Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA
A
A
C
C
I
I
D
D
A
A
D
D
E
E
E
E
O
O
M
M
A
A
R
R
:
:
A
A
S
S
P
P
R
R
Á
Á
T
T
I
I
C
C
A
A
S
S
M
M
A
A
R
R
Í
Í
T
T
I
I
M
M
A
A
S
S
M
M
O
O
D
D
E
E
R
R
N
N
A
A
S
S
E
E
A
A
C
C
O
O
N
N
S
S
T
T
R
R
U
U
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
D
D
O
O
E
E
S
S
P
P
A
A
Ç
Ç
O
O
D
D
A
A
P
P
R
R
A
A
I
I
A
A
D
D
O
O
F
F
U
U
T
T
U
U
R
R
O
O
(
(
F
F
O
O
R
R
T
T
A
A
L
L
E
E
Z
Z
A
A
-
-
C
C
E
E
-
-
B
B
R
R
A
A
S
S
I
I
L
L
)
)
.
.
Ângela Maria Falcão da Silva
FORTALEZA-CEARÁ
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA
Ângela Maria Falcão da Silva
A CIDADE E O MAR:
AS PRÁTICAS MARÍTIMAS MODERNAS E A
CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DA PRAIA DO FUTURO
(FORTALEZA-CE-BRASIL)
Dissertação submetida à Coordenação do Curso
de Mestrado em Geografia, área de concentração
em Dinâmica Territorial e Ambiental, da
Universidade Federal do Ceará, para obtenção do
título de Mestre.
Orientação: Prof. Dr. Eustógio Wanderley Correia Dantas.
Fortaleza-Ceará
2006
ads:
FOLHA DE APROVAÇÃO
Universidade Federal do Ceará – UFC
Mestrado em Geografia
Título do Trabalho: A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a
construção do espaço da Praia do Futuro (Fortaleza-Ceará-Brasil)
Área de concentração: Dinâmica Territorial e Ambiental
Linha de Pesquisa: Estudo Socioambiental da Zona Costeira
Mestra: Ângela Maria Falcão da Silva
Data da Defesa: 09/08/2006.
Nota obtida: 10,00
Conceito obtido: Aprovado com Louvor
Banca Examinadora constituída pelos professores:
_______________________________________________
Prof. Dr. Eustógio Wanderley Correia Dantas (Orientador)
Departamento de Geografia (Universidade Federal do Ceará – UFC)
_______________________________________________
Prof. Dr. Hervé Théry
Cátedra Pierre Monbeig (Universidade de São Paulo - USP)
_______________________________________________
Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá
Departamento de História (Universidade Estadual do Ceará – UECE)
Aos meus pais, mestres insubstituíveis.
Ao meu querido esposo Soniel, companheiro
em todos os momentos.
Ao meu filho Pedro, o grande amor da minha
vida; ele me faz não desistir jamais.
À vida que me possibilita momentos
inesquecíveis.
AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial aos meus pais, por tudo que sou e por terem afastado
muitas pedras da estrada, tornando a caminhada mais suave.
Ao meu querido esposo Soniel, sem sua ajuda, apoio, incentivo e compreensão este
momento não teria se tornado possível. Obrigada por não me deixar desistir
enquanto permaneci sem bolsa de estudos.
Ao meu filho Pedro, pelas horas de ausência e momentos em que não dei a atenção
que esperava.
Ao meu orientador Prof. Dr. Eustógio W. C. Dantas, pela dedicação à orientação
deste trabalho, apoio, oportunidades e confiança que me foram dadas. Nunca
esquecerei sua serenidade e seriedade ao conduzir este trabalho.
À minha co-orientadora Profa. Ms. Maria Clélia Lustosa da Costa, com sua alegria e
compromisso simultâneos, ensinou-me que a pesquisa pode ter um prazer
inigualável.
Aos professores do Departamento de Geografia da UECE, em especial aos
professores-coordenadores do Laboratório de Estudos do Território e do Turismo,
que me ensinaram a dar os primeiros passos no caminho da pesquisa científica.
Aos professores do Mestrado em Geografia da UFC, por tudo que me ensinaram,
contribuindo para minha formação nesta nova etapa da vida acadêmica.
À banca da qualificação, nas pessoas do Prof. Dr. José Borzacchiello da Silva e
Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá que prontamente aceitaram o convite para
avaliar este trabalho, contribuindo de maneira significativa para sua conclusão.
A todos os meus colegas de turma, pela troca de idéias, discussões, incentivo nos
momentos difíceis e pelos bons momentos que passamos juntos. Por uma maior
proximidade gostaria de agradecer em especial: à Débora, sempre fiel e prestativa;
Clébio, além da descoberta de um grande amigo, obrigada pela ajuda nos trabalhos
de campo; Luziane, sua integridade sempre me fez admirá-la; Alexandre, quantas
horas ao telefone em busca do melhor caminho, obrigada por tudo; Elizete, seu
sorriso sempre demonstrava que deveríamos seguir em frente.
À minha grande amiga Valberlândia Nascimento (Val) que me ajudou na
digitalização dos mapas aqui apresentados e nos trabalhos de campo, obrigada pelo
incentivo nas horas difíceis.
À Inara, pelo carinho e atenção, além da ajuda na busca pelas referências
bibliográficas deste trabalho, você é uma pessoa inestimável.
À amiga Bia, pelo incentivo e amizade nas horas de incertezas e dificuldades, jamais
vou esquecer o carinho e atenção.
À Denise, seu sorriso e prestatividade era incentivo certo ao chegar ao
Departamento de Geografia da UFC.
Ao Joaquim, secretário do Mestrado, pela ajuda nos momentos burocráticos.
À Elisa Pinto, por ter me acompanhado em muitos momentos de revisão deste
trabalho, mostrando-me o quanto tenho a aprender.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP), pelo apoio financeiro através da concessão da bolsa de estudos,
tornando sua concretização menos difícil.
E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para que este trabalho se
tornasse possível.
O cheiro do mar me invadia e me embriagava. As algas
boiavam. Oh, bem sei que não estou transmitindo o que
significavam como vida pura esses banhos em jejum,
com o sol se levantando pálido ainda no horizonte. Bem
sei que estou tão emocionada que não consigo escrever.
[...]. E eu fazia o que no futuro sempre iria fazer: com as
mãos em concha, eu as mergulhava nas águas, e trazia
um pouco de mar até minha boca: eu bebia diariamente o
mar, de tal modo queria me unir a ele. [...] Meu pai
acreditava que não se devia tomar logo banho de água
doce: o mar devia ficar na nossa pele por algumas horas.
Era contra a minha vontade que eu tomava um chuveiro
que me deixava límpida e sem o mar.
LISPECTOR, Clarice
(A Descoberta do Mundo, 1999)
RESUMO
O trabalho “A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção do
espaço da Praia do Futuro (Fortaleza-Ceará-Brasil)” analisa como a prática dos
banhos de mar tornou-se comum nos dias atuais, partindo da reflexão inicial, com a
compreensão de que a procura por esta atividade de lazer contribui, em
determinados lugares, para sua ocupação e organização espacial. Escolheu-se a
Praia do Futuro para o desenvolvimento deste estudo, em virtude de sua importância
para a dinâmica da atividade turística local e também por ser um dos principais
pontos de lazer buscado pelos fortalezenses. Os freqüentadores da Praia do Futuro
são seduzidos pela beleza do ambiente litorâneo e pelas diversas atrações e
serviços incorporados à área. Destaca-se também como espaço de uso diversificado
e dinâmica diferenciada das outras praias da Capital cearense. A relevância do tema
refere-se à importância do estudo da maritimidade e da análise das atividades de
lazer na cidade de Fortaleza. O objetivo deste trabalho é analisar se os banhos de
mar na Praia do Futuro ainda constituem fator relevante na procura por lazer e de
que forma a prática ou não destes banhos de mar contribui para a construção deste
espaço geográfico. A esta análise alia-se um entendimento das práticas marítimas
modernas no litoral de Fortaleza. Recorre-se a uma análise diacrônica como
percurso metodológico para o estudo dos banhos de mar na Praia do Futuro,
mediante uma recuperação histórica desta prática até os dias atuais. Por
conseguinte, constata-se que a busca pelos banhos de mar foi proporcionada a
partir da pressão do adensamento urbano das praias no trecho Iracema-Mucuripe,
sendo facilitado o acesso à Praia do Futuro através da abertura de vias. Com o
aumento do número de freqüentadores, instalam-se as barracas de praia e novas
atividades de lazer são incorporadas. Com isso, os banhos de mar deixam de ser a
principal motivação para a procura desta área, embora continuem sendo praticados.
Assim, estas mudanças refletiram-se na maneira como o freqüentador local passou
a utilizar o mar como opção de lazer. O estudo dos banhos de mar na Praia do
Futuro proporcionou uma análise mais aprofundada da dinâmica e organização
espacial desta área, que vai além da simples prática ou abandono de determinadas
atividades, conduziu à compreensão de uma dinâmica socioespacial intensa, pois,
além de serem inúmeras as atividades desenvolvidas, também estão inseridos neste
processo interesses diferenciados.
Palavras-chave: Maritimidade. Banhos de Mar. Praia do Futuro.
ABSTRACT
The work “A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção do
espaço da Praia do Futuro (Fortaleza-Ceará-Brasil)” analyzes how the practical of
bathing beach became common in the current days, starting from the initial reflection,
with the understanding of searching for this leisure activity contributes, in definitive
places, for its occupation and space organization. Praia do Futuro as chosen for the
development of this study, in face of its importance for the dynamic of the local tourist
activity and also for being one of the main points of leisure searched for the people
who live in Fortaleza. The frequenters of the Praia do Futuro are seduced by the
beauty of the littoral environment and by the diverse attractions and incorporated
services to the area. It is also distinguished as differentiated dynamic space of
diversified use from other beaches of the capital Ceará state. The relevance of the
subject refers to the importance of the study of the maritime and the analysis of the
leisure activities in Fortaleza. The purpose of this work is to analyze if the bathing
beach in Praia do Futuro still constitutes an excellent factor when you’re looking for a
leisure activity and it these baths can contribute or not for the construction of this
geographic space. An agreement of the modern maritime activities in the coast of
Fortaleza is added to this analysis. A diacronic analysis is appealed to as
methodologic passage for the study of the bathing beach in Praia do Futuro, by
means of a historical recovery of this practical until the current days. Therefore, it is
evidenced that the search for the bathing beach in Praia do Futuro was
proportionated from the pressure of the hugeness urban of beaches in the Iracema-
Mucuripe intinery, being facilitated by the access to Praia do Futuro through the
opening of ways. With the increase of the number of frequenters, beach tents are
installed and new leisure activities are incorporated. With this, the bathing beach
stops being the main motivation for the search of this area, though it’s still practised.
Thus, these changes reflected the way as the local frequenters started using the sea
as a leisure option. The study of bathing beach in Praia do Futuro has provided a
deeper analysis of the dynamic and space organization of this area, that goes
beyond simple practical or the abandonment of determined activities, has led to the
understanding of an intense social-space dynamic, therefore, beyond being
innumerable the developed activities, differentiated interests are also inserted in this
process.
Keywords: Maritime. Bathing beach. Praia do Futuro.
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE MAPAS
Pág.
MAPA I – Localização da área de estudo........................................................... 23
MAPA II – Uso e ocupação do solo.................................................................... 95
MAPA III – Localização das barracas da Praia do Futuro................................... 131
MAPA IV – Geomorfologia e áreas de risco de afogamento............................. 151
LISTA DE FIGURAS
Pág.
Figura I – Planta do Forte Shoonenborch............................................................ 29
Figura II – A primeira Planta de Fortaleza (1726)............................................... 32
Figura III – Planta da Vila de Fortaleza (1813), de Silva Paulet.......................... 33
Figura IV – Planta da cidade de Fortaleza levantada por Adolfo Herbster..........
34
Figura V – Localização das praias de Fortaleza.................................................. 54
Figura VI – Divisão dos bairros de Fortaleza...................................................... 81
Figura VII – Divisão administrativa da Secretaria Executiva Regional II............. 82
LISTA DE QUADROS
Pág.
Quadro I – Atrações de algumas barracas na Praia do Futuro........................... 137
LISTA DE GRÁFICOS
Pág.
Gráfico I – Procedência dos freqüentadores na Praia do Futuro (jul 2005)........ 117
Gráfico II – Procedência dos freqüentadores na Praia do Futuro (out 2005)...... 117
Gráfico III– Nível de freqüência à Praia do Futuro............................................. 120
Gráfico IV – Acesso à Praia do Futuro................................................................ 122
Gráfico V – Meio de transporte utilizado até a Praia do Futuro........................... 123
Gráfico VI – Preferência dos freqüentadores..................................................... 147
Gráfico VII – Decisão para tomar banho de mar em outra praia......................... 147
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Pág.
Foto 01 – 10ª Região Militar de Fortaleza......................................................... 29
Foto 02 – Caminhada à beira-mar na Praia de Iracema.................................... 49
Foto 03 – Hotel Iracema Plaza........................................................................... 50
Foto 04 – Avenida Beira-Mar (Fortaleza-Ce)..................................................... 55
Foto 05 – Roupa de banho usada nos anos 1920 na Praia de Iracema...........
67
Foto 06 – Banhos de mar na Praia de Iracema................................................. 70
Foto 07 – Panorâmica da Praia de Iracema – 2005.......................................... 71
Foto 08 – Estoril.................................................................................................
72
Foto 09 – Igreja de São Pedro...........................................................................
72
Foto 10 – Avenida Santos Dumont, nas proximidades da Praia do Futuro.......
89
Foto 11 – Avenida Dr. Aldy Mentor....................................................................
96
Foto 12 – Quiosques do pólo de lazer abandonados na praça 31 de Março....
98
Foto 13 – Vila Galé Resort Fortaleza (PF II)......................................................
101
Foto 14 – Lisboa Praia Hotel (PFII)....................................................................
101
Foto 15 – Pousada Salinas (PFI) ......................................................................
102
Foto 16 – Pousada Sol de Verão (PF II) ...........................................................
102
Foto 17 – BNB Clube Praia (PF II) ....................................................................
103
Foto 18 – AABEC Fortaleza (PF II) ...................................................................
103
Foto 19 – Clube do Médico (PF I) .....................................................................
103
Foto 20 – Assoc. dos Serv. Banco Central (PF II) ............................................
103
Foto 21 – Nova sede do Clube dos Diários na Praia do Futuro (PFII)...............
104
Foto 22 – Sede da AABB Fortaleza na avenida Beira-Mar................................
105
Foto 23 – Estrutura das barracas da Praia do Futuro em 1960.........................
106
Foto 24 – Estrutura em 2006 de algumas barracas...........................................
106
Foto 25 – Prédio multifamiliar (PF I)..................................................................
107
Foto 26 – Prédio multifamiliar (PF II).................................................................
107
Foto 27 – Construções sobre as dunas (PF II)..................................................
107
Foto 28 – Únicos prédios com mais de 10 andares em toda a Praia................
109
Foto 29 – Edifício da Praia do Futuro passando por reforma............................
110
Foto 30 – Exemplo de área em construção na Praia do Futuro I......................
112
Foto 31 – Canteiro de obras da ponte sobre o rio Cocó....................................
113
Foto 32 – Avenida Zezé Diogo durante a semana.............................................
121
Foto 33 – Avenida Zezé Diogo no fim de semana.............................................
121
Foto 34 – Barraca de praia ganha prêmio numa importante revista do país.....
124
Foto 35 – Deslocamento das barracas em direção ao mar...............................
132
Foto 36 – Barraca fechada e tomada pela areia (PF I) .....................................
132
Foto 37 – Barraca de grande infra-estrutura (PF II) ..........................................
132
Foto 38 – Barraca com tema de castelo............................................................
134
Foto 39 – Barraca com tema tailandês..............................................................
134
Foto 40 – Barraca funcionando em julho de 2005 (PF II) ................................
136
Foto 41 – Barraca demolida em abril de 2006 e com terreno à venda (PF II)...
136
Foto 42 e 43 – Cercas delimitando a área das barracas na Praia do Futuro....
138
Foto 44 – Jet Bronze (bronzeamento artificial com pistola automática)............
142
Foto 45 – Tenda para massagem relaxante.....................................................
142
Foto 46 – Futebol de areia.................................................................................
143
Foto 47 – Frescobol...........................................................................................
143
Foto 48 – Caranguejada....................................................................................
144
Foto 49 e 50 – Banhos de mar na Praia do Futuro............................................
149
Foto 51 – Torre de observação antes do Projeto Guardiões da Praia..............
150
Foto 52 – Torre de observação (Projeto Guardiões da Praia)..........................
150
Foto 53 – Chuveiros das barracas.....................................................................
153
Foto 54 – Crianças brincam em piscinas montadas nas barracas....................
153
Foto 55 – Parque aquático numa barraca da Praia do Futuro...........................
153
SUMÁRIO
pág
INTRODUÇÃO......................................................................................................
14
1 A CONSTRUÇÃO DA MARITIMIDADE EM FORTALEZA...............................
21
1.1 Do desprezo pelo mar às práticas marítimas modernas..........................
37
1.1.1 Reversão das imagens repulsivas e o início da admiração......................... 41
1.1.2 O Grand Tour............................................................................................... 42
1.1.3 Fortaleza de costas para o mar................................................................... 46
1.1.4 Fortaleza olha para o mar............................................................................ 48
1.2 A migração das atividades de lazer............................................................
53
2 OS BANHOS DE MAR EM FORTALEZA: DE PRÁTICA TERAPÊUTICA À
VALORIZAÇÃO DAS ZONAS DE PRAIA...........................................................
60
2.1 Os banhos terapêuticos...............................................................................
61
2.2 Os banhos de mar no Brasil........................................................................
65
2.3 Os primeiros banhos de mar em Fortaleza................................................
66
2.4 Vendendo o “belo” – aspectos da expansão e valorização do litoral de
Fortaleza..............................................................................................................
75
3 O ESPAÇO DA MARITIMIDADE NA PRAIA DO FUTURO.............................
78
3.1 Do esquecimento aos cartões-postais.......................................................
92
3.1.1 Construindo o espaço da Praia................................................................... 94
3.1.2 O discurso da maresia................................................................................. 110
3.1.3 As “personagens” da praia.......................................................................... 115
3.2 A Praia do Futuro na lógica do turismo......................................................
125
3.2.1 As barracas entram no debate.................................................................... 130
3.2.2 A incorporação de novas práticas de lazer – será o fim dos banhos de
mar? .....................................................................................................................
140
4 PARA REFLETIR..............................................................................................
155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................
160
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA..........................................................................
165
APÊNDICE.........................................................................................................
167
ANEXO A..............................................................................................................
169
ANEXO B..............................................................................................................
172
Arquivo Nirez
I
I
n
n
t
t
r
r
o
o
d
d
u
u
ç
ç
ã
ã
o
o
INTRODUÇÃO
prática dos banhos de mar tornou-se comum nos dias atuais e
representa atividade de lazer e descontração para aqueles que
se direcionam aos ambientes litorâneos ou neles residem. O
problema apresentado parte da reflexão inicial, compreendendo-
se que a procura pelos banhos de mar contribui, em determinados lugares, para sua
ocupação e organização espacial.
Para este estudo, toma-se como objeto de análise umas das praias da
cidade de Fortaleza (Ceará), a Praia do Futuro, onde diversas atividades de lazer
encontram-se em franca consolidação. A área de estudo destaca-se como um
espaço de uso diversificado e dinâmica diferenciada das outras praias da Capital
cearense.
A relevância do tema decorre da importância das atividades de lazer na
cidade de Fortaleza. Escolheu-se a Praia do Futuro para o desenvolvimento deste
estudo em virtude de sua importância para a dinâmica da atividade turística local e
também por ser um dos principais pontos de lazer buscado pelo fortalezense. Em
seus 6 km de extensão, os freqüentadores da Praia do Futuro são seduzidos pela
beleza e encanto proporcionados pelo contato com o ambiente litorâneo e, também,
pelas diversas atrações e serviços incorporados à área.
O diferencial desta praia em relação às demais de Fortaleza encontra-se
na instalação de barracas à beira mar, sendo estas de vários tipos e tamanhos, e
compondo-se de restaurantes, bares e casas de show. Dentre os serviços
oferecidos, podem ser encontrados, nas barracas da Praia do Futuro, música ao
vivo, parque aquático, variedade de comida e bebida, além das inúmeras cadeiras
espalhadas ao longo da areia da praia, destinadas aos banhos de sol e à
permanência dos freqüentadores.
Com a instalação de uma diversidade de equipamentos e serviços,
inúmeras pessoas se aglomeram todos os fins de semana naquela que é tida como
A
A
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
15
uma das praias mais freqüentadas no perímetro urbano de Fortaleza. Isso ocorreu
em virtude do crescimento da Cidade, da valorização das terras do seu litoral, assim
como pela melhoria da infra-estrutura de acesso e serviços, passando a contribuir
para o aumento significativo do número de freqüentadores.
Uma diversidade de motivações contribui para o deslocamento dos
freqüentadores à Praia do Futuro. Seria comum o mar ser o grande astro de um
“domingo na praia”, entretanto, a realidade observada se apresenta de forma
diferenciada.
A prática dos banhos de mar nesta praia é objeto da interferência da
incorporação de outras práticas de lazer, como os banhos de sol, os esportes ao ar
livre e o uso dos equipamentos instalados nas barracas. Muitas pessoas vão à praia
apenas para praticar estas atividades, não havendo um contato direto com o mar.
Sobre a mudança de comportamento da sociedade local em relação ao
mar, pode-se observar que a instalação de outros serviços relacionados às
possibilidades de banho, notadamente os chuveirões e as piscinas, concorrem para
a diminuição da constância aos banhos de mar. O que era a motivação principal
para o deslocamento dos fortalezenses até esta área no início de sua ocupação é
aos poucos relegado a segundo plano.
Com base nestes elementos iniciais da discussão, compreende-se que há
uma diversidade de elementos passíveis de análise no lugar em foco. Para a
realização da pesquisa decidiu-se destacar o papel desempenhado pelos banhos de
mar na Praia do Futuro e as implicações desta procura na construção de seu
espaço. A esta análise alia-se um entendimento das práticas marítimas modernas no
litoral de Fortaleza, procurando compreender como aconteceu a ligação inicial desta
cidade com seu ambiente litorâneo.
Busca-se como objetivo geral desta pesquisa examinar se os banhos de
mar no lócus desta investigação ainda constituem fator relevante na procura por
lazer e de que forma a prática ou não de tal atividade contribui para a consolidação
deste espaço geográfico.
Como objetivos específicos da pesquisa, procura-se: a) compreender
como ocorreram a maritimidade e a prática dos banhos de mar em Fortaleza; b)
verificar de que modo aconteceu o processo de incorporação da Praia do Futuro às
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
16
atividades de lazer em Fortaleza; e c) identificar e analisar as implicações
socioespaciais da incorporação de novas atividades de lazer no espaço estudado e
seu reflexo sobre a prática dos banhos de mar.
Conforme Andrade Santos (2002, p. 84) “[...] para iniciarmos uma
pesquisa, sempre partimos de um conhecimento prévio, adquirido através de outras
experiências investigativas, dos nossos estudos anteriores e de outras leituras”.
Acredita-se ter sido esta a motivação principal para elaborar este trabalho, quando
se buscava desenvolver um projeto que permitisse aprofundar idéias e análises, a
partir de um aprofundamento teórico e de um tratamento empírico, como resposta a
inúmeros questionamentos que permeavam as reflexões sobre o local investigado.
Assim, para o desenvolvimento da pesquisa, alguns questionamentos
iniciais foram suscitados a fim de arrimar a discussão sobre o tema proposto.
Destacam-se:
Os banhos de mar na Praia do Futuro ainda constituem fator de importância
na procura por lazer nesta área?
De que forma a procura pelos banhos de mar ali concorreu para a construção
deste espaço geográfico?
Qual o nível de importância conferido aos citados banhos de mar pelos
freqüentadores da área e como isso interfere na sua dinâmica espacial?
A incorporação de novas práticas de lazer contribui para o abandono ou não
dessa atividade social na praia sob exame? Qual o reflexo imediato dessa
incorporação?
Para Andrade Santos (2002, p. 84), “esta bagagem se constitui num
referencial importante para a escolha das próximas leituras e eleição das teorias e
metodologias mais pertinentes e adequadas ao nosso objeto”. Pensando nisto,
tornou-se indispensável o aprofundamento do tema por meio de referências
bibliográficas que dessem suporte ao estudo proposto. Assim, a pesquisa
bibliográfica foi realizada em órgãos oficiais, bibliotecas e páginas eletrônicas (sites),
dentre eles:
Núcleo de Documentação Cultural (NUDOC) do Departamento de História da
Universidade Federal do Ceará (UFC)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
17
Laboratório de Planejamento Urbano e Regional (LAPUR) do Departamento
de Geografia da UFC
Biblioteca de Ciências e Tecnologia da UFC (Campus do Pici)
Biblioteca de Ciências Humanas da UFC
Biblioteca do Curso de Arquitetura da UFC
Biblioteca Central da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Secretaria de Turismo do Estado do Ceará (SETUR)
Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado do Ceará (IPECE)
Jornal O Povo (impresso e on-line)
Jornal Diário do Nordeste (impresso e on-line)
Portal de periódicos da CAPES (http://www.periodicos.capes.gov.br/)
Site de revistas eletrônicas Scielo (http://www.scielo.br/)
É importante destacar a importância da pesquisa hemerográfica
realizada nas dependências do jornal O Povo
, do jornal Diário do Nordeste e em
suas páginas eletrônicas. Necessitando de elementos para subsidiar o
entendimento da constituição do espaço da Praia do Futuro, que ao passar dos
dias foi revelando sua complexidade, as matérias selecionadas foram essenciais
em muitos momentos, sendo utilizadas como suporte à compreensão,
principalmente, dos acontecimentos que se sucederam no local investigado ao
longo dos anos. A escassez de informações sobre a área de estudo nos livros foi,
em parte, solucionada com a leitura dessas matérias.
Esclarecidos estes pontos, compreende-se que discutir a prática dos
banhos de mar na Praia do Futuro é trazer à pauta o real motivo que conduz tantas
pessoas a freqüentar esse lugar, levando-se em conta as diferenças humanas,
marcantes e fundamentais no entendimento e elaboração deste ensaio.
Como ponto de partida, este estudo fornece a oportunidade de abordar o
tema sob novo ângulo, não tendo como foco central apenas os aspectos técnicos
relacionados à balneabilidade da água ou aos parâmetros indicadores para a
classificação quanto às condições de banho em termos sanitários. Estes elementos
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
18
trazem importantes contribuições à análise, mas o objeto da discussão está fulcrado
na compreensão dos elementos mais intrínsecos que levam as pessoas a utilizarem
este espaço como área de lazer. A maritimidade também será analisada a partir do
viés das relações simbólicas que as pessoas estabelecem com o mar.
Algumas categorias de análise tornaram-se fundamentais para o
desenvolvimento do trabalho: espaço, paisagem, lazer, maritimidade, práticas
marítimas modernas e espaço urbano. Recorre-se a uma análise diacrônica como
percurso metodológico para o estudo da Praia do Futuro tendo em vista que “uma
análise diacrônica, relativa à história do espaço, permite indicar as especificidades
do processo de valorização das zonas de praia em Fortaleza”. (DANTAS, 2004, p.
69).
No que se refere à metodologia operacional, foi feito inicialmente um
resgate histórico sobre o assunto abordado neste trabalho, assim como acerca da
área de estudo. O levantamento bibliográfico foi fundamental à coleta de dados
secundários e informações gerais. Além da pesquisa bibliográfica e documental,
recorreu-se a diversas técnicas para a coleta de indicadores, tais como: observação
in loco, serviço de cartografia básica, visita a órgãos e repartições públicas e, ainda,
registro fotográfico, pesquisa na Internet e em outros meios eletrônicos.
A cartografia apresentada neste trabalho é resultado dos trabalhos e
atividades de campo. A marcação dos pontos apresentados nos mapas desta
dissertação foi elaborada mediante a utilização de GPS (Global Positioning System
Sistema de Posicionamento Global), gentilmente cedido pelo Instituto de Ciências do
Mar da Universidade Federal do Ceará (LABOMAR-UFC). A marcação destes
pontos foi realizada no mês de abril de 2006, objetivando a apresentação de uma
cartografia que apresentasse a realidade atual da ocupação do lócus examinado.
O aprofundamento teórico-metodológico realizado durante todo o
transcorrer desta dissertação foi fundamental para aprimoramento de alguns pontos
que não tinham sido devidamente abordados até o momento de qualificação. A
indicação de referências bibliográficas e as observações feitas pela banca de
qualificação foram essenciais às análises aqui apresentadas, fazendo com que,
mediante o estudo de autores diversos, fosse possível estabelecer uma análise em
consonância com os objetivos da pesquisa.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
19
Os trabalhos de campo foram iniciados ao mesmo passo em que também
era realizada a pesquisa bibliográfica. Dois trabalhos de campo foram cruciais neste
momento. O primeiro foi realizado no período da alta estação turística em Fortaleza
(especificamente no mês de julho de 2005), quando foram aplicados 30
questionários com questões abertas e fechadas direcionadas aos freqüentadores da
Praia (ver Apêndice A). Foram feitas observações gerais sobre a área, além de
entrevista informal com algumas pessoas presentes no momento de realização do
trabalho. Parte do registro fotográfico necessário à pesquisa foi obtida durante esta
atividade.
O segundo momento no campo ocorreu no período da baixa estação
turística (especificamente no mês de outubro de 2005), quando foi aplicada igual
quantidade, com o mesmo modelo, de questionários da alta estação. Observações in
loco também foram feitas a fim de averiguar possíveis alterações nos serviços e
atividades de lazer na praia. As informações obtidas nestes dois momentos de
atividades de campo foram analisadas em gabinete e serão apresentadas ao longo
deste ensaio.
Assim, a dissertação “A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e
a construção do espaço da Praia do Futuro (Fortaleza-Ceará-Brasil)” é apresentada
em cinco partes. Na primeira, esta breve introdução sobre o trabalho e o caminho
percorrido para sua realização.
No segundo e terceiro módulos, inicia-se a discussão a respeito da
construção da maritimidade em Fortaleza, destacando o papel da Cidade no
pioneirismo relacionado às primeiras práticas marítimas no Estado do Ceará,
incluindo uma recuperação acerca da imagem repulsiva em relação ao mar, situando
a discussão no espaço e no tempo. Analisa-se o momento em que ocorre a inversão
da imagem negativa do mar na sociedade fortalezense, quando vão se tornando
comuns as primeiras práticas marítimas, com a conseqüente valorização do litoral da
Cidade.
No quarto segmento, é traçado um quadro da incorporação da Praia do
Futuro à Cidade, inserindo na discussão os elementos que motivaram a diminuição
da freqüência aos banhos de mar no trecho onde foram praticados inicialmente em
Fortaleza. Indica-se um panorama geral culminante na incorporação deste pedaço
da costa fortalezense. Apresenta-se um quadro atualizado do lazer na área,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
20
enfocando a situação atual da prática dos banhos de mar, discutindo-se as
mudanças de comportamento da sociedade em relação a essa atividade. A inserção
das informações obtidas nos trabalhos de campo foi fundamental à apresentação e
elaboração deste panorama.
O foco da discussão desta parte do trabalho concentrar-se-á na análise da
dinâmica espacial da Praia do Futuro, a partir da implementação dos equipamentos
de lazer destinados à manutenção da procura por parte dos freqüentadores e como
isto se reflete por intermédio de uma intensa dinâmica socioespacial. Por fim, no
último módulo, algumas considerações finais para refletir o que foi estudado e
analisado ao longo desta dissertação.
Sabe-se que há muito por estudar e esclarecer, mas acredita-se que a
valorização de qualquer objeto de pesquisa deve apoiar-se na elaboração do próprio
objeto ao longo do processo investigativo. Dessa forma, espera-se contribuir para
que a continuidade da discussão sobre a maritimidade de Fortaleza permaneça
constante nos trabalhos geográficos e que outros espaços cearenses, carentes da
análise geográfica, possam também ser evidenciados.
Ângela Maria Falcão da Silva
1
1
A
A
c
c
o
o
n
n
s
s
t
t
r
r
u
u
ç
ç
ã
ã
o
o
d
d
a
a
m
m
a
a
r
r
i
i
t
t
i
i
m
m
i
i
d
d
a
a
d
d
e
e
e
e
m
m
F
F
o
o
r
r
t
t
a
a
l
l
e
e
z
z
a
a
1 A CONSTRUÇÃO DA MARITIMIDADE EM FORTALEZA
Verdes mares bravios de minha terra natal,
onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente,
perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco
aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral
a grande vela?
(ALENCAR, 1972)
os estudos geográficos, a maritimidade pode ser
compreendida a partir de duas perspectivas principais. A
primeira refere-se à maritimidade nos termos físicos,
técnicos, relativamente à distância do mar para o continente. Ganha destaque neste
aspecto o estudo da interferência dos ventos marítimos que suavizam os excessos
das temperaturas continentais.
A outra perspectiva, sobre a qual este trabalho pretende discorrer, é a
maritimidade entendida como um conjunto de várias práticas (econômicas, sociais e,
sobretudo simbólicas) resultante da interação humana com um espaço particular e
diferenciado do continental: o espaço marítimo. A maritimidade estudada a partir
desta perspectiva não se refere somente ao mundo oceânico como entidade física,
pois também se trata de uma produção social e simbólica (DIEGUES, 2003).
O conjunto das práticas que envolvem a maritimidade significa para Claval
(1996 apud DANTAS, 2004, p.75) “uma maneira cômoda de designar o conjunto de
relações que determinada população estabelece com o mar – aquelas inscritas no
plano das preferências, das imagens e das representações coletivas em particular”.
Não são muitos, porém, os trabalhos geográficos que tratam desta
segunda possibilidade de análise, sendo de certa forma recentes alguns deles e,
portanto, tornando esta pesquisa um desafio quando se intenta um maior
aprofundamento sobre o tema.
N
N
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
22
Diegues (2003) explica que o interesse das ciências sociais pelo mar é
relativamente recente, sendo a Geografia Humana e a História pioneiras neste
campo. Alguns autores que trabalharam com este enfoque direcionavam suas
análises principalmente às questões relacionadas à pesca e aos povos que
utilizavam o mar como sobrevivência e comércio. Conforme Diegues (Ibid.),
trabalhos como de Herubel, A Evolução da Pesca (1928) e o de A. Thomazi, A
História de Pesca (1947), por exemplo, publicados na França, tratam exclusivamente
da pesca numa perspectiva histórica e geográfica.
Ainda sobre o estudo da maritimidade pelas ciências humanas, Diegues
(Ibid.) torna a afirmar que:
[...] a ausência das ciências humanas no estudo das populações humanas
que vivem direta ou indiretamente dos mares se deve, em grande parte, às
ciências sociais, pois até recentemente o estudo das comunidades
marítimas se inseria dentro do estudo do “mundo rural”. O litoral, a costa, o
mar e o oceano eram simplesmente extensões do continente e as
populações que viviam desses ecossistemas eram considerados
“camponeses” e assalariados marítimos (no caso da navegação costeira ou
oceânica) para os quais as cidades litorâneas e as zonas costeiras
representam espaço de moradia.
No sentido de dar continuidade à discussão e entendendo que a
maritimidade ora apresentada se constitui mediante as relações da sociedade com o
mar, em virtude de uma série de práticas e representações, é necessário
compreender como isto ocorreu na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, a fim de
que seja possível realizar o estudo da maritimidade na Praia do Futuro (ver Mapa I,
p. 23), objeto central deste trabalho, onde as práticas marítimas ocorreram somente
após longo período de ocupação e expansão do espaço urbano de Fortaleza.
Examinar a gênese da maritimidade na Capital cearense remete, também,
ao estudo da maritimidade mundial, levando em conta o fato de que a discussão
pretende realizar um estudo diacrônico da ocupação e expansão do espaço urbano
da Cidade. Assim, a particularidade da maritimidade da Praia do Futuro liga-se a um
contexto mais amplo, conduzindo ao aprofundamento do tema.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
24
Entender a relação dos homens com o ambiente litorâneo tornou-se
fundamental em muitas partes do mundo, mesmo que em pequenas porções de
território. Com isso, trazendo esta discussão para o Estado do Ceará, evidencia-se a
importância desta abordagem para a compreensão do contexto mais amplo da
ocupação de seu território.
Assim, procurando encontrar elementos possíveis para um entendimento
da maritimidade em Fortaleza, recorremos aos estudos de Dantas (2002; 2003; 2004;
2005) como norteadores deste trabalho. Esse autor direcionou suas pesquisas, nos
últimos anos, às práticas marítimas modernas e às representações do mar e do
marítimo nos trópicos, tornando suas reflexões importante referência aos que se
dedicam a investigar o tema da maritimidade.
Dantas (2002, p. 13, grifo nosso) acentua que “a elaboração da noção de
maritimidade
no Ceará, ou seja, da constituição das relações da sociedade local com
o mar, será evidenciada a partir desse contato inicial e de seus desdobramentos”.
Esta relação que se inicia de forma tímida e acanhada nos primeiros anos de
ocupação do Estado, ocorrendo através das práticas marítimas tradicionais (pesca,
comércio marítimo e defesa da costa) vai ao poucos sendo incorporada aos
costumes da população local através da prática de outras atividades relacionadas ao
contato com o mar, notadamente àquelas relacionadas a momentos de lazer e
descontração.
Em contrapartida, para o estudo da maritimidade na Capital cearense, é
fundamental que seja elaborado anteriormente breve entendimento de como o
Estado do Ceará se inseria no cenário mundial quanto às práticas marítimas,
traçando um pequeno resgate histórico de seu processo de ocupação, tanto do
litoral quando do sertão, pois, na história da incorporação do mar pela sociedade
cearense, não pode ser desconsiderado o peso histórico da ocupação de sua costa
e da forma como ocorreram os primeiros contatos da população com o litoral.
Mesmo com seu extenso litoral, os principais pontos de ocupação do
território cearense, no período da colonização do Brasil, aconteceram em áreas do
interior do Estado, com a formação de importantes cidades que iriam deter durante
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
25
longo período o domínio comercial e a produção de mercadorias. Dantas (2003, p.
208) esclarece que a economia do Ceará era, até meados do século XVIII:
[...] regional, atrelada à demanda da zona da mata. Não dispunha de uma
cidade primaz, mas de conjunto de cidades interioranas, articuladas e
especializadas na produção e comercialização da carne-seca, ficando sua
capital litorânea isolada na zona costeira, sem estabelecer vínculos com
outros centros urbanos coloniais.
Dentre as cidades que merecem destaque referente à ocupação do
território cearense no início de sua colonização estão as cidades de Sobral, Acaraú,
Icó, Camocim e Aracati. Estas eram importantes cidades do Estado do Ceará, onde
ocorriam a produção e a comercialização das mercadorias destinadas ao mercado
regional. Os portos existentes no Estado, situados nas cidades de Aracati, Camocim
e Acaraú serviam ao embarque e desembarque de mercadorias. Conforme Dantas
(2003, p. 221), “[...] Aracati, Icó, Sobral e Crato constituem um quadro espacial que
sublinha o isolamento de Fortaleza. Limitada a funções administrativas, essa cidade
permanece isolada no litoral”.
As cidades de Icó e Aracati cresceram em função das charqueadas
1
,
sendo que a última exerceu papel de destaque como maior centro de produção de
carne seca em meados do século XVIII.
Com as charqueadas, quando se aproveitou o desenvolvimento da criação
de gado como nova atividade econômica, surgem estes importantes núcleos
urbanos, tendo alguns deles ainda hoje destaque no cenário estadual, como é o
caso da cidade de Sobral que, com o desenvolvimento do Estado, foi conquistando
importância dentro de outros aspectos do cenário econômico cearense. Outro ponto
a ressaltar no que se refere às charqueadas é lembrado por Dantas (op. cit., p. 215)
ao dizer que:
Com as charqueadas estabelecem-se as primeiras relações do sertão com o
litoral, baseadas no mercado interno que alimenta um comércio marítimo
(transporte de cabotagem de exportação e importação) e reforça contatos
com capitanias mais desenvolvidas economicamente. A produção de carne-
seca dispõe de espaço relevante no desenvolvimento do Ceará,
estabelecendo-se graças a uma demanda regional.
1
Atividade que consistia em salgar a carne bovina e cortá-la em pedaços, também conhecida como
carne-seca ou carne-de-sol.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
26
Naquele momento ainda não se evidenciava a possibilidade de utilizar as
áreas próximas às zonas portuárias como próprias à diversão e ao lazer das classes
mais ricas da sociedade, pois era uma área ocupada essencialmente por pobres,
pescadores e trabalhadores. Ainda não era costume local utilizar o mar como lazer e
as áreas próximas aos portos eram consideradas zonas impróprias à permanência
de “pessoas de bem”, pois, além da grande circulação de trabalhadores que muitas
vezes utilizavam pouca roupa, era, também, área destinada à carga e descarga de
mercadorias. Conforme Dantas (2004, p. 69), “a beira-mar é ordenada como espaço
de troca de mercadorias, dificultando a apropriação deste espaço pelas classes
abastadas”.
O litoral do Estado e também de Fortaleza era lugar de moradia dos
pescadores, dos homens que se aventuravam no mar em busca do pescado para
garantir a sobrevivência e movimentar as pequenas relações de comércio nos
lugarejos próximos as vilas de pescadores. Estes homens e suas famílias viam no
mar a possibilidade de melhoria de vida mediante o trabalho. Assim, não era prática
usual nestas comunidades utilizar o mar como lazer. O mar fazia parte do cotidiano
destas pessoas, e, assim, trabalho e lazer aglutinavam-se em virtude da estreita
relação que mantinham com ele.
Nestas áreas de porto e de comunidades litorâneas, ora o mar era
utilizado para o trabalho, ora para os incipientes banhos de mar, praticados por
aqueles que, acostumados a presenciar o enfrentamento do mar pelos pescadores,
aventuravam-se a enfrentar suas ondas. Nos primórdios da ocupação do Brasil, a
instituição de jurisprudências pela Coroa Portuguesa, “não impediam a atividade da
pesca, indicando abertura à exploração baseada nesta atividade e possibilitando o
surgimento das primeiras comunidades de pescadores no litoral”. (DANTAS, 2002, p.
18).
A formação destas comunidades marítimas é diretamente relacionada ao
ambiente de vivência e prática dos pescadores, constituindo-se, segundo Diegues
(1995, p. 19):
[...] num ambiente marcado pelo perigo, risco, mobilidade e mudanças
físicas. A constituição histórico-cultural dessas comunidades marítimas está
relacionada, de alguma forma, com o distanciamento da “terra” enquanto
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
27
lugar de trabalho e vida e com a apropriação econômica e sócio-cultural do
meio marinho, onde os pescadores, tanto artesanais quanto os vinculados à
pesca empresarial-capitalista, passam uma parte considerável de seu
tempo.
Referente aos modos de apropriação do espaço litorâneo e seus recursos
afirma Diegues (1995, p. 19) que:
Os homens, ao longo da história, ao explorar, gerir e imaginar o mar e seus
recursos elaboram diversos modos de apropriação social, econômica e
cultural, ligados ao ambiente marinho. As práticas sócio-culturais da “gente
do mar” dão ao ambiente marítimo uma dimensão antropológica e são
marcadas pelas propriedades naturais socializadas.
À medida que ocorre a ocupação dos trechos do litoral e, também, das
terras de seus antigos moradores (pequenos produtores, pescadores, dentre outras
comunidades litorâneas), acontece também a expulsão destes para áreas sempre
mais distantes da praia, onde os modos e condições de vida vão ser diferentes
daqueles a que estavam habituados. Apesar de todo este embate, o pescador,
mesmo sendo “um tipo em ‘vias de extinção’ mostra à sociedade inteira não serem
estes espaços feitos unicamente de banhos de mar e de banhos de sol”. (DANTAS,
2005a, p. 277).
No que se refere à presença das comunidades de pescadores ao longo do
litoral cearense e na cidade de Fortaleza, Dantas (2002, p. 22) assinala que:
As comunidades de pescadores encontram-se, na totalidade do território
cearense, representando outro modelo de ocupação do espaço, baseado
essencialmente na pesca. Tal atividade engendra a criação de verdadeiras
comunidades marítimas no litoral, e até nas regiões vizinhas de Fortaleza.
Nesta cidade, elas constituem o germe de formação das comunidades do
Mucuripe e do Meireles (atualmente integradas na zona urbana de
Fortaleza).
É útil lembrar neste momento que alguns fatores contribuíam para o pouco
desenvolvimento do Estado e de sua sede, Fortaleza. Além da forte ligação que
Fortaleza mantinha com as principais cidades do Estado, a Capitania do Ceará
esteve subordinada à invasão dos holandeses, ao domínio do Estado do Maranhão
e Grão-Pará, e depois a Pernambuco, além de ter sido alvo da cobiça colonialista
européia, fatos que impediam seu crescimento e desenvolvimento.
O Ceará ficou praticamente esquecido por Portugal durante todo o século
XVI. No que diz respeito aos fatores que contribuíram para o afastamento dos
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
28
portugueses das terras cearenses, ressalte-se os fortes ventos que dificultavam o
acesso à costa, a aversão dos índios à presença dos conquistadores, as condições
climáticas e a presença constante de outras nacionalidades na região
(principalmente franceses e holandeses). Segundo Linhares (1992, p. 132), “é bom
lembrar que, ao contrário das outras cidades litorâneas coloniais, as condições
naturais de Fortaleza não foram as mais indicadas para a ação do colonizador”.
No século XVII, duas expedições holandesas estiveram no Ceará. Em
1637, chega a primeira expedição, ocupando o semi-abandonado Forte de São
Sebastião, onde permaneceu por sete anos explorando sal e âmbar gris
2
, até que
seus integrantes foram dizimados pelos índios.
Outra expedição holandesa, esta comandada por Matias Beck,
desembarcou em 1649 no Mucuripe quando construiu o Forte Schoonenborch, na
embocadura do rio Pajeú, onde atualmente localiza-se a 10ª Região Militar de
Fortaleza. Um dos objetivos da construção do forte era defender-se dos nativos.
Entre 1660 e 1698, surgiu um pequeno povoado, no qual foi erigida uma capela
dedicada a Nossa Senhora da Assunção. No século seguinte, o povoado foi elevado
à condição de vila.
Conforme Aquino (2003, p. 42-43), “nas proximidades da zona litorânea
existiam poucas edificações, a maior concentração estava na direção contraria. Isso
porque as zonas praianas eram consideradas pontos de defesa, daí a presença do
Forte Schoonerborch”. Matias Beck, após aportar nas terras cearenses, dá início à
construção deste forte e, anos depois, com a expulsão dos holandeses, o forte é
reaproveitado pelos portugueses. “Após sua reconstrução em 1660, passa a ser
chamado de Forte de Nossa Senhora da Assunção. Conforme os historiadores este
é o verdadeiro marco das origens da cidade de Fortaleza”. (Ibid., p. 42).
2
Âmbar cinza, âmbar pardo, âmbar gris ou âmbar de baleia, é uma substância sólida, gordurosa e
inflamável, em geral de cor cinza fosco ou enegrecido, podendo, contudo ter cor castanho escuro ou
ser variegada com aspecto marmóreo (Fonte: http://pt.wikipedia.org).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
29
Foto 01 – 10ª Região Militar de Fortaleza
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
Figura I – Planta do Forte Shoonenborch
Fonte: Prefeitura M. de Fortaleza (1982, p. 38)
A gênese principal da ocupação da costa brasileira nos primeiros dois
séculos foi objetivando a proteção ao ataque de invasores, principalmente franceses
e holandeses, configurando assim sua função preponderantemente estratégico-
militar.
O Forte Shoonenborch expressava o papel que a Cidade desempenharia
durante os primeiros anos da ocupação do Ceará, com apenas um pequeno
povoado, comércio incipiente e servindo basicamente à guarda da costa contra os
invasores estrangeiros.
Sem despertar o interesse lusitano pela costa cearense até o século XVIII,
Fortaleza continua com seu povoamento ocorrendo de forma bastante lenta, numa
época em que “correspondia a um período de verdadeira decadência nacional,
traduzido pelo domínio espanhol. Assim, a faixa praiana do Ceará ficaria terra de
ninguém, ora pertencendo ao chamado Estado do Maranhão ora ao Estado do
Brasil”. (CASTRO, 1977, p. 24).
Conforme Castro (Ibid., p. 25) somente “em 1726, a Fortaleza passa a
usar o título de vila, que não lhe muda o aspecto de abandono e pobreza em que
mergulhava, quase ilhada num ‘montão de areia’, segundo a expressão de um dos
futuros dirigentes da Capitania”.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
30
A Vila de Fortaleza
3
foi instalada a 13 de abril de 1726, mas a Cidade
continuaria por muito tempo vinculada ao sertão através da ligação e dependência
com as cidades do interior. Mesmo assim, ocupava a posição de sede do Governo
cearense, apesar de não possuir expressividade de ocupação ou de relações
comerciais com outras cidades em âmbito regional, pois o que era produzido nas
demais cidades era enviado através de seus portos diretamente para outros estados
nordestinos, sem passar por Fortaleza.
Conforme Dantas (2002, p. 16):
No Ceará colonial, o litoralo constitui ponto de penetração. Embora a
ocupação inicial ocorra sobre esta parcela do território, aspectos
tecnológicos, naturais e simbólicos apresentaram-no como quadro
impróprio à penetração e justificador do fraco desenvolvimento desta zona,
em relação ao sertão. O litoral mostra-se como presa fácil para o sertão,
evidenciando-se como tributário e dependente desse espaço.
Os fortes ventos da costa de Fortaleza também contribuíam para sua
fraca ocupação, permanecendo por um longo período à espera de “outros ventos”
que mudassem a “sorte” ou o “destino” reservado a este pedaço do território do
Nordeste. Castro (1977, p. 24) relata que:
O mar, em frente das terras cearenses, principalmente mais para o
noroeste da Fortaleza, sofre calmarias temporárias. Os ventos sopram
semestralmente em sentidos contrários. Assim, uma caravela que do Pará
demandasse a Pernambuco teria muitas vezes de esperar seis meses para
partir. Em algumas ocasiões, seria mais rápido ir a Lisboa, para de lá
retornar às outras partes do Brasil. Por conseqüência de tal fenômeno,
nasceria o interesse de se manter uma povoação fortificada na costa
cearense, se de prever apoio logístico, como se diz hoje, onde as naus
pudessem fazer eventual aguada ou, em caso extremo, descer-se a terra,
continuar viagem, palmilhando a praia pelo menos até o Punaré, que é o rio
Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão. A essa condição especial de LOCAL
DE BALDEAÇÃO é que a Fortaleza deve sua existência. A ela, mais que a
tudo, como a comprovar a afirmação de Marcel Poète, teórico e urbanista,
de que as cidades nascem onde se troca de transporte.
Por ser local de acesso difícil e considerando a presença e importância de
outras cidades como Aquiraz e principalmente Aracati, que era o maior centro de
produção e exportação das charqueadas cearenses, sendo economicamente mais
3
“No papel, por carta régia em 1726, Fortaleza é elevada à categoria de vila, chamando-se Fortaleza
de Nossa Senhora da Assunção. Somente em 1799, ocorre o desmembramento da Capitania do
Ceará da Capitania de Pernambuco. No dia 17 de março, finalmente, a vila é elevada à categoria de
cidade recebendo o nome de Fortaleza de Nova Bragança”. (LINHARES, 1992, p. 138).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
31
representativa do que a Capital questionava-se o porquê de Fortaleza estar nesta
posição administrativa.
Nesse cenário da disputa entre Fortaleza e Aracati, prevaleceu a primeira,
pois em virtude de se tratar da capital da província, atraia investimentos por parte do
governo central e, também por ser o local onde se realizavam as transações
comerciais do algodão. Com isso, Fortaleza acabou predominando sobre as demais
cidades e consolidando-se como a capital do Estado.
No que diz respeito às condições de ocupação da Capital cearense, é
mister destacar neste momento os relatos feitos pelo inglês Henry Koster, em seu
livro intitulado
Viagens ao Nordeste do Brasil
, tendo sua primeira edição em 1816, na
cidade de Londres.
No relato de Koster (2002, p. 220) que chega à Vila de Fortaleza a 16 de
dezembro de 1810:
A Vila de Fortaleza do Ceará é edificada sobre terra arenosa, em formato
quadrangular, com quatro ruas, partindo da praça e mais outra, bem longa,
do lado norte desse quadrado, correndo paralelamente, mas sem conexão.
As casas têm apenas o pavimento térreo e as ruas não possuem
calçamentos, mas n’algumas residências, há uma calçada de tijolos diante.
Tem três igrejas, o palácio do governador, a Casa da Câmara e prisão,
Alfândega e Tesouraria. Os moradores devem ser uns 1.200. A fortaleza,
de onde esta Vila recebe a denominação, fica sobre uma colina de areia,
próxima às moradas, e consiste num baluarte de areia ou terra, do lado do
mar, e uma paliçada, enterrada no solo, para o lado da Vila.
A descrição de Koster (Ibid., p. 220) a respeito das condições naturais
de nosso litoral corrobora o que foi expresso anteriormente por Castro e revela como
estas condições causavam nos visitantes, e mesmo nos moradores, um sentimento
de receio naqueles que necessitam do mar para chegar à costa fortalezense:
Não é muito para compreender-se a razão de preferência dada a este local.
Não há rio nem cais e as praias são mais e de acesso difícil. As vagas são
violentas e o recife oferece proteção bem diminuta aos navios, viajando ou
ancorados perto da costa. A fundação antiga estava localizada a três
léguas ao norte sobre um pequeno riacho e só existe a ruína do velho
Forte. A costa é escarpada, determinando uma ressaca perigosa para os
barcos que procuram ancoragem perto do litoral.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
32
Figura II – A Primeira Planta de Fortaleza (1726)
Fonte: Prefeitura Municipal de Fortaleza (1982, p. 41)
Koster (2002, p. 222) continua seu relato sobre suas impressões sobre a
Vila de Fortaleza:
Não obstante a má impressão geral, pela pobreza do solo em que esta Vila
está situada, confesso ter ela boa aparência, embora escassamente possa
este ser o estado real dessa terra. A dificuldade de transportes, terrestres,
particularmente nessa região, e falta de um porto, as terríveis secas,
afastam algumas ousadas esperanças no desenvolvimento de sua
prosperidade. O comércio do Ceará é limitado e, provavelmente, não
tomará grandes impulsos. Os longos créditos, que se é obrigado a
conceder aos negócios locais, fecham os cálculos de rápidos pagamentos
como estão habituados os comerciantes ingleses.
Após a leitura dos relatos de Koster, é possível perceber que a cidade de
Fortaleza, apesar de acanhado desenvolvimento inicial, já apresentava indícios de
uma cidade que se tornaria centro de absorção do comércio no Estado, além de já
possuir muitos dos equipamentos de ordem administrativa necessários à
prosperidade das terras cearenses.
Para continuar desvelando os caminhos da maritimidade em Fortaleza e
consubstanciar o estudo ora proposto importa ter a clareza de que, conforme nos
alerta Castro (1977, p. 20), “a cidade é uma obra coletiva que transcende os limites
da contemporaneidade. É a maior criação dos homens. Sua existência não pode ser
creditada a um homem”. Portanto, devemos perceber outras questões que nos
levem à compreensão, o mais próximo possível, dos encaminhamentos referentes a
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
33
todo o período de constituição do território cearense, em especial à constituição de
sua capital e sua área litorânea.
A cidade de Fortaleza iniciou o contato com o mar timidamente. Durante
longo período, permaneceu voltada para o sertão, sendo produzida de costas para o
mar. Assim, não desperta cedo para o uso de sua maritimidade e, principalmente,
para o uso de sua zona de praia como opção de lazer.
De acordo com Dantas (2003, p. 225-226):
Tal quadro de dominação do litoral pelo sertão, que culminou na constituição
de sua capital de uma forma modesta e desarticulada do sistema das
principais cidades do estado, só é sobreposto no século XIX com o conjunto
de mudanças de ordem político-administrativa e tecnológica.
No início do século XIX, Fortaleza cresce em atividades comerciais e se
constitui como cidade litorânea com forte influência interiorana. Esta especificidade
da Fortaleza é revelada através das primeiras plantas e planos urbanísticos que são
elaborados para a cidade, pois as ruas foram definidas do mar em direção ao sertão.
A planta da Vila de Fortaleza elaborada por Antônio da Silva Paulet em
1813 mostra prédios diversos nas margens do Pajeú e na Prainha (hoje avenida
Pessoa Anta) e os caminhos que chegavam do interior do Estado.
Figura III – Planta da Vila de Fortaleza (1813), de Silva Paulet com
destaque para os caminhos que direcionavam o crescimento da cidade.
Fonte: Prefeitura Municipal de Fortaleza (1982, p. 46)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
34
Segundo Costa (1988, p. 64), “Fortaleza cresceu, com seu traçado
acompanhando os antigos caminhos que demandavam o interior – caminhos de
Arronches, de Aquiraz, de Soure, de Jacarecanga, de Messejana, Picada do
Macoripe, da Precabura”.
No período da Guerra da Secessão nos Estados Unidos (1860-1865),
aumenta a demanda pelo algodão produzido no Ceará. Com o aumento das
exportações, ocorre maior desenvolvimento do Estado, mas especificamente na
cidade de Fortaleza. Ao passo que seu porto exportava o algodão diretamente para
a Inglaterra, a cidade se consolidava como capital e sede do Governo estadual. Os
negócios de importação e exportação fizeram a Cidade prosperar e o comércio local
cresceu.
Já posteriormente, por meio do urbanista Adolfo Herbster, houve a
continuidade do traçado de Silva Paulet. Herbster continuou ignorando a faixa
litorânea da cidade, excetuando-se o transporte de mercadorias para o porto do
Mucuripe. O plano urbanístico de Adolfo Herbster (1875) foi o elemento basilar para
a expansão da cidade de Fortaleza.
Figura IV – Planta da cidade de Fortaleza levantada por Adolfo Herbster em 1875.
Fonte: http://pt.wikipedia.org
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
35
O embelezamento de Fortaleza nesta segunda metade do século XIX
caracterizava-se: pelo realinhamento de ruas, com a inserção de novas
edificações na cidade; a tentativa da implantação do código de
disciplinamento urbano, pois havia uma grande influência européia na
cidade, principalmente francesa e o trabalho do Barão de Haussmann, em
Paris, servia como modelo à Província, que queria inserir-se no modelo
evolutivo europeu (ABREU JÚNIOR, 2005, p. 63).
Na final do século XIX e início do século XX, Fortaleza crescia em número
de habitantes e em equipamentos urbanos. Assim, os governantes passaram a
tomar medidas de higienização social, saneamento ambiental, além de serem
elaborados outros planos urbanísticos, tendo em vista o forte crescimento da urbe.
Era preciso um novo porto para o escoamento da produção do Estado.
Iniciou-se então a construção do Porto do Mucuripe, na década de 1920, tendo suas
obras concluídas no final da década de 1950. “Aproveitando-se de crise de
abastecimento internacional, com a guerra civil americana, a abertura de Fortaleza
para o mar potencializou a cultura algodoeira no estado, reforçando o fluxo de
barcos que ligavam a capital diretamente à Inglaterra”. (DANTAS, 2003, p. 227).
Um dos fatores que contribuíam para que Fortaleza mantivesse sua
ligação com o sertão foram as constantes migrações das pessoas que fugiam das
secas. Com isso mantinha-se um sentimento interiorano no litoral, pois, mesmo
migrando para áreas litorâneas, as pessoas não deixavam de utilizar seus vínculos
com o interior do Estado. Isto se refletia no modo como eram construídas as casas
em Fortaleza e nos costumes interioranos praticados na Cidade.
Com o passar dos anos, esta população migrante vai sofrer os impactos
da urbanização de Fortaleza. Seus hábitos e costumes terão que se adaptar ao
modo de vida urbano. Segundo Costa (2001, p. 103), a urbanização que alterou o
comportamento dos migrantes ao chegar em Fortaleza:
[...] é um processo social e não espacial que se refere às mudanças nas
relações comportamentais e sociais que ocorrem na sociedade, como
resultado de pessoas morando em cidades. Essencialmente, isso se refere
às mudanças complexas do estilo de vida, que decorrem do impacto das
cidades sobre a sociedade.
As classes mais abastadas residiam no centro da Capital, enquanto a
zona de praia era ocupada pelas populações pobres e pelos migrantes. Conforme
Costa (Ibid., p. 100), as secas de 1915 e 1958, “além dos sérios prejuízos sociais e
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
36
econômicos para o Ceará, contribuíram para o crescimento de várias cidades
litorâneas, principalmente de Fortaleza”. Assim “a população indigente vai se
alojando em barracos em terrenos próximos à ferrovia, às indústrias, à zona de praia
e às margens dos rios, áreas desprezadas pelos grupos sociais de maior poder
aquisitivo”. (COSTA, 2005, p. 71).
Mesmo se instalando no litoral de Fortaleza, os migrantes não se
adaptaram às condições de sobrevivência praticadas pelos pescadores que lá
moravam. Conforme Dantas (2005a, p. 270), Fortaleza foi uma cidade “onde o fluxo
imigratório inviabiliza a absorção dos egressos do sertão nas atividades de pesca,
como ocorria anteriormente”. Os migrantes que se encontravam em Fortaleza não
eram acostumados com a pesca, pois realizavam atividades vinculadas aos
trabalhos do sertão, sendo difícil sua adaptação à pesca litorânea em Fortaleza.
Fortaleza foi sendo construída no sentido do sertão e, até meados do
século XX, possuía vínculo muito arraigado com o que se produzia no interior, tanto
em termos de cultura quanto de produtos comercializáveis.
A cidade foi construída no sentido do sertão, escolha marcada por
imaginário interiorano que impedia de ver o mar diferentemente, ou seja,
como ponto de exportação e importação de produtos. Nasce, portanto, a
cidade litorânea-interiorana cujas particularidades diferem daquelas que
caracterizam a cidade comerciante, aberta para o mar por intermédio de seu
porto. (DANTAS, 2002, p. 33).
Diz Castro (1977, p. 25) que “o século vê povoar-se, a pouco e pouco, o
Ceará. Praticamente do interior para o mar, no entanto”. Construía-se uma cidade de
caráter eminentemente interiorano, apesar de encontrar-se geograficamente
localizada em ambiente litorâneo. Mesmo nos dias atuais, verifica-se que as pessoas
oriundas do interior do Ceará não perderam os vínculos com a cidade de onde
migraram. É comum a realização de festas e encontros em Fortaleza utilizando
como motivação a reunião das pessoas destes municípios.
Tratando das influências interioranas e das marcas que iam se imprimindo
na cidade de Fortaleza que “esquecia” seu litoral. Dantas (2003, p. 231-232)
esclarece que:
As marcas da simbiose entre sertão e litoral são evidentes em Fortaleza. [...]
essa simbiose forjou uma cidade litorânea possuidora de alma sertaneja,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
37
cidade que se volta para o interior esquecendo parcialmente o litoral, e que
é marcada por imaginário exclusivamente interiorano. Em suma, a
construção da “Capital do Sertão”, cuja racionalidade só será questionada
no final do século XX, com um processo de valorização de espaços
litorâneos evidenciando uma cidade litorânea-marítima que se nutre das
novas práticas marítimas associadas ao lazer, veraneio e turismo.
Além dos egressos do sertão, havia aqueles que se dirigiam à Capital em
busca de trabalho, influenciados pelo crescimento das atividades comercias que
começavam a ganhar destaque com o aumento das exportações de produtos para a
Europa (principalmente o algodão), momento de grande dinamismo na área
portuária da capital. Em Fortaleza, estas áreas próximas aos portos também eram
ocupadas por pescadores a partir das primeiras ocupações da Capital.
Com o desenvolvimento das atividades na zona portuária, pela
oportunidade de o Ceará comercializar diretamente com o mercado europeu, sua
área de porto passar a servir, também, como portão de entrada de costumes e
práticas produzidos na Europa. Isto favorecerá a reversão da imagem negativa que
os fortalezenses tinham do mar, como tentativa de incorporação das práticas
marítimas modernas praticadas pelos europeus.
Assim, por volta das décadas de 1920 e 1930, bairros como Jacarecanga,
Praia de Iracema e Aldeota passam a ser habitados pelas elites que começam a
valorizar a proximidade com o litoral. A forma como foram praticados estes contatos
iniciais dos moradores de Fortaleza com o mar será tratada no próximo item, tendo
em vista dar continuidade à discussão sobre a maritimidade na Capital cearense.
1.1 Do desprezo pelo mar às práticas marítimas modernas
É necessário compreender que nem sempre o mar causou encantamento
e admiração nas pessoas nos moldes observados atualmente nas praias ou
ambientes litorâneos. No cerne do debate, o mar ganha espaço na discussão e
revela outras possibilidades de análise.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
38
Compreenda-se que até o século XVI o mar e sua costa possuíam uma
carga negativa de imagens impedindo a aproximação das pessoas nesse ambiente,
ao passo que o enfrentamento com o mar significava verdadeiro desafio.
As raízes do medo e repulsa pelo mar são muito anteriores ao desejo do
contato e da admiração. Assim, o medo deste enfrentamento contribuiu para o
atraso na incorporação deste sentimento, fazendo com que o mar fosse utilizado
durante longo período da história da humanidade apenas para fins comerciais,
transporte, segurança da costa e, também, meio de sobrevivência através da pesca.
Para os europeus que evitavam esse contato direto com o mar e a
aventura de navegar em mares mais distantes, este quadro de imagens negativas
era forte o suficiente para deixá-los por muito tempo com uma navegação restrita
apenas às proximidades de seu litoral. De acordo com Dantas (2002, p. 11), “para
eles, longe da costa, encontrava-se o desconhecido, vinculado constantemente a
representações místicas as quais falavam de obstáculos intransponíveis: o abismo
que engolia os navios, o mar habitado por monstros e deuses coléricos”.
O mundo conhecido pelos europeus até o século XV resumia-se à própria
Europa, parte da Ásia e norte da África. Havia uma visão do mar como ligação a
fatos religiosos e as impressões diluvianas, levando as praias a serem locais, por
muito tempo, repulsivas para a população. A visão teocêntrica, bastante arraigada
até a Idade Média, só irá mudar gradativamente a partir do século XVII.
A imagem negativa em relação ao mar, porém, não se dava de maneira
homogênea em todas as partes da Europa e do mundo. Algumas sociedades há
muito já utilizavam o mar para navegação, transporte e comércio. Portanto, não se
pode dizer que o medo e repulsa pelo mar ocorriam em todas as partes do mundo.
Conforme Diegues (2003):
O mar e os oceanos, desde os primórdios da humanidade foram objetos de
curiosidade, de conhecimento, de ricas simbologias e de práticas culturais
antigas, ligadas à pesca, à coleta e à navegação. Todas essas atividades
foram exigindo um conhecimento crescente do mar e seus fenômenos, a
partir das práticas culturais que foram se acumulando durante vários
milênios. A partir desse contato e do conhecimento acumulado
desenvolveram-se sociedades que construíram uma maritimidade marcante,
tais como os fenícios e os gregos, na antiguidade ocidental. [...] a
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
39
maritimidade não é um conceito ligado diretamente ao mundo oceânico
enquanto entidade física, é uma produção social e simbólica.
De acordo com Dantas (2004, p. 68), “Prevelakis (1996) também
menciona o exemplo dos gregos, considerados rara exceção entre os europeus por
apreciarem plenamente o charme do mar e da praia”. Cidades como Gênova e
Veneza, ainda na Idade Média (476-1453), se destacavam no comércio por terra e
pelo mar Mediterrâneo, comprando dos árabes, em Constantinopla e Alexandria,
produtos do Oriente distante (Japão e China).
Alan Corbin, em sua obra O território do vazio: a praia e o imaginário
ocidental (1989), trabalha de maneira minuciosa as raízes da repulsa e das
representações existentes em relação ao litoral. Além disto, explica como ocorre a
reversão desta imagem negativa e como sucede o desejo inicial dos homens pelas
praias e do contato direto com o mar.
Nessa obra, de caráter profundo e indispensável a quem se propõe
analisar as relações estabelecidas entre as pessoas e o mar, Corbin (1989, p. 7), no
prefácio desse livro, ressalta que “não há outro meio de conhecer os homens do
passado a não ser tomando emprestado seus olhares, vivendo suas emoções;
somente uma tal submissão permite recriar o desejo da beira-mar”. Com esta
afirmação, Corbin revela um pouco de sua metodologia de trabalho, além de
propiciar um aporte maior de detalhes quanto aos primeiros contatos com o
ambiente litorâneo.
Ressalta o autor (1989, p. 18) que as impressões relacionadas à praia e
ao ambiente marinho indicavam uma série de imagens repulsivas ao mar e sua
costa e “[...] se enraízam num sistema de representações anterior à emergência do
desejo da beira-mar [...] e a literatura religiosa sempre concedeu um lugar importante
à simbólica do mar e de suas praias”.
No relato das imagens negativas, Corbin faz uma análise da influência dos
escritos bíblicos, principalmente os que se referem ao dilúvio, como sendo uma das
fontes para disseminação das imagens repulsivas, onde o oceano é situado como
lugar de castigo e destinado à reparação dos erros dos homens sobre a terra.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
40
No tempo clássico, uma série de imagens repulsivas impede a emergência
do desejo da beira-mar, ignorando o encanto das praias e o prazer proporcionado
pelo contato com os ambientes marinhos, apenas com raras exceções.
Segundo esse autor, “essa leitura repulsiva corresponde à certeza de um
mundo em declínio. Por mais que se esforcem, os homens jamais saberão recriar
essa terra antediluviana, em cuja superfície se inscreviam os traços legíveis do
paraíso terrestre”. (Ibid., p. 16).
O oceano é sempre descrito como um lugar repleto de monstros e
criaturas abomináveis e malditas, um lugar condenado à obscuridade e ao mistério,
moradia de monstros marinhos, abismos que “engoliam” navios, tempestades que
produziam naufrágios e cheio de piratas cruéis. A literatura antiga, ao tratar do mar,
com destaque para o oceano Atlântico, apresenta-o como lugar carregado de
mistério e de símbolos. Assim, “[...] não faltam episódios na mitologia e na literatura
clássica que reforçam a visão negativa do litoral. O lugar da esperança e do êxito
pode tornar-se uma fria terra de exílio, um local de infelicidade”. (Ibid., p. 23).
Torna-se fundamental inserir nesta discussão o papel das grandes
navegações para a disseminação das imagens negativas relacionadas ao mar e
seus mistérios ainda por explorar. Existia uma trama política e ideológica, por trás do
interesse dos países europeus em divulgar estas imagens repulsivas, que tornavam
cada vez mais complicada a tarefa de conseguir reunir interessados em se aventurar
pelo tenebroso oceano Atlântico em busca de novas terras. A respeito disto adverte
Corbin (1989, p. 26) que:
De fato, as representações do oceano e de suas costas sofrem a influência
das práticas da navegação moderna; mas convém, a esse respeito,
precaver-se do exagero. Até por volta de 1770, pelo menos, as lembranças
colhidas na literatura antiga e na leitura da Bíblia pesam mais sobre o
imaginário que os relatos de viagens exóticas. Para compreendê-lo, basta
pensar no número de horas dedicadas por um individuo culto às leituras
edificantes e às obras gregas e sobretudo latinas; superam em muito
aquelas que poderia então consagrar aos livros de viagem, cuja
contribuição, aliás, se acha integrada a esquemas mais antigos, fortemente
enraizados. Paradoxalmente, as histórias dos homens do mar e da
navegação, por mais prestígio que tenham, não constituem a melhor via de
acesso à compreensão e à análise das imagens do mar e de suas praias;
contudo permanecem indispensáveis”.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
41
1.1.1 Reversão das imagens repulsivas e o início da admiração
As imagens repulsivas do mar e todas as associações negativas referidas
aos ambientes litorâneos, no entanto, passarão por um momento de reversão, ao
passo que ocorre na Europa uma série de acontecimentos e modificações no
contexto simbólico, econômico e tecnológico dos europeus, propiciando significativas
mudanças quanto à maneira de ver e sentir o mar. De acordo com Corbin (Ibid., p.
28-29):
Desde o século XVII, porém, opera-se uma mudança que viria possibilitar o
novo olhar. Entre 1660 e 1675, os mistérios do oceano dissipam-se graças
aos progressos realizados, na Inglaterra, pela oceanografia. No mesmo
período, opera-se a retirada de Satã da história mental do ocidente.
Sobretudo três fenômenos, após a efêmera atenção dada por um grupo de
poetas barrocos às maravilhas marinhas, preparam a partir daí a mutação
do sistema de apreciação: os cantos idílicos dos profetas da teologia natural,
a exaltação das praias fecundas da Holanda, abençoada por Deus, e a
moda da viagem clássica às margens luminosas da baía de Nápoles.
Algumas obras irão contribuir para o início da reversão das imagens
repulsivas em relação ao mar. Diz Corbin (Ibid., p. 13) que A Teoria da Terra, de
Thomas Burnet, reveste-se de uma importância particular. O livro, referência
constante ao longo de todo o século XVIII, revela-se ao mesmo tempo passadista e
premonitório”. A obra de Burnet vai ser contemporânea ao surgimento da Teologia
Natural
4
, que, em breve, modificará as imagens do mar e de suas praias e fornecerá
os primeiros indícios da mutação na ordem estética, que conduzirá à apreciação das
zonas de praia.
Segundo Aragão (2005, p. 19), ”abre-se caminho, neste sentido, para o
surgimento de um sistema de apreciação da natureza fundamentado pela Teologia
Natural e pelo movimento romântico que dava ênfase à intensidade da emoção e da
sensação, ao mistério poético, à contemplação”. A Teologia Natural apresentava
Deus para os homens em uma imagem mais humana e imagens menos repulsivas
do mundo, indicando a terra como algo criado a serviço dos homens e os espaços
litorâneos como áreas paradisíacas e propícias a grandes navegações.
4
Momento de difusão das belezas da natureza como obra do desejo e da bondade divina.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
42
Pari passu, os médicos começam a indicar o contato com o mar para
tratamentos terapêuticos e, assim, aliava-se este espaço de cura física e mental a
momento de descanso e deleite da paisagem, transformando uma realidade de
pavor em uma realidade de contemplação e deleite da natureza.
Com isso, surgem na Europa as estações balneárias para o atendimento
de uma população cada vez mais ávida pelo contato com os prazeres marítimos e
pelos tratamentos de saúde à beira-mar.
Conforme Corbin (1989, p. 238), em meados do século XVIII e início do
século XIX, a praia passa a ser lugar de mistério e imaginação:
A praia, até então deserta, povoa-se de seres fantasmáticos que convidam a
reencontrar a disponibilidade da infância, a partilhar com o povo pueril suas
crenças primitivas. Aqui confluem e se confundem, num mesmo processo de
regressão social e de involução psicológica, a lenda popular e o conto
infantil. A revelação desse imaginário acarreta um novo modo de deleitação,
aviva a sensibilidade ao contato do elemento.
Todos estes aspectos mencionados demonstram o quanto se modificou a
visão dos espaços marinhos mediante a evolução das ciências. Inicialmente por
meio da Oceanografia, na Inglaterra no século XVII, e, posteriormente, com a
utilização da poesia dos poetas barrocos que enalteciam as belezas marinhas, foram
suscitadas as primeiras impressões positivas quanto ao ambiente litorâneo e sua
possível apreciação no imaginário ocidental.
1.1.2 O Grand Tour
As viagens feitas nos dias atuais são bastante comuns e significam um
momento importante àqueles que desejam entretenimento e lazer fora de seu
cotidiano. São viagens de férias, de final de semana, viagens temáticas, com roteiros
preestabelecidos ou de roteiro improvisado, mas todas são viagens que
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
43
proporcionam sair da cidade onde se mora em busca do novo, do desconhecido e,
principalmente, de momentos que proporcionem diversão e lazer.
As primeiras viagens, no entanto, realizadas no período do Grand Tour
5
,
que tinham como objetivo principal conhecer diversos lugares do mundo e a cultura
dos povos apresentavam um caráter, de certa forma, diferenciado, destas realizadas
atualmente.
Apesar de ainda aparecerem em determinados momentos do Grand Tour
os resquícios deixados pela carga simbólica negativa do ambiente litorâneo, elas
tiveram papel importante na reversão destas imagens negativas.
A partir da Reforma Protestante, no século XVI, iniciou-se uma mudança
na mentalidade do homem europeu, originando grande interesse em conhecer o
mundo que o cercava. Com isso, os filhos dos nobres, burgueses e comerciantes
ingleses deveriam completar seus conhecimentos culturais em países com maior
fonte cultural, atingindo assim o estatuto intelectual imposto pela sociedade.
O Grand Tour, como foram denominadas essas viagens dos jovens
ingleses, começou no século XVI, atingindo o auge no século XVIII. Era restrito
principalmente aos filhos de famílias ricas, com propósitos educacionais. Os jovens
deveriam percorrer o mundo, ver como era governado e se preparar para ser um
membro da classe dominante. Por volta da metade do século XVIII, tornou-se
comum entre as elites britânicas.
Os jovens saíam com a missão de aprender outras línguas, edificar-se e
distrair-se. A viagem não possuía nenhuma ligação com o trabalho. Buscava
conhecer a cultura estrangeira, monumentos importantes e a história dos lugares, a
fim de que o jovem adquirisse o máximo de conhecimento sobre outras partes do
mundo. Muitas vezes esse mundo era restrito apenas ao Continente Europeu.
As viagens ao moldes do Grand Tour foi um fenômeno social típico da
cultura européia do século XVIII. Salgueiro (2002, p. 290-291) explica que esta
expressão denominava:
5
As viagens realizadas pelo que se convencionou chamar de Grand Tour possuem um caráter
diferenciado das viagens de turismo nos dias atuais.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
44
[...] as viagens aristocráticas pelo continente europeu, anteriores à
gradativa substituição do tempo orgânico pela regulação do tempo e sua
divisão em tempo de trabalho e tempo de lazer no mundo moderno sob o
capitalismo. Nele são pontuados aspectos intimamente ligados a esses
pioneiros fluxos de viagens por prazer, os quais constituem matrizes
remotas dos fluxos de turismo de lazer e cultural do nosso tempo atual.
Dada a dificuldade de comunicação na época e a precariedade dos meios
de transportes, as viagens eram verdadeira aventura, principalmente quando o
deslocamento era feito por mar. Em virtude das imagens repulsivas atribuídas ao
ambiente litorâneo, significavam um verdadeiro martírio para muitos viajantes.
A empreitada de viajar pela Europa não era tarefa simples, principalmente
pela dificuldade de atingir grandes distâncias, numa época que ainda desconhecia a
navegação marítima a vapor e o trem de ferro. O gosto pela arte e a arquitetura dos
povos antigos, o culto à ruína e aos valores estéticos sublimes para contemplação
da paisagem eram as motivações principais, encorajando os jovens a se
aventurarem longe de sua pátria.
Conforme Salgueiro (2002, p. 292, grifo nosso) o Grand Tour envolvia:
[...] além de uma viagem a Paris, um circuito pelas principais cidades
italianas — Roma, Veneza, Florença e Nápoles, nessa ordem de
importância. Se considerarmos as dificuldades envolvidas na viagem devido
às precárias condições de superação da distância entre os lugares, chegar
até Roma no século XVIII era uma façanha absolutamente corajosa. Para os
que partiam da Inglaterra, o cruzamento do Canal da Mancha constituía
parte realmente crítica da viagem. Ventos, ondas altas e cais precários
tornavam o embarque e o desembarque uma aventura aterrorizante,
acompanhada por náuseas, vômitos, sustos e até ferimentos na troca de
embarcações maiores por barcos menores, necessários em vista de
ancoradouros inadequados para as embarcações de maior porte. Não havia
ainda o navio a vapor no século XVIII, sendo a travessia do Canal da
Mancha feita ainda por embarcações à vela — uma aventura
verdadeiramente apavorante para muitos que pela primeira vez em suas
vidas estavam vendo o mar e, simultaneamente, tendo de enfrentá-lo.
Como então encontrar prazer numa viagem que muitas vezes causava
temor e apreensão? Com o tempo, o caráter da própria excursão modificou-se, e do
Grand Tour clássico, com base em observações e registro de galerias, museus e
artefatos culturais, passou-se ao Grand Tour romântico, visando à valorização das
paisagens.
Ao passo que estas viagens foram se tornando mais conhecidas, surgiu a
necessidade da construção de casas de hóspedes, pousadas e alojamentos para
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
45
acolher os viajantes. O papel da imprensa nesta época foi importante, publicando os
primeiros textos que falavam destas viagens. Distribuídas em todos os locais da
Europa, as primeiras publicações serviam para despertar o interesse de viajar nas
pessoas, embora nem todas pudessem realizá-las, haja vista o caráter elitizado que
apresentavam, pois só viajavam aqueles que pertenciam à nobreza.
Corbin (1989, p. 23, nota nossa) assinala que “não há turista
6
, no final do
século XVIII, que não sonhe em visitar os estreitos da Sicília e ali se deparar com as
terríveis criaturas homéricas”. Diz ainda que aos olhos de um estrangeiro, “o litoral é
também o lugar da descoberta ansiosa da surpreendente realidade dos seres que o
povoam; o teatro perigoso em que se irá resolver a hesitação entre os prazeres da
hospitalidade e a bestialidade dos monstros, entre a aparição de Náusica
7
e a
irrupção de Polifemo
8
” (Ibid., p. 25).
Em conseqüência do contato com o mar propiciado pelas viagens do
Grand Tour, da admiração das paisagens iniciada pelo movimento romântico da
Teologia Natural e do processo de expansão das conquistas territoriais feitas pelos
europeus ao longo do mundo, outros povos incorporaram estes novos costumes e
práticas relacionadas ao mar e assim foram disseminados para outros continentes
os novos modos de ver e sentir o mar.
6
Segundo Coriolano (2004, p. 20-21) “o turismo é um fenômeno dos tempos modernos, portanto,
relativamente recente. Surgiu quando o homem descobriu o prazer de viajar, quando a viagem deixou
de ser necessidade e peso e passou a ser uma forma de buscar a sonhada felicidade. O conceito de
turismo, embora tenha aflorado no século XVII, na Inglaterra, foi somente no século XIX que se
instaurou como idéia moderna, sendo que suas principais teorias datam do pós-2ª Guerra Mundial”.
7
Personagem da Mitologia Greco-Romana, era filha de Alcino, rei feácio. Recebeu Ulisses quando
este herói naufragou em sua ilha, e levou-o ao palácio do seu pai, onde lhe foi dada generosa
hospitalidade e, por fim, obteve um navio para transportá-lo a uma enseada de Ítaca, local em que
chegou, depois da longa ausência de vinte anos. (Fonte: http://mithos.cys.com.br)
8
Personagem da Mitologia Greco-Romana, filho de Netuno e da ninfa Thoosa, foi o mais gigantesco
e o mais célebre dos cíclopes. Tendo se apaixonado pela nereida Galatéia, e vendo-a nos braços de
Acis, esmagou este jovem pastor sob um rochedo. Galatéia conseguiu escapar à sua perseguição,
atirando-se ao mar, onde se foi unir às suas irmãs nereidas. Segundo uma outra lenda, havendo uma
tempestade atirado a embarcação de Ulisses às costas da Sicília, onde habitavam os cíclopes,
Polifemo prendeu-o com os demais tripulantes e rebanhos de carneiro, e os encerrou em seu antro
para os devorar. (Fonte: http://mithos.cys.com.br)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
46
1.1.3 Fortaleza de costas para o mar
Alguns lugares assimilaram mais rapidamente essa nova maneira de se
relacionar com o ambiente marinho, enquanto outras passaram por um processo
mais lento no que se refere a esta incorporação, principalmente ao uso relacionado
às atividades de lazer e entretenimento. Em Fortaleza, somente no início do século
XX passa a ser comum a busca pelo ambiente litorâneo como lugar propício aos
momentos de lazer da população local.
Mesmo com esta incorporação, as praias passam durante muito tempo
relegadas a segundo plano. Outro aspecto relacionado à dificuldade de assimilação
destes ambientes litorâneos é tratado por Corrêa (2001). Segundo esse autor,
questões ambientais também interferiram no processo de assimilação destas
práticas à vida cotidiana das populações que residiam próximo aos ambientes
litorâneos.
A partir das explicações de Corrêa (2001, p. 293), é possível compreender
que a valorização dos ambientes litorâneos “[...] se deu com base na reavaliação dos
atributos ambientais considerados a partir de então como saudáveis para o homem”.
Com o passar dos anos, a discussão empreendida sobre os benefícios
proporcionados aos que residem nas proximidades das praias, principalmente
quando se refere àqueles relacionados às amenidades do clima e, também, com a
introdução do discurso médico sobre os benefícios à saúde para aqueles que
utilizam os ambientes litorâneos, vão contribuir significativamente para a
incorporação do mar aos costumes da sociedade.
Afirma Corrêa (Ibid., p. 293-294) que:
Nas cidades do mundo tropical a proximidade da praia ganha uma dimensão
adicional associada ao microclima ameno, beneficiada que é pelas brisas
marinhas. A mudança na avaliação ambiental foi, sem dúvida, um elemento
que induziu a progressiva transferência das elites e classes médias
abastadas para o setor litorâneo que, a partir do final do século XIX, como
no caso da cidade do Rio de Janeiro, originou um padrão espacial de
segregação residencial caracterizado, em parte, por apresentar setores
seletivos à la Hoyt, como se exemplifica também com, entre outras cidades,
Salvador, Recife e Fortaleza.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
47
Inserida na dinâmica mundial da incorporação da maritimidade dos
lugares, Fortaleza não será exceção. Acompanhando, mesmo que acanhada ou
tardiamente, a dinâmica espacial e temporal da maritimidade mundial, configurar-se-
á um novo sistema de uso e aproveitamento do ambiente litorâneo na Cidade.
Conquistando sua particularidade, Fortaleza apresentará, com o passar
dos anos, os reflexos de uma cidade que inicialmente dava as costas para o mar,
mas, ao assumir este ambiente como parte integrante de seu território, culminará
numa série de outros processos, proporcionando maior complexidade à análise de
sua história e de seu espaço urbano.
A forma como se estruturou a ocupação do litoral de Fortaleza está
inicialmente ligada ao surgimento de suas principais vias de circulação, que
durante anos e mais anos desprezaram completamente o litoral quanto aos
seus traçados. [...] os estabelecimentos mais importantes dos primórdios da
cidade foram construídos com desprezo pela fachada marítima. Outro fato
que pode ser demonstrado para ilustrar esse aspecto é a distância do mar
de alguns estabelecimentos tradicionais da cidade, tais como o Palácio do
Governo, Mercado e principais praças. (
SILVA, 1992, p. 61).
A localização das zonas de meretrício próximas às áreas portuárias, nas
proximidades da antiga Praia Formosa (hoje Praia de Iracema), e a ocupação das
dunas por barracos ao longo do litoral de Fortaleza “foram, sem dúvida, fatores que
levaram durante algum tempo ao desinteresse dos fortalezenses pelo litoral, com a
finalidade de aí se fixar”. (Ibid., p. 61).
O desinteresse pela faixa praiana em frente ao núcleo central era tão
marcante que os serviços mais insalubres eram ali instalados: o velho “Paiol
de Pólvora” por muito tempo esteve localizado no Largo da Misericórdia
depois Passeio Público – até seu remanejamento para local próximo ao
“Cacimbão da Lagoinha”; o Gasômetro, dos tempos da iluminação a gás
(1867), ampla câmara situada entre as ruas Amélia (Sen. Pompeu) e
Formosa (Barão do Rio Branco), na encosta que separa a Santa Casa do
mar; a descida destas duas ruas era conhecida como “rampa”, por ali se
depositar o lixo da cidade; posteriormente a Light com sua chaminé
fumejante, esteve localizada na área em questão. (ROCHA JÚNIOR, 1984,
p. 33).
Acentua Aquino (2003, p. 50) que outro fator a evidenciar a não-
valorização do litoral, “refere-se à construção e localização dos estabelecimentos
mais tradicionais da cidade. Estes são construídos de costas para o mar [...]. Esses
estabelecimentos quando não são construídos de costas para o mar, estão
localizados distantes da orla marítima”.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
48
1.1.4 Fortaleza olha para o mar
Mesmo com todos estes fatores que favoreciam a continuidade da imagem
negativa do mar em Fortaleza, começaram timidamente os primeiros contatos com o
mar. As primeiras práticas marítimas modernas desenvolvidas em Fortaleza, no
início do século XX, foram os tratamentos terapêuticos, os banhos de mar e as
caminhadas na praia, simbolizando a demanda de uma sociedade em busca de
lazer que até este momento era restrito à área central da Cidade.
Considerando que os tratamentos terapêuticos não obtiveram em
Fortaleza o mesmo destaque dos banhos europeus, pois na Cidade estes banhos
estavam mais associados ao tratamento da tuberculose, foram rapidamente
associados à atividade de lazer. Conforme Dantas (2002, p. 35), no Ceará, a prática
terapêutica associada ao mar “perde em importância, se comparada com os
discursos versando sobre as qualidades curativas do clima, especificamente no
tratamento das doenças respiratórias”.
Em meados dos anos 1920, os banhos de mar, ainda que de modo
reservado, começavam a atrair a população como forma de lazer coletivo e gratuito,
deixando de figurar apenas como tratamento de saúde recomendado pelos médicos.
Na Praia de Iracema, antiga Praia do Peixe, também conhecida como Praia dos
Amores, se “desenvolveu o primeiro espaço de sociabilidade com características de
uma cultura de praia” (LINHARES, 1992, p. 277) e tendo como referência para a
prática de tais atividades a cultura européia.
Outra prática marítima que começou a ser incorporada em Fortaleza foram
as caminhadas feitas livremente ao longo da praia, principalmente nas proximidades
da Praia Formosa, que ficava próxima ao centro da Cidade.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
49
Foto 02 – Caminhada à beira-mar na Praia de Iracema
Fonte: Arquivo Nirez
Complementando as explicações de Linhares, Rocha Júnior (1984, p. 40)
diz que antes da década de 1920 “a cidade utilizava a orla marítima apenas para as
atividades portuárias e pesqueiras, com rápidas investidas no campo do lazer
traduzidas por serenatas em noite de luar ou pelos banhos eminentemente
masculinos”.
No que se refere à presença de mulheres na zona de praia descreve
Castro (apud LINHARES, 1992, p. 278) que:
A presença feminina numerosa ocorria aos domingos pela manhã e
principalmente, em noites de lua cheia, quando as jovens, de pés descalços
na areia úmida, com as saias enfunadas pelo vento e impregnadas de
maresia, faziam footing, passeando em bandos alegres e despreocupados,
na busca de algum flirt.
No romance Mississipi, de Gustavo Barroso, as personagens, segundo o
próprio autor, saíram da vida real. Com esta advertência, Barroso (1996, p. 159)
recorda como as famílias aproveitavam as noites de lua cheia para tomar os banhos
de mar nas praias de Fortaleza:
Meninas, moças e senhoras acompanhadas de mucamas e moleques,
guardadas pelos homens da casa, de cabelos caídos aos ombros, saia e
blusa, arrastando chinelas, desciam pelas ladeiras do Gasômetro, da rua de
Baixo, do Boris e da Conceição para as praias da Alfândega e do Pocinho.
Na primeira, sobre o costão arenoso, alinhava-se uma dezena de
barraquinhas de madeira, construídas por gente de recursos, nas quais se
operava a mudança de roupas. Quem não possuía um desses refúgios,
despia-se e vestia-se na própria praia, por trás duma empanada de lençóis
estendida pelas criadas [...]. Os costumes da época obrigavam os homens a
se banhassem separados das mulheres.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
50
Conforme Linhares (1992, p. 278-279), com o início dos anos 1930,
surgiram na Praia de Iracema “os primeiros bares à beira-mar, a moda de praia
cearense deu o ar de sua graça e o hotel Iracema Plaza e o restaurante Lido
serviram de local de lançamento de muitas novidades vindas de fora”. Os anos
foram passando e por volta “dos anos trinta até o final dos anos cinqüenta, a Praia
de Iracema reinava absoluta como ‘a praia dos amores’”. (Ibid., p. 279).
Foto 03 – Hotel Iracema Plaza na Praia de Iracema
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
É uma realidade bastante diferente da que se observa atualmente na Praia
de Iracema, pois muitos dos elementos que davam charme e beleza àquela praia
estão abandonados pelo Poder municipal, restando ao tempo continuar traçando seu
destino. O hotel Iracema Plaza, primeiro hotel de luxo, construído em 1950 no
modelo do Copacabana Palace, do Rio de Janeiro, e localizado fora do centro de
Fortaleza, encontra-se em estado de abandono. Resiste ao tempo, apesar de estar
com sua estrutura avariada, comprometendo inclusive a segurança de muitas
famílias que moram no lugar.
Quanto ao acesso das populações pobres ao lazer em Fortaleza, Dantas
(2002, p. 53) anota que “independente de demanda relacionada a lugares de
trabalho e de habitação, interessante denotar, entre os pobres, a necessidade de se
apropriar destes espaços como as classes abastadas o faziam”. Este intento de
realizar as práticas marítimas efetivadas pela elite da época fazia aumentar a
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
51
demanda por espaços de lazer, em virtude do crescimento do número de habitantes
da Cidade, ocasionando conflitos de uso nestes espaços entre as classes ricas e
pobres.
Quanto a estes conflitos, cabe destacar as reclamações dos
freqüentadores da Praia de Iracema no que se refere à presença de possíveis
prostitutas que também freqüentavam o lugar. Conforme Campos (1993, apud
DANTAS, 2002, p. 54), tentando dar resposta às queixas da população, é feito um
documento limitando o uso da praia:
De ordem do Exmo. Sr. Chefe de Polícia e de acordo com os artigos 2 e 5,
parágrafo 1 do Regulamento da Inspetoria da Polícia Marítima, que baixou
com o decreto nº 819-A, de 20 de dezembro de 1924, e tendo em
consideração as reiteradas reclamações recebidas de diversas famílias,
torno público que ficou determinado a zona compreendida entre a ponte do
mareógrafo e a ponte de o quebra mar para o banho das mulheres de vida
alegre no porto desta capital, restando a zona oposta, da ponte metálica em
direção ao Mucuripe, para as famílias.
Outra prática marítima diz respeito às serenatas sobre as dunas próximas
à área central da Cidade, em noites de lua cheia, logo após o momento em que a
iluminação de Fortaleza era apagada, para que a lua prateasse com seu brilho as
areias brancas das dunas, clareando o lugar. As serenatas eram atividades pontuais
de recreação e de lazer.
Aragão (2005, p. 23) nos diz que:
Os espaços litorâneos deixam de ser de uso livre como âmbito de trabalho,
provisão de alimentos e lugar de embarque e desembarque de pescadores,
e passaram a ser apreciados pela alta aristocracia e posteriormente pela
burguesia, transformando-se em território a ser freqüentado tanto para os
banhos como para caminhadas, cavalgadas e temporadas – verdadeiros
efeitos indicadores de moda e da “invenção da praia”.
Criticando a maneira como ocorreram as primeiras práticas marítimas
modernas no Brasil, refletindo diretamente na forma como foram praticadas em
Fortaleza, Linhares (1992, p. 114) expõe que:
Na Europa, o passeio a pé pela praia, que já havia tido regular difusão,
transforma-se, com os românticos, em errância ao longo da praia. No Brasil,
D. Pedro II inicia a utilização de banhos de mar como prática terapêutica, e o
romântico daqui, como os de lá, começa a propor um cenário do que se
chamou pathetic fallacy, uma falsa interpretação da natureza, quando
contemplada sob o impacto de fortes emoções.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
52
As primeiras práticas marítimas modernas em Fortaleza, entretanto, vão
ser rapidamente modificadas e o veraneio, os banhos de mar e o turismo comporão
um quadro mais atualizado destas práticas na Cidade.
Em Fortaleza, o veraneio, que se inicia na Praia de Iracema em torno dos
anos 1920, só ganhará impulso de crescimento para outras áreas do Estado a partir
dos anos 1970. Hoje é comum ao longo do litoral cearense a construção de
residências secundárias, para onde as pessoas se dirigem durante os fins de
semana e férias. Dantas (2002, p. 77-78) assinala que:
Os amantes de praia, não satisfeitos com o estado das zonas de praia
fortalezense – poluídas ou ocupadas por atores indesejáveis -, podem,
após a chegada do carro, utilizar as vias de circulação para se deslocar às
praias distantes de Fortaleza. Aproveitando-se da frágil infra-estrutura
desenvolvida para garantir o transporte de produtos provenientes das
comunidades litorâneas, o veraneio ocupa, inicialmente, as praias vizinhas
de Fortaleza, notadamente a do Icaraí e de Cumbuco, em Caucaia, e a
praia de Iguape, em Aquiraz.
Conforme Dantas (Ibid., p. 77) “após os anos 1970, a valorização das
zonas de praia pelo veraneio provoca movimento peculiar na escala da estrutura
urbana do Ceará”. Em Fortaleza e região metropolitana, esse movimento será o
reflexo das inovações técnicas e culturais adquiridas pela sociedade urbana,
servindo de suporte ao deslocamento das pessoas a distâncias maiores.
O litoral cearense só absorveu de maneira mais intensa as atividades
ligadas ao veraneio após a instalação de infra-estrutura, haja vista que as casas
construídas para dar suporte a esta nova prática litorânea não poderiam ficar
isoladas da Capital, local onde os veranistas residiam, trabalhavam e exerciam seus
negócios.
É justamente pela presença das estradas de acesso a paragens mais
distantes, energia elétrica, telefonia fixa e água que as classes de maior poder
aquisitivo encontraram motivação para investir nas áreas mais afastadas de
Fortaleza.
A exigência da construção da infra-estrutura necessária à absorção da
procura por outras praias não ocorrerá somente por conta do veraneio, mas também
em virtude da atividade turística auferir cada vez mais lugar de destaque nas
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
53
políticas públicas municipais e estaduais, exigindo uma série de investimentos no
setor, principalmente para a abertura e pavimentação de vias de acesso e de
serviços básicos.
1.2 A migração das atividades de lazer
Outro aspecto a ser analisado refere-se à migração de algumas atividades
de lazer em direção da zona de praia de Fortaleza, em virtude da reversão da
imagem negativa que a sociedade local tinha do mar, que culminará com seu
processo de ocupação e valorização.
Cabe ressaltar que, até meados do século XX, as opções de lazer em
Fortaleza localizavam-se no centro da Cidade, onde se destacavam cinemas,
praças, teatros, cafés e clubes, freqüentados pela sociedade da época, ao passo
que a zona de praia era desprezada e somente com as influências da belle époque,
a sociedade fortalezense começou a modificar suas opções de lazer, iniciando a
valorização do espaço litorâneo.
Conforme Ponte (2002, p. 162-163) belle époque significa “(belos tempos),
termo francês cunhado para traduzir a euforia européia com as novidades
extasiantes decorrentes da revolução científico-tecnológica (1850-1870 em diante)”.
Segundo Aquino (2003, p. 44):
É o início da belle époque em Fortaleza, a qual perdura de 1860 até as duas
primeiras décadas do século XX. Período marcado por intensos processos
de mudanças na estrutura urbana da cidade. Contudo, essas
transformações vão além da estrutura física de Fortaleza, elas também
passam a ser visíveis nos comportamentos e hábitos da população local.
É necessário restar claro que a intensificação na busca por lazer em
Fortaleza ocasionou o deslocamento de muitas atividades da área central em
direção à praia, proporcionando, também, nova configuração territorial do espaço
urbano de Fortaleza. Com esta reflexão inicial, compreende-se que a procura por
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
54
espaços de lazer na cidade de Fortaleza foi um elemento importante que, somado a
outros fatores, contribuiu para sua expansão urbana, assim como para sua
organização espacial.
Enquanto começavam a ser praticados os primeiros banhos de mar em
Fortaleza e ocorria maior procura pelo trecho da Praia de Iracema e proximidades,
algumas atividades de lazer começam a se transferir para esta área. As pessoas
eram atraídas pela efervescência das novas pticas de lazer ao ar livre e pela
novidade vinda dos costumes europeus de utilizar o mar como lazer. Para Pontes
(2005, p. 87-89):
Apesar do centro ainda polarizar o comércio e de certa forma o lazer,
surgem outras possibilidades de ocupação do solo urbano, tendência que
se verifica desde a década de 1940. Agremiações pioneiras que se
originaram ainda no perímetro central (Diários e Iracema) para aí migraram,
compondo um conjunto com outras instituições mais recentes (Ideal,
Líbano, AABB, Comercial, Massapeense, Náutico).
Figura V – Localização das praias de Fortaleza
Fonte: http://www.ceara.com.br
Nos anos da década de 1940, muitos clubes se transferem do centro da
Cidade para se instalar na zona de praia de Fortaleza. Anota Pontes (Ibid., p. 116)
que:
À expansão da malha urbana e o anseio de modernidade, não encontravam
no entanto, correspondência no aumento de serviços de infra-estrutura e
Centro
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
55
opções de lazer. Esse quadro de carências na área do divertimento
possivelmente constituiu o fator que mais influenciou para emergência e
fortalecimento dos clubes sociais como forma prevalente de sociabilidade.
Segundo a Prefeitura Municipal de Fortaleza (1982, p. 28), até 1950 a
cidade “mantinha estrutura monocêntrica, embora já apresentasse os primeiros
indícios vacilantes de descentralização, evidenciados com a instalação de clubes
sociais na orla marítima, em pontos distantes da Praça do Ferreira” que era
conhecida como o “coração da cidade”.
Neste período, a classe média de Fortaleza amplia seu poder de consumo
e busca novas áreas para a construção de suas residências. Em 1963, ocorre a
construção da avenida Beira-Mar, valorizando o bairro do Meireles e atraindo as
classes abastadas.
A construção da avenida Beira-Mar, prevista no Plano Diretor de
Fortaleza, “constituía uma decisão oficial contra a hegemonia urbana da Praça do
Ferreira no campo do lazer e o fim da estrutura urbana monocêntrica polarizada pelo
núcleo central. É quando os conflitos entre os distintos agentes sociais produtores e
consumidores do espaço urbano vão se intensificar na orla marítima”. (ROCHA
JÚNIOR, 2000, p. 90).
Foto 04 – Avenida Beira-Mar (Fortaleza-Ce)
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
A avenida Beira-Mar é hoje um dos importantes pontos turísticos da
Cidade. Sendo um dos principais corredores de animação de Fortaleza, oferece belo
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
56
conjunto visual, formado pelo movimentado calçadão, bares, barracas, coqueiros e
os imponentes edifícios da orla. No final da tarde e à noite, transforma-se em ponto
de cooper, ciclismo, manifestações culturais, compras na feira de artesanato e
passeios informais. Quadras de esportes, pistas de skate, patinação e anfiteatro
para shows ao ar livre próximos da Volta da Jurema atraem os transeuntes e
proporcionam uma dinâmica na área.
Ao longo de sua extensão, concentram-se inúmeros hotéis e
flats
. Sua
construção é resultado das intervenções do setor público em algumas áreas da
Cidade. Segundo Rocha Junior (Ibid., p. 90), “a construção da Avenida, prevista no
Plano Diretor de Fortaleza, de 1963, constituía uma decisão oficial contra a
hegemonia urbana da Praça do Ferreira no campo do lazer e o fim da estrutura
urbana monocêntrica polarizada pelo núcleo central”.
Assim, a construção da avenida Beira-Mar acompanhava a nova ordem
urbana em emergência que invertera a área residencial de alto poder aquisitivo de
oeste para leste e “torna-se a região de mais alto valor imobiliário da Cidade. Mesmo
assim assume a condição de espaço hegemônico no campo do lazer, permitindo o
uso da praia a grande parte da população”. (Ibid., p. 90-91).
Conforme Linhares (1992, p. 290), na beira-mar de Fortaleza, “a faixa de
praia sofre também interferência do Estado que a normaliza, urbanizando-a com
calçadões, barracas padronizadas, áreas de esporte, destinadas a outros públicos e
áreas destinadas à venda de artesanato para turistas”.
Nesta área da Cidade a rede de turismo pôde ser implementada e
fortalecida a partir das intervenções do Poder público em alguns setores, com isso,
intensificando, e, até mesmo, fazendo surgir um conjunto de serviços necessários ao
funcionamento da atividade turística em Fortaleza.
Conforme Costa e Almeida (1998, p. 276), “a construção da avenida Beira-
Mar (1963) valorizou muito o bairro do Meireles, atraindo novas edificações e clubes
e favorecendo o surgimento de pequenos restaurantes de pescadores”. Rocha
Junior (2000, p. 91) ressalta que esta avenida “[...] vai proporcionar visuais
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
57
completos para o mar, pela inexistência de edificações entre o mar e o seu lado
norte, e vai estabelecer pontos de junção com as vias inseridas à malha urbana”.
A Avenida acompanhava a nova ordem urbana surgida – que invertera a
área residencial de alto poder aquisitivo de oeste para leste – e torna-se a
região de mais alto valor imobiliário da cidade. Mesmo assim assume a
condição de espaço hegemônico no campo do lazer, permitindo o uso da
praia a grande parte da população”. (Ibid., p. 90-91).
A construção da avenida Beira-Mar valorizou o bairro do Meireles, atraindo
novas edificações, clubes e favorecendo o surgimento de pequenos restaurantes,
onde eram feitas as peixadas típicas do Ceará. A maioria destes restaurantes
situava-se nas proximidades da ponta do Mucuripe, onde havia a colônia de
pescadores.
Outro fator que contribuiu significativamente para o deslocamento das
atividades de lazer do centro de Fortaleza para os bairros próximos à orla marítima
foi a introdução do automóvel, que facilitou o acesso a lugares mais distantes do
Centro. A população de Fortaleza continuava a crescer e a carência pelos serviços,
principalmente os de transporte, aumentava cada vez mais, pois os bairros estavam
ficando sempre mais distantes, dificultando os deslocamentos. Conforme Costa
(1988, p. 75):
O desenvolvimento dos meios de transporte liberou os moradores da
necessidade de viverem no núcleo central, favorecendo a expansão urbana.
Essa situação teve início a partir da implantação dos bondes puxados a
burro, depois os bondes elétricos, os trens e, atualmente, os ônibus,
automóveis e outros meios de transporte comuns às cidades modernas.
Assim novos locais vão surgir como opção de lazer para o fortalezense a
partir da possibilidade de se deslocar de maneira mais tranqüila e rápida. Segundo
Silva (2005, p. 125), “registra a história que Fortaleza conheceu seu primeiro
automóvel em 1910, no meio de grande curiosidade”. O autor complementa suas
idéias, dizendo ser “verdade que o automóvel se impõe enquanto necessidade de
consumo e, sozinho, contribui para a maior alteração fisionômica já identificada pela
cidade em seu processo histórico”. (Ibid., p. 126).
O advento do automóvel fez com que a Cidade, que já se expandia para o
bairro Aldeota e região de praia, aumentasse mais o seu espaçamento urbano em
todas as direções, propiciando maior segregação das áreas por meio da
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
58
especulação dos terrenos que estavam em pousio. As imobiliárias que colocavam à
venda terrenos em lugares mais distantes do Centro se utilizavam da introdução do
automóvel como facilidade de deslocammento das pessoas mais ricas a estas áreas
de expansão da Cidade, pois o sistema de transporte coletivo ainda era incipiente.
Em meio à intensificação do crescimento territorial de Fortaleza, verifica-se
um gradual esvaziamento do Centro, locus inicial da vida urbana, e, como parte
desse movimento, muitas das práticas de lazer que ali se exercitavam transferem-se
para outros lugares, ou simplesmente deixam de existir. Trata-se de uma mudança
não só na dinâmica espacial do lazer, mas também do próprio modo de vida urbano.
As práticas de lazer e sociabilidade representadas pelos cinemas, pelas
conversas de calçada, pelos passeios nas praças, persistiriam, em maior ou
menor grau, ao longo da história de Fortaleza. Conforme a natureza e o
ritmo do seu crescimento, algumas foram se intensificando e outras
perdendo força ou sofrendo adaptações, se apresentando de outras
maneiras. O nível de permanência das mesmas, no entanto, atrela-se ao
caráter dos diversos espaços da cidade, sendo uma decorrência das
características culturais e das preferências dos grupos que os ocupam
(PONTES, 2005, p. 115-116).
Com todo esse panorama constituído em Fortaleza, as áreas próximas ao
mar vão aos poucos sendo incorporadas ao cotidiano da população e se
apresentando como importante opção de lazer para a Cidade, agregando cada vez
mais equipamentos e locais destinados às opções de lazer dos seus moradores.
Assim, houve crescente movimento de migração das opções de lazer que antes
eram oferecidas no Centro, em direção à zona de praia. Com o passar dos anos, os
equipamentos de lazer e entretenimento vão se instalando ao longo de toda a orla e
atraindo um contingente cada vez maior de freqüentadores.
A Praia do Futuro, objeto central deste trabalho, vai aparecer muito
tardiamente nas opções de lazer de Fortaleza, ocorrendo sua consolidação apenas
nas últimas décadas do século XX, hoje se apresentando como espaço de uso e
dinâmica diferenciada das outras praias da Capital, adquirindo com o passar dos
anos maior evidência dentro das opções de lazer disponíveis aos fortalezenses,
principalmente pela diversidade de atrativos que oferece e da infra-estrutura
disponível no local.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
59
Longo percurso ainda seria transcorrido para que a Praia do Futuro fosse
inserida na dinâmica das atividades de lazer em Fortaleza e, também, apresentasse
a configuração espacial atual. Sendo uma das últimas áreas de lazer incorporadas
ao espaço urbano de Fortaleza, ela aparece como área relevante para o estudo dos
espaços de lazer da Cidade e de sua expansão urbana. A análise aqui empreendida
caminha nesse sentido, procurando deixar transparente este percurso.
Com esta breve análise sobre o desenvolvimento das práticas marítimas
modernas na cidade de Fortaleza, direciona-se a discussão ao estudo dos banhos
de mar, inseridos na temática da maritimidade fortalezense, conduzindo o estudo à
análise da incorporação da Praia do Futuro como área que será intensamente
procurada para a prática desta atividade.
Ângela Maria Falcão da Silva
2
2
O
O
s
s
b
b
a
a
n
n
h
h
o
o
s
s
d
d
e
e
m
m
a
a
r
r
e
e
m
m
F
F
o
o
r
r
t
t
a
a
l
l
e
e
z
z
a
a
2 OS BANHOS DE MAR EM FORTALEZA: DE PRÁTICA TERAPÊUTICA À
VALORIZAÇÃO DAS ZONAS DE PRAIA
O modo de apreciar o mar, o olhar dirigido às populações que freqüentam suas
margens, não resultam apenas do tipo, do nível de cultura, da sensibilidade própria
do indivíduo. A maneira de estar junto, a conivência entre turistas, os signos de
reconhecimento e os procedimentos de distinção condicionam igualmente as
modalidade de fruição do lugar.
(CORBIN, 1989, p. 266).
o observar as pessoas tomando banho de mar, pode-se imaginar
que este tenha sido um costume freqüente daqueles que
procuravam os ambientes litorâneos. Aprofundando a análise
desta prática, aparentemente “tão comum”, perceber-se-á a existência de verdadeira
carga histórica e simbólica que a acompanha, possuindo raízes profundas quanto ao
contato das pessoas com o mar.
Portanto, para compreender como foram praticados os primeiros banhos
de mar em Fortaleza e na Praia do Futuro, percebe-se a necessidade de entender
um pouco mais detalhadamente a origem dos primeiros banhos de mar, a partir de
um cenário mais amplo.
Ao longo desta discussão, será possível inserir o caráter excludente e
segregado desta atividade em Fortaleza. Duas formas diferenciadas de praticá-la
podem ser expostas neste momento. A primeira será aquela executada pelas
pessoas pobres que, sem acesso à cultura e costumes de outros povos, fazem uso
do mar como atividade diária de trabalho ou de lazer.
A segunda será aquela empreendida pelas classes abastadas da
sociedade que só realizaram tais atividades a partir do contato com os costumes
vindos da Europa. A análise se deterá um pouco mais nesta segunda, haja vista
serem escassos os registros das práticas dos banhos de mar como lazer entre as
classes pobres.
A
A
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
61
Lembra Moraes (1999, p. 18) que “a atual visão dos espaços litorâneos,
ancorada na ótica do lazer e da recreação, é um produto cultural recente”.
Acrescenta ainda que “o litoral também particulariza-se, modernamente, por uma
apropriação cultural que o identifica como um espaço de lazer, por excelência, e os
espaços preservados são, hoje, ainda mais valorizados nesse sentido”. (Ibid, p. 18).
Até o século XIX, o mar e as praias, causavam medo e repulsa. A prática
dos banhos de mar pelas classes mais abastadas não se deu inicialmente como
lazer, mas sim como indicação médica ao tratamento de problemas de saúde. As
razões desta repulsa pelas águas do mar e sua posterior incorporação às atividades
de lazer serão apresentadas com base nos estudos de Corbin (1989) e Urry (1996).
2.1 Os banhos terapêuticos
A prática dos banhos de mar desenvolveu-se no século XVIII na Europa,
onde surgiram numerosos balneários, inicialmente com fins terapêuticos e curativos.
As praias tornaram-se mais procuradas, sendo a saúde e o prazer de estar em
contato com o mar as maiores atrações. Conforme Urry (1996, p. 35):
Um certo dr. Wittie começou a preconizar o uso de se tomar a água do mar
e de banhar-se nela. Durante o século XVIII houve considerável aumento
do hábito dos banhos de mar, à medida que as classes mercantis e
profissionais, então em desenvolvimento, começaram a acreditar em suas
propriedades medicinais, que davam conta de todos os males.
Nesta época não era comum a presença de crianças nestes balneários. Os
banhos de mar eram recomendados mais especificamente para os adultos, só
devendo ser praticados após devida preparação e prescritos apenas àqueles que se
encontravam em grave estado de saúde. “A praia era mais um lugar ‘de cura’ do que
‘de prazer’”. (Ibid., p. 35).
Segundo Corbin (1989, p. 69), o aumento do número de doentes que
procuravam as praias de mar inicia-se por volta de 1750, e “[...] visa aliviar uma
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
62
angústia antiga; faz parte das táticas de luta contra a melancolia e o spleen, mas
responde também ao desejo de acalmar as novas ansiedades, que, ao longo do
século XVIII, se propagam e se revezam no interior das classes dominantes”. Corbin
(1989, p. 96) demarca, entretanto, que em algumas áreas do Mediterrâneo eram
comuns os banhos de mar entre os populares:
Nas praias geralmente repulsivas do Mediterrâneo, o povo também toma
banho, mas trata-se de um exercício bem diferente, que, por enquanto,
encontra poucos adeptos entre os membros das classes dominantes. Os
banhistas mediterrâneos, que freqüentemente são ao mesmo tempo
mergulhadores, não vão em busca de energia; não lhes passa pela cabeça
provocar nem combater o mar; apenas brincam na transparência das
águas refrescantes. Essa prática, raramente solitária, tem sempre um
aspecto lúdico, grupos de banhistas ficam horas mergulhando e vindo á
tona, como um bando de golfinhos.
Nos escritos de Burton
9
, ele privilegia a cena campestre em detrimento da
beira-mar. Burton “reconhece que o litoral proporciona um clima salutar, um
reconfortante panorama, mas não pensa ainda em fazer dele um lugar de passeio
ou de vilegiatura”. (Ibid., p. 71).
Corbin (Ibid., p. 74) afirma que este período esboça verdadeiro paradoxo
“sobre o qual se funda a moda da praia: o mar se faz refúgio, causa esperança
porque causa medo. Esperança de gozá-lo, de experimentar o terror que inspira,
mas desarmando seus perigos: tal será a estratégia da vilegiatura marítima”.
Enquanto ocorre a “invenção da praia”, o discurso médico indicando os
banhos de mar como tratamento terapêutico é acompanhado de toda uma série de
recomendações ao doente:
Aconselha, por exemplo, que o mergulho em uma água a menos de dez
graus centígrados seja acompanhado de exercícios num ar frio; prega a
marcha e a equitação. [...] o banho de mar inscreve-se na evolução lógica
das práticas. A moda do banho frio desenvolve-se, com efeito, a partir de
1732 (Ibid., p. 76-77).
Além destas recomendações iniciais, o paciente devia repousar antes de
enfrentar as ondas, procurando banhar-se um pouco antes do pôr-do-sol, se
possível num lugar que tivesse sombra. Deveria lançar-se ao mar com vivacidade e
coragem, saindo da água ao sentir pela segunda vez arrepios, o que ocorreria em
torno de meia hora. Após o banho, o banhista necessitava da ajuda de pessoas
9
Escreveu um imenso catálogo sobre os lugares do mundo (CORBIN, 1989, p. 71).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
63
prontas a socorrê-lo caso fosse necessário, devendo se dirigir imediatamente a uma
cama para repousar.
No uso terapêutico do mar, fazia parte da tradição mergulhar brutalmente
nas ondas as vitimas que tivessem hidrofobia. Nas praias, muitos gritos eram
contidos pelos acompanhantes dos curistas. “O banho nas ondas participa da
estética do sublime: implica enfrentar a água violenta, mas sem riscos; gozar do
simulacro de ser engolido: receber a vergastada da onda, mas sem perder o pé”.
(CORBIN, 1989, p. 85). Por isso havia a necessidade de um acompanhante.
Havia uma atitude diferenciada no que se refere a homens e mulheres
quando necessitavam recorrer às águas do mar em busca de cura para seus males.
Destaca Corbin (Ibid., p. 89-90) que:
Para uma mulher da burguesia, há algo de extraordinário em deixar a
privacy, ainda que seja uma carruagem de banho, e deparar-se no espaço
publico, os cabelos soltos, os pés descalços, os quadris à mostra, ou seja,
em trajes que se reserva para aquele com quem se escolheu partilhar a
intimidade. [...] O homem, ao contrário, protagoniza uma cena de coragem;
almeja o heroísmo de ter enfrentado as invectivas do mar, de ter sentido na
pele a flagelação da água salgada, e de sair como vencedor. A exaltação
viril que experimenta antes de se lançar à água tem a ver com a ereção,
avivada pela proximidade das mulheres, eventuais espectadoras do
assalto, excepcionalmente oferecidas ao olhar em uma seminudez.
O controle social e as imposições de conduta, tão cobradas na sociedade
da época, se refletiam nos banhos de mar quanto às vestimentas dos banhistas ou o
desprovimento destas:
A justaposição social dos costumes determina às vezes a intervenção das
autoridades. A nudez masculina, por exemplo, coloca um problema. No
século XVIII, ela continua por muito tempo sendo admitida, antes de começar
a ser aos poucos reprimidas pelas novas modalidades do banho terapêutico.
Ainda em 1778, os turistas procedentes de Haia banham-se nus em
Scheveningen, enquanto mocinhas do local guardam suas roupas,
massageiam-nos ao saírem da água e os ajudam a vestir-se novamente.
Segundo Pilati, o cheiro nauseabundo dessas jovens marca tão nitidamente a
distância social que nenhum banhista tenta seduzir essas filhas de
pescadores (Ibid., p. 96).
Assim, fica bastante clara a distinção social que se estabelecia na época e
que perdura até os dias atuais quando as pessoas simples que residem em áreas
litorâneas são discriminados pela maneira como vivem ou pelas condições
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
64
socioeconômicas em que se encontram. Assim, não se alterou muito a forma de
fazer a discriminação dos povos que moram à beira-mar.
Nesse momento, a praia de Scarboroungh na Inglaterra era muito
recomendada para os tratamentos terapêuticos com os banhos de mar. Segundo
Corbin (1989, p. 77), “já por essa época, os curistas de Scarborough associam a
absorção dessa água salgada com os passeios na praia e no estirâncio descoberto
pela maré; esboçam assim uma das praticas principais da futura vilegiatura
marítima” que seriam as caminhadas na praia.
Somente com o início do movimento romântico e da Teologia Natural, seu
uso passa a ser diversificado e se verificam os primeiros sinais de admiração aos
ambientes marinho e litorâneo, ganhando força as atividades realizadas no mar. Diz
Urry (1996, p. 39) que “o romantismo não apenas conduziu ao desenvolvimento do
‘turismo da paisagem’ e da apreciação de magníficos trechos do litoral. Encorajou
também os banhos de mar”. Esta admiração e apreciação dos elementos da
natureza são utilizadas na contemporaneidade para o deleite de pessoas que
desejam estar em contato com a natureza, embora que este contato se torne, em
diversos lugares do mundo, um momento de agressão e destruição desta mesma
natureza.
Na primeira metade do século XIX, o banho de mar começou a deixar de
ter esse caráter terapêutico, passando a ser uma nova opção de lazer e tornando-se
realizável graças aos empreendimentos e serviços que eram oferecidos à beira-mar.
Urry (Ibid., p. 36) salienta que “uma precondição para o rápido crescimento
dos balneários marítimos, no final do século XVIII e, sobretudo, no século XIX, era o
espaço”. Comenta que “o desenvolvimento desses balneários foi espetacular. Na
primeira metade do século XIX os balneários marítimos mostraram uma taxa mais
rápida de crescimento populacional do que as cidades manufatureiras”. (Ibid., p. 36).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
65
2.2 Os banhos de mar no Brasil
No Brasil, os primeiros banhos de mar começaram a ser praticados em
meados do século XIX, atraindo aqueles que desejavam realizá-los com fins
terapêuticos. Estes banhos se diferenciavam dos praticados na Europa em virtude
da diferença de temperatura da água oceânica, pois, enquanto naquele continente
os banhistas se obrigavam a entrar nas águas geladas do Atlântico, a latitude local
favorecia banhos um pouco mais agradáveis.
O primeiro Estado a adotar o banho de mar foi o Rio de Janeiro, ficando
conhecida internacionalmente a lendária praia de Copacabana. Conforme Macedo e
Pellegrino (1996, p. 156):
[...] o bairro de Copacabana, construído à beira-mar é valorizado dentro do
contexto urbano como balneário e onde os banhos de mar diários se tornam
hábito popular. O hábito dos banhos de mar é no Brasil típico do século XX,
apesar de em alguns países europeus, como Inglaterra e França, remontar
ao final do século XV. Tal hábito, à medida que se torna prática urbana da
capital federal, se espalha pelos principais centros urbanos costeiros
brasileiros e, a partir da segunda metade do século, por toda a costa do país
[...]. Essas práticas sociais induzem a formalização de dois tipos de
ocupação urbana de característica residencial no litoral – o bairro ou
subúrbio – inserido dentro de um contexto urbano complexo”.
Desde sua ocupação, a Praia de Copacabana se apresenta como símbolo
das cidades litorâneas brasileiras, em virtude das belezas naturais que possui,
sendo objeto do desejo de muitos turistas conhecer os seus encantos.
Com a vinda da Família Real, de Portugal para o Brasil, trazendo com eles
os costumes e práticas européias, deu-se início ao uso do mar para o tratamento da
saúde. Pires (2002, apud ARAGÃO, 2005, p. 32) diz que:
O início do prestígio das águas para a saúde e dos banhos de mar começou
com a própria vinda da Família Real e, ao que parece, foram seus membros
os maiores propagandistas, na proporção em que, por exemplo, outros
integrantes do Palácio e a população em geral se dispuseram a tomar
águas minerais e banhos salgados.
Com a implementação de políticas higienizadoras e de remodelação
urbana por que passam algumas cidades brasileiras, pela influência do modelo
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
66
francês, a praia também passa a ser utilizada para a prática de esportes náuticos,
encarados agora como um hábito saudável e de efeitos benéficos para o corpo.
Com o passar dos anos, a praia foi se tornando comum e os banhos de
mar, ainda de modo reservado, começavam a atrair a população como forma de
lazer coletivo e gratuito. Aos poucos, o discurso médico que indicava a cura de
certas doenças por contato com o mar vai deixando de figurar como aspecto central
e as atividades de lazer nos ambientes litorâneos vão se intensificar.
2.3 Os primeiros banhos de mar em Fortaleza
Somente a partir da segunda metade do século XX, as classes mais
abastadas começaram a praticar os banhos de mar, muito embora já fizessem parte
da vivência diária dos pescadores da costa brasileira, não na forma de lazer como se
conhece atualmente, mas como parte de seu cotidiano. Com a urbanização das
cidades do litoral brasileiro e a incorporação de outros elementos ao dia-a-dia das
cidades, os banhos de mar tornaram-se uma prática urbana comum.
Em Fortaleza, a partir dos anos 1920, a praia vai começar a ser
efetivamente utilizada para fins de lazer, ganhando força na prática dos banhos de
mar. A praia passa a ser lugar de passeios, caminhadas, apreciação da brisa
marinha e, sobretudo, para os banhos de mar.
Nas crônicas de Raimundo de Menezes, em seu livro Coisas que o tempo
levou, publicado originalmente em 1930 e reeditado no ano 2000 pelas Edições
Demócrito Rocha, podem ser encontrados relatos de alguns momentos de lazer
praticados à beira-mar em Fortaleza.
Trazendo em suas recordações as peraltices da época, o autor relembra
os inesquecíveis momentos em que podiam entrar em contato direto com o mar:
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
67
A baladeira era a diversão predileta. Qual o peralta daquelas épocas que
não possuía o seu estilingue? Armados assim, percorriam eles, aos
bandos, as margens sombreadas do Pajeú ou então, à beira-mar, na
chácara anexa à Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, ou no
Mucuripe, à cata de pobres passarinhos para derrubá-los a uma pedrada
certeira. Quando faltavam as pequeninas aves indefesas, os calangos e os
sapos pagavam o pato. Depois, à hora da canícula mais forte, eram os
banhos intermináveis no córrego, ou na praia! (MENEZES, 2000, p. 134).
Com as crônicas de Menezes, percebe-se que, mesmo incipientes e
isolados, os banhos de mar já se faziam presentes. Eram praticados pela população
pobre de Fortaleza e incorporados pela classe rica da sociedade um pouco mais
tarde.
Passando a interferir no comportamento das classes abastadas da
Cidade, os costumes europeus influenciaram a maneira de vestir, de falar, de se
comportar e, inclusive, as práticas de lazer e entretenimento produzidas na Capital
cearense. “No passado, o imperador mandava vir da Europa, profissionais
habilitados, escritores, artistas com o objetivo de ‘civilizar’ a população brasileira. E
‘civilizar’ significava vestir-se, pensar, ler, falar de acordo com o modelo europeu”.
(COSTA, 2001, p. 115).
Foto 05 – Roupa de banho usada nos anos
1920 na Praia de Iracema
Fonte: Ponte (1999, p. 156)
A maneira como foram praticados os primeiros banhos de mar em
Fortaleza, como uma prática marítima moderna, confirma esta discussão,
principalmente no nível de assimilação dos banhos terapêuticos pelos habitantes de
Fortaleza, pois, mesmo influenciados pelas práticas terapêuticas que se produziam
na Europa, não tiveram aqui a mesma expressão. Conforme Dantas (2004, p. 70):
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
68
Apesar de sua importância na época, esta prática marítima moderna não
adquiria as dimensões dos banhos de mar no Ocidente, provavelmente em
virtude da fraca eficácia que o discurso médico local lhe atribuía. A
importância aos banhos de mar variava de acordo com o discurso sobre as
qualidades curativas atribuídas ao clima, notadamente no tratamento de
doenças respiratórias.
Alguns modelos de cultura podem não ser assimilados, enquanto outros
são rapidamente incorporados ao cotidiano do modo de vida urbano. Esclarece
Claval (1999, p. 13) que ”os modelos que a cultura oferece não são, então,
imutáveis. Inovações intervêm. Algumas são rejeitadas ou levam tempo para se
imporem. Outras são rapidamente adotadas. As culturas são realidades mutáveis”.
Como os banhos de mar terapêuticos tiveram pouca expressão nas praias
de Fortaleza, rapidamente as classes mais abastadas começaram a praticá-los
como forma de lazer, inserindo esta atividade às outras disponíveis.
Aragão (2005, p. 41) afirma que:
Foi a nova forma de valorização do litoral a trazer mudanças significativas
na relação entre a elite local e o mar, influenciada pela cultura ocidental [...].
Deste modo, de único tipo de maritimidade, ligada às comunidades de
pescadores, vê-se o estabelecimento de novas relações da sociedade
apegada a uma tradição terrena, a qual começa a desenvolver novo tipo de
maritimidade peculiar à Fortaleza.
No mesmo período, a abertura de um sistema de avenidas, em 1927,
ligando o Centro à antiga Praia de Iracema (Praia do Peixe até 1925), já anunciava o
destino que teria a região leste de Fortaleza, dos anos 1930 em diante, como área
residencial nobre e lugar de uma nova fonte de lazer, mediante a prática dos banhos
de mar.
Com isso assiste-se a uma mudança na maneira de pensar e buscar o
ambiente litorâneo pelos integrantes da sociedade na Capital cearense. É neste
quadro que se pode inscrever o desejo pelo ambiente litorâneo em Fortaleza que,
por meio da prática dos banhos de mar, vai se tornar cada vez mais consolidado.
Assim, no final da década de 1960, inicia-se a grande procura de
populares com interesse significativo pelos banhos de mar. Dantas (2004, p. 73)
afirma que “o desenvolvimento das primeiras práticas marítimas no Ceará, os
banhos de mar, as caminhadas e o veraneio, respondiam à demanda de uma
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
69
sociedade de lazer que se construiu e cresceu em Fortaleza”; uma sociedade que
desprezava o litoral, mas à medida que seu contato com os costumes europeus se
intensifica, passa a utilizar algumas de suas práticas.
De acordo com Dantas (2002, p. 47-48) essa transformação se materializa
em Fortaleza:
[...] cidade a exercer papel preponderante no desenvolvimento das novas
práticas marítimas no Ceará. É na capital que essas práticas surgem, com
os banhos de mar de caráter terapêutico, substituídos, com o tempo, por
práticas vinculadas à sociedade de lazer em emergência (sobretudo os
banhos de mar e o veraneio), práticas que, em oposição às primeiras,
condicionam urbanização sensível das zonas de praia e se expandem na
totalidade dos espaços litorâneos cearenses, com o veraneio.
No contexto da cidade de Fortaleza, uma das praias de destaque na
procura inicial pelos banhos de mar foi a Praia de Iracema. Somente depois, entram
em cena as praias de Meireles, Beira-mar, Mucuripe e, mais recentemente, a Praia
do Futuro. Com a expansão urbana de Fortaleza e a mudança dos valores culturais
em relação ao uso do mar, a Cidade começou a desenvolver-se, também, ao longo
de seu litoral.
É mister assinalar o fato de que a sociedade de Fortaleza absorveu
apenas em parte o modelo europeu de praticar os banhos de mar e que as camadas
mais pobres da sociedade fortalezense que residiam à beira-mar também
praticavam tal atividade, todavia não tivessem as mesmas características dos que
eram praticados pela elite.
De acordo com Linhares (1992), a cultura do ir à praia, como forma de
lazer e descontração, não é originária das camadas populares, pois foram as classes
mais ricas da sociedade de Fortaleza no final do século XVIII e início do século XIX
que tiveram a oportunidade de tomar conhecimento destas práticas na Europa,
passando a incorporá-las às atividades de lazer da sociedade local. Assim, foram os
primeiros a ver na praia um espaço de atratividade, lazer e sociabilidade.
Conforme Jucá (2003b, p. 77), “as opções de lazer e os limites impostos
aos menos favorecidos retratavam os contrastes sociais, que se manifestavam na
cidade em crescimento”. Até a década de 1920, os banhos de mar ainda não faziam
parte do programa dos finais de semana, pois Fortaleza valorizava outro tipo de
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
70
lazer, sendo a praia lugar para os pobres e para o despejo de todo tipo de materiais
que a Cidade desprezava.
Mesmo quando se intensifica a procura pela zona de praia em Fortaleza,
por volta dos anos 1950-1960, o interesse dos fortalezenses pela região praieira
limitava-se às praias de Iracema e Meireles, que não ficavam distantes do Centro.
Na década de 1950, “a afluência aos banhos de mar cresceu e foram
instalados dois postos de salvamento de banhistas, situados na Praia do Meireles”.
(JUCÁ, 2003a, p. 135). Isso demonstra que rapidamente os habitantes de Fortaleza
foram incorporando essa prática de lazer como mais uma opção disponível para
momentos de entretenimento e descontração.
Foto 06 – Banhos de Mar na Praia de Iracema
Fonte: Arquivo Nirez
A valorização do mar acontecia à medida que chegavam, por meio do
porto, as mercadorias vindas da Europa e, com elas, novas idéias, dentre as quais a
de que possuir saúde era interagir com o mar, favorecendo os primeiros banhos da
elite fortalezense na orla da Cidade. A Capital deixou de olhar para o mar, apenas
como um local de chegada e saída de mercadorias e, sob a influência francesa,
passa a ser local valorizado pelo aspecto ambiental e paisagístico que possuía.
Neste contexto, ainda levaria alguns anos para que a Praia do Futuro
fosse incorporada por estas atividades à beira-mar. Nesta época, não se imaginava
procurar esta praia, pois, além de haver grande dificuldade para o deslocamento, ela
era distante do Centro, possuindo apenas pequenos indícios de ocupação.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
71
Assim, a população de Fortaleza procura fixar-se nas praias mais
próximas do Centro. A Praia de Iracema, sendo uma das mais chegadas à área
central, passou a ser valorizada com a construção de residências, e cada vez mais
era procurada para a prática dos banhos de mar. As obras de construção do Porto
do Mucuripe, entretanto, ocasionaram o avanço do mar sobre esta praia, diminuindo
sua extensão e prejudicando o espaço ocupado pelos adeptos destes banhos.
Foto 07 – Panorâmica da Praia de Iracema - 2005
Fonte: http://weballiance.com.br/ceara/common/jul99-praiadeiracema-panorama.htm
Com a continuidade das obras de implantação do porto (década de 1950)
limitava-se ainda mais uma das poucas opções de lazer da Cidade e, mesmo com a
instalação dos diques de pedras para evitar que o mar continuasse avançando sobre
a Praia de Iracema, o espaço para os banhistas diminuiu, uma vez que a área de
praia freqüentada se prolongava somente até a praia do Meireles, pois a do Futuro,
situada além do porto, ainda estava fora das opções de lazer, em virtude da
distância e do seu isolamento da área urbana.
Costa (2005, p. 72) fala de questões importantes sobre as implicações
socioespaciais pelas quais passa a Praia de Iracema após o processo de erosão:
A praia de Iracema não apenas perde sua função de lazer, como reduz seu
dinamismo econômico. Banhistas, clubes e restaurantes buscam outras
praias, como Meireles e Volta da Jurema. A população de maior poder
aquisitivo ocupa as áreas mais amenas da zona leste. Começou a ficar mais
visível, a partir da década de 30, o processo de diferenciação espacial e
segregação residencial. A distribuição da população no espaço urbano de
Fortaleza, aos poucos, vai sendo determinada pelo nível de renda.
A Praia de Iracema reserva atualmente poucos elementos conservados
arquitetonicamente do período em que era o destino certo dos fortalezenses em
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
72
busca de lazer nesta praia. Muitos prédios construídos na época foram substituídos
por construções mais modernas, por edifícios, prédios comerciais, bares,
restaurantes ou simplesmente foram demolidos. O descaso para com a preservação
do patrimônio arquitetônico e cultural desta área se revela em alguns prédios que
resistem à ação do tempo, mas que se encontram esquecidos por aqueles que
deveriam zelar pela história da construção espacial da Cidade.
A Igreja de São Pedro, o Estoril, a Ponte dos Ingleses e o Iracema Palace
merecem destaque, pois são alguns dos lugares da Praia de Iracema dentre os que
continuam resistindo à força avassaladora do capital imobiliário, principalmente
nesta área onde já ocorre um estrangulamento de espaços disponíveis para novas
construções, direcionadas principalmente a flats, hotéis e pousadas que absorvem
parte da demanda turística.
O Estoril era considerado uma ousadia arquitetônica quando sua
construção foi finalizada em 1925. Era conhecido como Vila Morena, localizada no
então Porto das Jangadas. A escada de ferro em caracol que conduz ao andar
superior da casa foi trazida diretamente da Inglaterra. Na época da Segunda Guerra
Mundial, o proprietário do Estoril arrendou o espaço para norte-americanos, que nele
instalaram um cassino. Reduto da boêmia de Fortaleza durante anos, a história do
Estoril se confunde com a própria história da Praia de Iracema.
Foto 08 – Estoril
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
Foto 09 – Igreja de São Pedro
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
73
Apesar de tão rica história porém, sua estrutura encontra-se comprometida
pelo desgaste de longos anos. Atualmente funciona apenas uma pequena galeria,
para exposição dos trabalhos de artistas locais e apresentação de grupos teatrais
nos finais de semana. É grande a necessidade de reforma deste prédio que está sob
a administração da Prefeitura Municipal de Fortaleza.
As mudanças pelas quais passou a Praia de Iracema já foram utilizadas
por diversos artistas e músicos na composição de suas obras. Segundo Araújo
(2004), o samba do compositor Luiz Assunção (1902-1987) intitulado Adeus, Praia
de Iracema é considerado verdadeira obra-prima, tendo sido o maior sucesso do
carnaval de 1954 na cidade de Fortaleza:
Adeus, adeus,
Só o nome ficou...
Adeus, Praia de Iracema
Praia dos amores
Que o mar carregou
Quando a lua te procura
Também sente saudade
De tudo que passou
De um casal apaixonado
Entre beijos, abraçado
Que tanta coisa jurou.
Mas a causa do fracasso
Foi o mar enciumado
Que da praia se vingou.
“Adeus, Praia de Iracema”
Composição de Luiz Assunção
Este samba entrou para a história, ao cantar o bairro que começava a
enfrentar as contradições do progresso, em virtude dos estragos que o mar havia
causado por conta do quebra-mar construído para as obras do Porto do Mucuripe
que posteriormente ocasionou a erosão da praia.
Conforme Araújo (2004), Luiz Assunção sempre falava em suas
entrevistas que o mar é indomável e se você o aperta aqui, ele estoura mais adiante.
De quebra-mar em quebra-mar destruíram as belezas das nossas praias e, hoje, o
que se vê é esta caricatura de balneário com águas poluídas pelo progresso.
Mesmo com a erosão da Praia de Iracema, muitas residências modernas
continuavam a ser construídas na área e também nas praias vizinhas a esta,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
74
fazendo com que a população pobre que residia nestas áreas fosse “empurrada
para novas áreas. Assim aconteceu até meados do século XX:
Na Praia do Meireles, os casebres se alongavam entre a Praia de Iracema e
o Mucuripe, sendo condenados pela Prefeitura, em virtude do aumento de
residências modernas que iam sendo construídas. Os moradores pobres
das praias de Iracema, do Meireles, da Volta da Jurema iam sendo
pressionados a ocupar o espaço situado além do porto do Mucuripe. (JUCÁ,
2003b, p. 72).
Com efeito, o quadro de negação do mar pelos habitantes de Fortaleza
“[...] começa a modificar-se com o fenômeno de valorização das praias pela elite.
Esta valorização insere-se numa lógica mais ampla de modificação de mentalidade
originária na Europa e que permite a criação de novas práticas litorâneas”.
(DANTAS, 2005a, p. 270).
No Ceará, a relação entre o homem e o litoral se desdobra em função de
três dinâmicas: a primeira resulta de uma estratégia colonial de ocupação do
espaço (séculos XVII e XVIII); a segunda deriva do movimento de abertura
do Ceará ao mercado internacional, possibilitando o acesso da elite
Fortalezense à cultura Européia, o que alimenta um movimento de
freqüência às praias (final do século XIX – início do século XX); a terceira
mais recente, orienta a valorização das zonas de praia como mercadoria
turística. (Campos, 2003 apud ABREU JÚNIOR, 2005, p. 61-62).
Dessa forma, três aspectos de valorização da zona de praia em Fortaleza
podem ser enunciados: a) trata-se de um processo em construção, resultante da
interiorização ou da recusa dos sinais emitidos do Ocidente; b) representa um fator
de diferenciação social; e c) engloba, com o advento das inovações tecnológicas no
domínio da comunicação (notadamente a televisão), progressivamente outros
grupos e indivíduos. (DANTAS, 2004).
Esse autor alerta, entretanto, para a noção de que, “contrariamente ao que
pensam alguns cientistas, a adoção das novas práticas marítimas não representa
simples transferência dos costumes ocidentais para os trópicos, pois ela acaba
suscitando um quadro diferente daquele que lhe serviu de matriz”. (Ibid., p. 69). As
particularidades da sociedade de Fortaleza em relação à sociedade européia
possibilitou o diferencial dado à incorporação destes novos costumes e valores
vindos da Europa. “Esta diferenciação resulta diretamente da possibilidade de os
indivíduos poderem recusar ou criar dificuldades na incorporação de certas
inovações” (Ibid., p. 69) e, assim, interferindo no modo como ocorreu a valorização
do espaço litorâneo da Cidade.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
75
De práticas litorâneas que não impõem grandes transformações na
paisagem (refere-se neste caso às práticas relacionadas ao tratamento de
saúde e aos passeios nas noites de lua cheia), passa-se à adoção de novas
práticas pela elite (notadamente as banhos de mar e o veraneio) que
norteiam a ocupação e urbanização das zonas de praia. (DANTAS, 2005a, p
270).
Sobre a prática dos banhos de mar na área da Praia do Futuro, torna-se
fundamental para o entendimento desta questão compreender que sua ocupação e
conseguinte valorização ocorrem posteriormente ao acontecido nas praias de
Iracema, Meireles, Beira-mar e Mucuripe, locais onde sucederam os primeiros
banhos à beira-mar, sendo exíguos os registros da prática desta atividade na Praia
do Futuro.
2.4 Vendendo o “belo” – aspectos da expansão e valorização do litoral de
Fortaleza
Com a valorização dos espaços à beira-mar e sua ocupação pelas
residências e estabelecimentos comerciais, ocorre um direcionamento da expansão
de Fortaleza para outras áreas. Segundo Costa (2005, p. 84):
A capital, a partir da década de 70, teve acentuada expansão para a zona
leste da cidade, em direção à Praia do Futuro, ultrapassando o ramal
ferroviário Mucuripe-Parangaba e o rio Cocó, antes considerados como
barreiras ao crescimento urbano. A ação do poder público mediante
elaboração de planos, construção de grandes obras, abertura de vias,
instalação de infra-estrutura e de equipamentos urbanos, incorporou à
cidade novas áreas.
À expansão natural da Cidade e à procura por lazer no espaço da Praia do
Futuro somar-se-ão o crescimento e o fortalecimento da atividade turística no Estado
do Ceará, com a implementação de infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento
destas atividades bastante intensificada nas últimas décadas do século XX,
mediante políticas públicas para consolidação do litoral cearense como área de lazer
e de turismo.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
76
Com este conjunto de modificações que passaram a ter lugar em
Fortaleza, mediante o surgimento de uma sociedade de lazer, a incorporação das
zonas de praia se amplia. O poder de intervenção do Estado vai ser de primordial
importância para a concretização dos interesses do capital no que se refere à
liberação ou incorporação de áreas favoráveis ao desenvolvimento das atividades de
consumo em Fortaleza. Carlos (2001, p. 16) diz que:
Cada vez mais o espaço, produzido como mercadoria, entra no circuito da
troca, atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro de
modo a viabilizar a reprodução. As possibilidades de ocupar o espaço são
sempre crescentes, o que explica a emergência de uma lógica associada a
uma nova forma de dominação do espaço que se reproduz ordenando e
direcionando a ocupação, fragmentando e tornando os espaços trocáveis.
As áreas litorâneas de Fortaleza que eram utilizadas de maneira natural e
espontânea pelos seus habitantes tinham um valor de uso. Entretanto, a chegada da
atividade turística de massa, viabilizada pelos investimentos do setor público e
privado, propiciaram a valorização das terras do litoral de Fortaleza e a especulação
do solo, assimilando as razões do valor de troca.
Demonstrando esse processo, a especificidade do clima cearense tem
sido utilizado de diversas formas e o slogan “Terra do Sol”, apresentado nas
campanhas publicitárias das empresas envolvidas na atividade turística nacional, é
um exemplo. Com isso, as intensas horas de sol do Ceará são transformadas em
importante quesito nas propagandas do marketing turístico.
O homem, na sociedade moderna, transforma a própria natureza numa
mercadoria, isto é, num produto a ser vendido, comercializado e as intensas horas
de sol do litoral cearense continuam sendo vendidas nos pacotes turísticos de
muitas agências de viagem, apresentando o Ceará como verdadeiro “paraíso
tropical”. Segundo Moraes (1999, p. 22-23), “os fenômenos de criação do gosto e da
moda influem diretamente nas ‘leituras das paisagens’ e na ‘valorização subjetiva do
espaço, sendo, portanto elementos atuantes na valoração dos lugares e em seus
enquadramentos mercadológicos”.
Assim, o marketing funciona como importante meio para divulgação dos
lugares ao mundo, além de apresentá-los como atrativos turísticos. Com isso, na
sociedade de consumo, mediada pelo mercado, a paisagem transforma-se em
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
77
mercadoria. Segundo Rodrigues (1999, p. 113), “a natureza tornou-se mercadoria e
é vendida como capaz de devolver ao homem a paz e a tranqüilidade roubadas pela
vida cotidiana nas cidades”.
Compreendemos assim o que nos explica Carlos (2001, p. 19), ao dizer
que “nesse processo se delineia a tendência à submissão dos modos de
apropriação do espaço ao mundo da mercadoria; conseqüentemente, o
esvaziamento das relações sociais, pela redução do conteúdo da prática
socioespacial”.
Harvey (2004, p. 208) destaca que “a progressiva monetização das
relações na vida social transforma as qualidades do tempo e do espaço. A definição
de um ‘tempo e lugar para tudo’ muda necessariamente, formando uma nova
estrutura de promoção de novos tipos de relações sociais”.
Dessa forma, dos incipientes banhos de mar, os habitantes de Fortaleza
passam a valorizar intensamente seu espaço litorâneo, sendo este cada vez mais
procurado para os investimentos direcionados ao lazer, ao turismo e ao
entretenimento, que buscam nas singularidades do litoral cearense o espaço
adequado para o desenvolvimento destas atividades.
Continuando a trilhar o entendimento da maritimidade em Fortaleza,
enfocando as modificações ocorridas na relação das pessoas com o mar, destaca-se
a incorporação da Praia do Futuro à malha urbana de Fortaleza, como parte deste
processo, revelando um quadro complexo a ser desvelado na continuidade deste
ensaio.
Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1982
3
3
O
O
e
e
s
s
p
p
a
a
ç
ç
o
o
d
d
a
a
M
M
a
a
r
r
i
i
t
t
i
i
m
m
i
i
d
d
a
a
d
d
e
e
n
n
a
a
P
P
r
r
a
a
i
i
a
a
d
d
o
o
F
F
u
u
t
t
u
u
r
r
o
o
3 O ESPAÇO DA MARITIMIDADE NA PRAIA DO FUTURO
Quem viaja sem saber o que esperar da cidade que encontrará ao final do
caminho, pergunta-se como será o palácio real, a caserna, o moinho, o teatro, o
bazar. Em cada cidade do império, os edifícios são diferentes e dispostos de
maneiras diversas: mas, assim que o estrangeiro chega à cidade desconhecida e
lança o olhar em meio às cúpulas de pagode e clarabóicas e celeiros, seguindo o
traçado de canais hortos, depósitos de lixo, logo distingue quais são os palácios
dos príncipes, quais são os templos dos grandes sacerdotes[...]”.
(CALVINO, 1990, p. 34)
ortaleza, ao voltar-se para o mar, abre-se também para os
investimentos do capital nacional e internacional, despontando
para o mundo como um destino “certo” e cheio de possibilidades
para “bons e lucrativos negócios”.
Esta “nova” Fortaleza proporcionará aos seus moradores o confronto com
uma imensidão de outras situações. Possuindo ainda muitos elementos que
lembram o sertão, seus habitantes são agora direcionados a absorver esta relação
com o mar na perspectiva de seu aproveitamento como atividade econômica e não
apenas na forma de lazer descontraído à beira-mar, como nos tempos de outrora.
A Capital se insere numa nova lógica, ligada diretamente à valorização de
sua zona de praia incorporando-a cada vez mais ao lazer na Cidade. Estas áreas
são agora utilizadas como espaços dedicados ao turismo e ao lazer, onde se
desenvolvem as atividades e os serviços a eles relacionados.
Assim, de sua pequenez, Fortaleza cresce, não só para o Ceará, mas
também para o mundo. Na compreensão de Silva (2002, p. 123):
Fortaleza desponta com força arrebatadora num momento crucial, quando,
sob a égide da reestruturação produtiva do país, ajustando-se aos ditames
da globalização, o capital selecionou os territórios capazes de compor a
teia metropolitana brasileira na geração de fluxo e refluxo de mercadorias,
de capital e de pessoas.
F
F
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
79
Silva (2002, p. 126) esclarece ainda que:
Fortaleza é uma cidade enorme, uma das maiores do Brasil. Até pouco
tempo não aparecia em muitos mapas; agora [...] está em todos. Esta cidade
exerce excepcional papel polarizador com expressiva preponderância sobre
as demais cidades integrantes de sua rede urbana, especialmente nas
imediações de sua região metropolitana.
Isso ocorre, dentre muitos outros fatores, pelo crescimento da atividade
turística na cidade de Fortaleza, pois, ao adentrar a rota do turismo nacional e
internacional fortalece a rede metropolitana, passando a influenciar inclusive
municípios vizinhos que também possuem potencial para o turismo. Fortaleza é,
muitas vezes, apenas o ponto de chegada, o marco inicial para quem deseja
desfrutar das paisagens do Ceará. Possui, portanto, um papel fundamental para o
fortalecimento da atividade turística no Estado.
A Capital cearense encontra lugar de destaque dentro da Região
Nordeste, compondo a rede urbana brasileira, apesar de revelar em muitos pontos
as marcas do contraste social adquirido na urbanização do País e na própria
constituição da Cidade. De areal a metrópole, Fortaleza possui como característica
principal de sua história a especificidade de ter sido uma urbe construída do sertão
para o mar.
Conforme a Prefeitura Municipal de Fortaleza (1982, p. 28), até o censo
federal de 1920 “no município viviam 78.536 moradores, número logo depois
acrescido com as populações de Parangaba e Messejana, vilas incorporadas à
Capital, em 1921”. Assim, de um pouco mais de 78 mil habitantes até as duas
primeiras décadas do século XX, Fortaleza fecha o século contabilizando mais de 2
milhões de habitantes, revelando a intensa dinâmica pela qual passou, mesmo que
muitos aspectos relacionados à qualidade de vida da população não tenham
acompanhado seu mesmo ritmo do crescimento.
A configuração atual de seu espaço urbano retrata as desigualdades
socioespaciais por meio do acesso e forma de apropriação da terra e no uso
citadinos. Com um número cada vez maior de moradores, estes passam a exigir dos
seus governantes municipais um número maior de lugares e equipamentos
destinados às atividades de lazer, não só para aqueles que chegam para conhecer a
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
80
Cidade, como também para os próprios moradores, pois estes também necessitam
de lazer.
Assim ganham força as atividades econômicas que estão diretamente
ligadas ao lazer e ao turismo. Conforme a Prefeitura Municipal de Fortaleza (1982),
destacando-se como núcleo hegemônico das atividades econômicas no Estado, o
Município de Fortaleza “apresenta na sua estrutura econômica a primazia do setor
terciário, de comércio e serviços com ênfase para o comércio varejista e o turismo,
seguida pelo setor secundário em que se ressaltam a indústria de transformação e
da construção civil”.
Muitas praias de Fortaleza passam a ter importante destaque na
participação e na complementação do lazer praticado em outras áreas. Nesse
sentido, constituem-se como atrativo para os visitantes e lugar de lazer para os
autóctones. Inicialmente, esta ampliação da procura pela orla marítima de Fortaleza
amplia-se principalmente para o trecho que corresponde da Praia de Iracema até o
Mucuripe, tendo dinâmica bastante intensa a partir das primeiras décadas do século
XX.
A incorporação de novos espaços para as atividades de lazer no litoral da
cidade de Fortaleza ocorrerá apenas nas últimas décadas deste mesmo século,
ampliando-se até a área da Praia do Futuro, situada depois do Porto do Mucuripe
em direção ao rio Cocó. Aliado a isto, uma série de outros fatores também
contribuíram para a incorporação desta praia à malha urbana de Fortaleza.
Desse modo, para entender a continuidade do processo de expansão
urbana no litoral de Fortaleza, toma-se a Praia do Futuro uma das mais
freqüentadas, como elemento principal da análise aqui empreendida.
Administrativamente está dividida, segundo a Prefeitura Municipal de Fortaleza, em
Praia do Futuro I e Praia do Futuro II.
Os limites da Praia do Futuro I são: avenida Renato Braga até a praça 31
de Março; oceano Atlântico até a rua Trajano de Medeiros. A Praia do Futuro II tem
seus limites na praça 31 de Março até o rio Cocó e oceano Atlântico e a rua Trajano
de Medeiros (rever Mapa I, p. 23).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
81
Esta divisão tem como objetivo definir as equipes de atendimento do
Programa de Saúde da Família pela Prefeitura Municipal de Fortaleza e será
utilizada como delimitação oficial para a área de estudo, inserida na Secretaria
Executiva Regional II.
Figura VI – Divisão dos bairros de Fortaleza
Fonte: http://www.seinf.fortaleza.ce.gov.br/
É importante ressaltar que a área correspondente ao bairro Vicente Pinzón
(localizado entre o bairro do Mucuripe e a Praia do Futuro) possui fortes vínculos
com a área de estudo, inclusive em razão da existência de alguns dos equipamentos
destinados ao lazer – as barracas de praia. Será utilizada, entretanto, a divisão
territorial por bairros da Prefeitura Municipal de Fortaleza.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
82
Figura VII – Divisão administrativa da Secretaria Executiva Regional II
Fonte: http://www.seinf.fortaleza.ce.gov.br/
Nas fotografias apresentadas ao longo deste capítulo, constará a
indicação desta divisão como Praia do Futuro I (PF I) e Praia do Futuro II (PF II), a
fim de prover melhor localização dos itens apresentados.
Entrando na rota de diversão dos cearenses a partir das décadas de 1970-
1980 e para os turistas, um pouco mais tarde, a partir dos anos 1990, a Praia do
Futuro foi aos poucos sendo incorporada às atividades de lazer de Fortaleza. Sua
ocupação data do começo dos anos de 1950, momento de incorporação de novas
áreas à Cidade.
O crescimento de Fortaleza, a valorização das terras do seu litoral, assim
como a melhoria da infra-estrutura de acesso e serviços na área, contribuíram para
um aumento significativo do número de freqüentadores nesta praia, na qual se pode
observar um uso misto de seu território (residencial, comercial, turístico e lazer),
tornando-a mais diversa do que outras praias urbanas.
Conforme Abreu Júnior (2005, p. 129), a Praia do Futuro nos últimos 40
anos “caracterizou-se como uma área de lazer despojada, desorganizada, utilizada
por poucos fortalezenses [...]; um lugar que gradativamente, na medida que foi
sendo ocupado, fez e faz parte do lazer dos fortalezenses e dos que moram na
Região Metropolitana”.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
83
Na década contemporânea ao início da ocupação da Praia do Futuro
(década de 1950), o espaço-símbolo do “morar bem” em Fortaleza era o bairro da
Aldeota. Este estava no auge de sua ocupação e para lá se deslocava a burguesia
fortalezense que morava no Centro. Mesmo com seus problemas, configurou-se
num local buscado pelas famílias que não desejavam mais residir no Centro. A
Aldeota possuía atrativos e infra-estrutura de suporte à fixação destas famílias e o
Centro se transformava em bairro eminentemente comercial.
Fugindo da poluição das indústrias e da proximidade das favelas, a
população de mais alto padrão de vida transferiu-se do bairro de
Jacarecanga para a Aldeota, do outro lado da cidade (leste), que, em 1930,
não passava de um extenso areal. Assim, começava a ficar mais visível, a
partir da década de trinta, o processo de diferenciação espacial e
segregação residencial. A distribuição da população no espaço urbano de
Fortaleza ficou nitidamente determinada pelo nível de renda. (COSTA, 1988,
p. 78).
Tratando dos privilégios concedidos ao bairro da Aldeota, em detrimento
dos bairros situados na zona oeste de Fortaleza, Linhares (1992, p. 166) diz que “[...]
se a ocupação do solo urbano obedeceu a um claro processo de segregação social,
o espaço de praia, por suas características de equipamento urbano público, teve
ocupação e destinos completamente diferentes, o que em determinados momentos
gerou um irônico contraste”. É uma oposição claramente verificada nas áreas de
praia da zona mais a oeste, onde se encontram vários bairros pobres.
Neste mesmo período de valorização da Aldeota, os bairros do litoral
oeste considerados pobres, como Pirambu e Arraial Moura Brasil, aumentavam seu
adensamento urbano, na grande maioria representado por favelas. Estes bairros,
desde os primórdios da ocupação de Fortaleza, sempre foram considerados pelas
elites da Capital cearense como a área destinada à moradia de pescadores e dos
pobres que, não tendo condições econômicas de residir no Centro, continuavam se
aglomerando nestes bairros, tornando-os cada vez mais desaconselháveis àqueles
que intentavam fazer investimentos imobiliários, em vista de sua baixa valorização
no mercado.
Assim, a procura pela Praia de Iracema, Meireles e Aldeota se justificava,
em grande parte, pela presença, no litoral da zona oeste de Fortaleza (trecho Moura
Brasil - Barra do Ceará), de elevado número de população de baixa renda, além da
carência de infra-estrutura, fazendo com que as classes mais abastadas e os
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
84
investidores imobiliários dessem preferência à zona leste do litoral, por possuir
melhores condições de infra-estrutura e serviços, além da elevada concentração
demográfica com maior renda.
A partir desta diferenciação dos lugares destinados à moradia de pobres e
ricos na Cidade, começam a se consolidar a segregação e a diferenciação social
estabelecida em Fortaleza, ocasionando diversas conseqüências na constituição de
seu espaço urbano.
Destaca Linhares (1992, p. 274) que estes bairros mais pobres ficam
esquecidos “enquanto na Beira-Mar, Praia do Futuro e outras regiões onde a
especulação imobiliária tem importância existe uma preocupação com a estética
ambiental”, fator que será importante quesito na composição do quadro de
valorização destes espaços.
A partir da melhoria nas linhas de transporte coletivo, os habitantes das
áreas mais distantes de Fortaleza passam a ter a oportunidade de chegar às zonas
de praia com menor dificuldade. Com a intensificação da procura por lazer nas
praias de Iracema e Meireles, os primeiros sinais da poluição das águas do mar
começam a aparecer. O grande número de populares presentes nestas praias
incomodava a elite local, pois achavam que os populares tinham um comportamento
incompatível com a boa higiene e os costumes praticados pela elite.
Conforme Jucá (2003a, p. 141):
Em virtude da crescente afluência de usuários, em 1956, as praias já eram
consideradas sujas, com lixo acumulado. Reclamava-se da “molecagem e
mulheres de má reputação que invadem trechos para onde se deslocam as
famílias”. O foco de atração chegava ao Iate Clube, onde a praia tornara-se
muito concorrida, “a Capacabana em miniatura”. A praia de Iracema perdera
o seu brilho com casas estragadas e o espaço do antigo balneário diminuíra.
A praia Formosa ia sendo tomada por casebres de zinco e de palha, pelos
prostíbulos e o lixo se acumulava.
Com o estabelecimento destes conflitos de uso no trecho mais procurado
para os banhos de mar em Fortaleza, a elite se vê na iminência de perder este lazer
praiano que já fora objeto de uma redução significativa a partir dos problemas
ocasionados com a construção do Porto do Mucuripe. Com isso, é despertado nos
estratos mais abastados da sociedade fortalezense o intento de procurar uma nova
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
85
área para a prática dos banhos de mar, sem este tipo de “incômodo” e poluição.
Umas das áreas incorporadas ao lazer desta elite foi a área da Praia do Futuro.
Linhares (1992, p. 273) mostra que:
Os jogos, o ritual sensual de mostrar o corpo no espaço à beira-mar, e o
banho de mar, o seu domínio são características das culturas urbanas
burguesas. O acesso a estas regras pelas camadas populares é sempre
um acesso marginal. Daí porque a festa popular na praia é uma festa de
“esquecimento” e não de pleno domínio racional de códigos. É por isso
que as camadas médias e ricas urbanas repelem tanto o pobre na praia.
Para eles é uma invasão [...]. A democratização “forçada” que ocorreu
com os espaços praianos no Rio, em Salvador, Recife, Fortaleza foi por
este motivo sempre vista como invasão dos “bárbaros”.
Em analogia ao que ocorreu nas praias à beira-mar de Fortaleza em
seus momentos de uso pelas classes abastadas da Cidade e sua relação com as
classes mais pobres, convém lembrar a letra da música Nós vamos invadir sua
praia, do grupo Ultraje a Rigor, composta no ano de 1985, que trata de maneira
muito clara dos conflitos de uso existentes nestes espaços:
Daqui do morro dá pra ver tão legal
O que acontece aí no seu litoral
Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais
Do alto da cidade até a beira do cais
Mais do que um bom bronzeado
Nós queremos estar do seu lado
Nós 'tamo' entrando sem óleo nem creme
Precisando a gente se espreme
Trazendo a farofa e a galinha
Levando também a vitrolinha
Separa um lugar nessa areia
Nós vamos chacoalhar a sua aldeia
Mistura sua laia
Ou foge da raia
Sai da tocaia
Pula na baia
Agora nós vamos invadir sua praia
Agora se você vai se incomodar
Então é melhor se mudar
Não adianta nem nos desprezar
Se a gente acostumar a gente vai ficar
A gente tá querendo variar
E a sua praia vem bem a calhar
Não precisa ficar nervoso
Pode ser que você ache gostoso
Ficar em companhia tão saudável
Pode até lhe ser bastante recomendável
A gente pode te cutucar
Não tenha medo, não vai machucar.
“Nós vamos invadir sua praia”
Grupo Ultraje a Rigor
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
86
Com a continuidade das obras do Porto do Mucuripe, um loteamento
criado em 1950 pela imobiliária Antônio Diogo, na área da Praia do Futuro, surge
como possibilidade de suprir as necessidades desta elite que buscava outro local
para diversão, lazer e entretenimento. Segundo Costa (1988) a expansão em
direção a esta praia, ultrapassou o ramal da estrada de ferro Parangaba-Mucuripe
onde se encontrava o chamado Sítio Cocó, estendendo-se desde o ramal ferroviário
até a margem esquerda do rio Cocó.
Conforme Costa (Ibid., p. 128-129), a transposição da barreira física da via
férrea e a incorporação dos terrenos de praias, dunas e mangues do Sítio Cocó
10
tiveram “[...] início quando a Prefeitura Municipal de Fortaleza autorizou, em 1954, o
processo de parcelamento do Sítio Cocó e o loteamento da praia Antônio Diogo, a
chamada Praia do Futuro”.
Com os trabalhos do porto do Mucuripe em andamento, mesmo em um
ritmo lento, os terrenos situados nas suas proximidades foram sendo
valorizados. A imobiliária Antonio Diogo, em 1950, loteou uma área, que se
estendia do farol do Mucuripe até a barra do rio Cocó. Compreendia 7
quilômetros de comprimento por 600 metros de largura. Cada uma das
quadras, divididas em 12 lotes, tinha 20 metros de frente por 40 de fundo.
(JUCÁ, 2003a, p. 134).
Criam-se, com efeito, “grandes vazios urbanos e se desenvolveu um
‘crescimento aparente’ da cidade, com a realização de uma série de loteamentos
ditos urbanos. Este processo está associado à presença do rio Cocó, da área das
salinas e das dunas da Praia do Futuro”. (COSTA, op. cit., p. 123).
Conforme Macedo e Pellegrino (1996, p. 156), no Brasil em toda a sua
extensão:
[...] os conflitos ambientais são muitos e a transformação da paisagem
drástica. Os principais agentes dessa transformação são os grandes centros
urbanos como Rio de Janeiro, Santos, Salvador, Recife e Fortaleza com
suas extensas áreas, seus portos e parques industriais, as regiões de portos
e sobretudo os loteamentos de finalidade turística, que se estendem
linearmente por grande parte da costa, ocupando áreas urbanas ou não,
apresentando-se como as áreas significativas de transformação ambiental e
paisagística do litoral brasileiro.
10
O loteamento do Sítio Cocó foi aprovado em 1954, pela Prefeitura Municipal de Fortaleza,
iniciando-se a fragmentação desta área de uso agrícola e de salinas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
87
Sobre a incorporação da área da Praia do Futuro, Dantas (2002, p. 69)
assevera que este foi o último trecho de praia incorporado à zona urbana de
Fortaleza:
[...] na qual predominavam usos tradicionais, e que, a exemplo de outras
praias, incorporou-se ao espaço urbano, ora como periferia de zona
portuária (o Porto do Mucuripe), ora como lugar ocupado para responder à
demanda das classes abastadas que freqüentavam a praia do Meireles.
No início da ocupação da Praia do Futuro, surgem inúmeros mitos
quanto ao porvir daquelas novas terras. No ano de 1968, já era procurada como
opção de lazer em Fortaleza, momento da divulgação, na mídia cearense, da idéia
de que a Praia do Futuro poderia se transformar numa “Copacabana”, como ocorria
no Rio de Janeiro. Relata Abreu Júnior (2005, p. 182) que:
A partir de finais da década de 1970 e início da década de 1980, os terrenos
na Beira-Mar, no bairro do Mucuripe até o estuário do rio Cocó, passaram a
ser cada vez mais valorizados em função de uma crescente divulgação que
existia uma área em Fortaleza que seria a futura “Barra da Tijuca do Ceará”,
referindo-se à Praia do Futuro. Estes fatores foram determinantes para um
grande movimento imobiliário em Fortaleza, em direção a essa área. Aliado
a isso, algumas intenções do poder público, timidamente e só no papel, de
melhorar a infra-estrutura do local e de instalar equipamentos urbanos,
ajudaram a criar o mito, no final da década de 1970, que a praia do Futuro
realmente seria uma nova Barra da Tijuca.
Em virtude do aumento do número de freqüentadores, especulava-se que
esta área possibilitaria a grande explosão imobiliária da zona leste da Cidade,
suscitando nos jornais locais a publicação de inúmeras matérias sobre a
necessidade de se iniciar o ordenamento da área. A matéria do jornal O Povo, de 22
de abril de 1968, intitulada A avenida do futuro, se referia inclusive à necessidade do
alargamento e iluminação de uma das vias de acesso à área, chamada Dioguinho
11
:
Hoje, os “Chez Pierre, os Drive-in Bar, os Sombra Amena”, vão povoando de
cumeeiras leves ou portáteis o antigo deserto de dunas e ventos fortes.
Praticamente, os banhos de mar de Fortaleza se mudaram com armas e
bagagens para o lado do velho Farol. Por que não iluminar a Praia do
Futuro? A municipalidade deve acompanhar o povo, criando-lhe novas área
de respiração.
11 Para um estudo mais aprofundado sobre as matérias dos jornais de Fortaleza quanto aos
acontecimentos que envolveram a Praia do Futuro a partir da década de 1960 ver ABREU JÚNIOR,
Pedro Itamar. Praia do Futuro – formas de apropriação do espaço urbano. 227f. Dissertação
(Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Programa Regional de Pós-Graduação em
Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 2005. Este autor faz
um resgate através das matérias dos jornais de Fortaleza sobre uso e ocupação do solo na Praia do
Futuro a partir da década de 1960.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
88
Assim, a década de 1960 foi marcante na ocupação da Praia do Futuro,
momento em que as atenções dos moradores de Fortaleza se voltam para os
inúmeros acontecimentos na área, principalmente sobre o crescimento da Cidade
nesta faixa litorânea. Foi neste momento que, segundo Abreu Júnior (2005, p. 38-
39):
[...] a Praia do Futuro passou a ser motivo de questionamentos por parte da
população de fortalezenses, fruto do natural expansionismo da cidade para
leste, que já era previsto com o pleno funcionamento do Porto do Mucuripe,
em finais da década de 50 e a construção do Hospital Geral de Fortaleza e
Cervejaria Astra (Brahma) no início da década de 60. [...] local onde a
necessidade da presença do poder público era importante, deixando
gradativamente, a partir do início desta década, de ser um local distante,
para ser uma fronteira a ser alcançada pela expansão imobiliária.
Neste contexto, as atividades de lazer foram aos poucos se ampliando até
a Praia do Futuro, consolidando-a como nova área de lazer para a Cidade. De
esquecida faixa de praia durante longo período de expansão, passa a ser o alvo
central da especulação imobiliária quando o fluxo de pessoas se intensifica.
Foi a partir da década de 1970 que a elite de Fortaleza passou a
incorporar de fato a Praia do Futuro como área destinada aos novos investimentos
financeiros. No ano de 1976, é feita a continuação da avenida Santos Dumont até
esta praia, possibilitando, também, o acesso ao Conjunto Cidade 2000, localizado
nas suas proximidades.
Costa (1988, p. 134) informa que, “desde 1972, estavam previstos no
PLANDIRF
12
o prolongamento da avenida Santos Dumont até a Praia do Futuro e a
construção da praça 31 de Março e da avenida Zezé Diogo”. Com a execução
destas obras, em 1976, ocorrem de imediato a abertura de inúmeros loteamentos e
ruas e a construção de residências nos bairros Papicu e Cocó.
12
Plano Diretor de Fortaleza
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
89
Foto 10 – Avenida Santos Dumont, nas proximidades da Praia do Futuro
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
A continuação da avenida Santos Dumont até a Praia do Futuro
facilitou o
acesso, por meio das linhas de ônibus, da população da periferia de Fortaleza a este
trecho do litoral. Durante muito tempo, esta área não era procurada em virtude das
dificuldades de deslocamento. A aquisição de automóveis pela classe média,
também, favoreceu o acesso à área. Nacada de 1980 foi construído o calçadão
da Praia do Futuro e feito o alargamento da avenida Zezé Diogo.
Após a expansão do sistema viário para o leste, ocorreu acelerada
especulação imobiliária, abrindo-se novos loteamentos, sem nenhuma fiscalização
do Poder municipal e com infra-estrutura precária. Foram construídas residências de
alto padrão, em lotes de grandes extensões.
Com isso, passam a ocorrer os problemas sociais provocados pela
especulação imobiliária, com a expulsão dos contingentes de baixa renda para
periferias distantes, surgindo também problemas ambientais, decorrentes da
degradação ocasionada por aterros de riachos e pelo desmonte de dunas.
Mesmo com todos estes problemas, a possibilidade de fácil acesso a mais
uma área de lazer em Fortaleza contribui para um aumento da procura por esta
área, tornando-a cada vez mais conhecida e sendo buscada por aqueles que
tencionavam tomar banhos de mar.
Com a freqüência dos populares na Praia do Futuro para praticar esta
atividade, entretanto, as pessoas das camadas mais abastadas não se sentem mais
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
90
atraídas por este tipo de lazer, pois têm de compartilhá-lo com os pobres que lá se
encontram. Desse modo, para a elite de Fortaleza praticar os banhos de mar na
Praia do Futuro vai perder o seu “encanto”, pois não encontraram a tranqüilidade e o
isolamento esperados quando “fugiam” dos populares que começaram a freqüentar
as praias entre os bairros de Iracema e Mucuripe e que agora procuravam, também,
a Praia do Futuro para seus momentos de lazer.
Segundo Russell (1957, p. 9), “a idéia que o pobre devia ter lazer molestou
a muitos homens ricos. Na Inglaterra, logo no princípio do século XIX, quinze horas
era o dia comum de trabalho para um homem”. Esse autor (Ibid., p. 9) reforça sua
argumentação, tecendo suas críticas sobre o anseio da elite em se ver longe dos
pobres, acrescentando o seguinte relato:
Lembro-me, perfeitamente, de uma velha duquesa dizer: “Que vai fazer o
pobre com oito feriados? O que ele deve é trabalhar”. Hoje em dia as
pessoas são menos francas mas esse modo de sentir persiste, e é fonte de
boa parte da nossa confusão econômica, que alimenta a luta de classe.
Ressalta Marcellino (1996, p. 25) que para “[...] democratizar o lazer
implica em democratizar o espaço. E se o assunto for colocado em termos da vida
diária, do cotidiano das pessoas, não há como fugir do fato: o espaço para o lazer é
o espaço urbano”. De acordo com Certeau (1994, p. 202), “o espaço é um lugar
praticado” e as práticas nele realizadas são diferenciadas uma das outras. Os
conflitos gerados entre pobres e ricos na busca por espaços de lazer na cidade de
Fortaleza ao longo dos anos, refletem como estas práticas podem se materializar no
espaço.
Em paralelo a estes conflitos de uso no espaço da Praia do Futuro, muitos
investimentos eram direcionados às melhorias da praia e, com isso, outras
finalidades de uso foram se estabelecendo, elaborando-se um novo espaço de
consumo e especulação imobiliária. Assim, a Praia do Futuro surge como nova
opção na Cidade, que servirá como complemento às atividades de lazer
anteriormente realizadas nas praias compreendidas entre a Praia de Iracema e o
Mucuripe.
A implementação de vias de acesso à zona litorânea, não só de Fortaleza,
como também de todo o Estado do Ceará, favorece a expansão e o aumento da
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
91
ocupação desta área do litoral, pois, ao serem relacionadas como prioridades na
criação de infra-estrutura necessária à instalação de muitos equipamentos no litoral,
as vias de circulação passam a ter destaque no âmbito do cenário turístico.
Na perspectiva de Lima (2005), percebe-se que este incentivo
viabiliza/consolida a urbanização destes espaços turísticos, requalificando e
elevando o consumo do próprio espaço e dos serviços oferecidos, o que induz ao
surgimento de novos padrões de uso e ocupação do solo. A partir das intervenções
do Poder público em infra-estrutura nas áreas mais afastadas de Fortaleza, pôde ser
favorecido um estímulo maior ao surgimento de novas áreas de absorção das
atividades de lazer e turismo litorâneo.
Entende Moraes (1999, p. 19) que, “os terrenos á beira-mar constituem
pequena fração dos estoques territoriais disponíveis, e abrigam amplo conjunto de
funções especializadas e quase exclusivas”. A raridade de espaços à beira-mar será
cada vez mais intensificada com a ampliação da especulação imobiliária e a
implementação de infra-estruturas que possibilitem a fixação de residências e
estabelecimentos comerciais.
Dessa forma, há também um entrelaçamento entre a abertura de grandes
vias e a criação de oportunidades para os investimentos do setor imobiliário, pois a
lógica do seu traçado não se reduz apenas à necessidade de melhorar os
transportes, mas está diretamente relacionada à dinâmica de abrir localização para o
mercado imobiliário de alta renda.
Refletindo esta dinâmica, outras importantes vias de acesso e circulação
na área da Praia do Futuro – como as avenidas Zezé Diogo, que acompanha toda
extensão da linha de costa da praia e a Dioguinho, localizada de forma paralela a
anterior – servirão de suporte para a ampliação destes espaços. Estas duas vias
permitem maior circulação de veículos, em virtude de sua intensificação nos últimos
anos.
Assim, com a incorporação de novas áreas à Cidade, suas feições vão se
modificando, passando a interferir inclusive no território de municípios circunvizinhos
a Fortaleza, como Caucaia, Maracanaú, Pacatuba, Itaitinga, Euzébio e Aquiraz que,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
92
em razão da continuidade da ocupação física e fenômeno da conurbação
13
, típica
dos grandes aglomerados urbanos, passam a estreitar o nível de relacionamento
com a Capital cearense.
No que se refere às atividades de turismo e lazer, a relação entre
Fortaleza e alguns destes municípios vai ser mais intensa, notadamente com os
Municípios de Aquiraz e Caucaia. A proximidade cada vez maior em relação a estes
municípios, procurados não somente pelos turistas, como também pelos moradores
da Capital cearense à procura de suas praias para passar o domingo, um fim de
semana ou mesmo uma temporada de férias nas casas de veraneio, torna-se cada
vez mais constante.
Com a intensificação dos fluxos em busca de lugares para descanso e
diversão, amplia-se a dinâmica espacial. Isto é observado nos pontos turísticos do
Ceará, parte integrante de uma rede maior, o sistema do turismo mundial. A Praia do
Futuro encontra-se neste âmbito, como espaço buscado por aqueles que se
deslocam de outros pontos do Território nacional ou mesmo internacional, ampliando
ainda mais sua dinâmica espacial.
Assim, a área da Praia do Futuro será considerada o novo point do lazer
na Cidade, mesmo continuando intensa a procura pelas praias de Iracema, Meireles
e Mucuripe, que dão suporte à atividade turística na Capital, por intermédio dos
inúmeros hotéis,
flats
, pousadas e outros equipamentos urbanos lá existentes.
3.1 Do esquecimento aos cartões-postais
De área isolada da Capital aos cartões-postais, a Praia do Futuro ganha
notoriedade mundial como lugar da sociabilidade e entretenimento àqueles que
procuram este espaço para lazer e turismo, representando também as mutações
13
Conurbação refere-se a uma extensa área urbana surgida do encontro ou junção de duas ou mais
cidades. Ao longo do tempo os seus limites geográficos perdem-se em virtude do seu crescimento
horizontal. Associado à outros processos que contribuem para a expansão urbana das cidades,
proporciona a formação de regiões metropolitanas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
93
urbanas ocorridas em Fortaleza nas três últimas décadas. A Praia do Futuro insere-
se neste âmbito de maneira concreta, à medida que é alvo e/ou cede à pressão do
capital internacional, das grandes empresas nacionais e internacionais do setor
turístico, tornando-se, destarte, um destino turístico mundial. O turismo exibe-se com
uma atividade propiciadora de crescimento econômico em muitos lugares do mundo.
Isto ocorre pela adoção de inovações técnicas nos meios de transporte e outros
instrumentos de comunicação, contribuindo para elevar o fluxo de pessoas e
informações entre estes lugares.
Investidores são atraídos para valorizar com equipamentos, infra-
estrutura e serviços – ambientes favoráveis ao lazer, comumente potencializados
pelas peculiaridades naturais e pela riqueza da história humana. A partir da
implementação destes elementos, vai se construindo o espaço da Praia do Futuro.
Em Fortaleza, em especial na Praia do Futuro, os investidores acham-se
particularmente seduzidos em virtude da divulgação das belezas da área nas
campanhas publicitárias, elaboradas por incentivos do Poder público. Os media
nacionais e internacionais participam deste fato ao situar Fortaleza como “porto
seguro” tanto para investimentos financeiros quanto para aqueles que pretendem
encontrar descanso, lazer e entretenimento.
Percebe-se, com efeito, que essas transformações urbanas ocorridas na
Capital cearense proporcionam a constituição e a organização de seu terririo. Isto,
porém, não ocorre de maneira isolada ou arbitrária, pois a este agregam, a dinâmica
espacial mundial, a propagação do uso de inovações tecnológicas, a mundialização
das empresas hegemônicas apoiadas pelo capital financeiro e a explosão do
consumo pelas classes média e alta, mesmo em países de capitalismo periférico.
A intensa valorização das áreas litorâneas na busca pela reprodução do
capital tornou-se uma constante nestes países e isso contribui para a exploração dos
ambientes litorâneos. Compreende Dantas (2002, p. 102) que as “cidades voltam-se
para a exploração do litoral propriamente dito, utilizando suas potencialidades
naturais e culturais para se inscrever no mercado turístico nacional e/ou
internacional”. A partir dos investimentos direcionados à melhoria do acesso à Praia
do Futuro, outras finalidades de uso se estabeleceram. As expectativas de
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
94
valorização do solo vão propiciar a construção de residências e equipamentos
turísticos.
No início de sua ocupação, a Praia do Futuro servirá como complemento
das atividades de lazer e de turismo da orla, no trecho Praia de Iracema-Mucuripe
até consolidar-se como importante espaço de lazer na Cidade, ganhando
características próprias. Assim, compreende-se o espaço da Praia do Futuro como
lugar “escolhido” pela alta sociedade fortalezense que freqüentava a Praia de
Iracema, Meireles e Mucuripe, a partir da procura pelas práticas dos banhos de mar,
quando buscava uma área com água sem sinais de poluição e livre da presença
“incômoda” da classe pobre.
3.1.1 Construindo o espaço da Praia
Com a inserção da Praia do Futuro na rota da atividade turística de
Fortaleza, iniciaram-se as construções destinadas à absorção de um novo público,
os turistas. Assim, esta área não possui um caráter apenas residencial ou de lazer
para os fortalezenses, mas também absorveu as mudanças adquiridas com a
introdução do turismo na área.
Neste aspecto, esta praia apresenta uma dinâmica espacial diferenciada
das outras praias da Capital e, para um melhor entendimento do objeto em
discussão, acrescentam-se à análise algumas questões relacionadas ao uso e
ocupação do solo na área de estudo (MAPA II, p. 95), na tentativa de melhor
compreender a elaboração de seu espaço.
Quanto ao uso e ocupação, a análise direciona-se aos aspectos
diretamente vinculados às atividades de lazer e turismo: hotéis, pousadas, barracas,
clubes, espaços públicos, barracas de praia etc., pois, diante da complexidade que a
Praia do Futuro apresentou durante o desenvolvimento da pesquisa, verificou-se que
não seria possível dar conta de todos os aspectos relacionados à sua ocupação,
portanto, serão destacados aqueles relacionados mais diretamente às atividades há
pouco mencionadas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
96
A primeira intervenção urbanística feita na área da Praia do Futuro foi na
administração do prefeito César Cals Oliveira Neto (1983-1985), mediante a
elaboração de um projeto denominado Pólo Atlântico Sul feito em 1982, mas só
executado em 1984 sob seu governo. Segundo Correia (2004, p. 74), “o projeto de
urbanização da Praia do Futuro incluía uma série de barracas, um passeio
padronizado, arborização, banheiros públicos e algum mobiliário urbano”. A área
deste projeto compreendia a faixa de praia entre as avenidas Renato Braga e
Santos Dumont.
As intervenções urbanas desta época, aliadas à recente construção da av.
Dr. Aldy Mentor (prolongamento da av. Pe. Antonio Thomaz) e a ponte do rio Cocó
em direção à praia da Sabiaguaba, servem como incentivos à continuidade das
atividades imobiliárias, pois, mesmo sendo uma área de grande valorização
paisagística e locus do lazer urbano em Fortaleza, não conseguiu atingir a
“explosão” de construções imobiliárias que era esperada para este setor no início de
sua ocupação. A av. Dr. Aldy Mentor foi o local escolhido para construir a “Cidade
Fortal
14
”.
Foto 11 – Avenida Dr. Aldy Mentor
(continuão da avenida Pe. Antonio Thomaz, prolonga-se até a avenida
Dioguinho na Praia do Futuro II, nas proximidades dos prédios Odecon)
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
14
Fortal é o nome do carnaval fora de época em Fortaleza que acontece todo mês de julho há mais
de 10 anos. Antes de ser transferido para esta avenida, o evento acontecia na avenida Beira-Mar.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
97
Uma das novidades que surgiram na cidade de Fortaleza na administração
do Prefeito Lúcio Alcântara (1979 a 1982) foi a construção de pólos de lazer,
edificados na Barra do Ceará, na Lagoa do Opaia, no Alagadiço e na Praia do
Futuro. Com isso, a concentração de populares nestes espaços de lazer coletivo
distancia-os das elites, desejosas de um total isolamento destas massas nos
espaços à beira-mar. Conforme Costa (1988, p. 97-98):
Na verdade os pólos de lazer tiveram menos papel na criação de
alternativas de diversão para o proletariado do que em evitar que os
chamados espaços burgueses fossem invadidos pela periferia. Isto de fato
ocorreu na gestão municipal seguinte, de César Cals Neto, que criou o
programa “Vamos a Praia”, colocando ônibus especiais ligando os bairros
periféricos às praias da elite.
Mesmo demonstrando seu caráter excludente, assinala Costa (2005, p.
83) que “a descentralização de espaços de lazer, mediante construção de pólos,
com a urbanização da avenida Beira-Mar e a implantação do Parque Ecológico do
Cocó – Adail Barreto, na administração do prefeito Lúcio Alcântara, animou a vida de
alguns bairros”.
Quanto às tentativas de urbanização e melhoramentos na Praia do Futuro
nos últimos quarenta anos, desde a primeira realmente executada no período da
administração do prefeito César Carls Neto até a mais recente, no mandato do
prefeito Juraci Magalhães, salienta Abreu Júnior (2005, p. 140) que:
[...] todas pecaram pela falta de manutenção; e, no caso da última tentativa
de urbanização das pracinhas, de aceitação por parte da comunidade,
principalmente de barraqueiros [...] Quanto ao pólo de lazer 31 de Março no
final da av. Santos Dumont, a idéia era transformar o local em grande
espaço lúdico e ambiental. O que se observa hoje é um total abandono, pois
as pessoas preferem ficar junto à praia nas barracas do que ficar no local do
pólo, portanto, mesmo com algumas tentativas de comércio nos quiosques o
pólo de lazer não foi e não é viável nessas condições.
No dia 29 de janeiro de 2006, foi realizado na praça 31 de Março, na Praia
do Futuro, um show intitulado “show de domingo”, tendo sido promovido por duas
emissoras locais de rádio e televisão. Este evento reuniu em torno de 15 mil pessoas
na praça e chamou a atenção pública para o estado de conservação em que se
encontra esta área de lazer em Fortaleza.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
98
Foto 12 – Quiosques do pólo de lazer abandonados na praça 31 de Março
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
Refletindo sobre a situação desta área de domínio público, que já foi
espaço de lazer e diversão de muitos fortalezenses, conclui-se que o abandono
instalado neste local reflete a intensidade dos investimentos públicos ao lazer dos
“populares” da Cidade. Este pólo não foi criado para o lazer da elite na Praia do
Futuro ou para os turistas que procuram esta praia e sim para o lazer dos pobres.
Outro aspecto a destacar sobre o uso e ocupação da Praia do Futuro
refere-se aos extensos vazios (sem ocupação urbana) que a área apresenta.
Revendo a imagem do Mapa I (p. 23), é possível observar com clareza esses vazios.
Alguns deles foram ocupados por favelas, principalmente na área das dunas, onde
também pode ser registrada a presença de mansões luxuosas, demonstrando o
nível de desigualdade no acesso à habitação ao longo dos anos, não só na área de
estudo, mas também em toda a Fortaleza.
Assim, aos extensos vazios da área vão se somando as ocupações
irregulares, as edificações residenciais, comerciais e as destinadas ao suporte das
atividades de turismo e lazer.
Segundo Sposito (1999, p. 16), “a descontinuidade do tecido urbano é, ao
nosso ver, uma das determinantes do processo de fragmentação da cidade e pode
ser vista como uma das formas contemporâneas, através das quais se origina ou se
acentua a segregação sócio-espacial”.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
99
Dessa forma entram na discussão os interesses fundiários e imobiliários
que “têm impulsionado as cidades a um constante processo de extensão de suas
áreas. O crescimento territorial urbano dá-se através da produção de novas
localizações urbanas (ao menos no plano jurídico) que ao se apresentarem no
mercado, alteram o preço de todas as outras localizações”. (SPOSITO, 1999, p. 13).
Alguns fatores são destacados por esta autora (Ibid.) como
impulsionadores da descontinuidade do tecido urbano e expansão dos espaços nas
cidades, dentre os quais merecem destaque a difusão do uso de veículos
automotores; a invenção da eletricidade; o uso do elevador, que ofereceu condições
favoráveis à verticalização em algumas áreas, capaz de reforçar a concentração
urbana em alguns pontos do território das cidades e as telecomunicações e a
informática, permitindo a ligação cada vez mais veloz entre as pessoas,
independentemente de deslocamentos territoriais de pessoas e objetos.
Conforme Sposito (Ibid., p. 17), “a cidade assim produzida é uma
amálgama entre concentração e vazios, pois é, ao mesmo tempo, compacta e
diluída, densa e dispersa, dependendo do ângulo a partir do qual a observamos”.
Mesmo contando com estes vazios em sua ocupação, a Praia do Futuro
se destaca dentre as praias de Fortaleza, por apresentar uma dinâmica de uso
intensa, principalmente nas atividades de lazer. Praticamente todas as praias de
Fortaleza se destacam dentro da atividade turística na Cidade, no que se refere a
infra-estrutura e serviços oferecidos. Inúmeros hotéis, restaurantes e locais para
atração de visitantes foram construídos para dar suporte a esta atividade. Mesmo
que esta infra-estrutura se mostre precária em alguns setores, são feitas diversas
intervenções urbanas em toda a orla.
Assim, com o sol brilhando praticamente o ano inteiro, a Praia do Futuro é
um dos lugares procurados por aqueles que fazem turismo em busca de belezas
naturais e pelos fortalezenses à procura de lazer e entretenimento.
A existência de hotéis, restaurantes, bares e barracas na Praia do Futuro
constitui elemento de infra-estrutura criado para dar suporte a estas atividades,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
100
proporcionando maior comodidade à permanência dos freqüentadores durante todo
o dia e também no decorrer da noite.
Dentre os hotéis que podem ser encontrados na Praia do Futuro estão:
Vila Galé Resort Fortaleza, Lisboa Praia Hotel, Golden Beach Hotel, Hotel Porto
Futuro, Fortaleza Praia Hotel, Hotel Bellomar, Hotel Marbelo Ariaú, Hotel Praia 2000,
Leme Mar Hotel, Hotel Mar Aberto, Hotel Happy Living e Hotel Cartier.
A partir de investimentos do capital português na cidade de Fortaleza,
concretizados na área da Praia do Futuro, foram instalados o Vila Galé Resort
Fortaleza, único resort na área urbana da Cidade, e o Lisboa Praia Hotel.
Destinado ao público de maior poder aquisitivo, principalmente aos turistas
internacionais, o Vila Galé Resort Fortaleza possui categoria 5 estrelas e conta uma
estrutura diversa de lazer e serviços. O estabelecimento conta com 285
apartamentos, além de 5 suítes juniores. Em frente a este resort, pode ser
encontrada a barraca Vila Galé, que lhe dá suporte, oferecendo uma série de
serviços e atrações aos hóspedes do hotel ou aos freqüentados da barraca.
O Lisboa Praia Hotel é outro exemplo de grande hotel destinado aos
turistas internacionais. Além de possuir 141 apartamentos (02 quartos adaptados
para deficientes físicos), 03 suítes executivas e 01 suíte presidencial, disponibiliza
um espaço para a realização de eventos com salão de convenções e business
center.
Conforme Coriolano (2004, p. 99):
Outras territorialidades turísticas são encontradas no litoral, com a presença
dos grandes hotéis, dos resorts, dos parques aquáticos que se apropriam de
espaços expropriados dos residentes, privatizam, constroem e direcionam
aos turistas. Numa leitura aparente do espaço cearense, poder-se-ia falar da
existência de dois Cearás e duas Fortalezas, mas sabe-se que essa
produção é resultado de um mesmo processo desigual e combinado que
produz contradições socioespaciais.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
101
Foto 13 – Vila Galé Resort Fortaleza (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 14 – Lisboa Praia Hotel (PFII)
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
Explica Cruz (2003, p. 49) que “no litoral do Nordeste a expansão da infra-
estrutura turística cresce exponencialmente, tendo como carro chefe a infra-estrutura
hoteleira. Com isso pretende-se captar maior parte das demandas turísticas nacional
e estrangeiras”.
A revitalização destes equipamentos hoteleiros na área da Praia do Futuro
passou a ser destaque nos jornais de Fortaleza nos últimos anos. Os jornais locais
destacam os investimentos internacionais na área através de matéria sobre o
assunto, dentre elas :
Dois hotéis desativados renasceram da visão empresarial de investidores
internacionais e mudaram o cenário da Praia do Futuro. O Dunas,
construído há mais de dez anos (sem ser concluído), ganhou vida nova com
uma temática que homenageia o índio brasileiro e com o simpático nome de
Vila Galé. A denominação é de um grupo português que tem 12 hotéis
naquele país, além de dois em construção. O Vila Galé Fortaleza é o
primeiro do grupo fora de Portugal. [...] O Hotel Praia Verde, que funcionou
alguns anos e ficou desativado por igual período, também nasceu da
iniciativa de um grupo luso-brasileiro e retornou ao mercado com o nome de
Lisboa Praia Hotel. (HOTÉIS..., 2001).
Algumas pousadas também oferecem suporte à hospedagem dos turistas
na Praia do Futuro. Dentre elas, destacam-se a Pousada Sol de Verão, Pousada
Sonho de Família, Pousada Salinas, Pousada Águas de Fortaleza, dentre outras de
menor tamanho. Estas pousadas absorvem o público de menor poder aquisitivo,
haja vista o alto custo de hospedagem nos hotéis.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
102
Foto 15 – Pousada Salinas (PF I)
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
Foto 16 – Pousada Sol de Verão (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
Para Falcão (1996, p. 65):
O turismo, qualificado como nova modalidade de consumo de massa,
desenvolve-se no âmbito da emergente economia das trocas invisíveis em
escala nacional e internacional. Esta modalidade se expande com a
produção de bens (infra-estrutura, construções, alimentos e produtos
diversos) e serviços (transportes, hospedagem, alimentação etc.) que se
integram para o consumo final. Esse conjunto de bens e serviços oferece ao
mercado de consumo as “condições de acessibilidade” a determinado lugar.
O espaço, na dimensão do lugar, assume caráter de objeto de consumo e,
como tal, é (re)produzido e comercializado.
Com os investimentos imobiliários direcionados à Praia do Futuro, muitos
clubes profissionais e associações de classe também foram construídos na área,
dentre eles: Clube dos Advogados, dos Médicos, BNB Clube Praia, AABEC
Fortaleza, Associação dos Servidores do Banco Central (ASBC), dentre outros.
É importante destacar a presença destes clubes e associações de classe,
pois eles se integram ao espaço da Praia do Futuro, constituindo lugar para o reduto
daqueles que, por meio de uma identidade social de grupo, buscavam a área da
Praia do Futuro para o estabelecimento de suas sedes, tendo em vista a prática de
esportes, o lazer, o descanso e o estreitamento das relações sociais entre seus
membros.
Durante a realização dos trabalhos de campo, identificou-se o fato de que
o Clube dos Advogados, localizado nas proximidades da praça 31 de Março (rever
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
103
Mapa II, p. 95), encontrava-se aparentemente abandonado, não havendo ninguém
no local para confirmar a situação atual do clube.
O Clube dos Médicos, também localizado ao lado da praça 31 de Março,
continua com seu funcionamento ocorrendo normalmente, assim como o BNB Clube
Praia, a Associação dos Servidores do Banco Central e a AABEC Fortaleza.
Foto 17 – BNB Clube Praia (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 18 – AABEC Fortaleza (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 19 – Clube do Médico (PF I)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 20 – Assoc. dos Serv. Banco Central (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Alguns destes clubes tinham suas sedes em outras áreas de Fortaleza,
mas, em virtude da forte valorização da Praia do Futuro nas décadas de 1960-1970,
deslocaram-se para esta praia ou construíram sua primeira sede e ainda hoje se
cogita na possibilidade de transferência da sede de alguns clubes de Fortaleza para
a Praia do Futuro.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
104
Como exemplo, a sede do Clube dos Diários, localizada anteriormente na
avenida Beira-Mar, foi transferida em 2003 para uma área localizada nas dunas da
Praia do Futuro.
Foto 21 – Nova sede do Clube dos Diários na Praia do Futuro (PFII)
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
A exemplo do que ocorreu com a sede do Clube dos Diários, uma matéria
do jornal O Povo, publicada no dia 14 de fevereiro de 2006, trata da situação
financeira que enfrenta a Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) de Fortaleza,
situada na avenida Abolição (Bairro Meireles), que se encontra em vias de venda,
sendo cogitada a possibilidade da posterior construção da nova sede também na
Praia do Futuro. A matéria diz o seguinte:
[...] além de pagar as dívidas, o dinheiro arrecadado com a negociação
servirá também para a construção de uma nova sede. O presidente antecipa
que será contratada uma empresa para realizar uma pesquisa entre os
associados e possíveis novos sócios, com o objetivo de saber onde a nova
sede deverá ser instalada. Em conversas informais, a maioria das pessoas
fala na Praia do Futuro, mas também pode ser em alguma praia da Região
Metropolitana. [...] para evitar outro endividamento, a nova sede deverá se
auto-sustentar. Entre as medidas a serem tomadas, está a construção de
chalés para alugar, tanto para sócios como não sócios. (AABB..., 2006).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
105
Foto 22 – Sede da AABB Fortaleza na avenida Beira-Mar
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
O Clube de Engenharia e o Clube dos Oficiais da Polícia e Bombeiros, no
Bairro Vicente Pinzón, também foram visitados nos trabalhos de campo, pois se
localizam nas proximidades da área de estudo, mas se encontravam fechados e sem
nenhuma indicação para obtenção de informações. A situação atual dos clubes e
associações de classe em Fortaleza é bastante relevante, entretanto, mesmo que
alguns deles tenham sede na Praia do Futuro, não terão seus históricos
aprofundados no momento, haja vista o foco da análise ora apresentada
15
.
Desse modo, as sedes destes clubes vão aos poucos cedendo à força do
capital financeiro à medida que sua permanência em áreas de alto valor imobiliário
vai sendo ameaçada. Nestes espaços da cidade de Fortaleza, há uma crescente
demanda por mais espaços para a construção de empreendimentos hoteleiros.
Na avenida Beira-Mar, de Fortaleza, esta pressão se concretiza no
momento em que prédios residenciais, edifícios de arquitetura histórica e sedes de
clubes são comprados, não para valorizá-los, mas para demoli-los a fim de serem
erguidas as grandes torres dos hotéis com bandeiras internacionais.
15
Para o aprofundamento sobre a história dos clubes na cidade de Fortaleza ver PONTES, Albertina
Mirtes de Freitas. A cidade dos clubes: modernidade e “glamour” na Fortaleza de 1950-1970.
Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
106
A procura inicial da classe média em direção à Praia do Futuro favoreceu
o surgimento do lazer diurno, com a implantação das primeiras barracas na linha de
praia, servindo como suporte àqueles que buscaram a Praia do Futuro para tomar os
banhos de mar. Após alguns anos e com a melhoria de alguns serviços,
principalmente os relacionados ao acesso e segurança na área, tornou-se possível a
prática do lazer noturno, por meio da diversão em bares, barracas, shows musicais e
de humor.
Segundo Costa (2005, p. 89), “na década de 90, depois de projetos de
urbanização, na primeira administração do prefeito Juraci Magalhães (1988-1991),
esta praia passou a atrair a classe média para o lazer diurno e noturno”. Outros
aspectos quanto às modificações pelas quais passaram estas barracas e os conflitos
gerados pela sua presença na Praia do Futuro serão tratados mais adiante.
Foto 23 – Estrutura das barracas da Praia do
Futuro em 1960
Fonte: Arquivo Nirez
Foto 24 – Estrutura em 2006 de algumas barracas
situadas entre a avenida Zezé Diogo e o mar
Fonte: www.diariodonordeste.globo.com.br
Na década de 1970, a Praia do Futuro cresceu de maneira mais acelerada
no aspecto da incorporação imobiliária, mesmo que de maneira desorganizada e/ou
desordenada. As construções de prédios multifamiliares, a abertura de ruas e
avenidas e as construções das sedes de alguns clubes marcaram esta década,
ocasionando forte expectativa no setor imobiliário quanto aos desdobramentos que
esta dinâmica teria na área.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
107
Foto 25 – Prédio multifamiliar (PF I)
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
Foto 26 – Prédio multifamiliar (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Mesmo com esta dinâmica ocorrida entre as décadas de 1960 e 1970, a
Praia do Futuro começa a apresentar uma sutil diminuição dos empreendimentos
imobiliários no início da década de 1980. A falta de infra-estrutura e urbanização,
aliada à ausência de um ordenamento por parte da Prefeitura, além do aumento das
construções irregulares de casas e barracas, conduzia a Praia do Futuro à
decadência.
Foto 27 – Construções sobre as dunas (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Segundo Rolnik (1989, p. 52), “quem tem dinheiro se apodera de amplos
setores da cidade, quem não tem precisa dividir um espaço pequeno com muitos”.
Afirma, a autora que, “do ponto de vista político, a segregação é produto e produtora
do conflito social. Separa-se porque a mistura é conflituosa e quanto mais separada
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
108
é a cidade, mais visível é a diferença, mais acirrado poderá ser o confronto”. (1989,
p. 52).
Referente a este processo de segregação espacial no acesso às
condições de moradia no espaço da Praia do Futuro, concorda-se com Villaça (1998,
p. 148) quando diz que:
A segregação é um processo dialético, em que a segregação de uns
provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros.
Segue a mesma dialética do escravo e do senhor.
Falar em segregação espacial é falar também da ausência e/ou má
distribuição dos investimentos dos poderes públicos na área urbana da Cidade. Em
Fortaleza, enquanto alguns bairros são dotadas de infra-estrutura que proporciona a
qualidade de vida de seus moradores (água, luz, telefone, saúde, educação etc),
outros bairros (principalmente os mais afastados do corredor turístico, industrial e
comercial) não possuem o mínimo de serviços necessários ao bem-estar dos
habitantes. Segundo Rolnik (op. cit., p. 52):
Quando falamos do crescimento e transformação da cidade-capital, nos
referimos à intervenção e investimento do poder público no espaço. Quando
falamos em regiões nobres e regiões pobres, nos referimos a espaços
equipados com o que há de mais moderno em matéria de serviços urbanos
e espaços aonde o Estado investe pouquíssimo na implantação destes
mesmos equipamentos.
Com a série de problemas que a Praia do Futuro apresentava, o sonho do
setor imobiliário em construir uma nova “Copacabana” estava preste a desmoronar.
Refletindo a polêmica envolvendo este momento, algumas reportagens que tratavam
deste assunto começaram a ser publicas na década de 1980, em um dos jornais de
Fortaleza, a fim de chamar a atenção sobre o futuro desta praia. Dentre elas pode-se
destacar: Praia do Futuro em decadência deixa de ser ponto de atração (O Povo de
06/04/1981); Não existe projeto para a Praia do Futuro (O Povo de 03/06/1981);
Praia do Futuro tem crescimento anárquico (O Povo de 04/06/1981); Falta de público
levou o caos a Praia do Futuro (O Povo de 26/08/1981); A Praia do Futuro não é
mais aquela (O Povo de 08/02/1982); Crescimento da Praia do Futuro deve ser
ordenado (O Povo de 29/05/1982).
Outro importante ponto a ser destacado quanto ao uso e ocupação do solo
na área da Praia do Futuro refere-se à verticalização desta praia, pois não possui a
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
109
mesma intensidade e ritmo de outras áreas da Cidade, como é o caso dos bairros
Praia de Iracema, Meireles e Mucuripe, onde a verticalização é intensa,
demonstrando a escassez de espaços disponíveis para a construção de
empreendimentos imobiliários.
A Praia do Futuro, entretanto, não acompanha o ritmo de edificações e
verticalizações destas áreas ocorrente na beira-mar de Fortaleza que, ao longo dos
anos, consolida o
slogan
da valorização dos imóveis localizados neste setor nobre: o
privilégio de ver “o mar pela janela”.
Foto 28 – Únicos prédios com mais de 10 andares em toda a
Praia do Futuro (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
Na mesma lógica da incipiente ocupação desta praia, muitos prédios
comerciais da avenida Santos Dumont, nas proximidades da Praia do Futuro,
encontram-se à venda ou com placas de locação. Passando por esta avenida com
um olhar mais atento para estes prédios é possível identificar a grande quantidade
de imóveis nesta situação.
A imagem observada na Praia do Futuro é, de um lado, barracas
fechadas, falta de iluminação pública, resíduos sólidos, relatos de violência e vazios
de ocupação. Do outro, hotéis luxuosos, noites de caranguejada, estacionamento
privativo, demarcação de área pública para acesso privado etc.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
110
Com efeito, a esperada expansão urbana em direção ao bairro não
ocorreu. O Poder público municipal investiu no acesso à área, mas deixou de lado a
manutenção de outros serviços básicos necessários. Além do mais, a iniciativa
privada recuou diante dos altos índices de maresia da Praia.
3.1.2 O discurso da maresia
As investidas da especulação imobiliária na Praia do Futuro confrontaram-
se com a questão ambiental pelos níveis de salinidade da área, que se apresentam
como um entrave à continuidade das construções nesta praia. Assim, os aspectos
relacionados à alta maresia da Praia do Futuro ganham espaço na discussão.
Comumente havida pela população de Fortaleza
como causa principal
para a pouca ocupação da Praia do Futuro, a maresia segue corroendo
eletrodomésticos, componentes da construção (ferro das vigas e pilares), postes de
iluminação pública, fiação de energia de ruas, placas de trânsito, carros,
computadores, dentre outros. A maresia toma o lugar de “vilã” para a fraca ocupação
da Praia do Futuro. Assim, “considerada uma das áreas mais atingidas pela maresia
no mundo, a Praia do Futuro está ficando inviável como projeto imobiliário e
transforma-se cada vez mais em um bairro de fim de semana”. (MARESIA..., 2000).
Foto 29 – Edifício da Praia do Futuro passando por reforma
por ter sua estrutura comprometida pela maresia.
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com (Foto de Kid Júnior)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
111
De acordo com estudos do Centro de Pesquisa da Eletrobrás (CEPEL),
Fortaleza possui o segundo maior índice de poluição salina do mundo, também
conhecida como maresia, ficando atrás apenas da região do Mar Morto, em Israel
(MARESIA..., 2000). Esta matéria do jornal Diário do Nordeste de 14 de maio de
2000 fala desta questão e acrescenta outros detalhes:
De acordo com a Gerência de Comunicação da Coelce
16
, na Praia do
Futuro, a taxa de corrosão é altíssima e o índice de maresia é de 1.832
mg/m³/dia. “Isso obriga a Coelce a utilizar tecnologias especiais, como
ferragens em liga de alumínio, que chegam a custar o dobro do que é
utilizado em áreas não atingidas pela poluição salina”, explica a Gerência. A
vida útil de um poste, normalmente em torno de 25 a 30 anos, ali na Praia
do Futuro é reduzida para 2 ou 3 anos, cerca de 10% apenas. “A corrosão
também atinge os transformadores e demais equipamentos do sistema
elétrico, que têm que passar por um processo de manutenção constante, a
partir dos dois anos de uso, quando deveriam durar pelo menos 20 anos”,
conclui o comunicado enviado pela Coelce. (Ibid., 2000).
Na maioria dos prédios, as pessoas já desistiram de instalar aparelhos de
ar-condicionado e os pontos destinados à colocação destes estão fechados. Os
postes apresentam rapidamente sinais de corrosão e as portas dos elevadores
também mostram as marcas da destruição. É raro o edifício que não tenha passado
ou não esteja passando por uma reforma geral por causa dos estragos da maresia.
Segundo Costa (2005, p. 89), “a Praia do Futuro ainda tem ocupação
rarefeita. Nela permanecem muitos vazios urbanos, pois a excessiva maresia
prejudica as construções e corrói os metais”. Considerando que a corrosão de
materiais continua causando problemas para comerciantes e moradores da Praia do
Futuro, está sendo realizado um estudo científico, iniciado em 2001, para tentar
ajudar as pessoas a combaterem os efeitos da maresia.
O projeto, intitulado “Corrosão e Degradação Atmosférica de Materiais
Elétricos”, foi destaque na matéria do jornal Diário do Nordeste de 21 de outubro de
2003 e tem como missão definir o grau de agressividade do desgaste e degradação
de materiais na área da Praia do Futuro.
Esta pesquisa sobre a maresia na Praia do Futuro está sendo
desenvolvida pelo Núcleo de Tecnologia Industrial (NUTEC) e pelo Centro de Ensino
Tecnológico (CENTEC), tendo como objetivo melhorar as especificações e
16
Companhia Energética do Ceará
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
112
padronizações no uso de materiais expostos à maresia, aumentando a vida útil deles
e reduzindo os efeitos da corrosão. O estudo, que custará R$ 1,6 milhão, tem
duração de cinco anos, sendo custeado pela Companhia Energética do Ceará.
(ESTUDO..., 2003).
Mito ou constatação, a maresia da Praia do Futuro continua a interferir no
uso e ocupação do solo, embora este aspecto não seja o único responsável pela
situação imobiliária em que se encontra esta praia.
Mesmo com a incipiente verticalização e ocupação por edificações, podem
ser registradas atualmente na Praia do Futuro algumas construções de prédios
comerciais e alguns edifícios multifamiliares, demonstrando que o bairro, apesar de
todos os problemas apresentados, continua a crescer.
Estas construções estão sendo feitas na área mais próxima às barracas
de praia e são direcionadas mais especificamente à reconstrução de barracas,
reforma e/ou ampliação de bares e restaurantes e à construção de pousadas e
hotéis para atender a demanda turística no local.
Foto 30 – Exemplo de área em construção na Praia do Futuro I
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
Outro aspecto que pode favorecer a retomada da construção do setor
imobiliário na área da Praia do Futuro é a construção da ponte sobre o rio Cocó que
ligará esta praia à da Sabiaguaba.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
113
Desconsiderando uma série de conseqüências ambientais que podem vir
a ocorrer na área, dentre elas a erosão da Praia do Futuro, a Prefeitura Municipal
iniciou a construção da ponte, muito embora já tenha sido por diversas vezes
paralisada por conta de decisões judiciais que impedem de a obra continuar. A
maioria das paralisações decorre, além da escassez das verbas, pela falta do
licenciamento expedido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), em virtude de alterações feitas no projeto inicial.
Segundo Costa (2005, p. 89), “a ponte sobre o rio, cuja construção foi
iniciada em 2003, ligando a Praia do Futuro à Sabiaguaba, facilitará o acesso ao
Porto das Dunas e Prainha (Município de Aquiraz) e valorizará a área da foz do rio
Cocó, alterando a dinâmica espacial”.
Foto 31 – Canteiro de obras da ponte sobre o rio Cocó
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com (Foto de André Lima)
Assim, a expansão urbana do litoral de Fortaleza segue caminho, agora
em busca de novas áreas. Com a finalização da ponte sobre o rio Cocó, a praia da
Sabiaguaba ficará mais próxima, principalmente para os que moram nas
proximidades da margem esquerda do rio, favorecendo a ampliação e incorporação
urbana para esta área. Com isso, o manguezal do estuário do rio Cocó encontra-se
ameaçado com a continuidade das ações antrópicas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
114
Conforme Ximenes (2004) grandes áreas vazias marcam o território da
Secretaria Executiva Regional VI (SER VI). Ao mesmo tempo em que a Cidade
cresce em direção à zona leste, um sinal amarelo se acende, pois, com a construção
da ponte sobre o rio Cocó, vão aumentar o fluxo de pessoas e carros e a quantidade
de construções na região. A obra, orçada em R$ 6 milhões, será complementada
com três avenidas: Sabiaguaba, Paisagística e Litorânea. A finalidade é facilitar o
acesso ao lado leste da Cidade, que hoje só é possível por meio da Precabura.
(Ibid.).
Ximenes (Ibid.) destaca o alerta do doutor em Geografia Física, Prof.
Jeovah Meireles, quando explica o que poderá ocorrer nesta área caso sejam
concluídas as obras da ponte:
A ponte irá bloquear a entrada de areia no mangue. Conseqüentemente,
afirma, bancos de areia que se deslocavam em direção à Praia do Futuro
serão reduzidos, ocasionando a médio e longo prazo a erosão da costa. ''O
mar vai invadir a área construída. Vai acontecer na Praia do Futuro o
mesmo que ocorreu na Caponga, Icaraí, Iparana'', avalia
.
A pressão de especuladores imobiliários nesta área é intensa. Como o
trecho da Praia do Futuro não deu o retorno financeiro esperado quanto à
valorização dos imóveis, amplia-se a necessidade da Cidade continuar crescendo
para o leste. Cedendo a esta pressão, o Poder público passa a fornecer os meios
necessários a esta expansão (energia, avenidas, e a própria ponte) sem a devida
atenção para os recursos naturais – mangues, rios, lagoas, dunas – existentes na
área.
Portanto, entender a dinâmica do uso e ocupação do solo na Praia do
Futuro é um grande desafio. O mais cômodo seria recorrer ao discurso dos altos
níveis de salinidade da praia ou à presença de favelas no seu entorno. Acredita-se,
porém, que o baixo nível de ocupação, verticalização e aproveitamento dos espaços
da Praia do Futuro ocorrem por motivos mais profundos e não somente em razão de
questões mais aparentes. Não encontrando ainda elementos para o aprofundamento
desta questão, o desafio está posto, podendo ser tema para outro ensaio.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
115
3.1.3 As “personagens” nas areias da praia
Para dar continuidade à análise da maritimidade na Praia do Futuro, torna-
se fundamental destacar a existência de algumas das personagens encontradas nas
areias da Praia do Futuro: turistas, freqüentadores locais, vendedores ambulantes e
barraqueiros.
Neste estudo da maritimidade na Praia do Futuro, não será enfocada a
relação, com o mar, dos pescadores ou pessoas vinculadas às atividades
pesqueiras, que inclusive estão com suas atividades praticamente encerradas nesta
área, mas serão destacadas as relações estabelecidas entre os freqüentadores
desta praia em sua busca por lazer, seja pelos banhos de mar ou de outras
atividades vinculadas à área.
Cabe lembrar que falar em maritimidade é discutir também as íntimas
relações, inclusive as simbólicas, que as pessoas estabelecem com o mar ou com o
ambiente litorâneo. Dessa forma, todos os que estão vinculados direta ou
indiretamente às atividades relacionadas ao mar podem ser estudados por meio da
maritimidade.
Os elementos que constituem o aspecto socioespacial da Praia do Futuro
se inserem na discussão da marimitidade à medida que apresentam um conjunto de
relações com o ambiente litorâneo da Praia do Futuro. Esta relação com o mar,
mesmo de forma indireta, insere-se nas práticas marítimas modernas, pois o fator
motivador da existência e/ou permanência de inúmeras atividades na área é a
existência do mar.
Dentre as personagens que compõem o quadro da maritimidade na Praia
do Futuro, pode-se mencionar, ainda, os donos das luxuosas mansões, os
moradores dos prédios residenciais de classe média, os habitantes das favelas, os
residentes mais antigos do bairro, os freqüentadores dos clubes, os hóspedes dos
hotéis, os trabalhadores de forma geral, dentre outros transeuntes. Destacar-se-ão
neste momento aqueles que praticam sua atividade de maneira mais próxima ao
mar, ou seja, entre a faixa de praia e o pós-praia, onde se localizam as barracas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
116
Os turistas encontrados na Praia do Futuro, mesmo sendo pessoas de
permanência transitória, contribuem de maneira significativa para a constituição
desse espaço, pois são elementos importantes para sua dinâmica e organização
espacial. Muitos dos equipamentos instalados na praia e as melhorias feitas nas
barracas têm como objetivo central a satisfação deste público.
O período da alta estação turística em Fortaleza concentra-se
basicamente nos meses de julho, dezembro e janeiro. Estes também correspondem
às férias escolares no Brasil, momento em que muitas famílias buscam as praias de
Fortaleza para a prática das atividades de lazer. Para Dumazedier (1976, p. 147),
“as atividades ligadas às férias são talvez as mais importantes dentre as atividades
de lazer, devido à sua duração e a sedução que exercem”.
Afirma ainda, este autor (Ibid., p. 147) que “de modo geral, nas férias é
mais fácil, do que em outros períodos de lazer, descansar, sair do lugar em que se
mora e encontrar oportunidades para uma livre expansão individual e social”.
Durante a pesquisa, foram aplicados alguns questionários para os
freqüentadores da Praia do Futuro. Foi coletada uma amostra aleatória de sessenta
pessoas, sendo trinta questionários aplicados na alta estação (julho de 2005) e os
outros trinta no período da baixa estação (outubro de 2005). Na escolha da amostra,
levou-se em consideração os que se encontravam nas barracas ou transitando pela
areia da praia, sem perguntar inicialmente se o freqüentador era turista ou não. Esta
informação foi adquirida no decorrer dos questionamentos, quando era solicitado o
município de residência do entrevistado.
As informações obtidas por intermédio destes questionários foram
fundamentais para o desenvolvimento de muitas idéias aqui apresentadas, além de
ter sido um momento muito importante para as conversas informais com as pessoas
que lá se encontravam, o que possibilitou a descoberta de vários elementos até o
instante não inseridos na análise.
Ao revelar suas impressões sobre a Praia do Futuro, os freqüentadores
puderam reivindicar, indignar-se, reclamar e até mesmo elogiar muitos aspectos
relacionados à situação atual da praia, enriquecendo assim esta discussão.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
117
Como resultado, o total da amostra revelou que 80% dos entrevistados no
período da alta estação moravam em Fortaleza e apenas 20% eram turistas vindos
de outros países e estados brasileiros. O gráfico I apresenta este quadro, fato
importante na constituição dos elementos inerentes à maritimidade da Praia do
Futuro, quando se constata a grande presença dos fortalezenses nesta praia. Assim,
a Praia do Futuro se revela de fato um local onde a busca do fortalezense por lazer
é muito marcante. Alia-se a isto o momento das férias escolares na Cidade,
motivando inúmeros destes freqüentadores a se dirigirem a este espaço litorâneo.
GRÁFICO I
Procedência dos frequentadores na
Praia do Futuro (julho de 2005)
Fortaleza
80%
Turista
20%
Um fato interessante vai se revelando com a continuidade da análise. No
Gráfico II, verifica-se que 90% dos entrevistados na baixa estação residem em
Fortaleza e apenas 10% são turistas, concluindo-se, portanto, que os moradores de
Fortaleza são os grandes responsáveis pela continuidade e sustentação das
atividades de lazer desenvolvidas na área da Praia do Futuro, pois, na baixa
estação, permanece o grande número de fortalezenses em comparação ao número
de turistas.
GFICO II
Procedência dos frequentadores na Praia do
Futuro (outubro de 2005)
Turis ta
10%
Fortaleza
90%
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
118
Compreende-se que é o morador da própria Capital cearense que
dinamiza as atividades econômicas na Praia do Futuro, enquanto a atividade
turística, sempre vista como o grande “filão” deste espaço revela uma dinâmica
diferenciada de outros lugares de Fortaleza, como na avenida Beira-Mar. Nessa
área, o turismo de negócios e o turismo de forma geral, aliado às outras atividades
econômicas lá desenvolvidas, proporcionam um movimento constante de pessoas.
Na Praia do Futuro é diferente, pois é o fortalezense que, na busca por
lazer, diversão, shows etc. no dia-a-dia da praia, proporciona a continuidade do
movimento, dando sentido à permanência das barracas no local.
Outro questionamento feito aos freqüentadores referiu-se às motivações
que os levaram a procurar o espaço da Praia do Futuro. As respostas obtidas foram
bastante diversificadas, dentre as quais as mais citadas foram: por ter melhor infra-
estrutura, boa qualidade da água, para comer caranguejo, por ter fácil acesso, por
sem bem freqüentada, pela proximidade com os outros bairros, por ser a melhor
praia de Fortaleza, por ser boa para o surf, para caminhar, pela estrutura das
barracas, por ter espaços para crianças, pelas atrações de lazer, para encontrar os
amigos, por ser agradável, por indicação, para jogar futebol de areia, pelo costume
de vir a esta praia, para paquerar, para trazer a família, porque mora perto da praia,
dentre outras semelhantes a estas.
A resposta “por ser bem freqüentada” ou “por ser mais selecionada”
chama a atenção na análise das motivações que levam estas pessoas à área da
Praia do Futuro. Respostas aparentemente comuns podem revelar o grau de
segregação que se desnuda nas areias desta praia.
A seguir a descrição de Linhares (1992, p. 300; 303) sobre o que ele
encontrou na Praia do Futuro quando de sua “andança”, como ele mesmo classifica,
da Barra do Ceará até a Praia do Futuro:
Ali, na primeira fase da Praia do Futuro, onde a urbanização planejada ainda
não deitou raízes, vemos um conjunto de barracas dispostas de forma
sucessiva; lá, a freqüência humilde prenuncia instantes normais, gostos
simples, emoções cruas, ao som de velhas canções populares. [...] Se
avançarmos na Praia do Futuro em direção ao rio Cocó, vamos percebendo
não mais um padrão social único, mas a diversidade que se instala. A
multiplicidade de grupos, de tribos, é que determina a ambiência de cada
espaço (a música, as modas, as falas, as maneira de se deitar, se expor ao
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
119
sol). [...] O espaço aqui obedece à mesma ordem e se manifesta
agressivamente, invadindo o espaço público em nome da extensibilidade de
um ego grupal. Quem não obedece a esta comunidade por identidade ou
por simpatia é convidado a se separar, pois o espaço foi privatizado, não em
nome de uma empresa, em nome de um negócio específico, no caso o
restaurante, mas em obediência às normas de uma comunidade emocional.
As pessoas que procuram determinadas barracas pela motivação “de ser
bem freqüentada” formam “tribos”, domínios, espaços selecionados, divididos, onde
impera a identidade com o grupo. Segundo Maffesoli (2006, p. 117), “fica entendido
que ‘a identidade’ diz respeito tanto ao indivíduo quanto ao agrupamento no qual
este se situa: é na medida em que existe uma identidade individual que vamos
encontrar uma identidade nacional”.
As razões que levam as pessoas a se agruparem em tribos são
aprofundadas por Maffesoli, em seu livro O tempo das tribos (2006), ao explicar que
“as ‘tribos’ das quais nos ocupamos podem ter um objetivo, uma finalidade, mas não
é isso o essencial. O importante é a energia despedida para a constituição do grupo
como tal”. (MAFFESOLI, 2006, p. 164).
Para este autor “o homem não é mais considerado isoladamente. E
mesmo quando admitimos, e eu teria tendência a fazê-lo, a preponderância do
imaginário, não devemos esquecer que ele resulta de um corpo social e que, de
retorno, volta a materializar-se nele”. (Ibid., p. 129).
Sobre este paradigma tribal, Maffesoli (Ibid., p. 166) explica que “é
absolutamente estranho à lógica individualista. Na verdade, contrariamente a uma
organização na qual o indivíduo pode bastar-se a si mesmo, o grupo não é
compreensível senão no interior de um conjunto”.
Os freqüentadores passam a se identificar com determinados grupos de
pessoas – jovens, famílias, roqueiros, forrozeiros
17
, homossexuais, surfistas etc.
Esta identificação faz com que muitos destes grupos sempre se reúnam na mesma
barraca de praia.
17
Expressão usada para chamar as pessoas que gostam de forró.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
120
Para Maffesoli (Ibid., p. 148):
[...] os processos de atração e de repulsão se farão por escolha. Assistimos
à elaboração do que proponho chamar socialidade eletiva. É verdade que
esse mecanismo sempre existiu, mas, no que diz respeito à Modernidade,
ele foi temperado pela restrição do político que faz intervir o compromisso e
a finalidade, ultrapassando de muito os interesses particulares e o localismo.
Sobre o nível de freqüência à Praia do Futuro, o Gráfico III mostra que
45% dos freqüentadores vão à praia apenas nos finais de semana. Esta realidade
mostra-se de forma bastante concreta com um simples passeio pela avenida Zezé
Diogo nos dias da semana, quando se constata uma redução do número de veículos
estacionados em frente às barracas.
Gráfico III
Nível de frequência à Praia do Futuro
8%
20%
45%
27%
Primeira vez Somente nas férias
Nos fins de semana Durante todo o ano
Mesmo durante a semana, entretanto, alguns dos freqüentadores
responderam que vão à Praia do Futuro para almoçar, caminhar ou para comer a
típica caranguejada
18
cearense. Este deslocamento favorece algum movimento nas
barracas. No sábado e domingo, o público aumenta consideravelmente, revelando a
praia como uma opção importante para o lazer do fortalezense e também do turista
que está na Cidade.
18
Prato típico da culinária cearense, sendo costume local servi-la às quintas-feiras.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
121
Foto 32 – Av. Zezé Diogo durante a semana
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
Foto 33 – Av. Zezé Diogo no fim de semana
Fonte: Ângela M. F. Silva (outubro de 2005)
Com um movimento menor durante a semana, os barraqueiros
necessitam, também, de um número menor de profissionais para o atendimento aos
clientes. Em conversa informal com um garçom de uma das barracas, ele expôs que
muitos deles são contratados pelos donos das barracas apenas para o sábado e o
domingo no período de baixa estação e aqueles que se destacam no serviço e
atendimento conseguem trabalhar durante todos os dias da semana quando chega a
alta estação.
Embora seja nas férias e finais de semana a maior procura, muitas
pessoas freqüentam a praia durante o ano inteiro. Assim, 27% dos freqüentadores
entrevistados responderam que costumam ir à praia durante todo o ano,
independentemente de férias ou fim de semana. Muitos afirmaram que freqüentam a
Praia do Futuro nos períodos diurno e noturno.
Ainda com referência ao Gráfico III, 20% das respostas indicaram o
período das férias como o momento em que aumenta a disponibilidade para
freqüentar a Praia do Futuro. Com o ritmo intenso que envolve as pessoas no
mercado de trabalho, o período de férias dos filhos ou das férias pessoais favorecem
o deslocamento para a busca de lazer e descanso em lugares como a Praia do
Futuro.
Quanto à facilidade de deslocamento na cidade de Fortaleza com destino
à Praia do Futuro, pode-se apresentar o Gráfico IV, onde é revelada a opinião dos
freqüentadores. Ao serem questionados sobre o acesso, 85% dos entrevistados
consideraram fácil, enquanto apenas 15% acharam o acesso difícil.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
122
Gr á fico IV
Acesso à Praia do Futuro
Difícil
15%
Fácil
85%
Segundo Sposito (1999, p. 23):
Em tese, os espaços coletivos são aqueles que poderiam ser partilhados por
todos, mas apenas em tese, porque o acesso ao conjunto da cidade tem
relação direta com o nível de poder aquisitivo, sobretudo em uma cidade
estendida, cujos deslocamentos necessários no seu interior significam
tempo e custos.
Analisando as respostas no Gráfico IV, pode-se retomar a reflexão de
Sposito citada há pouco, quando diz que o deslocamento implica tempo e custos,
dessa forma, isto pode ter contribuído de maneira decisiva para o resultado
apresentado. No Gráfico V, é possível observar o meio de transporte utilizado para
efetuar este deslocamento até a Praia do Futuro.
Nele verifica-se que 60% das respostas corresponde à utilização de
veículo particular (carro) para chegar à praia. Apenas 18% deles responderam que
utilizaram o transporte público e 22% outros meios de transportes, onde se incluem,
vir a pé (para quem reside nas proximidades da praia), táxi, transporte alternativo,
transporte da agência de viagem, carona, dentre outros. Muitas pessoas que
consideravam fácil o acesso a esta praia relacionavam ao fato de poderem vir em
veículo particular, enquanto os que falaram das dificuldades no acesso relacionaram
a quantidade de ônibus que necessitaram utilizar e do tempo despendido para
chegar à praia por conta da longa espera.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
123
Gráfico V
Meio de transporte utilizado até à
Praia do Futuro
Carro
60%
Ônibus
18%
Outros
22%
Outras personagens que enriquecem a análise da maritimidade na Praia
do Futuro são os vendedores ambulantes, pessoas de grande movimentação na
área, chegando muitas vezes a caminhar por toda sua extensão, vendendo seus
produtos, presenciando e/ou vivenciando inúmeras situações que envolvem muitos
das personagens aqui apresentados.
No período de alta e baixa estação, eles percorrem as barracas da praia à
procura de clientes. São inúmeros os produtos vendidos e praticamente todos se
relacionam às necessidades das pessoas que se encontram à beira-mar: óculos,
viseiras, chapéus, protetor solar etc. Assim, utilizando-se do local em que se
encontram, pela exposição aos fortes raios solares e à água do mar, eles ganham o
sustento com a venda de seus produtos.
A presença destes vendedores é maior no período de alta estação. Eles
se concentram principalmente na faixa de praia e nas barracas onde é maior o
número de pessoas. Mesmo sendo uma atividade discriminada por alguns
freqüentadores e reprimida por muitos barraqueiros, ainda encontram espaço para a
continuidade de suas atividades quando muitas pessoas se mostram interessadas
por seus produtos.
Tratando dos conflitos ocasionados pela presença dos vendedores
ambulantes na Praia do Futuro, Ximenes (2004) diz que:
Uma verdadeira batalha vem sendo travada nas areias da praia do Futuro.
De um lado, vendedores ambulantes e donos de barracas. No meio do
embate, os freqüentadores do local. Os proprietários dos estabelecimentos
reclamam que o comércio informal prejudica as vendas e garantem que a
prática afugenta os banhistas. Os ambulantes defendem-se, argumentando
que precisam trabalhar. E muitos freqüentadores se dizem incomodados
com o assédio dos vendedores.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
124
O trabalho de fiscalização destes profissionais por parte dos órgãos
competentes torna-se complicado em virtude da própria natureza do trabalho, pois
estão em constante ir-e-vir ao longo de toda a praia.
Em muitos momentos da aplicação dos questionários com os
freqüentadores da praia, esta pesquisadora foi por diversas vezes abordada pelos
vendedores ambulantes que ofereciam óculos, saídas de praia, chapéus,
bronzeadores, redes, cd’s, dvd’s, trabalhos artesanais, churrasco, queijo assado e
muitos outros produtos.
Os ambulantes caminham desde o início da manhã até o pôr-do-sol, com
muita disposição, pois disto dependem seus rendimentos. Eles próprios divulgam
seus produtos, fazendo da alegria e bom humor o marketing pessoal para o sucesso
das vendas. Durante os trabalhos de campo, um destes vendedores afirmou que,
por estar desempregado e morar perto da praia, resolveu vender produtos ali.
Outras personagens que entram em cena no contexto da Praia do Futuro
são os donos das barracas, considerados determinantes para a modificação da
paisagem. Eles já foram por diversas vezes colocados na mídia cearense como os
“vilões” da praia. Esta situação lhes era imposta em razão das precárias condições
de higiene e serviços em seus estabelecimentos comerciais, oferecidos aos
freqüentadores no início da procura pela praia. Com o empenho destes
comerciantes para a melhoria destes estabelecimentos, foram ganhando crédito com
os freqüentadores ao passar dos anos.
Foto 34 – Barraca de praia ganha prêmio numa importante revista do país
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
125
3.2 A Praia do Futuro na lógica do lazer e do turismo
Para compreender os processos inerentes à construção da maritimidade
no espaço da Praia do Futuro em Fortaleza, é fundamental trazer à análise as
transformações ocorridas neste espaço do litoral do Ceará após sua inserção no
circuito do turismo nacional e internacional. Para tanto se faz necessário entender a
atividade turística como produtora, transformadora e consumidora do espaço.
O turismo em Fortaleza se tornou importante vetor de crescimento
econômico do Município, em termos de oferta de emprego e ensejo de renda.
Segundo Silva (2002, p. 129):
A requalificação urbana experimentada por esta Fortaleza, múltipla, singela
e sofisticada, tradicional e moderna, vincula-se intimamente ao turismo,
fonte recente de geração de emprego e renda com grande inversão de
capital em infra-estrutura capaz de ampliar a atividade e consolidar a
posição da capital no intrincado e competitivo ranking dos principais
destinos turísticos do país.
No Estado do Ceará o turismo vem se intensificar a partir de políticas de
planejamento que busca maior crescimento para essa atividade. Diz Rocha Junior
(2000, p.16) que:
A fase do turismo planejado no Ceará, que tem seu início no final na
década de 1980, parece estar articulado com o chamado processo de
globalização – um presumível estágio do capitalismo, que se cristaliza na
década de 1970 e promove a expansão da forma mercadoria pelos quatro
cantos do mundo. Nesta ‘nova’ fase do capitalismo, o turismo aparece
como uma das evidências significativas no que diz respeito à
homogeneização de processos produtivos e organizacionais em todo o
mundo.
Segundo Dantas (2002, p. 97), com Fortaleza agora vinculada ao turismo,
“a imagem da Cidade do Sol, difundida pela imprensa escrita e televisionada, serve
de suporte para comunicação de porte simbólico, transmissor de mensagem
direcionada a grupo específico: os consumidores de praia”. Para esse autor, a
formação de opinião por meio da publicidade/propaganda:
[...] suscita a construção de uma imagem de marca baseada nas vantagens
climáticas. Procura-se, assim, construir uma imagem para difundir o
processo de modernização, dado comprometedor da imagem trágica
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
126
associada ao imaginário social da seca e que impedia o desenvolvimento do
turismo. (DANTAS, 2005b).
Analisando as mudanças ocorridas no espaço das cidades e na sua
dinâmica social nos diz Silva (1999, p. 110) que “o sujeito social clássico e os novos
sujeitos contidos num processo de emergência de novos valores impõe novos
espaços para o cidadão, exigem novas análises”. Dessa forma, percebe-se que essa
dinâmica espacial não pode passar despercebida e que essa análise deve ser
efetuada a fim de que se possa ter maior compreensão dos processos atuantes na
sociedade e no espaço geográfico em foco. Conforme Dantas (2005b, nota nossa):
A atividade turística, no final dos anos 1980, recebe especial atenção nas
políticas de desenvolvimento adotadas pelos estados nordestinos. No cerne
do PRODETUR-NE
19
, projeto de dimensão regional, são alavancadas
políticas públicas de caráter local (Estadual) e evidenciadoras do turismo
como atividade econômica associada à pauta de desenvolvimento da região.
Grosso modo, o presente quadro destoa do preexistente, no qual a atividade
turística era pouco explorada e não contemplada nas políticas de
desenvolvimento econômico.
Silva e Cavalcante (2004, p. 145) expressam que, nos últimos anos, o
Estado do Ceará “tem desenvolvido uma agressiva política de turismo na tentativa
de se firmar nos roteiros nacionais e se inserir nas rotas internacionais. Fortaleza,
além de ser o grande portão de entrada para o turismo no Estado, é a sua principal
atração”.
Isto explica os investimentos nos planos nacional, regional e estadual para
a valorização de áreas propícias ao desenvolvimento de atividade ligadas ao turismo
e ao lazer, confirmando o que nos diz Moraes (1999, p. 43):
Notadamente a atividade turística ganha grande destaque quando se adota
uma perspectiva de futuro. Em termos globais, é um dos setores produtivos
que mais cresce na zona costeira na atualidade, revelando uma velocidade
de instalação exponencial. Fato que pode ser atestado na preocupação
estatal brasileira de fornecer suporte para o setor, com a elaboração de
planos de construção de infra-estruturas e investimentos, que qualifiquem o
litoral brasileiro numa maior atração dos fluxos internacionais.
Segundo Lima (2005), o planejamento turístico pauta-se “no discurso de
que o turismo é uma das atividades de maior crescimento em nível mundial,
tornando-se responsável por um percentual significativo da população
19
O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR-NE) é a maior expressão
das políticas direcionas voltadas ao turismo na região.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
127
economicamente ativa”. Diz ainda que “tal fato ocorre, principalmente, pela atividade
requerer uma série de serviços para a sua realização, sendo, dessa forma,
apresentada como uma possibilidade de geração de emprego, renda e divisas”.
(Ibid.).
O objetivo do planejamento turístico, entretanto, não se concretiza em
todos os lugares que desenvolvem estas atividades, pois muitos dos moradores nas
proximidades destes lugares turísticos não conseguem se integrar ao mercado de
trabalho, ocasionando uma série de conseqüências sociais.
A política de turismo empreendida no Ceará e, mais especificamente, em
Fortaleza, favoreceu a concretização destas modificações socioespaciais, além de
ter fomentado as condições de infra-estrutura para o atendimento do fluxo turístico
nacional e internacional. Isto se vincula à globalização dos lugares, pois, para
atender à demanda turística na zona costeira cearense, “necessário torna-se
construir lugares de recepção e vias de distribuição do fluxo turístico, assim como
investir noutros domínios: energia, telefonia, serviços sanitários etc”. (DANTAS,
2002, p. 90).
Para Dantas (Ibid., p. 84), “o movimento de constituição da cidade
direcionado para a zona costeira inscreve-se, em lógica constante no Plano de
Mudanças do governo do Estado, suscitando forte intervenção em dois grandes
domínios: o da indústria e o do turismo”. É para esta porção do território cearense
que se direciona a maioria das políticas públicas desenvolvidas nos âmbitos federal,
estadual e municipal.
Os governantes de muitas cidades do Nordeste brasileiro entram na
disputa por investimentos financeiros e atração de turistas, numa desenfreada
competição, desviando a atenção do Poder público para o investimento em serviços
básicos para o bem-estar da população. Isto se reflete na contínua necessidade de
possuir um diferencial de atratividade com relação às capitais nordestinas.
Este refere-se a apresentar, para os turistas nacionais e estrangeiros,
praias despoluídas, segurança, hospitalidade, culinária, artesanato, atendimento
com qualidade, higiene, preços e qualidade dos produtos e serviços mais atrativos,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
128
dentre outros aspectos. Todos estes itens fazem parte de uma positiva política de
turismo, contanto que não sejam deixados de lado os investimentos em outros
importantes setores da Cidade.
Com a implementação dos investimentos neste setor da economia
ocorrem “[...] rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto
entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto
movimento no emprego do chamado ‘setor de serviços’”. (HARVEY, 2004, p.140).
Os serviços oferecidos pelas atividades ligadas ao turismo e ao lazer em Fortaleza
refletem bem este momento que Harvey evidencia.
No entendimento de Coriolano (2004, p. 26), o turismo é uma atividade
que resulta “da expansão e acumulação ampliada do capital, da evolução do modo
de vida, da própria civilização, que foi criando e sofisticando a indústria, as técnicas,
os transportes, o comércio, a propaganda, os serviços e as formas de lazer”.
A transformação dos espaços para fins turísticos reflete o momento atual,
quando a acumulação flexível
20
dita as regras do mercado e a necessidade de
apropriação de novos lugares para expansão do consumo. Assim, criam-se cada vez
mais mercadorias, produtos e serviços ligados a esta atividade, fortalecida pelas
estratégicas, políticas e ações no setor.
O turismo, fenômeno da sociedade atual, contribui para o dinamismo
da economia mundial e, no caso específico da cidade de Fortaleza, colabora
ativamente para a vitalidade da economia local, apesar de produzir inúmeras
polêmicas sobre a forma como se desenvolve em algumas partes do espaço
cearense. Seguindo na direção desta análise, muitos destes lugares, apoiados na
20
“A acumulão flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do
fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos
produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de serviços financeiros, novos
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento
desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto
movimento no emprego no chamado “setor de serviços”. (HARVEY, 2004, p. 140).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
129
força reestruturadora do capital mediante a atividade turística, parecem ser tocados
pelo poder de Midas
21
.
Adverte Moraes (1999, p. 17) para o fato de que a extrema valorização
dos espaços litorâneos e as vantagens adquiridas das atividades econômicas
incidem “sobre a maior reserva de recursos do planeta, que tem seu aproveitamento
cada vez mais regulado por normas internacionais, o que evidencia o seu grande
valor estratégico”.
Assim, a diversidade natural que compõe a paisagem litorânea do Ceará
se transforma em fonte de atratividade para a atividade turística. As belezas ao
longo de sua costa, o clima ameno e os muitos dias de sol servem para a elaboração
de um cartão-postal ideal para as campanhas de atração de turistas, que todos os
anos chegam ávidos por conhecer os “verdes mares” do Ceará.
Conforme Rodrigues (1999, p. 129-130):
Bombardeado pelos apelos da multimídia o indivíduo é seduzido pelas
operadoras e agências de viagem, que apoiadas nos progressos técnicos e
nas facilidades do crédito oferecem pacotes turísticos a preços módicos e
amplamente financiados para qualquer parte do planeta. A viagem é imposta
aos indivíduos como uma das necessidades básicas do homem. Em última
análise é uma necessidade “fabricada” pela sociedade de consumo de
massa.
Inserida nas razões da reprodução do capital por intermédio da atividade
turística, a Praia do Futuro surge como lugar turístico
22
, absorvendo boa parte dos
investimentos públicos e privados que buscam dinamizar e consolidar esta atividade
na Capital cearense. Conforme Cruz (2003, p. 8), “nenhum lugar turístico tem
sentido por si mesmo, ou seja, fora do contexto cultural que promove sua
valorização, em um dado momento histórico”.
21
Conta Russell (1957, p. 52) que Midas era um “ilustre rei, porque gostasse, excessivamente, do
ouro, conseguiu que um deus lhe desse o privilégio de transformar nesse metal tudo quanto ele
tocasse. A princípio o rei ficou maravilhado; ao verificar; porém, que todo alimento com que desejava
nutrir-se se transformava nesse metal, antes que ele o houvesse engolido, começou a sentir-se
seriamente molestado; e, quando viu, transformada em ouro, a filha, que beijara, de tal modo ficou
horrorizado que pediu aos deus que a recebesse, porque lhe restituía, de logo, sua dádiva. Desde
aquele momento certificou-se ele de que o ouro não era coisa única que tinha valor”.
22
Conforme Cruz (2003, p. 7) “lugar turístico é uma expressão utilizada para se referir a lugares que
já foram apropriados pela prática social do turismo, como também a lugares considerados
potencialmente turísticos”.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
130
Ao tratar do mito sobre a vocação para lugares turísticos e a determinação
destes mesmos lugares, Knafou (1994 apud BENEVIDES, 1998, p. 53) assegura
que a turistificação dos lugares:
[...] ao contrário de uma vocação natural – é decorrência da instalação de
infraestrutura neles e de novas produções de imagens sobre os mesmos, a
partir de um olhar inicial para eles lançado, pré-existentes fisicamente,
conferidor de outras representações e visualizações.
A Praia do Futuro, então, está envolvida nas políticas de desenvolvendo
do turismo que se propagam no Estado e no País, reproduzindo as razões do capital
financeiro e fortalecendo o ritmo das atividades econômicas mundiais.
3.2.1 As barracas entram no debate
Na Praia do Futuro, os turistas buscam “sol e mar”, além dos encantos
proporcionados pelas belezas das terras cearenses. Os freqüentadores locais
procuram um espaço de lazer e entretenimento, haja vista sua facilidade de acesso.
Assim, em busca das belezas do litoral e das diversas atrações e serviços presentes
na Praia do Futuro, como as barracas incrementadas com música ao vivo e grande
variedade de comida e bebida, muitas pessoas se dirigem para aquela que é tida
como a praia mais freqüentada no perímetro urbano de Fortaleza.
No início da ocupação, nas décadas de 1960-1970 as barracas tinham
forma de palhoças, construídas com madeira e palha de carnaúba. Localizavam-se
onde hoje se encontra a avenida Zezé Diogo, serviam de suporte aos banhistas,
para abrigá-los dos raios solares. Atualmente, as barracas procuram oferecer aos
freqüentadores uma grande variedade de opções de lazer, sendo inúmeros os
serviços, que objetivam manter os freqüentadores o maior tempo possível nestes
estabelecimentos. O Mapa III (p. 131) mostra com detalhes a localização e a
caracterização de algumas destas barracas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
132
Com o início da construção da avenida Zezé Diogo, em 1976, as barracas
foram transferidas para a área mais próxima do mar e atualmente apresentam
grande estrutura. O crescimento dos estabelecimentos comerciais da área,
principalmente nas barracas de praia ocorreu na tentativa de manter a freqüência
das pessoas de maior poder aquisitivo.
Foto 35 – Deslocamento das barracas em direção ao mar por
conta da construção da avenida Zezé Diogo (foto de 1984)
Fonte: www.diariodonordeste.globo.com
As barracas buscam inovar e/ou substituir o aparentemente desgastado
banho de mar mediante a implementação de outros atrativos, procurando chamar a
atenção do visitante. Nem todas, no entanto, possuem grande infra-estrutura,
existindo inclusive muitas que não conseguiram manter a clientela e acabaram
fechando. Mesmo com os melhoramentos das barracas, algumas ainda
permanecem com o aspecto das antigas palhoças, favorecendo grande
diferenciação estética destas construções, pois a grande maioria já foi reformada
utilizando os materiais da alvenaria convencional – tijolo, cimento e ferro.
Foto 36 – Barraca fechada e tomada pela areia (PF I)
Fonte: Ângela M. F. Silva (junho de 2006)
Foto 37 – Barraca de grande infra-estrutura (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
133
Muitos barraqueiros construíram estruturas de certa forma definitivas,
como piscinas, quiosques, tendas e a própria estrutura da barraca, por acharem que
nunca seriam pressionados a deixar este local, embora a retirada das barracas
tenha sido motivo de muita polêmica nos últimos anos em Fortaleza.
Da certeza da permanência à dúvida quanto ao futuro que teriam, as
barracas da Praia do Futuro entraram no debate sem saber ao certo as medidas que
serão tomadas quanto à sua continuidade ou não no local onde se encontram. A
matéria do jornal O Estado, de 09 de fevereiro de 2006 a seguir, resume a ação
requerida pelo Ministério Público contra estes estabelecimentos:
No mês de novembro de 2005, o Ministério Público Federal (MPF) e a União
Federal entraram com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra o
município de Fortaleza e 153 donos de barracas da Praia do Futuro. A ação
pede a imediata remoção de todos os obstáculos que dificultam ou impedem
o acesso da população à área de praia e a retirada de todos os
estabelecimentos irregularmente instalados no local. Segundo o MPF, as
barracas da Praia do Futuro estão na área de praia, utilizando o espaço
público como se fosse uma propriedade. (MINISTÉRIO..., 2006)
As barracas se defendem da ação do Ministério Público Federal,
contratando um advogado para representar a Associação dos Empresários da Praia
do Futuro que não concorda com a retirada dos estabelecimentos. A matéria do
jornal Diário do Nordeste de 24 de janeiro de 2006, acrescenta outros detalhes
quanto a esta questão:
Inconformados com a decisão do Ministério Público de mandar retirar as
barracas da Praia do Futuro, os empresários começam a reagir. O advogado
Paulo Lamarão deu entrada na 4ª Vara da Justiça Federal com um pedido
para que 35, das 154 barracas existentes no local não sejam removidas,
pois se encontram protegidas por uma liminar até o julgamento deste caso.
De acordo com o advogado, a situação das barracas na Praia do Futuro é
bastante atípica, pois envolve aspectos culturais e econômicos de Fortaleza
podendo causar grandes impactos no turismo local. Segundo o advogado, a
defesa das 35 barracas está baseada no usucapião adquirido pelo tempo de
permanência no local. “Somos invasores do patrimônio particular. Temos
direito ao usucapião”, defende. O local, atualmente ocupado pelas barracas,
pertenceu à família Diogo e foi bastante modificado, principalmente por não
apresentar oficialmente a linha de preamar, que limita o território das
barracas. O advogado lembra que a União, o Ministério Público e os
barraqueiros fizeram um acordo para mudar a localização e avançar o limite
da praia. “Antes, as barracas estavam localizadas onde atualmente é a
Avenida Zezé Diogo. Com o projeto para construir a avenida, todos as
barracas tiveram que avançar para a praia. Hoje, o Ministério Público
questiona isso. Como pode, se foi a União que autorizou isso na época?”,
destaca. (LIMINAR..., 2006).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
134
Com o início desta disputa judicial pela permanência ou retirada das
barracas da área onde se encontram, começaram a ocorrer situações extremas
envolvendo as barracas: a) as barracas se supervalorizaram, algumas estando
avaliadas em milhões de reais; e b) foram abandonadas e pelo fato de não estarem
em funcionamento, verifica-se um completo abandono por parte dos atuais
proprietários.
A melhoria das barracas foi promovida pelo aumento do fluxo de pessoas
na praia, momentos em que os empresários sentiram a necessidade de instalar
novos serviços e nova estrutura a fim de não perderem sua clientela. Com o avanço
dos investimentos na área da Praia do Futuro, os comerciantes, principalmente os
donos das barracas, procuraram cada vez mais diversificar suas estruturas mediante
temas, configurando-se o que hoje se evidencia na Praia do Futuro como “barracas
temáticas”.
Foto 38 – Barraca com tema de castelo
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 39 – Barraca com tema tailandês
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
Existem barracas com tema de castelo, representando o mundo oceânico,
barracas rodeadas de grama e coqueiros, barracas com quiosque de tecido no lugar
da palha de carnaúba etc. Com isso, ocorre gradativamente a alteração da
paisagem natural da praia com a inserção de elementos artificiais para a
diversificação dos temas propostos pelas barracas. Muitas delas plantaram
coqueiros artificiais, fazendo uma negação da paisagem natural da área, em virtude
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
135
da imposição da ideologia do “paraíso tropical” que é cheio de coqueiros, muito
verde e com águas transparentes.
É observável a competição entre as barracas da Praia do Futuro,
principalmente para sua diferenciação e diversificação temática, sendo difícil para as
barracas de menor porte competirem com o nível de especialização e serviços
oferecidos pelas maiores. Atualmente, a Praia do Futuro dispõe de 126 barracas,
sendo 96 em funcionamento e outras 30 fechadas.
Quanto à distribuição espacial delas pode-se dizer que as de maior porte e
estrutura encontram-se localizadas na Praia do Futuro II (rever Mapa III, p. 131).
Nesta área, as barracas distanciam-se umas das outras por apenas alguns metros.
Em alguns lugares da praia, para ter acesso ao mar, é necessário passar pelas
barracas, pois não há espaço para a passagem dos pedestres entre elas.
De acordo com as normas oficiais de ordenamento da Praia do Futuro, a
distância mínima entre as barracas deve ser de 15 a 20 metros, o que não ocorre na
maioria delas. O trecho entre as barracas Castelo Beach e Chico do Caranguejo
representa um daqueles onde a aglomeração de barracas é intensa, sendo a maioria
de grande porte, inclusive com a presença de parque aquático para a diversão das
crianças.
Na Praia do Futuro I, principalmente nas proximidades do bairro Vicente
Pinzón, a realidade é completamente diferente. As barracas se encontram mais
distantes umas das outras e muitas estão fechadas ou tomadas pela areia. Uma de
grande porte que se destaca nesta área é a Croco Beach, possuindo duas piscinas,
um toboágua, além de outros serviços.
Na área próxima ao rio Cocó, após a barraca Castelo Beach, a realidade é
semelhante ao relatado no parágrafo anterior. Umas das barracas mais conhecidas
da Praia do Futuro, a Rebu, está de portas fechadas e com placa de venda. Fato
intrigante e que chamou a atenção durante a pesquisa foi uma barraca situada nesta
área (fotos 40 e 41) que em julho de 2005 foi registrada em fotografia e em abril de
2006 em outro trabalho de campo estava demolida e com o terreno com placa de
venda.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
136
Foto 40 – Barraca funcionando em julho
de 2005 (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 41 – Barraca demolida em abril de 2006 e
com terreno à venda (PF II)
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
Com o aumento do número de freqüentadores no período da alta estação,
o cenário da Praia do Futuro muda completamente. Em matéria do jornal O Povo de
08 de janeiro de 2005, é demonstrado, em aspectos gerais, como ficam as barracas
desta praia:
Barracas lotadas de domingo a domingo. Esse é o cenário da Praia do
Futuro desde o final de dezembro. Em alguns estabelecimentos, o
movimento nesse período mais que duplicou, comparado ao ano passado.
Muitas barracas se reestruturaram especialmente para essas férias, e a
maioria teve que contratar mais funcionários para dar conta da demanda
(XIMENES, 2005).
Alguns diferenciais nas barracas da Praia do Futuro atraem os
freqüentadores, dentre os quais, rampas para usuários de cadeira de rodas,
banheiro equipado para o portador de deficiência e acesso à Rede Mundial de
Computadores (Internet). Com a instalação destes novos serviços e das
modificações estruturais, os barraqueiros que eram bastante criticados no início da
ocupação desta praia começam a ganhar notoriedade entre fortalezenses e turistas.
Portanto, além de mesas, cadeiras, caranguejo, peixe e cerveja, os
estabelecimentos aderem a estes outros atrativos, tentando diversificar os serviços
para conquistar a clientela. Segue um quadro-resumo com a maioria dos atrativos e
serviços oferecidos em alguns desses equipamentos de grande porte da Praia do
Futuro. Este quadro demonstra que as piscinas, toboáguas e a música ao vivo são
os itens mais oferecidos nestas barracas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
137
Quadro I - Atrações de algumas barracas na Praia do Futuro
Barraca
CocoBeach
Possui duas piscinas, um toboágua, dois banheiros infantis e um
para deficientes físicos. Massagens, hidromassagens. Nos fins de
semana e feriados, dispõe de brinquedos infláveis, touro mecânico,
escalada, piscina de bolinhas, palhaços e mágicos. Aos sábados,
buffet de feijoada.
Itapariká
Parque aquático com 300 metros quadrados de área, nove
brinquedos e três piscinas (de 40, 60 e 80 centímetros de
profundidade). Playgrounds. Música ao vivo às quintas-feiras,
sábados e domingos.
Vila Galé
Possui uma piscina e parque infantil. Implantou 50 coqueiros em
dezembro de 2004 e contratou seguranças. Na quinta à noite, buffet
de mariscos.
Chico do
Caranguejo
Dispõe de uma piscina, dois toboáguas, diversos brinquedos
aquáticos e
playground.
Implantou 60 coqueiros em dezembro de
2004.
Atlantidz
Possui uma piscina infantil, playground e guarda-volumes.
CrocoBeach
Possui uma piscina, toboágua, sete chuveirões, dois playgrounds,
restaurante e quiosques em estilo tailandês.
Marulhos
Possui playground e quatro chuveirões. Na quinta-feira à noite, há
uma programação com MPB. Nesse dia, tochas e fogueiras
reforçam a iluminação do local. As mesas são colocadas em um
jardim. No sábado, feijoada com música regional e MPB.
Organizado por: Ângela M. F. Silva
Fonte: XIMENES (2005)
Assim, em busca de divertimento, lazer, descontração ou até mesmo
trabalho, as pessoas vão ocupando as barracas situadas na orla marítima da Praia
do Futuro, constituindo uma multiplicidade de territórios
23
e de usos. Assim, “fala-se
de um espaço que pode se compor de diversos territórios, na medida em que
diferentes indivíduos ou grupos sociais nele realizam suas atividades” (COSTA e
ALMEIDA, 1998, p. 278).
Desse modo, podemos perceber como estes territórios diferenciados
passam a “conviver” num mesmo espaço. Na Praia do Futuro, verifica-se a
existência destes territórios, podendo-se destacar a característica seletiva e
excludente da atividade turística na definição de áreas prestigiadas, onde são
criados espaços de consumo, de uso praticamente exclusivo dos turistas, causando
23
Segundo Souza (1995, p. 87) território são “relações sociais projetadas no espaço, que podem formar-se e
dissolver-se, constituir-se e dissipar-se de modo relativamente rápido, ser antes instáveis que estáveis ou,
mesmo, ter existência regular mas apenas periódica, ou seja, em alguns momentos – e isto apesar de que o
substrato espacial permanece ou pode permanecer o mesmo”.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
138
a segregação dos outros freqüentadores que ficam à margem dos atrativos criados
para o turismo.
Analisando a Praia do Futuro como espaço destinado à absorção de parte
da atividade turística da Cidade, não se pode deixar de fazer uma reflexão sobre o
uso de espaços públicos e privados para fins de lazer, pois, na dinâmica da vida
urbana de Fortaleza, estes são cada vez mais requisitados.
Durante a realização dos trabalhos de campo, foi possível observar e
registrar a delimitação das barracas por meio de cercas naturais e artificiais,
exemplificando ações no sentido da privatização do espaço público. Assim, os
espaços de usufruto do cidadão estão sendo, pouco a pouco, privatizados, surgindo
espaços estritamente particulares, ao invés de continuarem sendo públicos.
Obstáculos são erguidos em plena areia impedindo o livre acesso dos banhistas ao
mar ou às outras barracas.
Foto 42 e 43 – Cercas delimitando a área das barracas na Praia do Futuro
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
De acordo com Sposito (1999, p. 25), “o público, compreendido como o
que pode ser de todos, é muitas vezes visto como o que pode ser privatizado,
porque está liberto da condição de ser propriedade de alguém”. Assinala, ainda, que:
[...] nos espaços públicos, mais do que nos privados, poderíamos encontrar
a síntese entre os tempos longos, aqueles das transformações processuais
e das rupturas históricas, e os tempos curtos, esses das práticas cotidianas
e que podem ser medidos no calendário da vida humana, pois nesses
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
139
espaços estão contidas múltiplas possibilidades de usos e apropriações
(Ibid., p. 27).
De acordo com o Art. 10 da Lei 7661 de 1988 (Anexo A), que institui o
Plano de Gerenciamento Costeiro, “as praias são bens públicos de uso comum do
povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em
qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de
segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”. Esta
lei estabelece, ainda, em seu Art. 10, parágrafo 1º, que “não será permitida a
urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça
ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo”. (Ibid.).
No parágrafo 3º deste mesmo Art., é esclarecido o que se entende por
praia
nesta Lei: “entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente
pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias,
cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou,
em sua ausência, onde comece um outro ecossistema”. (LEI 7661 de 1988 – Anexo
A).
Segundo a matéria publicada no jornal Diário do Nordeste em 10 de
fevereiro de 2003:
[...] O desordenamento na construção dos estabelecimentos fere normas do
Patrimônio da União, responsável pela área, prejudica os próprios
barraqueiros e só beneficia quem freqüenta a parte urbanizada da área.
Segundo a União, até 25% das barracas estão avançando sem controle
sobre a praia. O permitido é que a área de ocupação na faixa de praia seja o
dobro da área construída da barraca. De acordo com o gerente geral do
Patrimônio da União no Ceará, João Afonso de Almeida Vale Júnior, nessa
área concedida, o dono da barraca pode restringir a entrada de usuários
com cobrança de ingresso ou demarcação do espaço, com exceção da
parte de uso comum. “Na área construída ele pode colocar faixas de
limitação, só não pode é cercar a praia”, diferencia. (ESPAÇO..., 2003).
Dessa forma, as barracas podem ser cercadas provisoriamente por
algumas horas e somente com a autorização da Delegacia de Patrimônio da União
(DPU) para a realização de eventos: assim eles podem acontecer de forma
ordenada e também legal.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
140
3.2.2 A incorporação de novas práticas de lazer – será o fim dos banhos de mar?
Os encantos da Praia do Futuro, aliados à beleza do ambiente litorâneo,
chamam a atenção dos que se encontram nesta praia. Sua paisagem serviu,
inclusive, como fonte inspiradora para a composição de uma música, intitulada Maria
do Futuro, do compositor Taiguara, que incluiu no álbum Viagem esta composição
que fala da paisagem desta praia, marcando, assim, o momento em que ele esteve
em Fortaleza no início da década de 1970:
uhhhh... uhhhh...
duna branca, lua imensa, Maria deita
nua e branda como as nuvens que a lua enleita
duas tranças, uma flor e Maria enfeita
suas mansas curvas cheias que a areia aceita
era noite de verão
vi o amor nasceu num sorriso seu
o luar me convidou
mar nos temperou e ela me envolveu
nessa rede ela prendeu
minha dor se viu, minha solidão
nessa rede eu vi nascer minha liberdade
tua rede, minha sede
e o amor te trouxe
quero ver o mar salgando teu seio doce
e em cadeias de amor puro
viver guardado
joga areias do futuro no meu passado
“Maria do Futuro”
Composição de Taiguara
Em 1972, o compositor Ednardo escreve a música Terral, quando exprime
o prazer de estar em Fortaleza: eu venho das dunas brancas, onde eu queria ficar,
deitando os olhos cansados, por onde a vida alcançar [...] A Praia do Futuro, o farol
velho e o novo são os olhos do mar; são os olhos do mar; são os olhos do mar.
Além das belezas naturais, as pessoas que se dirigem à Praia do Futuro
são motivadas por uma série de fatores, destacando-se, também, e as diversas
atrações incorporadas à área. As opções de lazer na Praia do Futuro foram se
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
141
diversificando, ao passo que também ocorriam mudanças sociais, econômicas,
urbanas e culturais no contexto da cidade de Fortaleza.
Observa-se que diferentes motivações levam os freqüentadores à Praia do
Futuro. Seria comum o mar ser o grande astro de um “domingo na praia”, quando os
banhos de mar seriam a motivação principal que levaria tantas pessoas a procurar
este espaço de lazer. A realidade observada, entretanto, apresenta-se de forma
diferenciada em virtude das novas práticas de lazer e serviços incorporadas na área.
A exemplo, pode-se mencionar os banhos de sol, a prática de esportes ao ar livre e
o uso dos equipamentos e serviços oferecidos pelas barracas de praia – piscinas,
toboáguas e chuveirões.
Estes novos serviços relacionam-se também às novidades oferecidas
pelas barracas com a finalidade de atrair mais freqüentadores. Dentre eles, podem
ser mencionados: sala virtual, salão de beleza, sorveteria, agência de viagens,
música ao vivo, aluguel de toalhas, cama elástica, parquinho para crianças, piscina
de bolinhas, lojas de conveniência, guarda-vidas da própria barraca, seguranças
particulares etc. Em algumas barracas, os recursos da Internet são utilizados
inclusive para disponibilizar em tempo real as imagens da barraca. Assim, quem es
em casa ou no trabalho pode acompanhar como está a movimentação das pessoas.
Quanto às práticas de lazer, a motivação inicial que conduziu os
freqüentadores até a Praia do Futuro foi a busca pelos banhos de mar, pois esta
área não apresentava sinais de poluição e para ela deslocavam-se os investimentos
do setor imobiliário de Fortaleza depois da metade do século XX.
Com o passar dos anos e a introdução de novas “modas” e costumes,
outras práticas foram incorporadas na praia a fim de complementar os banhos de
mar. Sendo palco de inúmeras festas, shows e eventos públicos, o local foi
fortalecido e cristalizou-se como ideal para as atividades de lazer da população de
Fortaleza e dos turistas que tencionavam tomar banhos de mar.
Com as mudanças de comportamento ocorridas na sociedade de
consumo, esta prática marítima moderna na Praia do Futuro vai sendo
complementada e agora ir à praia também significa bronzear-se, comer caranguejo,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
142
fazer massagem etc. Com isso, ir à praia deixou de ser um lazer apenas para tomar
banho de mar.
Além das opções de serviços oferecidos pelas barracas, ainda existem
aqueles que estão instalados diretamente na areia da praia e que podem ser
utilizados por qualquer freqüentador. A exemplo, destaque-se o bronzeamento
artificial, massagem relaxante, aluguel de pranchas de surf, dentre outros serviços.
Foto 44 – Jet Bronze
(bronzeamento artificial com pistola automática)
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 45 – Tenda para massagem relaxante
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Segundo Padilha (2000, p. 36), “[...] o desenvolvimento do capitalismo tem
exigido exatamente isso, uma “revolução de costumes”, de forma que os indivíduos
estejam constantemente tendo que se adaptar às “novidades”, a novos modos de
vida”. Afirma Maffesoli (2006, p. 134) que:
O culto do corpo, os jogos da aparência só valem porque se inscrevem em
uma cena ampla onde cada um é, ao mesmo tempo, ator e espectador.
Parafraseando Simmel e sua sociologia dos sentidos, trata-se de uma cena
que é “comum a todos”. A acentuação está menos no que particulariza do
que na globalidade dos efeitos.
Os banhos de sol, consoante Dantas (2005a, p. 274) é “uma prática
fundada na emergência de um novo parâmetro estético, centrada na idolatria de um
físico perfeito e de um corpo bronzeado”.
Em virtude das condições naturais da Praia do Futuro, principalmente com
relação às condições de vento e quantidade de ondas, a praia é utilizada para a
realização de campeonatos de atividades esportivas vinculadas ao mar.
Campeonatos de surf, kind surf, body boarding, pouso de asa delta e pára-quedismo
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
143
estão entre alguns dos que se realizam na praia. Atividades esportivas informais
também são praticadas à beira-mar, como frescobol, cooper e futebol de areia,
fazendo da Praia do Futuro um espaço de intensa atividade esportiva.
Foto 46 – Futebol de areia
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 47 – Frescobol
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Mesmo que o contato com o mar continue presente nos dias atuais, outros
elementos foram incorporados a ele. Um exemplo são os esportes náuticos, como o
surf e o windsurf e a pesca esportiva, que mantêm o homem em contato com o mar,
mesmo associado a outros tipos de uso e não apenas o banho de mar em si. Assim,
os banhos de mar, tão atraentes e motivadores nos anos de 1960 e 1970 vão aos
poucos sendo acrescidos de outras práticas que ora o complementam ora o
substituem.
Para dar suporte à prática destas novas atividades ao ar livre e à beira-
mar, constroem-se e reconstroem-se os fixos para corresponder ao crescimento dos
fluxos, pois, como ensina Santos (1997, p. 77), “fixos e fluxos interagem e se alteram
mutuamente”.
As quintas-feiras na Praia do Futuro ficaram famosas pelas tradicionais
caranguejadas, momento para reunir o grupo de amigos e curtir a noite na praia
após um longo dia de trabalho. Muitos turistas que chegam a Fortaleza já são
informados da existência deste dia dedicado à apreciação da culinária cearense. As
caranguejadas foram incorporadas também ao lazer de outros bairros da Cidade,
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
144
sendo motivo de procura em diversos bares e restaurantes e não mais restritas à
orla marítima.
Ao longo dos anos, as barracas mudaram hábitos na vida noturna da
Cidade. As caranguejada nas noites de quinta-feira acabaram virando mania
local e, atualmente, a maioria das barracas conta com essa atração. No
contexto cultural, têm proporcionado emprego para a classe artística local.
(MOVIMENTAÇÃO..., 2004).
Foto 48 – Caranguejada
(prato tipo servido nas barracas da Praia do Futuro)
Fonte: Fortaleza Convention & Visitors Bureau
A culinária cearense oferecida nas barracas é apresentada por meio da
combinação de temperos e sabores, propiciando pratos ricos e exóticos, como a
peixada, a lagosta ao molho de camarão, a caranguejada, a carne-do-sol, o baião-
de-dois, a galinha à cabidela, a paçoca e muitos outros. A riqueza das muitas frutas
tropicais complementa a culinária cearense, oferecendo aos visitantes e ao
fortalezense uma mesa variada e colorida.
Pode parecer contraditório, mas os incrementos em infra-estrutura, na Praia
do Futuro, começaram para atrair o cliente noturno, nas terças-feiras com os
shows de humor ou nas quintas com a tradicional caranguejada [...] Agora
os shows acontecem também aos sábados e domingos, começam por volta
de 13 horas, entram pela noite e lotam algumas barracas. As músicas vão
do pop ao samba de mesa, pagode, forró e música popular brasileira.
(BARRACAS..., 2004).
Na Praia do Futuro, pode-se verificar a prática do lazer diurno e do lazer
noturno. Observando-se a movimentação na área ocupada pelas barracas e no
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
145
espaço à beira-mar, é possível perceber que estas atividades são muitas vezes
praticadas em momentos diferentes do dia, apresentando diversas temporalidades.
Pela manhã bem cedo, até por volta das 8h 30min, há uma presença em
maior número de crianças, tomando banhos de mar e brincando na areia, enquanto
pessoas adultas fazem cooper à beira-mar.
Depois deste horário, verifica-se a chegada de pessoas em busca dos
banhos de sol, embora seja cada vez maior a divulgação dos problemas
ocasionados pela exposição exagerada aos raios solares, sendo constantemente
indicado o uso de protetores solares e evitação dos horários de maior incidência
destes raios. É a hora do “bronzeado”, momento em que são praticados banhos não
muito demorados no mar e, como dizem alguns freqüentadores: “é apenas para
ajudar a bronzear”. No caso das famílias, o horário preferido é pela manhã, mas os
jovens começam a chegar por volta de 10 horas e, em muitos casos, permanecem
nas barracas até a noite.
Quando a manhã está indo embora e se aproxima o horário do almoço,
pode-se perceber a chegada de pessoas, aparentemente sem roupas apropriadas
para os banhos de mar ou de sol. São os freqüentadores que vem à Praia do Futuro
apenas para almoçar, escutar música ou dançar. Muitos nem chegam a pisar a areia
da praia, pois, ao descer dos veículos, entram na área das barracas e
permanecem, utilizando os serviços disponíveis. O mar não é mais o atrativo
principal.
Para o lazer noturno são oferecidos shows musicais e de humor, salão de
dança, além da variedade gastronômica que também é oferecida durante o período
diurno. Algumas barracas são de tal modo ornamentadas que, ao estar no seu
interior torna-se impossível ver a praia, quanto mais sentir a brisa marinha. O
aspecto arrojado de muitas delas interfere no contato com o mar, conduzindo até
mesmo ao esquecimento de que se está à beira-mar.
Acredita-se que todo este aparato de equipamentos e serviços oferecidos
pelas barracas da Praia do Futuro não deva significar o abandono da praia, como
espaço público e de livre circulação de turistas e cearenses. Importa também não
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
146
impedir a visão do mar aos freqüentadores, mas tornar este espaço cada vez mais
procurado por aqueles que buscam descanso e entretenimento.
Com todos estes atrativos, as motivações se alteraram com o passar dos
anos. Antes o motivo principal para o deslocamento até esta área era tomar banho
de mar e passar um dia na praia, entretanto, hoje as motivações se diversificaram e
caminhar, comer caranguejo, escutar musica ao vivo, relaxar, descontrair, divertir-se
com os amigos, dançar, alimentar-se, são algumas das motivações que, somadas à
primeira, impulsionam os freqüentadores até a Praia do Futuro.
Durante a aplicação dos questionários junto aos freqüentadores da área,
foi possível verificar alguns elementos que se relacionam diretamente com a prática
ou abandono dos banhos de mar naquela área. A princípio, as questões expostas
aos entrevistados pretendiam averiguar se ainda havia uma preferência pela prática
dos banhos de mar na área ou em outros lugares ou se os freqüentadores estavam
mais inclinados atualmente à prática dos banhos de sol.
Levando em consideração o fato de que, nos dias atuais existe uma
supervalorização do culto ao corpo, à estética e à valorização de “corpos
bronzeados”, surgiu a necessidade de confrontar os banhos de mar a esta nova
prática de lazer – os banhos de sol.
Com base nos questionários aplicados aos sessenta freqüentadores nos
meses de julho e outubro de 2005, o Gráfico VI mostra que a preferência pelos
banhos de mar (35% das respostas dos entrevistados) é superior aos banhos de sol
(33%). No item “outros”, que correspondeu a 32% das respostas, se incluem as
pessoas que gostam das duas práticas, banho de mar e banho de sol, além
daqueles que preferem ficar somente na barraca, só vão pra comer caranguejo, para
shows, dentre outros.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
147
Gr á fic o VI
Preferência dos frequentadores
Outros
32%
Banho de
mar
35%
Banho de
sol
33%
Quando perguntado se os mesmos freqüentadores tomariam banho de
mar em outra praia, o Gráfico VII mostra que 58% das pessoas disseram “sim”, mas
cabendo uma ressalva importante: os moradores de Fortaleza que responderam que
tomariam banho em outra praia logo comentavam sobre qual seria esta praia,
referindo-se em seguida à Beira-Mar de Fortaleza, à Praia de Iracema, Pirambu e
Leste/Oeste, como praias onde “não” tomariam banho de mar.
Grá fic o VII
Decisão para tomar banho de mar em outra
praia
Sim
58%
Não
42%
Assim, com a incorporação de novas práticas de lazer, aliadas às
questões estéticas, que valorizam o “culto ao corpo”, ocorre uma diminuição da
prática dos banhos de mar nesta praia, mas não se pode dizer que ela foi
abandonada, pois muitas pessoas ainda gostam de tomar banhos de mar. Esta
mudança não é característica exclusiva da Praia do Futuro, podendo ser verificada
também em outros espaços à beira-mar, pois as questões estéticas e os parâmetros
sociais nos quais as pessoas estão envolvidas contribuem de certa forma para que
algumas pessoas diminuam sua freqüência a esta prática.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
148
Durante as entrevistas, uma freqüentadora expressou que não gostava de
tomar banho de mar para não desfazer o tratamento que havia feito em seu cabelo,
pois, para ela, a água salgada do mar lhe traria estragos. Há com clareza uma
sobreposição dos padrões estéticos relacionados ao corpo sobre a prática dos
banhos de mar.
Quando os freqüentadores foram questionados sobre qual o critério
utilizado para decidir tomar banho de mar na Praia do Futuro, muitos deles indicaram
a observação visual feita antes de entrar na água como sendo fundamental. Nesta
observação visual, são levadas em conta, segundo as respostas dos
freqüentadores, a limpeza da praia, manchas de óleo na areia ou na água e a
transparência do mar. Muitos também disseram não tomar banho de mar por conta
das fortes ondas da Praia do Futuro.
A presença de lixo na areia também foi acentuada como um parâmetro
visual de alguns banhistas para ter idéia das condições da qualidade da água na
praia. Cabe ressaltar que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará
(SEMACE) faz coleta semanal da água do mar em várias praiais de Fortaleza, a fim
de verificar o nível de balneabilidade. Com esta coleta referenciada em padrões
oficiais de medição, o resultado da análise da água do mar é classificado em praias
“próprias” ou “impróprias”. Dentre as praias de Fortaleza, a Praia do Futuro é uma
das que apresenta a maior constância quanto ao nível de balneabilidade, resultando
destas análises que suas águas estão próprias para os banhos.
Outro ponto importante a destacar, quanto à decisão por parte dos
freqüentadores de não tomar banho de mar, refere-se ao medo do mar. O medo que
afugentava tantas pessoas entre os séculos XVI e XVIII, quando se acreditava na
existência de monstros e criaturas abomináveis, ganha agora um caráter
diferenciado do anterior. O medo que a sociedade contemporânea tem do mar
refere-se ao risco de afogamento, receio da poluição das águas, possibilidade de
encontrar arrecifes e adentrar em mares agitados. Mesmo assim, muitos continuam
praticando os banhos de mar.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
149
Foto 49 e 50 – Banhos de mar na Praia do Futuro
Fonte: Ângela M. F. Silva (outubro de 2005)
Na Praia do Futuro, não somente os banhistas, como também os
barraqueiros, conhecem a realidade da insegurança quanto aos banhos de mar na
área, principalmente pela ausência, durante os dias úteis, de guarda-vidas na praia.
Os próprios barraqueiros, garçons e outras pessoas que passam o dia trabalhando
na praia são informantes preciosos sobre o momento mais adequado para entrar no
mar.
O risco de afogamento na área da Praia do Futuro é uma realidade e já foi
pauta de inúmeras matérias nos jornais de Fortaleza. Numa destas matérias, é
citada a área do Caça e Pesca, região limítrofe com o rio Co, onde este curso
encontra o mar, como sendo a área mais perigosa de Fortaleza para os banhos. Diz
a matéria que:
De acordo com o capitão Glêdson Rodrigues, oficial do Corpo de
Bombeiros, só no primeiro dia de 2004 foram registrados quase 100
princípios de afogamentos no encontro do rio Cocó com o mar. Lembra que
várias pessoas tentam ir nadando até a praia da Sabiaguaba, que fica a
cerca de 30 metros do encontro do manancial com as águas marinhas. Ele
ressalta que as pessoas também ingerem bebida alcoólica e vão tomar
banho. Essa combinação várias vezes gera um início de afogamento. Outro
comportamento considerado de risco é nadar em mar aberto. De acordo
com o oficial, os nadadores, quando passam da arrebentação, já estão
cansados e não conseguem voltar para a areia. O desconhecimento da área
em que se pretende tomar banho é outro fator que contribui para a
ocorrência dos afogamentos. A pessoa pode, por exemplo, mergulhar em
um local repleto de pedras submersas ou arrecifes. Ele informa que quando
a maré está baixando, o banho de mar fica mais perigoso.
(AFOGAMENTOS..., 2004).
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
150
O Mapa IV (p. 151) mostra as principais áreas de risco de afogamento na
Praia do Futuro. Esta área foi delimitada com base nas informações concedidas pelo
Major BM Glêdson Rodrigues, da Companhia do Corpo de Bombeiros Militar do
Ceará, que gentilmente concedeu uma entrevista durante a elaboração deste
trabalho. No curso da entrevista o Major reiterou a idéia de que a área mais crítica e
preocupante para os guarda-vidas
24
é a área do Caça e Pesca, nas proximidades da
desembocadura do rio Cocó.
Diante desta realidade e tentando solucionar o problema da falta de
segurança para a prática dos banhos de mar na Praia do Futuro, foram instaladas
oito torres de observação, estrategicamente distribuídas ao longo dos cerca de oito
quilômetros de sua orla. Estas torres fazem parte do Projeto Guardiões da Praia,
sendo uma ação do Governo estadual, por meio da Secretaria Estadual de Turismo
(SETUR). Além de dar melhor visibilidade aos guarda-vidas dos banhistas quando
estão no mar, as torres são pontos de observação importantes para os guardas
municipais e os policiais militares que também atuam na área, pois possibilitam
ampla visão da praia. Com isso, procuram reduzir o número de afogamentos e de
furtos, além de possibilitar melhores condições de trabalho aos agentes de
segurança para atender um público que pode chegar a milhares de pessoas em
único dia.
Foto 51 – Torre de observação antes do
Projeto Guardiões da Praia
Fonte: Ângela M.F. Silva (julho de 2005)
Foto 52 – Torre de observação com o Projeto
Guardiões da Praia
Fonte: Ângela M. F. Silva (abril de 2006)
24
“São considerados guarda-vidas os profissionais em salvamento aquático portadores de certificado
do Curso de Treinamento Credenciado, vistoriado e aprovado pelo Corpo de Bombeiros Militar do
Estado do Ceará” [Art. 2º da Lei nº 13.462 em Anexo(B)].
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
152
A presença destas torres obedece também à Lei Estadual Nº 13.462, de
27 de abril de 2004 (Anexo B), no Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a presença
obrigatória de profissionais de salvamento aquático nas áreas de lazer públicas e
privadas do Estado do Ceará.
As torres já estão instaladas e funcionando. Localizam-se nas seguintes
barracas (sentido rio Cocó-Mucuripe): BNB Clube, Arpão, Itapariká, Chico do
Caranguejo, Vila Galé, América do Sol, Croco Beach e barraca Da Tia. A última torre
(barraca Da Tia) encontra-se fora da área de estudo, mas também foi visitada
durante os trabalhos de campo.
Considera-se a presença dos profissionais guarda-vidas essenciais à
segurança dos banhistas na área, principalmente para as pessoas mais distraídas
ou aqueles não acostumados com os banho de mar, no caso de muitos turistas que
freqüentam o local.
Nas conversas informais durante a aplicação dos questionários que deram
suporte às análises deste trabalho, muitos freqüentadores comentaram que os
próprios donos das barracas, ao saber em que eram turistas, tiveram a imediata
preocupação em alertá-los quanto aos cuidados com os banhos de mar, orientando-
os também sobre o melhor momento para entrar na água.
Assim, com esta parceria entre os profissionais de salvamento e os que
fazem o dia-a-dia da Praia do Futuro, pode haver uma redução do número de
afogamentos e princípios de afogamento
25
nesta praia. Segundo Rolnik (1989, p. 21),
“ser habitante da cidade significa participar de alguma forma da vida pública, mesmo
que em muitos casos esta participação seja apenas a submissão a regras e
regulamentos”.
Levando em consideração esta insegurança quanto aos banhos de mar na
Praia do Futuro, muitas pessoas, principalmente as que trazem crianças pequenas,
preferem utilizar as piscinas e toboáguas de algumas barracas a terem que enfrentar
as ondas do mar.
25
Segundo o Major BM Gledson Rodrigues, o princípio de afogamento ocorre quando o banhista
entra numa situação de risco que suscita a necessidade de intervenção do guarda-vidas para retirá-lo
da água, embora o banhista não tenha chegado a se afogar efetivamente.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
153
Foto 53 – Chuveirões nas barracas
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Foto 54 – Crianças brincam em piscinas montadas
nas barracas como opção de lazer
Fonte: Ângela M. F. Silva (julho de 2005)
Sem placas que facilitariam a indicação dos pontos mais perigosos, a
existência de pedras submersas e os horários desaconselhados aos banhos, muitos
deixam de tomar banho de mar, ficando somente nas barracas, tomando banho de
sol ou utilizando os chuveirões. Com isso a paisagem vai sendo transformada, pois a
negação do mar agora encontra apoio nos equipamentos que permitem a
continuidade da freqüência das pessoas na praia, mesmo sem realizar o contato
com a água do mar. Os equipamentos aquáticos das barracas são oferecidos
principalmente para o público infantil.
Foto 55 – Parque aquático numa barraca da Praia do Futuro
Fonte: Ângela M. F. Silva (Arquivo próprio, julho de 2005)
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
154
Nesse aporte de equipamentos de lazer, substituindo muitas vezes o
banho de mar, há verdadeira negação da paisagem litorânea local. Algumas
barracas da Praia do Futuro plantaram grama em toda sua extensão, coqueiros
artificiais foram implantados e assim o cenário mostrado para o turista e para o
freqüentador local é o de um verdadeiro “paraíso tropical”, cheio de adereços
artificiais. Todo esse conjunto forma uma paisagem que está longe de parecer ser da
Praia do Futuro de anos atrás. Em muitos momentos, pode-se ter a sensação de
estar noutro lugar.
Deve-se destacar também que estas novas opções de lazer na Praia do
Futuro promovem certa elitização dos freqüentadores. Nem todos podem consumir e
pagar por estes atrativos todos os fins de semana, férias ou alta estação. Então, de
um lazer gratuito e democrático, que são os banhos de mar, passa-se a um lazer
seletivo entre os que podem e os que não podem pagar por tanto conforto.
Assim, a partir das mudanças de comportamento da sociedade local em
sua relação com o mar, intensificou-se o lazer na praia. Estas mudanças se
refletiram na maneira como o freqüentador local passou a utilizar o mar como opção
de lazer. Interessante é ressaltar que, a partir de uma questão aparentemente tão
simples, como a prática ou não dos banhos de mar, inúmeros foram os resultados e
fatores correlacionados a esta prática marítima moderna.
Na Praia do Futuro, os banhos de mar continuam desempenhando a
função de lazer, embora não tenham mais o caráter de tempos atrás, pois a inserção
de outras práticas contribuiu para o direcionamento deste lazer em novas direções,
deixando de ser a atração principal da praia.
Assim, o estudo do lazer na Praia do Futuro proporcionou uma análise
mais aprofundada da dinâmica e organização espacial desta área, que vai além da
simples prática ou abandono de determinada atividade, no caso, os banhos de mar.
A análise conduziu à compreensão de uma dinâmica socioespacial intensa na área
da Praia do Futuro, pois, além de serem inúmeras as atividades desenvolvidas,
também estão inseridos neste processo interesses diferenciados.
Ângela Maria Falcão da Silva
4
4
P
P
a
a
r
r
a
a
r
r
e
e
f
f
l
l
e
e
t
t
i
i
r
r
4 PARA REFLETIR
Clarisse, cidade gloriosa, tem uma história atribulada.
Diversas vezes decaiu e refloresceu, mantendo sempre a primeira Clarisse
como inigualável modelo de todos os esplendores, a qual,
comparada com o atual estado da cidade,
não deixa de suscitar suspiros a cada giro de estrelas.
(CALVINO, 1990).
estudo sobre os banhos de mar na Praia do Futuro conduziu à
discussão no sentido de compreender que a maritimidade
apresentada se constitui por meio das relações da sociedade
com o mar. Em Fortaleza, somente após longo período de ocupação de seu espaço,
esta maritimidade é descoberta, provocando a expansão da Cidade na direção de
seu espaço litorâneo.
A cidade de Fortaleza iniciou seu contato com o mar timidamente e
durante longo período permaneceu voltada para o sertão, sendo produzida de
costas para o mar. Com o esquecimento de sua zona de praia, principalmente para o
uso como opção de lazer, esta área permanece durante longo período destinada à
moradia dos pobres da Cidade.
A reversão da imagem negativa do mar na sociedade européia foi
fundamental para a incorporação das novas práticas marítimas modernas em
Fortaleza, haja vista seu intento de se aproximar das “práticas européias”. A
sociedade de Fortaleza absorveu, todavia, apenas em parte o modelo europeu,
principalmente quanto à forma de praticar os banhos de mar.
Estes, como uma das práticas marítimas modernas e lazer da elite só
iniciaram a partir dos primeiros anos do século XX em Fortaleza, primeiramente
como banhos terapêuticos e posteriormente como atividade de lazer, ganhando
importância ao longo dos anos. Duas formas diferenciadas de praticar esta atividade
foram verificadas ao longo do trabalho. A primeira era a exercitada pelas pessoas
pobres que, sem acesso à cultura e costumes de outros povos, fazem uso do mar
O
O
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
156
como atividade diária de trabalho ou de lazer que praticam inter-relação. A segunda
era a empreendida pelas classes abastadas da sociedade fortalezense, que só
iniciaram tais atividades a partir do contato com os costumes vindos da Europa.
O estudo sobre o lazer praticado no centro da Cidade de Fortaleza e sua
posterior migração para as zonas de praia da cidade contribuiu de maneira
fundamental para a continuidade da análise e foi percebido como parte de um
sistema de valores e práticas sociais que dava sentido e significado à vida urbana,
verificando-se uma vinculação direta entre o lazer e a cultura mais ampla, vivida e
produzida nas cidades.
Verificou-se que a posição de isolamento dos segmentos de maior poder
aquisitivo da sociedade de Fortaleza com relação ao lazer praticado pelos populares
mostrou a segregação, não somente nas atividades de lazer como também na vida
urbana.
A transferência de muitas atividades de lazer do Centro para o litoral
acompanhava a tendência de valorização destes espaços na Cidade, que se inseria
numa nova lógica, ligada diretamente à valorização de sua zona de praia,
incorporando-a cada vez mais ao lazer. Com o passar dos anos, estas áreas
constituíram em espaços dedicados ao turismo e ao lazer, onde ganham força as
atividades e os serviços a eles relacionados.
A incorporação da Praia do Futuro surge como nova opção de lazer em
Fortaleza, que servirá como complemento às atividades realizadas no trecho Praia
de Iracema-Mucuripe. Com isso, uma série de outros processos passaram a ocorrer
na área, proporcionando uma dinâmica intensa e tornando-a diferenciada dos
bairros circunvizinhos, em virtude das especificidades do uso e ocupação de seus
espaço.
Assim, de área isolada da Capital aos cartões-postais mundiais, a Praia do
Futuro aufere notoriedade como lugar destinado à sociabilidade e entretenimento
daqueles que procuram espaços para lazer e turismo. Representa, também, as
mutações urbanas ocorridas na cidade de Fortaleza nas três últimas décadas.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
157
Constata-se que a procura pelos banhos de mar na área da Praia do
Futuro, assim como seu processo de ocupação e valorização são posteriores ao
ocorrido nas praias de Iracema, Meireles e Mucuripe, locais onde ocorreram os
primeiros banhos à beira-mar. Então, à expansão natural da Cidade e à procura por
lazer no espaço da Praia do Futuro, somar-se-ão o crescimento e fortalecimento da
atividade turística no Estado do Ceará, mediante a implementação de infra-
estruturas necessárias ao desenvolvimento destas atividades, favorecidas pelas
políticas públicas que buscam a consolidação do litoral cearense como área de lazer
e de turismo.
O grande fluxo de pessoas na Praia do Futuro interferiu diretamente nas
opções e serviços oferecidos nos estabelecimentos comerciais da área,
principalmente nas barracas de praia que, na tentativa de manter a freqüência das
pessoas de poder aquisitivo mais elevado, tentam a todo custo inovar e/ou substituir
o aparentemente desgastado banho de mar.
Com isso, realiza-se uma série de melhorias nas estruturas físicas das
barracas, com a instalação de novos serviços e equipamentos de lazer a fim de não
perderem sua clientela. Com o avanço dos investimentos na área da Praia do
Futuro, os comerciantes, principalmente os donos das barracas, procuraram cada
vez mais diversificar suas estruturas por intermédio da configuração de “barracas
temáticas”.
Verificou-se que as pessoas que se dirigem à Praia do Futuro são
motivadas por uma série de fatores, destacando-se entre eles a beleza do litoral e as
diversas atrações incorporadas à área. As opções de lazer na Praia do Futuro foram
se diversificando ao passo que também ocorriam mudanças sociais, econômicas,
urbanas e culturais no contexto da cidade de Fortaleza.
Os resultados obtidos com os trabalhos de campo na Praia do Futuro
revelaram que os banhos de mar continuam desempenhando a função de lazer,
embora não sejam mais praticados da mesma forma quando do início da procura por
esta área, na década de 1960, pois a inserção de novas práticas de lazer contribuiu
para que os banhos de mar deixassem de ser a atração principal da praia.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
158
Assim, com a incorporação de novas práticas de lazer, aliada às questões
estéticas que valorizam o “culto ao corpo” ocorre uma diminuição da prática dos
banhos de mar nesta praia, mas não se pode dizer que ela foi abandonada, pois
muitas pessoas ainda praticam esta atividade. Cabe lembrar que esta mudança não
é característica exclusiva da Praia do Futuro, podendo ser verificada também em
outros espaços à beira-mar.
Portanto, o estudo da prática dos banhos de mar na Praia do Futuro
proporcionou uma análise mais aprofundada da dinâmica e organização espacial
desta área, que vai além da simples prática ou abandono de determinada atividade
de lazer. A análise conduziu à compreensão de uma dinâmica socioespacial intensa,
pois, além de serem inúmeras as atividades que lá se desenvolvem, também estão
inseridos neste processo interesses diferenciados.
A análise abriu possibilidades para entendimento deste espaço como lugar
de uma variedade de usos, onde as intervenções de políticas públicas são exíguas,
apesar de terem sido primordiais quando de sua incorporação, momento em que
foram intensos os investimentos relacionados às condições de acesso à área,
favorecendo a concretização dos interesses do capital no que se refere à liberação
ou incorporação de áreas favoráveis ao desenvolvimento de atividades de consumo.
O aprofundamento deste estudo, iniciado pela busca do entendimento
sobre a importância dada à prática dos banhos de mar, conduziu à identificação de
outras atividades que podem estar levando a segundo plano a prática dos banhos de
mar, contribuindo desta forma para mudanças significativas na área, principalmente
quanto aos usos vinculados às atividades de lazer.
Com a análise empreendida, percebe-se que a transferência das
atividades de lazer para o litoral não ocorreram de maneira instantânea, porquanto
se consolidaram apenas nas últimas décadas do século XX, o que foi possível em
razão da intensa valorização de seu espaço litorâneo.
Verifica-se que a procura por novas áreas de lazer contribuiu para a
expansão urbana de Fortaleza, implicando a diversificação desta atividade,
ocorrendo, também, a dinamização de outras atividades econômicas na Cidade. A
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
159
par desta razão, os agentes atuantes na Praia do Futuro procuram cada vez mais
especializá-la, tendo como objetivo consolidá-la não só como área direcionada ao
turismo em Fortaleza, mas também como destino para o fortalezense em busca de
lazer.
Portanto, pensar criticamente a realidade não é tarefa simples para quem
pretende entender a Cidade como prática socioespacial, pois isto exige uma reflexão
mais aprofundada da realidade estudada e uma imersão nas leituras que se
relacionam ao tema esquadrinhado. Percebendo que nem todas as análises
possíveis referentes a este objeto de estudo foram colocadas neste ensaio, acredita-
se que outros enfoques possam surgir em pesquisas posteriores, a fim de percorrer
novos caminhos quanto à análise do espaço da Praia do Futuro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AABB abrirá edital para venda de área do clube.
Diário do Nordeste Online,
Fortaleza, 14 fev. 2006. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com>. Acesso
em: 27 abr. 2006.
ABREU JÚNIOR, Pedro Itamar.
Praia do Futuro
– formas de apropriação do espaço
urbano. 227f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente)
Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 2005.
AFOGAMENTOS: Caça e Pesca representa risco para visitantes. Diário do
Nordeste Online, Fortaleza, 12 jul. 2004. Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com>. Acesso em: 13 mar. 2006.
ALENCAR, José de.
Iracema.
Rio de Janeiro: Três, 1972.
ANDRADE SANTOS, Maria Inês Detsi de. Uma retrospectiva sobre o percurso do
investigador no processo de pesquisa. In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de;
VASCONCELOS, José Gerardo (orgs.). Registros de Pesquisas na Educação.
Fortaleza: LCR – UFC, 2002. – (Coleção Diálogos Intempestivos) p. 80-90.
AQUINO, Sandra Helena Silva de. Dinâmica dos fatores de valorização e
decadência da praia de Iracema.
2003. 154f. Dissertação (Mestrado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Programa Regional de Pós-Graduação em
Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 2003.
ARAGAO, Raimundo Freitas. Das práticas marítimas à elaboração da imagem
turística de Fortaleza – Ceará. 2005. 132f. Dissertação (Mestrado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Programa Regional de Pós-Graduação em
Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 2005.
ARAÚJO, Felipe. Luiz Assunção. Samba histórico.
O Povo Online
, Fortaleza, 21
fev. 2004. Disponível em: <http://www.noolhar.com/opovo/vidaearte/341508.html>.
Acesso em: 12 mar. 2006.
BARRACAS incrementam diversão. Diário do Nordeste Online, Fortaleza, 30 jun.
2004. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com>. Acesso em: 10 mar.
2006.
BARROSO, Gustavo. Mississipi. Fortaleza: UFC / Casa José de Alencar, 1996.
BENEVIDES, Ireleno Porto. Turismo e PRODETUR: dimensões e olhares em
parceria. Fortaleza: EUFC, 1998.
CALVINO, Ítalo[1923-1985]. As cidades Invisíveis. Tradução Diogo Mainardi. São
Paulo: Companhia das letras, 1990.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
161
CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da
vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001.
CASTRO, José Liberal de. Fatores de Localização e de expansão da cidade de
Fortaleza. Fortaleza: Imprensa Universitária da UFC, 1977.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1.artes de fazer. Tradução de
Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Tradução: Luiz Fugazzola Pimenta e
Margareth de Castro Afeche Pimenta. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1999.
CORBIN, Alain. O território do vazio: a praia e o imaginário ocidental.
Tradução de
Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
CORIOLANO, Luzia Neide M. T.. Turismo, territórios e sujeitos nos discursos e
nas práticas políticas. 2004. 294p. Tese (Doutorado em Geografia) – UFS/NPGEO,
Universidade de Sergipe, Aracaju. 2004.
CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias geográficas. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2001.
CORREIA, Mary Lúcia Andrade. Análise das normas de proteção ambiental nos
campos de dunas na Praia do Futuro – Fortaleza/Ce.
2004. 175f. Dissertação
(Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Programa Regional de Pós-
Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza. 2004.
COSTA, Maria Clélia Lustosa da.
Cidade 2000:
expansão urbana e segregação
espacial em Fortaleza. 1988. 295f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – FFLCH,
Universidade de São Paulo, São Paulo. 1988.
______. Urbanização da sociedade cearense. In: DAMIANI, Amélia Luisa; CARLOS,
Ana Fani Alessandri; SEABRA, Odette Carvalho de Lima (orgs.). O espaço no fim
do século:
a nova raridade. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 100-117.
______. Fortaleza: expansão urbana e organização do espaço. In: SILVA, Jo
Borzacchiello da; CAVALCANTE, Tércia Correia; DANTAS, Eustógio Wanderley
Correia (orgs.). Ceará: um novo olhar geográfico. Fortaleza: Edições Demócrito
Rocha, 2005. p. 51-100.
COSTA, Maria Clélia Lustosa; ALMEIDA, Maria Geralda de. Trabalho e turismo:
território e cultura em mutação na beira mar em Fortaleza. In: CORIOLANO, Luzia
Neide M.T. .
Turismo com ética.
Fortaleza: UECE, 1998. p. 274-283.
CRUZ, Rita de Cássia Ariza. Introdução à Geografia do Turismo. 2 ed. São Paulo:
Roca, 2003.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
162
DANTAS, Eustógio Wanderley Correia. Mar à vista: estudo da maritimidade em
Fortaleza. Fortaleza: Museu do Ceará / Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará,
2002.
______. Sistema de cidades em terra semi-árida. In: ALMEIDA, Maria Geralda de;
RATTS, Alecsandro JP (Orgs.). Geografia: leituras culturais. Goiânia: alternativa,
2003. p. 207-236
______. O mar e o marítimo nos trópicos. GEOUSP; São Paulo, n. 15, p. 63-76,
2004.
______. O Pescador na terra. In: SILVA, José Borzacchiello da; CAVALCANTE,
Tércia Correia; DANTAS, Eustógio Wanderley Correia (orgs.). Ceará: um novo olhar
geográfico. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2005a. p. 263-279.
______. Turistificação dos espaços litorâneos do Nordeste Brasileiro. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ANPEGE, VI, 2005c, Fortaleza.
Anais...
Fortaleza,
2005b. (CD-ROM).
DIEGUES, Antonio Carlos.
Povos e mares:
leituras em sócio-antropologia marítima.
São Paulo: NUPAUB-USP, 1995.
______.
A interdisciplinaridade nos estudo do mar:
o papel das ciências sociais.
Conferência Proferida na XV Semana de Oceanografia, Instituto Oceanográfico da
USP, São Paulo, Out. 2003. Disponível em: <http://www.usp.br/nupaub/interdis.doc>.
Acesso em: 2 nov. 2005.
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976.
ESPAÇO Público: Restrição de acesso à praia fere direitos básicos. Diário do
Nordeste Online, Fortaleza, 10 fev. 2003. Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com>. Acesso em: 20 jan. 2006.
ESTUDO pode diminuir efeitos da maresia. Diário do Nordeste Online, Fortaleza,
21 out. 2003. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com>. Acesso em: 16
jan. 2006.
FALCÃO, José Augusto Guedes. O turismo internacional e os mecanismos de
circulação e transferência de renda. In: YÁZIGI, Eduardo; CARLOS, Ana Fani
Alessandri; CRUZ, Rita de Cássia Ariza. Turismo: espaço, paisagem e cultura. o
Paulo: Hucitec, 1996. p. 63-74.
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da
mudança cultural. 13ª ed. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.
HOTÉIS mudam o cenário da Praia do Futuro. Diário do Nordeste Online,
Fortaleza, 19 out. 2001. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com>. Acesso
em: 18 fev. 2006.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
163
JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza
(1945-1960).
São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do
Estado do Ceará, 2003a.
______. A Oralidade dos velhos na polifonia urbana. Fortaleza: Imprensa
Universitária, 2003b.
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. 11ª ed. Tradução de Luís da
Câmara Cascudo. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2002.
Vol. I
LIMA, Clarisse V. F. de Melo; SELVA, Vanice S. Fragoso. Planejamento da
expansão da função turística no litoral nordestino e implicações no processo de
urbanização. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPEGE, VI, 2005, Fortaleza.
Anais...
Fortaleza, 2005. (CD-ROM).
LIMINAR impede saída de barracas.
Diário do Nordeste,
Fortaleza, 24 jan 2006.
Caderno Cidade, p. 9.
LINHARES, Paulo.
Cidade de água e sal:
por uma antropologia do litoral nordeste
sem cana e sem açúcar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1992.
LISPECTOR, Clarice.
A descoberta do mundo:
crônicas. Rio de Janeiro: Rocco,
1999.
MACEDO, Silvio Soares; PELLEGRINO, Paulo R. Mesquita. Do Éden à Cidade –
transformação da paisagem litorânea brasileira. In: YÁZIGI, Eduardo; CARLOS, Ana
Fani Alessandri; CRUZ, Rita de Cássia Ariza. Turismo: espaço, paisagem e cultura.
São Paulo: Hucitec, 1996. p. 156-160.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas
sociedades de massa. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 4 ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006.
MARCELLINO, Nelson Carvalho.
Estudos do lazer:
uma introdução. Campinas:
Autores Associados, 1996.
MARESIA afugenta moradores da Praia do Futuro.
Diário do Nordeste Online,
Fortaleza, 14 maio 2000. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com>.
Acesso em: 16 jan. 2006.
MENEZES, Raimundo de. Coisas que o tempo levou: crônicas históricas da
Fortaleza antiga. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. (Clássicos Cearenses)
MINISTÉRIO mantém ação contra empresários da Praia do Futuro. O Estado,
Fortaleza, 09 fev. 2006. Caderno Cotidiano, p. 6.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Contribuições para a gestão da zona costeira
do Brasil: elementos para uma geografia do litoral brasileiro. São Paulo: Hucitec;
Edusp, 1999.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
164
MOVIMENTAÇÃO aumenta 50% nas férias de julho. Diário do Nordeste Online,
Fortaleza, 34 jun. 2004. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com>. Acesso
em: 09 jan. 2006.
PADILHA, Valquíria. Tempo livre e capitalismo: um par imperfeito. Campinas: Ed.
Alínea, 2000.
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle
social (1860 – 1930). 2 ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1999.
______. A Belle Époque em Fortaleza: remodelação e controle. IN: SOUSA, Simone
de (org.). Uma nova história do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
p. 162-191.
PONTES, Albertina Mirtes de Freitas. A cidade dos clubes: modernidade e
“glamour” na Fortaleza de 1950-1970. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005.
PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA (PMF). Fortaleza: a administração
Lúcio Alcântara março 1979/maio 1982. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Fortaleza,
1982.
ROCHA JÚNIOR, Antônio Martins da. O mar e a expansão urbana de Fortaleza.
1984. 69 f. Monografia (Curso de Aperfeiçoamento em Arquitetura e Instrumentação
Crítica) – Universidade Federal do Ceará – UFC, 1984.
______.
O turismo globalizado e as transformações urbanas do litoral de
Fortaleza: arquitetura e estetização na Praia de Iracema. 2000. 172 f. Dissertação
(Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Universidade Federal do Ceará
– UFC, 2000.
RODRIGUES, Adyr Balastreri. Turismo e espaço: rumo a um conhecimento
transdiciplinar. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 2a ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
RUSSELL, Bertrand. O elogio do lazer. Tradução de Luiz Ribeiro de Sena. São
Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1957.
SALGUEIRO, Valéria. Grand Tour: uma contribuição à historia do viajar por prazer e
por amor à cultura. Revista Brasileira de História Online, São Paulo, v. 22, n. 44,
pp. 289-310. 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882002000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 27 out. 2005.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1997.
SILVA, José Borzacchiello da.
Os incomodados não se retiram
. Uma análise dos
movimentos sociais em Fortaleza. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1992.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
165
______. Pelo retorno da região: desenvolvimento e movimentos sociais no Nordeste
Comtemporâneo. In: CASTRO, Iná Elias de; MIRANDA, Mariana; EGLER, Cláudio A.
G. (orgs.). Redescobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand, 1999. p. 101-113.
______. Fortaleza, mar e sertão. In: CHAVES, Gilmar (org.). Ceará de corpo e
alma: um olhar contemporâneo de 53 autores sobre a terra da luz. Rio de Janeiro:
Relume Dumará / Fortaleza, Ce: Instituto do Ceará, 2002. p. 123-129.
______. Nas trilhas da cidade. 2 ed. Fortaleza: Museu do Ceará / Secretaria da
Cultura do Ceará, 2005.
SILVA, José Borzacchiello da; CAVALCANTE, Tércia Correia. Atlas Escolar, Ceará:
espaço geo-histórico e cultural. João Pessoa: Grafset, 2004
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de, et al. Geografia: conceitos e temas. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 77-116.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Espaços urbanos: territorialidades e
representações. In: SPOSITO, Eliseu Savério (org.).
Dinâmica econômica, poder e
novas territorialidades. Presidente Prudente: UNESP, 1999.
URRY, John.
O olhar do turista:
lazer e viagens nas sociedades contemporâneas.
Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Stúdio Nobel/SESC,
1996. (Coleção Megalópolis)
VILLAÇA, Flavio. Espaço intra-urbano no Brasil. Rio de Janeiro: Studio Nobel,
1998.
XIMENES, Líbia. Ambulantes incomodam comerciantes e banhistas. O Povo Online,
Fortaleza, 28 dez. 2004. Disponível em: <http://www.noolhar.com.br>. Acesso em:
27 dez. 2004.
______. Movimento aumenta até 70% nas barracas. O Povo Online, Fortaleza, 08
jan. 2005. Disponível em: <http://www.noolhar.com.br>. Acesso em: 13 jan. 2005.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução de Gilson César Cardoso de
Souza. 19 ed. rev. São Paulo: Perspectiva, 2004.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de
metodologia científica. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1990.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
166
OUTRAS FONTES:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e
documentação: refencias: elaboração. Rio de Janeiro, 2002.
______. NBR 6024: numeração progressiva das seções de um documento escrito:
apresentação. Rio de Janeiro, 2003.
______.
NBR 6027:
informação e documentação: sumário: apresentação. Rio de
Janeiro, 2003.
______. NBR 6028: informação e documentação: resumo: apresentação. Rio de
Janeiro, 2003.
______. NBR 10520: informação e documentação: citações em documentos:
apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
______.
NBR 14724:
informação e documentação: trabalhos acadêmicos:
apresentação. Rio de Janeiro, 2006.
http://www.planalto.gov.br/
http://www.ceara.gov.br
http://www.setur.ce.gov.br
http://www.seinf.fortaleza.ce.gov.br
http://mithos.cys.com.br
http://www.priberam.pt
http://pt.wikipedia.org
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
167
APÊNDICE
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS FREQUENTADORES DA PRAIA DO FUTURO
NO PERÍODO DE ALTA E BAIXA ESTAÇÃO
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
168
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
DISSERTAÇÃO:
A CIDADE E O MAR: AS PRÁTICAS MARÍTIMAS MODERNAS E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO
DA PRAIA DO FUTURO (FORTALEZA-CEARÁ-BRASIL)
Mestranda: Ângela Maria Falcão da Silva Orientador: Prof. Dr. Eustógio W. C. Dantas
Período: _________ESTAÇÃO Data:______/_______/_________
01. Informações Pessoais:
Grupo de Idade: ( ) Jovem ( ) Adulto ( ) Idoso
Sexo: ( ) Masculino ( )Feminino Profissão:________________________________________
02. Local de Residência:
Cidade: __________________________________ Bairro: ____________________________
Tempo de Residência: ( ) 0 – 5 anos ( ) 5 – 10 anos ( ) 10 – 15 anos ( ) 15 anos ou mais
Meio de Locomoção: () ônibus ( ) carro ( ) outros_______________________________________
Obs: _____________________________________________________________________________
03. O que você acha do acesso à Praia do Futuro?
( ) Fácil ( )Difícil Porque?__________________________________________________________
04. Qual a sua freqüência à Praia do Futuro:
( ) Primeira vez ( ) Somente nas férias ( ) Nos fins de Semana ( ) O ano inteiro
Obs: __________________________________________________________________________
05. Por que optou pela Praia do Futuro? Que motivações o (a) atraiu até esta praia?
06. Na Praia do Futuro você prefere:
( ) Banho de Mar ( )Banho de Sol ( )Outros
Se a resposta for “outros”, quais?______________________________________________
07. Por que você não toma banho de mar? “Se a resposta anterior for “banho de sol” ou
“outros”.
_________________________________________________________________________________
08. Se você estivesse em outra praia você tomaria banho de mar?
( ) Sim ( ) Não
09. Que critério você utiliza para decidir tomar banho de mar?
_________________________________________________________________________________
10. Em termos gerais, o que achou da Praia do Futuro?
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
169
ANEXO A – LEI Nº 7.661, DE 16 DE MAIO DE 1988.
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
170
Presidência da República
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 7.661, DE 16 DE MAIO DE 1988.
Regulamento
Institui o Plano Nacional de Gerenciamento
Costeiro e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte lei:
Art. 1º. Como parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar - PNRM e Política
Nacional do Meio Ambiente - PNMA, fica instituído o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro -
PNGC.
Art. 2º. Subordinando-se aos princípios e tendo em vista os objetivos genéricos da PNMA,
fixados respectivamente nos arts. 2º e 4º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, o PNGC visará
especificamente a orientar a utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir
para elevar a qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico,
étnico e cultural.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de
interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa
marítima e outra terrestre, que serão definida pelo Plano.
Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar
prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:
I - recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas
costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias;
promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e
pradarias submersas;
II - sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação
permanente;
III - monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico, espeleológico,
arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.
Art. 4º. O PNGC será elaborado e, quando necessário, atualizado por um Grupo de
Coordenação, dirigido pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar -
SECIRM, cuja composição e forma de atuação serão definidas em decreto do Poder Executivo.
§ 1º O Plano será submetido pelo Grupo de Coordenação à Comissão Interministerial para os
Recursos do Mar - CIRM, à qual caberá aprová-lo, com audiência do Conselho Nacional do Meio
Ambiente - CONAMA.
§ 2º O Plano será aplicado com a participação da União, dos Estados, dos Territórios e dos
Municípios, através de órgãos e entidades integradas ao Sistema Nacional do Meio Ambiente -
SISNAMA.
Art. 5º. O PNGC será elaborado e executado observando normas, critérios e padrões relativos
ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, estabelecidos pelo CONAMA, que
contemplem, entre outros, os seguintes aspectos: urbanização; ocupação e uso do solo, do subsolo e
das águas; parcelamento e remembramento do solo; sistema viário e de transporte; sistema de
produção, transmissão e distribuição de energia; habitação e saneamento básico; turismo, recreação
e lazer; patrimônio natural, histórico, étnico, cultural e paisagístico.
§ 1º Os Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os respectivos Planos Estaduais
ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, observadas as normas e diretrizes do Plano Nacional e o
disposto nesta lei, e designar os órgãos competentes para a execução desses Planos.
§ 2º Normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como limitações à
utilização de imóveis, poderão ser estabelecidas nos Planos de Gerenciamento Costeiro, Nacional,
Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de natureza mais restritiva.
Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalações
das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta lei, as demais
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
171
normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de
Gerenciamento Costeiro.
§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto
neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação
de outras penalidades previstas em lei.
§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a
elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto
Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.
Art. 7º. A degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da Zona Costeira
implicará ao agente a obrigação de reparar o dano causado e a sujeição às penalidades previstas no
art. 14 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, elevado o limite máximo da multa ao valor
correspondente a 100.000(cem mil) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
Parágrafo único. As sentenças condenatórias e os acordos judiciais (vetado), que dispuserem
sobre a reparação dos danos ao meio ambiente pertinentes a esta lei, deverão ser comunicados pelo
órgão do Ministério Público ao CONAMA.
Art. 8º. Os dados e as informações resultantes do monitoramento exercido sob responsabilidade
municipal, estadual ou federal na Zona Costeira comporão o Subsistema "Gerenciamento Costeiro",
integrante do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente - SINIMA.
Parágrafo único. Os órgãos setoriais e locais do SISNAMA, bem como universidades e demais
instituições culturais, cienficas e tecnológicas encaminharão ao Subsistema os dados relativos ao
patrimônio natural, histórico, étnico e cultural, à qualidade do meio ambiente e a estudos de impacto
ambiente, da Zona Costeira.
Art. 9º. Para evitar a degradação ou o uso indevido dos ecossistemas, do patrimônio e dos
recursos naturais da Zona Costeira, o PNGC poderá prever a criação de unidades de conservação
permanente, na forma da legislação em vigor.
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e
franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados
de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira
que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que
garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida
da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o
limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.
Art. 11. O Poder Executivo regulamentará esta lei, no que couber, no prazo de 180 (cento e
oitenta) dias.
Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 16 de maio de 1988; 167º da Independência e 100º da República.
JOSÉ SARNEY
Henrique Sabóia
Prisco Viana
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 18.5.1998.
Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7661.htm
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
172
ANEXO B – LEI Nº 13.462, DE 27 DE ABRIL DE 2004
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
173
LEI Nº13.462, de 27 de abril de 2004.
DISPÕE SOBRE A PRESENÇA
OBRIGATÓRIA DE PROFISSIONAIS
DE SALVAMENTO AQUÁTICO
NAS ÁREAS DE LAZER PÚ-
BLICAS E PRIVADAS DO ESTADO
DO CEARÁ, E DÁ OUTRAS
PROVIDÊNCIAS.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ Faço saber que a
Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art.1º É obrigatória a presença de guarda-vidas nas áreas de
lazer públicas e privadas do Estado do Ceará que facultem aos usuários o
acesso a piscinas, cachoeiras, saltos, lagoas, açudes, cavernas e grutas,
abertas à visitação pública, administrada pelo Poder Público ou por
particulares.
Parágrafo único. A obrigatoriedade de permanência de
profissionais de salvamento em piscinas localizadas em condomínios
residenciais será a partir de dimensões superiores a 6m x 6m e profundidade
a partir de 0,80m ou volume total de 28,8m3.
Art.2º São considerados guarda-vidas os profissionais em
salvamento aquático portadores de certificado do Curso de Treinamento
Credenciado, vistoriado e aprovado pelo Corpo de Bombeiros Militar
do Estado do Ceará.
Parágrafo único. Os professores e entidades que realizem cursos
de salvamento aquático deverão ser credenciados pelo Corpo de
Bombeiros Militar do Estado do Ceará, bem como os guarda-vidas.
Art.3º Nas áreas de lazer públicas, os serviços de salvamento
aquático serão oferecidos pelo órgão público encarregado da
administração de cada área.
Art.4º Nas áreas de lazer privadas, os serviços de salvamento
aquático serão oferecidos por profissionais contratados pelos respectivos
proprietários das áreas.
Art.5º A presença de profissionais de salvamento aquático nas
áreas de lazer referidas nesta Lei, será exigida durante todo o horário de
funcionamento aberto aos usuários.
Art.6º. O descumprimento das obrigações previstas nesta Lei
implicará:
I - na pena de advertência, após julgada a primeira infração;
II - em multa variável de 2 (dois) a 10 (dez) salários mínimos a
partir do julgamento da segunda infração;
III - interdição temporária do exercício das atividades abertas
ao público:
a) por uma semana (sete dias);
b) por um mês (trinta dias).
IV - interdição definitiva da área.
§1º Fica assegurado ao infrator o contraditório e a ampla defesa
após o recebimento do respectivo auto de infração.
§2º. A forma de fiscalização e os critérios de aplicação e
progressão das sanções previstas neste artigo serão definidas no Decreto
regulamentador desta Lei.
§3º Fica o Comandante Geral do Corpo de Bombeiros Militar do
Estado do Ceará autorizado a baixar Instruções Gerais Técnicas
complementares ao Decreto regulamentador desta Lei.
§4º O Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará fica
autorizado a celebrar convênios com os municípios e empresas privadas
do Estado do Ceará, com vistas à otimização dos serviços de que trata
esta Lei.
Art.7º Na ocorrência de acidente de que resulte morte, havido
durante o horário de acesso da área ao público, sem a presença do
profissional de salvamento, o administrador ou proprietário da área será
SILVA, Ângela M. Falcão da. A cidade e o mar: as práticas marítimas modernas e a construção...
174
responsabilizado de acordo com a legislação em vigor.
Art.8º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.
Governador
LÚCIO GONÇALO DE ALCÂNTARA
Vice – Governador
FRANCISCO DE QUEIROZ MAIA JÚNIOR
Chefe do Gabinete do Governador
AFONSO CELSO MACHADO NETO
Secretário do Governo
LUIZ ALBERTO VIDAL PONTES
PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, 27 de abril de 2004.
Lúcio Gonçalo de Alcântara
GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
*** *** ***
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo