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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ANÁLISE DO ESPAÇO GEOGRÁFICO
Gil Carlos Silveira Porto
CONFIGURAÇÃO SÓCIO
-
ESPACIAL E INSERÇÃO DAS
FEIRAS LIVRES DE IT
APETINGA
-
BA E ARREDORES
NO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA
Salvador
2005
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2
GIL CARLOS SILVEIRA PORTO
CONFIGURAÇÃO SÓCIO
-
ESPACIAL E INSERÇÃO DAS
FEIRAS LIVRES DE ITAPETINGA
-
BA E ARREDORES NO
CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA
Dissert
ação submetida ao programa de pós
-
graduação em Geografia do Instituto de
Geociências da Universidade Federal da
Bahia, como requisito à obtenção do grau
de mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Angelo Szaniecki Perret Serpa
Salvador
2005
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3
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Instituto de Geociências
Mestrado em Geografia
GIL CARLOS SILVEIRA PORTO
CONFIGURAÇÃO SÓCIO
-
ESPACIAL E INSERÇÃO
DAS FEIRAS LIVRES DE ITAPETINGA
-
BA E ARREDORES NO CIRCUITO
INFERIOR DA ECONOMIA
Dissertação para
obtenção do grau de mestre em Geografia
Salvador
-
BA, abril de 2005
Banca Examinadora:
Antônio Heliodório Lima Sampaio_________________________________________
Doutor em Estruturas Urbanas e Ambientais, USP.
Universidade Federal da Bahia
Guiomar
Inez Germani_________________________________________________
Doutora em Geografia, Universidade de Barcelona.
Universidade Federal da Bahia
Angelo Szaniecki Perret Serpa (Orientador)_________________________________
Doutor em Planejamento Paisagístico e Ambiental, Universidade de Agronomia de
Viena.
Universidade Federal da Bahia
4
Aos que idealizam e lutam
por um espaço geográfico mais justo.
5
Agradecimentos
Experiências, algumas mais significativas que outras, pelas quais passamos
nas primeiras fases da vida, nos marcam para sempre. Essas experiências, as
relações nelas construídas entre os pares e entre esses e o objeto, os encantos e
desencantos acabam condicionando ou determinando escolhas que serão feitas ao
longo da nossa existência, ou pelo menos em parte dela. A escolha pelo recorte
espacial e pela feira, enquanto objeto de estudo, resultou dessas experiências.
Desde criança e na adolescência, quando algumas vezes comercializei frutas na
feira de Maiquinique, esse fenômeno me impressionava. Encantava-me seu
movimento, seu colorido e o comportamento dos que a freqüentavam. Durante a
graduação o cheguei a sistematizar um projeto que possibilitasse o estudo das
feiras. No entanto, quanto ao espaço discutido na dissertação, sempre lancei o
“olhar” geográfico sobre o mesmo, observando sua paisagem e tentando entender
os processos que a produziam. De alguma forma, nos anos que cursei a licenciatura
e o bacharelado em Geografia, sentia a necessidade e o desejo de compreender os
fenômenos geográficos desse recorte espacial a partir dos conhecimentos
construídos em cada disciplina e desenvolvidos no Projeto Espaço Livre
1
.
A possibilidade de ingresso no Mestrado em Geografia, no ano de 2002,
permitiu desenvolver um projeto de pesquisa que permitisse estudar um fenômeno
que, como disse, esteve muito presente em minhas experiências interioranas e, ao
mesmo tempo, entendê-lo em cidades que mantive contato nesse período,
sobretudo a de Maiquinique, onde morei e continuo visitando algumas vezes ao ano.
1
Projeto interdisciplinar que tem por objetivo compreender a produção dos espaços livres na periferia de
Salvador, coordenado pelo Prof. Dr. Angelo Serpa, e que nos anos de 1997 e 1998 era integrado por mim, Gil
Carlos Silveira Porto e por colegas de diferentes áreas, a saber: Adma Elbachá, Antônia Garcia, Fábio
Angeoletto, Jânio Santos, Marcio Lima, Markus Spitzbart, Sandro Corrêa e
Suely Coelho.
6
Além disso, o interesse em compreender a morfologia e a produção das feiras livres,
permite, ainda que com abordagens diferentes, estudar um fenômeno que acontece
em espaços livres urbanos, espaços esses objetos de estudos na época da
graduação quando integrava o mencionado projeto Espaço Livre. Nesse contexto,
surgiu o interesse em desenvolver esse trabalho, que resultou nessa dissertação.
Para chegar a esse resultado várias pessoas e instituições tiveram imp
ortância
indispensável. A elas, meus sinceros agradecimentos.
À Universidade Federal, e em especial ao Instituto de Geociências, onde no
curso de Graduação em Geografia e em seu Programa de Pós-graduação aprendi,
respeitando e valorizando minhas experiências anteriores, compreender o
funcionamento do mundo a partir das explicações científicas.
Ao professor Angelo Serpa, que nos anos de 1997 e 1998 orientou-me nos
projetos que desenvolvi quando bolsista do PIBIC-CNPQ, e que continuou
dispensando sua atenção no mestrado, meu agradecimento pela seriedade, ética,
responsabilidade e conhecimento, com as quais orientou meu ingresso na pesquisa
geográfica, tão necessária para a compreensão do mundo vivido.
Aos demais professores do programa de pós-graduação em Geografia e do
curso de graduação, que em cada disciplina, em cada aula, em cada encontro nos
corredores e em suas salas demonstraram preocupação com a Geografia e com a
formação crítica do corpo discente. Afetuosamente, agradeço lhes pela forma como
trabalha
ram cada conteúdo, dando significado a cada um deles e também pelos
conteúdos presentes em suas posturas, comportamentos e exemplos de vida.
Agradeço especialmente à professora Guiomar Germani e ao professor
Antônio Heliodório Sampaio. À professora Guiomar, pelos cuidados com que me fez
interessar cada vez mais pela Geografia a partir do segundo semestre de 1996,
7
quando, sob sua orientação, cursei a disciplina Geografia Agrária, onde, além de
proporcionar que os principais conceitos, indispensáveis para a compreensão da
produção do espaço rural, fossem construídos, fez-me refletir sobre o processo de
construção do conhecimento que se historicamente. Seu cuidado e desempenho
continuaram quando cursei a disciplina Geografia Econômica, também sob sua
respons
abilidade e agora no acompanhamento e na construção de críticas que
possibilitaram chegar ao resultado desse trabalho. Ao professor Heliodório, que
mesmo não sendo meu professor na graduação, mostrou interesse e boa vontade
aceitando o convite para fazer parte dessa banca examinadora, onde fez críticas
indispensáveis à operacionalização e conclusão dessa dissertação, inclusive dando
suporte teórico
-
conceitual para a compreensão de algumas questões.
Quanto àqueles que disponibilizaram informações indispensáveis para a
conclusão desse trabalho, meus agradecimentos. Aos funcionários das prefeituras
de Maiquinique, Macarani, Itarantim, Itororó e Itapetinga, especialmente aos
gestores diretos das feiras livres dessas cidades, que relataram, com boa vontade, o
cot
idiano das mesmas segundo suas impressões e disponibilizaram dados sobre
cada uma delas. Em segundo lugar, à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística que também forneceu dados de natureza sócio-econômica sobre os
municípios em questão. Ao Projeto GeografAR, por informações estatísticas do
espaço rural da área escolhida para análise das feiras. Em seguida, agradeço aos
feirantes
-comerciantes e consumidores que aceitaram ser entrevistados em meios
às suas atividades de venda e compra, respectivamente. Às pessoas comuns, que
com seus relatos possibilitaram compreender a produção das feiras a partir de suas
vivências, sem as quais não seria possível a execução do projeto apresentado na
seleção, também expresso aqui meus sinceros agradecimentos.
8
A Jânio Santos, pela abertura a discussão e a crítica sobre a Geografia e
suas principais categorias de análise, sobretudo aquelas feitas ao objeto de estudo
desse trabalho. Também sou-lhe grato juntamente com a colega Denise Santos pelo
auxílio na construção de mapas e orientações operacionais, dispensadas a mim,
para utilização correta da informática na construção desse trabalho.
Às professoras colegas e ex-colegas de trabalho do Instituto Social da Bahia,
Ana Frascola, Aracy Fér, Cristina Boaventura, Clélia Santos e Mary Márcia pelas
correções de fragmentos dessa dissertação.
À Secretaria de Educação do Estado da Bahia pela licença, com
remuneração, das minhas atividades no Colégio Estadual Odorico Tavares por um
período de seis meses para que concluísse
esse trabalho.
Ao ISBA, especialmente à vice-diretora do Ensino fundamental, Carla Chaves
e às supervisoras pedagógicas das 5
a
e 7
a
séries, respectivamente Jânia Ornelas e
Izabela Azevedo da Silva, pela flexibilidade e autorização para minha substituição
em horários que estava envolvido com as disciplinas e outras atividades do
mestrado.
Aos meus queridos irmãos Neto, Matheus e Cristina que, juntamente com o
primo Hélio e os amigos Alana, Alene, Glauber e Leonardo, estiveram juntamente
comigo na pesquisa a campo nas cinco feiras. Especialmente a Cristina e Matheus
que mostraram compromisso e cuidado com a aplicação de questionários, por um
período maior de tempo, tratando cada feirante com educação e respeito.
Finalmente agradeço aos demais membros da minha família, meus avós
paternos Ponciano e Aurelina (ambos in memoriam), aos meus avós maternos
Valdivino e Dilma, aos meus tios, aos meus pais Carlos e Geovanda, pela
preparação para um viver pautado na ética e na moral, onde o respeito a si mesmo e
9
ao próximo esteve sempre presente, sempre preocupados em transmitir os valores
de seus antepassados. Especialmente agradeço a minha mãe que, bravamente,
apoiou
-me nos primeiros anos de faculdade fazendo grande esforços para que
concluísse meus estudos e que continua sendo um exemplo para os que a cercam,
sobretudo defendendo uma vida digna e marcada pela predisposição para enfrentar
as situações desagradáveis que aparecem no cotidiano. Ao meu pai Carlos, que,
mesmo sendo analfabeto, sabiamente, honra-me em ter se preocupado com minha
educação no trato com a prática das atividades rurais. A tia Nalva, que de forma
mais sistematizada fez-me interessar pelo estudo, pela Geografia, pela Bíblia e pelo
Deus da Bíblia. A minha tia Cida, que, cuidadosamente, dispensou atenção a mim
durante o período da infância. Agradeço àqueles que virão, aos meus filhos, aos
meus sobrinhos, porque incentivam-me a buscar um nível de vida social e cultural
que possa reverter em condições para que eles, quando chegarem, tenham melhor
qualidade
de vida.
10
RESUMO
O presente trabalho discute a configuração espacial e a produção das
principais feiras livres dos municípios de Maiquinique, Macarani, Itarantim, Itororó e
Itapetinga, todos inseridos na Região Sudoeste do Estado da Bahia. O trabalho foi
desenvolvido a partir do entendimento de que as feiras constituem uma das
manifestações do circuito inferior da economia urbana dos países subdesenvolvidos.
O referencial teórico, de maior relevância, utilizado para se compreender a
s feiras foi
o do professor Milton Santos. As análises foram construídas mediante informações
concedidas pelos feirantes comerciantes e consumidores à luz da teoria citada. Após
tabulação e interpretação dos dados obtidos verificou-se que a maioria dos atr
ibutos
do circuito inferior está presente no “acontecer” das feiras livres. Essas
características vão desde as relações estabelecidas entre comprador e vendedor à
organização interna dos espaços de venda. Além do entendimento da feira enquanto
parte integrante do circuito inferior desses municípios, questões outras foram
elucidadas. A maioria dos comerciantes e dos consumidores é de baixa renda e
freqüentam a feira não somente para vender e compra, mas a vêem como local de
encontro e de entretenimento. Por conta disso, a feira não foi entendida apenas
como fenômeno econômico, mas também como fenômeno cultural. Percebeu
-
se que
nos cinco municípios estudados a feira é freqüentada por classes sociais diferentes.
Porém, a maioria dos feirantes consumidores entrevistados afirmou não ter nenhum
rendimento ou recebe menos de um salário mínimo por mês. Itapetinga, município
que apresenta maior população total e urbana, também possui a maior parcela da
população com rendimentos salariais relativamente altos, isso, se comparados aos
rendimentos dos demais municípios. Sua feira é freqüentada por uma população de
menor poder de compra, se ela é comparada relativamente à dos demais
municípios. Isso implica dizer que, à medida que a população e a renda do município
aumenta,
e se o aumento dessa renda é acompanhado pela importância da cidade
em relação às do entorno, a feira tende a ser freqüentada por uma população de
menor poder aquisitivo, ao passo que, nos municípios onde essas características
não ocorrem, a feira é “utilizada” proporcionalmente por pessoas de classes sociais
distintas. O atual movimento das feiras livres e as características resultantes desse
processo produzem uma configuração espacial com elementos característicos em
cada uma delas, porém, existem diferenças entre elas, se são observados outros
elementos, evidenciando assim, suas peculiaridades. Nesse sentido, duas feiras
foram escolhidas para serem compreendidas a partir da sua arrumação no espaço.
A menor, a feira de Maiquinique e a maior, a de Itapetinga. A análise das feiras a
partir do referencial teórico proposto reafirmou a importância das mesmas para a
população rural e urbana de cada município. Sua configuração, sua produção e os
aspectos culturais nela presentes são, portanto, resultantes da forma como a
sociedade, onde estão inseridas, apropria e utiliza o espaço e do conjunto de valores
construídos historicamente por suas populações.
Palavras
-chave: configuração espacial; feiras livres; circuito inferior da economia
11
ABSTRACT
The content of this work, discourse about the spacial configuration in the
production of the main free markets in Maiquinique, Macarani, Itarantim, Itororó e
Itapetinga, all these places are part of the southeast region of Bahia. The work was
developed from the understanding that, free markets are part of a manifestation of
the economic urban inferior track level in underdeveloping countries of the third
World. The most relevant theories used to understand free markets came from
Professor Milton Santos. Analyses were made through information brought by
people, who sell and consume products from these free markets, on the sight of the
theory above showed. After draw the lines of the research, and have all the piece
information recieved interpreted, it was realized that, during the free markets is
possible verify the characteristics of the inferior track level. In while, these
characteristics may start from the basic relation between consumers and sellers, Until
the organization of the selling place. Besides, the underst
anding of free markets, as a
proper part of the inferior track level of towns showed above, turned other questions
clear to see. The plethora part of sellers and consumers, don’t have a good financial
condition, they go to free markets, not just for commercial relation, but also, for
enjoyment and for meet other people. Because of this, free markets weren’t just
understood like an economic phenomenon, but , like a cultural one as well. It was
also realized that, in the five towns researched, free markets are attended by people
with different social level. However, the most consumers interviewed, affirmatively
said that, they don’t have any income or earn less than one minimum wage in a
month. Itapetinga is the town with the biggest urban population in its total, and is also
there where live the most part of the people who earn the best salaries, if compared
to incomes of the other researched towns. Its free market is attended by the
population with less consume power, if it’s compared to the other related towns. It
means that, the bigger is the population and their incomes, and if the rise of their
incomes is followed by the importance of the city related to the surrounded ones,
meanwhile that, free market probably will be attended by a population with less
in
come power. Therefore, in towns where these characteristics don’t occur, free
markets are attended by people with distinct social levels. The current movement of
the free markets and their characteristics, have as a result the production of a
spacial configuration with distinct elements in each free market place. Nevertheless,
there are differences among them, if observed other elements, turning them into light
of their particularities. Thereby, two free markets were chosen to be understood from
the beginning of the organization in the place of selling. The smallest one, in
Maiquininque town, and the biggest one, from Itapetinga town. The analyses of the
free markets were made based on theories presented above before, and it
corroborates to the importance of free markets for the urban and farmy population in
each town. Their configuration, production and cultural aspects, are result of how the
community where free markets are in, use the space and the historical values built by
the population through years.
Key words: spacial configuration; free markets; inferior track level
12
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO
........................................................
.................
............
...............................20
1.1OBJETIVOS..........................................................................................................28
1.2 A PROBLEMATIZAÇÃO...............................................................
........................29
1.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS...........................................................................32
1.4 REFERENCIAL TEÓRICO
-
CONCEITUAL...........................................................33
1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................41
2 PASSADO E PRESENTE NO ESPAÇO SUB
-
REGIONAL
....................................45
2.1 OS TEMPOS “IDOS” DO ESPAÇO EM QUESTÃO.............................................47
MAIQUINIQUE...........................................................................................................47
MACARANI.................................................................................................................49
ITARANTIM....................
............................................................................................51
ITORORÓ...................................................................................................................52
ITAPETINGA..........................
....................................................................................54
2.2 O ESPAÇO SUB
-
REGIONAL ATUAL..................................................................60
3 A PRODUÇÃO SÓCIO
-
ECONOMICA DAS FEIRAS
.............................
................80
3.1 OS MEANDROS DO CIRCUITO INFERIOR NA FEIRA......................................80
3.2 O QUE NÃO SE APLICA AOS MERCADOS PERIÓDICOS..............................100
3.3 O “MOVIMENTO” DA FEIRA E A ANÁLISE DAS ATIVIDADES COMERCIAIS
SOB A
ÓTICA DE OUTROS PENSADORES..........................................................104
4 O “ACONTECER” DAS FEIRAS: CONFIGURAÇÃO ESPACIAL E ASPECTOS
CULTURAIS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO
..........................................................115
4.1 A CONFIG
URAÇÃO DAS FEIRAS NO ESPAÇO: ............................................115
13
MAIQUINIQUE.........................................................................................................117
MACARANI...................................................
............................................................119
ITARANTIM..............................................................................................................121
ITORORÓ..............................................................
...................................................125
ITAPETINGA............................................................................................................127
4.1.1 A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DAS FEIRAS DE MAIQUINIQUE E
ITAPETINGA............................................................................................................133
4.2 O “IR” A FEIRA: ASPECTOS CULTURAIS E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO
.............................................................................................
.....................................143
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
..................................................................................153
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
7 ANEXOS
14
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Localização do
s Municípios integrantes da área de estudo.................22
Figura 2
Capitanias Hereditárias.........................................................................46
Figura 3
Em Itapetinga, assim como nas demais feiras livres estudadas, vender
produt
os em lona é um prática comum entre os feirantes-
comerciantes.........................................................................................85
Figura 4
O caçuá, cesto grande utilizada para vender produtos de origem rural,
serve também para tran
sportá
-
los até à feira.......................................86
Figura 5
A inexistência de infra-estrutura adequada impossibilita o estoque de
muitos produtos comercializados na feira, dentre esses os
hortifruteiros.......................................
...................................................90
Figura 6
Em Itapetinga, os feirantes-comerciantes de carne estão no grupo dos
que obtêm maior lucro com a comercialização do produto...................95
Figura 7
Produtos originários da Agrovila, uma das localidades rurais que
abastece a feira livre de Itarantim............ ............................................98
Figura 8
Em Maiquinique, a maior parte das confecções comercializadas nas
feiras livres é comprada diretamente nas unidades de p
rodução.......108
Figura 9
Aspecto interno do mercado da feira livre de Itarantim.......................116
Figura 10
Sede do Município de Maiquinique.....................................................118
Figura 11
Aspecto interno do mercado da feira livre de Maiquinique em dia de
feira.....................................................................................................119
Figura 12
Sede do Município de Macarani..........................................................120
Figura 13
Aspecto da feira livre de Macarani, onde são vendidos produtos rurais,
de origem local....................................................................................121
Figura 14
Sede do Município de Itarantim......................................
....................123
Figura 15
Venda de cereais e de outros produtos de “supermercados” no espaço
da feira livre de Itarantim, cuja extensão é totalmente coberta ..........124
Figura 16
Área coberta da feira livre de Itororó, onde quase totalidade d
os
feirantes
-
comerciantes é de origem urbana.............................................................125
Figura 17
Sede do Município de Itororó..............................................................126
15
Figura 18
Área sem cobertura da feira l
ivre de Itororó, onde quase totalidade dos
feirantes
-
comerciantes é de origem rural............................................127
Figura 19
Sede do Município de Itapetinga ........................................................128
Figura 20
Vendedor
de “antiguidades” (máquinas de costura) na feira livre de
Itororó..................................................................................................130
Figura 21
Plantas ornamentais à venda na feira livre de Itororó........................
.131
Figura 22
Aves vivas sendo comercializadas na feira livre de Itororó................131
Figura 23
Venda de hortifruteiros na feira coberta de Itapetinga........................132
Figura 24
Comercialização de produtos importados do Paraguai na feira livre de
Macarani.............................................................................................132
Figura 25
Confecções vendidas na feira livre de Itapetinga...............................132
Figura 26
Produtos de origem rural com
ercializados na feira livre de
Maiquinique.........................................................................................133
Figura 27
Em Maiquinique, assim como nas demais sedes municipais, as
barracas constituem um elemento da configuração espacial presente
nas feiras livres ..................................................................................134
Figura 28
Configuração espacial da feira livre de Maiquinique...........................135
Figura 29
Área de comercialização de car
ne na feira de Maiquinique...............136
Figura 30
Configuração espacial da feira livre de Itapetinga..............................137
Figura 31
O mercado em planos é um dos principais elementos da configuração
espacial da feira de Itapetinga....
........................................................138
Figura 32
Feira do Paraguai: local na feira de Itapetinga onde se comercializa
produtos diversos e usados................................................................138
Figura 33
Futuras i
nstalações da feira livre e do mercado de Maiquinique........141
16
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Municípios da Área de Estudo
BA.
Evolução da população urbana no espaço sub
-
regional...........................63
Tabela 2 Municípios da Área de Estu
do
-
BA
População, área, densidade demográfica e taxa de urbanização
-
2000..64
Tabela 3 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Leitos hospitalares –
leitos hospitalares
2002........................................65
Tabela 4 Municípios da Área
de Estudo
-
BA
Produtos temporários, área plantada (ha), área colhida (ha), quantidade
produzida e valor
-
2002............................................................................66
Tabela 5 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Produtos permanentes, área plantada (ha), área colhida (ha), quantidade
produzida e valor
-
2002........................................................................... 69
Tabela 6 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Rebanho bovino (cabeças)
2002................
...........................................72
Tabela 7 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Renda nominal mensal
Absoluta e Relativa 2000.................................74
Tabela 8 Municípios da Área de Estudo
-
BA
População com acesso a geladeira, televisão, telefone e computador
2000..........................................................................................................76
Tabela 9 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Indicadores sócio
-
econômicos
-
1999/2000.......................
......................78
17
Tabela 10 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Transporte usado para condução de
produtos à feira (%) –
2004.
....
......
85
Tabela 11 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Comerciantes: investimento anual em capital
2004........
......................87
Tabela 12 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Perfil do comerciante nas feiras livres
2004..........................................89
Tabela 13 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Consumidores: preço mais acessível dos produto
s (%)
2004.............. 92
Tabela 14 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Comerciantes: renda semanal
2004.....................................................95
Tabela 15 Municípios da Área de Estudo
BA
Atividades econômicas desenvolvidas pelos
comerciantes dentro e
fora da feira
-
2004....................................................................................96
Tabela 16 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Urbanização
Feirantes produtores
2004.....................................
........97
Tabela 17 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Comerciantes: formação escolar
2004..................................................99
Tabela 18 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Feirantes: sexo (%)
2004...................................
..................................102
Tabela 19 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Feirantes: posição do fornecedor de produtos –
2004............................102
Tabela 20 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Comerciantes: tempo de trabalho na feira
(%)
2004...........................103
18
Tabela 21 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Consumidores: origem (%) –
2004.........................................................105
Tabela 22 Municípios da Microrregião Geográfica de Itapetinga
Consumidores
: renda mensal
2004.....................................................107
Tabela 23 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Origem dos comerciantes nas feiras livres
2004.................................111
Tabela 24 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Comerciantes e feiras onde trabalham (%)
2004.................................113
Tabela 25 Municípios da Área de Estudo
-
BA
Consumidores rurais: motivos que o trazem à feira além da compra (%)
2004................................................
........................................................148
19
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Características dos circuitos econômi
cos............. .
......
........
.................83
Quadro 02 Aspectos da configuração espacial das feira
s livres............................116
20
1 INTRODUÇÃO
Desde a sua origem, a Geografia, enquanto ciência, esteve voltada para a
descrição e discussão do espaço terrestre. Com aumento da exploração da natureza
pelo homem, ora para atender as suas necessidades, ora para atender às do modo
de produção capitalista, essa ciência tem, ao longo das últimas décadas, explicado,
de forma crítica, a maneira como a relação homem-meio tem sido construída no ato
de apropriação e de produção do espaço. Esse “uso” do território
2
não se de
forma homogênea em toda a sua extensão, sendo, portanto, diferenciado em várias
áreas por conta dos aspectos histórico-culturais, político-econômicos, dentre outros.
Esta multiplicidade de condições produz paisagens
3
diferentes em escala local,
regional, nacional e planetária
.
É sabido que a análise do espaço pode ser focada em qualquer um de seus
elementos e/ou fenômenos em diferentes escalas. A cidade e o urbano, discutidos
pela ciência geográfica, têm sido objeto de diferentes e grande número de pesquisas
nas últimas década
s. Sobre a cidade produz
-
se uma diversidade de estudos que vão
desde a questão ambiental à discussão acerca da morfologia e do planejamento
urbano, às vezes calcada na fenomenologia, até a análise das atividades comerciais
e dos serviços citadinos, dentre
outras questões.
Independente da forma e do que se pensa acerca da cidade, é inegável que
o seu espaço é produzido atendendo aos interesses de diversas classes sociais,
logo, manifesta-se na paisagem urbana diferenças sócio-espaciais que resultam
num espaço dividido. Essas diferenças também estão presentes no espaço rural e
podem ser observadas em determinadas regiões se comparadas a outras. Porém, é
no espaço urbano, no caso do Brasil e da maioria dos países latino-americanos, que
essa diferenciação é mais presente, caracterizando-se por segregar parcela
2
Para Ratzel (In: MORAES, 1990, p.23), território é “uma determinada porção da superfície terrestre
apropriada por um grupo humano” e expressa a idéia de conquista e domínio. Santos (In: BRITTO,
2002, p. 13), afirma ser o território “o lócus de manifestação das materialidades sociais em meio às
forças universalizantes do sistema capitalista”. Para Souza (1995, p.81) “territórios são construídos (e
desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes” e são definidos por relações de
poder (p. 87).
3
No dizer de Santos (1996, p. 83
-
85), a paisagem é um conjunto de formas que, num dado momento,
exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza.
Além disso, pode ainda ser definida como um conjunto de elementos naturais e artificiais, que
fisicamente caracterizam uma área, abarcados pela visão.
21
considerável da população urbana dos serviços que são essenciais a uma boa
qualidade de vida.
Para Santos (1979, p. 15), “os componentes do espaço são os mesmos em
todo o mundo e formam um
continuum
no tempo, mas variam quantitativa e
qualitativamente segundo o lugar, do mesmo modo que variam as combinações
entre eles e seu processo de fusão”. Daí surgem as diferenças espaciais. Ainda
afirma que os objetos geográficos, de ordem natural e artificial, juntamente com a
sociedade são os principais componentes ou elementos desse espaço (SANTOS,
1985, p. 1). A partir dessa relação, novas configurações são produzidas no
processo. No nosso entendimento, ao se referir aos componentes do espaço e a
intensidade como eles se apresentam, o autor refere-se às enormes diferenças
sociais e econômicas existentes nas nações subdesenvolvidas, que tem seu espaço
transformado a partir de interesses que estão além de suas fronteiras. Os homens
estão presentes em todos os continentes, porém, historicamente, uma maioria
esteve a serviço de uma minoria, produzindo, assim, diferenças de rendas entre
países e entre pessoas que habitam esse espaço. Os elementos da natureza estão
presentes em toda a superfície da Terra, porém a depender de cada sociedade e de
seus interesses econômicos, eles são utilizados diferentemente. A diferença de
renda, sendo maior nos países pobres, produz consumidores diferentes e atividades
comerciais que satisfazem essas diferenças. No caso desse estudo, as feiras livres,
atividade inserida no circuito inferior (CI) da economia, atendem principalmente à
população de menor poder aquisitivo.
É grande o interesse das diversas ciências, em suas diferentes abordagens,
em estudar as médias e as grandes cidades, entretanto as cidades pequenas têm
carecido de estudos científicos. Essas têm sido historicamente analisadas a partir de
modelos e teorias consagradas. Dentre essas se pode citar a dos lugares centrais
e dos pólos de crescimento, dentre outras (SANTOS, 1979, p.16). Partindo do
pressuposto que a cidade, do ponto de vista econômico, é formada por dois sub-
sistemas, o circuito inferior (CI) e o superior (CS), obriga-se o pesquisador a não
fazer uso somente dessas teorias consagradas, mas, também, de lançar mão de
outras explicações na tentativa de compreender as especificidades de cada espaço
urbano. Dentre essas realidades pode-se mencionar a existência dos circuitos
econômicos. No caso do estudo desenvolvido, a discussão foi construída sobre o
conceito e as características do circuito inferior da economia, presentes nas feiras
22
livres pesquisadas. O circuito inferior entra, então, como elemento indispensável na
compreensão da economia urbana em qualquer cidade e, em se tratando do nosso
objeto de estudo, na econom
ia das pequenas e médias cidades.
A organização do espaço nos países subdesenvolvidos dá-se de forma a
atender aos interesses da escala mundial, que se projetam espacialmente com
maior intensidade em algumas áreas que em outras. Não uma homogeneizaçã
o
das atividades econômicas consideradas como modernas, pois o próprio sistema se
alimenta dessas diferenciações, que são mais presentes nos países terceiro-
mundistas
4
. Dentre as várias características desse grupo de países está a grande
4
A expressão terceiro mundo foi utilizada pela primeira vez pelo demógrafo e jornalista francês Alfred
Sauvy, na revista L’Observateur, em 1952. Nesse artigo, ele comparou os atuais países
subdesenvolvidos, ao Terceiro Estado da Revolução Francesa. Com o fim da Guerra Fria e a
intensificação do processo de globalização, o terceiro mundo tornou-se apenas sinônimo de
subdesenvolvimento, condição essa caracterizada pelo atraso econômico, miséria, desigualdade
social, desrespeito aos direitos humanos e por apresentar baixos indicadores socioeconômicos.
Fonte: Base adaptada SEI 2003
Figura 1:
Localização dos Municípios
integrantes da área de estudo
23
diferença de renda da população, que está diretamente associada à distribuição das
áreas de produção e à distribuição e ao consumo de diversas mercadorias. Pessoas
de classes sociais distintas tendem a fazer uso de áreas comerciais e tipos de
produtos diferentes com repercussões espaciais também diferenciadas. Nesse caso,
a constituição de áreas produtoras e consumidoras e a projeção no espaço de seu
aparato tecnológico-financeiro respondem aos interesses dos diferentes
consumidores. Sendo assim, a economia dos países, sobretudo a dos
subdesenvolvidos, caracteriza-se por apresentar dois circuitos econômicos, cada um
atendendo a diferentes grupos em todas as suas esferas, que marca a produção do
espaço em diferentes paisagens, cada uma correspondendo a um circuito e, em
algun
s casos, sendo impossível distinguí-los. No primeiro caso, as características de
cada circuito são facilmente distinguíveis uma das outras. É possível elencar várias
atividades que estão inseridas em cada um desses circuitos. No caso da pesquisa
desenvolvi
da, todo o esforço analítico e teórico foi destinado a compreender cinco
feiras livres localizadas nos municípios de Maiquinique, Macarani, Itarantim, Itororó e
Itapetinga (figura 1), feiras essas, que são uma das manifestações, no espaço, do
circuito infe
rior da economia.
Vários autores estudaram o circuito inferior em diferentes situações no mundo
subdesenvolvido
5
. Sem dúvida, aquele que aprofundou essa questão, relacionando-
a à produção do espaço urbano nos países pobres, foi o professor Milton Santos.
Segundo ele (SANTOS, 1979, p. 17) o estudo do circuito inferior não se reduz
apenas à análise dos mercados. O autor propõe dois caminhos para essa análise:
1. Entender o circuito inferior como um subsistema presente no desenvolvimento das
atividades comerc
iais.
2. Estudar o fenômeno do mercado no seu contexto, como um subsistema do
sistema geral de relações espaciais, do qual a cidade é um dos centros ou um dos
elementos.
Aqui não adotamos nem um caminho, nem outro. A feira livre, inserida dentro
do circuito inferior da economia, foi, de certa forma, posta como um dos elementos
possíveis para compreensão do espaço urbano, entretanto, em nenhum momento
deu
-
se mais atenção à cidade que à feira livre.
5
Equivale ao sentido conferido ao terceiro mundo, logo, os países que o constituem apresentam
d
eclínio constante
das condições de vida das suas populações.
24
Antes de uma discussão sobre a inserção da feira nos circuitos econômicos
cabe defini-los. Para SANTOS (1979, p.17-18) “o circuito inferior compreende as
atividades de fabricação tradicionais, como o artesanato, assim com os transportes
tradicionais e a prestação de serviços” e o circuito superior (p. 31 e 67) é co
nstituído
pelas atividades comerciais, industriais e pelos serviços modernos, pelos bancos,
pelo comércio atacadista e pelas atividades ligadas ao transporte
6
. O estudo
realizado propôs dissecar as atividades relacionadas à produção do comércio e dos
servi
ços nas feiras livres já mencionadas.
Desde a formação das sociedades em recortes têmporo-espaciais diversos,
as feiras livres sempre fizeram parte das práticas humanas. Bromley (1980, p. 650)
afirma que a feira é uma instituição incomum e multifuncional que serve a pessoas
de áreas muito distantes, o mercado, diário ou periódico, é uma instituição normal
e unifuncional que objetiva servir à área local e imediata. No trabalho que se
desenvolveu, o uso da expressão “feira livre” equivale à utilização da
expressão
“mercado periódico”, pois todas elas são utilizadas principalmente pela população
dos municípios onde estão inseridas.
Na antiguidade, quando o homem primitivo deixa de ser simplesmente coletor
e passa a ser produtor de seus alimentos, começa então a comercializar o
excedente da produção. Na Idade Média, as feiras livres perdem sua importância,
uma vez que os grupos humanos fixaram-se predominantemente no espaço rural.
Na chamada “Era Moderna”, os espaços livres de comercialização ganham novo
sig
nificado, e as cidades passam a ser lugares privilegiados para o comércio,
sobretudo nas feiras livres. Chega-se então à contemporaneidade, na qual o
capitalismo impulsiona o processo de urbanização e a atividade de compra e venda
é transferida, na maioria das grandes cidades, para as grandes redes de
supermercados. Nesses três períodos da história, as cidades projetaram-se no
espaço diferentemente. Na antiguidade, elas estavam presentes em poucas
civilizações. Esparta e Atenas são exemplos de como as cidades constituíam-se em
verdadeiros reinos da civilização grega e possuíam em seu espaço uma grande
diversidade de serviços, serviços esses, em sua maioria, ligados à guerra. Na era
seguinte, com a desestruturação do sistema feudal e o nascimento e
desenvolvi
mento do comércio, surgem uma grande quantidade de vilas, que mais
tarde se tornariam cidades, conhecidas na época como burgos. A vida urbana ganha
força com o surgimento de mais serviços, todos eles, em sua maioria, ligados ao
25
urbano da época, nesse caso, as atividades voltadas ao manufaturamento, ao
artesanato e ao comércio. No atual momento, o homem elegeu a cidade como
lócus
de reprodução da vida, nela concentra-se a maioria da população do Planeta,
concentração essa determinada pela forma como o siste
ma capitalista transforma as
relações campo-cidade, transformações que provocaram, desde a metade do século
XX, o “inchaço” das cidades, sobretudo daquelas do mundo subdesenvolvido. Não é
propósito deste trabalho discutir a produção das feiras nesses três períodos, porém,
em cada um deles, elas estiveram presentes, com menor ou maior intensidade, no
cotidiano dos que habitavam o espaço urbano.
Como o processo de mundialização econômica não chega a todos os lugares
ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, as mudanças pelas quais passam as
feiras livres demoram a acontecer, principalmente em lugares onde os elementos
que regem o modo de vida (cultura, economia, meio-físico) resistem a serem
modificados. Nesse contexto, esses fenômenos continuam existindo na maioria das
cidades do Brasil, mantendo grande relevância para as populações locais, sobretudo
em municípios da Região Nordeste, onde o movimento da sociedade resulta do
desenvolvimento do modo de produção capitalista, que, para a sua reprodução,
permite
que parcelas do espaço fiquem à margem do desenvolvimento social e
econômico. É importante salientar que mesmo em sociedades de capitalismo
desenvolvido, mais especificamente em países europeus, as feiras continuam a
existir e consolidaram-se na paisagem de importantes centros urbanos, entretanto, o
processo de urbanização nessa região se deu lentamente, ao passo que, no Brasil e
demais países subdesenvolvidos, aconteceu de forma rápida. Essas especificidades
contribuíram para uma transformação das feiras livres nos países subdesenvolvidos
diferentemente da acontecida no Velho Mundo. Sendo assim, acredita-se que a
produção das feiras européias não deve servir de parâmetro para entender e
caracterizar as feiras estudadas, pois os diferentes grupos de países a
presentam
especificidades no que se refere à história, à organização da economia, da
sociedade e do espaço. Em lugares onde o sistema capitalista não se interessou em
criar novas formas de produção, as velhas relações homem e natureza resistem,
sendo le
ntamente transformadas.
Essas pretéritas relações referem-se, dentre uma diversidade de
combinações e fenômenos, à forma como os homens utilizam-se do espaço e quais
instrumentos servem de meio para essa apropriação. O conjunto de práticas, de
26
costumes e de valores que regem a relação do agricultor com a terra, o tipo de
ferramenta utilizada e a interação do próprio ser humano com o outro permanecem
pouco ou nada alterados em muitas regiões do Brasil e de outros países. Por
exemplo: uma parcela dos produtos que abastece os mercados locais em muitas
cidades brasileiras continua sendo produzida por pequenos proprietários rurais, que,
como faziam seus antepassados, ainda desenvolvem a agricultura de subsistência
em locais geralmente próximos da área de comercialização, sem uso de agrotóxicos
e máquinas. Entretanto, é sabido que uma quantidade considerável desses produtos
origina
-se de locais, onde se desenvolve uma agricultura moderna, que distam
centenas ou milhares de quilômetros de onde são comercializados e consumidos os
produtos. É nesse sentido que o movimento da sociedade é resultado da
superposição no espaço de tempos diferentes, tempos passados e tempos
presentes, com estruturas correspondentes a cada um deles. Nessas condições,
pode
-se citar as feiras livres, práticas tão antigas quanto o processo de formação
das sociedades, que, de forma lenta ou não, acompanham as transformações
ocorridas na produção e distribuição dos produtos, no campo e na cidade. É
propósito nesse trabalho entendê-las enquanto fenômenos tipicamente urbanos e
que, a depender da abordagem que se queira dar, podem ser analisadas como
“território”. Normalmente essa palavra é associada à idéia de “território nacional” e
de fato não é errado pensar assim. No entanto,
[...] territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais
diversas escalas, da mais acanhada (p. ex., uma rua) à internacional (p. ex.,
a área formada pelo conjunto dos territórios dos países-membros da
Organização do Tratado do Atlântico Norte OTAN); territórios são
construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais
diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias; territórios podem ter um
caráter permanente, mas também podem ter uma existência periódica,
cíclica. (SOUZA, 1995, p. 81).
Ess
a afirmação respalda o interesse e o desejo de entender as feiras
enquanto território porque acontecem em quarteirões ou ruas de fácil acessibilidade,
porque existem desde a origem de vilas no século XIX, que hoje são as cidades-
sedes municipais e porque possuem existência periódica. Souza afirma ainda que o
“território” é, fundamentalmente, “um espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder” (p. 97). Sendo assim, a feira, território com uma temporalidade e
uma espacialidade definidas, é resultante do estabelecimento de várias relações,
inclusive as de poder, todas com repercussões em seu espaço. Essas últimas
caracterizam
-se por conflitos não declarados entre os setores formal e informal da
27
economia e entre os valores tradicionais dos feirantes, sua inércia, e as
transformações na “cadeia de
marketing
”.
Após tipificar as feiras enquanto território, afirma-se que elas têm passado
pelo processo de desterritorialização. Haesbaert (1995, p. 166) diz que o mundo tem
passado por uma “modernização arrasadora” que “impõe sua geometria regular
sobre todos os espaços”. Espaços considerados, por alguns, sem história, sem
identidade.
O autor menciona que muitos estudiosos analisam essas mudanças
como processos de “desterritorialização”. As feiras livres, fenômenos locais,
presentes em todos continentes, estão sendo desterritorializadas, ainda que de
forma lenta. Essa desterritorialização não deve ser entendida como mudanças nas
dimensões espaciais das mesmas, e sim como transformações em sua dinâmica
que
resultam da “modernização arrasadora” mencionada acima pelo autor. Um
aspecto dessa modernização arrasadora visível nas feiras é a presença dos
mercados, entendido aqui como equipamento. O mercado deixa de ser apenas um
elemento da feira e passa a ser qua
se totalidade dela.
Para ele, ao reportar-se ao processo da desterritorialização, é necessário
deixar claro se ele se refere “à imbricação de suas dimensões: uma política, mais
concreta, e outra cultural, de caráter mais simbólico, ou privilegiando uma
delas,
mesmo porque muitas vezes se tratam de processos não-coincidentes” (p. 169).
Para construir essa possibilidade de trato das feiras enquanto territorialidade dar-
se
-
á ênfase principalmente à sua dimensão cultural e a sua simbologia, simbologia
essa,
expressa e sentida pelos agentes que a produzem. O autor ressalta (p. 181)
que o processo de desterritorialização “pode ser tanto simbólico, com a destruição
de símbolos, marcos históricos, identidades, quanto concreto, material
político e/ou
econômico,
pela destruição de antigos laços/fronteiras econômico-políticas de
integração”. Não é objetivo central da dissertação dar ênfase à diminuição dos
limites espaciais das feiras municipais ou entendê-las apenas a partir dos
outsiders
,
das forças que vêm de fora, impostas pelo modelo econômico vigente, embora elas
atuem no acontecer de cada uma. É propósito, sobretudo, identificar as possíveis
transformações ocorridas no que tange ao funcionamento das mesmas, bem como
suas especificidades, inseridas ou não no circuito inferior da economia,
compreendendo as singularidades geográficas de cada uma delas, bem como o
comportamento dos membros da coletividade, os
insiders
, os que, em escala local,
são responsáveis pelo movimento que é impresso em sua organização e din
âmica.
28
Em algumas regiões da Bahia várias mudanças têm ocorrido na feira livre: a
mudança do dia em que acontece, a alternância de produtos oferecidos e a perda da
importância para a sociedade local são alguns exemplos. Além disso, o aumento do
número de “mercadinhos” e lojas de supermercados que comercializam os mesmos
produtos encontrados na feira mantém íntima relação com as mudanças
mencionadas. Este contexto se constituiu na problemática da pesquisa que produziu
outras questões:
Como as feiras livre
s conseguem persistir nos municípios estudados?
Qual a atuação dos poderes públicos municipais no que tange às feiras
livres?
relação entre o uso das feiras pelas diferentes classes sociais e a
produção de cada uma delas nas sedes municipais?
Quais aspectos são relevantes no entendimento da feira enquanto
fenômeno cultural?
Quais atributos do circuito inferior estão presentes nas feiras livres?
1.1
OBJETIVOS
O desenvolvimento dessa pesquisa se deu a partir do seguinte objetivo
geral: explicar o processo atual de (re)produção das feiras livres em cidades da
Microrregião Geográfica de Itapetinga.
O estudo pretendeu interpretar o comportamento das feiras a partir,
principalmente, das informações e depoimentos adquiridos em campo com aplicação
de questionários aos feirantes e àqueles que adquirem os produtos nas mesmas.
Dados oficiais foram utilizados como suporte para caracterizar a situação sócio-
econômica dos referidos municípios de forma a entender como a produção da feira
livre está articulada ao contex
to histórico
-
social e atual em que está inserida.
A discussão aqui levantada foi construída a partir de três enfoques:
o
processo de produção, a configuração espacial e o “acontecerdessas feiras
.
A escolha de um desses seria suficiente para produzir essa dissertação, no entanto,
acredita
-se que quanto mais se analisa um fenômeno em suas diferentes
abordagens ou esferas poder-
se
entendê-lo em sua essência e também a
sociedade na qual ele está inserido.
29
A análise dessas esferas permitiu concluir o objetivo dessa pesquisa que,
juntamente com os objetivos específicos, forneceram condições para entender as
feiras em sua totalidade. Dentre as várias possibilidades de objetivos específicos, os
escolhidos para a realização do trabalho foram:
Classificar as ativ
idades feirenses a partir do circuito inferior da economia;
Estabelecer possíveis ligações entre a dinâmica das feiras livres e sua atual
configuração espacial;
Identificar o grau de importância das feiras para as populações locais;
Identificar semelhanças
e alteridades entre as feiras estudadas.
1.2 A PROBLEMATIZAÇÃO
A Geografia é a ciência que estuda os fenômenos geográficos materializados
no espaço. Sendo as feiras livres estabelecidas pontualmente no espaço urbano,
são passíveis de investigação por ge
ógrafos e outros cientistas. Entretanto, percebe
-
se que existem poucos estudos sistematizados na literatura a esse respeito.
Christaller, em 1933, construiu a Teoria das Localidades Centrais, onde analisou a
organização espacial da distribuição de bens e serviços em países desenvolvidos.
No Brasil, alguns trabalhos de cunho descritivo foram publicados na Revista
Brasileira de Geografia até início da década de 80 do século passado. Desde então,
como resultado do movimento de renovação
7
pelo qual passou a Geografia, alguns
textos, nessa mesma revista, foram publicados, contudo de cunho mais crítico-
analítico. Nessa mesma década, Bromley, Symanski e Good (1980) publicaram dois
artigos que discutiram a análise racional dos mercados periódicos, bem como a
situaçã
o desses mercados nos países em desenvolvimento. Santos (1979)
descreveu os dois circuitos da economia nos países subdesenvolvidos. Ao analisar o
circuito inferior, descreveu peculiaridades acerca dessa atividade, semelhantes às
desenvolvidas nas feiras livres. Em 1997, Corrêa escreveu o livro Trajetórias
Geográficas, onde, na primeira parte do mesmo, discutiu a “A rede de localidades
7
A partir de 1950 a base social que engendrara os fundamentos e as formulações da Geografia
Tradicional alterou-se. Desde então, passa a questionar-se a eficácia e a validade de suas
explicaç
ões em relação à realidade espacial. Como conseqüência, duas propostas de interpretação e
de análise do espaço geográfico passam a ser construídas: a Geografia Pragmática e a Geografia
Crítica. A primeira produz um conhecimento utilitário que permite intervenções deliberadas sobre a
organização do espaço, a segunda, assume uma perspectiva de conscientização e prática, propondo-
30
centrais nos países subdesenvolvidos”. Outros trabalhos de cunho acadêmico foram
produzidos. Em 1991, Jesus defendeu na UFRJ a dissertação intitulada “O lugar da
feira livre na grande cidade capitalista: Rio de Janeiro, 1964-
1989”
, que no ano
seguinte, 1992, foi publicada como um dos artigos da Revista Brasileira de
Geografia. Santos & Serpa (2001) trabalharam com a teoria dos Dois Circuitos em
bairros periféricos da cidade do Salvador. Nesse contexto, surgiu o desejo de
analisar a Configuração Sócio-Espacial e Inserção das Feiras Livres de
Itapetinga
-BA e Arredores no Circuito Inferior da Economia
.
Quanto à originalidade do trabalho, pode-se inferir que, do ponto de vista
teórico, até então se desconhece a utilização da teoria dos Dois Circuitos
Econômicos para explicar o funcionamento das feiras livres em centros locais e sub-
regionais. Quanto ao recorte espacial, não se identificou qualquer análise científica
em municípios baianos, principalmente em se tratando de centros locais inseridos
entre o Nordeste das Minas Gerais, que mantêm poucas relações comerciais com as
feiras em questão e Vitória da Conquista, considerada centro regional. Além disso,
qualquer área da superfície terrestre,
lócus
da manifestação dos fenômenos
geográficos, é passível de observação, leitura e interpretação. As feiras livres, nesse
contexto, foram analisadas enquanto práticas econômicas, culturais e espaciais
porque materializam historicamente interesses econômicos e valores humanos em
espaços definidos.
Assim sendo, o estudo se caracterizou tanto como local, quanto urbano-
regional, pois os lugares estão em evidência dentro de contextos urbanos que dão
identidade a um espaço sub-regional. A compreensão dessa re/produção espacial é
sem dúvida importante para a Geografia contemporânea, uma vez que foi possível
entender a dinâmica desses locais, conhecer seus usuários, suas práticas, visando,
sobretudo, desvelar a realidade a partir do conhecimento científico, que poderá
servir de suporte para os que pensam e planejam o espaço urbano, podendo esse
conhecimento resultar em propostas que visem à criação e ao gerenciamento de
condições mínimas para que as feiras continuem acontecendo de modo a satisfazer
aos interesses da coletividade. O resultado das pesquisas poderá também servir de
suporte para proposta de ordenamento territorial para as feiras livres ou mesmo para
as sedes municipais, onde os pequenos comerciantes, agentes modeladores do
se a transformar a ordem social, produzindo um espaço geográfico mais justo, em função dos
interesses dos homens.
31
espaço, possam fazer parte do sistema com os mesmos direitos que os grandes.
Embora o capitalismo seja por natureza um sistema que se alimenta do desequilíbrio
social, acredita-se que a revanche para superar esse descompasso deve nascer
num contexto local, onde os membros da sociedade civil organizada, e entra a
participação popular na elaboração e execução de projetos que discutam as
intervenções no espaço intraurbano, possam se sentir agentes responsáveis na
construção d
e um espaço citadino menos desequilibrado socialmente.
A análise do espaço intraurbano permite identificar e examinar as forças que
criam as particularidades no espaço das cidades, particularidades essas ligadas à
base econômica, às divisões sociais, aos interesses políticos, às manifestações
culturais e às ações dos seus participantes. Entretanto, não se propôs estudar o
conjunto das situações mencionadas acima. A análise se centrou na discussão da
atividade comercial desenvolvida nas principais feiras livres das cinco sedes
municipais. Essas feiras, entendidas como pontas de um
iceberg”,
se constituem
como elementos no conjunto maior que é o movimento da sociedade, e que resultam
da necessidade de, como faziam os primeiros habitantes dessas cidades, comprar o
necessário para o provimento da vida diária. Sem dúvida, à necessidade de comprar
está acrescido o conjunto de valores e práticas de seus participantes. Esses dois
fatores entendidos como os principais pressupostos do “acontecer das feiras” têm
sido
alterados por um conjunto de mudanças acontecidas no seio da sociedade,
mudanças essas conseqüentes, sobretudo, do processo de reprodução do capital.
Além desses fatores, outros ligados às mudanças climáticas, com rebatimento na
produção agrícola local, que é insignificante, pode ser entendido como mais um
elemento que vem modificando a dinâmica dessas feiras em diferentes estações.
Além disso, a crise financeira, resultante, dentre outras circunstâncias, do alto índice
de desemprego e a inexistência de uma geração de renda socialmente distribuída
também acaba contribuindo para as transformações pelas quais passam os
fenômenos estudados.
O contexto acima descrito permitiu a formulação de alguns pressupostos:
As feiras dos municípios de Itororó, Itarantim, Macarani e Maiquinique,
centros locais, possuem maior importância para o conjunto da população;
As feiras livres estudadas são freqüentadas por pessoas de classes sociais
distintas, não havendo, portanto, predominância de pessoas com baixo poder
32
de compra, se consideradas proporcionalmente, em relação às que mais
consomem.
Desta forma, embora as feiras possam ser entendidas como uma atividade do
circuito inferior da economia, em municípios onde o funcionamento da economia e
da vida é determinado pelo ritmo da população local, as feiras são utilizadas por
pessoas de todos os níveis sociais, os seja, inexiste uma classe social que faz
apenas uso da feira e outra que faz uso apenas dos mercados e/ou supermercados
locais.
Esta pesquisa caracterizou-se como um estudo teórico-empírico onde o
fenômeno foi tratado de forma dedutiva e diacrônica. Dedutivo, porque analisou a
produção de cinco feiras em suas diferenças e semelhanças num espaço sub-
regional, o que permitiu construir generalizações acerca do seu funcio
namento.
Diacrônico, porque se refere à produção das feiras num momento atual, não se
objetivado analisar a evolução das mesmas ao longo do tempo.
Quanto à construção das bases teóricas, elas estão respaldadas não apenas
em um único método. As feiras, pertencentes ao circuito inferior da economia, são
resultantes da forma como o modo de produção capitalista produz realidades
contraditórias necessárias à (re)produção da mais valia. Ao mesmo tempo em que
essa condição determina a produção das mesmas, não se pode anular a influência
do conjunto de valores, práticas e sentimentos das comunidades que também
determina a forma como a sociedade (re)produz a si mesma, sua base material, e
nelas inseridas as feiras livres.
Acredita
-se que os caminhos percorridos na busca dos objetivos propostos
permitiram desenvolver a compreensão das feiras livres dos municípios de
Maiquinique, Macarani, Itarantim, Itororó e Itapetinga, onde a configuração espacial,
a produção e o seu lugar enquanto “patrimônio” imaterial das populações das
respectivas cidades foram entendidos como manifestação do circuito inferior da
economia nos países subdesenvolvidos.
1.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS
No caso das feiras livres, a aplicação/operacionalização de três variáveis permitiu
fundamentar a discussão acerca do objeto de pesquisa. Essas variáveis são a
população rural, a estrutura fundiária e as classes sociais.
33
Ao longo dos anos, como já mencionado, tem havido uma diminuição da
população rural dos municípios em questão, população essa, em sua mai
oria,
detentora de pequenas propriedades, nas quais se desenvolvia a agricultura familiar
ou de subsistência e que comercializavam o excedente nas feiras locais. Esse
comportamento populacional tem acontecido não somente na área estudada, mas
está presente em todas as regiões do país. Sendo assim, parte considerável dos
produtos vendidos na feira provinha da zona rural desses municípios. Com a
diminuição dessa população, a quantidade de produtos originados no seu espaço
também caiu. Esse processo transformou o abastecimento das feiras locais,
transformação essa associada ao intenso êxodo rural e à organização do espaço
rural, com predomínio de médias e grandes propriedades, destinadas, desde sua
ocupação inicial, à criação de gado bovino. Sendo assim, não tem havido um
incentivo ao desenvolvimento da agricultura familiar que poderia, com o excedente
agrícola, abastecer os mercados e os espaços de comercialização.
Essas feiras são freqüentadas por classes sociais distintas. No caso de
Itapetinga, acredita-
se
que sua principal feira livre é utilizada principalmente por uma
população de menor poder aquisitivo, enquanto nos demais municípios elas são
utilizadas por pessoas de diferentes classes sociais. É importante salientar que o
município de Itapetinga apresenta uma população com rendimentos mais altos se se
compara aos rendimentos da população dos outros municípios. O primeiro caso
apresenta singularidades em relação ao conjunto dos demais municípios,
singularidades essas que devem ser levadas em conta no trato com a discussão
iniciada no início desse parágrafo. Essa diferenciação não impede que a feira livre
de Itapetinga, inserida no grupo das outras feiras, seja compreendida como parte do
circuito inferior da economia. Sendo assim, assegura-se que o comportamento da
população rural, a dimensão das propriedades do campo e a diferenciação cio-
econômica das populações locais possibilitaram discutir com maior aprofundamento
o objeto proposto e confirmar ou não os pressupostos elaborados.
1.4 REFERENCIAL TEÓR
ICO
-
CONCEITUAL
Sabe
-se que poucos estudos abordam a temática em questão. A teoria que
se aproxima dessa discussão foi desenvolvida em 1933, por Walter Christaller, e
denominada de Teoria das Localidades Centrais, cujo arcabouço teórico explicava a
34
influên
cia que os centros urbanos, com maior oferta de produtos e serviços,
exerciam sobre outros centros menores. No trabalho desenvolvido, essa teoria foi
relativizada, uma vez que não foi adaptada para atender à realidade dos países
subdesenvolvidos e das feiras livres, que “nem sempre exercem relação de
interdependência, não constituindo necessariamente uma rede hierárquica,
conforme os postulados de Christaller” (SANTOS e SERPA, 2000, p. 53). Milton
Santos, criador da teoria dos Dois Circuitos, analisou a situação dos países
subdesenvolvidos, criticando o uso de modelos criados em países centrais para a
explicação de fenômenos em países periféricos, e, sem dúvida, sua construção
teórica foi útil para a construção desta dissertação, pois possibilitou classificar as
atividades desenvolvidas nas feiras livres nos Dois Circuitos Econômicos. Bromley
(1980, p. 649) analisou a situação dos mercados periódicos nos países em
desenvolvimento. Segundo ele, nesses países, os encontros casuais têm sido cada
vez mais substituídos pelas jornadas comerciais especializadas, levando, assim, as
feiras livres a experimentarem um declínio nas sociedades mais avançadas. Afirma
ainda que (p. 649) “em muitos dos países em desenvolvimento existem situações de
dualismo social e econômico”, onde as feiras são usadas principalmente por classes
de baixo poder aquisitivo, enquanto as grandes lojas fornecem produtos para os
consumidores de classes de alto poder de compra. Quanto à organização espacial
das mesmas, diz que, havendo uma expansão da população agrícola, haveria uma
alteração na sua estruturação espacial. Acerca da existência de hierarquias entre
elas, afirma que numa região de “movimento uniforme”, os centros de mercado não
são do mesmo tamanho, havendo, nesse caso, o estabelecimento de uma
hierarquia. Quando discute a sincronização desses centros, menciona que em suas
interações espaciais algumas formas de sincronização temporal são mantidas de
forma que feirantes e consumidores possam visitá-los em diferentes localidades.
Sobre “a cadeia de
marketing
dos fenômenos em análise diz que “à medida que os
sistemas de mercado interno se tornam mais sofisticados, a importância das
negociações diretas do produtor ao consumidor geralmente diminui e a importância
dos negócios intermediários a
umenta”
(BROMLEY, 1980 p. 654). Ao discutir a troca
de funções das feiras livres, diz que a natureza do sistema de mercado interno está
intimamente ligada à economia e às comunidades locais. Uma mudança na estrutura
35
social pode ser importante no desenvolvimento dos mercados e pode até mesmo
levar a um a um reajustamento geral do sistema, no qual se insere
8
. As análises
construídas por este autor foram de grande relevância na pesquisa desenvolvida, no
sentido de se verificar a materialização ou o das mesmas nas feiras estudadas.
Essas análises permitiram compreendê-las no que tange ao seu enfraquecimento, à
sua participação em um dos dualismos citados por ele, a uma possível
hierarquização das mesmas, à sua sincronização, dentre outras. Num outro artigo,
Bromley, Symansky e Good (1980) fazem considerações sobre as feiras em diversos
contextos têmporo-espaciais. Essas considerações contribuíram no sentido de
analisar as feiras livres não apenas como instituições comerciais, com ênfase nos
processos econômicos contemporâneos, mas também evidenciar o contexto social
onde estão inseridas, bem como o desenvolvimento histórico da atividade comercial.
Infelizmente, não chegaram a apontar um caminho para a compreensão das feiras
nessa abordagem. Acerca de suas origens, afirmam que geralmente surgem em
sociedades estratificadas com nítidas divisões de trabalho e fortes vínculos de
influências externas. Tornam-se periódicas a partir do estabelecimento do comércio
em tempo parcial e a designação de dias especiais para a sua realização e
persistem no tempo pelas necessidades dos produtores e consumidores, da
organização do tempo
9
, da inércia
10
e da vantagem comparativa. Essa última
condição refere-se às vantagens que algumas feiras possuem em relação a outras,
indo desde a primazia na origem, à variedade e quantidade de produtos
comercializados. Além de outros objetivos, pretendeu-se identificar esses
comportamentos nos fenômenos em análise, iniciando pelas suas origens,
caracterizando as inércias ali existentes, dentre outras questões mencionadas.
Corrêa (1997), ao analisar as feiras nordestinas, sugeriu entendê-las nessa
perspectiva. As conclusões produzidas por eles subsidiaram o entendimento das
feiras não apenas enquanto fenômenos econômicos, mas também enquanto
8
O autor exemplifica esta mudança mencionando o reajustamento ocorrido nas feiras livres dos
Andes bolivianos, a partir da década de 1960, resultante de medidas de reforma agrária tomadas e
que fragmentaram grandes fazendas em pequenas propriedades. A partir de então, os p
rodutores
camponeses, que substituíram os grandes proprietários de terras, passaram a vender parte das
colheitas para os atacadistas de armazenagem nos mercados locais.
9
Inferindo sobre este aspecto afirmam que “os agrupamentos de mercado periódico estão
relacionados aos conceitos sócio
-
culturais de tempo, à duração da semana ou mês estabelecidos, e à
existência de dias separados para descanso, cerimônias religiosas ou reuniões públicas e
festividades” (
BROMLEY, SYMANSKI & GOOD, 1980, p. 185).
10
Significa o não ajustamento das feiras livres aos novos progressos, permanecendo nos mesmos
locais com a mesma periodicidade e padrões tradicionais.
36
fenômenos culturais, produzidos historicamente. Jesus (1992, p. 112),
descrevendo
a feira livre carioca, afirma que, nos últimos 25 anos (1964-1989), como
“resultado
de uma política de modernização do varejo e das estratégias de sobrevivência dos
feirante
s”,
ela empreendeu um autêntico mergulho no universo do setor informal da
economia urbana, adquirindo cada vez mais atributos do circuito inferior: mobilidade,
flexibilidade e fácil adaptação às novas situações de compra e de venda. Sua
contribuição se deu ao presente trabalho, no sentido de identificar se as
modificações pelas quais passou a feira livre na grande cidade capitalista, nesse
caso a cidade do Rio de Janeiro, foram as mesmas pelas quais passaram as feiras
livres estudadas. Foi de grande relevân
cia verificar em que medida o comportamento
de uma feira numa grande metrópole se assemelha ao de feiras em cidades
pequenas e de médio porte, levando em conta as singularidades de cada uma.
Santos & Serpa (2000, p. 54
-55), analisando as atividades de comé
rcio e serviços na
periferia de Salvador, afirmam que
[...] não as questões de acessibilidade, circulação e renda que
influenciam o poder de um centro na periferia. Outros fatores podem
influenciar este fenômeno. Dentre os mais importantes coloca-se a
proximidade, o fato de ser uma área de ligação, a oferta de emprego de um
núcleo e o preço dos produtos e serviços.
Às feiras analisadas chegam consumidores de seus respectivos municípios,
os poucos que vêm de outros, o fazem pela proximidade geográfica ou pela fácil
acessibilidade às mesmas. Frente à essa questão, a contribuição dos mesmos
permitiu identificar que os fatores mencionados acima, que produzem centralidades
na periferia de uma metrópole, podem ser os mesmos que explicam a preferência
dos consumidores por determinadas feiras no espaço em análise ou mesmo a
possibilidade de ir comprar nelas determinados produtos.
Mesmo com o avanço das pesquisas na Geografia Econômica, na Economia
Regional e na economia informal urbana, ainda carência de estudos que
analisem as feiras livres no Brasil, no Nordeste e, sobretudo, na Bahia, estado onde
as desigualdades sociais são evidentes em todas as cidades, estendendo-se com a
mesma intensidade no campo. Frente a essa discussão, percebeu-se que inexiste
um único referencial teórico utilizado para servir de base ao desenvolvimento da
pesquisa. O arcabouço teórico construído pelo professor Milton Santos foi aquele
que inicialmente melhor esclareceu as interrogações e dúvidas acerca do tema
proposto. Ao disc
utir a natureza do espaço, Santos (1985, p.1) sugeriu que o mesmo
37
seja considerado como fator da evolução social e “como uma instância da
sociedade, ao mesmo título que a instância econômica e a instância cultural-
ideológica.” Isso significa que enquanto instância, “ele contém e é contido pelas
demais instâncias”, nesse caso, a social, a econômica e a cultural-ideológica, que
foram analisadas articuladas à produção do próprio espaço. Analisou-se essas três
instâncias no desenvolvimento da pesquisa, uma vez que qualquer fenômeno
geográfico é resultado da ação simultânea da sociedade, da ideologia e da
economia dos homens que o produzem. Sendo assim, as feiras livres são
construções humanas que não podem ser analisadas separadamente como se fazia
no positivism
o; qualquer proposta coerente de pesquisa científica atual deve analisar
criticamente os fatos, direcionando-a para a análise crítica dos mesmos, sem perder
de vista suas singularidades.
Para Corrêa (1997, p. 49
-50), os mercados periódicos são um dos modos de
estruturação das redes de localidades centrais dos países pobres e podem ser
caracterizados como:
aqueles núcleos de povoamento, pequenos, via de regra, que
periodicamente se transformam em localidades centrais: uma ou duas
vezes por semana, de cinco em cinco dias, durante o período de safra, ou
de acordo com outra periodicidade (CORRÊA, 1997, p. 49
-
50).
Os municípios tornam-se núcleos comerciais em dias da semana
estabelecidos historicamente pela população ou pelos órgãos públicos municipais.
As cinco feiras analisadas acontecem aos sábados. Corrêa (1997) afirma que os
mercados periódicos representam uma forma de sincronização espaço-temporal das
atividades humanas. Para ele “os dias de funcionamento de cada mercado acham-
se articulados aos demais” (p. 50). A organização das feiras nos municípios em
questão não correspondeu ao que o autor afirma como se verá no capítulo onde se
discute a produção das mesmas.
Ainda segundo Santos (1978, p. 163), “o ato de produzir é, ao mesmo tempo,
o ato de produzir espaço”. O espaço em sua totalidade tem sido re/produzido para
atender às necessidades do homem. Ora ele é intensamente modificado, ora menos.
O fato é que, de uma forma ou de outra, o espaço é objeto de intervenção. Essa,
então, tornou-se a premissa básica aceita para o início das pesquisas: o espaço,
sobretudo o das feiras livres, é um espaço reproduzido pelo homem que determina a
38
sua inserção em um ou nos dois circuitos da economia. Essa produção espacial não
se dá de forma isolada, sendo assim,
[...] o
espaço não se (re) produz sem conflitos e sem contradições inerentes
a uma sociedade de classes. As práticas não se reduzem apenas à
produção imediata (dentro de cada estabelecimento); é na vida cotidiana,
como um todo, que essas contradições se manifestam mais
profundamente; nas diferenciações entre os modos de morar, o tempo de
locomoção, o acesso à infra-estrutura, ao lazer, à quantidade de produtos
consumidos etc. (CARLOS, 1994, p. 23).
Ainda citando Santos (1978b, p.34),
[...]
o progresso técnico atual muda profundamente a composição técnica
do capital e reduz rápida e drasticamente a demanda de mão-
de
-
obra,
principalmente nos setores mais afetados pela modernização. Se a clássica
idéia de um exército industrial de reserva não for modificada, levando em
conta novas realidades, perderá o sentido quando aplicada a países
subdesenvolvidos. De qualquer maneira, quem permanecer fora do mundo
do emprego permanente não está perdido para a economia como um todo.
Assim, a economia urbana deve ser estudada como
um sistema único, mas
composto de dois sub
-
sistemas.
Além da abordagem econômica que foi dada às feiras em estudo, pretendeu-
se entendê-las enquanto fenômenos culturais, uma vez que se torna cada vez mais
necessário estudar os fenômenos em sua totalidade. Cosgrove (1999, p. 105) afirma
que há “culturas dominantes e subdominantes ou alternativas”. Para ele, as culturas
subdominantes podem ser divididas em residuais (que sobram do passado),
emergentes (que antecipam o futuro) e excluídas (que o ativa ou
passivamente
suprimidas), encontrando elas obviamente alguma expressão na paisagem. As
feiras aqui foram entendidas enquanto paisagens residuais porque, desde sua
origem, na Idade Média, continuam resistindo ao tempo e presentes na paisagem
urbana na contemporaneidade. Nesse sentido, foi possível pensar a espacialidade
do circuito inferior nas feiras em estudo como um conjunto de atributos da economia
urbana dessas cidades, conjunto esse, diferente das características do circuito
superior. A presença e expansão de estabelecimentos formais, o circuito superior,
nos espaços em estudo e arredores, configura-se enquanto cultura dominante, ao
passo que as atividades feirenses, o circuito inferior, são entendidas como cultura
subdominante ou alternativa, uma cultura residual. O autor afirma ainda que o
estudo da cultura está intimamente ligado ao estudo do poder, logo, há, entre os
dois circuitos econômicos, relações de poder que se manifestam, por exemplo,
através de disputas entre lojas varejistas e as barracas
das feiras.
39
Afirma ainda, que “a maioria das pessoas vive em sociedades que são
divididas em classe, casta, sexo, idade ou etnicidade” (p. 103 e 104).
Essas divisões
geralmente refletem a divisão do trabalho. Afirma também que uma posição
diferenciada na sociedade significa uma experiência e consciência diferentes, até
certo ponto, uma cultura diferente. Nesse sentido é que se pensou em entender a
feira não apenas enquanto fato econômico mas, também, cultural. Sendo assim, a
maioria dos consumidores que as freqüentam possui experiência e consciência
diferenciadas, pois, ao fazerem parte de uma classe social de baixo poder aquisitivo,
construiu, ao longo do tempo, hábitos, costumes e vivências diferentes, da
população que tem maior poder de compra, portanto d
a classe média ou alta.
A contribuição de Cosgrove possibilitou identificar diferentes experiências e
consciências vividas e sentidas pelos freqüentadores das feiras. Certamente essas
diferenciações se materializam no espaço da feira livre de cada dia.
Alé
m das abordagens econômica e cultural desse fenômeno, propôs-
se
entendê
-las a partir da forma como se apresentam, em termos de morfologia no
espaço citadino. A impossibilidade de aprofundar a morfologia das feiras, processo
que demandaria maior tempo para
o desenvolvimento do trabalho, fez
-
nos descrever
apenas sua configuração espacial. Sendo assim, o uso da expressão morfologia
neste trabalho, equivale ao sentido de configuração espacial. Segundo Sampaio
(1999, p. 331), a morfologia urbana deve ser entendi
da como ramo do conhecimento
que aprofunda a noção de forma urbana, forma essa que apresenta uma
configuração espacial e que resulta de vários processos, processos esses
associados a conteúdos, sentidos, sentimentos, intenções, etc. Para ele, essa forma
po
de ser entendida de duas maneiras. No primeiro caso, constitui-se como
exterioridade de diversos objetos e no segundo corresponde à maneira que
condiciona determinada coisa a ser o que é. No caso do trabalho desenvolvido, a
forma foi entendida como a aparência material do fenômeno. Não foi propósito
entender a morfologia das cinco sedes municipais, uma vez que o objeto estudado
não corresponde à cidade em sua totalidade. Deu-se atenção a um elemento da
morfologia de duas sedes municipais, nesse caso as feiras de Itapetinga e de
Maiquinique, municípios que apresentam respectivamente a maior e a menor
população absoluta. A análise morfológica não se estendeu às cinco feiras porque
quatro das sedes municipais são consideradas centros locais e apresentam
semelha
nças entre suas feiras. A feira de Itapetinga, considerada centro sub-
40
regional, é a que apresentou mais diferenças em relação às demais. Por conta
desse quadro, escolheu-se a feira de Maiquinique para representar as feiras dos
centros locais e a feira de Itapetinga foi analisada por conta dos motivos descritos
acima. Vale ressaltar que a análise da estrutura interna das duas feiras centrou-
se
na disposição das partes que a constituem, partes essas correspondentes aos tipos
de produtos comercializados.
Sampa
io (p. 342) define ainda três níveis de apreensão da forma urbana. No
primeiro nível a apreensão se por meio dos sentidos. No segundo, os mesmos
também são responsáveis pela mensuração do objeto, porém faz-se necessário
utilizar outros instrumentos como mapas, maquetes, dentre outros. cnicas
especializadas de base quantitativa são utilizadas para a apreensão da “estrutura”
urbana no terceiro nível de apreensão. As feiras livres foram compreendidas como
elementos da morfologia das cidades a partir do primeiro e do segundo níveis. A
apreensão pelo primeiro nível possibilitou definir as diferentes configurações nas
duas feiras. No caso da feira de Itapetinga, foi possível fazer uso do segundo nível
de apreensão, pois, encontrou-se na prefeitura local plantas que possibilitaram essa
análise.
Quanto à compreensão da forma urbana, Sampaio (1999, p. 342) define duas
maneiras de compreender a morfologia das cidades. Sendo a feira um elemento
dessa morfologia, adaptamos a concepção do autor à análise da mesma enq
uanto
objeto “isolado” dentro do tecido urbano, que, ao nosso ver, pode ser compreendido
a partir dessas duas maneiras. Segundo ele, um tipo de compreensão baseia-se na
estrutura superficial e outro na estrutura profunda dessas feiras. A estrutura
superfic
ial foi estudada a partir do uso do primeiro e do segundo níveis de
apreensão, nesse caso a observação direta e a análise do material cartográfico. A
compreensão da estrutura profunda se deu a partir dos dados obtidos na pesquisa
de campo e com o preenchim
ento da grade de observação.
Quanto à escala de tratamento dessa configuração, Sampaio (p. 344), citando
Tricart, Rossi e Monteiro, indicou que existem quatro possibilidades de analisar a
forma urbana: a micro-escala, a topo-escala, a meso-escala e a macro-escala. Elas
correspondem respectivamente a uma rua ou uma praça, a um bairro e nele um
conjunto de ruas, a um conjunto de bairros e ao espaço de uma megalópole. No
caso do trabalho desenvolvido a escala de análise corresponde à micro-escala, pois
41
as duas feiras analisadas do ponto de vista morfológico localizam-se em praças
construídas para esse fim.
Os dois sub-sistemas chamados por Santos (1979) de “circuito superior” e
“circuito inferior” foram analisados no grupo de municípios em questão. O primeiro é
aquele que atende principalmente os consumidores com alto poder de compra, o
segundo, os “sub-consumidores” do sistema, os que possuem baixo poder de
consumo. Inicialmente, algumas questões nortearam o trabalho: Será que realmente
existe um “circuito superior” nas economias em análise? Será que a quantidade de
capital e de tecnologia e o nível de organização serão suficientes para afirmar que
um “circuito superior” existe e/ou se expande nas feiras em questão? Quais fatores
possibilitam a permanência das feiras na paisagem dos respectivos municípios?
Estas e outras questões foram analisadas no presente trabalho.
1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Mesmo sendo os documentos locais de grande relevância no
desenvolvimento desse trabalho nada é comparável à importância das informações
fornecidas, em campo, pelos feirantes comerciantes e consumidores na aplicação de
questionários. Elas se constituíram no material, sem o qual não teria sido possível
compreender as feiras a partir da teoria dos circuitos econômicos. Não foi possível
aplicar questionários a todos os usuários da feira por dois motivos: primeiro, o
alcance a todos os feirantes demandaria maior tempo e maior número de pessoas
envolvidas no processo. Segundo, a dinâmica da feira e a rotatividade dos
freqü
entadores impossibilitaram trabalhar com todas os sujeitos responsáveis pelo
“acontecer” do fenômeno, nesse caso, os que vendiam e, principalmente, os que
compravam na feira.
A inexistência de controle, por parte dos órgãos que gestam a feira, de
quantos
freqüentadores a visitam cada sábado, provocou o seguinte
questionamento: Quantos feirantes comerciantes e consumidores seriam, para a
pesquisa de campo, representativos da população que diretamente produz a feira?
Para chegar a uma amostra que refletisse essa população, criou-se os alguns
procedimentos. No primeiro, preencheu-se a grade de observação, onde se teve
conhecimento da quantidade de feirantes-comerciantes, com seus respectivos
pontos de venda, que vendiam seus produtos. Ao final do preenchimento, soube-
se
42
quantos vendedores comercializavam carne, produtos hortifruteiros, confecções,
cereais, produtos diversos, etc. De posse dessas informações, escolheu-
se
aproximadamente 30% desses comerciantes para serem entrevistados. P. ex.: Se
foram identificados 20 pontos de venda de produtos hortifruteiros, 30% de seus
respectivos “donos” foram entrevistados, ou seja, 06. De posse dessas informações
escolheu
-se a amostra dos consumidores. Para cada comerciante submetido à
entrevista, foi escolhido de dois a três feirantes-consumidores que compravam em
seu estabelecimento, ou seja, para cada ponto de venda, foi escolhido 2 ou 3
compradores.
Se no primeiro sábado, foi preenchida a grade de observação, nos outros dois
se deu a aplicação do questionário. No primeiro dia de entrevista o diálogo se deu
com vendedores de carne, cereais e hortifruteiros, no segundo, com os que vendiam
demais produtos.
A construção e a aplicação destes procedimentos esteve atrelada à seguinte
premissa: respostas semelhantes a partir de determinado mero de questionários
aplicados indicavam sê-las suficientes para a compreensão do fenômeno, o que
levou, portanto, o pesquisador a parar de aplicá-los. Essa realidade esteve mais
presente na aplicação dos últimos questionários, onde as respostas não se
diferenciavam muito das obtidas nos primeiros.
A elaboração e o cumprimento desses procedimentos possibilitou a aplicação
de 482 questionários aos feirantes, desses, 157 foram aplicados aos comerciantes e
325 aos consumidores das cinco feiras livres. Em média, foram aplicados 96,4
questionários em cada feira. Antes, porém, outros procedimentos foram adotados na
execução do projeto, que se deu em três etapas distintas, embora alguns
procedimentos tenham sido desenvolvidos concomitantemente.
A primeira etapa permitiu uma maior compreensão científica do fenômeno a
partir do levantamento e utilização de fontes secundárias como livros, artigos, teses,
revistas, dentre outras, o que permitiu aprofundar o conhecimento acerca das feiras
livres.
A
conclusão dessa etapa possibilitou a construção desse primeiro capítulo, no
qual estão presentes os objetivos da pesquisa, a problematização que gerou o
interesse em discutir o fenômeno proposto, os pressupostos formulados, bem como
a descrição dos conceitos fundamentais e a apresentação do referencial teórico e
metodológico que fundamentou o presente trabalho.
43
A segunda etapa da pesquisa caracterizou-se pela/pelo:
a) Coleta de informações em arquivos públicos municipais e nas prefeituras para
localizar informações sobre a origem e desenvolvimento de cada município, bem
como de suas respectivas sedes municipais e as feiras nelas localizadas;
b) Levantamento de informações junto aos moradores mais antigos dos respectivos
municípios para complementar as existentes acerca da evolução histórica dessas
localidades;
c) Busca de dados estatísticos em instituições públicas (IBGE e SEI) que
descrevessem a situação sócio
-
econômica dos municípios.
Ao ser concluída, essa etapa assegurou a construção do segundo capítulo da
dissertação, no qual a evolução histórica dos municípios foi descrita, onde se deu
ate
nção à forma inicial de ocupação de cada localidade, bem como a menção de
parte dos agentes que empreendeu esse processo. Além disso, foi possível
descrever o quadro regional no qual as feiras estão inseridas, dando atenção à
descrição das condições sócio-econômicas de seus habitantes, bem como à análise
de indicadores que descrevessem a dinâmica e funcionamento de sua economia.
A terceira etapa caracterizou-se pela tentativa de compreensão do fenômeno
a partir do objetivo dessa pesquisa, bem como a partir dos pressupostos levantados.
Para isso foi necessário:
a) Aplicar questionários junto aos responsáveis pela gestão das feiras nos
respectivos municípios. As informações obtidas com esse procedimento
possibilitaram entender o funcionamento da feira a partir das diretrizes definidas pelo
poder municipal em cada um deles;
b) Desenvolver entrevistas e aplicar questionários com os principais agentes diretos
responsáv
eis pela produção das feiras, nesse caso, os consumidores e os
comerciantes, para, a partir de suas vivências e impressões, entender o
funcionamento das feiras;
c) Construção e preenchimento da grade de observação referente às 5 (cinco) feiras
em análise, de forma a dimensionar a densidade das mesmas em relação à
quantidade de estabelecimentos presentes, bem como possibilitar a descrição de
sua configuração espacial.
Esta etapa possibilitou construir o terceiro e o quarto capítulos. No terceiro
capítulo,
discutiu
-se a produção das feiras a partir das impressões dos entrevistados
analisadas á luz da teoria dos dois circuitos da economia. No quarto capítulo, deu
-
se
44
ênfase à repercussão espacial das feiras, discussão essa que permitiu construir a
configuração
espacial de duas feiras, a maior, nesse caso a de Itapetinga e a menor,
a de Maiquinique. O quarto capítulo resultou também da tentativa de entender essas
feiras enquanto manifestação do conjunto de valores de cada comunidade. Para
isso, utilizou
-
se de im
pressões sobre as feiras relatadas pelos entrevistados.
A pesquisa bibliográfica esteve presente no desenvolvimento de todo o
trabalho, pois subsidiou a análise de todos os dados, possibilitando explicá-los a
partir de uma base teórica existente. Sem dúvi
da, os dados obtidos em campo foram
responsáveis pela construção de quase toda a dissertação. Isso mostra a tentativa
do entendimento de uma realidade a partir de dados não oficiais onde se fez uso de
um referencial teórico construído por alguns pensadores
do espaço geográfico.
É importante destacar que em se tratando de atividades não-oficiais um
problema que surge no desenvolvimento de qualquer trabalho nesses moldes é a
ausência de dados estatísticos sobre elas. As leituras e as interpretações aqui
prod
uzidas resultaram, sobretudo, como mencionado, desses dados, que foram
coletados junto aos feirantes, aqui entendidos como os que vendem e os que
compram nas feiras. Os dados estatísticos oficiais não foram utilizados como
material de suporte para a interpretação e análise, porque, geralmente, não levam
em consideração as atividades econômicas informais, tão presentes na paisagem
urbana do mundo subdesenvolvido.
45
2 PASSADO E PRESENTE NO ESPAÇO SUB
-
REGIONAL
A possibilidade de trabalhar a evolução histórica dos municípios pesquisados
sem fragmentá-la seria possível. Entretanto, se a abordagem histórica fosse assim
construída, perder
-
se
-
ia, no processo, as peculiaridades municipais. Por conta disso,
optou
-
se em descrever a origem de cada mun
icípio s
eparadamente.
A periodização é um recurso possível e às vezes indispensável no trato com a
evolução dos fenômenos de qualquer comunidade ou povo. Compreende-se a
relevância da análise histórica para entender o funcionamento das relações
econômicas dentro de cada município e estabelecidas entre si e nesse contexto
inseridas as feiras livres que têm suas origens ligadas à origem das próprias sedes
municipais. No entanto, não se fez uso dessa metodologia, pois o objetivo central
desse trabalho não foi perceber a evolução das sedes municipais ao longo do
tempo, bem como das feiras livres em períodos pré-estabelecidos. A análise centra-
se na compreensão da produção dessas feiras na contemporaneidade.
Antes da chegada dos portugueses o território brasileiro era palco de uma
organização espacial construída pelos indígenas que provavelmente 11.000 anos
atrás já habitavam aqui.
Os primeiros habitantes dessas terras possuíam aspectos culturais
relativamente semelhantes e constituíam a grande “nação” Tupi-
Guarani
que era
dividida
em dois grandes grupos: os Tupi, que dominavam o litoral desde o sul do
estado de São
Paulo,
estendendo-se até o litoral norte brasileiro e os
índios
Guaranis, que habitavam a bacia dos rios Paraná-Paraguai e o restante do litoral
brasile
iro. Esses dois grandes grupos indígenas eram divididos em vários grupos
menores formados por conjuntos de aldeias. Essas possuíam uma população de
quinhentos até dois ou três mil índios. Sendo assim, pode-se afirmar que a área
correspondente à atual região Sudoeste da Bahia era ocupada pela grande nação
Tupi,
formada por diferentes tribos indígenas, dentre essas destacando-se os
Tapajós
-Camacãs, que habitavam as terras hoje pertencentes aos municípios de
Ibicuí, Poções
e seus arredores.
Os Maracás e os Co
toxós
habitavam as áreas correspondentes aos
municípios de Barra da Estiva e de Jequié, respectivamente. Os Mongoyós e os
Emborés habitavam as áreas que hoje pertencem aos municípios de Vitória da
Conquista e Boa Nova. Os Pataxós viviam na área hoje correspondente aos
46
municípios de Potiraguá e Belmonte. Nos municípios onde o trabalho se realizou
habitavam os indígenas da citada tribo dos Mongoyós.
Ao longo dos 505 anos passados, desde o “descobrimento” até os dias atuais,
os índios que habitavam a área estudada foram dizimados pelo homem branco. Os
que resistiram representam a luta pela sobrevivência e estão concentrados em
municípios das regiões do Litoral Sul e do Extremo Sul do Estado. Os Pataxós
habitam terras dos municípios de Pau Brasil, Camacã e Itajú do Colônia e os
Tupinambás de Olivença, em terras do município de Ilhéus. Outro grupo,
denominado de apenas Pataxó, sobrevive em terras dos municípios de Porto Seguro
e de Santa Cruz Cabrália. Essas tribos continuam enfrentado dificuldades para a
demarcação oficial de suas terras. Conflitos entre os e os fazendeiros
locais têm sido constantes. A tribo Pataxó, do extremo sul baiano, vem enfrentando
dificuldades no reconhecimento de suas propriedades em torno do Monte Pascoal e
os Tupinambás de Olivença, embora tenham sua identidade reconhecida pela
FUNAI (Fundação Nacional do Índio), não possui terras próprias.
Sendo assim, os índios que habitavam a área estudada foram expulsos de
suas terras a partir da chegada dos
portugueses. Esse processo foi intensificado
pela ocupação de terras por fazendeiros
que, a partir do início do século passado,
iniciaram o desenvolvimento da pecuária. A
ação do homem civilizado esteve sempre
assegurada pelo uso de armas e por
práticas agressivas de exploração aos
recursos naturais. Os que resistiram foram
empurrados para as localidades situadas
nos municípios citados e continuam lutando
para sobreviver e para preservar sua
cultura.
Segundo
Andrade (1982, p.59),
somente
após a ocupação de alguns locais
da costa deu-se o início da abertura para o
interior da Bahia. Sendo assim, pode-
se
Figura 2
Fonte: Atlas Histórico Escolar. Rio de
Janeiro, FAE.
47
afirmar
que o início da ocupação da área estudada ocorreu no final do século XIX. A
primeira expedição deu
-
se em 1953 e visava conhecer o interior do Brasil, elegendo
-
se o extremo sul baiano para a execução da viagem. Sob comando de Francisco
Espinosa, a expedição saiu da Capitania de Porto Seguro, subiu o rio Jequitinhonha,
alcançando o rio Verde, descendo em direção ao rio São Francisco, regressando
pelo vale do rio Pardo, cuja bacia hidrográfica drena os municípios estudados.
Embora
o conhecimento da região drenada pelo rio Pardo tenha se dado em
meados do século XVI, a região onde inserem-se os municípios estudados ficou nos
primeiros séculos inexplorada por conta da dificuldade de acesso via planalto
conquistense e da pouca expressividade econômica da Capitania de Ilhéus (
figura
2) que administrava as terras atualmente pertencentes aos municípios estudados
(ANDRADE, 1982, p.63).
Ao longo do tempo, vários fatores determinaram a origem das cidades
brasileiras. Dentre esses, pode-se citar a proximidade dos cursos d`água e do litoral,
a existência de um relevo aplainado, facilidade de acesso, dentre outros. No caso
das sedes municipais estudadas, um fator importante para o surgimento de
algumas
cidades como Maiquinique e Macarani foi a existência de pousadas que abrigavam
tropeiros e/ou pontos de descanso das boiadas que do sertão viajavam em direção
aos centros povoados
Salvador e áreas de extração de minério.
2.1 OS TEMPOS “I
DOS” DO ESPAÇO EM QUESTÃO
a) MAIQUINIQUE
O município tem sua origem nos idos anos de 1930. O fator inicial para sua
origem está na existência de uma estrada que dava acesso ao Estado de Minas
Gerais e que passava no local onde hoje se encontra a cidade de Maiquinique. Um
trecho desse eixo de comunicação estava à margem direita do rio cujo nome é
também Maiquinique e no local havia uma casa e uma espécie de barracão onde os
viajantes e os tropeiros dormiam para no dia seguinte continuar a viagem. Essas
co
nstruções pertenciam ao Sr. Permínio Melo Flores. Os que ali dormiam eram, em
sua maioria, boiadeiros, vendedores e compradores. Além da casa, havia um local
de venda de variados produtos que abasteciam os diversos transeuntes, inclusive
48
uma farmácia. Permínio Melo Flores teria vendido a sua propriedade ao Sr. Aleixo
Pereira Passos que doou quatro alqueires a Francisco Martins de Almeida,
idealizador da construção de um povoado. Francisco deu início ao seu projeto,
convidando aqueles que residiam nas proximidades a fazerem um mutirão com o
propósito de roçar o local. Alguns homens de importância na região participaram do
empreendimento. Dentre eles estavam Manoel Vitalino e Massú Gato.
As primeiras casas foram então construídas a oeste da residência do Sr.
Permínio Melo Flores. Como na época não havia cimento e tijolos, elas foram
levantadas com paredes de enchimento. Para construí
-
las
fincavam
-
se
no solo varas
e troncos de madeira e a eles eram trançados cipós que davam firmeza à
construção. Em seguida, amas
sava
-se barro e o mesmo era lançado na parte
interna e externa das casas. Ao longo do tempo, a argila secava formando
rachaduras nas paredes, contudo, a casa não perdia sua consistência e segurança.
Além de construções de enchimento, fez-se também residências de adobe sendo
ambas cobertas por palhas. Ainda hoje é possível encontrar na sede municipal e na
zona rural casas construídas nesses moldes. Elas são feitas principalmente por
pessoas de baixa renda.
A primeira rua da cidade era conhecida como a Rua do Sangra Galo.
Recebeu essa toponímia porque, numa de suas festas noturnas, nos idos anos de
1930, entre uma briga e outra, um homem por pseudônimo de Galo, um dos mais
valentes da localidade, foi esfaqueado, no linguajar popular da época, “sangrado”.
Daí o antigo nome da rua ser Sangra Galo, que atualmente recebe o nome de
Tertulino Silveira Filho. A poucos metros dessa rua foi construído um barracão que
nos dias e anos futuros abrigaria a feira da localidade. Hoje, no antigo local, está a
praça de maior valor histórico para a cidade, que recebe o nome do ex-
governador
da Bahia, Lomanto Júnior.
Ao longo dos anos a quantidade de casas e ruas e a população aumentavam
no distrito. Alguns moradores e principalmente os poucos políticos locais desejavam
a emancipação política do distrito em relação ao município de Macarani. A
população teve seu desejo atendido quando o então governador Juracy Magalhães,
aos 16 dias do mês de
ju
lho do ano de 1961, aprovou o decreto-lei que criava o
município de Maiquinique.
Ma
iquinique apresenta a menor população dos municípios em estudo. É
também aquele que possui menor dinamismo econômico e social, embora a cada
49
ano sua população urbana aumente consideravelmente. Em menos de 15 anos
houve um aumento de quase 40% do espaço construído na sede municipal em
conseqüência do intenso êxodo rural ocorrido nos últimos anos. Esse aumento es
ligado à diminuição das oportunidades de trabalho no campo e outras questões que
serão discutidas no capítulo 3.
b) MACARANI
A história oficial do município de Macarani inicia-se a partir do ano de 1919
com a chegada no local dos senhores Joviniano Neres de Carvalho e Antônio Caíres
Pinheiro que adquiriram uma propriedade ao Sr. Manuel Henrique Soares,
conhecida como Fazenda União. Ali iniciaram a construção da pequena vila
denominada de São Pedro de Macarani. Afirma-se que no momento da compra
existia apenas uma casa no local. A presença de uma estrada que permitia a
comunicação entre Verruga (atual Itambé) e Encruzilhada indo até o Estado de
Min
as Gerais e as agradáveis condições climáticas permitiram que, em pouco
tempo, o número de casas aumentasse, chegando a quase 80 no ano de 1926.
Nesse momento existiam no local quatro lojas de fazendas e outras de secos e
molhados. Além dos novos proprietários da antiga Fazenda União, outros senhores
de fato levaram à frente o propósito de ali construírem um povoado. Dentre esses
pode
-se citar José Correia de Oliveira Melo, Estanislau Clemente de Souza,
Damázio Ferreira da Silva, Joaquim Líris, José Ferr
eira e outros.
Sabe
-
se
que,
antes da ocupação desse espaço pelo homem branco, os
índios
ali
viviam,
construindo também sua história. Segundo informações de um trabalho
conclusivo em uma disciplina do programa UNEB
2000,
ainda em desenvolvimento
no município, as tribos indígenas que ali habitavam eram os Aimorés ou Botocudos,
assim denominados por introduzirem no lábio inferior rodelas de madeira. Dentro
dessa tribo existiam os
índios Caranys
.
Segundo relatos de pessoas mais antigas do local, a população branca que
primeiro ocupou o espaço,
[...] vivia da puáia, umas raizinhas pretas; arrancava aquela puáia a família
toda, o chefe da casa levava a família toda, ficava a esposa para cuidar
da casa. Aí trazia aquela puáia, trazia e botava pra secar, aí ven
dia,
chegava os compradores e comprava. Chegavam os compradores da
semente de umburana, vendia pra eles fazerem medicamentos. Da quina
tirava a casca. Os medicamentos eram nativos, quando as pessoas
50
construíam suas casas, plantavam no quintal erva cidreira, hortelã, buti,
puáia, quina; tirava a casca da quina e tomava para curar o impaludismo.
11
Esse relato demonstra a importância da natureza para as populações que
habitavam o núcleo inicial da cidade de Macarani. Poucos produtos eram
manufaturados. A maior parte do que se consumia era obtida diretamente na
relação com o espaço natural utilizando-se os produtos coletados como
equivalentes de mercadorias não encontradas no local.
De 1919 até os dias de hoje, Macarani demonstrou significativa liderança
p
olítico
-administrativa no contexto sub-regional. Foi elevada à condição de vila
pertencente ao então município de Encruzilhada pela Lei Estadual n
o
1483, de 17 de
junho de 1921, que se emancipou de Conquista, atualmente Vitória da Conquista. O
município de Encruzilhada, naquele momento, possuía quatro distritos, o sede, que
recebia o mesmo nome, o de Campinas, o de Macarani e o de Ribeirão do Largo. O
decreto
-lei estadual de n
o
141, de 31 de dezembro de 1943, transferiu a sede do
município de Encruzilhada para o distrito de Macarani
12
. Nesse momento, o distrito
de Macarani foi elevado à condição de cidade e o município passou a receber o
mesmo nome. Encruzilhada, por sua vez, deixa de ser distrito-sede, ficando na
mesma posição que Ribeirão do Largo e Campinas. Essa transferência aconteceu
porque o distrito de Macarani possuía maior quantidade de equipamentos e
arrecadava mais impostos que a sede, nesse caso, Encruzilhada. No ano de 1952,
ele perde parte de suas terras para aquele que havia sido por algum tempo o
município do qual fizera parte. Por força da lei estadual n
o
551, de 12 de dezembro
do mesmo ano, recria
-
se o município de Encruzilhada.
Do grupo dos municípios analisados, Macarani possui algumas características
bastante diferenciadas dos outros quatro municípios. Num período superior a duas
décadas foi distrito-sede dos atuais municípios de Maiquinique e Itarantim. Foi o
primeiro no contexto sub-regional estudado a se tornar distrito-sede no momento em
11
FIGUERÊDO, Albelina Maria Santos. Memória e História de Macarani. Espaço e Tempo. Trabalho
conclusivo da disciplina Ensino de História II do curso de Pedagogia do programa UNEB 2000 no
município de mesmo nome. Macarani
Bahia, 2002.
12
Desde o ano de 1926, os moradores de São Pedro de Macarani ostentavam o desejo de o tornar
sede do município. Em documentos coletados na prefeitura a população descreve o arraial,
informando que ele já possuía condições de se emancipar, pois, naquele momento, havia na
localidade uma escola privada com freqüência diária de 20 alunos, a sede de uma sub-delegacia de
polícia e dos serviços da Delegacia de Terras e Minas do 14
o
Distrito do Estado da Bahia, além de se
situar na área central do município com estradas que o ligavam às vilas mais próximas.
51
que Encruzilhada perdeu essa mesma posição para ele, sendo, ainda, o único
município onde o feirante não paga taxa ou imposto para comercializar na feira livre.
c) ITARANTIM
A constituição do núcleo inicial da cidade de Itarantim deu-se por meio da
chegada na região de viajantes que decidiram residir no local e se dedicarem à
atividade agropecuária. Dentre esses está o Sr. Manuel Rodrigues. Foi ele quem
vendeu parte de suas terras ao Sr.Antônio Guedes. Este doou e vendeu pequena
parte de sua propriedade para construir um arraial. A idéia de construí
-
lo
surgiu após
conversas com o Sr. Juvenal Farias da Silva. Para tal empreitada, chamaram alguns
moradores que residiam nas proximidades, dentre esses cita-se Alcebíades Marinho
Correa e Néo Rodrigues. Aos 15 dias do mês de junho de 1946, desmataram o
terren
o para a construção das primeiras casas. O Sr. Antônio Guedes organizou no
espaço uma feira que teria atraído pessoas dos arredores. A feira foi um fator de
atração para o surgimento da localidade. Além de seu espírito empreendedor,
como
elucidado em suas ações, Antônio Guedes teve tempo para construir ali a primeira
escola e ministrar aulas para os filhos dos primeiros moradores. Esse local mais
tarde ficaria conhecido como a Praça Antônio Guedes, a mais importante da cidade
por muitos anos. Naquele momento, nomearam a localidade de arraial Nova
Esperança, que popularmente foi denominado de Acabajá, nome dado
principalmente pelos moradores do distrito de Potiraguá.
Nova Esperança foi elevada à posição de distrito, ficando, assim, sob
jurisdição do município de Encruzilhada, do qual Macarani também o era. Quando
esse se emancipou, Nova Esperança passou a ser distrito do mesmo. Vale ressaltar
que o nome Nova Esperança foi substituído por Diadema de Pedra, nome em
homenagem a uma grande pedra que margeia a sede municipal no sentido oeste da
mesma, conhecida como Pedra de Três Pontas.
Em 21 de março de 1961, o distrito de Itarantim emancipou-se do município
de Macarani, tendo o Sr. Paulo Martins de Almeida como o primeiro prefeito, que
veio a tomar posse dois ano
s depois, em 07 de abril de 1963.
52
d) ITORORÓ
A origem do município está ligada ao desbravamento em direção ao interior
do Estado e à tentativa, via iniciativa particular, em povoar o interior do país. Os
primeiros a ocuparem o espaço, que hoje corresponde ao município de Itoro
,
vieram
de Sergipe e chegaram antes em Itabuna e arredores onde, nas primeiras
décadas do século XX, desenvolveram a cultura cacaueira. Por interesses
econômicos e de ordem particular invadiram novas terras, passando a desenvol
ver
nelas a pecuária
extensiva.
O Cel. João Borges da Rocha Neto foi um dos primeiros
a sair em busca dessas terras.
Desejava ele
dedicar
-
se ao criatório de gado ao invés
de investir no plantio de cacau. Para essa empreitada chamou o jovem João Alves
de Andrade, conhecido como João Alves Cachaça, com quem dividiu a missão de
encontrar e ocupar novas terras que pudessem ser usadas para o desenvolvimento
da pecuária. Dirigiu-se então a oeste de Itabuna no sentido do Planalto
Conquistense, que naquele momento histórico era vista como local de
prosperidade e enriquecimento. No ano de 1922, algumas propriedades haviam
sido ocupadas por esses desbravadores e construções haviam sido feitas em
alguns locais. Nesse ano, uma das propriedades recebera o nome de Cabana da
Ponte, que futuramente determinaria o surgimento do Arraial de Colônia, que
recebeu em 1928 o nome de Itapuy e que mais tarde viria a ser Itororó. Segundo
relatos de moradores atuais, os dois homens, ao chegarem na localidade,
encontraram cerca de oito posseiros, que continuaram nessa mesma relação com a
terra, possuindo pequenas extensões, porém, as maiores propriedades ficaram sob
domínio dos homens já citados.
Sendo assim, com a expulsão dos índios e a chegada dos homens
“civilizados”, o espaço que corresponde ao município de Itororó começou a sofrer as
primeiras transformações, que atenderam, principalmente, aos interesses dos novos
posseiros, que mais tarde tornaram-se proprietários e imprimiram as mudanças de
maior impacto no espaço.
De Itabuna até o referido local encontrava-se a Mata Atlântica fechada e os
lameiros resultado da grande quantidade de chuva que sobre essa
região
precipitava, que certamente dificultou o tráfego dos que primeiramente chegaram,
bem como dos comerciantes, viajantes e tropeiros. Deve-se ressaltar aqui o papel
importante dos tocadores de bois e animais, os tropeiros que, bravamente,
53
contribuíram para a construção de caminhos que deram origem a muitas vilas e
cidades no interior do Nordeste e do Brasil. Em 1927, com o nome de Cabana da
Ponte, a propriedade, que nos meses iniciais de sua compra possuía
aproximadamente
quinhentos mil hectares, nesse ano chegou a ter quatro mil.
Após a construção da sede da fazenda Cabana da Ponte, casas esparsas
começaram a ser construídas, adicionando-se às existentes. As famílias que ali
ha
bitavam
sentiam dificuldades para irem às aglomerações urbanas de Palestina,
Itatinga e de Itambé para efetuarem compras, pois a localidade não era auto-
sustentável. Por conta disto e pensando na possibilidade de atração de pessoas
para residirem no local, foi que João Alves de Andrade planejou a primeira feira
registrada,
acontecida na cidade de Itororó. Com o apoio do proprietário da fazenda,
João Borges, o dia de 26 de abril de 1928 aman
heceu com ares de compra e venda,
um movime
nto
diferente
surgia,
era a feira que dava os seus primeiros passos.
Barraquinhas espalhavam-se ao longo da pequena praça, onde se vendia
mingau, rapaduras, milho assado, requeijão, carne fresca, e se expunham
alg
uns condimentos; e ao chão, sobre lonas e esteiras protetoras
,
negociavam
-se farinha de mandioca, feijão em sacas, galinhas, porcos,
fumo de corda e tantas outras bugingangas (Neto, 2002, p. 11)
13
.
Afirma
-
se
que,
no mesmo local onde acont
ecia
a
feira,
co
nstruiu
-se um
mastro linheiro de cedro onde se fincou a imagem de São Jorge, uma espécie de
agradecimento ao santo lunar em virtude do sucesso da feira. Nesse mesmo ano,
também em virtude do crescimento da feira, mudaram o nome do Arraial do Colônia
para o de Itapuy. Em 1930, no mesmo
largo,
construiu-se a primeira casa
comercial,
empreendimento
esse também encabeçado pelo idealizador da feira, João Alves de
Andrade, sempre apoiado pelo fazendeiro João Borges. Em 1931, foi celebrada a
primeira missa em território itapuiense, ocasião em que Santo Antônio passou a ser
o padroeiro da localidade e não São Jorge como fora definido. Até hoje não se sabe
por que Santo Antônio passou a ser o padroeiro da cidade, e não São Jorge. A
primeira escola do arraial foi criada no ano de 1934, onde a professora Maria Odete
de Andrade
lecionou a primeira
aula.
No ano de 1938, pelo decreto n
o
11.089, o povoado foi elevado à categoria de
vila, jurisdicionada pelo município de Ibicaraí. Denominada outrora pelo nome de
Itapuy, a vila continuou com esse nome até o ano de 1943, quando passou a ser
13
Este parágrafo foi retirado de um texto produzido por iniciativa particular, que ci
rcula nas
instituições de ensino da cidade.
54
chamada pelo nome atual: Itororó. O projeto de Lei n
o
962/57, criado pelo Deputado
Antônio Fernandes, propusera a emancipação política do povoado de Itororó em
relação a Ibicaraí, que se efetivou com a Lei n
o
1.045, de 22 de agosto de 1958,
publicada no Diário Oficial do dia seguinte. No momento de sua emancipação
política Itororó contava com o distrito sede. Rio do Meio e Itatí tornaram-se áreas
distritais no ano de 1979.
Pode
-se afirmar que a cidade de Itororó é resultado do ideário dos donos da
Fazenda Cabana da Ponte. A madeira utilizada para construir as primeiras casas da
aglomeração foi
retira
da das terras dessa propriedade. Além disso, vários
loteamentos utilizados para a construção de prédios públicos ou de interesse da
comunidade local foram cedidos pelos proprietários dessa fazenda.
e) ITAPETINGA
Itapetinga surgiu a partir de interesses externos. Sua origem remonta por
volta do ano de 1912, quando o espaço em que está situada e seus arredores foram
ocupados para o desenvolvimento da pecuária. A ocupação desse espaço
certamente não foi
fácil,
alguns obstáculos como a vegetação densa e a resistência
indígena dificultaram esse processo. Os agentes envolvidos com o processo de
des
bravamento da área foram os caçadores, os jagunços, os viajantes e os
fazendeiros. Bernardino Francisco de Souza foi o primeiro posseiro que em 1912
apropriou
-se de algumas
hectares,
onde hoje se encontra a cidade de Itapetinga
,
para depois utilizar
o espa
ço de acordo com seus interesses e suas necessidades.
No decorrer do tempo outros homens foram
chegando e cravando
caminhos e
clareiras no meio da mata densa. Dentre esses, se encontra
Augusto
de Carvalho
,
que indubitavelmente
teve enorme importância
na f
ormação da cidade. Em 1923, ele
escolheu aproximadamente 10 hectares dentro da mata virgem para construir as
primeiras casas, dando origem a uma das cidades de maior crescimento econômico
no sudoeste
baiano.
A origem de Itapetinga está relacionada, sem dúvida, à necessidade do
homem de dedicar alguns locais para a troca de mercadorias. Oliveira (2003, p. 55)
indica, em seu trabalho de conclusão de mestrado, qual a função maior dessas
primeiras casas construídas. Para ela, o núcleo urbano inicial, constituído a partir de
setembro de 1924, com a construção de cinco casas de taipa no terreno escolhido
55
por Augusto de Carvalho, tinha o objetivo de concentrar o abastecimento necessário
à população, que começava o desbravamento da região. O núcleo passou a ser
cha
mado de “Comercinho de Augusto”.
A grande quantidade de pedras brancas existentes no local serviu de
inspiração para que o aglomerado de casas passasse a se chamar de Itatinga, que
na língua tupi-guarani significa
Ita
– pedra e
tinga
– branca. A cada
ano que
passava,
novas casas eram acrescentadas ao lugarejo, o que permitiu que, pelo
Decreto Estadual n
o
8.499, de junho de 1933, se tornasse sede do distrito
de
Itatinga,
jurisdicionado pelo município de Vitória da Conquista.
Em meados da década de 1930, contava com aproximadamente mil
pessoas e possuía cerca de 40 casas. Nesse momento, o distrito mantinha poucas
relações com centros mais desenvolvidos. Itambé era o mais próximo, Vitória da
Conquista apresentava certo desenvolvimento. Cidades como Maiq
uinique,
Macarani, Itororó e Itarantim nem chegavam à condição de distritos. Dificilmente
naquele momento havia dependência ou relações estabelecidas entre essas
localidades. As que existiam serviam apenas como ponto de apoio a viajantes.
Itatinga ao longo do tempo passou a ser local de entroncamento para os que do
sertão destinavam
-
se ao litoral.
Aqueles que ali chegavam, motivados pelo desejo de construírem uma nova
vida na região da “mata
14
”, precisavam desmatar o terreno, no qual
desenvolveriam
uma
agricultura de subsistência. Os mais “endinheirados” compravam terrenos
maiores onde implantavam grandes fazendas que eram usadas principalmente para
a pecuária.
Os proprietários rurais, grandes ou pequenos, constituem-se nos agentes que
deram o “pontapé inicial” na construção de Itapetinga. A designação, ainda utilizada,
referindo
-se a ela como a capital da pecuária reforça a idéia de que não se pode
falar da história desta cidade sem discutir o papel do pecuarista na construção e
organização do seu espaço.
Ai
nda na década de 1930, chegavam ao distrito outros homens também com
o propósito de adquirirem grandes extensões de terra a serem utilizadas também no
desenvolvimento da pecuária extensiva. Dentre esses, o Sr. Juvino Oliveira, que viria
14
Essa expressão era bastante utilizada pela população sertaneja, referindo-se às áreas
correspondentes hoje à parte das regiões Sudoeste e Extremo Sul do Estado, por apresentarem
56
a ser nas três décadas seguintes um grande idealizador e concretizador,
contribuindo para tornar Itatinga num dos principais pólos de gestão da pecuária
extensiva
e semi-
intensiva
do Estado, da Região Nordeste e do Brasil. Ao chegar,
comprou do mencionado Augusto de
Carva
lho,
25 alqueires de terra, iniciando,
assim, sua liderança em relação à classe produtora de gado na localidade e
arredores.
A sede do distrito de Itatinga elevou-se à categoria de vila no ano de 1938
pelo Decreto Estadual de n
o
10.724, de 30 de março des
se mesmo ano. Ainda nessa
mesma data, pelo Decreto Estadual n
o
11.089, Itatinga desmembrou
-
se do município
de Vitória da Conquista e foi anexado ao de Itambé.
No ano de 1943, o Decreto-Lei Estadual de n
o
141, de 31 de dezembro,
modificado pelo
Decreto Esta
dual
n
o
12.978, de 1
o
de junho de 1944, mudou o nome
de Vila de Itatinga para Itapetinga. Isso aconteceu porque havia uma vila com o
mesmo nome no Estado de São Paulo. Em casos dessa ordem, em havendo duas
vilas com a mesma denominação, por determinação do Governo Federal,
prevaleceria
com o nome a que há mais tempo havia sido organizada, nesse caso, a
vila paulista. A Itatinga baiana passara a ser então denominada de Itapetinga.
No final da década de 1940, a vila de Itapetinga apresentava maior
desenvol
vimento econômico que a sede do município. Esse quadro levou algumas
lideranças locais a questionar a permanência dessa situação uma vez que a vila em
muitos aspectos encontrava-se em posição de destaque em relação à cidade de
Itambé.
Sendo assim, na tentativa de reverter esse quadro, no ano de 1951, Juvino
Oliveira encaminhou ao deputado Adelmário Pinheiro, representante da população
local na Assembléia Legislativa, um abaixo-assinado requerendo a emancipação
política da vila.
Em anexo ao manifesto escrito fez-se menção de parte dos equipamentos
que a vila possui e também a descrição de sua situação, o que, segundo ele,
assegurava
-lhe a condição de independência. Dentre as características citadas
destacam
-
se:
[...] a quantificação do rebanho bovino como superior a 100.000 cabeças de
gado; o “franco” desenvolvimento da atividade industrial contando com três
fábricas de laticínios, uma usina de beneficiamento de arroz e milho, quinze
maiores índices pluviométricos. A população “expulsa” via nessa região a possibilidade de
crescimento sócio
-
econômico.
57
olarias exportando telhas e tijolos para o sul e Salvador, grande número de
mercearias, carpinteiros, selarias, saboarias, curtumes, serrarias, fábricas de
calçados e 15 alfaiatarias; a emergente indústria extrativista de madeira; a
presença de mais de 50 estabelecimentos comerciais, de dois prédios
escolares e algumas escolas particulares; a existência de 42 hotéis e
pensões, dois serviços de autofalante, 1.517 casas pagando décimas e cerca
de 500 em construção e, por último, as possibilidades de intercâmbio
interestadual, devido ao intenso comércio estabelecido com o norte de Mina
s
Gerais: pela via pedestre com as localidades de Divisa do Salto, Jacinto,
Jordânia e Almenara, negociando cerca de 100 lotes de 12 animais por mês
e pelo tráfego de caminhões através da estrada Rio-Bahia (atual-
116)
(OLIVEIRA, 2003, p. 66).
Mesmo com os avanços descritos acima, a vila de Itapetinga não possuía
boas condições de higiene e saúde blica, o que demonstrava que o governo do
município dispensava pouca atenção à vila.
Como resultado dos documentos enviados à Assembléia Legislativa e da
manif
estação da comunidade local junto às autoridades estaduais foi criado o
município de Itapetinga pela lei Estadual n
o
508, de 12 de dezembro de 1952,
desmembrando
-o do município de Itambé, elegendo a vila de Itapetinga como
cidade
-sede do município então criado, que passou a vigorar somente a partir de
sete de abril de 1955, com a posse de Juvino Oliveira como seu primeiro prefeito. O
município de Itapetinga passou a possuir dois distritos, o sede e o de Bandeira do
Colônia, de acordo com a lei n
o
628, de 30
de dezembro de 1953.
A construção da rodovia ligando Vitória da Conquista a Itabuna, passando
pela vila de Itatinga, com conclusão no ano de 1941, foi um grande marco,
possibilitando o surgimento de uma espécie de entreposto comercial entre
localidades próximas como Maiquinique, Potiraguá, Itarantim, dentre outras, e até
mesmo com o norte de Minas Gerais. Entre os anos de 1961 e 1963, essa rodovia
foi asfaltada diminuindo as “distâncias” entre essas localidades e estreitando e
aumentando as diversas relaç
ões entre elas.
Na década de 1970, iniciou-se a obra de aterramento de parte da planície de
inundação às margens do Rio Catolé, onde mais tarde seria construída a central de
abastecimento em substituição ao antigo mercado.
Itapetinga,
desde sua emancipação até os dias atuais, vem reforçando seu
papel como centro sub-regional. O título de bacia leiteira do Estado o lhe cabe
mais, por conta da crise que a atividade de pecuária vem passando desde a década
de 1960. Embora essa atividade não possua a mesma importância, Itapetinga
58
constitui
-
se como centralidade em relação aos municípios vizinhos em vários setores
como na saúde, na educação e no comércio formal.
O principal objetivo que levou o homem branco a se apropriar do espaço sub-
regional em questão foi a necessidade de desenvolver a atividade agropecuária,
dando maior atenção à pecuária. No intuito de tornar o espaço apropriável para a
criação de gado, intensificou-se, durante toda a expansão, a atividade extrativista
madeireira. Nesse processo, os primeiros habitantes desse espaço foram
dizimados ou aculturados e com eles a maioria de seus hábitos e de seus costumes.
O que resta em muitos dos habitantes locais é a característica racial desses que
foram os primeiros habitantes do espaço em estudo como também do país.
Os principais agentes modificadores do espaço foram os fazendeiros, os
caçadores, os jagunços, os viajantes, dentre outros. Outros que tiveram grande
importância foram os sertanejos, que fugindo da seca do sertão baiano e de outros
estados da Região Nordeste,
viam,
no espaço
estudado,
a possibilidade de
ascensão econômica e social por apresentar condições climáticas mais favoráveis
no trato com a terra. Para Hassegawa (1992
apud
OLIVEIRA, 2003, p.53), o início
dessa migração teria se dado na década de 80 do século XIX, quando o sertão foi
acometido por uma grande seca.
A designação dada a Itapetinga de “Capital da Pecuária” do norte e do
nordeste
brasileiro e todo o investimento feito para o crescimento econômico do
município,
via atividade
pe
cuária,
resultou na introdução dessa atividade nos
municípios vizinhos que viam, no desenvolvimento da mesma, a possibilidade de
obter os mesmos resultados. A crise que atingiu a atividade nesse município se
estendeu por todos do entorno. Segundo Oliveira (2003, p. 76-78) alguns fatores
determinaram a crise na pecuária no município de Itapetinga, logo, nos municípios
vizinhos. Dentre esses, pode-se citar a manutenção dos métodos de criação
utilizados desde o momento da ocupação regional, a permanência da co
ncentração
fundiária associada ao empobrecimento de muitos pecuaristas e as mudanças
climáticas ocasionadas pela derrubada da mata ao longo da ocupação, bem como
por outros fatores.
Vale ressaltar que a inexistência de bibliografia acerca da história dos
municípios de Maiquinique, Macarani, Itarantim e Itororó dificultou o
aprofundamento, nesse trabalho, da historicidade desses municípios. As
informações aqui descritas resultam, dentre outras fontes, do contato estabelecido
59
com os moradores mais antigos de cada localidade, que, via história oral,
contribuíram para a descrição de uma breve história local. No caso de Itapetinga, a
existência de jornais, de impressos encontrados em bibliotecas do município e de
dissertações que relatam a história da cidade, possibilitou elencar maior mero de
informações sobre a história dessa cidade.
Optamos por valorizar essas informações dentro da dissertação para que elas
sirvam como incentivo à construção de futuros trabalhos, trabalhos esses que
possam dar conta de uma história detalhada dessas localidades.
Mesmo sendo a história dessas localidades uma construção da coletividade,
ela foi contada como sendo uma ação de grandes homens, de grandes líderes, que
teriam mudado os rumos das pessoas e das próprias localidades. É inegável a
importância desses homens, porém, cada grupo social, cada indivíduo é co-
participante da construção dessa história. No caso dos municípios em questão, suas
populações tendem a mencionar o nome dos primeiros desbravadores como os
heróis que pensaram e planejaram a construção de vilas, que mais tarde tornaram
cidades. É importante ressaltar que esses primeiros homens se apropriaram de
terras devolutas, tornando-se mais tarde seus proprietários e as fizeram instrumento
de poder e de reprodução do capital. Portanto, suas decisões e suas
“benevolências” respondiam a esse propósito. As ruas e as praças de cada uma
dessas cidades receberam os nomes desses desbravadores, porém, toda
materialidade do espaço urbano representa o suor e o trabalho de milhares de
homens que participaram ativamente da construção desses municípios ao longo de
décadas.
Nesse contexto, estiveram presentes as feiras livres que, nos municípios
estudados, historicamente tiveram importância para o abastecimento dessas
comunidades, e constituíram, ao longo dos anos, elementos de grande valor na
paisagem urbana. Ressaltamos aqui, a relevância da construção de uma
historicidade dessas feiras, porém, a indisponibilidade de informações, e
principalmente de tempo, impossibilitaram analisá-
la
s a partir dessa abordagem.
Essa lacuna não invalida a importância desse trabalho que teve como principal
objetivo compreendê-las na contemporaneidade. Elas, contudo, acontecem num
contexto sub-regional que apresenta características próprias a serem abordadas a
seguir.
60
2.2 O ESPAÇO SUB
-
REGIONAL ATUAL
A mais recente atividade industrial, de grande porte, implantada na região,
está ligada à produção de calçados: a Azaléia do Nordeste S/A. Itapetinga, na
condição de centro sub-regional, concentra atividades, nesse caso referentes à
produção de calçados com maior número de empregados e maior produção que os
municípios circundantes, que também receberam postos de produção calçadista.
No caso das principais atividades econômicas desenvolvidas no contexto sub
-
regional,
desde as origens municipais até o presente momento, bem como a ação
dos agentes detentores do capital e do poder, vê-se que todo o empreendimento
esteve a serviço da reprodução do capital e da mais valia. Em nenhuma das
atividades existiu ou existe um projeto participativo propondo ações para que o
desenvolvimento social acompanhe o desenvolvimento econômico.
Os interesses de políticos locais no processo de emancipação dos municípios
estudados confundiam-se com os dos fazendeiros, que viam no processo de criação
dos mesmos a possibilidade de acumularem mais terras, logo, mais poder. Acredita-
se que poucas vezes o processo de emancipação política de cada município, no
contexto regional, foi liderado pela população de baixa renda. Ainda hoje, no esp
aço
estudado, a posse ou não de terras rurais é usada como medida para classificar os
cidadãos em ricos ou pobres. Nesse contexto foram construídas as condições que
possibilitam diferenciar a área em estudo de outras regiões no Estado e no país.
Segundo Leite (1994, págs. 49 e 50), a região é um quadro arbitrário, definido
com propósitos políticos, econômicos e administrativos. A região pode ainda ser
definida como a organização do espaço decorrente da divisão social do trabalho.
Segundo Gilbert (1988
apu
d
BEZZI, 1996, pp. 238 e 239), existem três formas
de conceber o conceito de região. A primeira é aquela que a descreve como
“resposta local aos processos capitalistas”, sendo definida como resultado da
articulação concreta das relações de produção num determinado local e num
determinado tempo. A segunda, afirma ser a região um foco de identificação ou
apropriação simbólica do lugar por determinado grupo. Estudos que analisam a
região sob esse prisma têm lugar na Geografia Humanista e na Geografia Cultural.
A
terceira forma é aquela que entende a região como meio de interação social; nesse
caso, a dominação e o poder constituem fatores fundamentais na diferenciação das
áreas.
61
A discussão construída sobre as cinco feiras livres não foi feita sem o
entendime
nto de que as mesmas, seu funcionamento e sua configuração espacial,
dão
-se num contexto onde a organização do espaço regional é uma resposta local
ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. Os fatores culturais e o uso do
poder e da dominação pelos diferentes grupos sociais também interferiram no
processo de organização desse recorte espacial, permitindo, ao longo do tempo, a
construção de elementos identitários que o diferencia de outros.
Embora o estudo das feiras livres esteja diretamente ligado ao funcionamento
do cotidiano e dos serviços do/no urbano, as relações campo-cidade não podem
ficar à margem de qualquer estudo em que seu principal objeto de análise tenha,
historicamente, estado com o “pé no campo”. Sendo assim, a caracterização do
espaço rural foi necessária no sentido de se compreender se a maneira como ele
está organizado determina a atual configuração das feiras livres estudadas.
Segundo Andrade (1982), não houve no Brasil, salvo poucas exceções, a
construção de uma civilização agrária voltada para o auto-abastecimento interno. No
caso do espaço sub-regional analisado nem sequer se verificou esse tipo de
vocação ao longo do tempo. Trata-se de uma área que desde a sua ocupação, pós-
século XIX, elegeu a pecuária como atividade econômica principal. Paralelamente, a
agricultura sempre foi desenvolvida, principalmente nas pequenas e médias
propriedades, onde os principais produtos cultivados eram o feijão, o milho e a
mandioca, que serviam para a alimentação diária dos produtores e era
m
comercializados nas feiras semanais.
Andrade (1982, p. 121) descreve o tipo de imóvel rural que predomina na
área onde a pesquisa foi desenvolvida. Em relação ao número de estabelecimentos
rurais, aproximadamente 50% dos mesmos são minifúndios, sendo que a área
ocupada por eles é inferior a 30% do total da extensão do espaço estudado.
A escolha, porém, da área para o desenvolvimento da pesquisa foi resultado
da necessidade de compreender o funcionamento das cinco feiras livres que estão
inseridas respectivamente em cinco municípios da Microrregião Geográfica de
Itapetinga no Estado da Bahia. A área está compreendida entre os paralelos 15
0
e
16
0
a sul do equador e entre os meridianos 39
0
30’ e 41
0
a oeste do meridiano de
Greenwich, estendendo-se sobre terrenos granulíticos, migmatíticos e complexos
vulcano
-sedimentares nos quais se encontram os seguintes minérios: feldspato,
berilo (pedra preciosa), rochas ornamentais, dentre outros. Toda a área estudada
62
está inserida no planalto pré-litorâneo com altitude inferior a 800 metros. As
condições atmosféricas produziram ao longo do tempo um clima tropical que
apresenta maior umidade à medida que se aproxima do Oceano Atlântico, umidade
essa presente na quase totalidade do município de Itororó e na parte leste do
município de Itapetinga. As terras da área estudada são drenadas pelas bacias
hidrográficas do Leste, do rio Pardo e do rio Jequitinhonha, sendo que a maior
extensão situa-se nas terras banhadas pelo rio Pardo e seus afluentes. A vegetação
original corres
ponde à floresta tropical de Mata Atlântica, que se encontra quase que
totalmente desmatada para que, em seu lugar, a atividade de pecuária fosse
desenvolvida. Inexistem no espaço em questão áreas de proteção ambiental,
parques, reservas e quaisquer projet
os de assentamento de reforma agrária.
Parte significante dessas características compõem o estrato da área estudada
e caracterizam os elementos da paisagem. A ação humana tem, ao longo do tempo,
determinado mudanças no referido espaço e, sem dúvida, esses impactos resultam
da forma como o homem, em resposta ao desenvolvimento do sistema capitalista,
ou pela própria sobrevivência, transforma a natureza no sentido de obter mais valia
ou satisfazer suas necessidades primárias.
Antes de 1988, o IBGE havia dividido o Estado, assim como as demais
unidades da Federação em mesorregiões e microrregiões homogêneas. A partir de
então, essa fundação renomeou os espaços regionais e Itapetinga e demais
municípios incluídos na Microrregião Pastoril de Itapetinga passaram a fazer parte
da Microrregião Geográfica de Itapetinga. Segundo o IBGE, as características que
dão unidade a esse espaço vão desde a existência de condições naturais
adequadas ao criatório de gado bovino, à predominância de grandes propriedades
rurais, bem como ao fato de a lavoura ocupar um papel secundário. Esse recorte
espacial, polarizado pela cidade de Itapetinga, é composto por nove municípios e
vem passando por grandes transformações econômicas nas últimas décadas, com
desestruturação
da atividade ag
ropecuária
, implantação de atividades industriais,
como, por exemplo, a Indústria Calçados Azaléia S/A e aumento da população
urbana em detrimento da rural como mostra a tabela 1. No entanto, o presente
trabalho resulta da análise das principais feiras em cinco dos nove municípios da
Microregião Geográfica de Itapetinga. A escolha dos nove municípios demandaria
maior tempo para o desenvolvimento do projeto construído, o que levou o
pesquisador a escolher o município de Itapetinga, cuja sede é o único centro sub-
63
regional do espaço definido pelo IBGE, e quatro municípios de maior proximidade
geográfica dessa cidade e de maior distanciamento das cidades de Vitória da
Conquista e de Itabuna, ambas centros regionais
.
Tabela 1
Municípios da Área de Estudo
BA.
E
volução da população urbana no espaço sub
-
regional
Fonte: IBGE.
Censos Demográficos,
1970/2000.
U
Urbana
R
-
Rural
Esses quatro municípios, juntamente com o município de Itapetinga
constituem
-se no espaço sub-regional no qual a pesquisa se desenvolveu. Sendo
assim, a expressão espaço sub-regional, utilizada nesse trabalho, refere-se aos
municípios objetos de estudo, não constituindo assim, uma região proposta por
órgãos oficiais. As características mencionadas, a predominância de grandes
proprieda
des de terra caracterizando a estrutura fundiária local e o aumento
crescente da taxa de urbanização são condições que repercutem diretamente na
organização do sistema de feiras livres em análise. Nesse contexto, se deu o
desenvolvimento da pesquisa, com a análise das atividades feirenses desses
municípios (tabela 2), todos centros locais, exceto Itapetinga, considerado centro
sub
-regional, como foi mencionado. O interesse por esses municípios surgiu a partir
de contatos estabelecidos com suas paisagens, onde foi possível lançar um "olhar
geográfico" sobre eles e seus respectivos fenômenos. Dentre esses, optou-se pelo
estudo dessas atividades e a influência ou não que a feira livre de Itapetinga exerce
sobre as feiras da rede de centros locais da referida região, buscando-se classificar
essas atividades dentro dos Dois Circuitos da Economia, "circuito inferior" e "circuito
superior", conceitos construídos por Milton Santos, que serão discutidos, com maior
aprofundamento, no capítulo 3 desse trabalho.
1970
1980
1991
2000
Município
Total
U R Total
U R Total
U R
Total
U R
Maiquinique
7.944
2.870
5.074
7.345
3.056
4.289
7.833
4.056
3.777
7.326
5.208
2.118
Macarani
14.381
4.514
9.867
14.099
6.479
7.620
14.057
8.881
5.176
14.594
10.719
3.875
Itarantim
20.841
5.965
14.876
17.126
7.188
9.938
17.216
10.127
7.089
16.923
12.960
3.963
Itororó
19.347
7.730
11.617
21.860
9.529
12.331
20.510
15.924
4.586
19.799
16.627
3.172
Itapetinga
46.112
32.659
13.453
47.41
8
39.673
7.745
53.476
49.340
4.136
57.931
55.182
2.749
64
Vale ressaltar que não foi objetivo da pesquisa analisar o comércio formal
desses municípios, contudo, para se compreender essas feiras, como
mencionado, foi necessário analisar o contexto geral no qual são produzidas e
entra como suporte os dados referentes às atividades formais e outros aspectos
sócio
-
econômicos, que serão apresentados na seqüência desse texto.
Tabela 2
Municípios da Área de Estudo
-
BA
População, área, densidade demográfica e taxa de urbanização
-
2000.
Fonte: SEI, 2000 / IBGE
-
2000.
É importante salientar que a importância de Itapetinga enquanto centro sub-
regional dá-se pela quantidade de serviços e infra-estrutura que possui em relação
aos demais municípios. Ali está presente um dos
campus
da UESB (Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia), onde são oferecidos os cursos de Zootecnia,
Pedagogia, Engenharia de Alimentos, Engenharia Florestal, Química e Biologia, bem
como escolas particulares, hospitais, clínicas particulares, estabelecimentos
comerciais diversos, dentre outros serviços que atendem à população dos
municípios próximos.
As informações da tabela 1 possibilitam caracterizar a distribuição da
população nos cinco municípios selecionados. Itapetinga possui a maior população
absoluta. São 57.931 pessoas. Os demais municípios possuem uma população de
58.642, ou seja, o total da população dos quatro municípios se aproxima da
população itapetinguense. Quanto à taxa de urbanização, Itapetinga é também o
município que apresenta o maior crescimento da população urbana, mais de
95%
das pessoas habitam a sede municipal. Itororó, Itarantim, Macarani e Maiquinique
apresentam respectivamente 83%, 76%, 73% e 71% do contingente populacional
habitando nas áreas urbanas. Esses dados por si descrevem a distribuição da
população no espaço desses municípios, bem como o comportamento de cada sede
População
Municípios
Total
Urbana
Rural
Área
(km
2
)
Hab/km
2
Tax
a de
Urbanização
(%)
Maiquinique
7.326
5.208
2.118
415,30
17,66
71,09
Macarani
14.594
10.719
3.875
1.376,50
10,6
73,45
Itarantim
16.923
12.960
3.963
1.789,80
9,46
76,58
Itororó
19.799
16.627
3.172
331,90
59,65
83,98
Itapetinga
57.931
55.182
2.749
1.615,40
35,86
95,25
Total
116.573
100.696
15.877
5.528,90
26,53
80,06
65
em relação aos serviços oferecidos. Em conseqüência da diminuição crescente da
população do campo, a agricultura familiar tem sido menos desenvolvida, o que
implica de certa forma no abastecimento das feiras locais, que hoje são abastecidas
principalmente por produtos que se originam em outras regiões, em substituição aos
produtos que eram cultivados localmente. Pode-se afirmar que no caso de algumas
sedes municipais seu espaço tem crescido com a construção de novos bairros, que
muitas vezes não possuem infra
-
estrutura adequada.
Itarantim é o município que possui a maior extensão territorial, extensão essa
de 1.789,80 km
2
. Em seguida estão Itapetinga e Macarani com 1.615,40 e 1.376,50
km
2
respectiva
mente. Maiquinique possui uma extensão territorial de 415, 30 km
2
e
Itororó de 331,90 km
2
. Ambos constituem-se nos menores municípios do espaço
sub
-regional.
A classificação de Itapetinga como centro sub-regional determinou, num
primeiro momento, a escolha dos municípios para a realização da pesquisa. Foram
escolhidas sedes municipais que sofrem sua influência em relação a alguns
serviços. Dos municípios estudados, Itapetinga é o único que possui dois hospitais;
nos demais existe apenas um para cada sede respectivamente. Além de possuir um
hospital a mais, a quantidade de leitos é também superior se comparada aos das
demais cidades como descrito na tabela 3.
Tabela 3
-
Municípios da Área de Estudo
-
BA
Leitos hospitalares
2002
Fonte: SEI, 2002.
Embora a quantidade de leitos hospitalares itapetinguenses seja proporcional
ao total da população municipal, a existência de dois hospitais pode ser considerada
como indicador de que a saúde local caracteriza-se por possuir especialistas
permanentes em diversas áreas. Esta situação possibilita a procura desses
especialistas pela população dos municípios trabalhados, que, em suas respectivas
cidades e no espaço rural, tem acesso a apenas um ou dois médicos com uma ou
Municípios
Leitos
hospitalares
Maiquinique
12
Macarani
25
Itarantim
30
Itororó
52
Itapetinga
167
66
duas
especialidades, quando estes as possuem. Esta condição pode ser entendida
como mais um aspecto que assegura a Itapetinga a posição de centro sub-
regional,
já que seus serviços de saúde servem à população dos municípios do entorno.
Tabela 4
Municípios da
Área de Estudo
BA
Produtos temporários, área plantada (há), área colhida (há), quantidade
produzida e valor
2002.
Fonte: SEI, 2002.
Produtos
Total do
(s)
Estado/Municípios
Á
rea
pla
ntada
(ha)
Área
colhida
(ha)
Quantidade
produzida
(t)
Valor (mil
reais)
Total do Estado
2.181
2.181
18.810
4.156
Maiquinique
- - - -
Macarani
- - - -
Itarantim
- - - -
Itororó
15
15
179
42
Batata
-
doce
Itapetinga
- - - -
Total do
Estado
92.060
91.755
4.878.527
279.049
Maiquinique
40
40
3.600
93
Macarani
100
100
9.000
252
Itarantim
800
800
64.000
1.728
Itororó
100
100
8.000
224
Cana
-
de
-
açúcar
Itapetinga
50
50
3.000
84
Total do Estado
826.693
826.693
540.125
286.030
Maiquinique
100
100
60
54
Macarani
150
150
90
81
Itarantim
70
70
42
38
Itororó
30
30
18
17
Feijão
Itapetinga
10
10
6 5
Total do Estado
325.501
318.836
4.143.953
520.549
Maiquinique
100
100
1.200
32
Macarani
150
150
1800
50
Itarantim
80
80
960
26
Ito
roró
300
300
4.500
126
Mandioca
Itapetinga
60
60
900
24
Total do Estado
674.267
674.267
1.321.56
222.254
Maiquinique
50
50
38
7
Macarani
50
50
38
6
Itarantim
70
70
70
13
Itororó
20
20
18
3
Milho
Itapetinga
10
10
9 1
Total do Estado
5.145
5.145
170.653
56.084
Maiquinique
- - - -
Macarani
- - - -
Itarantim
6 6
90
45
Itororó
- - - -
Tomate
Itapetinga
- - - -
67
Ao longo do tempo, a forma de uso e ocupação do espaço sub-regional deu-
se privilegiando a atividade econômica agropecuária. Paralelamente ao
desenvolvimento das sedes municipais, ainda que de forma lenta, as atividades
comerciais e de serviços também se desenvolveram. A atividade industrial é muito
recente nos cinco municípios estudados e caracteriza
-
se pela produção d
e sandálias
e sapatos da Indústria de Calçados Azaléia S/A. Antes dela, o beneficiamento do
leite constituía-se na principal atividade de transformação da matéria-prima em
produtos industrializados, nesse caso, o leite (líquido) em leite em pó, em iogurte, e
em outros derivados.
A principal indústria que operava nesse setor era a Leite Glória do Nordeste
S/A, que possuía uma filial em Itapetinga e postos de recolhimento de leite nas
cidades do entorno. Atualmente, a maior empresa desse tipo de beneficiamento é a
Vale Dourado Ltd
a
, também localizada em Itapetinga e com pontos de coleta de leite
nas cidades próximas. Laticínios com baixa capacidade produtiva existem nos
demais municípios estudados. Em Maiquinique foi identificada duas dessas
unidades, a Laticínios Rocha e a Juruá Ltda. Em Itarantim, também existem duas
unidades, a Primos e a Três Estrelas. Esses laticínios especializam-
se
principalmente na produção de queijo e de manteiga.
A agricultura desenvolvida no espaço estudado destina
-
se em sua mai
or parte
ao consumo local e caracteriza-se por sua insuficiência para satisfazer essa
população, que hoje consome produtos vindos de outros municípios. Dentre esses
produtos, pode
-
se citar os do ramo hortifruteiro, derivados de farinha e cereais.
Das 19 culturas temporárias catalogadas, no Estado, pela SEI, no ano de
2002, seis são desenvolvidas nos municípios estudados, a saber: batata
-
doce, cana
-
de
-
açúcar, feijão, mandioca, milho e tomate. Por meio da tabela 4 é possível verificar
a participação dos municípios estudados em cada um dos produtos catalogados. A
batata
-doce é cultivada apenas no município de Itororó, sendo que nos demais não
se encontrou registro da produção dessa raiz. Sendo assim, pode se dizer que em
relação a esse produto, as feiras livres dos municípios em questão não são
abastecidas em sua totalidade pelas suas respectivas zonas rurais, exceto a feira
livre de Itororó. Durante a pesquisa de campo, percebeu-se que poucos pontos de
venda comercializavam esse produto; menor ainda era a quantidade vendida de
origem no próprio município. Em relação à cana-
de
-açúcar, todos os municípios a
produzem. Itarantim é aquele que destina maior extensão de suas terras ao plantio
68
da mesma. Pode-se afirmar que não existe uma relação direta entre o cultivo
da
cana
-
de
-açúcar nesses municípios e suas respectivas feiras livres, pois toda a cana
cultivada é destinada à produção de cachaça. Sem dúvida, uma pequena parcela do
líquido destilado abastece os bares locais, mas a maior parte da mesma destina
-
se à
expor
tação para outros municípios e estados. Itarantim é conhecido em nível
estadual e regional pela “pinga” de qualidade que produz, daí se destacar entre os
municípios por produzir 64.000 t de cana-
de
-açúcar no ano de 2001 enquanto os
outros municípios juntos produziram 23.000 t/ano. Maiquinique e Macarani
destacam
-se na produção de feijão e mandioca. No caso desse último produto, sua
maior produção ocorre no município de Itororó, que, sozinho, é responsável por um
total correspondente à soma de toda a produção dos outros quatro municípios.
Enquanto no ano de 2001 a produção anual dos quatro municípios foi de 4.860,
Itororó produziu sozinho 4.500 toneladas. Pode se afirmar que parte do feijão e dos
derivados da macaxeira comercializada nas feiras estudadas tem suas origens nos
próprios municípios, embora, como ficou evidente na pesquisa de campo, boa parte
desses produtos provêm de outras localidades. O milho também é uma cultura
praticada nos municípios, mas, pela quantidade produzida, pode-se inferir que sua
p
rodução serve à população local e em alguns casos é insuficiente para a criação de
aves como se pode observar no caso de Itapetinga. Ao contrário, Itarantim é o único
que pode comercializar esse produto com outras regiões que no ano de 2001
chegou a produzir 70 toneladas desse cereal. Em relação ao tomate, Itarantim
também se desponta, sendo o único município que o produz. Sua produção é
insuficiente para o consumo local e está associada à presença da agrovila. Na
década de 1980, um dos prefeitos desse município comprou 27 hectares de terra
distante cerca de três quilômetros da sede municipal e distribuiu os títulos para
famílias pobres. Essas famílias passaram a produzir para o consumo e para a
comercialização dos produtos na sede e em sua feira municipal. Ainda hoje parte
dos produtos produzidos na “comunidade” da Agrovila destina-se ao abastecimento
da feira de Itarantim, dos quais o tomate também é um dos produtos
comercializados.
69
Tabela 5
-
Municípios da Área de Estudo
-
BA
Produtos permanen
tes, área plantada (ha), área colhida (ha), quantidade
produzida e valor
-
2002.
Fonte: SEI, 2002.
Comparando a produção das culturas temporárias nos municípios onde suas
principais feiras foram estudadas pode-se afirmar que Itapetinga é o que mais se
diferencia em relação à quantidade dos produtos produzidos, no conjunto dos
municípios, ocupando quase sempre a última posição em relação aos demais. Esta
Produtos
Total do
Estado/Municípios
Área
plantada
(ha)
Área
colhida
(ha)
Quantidade
p
roduzida
(t)
Valor (mil
reais)
Total do Estado
49.118
49.079
58.752
101.939
Maiquinique
2 2 2 1
Macarani
2 2 2 1
Itarantim
3 3 3 1
Itororó
100
100
100
57
Banana
Itapetinga
5 5 4 2
Total do Estado
608.299
606.835
137.568
222.0
43
Maiquinique
- - - -
Macarani
- - - -
Itarantim
- - - -
Itororó
5.548
5.548
1.664
2.462
Cacau (em
amêndoa)
Itapetinga
- - - -
Total do Estado
134.616
116.326
129.948
225.296
Maiquinique
- - - -
Macarani
35
35
25
53
Itarantim
- - - -
Itororó
100
100
90
197
Café
Itapetinga
- - - -
Total do Estado
78.270
76.775
402.937
146.190
Maiquinique
- - - -
Macarani
3 5 6 2
Itarantim
- - - -
Itororó
12
12
30
10
Coco da
Baía
Itapetinga
18
18
42
15
Total do Estado
49.062
49.062
3.337.542
79.368
M
aiquinique
- - - -
Macarani
- - - -
Itarantim
5 5
145
10
Itororó
- - - -
Laranja
Itapetinga
- - - -
70
posição revela o fato de que a agricultura não é uma atividade relevante para os
principais agentes produtores daquele espaço que ainda vêem a pecuária extensiva
como a forma mais lucrativa de uso e ocupação do espaço. Essa realidade também
reflete o fato de Itapetinga possuir a maior taxa de urbanização dos municípios
estudados como mostra a tabela 2.
Em
relação às culturas permanentes, a SEI catalogou 23 culturas no Estado,
das quais apenas cinco são desenvolvidas nos municípios em questão. A cultura da
banana está presente em todos os municípios, o coco da baía desenvolve-se em
três deles, exceto em Maiquinique e Itarantim, o café é plantado em Itororó e em
Macarani e o cacau e a laranja, respectivamente, em Itororó e em Itarantim. A tabela
5 permite uma maior visualização da distribuição da produção nos municípios em
questão. Por meio dela pode-se inferir que a quantidade de banana produzida na
maioria dos municípios é insuficiente para o abastecimento local, sendo então
necessário comprá-la em outros municípios ou centros de distribuição. Apenas o
município de Itororó tem uma produção suficiente para o consumo local e o
abastecimento de outras localidades. Sem dúvida, o uso e a ocupação do solo na
zona rural do município de Itororó determina o desenvolvimento dessa cultura que se
utiliza do mesmo espaço onde o plantio do cacau e do café se dá, culturas e
ssas
beneficiadas por uma maior umidade do ar e pela presença de árvores,
principalmente no caso da cultura do cacau. Por conta da relação existente entre
essas culturas e as características naturais, esse município é o único que cultiva o
cacau e destaca-se como maior produtor de café e de banana no grupo dos
municípios trabalhados. Quanto à produção do coco da baía e da laranja, pode-
se
afirmar que não destaque em suas produções, pois além da pouca
expressividade em toneladas, elas não são culturas desenvolvidas em todos os
cinco municípios.
Vale ressaltar que dos poucos produtos catalogados pela SEI, a banana e a
laranja são os únicos que possuem maior possibilidade de se inserirem como
mercadoria nas feiras livres locais. No caso da banana, os municípios e suas
respectivas feiras se abastecem com a banana produzida em Itororó. A laranja
satisfaz parte pequena do consumo de Itarantim e dos demais municípios
pesquisados. Isso se pelo fato de serem produzidas 145 toneladas/ano. O café e
o coco são consumidos nos municípios onde são cultivados e, no caso do café,
parte do mesmo é exportada. Dos cinco produtos catalogados, o cacau é o único
71
que se destina em sua totalidade a outras regiões, estado ou países, onde é
beneficiado e consumido.
Um dos carros-chefe da economia local continua sendo a pecuária, que, como
foi mencionado, vem perdendo importância no contexto sub-regional por conta,
entre outros fatores, da não modernização de sua prática e a concorrência com
áreas do país mais próximas do grande mercado consumidor. Mesmo nessa
situação, a criação de gado não deixou de ser uma atividade que ainda determina,
como em tempos passados, a organização do espaço rural, que por sua vez
interfere na dinâmica do espaço urbano. A tabela 6 mostra a extensão dos
municípios, a quantidade de gado bovino presente em cada um, dentre ouras
informações.
Aproximadamente 3,2% do rebanho de gado bovino do Estado da Bahia ocupa
o espaço rural dos municípios estudados. A porcentagem de 3,2% é pequena,
contudo, o fato de em apenas cinco, dos 417 municípios baianos, estar concentrado
essa parcela do total do efetivo do rebanho bovino na unidade federativa em
questão mostra a importância da pecuária para a economia da área estudada.
Observando cada município em particular, e considerando-se os valores absolutos,
Itarantim é aquele que possui maior quantidade de cabeças de gado, em seguida
aparece Itapetinga, Macarani, Itororó e Maiquinique. Embora Itororó maximize o uso
e a ocupação do seu espaço com a pecuária, o desenvolvimento da mesma é
expressivo em todo o espaço sub-regional e, como já mencionado, é a atividade que
mais valida a produção da renda nesse espaço. Nesse contexto, outros dois
indicadores que merecem destaque são a quantidade de vacas ordenhadas em
relação ao gado bovino total dos respectivos municípios, bem como o total de leite
produzido em cada um deles. A quantidade de vacas leiteiras não se diferencia
muito nos municípios se se observa a densidade das cabeças de gado em cada um.
Porém, se num total de 313.631 cabeças de gado no espaço sub-regional, apenas
25.437 são vacas produtoras de leite, pode-se afirmar que a maioria do gado criado
nesse espaço é composta por bois que se destinam ao abatimento e à venda para
outros municípios e regiões. Quanto à produção de leite, o município que possui a
maior quantidade de vacas ordenhadas é aquele que também mais produz leite por
ano, nesse caso Itororó. Apenas uma pequena parcela desse leite é destinada ao
consumo local. Um montante maior destina-se às indústrias locais que compram e
transformam o produto bruto em queijo, iogurte, leite em pó, produtos esses que são
72
distribuídos para municípios do Estado, inclusive para sua capital, Salvador. Esses
produtos dificilmente são comercializados nas feiras livres estudadas, pois são
considerados itens secundários em relação aos produtos de maior necessidade para
a população, como feijão, arroz, carne e verduras e, geralmente, são encontrados
em alguns mercados.
A análise feita a partir do total do gado bovino, da quantidade de vacas
ordenhadas e da produção de leite em cada município, permite afirmar que o
desenvolvimento da pecuária não trouxe para esses municípios um desenvolvimento
que atendesse a todas as classes sociais. Se essas características fossem
suficientes, as cidades de Itarantim e Itororó estariam ocupando posição similar à de
Itapetinga, uma vez que o maior efetivo bovino e de vacas ordenhadas (maior
produção de leite) estão em seus respectivos espaços rurais. Um dos fatores que
determinou esse fraco desenvolvimento nas duas cidades e também em Macarani e
Maiquinique foi o fato de que quase sempre os proprietários não residem nas sedes
municipais correspondentes aos municípios onde suas propriedades se localizam.
Sendo assim, possivelmente não se sentem na condição de agentes que poderiam
atuar na melhoria da infra-estrutura e dos serviços desses centros locais. Itapetinga,
porém, desde o início do desenvolvimento da pecuária, tornou-se o local de moradia
desses proprietários.
Tabela 6
-
Municípios da Áre
a de Estudo
-
BA
Rebanho bovino (cabeças)
2002
Fonte: SEI, 2002.
Indicadores Municípios
Área (km)
Gado
bovino
Cabeça/km
2
Vacas
ordenha
das
Leite
(mil litros)
Maiquinique
415,30 30.293 72,94 1.889 665
Macarani 1.376,50 53.576 38,92 3.566 1.245
Itarantim 1.789,80 95.162 53,16 5.195 1.813
Itoro 331,90 47.422 142,88 7.809 2.743
Itapetinga 1.615,40 87.178 52,96 6.978 2.360
Total 5.528,90 313.631 56,72 25.437 8.826
Total do
Estado
567.295,03
9.556.752 16,84 1.508.904
724.897
73
Em se tratando de instituições financeiras, a cidade de Itapetinga possui
quatro agências bancárias e os demais municípios possuem uma agência bancária
cada um. A existência ou não dessas instituições em qualquer cidade pode ser um
indicador da quantidade de capital que circula em suas respectivas economias.
Sendo assim, por possuir uma maior quantidade de bancos, pode-se inferir que
Itapetinga possui um certo dinamismo econômico resultante também da quantidade
dessas instituições, que, certamente, não se instalariam onde não houvesse a
possibilidade de lucratividade. Itororó, embora possua uma agência, chegou a
possuir três instituições bancárias e revelava em sua paisagem e no seu conteúdo
social e econômico o tempo em que a produção do cacau era, sem dúvida, uma de
suas principais atividades econômicas nessa época, o município tentava responder
ao consumo de cacau em alguns países e aproximar-se do dinamismo de Ilhéus e
Itabun
a, municípios que se destacaram no desenvolvimento da cultura cacaueira,
nas primeiras décadas do século passado. Maiquinique, Macarani e Itarantim, os
mais distantes das cidades mencionadas, da mesma forma que Itororó, possuem
apenas uma agência bancária, o que permite afirmar que suas economias são
pouco dinâmicas no contexto sub
-
regional.
Um outro elemento que deve ser considerado como relevante na análise
econômica de qualquer região é a existência ou não de empresas registradas e a
quantidade delas no espaço em questão. Segundo o IBGE, no ano de 1998, em
Maiquinique, existiam 52 empresas com CNPJ. Em Macarani foram registradas 47 e
em Itarantim, Itororó e Itapetinga registrou-se respectivamente 130, 272 e 994.
Esses dados confirmam o fato de Itapetinga despontar, em relação aos quatro
municípios, como centro econômico e de serviços, uma vez que a soma das
empresas dos outros municípios não chega nem à metade do total de suas
empresas. Essas empresas, independente em qual município se localizam, são de
di
versas especialidades, como indústrias de transformação, serviços de construção,
comércio e outros serviços sociais.
Outros indicadores analisados e que possibilitaram uma maior compreensão
da organização do espaço sub-regional referem-se à renda dos habitantes desses
municípios. A tabela 7 descreve de forma detalhada a distribuição da população em
relação à renda mensal.
A analise dos dados possibilita descrever a situação financeira da população
desses municípios. Essa situação refere-se à população municipal com tempo de
74
vida superior a 10 anos de idade, sendo assim, os moradores com idade inferior a
essa não foram considerados no universo de análise. Este limite foi definido pelo
IBGE e aceito porque inexistem dados desse tipo, específicos para cada fai
xa etária.
Os municípios de Itapetinga e Macarani são os que possuem uma menor parcela da
população sem rendimentos, 40% e 46%, respectivamente, em comparação aos
municípios de Maiquinique, Itororó e Itarantim, que possuem, respectivamente,
46,6%, 47% e 50
% da população analisada sem rendimentos.
Tabela 7
-
Municípios da Área de Estudo
-
BA
Renda nominal mensal
Absoluta e Relativa 2000
Fonte: IBGE, 2000.
A
Renda Absoluta
R
Renda Relativa
Em relação à fatia da população que recebe até um salário
mínimo,
Maiquinique e Macarani são os municípios que possuem 37% da população
analisada nessa faixa salarial. Do grupo dos municípios, Itapetinga é aquele que
possui menos habitantes nessa faixa salarial, ou seja, 33%. Itororó e Itarantim estão
numa posiçã
o intermediária, entre os municípios do primeiro grupo e Itapetinga. 10%
da população analisada dos cinco municípios recebe mensalmente mais de um a
dois salários mínimos, exceto em Itapetinga, que apresenta 15% da população
recebendo esse valor. Em relação aos outros intervalos salariais, mais de dois a
cinco, mais de cinco a dez e mais de dez salários mínimos, Itapetinga é o município
que apresenta, em relação a todos os outros, mais pessoas que recebem salários
dentro desses intervalos, ou seja, 12% de sua população. Em Itarantim, 5%, em
Maiquinique, 6,4%, e em Macarani e Itororó, 7% de sua população recebe salários
Municípios/Renda
-
Absoluta e Relativa
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Renda
A R A R A R
A R A R
Até 1 s.m
2.136
37
4.243
37
4.779
35
5.698
36
15.151
33
Mais de 1 a 2 s.m
571
10
1.135
10
1.427
10
1.636
10
6.869
15
Mais de 2 a 5 s.m
231
4
556
5
403
3
769
4
3.427
7
Mais de 5 a 10 s.m
104
2
122
1
171
1
241
2
1.519
3
Mais de 10 s.m
25
0,4
70
1
81
1
135
1
815
2
Sem rendimento
2.701
46,6
5.295
46
6.835
50
7.546
47
19.194
40
População analisada
5.768
11.421
13.696
16.025
46.975
População Absoluta
7.326
14.594
16.923
19.799
57.931
75
correspondentes aos intervalos citados. A partir da leitura da tabela 7 pode-
se
afirmar que o rendimento mensal da população dos municípios trabalhados,
levando
-se em conta os intervalos salariais, apresenta características semelhantes,
ou seja, a maioria da população do espaço sub-regional não possui rendimento
algum. Os que recebem até um salário mínimo mensal correspondem a mais de
33% dos habitantes dos respectivos municípios. Aqueles que mensalmente dispõem
de mais de um a dois salários mínimos perfazem menos de 15% da população.
Pode
-se afirmar que à medida que os intervalos salariais aumentam, a população
diminui. Por exemplo, menos de 2% da população desses municípios recebe mais
de dez salários mínimos/mês. Pode-se afirmar, desse modo, que a maioria da
população do espaço estudado não tem nenhuma renda ou recebe menos de um
salário mínimo por mês. Essa realidade impede que a maioria das pessoas das
respectivas cidades e do espaço rural tenha acesso ao mínimo de lazer e a uma
educação e saúde de qualidade. Estas pessoas certamente alimentam o alto índice
de desemprego no espaço em questão. Essa situação naturalmente determina a
forma de
organização e uso do espaço urbano e rural, que por sua vez gera também
a realidade descrita. Sem dúvida, por conta do desemprego, o comércio e as feiras
de cada município não apresentam um crescimento em suas vendas, determinando,
assim, sua dinâmica. Embora a análise acima descreva a realidade dos cinco
municípios, Itapetinga constitui-se numa exceção, pois a população que recebe
menos de um salário e que não possui rendimentos é menor, apresentando mais
habitantes que são assalariados com mais de um a dois, mais de dois a cinco, mais
de cinco a dez e mais de dez salários mínimos, ou seja, a população itapetinguense
é a melhor assalariada em relação aos demais municípios integrantes do espaço em
que a pesquisa se desenvolveu. Isso se em conseqüência de concentrar em seu
espaço uma maior diversidade de serviços ligados à educação, como universidades,
escolas particulares de ensino fundamental e médio, sedes de órgãos estaduais e
federais, mais bancos e um comércio mais dinâmico e diversificado, além de po
ssuir
uma população mais escolarizada em relação a dos outros municípios.
76
Tabela 8
-
Municípios da Área de Estudo
-
BA
População com acesso a geladeira, televisão, telefone e computador
2000
Municípios
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itoro
Itapetinga
Bens
1999
2000
1999
2000
1999
2000
1999
2000
1999
2000
Acesso à geladeira
26,3
44,3
28,2
44,8
24,3
49,5
33,1
51,1
50,7
71,5
Acesso à televisão
33,5
66,4
36,6
71,1
38,5
68,6
43,5
80,7
64,7
87,0
Acesso ao telefone
2,8
5,8
4,0
4,3
2,1
8,6
7,9
10
,9
12,9
16,7
Acesso ao
computador
ND
1,6
ND
1,3
ND
0,7
ND
1,5
ND
4,1
Fonte: IBGE, 2000.
ND
-
Não disponível
O acesso a alguns bens e serviços indica de certa forma o comportamento e
o padrão de vida de uma população, num determinado espaço. A tabela 8 mostra a
parcela da população dos referidos municípios que tem acesso à geladeira, à
televisão, ao telefone e ao computador. Está claro que em todos eles houve um
aumento dos habitantes com acesso a esses bens. De 1991 a 2000, o município em
que a população com acesso a geladeira menos cresceu foi Maiquinique, 17% da
população adquiriram esse bem. Itarantim foi o município onde a população passou
a utilizá-la mais, havendo um aumento de 25%. Em relação à parcela da população
que passou a usar televisores, houve um aumento de mais de 29% dos habitantes
utilizando o aparelho, exceto em Itapetinga, em que 22,3% das pessoas passaram a
ter acesso a ele. Entretanto, é importante salientar que Itapetinga, segundo o censo
de 2000, é o município, no grupo dos estudados, que possui maior parcela da
população com acesso à TV, ou seja, 87% de sua população. Itapetinga lidera
também em quantidade de pessoas com disponibilidade de linha telefônica, 16,7%
de sua população tem acesso ao telefone. Macarani está em último lugar, com
apenas 4,3%. É importante salientar que nos últimos dez anos houve um aumento
de 3% da população com acesso a linhas telefônicas em todos os municípios, exceto
em Itarantim, onde o crescimento foi maior, de 6,5%. Em relação à quantidade de
pessoas com acesso a computadores, pode-se afirmar que uma parcela muito
pequena da população de todos os municípios tem acesso a ele. Os itapetinguenses
77
são os que têm mais acesso a esse aparelho, 4,1% de sua população o utilizam com
freqüência, ao passo que Itarantim é o município que possui menos pessoas
utilizando
-o, apenas 0,7%. A possibilidade de venda a crédito com distribuição do
valor do bem adquirido em várias parcelas e a difusão de pequenas lojas de
eletrodomésticos em todas as sedes municipais possibilitaram maior acesso das
pessoas a esse bem. O telefone e o computador são os bens menos utilizados no
conjunto de todos os municípios. Os dados da tabela confirmam o fato de Itapetinga
ser o município onde a população, se comparada a dos demais municípios, tem
maior acesso a esses bens. Sem dúvida, esse comportamento contribui para que
Itapetinga exerça uma posição de comando no espaço em questão, sendo
considerada centro sub-regional. Uma maior quantidade de pessoas tendo acesso
ao conjunto desses bens em todos os municípios, principalmente no caso da
televisão, que atinge maior parte da população, contribui para uma mudança de
comportamento na população. Os hábitos são modificados e moldados de acordo
com os interesses da mídia e de quem está por trás dela. Não cabe afirmar que o
acesso aos meios de comunicação produz comportamentos transformadores dos
hábitos locais, determinando, assim, a escolha das pessoas em relação aos locais
de compra dos produtos que lhe são necessários, porém, esse fato não deve deixar
de ser discutido, uma vez que, ao mudar os hábitos da população, o costume de ir à
feira pode transformar-se. A cultura de comprar em mercados e supermercados
pode, ao longo do tempo, substituir o hábito de comprar na feira.
Além das
inf
ormações analisadas deve-se mencionar também outros dados para
caracterizar a situação sócio-econômica da população dos municípios estudados. A
tabela 9 mostra alguns desses aspectos.
A análise dos dados da tabela 9 permite afirmar que, nos municípios e
m
questão, houve avanço praticamente em todos os indicadores sociais e econômicos
de 1999 a 2000. O único indicador que não avançou no grupo dos cinco municípios
foi o índice de gini que aumentou em Maiquinique e em Itarantim, mostrando que a
distribuição de renda se intensificou nesses municípios, ou seja, ela está mais
concentrada no grupo minoritário e de maior poder aquisitivo da população. O
município de Itororó manteve o mesmo índice, enquanto que nos municípios de
Macarani e Itapetinga esse índice diminuiu, demonstrando uma pequena diminuição
na concentração de renda nesses municípios. Quanto à taxa de mortalidade infantil,
Maiquinique foi o município em que houve a maior redução de mortes de 1999 a
78
2000, em seguida aparecem os municípios de Itarantim, Macarani, Itapetinga e
Itororó, esse último apresentou menor redução, além de ostentar a maior taxa de
mortalidade infantil no conjunto dos municípios, ao contrário de Itarantim, que possui
a menor taxa.
Tabela 9
-
Municípios da Área de Estudo
-
BA
In
dicadores sócio
-
econômicos
-
1999/2000
Fonte: IBGE, 2000.
* Até 1 ano de idade em cada grupo de 1000 nascidos vivos.
** Em R$ de 2000
*** Refere-se a concentração de renda. Quanto mais próximo de 1 a concentração de
renda é maior
Em relação à expectativa de vida, todos os municípios apresentam uma
média de vida inferior à média nacional, 68 anos. No conjunto dos municípios,
Itarantim é aquele que apresenta melhor esperança de vida ao nascer,
diferentemente de Itororó, que possui a menor. Os demais apresentam índice de
longevidade semelhante. Em relação à taxa de analfabetismo, Itapetinga apresenta
a menor e Macarani a maior. Esse último é o único município do grupo estudado que
implantou o curso de formação de professores para o início e conclusão do curso de
Pedagogia com recursos próprios e em parceria com a Universidade Estadual da
Bahia. A iniciativa mostra a preocupação do poder público municipal em melhorar a
qualidade da educação, bem como planejar ações que diminuam o número de
analfabeto
s. Em relação à renda per capita, percebe-se que houve aumento da
mesma em todos eles. Itapetinga detém a população com maior renda e Macarani é
o que possui a menor. É interessante observar que exatamente nesses municípios a
Municípios
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Indicadores
1999
2000
1999
2000
1999
2000
1999
2000
1999
2000
Mort
alidade
infantil*
73,8
49,2
61,3
39,2
62,5
38,6
75,8
58,6
60,2
39,7
Esperança de
vida (anos)
59,0
63,1
61,5
65,9
61,3
66,1
58,6
60,7
61,8
65,8
Taxa de
analfabetismo
55,9
42,0
60,2
47,1
53,0
34,5
55,6
44,0
39,9
28,4
Renda per capita
média**
56,4
98,0
66,
4
93,8
52,3
98,8
70,8
109,0
120,4
160,3
Índice de gini***
0,51
0,52
0,59
0,51
0,47
0,58
0,55
0,55
0,62
0,59
IDH municipal
0,505
0,623
0,510
0,637
0,528
0,659
0,528
0,625
0,614
0,700
79
concentração de renda é menor. O IDH, indicador resultante do cruzamento da
renda
per capita, da taxa de analfabetismo e da expectativa de vida cresceu nos
referidos municípios nos últimos anos. Itapetinga é aquele que possui o mais alto e
Maiquinique o que apresenta o mais baixo. O fator que mais contribuiu para esse
crescimento foi o maior acesso da população à escola, bem como a melhoria da
qualidade da educação, seguidos pelo aumento da renda e da longevidade.
Embora haja uma evolução desses indicadores em todos os municípios,
sabe
-se, como foi demonstrado na tabela 7, que a maioria da sua população vive
sem rendimentos e/ou com menos de um salário mínimo por mês. Mais uma vez fica
evidente que o município de Itapetinga se destaca em relação aos demais por
possuir melhor colocação na maioria dos indicadores descritos na tabela 9.
As informações e as análises construídas nesse capítulo possibilitam
conhecer e compreender a organização do espaço onde a pesquisa se desenvolveu.
Essas observações certamente possibilitam entender a organização do espaço, bem
como do seu uso, e, ao mesmo tempo, imaginar a paisagem resultante da interação
de todos esses elementos. Sem dúvida, caberia nesse capítulo a análise de outras
informações, como daquelas ligadas às manifestações culturais mais signific
ativas
para o conjunto de sua população. Além disso, dados referentes à produção da
indústria de Calçados Azaléia, bem como as relações trabalhistas construídas nos
seus galpões. No entanto, em qualquer trabalho com esse formato, é preciso
delimitar o tipo de informação a ser trabalhada, por conta disso, não foi possível
expandir a análise para outros dados. Outro fator limitante é a indisponibilidade de
informações sobre esses municípios, uma vez que a temática em discussão é um
tema pouco analisado em tra
balhos científicos.
Toda discussão construída e a percepção do movimento que se
nesse espaço não está separada da produção das feiras livres de cada um desses
municípios. Os elementos discutidos acima, bem como a sua dinâmica, repercutem
nas feiras. Feiras essas que respondem ou não a esse movimento da sociedade, na
qual também estão inseridas. Nas páginas seguintes as feiras pesquisadas serão
descritas, o que possibilitará conhecê
-
las e identificar as suas peculiaridades.
80
3 A PRODUÇÃO SÓCIO
-
ECON
ÔMICA DAS FEIRAS
3.1 OS MEANDROS DO CIRCUITO INFERIOR NA FEIRA
O desenvolvimento do modo de produção capitalista tem produzido diferentes
realidades sociais e espaciais. Essas realidades caracterizam-se pela existência de
uma massa de pessoas que recebe salários baixos, trabalham esporadicamente ou
não tem nenhum rendimento, convivendo ao lado de uma minoria com rendas
elevadas (SANTOS, 1979, p. 29). Esse quadro cria uma divisão entre aqueles que
podem consumir permanentemente o que necessitam e aqueles que, mesmo tendo
necessidades, não podem satisfazê-las. Esse contexto cria diferenças quantitativas
e qualitativas no consumo nas diferentes cidades do mundo subdesenvolvido,
diferenças essas que se expressam nos circuitos de produção, distribuição e
consu
mo dos bens e serviços, produzindo, assim, dois subsistemas dentro da
economia desses países, a saber, o circuito superior e o circuito inferior.
Um desses circuitos é o resultado direto da modernização tecnológica e uma
de suas características é o desenv
olvimento de atividades modernas que beneficiam
a poucos. O outro resulta de um mesmo processo, mas com resultados inversos,
onde os indivíduos beneficiam-se parcialmente das atividades ligadas a essa
modernização. É nesse sentido que o modo de produção capitalista produz regiões
que dependem de outras e subsistemas que são subordinados a outros.
Essa modernização tecnológica produz transformações na estrutura do
trabalho, que se reproduz diferentemente em regiões e países. Santos (1979, p. 29),
ao discuti
r essa transformação, afirma que
[...] quanto à agricultura, ela também vê diminuir seus efetivos, ou porque é
atrasada ou porque está se modernizando. Essa é uma das explicações do
êxodo rural e da urbanização terciária; nas cidades dos países
subdesenvo
lvidos, o mercado de trabalho deteriora-se e uma porcentagem
elevada de pessoas não tem atividades nem rendas permanentes.
Em se tratando do recorte espacial onde a pesquisa se desenvolveu, pode-
se
afirmar que o aumento do desemprego está associado, principalmente, às
transformações ocorridas no espaço rural sub-regional: a agricultura tradicional não
se modernizou, ao contrário, tem sido substituída pelas pastagens. Boa parte dos
desempregados tem sua origem na zona rural. Antes de migrarem para as cidad
es
desenvolviam a agricultura familiar ou de subsistência, comercializando os
81
excedentes nas feiras locais. Enquanto de um lado ocorre a diminuição do emprego
na agricultura e na indústria, provocada pela modernização tecnológica, sendo essa
última mais presente nas grandes cidades, por outro lado, a força de trabalho não
para de aumentar. Conseqüentemente, criam-se atividades de pequenas
dimensões. Essas atividades estão presentes em diferentes sociedades e cidades e,
aquelas ligadas ao comércio, ocorrem geralmente nos espaços livres blicos. No
caso dos municípios estudados, os vendedores ambulantes não chegam a fazer
parte do cenário urbano. Não se pode dizer que tem havido um aumento do número
de feirantes-comerciantes por conta desse aumento do desemprego, pois a
dimensão das feiras não tem aumentado, nem tão pouco a quantidade dos que
compram na feira. A existência das feiras não está ligada a esse aumento de
desempregados, que em nas pequenas atividades a possibilidade para
sobreviverem, entretanto, essa transformação ocorrida no campo tem provocado
mudanças no tocante ao abastecimento das mesmas, quanto à origem e à
quantidade dos produtos comercializados.
Santos (1979, p. 31) afirma ser o circuito superior constituído,
[...] pelos bancos, comércio e indústria de exportação, indústria urbana moderna,
serviços modernos, atacadistas e transportadores. O circuito inferior é constituído
essencialmente por formas de fabricação não-‘capital intensivo’, pelos serviços
não
-modernos fornecidos ‘a varejo’ e pelo comércio não-moderno e de pequena
dimensão.
São várias as atividades que podem ser incluídas nos dois circuitos da
economia. O autor afirma ainda que não uma definição rígida entre os usuários
dos dois circuitos, considera que tanto uma população de médio poder de compra,
como a de baixo poder pode adquirir seus produtos no circuito não-moderno e de
pequena dimensão, nesse caso, a feira livre. Antes de prosseguir a discussão sobre
as diferentes classes que se utilizam da feira para adquirir seus produtos de
consumo, cabe definir qual conceito de classe média e de população pobre foi
aplicado a esse trabalho. Santos (1979, p. 38) afirma ser difícil definir o conceito de
classe média, visto que os critérios de ordem cultural freqüentemente vêm in
terferir
nos de ordem econômica, mas ressalva ser essa classe formada por assalariados de
todo tipo que se situam acima do nível de subsistência, mais os proprietários e
empresários cujos ganhos são insuficientes para que passem para as classes
superiores.
Quanto aos pobres, o autor os define como;
82
[...] aqueles que não têm acesso, de modo regular, aos bens de consumo
corrente considerados como o mínimo indispensável numa certa sociedade.
Muito raramente têm acesso ao crédito institucional e representam o e
ssencial da
clientela dos pequenos estabelecimentos comerciais ou artesanais
...
Trata-
se,
em geral, dos não-empregados e dos subempregados, mas também dos
assalariados que recebem muito pouco (p. 38).
Para efeito de compreensão das classes que fazem
uso das feiras, aceitou
-
se
a definição dada por Santos em relação a elas. Cabe ainda afirmar que a depender
da dimensão das cidades e das atividades nelas desenvolvidas os conceitos de
classe média e de classe popular devem ser relativizados. Sendo assim,
a
população pobre das sedes dos municípios de Maiquinique, Macarani, Itarantim e
Itororó, se comparada a essa mesma população no município de Itapetinga, possui
pouco ou nenhum acesso a bens de consumo para satisfazer suas necessidades
básicas. Isso decorre do fato de a população itapetinguense possui melhores
rendimentos que a população dos demais municípios como mostra a tabela 7. É
importante salientar que a maioria dos dados utilizados para construir as tabelas
desse capítulo, logo, as interpretações resultantes da análise de cada uma delas,
são provenientes do trabalho de campo, constituindo-se, portanto, de dados
primários.
Os dados da tabela 7 mostram que em todos os municípios, exceto em
Itapetinga, mais de 80% da população analisada vive sem rendimentos e/ou recebe
até meio salário mínimo mensal. Em todos eles os que recebem mais de dois
salários mínimos correspondem a menos de 7,5%, exceto Itapetinga, onde mais de
11% da população recebe esse rendimento. Essa diferença de distribuição de renda
entr
e Itapetinga e demais municípios permite inferir que um único critério, seja ele
qual for, não deve ser utilizado para identificar e tipificar as classes sociais nesses
municípios. Itapetinga apresenta uma população com melhores rendimentos, se
comparados
ao rendimento populacional dos outros quatro municípios. Essa
realidade determina diferentes comportamentos de sua principal feira livre se
comparada às feiras livres das outras sedes municipais.
Antes da análise do circuito inferior nas feiras livres estudadas, faz-
se
necessário definir as características mais importantes de cada circuito. O quadro 1
apresenta essas características que foram definidas por Santos (1979, p. 34).
As feiras livres não apresentam todas as características descritas nesse
quadr
o, entretanto algumas delas estão presentes no
acontecer”
semanal de cada
83
uma. Das características do circuito inferior, as presentes na produção dessas feiras
relacionam
-
se:
À organização das atividades;
Ao valor de capitais empregados pelo comerciante para a manutenção do
negócio;
Ao emprego e às relações entre “patrão” e empregado;
Ao comportamento do estoque;
Ao funcionamento dos preços;
À utilização dos créditos;
À margem de lucro;
À relação entre o feirante
-
comerciante e a clientela;
À publicidade.
Q
uadro 1
Características dos circuitos econômicos
Características
Circuito superior
Circuito inferior
1. Tecnologia
2. Organização
3. Capitais
4. Emprego
5. Assalariado
6. Estoques
7. Preços
8. Crédito
9. Margem de lucro
10. Relações com a
cliente
la
11. Custos fixos
12. Publicidade
13. Reutilização dos
bens
14.
Overhead capital
15. Ajuda governamental
16. Dependência direta
do exterior
1. Capital intensivo
2. Burocrática
3. Importantes
4. Reduzido
5. Dominante
6. Grande quantidade
e/ou alta qualida
de
7. Fixos (em geral)
8. Bancário institucional
9. Reduzida por unidade,
mas importante pelo
volume de negócios
(exceção produtos de
luxo)
10. Impessoais e/ou com
papéis
11. Importantes
12. Necessária
13. Nula
14. Indispensável
15. Importante
16. Grande
, atividade
voltada para o exterior
1. Trabalho intensivo
2. Primitiva
3. Reduzidos
4. Volumoso
5. Não
-
obrigatório
6. Pequena quantidade,
qualidade inferior
7. Submetidos à
discussão entre
comprador e vendedor
(
haggling
)
8. Pessoal não-
institucional
9. Ele
vada por unidade,
mas pequena em
relação ao volume de
negócios
10. Diretas,
personalizadas
11. Desprezíveis
12. Nula
13. Freqüente
14. Dispensável
15. Nula ou quase nula
16. Reduzida ou nula
Fonte: Santos (1979, p. 34). Adaptado.
84
Enquanto no circuito superior a organização do trabalho é burocrática, no
inferior e, no caso das feiras livres, ela se de forma não oficial. No caso do
primeiro, existe todo o cumprimento de etapas para a abertura do empreendimento,
etapas essas que vão desde a liberação da Receita Federal para o funcionamento
do estabelecimento à taxação de diferentes impostos. Nas feiras livres, os
vendedores organizam-se desprovidos de fiscalização, pois, dentre outras
características, não um controle rígido de quem pode ou não, ali, co
mercializar
seus produtos. Nas cinco sedes municipais onde a pesquisa foi desenvolvida o
poder público municipal destina um sub-espaço da feira ou do mercado central para
que a população rural comercialize o excedente da produção. Esses agricultores-
feiran
tes espalham lonas sobre o chão ou outros tipos de suporte para que seus
produtos sejam comercializados. Os que utilizam barracas também o fazem de
forma simples, rudimentar, no sentido de que nem sempre se apropriam de
máquinas calculadoras ou fichários e suas respectivas atividades não estão
cadastradas em nenhum órgão estadual ou federal. Um comportamento que
caracteriza essas feiras é a negligência por parte dos órgãos públicos municipais
que não fazem fiscalização sanitária e não administram adequadamente os pontos
de venda. Se por um lado, esse abandono contribui para que a feira não receba os
cuidados que lhe são necessários, enquanto bem coletivo, por outro, favorece a
todos que, sem empecilhos, comercializam seus produtos. Em todas elas, exceto em
Itapetinga, não empecilhos para que qualquer cidadão passe a comercializar
qualquer produto. No caso dos boxes, o candidato inscreve-se na secretaria
municipal responsável, geralmente a Secretaria de Serviços Públicos, e aguarda a
“vacância” dos mesmos. Quando isso acontece, apropria-se do box até que não
deseje mais utilizá-lo. No caso dos que desejam vender em lonas, nenhuma
inscrição é necessária, basta chegar aos sábados, estendê-las sobre o chão (figura
3), e ali estabelecer um pondo de venda provisório. Além disso, o transporte das
mercadorias geralmente é feito em caminhões, animais e em alguns casos nas
costas dos próprios vendedores como se observa na tabela 10. Sendo assim, a
forma como essas feiras se organizam possibilita enquadrá-las como part
e
integrante do circuito inferior da economia, uma vez que seu comportamento
apresenta elementos “primitivos”, se comparado ao das lojas integrantes do circuito
superior.
85
Tabela 10
– Municípios da Área de Estudo –
BA
Transporte usado para condução de prod
utos à feira (%)
2004
Feiras
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Meio de
transporte
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
Caminhão
12
34
9
35
12
43
18
58
26
70
Carroça
7
21
1 4 4
14
- - - -
Animal
5
14
3
11
2 7 4
13
- -
Ônibus
6
17
7
27
9
32
3
10
9
24
Carro
pequeno
3 9 3
11,5
- - 4
13
2 6
Outros
2 5 3
11,5
1 4 2 6 - -
Total
35
100
26
100
28
100
31
100
37
100
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
2004.
VA
Valor Absoluto
VR
Valor Relativo
Figura 3: Em Itapetinga, assim com
o nas demais feiras livres estudadas, vender produtos
em lona é um prática comum entre os feirantes
-
comerciantes.
Como afirmado acima, um elemento que caracteriza o caráter primitivo na
organização do circuito inferior é o tipo de meio utilizado para transportar as
mercadorias dos locais onde são produzidas ou compradas para onde são
comercializadas (figura 4), nesse caso as feiras livres. Se esses meios são mais
“rústicos”, sua utilização pode caracterizar uma marca do circuito marginal. Mais de
34% dos comerciantes fazem uso dos caminhões para transportarem suas
Foto: Gil Porto
2005.
86
mercadorias até à feira. A maioria desses é aberto e serve para o transporte de
carnes, cereais, legumes e frutas.
Figura 4: O caçuá, cesto grande utilizada para vender prod
utos de origem rural, serve
também para transportá
-
los até à feira.
Em Itapetinga, parte desses caminhões é fechada, nesse caso o “baú”, que é
utilizado para o transporte da carne do matadouro-frigorífico municipal aà feira.
Um dos meios de transporte mais primitivos e que ainda se usa para levar as
mercadorias à feira é a carroça. 21%, 4% e 14% dos donos de pontos de venda,
respectivamente das feiras de Maiquinique, Macarani e Itarantim, fazem uso desse
veículo para que seus produtos cheguem aos feirenses. Todos aqueles que o
utilizam são moradores da zona rural, que comercializam o excedente da produção
nessas feiras. O ônibus também foi mencionado nas entrevistas e é utilizado
principalmente pelos vendedores de produtos importados do Paraguai e pelos que
comerciam roupas. Entre 10% e 32% dos feirantes-comerciantes o utilizam como
meio de transporte de mercadorias. Os outros mencionados na tabela correspondem
Foto: Gil Porto
2005.
87
ao carro de mão, à motocicleta, ao próprio homem, dentre outros. A tabela 10 mostra
um certo equilíbrio entre as escolhas dos meios de transporte utilizados pelos que
vendem na feira. O uso do caminhão pode se dar tanto pelos que estão inseridos no
circuito superior ou no CI. Afirma-se não haver um limite rígido acerca desse meio
entre os dois circuitos, ou então é também nesse sentido que o CI depende do CS,
utilizando
-se de alguns dos elementos desse último. No caso da presença de
carroças, carros de mão, motocicletas e até os ombros do carregador, trata-se, sem
dúvida, de um comportamento do cir
cuito inferior.
Tabela 11
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Comerciantes: investimento anual em capital
2004
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
-
setembro
2004.
VA
Valor Absoluto
VR
Valor Relativo
A análise de um segundo comportamento, nesse caso, o valor de capital
empregado para manter o funcionamento da atividade comercial, possibilitou
identificar o montante de dinheiro empregado pelos comerciantes para o
funcionamento dos seus pontos de venda. Segundo Santos (1979, p. 34), no CS o
valor de capital empregado para o funcionamento da atividade comercial é
importante, nesse caso, destina-se valores altos para seu funcionamento. No CI
esse valor é reduzido. A tabela 11 descreve o investimento que os feirantes-
Municípios
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Investimento (R$)
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
Até 100
3 9 1 4 2 7 - - - -
Entre 101,00
500,00
7
19
4
16
6
21
4
13
1 3
Entre 501,00
1.000,00
3 9 2 8 - - 5
17
1 3
Entre 1.001,00
5.000,00
14
30
5
19
8
29
8
25
10
27
Entre 5.001,00
10.000,00
3 9 5
19
3
11
2 6 5
13
Mais de 10.000,00
-
10
2 8 4
14
9
29
18
49
Não sabe
5 14 7
26
5
18
3
10
2 5
Total
35
100
26
100
28
100
31
100
37
100
88
comerciantes empregam em seus negócios anualmente. Em média, mais de 52%
dos feirantes-
co
merciantes investem a R$ 5.000,00 nas 5 feiras estudadas.
Itapetinga apresenta-se como o único município onde apenas 34% de seus feirantes
investem até esse valor e 62% deles mais de R$ 5.001,00. É importante ressaltar
que foi incluso nesse total o valor das despesas com pagamento de “funcionários”,
com transporte, manutenção e reforma do local de venda (usuários de boxes) e, em
alguns casos, com a compra de mercadorias.
A análise dos dados da tabela 11 reforçou o propósito de inclusão das feiras
no circuito inferior da economia, visto que o valor reduzido do capital, empregado
para a manutenção de seus respectivos negócios, apresenta-se como mais uma
característica desse circuito.
O circuito inferior da economia caracteriza-se por apresentar uma grande
of
erta de empregos se totalizada a quantidade de estabelecimentos ou unidades de
produção, porém, nesse circuito, cada indústria ou ponto de venda oferece um
número reduzido de empregos, embora seja difícil definí-los, pois compreendem
tanto o trabalho mal remunerado como o trabalho temporário e instável (Santos
1976, p. 160 e 175). No caso dos dois circuitos econômicos, sabe-se que
diferenças tanto na quantidade de empregados que cada um absorve, como nas
duas definições acima. No CS o número de pessoas a
bsorvidas por suas instituições
geralmente é baixo e o trabalho tende a ser bem remunerado, enquanto o CI retém
maior número de indivíduos e o emprego é mal remunerado, sendo geralmente
temporário e instável. No primeiro caso, as relações trabalhistas entre patrão e
empregado se estabelecem mediante o uso da carteira assinada, seguindo-se a
legislação trabalhista. Quanto às relações no CI elas resultam quase sempre de um
contrato pessoal estabelecido entre as partes, onde se grande importância ao
trabalh
o familiar, diferentemente do setor formal, onde a presença dos membros da
família nos estabelecimentos é insignificante. A tabela 12 caracteriza o perfil do
comerciante das cinco feiras livres pesquisadas no tocante à existência ou o de
empregados em seus pontos de venda e aos vínculos existentes entre eles, nesse
caso entre o “dono” do comércio e o “contratado”.
89
Tabela 12
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Perfil do comerciante nas feiras livres
2004
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Relações
de trabalho
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
Próprio/so
zinho
12
35
12
43
12
43
10
32
15
41
Próprio/
família
13
37
7
30
9
32
16
52
13
35
Próprio c/
outros
8
28
3
12
6
21
3
9
7
19
Para
terceiros
- - 4
15
1 4 2 7 2 5
Total
35
100
26
100
28
100
31
100
37
100
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
2004.
VA
Valor Absoluto
VR
Valor Relativo
Em todas as feiras a porcentagem de comerciantes que são os donos dos
pontos de venda é significativa. Mais de 90% dos entrevistados trabalham por conta
própria, excetuando-se apenas a feira de Macarani, onde 85% dos consultados
apresentam
-se como proprietários do local de venda. Portanto esse quadro se
constitui em mais um motivo para a compreensão da feira a partir do circuito inferior
da economia, que possui, dentre outras características, o fato de os locais de venda
pertencerem aos próprios comerciantes. Outra característica presente na tabela 12 e
que fortalece esta idéia é o fato de que em todas as feiras a quantidade de feirantes
que apenas têm os membros da família como ajudantes nos serviços é significativa.
Santos (1976, p. 172) afirma que a utilização de membros da família nas atividades
comerciais substitui o trabalho assalariado, que obrigaria o comerciante a pagar
encargos sociais e impostos, o que poderia inviabilizar uma atividade onde a
demanda é flutuante. Alguns fatores determinam essa demanda flutuante pelos
produtos da feira. Dentre esses pode-se citar o calendário agrícola, o calendário das
festas locais, as estações do ano, o período de pagamento das prefeituras locais e a
data de pagamento aos aposentados, dentre outros fatores.
A escolha de familiares para o auxílio nas atividades feirenses possibilita ao
feirante
manter o seu ponto de venda de forma que não tenha prejuízos e que o
lucro obtido possibilite a sobrevivência dele e de sua família. Como mostra a tabela
12, cerca de 38% dos “donos” de estabelecimentos trabalham com a colaboração de
90
familiares, tomando-
se
a média das 5 feiras estudadas. No caso da feira livre de
Itororó, cerca de 52% dos comerciantes têm a presença do trabalho familiar em seus
locais de venda. Se a utilização do trabalho familiar é uma característica importante
no desenvolvimento do circuito inferior, as feiras, por possuírem parte de seus
comerciantes que se utilizam dos membros da família no trabalho semanal, também
são passíveis de serem entendidas como parte do circuito marginal.
Figura 5:
A inexistência de infra
-
estrutura adequada
impossibilita o estoque de
muitos produtos
comercializados na feira,
dentre esses os
hortifruteiros
.
No que se refere ao estoque, as lojas dos dois circuitos apresentam
comportamentos diferentes. Santos (1979, p. 34) afirma que no circuito superior ele
se caracteriza por apresentar grande quantidade e/ou alta qualidade de/das
mercadorias. no circuito inferior, o volume estocado é pequeno e elas possuem
qualidade inferior se comparadas às do circuito maior. A razão do menor estoque no
CI deve ser procurada no consumo e no fracionamento do mesmo pelo cliente além
de o comerciante não dispor de condições que o possibilitem estocar produtos
perecíveis e não
-
perecíveis, adquirindo
-
os sempre em pequena quantidade. No caso
das feiras, o estoque para a maior p
arte dos produtos é sempre baixo, pois a maioria
dos feirantes compra a quantidade a ser vendida por conta da precariedade em que
suas atividades o desenvolvidas. É o caso dos “donos” dos pontos que vendem
hortifruteiros (figura 5)
,
carnes e derivados, que não dispõem dessas condições
acima mencionadas. Quanto àqueles que comercializam cereais, roupas e
importados, estocar mercadorias é uma prática mais comum, que o produto não
perde a qualidade ao longo do tempo. No caso dos que vendem o que produzem,
os
feirantes rurais, a possibilidade de “acumular” é nula, pois à medida que se a
Foto: Gil Porto
2005.
91
colheita ou a produção de determinado bem, -se também a venda do mesmo na
feira. No caso dos feirantes que fazem uso dessa prática, o volume estocado é
pequeno, pois não dispõem de locais para guardar as mercadorias. Geralmente elas
ficam em caixotes dispostos na própria barraca esperando para serem
comercializados.
Outros comerciantes ainda se utilizam dos boxes para “guardarem” os
produtos ao mesmo tempo em que estabelecem pontos de venda na feira livre.
Ainda assim, esses não têm condições de fazê-lo, uma vez que esses boxes são de
pequena dimensão e se prestam a múltiplas funções. Sendo assim, o estoque na
feira livre é uma prática inexistente para parte significante dos que vendem, e, no
caso dos que fazem uso desse procedimento, a quantidade da mercadoria que fica à
espera da comercialização é pequena.
No circuito superior os preços são geralmente fixos. No caso do circuito
inferior, Santos (1979, p. 194) afirma que os preços dependem das condições em
que o comerciante é abastecido e das formas de relações estabelecidas com sua
clientela. O comprador quase sempre se utiliza do recurso de regatear, pechinchar,
prática essa entendida aqui a partir da definição de Santos (p.196) como a
discussão que se estabelece entre o comprador e o vendedor sobre o preço de uma
mercadoria, constituindo
-
se como um dos aspectos mais característicos da formação
dos preços no circuito inferior. No caso das feiras livres, o valor dos pr
odutos
depende muito das relações que se estabelecem entre o comprador e o vendedor. O
fato de a maioria dos consumidores afirmar que o preço dos produtos na feira é mais
baixo que nos mercados é um indicativo de que o comportamento do mesmo é
mutável e pode, após a pechincha, baixar. Essa possibilidade acaba construindo no
imaginário popular a idéia de que, na feira livre, os preços são mais baixos. A tabela
13 revela o comportamento dos consumidores que afirmam ser os produtos
feirenses de menor valor que
aqueles encontrados em outros estabelecimentos.
Mais da metade dos consumidores afirmou ser o preço dos produtos vendidos
na feira mais baixo que os comercializados nos mercados. No caso da feira de
Itapetinga 76% dos consumidores afirmaram que os preços dos mercados são mais
altos que os produtos encontrados na mesma.
92
Tabela 13
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Consumidores: preço mais acessível dos produtos (%)
2004
Municípios
Respostas
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Sim
61
52
58
63
76
Não
23
31
29
16
6
Depende
do produto
12
11
10
16
11
Não sabe
4 6 3 5 7
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
2004.
Para Santos (p. 195) a escala do tempo não é a mesma nos dois circuitos
econômicos. Isso explica as diferenças de preço de um mesmo produto numa
mesma rua e até mesmo numa mesma feira. Essa lógica interna no circuito inferior é
baseada, sobretudo, no tempo. Guardar uma mercadoria ao invés de vendê-la a um
preço baixo pode representar maior prejuízo. A falta de lucro é compensada pela
recuperação do dinheiro líquido que será utilizado na compra de nova mercadoria.
Imagine o vendedor de frutas e legumes que não dispõe de refrigerador para
conservar o produto para que seja vendido no dia seguinte ou no sábado seguinte.
Por conta desse complicador, os preços de determinados produtos variam de
comerciante para comerciante. Essa variação se dá, sobretudo, para os que vendem
legumes frutas e verduras. Os feirantes-produtores rurais são obrigados a baixar o
preço do produto quando o final da feira se aproxima, pois precisam comprar os
bens que não produzem, para a sua subsistência, além de ser trabalhoso voltar para
as suas propriedades com produtos perecíveis como cachos de banana, alface,
coentro, dentre outros.
Ao falar sobre o crédito institucional (bancário), Santos (1979, p. 186 e 187)
afirma que “as pequenas atividades do circuito inferior não oferecem garantias
suficientes para obter esse tipo de crédito, e o próprio princípio de seu
funcionamento lhe veda qualquer pagamen
to de títulos em datas fixas”. Enquanto no
CS os diferentes agentes que o constituem fazem uso dessa possibilidade, no CI
essa prática é quase inexistente. Essas duas realidades estão condicionadas à
organização de cada sistema. Enquanto no primeiro o lucro é maior em se tratando
do montante do negócio, possibilitando assim o comerciante tomar empréstimo, no
93
segundo, sendo o lucro pequeno, impossibilita aos agentes fazerem uso do mesmo.
No caso dos feirantes-comerciantes o crédito institucional é uma possib
ilidade
descartada. A maior parte do dinheiro obtido na venda de produtos na feira é
destinada à compra de mercadorias a serem vendidas na feira seguinte, valor esse
se constituindo como capital de giro. O pequeno lucro é destinado à compra de
alimentos pa
ra a subsistência diária.
Quanto à questão do lucro, Santos (p. 194) chama atenção para o fato de que
não se deve confundir lucro global com lucro unitário. Segundo ele, no circuito
superior, o montante de lucro é alto, enquanto é baixo por unidade vendida, no
circuito inferior, dá-se o contrário, o montante de lucro obtido pelas vendas é baixo e
é alto por unidade comercializada. O vendedor de rua tem menor lucro global pelo
fato de seu comércio ser mais aleatório, pelo fato de ter uma clientela menor e
pelo
fato de ele poder passar dias sem “ganhar nada”. De certa forma essas
características o obrigam a aumentar o preço das mercadorias que vende. Enquanto
no circuito superior, a obtenção ou não do lucro determinará a continuação do
negócio, no circuito inferior, essa não é a primeira preocupação. O lucro adquirido
destina
-se à sobrevivência, nesse caso, o principal objetivo é assegurar a vida
imediata. O comportamento do circuito inferior no que se refere aos lucros obtidos
pode ser observado nas feiras livres estudadas. O lucro alto por unidade vendida se
dá por conta dessas e de outras condições: o comércio aleatório, uma menor
clientela, a inexpressiva comercialização de produtos durante a semana e a
indisponibilidade de técnicas de armazenamento e de sistemas de distribuição mais
evoluídos, como ocorre no CS. Isso obriga os feirantes-comerciantes a aumentarem
o valor do produto nos dias de feira, de forma a compensar a não vendagem e/ou o
baixo número de venda nos dias em que a feira não ocorre. Mesmo aquelas que
duram mais de um dia, como as feiras de Itororó e de Itapetinga, que começam,
mesmo com menor movimento, nas sextas à tarde, essa prática é um procedimento
utilizado por seus vendedores.
A tabela 14 mostra o montante do lucro dos comerciantes ob
tido
semanalmente nas feiras onde a pesquisa se desenvolveu. Os dados mostram que
cerca de 53,8% dos entrevistados afirmaram que têm lucro semanal de até meio
salário mínimo, tomando-se a percentagem média das 5 feiras estudadas. Quanto
àqueles que recebem semanalmente, entre meio e um salário, correspondem a
cerca de 25,2% dos entrevistados, considerando-se a percentagem média para as
94
cinco feiras. Somando-se a porcentagem do primeiro grupo com a do segundo
chega
-se à seguinte conclusão: cerca de 79% dos f
eirantes
-comerciantes das feiras
municipais recebem semanalmente, correspondendo ao lucro global, até um salário
mínimo. No caso dos feirantes de Maiquinique e Macarani esse valor sobe
respectivamente para 86% e 85% respectivamente. Os dados obtidos sobre
a
distribuição da renda global por feirante mostram mais uma característica do circuito
inferior presente na produção das feiras livres: o total do lucro obtido pelo
comerciante na venda dos produtos é baixo, porém, existe uma variação do mesmo
a depender do tipo de produto que se comercializa, do investimento material e de
capital que se emprega e do montante de produto comercializado. Em Maiquinique,
os feirantes-comerciantes de confecções são os que obtêm maior lucro se
comparados aos vendedores dos demais produtos. Em Macarani, os que vendem
carne e produtos hortifruteiros em barracas são os que estão nessa condição,
aqueles que comercializam esses últimos produtos em lonas sobre o chão, m os
menores lucros. Os feirantes-comerciantes de carne e de confecções são os que
têm maior lucratividade na feira de Itarantim. Em Itororó e em Itapetinga beneficiam-
se mais os que vendem carne e produtos hortifruteiros em barracas. Nas feiras
destes três últimos municípios, Itarantim, Itororó e Itapetinga, segundo informações
obtidas em campo, não existe um único produto que produza menor lucro ao
feirante
-comerciante. Os que comercializam os demais produtos informaram que,
semanalmente, obtêm menos de meio salário mínimo e outros ainda, obtêm um
salário mínimo como lucro. A variação existente entre comerciantes de um mesmo
produto e entre comerciantes de produtos variados se dá, dentre outros fatores, pelo
investimento desigual feito pelo feirante
-
comerciante em seu empreendimento, o que
também implica numa maior ou menor quantidade de produtos comprados a serem
revendidos. Sendo assim, quem investe mais capital em seu negócio, comprando
barraca, diversificando produtos e aumentando o montante a ser comercializado
obtêm maior lucro, os que não se comportam assim, estão no grupo daqueles que
recebem menor lucro. Percebeu-se ainda que os feirantes comerciantes de origem
rural estão no grupo dos que lucram até meio salário mínimo por semana, ao
contrário do que acontece na maioria dos municípios onde os que comercializa
m
carne estão no grupo dos que obtêm maior lucro (figura 6). Sendo assim, embora o
lucro obtido pelo feirante seja baixo se comparado ao lucro do comerciante no CS,
95
existe uma diferença em lucratividade entre os diferentes vendedores que trabalham
na feira
, diferença essa que se expressa na sua configuração espacial.
Um outro aspecto característico do circuito inferior é a forma como se a
relação entre os que vendem e os que compram na feira. Essa relação caracteriza-
se por ser a menos impessoal possível. Além de se comprar em determinado ponto
de venda o consumidor conversa, discute com o comerciante sobre o produto e o
preço, e a conversa quase sempre extrapola para questões outras, ligadas aos fatos
locais e à relação estabelecida entre as pessoas. Nos municípios que apresentam
menor população esse tipo de comportamento é parte integrante do acontecer
semanal da feira.
Tabela 14
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Comerciantes: renda semanal
2004
Municípios
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Renda
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
VA
VR
Até meio salário
mínimo
21
60
17
66
12
43
17
54
17
46
Entre meio e 1
salário mínimo
9
26
5
19
9
32
6
19
11
30
Entre 1 e 2 salários
mínimos
4
11
3
12
5
18
4
14
8
22
Entre 3 e 4 salários
mínimos
1 3 - - 2 7 4
13
1 2
Entre 5 e 7 salários
mínimos
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Não sabe
- - 1 3 - - - - - -
Total
35
100
26
100
28
100
31
100
37
100
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
2004.
VA
Valor Absoluto
VR
Valor
Relativo
Figura 6: Em Itapetinga, os
feirantes
-
comerciantes de
carne estão no grupo dos
que obtêm maior lucro com a
comercialização do produto
.
Foto: Gil Porto
-
2005
96
Quanto à publicidade, ela é uma característica presente, sobretudo, no
circuito superior. Segundo Santos (1979, p.36), ela é responsável pela maior parte
dos negócios nele desenvolvidos. Essa característica é praticamente nula no circuito
inferior, pois não montante de capital suficiente para investir nesse tipo de
estratégia, uma vez que o lucro obtido
é para a sobrevivência da família. Ao invés da
propaganda, o contato estabelecido socialmente entre o feirante vendedor e o
feirante consumidor garante a venda dos produtos e uma clientela quase sempre
fixa.
Tabela 15
– Municípios da Área de Estudo -
BA
A
tividades econômicas desenvolvidas pelos comerciantes dentro e fora da feira
2004
Trabalham em outras atividades (%)
Permanentes
Municípios
Trabalham
apenas na
feira (%)
Provisórias
Agropecuária
Comércio
Outras
Total
Maiquinique
37
6
12
25
20
100
Macarani
61
4
16
11
8
100
Itarantim
57
7
21
-
15
100
Itororó
45
3
22
16
14
100
Itapetinga
56
- 8
19
17
100
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
2004.
No circuito inferior, o comerciante assume diferentes funções (Santos, 1979,
p.176), para que seu estabelecimento funcione adequadamente, de acordo com as
peculiaridades desse circuito. Em relação aos comerciantes das cinco feiras, todos
afirmaram que compram e vendem as mercadorias e também se ocupam com a
administração do local de venda. Além disso, muitos disseram transportar os
produtos comprados ou produzidos; os que assim não o fazem pagam a terceiros
para fazê-lo. Ainda existem aqueles que se dedicam a diferentes funções durante a
semana. A tabela 15 esclarece essa multifuncionalidade dos
feirantes
-
comerciantes
das feiras estudadas. Considerando-se a percentagem média para as cinco feiras,
51,2% deles afirmaram dedicar-se apenas ao trabalho feirense. A feira de Macarani
é a que concentra mais comerciantes com esse perfil, 61% dos mesmos. A feira de
Maiquinique é aquela que possui menos comerciantes que se dedicam apenas à
venda na feira, são 37% dos feirantes. Cerca de 48% dos vendedores afirmaram que
97
se dedicam a outras atividades durante a semana. Desses 48 %, muitos estão em
serviços provisórios, como diaristas. Outros se dedicam à agropecuária. Nesse
grupo estão àqueles que residem na zona rural e comercializam na feira o que
produzem. Outros ainda dirigem estabelecimentos fixos em diferentes locais das
suas respectivas cidades (bares, lanchonetes, mercearias, etc.) e ainda aqueles
que nos dias da semana trabalham em outras atividades ou sub-
setores
econômicos: serviços públicos municipais, atividades de construção e atividades
domésticas.
O comportamento dos dados acima permite entender a existência de outras
características do circuito inferior que estão presentes no desenvolvimento das feiras
livres. Os baixos salários constituem uma razão que impulsiona muitos trabalhadores
a tentarem, nas atividades feirenses, conseguir um aumento de sua renda. O fato de
os vendedores chamarem para si diferentes funções inerentes ao funcionamento de
suas atividades comerciais indica que os mesmos não têm recursos suficientes para
terceirizar essas funções ou etapas. Essas características, dentre outras, são uma
marca do circuito inferior nas feiras livres.
Tabela 16
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Urbanização
Feirantes produtores
2004
Municípios
Taxa de urbanização (%)
1
Feirantes produtores (%)
2
Maiquinique
71,09
17
Macarani
73,45
19
It
arantim
76,58
18
Itororó
83,98
13
Itapetinga
95,25
4
Média
80,02
14,2
Fontes: 1) SEI, 2000 / IBGE
-
2000.
2) Pesquisa de campo, janeiro
-
setembro
2004.
Santos (1979, págs. 68 e 69) afirma que os produtos que abastecem o
comércio alimentício do circuito superior têm sua origem em áreas exteriores à
cidade e à região. No caso do comércio no circuito inferior, as fontes de
abastecimento são principalmente locais. Embora sejam os produtos
comercializados na feira principalmente de origem externa aos municípios, parte
98
significativa deles, como carnes, frutas, verduras e derivados têm sua origem nos
respectivos municípios onde as cinco feiras acontecem (figura 7).
Figura 7: Produtos originários da Agrovila, uma d
as localidades rurais que abastece a feira
livre de Itarantim.
Santos (1979, p.177), discutindo acerca da produção de alimentos, afirma que
as relações diretas entre o produtor rural e o consumidor tendem a desaparecer com
a urbanização e em função do tam
anho da cidade. Nos municípios onde há menores
taxas de urbanização ainda se encontra nas feiras um número significantivo de
comerciantes que vendem o que produzem. A tabela 16 possibilita compreender
melhor esse comportamento. No grupo dos municípios estudados, Maiquinique é
aquele que apresenta menor taxa de urbanização, logo, o fato de possuir uma
expressiva população no campo, se compara a dos outros municípios, determina
que sua feira livre possua uma percentagem relativamente alta, 17%, de feirantes
produtores. Em Itapetinga, onde a taxa de urbanização é de 95,25%, existem menos
feirantes
-
comerciantes produtores. Apenas 4% do entrevistados moram no campo.
Em todos os municípios, onde as feiras estudadas estão inseridas, as taxas
de urbanização são altas. Como esclarece a tabela 16, em relação aos vendedores
das feiras, cerca de 14% deles produzem a mercadoria comercializada, exceto em
Itapetinga, onde apenas 4% dos feirantes o produtores. Essa peculiaridade da
feira de Itapetinga é uma reposta à alta taxa de urbanização que possui. Como
afirma Santos, em municípios onde a maioria da população habita o espaço citadino,
os produtos que abastecem o comércio, e nesse caso a feira, têm a sua origem,
Foto: Gil Porto
2005.
99
principalmente, em áreas distantes. Pode-se dizer que à medida que a taxa de
urbanização aumenta o número de feirantes produtores tende a diminuir.
Tabela 17
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Comerciantes: formação escolar (%)
2004
Municípios
Formação Escolar
Maiquiniqu
e
Macarani
Itaranti
m
Itororó
Itap
eting
a
Ensino Fundamental
incompleto
31
46
36
48
29
Fundamental completo e
Ensino Médio incompleto
25
12
25
10
33
Ensino Médio completo e
Superior incompleto
3 -
14
13
16
Ensino Superior completo
- - - - -
Nenhuma alternativa acima
41
42
25
29
22
Tot
al
100
100
100
100
100
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
-
setembro
2004.
O ingresso nas atividades do circuito inferior aparece como possibilidade de
adquirir o mínimo para a sobrevivência. Esse circuito torna-se então uma estrutura
de abrigo para muitos citadinos novos e até mesmo antigos que geralmente são
desprovidos de capital e qualificação (Santos 1979, p. 159). A maioria dos agentes
envolvidos no processo de compra e venda nos circuitos das feiras o tem
qualificação profissional. A maioria dos feirantes-comerciantes tem baixa
escolaridade como mostra os dados da tabela 17.
Nos municípios de Maiquinique e Macarani, acredita-se que mais de 40% dos
“donos” de pontos de vendas são analfabetos, uma vez que, por meio da pesquisa
de campo, não possuem nenhuma formação escolar. Os que estudaram, mas que
não concluíram o Ensino Fundamental correspondem a 31%, 46%, 36%, 48% e
29%, respectivamente, para os municípios de Maiquinique, Macarani, Itarantim,
Itororó e Itapetinga. A soma dos que nunca estuda
ram
16
com aqueles que
freqüentaram a escola, mas o concluíram o ensino fundamental, chega a mais de
60% dos entrevistados, exceto Itapetinga que apresentou uma porcentagem de 51%
dessa soma. Entretanto, 88% dos feirantes de Macarani estão nessa condição. Os
16
Os entrevistados que afirmaram não estar incluídos em nenhuma opção referente à formação
escolar foram incluídos no grupo dos que nunca tiveram acesso à escola.
100
que se encontram na condição de terem concluído o Ensino Fundamental e não
terem chegado à conclusão do Ensino médio correspondem a 25%, 12%, 25%, 10%
e 33%, respectivamente, para os municípios de Maiquinique, Macarani, Itarantim,
Itororó e Itapetinga. Em nenhuma das feiras foi encontrado feirantes que tenham
iniciado ou concluído o Ensino Superior. Os dados acima serviram para mapear o
nível de escolarização dos feirantes entrevistados, além de confirmar o que
assegura Santos acerca do baixo nível de p
rofissionalização
-escolarização dos que
estão envolvidos no trabalho do CI, no caso da questão aqui discutida, os que
vendem seus produtos nas feiras livres. Essa característica, dentre outras, coloca a
atividade feirense como parte das atividades do circuito inferior, desenvolvidas no
espaço urbano.
3.2 O QUE NÃO SE APLICA AOS MERCADOS PERIÓDICOS
Algumas características do circuito inferior não estão presentes no
“acontecer” das feiras livres. Isso se por conta de algumas situações ou
peculiaridades
nelas existentes. O fato de algumas dessas características não
estarem presentes não torna a teoria criada por Milton Santos menos importante
que se passaram mais de trinta anos desde que ele analisou a economia urbana dos
países subdesenvolvidos; ao contrário, o fato de algumas características não
estarem presentes, a enriquece e a atualiza, embora daquele momento até hoje
mudanças substantivas aconteceram no mundo pobre, que alteraram a economia de
seus países produzindo mudanças estruturais e funcionais no seu conjunto
populacional e também nas atividades comerciais. Além disso, o estudo acerca do
comércio do circuito inferior sugere a análise de diferentes manifestações dessa
atividade. A análise pode ser feita a partir da atividade desenvolvida pelos camelôs,
ou pode-se atentar ainda para os pontos de venda fixos na periferia das cidades ou
ainda analisar a produção das feiras livres. Existe uma teoria geral que explica as
atividades desse circuito, no entanto, a depender da especificidade do comércio a
ser analisada, algumas variáveis sugeridas por Santos não se aplicam à atual
produção das feiras livres. Por conta disso, restrições na construção de uma
ponte entre alguns aspectos da teoria e o fenômeno em si. Santos afirma (1979, p.
188) que, no circuito inferior, o consumidor, por ser pobre e não possuir emprego
fixo, utiliza-se do crédito, que se constitui numa necessidade indispensável para a
101
compra de mercadorias. Já o circuito superior não está adaptado para esse tipo de
crédito, pois as relações impessoais entre os agentes e os consumidores não
possibilitam essa prática. Porém afirma, que a modernização do consumo aumenta a
necessidade de crédito tanto para a classe média como para a classe popular.
Sendo assim, a primeira passaria a fazer uso do crédito, assim como o faz a
segunda. Se a venda à crédito está presente em algumas modalidade de comércio,
no circuito inferior, o mesmo não ocorre no desenvolvimento das feiras livres, onde
essa prática é pouco desenvolvida. O fato de o feirante-
comer
ciante precisar,
durante a semana, comprar mercadorias para vender na próxima feira, constitui-
se
num empecilho à venda com pagamentos futuros. Logo, a venda a crédito não é
uma prática comum nas feiras livres, pois desestabiliza a atividade do feirante-
comerciante, que precisa, com o dinheiro obtido na venda, comprar produtos novos
para revendê-los e adquirir os alimentos necessários para a sobrevivência. Como
mencionado anteriormente, tomar empréstimo não é uma característica dos
comerciantes do circuito inferior bem como a prática da poupança, uma vez que a
própria natureza do negócio não permite. Por conta dessa realidade, essa variável, a
venda a crédito, não está presente nas feiras estudadas.
A tabela 18 indica a distribuição, por sexo, dos feirantes-comerciantes das
cinco feiras analisadas. Para as cinco feiras, o número de vendedores do sexo
masculino corresponde em média a 66% do total. A feira de Macarani é a que
apresenta maior quantidade de homens envolvidos nessa atividade. Nela, 73% dos
feira
ntes são homens. Em Itarantim, encontrou-se a menor porcentagem, 57% dos
entrevistados. Santos (1979, p. 164) afirma que, em se tratando do comércio no
circuito inferior, as mulheres são as que mais se destacam como comerciantes. Os
dados da tabela abaixo indicam que, no caso das feiras, esse comportamento se
de forma contrária; diferentemente do que aponta Santos, são os homens que se
destacam quantitativamente no ato de comercializar, embora o número de mulheres
também seja expressivo. Esse aspecto corresponde a mais uma variável, definida
por Santos, presente no circuito inferior da economia, que não se aplica à produção
das feiras livres. Embora tenha sido mencionada essa questão anteriormente,
reafirma
-se que o fato de essa e outras variáveis não estarem presentes nas feiras,
não enfraquece a teoria de Milton Santos, ao contrário, a valoriza, indicando sua
contemporaneidade.
102
Tabela 18
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Feirantes: sexo (%)
2004
Feiras
Sexo
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Masculino
63
73
57
67
70
Feminino
37
27
43
33
30
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
2004.
Santos (1976, p. 191) diz que no circuito inferior há um enorme fracionamento
da mercadoria. Isso significa que antes do produto chegar ao pequeno varejista ele
passa pelas mãos de um grande número de intermediários. Esse aspecto, segundo
os dados obtidos na pesquisa, como mostra a tabela 19, é mais um que não se
aplica à produção das feiras.
Tabela 19
Municípios da Área
de Estudo -
BA
Feirantes: posição do fornecedor de produtos –
2004
Características do fornecedor
Municípios
Produtor
Intermediári
o
O próprio
feirante
Total
Maiquinique
51
32
17
100
Macarani
42
39
19
100
Itarantim
57
25
18
100
Itororó
41
46
13
100
Itapetinga
41
55
4
100
Média
46,4%
39,4%
14,2%
-
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
-
setembro
2004.
Cerca de 46% dos feirantes afirmaram que compram a mercadoria
diretamente dos produtores, tomando-se a porcentagem média das 5 feiras
est
udadas. Se a esse valor é acrescido à porcentagem dos que produzem a
mercadoria vendida, chega-se então a um total de pouco mais de 60% dos
comerciantes que não adquirem seus produtos nas mãos dos intermediários. Itororó
e Itapetinga possuem respectivamente 46 e 55% dos feirantes que compram suas
mercadorias na mão desses agentes. Escolhendo essa variável isoladamente para
explicar o fenômeno em questão, chegar-
se
-ia à seguinte conclusão: as feiras de
103
Itororó e Itapetinga estão mais diretamente inseridas no circuito inferior da economia
que as de Maiquinique, Macarani e Itarantim, pois a maior parte dos produtos nelas
comercializados é adquirida via intermediários.
Tabela 20
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Comerciantes: tempo de trabalho na feira (%)
2004
Municípios
Tempo
(anos)
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Até 1
20
12
4
13
11
2
3
17
19
7
10
11
4
5
20
16
25
10
4
6
11
- 7 6 -
+ de 10
32
53
57
61
74
Total
100
100
100
100
100
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
2004.
Para Santos (1979, p. 199), a fluidez do emprego é a marca do circuito
inferior. A desqualificação profissional, atrelada à crise do desemprego pela qual
passa os países subdesenvolvidos, faz com que os indivíduos passem com
freqüência de uma ocupação para outra. Essa mobilidade do emprego é uma
tentativa de adaptar-se às oscilações da conjuntura. Geralmente uma grande
parcela das pessoas que trabalha no circuito inferior está na atividade menos
de um ano. Com base na tabela 20, pode-se afirmar que, em média, 12% dos
comerciantes trabalham menos de um ano nas feiras estudadas. Aqueles que
estão a mais tempo, entre dois e cinco anos, correspondem a 37, 35, 32, 20 e 15%
dos vendedores das feiras de Maiquinique, Macarani, Itarantim, Itororó e Itapetinga,
respectivamente. Os que trabalham mais de uma década nessa atividade
chegam a mais da metade do total dos feirantes, exceto em Maiquinique, aonde
esse valor chega a 32%. Os dados indicam que à medida que os municípios
apresentam menor população absoluta e menor taxa de urbanização ou possuem
uma parcela mais significativa da população sem rendimentos, maior rodízio de
vendedores nas feiras. Contudo, no conjunto das feiras analisadas, a maioria dos
feirantes está na atividade mais de 10 anos. Um dos fatores que explica essa
pouca rotatividade da maioria dos feirantes é o fato de que, mesmo com a crise, o
104
trabalho na feira representa a única possibilidade de se conseguir o básico para a
sobrevivência. A discussão aqui construída sobre a mobilidade do emprego no
circuito inferior é um aspecto que o ocorre nas feiras estudadas com a mesma
intensidade e representatividade como ocorre em outras modalidades de comércio
no circuito inferior.
Mesmo identificando alguns aspectos do circuito inferior não presente nas
feiras livres, fica evidente nesse trabalho a tentativa e o acerto de classificá
-
las como
uma modalidade do circuito inferior presente nas cidades ou regiões dos países
pobres e em desenvolvimento. As principais características do circuito inferior da
economia construídas e teorizadas por Santos estão presentes no comportamento
dos principais agentes que produzem essas feiras. Isso mostra que o circuito inferior
tem a sua dinâmica interna, tem forças para criar atividades e para dar à população
que o constrói, quando não uma vida melhor, a possibilidade de alimentar-se e ter
um teto para repousar. Para o professor Santos, o dinamismo do circuito inferior é
absoluto quando ele é considerado um subsistema fechado. Mas, se se leva em
co
nsideração sua dependência do circuito superior, esse dinamismo revela-
se
relativo. Acreditando nessa premissa iniciou-se a discussão que embasa o trabalho,
discussão essa que o nega a dependência do CI em relação ao CS, mas o
concebe, sobretudo, como uma manifestação humana, que é ao mesmo tempo
histórica, econômica, cultural e espacial.
3.3 O “MOVIMENTO” DA FEIRA E A ANÁLISE DAS ATIVIDADES COMERCIAIS
SOB A ÓTICA DE OUTROS PENSADORES
Santos e Serpa (2001), ao mencionarem a Teoria das Localidades Cent
rais,
desenvolvida por Christaller, em 1933, discutiram a influência que determinados
centros urbanos exercem sobre outros. A teoria desenvolvida pelo geógrafo alemão
não se aplica em sua totalidade à organização dos centos urbanos nas diferentes
regiões brasileiras. Sabe-se que alguns serviços existentes em aglomerações de
grande e médio porte são utilizados pela população de cidades pequenas,
entretanto, é contra-senso afirmar que a maioria desses serviços seja utilizada por
essa população, como por exemplo, o comércio das feiras livres. Um outro motivo
que impossibilitou a aplicação dessa teoria às cidades brasileiras é o fato de que
esse arcabouço conceitual foi construído a partir de uma realidade espacial cujo
105
estágio de desenvolvimento econômico é diferente da realidade presente, onde a
industrialização e o intenso processo de urbanização intensificou-se a partir da
década de 50 do século passado. Quanto ao comércio desenvolvido nas feiras, não
houve possibilidade de compreendê
-
lo a partir do modelo ch
ristaliano, pois ele serve,
em quase sua totalidade, à população dos municípios onde ele se desenvolve. A
tabela 21 mostra a origem dos consumidores de cada uma dessas feiras.
Tabela 21
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Consumidores: origem (%) –
2005
Municípios
Maiquinique
Macaran
i
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Or
igem
U R U R U
R U R U R
Maiquinique
79
19
- - - - - - - -
Macarani
- -
94
6 - - - - - -
Itarantim
2 - - -
74
26
- - - -
Itororó
- - - - - -
71
6 - -
Itapetinga
- - - - - - 3
15
90
10
O
utros
- - - - - - 5 - - -
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
-
setembro
2004.
U
Urbana
R
Rural
A análise dos dados acima permite afirmar que praticamente a maioria
absoluta dos feirantes-consumidores provém dos próprios municípios. 100% dos
entrevistados das feiras de Macarani, Itarantim e Itapetinga habitam nos respectivos
municípios. No caso da feira livre de Maiquinique, 2% dos seus consumidores
habitam na sede do município de Itarantim. Em relação à feira de Itororó, percebeu-
se que, no conjunto das feiras estudadas, é aquela que apresentou maior
percentagem de consumidores de outros municípios. 18% desses são do município
de Itapetinga e outros 5% de outras cidades. A explicação está no fato de que o
municí
pio de Itapetinga possui um distrito por nome de Bandeira do Colônia, que se
separa da sede do município de Itororó por meio do rio cujo nome é Colônia. Como
esse distrito não possui feira livre, sua população utiliza-se dessa atividade para
satisfazer suas necessidades de compra. 18% dos 23% que compram não são de
Itororó e habitam o distrito sob jurisdição de Itapetinga. A visita da população de
Bandeira do Colônia à feira de Itororó dá-se por três motivos, a saber: inexiste feira
em seu distrito, a sede do município de Itapetinga dista 33 km e no campo da
106
configuração espacial e dos serviços urbanos, Bandeira do Colônia e Itororó
constituem uma única cidade.
Bromley, juntamente com Symansky e Good (1980), foi um dos primeiro
geógrafos a analisar a produção e o comportamento das feiras livres nos países
desenvolvidos. Bromley, ao estudá-las, afirmou que sua substituição tem se dado
por feiras especializadas e que à medida que as sociedades passam por um
crescimento econômico elas entram em declínio. Consid
erando
-se que o espaço
estudado tem recebido investimentos, nas esferas pública e privada, para a criação
e implementação de diferentes atividades ligadas à indústria, ao ensino e à saúde,
pode
-se dizer que o espaço sub-regional tem sido alvo de ações que
visam,
sobretudo, seu crescimento econômico. Mesmo com a materialização dos planos e
dos investimentos, diferentemente do que sugere o autor, as feiras livres em questão
não têm iniciado seu processo de declínio, embora, a depender do calendário das
festas
, das estações do ano e de outros eventos, elas apresentam maior movimento
de feirantes-comerciantes e de feirantes-consumidores e uma maior variação de
produtos no tocante à quantidade e à qualidade. Sendo assim, à medida que a
população de determinada área aumenta seu poder aquisitivo e há um aumento
quantitativo da classe média, as feiras tendem a enfraquecer-se, pois para esse
autor as feiras servem em sua maioria à população pobre. No caso dos municípios
estudados, a classe média corresponde a uma mino
ria absoluta da população total e
a maioria da população desses municípios não tem nenhum rendimento ou recebe
até um salário mínimo por mês como mostra a tabela 7, vista no segundo capítulo.
No que se refere à afirmação dos autores acima, as feiras livres em questão
não são freqüentadas apenas pela população pobre, mas também são utilizadas
pela classe média. Caso essa população de baixo poder aquisitivo aumentasse sua
renda, continuaria talvez a freqüentar a feira por conta de outros fatores que serão
d
iscutidos no último capítulo.
Bromley (1980) afirma que em muitos países em desenvolvimento existe um
dualismo social e econômico, onde a população pobre consome os produtos
comercializados na feira enquanto que a população de classe média consome
produto
s em grandes lojas. Sob a ótica desse autor isso significa dizer que classes
sociais diferentes utilizam-se de espaços de compra diferenciados. Aplicar a
discussão acima ao funcionamento das feiras livres não foi possível, pois pessoas
107
de classes distintas compram produtos na feira, como mostra a tabela 22, que
descreve a distribuição de renda dos feirantes
-
consumidores nas diferentes feiras.
Tabela 22
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Consumidores: renda mensal
2005
Municípios
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Renda
VA VR VA VR VA VR VA VR VA
VR
Menos de 1 salário
mínimo
16
26
16
28
21
31
14
21
6
9
Entre 1
e 2 salários
mínimos
39
63
28
47
34
49
32
49
33
47
Entre 3 e 5 salários
mínimos
6
9
6
11
8
12
9
15
17
24
Mais de 5 salários
mínimos
1 2 2 3 3 4 8
12
14
20
Não sabe
- - 7
11
3 4 2 3 - -
Total
62
100
59
100
69
100
65
100
70
100
Fonte: Pesquisa de campo, ja
neiro
-
setembro
2004.
VA
Valor Absoluto
VR
Valor Relativo
A tabela 22 indica que cerca de 74% dos consumidores recebe até dois
salários mínimos mensais, tomando-se a percentagem média para as cinco feiras
estudadas. No caso dos feirantes-
con
sumidores de Maiquinique, 89% dos
entrevistados apresentam esse rendimento. Itapetinga apresentou menor
porcentagem em relação a esse intervalo, 56% dos que participaram da entrevista
recebem até dois salários mínimos mensais. Em compensação, 20% dos
entre
vistados recebem mais de cinco salários mínimos mensais. Em Maiquinique,
apenas 2% recebem esse valor. 3%, 4% e 12% correspondem respectivamente à
renda dos freqüentadores das feiras de Macarani, Itarantim e Itororó que recebem
mensalmente mais de R$ 1.300,00 mensais. Acredita-se que uma família com
rendimento mensal superior a cinco salários mínimos faça parte de uma classe
média, para os padrões locais. Sendo assim, as feiras livres estudadas são
freqüentadas não apenas pela população pobre, como afirma B
romley, mas a classe
média local também se utiliza de suas vendas, enfraquecendo, assim, a
possibilidade de existência de um dualismo social e econômico, para a realidade
estudada.
108
No que se refere à cadeia de marketing, Bromley (1980) afirma que, à medid
a
que o comércio se moderniza, o contato direto entre o produtor e o consumidor
geralmente diminui e aumenta a importância dos intermediários. Sendo assim, se o
comércio não se moderniza, a relação entre o produtor e o consumidor tende a
continuar próxima. Se as feiras constituem-se numa modalidade de comércio não-
moderna, parte significativa dos produtos nela comercializados é produzida nos seus
respectivos municípios, como indicou a pesquisa de campo. As negociações diretas
entre o produtor e o consumidor ainda são marcadas pelo relacionamento entre
quem compra e quem vende na feira. No entanto, se se analisa a “cadeia de
marketing
em relação às bugigangas ou em relação a uma considerável parte dos
hortifruteiros e das confecções, Bromley (1980) tem razão porque, em relação a
esses produtos, entra um novo agente viabilizando a compra dos mesmos: o
intermediário. Pode-se dizer, então, que nas feiras livres estudadas existem duas
possibilidades quanta à “cadeia de
marketing
”. Ou o consumidor adquire o produt
o
diretamente de quem o produziu (figura 8), ou o compra na mão do comerciante que
o recebeu via intermediários. Essas feiras apresentam-se então como locais de
vendas onde parte dos seus produtos são produzidos nos próprios municípios e uma
outra parcela
tem origem a dezenas, a centenas ou milhares de quilômetros dali.
Figura 8: Em Maiquinique, a maior parte das confecções comercializadas nas feiras livres é
comprada diretamente nas unidades de produção.
Foto: Gil Porto
2005.
10
9
Ao discutir o comportamento das fe
iras a partir da economia e das sociedades
locais, Bromley (1980, p. 654 e 655) diz que o impacto do progresso das
comunidades locais, bem como das mudanças na produção e na estrutura social
pode provocar grandes transformações nas mesmas. A validade de seu argumento
-se ao mencionar o resultado de uma reforma agrária ocorrida nos Andes
bolivianos a partir da década de 60 do século passado, onde os produtores
camponeses que substituíram os grandes proprietários passaram a produzir para as
feiras locais, provocando, assim, um dinamismo nas mesmas. No caso do contexto
regional onde as feiras estão inseridas, dá-se o processo inverso. Segundo o projeto
GeografAR, não existe nos municípios em questão registro de acampamentos,
projetos de assentamentos de reforma agrária, comunidades de fundo de pasto ou
comunidades quilombolas. A experiência dos Andes bolivianos indica que a reforma
da estrutura da terra desencadeia um maior dinamismo nas feiras livres. No caso
das feiras livres estudadas, um dos fatores que impede esse dinamismo é a
organização do espaço rural.
Bromley, Synabsky e Good (1980) apontam que ao desenvolver pesquisas
sobre feiras livres não se deve evidenciar apenas seu aspecto econômico, mas
compreendê
-las a partir do contexto social onde estão inseridas. A sugestão dada
por esses autores serviu de incentivo para a busca de dados acerca das feiras e
sobre a situação sócio-econômica da população desses municípios. Além dos
diferentes atributos das feiras livres, discutidos nesse capítulo, deu-se atenção às
informações representativas das condições de vida dessas populações. A descrição
desse quadro regional permitiu visualizar esses aspectos e mostrar que nesses
municípios não um desenvolvimento socialmente equilibrado. A maioria da
população não possui rendimentos mínimos e o acesso aos serviços que
possibilitem uma boa qualidade de vida. Esse esforço de mapear as condições de
vida da população local atendeu, sobretudo, à proposta dos autores mencionados,
para os quais o estudo sobre as feiras, também desenvolvido pela compreensão do
contexto social, permite entender com mais profundidade as relações existentes
entre o
modus vivendi
de cada comunidade e os fenômenos por ela produzidos.
Jesus (1992), ao descrever a feira livre carioca, afirmou que nos últimos anos
ela vem se inserindo cada vez mais no setor informal da economia, incorporando
cada vez mais características do circuito inferior. Para ele, a causa dessa
transformação é resultado de uma política que moderniza o varejo das estratégias
110
dos
feirantes para continuar vendendo. No caso das feiras estudadas, as
transformações refletem as condições sócio-econômicas onde estão inseridas e
também é um reflexo da atual organização do espaço rural. O autor afirma que a
mobilidade espacial das feiras cariocas sempre foi alta por conta do aumento do
fluxo de veículos, do aumento de construções, obrigando os feirantes a migrarem
sempre para logradouros mais distantes. Essa intensa mobilidade pela qual passou
a feira carioca não está presente com a mesma intensidade nas feiras estudadas.
Mesmo que todas não continuem acontecendo nas ruas ou praças onde surgiram,
se se compara a mobilidade dessas, com a daquelas, haverá grande diferença, pois
as feiras aqui tratadas mudaram de lugar apenas uma vez desde que surgiram.
Quanto à flexibilidade, um dos atributos do circuito inferior, as feiras pesquisadas
apresentam a mesma das feiras cariocas. Embora existam semelhanças entre as
feiras de grandes cidades, nesse caso a feira carioca, e aquelas presentes em
centro
s menores, as feiras estudadas, outros aspectos devem ser analisados. Esses
vão desde o rendimento da população, acesso a serviços voltados ao lazer, taxa de
escolarização à relação das mesmas com as áreas produtoras. Sendo assim,
algumas diferenças substanciais devem ser enumeradas. No caso das feiras
estudadas, a concorrência com os mercados e supermercados não é o evidente,
como nas grandes cidades, pois, o comércio do CS não é dinâmico devido sua
importância apenas para a população local. Essa concorrência ganha maior
destaque em Itapetinga, cuja população absoluta é maior e a taxa de urbanização é
a mais expressiva nos cinco municípios estudados. Além disso, a população
itapetinguense é que possui maior rendimento, o que implica em maior consumo.
Esse
quadro faz com que o comércio que vende os mesmos produtos encontrados
na feira crie estratégias para atrair os feirantes
-
consumidores.
Santos (1985) afirma que o espaço geográfico deve ser considerado como
uma instância da sociedade, assim como a economia, a política e a dimensão
cultural
-ideológica também o são. As feiras livres acontecem em frações do espaço
urbano, que por sua vez constituem-se em fragmentos materializados no conjunto
maior, que é o espaço em sua totalidade. Sendo assim, as feiras podem ser
analisadas enquanto materialidade, mas são passíveis também de serem
compreendidas em seu conteúdo social, econômico e cultural-ideológico. No
presente capítulo a discussão foi feita no sentido de compreender o aspecto
111
econômico das feiras à luz do circuito inferior da economia. No capítulo seguinte a
discussão vai enfatizar a morfologia e o conteúdo cultural-
ideológico dessas feiras.
Tabela 23
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Origem dos comerciantes nas feiras livres
-
2005
Fo
nte: Pesquisa de campo, janeiro
2005 .
VA
Valor Absoluto
VR
Valor Relativo
Corrêa (1997) define as feiras livres como núcleos de povoamento onde em
um ou mais dias da semana tornam-se localidades centrais, afirmando que o dia d
e
funcionamento de cada uma acha-se articulado ao funcionamento das outras. Essa
articulação inexiste ou dá-se de forma incompleta, uma vez que os feirantes não
podem se fazer presentes em todas as feiras nos respectivos municípios, pois
acontecem num mesmo dia da semana. Esses municípios tornam-se localidades
centrais apenas atraindo pessoas do próprio município, da zona rural ou da própria
sede. A tabela 21 mostra a origem dos feirantes-consumidores em cada uma delas.
Embora as feiras sejam utilizadas principalmente pela população dos respectivos
municípios, não deixam de se transformar, em um dia da semana, em localidades
centrais. A análise dessa tabela permite afirmar que o atributo vantagem
comparativa não é uma característica das feiras estudadas, pois a maioria dos seus
consumidores é dos respectivos municípios. Se esse comportamento estivesse
presente, a tabela analisada indicaria que a origem da maioria dos consumidores
seria de outras localidades e não da própria cidade e da sua área rural imediata
.
Bromley afirma (1980) que a vantagem comparativa é um dos fatores que possibilita
Feiras
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Origem dos
comerciantes
(%)
VA VR VA VR VA VR VA VR VA VR
Maiquinique
25
71
1 5 - - - - - -
Macarani
6
17
20
76
- - - - - -
Itarantim - - - -
23
82
- - - -
Itororó
- - - - 1 4
17
55
- -
Itapetinga - - 1 4 1 4
11
35
33
89
Outros 4
12
4
15
3
10
3
10
4
11
Total
35
100
26
100
28
100
31
100
37
100
112
a persistência das feiras no tempo. No caso das feiras de Maiquinique, Macarani,
Itarantim, Itororó e Itapetinga, elas persistem por conta de outros fatores que serão
discu
tidos com maior detalhe no capítulo seguinte e não por conta da vantagem
comparativa.
Quanto ao comportamento das feiras relacionado ao sincronismo temporal,
atributo esse que possibilita aos comerciantes venderem seus produtos em todas as
feiras regionais numa única semana, percebeu-se que o mesmo não está presente
nas feiras estudadas porque todas acontecem aos bados. O fato de elas
acontecerem no mesmo dia já indica, a princípio, que essa sincronização não existe,
pois a quase totalidade dos comerciantes é dos seus respectivos municípios. A
tabela 23 indica a porcentagem dos feirantes que apenas trabalham nas feiras dos
municípios onde habitam.
Cerca de 74,6 % dos comerciantes têm origem local, considerando-se a
porcentagem média para as cinco feiras estudadas. No caso das feiras de Macarani,
Itarantim e Itapetinga, esse valor sobe respectivamente para 76%, 82% e 89%.
Itororó apresenta uma menor quantidade de comerciantes-feirantes nessa situação,
55%. Outros 35% são do município de Itapetinga. Desses 35%, a maioria habita no
distrito itapetinguense de Bandeira do Colônia, que é separado da cidade de Itororó
pelo rio que deu nome ao distrito, Colônia. Sendo assim, pode-se concluir que o
fator que possibilita a ida desses comerciantes à feira de Itororó é a proximidade
geográfica de seu local de moradia da referida feira e não a vantagem comparativa
que essa exerce sobre àquela. Uma minoria dos feirantes não reside na localidade
onde as feiras acontecem. Parte significativa desses afirmou que nas épocas
de
festividades (momento em que se deu a maior parte da pesquisa de campo), além
de deixarem um “ponto de venda” nos municípios onde residem, aproveitam o
momento de maior demanda para conseguir um pouco mais de lucro a partir das
vendas em locais onde não comercializam todos os sábados. A maioria desses
feirantes
-comerciantes vende confecções, utensílios diversos ou cereais. No caso
dos cereais, eles servem principalmente a parentes de familiares locais que
aproveitam as férias ou festas para estar mais próximos dos seus consangüíneos.
Sendo assim, percebe-se que em épocas de festividades, geralmente nas festas de
final de ano e principalmente nas de São João e de São Pedro, que acontecem no
mês de Junho, essas feiras tornam-se mais dinâmicas, atraindo comerciantes de
outras localidades. Ao terminar essas festividades, as feiras voltam à normalidade,
113
com a diminuição desses comerciantes. Foi possível comparar a feira de Itororó em
dois momentos, antes da festa de São João e no sábado seguinte ao momento
fest
ivo. Enquanto no primeiro momento a feira ocupava além do espaço destinado à
venda, ruas próximas, na semana seguinte percebeu-se a redução do seu espaço, o
que se traduziu num menor número de comerciantes e de consumidores. Esse
comportamento possibilitou entender porque alguns feirantes-comerciantes vêm de
outras localidades para comercializar nessas feiras, embora o objetivo desse
trabalho não tenha sido discutir esse comportamento. A tabela 24 mostra mais um
argumento que fortalece essa argumentação. Cerca de 82% dos feirantes-
comerciantes trabalham apenas em uma feira, tomando-se a percentagem média
para os cinco municípios analisados. Itororó apresenta uma porcentagem um pouco
menor, por conta do fato já mencionado.
Como mostra a tabela 23, a maioria dos comerciantes das feiras tem sua
origem no próprio município e trabalham apenas nessas feiras. Entretanto, alguns
entrevistados afirmaram comercializar seus produtos em outras feiras.
Tabela 24
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Comerciantes e feiras
onde trabalham (%) –
2004
Comerciantes
Municípios
Trabalham
apenas em 1
feira
Trabalham em
até três feiras
Total
Maiquinique
77
23
100
Macarani
76
24
100
Itarantim
92
08
100
Itororó
70
30
100
Itapetinga
93
7
100
Média
82
18,4
-
Fonte: Pesquisa
de campo, janeiro
2004.
Em relação aos feirantes de Maiquinique, os 12% que estão nessa condição
vendem seus produtos nas feiras dos distritos de Nova Brasília e Coréa,
respectivamente nos municípios de Ribeirão do Largo e Potiraguá, e na feira do
bai
rro Primavera em Itapetinga. Essas três feiras acontecem aos domingos. Os 15%
dos feirantes-comerciantes de Macarani que negociam seus produtos em outras
114
feiras, o fazem, sobretudo, no distrito de Nova Brasília e também no bairro
Primavera. Os feirantes de Itororó que se enquadram nessa condição vendem seus
produtos aos domingos nas feiras dos distritos de Itati e Rio do Meio, distritos esses
pertencentes a esse município. Outros ainda trabalham nas feiras dos municípios de
Floresta Azul e Anagé, que acontecem aos domingos, e aqueles que vendem na
feira de Itapetinga e de Itarantim o fazem de forma alternada, ou seja, em
determinados sábados trabalham em Itororó e em outros nas feiras desses
municípios. Em Itarantim, os 10% que estão nesse contexto vendem seus produtos
na feira da Coréa e na feira de Ribeirão do Largo e os 11% de Itapetinga
comercializam suas mercadorias na feira do bairro Primavera e na feira de Itororó
alternadamente.
Sendo assim, existe um pequeno número de feirantes-comerciantes que além
de trabalhar nas feiras das sedes municipais vendem seus produtos em feiras livres
de diferentes distritos, que acontecem, sobretudo, aos domingos. Alguns ainda,
nesse mesmo dia da semana, comercializam suas mercadorias na feira do bairro
Primavera em Itapetinga e outros alternam seu trabalho entre as feiras de seus
respectivos municípios e de outros que acontecem aos sábados.
115
4. O “ACONTECER” DAS FEIRAS: CONFIGURAÇÃO ESPACIAL E ASPECTOS
CULTURAIS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO
4.1 A CONFIGURAÇÃO
DAS FEIRAS NO ESPAÇO
Segundo Pirenne (1968, p. 102) a origem das feiras deve ser procurada nos
mercados locais que a partir do século IX passaram a abundar em toda Europa. Elas
se desenvolveram a partir desse momento e conheceram seu apogeu até o século
XIII, quando enfraqueceram por conta de alguns fatores como a sedentarização de
comerciantes, a Guerra dos Cem Anos e o desenvolvimento da navegação. As mais
conhecidas eram as que se localizavam nas regiões da Champanha e de Flandres.
Conforme o mesmo autor, os mercados locais consistem em prover a
alimentação cotidiana para a população que vive no lugar onde se realizam. Por
conta disso, os mercados acontecem semanalmente, seu raio de atração é muito
limitado e prestam
-
se à atividade de compra e venda n
o varejo; já as feiras, segundo
Pirenne, são espaços em grande escala, onde acontecem reuniões periódicas dos
mercadores profissionais, constituindo-se em centros de intercâmbio que se
esforçam para trazer maior quantidade de pessoas e produtos. Elas acont
ecem
apenas uma vez ao ano, quando muito são realizadas duas vezes, e sua freqüência
não está relacionada diretamente à população local.
De acordo com as idéias acima, seria conveniente aplicar o conceito de
mercado e não de feira para se referir ao fenômeno estudado, entretanto, em
qualquer cidade nordestina a expressão usada para designar mercado é a
expressão feira. O que Pirenne chama de mercado, é no nosso entendimento a
feira, que está presente no imaginário coletivo da população dos municípios
trab
alhados e da população regional e brasileira. Nesse capítulo, quando se fizer
uso da expressão mercado ela referir
-
se
-
á a parte dos equipamentos da feira.
A Secretaria de Articulação com os Estados e Municípios SAREM, antigo
órgão da república, publicou em 1982 um trabalho no qual caracterizou os diferentes
tipos de mercados e as feiras. Para ela (p. 10), “mercado é um equipamento típico
de varejo. Porém, dependendo das condições, pode abrigar operações por atacado”.
De acordo com o IBAM (1976
apud
SARE
M, 1982, p. 15),
[...] os mercados municipais são locais construídos ou financiados pelo
município, onde se arrendam boxes para a venda e compra de
116
mercadorias, sob pagamento de uma tarifa que o município arrecada para
atendimento dos gastos de manutenção
e administração dos mesmos.
Para a SAREM existem três tipos de mercados (p. 17), abertos, fechados e
em planos.
Os primeiros se caracterizam por não possuírem boxes nas
extremidades e sim em sua área central. Os fechados possuem alas nas suas
extremid
ades e às vezes no centro. O mercado em planos, geralmente, é construído
nas encostas e possui boxes em toda sua extensão, boxes esses interligados por
corredores de circulação e escadas, já que possui andares.
Sendo assim, a expressão mercado aqui utilizada equivale aos conceitos
construídos pela SAREM e pelo IBAM. Dois dos mercados citados acima foram
encontrados nas feiras pesquisadas: o mercado fechado (figura 9) e o mercado em
planos. O quadro 2, descrevendo aspectos gerais da configuração espacial da
s
feiras, mostra em quais feiras esses mercados existem.
Quadro 2
Aspectos da configuração espacial das feiras livres.
CARACTERÍSTICAS
MUNICÍPIOS
Mercado(s)
fechado(s)
Mercado em
planos
Feira livre
coberta
Feira livre
não
-
coberta
Maiquinique
X _ _ X
Macarani
X _ X X
Itarantim
X _ X _
Itororó
X _ X X
Itapetinga
X X X X
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
-
setembro
2004.
.
Figura 9: Aspecto interno do mercado da feira livre de Itarantim.
Foto: Gil Porto
2005.
117
A compreensão da feira enquanto fenômeno econômico não esgota a
possibilidade de entendê-la a partir de sua inserção no espaço citadino. Por isso, a
análise acerca da produção desse fenômeno permitiu associá-
lo à maneira como ele
se projeta no espaço.
Ao discutir morfologia urbana, arquitetos, urbanistas, geógrafos e outros
cientistas o fazem dando atenção a todo espaço da cidade ou privilegiando, em suas
análises, fragmentos do mesmo como bairros, quarteirões, praças e ruas. Não se
teve por objetivo analisar a morfologia das cinco sedes municipais e sim focar o
olhar sobre um elemento das mesmas: a feira livre. A construção de um estudo
morfológico das cinco feiras demandaria maior tempo, o que conduziu à escolha de
duas delas para serem analisadas a partir dessa abordagem. A feira de Maiqu
inique,
por ser o município de menor população absoluta, cuja sede, juntamente com a dos
municípios de Macarani, Itarantim e Itororó, é considerada centro local e a feira de
Itapetinga, município que apresenta maior população total, cuja sede é considerada
centro sub
-
regional.
Antes de aprofundar a discussão sobre a morfologia das feiras de
Maiquinique e Itapetinga, cabe descrever cada uma delas em suas principais
características
a) MAIQUINIQUE
A feira de Maiquinique, como mostra a figura 10, localiza-
se
a sul da Rua
Tertulino Silveira, antiga Rua Sangra Galo, onde foram construídas as primeiras
casas. A primeira feira aconteceu na atual Pça Lomanto Júnior, onde se construiu
um barracão e nele a população passou a comercializar os produtos que produzia.
Na
década de 50, do século passado, ela foi transferida para a Praça Manoel
Novais, local onde continua a acontecer até hoje.
Está sob administração do Departamento de Tributos da Prefeitura Municipal
que arrecada taxas dos feirantes-comerciantes visando sua manutenção. Aqueles
que vendem em barracas com mais de três metros de comprimento o taxados em
R$ 5,00 mensais e os que comercializam em médias e pequenas barracas,
tabuleiros ou lonas pagam respectivamente R$ 3, 00 e R$ 1,00. Todos os pontos de
venda
da feira estão em barracas ou lonas que são retirados do local após o término
da feira. O mercado (figura 11), localizado na extremidade sudeste da feira, é mais
utilizado como local onde se guarda barraca dos feirantes, que como espaço de
compra e venda
de mercadorias. Durante a pesquisa e visita de/a campo, percebeu
-
118
se que, no sábado, apenas duas barracas funcionavam como pontos de vendas,
onde eram oferecidos serviços de restaurante e na sexta, à tarde, um feirante
co
merciante vendia produtos hortifruteiros. Segundo informações dos entrevistados,
Figura 10:
Sede do Mu
nicípio de Maiquinique
119
num tempo não muito distante era comum no dia da feira encontrar barracas dentro
do mercado, nos quais se comercializavam tecidos, confecções, frutas e legumes.
Hoje, além de funcionar somente nas sextas e sábados, perdeu a função principal
que era servir de local para a comercialização de produtos.
Figura 11
Aspecto interno do mercado da feira livre de Maiquinique em dia de feira.
Os consumidores locais não podem comprar produtos nos demais dias da
semana e esperam chegar a sexta, onde alguns produtos são comercializados, ou
então chegar o sábado para visitar a feira
.
Dos mercados observados nas feiras
livres pesquisadas, o da feira de Maiquinique é o que mai
s se diferencia dos demais.
Não possui zoneamento ou paredes entre os locais de venda, mais de 10 anos
não passa por reformas. Esses e outros aspectos levaram os comerciantes-
feirantes
a subutilizarem
-
no e a vender seus produtos na feira livre.
b) MACA
RANI
A feira do município de Macarani está situada na periferia geográfica da
cidade, a sul da praça central, como se observa na figura 12. A expansão urbana
pela qual passou a sede municipal, em relação ao núcleo inicial, deu
-
se nos sentidos
norte e sudoeste. O crescimento da cidade nessas direções coloca a feira mais
distante de parcela da população que migrou para essas novas áreas de ocupação.
Foto: Gil Port
o
-
2005
120
Desde a década de 60, do século passado, a feira acontece no local ainda
hoje utilizado para esse fim. Segundo informações obtidas em campo, sua época de
maior movimento refere-se às décadas de 60 e 70 do culo passado, onde um
grande número de empregados, mantidos pelos fazendeiros locais em suas
propriedades, nas horas vagas, dedicavam-se ao desenvolvimento da agricultura de
subsistência e comercializavam o excedente na feira local. Mesmo com a diminuição
da população rural, o município ainda é responsável por uma pequena parcela de
Figura 12:
Sede do Município de Macarani
121
produtos que se vende na feira. Isso se pelo fato de possuir e de estar próximo
de algumas localidades que abastecem sua feira. É o caso da área rural do distrito
de Nova Brasília e do distrito de Bonito. Esse último, pertencente ao município de
Ribeirão do Largo, que, diferentemente dos municípios envolvidos nessa pesquisa,
apresenta maior população rural que urbana, apresenta predomínio de pequenas e
médias propriedades em seu espaço rural e possui um dos maiores índices
pluviométricos da região. Essa realidade possibilita que uma pequena parcela dos
produtos comestíveis comercializados na feira sejam do próprio município e de seu
entorno.
A feira está junto a dois mercados. No primeiro estão presentes 2 bares, 5
restaurantes, 34 açougues, dos quais 16 são de carne branca e no segundo existem
29 boxes, onde são comercializados produtos hortifruteiros. Além desses, encontra-
se o espaço destinado ao “acontecer” da feira livre, onde se encontram alguns
comerciantes urbanos e os vendedores da zona rural (figura 13).
Os feirantes-comerciantes de Macarani são isentos de taxas. A P
refeitura
Municipal, que administra a feira, se responsabiliza pelos serviços de segurança,
limpeza, higienização e manutenção da mesma. Das cinco feiras estudadas, é a
única que dispõe de pousada para os produtores rurais que vêm para a cidade na
sexta e
comercializam seus produtos aos sábados.
Figura 13: Aspecto da feira livre de Macarani,
onde são vendidos produtos rurais, de origem local.
c) ITARANTIM
A feira de Itarantim localiza-se a sul do núcleo inicial da cidade, como mostra
a figura 14, e é administrada pela Secretaria de Tributos e Finanças, órgão ligado à
Foto: Gil Porto
2005.
122
Prefeitura Municipal. A expansão urbana em Itarantim ocorreu no sentido leste,
nordeste e sudoeste da Pça Antônio Guedes, local onde se construiu as primeiras
casas. Segundo informações obtidas junto à população mais idosa, a primeira feira
aconteceu em 1
o
de junho de 1946 e era feita “pelo povo da roça”, quando a maioria
dos produtos nela comercializados e dos agentes que a produziam tinha sua origem
no espaço rural. Daquele momento até hoje, a feira mudou de localidade duas
vezes. Na década de 1960 foi deslocada para a Pça Castro Alves, que dista daquela
praça cerca de 400m e depois foi transferida para um quarteirão da Rua Luther King,
distante da Pça Castro Alves aproximadamente 4
50m.
A feira de Itarantim é coberta em toda sua extensão e parece, num primeiro
instante de observação, ser uma continuidade do mercado (figura 15). Nesse,
existem 34 estabelecimentos fixos de açougues, 10 de confecções e 10 que vendem
cereais, totalizando, assim, 54 boxes. Além desses, 30 se encontram fechados
porque não interessados em ocupá-los. Aqueles que ocupam, diferentemente de
Macarani, são taxados pela prefeitura mensalmente. Os comerciantes que vendem
carne vermelha e branca pagam respectivamente R$ 15,00 e R$ 10,00 mensais. Os
donos de estabelecimento de confecções são taxados em R$ 20,00. R$ 12,00 são
cobrados aos demais comerciantes, enquanto que os feirantes de origem rural estão
isentos.
Segundo informações dos entrevistados, o local onde a feira se encontra é
ideal, uma vez que está centralizada em relação aos extremos leste e oeste da sede
municipal. No final da década de 90, do século passado, a feira foi transferida para a
extremidade leste do município, no entanto, a população continuou a freqüentar a
feira no antigo local, obrigando, assim, a prefeitura a rever a decisão.
Um aspecto diferente na feira de Itarantim é a proibição da venda de
confecções por comerciantes que não sejam do município. Os demais produtos são
comercializados
por feirantes de diferentes origens, uma vez que Itarantim e demais
municípios não são auto-suficientes na produção dos diferentes bens consumidos
pela população local, porém a venda de roupas por esses comerciantes passou a
ser proibida depois que os fei
rantes
-
comerciantes de confecções se organizaram e a
Prefeitura Municipal, atendendo à reivindicação dos mesmos, proibiu a venda desse
produto por comerciantes que não residem no município. Essa organização coletiva
foi positiva na medida em que promoveu a união do feirante-comerciante local,
valorizando seus produtos e assegurando-lhe maior lucro. Outro aspecto que
123
chamou a atenção em relação ao comércio de confecções na feira de Itarantim é o
fato de que esse produto só é comercializado em boxes.
Figura 14: Sede do Município de
Itarantim
124
Figura 15: Venda de cereais e de outros produtos de “supermercados” no espaço da feira
livre de Itarantim, cuja extensão é totalmente coberta.
Sabe
-se que qualquer mudança na estrutura organizacional do campo pode
provocar uma mudança no co
mportamento da feira livre. Em Itarantim, uma tentativa
de diminuir os índices de pobreza no local se deu quando, em 1985, a prefeitura
comprou 54 tarefas de terras distantes 5 km da sede municipal e as distribuiu a 18
famílias pobres. Essa localidade ficou conhecida como Agrovila e passou, dentre
outras funções, a abastecer a feira livre de Itarantim com o que se produzia. Quase
20 anos depois, essa localidade continua a abastecer a feira local, embora não
forneça produtos com a mesma freqüência e quantidade de outrora. Além disso, os
“assentados” ainda não conseguiram formar sua associação, o que facilitaria a
aquisição de créditos agrícolas junto a diferentes órgãos. Segundo o responsável
pela Agrovila, um dos motivos que vem enfraquecendo a produção é o fato de
algumas famílias deixarem de produzir e a rotatividade de proprietários. A
experiência mostra que no processo de reformulação da propriedade da terra, a
população precisa participar da conquista da mesma, para que também se construa
coletivamente,
paralelo ao sentimento de luta, o sentimento de conquista e de
pertencimento; caso contrário, podeacontecer o mesmo que vem ocorrendo na
Agrovila.
Foto: Gil Porto
2005.
125
d) ITORORÓ
A feira de Itororó acontece às margens do Rio Colônia e da BR 415, num
quarteirão pró
ximo à prefeitura e ao fórum, a sudeste da Pça Cel. João Borges, onde
se deu a implantação do núcleo inicial da cidade. A cidade de Itororó expandiu
-
se no
sentido norte, leste e nordeste. A figura 17 indica a situação locacional dessa feira
em relação ao tecido urbano da sede. Consta em arquivos particulares que a
primeira feira do município aconteceu na Pça 26 de Abril, atual Pça Castro Alves.
Na década de 1960, a feira foi transferida para a Pça Cel. João Borges, que dista da
primeira cerca de 300m.
Figura 16: Área coberta da feira de Itororó, onde quase totalidade dos feirantes
-
comerciantes é de origem urbana.
Existem no mercado da feira de Itororó 178 boxes, cuja maioria é ocupada
para a venda de carne bovina, suína e derivados. Uma quantidade menor é
destinada a serviços ligados à estética (manicure e cabeleireiro) e à comercialização
de peças e comidas. Esse mercado é parte integrante da feira e está aberto para
visitas todos os dias exceto aos domingos. Quanto ao pagamento de “impostos”, o
s
feirantes que comercializam em pontos fixos são taxados em R$ 20,00 e aqueles
que vendem em barracas em R$ 10,00 mensais. Parte dos pontos de venda da feira
livre é coberta (figura 16) e a outra metade está disposta ao “ar livre” ao redor do
mercado central e da parte coberta da feira (figura 18). Os vendedores que não
utilizam boxes, barracas ou tabuleiros vendem seus produtos em lonas, que são
espalhadas sobre o chão e sobre elas os produtos expostos. Os bens vendidos são,
em sua maioria, cultivados no próprio município. Essas lonas são utilizadas por
Foto: Gil Porto
2005
.
126
agricultores locais, que nos sábados dedicam-se à venda dos produtos por eles
cultivados na semana e que são isentos de taxas.
Foto: Gil Porto
-
2005
Figura 17:
Sede do Município de Itororó
127
Figura 18: Área sem cobertura da
feira livre de Itororó, onde quase totalidade dos feirantes
-
comerciantes é de origem rural.
e) ITAPETINGA
Em Itapetinga existem três feiras livres que são administradas pela Secretaria
de Serviços blicos, órgão da Prefeitura Municipal. A feira principal acontece aos
sábados e as feiras dos bairros da Primavera e do Clodoaldo Costa acontecem aos
domingos. Essas últimas não foram analisadas, pois o objetivo dessa pesquisa foi
estudar as feiras de cinco municípios. No caso de Itapetinga, que possui em seu
tecido urbano três feiras livres, optou-se pela de maior movimento para sua
população, e que, além disso, foi a primeira feira dessa cidade. Como mostra a
figura 19 essa feira está localizada a NE do núcleo inicial da cidade, a Pça Augusto
de Carvalho. A feira iniciou-se na atual Pça da Bíblia (antiga Praça da Bandeira) e
no início da década de 1990, como havia o projeto para transferí-la para o local
que se encontra hoje, foi relocada para as margens da Av. Beira Rio, até que se
construísse a central de abastecimento 1. Ao ser construída, a feira foi transferida
para seu entorno. Ela atualmente é composta por duas “centrais de abastecimento”,
1 e 2, e pela área coberta, onde acontece o comércio livre. A primeira central possui
185 boxes, a segunda, 211, e na feira livre estão cadastrados apenas 120 pontos de
venda. O fato de existirem mais pontos de venda nas centrais que na feira mostra
que o poder público municipal, via Secretaria de Administração, tinha interesse em
transferir parte dos feirantes-
comerc
iantes para os boxes, contudo, o que se
observou foi que muitos desses feirantes, embora tivessem sido cadastrados para
comercializar nas centrais, vendem seus produtos na feira livre.
A expansão urbana de Itapetinga, a partir de seu núcleo inicial, se de
u
praticamente em todos os sentidos. Apenas se conteve nas direções N, NW e O e se
Foto: Gil Porto
2005.
128
expandiu com maior intensidade nos sentidos NE e SW. A localização da feira não
possibilita que todos os moradores do espaço urbano tenham a mesma
acessibilidade a ela. Em conseqüência disso, ao longo do tempo, organizaram-
se
mais duas feiras, uma no bairro Primavera e outra no bairro Clodoaldo Costa
(também conhecido como Nova Itapetinga). Essas feiras, que acontecem aos
domingos, foram criadas de forma a atender à população que habita as áreas
localizadas a sudeste, sul e sudoeste do centro, uma vez que a existência de uma
única feira não possibilita o igual acesso a todos os habitantes da cidade.
Figura 19:
Sede do Município de Itapetinga
129
A venda dos produtos na feira de Itapetinga está distribuída nos seus espa
ços
da seguinte maneira: carnes e confecções o comercializadas nas duas centrais,
havendo uma maior quantidade de açougues e de pontos de venda de confecções
na Central 1; aves e peixes são encontrados na segunda central, cereais são
encontrados tanto na Central 2 como na feira livre; serviços de restaurantes e bares
estão localizados na segunda central e produtos hortifruteiros, de origem local ou
não, estão à venda na feira livre.
A prefeitura cobra anualmente para que cada feirante-comerciante possa
vender seus produtos de R$ 16,00 a R$ 25, 00. Segundo alguns entrevistados o
valor chega a R$ 40,00. Além dos encargos anuais, os vendedores eram obrigados
a pagar taxas mensais que variavam de R$ 1,00 a R$ 10,00, porém, após
publicação de portarias pelo poder público, ficaram isentos. Segundo a secretaria
que administra a feira, os serviços de limpeza, segurança, energia elétrica e
sanitários eram custeados por essas taxas. Com as portarias, a prefeitura passou a
se responsabilizar por todos eles, inclusive pelo serviço de segurança, que é um dos
mais caros. Em conversa com feirantes-comerciantes, eles afirmaram que os
vigilantes eram pagos pela prefeitura, porém, atualmente, os “donos” dos pontos de
venda contribuem com taxas mensais que vão de R$ 1,00 até R$ 5,00 para manter
esse serviço funcionando.
Quanto à origem dos produtos comercializados na feira, pode-se afirmar que
a maioria vem de outras regiões ou estados. As confecções têm sua origem nas
cidades de Caruaru e Santa Cruz em Pernambuco, Belo Horizonte nas Minas
Gerais, Petrópolis no Rio de Janeiro e de São Paulo no estado de mesmo nome.
Cerca de 90% dos produtos hortifruteiros vêm da CEASA em Vitória da Conquista,
cuja origem primária se em diferentes estados. Em contrapartida, pequena
parcela dos legumes e verduras comercializados vem da horta comunitária do
município. Em relação à carne comercializada, 98% da mesma passa pelo frigorífico
municipal, sendo, portanto, de origem local. Parte dos açougueiros compra os
animais diretamente dos criadores, outra metade com intermediários. Aqueles que
dispõem de maior capital de giro compram os animais diretamente dos criadores,
diferente dos que não possuem, que compram de intermediários, pagando valor
maior que aqueles.
130
No conjunto das feiras analisadas, o dia de maior movimento é o sábado,
contudo em todas elas, nas sextas-feiras à tarde, o consumidor já encontra produtos
no mercado ou na própria feira.
Embora os municípios de Maiquinique, Macarani e Itarantim possuam
distritos, em nenhum deles existe feira. Elas acontecem apenas nas sedes
municipais. Nos distritos de Itati e Rio do Meio, ambos localizados no município de
Itororó, a feira acontece aos domingos. Eles distam, respectivamente, 10 e 16
quilômetros da sede municipal. Segundo a administração da feira desse município, é
inexpressiva a quantidade de feirantes residentes da cidade que comercializam
nesses distritos. Esse fato foi comprovado na pesquisa de campo junto aos feirantes
da sede municipal, onde apenas 10% afirmaram que, além de trabalhar na feira de
Itororó aos sábados, instalam suas barracas num ou noutro distrito aos domingos.
Em Itapetinga, a feira principal acontece aos sábados, porém, aos domingos, outras
três podem ser visitadas, duas em bairros mais afastados do centro, como foi
mencionado, e a terceira no distrito de Palmares.
Figura 20: Vendedor de “antiguidades” (máquinas de costura) na feira livre de Itororó.
São inúmeros os elementos que imprimem uma dinâmica peculiar às feiras. É
impossível imaginar a existência de cada uma delas sem a presença dos feirantes-
comerciantes e consumidores. Outros elementos merecem destaque na abordagem
sobre esse fenômeno: as barracas, os tabuleiros, as lonas, as “centrais de
abastecimento”, dentre outros. Além dos citados, os produtos comercializados na
feira têm relevância inquestionável. Sem dúvida, a feira pode até acontecer sem a
presença das barracas, dos mercados e de outros elementos, mas nunca sem os
Foto: Gil Porto
2005.
131
produtos. Esses são encontrados em grande diversidade e quantidade e foram
incluídos nos seguintes grupos para facilitar a pesquisa de campo: carnes,
confecções, cereais, hortifrutigrangeiros e produtos permanentes de uso doméstico e
pessoal. As figuras abaixo representam parte dos produtos encontrados nas feiras
estudadas (Figur
a 20 a 26) .
Figura 21
-
Plantas ornamentais à venda na feira livre de Itororó
.
Figura 22: Aves vivas sendo comercializadas na feira livre de Itororó.
Foto: Gil Porto
2005.
Foto: Gil Porto
2005.
132
Figura 23: Venda de hortifruteiros na feira coberta de Itapeti
nga.
Figura 24: Comercialização de produtos importados do Paraguai na feira livre de Macarani.
Figura 25:
Confecções
vendidas na
feira livre de
Itapetinga
.
Foto:
Gil Porto
2005.
Foto: Gil Porto
-
2005
Foto: Gil Porto
2005.
Foto: Gil Porto
2005.
133
Figura 26: Produtos de origem rural comercializados na feira livr
e de Maiquinique.
4.1.1 A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DAS FEIRAS DE MAIQUINIQUE E
ITAPETINGA
Segundo Sampaio (1999, p. 331), a morfologia da cidade resulta de vários
processos, que geralmente estão associados a conteúdos, sentidos e intenções. No
caso das feiras livres, o conteúdo nelas presente caracteriza-se pela existência dos
mercados e seus boxes, pelo uso de barracas, tabuleiros, lonas, geladeiras, freezes
,
caixotes, esses utilizados para o transporte e armazenamento de produtos
(equipamentos diversos), ainda se caracterizam pela presença dos feirantes e
consumidores (agentes que estão diretamente envolvidos na produção das feiras) e,
finalmente, pelos produtos e mercadorias comercializadas nesses espaços (figura
27). Esses elementos se constituem nos principais componentes do conteúdo das
feiras livres. Quanto aos processos ligados aos sentidos, sentimentos e intenções,
eles estão presentes na maneira como os usuários das mesmas fazem uso da visão
para localizar o espaço da feira e, estando nela, chegar a determinada barraca ou
produto; fazem uso do olfato e do tato para comprovar a qualidade ou não das
mercadorias e usam a audição para se integrar ao sistema de comunicação presente
na feira (anúncios de ofertas de produtos, seus preços e diálogo entre consumidor e
vendedor e entre aquele e amigos). A identificação dos mesmos constituiu-se em
Foto: Gil Porto
2005.
134
mais um argumento que possibilitou o estudo da configuração espacial das feiras,
entendida como manifestação da exterioridade das ações humanas no espaço.
Figura 27:
Em Maiquinique, assim como
nas demais sedes municipais, as
barracas constituem um elemento da
configuração espacial presente nas
feiras livres.
Apreende
-se a forma urbana e também seus elementos a partir dos sentidos,
com o uso ou não de instrumentos como fotografias, mapas e maquetes, e a partir
de uma base quantitativa (Sampaio 1999, p. 342). Se para ele o espaço urbano é
apreendido dessa maneira, e se a feira é um elemento ou fração desse espaço,
acredita
-se que ela, a feira livre, pode ser percebida e estudada a partir desses
níveis. Sendo assim, para que a conformação da feira pudesse ser apreendida e
representada nesse trabalho, fez-se uso do primeiro e do segundo níveis descritos
por Sampaio. Em relação à feira de Maiquinique, a possibilidade de mensurar essa
conformação deu-se através do primeiro nível de apreensão. Na pesquisa de campo
iniciou
-se o processo de “mapear” as diferentes composições de seu conteúdo
material e de seus objetos. Quanto à feira de Itapetinga, além do uso desse
proce
dimento, utilizou-se plantas dos mercados inseridos na feira, contribuindo,
assim, para a construção da sua representação.
Quanto à maneira de se compreender a configuração espacial das feiras, as
duas possibilidades definidas por Sampaio (1999, p. 342) foram utilizadas, tanto a
que se baseia na estrutura superficial como a que se baseia na estrutura profunda.
A análise da estrutura superficial possibilitou a construção das figuras 28 e 30,
e, nelas, a descrição da conformação das feiras dos municípios de Maiquinique e
Itapetinga respectivamente. Quanto à configuração da feira livre de Maiquinique,
representada na figura 28, vê-se a distribuição dos diferentes pontos de venda que
comercializam seus respectivos produtos.
Foto: Gil Porto
2005.
135
Tendo o centro da feira como ponto de referência, o comércio de carnes
(figura 29) e derivados localiza-se na área sul-suldoeste da feira, representada na
Figura 28: Configuração espacial da feira livre de
Ma
iquinique
BA
-
2005
136
figura 28 pela cor vermelha. A cor rosa-claro indica o local destinado à
comercialização de confecções; expandindo-se para além do espaço destinado ao
“acontecer da feira”. A extensão dessas barracas no sentido leste, ocupando uma
área “fora” da feira, em detrimento do uso de um espaço interno, dá-se pelo fato de
que a rua na qual elas se encontram conduz ao “ponto” rodoviário do mu
nicípio,
local de embarque e desembarque dos feirantes-consumidores, aqueles que fazem
uso do transporte como principal meio de condução à feira livre. As barracas que
vendem hortifruteiros estão nas figuras representadas pela cor laranja. Os pontos de
ven
da dos produtos cultivados pelos agricultores locais estão representados pela cor
verde.
Figura 29: Área de comercialização de carne na feira de Maiquinique.
Como mostra a figura 30, a configuração da feria de Itapetinga se caracteriza
por apr
esentar uma continuidade espacial dos pontos de venda que comercializam o
mesmo tipo de produtos no seu espaço. A área destinada ao acontecer da feira está
subdividida nos seguintes sub-espaços: o mercado em planos, conhecido como
central 1 (figura 31), delimitado no mapa pela cor preta, a cor verde delimita o
mercado fechado, denominado de central 2, a feira livre coberta está delimitada pela
marrom e a feira livre não coberta pela cor azul. Na central 1 são comercializados
confecções e carnes. Esses dois segmentos de produtos estão representados, na
legenda, pela cor amarelo mostarda e pela cor marrom, respectivamente. A área
onde se encontram bares e restaurantes está representada, na central 2, pela cor
rosa. Na feira livre coberta, encontra-se uma extensa área destinada à venda de
produtos hortifruteiros, e de cereais, representados respectivamente pelas cores
Foto: Gil Porto
2005.
137
vinho e amarela. Na feira livre sem cobertura são comercializados produtos
hortifruteiros em lonas, confecções e produtos diversos na chamada feira do
Paraguai (figura 32). Esses produtos estão representados, na figura,
respectivamente, pelas cores vermelho, amarelo mostarda e verde claro. Esse último
sub
-espaço da feira livre sem cobertura recebe esse nome porque além de se
comercializar ali uma diversidade de produtos, vende-se mercadorias que foram
utilizadas. Peças de bicicleta, rádios e pássaros são alguns dos itens encontrados
nessa fração da feira. Os pontos de venda que comercializam outros produtos estão
distribuídos em diferentes espaço
s da feira.
Figura 30
Configuração espacial da feira livre de
Itapetinga
BA
-
2005
138
Além da conformação da feira livre ser resultante dos processos ligados ao
seu conteúdo e aos sentimentos, sentidos e intenções dos agentes envolvidos em
sua produção, no caso das feiras estudadas, outros elementos foram considerados.
Para Santos & Serpa (2001, p. 54-55), além da acessibilidade, da circulação e da
renda, que influenciam o poder de um centro na periferia, outros fatores também são
responsáveis: a proximidade, o fato de ser uma área de ligação e o preço d
e
produtos e serviços nele oferecidos.
Figura 31: O mercado em planos é um dos principais elementos da configuração espacial da
feira de Itapetinga.
Figura 32: “
Feira do Paraguai”: local na feira de Itapetinga onde se comerciali
za produtos
diversos e usados.
Foto: Gil Porto
2005.
Foto: Gil Porto
2005.
139
Quanto à ação desses fatores na produção das feiras enquanto centralidade
nas sedes estudadas é importante esclarecer que a relação que cada uma mantém
com o espaço rural é significativa. No caso da produção das centralidades na
periferia das metrópoles, essa relação é praticamente inexistente. A proximidade é
condição sine qua non para a freqüência nas feiras livres estudadas. Essa
proximidade é um aspecto observado tanto para os que habitam no espaço rural
como para os que habitam nas sedes e está associada à acessibilidade. A
população da zona rural visita as feiras das sedes de seus respectivos municípios
pela proximidade geográfica relativa entre suas moradias e a sede municipal. Essa
proximidade relativa resulta da fácil acessibilidade à rede de transportes e estradas
que serve a população de cada município. Esse aspecto ficou bastante evidente na
pesquisa de campo realizada na feira de Itororó: uma parcela significativa dos
consumidores dessa feira habita no distrito de Bandeira do Colônia, sob jurisdição
do município de Itapetinga. Esses consumidores utilizam a feira de Itororó, ao invés
de se dirigirem às de Itapetinga, porque ela está mais próxima de suas residências.
Quanto à acessibilidade, ela se constitui num fator de relevância para a
centralidade das feiras, da mesma forma como se na produção de um centro na
periferia. Embora as feiras se constituam em centros nas sedes municipais, um fator
que dificulta a freqüência da população às mesmas é a sua localização no tecido
urbano, pois geralmente são locadas na periferia geográfica das cidades e o na
área central. É nesse sentido que a distância da feira em relação a alguns bairros
dificulta a acessibilidade o que leva feirantes-comerciantes e consumidores dos
bairros mais distantes a se organizarem de forma a surgirem nesses locais feiras,
como ocorre, por exemplo, em Itapetinga. Percebe
-se que em todas as cidades-
sede
estudadas, a localização das feiras não acompanhou a expansão urbana ocorrida
em seu espaço. As cinco feiras localizam-se nas proximidades do lugar onde
surgiram as primeiras construções e instalaram-se as primeiras feiras livres. Elas
não estão localizadas de forma a atender igualmente aos moradores dos diferentes
bairros, em relação à proximidade. Nos cartogramas de localização (figuras 10, 12,
14, 17 e 19) é possível observar a posição de cada uma em relação ao tecido da
cidade.
Em relação à feira de Maiquinique, um dos motivos que possibilitou a fixação
da mesma no referido local foi a sua proximidade da área de embarque e
desembarque de pessoas. O local é margeado pela BA 130 que liga Maiquinique às
140
cidades próximas, o que, por sua vez, possibilita sua comunicação com centros
urbanos maiores. Quanto à existência de espaços sem utilização dentro da feira, um
dos motivos causadores desse processo é o fato de a feira estar próxima de ruas
pouco utilizadas, fechadas em si mesmas, não servindo de acesso a outras ruas, ao
passo que os logradouros próximos aos locais de saída e chegada da cidade são
ut
ilizados para o comércio da feira, principalmente para a venda de confecções.
Essa situação possibilita compreender que, além dos fatores mencionados, outro
que atua na produção da configuração espacial da feira de Maiquinique é a
circulação de pessoas que, em algumas vias, é mais intensa e, em outras, menos. A
feira estende-se em direção às ruas de maior circulação de pessoas, pessoas que
visitam à feira para comprar e/ou vender seus produtos. Ainda discutindo
acessibilidade, os moradores que residem nos bairros localizados a sul e a
sudoeste, os mais distantes, não a freqüentam com a mesma intensidade que
aqueles que residem nas suas proximidades. Com o objetivo de centralizar a feira
em relação à cidade e colocá-la num espaço de maior dimensão, o gover
no
municipal está preparando um novo espaço para recebê-la (figura 33). Com essa
mudança, haverá maior acessibilidade, o que permitirá a maior parcela da população
utilizar a feira com maior assiduidade.
A feira de Itapetinga está próxima da BA 263 que acesso aos municípios
de Vitória da Conquista e Itabuna, porém esse motivo não favorece seu movimento,
que é produzido em quase sua totalidade pela população da sede municipal,
população essa superior a 50.000 habitantes. A área destinada ao “acontecer” d
a
feira de Itapetinga é de aproximadamente 600 m
2
. Além disso, o espaço também se
destina ao acontecimento de festas como São João e outras festividades locais no
turno da noite. Com essa dimensão e servindo apenas à população local, o espaço é
subutilizad
o, por isso, parte significante do espaço permanece livre diariamente.
Contudo, o espaço destinado ao acontecer” da feira é todo ocupado por pontos de
venda, não havendo assim ociosidade desses. Em relação às centrais de
abastecimento, percebeu-se que, no momento da pesquisa de campo, metade dos
211 boxes da central 2 estavam fechados. Segundo informações dos que
mantinham seus pontos de venda funcionando, os boxes fechados estavam nessa
condição porque seus “donos” preferiam comercializar na feira livre, utilizando seus
boxes apenas como depósitos ou porque o os abriam todos os sábados e nem
141
durante a semana. Essa realidade comprova o fato de o espaço da feira de
Itapetinga ser ocioso, embora haja o agrupamento dos pontos de venda em
determinado sub
-
espa
ço. A ociosidade está presente tanto no espaço livre como nos
boxes, esses últimos, principalmente localizados na central 1. Em relação à
acessibilidade, a principal feira livre de Itapetinga não é freqüentada igualmente por
toda sua população. Certamente os habitantes dos bairros Recanto da Colina e Vila
Riachão, localizados respectivamente a leste e a sudoeste da feira, freqüentam a
feira com menor intensidade que aqueles que residem nos bairros centrais.
Figura 33
Futuras
instalações da feira livre
e do
mercado de Maiquinique.
Em relação à renda da população e os preços dos produtos (SANTOS &
SERPA, 2001), fatores que também determinam a produção de centralidades dos
serviços nas áreas periféricas urbanas, pode-se afirmar que o comportamento de
cada um se constitui como parte integrante do circuito inferior da economia nos
países subdesenvolvidos e foram, nesse trabalho, discutidos e aceitos como
aspectos presentes nas feiras estudadas. Parte significativa da população dos
municípios pesquisados possui renda inferior a um salário mínimo e vêem nas feiras
a possibilidade de adquirir os produtos a um menor preço. Porém, em relação ao
aspecto preços dos produtos, ele sofreria maior mobilidade, na hipótese de duas
feiras acontecerem num único dia, aí, esse fator seria mais determinante para tornar
uma feira centralidade em relação a outra, contudo, a baixa renda da população
local constitui-se num fator importante para a centralidade da feira em cada sede
municipal. Esses aspectos, somados àqueles ligados aos conteúdos da feira, aos
sentidos e aos sentimentos dos seus usuários, são responsáveis pela morfologia das
feiras.
A configuração das feiras de Maiquinique e Itapetinga resulta de processos
construídos historicamente pela população local e que determinaram a atual
Foto: Gil Porto
2005.
142
localização dos pontos de venda que comercializam diferentes produtos. Além disso,
resulta também de processos ligados aos sentidos e aos sentimentos dos agentes
nela envolvidos e ao conteúdo material das mesmas. Em relação à feira de
Maiquinique, o fato de um mesmo produto ser comercializado em espaços
descontínuos, não se constitui numa regra, uma vez que continuidade espacial
entre estabelecimentos que vendem determinados produtos. A exceção produz a
seguinte distribuição de produtos no espaço da feira: os pontos de venda de cereais
e de hortifruteiros produzidos por agricultores locais situam-se em diferentes locais
na feira, as barracas que vendem cereais industrializados são intercaladas pela
presença dos pontos de venda de legumes, frutas e verduras e daqueles que
vendem produtos importados.
A feira de Itapetinga, semelhantemente a de Maiquinique, apresenta
zonalidade para facilitar o uso do espaço e a venda de produtos. O fato de a feira
ocupar uma extensa área obriga, de certa maneira, os vendedores a se organizarem
de forma a possibilitar a familiarização dos consumidores com os diferentes pontos
de venda. Mesmo com predominância dessa organização, não continuidade
espacial entre todos os pontos de venda de produtos semelhantes. É o caso dos
feirantes que comercializam carnes e confecções. Como mostra a figura 29, o
primeiro produto é comercializado tanto na central 1, como na central 2. Quanto aos
pontos de venda de confecções, é possível encontrá-los tanto no entrada da ce
ntral
de abastecimento 1, como na feira livre e ainda em alguns boxes da central 2. Por
mais que esforços sejam dispensados pelos planejadores no sentido de ordenar a
feira, determinando a localização fixa dos produtos nela comercializados e
estabelecendo
limites rígidos entre eles, os principais agentes que a produzem,
nesse caso quem compra e quem vende, apresentam o comportamento de não
seguirem certos padrões de organização, uma vez que, na maioria das vezes, não
participaram de sua elaboração. Essa arrumação dos objetos presentes nas feiras, a
forma como chegam aos sentidos de seus usuários e o conjunto de sentimentos
neles encontrados constituem, dentre outros fatores, o conteúdo sustentador e
produtor dessa configuração espacial, cuja apreensão se também por meio
desses sentidos, que são elementos importantes na constituição da cultura de
qualquer grupo ou comunidade.
143
4.2 O “IR” A FEIRA: ASPECTOS CULTURAIS E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO
Entender as feiras a partir de uma abordagem cultural constituiu-
se
, a
princípio, num desafio na elaboração desse trabalho. Esse desafio esteve atrelado a
dois motivos: primeiro, a inexistência de estudos de caso como resultado de
pesquisa desenvolvida sobre as feiras livres, segundo, porque a análise de qualquer
fenômeno
a partir de diferentes abordagens demanda maior tempo e
amadurecimento no trato com cada uma de suas partes. Santos (1985 p. 1) sugeriu
que ao estudar a natureza do espaço, ele fosse considerado como fator de evolução
social, retirando-o do lugar de passividade em relação aos acontecimentos sócio-
econômicos e entendendo-o como instância da sociedade, ao mesmo tempo
instância econômica e cultural-ideológica. Mesmo não privilegiando em sua obra a
análise do espaço sob esse prisma, afirmou ser possível compre
endê
-lo dessa
forma. Embora dificuldades tenham aparecido no processo de entendimento da feira
em sua instância cultural, o caminho proposto por Santos foi aceito como desafio
possível de realização.
A produção científica atual, ainda impregnada da racionalidade positivista,
sobretudo nas ciências humanas, passa a dar atenção a outros elementos
constituintes dos fenômenos espaciais. Por conta disso, atendendo às novas
demandas desse início de século, torna-se cada vez mais necessário no estudo de
qualquer
ciência valorizar diferentes abordagens, abordagens essas que valorizem a
história, os sentimentos, os valores e os costumes dos grupos humanos que
produzem o espaço. Em Geografia, mesmo havendo resistências em tratar o espaço
a partir da valorização desses conceitos, é crescente a quantidade de estudos que
analisam a produção e a organização do mesmo a partir da cultura ou das
sociedades que nele habitam. Antes, porém, de continuar essa discussão, cabe
definir o que se entende por cultura. De acordo com o
periódico
Géographie et
cultures
(1992
apud
CORRÊA, 1995, p. 2 e 3), cultura é o conjunto daquilo que é
transmitido e inventado (técnicas, atitudes, valores, e as condições de transmissão)
e caracteriza
-
se por “componentes materiais, sociais, intelectuais
e simbólicos”. Para
Sauer (1963
apud
CORRÊA, 1995, p. 3), a cultura “origina
-
se, difunde
-
se e evolui no
tempo e no espaço, sendo compreensível no tempo, porém traçável no espaço onde
se localiza”. Diante desses conceitos, a feira livre pode ser entendida c
omo
manifestação cultural pois:
144
é transmitida de geração a geração;
é um componente espacial da configuração urbana;
é um produto da sociedade;
possui conteúdo simbólico.
Embora se saiba que a feira é um fenômeno cultural, o que se propõe nessa
seção não é apenas iniciar e terminar a compreensão das feiras analisadas a partir
desse aspecto e sim começar, por intermédio de alguns pensadores, uma discussão
teórica acerca dessa questão, que não deve se fechar nesse trabalho, mas sim
continuar sendo aprofundada em momentos futuros. Na busca de uma justificação
teórica para o trato dessas questões, alguns autores servirão de base para se
chegar a algumas considerações.
Bromley, Symansky e Good (1980) afirmam acerca da origem das feiras
livres, que quase sempre surgem em sociedades estratificadas. Segundo eles, elas
tornam
-se periódicas a partir do estabelecimento do comércio em tempo parcial e a
designação de dias especiais para a sua realização. Uma das características mais
presentes nas sociedades estratificadas é a presença, em suas estruturas, de
diferentes classes sociais. As tabelas 7 e 22 respectivamente nos capítulos 1 e 2,
que revelam as características sócio-econômicas dos municípios em questão,
mostram a renda da população de cada município e a renda dos que compram na
feira. A análise das informações contidas nas mesmas possibilitou concluir que mais
de 80% da população de Maiquinique, Macarani, Itarantim e Itororó declararam não
ter rendimentos ou receber até meio salário mínimo mensais. Em Itapetinga, a
parcela da população que apresenta esse comportamento é menor, chegando a
73%, ao passo que considerando-se a percentagem média dos cinco municípios,
apenas 2,88% da população recebe cinco ou mais salários mínimos mensais. O
conjunto dessas características é resultado, dentre outros fatores, da estratificação
social presente nesses municípios, o que determina, de certa maneira, a origem e a
permanência das feiras livres. Esses autores afirmam ainda que elas também
persistem no tempo por conta das necessidades dos produtores e consumidores, da
organização do tempo, da inércia e da vantagem comparativa.
A necessidade que o comerciante tem de vender seus produtos com o
objetivo de adquirir o mínimo de capital para manter o funcionamento do seu ponto
de venda e para sua sobrevivência, bem como a necessidade de compra dos
consumidores constituem-se em fatores indispensáveis na permanência dessas
145
feiras. Quanto à organização do tempo, pode-se afirmar que as feiras estudadas
continuam a existir por causa da forma como, historicamente, as populações locais
apropriaram
-se da seqüência de dias e noites, organizando-os de forma a atender
suas necessidades: dias para o trabalho, dias para o descanso e dias para as
festividades. Nesse contexto, escolheram um dia da semana para que a feira de
cada localidade acontecesse, nesse caso o dia de sábado. A escolha desse dia está
ligada ao calendário das atividades semanais da sociedade e, particularmente, da
população da área estudada. No mundo ocidental, ao longo do tempo, dos sete dias
semanais, os homens trabalham cinco, do 2
o
ao 6
o
dia semanal, os demais, sábado
e domingo, servem de lazer e descanso. O fato de a maioria das feiras nordestinas
acontecerem aos sábados e aos domingos e, no caso das feiras estudadas,
acontec
erem no 6
o
dia semanal, indica que não originaram-se apenas para atender
a necessidade de compra e de venda dos consumidores e comerciantes, mas
também para servir de lazer, constituindo-se numa atividade festiva, onde seus
participantes, ao ir à feira, pudessem conversar, socializando os fatos semanais
ocorridos nas suas comunidades. Sendo assim, essa organização determina que o
feirante não sobreviva apenas da atividade desenvolvida na feira. No caso em
questão, como indica a tabela 15, a maioria dos feirantes trabalha em outras
atividades durante a semana e o trabalho na feira é visto como mais uma
possibilidade de aumentar a renda mensal. Esse fato ocasiona a existência de um
comerciante com perfil diferente daqueles profissionais que vivem e sobrevivem
de
“fazer” a feira. O fato de as feiras em questão acontecerem no mesmo dia da
semana resulta do fato de possuírem importância, sobretudo local, onde a
população de cada município se constitui no agente responsável pelo “existir” de
cada uma delas.
Em tempos não tão distantes, a maioria dos consumidores das feiras livres
dos municípios em questão habitava o espaço rural. Esse fato implicava num
comportamento tipicamente local. O fato que levava a população camponesa a ir à
feira estava ligado, dentre outros motivos, à necessidade de, ao vender o excedente
agrícola, conseguir o dinheiro para comprar o que não se produzia no campo.
Entretanto, esse não pode ser entendido como o único motivo; a feira significava
para essa parcela da população o lugar do encontro e do lazer para toda a família.
As crianças, o casal, enfim, os membros da família viam, no dia de sábado, o
momento de se informar dos acontecimentos regionais e a possibilidade de rever
146
parentes ou amigos. Os relatos abaixo mostram que a feira continua tendo o mesmo
significado para os que moram no campo e para aqueles que não estão mais lá.
“Eu venho à feira para vender farinha, ovos de galinha e também para
comprar. Além disso, eu encontro os conhecidos não é? Ela é bonita, o povo e as
coisas também são; é por isso também que eu gosto da feira”, afirmou Eliene Bispo
do Santos, moradora na Fazenda Água Doce no município de Itororó. Odílio José
dos Santos, 47 anos, residente na Fazenda Palmeira, município de Maiquinique,
freqüenta a feira pelos mesmos motivos apresentados acima, porém, para ele, ela
tem um significado maior.
Venho à feira vender verdura, cereais e também para comprar carne e
pagar alguma prestação. Também aproveito para ver os amigos e para
visitar o médico. Somente no sábado é possível fazer tudo isso. Se eu
deixo de vir à feira em algum sábado, sinto que falta alguma coisa em mim.
Desde pequeno que eu freqüento, então, ela faz parte da minha vida.
Odetino José dos Santos, de 66 anos, residente na mesma localidade, ao
relatar sobre o objetivo que o traz à feira disse: “A gente vem para comprar, mas
também a gente vem para saber como está a cidade e as novidades da semana”.
Milton José dos Santos, 43 anos, morador da zona rural desse município reforçou a
idéia anterior dizendo que:
A feira não serve apenas para comprar, a gente aproveita e faz outras
coisas. Todo sábado encontro amigos e a gente prosa muito; cada um fica
sabendo as coisas novas que acontecem nas outras roças. Às vezes eu
aproveito para ir ao hospital pra fazer exames.
Outra feirante-consumidora, Ednália Vieira Oliveira, 39 anos, moradora na
zona rural de Itarantim e que freqüentava a feira livre da sede municipal de mesmo
nome, ao ser questionada sobre os motivos que a levariam à feira, afirmou:
...
tem parente que eu vejo só na feira, então a gente aproveita pra
colocar o papo em dias. Às vezes nem compro muita coisa, mas venho à
feira para ver esses parentes e também porque ela é muito alegre,
movimentada e a gente encontra os amigos também. Quando sobra tempo,
ta
mbém vou à igreja.
Maria Rosa da Silva, 55 anos, moradora desse mesmo município disse vir á
feira apenas para comprar frutas e feijão, embora aproveite a oportunidade para ver
os parentes.
Patrícia de Jesus Santos, 23 anos, residente na fazenda Córrego d
`Água,
município de Macarani, afirmou que aproveita o dia da feira para ir à casa dos
amigos “bater um papo”, visitar lojas, fazer exames, arrancar dente e resolver alguns
147
problemas. Ela também visita a feira porque gosta do seu movimento, das pessoas e
de
suas atitudes. “Além disso, rever os parentes é muito bom”, afirmou ela.
Nas falas acima percebe-se a diversidade de motivos que levam os feirantes
rurais à irem às sedes municipais aos sábados . Todos afirmaram que visitam a feira
para comprar. Além de adquirir os produtos outros ainda têm a feira como local de
venda de seus produtos. Esses são de origem rural. Além desses motivos, outros de
tamanha importância foram citados. A maioria afirmou que vir a feira significa
reencontrar conhecidos, amigos e parentes. Além disso, aproveitam para se
inteirarem dos acontecimentos semanais e para “fazer exame” como eles afirmaram.
O fato de um dos entrevistados afirmar que a feira faz parte de sua vida mostra o
significado que ela tem para parte da população que a f
reqüenta. O “ir” á feira é uma
necessidade que se não for satisfeita produz uma insatisfação, um desconforto entre
os feirantes.
Ana Pereira da Silva, de 52 anos, residente na Fazenda Rio Pardo, também
no município de Macarani, associa a existência da feira à presença divina: “Além de
vir aqui para comprar e vender, também venho prosar com os amigos e sentir a
presença de Deus. O que eu mais gosto na feira é dessa presença”.
Para Edivaldo Ferreira de Oliveira, 42 anos, domiciliado na sede do município
de It
apetinga, o que ele mais gosta de fazer na feira é sentir a comunhão:
Nós queremos estar perto de outras pessoas, dar e receber carinho. Ver o
povo unido na feira é algo muito bonito. As pessoas aqui são muito
educadas e hoje a primeira coisa que você tem que ter é educação; é uma
pena que a feira está um pouco devagar de uns tempos pra cá.
Esses dois últimos relatos mostram o grande valor simbólico que a feira
possui para uma parte dos que a freqüentam. Ao afirmar que o que mais se gosta na
feira é a pr
esença de Deus, a feirante vê a feira como local onde Deus se manifesta.
Além de ser o local da compra, da venda, do estabelecimento de contatos, a feira é
também lócus onde se manifesta a presença de uma força superior. Quanto ao
relato do último morador, ele mostra que a feira possui um aspecto diferenciado de
outros espaços da cidade. O encontro, a conversa e a coletividade pulsam em toda
sua extensão de forma que todos se sintam construtores desse acontecer, que é
solidário, na medida em que são compartilhados entre seus participantes, alegrias,
tristezas, planos e acontecimentos da vida diária.
148
Sendo assim, pode-se auferir que o “ir à feira” tem diferentes significados,
significados esses ligados ás necessidades humanas que são impregnadas de
afetivida
de, de valores culturais, dentre outros. Para a população que habitava a
zona rural e que migrou para a cidade, o ir à feira simbolizava o elo de ligação com o
urbano, imaginado como o “lugar da modernidade”. Ela não deixa de ser o espaço
da compra de produtos, porém o espaço da venda, pois os camponeses deixaram
de produzir quando passaram a residir na cidade. Ainda assim, esses antigos
moradores do campo continuam vendo a feira enquanto local de encontro, onde
podem rever os que lá permanecem e satisfazer
outras necessidades como mostra a
tabela 25. Se a feira livre continua com essa importância, perde aquela, que lhe
confere o lugar de contato com o espaço urbano, uma vez que parte da população
que a via dessa forma foi alcançada pela “modernidade urbana”
.
Com base nas informações da tabela 25, pode-se afirmar que a maioria da
população rural além de ir à feira para comprar, a visita também por outros motivos.
Aproveitam o dia de sábado para rever familiares, amigos, ir ao médico e também
visitar a igreja. Esses motivos solidificam a discussão levantada sobre o conteúdo
cultural presente nas feiras livres, onde seu funcionamento está associado a
acontecimentos de ordem cultural ou funcional.
Tabela 25
– Municípios da Área de Estudo -
BA
Consumidores rurai
s: motivos que o trazem à feira além da compra (%)
2004
Municípios
Motivos
Maiquinique
Macarani
Itarantim
Itororó
Itapetinga
Visita ao médico
34
- 5 - -
Visita ao médico e/ou
rever parentes e
amigos
33
-
50
14
56
Trabalhar
-
25
- - -
Visita a
o médico e à
igreja e/ou rever
parentes e amigos
17
-
35
15
-
Nenhum
8
50
5
71
-
Outros
8
25
5 -
44
Fonte: Pesquisa de campo, janeiro
-
setembro
2004.
A inércia constitui um dos fatores citados por Bromley, Symansky e Good
(1980) que possibilita a permanência das feiras no tempo. Ela se caracteriza por um
149
conjunto de comportamentos ou atributos que continuam presentes nas feiras,
mesmo com as transformações ocorridas nas relações trabalhistas, de produção e
de comércio. Ela se manifesta em diferentes atitudes de quem compra e de quem
vende. Comprar na feira ao invés de adquirir os produtos num mercado ou mesmo
deixar de vender produtos em boxes voltando a vendê-los na feira livre,
comportamentos dos consumidores e comerciantes respectivamente, podem ser
considerados como elementos da inércia das feiras estudadas. O fato de 30% dos
boxes da central 2 da feira de Itapetinga permanecerem fechados, no dia em que a
feira apresenta maior movimento, está ligado, dentre outras questões, à “escolh
a”
que seus “proprietários” fazem em comercializar seus produtos no espaço livre. Por
esse motivo, muitos boxes do mercado da feira livre de Itarantim também se
encontravam fechados no momento da pesquisa de campo. Esse comportamento do
comerciante e a perda da função primordial do box, ligado também ao costume de
comprar na feira livre, é um dos elementos da inércia, que possibilita a permanência
das feiras no tempo, que resistem em mudar os padrões tradicionais, padrões esses
presentes no ato de vender o produto numa barraca ou tabuleiro, ou até mesmo no
chão, constituindo-se em elemento característico na produção e na configuração
espacial das feiras.
A implantação de projetos de reurbanização e padronização nas feiras livres,
onde a feira livre é “tragada” pelo mercado, tem sido apoiada por muitos
comerciantes e consumidores. Esses são usuários assíduos dos boxes, uma vez
que defendem a modernização da feira livre. Dos mercados observados, o da feira
livre de Macarani era o único que mantinha todos os seus boxes funcionando com a
venda de mercadorias, tanto aqueles que vendiam hortifruteiros, como aqueles que
comercializavam carnes eram freqüentados pelos feirantes
-
consumidores.
Conforme mencionado, Bromley, Symansky e Good (1980) afirmam ainda ser
a vantagem comparativa um dos fatores que determina a permanência das feiras no
espaço citadino. É possível que num conjunto de feiras em outro espaço sub-
regional esse comportamento esteja presente, determinando que algumas sejam
mais movimentadas e comercializem maior montante de mercadorias que outras,
porém as feiras estudadas não apresentam vantagens que determinam a procura de
consumidores que residem em outros municípios. Como mostra a tabela 21, quase
totalidade dos consumidores, no momento da pesquisa de campo, afirmaram ser do
próprio município onde a feira acontecia. Esse quadro permite afirmar que essas
150
feiras são centros locais, pois atendem, sobretudo, às populações que ali residem.
Sendo assim, nenhuma delas apresenta vantagem comparativa em relação às
outras, portanto, o fato de continuarem existindo não deve ser associado a esse
comportamento.
Os motivos descritos e analisados até aqui serviram de suporte para entender
a feira também enquanto fenômeno cultural. Os fenômenos, de diferentes naturez
as,
materializam
-se no espaço constituindo elementos de diferentes paisagens.
Cosgrove (1998), a partir de uma visão crítica, afirma que dois tipos gerais de
paisagens. A primeira é considerada a das culturas dominantes e, a segunda, das
culturas subdominantes ou alternativas. Essa última é dividida em três tipos:
paisagens residuais, emergentes e excluídas. As feiras estudadas, assim como a
maioria das feiras brasileiras, pelas características que apresentam, constituem uma
paisagem residual no espaço das cidades. Residual porque resistem no espaço das
sedes municipais, por conta da organização do tempo, da inércia e por se
constituirem num bem cultural.
O modo de produção capitalista produz espaços e paisagens diferenciados,
onde o acesso de uma minoria a diferentes bens e serviços se em detrimento de
uma maioria que consome o mínimo para a sobrevivência e que se utiliza do
comércio e dos serviços com características próprias. Nesse sentido, essa maioria
adquire os produtos para seu consumo em locais apropriados ao seu padrão de
vida. O comércio informal tem sido essencialmente, e, nesse caso, as feiras livres,
utilizado pela população de baixa renda. A organização desse comércio no espaço
urbano produz uma paisagem excluída, em relação aos estabelecimentos de
comércio formal: as lojas e os supermercados. As feiras livres não são entendidas
como paisagens excluídas, no sentido de não estarem mais presentes no espaço
citadino. Ao contrário, continuam existindo e refletem, de um lado, a atual
organizaçã
o e configuração do modo capitalista de produção, ou seja, são
necessárias, juntamente com o comércio formal, para a reprodução desse sistema.
Na feira e em todo seu campo de signos e significados as relações culturais
se dão de forma diferente daquelas que se estabelecem nas lojas e em
supermercados. Essas relações não podem estar dissociadas da materialidade
sobre a qual se dão e, para Cosgrove, não devem ser entendidas de forma
estanque, sem levar em conta o estudo do poder. De maneira não declarada, a
s
lojas de comércio formal disputam com os pontos de venda do comércio informal a
151
atenção e a procura do consumidor. Essa disputa configura relações de poder entre
os dois circuitos. Outro poder que também se manifesta no espaço da feira e no seu
entorno c
aracteriza
-se pelas ações do poder público municipal que planeja, sem
participação dos feirantes, intervenções visando à padronização dos pontos de
venda e delimitando as áreas onde os diferentes produtos deveriam ser
comercializados. Em contrapartida, o poder dos feirantes se manifesta na não-
obediência às determinações do poder público municipal, com a não utilização dos
boxes para venda de seus produtos, optando em comercializá-los na feira livre, ou
mesmo não acatando as portarias criadas pelo poder público municipal definindo
taxação aos feirantes-comerciantes. Por conta desse comportamento, a análise da
feira a partir das suas relações culturais não deve estar desassociada dos estudos
sobre poder, que é construído e manifesto pelos principais agentes que a produzem.
Esse poder além de se manifestar na relação conflituosa entre os proprietários de
barracas e as administrações municipais, que elegem suas intervenções como as
únicas capazes de produzir a “modernização” ou “reurbanização” das feiras livres,
também está presente nas estratégias criadas pelo comércio formal para atrair o
consumidor da feira livre para as suas lojas e supermercados.
Como foi mencionado anteriormente Cosgrove (1998, p. 103) afirma ainda
que parte significante das pessoas vive em sociedades que são divididas em classe,
casta, sexo, idade ou etnicidade. Essa divisão reflete como se a organização
social do trabalho. Uma posição diferenciada em qualquer comunidade a partir
dessas características produz no indivíduo uma experiência e uma consciência
diferenciadas, produzindo de certa forma aspectos culturais diferenciados. A
população com baixa escolaridade e que recebe baixos salários constitui-se num
grupo que possui experiência e consciência diferentes daquele que estudou mais
anos e que tem maior renda. O baixo nível de escolarização dos feirantes-
consumidores é um indicador relevante e deve ser considerado no entendimento da
feira. A escolha de comprar nela se constitui num aspecto cultural característico de
determinado grupo social, da mesma forma que a escolha por comprar em lojas de
mercados e supermercados corresponde também a hábitos de determinada parcela
da população. É certo que não existe um limite rígido, no sentido de que
determinado grupo socioeconômico e cultural compra na feira e outro em lojas e
mercados, porém, como mencionado, as relações culturais da feira não são as
mesmas que se manifestam no comércio do circuito superior.
152
Segundo Claval (1995
apud
CORRÊA, 1995, p. 4 e 5) a paisagem é, de um
lado, resultado de uma dada cultura, e, de outro, constitui-se numa matriz cultural.
Matriz cultural porque serve como mediação na transmissão de conhecimentos,
saberes, crenças, sonhos, valores símbolos e atitudes sociais. Para aquele, a
paisagem possui uma faceta funcional e outra simbólica. As feiras, entendidas
enquanto paisagens, apresentam uma faceta funcional e outra simbólica. Funcional
porque existem para atender ao consumo das sociedades locais, simbólica, porque
seus pontos de venda distribuídos em seu espaço apresentam características
peculiares a esse tipo de comércio, uma tipologia do circuito inferior da economia,
como foi discutido no capítulo 3, e também porque expressa os processos sociais de
uma comunidade e seu conjunto de práticas e valores.
153
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já mencionado poucos estudiosos da Geografia têm se debruçado
sobre a atividade comercial e, em se tratando da feira livre, um número bem menor
tem se dedicado a essa tarefa.
O presente trabalho propôs analisar a produção desse fenômeno sob a ótica
da teoria dos dois circuitos econômicos de Milton Santos. O entendimento de que a
feira livre se constitui numa manifestação do circuito inferior foi uma das premissas
indispensáveis para a possibilidade do desenvolvimento da pesquisa. Percebeu-
se
que a maioria das características do circuito inferior, apresentadas por Santos, está
presente no “dia-a-dia” das feiras. Dentre essas se pode citar o caráter simples em
que se a venda dos produtos, o baixo investimento em capital no funcionamento
dos pontos de venda, a presença considerável de familiares trabalhando nesse
processo, baixo estoque de produtos para a comercialização, o não-uso de
empréstimos para investimento no próprio negócio, dentre outros. Durante a anális
e
das informações obtidas percebeu-se que algumas das características desse
circuito, mencionadas por Santos, o foram identificadas. Dentre essas se pode
citar:
a)
A venda a crédito;
b)
A predominância de mulheres no desenvolvimento da atividade comercial;
c)
A presença de vários intermediários entre o produtor e o consumidor,
dentre outras.
Sendo assim, ao contrário do que Milton Santos postulou, na feira livre a venda
a crédito praticamente não existe, os homens são maioria na função de feirantes-
comercianrtes e parte significante das mercadorias comercializadas no espaço da
feira não passa pelas mãos de intermediários. Muitos anos se passaram desde que
essa teoria foi construída. Daquele momento até os dias atuais a sociedade vem
mudando com rapidez exigindo que qualquer teoria nas Ciências Humanas, criada
num tempo distante, seja retomada e revisada no intuito de explicar os fenômenos
na atualidade, cuja produção se no seio de uma sociedade que se transforma
cada vez mais rápido. O fato de alguns aspectos do CI não se manifestarem no
“acontecer” das feiras livres estudadas reforça a importância dessa teoria, que além
de explicar outras manifestações do CI, pode ser utilizada para a compreensão de
154
um fenômeno que tem seu lugar no cotidiano de milhares de pessoas de cidades
interioranas e de capitais.
Muitos feirantes comerciantes e consumidores afirmaram que as feiras têm
enfraquecido. Para chegar à conclusão acerca dessa afirmação seria necessário um
estudo mais específico e aprofundado, onde a obtenção de informações acerca do
número de freqüentadores em cada sábado, do montante de lucro obtido por
comerciante em cada dia de feira, da quantidade de produto comercializado, seriam
indispensáveis. Essas informações deveriam ser obtidas num período considerável
de
tempo para então se chegar à conclusão se as feiras livres têm ou não passado
pelo processo de enfraquecimento. Se com a pesquisa desenvolvida não foi possível
comprovar esse pressuposto, outros aspectos foram percebidos. Um dos que mais
chamou a atenção foi o fato de que em alguns sábados as feiras são mais
dinâmicas. Nesses, elas recebem maior número de feirantes consumidores e
comerciantes. Geralmente são sábados que antecedem “dias santos” ou festas que
têm grande importância local como Semana Santa, São João e Natal. Nesses
sábados, a comercialização de peixes e, sobretudo, de confecções é de maior
expressividade no espaço da feira. Ruas próximas a elas são ocupadas por barracas
que chamam a atenção dos consumidores e aumentam a expansão da área da feir
a.
Não propomos entender as feiras estudadas a partir dessa peculiaridade, porém,
acredita
-
se que esse é mais um aspecto que carece de estudos geográficos. A maior
ou menor dinâmica da feira, além de estar associada às festividades locais, mantém
íntima relação com as estações do ano e dias de pagamento de salários e de
aposentadorias. Em meses de pouca chuva e nas duas últimas semanas do s
geralmente as feiras são menos movimentadas e os produtos, sobretudo os de
origem rural, são mais escassos. Sem dúvida, esse comportamento percebido em
relação a essas feiras determina uma configuração espacial com certa mobilidade.
Em sábados com maior número de feirantes e maior quantidade e diversidade de
produtos a feira possui uma arrumação espacial que se difere daquela visível nos
dias de menor movimento.
A discussão das feiras a partir da forma como se apresenta na paisagem
urbana foi de grande relevância, pois possibilitou visualizar sua configuração no
espaço. Pode-se afirmar que a informalidade, além de estar presente no circuito da
compra e da venda de mercadorias, necessita do espaço para se manifestar, nesse
caso as feiras livres, tornando-se assim visível. O planejamento dispensado na feira
155
é diferenciado a depender da cidade, a depender da sua importância para o entorno
e a depender da população que a freqüenta. Essas diferenças apresentam-
se,
portanto, na configuração espacial das mesmas, que ficaram evidentes nos dois
casos aqui trabalhados. A da feira de Itapetinga apresenta distribuição de suas
partes
e de produtos diferenciados daquela da feira de Maiquinique. No caso de
Itapetinga, vê-se a presença mais evidente do órgão municipal responsável pela
gestão do espaço feirense. Essa presença se manifesta na tentativa de dividí-lo em
sub
-espaços para se comercializar os diferentes produtos. No caso de Maiquinique,
a configuração espacial da feira revela a ausência do poder público, uma vez que
não se verifica com maior clareza os diferentes sub-espaços para a venda de cada
produto. Essas diferenças não impossibilitaram a existência de uma característica
comum nas duas feiras estudadas: não há um limite rígido entre espaços que
vendem produtos diferentes. É possível encontrar num espaço indicado para vender
determinado produto outras mercadorias e pontos de vendas com diferentes
tipologias: lonas, tabuleiros e barracas.
O entendimento da feira enquanto lócus de relações culturais foi um dos
caminhos mais difíceis de se percorrer. A falta de literatura específica que aprofunda
a questão, a não construção de um caminho metodológico com etapas mais claras e
até mesmo a não-inclusão de maior número de questões nos questionários que
contribuíssem para uma avaliação da feira a partir dessa proposta se constituíram
em entraves na elaboração do último capítulo. Diferentes autores apontam a
possibilidade e a necessidade de trabalhar a feira como fenômeno cultural, porém
não o fazem sob essa perspectiva. Ainda assim, a análise da feira a partir dessa
abordagem foi possível graças aos esforços dispensados na tentativa de
se construir
um caminho metodológico possível. A feira, sendo aqui entendida como bem cultural
imaterial da humanidade, resiste no tempo por conta, principalmente, desse seu
conteúdo. A discussão aqui levantada se constitui num embrião que carece de
cuidad
os e maiores reflexões de forma a ser, futuramente, compreendido em pelo
menos parte de sua totalidade. Sendo assim, a discussão sobre as relações culturais
presentes na feira, que nesse trabalho não foram aprofundadas, serão objeto de
estudo no doutorado. No entanto, um ponto de partida para essa compreensão é o
entendimento de que as feiras livres, e nesse caso, as feiras estudadas, persistem
no tempo porque um dos motivos que conduz às pessoas a visitá-las é o hábito de
comprar, vender, encontrar pessoas, etc.. Esse hábito é um componente da cultura,
156
construído historicamente e não se “desmancha” em dias, anos ou décadas. Se esse
aspecto é relevante na compreensão da feira a partir dessa abordagem, outro
aspecto tem sua importância. Embora o fato de consumidores de classes sociais
diferentes apresentarem experiência e consciência também diferentes seja
insuficiente para afirmar ser a feira uma manifestação de uma cultura subdominante
ou alternativa, o se deve anular esse aspecto se se propõe analisar a feira como
fenômeno cultural. Portanto, na continuação desse trabalho, esse aspecto será
revisado no sentido de que contribua para o entendimento da feira como expressão
cultural no espaço urbano.
Sabe
-se que o conhecimento da evolução histórica de qualquer fenômeno, e
em alguns casos, do local onde ele se manifesta é indispensável para a atual
compreensão do mesmo. No caso das feiras estudadas, embora esforços tenham
sido feitos no sentido de se encontrar registros escritos sobre cada uma delas,
nenhum foi encontrado. Ao consultar os moradores mais antigos sobre a evolução
dessas feiras, poucas informações foram dadas e as obtidas quase sempre eram
contraditórias. Quanto à idéia de aqui se registrar a história dos cinco municípios,
resultados mais satisfatórios foram obtidos, pois se teve acesso a relatos dos
acontecimentos passados de cada localidade, relatos esses que valorizam os
antigos detentores do poder, que são colocados como os homens “bons”, que
zelaram pelas comunidades locais e que levaram a elas o desenvolvimento. Sendo
assim, espera-se que esse trabalho desenvolva nos que o lerão o interesse de
aprofundar no registro e na análise de uma história local reveladora dos
acontecimentos construídos pela coletividade e não apenas por vultos.
Nas feiras de Maiquinique, Macarani, Itarantim e Itapetinga, percebe-se que o
poder público municipal vem implementando reformas em seus espaços através de
projetos de reurbanização, construindo mercados que antes se constituíam apenas
como um dos elementos da feira. Essa intervenção do poder público fragmenta-
a,
determinando, assim, uma nova configuração do espaço. No nosso entendimento, a
construção do mercado fechado “aprisiona” o feirante, que é impedido, quase
sempre de ver e sentir a feira como espaço público, portanto espaço livre. Nesse
sentido é que se afirma que essas feiras têm sido “engolidas” por esses mercados.
Parte significante delas acontece sob essa estrutura e em alguns casos, como a
de Macarani, é praticamente coberta. Isso mostra que o poder público municipal é
um dos agentes que desterritorializa e reterritorializa a feira. Porém, no nosso
157
entendimento, os agentes que estão envolvidos diretamente e com maior
intensidade nesse processo, sobretudo no último, são os feirantes: os que compram
e os
que vendem em seu espaço. São aqueles que mesmo não adquirindo produtos,
visitam
-na para apreciar sua beleza, que é uma obra de arte inscrita na paisagem
urbana, não pintada por um único artista, mas por todos que a freqüentam, que a
observam.
Um aspecto que chamou atenção em todas as feiras foi o fato de se
localizarem nas proximidades dos rios que banham as sedes municipais. Em todas
as sedes elas têm sido “empurradas” para esses locais. Uma explicação para esse
movimento das feiras na direção citada é o fato de os poderes públicos municipais
não darem a importância devida para as mesmas, sendo elas vistas, ao longo do
tempo, por esses gestores, como locais, que pelas suas características, precisam
ficar na margem do tecido urbano. Essa situação se dif
ere de outras cidades, onde o
transporte fluvial foi e continua sendo importante para o conjunto da sociedade. Em
alguns casos, as áreas mais dinâmicas dessas cidades são banhadas por rios, e
quase sempre, as feiras livres estão ali localizadas. Essa situação não se aplica à
realidade estudada, embora as sedes municipais estejam próximas aos cursos
d’água.
Uma tendência observada em pelo menos três das feiras estudadas
(Macarani, Itapetinga e futuramente em Maiquinique) é a crescente
multifuncionalidade
de seus espaços. Aos sábados, durante o dia, recebem as
barracas, os feirantes e os consumidores e à noite transformam-se em palcos para
festividades locais. É interessante observar que os freqüentadores diurnos do
espaço diferem daqueles que o usam à noite e em nenhuma das feiras observou-
se
a manifestação de eventos culturais (apresentação de tocadores, cantores,
piadistas, etc.) no momento em que as feiras aconteciam.
Por esses e outros motivos, é que a feira livre precisa continuar sendo objeto
de pesquisa e de estudo para os cientistas sociais, pois, ao refletirem o movimento
dos grupos sociais, podem ser estudadas para a compreensão da sociedade, para a
compreensão do espaço geográfico, para a compreensão da vida nossa de cada
dia.
158
6 REFERÊNCIAS B
IBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Manuel Correia de. Áreas de domínio da pecuária extensiva e semi-
intensiva na Bahia e norte de Minas. Recife, SUDENE Coord. Planej. Regional,
1982.
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paradigmas. UNESP. Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas. 1996.
BRITO, Cristóvão. Revisando o conceito de território. RDE Revista de
Desenvolvimento Econômico. Ano IV, n. 6, Julho de 2002. Salvad
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20.
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revisão crítica. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, IBGE, 42(3), p. 646-
57, jul. /set. 1980.
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periódicos. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, IBGE, 42(1), p. 183-
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jan./mar., 1980.
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CARNEIRO, Maria Déa Ramos. Municípios do Médio Sudoeste da BA - Itape
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Gráfico Dimensão Editora, 1983.
CORRÊA, Roberto Lobato. A rede urbana. São Paulo: Ática, 1989.
______. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.
______. “A dimensão cultural do espaço: alguns temas”. Espaço e Cultua. Rio de
Janeiro: Nepec, outubro, 1
995.
______. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
COSGROVE, Denis. A cultura está em toda parte. In: ROSENDAHL, Zeny;
CORREA, Roberto Lobato (Orgs.). Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de
Janeiro: Eduerj, 1998. p. 92
-
123.
HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de
exclusão. In: CASTRO, Iná Elias de, Paulo César da Costa Gomes, Roberto Lobato
Corrêa. Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
HARVEY, David. A justiça
social e a cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
HARVEY, David. A condição Pós
-
Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
HASSEGAWA, Welliton Rezende. A Crise da Economia Pecuária Bovino-
Extensiva
da Micro-Região Pastoril de Itapetinga: Subordinação, conflito e Mudanças nas
159
Relações de Produção nos últimos 30 anos. (Dissertação de Mestrado).
Universidade Federal da Bahia
UFBA, Cruz das Almas, 1992.
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000.
IBGE: 2000.
JESUS, Gilmar Mascarenhas de. O lugar da feira livre na grande cidade capitalista:
Rio de Janeiro, 1964
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1989. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro. IBGE, 54
(1), p. 95
-
120, jan. /mar., 1992.
LAGE, Creuza Santos. Refletindo sobre o projeto de pesquisa em G
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Salvador: UFBA, 2002.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 3. Ed.
São Paulo: Atlas, 1993.
LEITE, Maria Ângela Farggen Pereira. Destruição ou desconstrução?.São Paulo:
Hucitec/FAPESP, 1994.
MORAES, Antônio Carlos Robert Moraes. Geografia pequena história crítica. São
Paulo: Hucitec, 1997.
MORAES, Antônio Carlos Robert. (Org.) Ratzel. Tradução Fátima Murad e Denise
Bottman. São Paulo: Ática, 1990. (Col. Grandes Cientistas Sociais 59).
MORAES, Antônio Carlos Robert. e COSTA, Wanderley Messias da. Geografia
crítica
A valorização do espaço. São Paulo: Hucitec, 1987.
NETO, José Vitalino. Escorço história de Itororó. Itororó: 2001.
OLIVEIRA, Nelma Gusmão de. De “capital da pecuária” ao “sonho de pólo
calçadista”: A constituição da estrutura urbana de Itapetinga, BA. (Dissertação de
Mestrado)
-
Faculdade de Arquitetura
UFBA, Salvador, 2003.
PIRENNE, Henri. História Econômica e Social da Idade Média. São Paulo: Editora
Mestre Jou, 1963.
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geogr
afia do poder. São Paulo: Editora Ática, 1993.
SAMPAIO, Antônio Heliodório Lima. Formas urbanas: Cidade Real & Cidade Ideal.
Contribuição ao estudo urbanístico de Salvador. Quarteto Editora/ PPG/AV,
Faculdade de Arquiterura da UFBA, 1999.
SANTOS, Jânio & SERPA, Ângelo. A produção espacial do comércio e serviços nas
periferias urbanas: um estudo de caso em Salvador in Geousp: Espaço e Tempo,
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São Paulo: USP, 2001. p. 45
-
65.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia nova: Da crítica da Geografia a uma Geograf
ia
crítica. São Paulo: Hucitec, 1978a.
160
______. Pobreza Urbana. São Paulo: Hucitec, 1978b.
______. O espaço dividido: os dois circuitos da economia dos países
subdesenvolvidos
-
Rio de Janeiro: F. Alves, 1979.
______. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 198
5.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2 ed. São Paulo:
Hucitec, 1996.
______. Metamorfoses do espaço habitado 5
a
ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. O que é
preciso saber sobre M
ERCADOS & FEIRAS LIVRES. Rio de janeiro, 1982. 96 p.
SEI
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Estatística dos
Municípios Baianos 2000. SEI:2000.
SEI
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Estatística dos
Municí
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SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de, Paulo César da Costa Gomes, Roberto
Lobato Corrêa. Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand
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VASCONCELOS, Pedro de A. Dois séculos de pensamento sobre a cidade. Ilhéus,
Editus, 1999.
161
7 ANEXOS
ANEXO A: QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS FEIRANTES CONSUMIDORES E
AOS FEIRANTES COMERCIANTES.
Universidade Federal da Bahia
Insti
tuto de Geociências
Mestrado em Geografia
Este questionário é um instrumento, que após sua aplicação, tabulação e análise de
seus dados servirá de suporte para compreender o funcionamento das feiras livres
dos municípios de Itapetinga, Itororó, Itarantim, Macarani e Maiquinique, objetivo de
uma pesquisa em desenvolvimento nesta universidade.
QUESTIONÁRIO 01: CONSUMIDORES
Questionário número_______________
Aplicado em:_____________________
01. Dados pessoais:
Nome:______________________________________
___Sexo:____Idade: _______
02. Qual faixa que melhor descreve sua renda familiar mensal?
a) ( ) Menos de um salário mínimo
b) ( ) Entre um e dois salários mínimos
c) ( ) Entre três e cinco salários mínimos
d) ( ) Mais de cinco salários mínimos
0
3. Em que faixa se encontra em relação à sua formação escolar?
a) ( ) Primário completo e fundamental incompleto.
b) ( ) Fundamental completo e nível médio incompleto.
c) ( ) Nível Médio completo e superior incompleto.
d) ( ) Superior completo.
e)
( ) Nenhuma alternativa acima.
04. Em qual município mora?
a) ( ) Itapetinga b) ( ) Itororó c) ( ) Itarantim d) ( ) Macarani
e) ( ) Maiquinique f) ( ) Outro município
05. Onde se localiza sua residência? Se for da ZONA RURAL responda a 6
a
questão, se for da ZONA URBANA responda a 7
a
:
a) ( ) Zona Rural b) ( ) Zona Urbana
06. Além de vir à feira qual outro motivo lhe trás à cidade?
a) ( ) Visita ao médico
b) ( ) Rever amigos ou parentes
c)( ) Visita à igreja
d) (
) Nenhum
e)( ) Outro:____________________________
162
07. Você vem à feira apenas para comprar?
A) ( ) Sim ( ) Não
B) Por que vem à feira?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
C) O que mais gosta na feira?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
08. Você freqüenta a feira semanalmente? Se a resposta for NÃO, responda a 9
a
questão
.
a) ( ) Sim b) ( ) Não
09. Então, quantas vezes ao mês?
a) ( ) 1 b) ( ) 2 c) ( ) 3 d) ( ) 5
10.
A) O que você compra na feira
a) ( ) verduras
b) ( ) frutas
c) ( ) carnes
d) ( ) alime
ntos permanentes
e) ( ) roupas f) ( ) outros, favor especificar: ___________________.
B) Por que compra esses produtos na feira?
___________________________________________________________________
__________________________________________________
_________________
11. Você compra sempre no mesmo comerciante?
___________________________________________________________________
12.
A) Pesquisa preço?
___________________________________________________________________
B) É mais barato que em outros
lugares?
___________________________________________________________________
13. Você acha que esta feira tem fortalecido ou enfraquecido ou continua da mesma
maneira ao longo dos últimos anos? Se a resposta for
enfraquecido
, responda a
14
a
questão.
a) (
) fortalecido
b) ( ) enfraquecido c) ( ) Continua da mesma maneira
14. Segundo seu ponto de vista esta feira tem perdido a importância por qual dos
motivos abaixo?
a) ( ) Diminuição dos produtos produzidos no município.
b) ( ) Aumento dos preço
s das mercadorias.
c) ( ) Os produtos antes encontrados na feira hoje podem ser comprados em outros
estabelecimentos.
d) ( ) Queda da qualidade e da diversidade dos produtos que nela são
comercializados.
e) ( ) Todos os motivos anteriores
163
Universidade
Federal da Bahia
Instituto de Geociências
Mestrado em Geografia
Este questionário é um instrumento, que após sua aplicação, tabulação e análise de
seus dados servirá de suporte para compreender o funcionamento das feiras livres
dos municípios de Itapetinga, Itororó, Itarantim, Macarani e Maiquinique, objetivo de
uma pesquisa em desenvolvimento nesta universidade.
QUESTIONÁRIO 02: COMERCIANTES
Questionário número_______________
Aplicado em:_____________________
01. Dados pessoais:
Nome: _______________
_________________________Sexo: ____Idade: _______
02. Em qual município mora?
a) ( ) Itapetinga b) ( ) Itororó c) ( ) Itarantim d) ( ) Macarani
e) ( ) Maiquinique f) ( ) Outro município
03. Você trabalha por conta própria? Se a resposta for SIM, responda a 4
a
questão,
se for não a 5
a
.
a) ( ) Sim b) ( ) Não
04. Quais pessoas trabalham para você?
a) ( ) Familiares
b) ( ) Outros
c) ( ) Trabalho sozinho
05.
A) Para quem trabalha?
_________________________________________
__________________________
B) Além da feira o sr. trabalha com outra atividade?
a) ( ) Sim
b) ( ) Não.
Se SIM, especifique: __________________________________________________
06. Há quantos anos trabalha nesta feira?
a) ( ) 1 ano
b) ( ) 2 anos c
) ( ) 3 anos d) ( ) 4 anos
e) ( ) 5 anos
f) ( ) Mais de 10 anos
07. Você trabalha em feiras de outros municípios? Se a resposta for SIM, responda a
8
a
questão.
a) ( ) Sim b) ( ) Não
08. Em qual (quais) município(s) localiza(m)-se a(s) outra(s) feira(s) que você
trabalha? Que dia da semana ela(elas) funciona(m)?
___________________________________________________________________
09.
A) Que tipo de produto você vende?
164
B) De onde vem esses produtos?
_____________________________________
______________________________
C) Vo comprou diretamente do produtor ou do intermediário? Se for o
intermediário
, responda a 10
a
questão.
a) ( ) Produtor
b) ( ) Intermediário
10. O intermediário compra os produtos de qual região ou cidade?
_______
____________________________________________________________
11. Que tipo de transporte você usa para trazer os produtos até essa feira?
a) ( ) caminhão
b) ( ) carroça
c) ( ) animal
d)( ) caminhão da
prefeitura
12. Você paga taxas/impostos? Se a
resposta for SIM responda a 13
a
questão.
a) ( ) Sim
b) ( ) Não
13.
(A) A quem você paga taxas/impostos?
___________________________________________________________________
(B) Quanto você paga mensalmente?
___________________________________________
________________________
14. Desde quando você começou a trabalhar nesta feira até hoje, você acha que ela
tem se enfraquecido? Se a resposta for SIM, responda a 15
a
questão.
a) ( ) Sim b) ( ) Não
15. Segundo seu ponto de vista esta feira tem perdido a importância para este
município por qual dos motivos abaixo?
a) ( ) Diminuição dos produtos produzidos no município.
b) ( ) Aumento dos preços das mercadorias.
c) ( ) Os produtos antes encontrados na feira hoje podem ser comprados em outros
estab
elecimentos.
d) ( ) Queda da qualidade e da diversidade dos produtos que nela são
comercializados.
e) ( ) Todos os motivos anteriores
16. Qual a sua renda média semanal?
a) ( ) Até meio salário mínimo
a) ( ) Entre meio e um salário mínimo
b) (
) Entre 1 e 2 salários mínimos
c) ( ) Entre 2 e 4 salários mínimos
d) ( ) Entre 5 e 7 salários mínimos
17. Quanto de dinheiro você emprega em seu negócio anualmente (inclusive com a
compra de mercadorias)?
_____________________________________________
______________________
18. Em que faixa se encontra em relação à sua formação escolar?
a) ( ) Primário completo e fundamental incompleto.
165
b) ( ) Fundamental completo e nível médio incompleto.
c) ( ) Nível Médio completo e superior incompleto.
d) (
) Superior completo.
e) ( ) Nenhuma alternativa acima.
GRADE DE OBSERVAÇÃO
Durante a visita técnica às feiras livres far-
se
uso da grade de observação
abaixo construída para subsidiar as informações a serem obtidas na aplicação de
questionários,
bem como para permitir a compreensão das feiras nesse momento.
ITAPETINGA
ITORORÓ
ITARANTIM
MACARANI
MAIQUINIQUE
ELEMENTOS
OBSERVADOS
(Quantidade)
A B C A B C A
B C A B C
A B C
Hortifruteiras
Bazares
Cereais
Supermercados
NS
NS
NS
NS
NS
NS
NS
NS
NS
NS
Açougues
Confecções
Outros
Elaboração: Gil Porto
A
Pontos de venda fixos
B
Pontos de venda móveis (barracas)
C
Pontos de venda no chão (l
onas)
NS
Não se aplica
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