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princípio, altera as leis anteriores, afastando sua incidência, nos casos especialmente regulados. A
dificuldade está, porém, no efeito inverso, último aspecto a que desejávamos atingir – o tratado é
revogado por lei ordinárias posteriores, ao menos nas hipóteses em que o seria uma outra lei? A
equiparação absoluta entre a lei e o tratado conduziria à resposta afirmativa, mas evidente o
desacerto de solução tão simplista, ante o caráter convencional do tratado, qualquer que seja a
categoria atribuída às regras de direito internacional. Em país em que ao Judiciário se veda apreciar a
legitimidade de atos do legislativo ou do executivo se poderia preferir tal solução, deixando ao
Governo a responsabilidade de ser haver com as potências contratantes que reclamarem contra a
indevida e unilateral revogação de um pacto por lei posterior; nunca, porém, na grande maioria das
nações em que o sistema constitucional reserva aquele poder, com ou sem limitações. Na América,
em geral, tem assim força vinculatória a regra de que um país não pode modificar o tratado, sem o
acordo dos demais contratantes; proclama-o até o art. 10 da Convenção sobre Tratados, assinada na
6ªConferência Americana de Havana, e entre nós promulgada pelo Decreto 18.956, de 22 de outubro
de 1929, embora não o havendo feito, até 1938, o Uruguai, também seu signatário. Esse era, aliás, o
princípio já codificado por Epitácio Pessoa que estendia ainda a vinculação ao que, perante a
equidade, os costumes e os princípios de direito internacional, pudesse ser considerado como tendo
estado na intenção dos pactuantes (Código, art. 208); nenhuma das partes se exoneraria e assim
isoladamente (art. 210) podendo apenas fazer denúncia, segundo o combinado ou de acordo com a
cláusula rebus sic stantibus subentendia, aliás, na ausência de prazo determinado. Clóvis Beviláqua
também não se afastou desses princípios universais e eternos, acentuando quão fielmente devem ser
executados os tratados, não alteráveis unilateralmente e interpretados segundo a equidade, a boa fé
e o próprio sistema dos mesmos (D.T. Público, vol. 2, pgs. 31 e 32). Igualmente Hildebrando Acioli,
em seu precioso Tratado de Direito Internacional, acentua os mesmos postulados, ainda quando o
tratado se incorpora à lei interna e enseja a formação de direitos subjetivos (vol. 2, § 1.309). É certo
que, em caso de dúvida, qualquer limitação de soberania deva ser interpretada restritamente (Acioli,
p. cit. § 1.341 nº 13), o que levou BasDevant, Gastón Jeze e Nicolas Politis a subscreverem parecer
favorável à Tchecoslováquia, quanto à desapropriação de latifúndios, ainda que pertencentes a
alemães, que invocavam o Tratado de Versalhes (lestraités de paix, ont-ils limité la competence
lègislative de certains ètats? Paris, 1.927); em contrário, a Alemanha teve de revogar, em
homenagem àquele pacto, o art. 61 da Constituição de Weimar que conferia à Áustria o direito de se
representar no Reichstag. Sem embargo, a Convenção de Havana já aludida, assentou que os
tratados continuarão a produzir seus efeitos, ainda quando se modifique a constituição interna do
Estado, salvo caso de impossibilidade, em que serão eles adaptados às novas condições (art. 11).
Mas não precisaríamos chegar ao exame desse grave problema da possibilidade, para o Estado, de
modificar certa orientação internacional, por exigências da ordem pública, a despeito de prévia
limitação contratual. Urge apreciar apenas o caso de modificações indiretas, isto é, trazidas
normalmente na órbita interna, sem o propósito específico de alterar a convenção, ou estender a
mudança para efeitos externos. Seria exatamente o caso que ora tentamos focalizar de lei ordinária
posterior em certo conflito com o Tratado. Diz, por exemplo, Oscar Tenório: ‘uma lei posterior não
revoga o tratado por ser este especial’ (op. cit. pgs. 45). Corrobora-o Acioli:‘os tratados revogam as
leis anteriores mas posteriores não prevalecem sobre eles, porque teriam de o respeitar’ (op. cit. vol 1
§ 30)’. Um caso desses de subsistência de tratado até sua denúncia, a despeito da promulgação, no
interregno, de certa lei sobre o mesmo assunto encontra-se no acórdão unânime do Supremo
Tribunal Federal de 7 de janeiro de 1.914 (Coelho Rodrigues – Extradição, vol. 3, nº 78); no parecer
sobre a carta rogatória nº 89, o atual Procurador-Geral da República também acentuou que contra o
acordo internacional não podiam prevalecer nem o regimento desta Corte, nem quaisquer normas de
direito interno, salvo as consagradas na Constituição (Rev. de Jurisprudência Brasileira, vol. 52, pgs.
17). Por isso a técnica exata e sincera foi a que adotou a lei de extradição de 1.911, mandando no
art. 12 que fossem denunciados todos os tratados vigentes para que ela pudesse vigorar genérica e
irrestritivamente, mas antes dessa denúncia, os Tratados não seriam alcançados pela lei, como
reconheceu, acabamos de ver, o Supremo Tribunal em 1.914. Essa é a solução geralmente seguida,
como se pode ver, do artigo de Ramon Soloziano, publicado na Revista de Derecho Internacional de
Habana e transcrito na Rev. de Direito, vol. 128, pg. 3; afora a opinião de Hyde e de alguns julgados
contrários, o escritor aponta o sentido da mais expressa corrente, não só prestigiada por decisões
americanas, como de tribunais alemães e franceses, e, sobretudo, de vários países do novo
continente; também Natálio Chediak, de Cuba, escreveu longo trabalho sobre ‘Aplicación de las
convenciones internacionales por el derecho nacional – Habana 1.937 – em que chega às mesmas
conclusões, e o apresentou ao 2º Congresso de Direito Comparado, recordando a propósito o art. 65
da Constituição espanhola de 1.931, in verbis: ‘No podrá dictarse Ley alguna en contradicción com