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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
DANIELLE VELLOSO LEMOS SCHWARZ
A MAGIA DO ESPAÇO CÊNICO EM EL MÁGICO PRODIGIOSO, DE
PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA
NITERÓI
2007
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DANIELLE VELLOSO LEMOS SCHWARZ
A MAGIA DO ESPAÇO CÊNICO EM EL MÁGICO PRODIGIOSO, DE
PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Literaturas Hispânicas da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Mestre. Área de Concentração: Literaturas
e outras artes.
Orientador: Profa. Dra. LYGIA RODRIGUES VIANNA PERES
Niterói
2007
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DANIELLE VELLOSO LEMOS SCHWARZ
A MAGIA DO ESPAÇO CÊNICO EM EL MÁGICO PRODIGIOSO, DE
PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA
Dissertação apresentada ao Curso de Pós
Graduação em Literaturas Hispânicas da
Universidade Federal Fluminense, como
Requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre.Área de Concentração:literatura
e outras Artes.
Aprovada em fevereiro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Beatriz Rodrigues Gonçalves
Universidade Federal de Juiz de Fora
_____________________________________________________________________________
Profa. Dra. Gladys Viviana Gelado
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________________________________________
Profa. Dra. Lygia Rodrigues Vianna Peres
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2007
Aos meus pais que me propiciaram o amor pelos livros.
Ao meu marido, Erich, que sempre incentiva meus estudos.
Às filhas Erika e Dally, exemplos de amor e compreensão.
A Deus, por nunca ter me desamparado nesta caminhada.
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Lygia Rodrigues Vianna Peres, pelo apoio e
orientação, mas, principalmente, pela confiança e segurança.
Aos professores dos cursos de Graduação e Pós-Graduação
desta Universidade, pelo saber compartilhado.
À Profa Dra.Annita Alvarez - a ‘meiga’ que me encantou
pelas fontes acrescentadas a esta pesquisa.
Aos colegas, que me incentivaram durante as etapas deste
trabalho.
À Banca Examinadora, pelas sugestões enriquecedoras.
A todos que contribuíram para a realização desta dissertação.
“Mago é o homem que transforma ativamente as vias habituais da realidade,
inserindo-lhes certos processos inusitados e subversivos que atestam o domínio do homem
sobre todas as criaturas.” (E. Garin)
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES, p.8
RESUMO, p. 9
RESUMEN, p.10
INTRODUÇÃO, p. 11
1. A MAGIA NO SÉCULO XVII E EL MÁGICO PRODIGIOSO , p.14
2. CALDERÓN E O ESPAÇO CÊNICO, p. 30
3. O ESPAÇO CÊNICO COMO ELEMENTO IMPRESCINDÍVEL, p.42
4. UM PERSONAGEM ATUANDO EM DIVERSOS ESPAÇOS, p.53
4. 1: Magia em cena, p.60
4. 2: Prodígios mágicos, p. 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p. 87
ANEXOS, p. 92
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig.1 Desenho de San Juan de la Cruz- Monte Carmelo ; p. 18
Fig.2 Desenho de Diego de Astor- Monte Carmelo ; p. 19
Fig.3 Gravura de Cipriano (Leyenda Dorada) ; p. 24
Fig.4 Gravura de Justina (Leyenda Dorada) ; p. 25
Fig.5 Nuvola;Adoración de los Reyes Magos, de Andrea Mantegna(1489); p. 37
Fig.6 Vanitas, de Pieter Claesz ; p. 78
RESUMO
A presente pesquisa propõe um estudo do espaço cênico a partir da análise das
didascálias da obra El mágico prodigioso, de Pedro Calderón de la Barca, para mostrar
os recursos disponíveis neste teatro do século XVII. Através do destaque do
personagem Demônio, enquanto responsável pela condução da ação dramática, tanto
no aspecto teológico quanto teatral, são evidenciados os signos espaciais de algumas
“situações”. Estas indicam as mudanças ‘mágicas’ efetuadas pelo diabólico
personagem, formalizando a coexistência da filosofia cristã, escolástica e da filosofia
pagã, renascentista neoplatônica nesta comédia. A semiótica de Eco e Ubersfeld, os
estudos herméticos de Yates , a visão histórica de Maravall , Garin e D’Ors somados
aos estudos de Pavis e Aurora Egido sobre cenografia, dão o apoio teórico à pesquisa.
Informações recentes sobre a montagem da peça na Espanha demonstram a atualidade
de seu texto, cuja temática está centrada em expor a importância do exercício do livre-
arbítrio.
Palavras chave: Teatro. Magia. Espaço cênico.
RESUMEN
La presente investigación propone un estudio del espacio escénico a partir del
análisis de las didascalias de la obra El mágico prodigioso, de Pedro Calderón de la
Barca, para mostrar los recursos disponibles en este teatro del siglo XVII. A través de
la puesta en relieve del personaje Demonio, como responsable en la conducción de la
acción dramática tanto en el aspecto teológico cuanto teatral, se evidencian los signos
espaciales de algunas “situaciones”. Éstas señalan los cambios ‘mágicos’ ejecutados
por el diabólico personaje, formalizando la coexistencia de la filosofia cristiana,
escolástica y de la filosofía pagana, renacentista neoplatónica en esta comedia. La
semiótica de Eco y Ubersfeld ; los estudios herméticos de Yates; la visión histórica de
Maravall, Garin y D’Ors agregados a los estudios de Pavis y Aurora Egido sobre
escenografía, dan el apoyo teórico a la investigación. Informaciones recientes sobre la
puesta en escena de la pieza en España demuestran la actualidad de su texto, cuya
temática está centrada en exponer la importancia del ejercicio del libre albedrío.
Palabras clave: Teatro. Magia. Espacio escénico.
INTRODUÇÃO
A presente dissertação propõe um estudo do espaço cênico da obra El mágico
prodigioso (1637), de Calderón de la Barca, a partir da análise das didascálias nas
“situações” mais representativas da atuação do Demônio, já que o personagem
promove mudanças espaciais, ao ser conhecedor das artes sobrenaturais.
Para fundamentarmos nossa pesquisa, nos basearemos em Umberto Eco e
Anne Ubersfeld, continuadores das idéias de Charles Sanders Peirce, sobre a relação
representação-texto, o papel do signo no teatro e os aspectos semióticos que envolvem
a análise do personagem, sujeito da dupla enunciação de seu discurso, bem como a
natureza icônica do signo espacial e sua presença no texto. Ampliarei a pesquisa com
os artigos de Bogatyrev e Kowsan, sobre a natureza cênica do signo e Guinsburg
tratando da Semiologia da comunicação teatral. Quanto ao estudo específico da
Semiótica das didascálias, o artigo de Guillermo Schmidhuber de la Mora faz uma
análise crítica e histórica sobre este elemento primordial do texto dramático que é
pouco explorado nas pesquisas. As observações de Pavis nos esclarecendo sobre esta
arte, bem como as de Lygia Peres - dando suporte através de seus vastos exemplos
centrados na pesquisa da representação do maravilhoso na cenografia deste teatro-
complementam a condução destas reflexões.
Para uma abordagem específica dos estudos calderonianos recorrerei a Diez
Borque e Wardrooper com suas análises sobre este teatro; Francisco Rico, Maravall e
Eugenio D’Ors para análise do barroco numa visão histórica comparativa; Sanchez
Escribano e Porqueras Mayo, sobre a preceptiva deste teatro, Evangelina R. Cuadros
e Lygia Peres que traçam um amplo panorama ideológico e apresentam um corpus
rico em projeções intertextuais. Em relação à representação de obras de Calderón, são
esclarecedoras as contribuições de Shergold, Aurora Egido e Gonzáles Román, dentre
outros citados na bibliografia, para termos uma visão aproximada e comparativa de
12
algumas obras estudadas por estes autores e a comédia aqui abordada.
Através do destaque do personagem Demônio, enquanto condutor da ação
dramática nesta obra, poderemos desvelar a coexistência da vertente cristã, escolástica
e da vertente renascentista, neoplatônica, neste teatro do século XVII, por ser ele o
promotor das várias mudanças ‘mágicas’ que ocorrerão nos diferentes espaços de
representação. Haverá, portanto, necessidade de retomarmos a historia da magia,
através dos estudos de Francis Yates sobre o hermetismo, enfocando a colaboração
dos filósofos Raimundo Lullio e Giordano Bruno para entendermos a presença de
uma literatura mágica na Espanha, quando o homem buscava solucionar os conflitos
da época em que vivia, valendo-se de resultados mágicos. Momento de Contra-
Reforma onde a Igreja procurava direcionar as formas de pensar. Os estudos de Argan
sobre a história da arte e suas imagens é vital para compreendermos sua relação com
as formas de persuasão usadas pela Igreja e sua influência no imaginário do homem
europeu.
Nesta comédia que ora se faz objeto de estudo, tendo seu texto composto de três
jornadas, de conteúdo dogmático contra-reformista, Calderón apresenta um idearium
filosófico-religioso ao expor a importância do exercício da faculdade do livre-arbítrio
e a misericórdia divina, ilustrado num caso de virtude cristã a personagem Justina -
que não se deixa vencer pelas tentações do Demônio. A ação da obra gira em torno das
manipulações do maligno personagem, que se apresenta de diferentes maneiras junto
aos demais, já que lhe é dado o conhecimento das artes sobrenaturais.
Muito se tem falado sobre a vasta obra de Calderón de La Barca: seus autos
sacramentais, comédias e dramas, além das jácaras, loas e mojigangas.
Especificamente sobre El Mágico Prodigioso há uma literatura que se detém mais na
temática do pacto demoníaco e sua relação com o conhecimento e o amor alguma
semelhança ao Fausto de Goethe - ou abordando temas filosófico- religiosos , como
o livre-arbítrio; tema recorrente em Calderón.
Quando se pensa na questão da representação teatral e seus recursos,
geralmente, não é a ela que recorrem. Se valem da obra La vida es sueño, bem como
El gran teatro del mundo, que é igualmente merecedora de destaque e, ambas,
13
tornaram-se mais conhecidas e, conseqüentemente, mais estudadas, principalmente
nos meios acadêmicos brasileiros.
A leitura dessa obra calderoniana, tendo como foco demonstrar os recursos
cênicos que este teatro barroco dispunha, torna interessante a pesquisa, tanto na área
literária quanto em outras artes, já que as didascálias são um elemento do texto
dramático que “inexplicablemente ha recibido esporádica atención de la crítica
especializada”. (SCHMIDHUBER, 2001) Neste estudo serão imprescindíveis para
nossa análise. Não só por possibilitarem uma aproximação cenográfica e possível
reconstrução destes cenários, mas, principalmente, para colaborarem em futuros
registros nas documentações deste teatro do século XVII.
A partir da leitura dos signos lingüísticos, imagens mentais, poderemos
transpor, magicamente, o espaço do papel para imaginarmos o espaço cênico do teatro
barroco espanhol, época de esplendor nas Artes.
O último capítulo, a análise em si, permite ao personagem suas demonstrações
mágicas e sua atuação simbólica na trama.
Cumpre destacarmos a colaboração dos cenógrafos italianos na concretização
da obra teatral, o que se abordará no segundo capítulo; pois este fato será importante
para conhecermos os recursos cênicos disponíveis, que atingem maior
desenvolvimento neste período, conhecido como Siglo de Oro da Literatura e das
Artes.
O manuscrito original da obra se conserva na Biblioteca do duque de Osuna.
As ilustrações contidas aqui complementam importantes temas abordados em
seus respectivos capítulos.
1. A MAGIA NO SÉCULO XVII E EL MÁGICO PRODIGIOSO
Quando pensou na criação do drama El mágico prodigioso, certamente
Calderón queria expor mais que uma comédia de santos para ser apresentada na festa
do Santíssimo Sacramento, no povoado toledense de Yepes, em 1637, na Espanha do
século XVII. Época de crises políticas, econômicas e sociais, onde a monarquia
enfrentava fracassos e a Igreja se confrontava com as idéias reformistas de Lutero e
Calvino, tornou-se necessária uma postura severa de recuperação social, pela qual
ambas monarquia e igreja se uniriam.
A crise do espírito humano, originada no final do século XVI e estendida por
todo o XVII, a partir de vários fatos históricos: reformas religiosas, Concilio de Trento
e a Contra-Reforma; desenvolvimento da ciência (na astronomia com a teoria
heliocêntrica de Copérnico); novos conceitos filosóficos através da nova concepção do
mundo, quando o homem não é mais o centro e sistemas de comércio pelas grandes
viagens e explorações geográficas traz grandes dúvidas que abalam suas crenças.
Nesta época, o homem conturbado do Barroco buscava expressar-se como
reflexo dos conflitos sociais em que vivia. Enquanto período de conflito social, o
Barroco predispõe ao homem europeu uma busca por resultados “mágicos” que
solucionem estes problemas. Uma esperança de que algo surja, um milagre, uma
resposta da natureza prodígios mágicos. (MARAVALL, 1988, p. 462)
Houve um aumento da exaltação religiosa no tocante ao hermetismo, numa
abordagem cristã, no fim do século XVII (YATES, 1987, p.205-206), visando a uma
atmosfera de tolerância na questão dos problemas religiosos entre católicos e
protestantes, com um retorno à religião hermética do mundo tradição egípcia do
gênese inspirada por Hermes Trismegisto, o mais importante dos prisci magi, com
seus tratados Asclepius e Corpus Hermeticum, escritos nos séculos II e III d.C. e
traduzidos por Marsilio Ficino.
15
Em seu tratado De Vita Coelitus Comparanda, Ficino expõe a teoria dos
spirit e sua forma de atraí-los para o espírito humano através da influência das
estrelas, capturadas e conservadas em talismãs. Esta teoria baseava-se no Picatrix,
livro sobre magia simpática e astral, escrito em árabe, provavelmente do século XII,
do qual se tem a informação de uma tradução latina sob a orientação do rei e poeta
Alfonso X, o sábio. A popularidade e circulação clandestina do manuscrito, nos
séculos XV e XVI, segundo as pesquisas de Yates, comprovam a “presença de uma
literatura hermética e mágica na Espanha.” (PERES, 2001, p. 27)
É importante destacarmos Ficino por ter explicado toda a obra de Platão, de
Plotino e os textos mais importantes do platonismo anterior a Psello, filósofo
neoplatônico do século XI, impondo esta filosofia a toda a Europa. Sem ele, esclarece
Eugenio Garin, a cultura européia não compreenderia “aquele renomado sentido de
interioridade e os novos tons que assumiu a vida moral e religiosa da Europa nos
séculos XVI e XVII.” (GARIN, 1988, p.261) A partir do século V a filosofia, que
possuía traços clássicos e helenísticos, sofreu influência das culturas judaica e cristã,
quando pensadores cristãos perceberam a necessidade de aprofundar uma fé que
estava amadurecendo em uma tentativa de harmonizá-la com as exigências do
pensamento filosófico.
Apesar de a tentativa das autoridades eclesiásticas de banirem a magia desde a
Idade Média ela jamais desapareceu. Entendendo-
se aqui por “magia astral” e não
“astrológica” como a nomeia Yates (1987, p. 74) a chamada magia natural que se
baseia na sintonia com o poder dos astros pelo homem (mago) para manipulá-lo.
No século XVII ocorre, na Alemanha, grande revivescência do lulismo,
estendendo-se ao século XVIII (YATES, 1996, p. 124). Este nome deve-se à arte de
Raimundo Lulio, filósofo catalão medieval que influenciara Paracelso - médico
alemão e alquimista nascido em fins do século XV - com suas idéias em relação à
influência astrológica das plantas na medicina. Em um de seus livros, A chave da
Alquimia, ao discorrer sobre a fé, Paracelso se refere à tradição cristã que nos foi
passada desde a mais remota Antigüidade, graças a Moisés, Abraão e outros homens
que souberam conservá-la e sustentá-la com todas as suas forças, “mostrando-se,
assim, como homens extraordinários (mirabilis) que estavam acima da natureza
humana.” (PARACELSO, 1973, p. 390) Da mesma forma, as idéias cartesianas
16
baseadas na geometria analítica originaram-se a partir do lulismo; igualmente Pico
della Mirandola reconhece que seu sistema cabalístico de tradição mística sofrera sua
influência, assim como o filósofo e mago renascentista Giordano Bruno, com sua Arte
da memória.
Bruno considera o céu o campo icônico de referências existenciais do homem,
sendo ele a imagem universal. Era
costume entre os hermetistas dividir o universo em
três grandes zonas ou mundos: o arquetípico, supra celestial ou divino; o metafísico ou
celeste e o natural ou físico. O mundo celeste, por situar-se entre os dois extremos,
atuava como intermediário, entre a esfera divina e a física, podendo governar as coisas
naturais através do poder dos astros. Para Bruno o homem é um universo, que por sua
capacidade intelectiva passa a ser a sede arquitetônico-moral que tem por pretensão
reformar, através de sua filosofia cosmológica. Em seus tratados mágicos e
mnemônicos, se refere com freqüência à simpatia que vincula os seres superiores aos
inferiores, embora esta atue de forma diferenciada, segundo as diferentes capacidades
dos corpos individuais.
A Espanha, nesta centúria, vive um período áureo na literatura e nas Artes e as
tendências estavam estreitamente unidas às formas e idéias do mundo greco-romano
do Renascimento (neoplatonismo corrente de pensamento iniciada no século III).
Este fato gerou a adesão de críticos e autores a preceitos da Antigüidade clássica,
tomando a crítica duas direções. Uma, rumo aos preceitos aristotélicos e horacianos, a
outra, rumo às novas formas nacionais. A comédia, gênero aqui enfocado, formalizado
por Lope de Vega como “No
va Comédia espanhola”, possui definição
bem aplicada, segundo Pinciano: “comedia es fábula que, demostrando costumbres
particulares manifiesta lo útil y lo perjudicial a la vida humana.” (apud SHEPARD,
1970, p. 98)
Há uma disposição em tratar dos segredos mágicos oriundos do hermetismo de
Trismegisto, da magia cabalística de Pico e da magia natural de Marsílio Ficino e
Giordano Bruno, que com seu livro de emblemas, Eroici Furori, antecipa o fervor do
Barroco no Renascimento, ao expor sua visão do universo como um emblema, um
hieróglifo a ser decifrado, fervorosa e intensamente. Bruno ao associar os emblemas a
poemas (o pictórico ao poético) estabelece um nexo entre pintura e poesia ut pictura
17
poesis “describe el concepto en forma visual en el emblema, y lo canta en forma
auditiva en el poema.” (YATES, 1996, p. 341) Bruno foi admirador de Pico e de
Marsílio Ficino, bem como de Cornélio Agrippa maior expoente alemão da magia e
da cabala, expostas em seu De Occulta Philosophia
1
. Bruno trabalhava com a
mnemônica; as imagens mentais elaboradas a partir das receitas e imagens mágicas
copiadas de Agrippa. Mas acreditava qu
e a religião baseada em Trismegisto era
superior ao judaísmo e ao cristianismo (idem, 1987, p. 385), e como dominicano
respeitava a escolástica - filosofia baseada nas idéias de S. Tomás de Aquino, seguida
pelo catolicismo, que tinha como questão chave harmonizar a fé e a razão - da qual
Agrippa era contrário. Porém “sua visão do mundo não é a de um aristotélico, mas sim
de um animista mágico um escolástico mágico (como Campanella)” (ibidem, p. 389)
Campanella era um filósofo italiano dominicano, como Bruno.
Conforme nos informa Gómez de Liaño, na introdução do livro que condensa
duas obras de Bruno traduzidas por ele: Expulsión de la bestia triunfante / De los
heroicos furores, na mesma época em que o dominicano escrevia seus poemas sobre o
amor, em sua forma mais sublime com comentários filosóficos combinando
psicologia, gnosiologia, misticismo e religião, outro fato importante ocorria. Na
Espanha San Juan de la Cruz o doutor místico escrevia seu Cántico Espiritual e
Subida al Monte Carmelo (poemas e comentários em prosa sobre a experiência
mística, através de seu espírito independente, reformador, mas estritamente católico)
paralelamente a Bruno. (BRUNO, 1987, p. XLVI) San Juan também fez um desenho
do tipo hieroglífico desta subida ao Monte, ou caminho da perfeição, que como consta
no livro de sua vida e obra, é de sua autoria (1964, p. 362), embora apócrifo. Neste
mesmo livro há outro desenho desta subida, sendo que foi feito em 1618 para a edição
príncipe, por Diego de Astor, desenhista da Moneda Real e discípulo de El Greco.
(idem, p. 997) Ambos, de forma diferenciada, apresentam procedimentos escritos. O
desenho de San Juan, considerado mais um prospecto sinótico, é o primeiro a seguir:
1
Manual de filosofia ocultista que combina magia natural com a cabalística. (YATES, 1996, p. 380)
18
19
20
Assim, a magia renascentista é uma revivescência reformulada das magias
originárias do gnosticismo pagão e judeu.
Hermetismo e cabalismo baseados na criação do mundo pela palavra ou logos.
A palavra com força mágica, expressa através de seus símbolos. Os cabalistas cristãos
acreditavam que a Cabala podia confirmar a verdade do cristianismo, ao manipular as
letras hebraicas do nome Divino para confirmar que Jesus é o nome do Messias.
Assim como o hermetismo e o cabalismo têm o mesmo interesse pela criação do
mundo pela palavra, no gênese cristão Deus cria o universo através deste poder: ‘-Fiat
lux.’ A tradução latina pelo padre Lactâncio, tutor de latim do filho do imperador
Constantino, acredita que “há um falar inefável e sagrado, cuja relação excede a
medida da capacidade humana.” (apud YATES, 1987, p. 101)
Apesar de a religião católica colocar o homem na posição do mais elevado dos
seres terrestres, não restituiu sua dignidade de “homem mago”, um operador dos
poderes de unir o céu e a terra pelo intelecto um reflexo da Divina mens.
Entretanto,
Foi a Igreja, principalmente os jesuítas que se deixaram arrastar, bem para além do
que haviam desejado, pelas tendências espontâneas do povo cristão ou mais
exatamente,pela forma que uma tradição,cuja fonte totalmente pagã e absolutamen-
te estranha ao espírito sobrenatural e místico do catolicismo, dava à devoção desse
povo. (FRANCASTEL, 1993, p. 421)
O movimento neoplatonista, intensificado no século XVI, ficou suspeito,
principalmente se associado à cabala. O Concílio de Trento o considera um
movimento herético na Reforma.
A piedosa filosofia fundamentada no hermetismo, no final do século XVI, ao
encontrar-se no contexto contra-reformista, busca um ideal pacifista para atrair os
protestantes através dos jesuítas em seus colégios. Nesses colégios criados na Espanha
a partir de 1543 surge o teatro com objetivos precisos e abertos às diversas classes
sociais. Conquista seu público e se afirma ao fixar suas normas de dramaturgia e
estética, seguindo carreira paralela ao teatro público, em fins do século XVII.
A existência da vertente cristã, escolástica, com a vertente renascentista,
neoplatônica “ expressando-se através do maravilhoso, os mirabilia, imagens,
21
metáforas visíveis, formaliza a coexistência do maravilhoso cristão e do maravilhoso
pagão em representações no teatro de Calderón”. (PERES, 2001, p. 32) Desta forma,
através de seu texto simbólico, de tessitura mesclada como a cultura de seu próprio
povo, Calderón vem resgatar em El mágico prodigioso, a capacidade humana de
operar maravilhas, realizar, prodígios. Ele próprio sendo o grande ‘mago’ capaz de
suscitar no leitor/espectador imagens mentais depreendidas de sua
leitura/representação e que atingem níveis simbólicos, planos superiores, o ultra
mundo do intelecto.
Calderón de la Barca expunha em suas obras, de cunho didático com o caráter
dos sermões, um discurso de propagação da fé católica que seria assimilado pela
sociedade espanhola, já que as funções teatrais eram representadas em corrales
(teatros comerciais), no Coliseo del Retiro, em particulares para a rainha e o próprio
rei da corte e em diversos espaços públicos: praças , pátios e jardins. Principalmente as
festas de Corpus eram importantes para afirmar e impor os dogmas da Igreja. De
formação jesuítica, o dramaturgo entra para o serviço religioso aos cinqüenta anos,
sendo capelão honorário da corte de Felipe IV.
Especificamente em El mágico prodigioso, desde a Jornada I já se apresenta o
filósofo pagão Cipriano buscando, através dos livros, respostas para suas dúvidas em
relação a Deus, lidas em De Naturalis Historia, de Cayo Plínio Segundo, escritor
romano que discorre sobre mitos greco-romanos; o que podemos constatar nos versos
seguintes, quando conversa com o Demônio, que se apresenta como um viajante
perdido e é iniciada uma discussão sobre a verdadeira origem divina:
DEM.- […] Si no lo queréis creer,
decid qué estudiáis, y
vaya de argumento; que aunque no
sé la opinión que os agrada,
y ella será la segura,
yo tomaré la contraria. 160
CIP. Mucho me huelgo de que
a ese vuestro ingenio salga.
Un lugar de Plinio es
22
el que me trae con mil ansias
de entenderle, por saber
quién es el Dios de quien habla.
Sentindo-se vencido, pretende se vingar, fazendo-o trocar seus interesses
intelectuais pela conquista de uma dama por quem se apaixonará.
Cipriano desejará obter o domínio da magia, ser um nigromante e, através deste
dom de comunicar-se com os espíritos, conseguir o amor de Justina.
Calderón organiza com sentido sintético a tradição literária dos mártires
Cipriano e Justina, à hagiografia, ou seja, história dos santos que viveram em
Antioquia no século III dC, e por serem cristãos foram perseguidos pelo imperador
Diocleciano e martirizados (VORAGINE, 1987, p. 615); mitos e lendas medievais
sobre o pacto com o demônio para obtenção da magia. Aqui, especificamente o mito
grego de Dafne e Apolo, passado ao cristianismo nos primeiros séculos de nossa Era,
por sua poesia e cunho didático, numa releitura dos mártires (CURLO, 2002, p. 133) O
mito conta a história de Dafne, filha de um rio helênico, o Peneios, com a terra, Gaya.
Seu pai queria que ela se casasse, mas a jovem sonhava viver livre pelos bosques
como a deusa Ártemis e suas amigas. O jovem Apolo se apaixona por ela e como não
a convence de seu amor, corre atrás dela que, apela aos pais que a livrem do
perseguidor. Assim, é transformada em louro. Desde aí, nas ocasiões solenes Apolo
aparece usando uma coroa de louros.
Como nos informa a Leyenda Dorada, compêndio hagiográfico do século XIII,
no capítulo CXXXII o nome de Cipriano, etimologicamente:
[...] proviene o bien de cypro (mezcla) y de ana (arriba), o solamente de cypro, que
además de mezcla, significa también tristeza y herencia. Estos tres conceptos de
mezcla, tristeza y herencia son perfec tamente aplicables a san Cipriano porque este
santo, tras vivir ungido con una mixtura compuesta de gracia y virtudes, y sumido
en la tristeza que le producían los pecadores, entró finalmente en posesión de los
gozos eternos. (VORAGINE, 1987, p. 575)
Mas é importante destacar que Calderón não se baseou na vida deste Cipriano,
bispo e mártir de Cartago, mas sim no Cipriano mago pagão, de Antioquia. Este teria
perseguido e assediado uma virgem de nome Justina (como na comédia) auxiliado
pelo demônio que, depois de variados artifícios, reconhece sua inferioridade em
23
relação a Cristo. A inabalável fé de Justina ajuda a conversão do mago, que se ordena
até chegar a bispo de Antioquia, mas, junto a Justina, sofre martírios diversos.
Poderíamos, então, estender a definição etimológica atribuída ao bispo de
Cartago a este Cipriano, bispo de Antioquia, que após viver uma vida mista de
sofrimentos e conflitos, por sua condição pagã, alcança a herança dos gozos celestiais
através de sua conversão à fé católica e martírio.
O capítulo CXLII da Leyenda que se refere a Justina virgem inicia curiosamente
com a gravura de Cipriano em conversão e martírio, para depois introduzir o
significado do nome da virgem, que assim é descrito:
Justina deriva de justicia. La santa que llevó este nombre practicó la justicia, puesto
que dio a cada uno o suyo: a Dios obediencia; a sus superiores y prelados, respeto; a
sus iguales, concordia; a sus enemigos, paciencia; a los desgraciados y afligidos,
solícita compañía; a sí misma, santidad de vida, y al prójimo, caridad.(idem, p. 611)
Após relatar a história de Justina, suas tentações e importância na conversão de
Cipriano, a gravura da Santa encerra o capítulo.
A seguir, temos as gravuras retiradas da Leyenda Dorada. Na primeira gravura,
de Cipriano, podemos perceber claramente, à esquerda, um momento de conversão e,
à direita, seu martírio. A gravura seguinte, de Justina, nos mostra seu martírio e
posterior santificação pela Igreja.
24
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26
Importa esclarecer, como nos informa o artigo de António de Macedo, que estas
historietas pias escritas por autores eclesiásticos medievais, onde se relatavam fatos
milagrosos, eram assimiladas como modelo de sermão e se chamavam exempla. E
quando eram escritas entravam na categoria das “coisas que deviam ser lidas”. Por
isto, segundo o historiador Mario Pilosu, seu uso latino leyenda, como aquilo que se
deve ler, e não o popular ‘lenda’, que por evolução semântica passou a significar uma
mera narrativa fantasiosa de caráter semi-histórico. (PILOSU, 1995, p. 21 apud
MACEDO, 2005)
É curioso notarmos o interesse da literatura barroca por essas figuras lendárias
medievais com a temática do pacto demoníaco. Assim, os países europeus possuem
seus magos nacionais baseados neste folclore: Portugal, com frei Gil de Santarém,
Inglaterra, Roger Bacon e Alemanha, Doctor Faustus; posteriormente, são recorrentes
nas versões de Mira de Amescua que compôs El esclavo del demonio sobre a história
portuguesa; Robert Greene, inglês, escreveu Friar Bacon and Friar Bungay e
Christopher Marlowe, The tragical history of Doctor Faustus.
Inicialmente, como nos esclarece Giordano Bruno em seu livro Sobre Magia,o
mago apresentava um alto conceito, equivalendo a sábio. (apud PERES, 2001, p. 25)
Sendo que,
[...] a auréola de mistério que envolvia o mago como se fosse um Deus ou um
demônio foi desaparecendo com os sucessivos progressos da ciência [...] apesar
disto, os problemas mais elevados e, por conseguinte, das obras mais profundas
que escapam ao raciocínio corrente, continuam ocultos atrás do véu do mistério
mágico. (GARIN, 1989, p. 132)
Houve uma mudança no status dos magos, na Renascença, quase comparável a
do artista que, de mecânico da Idade Média transformou-se em acompanhante erudito
e requintado dos príncipes renascentistas. Os magos tornaram-se quase irreconhecíveis
com o aperfeiçoamento de seus poderes, mas apesar da evolução técnica o princípio
continuava o mesmo. Existiam no Renascimento os artesãos que misturavam fórmulas
e invocações alquímico-mágicas com receitas para a coloração de telas e a elaboração
dos metais, combinando antiqüíssimas tradições herméticas com interesses técnicos
27
muito prosaicos e terrenos (idem, p. 277) como produzir os efeitos da perspectiva e do
relevo.(D’ORS, 1951, p. 245)
O homem do Renascimento questiona o universo e está consciente de seu poder
pelo conhecimento. Capaz de operar a realidade transforma-a, tendo o cosmo
como
referência. O mago operando o sensível ascende ao inteligível, sendo a alma capaz de
transitar pelas esferas celestiais, partindo da terrena e alcançar o supercelestial. A
magia passa a ser uma ciência da ação e não de uma contemplação filosófica.
Cipriano, na comedia de Calderón, usará a magia para tentar convencer Justina
a retribuir-lhe seu amor. Para isto, se recolhe numa caverna por um ano, em
companhia do demônio (que se passa por mago), que como possuidor das artes
mágicas será seu mestre em troca de sua alma. Mas Cipriano ainda não sabe a
verdadeira identidade do ‘mágico prodigioso’, que leva junto com eles o criado Clarín,
neste acordo da situação 18, J.II:
CIP.- ¿Qué tanto
término para enseñarme 630, 1
la magia tomas?
DEM.- Un año,
con condición…
CIP.- Nada temas.
DEM. …que en una cueva encerrados,
sin estudiar otra cosa,
hemos de vivir entrambos,
sirviéndonos solamente
a los dos este criado Saca a CLARIN
que curioso se quedó, [..] 2000
Vemos que a presença do Demônio nesta obra parece servir como crítica à má
doutrina, de tradição hermética, pois como mencionamos, El Mágico Prodigioso fora
encomendada pelo Ayuntamiento para ser apresentada na festa de Corpus. Por
tradição, na época, como nos informa o artigo de Muciño Ruiz, as obras representadas
eram autos sacramentais, entretanto Calderón elaborou uma comédia de santos, que se
apresentou da mesma forma, em praça pública a maneira de um auto. (2001, p. 171)
Ruiz nos recorda que Yepes é o lugar de nascimento do frei Juan de Yepes, ou San
Juan de la Cruz (contemporâneo de Giordano Bruno, da ordem carmelita), que por sua
proximidade a Toledo ficara sob suspeita de influência do “iluminismo” combinação
28
de hermetismo e cabalismo no início do século XVII. Esta corrente intelectual
buscava um caminho próprio na querela entre reformistas e católicos que se travava na
Europa de então. Chamada de “a terceira via” ganhou muitos adeptos em fins do XVI
e início do XVII, que foram vistos como inimigos de ambos.
Calderón, então, parece aproveitar-se da ocasião para enviar uma mensagem
aos partidários do “iluminismo”, que acreditava ser um movimento guiado pelo
maligno, e já espalhado por outras cidades espanholas. E complementa Ruiz:
Los simpatizantes de la llamada ‘tercera vía’ eran tanto intelectuales laicos como
clérigos que no aceptaban la intolerancia lo mismo de los protestantes que de los
católicos, y buscaban una solución pacífica a los problemas teológicos, que
generalmente se resolvían por medio de violencia.( RUIZ, 2001, p. 172)
E, assim, com todo movimento contra-reformista podemos dizer que:
Foi a Igreja, principalmente os jesuítas, que se deixaram arrastar,bem para além do
que haviam desejado, pelas tendências espontâneas do povo cristão ou, mais exata-
mente, pela forma que uma tradição, cuja fonte, totalmente pagã e absolutamente
estranha ao espírito sobrenatural e místico do catolicismo, dava à devoção desse
povo ( FRANCASTEL, 1993, p. 421)
Como no século XVII a unidade religiosa se desarticulou e o homem teve que
optar por um comportamento, uma escolha moral, a religião se preocupou em dirigir
estas escolhas do comportamento humano. Com essa divergência ideológica cada qual
(reformistas e católicos) busca orientar, persuadir, para impor seus dogmas, valendo-se
do virtuosismo de muito de seus fiéis, que com sua arte, expunham toda uma
dedicação e amor genuíno, transcendendo as ideologias.
O artista já é um profissional burguês. Possui virtuosismo técnico demonstrado
através do excesso das imagens barrocas, que são reflexos das inúmeras operações da
mente humana. E têm “o fim de demonstrar maravilhas críveis, comunicáveis por
meio da técnica” (ARGAN, 2004, p. 63) Nas pinturas do teto e nas paisagens do
barroco recebia-se a imagem de um mundo francamente aberto que continuava
infinitamente, com a descentralização do espaço, indicando que a lei do mundo perdeu
sua validade absoluta. (ARNHEIM, 2004, p. 285)
Deste modo o artista, principalmente o pintor, configura sua arte interiormente
a partir das imagens vistas, para exprimi-la de acordo com sua visão interior,
“superando o olho da sensibilidade.” (GARIN, 1988, p. 281)
29
Podemos citar o exemplo do pintor El Greco, toledense por opção, que recebeu
a encomenda do pároco da vila de Orgaz de pintar um quadro para homenagear o
caridoso Don Gonzalo Ruiz de Toledo, nobre de estirpe toledense falecido em 1323.
Após várias gerações, conta-se a lenda que, na hora do seu enterro, os assistentes
contemplaram a descida de S. Agostinho e S. Estevão, para carregarem o cadáver. Mas
o senhor de Orgaz deixara em testamento um legado que deveria ser pago pelos
moradores da vila, para ajudar o clero e os pobres. Após um tempo sem receber os
tributos, o pároco ganha o pleito judicialmente e decide homenagear o piedoso senhor
com um quadro que recordasse a lenda de seu enterro. O tema do quadro limitou-se às
normas do pároco, sendo que El Greco acaba transformando-o em um documento
histórico anacrônico, ao pintar a cena do famoso Enterro do Conde de Orgaz (1586-
1588), com rostos e vestimentas de seus contemporâneos e utilizando planos
diferentes, num jogo de luz e cor maneiristas, prenunciando as inquietações
humanistas que culminariam no Barroco. Como afirma Rufino Miranda, o quadro não
é apenas o resumo do saber de um gênio. Nesta obra-prima podemos perceber “todas
as faculdades criativas do Homem, o domínio da técnica, a segurança em sua
execução, a inspiração e o talento do artista, a imaginação e a fantasia do poeta.”
(MIRANDA, 2000, p. 63). O óleo sobre tela é um exemplo que ilustra os ideais
contra-reformistas tendo como tema o valor da caridade, com a recompensa da
eternidade da alma. Poderíamos escolhê-lo como o quadro que melhor representaria a
obra calderoniana, ut pictura poesis, por condensar forma e conteúdo expressos em
harmonia com sua função didática (exempla) assim como toda sua obra: autos,
comédias, dramas, jácaras, loas, entremeses y mojigangas.
2. CALDERÓN E O ESPAÇO CÊNICO
Ao considerarmos o cenário como expressão da magia do teatro calderoniano,
oriunda das didascálias da obra aqui analisada é preciso salientar a importância da
colaboração de engenheiros italianos, cenógrafos, na corte espanhola.
Cosme Lotti com sua presença, a partir de junho de 1626, sob o encargo do
marquês de Heliche responsável pela direção dos festejos da corte de Felipe IV
(1621) vai afirmar a especificidade da obra teatral como espetáculo, a partir de sua
criatividade no uso de máquinas para efeitos cênicos. As realizações de Lotti marcam
o teatro de Calderón de la Barca por sua capacidade e inventividade.
A vida teatral na corte é intensa. O teatro é o centro da cultura barroca.
Destacam-se como espaços para espetáculos: o salão de comédias do velho Alcázar;
há a apresentação de “particulares” no quarto da rainha; o teatro portátil de Lotti e a
estréia do Coliseo del Retiro, em 1640, um teatro comercial um corral. (PERES,
2001, p. 50)
Lo fundamental del dibujo de los corrales está allí; el patio plano y alargado en pro-
fundidad; los aposentos a los lados colocados verticalmente unos sobre los otros
(como las celosías de El Príncipe o de la Cruz) enfrente “la Cazuela” y arriba, en
sustitución de la “Sala de Madrid” de los corrales, el balcón semicircular de los
Reyes.” (ARRÓNIZ, apud idem)
Estes teatros públicos seriam mais bem decorados a partir de 1620, com a
introdução de bastidores análogos aos do teatro cortesão. Dependendo de onde se
apresentava a obra teatral, corral ou corte, haveria abundância de recursos usados,
embora houvesse representações em corrales com as mesmas características das
cortesãs, fugindo, assim, à regra.
Havia em 1630, no Buen Retiro até “cuatro teatros de Corte con características
especiales: uno, de naturaleza, con fondo de árboles y bosques; una sala, cuyas vistas
daban al parque; un escenario en medio del estanque; y finalmente, un suntuosísimo
31
salón de palacio”. (ECHARRY y FRANQUESA, 1982, p. 442)
Para a representação de El mayor encanto amor (1635) Lotti idealizou uma ilha
com dois metros de altura, com montes, cavernas, conchas, pérolas e um bosque
pintado. Havia um carro puxado por dois peixes prateados que soltavam água pela
boca; tudo com um esplendor difícil de imaginar, como afirma Ruano de la Haza
(1988)
As funciones públicas não eram diárias, mas sim só quando o tempo as
permitia, pois só o palco era coberto. No verão costumavam começar as quatro da
tarde e no inverno às duas horas, para que terminassem antes do pôr-do-sol.
As apresentações diurnas realizadas nos corrales aproveitavam a luz natural,
enquanto as do palácio, devido ao ambiente coberto, necessitavam do uso de luz
artificial para conseguir efeitos visuais de grande monta.
Tudo é maravilhoso, colossal, prodigioso. Estas definições se aplicam às artes e
aos artifícios da encenação barroca: tempestades artificiais, fogos de artifício,
aparições de deuses em nuvens, chamas infernais, jatos de água, máquinas que
arrebatam personagens pelos ares, desaparição e aparição de personagens.
A mudança de cena e o uso da perspectiva na decoração através de bastidores
escalonados sobre o cenário eram inovações revolucionárias. Da forma fechada à
forma aberta, do estilo plano ao profundo, a profundidade barroca corresponde à
perspectiva; a liberação das fronteiras barrocas corresponde à liberdade de mudar de
cena. Assim, a cenografia permitia a incorporação de elementos da realidade como
castelos, cidades, paisagens com montes, grutas, jardins, sob o efeito da perspectiva e
da luz artificial, pintados nos decorados, que funcionavam como telões de fundo.
Signos visuais indicando que o tablado vazio se transformara em um lugar cênico
específico: dormitório, aposento, salão, serra, etc. Se o palco possuísse um segundo
nível, este serviria de sacada de uma casa, de muralha de uma cidade ou de topo de um
monte, conforme fosse visto nele um quadrado para a janela, uma tela pintada para a
muralha ou umas folhagens e pedras de papel grosso para o monte. Um terceiro nível
permitia apresentar cenas numa torre, no alto de uma montanha e até no céu, pois
dele desciam ao tablado seres sobrenaturais, anjos ou santos, auxiliados pelo pescante
(ou canal) máquina que consistia em “una peana que se deslizaba por medio de
32
cuerdas, poleas y contrapesos por una ranura (canal) abierta en un grueso pie
derecho fijado al lado del vestuario”(RUANO DE LA HAZA, 1988) ou através de
glorias , um tipo de plataforma aérea, de diferentes tamanhos e formas. A mais
comum conhecida por araceli, se constitui em uma plataforma que pode ser coberta ou
se fechar, formando um compartimento que deixa seu conteúdo fora da vista do
espectador. A subida ou descida do personagem se conseguia através de polias e cabos
que se acionavam por contrapesos pelo tramoyista (HERRERO, 2001)
No Barroco ocorre uma transformação radical. A cena se transforma num
mundo de ilusão, independente do mundo real; um mundo dos sonhos, ilusório. Tal
ilusionismo, que só pode ocorrer em um espaço que lhe dê condições materiais
adequadas à construção física da ilusão, é tarefa da inteligência: abrir os olhos em um
local para transpor o mundo das imagens sensíveis para a ordem da coisa mental. A
cena passa a ser um quadro com diferentes planos, como a pintura, atraindo e
encantando o espectador. É um teatro para ser visualizado, pois desta maneira, atingia
seus objetivos didáticos mais facilmente, através dos sentidos.
Em um fragmento de Diálogos de las comedias, um tratado anônimo de 1620,
podemos conhecer uma opinião crítica sobre a influência deste teatro:
Porque parece que allí [en el teatro] está dando el demonio continuada batería al
alma, por todas sus puertas y sentidos: que los ojos ven tanto aderezo y adorno
los oydos oyen tantas agudezas, el olfato tanto olor y perfumes, el tacto tanta
blancura y regalo, el gusto tantas colaciones y meriendas, que es milagro poder
uno resistir a tan larga batería y tan porfiada, a una siempre y por tantas puertas.
(1990, p. 63 apud PEÑA, 2003)
Calderón tinha uma relação especial com a pintura, de muitas facetas: como
colecionador, teórico, cenógrafo, preocupado na síntese e relação entre as Artes. Nesta
síntese a relação entre pintura e poesia é fundamental no teatro calderoniano, já que
faz parte da estética barroca.
Os escassos registros cenográficos das encenações deste teatro talvez tenham
facilitado seu esquecimento por um tempo, como aponta o artigo de Gonzáles Román,
mas, atualmente, resgatados at
ravés das didascálias de seus textos:
33
La inexistencia de documentación gráfica que corrobore la disposición escenográfica
en estos escenarios explica, en gran parte, el olvido a que han estado sometidos; no
obstante, la reconstrucción de la puesta en escena de las comedias representadas en
los teatros comerciales del siglo XVII es posible mediante un análisis de las acota-
ciones tanto explícitas como implícitas de los textos. Si a ellos sumamos las cada
vez mejor definidas características del escenario y estructura general de estos loca-
les ( casa, patio o corral de comedias) estamos muy próximos a una “visualización
ideal del teatro del Siglo de Oro”, tal como ha sido definida por Alfonso P. Sánchez.
(ROMÁN, 1993)
Após a morte de Lotti, Calderón será auxiliado por Baccio del Bianco, que
chegara à corte acompanhado por Francisco Rizzi, em 1649.
A encenação de La fiera, el rayo y la piedra, em 1652, foi um acontecimento
marcante na história da cenografia, sendo este, um de seus trabalhos mais importantes.
Dela se conservam os desenhos de várias cenas. As lâminas foram publicadas por
Angel Valbuena Prat em ‘La escenografía de una comedia de Calderón’em Archivo
español de arte y arqueología, n.XVI-1, s/d. (apud PERES, 2001, p. 51)
Ocorre uma progressiva sofisticação no manejo das máquinas, facilitando a
espetacularidade deste teatro e auxiliando a perspectiva através dos diversos planos,
atraindo e envolvendo o espectador. O que podemos observar na cenografia verbal,
quando o personagem descreve o que vê à distância e a proximidade em que se realiza,
pois a cena não é só arquitetônica, mas pictórica, tridimensional devido à perspectiva.
A colaboração destes artistas na concretização da representação do teatro
calderoniano é de grande importância, para que se faça uma leitura do texto dramático
depreendendo as relações espaciais estabelecidas pelos diferentes signos, pelos
personagens no decorrer da ação e, principalmente, nas situações que foram
selecionadas como representativas da magia cênica efetuada através dos recursos
disponíveis neste teatro, expressos pelos prodígios do personagem diabólico.
Além destes artistas, engenheiros e arquitetos, após o falecimento de Baccio del
Bianco, temos a importante colaboração dos pintores Agostino Mitelli e Micael
Angelo Collona, (que chegam a Madrid no inicio de 1658) que com suas pinturas em
tromp l’oeil, fingindo arquiteturas e adornando com perspectivas as abóbadas das
igrejas, com o ilusionismo dos pontos de fuga, retratando céus luminosos também em
conventos e palácios; e Rizzi dirigindo por um bom tempo o teatro de mutaciones.
1
1
Toda mudança de bastidor realizada neste teatro.
34
Finalmente, o valenciano José Caudí, engenheiro responsável pela realização da última
comédia de Calderón: Hado y Divisa de Leonido y Marfisa (1680).
O espaço na arquitetura barroca é “separativo” e não “aditivo” como no
Renascimento, onde se tem uma cena mais envolvente. Tanto o teatro cortesão quanto
o popular delimitavam espaços específicos onde a platéia deveria estar.
Já na Idade Média, o espaço entre os espectadores e atores (clérigos) coincidia;
todos participavam do espetáculo dos Mistérios, em procissões pelas ruas, onde
realidade e representação coexistiam, transformando a aldeia um espaço cotidiano
em espaço teatral. A encenação dos Mistérios irá utilizar uma figuração realista
calcada no imaginário popular, que alimenta o imaginário dos pintores, que, por sua
vez, decoram os espaços das igrejas que abrigam os fiéis. Por conta deste movimento
circular era possível o reconhecimento de emblemas originados no repertório bíblico.
Estes emblemas se distribuem por toda a Europa e fazem da representação figurativa o
maior sistema de comunicação popular, associando o objeto à coisa representada.
Podemos dizer com isto que, embora a encenação dos Mistérios opere de forma
espontânea e a visão não tenha um destaque em relação à organização espacial, é ela
quem comanda o jogo do reconhecimento. Através do reconhecimento deste repertório
emblemático, que pode se considerar quase uma escrita, é que a narrativa dramática
será compreendida pela platéia. A própria liturgia cristã, como se sabe, inventou uma
nova concepção figurativa e simbólica dos sentimentos, das paixões, de onde se
originou lentamente toda a concepção imaginativa dos homens do medioevo. Os
mosteiros, seguidos pelo edifício da igreja, e finalmente, o próprio espaço urbano,
foram os lugares onde se iniciou a encenação medieval. As Santas Escrituras
permaneceram como a única História a ser sabida, narrada e representada, por muitos
séculos. Os temas mais abordados no drama vernacular, a partir do século XII, eram as
comemorações de santos padroeiros, libertação de pragas e tragédias do dia-a-dia,
além de realçar os temas ligados às tentações: de Adão, de Cristo e dos santos, por
Satã. Há a introdução da festa de Corpus Christi, no calendário religioso; festa que se
tornou a mais importante do século XIV.
35
Mais de dez séculos foram necessários para que o teatro cristão abandonasse a
casa de Deus para ocupar outra geografia, pois tais representações alcançaram tal
grandeza e complexidade que houve necessidade de transpor os muros da igreja para
justificar seu vigor e força festiva. Constrói-se já uma representação simbólica do
paraíso e do inferno, os dois pólos que opunham e justificavam a existência terrena. O
cenário que representava todo o universo dispunha o paraíso, o limbo, o purgatório e
inferno nas extremidades do palco, em nível elevado e em extremos opostos, enquanto
a Terra e seus habitantes situavam-se no espaço intermediário.
A disposição espacial do céu, Terra e inferno, bem como os tratamentos
cenográficos correspondentes a cada um, denotam as estratégias de comunicação com
a platéia. Assim, se reconhece sobre a Terra elementos do dia-a-dia, enquanto as
representações do céu e inferno recorriam a um farto imaginário, que se valendo de
efeitos e máquinas revelavam realística e contundentemente à alma dos espectadores,
os prazeres ou sofrimentos aguardados há tempos.
Apropriando-se das ruas, lagos e praças, a cena dos Mistérios se desenvolve
sobre plataformas fixas ou carros móveis. Parece ter sido o tablado móvel o mais
comum. Nestes tablados de madeira se dispunham inúmeras mansões ou estações-
cenários realistas construídos dentro de casinholas, como nossos presépios
representando o lugar de cada episódio da narrativa (as chamadas cenas múltiplas).
Estas mansões nos remetem aos “Passos” de Congonhas do Campo, obra do mestre
mineiro Aleijadinho, do nosso Barroco.
Assim nos descrevem Shergold e Aurora Egido estes carros, muito usados nos
autos sacramentais de Calderón:
Tiene dos pisos, alto y bajo, y un balconcillo por donde se vincula al tablado , o al
carrillo que le servía de tablado. En el lado que da al pequeño balcón había en el
piso bajo una puerta que daba entrada al escenario y que permitía entrar y salir a los
actores. Es decir, entraban y salían del carro mismo. ( SHERGOLD y EGIDO,1983,
p. 815)
Já se observa a colaboração de pintores na fabricação de cenários alinhados
sobre um estrado onde se enquadravam nas extremidades, os floridos representando o
paraíso e cenários ameaçadores, constituídos por um poço ou caldeirão que engolia e
36
vomitava os diabos e o fogo do inferno. No entanto, o realismo medieval não tem a
intenção ilusionista que vamos encontrar presente, posteriormente, no ilusionismo
renascentista e barroco, quando tentam levar a audiência para um lugar ficcional
construído e manipulado por aqueles que o produzem, dentro da “caixa cúbica teatral”.
Entre os elementos mais comuns nos carros sacramentais encontramos a nave
giratória, enfeitada com seus próprios mastros, velas e flâmulas e o globo que podia se
abrir em duas semi-esferas. Uma delas caía em direção ao tablado, ou se abria em
segmentos que se estendiam ao alto como um guarda-chuva. Se fossem utilizados
bastidores no segundo corpo do carro, estes podiam ser fixos, emergir do primeiro
corpo deslizando por pequenas canaletas ou mover-se sobre trilhos. Finalmente, os
carros podiam ser auxiliados por tramoyas que subiam e desciam pelo mastro central a
maneira da canal dos corrales . Algumas delas serviam para içar figuras de papelão
pintado e outras serviam para levantar os atores, como um guindaste, no alto do
mastro.
A maquinaria necessária para mover todas as demais (tornos, maromas e
cabrestantes cordas grossas) se escondia na parte de trás do primeiro corpo do carro.
As cordas mais finas e polias ficavam visíveis ao público, “pero con cierto arte, podía
camuflarse y formar parte del decorado, ya que el mástil central aparecía a menudo
disfrazado de árbol, columna, palmera, etc.” (RUANO DE LA HAZA, 1988)
Também foram populares os efeitos da nuvola, engenho que prefigurou o que
dois séculos depois se tornaria a máquina do teatro barroco. Assim nos descreve este
engenho Vasari apud Francastel,
Trata-se de um quadro de madeira que podia ora ser carregado, ora erguido no chão
sobre suportes. No centro deste quadro era fixada verticalmente uma barra de ferro
que por sua vez sustinha, em diagonal, barras laterais menores.Sobre essa espécie de
árvore ou de cabide de ferro, instalava-se no centro de uma auréola um personagem
central: Cristo, virgem ou santo; forravam-se as barras de ferro com algodão para
torná-las invisíveis e colocavam-se nas extremidades acessórios,por exemplo,peque-
nas cabeças de anjos ou querubins de cartolina pintada,ou mesmo crianças de verda-
de. O conjunto era móvel e girava em torno de um eixo principal. (1993, p. 227)
Vasari nos informa ainda que Brunelleschi fora seu inventor. Francastel
confirma sua presença em diversos quadros onde se pintava, geralmente, a divindade
da família de Cristo, nas anunciações ou nos retratos das virgens.
Vemos um exemplo a seguir de um quadro com a nuvola:
37
38
Com o tempo tanto os decorados e apariencias (telones e bastidores) quanto as
tramoyas se fizeram mais e mais complexos. Havia ainda as devanaderas prismas
triangulares com pinturas diferentes em cada lado que abriam e fechavam como uma
porta. As devanaderas foram substituídas, no século XVII pelos bastidores laterales.
A riqueza das representações deste teatro é bem sintetizada por De La Haza que assim
define os recursos cênicos dos teatros comerciais:
Decorados, apariencias, montes y tramoyas no agotan ni mucho menos todos los
recursos de los teatros del Siglo de Oro. Además de todo tipo de utilería de persona-
je y utilería de escena, de un variado atrezzo y vestuario, había también bofetones,
escotillones, palenques, efectos sonoros, animales, pájaros (e incluso en ocasiones
insectos) música y toda suerte de efectos. ( RUANO DE LA HAZA, 1988 apud
REYES PEÑA, 2003)
Ainda nos esclarece Ruano de la Haza que o monte, recurso também conhecido
por despeñadero, se localizava no centro do cenário, sendo responsável por efeitos
espetaculares nas ações de deslocamento e abertura de seu interior, através de um
bramante (cabo fino e resistente) ou grua hidráulica, em situações fantásticas
efetuadas por deuses, magos, etc.
Informação útil em nosso estudo, já que este recurso de alto valor simbólico em
relação à protagonista Justina, será usado várias vezes pelo personagem do demônio,
ao demonstrar seus poderes mágicos, o que se verá no quarto capítulo.
O teatro barroco usará o espaço vertical segundo os ideais de busca por um
plano superior, que atinja esferas do ultramundo, por isto o intenso uso de máquinas
especificas que servirão para este fim: elevar o homem numa proximidade com o
divino, para exaltar sua capacidade criadora. Diferentemente do teatro medieval, que
igualmente valorizava as partes altas do espaço cênico, o teatro do século XVII queria
demonstrar sua inventividade e domínio de tais recursos.
Estes cenógrafos auxiliaram o dramaturgo na concretização da obra enquanto
espetáculo, partindo do pressuposto que o texto dramático poético não é somente texto
literário. Sendo uma arte paradoxal, por sua fugacidade em eterna recriação, ao mesmo
tempo em que se eterniza em seu texto, o teatro apresenta um caráter duplo, em sua
essência: como produção literária e representação concreta. “Arte de la representación,
flor de un día, jamás el mismo de ayer.” (UBERSFELD, 1999, p. 11)
39
Por esta dualidade apresenta peculiaridades próprias, compondo um sistema
de signos onde, o texto e a representação, o diálogo e as didascálias terão importância
na relação com a concretização da representação. Assim,
o jogo entre os diálogos / didascálias permite um percurso para a apreensão dos
diversos fios que compõem a tessitura dramática, cabendo ao leitor/espectador
desvelar e revelar os condutores da expressão de uma época, sociedade.(PERES,
2001, p.43)
Para que o texto exista é necessário que aja espaço físico para sua prática. Neste
espaço estarão materializadas as indicações cênicas em forma de signos lingüísticos
presentes nas descrições funcionais direcionadas para este fim. Elas indicarão o lugar,
nome de personagens e forma de atuação nos espaços de representação (inclusive
gestos e movimentos de deslocamento na ocupação deste espaço). O signo lingüístico
passa a ser signo cênico, com o intercâmbio entre a palavra e o signo teatral. Neste
conjunto de signos de várias ordens, serão úteis em nossas reflexões os signos
decorativos, já que a comédia de santos se apóia essencialmente em signos textuais
particularmente referentes a vestuário e cenografia. (DIEZ BORQUE, 1975, p. 72)
O teatro barroco é uma cena sucessiva, um perpetuum mobile, por isso se
caracteriza como um teatro de movimento, nas palavras de Otto M. Carpeaux, ao citar
os termos aplicados por Paul Frankl
em seu artigo Teatro e Estado do barroco ( 1990).
A cenografia mágica em El mágico prodigioso se apresenta através dos
“prodígios mágicos” do Demônio, evidenciados nos recursos materiais que Calderón
dispunha para demontrar seus efeitos espetaculares: pescantes, cabrestantes,
maromas, tramoyas, bofetones
2
, escotillones
3
, bambalinas, apariencias, sacabuches,
devanaderas, decorados, glorias, bastidores, mutaciones, enfim, toda maquinaria com
função cênica neste teatro do século XVII e aplicável para diversos fins, como se verá
adiante.
É importante ressaltar, como nos informa Echarry e Franquesa, que os
espectadores deste teatro barroco eram pessoas capacitadas, “con ideas muy claras
2
Máquina giratória que faz aparecer/desaparecer personagens rapidamente, como por ato de mágica.
3
Parte do piso que pode subir ou descer, transportando pessoas ou coisas ao espaço cênico.
40
sobre los problemas que iban a ventilarse ante sus ojos: Dios, amor, fidelidad, honor,
imperio, etc. Nada menos parecido a la proletaria plebe de hoy.” (1982, p. 442)
Contudo, como nos esclarece Argan, não devemos nos esquecer que a arte do
século XVII fora toda feita de imaginação, mas a partir de imagens persuasivas, que
transmitiam ao “leitor” um fluxo emotivo, não só fazendo-o contemplar, como
também o forçando a imaginar, pois a imagem vista seduz, comove. (2004, p. 26)
Portanto neste teatro o público já estava acostumado a ser persuadido, pois a
Igreja se valeu da persuasão para seus fins propagandistas. Assim, a propaganda atinge
a imaginação, fonte dos afetos, dos sentimentos, que moverão o homem para agir,
dentro dos propósitos da ideologia cristã.
Nesta platéia havia até a presença temida dos mosqueteros chamados também
de “la infantería o gente de bronce” que se constituía de um grupo, que ficava em pé
no pátio, formado por soldados recém-chegados de Flandres ou Itália, estudantes e
outros a passeio por Madrid, que mostravam sua aprovação ou desagrado através de
apitos, chocalhos e muito barulho.
Como se apresentava apenas uma obra em cada función, entre um ato e outro
havia um entremés para que o público não se alvoroçasse. Segundo a definição de
Echarry e Franquesa, entremés é um tipo de gênero dramático menor, considerando-se
sua extensão reduzida e não qualidade interna, de duração mínima que se acostumava
intercalar entre os atos da comédia para distrair a platéia. (1982, p. 440)
Ilustraremos, com trechos de um entremés de Cervantes, mais adiante, uma
parte relevante em nossa análise.
O público na época dos Áustrias exige contínuas renovações; sente ânsia de ver
coisas novas no teatro. Cada dia se torna mais difícil o achado de temas inéditos que
satisfaçam a curiosidade daquela “besta fera”, como a qualificava Ruiz de Alarcón.
(apud ECHARRY y FRANQUESA, 1982, p. 553) Em relação à representação, o
espectador do século XVII não busca novidade, nem a encontra. Depara-se com algo
conhecido, já que todas as realidades da cena representavam simbolicamente outras
realidades, numa relação complexa, mas reconhecível (DIEZ-BORQUE, 1975, p. 55),
pois havia uma boa leitura destes símbolos, reduzindo, assim, algum equívoco
provocado pelo signo cênico.
41
Calderón vive entre duas fronteiras importantes: a geração que representa o
auge da literatura e a que encarna o período de declínio dos últimos Áustrias,Carlos II,
filho de Felipe IV; nesta última se consuma a queda das armas e das letras, ocorrendo
um divórcio entre elas. Os grandes escritores do segundo quarto de século são
políticos ou religiosos. Assim, em 1651 se ordena sacerdote e é nomeado capelão de
Nuevos Reyes, cargo atribuído à catedral de Toledo. Contribui com suas obras às
pomposas festas reais, embora seja censurado por escrever comédias profanas, sendo
sacerdote. (dramas mitológicos) Pelos seus estudos universitários podemos supor que
conhecia bem metafísica, retórica, história, direito romano e, com muita profundidade,
a teologia.
Estabelecemos dentro de seu teatro religioso, excetuando-se os demais, dois
gêneros inteiramente distintos: comédias e autos. Dentre a classificação dada por
Echarry e Franquesa (1982, p. 546) das comédias religiosas, El mágico prodigioso
pertence ao grupo das comédias de santos, onde nos deteremos para nossas reflexões.
3. O ESPAÇO CÊNICO COMO ELEMENTO IMPRESCINDÍVEL.
Toda reflexão sobre teatro se defronta com a problemática da representação. Devemos
levar em conta sua existência virtual, materializada no texto através das didascálias explícitas
e implícitas. Entretanto, quando de sua leitura - e aqui nos colocamos, já que estamos
realizando uma análise literária devemos ressaltar a importância da percepção espacial, além
da visual, neste processo de reconhecimento e construção de nossas próprias sensações
espaciais.
Dados antropológicos recentes sobre estudos do espaço apontam uma evolução desta
percepção através da colaboração de textos literários, facilitando a percepção da dimensão
espacial oculta em sua mensagem, o que nos confirma Edward Hall; doutor em antropologia
que assim nos esclarece:
Pareceu-me possível que um estudo da literatura pudesse produzir dados
sobre a percepção espacial [...] A pergunta que eu me fazia era se
poderíamos utilizar textos literários como dados em vez de como simples
descrições [...] em vez de encarar as imagens do autor como convenções
literárias, nós a examinássemos detidamente como sistemas de lembretes
altamente padronizados que liberassem recordações.” (HALL, 2005, pp.
118-119)
Em sua proposta pensa estudar a literatura para identificar os componentes cruciais da
mensagem que o autor fornecia ao leitor com a intenção de construir suas próprias sensações
de espaço nessa leitura. Contudo reconhece um longo caminho através da arte como chave
para este desenvolvimento.
Nos séculos XVII e XVIII, o empirismo renascentista e barroco cedeu lugar a um
conceito mais dinâmico do espaço que era muito mais complexo e difícil de
organizar. No Renascimento o espaço visual era muito delimitador e continha em
demasia o pintor que sentia vontade de se movimentar e dar nova vida a sua obra
(idem,ibidem, p.110)
Como a arte do século XVII é, segundo Argan, (2004, p. 26) toda feita de imaginação,
a intenção de Calderón é evocar imagens mentais através dos signos lingüísticos. A forma das
palavras não mais aprisionando-as, mas sim ampliando-as em seus vários significados.
Porém, é importante lembrarmos que toda imagem implica a associação de um conceito e de
43
um signo. Não é correto considerar isoladamente o signo, depois o conceito. Reduzida ao
signo a imagem não significa.” (FRANCASTEL, 1993, p.106)
Por outro lado
temos consciência da limitação da linguagem, já que esta:
[...] não pode executar a tarefa de fundir qualidades percebidas em categorias
adequadas a sua expressão, pois não é via direta para o contato sensório com
a realidade. Serve apenas para nomear o que vemos, ouvimos e pensamos.
(ARNHEIM, 2004, p.3)
Assim, a expressão da magia no espaço cênico de El mágico prodigioso será
depreendida a partir da inferência da voz do autor, sujeito da enunciação das didascálias, onde
se encontram especificadas as indicações da direção virtual e sua vontade de concretização da
obra enquanto espetáculo. Partindo do pressuposto que sua voz pode igualmente ser ouvida
através dos diálogos dos personagens, há que se considerar este fator para ampliar a
encenação, na cenografia verbal.
Como afirma Pavis, as didáscalias “son textos metalingüísticos en cuanto crean una
realidad de orden superior que puede ser imaginada por el lector o presenciada por el público
con signos que nos son reductibles al solo texto” (1980, p. 122 apud SCHMIDHUBER,
2001). Por outra parte, Ingarden afirma que toda obra dramática possui um texto primário, o
dialogado e um texto secundário, as didascálias:
Ambos textos mantienen una relación dialéctica: el texto de los actores permite
entrever la manera en que el texto debe ser enunciado, y complementa las
indicaciones escénicas. Inversamente, el texto secundario explica la acción de los
personajes y, por lo tanto el sentido de sus discursos[…]Esta concepción estética
parte del principio de que el autor tenía, al escribir,cierta visión/visualización de
la escena que la puesta sobre el escenario debe restituir.(INGARDEN,1971 apud
SCHMIDHUBER, 2001)
Deste modo, o dramaturgo cria pessoas, ações e conflitos, mas também objetos e
recintos que estão situados num horizonte que vai além da vista do público, em um nível
simbólico. Os signos usados são intencionais, querem comunicar algo. Segundo J. Duvignaud,
o espaço literário é a “ región delimitada de la experiencia donde toma cuerpo la imaginación
a través de signos, de imágenes y de símbolos descifrables por la lectura” (DUVIGNAUD,
apud DIEZ-BORQUE,1975, p. 76)
No signo cênico não há uma intercomunicação cenário-espectador, mas sim estímulo-
resposta, enquanto se tem que entender, interpretando os índices que se dão em cena. Nesta
complexa relação há que se admitir uma margem de interpretação individual, assim:
44
La escena es la reconstrucción, mediante signos naturales que se convierten en
artificiales, de una realidad que indica el lugar dramático, pero se trata de una
comunicación en la que la carencia significativa ha de ser suplida por la
imaginación. (DIEZ-BORQUE, 1975, p. 75)
Os espectadores, no século XVII, supriam imaginativamente a falta de signos cênicos,
apoiados pelos signos lingüísticos do texto, quando não se podia apresentar visualmente algo
em cena, devido às limitações da maquinaria, o que é chamado decorado verbal. São
passagens, didascálias implícitas nas réplicas onde não havia apoio visual. Nas obras de Lope
de Vega eram muito freqüentes, pois além da escassez de maquinaria, o autor dava ênfase ao
texto, com menos quantidade de didascálias, ou com estas indicações bem concisas. Em
Calderón, na obra El alcalde de Zalamea, por exemplo, o ato I inicia com uns soldados que
marcham por uma estrada, o caminho real (saem de uma das portas laterais do fundo) e o
diálogo localiza a ação. Vislumbram ao longe o povoado e um soldado explica que “es
necesario que donde paremos sea” (v.117/118). Segundo o capitão, se aproximam de
Zalamea; diz a sua companhia que “de aqui no hemos de salir”. (v.139) Enquanto escolhem os
alojamentos dos soldados, o lugar já mudou, rapidamente, deslocando o espaço inicial, a
estrada, passando pela cidade e chegando dentro de um aposento. Assim, percebemos a
flexibilidade e uso espacial adequados à ação contínua.(VAREY, PARKER y DUNN,
1983,p.787)
A comédia de santos se caracteriza pela abundância de signos cênicos de várias ordens,
mas não como conseqüência de uma apresentação realista, mas sim como uma pretensão de
visualizar o mágico e sobrenatural, ou seja, apoiar a ação, mediante abundantes e
espetaculares signos do texto representável, num mundo mítico, alheio à experiência
cotidiana. (DIEZ-BORQUE, 1975, p. 80)
Nesta comédia há personagens simbólicos (Demônio, por exemplo) que, como as
apariencias, tem função sobrenatural. Estas imagens pintadas podiam localizar-se no alto,
significando visões, ou no baixo, como aparição terrena. (monstros,animais e gigantes, feitos
em papel cartão pintado) Estas aparições surgiam acompanhadas de música.
Considerando que a análise das didascálias explícitas e implícitas é primordial no
presente estudo, delimitaremos o estudo às que estão relacionadas às ações do personagem
diabólico em interação com os demais, já que seus prodígios mágicos são responsáveis pelas
mudanças ocorridas no espaço cênico, a partir da Jornada II, quando Cipriano já está
apaixonado pela bela Justina. Dentro da categoria da didascália explícita, extra dialógica, voz
45
do autor, nos interessarão as que incluam as descrições cenográficas que informem o espaço
onde se concluirão as cenas: castelo, campo, gruta, escada, etc. Estas se situam no início e
entre as “situações teatrais”. No caso das intra dialógicas, didascálias implícitas, serão úteis as
proxêmicas, ou de entrada e saída de personagens na cena, pois envolvem deslocamento
espacial; entendendo-se aqui a proxêmica como a teoria que estuda o uso que o homem faz
do espaço como uma elaboração especializada da cultura. (HALL,2005,p.1) Muitas vezes, as
implícitas, nas falas, complementam os espaços e servem como índice para antecipar ações
vindouras. Portanto as expressões, advérbios de lugar e preposições relativas aos locci
serão depreendidas nas réplicas dos personagens, signos espaciais, que nos indicarão as
mudanças ocorridas dentro da “situação teatral” formalizando a dinâmica do lugar cênico.
45
do autor, nos interessarão as que incluam as descrições cenográficas que informem o
espaço onde se concluirão as cenas: castelo, campo, gruta, escada, etc. Estas se situam
no início e entre as “situações teatrais”. No caso das intra dialógicas, didascálias
implícitas, serão úteis as proxêmicas, ou de entrada e saída de personagens na cena,
pois envolvem deslocamento espacial; entendendo-se aqui a proxêmica como a teoria
que estuda o uso que o homem faz do espaço como uma elaboração especializada da
cultura. (HALL,2005,p.1) Muitas vezes, as implícitas, nas falas, complementam os
espaços e servem como índice para antecipar ações vindouras. Portanto as expressões,
advérbios de lugar e preposições relativas aos locci serão depreendidas nas
réplicas dos personagens, signos espaciais, que nos indicarão as mudanças ocorridas
dentro da “situação teatral” forma
lizando a dinâmica do lugar cênico.
Em El mágico prodigioso entre as “situações” teatrais e os diálogos,
percebemos as didascálias que sinalizam a voz do autor e seu trabalho mental de
elaboração do ato criativo, situando as ações num determinado espaço cênico e
visualizando os personagens em seu cenário imaginado diante de um público.
A didascália explícita que inicia a Jornada I já situa o leitor/espectador no
espaço onde a trama se desenvolverá: Antioquia, atual Síria, e seus arredores:
[La escena es en Antioquia y extramuros] (p.608)
E o limita ainda mais, especificando o local: um bosque próximo, e os
personagens que se apresentarão na situação 1, bem como seus ofícios: o estudante
Cipriano e seus criados,
[Bosque cercano de Antioquia]
Salen CIPRIANO, vestido de estudiante; CLARÍN y MOSCÓN, de
gorrones con unos libros. (p.608)
Em várias partes da obra a voz do autor, didascália explícita, permite que a
réplica dos personagens, didascália implícita, em signos verbais “pinte” a iconicidade
da cena teatral, mostrando uma relação estreita entre pintura e teatro expressão maior
de Arte, pois nele confluem as demais Artes - como na estética horaciana do ut pictura
poesis.
46
Vejamos o exemplo poético na réplica de Cipriano ao descrever sua amada para
o Demônio, que ainda não lhe revelara sua identidade, na situação XV da Jornada II :
CIP.- La hermosa cuna temprana 1800
del infante sol que enjuga
lágrimas cuando madruga
,
vestido de nieve e grana;
la verde prisión ufana
de la rosa cuando avisa
que ya sus jardines pisa
abril, y entre mansos hielos
al alba es llanto en los cielos,
lo que es en los campos risa;
………………………………..
al fin, cuna, grana, nieve, 1830
campo, sol, arroyo, rosa,
ave que canta amorosa,
risa que alfórjares llueve,
clavel que al cristal se atreve,
peñasco sin deshacer,
y laurel que sale a ver
si hay rayos que le coronen
son las partes que componen
a esta divina mujer.
[…] (p. 628)
Valendo-se de elementos da natureza o personagem “pinta” sua amada Justina
com belas perífrases metafóricas, signos verbais de grande plasticidade, como
inferimos através do campo semântico que se apresenta através dos signos rosa,
grana, sol, arroyo, ave, clavel, peñasco y laurel, possibilitando ao leitor/espectador
imaginar o retrato da formosa jovem através da linguagem pictórica utilizada.
Calderón coloca em cena o tempo e espaço do ser humano em suas ações com a
verossimilhança possível de sua própria condição. Ações estas que se efetivam em
diferentes lugares, em distintos tempos, abandonando as unidades do teatro clássico
lugar, tempo e ação, seguindo Lope de Vega. A arte dramática, sendo temporal e
espacial ao mesmo tempo, permite que o drama transcenda a noção de signo,
tornando-a mais ampla; indo além da expressão lingüística, literária e lírica. Assim “el
signo idiomático del teatro, el lenguaje del teatro es fónico y visual, es decir, temporal
y espacial a la vez.”(ALONSO & BOUSOÑO, p.178)
47
Neste teatro do mundo tudo acontece em pequena escala, mas o nível cênico
tem um simbolismo mental, espiritual, que é captado pelos sentidos que o
transcendem, numa psicomachia que só acontece, nos espaços interiores anímicos,
pela alegoria. Seguindo o pensamento aristotélico, na comédia espanhola do século
XVII, considerado o século das alegorias, por Argan, a ação é mais importante que a
psicologia do personagem. Esta, na época barroca, está sempre exposta pela ação. A
isto se chamou ‘decoro’, que foi coberto pela representação pictóric
a do belo, num
forte sentido estético desta época, privilegiando-o; e não só a mera imitação é mais
importante que a ação, ficando o psicológico reduzido ou obscuro. Neste ponto de
vista, podemos dizer que toda ação da comédia espanhola é uma metáfora pictórica
1
.
A metáfora produz a realidade e a alegoria é o vínculo existente entre dois planos
diferentes de realidade: a visível (da cena) e a invisível (imaginada), que é o reflexo
da categoria do ser representado na ação cênica. Há, portanto, uma realidade dupla.
Seus conceitos se fazem visíveis e a forma metafórica corporificada se encontra em
conformidade analógica com a verdade.
Calderón, de formação escolástica, baseava-se na obra divina como um modelo
a ser espelhado em seu microcosmo teatral. A tragédia da humanidade se convertia em
alegorias, transformando o conceito imaginado em prático conceito. Mas, apesar deste
direcionamento dinâmico, pela ação (MARAVALL, 1988, p.153), destaca-se a
importância da livre escolha, pois
No se puede esperar que con dar unas nociones intelectuales - sobre la moral, la
religión, la política, etc a la masa de individuos, se tenga garantizado, por el peso
de la pretendida verdad que las informa, su fiel seguimiento por quienes las
reciban. (idem, ibidem)
No caso de El Mágico Prodigioso, onde se expõe a importância do livre-arbítrio,
os personagens encarnam homens e mulheres em luta com suas paixões (amor /
conhecimento) numa batalha entre corpo e alma. Mas, principalmente, que possam
escolher seu próprio caminho. Pois, como diz Santo Agostinho, “ não há nenhuma
outra realidade que torne a mente cúmplice da paixão a não ser a própria vontade e o
livre-arbítrio” ( AGOSTINHO, 2004, p. 52)
Após se apresentar para Cipriano, desta vez como náufrago perdido, o Demônio
deseja ser seu hóspede para influenciá-lo e mantê-lo afastado da verdade cristã,
1
Comparada à pintura
48
conseguida através de seus estudos, além de fazê-lo apaixonar-se pela virgem Justina;
mas deixa-o livre para escolher seu próprio caminho, como vemos na situação 4 da
Jornada II:
DEM. [...]
Este soy, huérfano huésped
de estos fresnos, de estos chopos;
y aunque este soy, a tus plantas
quiero pedirte socorro;
y quiero en el que me dieres
librarte el bien que te compro
con el afán de mi estudio,
que en experiencias abono 1390
trayéndote a tu albedrío
( aquí en el amor le toco) Aparte
cuanto te pida el deseo
más avaro y codicioso.
Em relação a Justina, a mulher não está mais sujeita ao pai. Rebela-se contra a
escolha paterna de um marido, não a deixando exercer seu livre-arbítrio. (ECHARRY
e FRANQUESA, 1982, p. 437). Há uma intenção de liberdade amorosa, que se
evidencia mais na personagem da criada Lívia, que se divide entre os amores dos
criados Clarín e Moscón, propondo-lhes que se alternem em seus encontros; o que se
vê na situação IX da Jornada I:
LIV.- ¡ Qué necia porfía!
Queriéndoos la lealtad mía …
MOS.- ¿ Cómo?
LIV.- Alternative
CLAR.- Pues
¿ qué es alternative?
LIV.- Es
querer a cada uno un día. Vase 877 (p 617)
O uso da palavra latina alternative usada por Calderón, é analisada no artigo de
Curlo, como uma referência pagã ao deus do amor, eros, que Plínio menciona serem
muitos e vivem e morrem em dias alternados. Para documentar esta realidade o
dramaturgo espanhol emprega várias vezes a Naturalis Historia, de Plínio. (CURLO,
2002, p.138) Os admiradores da criada aceitam, enquanto os pretendentes de Justina,
49
Lelio e Floro, refutam este gesto pouco nobre de dividir a mulher amada e, por ciúmes
propõem um duelo, na situação III da Jornada I:
LELIO- No pasemos adelante;
que estas peñas, estas ramas
tan intrincadas, que al mismo
sol le defienden la entrada,
solo pueden ser testigos
de nuestro du
elo.
FLORO La espada
sacad; que aquí son las obras
si allá fueron las palabras.
LELIO - Ya sé que en el campo, muda
la lengua, el acero habla 330
de esta suerte. Riñen
A questão amorosa é abordada em suas diversas formas pelo dramaturgo.
Temos o amor cortês medieval, nas atitudes e expressões de galanteio; o amor cômico,
envolvendo os criados; o sensual de Cipriano por Justina; o amor cristão, vivenciado
por ambos, no martírio, ao persistirem na fé; o amor fraternal do sacerdote Lisandro
pela mãe da Justina, em seu ato de ajuda à moribunda; o amor Divino e maior que
todos os demais, que vence o pecado e a morte.
A honra feminina pertence a ela mesma, portanto a mulher, neste teatro, luta
pela defesa de seu sentimento de honra. O Demônio, pela fortaleza de Justina, quer
desonrá-la mas não consegue seu intento. Quanto à ofensa pública, se pede reparação
ao rei ou ao governador, nos conflitos de honra, não sendo aqui este caso.
Como vamos nos ater aos espaços cênicos - objeto de nossa pesquisa - onde o
Demônio irá demonstrar seus poderes, realizando prodígios, haverá necessidade de
limitá-los. No drama isto ocorre a partir do momento em que Cipriano se vê
apaixonado pela virgem e recorre ao Demônio para conseguir, através do domínio da
magia, ser correspondido. Realiza o pacto, oferecendo sua alma, na esperança de ter
seu amor. A partir daí se desenrolam ações sobrenaturais protagonizadas pelo
dramático personagem que se intensificam até o desfecho da obra.
50
Diferentes espaços são apresentados para o desenrolar das ações. Os espaços
externos do bosque, campo e gruta são os locci onde se efetivam os diálogos entre
Cipriano e o Demônio, relacionados ao estudo, reflexão filosófica, teológica e mágica,
embora a gruta seja uma referência espacial de algo que ocorrerá longe das vistas do
leitor/espectador. Mais adiante nos deteremos em sua simbologia. Só se “vê” seu
exterior. Podemos apenas imaginar, enquanto alegoria, o que ocorreu durante o tempo
em que ficaram nela Cipriano, Clarín e o Demônio, para o estudo da magia. Dá-se o
intervalo de um ano e após este período, Cipriano está apto a testar seus
conhecimentos na conquista de Justina.
Os signos espaciais monte, peñasco, mar, nos arredores de Antioquia e o céu
são espaços preferenciais para as ações dos prodígios demoníacos. Posteriormente se
infiltrará em casa de Lisandro e Justina para efetuar os enganos que desonrarão a
jovem, através de suas assombradas aparições, esgueirando-se pelos balcones e
semeando a desconfiança de seus pretendentes Lelio y Floro, bem como incriminando
Cipriano. Já no ambiente da casa de Justina temos o espaço onde acontecem as cenas
cômicas, os paralelismos dos criados, semelhantes às comédias de capa e espada
(comédias de enredo), de esconde-aparece, portas duplas, saídas tortuosas,
apresentando uma visão exagerada da confusão labiríntica que Calderón descobre no
mundo humano temporal. Mundo dual que, através dos paralelismos e de seus versos
com palavras contrastantes, em oposição, expõem o universo claro-escuro do Barroco.
O espaço maior, a cidade de Antioquia, lugar principal da ação, foi berço do
Cristianismo. Era uma confluência de culturas, e foi considerada a porta para o oriente.
O local é referido na leyenda áurea, de Voragine, como lugar de nascimento da virgem
Justina, que se converte ao cristianismo e auxilia um mago de nome Cipriano em sua
conversão à mesma fé. Após inúmeras tentativas de sedução à
virgem com o apoio do diabo, a cristã induz à conversão o mago, através de seu bom
exemplo e convicção na fé. Ambos sofrem muitas torturas pelo governador, a mando
do imperador Diocleciano, até o martírio final, quando seus corpos são jogados aos
cães. Santa Justina e São Cipriano foram decapitados em 26 de setembro de 280.
(VORAGINE, 1987, p. 615)
51
Aqui, a história de Calderón demonstra novamente basear-se na hagiografia, ao
dirigir a intriga à semelhante desfecho. Os cristãos são punidos pelo governador, que
também é um pagão, como na leyenda; sendo que aqui, por causa da desonra sofrida
pelos pretendentes de Justina: Lelio, filho do governador e Floro, de uma importante
família antioquenha, na situação 16 da Jornada III ,
GOB.- [...]
Con ese vivo cadáver
todos sola la dejemos;
porque, cerrados los dos,
quizá mudarán de intento,
viéndose morir el uno
al otro; o sañudo y fiero,
si no adoraren mis dioses
morirán con mil tormentos. 2960
Após deixar Justina presa com Cipriano, o governador Aurelio ameaça matá-los
se não adorarem seus deuses pagãos, impondo sua crença aos jovens, que foram
difamados pelo Demônio e serão também decapitados.
E será neste espaço da prisão que eles alcançarão a ‘liberdade’ após o martírio.
Mas antes, se dá o belo diálogo da expressão do amor sublimado na fé de Cipriano e
Justina, na situação 19 da Jornada III:
JUS.- ¡ Dichosa seré
si es para el fin que deseo!
No te acobardes , Cipriano.
CIP.- Fe, valor y ánimo tengo;
que si de mi esclavitud
la vida ha de ser el precio,
quien el alma dio por ti,
¿ qué hará en dar por Dios el cuerpo?
JUS. - Que en la muerte te querría
dije; y pues a morir llego
contigo, Cipriano, ya
cumplí mis ofrecimientos.
Destaca-se, então, o caráter simbólico de Justina, em seu martírio,
representando aqui a longa tradição da igreja católica, num desejo intencional de
52
demonstrar sua superioridade em relação aos reformistas, pela extensa galeria de
mártires e santos.
Calderón nos recorda a perseguição sofrida pelos primeiros cristãos, nos
primeiros séculos de nossa era, através do exemplo de Cipriano e Justina.
4. UM PERSONAGEM ATUANDO EM DIVERSOS ESPAÇOS
Em El mágico prodigioso a atuação do demônio, indispensável tanto no aspecto
dramático quanto no teológico, desde a Jornada I até o término da terceira conduz a
intriga. As manipulações e os prodígios são intensificados a partir da Jornada II.
Assim, nossa análise se dará após Cipriano dar-se conta de que está apaixonado por
Justina e ambos são manipulados pelo maligno personagem que realizará inúmeros
prodígios com a intenção de cumprir seus propósitos. Desta forma se evidenciarão as
mudanças no espaço cênico que ocorrerão até o final do drama.
Dentro da proposta de nossas reflexões sobre o espaço cênico nesta obra
calderoniana, dando destaque ao personagem dramático Demônio - pois conforme
esclarecido anteriormente, como sendo o responsável pelas mudanças ocorridas neste
espaço devemos nos deter um pouco nos estudos variados e significativos já
efetuados por especialistas. Outros autores que abordam este secular protagonista na
arte teatral, bem como sua representatividade na cultura cristã serão citados para
vermos a dimensão que sua figura adquiriu desde tempos remotos.
Desde os registros bíblicos o Demônio representa um papel importante no
imaginário da civilização ocidental (excluindo-se as demais, sendo o discurso católico
de Calderón, aqui, nosso objeto de pesquisa). No universo teatral de Calderón é um
personagem que, segundo nos aclara Cilveti, através do artigo de Maria Silva, pouco
encena protagonizando, num cômputo de sessenta e um autos e apenas seis comedias
1
;
não distinguindo Cilveti entre dramas e comédias onde isto ocorre. (CILVETI, 1977
apud SILVA, 2003, p. 233)
1
As comédias são: El purgatorio de San Patricio, El Mágico prodigioso, El gran príncipe de Fez, El José de las mujeres, Las
cadenas del demonio y La margarita preciosa. A.L.Cilveti, El demonio en el teatro de Calderón. Valencia.Albatroz, 1977, p. 41-
42.
54
Para os estudos simbólicos da demonologia cristã, os demônios representam,
segundo o pseudo Dionísio Aeropagita, “ángeles que han traicionado su naturaleza [...]
Si ellos fueron naturalmente malos, no procederían del Bien, no contarían con el rango
de seres […]”. (CHEVALIER y GHEERBRANT, 1988, p. 407) Por isso, o demônio
seja chamado de Lúcifer, portador de luz que, após a queda, se converte em Príncipe
das Trevas. No plano psicológico está associado à escravidão cega do homem a seus
instintos, mas ao mesmo tempo possuindo importância, já que sem os instintos não há
crescimento humano completo. Para superar sua queda, deve assumir suas forças
terríveis de maneira dinâmica, desviando os homens da graça Divina para submetê-los
a seu domínio. Simboliza todas as forças que turvam, obscurecem, determinando a
consciência a uma volta ao indeterminado, ao ambivalente. Centro de noite em
oposição a Deus, centro de luz. Um arde no mundo subterrâneo, o Outro brilha no céu.
(idem, ibidem, pp.414-415)
Paracelso assim escreve no livro V, capítulo I, de seu Tratado das doenças
invisíveis, Opus Paramirum (1565), sobre a importância do poder da fé do ser humano
para vencer os espíritos maléficos que fizeram um mau uso deste poder, mas possuem
dons para operar maravilhas:
Os diabos fizeram um mau uso da fé e por isso foram expulsos do céu. Apesar
disto ela não lhes foi retirada, mas subordinada ao consentimento e à vontade
de Deus.(Deus providentia ipsis imperat). Por isso,e sempre que a fé não lhes
tenha sido suspensa, também têm o poder de atirar as montanhas ao mar, cau-
sar doenças e fazer outros prodígios semelhantes. (PARACELSO, 1973, p.
390)
Aqui observamos, no discurso médico, a crença nos poderes que os diabos
podem realizar, e coincidentemente, antecipando um dos prodígios que nosso
personagem irá efetuar na fábula de Calderón interferir nos fenômenos naturais.
Por sua conotação simbólica tão ampla, dentro do universo cristão, se avizinha
a outros mitos possuindo valor maléfico: dragão, serpente e animais que habitam
lugares sem luz. Sua associação com o fogo infernal e cheiro a enxofre igualmente o
substituem nesta presença.
55
Na Jornada II, após ser acolhido por Cipriano como suposto náufrago, os
criados Clarín e Moscón sentem cheiro de enxofre no ar, índice que nos evidencia a
relação do personagem com o elemento químico, apontando-nos uma desconfiança em
relação ao hóspede. Principio ativo da alquimia que atuando sobre o mercúrio inerte, o
fecunda, ou o mata. Na tradição cristã, o enxofre possui conotação nefasta; a anti-luz
que corresponde ao orgulho de Lúcifer. Luz convertida em trevas. (CHEVALIER y
GUEERBRANT, 1988, p.163) Calderón põe a ironia na réplica do gracioso Clarín
que assim justifica o odor sentido, na situação VI:
CLAR. : - El pobre caballero
debe de tener sarna, y hase untado
con ungüento de azufre. 1477 (p. 624)
A partir do signo azufre, enxofre, o autor nos antecipa a identidade do
personagem, dando-nos índices, a partir daí, que não são percebidos por Cipriano, mas
sim pelos criados.
Dentro do caráter simbólico da arte da Contra-Reforma a presença demoníaca
servia para ilustrar a teologia católica emanada do Concílio de Trento (1545-1563)
bem como formar parte da comédia tanto em seu aspecto estético, quanto doutrinal ou
ideológico. (RUIZ, 2001, p. 171). O Satanás dos primeiros tempos do Cristianismo se
transforma, em El mágico prodigioso, em um demônio galã, que seduz e engana como
“mágico” e “prodigioso” que é. (idem, ibidem, p. 173)
Embora tenham sido feitas relações desta obra com o Fausto goethiano, há dois
pontos fundamentais que as diferem. O primeiro é em relação à idade de Cipriano que
se apresenta ávido de saber em sua juventude, em contrapartida a Fausto que é um
velho desacreditado na vida. O outro é em relação à crença de ambos. Cipriano é um
pagão, entusiasta, que se converte ao cristianismo enquanto Fausto é um cristão que
passa a ser pagão após o pacto demoníaco. O principal objetivo de Cipriano é poder
gozar do amor da virgem, por isto faz o pacto. Já o outro, pactua para recobrar sua
juventude e está desenganado de tudo.
56
Por assumir com Cipriano o compromisso de ensinar-lhe a magia em troca de
sua alma, o demônio evoca, nesta atitude simbólica na comédia, sua ligação com os
conhecimentos herméticos que Calderón pretende combater. Toda a região próxima a
Toledo, a vila
de Yepes onde a representação fora encenada, bem como as
cercanias, carrega a tradição de berço multicultural. Mistura das culturas judaica, cristã
e árabe principalmente, temos em Salamanca um testemunho desta conexão, conforme
citado no artigo de Curlo, que é a famosa cueva de Cuesta Carvajal, onde se
enseñaba en secreto la magia árabe, y que no era otra cosa que la cripta de la iglesia de
San Cebrián (Cipriano)”. (CURLO, 2002, 136)
No entremés de Cervantes La cueva de Salamanca, há uma forte ironia em
relação à sociedade de sua época e à fama que possuíam os estudantes salmantinos de
estudarem mala ciencia. Nele, o estudante Carraolano se vale da fama que tem, para
aproveitar-se da situação vexatória em que se meteram um sacristão e um barbeiro, ao
serem pegos com o retorno inesperado do dono da casa, o tolo Pancrácio, duplamente
enganado, como marido e patrão. O sagaz estudante, que ali pedira abrigo por uma
noite, atrapalha os planos da ‘bondosa’ Leonarda e de sua criada Cristina, que estão à
espera dos respectivos amantes. Esperto como deve ser um “bachiller graduado en
Salamanca”, ao ver que ficaria mal acomodado e sem c
omida no porão, junto ao
sacristão e ao barbeiro, resolve criar uma oportunidade para amenizar a confusão.
Apresenta-se a Pancrácio, justificando-se:
EST. La ciencia que aprendí en la cueva de Salamanca, de donde yo
soy natural, si se me dejara usar sin miedo la santa Inquisición, yo sé que cenara y
recenara a costa de mis herederos, y aún quizá no estoy muy fuera de usarla, siquiera
por esta vez, donde la necesidad me fuerza y me disculpa; pero no sé yo si estas
señoras serán tan secretas como yo lo he sido. (p. 591)
E o curioso Pancrácio, pede que lhe demonstre alguma magia. Prontamente o
jovem lhe adverte que trará dois demônios em “figura del sacristán de la parroquia y
en la de un barbero, su amigo.” Após a divertida exposição dos ‘pobres diabos’,
57
que cantam e dançam poeticamente, Cervantes termina assim seu entremés, na fala do
curioso marido enganado:
PANC.- Entremos, que quiero averiguar si los diablos comen o no, con
otras cien mil cosas que de ellos cuentan. Y por Dios, que no han de salir de mi casa
hasta que me dejen enseñado en la ciencia y ciencias que se enseñan en la cueva de
Salamanca.( p.593)
Assim, após ilustrarmos nossa análise com uma parte deste entremés, vemos o
quanto de curiosidade e mistério se atribuía aos ensinamentos aprendidos na famosa
gruta espanhola e como as ciências ocultas, a religião e até mesmo o demônio são
retratados com a típica ironia cervantina.
Mas Calderón também usa a ironia, mais elegante e rebuscadamente, como
convém ao seu estico barroco, por trás de seus versos e na boca dos graciosos. Sendo
que há outra forma de ironia em relação à temática, analisada por Wardropper, ao lidar
com o próprio título desta obra que aqui se analisa. (WARDROPPER, 1982, p.819)
Quem será o mágico prodigioso? O demônio, Cipriano, Deus? Inclusive o
dramaturgo? Cada qual que o identifique segundo sua leitura não tão inocente da
comédia.
Em relação ao pacto ser firmado com o sangue, Wardropper faz uma referência
às diferentes situações em que o sangue é usado para simbolizar atos purificadores na
comédia.(idem, p.820) Seu derramamento possui diversos significados. Há o
derramamento do sangue da mãe de Justina, ocorrido num tempo anterior à ação da
obra, quando o pai pagão a mata por saber ter se tornado cristã; antecipando o destino
da filha. A virgem passa a saber de seu passado através do relato de Lisandro, que
assim repete as palavras da moribunda, num discurso indireto da situação 6 da Jornada
I:
LIS.- [...]
“Mártir muero, pues que muero
por cristiana e inocente.” 710
58
No martírio de Cipriano e Justina o sangue vertido de ambos será o meio de
lograrem a salvação de suas almas. Como Cristo - que deu seu sangue para redimir os
pecados da humanidade - representado na simbologia da Eucaristia e que vence o
Demônio e a morte, trazendo pela fé a esperança da ressurreição,
segundo os dogmas católicos. Também é uma forma de pacto, de Deus com os
homens, a missão redentora de Cristo.
De maneira inversa, ao fazer o pacto com o Demônio assinando com seu
sangue a ‘cédula promissória’, Cipriano abre mão da salvação de sua alma e decide,
por amor, optar pelos prazeres terrenos que esta atitude lhe assegura, numa alusão
irônica ao ato que deveria ser de salvação, mas aqui será sua perdição, na situação 17
da Jornada II:
DEM - Por resguardo
una cédula firmada
con tu sangre y de tu mano.
………………………………….
CIP Pluma será este puñal
papel este lienzo blanco,
y tinta para escribirlo 1970
la sangre es ya de mis brazos.
Escribe con la daga en un lienzo, habiéndose sacado sangre de un brazo;
informa a didascália explícita, voz do dramaturgo, onde podemos observar a descrição
detalhada do ato, metaforicamente expresso nos versos da réplica de Cipriano, onde os
signos pluma, papel e tinta se relacionam no jogo simbólico da representação;
metáforas visíveis em correspondência aos objetos da representação: puñal, lienzo y
sangre.
Estes pactos de sangue possuem longa tradição enquanto símbolo, como aponta
Maria T. Miaja, desde a Antigüidade, mas relacionados ao Demônio adquiriram
popularidade após o século XIII, numa alusão às acusações relacionadas à limpeza de
sangue contra os judeus. (MIAJA, 2001, p. 184)
Como exposto no início do capítulo, a função do Demônio nesta obra adquire
um sentido mais amplo desde o ponto de vista de sua ação: enquanto personagem
59
dramático, pois sem ele não se concretizaria a intriga e como símbolo ideológico. O
personagem é um instrumento de vital importância na confirmação da misericórdia
divina e no poder do livre-arbítrio, através do exemplo das vidas de Cipriano e Justina.
Porém, seu poder é li
mitado dentro do espaço da permissão de Deus,
atuando conscientemente dentro dos limites da Providência, o que se vê expresso em
sua réplica na “situação” 2 da Jornada I:
DEM.- [...] Aparte
(Pues tanto tu estudio alcanza, 310 (p.611)
yo haré que el estudio olvides,
suspendido en una rara
beldad. Pues tengo licencia
de perseguir con mi rabia
a Justina, sacaré
de un efecto dos venganzas.)
Mas ao expressar-se num aparte, conforme o autor nos aclara, através desta
réplica confirma manter em segredo sua identidade e até mesmo seus poderes
limitados através da permissão evidenciada na frase explicativa Pues tengo
licencia...”, destacando a teatralidade. O personagem fala para si mesmo, pensando em
voz alta, mas amplia sua espacialidade até o espectador.
Assim, Calderón usa a figura demoníaca para reforçar o episódio bíblico de sua
queda e a promessa evangélica da redenção, demonstrando em suas tentativas, que se
intensificam até a última jornada, sua derrota eterna.
Vejamos, a seguir, sua atuação mágica e decisiva; sendo aqui enfocadas para
colocarmos em segundo plano estas questões teológicas e destacarmos outro tipo de
magia. A grande magia da arte teatral, expressa através dos recursos disponíveis neste
teatro aurisecular.
60
4.1 Magia em cena
Comecemos, então, a penetrar na magia do texto deste drama que se configura e
intensifica com o desenrolar da ação que se inicia na Jornada II. Aqui nosso jovem
pagão já está apaixonado pela cristã Justina, através das artimanhas do Demônio.
Recordemos, porém, como importantes índices, presentes em algumas réplicas
anteriores, nos apontam esta constatação.
Ele fizera, na Jornada I, com que Cipriano se enamorasse da jovem, após visitá-
la inocentemente, com o propósito de auxiliar seus pretendentes, Lelio e Floro, que
estavam disputando seu amor num duelo. Ao vê-la, Cipriano assim expressa seus
confusos sentimentos, na réplica da “situação” 8:
CIP.- Serviros,
¡oh, señora! , solamente.
viendo salir la justicia
de vuestra casa, se atreve
a entrar aquí mi amistad,
por lo que a Lisandro debe,
a solo saber…[Aparte] ( Turbado
estoy) si acaso [Aparte] ( ¡Que fuerte
hielo discurre mis venas!)
en algo serviros puede 760 616, 1
mi deseo. [Aparte] (¡Que mal dije!
Que no es hielo, fuego es este.)
Observamos, nos signos expressos nos apartes, entre parênteses, a
intensificação de suas sensações: primeiramente sente-se turbado, confuso, com o que
está sentindo; logo após, diz sentir um hielo, um ‘congelar’ percorrendo suas veias,
para finalmente, então, reconhecer, que o que sente não é esta frieza em seu interior,
mas sim fuego, com todo o ardor dos apaixonados, mas que para ele é um estranho
desejo. E, mais adiante, ao lhe explicar os motivos da visita, vemos nos signos entre
parênteses, muriendo e temblando, Cipriano falando para si mesmo como teme esta
condição de amante não correspondido; mas principalmente estranha o fato
inesperado, que nos indicia a eficaz atuação demoníaca, responsável por estas
sensações:
61
CIP.- ………………………..
Hablaros, pues, ofrecí,
señora, para que vos
escogierais de los dos
cuál queréis …( ¡infeliz fui!) 810 616, 2
que a vuestro padre ( ¡ay de mí!)
os pida. Aquesto pretendo;
pero ved (estoy muriendo)
que es injusto ( estoy temblando)
que esté por ellos hablando,
y que esté por mí sintiendo.
Mas, prontamente, é recusado por Justina que se sente aviltada com tal
confissão, pois não compreende os motivos ciumentos dos rivais Lelio e Floro, nem
sua inesperada visita:
JUS. De tal manera he extrañado
vuestra vil proposición,
que el discurso y la razón
en un punto me han faltado. 820 616, 2
Ni a Floro ocasión he dado,
ni a Lelio, para que así
vos os atreváis aquí:
y bien pudiérades vos
escarmentar en los dos
del rigor que vive en mí.
Então, vemos a paixão de Cipriano chegar ao ponto de divinizar a amada:
“¿Cómo si es dios?”, que o questiona até que ponto será audacioso este amor,
demonstrando sua firmeza de caráter e definindo a situação dos pretendentes:
CIP.- .........................................
¿Qué diré a Lelio?
JUS - Que crea
los costosos desengaños
de un amor de tantos años
CIP.- ¿Y a Floro? 840
JUS.- Que no me vea.
CIP.- ¿Y a mí?
JUS.- Que osado no sea
vuestro amor
CIP- ¿Cómo, si es dios?
62
JUS.- ¿Será más dios para vos
que para los dos ha sido?
CIP.- Sí.
JUS.- Pues yo ya he respondido,
a Lelio, a Floro y a vos.
Vanse los dos
Ao fim da Jornada I, Cipriano novamente separa os amigos Lelio e Floro que
voltam a empunhar a espada na defesa de seus orgulhos, pois o ardiloso Demônio trata
de plantar a desconfiança entre eles ao descer da sacada da jovem em forma de um
vulto. Após a luta e troca de desafetos, desistem da jovem deixando o caminho livre
para Cipriano.
A Jornada II inicia com a exígua didascália explícita “[Calle]” situando-nos no
espaço exterior, rua, onde se dará o encontro de Justina com Cipriano. Por ser um
território neutro, podemos interpretar como espaço de ‘trégua’ na luta sentimental
vivida por ambos. Depois deste encontro importante, onde a dama dá uma pequena
esperança ao jovem, por dizer-lhe que está impossibilitada de amá-lo até a morte,
percebemos sua decisão. Confirma-se a insistência do amante - que se empolga com o
macabro prazo estipulado - através do signosiguiéndola”, na didascália explícita que
inicia antes de sua réplica, na “situação” 2:
JUS.-[...]
porque es mi rigor de suerte,
de suerte mis males fieros,
que es imposible quereros,
Cipriano hasta la muerte.
[ Vase retirando]
CIP.- [Siguiéndola]
La esperanza que me dais
ya dichoso puede hacerme;
si en muerte habéis de quererme,
Muy corto plazo tomáis.
Yo lo acepto, y si a advertir
llegáis cuán presto ha de ser, 1110 620, 1
empezad vos a querer,
pues ya empiezo yo a morir. [Vase Justina]
E na didascália implícita em sua réplica, destacamos os signos esperanza”/
muerte” que se opõem, numa alternância de sentidos positivo/negativo, em
antagonismo, que se reitera nos dois últimos versos, através dos signos “querer”/
63
morir”; por expressarem a condição a que se sujeita o pobre jovem de ser feliz, ao ter
seu amor. E, por isso, deseja “morrer” de amor.
Calderón, neste momento, quebra a tensão dramática com a situação divertida
dos criados que em diversas situações se relacionam num paralelismo, estabelecendo
uma correlação bimembre, dual (galã/dama; criado-criada) criando um efeito de
comicidade. (ALONSO e BOUSOÑO, 1956, p. 166)
Toda esta digressão foi necessária para fundamentarmos a ação que ocorre na
“situação” 2, Jornada II; depreendemos Cipriano, em sua cegueira, com a mente
tomada pela influência do demônio: “...es otra alma la que me guía”, desafia as forças
infernais: “(harto al infierno provoco)” e se sujeita a dar sua alma em troca do amor
de Justina: “por gozar a esta mujer diera el alma” ; expressando sua paixão :
CIP.- Confusa memoria mía,
no tan poderosa estés
que me persuadas a que es
otra alma la que me guía. 1180
………………………….
Y tanto aquesta pasión
arrastra mi pensamiento.
tanto ( ¡ay de mí!) este tormento
lleva mi imaginación,
que diera ( despecho es loco,
indigno de un noble ingenio)
al más diabólico ingenio
( harto al infierno provoco),
ya rendido, y ya sujeto
a penar y padecer,
por gozar a esta mujer
diera el alma. 1200
O qual prontamente é aceito pelo demônio que, através do signo espacial
(Dentro) na didascália explícita antecedendo sua réplica, nos informa que está oculto,
fora da cena. Apenas escutamos sua voz:
(Dentro) DEM.- Yo la aceto.
Suenan ruídos de truenos como
tempestad y algún fuego como
rayos y relámpagos.
64
Prontamente os signos acústicos truenos, rayos e relâmpagos se configuram em
índices negativos, de conotação diabólica; também associados ao signo visual fuego, na
didascália explícita que vem em seguida, após o aparte do demônio; onde as forças da
natureza parecem concordar com a decisão tomada por Cipriano, prenunciando algo
nefasto.
Cipriano, então, se assusta ao ver a paisagem do horizonte transformar-se em um
negro céu, com raios e trovões. Ao expressar o que vê, como uma pintura, destacamos
os signos acústicos dos raios, relâmpagos e trovões que se relacionam aos pictóricos
claro/oscuro, mas que personificam a natureza abortando de suas entranhas algo
assombroso; todo o horizonte ‘pintado’ pelo vulcão ardente do Monte Etna, ou
Mongibelo, nos versos de sua réplica na “situação” 3, Jornada II:
CIP.- ¿Qué es esto, cielos puros?
¡Claros a un tiempo, y en el mismo oscuros,
dando al día desmayos!
Los truenos, los relámpagos y rayos
abortan de su centro
los asombros que ya no caben dentro.
De nubes todo el cielo se corona,
y preñados de horrores, no perdona
el rizado copete de este monte.
Todo nuestro horizonte 1210
Es ardiente pincel del Mongibelo;
niebla el sol, humo el aire, fuego el cielo.
Destacamos aqui a simbologia do signo monte, espaço onde se situa Cipriano,
que Calderón compara ao Mongibel, monte que abriga um vulcão; citado nas
Metamorfosis, de Ovídio e relembrado por Giordano Bruno, em La expulsión de la
Bestia Triunfante, como local da fundição do deus Vulcano, ou Hefesto, que reina sobre
os vulcões que são suas oficinas:
..................................................
Y la testa horrenda huella el Mongibel,
Allí donde con el gran martillo
Rayos templa el ríscolo Vulcano
1
. (BRUNO, 1987, p. 41)
Vulcano, o artesão metalúrgico coxo, “es el elemento ígneo en el estallido de su fuerza
irresistible. Su paso cojo […] se ha considerado símbolo de doble naturaleza, celeste y
1
Tradução livre de Ignacio G. de Liaño; OVIDIO, Metamorfosis,V, 346-354.
65
terrenal a la vez, o como la imagen del aspecto de la llama.”(CHEVALIER Y
GHEERBRANT, 1988, p.555-556) Como o vulcão ‘pinta o horizonte’ com os signos
névoa, fumaça e fogo alterando os elementos nos versos finais da réplica de Cipriano,
fazemos uma alusão desta pintura mental, metáfora visiva, à pintura da tela de
Velásquez, La fragua de Volcano,(1631) reiterando a estreita relação entre pintura e
poesia: ut pictura poesis. A poesia dramática pintando com palavras o quadro vivo da
representação teatral, enquanto a expressão pictórica dos artistas se teatraliza em muda
poesia. ( PERES, 2001, p. 97)
Retomando a “situação” 3, vemos em seguida, a didascália explícita, voz do
autor, onde destacamos o signo cênico nube, que através do signo de localização entra,
anuncia a chegada de uma apariencia: nave negra/ barco que surge como aparição
sobrenatural na terra.
Entra por la plaza una nube y
los que vienen en ella representan
lejos, y el DEMONIO en ella con
otro vestido. La nave es negra.
A referida nave adentra pela plaza, dando idéia de perspectiva: ...y los que
vienen en ella representan lejos”, ampliando o espaço cênico, e, por ela temos a
chegada de uma nuvem (decorado pintado muito usado neste teatro e, neste contexto,
com sentido negativo) que traz o barco onde está o Demônio disfarçado, con otro
vestido, signo lingüístico que funciona como índice da mudança de identidade do
personagem, portanto símbolo, ícone. Os signos de vestuário, segundo Diez Borque
(1975, p.72) significam ascese, na Comedia de Santos, pois estes trocam suas vestes até
a purificação. Aqui, em relação ao demônio, vemos que começa a trama, na “situação”
1, vestido de galã e terminará como ele mesmo, num caminho inverso ao dos santos,
conforme sua condição.
Importante simbologia possui o barco, neste contexto. Para G. Bachelard (1942,
p 107 apud CHEVALIER Y GUEERBRANT, 1988, p.179) evoca a imagem da barca de
Caronte, que atravessa o Aqueronte, rio dos infernos e as numerosas lendas dos barcos
dos mortos e navios fantasmas; aqui associando-o ao diabólico personagem e seu
símbolo de infortúnio. Índice do que ocorrerá com Cipriano, pois breve consumará o
66
pacto com o espírito infernal. Porém, observa Bachelar, “la barca de los muertos
despierta una conciencia de la falta, al igual que el náufrago sugiere la idea de un
castigo.” (
idem, ibidem)
A descrição da cena vista por Cipriano, didascália implícita nos confirma tal
simbologia de mau presságio
CIP.- Naufragando una nave
en todo mar parece que no cabe;
………………………………….
El clamor, el asombro y el gemido
fatal presagio han sido
de la muerte que espera; y lo que tarda
es porque esté muriendo lo que aguarda. 1220
E para Cipriano não deixa de ser uma prodigiosa maravilla, desde el tope a la
quilla (v. 1230, J. II, 2) de cor negra, que se aproxima de um penhasco e se choca indo a
pique. Porém, dele escapa um homem (demônio), como nos informa a voz do autor que
assim descreve a ação:
El DEMONIO sale con vestido
diferente, como escapado
del mar, en una tabla, y en saltando
al tablado, se va el bajel.
Destacamos os signos cênicos saltando al tablado, através de uma tábua/prancha,
tramoya móvel que parece movimentar-se imitando ondulação do mar, carregando o
demônio, enquanto o decorado do barco é retirado de cena. Na sua chegada em terra,
agora disfarçado como náufrago, causará piedade e será acolhido como hóspede do
jovem pagão. Mas antes, em sua longa réplica, na “situação” 4, destacamos alguns
índices que apontam sua verdadeira identidade, mas que Cipriano, cego de amor não
percebe:
DEM.- Yo soy, pues saberlo quieres,
un epílogo, un asombro
de venturas y desdichas
……………………….
Y por mi ingenio tan docto
que, aficionado a mis prendas
un rey, el mayor de todos
67
(puesto que todos le temen
si le ven airado el rostro), 622, 1
en su palacio, vestido
de diamantes y piropos
…………………………
De
su corte, en fin vencido,
aunque en parte victorioso, 1330
salí arrojando venenos
por la boca y por los ojos,
y pregonando venganzas,
por ser mi agravio notorio,
logrando en las gentes suyas
insultos, muertes y robos. [...]
Reconhecemos, pelos signos linguísticos: asombro de venturas y desdichas;
ingenio docto, as metáforas que Calderón usa para apresentá-lo como sendo o anjo
caído que desejou ser maior que Deus, rey, el mayor de todos. E vencido saiu pelo
mundo arrojando venenos, e conseguindo insultos, mortes y robos, ou seja, incitando
os homens a pecarem.
Continuando a longa apresentação ao pagão, por fim, diz ser um prodigioso
conhecedor da magia, um astrólogo:
DEM.- ............................... 1370
Soy en la magia que alcanzo
el registro poderoso
de estos orbes: línea a línea
los he discurrido todos.
E Cipriano acolhe o estrangeiro desejoso que lhe ensine magia para conquistar
a amada Justina,conforme inferimos no aparte em sua réplica, ao final da “situação” 4:
CIP.- [...] Aparte
( ¡Oh, si a alcanzar llegase
que aqueste hombre la magia me enseñase!,
pues, con ella quizá mi amor podría
en parte divertir la pena mía;
o podría mi amor quizá con ella
en todo consentir la causa bella
de mi rabia, mi furia y mi tormento)
Já aceito como amigo, espera a ocasião para surgir, novamente, em forma de
um vulto, na sacada da casa de Justina. Propositalmente, causa a maior desconfiança e
ira em Lelio, que a visita, na esperança de esclarecer os fatos. Mas é ao voltar à casa
de Cipriano que, enfim, aceitará o pacto. A partir deste fato, se darão representativos
efeitos cênicos.
68
4.2. Prodígios mágicos
Diante do que observamos em algumas situações, a partir da presença de
índices, signos e ícones caracterizadores da expressão virtual, podemos começar a
depreender a importância do espaço cênico e sua relação com os mágicos recursos
usados por Calderón. Analisemos os signos lingüísticos presentes nas didascálias
implícitas e explícitas que se intensificam conforme o propósito espetacular deste
teatro, a partir daqui, tendo como principal promotor o Demônio e seus prodígios.
Cipriano, em seu desespero, oferecera sua alma em troca do amor da virgem.
Por sua livre escolha opta valer-se das ciências ocultas para tal fim. Assim, o demônio
passando-se por mago, vem cobrar-lhe a dívida, na “situação” 17, Jornada II:
DEM.- ¿ Por gozar a esta mujer 1880
aquí dijeron tus labios
que darás el alma?
CIP.-
DEM.- Pues yo te acepto el contrato
CIP.- ¿Qué dices?
DEM.- Que yo le acepto.
CIP. - ¿Cómo?
DEM.- Como puedo tanto,
que le enseñaré una ciencia 628,2
con que podrás a tu mando
traer la mujer que adoras; [...]
Para convencer Cipriano, realiza o primeiro prodígio, dando-lhe uma mostra de
seus poderes, ao mover um monte de lugar, na didascália explícita:
Múdase un monte de una parte a otra del tablado
Primeiro efeito cênico usando recurso específico (o próprio monte ou
despeñadero). Como explicado no capítulo terceiro, se localizava no centro do palco e
aqui seu deslocamento se consegue através das cordas, maromas, que o puxam de um
lado a outro do palco. Parece-nos, neste caso, que ele é introduzido à cena para ser
69
aproveitado logo após como um penhasco. A simbologia do monte se atribui à Justina,
como nos diz o próprio Cipriano, em sua réplica:
CIP.- El monte porque es, en fin
de la que adoro retrato
Não só por sua beleza e solidez, como a caráter da dama, mas porque traz a
conotação da proximidade ao céu, elevação espiritual, lugar sagrado, templo/ corpo
puro da virgem.
Ao ver tal façanha, Cipriano fica admirado: “ ¡No vi prodigio más raro!” E para
impressioná-lo mais ainda, faz um penhasco se abrir para mostrar a amada que aparece
dormindo, como em uma visão, em seu interior,
Ábrese un peñasco y está Justina durmiendo
Nesta segunda mudança do prodigioso mago, vemos através de uma tramoya,
abrir-se ao meio e logo se fechar, impedindo que o jovem a alcance,
Quiere llegar, y ciérrase el peñasco
Este movimento dando dinamismo à cena, permite que o leitor/espectador
penetre em outro espaço, interior do penhasco, criando a perspectiva no
desdobramento espacial onde se encontra a jovem (talvez suspensa por uma gloria;
tipo de máquina aérea). Efetua-se uma visão à distância, visão mágica da aparição,
num espaço/ penhasco que não é o da personagem, por isto simbólico.
Mas o jovem precisa cumprir a promessa para ter a mulher amada. E então,
assim se efetua o pacto, com a troca de sua alma pela de Justina, na descrição da
didascália explícita que é complementada por seu aparte e réplica:
Escribe con la daga en un lienzo, habiéndose sacado sangre de un brazo.
[Aparte] ( ¡Qué hielo! , ¡qué horror!, ¡qué asombro!)
Digo yo, el gran Cipriano
que daré el alma inmortal
( ¡qué frenesí! , ¡ qué letargo!
a quien me enseñare magias
( ¡ qué confusiones!, ¡ que espantos!)
con que pueda atraer a mí
a Justina, dueño ingrato;
y lo firme de mi nombre. 1980
…………………………..
DEM.- Alma con alma te pago,
pues por la tuya te doy 1990
la de Justina.
70
Será preciso, no entanto, que Cipriano aceite permanecer estudando magia
numa gruta com o mestre por um ano. Aqui temos a conotação do símbolo que assim é
descrito por Carmen G. Román: “Las ‘peñas’ o ‘cuevas’ nos remiten al mundo
subterráneo, espacio de tinieblas, en oposición al espacio celeste, de donde descienden
las nubes”. Julián Gállego considera a “cueva un objeto decorativo precedente del
teatro medieval que lleva consigo una significación variable; infernal, a veces, a veces
sagrada.” (ROMÁN, s/d)
Por otro lado, continua Román, Aurora Egido interpretou em seu estudo sobre
La fiera, el rayo y la piedra (1989) o decorado da gruta como uma alegoria que
implica uma reflexão sobre a temporalidade da vida e da morte, não estando isenta sua
análise, destaca Román, de conexões com a pintura de Velásquez.
Signo terreno que se opõe ao celeste monte. Espaço limitador de conotação
adequada ao pagão que busca os conhecimentos mágicos, herméticos; os quais o
dramaturgo pretende opor aos divinos da religião católica, representados pela virtuosa
Justina, como dito anteriormente.
Como signo cênico é o penhasco que se transformará em gruta ao início da
próxima jornada.
Passado um ano, inicia-se a Jornada III, com um decorado de bosque onde
Cipriano sai da gruta, que já se encontra em segundo plano, “En el fondo,” como
introduz a didascália explícita:
[Bosque en el fondo, una gruta]
Sale CIPRIANO solo de una enramada como cueva.
Temos a informação, através desta didascália escrita sem o itálico, pelos signos
gruta e cueva de que o dramaturgo faz diferença entre os locci. A gruta em segundo
plano (dando idéia de perspectiva) é um espaço natural intermediário entre sua
elevação- penhasco- e sua parte subterrânea, como cueva de que Cipriano tem acesso
pela saída em forma de enramada provavelmente usando folhagens reais. Símbolo de
seu recolhimento para os estudos mágicos e retorno, após um ano, à vida no povoado,
como inferimos através da réplica na situação 1:
CIP.- Este monte elevado
en sí mismo al alcázar estrellado,
y aquesta cueva oscura,
71
de dos vivos funesta sepultura,
escuela ruda han sido
donde sutil la mágica he aprendido 2039
.........................................................
Y viendo ya que hoy una vuelta entera
cumple el sol de una esfera en otra esfera 630,1
……………………………………..
Segundo Maravall (1989, p. 383) o sol é o símbolo barroco do tempo, que junto
à idéia constante de movimento está presente na mentalidade barroca. Aqui os signos
lingüísticos nos informam a passagem do tempo cumprida pela volta inteira dada pela
esfera terrestre, sendo que medida pela ilusão vista pelo sol; como ainda nos recorda
Maravall que, embora o homem se valha da experiência, afirma a sua qualidade
ilusória.
Chega o momento, então, de Cipriano testar seus poderes. Invoca os quatro
elementos e demais seres da natureza, num conjuro, como os magos em sintonia com o
universo, na seguinte réplica cujos signos lingüísticos resumem em gradação:
CIP.- [...] porque ciegos, turbados, 2060
suspendidos, confusos, asustados,
cielos, aires, peñascos, troncos, plantas,
fieras y aves, estéis de ciencias tantas,
que no ha de ser en vano
el estudio infernal de Cipriano.
O demônio escuta os rogos de Cipriano que pretende tê-la em seus braços
ainda na mesma noite, autorizando o feitiço, que se completa com a escrita de
símbolos/ caracteres mágicos na terra,
DEM.- .................................
Con caracteres mudos
la tierra linea, pues, y con agudos
conjuros hiere el viento,
a tu esperanza y a tu amor atento.
O mago auxiliando os elementos na concretização da magia, como expresso na
personificação do signo verbal viento que fere. E vemos na didascália explícita o mago
atuando,
Pónese sobre la tierra a escribir CIPRIANO y el DEMONIO habla aparte
(Porque sé de tu ciencia y de mi ciencia
que el infierno inclemente,
a tus invocaciones obediente
podrá por mi entregarte
a la hermosa Justina en esta parte:
72
que aunque el gran poder mío 2120
no puede hacer vasallo un albedrío[...]
e inclinarlos podré, si no forzarlos.
Depreendemos, através do signo lingüístico aunque, a limitação do poder
demoníaco frente à liberdade de escolha/ albedrío da cristã, tentando-a sem forçá-la.
E, com sua réplica, reitera o feitiço guiando o espírito de Justina para a sedução vinda
do abismo infernal,
DEM.- Ea, infernal abismo,
desesperado imperio de ti mismo,
de tu prisión ingrata 2170
tus lascivos espíritus desata,
amenazando ruina
al virgen edificio de Justina.
Vemos a atuação do decorado verbal auxiliando a representação ao conter
signos lingüísticos (adjetivos e substantivos) pertencentes ao mesmo campo semântico
de conotação diabólica: “infernal abismo; desesperado império; prisión ingrata;
lascivos espíritus”; em contraste ao /virgem edifício de Justina/
Aqui a simbologia da construção/virgem edifício, signo que é um ícone do
corpo íntegro, puro da dama, o qual a tentação pretende “desmoronar”.
E como a maquinaria deste teatro muitas vezes não dava conta da
espetacularidade imaginada pelo autor, as descrições verbais supriam o que não se
podia ver. Assim como ampliavam o fechado espaço das máquinas e do palco. O
espectador não vê a cena, só ouve o que lhe é narrado. “Al sustituir lo acústico a lo
visual, lo visual pasa al inconsciente, y creo que puede hablarse de una relación
estímulo-respuesta en cuanto que los signos verbales descriptivos estimulan la
imaginación del espectador como respuesta.” (DIEZ-BORQUE, 1975,p.89)
as alegorias reforçavam o signo enquanto prático conceito, visível e as
metonímias decorativas, por antonomásia, simbolizavam uma pequena parte de algo
que pretendia representar.
Na “situação” 4, didascália explícita em seguida, podemos depreender o signo
puerta como metonímia decorativa, o espaço da morada/ corpo onde o demônio
pretende atuar para afetar os sentidos da virgem que espera “nada miren sus ojos” ,
“nada oigan sus oídos” além do fogo do amor que perceba em todo seu corpo,
principalmente, já que é um amor sensual, carnal:
73
Mientras esta copla se canta, se va entrando el DEMONIO por una puerta, y sale
por otra JUSTINA huyendo
Tendo o suporte de um coro de vozes, dentro, enquanto foge do demônio, a
moça começa a se sentir tomada por uma estranha sensação, confirmada em sua
réplica:
JUS.- .................................
¿Cuál es la causa , en rigor,
de este fuego, de este ardor
que en mí por instantes crece?
¿Qué dolor el que padece
mi sentido? 2210
(Dentro) CORO- Amor, amor.
Observa, então a natureza para buscar as respostas de sua inquietude,
expressando-se em belas metáforas de sua longa réplica, resumida nos versos:
JUS.- [...] Cesa amante ruiseñor;
Desúnete, vid frondosa;
Párate, inconstante flor;
O decid: ¿qué venenosa
fuerza usáis?
Assusta-se ao reconhecer que se apaixonara por Cipriano e, alternando
momentos de assombro e devaneio fica surpresa ao ver entrar um homem (demônio)
em seu quarto fechado. Inicia-se a famosa cena nesta “situação” 5, onde o demônio irá
tentar levá-la ao encontro de Cipriano. Vejamos, resumidamente, alguns trechos
relevantes deste diálogo:
JUS.- ¿Quién eres tú, que has entrado
Hasta este retrete mío,
Estando todo cerrado?
¿Eres monstruo, que ha formado
mi confuso desvario?
DEM.- No soy, sino quien movido
de ese afecto que tirano 2300
te ha postrado y te ha vencido,
hoy llevarte ha prometido
a donde está Cipriano.
JUS. - Pues no logrará tu intento;
que esta pena[…]
llevó la imaginación,
pero no el consentimiento.
74
DEM.- En haberlo imaginado
hecho tienes la mitad :
pues ya el pecado es pecado[…]
JUS.- […] no está en mi mano el pensar,
y está el obrar en mi mano.
Para haberte de seguir,
el pie tengo que mover.
………………………..
A jovem se defende, ao justificar sua atitude, não sendo responsável em pensar
no pecado, pois sua mente está sob a influência do espírito maligno. É responsável,
entretanto, pela ação de não seguir sua influência, mantendo-se firme na fé.
Na réplica do demônio, através dos signos pertencentes ao mesmo campo
semântico: imaginación, imaginado, pensar, vemos a oposição com os signos :
consentimiento, obrar; já que denotam diferença entre pensar e agir. A vontade férrea
de Justina não permitiu a concretização do desejo imaginado.
Mas o demônio insiste na luta, puxando-a, como lemos nas didascálias
explícitas:
Tira de ella, y no puede moverla
......................................................
Tira más
Como a jovem se mantém firme na fé cristã, ao verbalizar o nome de Deus,
afasta o demônio, como inferimos no diálogo abaixo, confirmado na didascália
explícita,
JUS.- Mi defensa en Dios consiste 2331
Suéltala
DEM.- Venciste, mujer, venciste
Con no dejarte vencer. […]
Vencido e não satisfeito com o ocorrido, pretende vingar-se ameaçando
desonrá-la. Através de sua réplica, índice do próximo prodígio que fará, depreendemos
os signos espíritu/ fantástica forma ,
DEM.- Un espíritu verás,
para este efecto no más 2340
que de tu forma se informa
y en la fantástica forma
difamada vivirás.
Lograr dos triunfos espero,
de tu virtud ofendido:
75
deshonrarte es el primero
y hacer de un gusto fingido
un delito verdadero. Vase
Ao desaparecer do aposento, Justina se vê falando sozinha e pede que a ajudem,
Lisandro e a criada Lívia, que iniciam a “situação” 6. Não entendendo o ocorrido, diz
estar sob algum feitiço mortal e resolve ir rezar no templo secreto dos cristãos. Pede à
criada seu manto; que será importante ter destaque, ser visto pela platéia, como vemos
na didascália explícita,
Saca el manto y pónesele; que le vea con él la gente
Lisandro a segue, deixando a criada em nova situação cômica, junto a Moscón,
que sai como escondido à cena. Calderón novamente equilibra os momentos de tensão
com a comicidade dos criados.
A nova didascália que abre a “situação” 8, desta Jornada III, nos transporta ao
espaço onde se encontram Cipriano e Clarín, que adentram pela mesma porta usada
pelos demais personagens desde a “situação” 4; espaço próximo ao monte que só
reconhecemos pela didascália implícita, em sua réplica, mais adiante,
Salen CIPRIANO, con asombro y CLARIN, acechando tras él.
Não fica explicitado o espaço onde estão os dois; lugar onde o pagão invoca a
amada pela última vez, sem a confirmação dos astros,
CIP.- Sin duda se han rebelado
En los imperios cerúleos 2460
Las tropas de las estrellas
Pues me niegan sus influjos.
O que vemos parecendo a imagen de Justina, “la que hace a Justina”, desloca-
se para o espaço onde ambos estão, “sale por una puerta” e foge correndo, “huyendo
por la otra”, como nos informa a didascália explícita,
Sale la que hace a Justina, con manto, como turbada, por una puerta, y éntrase
huyendo por la otra y va tras ella CIPRIANO, turbado, y CLARIN, turbado, dando
vueltas con miedo.
O elemento decorativo de vestuario manto, destacado na didascália da situação
6, enquanto índice sinaliza ao leitor/espectador pertencer à virgem; importante signo a
ser identificado novamente nesta situação e mais adiante.
Mas como confirmamos através da réplica a seguir não é a jovem que está
sendo perseguida por Cipriano, e sim sua figura, imagem irreal que o demônio
pretende usar para enganá-lo,
76
FIGURA DE JUSTINA: - Ya escucho;
que forzada de tus voces, 635,1
aquestos montes discurro
¿Qué me quieres? ¿Qué me quieres,
Cipriano?
O pagão sente um misto de espanto, temor e dúvidas e escuta a fala da suposta
jovem que foge rumo ao monte, espaço simbólico pertencente a Justina, como lemos
na didascália explícita complementando sua réplica,
FIG.- ...y así con la fuerza cumplo
del encanto, a lo intrincado
del monte tu vista huyo. 635,2
Cúbrese el rostro con el manto y vase
Através da réplica do gracioso criado, a seguir, depreendemos os signos oliendo
a humo, índices negativos, caracterizadores da nefasta figura, que vencida na luta é
trazida ao valle
, por Cipriano.
CLAR.- Abernuncio
de mujer que viene a ser
novia, y viene oliendo a humo.
…………………………………
Ya la ha alcanzado, y con ella,
de aqueste valle lo inculto 635,2
luchando a brazos enteros […]
a este mismo sitio vuelven […]
Toda a cena ocorre fora das vistas do espectador, por tanto se trata de um
decorado verbal, signos verbais que apóiam a falta do visual.
O criado se esconde e Cipriano volta à cena trazendo em seus braços a suposta
dama, que na verdade é um esqueleto, que descubrirá ao retirar-lhe o manto, como nos
informa a longa didascália explícita que abre a “situação” 9:
Escóndese, y sale CIPRIANO trayendo abrazada una persona cubierta y con
vestido parecido al de JUSTINA, que es fácil siendo negro este manto y vestidos, y
han de venir de suerte que con facilidad se quite todo y quede un esqueleto, que ha de
volar o hundirse, como mejor pareciere, como se haga con velocidad; si bien será
mejor desaparecer por el viento.
É interessante percebermos a preocupação do dramaturgo em explicar como
será a encenação através de recursos específicos. Para efeito de surpresa o esqueleto
deve ser coberto pelo manto que, através do signo negro, é mais opaco à luz. A
composição da vestimenta, que deveria ser como a da virgem, é semelhante e
reconhecível, pois sua vestimenta é toda preta, vestido parecido al de Justina assim
77
como negro este manto, reconhecível desde a “situação” 6, usado para sair de casa e ir
rezar no templo cristão. A suposta pessoa que Cipriano abraça, enquanto fala como
veremos, na verdade é um esqueleto que deverá desaparecer. Em dúvida se deverá
hundirse, possivelmente por um escoltillón, no espaço subterrâneo do palco, ou volar
através da retirada de cena veloz feita por um pescante ou bofetón, próprios para este
fim, Calderón indica bien será mejor desaparecer por el viento. Para maior efeito
espetacular aéreo, através do signo viento, deve ter sido usado o pescante por sua
rapidez ao içar o esqueleto que diagonalmente parece levado pelos ares.
E assim, inicia sua réplica o apaixonado jovem:
CIP.- Ya, bella Justina,
en este sitio, que oculto,
ni el sol le penetra a rayos
ni a soplos el aire puro
ya es trofeo tu belleza.
de mis mágicos estudios […] 2530
Corre a la deidad el velo:
no entre pardos ni entre oscuros
celajes se esconda el sol;
sus rayos ostente, rubios
Descúbrela, y ve un esqueleto.
Mas, ¡ay infeliz!, ¿qué veo?
¡Un yerto cadáver mudo
entre sus brazos me espera!
Ao ver a recompensa, es trofeo tu belleza, conseguida por meio dos mágicos
estudios em forma inesperada, un hierto cadáver mudo, percebemos a oposição
semântica que os signos nos propõem com expressa intenção da idéia das vanitas,
resumida na réplica do esqueleto,
EL ESQUELETO: - Así, Cipriano, son
todas las glorias del mundo. 2550
O gosto pelo macabro tão freqüente nesta época nas artes, (vide gravura a
seguir) fica registrado claramente através deste símbolo, o esqueleto, ou caveira;
recurso iconográfico usado no Barroco, que articula os conceitos de tempo, mudança e
caducidade à morte. (MARAVALL, 1988, p. 341) Não só personifica a morte, mas
principalmente a brevidade da vida.
78
79
Muito freqüente na Antigüidade e nas danças macabras da arte medieval;
segundo Apuleyo, serviam para operações mág
icas, como nos informa a citação:
En la antigüedad, si hemos de creer a Apuleyo, circulaban sellos o figurillas que
representaban un esqueleto y servían para operaciones mágicas. Tales esqueletos
son imágenes de Mercurio (Hermes), dios psicopompo, que goza del privilegio de
poder descender a los infiernos y de volver a subir de allí, así como de conducir a
las almas de los difuntos[…] ( CHEVALIER y GUEERBRANT, 1988,p.482)
Podemos confirmar, deste modo, a permanência da tradição hermética egípcia,
referida no teatro de Calderón e presente na cultura dos primeiros séculos da era cristã,
revificada por Marsílio Ficino em sua tradução do Corpus hermeticum, como vimos
no primeiro capítulo.
Assim, de nada valeu o esforço de Cipriano, pois, na verdade, não possui,
ainda, o amor de Justina.
Em seguida lemos a didascália explícita que complementa a réplica do
esqueleto:
Desaparece, sale CLARÍN huyendo, y se abraza con él CIPRIANO.
Aquí percebemos o momento da atuação do pescante que retira rapidamente a
caveira de cena, pelo signo desaparece, conforme a orientação dada na didascália
explícita inicial, enquanto os signos sale, huyendo, abraza garante a dinâmica espacial
da ação, que facilita a representação.
Cipriano, curioso, pretende ir atrás da funesta figura, enquanto a pequena
didascália explícita introduz o infernal personagem, que não é visto pelo pagão, pois
lemos seu aparte:
Sale el DEMONIO
DEM. [Ap.]
(¡Justos cielos!
Si juntas un tiempo tuvo
mi ser la ciencia y la gracia
cuando fui espíritu puro,
la gracia sola perdí, 2575
la ciencia no. ¿Cómo injustos,
si esto es así, de mis ciencias
aun no me dejáis el uso?)
Intencionalmente nesta “situação” 12, percebemos durante os diálogos entre
Cipriano e o demônio (como nos informa a didascália explícita após seu aparte: Sin
verle) que se trata de uma batalha espiritual, onde as forças de ambos se medirão.
80
Trata-se de uma “presença simbólica” do personagem, para dar um efeito
extraordinário à cena. Cipriano pergunta ao mestre onde errara nos estudos mágicos e
por que fora enganado. Não aceitando nova promessa do diabo em trazer-lhe a amada,
devido ao infortúnio do esqueleto, propõe desfazer o pacto,
CIP.- [...] Y así, pues que no has cumplido
las condiciones que puso
mi amor, sólo de ti quiero,
ya que de tu vista huyo,
que mi cédula me vuelvas,
pues el contrato es nulo. 2635
Inicia-se, até o fim desta “situação”, uma discussão sobre o poder de Deus e a
descoberta da verdadeira identidade do suposto mago. Quando Cipriano vê sua
proposta negada, furioso saca a espada, índice de luta, investindo contra o demônio,
mas não o atinge. A didascália explícita nos confirma sua presença “translúcida”,
espiritual, como inferimos nos signos no le topa, ao enfiar-lhe a espada,
Saca la espada, tírale al DEMONIO y no le topa.
E confirmamos por sua réplica, nos signos no me herirás tal impossibilidade:
DEM.- Aunque desnudo
el acero contra
esgrimas fiero y sañudo, 2710
no me herirás; y porque
desesperen tus discursos
quiero que sepas que ha sido
el Demonio el dueño tuyo.
Cipriano começa, então, a refletir sobre o erro que cometera e certo de que será
perdoado por Deus, se nega a ser escravo do demônio, apoiando-se na misericórdia
divina. Mas o insistente espírito infernal ameaça matá-lo, como nos descreve sua
réplica, através do signo difunto de conotação relacionada à morte,
DEM.- Dejaréte yo primero
Ente mis brazos difunto
Luchan los dos
Cipriano ao clamar por Deus se “solta das garras” do demônio e parece
desejoso de buscar o Deus dos cristãos, terminando com sua réplica, didascália
implícita, a cena que as didascálias explícitas nos informam que haverá mudança
espacial,
81
CIP.- ¡Grande Dios de los cristianos
A ti en mis penas acudo!
DEM.- Arrójale de sus brazos.
Ese te ha dado la vida
CIP.- Más me ha de dar, pues le busco. 2760
Vase cada uno por su puerta
[Sala en el palacio del Gobernador]
Sale el GOBERNADOR y su Gente, y FABIO haga relación, sin barba
O ambiente agora se transforma na sala do Governador, espaço de autoridade,
onde surgem outros personagens relacionados à ação. Aqui Fabio, criado de Lelio,
relata a seu pai , o Governador, como se deu a prisão dos cristãos Justina e Lisandro
para, em troca de favores, pedir que Floro e Lelio sejam libertados. O Governador
reata a amizade dos dois pretendentes de Justina, soltando-os porque já tem a punição
de Justina. Neste momento se ouvem gritos vindos de fora do palácio. O demônio grita
para prejudicar Cipriano:
DEM.-
¡Guarda el loco, guarda el loco!
O referido louco é Cipriano que se aproxima do Governador, com pouca roupa,
como nos informa os signos medio desnudo da didascália que anuncia sua entrada e
nova “situação”,
Salen todos y Cipriano, medio desnudo
CIP.- Nunca yo he estado más cuerdo; 2870
Que vosotros sois los locos.
Defende-se da acusação de loucura e relata sua história e a de Justina ao
Governador, perseguidor dos cristãos, que como lemos nas réplicas e didascália
explícita, fica furioso ao saber de sua conversão ao Deus cristão, como vemos a seguir:
CIP.- [...] Es que hay un Dios que la guarda,
en cuyo conocimiento
he venido a confesarle
por el más sumo e inmenso.
El gran Dios de los cristianos
es el que a voces confieso; 2920
…………………………….
Si eres juez, si a los cristianos
persigues duro y sangriento,
yo lo soy; […]
Ea, pues, ¿qué aguardas? Venga
el verdugo, y de mi cuello
la cabeza me divida […]
82
que sin el gran Dios que busco
que adoro y que reverencio,
las humanas glorias son
polvo, humo, ceniza y viento.
Déjase caer boca abajo en el suelo
GOB.- Tan absorto, Cipriano,
me deja tu atrevimiento,
que imaginando castigos,
a ninguno me resuelvo. Pisándole
Levántate.
Na própria réplica de Cipriano depreendemos os índices de como será sua
morte: de mi cuello la cabeza me divida, oferecendo-se em martírio, ao reconhecer que
as glorias do mundo de nada valem, como denotam os signos de mesmo campo
semântico polvo, humo, ceniza y viento.
A humilhação sofrida é reiterada pela didascália explícita no signo pisándole,
que nos remete ao espaço do chão, onde se rebaixa Cipriano contrapondo-se ao
Governador que do alto de sua autoridade o pisa.
Trazem Justina à mesma cela onde está Cipriano desacordado. Esta não sabe
que se trata do jovem e ele acorda feliz ao revê-la ali. Trocam carinhosas palavras,
discorrem sobre a fé e Justina anima o jovem a não temer a morte, buscando confortá-
lo. A didascália explícita indica a saída de ambos para a morte que se aproxima,
deixando os criados Lívia, Clarín e Moscón, que também foram presos, sozinhos.
Vanse y quedan los tres solos.
A didascália explícita que interrompe a fala de Clarín traz índices/ signos
sonoros de tempestade, prenunciando algo assombroso e causando alvoroço em todos:
Suena gran ruído de tempestad, y salen todos alborotados.
A réplica de Fabio nos relata a causa:
FAB.- Apenas en el cadalso
cortó el verdugo los cuellos
de Cipriano y de Justina,
cuando hizo sentimiento
toda la tierra.
Confirma-se a morte dos jovens através dos signos cortó el verdugo los cuellos.
Morte já anunciada pela anterior fala de Cipriano, fazendo a terra compartilhar deste
momento, através do signo apenas, assim que suas cabeças foram cortadas, que se
83
relaciona ao momento da morte, no espaço cadalso, decorado verbal não visto em
cena, apenas narrado por Fabio para que imaginemos.
Lelio continua a descrever o que ocorre, prenunciado pelos signos negativos
abrasado seno; abortos horribles,
LELIO- Una nube,
de cuyo abrasado seno
abortos horribles son
los relámpagos y truenos
sobre nosotros cae
A nuvem aqui parece mais um decorado verbal, pois a réplica e didascália
seguintes nos informam que o tablado onde foram sacrificados os mártires surgirá,
junto com o demônio montado sobre uma serpente.
Esto se haga como bien pareciere; el cadalso se descubrirá con las cabezas
y cuerpos, y el DEMONIO en lo alto sobre una sierpe.
Uma gloria, com decorado de serpente, poderia descer trazendo o demônio,
pois está en lo alto, montado en una sierpe. Um pouco mais atrás surge o tablado com
os mártires, talvez um bofetón, deixando espaço para a cena final da queda do
demônio.
Antes de voltar ao inferno, declara a inocência dos mártires, como lemos em
sua réplica final:
DEM. [...] Esta es la verdad, y yo
la digo, porque Dios mesmo
me fuerza a que yo la diga,
tan poco enseñado a hacerlo. 3130
Cae velozmente, y húndese.
O efeito de sua queda veloz, através do escotillón, para dar efeito de
desaparição sobrenatural, garante a dinâmica da ação que termina com a réplica do
gracioso Moscón deixando-nos com a dúvida sobre os feitos do prodigioso mágico,
MOS.- Pues dejando en pie la duda
del bien partido amor nuestro,
al Mágico prodigioso
pedid perdón de los yerros.
E assim termina a jornada, cai o pano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença maravilhosa, mágica, na obra El mágico prodigioso, desvelada
através da análise semiótica das didascálias apresentadas nas “situações” teatrais mais
representativas da atuação do personagem Demônio nesta comédia, vem comprovar a
presença de recursos cênicos diversos que facilitavam a representação deste teatro.
Toda a maquinaria com função cênica era responsável pela espetacularidade
nesta época áurea da literatura e das Artes, quando a intenção do teatro não era
somente divertir mas, principalmente, instruir propagando a fé católica, segundo os
ideais contra-reformistas, em conformidade com os ideais monárquicos.
Assim sendo, nos foi possível perceber como era necessário o conhecimento
das ciências e das Artes para se realizar uma montagem eficiente, dando-nos uma idéia
aproximada do desenvolvimento da cenografia espanhola na segunda metade do
século XVII, que, desde a criação da Comédia Nova, com Lope de Vega, atinge seu
pleno desenvolvimento com Calderón, auxiliado pelos engenheiros italianos Cosme
Lotti e Baccio del Bianco, dentre outros. Para isto, relembramos um pouco a origem
da máquina do teatro barroco e vimos a funcionalidade dos recursos cênicos
adequados ao uso que se pretendesse, quando de sua representação.
O texto teatral, através de sua linguagem poética, nos revelou simbologias em
diálogo com várias obras, tecendo assim uma trama mesclada, numa confluência de
fios que se interpenetram como “mandalas”. Mas formando desenhos elípticos, como
bem destaca Eugenio D’Ors, ao captar a essência barroca nas Artes deste século,
quando o artista buscava ampliar sua visão do mundo, refletindo o interesse pelo
universo que se amplia em busca de novos espaços. A cosmografia circular limitadora
substituída pela flexibilidade da cosmografia das elipses, no sistema de Kepler.
(D’ORS, 1946, p. 53) As formas dinâmicas de pintores que auxiliaram novas formas
85
de olhar, transbordando virtuosismo ut pictura poesis- como na linguagem pictória,
plástica presente nesta comédia.
Através dos signos lingüísticos ‘transmutados’ em signos cênicos pela alquimia
da arte teatral elaboramos metáforas visivas, imagens mentais, guiadas pela orientação
do dramaturgo e efetivadas por seus personagens, principalmente o diabólico que,
mimeticamente, ao trocar suas ‘máscaras’
e se passar por mago, mobilizou
os espaços de representação realizando seus prodígios, materializados pelas
mutaciones e tramoyas , como alegoria deste grande teatro calderoniano.
Portanto, percebemos a presença de uma literatura hermética, neoplatônica
coexistindo à vertente cristã, escolástica, no teatro de Calderón de la Barca, que
exprime a dualidade humana em luta com suas paixões, mas principalmente tendo o
direito ao livre- arbítrio.
Tema oportuno diante do momento histórico no qual a Espanha vivia. Através
de seus exempla o autor expressava os modelos que a sociedade deveria se espelhar,
mas paradoxalmente, pelo direito a esta liberdade o homem antevia seu fim com o
legado da vanitas.
Calderón, nesta comédia de santos aborda valores, em nossa cultura ocidental,
como o conhecimento e o amor, a luta entre o espiritual e o físico que são eternos, nos
permitindo um paralelismo ao momento em que vivemos, no século XXI. Época de
inversão e decadência de muitos valores que entram em conflito com os
conhecimentos científicos, políticos , sociais e religiosos.
Por esta aproximação ao nosso tempo, na Espanha um grupo teatral fez uma
montagem, que teve sua estréia em 2006, com elogios da crítica especializada
estendendo sua gira por muitas cidades, até junho de 2007, quando haverá um
retorno à cidade de Yepes. Cidade onde a prefeitura encomendara sua representação a
Calderón, em 1637, como abordamos no início da pesquisa. Seguem, em anexo, as
reportagens com comentários pertinentes ao assunto tratado, demonstrando sua
atualidade e a intenção artística em valorizar uma obra calderoniana pouco
representada, mas sempre tendo como aspecto mais relevante a questão do mito
86
fáustico. Com isto, parecemos caminhar em círculos, deixando muitos temas desta
obra sem serem abordados.
A intenção maior deste estudo foi ampliar o universo das reflexões sobre El
mágico prodigioso buscando, talvez, um possível caminho elíptico, no sentido de
estender os limites, pesquisar novos espaços.
Mas, principalmente, revificar a magia deste texto, que através de nossa leitura
tornou possível resgatar a capacidade humana de imaginar, sonhar, como sempre nos
permitiram as Artes e a literatura.
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ANEXOS
Martes, 14 de noviembre de 2006. Actualizado a las 16:08 (CET)
TEATRO
Estreno
El mito de Fausto, renovado
Juan Carlos Pérez de la Fuente presenta en el Teatro
Albéniz su versión de 'El mágico prodigioso', de Calderón
de la Barca
EL MÁGICO PRODIGIOSO.- Días:
Del 16 al 26 de noviembre de 2006.
Lugar: Teatro Albéniz. Hora: De martes a sábados, a las 20.30. Los
domingos a las 19 h.Precio: 15, 18 y 22 euros. Venta de entradas:
En
taquilla, en entradas.com y en el 902 22 16 22. Intérpretes: Jacobo
Dicenta, Beatriz Argüello, Cristina Pons y Manuel Aguilar entre otros.
Metrópoli.com
Antes que Goethe ya hubo autores que
hablaron del mito de Fausto. Éste es el
caso de Calderón de la Barca, que en
1637 ya recurrió a esta leyenda en 'El
mágico prodigioso', una obra que se
escribió con motivo de la festividad del
Corpus Cristi de Yepes y que fue un
encargo del Ayuntamiento de esta
localidad.
El resultado fue una comedia, que se
desarrolla en Antioquía durante el siglo
III, en la que combina elementos del
mito de Fausto con episodios de las
vidas de los mártires Cipriano y Justina,
sin que falten escenas con
reminiscencias a la comedia de enredo
del Siglo de Oro.
El diablo pierde una batalla con un sabio al que no puede hacer renegar
de Dios. Contrariado, el demonio le tienta con una bella dama, a la
que, tras reiterados fracasos, sólo conseguirá a cambio de su alma.
Con motivo de la conmemoración del 400 aniversario del Teatro Principal
de Zamora, Juan Carlos Pérez de la Fuente ha versionado la obra
de Calderón. Ahora llega a Madrid, al Teatro Albéniz, este montaje
protagonizado por Jacobo Dicenta, en el papel de Cipriano, Beatriz
Argüello, como el demonio, y Cristina Pons interpretando a Justina.
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