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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
LITERATURAS HISPÂNICAS
JOSINETE PEREIRA DOS SANTOS
DA “COMÉDIA NOVELESCA” BARROCA AO CAVALEIRO DON
QUIJOTE, TRADIÇÃO EMBLEMÁTICA
NITERÓI
2008
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JOSINETE PEREIRA DOS SANTOS
DA “COMÉDIA NOVELESCA” BARROCA AO CAVALEIRO DON
QUIJOTE, TRADIÇÃO EMBLEMÁTICA
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação e Letras Hispânicas
da Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre. Área de concen-
tração: Literatura e Outras Artes.
Orientadora: Profª Drª LYGIA RODRIGUES VIANNA PERES
Niterói
2008
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JOSINETE PEREIRA DOS SANTOS
DA “COMÉDIA NOVELESCA” BARROCA AO CAVALEIRO DON QUIXOTE,
TRADIÇÃO EMBLEMÁTICA
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação e Letras Hispânicas da
Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre. Área de concen-
tração: Literatura e Outras Artes.
Aprovada em março de 2008
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª. Lygia Rodrigues Vianna Peres Orientadora
Universidade Federal Fluminense
Profª Drª. Eline Marques Rezende
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Profª Drª Ana Isabel Guimarães Borges
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2008
AGRADECIMENTOS
Agradeço sinceramente a Drª Profª LYGIA
RODRIGUES VIANNA PERES professora
da Universidade Federal Fluminense, a
generosidade que teve para comigo em
acompanhar, ler, corrigir e fazer todas as
observações necessárias para que pudesse
concluir essa monografia.
À minha família que me acompanha em
todos os momentos.
À ADRIANA NUNES DA SILVA por ter
dividido comigo esta caminhada.
À Banca Examinadora pelas observações
valiosas.
DEDICATÓRIA
À minha família, pela vivência do compro-
misso e da coragem.
“El viaje o la itinerancia de los héroes caballerescos casi
consustancial con su inquieta y dinámica personalidad a
través de zonas tan peligrosas y temibles como un intrincado
bosque, un inhóspito desierto, la aspereza de una sierra o la
imprevisibilidade del mar con los peligros que en él acechan al
navegante, viene a funcionar como símbolo de una prueba de
valor y conciencia física y moral que se ven incitados a
superar. El caballero andante es un personaje tan característico
de la narrativa medieval, dilatada aún su presencia a lo largo
del siglo XVI, que Zumthor ha podido afirmar recientemente
que entre los cientos de romans que por entonces se compu-
sieron en las diversas lenguas europeas para recreo y edifica-
ción públicos, son muy pocos los que no traen a escena uno o
varios «caballeros andantes», o «chevaliers errants» como los
denomina él en francés. (LISTE, 1983, p. 49)
RESUMO
O texto de teatro: Argenis y Poliarco resume a idéia de Alciato quando no
emblema 131, Ex ardius perpetuum nomen, deixa clara a lição de que: <<ninguna cosa
honrada ni de fama se puede alcançar sin gran trabajo, pero los cuydados donde ay
trabajo, hazen que vengan con ellos grandes honras ... y lo trae Alciato muy bien para
persuadirnos que de las cosas arduas y dificultosas se alcança nombre y fama
perpetua>> (ALCIATO, 1985, p. 171). Os cavaleiros desejosos por exautar seu caráter
nobre, a perfeição na virtude e como parte integrante da nobreza vão realizar o ideal
de cavalaria: honradez, valentia, fidelidade, distinção, respeito, amor e cortesia
atitudes de um perfeito cavaleiro. Os princípios de uma maneira nobre de viver
adquirem feições bem características e inflexíveis na força de caráter, no
autodomínio, na paciência, mostrando-se diferentes dos homens comuns.
Os cavaleiros do nosso texto de teatro diante da dificuldade vêem aí uma
oportunidade para a ação heróica, necessidade de ultrapassar-se a fim de atingir a
perfeição na virtude. As situações problemáticas são verdadeiras provas de valor.
Põem a nobreza de alma acima da nobreza de nascimento, encarregam-se do respeito
para com as mulheres, a galanteria, a cortesia que têm existência com a vida na corte
porque é o lugar onde nasceram. O amor deve ser guardado e cuidado. Os cavaleiros
amam sem poder certificar-se da correspondência do seu amor, há a entrega
“galante a la mujer en actitud cortés”. As vezes mostram-se exaltados pelo caráter
desse amor. A angústia das personagens, marcada pela inquietação num mundo
onde é possível o bem como o mal, o amor como o ódio, caracteriza o anseio de ser.
Todo esse teatro demonstra a vigência da obra calderoniana ainda hoje.
Palavras-chave: Cavaleiros. Ideal de cavalaria. Emblemas. Teatro calderoniano
RESUMEN
El texto del teatro: Argenis y Poliarco de Calderón de la Barca expone la idea de
Alciato cuando en el emblema 131, Ex ardius perpetuum nomen, pone clara la lección
que: <<ninguna cosa honrada ni de fama se puede alcançar sin gran trabajo, pero los
cuydados donde ay trabajo, hacen que vengan con ellos grandes honras... y lo trae
Alciato muy bien para persuadirnos que de las cosas arduas y dificultosas se alcança
nombre y fama perpetua.>> (ALCIATO, 1985, p. 171). Los caballeros deseosos por
exaltar su carácter noble, la perfección en la virtud y como parte integrante de la
nobleza van a realizar el ideal de caballeria: honradez, valentía, fidelidad, distinción,
respeto, amor y cortesía actitudes de un caballero perfecto. Las principales reglas de
una manera noble de vivir adquiren rasgos bien característicos e inflexibles en la
fuerza del carácter, en el autodominio, en la paciencia, muestran que son distintos de
los otros hombres.
Los caballeros de nuestro texto de teatro, delante de la dificultad ven una
oportunidad para la ocasión heroica, necesidad de ir más allá con la intención de
llegar a la perfección en la virtud. Las situaciones problemáticas son verdaderas
pruebas del valor. Pone la nobleza del alma arriba de la nobleza del nacimiento y del
respecto a las mujeres, en la galantería y en la cortesía que tiene existencia con la vida
en la corte porque ella es el sitio donde nacieron. El amor debe ser protegido y
vigilado. Los caballeros aman sin poder asegurarse de la correspondencia de ese
amor. Haz la entrada “galante a la mujer en actitud cortesa”. A veces se muestra
exaltado por el carácter de ese amor. La angustia de los personajes, señalada por la
inquietud en un mundo donde es posible el bien como el mal, el amor com el odio,
caracteriza la ansia de ser.
Todo ese teatro demuestra la vigencia de la obra calderoniana aún hoy.
Palabras clave: Caballero. Ideal de caballeria. Emblemática. Teatro calderoniano
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
PRIMEIRA PARTE ..............................................................................................................12
1. CAPÍTULO FUDAMENTAÇÃO TEÓRICA..............................................................13
1.1 - Os cavaleiros símbolos de seu tempo ....................................................................13
1.2 - A Tradição Emblemática ...........................................................................................16
1.3 - A Semiótica do Teatro ................................................................................................19
SEGUNDA PARTE...............................................................................................................25
1. CAPÍTULO I CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS E DO ESPAÇO NO
UNIVERSO CALDERONIANO .........................................................................................26
1.1 - Caracterização das personagens que se mostram na trajetória da obra de teatro Argenis
y Poliarco de Don Pedro Calderón de la Barcca....................................................................... 26
1.2 Caracterização do espaço e a representação das personagens no universo calderoneano
................................................................................................................................................. 38
2. CAPÍTULO II DE ARGENIS Y POLIARCO A DON QUIJOTE DE LA MANCHA:
A PERMANÊNCIA DO ESPÍRITO CAVALEIRESCO....................................................58
3. CAPÍTULO III NO “SIGLO DE ORO”: ARGENIS Y POLIARCO: A TRADIÇÃO
EMBLEMÁTICA EM DON PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA..............................91
4. CONCLUSÃO ..................................................................................................................120
5. BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................124
INTRODUÇÃO
Para esta pesquisa foi selecionada a obra de teatro Argenis y Poliarco de
Don Pedro Calderón de la Barca, escrita em 1634, com o objetivo de
comprovar, a partir da análise do texto de teatro, que o ideal cavalheiresco
ainda estimulava o dramaturgo que viveu no século XVII.
O corpus delimitado é a obra de teatro que se faz no esplender artístico
e literário do século XVII e que por contradição foi também o período que
iniciou a decadência sócio-econômica e política da Espanha. Vamos acres-
centar a ela a obra Don Quijote de la Mancha (1605-1615) e Amadís de Gaula,
(1482-1492) obras com o mesmo motivo cavalheiresco, para demonstrar que
as idéias se contaminam e atualizam o texto.
No primeiro capítulo, que corresponde à fundamentação teórica,
procuramos apresentar no item 1.1, a representação da cavalaria medieval
em um determinado tempo histórico. Em 1.2, indicamos a função da arte
emblemática que no século XVII, serve de inspiração e tem uma função na
estrutura do relato. Em 1.3, apresentamos a função da semiótica do ponto de
vista histórico até se chegar a idéia de que a palavra como signo, pretende
evocar as intenções de quem a utiliza.
O segundo capítulo, que corresponde ao desenvolvimento, expõe a
instituição da cavalaria, mostrando que o espírito cavalheiresco se revigora
no século XI, estimulado pelas cruzadas religiosas, expedições feitas na Idade
Média contra os infiéis, hereges. Alguns cavaleiros se juntaram a um grupo
de armas a serviço do rei ou senhor, pondo-as à disposição do serviço militar
com intuito de receber alguma recompensa. Com o declínio desse grupo,
difundiu-se então, um ideal galante dos cavaleiros, exaltados pela literatura.
As ações cavalheirescas observadas na obra de teatro tem um sentido
poético e se produz dentro de um ambiente que evoca um período passado
portanto, nesta dissertação são delimitadas as ações cavalheirescas das
personagens que expressam tudo aquilo que anima os heróis. A
11
especificidade da obra teatral nos leva a considerar que é um texto escrito
para ser encenado, mas que determina ao leitor/espectador uma certa
atitude diante da obra que vai ler, dando a ela a entonação que imaginamos,
de acordo com o sentido que identificamos para a cena. Um outro
procedimento seu é procurar desvelar o caráter das personagens,
acompanhar suas ações e, determinar os valores que infundem expressos no
texto através dos signos que utiliza. E entender o espaço cênico como uma
simbologia dos espaços sócio-culturais onde o signo cênico mantém uma
relação de semelhança com tudo aquilo que pretende representar. Constatar
que no discurso de cada personagem destacamos a linguagem e nelas
encontramos indicações e a progressão da ação dramática. Pretendemos, por
meio da análise de algumas “situações teatrais”, observar a voz indireta do
dramaturgo Calderón de la Barca que determina a sua intenção, entender o
caráter das personagens e perceber que nos diálogos se põe em destaque os
princípios do universo cavalheiresco.
É intenção preponderante buscar a permanência do espírito cava-
lheiresco na obra de teatro selecionada, a identificação desses cavaleiros com
os princípios orientadores da ordem de cavalaria “dialogando” com Don
Quijote de la Mancha e Amadís de Gaula.
O terceiro capítulo trata da tradição emblemática, uma tentativa de
materializar a idéia através da imagem, em Don Pedro Calderón de la Barca e
vai mostrar que ela representa uma forma de linguagem no texto teatral,
onde emblemas e signos aparecem como uma representação metafórica,
dando a entender que há uma outra forma de se perceber o mundo. Nele,
reafirmamos a contribuição da Tradição Emblema-tica na obra calderoniana.
A conclusão vai ser marcada pela idéia de que em tudo existe uma
função simbólica. E se é uma verdade, o teatro a que nos referimos propõe
pensar por imagens sendo o emblema a expressão sintética da consciência
mágica do homem. Também se preocupa em confirmar que o gênero cava-
lheiresco se dá a partir da remodelagem de outras obras.
12
PRIMEIRA PARTE
13
1 CAPÍTULO I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo a nossa proposta é expor como os ideais de cavalaria
foram concebidos e como os cavaleiros se tornaram símbolos de seu tempo e
do que eles tinham de melhor, procurando comprovar que foi um período
áureo da história, enriquecido com princípios religiosos que construíram a
idéia de um homem padrão, uma figura que a História tem no seu livro de
imagens. Também procuraremos destacar que a Literatura vai se dedicar a
restabelecer o passado mítico glorioso ligado à cavalaria. Procuraremos
mostrar a emblemática preocupada em imitar uma maneira de pensar, sendo
uma linguagem enigmática que dá forma a uma determinada concepção de
homem no mundo com um conteúdo moral, procurando imitar o mundo
antigo. Vamos analisar a idéia de que a palavra é signo de algo, um veículo
para se alcançar o conteúdo significativo das idéias a partir da concepção
semiótica, vendo no texto os elementos que o compõem.
1.1 Os cavaleiros símbolos de seu tempo
A Europa passou por um período de desordem e insegurança depois
da queda do Império Romano. Guerreiros bem preparados, equipados com
cavalo e armadura, entravam para o serviço dos senhores feudais que
procurava recompensá-los com terras e vassalos.
A cavalaria surgiu como recurso de defesa contra as invasões bárbaras
e substituiu aos poucos a infantaria romana. Até o século X, a necessidade de
defesa do território era tão grande que todo homem forte e corajoso era
combatente. Esses guerreiros constituíram a base da hierarquia feudal.
Dependiam de um senhor ou suserano, ao qual se uniam por juramento de
fidelidade e por obrigação vassalática. Na maior idade, eles eram armados
cavaleiros e a cerimônia de sagração tinha um caráter leigo.
14
A partir do século X, a cavalaria pesada tornou-se dominante e
exclusiva. Os exércitos se constituíam de pequenas tropas de cavaleiros
fortemente armados que ao passar do tempo se transformaram numa
atividade dispendiosa a qual poucos tinham acesso.
Os cavalos, raros no mundo cristão, tinham preços elevadíssimos. As
montarias e as peças do armamento eram muito valorizadas. Portanto, os
pretendentes à cavalaria deveriam ser ricos para poderem possuir todo tipo
de armamento necessário ao ofício, formando assim um corpo de elite. Do
ingresso à cavalaria surgiu a obrigação do vassalo em relação ao suserano: o
dever de ajudar o senhor a armar cavaleiro seu filho primogênito.
Os séculos X e XII foram o período áureo da cavalaria. O cavaleiro
formou uma casta que adquiriu, por direito, privilégios especiais. Então, ela
tornou-se um monopólio dos descendentes de cavaleiros.
A cavalaria submeteu-se ao trabalho disciplinador do poder real e
acima de tudo da igreja, que manipulou-a, imbuindo nos cavaleiros a idéia
de que a missão era divina e só os puros de coração deveriam ter acesso a ela.
Então os cavaleiros empreendem cruzadas, peregrinações de fé.
O ingresso na cavalaria evoluiu com o tempo. O pretendente, geral-
mente nobre, iniciava a formação como pajem, aos sete anos. Ao completar
12 anos, entrava para o serviço de seu senhor feudal e recebia instruções
militares e formação em outras disciplinas. Se provasse sua competência nas
contendas da época e se tivesse meios para conseguir o equipamento, era
armado cavaleiro.
O cerimonial que antecedia a ascensão a cavaleiro podia ser realizado
na presença do rei e em dia de festa ou no próprio campo de batalha. O je-
jum, em honra do santo do dia era sinal do sagrado inserido nesse universo.
A vigília das armas, a comunhão e a benção da espada constituíam a base do
cerimonial. Pronunciava seu juramento, muitas vezes quebrado na prática, e
15
finalmente, o jovem recebia no ombro um golpe desferido por seu senhor
com a parte plana da espada.
No século XI, o ritual punha em evidência a influência da igreja: o
sacerdote benzia a espada e lembrava que devia servir à igreja, às viúvas, aos
órfãos e a todos os servidores de Deus contra a crueldade dos pagãos. Ainda
se incluía no ritual a purificação com um banho e o cavaleiro recebia uma
camisa de linho, símbolo da pureza e uma túnica vermelha, símbolo do
sangue que deveria verter em defesa do ideal cristão, elevando-a a um plano
de dignidade espiritual.
Os ideais da cavalaria foram enriquecidos com princípios como
respeito à igreja, a busca do Santo Graal, lealdade ao senhor, a defesa da
honra, o respeito aos fracos e constituir-se em seu defensor, não recuar diante
do inimigo, ser fiel à palavra dada, tratar o inimigo com cortesia. Esses prin-
cípios retratavam a imagem do cavaleiro ideal. Mas o que se desejava era
controlá-los por meio de uma ética.
A fase de cristianização da cavalaria culminou com as cruzadas. A
igreja e as monarquias criaram as ordens militares de duplo caráter: religioso
e militar cujo objetivo era defender a fé cristã; no caso da Espanha, recon-
quistar os territórios ocupados pelos muçulmanos.
Do final do século XI a meados do século XIII, as relações entre os
cavaleiros e o sistema feudal sofreram mudanças. As hostes feudais mostra-
ram-se ineficientes para expedições prolongadas. Os reis começaram a
desvirtuar os princípios da cavalaria, organizando exércitos mercenários.
O fim das cruzadas e a inferioridade militar dos cavaleiros assim como
a decadência do sistema feudal em favor das monarquias acabaram com a
cavalaria medieval ao longo dos séculos XIV e XV, ainda cheia de elevadas
aspirações morais e políticas. Propagou-se então o ideal galante dos cava-
leiros andantes, os princípios de uma nobre maneira de viver e também a
ética da nobreza assuem características bem definidas exaltadas pela
16
literatura de cavalaria que buscava como os cronistas franceses do século XIV
e XV, escrever “para ensalzar la virtud caballeresca y los hechos de armas
gloriosos, pero ninguno logra conseguirlo por completo.” (HUIZINGA, 1996,
p. 94).
Como arautos do seu tempo, a persistência do espírito cavalheiresco,
conseguiu perseguir as consciências como lembrança de um sonho.
1.2 - A Tradição Emblemática
Ao ler sobre os emblemas morais, pode-se constatar que eles
apresentam, como antecedentes, a escritura ideográfica dos antigos egípcios.
Esta reproduzia, por meio de imagens e não em palavras, aquilo que queria
expressar e também era denominada de hieróglifo, símbolos postos diante da
consciência ou do indivíduo, objeto produzido pelo trabalho humano que,
por convenção, representa outro e corresponde ao momento cultural e
histórico em que foi concebido. Essa linguagem, representada por meio de
figuras, a qual dará origem a uma outra que terá na imagem e no texto a
essência da emblemática, esteve presente em toda forma de expressão
artística do “Século de Ouro”.
Andrea Alciato, italiano, no século XVI, adotou o termo emblemática
como equivalente dos antigos hieróglifos e os emblemas elaborados por ele
tiveram uma grande repercussão entre os intelectuais dessa época. Se a
escritura ideográfica dos antigos egípcios trazia consigo um enigma que a
mente e a sabedoria precisavam desvendar, a criação dos emblemas não
deixou de lado o princípio enigmático que tanto fascínio provocou nessa
sociedade.
Devido a esse sucesso, foi dado a eles um conteúdo moral-religioso,
que possibilitou o surgimento de uma linguagem ideográfica, cuja imagem
era explicada por um texto que tinha o objetivo de imitar a sabedoria do
17
mundo antigo. Ao serem apresentados com todas as partes que os compõem
ou em separado, constatamos que o primeiro a apresentar-se ao espírito é a
pintura que funciona como um convite à interpretação através da leitura da
imagem que é de fato nossa primeira experiência e que surgiu antes da
escrita. Nela, o artista elabora as sensações que lhe chegam do mundo que ele
vê. O texto que sempre se apresenta abaixo completa a figura, esclarece seu
sentido, faz uma descrição a fim de facilitar a compreensão. O emblema é
assim composto do lema ou mote, frase sintética, em geral grega ou latina
extraída da Antiguidade Clássica, da Bíblia, de escritores como: Erasmo,
Petrarca sendo portanto de origem culta e outros da sabedoria popular
representados por refrões e provérbios. A frase que será explicada na
epigrama que expõe o desenho, é a idéia se tornando visível e que tem
subtendida uma moralidade. É a aliança entre figura e texto. Como exemplo,
analisemos o emblema 39 de Andrea Alciato. Nele, o emblemista apresenta o
mote Concordia ( La Concórdia). Alciato expõe na imagem dois guerreiros
dando-se as mãos direitas, ato que revela um pacto; do lado esquerdo,
algumas tendas armadas e, do lado direito, ao fundo, soldados levantando
lanças sobre um cavalo em corveta, signo de domínio. Lemos a epigrama:
Cuando Roma tenia a sus jefes
en la
guerra civil y sus hombres
morían en el
campo de batalla, fue
costumbre, cuando las tropas
se juntaban a hacer una
alianza,
saludarse mutuamente dán-
dose la mano
dercha. La concordia tiene
esto como
símbolo, de modo que aque-
llos a los que une
el afecto, una también la mano.
Constatamos que o emblema é um poema e nele se ressalta a
importância da pintura. Sebastián Covarrubias nos dirá que:
18
«Metaphóricamente se llaman emblemas los versos que se
subscriben a alguna pintura o talla, con que significamos algún
concepto bélico, moral, amoroso o en otra manera, ayudando a
declarar el intento del emblema y de su autor». De tal
consideración se deduce que el texto alcanza un valor interpreta-
tivo que viene prefijado de antemano por la existencia de una
pintura a la que el texto se suscribe. Por ahí fue también la
definición que diera anteriormente Juan de Horozco y Covarrubias
a sus emblemas morales. (ALCIATO, 1985, p. 11)
Pôr a ênfase no pictórico ou no literário talvez não seja o relevante,
mas sim no efeito produzido no leitor. Schöne, o grande emblemista alemão,
informa que “la pintura es lo que primero que el ojo percibe del emblema y
ello invita a interpretar esa primera visión a la luz de lo que la suscripción
después confirma.”(ALCIATO, 1985, p.11). Ele destaca a importância da
idéia na concepção da pintura emblemática. O emblema exige diversos mo-
dos de interpretação e seu significado vai depender da leitura de cada
indivíduo sobre cada parte que o compõe, pois há nele uma multiplicidade
de significados que reflete a mesma multiplicidade do mundo.
Dessa forma, os emblemas servem de recurso para compreendermos a
mentalidade social, cultural e religiosa de épocas passadas e são inúmeros os
exemplos de seu uso: na heráldica passando pela pintura, escultura, arquite-
tura, azulejaria, literatura , por obras de teatro e por tudo mais que ela exige
para sua conformidade. É a partir dessa realidade que surge a tradição
emblemática.
Com a emblemática o que se viu foi a estruturação de um modo de
pensamento e uma forma artística capaz de transmitir regras úteis ao gênero
humano, ensinando os caminhos da virtude em conseqüência, talvez, das
pressões da Contra-Reforma. Assim sendo, os emblemas não possuem uma
função puramente ornamental, mas didática.
Portanto, é de interesse para a história da literatura a influência dos
emblemas nos gêneros literários que vemos relacionados com a
intertextualidade das obras que mesmo não fazendo parte da literatura
19
emblemática, possui elementos que nos perite elaborar uma associação com
elas não tanto pelo texto, mas pela interferência como forma de pensamento
ou estrutura artística na poesia, na narrativa, no teatro.
Andrea Alciato, além de divulgar uma série de temas, contribuiu para
a criação de imagens visuais por meio da palavra, estabelecendo entre elas
uma relação, numa descrição precisa que substituía a imagem pictórica e que
exigia uma leitura capaz de apreender a intenção oculta em cada um dos
poemas-emblema.
A dimensão da poesia emblemática no “Século de Ouro” é grande e
se dá de várias formas onde poetas e pintores, por exemplo, opõem-se ao
estabelecer a interpretação alegórica da personagem ou do objeto em
questão. Percebemos através da arte emblemática que é próprio da natureza
humana querer representar o que é imaterial através de signos e imagens,
por reconhecer o caráter enigmático de toda arte.
1.3 – A Semiótica do Teatro
O estudo do signo é tão antigo quanto o próprio pensamento filosófico
e o diálogo de Crátilo de Platão pode testemunhar essa antigüidade porque
ali a linguagem é posta em questão. Nesse diálogo, o problema é responder
sobre a relação entre a palavra (verbum) e a coisa (res). Essa exposição é de
interesse histórico: em Crátilo, a argumentação de Sócrates conduz ao exame
da função da linguagem, onde o objetivo do nome é ser instrumento do
falante para um determinado fim, nele revela também questões lingüísticas
as quais se convergem para a noção de que a linguagem não seria capaz de
“dizer as coisas”, a essência delas.
Tzvetan Todorov, ao estudar a origem da semiótica, informa que as
considerações de Santo Agostinho têm como propósito estudar os signos em
geral e não apenas os signos lingüísticos. Santo Agostinho elabora duas
20
definições de signo que refletem o plano semântico e o comunicacional. O
plano semântico assenta na sua função designativa ou representativa o
signo apresenta ao espírito aquilo que está ausente aos sentidos. À esta
dimensão semântica junta-se a comunicacional: a palavra é o signo de algo
que pode ser compreendido quando se é proferida. Ele explica que a análise
de Santo Agostinho faz uma distinção entre o processo de comunicação e de
significação.
Logo, até aqui, pretende-se mostrar a antigüidade da temática
semiótica, pois, se a temática é tão antiga quanto o pensamento filosófico, é
pertinente pensarmos na semiótica enquanto ciência. Antigamente as
investigações não tinham autonomia científica; hoje, a semiologia é a ciência
geral dos signos, nela integrando-se a lingüística enquanto ciência específica
dos signos lingüísticos.
O termo semiologia foi utilizado desde a Antigüidade Grega em dois
domínios: um na arte militar, ou seja, na manobra das tropas por meio de
sinais e, na Medicina, onde até hoje os sintomas das doenças se dão por meio
de sinais. Ele ganhou relevância a partir de Saussure com seu Cours de
Linguistique Génerale.
Nos últimos decênios, as pesquisas semiológicas avançaram mais na
Lingüística e na Psicologia Social, conseqüentemente, pouca atenção foi dada
à Semiologia da Arte, com exceção da arte literária.
Aos poucos, a idéia de tratá-la como fato semiológico ganhou
importância entre lingüistas e semiólogos; por conseguinte, a Literatura,
como arte da palavra, passa a ser um campo privilegiado da pesquisa
semiológica. No entanto, o que nos chama a atenção é que as artes do
espetáculo foram quase excluídas da análise semiológica, mesmo possuindo
um campo comum com os fatos lingüísticos.
Tadeusz Kowzan lembra que
21
Devese-se notar que muitos teóricos e realizadores do teatro,
assim como pessoas que trabalham em teatro, empregam o termo
“signo” ao falarem de elementos artísticos ou meios de expressão
teatral, o que prova que a consciência ou subconsciência
semiológica é algo de real entre aqueles que se ocupam do
espetáculo. Isto confirma, ao mesmo tempo a necessidade de se
considerar o espetáculo do ponto de vista da semiologia.
(Kowzan,1988, p 97)
É na arte do espetáculo que o signo manifesta-se com maior riqueza,
variedade e densidade. A palavra pronunciada pelo ator é o signo de objeto,
de pessoas, de sentimentos, de idéias ... que o autor do texto pretendeu
evocar. “Tudo é signo na representação teatral”. Ubersfeld nos faz ver que
La representación teatral constituye un conjunto (o sistema)
de signos de natureza diversa que pone de manifiesto si no total
al menos parcialmente - un proceso de comunicación en el que
concurren una serie compleja de emisores - estrecha y recípro-
camente relacionados -, una serie de mensajes igualmente
relacionados, en este caso según unos códigos extremamente
precisos y un receptor múltiple presente en el mismo lugar.
(UBERSFELD, 1993, p. 20)
O espetáculo utiliza-se tanto da palavra quanto de sistemas de signifi-
cação não lingüístico, por isso, torna-se necessário considerar a noção de
signo.
Segundo Ferdinand de Saussure (1857 1913) o signo é um elemento
composto por duas partes que não podem dissociar-se: o significante, que
corresponde a expressão, e o significado que corresponde ao conteúdo. A
relação dos signos e significantes com as coisas é convencional e arbitrária.
Outra característica do signo diz respeito ao referente, quer dizer, o elemento
que remete ao signo no processo de comunicação.
Dentre os signos, Anne Ubersfeld identifica os não intencionais, que vai
chamar de indícios e os signos intencionais, que vai chamar de sinais. Estes
podem ser verbais ou não verbais.
A terminologia de Charles Sanders Peirce (1839 1914) classifica os
signos em índices, ícones e símbolos onde o índice relaciona-se com o objeto a
22
que se remete; o ícone mantém uma relação de semelhança em determinado
aspecto com o objeto denotado. Mas essas noções, segundo Anne Ubersfeld,
são ainda objetos de discussão. Quanto aos símbolos, por convenção arbitrá-
ria, estão submetidos aos condicionamentos sócio-culturais.
Todo signo é ao mesmo tempo índice e símbolo. O índice serve para
anunciar ou articular os episódios do relato e o ícone funciona como «efecto
de lo real».
O texto, que é um dos níveis do fazer teatral, é também um universo
de signos, pois sua linguagem teatral induz o espectador decifrar seus signos.
Essa linguagem se constrói por tudo que é percebido pelo espectador a fim
de constituir-se como linguagem. Um exemplo está no teatro de Calderón de la
Barca na peça Argenis y Poliarco. A escritura do texto se serve da palavra
“playa”, indicação cênica, na voz do dramaturgo e, na voz da personagem
um elemento sonoro para representar a cena e fazer surgi-lo no espírito do
espectador. Toda a estrutura da obra teatral repousa na palavra.
[Playa del puerto de Africa, que es
residencia de Hianisbe.]
Poliarco: - Cuando toco
esa verda, que estoy loco
confieso; mas si me acuerdo
que por argenis me pierdo,
todo me parece poco.
Bajel se perdió; que el mar,
por despojos de la guerra,
cuerpos y tablas a tierra
arroja. ( p. 1936,1)
O espectador/leitor tem que perceber e ler esse signo visual porque o
teatro remete ao pensamento simbólico.
Outro ponto que deve ser considerado é a idéia de que o que torna um
texto, texto de teatro é a presença do diálogo, a linguagem expressada “por
esse ser de papel que conocemos con el nombre de personaje (que es distinto
del autor);” (UBERSFELD, 1993, p. 17) e das didascálias implícitas e explícitas
que permitem melhor compreensão do processo de comunicação entre as
23
personagens. Conclui Ubersfeld dizendo que “las didascalias designan el
contexto de la comunicación, determinan, pues, una pragmática, es decir, las
consideraciones concretas del uso de la palabra. En resumen, las didascalias
textuales pueden preparar la práctica de la representación” (UBERSFELD,
1993, p. 17). Analisemos a réplica das personagens, Jornada Segunda de
Argenis y Poliarco de Calderón de la Barca:
Sale Arcombroto com el Rey em brazos,
mojado.
Arcombroto: - Si otro Eneas de las llamas,
yo de las ondas Eneas,
mejor Anquises libré,
será mi alabanza eterna.
Argenis: - Dame, gran señor, tus brazos
en albricia lisonjeras
de tu vida.
Rey: - Hermosa Argenis,
¿quién duda de que tú seas
la deidad deste milagro,
que ha dado a Arcombroto fuerzas
para tal acción, porque
a los dos la vida deba? ( p. 1931, 2)
A partir da réplica de Arcombroto didascália implícita o autor
enfatiza a coragem da personagem e através da didascália explícita, de
importância primordial no texto, é a voz do dramaturgo que apresenta as
personagens indicando seus gestos, ações, situando o espaço, o tempo da
representação. Desta forma, a didascália, um signo dramático do discurso
narrativo, é de duas naturezas: explícita, voz direta do dramaturgo ou,
implícita, a voz do dramaturgo através da réplica da personagem. No
exemplo, a didascália explícita Sale Arcombroto con el Rey en brazos, mojado -
informa ao espectador/leitor o estado emocional - há a exaltação da honra e
da amizade e o estado físico da personagem. Na didascália explícita, o
dramaturgo deixa suas advertências e recomendações a fim de dar vida ao
teatro. A outra natureza da didascália é ser implícita e, no exemplo, se
caracteriza pelos diálogos entre Arcombroto, Argenis e o rei.
24
Segundo Anne Ubersfeld, a relação diálogo-didascálias varia segundo
as épocas da história do teatro. As didascálias designam as condições
concretas do uso da palavra. É o sujeito da enunciação no texto teatral que
nos permite fazer a distinção entre diálogo e didascália. No diálogo fala a
personagem e na didascálias é o próprio autor que:
a) nombra a los personajes (indicando en cada momento quien
habla) y atribuye a cada uno de ellos un lugar para hablar y una
porción del discurso;
b) indica los gestos y las acciones de los personajes
independientemente de todo discurso. (UBERSFELD, 1993,P.
17)
O dramaturgo está representado pela história, pelos personagens e
pelos diálogos, mas tudo isto não quer dizer que o texto de teatro seja uma
confidência, uma expressão da personalidade e dos sentimentos do autor.
Quando o dramaturgo produz um texto, ele faz uso do signo gráfico para
informar como se comporta a personagem e criar a magia da cena. Ele
descreve o cenário, a atmosfera, podendo explorar a subjetividade das
personagens, descrevendo suas intenções, por mais ocultas que sejam.
Utiliza-se também dos signos não-verbais que serão colocados em cena.
Os elementos presentes na dramatização são “símbolos, índices ou
ícones”, melhor dizendo, representam alguma coisa (o símbolo); é o indício
de algo que está por acontecer ( o índice) e, signo (o ícone) que poderá ser
signos lingüísticos (verbais), mímica e efeitos sonoros (não verbais), os que
representam os efeitos da natureza (naturais) e os criados pelo homem com a
intenção de comunicar a alguém (artificiais).
Pode-se dizer que os objetos da semiologia do teatro são o texto
dramático e o espetáculo que se formam por uma quantidade enorme de
signos oriundos de diversos domínios da arte, da vida social e da natureza
com o objetivo de possibilitar a comunicação entre o público e o leitor.
25
SEGUNDA PARTE
26
1. CAPÍTULO I CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS E
DO ESPAÇO NO UNIVERSO CALDERONIANO
A produção calderoniana: Argenis y Poliarco (1634) é uma obra que
nos oferece um quadro rico e variado do viver humano no que este tem de
impulsividade, de antítese, de dinamismo e ação. Nela toda a intensidade da
vida é captada, por conseguinte, suas personagens agitam-se na superfície da
vida humana e refletem todo um conjunto de idéias, crenças, sentimentos, os
quais nos são sugeridas a partir de seus atos e palavras.
O dramaturgo, na sua liberdade de imaginação, usa das palavras para
criar claras imagens do mundo que se põe diante da consciência ou do sujeito
leitor/espectador.
Ao criar suas personagens, retrata em cada uma delas o drama da
existência humana, deixando para o leitor/espectador o papel de abstrair o
que há de universal em cada uma delas. Ao considerar o que está sendo dito,
procuramos nos aproximar para fazer cair suas máscaras e ver se debaixo
delas há um rosto ou se não há nada.
1.1 - Caracterização das personagens que se mostram na trajetória da obra
de teatro Argenis y Poliarco de Don Pedro Calderón de la Barcca
Calderón de la Barca é considerado pela crítica como sendo o mais
importante autor do teatro Barroco. Através da crítica se reúnem definições
que o caracterizam como sendo o dramaturgo defensor do código de honra
em tragédias, o humanista que não deixou de ser objeto de observação por
motivo de sua posição crítica ao rigor moral da época e ao despotismo
político baseado na razão do Estado, que separa os homens segundo origem
e nascimento, profundamente injusto e desigual, com “la crisis económica y
27
la guerra redujeron los estratos privilegiados mientras los marginados se
agolpaban ante las casas de caridad y las dependencias religiosas para
sobrevivir.” (CORTÁZAR, 1995, p.270). É evidente a grande qualidade
estética de sua produção dramática, cuja obras se destinam a um público
diverso. Escritas algumas vezes para as festas nos palácios, foram
representadas “en los corrales”, teatro público que pertencia a confrarias
religiosas que tinham por objetivo reunir recursos financeiros para suas
obras de caridade. Algumas dessas obras, postas em cena nesses teatros
populares, foram encenadas também nos salões reais “del Buen Retiro del
Alcázar” os quais representavam a concretização do conde-duque de
Olivares que pretendia criar um espaço de representação capaz de acolher a
corte, digna do esplendor da monarquia espanhola.
O que chama atenção é a forma como aborda os mais variados
subgêneros teatrais como: os dramas de fundo filosófico La vida es sueño
(1635) a tragédia El mayor monstruo del mundo (1634); as representações
mitológicas Eco y Narciso (1661), El laurel de Apolo (1657), La estatua de
Promete (1668); as óperas La púrpura de la rosa (1660); zarzuelas, a
composição musical dramática em que alterna fragmentos falados e cantados
El jardin de Falerina (1629); as comédias Casa con dos puertas mala es de
guardar (1629); as de tema religioso El mágico prodigioso(1627); as peças de
teatro denominadas “entremeses” que são peças breves de um só ato e de
tom jocoso, sem pretensões morais ou de qualquer espécie, restringindo seu
objetivo ao deleite do público e que se representavam entre um e outro ato
das comédias; “jácaras” composição poética de forma geral com
características de romance ou entremeses, alegre e satírica em que se narram
sucessos “de villanos y rufianes” que “ às vezes podem ser encenadas e
“mojigangas” que são obras teatrais pequenas, com persona-gens
ridicularizados e extravagantes que provocam o riso.
Há no dramaturgo o domínio da forma e da técnica teatral que
possibilitam manter o leitor/espectador atento a partir de uma sucessão de
28
intrigas, graduando a intervenção e interação das personagens que compõem
o jogo cênico.
É objeto de nossa pesquisa a comédia: Argenis y Poliarco (1634) que
retoma uma novela da obra do humanista inglês John Barclay (1582-1621)
que escreve uma narrativa em prosa e exalta um amor principesco que se
desenvolve com elementos cavaleirescos que parecem proceder de Amadís de
Gaula, intitulada Argenis.
Como pode ser evidenciado, é necessário informar que comédia, como
se refere ao termo o Dicionário de Autoridades, é obra feita para o teatro,
onde se representavam as ações do homem e os sucessos da vida comum;
poema dramático, que se faz para representar no teatro como Comédia,
Tragédia, Tragicomédia. Para Cervantes, ela é espelho da vida que vai
ensinar aos homens prudência e valor: “porque habiendo de ser la comedia,
según le parece a Tulio, espejo de la vida humana, ejemplo de las costumbres
e imagen de la verdad”. (CERVANTES, 1995, p. 558)
Os dramaturgos empregavam esse termo para denominar as peças
que escreviam, embora em alguns momentos, tratassem por tragicomédias
ou tragédias.
Calderón de la Barca divide a obra em três atos, que vai chamar de
“Jornadas” e, que se dão em função da intriga, sendo cada “Jornada”
caracterizada pelos seguintes elementos: exposição, complicação e resolução.
Cada “situação” teatral é delimitada pelas entradas e saídas das personagens,
pela mudança do cenário e, conseqüentemente, do espaço. Portanto, a
passagem de um ato a outro pode servir para marcar o tempo. O primeiro
ato começa de forma repentina, introduzindo-nos na ação, atraindo nossa
atenção e, por isso, o número de personagens não confunde o leitor/
espectador.
O verso é a expressão dramática, veículo da comunicação que contém
uma beleza que é oferecida como espetáculo, se iguala a sua eficácia
29
dramática e chega a sintetizar poesia e vida. A linguagem une qualidade
estética da palavra com a capacidade de representação do real e exige a
manifestação dos sentidos, da imaginação, da compreensão para se chegar à
essência da palavra.
As figuras teatrais como rey/padre, galán/dama, criado/criada e
gracioso respondem a uma espécie de norma para uso do dramaturgo.
O rei como figura dual, de ação marcada pelo mistério, aparece como
rey viejo ou rey galán. Como rei velho, o que lhe caracteriza é o exercício da
realeza e da prudência, logo, governa para o bem estar presente e para o
futuro do povo e quanto ao rei galã, o que lhe caracteriza é a soberba e a
injustiça.
Poliarco: [ ... ] Meleandro, de Sicilia
rey único, a quien el Cielo,
más que de ánimo gallardo
dotó de su entendimiento,
largo tiempo gobernó
entre el ocio y el sosiego
de la paz, sin que a la guerra
diese el militar gobierno
por ser de ánimo apacible,
espíritu manso y quieto,
y, al fin, inclinado, más
que a la milicia al consejo:
cuya condición afable,
cuyo semblante modesto
en los ánimos altivos,
en los altaneros pechos
de traidores, engendró
osados atrevimientos.(p. 1920, 2)
Para expressar o caráter do rei, a personagem utiliza-se de imagens
que servem para confirmar ao leitor/espectador que tudo será favorável aos
cavaleiros.
O rei era o senhor absoluto, seu carater divino justifica seu
procedimento (Meleandro, de Sicilia/rey único, a quien el Cielo,/dotó de su
entendimiento,). Reúne o poder e a majestade, fonte de todas as honras,
fundamento da ordem e da justiça. Sua função é premiar ou castigar
30
preservando-se sempre acima do caos humano e sua insígnia é o cetro. Existe
nele algo de divino, pois de Deus recebe sua realeza. Também é visto como
tirano pelo cargo e pela personalidade. O poder e a paixão se enfrentam,
introduzindo a desordem e o mal. O homem, vítima da injustiça, não pode
levantar-se contra ele porque somente Deus pode castigá-lo e a solução é o
arrependimento do rei. Arrependimento necessário que volta a instaurar a
ordem. A sua imagem concentra sobre si os desejos de autonomia, de
governo de si próprio, de conhecimento integral, de consciência e, neste
sentido, o rei é como o herói, o arquétipo da perfeição humana e, por isso,
mobiliza todas as energias espirituais para se realizar. No terceiro ato, no
diálogo entre o rei, Arcombroto e Poliarco, ocorre o seguinte:
[ ... ]
Poliarco: - Por no dejar de serviros,
no permiti conocerme;
porque ser criado vuestro
más me ilustra y ennoblece
que ser de Francia delfín.
Rey: - Pues sé desta que merece
vuestra persona y valor
premio tan divino, déle,
para fin de sus fortunas,
la mano de esposo a Argenis.
Arcombroto: - Eso, no; que si engañado
fui de la reina, no debe
mi valor obedecer
la fe jurada.
Rey: - Detente,
Túsbal, que si tú pudieras
ser su esposo solamente
lo fueras tú.
Arcombroto: - Pues ¿no puedo?
Rey: - No, porque su hermana eres.
Hijo mío, aquestas señas
tal desegaño me oferecen.
joven al Africa fui,
y entre agrados y placeres
rendí con la fe de esposo
los amorosos desdenes
de Ana, hermana de Hianisbe:
porque ya que a Argenis pierdes,
ganes a Sicilia.
Arcombroto: - Sólo
tener sangre tuya puedes
consolarme deste dano,
y hacer que contento quede
31
de una pérdida tan grande
Dame, los brazos, pues puedes
[A Argenis]
sin celos de Poliarco.
Y por pagar lo que debe
mi amor, doy a Timoclea
la mano. (p.1953, 2)
Arcombroto, jovem, filho de rei e destinado a sê-lo, aceita a pessoa de
Meleandro como pai, renuncia a Argenis e assim triunfa a conciliação afetiva e
política e não se realiza o drama incestuoso.
Abaixo do rei, como pessoa dramática, estão Poliarco e Arcombroto.
Suas características são as mesmas do rey-galán, sua missão é a honra que
aparece no drama como destruidora da harmonia e suas ações são afirmações
de si mesmo.
A figura dos cavaleiros, Poliarco e Arcombroto, mostra que eles
percorrem o mundo a fim de confirmar sua vocação cavaleiresca. É o homem
que se quer fazer. Eles têm de fazer suas vidas, usando como símbolo a honra
a qual estão submetidos.
Há a guarda de Argenis que está no papel de filha do rei e a violação
dessa guarda pode levar à vingança se a honra for maculada. Essas
personagens têm poder sobre o amor, precisam garantir a ordem ético-social
porque a honra é um bem comum, logo o que se capta neste processo é o
conflito entre o que é individual e o coletivo. O que se verifica é o
enfrentamento dos princípios de liberdade e autoridade. E a autoridade deve
ser triunfante para que a ordem comum não seja arruinada.
As figuras dos cavaleiros e da dama, possuidores de sentimentos
nobres, são os elementos primordiais de toda intriga. O cavaleiro tem como
aspecto o valor, a audácia, a generosidade, a certeza, o idealismo, a elegância
e a descendência real , é fiel ao rei, respeitoso com a ordem social, consciente
de sua condição e orgulhoso de si mesmo, é apresentado assim desde o início
do texto. Trata de buscar solução para o conflito da melhor maneira possível;
32
é uma personagem com o qual o leitor/espectador é levado a se identificar,
se solidarizar porque com ele se identifica. A dama tem como distintivo a
beleza, a descendência real, a absoluta dedicação amorosa, a audácia. Eles
são determinados pelo ciúme, pelo amor e pela honra que os separam e que
ao mesmo tempo os aproximam, o que estimula suas condutas. Tecem os
conflitos e os mantêm em suspense até que se conclua o fato porque existe
nas personagens uma identidade que é mascarada. Poliarco, por exemplo,
afirma:
Poliarco: [ ... ] Yo, que en aquel punto llego,
osado a morir me arrojo
entre las armas y el fuego,
siempre cubierta la cara. (p. 1922, 2)
Os amantes, Argenis e Poliarco, expõem uma contradição a respeito da
idéia sobre o amor. A literatura cavaleiresca passa a idéia de que o amor é
algo que deve ser cuidado, protegido, guardado, pois é fonte de tudo o que é
bom e belo, não tem limites, é insaciável o desejo do objeto amado. A atitude
do cavaleiro, diante do amor, é de paciência infinita, é de sacrifício do
próprio ser. Ele ama sem ter em conta o êxito do seu amor e muitas vezes se
mostra exaltado por ele. O dramaturgo expõe uma lição baseada nos
sentimentos, vai elaborando um processo de aperfeiçoamento da
personagem. Eles vivem num mundo dramático no qual a honra decide
sobre as vidas das pessoas e sob o olhar cuidadoso da sociedade em que
estão envoltos, impedem que o amor se dê como uma relação íntima entre
duas pessoas. O diálogo entre Selenisa e Argenis deixa transparecer esta idéia:
Selenisa: - Pena mal resistida,
muerte será forzosa.
Argenis: - No hay pena tan dichosa
que acabe con la vida;
porque en ser la postrera
no fuera pena que lisonja fuera.
¿ Quieres ver si prevengo
remedio a un mal injusto?
Sólo conozco el gusto
33
en ver que no le tengo;
y si en sentir tuviera
gusto, por no tenerle, no sintiera.
Selenisa: - Sí; mas resista al llanto
la fingida alegría.
Argenis: - ¡ Ay Selenisa mía!
Mas me admiro y espanto
de que en penas tan graves
tú me consueles, que la causa sabes.
Selenisa: - Quizá mentira ha sido
que Poliarco ha dado
muerte al embajador.
Argenis: - ¿ Y mi cuidado
podrá ser mentiroso ni fingido,
cuando el vulgo le aclama
traidor, y como tal el rey le llama?
Selenisa: - Él a tu cuarto viene,
no respondo por eso.
Argenis: - Que estoy muerta confieso. (p. 1926, 1)
Para Arcombroto, Argenis é a imagem pura do templo de Vênus.
Distingue-se por sua beleza, sensibilidade, generosidade, discrição,
apaixonada por seu cavaleiro, mas sabendo se impor com uma poderosa voz
e força cênica. Há o triunfo de Argenis, o triunfo das mulheres sobre os
homens. Ela manipula a situação e as pessoas até que consiga garantir sua
união com o jovem que deseja, por quem está apixonada. A cena se
concretiza de forma contrária às convenções. O dramaturgo faz ver que a
paixão não lhe impede a reflexão diante do enlouquecido ciúme de Poliarco
que faz com que o desejo amoroso atice o heroísmo do cavaleiro ao invés de
ameaçá-lo.
[ ... ]
Poliarco: - Pues ¿quién
podrá el discurso parar
de aquel que te llega a amar,
para que a mí no me den
celos sus penas también?
Pues si la imaginación
hace efecto, ciertos son
mis temores, pues ya habrá
imaginándose allá
dentro de la posesión.
Argenis: - Esas son sofisterías
del viento en el pensamiento.
Poliarco: - ¿Y no da celos el viento?
34
Mas ya que las penas mías
conviertes en alegrías,
da los brazos a un ausente.
Argenis: _ ¡Quita, detente, detente!
Poliarco: - Pues ¿tú te retiras?
Argenis: - Sí,
que a quien sospecha de mí
tan baja y groseramente,
castigo. (p. 1941, 2)
Argenis aparece na peça como Sabedoria, como Graça que traz a
doçura e aguarda pela reconciliação. É a dama idealizada.
Ela, a mulher amada por Poliarco, a mais bela do mundo, como Oriana
em Amadís, imagina uma liberdade de movimento e de vida. Aponta para a
idéia de que a liberdade é um índice de nobreza que o gênero humano deve
descobrir o seu caminho. Sua réplica põe em questão o encerramento a que
foi submetida pela imposição paterna, oferece uma autonomia feminina
negada na prática. Ela não é, como Oriana e Dulcinea, chamada “sin par” mas a
descrição é prodigiosa, exuberante e manifesta as qualidades mais
importantes. O uso dos sentidos se mostra necessário.
[ ... ]
Sale Arcombroto
Quando informa a voz do dramaturgo, a didascália implícita na
Jornada Segunda, lemos a réplica de Arcombroto que reafirma a beleza de
Argenis superior à Natureza:
Arcombroto: - Ya Vuestra Alteza, señora,
podrá, porque el sol empieza
a desvanecer reflejos
entre corales y perlas,
dejar sin luz esos montes,
sin lisonja esas riberas,
sin hermosura ese valle
y sin deidad esas selvas.
Una dorada carroza
en esa margen espera:
no tan hermosos caballos
el aurora hermosa ostenta
cuando el alba antes que el sol
sombras viste y nubes huella,
35
y él en ondas de zafiros
sepulta abismos de estrellas,
como los que deste carro
son hipógrifos, que llegan
a competir con las aves;
pues en su veloz carrera
ni flor malogran sus plantas
ni surco imprimen sus ruedas;
que siendo brutos del viento,
siendo aves de la tierra,
vuelan, pensando que corren,
corren, pensando que vuelan.
Argenis: - La retórica pintura
se mira en vos tan perfecta
que ha de faltar a la vista
tan hermoso objeto.(p.1930, 2)
A réplica de Arcombroto discursa sobre a beleza e nos faz pensar sobre
a perfeição de Argenis.
O dramaturgo descreve o amor como força instintiva, sublimada
capaz de aperfeiçoar o homem. Reproduz as imagens para o
espectador/leitor como deveriam ser, como se apresenta em seu íntimo,
expondo sua maneira de ver e sua idealização a partir de uma sensibilidade
própria. A beleza vai estar relacionada ao puro, ao sensível a tudo que possa
representar o espírito. Ele desenvolve as idéias apelando para a impressão
que elas possam causar.
Argenis y Poliarco é uma metáfora sobre a idéia de que a verdade
jamais pode ocultar-se sobre as aparências e equívocos.
Há uma dama que dá conselhos, Selenisa. A ela é permitida essa
interferência porque é o espelho da vida, é o contato com o mundo externo.
O contato que foi impedido de se realizar por motivo das profecias que
anunciam as virtudes e que prediziam a discórdia entre príncipes
estrangeiros. Ela, fiel a sua dama e contribuindo para um final feliz,
reconhece que sua senhora está submetida aos mandatos reais, já que o
casamento não é produto de amor mas da conveniência política e econômica,
assim se expõe:
[ ... ]
36
Selenisa: -Ya se fueron, ya has quedado
sola: no quiero pedirte,
mi princesa, mi señora,
que diviertas ni que alivies
tu dolor, sino que antes
sientas, llores y suspires.
Argenis: - ¡Ay Selenisa! ¡Ay amiga!
Mal me aconsejas, mal dices.
¿Cómo he de poder quejarme?
¿Cómo he de poder decirte
desdichas, que conocerlas
no puedo? Y es tan terrible,
tan tirano este dolor,
que entre los labios oprime
la voz, la lengua aprisiona,
negándome que respire;
porque si es gusto quejarme,
aún éste no me permite.
¡Ay de mi otra vez! ¡Ay cielos!
¿Cómo a la lengua le disteis
tantas guardas que encerrada
en cárcel estrecha vive,
con muralla y con canceles
de corales y marfiles,
si es instrumento por cuya
consonancia se repiten
dulces acentos? Y ya
que vive guardada (ay triste!),
¿por qué, por qué a los oídos
también no los defendisteis
con más guardas? ¿Es razón
que sin defensa posible
escuche mi mal, y luego
cuando quiera divertirle
con publicarle, no pueda
y tenga en mi pecho humilde
la pena fácil la entrada
y la salida difícil? ( p. 1927, 1-2 )
Gelanor é um criado de Poliarco. Tem como característica ser irônico,
cômico, dissimulador, se afirma sensato e ao mesmo tempo covarde como
comprova a réplica:
Poliarco: [ ... ]- Pues ¿por qué efecto?
Gelanor: - Porque no me la llevaron
también. ¡Mira sí soy necio!
Poliarco: - Eres covarde.
Gelanor: - Es verdad. ( p. 1920, 1)
A obra de Calderón de la Barca Argenis y Poliarco foi proposta para a
representação, para a ação a fim de que as intenções do texto fossem
37
concretizadas, ou seja, sua teatralidade representando o comportamento
humano como se o dramaturgo considerasse a vida como um teatro onde
suas personagens representam os conflitos vividos pelo homem no seu
cotidiano: a crise econômica e social, as guerras que afastam dele a idéia de
equilíbrio. Surge, então, o desengano da realidade. Na comédia, dividida em
três atos, expõe e discute problemas morais e filosóficos.
Segundo Anne Ubersfeld, um texto escrito para o teatro tem uma
especificidade. Nele se deve observar a relação diálogo/didascália onde
essas definem as condições do uso da palavra, a representação em si. É nas
didascálias que o autor impõe a sua vontade, chama a atenção para melhor
decodificação das ações das personagens, se faz presente na história pelos
diálogos que cria, “nombra a los personajes (indicando en cada momento
quién habla) y atribuye a cada uno de ellos un lugar para hablar y una
porción del discurso; indica los gestos y las acciones de los personajes
independientemente de todo discurso.”(UBERSFELD, p. 17).
Os diálogos permitem perceber o que acontece na relação entre as
personagens e no interior de cada uma delas. O que parece ser mais
interessante no teatro de Calderón de la Barca não é o que vai ser dito mas, o
que faz sentir.
As personagens dão a entender sua história pessoal, expressam seus
sentimentos, são um recorte do que seriam na vida em realidade.
Características que definem personalidade, caráter, ambições precisam ser
percebidas para se descobrir o cavaleiro que se esconde por detrás das
palavras e despertar a consciência.
38
1.2 Caracterização do espaço e a representação das personagens no
universo calderoniano
Há uma pluralidade de tempo e lugares subordinada às ações do
cavaleiro. Os espaços são vários e constituem os diversos momentos. Neles é
que ocorre a ação, é o espaço cênico que permite exteriorizar os objetivos, a
realização dos planos do dramaturgo, expressar sua visão do mundo. Para
que haja veracidade, o espaço cênico deve criar uma ilusão da verdade da
vida. O ritmo da peça determina a organização desse espaço, que se dá, de
início, numa praia para depois ser observada a cena numa selva onde pensa,
o protagonista, estar solitário. Outras cenas vão se realizar no palácio del Rey
Meleandro na Sicília e no palácio de Hianisbe, num porto da África. O espaço
cênico é determinado, por exemplo, quando o dramaturgo na didascália
explícita apresenta as personagens e diz: [ La escena es en Sicilia y en Africa
]. Esta forma de apresentar o espaço cênico na palavra do dramaturgo está
presente em todo o texto dramático. A réplica das personagens também vai
permitir perceber o local de cada cena. E como a imaginação é parte
integrante do ser humano, fica fácil perceber os deslocamentos de lugares.
As ações se dão a partir de situações sucessivas, cada qual subordinada
a uma unidade de espaço-temporal. Não há uma unidade única de tempo e
de lugar para todas as ações. Essa diversidade de tempo e lugar configura a
imagem da estrutura espaço-temporal da própria vida humana, retratada na
obra calderoniana.
O dramaturgo delimita os espaços onde se dão as ações. O poeta faz o
leitor/espectador pensar as situações. Ele intui, percebe e reconhece os
diferentes espaços que evidenciam a coragem, o temor, a ousadia. É nesse
espaço físico que se forma o da ficção.
Em Argenis y Poliarco, versão cênica realizada por Calderón de la
Barca, a ação decorre das relações destas personagens, enfrentando o
opositor Arcombroto. Arcombroto ou Tusbal é africano e herdeiro da
39
Mauritânia. Ele deixa o país de origem e, depois de um naufrágio, chega a
Sicília e lá pretende conseguir, com seu próprio esforço, aprovação, fama,
consideração para as suas virtudes mesmo já sendo um príncipe. Em terra
distante, mantém-se no anonimato, por juramento a Hianisbe, que tem
guardada consigo o sinal de sua origem para ser reconhecido até que se
realize sua primeira façanha. É corajoso, peregrino, forasteiro, afortunado,
prudente e leal. No início da ação, é apresentada uma personagem feminina
em perigo e esse fato motiva a ação dos protagonistas os quais buscam obter
honra e fama. A aventura em que se envolve Arcombroto ocorre em uma ilha
de onde ele sai para socorrer Timoclea, a qual é considerada pelo cavaleiro
uma dama formosa a quem devia servir, portando-se com nobreza e
generosidade, fidelidade e distinção, o que exigia de um cavaleiro. Montalvo
afirma que a polissemia da palavra servir se “convierte en la
manifestación de un servicio amoroso, que tendrá ocasión de cumplir a lo
largo de toda su vida...”. (MONTALVO, 1996, p. 231).
A réplica das personagens na Jornada Primeira permite imaginar o
local da cena.
Arcombroto: -!Buen viaje!
Salude el peregrino,
que en salado cristal abrió camino,
la tierra donde llega,
cuando mísero náufrago se niega
del mar a la inclemencia procelosa.
¡Salve, y salve otra vez, madre piadosa!
En rendidos despojos
los labios te apelliden y los ojos.
Y tú, Sicilia bella,
a quien corona la mayor estrella
por cabeza del mundo,
fénix de las ciudades sin segundo,
sin segundo y primero,
¡salve también!, y admite a un forastero,
a quien tu nombre llama
a conseguir honor, a ganar fama
en el trinacrio suelo.
Un africano soy ...
Timoclea: [ Dentro ]
¡Válgame el Cielo!
Arcombroto: - ¿Qué voz tan triste ha sido
la que lengua y acción ha suspendido
con esos ecos lastimosos?
40
Timoclea: [ Dentro ]
¡Dadme vuestro favor, cielos piadosos!
Arcombroto: - Una mujer huyendo
sale del monte: socorrer pretendo
su violenta fatiga;
que una mujer, con ser mujer, obliga
al hombre más cobarde.
Tarde la sirvo, y la socorro tarde,
si alas no calzo.
Timoclea Ampara, ¡oh caballero!,
(que el traje te acredita, aunque extranjero)
amapara generoso
el pecho más bizarro y más brioso
del mundo, cuya vida
yace de tres constrarios combatida,
de tres prodigios fieros,
partos destas montañas, bandoleros,
que por tirana suerte
su vida compran con la ajena muerte.
Vuelve los ojos a esa parte, y mira
cómo el gallardo joven los retira,
y la victoria de los tres pretende:
¡con tal saña los lidia y se defiende!
Arcombroto: - Hermosa dama, sea
la respuesta servirte, porque vea
Sicilia mi valor, el primer día
que a ella me consagró la estrella mía.
Vase. (pp. 1918--/1919, 1-2)
Essa primeira ação cavalheiresca em que Arcombroto se envolve,
acontece numa área deserta, portanto, perigosa e própria para a ação de
salteadores. O bosque povoado de faunos onde cada árvore expressa uma
decepção amorosa, é mais um índice da desventura do cavaleiro. Mas ele faz
profissão de fé: correr o mundo de combate em combate, entregue à sorte ou
a casualidade. Quer dizer, estará sempre entregue ao imprevisível. Por essa
razão, os aventureiros caminham por espaços geográficos dos quais não têm
domínio. É o gosto pela expedição, provar sua valentia e atender a uma
solicitação, a um desafio. Toda sua vida se configura numa busca constante
de aventura que tenta, por seu esforço e valor, conseguir casar-se com uma
princesa.
A coragem do cavaleiro é colocada em prova logo quando enfrenta os
perigos do mar. A linguagem metafórica usada pelo poeta (que en salado
cristal abrió camino) é um recurso alegórico que exige uma dupla leitura. A
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linguagem de símbolo e metáfora onde a palavra articulada de maneira
oposta (salado/cristal) permite-nos decifrar o valor desses símbolos. A
limpidez, a transparência que esconde intenção maldosa é a presença do
perigo. A primeira aventura que dá início à obra é repleta de surpresas que
implicam riscos e vicissitudes. O protagonista na didascália implícita faz
uma saudação como quem faz uma súplica à Virgem Maria para que consiga
atingir o ideal cavalheiresco, honra de princípios e de virtude de cavaleiros.
Na saudação que faz, deixa bem claro a que veio: (conseguir honor, a ganar
fama/ en el trinacrio suelo). Por meio da fé há uma esperança de
recompensa. Arcombroto se apresenta e declara sua origem (un africano soy).
Aclara suas intenções de chegar à glória pela honra. A voz de Timoclea
interrompe o cavaleiro (!Válgame el Cielo!). Os ritmos exclamativos (!Salve, y
salve otra vez, madre piadosa!/!Válgame el Cielo!/!Dadme vuestro favor,
cielos piadosos!) intensificam a agonia íntima da personagem. A cena nos
permite constatar que o ataque inesperado ocorre no interior do teatro como
confirma a didascália explícita ([Dentro]).
Timoclea: [Dentro]
!Válgame el Cielo! (p. 1918, 2)
Arcombroto, em didascália implícita, denuncia o temor da jovem:
Arcombroto: -¿Qué voz tan triste ha sido
la que lengua y acción ha suspendido
con ecos lastimosos? ( 1918, 2)
Nesse momento, a réplica do cavaleiro informa ao leitor/espectador o
que se passa em cena, didascália implícita:
Arcombroto: - Una mujer huyendo
sale del monte: socorrer pretendo
su violenta fatiga; ( p. 1918, 2)
Nesse instante, sai em socorro à Timoclea, pretendendo ser veloz como
Mercúrio, o deus da luta, de tudo que requer destreza, no mesmo propósito
de servir com zelo em todas as oportunidades: (Tarde la sirvo, y la socorro
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tarde,/ si alas no calzo), portanto, como um deus, o cavaleiro se coloca como
modelo de perfeição. A jovem, reconhecendo-o como cavaleiro, pelo seu traje
e como estrangeiro, confia na sua piedade, na sensibilidade e na fidelidade
do ideal cavalheiresco. Sabe que honra a todas. O traje é um índice que
simboliza toda tradição cavalheiresca e é ícone: (un caballero extranjero).
Timoclea segue na didascália implícita, informando ao
leitor/espectador o que se passa em cena.
Timoclea: [...]
Vuelve los ojos a esa parte, y mira
cómo el gallardo joven los retira,
y la victoria de los tres pretende:
¡con tal saña los lidia y se defiende! ( p. 1919, l)
O signo espacial, a esta parte, precedido do dêitico aproxima e
delimita o espaço onde um jovem galhardo mostra-se como autêntico
cavaleiro. A cena cavalheiresca se completa na réplica de Arcombroto quando
esclarece o verdadeiro ideal do cavaleiro: servir.
O jovem cavaleiro atendendo a súplica de Timoclea sai para lutar e
servir, o risco é uma decisão voluntária. A dama informa a ação corajosa que
responde a sua demanda e indica o local da cena:
Timoclea: - Valiente el forastero
rayos esgrime en el templado acero.
Ya la sangre del uno el campo baña,
y los dos desamparan la campaña,
huyendo infamemente. ( p. 1919, 1)
Quando Arcombroto está a ponto de seguir os bandoleiros, é
impedido pela réplica de Poliarco, o galhardo jovem:
Poliarco: -Esperad, no lo sigais:
dejadlos, pues van huyendo;
porque de tanto valor
es poca victoria el miedo; ( p. 1919, 1)
O dramaturgo deixa transparecer na réplica da personagem uma
imagem interior e exterior do cavaleiro. E tendo sido salvo, deve agradecer
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ao desconhecido cavaleiro por seu esforço e valentia. Reconhece que, sem a
ajuda daquele, perderia a vida.
Poliarco: [...]
y dadme luagar en que,
agradecido al esfuerzo
de vuestra valiente mano,
saber merezca a quien debo
la vida: y en esta parte
perdonad no conoceros,
cuando pudiera informarme
de la fama. (p. 1919, 1)
As ações têm desenvolvimento gradual e a medida que se realizam,
vão envolver outras personagens. Em seguida, Timoclea convida os cavaleiros
a se reunirem em sua quinta:
Timoclea: -Para urbana ceremonia
de amistad y cumplimientos
rústico palacio es
la soledad de un desierto;
en el, detrás de esos montes,
una hermosa quinta tengo,
donde podéis albergaros,
aunque es alcázar pequeño
a huéspedes tan ilustres.
Y pues ya el dorado Febo
en ondas de plata y nieve
baña los rubios cabellos,
dando licencia a la noche
que baje entre oscuros velos,
infundiendo a los mortales
miedo, espanto, horror y sueño;
y pues es fuerza admitirlos,
por ser de mujer mis ruegos;
no espero mejor respuesta
que deciros que os espero.
[Vase Timoclea] (p. 1919, 2)
A didascália implícita nos informa o espaço cênico (en el, detrás de
esos montes,/una hermosa quinta tengo,) do qual o leitor/espectador é
convidado a participar do espetáculo, fazendo uso de sua imaginação. A
réplica revela-nos a potência da beleza natural, expressada mediante uma
linguagem metafórica (Y pues ya el dorado Febo/en ondas de plata y
nieve/baña los rubios cabellos) que interpretada, determinam situações
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futuras (dando licencia a la noche/que baje entre oscuros velos,/
infundiendo a los mortales/miedo, espanto, horror y sueño). Febo, deus da
profecia, associado a termos como “miedo, espanto, horror y sueño” afetam
tanto o cosmo como o indivíduo e garantem a tensão dramática.
A réplica de Poliarco informa ao seu interlocutor e aos
leitores/espectadores o que não se apresentou em cena ou então só ele
presenciou.
Poliarco: [ ... ]
al sol se atrevió sin alas,
trepando torres de viento. ( p. 1921, 1))
Poliarco: [ ... ]
del viento pez y de las ondas ave,
miserias vi también, porque presuma
que hallar el mal a un desdichado cabe
en la tierra y el agua, pues violento
para enemigo basta y sobra el viento. ( p.1935, 1)
As palavras articuladas em opostos (del viento pez y de las ondas ave)
acentuam o valor dos sentimentos que se expõe nos últimos versos. A
personagem coloca em dúvida a existência de tudo aquilo que constitui a
realidade.
Timoclea, na didascália implícita, confirma o que se passa em cena na
Jornada Primeira, confirma ao leitor/espectador que a ação transcorre na
Sicília.
Timoclea: - ¡Ay huéspedes! Grande daño
hay en Sicilia. De nuevo
alguna grande traición
sin duda se ha descubierto.
Esas llamas de quien veis
Todos los campos cubiertos,
esas voces que escucháis,
lenguas son, lenguas de fuego,
que dicen nuestras desdichas.
Si no es en notables riesgos
de crímines y delitos
contra el rey, nunca se vieron
encendidas: porque así
se avisa a todos los puertos,
que ninguna nave pueda
salir por entonces dellos. ( p. 1922, 2-1))
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Essa tensão dramática alcança o clímax emocional e marca toda a
trajetória da obra.
Com esses elementos decorativos, o texto de teatro que adota como
forma de discurso o diálogo direto, trabalha o enigma que existe no lúdico. O
leitor/espectador é levado pelo dramaturgo a tentar descobrir o mentor
desta ação e o objetivo contra um rei de espírito manso e quieto como
Meleandro. Ele, que conhece o íntimo de cada uma das personagens, avaliará
as intenções de cada uma.
Calderón anima o inanimado a fim de dar vida à Natureza através da
réplica de Poliarco, didascália implícita, que implica uma forma de realização
cênica determinada: É a personagem que determina um tom, um ritmo que
garante a teatralidade do texto e que são signos não verbais implícitos na
fala. Poliarco introspectivo, se entrega a constatação do mundo, a qual traz à
tona a problemática da existência do homem.
Poliarco: [ ... ] Gime el viento, brama el mar,
y en su bramar y gemir,
de dulces sirenas era
la música para mí,
por pensar que estaba cerca
la muerte que pretendí;
que aun la muerte tiene días
para quien cansa el vivir.
Cúbrese el cielo de luto,
y el sol, bajando al nadir,
apercibiendo tragédias,
vistió púrpura y carmín. (p. 1948, 2)
A réplica expõe a consciência da personagem, o ritmo dos versos
intensifica a dualidade entre o mundo interior e exterior. O léxico revela
também a importância dos sentidos. O cavaleiro Poliarco faz um apelo às
sensações, denunciando um estado de espírito. Há uma duplicidade de
significados que propõe às alegorias uma forma de síntese, uma forma de ver
o mundo, o que enriquece o texto dramático. O dramaturgo em sua
expressão poética nos leva a ampliar a compreensão da realidade no sentido
de apropriar-nos dela, é um instrumento de reflexão. A natureza - o céu e o
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sol - testemunham sua desgraça. O sol, o céu, o amor, o vento representam
muito mais que elementos da natureza, são personificados, pois participam
de seus sentimentos. A eles faz referência quando de suas lamentações e de
suas impressões sobre a vida, sobre a liberdade e sobre o destino do homem.
A réplica abaixo nos mostra, com a diversidade dos conceitos, como a
personagem expressa seus sentimentos e projetos.
Poliarco: - De las cosas de Sicilia
muy poco informaros puedo,
porque también, como vos,
soy, Arcombroto, extranjero;
pero, en efecto, la curia
de la corte, en poco tiempo
que la asistí, me habrá dado
más noticias. Estadme atento.
Yo, generoso africano,
soy un francés caballero,
a quien destierran y arrojan
de su patria los sucesos
del amor y la fortuna.
Mirad, si cualquiera destos
dos contrarios ha postrado,
ha sujetado y deshecho
tantos triunfos, majestades,
coronas, timbres e imperios,
que en los teatros del mundo
fueron fábulas del tiempo,
¿cómo pudo resistirse,
acometido mi pecho
de dos violencias, dos golpes,
dos venganzas? Aunque pienso
que el haberme acometido
los dos, en mi vida han puesto
más seguras confianzas;
pues a dos muertes sujeto,
muero, pensando que vivo,
vivo pensando que muero. (p. 1920, 1-2)
Há no texto, instrumento imutável, isto é, uma leitura que pressupõe
um processo de intensa meditação. Nas réplicas de Poliarco, podemos
perceber a mensagem que o homem é dono de uma força misteriosa que o
conduz a realizar seus objetivos. Existe um vínculo entre o fundamento
filosófico da alegoria proposta e o texto de teatro propriamente dito. O
cavaleiro configura um desafio ao desconhecido, a busca de um objetivo
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desejado que, nessa obra teatral, é conquistar a mulher amada e pôr em
prática a idéia de justiça. É o valor do idealismo e do sonho pessoal. A
dualidade do mundo, representada nos versos (muero, pensando que
vivo,/vivo pensando que muero),as idéias opostas demonstram afetar a
personagem.
Na Jornada Primeira, o espaço cênico é a selva, signo espacial para
onde se dirige o personagem, local onde se dá a primeira ação cavalheiresca e
o encontro dos cavaleiros Arcombroto e Poliarco. Aquele, ao se apresentar,
identifica e declara o seu ideal de serviço.
Arcombroto: [...]
De que no me conozcáis
no me admiro: soy tan nuevo
en esta tierra, que hoy
pisé el siciliano suelo.
El patrón de aquella nave
que a vista pasó, a mis ruegos
me arrojó en aquesta playa.
Lo que de mí decir puedo
es, que soy un africano
que a ganar opinión vengo,
llamado de mi valor,
cuyas voces, cuyo aliento
el corazón me arrebatan,
que ya no cabe en el pecho. ( p.1919, 2)
Na Jornada Segunda, Poliarco e Gelanor reaparecem, dessa vez na
África.
[Playa del puerto de Africa, que es
residencia de Hianisbe]
[ ... ]
Poliarco: -?Qué es eso?
Gelanor: - Un hombre, no es nada.
Poliarco: - ¡Qué lástima! ¡Qué mancilla!
Gelanor: - Que nadó y murió a la orilla.
Poliarco: - El alma tengo turbada.
Mira si murió. [Vase Gelanor]
Gelanor: - [ Dentro ]
Señor,
merto está; mas miraré
outra cosa que yo sé.
Poliarco: - ¿Qué?
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Gelanor: [ Dentro ]
Qué cosa de valor
quiso escapar del rigor
de las ondas, que un fardel
trae al cuello. Mas, ¿qué en él
hay oro, plata o diamante?
Poliarco: - ¿Posible es que no te espante
Esa tragedia cruel? ( p.1936, 1-2)
A didascália explícita voz do dramaturgo ([Playa del puerto de
Africa, que es residencia de Hianisbe]) já adianta duas informações: a cena
transcorre na África e lá se encontra a residência de Hianise.
Depois da indicação da didascália implícita a réplica de Gelanor
confirma o espaço cênico através do refrão: (Que nadó y murió a la orilla),
trabalhando a ambigüidade que a frase pode indicar e, com a habilidade do
criado que não tem os mesmos princípios que o cavaleiro, mas como o
leitor/espectador, quer satisfazer a curiosidade.
No teatro de Calderón de la Barca, o diálogo entre as personagens
evidencia o poder da palavra, pois, através dela podemos ler o espaço cênico.
Na Jornada Terceira, a didascália implícita Argenis nos informa onde se passa
a cena.
Argenis: -Sola esta apacible quinta
con soledad me divierte
ausente de Poliarco,
o, por decir bien, ausente
de mí misma; pues la vida
a mí misma me aborrece;
que quien vive ausente, vive
por morir, y nunca muere.
Gelanor: -Yo espero que presto vea
ese cristal transparente
república de sus naves
población de sus bajeles;
y conociendo el rey,
luego a sus brazos te entregue,
y él, como dice Ganasa,
te reciba alegremente. (p. 1951, 2)
Existe algo no discurso cênico que garante a compreensão e que
permite a fantasia. Este espaço cênico próprio da natureza está contido no
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texto de teatro. Para o dramaturgo materializar este espaço era tarefa fácil
porque ele confiava no poder da palavra, como espetáculo, na força que ela
tem para a descrição dos lugares de onde transcorrem a ação.
São as personagens refletindo caracteres humanos, é a comédia como
os destinos dos cavaleiros, como expressão de princípios de honra e de fé e a
tragédia, como os destinos das figuras heróicas na adversidade.
Esse teatro demonstra variadas formas de vida do homem no que este
tem de antítese, de dinamismo. As aventuras se dão pela identidade oculta
de Poliarco e Arcombroto, pela separação do ambiente de origem, pelas provas
difíceis. Ele é apreendido no que tem de intensidade. Seus heróis que buscam
honra, valor e aventura passam por provas que têm que superar.
Mais uma vez a desventura do protagonista se repete. Ele, que já havia
dado provas de sua lealdade, valentia, princípio e virtude ao ser um zeloso
defensor do rei, indiferente aos perigos a que se expôs. Poliarco desejoso de
esclarecer a verdade observa:
Poliarco: [...]
Pero volverá po mí
la verdad. Desesperado
iré al rey ..., y su rigor
se vengue; que en caso tal
más quiero morir leal,
¡cielos!, que vivir traidor. ( p. 1923, 2)
Entretanto, o jovem francês é alertado por Arcombroto.
Arcombroto: - Poliarco, aguarda, deja
la cólera, y aunque es mucha
la ocasión, atiende, escucha
a un hombre que te aconseja
sin pasión. Aunque no estéis
culpado en esta traición,
la autoridad, la opinión
común en tu daño es. ( p. 1923, 2)
As personagens transmitem ideais coletivos de honra, justiça, virtude
que refletem idéias, crenças próprias da sociedade em que vive o
dramaturgo, a sociedade do Rei Felipe IV.
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O conflito que se dá pela honra, amor, fé e monarquia caracteriza o
herói dramático. A personagem se cria pela consciência do dramaturgo
atento à história do seu tempo, reflete a sua problemática, dramatizando-a.
As personagens que têm uma existência de fato, existem em si e vão ser
apresentadas através de uma máscara e enunciar normas que determinam
como deve ser os nossos atos. Estas, através de suas palavras, nos ajudam a
imaginá-las e a configurar suas ações.
Poliarco revela a Arcombroto a violação ocorrida no espaço em que se
encontrava protegida Argenis.
Poliarco: [ ... ] Mas ¿qué importa
que el hombre vele, si es cierto
que no bastan prevenciones
contra fatales decretos?
Allí retirado estaba,
o logrando o discurriendo
los cuidados de la Corte,
cuando, en el mudo silencio
de la noche, de improviso,
todos asaltados fueron.
Sólo yo, que le asistía
mientras estaba durmiendo
(el cómo estré a lo velado
del jardín y en lo encubierto,
vivir me importa el callarlo
y no os importa el saberlo),
en fin, sólo yo atrevido
me concedí a tanto riesgo,
me opuse a tanto valor
porque sólo ... ( p. 1921, 2)
O diálogo entre Arcombroto e Argenis é interrompido pela réplica de
Timoclea, didascália implícita, que anuncia o acidente com o rei Meleandro.
Timoclea: - Que se despeña
un coche y en profundo
de esa laguna se anega. ( (p. 1931, 2)
Argenis vê seu pai em perigo, prontamente Arcombroto responde ao
desespero da dama e se precipita para socorrer o rei. Ela descreve para o
leitor/espectador o que seria uma tragédia.
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Argenis: - Todo lleno de agua, ya
se va a pique. !Qué tragedia
tan lastimosa! (p. 1931, 2)
Entretanto Timoclea, ao relatar a agilidade do cavaleiro para ajudar ao
rei, nos descreve uma ação diferentemente da narrada por Argenis:
Timoclea: -Mejor,
!qué felice acción! dijeras;
pues al rigor de las ondas
el rey ha hallado defensa,
y en los brazos de Arcombroto
llega vivo a tu presencia. (p. 1931, 2)
O texto, que é um dos níveis do fazer teatral, institui-se a partir de
uma duplicidade textual porque por um lado é um texto dramático
constituído por uma relação dialógica dos personagens/ atores e por outro
por, uma montagem e espaço cênico determinados pelo próprio texto escrito
para o teatro. As didascálias incluídas nele, serão as marcas com as quais o
autor pretenderá controlar a montagem de sua obra e vai permitir sua
teatralidade, tornando-o representável.
Deste se abstraem um dramático e um outro que serve à
representação formando o espetáculo que exige para a concretização do
ideário do dramaturgo uma série de códigos e convenções. O que é teatral se
estabelece na interação de signos e códigos que estão presentes nos discursos
dramáticos e espetacular. Por esse motivo, é imprescindível definir e
conhecer a importância do espaço cênico onde se desenvolve o texto
dramático que abrange o espaço da ação e da cena e que está contido no
espaço cenográfico que materializa o texto. Todos eles compõem o espaço
teatral. E é nele que se desprenderá da fala das personagens/atores para
adquirir significação no cenário. O dramaturgo considera um espaço cênico
concreto e, através do texto, um espaço dramático específico. A propósito
disto nos explica o dramaturgo Calderón de la Barca em Argenis y Poliarco,
Jornada Primeira:
52
[Marina.]
Suena dentro un clarín y ruído de desembarcación, y digan Marineros y
Arcombroto.
Un Mar. [Dentro.]
Dé el esquife a la playa,
y en él a tierra el africano vaya.
Arcombroto [Dentro.]
Dejadme en ella solo,
que en esta selva, consagrada a Apolo,
quiero quedarme, libre del ultraje
del viento. ( p. 1918, 1)
Dessa forma “todas las relaciones entre los personajes se proyectan en
el espacio” ( GONZÁLEZ, 2002, p. 97). É assim que se dá origem ao espaço
dramático “entendido como un conjunto de fuerzas inmateriales que va
cambiando en el tiempo junto con las transformaciones de esas fuerzas.”
(idem, ibidem, p. 97).
De acordo com o Dr. Aurélio González, coordenador do colóquio 400
Años de Calderón e membro de la Faculdad de Filosofia y Letras
Universidad Nacional Autónoma de México, há vários espaços a serem
considerados. Primeiro, o espaço destinado ao dramaturgo, o da didascália,
de onde ele mediatiza o diálogo e o instante dramático; o espaço de onde as
personagens se projetam, que é o espaço físico ou cênico e nele se determina
um outro que é o espaço dramático, o espaço que ocupa o espectador, um
espaço ocupado pelos atores e que não está às vistas do público e um espaço
que pode ser evocado por estar situado num determinado tempo “y
finalmente un espacio afín configurado por la palabra.” (GONZÁLEZ, 2002,
p. 98). A propósito do que está sendo dito, a voz do dramaturgo faz as
seguintes orientações e as personagens determinam o espaço.
[ ... ]
Eristenes: - De su traición, señor, fuí yo testigo.
Poliarco en el monte oculto estaba
con emboscada gente. (p. 1926, l. 69 a 71, 2)
[ Selva ]
Salen Argenis, Timoclea y Selenisa.
Argenis: - Por las apacibles sombras
53
destas amorosas selvas
a divertir pensamientos
ven conmigo, Timoclea. (p. 1929, 1)
O dramaturgo controla a ação das personagens:
[Sala en el palácio del Rey Meleandro.]
Salen Argenis y Selenisa, dama. ( p. 1926, l )
Poliarco: ...
temerosa del estruendo,
Argenis, medio dormida,
salió de su cuarto huyendo; ( p. 1922, 2)
Amplia o espaço dramático por onde se movem os
personagens/atores, chegando até a territórios desconhecidos de seus
espectadores. E é a palavra a fonte criadora dessas imagens, tanto para o
espaço cênico quanto para o imaginário do leitor/espectador.
[ ... ]
Gelanor: - Dicen que esta tarde, aqui,
en esta selva de Apolo. (p.1923, 2)
[Sala en el palácio de Hianisbe en un
puerto de Africa.] (BARCA, 1987, p.1933, col. 2)
[Playa del puerto de África, que es
residencia de Hianisbe.] (BARCA, 1987, p. 1936, l. 16 a17,
col. 1)
E não se pode falar de um único espaço teatral na Espanha do “Siglo
de Oro”. A esse respeito Aurélio González nos diz que:
Antes de la inauguración del Palacio del Retiro (diciembre de
1633) las fiestas teatrales se realizan en espacios construidos
especialmente para la ocasión, como en las famosas
representaciones de Aranjuez de 1622 o en el salón dorado del
alcázar de Madrid. A partir de 1633, el salón más usado será el
llamado “de reinos” en el palacio del Buen Retiro. En 1640 se
inaugura el coliseo diseñado por Cosme Lotti que ya cuenta con
una compleja maquinaria, la cual se mejora con la reforma
hecha en 1651 bajo la dirección de Baccio del Bianco. También se
utilizaban para festejos y representaciones teatrales los palacios de
La Zarzuela o de El Prado, así como el estanque, las plazas,
ermitas y jardines del palacio del Buen Retiro. Todos estos
espacios condicionaban no sólo la representación de las obras,
sino que en muchas ocasiones el dramaturgo desde la génesis de
su obra ya tomaba en cuenta las convenciones a que lo obligaba
54
un determinado espacio cortesano, como el coliseo o los
salones dorados. ( GONZÁLEZ, p. 106/107)
Na leitura da obra teatral, pode-se constatar que no domínio da
criação há duas dimensões: uma dimensão artística e uma outra técnica já
determinada na voz do dramaturgo, apresentando cada uma sua
especificidade. Uma diz respeito ao texto, do domínio da criação literária e a
outra, às práticas que contribuem à representação dramática do texto de
teatro. O texto pronunciado em cena deve ser considerado com os outros
componentes cênicos proposto pelo autor como produção das ações físicas e
vocais, a subjetividade, por exemplo.
[Sala en el palacio de Hianisbe en um puerto de Africa.]
Dama. Triste estás.
Hianisbe. ¿ No tengo causa?
Dama. - Bastante fuera, señora,
si de tu hijo lloraras
la ausencia, o la rigurosa
muerte de Ana, tu hermana
como suspiras y lloras
de un hurto, un robo el efecto.
¿Tú, reina, invicta señora
del Africa, a un sentimiento
tanto te rindes y postras?
Reina eres.
Hianisbe._ Es verdad;
pero ya que me provocas
a que te diga secretos
que mi mismo aliento ignora,
tu lealtad, la justa causa
de mis sentimientos oiga.
Túsbal (que tú y todo el reino
mi hijo heredero nombra)
ausente (porque su brío
le dio alas generosas
para volar a la esfera
del sol, y en tierras remotas
quiso ganar por su esfuerzo
aplauso, honor, fama y honra),
aunque es mi heredero, y es
príncipe vuestro, y le toca
este reino, no es mi hijo. (p. 1933, 2)
Na peça que se projeta de acordo com as convenções cênicas da
época, tudo, as ações, os movimentos das personagens, as relações com os
55
espaços marcados pelas didascálias implícitas e explícitas, é visto e percebido
pelo espectador. As ações revelam, num mesmo tempo, aspectos que
permitem transmitir níveis de ação e emoção.
Sobre o texto literário e a arte da representação, ler uma peça de
teatro é perceber o que se passa na relação das personagens porque o
significado do diálogo dará novos rumos à trama. Nessa relação é preciso dar
vida à história que se vai contar. Anne Ubersfeld assinala a importância de se
determinar o que pertence ao texto literário e o que pertence a arte da
representação, o que permitiria estabelecer relações e determinar o trabalho
comum: el texto de teatro está presente en el interior de la representación
bajo forma de voz, de fone; (UBERSFELD, p. 16). Parece concordar com o fato
de que é possível teatralizar uma novela, é possível abstrair sua teatralidade
porque existem nos textos matrizes de representação que nos diálogos e nas
didascálias implícitas e explícitas preparam para a representação.
E os diálogos permitem perceber o que acontece na relação entre as
personagens e o interior de cada uma delas. O que parece ser mais
interessante no teatro de Calderón de la Barca não é o que vai ser dito senão
o que faz sentir.
[ ... ]
Argenis [ A Arcombroto]
Cada dia me ponéis
en obligación nuevas:
cada día os debo más,
Arcombroto.
Arcombroto. Si por esta
Acción merecí, señora,
tal favor, dicha es pequeña
no haber perdido la vida
en generosa defensa
del rey mi señor.
Argenis. Más que eso
quieren los cielos que os deba.
Muy agradecida estoy
a vuestro valor y fuerzas;
mucho os debo.
Arcombroto. Pues pagadme,
ya que conocéis la deuda.(p.1932/33, 1-2)
56
As personagens dão a entender sua história pessoal, expressam seus
sentimentos, são um recorte do que seriam na vida em realidade.
Características que definem personalidade, caráter, ambições precisam ser
percebidas para se descobrir o cavaleiro que se esconde por detrás das
palavras e despertar consciência.
Também: “los nombres de los personajes (que no lo olvidemos,
forman parte de las didascalias) y, al mismo tiempo, un determinado modo
de ocupación del espacio teatral;” ( UBERSFELD, 1993, p. 110): Ainda afirma
Ubersfeld que La especialización puede provenir de los diálogos (idem,
ibidem, p.110).
Em Argenis y Poliarco os elementos que permitem a construção do
espaço cênico estão nas didascálias. Essas indicam o lugar, o nome das
personagens e o modo como ocupam o espaço cênico:
Un Marinero [ Dentro ] (BARCA, 1987, p. 1918, l. 5, col 1)
Salen Meleandro, Rey viejo; Lidoro y Eristenes, con una
caja y una banda en ella. (p. 1926, 2)
Índices do modo de ocupação do espaço se dão na voz do
dramaturgo, didascália explícita e na réplica das personagens, didascália
implícita:
[ Digan dentro Eristenes y Lidoro, y salgan luego huyendo
con las espadas desnudas, y Poliarco y Arcombroto. ] (p. 1919, 1)
A didascália explícita informa o espaço da cena. Eristenes e Lidoro
não aparecem para a platéia.
Poliarco: [ ... ] Yo, que en aquel punto llego,
osado a morir me arrojo
entre las armas y el fuego,
siempre cubierta la cara.
!Oh qué valiente, qué diestro
es cuando riñe, restado
a vender su vida a precio
de muchas, el que no riñe
por vivir! No te encarezco
57
lo que hice; pero basta
decir que sólo mi esfuerzo
al rey le dió libertad,
quietud a Argenis, recelo
de más armas al contrario,
pues se volvió al mar huyendo. (p. 1922, 2)
Então, o espaço teatral do texto dramático se concretiza através da
convenção cênica própria da época. E se o texto foi escrito para a
representação, deve-se considerar como importante o espaço. Neste ponto de
vista, ele vai se tornar elemento primordial na construção dramática.
58
CAPÍTULO II POLIARCO/D. QUIJOTE: A PERMANÊNCIA
DO ESPÍRITO CAVALHEIRESCO
É no século XI, estimulado pelas cruzadas religiosas, que o espírito
cavalheiresco se reforça. Nos fins do século XII, “la caballería se fue
conviertiendo en mística o galante en buena medida aventurera -, y el
honor junto con el lucimiento personal jugó en ella un papel primordial, lo
mismo en torneos y justas que en fiestas cortesanas. (LISTE, 1993, p. 17)
Em meados do século XII, existia uma hierarquia que se destacava por
três grupos que constituíam a sociedade medieval e que se caracterizavam
por ter uma função social e uma condição jurídica definidas: “la nobleza
bellatores -, el clero oratores y el pueblo llano labradores , integrado
por campesinos o villanos, siervos o libres, y burgueses.” (idem, ibidem, p.
17). A nobreza se distinguia pela presença de ricos homens, parte integrante
da alta nobreza, “de los infanzones” os nobres fidalgos que em suas
propriedades tinham um poder limitado e eram submetidos a uma
autoridade superior, geralmente eram nobres de sangue e se dedicavam a
arte das armas. Estes constituíam a baixa nobreza e procuravam aumentar
sua riqueza, participando de campanhas militares. Alguns se consideravam
continuadores da função social e política “de los antiguos equites de la
milicia romana” (idem, ibidem, p. 18). Por Alfonso X, eram chamados de
defensores, escolhidos por seu esforço, honra e poder; “a ellos, ‘cavalleros a
quien los antiguos dezían defensores” (idem, ibidem, p.18) tinham por
função defender e acrescentar o território.
El contrato de vasallaje, con sus ritos establecidos de
homenaje investidura que incluían la inmistio manuum, el
juramento de fidelidad o sacramentum y el osculum fidei -,
establecían una relación personal de protección, dependencia y
servicio - auxilium y consilium entre señores y vasallos.
(idem,ibidem, p. 18)
59
Para cumprir com sua obrigação moral, alguns cavaleiros se
incorporavam a um certo grupo de gente armada que estava a serviço de um
rei ou senhor e punham suas armas à disposição do serviço militar com a
esperança de serem recompensados com um feudo ou um castelo como
forma de reconhecimento. No texto de teatro que é motivo desta monografia,
as ações cavalheirescas têm um sentido poético e se desenvolvem dentro de
um ambiente de símbolos. O cavaleiro calderoniano põe seu serviço a
disposição do rei a quem demonstrará lealdade e defesa da honra.
Para as nossas reflexões, delimitaremos as ações cavalheirescas das
persona-gens que expressam a glória, a fama, a honra, a fortuna que anima
os heróis, a vontade de ser generoso e de poder estimar-se e ser estimado.
Consideramos a especificidade da obra teatral que é escrita para ser
encenada a fim de que a intenção do autor se concretize, no entanto,
procuraremos nos centrar na dramaturgia, ou seja, no ato de ler e entender a
peça, desvelando e entendendo o caráter das personagens, acompanhando
suas ações, discernindo sobre os valores que infundem em suas atitudes e
comportamentos expressos no texto, nos signos verbais e não-verbais, nos
diálogos, nas didascálias e em toda complexidade do signo.
Na Jornada Terceira, a réplica dos cavaleiros, didascália implícita
voz indireta do autor observamos a violência das paixões que domina as
personagens. A cada leitura vamos acumulando as informações com um
certo grau de abstração. O dramaturgo nos informa a respeito da situação
que se desenvolve e percebemos que o processo de expressão é a palavra o
ícone de comunicação.
Poliarco: - Si ya es forzoso que a luz
guardados méritos salgan,
no sólo al rey se la he dado,
sino también a la enfanta;
pues fuí quien libré a los dos
de una encubierta celada:
de modo que también di
vida al rey, y de ventaja
llevo la vida de Argenis,
60
y ha de ser fuerza pagarla.
Arcombroto: - Tú me la debes a mí,
y en obligación me estabas
de cederme tu derecho;
Poliarco: - En esa opinión te engañas,
que te la debo es verdad;
pero quien hace una gracia
y después se satisface,
descubre intención villana.
¿Qué importa que allí mi dieses
la vida, si aquí me matas?
Si vida y nuerte me has dado,
no vengo a deberte nada.( p. 1944, 1)
A atitude de Poliarco deixa perceber que ao rei compete decidir sobre
as questões de honra. O desejo de glória cavalheiresca e a questão da honra
estão unidas ao culto que se pode fazer do ser herói. Esforço e valentia vão
caracterizar a ação do jovem guerreiro. As réplicas dos cavaleiros nos
revelam que Argenis é disputada por eles e, isso, o autor anuncia a partir
delas. Observamos que os cavaleiros, além de revelar o enredo, põem em
destaque um dos princípios da cavalaria: lealdade, justiça que se confirma
nos versos (no sólo al rey se la he dado,/ sino también a la enfanta/ pues fuí
quien libré a los dos/ de una encubierta celada:/ y en obligación me estabas/
de cederme tu derecho). Essa situação de tensão é colocada pelo dramaturgo
para criar um suspense. Através da didascália implícita voz indireta do
autor - é permitido identificar na personagem a intenção de expressar seus
conceitos e revelar seus valores (pero quien hace una gracia/ y después se
satisface,/ descubre intención villana).
Na luta pelo reconhecimento do serviço prestado ao rei, Poliarco
descobre em Arcombroto um segundo inimigo a quem deveria combater. Tais
personagens dão mostras de suas virtudes nos acontecimentos que alteram
suas relações. Mesmo assim, Poliarco vai superar a situação pouco amistosa
manifestando sua lealdade amorosa, coragem e sua fortaleza, principais
virtudes no universo cavalheiresco. Todas as provas a que se submete
Poliarco, de valor do idealismo e do sonho pessoal, têm um papel mágico que
eleva o ânimo do leitor/espectador e estão distribuídas ao longo da obra,
61
podendo ser consideradas como a forma de exteriorizar as qualidades do
cavaleiro que é inflexível quanto a sua fidelidade aos códigos amorosos e
cavalheirescos. É um cavaleiro que cumpre os valores éticos exigidos:
respeito, cortesia, honradez, valentia, fidelidade, distinção, também
encontrados em Amadís de Gaula e em Don Quijote.
Poliarco: [...]
Pasó a vista un bajel, y a los veloces
acentos, por el aire derramados,
vinieron por el norte de las voces
más de rigor que de piedad armados,
porque eran unos bárbaros atroces,
corsarios deste mar. !Ai desdichados!
!Temed, temed, que no hay miseria alguna
donde no haga otra suerte la fortuna!
Codiciosos del precio de las vidas,
puente de cabos al bajel hicieron,
y ya las fuerzas al poder rendidas,
eran prisioneros las que vidas fueron.
Pero cuando sus manos atrevidas
a mí llegaron, y ligar quisieron,
así dije, a morir determinado
(que vive a su pesar el desdichado):
<<¿Es posible, soldados, que no os llama
vuestro valor y espíritu valiente
a morir con honor, aplauso y fama,
antes, pues, que vivir míseramente?
A sí mismo se ofende, a sí se infama
quien esta injuria bárbaro consiente.
Si nuestras vidas han de ser vendidas,
comprémonos nosotros nuestras vidas.>>
Tales razones pronunciaba apenas,
cuando un rumor confuso se levanta,
y discurriendo por heladas venas,
nuevo furor el ánimo adelanta,
los forzados con remos y cadenas,
nosotros con las manos; al fin, tanta
fue la naval tragedia de aquel día,
que el bajel Troya de agua parecía.
Muertos unos en fin, y otros vencidos,
de esclavos nos hicimos los señores,
y todos a mi esfuerzo agradecidos,
su caudillo me aclaman vencedores. ( p. 1935, 2)
Nessa Jornada Segunda, observa-se na réplica de Poliarco a presença
de detalhes que se deixam à imaginação do leitor/espectador: (Pasó a vista
un bajel, y a los veloces/ más de rigor que de piedad armados,/ porque eran
unos bárbaros atroces).
62
Em Argenis y Poliarco, o modelo cavalheiresco se apresenta no
compromisso do cavaleiro na proteção da ordem social cujo símbolo maior é
o rei que por sua decisão mantém a filha prisioneira entre mulheres que
guardam sua beleza mas que mesmo assim teve o local violado, como
confirma a Jornada Primeira.
Poliarco: [ ...]
por hallarme allí encubierto,
estaba ya condenado,
que a mí me buscaban pienso;
y así recatado, huyo
secretamente a lo espeso
de un montecillo, sitiado
del mar; pero cuando veo
que llegan hacia la torre,
y con máquinas de hierro
rompen la puerta y la asaltan
con mayor cólera vuelvo. (p. 1922, 2)
A didascália implícita nos informa que a personagem já havia
conseguido penetrar na torre. E a intenção de Poliarco é justificada
imediatamente na seguinte réplica:
Poliarco: [ ... ]
Yo, que en aquel punto llego,
osado a morir me arrojo
entre las armas y el fuego,
siempre cubierta la cara.
¡Oh qué valiente, qué diestro
es cuando riñe, restado
a vencer su vida a precio
de muchas, el que riñe
por vivir! No te encarezco
lo que hice; pero basta
decir que sólo mi esfuerzo
al rey le dio libertad,
quietud a Argenis, recelo
de más armas al contrario,
pues se volvió al mar huyendo. ( p. 1922, 2)
Nessa ação cênica, a didascália implícita manifesta a intenção do
dramaturgo didascália explícita - quando no quarto verso nos informa
(siempre cubierta la cara). É a própria personagem que dá indícios do uso de
um signo não-verbal. Poliarco nos faz perceber sua paixão por Argenis (al rey
le dio libertad,/ quietud a Argenis, recelo) e nos expõe que os traidores
63
devem ser perseguidos pelos cavaleiros. Por ser um deles, sente-se obrigado
a defender até à morte o rei e a honra de uma dama, expondo em suas
atitudes mais um dos princípios dos cavaleiros medievais.
É um herói modelo de virtude, há nele toda uma superação heróica e
suas ações cavalheirescas expressam-se em serviço e fama como demonstra a
réplica da personagem na Jornada Terceira.
Arcombroto: -Pues ahora advierte.
Yo, señora, me ausenté,
llamado de mi valor
a ganar fama y honor.
Llegué a Sicilia, y llegué,
por mejor decir, al cielo,
que es dosel y que es esfera
de un sol que causar pudiera
diluvios de luz al suelo. ( p. 1946, 2-1)
O cavaleiro peregrino e galante revela sua enorme atração amorosa
pela infanta. Cortesia que convém ao cavaleiro. Nessa didascália implícita o
dramaturgo expõe a subjetividade da personagem e tende a revelar os
acontecimentos vindouros.
Um modelo a ser imitado assim como os heróis reais da cruzadas
religiosas cujas ações não se diferenciavam das que estavam escritas em
livros ou se ouviam através dos romances, onde vamos encontrar heróis que
se submetem aos acontecimentos e ao azar. Liste, em seu livro Textos
medievales de caballerías, destaca que:
[ ... ] en Europa a finales del siglo X, cuando la nobleza se arma
no sólo con voluntad de aumentar su gloria y acrescentar su
riqueza, sino de ejercer una función social organizada; el espiritu
caballeresco se refuerza no poco al final del sigloXI estimulado por
las empresas de cruzadas religiosas a tierras de Oriente. Poco
más tarde, desde fines del siglo XII, la caballería se fue
conviertiendo en mística o galante en buena medida aventurera
-, y el honor junto con el lucimiento personal jugó en ella
un papel primordial, lo mismo en torneos y justas que en fiestas
cortesanas. (LISTE, 1993, p. 17)
O modelo cavalheiresco é então um conjunto de virtudes pertencentes
ao ofício militar da nobreza e será a dedicação que vai legitimar e dar
64
significado, propondo o ideal do bom cavaleiro como exemplo a ser
seguido.
O termo “caballero” em castellano era utilizado para referir-se “al
jinete, a quien va montado en una cabalgadura, lo mismo que ‘cabalgador’,
registrada como voz anticuada por el Diccionario de Autoridades que lo
define como << el que anda a caballo, o soldado de a caballo >>” (idem,
ibidem, p. 21) e que passou a representar um status, portanto, em meados do
século XV, se exigia muito mais de um cavaleiro porque não era suficiente
montar a cavalo e ter sido armado cavaleiro por um rei, pois, na época, se
reclamava dos que se armavam cavaleiros só para não pagar tributos e
desconheciam o ofício e o exercício da cavalaria.
O cavaleiro dispunha de um cavalo e da capacidade de sustentá-lo
para participar com ele da luta armada e da reconquista territorial. Logo
depois veio a designar o fidalgo nobre “que tiene algún lustre más que los
otros hidalgos o en la antiguedad o en los méritos suyos o heredados”
(idem, ibidem, p.21). O Donzel del Mar, que vem a ser Amadís de Gaula, põe a
si um problema de caráter legal porque desconhece sua origem, critério
preponderante para serem escolhidos os cavaleiros.
- Vos queréis ser cavallero, y no sabéis si de derecho os conviene, y
quiero que sepáis vuestra hazienda como yo sé.
Y contóle cómo fuera en la mar hallado con aquella espada y
anillo en el arca metido, assí como lo oístes. Dixo él:
- Yo creo lo que me dezís, porque aquella donzella me dixo que
mi amo Gandales me embiava esta espada, y yo pensé que errara
en su palabra en me no dezir que mi padre. Mas a mí no pesa de
quanto me dezís, sino por no conocer mi linaje, ni ellos a mí. Pero
yo me tengo por hidalgo, que mi coraçón a ello me esfuerça. Y
ahora, señor, me conviene más que ante cavallería, y ser tal
que gane honra y prez, como aquel que no sabe parte de donde
viene, y como si todos los de mi linaje muertos fuessen, que por
tales los cuento, pues me no conoscen ni yo a ellos. (MONTALVO,
1996, p.272 273)
Não se pode deixar de considerar que, etimologicamente, o sentido da
palavra vem de andar a cavalo porque era assim que procediam para servir
65
na guerra. E a guerra seria a ocupação que melhor definiria o modelo
cavalheiresco, dando um sentido e um realce moral à nobreza.
O cavaleiro se define como nobre, generoso, sadio, jovem; é “noble y
digno, cortés o galante; en tanto que caballeresco viene a referirse a lo
próprio de un caballero: galante o conforme a las reglas del honor.” (LISTE,
1993, p. 23). A fidelidade e a lealdade, a palavra dada diante de todos, a
generosidade é também um marco que define sua postura diante dos outros.
Como escreve Huizinga, “es la summa perfectio, la suprema perfeción moral
de la persona.” (HUIZINGA, 1996, p.120).
O “caballero andante” também pode ser considerado como sendo um
herói fingido ou fabuloso cujas histórias de aventura, honra e amor se
baseiam em livros de cavalaria; são aqueles que andavam pelo mundo a
procura de aventuras com as quais poderiam comprovar seu valor e sua
grandeza de alma. Os cavaleiros Poliarco e Arcombroto são estrangeiros que
saem de suas terras com o mesmo propósito, o mesmo espírito de busca,
oferecendo vida e alma que animam o ideal cavalheiresco e que em Amadís
de Gaula, explicando a ação “del rey Perión” fica explícito: [ ... ] en ninguna
parte sino para ganar honra y fama, que nunca su tiempo en otra cosa pasava
sino andar de unas partes a otras como cavallero andante. (MONTALVO,
1996, p. 243)
Nos livros de cavalaria, são dessa maneira aqueles que fingiam que
percorriam o mundo de uma parte a outra, procurando aventuras, correndo
riscos. E os livros de cavalaria vão reunir os sucessos e histórias fingidas
destes heróis.
Liste, em seu livro Textos medievales de caballerías, ressalta que:
Algunos hombres extranjeros, a quienes podríamos llamar
profesionales de la lucha armada si no queremos tildarlos de
mercenarios, vinieron a España con la intención de intervenir en
las guerras de reconquista - tales los franceses e ingleses que
intervienen en la decisiva batalla de Las Navas de Tolosa en 1212
y de armarse caballeros ‘en tierra de moros’, como se documenta
en la Crónica del Halconero para acontecimientos ocurridosen año
66
1435, porque ‘España tenía para los caballeros andantes
extranjeros el doble aliciente de las lucidas cortes de los reyes
cristianos y la frontera con los musulmanes, que forzosamente
había de reavivar el espíritu de cruzada, tan vinculado a la
caballería y a la literatua.’ (LISTE, 1993, p. 23)
O termo “caballería”, além de significar “toda la gente de armas que
está montada”, também era utilizado para referir-se a uma ação nobre e
generosa própria da conduta de um cavaleiro para referir-se a destreza, a
arte, a nobreza de saber manejar e andar a cavalo.
Os membros da cavalaria eram obrigados a fazer votos de fidelidade a
seu senhor, defendendo-o, também deveriam defender os fracos, jamais
retroceder diante do inimigo, ser fiel a palavra empenhada, liberal e generoso
com todos e fazer guerra aos infiéis, colocando suas armas contra eles.
Cervantes determina algumas das obrigações próprias de um cavaleiro,
diferentes daqueles que participam das guerras contra os mouros.
[ ... ] Esta imaginación me traía confuso y deseoso de
saber y verdaderamente toda la vida y milagros de nuestro
famoso español don Quijote de la Mancha, luz y espejo de la
caballería manchega, y el primero que en nuestra edad y en estos
tan calamitosos tiempos se puso al trabajo y ejercicio de las
andantes armas, y al desfacer agravios, socorrer viudas, amparar
doncellas, (CERVANTES, T. I, 1995, p. 156)
Em Argenis y Poliarco, a aventura inicia-se pelo deslocamento de
lugares das personagens que saem da França e da África para a Sicília, terra
desconhecida, mas com uma meta prefixada como evidencia-se nas Jornadas
selecionadas.
No início da peça, na Jornada Primeira, o africano Arcombroto em seu
monólogo faz menção a um naufrágio:
Arcombroto: [ ... ]
El patrón de aquella nave
que a vista pasó, a mis ruegos
me arrojó en aquesta playa. (p. 1919, 2)
67
A Jornada Segunda, na didascália implícita, confirma a idéia do
mundo cavalheiresco em que o cavaleiro deve sair buscando aventuras e
manter o desejo de encontrar com quem medir força.
Poliarco: [...]
...Yo, que sólo
fama pretendo, porque no se hallase
en mi poder, al africano polo
mandé que nuestra proa enderezase.
Este te restituyo: sabe Apolo
que no dejé que nadie le tocase.
Tómale, pues, y porque expira el día
quédate en paz. Esta es la empresa mia. (p. 1935, 2)
Esse deslocamento se dá pelo mar com suas tormentas que conduzem
as embarcações com a insegurança, pois estão à mercê das forças da
natureza. A tormenta, justificada pela vontade divina e pela “fortuna”, a
sorte favorável aos cavaleiros, é um recurso que anuncia que os heróis devem
colocar em prova suas próprias forças para vencer os obstáculos e confirmar
sua fama para ser estimado. A didascália implícita no discurso do cavaleiro
nos faz ver que o dramaturgo procura descrever o estado emocional da
personagem e a intenção do seu diálogo confirma a sua nobreza e procura no
verso (mandé que nuestra proa enderezase) dar lugar à imaginação do
leitor/espectador, pois a menção do detalhe neste diálogo é prova de que
não havia em cena tal embarcação.
É na réplica da personagem que o dramaturgo cria a cena:
Poliarco: -Pues a ti te busco, escucha.
Yo soy, deidad del Africa, un soldado
francés, un noble que a Sicilia vino,
ya por obedecer la ley del hado,
o ya por quebrantar la del Destino.
De mi Patria y la ajena desterrado,
en el mar inconstante peregrino
vivo violento, y soy en tanta guerra
hijo del agua más que de la tierra.
Errando, pues, por la salada espuma,
ciudadano del mar, y de una nave
huésped, que ha sido, sin escama y pluma,
del viento pez y de las ondas ave,
miserias vi también, porque presuma
que hallar el mal a un desdichado cabe
68
en la tierra y el agua, pues violento
para enemigo basta y sobra el viento. ( pp. 1934/342-1)
O mar tem uma presença significativa em Amadís de Gaula porque esse
cavaleiro colocou-se em contato com o mundo através do mar e por isso é
denominado: Donzel del Mar.
Esto así fecho, puso la tabla encima tan junta y bien calafeteada,
que agua ni outra cosa allí podría entrar, y tomándola en sus
braços y abriendo la puerta, la puso en el río y dexoóla ir; y como
el agua era grande y rezia, presto la passó a la mar, que más de
media legua de allí no estava. A esta sazón el alva parescía, y
acaesció una fermosa maravilla, de aquellas que el Señor muy alto
cuando a Él plaze suele fazer: que en la mar iva una barca en que
un cavallero de Escocia iva con su muger, que de la Pequeña
Bretaña llevava parida de un hijo que se llamaba Gandalín, y el
cavallero havía nombre Gandales, y yendo a más andar su vía
contra Escocia, seyendo ya mañana clara marineros les mandó
que presto echassen un batel y aquello le traxessen, lo cual
prestamente se fizo, comoquiera que ya el arca muy lexos de la
barca passado havía. El cavallero tomó el arca y tiró la cobertura y
vio el donzel que en sus braços tomó y dixo:
-Éste de algún buen lugar es. ( MONTALVO, T. 1, 1996, p. 247/6)
As indicações relativas ao lugar se realizam para situar as personagens
no quadro de suas ações, sua geografia corresponde a lugares de existência
real e, por isso pode se observar que as aventuras em Argenis y Poliarco e
Amadís de Gaula se desenvolvem em terras distantes porque são propícias a
aventuras fantásticas. Logo, se conclui que os deslocamentos dos cavaleiros
podem ser considerados como um valor em si, como uma inquietude.
O campo e a floresta também são lugares convenientes para todo tipo
de aventura, para o imprevisto, pois é o local ideal para um cavaleiro
andante iniciar um combate com qualquer adversário. A didascália implícita
na réplica de Poliarco informa ser a selva, um lugar agreste no qual a cena se
passa (- Yo en aquesta selva sólo). É um símbolo, um labirinto que desafia os
protagonistas cavaleiros.
Poliarco: -Yo en aquesta selva sólo
muerte a un bandolero di,
que con otros dos salió.
Mas, sin duda, ellos han sido
los que matarme han querido
69
esta tarde; y como yo
me defendí, han publicado
que matarlos pretendí. (p. 1923, 2)
Os lugares povoados e despovoados, em Amadís de Gaula são espaços
propícios às demandas.
Ya se vos contó cómo don Galaor y don Florestán y Agrajes
partieron de la Ínsola Firme en la demanda de Amadís, y cómo
anduvieron muchas tierras partidos cada uno a su parte,
faziendo grandes cosas en armas, assí en los lugares poblados
como por las florestas y montañas ... (MONTALVO, T. 1, 1996, p.
747)
O cavaleiro don Quijote é uma personagem restrita ao espaço terrestre
e suas ações cavalheirescas vão depender dos obstáculos encontrados. Ele
está situado na Espanha, próximo de sua casa onde pode ter encontros
espantosos e se deparar com coisas maravilhosas, produto da natureza e do
homem e lugares relacionados com o mundo cavalheiresco como “la cueva
de Montesinos”. Ao ficar na Espanha, busca ocasiões para o combate.
Cuenta el sabio Cide Hamete Benengeli que, así como don Quijote
se despidió de sus huéspedes y de todos los que se hallaron al
entierro del pastor Grisóstomo, él y su escuderose entraron por
el mesmo bosque donde vieron que se había entrado la pastora
Marcela; y, habiendo andado más de dos horas por él, buscándola
por todas partes sin poder hallarla, vinieron a parar a un prado
lleno de fresca yerva, junto del cual corría un arroyo apacible y
fresco; tanto, que convidó y forzó a pasar allí las horas de la
siesta, que rigurosamente comenzaba ya a entrar. (CERVANTES,
T. I, 1995, p. 201)
Ele descreve o lugar, informando que nele se encontra água pura, as
árvores propiciam sombra. Apresenta a natureza como força benévola como
aparece nos livros de cavalaria.
Na réplica de don Quijote as referências internas ao próprio texto
orientam sua teatralidade. A palavra dita pela personagem não esconde a
visualidade cênica.
No esperaba yo menos de la gran magnificencia vuestra, señor
mío respondió don Quijote -; y así, os digo que el don que os he
pedido y de vuestra liberalidad me ha sido otorgado es que
mañana en aquel día me habéis de armar caballero, y esta noche
70
en la capilla deste vuestro castillo velaré las armas; y mañana,
como tengo dicho, se cumplirá lo que tanto deseo, para poder
como se debe ir por todas las cuatro partes del mundo buscando
las aventuras, en pro de los menesterosos, como está a cargo de la
caballería y de los caballeros andantes, como yo soy, cuyo deseo a
semejantes fazañas es inclinado. (idem, ibidem, p. 111)
As personagens, criadas por ele, estão numa sociedade concreta,
assim como o homem, don Quijote sente dor:
No lo niego - replicó don Quijote -; pero acomódate tú donde
quiseres, que los de mi profesión mejor parecen velando que
durmiendo. Pero, con todo esto, sería bien, Sancho, que me
vuelvas a curar esta oreja, que me va doliendo más de lo que es
menester. (idem, ibidem, p. 174)
Ele faz as refeições como “el rey Perión de Gaula” quando hóspede
“del rey Garínter”: “ allí fueron servidos como en casa de tan buen hombre
ser devía. (MONTALVO, 1996, p. 230). Na obra mencionada se faz, inclusive,
a descrição do que se tem para ser servido.
- Aqui trayo una cebolla, y un poço de queso, y no sé
cuántos mendrugos de pan dijo Sancho -; pero no son manjares
que pertenecen a tan valiente caballero como vuestra merced.
-¡Qué mal lo entiendes! respondió don Quijote -; hágote saber,
Sancho, que es honra de los caballeros andantes no comer en un
mes, y, ya que coman sea de aquello que hallaren más a mano; y
esto se te hiciera cierto si hubieras leído tantas historias como yo;
que aunque han sido muchas, en todas ellas no he hallado hecha
relación de que los caballeros andantes comiesen, si no era acaso y
en algunos suntuosos banquetes que les hacían, y los demás días se
los pasaban en flores. Y aunque se deja entender que no podían
pasar sin comer y sin hacer todos los otros menesteres naturales,
porque, en efecto, eran hombres como nosotros, hase de entender
también que andando lo más del tiempo de su vida por las
florestas y despoblados, y sin cocinero, que su más ordinaria
comida sería de viandas rústicas, tales como las que tú ahora me
ofreces. Así que, Sancho amigo, no te congoje lo que a mí me da
gusto; ni querrás tú hacer mundo nuevo, ni sacar la caballería
andante de sus quicios.
-Perdóneme vuestra merced dijo Sancho -; que como yo no sé leer
ni escribir, como otra vez he dicho, no sé ni he caído en las reglas
de la profesión caballeresca; y de aquí adelante yo proveeré las
alforjas de todo género de fruta seca para vuestra merced, que es
caballero, y para mí las proveeré, pues no lo soy, de otras cosas
volátiles y de más sustancia. (CERVANTES, T. I, 1995, p. 166)
71
“El rey Perión” em Amadís de Gaula adormece e tem o seu primeiro
sonho profético, uma premonição que antecipa os acontecimentos futuros e
que parecem carregar em si significados enigmáticos porque quando ele
desperta:
[ ... ] temióse de traición por lo que soñara, y levantando la
cabeça vio por entre las cortinas abierta la puerta, de lo que él nada
no sabía, y con el lunar que por ella entrava vio el bulto de las
donzellas. (MONTALVO, T. 1,1996, p. 238)
A partir daí, busca entre os mais sábios, aquele que possa interpretá-
lo, mesmo quando um deles, Ungán el Picardo, lhe diz: “-Señor, los sueños es
cosa vana,” (idem, ibidem, p. 250). Esses intérpretes fazem parte de uma
tradição presente nos textos medievais, segundo informação de Montalvo. O
mesmo serviço que será prestado ao rei Meleandro, personagem
calderoniano que repete “el rey Perión”:
Poliarco: [ … ]
La primera vez que dió
escándalo tanto intento,
fué una noche, que entregado
a las lisonjas del sueño,
Meleandro, descansaba,
por más gusto o más sosiego,
en una quinta, a quien hizo
cárcel voluntaria el Cielo
de la belleza de Argenis,
porque doctos agoreros,
que al oriente de su vida
juzgaron su nacimiento,
dijeron que su hermosura
sería asombro, espanto y miedo
del mundo, siendo discordia
de príncipes extranjeros. ( p. 1921, 1)
Procura-se dar a impressão da realidade que cerca a personagem,
reflete as preocupações interiores, sempre dialéticas e inerentes ao homem
como razão, liberdade, predestinação para que o leitor as tome como reais.
Quer ser um cavaleiro andante perfeito como foi Amadísflor de los
cavalleros”. As personagens Amadís de Gaula, Don Quijote, Poliarco e
Arcombroto se definem por sua relação com o outro, são heróis capazes de
lutar, vencer e criar um modelo ideal, plenos da consciência de si mesmos
72
porque cada um deles detem uma visão muito particular do mundo, que
passa pela fidelidade. Deve-se levar em conta o que fazem e não só o que
dizem; são heróis que se valem de sua convicção para vencer obstáculos,
para chegar a ganhar “honra y fama” .
O que há de real é o leitor, assim como na peça teatral, o que há de
real é o espectador. O que acontece no texto literário é criação, mas que o
autor se esforça para fazer crer que é real mesmo assim, ignora a incerteza
sobre a realidade do fato desde que seja admissível, desde que seja provável.
Procedimentos de conduta que eram necessários ao cavaleiro diz
respeito à generosidade, à fidelidade para com a Igreja que, segundo Liste,
sacralizou de certa forma o exercício das armas, o respeito às exigências
doutrinais e morais da religião cristã unido a uma vontade ascética de
entrega galante à mulher em atitude cortês e a humanização do espírito
guerreiro por meio do amor e da amizade, a atenção ao bem comum e na
proteção ao desvalido. A mulher e o amor possibilitam as proezas mais
espetaculares. O amor da dama funciona como mola propulsora das
qualidades heróicas do cavaleiro e isso ele deixa-nos ver que é a aventura
mais perigosa. Logo, converte-se num dos princípios da ação e influi na
aventura e nas intenções das personagens. Existe uma relação dialética entre
o amor e a aventura já que o amor reflete nas aventuras e estas no amor.
Exemplos desses procedimentos vêm de Amadís e D. Quijote, que conhecia e
imitava os livros de cavalaria e que procede da seguinte forma:
[ ... ] puesto nombre a su rocín y confirmándose a sí mismo,
se dió a entender que no le faltaba otra cosa sino buscar una
dama de quien enamorarse; porque el cavallero andante sin
amores era árbol sin hojas y fruto y cuerpo sin alma.
(CERVANTES, T. I, 1995, p. 102)
Exemplo disto pode ser observado na Jornada Segunda, na réplica das
personagens:
Argenis: - !De mí se forman recelos
tan bajos! ¡Veneno yo!
73
Poliarco: -Nunca el alma lo creyó.
Argenis: -Hasta ver otros desvelos.
Poliarco: -¿Qué más veneno que celos?
Argenis: -¿Yo había de dar favores
a otro dueño?
Poliarco: -Mis temores
fueron de amor.
Argenis: -Ver no esperes
en principales mujeres
dos gustos ni dos amores;
uno, sí. (p.1942, 1)
Mas o amor da dama passa por contínuos sofrimentos, por separação.
E ela precisa buscar em seu cavaleiro a perfeição amorosa e para isto deve
superar as provas. Ainda em sua réplica, a presença do dramaturgo faz-se
presente quando procura fazer alusão à condição de nobreza de Argenis (en
principales mujeres). Na Jornada Terceira, a réplica das personagens na
didascália implícita, nos informa:
Poliarco: -Pues si posible fuera,
¿qué hiciera la fortuna? Amor, ¿qué hiciera?
Imposible fue amarte
sin verte, Argenis; imposible el verte,
imposible el hablarte,
y todo fue posible con quererte.
Pues hazle tú posible,
y venza un imposible otro imposible.
Argenis: -Poliarco, acortemos
discursos. Yo soy tuya;
mas ahora probemos
a ver si quiere amor que se concluya
esta paz por buen medio;
que si no, ya sabemos el remedio.
Si en Sicilia no quieres declararte,
vete a Francia tú solo, y vuelve luego
con bajeles, que Marte
admire por volcanes de agua y fuego,
y entre estos horizontes
teman el parto a tus preñados montes
mi padre temeroso
de tu poder y fuerza, ha de hacerte
(¡quiéralo el Cielo!) mi feliz esposo.
Verás que desta suerte
un imposible otro imposible allana,
no siendo tú traidor ni yo liviana. ( p. 1945, col. 2)
74
Argenis nos deixa observar com antecedência o índice (mi feliz
esposo), que no final da peça de teatro, ela seguirá com Poliarco para ocupar o
trono da França.
A valentia é uma virtude da qual dependem outras como a lealdade, a
fama e a honra. Todas as conotações simbólicas presentes na didascália
implícita são essenciais à significação global da comédia.
Y tomando sus armas descendió del caballo, que adelante
espantado del fuerte león ir no quería, poniendo su escudo
delante, la espada en la mano, al león se fue, que las grandes
bozes que el rey Garínter le dava no lo pudieron estorvar. El león,
así mesmo, dexando la presa contra él se vino, y juntándose
ambos teniéndole el león debaxo en punto de le matar, no
perdiendo el Rey su gran esfuerço, heriéndole con su espada por
el vientre lo hizo caer muerto ante sí, de que el rey Garínter mucho
espantado entre sí dezía:
-No sin causa tiene aquél fama del mejor cavallero del mundo.
(MONTALVO, T. I, 1996, p. 229)
Quando o rei Perión de Gaula, numa atitude quase espetacular, mata o
leão que saíra da espessa mata, esse trabalho aventureiro implica, pelo
menos, em uma atitude simbólica, na defesa, na segurança do rei e de toda
gente que pudesse caminhar por aquele lugar onde o animal surgiria de
repente para matar.
Esse tipo de combate anima e cria uma atmosfera necessária para
manter o papel social do cavaleiro. No exibicionismo da coragem, que é um
ideal, faz arriscar a vida com uma certa inconsciência, acabando por
estimular um modelo heróico.
Em Argenis y Poliarco, na Jornada Segunda, a réplica das personagens
confirma as idéias expostas acima.
Argenis: -!Ay Dios, que ese es el del rey,
mi padre! ¿No hay quien se atreva
a sus ondas, y se arroje
tras él?
Arcombroto: -Sí; cuando no fuera
por ti, que me ves, por él
me arrojara; que secretas
causas mi espiritu mueven,
75
y mis acciones gobiernan.
Argenis: -Todo lleno de agua, ya
se va a pique. ¡Qué tragedia
tan lastimosa! ( p.1931, col 2)
A didascália implícita informa a atmosfera do diálogo e sua
teatralidade. Arcombroto em sua réplica apresenta um índice quando afirma
(causas mi espíritu mueven,/ y mis acciones gobiernan) porque existe um
mistério que os une. Argenis descreve a cena. Aí está presente o símbolo da
coragem de Arcombroto e o índice de que Argenis representa o motivo
sublime que impulsiona os cavaleiros. É a primeira vitória de Arcombroto
sobre o rei e que mostra a eficácia de seu valor.
O valor do modelo cavalheiresco vem de sua atitude heróica que se
coloca para além da idéia de que mais vale morrer com honra do que viver
sem ela. Essa disposição leva o cavaleiro a realizar façanhas que possam
conduzir a um maior reconhecimento de sua pessoa. A atitude do rei Perión
de Gaula mostra que ao colocar-se em risco de morte existe aí um amor à
vida, a vida com glória e o serviço à dama. Da mesma maneira que se coloca
o cavaleiro don Quijote em sua realidade imaginada, pronto ao heroísmo
cavalheiresco o protagonista coloca-se a serviço, sua atitude estimula suas
qualidades, tornando-o merecedor de Dulcinea. A exaltação que faz às
damas confirma sua lealdade amorosa e sua fortaleza.
-La vuestra fermosura, señora mía, puede hacer de su persona lo
que más le viniere en talante, porque ya la soberbia de vuestros
robadores yace por el suelo, derribada por este mi fuerte
brazo; y porque no penéis por saber el nombre de vuestro
libertador, sabed que yo me llamo don Quijote de la Mancha,
caballero andante y aventurero, y cautivo de la sin par y hermosa
doña Dulcinea del Toboso; y en pago del beneficio que de mí
habéis recibido, no quiero otra cosa sino que volváis al Toboso, y
que de mi parte os presentéis ante esta señora y le digáis lo
que por Vuestra libertad he hecho. (CERVANTES, T. I, 1995, p.151)
A defesa das mulheres, outra característica do universo cavalheiresco,
se resolve mediante a intervenção de um único indivíduo. Nessas ocasiões o
herói mostra a eficácia de seu valor. Mas a participação de outro cavaleiro
demonstra laços fraternos que lhes unem por um mesmo objetivo.
76
Timoclea: -Ampara, !oh caballero!,
(que el traje te acredita, aunque extranjero)
ampara generoso
el pecho más bizarro y más brioso
del mundo, cuya vida
yace de tres contrarios combatida,
de tres prodigios fieros,
partos destas montañas, bandoleros,
que por tirana suerte
su vida compran con la ajena muerte.
Vuelve los ojos a esa parte, y mira
cómo el gallardo joven los retira,
y la victoria de los tres pretende:
¡con tal saña los didia y se defiende!
Arcombroto: -Hermosa dama, sea
la respuesta servirte, porque sea
Sicilia mi valor, el primer día
que a ella me consagró la estrella mía.(p. 1919,.1)
Na réplica de Timoclea ainda a presença do dramaturgo que conduz
a cena. A montanha deve servir, na representação, de decoração de fundo. É
um detalhe exposto na réplica da personagem que mostra como o
dramaturgo sugere a cena (parto destas montañas, bandoleros,/ Vuelve los
ojos a esa parte, y mira). Timoclea nos informa dos sucessos do cavaleiro.
Temos em conta que o cavaleiro luta contra as forças que possam
desestabilizar a ordem e esta sua primeira prova serve para reforçar
características relativas a seu ideal cavalheiresco.
Timoclea, como as personagens femininas em Don Quijote, deve ser
amparada pela coragem e heroísmo do cavaleiro. Lembramos do capítulo
XIV, Donde se ponen los versos desesperados del difunto pastor, con otros
no esperados sucesos (CERVANTES, 1995, p. 198, T. I) que parece inspirar os
cavaleiros em Argenis y Poliarco de Calderón de la Barca:
-Ninguna persona, de cualquier estado y condición que sea, se
atreva a seguir a la hermosa Marcela, so pena de caer en la
furiosa indignación mía. Ella ha mostrado con clara y suficientes
razones la poca o ninguna culpa que ha tenido en la muerte de
Grisóstomo, y cuán ajena vive de condescender con los deseos de
ninguno de sus amantes; a cuya causa es justo que, en lugar de ser
seguida y perseguida, sea honrada y estimada de todos los buenos
del mundo, pues muestra que en él ella es sola la que con tan
honesta intención vive. (idem, ibidem, p. 198)
77
Don Quijote faz uso de sua consciência cavalheiresca por compaixão,
por justiça e por fidelidade ao ideal cavalheiresco e sai em defesa da pastora
Marcela que acredita: “según yo he oído decir, por el verdadero amor no se
divide, y ha de ser voluntario, y no forzoso. (idem, ibidem, p. 196. T. I). É
assim que, Argenis ao acreditar no seu amor por Poliarco, resiste aos encantos
do cavaleiro africano Arcombroto e à determinação paterna de casar-se com
ele.
As narrativas intercaladas com as personagens em Don Quijote nos faz
ver que a clausura, a que foi submetida Argenis é imposta por “doctos
agoreros” e nos faz ver que é um procedimento para que as mulheres sejam
resguardadas para não incorrerem em desfaçatez, devem guardar toda
virtude, principalmente a castidade. Em Don Quijote algumas não são
discretas e recatadas. Mas a jovem lamenta a sua condição como faz ver a
didascália implícita na Jornada Primeira:
Argenis: - !Ay Selenisa! ¡Ay amiga!
Mal me aconsejas, mal dices.
¿Cómo he de poder quejarme?
¿Cómo he de poder decirte
desdichas, que conocerlas
no puedo? Y es tan terrible,
tan tirano este dolor,
que entre los labios oprime
la voz, la lengua aprisiona,
negándome que respire
porque si es gusto quejarme,
aún éste no me permite.
¡Ay de mi otra vez! ¡Ay cielos!
¿Cómo a la lengua le disteis
tantas guardas que encerrada
en cárcel estrecha vive,
con muralla y con canceles
de corales y marfiles,
si es instrumento por cuya
consonancia se repiten
dulces acentos? Y ya
que vive guardada (¡ay triste!),
¿por qué, ¿por qué a los oídos
también no los defendisteis
con más guardas? ¿Es razón
que sin defensa posible
escuche mi mal, y luego
78
cuando quiera divertirle
con publicarle, no pueda,
y tenga en mi pecho humilde
la pena fácil le entrada
y la salida difícil? (p. 1927, 1-2)
Argenis, inconformada com seu destino, demonstra capacidade para
compre-ender e interpretar sua situação e condição no mundo. Sabe que tem
que viver segundo às normas e valores definidos. Seu lamento é uma
tentativa de contrapor-se e opor-se aos valores estabelecidos em nome de
outros considerados mais adequados à responsabilidade. É essa consciência
reflexiva que lhe faz voltar para a explicação e interpretação da realidade.
Através de suas palavras, nos informa como interpreta as forças alheias aos
seus sentimentos e sua relação com elas.
Dorotea, em Don Quijote, assim descreve sua existência: “pasando mi
vida en tantas ocupaciones y en un encerramiento tal, que al de un
monasterio pudiera compararse, sin ser vista, a mi parecer, de otra persona
alguna que de los criados de casa,”(CERVANTES, T. 1,1995, p. 347). Mesmo
assim é seduzida e abandonada por don Fernando como acontece na relação
de Ana e o rei Meleandro da Sicília, na réplica de Hianisbe, Reina del África.
Hianisbe: [ ... ]
En este estado vivía,
cuando nuestros mares corta
una nave de Sicilia,
que a nuestros puertos arroja
un bello, un gallardo joven
peregrino. Poco importa
aquí el callarte un traídor,
pues a este caso no toca
más que saber que galán
de Ana, mi hermana, se nombra.
Liberal de hacienda y vida,
en secreto se desposa:
¿qué mucho? Estaba al principio
de su amor, donde no hay cosa
que el deseo de gozar
no facilite y disponga.
Para no cansarte, en fin,
Ana puesta encinta, llora
que a ella le haga desdichada
lo que me hiciera dichosa;
porque ser ingrato el huéspede
79
es ya uso. Con las proas
de sus armados bajeles
volvió a atormentar las ondas,
y en la desdicha dio
a Ana en un cofre una joya,
que había de ser la seña
por donde a su hijo conozca,
y como tal le asegure
no menos que una corona.
volvió aa su patria esto,
donde pasadas menorias
el tiempo cubrió de olvido
en los brazos de otra esposa.
Declaróse Ana conmigo,
ofendida y vergonzosa,
y aconsejándola cuerda,
<<Ana (le dije), no pongas
en pretensiones tu honor;
que quien le pide, pregona
su desdicha, y la secreta
hace pública deshonra. (p. 1934, 1)
Ana nos é apresentada como uma pessoa desprendida, fazendo do
amor a paixão dominante. Hianisbe, Reina del África, ao traçar comentários
sobre sua irmã, pretende converter a situação a um exemplo que se deve
procurar evitar. Sua réplica mostra a veemência admissível em defesa da
honra. Fala de um modelo negativo do qual se pode tirar uma lição. Dorotea,
em Don Quijote, passa pela mesma situação aflitiva.
El día que sucedió a la noche de mi desgracia, se venía aun no tan
apriesa como yo pienso que don Fernando deseaba; porque,
después de cumplido aquello que el apetito pide, el mayor
gusto que puede venir es apartarse de donde le alcanzaron. Digo
esto, porque don Fernando dio prisa por partirse de mí, y por
industria de mi doncella, que era la misma que allí le había traído,
antes que amaneciese se vio en la calle. Y al despedirse de mí
(aunque no con tanto ahínco y vehemencia como cuando vino),
me dijo que estuviese segura de su fe, y de ser firmes y verdaderos
sus juramentos; y, para más confirmación de su palabra, sacó un
rico anillo del dedo y lo puso en el mío. En efecto, él se fue, y
yo quedé ni sé si triste o alegre; esto sé bien decir: que quedé
confusa y pensativa y casi fuera de mí con el nuevo
acaecimiento, y no tuve ánimo, o no se me acordó, de reñir a
mi doncella por la traición cometida de encerrar a don Fernando en
mi mismo aposento, porque aún no me determinaba si era bien o
mal el que me había sucedido. Díjele, al partir, a don Fernando
que por el mesmo camino de aquélla podía verme otras noches,
pues ya era suya, hasta que, cuando él quisiese, aquel hecho se
publicase. Pero no vino otra alguna, si no fue la siguiente, ni yo
pude verle en la calle ni en la iglesia en más de un mes, que en
80
vano me cansé en solicitallo, puesto que supe que estaba en la
villa y que los más días iba a caza, ejercicio de que él era muy
aficionado. (CERVANTES, T. 1 , 1995, p. 351-352)
E vai repetir o que sucedeu com a infanta Helisena y con su donzella
Dorioleta com el rey Perión em Amadís de Gaula.
En este vicio y placer moró allí el rey Perión diez días, folgando
todas las noches con aquella su muy amada amiga, en cabo de los
cuales acordó, forçando su voluntad y las lágrimas de su señora,
que no fueron pocas, de se partir. Assí despedido del rey Garínter
y de la Reina, armado de todas armas, cuando quiso su espada
ceñir no lo halló, y no osó preguntar por ella, comoquiera que
mucho le dolía porque era muy buena y fermosa; esto fazía
porque sus amores con Helisena descubiertos no fuesen, y por
no dar enojo al rey Garínter, y mandó a su escudero que otra
espada le buscasse, y assí armado solamente las manos y la cabeça,
encima de su caballo no con otra compaña sino de su escudero, se
puso en camino derecho de su reino. Pero antes fabló con él
Dorioleta, diziéndole la gran cuita y soledad en que a su amiga
dexava, y él le dixo:
-¡Ay mi amiga, yo vos la encomiendo como a mi propio coraçón! Y
sacando de su dedo un muy hermoso anillo de dos que él traía, tal
el uno como el otro, gelo dio que le levasse y traxiesse por su
amor. (MONTALVO, T. 1, 1996, p. 242)
Ao observar as duas passagens acima podemos concluir que existe
um consentimento entre as partes, mas só depois é que observam as damas
que não há conversão das promessas amorosas em casamento em ato
público. As tentações a que foram submetidas não teriam ocorrido se suas
acompanhantes acreditassem na recomendação da época, de que as mulheres
devem estar separadas dos homens a fim de preservar toda sua virtude.
Em Poliarco, no texto de teatro calderoniano, o ciúme se apresenta
como sendo uma crise fundamental para o desenvolvimento da intriga. Ele,
manifestando sua lealdade amorosa e sua fortaleza, propõe a si superar os
obstáculos, vistos que todo cavaleiro andante pretende ganhar honra e fama
porque é o amor a aventura mais perigosa no universo cavalheiresco desde
Amadís de Gaula. Desta forma se expressa a personagem na sua réplica:
Poliarco: [ ... ]
pues hallé (!válgame el cielo)
cuando a sus ojos volví,
un fuerte competidor
81
que me pudo preferir,
si no en el agrado della,
en el de su padre sí,
para ganar por las armas
lo que por trato perdí. (p. 1948, 1-2))
A atitude do cavaleiro se explica pela idéia de traição que vê no rei
porque para ele seria prova de nobreza de espírito conceder a mão de Argenis
já que livrou o rei e a filha de uma emboscada. No entanto, o rei, em seu
poder absoluto, é quem decide. Sua réplica abaixo, na Jornada Terceira,
confirma sua intenção.
Rey: - Pues sé desta que merece
vuestra persona y valor
premio tan divino, déle,
para fin de sus fortunas,
la mano de esposo a Argenis. (p. 1953, 1)
Talvez, de todos os costumes cavalheirescos, o mais importante fosse
restabe-lecer a justiça. Poliarco vai à procura “de la reina del Africa” para
entregar-lhe o tesouro roubado. O modelo cavalheiresco aparece aí, guiando
seus atos, como lemos na cena abaixo, na Jornada Segunda:
Poliarco: [ ... ]
«Deste bajel, ¡oh joven!, soy el dueño,
que dél y de mi hacienda despojado,
viví cautivo; pero si te enseño
un tesoro que en él está guardado,
rescate vendrá a ser, y no pequeño.
Tómale, pues, y sabe que encerrado
está en diamantes, perlas, plata y oro
de la reina del Africa el tesoro,
porque éstos lo robaron. » Yo, que sólo
fama pretendo, porque no se hallase
en mi poder, al africano polo
mandé que nuestra proa enderezase.
Este te restituyo: sabe Apolo
que no dejé que nadie le tocase.
Tómale, pues, y porque expira el día
quédate en paz. Esta es la empresa mía. ( p. 1935, 2)
O cavaleiro declara seu ideal de serviço. O signo utilizado («Deste
bajel, !oh joven!, soy el dueño/ Tómale, pues, y sabe que encerrado/ está en
82
diamantes, perlas, plata y oro), serve para informar ao leitor/espectador de
uma maneira prática, o lugar de onde se desenvolve a ação. As indicações
que encontramos na réplica servem para mostrar a cena.
Outros detalhes que confirmam no texto de teatro Argenis y Poliarco, a
permanência do espírito cavalheiresco é a presença da profecia que na obra
texto as virtudes de Argenis são as suas qualidades que vão prenunciar a
trama cavalheiresca. Assim nos informa Poliarco em sua réplica na Jornada
Primera:
Poliarco: [...]
Meleandro, descansaba,
por más gusto o más sosiego,
en una quinta, a quien hizo
cárcel voluntaria el Cielo
de la belleza de Argenis
porque doctos agoreros,
que al oriente de su vida
juzgaron su nacimiento,
dijeron que su hermosura
sería asombro, espanto y miedo
del mundo, siendo discordia
de príncipes extranjeros. ( p. 1921, 1)
O dramaturgo recupera e reaproveita situações cênicas que já havia
empregado em outra obra. Poliarco remete algumas vezes a obra La vida es
sueño, pois faz reaparecer a idéia dos prognósticos de “doctos agoreros”.
O infortúnio de Argenis nos leva à fatalidade. O sábio rey Basilio
cumpre os vaticínios astrológicos e encerra seu filho na torre prisão:
Basilio: [...]
Pues, dando credito yo
a los hados, que adivinos
me pronosticaban daños
en fatales vaticinios,
determiné de encerrar
la fiera que había nacido,
por ver si el sabio tenía
en las estrellas dominio. (BARCA, 79)
Em La vida es sueño o rei Basilio nos mostra o céu como um livro cujos
sábios podem ler, interpretar os desígnios humanos.
83
Poliarco: [ ... ]
La primera vez que dio
escándalo tanto intento,
fué una noche, que entregado
a las lisonjas del sueño,
Meleandro, descansaba,
por más gusto o más sosiego
en una quinta, a quien hizo
cárcel voluntaria el Cielo
de la belleza de Argenis,
porque doctos agoreros,
que al oriente de su vida
juzgaron su nacimiento,
dijeron que su hermosura
sería asombro, espanto y miedo
del mundo, siendo discordia
de príncipes extranjeros. ( p. 1921, 1))
Em Amadís de Gaula a profecia de Urganda la Desconocida projeta o
cavaleiro e anuncia o porvir.
-Dígote de aquel que hallaste en la mar que será flor de los
cavalleros de su tiempo; éste fará estremecer los fuertes; éste
començará todas las cosas y acabará a su honra en que los otros
fallescieron; éste fará cosas que ninguno cuidaría que pudiessen
ser començadas ni acabadas por cuerpo de hombre; éste hará
los soberbios ser buen talante; avrá crueza de corazón contra
aquellos que se lo merecieren, y ahún más te digo, que éste será
el cavallero del mundo que más lealmente manterná amor y
amará en tal lugar cual conviene a la su alta proeza; y sabe que
viene de reyes de ambas partes.
Agora te ve dixo la donzella-, y cree firmemente que todo
acaecerá como te lo digo y si lo descubres, venirte ha por ello más
de mal que de bien. (MONTALVO, T. 1, 1996, p p. 255/256)
Em Don Quijote, o cavaleiro Durandarte, flor y espejo de los caballeros
enamorados y valientes de su tiempo é alertado da presença de don Quijote
profetizado pelo sábio Merlín.
Sabed que tenéis aquí en vuestra presencia, y abrid los ojos y
veréislo, aquel gran caballero de quien tantas cosas tiene
profetizadas el sabio Merlín: aquel don Quijote de la Mancha,
digo, que de nuevo y con mayores ventajas que en los pasados
siglos ha resucitado en los presentes la ya olvidada andante
caballería, por cuyo medio y favor podría ser que nosotros
fuésemos desencantados: que las grandes hazañas para los
grandes hombres están guardadas. (CERVANTES, T. II, 1995, p.
201)
84
Outro traço interessante é que os heróis cavaleiros possuem uma
estirpe, mas atuam como desconhecidos e custa reconhecer as identidades
individuais. Na Jornada Segunda, Timoclea nos informa:
Timoclea: -Como te digo, salió
Poliarco de la cueva
en hábito de villano. (p. 1930, 1)
Poliarco oculta sua identidade social num disfarce (en hábito de
villano). O hábito é um elemento presente na dramaturgia e que orienta sua
encenação. Também troca o nome porque na realidade, ele se chama
Manfredo Delfin de Francia, quem precisa se declarar à rainha da África,
Hianisbe, e confirmar sua posição nobre.
Poliarco: -Yo soy, hermosa Hianisbe
(que ya es forzoso decir
secretos que en tanto tiempo
a mí mismo me encubrí:
no te espantes de escucharme),
Manfredo, francés delfín,
que sujeto a la fortuna
llega a tus pies, ya feliz. ( p. 1948, 1)
Na réplica de Arcombroto, Jornada Terceira, a personagem informa que
não é outro senão Túsbal que precisa da permissão da Hianisbe para declarar
sua verdadeira identidade.
Arcombroto: [ ... ]
En fin, para conseguir
tan altas victorias hoy,
me falta decir quien soy;
que no lo quise decir
por cumplirte la palabra,
ni a Argenis ni al rey que estima
mi persona; antes le anima
amor, que su pecho labra,
a decirme que si soy
noble, el esposo seré
de Argenis. (¡Qué dulce fe!)
¡Mira qué nueva te doy!
No me niegues la licencia
que humilde te pido ahora. (p. 1947, 1)
85
Alonso Quijano, em Don Quijote de la Mancha, também escolhe um
nome pelo qual deseja ser conhecido como os heróis da peça Argenis y
Poliarco.
Puesto nombre, y tan a su gusto, a su caballo, quiso ponérsele a sí
mismo, y en este pensamiento duró otros ocho días, y al cabo se
vino a llamar don Quijote; de donde, como queda dicho, tomaron
ocasión los autores desta tan verdadera historia que sin duda se
debía de llamar Quijada, y no Quesada, como otros quisieron
decir. Pero acordándose que el valeroso Amadís no sólo se
había contentado con llamarse Amadís a secas, sino que añadió
el nombre de su reino y patria, por [hacerla] famosa, y se llamó
Amadís de Gaula, así quiso, como buen caballero, añadir al suyo el
nombre de la suya y llamarse don Quijote de la Mancha, con
que, a su parecer, declaraba muy al vivo su linaje y patria, y la
honraba con tomar el sobrenombre della. (CERVANTES, T. 1,
1995, p. 102)
Nessa obra teatral alguns ícones servirão para esclarecer os mistérios
que envolvem as personagens. Hianisbe, na Jornada Segunda, nos informa
que há um signo que aclara toda situação.
Hianisbe: [ ... ]
Ana, puesta encinta, llora
que a ella le haga desdichada
lo que me hiciera dichosa;
porque ser ingrato el huéspede
es ya uso. Con las proas
de sus armados bajeles
volvió a atormentar las ondas,
y en la despedida dió
a Ana en un cofre una joya
que había de ser la seña
por donde a su hijo conozca, ( p. 1934, 1)
O dramaturgo utiliza, na compasição da cena, um signo não-verbal (a
Ana en un cofre una joya) que servirá para reconhecer o príncipe Tusbal
(Arcombroto). Em Amadís de Gaula a situação se repete. Uma carta, um anel,
uma espada serão os ícones que possibilitarão reconhecê-lo.
!Mi hijo pequeño, cuán grave es a mí la vuestra cuita! La
donzella tomó tinta y pergamino, y fizo una carta que dezía:
<<Este es Amadís sin Tiempo, hijo de rey.>> Y sin tiempo dezía
ella porque creía que luego sería muerto, y este nombre era allí
muy preciado porque así se llamava un santo a quien la donzella
lo encomendó. Esta carta cubrió toda de cera, y puesta en una
86
cuerda gela puso al cuello del niño. Elisena tenía el anillo que el
rey Perión le diera cuando della se partió, y metiólo en la misma
cuerda de la cera, y ansí mesmo poniendo el niño dentro en el arca
le pusieron la espada del rey Perión que la primera noche que ella
con él durmiera la echó de la mano en el suelo, como ya oíste, y
por la doncella fue guardada, y ahunque el rey falló menos, nunca
osó por ella perguntar, porque el Rey Garínter no oviesse enojo con
aquellos que en la cámara entravan. (MONTALVO T. 1, 1996, pp
246/47).
A figura de maior complexidade talvez seja “el gracioso” por revelar as
situações em todo o seu desarranjo. É um cômico testemunho, representa a
fuga dos problemas em favor da tranqüilidade. Numa figura contrária ao
galã, mas insepa-rável dele, o que lhe caracteriza é a cumplicidade, a
fidelidade ao senhor, o bom humor, mesmo com o mínimo de intervenção no
texto. Não admira o perigo e sempre encontra uma razão para evitá-lo já que
não tem sangue nobre e por isto não há nenhum impedimento ético, social e
individual que lhe obrigue a buscá-lo. O que lhe é comum é a nobreza de
caráter, tem um sentido prático da realidade. Serve de contra ponto à figura
do galã. Ele introduz na “comédia” um sentido cômico com a finalidade
corretiva e crítica. Oferece o outro lado da vida tal como funciona na
sociedade. Com funções polivalentes é o porta-voz da verdade, quando não
da verdade da comédia, por isso fala com tanto esmero, diz o que lhe dá
vontade, seu papel parece produzir o riso e a ele é permitido ser crítico. Até
faz comentários que revelam o comportamento que se vê “obrigado” a
seguir:
Poliarco: - ?Qué es eso?
Gelanor: - Un hombre, no es nada.
Poliarco: - ¡Qué lástima! ¡Qué mancilla!
Gelanor: - Que nadó y murió a la orilla.
Poliarco: - El alma tengo turbada
Mira si murió. [Vase Gelanor]
Gelanor: [Dentro.]
Señor,
muerto está; mas miraré
otra cosa que yo sé.
Poliarco: - ¿Qué?
Gelanor: [Dentro.]
Qué cosa de valor
quiso escapar del rigor
de las ondas, que un fardel
87
trae al cuello. Mas ¿qué en él
hay oro, plata o diamante?
Poliarco: - ¿Posible es que no te espante
esa tragedia cruel? ( p. 1936, 1-2)
Em Don Quijote, Sancho expressa seu ponto de vista sobre o
comportamento do cavaleiro:
-Pareceme, señor mío, que todas estas desventuras que estos días
nos han sucedido, sin duda alguna han sido pena del pecado
cometido por vuestra merced contra la orden de su caballería, no
haciendo cumplido el juramento que hizo de no comer pan a
manteles ni con la reina folgar, con todo aquello que a esto se
sigue y vuestra merced juró de cumplir, hasta quitar aquel almete
de Malandrino, o como se llama el moro, que no me acuerdo bien. (
CERVANTES, T. 1, 1995, p. 237)
Logo, as ações cavalheirescas do texto Argenis y Poliarco, do
dramaturgo Calderón de la Barca descrevem personagens cavaleiros que não
fogem do desafio, nem do risco. Revelam homens que por descendência,
por sabedoria e por bondade se concede a eles o título de nobres, mais por
suas ações do que por sua descendência. Por isso têm como atribuição fazer o
bem, tendo por base a razão, a força como esforço físico e ético para fazer
algo, a reverência, a justiça e a obediência a fim de garantir a ordem. Jamais
devem pronunciar palavras infames, principal-mente contra uma dama.
Dessa maneira apresentam-se os cavaleiros Arcombroto e Poliarco,
personagens que se definem por suas aventuras da mesma forma que Don
Quijote, o mesmo ideal imaginário da luta cavalheiresca. Estes cavaleiros têm
o mesmo objetivo: “a conseguir honra, a ganar fama” e estar sempre disposto
a defender uma dama.
O dramaturgo não precisa fazer descrições pelo uso da armadura
porque já está implícita no imaginário do leitor. Suas itinerâncias se dão pela
imprevisibilidade do mar com todo o perigo que cerca os navegantes. Esse
desprendimento é símbolo de coragem, de aventura que se vêem obrigados a
superar porque o mar simboliza um estado transitório entre as possibilidades
88
ainda informais e as realidades formais. Poliarco e Arcombroto vão revelar-se
ao mundo por seus trabalhos fabulosos. É a epifania heróica nos cavaleiros.
Nesses cavaleiros há uma identificação entre cavalaria e nobreza.
Lealdade e justiça são os signos que os caracterizam. Encontramos neles a
mesma busca de aventuras, o mesmo cavaleiro andante como em don Quijote.
A diferença que se coloca é que estes são mais realistas, mais pensados para
serem aceitos como modelos, perfeitamente aceitáveis. Poliarco e Arcombroto
diferem de don Quijote por sua origem nobre e por não serem
ridicularizados. Don Quijote fechou-se à realidade. Ele não detém as
características próprias de um cavaleiro, não está ambientado à época, é uma
personagem que vive uma ilusão em contraposição àquilo que realmente é,
suas ações estão inspiradas nos livros de cavalaria, inclusive Dulcinea é uma
invenção. Enquanto os cavaleiros ocultam sua identificação, don Quijote
anuncia a sua. Os cavaleiros se alojam em castelos; o Caballero de la Triste
Figura, em vendas. Poliarco e Arcombroto realistas, vencerão Don Quijote que
por fim renuncia aos livros de cavalaria como quem renuncia ao ideal da
honra, do valor e da aventura. O valor do idealismo e sonho pessoal.
Renuncia o próprio sonho, esquecendo-se de que a vida do homem é um
fazer e refazer constante.
-Dadme albricias, buenos señores, de que ya yo no soy don Quijote
de la
Mancha, sino Alonso Quijano, a quien mis costumbres me dieron
renombre de Bueno. Ya soy enemigo de Amadís de Gaula y de
toda la infinita caterva de su linaje: ya me son odiosas todas las
historias profanas del andante caballería; ya conozco mi necedad y
el peligro en que me pusieron haberlas leído; ya, por misericordia
de Dios, escarmentando en cabeza propia, las abomino.
(CERVANTES, T. II, 1995, p.574)
Nessa réplica o cavaleiro confirma a decadência do ideal de cavalaria
quando Cervantes inicia a obra.
Sancho, em Don Quijote, se preocupa com a loucura do seu senhor.
Unidos pelo interesse, são conscientes de que formam uma dupla chegando a
ser inseparável até a morte de don Quijote. Aos poucos, o cavaleiro da Triste
89
Figura vê as coisas exatamente como são e aí se impõe diante das pessoas.
Sancho que “de muy poca sal en la molera” mostra no final da obra dispor
de uma grande sabedoria. Como figuras antagônicas don Quijote é “el loco
cuerdo” e Sancho “el tonto sábio” que se transforma em um grande
governador.
Nota-se na obra um diálogo com Amadís de Gaula, com Don Quijote
quando se constata a ação cavalheiresca, quando os destinos do homem são
colocados para reflexão, embora toda a obra nos leve à meditação sobre as
ações humanas. Don Quijote como um dos cavaleiros andantes que se vale de
sua “força” para vencer os obstáculos, nos lembra que sem as armas, as letras
não se sustentam porque com elas se “defenden las repúblicas, se conservan
los reinos, se guardan las ciudades, se aseguran los caminos, se despejan los
mares de cosarios” (idem, ibidem, p. 460, T. I).
Depois que disserta sobre as letras e as armas é “aplaudida” a
sensatez do cavaleiro “louco”. Assim, Calderón, na sua força criadora, vai
elaborando questões mais agudas a respeito das vicissitudes do heroísmo
cavalheiresco, a atitude do homem que não aceita dobrar-se diante do poder
e também sobre a eterna angústia no descortinar o destino humano. As
lamentações de Poliarco, por exemplo, falam de sua infelicidade e vão repetir-
se ao longo do texto de teatro quando apresenta suas idéias sobre as relações
interpessoais e as situações problema que elas determinam.
Todas estas questões e mais, quando a questão da realidade e da
aparência, nas visões de Don Quijote, que é coisa freqüente oriunda de sua
intensa leitura dos livros de cavalaria, a ironia e as verdades, a angústia da
existência são colocadas como questões que podem responder sobre o valor
da liberdade e da tolerância nas relações humanas porque essa angústia se dá
pela incerteza de que nossas expectativas não sejam realizadas. Don Quijote
como cavaleiro tem como objetivo lutar pelos “flacos y menenterosos”.
Poliarco e Arcombroto, na condição de cavaleiros andantes, vão apresentar as
mesmas questões. As personagens em Argenis y Poliarco dialogam com a
90
incapacidade para se enfrentar o risco da vida, para aceitar a insegurança e a
contingência essenciais no ser humano. Calderón põe em destaque a tragédia
dos seus personagens submetidos a um código nada humano, mesmo que
seja absurdo é o código dos cavaleiros, que serve como metáfora dramática
para se discutir a honra, a relação do homem com o poder, sua relação com a
liberdade e a responsabilidade moral, a realidade e a ilusão.
Ao ler o texto de teatro Argenis y Poliarco, se observa que o gênero
humano tem que construir seu próprio destino e é esta a condição para estar
no mundo. Ele deve partir em busca do sentido de sua existência e esse
existir vai implicar em relações múltiplas possíveis ou não, de virem a
acontecer. O ser humano é apresentado como uma realidade aberta e
inacabada que vive em meio a riscos; sua liberdade é condicionada às
circunstâncias onde ele tem que superar os obstáculos. Nos faz ver o
dramaturgo que a vida é marcada por situações de sofrimento, de injustiça e
dessa forma não podemos ignorar o sofrimento humano e a angústia como
expressão da existência.
Nada, do que é humano nas obras passa por indiferente; vai sim,
integrar uma categoria estética.
A partir do que ficou comentado, é possível dizer que as idéias se
contaminam. As relações entre estes personagens propiciam o encontro de
idéias e esse movimento provoca a atualização dos textos. As referências, de
forma explícita ou implicitamente, pressupõem quem escreve um universo
amplo, complexo. O “diálogo” implica identificação, reconhecimento e se
destaca por ser produzido na relação homem-mundo e com a memória do
indivíduo que escreve.
Dessa forma, o texto de teatro estudado constrói um diálogo com
outros textos, apelando para a imaginação do espectador, para a capacidade
que tem o homem para fantasiar e para evocar imagens e idéias que já foram
percebidas e armazenadas.
91
CAPÍTULO III NO O “SIGLO DE ORO”, ARGENIS Y
POLIARCO: A TRADIÇÃO EMBLEMÁTICA EM DON PEDRO
CALDERÓN DE LA BARCA
Todas as criações humanas têm uma história. Estas criações, em cada
época, vão expressar os problemas e as questões que os homens colocam
para si, buscando novos caminhos, novas respostas num constante diálogo
com a sociedade e com a cultura do seu tempo.
É na literatura do “Siglo de Oro” que o homem se vê como espelho
dessa realidade, age sobre ela como um artífice de seu próprio destino,
indagando o intelecto humano para conhecer e demonstrar a verdade que
está por debaixo das crises existentes nessa época representada em Don
Quijote e no teatro calderoniano que estamos nos referindo. É o desengano da
realidade da qual se burla Sancho e Gelanor.
Os emblemas, uma nova forma de perceber o mundo, uma nova
linguagem que se apresenta na poesia, na narrativa e no teatro, vão
representar um conceito moral ou intelectual, estimulando a reflexão, vindo a
possibilitar ao indivíduo decifrar por si mesmo muitos enigmas.
Em Argenis y Poliarco , os emblemas não vão aparecer necessariamente
com as três partes que os compõem: o lema ou mote, que é uma frase
sintética que expressa a idéia, o pensamento que inspira a conduta de uma
pessoa; a imagem, que é a representação em forma de desenho e a epigrama
ou epígrafe, que é uma breve composição a qual indica ou expressa um
pensamento e contém implícito uma idéia moral.
Nesse teatro vão surgir, com maior freqüência, referências às figuras
que são capazes de representar uma idéia, um ser físico ou moral e que
dependem da interpretação, de uma predisposição do próprio indivíduo
porque elas jogam com estruturas mentais. São elementos que podem ser
92
pensados para além de sua significação e podem se servir da tradição
emblemática.
Portanto, neste capítulo, pretendemos selecionar alguns desses
elementos e interpretá-los para que possamos identificar como os emblemas
e os signos conseguiram influenciar a representação do próprio pensamento
como sugere Aurora Egidio quando argumenta que “el emblema en su
conjuntura ha influído como forma de pensamiento o estrutura artística en la
poesia, la narrativa o el teatro.” (ALCIATO, 1985, p. 11)
Na representação teatral e, conseqüentemente, no texto teatral,
emblemas e signos aparecem como uma linguagem metafórica. E, por trás
dessa metáfora, há algo mais do que uma substituição ornamental da
realidade, por isso pretendemos colocar em destaque algumas ações teatrais
para confrontá-las com os emblemas escolhidos e ressaltar a importância da
tradição emblemática como criadora de imagens poéticas e visuais, na qual o
mistério é um componente indissociável.
A obra teatral Argenis y Poliarco, que é objeto deste trabalho, expõe
muitos motivos emblemáticos e sua presença vai se construindo ao longo do
texto quando percebemos que há uma relação da cena com o emblema que se
dá através da mensagem moral. A cena teatral, proposta pela obra, é um
emblema. Por esse motivo, destacamos alguns desses que apresentam uma
intertextualidade com a arte emblemática e traçamos alguns comentários
para discutir a idéia do mundo como um objeto simbólico: “Esta es la historia
de un francés que se enamoró de una siciliana. Y la acción se desarolla en una
trayectoria de colores y símbolos.” (BARCA, 1987, p. 1915). O que ocorre na
obra estudada é digno de admiração pela beleza das personagens, pelos
sucessos dos heróis que são excepcionais e também pelo trágico que nessa
comédia, talvez, seja a guarda da mulher solteira que fica protegida pelo pai
e pela mudança constante da sorte. Alciato informa que “se vio que los
planetas, los signos zodiacales, las constelaciones, las musas, etc., influían en
93
el gobierno de los hombres, que quedaban aprisionados en una red de
múltiples correspondencias.” (ALCIATO, 1993, p. 138)
Observamos que Alciato se apropria da fábula de Ícaro para
manifestar suas impressões sobre
a forma de agir daqueles que
tentam decifrar coisas secretas. No
emblema 103, mote In astrólogos
(sobre los astrólogos), apresenta
como imagem Ícaro em queda
livre com as asas derretendo por
causa dos raios do sol, sobre um
oceano no qual há umas caravelas.
Lemos a epigrama:
Icaro, que subiste por los aires y a las
regiones celestes hasta que la cera al
derretirse te hizo caer al mar, ahora esa
misma cera y el fuego ardiente te resucitan
para que enseñes las verdades con
tu historia. Que el astrólogo tenga cuidado de
lo que predice, pues el impostor cae de
cabeza mientras vuela por encima de los astros.
O emblema é uma chamada contra a imprudência. Os sábios
astrólogos acertam quando predizem que Argenis está destinada, por sua
formosura, a ser assombro, espanto e medo, sendo o motivo da discórdia
entre príncipes. Sua beleza é extraordinária. Mas o que não determinam é
que ela é capaz de manejar sua liberdade, por sua vontade de ser. A profecia
é uma expectativa.
A beleza de Argenis produz assombro e admiração, é extraordinária,
está fora do padrão normal. O maravilhoso se funde com o visual e não pode
ser contemplado devido às profecias de quem sabe adivinhar o futuro e que
adiantam os acontecimentos da obra. A profecia é uma técnica utilizada pelo
teatrólogo para criar no leitor/espectador uma expectativa.
94
Na Jornada Primeira pode-se salientar a ação emblemática, composta
por epígrafe, mesmo que se apresente muito distante do modelo que se vê
em Alciato, mas não chega a prejudicar a idéia porque o autor, através da
descrição, cria imagens visuais nas quais o mistério é um componente quase
contínuo. Os emblemas ilustram e confirmam a situação teatral.
Analisemos a réplica da Jornada Primeira:
Timoclea [Dentro]
!Válgame el Cielo!
Arcombroto: - ¿Qué voz tan triste ha sido
la que lengua y acción ha suspendido
con ecos lastimosos?
Timoclea [Dentro]
¡Dadme vuestro favor, cielos piadosos! (p. 1918,2)
O emblema 166, mote in eum qui tuculentia suorum perierit (sobre el que
pereceria por crueldad de los suyos) (ALCIATO, 1985, p. 209), tem por ima-
gem um golfinho arremessado pela maré na beira da praia; pedras e uma
vegetação retorcida, ao redor dele, um barco, uma montanha e o céu, ao
longe. A epigrama revela:
A mi, el delfin, a mi pesar me arrojó a
la
playa el oleaje, como ejemplo de los
grandes
peligros del mar traicionero. Pues si
Neptuno
no mira por sus pupilos, ¿quién puede
pensar
que los hombres vayan a estar seguros
en los barcos?
O tema principal deste
emblema supõe a insegurança a que está submetido o gênero humano.
Estabelecendo a intertextualidade, podemos relacioná-lo à tensão das
personagens femininas na obra de teatro. Timoclea, em sua réplica, anuncia
que forças perturbadoras vão dar início à ação do cavaleiro que está disposto
a correr riscos e que espera o reconhecimento por ser “el delfin al buen
consejo y al príncipe insigne”. Timoclea, a voz que suplica, pede ao Céu e o
95
socorro vem do cavaleiro, de um nobre. Arcombroto, que atende à súplica,
pois há um código que deve ser seguido por ele. O cavaleiro deve colocar-se
ao serviço de todos aqueles que podem ter necessidade de ajuda e constituir-
se em seu defensor.
Segundo Hans Biedermann, na maioria das línguas, a palavra céu
presente na súplica de Timoclea - define, ao mesmo tempo, a região das
nuvens e das estrelas assim como a morada dos deuses ou de Deus. Ao céu
dedicava-se uma atenção religiosa porque do alto vem a luz e a vida e
freqüentemente se tornava expressão simbólica da própria divindade. Muitas
vezes, era visto como uma cúpula fixa onde vivem os deuses das estrelas,
que traçam suas órbitas e observam do alto os homens. Arcombroto, no
cumprimento de sua palavra, transforma-se em exemplo de comportamento,
é o homem-padrão de seu tempo e é observado pelos deuses.
Várias passagens desse tipo se encontram no texto e vão confirmar a
idéia de que a transição da mentalidade medieval, que via o mundo centrado
em Deus, para a que considerava o mundo centrado no homem não foi um
processo tranqüilo. Era necessário reorganizá-lo e, pela representação,
produzia-se uma imagem dele, pois o explicava pelas verdades reveladas.
Observemos o réplica da Jornada Primeira que denuncia as impres-
sões das personagens.
Poliarco: [...]
Meleandro, de Sicília
rey único, a quien el Cielo
más que de ánimo gallardo
dotó de su entendimiento,
largo tiempo governó
entre el ocio y el sociego ( p. 1920, 2)
[...]
¿Cómo viviendo la nombro?
¿cómo sin morir me acuerdo?
Argenis, Argenis, digo,
en quien liberal el Cielo
logró a pesar de la envidia,
belleza y entendimiento. (pp 1925-1921, 2)
96
Gelenor [...]
y quiso desesperado
pasar el Himera a nado,
y despreciando el temor
puso los pies a una alfana,
rayo, si hay rayo de nieve,
que con la espuma se atreve,
a vivir dos veces cana;
y diciendo:<< Sabe el Cielo
que al rey he sido leal”>>, (p. 1925, 1)
Os elementos que vêm do céu como estrela, indicam luz que vem do
alto e nem sempre é reconhecível, assim como o sol é o astro do dia, é
considerado o mais importante dos fenômenos celestes. O Sol é invocado
como divindade que destrói a escuridão e que acima e abaixo destrói o mal.
No discurso cênico entre Poliarco e Arcombroto, na Jornada Terceira,
por exemplo, constatamos que o teatro é um universo de signos. Há diversos
signos contidos na réplica e eles têm um significado que se deve procurar
reconhecer. Lemos a réplica da Jornada Terceira:
Poliarco: - Ya Lindógenes te deja
la tierra desocupada.
Arcombro: - De la lid sangrienta fue,
señor, de la tragedía tanta
que el sol tuvo por claveles
las hojas de la campana,
porque murieron corales
si nacieron esmeraldas.
Poliarco: - El sol, mirando su faz
en espejos de escarlata,
dudó cómo hallaba mar
la que dejó tierra: tanta
era la vertida sangre, ( p. 1943,. 2)
Argumenta Hans Biedermann, em seu Dicionário ilustrado de
símbolos, que o Sol é o segundo símbolo tradicional, é responsável pelos reis,
pela autoridade, pela posição do homem no mundo, pela glória, pelo
sucesso, pela força de vontade e pela vitalidade. Tudo reunido em Arcombroto
e Poliarco.
O símbolo fornece maiores explicações a respeito das personagens.
97
Por outro lado, observemos que ao iniciar a Jornada Primeira,
Arcombroto lembra Apolo, que exercia poder em todos os âmbitos da
natureza e do homem. Sua proteção abarcava também os navegantes. A
beleza do cavaleiro, que é uma imagem idealizada, também se remete a
Apolo enquanto deus de beleza perfeita, símbolo da harmonia entre o corpo
e o espírito.
Poliarco: [...]
y así me dijo un venerable viejo:
«Deste bajel, ¡oh joven!, soy el dueño,»
que dél y de mi hacienda despojado,
viví cautivo; pero si te enseno
un tesoro que en él está guardado,
rescate vendrá a ser, y no pequeño.
Tómale, pues, y sabe que encerrado
está en diamantes, perlas, plata y oro
de la reina del Africa el tesoro,
porque éstos lo robaron.>> Yo, que sólo
fama pretendo, porque no se hallase
en mi poder, al africano polo
mandé que nuestra proa enderezase.
Este te restituyo: sabe Apolo
que no dejé que nadie le tocase.
Tómale, pues, y porque expira el día
quédate en paz. Esta es la empresa mía. ( p. 1935, 2)
O comportamento de Poliarco demonstra sua lealdade, sua profissão
de fé, modelo de conduta de um cavaleiro. Sua atitude fez receber as honras
de Hianisbe que nos informa
sobre o cavaleiro na didas-
cália implícita na Jornada
Segunda:
Hianisbe: -Bien, generoso francés,
muestras que eres principal;
porque quien es liberal,
ya dice que noble es. ( p. 1935, 2)
Como Trasíbulo, “el
líder de la democracia ate-
niense” (ALCIATO, 1985, p. 174), Poliarco luta por seu ideal cavalheiresco.
98
Em relação a si próprio tinha de ser fiel para consigo mesmo, fiel ao
compromisso a que tinha concordado enfim, a tudo aquilo que faz a honra de
um homem. O emblema 134, mote Optimus civis (el ciudadano óptimo),
imagem: Trasíbulo, é coroado por dois guerreiros e pela deusa Palas Atenas,
segura uma lança no sentido de vitória em uma região arenosa e a epigrama
revela:
Mientras Trasíbulo venga con armas justas a
la patria, y mientras manda que unos y otros
olviden sus rivalidades, todo el pueblo de
acuerdo le concede que lleve una corona de
las hojas de Palas, como regalo máximo.
Ciñe tu cabellera. Trasíbulo, y lleva tú sólo
tal honor, pues en toda la gran ciudad no
hay nadie que te iguale.
Ele nos informa que “El detalleiconográfico más significativo es la
corona de ramos de olivo, porque era el honor que concedía la ciudad de
Atenas”(ALCIATO, 1985, p. 174). Estabelecendo a intertextualidade, o
reconhecimento de Hianisbe representa a coroação do cavaleiro. Ao serem
destacados seus nobres princípios, suas qualidades morais, se anuncia o
herói cavaleiro e as honras a que estará submetido.
Hianisbe: [...]
en qué te puda servir;
que aquí, en la ignorancia nuestra,
tanto el ánimo se muestra
en dar como en recibir.
No me niegues este bien
y pues en mi reino estás,
descansar en él podrás,
y repararte también
de ese continuo desdén.
Mi huéspede aquí has de ser.
Noble eres, agradecer
debes mis preceptos hoy,
y no porque noble soy,
sino porque soy mujer.. ( 1987, p. 1935, 2)
Hianisbe reconhece as virtudes do cavaleiro e procura honrá-lo a partir
do auxílio que recebeu. Ela sabe que ele assumiu a sua defesa por ser mulher,
por se encontrar fora dos limites de proteção dada pela sociedade da época.
99
O cavaleiro não atua em proveito próprio e dessa forma comprova sua
generosidade. Portanto, quando o cavaleiro diz que sai de seu país em busca
de fortuna, de uma sorte favorável encontra na gratidão da rainha fama
suficiente para ser estimado. Está aí a coroação do cavaleiro. Um outro
motivo emblemático está presente na réplica de Poliarco, didascália implícita,
quando revela sua admiração na Jornada Primeira .
Poliarco: [...]
¿Cómo viviendo la nombro?
¿Cómo sin morir me acuerdo?
Argenis, Argenis, digo,
en quien liberal el Cielo
logró a pesar de la envidia,
belleza y entendimiento.
En efecto, es un milagro,
es un asombro, en efecto
de la gran Naturaleza
en cuyos rasgos se vieron,
con la discrición del alma
y la hermosura del cuerpo,
admirados los pinceles
del Artífice supremo.( p. 1921,1)
A passagem nos reporta ao emblemas do amor. O cavaleiro põe os
olhos sobre a beleza de Argenis e por ela fica submetido. O mesmo vai
acontecer com Arcombroto, confirmando os presságios dos “doctos agoreros
que diziam ser motivo de “discordia de príncipes extranjeros”. A Inquietude
passa a ser a companheira dos cavaleiros.
Alciato no emblema 107, mote
Vis amoris (la fuerza del amor), aborda
o poder do amor , pois “el amor a
nadie perdona, todo lo atropella, y
manda assí en la tierra como en el mar
Y por esta causa le pintaron con alas,
porque buela sobre la tierra y sobre el
mar, porque todo está sujeto al im-
perio del amor:” (ALCIATO, 1985,p. 142). Ele apresenta como imagem
100
Cupido quebrando uma flecha sob uma chuva de raios e apresenta a
epigrama:
El dios alado quebró el alado rayo para
demostrar que el fuego del amor es más
fuerte que el fuego.
Pintam o amor com asas talvez para simbolizar a sua invencibilidade.
O poder do amor faz com que os cavaleiros busquem realizar-se. A
força da energia que impulsiona-os permite alcançar o objetivo de seus
desejos e para Poliarco representa “amor y fortuna” e para Arcombroto:
“aplauso, honor, fama y honra”.
Na exaltação das suas impressões, Arcombroto na didascália implícita,
Jornada Segunda, faz uma reverência à beleza da dama. É a exaltação do
amor com sua beleza onde os elementos da natureza projetam subjetiva-
mente os sentimentos do cavaleiro, subjulgando-o.
Sale Arcombroto
Arcombroto: -Ya Vuestra Alteza, señora,
podrá, porque el sol empieza
a desvanecer reflejos
entre corales y perlas,
dejar sin luz esos montes,
sin lisonja esas riberas,
sin hermosura ese valle
y sin deidad esas selvas.
Una dorada carroza
en esa margen espera;
no tan hermosos caballos
el aurora hermosa ostenta
cuando el alba antes que el sol
sombras viste y nubes huella,
y él en ondas de zafiros
sepulta abismos de estrellas,
como los que deste carro
son hipógrifos, que llegan
a competir con las aves;
pues en su veloz carrera
ni flor malogran sus plantas
ni surco imprimen sus ruedas;
que siendo brutos del viento,
siendo aves de la tierra,
vuelan, pensando que corren,
corren, pensando que vuelan.
Argenis: -La retórica pintura
se mira en vos tan perfecta
que ha de faltar a la vista
101
tan hermoso objeto.
Arcombroto: -En ella
antes se verán, señora,
de mi ignorancia la señas;
porque yo soy tan cobarde
en hablar, que, aunque quisiera
alguna vez declararme,
no acierto, y la voz se queda
en aquel breve camino
que hay desde el pecho a la lengua.
Argenis: -Muchas veces el concepto,
que se previene en la idea,
no se permite a los labios
tan sutil como se piensa;
mayormente en las pasiones
del ánimo.
Arcombroto: -Fuera de esa
razón, hay muchas en mí
para que la voz suspenda. (p p. 1930/31, 2-1)
Enquanto o desejo mobiliza Arcombroto, ainda é a razão e a honra que
vêm em primeiro lugar, é o princípio organizador que busca meios para sua
realização. Em sua réplica, o cavaleiro procura o reconhecimento, a reciproci-
dade, porque ao amor se misturam o doce e o acre.
No diálogo que se estabelece entre Arcombroto e Argenis, esta faz ver
a seu admirador que todo sujeito consciente, isto é, aquele que conhece a
diferença entre o permitido e o proibido, possui uma conduta ética. Convida-
o a julgar o valor de sua conduta e do seu agir em conformidade com os
valores morais. Esta consciência
assegura a capacidade para
avaliar as causas pessoais, as
exigências e as conseqüências
que vão marcar o indivíduo e os
demais. Argenis destaca a
importância de Arcombroto ser
consciente de si e dos outros, de
avaliar efeitos e conseqüências,
determinando para si as regras
de conduta. Pretende expor que é virtuoso aquele que controla seus
102
impulsos, suas inclinações. Argenis cheia de esplendor é dona de sua
verdade.
El Amor es afecto poderosísimo” nos informa o emblema 105, mote
Potentissimus affectus amor (Que el Amor es afecto poderosísimo), a imagem é
composta com Cupido em uma carruagem guiada por ele e puxada por dois
leões e lemos a epigrama:
Mira representado en esta gema al niño
Amor, como invicto auriga que vence las
fuerzas del león, y cómo en una mano
sostiene el látigo y con la otra empuña las
riendas, y cuán grande es la belleza de su
rostro infantil. Cruel calamidad, aléjate: quien
es capaz de vencer a tal fiera, ¿se comportará
con nosotros con moderación?
Assim é o sentimento de Arcombroto, ou seja, muito forte. A réplica da
personagem reafirma que os mais fortes e valentes se rendem ao Amor “Si
Cupido vence a los leones, no es
de estrañar que venza a los
hombres, ya que nada le detiene.”
(ALCIATO, 1985, p. 141). Um
sentimento que domina os
homens, é “fogo que arde sem se
ver” e que torna os seres
humanos mais instáveis. Essa
situação nos reporta também
algumas características do
emblema 113, mote: In statum
amoris (Sobre la imagen del amor).
A imagem mostra Cupido sobre
um monte apoiado em um
escudo; ao longe, uma cidade, um
céu nublado e montanhas. A
epigrama declara:
103
Quien sea el Amor, en outro tiempo lo
cantaron muchos poetas, que dijeron sus
hazañas con nombres distintos. Están de
acuerdo en esto: en que carece de vestidos,
es pequeno de cuerpo, lleva dardos y alas, y
es ciego. Tales son el aspecto y las cualidades
del dios. Pero son falsedades, a mi juicio,
si se me permite hablar contra tantos poetas.
¿Por qué se halla desnudo? ¿Van a faltarles
Vestidos al dios que tiene sometidas todas
las riquezas del orbe? ¿O pudo franquear
desnudo las nieves y el viento de los Alpes y
los campos cubiertos de hielo pregunto?
Si es niño, ¿llamas niño a quien supera en
edad a Néstor? ¿Conociste los doctos cantos
del viejo Ascreo? Este niño inconstante,
que endurece los corazones que ya ha
atravesado, nunca puede abandonarse a
voluntad. Pero lleva carcj y flechas, ¿por
qué este peso inútil? ¿Acaso un niño es capaz
de doblar un duro arco? ¿Por qué tiene alas
que no sabe usar en el aire? No sabiendo
flechar el corazón de las aves, serpea por el
suelo y siempre hiere corazones mortales de
hombres, y no mueve las alas porque es de
piedra. Es ciego y lleva una venda en los
ojos, pero, ¿qué utilidad tiene una venda para
un ciego? ¿Acaso ve menos por esto?
¿Y quién podría creer que un arquero carece
de vista? Puede ser, pero los ciegos lanzan las
flechas en vano. Es ígneo, dicen, e incendia el
corazón. ¿Cómo vive, vamos, todavía?
La llama todo lo devora. ¿Por qué entonces
no se apaga en las henchidas ondas cuando
penetra en los dulces corazones de las Náyades?
No te dejes atrapar por tantos errores, oye:
que sea el verdadero Amor, nuestros cantos
lo dicen. Es tarea grata para los ocios
lascivos: su símbolo es una granada en un
escudo negro.
Porque o amor é um fogo interior que tem sabor ácido e doce e dá ao
sujeito como companheiras a Inquietação e a Tristeza: “... súbito creen y no
creen, estando siempre colgado de un pensamiento y poseídos del temor”.
(ALCIATO, 1985, p. 151)
Os cavaleiros nos deixam perceber que toda “fortuna” aqui
entendida como ocasião, acaso, deve estar associada à virtude, no sentido de
força, valor, qualidade de guerreiro, para que seja seu complemento. O
104
emblema 121, mote In occasionem (sobre la ocasión), apresenta a imagem da
Ocasião sobre uma roda boiando no mar, cercada por dois navios, uma
cidade e montanha ao fundo. Vemos a epigrama:
Esta es obra de Lisipo de Sición.
Tú, ¿quién eres?
El instante de tiempo capturado que
domina todas las cosas.
¿Por qué estás de pie y tienes alas?
Porque doy vueltas continuamente.
¿Por qué tienes alas en los pies?
Por doquier me arrastra la brisa más leve.
Dime por qué tienes en la diestra una afilada
navaja.
Este signo enseña que soy más aguda que
toda agudeza.
¿Por qué el mechón de cabelos en la
frente?
Para ser cogida cuando me presento.
Pero, ay, dime, ¿por qué tienes calva la parte
posterior de la cabeza?
Para que si alguna vez alguien me deja
escapar con mis pies alados, no pueda
atraparme de nuevo por el pelo.
Con tal artificio me hizo el artista para ti.
forastero, y me puso en una pérgola
abierta para que sirva a todos de
advertencia.
105
Segundo o emblemista, a Ocasião tem “pies con alas y sobre una rueda
para significar que pasa rápida,”. (ALCIATO, 1985, p. 161)
A réplica de Arcombroto na Jornada Primeira nos informa que:
Arcombroto: [...]
Tarde la sirvo, y la socorro tarde,
si alas no calzo. ( p. 1918, 2)
Arcombroto numa atitude cavalheiresca propõe uma ação adequada,
uma tentativa de autodeterminação como sugere o emblema; é a oportu-
nidade para se concretizar algo. Não deve deixar escapar a fortuna, isto é, a
ocasião porque de nada adiantaria um cavaleiro virtuoso, se não soubesse ser
precavido, ousado, aguardando a ocasião propícia. As coisas do mundo são
dirigidas pela fortuna. Os cavaleiros devem deixar-se dirigir por ela. Nos
caminhos que conduzem à finalidade que buscam, procuram agir com
prudência e impetuosidade e mesmo assim atingem os seus fins. Parece que
a fortuna é companheira dos cavaleiros porque com maior audácia a
dominam. Esse emblema conclui que “los que obran en el momento
oportuno merecen la calificación de sabios y prudentes.” (ALCIATO, 1985, p.
161)
Nessa aventura procura provar a qualidade de sua ação, correr o risco
necessário para aproveitar o momento favorável para servir, ganhar honra e
fama como cavaleiro andante.
Algumas passagens da réplica da personagem Poliarco - nos reporta
ao emblema sobre a concórdia, uma delas aborda a questão do
reconhecimento, da atitude das pessoas compreensivas. Observemos o
emblema 39, mote: Concordia ( La Concórdia). A imagem nos expõe dois
guerreiros dando-se as mãos direitas, ato que revela um pacto; do lado
esquerdo, algumas tendas armadas e, do lado direito, ao fundo, soldados
levantando lanças e um cavalo em corveta, signo de domínio. Lemos a
epigrama:
106
Cuando Roma tenia a sus jefes
en la
guerra civil y sus hombres
morían en el campo de batalla,
fue costumbre, cuando las
tropas se juntaban a hacer una
alianza, saludarse mutuamente
dándose la mano derecha. La
concordia tiene esto como
símbolo, de modo que aquellos
a los que une
el afecto, una también la
mano.
As réplicas de Poliarco, na Jornada Segunda, são demonstrações de
honra e amizade. Mostra-se senhor de si para obrigar a vontade a fazer o que
a razão indica como melhor.
Poliarco: - Allí he visto
a Arcombroto. ¡Qué mal sufro
la dilación! Muy ingrato
seré, si no me descubro
y llego a darle los brazos,
pues a su amistad presumo
que debo la vida.
Gelanor: - Es cierto,
y dos vidas, sí es que juzgo
ésta y la de los traidores
de marras, lenguaje culto.
Poliarco: -Dame, Arcombroto, los brazos,
cuyo brazo será nudo
tan inviolable en mi pecho,
que nunca el acero duro
de la muerte le desate
y aun en los siglos futuros
vivirá eterno en los bronces
que a la amistad labren bultos. ( pp. 1939/40, 2- 1)
O dramaturgo, na réplica de Poliarco, anuncia que encontra uma
solução feliz para o conflito pois se realizará as pretensões das personagens.
Na réplica de Arcombroto, na Jornada Terceira, a convicção de paz une os dois
cavaleiros que sabem que são modelos de virtude e que suas ações devem
servir de exemplos para todos os racionais. A vontade que os une age para
mostrar suas qualidades. Reunidos, professam laços fraternos depois do
107
ciúme impulsionar suas ações, como nos informa Arcombroto na Jornada
Terceira:
Arcombroto: - Sólo
tener sangre tuya puede
consolarme deste daño,
y hacer que contento quede
de una pérdida tan grande.
Dame, los brazos, pues puedes
[A Argenis]
sin celos de Poliarco.
Y por pagar lo que debe
mi amor doy a Timoclea
la mano. (p. 1953, 2)
Se a réplica acima selecionada obtém em Andrea Alciato dimensões
visuais emblemáticas, outras porém vão aparecer lexicalizadas como é o caso
do verso que nos informa que a casa de Timoclea possui uma caverna onde o
cavaleiro poderá permanecer protegido. Talvez seja importante chamar a
atenção para esse tipo de referência, levando-se em consideração a função
dessa imagem.
É possível, através da história da humanidade, verificar que as
cavernas são os mais antigos santuários da humanidade, ornada de pinturas
e grafitos. Elas freqüentemente eram consideradas locais onde nasciam os
deuses e heróis, morada de eremitas e das Sibilas profetisas. Observemos o
diálogo entre Timoclea e Poliarco, que é conduzido à caverna por influência
dela:
Timoclea: [ ... ]
[ A Poliarco ]
llegar, aquí la sospecha
desmiente y haz la deshecha
de irte, y encamina el paso
por la vereda que enseña
esa amena población
de los árboles, que son
doseles, y en una peña,
que está al fin, atento mira,
hasta tanto que la roca
abra una funesta boca,
tronera por quien respira
una cueva, que esta casa
tiene para tal efeto
108
labrada con tal secreto,
que nadie sabe que pasa estarás dentro,
hasta allí. Y si entras por ella
una vez, fía de mí
que no ha de saber de ti
ni aun la lumiar estrella
del sol. En tanto ir podemos
los dos a tenerla abierta,
que es un peñasco la puerta ...
Una antocha sacaremos
para que sirva de guía:
bien seguro estarás dentro,
que es un abismo su centro,
triste oposición del día. ( p. 1924, 1- 2)
Enéias, o herói troiano, quando chegou no litoral da Itália procurou a
morada de Sibila, uma caverna, “enorme y oscura”, ligada a um templo e a
um bosque consagrados a Apolo. A profetisa, “Ella le entrega la Rama
Dorada, credencial mágica para el más allá, y luego les guía, a él y a sus
hombres, a las puertas del mismo, en el lago Averno.” (BULFINCH, 2001, p.
314) e sob a influência da divindade do lugar, começou a fazer profecias,
indicando previsões sombrias que teria que atravessar para chegar ao
sucesso de sua intenção. Para isto, não deveria curvar-se aos infortúnios, mas
infrentá-los com maior vigor. Assim procedeu Poliarco na tentativa de provar
sua inocência e lutar contra as previsões astrológicas que determinavam a
discórdia de príncipes estrangeiros. Poliarco e Arcombroto se enfrentam, fato
que nos reporta ao emblema 167,
mote (Sobre los regalos de los
enemigos): “se ha de temer a
cualesquiera enemigo, no menos
temibles porque sean pequeños o
pobres.” (ALCIATO, 1985, p. 210).
Destaca como imagem dois
guerreiros dando-se as mãos
direitas, seguram, ao mesmo
tempo, uma espada em sentido de
paz. No fundo, do lado esquerdo e
109
direito, as tendas dos acampamentos de ambos exércitos. Lemos a epigrama:
Dicen que Ayax el portador de escudo y
Héctor el de Ilión, habían tomado como
botines de guerra y se habían regalado
mutuamente un tahalí, que el Tela-mónida dio
al Priámida, y una rígida espada, que éste
recibió de aquél: y cada uno cogió al
aceptarlo los instrumentos de su propia
muerte, pues la espada acabó con Ayax, y a
Héctor le arrastró el tahalí atado a las ruedas
del Tesalio. De ahí lo que reza el título,
porque los regalos enviados por los enemigos
a los enemigos, son mensajeros de muerte
Estabelecendo a intertextualidade, destacamos a réplica:
[ ... ]
Poliarco: - Aqui, no, porque si juntos
estuvieron, levantaron
promontórios hasta el cielo:
mas fue urna cada planta,
pirámide cada hoja
y sepulcro cada mata.
Arcombroto: - Este estandarte real
es alfombra de tus plantas.
Poliarco: - Esta sangrienta cabeza,
de tus pies coluna y basa.
Arcombroto: - Poliarco, tu valor,
tus empresas, tus hazañas
y tus victorias merecen
inmortales alabanzas;
no lo niego; pero yo,
igual contigo en las armas,
en los méritos te excedo,
pues en iguales balanzas,
el rey me debe la vida,
y ha de ser fuerza pagarla.
Poliarco; - Si ya es forzoso que a luz
guardados méritos salgan,
no sólo al rey se la he dado,
sino también a la infanta
pues fui quien libré a los dos
de una encubierta celada:
de modo que también di
vida al rey, y de ventaja
llevo la vida de Argenis,
y ha de ser fuerza pagarla. ( pp. 1943 1944, 2-1)
Podemos observar que o enfrentamento dos heróis não vai acontecer
como parece anunciar a réplica, a aventura a que eles se propõem serve para
110
intensificar a legitimidade dos “doctos agoreros” que adiantavam os
acontecimentos futuros a discórdia entre príncipes estrangeiros.
E, como há uma suspeita de que algo desagradável pode vir a ocorrer
com o herói cavaleiro; analisemos a réplica de Timoclea na Jornada Primeira,
que nos informa:
Timoclea: [ ... ]
una cueva, que esta casa
tiene para tal efeto
labrada con tal secreto,
que nadie sabe que pasa
hasta allí. Y si entras por ella
una vez, fía de mí
que no ha de saber de ti
ni aun la luminar estrella
del sol. En tanto ir podemos
los dos a tenerla abierta,
que es un peñasco la puerta ...
Una antorcha sacaremos
para que sirva de guía:
bien seguro estarás dentro,
que es un abismo su centro,
triste oposición del día. (p. 1924, 2)
Nessa passagem, a idéia de aventura supõe mais perigo, pois surge o
desconhecido. É mais uma aventura que vai constituir-se em prova a qual
confere um sentido pessoal as ações do cavaleiro e que garante o valor do
herói. Enfim, o perigo desaparece para aquele que é capaz e valente.
A caverna surge mais uma vez, normalmente elas são consideradas,
segundo o Dicionário Ilustrado de Símbolos, como o palco do mundo
cultural e simbólico, aquele dedicado à Terra e ao mundo subterrâneo, como
lugar de contato com as forças e poderes das profundezas que depois vêm à
luz. Assim também como o espaço cultural do deus Mitra, na era romana
tardia, era representado por uma caverna rupestre. Substitutos das cavernas
naturais são as grutas e os templos escavados pelo homem na pedra. Na
iconografia cristã, o estábulo de Belém é representado como uma gruta
rupestre, e Jesus foi sepultado em uma tumba rupestre de onde se irradia a
luz do Verbo e da Redenção. Segundo a tradição eclesiástica oriental, o
111
evangelista João teve sua poderosa visão do fim dos tempos em uma caverna
da ilha de Patmo. Na linguagem simbólica da filosofia de Platão (428 347
ªC) desempenha um papel muito importante o “mito da caverna”, segundo o
qual o homem prisioneiro em uma caverna pode reconhecer apenas sombras
das idéias, isto é, meras reproduções de uma realidade superior, cuja visão
lhe é impedida por sua capacidade limitada. As sombras projetadas
representam o mundo das aparências da qual deve sair. Na caverna não
existe tempo. Não há nem ontem e nem amanhã, pois dia e noite não se
distinguem dentro dela. Poliarco diz que chega vivo a seu sepulcro e se
lamenta (¡Ai de mi!).
A luz vai indicar o caminho que se deve seguir a fim de se encontrar a
verdade e retornar à origem. Pode ser o lugar de identificação, o processo
pelo qual o indivíduo se torna ele mesmo, chegando à sua maturidade.
Depois de entrar na caverna reencontramos Poliarco na Àfrica, entregando
um cofre a Hianisbe Jornada Segunda e de onde ele partirá em busca da
verdade.
Ainda que não se encontre uma referência precisa a uma parte visual,
o símbolo da situação descrita por Calderón sugere uma associação com o
emblema 134, mote Optimus civis, na página 92 desta dissertação, (el
ciudadano óptimo) (ALCIATO, 1985, p. 175), o qual já foi analisado
anteriormente.
Outras passagens menos descritivas da situação, o mote parece estar
estabelecido na Jornada Terceira:
Argenis: [ ... ]
y siendo tales amigos
que prometieron estatuas
a la amistad, se midieron
cuerpo a cuerpo en la campaña
que no hay segura amistad
donde interviene una dama,
y en celos averiguados
las amistades se acaban. ( p. 1942, 2)
112
A amizade que une os cavaleiros nasce de ideais idênticos, surge da
confiança, mas para existir amizade deve haver fidelidade em pensamentos,
palavras, atos. O que faz Argenis, em sua réplica, é confirmar os prognósticos
o motivo da discórdia entre amigos que submetem os cavaleiros a difíceis
provas.
É essa mutabilidade das coisas que o dramaturgo nos apresenta como
símbolos e nos faz ver a inimizade no meio da amizade, o ódio no lugar do
amor, a infelicidade no meio da felicidade como coisas que se reorganizam a
cada momento. A teatralidade anuncia:
Argenis: - ?Quién podrá, Selenisa,
mezclar pena y contento, llanto y risa? ) [ ... ] (p. 1926, 2)
Arcombroto: - ¡Válgame el Cielo! ¿Qué enigmas,
qué confusiones son éstas?
¡Juntos favor y rigor,
risa y llanto, gloria y pena,
gusto y pesar, vida y muerte,
sólo en Argenis se engendran!
Pues si el bien y el mal tan juntos
andan, y el uno se templa
con el otro, yo confuso
entre alegría y tristeza,
porfiaré, porque también
entre dos cosas opuestas,
la misma que me acobarda,
es la misma que me alienta. Vase. (p. 1932, 2)
O dramaturgo nos faz ver que deveríamos ter sempre diante dos olhos
a mutabilidade das coisas. Imaginar de imediato o contrário, portanto, evocar
“favor y rigor”, “risa y llanto”, “gloria y pesar”, “vida y muerte”, “el bien y
el mal”, “alegría y tristeza”, seria a fonte da verdadeira prudência na medida
em que permaneceríamos sempre prevenidos e assim não seríamos enga-
nados. O prudente seria aquele que não é enganado pela aparente estabili-
dade das coisas.
Ainda seguindo a idéia de que em algumas passagens das aventuras
dos cavaleiros a presença do emblema é menor porque está presente somente
no nível verbal, observamos a presença do cavalo. Ele pode ser visto como
um elemento simbólico que aparece no texto teatral estudado para formalizar
113
a situação de desonra. Existe uma alteração da ordem porque ele deve
exercer a função de guia. Seu destino foi inseparável do destino de Poliarco;
não há harmonia esperada. Símbolo da impetuosidade, da força,
característica do protagonista que passa da paixão à ação. A visão deste
animal é um presságio de luta.
Timónides: [ ... ] y como todos los puertos
estaban tomados, mide
con la desdicha el valor,
y se atrevió al invencible
curso del Himera a nado
donde el caballo se rinde,
y él, piloto de su bajel
animado, se fue a pique. (p. 1927, 1)
Quando Gelanor descreve para Timónides e Arsidas a infelicidade de
Poliarco, nos reporta ao fundador da emblemática porque o emblema 156 está
realacionado à morte prematura. Ele ressalta o mote In mortem praeproperam
(Sobre la muerte prematura), a imagem mostra a cabeça de Medusa entre
dois golfinhos sobre um túmulo em um cemitério ou templo sagrado e
apresenta o seguinte epigrama:
El Chico más hermoso y noble de toda la
ciudad, que sedujo con su belleza e hizo
sufrir a las tiernas muchachas, murió antes de
Areste, a quien estuvo unido por un casto
amor. Por eso le construyes un
túmulo,
testigo de tan gran dolor, y alcanzas
los
astros con tus lamentos: «¿Te vas sin
mí,
amado? ¿No estaremos juntos nunca
más?
¿No pasarás conmigo los ócios gra-
tos en los
estudios? Pero te cubriría la tierra: la
cabeza
de la Gorgona y los delfines darán
signos
dolientes de tu muerte».
114
Gelanor assim como Areste lamenta a ausência do amigo, a “morte” do
jovem cavaleiro que buscava comprovar seu valor. O emblema formaliza um
epigrama que caracteriza a situação do protagonista na Jornada Primeira.
Gelanor [Aparte]
(Gentes de palácio son
empiece aqui la invención.)
¡Hado severo y cruel,
fortuna inconstante y varia,
suerte injusta y enemiga,
muerte, nunca al hombre amiga,
y estrella siempre contraria!...
Arsidas: - Gelanor, ¿con qué dolor
te acompañas y aconsejas?
Timónides: - ¿Adónde está tú señor?
Gelanor: - Los dos me habéis preguntado
una misma cosa, y ya
una respuesta será
la que os dé mi pecho helado
pues con deciros que dejo
(¡Hado injusto y enemigo!)
muerto a Poliarco, digo
dónde está y de qué me quejo.
Arsidas: - ¿Qué es lo que dices?
Gelanor: - Que luego
que aquella nueva escuchó,
que traidor le publicó,
y que supo de aquel fuego
la ceremonia y la ley,
que le excluye del favor
de los hombres, al rigor
quiso ausentarse del rey;
y por no fiarse a alguno,
que por cómplice en su ausencia
padeciese la sentencia
de rigor tan importuno,
se fió de su valor,
y quiso desesperado
pasar el Himera a nado,
y despreciando el temor,
puso los pies a una alfana,
rayo, si hay rayo de nieve,
que con la espuma se atreve
a vivir dos veces cana;
y diciendo: <<Sabe el Cielo
que al rey he sido leal>>,
átomos hizo el cristal,
pedazos deshizo el hielo
el bruto, que ya no es
sino bajel eminente,
hizo proa de la frente,
115
remos hizo de los pies
y como una y otra ola
la helada crin erizaban
era vela, a quien hinchaban
los vientos, timón la cola
y monstruo confuso, en fin
de dos especies, tal vez
era bruto y era pez,
siendo caballo y delfin.
Pero cansado el aliento,
por boca y ojos vertió
fuego: una batalla yo
vi de elemento a elemento.
Pensó vencerla; mas luego
aunque su valor le esfuerza,
que venciese el agua al fuego;
y yendo a su discreción,
donde en el mar se desagua
vivió en fuego y murió en agua
con envidia de Faetón. (p. 1925, 1-2)
Quando Poliarco aceita a sugestão de Timoclea de refugiar-se na
caverna, vê-se que o cavaleiro busca ser nos seus atos e pelos seus atos,
confirmando assim a sua existência. Ele nos faz ver que só há existência
estando livre e tal liberdade não tem limites. Faetón e Poliarco precipitam-se.
O semideus terá um destino infeliz. Chorarão por eles. Por Faetón, suas
irmãs as Hilíades e por Poliarco, Gelanor que na verdade teatraliza uma
situação por conveniência.
A réplica abaixo é um símbolo que nos desvela que sendo os olhos o
espelho da alma, o rei tem medo de rever a sua sentença, reconhecendo a
verdade, desconsiderando em si as características mutáveis da natureza
humana:
Timónides: - Preso le traen, y por ser
tan amado, no permiten
que nadie el rostro le vea;
porque su vista no obligue
a algún alboroto. [ ... ] (p.1928, 2)
Timónides: - Aqueste es el preso. ¿Quieres
que la banda al rostro quite?
Rey: - No, porque mirando el mío
no quede de muerte libre.
Arcombroto: - Ya, señor que me condenas
a muerte, antes que examines
mi culpa ... ( p. 1928, 2)
116
Poliarco procura atingir a glória através das armas. Alciato nos informa
que: «...el que defendiese la patria haziéndola bien, amparándola y
defendiéndola, podrá ser muy bien cuidado ... » emblema 134, Optimus civis
(el ciudadano óptimo) (ALCIATO, 1985, p. 174). Mas a fama não pode se
alcançar sem sacrifício. Ele sabe quem defende e faz pelo código de cavalaria
reforçado pela idéia: “siempre cubierta la cara” porque não deve ostentar o
que é o seu dever no código de honra. A venda no rosto é símbolo de
cegueira, cegueira para ignorar aquele que o julga e também para ostentar
que o amor fere cegamente. Desta forma Têmis, a deusa da justiça, tem os
olhos vendados para mostrar que não favorece ninguém. Os olhos de Poliarco
estão fechados ao mundo profano e o retiro corresponde ao recebimento da
luz, a iluminação espiritual. Na Jornada Primeira a personagem, em sua
réplica, descreve seu ímpeto:
Poliarco: [ ... ]
Yo, que en aquel punto llego,
osado a morir me arrojo,
entre las armas y el fuego,
siempre cubierta la cara.
¡Oh qué valiente, qué diestro
es cuando riñe, restado
a vender su vida a precio
de muchas, el que no riñe
por vivir! No te encarezco
lo que hice; pero basta
decir que sólo mi esfuerzo
al rey le dio libertad,
quietud a Argenis, recelo
de más armas al contrario,
pues se volvió al mar huyendo. ( p. 1922, 2)
Mais uma vez Poliarco, em didascália implícita, nos esclarece:
Poliarco: [ ... ]
Meleandro, de Sicilia
rey único, a quien el Cielo
mas que de ánimo gallardo
dotó de su entendimiento,
largo tiempo gobernó
entre el ocio y el sosiego
de la paz, sin que a la guerra
diese el militar gobierno,
por ser de ánimo apacible,
117
espíritu manso y quieto
y, al fin, inclinado, más
que a la milicia al consejo:
cuya condición afable,
cuyo semblante modesto
en los ánimos altivos,
en los alterados pechos
de traidores, engendró
osados atrevimientos.
¡Oh, a cuántos reyes; oh, a cuántos
les hizo mal el ser buenos! (p. 1920, 2)
A moralidade do emblema 162, - mote Gratiae (Las Gracias), imagem
as Três Graças: Aglaia (luminosa),
Eufrosina (alegre) e Tália (a que
traz flores) em um campo mon-
tanhoso e distante da cidade e
destaca-se a epigrama:
Tres Gracias asiten a Venus y la siguen
como a su señora y le proporcionan
placeres
y alimento: Eufrosine, alegría; Aglaia,
el precioso resplandor; Pitho es persuasiva,
dulce y de hablar ingenioso.
¿Por qué están desnudas?
porque la belleza consiste en el candor
de
la mente, y gusta de la máxima
simplicidad.
¿Por qué nada dan los ingratos y está vacía
la arquita de las Gracias?
Quien da regalos, se queda desnudo.
¿Por qué hace poco les añadieron
sandalia aladas?
Da dos veces quien da rápido: un favor
que tarda es de poco valor.
Por qué se vuelven unas a otras con los
brazos enlazados?
El agradecido presta a interés: para éste,
aunque una esté ausente, quedan las otras
dos.
Júpiter es su padre, que con su semen divino
engendró en Eurymone a estas diosas, gratas
a todos.
- nos faz ver o que resulta de um rei generoso que: “Es llana verdad ésta si
lo queremos entender de la ley, de quien y de sus mandamientos son hijas las
118
gracias porque donde reyna la ley de Dios, la justicia y la equidad cessan las
violencias, los huertos, los latrocinios, los robos, las dissenciones y produzen
abundantes frutos y todas las cosas están adornadas.” (ALCIATO, 1985, p.
206)
Nesse teatro, cada atividade tende para um bem e que é o seu fim e, os
bens são diversos. O problema é determinar o fim único do homem. A obra
de teatro deixa perceber que a unidade dos fins humanos é a felicidade, mas
esta depende também de condições externas. A felicidade não é apenas uma
questão de virtude individual; o homem é um animal político, comunitário e
o seu fim não é viver simplesmente, é viver bem. Nos ensina a réplica
selecionada que a amizade não é virtude, não pode existir sem virtude. Desta
forma sugere mais um emblema.
E o amor é pintado com delicadeza e decoro sem deixar de retratar a
paixão que arrebata o homem com intensidade e, no curso da ação, aumenta
gradativamente o mérito do caráter das personagens pelas cenas teatrais em
que colocam seus heróis. Poliarco podia amar e podia dizer do seu amor, não
existia sacrifício que não fizesse pela mulher amada ou pelo amigo.
Poliarco: - Yo quiero obedecerte.
Hoy a Francia me iré; porque no quiero
(por si llego a perderte)
tener queja de mí; que sólo espero
de ti, de ti quejarme
que solo este consuelo has de dejarme
sólo una cosa (si atreverme puedo
a pedirte) te pido,
y es...
Argenis: -No la digas, yo te la concedo.
Poliarco: -...que si alguna ha de ser ...
Argenis: -¿Qué?
Poliarco: -... tu marido,
¿has quien mis penas crea?
Argenis: -¿No lo sea Arcombroto?
Poliarco: -Que él lo sea.
Esto te pido y ruego
otro, no.
Argenis: -Pues ¿qué alcanza
de alivio tu esperanza?
Poliarco: -Porque si a verte en otros brazos llego
saber que uno te goce, otro te quiera
119
y yo lo sienta todo:
mejor es que los cielos
junten todos mis celos
en un sujeto singular, de modo
que uno sólo te quiera,
uno te goce y uno solo muera. (p. 1945, 2)
Como em tantas outras ocasiões, Poliarco chama a atenção do
leitor/espectador, desta vez anunciando a possível renúncia em favor de
Arcombroto , aumentando a expectativa. É mais uma mostra da virtude do
protagonista para solucionar problemas. É mais uma vez a idéia de poder, de
potência ligada à personagem. Toda essa atividade se dá em favor da amada
que pode ser, para ele, uma dama que talvez não se possa alcançar. É o amor
que proporciona o meio de que se vale para fazer confirmar o código de
honra. O cavaleiro enamorado, aparentemente invencível, é vencido pelo
amor e pela amizade. Vencer esses argumentos, a nobreza deles é também
forma de adquirir fama correspondente a sua ação. É prova de nobreza de
espírito o amor de Argenis. A réplica mantém o interesse do
leitor/espectador para o desenvolvimento da ação. Ser fiel é não fazer nada
que possa pôr em perigo ou causar algum prejuízo a quem se prometeu
fidelidade. Argernis dá sentido à vida do cavaleiro, determina seus sentimen-
tos e suas ações. Comprova que é virtuoso pelo controle de seus impulsos e
de sua paixão.
120
CONCLUSÃO
Como modo de conclusão é bom lembrar que é próprio do Barroco,
marcado pelo “Siglo de Oro”, um progressivo afastamento da realidade
exterior, aventurando-se em mundo íntimos de conceitos religiosos e
ascéticos, há uma muda e idealista contemplação. O problema dramático em
Calderón é o dualismo verdade-mentira, os quais lutam entre si entregando-
se à burla do sentimento e como exemplo podemos citar a relação entre o rei
Meleandro e Ana, irmã de Hianisbe. Devido aos enigmas que os cercam, as
personagens serão castigadas e se pode perceber que oscilarão entre duas
atitudes, como na inquietação de Hianisbe quando dialoga com sua dama a
respeito de Ana, do rei Meleandro e de Arcombroto. A realidade história que se
vive a cada época e o mundo ideal estarão em constante choque, mas o
desenlace será feliz baseado em uma fantasia cavalheiresca. E se em tudo
existe uma função simbólica, este teatro propõe pensar por imagens,
buscando nelas menos a sua interpretação do que a sua compreensão mas a
sua vida através dos tempos. Essas imagens são simplesmente um veículo
universal porque transcendem a história e particular por compreender a uma
época precisa. O essencial será a captação, pois o fascínio atuará onde quer
que a imagem se encontre. As personagens se defrontam e imaginam ter o
poder de chegar a alguma forma de solução de seus conflitos e o conceito de
consciência moral será um princípio que permitirá apreciar a diferença entre
o bem ou o mal. É o emblema a expressão sintética da consciência mágica do
homem, capaz de criar mundos imaginários, escapando às regras a fim de
satisfazer as necessidades ou os desejos que desviam o curso dos
acontecimentos e que transformam a realidade.
O texto de teatro selecionado para esta monografia Argenis y Poliarco
é um texto que propõe cenários e ambientes distintos como a Mauritânia
que vem marcar o exótico quando não o maravilhoso, característica comum
no gênero cavalheiresco, no sentido em que a professora Lygia Peres propõe:
121
“ coisas admiráveis que comporta, metáforas visíveis para um sujeito que as
admira, com um olhar, ... (PERES, 2001, p. 17). O mesmo acontece em Amadís
de Gaula e em Don Quijote. Seu protagonista possui características humanas e
se desloca num espaço físico conhecido e localizável. Diferente de Don
Quijote que é armado cavaleiro numa venda, o protagonista é um homem
nobre cuja condição social lhe propicia chegar a ser um cavaleiro, por
linhagem, por saber e por bondade que significa os bons costumes, as
virtudes. Qualidades também inerentes ao cavaleiros da Triste Figura. E de
todas as virtudes, a sensatez, a fortaleza, a mesura e a justiça estão, de
maneira comum, nos cavaleiros apresentados.
A figura do cavaleiro faz supor a idéia de que a vida é uma
peregrinação, é uma busca constante onde se torna necessário o indivíduo
desprender-se de seu lugar; então caminha por terras onde não possui
nenhum domínio; a vontade de explorar a idéia de fazer-se cavaleiro andante
e realizar as suas aventuras está aí a possibilidade do formalizar a sua
personalidade. O motivo do caminhante é o valor do caminho e da
peregrinação, pois neles estão a referência universal e fórmula cristã.
Constata-se que em qualquer época, o homem se coloca em situação
de risco e ao defender seus ideais, chega a ser motivo de admiração.
Cavaleiros como Amadís de Gaula, don Quijote e Poliarco levam até as
últimas conseqüências suas condutas heróicas, vivem situações
problemáticas, no entanto, nelas sempre o bem vencerá o mal e a virtude será
sempre recompensada; são cavaleiros que mantêm vivos os princípios de
honra, valentia, fidelidade e que alimentam a permanência do espírito
cavalheiresco. São personagens simbólicas, tipos que representam idéias ou
questões, que sofrem as conseqüências de seus atos e se deixam influenciar
até por problemas de sua época. Não é sem razão que uma das
características exigidas ao cavaleiro seja a fidelidade para com a Igreja
[...] que vino a sacrazlizar de algun modo el ejercicio de las
armas -, el respeto a las exigencias doctrinales y morales de la
122
religión cristiana junto con cierto talante ascético, la entrega
galante a la mujer en actitud cortés y la humanización de la
belicosidad por medio del amor y de la amistad, la atención al
bien común, visible sobre todo en la protección al desvalido.
(LISTE, 1993, p. 25-26)
As situações problemáticas e as aventuras peregrinas conduzem o
protago-nista a comprovar o seu valor, posto que todos eles são modelos de
virtude, fazendo o bem triunfar sobre o mal. No mundo cavalheiresco, as
dificuldades e os obstáculos conduzem à vitória. Ela é a herança
cavalheiresca cervantina em Calderón de la Barca. É essa a essência do teatro
o ser humano e a sua circunstância, captando a dimensão existencial do
homem. O teatro é a imitação do comportamento do homem, por isso
possibilita pensar tais circunstâncias em que se encontra. Circuns-tâncias
estas que de alguma maneira cerca e aprisiona, mas que ao mesmo tempo,
lhe permite viver e estar dominado e familiarizado por ele através da razão e
da convivência.
O texto de teatro Argenis y Poliarco mostra a reutilização de passagens
textuais correspondentes a obras anteriores calderonianas. São idéias
absorvidas, reutilizadas e empregadas como base. José María Liste em seu
livro Textos medievales de caballerías afirma que
el género de libras de caballerías se configuró en España
progresivamente, como cualquier otro, no sin vacilaciones y
realizando frecuentes hibridismo y mixtificaciones con otros
coexistentes cronológicamente, tales como la hagiografía, la épica
juglaresca, la crónica histórica, los relatos folclóricos orales, el
romancero, las leyendas cristianas dotadas a veces de
implicaciones ascéticas, los libros de aventuras y de viajes, los
repertorios miraculísticos y los de caráter ejemplar, los tratados
doctinales o moralizantes, pero sobre todo como transformación
del roman courtois, el relato artúrico y el romance sentimental.
(LISTE, 1993, p. 31-33)
Há uma relação básica que é a história por seus típicos elementos
cavalheirescos e entre textos do próprio autor. O material básico que é a
história, o argumento constrói o discurso teatral e organiza artisticamente a
trama arquitetada pelo autor e mostra semelhanças com obras já escritas.
123
“Recuérdese que el de viaje es un motivo casi obligado en las literaturas
célticas, sobre todo en su modalidad náutica orientada hacia un más allá
incógnito o hacia otro mundo no por temible menos atrayente. (LISTE, 1993,
p.38)
Esse gênero se desenvolve a partir da remodelagem de outras e estas,
tendo por modelo o trabalho realizado por Chrétien de Troyes ao escrever
sobre os cavaleiros da Mesa Redonda dentro do ciclo bretão. Portanto, esse
diálogo com outras obras não quer senão mostrar o valor existente em cada
uma delas, tentando ultrapassá-las e ao mesmo tempo revigorá-las.
124
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