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UNIVERSIDADE DO CONTESTADO - UnC
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE CANOINHAS
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
ANTONIO DIAS MAFRA
ACONTECEU NOS ERVAIS:
A DISPUTA TERRITORIAL ENTRE PARANÁ E SANTA CATARINA PELA
EXPLORAÇÃO DA ERVA-MATE – REGIÃO SUL DO VALE DO RIO NEGRO
CANOINHAS
2008
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ANTONIO DIAS MAFRA
ACONTECEU NOS ERVAIS:
A DISPUTA TERRITORIAL ENTRE PARANÁ E SANTA CATARINA PELA
EXPLORAÇÃO DA ERVA-MATE – REGIÃO SUL DO VALE DO RIO NEGRO
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado - UnC Campus
Canoinhas SC, como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Desenvolvimento Regional
sob orientação do Prof. Doutor Sandino Hoff
CANOINHAS
2008
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ACONTECEU NOS ERVAIS:
A DISPUTA TERRITORIAL ENTRE PARANÁ E SANTA CATARINA PELA
EXPLORAÇÃO DA ERVA-MATE – REGIÃO SUL DO VALE DO RIO NEGRO
ANTONIO DIAS MAFRA
Esta dissertação foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora
para a obtenção do Título de,
Mestre em Desenvolvimento Regional
E aprovada na sua versão final em ..../...../ 2008, atendendo às normas da legislação
vigente da Universidade do Contestado e Coordenação do Curso de Mestrado.
____________________________________________
Nome do Coordenador do Curso
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________
Nome do Presidente
_________________________________
Membro
____________________________ ____________________________
Membro Membro suplente
DEDICO
À minha esposa Liane, companheira de todas as horas,
Aos meus filhos, Poliane, Kleber, Rainer e Leo.
AGRADECIMENTO
Ao professor Orientador Dr. Sandino Hoff,
pelo incentivo para realizar este trabalho
Agradeço suas orientações e sugestões.
Aos professores co-orientadores, Dra.
Maria da Salete Sachweh, e prof. Dr.
Walter Marcos Knaesel Birkner pelo
auxílio prestado no desenvolvimento da
dissertação.
À Direção da Universidade do
Contestado, Campus Mafra/RioNegrinho/
Papanduva, pelo incentivo e apoio
financeiro.
EPÍGRAFE
Ou entreguem à Sta. Catharina o território
que lhe pertence, ou acabem de uma vez
com a província, cedendo ao Paraná a
parte que ambiciona, e dando à do Rio
Grande do Sul o território restante...
Jornal “Regeneração”, órgão liberal do
Desterro, em 1882, criticando que pouco a
pouco vai se operando no nosso território
de elementos do Paraná. (FICKER, 1973,
p. 212)
RESUMO
Aconteceu nos ervais a disputa territorial entre Paraná e Santa Catarina pela
exploração da erva-mate é uma pesquisa motivada pela importância da erva-mate
que era utilizada pelos índios. Fazia parte de sua alimentação e foi apropriada
pelos Padres Jesuítas como mercadoria e passou a ser consumida pelos
colonizadores europeus em toda a região sul do Brasil e países limítrofes, como
Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. No início do século XIX, inicia a sua produção
em larga escala no Paraná. A região ao sul do rio Negro, desde 1749, território legal
de Santa Catarina, coberta de ervais, foi sendo ocupada por ervateiros paranaenses.
O objetivo desta pesquisa foi analisar a exploração catarinense da erva-mate a partir
de meados do século XIX, na região sul do vale do rio Negro, sua importância
econômica e geradora de conflitos na disputa territorial entre o Paraná e Santa
Catarina. Para isso, foram utilizadas fontes secundárias e fontes primárias. Ao
analisar as fontes, constatou-se que o Paraná dominava a produção de erva-mate
no Brasil, quando, em meados do século XIX, a Sociedade Colonizadora de
Hamburgo implantou a Colônia Dona Francisca, atual Joinville no litoral norte de
Santa Catarina. Com o apoio do Governo Federal, foi construída uma rodovia para
ligar a sede da Colônia à vila de Rio Negro. Quando a rodovia atingiu o Planalto
Norte Catarinense, a Sociedade instalou, às margens do rio o Bento, no ano de
1873, uma Colônia Agrícola. O Governo do Paraná, para garantir a posse dos ervais,
concedeu títulos de propriedade a colonos paranaenses, iniciando uma disputa
chamada de questão do Contestado, uma luta pela terra e pelos ervais entre as
duas Províncias, entre colonos paranaenses e imigrantes. A Câmara Municipal de
Rio Negro monopolizou a exploração de erva-mate em toda a área do Município,
prejudicando os ervateiros autônomos. O Paraná para dificultar o comércio ervateiro,
criou barreiras fiscais em vários pontos da Estrada Dona Francisca. A situação se
complicou de forma definitiva para todos os trabalhadores autônomos da erva-mate,
no ano de 1890. Nesse ano, foi criada em Joinville a Companhia Industrial
Catarinense, com monopólio federal de exploração dos ervais em todo o Planalto de
Santa Catarina. A erva-mate era transportada para o beneficiamento final em
Joinville, por via fluvial, até o porto de Rio Negro e por carroções pela Estrada Dona
Francisca. A navegação fluvial e os carroções perderam espaço a partir de 1913,
quando passou a ser transportada por trem. Quando a concorrência prejudicou o
comércio, o governo do Paraná criou barreiras fiscais, deixando a população ao sul
do rio Negro revoltada. A situação criou tensões e choques nas fronteiras e clima de
animosidade entre paranaenses e catarinenses. Os dados manuseados deixaram
evidente que a erva-mate foi a responsável pelo desenvolvimento regional noculo
XIX na região ao sul do rio Negro, até por volta de 1930, pelo conflito territorial entre
Paraná e Santa Catarina e pela desapropriação dos sertanejos ervateiros. Ao longo
de todo o século XX manteve-se como importante produto da indústria extrativa
vegetal, sendo uma riqueza florestal que pode ser ainda melhor aproveitada.
PALAVRAS-CHAVE: erva-mate, disputa territorial, Paraná, Santa Catarina, região ao
sul do rio Negro.
EL RESUMEN
Sucedió en los arboles de hierba mate la disputa territorial entre Paraná y Santa
Catarina por la exploración de la hierba mate, esa investigación fue motivada porque
la hierba mate era utilizada por los indios como parte de su alimentación y fue
apropiado por los sacerdotes Jesuitas como mercadería y pasó a ser consumida por
los colonizadores europeos en toda la región sur de Brasil y de países limítrofes,
como la Argentina, Uruguay y Chile. Al principio del siglo XIX inicia su
industrialización en Paraná. La región sur del Río Negro, desde 1749, era el
territorio legal de Santa Catarina, cubierta de arboles de Hierba Mate, fue siendo
ocupada por hierbateros paranaenses. El objetivo de esta investigación fue analizar
la exploración catarinense de hierba mate desde meados del siglo XIX, en la región
sur del valle del río Negro, su importancia económica y generación de conflictos en
la disputa territorial entre Paraná y Santa Catarina. Para eso fueron utilizadas
fuentes secundarias y fuentes primarias. Al analizar las fuentes, fue evidenciada que
Paraná dominó la producción hierba mate en Brasil, cuando en meados del siglo
XIX la Sociedad de Colonización de Hamburgo, instaló la colonia de Dona Francisca
, actual Joinville en el norte de la costa de Santa Catarina. Con la ayuda del
Gobierno Federal, una carretera fue construida para atar las jefaturas de la colonia a
la villa del Río Negro. Cuando la carretera alcanzó el norte catarinense, la sociedad
instalada a la orilla del rio São Bento, en el año de 1873, una colonia agrícola. El
gobierno de Paraná, para garantizar la propiedad de los arboles de Hierba-Mate,
concedió títulos de propiedad a los colonos paranaenses, iniciando un conflicto
llamado de cuestión del Contestado, una lucha por las tierra y por los arboles de
Hierba-Mate entre las dos provincias, entre colonos paranaenses y inmigrantes. El
consejo de la ciudad de Río Negro monopolizó la exploración de hierba-mate en
toda el área de la ciudad, perjudicando los hierbateros independientes. Paraná
disputar el comercio hierbatero, creó barreras fiscales en varios puntos de la
Carretera Dona Francisca. La situación se complicó de forma definitiva para todos
los trabajadores autónomos de hierba mate, en el año de 1890. En este año crearon
a la Compañía Industrial Catarinense en Joinville, como monopolio federal de la
exploración de los arboles de Hierba-Mate en todo el planalto de Santa Catarina.La
hierba-mate fue llevada para la mejora final en Joinville, por vía fluvial hasta el
puerto del Río Negro y por carroces por la Carretera Dona Francisca. La navegación
fluvial y los carroces habían perdido el espacio a partir de 1913, cuando pasó para
ser transportada en tren. Cuando la competencia perjuicio el comercio, el gobierno
de Paraná, cr barreras fiscales, dejando la población al sur del Rio Negro
rebelado. Esta situación resultó en tenciones y choques en las fronteras y el clima
de la animosidad entre los paranaenses y los catarinenses. Los datos manoseados
dejaron evidentes que hierba mate fue la responsable por el desarrollo regional en el
siglo XIX en la región al sur del Rio Negro, hasta por la vuelta de 1930, por el
conflicto territorial entre Paraná y Santa Catarina y por la desapropiación de los
trabajadores de la hierba mate. A lo largo de todo el siglo XX se mantuvo como
importante producto de la industria extractiva vegetal, siendo un abundancia de
bosque que todavía puede ser mejora aprovechada.
PALABRA-CLAVE: hierba-mate, conflicto, Paraná, Santa Catarina, región al sur del
Río Negro.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Empresas ervateiras em atividade entre os anos de 1900 e 1903..........43
Quadro 2 – Importância da erva-mate em relação à madeira. Dados desde 1892
até o ano de 1938, em valores...............................................................92
Quadro 3 – Evolução da produção Argentina de erva-mate .....................................97
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................12
2 ACONTECEU NOS ERVAIS: A HISTÓRIA DA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA
DAS TERRAS E DA ERVA-MATE, REALIZADA PELAS COMPANHIAS
CATARINENESES ...............................................................................................20
2.1 A ERVA-MATE – ASPECTOS HISTÓRICOS .....................................................26
2.1.1 A Erva-mate no Paraná....................................................................................31
2.1.2 O Sertanejo Ervateiro do Sul do Vale do Rio Negro.........................................33
2.1.3 A Erva-mate em Santa Catarina.......................................................................38
3 A OCUPAÇÃO E O USO DO SOLO E DOS ERVAIS NA REGIÃO
CONTESTADA.....................................................................................................46
3.1 FUNDAÇÃO DA COLÔNIA DONA FRANCISCA................................................51
3.2 FUNDAÇÃO DE RIO NEGRO.............................................................................54
3.3 O PARANÁ AVANÇA SOBRE OS ERVAIS CATARINENSES............................56
3.4 PARANAENSES OCUPAM O SUL DO RIO NEGRO .........................................57
3.5 REAÇÃO CATARINENSE – FUNDAÇÃO DE SÃO BENTO, UMA COLÔNIA DE
IMIGRANTES EM TERRITÓRIO CONTESTADO.................................................59
3.6 CRIAÇÃO DE POVOAÇÕES AO SUL DO RIO NEGRO ....................................63
4 SANTA CATARINA ENTRA NA DISPUTA ECONÔMICA DO MATE COM A
COMPANHIA INDUSTRIAL CATARINENSE.......................................................69
4.1 O TRANSPORTE DA ERVA-MATE....................................................................73
4.2 A NAVEGAÇÃO PELO RIO NEGRO ..................................................................74
4.3 SÃO BENTO WAGEN - (CARROÇÕES DE SÃO BENTO).................................77
4.4 A FERROVIA E A ERVA-MATE..........................................................................79
5 A ECONOMIA ERVATEIRA – SÉCULO XIX e XX................................................83
5.1 CANOINHAS SE TORNA OURO VERDE...........................................................87
5.2 ERVA-MATE OU MADEIRA – EIS UMA QUESTÃO...........................................90
5.3 A QUEDA NA PROCURA DA ERVA-MATE........................................................95
6 A INSTALAÇÃO DE BARREIRAS FISCAIS E O SIGNIFICADO DOS
CONFLITOS .........................................................................................................98
6.1 O PARANÁ INSTALA BARREIRAS FISCAIS ENTRE JOINVILLE E SÃO
BENTO..................................................................................................................98
6.2 O PARANÁ INSTALA BARREIRA ENTRE SÃO BENTO E RIO NEGRO.........107
6.3 PARANAENSES FECHAM RUAS E PRENDEM POLICIAIS EM SÃO BENTO110
6.4 INVASÕES E NOVAS BARREIRAS FISCAIS...................................................111
6.5 SANTA CATARINA ABRE UM CAMINHO PARALELO A ESTRADA DONA
FRANCISCA .......................................................................................................113
6.6 O PARANÁ FECHA A FRONTEIRA AO NORTE DE SÃO BENTO..................116
6.7 SÃO BENTO – CAPITAL DE SANTA CATARINA.............................................118
6.8 PRISÃO DO VAPOR MINUANO E DESTRUIÇÃO DE PONTES: TENSÃO
NA FRONTEIRA .................................................................................................119
7 CONCLUSÃO......................................................................................................127
REFERÊNCIAS.......................................................................................................130
DOCUMENTOS ......................................................................................................138
ANEXOS.................................................................................................................139
ANEXO A – MAPA DE SANTA CATARINA – 1737 ................................................140
ANEXO B – MAPA DE SANTA CATARINA – 1872 ................................................141
ANEXO C – MAPA DE SANTA CATARINA – 1907 ................................................142
ANEXO D – MAPA DE SANTA CATARINA – REGIÕES CONTESTADAS............143
ANEXO E – MAPA DA REGIÃO CONSTESTADA – 1911......................................144
ANEXO F – MAPA DA ESTRADA DONA FRANCISCA E DA REGIÃO DE SÃO
BENTO................................................................................................................145
ANEXO G – MAPA DE SÃO BENTO – 2º. DISTRITO DA COLONIA DONA
FRANCISCA .......................................................................................................146
ANEXO H – ERVAIS EM SANTA CATARINA.........................................................147
ANEXO I– TRANSPORTE DE ERVA-MATE EM TROPAS PARA JOINVILLE.......148
ANEXO J – CARROÇÕES DE TRANSPORTE DE ERVA-MATE – SÃO BENTO
WAGEN ..............................................................................................................149
ANEXO K – RÓTULO DE EMBALAGENS DE ERVA-MATE..................................150
1 INTRODUÇÃO
A erva-mate foi a atividade econômica extrativa mais importante para o sul do
vale do Rio Negro no final do século XIX e no início do século XX. A escolha do título
“aconteceu nos ervais”
1
foi para resgatar uma parte importante da história da
colonização de uma área do Planalto Norte de Santa Catarina, o vale ao sul do rio
Negro, uma região coberta pela erva-mate. A ocupação efetiva da região não foi
pacífica, pois o Paraná tinha interesse nos lucros gerados pela economia ervateira.
Para participar dessa atividade lucrativa e concretizar a ocupação territorial, Santa
Catarina utilizou-se de duas estratégias: a construção da estrada Dona Francisca e a
fundação da Colônia Agrícola o Bento. Com esses dois empreendimentos,
empresários e agricultores vindos de Joinville, puderam entrar nos ervais e disputar
a matéria prima abundante na região, a erva-mate.
A erva-mate foi a atividade econômica extrativa mais importante para o sul do
vale do Rio Negro no final do século XIX e no início do século XX. Nessa região ela
foi o motivo da disputa territorial pelos ervais, entre os estados do Paraná e Santa
1
Aconteceu nos ervais... o título desta dissertação surgiu precisamente em 25 de agosto de
2007, quando participávamos da Jornada Cultural História do Paraná, na cidade de Rio Negro. Nesse
dia ocorreu o lançamento do livro de José Carlos Veiga Lopes, “Aconteceu nos Pinhais: subsídios
para a história dos municípios do Paraná: tradicional do Planalto”. O título foi tão sugestivo que
resolvemos adaptá-lo a esta pesquisa para Aconteceu nos ervais : A disputa Territorial entre Paraná
e Santa Catarina pela exploração da erva-mate – região sul do vale do rio Negro”
13
Catarina, o que se denominou a Questão do Contestado
2
.
Este estudo tem por objeto a análise da história da exploração da erva-mate
em território catarinense a partir de meados do século XIX, especificamente, na
região sul do vale do rio Negro, sob a dimensão de que este fator econômico fez a
mediação na disputa territorial eclodida entre Paraná e Santa Catarina. Dessa forma,
a investigação tem por objeto a sistematização e a análise da história do
2
Questão do Contestado Uma dificuldade enfrentada pelo estudioso é discernir os conceitos
Questão do Contestado e Guerra do Contestado. Para o senso comum, ambos os conceitos
podem ter o mesmo significado, mas para uma pesquisa acadêmica necessidade de uma melhor
definição. Uma das metas do autor foi procurar deixar evidente para o leitor que houve uma disputa
territorial interestadual e que essa disputa levou a uma guerra. Tomou-se o cuidado de não confundir
os conceitos, pois muitas vezes os conceitos embaraçam e iludem o historiador que, de forma
desavisada, os utilizam mal, passando a idéia de que ambos os fatos são iguais. (VEYNE, 1995, p.
66).Os conceitos utilizados nesta pesquisa, foram buscados em fontes secundárias e fontes
primárias. Contestado é um termo que nos últimos anos renasceu como sinônimo de uma luta de
homens pobres do interior de Santa Catarina, que se levantaram contra as forças de segurança dos
Estados do Paraná e Santa Catarina, grupos armados pelos proprietários de terras e o próprio
exército nacional. É com esse sentido que o fato está sendo amplamente utilizado nos meios
acadêmicos. Contestado também foi um termo emprestado para uma das maiores Universidades de
Santa Catarina, a Universidade do Contestado - UnC, com aérea de abrangência em toda a região
onde se desenvolveu a Guerra e extrapolando inclusive esse território. A Universidade, para destacar
a importância do fato histórico para região do Planalto de Santa Catarina, criou, inclusive, uma
disciplina acadêmica, História do Contestado”. A maioria dos trabalhos de pesquisa na academia,
estão dando a maior ênfase ao resgate de aspectos ligados a Guerra em si. A questão territorial
interestadual, apela existência de vários campi na fronteira com o Paraná, é deixada de lado ou
tratada superficialmente. Os conceitos utilizados neste trabalho são os seguintes: a) Verbo
contestar: das várias definições encontradas no Dicionário, destacamos como as mais apropriadas
para definir o presente objeto: contrariar, contradizer, impugnar, replicar... (DICIONÁRIO
AURÉLIO, 1993, p. 273). Em 1850, em seção no senado, foi apresentado um projeto para a criação
da Província do Paraná, mas sem indicação dos limites entre Paraná e Santa Catarina. Ficou
estabelecido que fazia divisa oeste com Corrientes, (Argentina), com o Paraguai, e no lado sul
confina com Santa Catarina. Diante da imprecisão do projeto, o Senador Carneiro de Leão do
Paraná, segundo Mafra, (2002, p. 418) assim se expressou: “Há contestação a respeito” o que foi
aparteado pelo Senador Vergueiro: “Si há contestação, avenham-se lá... ”O termo contestar com o
significado que se conhece, foi utilizado na criação do Paraná e foram os paranaenses quem mais
o utilizou para se referir à disputa territorial com Santa Catarina. Para o Contador da Tesouraria da
Província do Paraná, 08 de janeiro 1876, o registro fiscal de Encruzilhada estava em território do
Paraná, e, conforme transcrição de documentos, realizada por Medeiros: Marchiorato (1992, p. 7) “em
território do qual estava de posse nunca contestada antes do decreto 3378 de 16 de janeiro de
1865”. A Questão do Contestado na prática, foram ações contrariadas ora pelo Paraná, ora por Santa
Catarina. Cada um procurava contradizer o ponto de vista do outro, impugnar e replicar a decisão
do outro, sobre as ações tomadas no território em questão. b) Contestado: Contraditado, Negado, -
Uma Província contraditava a ação da outra, negando-lhe o direito de exercer soberania sobre seus
atos administrativos, políticos e econômico. c) Contestação: ato de Contestar. A vinda de
imigrantes para colonizar o Planalto norte de Santa Catarina gerou a contestação por parte do
Paraná. d) Guerra do Contestado: Conflito armado em que se envolveram tropas do Paraná, de
Santa Catarina e Forças Federais - 1912 a 1915, contra grupos de sertanejos fanatizados. Como os
combates ocorreram basicamente em território catarinense, quem mais perdeu, pagando uma conta
excessivamente alta foram as pessoas pobres e humildes que habitavam a região central do planalto
catarinense. O termo Guerra do Contestado foi uma apropriação do termo original que significava a
contestação territorial e por isso será utiizado Guerra no Contestado ao se referir ao conflito armado.
e) Questão do Contestado O conceito será utilizado para designar todas as ações políticas,
administrativas, econômicas e territoriais, em que estiverem envolvidos interesses dos atuais estados
do Paraná e Santa Catarina, até 1916.
14
desenvolvimento da erva-mate, contribuindo, assim, para o entendimento desse
fenômeno econômico e social que foi o fator de desenvolvimento regional, durante
décadas. O corte espacial da pesquisa é a região do Planalto Norte do estado de
Santa Catarina, região ao sul do rio Negro. O recorte temporal vai da metade do
século XIX até as primeiras décadas do século XX. Pretende também, entender
como se desenvolveu a atividade ervateira no vale ao sul do rio Negro; como os
conflitos locais foram motivos da Guerra no Contestado; qual a viabilidade
econômica da erva-mate na atualidade nessa região.
Empresários do Paraná, que desde meados do século XIX exploravam a
erva-mate em território contestado, se confrontaram com a Companhia Industrial
Catarinense, com sede em Joinville. Essa empresa buscava sua matéria-prima no
Planalto e construiu filial em São Bento do Sul. Os conflitos se tornaram constantes
porque a erva-mate adquiriu o status de principal produto de exportação regional.
Padis (1981, p. 57) entende por Paraná também a região, contestada pelos dois
estados. Escreve: “É interessante notar que, em 1902, o mate participou com cerca
de 3 por cento do valor total das exportações brasileiras”. O procedimento
investigativo, ganha força com o fato de que, no final do século XIX, Santa Catarina
entrou na disputa pelo mercado do produto, com a instalação de engenhos de erva-
mate em Joinville e iniciou a ocupação ao sul do vale do rio Negro.
A região dos ervais, neste recorte espacial da pesquisa, localiza-se de Campo
Alegre a Canoinhas, que foi a principal fornecedora de matéria-prima para a
fabricação do mate. Primeiramente, para os portos do Paraná; posteriormente, para
a região de Joinville.
Enquanto o estado do Paraná dispunha de estradas e de rios navegáveis
para escoar o produto, Santa Catarina não tinha acesso à região. Com o projeto
federal de construção da estrada Dona Francisca, ligando o litoral catarinense com a
vila de Rio Negro
3
, Santa Catarina pode decisivamente tomar posse dos ervais
dessa rica região. A única área, até então efetivamente povoada, era a vila de Rio
Negro que na parte sul, hoje constitui a cidade de Mafra. O lócus da investigação
não teria possibilidade de desenvolver-se se não tivesse um centro escoador da
3
Rio Negro Para evitar confusão entre o rio e a cidade de Rio Negro, adotou-se a seguinte
metodologia: quando no texto for grafado com letra minúscula, rio Negro, refere-se ao rio, acidente
geográfico, nome comum aos cursos de água com volume razoável. Quando rio for grafado com letra
maiúscula, refere-se ao município de Rio Negro. Rio Negro tinha essa denominação em tupi-
guarani. Unaí una = escuro, negro e í = rio. I é comum em Iguaçu, rio Grande, Itaj= rio que corre
sobre pedras etc. (Ver EHLKE, 1973)
15
erva-mate, com capitalistas internacionais a industrializar e a comercializar o mate.
Esse centro era Joinville e o porto de São Francisco.
Seguindo a estrada, partindo do litoral, a oitenta quilômetros de Joinville foi
fundada a colônia agrícola São Bento, dentro da região dos ervais explorados pelos
paranaenses. O Paraná reagiu, distribuiu títulos de propriedades a colonos
brasileiros, desenvolveu a Colônia Lucena, atual Itaiópolis e outras povoações. Criou
barreiras fiscais ao longo dos caminhos de acesso a Santa Catarina, com a
finalidade de arrecadar os impostos e impedir que a erva-mate fosse transferida para
os engenhos de Joinville. Pelas fontes pesquisadas, pode-se concluir que a disputa
territorial entre os dois estados desencadeou conflitos localizados; e, no decorrer dos
conflitos intermitentes, os governantes de ambos os estados faziam ameaças de
guerra interestadual.
A questão do conflito entre monopólios paranaenses e catarinenses no
Planalto Norte indica a criação e o desenvolvimento de poderosas empresas em
ambos os estados. Em Joinville, duas empresas monopólicas
4
adquiriram
potencialidades para competir no mercado. A primeira, a Sociedade Colonizadora,
conseguiu a concessão da região para implantar a colonização; implícito estava a
perda das terras por parte dos sertanejos, donos das terras conforme a Lei da Terra
de 1850. A colonização da área gerou um descontentamento por parte dos
sertanejos que, dessa forma, foram expropriados de suas terras. A segunda
empresa, criada em Joinville, foi a Companhia Industrial Catarinense, que recebeu
do Governo Federal a concessão de todos os ervais existentes no Estado de Santa
Catarina. No Planalto Norte, a Companhia Industrial estabeleceu-se em São Bento,
em meio aos ervais. Os sertanejos, expropriados de suas terras, também foram
expropriados de seus ervais, convertendo-se em trabalhadores assalariados, o que
se considera a subsunção do trabalhador ao capital.
4
Empresa Monopólica Segundo Gastaldi (2001, p. 219), O monopólio subentende atividade
lucrativa de um individuo ou de uma entidade, que determinam unilateralmente os preços e os
impõem no mercado de procura”. Ao sul do vale do rio Negro, duas empresas monopólicas
receberam esse benefício, conseguiram junto ao Governo Federal o direito de exploração exclusiva -
a Sociedade Colonizadora de 1849, em Hamburgo, e a Companhia Industrial Catarinense, ambas
com sede em Joinville. A primeira dedicou-se a colonização da região de Joinville e São Bento,
conseguiu junto ao governo federal o direito de colonização com venda de terras a imigrantes
europeus nessas áreas. A segunda conseguiu, também, o monopólio da exploração da erva-mate em
todo o planalto norte e no Estado de Santa Catarina. O monopólio sempre significa uma absorção
total dos lotes coloniais por parte da primeira e da produção e da venda no caso da erva-mate na
região
16
A exploração da erva e a disputa territorial se agravou a partir de 1870,
mais de quarenta anos antes da Guerra do Contestado. Nesse período, ocorreu a
consolidação do capital, mediante a instalação das duas grandes empresas,
concessionárias das terras e dos ervais. Neste espaço, controlaram o processo
produtivo da erva-mate e lotearam a região para vender as terras a imigrantes
europeus. Os antigos moradores da região, os sertanejos, foram expropriados das
suas terras e explorados pelos que os submeteram ao trabalho assalariado da
Companhia Industrial, pois, historicamente, esta é a primeira tarefa da empresa
capitalista: expropriar os trabalhadores de seus meios de produção. Sem ervais e
sem terras, muitos trabalhadores assalariaram-se e outros foram para o interior do
Planalto onde foram organizados os redutos.
Definiu-se, assim, o problema: A análise da exploração da erva-mate em
território catarinense a partir de meados do século XIX, especificamente, na região
sul do vale do rio Negro e a análise deste fator econômico enquanto motivo social da
eclosão de conflitos e da disputa territorial entre Paraná e Santa Catarina.
A pesquisa tem como objetivo geral analisar a exploração catarinense da
erva-mate a partir de meados do século XIX, na região sul do vale do rio Negro, sua
importância econômica e geradora dos conflitos pela disputa territorial entre Paraná
e Santa Catarina.
Para atingir o objetivo geral, foi realizado um dimensionamento do
desenvolvimento histórico da economia ervateira como foco de conflitos e da disputa
territorial entre os dois estados, com os seguintes objetivos específicos:
1. Investigar a exploração da erva-mate na região como fator de disputa entre
os estados do Paraná e de Santa Catarina e como uma das causas
remotas da Guerra no Contestado.
2. Analisar a ocupação e o uso do solo na região do sul do Vale do Rio Negro
por parte dos sertanejos, da colonização e das companhias ervateiras.
3. Analisar a exploração econômica da erva-mate por parte dos catarinenses,
após a ocupação da região sul do vale do rio Negro pelos paranaenses.
Para encaminhar a investigação, foram realizadas pesquisas bibliográficas,
em livros disponíveis na biblioteca da Universidade do Contestado - UnC, biblioteca
pública de São Bento do Sul e na biblioteca particular do autor. Pesquisaram-se
também teses e dissertações sobre o assunto, documentos originais no Arquivo
Histórico do Paraná, no Arquivo Público de São Bento do Sul, no Arquivo Público de
17
Santa Catarina, em Florianópolis, no Cartório de Registro de Imóveis de Canoinhas,
fontes fornecidas por sites, jornais e revistas.
Primeiramente, buscou-se identificar os principais produtos de exportação de
Santa Catarina no final do século XIX e início do século XX. Em seguida, foram
identificados os documentos que abordam o conflito econômico e territorial entre
Paraná e Santa Catarina. Selecionaram-se, também, os documentos que se referem
ao conflito territorial entre Paraná e Santa Catarina pela disputa da erva-mate.
Posteriormente, se passou a identificar em teses e livros, jornais e revistas,
documentos que comprovam que a erva-mate na região ao sul do rio Negro ainda
tem viabilidade econômica através do agronegócio, com múltiplos aproveitamentos.
Havia a riqueza econômica gerada pelo extrativismo vegetal na região ao sul
do vale do rio Negro, a erva-mate, disputada por paranaenses e catarinenses.
Viviam ali pessoas simples e humildes que dependiam da extração da erva-mate
para sobreviver.
O sertanejo morador do interior de Santa Catarina, pessoa de bito simples,
durante muitos anos extraía e produzia a erva-mate para seu próprio consumo e
para eventual venda, como forma de biscate. O mercado era reduzido, pois todos
tinham possibilidade de produzir erva e o processo de produção era conhecido pelo
homem do interior. Os ervais catarinenses ao sul do rio Negro despertaram interesse
dos empresários do mate, quando começam a surgir empresas exportadoras no
Paraná, e mais tarde também em Santa Catarina.
A erva-mate passou a ser uma atividade econômica tratada como uma
questão de Estado. O governo interferia na sua produção, bem como controlava sua
exploração em áreas consideradas terras devolutas. Um exemplo que merece
destaque ocorreu na Câmara Municipal de Rio Negro, na Província do Paraná.
Rio Negro era um Município que abrangia uma grande área no sul do Paraná
e norte de Santa Catarina, cujos limites atingiam os atuais municípios de São José
dos Pinhais, Lapa e São Mateus, no Paraná, e São Bento, pela Serra Geral até o rio
Canoinhas, em Santa Catarina.
Os limites eram contestados por Santa Catarina, mas como os catarinenses
não haviam tomado posse efetiva, a região ficou abandonada. A situação começou a
mudar e os interesses começaram a ser despertados, quando o Paraná auferiu
lucros com o comércio da erva-mate, fato este que chamou a atenção do governo
catarinense.
18
Com a criação da Colônia Dona Francisca, em 1851, atual Joinville, e o início
da produção da erva-mate naquela colônia, o governo catarinense, realizou gestões
junto ao governo imperial para abrir uma estrada de rodagem ligando Joinville a Rio
Negro, ou seja, com ponto terminal no centro dos ervais catarinenses.
A relevância acadêmica da pesquisa é o resgate da história econômica da
região ao sul do rio Negro, com destaque para a erva-mate, que, de forma direta,
levou a um conflito de terras entre Paraná e Santa Catarina, a questão do
Contestado. De forma indireta, toda uma região foi levada à predisposição para uma
guerra ou um conflito bélico, conhecido como Guerra do Contestado. A pesquisa
visou, também, a mostrar como os ânimos foram se exaltando ao longo dos anos,
por provocações recíprocas, ora por parte do Paraná, ora por parte de Santa
Catarina, bem como as medidas administrativas que iam sendo tomadas pelo
Paraná ao longo das fronteiras, e que foram, aos poucos, levando os empresários,
coronéis, e seus capangas e pessoas humildes para o confronto armado.
A extração da erva-mate para consumo e pequenas vendas que durante
longos anos era uma atividade livre e ajudava o sertanejo a ganhar algum dinheiro,
quando passou a ser produto de exportação, tornou-se caro. Então o controle do
processo passou para as mãos de empresários poderosos que a utilizaram como
instrumento de barganha junto aos governos estaduais e municipais. Conhecer
parte da história econômica do mate é resgatar a importância econômica desse
produto como fator de desenvolvimento da região ao sul do rio Negro, sem perder a
perspectiva de que a erva-mate contribuiu para concentrar a riqueza nas mãos de
poucos e espoliou os pobres sertanejos que não tinham título de propriedade de
suas terras e tiveram que entregar seus ervais para os poderosos empresários do
mate. Vistos por esta perspectiva, a erva-mate foi uma importante causa remota da
Guerra do Contestado.
A pesquisa contribuirá para o desenvolvimento intelectual; à medida que se
conheceu novos documentos, novos locais; desenvolvimento cultural, - novas
culturas, diferentes visões de mundo; desenvolvimento social, à medida que resgata
fatos novos, com novos personagens, criando laços interativos. Contribuirá para o
aprimoramento de um todo de pesquisa em história econômica regional, pautada
em características da economia do setor primário, a economia ervateira.
Como relevância econômica, a pesquisa resgatou dados importantes que
mostram o potencial da economia ervateira como fator de desenvolvimento regional.
19
A pesquisa também demonstra que a ocupação, e o uso do solo, ocorreram em
forma de concessão de terras e dos ervais para companhias monopólicas,
resultando na expropriação dos habitantes que décadas residiam na área. Isso
gerou conflitos sociais.
A pesquisa foi estruturada em três estágios, ou partes que correspondem as
três idéias básicas contidas na dissertação, seguindo-se a ordem dada pelos
objetivos específicos.
A conclusão molda-se no fato de que a história do desenvolvimento da região
foi uma história de conflitos, que organizou a economia em forma de expropriações e
de exploração social. O novo desenvolvimento regional pode ser reorganizado em
termos atuais, não em forma de puro extrativismo, mas com parâmetros econômicos
diferenciados, utilizando-se tecnologia de cultivo. A erva-mate, ainda hoje, é uma
importante atividade econômica, consumida pelos apreciadores do chimarrão, que,
no entanto, poderia ter um valor agregado maior se suas essências fossem bem
utilizadas.
A erva-mate, que é preparada quase que exclusivamente para o chimarrão e
o chá, pode também ter outras aplicações, como pasta dental, sabonetes, shampoo,
perfumes, tintas, além de fornecer produtos químicos para a indústria, como a
cafeína.
2 ACONTECEU NOS ERVAIS: A HISTÓRIA DA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA
DAS TERRAS E DA ERVA-MATE, REALIZADA PELAS COMPANHIAS
CATARINENESES
A pesquisa bibliográfica e de campo, tendo como objetivo de investigação,
analisar a extração, a industrialização e a exportação da erva-mate, relacionando-as
ao processo de conflitos e de motivos da Guerra no Contestado, procura verificar
sua importância econômica para a história do desenvolvimento regional, apontando
perspectivas econômicas futuras. Nesse sentido, procurou-se reconstituir a história
da exploração econômica da erva-mate pelos paranaenses e, posteriormente, pelas
companhias catarinenses.
A região sul do vale do rio Negro, delimitada para esta pesquisa, está
localizada no planalto norte de Santa Catarina, e abrange a área de Campo Alegre
até Canoinhas e municípios localizados ao norte da serra Geral, onde a maioria dos
riachos é tributária do rio Negro. O vale ao sul do rio Negro é uma área com poucos
campos, mas com matas densas de araucária, imbuia e onde reinava, soberana, a
erva-mate. Descrevendo a região, Machado (2004, p.133), informa que “[...] em
divisa com o Paraná, nos vales dos rios, Negro e Iguaçu, é a região onde se
localizava a maior quantidade de ervais nativos”. No Planalto Catarinense a erva
mate era encontrada na zona dos pinhais, associada ao pinheiro e à imbuia e
segundo Reitz, citado por Mafra, (1973, p. 28) “os maiores ervais se encontraram na
região dos imbuiais, desde Campo Alegre até Xanxerê”.
Sua exploração econômica nessa região, no entanto, ocorreu somente no
início do culo XIX, quando o Paraná instalou os primeiros engenhos de
beneficiamento. Santa Catarina entrou no negócio a partir de meados do século XIX.
Os governantes da Província de Santa Catarina, daquele período, estavam
mais voltados para o povoamento e desenvolvimento litorâneo, e o se
interessaram pelas riquezas vegetais do planalto norte, permitindo que a erva-mate
fosse explorada por paranaenses.
Quando o engenheiro Augusto Wunderwald, vindo de Joinville, cruzou a
região do rio São Bento, em 1865, para demarcar o traçado da futura estrada Dona
Francisca, para ligar o Francisco do Sul ao planalto, e segundo Ficker (1973 p.
32), “encontrou uma estância com casa de madeira e mais adiante em direção a Rio
21
Negro, moradores espalhados pelos campos, ocupados em fazer mate”. Esses
moradores tinham vindo do Paraná em busca da erva-mate catarinense.
Enquanto Santa Catarina não contestava, os paranaenses tomavam posse
das terras na região que eles chamavam do “Sertão de Curitiba”
5
. A ocupação do
planalto catarinense por paranaenses se intensificou após a criação da Província do
Paraná, pela Lei 704 de 29/08/1853. Seu território abrangia os limites da 5
a
.
Comarca na Província de São Paulo.
Os paranaenses defendiam que a fronteira ao sul da nova Província, pelo
planalto, era o Rio Grande do Sul, pois foram paulistas e paranaenses que abriram
o caminho das tropas em 1730, assim como o caminho que ligava Campos Novos
a Curitibanos, em 1844.
No litoral de Santa Catarina, em 1851, foi fundada a Colônia Dona Francisca,
por colonos alemães, suíços e noruegueses, dando origem à cidade de Joinville. Em
1858, iniciou-se a construção de uma estrada para ligar a Colônia litorânea ao centro
dos ervais.
Sobre a importância dessa estrada, Almeida (1978, p 120) afirma que: “foi
esta estrada a chave para a evolução de Joinville”.
O Governo do Paraná, por sua vez, instalou uma “barreira fiscal”
6
para
cobrança de impostos de mercadoria em trânsito na localidade de Ambrósios, no
Município de São José dos Pinhais, por onde a estrada deveria passar conforme o
projeto original.
Com a mudança do ponto final para Rio Negro, o Paraná transferiu o posto
fiscal para as margens da nova rodovia, no local denominado Encruzilhada, no ano
de 1868. Conforme Ficker (1973 p.28), “A Presidência do Paraná transferiu para
Encruzilhada em plena mata virgem a estação fiscal de Ambrósios”. O posto
estava localizado no planalto, a 26 quilômetros ao sul do rio Negro, em território
5
Sertão de Curitibasegundo Lemos, (1977, p. 69), era a região compreendida entre os rios Iguaçu
e Uruguai e não era outra senão o planalto, na sua maioria catarinense. Depois da abertura da
Estrada das Tropas, o “Sertão de Curitiba”, passou a ser chamado “Campos de Curitiba” ou “Campos
Curitibanos”.
6
Barreira fiscal ou posto fiscal,- são pontos definidos na fronteira entre os Estados, onde são
fiscalizadas as mercadorias em trânsito para conferir se foi pago ou descriminado o imposto de
circulação de mercadoria, definido para cada tipo de produto. Segundo Ficker, (1973, p. 35) “O
Paraná instalou no lugar Encruzilhada a estação fiscal para cobrança do imposto sobre gado,
transferida do Campo dos Ambrósios”. O grande problema ocorrido na região ao sul do rio Negro, no
final do século XIX e início do século XX, é que o Paraná instalou várias barreiras a alguns
quilômetros dentro do território catarinense, para cobrar impostos de mercadorias procedentes de
Santa Catarina, que se destinavam a consumidores catarinenses, e, portanto, isentas de impostos
interestaduais.
22
pertencente a Santa Catarina. Com a instalação do posto fiscal em território ao sul
do rio Negro, o Paraná fixou jurisdição no atual Município de Campo Alegre – SC, no
Planalto Norte de Santa Catarina.
A Sociedade Colonizadora
7
de Joinville, no meio dos ervais, no ano de 1873,
fundou a Colônia Agrícola São Bento, com imigrantes austríacos, poloneses e
alemães, numa área a oeste de Campo Alegre e às margens do rio São Bento,
quatro quilômetros distantes da estrada em construção, no planalto norte de Santa
Catarina.
Alegando que o Bento estava em seu território, se antecipou e, conforme
Ficker, (1973 p.68 ) “A Presidência da Província do Paraná começou a vender
terras na margem esquerda do Rio Negro e mesmo dentro dos terrenos pelo
Governo foram postos à disposição da Sociedade Colonizadora”. Entregou títulos de
propriedade de terras aos colonos brasileiros residentes na região e, com isso, o
Paraná estava estabelecendo o uti possidetis
8
sobre o território ao sul do vale do Rio
Negro.
Essa ação gerou protestos dos imigrantes, dos dirigentes da Cia Colonizadora
e do governo de Santa Catarina. Os terrenos que os imigrantes adquiriram
7
Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo Fundada no ano de 1849 em Hamburgo, na
Alemanha, pelo Senador Schroeder, era uma empresa por ações chamada de Sociedade
Colonizadora de 1849, em Hamburgo. (Colonisations-Verein von 1849 in Hamburg). O objetivo da
Sociedade era a colonização em grande escala, fixando 1 500 colonos, fornecendo, acomodação e
sustento aos imigrantes durante dois anos, construção de igrejas e escolas, etc... Segundo Ficker,
(1973, p. 15) “O primeiro passo dado por essa iniciativa foi enviar um engenheiro ao Rio de Janeiro
para obter numerosos privilégios do Governo Imperial do Brasil, como isenção de taxas aduaneiras,
isenção de impostos, proibição de negociatas com escravos etc., que foram concedidos conforme o
Decreto Imperial de 15 de maio de 1850. Por esse Decreto, foram colocados à disposição da
Sociedade Colonizadora 8 léguas quadradas em área pertencente à princesa Dona Francisca, na
atual Joinville. Segundo Ficker (1973, p.9) “A Colônia Dona Francisca empreendimento privado da
Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo, tiveram origem diversas colônias filiais. Em busca
de novas terras para a lavoura, em conseqüência do afluxo de novos contingentes de imigrantes, a
Direção da Colônia Dona Francisca procurava expandir as áreas originais de colonização”. A
Sociedade Colonizadora era um empreendimento colonial, dirigido por um político alemão Senador
Schroeder, que procurava por esses meios, benefícios públicos. Foi usando dessa influência que a
empresa solicitou 247 quilômetros quadrados no Planalto e conseguiu em 14 de julho de 1869, do
Ministério da Agricultura, autorização para utilização das terras além da Serra de São Miguel, para
estabelecer novos imigrantes. A Colônia Agrícola São Bento, fundada em 1873, era a parte
Planaltina da Colônia Dona Francisca, com sede em Joinville, filial da Sociedade Colonizadora de
1849 em Hamburgo. A venda das terras coloniais nessas áreas era seu monopólio.
8
Uti possidetis = Conforme Abreu (1963, p. 196) “[...] ficaria cada parte com o que atualmente
possuísse”. Mas, segundo o Dicionário Aurélio, p. 1434, a grafia correta é Uti Possi de tis que significa
“como possuis”. “Fórmula diplomática que estabelece o direto dum país a um território, direito esse,
fundamentado na ocupação efetiva e prolongada, e independente de qualquer outro título”. O Paraná
ao ocupar o território ao sul do rio Negro, reclamava o direito a sua posse definitiva, por ter ocupado
efetivamente o território e Santa Catarina apesar do título legal de 1749, não ter ocupado a região e
portanto não tinha o direito de posse.
23
encontravam-se cobertos de ervais, e estes logo se iniciaram na atividade ervateira,
que passou a complementar a agrícola.
No final do século XIX, a erva-mate se tornou o principal produto de
exportação catarinense e assim foi por longos anos. Segundo Bossle (1988, p. 95),
“Até o ano de 1932 continuou sendo o principal produto, entrando em crise a partir
de 1933, quando a madeira se consolidou como o principal produto de exportação
de Santa Catarina”.
A exportação da erva-mate para chimarrão entrou em crise no final da década
de 1930, quando a Argentina tornou-se produtora e exportadora. A partir desse
período, engenhos foram fechados e muitos empresários mudaram de ramo de
negócio. Os que continuam na atividade ervateira sabem que o setor necessita de
maior incentivo do Governo, para que possam resgatar um produto importante para
o desenvolvimento regional no vale ao sul do rio Negro.
O planalto norte de Santa Catarina, no século XIX, era uma região onde os
catarinenses estavam ausentes, e os paranaenses ocupavam os campos de Lages,
com fazendas de criação de gado e, posteriormente, com sertanejos, que
exploravam a erva-mate. Sem vilas, desde o alto da serra do mar, nos limites da
Serra Geral, todo o vale ao sul do rio Negro era território catarinense de direito,
segundo a lei que criou a “Ouvidoria”
9
de Santa Catarina em 1749, mas paranaense
de fato, pela ocupação e pelo uso.
A região ao sul do rio Negro, área rica em matas nativas, onde havia
abundância de madeira e erva-mate, despertou o interesse do Paraná. Santa
Catarina, uma economia litorânea, onde estavam localizadas as principais cidades e
as principias áreas de colonização européia, não explorava economicamente a erva-
mate no planalto. O Paraná tinha sua base produtora no planalto, onde era criado
gado e eram extraídos a madeira e a erva-mate. A erva-mate, no final do século
XIX, passou a ser o seu principal produto de exportação e o responsável pelo
desenvolvimento da região ao sul do rio Negro.
9
Ouvidoria = Comarca Judiciária. Santa Catarina passou a ser sede de comarca ou ouvidoria em
junho de 1749, separada de Paranaguá, criada pela carta régia de 20 de setembro, demarcando os
seguintes limites de jurisdição: ao norte, pela barra austral do rio São Francisco, pelo Cubatão do
mesmo rio, pelo rio Negro que se mete no grande rio de Curitiba e ao sul, nos montes que deságuam
para a lagoa Imerí. (CABRAL, 1969, p. 63). A Ouvidoria funcionou com sede em Desterro até 1812,
quando foi transferida para Porto Alegre, ficando extinta a ouvidoria de Santa Catarina. Em 1821 foi
restabelecida a ouvidoria de Santa Catarina, com sede em Desterro e com jurisdição sobre Desterro,
Laguna, no litoral e Lages, no Planalto, sendo nomeado o primeiro ouvidor Dr. Manoel José de
Albuquerque.
24
Queiroz (1981, p. 64), no capítulo III, destaca a importância da questão de
limites, e, ao enfocar a economia regional deu destaque à madeira, a estrada de
ferro e a situação de miséria do sertanejo
10
. Não destacou que a erva-mate foi uma
das causas do agravamento da questão de limites, a partir da fundação de São
Bento, base estratégica catarinense de resistência às pretensões do Paraná.
Com a entrada dos empresários da erva-mate na região para a produção em
larga escala, o sertanejo ervateiro foi espoliado de seu direito de produzir para
consumo próprio e para trocar com os comerciantes, por produtos vitais para ele e
sua família. O sertanejo começou a ficar miserável quando teve que deixar o
extrativismo da erva-mate para o consumo próprio e para pequenas vendas, para se
subsumir aos empresários do mate. Expropriado das terras, sem condições de
explorar a erva-mate, foi se desqualificando, entrando para as irmandades religiosas.
Analisando a situação dos sertanejos, as elites e os fazendeiros fornecem os
argumentos para Cabral (1968, p. 280) que os considera como:
fanáticos, pessoas pobres, sem escolaridades, sem assistência religiosa,
segregadas, escondendo suas misérias nas canhadas das serras, caçando,
plantando e do corte da congonha (erva-mate), que vendiam aos ervateiros
para comprar sal, pólvora, querosene [...].
A erva-mate ou congonha fornecia o recurso excedente necessário para o
sertanejo adquirir os produtos essenciais à sobrevivência das famílias no interior.
Sem a erva, ao sertanejo que era pobre e abandonado, restou a alternativa de
ir para os redutos e se tornar fanático.
Em “Lideranças do Contestado” Machado (2004, p. 337), destaca o papel das
lideranças sertanejas, dos políticos, fazendeiros e coronéis. Contesta o termo Guerra
do Contestado, preferindo denominar de Guerra no Contestado, ou seja, uma guerra
que ocorreu em território contestado por várias razões.
10
Sertanejo - definido pelo Dicionário Aurélio, (p. 1293), como indivíduo habitante do sertão.
Podendo também ser definido como rústico, agreste, rude, caipira. Preferiu-se usar o termo sertanejo,
e não caboclo, pois, segundo o mesmo autor (p, 242), este é originário do tupi Kari ‘boka, definido
como descendente do índio com o branco (carijó). Thomé (2004, p. 14) chama o “habitante majoritário
da região do Contestado de “caboclo pardo” pelas suas raízes étnico-culturais luso brasileiras e
mescla destas com a índia, a negra e seus descendentes”. Em “O Homem do Contestado”, Schüler
Sobrinho contesta a origem luso-brasileira dos caboclos guerreiros do Contestado, mostrando uma
série de evidências de que eles eram, na realidade, descendentes dos mouros espanhóis e que
entraram na região através das missões espanholas. Mas, sem entrar no mérito, a preferência pelo
termo sertanejo neste trabalho, prende-se ao fato de que os primeiros habitantes brasileiros, os
sertanejos de São Bento não eram caboclos das margens do rio do Peixe, mas descendentes de
açorianos procedentes da região de Morretes, onde estavam localizadas as primeiros engenhos de
erva-mate do Paraná.
25
O autor salienta que a disputa de limites entre Santa Catarina e Paraná foi
intensa no planalto norte, onde estavam situadas as principais reservas nativas de
erva-mate, envolvendo comerciantes, fabricantes e exportadores do mate, chefes
políticos locais, mas justifica que não foi uma guerra entre os Estados do Paraná e
Santa Catarina, com o qual não concordância. É importante não esquecer que a
guerra do Contestado iniciou de fato, no combate de Irani, liderado por João
Gualberto, comandante militar do Paraná, atacando e matando “sertanejos
catarinenses” que haviam “invadido território do Paraná”, para garantir o Uti Possi de
tis catarinense. Segundo Cabral, (1968, p. 285) “O Paraná reagiu dentro de um
único pensamento: expulsar os intrusos, tidos por agentes de outro Estado”.
Portanto, para o governo do Paraná, houve uma invasão ao seu território e era
necessária uma ação enérgica para expulsar o invasor, e de fato iniciou uma guerra
interestadual.
Um ponto importante a ser destacado no trabalho de Machado (2004), é o
reconhecimento de que um dos primeiros conflitos bélicos da questão do Contestado
ocorreu em São Bento, em 1909.
No seu livro, “Da cidade santa à corte celeste memória de sertanejos e a
guerra do Contestado”, Valentini (2000) salienta que a chegada de poderosas forças
econômicas, relacionadas à expansão capitalista do início do século é fato decisivo
na deflagração da crise que levou à luta armada. Relaciona entre as forças
econômicas: a construção da ferrovia, a exploração comercial da madeira e a
colonização da região, o que levou o sertanejo a uma progressiva marginalização.
No texto (idem, 2000, p. 37) esclarece que a erva-mate se tornou um produto
valorizado, e que os donos das terras passaram a fazê-la com seus peões e a coibir
a entrada de alheios, confirmando o que havia sido afirmado anteriormente, o
sertanejo que antes colhia erva-mate à vontade em terras devolutas, agora passou a
produzir não mais para ele, mas para o dono do erval.
Continuando, o autor destacou que a erva-mate rendeu lucro aos coronéis
fazendeiros que eram os donos das terras, aos comerciantes, intermediários
fornecedores aos caboclos ervateiros, os bodegueiros das vilas, industriais do mate,
principalmente de Joinville e Curitiba, e aos governos estaduais com os impostos
cobrados. Reconheceu que a proibição de extração da erva-mate foi prejudicial ao
sertanejo. (VALENTINI, 2000)
26
Analisando pontos de vista defendidos pelos autores citados, fica claro que a
disputa territorial do Contestado foi também econômica pela erva-mate, e se
intensificou a partir da abertura da estrada Dona Francisca, ligando o litoral com o
planalto e com a criação da colônia agrícola São Bento em 1873.
A erva-mate, do final do século XIX aa década de 1930, foi o principal
produto de exportação do Paraná e de Santa Catarina. Embora perdendo a primazia
econômica, a produção da erva-mate para chimarrão continua nos dias atuais
2.1 A ERVA-MATE – ASPECTOS HISTÓRICOS
A erva-mate está distribuída por uma área geográfica que abrange no Brasil,
os estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Na
Argentina, nas províncias de Missiones, Corrientes e Tucumã, No Paraguai, em
áreas localizadas no vale do rio Paraguai.
Segundo Linhares, (1969, p. 23), a erva-mate era utilizada na América do
Sul pré-colonial, “pelos índios Guarani, que habitavam o vale dos rios Paraná,
Uruguai e Paraguai”. Esses mesmos índios devem ter realizado comércio com as
tribos vizinhas e mesmo através do “peabiru”
11
, com habitantes de várias tribos que
habitavam os Andes, conforme Reitz, citado por Mafra, (1993, p. 28), “nos túmulos
pré-colombianos escavados e aberto no Peru, foram encontrados folhas de erva-
mate ao lado de alimentos e objetos, o que, sem dúvida, prova o seu uso entre os
Incas”.
O processo de produção era de conhecimento indígena, fazia parte da sua
cultura, foi apropriado pelos padres jesuítas, que mantiveram sigilo desse processo
11
Peabiru – Caminho indígena pré-colombiano com ponto terminal em São Vicente, no Litoral de São
Paulo, o tronco principal, adentrando pelo interior do Brasil, passando por São Paulo, Castro, Pitanga,
Guairá, Porto Casado, Corumbá, Potosí, La Paz, Cuzco, Machu Pichu e Arequipa. Em Santa
Catarina, possuía ramificações secundárias para São Francisco do Sul, Florianópolis. Uma
ramificação era a mesma que mais tarde foi usada pelos tropeiros, e passava por Lages, de onde
bifurcava com um caminho para Laguna e outro para o interior de rio Grande do Sul. Da região de
Guarapuava descia um caminho secundário, passando por Campo Erê, Mondai, na direção ao vale
do Uruguai. (Conforme Galdino, os Incas no Brasil, Editora Estrada real, 2003, publicado no jornal A
Notícia, Anexo, p. c 3, de 31 ago. 2003. Foi por esse caminho que Dom Álvar Nuñes Cabeza de
Vaca, em novembro de 1541, vindo de Florianópolis, cruzou com sua comitiva por o Bento do Sul,
na sua jornada por terra para chegar ao Paraguai em 11 de março de 1542. (Ehlke, 1973, p.56)
27
abril, por longo tempo. Os padres ao manter para si esse conhecimento, obtiveram
com ele lucro, praticando um “capitalismo sagrado”
12
.
Era tomada em cuia, chamada de “mati”, dando origem ao termo erva-mate,
ou seja, a erva para ser sorvida em cuia.
Em estudo sobre a viabilidade econômica do mate em reflorestamento,
Malinovski (2006, p. 261) informa que existem “cerca de 600 espécies representam
a família Aqüifoliáceas, das quais 60 ocorrem no Brasil”. No sul do Brasil é colhida
da espécie Ilex Paraguariensis, mas também é conhecida por vários nomes, como
erva-mate, orelha de burro, congonha, que deriva de congoin, que em guarani
significa o que alimenta, o que sustenta.
Segundo Almeida, (1979, p. 8) “A erva-mate genuína é uma árvore que chega
à altura de oito metros, tendo o porte de uma laranjeira, o tronco pardo-cinzento e as
folhas ascendentes mais ou menos horizontais”.
Conhecida também como erva do Paraguai, o seu uso é uma herança da
cultura indígena guarani, que conquistou a sociedade colonial. No início da
colonização, sofreu rejeição pelos padres jesuítas, que atribuíam a ela poderes de
regeneração e recuperação do cansaço e foi por isso a chamaram de erva do diabo.
Como os padres não conseguiram erradicar o hábito de consumo da erva-mate entre
os índios, quando criaram as missões ou reduções, transformaram a erva-mate em
produto de exportação, “um produto sagrado”.
Nas missões dos jesuítas se desenvolvia a fabricação da erva-mate tostada
e moída da qual se retiravam os pequenos paus, coisas que os índios que
serviam aos espanhóis jamais fizeram e, desta forma, a erva jesuítica
alcançava no mercado preços que oscilavam três a quatro vezes mais.
(ALMEIDA, 1979, p. 05)
O mate preparado pelos padres jesuítas nas missões, ganhou a preferência
nos mercados da região do Prata, além dos Andes, em Potosí, no Chile e no Peru.
Foi através dos padres jesuítas que o mate, hábito alimentar indígena, saiu das
reduções e entrou nos lares dos europeus colonizadores.
12
Capitalismo Sagrado prática capitalista utilizada pelos padres jesuítas nas missões da América.
Consistia em desenvolver atividades missioneiras com práticas capitalistas de produção de
mercadorias para serem exportadas, com grandes lucros para a Ordem dos Jesuítas. Essa prática
não era bem vista pelas autoridades portuguesas e mesmo as espanholas, por estarem isentas de
impostos, e foi uma das causas da expulsão dos Jesuítas da América Latina.
28
Os padres exploraram o comércio e a exportação do mate, o seu cultivo, o
seu preparo e sua extração por mais de um século e meio. Eles não se contentaram
apenas em explorar os ervais nativos dos vales dos rios Uruguai, Paraná e Paraguai.
Fizeram grandes ervais reflorestados. Com base em relatórios de autoridades
espanholas, Linhares, (1969, p. 45), sustenta “que nos 7 Povos das Missões,
situados à margem esquerda do rio Uruguai, no atual território do Rio Grande do Sul,
havia 200 mil árvores de erva plantadas e avaliadas em um milhão de pesos”.
A produção dos Jesuítas iniciou em 1610 e, para todo o processo produtivo
da erva, eles exploravam a mão-de-obra do índio, a quem Linhares, (1969, p. 39),
chama de “Pobre presa, caída nas armadilhas da civilização mecânica, selvagens da
floresta de ouro verde, meigas e impotentes timas”. A exploração dos índios por
parte dos padres, os lucros gerados pela venda, podem ter colaborado para a saída
forçada da Companhia de Jesus das terras americanas no ano 1768. Nesse caso, a
erva-mate estava no centro de um conflito entre a Companhia de Jesus e os
governos da Espanha e de Portugal.
A erva-mate era um produto que alcançava no mercado externo preço alto. A
saída dos padres e o abandono da atividade ervateira deram à Companhia de Jesus
grandes prejuízos. Para se ter uma idéia do valor da erva pronta é importante
recorrer a Linhares (1969, p. 45), quando afirma: “Lembre-se que o preço comum da
erva no Paraguai era 4 reais. (Nota real era moeda da época colonial). Por uma
vaca davam-se três arrobas”.
Ou seja, uma vaca naquela época equivalia ao preço de 45 quilos de erva
pronta. Pelo valor equiparado de uma vaca atualmente, não é necessário ser
especialista em economia, para concluir que o preço praticado na época era superior
a R$ 10,00 (dez reais), por quilo da erva pronta para consumo.
Com a saída dos Jesuítas da América do Sul, a atividade ervateira se
desarticulou e a burocracia espanhola não conseguiu reorganizar o monopólio da
erva-mate que antes pertencia aos padres. No Brasil, o produto era consumido, mas
não fabricado, importava-se erva-mate do Paraguai.
Com a independência do Paraguai, conforme afirmação de Bandeira, (1998,
p. 79), o governo de “José Gaspar Rodriguez de Francia monopoliza a exportação
de erva-mate, madeira e tabaco, a partir de 1810. No comércio com o Brasil, os
paraguaios trocavam erva-mate por armas e munições”.
29
Esse fato é relevante, pois mais tarde os paraguaios, durante a guerra,
matavam brasileiros com armas fornecidas pelo Brasil em troca de erva-mate.
Nas terras cobertas com extensos bosques, ervais e pastagens, o estado
paraguaio arrendava aos camponeses ou explorava diretamente com o emprego de
escravos e o trabalho forçado dos detentos. Nesse sistema, foram organizadas mais
de 175 Estâncias da Pátria, para produzir e fornecer produtos para a população e
para o exército.
Com o fechamento do comércio paraguaio ao exterior, ditado pelo monopólio
estatal, o Paraguai entrou em crise. Mais tarde, para voltar a crescer, teve que abrir
seus portos fluviais para reconquistar os mercados da erva-mate, madeira e tabaco,
localizados principalmente na bacia do rio da Prata.
Com a morte de Francia em 1840 o Paraguai passou a ser governado por
Carlos Antonio López, que reorientou o comércio internacional buscando tecnologia
externa nos Estados Unidos e na Europa. Com essa investida internacional,
conseguiu transferir tecnologia, imigrantes e investimentos europeus para
modernizar o Paraguai. Esse país entrou na era da industrialização, construindo
fábricas de navios, armas, e melhorou o cultivo do tabaco, algodão, cana-de-açúcar.
Foram instaladas várias fábricas de erva-mate. Segundo Bandeira, (1998, p. 81),
“Instalou fábricas de pólvora, enxofre, louças e outras manufaturas e melhorou a
elaboração da erva-mate [...]”.
O seu filho e novo governante paraguaio, Francisco Solano López, manteve o
monopólio e tinha como principais fontes de recursos a comercialização de erva-
mate, do tabaco, da madeira e do arrendamento de terras.
Brasil e Paraguai mantinham até então boas relações diplomáticas. Lutaram
juntos na batalha de Caseros, onde derrotaram o governante argentino João M.
Rosas e abriram o rio da Prata para o comércio internacional.
As desavenças que surgiram depois da guerra contra Rosas foram
alimentadas pela concorrência dos produtos de exportação, nos mercados da Bacia
do Prata, cuja hegemonia o Paraguai e o Império do Brasil passaram a disputar.
Com a abertura dos portos, a partir de 1853, o Paraguai expandiu as
exportações da erva-mate, que era a sua principal fonte de divisa, o que levou o
governante paranaense a advertir as autoridades brasileiras.
30
Zacarias de Góes e Vasconcelos, (primeiro) presidente da Província do
Paraná, adverte as autoridades brasileiras, sobre a “temível concorrência”
da erva paraguaia, mais barata e de melhor qualidade, nos mercados de
Buenos Aires e Montevidéu, que até então os produtos brasileiros
praticamente dominaram. (BANDEIRA, 1998, p.111)
A concorrência entre a erva-mate paraguaia e a brasileira foi benéfica para os
consumidores, pois baixou o seu preço, mas prejudicou os produtores. O Paraguai
foi o mais prejudicado e inclusive Francisco Solano Lopes, presidente daquele país e
que era também um dos maiores produtores de erva-mate.
A crise provocada pelo mate levou os dois países à tensão diplomática e,
como Bandeira (1998, p. 112), afirmou:
Era inevitável que as tensões entre o Paraguai e o Império do Brasil se
reacendessem, tanto mais quanto outros acontecimentos sobrevieram,
concorrendo para exacerbar, interna e externamente, as posições em todos
os países da Bacia do Prata.
A erva-mate foi uma das causas da Guerra do Paraguai
13
e nela se
envolveram os produtores do Brasil e Paraguai e os comerciantes representantes
dos mercados consumidores da Argentina e do Uruguai. Foi responsável pelo
segundo conflito na América do Sul. O primeiro foi o que, levou a expulsão dos
Jesuítas.
Durante a guerra, o mercado para a erva-mate brasileira abriu-se na
Argentina. Enquanto isso, os soldados brasileiros, na frente de luta, passavam
necessidades, como foram descritas pelo general Francisco da Rocha Calado,
conforme Costa (1995, p. 43), “Fui então testemunha durante um período de 22 dias,
de que nosso exército alimentava-se quase que exclusivamente do mate que
colhíamos nos ervais, pois a falta de víveres não nos permitia longos repousos.”
Ao rmino da guerra, o Brasil incorporou ao seu território vastos ervais
paraguaios, apossou-se de todo o alto Paraná, exterminando a concorrência vizinha.
Na opinião de Linhares, (1969), “coube-lhe por direito de conquista, incorporar ao
13
Guerra do Paraguai - Guerra do Paraguai – O livro Historia da Sociedade Brasileira, utilizado para
o ensino médio (ALENCAR, 1994), informa que “A paz entre o Brasil e Paraguai foi assinada em
1872, apesar de muitas divergências surgidas entre os aliados quanto a questões de limites e posse
de regiões, como foi o caso do Chaco, com a Argentina”. Nem nesse livro e nem nos demais são
encontradas referências sobre a apropriação dos ervais paraguaios pelos brasileiros. A Historiografia
tradicional prefere amenizar a questão, afirmando que a guerra do Paraguai foi a mais sangrenta
guerra travada na América Latina e que o Paraguai estava arruinado, o império perdeu cem mil
homens, e que, devido às despesas de guerra, teve que fazer empréstimos na Inglaterra....
31
seu território a área mais rica dos ervatais do Paraguai, liquidando-lhe com a guerra,
a hegemonia no mercado da Bacia do Rio da Prata”.
Com a liquidação da concorrência da erva-mate paraguaia, o Brasil precisou
se estruturar para poder atender o mercado consumidor externo. O Paraná ampliou
sua base produtiva, buscando inclusive matéria-prima ao sul do rio Negro, em
território de Santa Catarina, que até então não tinha se preocupado com a economia
ervateira. O interesse dos catarinenses pela erva se concretizou com a
construção da estrada Dona Francisca. Por essa estrada, vinha a matéria-prima do
Planalto, ao sul do rio Negro, para disputar o mercado ervateiro com o Paraná,
acirrando a questão de limites pela disputa da mesma área pelas duas Províncias.
2.1.1 A Erva-mate no Paraná
No Paraná estava localizada a missão dos Padres Jesuítas de Guairá com
tribos indígenas espalhadas por quase todo o território daquele Estado. Segundo
dados publicados pelo “Parque Histórico do Mate”, órgão do governo do Paraná,
(disponível em www.pr.gov.br/phmate/consumo-06/05/07), dos quais resumiu-se o
que segue: Desde 1550 até 1632, a extração de erva-mate era a atividade
econômica mais importante da Província Del Guairá, território que abrangia o
Planalto do Paraná, onde foram fundadas as cidades de Ciudade Real na foz do rio
Piquiri, Tambo, nas nascentes de Piqueri e Vila Rica, próxima às nascentes do rio
Ivaí. Foram fundadas, também, 15 reduções jesuíticas: no vale do rio
Paranapanema: São Miguel, Nossa Senhora de Encarnacion, São Francisco Xavier,
São José, Santo Inácio, Loreto; No vale do rio Ivaí: Santo Antonio, São Tomás dos
Anjos, São Paulo do Ivaí, Jesus Maria; No vale do Rio Piquirí: Nossa Senhora dos
Guanhanhos, Concepción, Ermida de Santa Maria
14
. Ficava fora da Província de
Guairá apenas a região da serra do mar e litoral.
Com a desorganização do monopólio comercial dos jesuítas, o governo de
Portugal atendeu pedido de Rafael Pires Pardinho, ouvidor geral do Brasil Meridional
14
Santa Maria A missão dos padres Jesuítas de Guairá compreendia praticamente todo o Planalto
do Paraná, ficando excluída apenas o território litorâneo. Portanto, toda a área ao norte do rio Negro
e rio Iguaçu era território missioneiro, local de exploração da erva-mate. Se os missioneiros não
consideravam o rio Iguaçu como divisa interestadual é possível que em toda a região do planalto
norte de Santa Catarina a erva-mate tenha sido explorada pelos padres jesuítas.
32
e autorizou as populações localizadas no sul do Brasil a comerciarem livremente a
erva-mate com a Colônia Sacramento e com Buenos Aires.
Segundo Waschowicz (1988, p. 127), “Portugal sugeriu então às populações
de Paranaguá e Curitiba que levassem ao Prata, madeiras, cal de ostras, telhas,
tijolos e sobretudo a congonha (erva-mate)”.
A exportação de erva-mate enfrentou dificuldades no início do século XIX. No
ano de 1831, as exportações brasileiras de erva-mate representavam apenas 0,3%
do total das mercadorias exportadas. Porém, no ano de 1850, a exportação desse
produto passou a representar 1,3%.
A erva financiou a criação da Província do Paraná em 1853, financiou
também as artes, a literatura e a educação superior, como informa Linhares, (1969,
p. 202) “a Biblioteca Pública do Paraná em 1880 possuía cerca de 2 000 volumes.
Em 1912, em plena ascensão da economia do mate, fundou-se em Curitiba, a
universidade”. Também abriu o caminho de Curitiba com o litoral pela estrada de
ferro Curitiba a Paranaguá. Foi também responsável pela abertura da estrada de
rodagem conhecida como Estrada da Graciosa.
Com o fechamento do mercado paraguaio em 1813, por Francia, ficou
proibida a exportação da erva-mate para os mercados do Rio da Prata. Segundo
Wachowicz (1988, p. 127), “os comerciantes argentinos, desesperados para
conseguir matéria prima, apelaram para outras regiões capazes de abastecê-las”.
Sabedores de que os planaltos do Paraná, Santa Catarina e parte do Rio Grande do
Sul possuíam grandes áreas de ervais nativos, os argentinos vieram em busca da
erva-mate. Um dos comerciantes, Francisco Alzagaray se empenha em solucionar o
problema de abastecimento para a região do Rio da Prata.
Chegando a Paranaguá em 1820, percebeu logo no início que os
paranaenses nada entendiam de erva-mate. Ensinou-lhes o fabrico, o
beneficiamento e a maneira de acondicionamento em surrões de couro. Os
paranaenses somente conheciam o consumo do mate com água fria, o
tererê dos índios. (WACHOWICZ, 1988, p. 127)
Com a participação de comerciantes argentinos, o Paraná, se transformou na
terra do mate, chegando esse produto a representar 85% do montante da
exportação da Província.
Em 1843 a erva-mate ocupava dois terços do capital paranaense, e que, em
nome dessa riqueza, a Câmara de Paranaguá pedia, naquele tempo, ao
33
Presidente da Província de São Paulo, a emancipação da sua quinta
comarca. (RIESEMBERG, 1947, p. 207)
Portanto, a criação da Província do Paraná foi liderada pelos produtores de
erva-mate e não por fazendeiros do gado ou pelos madeireiros.
À medida que o consumo aumentava, cidades iam surgindo e crescendo com
o mate. Temístocles Linhares, em sua obra História Econômica do Mate, publicada
em 1969, na página 161, destaca que, “o mate era para o Paraná o mesmo que o
café para São Paulo ou a borracha para os estados amazônicos. Tudo girava em
torno dele, pelo menos até os cinco primeiros lustros deste século”.
Em 1853, quando foi criada a Província, havia no Paraná 90 engenhos que
forneciam erva-mate para os seguintes mercados, conforme Wachowicz (1988, p.
128), “Buenos Aires, Montevidéu, Valparaíso no Chile e Rio de Janeiro. A sua
importância econômica, na condição de principal produto paranaense, ultrapassou
o período provincial e, até a década de 1920, foi o esteio da economia do Paraná”.
Conforme os autores, Capri e Olivero (1923, p. 79), na década de 1920, o
Paraná possuía 52 municípios. Desses, 32 tinham sua economia dependente da
erva-mate.
Enquanto o Paraná progredia com o mate, conseguindo os recursos
suficientes para se tornar Província autônoma, se separando de São Paulo em 1853,
Santa Catarina, possuidora de amplos ervais, não tinha entrado no negócio do mate
de forma efetiva, até a fundação de São Bento, em 1873 com a vinda de imigrantes
europeus. Mas o foram os imigrantes que iniciaram a exploração da erva-mate,
pois os fundadores de São Bento também não entendiam nada de erva. Esse
trabalho era feito pelo sertanejo ervateiro, aqueles que desde 1820 entravam no
sertão para cortar erva-mate que era levada para Paranaguá, Antonina e Morretes.
2.1.2 O Sertanejo Ervateiro do Sul do Vale do Rio Negro
No sertão do planalto norte catarinense, a erva-mate era um produto
conhecido, consumido e comercializado pelo sertanejo que habitava a região
campeira e por aqueles que residiam ao longo do caminho das tropas. O sertanejo
herdou esse hábito dos índios guaranis ou carijós. Ele foi difundido entre os
34
colonizadores pelos padres jesuítas, e a erva, foi por longos anos, produzida de
forma primitiva. O processo se iniciava com corte na mata, em seguida a erva era
sapecada, secada no carijo ou no barbaquá, quebrada com facão de madeira e mais
tarde na cancha areduzi-la a pó. Segundo Queiroz (1981, p. 31), “a princípio, o
corte e o preparo não tinham caráter comercial, uma vez que o produto se destinava
ao consumo doméstico”. Produzir erva-mate para o sertanejo do planalto central
catarinense era uma cultura, fazia parte de um complexo conhecimento herdado dos
indígenas e do seu hábito alimentar.
Os colonizadores, residentes no litoral do Paraná, descendentes de açorianos
que vieram para a região em meados do século XVIII, desconheciam a erva-mate.
Em 1820, o argentino Alzagaray ensinou aos paranaenses o fabrico, o
beneficiamento e a maneira de acondicionamento em bolsas de couro, chamadas de
surrões.
Foram esses descendentes de açorianos com pouco ou nenhum contato com
os índios, que aprenderam o processo de fabricar erva-mate no modelo argentino
para exportação. Foram eles que subiram a serra do Mar e se embrenharam nos
sertões de Campo Alegre e São Bento, Rio Negro, para levar erva para o litoral,
onde era beneficiada nos engenhos de Paranaguá e Morretes.
Analisando os trabalhadores do mate, que buscavam abrir novos ervais
juntamente com sua família, ao norte e ao sul dos rios Negro e Iguaçu, Queirós
(1981, p. 32) afirma que eles eram “escravizados pelos ervais que descobriam”.
A região do vale do rio Negro, nas proximidades da Serra do Mar, era pouco
habitada, mas não desconhecida. No ano de 1831, o governador de São Paulo
informou por ofício da Câmara, que tinha um importante aviso, Ehlke (1973, p. 164),
“sobre o caminho que vinha da Laguna pela praia até o rio São Francisco e deste,
pelos campos de Ambrósios, para a vila de Curitiba.”
O caminho entre o litoral catarinense e Curitiba passava por campos
contíguos aos campos de Quiriri em Campo Alegre, aliás esses campos de belas
paisagens devem ser a origem do nome da localidade. Mas esse caminho segundo
o mesmo autor, destinava-se a ir ao registro de gado e cavalgaduras, no caminho
que vinha de Viamão a Sorocaba, e que se tornou conhecido como caminho das
Tropas. O caminho que ligava a povoação a São Francisco ao sertão de Curitiba,
35
por terra, passava na região de Três Barras
15
, próxima a Baía da Babitonga, e ligava
também Paranaguá, que era sede da Ouvidoria. (EHLKE, 1973)
Eram por esses caminhos que margeavam o norte do rio Negro, por onde
subiram os açorianos do litoral, habitantes de Morretes e Paranaguá para buscar a
erva-mate no sertão de Santa Catarina e Paraná. O primeiro grupo de açorianos que
habitou o planalto, às margens do rio Negro, foi mandado pelo governador de São
Paulo, Conde de Parma. Eram 50 casais que foram encaminhados para a localidade
de Rio Negro.
Em 1840 um novo grupo de famílias litorâneas, realizou uma migração
espontânea, subindo ao Planalto, colonizando a região de Agudos do Sul e Pien.
Eram esses os sertanejos que habitavam a região e não o caboclo pardo das
margens do rio do Peixe ou do Uruguai, descendente de brancos com índios
referidos por Thomé (1981, p. 54), “O caboclo, morador na região do Contestado, ao
contrário do que se afirmou, teve contato direto com os até recentemente, e o
sangue que corre em suas veias é mesclado”.
Esses sertanejos, para Schüler, (2001, p. 211) eram descendentes de árabes,
transformados em “homem do Contestado”: “[...] o árabe, agora caboclo, para o
homem da cor de pinhão, para o homem do Contestado, para o verdadeiro e
legítimo dono daquelas terras”. Para Schüler, o homem do Contestado não era
descendente apenas dos bandeirantes, dos caipiras do interior paulista, mas dos
árabes.
O caboclo do interior falava mal o português, com resquícios da língua geral,
conhecida como “nheengatu”. Segundo Martins (2003), O “nheengatu”
16
foi
desenvolvido pelos jesuítas nos séculos XVI e XVII, com base no vocabulário e na
15
Três Barras Estrada Três Barras, tinha o seu ponto terminal no canal do rio de Três Barras, ou
rio de São Francisco, que, em seu prolongamento ia culminar na Baia de Babitonga em São
Francisco do Sul. Segundo Ehlke (1973, p. 160), “chamava-se propriamente Estrada Três Barras ou
Caminho de Ambrósios a uma via de comunicação existente no passado, pondo em ligação, no
princípio, o litoral catarinense, desde Laguna até o então chamado Rio de São Francisco, e, por este,
desde o canal das Três Barras até a Serra do Mar, depois da qual, pelo extremo-norte de Campo
Alegre, em Santa Catarina, varava os Campos de Ambrósios em direitura a São José dos Pinhais, e
desta a Curitiba, ambos no Paraná”.
16
nheengatu- a língua proibida ou língua geral é a verdadeira língua nacional, a língua do caipira ou
do caboclo. Foi desenvolvida pelos padres Jesuítas nos séculos XVI e XVII, com base no vocabulário
e na pronúncia tupi, que era a língua das tribos da costa, tendo como referência a gramática da
língua portuguesa, enriquecida com palavras portuguesas e espanholas. A língua geral foi usada
correntemente pelos brasileiros de origem ibérica, como língua de conversação cotidiana, até o
século XVIII, quando foi proibida pelo rei de Portugal, mesmo assim continuou sendo falada. Os
índios da costa tinham grande dificuldade de pronunciar as letras como “l” e o “respecialmente na
finalização das palavras. Essas letras suprimidas deram origem a “quintá”, “animá”, “falá”, “dizê” e as
consoantes dobradas - “lh” como orelha – “orêia”, colher – “cuié”, olho – “zóio”, etc.
36
pronúncia Tupi, língua das tribos da costa, tendo como referência a gramática da
língua portuguesa e espanhola.
No Brasil, o “nheengatu” foi usado como língua geral pelos descendentes de
ibéricos até o século XVIII, quando foi proibida pelo rei de Portugal, mas ainda se
mantém no interior do Brasil, palavras remanescentes do dialeto caipira. Isso pode
ter influenciado o distanciamento entre o sertanejo e as outras classes sociais, pois a
língua portuguesa era a língua das autoridades, dos senhores de engenho e dos
escravos. Os sertanejos ou caipiras, com sua língua mista, tinham dificuldades de
comunicação com esses segmentos.
O ibérico das entradas e das bandeiras, dos exploradores que chegavam à
bendita terra contestada pelo litoral atlântico e pelos rios, selvas e montes,
faxinais, campos e coxilhas, apresentavam a mesma sociologia, e
psicologia, ou seja, a do beduíno. (SCHÜLER, 2001, p. 212)
Para Schüler, o caboclo pardo do Contestado era descendente dos árabes ou
mouros, que habitaram por mais de mil anos a Península Ibérica, e que, após serem
derrotados pelos espanhóis, muitos vieram para a América para participar do
processo de expropriação dos bens e riquezas indígenas. No novo mundo, os
mouros ou árabes se integraram na nova sociedade, miscigenando-se com índios,
negros e brancos.
Pelos dados levantados, pode-se afirmar que o sertanejo residente ao sul do
rio Negro, desde a serra do Mar até o caminho das Tropas, era predominantemente
descendente de açorianos que vieram para o litoral do Paraná e Santa Catarina em
meados do século XVIII.
O termo caboclo foi muito usado na literatura sobre a colonização,
principalmente no oeste catarinense, onde ocorreram conflitos de terra entre as
empresas colonizadoras e colonos brasileiros expropriados. Na região de São Bento,
o termo usado para designar os nativos eram “nacionais”, conforme Vasconcelos e
Pfeiffer (1991, p. 142), na colonização de São Bento, “os nacionais não ficaram
ausentes”.
Na área de imigração alemã do planalto norte, o conflito ocorreu entre o
governo do Paraná e a Sociedade Colonizadora e, em menor escala, entre os
habitantes locais e os imigrantes. Em pequena escala, houve conflito entre os
diferentes grupos étnicos localizados nessa região, que não puderam ser evitados,
37
numa região onde os europeus se consideravam pioneiros e os sertanejos se
declaravam antigos proprietários das terras. Passada essa fase inicial, houve
simbiose étnica, com ocorrência de casamentos entre os imigrantes europeus com
brasileiros proprietários residentes nas proximidades. Outro fator importante foi o
econômico, pois o comércio de gêneros alimentícios e o da erva-mate era liderado
por luso-brasileiros, de quem os colonos imigrantes dependiam. Vasconcellos e
Pfeiffer (1991, p. 142), citam os principais líderes nacionais no início da colonização
de São Bento: “José Elias Moreira, Antonio dos Santos Siqueira, Francisco Antonio
Maximiano, Leonardo Ribeiro, Antonio Colasso, Família Fragoso, e os chefes
políticos Francisco Bueno Franco e João Filgueiras de Camargo”.
Eram esses sertanejos moradores e ervateiros paranaenses a quem o
argentino Alzagaray no ano de 1820, se referiu ao afirmar que não entendiam nada
de erva-mate. Muitos deles eram alfabetizados e se tornaram proprietários de terras
e líderes políticos. Eles não tinham o conhecimento, ou a cultura indígena ervateira
do homem do Contestado. Por isso, tiveram que aprender as técnicas de fabricação
da erva-mate no modelo argentino e aprenderam muito bem, pois logo se tornaram
donos de engenhos, e muitos deles participaram como sócios da maior empresa de
erva-mate de Santa Catarina, a Companhia Industrial Catarinense, com sede em
Joinville. Dentre os principais sócios estão os luso-brasileiros citados por Almeida,
(1979, p.26), José Celestino de Oliveira, Loyola, Antonio Augusto Ribeiro, Antonio S.
Nóbrega, Freitas Valle e Abdon Baptista entre outros.
Quando os empresários dominaram os ervais, pode-se afirmar que a erva-
mate foi a responsável pelo empobrecimento das pessoas humildes, que perderam a
sua liberdade econômica, ficando na dependência dos donos do capital,
paranaenses e catarinenses.
Os trabalhadores do mate estavam sujeitos à imposição dos senhores de
engenhos de soque e Queiroz, (1981, p. 32), informa que: “[...] eram escravizados
pelos ervais que descobriam... avançando para oeste ou para o sul, onde
encontravam erval em ser, ali, na densa floresta bruta, acampavam com a família
debaixo de árvores”. Erval em ser era o nativo, dentro da mata fechada, ainda sem
acessos.
A erva-mate mal dava para mantê-los. Nesse sentido, a erva-mate foi
geradora de pobres e miseráveis no planalto catarinense, e uma das causas da
38
guerra do Contestado, pois para o sertanejo a sua única esperança era um milagre
do “São João Maria”.
Mas é importante lembrar que a exploração da erva e dos sertanejos se
agrava a partir de 1870, mais de quarenta anos antes da Guerra do Contestado.
2.1.3 A Erva-mate em Santa Catarina
Em meados do século XIX, o Paraná já estava com sua economia ervateira
consolidada. Santa Catarina despertou mais tarde para a economia ervateira. Até
meados do século XIX, conforme Bossle (1988, p. 26), tinha sua base econômica na
produção da farinha de mandioca.
O governador Severo do Amorim, no ano de 1849, em pronunciamento na
Assembléia Legislativa, fez um relatório aos deputados sobre o potencial ervateiro
dos sertões e campos de Lages, onde afirmou:
A erva-mate, ramo considerável de exportação em Paranaguá, bem vizinha
de nosso limite, de que abundam os campos e sertões de Lages, tem
estado em perfeito abandono; ao mesmo tempo em que um ou outro no
distrito desta vila o prepara, acha pronto comprador, que a exporta para o
Rio Grande do Sul. (ALMEIDA, 1979, p. 11)
O governador catarinense estava preocupado por que a vizinha Província do
Paraná, obtinha lucros com a exportação de erva-mate, enquanto que em Santa
Catarina não havia interesse dos fazendeiros em investir na exploração. O
governador informa que os pequenos produtores conseguiam logo vender seu
produto no Rio Grande do Sul.
O primeiro centro produtor de erva-mate catarinense estava localizado nas
proximidades de Florianópolis, na colônia Angelina, que começou a produzir para o
mercado interno a partir de 1862, iniciando a exportação no ano de 1865. Recebia a
erva-mate do planalto de Lages, segundo Almeida (1978, p. 12), “A produção de
Angelina desaparecera em 1874, por falta de via de comunicação para escoar o
produto”.
Dentre os principais produtos exportados pelo Estado de Santa Catarina, a
erva-mate não constava da pauta de exportação no período de 1854 a 1855.
39
Os primeiros registros da exportação da erva no Estado ocorrem na segunda
metade do século XIX. Segundo Bossle (1988), “No período de 1880 a 1886 a erva-
mate era o segundo produto exportado, representado 18,75% do valor total,
perdendo para a madeira (20,83%)”.
Enquanto isso, o Paraná se consagrou como exportador da erva-mate, que
era o “ouro-verde” responsável por seu desenvolvimento no século XIX e parte do
século XX. A posse das reservas de ervais era uma causa pela qual valia a pena
lutar, tanto nos tribunais, como no campo de batalha, conforme ameaça feita a Santa
Catarina.
A erva-mate mudou a situação econômica do Estado de Santa Catarina, pois
no relatório do Presidente da Província, encaminhado à Assembléia Legislativa em
1886, a erva-mate ocupava o segundo lugar entre os produtos exportados.
Segundo Bossle (1988, p. 27), “[...] a farinha de mandioca paulatinamente vai
perdendo sua colocação para novos competidores que ocupam seu espaço como é
o caso da banha, madeira e erva-mate, produtos semimanufaturados”.
No relatório apresentado pela Colônia Dona Francisca, sobre a
industrialização em Joinville, no ano de 1862 não consta nenhum engenho de erva-
mate. Esses engenhos só foram construídos na década de 1970.
Com a construção da Estrada Dona Francisca, os comerciantes de Joinville
foram se familiarizando com o comércio da erva-mate e foram aprendendo a ganhar
dinheiro com essa mercadoria, ganhavam na compra da erva e na venda dos
produtos de seus negócios.
Industriais do mate, vindos de Morretes, Paraná, se instalam em Joinville
onde no ano de 1877, já estavam funcionando três engenhos. A matéria-prima semi-
elaborada vinha do planalto no lombo de burros pela estrada Dona Francisca, ainda
em construção.
A situação mudou quando Ernesto Canac, representante comercial de
importante firma de Buenos Aires, especializada em comércio de erva-mate, se
radicou em Joinville e se interessou pela industrialização do mate.
[...] idealizou uma entidade capaz de monopolizar não a exportação da
erva-mate como também das mercadorias importadas e aliando-se a
pessoas idôneas no assunto, dando nova feição àquela mercancia,
conseguiram rendosa fonte de lucros. Fundou-se a Companhia Industrial,
cuja existência si não monopolizou, pelos menos preponderou de forma
marcante no comércio de Joinville. (OLIVEIRA, 1951, p. 125)
40
Canac fundou, em 1890, uma empresa em Quitandinha, no Estado do
Paraná. Da fábrica de Quitandinha, que na época era chamada de Cerro Negro, a
erva era transportada por caminho de cargueiros, no lombo de burros, para a
localidade de Lençol, onde a Companhia Industrial Catarinense montou uma filial. O
comerciante de Lençol e depois de Rio Negrinho, Domingos Tabalipa, montou um
comércio para fornecer erva-mate para a firma Companhia Industrial. (TABALIPA,
1975, p. 7)
A erva-mate continuou sendo o carro chefe da economia de Joinville até a
década de 1920, quando o poder econômico estava ainda nas os dos luso-
brasileiros ligados à atividade ervateira.
As famílias paranaenses residentes ao norte do rio Negro, também
complementavam as suas economias com a extração da erva-mate. Durante os
meses de maio a setembro, quando a agricultura quase nada produzia devido ao
inverno, gerava excedentes para os agricultores e suas famílias e também para
aqueles que só viviam do trabalho nos ervais. Lopes (2007, p 625) afirma que
moravam ao norte do rio Negro, no atual Município de Pien, as famílias: Fragoso,
Cavalheiro, Ferreira, Prestes, Lima, Lisboa, Machado, Vaz, Siqueira, Santos,
Rodrigues, Crispim, Vieira, Esteves, Carneiro, Encarnação, Nunes, Soares, Cabral,
Castro, Barbosa, Nascimento, Souza, Martins, Pacheco Lima, Bastos, Nunes,
Rocha, Almeida.
A partir de 1870, com a Lei Municipal que proibia a exploração da erva em
terras devolutas sem autorização da Câmara Municipal, as famílias que dependiam
do mate para sobreviver tiveram que se submeter aos empresários do mate. Com
referência aos municípios da fronteira ao norte do rio Negro, no sul do Paraná, e
exploravam er-mate, Lopes (2007, p. 8), informa que em:
Agudos do Sul O povoamento da região foi ocasionado pela presença de
caívas e de ervais; 2. Em Pien, José João, registrou em 24 de maio de 1856
uns terrenos de lavrar e ervais no lugar denominado Ribeirão do Pien, cujas
terras de lavrar e ervais houve por posse feita havia dez anos [...]; 3.
Quitandinha: Em 23 de abril de 1856 José Joaquim de Lacerda cadastrou
terreno nos dois lados do Rio da Várzea. Terreno de matos e ervais e
capoeiras de outro lado do Rio da Várzea (margem esquerda), encostado
no terreno de Bento Pereira no lugar Areia Branca. [...] 4. São Mateus do
Sul No cadastro de terras oriundos da Lei de 1850 já havia vários
proprietários na região, destacamos alguns. Francisco de Paula Faria, onde
está atualmente a sede do município de São Mateus do Sul, disse que era
possuidor havia seis anos mais ou menos, por compra e posse, de um sítio
no lugar Turvo, com ervais, faxinais, logradouros e matos de plantar [...].
41
A região de Porto União desde Canoinhas às margens dos rios Timbó e
Paciência, também foram áreas de produção de erva-mate. As bricas de
beneficiamento estavam localizadas em União da Vitória. Inicialmente o produto era
despachado por vapores e após a implantação da rede ferroviária, por trem.
Durante o mês de setembro de 1916, foram exportados de União da Vitória,
15 vagões de erva-mate, contendo 2.900 sacos, pesando líquido 210.861
quilogramas. Fizeram o despacho dessas ervas os industriais, Francisco
Machado, Henrique H Gomm e Leopoldo Castilho. (SILVA, 1933, p. 136)
Em Santa Catarina, houve uma tentativa de produção de erva-mate no ano de
1862, em Angelina, no caminho de Florianópolis a Lages. Outra experiência ocorreu
em Blumenau em 1898, com matéria-prima trazida de Curitibanos. Este engenho era
de propriedade do Senhor Barroso, que veio do Rio de Janeiro. Segundo Tabalipa,
(1975, p. 350), “o transporte era feito no lombo de burros e mais ainda que aquela
zona é de pouca erva-mate”.
Segundo Almeida (1979,p.29), “as indústrias de Joinville, tinham filiais no
planalto catarinense, como em São Bento”. Foram criadas também filiais, nas
cidades de Rio Negro e Antonina, no Paraná.
O porto de São Francisco era o exportador da erva-mate produzida no
planalto norte catarinense, e também da erva produzida na região de São Mateus do
Sul, Lapa e São José dos Pinhais, no Paraná.
Toda a região ao sul do rio Negro teve sua economia ligada à erva-mate,
como comprovam os autores de historias regionais:
Em seu livro “Subsídios para história de Campo Alegre”, Herbst (1994, p. 20)
destaca a importância da ”época áurea da erva mate para a região”. Em Campo
Alegre foi instalado por empresários do Paraná um dos primeiros engenhos de erva-
mate do Planalto Catarinense, de propriedade do curitibano Brigadeiro Manoel de
Oliveira Franco.
Em São Bento do Sul, havia um engenho localizado no cruzamento da
Estrada Dona Francisca com o caminho Argolo no atual bairro de Oxford, e outro no
caminho para Rio Negrinho, na localidade de Lençol.
Um fato trágico aconteceu com o primeiro engenho de erva-mate em Oxford,
no município de São Bento descrito por Ficker (1973. p. 181), “[...] em 10 de janeiro
de 1881 um grande incêndio devorou o engenho pertencente aos Senhores Álvaro
42
Nóbrega e Canac, consumindo as instalações e 225 barricas de mate
confeccionados”.
A Companhia Industrial Catarinense, com sede em Joinville a partir de 1891,
incentivou a exploração da erva-mate ao sul do rio Negro, onde o preço do frete pela
estrada Dona Francisca era compensador e no final dava bons lucros aos
produtores. A colônia agrícola São Bento se tornou a colônia da erva-mate.
Conforme o relatório da Câmara enviado ao governo Provincial, no ano de 1894, em
São Bento estavam em atividade três engenhos de erva-mate e produziam conforme
Ficker (1973, p. 323) “90.000 arrobas no valor de 445:000$000”.
Nesse ano de 1894, São Bento produziu quase um terço da erva-mate
exportada por Santa Catarina, que, naquele ano, conforme Almeida (1979),
“exportou erva no valor de 1.327:900$740”
A participação da erva-mate na renda de São Bento, em valores,em 1894,
representava 43,12%.
São Bento nasceu e cresceu tendo sua economia ligada à erva-mate. Almeida
(1979, p. 27), relacionou, no ano de 1899 a 1904, onze empresas ervateiras em
atividade. Em pesquisa realizada em outros livros no Arquivo Histórico de São Bento
do Sul, no livro de lançamento especial de compra e venda, instituído pela lei n. 10
de 1900 (ano 1900 livro 168 e ano de 1903 - livro 169), foram encontrados outros
dados:
43
NOME DO CONTRIBUINTE DO IMPOSTO LOCALIZAÇÃO 1900 1903
Joaquim Antonio de Castilho Rio Preto X
Viúva Neumann Est. D. Francisca X
Ignácio Fischer Oxford X X
Companhia Industrial –Matriz Joinville Oxford X
José Pilz Est. Banhados X
Joaquim Quintiliano de Oliveira Sertão X
José Streit Est. Lago X X
Francisco Gery Kaminsky Lençol X X
Emigdio Affonso Ayres Cubas Rio Preto X X
Companhia Industrial –Matriz Joinville Lençol X X
Carlos Stüber Lençol X X
Alfredo Pinto de Oliveira Est. D. Francisca.. X X
Domingos Victorino Tabalipa Encruzilhada X X
Fischer, Wordell e Cia Est. D. Francisca X
Antonio Francisco Caldeira Encruzilhada X X
Carlos Urban e Cia Mato Preto X X
Luiz Wolf Mato Preto X X
João Wordell Mato Preto X X
Henrique Hussmann Vila X
Pedro Carvalho da Silva Rio Preto X
Francisco da Silva Sinks Lençol X
João do Norte Mato Preto X
Chrysanto Gonçalves de França Mato Preto --- X
Luis Schüller Mato Preto --- X
Luis Schüller Oxford --- X
Maximiliano Wagner Est.D.Francisca. --- X
Olsen & Ritzmann
17
Lençol --- X
Nilton Celestino de Oliveira Mato Preto --- X
José Brandt Est. D. Francisca. --- X
Quadro 1 - Empresas ervateiras em atividade entre os anos de 1900 e 1903
Fonte: Arquivo Histórico de São Bento do Sul
17
Olsen & Ritzmann No Livro de Registros de Impostos no Arquivo Histórico de São Bento do Sul
consta que no ano de 1903 foi aberta em Lençol, no município de São Bento do Sul, a empresa
Olsen & Ritzmann, ligada à erva-mate. Bernardo Olsen era um respeitado empresário, com
comércio de secos e molhados, açougue na localidade de Lençol. Juntamente com seu cunhado Luís
Ritzmann, fundaram a empresa de erva-mate e expandiram seus negócios para Rio Negrinho.
Ritzmann vendeu seu negócio para seu irmão em 1909. Após o término da guerra do Contestado,
Bernardo Olsen adquiriu grande área de terra e instalou a colônia agrícola São Bernardo, hoje
Marcilio Dias. Atuando como exportador de erva-mate, mais tarde fundou também uma serraria e em
1919 inaugurou o barco Elfrida, que transportava erva-mate de Major Vieira até o porto de Marcilio
Dias, de onde era exportado pelo trem. Existe divergência sobre o ano em que Bernardo Olsen fixou
residência em Marcilio Dias. Em pesquisa realizada no Arquivo Histórico de São Bento levantou-se o
que segue sobre Bernardo Olsen: Em 1917 Em São Bento: possuía negócio com bebidas na
localidade de Lençol. Negócio com venda de munições na localidade de Estrada do Lago; Negócio
com drogaria na localidade de Ponte dos Vieiras. Nesse mesmo ano instalou em Rio Negrinho:
Negócio com bebidas e restaurante; Em 1918 Em São Bento: Vendeu os negócios e ficou com
os terrenos; Nesse mesmo ano, em Rio Negrinho, continuou com negócio de venda de bebidas e de
munições; Em 1919 Em São Bento: o tinha mais comércio, terrenos; Em Rio Negrinho nesse
mesmo ano, mantinha comércio com bebidas e munições; Em 1920 Em o Bento mantinha
terrenos: Em Rio Negrinho nesse mesmo ano: comércio com bebidas e munições. Como os bens de
Rio Negrinho eram administrados por seus filhos, pode-se afirmar com certeza que foi no ano de
1918 que Bernardo Olsen mudou residência para Marcilio Dias e não antes. Outro fato foi o início das
vendas dos lotes nessa localidade, somente em março de 1919, quando vendeu o lote colonial no.
17, medindo dez alqueires e uma quarta, escriturado em 09/03/1919; fazendo divisa com lotes de
Bernardo Olsen, com frente para a Estrada Rodolfo e nos fundos com o de Augusto Noemberg,
adquirido por Francisco Stöebel e vendido por Bernardo e Maria Olsen. Ficou registrada também a
autorização da abertura de uma estrada pelos lotes 37 a 42.
44
Portanto, no ano de 1900, havia em São Bento do Sul vinte e duas empresas
ligadas ao mate. No ano de 1903 houve fechamento, incorporação e abertura de
outras, restando, nesse ano, dezenove em atividade.
Rio Negrinho, que estava localizada dentro da fazenda do Brigadeiro Franco,
tinha a sua erva transportada para o Paraná. A partir de 1910, com a construção da
Estrada de Ferro, começam também a abertura de áreas para colonização a oeste
de São Bento do Sul. Da erva-mate produzida em Rio Negrinho, parte era
beneficiada no Paraná ou nos engenhos de Lençol.
A erva-mate foi importante também no Município de Mafra. O autor da obra
sobre o cinqüentenário da cidade, assim escreveu:
Mafra nasceu sob o signo da erva mate. Suas matas retratam a beleza e a
imponência dos pinheiros num colorido verde dos ervais. É um dos
municípios maiores produtores de erva-mate. Quando instalado, em 1917,
reunia entre os chamados “bodegueiros” e pequenos negociantes, um
reduzido número de 16 casas de comércio, entretanto já possuía 20 fábricas
de barricas de madeira, recipiente indispensável, na época, para a
exportação da erva chimarrão.
(
DEQUECH, 1967, p. 58)
Conforme a pesquisa efetivada, as grandes fábricas de erva se localizaram no
atual município de Rio Negro, enquanto que as fábricas de embalagens (barricas) se
localizavam ao sul do rio Negro, no atual município de Mafra. Após 1917 também se
instalaram em Mafra grandes fábricas de erva-mate.
Canoinhas tem a sua história ligada à erva-mate. Francisco de Paula Pereira,
considerado o fundador da cidade, residia em São Bento do Sul e era também ligado
à atividade ervateira.
Na história de São Bento consta que, em 1882, o agricultor Alberto
Malchitzky, residente no local denominado Cruzeiro, às margens da SC 301,
comunicou à Câmara Municipal de São Bento que cedeu parte de seu terreno para
abertura de um caminho para que seus vizinhos pudessem ter acesso à estrada
Dona Francisca. O agricultor estava se referindo, conforme Ficker (1973, p. 220), “ao
Francisco de Paula Pereira, Francisco Maximiano e os seus agregados, bem como
todo o povo que mora do outro lado do rio Negro e que vem procurar São Bento
para fazer os seus negócios com erva-mate.” Portanto, o caminho aberto ligando a
Estrada Dona Francisca ao rio Negro era para o escoamento da erva-mate.
Nas matas da região de Canoinhas havia erva-mate em abundância e essa
riqueza também despertou o interesse do Paraná. O nome original, Santa Cruz de
45
Canoinhas, foi inclusive mudado no ano de 1923, para “Ouro Verde”, em
homenagem à sua maior riqueza de exportação.
As principais indústrias do município são as extrativas vegetais da erva-
mate e de madeira. [...] imensa população empregada no corte,
amontoamento, sapecamento, quebramento, enfeixamento, encarijamento,
seca, malhamento ou cancheamento, pesagem e ensacamento da erva-
mate. (SILVA, 1941, p. 44)
A questão de limites entre Paraná e Santa Catarina, no interior de Canoinhas,
nos vales do rio Paciência e Rio Timbó, levou à divergência entre criadores de gado
e os pequenos lavradores ervateiros.
[...] caboclos, pequenos agricultores e ervateiros não podiam mais trabalhar
na região: os seus ervais outrora zelados e produtivos, hoje abandonados, o
matagal matando, a criação morrendo à míngua, as suas roças, à criações
dos protegidos do Paraná. (MACHADO, 2004, p 130)
Itaiópolis, antiga Colônia Lucena, foi fundada pelo Governo Federal e cedida à
administração do Paraná, localizada em pleno território Contestado.
No livro, Colônia Lucena - Crônica dos imigrantes poloneses, está escrito o
seguinte depoimento de um imigrante polonês:
Todo ano temos que implorar aos compradores para que adquiram, por
amor de Deus, o milho, o feijão, o trigo, e o centeio. A erva-mate oferecia o
melhor rendimento, entre os demais. Durante anos manteve um preço
compensador. (RODYCZ, 2002, p 421)
Para Tabalipa (1975, p. 352), ex-prefeito de Papanduva: “O Paraná e Santa
Catarina sempre foram os pioneiros da exportação da erva. Todas as pessoas que
conheci de São Bento à Serra do Espigão, até Porto União, falavam na erva-
mate”.
Três Barras teve o povoamento inicial a partir de 1882, com a autorização
imperial para o Coronel Amazonas Marcondes explorar a navegação fluvial dos rios
Negro, Iguaçu e seus afluentes para promover, entre outras atividades econômicas,
a extração da erva-mate.
3 A OCUPAÇÃO E O USO DO SOLO E DOS ERVAIS NA REGIÃO CONTESTADA
A erva-mate constituiu-se em uma das principais riquezas econômicas do
planalto norte de Santa Catarina e sul do Paraná, e, a partir da segunda metade do
século XIX teve um importante papel no acirramento da disputa territorial pela
região, entre as então Províncias do Paraná e Santa Catarina.
A região ao sul do rio Negro tornou-se conhecida no início do século XVIII
quando foi aberto o caminho das tropas. Os poucos habitantes residentes no
planalto norte catarinense se localizaram nas margens desse caminho, que ligava os
campos do Rio Grande do Sul à Sorocaba em São Paulo, onde foram sendo
instaladas fazendas de criação de gado e pontos de abastecimento para as tropas.
Segundo Straforini (2001, p.28), “os tropeiros preocupavam-se em formar
pousos logo após a travessia dos rios, quando estes eram geralmente seguidos por
grandes pastos”.
Os locais de parada das tropas deram origem a futuros povoados e vilas no
sentido norte sul. No planalto norte, da Serra do Mar de leste para oeste, até as
proximidades de Rio Negro, não havia povoações e não foram localizados
proprietários residentes. No entanto, o engenheiro Carl Pabst, que no ano de 1855
fixou definitivamente o traçado da futura estrada e estabeleceu o rumo no planalto
da estrada Dona Francisca, em direção a rio Negro, realizou importante registro em
seu caderno de campo. Os dados foram citados por Ficker (1973, p. 20) “cujos
donos brasileiros dedicam-se um pouco à agricultura e à criação, tendo quanto
chegue para o próprio sustento e mormente se empregam na colheita de congonha
(erva-mate)”.
Esses trabalhadores eram paranaenses que cruzaram o rio Negro e vinham
buscar em território catarinense a erva que era vendida para beneficiamento e
exportação pelo Paraná.
Como Santa Catarina não tomou posse, a região foi sendo ocupada por
paranaenses, cortadores de erva-mate, agricultores e, mais tarde, empresários que
entraram no território, garantindo o Uti Possi de tis da região ao sul do rio Negro.
Santa Catarina contestava a ocupação dos paranaenses, alegando que o
território ao sul dos rios Negro e Iguaçu lhe pertencia. Defendia seus direitos
segundo Mafra (2002, p.103), baseados na “Carta gia de 20 de junho de 1749
47
que criou a Ouvidoria de Santa Catarina, - separou da Comarca de Paranaguá, com
limite - norte pela barra Austral do rio São Francisco, pelo Cubatão do mesmo rio
pelo rio Negro que se mete no grande rio de Curitiba...”.
Os territórios da Vila e do termo de Lages foram incorporados, pelo Alvará
Imperial de 09 de setembro de 1820 a Santa Catarina, e conforme Mafra (2002, p.
342), [...] “limitados ao norte pelo rio São Francisco ou Saí, rio Negro e Iguaçu...”.
cujos limites não eram reconhecidos pelo Paraná.
A Constituição Imperial de 1824 ratificou as linhas divisórias e transformou as
antigas capitanias em Províncias, na forma que se achavam. Para Mafra,
Foi com os limites incontestáveis e incontestados do Saí Guaçú, Rio Negro
e Iguaçú ano norte, do Mampituba, Pelotas e Uruguay ao sul, do Pepery e
Santo Antonio a oeste, que a província de Santa Catarina prestou juramento
à Carta Constitucional do Império. (2002, p. 347)
Para dirimir quaisquer dúvidas, o deputado catarinense Dr. Joaquim Augusto
do Livramento apresentou um projeto de lei em que fixava os seguintes limites de
Santa Catarina, em 12 de junho de 1854:
Art. 1º.: As divisas entre as Províncias de Santa Catarina e Rio Grande do
Sul são os rios Mampituba e arroio das Contas, o rio Pelotas e Uruguai; e
entre aquela Província e a do Paraná, são o rio Saí Grande, e rio Negro e
aquele em que ele deságua. (CABRAL, 1968, p.296).
Como não houve entendimento sobre a fronteira norte de Santa Catarina e o
governo do Paraná se mostrou irredutível na defesa do Uti Possi de tis, as
discussões entre parlamentares das duas Províncias chegaram ao Ministério do
Império. O Gabinete Imperial, para amenizar o clima tenso entre as duas bancadas,
publicou o Decreto n. 3.378, de 16/01/1865. Os limites entre as duas Províncias
foram então fixados provisoriamente, conforme Cabral (1968, p. 297), “pelo rio Saí
Guaçu, Serra do Mar e rio Marombas, desde as suas vertentes, até o rio Canoas e
por este até o Uruguai.”
Com isso, o Governo Federal reconhecia provisoriamente o Uti Possi de tis do
Paraná sobre os Campos de Palmas, Campos Novos e parte de Curitibanos e sobre
toda a região do vale do rio Negro. Campo Alegre, São Bento do Sul, Rio Negrinho,
Mafra para oeste eram territórios do Paraná. Para Santa Catarina, restou o litoral e,
no planalto, a Vila de Lages e a área de sua abrangência.
48
As discussões sobre a soberania territorial ao sul do rio Negro continuavam,
mas dependiam do poder legislativo federal, que não votava uma lei definindo as
fronteiras entre as duas Províncias do Império. Enquanto isso, a posse da região
continuava sendo disputada e contestada, ora pelo Paraná, ora por Santa Catarina.
Levas de imigrantes continuavam chegando da Europa para Joinville e
faltaram terras para os novos colonos. A Cia Colonizadora adquiriu, do governo
federal áreas de terras devolutas no planalto, ao sul do rio Negro, no vale do rio São
Bento, para iniciar um novo núcleo de colonização.
Com a colonização de São Bento, iniciou-se um período de disputas, de
intrigas, de ameaças e em várias oportunidades os conflitos de interesses, quase
levaram as duas Províncias a deflagrarem a guerra.
Os governos das duas províncias tentam provar o seu direito sobre a região,
com trocas de ofícios, extrapolam as normas da diplomacia, com ameaças
recíprocas. Enquanto os governos não chegam a uma conclusão, o clima entre
colonos imigrantes e colonos brasileiros originários do Paraná tornou-se tenso.
O interesse paranaense na disputa territorial na região de São Bento era pela
principal riqueza extrativa, a erva-mate, pois os colonos do Paraná, em sua maioria,
ocuparam as áreas de terras cobertas com floresta. As áreas de campestres ou de
mata rala não lhes era interessante. A área onde os paranaenses se fixaram foi
chamada pelos imigrantes de Mato Preto.
A abertura de um caminho roçado pela mata para a construção da futura
estrada Dona Francisca, ou estrada da Serra, possibilitou que o primeiro grupo de
viajantes no lombo de mulas, descesse para o litoral. O primeiro produto de troca
entre colonos do planalto com os comerciantes do litoral, após a abertura da picada
por onde a estrada seria construída, foi erva-mate. Chegaram a Joinville em 31 de
maio de 1865, os tropeiros:
Com uma tropa de bestas, conduzindo erva-mate e voltando no dia seguinte
com uma carga de couro curtido na indústria do Sr. Jacob Richlin. Abriu-se
nessa data a via de comunicação para viajantes e para o comércio.
(FICKER, 1965, p. 242)
Em pouco tempo, Joinville se transformou num centro industrial e exportador
de erva-mate. Foram instalados três engenhos de erva-mate, no ano de 1877, por
49
iniciativa de Antonio Sinke, que transferiu seu empreendimento de Morretes, no
Paraná, para Joinville.
A erva-mate se transformou também em atividade econômica para os recém-
chegados colonos de São Bento, que tinham mercado para a erva-mate nativa de
seus terrenos.
O fato foi destacado por Ammon
18
(1923) que afirmou: “os moradores de São
Bento encontraram o recurso de colher a erva-mate que cresce sem cultivo nos seus
terrenos. Com a nova indústria muitos oficiais (o autor não definiu quem eram os
oficiais), encontraram onde ganhar dinheiro”.
São Bento se transformou em fornecedor de matéria-prima para os engenhos
de Joinville.
A data de 24 de junho de 1877 foi importante para São Bento.
Chegou a Joinville a primeira carroça carregada de erva-mate, cobrindo a
distância de mais de 80 quilômetros em um dia e meio de caminhada. Ao
comércio e à industria foi aberto com ligação entre o planalto e o litoral, em
caminho carroçável, uma nova era de progresso (FICKER, 1973, p. 110)
A estrada Dona Francisca nasce como a estrada do mate, dando aos
empresários de Joinville a oportunidade de obter matéria prima para a suas
indústrias. Inicia a partir dessa data a efetiva industrialização da erva-mate em
Joinville. Mas quem realmente ganhava dinheiro com a erva-mate não eram os
colonos imigrantes ou os paranaenses residentes na região, eles ficavam com o
serviço pesado. O comércio de erva-mate em Santa Catarina segundo Ficker (1973,
p. 227), “Era controlado por abastados proprietários dos engenhos de mate, da
indústria ervateira de Joinville e, ricos comerciantes, que ganhavam com a
exportação do produto”.
18
Wolfgang Ammon - nascido em 03 de março de 1859, em Eberwald, Província de Brandenburg,
Alemanha. Emigrou para o Brasil em 1880, e instalou comércio de erva-mate no interior de Campo
Alegre. Em janeiro de 1894, quando aconteceu a Batalha de Tijucas, durante a revolução Federalista,
os feridos são transportados até sua casa comercial, onde são tratados. Em 1895 tornou-se Juiz de
Paz e mais tarde Presidente do Conselho Municipal de Campo Alegre. Afasta-se da política e dedica-
se ao comércio de importação e exportação. Deixou escritos 107 trabalhos literários entre romances,
contos, novelas e outros, além de 60 poesias. Escrevia para jornais da Alemanha e reportagens para
os imigrantes do interior do Brasil. Fixou residência em São Bento, na rua central que hoje leva seu
nome, e em sua casa funciona uma hospedagem de retiro da comunidade evangélica luterana, em
frente a atual Caixa Econômica. (SOARES, 1992, p. 91, 92). Wolfgang Ammon era proprietário de
ervais cujas terras se localizavam entre Marcilio Dias e Taunay, conforme registro de imóveis de
Canoinhas, pesquisado pelo autor deste trabalho.
50
Os empresários do Paraná fizeram pressão sobre o seu governo, para baixar
os impostos e justificaram o seu pedido, alegando que Santa Catarina é forte
competidora do Paraná. Medeiros; Marchiorato (1992, p. 40 e 50) afirmam que o
Inspetor de Rendas do Paraná pede providências ao Governador Dr. Rodrigo
Octavio de Oliveira Menezes, mandando instalar a Barreira fiscal de Rio Preto, pois
Santa Catarina não cobra impostos sobre a erva-mate e os produtores do Paraná
são obrigados a pagar “Além de Taxas do pedágio de 40% do dízimo e as
contribuições municipais”
Santa Catarina tem atualmente em ativo movimento, seis fábricas e
seguindo assim brevemente terá o duplo. Os fabricantes do Paraná que
desejarem continuar em tal negócio serão obrigados a transladar-se para
Santa Catarina para não ficarem arruinados. (FICKER, 1973, p. 219)
Para controlar parcela importante dos ervais, Santa Catarina criou, em 1883,
o Município de São Bento, com limites pela serra do Mar, Serra Geral, rio Preto e rio
Negro. Com essa medida Santa Catarina consolida o domínio político e
administrativo sobre uma estratégica região ervateira do planalto norte.
Após a criação do Município, o Paraná deixou de interferir em São Bento, mas
continuou mantendo postos fiscais nas fronteiras interestaduais. Os conflitos na
região ao sul do Rio Negro, cresciam ou diminuíam conforme o preço ou a procura
pelo produto oscilava.
A contestação verbal e pela imprensa chegou ao limite e a situação tornou-se
crítica, quando em 1909, Aleixo Gonçalves
19
, com um grupo de trabalhadores,
destruiu o posto fiscal paranaense de Rio Preto, fato citado por Machado (2004),
“sendo por isso tratado como herói pela imprensa de Joinville e Florianópolis”.
19
Aleixo Gonçalves de Lima Capitão da Guarda Nacional, antigo maragato rico proprietário de
terras em Rio Negro, produtor de erva-mate. A frente de 500 homens e auxiliado pela polícia
catarinense, transpôs o rio Preto e invadiu o território do Paraná, proclamando que visava impedir a
cobrança dos impostos estaduais. Fez retirarem-se dali os funcionários do fisco e um pequeno
destacamento policial. A façanha teve mais caráter de um protesto. Poucos dias depois o chefe de
polícia do Paraná, à frente de um grande destacamento, restabeleceu as barreiras e deixou no local
uma guarnição suficiente. Três meses mais tarde o Capitão Aleixo foi recebido festivamente em
Joinville. Carros foram esperá-lo nos arredores da cidade e o acompanharam ao hotel. À noite
recebeu manifestações de grande número de pessoas, acompanhadas de uma banda de música.
Houve passeata pelas ruas da cidade ao espocar de foguetes e sob entusiásticas vivas. Aleixo era
apresentado como uma espécie de herói que à frente de um grupo revoltado contra as odiadas
barreiras paranaenses, afugentara a força policial daquele Estado que as guarnecia”. (Jornal Rep.
27-11-1909) citado por Queiroz, 1981, p. 69)
51
3.1 FUNDAÇÃO DA COLÔNIA DONA FRANCISCA
Os primeiros colonos imigrantes europeus que chegaram para fundar
Joinville, vieram por conta da Sociedade Colonizadora Hamburguesa de 1849, em 9
de março de 1851. Segundo Ficker (1965), dos pioneiros, em número de 125, a
maioria era composta de suíços, 61 eram noruegueses e os demais alemães. Dentre
esses imigrantes, muitos eram lavradores, mas havia também outros profissionais. A
colônia, no início, teve desenvolvimento lento, mas com a vinda cada vez maior de
novos imigrantes, o desempenho melhorou e por isso em 1857, os representantes
dos proprietários da Colônia pediram ao Presidente da Província que a povoação
fosse elevada a Vila, pois tinha colonos naturalizados em número suficiente para
participar de processo eleitoral.
A participação política dos habitantes de Joinvile despertou o interesse das
autoridades, pois no ano seguinte, em 1858, o governo federal chamou para a
Corte, no Rio de Janeiro, o Diretor da Colônia Dona Francisca, e representante do
Príncipe de Joinville, o francês Sr. Léonce Aubé. No seu retorno da Corte, foi
convocado a uma audiência com o Presidente Coutinho, da Província de Santa
Catarina. Nessa audiência na capital Desterro,
Ficou assentada e contratada uma das maiores obras da Colônia Dona
Francisca: a construção da ‘Estrada da Serra’, ou ‘Estrada Dona Francisca’,
como foi chamada mais tarde, ligando o litoral do Município de São
Francisco com o Planalto de Curitiba (FICKER, 1965, p. 192)
Os primeiros engenheiros, que partiram de Joinville para fazer o
reconhecimento do planalto, com o objetivo de estabelecer o traçado da futura
estrada Dona Francisca, tomam contato com a atividade ervateira.
O engenheiro Carl Pabst, que havia feito uma viagem de estudo do trajeto
em 1855, encontrou, nas proximidades de Rio Negro, casa de brasileiros. Deixou
registrado em seu diário que esses brasileiros praticavam agricultura de subsistência
e criavam animais domésticos para seu próprio consumo. A atividade que dava
maior rendimento era a colheita das folhas de congonha (erva-mate). Essas folhas
eram encaminhada dentro de jacás, para beneficiamento na cidade de Morretes, no
litoral do Paraná. Para justificar a importância da futura estrada Dona Francisca para
os produtores do mate, fez a seguinte consideração, conforme Ficker, (1973, p. 20):
52
“Para chegarem a esse mercado, gastam os habitantes de Rio Negro 6 a 8 dias de
viagem; pela nova estrada a ser feita, podiam chegar a Joinville e o porto de o
Francisco em metade do tempo”
É importante a informação desse engenheiro, pois fica claro que os brasileiros
residentes ao sul do rio Negro, em território catarinense, exploravam a erva-mate
em meados do século XIX, tendo nela a principal fonte de renda. A observação do
engenheiro de que a nova estrada reduziria o tempo de transporte do produtor para
o porto, realmente se concretizou e foi um fator decisivo para que Santa Catarina
pudesse disputar com o Paraná o rendoso negócio da erva-mate.
A região de Campo Alegre, São Bento do Sul e Rio Negrinho, isolada do
litoral e do caminho das tropas, recebia uma rodovia de acesso aos ervais, a futura
Estrada Dona Francisca. A construção da estrada trouxe preocupação aos
empresários paranaenses e, antevendo a concorrência catarinense, transferiram
seus engenhos do Paraná para Joinville.
[...] industriais e exportadores de mate do sul do Paraná já afeitos ao
preparo e comercio da Havea brasiliensisterem percebido que a Estrada
Dona Francisca encurtava sensivelmente as distâncias do porto de
embarque. [...] Vieram para Joinvile Antonio Sinke, Loyola, Corrêa,
Celestino de Oliveira e outros estabelecer seus engenhos em Joinville a e
casas de despacho em São Francisco do Sul. (OLIVEIRA, 1951, p. 122)
Começa aí uma disputa interessante entre os industriais paranaenses da
erva-mate. Surgem dois grupos de empresários: os paranaenses que se radicaram
em Santa Catarina começam a fazer concorrência aos industriais paranaenses que
permaneciam radicados no Paraná.
O traçado da estrada Dona Francisca foi definido no ano de 1855, fixando o
povoado de Rio Negro como destino final. No ano seguinte, o engenheiro militar
imperial João de Souza Melo Alvim percorreu a picada e aprovou o traçado. Ficou
então acertada a contratação da estrada Dona Francisca por conta do governo
imperial, sob a supervisão da direção da Colônia Dona Francisca. Durante a guerra
do Paraguai, que durou de 1864 a 1870, as obras da estrada sofreram interrupções.
O Paraná queria que a estrada ligasse o litoral de Santa Catarina com
Curitiba. Nesse sentido, nomeou um engenheiro da Presidência do Paraná para
conversar com os diretores da Colônia Dona Francisca. Assim, conforme Ficker
(1973), “em 31 de maio 1865 chegou o Barão von Holleben, sua esposa e filhinha”.
53
Sua visita tinha a finalidade de convencer os dirigentes da Colônia Dona Francisca,
a desviar o traçado da estrada diretamente para Curitiba. O governo do Paraná
percebeu a invasão catarinense ao planalto ervateiro e era necessário preservar a
fonte de matéria-prima para suas indústrias. Era a questão territorial do Contestado
em gestação.
Ficker (1973, p. 26) confirma que “o fato não agradou o comércio do Paraná
que esperava controlar o escoamento das riquezas da Província, a erva-mate e o
gado, através de uma ligação com Curitiba.”
Enquanto o Paraná tentava convencer o governo Imperial a desviar o traçado
da estrada de Rio Negro para Curitiba, chegou do planalto, em 31 de maio do ano
de 1865, a primeira tropa de mulas carregada de erva-mate. Era a estrada Dona
Francisca ensaiando a sua vocação, de futura “estrada do mate” e justificando o
medo do governo do Paraná.
Com a decisão oficial do governo Imperial, em 1867, fixando o ponto terminal
da estrada a vila de rio Negro, o Paraná reagiu e colocou na localidade de
Encruzilhada uma barreira fiscal para cobrar impostos das mercadorias em trânsito.
Fato que Mafra (2002, p. 529), assim descreveu:
No intuito ainda de futuramente alegar, como sempre, ocupação e posse,
transferiu em 1868, para a Encruzilhada em plena mata virgem, a Estação
dos Ambrósios, a 26 quilômetros da margem esquerda do rio Negro (como
confessa o Presidente do Paraná em ofício de 11 de março de 1876) em
território nunca à Santa Catarina contestado.
Nessa barreira ou posto fiscal, conforme denominações da época, o Paraná
cobrava imposto sobre as mercadorias vindas de Joinville para a região de São
Bento, nesse caso, mercadorias vindas de Santa Catarina e que entravam no
Paraná. Cobrava também impostos sobre mercadorias, principalmente gado vivo,
couro e erva-mate, que saíam do Paraná e entravam em Santa Catarina. O alto da
Serra do Mar se tornou a divisa entre o Paraná e Santa Catarina.
54
3.2 FUNDAÇÃO DE RIO NEGRO
Por pedido do Governador de São Paulo, Francisco Souza e Faria partiu de
Viamão no Rio Grande do Sul, atravessou o planalto catarinense cruzou o rio Negro,
onde hoje está localizada a cidade com o mesmo nome, no Sul do Paraná, e chegou
a Curitiba no ano de 1731. Segundo Straforini (2001, p. 28), “Estava aberto o
“Caminho das Tropas”
20
, estabelecendo-se a ligação do Rio Grande do Sul com
Curitiba e incorporando ao antigo trecho Sorocaba-Curitiba”.
Para cobrar imposto sobre as tropas de mulas e gado que passavam por esse
caminho, o Governo da Província de São Paulo, estabeleceu, às margens do rio
Negro, que separa as atuais cidades de Rio Negro no Paraná, e Mafra em Santa
Catarina, um registro fiscal, conhecido como Sertão da Mata ou Mata do Sertão.
A localidade às margens do rio Negro tornou-se importante para a economia
de São Paulo, que tinha nos tributos do gado e mulas, uma grande e importante
fonte de receita. Por isso, o governador, visando a colonizar as margens do
caminho, autorizou em 1816, a vinda de colonos açorianos para a região.
Para dar maior estabilidade à localidade, D. Francisco Mascarenha, o
Conde de Palma, governador da capitania de São Paulo, autorizou o
estabelecimento de cinqüenta casais de portugueses açorianos, que vieram
do Porto de Cima (Morretes). (FERREIRA, 1996, p. 580):
O autor da Revista do Cinqüentenário do Município de Mafra, Dequech,
(1967, p. 5), no entanto, atribui a fundação de Rio Negro ao Barão de Antonina, que
segundo ele, mandou erguer no ano de 1828 a Capela da Mata, sob a invocação do
Senhor Bom Jesus da Coluna. Sob a interferência do mesmo Barão, em 1829
vieram para a região os imigrantes alemães.
Com essas levas de povoadores, Rio Negro se transformou num importante
núcleo colonial, ocupando uma posição estratégica, localizado às margens do
20
Caminho das Tropas Foi o caminho aberto ligando Viamão no rio Grande do Sul a Curitiba
passando por Rio Negro, e seguindo o roteiro oeste, ligando Campo Largo, Itararé e Sorocaba.
Sobre a chegada do primeiro abridor (o termo utilizado no documento era esse mesmo), do caminho,
consta o seguinte relato. A câmara de Curitiba registrou a chegada do Sargento Mor Francisco de
Souza e Faria, o qual veio da abertura do caminho do rio Grande de São Pedro, aos dezenove dias
do mês de setembro, de mil setecentos e trinta e um anos, nesta vila de Curitiba.” (EHLKE, 1973, p.
141).
55
caminho das tropas, às margens de um rio navegável e no centro dos ervais do
Paraná.
As autoridades paranaenses e os empresários do mate percebendo a
movimentação dos catarinenses, abrindo uma estrada dentro da zona ervateira que
abrangia a região de Campo Alegre, São Bento e Rio Negrinho, trataram de garantir
a posse da área do rio Preto até o rio Canoinhas, ao sul do rio Negro.
A Assembléia Provincial do Paraná, pela Lei 219, de 02 de abril de 1870,
elevou à categoria de vila, a freguesia de Rio Negro. A Instalação deu-se em 15 de
novembro de 1870. Os limites ao sul do rio Negro, na área hoje catarinense: a oeste
o rio Canoinhas, ao Sul a Serra Geral e a oeste o Ribeirão do Turvo, desde a sua
embocadura até a sua nascente - que hoje corta a cidade de Campo Alegre. Assim,
a área que abrangia parte de Campo Alegre até as nascentes do rio Canoinhas era
território do Município de Rio Negro. Com a instalação da Câmara em 15 de
novembro de 1870, o projeto de posturas da Câmara determinava o aforamento e
arrendamento dos ervais de propriedade do Governo Municipal.
Figura 1 MAPA DE RIO NEGRO Limites da Vila de Rio Negro, criada pela Lei 219 de 02 de abril
de 1870, com território ao norte e ao sul do rio Negro. Ao sul do Rio Negro, Santa Catarina contestava
a expropriação dessas terras pelo Paraná.
56
O Município catarinense de Mafra, até o ano de 1917, pertencia ao Município
de Rio Negro, e obedecia à mesma legislação. O autor da revista sobre o
cinqüentenário de Mafra relata que:
A Câmara loteava suas terras no rocio da Vila, ou melhor cedia por
aforamento a quem solicitasse, mediante certas exigências de uso e de
taxas, entretanto respeitada a área do perímetro urbano da margem
esquerda, a área limítrofe, não era oferecida a quem a requeresse, da forma
como era as da margem direita que imediatamente reuniu grande número
de pequenos proprietários e agricultores. (DEQUECH, 1967, p. 7)
A Câmara controlava a atividade ervateira no Município de Rio Negro,
confirmando-se a suspeita de que no Paraná, a erva-mate era tratada como questão
de Estado. A riqueza da erva-mate transformou a vila de Rio Negro num centro
econômico, produtor e exportador. A erva-mate na década de 1850 representava
85% das exportações da Província. Aqueceu a economia e segundo Corrêa, (2006,
p. 23) constituiu uma nova elite local “influentes atores no poder político do Paraná
Imperial”. Com isso pode-se afirmar concluir que se tornou fácil utilizar o blico em
benefício do privado.
A futura Colônia Agrícola o Bento, fundada em 1873, foi contestada pelo
Paraná, alegando que ela se localizava em território de Rio Negro.
Ciente da sua imprevidência, a direção da Colônia Dona Francisca, em 30 de
setembro de 1873, encaminhou um ofício à Câmara Municipal de Rio Negro,
informando que em 20 de setembro mandou para o Vale do Rio Negro, entre os rios,
Negrinho e rio São Bento para fundar a nova Colônia Agrícola São Bento, (Ficker,
1973, p. 49), “os primeiros 70 pais de famílias dos emigrantes recém-chegados para
as terras devolutas”.
3.3 O PARANÁ AVANÇA SOBRE OS ERVAIS CATARINENSES.
A erva-mate segundo Riesemberg (1947, p. 207), “figurou por muitos anos,
em segundo lugar na balança comercial da exportação nacional”. Como a erva-mate
chegou a ser responsável por
2
/
3
da exportação do Paraná, pode-se avaliar o
poderio econômico dos empresários do mate e a sua força política para postergar,
por longos anos, a solução da questão territorial entre Paraná e Santa Catarina.
57
Sem dúvida foram eles que possibilitaram a instalação gradativa de sertanejos, para
explorar o produto dos ervais catarinenses.
O engenheiro Augusto Wunderwald, contratado pela Sociedade Colonizadora,
fez três expedições ao planalto para demarcar a picada por onde seria construída a
estrada Dona Francisca. Na expedição de 1854, relatou que não encontrou vestígios
de moradores. Na expedição de 1858, relatou a existência de uma casa de caçador
de antas, habitada por mulheres e crianças. Na terceira expedição no ano de 1865,
havia no Planalto, picadas abertas e alguns ranchos mas não encontrou
moradores. Conforme Ficker (1973, p. 34): “[...] mas na direção de Rio Negro e no
Campo Jararaca, o engenheiro encontrou uma casa que pertencia a um certo
“Maneco Franco”, morador de Curitiba.”
21
Além da casa de Maneco Franco, registrou a presença de trabalhadores na
direção de Rio Negro ocupados em fazer mate.
3.4 PARANAENSES OCUPAM O SUL DO RIO NEGRO
Com base nos relatórios dos engenheiros que demarcaram o trajeto da nova
estrada ligando o litoral ao planalto, nos quais informam que a área era desabitada,
a Sociedade Colonizadora de Hamburgo requereu junto ao Governo Federal áreas
de terras devolutas para iniciar a Colônia Agrícola o Bento, vendendo lotes
coloniais aos imigrantes europeus. Sua atividade tinha apoio na Lei de Terras
aprovada de 1850, e que, segundo Piazza, (1994, p. 133) “dispunha sobre as terras
21
Maneco FrancoManoel de Oliveira Franco, ou simplesmente Brigadeiro Franco, é homenageado
com a denominação de uma importante rua no centro de Curitiba. Nas pesquisas realizadas no
Arquivo Paranaense, foram levantados vários terrenos de sua propriedade ao sul do rio Negro: 1- no
Município de Campo Alegre, na localidade de Encruzilhada, em cujo terreno o Paraná instalou a
barreira fiscal de Encruzilhada. Neste local também foi instalado no final do século XIX, um engenho
de erva-mate de sua propriedade. 2 - registro de terras entre Campo Alegre e São Bento no local
denominado Jararaca; 3 - a área que mais causou problemas, foi a localizada a oeste do rio São
Bento, onde a Sociedade Colonizadora de Hamburgo, vendeu vários lotes para imigrantes europeus,
sem saber que a área tinha dono desde 1854 e que abrangia a área de todo o atual município de Rio
Negrinho e parte do atual município de São Bento do Sul. O Brigadeiro Franco faleceu na década de
1870, mas seu genro Bento dos Santos Martins ganhou vários processos contra a Sociedade
Colonizadora de Joinville por ter invadido a área de seu finado sogro. Ficker (1973, p. 151) informa
que o processo contra Bento Martins foi julgado improcedente... e Bento Martins processou os
colonos, que foram condenados pelo Juiz de Joinville. ”O Diretor da Colônia Dona Francisca
queixava-se conforme Ficker (1973, p. 152) [...] como genro do Brigadeiro Manoel de Oliveira Franco
acha-se Bento Martins bem protegido...”.
58
devolutas no Império e determinava a sua medição, demarcação e utilização em
colonização”. O Governo visava, com essa lei regulamentar a atividade agrícola no
Brasil, incentivando expansão da pequena propriedade produtora de alimentos.
Os habitantes nacionais encontrados pelos engenheiros a partir de 1865
vieram do norte do rio Negro. O governo do Paraná vendeu áreas na região de São
Bento ao sul do rio Negro, e emitiu título de propriedade provisória a paranaenses.
Muitos ficaram residindo na região.
Havia ranchos erguidos às margens do Rio Negro, na direção de Campo
Alegre e, nos Campos de Jararaca, havia uma casa pertencente ao Brigadeiro
Franco, residente em Curitiba, que era também proprietário de terras em São Miguel
no atual município de Campo Alegre e de toda a área do atual município de Rio
Negrinho e de parte do município de São Bento.
Apesar dos protestos da Sociedade Colonizadora, uma área que pertencia ao
Brigadeiro Franco foi legalizada para seu genro Bento Martins. Os engenheiros que
demarcaram a área de colonização em São Bento desconheciam que as terras
localizadas a oeste do rio São Bento, pertenciam ao Brigadeiro Franco, com divisas
pelo rio Negro, Serra Geral e pelo rio Preto. Portanto, o projeto da Colônia Agrícola
São Bento estava quase um terço em cima de terra de um dos maiores empresários
do Paraná, com escritura legal, com posse desde 02 de julho de 1849. Para
negociar essas terras, a Cia Colonizadora teve que indenizar os seus herdeiros,
legítimos proprietários.
O governo do Paraná, através de seus agentes, facilitou a ocupação dos
ervais por colonos e ervateiros daquela Província. Vendeu e legalizou terras em São
Bento, em 1872, a Francisco Antonio Maximiano e a Antonio dos Santos Siqueira.
Inúmeras outras famílias habitavam a região de Fragosos e a maioria da
região de Campo Alegre e áreas do planalto catarinense ao sul do rio Negro,
estavam de posse efetiva de paranaenses, quando Santa Catarina resolveu
conquistar a região a partir da segunda metade do século XIX.
59
3.5 REAÇÃO CATARINENSE FUNDAÇÃO DE SÃO BENTO, UMA COLÔNIA DE
IMIGRANTES EM TERRITÓRIO CONTESTADO
A história da região do sul do Rio Negro, no passado coberta por ervais, é
pouco conhecida, e por isso, pouco divulgada. Na historiografia catarinense, a área
geográfica, onde se localizam os municípios de Campo Alegre, o Bento e Rio
Negrinho não é reconhecida como território Contestado.
Território Contestado é toda a ampla área geográfica no tempo presente,
integrante das regiões Sul e Sudoeste do Estado do Paraná, e do Norte e
Oeste do Estado de Santa Catarina, que foi objeto de limites: ao Norte, os
rio Negro e Iguaçu; ao Sul, os rio Canoas e Uruguai: a Leste, inicialmente
pela Serra Geral e depois pelo rio Canoinhas, o rio Timbó, o rio do Peixe, e
o rio Marombas; e a este, a fronteira do Brasil com a Argentina. (THOMÉ,
2004, p. 13)
Esta pesquisa mostra que a região de Campo Alegre, São Bento e Rio
Negrinho, foi onde a questão territorial entre Paraná e Santa Catarina se agravou,
havendo inclusive ameaças de guerra, de forma verbal e por escrito. Por ser uma
área geográfica onde ocorreu a questão de limites entre o Paraná e Santa Catarina,
é um território Contestado, apesar do Contador da Tesouraria Provincial do Paraná,
afirmar, em 8 de janeiro de 1876, segundo Medeiros; Marchiorato (1992, p. 6), que a
barreira de Encruzilhada “estava em território de posse nunca contestada”. Houve
uma acirrada disputa territorial, inclusive com ameaças de morte. As batalhas da
Guerra do Contestado, (1912-1916), ocorreram próximas da fronteira de São Bento
com Itaiópolis, onde Antonio Tavares montou o seu reduto.
O inspetor Joaquim de Almeida Faria Sobrinho, da Fazenda Provincial, em
ofício ao Presidente da Província do Paraná, Dr. Adolpho Lamenha Lins, em 7 de
março de 1876, conforme a Medeiros:Marchiorato, (1992, p. 12), assim se referiu à
Província de Santa Catarina: “Sua contestação apareceu depois da promulgação do
Decreto n. 3378 de 16 de janeiro de 1865, que, tomando por base nossa posse
assinalou a Serra do Mar como limite entre o Paraná e aquela Província”.
O limite a leste do território contestado é a Serra do Mar, que foi cortada pela
estrada Dona Francisca, origem da contestação entre Paraná e Santa Catarina ao
sul do rio Negro, e não a Serra Geral.
60
A disputa territorial, também conhecida como “questão do contestado” foi se
agravando com o passar dos anos. Os sertanejos foram expulsos dos ervais, e, se
quisessem ficar, tinham que se sujeitar a trabalhar em regime de semi-escravidão
para os empresários do mate. Os que não se sujeitaram, afastaram-se dos ervais do
vale do rio Negro e foram se agrupar em redutos na região de Curitibanos, onde os
ervais não eram tão densos, onde a disputa dos empresários não era ainda tão
grande. A situação, segundo Ribas (2004), “fugiu do controle das autoridades, a
partir de 1912, quando a questão limítrofe, se confundiu com o movimento dos
fanáticos seguidores do suposto monge José Maria, elemento que se fixou neste
território.”
Quando a estrada Dona Francisca alcançou o alto da Serra do Mar, a
Diretoria da Colônia Dona Francisca, com sede em Joinville, solicitou autorização ao
Governo Federal para comprar uma área de terras devolutas no planalto, a fim de
ampliar a área colonial. Segundo Ficker (1973, p. 177), “Em 1865 foi assinado com o
Governo Imperial, em 18 de abril, concedendo 247 quilômetros quadrados de terras
ao longo da estrada Dona Francisca”.
Inicialmente, demarcou-se uma área na região de o Miguel, próximo a
Campo Alegre. Os primeiros colonos que ocuparam a região tiveram que desistir
dela, pois o subsolo é formado por caulim, portanto imprópria para a agricultura. A
Direção da Colônia então mandou demarcar uma área mais para oeste, às margens
do riacho conhecido como rio São Bento, onde instalou a sede da nova “Colônia
Agrícola São Bento”.
Mesmo sabendo que a área estava sob a jurisdição da vila de Rio Negro,
Paraná, foram mandados 70 colonos para a região, que tomaram posse dos seus
lotes em 23 de setembro de 1873.
A Direção da Colônia Dona Francisca foi imprevidente mandando colonos
europeus para uma área contestada. Este fato foi comunicado por ofício à Câmara
de Vereadores de Rio Negro, em 30 de setembro de 1873. Analisando a atitude da
Direção, Ficker (1973, p. 49) comentou: “Temos a impressão que este ofício não
agradou muito os Vereadores da Câmara Municipal de Rio Negro da Província do
Paraná”.
A reação do Paraná não tardou a acontecer. Enquanto os colonos europeus
iam sendo instalados em lotes demarcados, autoridades do Paraná continuavam
entregando títulos de posse a colonos daquela Província. Dentre os novos colonos
61
brasileiros que receberam terras, pode-se citar Antonio dos Santos, Joaquim Pinto
de Oliveira, Antonio Pereira de Lima.
Indignado com a situação, o diretor da Colônia Dona Francisca, enviou ofício
ao Presidente da Província de Santa Catarina em 17 de março de 1874,
denunciando que colonos do Paraná, que ele chamou de intrusos, estavam fazendo
roças em terras de colonos europeus.
Parte do ofício foi transcrito por Ficker (1973, p.74), “Temos todos os motivos
para supor que alguns destes intrusos, receberam instrução da Província do Paraná,
para invadir lotes da Colônia São Bento e fazer ali suas roças”
Como a questão de limites deveria ser resolvida entre as duas Províncias, a
Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo, apesar de ter comprado as terras
do Governo Federal como devolutas, não podia tomar posse de vasta área ao sul do
rio Negro, pois a mesma tinha sido vendida a colonos paranaenses pelo governo do
Paraná, então tinham sido vendidas duas vezes. A área de terra adquirida pela
Sociedade, era em forma quadrada, fazendo divisas a leste, com a fazenda de
Francisco Teixeira de Freitas, na serrinha Gatz; ao sul com as terras do Conde D’Eu,
no divisor das águas do rio Itapocú; a oeste com as terras do Brigadeiro Franco; ao
norte com o rio Negro e foz do rio São Bento. Dentro dessas terras, havia duas
fazendas legalizadas no Paraná, a de Francisco Antonio Maximiano e de Antonio
dos Santos Siqueira. Mas havia moradores que receberam título de propriedade
provisório do Paraná, e que não tinham ainda escrituras registradas.
O interessante é que o Diretor da Colônia Dona Francisca sem conhecer a
região, estabeleceu por ofício de 10 de agosto de 1868, os limites dos 247
quilômetros quadrados requeridos ao governo federal. Estes foram descritos por
Ficker, (1973, p. 29)
[…] que estas terras sejam limitadas ao Norte pelo declive setentrional da
serra de São Miguel, (nome regional dado à Serra do Mar), ao Leste pelas
terras S. A. R., o Príncipe de Joinville, e ao Sul pelo Rio Itapocú e a Oeste
até a estrada que conduz a Colônia Rio Negro à Lages.
Por esta demarcação, a área de terra requerida pela Direção da Colônia
abrangia uma enorme região do Planalto Norte, desde a serra do Mar até o caminho
das Tropas, onde poderiam ser demarcadas algumas dezenas de áreas, do
62
tamanho da requerida. Isso mostra claramente a confusão que a Sociedade
Colonizadora, criou no Planalto, ao sul do rio Negro.
São Bento era um projeto imobiliário capitalista internacional, da Sociedade
Colonizadora de 1849 em Hamburgo, na Alemanha. Essa empresa desenvolvia
várias atividades, como o transporte de mercadorias, de imigrantes, venda de terras,
de gêneros alimentícios, ferramentas e máquinas. Os brasileiros que residiam na
área, chamados de intrusos que não possuíam título de posse definitivo, fornecido
pelo Governo do Paraná, foram expulsos de suas terras para que o projeto de
colonização pudesse se concretizar.
A Direção era responsável pela administração da Colônia Dona Francisca em
Joinville, e da Colônia Agrícola São Bento, às margens do rio São Bento, no Planalto
Norte. Para minimizar o problema e não entrar em confronto com o Paraná, deixou
de vender lotes na área ocupada por paranaenses, concentrou a venda de lotes em
terrenos ao sul da estrada Dona Francisca, onde hoje se encontra a cidade de São
Bento do Sul e aguardou a negociação de limites entre os Governantes das duas
Províncias do Império.
Após muitas gestões entre o Governo de Santa Catarina e Direção da Colônia
Dona Francisca, o Governo do Paraná, reconhecendo a propriedade da Sociedade
Colonizadora, das terras adquiridas do Governo Federal, fez acordo com os colonos
brasileiros, fornecendo-lhes outras áreas. A maioria aceitou, mas outros resolveram
permanecer na região, e continuaram residindo entre o rio Negro e a Colônia São
Bento. Outros deixaram a região, como foi o caso de Francisco de Paula Pereira,
que foi residir às margens do rio Canoinhas.
A presença de colonos brasileiros foi importante para os colonos europeus,
ajudando na derrubada da mata e preparação da roça e mais tarde na produção do
mate. Essa simbiose entre o colono brasileiro e o europeu no início da colonização
foi destacada por Ficker, (1973) autor do livro São Bento do Sul - subsídios para sua
história. Ele afirma que: “Sempre havia um intenso intercâmbio entre colono e
caboclo, principalmente em produtos naturais, peles, fumo, mate, gado bovino e
eqüino, em troca das necessidades do caboclo em produtos manufaturados”.
Conforme o autor supracitado, os brasileiros vendiam aos colonos produtos
naturais, entre eles o mate. Ou seja, o mate foi consumido pelos colonos europeus
desde o início da colonização dessa região.
63
A erva-mate, desde o início da colonização de São Bento, a partir de 1873,
era um produto conhecido e negociado por nacionais e imigrantes. Os nacionais
como produtores e consumidores e os imigrantes no início como consumidores. Mas
logo se integram na produção, como relatou um dos primeiros imigrantes de São
Bento, em uma crônica, que no ano de 1877 foi instalada uma indústria de erva-
mate em Joinville. Ammon, (1923, p. 26) afirma que “Com a introdução da indústria
da erva-mate na Colônia Dona Francisca, os moradores de São Bento encontrarão o
recurso de colher a erva-mate que cresce sem cultivo nos seus terrenos”.
A matéria-prima para a indústria de erva-mate de Joinville, vinha do planalto,
principalmente de São Bento, onde os terrenos dos imigrantes eram cobertos de
ervais nativos.
3.6 CRIAÇÃO DE POVOAÇÕES AO SUL DO RIO NEGRO
A região ao Sul do rio Negro era habitada por sertanejos que ocupavam as
margens do caminho das tropas e dos rios que cortam a região, cultivando produtos
agrícolas para sua subsistência, criando pequenos animais e extraindo e produzindo
erva-mate em terras devolutas, em sua maioria vindos do interior do Paraná. Com a
atitude da câmara de Rio Negro criando uma lei para controlar a extração da erva-
mate em sua jurisdição, e mais tarde com a concessão recebida pela Cia. Industrial
Catarinense para explorar os ervais em praticamente toda Santa Catarina,
inviabilizou a subsistência dos sertanejos ervateiros. Explorar erva-mate em território
devoluto era proibido para eles. Outro agravante ocorreu quando o Governo Federal
republicano disponibilizou as terras devolutas para que os Estados pudessem
realizar a colonização, preferencialmente com estrangeiros que podiam pagar a
terra, expulsando definitivamente os sertanejos de seu habitat.
No final do século XIX, a passagem das terras devolutas para a
competência dos Estados, deu margem ao despejo de posseiros que viviam
nos confins da região contestada e se viram sem terra, sem emprego ou
sem fonte de subsistência, tornando-se presas fáceis de alguém que lhes
descortinasse as chances de uma vida melhor. (RIBAS, 2004)
64
Ao Sul do vale do rio Negro, o primeiro Governo Republicano autorizou a
fundação, em 1891, de uma colônia federal agrícola, chamada Colônia Lucena
22
,
com predominância de colonos poloneses e alguns de origem alemã. O novo
governo assumiu os compromissos de colonização firmados pela Monarquia.
Aumentou a fiscalização federal sobre as colônias de imigrantes, e regularizou a
criação de novas colônias. Segundo Cabral (1968, p.307), “em 1895 o governo
passou para o Estado do Paraná, os encargos da mesma desistindo dos serviços de
colonização da zona”.
Como a colônia Lucena estava localizada em território da vila de Rio Negro, o
Paraná assumiu a sua administração.
Os primeiros lotes demarcados foram de imediato ocupados. Segundo Piazza
(1994, p 240), no ano de 1895, “achavam-se ocupados todos os lotes aentão
vagos e foram medidos mais duzentos lotes que incontinenti foram ocupados por
colonos de origem polonesa, como os anteriores”.
Devido ao seu rápido crescimento, o governo do Paraná em fevereiro de
1896, criou o Município de Itaiópolis separado do município de Rio Negro.
No livro Colônia Lucena Itaiópolis, organizado por Rodycz (2002), estão
citadas por Romão Wachowicz, as memórias do colono, e imigrante polonês
Koscianski. Ele lamenta que havia dificuldades em conseguir dinheiro com a
agricultura, (plantava milho, feijão, trigo e centeio), por falta de compradores. Para
esse imigrante e para os demais, a verdadeira fonte de renda era a erva-mate.
Sobre a erva-mate Koscianski fez a seguinte afirmação: Rodicz (2002, p. 421): “A
erva-mate oferecia o melhor rendimento, entre os demais. Durante anos manteve um
preço compensador. Nessa época, comprei 30 alqueires de terra com o pensamento
de colonizá-los com erva-mate”.
22
Colônia Lucena, atualmente Itaiópolis, foi criada como uma Colônia Federal em 1890, na região
em que nascem os rios São João, Lança, Rio Negrinho, São Lourenço, Preto, entre outros.
Anteriormente, ainda sob a jurisdição paranaense, as paragens tinham sido ocupadas, ao que se
conta, pelas famílias de João Reichardt, José Wergenonski e João Becker. Os primeiros colonos
chegaram em 1891 e eram de nacionalidade inglesa, ex-trabalhadores das fábricas de Londres,
acrescidos de alguns polacos e russos. Em 1895 o governo passou para o Estado do Paraos
encargos da mesma, desistindo dos serviços de colonização da zona. Sob a direção do Estado foram
encaminhados para o núcleo algumas famílias rutenas, idas de São Paulo e afeitas à vida agrícola
Dois anos mais tarde, uma nova remessa se fez, contando-se também elementos de origem
polonesa. Além desses, pela mesma época se localizaram em Lucena muitos alemães que haviam
saído de São Bento, aumentando, assim, a sua população. Em 1909, foi emancipada, passando
depois para a jurisdição catarinense, e vindo a constituir o Município de Itaiópolis, em 1918, criado
pela lei n. 1 220, de 28 de novembro, desmembrando-se de Mafra. (CABRAL, 1968, p.308, 308)
65
Assim como outras regiões ao sul do rio Negro, também Itaiópolis, os
agricultores tinham na erva-mate uma fonte de renda suplementar à agricultura.
O Paraná fez do Município de Rio Negro, criado em 1870, o centro irradiador
da colonização nas duas margens do rio Negro. Segundo Cabral (1968, p. 307), “O
movimento colonizador prosseguiu, tendo sido encaminhados para a zona, em 1877,
os primeiros romenos de língua alemã - bucovinos, seguidos, em 1891, de
poloneses e, em 1895, de russos e rutenos”.
Além de Lucena, foram fundadas também as povoações de Papanduva e
Três Barras. A primeira se localizava às margens do caminho das Tropas, servia
como pouso de tropeiros e ali também foi instalada uma missão para catequizar os
índios Xokleng, a Missão de São Tomás de Papanduva, a mando do governo
federal, em 1877. Papanduva também era coberta de ervais, segundo informações
do ex-prefeito Juvino Tabalipa, (1975). Três Barras pertencia, até o final da Guerra
do Contestado, ao Estado do Paraná. A área era a “Sesmaria das Três Barras”,
registrada legalmente na Paróquia de Palmeira- PR, para a família Pacheco.
Localizada às margens do rio Negro e próxima à foz do rio Canoinhas, era um
importante centro ervateiro e madeireiro e, mais tarde, foi sede da serraria Lumber.
O povoamento da região de Três Barras ocorreu devido à grande quantidade
de erva-mate existente na região.
O povoamento do atual município verificou-se a partir de 1882, quando o
Coronel Amazonas Marcondes obteve do governo imperial (leia-se D. Pedro
II), a concessão para explorar o transporte fluvial dos rios Iguaçu, Negro e
seus afluentes, com a finalidade específica de promover a extração da erva-
mate nos seus respectivos vales. (MACHADO, 1986, p 3)
O Coronel Amazonas Marcondes era um grande empresário e político do
Paraná e foi pioneiro na navegação pelo rio Iguaçu, Negro e seus afluentes. Os
barcos de Marcondes podem ter transportado erva-mate através do rio Canoinhas.
A partir de União da Vitória, os paranaenses fundaram as localidades de
Valões, hoje Irineópolis, Poço Preto e Vila Nova de Timbó. Essa última localidade foi
incorporada a União da Vitória.
Conforme Silva (1933, p. 111), “A Lei. N. 1350, de 16 de abril de 1913, cria o
Distrito de Timbó, no município de União da Vitória”.
Nos vales do rio Timbó e rio Paciência, entre Canoinhas e Porto União, houve
acirrada disputa de terras entre grandes empresários e fazendeiros do Parae os
66
pequenos criadores, lavradores, e ervateiros que não puderam mais trabalhar na
região.
Enquanto o Paraná ocupava as terras devolutas ao sul dos rios Negro e
Iguaçu, Canoinhas se isolava como localidade catarinense, mas o seu mercado
consumidor de erva-mate estava no Paraná.
Santa Catarina criou oficialmente uma localidade catarinense dentro do
município de Rio Negro. Segundo Ficker (1973, p. 164), “Santa Catarina, através da
Assembléia Provincial, aprovou a Lei n. 875 de 05 de março de 1880,
desmembrando de São Bento, o território compreendido pela margem esquerda do
rio Preto, denominado de São Lourenço
23
.
São Lourenço está situado ao sul do rio Negro, às margens do caminho das
Tropas e fazia parte do Município de Rio Negro. Atualmente é uma localidade
pertencente ao Município de Mafra. Essa medida desagradou os governantes do
Paraná.
Ainda no mês de março, o coletor da Vila de Rio Negro, João Bley informou
ao Inspetor de impostos da Província do Paraná Alfredo Caetano Munhoz, que o
comerciante joinvilense José Elias Moreira se instalou com casa de negócios em
São Lourenço, a 8 quilômetros do centro desta vila. Intimado a pagar os impostos
23
São Lourenço localidade a oeste da cidade de Mafra, no antigo caminho que ligava Mafra a
Canoinhas, ao sul do rio Negro. A nova estrada asfaltada isolou a vila. No passado a Vila era muito
importante, pois localizava-se às margens do caminho das tropas, e era a última parada antes da
tropa cruzar o rio Negro. Na história encontramos referência sobre São Lourenço em Ehlke, (1973, p.
139): o Sargento-mor Francisco de Souza e Faria recebeu do governador de São Paulo Caldeira
Pimentel, a missão de abrir um caminho que ligasse a Capitania de São Paulo aos Campos de
Curitiba. Com 35 pessoas entre índios e brancos, iniciou a abertura do caminho em Araranguá, no
sitio Conventos. Cruzou o planalto catarinense, a Serra do Espigão, cruzou o rio Canoinhas, e na
região onde denominou o rio São João, seguiu por campos e matos até outro rio que ele chamou de
São Lourenço, com largura de 20 braças e passando esse seguiu por campos e restingas, até outro
rio, que por muito negro e fundo lhe chamam de rio Una, (Rio Negro), nele fez alguns pastos, e
deixou uma boa canoa de pinheiro, e só nele achou indícios de gente. Seguindo em frente chegou em
Curitiba, no dia de Nossa Senhora da Luz, no ano de 1730. Outra referência também citada por
Ehlke, (1973, p. 153), remete ao roteiro do sul, de 1745, do Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria o
qual ele descreve que, em 15 de novembro, entraram no mato de São Lourenço, onde pernoitaram
junto ao arroio que deságua no rio Negro. Por estar localizado num ponto estratégico, às margens do
Caminho das Tropas, importante ligação com o sul do Brasil, segundo o autor supra-citado (1973, p.
148) “Durante a revolta dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, veio de São Paulo igualmente uma força
do Exército do Batalhão de Montanhas (em 1835), que acampou no lugar denominado São Lourenço,
ao sul do Rio Negro, onde existia uma construção pertencente ao Governo, destinada a acomodar os
trabalhadores da Estrada da Mata, ali permanecendo até o ano de 1845”. A construção a que o autor
se refere está citada na revista do Cinqüentenário do Município de Mafra como sendo construída pelo
Barão de Antonina quando no início século XIX retificou trechos da estrada das Tropas e chamava-se
abarracamento de São Lourenço. Com a construção da estrada Dona Francisca, cresceu a
importância estratégica da Vila, pois por ela passavam pessoas e mercadorias no sentido norte e sul
e leste e oeste.
67
municipais em Rio Negro, alegou que os havia pago em Joinville. O coletor faz o
seguinte registro:
Pelo conhecimento que apresentou-me vê-se que o dito indivíduo pagou
a 3a. e a 2a., que se refere a taverna no entanto ele tem fazendas,
molhados ferragens e armas de fogo, que não podem ser classificada
naquela classe (MEDEIROS, 1992, p. 66).
A venda de armas de fogo pelo comércio de José Elias Moreira, denunciado
pelo Paraná, abre a possibilidade de se suspeitar que os comerciantes de erva-mate
de Joinville também introduziram armas de fogo na região do Contestado, que mais
tarde foram utilizadas na guerra.
Enquanto os paranaenses colonizam quase todo o Planalto, garantindo o uti
possidetis na questão de limites, desde o rio Preto, na divisa do atual município de
Rio Negrinho com Mafra, até a divisa com a Argentina, os catarinenses, ao fundar
São Bento em 1873, cravaram uma cunha numa parte importante do território
pretendido pelo Paraná.
A partir de São Bento, os catarinenses ajudaram a fundar a povoação de
Canoinhas, transformada em distrito de Curitibanos, no ano de 1902. Apesar de a
sede possuir apenas 60 casas, foi elevada a município em 12 de setembro de 1911.
A erva-mate foi por um grande fator de atração de trabalhadores dos ervais para
essa região coberta de pinheiros, imbuías e ervais. A partir de 1874, Manoel
Gonçalves da Rosa foi autorizado pela Assembléia Legislativa Provincial de Santa
Catarina, a navegar pelo rio Negro e seus afluentes.
Amazonas Marcondes inicia a navegação em Três Barras 1883, Silva (1941,
p. 20) descreve que “Por muito tempo, quase que foi a única atividade dos
canoinhenses. Preços compensadores, a erva-mate representava riqueza e
prosperidade”. De Canoinhas por via fluvial e erva-mate era direcionada para
Curitiba, via rio Iguaçu e para Joinvile, via rio Negro. De Rio Negro a erva-mate era
transportada por carroças para Joinville. Nesse trajeto ocorriam as discussões com
os fiscais dos postos do Paraná pela cobrança de impostos da erva-mate
catarinense. Em 1909, semanas após Aleixo Gonçalves ter atacado o posto fiscal de
Rio Preto, na divisa de Mafra com Rio Negrinho, os fiscais do Paraná prenderam
cerca de 20 carroças de erva mate de propriedade do Coronel Bernardo Olsen. Essa
erva estava sendo transportada de Canoinhas, via porto de Rio Negro. Portanto,
68
mesmo antes de ser reconhecida como Município em 1911, a economia local
dependia da exploração da erva-mate. Canoinhas se tornou a segunda cunha
catarinense, cravada dentro do território pretendido pelo Paraná.
4 SANTA CATARINA ENTRA NA DISPUTA ECONÔMICA DO MATE COM A
COMPANHIA INDUSTRIAL CATARINENSE
Em final de 1890, as grandes empresas de erva-mate de Joinville, conforme
Almeida (1979, p. 29) eram: “Abdon Baptista & Oscar, Augusto Ribeiro & Procópio,
Oliveira & Genro, Ernesto Canac & Cia, Mira & Ribeiro e F. Kaminsky & Cia”. Nesse
ano se uniram e fundaram a Companhia Industrial Catarinense. Essa empresa se
tornou a maior exportadora de erva-mate de Santa Catarina. Participavam do grupo
ainda as filiais de São Bento, das empresas Augusto Ribeiro & Procópio, Oliveira &
Genro, Ernesto Canac & Cia e Mira & Ribeiro.
A nova empresa solicitou e foi autorizada a funcionar através do Decreto
Federal n. 1273, de 10/01/1891. A Companhia era dirigida por empresários que
eram, ao mesmo tempo, líderes políticos na região e no Estado: Abdon Baptista,
Ernesto Canac e Procópio Gomes de Oliveira, todos eles comandaram a política de
Joinville, seja como presidente da Câmara Municipal ou como superintendentes
(prefeitos), deputados e mesmo vice-governador do Estado.
Ainda no ano de 1890, a Câmara Municipal de São Bento, no mês de
dezembro, por unanimidade, concedeu à Companhia Industrial Catarinense de
Joinville, a permissão para explorar erva-mate em terrenos devolutos dos atuais
municípios de o Bento do Sul e Rio Negrinho e Campo Alegre. Segundo Ficker
(1973, p.291) “A intendência Municipal (de São Bento), em sessão de 6 de
dezembro, resolveu, unânime, apoiar a petição e oficiar nesse sentido ao
Governador”.
A Companhia Industrial, também conseguiu permissão para explorar erva-
mate, por um período de 20 anos, conforme Almeida (1979, p. 30), “em terrenos
devolutos dos municípios de São Bento do Sul, Blumenau, Curitibanos, Campos
Novos, Tubarão, Lages e São Joaquim”.
Os empresários do mate catarinense, segundo Oliveira (1997, p. 30)
constituíam:
A classe comercial, detentora de recursos financeiros, influenciava a vida
econômica (pela ampliação de seus negócios: serrarias, engenhos do mate,
filiais), liderava a política local, unia interesses e dirigia suas iniciativas para
a instalação de infra-estruturas básicas, a exemplo da água encanada,
construção da estrada de ferro, instalação de luz elétrica e telefone.
70
A classe empresarial da erva-mate catarinense, participava ativamente da
política e usava o público em benefício do privado. Para isso utilizava o Estado, a
serviço dos empreendedores. O Estado por sua vez, mobiliza-se para criar as
condições para que a sociedade fosse submetida ao mercado. Com isso gerou-se
um novo sistema social, onde todos os indivíduos se tornaram uma engrenagem que
era de fato uma máquina, para qual o homem estava condenado a servir. (POLANYI,
1944)
O Decreto Federal de 1891, praticamente encerrou a atividade extrativista
autônoma dos sertanejos em áreas devolutas. A eles restavam poucas alternativas,
ou trabalhavam para a Companhia Industrial ou para os seus braços terceirizados
formados por pequenos fabricantes de erva-mate. Estes estavam espalhados por
toda a região e preparavam a erva-mate cancheada, ou seja, pelo processo primitivo
e recebia o beneficiamento final nos engenhos em Joinville ou em São Bento. Quem
não aceitasse trabalhar nas condições impostas, abandonava a atividade ervateira.
Quem primeiro desapropriou os sertanejos catarinenses foram os
empresários do mate de Joinville, de São Bento, do Paraná e não os da madeira ou
da ferrovia.
Os engenhos de beneficiamento de erva-mate nessa época em São Bento,
pertenciam à Companhia Industrial Catarinense com sede em Joinville, portanto
todos os comerciantes do mate e os agricultores, dependiam dela para continuar os
seus negócios. Além da erva-mate, a Companhia atuava também com o comércio de
mercadorias. Tabalipa, (1979, p.5) relata que Domingos Tabalipa, um empresário do
mate em São Bento, no ano de 1898 montou uma casa de comércio em Lucena, fez
“suas compras na firma Companhia Industrial de Joinville”. Instalou central de
fornecimento de mercadorias por atacado, para abastecer o comércio de secos e
molhados em vários locais, trocando manufaturas e alimentos por erva. Em pouco
tempo dominou o comércio de todo o planalto ao sul do rio Negro e parte do sul do
Paraná em Quitandinha e Rio Negro. Como um polvo, foi estendendo seus
tentáculos, e aos poucos, monopolizando a produção e comércio da erva-mate no
planalto:
Possuía um raio de ação bastante grande, pois possuía quatro armazéns-
depósito no estado do Paraná: Rio Negro, Antonina, Morretes e Paranaguá;
Em Santa Catarina seis: Porto União, Lucena, Oxford, Lençol, Campo
Alegre e São Bento do Sul (ALMEIDA, 1979, p. 33)
71
Uma filial estava localizada em Oxford no bairro do mesmo nome. Outra filial
estava localizada no bairro Lençol, próximo ao trevo entre São Bento do Sul e Rio
Negrinho. A terceira, localizada no cruzamento da estrada Dona Francisca com a
estrada do Cruzeiro.
Nesses locais, o mate era processado e levado para Joinville, onde era
embalado e exportado. Além do mate, a Companhia Industrial comprava dos colonos
os produtos coloniais em troca de manufaturas nacionais e importadas.
No ano de 1892, adquiriu a filial do Banco Industrial e Construtor do Paraná,
para prover a região dos recursos financeiros necessários para o desenvolvimento
econômico regional. No ano seguinte, 1893, montou uma filial em Bueno Aires,
utilizando como matéria-prima a erva-mate produzida no Rio Grande do Sul.
Após quinze anos de atividades, a Companhia encerrou suas atividades em
1906.
Com a dissolução da Companhia Industrial Catarinense, os principais sócios
continuaram na atividade de forma independente. Isso aconteceu com o principal
acionista, Procópio Gomes de Oliveira, Carlos Hoepke & Cia, A Baptista Oscar &
Cia, Francisco Bueno Franco, Luiz Brockmann, Etienne Douat, Ernesto Mendel,
Rosa Gomes de Mira, Mario Lobo, Antonio Augusto Ribeiro, mais 22 acionistas
menores, entre eles João Wiese, que instalou mais tarde uma empresa de erva-
mate em São Bento.
Segundo Almeida, (1979, p.79) Ernesto Canac, se tornou banqueiro no
Paraná e vendeu as ações para Carlos Hoepke & Cia., que deu “Início da
dominação comercial no norte de Santa Catarina”.
A erva-mate continuou sendo o produto mais importante para a economia da
região ao sul do rio Negro. Isso pode ser comprovado, pois os sócios da Companhia
Industrial criaram novas empresas e continuaram na atividade ervateira, após a sua
extinção. Almeida (1979, p. 79) destaca os novos grandes empresários do mate de
Joinville: “Hans Jordan, Otto Gerken, Luiz Brockmann, Francisco Bueno Franco e
Bernardo Stamm”.
A Baptista e Oscar instalou uma empresa para produção e comercialização
de erva-mate em Rio Negro, no estado do Paraná, aproveitando os ervais ao norte
do rio Negro.
Embora a principal atividade fosse montar engenhos para a fabricação e
armazéns para depósito da erva, houve empresários que adquiriam terras cobertas
72
de matas e formaram seus próprios ervais ao sul do rio Negro. Em pesquisa
realizada no Cartório de Registro de Imóveis de Canoinhas, foram encontrados
registros dessas terras. A empresa, A Baptista & Oscar, tornou-se proprietária de
uma área localizada entre Taunay e Marcilio Dias; Wolfgang Ammon, empresário do
mate em Campo Alegre e São Bento do Sul, também comprou uma área próxima à
localidade de Taunay. Bernardo Olsen, empresário da erva-mate, adquiriu as terras
do Distrito de Marcilio Dias e parte da região da localidade de Parado. Anteriormente
tinha seu comércio em Lençol, bairro de São Bento do Sul. Mais tarde montou
negócios também em Rio Negrinho. Em Marcilio Dias, fundou a Colônia São
Bernardo, com atividade comercial, ervateira e imobiliária. Comprava erva-mate dos
produtores locais e exportava pela ferrovia para Joinville ou Curitiba. Buscava erva-
mate em Major Vieira que era transportada pelo rio Canoinhas até o porto fluvial às
margens do rio Canoinhas, em Marcilio Dias, de onde era exportada pelo trem.
Os empresários ligados ao mate também se tornaram importantes líderes
políticos. Em Joinville foram presidentes da Câmara Municipal, Ernesto Canac e Dr.
Abdon Baptista. No Álbum Histórico do Centenário de Joinville, Torrens (1923, p. 76)
assevera que ocuparam a Superintendência Municipal, os seguintes empresários do
Mate: “Procópio Gomes de Oliveira, foi prefeito da cidade de 1903 a 1906; retornou
à Prefeitura de 1911 a 1914; Dr. Abdon Baptista, de 1915 a 1921; Dr. Marinho de
Souza Lobo de 1922 a 1926”
Soares (1992), na obra, São Bento do Sul, sua história, seus documentos,
relaciona os governantes municipais desde a primeira Câmara em 1883. Nela, está
claro que houve um período da hegemonia dos empresários do mate na
administração municipal. A Cia. Industrial também controlava a política e um dos
seus fundadores Francisco Gery Kaminsky, foi eleito presidente da Câmara em
1890; na Câmara de 1891, foram eleitos os ervateiros Francisco Antonio Maximiano,
Líbero Guimarães, Agostinho Ribeiro da Silva e Francisco G. Kaminsky. Para a
Câmara de 1892, foram eleitos os ervateiros, Olimpio Nóbrega de Oliveira e Jorge
Schlemm. Para a Câmara para o período 1894, foram eleitos os ervateiros Bernardo
Olsen e Carlos Urban. Na eleição de 1895 para o período até 1899, foram eleitos os
ervateiros Francisco Bueno Franco, Bernardo Olsen, Jorge Schlemm, Carlos Urban,
João Wiese.
Para o período de 1899 a 1902, os ervateiros dominaram a política em São
Bento. Para Superintendente (Prefeito), foi eleito Manoel Gomes Tavares, primo da
73
esposa do Dr. Abdon Baptista, e os empresários do mate, João Wordell, Alfredo
Pinto de Oliveira, Ignácio Fischer, Antonio Francisco Caldeira.
Para o período de 1903 a 1907, os produtores de mate conseguiram eleger:
Manoel Gomes Tavares para Superintendente (Prefeito); Francisco da Silva Sinks
presidente da Câmara; Carlos Urban, João Wordell, Antonio Francisco Caldeira e
Ignácio Fischer.
Para o quadriênio de 1907 a 1911, foi reeleito para o terceiro mandato o
Superintendente (Prefeito) Manoel Gomes Tavares, mas os empresários do mate
conseguiram eleger apenas João Wordell e Ignácio Fischer.
Para o período seguinte, 1911 a 1914, Manoel Gomes Tavares foi reeleito
para um quarto mandato juntamente com os ervateiros Vitor Celestino de Oliveira,
João Wiese e Maximiliano Wagner.
Para o quadriênio 1915 a 1918, foi eleito o Superintendente (Prefeito), Luiz de
Vasconcellos. Os empresários do mate conseguiram eleger apenas Bernardo Olsen
e Maximiliano Wagner. Esta foi a última eleição que Bernardo Olsen participou em
São Bento, mudando-se mais tarde para o distrito de Marcilio Dias, no município de
Canoinhas.
O eixo econômico do mate deixou a região de Campo Alegre, São Bento e
Rio Negrinho e, com o fim da questão do Contestado em 1917, foi aberta a maior
reserva de ervais de Santa Catarina, na região de Mafra, Canoinhas e Porto União.
Em Campo Alegre, o mate também influenciou a administração municipal. O
primeiro Superintendente eleito, em 1897, foi Francisco Bueno Franco, um dos
fundadores da Companhia Industrial Catarinense, que governou o Município até
1902. Para o período de 1906 a 1910, novamente Francisco Bueno Franco venceu
as eleições para Superintendente.
4.1 O TRANSPORTE DA ERVA-MATE
Transportar a erva-mate do sertão ao sul do vale do Rio Negro com
segurança e com preço baixo era vital para o sucesso econômico da atividade
ervateira. Quem conseguisse fazer chegar o produto ao mercado consumidor pelo
menor preço, conquistaria esse mercado. A dificuldade de transportar a matéria-
74
prima, para as indústrias de beneficiamento no litoral, foi descrita pelo engenheiro
Carl Pabst. A erva-mate colhida pelos brasileiros na região de Mafra, no ano de
1855, era transportada dentro de jacá de taquara, pendurados um de cada lado no
lombo das mulas, para ser beneficiada em Morretes, no litoral do Paraná.
Em 1865, desceu pela picada da futura estrada Dona Francisca, a primeira
tropa levando erva-mate para ser trocada por mercadorias manufaturadas em
Joinville. Os jacás ou cestos feitos de taquara tinham o inconveniente de em dia de
chuva, molhar a erva.
Foi criado então o surrão, bolsa de couro de gado bovino, que eram
amarradas no lombo das mulas, uma de cada lado. O surrão tinha a vantagem de
ser impermeável e podia ser reutilizado em várias viagens.
Levar a erva no lombo de burros para Paranaguá e Morretes, via Curitiba,
encarecia muito o preço final do produto. A estrada, por outro lado, encurtava a
distância e facilitava o escoamento para o porto de São Francisco. Essa nova via,
privava o Paraná do imposto de exportação da erva, uma das principais fontes de
renda daquela Província.
4.2 A NAVEGAÇÃO PELO RIO NEGRO
O rio Negro era conhecido pelo menos em sua foz, por várias expedições
que cruzaram pela região. Em 1871, o governo do Paraná deu concessão para a
navegação pelo rio Iguaçu ao brigadeiro Manoel de Oliveira Franco. Mas não se
conhece a empresa que o brigadeiro criou e nem o itinerário de suas embarcações.
Em documentos avulsos de 1874 a 1925 a Assembléia Legislativa publicou
em (2001, p. 9), que a Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina, através
do Decreto n. 24 de 1874, concedeu privilégio exclusivo, por 20 anos, a Manoel
Gonçalves da Rosa, para organizar a navegação a vapor dos rios Negro e Iguaçu,
divisa com a Província do Paraná. A erva-mate produzida às margens desses rios e
seus tributários, inclusos o rio Canoinhas, São João, São Lourenço, Paciência e
Timbó puderam ser transportados para a vila de Rio Negro.
Os empresários do Paraná buscaram e encontraram a solução para o
transporte barato e em grandes volumes. Amazonas Marcondes conseguiu do
75
governo imperial em 1879 a concessão, segundo Reisembeg (1973, p. 45), “[...] para
estabelecer, por si ou por meio de uma companhia, uma linha de navegação a vapor
desde o porto denominado Caia-Canga até Porto União”.
Na justificativa para conseguir a concessão, Marcondes informou ao Governo
Imperial que o custo de um cargueiro com oito arrobas de erva de erva-mate, da
localidade de Palmeira até o porto de União da Vitória, conduzido nas costa de
animais tinha o preço de R$ 10$000 no mínimo e que se essa erva fosse
transportada pelo vapor, o preço seria de R$ 2$000 a R$ 4$000.
No dia 17 de dezembro de 1882, no estaleiro de Caia-Canga, (hoje Porto
Amazonas), o empresário Amazonas de Araújo Marcondes, lançou às águas do rio
Iguaçu, o barco a vapor “Cruzeiro”. Do rio Iguaçu, o empresário ampliou seu projeto
logístico para o transporte da erva-mate, e no ano de 1883 com a presença de
autoridades estaduais do Paraná e municipais de Rio Negro, foi inaugurada a linha
de vapor ligando União da Vitória a Rio Negro, e o rio Iguaçu e rio Negro e seus
afluentes. Como o rio Canoinhas é afluente do Rio Negro, os barcos de Amazonas
Marcondes devem ter navegado por esse rio.
O fato foi descrito por Reisemberg (1947, p. 207), ao afirmar que: “Das
barrancas do Iguaçu, do Potinga, do rio Negro, do Timbó, o ouro verde vinha, mil
vezes mais fácil do que antes, mil vezes mais abundante do que nunca, para os
engenhos de soque do Campo Largo e Curitiba.”
Autoridades de Rio Negro vigiavam e defendiam os interesses dos
empresários do Paraná, como o fato citado por Machado (2004, p. 128), ocorrido
no ano de 1893, com um empresário de Joinville que “[...] queixava-se de que o
vapor Minuano e duas chatas de madeira de sua propriedade haviam sido
apreendidas por um tenente e praças armados do Corpo de Segurança do Estado
do Paraná”.
A implantação de uma linha de barcos a vapor para Curitiba, atendeu o
interesse dos empresários e autoridades do Paraná, que estavam preocupados com
o desvio da erva-mate para o porto de o Francisco do Sul. A navegação fluvial foi
o importante meio de transporte para a erva-mate, para a colonização ribeirinha,
tanto no vale do rio Negro como no vale do rio Iguaçu e seus afluentes.
Outros empresários passaram a investir no transporte fluvial. No ano de 1896
a empresa de navegação “Cruzeiro”, constituída em Joinville, inaugurou sua sede
em Rio Negro. Suas embarcações faziam o mesmo percurso dos barcos dos
76
empresários paranaenses pelo rio Iguaçu, rio Negro e seus afluentes. Como
navegavam com bandeira de Santa Catarina, seus barcos foram impedidos de
navegar, pois o Paraná considerava que esses rios corriam dentro de seu território.
As embarcações de Amazonas Marcondes foram adquiridas em 1897 por
Arthur de Paula e Souza que montou a sua empresa com sede na fazenda Santa
Leocádia. Estava ligado aos empresários do mate do Paraná e defendeu que o
Paraná devia criar uma base administrativa e política em território ao sul do rio
Iguaçu e, segundo Machado, (2004, p. 136), foi ele que teve a “iniciativa de criação
do município de Vila Nova do Timbó”.
Durante a guerra do Contestado, Arthur de Paula e Souza foi assassinado em
junho de 1914. Seu corpo foi queimado junto com a sede de sua fazenda. Segundo
Queiroz (1981, p. 175) “Os jagunços levam o corpo do coronel, depositam-no na
sede da fazenda e tocam fogo nesta. A casa ardeu totalmente”.
Em conferência para homenagear os 90 anos de navegação a vapor no rio
Iguaçu e rio Negro, Reisemberg (1973, p.45) informa que o vapor “Cruzeiro”, de
Artur de Paula Souza foi “mais tarde incorporado ao Lloid Paranaense”.
A capacidade de carga dos barcos que navegavam pelos rios da região foi
descrita por Reisemberg (1973, p. 54), “Os maiores levavam no seu bojo 800 sacos
de erva-mate e cada uma das lanchas que eram arrastadas, levavam 300, elevando-
se pois a capacidade de carga para 1.400 sacas, que totalizavam 5.600 arrobas”.
Em Canoinhas também havia uma empresa que operava no Rio Canoinhas,
descrita por Kormann (1990, p. 22). “Bernardo Olsen inaugurou o barco Elfrida”. O
barco Elfrida fazia o transporte de erva-mate de Major Vieira para Marcilio Dias
24
.
Era movido por motor a gasolina e não a vapor como a maioria dos barcos que
24
Marcilio Dias - A ferrovia por que passou por Marcilio Dias? O projeto original previa que a
Estrada de Ferro seguiria em linha reta de três Barras para Canoinhas e de lá para Porto União. Um
incidente com os trabalhadores envolveu o empreiteiro e o delegado de Canoinhas. Um engenheiro
americano discutiu com o delegado e também foi ameaçado de prisão. Segundo Stulzer, (1982), “O
valente americano pegou o chapéu e saiu: Vou embora! Canoinhas vai se arrepender. E assim
aconteceu que a estrada de ferro não passasse por terrenos firmes, mas por banhados a seis
quilômetros da vila. O americano não pode deslocar a estação mais longe. A mudança do roteiro de
Canoinhas para Marcilio Dias foi prejudicial ao seu desenvolvimento. Somente em 1930 é que foi
inaugurada a estação de Canoinhas, após a construção de um ramal ferroviário. A estação de
Marcilio Dias chamou-se Estação de Canoinhas, porque a vila chamava-se Santa Cruz de Canoinhas.
A mudança para Estação de Marcilio Dias, em homenagem ao marinheiro herói da guerra do
Paraguai, deve ter ocorrido na ditadura de getulista em 1937. Germano Wagenfür, inspetor escolar,
inspecionou a escola particular de Marcilio Dias, em 29 de abril de 1838, e na sua ata ficou
registrada “Escola Particular São Bernardo, de Marcilio Dias, no Município de Canoinhas
77
navegavam pelos rios Negro, Iguaçu e seus afluentes sendo lançado à água no ano
de 1919.
A navegação com pequenos barcos foi importante para o desenvolvimento
regional ao sul e ao norte do rio Negro e às margens do rio Iguaçu. Reisemberg
(1947, p. 207), afirma que “São Mateus do Sul, Fluviópolis, Canoinhas e Porto União
da Vitória, e todos os povoados que lá floresceram, foram o seu eco, transformando-
se em cidade”.
A navegação teve queda com a ligação ferroviária de São Francisco do Sul a
Porto União, perdendo principalmente o transporte de passageiros e o correio.
Continuou porém transportando erva-mate e madeira até a década de 1950 quando
foi substituído pelo transporte rodoviário.
Sobre a navegação pelo rio Canoinhas, Silva (1941, p.51) assim escreveu:
Sendo o rio Canoinhas navegável até 20 quilômetros acima da cidade, por
ele, e depois pelo Rio Negro, primeira via de comunicação com Mafra e Rio
Negro, se fez todo o seu comércio inicial. Lanchas de construção
apropriadas à navegação fluvial faziam esse transporte com regularidade. À
navegação fluvial muito devem o progresso e a formação do Município de
Canoinhas. Atraídos pela erva-mate e madeiras, os primeiros colonizadores
serviam-se do rio como via de comunicação natural.
Muito antes da fundação da Vila de Canoinhas, a partir de 1874, pelo rio
Canoinhas a erva-mate era transportada por barcos do empresário catarinense
Manoel Gonçalves da Rosa. A partir de 1882, comerciantes do Paraentram na
disputa do transporte da erva, transformando o rio Canoinhas numa artéria do
comércio ervateiro dessa região.
4.3 SÃO BENTO WAGEN - (CARROÇÕES DE SÃO BENTO)
O transporte da erva-mate era feito inicialmente, nos primitivos caminhos e
picadas, por tropas, utilizando-se o lombo dos animais cargueiros. O custo do frete
era um componente econômico importante, sendo decisivo, como vantagem
competitiva entre agentes econômicos. A vereda aberta no mato pelos engenheiros
e seus ajudantes, por onde futuramente seria construída a estrada Dona Francisca,
passou a ser utilizada pelos tropeiros, que, com suas tropas, em fila indiana,
78
carregadas de bolsas de erva mate (cargueiros) desciam e subiam a serra mesmo
durante sua construção. A estrada Dona Francisca foi concluída em 1888, ligando
Joinville a Rio Negro, se transformando na “Estrada do Mate”. Mas a chegada da
estrada em cima da serra, no planalto, foi comemorado em Joinville:
O dia 31 de maio de 1865 é de real importância para a história da Estrada
da Serra e para o norte-catarinense: chegou, às três horas da tarde, à vila
de Joinville, o primeiro grupo de viajantes a cavalo, que desceram as
vertentes da Serra Geral pela Estrada Dona Francisca, com uma tropa de
bestas conduzindo erva-mate e voltando no dia seguinte com uma carga de
couro curtido na indústria do Sr. Jacob Richlin, de Joinville. Abriu-se, nessa
data, a via de comunicação para viajantes e para o comércio. (FICKER,
1965, p. 241)
O trecho de Joinville até São Bento havia sido concluído no ano de 1877.
Inicia-se uma nova etapa de prosperidade e progresso para essa região. Começa
uma fase que mudou a paisagem da região por várias décadas: são os carroções
transportando erva-mate. Joinville se torna o grande centro fornecedor de
mercadorias para o planalto, de onde recebia a erva-mate, que era exportada e
transformada na principal fonte de renda. Sobre o movimento das carroças pela
estrada Dona Francisca, o cronista assim escreveu:
E da serra vieram então de regresso as carroças típicas, de quatro rodas
e com toldas brancas puxadas com 6 cavalos. Elas também tinham levado
os imigrantes e seus pertences serra acima e voltavam com pesada carga,
muito preciosa, e principalmente a erva mate, o ouro verde’ do Brasil
naquele tempo. (OLIVEIRA, 1951, p. 88)
Os carroceiros, ao anoitecer, juntavam suas carroças em forma de um
quadrado fechado, em defesa contra possível ataque dos índios e na área interna
faziam suas fogueiras, ao redor da quais corria a cuia de chimarrão e colocava em
dia a conversa.
No planalto, onde a indústria básica era a erva-mate, o transporte dependia
dos preços cobrados pelos carroceiros. No ano de 1882, alegando alto preço do
milho, estrada mal conservada e perigo de ataque dos índios, os “carroceiros de São
Bento”, declararam formalmente greve.
[...] Os carroceiros formavam um verdadeiro sindicato e no auge da
conjuntura da erva-mate, quando mais de 900 carroções movimentara a
Estrada Dona Francisca num constante vai-e-vem, o comércio ervateiro
dependia da exigência dos preços cobrados pelos carroceiros. Mais de uma
79
vez o comércio e a exportação do mate ficou seriamente prejudicados com
a greve formalmente declarada pela classe dos proprietários das “carroças
de São Bento, como eram chamadas pelo povo. (FICKER, 1973, p. 209)
O que eles buscavam na realidade eram preços melhores para o frete, pois
tinham consciência dos lucros que a erva-mate gerava, principalmente para os
industriais e para os exportadores.
Com a conclusão da estrada, no ano de 1888, a erva-mate da região de
Mafra, Canoinhas e interior do Paraná passou a ser transportada para o porto de
São Francisco, nos grandes carroções, chamados carinhosamente pelos joinvilenses
de São Bento Wagen”. Eram enormes carroças tracionadas por quatro, seis,
havendo algumas, com até oito cavalos, cobertas por uma tolda de lona, para
proteger a mercadoria da chuva. A partir de 1913, a carga pesada como erva-mate
e madeira, passou a ser transportadas por trem. Cargas leves ainda continuaram
sendo transportadas até a década de 1950, quando os caminhões liquidaram com a
atividade dos carroceiros de cargas.
O transporte fluvial era concorrido e na afirmação de Machado (2004, p. 128),
“Muitos conflitos entre comerciantes catarinenses e paranaenses, que concorriam
pelo transporte fluvial da erva-mate e outras mercadorias nos rio Negro e Iguaçu,
serviram de pretexto para acirrar a questão dos limites entre os dois estados”.
4.4 A FERROVIA E A ERVA-MATE
Na região de Canoinhas, segundo Silva (1941, p. 18), “o objetivo inicial das
correntes de povoamento foi a exploração da erva-mate”. Isso demonstra que ela foi
a primeira riqueza que atraiu colonizadores, criando o primeiro ciclo de
desenvolvimento regional, o ciclo da erva-mate. Essa foi a riqueza responsável
também pela construção da estrada de ferro ligando São Francisco a Porto União, e
não a madeira como será demonstrado a seguir.
No ano de 1883, houve mobilização dos empresários do mate de Joinville
para a construção do ramal, que somente iniciou em 1904:
80
O surto de progresso que a erva-mate proporcionou, trouxe como reflexo o
interesse da aplicação de capital estrangeiro na Província, com construção
de uma estrada de ferro que ligasse São Francisco do Sul com Rio Negro,
para abrir novos horizontes ao comércio e à exportação do produto.
Apareceu como concessionário um francês, Visconde de Goussencourt,
porém a grande expectativa da população em torno deste empreendimento
acabou melancolicamente sem que a construção da estrada de ferro fosse
iniciada dentro do prazo estipulado na concessão. (FICKER, 1973, p. 238)
Em julho de 1884, o engenheiro Leite Ribeiro traçou o primeiro plano de
construção do trecho São Francisco até Hansa Humboldt, hoje Corupá. No final do
Império obras públicas foram paralisadas. Com a Proclamação da República, as
obras ferroviárias foram retomadas e, em 1892, uma comissão de engenheiros
escolheu o local para dar inicio a construção da linha férrea. A revolta da Armada e a
Revolução Federalista de 1893 paralisaram essas obras.
A ferrovia se concretizou, conforme Thomé (1980, p. 84), “em 1901, quando a
Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, solicitou ao governo concessão
para implantar outro ramal, partindo de União da Vitória rumo ao litoral”
Após estudos, o governo uniu os ramais projetados e criou por Decreto no
ano de 1902, a Estrada de Ferro São Francisco a Foz do Iguaçu como concessão da
Companhia de Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande.
O primeiro trecho foi inaugurado pelo Presidente Afonso Pena, em agosto de
1906, o que veio facilitar o transporte da erva-mate fabricada em Joinville para o
porto de São Francisco. Na recepção ao presidente, na Estação Ferroviária de
Joinville, estavam as principais autoridades da região, com destaque para os
ervateiros, citados por Ficker, (1965, p. 396): “Superintendente (Prefeito): Procópio
Gomes de Oliveira, o maior acionista da Cia Industrial; o Dr. Abdon Baptista, Vice-
Governador eleito; Henrique Jordan; Canac; Urban; Alexandre Schlemm entre
outros”.
O governo federal aprovou pelo Decreto n. 5 280, de 9 de agosto de 1904, os
estudos para continuidade do trecho de São Francisco a São Bento no alto da Serra
do Mar.
De Joinville, o projeto ferroviário seguiu em direção a Rio Negro, e enfrentou
dificuldades para atravessar a Serra, devido à quantidade de cortes e túneis
escavados na rocha. O trecho de Joinville a São Bento somente ficou pronto em 1º.
de abril de 1913, quando a previsão era para 1907.
81
Na importante obra sobre a Guerra do Contestado, - Messianismo e Conflito
Social -, Maurício Vinhas de Queiroz, (1981, p.74) descrevendo a Lumber, que
montou uma grande serraria em Três Barras fez a seguinte afirmação: “Encarregou-
se também a Brazil Railway de construir uma estrada de ferro entre União da Vitória
e São Francisco, no litoral catarinense. Por ela começou a descer a madeira
destinada à exportação…”. O autor defende o ponto de vista de que a construção do
Ramal São Francisco a Porto União foi um projeto do Sindicato Farquar, para tirar a
madeira do planalto para o porto de São Francisco. É importante se observar que
Farquar adquiriu o controle acionário da ferrovia através da Brazil Raiway Company,
somente em 1906, quando o projeto estava em execução. Nessa data, parte do
ramal havia sido inaugurado e o restante do trecho continuava em construção
rumo a Foz do Iguaçu. A grande serraria da Lumber foi organizada mais tarde, como
conseqüência da construção do ramal e não como causa. Isso pode ser comprovado
por Thomé:
Em Miami (USA), no ano de 1909, o Sindicato Farquar organizou a
Southern Brazil Lumber na Colonization Campany para desenvolver os
serviços de colonização das terras ao longo da estrada de ferro, e para
explorar os grandes pinhais existente na região dos vales dos rio Negro,
Iguaçu, Timbó, do Peixe e Canoinhas dentre os principais que atravessam a
zona contestada por Santa Catarina [...] (THOMÉ, 1980, p. 100)
O ramal ferroviário ligando São Francisco a União da Vitória, teve o trecho até
Marcilio Dias inaugurado em 1913.
No ano de 1911 foi construída em Três Barras a Companhia Lumber, que se
transformaria na maior serraria do Brasil, aproveitando o trem para escoar sua
produção, a partir de 1913. A estrada de ferro desviou a Vila de Canoinhas e foi
direcionada para as margens dos banhados que margeiam os rios Canoinhas, Negro
e Iguaçu e o restante do ramal, de Marcilio Dias a Porto União foi inaugurado
somente no ano de 1917. Percorrendo a região ervateira ao sul do rio Negro e
Iguaçu, o trem foi o mais importante meio de transporte que propiciou o rápido
desenvolvimento regional. Teve um papel decisivo para a exportação com
competitividade, da erva-mate do norte catarinense e mais tarde da madeira.
Empresas de Joinville vieram se instalar na região e empresas locais cresceram com
a facilidade de transporte.
82
No ano de 1930, foi construído o ramal ferroviário, ligando a cidade de
Canoinhas à estação de Marcilio Dias. Iniciava-se um novo período econômico na
região, uma nova fase do desenvolvimento regional, o ciclo da exploração da
madeira. Mas o ciclo econômico da erva-mate, que iniciou em fins do século XIX,
continuou sendo importante ainda por vários anos.
5 A ECONOMIA ERVATEIRA – SÉCULO XIX e XX
A erva-mate no século XIX e XX foi o verdadeiro carro chefe da economia do
Paraná e do Planalto norte de Santa Catarina. Foi responsável pelo surgimento de
vilas e povoados onde antes era apenas sertão. Fez surgir fábricas de erva-mate,
armazéns, rodovias, hidrovias, vilas e cidades. O governador do Paraná, Dr. Munhoz
da Rocha, assim definiu a importância da erva-mate para a sua Província:
Esta preciosa ilex tem sido o grande bem do Paraná. Em verdade a erva
constitui a coluna de ouro da nossa riqueza econômica; dela emanam as
nossas principais fontes de renda; nela assenta todo engrandecimento, a
prosperidade do Paraná (CAPRI; OLIVERO, 1923, p. 38)
No Paraná, criou-se uma elite dirigente dona de fortunas trazidas pela
atividade ervateira. Foi também responsável pela divisão política em liberais,
liderados pelos fazendeiros de Palmas e dos Campos Gerais e os conservadores,
chefiados pelos ervateiros. Criou uma nobreza política, citada por Corrêa (2006, p.
25), ”como os dois mais poderosos exportadores da Proncia: O Visconde de
Nácar, representantes das oligarquias do litoral paranaense e Ildefonso Correia,
futuro Barão do Serro Azul”. Enquanto os ervateiros conservadores defendiam a
exportação do mate, os liberais, fazendeiros de gado, tinham sua produção voltada
para o mercado interno. Em Santa Catarina, a erva-mate criou divisões políticas
entre os fazendeiros pecuaristas, liderados pela família Ramos, e os ervateiros
liderados por Abdon Baptista.
Por ser uma atividade extrativista com abundância de matéria-prima, os lucros
gerados pela atividade ervateira foram em sua maioria, desviados para outros
empreendimentos, como construção de mansões em Curitiba, Joinville, ou então
para o comércio e a navegação. Não houve preocupação com reflorestamento e
nem com melhoramentos técnicos para aumento de qualidade e produtividade. No
século XIX, o Paraná se transformou em uma potência industrial do mate. Do livro
“Carroções e Outras Histórias”, conforme Bach (2005, p.244), foram relacionados os
principais engenhos do Paraná no final do século XIX e início do século XX.
1. Hervateira Guimarães & Cia Rua XV de Novembro n. 161 a 165 em
Curitiba. Fundada em 1830 por Manoel Antonio Guimarães (Visconde de
84
Nácar). Em 1890, foi fundada a firma Guimarães & Cia, com matriz em
Curitiba e filiais em Paranaguá, Antonina e São Francisco do Sul. A
produção anual dessa empresa era de 5.500.000 quilos.
2. Hervateira Americana, fundada por David Carneiro, situada na rua
Comendador Araújo. Além da erva, produzia barricas, caixas de pinho,
caixas de papelão e pacotes de papel para acondicionar erva-mate. Era o
maior engenho do Paraná, produzindo 9 000.000 quilos de erva para
chimarrão e 1.500.000 pacotes de mate real. Davi Carneiro se tornou
conhecido como o “Rei do Mate”.
3. Fábrica Fontana de Beneficiar Erva-mate. Fundada em 1834, por Francisco
Fontana em Curitiba. Produção anual de 3.000.000 quilos.
4. Engenho Macedo & Filhos - Fundada em 1840, na rua Santos Andrade,
com sede e engenho em Porto de Cima. Possuía também dois armazéns
em Antonina.
5. Engenho de Erva-Mate Iguassú - fundado em 1852, à avenida Batel, 11 a
15 em Curitiba, por Boaventura R. de Azevedo e Edgar Linhares. Produção
anual de 4. 000.000 quilos.
6. Fabrica Tibagy-Ildefonso de Ildefonso Pereira Correia o (Barão do Serro
Azul). Localizada na avenida João Gualberto, 29. Bairro da Glória.
7. Engenho Xavier de Miranda & Cia Rua Brigadeiro Franco, 76 Curitiba.
Produtor da erva-mate “Guilherme”.
8. Fábrica Santa Graça – Viúva de Manoel de Macedo. Fábricas em Curitiba e
Ponta Grossa. Produção anual de 9.000.000 quilos.
9. Ascanio Miró Rua Lamenha Lins Curitiba. Fundada em 1890. Produção
anual de 3. 600.000 quilos.
85
10. Fábrica Santa Maria de viúva Correia, fundada em 1893 em Curitiba.
Produção 3.000.000 quilos.
As principais fábricas de erva-mate do Paraná, no final do Século XIX
produziam quase 40 mil toneladas, em sua maioria para exportação. Pelos números
pode-se avaliar a dimensão e a importância da produção ervateira para o Paraná e o
interesse desses industriais em continuar recebendo matéria-prima dos ervais
catarinenses.
No século XX, a expansão continuou com o surgimento de novas indústrias
em Curitiba e em outras regiões do Estado. Beneficiadas com as facilidades de
transporte ferroviário e fluvial, o foco de expansão da indústria ervateira se desloca
para as margens do rio Negro e Iguaçu, surgindo fábricas na Vila de Rio Negro
algumas com filial em Mafra. Do livro Carroções e outras história de Bach (2005, p.
246 a 252), foram relacionadas algumas fábricas que surgiram na região, no culo
XX:
1. Fábrica Leão Junior - Fundada em 1901 em Ponta Grossa. Em 1912
com a compra do moinho Tibagy, a sede foi transferida para Curitiba.
2. Engenho São Bernardo, fundado por Bernardo Moreira em Morretes.
3. Meirelles, Souza & Cia, engenho de erva-mate fundado em Antonina.
4. Fábrica der fundada por Nicolau Mäder em 1898 em Rio Negro. Em
1907 foi transferida para Curitiba, na avenida João Negrão. Processava
3.000.000 quilos.
5. Engenho J. Cima & Cia, fundado em 1912 por José Cima, na rua Ratclif,
98 em Curitiba, com filial em União da Vitória.
6. Hervateira Pontagrossense, fundada em 1923, em Ponta Grossa, pelo
Coronel José Pompeo, estabelecidana rua Conselheiro Barradas.
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7. Engenho Palmas, da firma Freitas & Cia, à rua XV de novembro em
Palmeira. Foi fundada pelo Coronel Domingos Theodorico de Freitas.
8. Henrique Jordan & Cia. Engenho de erva-mate São João, em Rio Negro.
Produção anual de 3. 600.000 quilos.
9. Emilio von Lisingen & Cia. Engenho em Rio Negro, fundado em 1908.
10. Fábrica de Beneficiar Herva-Matte Bom Jesus. Fundada em 1893, por
Miguel José Grein, em Rio Negro. Produção anual de 1. 200.000 quilos.
11. Engenho Santo Antonio da Lapa, fundado por José Lacerda, Lapa, PR.
12. Agenor & Cia, fundada em 1917, compradora em larga escala de erva-
mate em São Mateus do Sul.
13. Engenho Glória, fundado por Leopoldo de Almeida e Porte, em rio Negro.
14. Engenho São Bernardo, localizado entre as estações de rio Negro e
Mafra. Possuía um ramal ferroviário próprio. Foi fundado em 1922 por
Manoel Severiano Maia. Em 1923, foi adquirido por Bernardo Stamm e
José Dias Barretos. Produção anual de 2. 500.000 quilos.
15. Ervateira Brasil, fundada em 1912, na rua Dr. Collares em Ponta Grossa.
Produção anual de 3. 000.000 quilos.
16. A Meirelles & Cia, fundada por Antonio Meireles em Piraquara. Grandes
armazéns, depósitos de erva-mate e fábrica de barricas, com produção de
15 mil barricas ao mês.
17. Engenho Teixeira Soares, fundado em 1906 em Teixeira Soares.
Fabricava cinco mil barricas por mês e 1.800.000 quilos de erva-mate.
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18. Mulinari & Gubert, fundada em 1913, no quilometro 66 da linha São
Paulo-Rio Grande em Teixeira Soares. Produção anual de 75 000 quilos.
19. Fabrica São Bernardo, fundado em 1915, por Alberto do Amaral Wolff em
São Mateus do Sul, fabricantes da erva da marca periquito.
20. Em Mafra, foi instalada a filial da empresa H. Jordan & Cia, com o
engenho de erva-mate Flora.
21. Emilio von Lisingen & Cia. Engenho em Mafra (filial de Rio Negro),
fundado em 1918.
Os empresários do mate de Mafra, após 1917, com a assinatura do acordo de
limites entre Paraná e Santa Catarina, se organizam para usufruir dos benefícios
trazidos pela atividade. A Câmara Municipal aprovou o código de posturas
municipais, com incentivo à limpeza dos ervais; fixou gratificação ao produtor que
cultivasse mil pés ou mais de erva num prazo de 5 anos; fixou multa para quem
cortasse a erva nos meses de outubro a abril e com menos de 4 anos desde a última
poda.
O envolvimento empresarial com a erva-mate era tão grande, que em 1917
havia em Mafra, 16 casas comerciais e 20 fábricas de barricas para acondicionar
erva-mate. No ano de 1922 exploravam o ramo de erva-mate as seguintes
empresas:
Eugenio La Maison, H. Douat & Cia, Walfrido Almeida, B. Celestino de
Oliveira, A. Baptista & Cia, Pedro Adélio & Cia, J. Procopiack & Irmão, E.
von Linsingen, Leopoldo de Almeida, H. Jordan & Cia, José Severiano Maia,
Hipólito Moreira e S. H. Fabril Ltda. Nesse ano de 1922 Mafra tinha cerca de
300 produtores de erva-mate. (DEQUECH, 1977, p 58)
5.1 CANOINHAS SE TORNA OURO VERDE
A exploração da erva-mate na região de Canoinhas no início do século XIX
era realizada pelos paranaenses que cruzavam os rio Negro e Iguaçu, em busca do
88
produto. Na segunda metade desse século, a erva era exportada pelos rios. Com a
construção da Estrada Dona Francisca, a erva era produzida e exportada para o
porto fluvial de Rio Negro de onde era embarcada nos carroções para Joinville. Com
a construção de estrada carroçável e da estrada de ferro, Canoinhas e região se
transformam em grande centro fornecedor de erva-mate.
A região de Canoinhas, pelo tipo de solo e clima, é propícia ao
desenvolvimento da erva-mate. É uma árvore de porte médio, que cresce sob a
sombra dos pinheiros, imbuias, canelas e bracatingas, em forma consorciada com
outras espécies vegetais. A abundância de erva atraiu Francisco de Paula Pereira e
seus amigos, que, de São Bento do Sul, saíram para colonizar a região de
Canoinhas no final do século XIX. A atividade ervateira foi beneficiada pela
existência de rios navegáveis, que favoreceu o escoamento da produção para
outros centros, como Rio Negro ou Curitiba.
A ferrovia foi decisiva para transformar a Vila de Santa Cruz de Canoinhas, no
maior produtor catarinense da erva-mate. O município recebeu a denominação de
Ouro Verde, em 1923, pela lei 1424, de 23 de agosto, devido à importância
econômica da erva-mate para o desenvolvimento regional. Segundo Silva (1941, p.
19), “o nome Ouro Verde foi sugerido pela erva-mate, uma das maiores fontes de
riqueza do município”.
A erva-mate foi o fator de atração, que trouxe para Marcílio Dias Bernardo
Olsen, juntamente com dezenas de empreendedores que migraram para esta
região.
Na busca da primazia econômica, não dúvida de que a erva-mate era
produzida e exportada pela região desde meados do século XIX, transportada pelo
rio.
A madeira entra na pauta da exportação mais tarde, com a construção da
ferrovia em 1913 e dos ramais da Lumber para dentro da floresta que em 1912,
conforme Queiros, (1981, p. 74) “já se estendia por trinta quilômetros”. Para retirar a
madeira de dentro da mata era necessária a construção de estradas que deveriam
conduzir para dentro dos pinheirais e imbuiais. Construir estrada não era uma tarefa
fácil. Isso pode ser comprovado, pois no ano de 1913, o comerciante de Joinville
Olímpio Nóbrega de Oliveira, em carta ao governador de Santa Catarina, segundo
Machado, (2004, p. 129) ”afirma que era de fundamental importância a conclusão da
construção de um trecho de 5 quilômetros de estrada de rodagem que ligava a Vila
89
de Canoinhas, à estação da estrada de ferro do mesmo nome...”. Além da questão
do escoamento, as pequenas madeireiras enfrentava forte concorrência da Lumber.
A situação da atividade madeireira, na década de 1940, foi descrita por Silva (1941,
p. 21), “As estradas se fizeram para o seu escoamento. Uma população imensa se
emprega nas serrarias, nos pinheirais, no transporte e no beneficiamento da
madeira”.
Com a crise na exportação da erva-mate a partir da década de1930 a madeira
se mostrou uma alternativa econômica importante e na década seguinte assumiu a
liderança econômica na região.
Conforme Silva (1941, p. 45), “Em 1940, havia em Canoinhas 62 serrarias,
sendo 54 de madeiras em geral, 5 para fabricação de caixas e 3 laminadoras.”
Na década de 1940, o Governo Federal encampou e depois fechou a Lumber,
deixando vantagens competitivas para as pequenas serrarias. Isso motivou a
instalação de serrarias e empresas madeireiras em vários pontos do município. Não
é propósito fazer um estudo sobre as empresas madeireiras no sul do vale do rio
Negro e em Canoinhas, mas confirmar que o primeiro ciclo econômico da região ao
sul do vale do rio Negro, foi a erva-mate, que, mais tarde foi substituído pelo da
madeira.
Por vários anos consecutivos, quase a metade da erva-mate produzida em
Santa Catarina era originária de Canoinhas. No ano de 1939, atingiu a participação
de 56,91% da produção total de Santa Catarina (SILVA, 1941, p. 45).
A produção de erva-mate envolvia vários processos desde o corte até o
ensacamento. Isso exigia um elevado número de trabalhadores, que vinham de
várias regiões de Santa Catarina e mesmo do sul do Paraná, principalmente na
época da safra, nos meses de maio até setembro.
Os trabalhadores especialistas na produção da erva-mate eram os brasileiros,
ou luso-brasileiros como também eram chamados. Os imigrantes, no entanto, não
demoraram muito para se especializarem na atividade. Sobre a contribuição dos
trabalhadores dos ervais, descendentes de imigrantes europeus que colonizaram a
região, pode-se citar o que segue:
Poderíamos citar o caso dos alemães de Canoinhas, Campo Alegre, São
Bento, em Santa Catarina, ou o dos ucranianos de Prudentópolis, o dos
poloneses das localidades que margeiam o Iguaçu e seus fluentes como o
Potinga, no Paraná. Nas zonas mais contagiadas pela imigração, tanto de
um como de outro Estado, o fenômeno se mostrava sempre igual. O mate
90
exercia logo a sua atração e contribuía para maior abrandamento da
colonização, no sentido de sua adaptação. (LINHARES, 1969, p.200)
Como aconteceu na região de São Bento, também na região de Canoinhas, o
imigrante europeu pôde se beneficiar do desenvolvimento e da prosperidade da
erva-mate. Os que não conseguiram as benesses do progresso, ficaram sujeitos às
dificuldades e as condições precárias de nutrição e assistência, impostos aos
trabalhadores braçais responsáveis pelas primeiras etapas da produção do mate.
5.2 ERVA-MATE OU MADEIRA ? – EIS UMA QUESTÃO
A economia catarinense, conforme dados selecionados a partir de
informações de Bossle (1988, p. 26), na segunda metade do século XIX até meados
do culo XX, passou por alterações. A agricultura, que liderava a exportação, foi
perdendo espaço para o extrativismo. A farinha de mandioca durante anos foi líder
na exportação catarinense, representando 48,4% do total, no período de 1854 a
1855; os minerais 23,80 %; o arroz 7,40%; o couro 3,20%, seguidos pela
aguardente, café entre outros. É importante lembrar que, nesse período, está
iniciando a colonização européia no vale do Itajaí e em vários pontos do litoral
catarinense, havendo a necessidade de derrubada da madeira para implantarem-se
as roças. A madeira, nesse período tinha uma participação de 14% na economia
catarinense.
No período de 1880 a 1886, a madeira passou a ser o principal produto de
exportação de Santa Catarina, quando representava 20,83%; vindo em segundo
lugar a erva-mate, 18,75%; a farinha de mandioca, 15,32%; arroz, 12,90%; couros,
7,84%, seguidos de outros produtos como açúcar, banha, manteiga, charutos,
aguardente, tapioca, café, feijão, milho, toucinho, fumo. Coincide com a
consolidação dos pólos de imigração no Estado, a limpeza das terras para a
implantação das roças no sul, vale do Itajaí e litoral norte.
Com a abertura da estrada Dona Francisca a partir da década de 1870, a
erva-mate começa a participar da pauta de exportação catarinense. A madeira foi o
principal produto até 1893, quando a liderança passa para a erva-mate, que foi
superada novamente pela madeira na década de 1930. Mas é importante lembrar
91
que a exportação da madeira da região ao sul do rio Negro ainda não era
representativa. A madeira, no início do século XX, era utilizada principalmente para
dormentes que eram usados na construção da ferrovia e não para exportação.
Para comprovar a afirmação, foi transcrito abaixo o quadro de exportação de
erva-mate e madeira em Santa Catarina em valores. O período selecionado foi
quando a erva-mate e a madeira concorriam, de 1892 a 1938. Pelos números
levantados por Bossle (1988, p. 142 e 143), pode-se afirmar que a erva-mate, a
partir do final do século XIX até o inicio da década de 1930, liderou a exportação
catarinense. Enquanto a erva-mate teve uma produção e exportação em
crescimento regular a partir de 1893, com uma média anual de acima de mil contos
de réis, a madeira alcançava em torno de 500 contos de réis, como média anual.
Com o término da questão do Contestado e a incorporação de todo o território ao sul
do rio Negro e Iguaçu, em 1917, a produção cresceu e a participação da erva-mate
na exportação elevou o valor, atingindo quatro mil contos de réis enquanto que a
madeira, nesse ano, atingiu a marca de mil contos de réis. Mas em 1919 o valor
exportado da erva mate, triplicou em relação à exportação da madeira.
De 1924 a 1928 houve queda na exportação, e o setor ervateiro entra em
crise. Nesse período a madeira superou temporariamente a erva-mate. Em 1929,
novamente a erva-mate voltou à liderança, que conservou a1933. A partir dessa
data foi superada pela concorrência argentina e perdeu a liderança de forma quase
que definitiva para a madeira.
O quadro abaixo mostra a produção da erva-mate e madeira, com dados de
1892 até o ano de 1938, em valores (mil réis).
92
ANOS ERVA-MATE (Em mil reis) MADEIRAS (Em mil reis)
1892
1893
1894
1895
1896
1897
1898
1899
1900
1901
1902
1903
1904
1905
1906
1907
1908
1909
1910
1912
1913
1914
1915
1916
1917
1918
1919
1920
1921
1922
1923
1924
1925
1926
1927
1928
1929
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
621:190$000
1.327:900$000
1.540:155$000
1.334:364$000
2.045:586$000
2.044:395$000
2.188:761$000
2.308:877$000
1.921:724$000
2.022:130$000
1.428:257$000
1.378:030$000
1.338:722$000
1.467:044$000
1.444:401$000
1479:030$000
1.567:960$000
1.286:834$000
1.287:784$000
1.164:589$000
982:239$000
1.168:017$000
985:222$000
1.491:046$000
4.042:542$000
3.645:876$000
9.420:967$000
6.860338$000
4.978:055$000
6.860:338$000
7.047:680$000
7.553:695$000
6.471:063$000
-
-
-
13.456:788$000
14.639:553$000
15.496:797$000
15.444:087$000
10.507:180$000
7.914:383$000
4.127:828$000
8.988:770$000
9.859:612$000
9.174:611$000
750:446$000
438:270$000
475:443$000
621:413$000
543:892$000
548:476$000
597:534$000
189:094$000
279:641$000
363:6324000
373:885$000
524:1724000
503:715$000
756:170$000
876:025$000
770:743$000
701:044$000
626:402$000
688:858$000
877:805$000
854:511$000
482:782$000
333:152$000
555.756$000
1.138:934$000
2.767:653$000
3.152:336$000
3.954:357$000
3.075:129$000
5.108:980$000
6.535:987$000
11.624:000$000
11.922:000$000
7.097:000$000
7.197:000$000
12.245:000$000
12.541:387$000
7.843:611$000
8.003:449$000
9:295:197$000
11.688:390$000
13.002:707$000
15.410:238$000
1.235:505$000
31.984:047$000
38.706:316$000
Quadro 2 Importância da erva-mate em relação à madeira. Dados desde 1892 até o ano de 1938,
em valores
Fonte: BOSSLE, (1988, p. 142 e 143).
Os dados supracitados acima, mostram a realidade econômica do setor
ervateiro e madeireiro em Santa Catarina, no período delimitado e levam às
seguintes considerações:
93
a) A Estrada Dona Francisca, teve sua construção iniciada em 1855, chegou
à Vila de São Bento do Sul, no ano de 1877, incorporando à economia ao
catarinense a região dos ervais ao sul do rio Negro, que antes era matéria-
prima exclusiva dos paranaenses.
b) Com a fundação de São Bento, os imigrantes europeus tomam contato
com a atividade ervateira, principalmente após 1877, quando a Estrada
Dona Francisca foi aberta até São Bento. Nesse ano, em Joinville, foi
instalada um engenho erva-mate. Estava aberta a região dos ervais e a
economia recebe um incremento, com a entrada da erva-mate na pauta
de exportação de Santa Catarina.
c) Quando a Estrada Dona Francisca foi aberta até a Vila de Rio Negro, em
final da década de 1880, houve um crescimento substancial nas
exportações da erva-mate. Fazendo-se um comparativo, constata-se que
no ano de 1893, o valor da exportação da madeira representava um terço
do valor da exportação da erva-mate;
d) A região ervateira ao sul do vale do rio Negro se integra como o centro
fornecedor. Isso pode ser comprovado, pois no ano de 1894, somente São
Bento do Sul, segundo Ficker (1973 p. 323) “[...] exportou nesse ano
445:000$000. Santa Catarina, nesse mesmo ano, exportou 1.540:155
$000”. Por outro lado, nesse mesmo ano a exportação da madeira por
Santa Catarina foi de 475:443$000. Em São Bento, onde a madeira estava
sendo derrubada para implantação das roças dos colonos imigrantes,
exportou em 1894 no valor de 48:000$000, ou seja, a exportação da
madeira representava em torno de 10% da erva-mate.
e) Durante o período da guerra do Contestado (1912 a 1916), a exploração da
erva-mate não teve queda substancial, pois os sertanejos revoltados foram
confinados à região mais ao sul dos ervais do vale do rio Negro. As lutas se
concentraram distante da região produtora de Campo Alegre, São Bento do
Sul, e Mafra, de modo que a guerra pouco afetou a atividade ervateira,
havendo pequena queda na produção nos anos de 1913 e 1915.
f) Com o término da guerra do Contestado, houve a expansão ervateira para
o oeste, na região antes em conflito, incorporando-se os ervais de Três
Barras, Canoinhas e Porto União. A exportação de erva-mate triplicou em
valor a partir de 1917.
94
g) A atividade madeireira sofreu queda acentuada nos anos de 1914, 1915 e
1916, com a guerra na Europa e com a guerra do Contestado, crescendo a
partir do ano de 1917, quando duplicou o valor da madeira exportada.
h) Enquanto outras regiões do Estado de Santa Catarina sofreram com a
queda das exportações da erva-mate, devido à concorrência Argentina a
partir de 1930, mudando inclusive para outras atividades, como foi o caso
de São Bento do Sul e Rio Negrinho, que optaram pela industrialização.
Canoinhas tornou-se a principal produtora de erva-mate de Santa Catarina,
e em 1923 passou a chamar-se Ouro Verde. BOSSLE, (1988, p. 142 e 143)
A safra catarinense teve quedas significativas nos últimos anos, passando de
71.642 toneladas em 2002, 68.393 toneladas em 2003; 66.078 toneladas em 2004 e
61.635 em 2005 caindo para 41.833 em 2006.
Três Barras vai se tornar exportadora de madeira a partir de 1911, quando a
serraria Lumber entrou em operação. Mas o salto econômico regional, foi dado a
partir de 1913, com a inauguração da ferrovia. O trem fez surgirem serrarias às
margens da ferrovia. Atraiu empresários, como Bernardo Olsen, que, em 25 de
março de 1926, inaugurou uma serraria em Marcílio Dias, ao lado da estação
ferroviária.
A erva-mate foi também responsável pela fixação de famílias no interior do
município, onde foram abertas estradas. A madeira começou a despertar interesse
econômico, mesmo que a exportação tivesse uma queda em 1926 e 1927, mas
recuperou-se bem em 1928.
O setor atraiu empresários para a região, e no ano de 1940 havia ainda em
Canoinhas cerca de 4 milhões e trezentos mil pinheiros em com altura média de
13 metros com mais ou menos 16 polegadas.
Em 1940 conforme Silva (1940, p. 45), havia em Canoinhas: “62 serrarias,
sendo 54 de madeiras em geral, 5 para a fabricação de caixas e 3 laminadoras. A
principal é a ‘Southern Brazil Lumber and Colonization Company – Incorporada’, que
é de primeira ordem”.
A empresa tinha sua sede em Três Barras, e empregava cerca de 1.000
operários. A Lumber foi incorporada ao patrimônio nacional em 1940, quando
venceu o contrato de 50 anos, e, segundo Thomé (1980, p. 106), “Getulio Vargas
promoveu então a encampação de todos os bens da Lumber, junto com as demais
95
empresas de Farquar”. O encerramento das atividades da Lumber contribuiu para
que surgissem pequenas serrarias em vários pontos do Município, substituindo em
muitos casos a atividade ervateira.
5.3 A QUEDA NA PROCURA DA ERVA-MATE
A crise atingiu o setor ervateiro na década de 1930 e teve como principal
motivo a crise econômica que assolou o mundo ocidental, com a queda da Bolsa
de Valores de Nova York. Segundo Tabalipa, (1979, p. 5), com a crise de 1929, “o
preço da erva-mate que em 1928 era de 20$000 vinte mil réis, em 1929 baixou para
3$000, três mil réis”. Essa crise atingiu todo o comércio dos países periféricos aos
grandes centros econômicos e financeiros. Por outro lado, a erva-mate brasileira era
produzida em forma extrativista, num sistema tradicional de poda que praticamente
destruía a árvore, que tinha quase todos os seus galhos cortados. Para a completa
regeneração, eram necessários 3 a 4 anos, mas havia também outros problemas.
Estando as árvores dispersas na mata, os ervateiros perdiam muito tempo
carregando os galhos de distâncias cada vez maiores, do local onde era
realizado, o sapecamento e o enfardamento para ser transportada ao carijó
onde era feita a secagem. Todo o processo era manual e exigia um bom
número de trabalhadores, o que encarecia todo o processo produtivo. A
Argentina, por ser grande consumidora e ter poucas reservas nativas,
investiu no reflorestamento, produzindo a sua própria erva e o Brasil perdeu
o seu maior comprador. (LINHARES, 1969, p. 289)
A Argentina, maior comprador da erva brasileira, a partir do inicio do século
XX, iniciou com sucesso o cultivo da erva-mate. O parque fabril argentino exigia que
o Brasil vendesse a erva, semi-elaborada, conhecida como cancheada, de preço
menor. Como o Brasil queria vender apenas a erva-mate pronta para o consumo, os
argentinos resolveram investir no plantio, produzindo assim a própria matéria-prima.
Segundo Costa (1995, p. 48):
Data precisamente de 1903 o início do cultivo na Argentina por esse
sistema, cujas plantações atingiam 18 milhões de unidades em 1926,
quando o governo da Província estabeleceu acelerar a formação de novos
ervais, que todas as terras aforadas no Território de Missões deveriam se
destinar obrigatoriamente, pelo menos na metade da superfície, ao cultivo
96
do mate, com o que se obteve o plantio de mais de 48 milhões de pés até
1935. (COSTA, 1995, p. 48)
Em sistema de reflorestamento, o processo de produção era mais
concentrado e os argentinos extraiam dos pés apenas as folhas e os ramos, não
destruindo os galhos, com isso podiam ter uma safra anual das mesmas árvores.
Isso representava maior produtividade por árvore, preços menores para o
consumidor e concorrência com a erva-mate brasileira. Os argentinos têm outro
sistema produtivo, mais racional que o brasileiro.
É certo que a maioria das podas é feita a tesouras. A rigor não se pode falar
em poda, mas em corte. [...] quem diga com razão que desbaste mais
racional daria maior rendimento, pelo menos uma colheita a cada dois anos,
ou até anualmente com se faz em Missiones. (LINHARES, 1969, p. 289)
Há mais de cem anos que os argentinos fazem o manejo racional, com
tecnologia para a produção da erva-mate, enquanto que no Brasil e especificamente
na região ao sul do rio Negro a erva-mate explorada ainda é basicamente a nativa,
com poucas árvores por hectare, para ser usada no chimarrão ou no chá. Se
houvesse um reflorestamento em sistema de adensamento racional, obedecendo às
normas da legislação vigente dos órgãos ambientais, em muitas áreas o número de
árvores do erval poderia dobrar, aumentando a produtividade sem perda de
qualidade da erva. A erva-mate nativa da região ao sul do rio Negro possui um sabor
característico, um diferencial de qualidade que deve ser preservado. Quem quiser
produzir erva-mate para extração de alcalóides e outros sub-produtos, o
reflorestamento de forma pura seria uma boa alternativa. Detalhes sobre o manejo
sustentável da erva-mate podem ser obtidos na Universidade do Contestado –
Campus Canoinhas, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA,
no escritório regional da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de
Santa Catarina - EPAGRI na mesma cidade e na Universidade Federal de Santa
Catarina, em Florianópolis..
Com o cultivo da erva-mate, e com a introdução de cnicas de colheita e
preparo, a produção Argentina de erva-mate apresentou a seguinte evolução:
97
ANO QUANTIDADE
1910
1920
1925
1930
1935
1937
1938
910.000 quilos
2.900.000 quilos
10.000.000 quilos
38.500.000 quilos
75.000.000 quilos
106.330.000 quilos
120.000.000 quilos
Quadro 3 – Evolução da produção Argentina de erva-mate
Fonte: Costa, (1995, p. 49)
Com sua produção, a Argentina se tornou auto-suficiente e também
exportadora de erva-mate. Além de não comprar mais a erva-mate brasileira, se
tornou seu mais direto concorrente. A partir da década de 1930, o setor exportador
ervateiro entrou em crise e não conseguiu mais sair dela. As facilidades
proporcionadas pelo extrativismo, acomodou os agentes econômicos e isso foi
prejudicial para o agronegócio da erva-mate, pois não levou os empresários a
buscarem alternativas de produção e consumo.
Na região ao sul do rio Negro, a produção está concentrada na erva-mate
para chimarrão. Como a erva para chimarrão é um produto no qual há muitos
produtores produzindo de forma igual, a vantagem competitiva, o diferencial, é a
aplicação de tecnologia.
A principal produtora de erva-mate na região ainda é Canoinhas. O jornal A
Notícia de Joinville, (27/08/2007) publicou uma entrevista com um empresário do
mate, e ele afirma que, nos últimos anos, houve aumento de custos de produção,
mas não aumentou o consumo. Segundo informou, a cultura (da erva-mate), foi o
carro chefe da arrecadação de tributos para a cidade de Canoinhas; hoje representa
apenas 2% do volume. Outras causas apontadas foram o aumento dos custos, que
cresceram pela alta do preço dos insumos e por causa dos impostos que incidem
sobre a erva-mate.
6 A INSTALAÇÃO DE BARREIRAS FISCAIS E O SIGNIFICADO DOS
CONFLITOS
6.1 O PARANÁ INSTALA BARREIRAS FISCAIS ENTRE JOINVILLE E SÃO BENTO
Para conter o fluxo de erva-mate para o porto de São Francisco, pela Estrada
Dona Francisca que passou a concorrer com a Estrada da Graciosa, ligação de
Curitiba ao litoral do Paraná, onde estavam localizados os portos de Antonina e
Paranaguá, o governo do Paraná criou várias barreiras fiscais. A erva-mate
produzida em Santa Catarina, nos vale do rio Negro e Iguaçu, por estar mais
próxima do porto de embarque e pagar imposto menor para o Estado, era mais
barata que a erva produzida pelo Paraná, que percorria maior distância para o
embarque e sofria uma taxação de impostos que os empresários do mate
consideravam alto. Assim e produtores do sul do Paraná começaram a vender erva-
mate para Joinville.
A criação das barreiras fiscais visava também a sobretaxar a erva-mate
catarinense para que ela se tornasse mais cara que a erva-mate produzida no
Paraná. O projeto rodoviário catarinense, construindo uma estrada para os ervais,
estava dando prejuízo ao Paraná. A questão do Contestado, não era mais uma
disputa territorial, mas era também uma disputa econômica entre os ervateiros.
Quando a estrada Dona Francisca atingiu o Planalto Norte de Santa Catarina,
o governo federal definiu, em 1867, que o ponto terminal seria Rio Negro e não
Curitiba.
O governo do Paraná acreditava que a Estrada Dona Francisca ligaria
Joinville a Curitiba, cruzando o distrito de Ambrósios, ao sul da Vila de o Jo
dos Pinhais, e instalou, em 1854, uma barreira fiscal para cobrar impostos de
mercadorias em trânsito.
Assim que soube da notícia, conforme Mafra (2002, p. 562), “[...] a
administração do Paraná em 1868, transferiu (a barreira fiscal) para Encruzilhada”.
A transferência foi realizada no mês de junho e cobrava os seguintes
impostos: dízimo dos produtos da lavoura e indústria (3% sobre manufaturados e 8%
sobre os não manufaturados); imposto sobre gado de consumo, taxa itinerária de
400 réis por animal carregado e 200 réis por animal solto.
99
O registro de Encruzilhada é situado aproximadamente a 26 quilômetros da
margem esquerda do rio Negro que tem seu curso dentro de território desta
Província, território do qual estava de posse nunca contestada antes do
Dec. N. 3378 de 16 de janeiro de 1865. (MEDEIROS; MARCHIORATO,
1992, p. 6)
O Paraná considerava o rio Negro um rio paranaense, que corria apenas
dentro do seu território e não era um rio de fronteira. Pelo
Uti Possi de tis
estabelecido pelo Decreto de 1865, o limite do Paraná com Santa Catarina ficou
provisoriamente estabelecido pela Serra do Mar. Este é um importante documento
pois utiliza o termo de posse nunca “contestada”, termo este que vai se generalizar
com sinônimo de luta pela posse da terra entre as duas Províncias.
A barreira fiscal foi transferida para o local chamado Encruzilhada a 26
quilômetros ao sul do rio Negro, em território que Santa Catarina considerava seu e
por isso contestou. O engenheiro construtor da estrada, Étiene Douat, conforme
Ficker (1973, p 92), “alegando ordem superior mudou o traçado da estrada mais
para o norte, passando longe da barreira fiscal de Encruzilhada”.
Com essa medida, o engenheiro anulou a barreira fiscal de Encruzilhada, mas
o Paraná o se conformou e periodicamente mandava suas tropas para obrigar os
colonos a desviar o trânsito e passar pelo seu posto fiscal.
O procurador fiscal do Paraná, Dr. João José Pedrosa, diante do protesto de
Santa Catarina pela instalação da barreira fiscal, assim ameaçou:
Se a província de Santa Catarina deseja alargar o seu território à custa do
nosso, seja por vaidade ou simplesmente bairrismo, seja para adquirir novos
elementos de riqueza que lhe faltem. Pode fazê-lo dentro da órbita da lei,
reclamando perante o poder legislativo do império, mas nunca por uma
espécie de conquista, pela ameaça e pela força, porque seria isso um crime
que nada adiantaria às suas pretensões. (idem, 1992, p. 11)
O inspetor de tributos da Província do Paraná em ofício ao Presidente da
Província do Paraná, Dr. Adolpho Lamenha Lins, chama a atenção de que Santa
Catarina não pode ingerir nos negócios do Paraná e muito menos desrespeitar as
suas leis, e fez a seguinte afirmação, que foi transcrita por Medeiros; Marchiorato,
(1992, p. 14): “Não são o Paraná e Ela, dois Estados soberanos que tenham a
recear ataques a sua integridade territorial de modo a mover-se uma luta de honra
entre ambas”.
O Governo do Paraná ameaçou partir para a luta se necessário fosse para
garantir a integridade territorial que julgava de seu direito.
100
Diante dessa situação, o coletor de rendas provinciais de Joinville, Anacleto
Ladislao Ribeiro, encaminhou um relatório ao Inspetor da Tesouraria Provincial de
Santa Catarina, pelo qual informa que a Província do Paraná, reclama que o núcleo
colonial de São Bento, cujos terrenos foram comprados ao governo imperial,
pertençam a ela. Sobre o caso o coletor de Joinville, assim se manifestou, segundo
Medeiros; Marchiorato (1992, p. 16), “Vossa Senhoria não ignora que a Província do
Paraná quer apossar-se de todo o território compreendido pela margem esquerda
do rio Negro”.
Quando os moradores se recusaram a pagar, eram multados e cobrados
judicialmente pelas autoridades paranaenses. O inspetor mostra sua preocupação
com a situação e alerta que em breve poderá haver um sério conflito entre os
moradores de São Bento e os empregados do posto fiscal, e pede a intercessão do
governante catarinense para solucionar a questão de limites entre as duas
Províncias.
O inspetor de renda da Província de Santa Catarina, José Delfino do Santos
diante do relatório do coletor de Joinville, informa ao Presidente da Província, João
Capistrano Bandeira de Mello Filho, em 11 de abril de 1876, conforme transcrição do
documento feita por Medeiros; Marchiorato (1992, p. 18), que a situação é
vexatória que estão sujeitos os moradores aquem do rio Negro e os da nova colônia
de São Bento, com as exigências das autoridades fiscais da Província do Paraná”.
O inspetor argumentou que, enquanto o governo imperial não solucionasse a
questão de limites entre as duas Províncias, uma parte da população estaria
sofrendo.
O Presidente da Província de Santa Catarina, através do ofício de 11 de maio
de 1876, contesta o estabelecimento de registro ou barreira fiscal em Encruzilhada,
em território catarinense. Nega que haja posse antiqüíssima do Paraná, lembrando
que a divisa entre as Proncias é pelo rio Negro, conforme a carta régia de 20 de
novembro de 1749, que criou a Ouvidoria de Santa Catarina. Segundo o Presidente
a carta régia estabeleceu os limites pelo rio Negro e pelo grande rio de Curitiba (rio
Iguaçu), pelo de 9 de setembro de 1820, que incorporou a vila de Lages para Santa
Catarina.
Lembrou que, pelo ato de demarcação de maio de 1871, foi confirmado o rio
Saí Guaçu como limite, pelas Câmaras de Guaratuba e São Francisco. Questionou o
fato de que se a Província do Paraná criou a barreira fiscal em 1854, por que ela só
101
foi instalada na Encruzilhada em 1868, três anos depois que o governo imperial
mandou respeitar o
Uti Possi de tis através do aviso de 21 de outubro de 1865.
O Presidente da Província de Santa Catarina, Bandeira de Mello não se
mostrou intimidado com as ameaças de guerra do Paraná e declarou que se fosse
necessário poderia mover uma luta de honra entre ambos.
Se a Província do Parasente-se agravada com o ‘uti possidetis’ deverá
recorrer ao poder competente, porém, nunca usar dos meios ultimamente
empregados que tendem a acoroçoar os conflitos e a irritar os ânimos dos
habitantes dos territórios limítrofes. Não são e nem era preciso que Vossa
Excelência dissesse que Santa Catarina e o Paraná são dois Estados
soberanos que tenham que recear ataques a sua integridade territorial, de
modo a mover-se uma luta de honra entre ambos. (idem, 1992, p. 22).
O Presidente catarinense refere-se aos impostos que foram criados por lei do
Paraná, que ofendem os direitos e interesses dos habitantes do Município de
Joinville, ao qual pertence o núcleo colonial de São Bento. Classifica como de
vexatórios os impostos cobrados no registro fiscal de Encruzilhada. Indignado o
governante catarinense reclama dos preços dos impostos cobrados e pede que
sejam respeitadas as leis do país:
Imposto de R$ 21$000 por rês morta para consumo: R$ 3$000 por cabeça
de gado exportado; taxa itinerária de R$ 400; por animal carregado R$ 200.
sobre os produtos da lavoura e industria, 3% sobre o valor dos
manufaturados e 8% sobre os não manufaturados. (idem, 1992, p. 23)
A erva-mate cancheada, que era a matéria-prima para os engenhos de soque
de Joinville, pagava um imposto bastante elevado para o Paraná, na ordem de 8%.
O Presidente do Paraná cobrou informações do Inspetor da Tesouraria sobre
os dados do ofício do chefe de Governo Catarinense. O Inspetor alegou que a
reclamação do governo catarinense é uma simples reprodução das anteriores. O
que seria necessário era discriminar os territórios das duas províncias. Lembrou que
quem primeiro ocupou de fato a região ao sul do rio Negro foram os paranaenses,
quando a região ainda era a 5ª. Comarca de São Paulo, foi criada, pela Lei 17 de 28
de fevereiro de 1838, a freguesia de Rio Negro e o povoado de São Lourenço,
portanto ocupando-se o norte e o sul do rio Negro. Enquanto a questão de limite
estiver indefinida, cabe aos governos de ambas as Províncias zelar pela paz e a
manutenção da ordem pública.
102
O Presidente do Paraná Lamenha Lins justificou ao governante de Santa
Catarina, que a cobrança de impostos, cujos valores foram contestados, estava de
acordo com a lei paranaense e que toda a região ao Sul do Rio Negro era território
do Paraná, enquanto o governo Imperial não discriminasse a fronteira entre as duas
províncias. O Governador paranaense assim se posicionou:
Enquanto a sua decisão não for proferida estamos seguros de que o
Governo de Santa Catarina com o critério e a devida solicitude pela
manutenção da ordem pública, providenciará para que cessem quaisquer
provocações, evitando-se conflitos com nossas autoridade e os nossos
funcionários já constituídos. É este o único alvitre a ser tomado. (idem,
1992, p. 27)
O Presidente de Santa Catarina, Bandeira de Mello, ciente de que as
autoridades paranaenses estavam tentando ganhar tempo, através de ofício de 12
de maio de 1876, invocou novamente que cessasse a cobrança de impostos e
lembrou que Colônia Dona Francisca, estabeleceu um núcleo às margens do Rio
São Bento, em terrenos comprados do governo imperial, mas o Paraná estava
criando problemas para a prosperidade da nova colônia.
Presidente da Província de Santa Catarina, João Capistrano Bandeira de
Mello Filho, invocou novamente a atenção do Presidente da Província do Paraná,
Adolpho Lamenha Lins,
[…] para tão momentoso assunto a fim de prevenir conflitos que podem
resultar do sistema adotado por essa Província que pretende por
semelhante forma constituir direito de posse a terrenos que lhe não
pertence, vou ainda mais uma vez rogar a Vossa Excelência a expedições
das necessárias ordens às autoridades dessa Província para que cessem
semelhantes abusos”. (idem, 1992, p. 29 )
Diante da posição tomada pelo governante catarinense, o chefe do executivo
do Paraná solicitou auxílio ao poder judiciário para preparar um relatório sobre a real
situação, pois estava havendo contradições nas informações. As remetidas pelos
funcionários da arrecadação de impostos não coincidiam com as enviadas pelo
governo catarinense. Em comissão, o Juiz de Direito da Comarca de Curitiba,
Agostinho Ermelino de Leão, recolheu as informações ao sul do rio Negro, e de
posse dos dados, elaborou um importante relatório que foi entregue ao Presidente
da Província, através de ofício de 8 de julho de 1876.
103
As informações colhidas põem patente o plano que de apossar-se a
Província de Santa Catarina de uma parte importante do território desta
Província, sendo hoje eficazmente ajudada por colonos estabelecidos na
Colônia de São Bento e por estrangeiros que ali dirigem o serviço da viação
por conta do governo (idem, 1992, p. 30).
O Juiz deixou claro, primeiro, que Santa Catarina tinha plano para tomar
posse de território pretendido pelo Paraná. Em segundo lugar, deixou claro que
para conseguir atingir seus objetivos, Santa Catarina estava usando os colonos de
São Bento e os empregados da estrada Dona Francisca. Era a questão de limites
se agravando e Santa Catarina estava se preparando para cravar uma cunha nas
pretensões territoriais do Paraná.
O Juiz também mencionou que o engenheiro da estrada, mandou construir
um desvio passando longe do posto fiscal de Encruzilhada. Com isso praticamente
inutilizou o posto de cobrança e que o encarregado das obras da construção da
estrada, Guilherme Englk, sempre que podia reunia todos os trabalhadores para
fazer uma demonstração de força. No final de maio do ano de 1876, reuniu um
grupo de 150 pessoas, entre trabalhadores da estrada e colonos imigrantes, cercou
a agência fiscal e ordenou ao agente da Encruzilhada segundo Medeiros;
Marchiorato (1992, p. 32): “que era preciso fazer retirar as duas placas colocadas no
desvio, deixando o povo passar livremente sem pagamento de imposto algum.”
O Juiz informou que a Colônia São Bento, localizada dentro da Província do
Paraná, fora elevada por Santa Catarina à categoria de Freguesia, tendo por divisa o
rio Negro, onde ele encontrou autoridades nomeadas pelo governo de Santa
Catarina. Havia inspetores de quarteirão que obedeciam às autoridades do Paraná e
outros que atendiam às autoridades de o Francisco. Na opinião do Juiz, a
colônia São Bento estava em desordem. Santa Catarina aliciava o povo com
promessas inauditas que o Paraná nunca poderia ofertar. Agostinho Ermelino de
Leão, segundo Medeiros; Marchirato (1992, p. 33), ficou indignado em saber que
“para mais confundir a questão de limites, na Comarca de o Francisco,
ultimamente qualificaram jurados, habitantes desta Comarca e da Comarca da Lapa
com o fim único de ter argumento em seu favor.”
Se as autoridades constituídas estavam confusas com a indefinição dos
limites territoriais entre as duas Proncias, imagine a situação dos colonos que
compraram terras mas, não puderam receber as escrituras.
104
A questão de limites deixou a população ao sul do rio Negro em situação de
revolta e os conflitos previstos nos ofícios das autoridades de fato ocorreram. O
Inspetor da Tesouraria da Proncia do Paraná, Joaquim de Almeida Faria Sobrinho
comunicou em data de 12 de julho de 1876, ao Presidente Adolpho Lamenha Lins,
conforme Medeiros; Marchiorato (1992, p. 34): que “o agente fiscal (de
Encruzilhada), de nossa Província, no mencionado registro tem sido vítima de
inqualificáveis violências, movidas pelas próprias autoridades da Província de Santa
Catarina”.
Para comprovar as denúncias, o Inspetor mandou o primeiro escriturário para
o registro de Encruzilhada para detalhar as ocorrências. Segundo suas informações,
os fatos foram todos originados por pessoas estrangeiras, ocupadas no serviço da
estrada que estava sendo construída pela Província de Santa Catarina, para dar
acesso à colônia São Bento. Para o escriturário Jacintho Manoel da Cunha, citado
por Medeiros; Marchiorato (1992, p. 35) “Essa colônia acha-se situada em terreno
pertencente a esta Província, pois que dela ao cimo da Serra do Mar, limites
provisórios que dividem esta Província com a de Santa Catarina, ainda se poderá
medir um espaço superior a três léguas”.
Para o representante do governo do Paraná, a divisa territorial entre Paraná e
Santa Catarina era a Serra do Mar e, nesse caso, o posto fiscal e a Colônia São
Bento estavam de forma incontestável em território paranaense.
Jacintho Manoel da Cunha, também denunciou que os trabalhadores da
estrada vinham forçar a passagem de tropeiros colocados à sua proteção, sem
pagar os devidos impostos. Denunciou que o próprio Juiz de Direito de São
Francisco em pessoa veio forçar o registro de Encruzilhada a dar passagem livre, a
tropeiros que se negavam a pagar imposto, obrigando o funcionário a assinar guia
de passagem livre, a diversos tropeiros. Segundo esse escriturário, citado por
Medeiros; Marchiorato, (1992, p. 36), no dia 28 de junho último “foi o registro forçado
por um grupo de nacionais e um muito maior número de estrangeiros, superior a
cem pessoas, a dar passagem livre a tropeiro que se furtava ao pagamento do
respectivo imposto”.
Informou também que o fazendeiro paranaense Francisco Teixeira de Freitas,
que era proprietário de uma fazenda localizada a leste da Colônia São Bento,
aceitou ser nomeado subdelegado pelas autoridades de Santa Catarina.
105
Concluindo o seu relatório, reafirmou que São Bento estava dentro da
Província do Paraná. Os colonos estrangeiros e nacionais, têm desrespeitado as
nossas leis fiscais, chegando o seu arrojo ao ponto de dar viva a Santa Catarina e
morra o Paraná”.
A casa do registro de Encruzilhada estava localizada nas proximidades de
Campo Alegre, no trajeto original da estrada Dona Francisca, mas quando o Paraná
autorizou a cobrança de impostos, o engenheiro desviou o traçado da estrada. A
falta de conservação desse desvio chamou a atenção do escriturário. Ele reclamou
das condições precárias da estrada que dava acesso à casa de registro, contígua à
casa do finado Brigadeiro Franco (idem, 1992, p. 38).
Essa informação é importante, pois a estrada Dona Francisca estava cortando
as terras do finado Brigadeiro Manoel de Oliveira Franco, que foi um dos maiores
empresários e políticos do Paraná. Nesse local, seu filho montou, mais tarde, um
grande engenho de erva-mate.
O funcionário da tesouraria da Província do Paraná lamentou que o posto
fiscal não estava mais sendo utilizado por falta de mais funcionários para cobrança
de imposto e de praças para coagir os viandantes a pagarem. Segundo ele o posto
recebia apenas de quem pagava espontaneamente e os que se recusavam a pagar,
o funcionário apenas tomava o nome dos infratores. Ou seja, o posto não cumpria
mais a sua finalidade. A ação dos nacionais e dos imigrantes residentes ao sul do
Rio Negro contra o posto fiscal de Encruzilhada deram resultado positivo, o que
obrigou o governo do Paraná a desativá-lo.
O Presidente da Província solicitou, e a Tesouraria Provincial do Paraná,
através do Inspetor Francisco Alves Guimarães, fez novo histórico sobre situação de
suas pretensas áreas ao sul do vale do Rio Negro. Sua informação foi citada por
Medeiros; Marchiorato (1992, p. 49): “A estrada geral em construção que partindo do
Termo de Joinville, na Província de Santa Catarina, atravessa pelos Municípios de
São José dos Pinhais e do Rio Negro.”
Para o Inspetor de rendas, a Estrada Dona Francisca atravessava o Município
de São José dos Pinhais, (que corresponde hoje ao atual Município de Campo
Alegre) e também o Município de Rio Negro, no trecho (que corresponde ao atual
Município de São Bento e áreas para oeste, até o rio Preto).
O inspetor informou, também, que a estrada foi desviada para não passar
pelo posto fiscal de Encruzilhada, ficando esta inutilizada. Lembra que pela Lei 466,
106
de 17 de abril de 1876, a Tesouraria do Paraná foi autorizada a mudar a estação de
lugar, mas que até agora nada fora feito.
Disto resulta, além do prejuízo de uma porção avultada da nossa renda, o
desvio do comércio desta Província, o que motiva sérios reclamos por
parte dos comerciantes do nosso principal ramo de exportação a erva-mate,
cujos beneficiadores não podem concorrer com os de Santa Catarina que
obtém esse produto sem o ônus de qualquer imposto, quando os desta
suportam, além das taxas do pedágio a de 40% do zimo e as
contribuições municipais. (idem, 1992, p. 50)
O inspetor da Tesouraria do Paraná foi bem realista quanto aos prejuízos que
estavam sofrendo os produtores de erva-mate do Paraná. É importante lembrar que
em 1877, foi inaugurado um engenho de erva-mate em Joinville, utilizando a
matéria-prima do vale do rio Negro, fazendo concorrência direta aos produtores do
Paraná. Para diminuir os prejuízos, o Inspetor pede que seja construída uma nova
barreira em outro local. O Governo do Paraná autorizou a construção uma nova
barreira fiscal, mais próxima à Serra do Mar, no local denominado Rancho do
Buraco. O Paraná deslocou para o local uma força policial de vinte praças,
acompanhada de um coletor de rendas, para estabelecer a barreira. Ao chegar ao
local, os policiais tomaram as armas dos trabalhadores da estrada Dona Francisca,
que necessitavam delas para sua defesa, frente aos índios e feras.
O Presidente da Província de Santa Catarina, ao receber o telegrama de
Joinville, informando da situação, mandou com urgência um telegrama ao Presidente
da Província do Paraná, pedindo a suspensão dos trabalhos. O governante
paranaense ordenou a suspensão imediata da construção da barreira e a retirada do
local, do funcionário da Fazenda e os policiais.
O Coletor, após retornar a Curitiba, enviou um ofício ao Inspetor do Tesouro
Provincial do Paraná, no qual relatou que estava cumprindo sua missão, quando
chegou o subdelegado de São Bento, informando que grupos de pessoas estavam
dispostos a interceptar a arrecadação, repelir os empregados e destruir o
estabelecimento. Estava no aguardo de instruções superiores para iniciar a
arrecadação, quando recebeu, por um mensageiro, a Portaria determinando que
sustasse qualquer trabalho, o que foi feito de imediato.
O seu depoimento é esclarecedor sobre o que do fato estava ocorrendo, e o
motivo da insistência do Paraná em levantar a barreira fiscal de Rancho do Buraco,
no alto da Serra do Mar.
107
Antes de concluir esta minha sucinta, porém fiel exposição, devo em abono
da verdade, declarar que para melhor avaliar-se o enorme prejuízo na
arrecadação das rendas da nossa Província com a extinção daquela
barreira, basta vermos que no ponto escolhido para o seu estabelecimento,
passam diariamente tropas em número muito considerável sem falar no
trajeto de carroças em não pequena escala. (idem, 1992, p. 55)
Esse fato repercutiu na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, onde o
deputado Pedro José de Souza Lobo assim se referiu ao funcionário do Paraná que
foi enviado para montar o posto fiscal no local chamado de Rancho do Buraco, no
alto da Serra, as margens da Estrada Dona Francisca
Este empregado, com soldados e capangas apossaram-se do terreno de
Sua Alteza e Senhora Dona Francisca que escolheram para barreira e
deliberaram, depois de ter descido até 32 quilômetros, criar a barreira do
Rancho do Buraco e se não fosse a atitude que tomaram as autoridades de
Joinville, teríamos de lamentar o derramamento de sangue, porque o povo
não está mais disposto a levar por meios pacíficos as provocações do
Paraná. (FICKER, 1973, p. 165)
A Estrada Dona Francisca estava sendo um corredor de erva-mate e também
de tropas que desciam para o litoral abastecendo o mercado catarinense e
possivelmente também o paranaense, sem cruzar pelas barreiras fiscais instaladas
no planalto.
6.2 O PARANÁ INSTALA BARREIRA ENTRE SÃO BENTO E RIO NEGRO
Pela ineficiência do posto de Encruzilhada, a Tesouraria Provincial do Paraná
resolveu criar a agência do registro de Rio Negro no lugar denominado Rio Preto e
para isso, solicitou autorização ao Presidente da Província. O agente fiscal de Rio
Negro informou que diversas tropas de gado vindas das Províncias de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul e mesmo da margem esquerda desta vila (ou seja
o sul do rio Negro), que conduzem gado para a Colônia Dona Francisca e para o
litoral do Paraná, desviam este posto de Rio Negro. Passam pela estrada Dona
Francisca sem pagar imposto algum, pois desviam também o posto de Encruzilhada.
Em vista dessa situação, o administrador do Posto de Rio Negro, Mathias Taborda
Ribas assim se posicionou:
108
Tomo a liberdade de lembrar a Vossa Senhoria que é de grande
necessidade a criação de uma agência, estacionada no lugar denominado
Rio Preto, neste município, único lugar que me parece prestar-se com
vantagem; ficando assim acutelados os prejuízos que a Província
anualmente sofre. (MEDEIROS; MARCHIORATO,1992, p. 41)
Da região de Rio Negro pelo caminho aberto para a construção da Estrada
Dona Francisca, a erva-mate estava sendo desviada para o porto de São Francisco.
Para atender aos reclamos dos empresários do mate do Paraná que estavam sendo
prejudicados com a concorrência catarinense, em março de 1877 o Governador do
Paraná, Adolpho Lamenha Lins, mandou criar uma barreira fiscal no local
denominado Rio Preto, às margens do rio que hoje faz a divisa entre os municípios
de Mafra e Rio Negrinho. De imediato o governo de Santa Catarina protestou.
Para justificar a criação da barreira, o administrador de Rio Negro fez as
seguintes ponderações às autoridades daquela Província: 1. As autoridades
catarinenses inutilizaram a barreira da Encruzilhada, cujos rendimentos exauriram-se
inteiramente; 2. Hoje ameaçam por fatos a inauguração da barreira do Rio Preto; 3.
Sem as duas barreiras, o prejuízo será de em torno de 12 contos de réis anuais; 4.
Transfere-se o comércio dos municípios de Rio Negro e de Lapa para o litoral de
Santa Catarina, desviando do Paraná.
O Tesoureiro Provincial solicitou ao novo Presidente da Província do Paraná,
Dr. Rodrigo Octavio de Oliveira Menezes:
[...] providências perante o governo central ou junto da Presidência de Santa
Catarina para que seja respeitada o ‘uti possidetise o direito de percepção
de impostos que desde muitos anos foram cobrados sem a mínima
contestação. (MEDEIROS; MARCHIORATO,1992, p. 43)
O administrador do registro de Rio Negro, para poder cumprir com os termos
da portaria de criação do registro, solicitou a vinda de um destacamento de pelo
menos dez policiais, chamados na época de praças, para enfrentar os índios que
continuam a trilhar as margens do rio Preto e também para obstar as ameaças que
fazem as autoridades de Joinville, auxiliadas pelas de São Bento, de expulsarem por
meio da força o empregado encarregado da arrecadação. O Administrador informou
ao Inspetor da Tesouraria Provincial do Paraná que:
um mês mais ou menos, aquem do rio Preto, duas léguas desta vila,
veio o subdelegado da Colônia São Bento acompanhado de soldados e
oficial de justiça, proceder o corpo de delito no desmancho da construção
109
de uma ponte sobre o Rio Negrinho, chamando inspetores de quarteirão e
mais pessoas deste distrito sem previa comunicação às autoridades desta
comarca. Estou bem informado de que o Juiz Municipal da dita comarca de
São Francisco, a todo o transe pretende expelir o empregado que por esta
Província fazer a arrecadação de direitos em qualquer ponto da estrada
que liga aquela Colônia com esta vila. (MEDEIROS; MACHIORATO 1992,
p. 44)
Diante da negativa do governo do Paraná de fechar o posto fiscal de Rio
Preto, o governo de Santa Catarina resolveu apelar ao Ministério dos Negócios da
Agricultura e Obras Públicas, para que fosse nomeado um juiz competente para
medir os terrenos contestados. O Ministério respondeu que deveria ser nomeado em
comum acordo, entre Santa Catarina e Paraná, para “evitar os males conseqüentes
da propriedade duvidosa”, um engenheiro investido das funções de Juiz Comissário.
O Juiz nomeado, depois de examinar e julgar os respectivos autos de medição, os
enviaria à Presidência que fosse designada pelo Ministério, observando-se os limites
marcados no Decreto n. 3378, de 16 de janeiro de 1865.
Acontece que, pelos limites provisórios de 1865, o Paraná era dono de todo o
Planalto catarinense, com exceção de Lages e áreas de sua jurisdição. O sul do vale
do rio Negro continuava Uti Possi de tis do Paraná. O Presidente da Província de
Santa Catarina contestou e o ministério, após novo estudo, mudou a linha divisória e
comunicou aos governos provinciais.
O ministério da Agricultura, em ofício de 14 de janeiro de 1879 ao novo
Presidente da Província de Santa Catarina, informou que, antes de iniciar as
medições na zona litigiosa entre as duas Províncias, se declare que:
a linha divisória para os efeitos daquele aviso, não é o rio Marombas como
resolveu o decreto n. 3378 de 16 de janeiro de 1865, a que faz alusão
aquele ato do governo, mas os rios do Peixe e Goio-En, cujo território nunca
foi contestado e em cuja posse tem constantemente estado essa Província”.
(MEDEIROS; MARCHIORATO,1992, p. 48)
E finaliza afirmando que quem deve resolver as questões de limites
pendentes entre as duas Províncias é o poder legislativo. Esse ministério apresenta
apenas uma proposta provisória com a intenção de legalizar as medições realizadas
pelos juízes comissários.
Ao fixar a linha divisória pelo rio do Peixe, o Ministério da Agricultura
praticamente anulou o Uti Possi de tis
do Paraná sobre todo o vale do rio Negro e
parte do vale do Iguaçu, mas, como o Ministério o tinha poder decisório, poder
110
esse que cabia ao legislativo provincial, quem não aceitou a nova situação foi a
Província do Paraná, que voltou a reclamar seus direitos.
6.3 PARANAENSES FECHAM RUAS E PRENDEM POLICIAIS EM SÃO BENTO
Inconformados com o fechamento das barreiras fiscais de Encruzilhada e
Rancho do Buraco, no trajeto de São Bento ao alto da Serra do Mar, autoridades
paranaense tomam outras medidas que acirram os ânimos na região de São Bento.
Em outubro de 1879, o governante catarinense, Dr. Antonio de Almeida
Oliveira, recebeu da secretaria de Polícia do Estado a informação de que, em São
Bento, um caminho público foi obstruído por habitantes do Paraná. O Presidente
cobrou informações do governante do Paraná, Dr. Manoel Pinto de Souza Dantas
Filho sobre o ocorrido. Este solicitou esclarecimentos ao Secretário de Polícia da sua
Província. O Secretário argüiu o subdelegado de Rio Negro e este respondeu que o
caminho fechado não se encontrava em Santa Catarina, mas em São Bento,
localizado dentro do território do Paraná. O caminho fora fechado porque tropeiros
catarinenses estavam cruzando as roças dos colonos paranaenses.
O subdelegado de São Bento pediu autorização ao delegado de Polícia de
Joinville para abrir o caminho à força. O delegado, em resposta, afirmou que a
Polícia não era autoridade competente para decidir se o caminho ao qual se referia o
seu ofício era de serventia pública ou não. Essa autoridade era o juiz municipal. Era
ele quem ia determinar o que a polícia deve fazer. Depois de troca de
correspondência entre as autoridades das duas províncias, o caminho, localizado no
interior do atual Município de Campo Alegre, foi reaberto
Em 13 de março de 1880, o novo governante do Paraná, Dr. Manoel Pinto de
Souza Dantas Filho, necessitando se inteirar das questões de limites, solicitou
informações ao inspetor da Fazenda da Província do Paraná, o qual se referiu
Medeiros; Marchiorato: “rogo a Vossa Excelência que se digne de mandar informe,
a vista do que constar na Secretaria dessa Presidência sobre a questão de limites
com Santa Catarina”. (1992, p. 65)
No mês de maio do mesmo ano, chegou notícia que revoltou os são-
bentenses. Autoridades do Paraná prenderam o oficial de justiça e dois soldados
111
policiais de São Bento, levando-os de São Lourenço onde exerciam seus ofícios,
para a prisão no Paraná. Depois de contestações das autoridades catarinenses e
meses de prisão, eles foram liberados.
6.4 INVASÕES E NOVAS BARREIRAS FISCAIS
No início do ano de 1881, o colono paranaense Bento dos Santos Martins
invadiu terras dos colonos de São Bento. O diretor da Colônia Dona Francisca, de
Joinville, mandou ofício ao Presidente da Província de Santa Catarina, reclamando
medidas contra as autoridades de São Bento que protegeram, abertamente, o roubo
de erva-mate em terrenos de colonos estabelecidos. A economia ervateira estava
em franca expansão, mas era liderada por empresários nacionais.
[...] Joinville, em 1881, encontrava-se a caminho da formação de uma classe
empresarial, com a industrialização da erva-mate. Porém a indústria, a
colheita, o transporte e a exportação deste ramo de negócio encontrava-se,
quase exclusivamente, em mão de brasileiros, que também dominavam a
política. (FICKER, 1973, p.202)
Com a estrada Dona Francisca avançando em direção a Rio Negro, a erva-
mate que abastecia os engenhos de Joinville estava vindo cada vez mais do Oeste
da Serra do Mar e isso incomodou os empresários do mate do Paraná. Atendendo
seus reclames, o governo do Paraná, no mês de junho de 1882, instalou em São
Lourenço (na parte Oeste do atual Município de Mafra) mais um posto fiscal.
Os comerciantes não ainda não estavam habituados com o posto fiscal de
São Lourenço, quando notícias advindas do Paraná informavam que o governo
daquela Província, criou um novo porto fiscal no Ribeirão da Lança. (do lado da
atual cidade de Mafra). Para garantir a integridade física e profissional do cobrador
de impostos desse posto, foram enviados 15 soldados. Em São Bento a população
se revolta e o cronista denunciou:
Sob a defesa das baionetas os empregados do posto fiscal cobrarão de
hora em diante 3$000 de cada carregamento de erva-mate que passar o
ribeirão. A povoação de São Bento ameaça expulsar os paranaenses a
força com o fez na Encruzilhada. (AMMON, 1923, p. 38).
112
Na Corte do Rio de Janeiro, perante a Assembléia, o deputado catarinense
Alfredo de Escragnolle Taunay criticou as medidas tomadas pelo Paraná,
precipitadas até, porque estavam sendo realizados estudos por uma comissão de
engenheiros, encarregada do levantamento de toda a zona contestada. Entre as
medidas criticadas pelo parlamentar, pode-se destacar: 1. Criação de uma agência
fiscal em Ribeirão da Lança, - zona litigiosa; 2. Mudança do registro fiscal de
Encruzilhada para o Rancho dos Buracos, em terreno de Santa Catarina, nunca
contestado pelo Paraná. 3. Elevação de São Lourenço zona litigiosa - em distrito
eleitoral; 4. Autorização à Presidência, a fim de criar, em ambas as margens do rio
Negro, agências para arrecadação de impostos. (FICKER, 1973, p. 226)
Enquanto Taunay defendia os interesses de Santa Catarina na Corte, no Rio
de Janeiro, os empresários de Joinville, em 31 de janeiro de 1883, publicaram um
artigo nos jornais, do qual foram destacados alguns parágrafos. Ficker (1973, p 227),
“A lei do Paraná a atual Assembléia do Paraná criando o imposto de 3$000 réis
por cargueiro de erva-mate, que daquela província vier para esta, tributou tal produto
com um absurdo imposto, maior de 50 por cento, sobre o seu valor”.
As críticas dos empresários foram contundentes contra os deputados
paranaenses que não taxaram a erva em rama exportada pelo Paraná para o rio da
Prata e taxaram por um valor maior a erva catarinense. Denunciaram que a taxação
sobre a erva-mate paranaense era menor e fizeram uma acusação que esclarece o
que estava por trás da questão territorial, ou seja, o que os paranaenses queriam
não era terra e nem madeira, queriam era a erva-mate catarinense.
Esses legisladores, que são aqueles próprios negociantes, essencialmente
suspeitos e pessoalmente interessados em que do Paraná não venha erva
alguma para esta província, afim de que possam comprar a maior porção
possível e a preço que a abundância estabelecer, entenderão que
conseguirão isso, mediante o imposto de 3$000 réis por cargueiro.
(FICKER, 1973, p. 228)
A questão dos impostos intrigava ainda mais os empresários catarinenses, os
quais lembram que um cargueiro de erva produz quatro arrobas. Um cargueiro
equivale a 60 quilos de erva beneficiada. Essas arrobas pagam ao Paraná 4% de
exportação ou 396 réis segundo a pauta. Para não pagar esse imposto, os
produtores do sul do vale do rio Negro teriam que levar a sua erva para Curitiba,
113
numa viagem que durava 10 dias, quando poderiam vendê-la em São Bento e
voltando no mesmo dia para casa.
Isso teve duas conseqüências o porto de São Francisco reduziu a
exportação; a região de Mafra a Canoinhas, Itaiópolis, Papanduva, Major Vieira
precisavam mandar sua erva-mate para Curitiba ou então pagavam pesados tributos
ao Paraná para cruzar pelas barreiras fiscais.
6.5 SANTA CATARINA ABRE UM CAMINHO PARALELO A ESTRADA DONA
FRANCISCA
Por sugestão dos empresários, o Governo de Santa Catarina construiu um
desvio, caminho secundário de acesso aos ervais, deixando inutilizadas as barreiras
fiscais do Paraná. Em junho, o Presidente da Província de Santa Catarina, Carlos
de Faria Souto, autorizou a construção de um caminho de cargueiros com início na
serra de São Miguel, distrito de São Bento, para encontrar o caminho que dos
Curitibanos se dirige ao Corisco (Caminho das Tropas), ligando a Estrada Dona
Francisca aos ervais da margem esquerda do rio Negro.
Com essa medida o governo de Santa Catarina estava buscando uma
alternativa para fugir da fiscalização intensa do Paraná. O caminho aberto ligando
São Bento a Corisco (atual Santa Cecília), integrou ao sistema produtivo do mate o
interior dos atuais municípios de Rio Negrinho, Itaiópolis (Moema) e Santa Cecília
onde são-bentenses foram residir.
Nesse mesmo ano, o Presidente da Província de Santa Catarina, realizou
mais um ato polêmico de provocação ao Paraná. São Lourenço em 5 de maio de
1880, foi elevado à categoria de freguesia, denominação oficial de época para
povoação, passava agora a ser também sede de um novo distrito policial. Foram
nomeados os senhores Laurindo Joaquim Bello como subdelegado, José Elias
Moreira e João Sauer Sobrinho como suplentes. É importante lembrar que, no ano
anterior, o Paraná tinha elevado São Lourenço à categoria de distrito policial. A
confusão estava formada, polícias de duas Províncias diferentes atuando na mesma
localidade.
114
Para definir a jurisdição, o Ministério da Agricultura nomeou dois engenheiros
com duas turmas de trabalhadores, que percorreram a região contestada para
discriminar as terras e apresentar um relatório. Uma turma estava a cargo do
engenheiro Major Alfredo Ernesto Jacques Ouriques e a outra do engenheiro Diogo
Rodrigues de Vasconcelos, que trabalhou de Rio Negro até a Serra Geral. A
comissão apresentou, em julho de 1883, um relatório ao Presidente do Paraná, Dr.
Carlos de Carvalho, do trecho por eles percorrido. A comissão informou que nada
podia opinar sobre a questão de limites, apenas se comprometeu em apresentar um
relatório técnico. Criticou a forma como a questão de limites estava sendo tratada
pelas autoridades políticas das duas Províncias.
No terreno da chicana interminável e muito explorado onde, infelizmente,
até hoje a tem mantido a improfícua discussão de velhos alvarás e
adaptação imprópria do “uti possidetis”, nunca se poderá chegar a uma
solução definitiva. Dessa discussão pode nascer e tem nascido a
exacerbação dos ânimos. O passado o tem mostrado. [...] urge transferir a
discussão do campo das controvérsias para o terreno firme e positivo da
engenharia. (FICKER, 1973, p. 232).
Do extenso relatório entregue ao governante paranaense, foram sintetizadas
idéias e retirados tópicos que retratam a confusão territorial reinante ao sul do vale
do rio Negro, do Caminho das Tropas até a Serra do Mar.
O ponto de partida do trabalho do engenheiro e sua turma de trabalhadores,
foi a igreja em construção na vila de Rio Negro. Foram formadas duas turmas de
trabalhadores, uma que seguiu pelas terras banhadas pelo rio Negro até as suas
vertente e uma outra que seguiu pela estrada de São Bento e a confluência desses
rios. Relacionou os moradores até o rio Preto e nas terras banhadas por esse rio
encontrou o caos, por existirem terras pertencentes ao Conde D’Eu, com linhas
sobre terras de Serafim e João Cândido e sobre as terras do Brigadeiro Franco,
portanto, terras que pertenciam a três donos. Relacionou todos os rios e riachos
desde Rio Negro até São Bento e os habitantes das margens de cada uma.
Enquanto o Paraná acompanhava o trabalho de discriminação das terras
pelos engenheiros do Ministério da Agricultura, o Governo de Santa Catarina, pela
Lei Provincial n. 1030, de 21 de maio de 1883, transformou a Freguesia de São
Bento em vila, dando-lhe a emancipação política, desmembrando das terras de
Joinville, com os mesmos limites anteriores, de São Miguel até o rio Preto.
115
O novo Presidente da Província de Santa Catarina, José Lustosa da Cunha
Paranaguá, em outubro de 1884, fez uma visita oficial a São Bento. Fez questão de
ir pessoalmente visitar o posto fiscal de Ribeirão da Lança, onde constatou a
existência desse posto do Paraná e se inteirou da inconveniência da cobrança de
um imposto interprovincial, em terras contestadas, na margem esquerda do rio
Negro. Essa visita foi importante para o povo de São Bento, pois veio confirmar a
existência de um posto fiscal que estava reduzindo as suas atividades econômicas.
Segundo Ficker (1973, p. 246), “Como se vê, foi de boa vontade a viagem de
inspeção do Presidente da Proncia e a vistoria do local do posto fiscal, que tanto
tinha contribuído para agitar a opinião pública, na célebre questão dos limites”.
No ano de 1885, foi construída uma estrada ligando a vila de São Bento ao
povoado de Fragosos. Esta estrada parte do km 83 da estrada Dona Francisca e vai
terminar no povoado, às margens do rio Negro, onde residiam importantes criadores
de gado e lavradores que vinham comerciar com o povo de São Bento. O Caminho
de Fragosos para Curitiba existia e com esta estrada, São Bento estava ligado
também a Curitiba, mas logo o Paraná iria instalar ali um posto fiscal.
O ano de 1887 foi politicamente agitado. O partido Republicano e o
movimento abolicionista agitam a região. Em o Bento, criou-se o Partido
Republicano e que na eleição de agosto daquele ano, elegeu todos os vereadores
desse partido. Ficker (1973, p. 279) afirma que “São Bento orgulhou-se de ser a
primeira Câmara Municipal puramente Republicana no Brasil”. Isso mostra o espírito
de oposição dos são-bentenses, em relação à Monarquia, elegendo uma Câmara
Municipal Republicana, dois anos antes da Proclamação da República. Os são-
bentenses, também se integram na luta pela libertação dos escravos. Escravos de
fazendeiros do distrito de Campo Alegre, aos poucos, foram sendo libertados.
A Proclamação da República foi festejada em São Bento, que possuía uma
câmara republicana em plena monarquia. Criou-se uma comissão de políticos para
cuidar da ordem blica e da administração do município. Conforme Ammon (1923,
p. 44), “Grandes festejos que duraram três dias e arrancaram entusiasmo enorme,
tiveram lugar nas colônias de São Bento e Campo Alegre, por ocasião da
Proclamação da República. Nessas acabaram-se os foguetes e as bebidas.”
O sucesso econômico era o comércio de erva-mate. Surgiram centros de
vendas em São Miguel, Papanduva (em Campo Alegre), Lageado, Jararaca,
Campestre, Rio Vermelho, todas elas localidades distantes do centro de São Bento.
116
Mas o governo republicano do Paraná tinha outros interesses e também
começou a agir. Em junho, no caminho dos Fragosos, principal escoadouro da erva-
mate do sul do Paraná para a estrada Dona Francisca, foi criada uma barreira fiscal
para cobrar impostos. Os soldados do Paraná responsáveis por cuidar da ponte,
invadiram casas dos moradores da região e cometeram atos de pilhagem, roubos.
Em Joinville, os empresários do mate reuniram-se e mandaram ofícios de
protestos ao Governador Lauro Müller, exigindo uma solução para a questão do
Contestado. Segundo eles, citados por Ficker (1973, p. 289) “[...] quase toda a erva-
mate da vasta região entre Lapa, Rio Negro, Canoinhas, São Bento e Campo
Alegre, eram comercializados por firmas de Joinville”.
O novo dirigente do estado, Lauro Muller, veio a São Bento para se informar
pessoalmente das contínuas questões de limites com o Paraná.
Enquanto o governador se reuniu com o superintendente na Vila de São
Bento, os moradores da localidade de Fragosos se armaram para invadir o posto
fiscal, somente não havendo mortes porque as pessoas da barreira fugiram,
inclusive os soldados. O ataque a Fragosos repercutiu negativamente no governo do
Paraná.
6.6 O PARANÁ FECHA A FRONTEIRA AO NORTE DE SÃO BENTO
Em represália ou por coincidência, o Paraná reativou os antigos postos fiscais
e criou novos, no Ribeirão da Lança, na ponte de Fragosos, no lugarejo de Fragosos
de Cima, na ponte de Francisco Teixeira de Freitas, no caminho de Ambrósios e na
estrada Campestre, todos defendidos por policiais.
Com a instalação dessas novas barreiras fiscais, o Paraná trancou toda a
fronteira com Santa Catarina, na região de Campo Alegre e São Bento.
A situação se agravou, o que levou o governador do Paraná Américo Lobo a
armar fortemente todos os postos fiscais, enviando tropas para conter a “agressão
dos catarinenses”. A região ficou em de guerra. No Rio de Janeiro, políticos,
empresários e autoridades de Santa Catarina reuniram-se com o Marechal Deodoro
para tratar da situação. Conforme Ficker (1973, p. 290), “O chefe de policia do
Desterro dirigiu-se com sua comitiva a São Bento e visitou os postos fiscais. Em
117
grandes manchetes, a imprensa, no país inteiro, comentava a guerra entre Paraná e
Santa Catarina”. A invasão ao posto fiscal de Fragosos também foi mencionada por
Ammon, que reproduziu informações dos jornais da época,
[...] temos agora, aqui em São Bento uma revolução, cujo fim talvez seja de
uma importância incalculável, embora o princípio seja insignificante. O
Paraná cinge-se com muralhas chinesas e procura criar um dique
insuperável à viação com o Estado vizinho. Barreiras e mais barreiras [...]
(AMMON, 1923, p. 47)
A atitude do Paraná revoltou não apenas os moradores do sul do rio Negro,
mas também os paranaenses que residiam ao norte do rio Negro que tinham em
São Bento o seu centro comercial. Além de não terem acesso a alimentos e
armarinhos, também não podiam vender a erva-mate.
O Governador do Paraná foi chamado ao Ministério do Interior, em 29 de
junho de 1890, para dar explicações de seus atos e exonerou-se do cargo. A paz,
pelo menos temporariamente, voltou à fronteira.
O novo governador do Paraná, Major Serzedello Correia, reuniu-se com o
Governador Lauro Muller e ficou acertada a extinção das barreiras. Segundo Ficker
(1973, p. 290), “Em princípios de setembro a imprensa anunciava com grande
alegria que as estações fiscais e os postos de alfândega na fronteira, foram
derrubados, voltando à normalidade o comércio entre os dois estados”.
No final de 1890 foi fundada em Joinville a Sociedade Industrial Catarinense,
empresa de erva-mate, largamente beneficiada por isenções de impostos e tributos
estaduais. Os principais acionistas, Ernesto Canac, Abdon Baptista e Procópio
Gomes de Oliveira, estadistas no comércio da erva-mate no norte catarinense,
influenciaram a queda do Governador do Paraná Américo Lobo, devido as suas
gestões enérgicas junto ao Ministério do Interior.
Com o fim das barreiras fiscais entre os dois estados o comércio se
intensificou e a paz voltou a reinar na região ao sul do rio Negro. Comerciantes de
São Bento e Rio Negro organizaram um encontro de confraternização e foram
recebidos em Lençol, pelos empresários do mate de São Bento, Agostinho Ribeiro
da Silva, Mario Lobo, João Filgueiras de Camargo e Brazilio Celestino da Silva, com
uma banda de música. Após o almoço os convidados foram acomodados nos hotéis
de Oxford e no dia seguinte foram ao centro de São Bento para assistir a uma peça
teatral. Sobre essas iniciativas dos comerciantes de São Bento, visando a iniciar
118
negócios com o Estado vizinho, Ficker (1973, p 306), assim descreveu: “Sob as mais
gratas impressões, partiram os rio-negrenses no dia 17, deixando de si agradáveis
recordações aos habitantes de São Bento, que estiveram com eles em três dias de
verdadeiras festas”
É um período favorável à prosperidade econômica regional, com a
intensificação do comércio da erva-mate, dos produtos agrícolas e manufaturados.
Mas a paz o durou muito, pois logo a região foi sacudida pela Revolução
Federalista.
6.7 SÃO BENTO – CAPITAL DE SANTA CATARINA
A Revolução Federalista, no segundo semestre de 1893 atingiu a região de
São Bento. Em novembro desse ano, os revoltosos, partindo de Joinville subiram a
serra em direção a São Bento. Foi nomeado oficial comandante da Guarda Nacional
o Sr. João Filgueiras de Camargo e mais ou menos 120 homens vieram à sede
colonial para receberem armas e instruções. Do Paraná, o General de brigada
Francisco de Paula Argollo, comandante do 5º. Distrito Militar, chegou com uma forte
companhia em São Bento no dia 10 de novembro.
Em 11 de novembro de 1893, tendo em vista que Desterro, capital de Santa
Catarina, estava tomada pelos revolucionários federalistas, Argollo proclamou São
Bento capital provisória de Santa Catarina, assumindo o governo. Junto com ele se
encontravam Frederico Schmidt, major e administrador da munição; Lauro Müller,
major, deputado federal, que fazia a ligação entre a vanguarda e o Governo
Federal; Hercílio Luz, engenheiro técnico. A instalação do governo provisório em
São Bento foi assim descrito por Pauli (1976, p.175):
A instalação de um governo legal em território catarinense, com o respectivo
governador, era o motivo da aparatosa concentração de autoridades
republicanas deste Estado na expedição do General Argolo. São Bento,
primeiro município do planalto norte catarinense e no caminho para o mar,
foi escolhido para o objetivo de servir como Capital provisória desse novo
Governo, oposto àquele do Tenente Machado, de Desterro.
No dia seguinte, ciente de que os revolucionários estavam próximos à entrada
da cidade, Argollo retirou-se, destruindo as pontes que encontrou pelo caminho. As
119
autoridades nomeadas por ele retornaram junto e se refugiaram em Rio Negro,
marchando mais tarde para Lapa.
O general revolucionário federalista Piragibe, vindo de Joinville, entrou em
São Bento e a população teve que optar ou a favor ou contra os revolucionários. O
comandante da guarda nacional aderiu aos revoltosos. Segundo Ficker, (1973, p.
315) “O novo governo municipal Federalista, requisitou sem quaisquer formalidades
cavalos, gado, viaturas e muitas vezes os próprios proprietários eram obrigados a
prestar serviços como condutores”.
Os revoltosos retornaram para Campo Alegre e de se dirigiram para atacar
Tijucas, no Sul do Paraná. Após tomarem aquela localidade, os federalistas
realizaram o épico cerco da Lapa.
Os prejuízos na agricultura e na produção de erva-mate foram enormes. Mais
de 100 carroças tiveram que transportar a tropa e materiais para os revoltosos.
Durante mais de dois meses, os colonos ficaram sem carroças e sem os cavalos.
No cerco de Tijucas e no cerco da Lapa encontravam-se carroças de São Bento.
Segundo Ammon (1923, p. 55), “O prejuízo que o Bento teve, direta ou
indiretamente, foi calculado em Rs 500:000$000”.
Após a revolução federalista ter se extinguido e cada comunidade ter curado
as cicatrizes do conflito, houve um período de relativa tranqüilidade para o comércio
e a indústria na região ao sul do rio Negro.
6.8 PRISÃO DO VAPOR MINUANO E DESTRUIÇÃO DE PONTES: TENSÃO NA
FRONTEIRA
Um fato que quase passou despercebido à população de São Bento foi a
prisão do vapor Minuano e dois barcos que eram rebocados, de propriedade do
empresário e industrial do mate de Joinville, Procópio Gomes de Oliveira. Por estar
navegando com bandeira de Santa Catarina, foi proibido de navegar pelo rio Negro e
Iguaçu, rios do Paraná. Como ele continuou navegando, o vapor Minuano e suas
lanchas foram apreendidas por força armada, liderada pelo Prefeito, Juiz e policiais
de Rio Negro.
120
[…] a ‘Empresa de Navegação’, mantida pelo Sr. Procópio Gomes de
Oliveira, de Joinville, com tráfego fluvial nos rios Negro e Iguaçu, entre os
Estados de Santa Catarina e Paraná.Como não foi atendida a proibição, a
intendência de Rio Negro, a mando e em nome do Governador do Paraná
fez apreender com força armada o vaporzinho Minuano e as lanchas que
faziam a navegação subvencionada pelo governo de Santa Catarina.
(FICKER, 1973, p. 330)
Em 1896, depois de vários anos em que as barreiras fiscais no Paraná não
mais funcionavam, voltaram a funcionar. Conforme Ammon (1923, p. 64), “Consta
que a Câmara Municipal de Rio Negro tenciona organizar uma barreira de impostos
à margem esquerda do Rio Negro, a fim de poder usufruir os impostos da erva-mate
que passar”.
Em julho de 1896, São Bento foi surpreendido com a notícia de que a Câmara
Municipal de Rio Negro mandou destruir as pontes na estrada que ia a São
Lourenço, as quais foram construídas com dinheiro catarinense.
[...] informou ao Comandante da Força do Corpo de Segurança de Santa
Catarina, que paranaenses de Rio Negro, destruíram e queimaram todas as
pontes existentes na estrada de São Lourenço [...] Consta também que
pretendem colocar barreiras fiscais no ribeirão da Lança e ou Rio Preto
(FICKER, 1973, p. 329).
A destruição das pontes em São Lourenço impedia o livre comércio da erva-
mate e alimentos da região de Mafra, Três Barras, Canoinhas com o litoral
catarinense, deixou a população com os ânimos exaltados. Ficker (1973, p. 332)
assim relata o fato: “uma crescente onda de ódio, de agitação, de provocações
publicadas nos jornais e faltava uma faísca para explodir a luta armada entre os
dois Estados”.
Telegramas de autoridades e empresários de Joinville foram distribuídos para
vários órgãos de imprensa, protestando energicamente contra a destruição das
pontes por parte do Paraná e responsabilizando o Governo daquele Estado pelos
conflitos e conseqüências que viessem a ocorrer. Como resultado imediato, o
Governador tomou as providências necessárias. Sobre o ocorrido, o cronista de São
Bento, Ammon (1923, p. 65) relata que: “O governador de Santa Catarina, Dr.
Hercílio Luz, mandou imediatamente, 50 soldados da polícia, sob o comando do
major Gastão Cotrim, a São Bento e São Lourenço, a fim de vigiar a reconstrução
das pontes”.
121
O telegrama que os joinvilenses enviaram para a imprensa deu resultado.
Além de denunciar a invasão do Paraná em território catarinense, exigia liberdade
de trânsito e responsabilizava o governo do Paraná pelos conflitos e pelas vítimas
que houvesse. Assinaram o telegrama, conforme relata Ficker (1973, p. 330), “Sr,
Boehm, Mario Lobo, A Baptista, F. Bruestlein, Procópio Gomes de Oliveira, A
Baptista & Oscar, Companhia Industrial Catarinense, Antonio José Ribeiro e muitos
outros”.
Jornais publicavam que os povoadores das fronteiras, ameaçavam romper
uma guerra entre Paraná e Santa Catarina. A imprensa nacional até o norte,
ocupava-se com os acontecimentos ameaçadores no território da fronteira
catarinense.
Um jornal de Curitiba estampava em manchete, “Guerra entre Santa Catarina
e Paraná”. Nas proximidades de Rio Negro, apareceram bandos armados que
declararam que o território de São Bento até Rio Negro, era território pertencente a
Santa Catarina. Lapa e Rio Negro pediram socorro ao governador do Paraná, que
tomou providências imediatas e enviou reforço para a região. Segundo Ficker (1973,
332), “[...] em Rio Negro encontrava-se estacionada desde o dia 9 de agosto as
forças totais do Corpo Policial do Estado do Paraná, inclusive a Banda de Música do
batalhão”.
O cronista de São Bento também narra esse acontecimento, acrescentando
que o governador tudo queria fazer para conquistar o direito do Paraná.
Ontem, às duas horas da tarde, seguiu um comboio extraordinário de 100
soldados policiais com armamentos de campanha de Curitiba a Rio Negro.
Na estação encontrou-se o governador e uma grande multidão. Todos
demonstraram exasperação suprema. O governador declarou querer tudo
para fazer com que o Paraná consiga o seu direito. De Palmas, Lapa, Rio
Negro e Guarapuava, vieram telegramas onde o povo se oferecia para a
defesa. (AMMON, 1923, p. 66)
O governador Hercílio Luz, visando evitar um confronto com o Paraná,
ordenou ao Major Cotrim a retirada da força policial de São Lourenço para São
Bento onde aguardou novas ordens. Assim que a força policial de Santa Catarina
retirou-se de São Lourenço, a ponte foi novamente destruída e incendiada por
ordem da Câmara de Rio Negro. O Major telegrafou ao Governador, que mandou
embarcar para São Bento um pelotão com 169 soldados. Com a chegada de um
contingente maior de soldados para reconstruir as pontes, o governador do Paraná
122
mandou retirar seu corpo policial de Rio Negro, ficando apenas dez soldados. Com
essa atitude o governador paranaense garantiu a paz entre os dois Estados, mas
prejudicou-se politicamente, pois a população de Curitiba aguardava uma decisão
mais enérgica e ficou decepcionada.
Consta que entre os vociferadores curitibanos grande sublevação contra
o governador. Ele foi acusado de covardia e traição e isso foi lançado não
só no rosto seu, como também no dos representantes paranaenses no
congresso, que se deixaram burlar por Lauro Muller. (AMMON, 1923, p. 68)
Após a reconstrução das pontes e a aparente calma na fronteira, o Major
Cotrim retirou-se e deixou sete soldados e um alferes protegendo o posto fiscal de
Ribeirão da Lança. Com poucos soldados catarinenses guarnecendo o posto, em
novembro, mais de cem soldados do Paraná prenderam o destacamento policial
catarinense no Ribeirão da Lança. Os jornais denunciavam que o destacamento
catarinense, composto por vinte e sete praças, foi preso e desarmado por um corpo
de polícia do Paraná, composto por duzentos e trinta homens.
Foi deslocada para o planalto uma força policial de Joinville e foram enviados
telegramas de protestos à imprensa e às autoridades federais no Rio de Janeiro. A
população e o comércio não tiveram o descanso necessário para um trabalho
produtivo, todos estavam prontos para entrar em conflito.
O governo central novamente interferiu e chamou a atenção do governo do
Paraná para a gravidade da situação. A fiscalização na barreira foi suspensa,
libertaram-se os policiais, e o governante paranaense apresentou um pedido de
desculpas e devolveu o armamento.
Apesar do acordo de livre comércio entre os dois estados, o Paraná, em 1897
organizou um novo posto fiscal no Ribeirão da Lança. Carroceiros de São Bento que
buscavam erva-mate da região de Canoinhas, por não estarem sabendo e sem
dinheiro para pagar impostos, ficaram presos no posto fiscal e logo houve discussão
entre carroceiros e funcionários. Dessa discussão surgiu uma briga em que entraram
em luta mais carroceiros e as forças policiais de Rio Negro. Houve tiroteio e dois
carroceiros foram feridos. A Câmara de São Bento, ao saber do ocorrido, enviou
telegrama de protestos ao Governador catarinense, que comunicou o fato ao
Presidente da República, Prudente de Morais, o qual solicitou esclarecimentos ao
governador do Paraná. Este informou que, em virtude da contínua introdução de
123
produtos clandestinos pelos catarinenses, sem o pagamento de impostos, viu-se
obrigado a estabelecer novamente postos fiscais entre os dois Estados, mas sem a
intenção de perturbar a paz existente.
Segundo Ficker (1973, p. 338), “A São Bento chegou a notícia que além de 3
carroceiros presos, falecera R. Stiegler com um tiro na barriga e que Georg
Schroeder, também baleado encontrava-se em estado desesperador”.
Essa notícia provocou revolta na população de São Bento, que pediu
providências urgentes ao governo do Estado.
O Governador comunicou à Câmara de São Bento, que o Presidente da
República
[...] havia interditado estritamente a cobrança de tributação alfandegária
interestadual até a solução definitiva da Questão de Limites. Realmente, a
27 de abril a imprensa noticiava a suspensão da cobrança sobre a erva-
mate e outros produtos na divisa com o Paraná. (FICKER, 1973, p.338)
Os comerciantes de São Bento não acreditaram nas promessas do
Governador e acompanhados pelo promotor público, formando um grupo de 20
pessoas entre comerciantes e carroceiros, armados, foram ao Ribeirão da Lança
para por em fuga os funcionários e fiscais do Paraná. Ao chegar ao local, o posto
estava abandonado e a Guerra do Contestado não pode iniciar nessa oportunidade.
Para libertar os carroceiros presos, foi realizada uma campanha para angariar
fundos, e pagar a caução exigida pelo juiz de Direito de Rio Negro.
Em de novembro de 1897, ocorreu um fato inusitado, começou uma greve
de carroceiros de São Bento exigindo aumento do preço do frete. Oitenta e sete
carroceiros paralisaram e ameaçaram levar a greve adiante e juntar mais
companheiros. A alegação era a falta de segurança e o péssimo estado de
conservação da estrada Dona Francisca. O que eles queriam na realidade era
cobrar mais pelo frete, pois tinham consciência do lucro que o comércio da erva
mate proporcionava aos industriais e comerciantes. Ao conseguir o aumento do
preço do frete, encerraram a greve.
Nas eleições municipais de novembro de 1898, foi eleito superintendente
(Prefeito) municipal de São Bento Manoel Gomes Tavares, que venceu um
candidato de origem alemã. Tavares inicia um período em que os coronéis do mate
de Joinville vão estendendo seu domínio político no Planalto. Tavares era primo da
124
esposa do Dr. Abdon Baptista e se tornou seu homem de confiança em São Bento.
Era um bom administrador público e hábil políticos, sendo reeleito sucessivas vezes,
governou o Bento até 1913, sendo sua administração elogiada até por jornais da
Alemanha.
Ao assumir o governo municipal, apresentou às autoridades estaduais um
relatório da situação em que se encontrava São Bento, o qual demonstra que no
início de 1899, havia em São Bento três engenhos de fabricar erva-mate e sete
oficinas para fabricar barricas.
Nesse mesmo ano, o governador Felipe Schmidt informou ao superintendente
Manoel Tavares que o Paraná estava vendendo terras devolutas na zona entre o Rio
Preto e rio Canoinhas, território que não era contestado e sim invadido, pois o
Paraná, pelo acordo de 1895, nada podia vender e nem legitimar na zona
contestada, no Município de São Bento. Informou ainda que estava enviando uma
comissão de engenheiros para investigar in loco a venda de terras de São Bento.
No final do século XIX, a lavoura e a pecuária em São Bento foi sendo
substituída pelo artesanato e pequenas indústrias caseiras, e mais tarde por
indústrias maiores e pelo comércio. À medida que a estrada Dona Francisca
avançava em direção a oeste de Santa Catarina, famílias são-bentenses se
mudaram para a região de Mafra, Itaiópolis, Canoinhas e mesmo para o Paraná.
Dentre as várias causas da migração, pode-se afirmar que as terras coloniais de São
Bento se esgotaram rapidamente e novas áreas de colonização e novos ervais
foram sendo abertos.
Em 1904, no dia 06 de junho, o Supremo Tribunal, depois de longo processo
deu a sentença favorável a Santa Catarina, definindo o rio Negro e o rio Iguaçu
como fronteira. A notícia foi recebida com muita festa, pois era aguardada por vários
anos. Em São Bento as festividades duraram vários dias. O Paraná recorreu da
sentença e os ânimos voltaram a se exaltar na região contestada.
Em 1905, uma força policial foi formada pelo Juiz de União da Vitória com
cerca de 400 policiais e voluntários e, a pretexto de prender criminosos escondidos
nas matas e protegidos pelas autoridades catarinenses, invadiram o vale do rio
Timbó e tomaram posse da região.
O motivo imediato para a formação da expedição foi o boato dando conta de
que o coronel Demétrio Ramos investiria contra a cidade de União da
Vitória, com uma milícia de 500 homens montada com a colaboração de
125
comerciante de erva-mate de Canoinhas e do próprio governo catarinense.
(MACHADO, 2004, p. 131)
Parte dessa força invadiu Canoinhas, prendeu o Juiz e o escrivão de polícia
que foram levados presos para Curitiba onde foram torturados. Após intervenção do
governador de Santa Catarina, a região foi ocupada por força federal, mas os
paranaenses continuaram na região e criaram o distrito de Timbó.
A erva-mate produzida em Canoinhas, Major Vieira, Papanduva, Colônia
Lucena (Itaiópolis), Três Barras, Mafra, ao sul do Paraná, em sua maioria, era
transportada para São Francisco.
O comércio da erva-mate e de outras mercadorias continuava sendo
prejudicado pelos impostos que o governo do Paraná cobrava no posto fiscal de Rio
Preto, na divisa dos atuais municípios de Mafra e Rio Negrinho que na época
pertencia ao município de São Bento. Conforme o jornal Gazeta de São Bento
(05.09.1909): o empresário do mate de Joinville Olimpio de Oliveira, reuniu trinta e
tantos homens armados de pistolas e espadas e se dirigiram para o posto fiscal de
Rio Preto para expulsar os paranaenses. Como o posto estava guarnecido por
policiais e civis, o grupo retornou a Joinville, sem atacar.
O Supremo Tribunal Federal manteve as sentenças favoráveis a Santa
Catarina. Como o Paraná insistia em manter o posto, a população se revoltou. O
posto foi destruído em 1909, por ação da população da região.
Em 1909, Aleixo Gonçalves de Lima, radicado na região de São Bento,
defensor da causa catarinense contra as barreiras paranaenses ao sul do
rio Negro, liderou um grupo de caboclos e atacou o posto fiscal paranaense
em Rio Preto, localizado às margens da BR 280, na divisa dos atuais
municípios de Rio Negrinho e Mafra. Por esse feito foi tratado como herói
catarinense pela imprensa de Joinville e Florianópolis. (MACHADO, 2004, p.
130)
O Governo Federal enviou uma força militar para a região para garantir a
ordem, mas, um s após o ataque ao posto pelo Coronel Aleixo Gonçalves de
Lima, o Jornal Gazeta do Povo de São Bento denunciava que: “em 31 de outubro de
1909, foram aprisionadas 20 e tantas carradas de erva-mate do Senhor Coronel
Bernardo Olsen”. A carga de erva-mate estava sendo transportada de Canoinhas
para São Bento.
Os postos fiscais do Paraná ao sul do rio Negro, dentro de território de Santa
Catarina, foram retirados definitivamente em 1917, quando houve o acordo de
126
limites e definiu o rio Negro como divisa interestadual. Até essa data, os
comerciantes catarinenses tiveram que conviver com a bitributação, ou seja,
pagavam impostos para o Paraná e para Santa Catarina.
Para São Bento, o agravamento da questão de limites foi prejudicial, pois
empreendedores, devido à situação de insegurança reinante, deixaram de investir
na região. Outros seguiram a “onda verde” que foi sendo aberta após 1917, com o
acordo de limites. Em São Bento, houve um esvaziamento populacional no início do
século XX. Segundo Ammon (1923, p. 115): “Havia em São Bento em 1899, 49
casas de negócios e 3 engenhos de erva-mate”. Em 1920 existiam apenas 30 casas
de negócios e nenhum engenho de erva-mate.
A cidade de São Bento, (Idem, p. 115), no ano de 1922, possuía 170 casas
residenciais e menos de mil habitantes. Essa situação vai perdurar por longos anos,
pois em 1940 a população ainda era de 1.522 habitantes e em 1950 de 2.712
habitantes. Pode-se afirmar que nos moldes norte-americano, esta foi a época do
Far West”: para eles a busca do ouro no distante Oeste; no caso de São Bento foi
a grande marcha para Oeste em busca do “Ouro Verde” da erva-mate.
7 CONCLUSÃO
A pesquisa procurou resgatar a história da exploração catarinense da erva-
mate, a partir de meados do século XIX ao início do século XX, na região sul do vale
do rio Negro, tendo fornecido dados para confirmar a importância da economia
ervateira para a região e sua influência na geração dos conflitos pela disputa
territorial entre Paraná e Santa Catarina.
Os empresários da erva-mate do Paraná tinham a região como fonte de
abastecimento de matéria-prima desde 1820, e sertanejos paranaenses ocuparam o
do vale do rio Negro. Em meados do século XIX inicia-se a exploração econômica da
erva-mate por parte dos catarinenses, que entram na região, ao sul do Rio Negro,
com a Estrada Dona Francisca, com a Sociedade Colonizadora de Hamburgo e
empresas ervateiras que entraram na região com concessão de monopólios
conseguidos junto ao governo federal. Para consolidar a posse do Planalto Norte de
Santa Catarina, foi fundada, em 1873, dentro dos ervais, a Colônia Agrícola São
Bento, financiada por capital externo. Era um empreendimento capitalista alemão
que trazia imigrantes europeus e vendia terras para eles.
Os sertanejos viviam na região, onde tiravam a sua subsistência e colhiam
erva-mate para os empresários do Paraná, que enviavam o produto para os portos
de Paranaguá e Antonina. Com a entrada dos empresários alemães e os do mate
de Joinville, os sertanejos residentes na região dos ervais, ao sul do rio Negro,
tiveram que se submeter a esses empresários. Isso gerou conflitos, que se somaram
aos que motivaram a eclosão da guerra sertaneja do Contestado.
As empresas exportadoras de erva-mate de Joinvile, propriedade de luso-
brasileiros, se beneficiavam do governo, com concessão de monopólio e isenção de
impostos. Elas foram responsáveis pelo desenvolvimento do comércio de erva-mate,
de gêneros alimentícios na região, pela construção de estradas de rodagem,
navegação fluvial pelo rio Negro e Iguaçu e seus afluentes, construção da estrada
de Ferro a partir do porto de São Francisco, cujo primeiro trecho ligando a Joinville
foi inaugurado em 1906.
A erva-mate que era explorada nas terras devolutas ao sul do rio Negro, onde
o sertanejo buscava sua renda, no final do século XIX, foi substituída pela erva do
latifundiário e das grandes empresas, e, mais tarde, com a colonização de toda a
128
região, pela da pequena propriedade. Com o fim da Guerra do Contestado, a partir
de 1917, toda a região foi loteada para a colonização, seguindo o modelo implantado
em São Bento, com lotes em torno de 25 a 30 hectares para o desenvolvimento da
agricultura familiar. No início, a extração de madeira e erva-mate conviviam com a
agricultura e pecuária de subsistência.
Com a queda do preço da erva, muitos agricultores preferiram derrubar o
erval, transformando-o em roça. Mas com a queda dos preços dos produtos
agrícolas, muitos abandonaram a agricultura e foram em busca de emprego nas
cidades, provocando o êxodo rural.
A erva-mate, no final do culo XIX e início do século XX foi responsável pelo
mais importante ciclo econômico do norte de Santa Catarina e Sul do Paraná e pelo
desenvolvimento regional. Com a concorrência argentina, a partir da década de
1930, muitos ervais deram lugar à agricultura de milho e mais recentemente de soja,
que apresentam melhor rentabilidade. Mas nem todos os agricultores abandonaram
a atividade ervateira. Na região do vale do rio Negro os produtores se acomodaram
devido à existência de grandes ervais nativos, que oferecem maior preço e não
investiram em melhoramento de seus ervais. Essa é a situação em que se encontra
a maioria dos produtores da região desde Campo Alegre até Porto União.
A história do desenvolvimento da região, tendo como parte importante a
extração e a industrialização da erva-mate aspectos históricos do passado -, não
pode deixar de ver que o passado sequer é passado e que está posto, em novos
parâmetros econômicos, para o presente. Assim, o desenvolvimento atual da região
em estudo poderá ser retomado pelo cultivo da erva-mate, que continua sendo um
importante produto para o desenvolvimento regional, tanto no setor econômico como
ambiental. O consumo maior da erva-mate continua sendo para o chimarrão e chá.
Nesses casos, a matéria-prima é subutilizada, e a forma de produzir não evoluiu.
O processo produtivo da erva-mate está carente de um choque de tecnologia
para melhorar a qualidade, aumentar o consumo, e para voltar a ser, oouro verde”.
É preciso deixar o extrativismo predatório para que a erva-mate possa receber um
tratamento científico em todo o seu ciclo, com tecnologia sustentável.
Para ofertar novos sabores e agradar aos consumidores, foram acrescidos os
compostos de erva-mate. Existem, no mercado, compostos com os seguintes
vegetais: camomila, erva-cidreira, carqueja e erva-doce. Outros produtos que estão
sendo testados para serem adicionados: anis, capim limão, laranja, hortelã, melissa.
129
Pesquisas em andamento abrem perspectivas potenciais no que diz respeito ao
consumo de bebidas que vão além do chimarrão, como chás, com possibilidades de
exportação para a Ásia, principalmente China, em função do hábito do consumidor
chinês de beber chá diariamente. também mercado para sucos, refrigerantes,
cervejas e bebidas energéticas, além de outros produtos derivados na
industrialização alimentícia, como corante natural e conservante, higiene e limpeza,
como bactericidas, esterilizante, higiene pessoal, perfumes, desodorantes,
cosméticos, hidratantes, sabonetes, tinturas para cabelos; medicamentos
farmacêuticos, cafeína e ainda produção de remédios diuréticos para hipertensão,
bronquite e pneumonia. É necessário introduzir no processo de produção o conceito
de tecnologia limpa, com redução ou eliminação dos resíduos do processamento,
como forma de resgatar a nobreza de uma essência vegetal que no passado foi
denominado ouro verde. A erva-mate se constituiu em um agronegócio e o
desenvolvimento regional será beneficiado com a retomada da sua exploração
racional.
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Catarinense].
Livro de Receita da Câmara Municipal de São Bento do Sul, 1899 a 1904.
139
ANEXOS
140
ANEXO A – MAPA DE SANTA CATARINA – 1737
Mapa ou carta 4. É atribuído ao R.P.M. Diogo Soares, datado aproximadamente de
1737. Além da ilha e costa de Santa Catarina, figura nele o traçado do caminho do
Sertão ou Estrada das Tropas.
À esquerda está a descrição dos principais pontos registrados no mapa, entre eles
destacam-se o Pouso dos Curitibanos (atual cidade de Curitibanos), Serra do
Espigão, e, mais adiante o rio Jopeba, também descrito como Pouso das Canoas
(atual rio Canoinhas); mais adiante, cachoeiras do rio Itajaí, (também conhecido hoje
como rio Hercílio), Mato de São Lourenço (atual município de Mafra) e em seguida
cruzou o rio Negro e duas léguas adiante chegou a Campo do Tenente no Paraná.
Este mapa é muito importante pois mostra que o Planalto de Santa Catarina era
conhecido e constava de mapas oficiais desde o século XVIII.
(Mapa LEMOS, Zélia de Andrade. Curitibanos na História do Contestado.
Florianópolis: Edição do Governo do Estado de SC, 1977, p. 211).
141
ANEXO B – MAPA DE SANTA CATARINA – 1872
Mapa de Santa Catarina do ano de 1872, destacando os Municípios de São
Francisco, Joinville, Itajaí, Tijucas, São Miguel, Desterro (Florianópolis), São José,
Laguna e Tubarão e no interior (planalto), Lages.
A fronteira oeste era pelo rio Canoas e o território de Lages, do qual Curitibanos e
Canoinhas eram integrantes. Ao norte, e a oeste de Curitibanos, está intercalado o
território paranaense, onde estão localizados os atuais municípios de Mafra,
Itaiópolis, Três Barras e Papanduva.
Nesse período, a região de São Bento e Campo Alegre e Rio Negrinho ainda estão
integrados a Joinville. Nessa área, a partir de 1873, começa a se agravar a questão
do Contestado disputa territorial entre Santa Catarina e Paraná, com a criação da
Colônia Agrícola São Bento.
(Mapa: PIAZZA, Walter F. Atlas Histórico de Santa Catarina. Secretaria de
Educação de SC, 1971)
142
ANEXO C – MAPA DE SANTA CATARINA – 1907
O Mapa da Divisão Administrativa de Santa Catarina, no ano de 1907, obedecia em
linhas gerais o Decreto Federal de 1865 Decreto n. 3.378, de 16 de janeiro e que
tinha a seguinte redação, conforme Cabral, 1968, p. 297: “Os limites entre as
Províncias do Paraná e Santa Catarina são provisoriamente fixados pelo rio Saí-
Guaçu, Serra do Mar e rio Marombas, desde a sua vertente até o das Canoas e por
este até o Uruguai”.
Por esse Mapa, estavam dentro do território Contestado os atuais territórios ao sul
do rio Negro, de leste para oeste: Campo Alegre, São Bento do Sul, Rio Negrinho,
Mafra, Itaiópolis, Santa Terezinha, Papanduva, Monte Castelo , Major Vieira, e
Canoinhas. Também estavam dentro do território contestado os municípios ao sul
do Iguaçu: Parte de Canoinhas, Bela Vista do Toldo, Irineópolis, Porto União, Tim
Grande e Matos Costa. (Mapa: PIAZZA, Walter F. Atlas Histórico de Santa
Catarina. Secretaria de Educação de SC, 1971)
143
ANEXO D – MAPA DE SANTA CATARINA
Mapa com destaque para o Estado de Santa Catarina no final do século XIX. A leste,
o litoral e parte do planalto, reconhecido pelo Paraná como território catarinense,
pelo Decreto n. 3.378, de 16 de janeiro de 1865. Na parte central, está destacado o
território pretendido pelo Paraná questão territorial do Contestado. Na parte oeste
está localizado o território pretendido pela Argentina, a questão de Misiones ou
Palmas. O território contestado era uma área era coberta em sua maioria por
pinheiro, imbuia e, principalmente, erva-mate.
(Mapa: PIAZZA, Walter F. Atlas Histórico de Santa Catarina. Secretaria de
Educação de SC, 1971)
144
ANEXO E – MAPA DA REGIÃO CONSTESTADA – 1911
Mapa organizado em 1911 pelo historiador paranaense Romário Martins, para servir
nos estudos da questão de limites entre Paraná e Santa Catarina. O território
catarinense correspondia ao litoral e os campos de Lages. Na parte central, da Serra
do Mar ao rio do Peixe, era considerada área invadida pelos catarinenses. Ou seja,
os territórios de Campo Alegre, São Bento do Sul, Rio Negrinho e todos os demais,
situados ao sul do rio Negro e do Rio Iguaçu eram considerados territórios invadidos
por Santa Catarina. A região oeste era território do Paraná, mas era um território
pretendido por Santa Catarina.
145
ANEXO F – MAPA DA ESTRADA DONA FRANCISCA
Mapa da Região de São Bento do ano de 1873, mostrando o Local onde seria
instalada a sede da Colônia Agrícola São Bento, pelo Cia Colonizadora de Joinville.
Destaque para o traçado da Estrada Dona Francisca, em construção. Entre a Serra
e o Campo de São Miguel, está destacada a barreira fiscal de Encruzilhada. Com a
colonização de São Bento, Santa Catarina iniciou a ocupação do litoral norte numa
importante reserva de erva-mate, que estava sendo explorada pelo Paraná. Com
esse fato, houve reações e iniciou uma série de atividades que vão ser contestadas,
ora pelo Paraná, ora por Santa Catarina.
Mapa publicado em (FICKER, Carlos. o Bento do Sul subsídios para a sua
história. Joinville: Ed. Ipiranga. 1973).
146
ANEXO G – MAPA DE SÃO BENTO – 2º. DISTRITO DA COLONIA DONA
FRANCISCA
Mapa das terras da Sociedade Colonizadora de 1849, cujo original se encontra na
Secretaria de Agricultura do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis. Copiado
pelo autor em 12/11/2004. Nesse mapa estão destacados dois lotes de terra de
paranaenses dentro da colônia agrícola São Bento, o de Antonio dos Santos
Siqueira e Francisco Antonio Maximiano. A leste da colônia, as terras eram de
propriedade do paranaense
Francisco Teixeira de Freitas. A oeste, consta neste mapa como terras devolutas,
na realidade era propriedade de outro paranaense, o Brigadeiro Franco, conforme
consta do livro de Ficker (1973, p. 156), onde foi publicada uma cópia do ano de
1879.
Este Mapa é a prova de que a Cia Colonizadora vendeu terras a colonos imigrantes,
em território com áreas já legalizadas por paranaenses.
147
ANEXO H – ERVAIS EM SANTA CATARINA
Segundo Linhares (1969, p. 145), os ervais se situam em toda a extensão limítrofe
com o Paraná, onde avultam como municípios ervateiros, por excelência, sem falar
de Joaçaba ou na chamada zona de Chapecó, Canoinhas, Campo Alegre e Mafra.
Uma grande parte da região contestada, hoje incorporada a Santa Catarina.
Segundo o mesmo autor (p. 136), o médico francês Avé-Lallemant, que viajou pela
região sul do Brasil em 1858, escreveu: “... a senha, era esta: mate, mate e mais
mate. Distritos inteiros, províncias inteiras, onde a gente despertava com o mate,
madraceava (nota = levar o dia na preguiça) o dia com o mate e com o mate
adormecia ... o mate é a saudação da chegada, o símbolo da hospitalidade, o sinal
da reconciliação.
(Foto do Arquivo particular da acadêmica de História UnC Campus Mafra, Cínthia
Maria Cordeiro)
148
ANEXO I– TRANSPORTE DE ERVA-MATE EM TROPAS PARA JOINVILLE
Tropa de mulas transportando erva-mate em surrões, que eram enormes bolsas de
couro, contendo 60 ou mais quilos de mate. A erva produzida no planalto vinha de
São Mateus do Sul, Rio Negro, Lapa e era transportada do Planalto para Joinville no
lombo de burros. Na viagem de retorno, os tropeiros carregavam produtos da
Colônia Dona Francisca, como açúcar, aguardente, café, farinha de mandioca,
ferramentas, que eram vendidos no planalto. Com a construção da Estrada Dona
Francisca, as tropas cederam lugar para os carroções.
(Foto publicada na edição do Centenário de Joinville, - Joinville em 1906 autor
Plácido Olympio de Oliveira, Joinville, 1951, p. 119)
149
ANEXO J – CARROÇÕES DE TRANSPORTE DE ERVA-MATE – SÃO BENTO
WAGEN
Quando a estrada Dona Francisca chegou a São Bento, em 1877, o transporte por
mula foi substituído pelos carroções puxados por 4, 6 animais, e carregavam até
duas toneladas de erva-mate. Os carroceiros formavam comboios para se
protegerem dos índios e criaram pontos de paradas próximo a riachos onde davam
água aos animais, e faziam os seus pousos.
Os carroceiros formaram um sindicato para fixar, garantir e uniformizar o preço do
frete.
(Foto publicada na edição do Centenário de Joinville, A Estrada Dona Francisca
autor H. Bachl, Joinville, 1951, p. 87)
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ANEXO K – RÓTULO DE EMBALAGENS DE ERVA-MATE
Rótulos como este eram utilizados para identificar o produtor da erva-mate. Eram
colados nas barricas e também nas latas utilizadas para embalar a erva-mate,
principalmente a de exportação. (Arquivo de Antonio Dias Mafra)