traz e o que aqui se quer realçar é como os saberes que
privilegiaram a criança como objeto de conhecimento vão se articulando no movimento da
história, delineando práticas, sejam elas de beneficência, proteção, assistência e/ou
escolarização das crianças e que ao buscar dar inteligibilidade à infância ao mesmo tempo a
mitifica. A cada transformação, na produção da vida material, os excluídos, nesse caso
também as crianças, transformam-se em objeto de temor, de caridade, de assistência e
educação,
Entre os autores citados, alguns vão revelando os abusos cometidos com as crianças
desde tempos remotos até nossos dias, apontando as formas de tratamento a elas dispensadas
ao longo de distintas épocas e o quadro que se descortina revela penosas experiências da
infância, principalmente em Lloyd de Mause. A prática do infanticídio, do abandono e do
recolhimento de crianças pobres nos asilos e hospícios é uma constante, enquanto que a
mudança na prática de intervenção nas famílias abastadas segue outra direção e com objetivos
diversos. A arte de cuidar das crianças, exaltada a partir do século XVIII, não se destina às
famílias pobres, dessas se encarregam as rodas e outras instituições que buscam prescrever o
tipo de comportamento ideal à população pobre. A barbárie vivida pelas crianças no culo
43
XX e XXI, apontada por alguns autores não difere muito do retrato de De Mause. Embora os
tempos sejam outros, mudaram-se apenas algumas formas de barbárie.
Veiga (2003a) mostra que não foi a consciência do tempo geracional o que marcou
inicialmente o investimento no tratamento da infância, mas sim suas condições materiais, a
ética que regulava as relações de paternidade e suas condições físicas, principalmente
considerando-se a atuação da Igreja, “[...] observa-se que associações entre pobreza e
abandono, pobreza e orfandade, estiveram muito presente na produção das representações
sobre infância.” ( p.3). Um marco importante na história da infância é, pois, o fato de ela ser
primeiramente a história das idéias e instituições que afetaram a vida das crianças e história
das idéias sobre a infância, sobre a condição vivida por estas crianças sujeitos histórico-
culturais. Como mostra Veiga (2003a, p.4) “a história da criança por muito tempo esteve
associada ou confundida com a história das instituições e da assistência.”
Essa consciência do tempo geracional é possível ser observada a partir do século
XVI quando vão se desenvolvendo novos parâmetros identitários das crianças além daqueles
conhecidos. Tem-se, entre os séculos XVII e XVIII, formas identitárias como expostas,
abandonadas, legítimas e ilegítimas assim como civilizada, rude, vadia, operária. Umas
associadas à condição de nascimento, outras à condição de inserção social. Veiga (2003a, p.6)
vai mostrando que, a partir do século XIX com o desenvolvimento das ciências médicas e
jurídicas, consolidação do processo civilizatório, da vida urbana, da indústria etc.,
desenvolvem-se novos parâmetros identitários, tais como normal, anormal, inteligente,
imbecil etc., até chegar à produção do aluno, deixando inscrito na história as possibilidades de
inserção diferenciada e bem demarcada desses setores da sociedade.
Mesmo que a preocupação dos autores citados não estivesse diretamente voltada para
o sentido da exploração das crianças no trabalho, o que se pode apreender de tudo isso é que
as tomadas de posse abusivas e de toda uma fantasmagoria da infância tem um endereço
certo: as crianças das camadas pobres.
1.4 O MITO DAS CLASSES PERIGOSAS: OUTRO INGREDIENTE NA
“FABRICAÇÃO” DE MENINAS E MENINOS TRABALHADORES
Que destino têm os joões-ninguém, os donos de nada, em países onde o direito de
propriedade se torna o único direito? E os filhos dos joões-ninguém? Muitos
deles, cada vez mais numerosos, são compelidos pela fome ao roubo, à mendicidade,
44
à prostituição. A sociedade de consumo os insulta oferecendo o que nega. E eles se
lançam aos assaltos, bandos de desesperados unidos pela certeza de que a morte os
espera.[...]. (GALEANO, 1999, p.19).
O processo não é simples. Precisa-se forjar modelos. O anjo e o demônio. Cada qual
percorrendo itinerários diferenciados. Uns passam pela escola; outros, pelas ruas, casas de
correção, reformatórios, hospícios, orfanatos, asilos, workhouses, rodas e tantos outros
espaços de “preparação”. No dizer de Enguita (1989, p.105), “[...] sempre existiu algum
processo preparatório para a integração nas relações sociais de produção, e com freqüência,
alguma outra instituição que não a própria produção efetuou esse processo.”
Não bastou institucionalizar, mas justificar essa institucionalização. Ontem e hoje.
Esse processo preparatório para o ingresso na produção vem de longa data. A simbolização da
idade infantil como a idade do não- trabalho é contraditada em páginas muito remotas da
história, tendo como personagens constantes os filhos dos joões-ninguém, os quais são
introduzidos muito cedo num mundo que não tem nada de infantil e é regido segundo as leis
da compra e venda de mercadorias e, no caso especial, da mercadoria força de trabalho. Entre
umas e outras imagens de infância, é possível ir desvendando o itinerário das crianças.
Diferentes percursos: casa, escola, sem escola, rodas, ruas, trabalho. Ao refletir sobre a
trajetória de algumas crianças, é possível perceber que esses percursos que fazem, fornecem
outras imagens que não cabem mais nas imagens tão certinhas que se fez delas. As repetidas
imagens romantizadas da criança, carregadas de pureza, ternura e inocência, mesclam-se com
outras. Por que essas imagens vão se alterando? Deterioraram as imagens ou foram
deterioradas as condições de viver a infância? Compreender melhor a infância implica
compreender essas trajetórias concretas que vão sendo traçadas cotidianamente, há muito
tempo.
Nessa direção, ao refletir para entender a economia política da violência, Barros
(1980) traz contribuições interessantes sobre as disfarçadas campanhas da dramatização da
criminalidade e o discurso das funções da insegurança encobrindo a delinqüência oficial e
financeira, reforçando “os mecanismos de controle e de repressão seletiva, voltada, sobretudo,
contra a classe trabalhadora (a classe perigosa) e os ‘inimigos internos’. Embora não trate
especificamente da situação dos menores, o texto aplica-se a essa situação. Algumas
conclusões do autor referem-se ao grande esforço empreendido para captar os aspectos
sócioeconômicos do aumento da violência, embora o mesmo empenho não possa ser
verificado quanto à necessidade de captar seus aspectos políticos-ideológicos. O mito das
45
classes perigosas, sempre composta por aqueles sobrantes, dispensáveis considerados como
“fardo social”, como ameaça e perigo constantemente reforçados com os temperos das
imagens divulgadas pela mídia, não deixa de destacar o pertencimento social dessas feras.
Não negando o aumento da criminalidade e da violência, mas atrelando-a ao modo de
produção capitalista, continua Barros (1980, p.9):
Violência, portanto aparece como sendo os crimes praticados pelos trombadinhas e
não aqueles praticados pelos capitalistas selvagens. Violência, na linguagem oficial
e da grande imprensa, é muito mais o caso do pobre diabo que atirou no guarda, ou
do pivete que matou sorrindo, do que a exploração selvagem da força de trabalho, os
acidentes nas fábricas, os manicômios. [...] A violência é sempre “despolitizada”, é
sempre encarada pelo seu lado reacionário, é sempre divulgada como uma
“fatalidade”, onde se conflita o “bem” (a polícia) e o “mal” (os bandidos). Os
agentes dessa violência são os delinqüentes, os chamados “anti-sociais”, cujo
estereótipo é o do homem humilde, do mulato, do embriagado, do operário
estropiado, enfim, da quase totalidade da população brasileira. Esses delinqüentes
[...] estão espalhados [...] nas imediações das fábricas, nos quarteirões proletários,
nos bairros periféricos.
O exercício de reflexão feito pelo autor repõe a centralidade de repensar o que
significa, de fato, segurança, insegurança e delinqüência e perceber a realidade escondida por
trás dos mitos. Não há como descuidar da parcela de contribuição desses elementos na
composição de uma determinada imagem de infância e justificar o discurso da necessidade do
trabalho como antídoto à delinqüência.
Ao mesmo tempo em que divulga a imagem de infância-anjo, vitimizada, divulga a
infância-satanizada. Todas essas imagens são utilizadas pelas classes dominantes em
benefício próprio, aproveitando-se desse drama social que elas mesmas criaram. Quando se
fala em aumento de violência, esconde-se o aumento do desemprego que esse mesmo sistema
gerou.
Buscando compreender mecanismos usados para produzir “certos modos de sentir,
pensar, perceber e agir” em relação à violência urbana, Coimbra (2001, p.17-18) analisa
aquilo que se denominou de “Operação Rio”
7
, a partir de “diferentes falas apresentadas em
notícias, manchetes, editoriais e cartas de leitores, em quatro jornais do eixo Rio-São Paulo”.
Enfatiza que essas estratégias são tão competentes chegando ao ponto de provocar em grande
7
Ocupação das áreas fluminenses consideradas perigosas - principalmente favelas pelas Forças Armadas,
polícias militares e civis, com a justificativa de acabar com a violência e o narcotráfico no Rio de Janeiro (1994-
1995)
46
parcela da população “aplausos e apoios aos extermínios e chacinas, aos linchamentos, à pena
de morte e às mais diferentes violações dos direitos humanos.
Embora o olhar da autora não seja voltado especificamente para a infância, ela
aparece nessa pesquisa, por várias ginas confirmando que o atual momento também se
apresenta como privilegiado na divulgação, pela mídia, de imagens satanizadas da infância.
Por trás das imagens da criança inocente e idealizada, ou das imagens da criança-monstro
escondem-se as condições reais nas quais essas crianças têm de viver seus tempos. Segundo a
autora,
A modernidade exige cidades limpas, assépticas, onde a miséria já que não pode
mais ser escondida e/ou administrada deve ser eliminada. Eliminação não pela sua
superação, mas pelo extermínio daqueles que a expõem incomodando os ‘olhos,
ouvidos e narizes’ das classes mais abastadas. (COIMBRA, 2001, p.58)
Nada é natural. A construção social da criminalidade acaba por desviar o foco de
atenção dos inúmeros problemas que a geram e faz com que “[...] todos aqueles que se tornam
supérfluos, deixam de ter valor humano.” (COIMBRA, 2001, p.63). A autora vai trazendo
abundantes exemplos extraídos dos periódicos para mostrar o exercício cotidiano de
culpabilização da vítima, forjando através da linguagem uma impregnação dessa imagem da
periculosidade das classes pobres e que portanto, requer limpeza e higienização das cidades.
A higienização e limpeza das cidades não foram obras de séculos passados. Elas
continuam, hoje, sutis, transmutadas na esterilização da população pobre, nas batidas policiais
nos chamados “territórios de pobreza”, nas chacinas, nas ruas transformadas em verdadeiros
espaços de guerras, afinal toda uma polícia criada e praticada contra os pobres, os
desassistidos.
Castel (2003, p.22) ao tratar das metamorfoses da questão social, coloca a condição
de assalariado como aspecto central para se poder “mensurar a ameaça de fratura que
assombra as sociedades contemporâneas e empurra para o primeiro plano as temáticas da
precariedade, da vulnerabilidade, da exclusão, da segregação, do desterro, da desfiliação.” Ao
reconstruir o sistema das transformações de que a situação atual é herdeira, colocando o
trabalho como suporte privilegiado de inscrição das pessoas na estrutura social
8
, num
8
O autor, entretanto, ressalta à pagina 25: “Esse esquema de leitura não faz exatamente o corte da estratificação
social [...]e a dimensão econômica não é, pois, o diferenciador essencial, e a questão apresentada não é a da
pobreza, ainda que os riscos de desestabilização recaiam mais fortemente sobre os que são desprovidos de
reservas econômicas.”
47
momento em que assola o desemprego, a flexibilização e a precarização desfaz e explica o
que de fato se esconde atrás do mito das classes perigosas. Aos “inúteis do mundo”,
“inempregáveis” e “desfiliados” enumerados por ele, somam-se também os sobrantes,
dispensáveis considerados como “fardo social”, como ameaça e perigo.
Ao mencionar as “legalidades” que legitimaram esses processos de constituição da
sociedade salarial num quadro atual em que o inempregável é o substituto do vagabundo, este
tendo o trabalho como uma imposição e o outro à margem das relações salariais, desvela faces
das formas de “inserção” na sociedade salarial, porém privados de toda proteção e
reconhecimento.
Com isso, o autor mostra que homologia de posição entre ‘[...] os “inúteis para o
mundo”, representados pelos vagabundos antes da revolução industrial, e diferentes categorias
de “inempregáveis” de hoje”’ (CASTEL, 2003, p.27), e acrescenta enfático que “após ter sido
um sucesso, a condição de assalariado novamente corre o risco de se tornar uma situação
perigosa.” ( p.28).
Sampaio (1986, p.7-8), usando das categorias econômicas “estoque” e “fluxo”,
mostra que, no Brasil, acumulou-se do passado um
[...] estoque de menores em situação de abandono, que é espantoso e o mais grave é
que nós temos um fluxo que joga o menor abandonado todo o dia no mercado. [...].
Não adianta resolver problema de estoque. O fundamental é resolver o problema do
fluxo [...] porque a cada sete meninos que a gente tira da situação de abandono, o
sistema põe dezessete na mesma situação. [...] Como é que pára o fluxo? O fluxo
quer dizer aquilo que jorra, hora por hora de menor abandonado [...]. Menor
abandonado é um problema e está ligado fundamentalmente à distribuição de renda.
E como diz Castel (2003, p.45) “[...] as regulações tecidas em torno do trabalho,
perde seu poder integrador.” E mais ainda, as ameaças de cisão dos laços sociais põem em
risco não apenas os que estão fora da margem, mas também aqueles que se alojam no interior
das “zonas de integração”. A cruzada discursiva reclamando para essas crianças seu lugar na
escola não seria mais uma tentativa de regulação? realmente interesse na escolarização ou
não seria esse discurso mais uma forma de aliviar a questão social colocada por Castel?
48
1.5 ESCOLA: ESPAÇO DE ASSEPSIA DA CRIANÇA
A escola aparece como o caminho que leva da exposição ao perigo e ao contágio
moral, à prevenção e integração. O espaço escolar ambiciona ter um caráter mais asséptico,
portador de um projeto civilizador e também de uma proposta de disciplinamento diferenciada
(mais sutil) do que aquela realizada em outros lugares da infância. Assumir a condição de
aluno implica livrar-se, lavar-se, limpar-se de outras. E como se esse processo? Como se
desodoriza? Que práticas são delineadas nesse espaço para adquirir esse caráter de assepsia?
Petitat (1994, p.45-6), analisando alguns momentos-chave da evolução escolar no
Ocidente, busca aliar produção da escola e produção da sociedade. Debruçando-se sobre as
grandes mudanças da cultura escolar ocidental, chama a atenção para “[...]as bases sociais das
oposições e hierarquias simbólicas escolares entre colégios/escolas elementares de caridade,
escolas técnicas superiores/escolas técnicas elementares, primário e secundário estatizados.”
Observando a gênese, estrutura e papel dos colégios no Antigo Regime afirma que “[...] a
escola não se mostra como uma instância de transmissão do saber e de tecnologia com vistas a
funções profissionais precisas, mas como um espaço simbólico onde os indivíduos vem
buscar uma espécie de confirmação cultural de que pertencem a certas camadas sociais.”
Na segunda parte da obra, o autor vai destacando a escola como articulação seletiva
entre cultura e grupos sociais na Europa Medieval: o aprendizado nas corporações, nas
escolas elementares de primeiras letras, o ensino comercial e as universidades. Nesse percurso
histórico, o autor vai mostrando, entre muitos outros aspectos, algumas características gerais
da educação na Idade Média, destacando três delas: a mistura de crianças e adultos, sem ritos
de passagem das idades, contrastando com a divisão etária que vai se instalar mais tarde; o
convívio de representantes de diferentes condições sociais nos jogos e espaços em que
brincam, embora destaque que as diferenças sociais têm suas marcas registradas, inclusive em
sinais exteriores (roupas, posturas, marcas de respeito), porém diferentes das segregações que
surgirão posteriormente; a educação dava-se no interior da família, penetrada pela vida da
aldeia, da cidadezinha, das associações corporativas, não se distinguindo pela intimidade
familiar hoje conhecida, pessoas misturadas, casas abertas à qualquer hora às indiscrições dos
visitantes, não há um encerramento da célula familiar em si mesma. (PETITAT, 1994, p. 67).
Os colégios criados e multiplicados no período que se estendeu da Renascença às
vésperas da Revolução Industrial é para “gente graúda e próspera” (PETITAT, 1994, p.89),
para a produção/reprodução de uma cultura geral distintiva. Nesse período, a introdução
49
das séries e classes escolares, o esquadrinhamento do tempo e aparece uma nova categoria
etária: a adolescência que, junto com as crianças passa a ser objetos de estratégias
educacionais (PETITAT, 1994, p. 90). Separam-se as crianças dos adultos, porque elas são
percebidas como maleáveis e influenciáveis pelos maus exemplos do mundo adulto e,
necessita, portanto, de uma instituição específica. Nova organização espaço-temporal dos
colégios e os embriões de uma administração moderna aparecem neste culo XVI, não a
escola, mas a Igreja e o Estado: novo espírito de gestão dos negócios e dos homens. A
preocupação com as regras de comportamento, de polidez e boas maneiras confirma o sucesso
de A Civilidade Pueril de Erasmo. Refinamento dos costumes das classes distintas.
Para os pobres, as escolas elementares de caridade: as escolas de caridade de Lyon, o
Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs de J. Batista de La Salle. Em meados do século XVII,
o abade Démia funda uma delas e, em 1666, explica a utilidade moral e econômica dessas
escolas. Vale destacar que na primeira metade do século XVII estouraram oito levantes
populares que despertam nos burgueses, o medo dessa população. E entre 1616 e 1647 foram
“recenseados na França, mais de duzentos movimentos populares urbanos.” (PETITAT, 1994,
p.118). Deles, participavam jovens e crianças. As escolas têm, pois, por objetivos “ensinar
amor ao trabalho”, “obrigação de trabalhar fiel e duramente”, “um grande horror ao ócio”, e
transmitir aos alunos alguns conhecimentos apropriados ao seu destino de trabalhadores.”
(p.109). Assim:
Os jovens que não são adequadamente educados ordinariamente caem na
vagabundagem, e não fazem nada além de arrastar os pés pelas ruas. Ficam
agrupados nas esquinas, entretendo-se com conversas dissolutas, tornando-se
indóceis, libertinos, dados ao jogo, blasfemadores e briguentos; entregam-se à
bebida, à imoralidade, ao roubo e ao crime. Transformam-se, por fim, nos mais
depravados e revoltados membros do Estado, e sendo a sua porção corrompida,
estragariam o resto do corpo se o chicote dos algozes, as galeras dos Príncipes e os
patíbulos da Justiça não retirassem da terra estas serpentes venenosas, que
infectariam o mundo através de seu veneno e da sua dissolução. (PETITAT, 1994,
p.108-109)
É a partir do século XVI que o remédio para a cura da pobreza, da mendicância, da
vagabundagem por meio do trabalho passa a ser prescrito, tanto na França, como Inglaterra e
Itália. Segundo Petitat (1994, p.117-118),
[...] é nesta mesma época que se afirma a administração e o controle público da
caridade; é também neste período que germina a idéia realizada no século seguinte
de prender os vagabundos errantes e os mendigos em hospícios e hospitais que
funcionam juntamente com ateliers e manufaturas.
50
No decorrer de toda a parte II de seu livro a preocupação do autor é mostrar as
relações entre a difusão escolar do conhecimento e as divisões da sociedade. Coloca como
grande novidade do ensino, nos séculos XVII e XVIII, a difusão de uma cultura cnico-
científica que forja instituições para si própria, na forma de academias, de escolas técnicas e
profissionais sendo as primeiras as de Arquitetura, Pontes e Estradas e Minas, destinadas a
preparar alunos para as novas necessidades do Estado. Esses setores já eram identificados
com as necessidades de afirmação do capitalismo, antes mesmo que as máquinas-ferramentas
se impusessem. Abaixo dessa hierarquia escolar surge no século XVIII o ensino técnico
elementar.
Se até aqui uma divisão de poderes entre Estado e Igreja nas formas de
administrar e gerenciar o ensino, essa divisão irá se desintegrar no século XVIII e XIX. A
expulsão da Companhia de Jesus e estatização da escola revelam as ambições do Estado.
Nesse sentido coloca Petitat (1994, p.142) o seguinte:
[...] o Estado firma-se definitivamente no ensino por ocasião da revolução industrial,
da supressão dos ofícios e da emancipação do capital industrial dos entraves
corporativos. Os partidários da teoria do laissez-faire, dos fisiocratas aos teóricos
liberais clássicos, todos favoráveis à menor participação do Estado na economia,
são, ao contrário, favoráveis à sua intervenção no ensino.
Com a estatização do ensino surge uma nova cultura escolar, com seus mitos, temas
e moral e a escola primária, destinada aos filhos do povo, revela-se um prolongamento das
escolas de caridade. A preocupação de moralizar o povo, instruindo-o, aparece em toda parte
persistindo por mais de um século.
Após a Primeira Guerra Mundial as expectativas do Estado de fazer da instrução
elementar um fator da integração política e social encontra oposição vinda de grupos sindicais
e políticos enraizados na própria classe operária. A escrita e a leitura sempre significaram
“uma faca de dois gumes” para as elites européias. Mesmo que as estratégias e as lutas variem
de um país para outro, etapas fundamentais são idênticas na transformação da cultura escolar.
Currículos se alteram ao sabor dos interesses de classe, esquemas de diferenciação do
primário e secundário se implantam, criando-se ensino intermediário, firmando-se a
hierarquia escolar, reformas se sucedem, assim como a dosagem da cultura a ser “distribuída”
às diferentes classes e níveis escolares. Enfim, é preciso não esquecer os múltiplos sentidos da
51
contribuição da escola para a produção e reprodução da sociedade e o movimento social em
cujos fluxos os homens se envolvem.
Mesmo que a escola não responda mais às exigências estritamente profissionais num
cenário em que o emprego encontra-se cada vez mais encolhido, uma rie de transformações
pedagógicas vai se efetivando e a preparação para o trabalho adquire, no discurso, o estatuto
de uma religião, um bem supremo. Com a redução do emprego a que necessidades a escola
procurará responder? Que sinais são apontados? Não cabe aqui arriscar previsões, mas
sinalizar como tem sido colocadas nesse cenário a condição de aluno e a escola como espaço
de distinção.
A escola sempre teve seu peso estratégico e continua tendo sua centralidade. Pode
não ser mais o local de internamento para o trabalho, mas não deixa de desempenhar seu
papel educativo que vai muito além da instrução. Ao apresentar-se como espaço por oposição
à rua e outros, repõe a imagem do não-aluno como perigo, como problema para a efetivação
de um programa de civilização, como justificativa do acolhimento da infância pela política,
pelo Estado ou outras instituições, basicamente às avessas.
É o fetichismo da escolarização regido por outras lógicas, outras pedagogias que não
passam apenas pela instrução, que demanda muito mais que mecanismos puramente verbais,
mas materiais e que encontra nas instituições, nos espaços, no controle das normas de
conduta, solo fértil para fecundar. E, como coloca Manacorda (2002, p.249) “fábrica e escola
nascem juntas: as leis que criam a escola vêm juntas com as leis que suprimem a
aprendizagem corporativa (e também a ordem dos jesuítas)”.A materialidade pedagógica se
insere num processo social mais amplo que fornece elementos para preparar a mente e o corpo
para que os novos valores sobre o trabalho sejam aprendidos.
1.5.1 Lugar de criança é na escola: qual criança, qual escola?
Porque eu estudo
eu estudo porque minha mãe me manda pro colégio ela diz que a gente deve estudar
pra ser alguém na vida mas eu acho que nunca vou ser ninguém por causa de que eu
estudo, estudo e não saio da segunda série. Acho que eu não saio da segunda série
porque eu estou sempre com fome e cansado. Porque sabe, eu acordo às quatro horas
da manhã, levo os patos pra maré, levo os porcos pro cercado, lavo o chiqueiro, lavo
o sujo dos bichos e pego água, limpo o barraco e faço o café. quando eu chego na
escola às oito horas, eu estou cansado com fome quero brincar comer não presto
52
atenção em nada mas eu quero ser alguém então eu prometo professora nunca mais
eu vou brincar na aula.
9
Porque eu estudo
eu estudo porque quero ser um homem de bem, um grande homem. Minha mãe diz
que todo aquele que estuda vai ser um grande homem. Eu quero servir à minha
pátria, sendo valente, corajoso, valoroso e fiel.
O estudo é a luz da vida. Devemos estudar porque o estudo enobrece a nossa alma.
O estudo é um farol na escuridão da ignorância.
Quem estuda tem tudo. Quem não estuda, não tem nada.
Devo estudar porque sou um bom menino.
Eu me dou muito bem nos estudos. [...] (LACERDA,1986, 30-31)
Os ideais iluministas de que a razão e a ciência levarão a um inevitável progresso
futuro chegam ao século XXI com plena força. A ênfase na educação é de tal ordem, nos
tempos atuais, que parece absurda a existência de problemas de acesso e permanência das
crianças numa escola de qualidade, numa sociedade dita do conhecimento e cheia de suas
tecnologias. Esses ideais acabam por delinear aquilo que deve ser dito e feito em relação à
criança e sua educação. Por que continuam ancorando o discurso educacional e sendo
praticados, legitimados e considerados válidos e verdadeiros? De onde vem sua força?
A onda de preocupação em torno dos problemas que afligem as crianças é fermento
indispensável para a aceitação inconteste da máxima de que “lugar de criança é na escola!”.
Não se pretende aqui colocar em dúvida tal afirmação e muito menos sugerir que ela seja
ilegítima, apenas mostrar que mudanças nos modos de produção desencadeiam alterações em
todas as instituições e, nesse caso, a família e a escola aparecem como o par perfeito para
proteger a infância ameaçada e repor valores nas quais esses discursos se sustentem. Como
coloca Sarmento (2002, p.273), em decorrência das mudanças no processo de socialização das
gerações jovens, as vinculações sociais que se estabeleciam no interior da família estão sendo
transferidas para o grupo no espaço comunitário. Assim o autor expressa;
As mudanças estruturais e culturais na instituição familiar mostram, por outro lado,
que a família tem vindo a perder de modo progressivo e significativo, o estatuto de
instância primeira de socialização, por efeito de sucessivas recomposições e
reestruturações que tem sofrido. Este estatuto tende a deslocar-se para o espaço
público, seja ele o das instituições estatais, seja o da rua ou o do bairro, espaços estes
geradores de novos processos de referência e de sociabilidade das novas gerações.
9
O uso de pontuação e maiúsculas segue rigorosamente a forma como a autora apresenta o texto, sendo
elemento de estilo e ênfase, utilizados pela mesma.
53
Não é apenas em decorrência das mudanças familiares que a tarefa da socialização é
transferida à escola ou às outras instituições, mas porque as metamorfoses no mundo do
trabalho recolocam a questão da infância como questão social. Tanto as políticas de coerção
quanto as de integração destinadas às crianças mostraram-se insatisfatórias para assentarem as
crianças na ordem material. Já se mencionou, anteriormente, as bases sociais das oposições e
hierarquias escolares e oposições e hierarquias sociais e a escola como lugar em que “[...] os
indivíduos vem buscar uma espécie de confirmação cultural de que pertencem a certas
camadas sociais.” (PETITAT, 1994, p.46). E Petitat ainda sinaliza que, para os pobres, as
aprendizagens “necessáriasaconteciam nas escolas elementares onde se ensinava o amor ao
trabalho. Todo esse discurso só faz sentido se inserido no contexto das divisões da sociedade.
Comênio (1966, p.413), um pensador da fase inicial do capitalismo, a fase das
manufaturas e do regime parcelar do trabalho, apresenta em sua Didática Magna (Tratado da
arte universal de ensinar tudo a todos), no Capítulo XXVII, os quatro graus das instituições
escolares em conformidade com a idade e o aproveitamento: as escolas inferiores (a materna e
a primária) a escola de latim (para quem aspira coisas mais altas que os trabalhos manuais) e
as Academias que ‘[...] devem formar os doutores e os futuros condutores dos outros. E o
autor não para por aí, pois “[...] os engenhos selectos, a flor dos homens; os outros enviar-se-
ão para a charrua, as profissões manuais, para o comércio, para que aliás, nasceram”.’( p.448).
Em toda “proclamação solene”, não como escapar da máxima da “educação como
remédio”. Desfazer esses fetiches tão marcantes no pensamento social é caminhar para
redefinir práticas e projetos educativos condizentes com as necessidades das camadas menos
favorecidas. O discurso pelo direito à escola, não pode ser encarado de forma simplista nem
aceito com naturalidade. E não será por falta de aviso, principalmente de Bertold Brecht, ao
insistir que “[...] em tempos de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade
consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer
impossível de mudar”
10
.
A figura da criança ameaçada, assim como da criança “futuro”, angaria adesão e
apoio público imediatos. Carrega-se de significações a figura da criança assim como
delineiam-se espaços para sua formação, seu acolhimento, com a entrada em cena de sábios,
profissionais, especialistas da infância que, de posse dos saberes que nunca são neutros, vão
afetando e impregnando as práticas para as crianças, configurando instituições a ela
10
Poesias de Brecht. Disponível em: http://www.geocites.com. Acesso em: ago. 2007
54
destinadas, indicando brinquedos mais adequados, livros mais apropriados e assim, ao sabor
dos interesses dos quais esses saberes são porta-vozes, instala-se um verdadeiro mercado para
divulgação de produtos destinados a essa faixa etária: especialistas, servindo ao capital de
vários lados, seja “expandindo” o encolhido mercado de trabalho, seja pelo fato de liberar a
mão-de-obra feminina, facilitando a institucionalização das crianças, seja pelo fato de
envolver grandes corporações como “pedagogas” interessadas no sucesso das crianças, seja
por disponibilizar um tempo livre, ocioso disputado ferreamente por profissionais para ser um
tempo também programado e ocupado.
Não se pode ainda esquecer que o mercado escolar é um grande escoador de
produtos destinados à infância, um grande balcão de negócios, mesmo que determinadas
mercadorias sejam para clientes “especiais”, pois nela circulam desde livros e outros milhares
de ítens no material escolar, as merendas ou os lanchinhos sempre ao gosto do cliente, os
jogos e brinquedos sempre educativos e pedagógicos. A Estrela, a Lego, a Grow, a Toyster
“ajudam” as crianças a crescer e aprender brincando, seja na escola ou fora dela.
Que o lugar da criança deveria ser na escola é aspecto quase consensual. Sarmento
(2002, p. 274-275) sinaliza que “a instituição escolar tende a aparecer cada vez mais, tanto às
famílias como aos próprios alunos, como um logro, fonte de uma imensa decepção colectiva.”
E continua o autor :
Numa situação de crise generalizada do emprego, a escola torna-se,
simultaneamente, o espaço próprio da acomodação das fileiras de crianças e de
jovens, que de outro modo estariam em situação de absoluta desocupação, e, para a
maioria da população que não consegue à partida garantir uma actividade social
remunerada para o futuro dos seus filhos, o espaço mirífico da aquisição da
certificação que, como que magicamente, se destina a transpor as (de outro modo
insuperáveis) barreiras colocadas no acesso a uma profissão prestigiada.
Aqueles mitos que sustentaram a existência da escola durante anos entram em crise e
essa põe em causa a própria escola, que precisa ter renovado seus mitos. Chamborédon e
Prévot (1986), quando discutem o “ofício de criança” impregnado no ofício de aluno,
mostram que a descoberta da infância como objeto pedagógico é terra virgem que se
apresenta como campo propício de aplicação de todas as utopias e assim deixam pistas sobre
os vários interesses subjacentes na história da invenção do maternal.
Alguns debates e pesquisas atuais têm apontado o ofício de aluno ou o trabalho
escolar como forma de trabalho mais invisível, apesar de sua institucionalização
(SARMENTO, 2002), como uma forma de trabalho infantil moderno (WINTERSBERGER,
55
2001; QVORTRUP, 2001), como uma sobrecarga de trabalho (BEHERA; PRAMANICK,
2001) e ainda apresentando o trabalho escolar como elemento de colonização das crianças,
defendendo a tese de que a natureza do trabalho obrigatório das crianças mudou de acordo
com os modos de produção predominantes. (QVORTRUP, 2001).
Toda afirmação no sentido de eleger o trabalho escolar como “[...] trabalho
socialmente necessário em termos de qualificar-se física e psiquicamente [...], trabalho escolar
[...] caminhando para tornar-se o dominante, enquanto o trabalho manual está [...] atrofiando-
se.” (KANITZ apud QVORTRUP, 2001, p.130); trabalho escolar na posição do oposto ao
trabalho infantil explorado, entre outras discussões mais recentes, sinaliza que o papel do
trabalho escolar é um problema que demanda ainda muita investigação. Afirmar que o
trabalho escolar se apresenta como um novo trabalho infantil e que o trabalho infantil
assalariado fora da escola e do lar é um fenômeno marginal, é uma afirmação apressada e
caminha em direção contrária a muitas evidências dessa pesquisa, que o trabalho infantil
tem sido junto com o escolar o ofício de muitas crianças. Muitas dessas análises têm a Europa
como cenário e a ênfase que se subjacente é que o trabalho infantil é problema dos países
em desenvolvimento. Como mostra Qvortrup (2001, p.132)
[...] o problema não tem mais a mesma importância que já teve, em termos
quantitativos, e em parte porque seus perigos estão longe de ser tão graves e
importantes como anteriormente, embora tanto a exploração quanto os grandes
riscos para a saúde das crianças ainda sejam muito numerosos.
E, recorrendo-se a Cunningham em recente pesquisa sobre trabalho infantil,
concorda com ele “que hoje em dia o trabalho infantil, compreendido como trabalho
assalariado fora da escola e do lar, é um fenômeno marginal.” (QVORTRUP, 2001, p. 133).
Wintersberger (2001, p. 94) afirma “que também na sociedade moderna
11
resquícios de trabalho infantil tradicional, bem como princípios de novas formas de trabalho
infantil [...] (como) o trabalho que as crianças produzem na e para a escola.Aponta que o
estresse, o medo, o fracasso escolar e ainda o suicídio de alunos são problemas postos pelo
trabalho escolar.
11
O autor anuncia ao leitor que o texto foi escrito com base em experiências e análises da infância na Europa
Ocidental ( para leitores na Alemanha, Áustria e Suíça) e outros países capitalistas com relações econômicas e
sociais semelhantes, e argumenta que, como vai trabalhar com afirmações gerais e tecer comparações das
atividades infantis na sociedade moderna, com atividades infantis em épocas anteriores e/ou em países de
Terceiro Mundo, considera pertinente a publicação do artigo no Brasil.
56
Scratton (apud SARMENTO, 2000, p. 141) mostra que
A exploração do trabalho infantil tem uma dimensão universal, ainda que assuma
formas variadas. Uma das maiores perversões do debate sobre essas formas é a da
desculpabilização do Ocidente perante o que considera como um fenômeno do
Terceiro-Mundo. Uma das possibilidades de renovação deste discurso etnocêntrico é
precisamente o da procura de legitimação do trabalho das crianças ocidentais
ignorando a questão da exploração económica, e procurando estabelecer uma
distinção com “os pobres” do Terceiro-Mundo.[...] ‘Ao definirem-se ou
estruturarem-se as experiências das crianças apenas no interior de fronteiras
culturais ou societais determinadas, a sua dor e exploração é identificada como uma
questão meramente doméstica, mais uma expressão da patologia étnica. No entanto,
é o Ocidente, o auto-proclamado Primeiro Mundo, que explora sem remorsos o
trabalho nas “fabricas de suor” [...], nos campos de arroz, nas oficinas industriais
sem controlo e nas minas [...] Intimamente associada com a dominação econômica
através da dependência está uma forma de imperialismo cultural que assume
implicitamente que as crianças do Primeiro Mundo são protegidas, cuidadas e
providas, alimentadas, amadas
e educadas, libertas da pobreza, do abuso, da
exploração, da doença e da morte prematura.’
O caminho que se fez até aqui pretendeu mostrar que, no decorrer da história, o
ofício de criança, inicialmente imbricado no mundo do trabalho passa-se a partir da
industrialização a entrelaçar seus fios ao ofício de aluno, separando essas duas condições da
infância: uma correspondendo ao não-trabalho, ao tempo de direito à preguiça e ao lúdico
para uns, assim como o tempo de trabalho onde for necessário para outros, e oficio de aluno
considerado como trabalho escolar para todos, mas diferenciando-se na forma e no conteúdo
desse trabalho, dependendo da classe á qual é destinado. Tudo isso na tentativa de articular
que, nos itinerários da infância esses ofícios sempre se cruzaram e continuam cruzando, não
importa a direção: se das casas e do campo, às ruas, das ruas às instituições de internamento,
dessas às fábricas e depois às escolas ou se diretamente do lar à escola. O trabalho aparece
sempre como a bússola que descreve e regula tal itinerário.
Embora a escola tenha nascido junto com as fábricas, não é esse o primeiro endereço
das crianças pobres e sim o trabalho. É o que será visto no próximo capítulo, haja vista que a
disputa por uma vaga na escola o é nada fácil, proliferando o ensino particular, a educação
como mercadoria de alto custo, destinada apenas a alguns premiados pela sorte que
conseguem vencer a barreira da concorrência por uma vaga ou que podem comprá-la. A
escola continua tendo um caráter de distinção social. Não é de se admirar que homens e
mulheres se ponham numa fila como em procissão de à espera de uma vaga, que pode vir
por sorte ou sorteio, já que o “diamante” não é para repartir com todos. São muitos os
chamados, mas poucos os escolhidos. Para milhares de crianças e adolescentes não existem
57
alternativas concretas para deixar o trabalho nem o acesso a uma boa educação. Como afirma
Rizzini (2007, p.398) “quem conhece a fome sabe que sonhos não enchem a barriga [...].”
Mesmo que a escola se apresente como a possibilidade de veiculação de conhecimentos,
como campo de possibilidades de trabalho que os pais também vislumbram para as crianças,
limita-se a ocupações que não exigem maior especialização, portanto, segundo Gouvêa
(1993, p. 53) um reconhecimento por parte dos pais do fosso existente entre a escola e as
necessidades familiares que inviabilizam um investimento na escolarização de seus filhos,
após o término da quarta série. O próprio mercado de trabalho a que tem acesso não requer
maior qualificação.
Na verdade, a freqüência à escola além de ser limitada pelo trabalho, o é também
pela inexistência de escolas próximas ao local de residência, pelo investimento financeiro
exigido, pelo cansaço decorrente da dupla jornada e até mesmo o pouco retorno da escola no
campo do trabalho, o que descarta a associação simplista da continuidade ou não dos estudos,
única e simplesmente como decorrente do trabalho. O trabalho de Fukui, Sampaio e Brioschi
(1985, p.29-30) destaca que ao associar trabalho infantil com empecilhos para freqüentar a
escola, diminui-se a “responsabilidade do sistema escolar no processo de exclusão de seus
alunos”, além de camuflar a atuação de outros fatores a ele relacionado.
58
CAPÍTULO 2
MAPAS DO TRABALHO INFANTIL: OUTRA FACE DA INFÂNCIA OCULTA NA
LÓGICA CAPITALISTA
Esses meninos, filhos de gente que trabalha de vez em quando ou que não tem
trabalho nem lugar no mundo, são obrigados desde cedo, a aceitar qualquer tipo de
ganha-pão, extenuando-se em troca de comida ou de pouco mais, em todos os
rincões do mapa do mundo. Depois de aprender a caminhar, aprendem quais são as
recompensas que se dão aos pobres que se portam bem: eles, e elas, são a mão-de-
obra gratuita das fabriquetas, das lojinhas e das biroscas caseiras, ou são a mão-de-
obra a preço de banana de indústrias de exportação que fabricam trajes esportivos
para as grandes empresas internacionais. Trabalham nas lidas agrícolas e nos
carregamentos urbanos, ou trabalham em suas casas para quem mande ali. São
escravinhos e escravinhas da economia familiar ou do setor informal da economia
globalizada, onde ocupam o escalão mais baixo da população ativa a serviço do
mercado mundial. (GALEANO, 1999, p.14)
Se o primeiro capítulo partiu das idéias sobre a infância e do que fazer com ela, das
identidades a ela atribuídas, esse capítulo pretende encontrar as crianças, sujeitos reais, no
mundo do trabalho, a vida vivida por elas e as condições nas quais vivem para escapar dos
fetiches da infância que andam habitando o imaginário social. Ele tem como foco o trabalho
das crianças no Brasil, apoiando-se principalmente na análise dos Mapas
12
de Indicativos do
Trabalho da Criança e do Adolescente de 1999 e 2005
13
, editados pelo Ministério do Trabalho
e Emprego e Secretaria de Inspeção do Trabalho, e um outro referente ao ano de 2001 que
divulga resultados de pesquisa sobre Trabalho Infantil, realizada pelo IBGE (Instituto
12
Na realidade, os documentos denominados Mapas de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente, (a
partir de agora denominados apenas Mapa de Indicativos e a referência ao ano em que foi editado) não se
apresentam em forma cartográfica e sim no formato de Módulos e/ou Quadros. Adquiriu a forma cartográfica
especialmente para esta tese baseando-se nos originais.
13
Essa é a terceira edição do Mapa de Indicativos do trabalho da criança e do adolescente e corresponde à versão
mais atualizada referente aos dados até 2003, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2005. A
primeira foi publicada em 1999 e a segunda, em 2001. São esses os documentos centrais deste capítulo.
59
Brasileiro de Geografia e Estatística) como suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (IBGE; PNAD, 2003).
Para complementar a análise, foi ainda utilizado um documento publicado pela
OIT
14
, em 2002, quando se completava dez anos de atuação do IPEC no Brasil, que destaca
entre os dez melhores programas avaliados nestes dez anos: um sobre o combate ao trabalho
infantil doméstico. Essa opção surgiu da necessidade de considerar esse documento pelo fato
de tratar do trabalho infantil doméstico, haja vista que esta forma de trabalho não comparece
nos Mapas de Indicativos de 1999 e 2001, e quando comparece no Mapa de 2005 é apenas
enquanto mais uma das atividades econômicas realizadas por crianças. Esse encontro deixa a
mostra uma outra face da infância oculta na lógica do trabalho produtivo capitalista. Ela se
apresenta não mais na condição de minoridade, mas tal como os adultos em condição de ser
explorada em todas suas habilidades. O período preparatório para entrada no mundo trabalho
forjou um novo tipo humano amadurecido à força pelas leis que regem a compra e venda da
mercadoria força de trabalho. Não foram as imagens alteradas, mas as condições de viver a
infância é que foram alteradas, deterioradas. E nessas trajetórias concretas, no processo social
real que se buscam as respostas para contrapor algumas idéias que cercam a infância. Nesse
capítulo pretende-se transitar pelos Mapas do trabalho infantil apontando que a diversificação
das atividades econômicas exercidas por crianças é um bom indicador de que a redução
anunciada pelos discursos governamentais é fetiche. Embora não se trabalhe com números
absolutos, mas com ampliação das atividades econômicas, sua reinvenção nas mais variadas
formas, muitos elementos extraídos da análise dos mapas permitem problematizar a anunciada
redução.
Buscou-se organizar o capítulo nos seguintes moldes: situar os Mapas e outros
documentos que serão analisados, estabelecer comparação entre eles, na medida do possível,
principalmente em relação aos aspectos da incrementação do trabalho infantil nos setores da
economia e nas atividades ilícitas e, por último, uma rápida abordagem do trabalho infantil
doméstico.
Tentando não perder de vista as relações estruturais e formais entre os setores da
economia, isto é “[...] o papel que cada um desempenha no conjunto da economia e o papel
interdependente que jogam entre si” conforme coloca Oliveira (2003, p.53), tentou-se agrupar
as atividades econômicas considerando-se a tabela da CNAE (Classificação Nacional das
14
Denominado “Boas práticas de combate ao trabalho infantil: os 10 anos de IPEC no Brasil”.
60
Atividades Econômicas) versão 2.0, de 2007, e será feita uma breve explanação sobre a forma
como se deu o agrupamento das atividades econômicas por setores da economia.
2.1 SITUANDO OS MAPAS: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
Os denominados “Mapas de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente
de 1999, 2001 e 2005, são representados no formato de Módulos e/ou Quadros, constituídos
por cinco colunas, assim distribuídas: relação da atividade econômica desenvolvida, os
municípios brasileiros onde ela acontece, as tarefas geralmente executadas, as condições
de trabalho a que estão submetidos adultos, adolescentes e crianças e municípios com
indicativos de redução do trabalho infantil. Esse formato refere-se ao Mapa publicado em
1999
15
a partir de fiscalização feita no período de agosto 1997 a julho de 1999.
Outro documento que deu suporte para esta análise e que é também classificado
como Mapa de Indicativos 2001, não se apresenta nessa forma. Ele é resultado de pesquisa
realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2001, como tema
suplementar da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
16
) e, em seus
“comentários” iniciais, afirma agregar informações para caracterizar o trabalho realizado por
crianças e adolescentes, os aspectos socioeconômicos que distinguiam crianças e adolescentes
ocupados daqueles que não trabalhavam e, também, os que eram estudantes dos que não
freqüentavam a escola.
A primeira parte apresenta tabelas que contemplam taxas de escolarização de pessoas
de cinco a dezessete anos segundo as grandes regiões do Brasil, permanência na escola por
mais de quatro horas diárias, rede de ensino freqüentada (particular ou pública), percentual de
pessoas inscritas ou beneficiárias de programas sociais para a educação, taxas de
escolarização, considerando a renda mensal familiar, a situação de ocupação (por grupos de
idade, por sexo, por horas trabalhadas por semana, atividade agrícola como trabalho principal,
rendimento mensal por atividade, pessoas ocupadas e número de pessoas na família,
utilização de máquina- ferramenta, produtos químicos e, por último, percentual de pessoas
15
Este mapa foi antecedido por um Diagnóstico Preliminar de 1995/1996, porém não foi possível acessar este
documento.
16
A PNAD faz parte do sistema de pesquisas domiciliares, implantado no Brasil a partir de 1967 e tem como
finalidade a produção de informações sicas para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do País, umas
de caráter permanente (dados gerais da população, educação, trabalho, rendimento e habitação) e outras com
periodicidade variável, de acordo com as necessidades de informação do país (migração, fecundidade,
nupcialidade etc.). Inicialmente, os resultados foram apresentados com periodicidade trimestral, até o primeiro
trimestre de 1970. A partir de 1971, os levantamentos passaram a ser anuais com realização no último trimestre.
61
ocupadas na população rural e urbana). Todas acompanhadas de gráficos com respectivas
análises.
Na segunda parte, aparece um extenso número de tabelas
com dados referentes à
situação de ocupação da criança, rede de ensino que freqüentam, freqüência à escola,
principal motivo de não freqüentar a escola, satisfação com o trabalho, atividade exercida no
trabalho principal, rendimento do trabalho, uso de máquinas, ferramentas, produtos químicos
usados no trabalho principal etc. Todos as tabelas são apresentadas em relação ao Brasil/2001,
seguido das Unidades da Federação e, por último, as mesmas tabelas apresentando os
resultados por Regiões.
O Mapa de Indicativos de 2005
17
aparece dividido em 3 módulos. Detalha no
Módulo I, a situação do trabalho da criança e do adolescente no Brasil, por regiões,
considerando os seguintes aspectos: rie histórica (1995-2002) da Taxa de trabalho infantil
nacional; variação do trabalho infantil por unidades da federação de 1999 a 2001 e de 2001 a
2002, abrangendo a faixa etária de cinco a quinze anos; distribuição segundo as regiões e
unidades da federação do Brasil; relação entre trabalhadores infantis e a população do mesmo
grupo etário, segundo as regiões do país; distribuição do trabalho infantil segundo as áreas
geoeconômicas; distribuição do trabalho infantil segundo as posições na ocupação (não
remunerados, empregado, empregador, trabalho domiciliar, autoconsumo, etc.); distribuição
do trabalho infantil segundo sexo e grupos etários; distribuição do trabalho infantil segundo
raça, cor e grupos etários; relação entre trabalho infantil e freqüência escolar; rendimento do
trabalho infantil segundo trabalho principal da faixa etária de dez a quinze anos; rendimento
do trabalho infantil segundo as posições na ocupação por terceiros (empregados ou trabalho
doméstico).
O Módulo II apresenta as condições de trabalho a que estão submetidas crianças e
adolescentes e as repercussões à saúde. Já o Módulo III traz informações sobre indicativos de
trabalho em atividades ilícitas (exploração sexual comercial infantil, narcotráfico e
narcoplantio) nas unidades da federação e que não figuravam no Mapa de Indicativos de
1999.
A dificuldade de se estabelecer uma análise comparativa qualitativa entre os mapas
se coloca de início, considerando a especificidade de cada documento, a forma de
17
De acordo com informações contidas no documento, as atualizações são até o ano de 2003, utilizando como
referencial estatístico os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2002,
reprocessados pelo Ministério do Trabalho e Emprego para a faixa etária de cinco a quinze anos. [...].
62
apresentação dos dados, ora apenas descritiva (1999), ora com o predomínio dos dados
quantitativos (2001) ou mesclando os dois aspectos (2005), dificultando estabelecer uma série
histórica de resultados em relação a vários aspectos do trabalho infantil. Considerando-se
essas especificidades, a comparação será feita entre os Mapas de Indicativos de 1999 e 2005,
que a mesma comparação não pode ser feita com o Mapa de 2001. Alguns dados deste
documento serão, todavia, incluídos na análise, quando assim for possível.
2.2 APROXIMANDO-SE DO FETICHE DA REDUÇÃO
Colocar a categoria trabalho no centro de uma reflexão não é tarefa simples,
principalmente quando associado à infância. As dificuldades se avolumam ao se perceber que
a temática do trabalho infantil não tem merecido a devida atenção no campo trabalho-
educação e muito menos no campo da teoria pedagógica.
Tirar o trabalho infantil da sombra, da invisibilidade na tentativa de descobrir
ângulos poucos explorados e outras tonalidades que vão compondo esse quadro remete, nesse
momento, a uma análise mais detalhada da categoria trabalho. Com ela, acredita-se poder
aproximar daquilo que é a essência da infância e assim alargar a possibilidade de fortalecer a
relação educação/trabalho e teoria pedagógica. Ao discutir trabalho, impossível escapar do
caminho percorrido pela obra de Marx. E realizar o exercício de compreensão desse
pensamento já coloca de início uma grande questão: Por onde começar? Desse modo,
não estaria esse pensamento exaustivamente [...] “interpretado”? O Capital ainda
comportaria “novas interpretações”? Novas investigações? A resposta é positiva,
porquanto se reconhece que o estudo dos problemas tratados por uma obra nunca é
completo, uma vez que as relações histórico-sociais colocam para os indivíduos
‘novos fenômenos” e, conseqüentemente novas questões. Nesta perspectiva, toda
leitura tem que ser necessariamente insuficiente, que é feita a partir de
determinadas questões, que provêem de um contexto histórico específico. A
historicidade do pensar exige, por isso mesmo, novas investigações.[...]. Partindo da
estrutura do pensamento de Marx [...] apreender os problemas novos que surgem no
curso da história do desenvolvimento do capitalismo. (TEIXEIRA, 1995, p. 35).
E qual é o problema novo que se coloca? O fetiche da redução do trabalho infantil.
Tem-se, portanto, de imediato, duas categorias de análise: fetiche e trabalho. O que permite a
análise dos Mapas de Indicativos do Trabalho da criança e do adolescente em relação ao
63
fenômeno do trabalho infantil? Que elementos fornecem para interpretar o fenômeno? Que
direções apontam ao pesquisador?
Considerando-se as estimativas presentes nos gráficos e tabelas dos Mapas de
Indicativos do Trabalho Infantil, todas elas apresentam e reafirmam constantemente a redução
com algumas nuances de pequeno aumento aqui e ali, mas, no geral, o que prevalece é a
redução. Tomando o Relatório Global –2006, da OIT
18
, e o Suplemento Brasil
19
desse mesmo
documento, tem-se o quadro a seguir:
Quadro 1. Estimativas das diferentes categorias de trabalho infantil por idade: 2000-2004
Escalão etário
(anos)
População
infantil
Da qual:
crianças
economicamente
ativas
Da qual:
crianças
trabalhadoras
Da qual:
crianças em
trabalhos
perigosos
Total
(5–17)
Número
(milhões)
2000
1.531.4
2004
1.566.3
2000
351.9
2004
317.4
2000
245.5
2004
217.7
2000
170.5
2004
126.3
5–14
Número
(milhões)
1.194.4 1.206.5 211.0 190.7 186.3 165.8 111.3 74.4
5–17
Número
(milhões)
332.0 359.8 140.9 126.7 59.2 51.9 59.2 51.9
Fonte: OIT. Relatório Global, 2006. A eliminação do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance, p. 13
(Adaptado para esta tese).
Segundo esse documento,
As novas estimativas sugerem que em 2004 haveria cerca de 317 milhões de
crianças economicamente activas, com idades entre os 5 e os 17 anos, das quais 218
milhões poderiam ser consideradas como crianças em situação de trabalho infantil.
Destas, 126 milhões realizavam trabalhos perigosos. Os números correspondentes ao
escalão etário mais estreito, dos 5 aos 14 anos, são 191 milhões de crianças
economicamente activas, 166 milhões de crianças trabalhadoras, e 74 milhões de
crianças em trabalhos perigosos. O número de crianças trabalhadoras, tanto no
escalão etário dos 5-14 como no dos 5-17 caiu 11 por cento em quatro anos, de 2000
a 2004. Contudo, o declínio foi muito maior entre aquelas que estavam envolvidas
18
A OIT apresenta, anualmente, Relatório Global dedicado a um dos temas que fazem parte da Declaração da
OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, adotada a partir de 1998. Os temas são liberdade
sindical e negociação coletiva, erradicação do trabalho infantil, erradicação do trabalho escravo e eliminação da
discriminação. Em 2006, o tema foi sobre trabalho infantil e o título do relatório é “A eliminação do trabalho
infantil: um objetivo ao nosso alcance”. Relatório Global no quadro do Seguimento da Declaração da OIT sobre
os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho - Conferência Internacional do Trabalho, 95ª Sessão 2006,
Relatório I (B), OIT, Genebra.
19
Esse suplemento, preparado pelo Escritório da OIT em Brasília, oferece informações específicas sobre a
situação nacional brasileira, complementares ao Relatório Global da OIT, que por limitações de cobertura de
muitos países e restrições de tempo e espaço, não foram refletidas de maneira detalhada.
64
em trabalhos perigosos: 26 por cento para o escalão etário dos 5-17, e 33 por cento
para os 5 a 14 anos. (OIT, 2006, p.13-14).
Em síntese, o que o relatório traz é que “[...]o número de crianças trabalhadoras,
tanto no escalão etário dos 5-14 como no dos 5-17 segue apresentando boas novas em relação
à redução do trabalho infantil, por corte etário, por sexo (os meninos continuam mais expostos
do que as meninas ao trabalho infantil, particularmente o de cariz mais perigoso”, (p. 14), por
setores da economia, sendo que a maior porcentagem concentra-se na agricultura, enfim os
“[...]dados mostram que estamos a chegar a um limiar crítico na eliminação do trabalho
infantil.” (OIT, 2006, p.16).
Nos gráficos e números apresentados há, “[...] uma tendência perceptível de queda
do incremento de trabalhadores infantis para todas as idades, exceto para a faixa dos 17 anos,
onde uma tendência de subida desde 2001”. (OIT, 2006, p.6). Nessa direção, apresenta a
diminuição por sexo, por situação censitária, por região do país e por Estado, apresentando
que “[...] em números absolutos, as regiões Nordeste e Sudeste são as que mais apresentam
trabalhadores infantis.” (p.11).
As estatísticas apresentadas são contraditórias. Muitas análises são controversas. Em
Nota Técnica /2006, cujo assunto é análise dos dados sobre trabalho infantil na PNAD 2005, a
Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome aponta um ligeiro crescimento na Taxa de Ocupação das pessoas cinco a
dezessete a 17 anos de idade. Este aumento na taxa de ocupação é notado na faixa de cinco a
nove anos e dez a quatorze e redução na faixa de quinze a dezessete. Desse modo,
Em termos absolutos, o número de trabalhadores de 5 a 17 anos saltou de 5,3
milhões para 5,45 milhões, no período de 2004 a 2005, ocorrendo um acréscimo de
148 mil crianças. Trata-se de um achado importante por indicar uma tendência de
aumento nas taxas, o que não ocorria muitos anos.[...]. Em termos absolutos, a
população de 5 a 17 anos caiu de 45,109 milhões para 44,842 milhões entre 2004 e
2005. Isto vem ocorrendo devido ao efeito da redução acelerada do número de filhos
por mulher a cada ano. [...]. Embora os meninos respondam por dois terços do total
de crianças empregadas em 2005, o maior crescimento dos novos ocupados se deu
entre as meninas. (MDS/SAGI, 2006, [s.p] )
65
Quadro 2. Pessoas ocupadas segundo sexo e Grupo Etário-2004 e 2005
Grupo Etário Ano Total Sexo
Masculino Feminino
2004 252.050 177.177 74.873
5 a 9 anos
2005 302.891 212.453 90.438
2004 1.713.595 1.169.006 544.589
10 a 14 anos
2005 1.864.822 1.257.196 607.626
2004 3.337.444 2.155.573 1.181.871
15 a 17 anos
2005 3.283.725 2.088.528 1.195.197
2004 5.303.089 3.501.756 1.801.333
Total
2005 5.451.438 3.558.177 1.893.261
Fonte: MDS; SGA (2006)
Embora a Nota Técnica/2006 divulgue dados posteriores às pesquisas mencionadas
pelo Relatório Global 2006, o Suplemento Brasil ao Relatório Global da OIT - 2006, ao fazer
análise das tendências estatísticas de diminuição do trabalho infantil no Brasil, afirma, com
base nessa análise,
Que o trabalho infantil seguirá sua tendência de diminuição nos próximos anos, caso
se mantenham e se incrementem as ações e políticas públicas nas áreas de direitos
humanos, educação, promoção social, redução da pobreza, trabalho e emprego, e das
políticas afirmativas relacionadas aos temas de gênero, raça, etnia, entre outras.
(OIT, 2006, p. 24).
Em meio a tantas controvérsias, desencontros de cifras e incongruências dos dados
vale repetir que ‘“os dados numéricos não “falam”; eles permanecem mudos até serem
corretamente interrogados”’ (CASTRO, 2003, [s.p]) .
Crianças sendo exploradas no trabalho estão por toda parte: Seja mergulhando em
profundidades superiores a 60 metros para atar redes aos recifes de corais, nas plantações de
cacau da Costa do Marfim, em Bangladesch em fábricas de balões, no Oriente Médio como
jóqueis de camelos, no Paquistão costurando bolas de futebol, fazendo tapetes no Afeganistão,
na mineração de ouro, diamantes e metais preciosos na África, gemas na Ásia, estanho na
América do Sul, no mar, nas mais de 7000 ilhas Filipinas em expedições pesqueiras que
duram de seis a dez meses e bem mais perto em Entre Rios, Jangadas, Dois Riachos, Águas
Claras, Três Lagoas, Lençóis, Alvorada, Jacundá, Urucuia, Piripiri, Moita Bonita, Serra do
Navio, Terra Boa, Céu Azul, Solidão, Desterro
20
,as crianças trabalhadoras desafiam a
20
Nomes de municípios brasileiros onde ocorre o trabalho infantil, retirados do Mapa de Indicativos de 2005.
66
geografia acompanhando a capacidade de o capital movimentar-se para lugares inesperados
dos mapas. Por que a força de trabalho infantil permanece ainda, muitas vezes, muda para as
estatísticas, invisível e difícil de ser captada? A exploração dos Mapas de Indicativos
apareceu inicialmente como uma opção de fazer falar o silêncio sobre a criança que se
esconde por trás do mundo do trabalho e foram eleitos como local para marcar um encontro
com a infância. Uma outra infância?
O real é síntese de múltiplas determinações. Para se chegar a elas, é preciso um longo
caminho. A verdade não se encontra logo no começo da caminhada e, para não arrastar a
leitura por caminhos percorridos, não se ambiciona aqui fazer uma exegese dos textos de
Marx, retirando-lhes suas citações várias vezes repetidas por seus intérpretes. A pretensão é
reafirmar sua inequívoca importância para o enfrentamento da problemática da persistência do
trabalho infantil na atualidade. Pensar o trabalho infantil orientando-se pela perspectiva do
marxismo é afirmar-se contrária a “[...] endossar as teses de seu fim e da necessidade de
substituí-lo por outros paradigmas [...] pelas teses pós-modernas ou pós-estruturalistas (muito
em voga no campo educativo hoje) sobre a ciência. Ao contrário significa afirmar sua
pertinência e necessidade histórica”. (FRIGOTTO apud ARROYO, 1998, p.26). Nessa
direção, é impossível furtar-se à citação, transcrita a seguir, abaixo retirada do Manifesto do
Partido Comunista, de 1848, pela sua proximidade com o mundo de hoje e mais
especificamente com os lugares por onde habitam as crianças trabalhadoras dos Mapas de
Indicativos:
Através da exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita
à produção e ao consumo de todos os países. [...] As antigas indústrias nacionais
foram destruídas e continuam a ser destruídas a cada dia. o suplantadas por novas
indústrias, cuja introdução se torna uma questão de vida ou morte para todas as
nações civilizadas indústrias que não empregam matérias-primas locais, mas
matérias-primas provenientes das mais remotas regiões, e cujos produtos são
consumidos não somente no próprio país, mas em todas as partes do mundo.[...].
Com o rápido aperfeiçoamento de todos os instrumentos de produção, com as
comunicações imensamente facilitadas, a burguesia arrasta para a civilização todas
as nações, até mesmo as mais bárbaras. [...]. Obriga todas as nações sob pena da
extinção, a adotarem o modo de produção da burguesia; obriga-as a ingressarem no
que ela chama de civilização. [...]. (MARX; ENGELS, 2004, p.49).
Aqui aparece em toda sua plenitude a idéia do poder capitalista dominando o mundo
inteiro. Conforme Dupas (2000, p.14) o que se vê, nas transnacionais contemporâneas,
Não são mais estruturas verticalizadas, mas fragmentação e dispersão do processo de
produção por várias nações através das filiais e dos fornecedores ou subcontratados.
67
Assim obtém-se um produto final global composto de várias partes desenvolvidas
em inúmeros países, aproveitando ao máximo as vantagens comparativas de cada
um.[...]. (DUPAS, 2000, p.14)
É nesses “cachos de empresa”, como denomina Chesnais (1996), ou nas empresas
em rede que se enredam as crianças trabalhadoras. Difícil serem alcançadas pelos olhares dos
mais peritos auditores e fiscais da inspeção do trabalho e pelas ações fiscais dos Grupos
Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente
(GECTIPAs). Muita exploração escondida para a acumulação capitalista em terras bem
distantes que são pouco visíveis nos mapas. É nesse contexto que o trabalho infantil precisa
ser focalizado.
É exatamente por essa configuração cosmopolita da produção, circulação e consumo
que fica difícil desvelar a real dimensão do trabalho infantil e os Mapas de Indicativos
elaborados para esta tese foram revelando algumas faces escondidas desse fenômeno,
buscando elementos para compreender por que ele se apresenta dessa forma.
2.3 O TRABALHO DAS CRIANÇAS NAS DIFERENTES ATIVIDADES
ECONÔMICAS
21
E NOS SETORES DA ECONOMIA
Espalhadas pelos mapas do Brasil e do mundo estão as crianças, ora nas fotografias
expressivas de Sebastião Salgado, ora retratadas por Huzak e Azevedo (1994) no mundo do
trabalho, essas crianças de fibra “[...] habitam o nortedocentro, o suldonorte, o
nordestedoleste, o oestedosudoeste, o altodoplanalto, o lisodaplanície, o buracodoabismo,
lonjuras, vielas, becos, viadutos, marquises, esquinas, favelas” (CLAVER, 1988, p.3),
crianças que com seu trabalho transformam as frias estatísticas e percorrem repetidas vezes a
seqüência do alfabeto transitando pelas mais variadas atividades econômicas que
desempenham: agricultura, bancos, colheita, extração de..., fabricação de..., guardador de..,
horticultura, indústria de..., limpeza de..., matadouros, office-boy e office girl, produção de....,
reciclagem de..., serviços de..., transporte de..., vendedor de...!!!
21
O Anexo D traz relação das Atividades Econômicas listadas nos Mapas de Indicativos de 1999 e 2005.
68
Crianças embrenhadas em vilas esquecidas, terras longínquas, cidades jamais
imaginadas e expostas em outros tantos lugares a qualquer olhar atento, ajudam a construir
com seu trabalho um pouco desse Brasil e do mundo.
Considerando que a forma como os Mapas editados pelo MTE/SIT estavam
representados dificultava muito a análise e compreensão dos dados na sua totalidade, uma
opção foi colocar esses dados numa forma cartográfica (Mapas), conforme apresentado a
seguir com a intenção de melhor visualizar o quadro do trabalho infantil.
Num primeiro momento, todas as atividades econômicas exercidas por crianças e
adolescentes listadas nos Mapas de Indicativos, foram distribuídas uma a uma, pelas regiões e
seus respectivos Estados, no formato de pequenos círculos, devidamente identificados com
números correspondentes a cada uma das atividades econômicas listadas no Mapa de 1997-
1999 (99 atividades) e no Mapa de 2005 (242 atividades). Essa imagem iluminou uma
primeira leitura dos dados, propiciando uma comparação entre um Mapa e outro.
Num segundo momento, aproveitando-se da representação cartográfica das
atividades econômicas, espalhadas pelos Estados e respectivas regiões do Brasil, optou-se
agrupá-las por setores da economia (Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e
aqüicultura, Indústria de transformação, Comércio, Serviços e outras atividades
22
), atribuindo
uma cor diferente a cada um. Uma outra face da realidade do trabalho infantil é revelada
constituindo-se nos mapas a seguir
23
.
Esses dados sobre os setores da economia são convertidos no formato de gráfico para
cada região separadamente, depois são agrupados lado a lado por regiões, visando facilitar a
análise comparativa e, por último, todos eles incorporados no âmbito do Brasil, conforme
representados no gráfico que vem logo após os mapas.
22
Para esse agrupamento baseou-se na Classificação Nacional das Atividades Econômicas versão 2.0/2007 e
CNCLA (Comissão Nacional de Classificação). A partir desse momento, a referência a esses setores será feita
apenas pelo seu primeiro nome. A CNAE não utiliza o termo setores, e sim seções. Serão, contudo, considerados
como equivalentes.
23
Optou-se também fazer uma representação dos Mapas em folha A4 e, logo seguir apresentar estes mesmos
dados em tamanho maior.
69
Figura 1. Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente no Ano de 1999
70
Figura 2. Mapa de Indicativo do Trabalho da Criança e do Adolescente 1997 - 1999
71
Figura 3. Mapa de Indicativo do Trabalho da Criança e do Adolescente no Ano de 2005
72
Figura 4. Mapa de Incidcativos do Trabalho da Criança e do Adolescente Ano de 2005
73
Gráfico 1. Percentual das Atividades Econômicas Desenvolvidas por Crianças e Adolescentes em 1999 e
2005, por Setores da Economia, por Regiões e no Brasil
74
O quadro que se descortina faz lembrar um pouco o ornitorrinco descrito por Oliveira
(2003) para simbolizar um Brasil onde miséria e opulência se mesclam dando contornos a
uma “coisa” meio esquisita, a um monstrengo social. O bicho é descrito da seguinte forma:
Altamente urbanizado, pouca força de trabalho e população no campo [...] um forte
agrobusiness. Um setor Industrial completo, avançando, tatibitate, pela Terceira
Revolução, a molecular-digital ou informática. Uma estrutura de serviços muito
diversificada numa ponta, quando ligada aos estratos de altas rendas [...]; noutra,
extremamente primitiva, ligada exatamente ao consumo dos estratos pobres. Um
sistema financeiro ainda atrofiado [...] que, justamente pela financeirização e
elevação da dívida interna, acapara uma alta parte do PIB.[...] Como o crédito
financia a circulação de mercadorias, e por essa via, indiretamente, a acumulação de
capital, é fácil perceber o significado de um sistema bancário fraco. Em termos da
PEA ocupada, fraca e declinante participação da PEA rural [...] e explosão
continuada do emprego nos serviços. (OLIVEIRA, 2003, p.132-133).
Alguns contornos desse bicho aparecem nos Mapas de Indicativos do Trabalho de
1999 e 2005: o agrobusiness aparece representado de perto e em cores nos setores da
economia, o setor industrial avançando tatibitate, a explosão continuada do emprego nos
serviços. O diferencial é que a PEA ocupada é composta por crianças e adolescentes e não
apenas adultos. E é exatamente aqui que se pode encontrar explicação para a persistência do
uso da força de trabalho infantil pelo capitalista, considerando os fatores vivos no processo de
valorização do capital. Desde que se possa,
1)Conservar o valor do capital variável, reintegrando-o, reproduzindo-o, isto é,
adicionando aos meios de produção uma quantidade de trabalho igual ao valor do
capital variável ou do salário; 2) gerar um incremento do seu valor, uma mais-valia,
objetivando no produto um quantum de trabalho excedente para além do contido no
salário, um quantum adicional de trabalho. (MARX, 1985, p.52)
Nessa direção, para o capital, tudo é igual à mercadoria força de trabalho, a atividade
criadora de valor. Então, faixa etária, gênero e fase de desenvolvimento, pouco importam.
Detalhes. Desde que se consiga extrair mais trabalho, não importa de onde. Nem importa o
que possa vir a se transformar em mercadoria (mente, imagens, sexo, órgãos etc.).
O importante é obter a mais-valia absoluta, é aumentar o tempo de trabalho
socialmente necessário “[...] para dos limites em que é necessário trabalhar, para repor o
valor do capital variável, o salário” (MARX, 1985, p.53) e se intensificar o trabalho para
desse mínimo e extrair do operário, num tempo dado, o maior trabalho possível terá a mais-
valia relativa. Pelo que se vê, o segredo está na extensão/intensificação da jornada de trabalho
e na exploração do trabalho abstrato.
75
Desse modo cada mercadoria apresenta-se em sua dupla forma: valor de uso e valor
de troca expressando a unidade entre trabalho concreto (que se manifesta no valor de uso) e
trabalho abstrato (que se manifesta no valor de troca). E, para Marx, a mercadoria que está à
venda é a força de trabalho, que “pode ser considerada sob o duplo aspecto, segundo
qualidade e quantidade.” (MARX, 2002, p.57).
No capítulo V de O Capital Marx faz a distinção entre processo de produção de
mercadorias e processo de produção capitalista, mas, para se chegar a essa diferenciação, é
preciso acompanhar o movimento do pensamento do autor, partindo inicialmente da
utilização/consumo da força de trabalho por quem a comprou, fazendo-a reaparecer em forma
de mercadorias, em coisas que sirvam para satisfazer necessidades de qualquer natureza,
portanto produção de valor-de-uso para culminar na última página do capítulo com a
diferença entre o trabalho que produz valor-de-uso e o trabalho que produz valor.
E adverte ao leitor que, inicialmente, irá considerar o processo de trabalho à parte de
qualquer estrutura social determinada, porque a produção de valores-de-uso não muda sua
natureza geral por estar sob o controle do capitalista, isso porque antes de tudo
24
, antes de
ser um processo de produção capitalista, o trabalho é um processo de produção de valores-de-
uso do qual “[...] participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua
própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza.
(MARX, 2002, p. 211). Por esse caminho vai explicitando como se dá esse processo.
O trabalho, aqui, aparece como base da existência humana na qual o sujeito humano
intervindo ativamente, criadoramente na realidade, a transforma também transformando-se.
“Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de trabalho, é imensa a
distância histórica que medeia entre sua condição e a do homem primitivo com sua forma
ainda instintiva do trabalho.” (MARX, 2002, p. 211).
Ao apresentar o processo de trabalho como processo de dispêndio de força de
trabalho, como fermento vivo que se incorporado aos elementos mortos constitutivos do
produto, diferencia-o do processo de produzir mais-valia, da produção do ponto de vista do
valor, salientando que, sob esse ponto de vista o trabalho, a matéria-prima e o produto serão
focalizados de forma totalmente diversa daquela sob a qual foram considerados no processo
de trabalho.
24
Grifos meus
76
O método de exposição utilizado por Marx em O capital, nos quatro primeiros
capítulos, explica esse movimento de produção de valor de uso e produção do valor de troca.
Segundo Tumolo (2005, p. 249), Marx parte do processo simples de trabalho e dele vai
extraindo todos os elementos que vão compor o processo de produção capitalista, o processo
de valorização.
Ficam, portanto, expostas as condições nas quais é produzida a existência humana no
modo capitalista de produção, comparando-as com a forma em que esse modo de produção se
realiza com objetivo apenas de satisfação das necessidades humanas.
É na esfera da produção que reside o segredo do maior valor, o feitiço das
mercadorias. Mágicos capazes de fazer coisas incríveis, convenientes para eles. O segredo
desse milagre está no uso que o capitalista faz de uma mercadoria especial, também mágica: a
força de trabalho. A forma como aparece a compra e venda dessa mercadoria esconde seu
real conteúdo, pois o capitalista sempre compra força de trabalho e o trabalhador sempre a
vende. A aparência é que há uma troca de equivalentes, mas,
A parte do capital que se troca por força de trabalho, nada mais é que uma parte do
produto do trabalho alheio, apropriado sem equivalente, e [...] ela não somente é
reposta por seu produtor, o trabalhador, como este tem que repô-la com novo
excedente. A relação de intercâmbio entre capitalista e trabalhador torna-se portanto,
mera aparência pertencente ao processo de circulação, mera forma, que é alheia ao
próprio conteúdo e apenas o mistifica. A contínua compra e venda da força de
trabalho é a forma. O conteúdo é que o capitalista sempre troque parte do trabalho
alheio objetivado, do qual se apropria incessantemente sem equivalente, por um
quantum maior de trabalho vivo alheio. (TEIXEIRA, 1995, p.43-44).
A diferença reside no processo de trabalho realizado para “criar valores-de-uso,
apropriar os elementos naturais às necessidades humanas” (MARX, 2002, p.218) e processo
de trabalho no qual ocorre o consumo da força de trabalho pelo capitalista, pois “o valor da
força de trabalho e o valor que ela vai criar no processo de trabalho, são duas magnitudes
distintas.” (p.227). Isso pode ser ilustrado por meio de um diálogo que o trabalhador mantém
com o capitalista, exposto por Marx (2002, p.272) da seguinte forma:
A mercadoria que te vendo se distingue da multidão das outras, porque seu consumo
cria valor, e valor maior que seu custo.[...]. Este foi o motivo porque a compraste. O
que, de teu lado, aparece como aumento de valor do capital é, do meu lado,
dispêndio excedente de força de trabalho.Tu e eu conhecemos no mercado, uma
lei: a da troca de mercadorias. E o consumo da mercadoria não pertence ao vendedor
que a aliena, mas ao comprador que a adquire. Pertence-te, assim, a utilização da
minha força diária de trabalho [...]. Quando prolongas desmesuradamente o dia de
trabalho, podes num dia gastar, de minha força de trabalho, uma quantidade maior
77
do que a que posso recuperar em três dias. O que ganhas em trabalho, perco em
substância.[...] Exijo, por isso, uma jornada de trabalho de duração normal, e sem
fazer apelo a teu coração, pois quando se trata de dinheiro, não lugar para a
bondade.
Por esse caminho, Marx vai desvendando o segredo do misticismo do mundo das
mercadorias, iniciando sua investigação pelo processo de trabalho como condição eterna da
existência humana, abordando o trabalho como categoria fundante da sociabilidade humana,
realçando os elementos simples do processo de trabalho que resulta na produção de valores de
uso. Considerando a insuficiência dessa análise para compreender a real dimensão do
processo de trabalho, de sua forma específica de ser, amplia a exposição de forma a revelar os
diferentes momentos constitutivos desse processo: produção, distribuição, circulação e
consumo.
E considerando a dupla determinação do consumo (consumo produtivo e consumo
improdutivo), no caso das crianças, convém destacar seu papel enquanto consumidoras, papel
esse esquecido nas análises sobre trabalho infantil, que as crianças são potenciais
consumidoras, nem que seja das políticas públicas. Esse aspecto também é pouco abordado
nas pesquisas. A participação da criança não só na produção, mas também na esfera do
consumo.
Ao apresentar alguns temas e problemas que são subrepresentados ou totalmente
ausentes na bibliografia portuguesa consultada sobre as várias dimensões em que se
concretizam as relações entre a infância, a economia e o desenvolvimento, Sarmento (2000, p.
145-146) aponta os seguintes:
i) as crianças perante o desenvolvimento do mercado para a infância (brinquedos,
filmes, jogos e programas informáticos, imprensa e literatura de consumo
infantil, roupas, acessórios, etc.,);
ii) a moda infantil;
iii) a utilização das crianças na publicitação de produtos para consumo;
iv) a criança como consumidora;
v) os custos da infância nas economias familiares;
vi) o mercado das instituições destinadas á ocupação e guarda das crianças [...],
ludotecas, internatos,etc.;
vii) o “valor da infância nos diferentes programas de subsídios e pensões
pecuniárias que têm por destinatários ou referentes as famílias ou as crianças;
viii) os sentidos, as oscilações, os custos e os benefícios das políticas públicas para
as crianças nos diversos níveis de sua realização (Estado, autarquias, institutos
públicos, etc.).
Nessa direção, vê-se que todo e qualquer trabalho realizado no interior das
sociedades capitalistas é voltado para a produção de mercadorias, para a troca e, nesse
78
contexto, as pessoas só existem na condição de proprietários de mercadorias, não importando
se o produto resultante do trabalho e mesmo a própria força de trabalho seja de adulto ou
criança, porque, nessas condições uma igualação dos diversos trabalhos privados. Segundo
Teixeira (1995, p.71-72),
A troca se apresenta, assim, como um processo onde os diferentes trabalhos são
igualados entre si. Essa igualação exige que esses diferentes trabalhos sejam
reduzidos simplesmente a trabalho, isto é, a trabalho não diferenciado, igual,
simples, em síntese: a trabalho que seja qualitativamente o mesmo e se diferencie
quantitativamente. Marx conta dessa redução na seguinte passagem: ‘deixando de
lado então o valor de uso dos corpos das mercadorias, resta a elas apenas uma
propriedade que é a de serem produtos do trabalho. [...].Todas as suas qualidades
sensoriais se apagaram. Também já não é o produto do trabalho do marceneiro ou do
pedreiro ou do fiandeiro ou de qualquer outro trabalho produtivo determinado. Ao
desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos
trabalhos neles representados, e desaparecem também, portanto, as diferentes formas
concretas desses trabalhos, que deixam de diferenciar-se um do outro para reduzir-se
em sua totalidade a igual trabalho humano, a trabalho humano abstrato’.
É nessa indiferenciação qualitativa dos diferentes trabalhos que o trabalho infantil
deve ser considerado. Desde que o trabalho se materialize nos produtos, e que seja trabalho
humano abstrato, não importa de onde provenha o quantum de trabalho, se do adulto ou da
criança. Sendo dessa última aumenta-se a vantagem de ser sub-remunerado e muitas vezes
não-remunerado, ora aparecendo como ajuda, como elemento de socialização e constituindo,
portanto, naquilo que poderia ser nomeado como uma “extra-mais-valia” ou “mais-valia
extraordinária”.
2.3.1 MAPAS DE INDICATIVOS: ATIVIDADES ECONÔMICAS
Para realizar uma análise sobre o trabalho infantil a partir dos Mapas de Indicativos,
um primeiro elemento que despertou a atenção foram as atividades econômicas desenvolvidas
por crianças e adolescentes nos Mapas de 1999 e 2005. Num primeiro contato com os
documentos, já se percebia, sem muito esforço, o aumento dessas atividades em 2005 (no total
de 242 atividades) em comparação com o ano de 1999 (99 atividades). Esse quadro já
colocava algumas questões, mesmo sabendo que mudanças na organização produtiva alteram
essa classificação demandando novas abordagens analíticas principalmente nos setores em
que surgem novas atividades econômicas. O que se percebia expressava a ampliação do
trabalho, sua reinvenção nas mais variadas formas. Uma consulta na tabela de
79
correspondência da CNAE, versão 2.0 (2007), comparada com a versão CNAE 1.0 apontava
inúmeras “novas” atividades econômicas.
Estudos sobre as metamorfoses no mundo do trabalho e reestruturação produtiva
realizado por diferentes autores apontam algumas tendências que vêm caracterizando o
mundo do trabalho e, entre elas, destaca-se o assalariamento no setor de serviços, o terceiro
setor e as novas formas de trabalho em domicílio. Concomitante à diminuição da classe
operária industrial tradicional, assiste-se a “[...] uma expressiva expansão do trabalho
assalariado, a partir da enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços, [...]
vivencia-se também uma subproletarização intensificada, presente na expansão do trabalho
parcial, temporário, precário, subcontratado, ‘terceirizado’” (ANTUNES, 2005, p.49) que
marca a sociedade atual.
Embora o Mapa de Indicativos/2005 mencione, na Introdução, perspectivas para
melhoria na análise dos dados, principalmente no tocante à classificação das atividades
econômicas, adotando como critério identificador a descrição do Código Nacional de Atividades
Econômicas (CNAE), apontando aí uma pista para ser explorada, percebia-se ainda que o
número de municípios onde acontecia o trabalho infantil era bem superior no Mapa de 2005,
se comparado com o de 1999.
Esses foram os motivos que direcionaram o aprofundamento da
análise dos mapas tendo como foco as atividades econômicas.
As atividades econômicas exercidas por crianças aumentam visivelmente em
praticamente todos os Estados, apresentando redução apenas no Estado do Acre, Tocantins,
(mas não sendo uma redução significativa) e mantém-se no Maranhão.
Tomando para análise esse Estado e comparando-se as atividades exercidas em 1999
e 2005 percebe-se que algumas (comércio ambulante, colheita e quebra de babaçu,
horticultura, Indústria moveleira, serviços em Olarias) persistem em ambos os períodos;
entretanto, das dezesseis atividades econômicas realizadas em 2005 (agricultura de
subsistência, agropecuária, catadores de lixo, coleta e quebra de coco babaçu, comércio
ambulante, construção civil, cultura da mandioca, exploração florestal, extração de carne de
caranguejo, horticultura, indústria moveleira e assemelhados, panificação, pesca, serviços
domésticos, serviços em oficinas mecânicas e serviços em olarias), onze delas ocorrem em
todos os municípios do Estado, não apresentando correspondência na coluna referente a
municípios com redução do trabalho infantil.
Considerando ainda o Estado do Maranhão no Mapa de 2005, pôde-se ver que no
momento da fiscalização, não se detectou nenhuma ocorrência de trabalho infantil na indústria
80
moveleira e assemelhados, fato de se estranhar, pois a atividade aparece em 1999 nos
municípios de Açailândia, Dom Pedro e Itinga e, em 2005, ela reaparece em Açailândia,
Buriticupu, Imperatriz e Itinga na coluna referente a municípios com redução do trabalho
infantil. Cabe, contudo,sa pergunta: O que aconteceu com os dois municípios (Buriticupu e
Imperatriz) que não figuravam em 1999 e agora apresentam redução em 2005? E o que
aconteceu com esta mesma atividade no município de Dom Pedro? Se houve indicativo de
redução nesse local, por que ele não figura em 2005? Pode-se afirmar que houve redução
naquelas inúmeras outras atividades que aparecem em 1999 e não constam em 2005, como
produção de carvão vegetal, extração vegetal? São muitas as questões e, aqui, tomou-se
apenas o Estado do Maranhão como exemplo para apontar alguns aspectos do problema.
A variedade de novas atividades econômicas desenvolvidas por crianças aponta que
o capital ocupa tudo que pela frente e as crianças contribuem com sua parcela para essa
expansão, atuando em comércio ambulantes em terminais de passageiros, comércio atacadista,
varejista de todo tipo, na construção civil, como entregador, empacotador, distribuidor de
panfletos, como flanelinhas, marqueteiros, em atividades inimagináveis, lá estão as elas.
Continuando o comparativo e focando apenas para as atividades econômicas, percebe-se que,
no Mato Grosso do Sul, não aparece nenhum município com catadores de lixo. Essa atividade
foi reduzida em todos os municípios? Serviços de rua/em vias públicas pouco aparecem
(apenas no Distrito Federal, Rio Grande do Sul e São Paulo). Sabe-se que o comércio
ambulante marca presença em praticamente todos os Estados. Ele, entretanto, aparece em
um município, em Minas Gerais e com nenhum foco em São Paulo. Apenas aparecem
municípios com indicativo de sua redução. Serviço doméstico também não é atividade
realizada por crianças em São Paulo de acordo com o Mapa de 2005. Aparece apenas na
cidade de Miracatu, na coluna referente a município que apresenta redução e com uma nota
esclarecendo que tal município é contemplado com bolsa do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI).
Quando se trata de exploração do trabalho de crianças e adolescentes a extração da
mais-valia encontra terreno fértil, pois se pode contar com fatores que auxiliam de dupla
forma a sua extração. Entre eles, tem-se o fraco poder reivindicatório das crianças,
remuneração inferior àquela oferecida aos adultos, sua fraqueza e docilidade, o fato de
custarem pouco, receberem como pagamento alojamento e alimentação etc. Assim,
81
[...] todos os vínculos morais da sociedade’, [...] ‘são destruídos pela transformação
dos valores humanos em valores de troca; todos os princípios éticos são destruídos
pelos princípios da concorrência e todas as leis existentes até este momento [...] são
suplantadas pelas leis da oferta e da demanda. A humanidade mesma se converte em
uma mercadoria. (ENGELS apud TEIXEIRA, 1995, p.58)
Tudo isso encontra na informalidade, terceirização e serviços, formas que garantem a
invasão da vida privada do trabalhador pelo trabalho, permitindo uma simbiose perfeita entre
espaço doméstico e produtivo.
2.3.2 Mapas de Indicativos: Setores da economia
25
O processo de agrupamento das atividades econômicas não foi simples nem feito
livremente. A direção tomada foi agrupá-las considerando as seções (setores) contidas na
CNAE
26
, mesmo sabendo das dificuldades de lidar com os diferentes níveis, suas inúmeras
seções
27
(divisões, grupo, classe e subclasse) e respectivas descrições. O quadro a seguir
ilustra essas informações:
Quadro 3: Evolução no número de categorias nos vários níveis da CNAE
28
Número de Categorias
Níveis CNAE 1.0 CNAE 2.0 Acréscimos
Seções
17 21 4
Divisões
59 87 28
Grupos
223 285 62
Classes
581 673 91
Subclasses
1183 1301 118
Fonte: IBGE/CNAE 2.0 (2007)
Para exemplificar a forma como aparece especificada cada categoria e a
hierarquização dos níveis, tomou-se como exemplo a seção a seguir:
Seção A- Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aqüicultura
25
Ver Anexo D : Atividades Econômicas por Estados/Setores da Economia 1999 (Quadro 6) e 2005 (Quadro
7).
26
A CNAE é a classificação oficialmente adotada pelo Sistema Estatístico Nacional na produção de estatísticas
por tipo de atividade econômica. O IBGE é o órgão gestor da CNAE.
Em 2002, a estrutura da CNAE foi atualizada
resultando na versão 1.0 da CNAE (Resolução Concla: [Comissão Nacional de Classificação]
n.º 6, de 09/10/2002). Com a
revisão 2007, a estrutura hierárquica da CNAE 2.0 ficou conforme apresentada acima. A CNAE 2.0 é uma classificação
estruturada de forma hierarquizada em cinco níveis, com 21 seções, 87 divisões, 285 grupos, 673 classes e 1301 subclasses.
Maiores detalhes acessar o site www.ibge.gov.br/concla.
27
Ver a descrição das 21 Seções no ANEXO C.
28
No original esse Quadro é número 2.
82
Divisão 01 Agricultura, pecuária e serviços relacionados
Grupo 01.1 Produção de lavouras temporárias
Classe 01.11-3 Cultivo de cereais
Subclasse 0111-3/01 Cultivo de arroz
[...] O sistema de codificação é integrado, a partir do segundo nível, com o código de
cada nível de grupamento mais detalhado incorporando o anterior. Assim, o código
da subclasse (sete dígitos) incorpora o digo da classe (quatro dígitos + DV), que,
por sua vez, incorpora o código do grupo (três dígitos) a que pertence, e este, o da
respectiva divisão (dois dígitos). (IBGE/CNAE, 2007, p.18)
Com base nessa classificação e após elaboração dos Mapas e distribuição das
atividades econômicas pelos Estados, elas foram agrupadas por setores, considerando-se, além
da descrição de cada seção, especialmente o Capítulo 3 “Estrutura detalhada e notas
explicativas da CNAE 2.0.”. Como essa estrutura é composta de 21 seções, conforme Anexo
D, o que definiu o agrupamento foram também as atividades realizadas pelas crianças que
constavam nos mapas e que não encontravam correspondência em todas as seções da CNAE.
Considerando a extensão do documento da CNAE, serão realçados apenas alguns
aspectos que colaboraram na inclusão das atividades nos setores correspondentes. De acordo
com a CNAE a Seção A - Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aqüiculltura
29
-
compreende
[...] a exploração ordenada dos recursos naturais vegetais e animais em ambiente
natural e protegido, o que abrange as atividades de cultivo agrícola, de criação e
produção animal; de cultivo de espécies florestais para produção de madeira,
celulose e para proteção ambiental; de extração de madeira em florestas nativas, de
coleta de produtos vegetais e de exploração de animais silvestres em seus habitats
naturais; a pesca extrativa de peixes, crustáceos e moluscos e a coleta de produtos
aquáticos, assim como a aqüicultura - criação e cultivo de animais e produtos do
meio aquático. Também fazem parte da seção A o cultivo de produtos agrícolas e a
criação de animais modificados geneticamente. Esta seção compreende também os
serviços de apoio às unidades de produção nas atividades nela contida.
(IBGE/CNAE, 2007, p.75).
que a compreensão não é nada simples devido a interconexão das atividades e a
quase impossibilidade de estabelecer distinções reais e fronteiras entre as atividades dos
diferentes setores da economia, pois como coloca Vendramini (2007, p.124-125)
[...] O trabalho no campo desenvolve-se num amplo e diversificado espaço e abrange
um conjunto de atividades, entre elas, a agricultura, a pecuária, a pesca e o
extrativismo. Além disso, diz respeito a diversas formas de ocupação do espaço,
desde a produção para a subsistência até a produção intensiva de eucaliptos para a
obtenção de celulose. Explicita a grande desigualdade social do país. Constitui
espaço de trabalho, de vida, de relações sociais e de cultura de pequenos
29
Maiores detalhamentos dessa seção estão na CNAE 2.0, (IBGE, 2007, p.75-90)
83
agricultores; espaço de grande exploração de trabalhadores, especialmente o
trabalho temporário, sem relações contratuais, de pessoas que vagueiam pelo país
para acompanhar os períodos de colheitas, constituindo o trabalho sazonal; espaço
de terras para reserva de valor; espaço de produção para o agronegócio; espaço de
difusão de tecnologias e de modificação genética [...]. O século XX, especialmente a
segunda metade, atravessou grandes transformações na forma de organizar a vida e o
trabalho das populações rurais no Brasil. Assistimos a uma perversa penetração do
capitalismo nas relações produtivas do campo, transformando e submetendo toda a
produção ao capital, ainda que mantidas as antigas estruturas fundiárias. Os avanços
da exploração capitalista e o processo de modernização da agricultura no Brasil
caracterizam-se pelo fortalecimento de unidades de produção cada vez maiores,
impondo novas condições para lucratividade, uma vez que as culturas que utilizam
insumos modernos e produzem para a exportação e/ou transformação industrial têm
um espaço privilegiado na balança comercial. A pequena produção subordina-se ao
capital, seja ele comercial ou financeiro, ao proprietário fundiário, aos complexos
agroindustriais e às cooperativas capitalistas. A agroindústria, no Brasil, desenvolve-
se como uma extensão orgânica da estrutura industrial e é um dos determinantes
básicos na redefinição do papel da agricultura na acumulação capitalista.
A Seção Indústria é dividida em duas, na CNAE: Indústrias Extrativas e Indústrias de
Transformação
30
. Para esta tese, resolveu-se agrupar as duas seções, denominadas apenas por
Seções B e C : Indústrias. A Seção B - Indústrias Extrativas compreende:
[...] as atividades de extração de minerais em estado natural: sólidos (carvão e outros
minérios), líquidos (petróleo cru) e gasosos (gás natural), podendo realizar-se em
minas subterrâneas, a céu aberto ou em poços. Inclui as atividades complementares
de beneficiamento associado à extração, realizadas principalmente para melhorar a
qualidade do produto e facilitar a comercialização, desde que o beneficiamento não
altere as características físicas ou químicas dos minerais. As atividades de
beneficiamento são, geralmente, executadas pela empresa mineradora junto ao local
da extração. São consideradas atividades de beneficiamento: trituração,
classificação, concentração, pulverização, flotação, liquefação de gás natural etc.
(IBGE/CNAE, 2007, p. 91)
A seção C - Indústria de transformação compreende,
[...] as atividades que envolvem a transformação física, química e biológica de
materiais, substâncias e componentes com a finalidade de se obterem produtos
novos. Os materiais, substâncias e componentes transformados são insumos
produzidos nas atividades agrícolas, florestais, de mineração, da pesca e produtos de
outras atividades industriais.
As atividades da indústria de transformação são, freqüentemente, desenvolvidas em
plantas industriais e fábricas, utilizando máquinas movidas por energia motriz e
outros equipamentos para manipulação de materiais. É também considerada como
atividade industrial a produção manual e artesanal, inclusive quando desenvolvida
em domicílios, assim como a venda direta ao consumidor de produtos de produção
própria, como, por exemplo, os ateliês de costura. Além da transformação, a
30
Maiores detalhamentos desta seção estão na CNAE 2.0, (IBGE, 2007, p.91-193)
84
renovação e a reconstituição de produtos são, geralmente, consideradas como
atividades da indústria (ex.: recauchutagem de pneus) (IBGE/CNAE, 2007, p. 98).
Partindo-se das atividades econômicas que apareciam nos Mapas, selecionou-se
alguns aspectos da CNAE que, de certa forma, justificassem a classificação das atividades
para este capítulo. A seção C, além das atividades mencionadas, engloba outras como
lapidação de gemas (pedras preciosas e semipreciosas), a fabricação de brinquedos, a
fabricação de placas e letreiros e de painéis luminosos etc. (IBGE, 2007, p.185)
A seção G- Comércio compreende
[...]as atividades de compra e venda de mercadorias, sem transformação
significativa, inclusive quando realizadas sob contrato. Inclui também a manutenção
e reparação de veículos automotores. (p.217) A venda sem transformação e inclui
operações (ou manipulações) que são usualmente associadas ao comércio, tais como:
montagem, mistura de produtos, engarrafamento, empacotamento, fracionamento
etc., quando realizadas pela própria unidade comercial. [...]. Esta seção compreende
a revenda de sucatas e resíduos sem qualquer tipo de tratamento [...] (p.199), o
desmanche de veículos, máquinas e outros tipos de equipamentos para a obtenção de
partes utilizáveis para revenda [...] o comércio de desperdícios, resíduos e sucatas
inclusive com o recolhimento, seleção e comercialização, sem qualquer
transformação. ( IBGE, 2007, p. 201)
A SEÇÃO S - Outras atividades de Serviços - compreende
[...] uma ampla variedade de serviços pessoais; serviços de organizações associativas
patronais, empresariais, profissionais, sindicais, de defesa de direitos sociais,
religiosas, políticas, etc.; atividades de manutenção e reparação de equipamentos de
informática, de comunicação e de objetos pessoais e domésticos. Os serviços
pessoais incluem: lavanderias; cabeleireiros e outras atividades de tratamento de
beleza; clínicas de estética; atividades funerárias; e serviços religiosos. (CNAE,
p.349)[...].
Esta classe compreende as atividades de unidades domésticas que contratam
empregados domésticos tais como: cozinheiros, copeiros, arrumadeiras, motoristas,
lavadeiras, passadeiras, babás, jardineiros, governantas, caseiros, etc. para atender às
necessidades de seus residentes. (IBGE, 2007, p.356
Transitar nesse documento não foi tarefa fácil, exigindo cada vez mais um ir e vir nas
classificações. Um exemplo pode ser dado considerando-se a atividade “beneficiamento de
camarão”, incluída no setor da Indústria, entretanto a CNAE esclarece que as atividades que
não são consideradas atividades industriais são:
O beneficiamento de minerais em continuação à extração, [...] a fabricação de
matérias- primas intermediárias a partir de desperdícios de alimentos e bebidas [...],
as atividades de empacotamento ou engarrafamento em lotes menores de produtos
alimentícios e outros, realizadas pela unidade de comércio atacadista e varejista [...]
85
e por unidades especializadas na prestação destes serviços para terceiros [...] o corte
de metal, madeira, vidro e outros materiais para atendimento às necessidades do
cliente no comércio atacadista e varejista, etc. (IBGE, 2007, p.99)
Após deparar-se com a informação de que o beneficiamento em continuação à
extração não é considerado uma atividade industrial, imediatamente vem à tona a atividade
“beneficiamento de camarão”. Como se referia à beneficiamento de minerais, decidiu-se
mantê-la aí também pelo fato de logo a seguir ter-se a seguinte informação: “algumas
atividades como a produção, processamento e transformação de produtos da agricultura,
pecuária e pesca em alimentos para uso humano e animal como carnes, pescados, leite, frutas
e legumes, gorduras e óleos, grãos e produtos, de moagem” etc. (IBGE, 2007, p. 100) são
considerados nessa seção sem mencionar a palavra “beneficiamento”, por tal razão decidiu-se
mantê-la na Indústria, mas estes questionamentos foram uma constante durante o processo.
Para não correr o risco de muitos desvios, os passos seguidos para inserir as
atividades econômicas em cada seção com apoio na CNAE, foram os seguintes:
1- Procurou-se inserir em cada seção da CNAE , as atividades econômicas listadas nos
Mapas de Indicativo (1999 e 2005), iniciando-se pela seção A: Agricultura, pecuária,
produção florestal, pesca e aqüiculltura. Nela foram incluídas as atividades que
correspondiam à descrição feita na seção, e excluindo aquelas que claramente apareciam
como pertencente a outra seção. Esse processo foi realizado com todas as atividades.
2- Se fosse necessário, passava-se por todos os níveis (seções, divisões, grupos, classe e
subclasse) da CNAE, isto é, pela denominada “Estrutura detalhada e notas explicativas”,
tentando inserir as atividades econômicas dos Mapas até encontrar ou não uma alternativa
para sua inserção em determinado setor. Quando esse processo deixava dúvidas, a
atividade foi enquadrada num setor determinado ao qual as descrições mais se aplicavam,
buscando elementos que justificassem a inclusão. Optou-se por deixar a construção na
Seção Indústrias de transformação embora ela apareça numa seção específica (F) da
CNAE.
Esse documento destaca que
[...] a fronteira entre a indústria de transformação e outras atividades nem sempre é
clara. Como regra geral, as unidades da indústria manufatureira estão envolvidas
com a transformação de insumos e materiais em um produto novo. A definição do
que seja um produto novo, no entanto, nem sempre é objetiva, o que resulta, em
86
muitos casos, em dificuldades na determinação dos limites do que é considerado
uma atividade da indústria de transformação. (IBGE, 2007, p. 99)
Acrescente-se a isto a descrição de todas as atividades de apoio que envolvem estas
atividades principais sempre informando “o que compreende”, “o que compreende também” e
“o que não compreende” tal setor.
Mostrando-se afinada com as mudanças no processo produtivo, a CNAE contempla o
que entende por atividade econômica, por aquilo que determina a atividade principal de uma
unidade de produção, a combinação de atividades múltiplas realizadas na mesma unidade, a
integração vertical das atividades,
[...] quando diferentes estágios da produção são realizados por uma mesma unidade,
onde o produto de uma etapa torna-se o consumo intermediário de outra., como pode
ser o caso de um estabelecimento onde se fabrica roupas de cama e banho e que tem
como matéria-prima os fios que são transformados em tecidos e, estes, em artefatos
de tecidos. (IBGE/CNAE, 2007, p.27)
As atividades especificas como as atividades terceirizadas (os casos que envolvem
terceirização da mão-de-obra, enquanto função de apoio, terceirização de partes do processo
produtivo, do processo produtivo completo), o fato da localização das unidades contratadas e
a contratante estar no mesmo território ou em territórios diferentes; o comércio eletrônico e
seus serviços ( manutenção, instalação e reparação), aluguel, atividades governamentais, tudo
isto implicando nas formas de classificar as atividades, afinal esquadrinha com certas
minúcias as atividades envolvidas no processo produtivo. O desenvolvimento constante da
divisão social do trabalho, no entanto, se num primeiro momento separou a agricultura da
produção artesanal, a cidade do campo, agora dissolve essa separação.
Como coloca Mandel (1982, p.266)
A conquista maciça da agricultura por parte do grande capital acelerou por sua vez a
divisão social do trabalho agrícola [...]. Todos os traços desse complexo processo de
transformação na agricultura contemporânea a crescente produtividade do
trabalho; a penetração do grande capital; os empreendimentos de larga escala; a
divisão acelerada do trabalho- podem ser sintetizados sobre a rubrica de
industrialização crescente da agricultura.
Alguns desses traços podem ser detectados a partir dos Mapas de Indicativos
especialmente quando são abordadas as tarefas geralmente executadas por crianças e as
condições de trabalho e riscos à saúde, a força total de máquinas variadas, assim como a
87
utilização de produtos químicos diversos, significando “a conversão do processo de produção
agrícola num processo análogo ao processo de produção industrial.” (MANDEL,1982, p.266).
Após esse exercício e essas considerações, o número das atividades econômicas
constantes nos Mapas resultou na seguinte distribuição pelos diferentes setores:
Quadro 4. Relação de Atividades Econômicas, por setores da Economia listadas nos Mapas de Indicativo
do Trabalho da Criança e do Adolescente
31
de atividades econômicas
Setores/Seções da Economia
Mapa de 1999 Mapa de 2005
Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e
aqüicultura
49 atividades 97 atividades
Indústria Extrativa e de Transformação
26 atividades 61 atividades
Serviços
15 atividades 61 atividades
Comércio
9 atividades 23 atividade
Total
99 atividades 242 atividades
Fonte: Elaborado pela autora para este trabalho
O aumento do número de atividades de um Mapa para outro acontece em todos os
setores, sendo mais significativo nos Serviços (307%) seguido pelo Comércio (156%),
Indústria (131%) e Agricultura (98%).
Oliveira (2003, p.37), na sua Crítica à razão dualista, chama a atenção para o
conjunto coerente formado pela informalidade e acumulação: os serviços, em aparência
improdutivos (por exemplo, serviços pessoais, chamados de "atividades por conta própria"),
na verdade encontram seu dinamismo nos períodos de maior expansão da economia,
capitaneado pelo setor secundário (industrial). Esclarece como é equivocada a expressão
terciário “inchado” enquanto uma das características do modo de produção subdesenvolvido,
e que “[...] o crescimento do terciário [...] faz parte do modo de acumulação urbano adequado
à expansão do sistema capitalista no Brasil; não se está em presença de nenhuma “inchação”,
nem de nenhum segmento “marginal” da economia. (OLIVEIRA, 2003, p.54-55). E continua
o autor: ‘“[...] a aparência de “inchação” esconde um mecanismo fundamental da acumulação.
Os serviços realizados à base da pura força de trabalho, que é remunerada a preços
baixíssimos, transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de corte capitalista,
uma fração do seu valor, “mais valia”[...].’ (p.57).
31
Esse quadro foi elaborado pela autora para melhor visualizar os setores da economia, que o Mapa de
Indicativos não separa estas atividades por setores.
88
Tentando aprofundar o entendimento da dinâmica do trabalho infantil, foi elaborado
o quadro a seguir, distribuindo as atividades econômicas pelas Regiões, Unidades da
Federação por setores da economia, resultando numa totalização, no âmbito do Brasil
conforme segue:
Quadro 5. Composição da amostra das atividades econômicas, segundo setores da economia, por Regiões e
Unidades da Federação - 1999 e 2005
Setores da Economia Setores da EconomiaRegiões e Unidades da
Federação
1999 2005
REGIÃO NORTE Agric. Ind. Com Serv. Agric. Ind. Com Serv.
Acre 2 2 3 5 3 1 2 -
Amazonas 1 3 4 6 4 2 8 7
Amapá 2 1 2 2 6 3 5 4
Pará 4 2 2 6 9 3 4 5
Rondônia 2 1 3 3 3 1 1 3
Roraima - - - - 6 - - -
Tocantins -2 2 2 - - 1 2
TOTAL 11 11 18 24 31 10 21 21
REGIÃO NORDESTE
Alagoas 2 1 3 5 5 3 2 5
Bahia 13 2 - 2 19 4 3 6
Ceará 2 - 1 3 6 4 3 5
Maranhão 7 1 5 5 8 2 3 3
Paraíba 4 6 3 4 21 10 7 13
Pernambuco 3 4 2 3 12 10 2 6
Piauí 5 1 3 8 12 9 4 8
Rio Grande do Norte 4 5 1 3 1 1 2 1
Sergipe 4 1 - 3 9 5 4 5
TOTAL 44 21 18 36 93 48 30 52
REGIÃO CENTRO-OESTE
Distrito Federal 1 1 4 3 5 2 4 9
Goiás 7 1 1 3 8 1 1 2
Mato Grosso 2 - - 4 5 2 2 7
Mato Grosso do Sul 8 2 6 4 14 2 3 3
TOTAL 18 4 11 14 32 7 10 21
REGIÃO SUDESTE
Espírito Santo 5 7 2 4 7 2 2 2
Minas Gerais 14 9 2 4 18 8 6 12
Rio de Janeiro 6 3 2 5 5 7 4 10
São Paulo 11 7 3 3 24 20 8 34
TOTAL 36 26 9 16 54 37 20 58
REGIÃO SUL
Paraná 7 1 - 3 16 9 6 7
Rio Grande do Sul 6 2 1 2 9 10 - 2
Santa Catarina 8 2 1 2 8 4 3 2
TOTAL 21 5 2 7 33 23 9 11
TOTAL GERAL 130 67 58 97 243 125 90 163
Fonte: Elaborado pela autora a partir das atividades econômicas listadas nos Mapas de Indicativos de 1999 e
2005
89
Conforme Quadro 5, vê-se as repetidas ocorrências dessas atividades por Regiões e
Unidades da Federação, porém, em cada Estado uma determinada flutuação em relação às
atividades nas quais predomina o trabalho infantil, ora um setor tem mais ampliado que outro
o número dessas atividades. Isso assinala algumas especificidades no âmbito de cada Estado,
região e país. Comparando-se as atividades econômicas nos Mapas de 1999 e 2005, a partir da
análise das Regiões, tem-se aumento significativo delas em todos os setores, exceto uma
redução insignificante na Indústria e nos Serviços na Região Norte e no Comércio na Região
Centro- Oeste.
O quadro a seguir aponta a evolução dessas atividades em termos percentuais,
seguido pelos gráficos que ilustram essa distribuição :
Quadro 6. Aumento/ redução das atividades econômicas exercidas por crianças, por setores da economia
nas Regiões do Brasil - 1999-2005
SETORESREGIÕES
Agricultura Indústria Comércio Serviços
Norte
40,81% - 9,09% 16,66% 12,5%
Nordeste
111,36% 128,57% 66,66% 44,44%
Centro Oeste
77,77% 75,00% 9,09% 50,00%
Sudeste
50,00% 42,30% 122,22% 200,00%
Sul
57,14% 360,00% 350,00% 57,14%
Fonte: Elaborado pela autora para esta tese
O aumento das atividades exercidas por crianças na Indústria é mais considerável na
Região Sul, representando 360%, seguido da Região Nordeste 128,57%, o que desmente a tão
propalada tese da perda da centralidade do trabalho numa sociedade regida pela produção de
mercadorias e na tese da “desindustrialização”. Mesmo que as crianças não se encontrem
trabalhando “formalmente”, esse setor apresentou maior número de atividades
desempenhadas por elas do que a agricultura, isso sem considerar ainda os modos indiretos de
apropriação do trabalho por este setor ao utilizar-se do Comércio e Serviços.
E aqui ainda cabe uma consideração feita por Mandel (1982, p.267) que afirma o
seguinte:
[...] a crescente industrialização da agricultura significa também uma separação
crescente de setores inteiros da produção da agricultura propriamente dita e sua
conversão em setores industriais “puros”, na indústria alimentícia. Embora a criação
de galinhas organizada segundo o modelo industrial ainda possa ser considerada
uma forma de transição, as fábricas que conservam leite e carne, frutas e legumes e
90
que produzem alimentos congelados ou secos correspondem exatamente aos
empreendimentos de larga escala que produzem meias ou móveis.
O incremento das atividades no setor do Comércio (350%), na Região Sul, seguido
pelo aumento significativo dos Serviços (200%) e Comércio (122,22%), na Região Sudeste e
ainda a majoração expressiva das atividades realizadas por crianças, na agricultura, na Região
Nordeste em relação aos demais Estados da Federação simplesmente aponta que o reino da
mercadoria penetra agora todos os setores da vida social. O engraxate, o carregador, o
empacotador, o tintureiro, o pedreiro, o marceneiro, a cozinheira, a arrumadeira etc.
representam a penetração do capital em outras esferas além da produção propriamente dita. E
como indaga Oliveira (2003, p.57-58):
Não é estranha a simbiose entre a “moderna” agricultura de frutas, hortaliças e
outros produtos de granja com o comércio ambulante? Qual é o volume de comércio
de certos produtos industrializados - tais como lâminas de barbear, pentes, produtos
de limpeza [...] e um sem-número de pequenos objetos, que é realizado pelo
comércio ambulante [...]? Qual é a relação que existe entre o aumento da frota de
veículos particulares em circulação e os serviços de lavagem de automóveis
realizados braçalmente? [...] Esses tipos de serviços, longe de serem excrescência e
apenas depósito do “exército industrial de reserva”, são adequados para o processo
de acumulação global e da expansão capitalista e, por seu lado, reforçam a tendência
à concentração da renda.
Inúmeros outros exemplos são trazidos por Oliveira e Mandel, sinalizando que
algumas atividades, por mais que apareçam como práticas de uma economia natural casam-se
muito bem com um processo de expansão capitalista, que tem suas bases na intensa
exploração da força de trabalho. A relação de atividades econômicas que aparentam ser
estritamente pessoais, realizadas ora dentro da família ou fora delas como guardador de
carros, serviços em salão de beleza, em oficinas mecânicas, em sinaleiras, trabalho em
transportes etc, que figuram no setor de Serviços e Comércio dos Mapas de Indicativos podem
revelar a exploração que reforça a acumulação e que se apresentam de formas disfarçadas.
Difícil, nessas condições, diferenciar trabalho de criança e do adulto. Nada de
distinção de idades. O trabalho obrigatório para o capital, tomou o lugar dos folguedos
infantis e do trabalho livre, realizado em casa, pela própria família, dentro dos limites
estabelecidos pelos costumes.” (MARX, 2002, p. 451). Introduzida num mundo que não tem
nada de infantil, essas crianças são feitas adultos precocemente e torna-se difícil encontrar na
cadeia produtiva algum produto que tenha sido produzido sem o uso da mão-de-obra das
crianças nos mais remotos rincões dos mapas. As estratégias que vem sendo encadeadas para
91
a prevenção e eliminação do trabalho infantil não passam de um verniz frente às estratégias do
capital em garantir força de trabalho servil, abundante e a custos baixíssimos em todos os
setores da economia. Os gráficos a seguir permitem visualizar um quadro de como a inclusão
das crianças no mundo do trabalho tem se materializado de forma a anular as diferenças entre
infância e idade adulta. Aqui, coloca-se também em xeque a condição de sociabilidade da
qual o trabalho é portador assim como ser trabalhador vai adquirindo um reconhecimento e
legitimidade social, mesmo se esse trabalhador é criança. Para as crianças pobres, as mesmas
regras de “inserção” endereçadas aos adultos e naturaliza-se a negação dos direitos da criança.
Nessa direção o trabalho infantil perde seu estatuto de problema e realiza-se como solução
para a vagabundagem, vadiagem, ócio etc.
O que também salta às vistas na análise da CNAE são os novos campos de
investimentos abertos pelo capital através da infinidade das novas atividades econômicas que
demandam trabalho, mesmo que não seja o trabalho assalariado, e ainda vê-se a possibilidade
de extensão, ampliação do trabalho sem descanso e sem direito à preguiça. Páginas e ginas
de impensáveis atividades econômicas existentes (cultivo de colza, endívia, pomelo, tangelo,
cherimólia, mangustão, tungue etc,), acompanhadas pela criação de asininos, extração de
xisto, botratos naturais, nada escapa ao cerco. E tem ainda a fabricação de secos, molhados,
resfriados, congelados, temperos desidratados, liofilizados, elastômeros não-vulcanizados,
acaricidas, formicidas, sabões em barra, líquidos ou em pedaços, xampus, pizzas, purês, lãs,
fios, tecidos, não-tecidos, entre infindáveis itens da produção capitalista.
92
Gráfico 2. Aumento/ redução das atividades econômicas exercidas por crianças, por setores da economia
nas Regiões do Brasil- 1999-2005
Norte
48,81%
-9,09%
16,66%
-12,50%
Centro Oes te
77,77%
75,00%
9,09%
50,00%
Nordeste
111,36%
128,57%
66,66%
44,44%
Sude ste
50,00%
42,30%
122,22%
200,00%
Sul
57,14%
360,00%
350,00%
57,14%
Reconhecer que o mundo do trabalho enfrentou mudanças e tem colocado muitas
questões que algumas análises datadas de Marx não dão mais conta de responder é um fato.
Anunciar, entretanto, o fim do marxismo é um exagero, assim como é apressada e tendenciosa
a solução de substitui-lo por outros referenciais de análise. Dufour (2005, p. 9) recorrendo ao
Manifesto do Partido Comunista, mostra que
Karl Marx não se enganou no respeitante a esta feição “revolucionária” do
capitalismo: «A burguesia não pode existir sem convulsionar constantemente os
93
instrumentos de produção, e, portanto as relações de produção e as condições sociais
no seu todo. Ao invés disso, a primeira condição de existência de todas as classes
industriais anteriores consistia em conservarem inalterado o antigo modo de
produção. O que distingue a época burguesa de todas as anteriores é a incessante
convulsão verificada na produção, o abalo contínuo de todas as instituições sociais,
em suma, a permanência da instabilidade e do movimento. Dissolvem-se assim todas
as relações sociais imobilizadas na ferrugem, com o seu cortejo de idéias e opiniões
aceites e veneradas; e aquelas que as substituem envelhecem antes mesmo de se
fossilizarem. Volatiliza-se tudo o que era sólido e estava bem assente, é profanado
tudo o que era sagrado, acabando os homens por se verem obrigados a encarar com
os olhos do desengano o lugar que têm na existência, bem como as suas mútuas
relações». Uma tal capacidade de transformar as relações sociais foi levada ao
cúmulo pelo presente estado do capitalismo, por vezes chamado, a justo título,
“anarco-capitalismo”.
Parece que o adágio: “mãos desocupadas, oficina do diabo”, atingiu o ponto máximo.
Então, para manter as crianças sempre ocupadas, o capitalismo se serve da informalidade,
terceirização e dos serviços nas suas mais variadas tipologias e expressões espaciais e
territoriais, conforme é possível ver ao se analisar o Comércio e Serviços dos Mapas de
Indicativos de 1999 e 2005. A fórmula encontrada de continuar mantendo o trabalho como
ethos e assim uma certa ordem social, que poderia vir a ser ameaçada pela pressão daqueles
que se encontram excluídos do mercado de trabalho formal, encontra, na informalidade e nos
serviços, sua âncora. Mesmo que submeta o trabalhador às piores condições de trabalho, ele
se vê ainda privilegiado por não ter patrão e ser dono do seu próprio negócio. Desse modo,
A informalidade é determinada, no contexto da acumulação capitalista, pelo espaço
econômico permitido pelo capital. Ao contrário dos autores que afirmam que o
excedente de força de trabalho é o fator determinante da formação e crescimento das
atividades informais, defendemos que a informalidade é parte integrante do modo
capitalista de produção e varia, em maior ou menor escala, em função do estágio de
acumulação capitalista e do tipo de política econômica adotado em cada país.
Portanto, a informalidade desempenha uma função subordinada e integrada à gica
da acumulação capitalista, mesmo quando não participa diretamente na produção de
mais -valia. (SABADINI; NAKATANI, 2002, p. 272).
Analisando as alterações no mundo do trabalho impulsionadas pelas mudanças no
capitalismo contemporâneo, esses autores mostram a evolução
da informalidade no Brasil na
década de 1990, principalmente em duas principais ocupações informais: os trabalhadores por
conta própria e os assalariados sem carteira de trabalho. Trazendo dados do crescimento da
informalidade na América Latina e do Brasil, afirmam que
Dados da CEPAL, citado por Cacciamali (1999), indicam que [...] de cada 100
empregos gerados durante 1990-1995, 84 correspondem ao setor informal. De cerca
de 16 milhões de empregos criados na América Latina no período, 1990-1994, cerca
94
de 14,4 milhões corresponderam ao dito setor, que agrupou assim, 56% do total dos
ocupados da região”.
No Brasil, o crescimento da informalidade também de ser constatado. O grau de
informalidade que era de 36,6%, em 1986, aumentou para 37,6%, em 1990, e 50,8%
em 2000. Da chamada ‘década perdida’, caracterizada por baixas taxas de
crescimento econômico e pela transferência de recursos para o pagamento dos
serviços da dívida externa, passamos à denominada ‘década perversa’, nos anos 90,
que marcou o retorno do país ao acesso ao crédito financeiro internacional e a
adoção das políticas liberalizantes exigidas pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI). Essas políticas geraram, no que tange ao ajuste no mercado de trabalho
brasileiro, o aumento nas taxas de desemprego e de informalidade, associados a
precarização das condições de vida e de trabalho. (SABADINI; NAKATANI, 2002,
p. 266).
A necessidade de realização do valor (determinado pelo tempo que é, em média,
necessário para produzir mercadorias), na troca de mercadorias, impõe seu ritmo ao tempo de
trabalho socialmente necessário para a reprodução sócio-material do trabalhador, obrigando-o
a aumentar seu tempo de trabalho para fazer circular as mercadorias, impedindo os tempos
porosos. Ruas, balsas, ônibus, feiras livres, quiosques na praia e terminais de passageiros
representam pontos e espaços de forte concorrência podendo gerar jornadas cada vez mais
crescentes para conseguir fazer circular as mercadorias e garantir a subsistência.
Bezerra (2007, p.9) mostra como a multiplicação contínua de vendedores ambulantes
e de mercadorias, nas praias da zona sul do Rio de Janeiro, são funcionais ao capitalismo,
refletindo também com Oliveira (2003) que, nesse caso, o capitalista não adiantou o capital
variável ao trabalhador antes de o valor realizar-se na venda das mercadorias porque a
tendência moderna do capital é a de suprimir o adiantamento de capital. Importa, ainda,
salientar que,
Nas formas da terceirização, do trabalho precário, e, entre nós, o que continua se
chamar “trabalho informal”, está uma mudança radical na determinação do capital
variável. Assim, por estranho que pareça, os rendimentos dos trabalhadores agora
dependem da realização do valor das mercadorias. [...]. É quase como se os
rendimentos do trabalhador agora dependessem dos lucros do capitalista.
(OLIVEIRA, 2003, p. 136)
O que se pode afirmar é que a redução do trabalho infantil, na indústria ou mesmo
em outros setores da economia não encontra sustentação empírica se analisada a simbiose que
se entre esses setores. De uma forma ou de outra, muitos tipos de atividades exercidas por
crianças, principalmente nos serviços, na informalidade, apesar de algumas vezes revelar uma
forma disfarçada de exploração, reforça a acumulação. A criança que trabalha no fumo não
está trabalhando para a grande indústria do tabaco? E nas plantações/culturas de laranja,
95
algodão, corte de cana-de-açúcar etc.? E no comércio ambulante, na fabricação de todo tipo
de artefato (couro, gesso, metal)? Não há nenhuma indústria por trás?
Está-se diante de formas de acumulação que se baseiam na exploração da mão-de-
obra infantil em setores orientados para o mercado e à exportação e não à subsistência. Por
trás dos circuitos supostamente informais, esconde-se a integração de crianças à grande
indústria na produção e circulação das mercadorias. A suposta contradição entre moderno e
arcaico é equivocada. A exploração do trabalho infantil cresce com a modernização de forma
cada vez mais persistente. Ao transferir etapas da produção para os domicílios em serviços
terceirizados ou na chamada informalidade, dispõe de mão-de-obra barata na qual o trabalho
da criança é uma constante. Longe de ser uma disfunção do sistema capitalista, ele se constitui
num elemento a ele inerente. Empresas que utilizam de circuitos comerciais e que contam
com a participação de vendedores ambulantes, supostamente informais, não se encaixam
perfeitamente aos desenhos de produção e circulação de mercadorias das empresas?
2.4 MAPAS DE INDICATIVOS: CONDIÇÕES DE TRABALHO E RISCOS À SAÚDE
Considerando no Mapa de Indicativos de 1999 as condições de trabalho a que estão
submetidos adultos, crianças e adolescentes, têm-se como condições predominantes no local
de trabalho, na maioria dos estados e municípios, a jornada excessiva, seguida da falta da
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), ambientes insalubres (más condições de
higiene, instalações sanitárias e elétricas inadequadas, alojamentos inexistentes ou sem
infraestrutura, não fornecimento de água potável etc.), falta de Equipamentos de Proteção
Individual (EPI) e exposição a todo tipo de ruído, poeira vegetal, intempéries, problemas de
ventilação, luminosidade, temperaturas elevadas, líquidos quentes, fuligem, áreas sujeitas à
explosões, isso sem incluir os riscos de assaltos, acidentes de trânsito, picadas de insetos e
animais peçonhentos. Acrescente-se a isso a grande ocorrência de trabalho com máquinas
perigosas, máquinas sem proteção das polias, exposição a instrumentos cortantes, contatos
com produtos tóxicos, agrotóxicos e químicos e ainda os transportes dos trabalhadores em
veículos inadequados.
Quadro semelhante é traçado por Mantoux (1957) no período da Revolução
Industrial. O autor vai mostrando, nesse capítulo, a exploração do trabalho das crianças nas
oficinas domésticas, nas fiações, tecelagens, numa escravidão desumana. Trabalho contínuo,
96
sem interrupção, dia e noite, acidentes freqüentes, dedos esmagados, membros arrancados ou
torcidos pelo raquitismo, colunas vertebrais desviadas, crescimento comprometido, doenças
decorrentes do ambiente insalubre das fábricas, borras de algodão flutuando como nuvem
penetrando nos pulmões e causando graves distúrbios; na prática da fiação umedecida, a
poeira de água saturava a atmosfera e molhava as roupas que raramente eram trocadas,
fumaça das velas noturnas, engendrando febre contagiosa, promiscuidade das oficinas e
dormitórios favorecendo uma perigosa corrupção dos costumes, sobretudo porque envolvia
crianças e eram “incentivadas pela conduta indigna de alguns patrões e contramestres que
aproveitavam para dar livre curso a seus baixos instintos”. Soma-se a isso, o uso do chicote
para disciplinar, manter as crianças acordadas, torturas engenhosas dos contramestres.
Na mesma direção, Engels (1986), quando aborda a situação da classe trabalhadora
na Inglaterra, não exagera nas tintas ao apresentar a degradação física, intelectual e moral dos
trabalhadores: a assustadora mortalidade infantil por queimaduras, afogamentos, quedas e
outras causas variadas. São várias páginas dedicadas a revelar as precárias condições de vida e
trabalho das crianças.
32
O mesmo se verifica no Mapa de 2005, cujo Módulo II é dedicado a apresentar os
efeitos danosos decorrentes do tipo de tarefas exercidas pelos indivíduos, bem como pelas
circunstâncias em que o trabalho ocorre, acrescentando os riscos ocupacionais e as possíveis
repercussões à saúde, aspecto este que não aparece no Mapa de 1999, lista capaz de dar inveja
ao velho Hipócrates, porque estão salpicadas de casos de Lesões por esforços repetitivos
LER/DORT, tendinites, tenossinovites, estresse, lombalgias, Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica (DPOC), envelhecimento precoce, câncer de pele e outras que chegam a “intoxicar”
os Boletins de Inspeção Médica.
Não é necessário grande esforço para traduzir todas essas condições adversas às
quais são submetidos os seres humanos como refinada barbárie conduzida pelo capital no
ímpeto de exploração da força de trabalho sem se importar com a forma da repercussão de
tudo isso na mutilação dos indivíduos, não importando sua idade
.
Para se entender o que significa precariedade do trabalho infantil, “desregulação”,
entre outros, os quadros e módulos nos Mapas de Indicativos de 1999 e 2005, referentes às
condições de trabalho às quais estão submetidas as crianças, é um volumoso “Tratado”. Desde
a inexistência de um contrato de trabalho, conjugada com jornadas excessivas, remuneração
32
Ver especialmente páginas 173-195, entre outras.
97
insuficiente e outras, revelam a face da precariedade concreta na qual vai se realizando o
trabalho cotidiano. É a mais crua expressão da ilusão dos trabalhadores no paraíso dos
direitos: em nome de uma competitividade que exige baixar os custos da produção,
implicando baixar os custos da força de trabalho, a extração da mais valia atinge sua plenitude
junto com a degradação do humano em todas as suas dimensões.
As repercussões de tudo isso na questão da identidade, na desarticulação dos
sindicatos, na lei do “cada um por si”, no exacerbado individualismo baseado na lei do “salve-
se quem puder”, acaba por reduzir a vida à imediaticidade, ao instante, porque a sobrevivência
é ao ritmo do curto prazo. A representação da infância como um vir-a-ser, como fase da
incompletude entre outras, acaba por esconder um pretexto para a extração da mais-valia, já
que nessa direção é considerada meia força de trabalho.
As precárias condições de trabalho não podem esconder as causas da exploração
decorrente do modelo de produção capitalista e as possibilidades de que ela se realize gerada
pela própria legislação que, ao estabelecer os limites de competência da Fiscalização, que
pode atuar em “situações nas quais se encontra caracterizada a relação de emprego”
(MTE/SIT, 1999, p.106), termina por impedir que muitas situações de exploração do trabalho
infantil venham à tona, já que ele adquire muitas vezes o estatuto de ajuda.
Difícil, nessas condições é pensar nas tais e tais fases de desenvolvimento humano
que a criança precisa passar para amadurecer social e afetivamente. O filho de trabalhador e
os filhos do povo são amadurecidos à força, a choque, pancadas. E como coloca Marx (2002,
p.307),
O capital não se preocupa com a duração da vida da força de trabalho. Interessa-lhe
exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser posta em atividade.
Atinge esse objetivo encurtando a duração da força de trabalho, como um agricultor
voraz que consegue uma grande produção exaurindo a terra de sua fertilidade. O
capital não tem, por isso, a menor consideração com a saúde e com a vida do
trabalhador, a não ser quando a sociedade o compele a respeitá-las.
Conjugando as condições de trabalho a que estão submetidos adultos, crianças e
adolescentes com as tarefas por eles executadas, é possível afirmar que o termo flexibilidade
encaixa-se como uma luva nas atividades realizadas pelas crianças trabalhadoras. Sua força de
trabalho aplica-se desde diversos trabalhos leves, muitas vezes encarados como ajuda,
passando pelas tarefas de cuidados da casa, aos serviços gerais de limpeza, cuidado de
gramados e jardins, como office-boys, empacotador, até o manuseio de máquinas perigosas,
produtos tóxicos, transportes de fardos excessivos, aos trabalhos solitários realizados em
98
florestas tropicais na extração vegetal até as piores formas de trabalho infantil, como a
exploração sexual comercial, entre outras. Levadas a trabalhar em muitas frentes diferentes ao
mesmo tempo, essa flexibilidade é aproveitada, na maioria das vezes, para dobrar as pessoas
com poucas chances de permitir a volta à posição normal
.
Nesses e em muitos casos, as análises não são nada alentadoras, e Mészáros (2003,
p.108-109) recorre a Marx e a Rosa Luxemburgo para apontar a dura alternativa que se
descortina no culo XXI entre socialismo ou barbárie, considerando que o capital continua a
se afirmar na forma de “destruição produtiva” e de “produção destrutiva” e, portanto a frase
de Rosa Luxemburgo adquire, portanto, urgência dramática num momento em que o
“extermínio da humanidade é um elemento inerente ao curso do desenvolvimento destrutivo
do capital. Na mesma direção, pergunta Santos Júnior (2000), no capítulo 3 de sua dissertação
de mestrado: Trabalho infantil x infância trabalhadora, quem será erradicado primeiro? E o
autor prossegue:
Esse verdadeiro lixo humano para o capital começava a exceder e junto com ele uma
explosão de violência muitas vezes como resposta a uma vida onde tudo farta“:
farta comida, farta educação, farta moradia, farta transporte, farta segurança, etc.
No final deste século a humanidade parece ter aprendido uma dura lição, a de que a
violência se alimenta da pobreza e da opressão. (SANTOS JÚNIOR, 2000, p.86 )
Considerando as precárias condições de trabalho às quais as crianças encontram-se
submetidas e as tarefas que executam cotidianamente muito além de suas forças, torna-se
patente que o ritmo de funcionamento do capitalismo vem consumindo os indivíduos que a
ele servem.
2.4.1 Tarefas geralmente executadas/ Processo de trabalho
Nas colunas referentes a essas informações, nos mapas de Indicativos de 1999 e
2005, encontram-se detalhadas as operações executadas pelas crianças no processo de
produção e não se pode afirmar que elas diferem muito das operações que podem ser
executadas por adultos. O trabalho infantil não se reduz às operações menos qualificadas, nem
a trabalhos leves. De serviços de corte, lixação e pintura para fabricação de móveis, corte,
polimento e carregamento de pedras, serviços de lanternagem, esmerilhamento, pintura e
polimento de veículos, manuseios de serras circulares e destopadeiras nos serviços nas
madeireiras e serrarias, soldagem para confecção de grades e esquadrias, entre tantas
99
inúmeras outras tarefas, até as atividades autônomas ou trabalho por conta própria, percebe-se
o quanto a maquinaria continua alimentando o trabalho de crianças e adolescentes tanto na
perspectiva não apenas da produção quanto na da circulação dos produtos.
O Capítulo XIII “A maquinaria e a indústria moderna” é aquele que parece fornecer
a chave para o entendimento da utilização da mão-de-obra do trabalhador infantil quando
afirma de entrada, no primeiro parágrafo, que não é objetivo do capital aliviar a labuta diária
quando emprega maquinaria, mas utilizá-la para produzir mais-valia. Marx (2002, p.430)
explica como a máquina-ferramenta vai evoluindo e como vai se evidenciando de maneira
bem contrastante a “diferença entre o homem na função de simples força motriz e o homem
como trabalhador que exerce seu ofício manual”. O que a revolução industrial faz primeiro é
apoderar-se do ofício manual e deixar ao homem a função de simples força motriz e, após
isso, substituir essa força motriz humana pela utilização de animais, água e vento como forças
motrizes. Nesse processo, o vento, a água e o vapor tomam o lugar do homem e vão
adquirindo uma forma independente e inteiramente livre da força humana.
Percebe-se que estão dadas as condições para a apropriação não só do trabalho dos
homens, mas de mulheres e crianças, pois, segundo Marx (2002, p.451)
Tornando supérflua a força muscular, a maquinaria permite o emprego de
trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento físico incompleto, mas
com os membros mais flexíveis. Por isso, a primeira preocupação do capitalista ao
empregar a maquinaria foi utilizar o trabalho das mulheres e das crianças. Assim, de
poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se
imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os
membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e idade, sob o domínio
direto do capital. O trabalho obrigatório, para o capital, tomou o lugar dos folguedos
infantis e do trabalho livre, realizado em casa, para apropria família, dentro dos
limites estabelecidos pelos costumes.
Marx (2002, p.432) destaca que, na máquina-ferramenta reaparece o instrumento do
artesão, mas em tamanho ciclópico que, portanto, vai sendo aperfeiçoado de forma a evitar o
incômodo de depender tanto da força humana, porque “[...] a força humana é um instrumento
muito imperfeito para produzir um movimento uniforme e contínuo” e além do mais nas
fábricas de seda, para execução do seu trabalho, as crianças tinham de ser colocadas em cima
de cadeiras (p. 336). Essas barreiras precisavam ser vencidas e as máquinas vão sendo
aperfeiçoadas e construídas em tamanho adequado para sua utilização pelas crianças assim
como de uma força motriz, o motor, superior à força humana e, portanto, inteiramente livre
dos seus limites. Para Marx (2002, p. 503),
100
A maquinaria, como instrumental que é, encurta o tempo de trabalho; facilita o
trabalho; é uma vitória do homem sobre as forças naturais; aumenta a riqueza dos
que realmente produzem; mas, com sua aplicação capitalista, gera resultados
opostos: prolonga o tempo de trabalho, aumenta a sua intensidade, escraviza o
homem por meio das forças naturais, pauperiza os verdadeiros produtores. E, ao
invés de aliviar a labuta humana, a prolonga.
Diante da contradição cada vez mais notável entre uma produção imensa de bens e a
redução das possibilidades de consumo, apresenta-se a “necessidade de destruir ou pela
rápida obsolescência ou até fisicamente e pelo desperdício não as mercadorias , mas
também a própria força de trabalho.” (TONET, 1998, p. 2). Dentro dessa gica de
produção/destruição, pode-se até compreender os riscos à saúde e os altos custos para a
humanidade. As contradições não param, entretanto, por quando se pensa nas crianças
enquanto produtoras e consumidoras.
2.5 MAPA DE INDICATIVOS: ATIVIDADES ILÍCITAS
Por mais enviesado que seja esse caminho para se desvendar o segredo da
mercadoria, aqui se vê escabrosas especulações. São nos hotéis de luxo, bordéis, prostíbulos e
nas ruas e esquinas do mundo que “trabalham” as vítimas do comércio sexual. No mundo
todo, a prostituição é o destino precoce de muitas meninas e meninos. Essa indústria
multimilionária possui vasta rede de traficantes, intermediários, agentes turísticos e outros que
“trabalham” conforme coloca Galeano (1999, p.18), “ao arrepio da lei e das estatísticas.”
O fenômeno da exploração sexual comercial desafia a geografia e atinge todos os
continentes. Mercado de dimensão assustadora, cuja indústria funciona através de quatro
modalidades: produção e divulgação de pornografia infantil, prostituição infantil, tráfico para
fins sexuais e turismo sexual. A avaliação quantitativa dessa atividade é muito difícil pelo fato
de que “o mercado do sexo, por girar muito dinheiro, ser ilegal e envolver rede de criminosos,
dificulta a ão de pesquisadores que desejam analisar mais detalhadamente a exploração
sexual”. (LIBÓRIO, 2004, p.20).
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) tem ressaltado as
dificuldades em quantificar as dimensões do tráfico e do comércio de crianças e adolescentes
para fins de exploração sexual comercial, afirmando ainda que essa grande dificuldade se
101
deve, entre outros fatores sociais e culturais, ao fato de a prática ser um crime, do qual as
próprias vítimas se envergonham e não raramente são culpabilizadas, operando a denominada
“revitimização” da criança ou do adolescente, levando-os a guardarem-se no silêncio.
(MTE/SIT, 2005, p. 215).
Esconder a prostituição como trabalho e classificá-la como vício, como perdição,
devassidão, incomoda menos, pois mascara a complexa relação entre exploração sexual e
exploração econômica. Conforme Faleiros (2004, p.54)
Isto faz aparecer a mercadoria do sexo como trivial, banalizada, independente de sua
relações complexas, além de sórdida e desqualificada, o que caracteriza segundo
Marx, o fetiche da mercadoria, que esconde seu valor, a produção de seu valor. No
caso da prostituição, esconde-se ao mesmo tempo, tanto o valor que circula no
comércio da prostituição como o valor da pessoa humana, de seus direitos como
sujeito da cidadania.
Trabalho infantil? Crime? Seria um Mapa de indicativos do trabalho o local onde
figurariam essas atividades? Caberia espaço para uma coluna destinada às tarefas geralmente
executadas? Para as condições de trabalho a que estão submetidas? Conforme o MTE/SIT
(2005, p.215), “[...]essas atividades não são consideradas legalmente como trabalho para fins
de atuação da fiscalização do trabalho”. O enfrentamento do problema dá-se através de
diversas parcerias que compõem a rede de proteção integral às crianças e adolescentes: os
Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente
(GECTIPAs), o Conselho Tutelar, o Ministério Público do Estado, o Ministério Público do
Trabalho, órgãos policiais estaduais e federais e organizações não-governamentais, bem como
organismos internacionais, como o UNICEF e a OIT.
Essa é a “novidade” que o Mapa de Indicativos de 2005 traz em relação ao de 1999:
a abordagem das atividades ilícitas” em todas as unidades da federação. Considerando as
dificuldades apontadas para quantificar as dimensões do tráfico e comércio de crianças e
adolescentes para fins de exploração sexual comercial, tentou-se elaborar o quadro a seguir, a
partir das informações contidas no Módulo III, mesmo ciente de suas múltiplas lacunas, dadas
as particularidades destas atividades.
102
Quadro 7. Atividades ilícitas por regiões, estados e número de municípios nas unidades da federação
ATIVIDADES/ NÚMERO DE MUNICIPIOS
REGIÕES ESTADOS
EXPLORAÇÃO
SEXUAL
EXPLORAÇÃO
SEXUAL/TRÁFICO
DE DROGAS
TRÁFICO DE
DROGAS
DF
4 6 4 e todas as
cidades satélites
GO
20 3 2
MT
3 6 -
CENTRO OESTE
MS
39 -5
AL
8 - -
BA
31 1-
CE
68 - -
MA
16 - -
PB
10 1 12
PE
13 - 7
PI
6 - -
RN
11 - -
NORDESTE
SE
18 -15
AC 4 1
AP 11 3
AM 30 14
PA 23 -
RO 7 -
RR 7 -
NORTE
TO 20
Não aparece em
nenhum município do
mapa estas atividades
-
ES - 23 -
MG 136 - -
RJ 31 Tráfico para fins de
exploração sexual
1SUDESTE
SP 26 5 20
PR 21 22 10
RS - - -
SUL
SC - 10 -
Fonte: Elaborado pela autora considerando informações do Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do
Adolescente - MTE/SIT-2005. Módulo III, p. 215-301.
O que o Mapa deixa nítido são as atividades de exploração sexual prevalecendo no
Nordeste, seguido da região Sudeste e Norte, respectivamente, ficando o tráfico de drogas
praticamente velado.
A Convenção 182 e a Recomendação 190, da OIT, sobre as piores formas de
trabalho infantil, inclui, entre outras, a exploração sexual comercial infantil e a utilização,
procura e oferta de criança para fins de prostituição, de produção de material pornográfico ou
espetáculos pornográficos entre as piores formas de trabalho infantil.
103
Produtos derivados dessas transações? Os mais estranhados, mais fetichizados. Nos
infernos da mercadoria, está o sexo, o corpo, os prazeres. Não seria essa uma das formas
contemporâneas do fetiche? “Arrancar mais-valia fazendo de conta que tudo é diversão?”
33
.
A mercadorização do corpo e do sexo aparece como uma relação entre clientes, relação
interpessoal, relação entre coisas: o dinheiro que se troca pelo corpo na verdade não é uma
relação trivial, mas uma relação social complexa.
Mercadorias transnacionalizadas.
Pesquisa recente realizada pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre
Crianças e Adolescentes (CECRIA), com apoio da OIT e OEA, enumera 241 rotas
utilizadas para o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes com fins de exploração
sexual comercial, passando por 20 estados brasileiros, sendo 131 dessas rotas
internacionais. (MTE/SIT, 2005, p. 215).
Essa lógica venal é levada às ultimas conseqüências e conforme afirma Löwy (2005, [s.p]) trazendo
uma citação de Marx ,da Miséria da Filosofia:
Já no século XIX, um crítico da economia política havia previsto, com lucidez
profética, o mundo de hoje: “Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os seres
humanos haviam considerado inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico e pode
alienar-se. É o tempo em que as coisas mesmas, que até então eram comunicadas,
mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; conquistadas, mas nunca
compradas virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc em que tudo, enfim,
passou para o comércio. É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou,
para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou
física, tendo-se tornado valor venal, é levada ao mercado para ser apreciada por seu
valor adequado. (LÖWY, 2005, p. 1)
O mercado do sexo, semelhante ao de outras mercadorias, funciona no âmbito da
produção, circulação, distribuição e consumo das diferentes modalidades de serviços e
produtos. Faleiros (2004b, p. 83) destaca os aspectos estruturais do comércio sexual
capitalista e seu funcionamento: a mercadoria, a oferta, a demanda, a troca, a venda e o lucro.
Desse modo,
Corpos, pessoas, shows eróticos, fotos, revistas, objetos, vídeos, filmes
pornográficos” são produzidos vendidos e comprados num mercado consumidor
enorme onde a mercadoria sexo-jovem tem grande valor-comercial. [...]. Com a
expansão do mercado do sexo, as organizações e empresas de uso comercial do sexo
passaram a atuar em redes, articuladas em nível nacional e internacional, como as de
tráfico de drogas e de pessoas, as de corrupção e as de pedofilia e pornografia via
33
Apresentação do livro O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura descartável, de Isleide Arruda
Fontenelle, feita por Francisco de Oliveira.
104
Internet. [...] As redes organizam o tráfico de mulheres (adultas, adolescentes e
crianças) para o comércio sexual, estabelecem “rotas”, formam verdadeiros impérios
que abastecem prostíbulos, boates, casas de show e indústria pornográfica. As redes
que atuam no mercado do sexo são clandestinas, embora o mercado não o seja,
porque toda venda necessita a exposição da mercadoria (FALEIROS, 2004b, p.83-
84).
Considerando que as mercadorias são produzidas para agradar a todo tipo de cliente,
o sexo enquanto tal está também sujeito à oferta e à demanda, às leis do mercado em que o
preço varia dependendo da qualidade e dos serviços ofertados, o poder dos consumidores e a
mão-de-obra que emprega.
Assim, por mais que seja estranho, tais mercadorias são expostas em diferentes
vitrines, ora negociadas em bares e prostíbulos cujos nomes (“Xiri quer Pau”, “Rasga a
Velha” e “Pinga Pus”, nomes de locais onde acontecem essas atividades ilícitas que aparecem
no módulo III, no Pará, município de Santarém) sinalizam o caráter de classe, ora expostas em
suítes e locais de luxo, pousadas requintadas, balneários e tudo que possa envolver a
mercadoria num clima de espetáculo (MTE/SIT, 2005, p. 265). E, retomando novamente
Sennett (1998, p.183), o estímulo produzido pela confusão de objetos díspares colocados
juntos, através de uma contínua busca de novidades, garante as vendas
[...] por um ato de desorientação: o estímulo à compra resulta (va) de uma aura
temporária de estranhezas, de mistificações, que os objetos adquirem(iam). Um
comprador sente-se (ia) estimulado quando ele ou ela depara(va) com objetos cuja
existência parece(ia) fugaz, e cuja natureza esteja (tivesse) dissimulada por
associações fora do contexto do seu uso normal [...].
O caráter de espetáculo tem sua gica de estimulação da compra. É a psicologia do
consumo e, para Marx, o fetichismo das mercadorias. A exploração sexual comercial é uma
rede que também funciona fazendo uso das tecnologias, garantindo lucros para diferentes
tipos de agenciadores e intermediários, distribuidores de drogas, de roupas, de produtos de
beleza, no qual o dinheiro auferido da transação é controlado ou utilizado por outro, que não
propriamente o trabalhador, que não tem como negociar seu contrato de trabalho.
Conforme Faleiros (2004, p.57)
Do ponto de vista econômico é preciso considerar a dinâmica da produção
capitalista predominante e da inter-relações dos vários modos de prestação de
serviços sexuais com esta dinâmica dominante em que se produz a divisão social e
sexual do trabalho. A mercadorização do sexo implica um ciclo, um processo,
condições que não são controladas pelos trabalhadores, mas pelos donos ou donas
das boates, de pontos, de drogas, de informações, de meios eletrônicos, dentre outros
105
fazendo com que a trabalhadora ou o trabalhador do sexo não exerça sua atividade
para si, mas para o benefício de outrem.
O Mapa de Indicativos de 2005, no Módulo III, sobre as atividades ilícitas mostra a
ampla rede de exploração do trabalho sexual que envolve negócios imobiliários, como
aluguéis de cômodos, casas, apartamentos, chácaras, auxílio da mídia via classificados de
jornal e uma rede de transporte com ônibus escolares normalmente com vidros fumês, que são
verdadeiras boates ambulantes, taxistas, vôos charters do exterior, navios nacionais ou
internacionais, e e ainda, em movimento, postos de combustíveis, hotéis, casas de
massagens, bares, agências de emprego, dentre outros detentores de meios de produção dos
serviços sexuais.
Faleiros (2004, p.86) esclarece, ainda, sobre a natureza da exploração de crianças e
adolescentes apontando componentes de ordem cultural e econômica. Segundo ela, “[...] são
componentes culturais: seu caráter adultocêntrico, pedófilo/hebéfilo, sexual e de gênero e
simbólico. Seus componentes econômicos são: a classe social e o trabalho infanto-juvenil.”
O que determina o modo de prestação de serviços sexuais são “[...] as atividades
econômicas dominantes no território. Nos garimpos são bordéis, nas fronteiras passam a ser
intermediadas por caminhoneiros e barcos, nas regiões turísticas por hotéis, taxistas, boates,
nas pequenas cidades por lacaios adrede contratados.” (FALEIROS, 2004, p.58). Com a
mundialização do capital, também se mundializa o tráfico de mulheres e homens, assim como
os mecanismos e estratégias de exploração sexual.
As condições sociais sob as quais essas mercadorias são postas à venda são
dissimuladas através do desvio da atenção para o objeto mesmo, pois, a mercadoria adquire
um mistério por estar envolvida num clima de associações que vão muito além do seu uso
mesmo.
2.6 MAPA DE INDICATIVOS: TRABALHO DOMÉSTICO
A referência a esse tipo de trabalho envolve aquelas atividades realizadas por
crianças e adolescentes fora de suas casas, mas também em suas próprias casas, cuidando dos
afazeres diversos, dos irmãos, afinal se responsabilizando pelas atividades próprias do
cotidiano doméstico.
106
Trata-se de atividades que nem sequer são reconhecidas como trabalho e, por não constarem
da legislação, escapam à fiscalização. Conhecer a realidade do trabalho da menina não é uma
tarefa simples, pois é um assunto de difícil acesso e pouco discutido na literatura acadêmica
no Brasil.
A incorporação das crianças no trabalho em domicílio, fruto da reestruturação
produtiva, também se apresenta como uma nova forma de obtenção da mais-valia, conforme
coloca Conde (2007). Para a autora, esse é um trabalho invisível, apresentando-se como
trabalho “familiar” que escapa muitas vezes aos olhares da fiscalização, que as crianças, ao
contribuírem com a família em alguma forma de produção, “[...] passam a trabalhar em
caráter de “ajuda”, no período em que não estão na escola, sendo fundamentais no alcance as
metas” (CONDE, 2007, p.42) determinadas por quem contrata esse tipo de serviço. A
“informalidade” não é a ausência da forma de trabalho, nomeada como ideal pela
modernidade [...] mas sim, a típica forma de reprodução do modo capitalista de produção.”
(p.44).
Os Mapas de Indicativos não oportunizam uma leitura comparativa significativa em
relação ao trabalho doméstico. Essa atividade não aparece no Mapa de 1999 e, no de 2001,
aparece em algumas tabelas como um dos motivos impeditivos da freqüência à escola, porém
associados a outros motivos como necessidade de trabalhar e procurar trabalho. À medida que
aumenta a faixa etária, aumenta também a proporção de crianças que não vão à escola por
esses mesmos motivos.
O Mapa de Indicativos de 2005 apresenta análise da série histórica do trabalho
infantil de 1995 a 2002. Desagregando essa série em outras, apresenta gráficos relativos à
redução ou aumento do trabalho infantil, comparando-se o ano de 2002 ao de 1999.
Considerando que a análise aqui empreendida está focada no trabalho doméstico, serão
destacados apenas os momentos de sua abordagem nesse Mapa de Indicativos.
Começando pelas características das ocupações, aparecem definidas oito categorias
de posição na ocupação:empregado, doméstico, conta própria, empregador, trabalhador não-
remunerado membro da unidade familiar, outro trabalhador não-remunerado, autoconsumo e
autoconstrução. A categoria “Doméstico” aparece como “[...] pessoa que trabalha prestando
serviço doméstico remunerado em dinheiro ou benefícios, em uma ou mais unidades
familiares.” (IBGE; PNAD, 2003, p. 12). O grupo “trabalho domiciliar” refere-se
exclusivamente à faixa etária de cinco a nove anos, não estando presente no grupo de dez a
quinze anos de idade. O trabalho domiciliar pode ou não englobar o trabalho doméstico,
107
entretanto a pouca freqüência que se manifesta no Mapa de Indicativos de 2005 deixa às
escuras as mutações contemporâneas no mundo do trabalho e nesse caso específico a
subcontratação da produção que, conforme Cattani (2000, p.20)
Criaram condições para que o pesado parque produtivo do período fordista se
fragmentasse num grande número de unidades de menor escala. Um produto que
antes era elaborado integralmente numa usina, hoje pode ser fabricado em dezenas
de empresas, montado, embalado e distribuído por dezenas de outras, sem que haja
vínculos orgânicos, e, [...] sem que os inúmeros trabalhadores envolvidos estejam
em contato uns com os outros. A subcontratação de peças e tarefas ressuscitou o
trabalho a domicílio, estratégia capitalista usada no século XVIII.
Mesmo que os gráficos apresentem-se para mostrar a redução ou aumento do
trabalho infantil na análise comparativa de 1999 e 2002, aqui o objetivo será destacar apenas
as posições reservadas ao trabalho doméstico e domiciliar no Brasil e sua posição em relação
a outras ocupações.
Considerando o Brasil, o trabalho infantil não-remunerado
34
aparece em primeiro
lugar, seguido da ocupação de empregado
35
, trabalhador na produção para o próprio
consumo
36
e, em quarto lugar, o trabalho doméstico, seguido do domiciliar, por conta
própria
37
etc. Em relação aos rendimentos auferidos na ocupação para terceiros, o trabalho
infantil doméstico perde para a categoria empregado. (IBGE; PNAD, 2003, p.27). Os
Serviços domésticos aparecem em dezessete Estados da Federação no Mapa de indicativos de
2005 e sua ocorrência é detectada em dezesseis Estados (AL, AP, DF, GO, MA, MG, MS,
34
De acordo com o Mapa de Indicativos 2005 (MTE/SIT, 2005, p. 12), essas categorias são assim definidas:
Trabalhador não remunerado membro da unidade familiar Pessoa que trabalhava sem remuneração,
durante, pelo
menos, uma hora na semana, em ajuda a membro da unidade familiar que era empregado na
produção de bens primários (que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal
ou mineral, caça, pesca e piscicultura), conta própria ou empregador.
Outro trabalhador não-remunerado Pessoa que trabalhava sem remuneração, durante, pelo menos,uma hora
na semana como aprendiz ou estagiário, ou em ajuda à instituição religiosa, beneficente ou de cooperativismo.
Para efeito de divulgação, as categorias “trabalhador não-remunerado membro da unidade familiar” e “outro
trabalhador não remunerado” foram reunidas em uma única denominação: “não-remunerado.
35
Pessoa que trabalhava para um empregador (pessoa física ou jurídica) geralmente obrigando-se ao
cumprimento de uma jornada de trabalho e recebendo, em contrapartida, uma remuneração em dinheiro,
mercadorias, produtos ou benefícios (moradia, comida, roupas, etc.). Nessa categoria, está incluída a pessoa que
prestava serviço militar obrigatório e, também, o sacerdote, ministro de igreja, pastor, rabino, frade, freira e
outros clérigos.
36
Autoconsumo (trabalhador na produção para o próprio consumo) Pessoa que trabalhava, durante, pelo
menos, uma hora na semana, na produção de bens do ramo, que engloba as atividades da agricultura, silvicultura,
pecuária, extração vegetal, pesca e piscicultura, para a própria alimentação de, pelo menos, um membro da
unidade domiciliar.
37
Conta própria Pessoa que trabalhava explorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem
ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não-remunerado.
108
MT, PB, PE, PI, PR, RJ, SC, SE, SP, TO), apenas ficando atrás do Comércio Ambulante (22
Estados) e Catadores de lixo (15 Estados).
Na realidade, o trabalho doméstico só aparece no Mapa de 2005 sendo que na
Introdução do Módulo II desse documento, afirma-se que ele é
[...]
tão invisível quanto disseminado [...]
tanto aquele em que crianças
trabalham para outras famílias quanto os casos em que, principalmente, meninas,
mas
também meninos mais velhos, são obrigados a assumir a responsabilidade do
trabalho doméstico e cuidado de irmãos mais novos. (MTE/SIT, 2005, p.182).
Além do Mapa de Indicativos sobre o trabalho Doméstico, foi possível localizar
apenas três outros documentos: o primeiro deles “Indicadores sobre crianças e adolescentes-
Brasil: 1990-1999”, traz dados sobre a proporção de meninas e adolescentes empregadas
domésticas, por grupos etários, no Brasil, regiões e unidades da federação. Em 1992, o quadro
se apresentava conforme vem a seguir; em 1995, essa quantidade é reduzida, resultando na
seguinte configuração em 1999:
Quadro 8. Meninas e adolescentes empregadas domésticas por grupos etários- Brasil, Regiões e Unidades
da Federação- 1992 e 1999 respectivamente:
Brasil, Regiões e
Unidades da Federação
10 a 14
anos
10 a 15
anos
10 a 16
anos
15 a 17
anos
16 e 17
anos
17
Anos
1992 278.765 446.342 637.059 546.208 378.631 187.913
1999 122.722 216.555 338.330 355.673 261.840 140.065
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios / PNAD 1992. In: “Indicadores sobre crianças e
adolescentes”
Para se ter uma idéia do quadro do trabalho infantil no contexto da economia atual,
muitos fatores entram em cena para serem melhor avaliados. Se o trabalho de crianças e
adolescentes decorre somente de fatores relacionados com a pobreza, como se explicaria o
aumento do trabalho infantil na região Sul, mais desenvolvida e com melhores indicadores
socioeconômicos do que da região Nordeste, segundo dados do MTE/SIT (2005, p.20). Como
falar de redução do trabalho infantil no meio rural se a IBGE e PNAD (2003, p.21) mostra
como tendência a continuidade de migração do meio rural para o urbano acompanhada de um
deslocamento do trabalho infantil na mesma direção? Novamente aqui, recorre-se a Oliveira
(2003) que aponta as desigualdades de base que atravessam a sociedade brasileira e como os
setores mais desenvolvidos fazem uso dos mais atrasados para desenvolverem-se.
109
O segundo documento sobre trabalho doméstico utilizado para complementar a
análise foi publicado pela OIT
38
, em 2002, quando se completava dez anos de atuação do
IPEC no Brasil, que destaca, entre os dez melhores programas avaliados nestes dez anos, um
sobre o combate ao trabalho infantil doméstico. Segundo esse documento,
A maior proporção deste total de crianças e adolescentes envolvidos com o trabalho
doméstico pode ser encontrada na Região Nordeste (33%), seguida pela Região
Sudeste (31%), e pelas Regiões Sul (15%), Centro Oeste (11%) e Norte (10%). Nos
estados de Roraima, Distrito Federal e Rondônia o trabalho doméstico representa de
19% a 28% do total de crianças que trabalham, sendo que essas são as maiores taxas
do país. (OIT, 2003, p. 224)
De acordo com a legislação brasileira, a fiscalização do uso de mão-de-obra infantil
no trabalho doméstico fica dificultada devido à inviolabilidade de casas particulares, garantida
na Constituição Federal. Sendo assim, torna-se um trabalho invisível à sociedade,
favorecendo situações de maior vulnerabilidade, isso sem contar a aceitação que esse tipo de
trabalho tem na sociedade.
No âmbito do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
Doméstico, existe um Grupo Temático encarregado de estudos sobre essa condição de
trabalho com algumas publicações, e um deles, de Ana Lúcia Sabóia, destaca as
“Dimensões Culturais do Trabalho Infantil Feminino”, alguns projetos, inclusive o Projeto de
Prevenção e Eliminação do Trabalho Infantil Doméstico na América Latina, elaborado em
2000, que contou com subsídios técnicos substanciais dos quatro países que o integrariam:
Brasil, Colômbia, Paraguai e Peru.
Fazendo uma investigação da produção científica portuguesa sobre as crianças, a
economia, o trabalho e o desenvolvimento, Sarmento (2000, p.142) enuncia [...] “ausência e
lacunas homólogas à investigação internacional nessa área” e sinaliza os percursos
investigativos que faltam ainda percorrer. Ao traçar a panorâmica geral da produção científica
nessa área, denuncia os escassos estudos sobre o trabalho infantil domiciliário, o peso das
crianças na economia doméstica, entre outros aspectos e afirma que “há sobre as dimensões
econômicas da situação social da infância mais debate do que conhecimento.”(p.144).
38
Denominado “Boas práticas de combate ao trabalho infantil: os 10 anos de IPEC no Brasil”
110
2.7 O TRABALHO INFANTIL SOB LENTES DOS ORGANISMOS NACIONAIS E
INTERNACIONAIS: O FETICHE DA REDUÇÃO
Enredar-se nos dados estatísticos sobre trabalho infantil é caminho fácil de perder-se,
isto considerando que os desencontros de cifras em relação ao número de crianças
trabalhadoras no mundo, seu recorte em faixa etária, períodos equivalentes de coletas dos
dados e outras variáveis, por mais que analisados e comparados, mais se embaralham. Os
dados, a seguir, revelam um quadro da infância no trabalho que não combina em nada com os
discursos que têm anunciado o fim e crise do trabalho, assim como a redução do trabalho
infantil.
Além da menção aos 246 milhões de crianças trabalhadoras no mundo encontrada
praticamente na maioria dos documentos que discutem o trabalho infantil, tem-se que,
uma em cada seis crianças e adolescentes com idade entre cinco e 17 anos no mundo
exerce algum tipo de atividade econômica.[...]; 73 milhões tem menos de dez anos.
Outro dado impressionante revela que uma em cada oito crianças do mundo está
exposta às piores formas de trabalho infantil, como tráfico, exploração sexual e
atividades danosas, o que põe em perigo seu bem-estar físico, mental e moral.
Nenhum país está imune: 2,5 milhões de das crianças trabalham em países
desenvolvidos e outros 2,5 milhões, em países em transição. E todo ano, 22 mil
crianças morrem em acidentes de trabalho
39
.
Essa é uma realidade da infância e do trabalho infantil. Milhares, milhões, bilhões,
incontáveis meninos e meninas que trabalham sob as barbas da lei e da incomensurabilidade
das estatísticas. E ainda sobram meninos e meninas que, como os adultos, o mercado não
precisa. Se nos idos da revolução industrial era uma questão de força agir para se conseguir
uma mão-de-obra abundante e cil, impondo-se a disciplina do trabalho, agora é necessário
impor a disciplina da falta de emprego. Como coloca Galeano (1999, p.96), “[...] que técnica
de obediência obrigatória pode funcionar contra as crescentes multidões que não têm e não
terão emprego? Que se pode fazer com os náufragos, quando são tantos, para que seus
destemperos não ponham o bote a pique?”.
39
Disponível em http://www.pgt.mpt.gov.br/pgtgc/publicacao/engine
111
Questões e mais questões: como é possível conviver com o trabalho infantil que
grassa por toda parte e simultaneamente assistir a milhões de desempregados, que se colocam
nas intermináveis filas de espera do emprego ou aparecem “[...] se oferecendo todo dia, toda
semana, todo mês, todo ano, em vão, barrado previamente pelas estatísticas?(FORRESTER,
1997, p.14). Ouvir repetidas vezes anúncio do fim do trabalho como derrota dos trabalhadores
e vários órgãos nacionais e internacionais proclamarem a redução do trabalho infantil ou
ainda apresentarem o seu fim como “um objetivo ao nosso alcance
40
” ?
Uma informação nos Mapas de Indicativos, contida no final do documento (Mapa de
1999) e na introdução (Mapa de 2005), merece ser destacada, que propicia uma leitura
crítica da realidade representada:
Os dados produzidos pela Fiscalização não apresentam resultados
metodologicamente científicos que uma pesquisa requer. Constituem uma
“fotografia” que reflete apenas aquele(s) momento(s) em que a Fiscalização esteve
presente nos locais de trabalho. [...] Entretanto, em alguns Estados, o levantamento
de dados para o Mapa de Indicativos ocorreu de forma mais aprofundada, razão pela
qual constam também informações sobre a participação da mão-de-obra infanto-
juvenil no trabalho em regime de economia familiar e no setor informal. Para a
elaboração do Mapa de Indicativos, os Auditores Fiscais do Trabalho deram
prioridade às formas mais danosas de trabalho infantil, embora tenham sido
registradas todas as ocorrências identificadas de exploração da mão-de-obra
infanto-juvenil. O Mapa de Indicativos conseguiu identificar a participação do
trabalho infanto-juvenil em 99 diferentes atividades. (Grifos meus) (MTE/SIT, 1999,
p.106)
Considerando-se para início de análise no “Mapa” de 1999, os municípios que
aparecem listados como aqueles onde ocorre o trabalho infantil, observa-se que não são os
mesmos que aparecem na coluna referente aos municípios com indicativos de sua redução.
Isso permitiria algumas leituras: somando-se uma coluna à outra, o número de municípios
com indicativo de trabalho infantil nas diferentes atividades econômicas aumentaria,
ressaltando-se que uns estariam apresentando persistência do trabalho infantil, enquanto esses
outros municípios diferentes, embora apresentassem indicativos de redução, continuariam
com foco de trabalho. Essa ocorrência manifesta-se em todos os estados. No Mapa de 2005, o
que se vê, para a maioria das regiões é uma certa coincidência entre a relação de municípios
onde ocorre o trabalho infantil e a relação onde esse apresenta redução. A coluna referente aos
40
Título do Relatório global do OIT (2006): “O fim do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance”.
112
municípios onde acontece a redução engloba praticamente todos aqueles que aparecem na
coluna em que ocorre o trabalho infantil, permitindo a leitura de erradicação crescente.
Isso pode ser ilustrado de acordo com o quadro a seguir, elaborado para este trabalho
considerando dados extraídos do Mapa de Indicativos de 1999 (Estado do Acre, Região Norte,
(MTE/SIT, 1999, p. 6)) e Mapa de 2005 (mesmo Estado e região, (MTE/SIT, 2005, p. 107)).
113
Quadro 9. Quadro comparativo de municípios onde ocorre o trabalho infantil em 1999 e 2005
ATIVIDADE
ECONÔMICA
MUNICÍPIOS
TAREFAS
GERALMENTE
EXECUTADAS
CONDIÇÕES DE
TRABALHO A
QUE ESTÃO
SUBMETIDOS
ADULTOS,
ADOLESCENTES
E CRIANÇAS
MUNICÍPIOS
COM
INDICATIVOS
DE REDUÇÃO
DO TRABALHO
INFANTIL
Panificação
1999
Cruzeiro do Sul,
Rio Branco,
Epitaciolândia,
Plácido de Castro,
Tarauacá,
Brasiléia e Sena
Madureira
Fabricação do pão
e seus derivados,
arrumação do
produto nos
fornos, limpeza do
local e
comercialização
do produto na
padaria ou nas
ruas
Jornada excessiva,
trabalho
noturno,más
condições de
higiene, ventilação e
exposição a
temperaturas
elevadas.
Xapuri,
Acrelândia,
Capixaba, Feijó,
Senador Guiomar
e Mâncio Lima
Panificação
2005
Cruzeiro do Sul,
Rio Branco,
Acrelândia,
Plácido de Castro,
Tarauacá, Feijó,
Brasiléia, Assis
Brasil, Porto Acre
Aparece no
Módulo II nos
moldes desse
quadro, em
separado e é
nomeada como
“Processo de
trabalho”.
Aparece no Módulo
II nos moldes desse
quadro , em
separado e é
desmembrada em
“Riscos
Ocupacionais” e
“Possíveis
Repercussões à
saúde”
Rio Branco,
Cruzeiro do Sul,
Brasiléia
Fonte: Elaborado para esta pesquisa partindo-se dos mapas de indicativos 1999 e 2005
Além desse aspecto, se for considerada, no “mapa” de 1999, a coluna referente às
tarefas geralmente executadas, percebe-se que muitas delas poderiam estar incluídas na
coluna referente à atividade econômica. Tomando como exemplo a página 6 do Mapa de
Indicativos da Região Norte (Acre), na coluna referente à atividade econômica, aparece a
categoria Serviços Diversos e as tarefas executadas que aparecem são office boy,
empacotador, guardador de carro, auxiliar de serviços gerais em repartições públicas,
frentistas em postos de gasolina etc. Na realidade, não são tarefas executadas e sim atividades
econômicas incluídas no setor de serviços. Se devidamente especificada, excederia em muito
as 99 atividades apresentadas. Conclui-se que, se no decorrer do total de páginas do
114
documento as tarefas executadas aparecessem como atividade econômica exercida, ter-se-ia
aumentado o quadro dessas e seria possível identificar o aumento do número de atividades
onde ocorre o trabalho infantil e não sua redução.
O Mapa de Indicativos/2005 menciona, na Introdução, perspectivas para melhoria na
análise dos dados, principalmente no tocante à classificação das atividades econômicas
adotando como critério identificador a descrição do Código Nacional de Atividades Econômicas
(CNAE), procurando com isso uma “[...] melhor correlação entre as informações quantitativas
da PNAD segundo as atividades econômicas nas unidades federativas e as informações
qualitativas em nível municipal propiciadas pelo Mapa.” (MTE/SIT, 2005, p.9).
Mesmo que haja observação referente à análise baseada na classificação da CNAE, a
nova classificação (CNAE, versão 2.0) foi aprovada em 22/03/2007, após publicação desse
documento em análise. Mudanças na organização produtiva alteram esta classificação
demandando novas abordagens analíticas, principalmente no setor de serviços, no qual
surgiram novas atividades econômicas.
Outro documento que deu suporte para esta análise é resultado de pesquisa realizada
pelo IBGE, em 2001, como tema suplementar da PNAD e também considerado como um
mapa do trabalho infantil.
Considerando a extensão desses mapas e as possibilidades de análises e cruzamentos
de dados que permitem não é possível realizar aqui uma análise exaustiva das inúmeras
variáveis divulgadas nessas publicações. Na busca de elementos que propiciassem uma leitura
articulada dos mapas, foi encontrado um documento que chamou a atenção pelo título que
anunciava “A evolução do Trabalho infantil no Brasil de 1999- 2001” e que por tal razão foi
tomado para análise.
Esse documento
41
contém os resultados de estudos sobre a evolução do trabalho
infantil neste período, elaborado pelo Núcleo de Assessoria Planejamento e Pesquisa (NAPP)
em cooperação com o UNICEF, cujo objetivo era sistematizar e analisar estatísticas e
indicadores acerca do trabalho infantil no Brasil, reunindo microdados da PNAD dos anos de
1995 a 1999 e 1999 a 2001. Tanto num período como no outro são apresentados quadros
41
A PNAD faz parte do sistema de pesquisas domiciliares, implantado
no Brasil a partir de 1967, e tem como
finalidade a produção de informações sicas para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do País; umas
de caráter permanente ( dados gerais da população, educação, trabalho, rendimento e habitação) e outras com
periodicidade variável, de acordo com as necessidades de informação do país(migração, fecundidade,
nupcialidade, etc.). Inicialmente, os resultados foram apresentados com periodicidade trimestral, até o primeiro
trimestre de 1970. A partir de 1971, os levantamentos passaram a ser anuais com realização no último trimestre.
115
estatísticos apontando a redução do número de crianças e adolescentes trabalhadores no
período examinado, afirmando que “[...] essa redução expressou-se tanto no decréscimo do
contingente de crianças e adolescentes ocupados e economicamente ativos, quanto na queda
dos níveis de ocupação e atividade desses segmentos populacionais.” (FNPETI, 2004, p. 25).
Outras conclusões sinalizadas referem-se à diminuição do trabalho infantil, em maior
número na agricultura do que nos demais ramos de atividade econômica. Conforme consta no
documento,
Entre as atividades não agrícolas, as reduções mais expressivas ocorreram nos ramos
industriais. Dessa forma, operou-se uma alteração na distribuição setorial do
trabalho infantil, com uma redução do peso das atividades agrícolas e uma elevação
da participação das atividades comerciais e de serviços. (FNPETI, 2004, p.19)
Dentre os fatores que condicionam a oferta de mão-de-obra infantil, os órgãos
oficiais sempre apontam a pobreza e o nível de escolarização das crianças e, como fatores que
condicionam a redução dessa oferta, estão as ações institucionais, destacando principalmente
aquelas desenvolvidas pelo PETI e outras pelos governos e entidades da sociedade civil, bem
como por iniciativas correlatas como os programas de bolsa-escola e renda mínima vinculada
à educação. As limitações das ações e efetividade desses programas também aparecem, mas é
comum atribuí-las à qualidade da gestão local dos mesmos.
Embora as questões de fundo não sejam desconhecidas, elas comparecem nas
análises numa posição não tão incisiva quanto às anteriores, como é o caso de também atribuir
à redução do trabalho infantil (ao desemprego de crianças e adolescentes) principalmente no
setor agrícola à maior “[...] difusão de tecnologias poupadoras de mão-de-obra nesse setor” no
período de 1999-2001 e resultado também de “mudanças na base produtiva da economia, que
levaram à extinção de postos de trabalho ocupados por crianças e adolescentes.” (FNPETI,
2004, p.26). E, com palavras conclusivas arremata afirmando que os seus resultados encerram
um duplo significado:
Por um lado, eles reafirmam a importância e a eficácia, ainda que parcial, das ações
de erradicação do trabalho infantil e, por outro, eles apontam para o surgimento de
um novo cenário, no tocante à distribuição setorial e espacial do trabalho infantil,
que irá demandar o desenvolvimento de novas estratégias e novos instrumentos de
combate a esse problema social. (FNPETI, 2004, p. 26)
Durante o ano de 2002, o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho
Infantil (IPEC), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), comemorou o cimo
116
aniversário de sua implementação no Brasil e para avaliar os rumos de sua atuação
empreendeu um balanço geral de suas atividades no país e, lançou uma edição comemorativa
anunciando, na sua apresentação, que “[...] enquanto o número de crianças sendo exploradas
em todas as formas de trabalho aumentou mais de 4 vezes, em nível mundial, no Brasil as
estatísticas demonstram que diminuiu em cerca de 40%.” (OIT, 2003, [s.p]).
Essa edição comemorativa traz o balanço das dez melhores experiências no campo
da erradicação do trabalho infantil, conforme segue:
1) a constituição dorum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil (FNPETI);
2) o processo de combate ao trabalho infantil no setor carvoeiro, em Mato Grosso do
Sul;
3) o combate ao trabalho infantil no setor coureiro-calçadista em Franca-SP e Novo
Hamburgo-RS;
4) a experiência de combate ao trabalho infantil na Região Sisaleira da Bahia;
5) os programas que conectam de maneira privilegiada a erradicação do trabalho
infantil e as atividades na área da educação, em todo o Brasil;
6) a atuação das Centrais Sindicais no combate ao trabalho infantil;
7) a atuação da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança no combate ao trabalho
infantil;
8) a experiência de combate à exploração sexual comercial infantil em Mato Grosso
e na fronteira Brasil- Paraguai;
9) as iniciativas de combate ao trabalho infantil doméstico no país;
10) as atividades ligadas ao combate ao trabalho infantil no tráfico de drogas, no Rio
de Janeiro. (OIT, 2003, p.29)
Por mais que os discursos anunciem a redução do trabalho infantil, o que se extrai
dos próprios documentos que tecem louvores a essa cruzada é o aumento das atividades
exercidas por crianças, num momento em que a sociedade projeta milhares de adultos ao
desemprego. Fica também aberta a indagação: se é que acontece a redução do trabalho infantil
em alguns setores isso não poderia ser atribuído também ao encolhimento do emprego para
todos? Com o surgimento de um novo cenário, no tocante à distribuição setorial e espacial do
trabalho infantil demandando novas estratégias e instrumentos de combate, afirmada nos
documentos oficiais deduz-se que inúmeras situações de trabalho continuam invisíveis,
impossíveis de serem captadas pela fiscalização e pode-se ainda afirmar que o motivo da
anunciada diminuição deva-se ao desenvolvimento atual do capitalismo caracterizado pelas
formas dispersas, fragmentadas, informais de exploração, de mais complicada apreensão.
117
2.7.1 Corrigindo “excessos” do liberalismo econômico: as políticas compensatórias do
“neoliberalismo social”
42
Mapeamentos em fontes diversas, principalmente na Internet, para se ter uma melhor
visão do quadro do trabalho infantil, revelaram centenas de ginas sobre incontáveis
instituições, organizações e empresas nacionais e internacionais voltadas para a questão social
da infância. Isso sinalizava que algumas preocupações estavam sendo colocadas em pauta e
que o trabalho infantil vem sendo reconhecido como um problema social, digno de atenção,
envolvendo a ação de grupos socialmente interessados em produzir uma nova categoria de
percepção do mundo social a fim de agirem sobre o mesmo.
Páginas e mais páginas da OIT (Organização Internacional do Trabalho), do IPEC
(Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil), do UNICEF com suas
publicações anuais entre elas a “Situação Mundial da Infância”, com levantamentos
exaustivos sobre infância, mapas e dados estatísticos referentes a 193 países, todos de possível
acesso na íntegra; IBGE com suas PNADs, o MTE, o MPT (Ministério Público do Trabalho);
organizações destinadas a dar assessorias a programas de desenvolvimento social, galeria
fotográfica sobre trabalho infantil em diversas partes do mundo, galeria virtual sobre trabalho
infantil numa infinidade de atividades econômicas, publicações da Fundação ABRINQ
(Instituição criada em 1990 com o objetivo de promover a defesa dos direitos e o exercício da
cidadania de crianças e adolescentes: http://www.fundabrinq.org.br), da ABONG (Associação
Brasileira de Organizações Não-Governamentais com objetivo de representar as ONGs junto
ao Estado e sociedade civil: www.abong.org.br); da ANDI (Agência de Notícias do Direitos
da Infância: www.andi.org.br.); da ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de
Proteção à Infância e Adolescência:www.abrapia.org.br), e inúmeras outras fontes de
informação que podem levar a mares nunca d’antes navegados, on-line, sobre a situação da
infância no mundo, principalmente no mundo do trabalho. Isso remetia a algumas idéias
apontadas no Capítulo 1 sobre as respostas dadas pelo capitalismo para enfrentar a questão
social da infância.
Se no início da Revolução Industrial e também no início da industrialização no Brasil
procurou-se eliminar a aversão inicial pelo trabalho fabril, colocando em ação uma coleção de
leis que, sob o despeito de fins assistenciais, terminaram por converter-se em agressiva
42
Título inspirado no texto “Novamente sobre a questão do trabalho”, de Ramón Peña Castro, 2003 .
118
política de mobilização da mão-de-obra infantil e ainda numa política repressiva dirigida
contra aqueles que se negavam a aceitar as novas relações sociais, o que significaria na
atualidade esse quadro que se descortinava?
Não mais workhouses, asilos, orfanatos com o pretexto de levar as crianças da rua à
fábrica, mas outras regulações tecidas em torno do trabalho infantil que sob o disfarce de
proteção à infância e da erradicação do trabalho infantil funcionam ao mesmo tempo como
diz Montaño (2005, p.166) como forma de
Tentar “humanizar o capital” através de relações solidárias e de parceria com o
“terceiro setor”. Essa é a ideologia do possibilismo [...] e acaba sendo explícita ou
implicitamente, absolutamente funcional aos interesses do projeto neoliberal
comandado pelo capital financeiro, neste caso especificamente para despolitizar a
sociedade civil, torná-la um espaço dócil de parceria e não de contradição e lutas e
de desmonte do que o Brasil conquistou com muito sacrifício ao longo de décadas e,
principalmente, na década de 80, expresso na Constituição de 1988 e na lei orgânica
de assistência social que é o desmonte da seguridade social pública.
Aqui se as crianças abrigadas sob as asas do terceiro setor e disputadas por um
mercado de instituições destinadas a sua ocupação e guarda ou ainda usuárias de programas
que cumprem bem seu papel assistencial que constitucionalmente, é função do Estado,
deixando, portanto, que esse se omita dessas obrigações.
Para a OIT, os fatores que explicam a redução do trabalho infantil, desde meados dos
anos 1990, é o elevado nível de mobilização social, os programas de ONGs com vistas a
combater a pobreza, melhorar os padrões de vida (incluindo o saneamento básico, a saúde e a
educação) e promover os direitos fundamentais. E enumera algumas ações inovadoras que
foram extremamente bem sucedidas, tais como:
[...] mobilização do setor empresarial e as autoridades municipais, a que se dirigiram
dois dos programas da Fundação Abrinq (“Empresa Amiga da Criança” e “Prefeito
Amigo da Criança”). A mobilização dos profissionais e instituições dos meios de
comunicação através da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)[...] Os
sindicatos [...]desenvolvendo um programa de sensibilização alargada baseado em
cursos, seminários, publicações, mobilizações e pesquisas[...]O que fez realmente a
diferença foi o estabelecimento [...] do Fórum Nacional para a Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil, criado em finais de 1994 [...] A nova Constituição
impôs o ensino obrigatório de oito anos, e em Fevereiro de 2006, foi alargado para
nove anos. [...] Uma evolução importante começou a registrar-se nas inscrições no
ensino primário nas regiões mais pobres[...]graças a um forte empenho das políticas
públicas ao abrigo do Programa “Toda a Criança na Escola”[...] Programa para a
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado em 1996, o qual chegou já a mais de
1 milhão de crianças com idades ente os 9 e os 15 anos. (OIT, 2006, p. 24-25).
119
Sem desqualificar tais iniciativas o que se quer ressaltar é que não se pode pensar o
social e a política social desconectados do econômico e da política econômica.
Como a OIT é financiada por instituições financeiras internacionais e outras agências
das Nações Unidas no apoio à cruzada contra o trabalho infantil, o seu Relatório Global não
poupa louvores às benfazejas instituições que ajudam aos países pobres (Brasil, Índia,
Indonésia, Quênia, Turquia e Tailândia, países que subscreveram o IPEC, lançado em 1992)
que mostraram disposição para aventurarem-se por um território desconhecido e a
trabalharem com a OIT na luta contra o trabalho infantil. Com o primeiro apoio financeiro
vindo da Alemanha, juntaram-se outros trinta países financiadores; entre eles, os maiores são
os Estados Unidos, e mais recentemente, a Comissão Européia e outras 86 onde o programa é
aplicado. É a luta do bem contra o mal.
Num momento em que a precarização do trabalho é uma constante, a destrutividade
do ser humano pouco importa ao capital e onde se percebe toda uma mobilização de diversos
setores sociais empenhando-se na luta pela proibição do trabalho infantil, o tamanho do
interesse pela causa da criança e do trabalho sinaliza também que o fluxo do trabalho de
crianças não pára.
As centenas de ginas constantes dos documentos oficiais de organismos nacionais
e internacionais sobre o trabalho infantil, juntamente com a luta para sua erradicação, deixam
evidentes os limites dessas propostas, justamente por deixar oculta a face do capitalismo que
gera a pobreza e a inserção precoce das crianças no trabalho produtivo. Deixa aberta a ferida
da essencialidade do fenômeno trabalho infantil para o metabolismo do capital.
Na medida em que esse caminho foi percorrido novos elementos de discussão e
reflexão foram sendo gerados. Enredada na trama capitalista de negação da infância que
aparece em todo o primeiro e segundo capítulos vai emergindo uma idéia de protagonismo
infantil, do direito de participação e expressão da criança, que recusa a pertinência das
políticas abolicionistas, com exceção apenas das piores formas de trabalho infantil. A
aceitação do trabalho infantil em nome do direito à participação protagônica, se por um lado
significa um crescimento da sensibilidade à aceitação das diferenças culturais, ao mesmo
tempo significa um decréscimo da sensibilidade para as desigualdades reais e para além de
justificar o trabalho infantil como uma forma de inserção social acaba por anulá-lo enquanto
problema, transformando-o em virtude. A defesa inconteste do protagonismo infantil pelo
direito ao trabalho acaba também por defender a idéia de que haja possibilidade de um
120
capitalismo humanizado, fato que é amplamente contrário à perspectiva aqui adotada, pois
como coloca Marx (2002, p.272) “quando se trata de dinheiro, não há lugar para a bondade”.
Examinando com cuidado a perspectiva do protagonismo infantil, suas bases teóricas
vão emergindo e destaca-se uma “ênfase na construção cultural das idéias do que fazer com a
infância e [...] o exame de como tais construções culturais impactam as vidas das crianças”
(WARDE, 2007, p.28), a revalorização da ação social intersubjetivas sobre as estruturas, a
racionalidade comunicativa, as abordagens compreensivas, fenomenológicas, a sociologia
interacionista norteamericana entre outras. Em meio a esse discurso também aflora o ofício de
criança, oficio de aluno, a criança enquanto ator, a necessidade de ouvir sua voz na pesquisa,
numa perspectiva notadamente culturalista, afinal uma operação de salvamento da infância,
um pagamento de dívida com o passado que esconde as desigualdades reais e contribuem para
tornar natural o fato da criança pobre trabalhar. Esses aspectos serão abordados nos próximos
capítulos apontando no capítulo 3, a noção de criança e trabalho subjacentes ao paraíso dos
direitos e o aflorar da noção de protagonismo infantil permeando as propostas que defendem
os direitos da criança ao trabalho. No último capítulo apresenta-se algumas formas como esse
protagonismo vai emergindo na teoria pedagógica e que propostas de ensinar e aprender estão
a ele subjacentes.
CAPÍTULO 3
AS CRIANÇAS NO PARAÍSO DOS DIREITOS E OS DIREITOS DAS CRIANÇAS
AO AVESSO: O DUPLO FETICHE
“Todo lado tem dois lados é defeito de vista quem só vê o direito” (Lacerda, 1986).
E o avesso, o diverso e o aparentemente disperso? O objetivo deste capítulo é,
novamente, retomar a teoria do fetichismo por considerar que em tempos em que sopram
fortes os ventos neoliberais, ela teria muito a contribuir para discutir as correntes do debate
sobre trabalho infantil presentes na atualidade, buscando apreender as limitações de tais
perspectivas e em que direção elas podem contribuir para repensar a temática.
Para perseguir este objetivo, serão analisadas duas perspectivas sobre a fetichização
do trabalho infantil: aquela da OIT que defende sua erradicação e abolição e uma outra que
critica duramente a posição da OIT, defendendo o direito ao trabalho infantil, exceto nas suas
piores formas. Esta segunda ainda se apóia no discurso do protagonismo infantil realizando
dupla mitificação: do trabalho e da infância. Em meio a esse cenário, persiste o silêncio em
relação ao trabalho infantil de “prestígio”, aquele realizado no meio artístico, que será aqui
também abordado para complementar a análise.
A opção em retomar a teoria do fetichismo para tratar do trabalho infantil e, por
conseqüência, da articulação trabalho e infância reside na crença de que essa teoria, por ser a
base para pensar a teoria do valor, propiciaria elementos para se repensar as relações que
estão por trás das concepções de infância e trabalho infantil, revelar as relações sociais que
contornam a construção dessas imagens e ainda contribuir para colocar o adulto frente a frente
com as fantasmagorias por ele criadas, para lidar com o fenômeno do trabalho infantil e da
infância. Um primeiro momento da análise consiste em buscar a imagem da criança que é
construída no paraíso dos direitos (o direito de livrar-se do trabalho e a defesa ao direito de
122
exercê-lo, exceto nas suas piores formas). Enredada no paraíso dos direitos, a infância acaba
também por ser negada. Isso não é uma operação inocente e, como diz Mollo (1978, p.22)
[...] as características da criança mitificada articulam-se num conjunto coerente para
constituírem a criança “verdadeira”, “autêntica”. Este processo de pensamento
mitificador pode então servir de referência ao lugar destinado à criança na
sociedade, assim como para as atitudes melhor seria dizer expectativa - do adulto
em relação a ela.
Sinalizar alguns elementos que resultam de tudo isso supõe passar pela análise do
papel da imagem de infância e trabalho na sociedade contemporânea. Essa fuga para a frente,
para o imaginário, vai impedindo de ver a criança real. E é exatamente no embaçamento do
real que esses modelos são funcionais. Uma hora a criança é um outro mundo, um outro, o
nosso outro. E, novamente Mollo (1978, p.22) ajuda a ir compreendendo a trama:
“Reconhecer e isolar a especificidade da infância para melhor a negar não é um dos menores
paradoxos das investigações em ciências da educação. A educação destrói seu objecto à
medida que o define, isola e aperfeiçoa.”
Esse invólucro protecionista esconde exatamente o segredo da infância. Cria-se um
espetáculo em torno da imagem que precisa ser “vendida” e assim encontrar adeptos e
admiradores.
Embora o capítulo pretenda se concentrar na abordagem da abolição do trabalho
infantil versus sua defesa e valorização crítica, exceto nas suas piores formas, não se
desconhecem outras abordagens. Acredita-se, entretanto, que aquelas aqui contempladas
incorporem, dentro de alguns limites, as demais ou, se não o fazem, as discussões trazidas por
outros autores neste capítulo acabam por contemplá-las. Sarmento, (2000, p.138-139) anuncia
quatro perspectivas no debate sobre trabalho infantil:
a perspectiva abolicionista que considera toda e qualquer forma de trabalho
desempenhado por menores como incompatível com os direitos da criança e, por
conseqüência, propõe a sua erradicação, através da adopção de medidas penais
contra os empregadores de mão-de-obra infantil;
a “teoria do continuum” que sustenta que o trabalho tem impactos variáveis no
desenvolvimento da criança, de acordo com a sua natureza, a sua duração, a sua
intensidade, a sua localização e a idade e características físicas das crianças,
devendo por isso considerar-se todas essas variáveis no estabelecimento de um
“continuum” referenciado a dois pólos, um das formas absolutamente inaceitáveis de
exercício de trabalho por crianças e outro de formas aceitáveis;
a perspectiva que considera o trabalho infantil como condição inerente à condição
social contemporânea da infância e, que em nome do direito de participação e de
expressão do desejo e da vontade das crianças, recusa a pertinência das políticas
abolicionistas excepto no que respeita a formas extremas de trabalho infantil,
123
sustentando, em contrapartida, a aceitação “realista” do trabalho infantil quando ele
se constitui como elemento indissociável da pertença social da criança;
a defesa do trabalho infantil, como estratégia de socialização, como fator de
desenvolvimento das “qualidades de trabalho” da criança e (ou) como valor
económico no quadro das economias familiares. Esta posição, tendo uma larga
difusão social, dificilmente encontra uma reflexividade que a sustente.
Considerando-se essas perspectivas, buscou-se, num árduo trabalho, localizar
pesquisas, obras e autores que abordassem e/ou se aproximassem das diferentes posições
sobre o trabalho infantil e mesmo colocar em pauta outras posições que contribuíssem para
ampliar a reflexão. Nessa direção, foram delineadas as perspectivas da OIT(Organização
Internacional do Trabalho), do IFEJANTS (Instituto de Formación y Educación de Jóvenes
Adolescentes y Niños Trabajadores-Peru) e, dentro delas, outros esforços de perspectivar o
trabalho infantil.
3.1 AS CRIANÇAS NO PARAÍSO DOS DIREITOS
Retomando algumas falas recentes de autores que tratam do trabalho infantil, é
importante assinalar que “[...] as décadas de setenta e oitenta, assistiram a uma verdadeira
erupção da pessoa humana no Direito Internacional. Os anos internacionais da Mulher, da
Criança, da Juventude, do Deficiente sinalizam claramente uma tendência irreversível nessa
direção.” (COSTA, 1992, p.17). Quanto aos direitos da criança, pode-se ressaltar, nessa
caminhada o início em 1923, como o ano em que a União Internacional “Save the Children”
redigiu e aprovou a Declaração de Genebra e em 1924 a Quinta Assembléia da Sociedade das
Nações também a aprova. Terminada a II Guerra, a ONU (Organização das Nações Unidas)
aprova Declaração que amplia os direitos contidos no texto de 1924 e onze anos depois, em
1959, a Assembléia Geral da ONU aprova os Direitos da Criança. Em 1979 é declarado o Ano
Internacional da Criança e, em 1989, em 20 de novembro, aprova-se a Convenção
Internacional dos Direitos da Criança.
A década de 1980, no Brasil, pode ser considerada um marco na luta em favor dos
direitos sociais das crianças com sua extensão na década de 1990: a promulgação da
Constituição Federal de 1988; a adoção, em 1989, da Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança; a aprovação, em 1990, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente); o
IPEC (Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil) em 1992, e a criação,
124
em 1994, do FNPETI ( Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil)
como espaço para reunir e articular os poderes envolvidos em políticas e programas de
prevenção e erradicação do trabalho infantil (entidades do Governo Federal, organização de
empregadores e trabalhadores, ONGs, Procuradoria Geral da República e Ministério Público
do Trabalho); os programas do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) passam a
incluir, a partir de 1992, o tema do trabalho infantil na agenda de políticas sociais e
econômicas.
Pelo que se é uma longa caminhada rumo aos direitos da criança. Segundo Lima
(2005, [s.p]) “[...] talvez seja no código de Hamurabi, que data de mais de 2.000 anos antes de
Cristo, que encontraremos medidas de proteção aos menores que trabalham como
aprendizes.” Não é preciso recuar tanto na história para saber que as crianças sempre
trabalharam e nem repetir o já dito, apenas ir reunindo alguns elementos que permitam
compor o quadro do trabalho infantil, a partir da legislação, para mostrar que tanto no âmbito
do direito internacional e nacional, a distância entre o legal e o real tem raízes que precisam
ser colocadas à vista.
A história da legislação sobre trabalho infantil é longa. Duração de jornada de
trabalho, trabalho noturno, conciliação de trabalho com instrução, medidas sanitárias
referentes ao local de trabalho, controle e aplicação das leis e discussão sobre o termo
“aprendiz” são questões que datam de 1802 (Lei dos Aprendizes) e que encontram eco ainda
em nossos dias.
Olhando para a OIT, como organismo responsável pelo controle e emissão de normas
referentes ao trabalho em todo o mundo, determinando as garantias mínimas ao trabalhador,
tem-se uma visão da centralidade dada ao trabalho infantil principalmente sob o ponto de
vista das Convenções e Recomendações
43
. Vê-se que procura cobrir de todos os lados aquilo
que concerne à abolição do trabalho na faixa etária que deve ser proibida e na sua proteção
quando realizada em condições inadequadas.
43
Conforme Veronese e Custódio (1997, p.79) a OIT é responsável pela emissão de normas internacionais do
trabalho, que podem ser Resoluções (que não criam obrigações para os Estados-membros), Convenções e
Recomendações.[...] A Convenção é um instrumento sujeito a ratificações pelos Países-membros da Organização
e, uma vez ratificada [...] obriga o Estado signatário a cumprir e fazer cumprir, no âmbito nacional as suas
disposições.A Recomendação [...]embora não imponha obrigações, complementa a Convenção [...] oferece
diretrizes com vistas a viabilização da implementação, por leis e práticas nacionais, das disposições da
Convenção.
125
Desde sua criação em 1919, a OIT tem realizado inúmeras ações na luta contra o
trabalho infantil na adoção de Convenções e Programas. A Primeira Conferência
Internacional do Trabalho (1919) adota a Convenção 5 sobre a idade mínima de trabalho
(indústria). Em 1930, a adoção da primeira Convenção que dispõe sobre a eliminação do
Trabalho Forçado ou obrigatório em todas as suas formas; em 1973, a adoção da Convenção
138 sobre a Idade Mínima; em 1999, defende a adoção de medidas imediatas e eficazes que
garantam a proibição e a eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil (Convenção 182);
em 2002, estabelece o dia 12 de junho como Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.
Oliveira (1994, p.43) apresenta uma lista com outras convenções e recomendações
sobre a idade mínima, emitidas de 1919 a 1973, regulando o trabalho marítimo, na
agricultura, de paioleiros e foguistas, trabalhos não-industriais, trabalhos industriais nas
empresas familiares, subterrâneo nas minas, pescadores e em todos os setores. Nas ginas 60
e 61, apresenta ainda uma relação cronológica das demais convenções e recomendações sobre
o trabalho infantil que não escaparam dessas disposições, abrangendo, entre outros, os
seguintes aspectos:
[...] Idade de admissão, trabalho noturno, acidente do trabalho, doenças
profissionais, repouso semanal remunerado, exames médicos, horário de trabalho,
férias, desemprego, formação profissional, orientação profissional, peso máximo
transportado, condições de trabalho em territórios não-metropolitanos. (OLIVEIRA,
1994, p.43)
O Convênio 138 e a Recomendação 146 estabelecem a idade mínima de admissão no
emprego ou no trabalho como apresenta o quadro a seguir:
Quadro 10. Idade mínima para admissão no emprego
Edad mínima
general
Trabajos ligeros Trabajos peligrosos
Regla general
No inferior a la edad en
que cesa la obligación
escolar o, en todo caso, a
los:
15 años 13 años 18 años (16 años en
determinadas
condiciones
Cuando la economía y
los medios de educación
estén insuficientemente
desarrollados. En una
primera etapa, no inferior
a los:
14 años 13 años 18 años (16 años en
determinadas
condiciones)
Fonte: OIT, (2006b, p.28)
126
Na perspectiva de lutar contra o trabalho infantil, a OIT apresenta o Convênio 182
sobre as piores formas de trabalho infantil, também denominadas “formas extremas”, “formas
intoleráveis”. Na tentativa de sensibilizar e mobilizar a opinião pública propõe-se a realização
da “Marcha Mundial contra o Trabalho Infantil”
44
. São consideradas como piores formas de
trabalho infantil aquelas “que dañen la seguridad, la salud mental y física e, incluso, a veces la
vida del niño”. Em virtude do Artigo 3 do Convênio, as piores formas de trabalho infantil
45
são:
-Todas las formas de esclavitud o las prácticas análogas a la esclavitud, como la
venta y el tráfico de niños, la servidumbre por deudas y la condición de siervo, y el
trabajo forzoso u obligatorio, incluido el reclutamiento forzoso u obligatorio de
niños para utilizarlos en conflictos armados;
- La utilización, el reclutamiento o la oferta de niños para la prostitución, la
producción de pornografía o actuaciones pornográficas;
- La utilización, el reclutamiento o la oferta de niños para la realización de
actividades ilícitas, en particular la producción y el tráfico de estupefacientes, tal
como se definen em los tratados internacionales pertinentes;
- El trabajo que, por su naturaleza o por las condiciones en que se lleva a cabo, es
probable que dañe la salud, la seguridad o la moralidad de los niños. (OIT, 2006,
p.31).
Segundo o Convênio 182, esta última categoria de trabalho será determinada pela
regulamentação de cada país, e deveria incluir:
- los trabajos en que el niño queda expuesto a abusos o a malos tratos de orden
físico, psicológico o sexual;
- los trabajos que se realizan bajo tierra, bajo el agua, en alturas peligrosas o en
espacios cerrados;
- los trabajos que se realizan con maquinaria, herramientas o material peligrosos; -
los trabajos que conllevan cargas pesadas;
- los trabajos realizados en un medio insalubre en el que los niños están expuestos,
por ejemplo, a sustancias peligrosas, a temperaturas o niveles de ruido extremos;
- los trabajos que implican condiciones difíciles, como los horarios prolongados o
nocturnos; - los trabajos que retienen al niño en los locales del empleador. (CMT,
1999, [s.p]).
44
A Marcha Mundial contra o Trabalho infantil percorreu 80.000 quilômetros, passando pela Ásia, África,
América do Norte e do Sul, Europa. Iniciou em 17 de janeiro de 1998, nas Filipinas ,e encerrou na Suíça em 17
de junho de 1998, com a abertura da Conferência Internacional do Trabalho. Lançada por estudantes, meninos
que trabalham, governos, ONGs, sindicatos e organizações que defendem os direitos humanos. Continua
existindo em forma de Movimento contra o Trabalho infantil e conta com organizações associadas em mais de
cem países.
45
Quando se menciona as “ piores formas de trabalho infantil”, imediatamente deduz-se que também
melhores formas de trabalho infantil, mais aceitáveis, palatáveis.
127
A obra de Oliveira (1994, p.25) traz informações esclarecedoras sobre a OIT, suas
convenções e recomendações. Ao apresentar dados de estudo sobre o trabalho infanto-juvenil
em dez países da América Latina, principalmente no Brasil, destaca que esse fenômeno tem
“[...] dimensão mundial com uma distribuição desigual entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento.” Os dados referem-se principalmente à década de 1980, mas já propicia um
quadro comparativo para análises com outras décadas. Afirma que embora não tenha
desaparecido dos países industrializados e não aconteça na mesma proporção nem seja
praticado nas mesmas condições abusivas, ele subsiste no Reino Unido, Estados Unidos,
França, Áustria, Suíça, Grécia, Itália, Espanha e Portugal.
Como todas as leis são produtos de suas épocas e refletem as concepções do social
que perpassam cada período, em relação às histórias das políticas sociais dirigidas à criança
até a era do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, transita-se de uma visão higienista
e correcional da infância, atrelada à condição e invenção do menor, do menor em situação
irregular, menor enquanto objeto de medidas judiciais, como questão de segurança nacional
até a criança cidadã, sujeito de direitos.
Ao identificar como clientes potenciais desses aparatos jurídicos e doutrinários
aqueles para quem a distribuição justa de renda não passa de discurso e para os quais o
trabalho se apresenta como a atividade mais nobre que o homem deve exercer, remédio para
muitos males, antídoto ao crime, à marginalidade, entende-se um pouco da existência da
oferta de braços disponíveis a preço de desespero, em tempos em que nem tantos outros se
encontram ocupados, mas continuamente sob a ameaça do desemprego. Esse bem escasso que
o trabalho tornou-se fez inverter a lógica da oferta e procura. A busca de braços baratíssimos e
em abundância,
[...] não requer exércitos, como ocorria nos tempos coloniais. Disso se encarrega,
sozinha, a miséria da maior parte do planeta. É a morte da geografia: os capitais
atravessam as fronteiras na velocidade da luz, por obra e graça das novas tecnologias
da comunicação e do transporte, que fizeram desaparecer o tempo e as distâncias. E
quando uma economia se resfria num lugar do planeta, outras economias espirram
na outra ponta do mundo. [...] Os países competem entre si, corpo a corpo, para
seduzir as empresas multinacionais. As melhores condições para as empresas são as
piores condições para os níveis dos salários, para a segurança no trabalho e a saúde
da terra e do povo. (GALEANO,1999, 180-181)
O Relatório Global OIT - 2006 sobre trabalho infantil traz, no primeiro parágrafo do
Prefácio, que
128
A luta contra o trabalho infantil no mundo continua a ser um desafio enorme, mas
este Relatório Global apresenta provas de que podemos estar em vias de conseguir
uma viragem significativa. Começamos a assistir a uma encorajadora redução do
trabalho infantil – nomeadamente nas suas piores formas em muitas áreas do
mundo. Sabemos hoje que com a vontade política, os recursos e as decisões políticas
acertadas podemos pôr um fim em definitivo a este flagelo que afecta as vidas de
tantas famílias em todo o mundo. (OIT, 2006, p.I).
Organizações do mundo inteiro se mobilizam na luta contra as formas abusivas do
trabalho infantil, culminando nas mais diversas ações, convênios, protocolos, recomendações
com vistas para erradicar esse tipo de trabalho. É preciso, entretanto, compreender em
profundidade o sentido e a direção que ele assume no interior da sociedade capitalista em que
sua exploração adquire uma dimensão mais drástica, pagando menos e explorando mais.
O capítulo VIII de O Capital, sobre a jornada de trabalho é um dos que retrata com
maiores detalhes a falta de limites legais à exploração do trabalho em geral, mas
especificamente do trabalho infantil. Marx (2002, p.297) coloca, com muita intensidade, a
voracidade do capital pelo trabalho excedente e os abusos daí decorrentes, frutos da “sede
vampiresca [...] pelo sangue vivificante do trabalho”. A história da legislação abordada no
curso do ítem 6 deste capítulo (A luta pela jornada normal de trabalho; limitação legal do
tempo de trabalho; a legislação fabril inglesa de 1833 a 1854), mostra que a antinomia
capital/trabalho e em movimento toda uma operação de mobilização de forças para
defender seus interesses. Leis promulgadas, mas não se votavam recursos para sua aplicação
nem para quadro de pessoal necessário à sua execução, leis proibindo o emprego de crianças
com menos de 9 anos, destinando hora às refeições, proibindo trabalho noturno aos menores
entre nove e dezoito anos (lei de 1833) e o Parlamento sempre deixando as brechas para
beneficiar os capitalistas, prorrogando prazos para a lei entrar em vigor. Nem assim era
possível contentar a avidez por mais trabalho.
Capitalistas reinventam formas de burlar a lei, manobras para impedir sua aplicação e
coloca Marx (2002, p.322): “De que adiantava levar os patrões às barras da justiça, se esta,
personificada nos magistrados do condado, os absolvia? Nesses tribunais estavam sentados os
próprios patrões, para julgarem a si mesmos.” Páginas e mais páginas que trazem os horrores
do aniquilamento das faculdades físicas e morais dos filhos do pobre, à espera de alguma
peste mais freqüente para livrar a sociedade dessa ameaça de invasão de mendigos que
aumenta.
Hoje, num cenário em que é desmedida a capacidade do capital de mover-se para
locais antes inimagináveis do planeta, e com o encolhimento do papel do Estado, as
129
transnacionais ganharam um poder de barganha importante na hora de negociar impostos ou
benefícios, leis ambientais e regimes de trabalho com os governos-sede e com os governos
que pleiteiam a sua presença.” (DUPAS, 1999, p.214). Falar da redução do trabalho infantil é
quase uma fábula, numa ‘[...] sociedade de consumo produtora de desperdício, que depende
para seu ciclo de reprodução “industrial-moderno”, não apenas da mais cínica manipulação da
demanda dos consumidores, mas também da mais desumana exploração dos “despossuídos.”’
(MESZÀROS, 2002, p.1005).
3.1.2. “O fim do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance”: Relatório Global da
OIT-2006.
46
É esse o pomposo título do Relatório Global da OIT. Dividido em quatro partes,
apresenta, na I Parte, um quadro global no qual se delineiam as tendências do trabalho
infantil, referindo-se aos progressos nacionais e as políticas que contribuem na redução do
trabalho infantil em todo o mundo. A II Parte analisa as ações da OIT contra o trabalho
infantil desde 2002; a III Parte explora as principais questões políticas e os desafios a nível
global e a IV Parte apresenta um plano de ação desenvolvido em redor de objetivos
específicos no âmbito do enquadramento dos três pilares de ação
47
(OIT, 2006, p. 9).
Na I Parte, os parágrafos (106 a 116) destinados a apontar os fatores para uma
melhor compreensão das causas do trabalho infantil sinalizam dados presentes no Relatório
Global de 2002, indicando que a maior parte do trabalho realizado por crianças se concentrava
no setor da agricultura e era na economia informal que se encontrava a maioria do trabalho
infantil em todos os setores econômicos; o papel significativo que a questão do gênero tinha
na determinação dos diferentes tipos de trabalho efetuados por meninas ou por meninos; o
46
A OIT apresenta, anualmente, Relatório Global dedicado a um dos temas que fazem parte da Declaração da
OIT sobre os Principios e Direitos Fundamentais no Trabalho, adotada a partir de 1998. Os temas são liberdade
sindical e negociação coletiva, erradicação do trabalho infantil, erradicação do trabalho escravo e eliminação da
discriminação. Em 2006, o tema foi sobre trabalho infantil e o título do relatório é “A eliminação do trabalho
infantil: um objetivo ao nosso alcance”. Relatório Global no quadro do Seguimento da Declaração da OIT sobre
os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho -Conferência Internacional do Trabalho, 95ª Sessão 2006,
Relatório I (B), OIT, Genebra.
47
Esses pilares referem-se àqueles do plano de acão de 2002: “reforçar o trabalho do IPEC; mainstreaming do
trabalho infantil em toda a Agenda para o Trabalho Digno da OIT; e reforçar a acção mundial conjunta”. (Ver
OIT: Um futuro sem trabalho infantil, Relatório Global no quadro do Seguimento da Declaração da OIT sobre os
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, Relatório I (B), Conferência Internacional do Trabalho, 9
Sessão, Genebra, 2006, p.8). A expressão mainstreamingdiz respeito aos esforços concertados tendo em vista
influenciar processos, políticas e programas que m um impacto significativo na eliminação do trabalho infantil
( OIT, 2006, p.82).
130
problema da falta de regulamentação do trabalho doméstico; o trabalho infantil como um
produto das forças de mercado, a oferta e a procura; a pobreza, mas, no parágrafo 108, ao
desculpar a pobreza em si como explicação suficiente para o trabalho infantil e sugerir que tal
situação deve também ser atribuída aos grupos mais sujeitos a discriminações e exclusões, aos
quais se nega direitos fundamentais, o relatório apenas aponta o fenômeno, mas não analisa
nem explica as causas dessa exclusão, pelo contrário apresenta algumas explicações que
chegam a ser desconcertantes, pois, de acordo com o relatório,
A grande maioria dos pobres enfrenta situações de insegurança crónica. Isto é não
uma das causas do trabalho infantil, como também condiciona as respostas. As
crises, sejam elas de origem natural ou humana, são uma característica cada vez
mais presente no contexto global em que são feitos esforços de abolição do trabalho
infantil.Várias catástrofes naturais afectaram muitos países na região da Ásia e do
Pacífico nos últimos anos, a mais dramática das quais terá sido o sismo e
subsequente tsunami o mais mortífero de que memória que atingiu a
Indonésia, o sul da Tailândia, o Sri Lanka, o sul da Índia, Myanmar e a Malásia,
deixando mais de 300.000 pessoas mortas ou desaparecidas. Após o desastre, a
vulnerabilidade das crianças aumentou cem vezes. Separados das suas famílias,
meninas e meninos ficaram vulneráveis a raptos e em maior risco de serem
apanhados nas malhas do trabalho infantil como um dos mecanismos de subsistência
adoptados pelas famílias e comunidades sobreviventes. Formas de subsistência e de
indústria, como a pesca e o turismo, foram também afectadas, com a consequente
perda de receitas a agravar ainda mais a vulnerabilidade das famílias e das crianças.
[...]. O trágico tremor de terra que atingiu o Paquistão e outras partes do sul da Ásia
a 8 de Outubro de 2005 resultou em mais de 4 milhões de desalojados, para além de
ter acabado com mais de 1,1 milhões de empregos e formas de subsistência. (OIT,
2006, p.40)
Não é de se estranhar o fato de se encontrar, no Relatório, afirmações, como a que
segue, mesmo considerando que embora a OIT tenha assistência, nas suas atividades, do
projeto UCW (Understanding Children Work)
48
de cooperação interagências (OIT/ UNICEF
e BIRD (Banco Mundial)
As investigações sobre o lado da procura do trabalho infantil são relativamente
poucas quando comparadas com as realizadas relativamente à oferta. Se fossem
identificadas determinadas actividades profissionais nas quais o trabalho infantil é
particularmente rentável, as intervenções no lado da procura poderiam ser melhor
concebidas e direccionadas. Um estudo efectuado pelo IPEC sobre duas actividades
profissionais em quatro países pré-selecionados Índia, Gana, Filipinas e Uganda
permitiu obter dados preliminares sobre a relação entre os salários e a produtividade
de adultos e crianças. Os resultados do estudo foram ao encontro das expectativas
iniciais: pode dizer-se, com algum grau de confiança, que existem de facto
48
Lançado em 2000 como resposta a um dos temas principais (cooperação inter-agências) da conferência de
Oslo, o projecto UCW foi desencadeado pela OIT, o Fundo das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF) e o
Banco Mundial. O UCW está actualmente sediado no Centro de Estudos Internacionais sobre Crescimento
Económico (CEIS) na Universidade de Roma “Tor Vergata” (OIT, 2006, p.50).
131
incentivos do lado da procura em determinados mercados de trabalho infantil, e que
estudos que permitissem desvendar esses efeitos seriam possíveis e esclarecedores
(OIT, 2006, p. 50).
O que deve provocar estranhamento é o fato de não se revelar um segredo escondido
a sete chaves: o processo de exploração do trabalho como algo inerente ao capitalismo.
Sem desconsiderar os méritos e intenções de organismos e instituições voltados para
eliminação do trabalho infantil, uma primeira leitura que se extrai do relatório é uma
propaganda da OIT em benefício próprio, um quadro exibido para impressionar os países que
financiam seus programas e, ao mesmo tempo, exploram em outros rincões do mundo o
trabalho das crianças, deixando à mostra o desprezo pela vida humana, amenizado por suas
milagrosas doações. Segnini (2003, p.40),mencionando artigo intitulado “Enfants exploités”,
de Ignácio Ramonet (Le Monde Diplomatique, 2002), reitera:
A mundialização liberal não significou mudanças positivas nessa situação; a procura
da minimização de custos, entre eles o do trabalho, determinou que mesmo as
empresas multinacionais, consideradas modernas, se apropriassem do trabalho
infantil, sobretudo exportando a produção para países socialmente precários. Cita o
autor, entre outros setores e empresas , o tabaco (Phillip Morris, Altadis), a banana
(Chiquita Brands, Del Monte) e o cacau (Cargill). Podemos somar outros exemplos,
como a recorrente utilização do trabalho infantil em cadeias produtivas vinculadas a
empresas de setores como o automobilístico, calçadista, têxtil (Leite, Márcia, 1996;
Lima, 1998). A pobreza das famílias às quais essas crianças pertencem é um dos
principais fatores desse processo. O Brasil tem sido freqüentemente denunciado
como um país que explora crianças em processos de produção, sobretudo na queima
de carvão nos estados do Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais, regiões que contam
com o estímulo das famílias miseráveis para tanto.
Mesmo nessa precariedade de condições, a inversão da lei da oferta e procura de
trabalho foi radical e dramática que a mesmo a luta travada pelos trabalhadores durante
séculos contra o trabalho das crianças se dilui e vê-se o avesso dos direitos, espaço portador
de muitas indagações ainda sobre o fenômeno do trabalho infantil.
Sennet (1998), em O declínio do homem público: as tiranias da intimidad,e faz uma
leitura interessante do “fetichismo da mercadoria” de Marx, no Capítulo 7 “O impacto do
capitalismo industrial na vida pública”, ao abordar como o comércio varejista se transformara
no século XIX de forma tal que o âmbito público encontrou caminho nas vidas das pessoas
para o desenvolvimento de uma psicologia do consumo que fizesse com que as mercadorias
“[...] adquirissem um sentido, um mistério, um conjunto de associações que não tivessem
nada a ver com seu uso.” (SENNETT, 1998, p.184). Como fazer isso com o consumidor?
Mistificando o uso dos artigos, desviando a atenção dos compradores em relação a sua
132
qualidade e também em relação ao seu próprio papel como comprador. O segredo é fazer com
que a mercadoria sugira, para quem a olhe as possibilidades de uso infinitas, um status
propiciado por seu uso. Afinal, conforme coloca Fontenelle (2005, p.66) “[...] é Richard
Sennett quem [...] centrando parte de sua análise justamente no significado do “fetichismo da
mercadoria” [ para] ajudar entender as bases culturais que originaram a sociedade do
consumo, que uma perspectiva exclusiva da produção não permitiria apreender.”
No caso do alardeado interesse da OIT em divulgar, publicizar seu envolvimento na
luta pela abolição do trabalho infantil, embora não se trate de uma mercadoria palpável,
trabalha-se com imagens de infância no trabalho, pois o apelo às imagens da criança repercute
de forma profunda no imaginário coletivo, ganhando adesão imediata. Explora-se imagens
chocantes, desenrola-se todo um discurso carregado nas tintas para comover o público. O
verdadeiro hieróglifo social, que coloca Marx, não é traduzido, isto é “[...] começa-se depois
do fato consumado, quando estão concluídos os resultados do processo de desenvolvimento”
[apresentando-se] como “formas naturais da vida social [...]. Refletir sobre as formas da vida
humana e analisá-las cientificamente é seguir rota oposta à do seu verdadeiro
desenvolvimento histórico.” (MARX, 2002, p.97). As iniqüidades das relações sociais
responsáveis pelo trabalho infantil são ocultadas. Nessa direção, as contribuições de
Fontenelle (2002, p.20) são muito importantes pois destaca o papel do fetichismo das imagens
na sociedade contemporânea, mostrando
[...] que vivemos, mesmo, uma época marcada pela inflação de imagens que pululam
na captura do nosso olhar. Negar este fato não nos leva a lugar algum, se o que
pretendemos é entender a realidade contemporânea. Outra coisa é a forma de
compreensão desse fenômeno, que, a meu ver, não deve partir de uma descrição
constatativa, mas de busca da relação histórica e material desse processo.
Não importa aqui o que vai ser produzido, se uma mercadoria palpável ou não,
porque afinal o objetivo não é desvendar as raízes do trabalho infantil, mas atrair a atenção e o
apoio públicos, bradar contra o trabalho infantil sem profundidade, na sua “naturalidade” e
superfície. Teatralizar o real, despojá-lo de toda história.
Nas palavras de Juan Somavia, diretor geral da OIT, no prefácio do Relatório Global-
OIT, 2006, a redução do número de crianças trabalhadoras em todo o mundo, nos últimos
quatro anos, é anunciada numa linguagem e estilo quase mágico, principalmente quando se
refere ao decréscimo na área dos trabalhos perigosos. “Quanto mais perigoso o trabalho e
mais vulneráveis as crianças envolvidas, mais rápida tem sido a quebra.” (OIT, 2006, p. I).
133
Logo a seguir, vem a questão: “Como é que isto aconteceu?” As soluções: educação
gratuita, compulsória e de qualidade até a “idade mínima” e “acabar com a pobreza numa
geração – nesta geração – é a grande causa global de hoje [...] tal poderá ser conseguido se
o trabalho infantil passar à história.” (OIT, 2006, p. 8). E o primeiro parágrafo metralha as
palavras luta, trabalho infantil, desafio, viragem significativa, encorajadora redução, fim do
flagelo. E encerra:
Podemos acabar com as suas piores formas numa década, sem perder de vista o
objectivo último que é acabar com todo o trabalho infantil. Sem dúvida que ainda
muito por fazer, e nenhum de nós o pode fazer sozinho cada um de nós tem de
continuar a investir na luta pela dignidade de todas as crianças do mundo. (OIT,
2006, p. V)
Todo o relatório está impregnado desse tom profético ou apocalíptico que transporta
o leitor o tempo todo do paraíso dos direitos ao inferno do trabalho infantil. Ao contrário do
que afirma Rosemberg
49
, não foi a longa tradição progressista das pesquisas brasileiras que
fez com que a infância desvalida, pobre e os adolescentes considerados em “situação de risco”
(“meninos de rua”, prostituição, gravidez adolescente, etc), tornassem-se os focos da
pesquisa, mas o fato é, segundo Fontenelle (2002), que a sociedade precisa dessas imagens.
Desse modo,
Na sociedade contemporânea, um verdadeiro “fetichismo das imagens”. Nesse
sentido não tomo o fenômeno como falsificação da realidade, manipulação pura e
simples de um sujeito encantado e passivo diante de tais imagens, mas assumo que o
“império das imagens” é um sintoma de nossa época, podendo ser o ponto de partida
para que possamos pensar uma nova forma de representação da realidade. E, na
medida em que ‘...a melhor forma de se escudar do sentido de uma produção
humana é ignorar a forma pela qual ela se materializa, num estilo determinado e
num digo expressivo particular...” torna-se necessário, antes de tudo, que se
compreenda como essas imagens se articulam com o mundo da realidade material, já
que toda forma de representação ‘tem um modo de existência determinado’.
(FONTENELLE, 2002, p.22)
Nessa direção a teoria do fetichismo tem maior consistência e atualidade para não se
perder no avesso do direito, para examinar com a atenção devida qual é a missão social desse
discurso, pois se sabe que o capital não pode existir sem explorar o trabalho e, no caso do
trabalho infantil, a redução do seu custo para o capitalista apresenta-se como um bom prato
49
Texto citado por Warde (2007) em artigo publicado na revista Perspectiva, da UFSC, que aparece nas suas
referências como texto mimeografado. Numa busca pela internet, foi possível localizá-lo sem, entretanto, dispor
de referências mais amplas, além do título “Criança pequena e desigualdade social no Brasil” e da autora Fúlvia
Rosemberg.
134
para essa fome insaciável de trabalho excedente, facilitada pela falta de contratos, pela
ausência de remuneração, pela terceirização, pela reedição do trabalho em domicilio e
utilização do trabalho doméstico, afinal pela precarização e pelo desmantalemento dos
direitos dos trabalhadores. Tudo isso maquiado no discurso de uma luta incansável pela sua
redução, edulcorada com tabelas e gráficos apresentando os frutos colhidos, afinal são
variadas as estratégias para protegerem as crianças.
Nunca sedemais insistir na crítica da epistemologia empirista e seu princípio de
realidade que embasa o discurso liberal dominante, segundo o qual
Os fatos e, sobretudo, os dados numéricos “falam por si mesmos”. Falso, os fatos e
os números não “falam”; eles permanecem mudos até serem corretamente
interrogados (ordenados e analisados) com o auxílio de uma teoria consistente com o
conjunto da realidade social capitalista. (CASTRO, 2003, [s.p]).
O que aqui se apresenta é a face caridosa e benevolente do capitalismo com suas
políticas públicas e toda inclinação de cuidar bem das crianças. Silva (2003, p.153) ao refletir
sobre as políticas “sociais” no campo canavieiro em Pernambuco e sua natureza neoliberal,
menciona os acenos de “promessas irrealizáveis, eldorados e paraísos com base no marketing
ideológico do para todos”. E complementa que “[...] quando se trata especificamente de
Políticas Sociais aplicadas à infância e adolescência [...] o que está em jogo, o que vigora [...]
é justamente a carência de uma política que seja capaz de mudar a vida, de transformar a
realidade.” (SILVA, 2003, p. 154).
Usando, ao longo da história, dos recursos do internamento das classes consideradas
perigosas ou em risco de vir a ser combinadas com as doses de caridade, assistência e
filantropia, o capital apresentava uma outra face, prometendo um paraíso conforme é possível
observar no pomposo título do Relatório Global-2006 de erradicação do trabalho infantil.
Nesse sentido, Silva (2002, p.158-59) aprofunda sua crítica partindo-se exatamente de uma
crítica ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), pelo fato de
[...] operar ideologicamente com a palavra erradicação [...] com o mito da
erradicação da exploração. [...] Nos meandros dessa lógica [...] de arrancar pela raiz
a exploração do trabalho infantil, vejo uma impossibilidade de tal promessa, uma
vez que a exploração é inerente e necessária à perpetuação do próprio modo de
produção capitalista.[...] Não é possível erradicar a exploração do trabalho infantil
sem antes erradicar toda e qualquer forma de exploração da condição humana [...]
sem erradicar as bases do modo de produção capitalista, nas quais sustenta a
Economia Política.
135
A leitura do Relatório da OIT vai revelando um verdadeiro encantamento dos
criadores frente à criatura. Uma adoração que perpassa todo o discurso que se torna
impossível desviar dessa explicação fetichista. Acerca disso, Jappe (2006, p.33) traz o
seguinte:
Marx compara explicitamente o fetichismo da mercadoria ao fetichismo religioso,
no qual os homens adoram os fetiches que eles próprios criaram e atribuem poderes
sobrenaturais a objectos materiais. [...]. Os marxistas tradicionais tanto quanto os
não-marxistas, quando não preferiram simplesmente ignorar esta temática marxiana
ou liquidá-la [...] quase sempre interpretaram o fetichismo como uma mistificação,
no sentido de que a estrutura real da produção capitalista produz necessariamente
representações falsas que lhe escondem o verdadeiro aspecto [...]. Essa mistificação
existe e Marx utiliza a expressão “fetichismo” sobretudo nesse sentido. Mas o breve
capítulo sobre fetichismo [...] permite(m) chegar a uma conclusão inteiramente
diversa: Para Marx, o fetichismo não é apenas uma representação invertida da
realidade, mas uma inversão da própria realidade. E, nesse sentido, a teoria do
fetichismo é o centro de toda a crítica, que Marx dirige aos fundamentos do
capitalismo. [...] Longe de ser uma “superestrutura” pertencente à esfera mental ou
simbólica da vida social, o fetichismo reside nas próprias bases da sociedade
capitalista e impregna todos os seus aspectos.
O tom do Relatório encarrega-se do envolvimento mágico do leitor com a luta contra
o trabalho infantil. Na espera da significativa “viragem” desse quadro em muitas áreas do
mundo, anuncia-se que o fim do flagelo está próximo. Tudo se passa como se o trabalho
infantil estivesse se instalado magicamente nos diversos quadrantes do mapa sem que se
peceba todo o processo de inversão da realidade.
3.2 O AVESSO DOS DIREITOS: NA DEFESA DO TRABALHO INFANTIL
Novamente aqui aparece a invocação da figura da criança relacionada ao trabalho,
também informada por um fetichismo da infância, carregada de significações. Agora não mais
em falta, incompleta, num processo de “tornar-se”. Aqui as crianças são protagonistas.
Podem cruzar as fronteiras, abalam os discursos liberais sobre desenvolvimento infantil ao
mesmo tempo em que revelam, às avessas a exclusão das crianças do mundo adulto. Se no
paraíso dos direitos ao não-trabalho uma representação de infância relacionada à sua falta
de “maturidade” tanto social quanto biológica, agora com direito ao trabalho é louvada,
idealizada. Essas tentativas de “proteger” as crianças acabam por negar a criança concreta,
fetichizando-a.
136
Através de publicações do IFEJANT
50
, foi possível mapear alguns autores que se
enquadram na terceira perspectiva mencionada por Sarmento, defendendo a criação de
normas legais que protejam o trabalho das crianças da mesma maneira que é regulamentado o
direito dos trabalhadores adultos. Esse instituto mantém a publicação semestral da Revista
NATs
51
(Niños e Adolescentes Trabajdores) e conta com a colaboração de diversas
organizações voltadas para a questão da infância e preocupadas em socializar as experiências
realizadas com as crianças trabalhadoras. Entre elas, tem-se o MNNATSOP (Movimiento
Nacional de NATs Organizados del Peru), MANTHOC (Movimiento de Adolescentes e
Niños Trabajadores Hijos de Obreros Cristianos- Peru), Terre des Hommes Bundesrepublik
(Alemanha), Acción por los niños, Bice (Poder Crecer), BUTTERFLIES o BHIMA
SANGHA (Índia, Nepal, Tailândia), CRECEFOR (Colectivo Regional de Centros de
Formación), BROEDERLIJK DELEN (Bélgica), GENERACIÓN (Em defensa de los
derechos de las niñas que viven em la calle), SAVE THE CHILDREN
52
(Suécia), VEREIN
NATs (Alemanha) Asociazone NATs (Itália), MLAL (Movimiento Laici América Latina-
Itália) ITALIA NATs.
50
El IFEJANT “Mons. German Schmitz”, es producto de una vasta experiencia de cinco organizaciones que
conforman desde 1989 la Coordinadora Nacional de Movimientos Hermanos (C.N.M.H): la Juventud Obrera
Cristiana JOC (1935), el Movimiento de Adolescentes, Niñas y Niños Trabajadores Hijos de Obreros
Cristianos MANTHOC (1976), el Instituto de Promoción y Formación de Trabajadoras del Hogar
IPROFOTH (1962), el Servicio de Educación Popular SEP (1972) y el Instituto José Cardijn IPEC (1984).
Nace así, por mandato recogido del III Encuentro de Niños y Adolescentes Trabajadores (NATs) de America
Latina y el Caribe (Guatemala, 1992), una institución en respuesta a la necesidad de asegurar que los
Educadores/Colaboradores de venes, adolescentes y niños trabajadores (JANTs) reciban una formación
integral y sistemática. Posteriormente, se ha acogido la invitación del Movimiento Nacional de Niños y
Adolescentes Organizados del Perú MNNATSOP (1996) para dar formación a sus educadores/colaboradores.
El instituto lleva como nombre “German Schmitz” (1926-1990), en homenaje y gratitud a este obispo peruano,
infatigable animador de comunidades cristianas, amigo y colaborador de la JOC, quien alentó la creación del
MANTHOC, del IPEC y de programas de Formación. Pastor docto, servidor de los pobres, iniciador de
multiples experiencias de actores protagónicos: hombre de Dios. (Disponível em <www. Ifejants.org>). Acesso
em ago. 2005.
O primeiro contato com as publicações do IFEJANTs aconteceu durante o XXV Congresso ALAS (Associação
Latino-Americana de Sociologia), realizado no ano de 2005, em Porto Alegre-RS.
51
Revista Internacional semestral dos “Niños e Adolescentes Trabajadores”, publicada desde 1995 em espanhol,
inglês e italiano. Até o momento foram 15 números publicados da Revista NATs, com início em 1995 ,
encontrando-se esgotados os quatro primeiros números. Numa página da web (www.ifejants.org), é possível
acessar todas as publicações .
52
Save the Children (Suécia) foi fundada em novembro de 1919, é membro da Aliança Internacional Save the
Children, o maior movimento independente do mundo, comprometido com a luta pelos direitos das crianças e
adolescentes, e baseia seu trabalho na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas. O Escritório
Regional para a América do Sul está localizado em Lima, Peru, e realiza seu trabalho por meio de parceiros
principalmente organizações não governamentais da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai,
Uruguai,Venezuela, além do próprio Peru. (CUSSIÁNOVICH; MÁRQUEZ, 2002).
137
O IFEJANTs divulga, ainda, perspectivas da participação infantil em outros
movimentos como o NATRAS (Niños, Niñas y Adolescentes Trabajadores - Nicarágua), o
Movimento Africano de Meninos e jovens trabalhadores, o MMMR (Movimento dos
Meninos e Meninas de Rua Brasil) e MOLACNATS (Movimento Latinoamericano e do
Caribe de Meninos, Meninas e Adolescentes Trabalhadores: Assunção –Paraguai).
A defesa do direito ao trabalho infantil e a recusa às políticas abolicionistas da OIT,
embasam boa parte dos artigos da Revista NATs e os argumentos são buscados na Convenção
dos Direitos das Crianças (CDC, 1990), especialmente nos artigos que defendem o direito das
crianças a darem sua opinião em relação às questões que lhes dizem respeito, direito a
liberdade de associação e de celebrarem reuniões pacíficas, o direito de serem escutados, de
receberem informação e, assim, também coloca em pauta a discussão sobre o protagonismo
infantil . De acordo com os Artigo 12 e 13 da CDC,
1. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito
de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo
devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua
idade e maturidade.
2. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos
judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de
representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas
regras de processo da legislação nacional.
Artigo 13
1. A criança tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a
liberdade de procurar, receber e expandir informações e idéias de toda a espécie,
sem considerações de fronteiras, sob forma oral, escrita, impressa ou artística ou por
qualquer outro meio à escolha da criança. (UNICEF/CDC,1990, p.10-11).
Entre os autores que defendem a aceitação do trabalho infantil e o protagonismo
infantil, destacam-se, entre outros, Manfred Liebel
53
e Alejandro Cussianóvich
54
.
Liebel
55
(2006) não poupa suas críticas em relação ao Relatório Global da OIT –
53
Manfred Liebel é sociólogo alemão, membro do IFEJANTs, professor da Universidade Tecnológica de Berlim,
estudioso das organizações de meninas e meninos trabalhadores, estudando especialmente in loco, na Nicarágua,
estes movimentos e em outros países da América Latina, Ásia, África e também na Europa. Conforme Editorial
da Revista Nats 15 (p.6), essa opção do autor pelos meninos trabalhadores deve-se ao fato de preocupar-se
com o ser trabalhador e menino e com o trabalhador que hoje é menino.
54
Alejandro Cussianovich, cofundador da Revista NATs é docente no Mestrado de Políticas Sociais e promoção
da Infância na Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM-Lima-Peru), membro do IFEJANTs e da
Rede de Universidades Latino-Americanas para a Infância.
55
Uma versão um pouco diferenciada desse texto, também se encontra na mesma obra referenciada, página 169-
172, disponível nas referências e pode ser encontrada ainda em www.pronats.de/fileadmin/pronats /documents
com o título El nuevo Informe de la OIT sobre el trabajo infantil- um documento presuntoso. Berlim, maio/2006.
138
2006, por anunciar que a redução do trabalho infantil é um objetivo possível de ser alcançado.
Afirma, ainda, que a OIT alardeia dados para
[…] sugerir a la opinión pública (y, al parecer, también a los Gobiernos, a los
organismos patronales y a los sindicatos que constituyen los tres “pilaresde la
OIT) la imagen de un trabajo incansable y cada vez más exitoso y, por otro, en todo
caso, no alejarse demasiado de la realidad. Al final, ambas cosas no son creibles.
(LIEBEL, 2006, p.174).
É também irônico ao se referir às estatísticas, principalmente nas referências da OIT
apontando a redução em 11% de meninos e meninas trabalhadores e 26% no número daqueles
que realizam trabalhos perigosos. Isso significa para Liebel (2006, p.173), que, por um lado,
[…] no faltaría nada más ni nada menos que la friolera del 89% y en el trabajo
infantil considerado peligroso el 74%. Es la OIT misma que, en su plan de acción,
solamente formula como objetivo la erradicación de las “peores formas” del trabajo
infantil en los próximos diez años, mientras que para las demás formas de trabajo de
niños no fija ningún plazo.
O questionamento das cifras apresentadas também se refere às categorias e fontes
usadas, considerando que elas são
[…] cuestionables e fontes y todos de medición insuficientes. La definición más
amplia de la OIT se refiere a la así llamada “actividad económica” de los/las
niños/as. Se excluye de manera explícita las tareas que los niños/as realicen en su
propio hogar y el “trabajo escolar”. Si bien esta definición de actividad económica
incluye también las actividades cuyo resultado no está destinado directamente al
mercado, quedan excluidas todas aquellas actividades cuyo fin no es la ·”generación
de plusvalía económica”, independientemente de si son o no vitales (p.e. trabajo en
el hogar de la propia familia o la producción para el propio sustento de la persona).
[...] La OIT sólo habla de “trabajo infantil” que requiere de medidas políticas en
relación a aquellas actividades que están prohibidas según las Convenciones de la
OIT no. 138 y no. 182. De acuerdo a eso, lo que realizan los/las niños/as mayores de
12 años que trabajan algunas horas por semana en una actividad permitida y también
la actividad laboral de niños/as mayores de 15 años cuyo trabajo es considerado “no
peligroso”, no es “trabajo infantil”. Desde la perspectiva de la OIT, el trabajo
infantil lo es una categoría jurídica y, por lo tanto, es definido por conceptos
jurídicos, de los que tácitamente se presume que son “adecuados” y “en el interés”
de los/las niños/as. Eso vale también para los/las niños/as que realizan trabajos
llamados peligrosos. También esta categoría nace de las pautas jurídicas de las
Convenciones de la OIT, especialmente de la no. 182. (LIEBEL, 2006, p. 174)
Nessa direção, o Editorial da Revista Internacional NATs (n. 15, 2006, p. 9-10),
intitulado OIT: ‘“Blowing his own trompet”’ que em espanhol quer dizer “tocándote tu propia
trompeta”, pode ser traduzido pela idéia de que a OIT alardeia a diminuição do trabalho
infantil no mundo para dizer “[...] a la comunidad internacional y a los Estados que la
139
financian, que ni el dinero invertido em su burocracia não ha sido inutil, ne sus desvelos,
improductivos [...]” (NATs, 15, 2006, p.9). Essa avaliação é feita pelas suas próprias
entidades, é então uma auto avaliação e não dá a impressão de uma avaliação externa e
imparcial.
Liebel (2000, p.90) insiste nas suas críticas à OIT afirmando que ela pouco
demonstra saber sobre a magnitude, natureza e efeitos do trabalho infantil, “[...] faltan datos
mas fundamentalmente sobre el número de niños que trabajamn, lo quehacen, durante cuanto
tiempo, qué tareas realizan, se trabajam em condiciones peligrosas o no etc. Esta falta de
informaciones detalladas y fidedignas
56
constituye um obstáculo importante para fijar unos
objetivos realistas y concebir atividades eficaces de lucha contra el trabajo infantil”. Apesar
de reconhecer que vários projetos do IPEC implementados em cooperação com ONGs
consideram as condições locais em que se o trabalho infantil e inclusive aceitam propostas
que venham de outras partes interessadas, critica aquilo que a OIT denomina de “globalização
justa”.
Em sua obra La otra infancia, o capítulo 8 intitulado “A Organização Internacional
do Trabalho e o trabalho infantil: de que serve aos meninos trabalhadores?”, mostra que a
OIT, nas suas publicações do início dos anos 1990 tem apresentado novos tons e argumentos
que, até então, em seus quase oitenta anos de história, desconhecia e que principalmente em
relação ao fato de concentrar na luta pela eliminação das piores formas de trabalho infantil,
tem demonstrado uma concepção mais realista do mesmo.
Tece também, críticas à pesquisa de Gustavo Pineda e Berta Rosa Guerra
(psicólogos) por concluírem que a atitude positiva dos meninos trabalhadores frente ao
trabalho deve-se a uma deficiência no patrimônio crítico, a uma dupla alienação pelo fato de,
além de considerar o trabalho como um elemento chave de sua identidade, o consideram
ainda, como algo extraordinariamente atrativo. (LIEBEL, 2001, p.36). O autor continua
insistindo que essa pesquisa peca exatamente por não fazer uma análise adequada das repostas
das crianças, afirmando que o gostar de trabalhar das crianças “tem uma dupla alienação, um
duplo sentido que não interioriza o trabalho, mas o trabalho tem convertido para eles em
algo extraordinariamente atrativo”. (LIEBEL, 2001, p.37). O que o estudo traz é que esse
interesse e atração pelo trabalho por parte das crianças pode ser desviado para outros âmbitos
56
Grifos do autor.
140
e atividades. Para Liebel, a pesquisa citada tem como única finalidade desenvolver estratégias
para reduzir o trabalho dos meninos e essa é uma posição totalmente contrária à sua.
Argumenta que pelo fato de as investigações serem financiadas por certas
organizações que perseguem interesses específicos, inclusive a própria OIT, ficam expostas a
interesses políticos, ideológicos e culturais dessas organizações que não têm um consenso
sobre o que é trabalho e se limitam àquelas atividades e formas de atividades que são
“consideradas “negativas”, “daninhas”, más etc.
Liebel, para tanto, traz a diferença entre labor e work, estabelecida pela OIT em
1990. Sendo o primeiro termo referente a formas daninhas de trabalho infantil (perigosa para
a saúde e segurança, limitadora do tempo livre, prejuízo para a educação, orientações
instrumentalistas, limitam o contato com os pais ou crianças da mesma idade, enfim trabalho
explorado) e a segunda relaciona-se a formas de trabalhos toleráveis (propicia autonomia,
confiança na própria força, aquisição de conhecimentos econômicos, experiência de trabalho).
Nessa perspectiva, o trabalho infantil fortemente influenciado pelo sistema cultural. O
autor vai trabalhar com rios exemplos de pesquisas etnológicas e antropológicas nas
culturas não-ocidentais para mostrar como a concepção de infância e trabalho se afasta do
padrão ocidental. Nas sociedades não-ocidentais, são comuns as formas de “aprender
trabalhando” ou de “aprender na vida cotidiana”. Na Europa, o trabalho das crianças é visto
como parte de sua emancipação e transformação em sujeitos sociais, principalmente nos
países de língua alemã que fazem uso de quatro conceitos sobre trabalho infantil:
Se comprende ao trabajo infantil como trabajo asalariado;
Se comprende ao trabajo infantil como trabajo escolar;
Se comprende ao trabajo infantil como trabajo como mezcla de actividad sociales
y culturais, cujo denominador común es que los niños desempeãm un papel activo
na sociedad;
Se comprende ao trabajo infantil como trabajo como actividad enfocada em un
objectivo que tiene uma relevância visible para la satisfacción de las necessidad
humanas y que em este sentido, es necesaria para la sociedad (LIEBEL, 2003,
p.151).
Sua crítica incide justamente na maneira como a OIT diferencia labor e work, pois,
para Liebel (2003, p. 193) essa lógica é cega à realidade das crianças trabalhadoras. Assim,
[...] todo se mide com el trabajo asalariado que nasció com el capitalismo.
Otórgandole “valorexclusivamente ao trabalho asalariado todas las demas formas
de trabajo son despreciadas, especialmente aquellas denominadas “reproductivas”.
Desde tal perspectiva, no se puede ni analizar ni avaliar de manera adecuada la
141
grande mayoría del trabajo que hoy en dia es practicado por niños. Y iso vale tanto
para el Sul como para el Norte.
Sob essa perspectiva, vai apontando o nível altamente moralizador do trabalho
considerado explorado como sinônimo de abuso,maltrato, excesso ou sobrecarga. Para os
adultos, a palavra exploração tem sentido econômico e, para as crianças, tem sentido moral,
segundo Liebel. E à medida que vai tentando argumentar a respeito da incompletude do
conceito de exploração econômica ,usado pela OIT, associado a abuso, maltrato etc., traz
vários exemplos de que “[...] la explotación de niños y ninas no queda restringida a la esfera
laboral tradicional y que [...] es difícil hacer uma delimitación exacta entre trabajo e no-
trabajo em términos de espacio, tiempo e conceptos. (LIEBEl, 2003, p. 197). Será? Os
exemplos trazidos pelo autor, decorrentes de várias pesquisas por ele mencionadas, referem-se
a alguns tipos de trabalhos que serão mencionados no próximo item por estarem estreitamente
associados com o trabalho infantil de “prestígio” .
No texto de Liebel, “Repensar a mirada adulta: pobreza infantil, trabajo infantil e la
nova subjetividade de la infância”, fica claro que os aportes teóricos que têm embasado essas
reflexões vêm da interlocução com a sociologia da infância. Questionando os enfoques
adultistas que vêem na infância apenas preparação para a vida adulta, aponta o enfoque da
sociologia da infância como perspectiva distinta por compreender a infância como uma
construção social e cultural. Segundo ele, a sociologia da infância ao focar seu olhar para as
crianças das sociedades ricas apresenta-as como
‘Indivíduos activos’ sobre los cuales la sociedad adulta ya no puede disponer a la
voluntad como prueba sirve [...] el reconocimiento creciente de los niños como
‘sujetos de derechos’ y la autonomía avanzada de los niños como actores
competentes frente las nuevas tecnologías de comunicación y como consumidores
conscientes. (LIEBEL, 2003, p.31).
Recorrendo a um sociólogo alemão, pontua que
[...] a nova celebração do sujeito autônomo não se situa sem fissuras na tradição da
ilustração crítica mas no ponto nevrálgico de interesses políticos e sociais na
imposição de relações mercantis em todos os campos da interação e transação e com
ele dentro do interesse de uma economização da subjetividade
57
(BEISENHERZ
apud LIEBEL, 2003, p.31).
57
Grifos meus
142
Harrán (2001, p.72) é outro autor que defende o trabalho infantil, afirmando que a
corrente abolicionista “[…] se fundamenta en una visión moralista y focalista de lo que se
considera como una anomalía en la organización social”, enquanto a perspectiva defendida
por ele “[…] devela la realidad y denuncia una organización social y económica injusta y
generadora de pobreza, que presiona sobre la colectividad obligando a utilizar todos los
mecanismos posibles de sobre vivencia, y entre ellos el trabajo infantil.” Embora não
desconheçam as raízes do trabalho infantil ancoradas no sistema cioeconômico, defendem
mesmo assim o protagonismo argumentando o seguinte:
Afirmar el derecho al trabajo de niños y niñas no es afirmar la obligación de que
trabajen, ni es avalar las condiciones en que actualmente realizan el trabajo.
Impulsar el protagonismo social de niñ@s trabajador@s no es justificar el sistema
socio económico que presiona por menores costos sociales y mayor rentabilidad, con
la consiguiente concentración del capital y del poder; impulsar el protagonismo
social de niñ@s trabajador@s es denunciar al sistema y unir fuerzas sociales para
frenar la ambición neoliberal. Promocionar el derecho al trabajo de niños y niñas no
es negar los derechos de la infancia a ser protegida, por el contrario es reconocer al
niño/ a como persona protagonista de su propio destino. (HARRAN, 2001, p.173)
Ao defender esse protagonismo, apesar das boas intenções, os autores acabam
tendendo para uma proposta reformista, considerando ser possível no capitalismo, o trabalho
apenas na dimensão de criador da vida humana, de valores de uso, conforme trecho a seguir:
Defender el derecho de niños y niñas al trabajo, es defender el derecho a la dignidad
y no marginalidad ni discriminación del niño por el hecho de ser niño o niña que
trabaja. Defender el derecho de estos niñ@s, es también asegurar el derecho de estar
protegido contra la explotación. Reconocer a los niñ@s trabajador@s como sujetos
sociales de derechos, es valorar su actividad laboral y por lo tanto dignificar a
quienes la realizan; este reconocimiento social favorece el control y protección de
los niñ@s trabajador@s contra la explotación laboral. Aceptamos que el trabajo es
un valor. Si es un valor humano, es también un derecho humano,
independientemente de la edad. Y si es un derecho humano, no se le puede abolir ni
prohibir, aunque legislar para protegerlo de los abusos que puedan darse.
(HARRÁN, 2001, p.174).
Embora alguns argumentos em relação à proibição do trabalho infantil sejam
pertinentes na direção de perceber que ela pode culminar em “[…] marginar a aquellos que se
pretende proteger, en efecto, al niñ@ además de ser pobre y tener que trabajar, será un
marginado condenado a tener que trabajar en la clandestinidad y al filo de la ley”. (HARRÁN,
2001, p.175). Não se justifica, a partir desse fato resvalar para a defesa do trabalho infantil e
do protagonismo quando se tem claro que essas formas contemporâneas de fetiche encontram-
143
se ancoradas no mesmo discurso que vem embasando a sociologia da infância e alimentando
também o movimento do fetichismo do trabalho infantil.
3.2.1 Protagonismo infantil: afirmação das diferenças etárias ou negação das
desigualdades reais?
58
A centralidade da palavra protagonismo dada pelo IFEJANTs está diretamente
relacionada com seus objetivos de formação integral e sistemática de educadores e/ou
colaboradores que atuam junto a jovens, adolescentes e crianças trabalhadores. Para certificar-
se disso, basta acessar as publicações destinadas especialmente a esse tema e ainda artigos
vários que compõem os números das revistas editadas pela instituição.
Vários autores, como Liebel (2001), Figueroa (2001), Cussiánovich e outros têm o
protagonismo infantil como objeto teórico, entretanto Cussiánovich pode ser considerado um
dos principais divulgadores desse enfoque na América Latina, considerando suas inúmeras
publicações sobre o tema. Ensayos sobre infância (2006), extensa obra sua, gira em torno do
protagonismo infantil e logo na introdução, ao mesmo tempo em que indaga sobre a
dificuldade que se tem de reconhecer as crianças como atores, sujeitos sociais, culturais,
políticos e econômicos, coloca a necessidade de conhecer como tem sido gestada no tempo a
idéia de infância. O caminho que o autor se propõe a percorrer passa pela construção,
desconstrução das imagens, idéias e representações sociais sobre a infância.
A essas idéias o autor acrescenta a “Pedagogia da ternura” como um componente
fundamental da promoção do protagonismo.
Documento elaborado por Cussiánovich e Márquez (2002) para a Save the Children-
Suécia é todo dedicado à discussão do protagonismo infantil seja na visão das instituições que
desenvolvem projetos sobre os direitos da criança, na visão de promotores sociais e
educadores que desenvolvem programas de direitos das crianças e na visão das próprias
crianças (Capítulo 1); apresenta ainda espaços onde as crianças participam como
protagonistas (Capítulo 2) e experiências de participação (Capítulo 3).
Discute questões de contexto e questões metodológicas que dificultam a participação
assim como a insegurança das crianças em relação a sua capacidade de participação. Essa vem
prenhe de qualidades e tem seus impactos no desenvolvimento das crianças; é condição
58
Idéia emprestada de Brayner (2001).
144
necessária, mas não suficiente. O protagonismo aparece como elemento central da experiência
de construção e organização dos movimentos sociais de meninos trabalhadores. E ele envolve:
La radical afirmación de la individualidad, de la condición de sujeto y el valor dado
a la palabra de cada, son tres factores que la metodología del Manthoc ofrece como
fuente de resiliencia. Posiblemente la palabra propia valorada sea la forma exterior
más simbolizante de su reconocimiento como persona, como alguien que vale la
pena. El efecto en su autoestima es notorio. (CUSSIÁNOVICH; MÁRQUEZ 2002,
p.26)
A palavra protagonismo, segundo Sempértegui (1997, [s.p]) na apresentação do
Módulo II da obra ‘“Jóvenes y niños trabajadores: sujetos sociales, ser protagonistas”, é “uno
dos pilares conceptuales y practicos que sostienem la intencionalidad política, social, cultural
e essencialmente ética de los Movimientos de Jants en nuestra region”.’ (SEMPÉRTEGUI,
1997, [s.p]). É usada no sentido de ator principal, personagem central, mas sempre
acompanhada de um adjetivo: protagonismo integral/participação protagônica. Consideram o
protagonismo como característica do ser humano e, em todas as publicações, vê-se uma
preocupação de explorar a densidade da categoria, muitas vezes portadora de uma carga
religiosa. Assim, coloca Cussiánovich (1997, [s.p]):
Protagonismo como lugar de encuentro (arjeion), como punto de unión (arjeuo): No
hay protagonismo cuando se separa, cuando se crea ou mantiene el desencuentro,
cuando se provoca división, confusión, cuando se pretende transformar un lugar para
encontrarse com los demás en un lugar em que los demás me pueden encuentrar.
Considerando a atuação do IFEJANTs nos movimentos sociais, especialmente no
Movimento de Meninos, Meninas e Adolescentes Trabalhadores (MNNATs), percebe-se a
insistência em colocar que o protagonismo da criança não é minimizado pelo do adulto,
inclusive defende-se que “[...] um buen critério de discernimiento em torno al próprio
ejercicio del protagonismo consiste em verificar cunto hemos sido capaces de contribuir al
protagonismo de los demás.” (SEMPÉRTEGUI, 1997, [s.p]).
Na perspectiva de suas análises, o IFEJANTs não descarta a necessidade de repensar
a categoria geracional juntamente com outras, como classe, etnia etc, mas suas análises
insistem na construção social da infância e defendem a “desconstrução”, reconstrução de uma
nova cultura adulta. O exercício do protagonismo infantil implica uma redefinição do poder
na sociedade, um frontal questionamento do poder adulto, e em decorrência disso, caminham
rumo à defesa de uma nova cultura da infância, recorrendo a autores da sociologia da infância.
145
Na interlocução com Allison James e Alan Prout, destacam desses autores seis pontos que
caracterizam um novo paradigma da infância:
1-La infancia como una constrcción social;
2- La infancia como una variável de análisis social. No puede ser interamente
separada de otras variáveis como clase, género e etnicidad;
3-Las relacioness sociales de los nino y sus culturas merecen ser estudiadas por si
mismas;
4-Los niños deben ser vistas como activas na construcción e determinación de sus
própias vidas;
5-La etnografia es una metodologia particularmente útil para lo estudo de la
infancia;
6- La infancia es un fenómeno en relación ao cual la doble hermenêutica de las
ciencias sociais está incisivamente presente. (JAMES; PROUT apud
CUSSIÁNOVICH; MÁRQUEZ, 2002 [s.p])
As propostas dos adultos que atuam junto às crianças nas organizações em que elas
permanecem de cinco a oito anos aproximadamente, estão voltadas para desenvolver “[...] una
vocación de sujetos, de actores, de gente capaz de hazer algo significativo para si, para los
demás.” (FIGUEROA e CUSSIÁNOVICH, 2001, p.12). Esses são os pontos fundamentais da
metodologia animados pela pedagogia da ternura, defendida por Cussiánovich.
É o discurso do protagonismo infantil que insiste na necessidade de repensar a
criança não só como beneficiária de direitos, mas como sujeito social de direitos que não quer
ser cidadã do futuro e sim do presente. Os autores vão argumentando que, ao encarar essas
dimensões, não nelas uma idealização nem mitificação do trabalho infantil, porque essas
crianças, por terem começado a trabalhar cedo em condições de deterioração crescente, têm
uma visão da experiência de trabalhador que levanta sua dignidade, auto-estima e o direito de
trabalhar. Insistem na necessidade de uma representação conceitual e afetivo-sentimental
positiva que não negue o que as crianças trabalhadoras percebem de outra forma, mas que
também não seja ingênua, idealizada, mas representações “[...] que dan cuenta de dimensiones
y de diferencias personales y culturales que normalmente no se asumem em las
representaciones dominantes de infancia.” (FIGUEROA; CUSSIÁNOVICH, 2001, p.15).
Liebel (2001, p.33) também vai na direção da defesa do protagonismo discutindo a
investigação participativa com a infância, chamando a atenção para a necessidade de dar voz
aos meninos, pois durante muitos anos criticou-se as “investigações da infância sem
meninos”. Em relação a propostas de investigar o pensamento dos meninos trabalhadores
sobre vários aspectos do seu cotidiano, o autor defende que a inserção de crianças na
investigação seja de fato uma arma para que as perspectivas das crianças tenham importância
146
e possam ser consideradas na prática pelas organizações de ajuda. Coloca, entretanto, algumas
dúvidas em relação a esse aspecto, principalmente pelo fato de as investigações sobre trabalho
infantil moverem-se em alta temperatura política.
O quadro a seguir, elaborado para esta tese, baseado nos diversos artigos divulgados
pela Revista NATs, aponta vários eventos em que se destaca a participação infantil na defesa
do direito ao trabalho.
Quadro 11. Encontros e Congressos realizados por meninos trabalhadores (1988- 2004)
Ano Evento/Movimento Local de realização
1988 I Encontro Latinoamericano e do Caribe desde
1988de NATs
Peru
1989 II Encontro Latinoamericano e do Caribe de NATs Buenos Aires
1992 III Encontro Latinoamericano e do Caribe de NATs Guatemala
1994 Encontro de Bouaké Costa do Marfim
1995 IV Encontro Latinoamericano e do Caribe de NATs
Encontro de NATs
Santa Cruz
Bamako (Mali)
1996 Encontro de NATs
I Encontro Mundial de de Meninos, Meninas e
Jovens Trabalhadores
Ouagadougou (Burkina
Faso),
Kundapur (Índia)
1997 V Encontro Latinoamericano e do Caribe de NATs Lima
1998 VI Encontro Latinoamericano e do Caribe de NATs Colômbia
2004 I Encontro Mundial dos NATs Berlim
Fonte: Elaborado pela autora
Ochoa (2003), ao avaliar a perspectiva do protagonismo infantil, o faz com muita
cautela, ponderando que o enfoque se encontra “fazendo-se”, mas situa a perspectiva de
Cussiánovich, um dos seus principais representantes, no contexto da sociologia da infância e
da hermenêutica construcionista. Afirma que essa corrente tem adquirido, nos últimos vinte
anos, relativa hegemonia nas ciências sociais e assim posiciona-se em relação às principais
idéias que tem alicerçado esse discurso da construção social hermenêutica:
En base a varias correntes europeas como son la revalorización de la acción social
intersubjetiva sobre las estructuras, el discursivismo, el textualismo, la presença de
autores como Foucault, la racionalidade comunicativa, la sociologia interaccionista
norteamericana e anglo sajona etc., se señalam que lo social es propriamente una
construcción y que las classificaciones sociales com las cuales actuamos na
sociedad, compartimos lazos sociales e asumimos codigos colectivos, son creaciones
humanas que funcionam como discursos con los cuales clasificamos e ordenamos la
147
realidad. La presencia de Foucault es relevante en esta perspectiva. (OCHOA, 2003,
p.59).
E o autor ainda completa chamando a atenção para a forma como essa perspectiva
hermenêutica tem embasado os movimentos sociais neste século que se inicia. Evita revelar
claramente sua posição em relação a tal perspectiva e termina o texto com esta questão:
“Limites do construcionismo e do protagonismo?” completada por outras propondo que as
respostas sejam buscadas coletivamente, mas chama a atenção para dois aspectos da
discussão:
Por un lado, se necesitamos configurar una sociologia de la infância e por su vez ter
discurso de impacto e novedad, a oportunidade que nos brinda lo “enfoque del
protagonismo” es excepcional [...]. Pero, por otro lado, no será que também tiene
“limites de fuerza” que la obrigan a repensara limando sus excessos e incluso como
muestran los enfoques de la psicologia del aprendizaje e sicoanálise del nino a
descartala por apresurada e inverosímil. (OCHOA, 2003, p.64)
Tanto as correntes que defendem a abolição do trabalho infantil quanto aquelas que
lutam pelo direito das crianças de exercê-lo fazem uso de certo apelo emocional, um certo
alardear do sofrimento infantil e das precárias condições às quais as crianças são submetidas.
O mesmo não se dá, todavia, em relação ao trabalho infantil artístico. Não é trabalho? O que
faz com que adquira tonalidades diferentes no quadro do trabalho infantil?
3.3 TRABALHO INFANTIL DE “PRESTÍGIO”
Não se pretende enveredar pela seara da discussão da especificidade do trabalho do
artista, apenas colocar na pauta da discussão o trabalho artístico infantil e a forma como esse
tipo de trabalho tem sido tratado e parcamente debatido.
Como coloca Coutinho
59
(2004, [s.p]),
O silêncio em torno das atividades realizadas por artistas mirins na televisão nas
lutas empreendidas pela erradicação do trabalho infantil não retrata somente um
vazio [...] que [...] traduz principalmente o indício de um outro horizonte que tem
59
Esse texto foi encontrado na Internet sem nenhuma referência à autoria. Ele, entretanto traz no final, sete
“Sugestões para alteração do texto” e, em duas delas, cita-se o nome da professora Aldacy e foi por essa pista
que uma busca no “Google” permitiu a identificação da autora e do periódico em que o artigo encontra-se
publicado, porém não foi possível acessar o periódico e as citações estão sem número de página.
148
sido permitido ultrapassar na sociedade. O trabalho do menor no campo, ou no chão
de fábrica, por acaso seriam mais ou menos aviltantes à construção de sua
personalidade do que o que ocorre nos bastidores de uma televisão? É nessa
perspectiva que se busca compreender se na condição de ser artista algo que se
possa subtrair da concepção de trabalho de sorte a que a sociedade não repudie tal
situação [...]. Que ideologia permite burlar a lei, ao vivo e à cores, para todo o
Brasil, com os aplausos de todos, sob flashes, fotos e reportagens, de crianças
privadas do seu maior bem, obrigadas a serem adultos antes do tempo.
Aproveitando-se das argumentações da autora, entende-se que sobre esse tipo de
trabalho não nenhuma previsão de como deve ser realizado, apenas que a participação de
menores em programas de televisão fica condicionada a uma autorização judicial, porém esta
autorização refere-se à moralidade e insalubridade do ambiente de trabalho e o trabalho do
menor sob a luz da proibição constitucional não é sequer mencionado. Nem mesmo o ECA
traz qualquer referência a esse tipo de trabalho. Não é trabalho?
A autora
60
continua:
Ao contrário da posição fantasiosa disseminada, o ofício de artista é trabalho e como
tal, possui disciplina própria. [...] A Convenção dos direitos das crianças da
Organização das Nações Unidas, em seu artigo 32, reconhece que toda criança tem o
direito de ser protegida de qualquer exploração econômica e de executar qualquer
trabalho- inclusive o artístico, por conseguinte que seja perigoso ou que venha a
interferir com a educação, que seja prejudicial a saúde ou seu desenvolvimento
físico, mental, espiritual, moral e social. (COUTINHO, 2004, [s.p])
Quanto ao trabalho danoso, a autora afirma o seguinte:
Não é todo e qualquer trabalho que é danoso ao desenvolvimento do menor. O ECA
prevê, em seu artigo 68, § , a regularidade da realização do trabalho educativo, no
qual o desenvolvimento pessoal e social do menor tem preferência sobre a atividade
laboral, servindo como capacitação do jovem para o trabalho regular. Esta espécie
de trabalho, autorizado em lei e ainda carente de regulamentação, é uma viável
alternativa de qualificação e inserção futura do jovem no mercado de trabalho, visto
que concilia a formação profissional e educacional deste. Frise-se que a
remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na
venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo. (COUTINHO,
2004, [ s.p])
Em relação ao trabalho das crianças na televisão, manifesta sua opinião contrária,
considerando a forma como se apresenta atualmente, porque é prejudicial ao desenvolvimento
social e psicológico das crianças.
60
Professora de Direito do Trabalho na Universidade Federal do Paraná, Doutora em Direito e advogada
procuradora do mesmo Estado.
149
Para Coutinho (2004), a Convenção n. 138 da OIT, “[...] é a única norma que prevê e
autoriza o trabalho do menor na televisão, por intermédio de prévia licença de autoridade
competente”, em seu artigo , mesmo assim a considera inconstitucional, embora ratificada,
“[...] pois claramente contrária ao que dispõe o artigo , inciso XXXIII, da Constituição da
República.”
Liebel (2006, p.158), também apresenta discussões sobre o “trabalho infantil elitista”
(assim denominado pela psicóloga suiça Gabrielle Bierber-Delfosse os trabalhos realizados
por crianças nos meios de comunicação), trabalho escolar, trabalho de casa, trabalho social
não remunerado, trabalho voluntário entre outros que são algumas vezes elogiados e outras
vezes condenados. Em relação a esses trabalhos, não se usa a etiqueta trabalho infantil.
Considerando pesquisa alemã recente em relação à participação de crianças em
atividades esportivas de alto rendimento, sinaliza que, para esse pesquisador, está ‘[...]
surgindo um novo tipo “des-limitado”, “não fordista” de trabalho infantil, atribuído às
atividades no entorno social.’ (LIEBEL, 2006, p.159). Como exemplo, traz as atividades de
cuidar de idosos, trabalhos nos meios de comunicação, showbusiness, animação de eventos,
desenho de ginas web, assim como treinador e academias de skateboard, no setor dos
esportes. Por serem atividades atrativas e gerarem altos ganhos, atrairem a atenção pública,
melhorarem a posição social de quem a exerce, entre outros aspectos, são atividades vistas
com “bons olhos”. Esses espaços, muitas vezes, significam um trampolim para a carreira
profissional. Liebel (2006, p.161) mostra que
[...] la doble moral que se alimenta del mito de la inocencia de la niñez se practica,
sobre todo, en concursos de belleza, los así llamados children’s beauty pageants, y
aquí, principalmente en relación a las niñas. Se estima que, cada año,
aproximadamente un millón de niñas menores de 16 años participan en este tipo de
concursos que, por cierto, son un negocio multimillonario que, a través de los
auspicios, de la publicidad, de diseñadores, fotógrafos, estilistas, academias de
modelaje está estrechamente vinculado a otros ramos de la economía,
particularmente con la industria de la belleza. Es por eso que, los concursos de
bellez infantiles, en los que incluso «participa bebés, constituyen un estupendo
«cazadero» para las agencias de modelaje y otros «buscadores de talentos».
O autor vai destacando os aspectos positivos e negativos desse tipo de atividade,
realçado pelos pesquisadores, que podem ter pesos diferenciados pelas crianças que a
exercem. Muitas exigências são demasiadas e geram estresse como os procedimentos de
seleção, a angústia da espera dos resultados, os cursos de postura, maquiagem, a duração das
filmagens, gravações, personagens que representam, afinal o processo de conversão da
150
criança em estrela. A crítica do autor à pesquisadora Bieber-Delfosse é dirigida no sentido de
que ela se afasta da proposta de tomar as crianças como atores e ainda não supera na sua
análise, o esquema da criança como vítima e não reflete de maneira pertinente o auto-conceito
dos meninos que trabalham no mundo da mídia e se é chamado de trabalho infantil elitista não
é apenas porque implica prestígio, fama, altos ganhos etc, mas porque “[...]
Más allá de todo
esto, hay que tomar en cuenta también que los niños que tienen acceso a un trabajo en los medios
son, más que todo, hijos de padres que tienen más «capital social» (y, tal vez, también de más
capital
econômico e cultural [...].” (Liebel, 2006, p.165).
Exemplos apontados por Liebel (2003, p.196) sinaliza outras formas sutis de
exploração da força de trabalho infantil, no sentido de colocar em evidência que essas formas
não estão limitadas às clássicas relações de trabalho assalariado, mas que cabe aqui citar por
sinalizar formas “pedagógicasde exploração do trabalho infantil, tais como: participar de
campanhas para provar/aprovar sabores de cereais, recrutar professores, para juntamente com
os investigadores de mercado, “desenvolver modelos de ensino, no qual os alunos criam uma
nova campanha publicitária para determinada empresa, spots publicitários para doces de
frutas, anúncios e informações em relação a alguns produtos e que são pregados nos próprios
ônibus escolares; desenvolvimento de conceito e embalagem para pizzas que terminam por
figurar em cardápios infantis; sugestões de jogos, idéias para pastéis e anúncios que possam
ser aproveitados nas festas de aniversários das crianças realizadas em determinados locais,
etc. Liebel (2006) completa com exemplo de uma pesquisa de Naomi Klein, que a autora
classificou como o mais infame de todos:
Em los EEUU, Coca Cola organizo um concurso em varias escuelas. La tarea
consistia em desarrollar una estratégia de distribuición de bonos de Coca Cola a los
alumnos. La escuela que presentava la mejor estratégia, ganaría la soma de 500
dólares americanos. Uma escuela en el Estado da Geórgia, que tomo muy em serio
el concurso organizo uma jornada de Coca Cola, en la que todos os alumnos se
presentaron en el colégio vestidos com t-shirts da Coca Cola para luego colocarse de
tal forma formase a palabra “Coke”, formación da cual se saco una fotografia
(KLEIN apud LIEBEL, 2003, p.197).
Em relação a esse exemplo o autor informa que um aluno teve o atrevimento de
apresentar-se na escola com uma camiseta da Pepsi, uma infração que culminou em expulsão,
que, nesse dia, a escola tinha como convidados o presidente regional da Coca-Cola e
pessoas que tinham vindo da empresa para falar em nome dela, sobre a referida promoção.
151
O que os exemplos mostram é a utilização do trabalho infantil por grandes empresas
de artigos esportivos, para indústria de alimentos, doces etc. Tudo se apresenta como uma
grande brincadeira e diversão das quais se tem em troca a utilização do sistema educativo,
fazendo aparecer como educativo e pedagógico um trabalho que beneficia muito mais as
empresas que às crianças.
3.4 OUTROS FETICHES SOBRE INFÂNCIA E TRABALHO INFANTIL
As perspectivas sobre as quais o trabalho infantil tem sido tratado apontam-no como
um mal que deve ser eliminado ou como parte da socialização das crianças, independente de
seus efeitos. Aparece nas pesquisas como fonte de orgulho, status e mesmo independência
para as próprias crianças, suplementação da renda familiar, atividade essencial para as
famílias pobres; o trabalho infantil esconde seus mistérios. Algumas vezes são enaltecidos os
seus efeitos benéficos e terapêuticos, sua função dignificadora, antídoto às más companhias,
às drogas e aos riscos da rua, à marginalização e à ociosidade. Elemento que propicia
responsabilidade a quem o exerce, cria base de solidariedade, possibilita aprender ofícios e
habilidades são outros tantos aspectos positivos do trabalho. Como se não bastasse tais apelos
a uma vida de trabalho total ele se apresenta relacionado a uma dimensão de prazer, sedução,
fonte de felicidade, ajuda. Em meio a tudo isso aparece também relacionado à infelicidade e
desprazer. São estes aspectos realçados nas pesquisas de Oliveira e Pires (1995), Marques,
Fazzi e Leal, (2003), Ibarrola e Mijares, (2003), Gouveia (1983 e 1993), Dauster (1992),
Rosemberg e Freitas (2002), Whitaker (2002), Silva, (2002), Osowski e Martini (1997 e
2003). Afinal, como coloca Gouveia (1983, p.55) “[...] decorrente desse modo do menor
encarar o trabalho, esse aparece como uma “necessidade transfigurada em virtude.”
Muitos são os elementos necessários para compreender a intrincada rede na qual se
enreda o trabalho infantil e uma delas, muito destacada na atualidade em decorrência dos
estudos da sociologia da infância, é a necessidade de dar voz às crianças, ouvi-las, saber o que
têm a dizer sobre suas vivências. Nessa direção, Rosemberg e Freitas (2002) mencionam uma
pesquisa realizada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Sociais e
Econômicos), em 1995, em seis capitais brasileiras. Ao observar que praticamente todas as
crianças entrevistadas declararam gostar de trabalhar, o DIEESE, segundo as referidas
autoras,
152
[...]
não consegue aprofundar a compreensão desta declaração e tenta “desmistificar
a própria fala das crianças: “De onde vem essa idéia? Quem disse que criança
precisa trabalhar para ajudar em casa? Por que é divertido trabalhar? Por que esse
trabalho que exige tão pouca qualificação é visto como aprendizado? É muito difícil
encontrar razões concretas e objetivas para explicar essa idéia. Ou seja, as razões
subjetivas das crianças são descartadas em nome das “razões concretas e objetivas”
do analista adulto que não consegue integrá-las a seu quadro interpretativo.
(ROSEMBERG; FREITAS, 2002, p.96)
As autoras trazem dados de várias pesquisas sobre a participação de crianças no
mercado de trabalho, mostrando que “quase unanimidade das crianças entrevistadas disse que
não gostariam de parar de trabalhar” [...] que embora registrem “[...] queixas, reclamações e
reivindicações quanto às condições de trabalho: cansaço, desgaste físico, risco, maltrato do
corpo” [também] se referem ao gosto, prazer por trabalhar (muito associado à sociabilidade).”
(ROSEMBERG; FREITAS, 2002, p.96). E insistindo nessa direção mencionam estudos na
bibliografia brasileira que embora reconheçam as condições gerais de exploração da classe
trabalhadora, não a consideram como a única explicação para a existência do trabalho infantil,
ou sejam estudos que não descartam de suas análises a perspectiva da cultura. E as autoras
indagam: “Não ,estaria ocorrendo um embate pelo direito ao trabalho”? ( p.114).
Um entendimento mais completo dessa questão exige que se apontem as
circunstâncias no interior das quais brotam essa sedução pelo trabalho, mesmo porque essa é
uma dimensão pouco explorada nas pesquisas e que devem ser submetidas a uma análise
crítica, conforme colocam Osowski e Martini (1997, p.76).
Rosemberg e Freitas (2002, p. 96-97) afirmam que a erradicação do trabalho infantil
angariou unanimidade nacional, mas vêem essa erradicação como missão impossível, no
contexto brasileiro contemporâneo, principalmente quando baseada na estratégia de
“fortalecimento da escolaridade para retirar a criança do mercado de trabalho”. Considerando
a aceitação inconteste da proposta de erradicação do trabalho infantil e por tal razão
questionar este discurso, é temerário e pode ser considerado “politicamente incorreto” ou
“inimigo da criança”, mas mesmo assim buscam “enfrentar os temores e desafiar as
unanimidades”( p. 96-97) porque isso tem inibido análises mais complexas e fundamentam o
questionamento em duas bases: a convicção metateórica de “que os seres humanos
(individualmente ou em grupos) são movidos também pelos significados que atribuem aos
atos humanos (individuais e coletivos) e não apenas por cálculos de custo-benefício” e as
“evidências empíricas de pesquisas macro e micro que sugerem padrões complexos de
153
articulação entre trabalho infantil, escolarização, estrutura do mercado de trabalho e práticas
de relacionamento familiar” (ROSEMBERG; FREITAS, p.97). As autoras centram seus
argumentos na “impregnação do trabalho infantil nos valores brasileiros e perguntam:
“quantas gerações submetidas a revoluções culturais, econômicas, políticas e éticas seriam
necessárias para erradicar uma experiência que formou dois terços da força de trabalho
ocupada?”.
Muitas perguntas ainda demandam respostas. Qualquer que seja a perspectiva
adotada sobre o trabalho infantil, sua compreensão envolve a sua caracterização e da realidade
na qual ele se realiza e não é demais repetir que esses valores e aspectos culturais que dão
sabor ao gosto pelo trabalho e têm bases materiais e que, portanto, essa é mais uma forma
contemporânea do fetiche edulcorada com a perspectiva culturalista. Por mais que ela seja
importante ao realçar o peso do simbólico nas trocas humanas, também traz seus perigos,
necessitando perguntar com Chauí (2000, p.12) “quando e por que se passou ao elogio do
trabalho como virtude e se viu no elogio do ócio o convite ao vício, impondo-se negá-lo pelo
neg-ócio?”.
Autoras brasileiras, como Rizzini (2007), Spindel (1985), Rosemberg e Freitas
(2002), em que pesem as diferenças de perspectivas teóricas, têm enfrentado a polêmica sobre
a erradicação ou não do trabalho infantil, apresentando argumentos que destacam a
complexidade da questão.
Rizzini (2007, p.398), para realçar a necessidade de ouvir as crianças e facilitar sua
participação no planejamento das ações a elas destinadas, cita experiência ocorrida na Índia,
relatada em jornal elaborado por crianças trabalhadoras, cobrindo caso de “[...] crianças que
foram retiradas de seu local de trabalho, cedendo às estratégias de boicote das nações ricas
aos produtos feitos por elas. Sem alternativas, as crianças foram obrigadas a trabalhar em
locais bem mais perigosos que os anteriores.”
Discutindo com trabalhadores adolescentes indianos sobre a proibição do trabalho
infantil em atividades perigosas, esses manifestaram algumas preocupações, que, segundo à
autora, são pertinentes à realidade brasileira:
A principal dizia respeito à existência de alternativas concretas para a criança deixar
o trabalho. O país pode assegurar que estas crianças terão acesso a uma boa
educação? A escola está adequada a esta criança? Alguém perguntou o que ela e
seus pais consideram que seja uma boa educação? Existe o temor, nada infundado,
de que o afastamento do trabalho as empurre para a realização de atividades mais
prejudiciais do que as anteriores. A inclusão de crianças e adolescentes nas
154
discussões trouxe polêmica para a posição monolítica de que é preciso, a qualquer
custo, eliminar o trabalho infantil. [...]. Quem conhece a fome sabe que sonhos não
enchem a barriga...Os programas são elaborados nos gabinetes, longe dos olhos de
quem pretende beneficiar. (RIZZINI, 2007, p.399)
Spindel (1985) busca contrapor com exemplos da prática do cotidiano dos menores
por ela pesquisados em 1982, a distância entre o legal e o ideal referente a alguns aspectos da
legislação, tais como: o trabalho do menor não deve prejudicar seu desenvolvimento, não
deve impedir sua formação moral e escolar e ainda é concorrente do trabalho do adulto. Ela
vai mostrar como o conhecimento empírico permite contrapor esse tipo de discurso.
A autora mostra, ainda, que o binômio escola-trabalho não é excludente em si. “Hoje,
uma grande parte dos menores que trabalham, estudam. [...] para uma parte dos menores que
trabalham, a estabilidade no emprego é também, ou é a única garantia de sua escolarização.”
(SPINDEL, 1985, p.27-28). Refletindo sobre a tese do menor como usurpador do trabalho do
adulto, a pesquisa mostra que “[...] o chefe homem como arrimo de família [...], não tem base
empírica e [...] são os filhos em geral, menores ou maiores, os que engrossam as estatísticas
de números de assalariados por família.” ( p. 29).
O que se vê são imagens de infância e trabalho infantil disputando o gosto do público
nas mais diferentes perspectivas teóricas. Fetichiza-se e idealiza-se tanto a criança, quanto seu
trabalho.
Se é considerada apenas criança, é doce, pura, inocente. Se é criança trabalhadora é
adulto prematuro, menor sem infância, mas também responsável, maduro, solidário etc. Uma
outra infância? Outros direitos? Essa visão sacralizada de infância não estaria associada a uma
visão utilitarista da mesma? É preciso cuidado para que o investimento acalorado no
protagonismo infantil não anule o
protagonismo adulto,
e em nome da defesa de uma
pedagogia da infância resvale-se para a defesa de uma pedagogia do trabalho infantil e, mais
que isso, ignore-se que no mundo onde impera as mercadorias todo cuidado é pouco para
evitar o fascínio fetichista do conteúdo que se esconde por trás das formas. De onde vem esse
caráter mágico, sedutor do protagonismo e inocência tão logo ele é associado às crianças?
Que processo levou o trabalho infantil a adquirir tal status?
Para isso, é necessário muito cuidado e, nesse sentido, tentar avançar com Fontenelle
(2002) para além de Marx, negando a tese da “falsa consciência” e insistindo em uma “ilusão
socialmente necessária” de um sujeito que sabe que as imagens que consome são ilusórias,
mas age como se não soubesse. A autora afirma que o “[...] sistema capitalista desenvolveu
155
uma modalidade nova de fetiche, que precisa ser melhor investigada naquilo que seria apenas
a ponta de seu iceberg: as imagens.” (FONTENELLE, 2002, p. 65).
As imagens de infância e trabalho são sintomas de uma realidade social mais ampla,
e entender como funciona essa sobreposição de imagens da infância, associada ou não ao
mundo do trabalho implica não se enredar facilmente na denominada “sociedade do
espetáculo” (DEBORD, 1997) que busca na imagem um novo desdobramento da alienação
fetichista.
Soa eloqüente proibir as piores formas de trabalho infantil num momento em que a
precarização do trabalho é uma constante, a destrutividade do ser humano pouco importa ao
capital e onde se percebe toda uma mobilização do setor empresarial e autoridades municipais
empenhando-se em programas da “Empresa Amiga da Criança” ou “Prefeito Amigo da
Criança”- Fundação ABRINQ. A mobilização dos profissionais e instituições dos meios de
comunicação através da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), sindicatos
desenvolvendo programas de sensibilização através de cursos, seminários, publicações,
mobilizações e pesquisa, estabelecendo Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil, alargando para nove anos o ensino obrigatório que antes era de oito anos,
criação de programas como “Toda a Criança na Escola”, Programa para a Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI), entre outros, mostra o tamanho interesse pela causa da criança e do
trabalho.
Segundo Delgado (2004, p.74)
La presencia de las transnacionales de la caridad (ONGs) y las declaraciones e
intervenciones humanitarias” de los organismos internacionales (UNICEF, OIT)
coinciden [...] con la retirada del Estado y con los efectos producidos por el ajuste.
Las ONGs, funcionales ao modelo neoliberal, pretenden aliviar los desastres sociales
del enriquecimiento desenfrenado de unos pocos: “aliviar la pobreza” para hacerla
más suportable, pero a cambio de que los empobrecidos no cuestionen el modelo
que los empobrece, al contrario, terminen aplaudiendo a sus verdugos. En efecto, en
la misma medida que se establecen programas para aliviar la pobreza, crece la
concentración de la riqueza.
Todo esse movimento leva a
[...] afirmar sem medo de errar que Marx desmistificou as relações capitalistas e
sinalizou que a pobreza por elas criadas acabou sendo ignorada pelo próprio
capitalismo ou dada para as entidades sociais para desenvolverem a caridade. Neste
sentido, Marx demonstrou que a miséria e a pobreza teriam soluções fora do
sistema capitalista (SANTOS FILHO, 2007, [s.p]).
156
Num momento em que O mundo devora suas crianças (Brisset, 2005, [s/p])
61
,
declara guerra contra elas, planta minas por todo o campo considerado inimigo, impõe
embargos a regiões inteiras, treina crianças para matar e acostuma-as a conviver com a morte,
soa como brincadeira falar em despreparo para conviver com as diferenças e em nome delas
multiplicar os apelos românticos, propor uma Pedagogia da ternura. Como coloca Brayner
(2001, p. 208-209),
O celebrado “direito à diferença” [...] não pode ser admitido como a auto-afirmação
narcísica de uma identidade fechada e impermeável. Discurso que [...] significa, no
fundo, que ao crescimento da sensibilidade à aceitação das diferenças culturais
corresponde um decréscimo da sensibilidade às desigualdades reais, notadamente,
econômica e social, em que o pano de fundo se constitui de uma certa noção de
“razão ocidental”, entendida por alguns como o inimigo privilegiado a combater.
É de bom-tom lembrar que a investida culturalista no campo do trabalho infantil se
ancora nas mesmas bases em relação a essa investida na análise da infância no campo da
educação. As bases teóricas que sustentam o direito ao protagonismo em relação ao trabalho
infantil são as mesmas que o vem sustentando em relação à escola, com algumas repercussões
sérias no processo educativo principalmente no tocante à relação ensinar e aprender. São essas
discussões que fazem parte do próximo capítulo.
61
Disponível em htpp://exploraçaodohomem.wordpress.com.2007/09/26/a-guerra-contra-as-crianças-claire-
brisset. Acesso em maio 2006. São excertos adaptados da obra da autora: “um mundo que devora suas
crianças.Porto, Campo das letras, 2005.
CAPÍTULO 4
FETICHISMO DA INFÂNCIA: UMA ILUSÃO SOCIAL NECESSÁRIA
A necessidade de colocar em debate o trabalho infantil é decorrente de uma certa
insatisfação ao perceber, nas produções teóricas do campo educativo e especificamente no
campo da teoria pedagógica, uma mistificação na forma de conceber a infância e a criança.
Esta questão havia, de certa forma, sido anunciada por Charlot (1983) no seu livro A
mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação.
Parte dessa mistificação poderia ser derivada da forma como a criança vai emergindo
na teoria educacional. Segundo Charlot (1983, p.99) “a lenta aparição do sentimento da
infância na sensibilidade ocidental, entre o século XIII e XVII, é a esse respeito reveladora.”
Recorrendo-se a Áriés, Charlot mostra que a criança é introduzida na iconografia medieval
por meio de temas religiosos e metafísicos: representando anjos, o menino Jesus, a infância da
Virgem Maria e outros santos, e a pedagogia também vai elaborar suas representações de
infância, traduzindo os conceitos essenciais sobre os quais se funda, isto é, em termos de
natureza e cultura, que para serem aplicados à infância, tomam um sentido temporal: a
infância precede a idade adulta. Nesse sentido, além do tempo aparecer como dimensão
específica da infância, o autor vai mostrar a reinterpretação dos conceitos pedagógicos de
infância e algumas imagens da criança veiculadas pelo pensamento pedagógico.
Para refletir sobre infância, fazia-se necessário nesse momento, rever algumas
concepções e imagens de infância que insistem em permanecer na teoria do social (aspecto
que se procurou contemplar no capítulo 1), e teoria da educação, que por tal razão camuflam a
condição da infância e impedem que se faça uma leitura afinada dos diferentes tempos e
espaços onde se dão as relações sociais e nas quais a criança vai se formando.
Charlot (1983, p.19-21) ao refletir sobre a imagem da criança na pedagogia
tradicional e na pedagogia nova, mostra que
158
A pedagogia tradicional insiste na insuficiência de desenvolvimento e de experiência
e encara, de maneira puramente negativa, a falta de acabamento da criança. Julga a
criança com referência ao que deve tornar-se, isto é, em função de uma norma Ideal
[...]. O procedimento da pedagogia nova é inteiramente outro, pois sua concepção da
natureza humana é, ela mesma, outra. A pedagogia nova dá interpretação positiva à
falta de acabamento da criança e insiste no desenvolvimento da criança, no fato de
que a criança está em via de tornar-se, por caminhos próprios, o que deve ser.
Ao fazer esse percurso, Charlot (1983) pretende precisar as significações ideológicas
veiculadas por esses sistemas pedagógicos que ao fixarem-se numa idéia de natureza infantil,
mascaram a significação social da infância e a relação adulto/ criança como uma relação
social. Importa destacar, entretanto, que essa insuficiência, essa falta de acabamento, não é
apenas biológica, é também social. Não é possível falar da criança sem integrar, nessa fala, os
comportamentos do adulto e da sociedade face a ela. Nessa perspectiva, o que se perde em
substância nas considerações sobre a criança é que ela “[...] não se define por sua relação com
os adultos e com a sociedade, mas pela inadequação entre seus poderes e suas necessidades”.
A dimensão social dessa relação acaba por ser ocultada.
Isto faz lembrar a carta de Marx a Annenkov (MARX; ENGELS, 1982, p.546),
comentando sobre o livro de Proudhon Filosofia da miséria e tecendo severas críticas a esse
autor por ser “[...] incapaz de seguir o movimento real da história” e pela forma como
organiza as categorias na sua cabeça desordenada, enfatizando que essas são relações sociais e
ainda por Proudhon considerar o “[...] desenvolvimento social dos homens como coisa
distinta, separada, independente do seu desenvolvimento individual.” (p.545). Reduz o social
ao individual e não que “as categorias econômicas são apenas abstrações das relações
reais.” (p.549). Só vê antagonismo onde há a luta dos contrários.
Na análise de Charlot sobre a mistificação pedagógica da concepção de infância, o
que está em confronto não são os poderes naturais da criança com suas necessidades naturais,
mas com as condições sociais de satisfação de suas necessidades naturais. Não se trata aqui de
negar as especificidades das crianças, suas particularidades fisiológicas, mas entender a
dialética entre o particular, o singular e o universal.
À medida que aprofundava as leituras, mais incomodava a forma como a criança era
abordada, idealizada, mitificada, deixando à mostra a necessidade de buscar a criança como
de fato ela é. Que caminho escolher? Uma primeira pista colocada veio do texto de Arroyo
(1998) Trabalho-educação e teoria pedagógica, que insistia no escasso diálogo entre a área
trabalho-educação e o campo da teoria pedagógica, e muitos pontos de encontro, ainda não
devidamente explorados. O autor insiste, praticamente em todo o texto, que apesar da
159
produção acumulada nas diversas áreas da pesquisa em educação o diálogo entre as áreas foi
escasso, principalmente em relação ao campo trabalho-educação e teoria pedagógica.
As interrogações foram se avolumando e as abordagens sobre a criança, na teoria
pedagógica foram se revelando incapazes de uma aproximação mais consistente com as
crianças concretas, de carne e osso. O que a teoria pedagógica fornecia eram imagens que
pareciam muito distantes da criança real, principalmente se comparadas com algumas
imagens que satanizam a infância. Ora anjos, ora vítimas, ora demônios.
Aqui vale destacar a advertência de Marx e Engels (1982, p.14) em A ideologia
alemã segundo a qual,
Não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e também
não se parte dos homens narrados, pensados, imaginados, representados, para daí se
chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos, e com
base no seu processo real de vida representa-se também o desenvolvimento dos
reflexos e ecos ideológicos deste processo de vida. Também as fantasmagorias no
cérebro dos homens são sublimados necessários do seu processo de vida material,
empiricamente constatável e ligado a premissas materiais. A moral, a religião, a
metafísica e a restante ideologia, e as formas da consciência que lhes correspondem,
não conservam assim por mais tempo a aparência de autonomia[...]. Não é a
consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. No primeiro
modo de consideração, parte-se da consciência como indivíduo vivo; no segundo,
que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos vivos reais e considera-
se a consciência apenas como a sua consciência. (MARX; ENGELS, 1982, p. 14).
Realizar um encontro com a infância e com a criança que nela vive não é tarefa fácil.
Ora encontra-se diluída nos infinitos adjetivos usados para qualificá-la ora se transforma num
ser fictício, sem corporeidade social de que é parte e lhe dá sentido. Algumas vezes é
nomeada sob prismas que a representam apenas na sua negatividade, outras vezes enquanto
objeto sem valor que figurou nas seculares ginas da história e, muitas vezes também nelas
esquecida: seja na história trágico-marítima marcada de dor e de conflito entre o mundo
adulto e o universo infantil, seja enquanto aprendiz de guerra, seja como ameaça pública,
como vítima de abusos de toda ordem, a verdade é que a criança foi ganhando visibilidade
como futuro bandido, como representação de perigo, como suspeito social, entre outros.
Afinal, a criminalização e periculosidade da infância iam de mãos dadas com sua pureza
angelical, com sua existência na clandestinidade e, ao mesmo tempo como objeto de exibição
pública. Formas de significar a infância e formas de vivê-la. Formas de aparecer na ordem das
operações discursivas fortemente ancoradas na ordem das estruturas materiais. Se, “no real
160
não falta nada: toda percepção de uma falta ou de um excesso (‘não bastante disso’, ‘há
demais daquilo’) implica um universo simbólico”
62
.
Como penetrar nesse campo sem resvalar para a pluralidade dos universos
discursivos, buscando compreendê-los na sua íntima relação com a realidade extra-discursiva?
Que materialidade corpo a essas imagens? Desconfiava-se da existência de algum segredo
guardado nessa inflação de imagens contraditórias da infância e da criança e que, para
descobri-lo, não bastava desvendar o conteúdo oculto por detrás das adjetivações, mas
explicar por que essa forma de aparecer da infância e da criança (suas imagens) assumiram o
lugar da própria criança.
Não é puro acaso a aparência ser confundida com a essência, das imagens se
confundirem com o real, de imagens de inocência, pureza e bondade estarem sendo
substituídas por outras imagens de infância, conforme aponta Arroyo (2004, p.12) com muita
propriedade:
[...] antes mbolos de bondade, substituídas por imagens de decadência moral.[...]
teremos inexoravelmente de balançar-nos entre imagens angelicais ou satanizadas?
[...]. Outras imagens dos educandos são possíveis. Os alunos são outros porque são
obrigados ou porque escolhem outras formas de viver ou de ser?
Na busca de ferramentas de análise para esta inspeção, deparou-se quase que
magicamente com a categoria fetichismo que explodiu num texto de Kohan (2007)
juntamente com o livro de Fontenelle (2002), que foram puxando outros como Evangelista
(2001), Dufour (2005), Rubin (1987) que tinham, na obra de Marx, o ponto de partida.
Concordando com a idéia de que vivemos numa época marcada pela inflação de
imagens, buscou-se entender, nesse capítulo algumas práticas dirigidas às crianças que as têm
moldado para funcionar como portadoras de “imagens pré-definidas e como suportes de
determinados sentimentos de infância que precisam ser analisadas com cuidado para
desvendar que idéias e ideais sustentam tais práticas.
O capítulo 1 apontou algumas estratégias preventivas e corretivas utilizadas para
“salvar” as crianças, apontou ainda que as crianças pobres foram expulsas do paraíso e
jogadas às ruas, às fábricas e às escolas como locais de tratamento do diagnóstico de risco
moral. Toda a crítica que se fez a esse tipo de remédio administrado às crianças acabou, por
substituí-lo por outro mais fraco, que as colocam num trono, deixando-se diluir competências
62
Excerto extraído da orelha do livro de Zizek (1996), Um mapa da ideologia.
161
e habilidades que se sabe que elas têm, porém exploradas o mínimo possível para se ter a
impressão de que se está tratando o mal, administrando outro remédio, cujo princípio ativo é o
mesmo.
O que se propõe, neste capítulo, é colocar em pauta a emergência de alguns ideários
de formação da infância tendo como ferramenta metodológica a categoria fetichismo.
4.1 AVENTURANDO-SE NOS CAMINHOS DA CATEGORIA FETICHISMO
O subtítulo não é puro acaso. Parte-se da premissa de que lançar mão da categoria do
fetichismo é mesmo uma aventura, tais são seus vínculos com as categorias da reificação, da
alienação (sua antecedente juvenil), uma dimensão particular desta etc. Se pensar com Rubin
(1987, p.19) que “a teoria do fetichismo é, per se, a base de todo sistema econômico de Marx,
particularmente de sua teoria do valor” e considerada tanto pelos marxistas quanto pelos seus
adversários como uma das mais audazes e engenhosas, e, ainda, considerar com Kohan (2007,
p.2) que “a teoria crítica do fetichismo pode ser de grande ajuda para compreender e explicar
essa prolongada segmentação e fragmentação que debilita a rebeldia popular e naturaliza os
protestos contra o sistema capitalista, têm-se a dimensão que a empreitada não é nada
simples.” Considerando ainda com Kohan que nas últimas décadas a temática do fetichismo
foi abandonada ou usada de forma secundarizada, marginal no mundo da intelectualidade
oficial e não por mero acaso, colocá-la em pauta significa instrumentalizar-se para enfrentar
desafios das hipóstases fetichistas dos empreendimentos “pós” difundidos por todo o mundo
durante os anos 90. Como coloca Kohan (2007, p17) a teoria do fetichismo “[...]
estranhamente esquecida e arquivada pelos discursos acadêmicos da moda, pode permitir
compreender essa defasagem aparente entre posmodernismo e neoliberalismo, entre
racionalidade do micro e lógica do macro”, enfim elucidar que “[...] entre a lógica do
fragmento desgarrado e solitário e a lógica da integração multinacional do mercado mundial
que fagocita a totalidade da sociedadade planetária existe uma interconexão e uma
complementaridade íntima.”
Como a categoria fetichismo poderia contribuir para a análise em pauta, recorre-se a
Marx (2002, p.92-4) que afirma o seguinte:
162
À primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente
compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheio de sutilezas
metafísicas e argúcias teológicas. [...] e o caráter misterioso que o produto do
trabalho apresenta ao assumir a forma de mercadoria, donde provém?” Dessa
própria forma, claro. A igualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a forma
da igualdade dos produtos do trabalho como valores.[...]. Uma relação social
definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma
relação entre coisas.[...]Chamo a isso de fetichismo que está sempre grudado aos
produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias. É inseparável da
produção de mercadorias.
Partindo-se dessas considerações, aventurou-se considerar como mercadorias as
variadas imagens de infância que pela sua constante difusão vão se objetivando e cujo
invólucro ocultam as relações entre pessoas, mas isso não é tudo, pois o que precisa ser
explicado é o segredo dessa forma, o processo mediante o qual o sentido oculto (a relação
entre pessoas) manifestou-se nessa forma. É ir atrás da origem dessa forma, buscar entender o
processo, o caráter misterioso que levou o conteúdo oculto a assumi-la.
Fontenelle (2005, p.63-64) pensando estes aspectos contemporâneos relacionados ao
mundo do trabalho e do consumo e partindo daquilo que considera uma nova organização
social da ilusão, discute a “passagem do “valor-trabalho” ao “valor-experiência”, tão presente
nos novos formatos de negócios que veiculam “experiências” e não produtos, e que altera
drasticamente o fetiche como conceito teórico, bem como as formas subjetivas de lidar com a
questão”. Afinal, busca fazer a revisão teórica do conceito de fetiche no sentido de, ‘“[...] para
além de Marx, negar a tese da “falsa consciência” e insistir em uma “ilusão socialmente
necessária”.’ É com esse objetivo que ela vai analisar as imagens, partindo-se do marketing.
O que se pretende é destacar que as “imagens” aqui utilizadas não passam
especificamente pelo mundo da visão, para a captura do olhar, pretendendo ir mais fundo,
capturar as mentes e assim, forjar um novo tipo humano, “uma verdadeira mutação
antropológica”. Como questiona Dufour (2005a, p.117). “Que forma sujeito está hoje se
instalando? E sintetizando no jornal Le monde Diplomatique do que trata sua obra A arte de
reduzir cabeças, Dufour (2005b, [s.p]) afirma que busca
[...] evidenciar a profunda reconfiguração das mentes que o mercado está a levar a
cabo. A demonstração é relativamente simples: o mercado rejeita toda e qualquer
consideração (moral, tradicional, transcendente, transcendental, cultural,
ambiental...) que possa constituir um entrave à livre circulação mundial da
mercadoria. É por isso que o novo capitalismo procura desmantelar todos os valores
simbólicos em benefício do valor monetário da mercadoria, tido como neutro. E
visto agora existir apenas um conjunto de produtos que se trocam estritamente com
base no seu valor mercantil, os homens m de livrar-se de todas essas sobrecargas
culturais e simbólicas que antes garantiam as suas trocas.
163
Estes autores são fundamentais para recolocar as reflexões sobre a proliferação das
imagens na sociedade contemporânea, que as abordagens que realizam, estão ancoradas
numa perspecticva marxista. E, concordando com Fontenelle (2005, p.66) “vivemos em uma
época na qual [...] ‘o capitalismo dominou o inconsciente humano’. Uma afirmativa
perturbadora, porém “[...] calcada no fato concreto de que o aparato produtivo contemporâneo
está profundamente entrelaçado ao universo simbólico” .
Essa invasão não descuida nem de alguns mecanismos pueris relacionados à
linguagem, como o fato de ‘“[...] substituir os nomes singulares pelos plurais [...] como se o
simples e mecânico agregado de uma letra “s” proporcionasse uma nova maneira de
compreender o mundo”.’ (KOHAN, 2007, p.13). Assim também essa hipóstase fetichista
costuma escrever sempre com maiúsculas alguns nomes, mas, como insiste ainda Kohan, nem
tudo é questão de estilo e as operações fetichistas remetem a questões teóricas que,
dependendo de cada autor, assumem um nome distinto, mas com maiúscula: “Ideologia (em
Altusser tardio); Poder (em Foucault); Discurso (em Laclau); Diferença (em Derrida); Poder-
potência constituinte (em Negri), Interpretação (em Vattimo), Desejo (em Deleuze e Guatari),
etc”.
Evangelista (2001), admitindo a existência de muitos enigmas que emanaram do
desenvolvimento histórico da sociabilidade humana contemporânea e que demandam sua
decifração intelectual, utiliza as noções de alienação, fetichismo e reificação como
importantes ferramentas de análise dos processos constitutivos do ser social capitalista,
nucleados pela universalização da forma mercadoria por todas as esferas da organização
social. Ao apontar que o desenvolvimento do capitalismo leva ao paroxismo o fetichismo da
mercadoria ,produzindo a reificação tanto das relações sociais quanto da cultura, sustenta a
necessidade de decifrar o enigma da Esfinge.
À luz do conceito de fetichismo presente no pensamento social e psicanalítico, com
suas reflexões voltadas para o campo da Psicologia Social, Fontenelle (2002 e 2005) toma a
marca publicitária McDonald’s para se pensar o fetichismo das imagens na sociedade
contemporânea. Partindo-se daquilo que considera uma “[...] nova organização social da
ilusão, a autora busca compreender a nova organização social da produção que a ela lhe
corresponde.” ( FONTENELLE, 2005, p. 63). Tanto na sua tese de pós-doutoramento, na qual
faz uma revisão teórica do conceito de fetiche à luz das questões da realidade contemporânea,
trabalhando-o na confluência das teorias marxista e psicanalítica, como na sua tese de
164
doutorado a autora, como diz Oliveira (2002, p.9) na apresentação dessa obra transformada
em livro, enfrentou-se, decididamente,
[...] com a esfinge, talvez a mais enigmática do mundo contemporâneo e a decifrou:
a das imagens da marca e da marca das imagens. Para dizer em linguagem mais chã:
a da mais-valia da imagem- que é feita de terceirização, trabalho precário, exércitos
de jovens, na sua maioria, mulheres, submetidas a uma dura jornada e organizadas
tayloristicamente mas não fordisticamente, desmentindo as tese do trabalho flexível
e polivalente.
As contribuições desses autores foram fundamentais para operar com a categoria do
fetichismo na análise das imagens-discursos, dos processos de produção de idéias que foram,
ao longo da história, alimentando e delineando práticas principalmente para as crianças
pobres. Esses processos de produção discursiva, de produção humana de sentidos, formas de
representar o real, não podem ser compreendidos se se ignora a base material que lhes
sustentação. E aqui todo cuidado, é pois necessário para não ficar no mundo das idéias que
cercam a infância, na apreensão dos fenômenos, mas partir dessa superfície para adentrar nas
suas bases históricas e materiais, seus suportes sociais, políticos e culturais. Como e por que
essas imagens exercem tal poder de atração, ganham o caráter de espetáculo? De que
componentes vêm revestidas? Como são edulcoradas? Por que são amplamente aceitas e
consumidas? Que processo de produção de imagens é esse que tem invadido o campo da
teoria pedagógica?
A categoria fetichismo poderá ajudar a revelar que cada “marca” que acompanha a
infância e a criança acaba definindo seu lugar social, nasce de uma prática social coletiva, mas
se apresenta como a realidade mais natural do mundo, sem nenhuma ligação com o mundo
das trocas capitalistas. E sabe-se pela
gramática que o adjetivo modifica sempre o substantivo,
expressando característica, qualidade, defeito, aparência e estado dos seres. “O aparato produtivo
contemporâneo está profundamente entrelaçado no universo simbólico” (FONTENELLE, 2005,
p.65), tendo as imagens também se transformado em mercadorias e são produzidas, portanto,
como tal. Como diz Debord (1997, p.14), “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas é uma
relação social entre pessoas mediadas por imagens.”
As imagens das quais as crianças são portadoras constituem uma mediação
necessária para sustentar os usos abusivos que se faziam e continuam se fazendo das crianças
no mundo do trabalho infantil e/ou indicar a escola como caminho da salvação. Além disso,
continuam proliferando ora na mesma direção, ora em direção contrária, e, mais ainda,
operam também às avessas, fornecendo elementos para sacralizar e proteger as crianças. Uma
165
moralização às avessas, parecendo uma forma de acertos de contas com o passado,
considerado como tempo que negligenciou essa temporalidade humana ou mesmo demorou a
cultivar o sentimento de infância, considerar suas especificidades. Ao fetichizarem e
naturalizarem a infância, acabam por suprimir as centrais contradições de classe entre
capital/trabalho, desconsiderando, entre outros aspectos, a materialidade em que se dá o
educativo e assim deixa aberta a porta de ajustamento desse discurso às configurações do
capitalismo contemporâneo. Importa salientar que,
[...] sem dúvida o nosso tempo...prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a
representação à realidade, a aparência ao ser...Ele considera que a ilusão é sagrada, e
a verdade é profana. E mais: a seus olhos o sagrado aumento à medida que a verdade
decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que para ele, o cúmulo da ilusão fica sendo o
cúmulo do sagrado.(FEUERBACH apud DEBORD, 1997, p.13)
O que vem a seguir é uma análise das propostas para a educação infantil que
começaram a circular com mais força no campo educacional, a partir da década de 1990. Para
refletir sobre essas temáticas, serão considerados artigos de Sirota (2001) e Montandon (2001)
que tratam da emergência da sociologia da infância a partir da década de 90 nos países de
língua francesa e inglesa, respectivamente. A eles serão acrescentados uma outra posição que
é a literaturização da pedagogia ou a aproximação entre literatura e educação abordada por
Brayner (2005) e outros trabalhos que se ocupem da invasão do campo educativo pelo
discurso pós-moderno, sinalizando as diferentes faces sob as quais ele se apresenta.
A sociologia da infância vai desaguando na educação infantil como um novo logos
pedagógico capaz de ultrapassar as fronteiras de reflexão imposta pelas "ciências da
educação” e revolucionar o discurso pedagógico em relação àquilo que defendem como o
ideal na formação da infância. A literaturização da pedagogia, por seu lado, apresenta-se com
toda sua “frivolidade e superficialidade” em que “o estilo é a mensagem”, que a forma
literária, muitas vezes informal, revulsiva e iconoclasta, termina por tornar opaco o conteúdo
político de fundo.” (KOHAN, 2007, p.13). Enfim, a junção de tudo isso, em que pesem suas
diferenças, culmina numa invasão do campo educativo pelas ondas e marés pós-modernas.
Oposto ao mundo do “trabalho” escolar, ressurge a “brincadeira” e o “lúdico” com
toda sua força, esvaziados de seu significado social e histórico, reduzidos a puro prazer,
naturalizados e, perdendo, portanto, sua especificidade como atividade humana e como
necessidade no desenvolvimento infantil. Na intenção de escapar das perdas ocasionadas pela
166
expulsão das crianças do paraíso, criou-se para elas outro paraíso onde poderão reinar como
sujeitos, atores, com todos seus poderes, recursos e suas cem linguagens.
4.2 FETICHISMO DA INFÂNCIA 1: SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA, DO OFÍCIO DE
ALUNO AO OFÍCIO DE CRIANÇA
O fetichismo da infância transita com grande gala entre estes dois ofícios: ofício de
aluno e ofício de criança. Se no primeiro capítulo foi apontado o trânsito de um ofício de
criança para um ofício de aluno, isto é, a escola como salvação aos perigos do ócio, das ruas e
das más companhias, um antídoto contra a vagabundagem e preparo para inserir as crianças
no mundo do trabalho, aqui o caminho é a contra-mão: do ofício de aluno ao puro ofício de
criança. O contexto de onde ressurge essa discussão é o da Sociologia da infância. Esse
campo será, portanto, a primeira pista percorrida tentando extrair dele os argumentos de onde
vão emergindo as bases para o ofício de criança e o que está por trás dessa defesa. Como a
realidade vai sendo novamente invertida tendendo para a centralidade no ofício de criança?
As pesquisas fenomenológicas
63
têm marcado a sociologia da infância e pautam sua
análise na compreensão e interpretação dos sentidos das ações das crianças,
nas suas formas
de agir no cotidiano, partindo-se do recolhimento de suas vozes, dos seus pontos de vista.
Não como negar a origem empírica do conhecimento e muito menos a
necessidade de interpretação e compreensão do fenômeno, o que não dispensa de forma
nenhuma indagar e, conforme sugere Kosik (1995, p.16),
descrever como a coisa em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo
tempo nele se esconde.[...]. No mundo da pseudoconcreticidade o aspecto
fenomênico da coisa, em que a coisa se manifesta e se esconde, é considerado como
a essência mesma, e a diferença entre o fenômeno e a essência desaparece.
63
A fenomenologia é um dos modelos da ciência social, assim como o positivismo , marxismo etc. É, também,
denominada por Sarup (1980) de perspectiva interpretativa, pois, para os fenomenologistas a nossa consciência
do mundo, nosso conhecimento dele se faz pela interpretação, diferente do empirismo e do cientificismo.
Enfatizam a intencionalidade e a experiência que o ator tem no mundo, a liberdade completa, a capacidade que
tem a consciência de modificar o mundo. “Embora ressalte que os homens agem em termos de suas condições
externas e de suas intenções para com elas, tem dificuldades em analisar os mecanismos particulares pelos quais
uma determinada estrutura social impõe limites aos seus membros. Não pode explicar como ou por que, certas
características da sociedade continuam a existir. (SARUP, 1980, p.13).
167
O fenômeno é um aparecer imediato do objeto e é papel da ciência captar aquilo que
se esconde por detrás do fenômeno que, no ponto de partida apresenta-se como um todo
caótico e sincrético, sendo necessário fazer um certo esforço, um détour para atingir o ponto
de chegada, a estrutura oculta da coisa, decompondo o todo. É esse o caminho do pensamento.
Esse ponto de partida mantém identidade com o ponto de chegada, que contém algo diverso
daquilo do qual se tinha partido, compreendendo a realidade, suas múltiplas determinações e
relações.
Captar o significado do fenômeno, desvendar seus sentidos, compreendê-los em suas
diferentes manifestações é uma forma de conhecer a realidade. É esse o percurso que se
pretende realizar aqui ao dirigir a análise para a sociologia da infância, tentando sinalizar em
que direção ela mitifica e fetichiza a infância. O misticismo constitui-se na busca apressada da
essência da coisa, percorrendo “atalhos sedutores” para chegar mais depressa, porém neles se
perdendo ou ficando no meio do caminho. “Conhecimento o é contemplação” (KOSIK,
1995, p.28) é atividade.
Ao apontar as idéias basilares que compõem o pensamento pós-moderno
64
e os temas
que lhe são significativos, como o interesse pela linguagem, cultura e discurso, Stemmer
(2006, p. 83) aponta a necessidade de uma investigação sobre o aporte teórico que subsidia a
sociologia da infância por sua proximidade com essa perspectiva, principalmente na
insistência com a “construção social” do conhecimento. Para isso sinaliza-se com uma
assertiva de Prout, que afirma o seguinte:
Surge em 1990, na Europa e nos Estados Unidos o construtivismo social que veio
problematizar e desestabilizar quaisquer conceitos sobre a infância tidos como
64
Moraes (1999) denomina de agenda pós-moderna aquela que engloba as correntes pós-estruturalistas,
notadamente em sua opção discursiva, e as neopragmáticas, mas ressalta que os discursos e as teorias que
compõem o discurso pós-moderno não expressam um corpo conceitual coerente e unificado. uma pluralidade
de propostas e interpretações, muitas vezes conflitantes entre si e que, entre seus representantes mais notáveis,
existem diferenças marcantes. A autora caracteriza o conceito pós-moderno, partindo-se do horizonte de
questões a que se refere: “O pós-moderno define-se melhor em sua contraposição às propostas da Ilustração,
usualmente associadas ao mundo moderno [...] uma negação grosseira e caricata daquele momento da história e
de suas práticas teóricas, políticas e culturais.[...] Coloca sob suspeita a confiança iluminista em uma razão capaz
de elaborar normas, construir sistemas de pensamento e de ação e da habilidade racional d e planejar de forma
duradoura a ordem social e política[...] Critica a representação e a idéia de que a teoria espelha a realidade [...] a
linguagem como meio transparente para “idéias claras e distintas”. Denuncia o processo de modernização [...]
que tornou-se força opressora sobre mulheres e homens, dominou a natureza, produziu sofrimento e miséria.
Desconfia do humanismo, acusa a arrogância das grandes narrativas e sua pretensão a uma unidade onisciente
[...]. Crítica pertinente, [...] mas de caráter idealista: o complexo de forças históricas que determinam o
desenvolvimento social é omitido e na balança figuram idéias difusas da Ilustração, sobretudo as de Kant e
Condorcet.( [.s.p]: cópia do original que não foi publicado e apresenta-se apenas na forma de relatório de
pesquisa).
168
garantidos e sujeitá-los a um olhar relativista. Este insistia na especificidade
histórica e temporal das infâncias e centrava-se na sua construção através do
discurso. Este trabalho teve lugar num cenário de intensas mudanças sociais. O
contexto incluía uma complexidade de fenómenos resumidos pela actual teoria
sociológica através de designações pós-fordismo, modernidade tardia, sociedade em
rede da smodernidade e sociedade de risco. [...], estas designações referem-se a
fenómenos tais como flexibilização da produção, deslocalização e declínio das
instituições, fragmentação das fontes de identidade, enfraquecimento do Estado-
Nação [...] desilusão relativamente ao conhecimento racional e especializado [...]
padrão de consumo diversificados e mudanças da participação no mercado de
trabalho, na actividade produtiva e numa economia global” (PROUT apud
STEMMER, 2006, p. 56).
Seguindo essa pista, serão tomados, para análise, os artigos de Sirota (2001) e
Montandon (2001) que fazem um balanço sobre a emergência de uma sociologia da infância.
Ao apresentar a evolução do objeto e as perspectivas de análises registradas nos anos 1990 em
língua francesa, Sirota (2001, p.9) sinaliza que o ato de nascimento desse “pequeno objeto”
revela a efervescência das diferentes linhas de força que aparecem no surgimento desse novo
objeto de pesquisa, “aquele que não tem a palavra” e que, portanto é abordado inicialmente a
partir das instâncias encarregadas do seu processo de socialização (escola, família, justiça
etc.), para fazer “acontecer o ser social”. Os primeiros elementos de uma sociologia da
infância vão surgir exatamente “por oposição a essa concepção de infância considerada como
objeto passivo de uma socialização regida por instituições”.
Aqui cabe destacar que uma grande contribuição no sentido de reflexão sobre o
processo de socialização, no Brasil, foi de Florestan Fernandes, através de um trabalho
publicado na década de 1940 (As “trocinhas” do Bom Retiro), e esquecido, desconhecido por
profissionais de diversas áreas que tem a infância como objeto de estudo
65
. Fazendo uma
retrospectiva histórica dos principais trabalhos sobre a infância nas ciências sociais, no Brasil,
Quinteiro (2002, p.150) destaca o trabalho de Florestan enquanto “registro inédito de
elementos constituivos das culturas infantis, captadas a partir de observações sobre grupo de
crianças residentes nos bairros operários da cidade de São Paulo que, depois do período da
escola, juntavam-se nas ruas para brincar”. A autora destaca ainda a contribuição de José de
Souza Martins, que organiza uma coletânea de textos sobre O massacre dos inocentes e elege
a criança como testemunha da história, colocando a necessidade de se dar a palavra às
crianças, na pesquisa. Isso, mais de uma década depois de Florestan. Nesse estudo do folclore
infantil Florestan coloca em reflexão o distanciamento entre o mundo dos adultos e das
65
Esse texto foi republicado pela Revista Pro-posições, v. 15, n. 1(43). Jan./abr. 2004 e a obra completa de onde
ele foi retirado está sendo preparada para republicação na íntegra.
169
crianças, a necessidade de penetrar em suas preocupações e em seus brinquedos para poder
estudá-las e mais que isso, chamando a atenção que a compreensão da cultura não se
separada do grupo social que ela exprime. Outras várias questões que interessam ao estudo da
infância aprecem nesse trabalho: o papel dos brinquedos e jogos, a forma de coleta de dados,
a questão do nero, a relação entre os pares e o corte de classe que marca a formação desse
grupo,afinal não perde de vista a base social da cultura infantil. Como esses trabalhos ficaram
esquecidos parece que a emergência da denominada sociologia da infância se dá a partir da
década de 1990, quando sociólogos da infância se reúnem na Europa no Congresso Mundial
de Sociologia. Os aportes teóricos de uma concepção mais crítica de lúdico, de sujeito, de
infância são esquecidos e entra em campo a abordagem marcadamente interpretativa da
sociologia da infância com contribuições da maioria dos autores destacados nos balanços de
Sirota e Montandon.
Grande parte dos trabalhos da sociologia da infância centra sua análise numa
abordagem renovada de socialização, criticando a perspectiva durkheiminiana, e, no quadro
de evolução geral do estudo do objeto, a insistência em apreender a vida cotidiana das
crianças fora das instituições (MOLLO-BOUVIER apud SIROTA, 2001, p.10), o
‘“conhecimento da infância como um grupo social em si, como “um povo” com traços
específicos”’. (JAVEAU apud SIROTA, 2001, p.11).
Encontros, colóquios e seminários vão acontecendo e as propostas de atualizar o
campo giram em torno de uma “[...] passagem de estudos sociodemográficos aos estudos
etnográficos, no âmbito de uma socioantropologia da infância” (JAVEAU apud SIROTA,
2001, p.11), da desescolarização da sociologia da educação com o olhar não mais no aluno ,
mas na criança, nas culturas infantis, na construção de um imaginário social sobre a criança
através da mídia, na criança enquanto ator e nos modos de construção social da infância.
Esses dois últimos aspectos também são recorrentes nos trabalhos de língua inglesa.
Se a proposta de considerar o aluno enquanto ator apresenta-se mais clara, o mesmo
não se dá em relação à proposta de considerar a “infância como construção social”. O que está
por detrás dessa construção? Quem constrói a infância? Onde se esta construção? Como se
tem colocado a disputa para gerir o cobiçado tempo livre das crianças? Afinal, a quem
compete a responsabilização institucional pela socialização da criança fora da família?
Sirota (2001, p.13) vai realçando a aura pela qual o campo se envolvido e o calor
do debate fazendo surgir programas de pesquisa, rede de pesquisadores, workshops, o que dá
para perceber que os investimentos no campo da pesquisa são de grande monta e que é
170
variada a origem disciplinar dos pesquisadores, principalmente no espaço de língua francesa:
“antropologia médica (Prout), economia (Qvortrup), sociologia da educação (Alanen), estudos
feministas (Oakley), folclorista (os Opie) etc.” Importa ainda destacar nesse fervilhar do
campo, um “Programa de Pesquisa sobre criança de 5 a 16 anos dirigido por Prout,
que
agrupa 70 pesquisadores numa vintena de equipes.”
É nesse contexto que aparece o “ofício de criança” como o símbolo dessa sociologia
da infância, ao propor o desafio de “tomar a sério a criança, reservando-lhe o lugar de um
objeto sociológico em sentido pleno.” (SIROTA, p.14). Buscando a genealogia desse conceito
na literatura pedagógica, Sirota (2001, p.14) vai pontuando os momentos da utilização dessa
noção na sociologia da educação. Atribui primeiro a Pauline Kergomard, inspetora francesa
de escolas maternais, a introdução dessa noção. “Trata-se, para ela, de definir uma escola que
corresponda à natureza infantil, onde se operem livremente os processos de maturação e de
desenvolvimento. Nessa escola a criança poderá cumprir o seu papel.”
Num segundo momento, a noção foi retomada por Chamborédon e Prévot (1986, p.
15), no artigo O “ofício de criança”: definição social da primeira infância e funções
diferenciadas da escola maternal, em que os autores analisam “a obra de Pauline Kergomard
e sua influência sobre a evolução do modelo pedagógico da escola maternal.” Sirota chama a
atenção em relação à abordagem desses autores por não se tratar especificamente de um
“oficio de criança, mas do ofício de aluno.” (SIROTA, 2001, p.15);
O que Chamborédon e Prévot (1986, p. 51) fazem é trazer a discussão das condições
sociais da descoberta da primeira infância como objeto pedagógico e as funções diferenciadas
da escola maternal: “as funções a ela atribuídas pelas diferentes classes sociais e as funções
que ela tende objetivamente a preencher.”
Analisar as funções preenchidas pela escola maternal para as diferentes classes
sociais supõe primeiramente examinar como a primeira infância aparece definida como objeto
pedagógico e como essa definição é difundida. Afinal, o que está por trás da evolução
crescente da escolarização em idades menores?
Uma primeira resposta dessa rápida difusão de escolarização das crianças de 2 a 5
anos está relacionada, por um lado, com o trabalho feminino e a urbanização e, por outro lado,
transformações na organização familiar (a taxa de trabalho feminino aumenta com o aumento
do número de filhos). Assim, cada classe social é favorecida de forma diferente por essa
expansão. Considerando que o uso do maternal como instituição de guarda supõe outras
condições sociais além daquela relacionada ao trabalho feminino, que o horário das escolas
171
não coincide com os horários do trabalho (distância da escola, recursos da zona de residência,
facilidade de locomoção etc.), os autores distinguem duas características de determinações da
guarda: fatores objetivos (trabalho da mulher, número e idade dos filhos, recursos econômicos
e de tempo etc.) e culturais (definição da primeira infância como objeto pedagógico). Esses
últimos inseparáveis da redefinição do papel pedagógico da mãe. Essa redefinição passa pela
redução da importância das tarefas domésticas em relação às profissionais, liberação da
mulher das atividades caseiras através dos recursos às máquinas e equipamentos domésticos,
produtos alimentícios preparados, semiprontos, serviços de lavanderia, limpeza doméstica,
fraldas descartáveis até transformações na arquitetura e no mobiliário.
E afirmam os autores: ‘A “invenção” da “escola para os pequeninos” e da mãe como
pedagoga (mãe das classes superiores) deve ser completada pela descoberta da criança como
“aprendiz intelectual” e pela invenção de “atividades” intelectuais e práticas a esta idade
(CHAMBORÉDON; PRÉVOT, 1986, p.42).
A difusão dos conhecimentos psicológicos é um dos múltiplos fatores que explicam a
descoberta da primeira infância como objeto pedagógico: uma idade de andar, de falar, de
desenhar e a cada idade são atribuídos desempenhos determinados, certas performances. A
infância como objeto pedagógico serve para “invenção” de atividades e conteúdos
pedagógicos e como “terra virgem” que “[...] se oferece como campo de aplicação a todas as
utopias, quer se trate de formar bons cidadãos, consumidores esclarecidos, indivíduos
liberados das pressões da sociedade de consumo, dos conformismos da moral burguesa ou dos
complexos de uma educação severa.” (CHAMBORÉDON; PRÉVOT, 1986, p.44). A infância
vai servir de mercado para escoar produtos simbólicos, assim como para a formação de novos
“agentes pedagógicos”. Os autores afirmam, ainda, que:
A história da invenção do maternal é, de certa maneira, a história da inscrição nos
jogos, no material, na organização inteira do espaço (material, disposição
arquitetônica etc.) desta definição nova da primeira infância. A pedagogia froebelina
exerceu forte influência neste terreno. [...] Tudo em volta é transformado em um
microcosmo, constituído inteiramente, em função dessa nova definição de
infância.[...] A escola em seu todo torna-se uma espécie de grande brinquedo
educativo.[...] O fim desse processo de invenção e reforma dos programas, do
material, das práticas pedagógicas é a invenção do “ofício de criança” sendo a escola
maternal o lugar em que a criança deve realizar seu “ofício de criança”. [...] É a
negação completa das primeiras formas escolares (inculcação e correção) [...] em
que a única obrigação da criança seja ser ela própria. [...]. O papel do docente é
então menos de ensinar do que “organizar o contexto” [...] e o processo de
maturação e de desenvolvimento devem realizar-se livremente. (CHAMBOREDON;
PRÉVOT, 1986, p.46).
172
Ressaltam que nada disso passa alheio ao público visado por essa escola, ou seja,
para uns, a formação intelectual e, para outros correção e formação moral e, se esse tipo de
proposta não se generaliza mais, é porque existe uma demanda por uma forma pedagógica
mais tradicional, de preparação intensiva para a escola primária.
Inventa-se, assim, o “ofício de criança” e as atividades a ela endereçadas, assim
como as instituições onde essas atividades serão desenvolvidas. Para mostrar em que medida
as disposições intelectuais ou éticas, produzidas pela inculcação familiar nas diferentes
classes sociais e os hábitos escolares dispostos pela pedagogia, estão em afinidade ou
oposição, os autores vão realçar a diferença no campo dos valores e no campo do trabalho e
jogo, afirmando o seguinte:
É, porém, no domínio das disposições intelectuais que as “exigências” da nova
pedagogia são, sem vida, mais disfarçadas e mais sutis. [...] Se o reconhecimento
do jogo como atividade específica da infância e como “ofício de criança” é função
da difusão dos conhecimentos de psicologia da criança [...] para perceber todas as
implicações sociais da pedagogia do jogo e para indicar as condições sociais que ela
pressupõe, é preciso pô-la em relação à definição, em cada classe social, do trabalho
e do jogo e, em particular, estudar a força da oposição entre estes dois campos de
comportamento. Os caracteres essenciais da posição social contribuem para
determinar esta oposição. (CHAMBOREDON; PRÉVOT, 1986, p.50).
Pelo que foi exposto até aqui, a proposta de Chamborédon e Prévot aborda o
“ofício de aluno” enquanto um dos “ofícios de criança”. Percebe-se, pois, uma certa a crítica
feita por esses autores em relação à tendência do esvaziamento do ato de ensinar.
Após Chamborédon e Prévot, a noção de ofício de aluno será retomada por
Perrenoud (1994, p.57-58) em obra com o mesmo nome, trazendo o trabalho escolar como a
ocupação principal da infância, que visto na perspectiva da criança enquanto ator e das
estratégias que ela usa para sair-se bem na condição de aluno, trabalhando para salvar as
aparências, para garantir as notas, afinal para aprender o ofício de aluno, viver e aprender a
viver na escola. O autor traz algumas contribuições em relação à vida das crianças nas escolas
e as aprendizagens que vão adquirindo até a formação de um habitus: aprender a viver na
multidão, matar o tempo, esperar, ser submetido à avaliação do outro, controlar o ritmo de
trabalho escolar, relacionar-se com regras e saberes, com os horários, com as pausas, afinal
aprender o ofício de aluno. Esta aprendizagem supõe para ele um novo contrato pedagógico
entre professores e alunos e que o sentido do trabalho escolar não é apenas assunto das
Didáticas, que devem integrar
173
[...] nos seus modelos alunos reais, as suas resistências, a sua diversidade, as suas
expectativas, as suas estratégias, as suas capacidades de negociação [...] mas toda a
escola está posta em causa, e principalmente a sua organização e a forma como ela
define, simultaneamente, o ofício de professor e o oficio de aluno [...].
(PERRENOUD, 1994, p.226)
E o autor finaliza afirmando que seria absurdo pedir aos professores que renunciem a
ser atores, mas eles devem “servir-se de seu poder para emancipar o aprendente.” (p.228).
Uma terceira abordagem do tema ofício de aluno, mencionada por Sirota (2001,
p.17) refere-se aos trabalhos de Dubet que numa sucessão de obras, retoma a noção do ofício
de aluno a partir da noção de experiência. Nesse caso, ao invés de os alunos formarem-se a
partir apenas dos papéis propostos, da inculcação, deveriam ser os autores de sua própria
educação, de um trabalho sobre si mesmos. Segundo Sirota (2001, p.17) neste autor um
destaque para a “autonomia da criança, mediante a importância dada à sua subjetividade e à
especificidade de sua relação com a escola, de acordo com as idades e os níveis de ensino”.
O texto de Sirota (2001, p.18) é revelador no sentido de apresentar o movimento dos
estudos da sociologia da infância, especialmente em relação ao “oficio de criança”. A última
etapa sinalizada pela autora em relação à evolução desse objeto passa “deliberadamente de
uma sociologia da escolarização para uma sociologia da socialização”, adotando uma
perspectiva socioantropológica.
O marco desse movimento científico é a adoção da carta internacional dos direitos da
criança de 1987. Dele emergem duas posições no debate: uma ligada à tradição de proteção à
criança através da educação e instrução e outra que se mobiliza em torno dos direitos do
homem na criança (SIROTA, 2001, p.20), revelando dois lados da infância.
Aqui, cabe destacar o silêncio neste trabalho em relação à situação das crianças seja
nas ruas, no trabalho ou em outros espaços, aspectos pouco presentes nas pesquisas de língua
francesa tanto que nas reflexões finais mostrando a dificuldade de institucionalização desse
campo a autora menciona alguns problemas que permanecem em aberto e um deles é
[...] que terreno ceder para a exploração da infância “ordinária” em relação à
infância sofrida, a fim de verificar a evolução geral da construção social da infância?
Como, ao contrário, verificar a multiplicidade das infâncias, segundo os contextos
sociais? Quais são as variáveis pertinentes? (SIROTA, 2001, p.28)
Fazendo um levantamento de trabalhos sobre a infância em língua inglesa, a partir
dos anos de 1980, Montandon, (2001) situa como principais temáticas as relações entre
gerações, as crianças e os dispositivos institucionais criados para elas (a escola, instituições
174
que se ocupam dos lazeres e da mídia); o mundo da infância: interações e cultura das crianças
(trocas, brincadeiras, relações entre elas) e as crianças como grupo social. Nessa temática
aparece o trabalho infantil como um campo aberto cada vez mais a pesquisas e aponta nessa
direção trabalhos de Qvortrup, que argumenta sobre a utilidade das crianças para a economia
de sua sociedade, afirmando que:
Nas sociedades ocidentais, as crianças eram antes diretamente úteis como
produtores. Hoje elas trabalham nas escolas. O trabalho escolar é útil [...] em sentido
duplo: porque, assim, as crianças se preparam para fazer parte da força produtiva de
sua sociedade e também porque elas oferecem emprego aos adultos (QVORTRUP
apud MONTANDON, 2001, p.48-49)
Da França não chega análise nessa direção, a não ser uma menção rápida feita por
Sirota (2001, p.12) sobre a criação de um “Observatório da criança”, voltado para as
dificuldades e sofrimentos de crianças e adolescentes, como: maus-tratos, exploração,
delinqüência, violência, visando também lazer, saúde e, por último, escola.
Santos (2006), em sua dissertação de mestrado intitulada A criança e sua infância:
combates nos saberes em educação, apresenta como seu objeto de estudo os conceitos de
“criança” e “infância”, articulados aos de “culturas infantis” e “identidades infantis”, e analisa
a forma como está ocorrendo a sua apropriação e consolidação através dos trabalhos
apresentados no Grupo de Trabalho (GT) “Educação da criança de 0 a 6 anos”, da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED), no período de 2000 a 2004.
A proposta da autora caminha na direção de desvelar os mecanismos de construção e
divulgação desses conceitos após perceber um crescente e insistente uso deles que,
recorrentemente, fazia-se presente em grande parte dos textos selecionados na ANPEd.
Como principais resultados de sua pesquisa, apresenta:
1) a existência de uma hegemonia geográfica desses trabalhos, pois a maioria dos
autores é de instituições acadêmicas das regiões sul e sudeste do Brasil; 2) uma forte
tendência temática e teórica de estudos embasados na Sociologia da Infância, com
ênfase em seu viés antropológico; 3) e uma direção baseada na Psicologia, com seus
estudos sobre o desenvolvimento, passando-se a perspectivas históricas, filosóficas,
sociais e culturais. Enfim, o conjunto dos estudos revela um momento de variação
teórica e temática, em que os “Estudos da Cultura” e os “Estudos Culturais” se
articulam em torno da tematização e teorização das “culturas infantis”. Em função
de tal debate se observam os combates teóricos pela definição dos significados dos
conceitos de criança, infância e educação. (SANTOS, 2006, p.20)
175
Mesmo admitindo que “[...]nenhuma indagação nasce de um vazio, sem um território
e sem um tempo que fecunda as idéias, as dúvidas, as inseguranças” (COSTA apud SANTOS,
2006, p. 31), esse “território” para a autora constitui-se dos textos produzidos e difundidos na
comunidade acadêmica e são por ela considerados como produto das ações humanas e, ao
mesmo tempo, como produtores de sujeitos e práticas (SANTOS, 2006, p.75). Pode-se,
entretanto, perguntar: Que ações humanas são essas? Apenas a produção de discursos?
A autora não se posiciona claramente em relação aos aportes teóricos com os quais
movimenta sua análise, mas deixa levar-se pelo movimento do campo por onde ela transita:
“arquitetura discursiva”, “artefatos culturais”, “emaranhado de vozes”, “percorrer as
narrativas”, “tramas de saberes e poderes”, “caça” aos textos na procura de vestígios, indícios
e rastros”, “traçando as estratégias e as táticas”, pretendendo “escapar das amarras das
grandes metanarrativas e de realiz ar uma pesquisa sem ter que ‘aplicar’, ‘traduzir’,
‘interpretar’ uma teoria” (COSTA apud SANTOS, 2006, p.33), inserindo-se, portanto, no
campo da “virada lingüística” que atribui à linguagem o poder de produzir sujeitos e práticas
sociais. Ao pretender desvelar a construção dos conceitos “culturas infantis” e “identidades
infantis”, a autora filia-se na perspectiva de outros que fazem crítica às “verdades da
pedagogia moderna”, resultantes de minuciosas tramas de saberes e poderes. (COSTA apud
SANTOS, 2006, p.31)
Para Santos (2006), a década de 1970 constituiu-se num marco em relação às novas
dimensões, tanto políticas quanto sociais, acerca dos temas da “infância” e da “criança”, por
ter sido o ano de 1979 declarado pela UNESCO o Ano Internacional da Criança. A visão de
crianças que predominava até então era das crianças das classes populares, o fracasso escolar
decorrente de suas carências culturais e econômicas assim como de fatores internos às
crianças. A partir da cada de 1980, essa visão, entretanto, altera-se e a criança deixa de ser
vista, nos debates acadêmicos, como alguém que “não ée passa à condição de cidadã de
direitos (SANTOS, 2006, p.38 ). A visão de infância passa a receber aportes da psicanálise, da
psicologia sócio-histórica, dos estudos da linguagem, da antropologia e da própria pedagogia.
E a autora indaga:
Que se propõe a Sociologia da Infância? Sarmento [...] responde que esta trata de
‘interrogar a sociedade a partir de um ponto de vista que toma as crianças como
objecto de investigação sociológica por direito próprio, fazendo acrescer o
conhecimento, não apenas sobre infância, mas sobre o conjunto da sociedade
globalmente considerada’. E mais, ‘propõe-se a constituir a infância como objecto
sociológico, resgatando-a das perspectivas biologistas (SANTOS, 2006, p.72)
176
uma fetichização da infância, um endeusamento da criança que acaba também
sendo uma forma de desqualificá-la. Ora a criança é inferiorizada, ora descaracterizada. A
criança concreta se dilui nas imagens, nas representações. Charlot (1983, p.119-121), ao
refletir sobre a imagem da criança na pedagogia tradicional (marcada pela falta de
acabamento e com referência no que deve tornar-se) e na pedagogia nova (marcada pelo fato
de a criança estar em via de tornar-se, por caminhos próprios, o que deve ser), mostra que essa
ambigüidade na concepção da natureza infantil demanda, por um lado, a proteção e por outro
a disciplina. E é, por entre estes dois pólos, que se equilibra a concepção de infância: boa e
má, perfeita e imperfeita, dependente e independente, anjo, demônio, etc.
Ao fazer esse percurso, Charlot (1983) pretende precisar as significações ideológicas
veiculadas por esses sistemas pedagógicos que, ao se fixarem numa idéia de natureza infantil,
mascaram a significação social da infância e a relação adulto/ criança como uma relação
social. O que importa destacar é que essa insuficiência, essa falta de acabamento não é apenas
biológica, é também social. A idéia que prevalece em relação à infância é a idéia de falta ou
ainda a idéia de incompletude. No caso das discussões realizadas no GT 07 da ANPEd,
prevalece a idéia romantizada de infância, infância como perfeição, fato que se pode
apreender da leitura do trabalho de Santos, no qual ela reitera tais concepções, como se pode
notar no seguinte trecho:
Criança inventora a capacidade da criança de estar sempre inventado as coisas,
valorização da imaginação e criatividade infantil; Criança autônoma e consciente a
capacidade de as crianças tomarem suas próprias decisões, realizarem tarefas por
iniciativa e conta própria e a criança vista como alguém que conhece a sua realidade
e as coisas que a cercam, tem consciência dos seus atos; Criança inventada a
criança fabricada pelos discursos científicos e institucionais; Sujeito-criança/Criança
ativa as crianças vistas como atores sociais, sujeitos de direitos e consumidoras;
Criança devir a criança vista como um novo acontecimento (SANTOS, 2006,
p.97).
Continua presente a idéia de proteção das crianças não mais contra o perigo da rua,
dos vícios, do ócio, das más companhias enviando-as ao trabalho (embora milhares delas
continuem na faina diária). Disso pouco ou quase nada é lembrado dentro dessa perspectiva.
A proteção se às avessas. A criança é separada da realidade e colocada numa redoma,
porque é o devir-criança, um tesouro re-descoberto. Estaria ocorrendo mesmo uma
valorização real da criança ou se pode dizer que é de pequenino que se inicia o processo de
alienação do menino?
177
Partindo de revisão bibliográfica nacional e internacional, Warde (2007) apresenta
alguns dos desafios conceituais e analíticos a serem enfrentados pelos aportes de História da
Infância no Brasil, assim como a superação de preconceitos que bloqueiam diálogos
necessários com as Ciências Biológicas e Psicológicas. Esses desafios implicam no exame de
extensa e diversificada literatura internacional dos chamados new social studies of childhood.
Warde (2007, p.22-23) tece sérias críticas a essa intenção de ‘“pensar a criança ou
o jovem do ponto de vista histórico-cultural ou histórico-social como “construção social”’
mesmo porque não considera que esta idéia de “construção social” esteja densamente
estabelecida e operada. A autora vê esse intento como estratégia
[...] de tirar de cena a “criança” empírica para deixar entrar a “infância”, firmando-se
“assim, a correspondência almejada, porém, pouco fundamentada entre a
“criança” como sujeito naturalizado pela Psicologia, pelas Ciências Biológicas e
suas correspondentes tecnologias, e a “infância” como sujeito historicamente
construído.
Denomina essas operações de “desnaturalização” e de “historiação”, efetuadas
principalmente por Àriès e Foucault (WARDE, 2007, p.23). Essa aversão à natureza foi
agudizada pelo “surto culturalista” e, no cerne da sua crítica a autora diz o seguinte:
Nos estudos de História da Infância examinados, com especial ênfase aos que se
inscrevem no
âmbito da Educação, os sujeitos se apresentam como se “já estivessem
lá”, integralmente constituídos, quando mobilizadas as práticas e os discursos de
escolarização ou de correição que sobre eles recai. As práticas e os discursos
institucionalizados, portanto, não são considerados para pensar os sujeitos, pois
(esses) são pensados como se estivessem constituídos antes mesmo de serem
submetidos às instituições
. (WARDE, 2007, p.26)
que assim se dá, a autora declara que, nestas condições, fica difícil saber como os
sujeitos foram constituídos e o que acontece a eles quando são constrangidos por qualquer
elemento externo. E coloca, com certa ironia, que sem se interessar com a forma como esses
sujeitos foram constituídos, se por “infusão”, se produzidos pela natureza, por um ente
superior ou, como mais recentemente se prefere, por si mesmo, parecem caber, juntos ou
alternadamente, “emoções”, “sentimentos”, “valores” e correlatos” (WARDE, 2007, p.23).
O que se apresenta novamente aqui, são aspectos já realçados nos discursos pós-
modernos e outros modismos e, repetindo as palavras de Paraíso (2004, p.286) essas teorias
pós-críticas “[...] consideram o sujeito um efeito de linguagem, dos textos, dos discursos, da
história e dos processos de subjetivação.Os discursos constituem e constroem os sujeitos,
178
fazendo-os adquirir vida social e se moverem. É a “fabricação do outro via discurso. E
Warde (2007, p.27) completa declarando a confusão que se instala na perspectiva desses
autores sobre a infância e a adolescência na história e nas concepções que delas se fizeram e
interroga:
Como e quais práticas dirigidas a sujeitos determinados os moldam para funcionar
como portadores de “imagens” determinadas? Ou como e quais práticas dirigidas a
crianças e jovens os moldam para funcionar como portadores de determinadas
“imagens” ou “representações” de infância e de adolescência, e como suportes de
determinados “sentimentos” de infância e de adolescência?
Nessa direção, utilizando-se de estudos de Cunningham, aponta os sérios problemas
dessas análises, decorrentes não “somente de suas interpretações sobre o passado, mas
também [...] das perguntas a serem feitas” (WARDE, 2007, p.28), e que, para uns, aquelas
[...] mais interessantes e em melhores condições de resposta diz respeito não à vida
vivida pelas crianças ou as condições em que viveram no passado, e sim às idéias
que cercam a infância [...] da ênfase firmemente apoiada na construção cultural das
idéias do que fazer com a infância. Entre esses estariam “os defensores dos direitos
da criança”, os salvadores da infância.
Continuando a análise, Warde vai apontando o que estes New Social Studies of
Childhood verteram fora (os naturalismos dos aportes biológicos e psicológicos e sua noção
de desenvolvimento individual, a noção de “socialização” porque encara a relação adulto-
criança como equivalente à relação entre o que modela e o que é modelado) na pressa de
elaborar uma concepção social de infância. Percebendo esses dissensos, Warde (2007, p.29)
afirma que o próprio Prout, em seu livro mais recente, The future of childhood faz a revisão
crítica daquilo que foi colocado de lado e é levado “[...] a reconhecer que cada um dos
diferentes aportes disciplinares tem algo a dizer sobre a infância, uma vez admitidas sua
complexidade e heterogeneidade.
Algumas conclusões dessa investida culturalista na análise da infância no campo da
educação podem ser tecidas: se, por um lado menos ofensivo, implica num certo predomínio
do discurso da fabricação do Outro, do construcionismo social; por outro, a busca desmedida
pela essência da criança tem como conseqüência desviar a atenção de outros problemas
efetivamente sérios na condição atual da infância, tais como o aumento da pobreza (essa
também apresentada de forma fragmentada, enquadrando as crianças em subgrupos/temas,
tais como meninos de rua, prostituição infantil, trabalho infantil), somando-se ainda a isso as
179
precárias condições de habitação, nutrição e acesso à educação infantil que afetam esta
população.
Aliada ainda às formas históricas de viver a infância, subjaz um verdadeiro processo
de mitificação e fetichização da mesma que pode servir de pretexto para tudo, inclusive
justificar seus “usos” no trabalho ou em outros espaços (de)formativos, conforme abordagem
do Capítulo 1, ou ainda para encerrá-la em instituições, liberando as mães para o mercado de
trabalho para extração da mais-valia, já que os salários das mulheres são mais baixos que o
dos homens, ou ainda propor a desinstitucionalização sob os domínios do poder público,
alargando espaços para a reinstitucionalização nas iniciativas privadas.
Ainda, ao se redefinir o papel pedagógico da mãe como “pedagoga”, alçar o
brinquedo à categoria de bem maior, abre-se um leque enorme de consumo de produtos para
atender às exigências postas a cada novo campo que “acolhe” a criança, assim como
empregos para profissionais variados.
A história deixou vários exemplos de que idéias e valores não brotam
espontaneamente de um vazio material e não resultam apenas de interações sociais e de
discursos, mas são materializados em instituições com suas hierarquias e rituais, nas
workhouses, nas casas de “abrigo”, na pobreza, etc. Reforça-se essa questão com as seguintes
afirmações de Enguita (1993, p.15):
A teoria da alienação, da reificação e do fetichismo é, talvez a tentativa mais
sistemática e produtiva de Marx no sentido de fundamentar de maneira materialista
uma crítica da ideologia.[...]. Ele mostra que a inversão ideológica da realidade não
é um simples erro de consciência, nem um espetacular feito de qualquer forma de
inculcação, mas a fiel expressão consciente de uma realidade materialmente
invertida.
Ao se construir um discurso para consumo da idéia de infância realçando suas
qualidades enquanto ator não estaria sendo proposta uma nova forma de inverter
materialmente a realidade? Essa preocupação com o bem-estar infantil escondida nas
propostas de maior institucionalização da infância por mais que melhore as condições de
algumas crianças, ao mesmo tempo libera o trabalho da mulher para fora dos domínios
domésticos. A proliferação de instituições destinadas a cuidar das crianças tem por objetivo
prepará-las para serem adultos que têm maior controle de emoções, pontualidade, capacidade
de adaptar-se em grandes grupos etc. A organização cada vez maior do tempo das crianças,
inclusive de seu tempo de lazer também afasta as crianças da rua, do ócio. Um planejamento
180
da vida adulta regrada. É de pequenino que se torce o pepino e o destino. Sutilmente ressurge
um novo sentimento de infância com endereço específico às classes sociais mais abastadas. É
também preciso educar o soberano. Oscila-se da infância enquanto problema social, em
situação de sofrimento e vitimização à criança ator, revelando sua capacidade de agir sempre
escondida no contexto das instituições.
4.3 FETICHISMO DA INFÂNCIA 2 - A LITERATURIZAÇÃO DA PEDAGOGIA E A
PEDAGOGIZAÇÃO DA LITERATURA
Em busca de outras referências para olhar as relações interindividuais e não mais as
relações sociais, deságua na educação um ideário escolanovista maquiado com as tonalidades
do discurso pós-moderno com intenções de revolucionar o discurso pedagógico, sinalizando
uma outra proposta de formação da infância. Proposta esta diferentedaquela contida nas “[...]
grandes epopéias que narravam o desenvolvimento da escola de formas atrasadas para formas
avançadas, da improvisação à técnica refinada, da segregação à democratização, da educação
burguesa à socialista [...][que] parecem estar chegando ao seu final.” (NARODOWSKI, 2001,
p.11). Como forma de fazer contraponto às grandes narrativas do discurso pedagógico,
aparece “[...] um interesse crescente dos educadores por uma aproximação entre literatura e
educação em reação a um discurso essencialmente "científico" que dava o tom do logos
pedagógico.” (BRAYNER, 2005, p.64). Segundo este autor, “[...]vê-se, agora, a emergência
de um humanismo que toma a forma especial, não de uma "educação estética" (a la Schiller),
mas de uma nova relação entre literatura e educação.”
No calor de tal entusiasmo pela literatura, ele sinaliza duas orientações: uma que ele
denomina de “pedagogização da literatura” e a outra de” literaturização da pedagogia”.
Assim,
Nessa primeira orientação enquadro o professor da Universidade de Lyon II,
Philippe Meirieu. A segunda orientação, de inspiração claramente nietzscheana,
procura uma solução que chamarei de literaturização da pedagogia. Se no primeiro
caso a literatura fornece os elementos para um diálogo interior através da
experiência de outros homens (ficcionais ou não), no segundo as ambições são mais
amplas: fazer da educação uma reescrita de si, em que o ato educativo exercido
sobre si mesmo (como uma espécie de auto-subjetivação) se confunde com a escrita
ficcional, na qual a vida e a literatura se interpenetram e tomam a forma de uma
"estética da existência". Nessa segunda orientação insiro o professor da
Universidade de Barcelona, Jorge Larrosa. (BRAYNER, 2005, p. 64).
181
E, entre outras indagações, Brayner coloca “Solução decadentista ou novo continente
que se abre à educação depois da enorme suspeita (pós-moderna) lançada contra o discurso
"científico"? [...] (BRAYNER, 2005, p. 64). O que é, finalmente, que se "esconde" por trás
desse desejo de apelar para a literatura como meio de formação?
Na tentativa de livrar o homem da "sociedade administrada", da ortopedia visual
proposta pelas Luzes, de instrumentos menos ofensivos que a razão e a política, o caminho
procurado por Larosa e Meirieu não passa mais “pela filosofia ou por uma ação política
"transformadora", mas por uma ação sobre si mesmo, uma auto-interpelação proporcionada
pela literatura”. (p. 69). E, apoiando-se em Freud, Brayner (2005, p.71) afirma “[...] que a
obra literária é antes de tudo [...] obra literária, e que toda recuperação pedagogizante dela não
passa de uma forma de controle de sua recepção, uma maneira de administrar a ficção.”
Com isso, Brayner procura mostrar como o romantismo e o nietzscheanismo tentam
constituir um novo discurso que pretende, uma vez mais, salvar-nos da "sociedade
administrada". Algumas dessas tentativas, no entanto, apresentam certas (e compreensíveis)
limitações, como a ausência de uma "teoria da recepção" dos textos ficcionais, mas, em outros
casos, demonstram a ambição de revolucionar o discurso pedagógico por intermédio da
literatura, na qual a própria pedagogia se transforma em projeto de "estetização da existência".
Duas obras de Meirieu caminham nessa direção. A primeira delas Des enfants et des
hommes: littérature et pédagogie que é submetida à análise por Brayner. A segunda
Frankenstein Educador (1998), será tomada nesta parte para ampliar a reflexão deste autor e
sinalizar o quanto as fontes teóricas da crítica do marxismo, ou como disse Evangelista (1997,
p.24) “a colossal onda irracionalista, cujo epicentro está em Paris e seus arredores” [...]
principalmente a vertente foucaultiana do pós-estruturalismo francês, têm invadido a
produção científica brasileira.
Segundo Meirieu (1998) a história da educação está marcada pelo mito da fabricação
de um ser humano novo e, para isso, inicia suas reflexões a partir dos mitos de Frankstein,
Pigmalião e Pinóquio para questionar a concepção de educação como projeto de domínio do
educando e o quanto esse desejo de domínio conduz ao fracasso. Ao invés de tentar
“fabricar”, o pedagogo deve permitir ao outro, fazer-se obra de si mesmo. E salienta Meirieu
(1998, p.73) que educação não é fabricação, é formação, é uma aventura imprevisível e o
normal é que “[...] a pessoa que se constrói frente a nós não se deixa levar e muitas vezes se
opõe a nós, simplesmente para nos fazer lembrar que não é um objeto em construção e sim
182
um sujeito que se constrói.” Educar é negar-se a entrar nessa gica. E justifica a legitimidade
de um enfoque mitológico em educação da seguinte maneira:
Por qué escoger esa via si la filosofia , desde hace mucho, y las ciências de la
educación, desde hace unos años, nos proponen darnos la clave de la empresa
educativa? Por gusto a la provocación, por supuesto; y también porque el
paralelismo con Rousseau era demasiado tentador. Pero, más basicamente, porque
apostamos a que el mito de Frankenstein puede acercarnos mucho [...] a la
comprensión de la cosa educativa. (MEIRIEU, 1998, p.16).
Frankenstein ilustra a fabricação de um ser (um monstro) que após fabricado
aterroriza o criador que o abandona a sua sorte. Um ser que, num primeiro momento, não é
mal, mas que cairá na violência quando se soma ao abandono de seu criador a estupidez dos
homens. Pigmalião, outro mito trabalhado pelo autor, é um escultor taciturno, misantropo que
vive e consagra toda sua energia para elaborar uma estátua de uma mulher. Terminada sua
obra, fascina-se por ela, não se cansa de admirá-la, embriaga-se de amor próprio e se adora a
si mesmo pelo que foi capaz de fazer. Seus sentimentos de paixão, ternura, desejo pela
criatura se exacerbam até que ela ganha vida. Destaca a tentativa de tentar fazer do outro uma
obra própria. Por seu lado, Pinóquio, um simples pedaço de madeira, é transformado em uma
marionete impertinente, que tenta fugir do controle do criador, resistir a essa empresa
emancipadora, mas acaba por enfrentar dificuldades para situar-se no mundo, principalmente
porque é um títere, um objeto fabricado pela mão de um homem e idealizado, precisamente
para ser manipulado. Ao final da história aquele Pinóquio inconstante transforma-se e suas
ações desordenadas são substituídas por atos de valentia, por ações resolutas, afinal, atitudes
de homem, um menino de verdade. É, entretanto, em Frankenstein, que o autor aposta todas
as suas fichas mostrando, a transformação do “bom selvagem” no monstro sanguinário que se
tornará depois, na forma como ele vai descobrindo o mundo à moda dos empiristas, sem
intervenção dos homens, aprendendo a linguagem, aprendendo a ler, falar, os valores morais e
sociais aos quais adere, espontaneamente, até rebelar-se.
Reduzir o discurso educacional ao literário é desconsiderar conforme Moraes e
Duayer (referindo-se à história real e à Literatura), que
[...] embora sejam ambos processos de ‘recriação’ e ‘invenção do real, o limite entre
eles é claramente demarcado. Constituem-se em ‘narrativas’ de porte e competência
diferentes: expressam a realidade, mas a expressam, a ‘relatam’, de modos
profundamente diferenciados. (MORAES apud MORAES; DUAYER, 1998, p.70).
183
Não se trata de negar a importância da literatura para problematizar alguns aspectos
do processo educativo, e seus elementos constitutivos, mas deixar claro conforme expõem
Moraes e Duayer (1998, p. 70) que
A Literatura possui um campo vastíssimo e, como se sabe, todo texto literário ocupa
um determinado espaço social tanto como produto do mundo social dos autores
quanto como agente textual atuando sobre este mundo, com o qual mantém uma
relação complexa e contraditória. A Literatura, assim, ao mesmo tempo espelha e
engendra o sentido de realidade de uma cultura e das formações sociais sobre as
quais ele intervém para sustentar, resistir ou contestar, dependendo do caso em
questão. Por este motivo, a Literatura, para além do que é em si mesma, será sempre
inesgotável fonte de informações para os historiadores. Entretanto, [...] o texto
literário e o contexto histórico não são uma mesma trama: um não pode ser reduzido
ao outro nem tomados como idênticos. A “narrativa” histórica constitui-se na
possibilidade e no compromisso de compreender o contexto do qual a literatura faz
parte, mesmo consciente de que não pode traduzi-lo mediante uma imagem
categórica e definitiva. Sua meta é a de, pela análise do processo social real,
expressar e problematizar a complexidade das determinações sociais do contexto
histórico privilegiado, a estrutura interna que lhe é própria e que é continuamente
renovada, recriada, redefinida.
No decorrer de toda sua obra, Meirieu (1998, p.70) vai tentar mostrar o fracasso
dessa empresa educativa de fabricação do outro e propõe uma revolução copernicana em
pedagogia com a proposta de deixar que o outro seja ajudado e não moldado e que, de acordo
com Pestalozzi “seja obra de si mesmo”. Nessas alturas, vai apresentar proposições para
colocar em prática esse princípio, que se resume mais ou menos no seguinte: renunciar
converter a relação de filiação numa relação de possessão; necessidade de distinguir entre
formação e fabricação; o progresso intelectual do outro não resulta da ilusão mágica da
transmissão, mas do modo como o outro elabora aquilo que recebe e estabelece conexões com
o que sabe; o sujeito pode decidir aprender, nisso reside a admissão do não-poder do
educador que tem que atuar mais sobre as condições que permitem àquele que educa a atuar
por si mesmo; para desencadear a aprendizagem é preciso criar espaços de segurança para que
um sujeito possa atrever-se a fazer algo que não sabe fazer para aprender a fazê-lo; inscrever
no curso de toda atividade educativa a autonomia do sujeito e por último reforça a idéia de
que a pedagogia não pode circunscrever sua atividade dentro de um campo teórico de certezas
científicas. (MEIRIEU, 1998, p.67-96).
O que se extrai da sua obra é a defesa da aprendizagem como uma atividade
espontânea do sujeito na qual cabe ao professor apenas propiciar as condições e controlar a
situação., “[...] ejercer plenamente la autoridad de educador, sin actuar directamente sobre la
voluntad del niño[...] sino utilizando mediaciones [...]." (MEIRIEU, 1998, p. 98) e para isto o
184
autor vai apresentando algumas sugestões de mediações que o professor pode fazer para levar
o aluno a buscar o conhecimento através de uma pedagogia diferenciada, individualizada,
quebrando o funcionamento da aula tradicional.
A ambição de revolucionar o discurso pedagógico por meio da literatura tem
encontrado um número cada vez maior de adeptos. Com diferentes propósitos essas tentativas
deixam à mostra correntes filosóficas afinadas com as perspectivas pós-modernas e suas
opções pelo “aprender a aprender”, sua desconfiança na capacidade da ciência.
Representante dessas tendências, além dos citados é Paulo Ghiraldelli Jr. (2000,
p.44), que ao tratar no seu texto As concepções de infância e as teorias educacionais
modernas e contemporâneas, de inspiração nietzscheana, do neopragmatismo rortyano e suas
variantes, coloca no mesmo patamar de igualdade discurso científico e discurso literário,
utilizados para desenvolver as concepções de infância no contexto das teorias educacionais,
aspectos estes afinados com as bases teóricas do pensamento pós-moderno com inspiração no
neopragmatismo e que vêm ancorando suas produções.
Além de fazer do próprio discurso científico um jogo de linguagem mais próximo da
literatura do que do rigor teórico da Filosofia e da História, elimina-se a fronteira entre
história e estórias, enfatiza-se mais a descrição que a análise dos objetos, reduz-se todo
discurso científico à literatura, embelezado com uma fraseologia sedutora, fazendo uma
assepsia de tudo que cheira à racionalidade moderna (ciência, verdade, progresso, revolução,
as grandes sínteses, afinal os “velhos esquemas interpretativos” dos processos sociais) e,
como coloca Ahmad (apud MORAES; DUAYER, 1998, p.66):
Em tal movimento de sanitarização, verteu-se fora não as impurezas detectadas
pela inspeção crítica, mas o próprio objeto da inspeção; não apenas os métodos
empregados para validar o conhecimento sistematizado e arrazoado, mas a verdade,
o racional e a possibilidade de cognição do real .
Ciência (discurso educacional) e literatura resumem-se tudo num mesmo discurso,
num campo rtil para investigações sem hierarquias. “Para o neopragmatismo rortyano a
ciência é um gênero literário, ao passo que as artes e a literatura não são campos menos
investigativos que o da ciência; todas as áreas fariam parte de um mesmo esforço por uma
vida melhor.” (POGREBINSCHI apud STEMMER, 2006, p. 91).
185
Não se pode negar, de forma alguma o quanto alguns temas apresentados pelos pós-
modernos vieram enriquecer a pesquisa educacional, porém aproveitar-se deles não significa
fazer uso das mesmas bases teóricas em que se ancoram.
Uma atividade cara às pesquisas pós-críticas em educação é a atividade poética.
“Poetizar [...] significa produzir, fabricar, inventar, criar sentidos inéditos. Novos olhares!
Novas conexões! Novas sinapses! Novos sentidos!” (PARAÍSO, 2004, p.295-296). Excertos e
títulos de textos podem oferecer um panorama dessa nova poética, da literaturização do
discurso educacional também adornado por arranjos de palavras e compondo os mirabolantes
jogos de linguagem ao mesmo tempo em que colocam sob suspeita todo conhecimento
acumulado até o presente, buscando desconstruí-lo. O texto de Corazza (2004, p. 203) é um
representante exemplar da espécie a começar pelo título: Metainfanciofísica: a criança e o
infantil. Dividido em quinze ítens, subtítulos, fragmentos (?), o texto fala do “devir-infantil”,
“fantasma instintivo”, “a supercriança”, entre outros e e a nu “os jogos de linguagem”, a
“série de metáforas” utilizadas, um jogo, um mapa difícil de transitar, captar seus sentidos;
uma mistura de “enigma” (essa é uma palavra cara aos “pós alguma coisa”), “palavras
esotéricas, palavras-valise, não-sensos” [...] (p.204).
Nesse estilo, desdobram-se os demais itens e, em Filho de Dionísio- Ariadne tem-se
que
Tratar do pensamento metainfanciofísico como se fosse um conjunto de saberes
freudianos, piagetianos, freireanos é um equívoco. Enquanto turbilhão anônimo do
discurso sobre o infantil, esse pensamento ocorre pela emissão nômade de jatos de
singularidades neutras ou de acontecimentos ideais. Ele pensa o infantil liberto da
similaridade, como desejo alegre, mil pontos dispersos, máscara singular que não
recobre nada, simulacro sem dissimulação, esquecimento desmesurado, fantasma da
dupla afirmação disjunta, repetição sem original, pura diferença.[...] a
metainfanciofísica é, assim, um pensamento que diz o que é, ao dizer o que faz, em
seu horizonte ético.[...]. (CORAZZA, 2004, p.212).
Deleuze, com a sua gica do sentido, e Nietzsche são as duas referências
bibliográficas do texto.
Outro exemplar dessa atividade poética que brinca com as palavras para negar a
ciência, a arrogância do saber, são os discursos de Larosa em O enigma da infância ou o que
vai do impossível ao verdadeiro no qual enreda o leitor num discurso para negar a
intencionalidade do ato educativo e os saberes até então acumulados sobre a infância. A
infância não é algo capaz de ser “capturado” por estes saberes porque representa o enigma,
186
aquilo que escapa a qualquer tentativa de captura, é o outro, “[...] uma verdade que não aceita
a medida de nosso saber.” (LAROSA, 1998, p.71). O autor ainda expõe que
A infância entendida como algo outro, não é o que já sabemos, mas nem tampouco é
o que ainda não sabemos. O que ainda é desconhecido justifica o poder do
conhecimento e inquieta de maneira absoluta sua segurança. O que ainda não
sabemos não é outra coisa além do que se deseja medir e anunciar pelo que sabemos,
aquilo que se como meta, como tarefa e como percurso. A arrogância do saber
não somente está na exibição do que já conquistou, mas também no tamanho de seus
projetos e de suas ambições, em tudo o que ainda está por conquistar, mas que já foi
marcado e determinado como território de possível conquista. (LAROSA, 1998,
p.69).
Usando a metáfora do nascimento, insiste que a “criança é algo absolutamente novo”
é o devir-infantil. “Não mais ciclo, cronologia, evolução, estágio, etapa, fase, idade, geração”
[...] é o “fantasma instintivo” , “fronteira impenetrável” (CORAZZA, 2004, p.203-205), na
qual se nega até asfixiar o leitor, a idéia de progresso numa direção de formas mais
humanizadoras da existência humana, a idéia de ciência como indispensável ao
desenvolvimento humano, embrenhando-se por um ceticismo desmedido, uma crítica
causticante ao conhecimento, destacando apenas seu interesse a tudo submeter, dominar ,
intervir de maneira calculada , administrar através da “razão tecnocientífica”, de um “modelo
positivo de verdade”, passando ao largo do seu caráter emancipatório.
Fiéis aos mapeamentos dos campos que encerram em si a idéia de estar sempre
aberto a outras construções e significações, os textos podem estabelecer uma série de
conexões uns com os outros “onde se produzem novos textos, outros textos, indefinidamente,
em um processo contínuo de cortes e reatamentos sempre em diferentes combinações”
(MORAES, 1996, p.49), realizando a (des)construção num processo infinito de significações
no interior de um jogo intertextual, no qual nada existe para além do texto. É a linguagem que
constrói o real. Um intrincado de discursos e textos sem fim que falam de uma “História da
infância sem fim” (CORAZZA, 2000) com uma linguagem exótica que passa a idéia de altas
reflexões, mesmo que inatingível para muitos porque é linguagem empolada; outras vezes,
sedutora que cativa os alunos exatamente por não exigir muita reflexão, como coloca a
própria Corazza (2000, p.52) numa seção de final de um capítulo da obra:
Ao encerrar esta seção aqui, deste modo, resta indagar: faltou-me competência para
apresentar os seus textos, em uma ordem sistemática para levá-los a entrar em
interlocução com as teorias sobre a infância.? Fui incapaz de analisar de modo
crítico seus elementos ideológicos?[...] Tudo isso pode ter ocorrido. Só que acima de
tudo, o que fiz foi operar um método de releitura e de reescrita.
187
Com intenção de “implodir e radicalizar a crítica àquilo que foi significado na
educação, e procurando fazer aparecer o que ainda não estava significado” (PARAÍSO, 2004,
p.287), a idéia de que as coisas brotam espontaneamente da linguagem e passam a
existir após serem significadas, como num passe de mágica é possivel “fazer aparecer” algo
do nada, aliás, da linguagem, pois ela antecede o real.
Paraíso (2004, p. 286-287) fala do “contágio”, da “proliferação”, da
“experimentação” como “ferramentas” das perspectivas pós-críticas na educação e dos
“olhares” como um procedimento de pesquisa. Com o “olhar de modo diferente a educação”,
é possível “fazer aparecer o que não está ainda significado nesse território”. Essas são as “[...]
saídas metodológicas para escapar das totalizações e homogeneizaçãos das metanarrativas,
buscando possibilidades para pesquisar que utilizem o singular, o local e o parcial.”
Parece que, no campo educacional, quando se trata da infância, as significações
mitificadoras ocupam um lugar privilegiado. Esvazia-se o real de sua história, despolitiza-o e
ele aparece como um quadro natural, harmonioso, desprovido da complexidade dos atos
humanos.
Esses mitos da infância têm raça, cor, gênero, história e geografia. São bem
alimentados em todos os sentidos e o são justamente porque à medida que se expandem,
encolhem-se as bases em que são gestados e os ideais de classe dos quais são portadores. E é
assim que vão se realizando, amadurecendo, naturalizando-se o mito das classes perigosas, o
mito da infância feliz, da infância pureza, o mito da infância que nos escapa, o mito da
criança-aluno, entre tantos outros.
4.4 FETICHISMO DA INFÂNCIA 4: O APRENDER A APRENDER E O BRINCAR.
Do ponto de vista da educação, a ruptura entre a modernidade e pós-modernidade é
surpreendente: uma geração não faz mais a educação da outra. Desaparecendo o
motivo geracional, não mais disciplina, nãomais educação. O aparelho escolar
pós-moderno apresenta, pois, essa particularidade espantosa: agora que a obrigação
de escolaridade é (pela primeira vez na história) quase que generalizada, há cada vez
menos educação. (DUFOUR, 2001, p.141).
Brincar é por excelência o “ofício de criança.” Facilita tudo: crescimento corporal,
força e resistência física, coordenação perceptivo-motora, propicia socialização pelo exercício
188
de vários papéis sociais, contribui para a vida afetiva, encoraja o desenvolvimento intelectual
por meio do exercício do faz-de-conta, favorece o domínio das habilidades de comunicação,
facilita a auto-expressão, ajuda a descoberta do eu e do outro, contribui para a difícil
construção da identidade pessoal etc. Esse alçar do brincar às nuvens é um antídoto à entrada
de qual discussão no campo educativo? Por que essa perspectiva da brincadeira aflora com
tanta força no discurso educacional seja na escola ou fora dela? Por que o direito ao ócio, ao
lúdico quando se fala da infância? A qual criança se refere?
Se o brincar é uma das ocupações mais sérias da infância, ele precisa ser mais
aprofundado. É dentro desse contexto que o ofício de aluno e qualquer outro ofício exercido
pela criança que implique em outra coisa que não brincar, vai confrontar com o seu ofício de
criança. É ainda nessa posição que ele é fetichizado. Cria-se um mundo de fantasia para a
criança repleto de prazer e alegria, bem diferente do mundo real que muitas crianças vivem.
Isso está impregnado de tal forma no discurso pedagógico que fica impossível arrancar a
criança desse mundo idealizado, em que se pasteuriza as diferenças de classes.
Brincadeira é coisa muito mais séria do que se tem imaginado. Arce (2004, p.153),
ao tratar da sedução e difusão do ideário construtivista entre os educadores brasileiros,
principalmente aquele que fundamenta a abordagem Reggio Emília, aponta que esta sedução
passa, entre outros aspectos, pela idéia de lúdico como “eixo central da prática educativa” E,
entretanto, fazer da brincadeira
[...] um sinônimo de prazer constitui-se um reducionismo e um processo de
naturalização. Quando a importância da brincadeira na formação da criança centra-
se na questão do prazer, o próprio significado social e histórico da brincadeira é
secundarizado e torna-se desnecessário explicar de forma científica em que a
brincadeira consiste, qual sua especificidade como atividade humana e por que ela é
necessária ao desenvolvimento infantil. (ARCE, 2004, p.259)
Nessa direção a brincadeira enquanto atividade humana afasta-se da atividade da
criança na escola, que é o aprender e desfoca a questão política do trabalho pedagógico que é
ensinar. Isso, no entanto,
[...] não se dá esponteaneamente, como um lazer, mas exige disciplina, esforço,
persistência; numa palavra, supõe trabalho. É profundamente ingênua (e perigosa!)
essa idéia de que o professor deve facilitar a aprendizagem ao máximo, fazendo dela
uma diversão, uma brincadeira [...] na qual o importante é “aprender a aprender”.
Ora ninguém aprende a aprender sem um conteúdo, uma matéria-prima a ser
transformada pela reflexão, isto é, sem um trabalho que produza a compreensão da
realidade. A vulgarização da idéia de que não é o professor que ensina, mas o aluno
que aprende, tem conduzido [...] a uma [...] falsa defesa da liberdade e da
189
criatividade do indivíduo e da igualdade entre professores e alunos. (COELHO,
1986, p.46).
Vulgariza-se a idéia de que aquilo que se faz com prazer não demanda inteligência,
disciplina e muito trabalho. Define-se a criança e o lúdico pela via do infantilismo. Nessa
direção, pode-se dizer que a pedagogia “infantiliza” tudo que ela toca, com todas as aspas que
caibam nessa “infantilização”. Daí é preciso também cuidar para não se resvalar para uma
pedagogia anti-escolar que começa a brotar em alguns discursos próximos à sociologia da
infância.
O que parece é que a concepção de lúdico, de brinquedo e brincadeira, impregnada
na escola, precisa ser revelada sobre outros ângulos. Se é no ato de brincar que a criança se
apropria da realidade imediata, atribuindo-lhe significado, aprendendo; muitas vezes na escola
ele é encarado numa dimensão em que a subjetividade é desprovida de objetividade, ou seja,
nega-se o mundo concreto para transportar a criança a um mundo de fantasia, no qual as
variáveis sociais e econômicas não contam. uma idealização do lúdico e descaracterização
da criança como sujeito histórico. Pelo fato de se ter uma visão romantizada de infância, nela
não cabe os conflitos de classe. Fica ainda a desejar que a criação não é somente uma grande
alegria:
Tiene también su parte de sufrimiento, lo que se há dado em llamar “el martírio de la
creación. Crear es difícil, la necesidad de creación no siempre coincide con las
posibilidades de creación y de aquí surge el sentimiento martirizante del sufrimiento
de que la ideia no se hizo palabra. […]. (VIGOTSKY, 1999, p.34).
Como coloca Martins (1993, p.58) a fala das crianças entrevistadas por ele era “uma
fala tristemente adulta, privada da inocência infantil que eu ingenuamente, imaginava
encontrar nelas”, é um “fragmento de um enredo mais amplo, que ela protagoniza com os
outros”, e, muitas delas, tendo o “adulto no corpo” (p.66) têm a alegria da brincadeira como
uma exceção circunstancial e a infância é “um intervalo no dia e não [como] um período
peculiar da vida, de fantasia, jogo e brinquedo, de amadurecimento. Primeiro trabalham,
depois vão à escola e depois brincam, no fim do dia, na boca da noite. A infância é um
resíduo de tempo que está acabando.” (p.67) O que da para perceber não são “infâncias”, mas
infância enquanto uma totalidade que abarca a diversidade. Quando se perde de vista o real e
sua historicidade o que resta são idealizações
190
Conforme Chamborédon e Prévot (1986, p.50) “[...] para perceber todas as
implicações sociais da pedagogia do jogo e para indicar as condições sociais que ela
pressupõe, é preciso pô-la em relação à definição, em cada classe social, do trabalho e do
jogo.”
No capitalismo, tempo é dinheiro e, quando se trata de dinheiro, tudo é sério,
principalmente num mundo onde falta trabalho. E aqui novamente o fetiche: a preguiça e o
ócio como mãe de todos os vícios se desfiguram recuperados num discurso de direito ao
lúdico que exala um certo perfume libertário na fabricação de um homem novo: é de
pequenino que se traça o destino do menino, porém destituído de sua faculdade de julgar.
O sujeito crítico kantiano vai mal. E aqui cabe lembrar a chegada grandiosa, no
Brasil, do livro O mestre ignorante, de Ranciére. Ele foi recebido com muitas homenagens
por leitores apaixonados e apenas uma crítica solitária de Moraes (2003) revela a necessidade
de um olhar mais crítico em relação à referida obra e os interesses que se escondem por detrás
de tais idéias:
Em 2002 foi traduzido e publicado (Autêntica) um livro de Jacques Rancière, O
mestre ignorante, cuja edição original é de 1987. Neste livro faz-se a crítica à
explicação na atividade docente e a apologia do mestre que nada sabe e por isso,
ensina melhor. Muito bem, em 2003, a Educação e Sociedade, lança cerca de 10
resenhas, todas laudatórias deste livro. Fico estupefacta com isso e com a ausência
de respostas na área da Educação. Parece que um consenso e me recuso a
acreditar nisso acerca das teses de Rancière e do Prof. Jacotot, o personagem do
livro (MORAES, 2003, p.19)
66
.
Jacotot introduz a “máxima” de que é possível ensinar sem explicar e mais ainda, é
possível ensinar o que se ignora e isso merece louvor de Kohan (2003, p.187-188) :
Jacotot [...] passa a ensinar matérias que ignora (pintura, piano), sem explicar nada.
Os alunos aprendem. Mais ainda, adoram a experiência, lotam suas aulas. Em todos
estes casos os alunos aprendem seguindo seus próprios métodos caminhos que eles
mesmos decidem. Jacotot faz basicamente, duas coisas: interroga e verifica se o
trabalho está sendo feito com atenção. Pergunta sempre à exaustão, três questões: “o
que vês?”; “o que pensas disso?”; “o que fazes com isso?Não verifica o conteúdo
do que o aluno encontra nem aonde o levou o caminho dos signos, senão o modo
como realiza a busca; verifica, também que o aluno busque continuamente, que
nunca deixe de buscar.
66
O texto citado é Novas facetas de uma velha ideologia: o renovado conservadorismo da agenda pós-moderna.
(Texto apresentado ao Programa de s-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, em 25 de
novembro de 2003).
191
Ensinar é, portanto “[...] propiciar signos, sinais, marcas que os outros podem
seguir.” (KOHAN, 2003, p.203). E, para não prolongar muito a discussão, o texto de Kohan
encerra com a pergunta “o que significa aprender?” Entende-se que aprender é emancipar-se
[...] a emancipação intelectual, como a infância, não é institucionalizável, não pode
estar a serviço da formação de um tipo específico de atores sociais. Não é um
método para formar cidadãos. É incompatível com as instituições porque seus
princípios são opostos: entretanto, ele se origina na igualdade, estas representam a
falta de igualdade. Jacotot tentou institucionalizar seu método e rapidamente se deu
conta da impossibilidade. somente uma forma de emancipar e essa forma não
pode sustentar-se em nenhuma instituição social. (KOHAN, 2003, p.203).
A proposta é romper com a forma tradicional de pensar o ensinar e aprender, mas em
troca colocam a forma Nova, da Escola Nova, da Pedagogia Ativa. Em lugar de “domínio de
conhecimento”, cada aprendiz elabora seu mapa e cada um escolhe seu roteiro, seu território a
explorar. Isso coloca a necessidade de aprofundar o debate em relação à atividade de aprender
e atividade de ensinar.
Os três princípios da pedagogia do aprender a aprender realçados por Duarte (2001),
ao contemplar quatro posicionamentos valorativos contidos no lema do aprender a aprender,
explicitam de forma muita clara o cerne da obra de Ranciére e o que se esconde por trás de
recepção tão calorosa:
1- são mais desejáveis as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas
quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e
experiências. [...] Nessa perspectiva, aprender sozinho contribuiria para o aumento
da autonomia do indivíduo, enquanto aprender como resultado de um processo de
transmissão por outra pessoa seria algo que não produziria a autonomia e, ao
contrário, muitas vezes até seria um obstáculo para a mesma.
2- [...] é mais importante o aluno desenvolver um método de aquisição, elaboração,
descoberta, construção de conhecimentos, do que esse aluno aprender os
conhecimentos que foram descobertos e elaborados por outras pessoas. [...]
3- [...] a atividade do aluno, para ser verdadeiramente educativa, deve ser
impulsionada e dirigida pelos interesses e necessidades da própria criança. [...] ou
seja, é preciso que a educação esteja inserida de maneira funcional na atividade da
criança, na linha da concepção de educação funcional de Claparède (1954). [...]
(DUARTE, 2001, p.37-38).
A obra O mestre ignorante é um “manancial” para se aprender os passos da
emancipação intelectual, em cinco lições. Numa perspectiva contrária ao que prega Ranciére,
defende-se aqui a importância e a centralidade da figura de um mestre explicador como
fundamental nos percursos que os alunos fazem pelo texto, no sentido de levá-los a abrir os
olhos e melhor enxergar, apesar dos mascaramentos. A vigilância crítica frente aos riscos de
192
ideologização do discurso educacional é tarefa epistemológica perene para que aqueles
envolvidos nos processos educativos não sejam enredados pelos mecanismos de alienação e
fetichização do ato de ensinar e aprender.
O ideal não é pensar, mas distrair as crianças e os jovens, diverti-los, deixá-los
brincar. Enquanto isso,
[...] a formação e a reprodução das elites se tornam cada vez mais exclusivamente
asseguradas, no nível de ensino superior, pelas grandes escolas e similares. [...].
Essas formações continuam a funcionar segundo um modelo crítico duro e de jeito
nenhum, estão comprometidas pelas derivas pedagogistas destinadas a ocupar a
maioria. (DUFOUR, 2005, p.149).
Esse processo de formação não é para os grandes, pois é de pequenino que se traça
o caminho dos meninos. Essas propostas de educação para uma infância idílica, na qual a lei é
aquela do menor esforço, parece não encontrar campo propício para fertilizar em alguns
espaços educativos, principalmente aqueles freqüentados pelas crianças da elite. Em oposição
à breve infância das crianças da classe trabalhadora a engenharia social vai soterrando esse
ideal educativo idílico, principalmente nos países ricos, como é o caso da Suécia, onde a
criança é
[...] cientificamente planejada, vivenciando uma infância de horários estabelecidos
por pais que trabalham fora e por um corpo de professores e especialistas da
infância. [...] É uma infância com qualidade garantida e protegida por várias
agências do Estado.[...]. Ser criança é transformar-se no maior projeto de vida, tanto
para as próprias crianças quanto para seus pais. [...] Os contornos da infância hoje:
maturidade precoce, compartilhamento das experiências adultas por meio da mídia,
aprendizagem rápida dos comportamentos adultos e de seus códigos propiciada pela
participação em instituições para além da casa. Uma vida de brincadeiras e de lazer,
porém destituída de inocência [...]. A infância é um planejamento consciente para a
vida adulta [...] Se as crianças devem ser bem sucedidas, elas têm que começar cedo.
(SANDIN, 1999, [s.p]).
E, para encerrar, fica posta a necessidade da retomada com urgência da teoria crítica
do fetichismo, em refluxo no cenário acadêmico, sob o custo de não se poder compreender de
forma rigorosa o estado atual das coisas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As imagens contraditórias de infância que têm circulado na teoria do social vão
adentrando as diferentes áreas do conhecimento e configurando práticas, chegando muitas
vezes a deformar o objeto envolvido. Esses produtos do cérebro humano vão adquirindo vida
própria e relacionando-se entre si e com os seres humanos com certa autonomia, de forma a se
independentizarem das bases das quais emergiram ou mesmo de obscurecê-las totalmente. E
isso se de forma exemplar quando o objeto envolvido é a criança. Apesar de ser esse o
objeto por excelência do discurso pedagógico, não tem sido o mais caro da sua investigação, e
essa aceitação, sem exame crítico, do imaginário que tem invadido a teoria pedagógica, na
contemporaneidade, tem repercutido de forma negativa na educação das crianças.
A criança confinada na escola está em nítida contradição com as crianças em outros
espaços formativos, e a história da pedagogia é apenas um capítulo da história da educação,
do processo de formação humana. O que se pretendeu, nesta pesquisa, foi insistir na urgência
e na necessidade do diálogo que, até o momento, é bastante frágil e tímido entre as pesquisas
no campo trabalho-educação e teoria pedagógica. Campos que apresentam muitos aspectos
em comum, mas que pouco têm interceptado, alcançado o trabalho escolar, o trabalho da
criança na escola. Desse modo, contribuir para que a teoria pedagógica adquira uma visão
mais densa da teoria do educativo e abale algumas profissões de fé da pedagogia, muito em
moda nesses tempos, supõe uma passagem pelo mundo do trabalho infantil, já que essas
imagens produzidas não são inocentes, mas pretendem satisfazer os desejos capitalistas de
camuflar as questões de classe e impedir que a teoria pedagógica apareça como parte da teoria
social.
Acompanhando a história da configuração de alguns grupos de pesquisas do campo
trabalho/educação, constata-se que o trabalho infantil não aparece na gênese de nenhum deles
e parcamente figura na história de existência desses grupos. Assim, também se apresenta em
relação ao entrecruzamento das atividades das crianças na escola e no trabalho. Esse é um
194
outro aspecto que mereceria mais aprofundamento considerando que alguns autores
(Winstenberger, 2001; Qvortrup, 2001) têm insistido na idéia de apresentar a atividade escolar
como a forma atual de trabalho infantil, apenas para os países ricos, afirmando que o que
prevalece nessas sociedades é o trabalho escolar e o trabalho infantil é problema apenas dos
países em desenvolvimento. As representações de crianças que se escondem sob a proteção do
aluno têm apontado na direção de desconsiderar o verdadeiro sentido da atividade escolar. A
diferença entre atividade da criança na escola e trabalho escolar, assim como entre a atividade
de aprender e atividade de ensinar são temas que necessitam ser melhor pesquisados.
Trabalho e escola quando aparecem nas pesquisas, apresentam-se como campos opostos,
incompatíveis. O trabalho mostra-se como forte impeditivo da freqüência à escola e à
qualidade de aprendizagem, comprometendo o futuro das crianças, causando prejuízos à
formação escolar, à aquisição do conhecimento devido à fadiga física e mental, entre outros.
Trazendo achados de várias pesquisas, Alves-Mazzotti (2002, p.90) questiona este tipo de
raciocínio a partir de entrevistas realizadas com as crianças e com os pais e afirma que estes
últimos “em sua grande maioria [...] chegam mesmo a dizer que uma influência positiva,
pois eles (os filhos) melhoraram na escola depois que começaram a trabalhar”. O que para
muitos pais e crianças interfere no rendimento ou fracasso escolar, não é apenas o trabalho,
mas, entre outros fatores, a não satisfação das expectativas em relação à escola, as marcas
deixadas pela convivência humilhante com colegas de classes mais novos, práticas agressivas
de disciplinamento, cotidiano escolar destituído de sentido, relações conflituosas com
professores, a sutileza da “eliminação suave” e não mais brutal representada pelas políticas de
correção do fluxo escolar, por isso ao atribuir ao trabalho tais efeitos sobre a escolarização,
encobrem-se outros fatores a ele correlacionados, como a carência de boas escolas nas áreas
mais pobres, os conteúdos escolares distanciados da realidade das crianças que vivem nessas
áreas, a falta de perspectivas para a continuidade dos estudos, entre outros.
Por essas mesmas razões, é possível perceber que infância e trabalho são dois
campos muito próximos, que se imbricam de diferentes maneiras, mas, na medida em que se
tenta avaliar o peso dessa relação, aproximando-se do campo do trabalho escolar, tomando
este como atividade infantil por excelência, o que se apresenta é uma distância enorme, na
qual praticamente o diálogo inexiste, como se constituíssem em dois campos estranhos. A
pedagogia do trabalho, entretanto, revela, mesmo que às avessas, aquilo que não deveria ser
revelado: as potencialidades, de fato, que as crianças possuem e que podem ser exploradas em
outras direções menos devastadoras na escola; que a acumulação de atrasos (repetência) e a
195
evasão, elementos há muito presentes no espaço escolar, são praticamente ausentes no mundo
do trabalho e ainda que, no mundo do trabalho, nunca é permitido às crianças ficarem
entregues a si mesmas, mas sob a supervisão de um adulto. É a pedagogia do trabalho sério.
Para romper as grades que isolam esses campos e vencer o silêncio, abrindo-se para
os desafios teóricos que o mundo do trabalho poderia colocar para o campo da teoria
pedagógica, especialmente em relação aos discursos que têm insistido no “aprender a
aprender” e defendido o protagonismo infantil, minimizando o papel do adulto como
protagonista, resolveu-se fazer uma incursão pelo mundo do trabalho. Se esses dois campos
compõem a mesma totalidade social, é nela que se devem buscar os modos de dizer e
significar a infância, que tem produzido um pensamento fetichizado sobre a mesma.
Os modos de significar a infância na teoria pedagógica, isto é, que têm produzido um
estatuto de criança que corresponda aos interesses do sistema capitalista, e que têm
alimentado determinadas práticas a ela dirigidas no espaço escolar são os mesmos que tendem
a significar a infância nos espaços da rua ou em outros espaços, de forma que, ao omitirem a
condição de classe desses sujeitos, fazem o livre jogo de realçar o respeito às especificidades
e diferenças da criança em relação ao adulto, ao mesmo tempo em que lhe negam essas
peculiaridades ao empurrá-las ao mundo do trabalho. Essa crescente insistência no discurso
das diferenças é uma forma fetichista de minar o conceito de classe, de considerar as
desigualdades reais. Não são as distinções etárias ou geracionais que acabam por determinar o
lugar da criança na sociedade, mas a diferença de classe. No mundo do trabalho as tão
cantadas diferenças se diluem totalmente. Nada de ciclos, etapas, momentos, fases, níveis.
Nada de repartir a vida de forma detalhada quando o movimento é de apropriação e
legitimação da criança como força de trabalho.
A lógica capitalista é regida por outras leis que desrespeitam as fases evolutivas das
crianças e é essa lógica que também sentido ao tipo de educação que deve ser possível a
essas crianças. O que conta nessa lógica é que
Todos são força de trabalho normal. Explorados normalmente. Enquadrados na
jornada de trabalho, salários, leis, disciplinas da fábrica. Todos são normais para a
exploração. Porém para os direitos ao saber, à saúde, à moradia e saneamento
passam a ser tratados como anormais, objetos de políticas especiais. No social são
carentes psíquicos, culturais biológicos, porém são normais para criar a riqueza deste
país. (ARROYO, 1986, p.40).
196
Não é possível passar despercebido que essas representações e idéias sobre infância
estão entrelaçadas com as atividades materiais. E, no quadro de imagens da infância que se
descortina nas manchetes de periódicos, títulos de livro, de dissertações e teses (“Infância
perdida”, “Infância roubada”, “Infância como perigo”, “Acabou-se o que era doce, brincando
de gente grande”, Imagens quebradas”, “Adultização da infância”, “Lembranças do
sofrimento”, “Hora de se virar”, “Pequenos homens grandes”, “Filhos do trem”, “A colheita
do não-cidadão”, “Os recicladores da misériaetc.), misturam-se outras imagens de criança-
inocente, esperança, aluno, ator, protagonista e criança-cidadã. Todas, produtos humanos. O
fato de aparecem movendo-se por conta própria, assumindo determinadas formas, resulta do
fetiche que impede perceber todas as incoerências e todas as contradições que marcam o seu
lugar na sociedade. O exercício de desfazer os invólucros com os quais as crianças vão sendo
embaladas, ou mesmo entender o conteúdo oculto por trás dessas imagens e, mais que isso,
compreender por que elas adquirem tal forma, foi o que se pretendeu realizar nesta pesquisa.
Isso permitiu perceber o quanto a história da criança está marcada pela história das
idéias e instituições que afetaram sua vida. Permitiu ainda captar o quanto esses discursos e
práticas têm no campo dos direitos um solo fértil para fecundar, principalmente quando esse
invólucro protecionista tem por objetivo apresentar a face caridosa e benevolente do
capitalismo com suas políticas públicas como instrumentos capazes de erradicar o trabalho
das crianças ou até mesmo protegê-las dos usos e abusos dessa exploração. Ao trazer para
discussão a questão dos lugares e práticas destinados às crianças, realiza-se o movimento de
apreensão daquilo que de fato vem concretamente, histórico-socialmente se constituindo
como infância, fazendo a articulação entre criança e infância. Uma imagem de criança no
reino da fantasia parecia bem sedimentada historicamente, principalmente com objetivo de
justificar o lugar social que a criança deveria ocupar na ordem das estruturas materiais. Nesse
processo histórico foram sendo articuladas várias representações do real, referidas aos tempos,
lugares e práticas destinados às crianças, principalmente àquelas das classes menos
favorecidas economicamente.
Em relação à temporalidade humana o que se vê são os recortes cada vez mais finos
da vida da criança e os usos interessados que se faz desses recortes para atender a interesses
que não são especificamente os interesses da criança, mas de quem produz os milhares de
produtos, a ela destinados enquanto clientes. Quanto aos lugares a ela destinados e a vida
neles vivida, o local de trabalho possibilita um encontro com a criança historicizada com as
condições reais nas quais essas crianças têm de viver seus tempos. Aqui não se parte das
197
idéias e representações, mas da criança concreta que não cabe nas metáforas nas quais durante
séculos foram abrigadas. No campo do trabalho ressurgem como seres humanos concretos,
não idealizados, imaginados, mas, deserdadas, na prática de tantos outros direitos humanos,
numa economia que se tornou desumana, que as obriga a concorrer com adultos e como
adultos pela sobrevivência.. Crianças portadoras de limites sim, mas que na luta pela
sobrevivência são transformados em adultos e portanto, precisam decidir como tais. O que se
pode concluir é que a criança real é substituída pela representação que se tem dessa fase da
vida e o mundo real da criança não se constrói com imagens ideais do que deveria ser, mas
com o que é. Cria-se um tipo ideal para poder convocá-lo logo cedo para o trabalho, ao mesmo
tempo em que proíbe o seu trabalho para transformá-lo em criança da mera ficção da lei.
Os discursos e as práticas sobre os direitos à educação, à liberdade, à igualdade,
sempre que direcionados à população pobre, são recheados com a impossibilidade, a
culpabilização, penalização, carregando no seu todo uma derrota a priori. Por outro lado,
quando se trata de punir, as manifestações cotidianas de delinqüência são espetacularizadas,
camuflando a violência à qual essas crianças são submetidas (num mundo onde tudo farta,
falta educação, saúde, moradia, alimentação, lazer etc.) e que, por razão da supressão dos seus
direitos, lutam para sobreviver da única maneira que lhes é oferecida.
Há um aprisionamento das crianças em condições degradantes das quais parece
impossível retirá-las e, ao mesmo tempo, anuncia-se com toda pompa uma promessa de vida
no paraíso. É o fetiche em tal grau, exercendo um poder de sedução, que acaba por inverter a
realidade, falseá-la, provocando idéias correspondentes. O real transforma-se em pura ficção.
Cria-se um paraíso dos direitos da criança, envolvendo organizações do mundo inteiro para
tirá-la da rua, do mundo do trabalho e levá-la à escola, metralhando as palavras mágicas,
como luta, combate, flagelo, mal, e, enfim, alimentando o império das imagens, impedindo
que se revele o mundo da realidade material que lhe dá sustentação.
O que sustenta os discursos e os próprios documentos, que revelam o “milagre” da
redução do trabalho infantil, não encontra sua correspondente numa análise mais minuciosa
desses documentos. Agrupando-se as atividades econômicas exercidas por crianças em todos
os Estados do Brasil, reagrupando-as por setores da economia, convertendo-as em gráficos,
tabelas, comparando-as por regiões, afinal desenhando o mapa do trabalho infantil, o que se
revela é uma diversificação e ampliação das atividades econômicas exercidas por crianças,
que parece caminhar em direção à plenitude do trabalho abstrato e o em direção a sua
198
redução. E aqui, mais uma vez, um revelar da infância. Enquanto proprietária da
mercadoria força de trabalho, faz seu trabalho se materializar nos produtos.
Aqui se se apresenta com todas suas capacidades e habilidades que não apenas
cantadas, mas arrancadas à força. E, nesse espaço, as crianças dão conta de exercer atividades
como os adultos, a duras penas, e mostram-se competentes para tanto. Proclamar que é
necessário aproveitar essas habilidades no mundo escolar é uma coisa, aproveitá-las de fato,
como se faz no mundo do trabalho, é coisa que parece impossível. Se no mundo do trabalho
as crianças têm competências de sobra para fazer o que fazem e que são exploradas ao
máximo nessas habilidades, poderiam ser exploradas ao máximo na escola em direção à
apropriação do conhecimento produzido historicamente. Essa, entretanto, tem sido invadida
pelo discurso do aprender a aprender, cuja relação com o saber tem-se tornado uma
preocupação acessóriapois coisa séria é o mundo do trabalho. Além disso, recheia-se esse
discurso com uma abordagem desqualificada do lúdico, um fazer por fazer, sem retorno para
o sujeito, sem atribuir-lhe as devidas dimensões cultural, intelectual e política e que tem
conseqüências práticas e formativas. O valor dessas atividades é pobremente considerado na
escola e elevado para o plano da fantasia, perdendo os elementos tomados da realidade para
serem submetidos à atividade transformadora.
Se algumas crianças têm capacidade de exercer infinitas atividades econômicas,
enredando-se em todos os cantos do mapa no trabalho infantil, nas condições mais adversas,
inclusive mergulhando em profundidade inimagináveis nas ilhas das Filipinas para capturar
peixes nas redes, trabalhando em alto-mar em expedições pesqueiras que podem durar de seis
a dez meses, entre tantos outros mergulhos no mundo do trabalho, teriam essas mesmas
competências e habilidades para mergulharem no mundo do conhecimento se se equipassem
as escolas para mergulhos tão desafiadores.
As crianças não cabem nas metáforas e nas imagens nas quais durante séculos foram
abrigadas. É necessário acompanhá-las como são: seres humanos concretos, não-idealizados,
imaginados, mas reais, deserdados na prática de tantos outros direitos humanos, numa
economia que se tornou desumana, que as obrigam a concorrer com adultos pela
sobrevivência.
No livro A sociedade do espetáculo, Débord (1997) desenvolve sua teoria baseado na
imagem como forma final de reificação da mercadoria, na qual até os próprios processos
narrativos são reificados, transformando-se numa nova mercadoria. Que momento mais
favorável que esse para a demonstração dessa tripla manifestação do fetichismo em três
199
campos que se configuraram nesta investigação: no campo teórico, das políticas e documentos
nacionais e internacionais e nos mapas de indicativos do trabalho infantil?
No campo teórico, de frágeis plantinhas, angelicais, as crianças alcançam o destaque
enquanto atores e protagonistas. Não mais tão inocentes, mas sabidinhos, senhores de si, e,
quando entram em cena, movem-se como se não dependessem de nenhuma mão invisível para
escrever a trama na qual são atores. Nada se sabe das escolas de “artes” de ser gente grande
pelas quais passaram. Sai-se de um paraíso e entra-se em outro. Chega-se, através das
imagens, a se estruturar a forma de percepção do real, mas é necessário ‘[...] evitar o fascínio
propriamente fetichista do “conteúdo” supostamente oculto por trás da forma (a forma da
mercadoria)’ (ZIZEK,1996, p.297), mas isso não é suficiente; ao contrário, é preciso
desvendar o “segredo” dessa “própria forma”. É preciso entender, portanto, como as imagens
se articulam com o mundo da realidade material, com as condições de viver a infância, com as
formas de ser e se comportar das crianças. E, por esse caminho, vai-se percebendo o fetiche.
Se a infância é o objeto por excelência do discurso pedagógico, não tem sido o objeto
mais caro da sua investigação. Ao destacar alguns aspectos e questões que resultam da
emergência da sociologia da infância e apresentar como as disciplinas que compõem o campo
das Ciências Sociais e Humanas foram se apropriando e elaborando o conceito de infância,
Quinteiro (2002, p.149-152) mostra que esse campo demorou a focalizar a criança e a infância
como objetos centrais de suas pesquisas e essa carência também é fato em vários países do
mundo. Se a história da infância não dialogava com a história da educação, enquanto campos,
não é de se estranhar a carência dese diálogo com o mundo do trabalho. Esse descaso,
indiferença, esquecimento do objeto no campo educativo não é puro acaso. Justifica de certa
forma a invasão do cenário das pesquisas em educação, principalmente a partir da década de
1990, pelas representações da criança enquanto ator, eliminando-se o sujeito. E, na asséptica
condição de aluno se esconde outras condições da infância.
Essa diversidade de imagens sobre nomes, lugares e condições da infância reclama
um exercício de compreensão de suas relações com o real, pois, como coloca Marx (1973,
p.36), “[...] o representar, o pensar, o intercâmbio intelectual dos homens [é] emanação direta
do seu comportamento material.”
Ao expor acerca do tratamento dispensado às crianças no mundo do trabalho e a
desconsideração pelas diferenças entre adulto e criança nesse espaço, o que se quer aqui
apontar é que, com essa mesma “naturalidade”, aplainam-se também essas diferenças na
200
escola; que, contraditoriamente, aqui se diluem a figura do professor, o papel do
conhecimento, da transmissão, tudo em respeito ao aluno, aos seus interesses e necessidades.
Um outro aspecto da fetichização refere-se à redução do trabalho infantil, alardeada
nos documentos nacionais e internacionais, acompanhada da afirmação da quase total
universalização de matrículas escolares, conquistada através da intensificação dos esforços
para uma escola inclusiva de qualidade e ainda aliada aos programas, como o PETI e o Bolsa-
Família. Analisando-se os gráficos e tabelas e considerando-se que, entre os motivos que
levam as crianças a não freqüentarem a escola, apresentados na tabela 1.7 do Mapa de
Indicativos de 2001, tem-se que o primeiro deles aparece como “outros motivos” não-
especificados, seguidos da não-freqüência por vontade própria ou por vontade dos pais ou
responsáveis; pelo fato de não existir escola por perto e, apenas em último lugar, o fato de
“ajudar” em casa, trabalhar ou procurar trabalho. Outro dado intrigante é exibido no Mapa de
Indicativos de 2005 (p.25) relacionando trabalho infantil e freqüência à escola em âmbito
nacional, destacando o alto índice de freqüência à escola das crianças que trabalhavam na
faixa etária de cinco a quinze anos e, mais alto ainda, na faixa de cinco a nove anos. O
Relatório Global 2006 aponta, entretanto, que a “[...] proporção de crianças que não estudam e
que trabalham é mais do que o dobro quando se compara com aquelas que estudam” (OIT,
2006, p.21).
Aparece, em meio a todos esses números, o invólucro protecionista da infância
trabalhadora que vai justificando as políticas sociais que visam à manutenção das crianças na
escola como uma forma de maquiar os números a serem apresentados às agências
internacionais que prescrevem ajustes para a economia brasileira. Quanto à admissão de que a
redução do trabalho infantil possa também acontecer decorrente do aumento dos índices de
desemprego, isso não é afirmado com a mesma ênfase com a qual se louvam as ações
institucionais das ONGs e, principalmente, do PETI.
Campanhas, programas e instituições diversas se atropelam para socorrer e proteger
as crianças, e extrapolam fronteiras. Enquanto tais instituições caem nas graças do público,
todas em nome de uma causa nobre que é a defesa dos direitos da criança, regulamentações
sutis vão sendo tecidas, absolutamente funcionais aos interesses neoliberais comandados pelo
capital financeiro. Assim, o Estado, sorrateiramente, desobriga-se de suas funções. E a forma
como essa “apropriação” da infância é invisível revela o fetiche no seu mais profundo sentido,
o seu triunfo. Mostra-se, pois, a face benevolente do capitalismo disposto a reparar os danos
sofridos pelas crianças, sem que seja posto em questionamento o que originou tais danos.
201
A criança transita o tempo todo no paraíso dos direitos. Ora se faz de tudo para tirá-la
do trabalho, ora se defende seu direito de nele permanecer, desde que não seja explorada,
diferenciando entre formas danosas do trabalho infantil e formas toleráveis, aceitáveis porque,
em determinadas culturas, são comuns as formas de aprender trabalhando. E quando se
conclama seu direito à escola, a que se tem encontra-se embalada no lema do aprender a
aprender, impregnado pela fusão da infância e da idade adulta e pelo apagamento de fronteiras
geracionais. O tempo como portador de história vai se diluindo e sendo corroído.
Se aqui é ator e protagonista pode negociar com o adulto por quais caminhos deseja
passar, fato diferente da lógica que rege o mundo trabalho onde sua capacidade de sujeito se
anula diante de um percurso já marcado pela indispensabilidade do trabalho infantil que repõe
uma concepção de criança privada de uma significação construída no exercício dos direitos
negados no mundo do trabalho e afirmados na escola, ameaçando anular o papel do professor
e minimizar a importância da seriedade da atividade de ensinar e aprender, esvaziando os
conteúdos, desqualificando alguns elementos essenciais desse processo.
O enigma do trabalho infantil, o fetiche na sua forma mais acabada, é estampado nos
Mapas de Indicativos. Sua decifração não se apresentava como tarefa fácil. Dentre as
inúmeras sutilezas e argúcias desses documentos, destacam-se o velar do trabalho infantil
como um problema social e estrutural da lógica capitalista, a decifração dos setores da
economia com suas enigmáticas fronteiras, as mais diferentes atividades econômicas
exercidas pelas crianças, que ora apresentavam uma face, ora escondiam outra, sinalizam o
caráter misterioso do quadro.
Cada coisa em seu lugar, da forma mais natural possível: quadros descritivos dos
municípios onde acontecem o trabalho infantil, condições de trabalho a que estão submetidas
as crianças, municípios com focos de redução do trabalho infantil, afinal um conjunto
extremamente coerente, mas que esconde, na aparência, a “informalidade”, os serviços e o
trabalho na indústria em franco crescimento, a perfeita harmonia entre a riqueza e a opulência.
O mais enigmático de tudo é, todavia, que a descarada participação das crianças, nessas
atividades e em outras escabrosas especulações, sinaliza o contínuo fôlego utilizado para
consumir a natureza natural e a natureza humana, combinando a “discreta antropofagia”
(DUFOUR, 2005, p.10) com o consumo das mentes, dos espíritos e esta simbiose perfeita do
pólo dinâmico servindo-se do pólo atrasado para desenvolver-se, sua capacidade de recriar
velhas formas de trabalho artesanal.
202
Se as atividades estampadas nos mapas “refletem apenas aquele(s) momento(s) em
que a fiscalização esteve presente nos locais de trabalho” e ainda que “a fiscalização pode
atuar em situações nas quais se encontra caracterizada a relação de emprego” (MTE/SIT,
1999, p.106), é sinal de que as atividades das crianças vão muito além e extrapolam aquilo
que os documentos registram. Considerando ainda que, “[...] de acordo com a antropologia
capitalista, a infância acaba aos 10 anos e, no máximo 11” (MARX, 2002, p.323) e que até
hoje a velha estratégia de mentir sobre a idade verdadeira das crianças ou instruí-las para fazer
o mesmo, ou mesmo escondê-las do olhar de qualquer inspeção, são segredos dificílimos de
serem desvendados. Essas “belezas do sistema” capitalista “[...] anulam toda a lei [fabril],
tanto no espírito quanto na letra.” (p.323).
Por mais que se tente atualizar os Mapas de Indicativos do trabalho infantil e se
avance nessa direção, a capacidade que adquiriu o capital de se mover, invadir todas as
fronteiras e firmar cada vez mais seus contornos mercadológicos mostra as limitações de tal
atividade. A CNAE 2.0 é um exemplo concreto de quanto o capitalismo é astucioso e como
anda rápido demais: a notável ampliação dos setores da economia, do número de grupamentos
das atividades econômicas e suas infinitas divisões, subdivisões e repartições atestam que
esses mapas constituem apenas uma fotografia muito reduzida da extensão do real, na qual
apenas umas poucas coordenadas podem ser observadas.
Afirmar, como faz o Relatório Global 2006, que o fim do trabalho infantil está
próximo é ter uma visão muito simplificada do real; é ignorar que, num mundo onde
continuam reinando as mercadorias, é impossível falar de erradicação do trabalho infantil,
que ele é imanente ao sistema capitalista. está o fetiche: eliminar o trabalho infantil sem
que se elimine o sistema que o gera. Os próprios Mapas de indicativos, quando revirados ao
avesso, sob o ângulo da ampliação das atividades econômicas exercidas por crianças, sua
reinvenção em formas para além daquilo que é classificado como atividades econômicas, na
extensa classificação da CNAE 2.0, se não se pode falar de aumento significativo do trabalho
infantil, porque não se trabalhou com números absolutos, pode-se, além de colocar em causa a
tão alardeada redução, afirmar que em todos os setores da economia, destacadamente na
indústria, essas atividades se expandiram, colocando algumas interrogações na propalada
afirmação de redução nesse setor. Colocam em xeque, ao mesmo tempo, todo o discurso
laudatório da OIT que, no Relatório Global, anuncia que a viragem está próxima, inclusive
estabelecendo um prazo de dez anos para que sejam eliminadas as piores formas, sem perder
de vista que o objetivo último é acabar com todo o trabalho infantil.
203
Como essas ilusões são socialmente necessárias, é preciso revigorar o pensamento
pedagógico partindo-se da infância real, compreender como esses discursos se articulam com
o mundo da realidade material, apreender o fenômeno, descobrir o segredo oculto por trás das
imagens e, como escreveu Marx (apud DUARTE, 2001, p.40): “[...] conclamar as pessoas a
acabarem com as ilusões acerca de uma situação é conclamá-las a acabarem com uma
situação que precisa de ilusões.”
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APÊNDICE
PREPARANDO O TERRENO PARA UM ENCONTRO COM A INFÂNCIA E
O TRABALHO INFANTIL
O avanço das pesquisas em educação, nos últimos anos, trouxe para a área
contribuições de largo alcance. Fazendo uma breve análise das publicações que vão surgindo,
dos fóruns, dos eventos, reuniões, dos grupos de trabalhos que vão se ampliando para refletir
sobre as mais variadas temáticas, percebe-se que eles vão se complementando e, alargando a
compreensão dessa área. O campo educacional aparece esquadrinhado em muitas faces, na
tentativa de melhor apreendê-lo. Nesse transitar, o fluxo das pesquisas tem sido muito rico em
relação à didática, à história da educação, à educação infantil, à formação de professores, aos
fundamentos da educação, à alfabetização, leitura e escrita, ao currículo, entre tantos outros
aspectos. Um olhar mais atento, no entanto, deixa à mostra que entre o mundo do trabalho,
especialmente do trabalho infantil e da educação, pontos de encontro não ainda
devidamente explorados. Arroyo (1998), ao tecer considerações em torno das relações entre a
produção acumulada na área trabalho-educação e no campo da teoria pedagógica, afirma que
apesar de uma produção relevante nessas áreas, o diálogo entre elas foi escasso. Considerando
essa afirmação, alguns percursos foram feitos no sentido de também avaliar como o trabalho
infantil se apresenta em algumas pesquisas em educação.
Num primeiro momento a pesquisa realizada por Viella (2004)
67
submeteu à análise
a produção acadêmica da Unochapecó, representada pelos projetos aprovados nas
Modalidades de Apoio à Pesquisa (PIBIC, CNPq, Balcão de Projetos, Apoio a TCCs,
67
Pesquisa aprovada no Balcão de Projetos (Modalidade de Apoio à Pesquisa da Universidade Comunitária
Regional de Chapecó), em 2004, cujo título é O mundo do trabalho e outros tempos e espaços de conformação
da infância.
225
Pesquisa por Demanda Externa e Pesquisa por Demanda Induzida) que contemplassem no seu
título as palavras-chave infância, menor, trabalho infantil. Foram selecionados projetos dos
cursos de Direito, Psicologia, Serviço Social, Educação Física, História, Pedagogia, entre
outros, aprovados nos anos de 1998 a 2003, e ainda monografias dos cursos de Pós-graduação
(Geografia Regional, Literatura Brasileira, Educação Matemática, Direito Público, com ênfase
em Direito Constitucional, Psicologia, Saúde e Trabalho, Teorias e Metodologia da Educação,
História Regional, Políticas Sociais e Família, Direito Processual Civil, Educação Infantil e
Ensino Fundamental) da mesma universidade, no quadriênio 1997/2001, com o objetivo de
avaliar como compareciam nesses trabalhos a infância e outros espaços de sua (con)formação,
principalmente o mundo do trabalho e a escola. Qual não foi a surpresa ao perceber o objeto/
sujeito ausente ou parcamente representado. Num total de 235 monografias, apenas dezoito
traziam as palavras-chave no título e realizavam uma discussão sobre a temática. Onde
encontrar a infância, a criança e o trabalho infantil? Em que lugar estariam escondidos?
Outra pesquisa realizada por Viella (2005)
68
, com o objetivo de abordar as diferentes
perspectivas sobre as quais o trabalho infantil tem sido tratado tomou para análise artigos
sobre trabalho infantil coletados de oito periódicos (Cadernos Cedes, Cadernos de Pesquisa,
Educação e Realidade, Educação e Sociedade, Perspectiva, Pro-posições, Revista Brasileira
de Educação, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos). Excetuando a Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos cujo primeiro número localizado (número 1, mês de julho) é de 1944, as
demais ficaram assim distribuídas por décadas: três da década de 1970, duas da década de
1980 e duas de 1990. Tomando-se então o ano de 1944 como ponto de partida e 2004 como
último ano consultado, somam-se seis décadas de publicação dos periódicos submetidos à
análise. Do total dos 582 números localizados foram computados 4332 artigos, sendo que
novamente dezoito deles fazem reflexão sobre o trabalho infantil. (Ver Anexo A : Quadros 1,
2 e 3).
A seguir, uma síntese dos temas mais recorrentes nesses periódicos e os aspectos
silenciados.
68
Pesquisa iniciada em agosto de 2004 logo após ingresso no Doutorado, dando continuidade ao Projeto de
Pesquisa construído para a Seleção e que partia do pressuposto de que a temática do trabalho infantil não tem
merecido a devida atenção no campo trabalho-educação e nem no campo da teoria pedagógica e que pontos
de encontro entre infância e trabalho, não ainda devidamente explorados.
226
1 TRABALHO INFANTIL E SUAS INTERFACES NAS PESQUISAS EM
EDUCAÇÃO
Este ítem apresenta uma síntese das diferentes perspectivas sobre as quais o trabalho
infantil tem sido tratado, considerando-se como ponto de partida a análise dos artigos sobre
trabalho infantil coletados dos oito periódicos, buscando apreender como está colocada a
relação infância e trabalho infantil, que aspectos e dimensões são mais ressaltados e/ou
silenciados. A pobreza como condicionante do trabalho infantil, a dificuldade/
impossibilidade de conciliar escola/trabalho, o trabalho como antídoto aos perigos do ócio e
do vício, o trabalho como fonte de prazer e felicidade, aspectos da legislação e concepções de
trabalho são as temáticas mais recorrentes nessas publicações.
Fukui, Sampaio e Brioschi (1983 e 1985, p.29) apontam as abordagens mais
difundidas sobre o tema:
1 - bem-estar – o trabalho infantil é visto como um mal que deve ser eliminado;
2 - socialização notadamente em áreas rurais de populações com baixos
rendimentos, este trabalho é considerado parte da socialização das crianças,
independente de seus efeitos;
3- fonte de orgulho, status e mesmo independência para as próprias crianças;
4- suplementação da renda familiar, essencial para as famílias pobres [...];
Considerando os condicionantes do trabalho de crianças e adolescentes, dados
fornecidos pelos censos, pelas PNADs e praticamente por todos os estudos que se ocupam do
trabalho precoce, sustentam a vinculação entre ele e a pobreza. (OLIVEIRA; PIRES, 1995,
p.247 e 253); ALVES-MAZZOTTI (2002, p.89) .
Rosemberg e Freitas (2002, p.109) apontam pesquisas que discordam desta
conclusão e afirmam que,
Desde o final dos anos 80, Alvim & Vallladares (1988, p.39) já encontravam estudos
na bibliografia brasileira que não mais reduzem “o trabalho infantil à exploração
capitalista da força de trabalho. Reconhecem as condições gerais de exploração da
classe trabalhadora, mas não a consideram como a única explicação para a existência
do trabalho infantil”. Esta brecha foi especialmente aberta por estudos
antropológicos e sociológicos atentos aos significados que pessoas atribuem a seus
atos. Ou seja, estudos que não descartam de suas análises a perspectiva da cultura.
Dentre as explicações que teria o trabalho da criança e do jovem nas camadas
populares urbanas, Dauster (1992, p.33) também vai mostrar que não são apenas as condições
227
econômicas dessas famílias que levam à inserção das crianças no trabalho, mas que razões
que não foram ainda suficientemente elucidadas, apontando também fatores de ordem
cultural, como o fazem Marques, Fazzi e Leal (2003 , p.75). Embora não deixe sombra de
dúvidas quanto à exploração do trabalho infantil na sociedade capitalista, outra hipótese sobre
a inserção do jovem no universo do trabalho deve-se a uma estratégia do sistema de
socialização das camadas populares, que não se opõe necessariamente à escola, mas, ao
contrário, deve complementá-la.
1.1 DIFICULDADE/IMPOSSIBILIDADE DE CONCILIAR ESCOLA/TRABALHO
Outra temática, recorrente nos artigos dos periódicos, apresenta o trabalho como
sendo um forte impeditivo da freqüência à escola e à qualidade de aprendizagem,
comprometendo o futuro das crianças, causando prejuízos à formação escolar (MARQUES;
FAZZI; LEAL 2003, p.76; DEMARTINI; LANG, 1983, p.230; FUKUI; SAMPAIO;
BRIOSCHI 1983, p.305; GOUVEIA,1983; FERREIRA, 2002, p.100; FERRARO, 1997;
OLIVEIRA; PIRES, 1995, p.248, conforme observam MARQUES, FAZZI E LEAL (2003,
p.77); IBARROLA E MIJARES (2003, p.126-127).
1.2 EFEITOS BENÉFICOS E TERAPÊUTICOS DO TRABALHO
Pesquisas de Oliveira e Pires (1995, p.248, 254,265), Marques, Fazzi e Leal, (2003,
p.75), Ibarrola e Mijares, (2003, p.136) apontam como são enaltecidos os efeitos benéficos e
terapêuticos do trabalho. Esse é visto como atividade que dignifica, responsabilidade, cria
base de solidariedade, possibilita aprender ofícios e habilidades, serve como antídoto às más
companhias, às drogas e os riscos da rua, à marginalização e à ociosidade. Pais querem que os
filhos estudem para ter nível de instrução maior que o deles, ter merenda escolar, livrar os
filhos do ambiente da favela, das más companhias, vícios e roubo, da rua perniciosa e imoral,
afinal uma bênção para os filhos, uma ajuda para as famílias (ALVES-MAZZOTTI, 2002;
OSOWSKI; MARTINI, 1997). Trabalho é a tábua possível de “salvação” da infância da
classe trabalhadora, é a via de condução à cidadania. (ALVIM; VALLADARES, 1988, p.4). E
228
a burguesia não se cansa de idealizar os bons caminhos por onde deve passar a classe
trabalhadora, rumo ao triunfo; (OSTETTO, 1990, p.109).
229
1.3 A SEDUÇÃO PELO TRABALHO
Essa é outra temática recorrente nas pesquisas. Osowski e Martini (1997, p.76)
apontam o trabalho e seus acenos sedutores para as crianças, como uma dimensão pouco
explorada nas pesquisas e que devem ser submetidas a uma análise crítica do trabalho. Vários
autores (GOUVEIA, 1983; DAUSTER, 1992; GOUVÊA, 1993; ROSEMBERG; FREITAS,
2002; WHITAKER, 2002; SILVA, 2002; OSOWSKI E MARTINI, 2003; IBARROLA E
MIJARES, 2003) afirmam que ele aparece muitas vezes nas suas falas, relacionado a uma
dimensão de prazer.
Rosemberg e Freitas (2002, p.114), trazendo alguns dados de pesquisa de vários
autores sobre a participação de crianças no mercado de trabalho, mostram que na pesquisa de
Gouveia (1983), quase unanimidade das crianças entrevistadas disse que não gostariam de
parar de trabalhar. “Não estaria ocorrendo um embate pelo direito ao trabalho”
(ROSEMBERG; FREITAS, 2002, p.114)?
1.4 TRABALHO INFANTIL E LEGISLAÇÃO: DIFÍCIL CONCILIAÇÃO
Essa temática perpassa com maior ou menor intensidade os textos que se debruçam
sobre o trabalho infantil. Elas referem-se ao desrespeito à legislação, na falta de estrutura para
sua implantação, suas ambigüidades, entre outros aspectos (OLIVEIRA; PIRES, 1995, p.256;
MARQUES; FAZZI; LEAL, 2003, p.75; OSOWSKI; MARTINI, 1997; IBARROLA;
MIJARES, 2003, P.136; FUKUI, SAMPAIO; BRIOSCHI, 1985, p.31).
1.5 A CONCEPÇÃO DE TRABALHO
Essa é a última temática mais recorrente derivada das leituras dos artigos dos
periódicos. O trabalho aparece como tarefa, ocupação, atividade realizada por crianças com a
finalidade de assegurar a sua própria sobrevivência ou a de outrem (DEMARTINI; LANG,
1983, p.231; FUKUI; SAMPAIO; BRIOSCHI, 1985, p.28); ALVES-MAZZOTTI (2002) e
OSOWSKI; MARTINI (1997, p. 57) e ainda IBARROLA ; MIJARES (2003, p.151) .Assim,
230
O trabalho não é apenas o remunerado, o qualificado, o extra-domiciliar, aquele que
tem valor de mercado, o que cria produtos cambiáveis; também podem ser vistas
como trabalho algumas atividades não remuneradas ou não qualificadas e até mesmo
tarefas domésticas. A definição de trabalho compreende assim uma dimensão
subjetiva, dado que interessa conhecer o processo de “tornar-se trabalhador” e não
apenas o de preparação para tal ou qual ocupação, referida a priori. (DEMARTINI;
LANG, 1983, p.231).
Não se menciona mercado de trabalho. Aqui o trabalho não se apresenta como
mercadoria, mas como fator de formação humana, imbuído de outros valores que não habitam
o universo das relações capitalistas de trabalho.
1.6 ASPECTOS SILENCIADOS
a) Resistência em aceitar o testemunho infantil, fazer recolha dessas vozes. É oportuno
colocar que, nos periódicos analisados apenas algumas pesquisas tomam a entrevista das
crianças (MACHADO NETO, 1979; DAUSTER, 1992; OSOWSKI; MARTINI, 1997;
IBARROLA; MIJARES, 2003; SILVA , 2002; WHITAKER, 2002, que trabalha com
redações de crianças; ROSEMBERG ; FREITAS (2002) .
Para Silva (2002, p.45), as utopias e desejos das meninas trabalhadoras “[...]
anunciam caminhos para um projeto de sociedade, da qual sejam protagonistas e não mais
banidas da história” e logo a seguir sinaliza a “incisiva presença de algumas delas nos
destinos da militância rural [...] emprestando a esses movimentos o toque de consciência
sociopolítica, rebeldia”. ( p.46)
b) Quanto à questão da faixa etária, observa-se que alguns autores e mesmo órgãos
governamentais englobam como crianças a faixa etária de 0 a 17 anos, enquanto o ECA
(Estatuto da Criança e Adolescente ) considera criança até 12 anos. Sarti, apud Alves-
Mazzotti (2002, p.87) classifica como trabalho infantil aquele exercido por meninos e
meninas até quatorze anos de idade; a denominação “trabalho infanto-juvenil” é usada quando
se inclui a faixa etária de quinze aos dezoito anos.
231
c) Além da faixa etária aparece como fator que pesa, na análise do trabalho infantil, a questão
do gênero em diversos autores analisados, e sua relação com o processo de socialização,.
(WHITAKER, 2002; SILVA, 2002).
d) O Trabalho infantil no meio rural aparece no texto de Whitaker (2002) que toma dados
de pesquisas por ela realizada nos Assentamentos Rurais do Estado de São Paulo sobre
expectativas dos pais em relação à escolarização de meninos e meninas e ainda dados de
pesquisa de redações escolares com meninas na região de Araraquara, buscando refletir sobre
a relação rural-urbano. Entretanto as reflexões sobre o trabalho infantil se diluem em outras. É
Silva (2002) que vai trazer com detalhes a vida cotidiana de trabalho das meninas da Zona da
Mata Canavieira pernambucana, destacando neste contexto a alienação, o conformismo
conjugados com a transgressão e a resistência da cultura lúdica, construída na vida cotidiana.
e) Relação condições da escola, trabalho infantil e condição do menor: Fukui, Sampaio e
Brioschi, (1983, p.307) vão analisar como o debate destas três temáticas é levado a público na
década de 1970 através da imprensa paulista. “A primeira constatação a ser feita é que,
independente de jornal e do período, o tema trabalho infantil é o menos divulgado, isto é, a
criança ou adolescente, enquanto escolar e enquanto menor recebe mais atenção dos jornais
do que enquanto trabalhador”.
e) Aproveitamento da condição de aprendiz pelas empresas: Os mecanismos informais de
ensino e aprendizagem que as empresas aproveitam, como o fato de as crianças aprenderem
com o próprio trabalho infantil, com os amigos, com a família, na condição de aprendizes,
afinal, as intensas relações didáticas entre os trabalhadores não comparece nos trabalhos
analisados, exceto em Ibarrola e Mijares (2003, p.132).
f) Análise dos Programas de governo para a infância pobre: Temática salientada em
apenas um trabalho que avalia o PETI enquanto estratégia do governo brasileiro para erradicar
o trabalho infantil.
g) Em relação ao trabalho infanto-juvenil de prestígio, como nos esportes, na dia, que
também é excessivo, estafante, explorado, não comparece em nenhum momento.
232
h) Um aspecto quase totalmente silenciado nas pesquisas é sobre a resistência ou não das
crianças em relação ao trabalho infantil e as condições às quais são submetidas e a forma
como ela pode manifestar-se. Apenas Silva (2002) aponta com grande ênfase que mesmo em
meio a trama doce-amarga do trabalho nos canaviais as resistências e rebeldias terminam se
manifestando por meio da cultura lúdica.
Isso posto, coloca no centro do debate que uma aproximação com a infância,
diferenciada daquela que vem sendo significada no discurso e na prática pedagógicos, requer
com urgência compreender (des) articulação infância, educação e trabalho.
1.7 ALGUMAS CONCLUSÕES
Ainda de forma muito inicial, considerando apenas a leitura dos artigos desses
periódicos, é possível afirmar que o diálogo da educação com o mundo do trabalho infantil é
escasso. Em seis cadas de publicação dos periódicos analisados, apenas vinte artigos
contemplam a discussão, num universo de 4.332 artigos publicados nesse período. Isso ainda
permite sinalizar alguns elementos que merecem ser aprofundados quando se pretende
entender a relação trabalho, infância e educação. Um deles é analisar com mais rigor as
estatísticas divulgadas pelos organismos nacionais e internacionais, alardeando a redução do
trabalho infantil e estabelecer estudos comparativos em relação a essa realidade, mesmo
porque foram pouquíssimos os trabalhos encontrados avaliando os Programas de Erradicação
do Trabalho Infantil e outros com objetivos idênticos.
Alguns outros aspectos salientados referem-se aos limites das conclusões de estudos
produzidos com base em algumas fontes “oficiais” que por serem coletados com finalidades
mais amplas nem sempre são adequados para compreender a pobreza como única explicação
para o trabalho infanto-juvenil, apontando outras razões como auto-afirmação, independência
econômica e ideologia familiar, etc.
Outra questão muito polêmica refere-se às brechas abertas por estudos
antropológicos e sociológicos que, atentos aos significados que as pessoas atribuem a seus
atos, ou seja, estudos que não descartam de suas análises a perspectiva da cultura, não mais
reduzem o trabalho infantil à exploração capitalista da força de trabalho. Embora reconheçam
as condições gerais de exploração da classe trabalhadora, não as consideram como a única
233
explicação para a existência do trabalho infantil. E, como dizem Rosemberg e Freitas (2002,
p.96) “o temor de ser considerado “[...] politicamente inadequado” ou “inimigo da criança”
inibe a ousadia de análises mais complexas”.
2. O TRABALHO INFANTIL NOS “ESTADOS DA ARTE”
Da análise dos periódicos anteriormente mencionados, despontaram algumas pistas
que abriram o campo para uma exploração mais aprofundada da presença/ausência do
trabalho infantil nas pesquisas educacionais. A primeira pista encontrada foi uma relação da
Bibliografia Pedagógica Brasileira, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, no Vol. I,
n. 2 de agosto de 1944 que sinalizava uma outra relação publicada no número anterior do
periódico.
Essa iniciativa partiu do Ministro Gustavo Capanema que, em 1935, recomendou à
Diretoria Nacional de Educação o levantamento da bibliografia pedagógica nacional. Esse
trabalho foi interrompido e em 1941 foi retomado pelo Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP) resultando na publicação, em 1944, da Bibliografia Pedagógica
Brasileira, com quase 1000 tulos abrangendo um período de mais de um século de história
da educação brasileira, referente aos anos de 1812 a 1943. Esse levantamento aparece nos
números 1, 2 e 3 correspondentes aos meses de julho, agosto e setembro de 1944 (Vol. I) e
números 4 e 5, de outubro e novembro, compondo o Vol. II.
A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos apresenta no número 1 (Vol. I), uma
relação de 178 títulos além de 88 Atas e Pareceres da Instrução do Rio de Janeiro, referentes
ao período 1812 a 1900. No número 2, 261 tulos publicados de 1901 a 1930 e, no número 3,
219 títulos abrangendo o período de 1931 a 1940. O Volume II, nº 4, traz 263 títulos
publicados de 1941 a 1942 e o 5, 76 títulos, referentes às publicações de 1943. Dessas
referências constam livros, folhetos, relatórios, discursos, conferências, projetos apresentados
à Corte, à Câmara dos deputados, manifesto de professores, notas publicadas na imprensa da
época que fazem referência à educação em todas as partes do país etc. Todos eles são
acompanhados de um breve comentário do assunto tratado.
Esses dados trazem, de certa forma, um estado da arte do período abrangido. A
maioria dos títulos do período de 1812 a 1900 (nº 1) refere-se ao ensino nos seus diferentes
níveis, do jardim da infância (com recorrência à obra de Froebel), ao ensino superior ( junto à
234
Pedagogia, predomina a medicina e o Direito), aspectos da organização escolar, da
metodologia, da inspeção das escolas e avaliação das mesmas em todo o território nacional.
Destaques podem ser dados à educação físico-moral e cívica dos meninos, à educação sexual,
à educação da mulher, da mocidade, das meninas, com o predomínio de uma visão médico-
higienista, não só das crianças, mas da cidade, do lar e das famílias.
O período de 1901 a 1930 (nº 2) é caracterizado por dois movimentos de maior
significação, de acordo com a introdução das referências:
Um deles é o de “parlamentares, administradores e professores que cuidavam da
criação de serviços que dessem coordenação nacional ao ensino; de outra parte, o da
introdução no pensamento pedagógico nacional das novas correntes e idéias sobre a
psicologia da criança e das práticas sobre o ensino ativo. Depois de 1920 deram-se
várias reformas de ensino de amplo sentido renovador, e, foi fundada a Associação
Brasileira de Educação, que passou a promover, desde 1928, congressos nacionais
de educação. (RBEP,Vol. I, nº 2,ago./1944, p.281).
O ideário da escola nova aparece bem nítido nos títulos e nos comentários (resenhas)
que se faz sobre cada um deles. As obras relacionadas abordam o desenvolvimento mental da
criança, a pedagogia experimental; os testes de inteligência aparecem repetidas vezes
deixando antever seu caráter de profilaxia e propaganda sanitária, os centros de interesse e/ou
educação dos supernormais ou mesmo os portadores de necessidades especiais. As obras de
Decroly com seus centros de interesse e Dewey com seu pragmatismo têm espaço garantido e
esse ideário se intensifica nas duas décadas com a divulgação das obras de Heléne Antipoff e
a infância excepcional, Claparéde, Kilpatrick com a educação para uma civilização em
mudança. A psicologia, psicanálise e educação se entrelaçam. Todas essas referências se
misturam a outras relacionadas aos problemas da assistência a menores abandonados,
delinqüentes, loucos e anormais e serviços sociais endereçados a esta parcela “incômoda” da
população. Sinais de projeto de ortopedia social conjugada à ortopedia mental, à educação
física, moral, do temperamento, do caráter e educação sexual da criança, também se fazem
presentes.
A educação popular aparece repetidas vezes nos títulos, tendo, entre outras
preocupações, a formação da urbanidade, a virilização da raça, a educação físico-moral dos
meninos, a educação das meninas, a higienização das classes pobres, a sua institucionalização
nos institutos profissionais masculinos, nos patronatos, afinal uma preocupação em inserir
essa população, o mais cedo possível, no trabalho.
235
Essas publicações não nasceram descoladas do contexto de onde surgiram, mas por
abrangerem um período de mais de um século de história brasileira da infância, do trabalho e
da educação (1812 a 1943), é impossível, nos limites deste apêndice, pretender realizar
análise desse contexto, tamanha é envergadura de tal exercício, o que, além de sobrecarregar o
texto, culminaria repetindo o que vários autores brasileiros
69
publicaram sobre a temática e
ainda pelo fato de realizar, no Capítulo 1 deste trabalho um percurso pelos caminhos
delineados por pesquisas que tratam da infância na escola e fora dela.
Quanto à história da educação ou história da indústria e do trabalho no Brasil, as
discussões e publicações ganharam densidade, portanto dispensam maiores detalhamentos,
o que acabaria por desfocar o objeto de estudo. Aqui apenas se tem por objetivo apontar
alguns aspectos da preocupação com a infância pobre e os interesses subjacentes à sua
educação e institucionalização.
Um breve esboço do período abrangido pelas publicações da Bibliografia Pedagógica
Brasileira (1812-1930) pode ser apresentado sinalizando alguns aspectos, como as marcas
deixadas pela educação jesuítica, a institucionalização da instrução pública elementar pelo
Estado, garantida na Constituição de 1824, a permanência da escravidão até 1888, a passagem
do regime monárquico para o republicano, as medidas moralizadoras de proteção à infância
impregnadas num discurso salvacionista (salvar as crianças e o país); o deslocamento das
ações caritativas sob domínio da Igreja para o domínio do Estado, montando um intrincado
complexo tutelar, forjando identidades das crianças (abandonadas, vagabundas, delinqüente,
pervertidas) e, junto a todo o arsenal de legislação destinado a regular, nos mínimos detalhes,
a vigilância sobre os pobres, aprova-se, em 1927, o Código de Menores. Em todo esse
contexto a persistência das imagens da infância pobre atreladas às ações a ela dirigida:
esperança e ameaça; proteção, assistência e contenção, alvo das medidas eugênicas. Período
de pleno desenvolvimento do modo de produção capitalista revelando cenas devastadoras de
miséria, epidemias e, ao mesmo tempo, demonstrações de descontentamento popular por toda
parte, com as revoltas populares e repressão das mesmas pelas elites.
A higienização e a limpeza das cidades não foram obras de séculos passados. Elas
continuam hoje, sutis, transmutadas na esterilização da população pobre, nas batidas policiais
nos chamados “territórios de pobreza”, nas chacinas, nas ruas transformadas em verdadeiros
69
Rizzini; Pilotti (1995); Freitas (1997); Greive e Faria Filho (1999); Veiga ( 2003 ); Freitas e Kuhlmann JR.
(2002); Faria Filho (2004); Del Priore (2007) etc.
236
espaços de guerras, afinal toda uma polícia criada e praticada contra os pobres, os
desassistidos.
Em nome de uma “ortopedia social”, de uma “pedagogia terapêutica”, as campanhas
preventivas buscaram tirar as crianças pobres do desfavorável ambiente das ruas, estampando
as preocupações expressas nos títulos da Bibliografia Pedagógica Brasileira que destaca as
trajetórias de muitas crianças. Escolares e não escolares. Diferentes percursos: da casa à
escola, às rodas, às ruas e ao trabalho; das rodas às ruas e ao trabalho, sem escola. Ao refletir
sobre a trajetória de algumas crianças, é possível perceber que essas imagens vão se alterando,
deteriorando. Afinal, deterioraram as imagens ou foram deterioradas as condições de viver a
infância?
O problema do menor e do abandono continua ocupando boa parte da bibliografia
sobre a criança nas cadas de 1960 e 1970. O 143 da Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, de jan./abr. de 1979, em mais de duzentos títulos retirados de periódicos,
trabalhos apresentados em congressos, documentos oficiais, teses e dissertações, apresenta
alguns aspectos das discussões voltadas para a infância. Uma leitura dos títulos permite
apreender que a maioria deles refere-se a questões de educação e aprendizagem escolar; outro
número considerável refere-se aos problemas do menor, à criança abandonada, outros, a
aspectos da psicologia (alunos excepcionais, superdotados, gênios etc.) e apenas três abordam
a exploração do menor pelo trabalho. É oportuno lembrar que em 1979 é proclamado o Ano
Internacional da Criança, pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e
comemora-se o vigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança (1959).
Nesse ano um número especial dos “Cadernos de Pesquisa” (nº 31, dez./79)
organizado por Fúlvia Rosemberg (1979, p.3) tem como proposta, “captar infâncias e crianças
brasileiras”. Tem-se, portanto, apenas um artigo sobre trabalho infantil.
Continuando a
exploração desse e demais periódicos, depreende-se que a ênfase só é
mesmo dada ao trabalho infantil em algum número especial, como é o caso de uma edição
comemorativa de 20 anos dos Cadernos de Pesquisa (nº 80, 1992). Nesse número, Ferretti e
Madeira trazem um balanço da discussão educação e trabalho. Os autores mostram que as
abordagens sobre educação e trabalho giram sobre a perspectiva da escolha e orientação
profissional, o enfoque do ensino de grau, as relações de gênero mediatizadas pelo
trabalho, mobilidade social e ocupacional, juventude e a educação sindical, raça, educação e
trabalho, formação profissional de deficientes mentais, educação na zona rural, educação e
emprego industrial, ensino profissional no Senai, planejamento educacional etc.
237
O trabalho infantil, segundo os autores, aparece em apenas dois artigos (um na
década de 1970 e outro na década de 1980), merecendo a seguinte observação: “[...] o enfoque
que privilegia o tratamento do tema a partir do trabalho infantil está presente nas duas
décadas, mas parcamente representado, o que é estranho num período em que se acentuou a
utilização dessa mão-de-obra” (FERRETTI;MADEIRA, 1992, p.76) . Ainda, segundo este
balanço, na década de 1980 um número especial dos Cadernos de Pesquisa (nº47,1983) é
dedicado à relação educação/trabalho cuja “questão de fundo que permeava a proposta era:
por quais caminhos estão enveredando agora aqueles preocupados com a temática?”. Entre
esses novos caminhos os autores destacam artigos que se referem ao trabalhador-aluno, mas
não é tratado especificamente o trabalho infantil e sim a questão da preparação escolar para o
trabalho como elemento catalisador das discussões, levando muitos pesquisadores a não se
darem conta de que o trabalho antecipa a escola, ou se dá concomitantemente a ela”.
(FERRETTI; MADEIRA, 1992, p.83).
Um outro balanço ou o estado da arte dessa temática, nesse mesmo periódico,
encontra-se em Bonamino, Mata e Dauster (1993, p. 50), referente às décadas de 1970 e 1980,
que agora, arrolando centenas de trabalho das áreas da Antropologia, Sociologia,
Economia, Política, Pedagogia e da produção técnico-profissional
70
, buscando apreender “[...]
o diálogo estabelecido em torno de eixos temáticos como família, infância e juventude [para]
registrar avanços e lacunas, assim como o equacionamento dos problemas da área educacional
relacionados à questão do trabalho infanto-juvenil”. Em que pese nessas análises a
importância das discussões referentes ao movimento teórico de construção da relação
educação-trabalho, um recorte será feito aproximando-se das questões que tratam da relação
educação e trabalho infantil e, nessa direção, afirmam as autoras que na década de 1970
[...] embora a problemática do trabalho infantil seja pouco abordada pela
literatura do período estudado
71
, ela é tida como imperativo da sobrevivência
familiar e pensada a partir da diferença na distribuição de tarefas, considerando-se os
critérios de sexo, idade e necessidades familiares (BONAMINO, MATA;
DAUSTER, 1993, p.57
).
Outros aspectos que tocam na temática referem-se à ambigüidade dos dispositivos
legais que regulam a escolarização e o trabalho de crianças e adolescentes, a posição da
imprensa em relação à criança trabalhadora, a escolarização e sua relação com as condições
70
Levantamento bibliográfico de 234 resenhas e 624 títulos.
238
de subsistência e, na década de 1980 “[...] os estudos sobre trabalho infanto-juvenil, vistos sob
diferentes ângulos, começam a ganhar espaço”. (BONAMINO, MATA ;DAUSTER, 1993,
p.57).
Com essa temática, destacam-se sete artigos e um deles (BONAMINO; MATA;
DAUSTER,1993) faz uma revisão de literatura brasileira de 1970 a 1989, sobre a relação
educação-trabalho e destaca que o trabalho infantil nos anos 1970 é um tema pouco abordado
pela literatura do período, mas ganhando espaço na década de 1980. O tema do trabalho
infantil também aparece considerando a centralidade que lhe é dada nas políticas sociais.
Em entrevista concedida à Revista Trabalho& Educação do NETE (Núcleo de Estudos sobre
Trabalho e Educação) da Universidade Federal de Minas Gerais, Trein (1996) apresenta as
três temáticas que têm constituído o campo de Trabalho e Educação no Brasil, nos últimos
dez anos, situando o trabalho infantil no terceiro eixo temático, entre alguns temas que vem
sendo tratados. Além disso, aponta as temáticas permanentes, as emergentes e aquelas que
experimentam refluxo.
Um outro olhar sobre o estado do conhecimento da relação trabalho/educação,
aparece na Revista Brasileira de Educação, no trabalho de Trein e Ciavatta (2003). As autoras
fazem um mapeamento dos trabalhos apresentados no GT – Trabalho e Educação da ANPEd ,
no período de 1996 a 2001. O artigo vai identificando que temáticas ainda permanecem e
quais são as emergentes. As autoras (2003, p.145) afirmam que “ [...] em menor número estão
os textos sobre o trabalho e a educação básica e os referentes a trabalho, educação e os
movimentos sociais”. No período estudado aparecem também outras temáticas às quais “[...]
poucos têm se dedicado no GT, tais como: trabalho infantil, trabalho, gênero e etnia,
teleducação.”
O trabalho dessas autoras referem-se a um primeiro e mais alentado “estado do
conhecimento” na área, realizado por Kuenzer, em 1987, com o título Educação e trabalho no
Brasil: o estado da questão. Em 1988, este trabalho foi publicado pela Cortez, com o título
Ensino de grau: o trabalho como princípio educativo. Nessa obra, Kuenzer ( 1988, p.40-
41) traz um balanço das principais contribuições na área, mostrando o movimento de
construção das idéias, a reconstituição histórica do desenvolvimento dessa linha de
investigação, que se encontra em desenvolvimento recente.
71
Grifos meus
239
Começando sua análise sobre a difusão da Teoria do Capital Humano, na década de
1960, traz também a contribuição da abordagem crítico-reprodutivista da década de 1970, a
crítica à economia da educação e a cada de 80, com a crítica ao reprodutivismo. Nesse
percurso, evidenciam-se as obras e autores que representaram as principais contribuições para
a construção da identidade da área. A autora encerra essa parte sinalizando a contribuição de
Arroyo à constituição e avanço teórico da área, afirmando que para ele “[...] as ciências da
educação têm se mostrado mais resistentes do que as outras ciências sociais na superação das
velhas concepções onde a educação das classes trabalhadoras não têm espaço.”
(KUENZER,
1988, p.96). Aqui também, nesse primeiro estudo feito sobre o estado da arte, não se constata
nenhum foco do olhar para o trabalho infantil.
Em mapeamento mais recente com o objetivo de verificar como a criança aparece na
literatura científica na última década, Sampaio, Carneiro, Ruiz e outros (2007, p.323)
sinalizam alguns temas centrais dessa aparição, mas destacam que “[...] a relação entre
trabalho da criança e manutenção da desigualdade e a relação entre trabalho de criança e
transtorno de desenvolvimento psicológico praticamente inexiste como objeto de literatura
científica.[...]”.
2.1 ESTADOS DA ARTE SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL : ONDE ANDA O
TRABALHO INFANTIL?
Se a discussão sobre trabalho infantil não ocupa espaço considerável em pesquisas
diretamente voltadas para a área trabalho/educação, um outro quadro poderia ser apresentado,
considerando-se as pesquisas do “estado da arte” em educação infantil no Brasil, as pesquisas
sobre a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância, afinal as formas
usadas para “acolher” a infância pobre no Brasil.
Para a análise da produção teórica na área de educação infantil entre 1983 e 1993, foi
considerada a pesquisa de Strenzel e Silva Filho (1997) que fazem levantamento de material
publicado em sete periódicos disponíveis na Biblioteca Setorial do Centro de Ciências da
Educação da UFSC (Cadernos de Pesquisa, Revista Idéias, Revista Perspectiva, Cadernos do
CED, Cadernos CEDES, Revista Educação e Sociedade e Revista da ANDE). Os autores
traçam um perfil dos aspectos da educação infantil mais visitados nos artigos examinados e
assinalam a baixa produção encontrada em relação à educação de crianças entre 0 e 3 anos de
240
idade e que “grande parte das publicações referem-se ao movimento da luta por creches, pelos
direitos da criança ao acesso à educação infantil, à análise dos teóricos sobre a constituinte da
época e a educação de crianças pequenas” (p. 87). Entre as categorias selecionadas para
analisar a produção, em nenhum momento ocorre nada sobre o trabalho infantil, o que de fato
é compreensível, que se trata de crianças muito pequenas. Sabe-se, entretanto, que desde a
mais tenra idade essas crianças enfrentam a faina do trabalho, nem que seja para
acompanhar os pais que não têm com quem deixá-las. Mesmo nessas condições, a ligação das
crianças dessa faixa etária com o mundo do trabalho se faz pelas exigências de espaços
institucionalizados onde as mães possam deixar os filhos para trabalharem.
O trabalho de Rocha (1999), resultado de sua tese de doutorado, investigou como as
pesquisas em diferentes áreas do conhecimento contribuíram para a constituição de um campo
de estudos, por ela denominado de Pedagogia da Educação Infantil/Pedagogia da Infância.
Para identificar a trajetória da pesquisa em educação das crianças de 0 a 6 anos no Brasil, a
autora analisou a produção científica apresentada nas Reuniões Anuais da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no período de 1990 a 1996, e
ainda trabalhos apresentados, nesse mesmo período, em congressos científicos das Ciências
Sociais (ANPOCS), da História (ANPUH), da Psicologia(SBP) e da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC).
A autora argumenta que grande número de trabalhos desse período refere-se às
crianças pobres e em situação de rua, como menores, e mudança significativa de tratamento e
de distinção de sexo e/ou gênero é notada a partir de 1992, quando se encontra mais a
denominação meninos e meninas, mudança esta verificada após promulgação do Estatuto da
Criança e do Adolescente. (p.29). pelo recorte feito é possível perceber que a temática do
trabalho infantil estará ausente, embora a autora mencione, em várias passagens, os contornos
extremos da situação social da infância e aponte como a inserção no mundo do trabalho furta
o direito de vivê-la ((ROCHA, 1999, p.47).
Ao explicitar sua metodologia, Rocha (2001, p. 15) chama a atenção para um aspecto
fundamental nessa investigação: “Os estudos que se referiam à infância sem definição etária e
aqueles que estudavam sujeitos (fora do contexto institucional ou dentro dele) foram incluídos
com o objetivo apenas
72
de verificar sua freqüência no conjunto”. E continua a autora:
72
Grifos meus
241
Excluíram-se todos os trabalhos que se referiam exclusivamente às crianças maiores
de seis anos completos, no ensino fundamental [...] e, ainda, aqueles que tratavam de
instituições totais substitutivas (orfanatos, internatos, etc) ou relacionadas com
programas educativos (não-escolares) fora da faixa etária de 0 a 6 anos. Neste
âmbito, uma importante exclusão a ser destacada no conjunto das pesquisas nas
diferentes áreas foram os trabalhos relacionados à criança e ao jovem, em instituição
ou situação de rua, quando estes enfocavam prioritariamente crianças maiores de 6
anos. Observou-se que a maioria dos trabalhos relativos a crianças e adolescentes
(tratados em conjunto) [...] referiam-se aos jovens ou às crianças maiores de 6 anos:
seus direitos, situações de risco, vida na rua, brincadeiras, etc.[...]. Percebeu-se que
um grande número de trabalhos, na década de 90, referem-se às crianças pobres e
em situação de rua como “menores”. Observa-se uma gradativa substituição (mas
não o desaparecimento) dos termos “menor”, “infrator”, etc, que marcam sua
situação como morador de rua e as diferentes faces de sua exclusão social, por
“crianças” e “adolescentes”, “meninos” e “meninas”. Tendo em vista a
especificidade que estes trabalhos apresentam, por vincularem-se à criança e ao
adolescente (muitos inclusive, detendo-se em aspectos jurídico- assistenciais), eles
merecem um estudo à parte, que possa relacionar as várias dimensões educativas
presentes nos diversos contextos não-escolares. (ROCHA, 1999, p.15)
O trabalho organizado por Rocha em parceria com Silva Filho e Strenzel (2001, p.6)
também apresenta um levantamento da produção sobre Educação Infantil no Brasil (crianças
de 0 a 6
anos), a partir de mapeamento da produção científica da área, publicada em um
conjunto de 143 artigos, de 8 periódicos nacionais, em 19 teses e 270 dissertações
apresentadas em programas de pós-graduação em educação, no período de 1983 a 1996. Ao
analisar a trajetória da produção na área da educação infantil, a autora apresenta alguns dados
sobre os levantamentos da produção científica feitos na pesquisa nacional e mundial. Entre a
diversidade de temas, aspectos históricos, sociais, psicológicos, pedagógicos, entre outros,
abordados, assim como o “olhar” dessas pesquisas para a realidade considerando suas
dimensões contextuais, em nenhum momento o trabalho infantil aparece, isso considerando
que, em praticamente todos os documentos nacionais e internacionais que apresentam o
panorama do trabalho infantil, a idade abordada compreende dos cinco aos dezessete anos.
Mesmo considerando a contribuição da Psicologia, da perspectiva sócio-histórica, da História,
da própria Pedagogia, estudos que se preocupam com os efeitos da pré-escola e sua relação
com as desigualdades socioeconômicas, segundo a autora, são poucos.
De tudo isso, apreende-se que as pesquisas educacionais ainda que passem por perto
do mundo do trabalho infantil, não penetram nele, apenas o rodeiam. Crianças que estão fora
do circuito escolar, independente de sua faixa etária, parecem não possuir as mesmas
especificidades e privilégios de crianças-aluno. Para referir-se às crianças até seis anos que
estão frequentando a escola, usa-se o termo criança, maiores dessa idade e não estando na
escola, menor, morador de rua, caso de políticas jurídico-assistenciais. Exclui-se da discussão
242
educacional todas as instituições substitutivas ou relacionadas com programas educativos
(não-escolares), local estratégico de recolha da mão-de-obra infantil ou foco central das
políticas assistencialistas e filantrópicas, ponto de partida para a inserção precarizada no
mundo do trabalho. Tanto nos periódicos quanto nas dissertações e teses, segundo Rocha
(2001), o trabalho infantil não aparece como tema contemplado, mesmo considerando que
estes estudos foram tomados apenas para verificar sua freqüência no conjunto.
3. TRABALHO INFANTIL NOS DOSSIÊS: PUXANDO OS FIOS NO INTERIOR DA
TRAMA
Intrigante essa ausência do trabalho das crianças nas pesquisas em educação, esse
apagamento de uma condição da infância (sua inserção no mundo do trabalho) quando ela
continua sendo figura constante nesse espaço. Não apenas a Europa da Revolução Industrial
foi palco do trabalho infantil. Ele continua como nunca em cena, estampado em documentos
nacionais e internacionais, em mapas indicativos do trabalho das crianças espalhadas em todo
quadrante do mundo.
Isso demanda ir puxando outros fios para compreender a trama e fez-se um percurso
sobre os dossiês encontrados sobre educação/trabalho.
O periódico da UFMG, Educação em Revista, traz no seu 33 o dossiê Educação e
Trabalho apresentando grupos de estudos e pesquisas que construíram suas experiências e
produção acadêmica nessa temática. Os grupos que participaram do dossiê foram os
seguintes:
Núcleo de Estudo, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação (NEDDATE)
da Universidade Federal Fluminense (UFF), o Grupo Trabalho-Educação da
Fundação Carlos Chagas e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o
Núcleo Trabalho e Educação do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação
da Universidade Federal do Ceará- NTE/UFC, a linha de pesquisa em Educação e
Trabalho do Programa de s Graduação em Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) e, finalmente, o Núcleo de Estudos sobre Trabalho e
Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
(OLIVEIRA; FIDALGO, 2001, p. 126).
Entre os vários objetivos dos grupos que colaboraram com o dossiê, está a
preocupação com a socialização da história de sua constituição, seus eixos temáticos,
itinerários e tendências de pesquisa, problemáticas enfrentadas, afinal, o quadro onde se move
243
a área trabalho-educação. Como está colocado na apresentação desse periódico, o dossiê deixa
de contemplar pesquisadores que têm fornecido grandes contribuições para a área trabalho-
educação. Pela impossibilidade do periódico acolher esses outros pesquisadores, foram
selecionadas, no entanto, apenas contribuições dos grupos que apresentam uma estrutura
institucional mais definida.
Isso propicia apreender como vai se consolidando a comunidade de pesquisadores na
área e como esse modo de perceber o objeto vai sendo ora aprofundado, diferenciado e/ou
transformado, e permite avaliar como se dá o circuito das idéias sobre trabalho-educação entre
os grupos, o que acaba por constituir as temáticas que passam a circular no campo, aquelas
“permanentes”, emergentes e outras que entram em refluxo. Considerando os grupos de
trabalho apresentados no referido dossiê que têm como preocupação explorar temáticas
voltadas para Educação e Trabalho, focando a análise nas questões temáticas que
impulsionam suas atividades, o NEDDATE, da UFF apresenta o trabalho infanto-juvenil
como um tema que faz parte da linha de pesquisa “Reconstrução histórica da relação trabalho
e educação”, integrada ao Programa de s-Graduação em Educação; entretanto, ao
apresentar projetos de pesquisa, do ponto de vista temático, que foram desenvolvidos pelo
grupo ou que estavam em andamento naquele período (1996 a 2000), o trabalho de crianças e
adolescentes aparece para se estudar a sua trajetória escolar.
O grupo da PUC-SP e FCC ilustra a direção do movimento de um primeiro momento
da sua trajetória, “[...] ancorado predominantemente na sociologia do trabalho e no local de
trabalho como campo empírico de pesquisa” e que, de reflexões partilhadas no âmbito do GT
Trabalho e Educação da ANPEd e também fora dele em seminários, congressos e outros
eventos com pesquisadores da área , indicavam “[...] a longa duração da ida à fábrica para as
pesquisas em todas as suas modalidades. [...]. Nessas críticas se encontrava implícita a
necessidade da volta à escola como locus privilegiado de investigação” (FERRETTI; ZIBAS;
SILVA JUNIOR, 2001, p.151).
Isso sugere a reorientação da pesquisa com foco na escola e esse debate culminou em
um seminário. Os textos debatidos foram publicados no livro Trabalho, formação e currículo
para onde vai a escola?, da Editora Xamã, e resultou, do mesmo processo, pesquisa que
culminou no livro Formação e trabalho: uma abordagem ontológica da sociabilidade, de
João dos Reis da Silva Júnior e Jorge Luís Cammarano González, publicado pela mesma
editora. E, concluindo o texto, Ferretti, Zibas e Silva Jr. (2001, p.153) reafirmam “[...] a
necessidade de que sejam estabelecidas com maior pertinência as relações entre os estudos
244
sobre o trabalho e as práticas escolares sem, contudo, olhar a escola de forma insular, nem
buscar seu entendimento como reflexo imediato mecânico das análises no nível macro”.
As mudanças no mundo do trabalho, a reestruturação produtiva, a nova organização
do trabalho, o crescimento do setor de serviços, o desemprego estrutural e a exacerbação
dessas mudanças, nesse início de século, somam-se ao aprofundamento da abertura da
economia ao capital internacional. O domínio do capital financeiro em detrimento do capital
produtivo, a privatização e desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, o
declínio dos sindicatos e dos direitos sociais, o crescimento das Organizações Não-
Governamentais (ONGs), os anúncios do fim da história, do trabalho, da perda da
centralidade da categoria trabalho como instrumento de análise da realidade social, e outras
categorias marxianas, a formação para a empregabilidade, a nova divisão internacional do
trabalho, o avanço do pensamento neoliberal e da idéia de economia de mercado são, entre
outras, as discussões que atravessam todos os grupos, assim como as tonalidades que se
acrescentam a essas temáticas como a questão do nero, do trabalho rural, das cooperativas,
da economia solidária, das profissões, afinal as nuanças de cada um, “[...] expressão da
heterogeneidade e diversidade dos estudos que focam a relação trabalho-educação a partir de
diferentes perspectivas e em diferentes espaços, como na escola, nas plantas industriais, no
meio rural, nos sindicatos, nos movimentos sociais”.(AUED; VENDRAMINI; FIOD et al,
2001, p.175).
Então, alguns questionamentos permanecem:
Como se definem as escolhas temáticas de um pesquisador? Como um conjunto de
professores pesquisadores constitui um núcleo de estudos e pesquisas? As
explicações destes processos podem ser tantas quantos forem os pesquisadores e os
grupos investigados. Mas, em linhas gerais, eles são atraídos para um tema de
pesquisa por suas inquietações interiores e/ou por estímulos externos, seja pela
descoberta de fontes, seja por temáticas induzidas, seja por apelos sociais ou
institucionais e recursos disponíveis. Mas a escolha do pesquisador precisa ter
sempre presente um apelo interior que transforme a busca do conhecimento e sua
socialização em uma opção de vida. (CIAVATTA, FRIGOTTO , TREIN et al, 2001,
p.139, grifos meus).
Como se o circuito das idéias sobre trabalho-educação entre os grupos e como as
temáticas passam a circular no campo? Por que algumas permanecem, enquanto outras entram
em refluxo e outras emergem? Uma forma de fazer a temática circular é socializá-la em
produções acadêmicas e eventos realizados. E acompanhando a história dos grupos de
245
pesquisas aqui mencionados, o trabalho infantil não aparece na gênese de nenhum deles e
parcamente figura na história de existência desses grupos.
Insistindo ainda num encontro com o trabalho infantil, em todo o percurso feito até
aqui, buscou-se cercar por todos os lados as discussões do campo. Todas as publicações
mencionadas, sejam livros ou artigos, que resultaram dos debates realizados no interior desses
grupos e intergrupos, foram acessadas, buscando-se conhecê-las na íntegra, especialmente
aquelas que eram apenas mencionadas e analisadas rapidamente. A Revista Perspectiva, da
UFSC, reuniu em dois números especiais
73
“[...] um leque de temas que focam a relação
trabalho e educação a partir de diferentes perspectivas e em diferentes espaços”, conforme
colocam Aued, Vendramini e Fiod (2001, p. 175). Em que pesem as importantes
contribuições para reflexão na área, nenhuma aproximação com aquelas discussões referentes
ao trabalho infantil.
Sufocadas nas grandes sínteses, compareciam outras temáticas, com maior ou menor
intensidade em cada grupo: entendimento do trabalho como valor cultural, a formação
humana, a questão da subjetividade (seria ela, aquele apelo interior acima mencionado por
Ciavatta, Frigotto, Trein e outros?) e os vínculos entre educação, trabalho e cultura com as
contribuições de distintas leituras feitas por Gramsci, Lukács, Adorno e Horkeimer das obras
de Marx.
Garimpando algumas delas, localizou-se meio escondida, a constituição social do
trabalhador infantil enquanto uma preocupação do NETE/UFMG, no interior do eixo temático
“Trabalho, Subjetividade e Formação Humana”. Dentre as atividades desse grupo é
mencionado um levantamento sobre as tendências temáticas que vêm perpassando as
discussões realizadas pelo NETE e publicadas no periódico Trabalho e Educação, e a criança
trabalhadora aparece como um tema que tem despertado interesse no grupo e também são
mencionados temas que deveriam merecer maior investimento em propostas de disciplinas e
em projetos de pesquisa: a formação humana, a mobilização da subjetividade no trabalho, a
onilateralidade, pequenos trabalhadores, trabalho, cultura, experiência e saber, características
da força de trabalho, segundo o sexo, idade, a condição de ser criança, jovem, parte de uma
geração.
73
N. 18,ago./dez.1992 e n. 26
de
jul./dez./1996
246
O trabalho infantil ou infanto-juvenil é tema da linha de pesquisa “Reconstrução
histórica da relação trabalho-educação”, aparece como um projeto da UFF , mas é olhado na
perspectiva da escola “A trajetória escolar de crianças e adolescentes que trabalham”.
Em meio a tantos pontos-sombra, alguns insights: a imperiosa necessidade de
mergulhar no campo da Sociologia do Trabalho
[...] numa tentativa de melhor compreender as vertiginosas transformações no
mundo da produção e seus desdobramentos nas áreas social e cultural. A partir
desses estudos, confirmou-se, com muita ênfase, a procedência da intenção inicial de
estabelecer um intercâmbio mais direto com outras áreas que tivessem o trabalho
humano como objeto de análise . (FERRETTI; ZIBAS; SILVA JUNIOR,2001, p.
149)
Nesse mergulho e com tudo que ele poderia propiciar, muito bem explicitado na
citação acima, residia a possibilidade da caça e encontro de vários tesouros. Esse mergulho,
acabou, contudo, por condenar o trabalho infantil ao afogamento, tão deslumbrante e
poderoso emergia o mundo das empresas de ponta do setor-metal-mecânico ou empresas do
setor de serviços que estivessem incorporando as novas tecnologias. Grandes descobertas para
o campo trabalho-educação, sem dúvida, bem sintonizado com os desdobramentos das rápidas
transformações no mundo da produção, enquanto marcas do início da década de 1990.
“Nesse movimento secundarizaram o estudo da escola” e as discussões nos fóruns
privilegiados “[...] indicava a longa duração da ida á fábrica para as pesquisas em todas as
suas modalidades; [...] nessas críticas se encontrava implícita a necessidade de volta à
escola como locus privilegiado de investigações”. Esse aspecto é também destacado pelo
grupo Trabalho- Educação da UFSC. (FERRETTI; ZIBAS; SILVA JR.,2001, p.149).
Por que cortar o cordão umbilical que une mundo do trabalho e mundo da escola? O
percurso de um ao outro é tão enredado de armadilhas que o melhor que se tem a fazer é
mantê-los ligados para se evitar o risco do direcionamento do olhar alcançar, com mais
nitidez, apenas um deles. Quanto mais próximos mais a luz de um alcança o outro.
A volta à escola recoloca a mesma questão que justificava a crítica da longa duração
da ida à fábrica: até que ponto a volta à escola tem sido subsidiada pelos aportes trazidos das
análises da ida á fábrica? A volta ao lar doce lar sinaliza vários pontos de encontro nestes
espaços, mas como coloca Arroyo (1998, p.139) “há pontos de encontro, porém não
explorados” e por tal razão torna-se necessário “um diálogo com dupla direção, da produção
acumulada nas pesquisas sobre trabalho-educação para o repensar da teoria e da prática
247
pedagógica e da produção na teoria e prática pedagógica para o repensar dos vínculos entre
trabalho e educação” (p. 140).
É preciso algum esforço para avistar o trabalho infantil aqui e ali, tão diluído ele se
encontra nas reflexões consideradas de “maior peso”. A entrada na escola para compreender,
analisar o processo de trabalho que ali se dá, mesmo destacando que esta análise não pode
prescindir da relação sujeito (aluno e professor) / objeto (o conhecimento), rodeiam o trabalho
infanti,l mas não o percebe. Adentra-se numa escola sem sujeitos, realiza-se uma análise dos
processos e dos produtos do trabalho escolar partindo-se dos determinantes da produção
material, invade-se o seu interior e apenas uma leve esbarrada nesses sujeitos.
Fazendo uma retrospectiva histórica do “campo” trabalho e educação no Brasil,
Tumolo
74
(2005) elege como marca distintiva dos primórdios da produção a PUC-SP, a
UFMG e a UNICAMP e toma como referência a produção acadêmica da PUC-SP, realizada
no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Educação (final dos anos 1970 e início dos
anos 80), quando o programa era coordenado pelo professor Dermeval Saviani. Segundo o
autor, a produção teórica, naquele momento, segue o movimento do pensamento de Saviani,
apresentada de forma consistente nos livros Escola e democracia e Pedagogia histórico-
crítica: primeiras aproximações. Autores, muitos dos quais passaram por esse programa,
começam a oferecer suas contribuições, incorporando a produção de Gramsci
75
, evidenciando
a necessidade do vínculo entre educação e estratégia revolucionária, expressando a conjuntura
brasileira que se apresentava naquela época e que deu tom para vincular a educação aos
interesses da classe trabalhadora e a fundamentação no marxismo.
A partir dos anos 1990, o nculo entre educação e estratégia revolucionária vai
perdendo força, sendo substituída por outras temáticas. Ao mostrar as tendências na passagem
do milênio, afirma “que a revolução nunca esteve tão desacreditada” vai apontando diversas
perspectivas que justificam o argumento de que “[...] nunca foi tão necessário falar sobre e
fazer a revolução” (TUMOLO, 2005, p. 8) apontando algumas tarefas de investigação
imprescindíveis na atualidade e no campo trabalho-educação.
74
Texto fornecido pelo autor numa Disciplina por ele ministrada no curso de Doutorado, UFSC, 2005.
75
Destaca dessa contribuição a tese de doutorado de Lucília Machado “Politecnia, escola unitária e trabalho” de
1989.
248
4 O TRABALHO INFANTIL NAS DISSERTAÇÕES E TESES
Por último, foi feito um levantamento de dissertações e teses no Banco da CAPES,
produzidas no período de 1987 a 2003, que contemplassem no título e/ou no resumo a
discussão sobre trabalho infantil. Foi montado um Banco de Teses e Dissertações localizadas
nesse período com seus respectivos resumos. O total da amostra constava de 189 dissertações
e 15 teses de doutorado, provenientes de várias áreas. Dessa amostra, foram selecionadas
apenas aquelas da área da educação resultando em 89 dissertações e 4 teses, espalhadas por 15
Estados brasileiros (AM, CE, BA, PE, PB, RN, GO, MT, ES, RJ, MG, SP, PR, SC, RS),
provenientes de 27 universidades (UFAM, UFMT,UFG, UFC, UFBA, UFPE, UFPB, UFRN,
UFMG, UFU, PUCSP, USP, UNESP, UNIMEP, UNICAMP, UFSCar, UFF, UFRJ, PUCRJ,
UFES, UEM, UFPR, UFSC, PUCRS, UFPel, UFRGS, UNIJUÍ).
Isso também permitiu delinear um quadro de instituições que têm apresentado
contribuições significativas na área (UFPB, USP, UNESP, UFRJ, UFRGS, UFPR, UFBA,
UFPE e PUCRJ) com números mais expressivos de publicação (a PUC-SP com o maior
número delas: 21) e grupos de pesquisa mais consolidados.
Tudo isso realça o embaçamento do trabalho infantil no campo trabalho-educação e
sua pouca representatividade nas pesquisas nessa grande área apontando pistas de que ele não
adquiriu ainda o estatuto de um problema social relevante nesse campo de discussão, embora
os anos 1990 tragam a marca da definição constitucional dos direitos da criança e abram as
portas para a necessidade de refinar os conhecimentos sobre os determinantes do trabalho
infantil e seus impactos na vida da criança. Isso demanda que o mesmo seja traduzido a partir
de diferentes linguagens, de diferentes campos (Psicologia, Sociologia, Medicina, Educação)
e, no interior deles, em categorias disciplinares igualmente diferenciadas.
Pelo exposto percebe-se muitas lacunas no diálogo da educação com o mundo do
trabalho infantil. Machado (2005)
76
, ao discutir sobre “Trabalho- educação como objeto de
investigação” , coloca algumas interrogações:
Mas qual é a premissa fundamental de onde nos originamos? Na minha percepção,
ela deriva das nossas leituras marxianas sobre o processo de hominização. [...] Nós
76
Essa citação foi retirada do texto original cedido pela autora quando apresentado no III Simpósio Trabalho
Educação, na UFMG, em dezembro de 2005. O texto, entretanto, passou por algumas modificações para ser
publicado na Revista Trabalho Educação, do NETE, portanto a citação aqui presente foi retirada dos originais e
as idéias nela contidas encontram-se à página 128 da Revista.
249
nos destacamos de onde, quais são nossas origens? Resultamos de que
combinações? Investigamos o que? Para o que se orienta nossa atenção, curiosidade,
reflexão e elaboração? Qual é a especificidade do que estudamos comparativamente
ao que outros pesquisadores o fazem quando também se voltam para as temáticas da
Educação e do Trabalho? (MACHADO, 2005, p.128)
Um encontro com a infância de forma que pudesse ampliar as análises no campo da
educação parecia promissor se o local para tal encontro fosse no mundo do trabalho.
Aproximar-se dos sujeitos sociais que vivem essa temporalidade humana impunha considerar
os diferentes espaços onde vivem/viveram suas vidas, suas experiências, muito além do muro
escolar (nas ruas, em casa, no bairro, nos movimentos sociais, etc.) e após este percurso,
voltar à escola. O mundo do trabalho configurou-se como ponto de partida onde fosse
possível articular os diferentes espaços de formação assim como compreender as bases
históricas e materiais na qual algumas imagens de infância foram se tornando necessárias.
Aqui cabe concordar com Veiga (2003) que
[...] ao tomarmos a infância como tema de investigação, trazemos como questão
central a problematização de como crianças sujeitos histórico-culturais vivenciaram
as suas infâncias em tempos e espaços diferenciados. Destaca-se que os sujeitos
constroem suas identidades a partir de diferentes pertencimentos quais sejam classe,
gênero, raça, geração e lugares: famílias, cidades campos e instituições diversas. A
categoria aluno indicada aqui para se compreender uma condição de infância,
precisa, portanto ser analisada a partir dos diferentes pertencimentos e do lugar que a
produziu, a escola. Mesmo porque neste lugar se institucionalizou uma identidade
que por vezes desconsiderou os outros pertencimentos, com destaque para o
pertencimento geracional, pois antes de uma criança ser identificada como criança,
por vezes foi denominada aluno. ( [s.p])
O percurso feito foi, portanto, na direção de buscar a infância, priorizando o mundo
do trabalho, mas também passando por outros espaços formativos.
ANEXOS
251
ANEXO A. PERIÓDICOS CONSULTADOS PARTINDO-SE DO NÚMERO INICIAL AO FINAL
LOCALIZADOS, TOTAL DE ARTIGOS PUBLICADOS EM GERAL E TOTAL DE ARTIGOS
PUBLICADOS SOBRE TRABALHO INFANTIL
Periódicos
inicial e
final
Total de
s
localizados
Total
geral de
artigos
Artigos com
palavras-
chave
contempladas
Artigos sobre
trabalho
infantil
Cadernos
CEDES
1/1980 ao
62/2004
52 353 7 4
Caderno de
Pesquisa
1/jul/1971
ao nº
121/jan/abr/20
03
120 888 30 7
Educação e
Realidade
1,fev/1976
ao v.27(2)
jul/dez/2002
56 503 7 2
Educação e
Sociedade
1, set/78 ao
86,
jan/abr/2004
78 676 19 -
Perspectiva
1/ago/dez/19
83 ao V.21(2),
jul/dez/2003
44 385 7 1
Pro-Posições
1/mar/1990
ao Nº
43/jan/abr/200
4
42 348 17 -
Revista
Brasileira de
Educação
0/set/dez/1995
ao
25/jan/abr/2
004
24 210 5 2
Rev. Bras. de
Estudos
Pedagógicos
2/ago/1944
ao Nº
205/jan/dez/20
02
166 969 15 4
Total
582 4.332 10720
252
ANEXO B. RELAÇÃO DO NÚMERO DE TESES E DISSERTAÇÕES LOCALIZADAS POR ÁREAS -
BANCO DA CAPES :1987 A 2003
Teses por áreas/cursos
Áreas/Cursos Teses
Educação 5
Direito 2
Psicologia 2
Sociologia 1
Saúde Pública 1
Serviço Social 1
Epidemiologia 1
Geografia 1
Economia de Empresas 1
TOTAL 15
Fonte: Elaborado pela autora
Dissertações por áreas/cursos
Áreas/Cursos Dissertações
Educação 84
Serviço Social 23
Direito 20
Sociologia (Rural, Política, Ciências Sociais,
Políticas Públicas, Políticas Sociais)
12
Psic. e Psic. Social 8
Desenvolvimento (Planejamento,
Econômico, Agricultura e sociedade,
Regional, Meio Ambiente)
8
Sociologia e Antropologia 7
Economia /Economia Social e do Trabalho 6
História 6
Saúde Coletiva 4
Economia Doméstica 3
Geografia 2
Enfermagem 2
Engenharia da Produção 1
Educação Física 1
Comunicação 1
Agriculturas Amazônicas 1
TOTAL 189
Fonte: Elaborado pela autora
253
ANEXO C. CNAE 2.0 (CLASSIFICAÇÃO NACIONAL DE ATIVIDADES ECONÔMICAS -VERSÃO
2.0)
Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE Versão 2.0
Seção Denominação
A
Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aqüicultura
B
Indústrias extrativas
C
Indústrias de transformação
D
Eletricidade e gás
E
Água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação
F
Construção
G
Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas
H
Transporte, armazenagem e correio
I
Alojamento e alimentação
J
Informação e comunicação
K
Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados
L
Atividades imobiliárias
M
Atividades profissionais, científicas e técnicas
N
Atividades administrativas e serviços complementares
O
Administração pública, defesa e seguridade social
P
Educação
Q
Saúde humana e serviços sociais
R
Artes, cultura, esporte e recreação
S
Outras atividades de serviços
T
Serviços domésticos
U
Organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais
Fonte: IBGE, Classificação das Atividades econômicas- versão 2.0.
-As duas últimas seções T e U - referem-se a atividades que, por suas especificidades, não podem ser tratadas
em conjunto com outras: os serviços domésticos remunerados exercidos no âmbito das famílias e as atividades
exercidas em enclaves extraterritoriais.
-A estrutura detalhada da CNAE 2.0, com os códigos e as denominações das categorias nos veis de seções,
divisões, grupos e classes, é apresentada no item 2.1, da Parte 2 desta publicação. A estrutura completa da CNAE
2.0, incluindo as subclasses de uso da Administração Pública, está apresentada na publicação específica para esta
categoria de códigos.
254
ANEXO D. RELAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS EXERCIDAS POR CRIANÇAS E
ADOLESCENTES, POR ESTADO E SETORES DA ECONOMIA
RELAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS EXERCIDAS POR CRIANÇAS E
ADOLESCENTES POR ESTADO/ SETORES DA ECONOMIA: MAPA DE
INDICATIVOS DO TRABALHO INFANTIL 1999
Seção A- Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aqüicultura
Número Atividades Econômicas Estado
1 Agricultura BA, GO, PA, RS
2 Agricultura canavieira AL, BA, CE, ES, MA, MG, PB, PE, PI,
RJ, SP
3 Agricultura de Subsistência BA
4 Agropecuária MA, MG, SP
5 Avicultura MG, MS, RJ, RS
7 Cacauicultura BA, RO
8 Cafeicultura BA, ES, MG, PR, RO, SP
10 Citricultura BA, MG, SE, SP
11 Cata e comercialização de caranguejo PI
20 Cultura do abacaxi RJ
21 Cultura do algodão BA, GO, MG, MS, MT, PR, RN, SP
22 Cultura do alho GO, MG, SC
23 Cultura do arroz PI
24 Cultura da banana SP
25 Cultura da batata MG, PR, RS, SC
26 Cultura do café MS
27 Cultura do caju CE, PI, RN
28 Cultura da cebola SC
29 Cultura do coco SE
30 Cultura do erva-mate MS, SC
31 Cultura do feijão GO, MG, PR
32 Cultura da goiaba GO, RJ
33 Cultura da maçã RS, SC
34 Cultura do mamão ES
35 Cultura da mandioca BA, MS, SP
36 Cultura do morango e pêssego MG
37 Cultura do sisal BA, PB
38 Cultura da soja MA, MG, PI
39 Cultura do tomate GO, PR, RJ, SC, SP
40 Extração de acácia RS
42 Extração de guaraná BA
43 Extração de castanha do Pará AP
45 Extração de resina SP
255
48 Extração vegetal -Seringa MA, MT
49 Extração vegetal de coco e babaçu MA
50 Extrativismo PA
55 Fruticultura MG
56 Fumicultura AL, BA, PB, RS, SC
57 Hortifruticultura DF, ES, MA, PB, PE, RN, SP
58 Hortifrutigranjeiro AC
71 Pecuária AC, SE
72 Pesca PA, RJ, RN, SE
73 Pesca- catadores de isca MS
74 Pesca- catadores de mariscos BA
75 Plantio e corte de pinus SC
76 Polinização do maracujá PR
77 Produção de carvão vegetal AM, BA, ES, GO, MA, MG, MS, PA,
PR, SP
79 Produção de sementes de capim MG
81 Sericicultura MS
Seção C- Indústrias de Transformação
Número Atividade Econômica Estados
6 Beneficiamento de camarão PI
17 Confecção de bordados PE
18 Confecção de roupas MG, PE, RJ, SP
19 Construção civil AP, ES, MG, PA, SP, TO
41 Extração de cassiterita RO
44 Extração de pedra brita, mármores e
granitos
ES
46 Extração e beneficiamento de calcário PR
47 Extração e beneficiamento de pedras
semipreciosas
RS
51 Fabricação de boné RN
52 Fabricação de doces caseiros RJ
53 Fabricação de fogos de artifício AL
54 Fabricação de pré-moldados de
cimento
ES
60 Indústria ES, MG, PA, PB, PE, SP
61 Indústria calçadista MG, PB, RS, SC, SP
62 Indústria de plásticos PB, RJ
63 Indústria gráfica – jornal SP
64 Indústria moveleira e assemelhados AC, AM, BA, MA, MG, MS, SP, TO
65 Indústria têxtil MG
256
66 Lapidação de pedras preciosas MG
68 Metalurgia e serralheria AM, ES
69 Mineração MG, PB
70 Panificação AC, AM, AP, DF, ES, MS, PB, RN
78 Produção de farinha de mandioca BA, PE, RN, SE
83 Serviços de estamparia RN
84 Serviços de montagem de
prendedores de roupa
SC
96 Tecelagem MG, PB, PE, RN
Seção G- Comércio
Número Atividade Econômica Estado
9 Catador de papel DF
12 Comércio ambulante AL, AM, DF, MA, MS, PA, PI, RS
13 Comércio de bebidas - casas
noturnas
DF, ES, RO, SP
14 Comércio de combustíveis
frentistas
AC, AM, ES, MS, RO, SP
15 *Comércio, indústria e serviços GO, TO
16 Comércio varejista AC, AP, DF, ES,MA, MG, MS, PA, PB,
PE, PI, SP
67 Lixão – catadores de lixo AM, AP, MA, MS, PE
95 Sorveteria AC, MA, MS, PB, TO
99 Venda de jornais e distribuição de
panfletos
AL, AM, CE, MA, MS, PB, PI, RJ, RN,
RO, SC, SP
Fonte: Elaborada para esta tese a partir dos dados dos Mapas de Indicativos do trabalho da criança e do
adolescente 1999
Seção S : Serviços
Número Atividade Econômica Estado
59 Hotelaria PA, PB, RJ
80 Quebra de concreto AC
82 Serviços de engraxate AM, RO
85 Serviços de Transporte -
Carregadores
AL, PI, SE
86 Serviços Diversos- convênios e
programas educativos e sociais
AC, AL, DF, ES, MA, MG, MT, MS,
PA, PE, PI, SP, TO
87 Serviços e comércio de alimentos AM, DF, MG, PA, PB, RJ
88 Serviços em atividades informais MT
89 Serviços em casas de saúde PA
90 Serviços em cerâmicas e olarias AC, AL, AM, AP, BA, CE, ES, GO,
257
MA, MG, MS, MT, PE, PI, PB, PR, RJ,
RN, RO, RS, SC, SE, SP, TO
91 Serviços em madeireiras e serrarias AC, AM, ES, GO, MA, MT, MS, PA,
PI, PR, RO, SC
92 Serviços em oficinas mecânicas-
lavagem de carro
AC, AL, AM, DF, ES, MA, MG, MS,
PA, PI, PB, RJ
93 Serviços em pedreiras AL, AM, BA, CE, GO, MA, PI, PE,
PR,RJ, RS, SE, SP.
94 Serviços em salinas CE, PI, RN
97 Transporte coletivo- kombistas AL
98 Transporte Coletivo- trocadores AP, RN
RELAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS EXERCIDAS POR CRIANÇAS E
ADOLESCENTES POR ESTADO/SETORES DA ECONOMIA: MAPA DE
INDICATIVOS DO TRABALHO INFANTIL 2005
Seção A- Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aqüicultura
Número Atividade Econômica Estados
5 Agricultura AM, MG, MT, PB
6 Agricultura canavieira AL, BA, CE, ES, GO, PB, PE, PI, RJ,
SE, SP
7 Agricultura familiar AL, AP, MA, PB, RO
8 Agropecuária – leiteira MG
9 Agropecuária MA
15 Avicultura MS, PE, RJ,SC
20 Caieiras CE, PB, PR
21 Catadores de caranguejo PA, PI
23 Catadores de mariscos AL, BA, SP
26 Colheita e quebra de coco babaçu MA, PI
27 Colheita SP
28 Colheita da manga MS
29 Colheita de algodão SP
30 Colheita de café MG
47 Corte de cana-de-açúcar- para trato
de animais
MG
48 Corte, empilhamento e transporte de
lenha
PB
49 Criação de animais PB
50 Criação de bovinos GO, PE
51 Criação de caprinos PE
52 Criação de ovinos PE
53 Cultivo de algas CE
54 Cultivo de flores e plantas
ornamentais
BA, RJ, SP
55 Cultura da banana RR, SP
258
56 Cultura da batata DF, MG, PR, RS, SC
57 Cultura da beterraba MG
58 Cultura da castanha de caju PB, PI
59 Cultura da cebola DF, MG, SC
60 Cultura da cenoura MG
61 Cultura da laranja BA, MG, PA, PR, SP
62 Cultura da maçã RS, SC
63 Cultura da mandioca BA, MA, MS, PA, PR, RR, SP
64 Cultura da melancia RR
65 Cultura da pimenta do reino PA
66 Cultura da soja PI
67 Cultura de abacaxi ES, MG, SE, SP
68 Cultura de acerola PB
69 Cultura de cacau RO
70 Cultura de caju BA, CE
71 Cultura de cereais GO, PB, PE, PI, RS
72 Cultura de dendê BA
73 Cultura de erva-mate MS, RS, SC
74 Cultura de frutas cítricas GO, MG, PB, PE, PI, PR, SE, SP
75 Cultura de gengibre PR
76 Cultura de inhame PB
77 Cultura de mamão BA, ES
78 Cultura de maracujá BA, ES, PR
79 Cultura de outros produtos hortícolas DF
80 Cultura de taioba PR
81 Cultura de algodão BA, GO, MG,MS, MT, PB, PR, SP
82 Cultura de alho DF, RS, SC
83 Cultura de café BA, ES, MG, MS, PR, RO, SP
84 Cultura de coco ES, PB, SE
85 Cultura de cravo BA
86 Cultura de feijão AC, BA, DF, MS, PA, PR, RR, SP
87 Cultura de guaraná BA
88 Cultura de milho BA, PA, RR, SP
89 Cultura de morango MG, SP
90 Cultura de pêssego RS
91 Cultura de tomate GO, MG, PB, PR, SC, SP
92 Cultura e desfibramento do sisal BA, PB
93 Desdobramento de madeira MT
98 Exploração florestal MA, MS, PR
99 Extração de acácia RS
100 Extração de carne de caranguejo MA
104 Extração de palmito AP
111 Extração vegetal – açaí AC, AP
112 Extração vegetal- fibras naturais AP, BA
113 Extração vegetal MT, PA
146 Fruticultura GO, PE, RN, SE, SP
259
147 Fumicultura AL, PB, PR, RS, SC, SE
149 Horticultura AL, ES, GO, MA, MS, PB, PE, PI, PR,
RJ, RS,
SE, SP
150 Hortifruticultura BA
151 Hortifrutigranjeiro RR
152 Hortigranjeiro MG
159 Lavoura SP
169 Pecuária AP, MS, MT, PA, PI
170 Pecuária – leite MS
171 Pesca AM, AP, CE, MA, PA, PB, PE, RJ, SE,
SP
172 Pesca- catadores de isca MS
173 Pesca- arrastão do camarão CE
174 Pesca e beneficiamento de peixes e
camarões
AL, BA, PI
177 Plantação de eucaliptos SP
182 Produção Mista- Lavoura e pecuária PE
184 Quebra de castanha de caju PE
189 Resinagem SP
190 Retireiro de leite SP
191 Rizicultura AC, PI, RR, SE
192 Salinas PI
195 Sericicultura MS
220 Silvicultura PR
223 Trabalho com bovinos e eqüinos MG
225 Trabalho em viveiro de peixe AM
226 Trabalho rural SP
227 Trabalhador rural safrista MS
235 Trato de animais PB
236 Tratador de peixe AM
242 Viveiros MG
260
2-Seção C- Indústria de extração e de transformação
Número Atividades Econômicas Estados
01 Abate de animais PB, PI, SE
02 Abatedouros – aves SP
10 Artesanato MG, PB, PI, SP
17 Beneficiamento de carvão mineral DF
18 Beneficiamento, moagem e
preparação de alimentos de origem
vegetal
PI
19 Bordado manual PE
42 Confecção de bolas PB
43 Confecção de peças interiores do
vestuário
CE
44 Confecção de roupas PE, PR, RJ
46 Construção civil MA, MS, PB, PE, PI, PR, RJ, SC, SP
101 Extração de cassiterita RO
102 Extração de minerais não-metálicos PI
103 Extração de minérios MG, PA
105 Extração de pedra britada BA, SP
106 Extração de pedras preciosas MG
107 Extração de pedras, areia e argila AL, DF, PE, RJ, RS
108 Extração e beneficiamento de pedras
semipreciosas
RS
109 Extração e britamento de pedras e
outros minerais não-metálicos
PB
110 Extração e quebra de pedras em
pedreiras
SE
114 Fabricação de aparelhos e
instrumentos de medida
SP
115 Fabricação de arreios e selas PE
116 Fabricação de artefatos de concreto RJ
117 Fabricação de artefatos de couro-
calçados
MG
118 Fabricação de artefatos de couro PR
119 Fabricação de artefatos de gesso PE
120 Fabricação de artefatos de metal RJ, RS
121 Fabricação de artefatos de papel SP
122 Fabricação de artefatos de plástico SP
123 Fabricação de artefatos em madeira AP, GO, PI, PR
124 Fabricação de artigos têxteis RJ, SC
261
125 Fabricação de automóveis e
caminhonetes
SP
126 Fabricação de caixas de madeira BA, ES
127 Fabricação de concreto e cimento SP
128 Fabricação de doces e balas PB, RS
129 Fabricação de ferramentas manuais SP
130 Fabricação de fogos de artifício AL
131 Fabricação de gaiolas MG
132 Fabricação de máquinas e
equipamentos
SP
133 Fabricação de peças forjadas de aço
e ferro
PE
134 Fabricação de peças para veículos SP
135 Fabricação de produtos químicos SP
136 Fabricação de queijos PB
137 Fabricação de redes de pesca PB
138 Fabricação de sandálias PB
139 Fabricação de santos CE
140 Fabricação de tintas SP
141 Fabricação de torneiras PR,SP
154 Indústria calçadista MG, RS, SC
155 Indústria de esquadrias de madeira RS, SC
156 Indústria de esquadrias de metal RS
157 Indústria moveleira e assemelhados AM, MA, MG, MS, MT, PA, PR, RJ,
RS, SE, SP
178 Produção de aço SP
179 Produção de álcool SP
180 Produção de carvão vegetal AM, AP, BA, ES, PA, PE, PI, SE, SP
181 Produção de farinha de mandioca AC, AL, AP, BA, CE, MT, PB, PE, PI,
PR, RN, SE
185 Reciclagem de sucatas metálicas PR, RS
186 Reciclagem de sucatas não-metálicas PR, RS
187 Rendeiras CE
188 Reparação de objetos pessoais SP
222 Tecelagem PB, PE, RN
237 Usinagem mecânica MG
262
3- SEÇÃO G- COMÉRCIO
Número Atividade Econômica Estado
03 Açougue AP
22 Catadores de lixo AL, AM, AP, ES, MA, MG, MS, PA,
PB, PE, RN, RO, SC, SE, SP
24 Catadores de papel MG
25 Coleta de material reciclável AM, AP, BA, CE, DF, MG, PI, RJ, SC,
SP
31 Comércio ambulante AL, AM, AP, BA, CE, DF, ES, GO,
MA, MG, MS, MT, PA, PB, PE, PI, PR,
RJ, RO, SC, SE, SP
32 Comércio ambulante- balsas, ônibus
e terminais de passageiros
AM
33 Comércio ambulante- combustíveis AM
34 Comércio atacadista PR
35 Comércio varejista AP, DF, MT, PI, PR, RJ, SP
36 Comércio varejista- feiras livres BA, RN, SE, SP
37 Comércio varejista: livros, jornais,
revistas e Papelaria
CE, DF
38 Comércio varejista- produtos de
padaria e confeitaria
DF, MG
39 Comércio varejista- produtos
alimentícios
RJ, SP
40 Comércio varejista- combustíveis PR, SP
41 Comércio varejista- quiosques na
praia
PR
145 Frentista PB
165 Músico PB
168 Panificação AC, AM, MA, MS, PA, PB, RJ
221 Sorveteria AC
238 Venda de jornais AM, MG, PI, PR, SE, TO
239 Venda de picolés PB
240 Vendedor de carvão AM
241 Vidraçaria PB
263
3- Seção S- Serviços
Número Atividade Econômica Estado
04 Administração pública em geral SP
11 Atendimento hospitalar SP
12 Atividade em organização religiosa SP
13 Atividades de lazer SP, RJ
14 Atividades desportivas SP
16 Bancos SP
45 Conservação de vias públicas- tapa-
buracos
BA
94 Educação infantil e fundamental RJ, SP
95 Educação supletiva SP
96 Empacotador SP
97 Entregador SP
142 Faixa azul fiscal de MG
143 Farol fiscal de SP
144 Feiras livres e mercados- carregador AL, PB, SP, TO
148 Guardador de carro SP
153 Hotelaria RJ
158 Lavagem de automóveis AM, AP, BA, CE, DF, MG, MT, PA, PI,
PR, RJ, SP
160 Limpeza de túmulos PB
161 Limpeza urbana MT, SE, SP
162 Manutenção e reparação – bicicletas MG
163 Manutenção e reparação
motocicletas
MG
164 Matadouros AL, PA, PE, RN
166 Office-boy e office-girl DF, PB
167 Panfletagem DF, PI, SP
175 Pintura de peças de bicicleta SP
176 Pizzaiolo, forneiro e ajudante SP
183 Puxador de lancha AM
193 Salões de beleza PB, SP
194 Seleção, agenciamento e locação de
mão-de-obra
MT
196 Serviços de engraxate AM, AL, AP, BA, ES, MG, PB, PI, RO,
SE, SP
197 Serviços de flanelinha BA, CE, PB, PI, RO, SP, TO
198 Serviços de rua DF, RS, SP
199 Serviços de transporte – carregadores BA, PR, RO, SP
200 Serviços de Transporte – moto-táxi PB
264
201 Serviços diversos restaurantes e
estabelecimentos de bebidas
MG
202 Serviços diversos convênios e
programas educativos/sociais-
guardas mirins
MG
203 Serviços diversos- convênios e
programas educativos/sociais
PR
204 Serviços diversos MG, MT, PI, SP
205 Serviços diversos- atividades
jurídicas/contábeis
PR, SP
206 Serviços domésticos AL, AP, DF, GO, MA, MG, MS, MT,
PB, PE, PI, PR, RJ, SC, SE, SP, TO
207 Serviços e comércio de alimentos PB, PE, PR, RJ, SE, SP
208 Serviços em cerâmicas AM, AP, PB
209 Serviços em cerâmicas e olarias CE, DF, MG, MS, MT, PA, PE, PI, PR,
RJ, SC, SE, SP
210 Serviços em lavanderias e tinturarias PE
211 Serviços em madeireiras e serrarias DF, MG, PA, SP
212 Serviços em marcenarias MG, PB, SP
213 Serviços em moageiras de sal CE
214 Serviços em oficinas mecânicas BA, DF, MA, MG, MS, PA, PB, PE, PI,
PR, RJ
215 Serviços em oficinas mecânicas-
borracharias
AM, DF, MT, PB
216 Serviços em oficinas Mecânicas-
lanternagem e pintura
MG
217 Serviços em olarias AL, BA, ES, GO, MA, MG, RS, SP
218 Serviços em pedreiras AM, CE
219 Serviços gráficos SP
224 Trabalho em sinaleira SE
228 Transporte coletivo- cobradores AL, RJ
229 Transporte coletivo- kombistas PE
230 Transporte coletivo- bondes SP
231 Transporte coletivo- ônibus SP
232 Transporte coletivo em lotação:
cobradores e marqueteiros
AM
233 Transporte manual de água para
consumo
PB
234 Transporte rodoviário de cargas SP
265
ANEXO E. CNAE: CODIFICAÇÃO DE ATIVIDADES ESPECÍFICAS
1.8- Codificação de atividades específicas
Este item provê orientação para o tratamento a ser aplicado na codificação na CNAE 2.0 a um
conjunto de questões mais complexas da atividade econômica, incluindo tanto questões que
perpassam toda a economia como as que são específicas de um determinado segmento
produtivo.
1.8.1 Terceirização
O termo “terceirização” é usado quando uma unidade de produção (unidade contratante)
contrata outra unidade (unidade contratada) para realizar tarefas específicas, tais como o
fornecimento de mão-de-obra, a execução e funções de apoio ou de partes do processo de
produção, ou ainda o processo completo de sua atividade produtiva na produção de bens e
serviços. A terceirização envolve tanto atividades de apoio administrativo como a execução
de parte da função produtiva, podendo abarcar uma maior ou menor extensão do processo
produtivo e ocorrer em atividades de produção de bens ou de serviços. A unidade principal ou
contratante e as unidades contratadas podem estar localizadas no mesmo território econômico
(país, regiões) ou em diferentes territórios, ou seja, a localização não afeta a classificação
dessas unidades.
Para fins de classificação na CNAE 2.0, distinguem-se os seguintes casos de terceirização,
cujas características e convenções próprias serão tratadas em seguida:
- terceirização da mão-de-obra
- terceirização de funções de apoio
- terceirização de partes do processo produtivo
- terceirização do processo produtivo completo
1.8.1.1 Terceirização da mão-de-obra
Trata-se de caso em que a unidade contratante realiza ela própria o processo de produção (de
bens ou serviços) mas usa a mão-de-obra contratada por terceiros que é colocada à sua
disposição e sob seu comando. O produto objeto da transação entre a contratante e a
contratada é tratado na CNAE 2.0 como um tipo especial de serviço: serviços de
fornecimento de mão-de-obra. A unidade contratante remunera a contratada pelos serviços
de colocação de mão-de-obra à sua disposição, cabendo à unidade contratada a contratação e
266
remuneração da mão-de-obra. Nesse caso, a unidade contratante permanece classificada na
classe CNAE que representa seu processo produtivo central e a unidade contratada é
classificada como prestadora de serviços de fornecimento de mão-de-obra.
Dois casos devem ser considerados nos serviços de fornecimento de mão-de-obra:
- Quando se trata de mão-de-obra contratada sob a forma de contrato temporário, sob a
legislação específica do trabalho provisório, a unidade contratada (agência locadora)
classifica-se no código 78.20-5 Locação de mão-de-obra temporária. Exceção é feita para a
contratação de mão-de-obra temporária para a agricultura e pecuária, que na CNAE 2.0 está
compreendida nas atividades de apoio a esses segmentos (01.61-0 Atividades de apoio à
agricultura e 01.62-5 Atividades de apoio à pecuária).
- Quando de trata de serviço de fornecimento de mão-de-obra por empresas especializadas no
fornecimento e gestão de recursos humanos a empresas clientes (geralmente empresas do
mesmo grupo), as unidades prestadoras desse serviço são classificadas em 78.30-2
Fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros.
No caso de unidades que operam apenas na intermediação entre as que demandam a mão-de-
obra com especialização e os respectivos profissionais, sendo a contratação dessa mão-de-
obra realizada diretamente pela unidade cliente, o código CNAE 2.0 deve ser 78.10-8 Seleção
e agenciamento de mão-de-obra.
Quando a mão-de-obra contratada por terceiros (unidade contratada) realiza serviços nas
instalações da unidade contratante mas não está sob seu comando, trata-se de contratação de
prestação de um serviço (não de serviços de fornecimento de mão-de-obra). A unidade
contratada - que pode ser uma empresa ou uma cooperativa - deve ser classificada na
categoria que corresponde ao serviço prestado ou à parte do processo produtivo executada
(casos tratados a seguir):
1.8.1.2 Terceirização de funções de apoio
Neste caso, a unidade contratante executa as funções centrais do processo produtivo (na
produção de bens e serviços), mas terceiriza algumas funções de apoio administrativo ou
técnico, tais como serviços contábeis, serviços de limpeza, serviços de informática, etc. As
funções de apoio não são parte do processo produtivo central, isto é, não estão relacionadas
267
com o produto ou serviço objeto da produção da unidade contratante, apenas lhe dão suporte
no funcionamento geral. No caso de terceirização de funções de apoio, a unidade contratante
permanece classificada na classe CNAE que representa seu processo produtivo central, e a
unidade contratada é classificada na atividade específica do serviço de suporte que está
prestando.
1.8.1.3 Terceirização de partes do processo de produção
A unidade contratante subcontrata terceiros para a execução de uma parte do processo de
produção (de bens ou de serviços), mas não de todo o processo. Os insumos/matérias-primas
que serão transformados são da unidade contratante, que, portanto, tem a propriedade da
produção final. Nesse caso, a unidade contratante deve ser classificada como se estivesse
executando o processo de produção completo, e a unidade contratada, de acordo com a parte
do processo de produção que está executando, o que pode estar compreendido na mesma
classe da unidade contratante ou em classe específica do serviço contratado.
1.8.1.4 Terceirização do processo produtivo completo.
Um caso especial de terceirização diz respeito às unidades que, em base permanente,
organizam e vendem bens e serviços com sua marca, assumindo os riscos e responsabilidades
inerentes, mas subcontratam integralmente todo o processo de produção. Normalmente não
têm planta industrial, maquinaria ou empregados e, portanto, não executam qualquer
transformação física no local onde funcionam. Esses
agentes são denominados, na documentação técnica internacional, converters.
Na atribuição do código CNAE 2.0 a esses agentes, as seguintes situações devem ser
consideradas:
- se têm a propriedade dos insumos e do produto final, mesmo quando terceirizam todo o
processo de produção, são classificados na seção C Indústrias de transformação, na categoria
que corresponde à atividade completa do processo de produção terceirizado.
- se têm a produção realizada por terceiros e não têm a propriedade dos insumos usados no
processo de produção, devem ser classificados como atividade comercial, na seção G
Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas, na categoria que corresponder
à atividade caracterizada pelo tipo de venda (atacado ou varejo) e pelo tipo de mercadoria
vendida. Nesse caso, deve ser avaliado se a unidade contratante realiza outros tipos de
268
atividades, tais como design ou Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Se outras atividades de
produção são realizadas pela unidade principal, as regras gerais para identificação da
atividade principal devem ser aplicadas. A unidade contratada, nesse caso, é classificada na
seção C Indústrias de transformação, na categoria específica que corresponde à atividade
industrial executada.
A terceirização completa do processo de produção na agropecuária, em atividades florestais,
na pesca e na aqüicultura, na mineração e na produção de eletricidade e de gás e água segue
regras similares às aplicadas à produção da indústria de transformação.
Na construção, quando a unidade construtora subcontrata a execução completa da obra a outra
unidade, mas permanece como responsável pela obra, tanto a unidade contratante como a
contratada são classificadas na mesma categoria na seção F Construção, na classe que
corresponde ao tipo de obra realizado.
Nas atividades de serviços, quando ocorre a terceirização do processo completo de execução
dos serviços, tanto a unidade contratante como a unidade contratada são classificadas como se
estivessem realizando de forma completa a atividade do serviço em causa.
Fonte: Classificação Nacional de Atividades Econômicas - Versão 2.0 (p.28-9)
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