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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
CENTRO DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
LUGARES NO BAIRRO: UMA ETNOGRAFIA NO BENFICA
ILAINA DAMASCENO PEREIRA
Fortaleza
2008
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Dissertação submetida ao mestrado em
Geografia da Universidade Federal do
Ceará para a obtenção do título de
mestre em Geografia.
Orientador: Professor Doutor
Christian Dennys Monteiro Oliveira
ILAINA DAMASCENO PEREIRA
LUGARES NO BAIRRO: UMA ETNOGRAFIA NO BENFICA
Fortaleza
2008
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P491l Pereira, Ilaina Damasceno
Lugares no bairro: uma etnografia no Benfica / Ilaina Damasceno
Pereira , 2008.
206f. ;il. color. enc.
Orientador: Prof. Pós. Dr. Chistian Dennys Monteiro de Oliveira
Área de concentração: Dinâmica Ambiental e Territorial
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Ceará, Centro de
Ciências. Depto. de Geografia , Fortaleza, 2008.
1.Lugar 2. Sentido 3. Discurso 4. Benfica I . Oliveira, Chistian Dennys
Monteiro de (orient.) II. Universidade Federal do Ceará – Curso de
Mestrado em Geografia III.Título
CDD 910.91
4
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
CENTRO DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
Banca Examinadora
______________________________________________
Prof. Pós-Dr. Ângelo Serpa
_________________________________________________
Prof. Dr. Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior
________________________________________________
Prof. (a) Dr. (a) Lea Carvalho Rodrigues
_________________________________________________________
Orientador Prof. Pós - Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira
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Dedico este trabalho a todos que vivem nas cidades
e atribuem a elas os sentidos do viver.
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Agradecimentos
Agradecer é sempre tarefa difícil, pois corre-se o risco de não se fazer referência a
pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a elaboração desse trabalho. Creio que
desde as pessoas que suportaram meus momentos de estresse na elaboração desse trabalho e
até mesmo os atendentes das bibliotecas que freqüentei merecem algum tipo de
agradecimento. Como não lembro de boa parte das pessoas que estiveram presentes no
percurso que realizei para a elaboração da dissertação gostaria de iniciar os agradecimentos
por elas.
Inicialmente, gostaria de agradecer aos que participaram desse trabalho como sujeitos
que constroem lugares em suas vidas diárias e atribuem sentidos ao espaço dotando-o de
personalidade, fazendo de pedaços da cidade expressão de anseios, desejos, imaginações e
histórias de vida. Vive-se nas cidades e, portanto, elas contam parte da história de todos, pois
os lugares nos marcam e nós marcamos os lugares. Quanto a isso lembro a frase de um poeta
amigo que diz que as fachadas escondem os becos revelam no sentido de dizer que o que se
é sempre mais do que percebe inicialmente e os detalhes podem conter um mundo de
sentidos e significados escondidos nas sutilezas.
Agradeço a minha família, como ela é muito grande, deter-me-ei nas pessoas que
estiveram presentes por mais tempo me incentivando e acreditando que seria capaz. Primeiro,
minha mãe que me incentiva a todo momento, agradeço não pelo apoio neste momento,
mas por ser a pessoas que é e me fazer admira-la. Segundo, a aminha irmã pessoa pouco
paciente, mas sempre disposta a ajudar. Terceiro, minhas avós por me mostrarem como é
necessário querer e buscar o que se deseja, ainda que a conquista pareça distante.
Aos meus amigos de mestrado Alexandre pelos momentos de descontração, sem os
quais a caminhada até a versão final da dissertação se tornaria impossível. E Mariana, sempre
muito perseverante, por ser autêntica e demonstrar como se pode crescer, como pessoa e
intelectualmente, com uma discussão.
Por fim, ao orientador Christian por ter suportado todos os meus momentos de
incertezas, que não foram poucos, e ter mantido a paciência.
OBRIGADO A TODOS E TODAS QUE TORNARAM ESSA DISSERTAÇÃO POSSÍVEL.
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Mudei-me da casa dos eruditos e bati a porta ao sair.
Por muito tempo minha alma assentou-se faminta a sua mesa.
Não sou como eles, treinados a buscar conhecimento como especialistas
em rachar fios de cabelo ao meio.
Amo a liberdade.
Amo o ar sobre a terra fresca.
É melhor dormir em meio às vacas que em meio as suas etiquetas e respeitabilidade.
Frederic Nietzsche
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Resumo
Discute-se como sujeitos histórica e culturalmente distintos atribuem sentidos ao bairro
Benfica em Fortaleza-Ceará, e quais disputas empreendem com a finalidade de definir o
sentido do lugar. Este é entendido aqui como o discurso criado para definir quais sujeitos
podem se apropriar do local e os significados que o lugar discursivamente constituído possui.
Sabe-se que nas metrópoles as interações entre diferentes sujeitos ocorrem constantemente,
principalmente em bairros que agregam funções de moradia, lazer e abrigam campus
universitário, pois são lócus de convergência de distintos atores. O estudo aponta que num
bairro pode haver vários lugares justapostos, cada um representando uma forma pela qual o
mesmo é apropriado pelos usuários, na identificação percebe-se que as diferenças entre cada
um dos sentidos é bastante sutil, pois não uma diferenciação rígida, mas construções
diferenciadas que fazem as palavras terem sentidos diferentes pelas cadeias de significação
construídas pelo locutor.
Palavras-chaves:
Lugar - Sentido - Discurso - Benfica.
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Resumé
Cette recherche aborde comme les sujets historique et culturellement différent
attribuent significations a le quartier Benfica Fortaleza Ceará, et quelque dispute
entreprennent pour déterminer sens du lieu. Cet est comprenat comme lê discours crée pour
fixer qui sujets peuvent s’aproprier du place et les sens que lieu, discoursivement, étlabi
possédent. Dans les metrópoles les interaction parmi différent sujets succédent constant a la
forme, surtout, dans les quertiers que rasempble fonctions d’habitation, de loisir et
universitaire, car sont place de convergence de différents acteurs. La recherche rehausse dans
um quartier peus existir divers lieux juxtapostes, chacun représente une forme par la quelle
même est identifié por les habitants. Les différences parmi les sens sont assez subtil, car il n’y
a pas différenciation rigide, mais élaborations différentié que font les mots ont sens divérs par
les chaîne de significations constituées par lê locuteur.
Mots-clés:
Lieu - Sens - Discours - Benfica
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Lista de Quadros
Quadro 1 - Painéis do Memorial da Gentilândia
Quadro 2 - Características dos blocos de pré-carnaval no Benfica.
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Lista de Siglas
ADUFC - Associação dos Docentes da UFC
Cel. – Coronel
CEU - Centro de Esportes Universitários
CH1- Centro de Humanidades 1
CH2 - Centro de Humanidades 2
CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica
DCE - Diretório Central dos Estudantes
FEAC - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
GLBTTT - Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros e Travestis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFOCS - Instituto Federal de Obras Contra as Secas
MAUC - Museu de Arte da UFC
P.V. - Estádio Presidente Getúlio Vargas
REU - Residência Universitária
UECE - Universidade Estadual do Ceará
UFC - Universidade Federal do Ceará
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Sumário
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 12
Capítulo 1 – Construindo uma pesquisa......................................................................... 15
1.1 Caminhando no Benfica........................................................................................... 15
1.2 Lócus de trocas simbólicas....................................................................................... 30
1.3 A proposta de pesquisa............................................................................................. 31
1.4 Problematizar para avançar.......................................................................................35
1.5 Um conceito interpretativo em Geografia.................................................................39
1.5.1 O lugar da experiência............................................................................................39
1.5.2 Lugar – singularidade e particularidade................................................................. 43
1.5.3 O lugar das relações............................................................................................... 49
1.5.4 Formulando uma compreensão.............................................................................. 53
Capítulo 2 – Benfica um lugar plural..............................................................................56
2.1 Um pouco de história................................................................................................ 56
2.2 Vivências no bairro....................................................................................................58
2.3 Quando chega a universidade....................................................................................68
2.4 Tradição, cultura e liberdade: elementos para pensar o bairro..................................80
Capítulo 3 – Produzindo lugares: sentidos atribuídos ao Benfica no cotidiano..............92
3.1 Gentilândia: um lugar e sua confraria........................................................................98
3.1.2 A identidade gentilandina.....................................................................................107
3.1.3 O Benfica e os gentilandinos................................................................................112
3.2 Lazer no Benfica......................................................................................................121
3.2.1 O Bar do Chaguinha – o Palco.............................................................................128
3.2.2 Ser e conhecer: os atores e as regras....................................................................131
3.2.3 Definições do bar: semelhanças com o bairro......................................................138
3.3 Pré-carnaval é a cara do Benfica.............................................................................144
3.3.1 Os blocos na fala dos organizadores.....................................................................152
3.3.2 Os brincantes e o bairro........................................................................................163
3.3.3 Os lugares no pré-carnaval no Benfica.................................................................169
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................174
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................177
ANEXOS.......................................................................................................................188
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Introdução
Essa dissertação tem como preocupação interpretar como os sujeitos constituem
lugares em suas práticas cotidianas, através da atribuição de sentidos a uma porção do espaço
e quais relações constituem para significar o lugar. Este é tomado aqui como produto de
relações sociais que fazem parte da vida diária e se relacionam com as vivências, as
expectativas e as realizações de cada sujeito e do conjunto que formam num local.
Os sujeitos são pensados como o elemento preponderante para a criação de lugares,
pois é através das relações que estabelecem uns com os outros que cada parte de uma cidade
ou de um bairro é significado, ou seja, deixam de ser uma localização e passam a fazer
sentido. A relação com o meio também é considerada, ela não é entendida como uma relação
de pessoas com coisas, mas de sujeitos que situados histórica e culturalmente relacionam-se
com o entorno atribuindo para cada ponto uma característica diferente.
Por isso, o texto busca ser uma construção polifônica, onde diferentes falas e
narrativas demonstram a forma dialógica de construção do sentido. O lugar é produto dessas
falas e da relação de sentidos desenvolvidas por elas. Ao falar as pessoas constroem cadeias
de significação onde situam a si próprias e o objeto do qual falam.
O lugar como ponto de interseção entre muitos diálogos, isto é, do cruzamento de
vozes oriundas de sujeitos socialmente diversificados pode ser representado a partir do
seguinte poema, intitulado: Tecendo a Manhã.
Um galo sozinho não tece uma manhã
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito
e o lance a outro; de outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
1
Em virtude da polifonia pretendida, a melhor forma de apresentar o resultado da
pesquisa era por meio de um texto etnográfico onde se vislumbrasse a interação entre os
sujeitos e entre estes e a pesquisadora, a qual também poderia tecer seus próprios sentidos em
1
NETO, João Cabral de melo. Poesias Completas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 19-20.
14
relação ao lugar. Onde a pesquisa de campo pudesse ser mostrada como prática diversa e
fragmentada.
Assim, o bairro Benfica em Fortaleza, lócus dessa pesquisa, é mostrado como lugar a
partir da visão das pessoas que se apropriam dele diariamente. O bairro é apresentado como
um lugar tecido pelos fios dialógicos das falas dos sujeitos que nele se relacionam,
polemizando, complementando e respondendo umas as outras.
No primeiro capítulo, estão as orientações teórica e metodológica que embasam o
exercício proposto no trabalho. Além de se apresentar o bairro a partir da observação direta
onde são expostas as primeiras impressões acerca do local. Apresentando quais paisagens o
compõem e as sensações causadas por cada uma.
Neste capítulo, o conceito de lugar é vislumbrado a partir de diversas perspectivas
teóricas a fim de demonstrar que a escolha feita para esta pesquisa o exclui as demais
orientações. Acredita-se que todo avanço contem em si parte daquilo que nega, pois necessita
do outro para refletir e avançar e nesse exercício integra parte do que sugere não ser mais
suficiente para interpretar a realidade. ainda, uma breve descrição dos passos
metodológicos empreendidos, principalmente, sobre a observação participante e a condução
das entrevistas; elementos essenciais desse trabalho cuja natureza é, sobretudo, qualitativa.
O segundo capítulo traz as falas dos residentes para comporem a história local a partir
de suas lembranças. Esta escolha, a princípio, se deu pelo pouco material encontrado sobre o
Benfica na literatura acadêmica local. Posteriormente, ela se revelou uma forma de ter acesso
não a memória coletiva dos residentes, mas as formas de significação e resignificação do
bairro que nas falas demonstravam momentos onde as relações intersubjetivas dos
habitantes com o meio davam sentido ao local.
Destaca ainda as descrições do bairro com seus elementos de permanência e mudança,
nas quais se observa o entrelaçamento entre a história de vida dos sujeitos e as lembranças do
local. Estas, também, ajudam a compreender como as novações são vivenciadas. Na última
seção, expõe-se como o bairro passa a ser visto a partir das mudanças apresentadas, partindo
da fala de um morador traz-se outros sujeitos presentes no bairro e suas perspectivas sobre o
mesmo.
O terceiro capítulo expõe as situações de convivência entre os sujeitos que se
apropriam do Benfica, seus contextos, os atores presentes e as falas de cada um. As situações
revelam coexistências, tolerâncias e sentidos que na rotina diária não são apresentados
claramente. As falas são ressaltadas como momento de produção de sentidos e diálogos entre
15
os sujeitos. Por isso não são dissociadas do momento em que são proferidas, que o dito é
relativo à situação.
Nesta sessão são abordadas três situações onde as construções de sentido no Benfica
são evidenciadas. Primeiro, a instalação de um memorial onde a relações entre os residentes
em distintas áreas do bairro destaca a forma diferencial como o mesmo é vivido pelos
moradores, e como o ato de nomear um lugar é uma apropriação simbólica do espaço.
Segundo, as vivências dos sujeitos num dos bares instalados no bairro cujas regras são
interpretadas pelos freqüentadores como elemento tradicional e selecionador, no entanto
percebe-se nas falas que diferentes interpretações do que seja tradicional, revelando
cadeias de significação onde os sujeitos constroem seus sentidos de lugar. E terceiro, as
brincadeiras de pré-carnaval no Benfica como festejos onde sujeitos se encontram
estabelecendo um diálogo entre os sentidos que atribuem ao bairro.
A partir dessa estrutura espera-se que o Benfica enquanto local partilhado por vários
sujeitos apresente-se como lugar construído no diálogo entre eles, ou seja, onde os sentidos
atribuídos ao lugar expressem as convivências, os diálogos e as disputas entre eles.
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Capítulo 1 – Construindo uma pesquisa
1.1 Caminhando no Benfica
O Benfica é paisagem comum para mim desde que vim residir em Fortaleza no ano de
1998, morando no João XXIII na região da Grande Parangaba, quando me dirigia para as
aulas no Liceu do Ceará, onde cursei o ensino médio, passava pelas avenidas da Universidade
e Carapinima as quais cortam o bairro na direção norte - sul e permitiam uma breve impressão
sobre o bairro. Nessas vias o que mais me chamava a atenção era o prédio da reitoria da
Universidade Federal do Ceará, UFC, pelo tamanho e beleza arquitetônica.
Em 2006 fui convidada pelo professor Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior
do, curso de Geografia da Universidade Estadual do Ceará, UECE, para participar de uma
pesquisa sobre uma área do Benfica denominada Gentilândia. Nessa, tive acesso a residentes e
ex-moradores que me auxiliaram na construção de uma representação significativa do bairro,
ressaltando o que para eles era mais relevante. Em suas falas destacava-se a crença naquela
parte do bairro como lugar de memória e de tradição na cidade de Fortaleza.
A pesquisa visava à elaboração de um memorial sobre o bairro
2
. Tinha por público
alvo um grupo de senhores que se reuniam todos aos sábados a tarde na Rua Padre Francisco
Pinto. Ali reencontravam os amigos de infância e adolescência. O grupo, autodenominado
Confraria da Gentilândia, idealizou uma pesquisa sobre a história do Benfica a partir da
vivência de moradores antigos. Nessa ocasião trabalhei com a aplicação de questionários e
entrevistas semi-estruturadas voltadas à descrição detalhada da organização do local, desde
uma época em que este era conhecido como Vila Gentil.
O resultado desta pesquisa foi a realização de uma exposição permanente de
fotografias, no bar onde os confrades se reuniam semanalmente. Com doze painéis, o
Memorial da Gentilândia busca contar a história do lugar, associando depoimentos de
moradores com imagens as quais as falas se referem. A inauguração desse Memorial foi muito
esperada pelos seus idealizadores, envolvendo outras pessoas, que mesmo sem fazerem parte
do grupo, sentiam-se privilegiadas por estarem ajudando a contar a história do lugar, com o
qual identificavam suas histórias pessoais.
2
Para alguns confrades e residentes a Gentilândia é um bairro dentro do Benfica.
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A abertura da exposição foi bastante divulgada. Os periódicos da cidade a veicularam
como o resgate da história de um dos bairros mais tradicionais de Fortaleza. A pesquisa,
inicialmente, abarcaria todo o Benfica, mas por fim foi restringida para a Gentilândia por ser
considerada pelos confrades mais tradicional que o restante do bairro e para viabilizar a
pesquisa em seis meses.
A delimitação da área a ser representada também se fundamentou no fato de, em 2001,
um movimento dos moradores da Gentilândia tentar fazer dela uma área autônoma do
Benfica. Caso lograssem êxito, seria o menor bairro de Fortaleza. Isto não aconteceu, mas
muitos de seus moradores que se referiam a ela como bairro autônomo sentiram-se
privilegiados. A confusão acerca de a área ser ou não um bairro evidencia-se até nas notícias
3
veiculadas na inauguração do Memorial da Gentilândia. Ora tratam-na como parte do Benfica;
ora como um bairro autônomo.
Lembro nesse momento de dois aspectos terem chamado minha atenção. Primeiro, a
insistência na Gentilândia como local intrinsecamente distinto do restante do bairro. Segundo,
na insatisfação de alguns moradores quanto ao memorial, pois muito do que eles acreditavam
ser relevante não estava representado. Frequentemente, era procurada por pessoas que
queriam externar seu desagrado com o resultado do trabalho, não porque o Benfica havia sido
reduzido, mas por acreditarem que a Gentilândia estava parcialmente representada, contendo
apenas elementos considerados importantes pelo agrupamento idealizador.
Esses dois aspectos fizeram-me despertar para o bairro como um lugar plural, pois até
as vivências das pessoas no mesmo lugar se diferenciavam e, por isso, elas não viam o
memorial como uma representação total da Gentilândia. Creio que nenhuma representação,
seja de um lugar ou de um grupo de pessoas, poderá abarcar a totalidade. coisas que
escapam da delimitação, da definição, que não se permitem encaixar nos padrões regulares
pelos quais normalmente o todo é representado. A discordância frente ao memorial constituía
exemplo relevante.
3
O Estado, de 22 de janeiro de 2007 - Memorial da Gentilândia resgata história do bairro: Com fotos,
escritos e depoimentos sobre o bairro Benfica, o Memorial é uma iniciativa dos amigos do bairro Gentilândia.
Um espaço de resgate da memória histórica de um dos bairros mais tradicionais de Fortaleza. Assim é o meorial
da Gentilândia, espaço inaugurado em dezembro de 2006, na rua padre Francisco Pinto, 128 Benfica. A
iniciativa é dos amigos da Gentilândia que se reúnem semanalmente no local onde funciona o Memorial.
(...)
18
Havia uma topofilia
4
entre os moradores e o lugar que tornava a Gentilândia lócus de
interesse para mim. A princípio era possível perceber as diferenças na significação do
bairro entre os próprios moradores e com a intenção de verificar essas distinções por idade e
por sexo elaborei um projeto para ingressar no programa de Mestrado em Geografia que
verificaria a partir das formas de lazer das pessoas no bairro como estas lhe atribuíam
sentidos. Tendo em vista que minha experiência com a confraria - composta por homens com
idade entre 60 e 80 anos e alguns visitantes mais jovens, em geral seus parentes, levados para
se integrarem ao que eles denominavam de espírito gentilandino - e as entrevistas realizadas
para a elaboração do memorial apontavam distinções de gênero e geração para as vivências no
bairro.
A pesquisa muitas vezes nos conduz por caminhos imprevistos. À medida que a
iniciei a elaboração desta dissertação, percebi que as interações entre sujeitos no Benfica a fim
de significarem o lugar iam além das distinções entre os moradores. Havia os ex-moradores,
os freqüentadores, os estudantes secundaristas e universitários. Quando comecei as primeiras
caminhadas no bairro percebi uma variedade mais ampla, indicando apropriações que não se
restringiam às realizadas por moradores, conduzindo a pesquisa para meandros até então não
vislumbrados por mim. O principal deles foi um conceito de lugar onde este era fruto de uma
disputa pela significação do espaço e não como fruto da história de um grupo num
determinado local.
A teoria diz que todo lugar é um espaço significativo, vivido pelas pessoas, no entanto,
ele não se produz como outrora se imaginara numa relação de exclusividade que marcava a
peculiaridade local. Ele é fruto das relações de forças estabelecidas entre os sujeitos para
definirem para si um lugar (Ferreira, 2002 e 2005).
Ainda com a antiga proposta de trabalho elaborei o plano de reconhecimento do local.
Na primeira caminhada que realizei no bairro, em sua completude para construir o cenário
desta pesquisa, buscava ter uma visão geral do que o mesmo era e como estava organizado,
que a primeira se baseava no senso comum da passagem diária por um local e a segunda pela
pesquisa localizada que acabava por desprezar o conjunto sem compreender as relações
estabelecidas entre a área delimitada como lócus e o Benfica como um todo.
Assim, a pesquisa iniciou-se com uma caminhada que visava apurar marcos, divisas e
os usos do espaço a fim de compreender a diversidade local. Neste primeiro momento pude
4
Termo utilizado por Tuan (1980) para verificar os valores, as atitudes e a relação das pessoas com o ambiente
que as envolve.
19
verificar quanto minha impressão sobre o bairro e muito do que havia ouvido era fruto das
experiências localizadas de cada um, inclusive a minha.
Esta etapa foi planejada para obter uma impressão geral do bairro, tendo como guia as
indicações de Magnani (1996) sobre o reconhecimento de campo numa pesquisa em
antropologia urbana, onde segundo ele devem ser empregadas caminhadas, observação direta
e classificação. De acordo com este autor, o pesquisador mesmo numa caminhada de
reconhecimento deve ter um plano estabelecido e um ritmo de caminhar que o permita
embeber-se dos estímulos sensoriais do percurso, principalmente, da materialidade da
paisagem.
Com um mapa em mãos dividi o Benfica em três áreas a serem percorridas entre 16hs
e 18hs de dias da semana que me proporcionariam uma visão geral da estrutura edificada e da
dinâmica local. O horário, também, permitia verificar o uso por moradores, usuários e
freqüentadores do bairro por se tratar do período em que as pessoas sentam em suas calçadas
para conversar, o comércio ainda está em funcionamento e o fluxo de carros começa a
aumentar.
A demarcação das três áreas teve por base as distinções indicadas pelos próprios
moradores. Por isso, a Gentilândia originalmente delimitada como a área entre as ruas
Marechal Deodoro, Treze de Maio, Avenida da Universidade e Adolfo Herbster teve seus
limites ampliados para as ruas Senador Pompeu e Padre Cícero. A segunda área compreende o
trecho entre as ruas Senador Pompeu, Meton de Alencar, Avenida da Universidade e Treze de
Maio. A terceira ficou entre a avenida Carapinima, Meton de Alencar e os limites do lado
oeste do bairro.
Segundo Magnani (1996) o estabelecimento prévio do percurso permite que o padrão
do uso seja captado sem que o inusitado ou a fragmentação que se apresentam a primeira vista
prevaleçam. O caminhar organizado que auxilia na constituição do cenário é um dos
principais elementos apontados pelo autor para uma etnografia na cidade, pois é entendido:
... como produto de práticas sociais anteriores e em constante diálogo com as atuais
favorecendo-as, dificultando-as e sendo continuamente transformado por elas. Delimitar
o cenário significa identificar marcos, reconhecer divisas, anotar pontos de intersecção –
a partir não apenas da presença ou ausência de equipamentos e estruturas físicas, mas
desses elementos em relação com a prática cotidiana daqueles que de uma forma ou
outra usam o espaço... (Magnani, 1996, p. 37-38).
20
21
De modo geral, não posso descrever quantas caminhadas realizei no Benfica depois da
delimitação das três áreas de observação. Mas estas podem ser compreendidas quando
aliadas.
Fui fiel ao percurso feito várias vezes por mim para ir ao Liceu, iniciando a caminhada
pela Avenida da Universidade. Comecei subindo por esta avenida em direção ao centro da
cidade a partir do cruzamento com a Rua Padre Cícero. Nela uma mescla de residências,
condomínios, pontos comerciais e antigas mansões que outrora tornaram o Benfica um bairro
elegante, deixando entrever o acumulo diferencial do tempo na paisagem. Além do constante
fluxo de carros, o movimento de pedestres aumenta a medida que me aproximo do
departamento de Ciências Sociais da UFC, daí até a Faculdade de Economia, Administração,
Atuária e Contabilidade, FEAAC, o movimento de estudantes é intenso, destacando o
comércio destinado a atender a demanda estudantil.
Daí para frente a presença do comércio de máquinas para a indústria têxtil é marcante,
além da sede de partidos políticos e associações de classe. A avenida em pontos distantes
possui alguns condomínios que quebram a impressão de reduto comercial-universitário e a
descoberta vez por outra de residências reveladas pela tímida presença de pessoas sentadas a
olhar o movimento por trás dos portões.
O barulho dos carros e a fumaça lançada por eles torna o percurso de certo modo
desagradável, fazendo-o mais cansativo que na avenida a monotonia é quebrada vez por
outra pela presença de alguns prédios que se destacam pela arquitetura. Aas proximidades
da Rua Adolfo Herbster o primeiro prédio de evidência é a antiga mansão da família
Nepomuceno, segundo Barroso (2004) erguida em 1920, guardando ainda aspectos de
chácara. Atualmente é propriedade do Instituto das Filhas de São José. Em seguida, está o
Recanto da Terceira Idade onde funcionou o Dispensário dos pobres, fundado em 1917 para
auxiliar migrantes vindos do interior do Estado, além de impedi-los de chegar ao centro da
cidade.
Adiante estão prédios preservados pela universidade quando se instalou no Benfica. A
rádio universitária e a sua frente o amplo prédio da reitoria da universidade principal
referência do bairro. Mais a frente está o Centro de Humanidades da UFC, CH1, que
preservou três imóveis anteriormente utilizados como residências para abrigar as casas de
cultura alemã, britânica e francesa. Adiante, duas casas antigas, o prédio ocupado pelo
Sistema Nacional do Emprego, SINE-CE, e a Biblioteca Municipal Dolor Barreira, que
passam despercebidas na paisagem para os que caminham apressadamente pela avenida.
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Esta biblioteca, anteriormente, ocupava um prédio próximo a FEAAC, atualmente,
abandonado e uma residência ao lado que passando de ônibus é possível verificar sua
singular beleza, pois um muro impede a visão dos transeuntes. O destaque a esta altura são os
prédios ocupados pela Faculdade de Economia. Até aqui o movimento de estudantes é intenso
e torna a caminhada menos solitária. No entanto, ao me afastar das faculdades da UFC o
número de pessoas na via diminui e, se antes, tudo parecia voltado para a manutenção da
universidade, agora parece que esta catalisou a instalação de associações e partidos políticos
como forma destes estarem próximos do local onde são formadas as opiniões e de onde vem
parte considerável dos militantes.
Ao fim do Benfica em seus limites cartográficos estão as caixas d’água de ferro
erguidas em 1896 para abastecer a cidade com água potável trazida do açude Acarape do meio
e distribuída no centro, por gravidade, onde estava a concentração residencial da cidade. O
prédio e a estrutura das duas caixas ainda existem e podem ser vistos dentro do
estacionamento da Faculdade de Direito da UFC porque outdoors impedem a visão dos
passantes.
Há muitas comentários sobre a relevância dos prédios ainda existentes no Benfica para
o passado da cidade. Reportagens sobre as mansões do bairro e casas simples que ainda
mantêm a arquitetura antiga são constantes nos periódicos locais, uma entrevista do O Povo
com o professor e arquiteto José Liberal de Castro em 04 de abril de 2006 demonstra como a
avenida da universidade parece ser o cartão de visitas para quem vai ao Benfica ou dele ouve
falar. A matéria intitulada Benfica - memória de fachada discorre sobre os casarões existentes
na extensão da avenida e busca demonstrar como através das mansões e chalés que ainda
estão de pé pode-se contar um pouco da história da capital. Cada um dos casarões, mansões,
chácaras e chalés ainda presentes são descritos e é informado o estilo arquitetônico que os
caracteriza.
A Avenida Carapinima, aparenta ser mais comercial que a anterior e local de
passagem para automóveis, talvez pela ausência de centros universitários ou instituições de
ensino e isso é sentido principalmente ao cair da noite, quando o fluxo de automóveis se
impõe e caminhar pela mesma torna-se quase uma aventura pela falta de pedestres ou
residentes nas calçadas. Nessa avenida a ação do tempo e a deterioração local são profundas,
na observação destacaram-se dois prédios: o Colégio São Rafael que até poucos anos atrás
atendia apenas a clientela feminina e uma casa ampla com bastante espaço lateral, vestígio das
chácaras descritas por Barroso (2004), onde funciona uma loja de reparos eletrônicos.
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também alguns prédios abandonados que, em tempos passados, devem ter possuído grande
beleza.
O Partido Socialismo e Liberdade, PSOL, localizado em frente ao Colégio São Rafael
promove as sextas-feiras programações culturais, rompendo a imagem de via de acesso que
prevalece quando se percorre a Carapinima.
Nas proximidades do Shopping Benfica um conjunto de bares e pequenas
lanchonetes usadas principalmente pelos trabalhadores do Metrofor. O local onde se localiza o
centro comercial funcionou, segundo ouvi de alguns moradores em conversas informais, a
faculdade de engenharia da UFC depois transferida para o campus do Pici. Daí até o limite sul
há algumas casas e lojas de venda de veículos.
A Treze de Maio corta o bairro no sentido leste-oeste, apesar da pouca extensão nos
limites do bairro, apresentando bastante movimento. Nela está o Centro Federal de Educação
Tecnológica, CEFET, o qual assim como a UFC permite o fluxo constante de estudantes; e o
prédio ocupado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE.
Evidencia-se nela a praça da Feira da Gentilândia, onde se comercializam lanches
diariamente, e a praça José Gentil
5
consideradas duas das praças mais arborizadas da cidade,
oferecendo sombra para pessoas que nelas se instalam para ver o tempo passar ou para
conversar. Elas apresentam elementos significativos no bairro por terem sido apropriadas pelo
grupo de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros e Travestis, GLBTTT que
entre conflitos e resistências têm freqüentado ambas nos últimos quatro anos.
6
Durante o dia as frondosas mangueiras tornam o local agradável e apaziguante quando
se pasça do outro lado da avenida, como se um espaço verde quase no centro da cidade
rompesse a velocidade com que os lugares são vividos. Nos finais de tarde, moradores para lá
se dirigem a fim de realizar as caminhadas diárias para manter o bem-estar físico, ou para
5
Conhecida entre os freqüentadores e moradores como Pracinha da Gentilândia.
6
O Povo, 09 de setembro de 2007, Vida & Arte. Praça Ocupada: Vida a Céu Aberto
(...)
A cada sexta aumentava o número de pessoas. O pessoal que não era maior de idade, e não podia ir pra bar ou
boate, ia pra Gentilândia. Daí, também, começaram a cometer abusos, menor bebendo, fumando, se agarrando
além dos limites. Chamou atenção dos moradores, o que levantou mais preconceito ainda. Com o tempo,
começaram a vir gangues de garotos homofóbicos que faziam arrastões.
Em agosto de 2005, O POVO noticiou as tensões e crimes praticados na Praça da Gentilândia, em perseguição
aos grupos homossexuais que freqüentavam a praça. De pra cá, o movimento diminuiu bastante. Com a
finalização da reforma da Praça José Gentil, o movimento migrou de volta para a praça "mais escura, ampla e
arborizada". "Agora, diminuiu porque a galera ficou com medo de vir. Tem uma galera chamada 'carecas da
Nação', que sai batendo e roubando quem acha que é homossexual.
(...)
24
proporcionar às crianças momentos de lazer e de encontro com outras da mesma idade.
Enquanto algumas pessoas circundam a praça José Gentil com caminhadas ou corridas, cada
uma no ritmo que a idade permite, algumas crianças jogam futebol na quadra localizada em
frente à Residência Universitária, REU, da Rua Padre Francisco Pinto. Durante a noite,
prevalece a presença de estudantes do cursinho da Associação dos Docentes da UFC,
ADUFC, e de alguns casais de namorados.
Essa paisagem comum transmuta-se as sextas-feiras a partir das 18hs quando, o
número de residentes na praça é quase nulo, estudantes de ensino médio, universitários e
moradores de outros bairros da cidade para se dirigem a fim de usufruírem do local. Esses
ocupantes atribuem uma dinâmica diferenciada, tornando a “Pracinha da Gentilândia”, como
normalmente é denominada, reconhecida em toda a cidade pelo público GLBTTT.
O movimento na praça tomou repercussão na mídia e alguns periódicos locais
publicaram reportagens sobre os conflitos nela existentes. Uma reportagem do O Povo de 09
de setembro de 2007 informa sobre o surgimento do movimento e as agressões físicas sofridas
por alguns freqüentadores vitimados por grupos homofóbicos que promoveram arrastões
naquele ano. De acordo com a reportagem, os encontros iniciaram na praça José Gentil com a
presença de universitários que se reuniam com amigos nos fins de tarde para beberem e
tocarem violão. Com a reforma desta praça o movimento migrou para Praça da Feira e tomou
notoriedade pelo número crescente de adolescentes que se contatavam via internet usando-a
como ponto de encontro.
A reportagem informa que os problemas iniciaram quando os freqüentadores
começaram a cometer abusos com bebidas e atitudes que incomodavam os moradores das
proximidades. Segundo uma moradora, os jovens pareciam querer chocar a comunidade, pois
casais de homossexuais namoravam na praça, causando impacto negativo nos mais antigos.
Por isso, alguns moradores mais idosos chegaram a apoiar os atos de vandalismo como uma
forma de disciplinar os freqüentadores do local. Esta moradora com cerca de 60 anos
informou que muitas garotas beijavam-se na boca e mesmo com liberdade de expressão era
necessário saber respeitar as pessoas com opiniões diferentes, principalmente, que é um
bairro de família.
Em virtude dos atos de vandalismo cometidos por gangues o número de pessoas na
Praça da Feira diminuiu e perdeu notoriedade. O que parecia ter sido um cessar de encontros,
em verdade foi uma mudança de local. Depois de seis meses sem visibilidade o movimento na
praça José Gentil aumentou e, paulatinamente, retomo o fluxo normal. Hoje a praça apresenta
25
as mesmas características da anterior, inclusive quanto aos atos violentos cometidos por
gangues que roubam e espancam os presentes.
Magnani denomina esses espaços apropriados na cidade por grupos que compartilham
gostos ou hábitos em comum como “pedaço”. Locais onde as pessoas freqüentam por se
reconhecerem como portadoras de valores comuns, mesmo sem se conhecerem diretamente.
Segundo este autor, um pedaço é um território demarcado e ainda que seja de acesso livre
para todas as pessoas está embebido de uma carga simbólica que o caracteriza como ponto de
referência restrito.
... a diferença com relação a idéia tradicional de pedaço é que, aqui, os
freqüentadores não necessariamente se conhecem ao menos não por intermédio
de vínculos construídos no dia-a-dia do bairro - mas sim se reconhecem enquanto
portadores dos mesmo símbolos que remetem a gostos, orientações, valores, hábitos
de consumo, modos de vida semelhantes. (1996, p. 39)
A praça também é reconhecida como pedaço na visão tradicional definida pelo autor
como um espaço intermediário entre público e privado onde se desenvolve uma sociabilidade
que extrapola os laços familiares, mas que se assemelha a eles pelo conhecimento direto que
cada uma das pessoas tem umas das outras e pela densidade das relações estabelecidas
(Magnani, 1984). Isso ocorre porque as duas praças ocupadas fazem parte do cotidiano do
bairro e, sobretudo, dos moradores da Gentilândia que as reconhecem como espaço de lazer e
encontro nos fins de tarde.
Apesar de a descrição apresentar, sobretudo, aspectos físicos da paisagem, vale
ressaltar que esta é um acumulo de tempo e de práticas sociais (Santos, 2006), por ela é
possível vislumbrar a dinâmica social local, pois o que está presente em uso ou abandonado
representa as apropriações diárias das pessoas. Assim, as avenidas aqui descritas sintetizam as
características gerais do Benfica com os centros educacionais, o comércio e as residências.
Incluí nas caminhadas a Senador Pompeu rua limítrofe do bairro apresentando
colégios em sua extensão e uma casa que me chama muita atenção pela beleza, apesar de ser
de tamanho bem pequeno. Os moradores próximos indicaram que havia sido residência de um
médico, mas não souberam informar se ainda era usada como residência ou para algum fim
comercial. Por essa rua se vai do centro ao Montese o que a faz ter um fluxo intenso de carros.
Em horários de entrada e saída de estudantes dos colégios é muito comum vê-los circulando
pelo local.
26
A partir dessas caminhadas ficaram faltando o que foi denominado de áreas internas
por estarem entre as avenidas que cruzam o bairro. Essas áreas são caracterizadas, sobretudo,
pelo uso residencial seja por moradores antigos ou com casas alugadas por universitários em
forma de repúblicas. Percorrer essas áreas nos fins de tarde é ver um bairro que pouco se
diferencia de outros na cidade com características residenciais. Vê-se pessoas entrando e
saindo de suas casas, e adultos e idosos sentados nas calçadas observando a brincadeira das
crianças.
Na Rua Marechal Deodoro, paralela a avenida da universidade, o movimento de carros
é menor. Depois da 13 de Maio o número de residências aumenta, os muros baixos e os
jardins, alguns bem cuidados outros não, chamam atenção. Pela Marechal, assim como pela
avenida da universidade pode-se cruzar o bairro, mas a caminhada parece ser mais lenta, não
pela monotonia, mas pelo ambiente agradável que a presença de residências e pessoas nas
calçadas oferecem. Certa vez vi uma reforma num muro de cerca de um metro e meio que não
pretendia aumenta-lo, mas abrir espaço na parte superior para ali plantar flores. Uma senhora
que estava na ombreira da janela de sua casa me informou que quando ela foi morar lá todas
as casas do quarteirão tinham o muro como aquele, mas foram reformados. No caso dela seus
filhos quando crianças pisoteavam as flores e por isso ela retirou o canteiro, mas ela achava
lindo.
Ela me informou das mudanças, que para ela não faziam tanta diferença para o lugar,
como um prédio de dez andares na rua paralela, área antes ocupada pela maior casa ali
existente. O diferencial era a vizinhança ainda que muitos moradores antigos tivessem
falecido e muitas pessoas desconhecidas tivessem se estabelecido no local, segundo sua
colocação a aura do lugar chamava pessoas de bem, como o próprio nome do bairro indica
Benfica.
Muitos moradores usam com freqüência o trocadilho Quem é de Benfica para falar do
local onde residem. Na década de 1990 o jogo de palavras foi usado para nomear um bloco de
pré-carnaval do bairro que se concentrava na praça da Gentilândia, José Gentil. Quando fiz
pesquisa nessa área muitos moradores se referiam ao bairro por esse trocadilho, como se ele
sintetizasse o que o Benfica é. Pesquisa-lo por completo fez-me perceber que era uma
referência geral. Segundo a moradora da Marechal Deodoro, residente neste logradouro a 50
anos, quem é de Benfica, fica.
Alguns condomínios estão presentes na Marechal ou Cachorra Magra, como seus
moradores a ela se referem, mas parecem reforçar a impressão residencial que as casas
27
transmitem. Interessante é falar um pouco sobre quantas vezes ouvi a história de porque a rua
é chamada de Cachorra Magra, pelos moradores antigos não do bairro, mas também da
cidade. Cada um contava de uma forma diferente, mas apresentavam aspectos em comum e
sempre que ia conversar com alguém a história era mais uma vez contada. Se ela é real ou
inventada não se sabe, para os que tentam interpretar as relações das pessoas com os lugares é
como se cada vez em que é narrada reforçasse o sentido do lugar.
Talvez ecoe irrelevante, mas pela quantidade de vezes que ouvi acho que deveria
repassá-la pelo menos das duas formas por mim anotadas. Uma mais antiga faz referência a
Estrada do Gado como era conhecida a rua Senador Pompeu por onde subiam as reses a fim
de serem abatidas no matadouro do Benfica. Segundo esta, nas proximidades de onde hoje
fica o Estádio Presidente Vargas havia um comércio onde os viajantes paravam para se
alimentar e o proprietário possuía uma cadela magra e feia amarrada a uma estaca, na falta de
como indicar o estabelecimento alguns combinavam de se encontrarem quando voltassem da
viagem na cachorra magra. Outra versão mais recente, pelas referências, é a de que havia uma
cachorra magra que perambulava pela rua, indo, diariamente, alimentar-se no Matadouro
Modelo, onde hoje está o Colégio Paulo VI no Montese, e subia em direção ao Benfica pela
rua Marechal Deodoro.
A referência constante dos moradores ao nome da rua faz pensar sobre as formas de
lembranças que as pessoas mantêm com o lugar, ou mesmo quanto tempo elas residem no
local. Outro fato interessante são as versões sobre a história ainda que as duas usem a mesma
referência a temporalidade distinta, final do século XIX e outro da década de 1940, revela
uma mudança na referência da memória coletiva das pessoas do local.
As conversas com os residentes são momentos interessantes, pois nelas uma
distinção grande de quando com o gravador a pessoa se sente acuada para falar, buscando
palavras bonitas, ou mesmo sem serem espontâneas. Quando cada morador contava a história
do nome da rua percebia neles o prazer de ensinar algo, mesmo tendo ouvido-a muitas vezes
permanecia atenta aos detalhes e também não queria decepcioná-los informando ter essa
informação.
Uma área pela qual caminhei sem ter muitos informantes foi a parte do Benfica entre a
avenida da universidade e as ruas limítrofes com o bairro Otávio Bonfim. Essa também pode
ser caracterizada como residencial com poucos marcos a serem destacados. No entanto,
caminhando pela Rua Tereza Cristina chamou-me atenção um espaço para eventos que antes
era uma mansão abandonada. Pelo tamanho ela deveria ser bastante antiga, pois hoje já não se
28
fazem casas com aquele porte. Como outrora o portão principal fica numa esquina, o muro
agora tem cerca de dois metros e meio de altura e pelo painel que apresenta o nome do espaço
quase não se vislumbra a casa, que pelo pouco que pode ser visto foi reformada, respeitando a
estrutura antiga.
Pode parecer bobagem falar sobre essa única residência numa faixa estreita do bairro,
mas de extensão considerável. O espaço para eventos foi uma mudança acompanhada por
mim, fazendo-me em alguns momentos compreender o que alguns moradores sentiam quando
relatavam as mudanças no Benfica.
Outro local interno, se é que posso usar esse termo, foi a Gentilândia conhecida por
mim, mas que a pesquisa mais apurada e sem questionário, como fora a primeira, permitiu
observar mais de perto a vida das pessoas. Se com um questionário tudo parece simples e
resolvido com as possíveis respostas oferecidas no papel, com conversas que não dizem
respeito a pesquisa pode-se obter informações muito relevantes. O contato com os moradores
dessa área foi mais fácil tendo em vista a minha experiência na pesquisa anterior.
Acostumados com os questionários que portava comigo começaram a pensar que não mais
estava pesquisando.
Durante uma pesquisa de observação participante parece que ser confundido com
jornalista é quase a regra geral. Minha experiência anterior na Gentilândia fez com que essa
avaliação a meu respeito não fosse feita, apesar de no primeiro contato ter sido comum
muitos me chamarem de jornalista. não era uma desconhecida e podia sem grandes
cerimônias conversar com as pessoas nas ruas, muitas chegavam a comentar sobre as
ocorrências diárias dos moradores, como se quisessem me manter informada.
Nessa área pude perceber como estar em contato com a vida das pessoas sem ser vista
como uma intrusa era importante para obter informações que muitas vezes são dadas de forma
evasiva, porque não parecem ter importância. Mas quando faladas espontaneamente contêm
muito sentido.
Por exemplo, lembro de muitos fazerem referência ao estádio como o destaque no
bairro pelo longo tempo presente, desde o campo do Prado que para muitos antigos é motivo
de grande saudade. Se na Marechal as pessoas gostam de contar a história do nome da rua, na
Gentilândia é para o estádio que essa atenção é voltada. Perde-se muitas horas comentando
como era pitoresco o campo do prado, com sua cerca de um metro de altura da qual se podia
falar com os jogadores livremente. As caminhadas que os moradores faziam acompanhando
29
os jogadores para o Estádio Presidente Vargas, P. V., as tardes de sábado em que se esperava
as equipes passarem constituíam deleite para os residentes.
O Estádio Presidente Vargas é destaque na área por ter substituído o Campo do Prado.
Em dias de jogos, principalmente pelo campeonato cearense, o fluxo de transeuntes no bairro
aumenta, sendo muitas vezes difícil estacionar carros pelo volume de pessoas que para lá se
dirigem a fim de usufruírem do lazer que o futebol proporciona. As quartas-feiras e sábados
dias de jogos o movimento de pessoas no entrono do estádio rompe a tranqüilidade, tornando
esses dias os mais dinâmicos para os bares próximos cujos principais freqüentadores são
torcedores das equipes de futebol locais. Muitos bares são identificados pelos torcedores pela
equipe para a qual os proprietários torcem e, por isso, verifica-se a preferência de alguns por
estabelecimentos específicos. Mas, em geral, eles ficam dispersos pelas ruas Padre Francisco
Pinto, Paulino Nogueira e Adolfo Herbster.
Dos bares localizados nesses logradouros muitos são identificados pelo nome do
proprietário em virtude do tempo de estada no local e, por isso, são considerados tradicionais
no bairro, sendo utilizados não por torcedores como também por estudantes,
freqüentadores esporádicos e moradores que neles se reúnem para conversarem sobre a
vizinhança e obter notícias de ex-moradores. Um dos mais famosos pelo tempo de existência
é o Bar do Chaguinha, no entanto o estabelecimento não oferece infra-estrutura diferenciada
aos seus freqüentadores, o sucesso de acordo com alguns são os pratos oferecidos, buchada,
panelada, costela de carneiro etc. O público desse bar é de faixa etária diversifica e nele se
evidencia uma apropriação que varia com dias da semana e horários.
Tinha interesse em saber qual a origem dos principais freqüentadores dos bares
naquela proximidade e sempre que falavam sobre destacavam os torcedores de futebol pelo
contingente em dias de jogos e os próprios moradores ou ex-moradores. Mas certa vez,
enquanto conversava com um conhecido numa calçada fui convidada por uma moradora a
comparecer numa birosca onde algumas pessoas, que conheci durante o primeiro contato,
costumavam ir aos sábados para se encontrar. A princípio relutei, mas L.M. informou que
estariam lá os conhecidos, gente daqui mesmo, ao me aproximar da calçada onde todos
estavam percebi moradores e estudantes da universidade, como muitos se apresentaram
depois, e para confirmar indaguei quem havia organizado e outras perguntas que me levassem
a tirar a dúvida. Roberto, proprietário do local, disse que eram uns amigos e nenhuma das
pessoas apesar da distinção que eu fazia parecia estar atenta a ela.
30
Lembro que com os questionários não se fazia essa referência. A universidade era
citada, mas de forma quase alegórica como um grande prédio presente sem relacionar-se com
o resto, a não ser claro quando era tida como a residência de José Gentil Alves de Carvalho,
antigo proprietário da Gentilândia. Havia a hipótese de que os estudantes para muitos
moradores eram parte integrante do cotidiano e a situação para mim soava quase como
confirmação.
Os moradores pouco falam dos estudantes que circulam nas ruas. Citam a existência
da universidade, mas muitas vezes ela parece ser um ente sem ligação com o lugar. Contudo,
caminhando pelo bairro sente-se a presença da universidade e dos outros centros de educação
a todo instante, quando não é por lojas e serviços destinados aos estudantes, é pelo uso que
fazem do lugar. Estudantes se apropriam do Benfica seja caminhando na rua ou sentando nos
bares locais para conversar. Muitos se vangloriam de serem conhecidos e reconhecidos pelos
moradores não por habitarem o bairro, no caso dos integrantes de residências
universitárias, mas por freqüentarem locais comuns.
Os bares são bons exemplos de compartilhamento uns mais antigos e outros recentes.
O Bar do Ventura, um conhecido torcedor do Ceará e reduto dos amantes desse clube também
é reconhecido no local como ponto de encontro de ex-estudantes da UFC, parte dos primeiros
grupos que residiram na REU da Paulino Nogueira, os quais retornam para encontrar velhos
amigos e conversar. Outro estabelecimento com essa característica é a Casa Alves, conhecido
entre freqüentadores e ex-alunos da UFC como Buraco do Reitor, na rua Senador Catunda
próximo a Coordenação da Faculdade de Administração.
Alguns bares são caracterizados por agruparem diariamente estudantes da
universidade. Além das ruas citadas são encontrados na avenida Treze de Maio o Cantinho
Acadêmico na esquina da praça José Gentil e o Gaiola em frente ao CEFET o qual agrupa
aficionados em rock. Na rua Juvenal Galeno estão O Pitombeira e O Goiabeira, que juntos
com o Toca do Javali na avenida da Universidade compõe os locais freqüentados pelo grupo
GLBTTT. Este bastante representativo, considerando o volume de pessoas que permanecem
em frente ao mesmo durante as noites de sexta, quebrando a monotonia da avenida ao final da
noite e delimitando junto com a praça um trajeto gay no bairro, o qual provavelmente vincula-
se com outras áreas da cidade formando um circuito (Magnani, 2002).
31
1.2 Lócus de trocas simbólicas
O Benfica apresenta um conjunto diferenciado de usuários entre moradores, ex-alunos
da universidade, estudantes secundaristas, universitários e o publico GLBTTT. Nenhum
bairro é apenas uma divisão administrativa na cidade, ele representa um lugar para os que dele
se apropriam e cada grupo cria um discurso que mantém o lugar e preside as trocas simbólicas
realizadas nele (Ferreira, 2005).
Cordeiro e Costa (1999) consideram os bairros lugares reais e imaginados, pois tem
suas representações de lugar construídas pelas vivências das pessoas e pelo imaginário criado
acerca do local. Eles mantêm suas dinâmicas particulares, partindo dos discursos simbólicos e
dos universos de sentido distintos que os fazem ser o que são. A realidade do lugar está na
história concretizada na paisagem modificada pelo tempo, a qual é, concomitantemente,
testemunha, representação e virtualidade (Santos, 2006). O imaginário é fruto dos discursos
sobre um lugar.
Lugares são significativos e simbólicos e cada sujeito pode criar um discurso sobre o
local. Por isso os bairros podem ser uma “costura” dos muitos significados que podem conter.
... bairros constituem unidades sócio-espaciais problemáticas em si próprias.
Permeáveis e, contudo, identificáveis, não só nos ritmos de uma prática social
quotidiana etnografável, como também nas imagens resultantes de uma bricolage
coproduzida endógena e exogenamente; e, sobretudo, como participantes activos na
permanente construção cultural das variadas mitografias, imagens e narrativas que
cada cidade escolhe para se vestir os bairros são lugares para se procurar,
identificar, inquirir, questionar (Cordeiro & Costa, 1999, p. 60-61).
O Benfica nesse caso é destaque pela presença do campus universitário nele instalado
que proporciona uma dinâmica cultural distinta, onde atores diferenciados se cruzam e
convivem diariamente. Primeiro, ao preservar casarões antigos produziu em residentes de
longa data e ex-moradores uma identificação com o bairro que se sustenta nos prédios
preservados, os quais servem para localizar a memória individual e coletiva. Mesmo sem falar
sobre experiências vividas nas mansões, já que as entrevistas expostas aqui pertencem a
sujeitos de classes menos abastadas.
Segundo, as relações que a universidade mantém com o bairro por meio de seus
funcionários e, principalmente, alunos. O campus organizado na extensão da avenida da
universidade estreita as relações dos estudantes com o Benfica, o ato de se deslocar de um
ponto a outro produz interação entre estudantes, moradores e lugar, fazendo a UFC parte
32
integrante do bairro e responsável por parte da dinâmica através da qual o bairro é
reconhecido na cidade.
O campus do Benfica tem este aspecto como diferencial quando comparado com o
Pici, pois enquanto um apresenta influência recíproca com o lugar o outro parece, apenas,
ocupar uma porção de terreno, uma vez que não se interação entre a universidade e o
bairro. Creio que para alguns moradores do bairro Pici o campus da UFC é um lugar que não
pode ser apropriado, um local estranho no próprio bairro. Já no Benfica, a universidade com
ele se confunde. Ela é muitas vezes a própria referência para diferenciar o bairro na cidade.
1.3 A proposta de pesquisa
O Benfica é ora identificado como local da tradição onde se resiste a modernidade por
meio de práticas de sociabilidade que o diferenciam em Fortaleza, ora como espaço de
expressões culturais manifestadas nele em função da centralidade exercida pela universidade
como pólo produtor de cultura para a cidade
7
. Qual destas é a correta interpretação do bairro
é impossível dizer, mas verifica-se que as duas estão presentes quando as pessoas falam sobre
ele.
Após as caminhadas planejadas para fazer um reconhecimento do Benfica e verificar
usos e apropriações iniciei observações mais detalhadas para averiguar as interações entre os
sujeitos e o lugar a fim coletar mais elementos que deslindassem o Benfica como um lugar
plural.
Dentre as várias formas de ter acesso as relações estabelecidas entre os grupos
sobressaíram os momentos de diversão por terem se caracterizado como situações de contato
direto entre os diferentes. Mesmo que o lazer se refira ao uso do tempo livre aqui ele
representa também uma forma de vivência do espaço
8
. Ao usufruir os bares localizados na
área residencial do Benfica, também freqüentados por moradores, uma interação entre
estudantes e residentes a fim de definir qual dos grupos possui o discurso mais correto sobre o
bairro. Os bares são bons exemplos da interação entre os diferentes no bairro, pois ainda que
7
A dissertação de mestrado Quem de Benfica: o bairro como lugar da sociabilidade e espaço das práticas de
resistência de Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior e a monografia de especialização O Benfica como
paisagem das manifestações culturais, apresentam esses elementos respectivamente.
8
Magnani (1984, 1996, 2002) concentra seus estudos nas formas de lazer na cidade, apontando pelo menos
quatro categorias que auxiliam na compreensão do uso do espaço urbano pelas pessoas, são elas: circuito,
mancha, pedaço e trajeto.
33
seja possível destacar a presença de torcedores de futebol, de moradores antigos, de
estudantes universitários e do público GLBTTT, em locais específicos há coexistência.
Outro momento em que se pode verificar a convivência entre os diferentes no Benfica
é o período pré-carnavalesco, quando cinco blocos ocupam as ruas a fim de levarem diversão
e integração entre os brincantes. Cada bloco constrói um discurso para si e busca reviver a
“tradicionalidade dos velhos carnavais” da cidade onde as famílias se reuniam para
comemorar a festa mais esperada do ano. Os cinco blocos que ocupam as ruas do Benfica são
distintos em sua composição e as interações presentes neles também.
A partir dessa aproximação com o bairro e da constatação da diversidade propôs-se as
seguintes questões:
a) como um bairro é significado pelos sujeitos que dele se apropriam?
b) Como a tradição apontada por moradores e freqüentadores é de fato vivida?
c) Como ocorrem as relações de força para definir os sentidos do lugar no bairro?
Dado o tema e as modificações apresentadas a partir da proposta inicial ficou a dúvida
de qual seria a melhor forma de conseguir informações e de como operacionalizar a pesquisa.
A observação participante estava presente desde o início, na verdade ela ajudou a formular o
quadro inicial de onde surgiram os questionamentos que nortearam a proposta. O trabalho
como se apresenta hoje é resultado de acasos, mas não de uma recolha de dados sem qualquer
teoria que o fundamentasse. Na verdade, a mudança de teoria ajudou a perceber no Benfica
uma diversidade maior do que a apresentada inicialmente como quadro da pesquisa, como
Magnani (1996) destaca a etnografia não é mera recolha de dados a serem trabalhados fora do
campo.
A primeira proposta tratava o Benfica como espaço vivido pelas pessoas, apropriado
na vida diária através da qual se construía uma relação intersubjetiva com os lugares, que para
muitos autores na Geografia já não consegue explicar a diversidade de relações que as pessoas
estabelecem com o mundo, baseando-se nas interpretações dos moradores. Entretanto, no
caminho percorrido para a estruturação do presente texto percebeu-se que o bairro oferecia
mais a ser interpretado, havia entre os sujeitos presentes interações para definir os sentidos do
bairro.
Durante a observação dos blocos de pré-carnaval e das co-habitações nas
comemorações era evidente que a tradição ostentada não era simples, não havia um conjunto
único de moradores reunindo-se para comemorarem seus laços de vizinhança. As entrevistas
34
com residentes não revelavam o Benfica como local tão tradicional. Muitas vezes afirmavam
o Benfica como um bairro residencial e tradicional pelo tempo de estabelecimento das
famílias, mas em seguida eram apontados elementos que evidenciavam mudanças que não
eram bem aceitas por eles.
Assim, a segunda proposta, ou melhor, a evolução da proposta inicial, destaca duas
circunstâncias que representam o Benfica como um lugar de interações e de disputa de
sentidos. Primeiro, a apropriação dos bares que revela as relações entre moradores antigos e
freqüentadores para a significação do lugar. E segundo, o pré-carnaval onde se tenta resgatar a
tradição e reunir as famílias locais que em quantidade de blocos é o segundo maior da cidade,
perdendo somente para a Praia de Iracema.
As entrevistas realizadas com moradores para obter informações sobre o bairro foram
muito úteis em sua caracterização como lugar vivido. Elas ajudaram a formular um plano
inicial de apresentação do Benfica por meio das vivências passadas e recentes, demonstrando
as mudanças pelas quais passou e como foram sentidas pelos moradores. Esse primeiro
recorte, da vivência no bairro, seguiu o recorte feito para a construção do cenário, pois quando
a Gentilândia foi pesquisada destacou-se nas informações cedidas pelos moradores da área a
necessidade de se autoafirmarem como tradicionais apontando-a como o coração do Benfica.
Por isso, houve a necessidade de ver como os outros moradores pensavam sobre o Benfica,
quais lembranças manifestavam e os pontos indicados por eles como os mais importantes.
A observação dos bares poderia evidenciar como as interações entre diferentes sujeitos
se expressam e quais elementos são utilizados para marcar as diferenças existentes entre eles.
O pré-carnaval parece ser o encontro com todos. As convivências que pude observar
nos anos de 2007 e 2008 com lideranças vinculadas ao bairro e a universidade fizeram-no
sobressair como ponto interessante para interpretar os diferentes sentidos atribuídos ao
Benfica.
É possível chegar nele de qualquer parte da cidade mesmo de ônibus. Diferente de
muitos trabalhos de observação participante onde os costumes locais representam uma
barreira para o acercamento entre pesquisador e atores. No Benfica a proximidade e a
familiaridade consistiam o maior problema, pois era necessário estranhar situações e falas
familiares a fim de nelas captar sentidos que poderiam passar despercebidos. Como destaca
Velho (1978, p. 39), “O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não
35
necessariamente conhecido e o que vemos e encontramos pode ser exótico mas , até certo
ponto, conhecido.”
Para Velho (1978) estranhar o familiar é possível quando se confronta diferentes
versões e interpretação a respeito de fatos e situações, tendo em vista que a realidade é
negociada, constantemente, pelos sujeitos envolvidos, tornando a voz dos atores elemento
fundamental.
Realizei um total de 40 entrevistas
9
: 10 moradores, 10 fregueses de bares, 5
freqüentadores do bairro e 15 participantes de blocos de pré-carnaval entre os quais estão 5
organizadores e 2 brincantes de cada bloco. Circulei pelo bairro conversando com pessoas,
antes e depois de entrevista-las formalmente, o que me deu acesso a elementos importantes
para a interpretação tanto das entrevistas quanto das situações descritas no diário de campo.
Como tinha interesse nos significados atribuídos ao bairro as entrevistas foram
conduzidas de forma aberta para que a subjetividade e os elementos considerados relevantes
pelos próprios entrevistados pudesse fluir. Por não buscar uma evidência para comprovar
alguma tese sobre o verdadeiro significado do bairro pareceu mais conveniente tratar a
entrevista como uma conversa por ser a melhor forma de ter acesso às informações.
Ainda assim, no início das entrevistas ou mesmo com dias de antecedência os sujeitos
eram informados que meu interesse era saber o que cada um pensava sobre o bairro e o que o
mesmo significava para eles. No entanto, para algumas pessoas parecia difícil que eu pudesse
simplesmente querer ouvi-las, elas esperavam que eu as dissesse o que gostaria de ouvir,
então formulei três perguntas
10
a partir das quais esperava o estabelecimento de um fluxo
continuo na conversa, onde outros questionamentos estariam baseados na fala e no interesse
expresso pelo sujeito. Percebi que as pessoas ao falarem do bairro acabavam falando de si
mesmas, os não residentes discorriam sobre seus hábitos e trajetos na cidade, tentando apontar
por que se apropriam de um determinado lugar, já os moradores descreviam um pouco de suas
histórias de vida.
Entretanto, a fala está condicionada pelo conjunto de relações sociais existentes no
momento mesmo em que é dita, ela não é pura subjetividade que brota do interior das pessoas
as quais codificam, a fim de tornar compreensível para os outros, o que pensam e o que
9
Antes do período de entrevistas foi realizado o preenchimento de questionários, com 6 perguntas para verificar
as formas de identificação usuais do bairro.
10
Além das perguntas para identificação dos entrevistados as perguntas a seguir constituíam o plano
preestabelecido: como você definiria o bairro Benfica? Quais elementos são mais relevantes na paisagem? Quais
as principais lembranças do bairro?
36
sentem. "A fala é iminentemente situacional e não pode ser divorciada do contexto da ação
em que ocorreu” (Zaluar, 1986, p. 119). Até mesmo o local onde a entrevista é realizada pode
interferir no que é dito, pois os diferentes espaços, casa, lazer ou trabalho, são repletos de
valores morais e pressões sociais distintas fazendo com que as pessoas mudem a ênfase e até
mesmo a linguagem do que está sendo dito (Da Matta, 1997).
Assim como o observador deve estar atento ao seu modo de olhar quando usa a
observação participante, nas entrevistas é necessário estar atento ao contexto onde elas são
executadas a fim de perceber quais elementos podem interferir no que esta sendo dito pelo
sujeito. Observar e entrevistar são meios pelos quais construímos cadeias de significação para
situar os fatos singulares ou cotidianos (Cardoso, 1986).
Neste trabalho são utilizados trechos de entrevistas abertas norteadas pelas três
perguntas formuladas para iniciar o diálogo, além das conversas informais anotadas no diário
de campo logo após o momento da fala, a fim de registrá-las com o máximo de exatidão. As
conversas por serem situações do dia-a-dia e possuírem um padrão inesperado quanto a
respostas e a condução do diálogo foram fontes de informações ímpares, no entanto
ofereceram desafios como: quanto o registro posterior era fiel à fala e a postura ética da
pesquisadora no registro sem autorização (Menegon, 2004).
1.4 Problematizar para avançar
Sou geógrafa. Parece-me que a primeira afirmação que devo fazer para problematizar
as questões colocadas e a forma como elaborei esta pesquisa. Minha formação proporcionou-
me um conhecimento incipiente de Antropologia e etnografia que talvez possam dar meios
para a compreensão dos possíveis erros presentes aqui. Acredito ainda que minha forma de
pensar, privilegiando as relações entre sociedade e espaço também tenham conduzido esta
pesquisa para caminhos muitas vezes pouco comuns para cientistas sociais e antropólogos,
que cada ciência elege seus objetos e direciona suas compreensões.
Mas isso não me impede de tentar. A parte mais difícil foi como construir o texto
etnográfico, como eleger a teoria para fundamentá-lo, qual método usar, e quais relações
poderia eu fazer entre a construção de um trabalho científico fundamentado na Geografia com
seus conceitos e teorias particulares.
37
Cheguei a confundir a observação participante com a etnografia, crendo que esta era
um método através do qual o pesquisador acercava-se dos sujeitos que pretendia pesquisar e
construía sobre eles um relato descritivo baseado em suas observações ou nas informações
cedidas por alguns membros do grupo. Sem perceber que minha presença através das
interações com os sujeitos era apenas uma parte do trabalho que também incluía entrevistas e
a construção de um texto onde os atores deveriam reconhecer seus lugares, caso tivessem a
oportunidade de ler as interpretações.
Periano (1992) diz que a forma como se faz pesquisa de campo está intimamente
ligada a forma como se constrói a etnografia como texto e a própria escolha do objeto. Por
isso, quero esclarecer que a escolha por um texto interpretativo tenta trazer os sujeitos e suas
falas para que eles digam quais são suas interpretações sobre seu “lugar”. Boa parte do tempo
estava circulando pelas ruas e conversando com pessoas, percebendo suas idéias diferentes ou
convergentes as minhas, tendo por base a idéia presente desde Malinowski
11
de que as
interações com as pessoas, muitas vezes, esclarecem mais que as anotações em diários de
campo. Permitindo, o confronto entre as afirmações feitas durante a entrevista e as colocações
descompromissadas da vida diária.
“O estilo do texto etnográfico é definido em função do tipo de análise que se pretende”
(Caldeira, 1988, p. 157). Por isso, Geertz possibilitou a composição deste trabalho de forma
coerente. Primeiro, por considerar que o estudo de uma cultura é um trabalho interpretativo a
procura de significados contidos tanto em ações e gestos quanto em palavras expressas pelos
sujeitos. E segundo, por ser microscópico atendo-se aos sentidos contidos numa situação onde
tempo e local de ocorrência são determinados. De acordo com este autor, quando se quer
compreender como as pessoas significam deve-se estar atento ao que elas fazem e não ao que
se diz sobre elas, pois o comportamento humano é uma ação simbólica e, portanto, deve-se
indagar qual sua importância e o que está sendo transmitido.
A proposta do autor acerca do trabalho etnográfico e suas colocações parecem estar de
acordo com um trabalho em Geografia que busca entender como um lugar é significado na
vida diária das pessoas, quais sentidos estão presentes num local e para quem aquela porção
do espaço é um lugar.
No entanto, esses significados não são aqui considerados como um conjunto contínuo
e estável de símbolos a serem desvendados e expostos como únicos e invariáveis, até porque
11
MALINOWISK, Bronislau. Os Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento da
aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. São Paulo: Abril Cultural. 1976.
38
seria como utilizar uma postura teórica em Geografia que considera os lugares resultados de
tradições singulares. Os sentidos são vistos aqui como temporais e emergentes, na perspectiva
de serem frutos de interações específicas entre conjuntos de relações que se constituem e se
desfazem, permitindo, portanto, a coexistência de diferentes sentidos de lugar. Este como uma
construção múltipla que segue a vida com suas contradições, dinâmicas, acomodações e
disputas.
Questiono se o que me foi dito é realmente o que pensam as pessoas, ou se é uma
formulação dos sujeitos, sobre os questionamentos por mim realizados, a fim de estarem de
acordo com o que eles pensavam que eu gostaria de ouvir. Visto muitos pedirem para serem
informados com antecedência sobre o teor das perguntas para que pudessem pensar nas
respostas, ou mesmo me indicavam pessoas que, segundo eles, poderiam me dar mais e
melhores informações. Mesmo quando lhes informava que gostaria apenas de saber o que eles
pensavam sobre o bairro sentia haver uma preocupação sobre o que diriam.
Para a elaboração de um texto etnográfico parece salutar considerar os elementos que
garantem rigor metodológico a pesquisas qualitativas, principalmente, quando se trabalha com
interpretações de sujeitos e quando o resultado da pesquisa é, em maior ou menor medida, a
representação da realidade. De acordo com Spink (2004), a superação dos horrores vividos em
pesquisas qualitativas é possível quando se leva em consideração os seguintes elementos: a
indexicalidade, referente a mudança de sentido caso haja modificação na situação tornando a
situacionalidade um elemento intrínseco do procedimento de pesquisa; a inconclusividade
que considera a mudança como própria dos fenômenos sociais; e a reflexividade que se refere
a presença do pesquisador nos resultados da pesquisa.
Ao recolher dados para um texto etnográfico, deve-se estar atento a presença do
pesquisador, o que o sujeito diz ou seu silêncio tem haver com a proximidade ou o
distanciamento daquele em relação ao agrupamento e com o que os sujeitos pensam da
pesquisa e de sua execução. A empatia com quem realiza a pesquisa parece ser o primeiro
passo para o sucesso, pois as atitudes das pessoas podem ser modificadas cada vez que o
estranho se aproxima interferindo no material coletado para a interpretação.
Assim, Geertz (1978, p. 19) coloca que “o que chamamos de nossos dados são
realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas”, destacando que as
interpretações que realizamos acerca das ões e palavras das pessoas estão baseadas nas
interpretações que os próprios atores fazem de si e de suas práticas. Essa afirmação também
faz refletir sobre a necessidade de distanciamento do pesquisador em relação ao objeto de
39
estudo, pois se sempre trabalhamos com as construções dos outros não importa se nos
propomos a fazer uma pesquisa no bairro onde residimos, ou numa pequena cidade do
interior, sempre estaremos trabalhando com atores que podem mudar, se contradizer ou
manipular significados.
A etnografia
12
empreendida para esta dissertação busca expor os diferentes sentidos
atribuídos ao bairro e as relações de forças onde os significados são produzidos, a fim de
revelar que um local pode ser muitos lugares. Portanto, não se quer revelar a verdade sobre o
que o Benfica é, mas interpretá-lo a partir das falas das pessoas.
Quando Geertz (1978) coloca que os antropólogos não estudam as aldeias eles
estudam nas aldeias a fim de destacar que a cultura de um povo não é o conjunto material de
artefatos usados pelos povos em rituais ou cultos e que o trabalho do etnógrafo não está em
catalogar estilos de vida diferentes, mas estudar o conjunto de estruturas significantes que dão
forma as experiências humanas. Ele ressalta que a etnografia não necessita do exótico para
afirmar sua existência.
Da mesma forma, o lugar não deve ser entendido como um ponto peculiar no mundo
caracterizado por um conjunto de relações expressas naquele lócus particular por meio de uma
paisagem diferenciada. Ele deve ser compreendido como um conjunto de relações que define
os sentidos, representando pontos de vista diversos. Mas nem por isso excludentes.
A teoria da ação, da qual Geertz participa, elaborou um conjunto de instrumentais de
pesquisa para a apreensão de processos, movimentos e seqüências que buscam ver a
sociedade em movimento (Feldman-Bianco, 1987), enfatizando as relações que as pessoas
estabelecem umas com as outras para na composição das relações sociais. Destes
instrumentais para o trabalho aqui apresentado foi usada a noção de quase-grupo definida
como um conjunto-de-ação
13
no qual as interconexões estabelecidas permanecem em uso
através de sucessivos contextos e atividades (Mayer, 1987). Essa noção é interessante para
verificar formas de agrupamento que não estão estabelecidas por meio de direitos e
obrigações, mas por um objetivo em comum que articula diferentes sujeitos num conjunto.
12
Etnografia, neste parágrafo, é usada aqui como um método específico que gera um texto específico, assim
como coloca Magnani (2002, p. 17) “o método etnográfico não se confunde nem se reduz a uma técnica; pode
usar-se ou servir-se de várias, conforme as circunstâncias de cada pesquisa; ele é antes uma forma de
acercamento e apreensão do que um conjunto de procedimentos.”.
13
Mayer (1987) define conjunto-de-ação como uma entidade limitada temporalmente que se estrutura a partir da
rede de relações que os indivíduos mantêm entre si, partindo de um ego central identificado por ele como um
grupo, ou uma pessoa a partir da qual as relações entre os pares são estruturadas.
40
O conceito de lugar eleito para se trabalhar o bairro exige uma postura que o verifique
como modos de ver o mundo, pois o significado do lugar, as formas como os sujeitos dão
sentido aos espaços que habitam na cidade são interpretações das pessoas sobre suas
vivências. O lugar das várias formas como é definido em Geografia é uma ação humana sobre
o espaço que imprime sentido, o qual é transmitido pelas ações das pessoas em relação ao
ambiente que as envolve e nas falas de cada uma.
Por estarem no mesmo local, os sujeitos não são considerados como iguais, pelo
contrário cada um pode reportar-se a diferentes referências e comportar-se de modo distinto
nas situações, que podem estar envolvidos em relações distintas que influenciam os
sentidos atribuídos ao lugar. Gilberto Velho (1994) destaca que uma das principais
características das sociedades complexas é aliar visões de mundo distintas e diferentes estilos
de vida e a cidade é o principal lócus de interação entre diferentes culturas.
1.5 Um conceito interpretativo em Geografia
1.5.1 O lugar da experiência
De acordo com Holzer (1992), os geógrafos culturalistas são os primeiros a
desvincular o lugar do sentido estritamente locacional, primeiro com Sauer ao elaborar o
conceito de paisagem cultural, incorporando elementos subjetivos e segundo com Eric Dardel
com estudo fenomenológico na Geografia, afirmando que a vida humana supõe um espaço
onde se dão as relações e as trocas que fixam o lugar da existência. E Lukerman, quase vinte
anos depois, ao dialogar com a obra de Sauer, afirma o lugar como fruto da relação entre o
sítio e seu entorno, mas para apreendê-la seria necessário mais do que a descrição, era preciso
considerar o modo de ver o mundo e os valores das pessoas.
Na década de 70, como reação ao positivismo lógico predominante a Geografia
humanista vai buscar na fenomenologia e no existencialismo as bases para desenvolver sua
teoria do lugar. Para se contrapor a ciência positiva, a racionalidade e a separação sujeito-
objeto na pesquisa empírica elegeram como método a descrição fenomenológica, buscando
apreender o mundo cotidiano, não apenas no observável, mas como as pessoas percebem o
mundo e o estruturam baseado em suas experiências pessoais e sociais.
41
A relação das pessoas com o mundo é o foco das preocupações e, por isso, adaptou-se
a fenomenologia tradicional que o homem preso num mundo físico e social que influencia
sua compreensão cognitiva ao contexto do mundo vivido e da experiência concreta. Buttimer
(1985) coloca que não deveria haver diferenças entre as formas de conhecer e as dizer e que a
fenomenologia existencial unifica a experiência humana do mundo.
O lugar ganha destaque na Geografia com a corrente humanista, a qual fundamenta
suas teorizações na percepção fenomenológica e na teoria da Gestalt, demonstrando que não
diferença entre percepção e sensação, pois as formas são totalidades estruturadas dotadas
de sentido e significado, ou seja, sentir e perceber são ações concomitantes.
No campo da Geografia humanista as discussões sobre o lugar caracterizam-se
principalmente pelas relações afetivas desenvolvidas pelo indivíduo em relação ao ambiente
onde vive. Para essa corrente o lugar é fruto da experiência humana e, por isso, é conceituado
como o espaço vivenciado pelos seres humanos, um centro gerador de significado a partir do
qual as experiências são organizadas. O lugar para o geógrafo humanista significa um
conjunto complexo e simbólico que pode ser analisado a partir da experiência individual ou
coletiva. Neste sentido, a convivência e a estabilidade são fatores fundamentais na
constituição dos lugares.
Tuan (1980) utiliza o conceito de topofilia
14
para definir as emoções estabelecidas
entre as pessoas e o meio na experiência pessoal, entretanto ela se aplicaria as áreas de
tamanho compacto, ou seja, que podem ser alcanças através dos sentidos. Para este autor a
experiência produz lugares, porquanto ela permite atuar sobre o que está posto e criar a partir
dele, isto é, estabelecer relações de afetividade com o espaço. Para a análise o autor ressalta: a
percepção; a atitude, avaliada como uma posição tomada em relação ao mundo constituída
por uma longa sucessão de percepções, ou seja, experiências; e a visão de mundo, um sistema
de crenças culturalmente construído.
A Geografia Humanista procura o entendimento do homem com o mundo humano
através do estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu comportamento
geográfico bem como dos seus sentimentos e idéias a respeito do espaço e do lugar
(Tuan, 1985, p.143).
14
Bachelard (2005) no livro A poética do Espaço define o empreendimento que fará acerca das imagens do
espaço feliz de topofilia. O autor propõe o estudo das imagens pelas mesmas não aceitarem idéias tranqüilas e
definitivas, porquanto, incessantemente, a imaginação se enriquece com novas imagens e é essa riqueza do
imaginado no lugar que o autor explora. De acordo com Bachelard (2005, p. 19), “O espaço percebido pela
imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue a mensuração e a reflexão do geômetra. É um espaço
vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as particularidades da imaginação. Em espacial quase
sempre ele atrai. (...) No reino das imagens o jogo entre o exterior e a intimidade não é um jogo equilibrado”.
42
Tuan recorre à teoria estruturalista de Jean Piaget, que considera a aprendizagem a
aquisição de experiência com a idade, para explicar as diferentes experiências de lugar entre
crianças e adultos. Segundo o autor, o mundo é estruturado de acordo com o tempo de vida de
cada pessoa, mas para não cair no psicologismo e não se igualar aos comportamentalistas
Tuan, também, utiliza a antropologia para avaliar diferentes culturas, etnias e gêneros no
processo de percepção.
Tuan (1980) destaca que as experiências de lugar para crianças, adultos e idosos são
diferenciadas, não pela capacidade de mobilidade, mas, principalmente, porque o lugar
adquire significado pelo contínuo acréscimo de sentimentos ao longo dos anos. Assim, ele é
constituído pela estabilidade e pela identidade sendo um centro de reconhecido valor. Nesta
perspectiva o lugar geográfico assemelha-se ao antropológico
15
, entretanto, distingui-se deste
por não necessitar de uma peculiaridade visual para ser reconhecido, isto é, de uma paisagem
homogênea com notoriedade visual.
Outra perspectiva trabalhada dentro da Geografia humanista fundamentada no
existencialismo é a idéia de espaço vivido discutido principalmente por Anne Buttimer,
buscando significado das essências no estudo da existência. Por isso, as experiências de vida
serão enfatizadas extraindo das descrições concretas do espaço o significado da vida humana
diária, demonstrando que a preocupação primeira é a vivência de espaço e de tempo pelos
indivíduos (Holzer, 1992).
Buttimer trabalhou com uma teorização geográfica das experiências de vida e
considerou o lugar um espaço vivido definido como “... um conjunto contínuo e dinâmico, no
qual o experimentador vive, desloca-se e busca um significado. É um horizonte vivido ao
longo do qual as coisas e as pessoas são percebidas e valorizadas...” (Buttimer, 1985, P. 174).
Nesta perspectiva, o mundo possui forma e sentido e ambos são inseparáveis, que
perceber o mundo envolve afetividade, desejo e história. O espaço, indiferente e
desconhecido, aqui é um horizonte a ser conquistado através da experiência e por meio desta
tornar-se-á um mundo vivido. Para a autora cada pessoa possui um mundo vivido e
compartilha do mundo de outras pessoas e da sociedade como um todo (Buttimer, 1985).
A autora baseia-se na compreensão de mundo da fenomenologia onde este é o
contexto no qual a consciência se revela e, por isso, é um mundo de valores, não um mundo
de fatos. Segundo Battimer (1985, p. 172) o mundo:
15
Augé (1994) define o lugar antropológico como identitário, relacional e histórico.
43
Está ancorado num passado e direcionado para um futuro; é um horizonte
compartilhado embora cada indivíduo possa construí-lo de um modo singularmente
pessoal. Uma vez consciente do mundo vivido na experiência pessoal, um
individuo deveria visar apreender os horizontes compartilhados do mundo de outras
pessoas e da sociedade como um todo.
Para explicitar que as pessoas estruturam o mundo, ou o espaço exterior, a fim de
significá-lo a autora destaca o estabelecimento de um lugar central que se funde a outros
lugares para formar regiões maiores, esta seria uma maneira de significar o mundo, segundo
Buttimer (1985, p.178): “cada pessoa está rodeada por camadas concêntricas de espaço
vivido, da sala para o lar, para a vizinhança, cidade, região, e para a nação.”.
Nesse sentido Buttimer estaria em acordo com as proposições de Tuan, quando este
propõe o lugar como um mundo ordenado e com significado, sem, no entanto se relacionar
especificamente com a escala que os mundos da experiência direta limitam-se com áreas
mais amplas conhecidas através de meios simbólicos. Para Tuan “O espaço transforma-se em
lugar à medida que adquire definição e significado (...). Movemo-nos das experiências diretas
e íntimas para aquelas que envolvem cada vez mais apreensão simbólica e conceitual” (1983,
p. 51).
Para este autor os espaços de ação imediata nos quais os sentidos conseguem
apreender as peculiaridades locais tornam-se mais facilmente lugares. Os espaços vividos pela
experiência são mais rapidamente significados pelas pessoas, no entanto, países ou regiões
necessitam de uma apreensão simbólica para transformarem-se em lugares significativos para
os seres humanos. De acordo com Tuan (1985) emoção e pensamentos são importantíssimos
para um geógrafo humanista, pois através deles, respectivamente, a rua e a região ou nação é
significada.
Lugares, assim, são espaços intensamente humanos porque possuem sentidos
atribuídos pela ligação emocional das pessoas aos objetos físicos, gerando a identidade do
lugar. Esta, segundo Tuan (1985) é a característica física, a história e como as pessoas fazem
uso do passado para promover uma consciência acerca dos lugares, comparando-os com as
pessoas que para o autor são: sua biologia, seu passado, as influências acidentais, a maneira
como vê o mundo e como prepara uma imagem pública de si.
Desta forma, a geografia humanista é uma interpretação da experiência humana que
esclarece significados dos conceitos, símbolos e aspirações que dizem respeito ao espaço e
44
lugar, partindo da vida diária dos habitantes. De acordo com Tuan (1985, p. 162) “uma das
funções do humanista é tornar explícitos as virtudes e defeitos de uma cultura”, ainda que sua
afirmação pareça etnocêntrica por avaliar pontos positivos e negativos de uma cultura ela
demonstra a relevância atribuída ao arcabouço cultural de um povo para a compreensão dos
lugares.
Nogueira (2004) avaliando a relevância da interpretação fenomenológica em geografia
conclui que a corrente humanista busca estabelecer uma geografia da experiência de quem
vive, percebe e constrói o lugar. Nela os sujeitos tornam-se os autores, pois ao imprimir no
espaço suas expectativas lhe atribuem conteúdo. De acordo com autora, é impossível eliminar
a subjetividade do sujeito e os valores morais e estéticos que atribui ao lugar.
1.5.2 Lugar – singularidade e particularidade
O conceito de lugar dos humanistas por sua fundamentação teórica pautar-se nas
experiências individuais é acusado de ser incapaz de oferecer explicações sobre a sociedade,
pois o estudo da essência não contribuiria para revelar as contradições sociais. A partir dessa
crítica o lugar é redefinido numa perspectiva marxista onde será entendido ora como uma
inter-relação entre os fluxos da globalização, ora como uma o espaço apropriado pela vida.
Primeiro questionasse como num mundo globalizado, onde todos os pontos do planeta
seriam tocados pelo capital que homogeneizaria paisagens e gostos através do consumo,
poderiam existir lugares únicos e singulares. Segundo se estes lugares não seriam frutos da
espacialização dos processos sociais globais impostos pelo capital. Para essa corrente, o lugar
na globalização deve ser um conceito que permita analisar as interações entre o global e o
local e as articulações estabelecidas entre os diversos lugares. Na perspectiva crítica ou
marxista destaca-se o lugar como relação entre espaço e processos sociais.
A partir dessas críticas o lugar será interpretado como obra única originado das
características históricas de seu processo de formação interna e produto da globalidade.
Santos (2005) define o lugar a partir das interações entre técnica, informação, comunicação e
normas estabelecidas, ou seja, ele se define a partir das relações que mantêm com a economia
globalizada e do papel que desempenha na divisão espacial do trabalho. Para o autor, o que
distingue os lugares é a intensidade com que são atingidos pela globalização.
45
O lugar é usado como sinônimo de região e, por isso, suas análises estão sempre
baseadas na forma como a economia globalizada atinge diferencialmente os lugares. Para o
autor existe ainda uma “guerra dos lugares” (Santos, 2003) onde cada local tenta obter
vantagens sobre os outros a fim de se inserir no fluxo global de capitais, acarretando uma
fragmentação do espaço geográfico em que algumas áreas mantêm relações mais estreitas
com cidades inseridas no circuito mundial do capital do que com cidades vizinhas. Assim,
Santos (2003, p. 102) coloca que “A vontade de homogeneização do dinheiro global é
contrariada pelas resistências locais à sua expansão. Desse modo, seu processo tende a ser
diferente, segundo os espaços socioeconômicos e políticos.”.
A busca de internalização dos fluxos globais é analisada pelo autor como uma
dialética entre espaços de fluxos, pontos variados do planeta ligados pela técnica e pela
informação, e o espaço banal acessível a todos, onde as pessoas desenvolvem suas
experiências de vida. Assim, Santos (2003, p; 112) destaca que “Os lugares são, pois, o
mundo que eles reproduzem de modos específicos, individuais, diversos. Eles são singulares,
mas são também globais, manifestações da totalidade-mundo, da qual são formas
particulares”.
De acordo com Santos (2005), os lugares sofrem, concomitantemente, um processo de
homogeneização e singularização, pois a medida que o processo de globalização da economia
os atinge têm sua lógica redefinida pelas variantes internas. Assim, o lugar passa a ser uma
interseção entre a estrutura global e as características locais. Na Geografia crítica o lugar
seria um espaço de resistência, concomitantemente global e local no qual se compreende os
processos sociais e suas espacializações (Ferreira, 2000).
Assim, Santos (2003) afirma que lugares são, concomitantemente, singulares e
particulares, pois ao mesmo tempo em que são modificados pelas relações globais de
produção mantêm suas características singulares. O lugar nem deixa de existir, nem se
mantém intacto diante das relações de produção globais que o atravessam. Ele é,
constantemente, redefinido.
Ferreira (2000) salienta que esta visão ao contrapor global e local atribui a ambos,
respectivamente, as características de processo constante e de imobilidade permanente que
fariam do lugar apenas um depósito da economia global. Assim, o processo de singularização
dos lugares seria uma combinação local das possibilidades oferecidas pela generalização. Os
lugares são, então, formas singulares da totalidade mundo.
46
Segundo Santos (2006) dois tipos de lugares, os lugares globais complexos onde
abundância de vetores e os lugares globais simples onde só alguns vetores se instalam. As
metrópoles representam o primeiro tipo por ser o local onde os circuitos hegemônicos da
economia melhor se instalam e, ao mesmo tempo, o lócus das mais intensas resistências a esta
inserção. Para o autor a cidade grande é o espaço banal por excelência que nela todas as
técnicas podem se hospedar, conviver e prosperar. As técnicas destacadas pelo autor vão
desde as inseridas pelo capital global até as técnicas rudimentares usadas como estratégia de
sobrevivência pelos pobres.
Nessa abordagem o sujeito não é visto como produtor de significados ou mesmo
detentor da memória local, sendo esta muitas vezes um obstáculo para a adaptação das
pessoas as novas exigências do modo de produção. Para exemplificar, Santos (2006) destaca a
experiência de migrantes nas grandes cidades para os quais a memória seria inútil, que os
mesmos não se estabelecem tempo suficiente num local a ponto de criá-la ou mesmo de
acumular conhecimentos úteis à sobrevivência. Além de o cabedal de experiências produzido
em outro meio dificultar a adaptação ao novo cotidiano e, por isso, o vivido é sempre lugar de
troca e de ação, tendo em vista não haver espaço de atuação para o passado e a rotina.
Para Silveira (2006) a extensão constitui a base ontológica da geografia e, por isso, o
espaço geográfico é visto como cenário no qual se desenrolam as ações sociais.
Fundamentando-se no conceito de espaço banal (Santos, 2006) a autora propõe uma geografia
da existência, onde a noção de extensão que por tanto tempo predominou na ciência
geográfica seja substituída por um conhecimento pautado na historicidade dos lugares e nos
processos sociais.
Para tanto, usa-se as noções de Heidegger acerca do estar no mundo, para fundamentar
a noção de que a sociedade é um ser e o espaço sua existência material, esta definida pelo
autor como o conjunto de situações onde os seres humanos compartilham valores morais e
culturais. Para completar o pensamento, a fim de comprovar o espaço como instância social,
destaca-se a definição de Sartre do prático-inerte, onde as ações humanas cristalizadas em
formas jurídicas, culturais e morais a partir das quais o presente se realiza e o futuro é
planejado.
De acordo com Silveira (2006), uma geografia existencial é aquela que analisa o
espaço banal, como lócus da vida e da existência da sociedade, onde se expressa a
multiplicidade de saberes nela produzidos. Este se contrapõe ao espaço dos fluxos onde as
47
técnicas homogeneizantes do mundo globalizado se instalam. O espaço banal seria, assim, o
lugar do acontecer solidário, lócus da criatividade da vida diária.
Carlos (1996) amplia o conceito na perspectiva marxista ao utilizar a teoria de
Lefebvre sobre o urbano
16
, baseando-se nas lógicas de dominação e de apropriação do espaço
desenvolvidas pelo autor onde este é fruto tanto do modo de produção vigente quanto dos
modos de uso empregados pelas pessoas. Por isso, a autora não considera que as relações
estabelecidas no espaço não são exclusivamente econômicas e nesse ponto o lugar se revela,
pois o mesmo é definido na vida diária através da apropriação.
Para Carlos a cidade é construção humana e produto histórico-social. Trabalho
materializado que se relaciona ao homem e ao desenvolvimento da vida, que as
características materiais apresentadas nela são frutos do desenvolvimento das relações que os
homens estabelecem entre si na formação da sociedade. Segundo a autora, ao produzir sua
vida a sociedade não determina apenas um espaço, mas gera também uma prática sócio-
espacial que possibilita a apropriação da cidade.
Para a autora o lugar se revela no plano da moradia, do lazer e da vida privada,
incluindo tudo que se rebela ao poder da norma, a qual tenta enquadrar a vida nas relações
sociais de produção. Carlos destaca que até mesmo o uso do espaço é regulado pelo sistema
capitalista o qual aliena a maioria dos cidadãos das possibilidades de uso e vivências
oferecidas pelo espaço urbano. O uso é ressaltado como uma forma de apropriar-se do espaço
a partir da qual o lugar é produzido.
O lugar, assim, surge como expressão da singularidade, pois se cada lugar exerce uma
função imposta pela divisão espacial do trabalho ele também é fruto dos ritmos de vida e dos
modos de apropriação da sociedade, expressando seus projetos e desejos. É no lugar que as
pessoas se apropriam da vida e do espaço. De acordo com Carlos (1996, p. 20):
... o lugar é a porção do espaço apropriável para a vida apropriada através do
corpo – dos sentidos – dos passos de seus moradores, é o bairro, é a praça, é a rua, e
nesse sentido poderíamos afirmar que não seria jamais a metrópole ou mesmo a
cidade lato sensu a menos que seja a pequena vila ou cidade -
vivida/conhecida/reconhecida em todos os cantos.
16
De acordo com Lefebvre o urbano é um conjunto de relações que transcende a dualidade cidade – campo, onde
as distinções baseiam-se na contradição entre dominação - controle econômico e político do espaço- e
apropriação, processo pelo qual o espaço é conhecido pelos habitantes que o preenchem com seus desejos e
anseios. Carlos interpretando este autor considera que o lugar é a forma da sociedade urbana. Para Carlos (1997)
a sociedade urbana é comumente conhecida como globalização.
48
De acordo com Carlos (2004), o homem habita e se percebe no mundo a partir de sua
casa. É a concretização dos atos mais banais da vida que produz a identidade cidadão - lugar
que constrói a base da memória. O habitar é o fundamento da concepção de lugar da autora,
pois ele não é apenas a ocupação de um espaço na cidade, ele é um conceito baseado na
perspectiva de Heidegger que significa viver um modo pelo qual se está adaptado ao meio,
onde a vida humana está apoiada num passado e projetada para um futuro que dele se
alimenta e produz um significado, fruto do diálogo entre o meio social, ecológico e a pessoa.
Para a autora o espaço do habitar tem o sentido dado pela dimensão da vida que se
constrói nos gestos e atos cotidianos que dão sentido aos objetos. Segundo Carlos (2004, p.
119): “Aqui, o mundo humano é objetivo e povoado de objetos que ganham sentido a medida
que a vida se desenvolve, como modos de uso da casa, da rua, da cidade, formando, por
intermédio desta ação, um conjunto múltiplo de significados.” No entanto, as mudanças
freqüentes na metrópole a fim de atender as necessidades de reprodução do capital redefinem
o habitar do âmbito da mercadoria que o transforma em morar.
Segundo Carlos, a constante mutação destrói os referenciais, por isso, a cidade se
revela por meio dos trajetos que o indivíduo nela desenvolve. Esses articulam os lugares da
existência social. O cotidiano produz uma prática sócio-espacial que se revela uma categoria
explicativa da sociedade, pois ela é um dos elementos da tríade que torna a cidade ou partes
dela um espaço apropriado. As relações que permitem o desenrolar da vida cotidiana se
concretizam no lugar, neste a identidade se constrói e é fruto de uma identificação real.
O método da autora tem como característica a expansão da noção de produção do
plano estrito das mercadorias e do trabalho para a vida cotidiana - o lazer, o habitar e a vida
privada - apontando para o fato de o processo de reprodução das relações sociais se apresenta
de modo mais amplo do que as relações de produção. De acordo com Carlos (2004), o
capitalismo além de concretizar um espaço que permita sua reprodução, impõe também a
fixação de modelos de comportamento, sistema de valores e a constituição de um conjunto de
relações sociais em que todos os objetos são passíveis de troca e onde tudo pode tornar-se
mercadoria, transformando os gostos, os hábitos e as identificações a fim de alterar a prática
sócio-espacial.
As relações de apropriação, desta forma, são substituídas pelas relações de dominação
impostas pela acumulação capitalista, que tendo no espaço sua principal forma de reprodução
atual destrói as possibilidades de identificação do habitante com a cidade, produzindo o
distanciamento dos indivíduos em relação aos lugares. Os novos espaços produzidos pelas
49
práticas podem ser compreendidos como um não-lugar
17
, ou seja, aquele que impõe regras ao
seu uso, que não pode ser apropriado para a vida e para a significação do mundo.
Esses lugares produzidos pelo modo de produção não são identitários e não possuem
memória Também não são passíveis de apropriação; de consumo o que torna a identidade
do lugar não apenas abstrata, mas volátil que sua capacidade de permanência nos hábitos
das pessoas é mínima.
No entanto, a segregação sócio-espacial causada pela reprodução do modo de
produção capitalista que separa as pessoas no tecido da cidade através do consumo do espaço,
não é vista pela autora como um impedimento para a realização da vida cotidiana, pois
segundo Carlos os habitantes da cidade criam formas de superar a alienação causada pelas
transformações no espaço da cidade. A autora baseia-se em De Certeau para afirmar que as
pessoas não são passivas as mudanças, elas podem inventar formas de uso para se
reapropriarem do lugar, buscando novas referências, mas tendo as anteriores como
norteadoras (Carlos, 1996).
Segundo Carlos uma compreensão do mundo moderno a partir do lugar é possível
quando ele é visto em relação com processos mais amplos, pois nele pode-se se observar as
contradições existentes na sociedade urbana. O lugar permite desvendar a sociedade atual por
que aponta para o mundial e como construção social permite o viver, o habitar, o uso e o
consumo do espaço.
No lugar emerge a vida, posto que é ai que se a unidade da vida social.Cada
sujeito se situa num espaço concreto e real onde se reconhece ou se perde, usufrui e
modifica, posto que o lugar tem usos e sentidos em si. Tem a dimensão da vida.
Desperto por um sentido, sob o impacto da emoção, estimulado por um evento
pode-se apreender a dimensão da vida e o conteúdo do lugar, o que nos remete ao
nível do vivido como uma dimensão importante de análise pois é penetrado pelo
imaginário e pelo simbolismo (Carlos, 1997, p. 303-304).
A autora fazendo referência ao lugar numa concepção humanista onde os sentidos
podem alcançar a significação do mesmo, destaca que o olhar a paisagem sempre esteve
presente na Geografia como parte do método, mas destaca que a análise não deve se resumir a
observação
18
. Para explicar o lugar é necessário pensar o espaço como um todo e ter em
mente que o local é um momento da sociedade global. Em verdade a ressalva de Carlos é para
17
A afirmação da autora está baseada em Augé (1994) quando este analisa os empreendimentos presentes nas
grandes cidades que não possuem referências locais e que ao contrário do lugar antropológico, por ele definido,
não são relacionais, identitários e históricos. Exemplos citados pelo autor são os centros comerciais, os hotéis e
os aeroportos.
18
A crítica da autora dirige-se as descrições humanistas do lugar.
50
diferenciar-se dos humanistas, pois segundo ela para esta corrente o lugar é um fato isolado
que não se interliga com o resto mundo, ou nos termos da autora com a totalidade da
sociedade urbana. O lugar para Carlos é uma expressão observável da totalidade que não
elimina as particularidades.
A concepção de Carlos, mais abrangente que a de Santos, ainda que considere o
sujeito humano, com seus usos e apropriações, como elemento preponderante para a
constituição do lugar o encerra na materialidade das coisas. Segundo a autora, se se destrói
uma casa extingue-se a memória local com ela, fazendo sua perspectiva ser muito
internalizada e ainda que veja as relações com o mundo é a relação do lugar, como
concretude, e não das pessoas que preponderam. Segundo Carlos (1997, p. 304) “... o lugar
guarda em si e não fora dele o seu significado e as dimensões do movimento da história (...)
passível de ser apreendido pela memória, através dos sentidos...”.
1.5.3 O lugar das relações
Massey (2000), na tentativa de elaborar um conceito para abarcar a dinâmica de
mundo onde convivem diversas relações de espaço e tempo, propõe o lugar como ponto de
encontro entre redes de relações sociais construídas em escala maior que aquela onde se
expressam. A singularidade do lugar, se primeiro foi vista como local da identidade estável de
um grupo e depois como local de inserção da economia globalizada, nesta perspectiva passa a
ser vista como o ponto de contato entre diferentes forças oriundas da escala planetária e do
próprio lugar.
... o que dá a um lugar sua especificidade não é uma história longa e internalizada,
mas o fato de que ele se constrói a partir de uma construção particular de relações
sociais que se encontram e se entrelaçam num lócus particular (Massey, 2000,
p.184).
Desta forma, o lugar não terá um sentido único, compartilhado por todos, produzido
pela história interna, mas será permeado por conflitos que podem expressar distinções
culturais de raça, de gênero e de etnia se forem trabalhadas as percepções ou o que um local
foi, é ou deveria ser, tornando a proposta mais abrangente.
Segundo Massey o lugar é perpassado por um conjunto de relações que não são
estritamente econômicas, mas referem-se ao conjunto de relações sociais e culturais nas quais
51
as pessoas estão envolvidas em suas vidas. Cada sujeito move-se dentro desse campo de
forças a fim de constituir suas experiências de espaço.
A aceleração atual talvez esteja fortemente determinada pelas forças econômicas,
mas não é a economia que determina nossa experiência de espaço e lugar. Em
outras palavras e dito de forma simples, muito mais coisas determinando nossa
vivência do espaço do que o ‘capital’ (Massey, 2000, p. 179).
Para ela os lugares têm sentido, mas este deve ser repensado para que possa se
relacionar com o mundo. Segundo Massey, o lugar deve se adaptar a nova noção de espaço-
tempo e mais importante quando as pessoas pensarem seus sentidos de lugar devem ter em
mente os determinantes dos veis de mobilidade que influenciam seus sensos de lugar. A
mobilidade é pensada pela autora como uma forma de conectar-se aos fluxos globais, ou
como as pessoas estão inseridas mais ou menos nos circuitos globais de economia,
comunicação e cultura.
Massey operacionaliza análise dessa mobilidade através das “geometrias do poder
definido como as diferentes formas pelas quais grupos sociais e indivíduos posicionam-se nos
fluxos globais quem afetam e o que lhes afeta na constituição de seus lugares no mundo.
Essas geometrias indicam um conjunto de relações complexas que define o movimento, a
comunicação, o controle e a iniciação das pessoas diante da compressão espaço-tempo,
entretanto ela não deve ser vista pela dualidade de quem pode mais ou menos, mas deve-se
considerar que a ação de algumas pessoas pode enfraquecer a de outras.
As “geometrias do poder” são as relações, se pudéssemos traçá-las num plano
cartesiano, entre pontos distintos do planeta onde cada um influencia e é influenciado pelos
outros mais ou menos. E onde cada um pode relacionar-se infinitamente e em escalas
diferentes e nesse caso a comparação com o par ordenado é útil já que a noção de relação
prescinde da existência de pelo menos dois elementos. De acordo com a autora, essa
geometria de relações é que define o senso de lugar das pessoas, pois estas não são livres para
buscarem em si ou num lócus particular o sentido do lugar. O modo como as pessoas
significam, por viverem em sociedade, está sempre em relação com algo mais que elas
mesmas, nesse caso com o mundo.
Por isso, a autora questiona como com o movimento da compressão espaço-tempo e a
mistura que a mesma proporciona pode haver um sentido de lugar que se vincule apenas a
52
escala local. Para Massey a noção de que houve uma época em que o mundo era habitado por
comunidades coerentes e homogêneas que confundiam suas existências com a dos lugares é
insuficiente para compreender a fragmentação e a ruptura do momento atual. No entanto,
salienta que há lugares significativos mesmo quando se trabalha com a noção de globalização,
pois não seria possível viver num mundo onde as pessoas não tivessem valores e significados
a nortear suas vidas.
Para Massey todos os lugares possuem sentidos, produzidos nas vivências das pessoas
por mais diferentes que estas possam parecer entre si. E todas as pessoas têm necessidade de
uma ligação estreita com alguma coisa e os lugares são, em geral, os focos dessas ligações já
que neles os indivíduos vivem e imprimem seus anseios e desejos oriundos não de um
conjunto de valores internalizados, mas pelo conjunto de relações das quais os sujeitos
participam em suas “geometrias do poder”.
Todo lugar possui características próprias que o distingue dos demais, mas nem por
isso é necessário que as pessoas compartilhem de uma identidade constituída no local onde
coesão e coerência sejam os elementos fundamentais. Segundo Massey, as pessoas têm
itinerários distintos e realizam conexões, com o lugar e o resto do mundo, próprias de cada
um. E ainda que não faça referência direta a experiência, como construtora dos sentidos
locais, é nela que sua perspectiva se baseia. Ao afirmar que como as pessoas, os lugares não
possuem identidades únicas, destacando que cada sujeito se posiciona num campo de forças
do qual participa para organizar seus significados. “Se se reconhece que as pessoas têm
identidades múltiplas, pode-se dizer a mesma coisa dos lugares. Ademais, essas identidades
múltiplas podem ser uma fonte de riqueza ou de conflito, ou de ambas.”(Massey, 2000,p.
183).
Um lugar possui identidades plurais não pelo conjunto de relações que o perpassam
e o formam, mas também pelas diferentes vivências das pessoas. Cada sujeito ao vivenciar um
lugar pode ter dele uma impressão distinta e ao descrevê-lo terá seus desejos e valores
envolvidos, assim um lugar não é plural apenas pelas relações, mas também pelas
experiências.
Assim, quando Massey coloca que o lugar é fruto da inter-relação de diferentes escalas
ela não se refere apenas à economia, a política e a cultura em escala global, mas ao conjunto
de relações de poder com suas estruturas de dominação e subordinação que perpassam a vida
social, desde as relações de família ao modo de produção do capital. Em suma, o lugar é
produzido por um conjunto de relações mais amplas do que a escala local, sem se prender as
53
referências diretas, buscando articulação com as relações globais e, por isso, a singularidade
provém de várias fontes. Massey, por fim, destaca que o conceito progressista do lugar pauta-
se em três argumentos, os lugares são: processos, não possuem divisão demarcatórias, e não
têm identidades únicas e singulares.
Massey destaca a relevância do humano para a construção dos lugares e indica seus
três aspectos característicos numa época de compressão espaço-temporal que os desvinculam
da primeira acepção locacional. A autora de certa forma anuncia a construção de um lugar
como o lócus de expressão de uma identidade significativa e de ações imediatas, onde por não
ser delimitado espacialmente torna-se relacional.
Oakes (1997) fundamentado nessas proposições de um lugar relacional destaca que as
relações estabelecidas pelos sujeitos “... fazem o lugar ser mais uma rede dinâmica do que
uma localização ou sítio específico” (Oakes, 1997, p. 510). O autor destaca ainda a relevância
do sujeito para esse lugar que pessoas estabelecem relações sociais e á através delas é
que o lugar por ele interpretado toma forma. Por isso, ele radicaliza sua concepção sobre a
não necessidade de demarcação territorial, afirmando que a batalha das pessoas é para
significarem seus lugares tendo por base nada além de suas próprias crenças.
Ferreira (2000), partindo dessa perspectiva, ressalta que os lugares não podem ser
interpretados como frutos da luta contra a homogeneização imposta pela globalização,
devendo-se considerar as disputas incessantes estabelecidas pelos sujeitos para construírem
suas próprias espacialidades, ou seja, imprimirem seus próprios sentidos de lugar.
Este lugar “de disputas” envolve a materialidade do espaço e um sistema de
significados que sentido ao lugar, tornando-o parte de uma prática discursiva. Nele sempre
se fala, ou se significa, de arranjos de poder discursivos e simbólicos, pois nossas condutas
em relação ao lugar são reguladas e influenciadas pelos significados com os quais nos
posicionamos.
Assim, o lugar deve ser considerado produto de uma inter-relação de forças
econômicas, políticas, históricas e sociais para definir o sentido do espaço. Ferreira (2000, p.
80) comentado Oakes, destaca que o lugar é uma “luta para nos colocarmos como sujeitos da
história e da espacialidade”, ou seja, é uma luta para definir quais posições são assumidas
pelas pessoas ao identificarem e se identificarem com o lugar, tornando-o discursivo.
54
1.5.5 Formulando uma compreensão
É necessário destacar as contribuições das propostas anteriores para pensar um lugar
discursivamente constituído, pois a geografia humanista ao utilizar a fenomenologia
existencial como fonte de reflexão acerca do lugar proporá a discussão do corpo como fonte
de percepção e o mundo vivido como um ponto culturalmente estabelecido que delineia as
possíveis vivências das pessoas. Fatores resgatados nessa proposta discursiva do lugar, mas
sobre a visão de que o mundo vivido se forma através das incessantes disputas para definir
significados.
Buttimer destaca a fenomenologia como um desafio para o indivíduo, pois ao ter que
avaliar sua própria experiência torna-se sujeito da pesquisa que não se deixa apenas ser
interpretado pelo outro. Além disso, os fatores experiência e estabilidade ressaltada como os
fundamentos do lugar, segundo os humanistas, não podem ser mensurados pela geometria e
pelo calendário, mas apenas pela vivência das pessoas o que Buttimer (1985) chama de ritmo.
A experiência do mundo vivido seria descrita como uma orquestração de vários
ritmos mporo-espaciais; os das dimensões fisiológico e cultural da vida, os dos
diferentes estilos de trabalho e de nossos meios ambientes físico e funcional
(Buttimer, 1985, p. 189).
Observa-se, portanto, que este lugar discursivamente constituído une aspectos da
geografia humanista e da geografia crítica, pois alia a experiência humana de espaço,
referindo-se aos tipos de envolvimento das pessoas com o mundo, com as relações políticas e
econômicas, fazendo do lugar um centro de disputas de significados. Conectando tanto as
relações políticas e econômicas globais, quanto as experiências imediatas das pessoas na vida
cotidiana.
A proposta, também, mantém as proposições de Heidegger e Merleau-Ponty
19
acerca
da experiência humana de espaço, utilizada pelos humanistas. Porquanto, homens e mulheres
percebem o mundo com todos os seus sentidos construindo uma relação intersubjetiva
20
com
os lugares que habitam, destacando que corpo e cultura são constituídos nas relações sociais
19
O espaço vivido definido por Heidegger será trabalhado por Battimer e Merleau-Ponty com o corpo
cognoscente será discutido por Tuan, pois ainda que este autor não faça referências explicitas, ele sempre
trabalha o corpo e a mente como formas de acesso ao mundo.
20
A intersubjetividade é a relação que as pessoas mantêm com o meio ambiente onde vivem, é uma herança
sócio-cultural que as pessoas utilizam diariamente para exercer seus papéis no mundo.
55
de poder e, por isso, o lugar é um conjunto complexo e simbólico que pode ser analisado a
partir da experiência individual ou coletiva.
O significado das essências, então, será procurado no estudo da existência, porquanto
as experiências de vida serão enfatizadas ao se buscar os significados atribuídos aos lugares
nas ações que são desenvolvidas nos mesmos. Demonstrando que sujeitos que utilizam o
mesmo espaço podem ter nele vivências distintas, que suas expectativas e posturas podem
produzir distintas desenvolturas.
Buttimer e Tuan trabalharam com uma teorização geográfica das experiências de vida,
enfatizando, respectivamente, os aspectos culturais e corporais para a constituição dos lugares
e demonstraram como o espaço vivido se define numa relação entre mundo físico e sujeito,
onde a materialidade do mundo ganha sentido a partir da vida das pessoas. Acrescente-se a
esta proposição o fato de o lugar não ser o detentor da identidade, mas constituído de uma
identificação esboçada pelo grupo que o habita.
Segundo Ferreira (2000) não se tenta obter a posse da materialidade do espaço, nem a
delimitação de áreas de atuação de um grupo. A disputa é para definir o que ele significa,
tornando-o, assim, lugar. Destaca, ainda, que o significado é definido num campo de forças
produzido pelos embates entre diferentes sujeitos, onde cada um participa do jogo de
atribuição de valores e tenta constituir seu próprio lugar.
Ferreira entende o lugar como um discurso sobre o espaço. Sua proposta discursiva
destaca a incerteza do sentido dos lugares, revelando o fator humano como preponderante
dentro dessa análise, porquanto o campo de forças que gera os significados é volátil e pode se
modificar a cada situação, sem alterações nas estruturas físicas do espaço. Dar sentido,
portanto, é disputar com outros grupos e sujeitos o valor que se atribui aos lugares, é definir
um lugar e quais relações podem ser estabelecidas nele.
Essa proposta facilita a interpretação do lugar em espaços metropolitanos, onde a
diversidade de experiências de vida dos atores sociais e a coexistência dos mesmos criam
campos de forças que caminham paralelamente na construção dos significados. Essa
perspectiva, também, considera que o lugar não possui uma identidade única, pois os sujeitos
o vivenciam com suas identificações, imprimindo valores condizentes com suas posições
discursivas naquele momento.
As metrópoles vivem interações constantes entre global-local, moderno-tradicional,
verdadeiro-falso que as fazem ser os centros por excelência onde esses lugares discursivos se
56
revelam, porquanto os sujeitos presentes nas grandes cidades têm acesso a uma variedade de
discursos que lhes apontam diferentes identificações, as quais eles podem aderir ou negar.
A multiplicidade de identificações possíveis em contextos metropolitanos indica que
as relações que os lugares estabelecem com o mundo são essenciais no jogo de significados
onde qualquer pessoa pode se encontrar. Assim, mesmo que Buttimer
21
tenha em mente outro
contexto para sua colocação podemos interpretar através dela que toda identificação constrói
para si um lugar, seu local de repouso e de reconhecimento, o que se pode chamar de
“enraizamento dinâmico”
22
já que o sujeito está em processo.
O Benfica - situado em Fortaleza, próximo ao centro da cidade, local de ocupação
antiga, que guarda parte da memória arquitetônica da capital cearense, e de instalação do
Centro de Humanidades da UFC - contem em si elementos diferentes que o fazem despontar
no contexto da cidade como lócus de interações diferenciadas, onde o residencial, o comercial
e o universitário se encontram. Por isso, o Benfica é interpretado como cus onde diferentes
sentidos de lugar se entrelaçam, compostos nas relações estabelecidas entre os sujeitos nele
presente.
21
Buttimer (1985, p. 174) considera o lugar “um conjunto continuo e dinâmico, no qual o experimentador vive,
desloca-se e busca um significado. É um horizonte vivido ao longo do qual as coisas e as pessoas são percebidas
e valorizadas.”
22
Michel Maffesoli (1987) utiliza a expressão “enraizamento dinâmico” para indicar a possibilidade de mudança
na identificação por tribos. Ela é utilizada nesse texto por indicar a característica processual das identidades.
57
Capítulo 2 – Benfica: um Lugar Plural
2.1 Um pouco da História
A formação do Benfica tem relação com a história econômica, cultural e educacional
de Fortaleza. Nos anos 1920 com a recuperação da economia do estado, afetada pela seca do
início do século, houve uma mobilização das classes sociais mais abastadas em direção a
periferia do centro da cidade a fim de afastarem-se do comércio.
Esse movimento foi favorecido pelo conforto e rapidez proporcionados pelo sistema
de transportes com as linhas de bondes elétricos e automóveis particulares movidos à
gasolina
23
. Essa expansão nos espaços de morada teve preferências pela classe mais abastada
para o lado oeste da cidade com o bairro Jacarecanga e da classe média para o sul com o
Benfica na direção da estrada de Arronches, atual Parangaba.
O Benfica tinha a paisagem marcada por chácaras ajardinas com extensos
mangueirais, era considerado um bairro nobre de Fortaleza pelo porte das mansões e sobrados
existentes. Além de despontar no cenário local como ponto de lazer que nele estavam
presentes o Prado Cearense no qual semanalmente ocorriam corridas de cavalos e ao lado
deste um campo de futebol onde as equipes locais se enfrentavam.
Raimundo Girão (1959) destaca essa área da cidade no final do século XIX e início do
XX como local de chácaras com extensos pomares e casas recuadas que marcavam a estrada
usada para abastecer a capital com gêneros alimentícios trazidos do interior. As residências
em geral simples, apesar de amplas, marcavam o início do que se poderia chamar zona rural
de Fortaleza na passagem de um século a outro. “Algumas casas de chácara tinham aspecto de
chalé, com arremates de lambrequins nas beiradas. Uma delas, a do livreiro Gualter Silva, no
Benfica, figura numa das celebres fotografias da vida social do início do Século”
24
.
No livro A normalista, Adolfo Caminha
25
retrata a paisagem do Benfica no final do
século XIX e o que representava para os habitantes da capital usufruir de suas chácaras:
23
Segundo Costa (1988) ao implantar novas linhas de bondes os Estado direcionava o crescimento da cidade,
valorizando novos espaços ao torná-los acessíveis a população.
24
P.M.F. – Administração Lúcio Alcântara. Fortaleza – 1992 p. 74.
25
CAMINHA, Adolfo. A Normalista. Fortaleza: Ed. Ática, 1994.
58
Depois chegou a janela por onde entrava um arzinho puro impregnado de essência
de resedás. Defronte enchia a vista o verde sombrio de uma esplendida floresta de
cajueiros onde oscilavam pequeninos pontos amarelos e vermelhos quebrando a
monotonia da paisagem larga e igual, batida de sol. À direita, longe na esquina
de um grande sítio, passava a linha de bondes. E que frescura, dava vontade a gente
pecar muitas vezes por dia, como Adão no paraíso, ali assim, naquele pedacinho do
Ceará, sem seca e sem política, entretendo relações sentimentais com a natureza
agreste e sincera. (...) Escolhi este lugar por ser muito isolado da civilização.
Detesto o ruído da cidade... (...) o que eu quero é o sossego, o bem estar, o conforto
(...) (1994, p.58-59).
Na década de 1920 o destaque era a presença das chácaras de duas famílias ilustres. Os
Manços Valente com residência nas proximidades das caixas d’água de ferro que possuíam
como casa principal uma mansão de três andares de frente para a Avenida Visconde do
Cauípe, atual avenida da universidade, e duas casas menores direcionadas para a Tristão
Gonçalves pertencentes aos herdeiros da família. E a família Gentil que possuía a chácara de
maior dimensão na qual se localizava quatro mansões cuja principal era residência do
patriarca o Cel. José Gentil Alves de Carvalho localizada de frente para a Avenida Treze de
Maio onde na época entrava o bonde vindo do centro que ia para o Prado. Vizinhas a essa, na
direção da estrada de Arronches, estava a residência de sua filha Beatriz Gentil Campos, um
bangalô de aluguel onde residiu Aziz Kalil e próximo ao final da linha de bondes do Benfica
estava a residência de seu filho João Gentil, considerada a mansão mais moderna da época,
tanto que o presidente Getúlio Vargas hospedou-se nela durante a visita feita ao Ceará em
1935.
Na descrição do Benfica feita por Barroso (2004) em seu livro de memórias destaca-se
a diversidade da paisagem no início do século, pois enquanto o Jacarecanga apresentava
aspecto predominantemente aristocrático o Benfica se destacava pela pluralidade de tipos de
residências existentes. Além das mansões, havia tanto moradas com aspectos para a classe
média que ocupavam as vias principais, em geral próprias, quanto casas de aluguel para as
pessoas menos abastadas. De acordo com Barroso, as vilas estavam dispersas em toda a
extensão do bairro desde as proximidades da avenida Domingos Olímpio até o fim da linha de
bondes do Benfica.
Algumas vilas citadas por Barroso em seu livro O Benfica: de Ontem e de Hoje, são:
Vila Antônio de Souza, Vila Demétrio, Vila Apertada Hora, Vila Campelo, Vila Alegre, Vila
Arteiro e Vila Gentil. Essas se situavam nas ruas secundárias do bairro por trás das
residências mais requintadas e foram erguidas, segundo informações do livro a partir da
década de 1930 até 1940.
59
Essas informações apesar de apontarem aspectos gerais do local dizem pouco sobre o
bairro como lócus da vida. Onde pessoas habitam no sentido dado a essa palavra por
Heidegger de construir uma relação com o meio. Apesar de ser apontada como uma forma
ultrapassada de interpretação dos lugares por indicar uma relação de estabilidade com o meio,
pouco característica dos tempos atuais, ela oferece elementos para que se compreenda como
os sujeitos tornam espaços geométricos locais para se viver e conhecer. Além disso, todo
sujeito mantêm com os lugares uma relação intersubjetiva ainda que se ligue a aspectos mais
globais para a realização disso.
Por isso, verificar-se-á como as pessoas responsáveis pela história do Benfica o
tornaram o que ele representa hoje em Fortaleza, ouvindo suas vivências.
2.2 Vivências no bairro
... o bairro é quase por definição, um domínio do ambiente social, pois ele constitui
para o usuário uma parcela conhecida do espaço urbano na qual, positiva ou
negativamente, ele se sente reconhecido. Pode-se, portanto, apreender o bairro
como esta porção do espaço público em geral (anônimo de todo mundo) em que se
insinua pouco a pouco um espaço privado pelo fato do uso cotidiano desse espaço
(De Certeau, 1997, p. 40).
Como destaca De Certeau o bairro é um espaço vivido pelos cidadãos no qual eles se
sentem reconhecidos. Onde, diariamente, homens e mulheres através de suas atividades
rotineiras imprimem suas marcas no lugar, através das apropriações que realizam. A vivência
dos lugares torna-os conhecidos pelas pessoas, neles elas vêem parte de suas histórias, cada
esquina conta uma história de vida uma situação que marcará para sempre o local trazendo-o a
memória ainda que o mesmo não mais exista.
Muitos lugares por manterem suas particularidades ou manterem-se sem modificações
servem para guardar a memória de uma cidade. Outros, ainda que muito modificados, têm em
seus moradores o principal vínculo com o passado. Vislumbra-se por eles não só uma história
local, mas também as formas de apropriação. Os modos de vida e as relações sociais antes
estabelecidas servem para demonstrar as diferentes formas de se viver um lugar, pois não se
quer aqui acreditar que todos possam usufruir do espaço e ter as mesmas vivências nele.
Usar-se-á para apresentar o bairro, a visão de sujeitos que fazem de uma porção da
área urbana, um lugar vivido, ou seja, um espaço apropriado pelo corpo e pela vida (Buttimer,
60
1985). Local de caminhadas, brincadeiras de crianças, festas de aniversários e conversas com
vizinhos nos portões ao fim da tarde que dão sentido aos lugares e os sedimentam como parte
da própria existência dos sujeitos.
As falas dos moradores do bairro são de especial valor ao demonstrarem a
compreensão dos residentes que vivenciaram o processo de adensamento residencial com o
preenchimento de espaços vazios por residências de menor porte. E as mudanças ocorridas no
Benfica nas décadas de 1960 e 1970 com a inserção de atividades comerciais na avenida da
universidade e a instalação da Universidade Federal do Ceará – UFC.
As entrevistas expostas aqui são de moradores das vilas e casas simples existentes no
bairro, tendo em vista serem os mais antigos que foi possível encontrar. Estes residentes
talvez permaneçam no bairro pela falta de condições de terem migrado, como fizeram os mais
abastados, no início da década de 1940 para a Praia de Iracema e nos anos 70 para Aldeota,
Papicú, Meireles, Bairro de Fátima e outros.
Para descrever a história do bairro enfatizou-se os relatos orais justamente por serem
testemunhos subjetivos e pela relevância pessoal que a oralidade possui. Cada pessoa
descreve o que para ela é mais importante ser dito, ou o que em sua avaliação mais se destaca.
A escolha dos três depoimentos deu-se pela localização diferenciada da residência dos
entrevistados, demonstrando como determinados locais são mais ou menos valorizados de
acordo com a vivência de cada um.
Além disso, a oralidade põe vida na história, pois ela é construída em torno de pessoas,
transformando entrevistados em sujeitos, co-autores de um texto sobre o lugar construído em
suas vivências. Para Thompson (1992, p. 137) “A evidência oral (...), contribui para a
construção de uma história que não é mais rica, mais viva e mais comovente, mas também
mais verdadeira”.
As memórias dos moradores são destacadas por revelarem a construção do bairro
como lugar vivido, dando sentido ao que cartograficamente apenas delimita áreas
administrativas na cidade. As três entrevistas destacadas são de V.H.C. residente no bairro
desde que nasceu em 1937 na avenida da Universidade, 2226; L.A.C., 85 anos residente desde
1952 casa 256 na rua Marechal Deodoro e L.S. moradora da Gentilândia desde o final dos
anos 30 à rua Padre Francisco Pinto, 42.
61
A avenida onde reside o sr. V.H.C. é a principal via de acesso ao Benfica desde o
surgimento do bairro no final do século XIX, pela relevância dela iniciar-se-á por esta
entrevista.
O senhor reside no Benfica há quanto tempo?
Desde que nasci, na casa 2226 na antiga rua do Benfica que depois mudou para Visconde do
Cauhype. Essa casa pertence a nossa família a mais de 100 anos. O número era 226 e com o tempo
passou para 2226 e, atualmente, é a chamada avenida da Universidade.
O senhor pode falar um pouco sobre o Benfica nas décadas de 50 e 60?
O Benfica era uma avenida, Boulevard Visconde do Cauhype, mais larga tranqüila arborizada de
Benjamins de um lado e do outro lado da rua tinha o trilho dos bondes e era de mão dupla. Ida e
volta para a Parangaba, naquela época era abastecida de gêneros pelos carroceiros, porque não
existia ônibus para Parangaba.
O Benfica começava na igreja dos remédios, perto da casa do Gentil onde é a reitoria, e dali para
frente era a avenida João Pessoa. O Benfica tinha algumas casas bonitas, de famílias de destaque,
com poder imobiliário grande, mas pouco dinheiro, e todos eram felizes e não sabiam.
A avenida da Universidade tinha a família Gentil e perto das caixas d’água tinha a família Manços
Valente, muito religiosa. O Benfica teve grandes colégios, na João Pessoa ainda resta o colégio
Juvenal de Carvalho, e de para tinha o Ginásio Americano para moças abastadas de classe
média alta e na esquina tinha o colégio da d. Osmerinda para moças que faziam o ginasial o Colégio
Santa Cecília, onde hoje é o museu da universidade. Tinha o Grupo Escolar Rodolfo Teófilo, onde
hoje é a faculdade de economia da UFC. Esse era um grupo onde as grandes famílias matriculavam
seus filhos.
Eu lembro da d. Iaiá Montenegro que pesava 200 Kg, como não tinha ar-condicionado a mesa dela
ficava na porta de entrada, tinha a d. Mimosa cuja pedagogia era muito evoluída para época, era a
chamada palmatória que abriu a cabeça de muita gente para colocar a matemática dentro. Irmãos e
irmãs minhas aprenderam assim.
Tinha também o Ginásio Santa Maria, das irmãs Ferreira Lima, até hoje Fortaleza precisa prestar
uma homenagem a essas professoras abnegadas. Infelizmente, elas não fizeram sucessoras e
venderam por pouco mais ou nada seu prédio para a reitoria da universidade.
Como era a vivência das pessoas?
Era um congraçamento, não havia clube, o que tinha aqui perto era o Maguary meu pai era
contribuinte. As pessoas eram fraternas, por exemplo, a família do meu pai era do interior e quando
chegavam às frutas minha mãe levava para as vizinhas como uma forma de fraternidade. Existia
como não existe mais a cadeira na calçada, com a evolução e a peste de lacerdinhas, espécie de
lendias, que caiam nos olhos e faziam arderem. O prefeito mandou cortar os Benjamins e as famílias
se recolheram. A gente ficava esperando o bonde passar. A gente quando menino pegava bochecha
nos bondes da Light e nas carroças e quando eles viam a gente se soltava, os meninos jogavam bolas
de meia, que não existia bola de borracha, e quebrava a vidraça das casas. Aqui passava o bonde do
Prado e o do Benfica, no Prado, onde é a escola técnica hoje, tinha corrida de cavalos e por trás
tinha o campo de futebol.
Tinha padarias. A Padaria Americana do sr. Josué que distribuía para quem fosse comprar o pão de
manhã cedo, principalmente para os meninos, bolachas como prenda para conquistar o cliente. O
menino que ia comprar o pão que custava 800 réis ficava com 2 tonis e ainda ganhava a mão cheia de
bolacha. Tinha também o sr. Síberio Abreu ali vizinho a Casa Amarela do meu antigo colega de
Colégio Cearense Eusélio Oliveira.
As pessoas andavam a pé. Só tinha as duas caixas de água de ferro.
A lembrança que eu tenho é da minha meninice. Os Mansos Valente eram milionários, hoje a casa é
ocupada pela irmandade de Santa Rosa dos Enfermos, meu avô contava que eles colocavam dinheiro
para levar sol porque estava mofado. Eu assisti o patriarca chegava com aquele cuecão dele arriava
a calça e sentava para não tirar o vínculo da calça, ninguém reclamava a igreja era dele.
[...]
Como o senhor vê o Benfica hoje?
62
O Benfica está se descaracterizando no sentido familiar, as pessoas que ainda permanecem
proprietárias dos imóveis desde a minha época são poucas, talvez sejam umas três, a maior parte ou
virou funerária ou loja de máquinas, lanchonetes em frente à faculdade. As pessoas ou venderam
ou estão vendendo, elas ficaram acuadas com o progresso, hoje essa avenida que era mão dupla é
mão única e não consegue comportar os carros que passam aqui diariamente.
O que o senhor acha que caracteriza o Benfica hoje, porque muitos ainda o consideram um bairro
familiar?
Não é não, esses apartamentos você não sabe nem quem é o vizinho. Tem muitos edifícios. E a
quantidade de sedes de partidos políticos, aqui é o PT estadual, aqui é o PT municipal e lá na frente o
gabinete do Pimentel. Tem a associação dos aposentados da reitoria e na frente umas casas velhas,
ou estacionamento de carros.
26
O sr. V. H. C. destaca em sua descrição do bairro a paisagem da avenida Visconde do
Cauhype e o cotidiano dos moradores. Ele revela o aspecto predominante da mesma durante
sua infância e aponta as mudanças que para ele hoje transformaram o bairro num local
estranho. Primeiro, o problema com os insetos e a perda da sociabilidade existente entre os
moradores com o recolhimento para as casas quando não havia a sombra das árvores para
permitir o encontro entre os vizinhos. Segundo, a venda das residências para o comércio ou
para a universidade que afastou os antigos conhecidos e transformou a avenida em eixo
comercial com a existência de alguns poucos condomínios residenciais os quais são
considerados pelo entrevistado locais impossíveis de se estabelecer relações de vizinhança.
O entrevistado não determina o período em que as mudanças no bairro começaram a
ser sentidas, mas por suas colocações observa-se que durante os anos 70 a paulatina inserção
de atividades comerciais na avenida da Universidade e o crescimento do fluxo de automóveis
e ônibus vindos da periferia de Fortaleza são os responsáveis pelas mudanças apontadas.
A ênfase do sr. V.H.C. nas memórias de sua infância e a comparação com a situação
atual da avenida revela que as opiniões acerca do passado sempre levam em consideração o
presente vivido dos sujeitos, pois este é avaliado a partir dos significados sedimentados pelo
tempo. Bosi (1994, p. 20) destaca que “Lembrar não é reviver, é refazer. É reflexão,
compreensão do agora a partir do outrora; é sentimento, reaparição do feito e do ido, não sua
mera repetição”.
Assim, lembrar é agir, o modo de lembrar tanto é social quanto pessoal, pois a medida
que a pessoa lembra ela particulariza a memória comunitária, fazendo com que fique apenas o
que significa. Por isso, as lembranças não seguem o tempo convencional, elas surgem na
narrativa de acordo com a importância dada a elas pelo narrador (Bosi, 1994).
26
Ver figura 01 no anexo.
63
A história do lugar é, portanto, avaliada a partir da própria história pessoal, de acordo
com Thompson:
Quando idosos dizem que se divertiam mais quando crianças, ou que os vizinhos
eram mais amigos naquele tempo, podem perfeitamente estar avaliando de maneira
adequada sua própria vida, quer as crianças de hoje achem, ou não os vizinhos
igualmente amigos. De maneira semelhante, os historiadores esquecem com muita
facilidade que a maioria das pessoas está menos interessada nos anos do calendário
do que em si mesmas, e que não organizam suas memórias demarcadas por datas
(1992 p. 179-180).
O sr. V.H.C. destaca a av. da Universidade em sua narrativa, já d. L.A.C. ressalta a rua
onde residiu e seus vizinhos, referindo-se a avenida, tão importante para o outro entrevistado,
apenas pelo atropelamento de seu filho que a faz recordar do perigo proporcionado a
população pelas vias de transporte
27
. Bosi (1994) destaca que os lugares trazem consigo as
marcas do acontecimento e, por isso, nas narrativas eles têm evolução contraditória e
ambígua, mudando a medida que contêm a densidade da história pessoal.
A descrição do bairro feita d. L.A.C. residente à rua Marechal Deodoro distingue-se
do julgamento do sr. V.H.C. Para ela as mudanças foram necessárias para o progresso do
Benfica na cidade, avaliando que o mesmo não se descaracterizou completamente.
A senhora pode descrever como era o Benfica quando a senhora chegou aqui?
A rua aqui era da forma como é hoje modificando algumas casas, a minha aqui foi mudada, eu fiz
com a pretensão de morar muitos anos. Essa rua não tinha alinhamento no meio do quarteirão
tinha uma residência fora do alinhamento. Aqui era um bairro calmo e com boa vizinhança, ainda
hoje é.
Não o último, mas um dos últimos a morrer foi o sr. Francisco Abreu, que, justamente, era o dono
dessa casa aqui da esquina parecida com a minha, hoje os irmão venderam a outro irmão que fez esse
prédio ai que tem o nome de Francisco Abreu. Nessa rua tinha muitas fábricas de rede muitas
famílias fabricavam redes, até pouco tempo. Aqui tinha muito menino, eu tinha 10, qualquer
coisa menino aqui chovia, era uma animação. As crianças brincavam muito e eu mesma cheguei a
contar 40 crianças brincando aqui nesse terraço. Eles faziam jogo de bola de todas as modalidades.
Hoje eu encontro meninos que moraram aqui ou que foram meus alunos.
A senhora comprou o terreno e construiu a casa?
Não, a casa era alugada. Esse quarteirão até o meio e daqui até a Senador Pompeu era da família
Gentil, da Gentilândia. Com o tempo as casas foram modificadas, com o tempo foram construindo
os prédios, algumas partes foram alteradas, mas continua aquela amizade e confiança. Tem até uma
parte interessante que diz “Quem é de Benfica fica”. Eu pelo menos estou com 56 anos aqui no
bairro e acredito que só saio quando falecer.
Aqui sempre teve animação, a Cachorra Magra (bloco de pré-carnaval) pelo menos, é aquela
animação do coração que alegra a vizinhança. Aqui é um bairro saudável.
[...]
A senhora pode descrever como era o Benfica quando a senhora chegou aqui?
27
De acordo com Jucá (2003) a avenida visconde do Cauípe e sua continuação a João Pessoa nos anos 50 era
conhecida como “avenida da morte”, em virtude dos acidentes ali registrados.
64
Tudo muito simples. Depois de criada a universidade foi um progresso muito grande para o Benfica,
as vias de transporte causavam muita morte, inclusive um filho meu foi atropelado aqui nessa avenida
(avenida da Universidade). O Benfica eu não vou dizer que é o bairro mais nobre, mas é o mais culto.
A cidade era pequena, aqui depois dessa Mercedes Benz (em direção ao leste) era matagal tinham
umas casas bonitas, mas era uma aqui e outra lá longe. Essas ruas que você vê foram o progresso, as
coisas eram muito distantes. Eu lembro que eu lecionava no Paulo VI e depois ia para a Parangaba,
porque quando eu passei para professora adjunta fui para a Parangaba a gente tinha que correr.
Hoje minha neta que trabalha em Maracanaú diz que em 20min chega lá.
[...]
A senhora lembra de seus vizinhos mais próximos?
O sr. Araújo que era meu vizinho era bancário quando eu cheguei ele não era novo. Ele era um pouco
surdo e quando abria a radiola dele era música para o quarteirão todo, ninguém reclamava, a
vizinhança era muito boa. Tinha o sr. Garcia que era da polícia, tinha a família Ellery, tinha a
Violeta do sr. Ribamar. Todo esse povo cresceu mesmo.
A descrição que faz da rua onde reside é semelhante as declarações de Barroso (2004).
Este caracteriza a rua Marechal Deodoro como lócus de intensa atividade fabril, tanto pela
presença de pequenas manufaturas onde se produzia tangas para redes quanto pelo trabalho
desenvolvido nas residências para fabricar tranças, punhos e varandas. Ainda que a
entrevistada não descreva as casas da rua deduz-se que a vizinhança era composta por
residências simples.
Ao ser entrevistada d. L.A.C. informou não ter muito a falar sobre o bairro que
havia chegado nele com 29 anos de idade vindo do Piauí, trabalhou fora como professora em
escolas de ensino fundamental e médio na capital e possuía dez filhos. Segundo ela, seu
tempo para “reparar” nas coisas que ocorriam e nos detalhes da rua onde reside era limitado.
Seu momento de interação com o lugar eram os fins de tarde em que seus filhos com as outras
crianças da rua brincavam em frente a sua residência. Por isso, observa-se na sua narrativa do
lugar uma interseção constante com fatos de sua vida, evidenciando mais que nas outras a
relevância da história pessoal para as lembranças e a importância que as mesmas recebem.
Ao narrar à história do bairro ela fala constantemente de sua experiência pessoal como
professora e depois cita a situação do bairro e da cidade. Sua fala destaca o imbricamento
entre o pessoal e o social na constituição das memórias sobre o lugar. Fatos da vida
corriqueira das pessoas ou acontecimentos trágicos são usados para significar a concretude da
cidade. É a partir deles que o bairro adquire sentido.
Barroso (2004) dedica um capítulo de seu livro para a Vila Gentil, acredita-se que pela
dimensão e pela diversidade dos imóveis ali erguidos. Estes abrigaram a classe média
emergente, composta por profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos comerciantes
65
e famílias com menor poder aquisitivo. A Vila fora projetada pelo engenheiro Armando
Campelo sob encomenda do Cel. José Gentil.
O conjunto de casas erguidas para aluguel e para a morada dos funcionários do Cel.
José Gentil atualmente é conhecido em Fortaleza como Gentilândia. Apresentava-se como
condomínio fechado dentro do Benfica, pois seus moradores dispunham de sistema de fossas,
abastecimento de água e fornecimento de luz cedida pelo locador. O primeiro conjunto de
casas a ser construído foi na rua Redenção datadas de 1931, posteriormente foram construídas
as vilas internas, totalizavam quatro, e as ruas com residências de melhor acabamento e maior
espaço interno.
As vilas internas, Santa Cecília, Santa Rita, Santa Luzia e Santana, eram compostas
por casas de quatro compartimentos com um pequeno quintal, na frente das mesmas havia
largos destinados ao usufruto dos moradores. Havia, ainda, uma vila externa denominada
Santo Antônio, composta por vinte e duas casas pequenas, onze em frente a praça José Gentil
e onze em frente a praça da feira da Gentilândia. Essas casas eram do tipo intermediárias entre
as de melhor acabamento destinadas a classe média e as residências mais simples destinadas
aos funcionários da Imobiliária Gentil S.A e do Banco Frota & Gentil.
As casas erguidas nas ruas, Nossa Senhora dos Remédios e Valdery Uchoa, por
exemplo, possuíam melhor acabamento com espaços ajardinados, janelas laterais e quintais.
Nessas residências mais requintadas moravam filhos e netos do sr. José Gentil os quais ao
casar eram presenteados com uma das melhores casas da Vila Gentil. Esse fato serve para
ilustrar o diferenciado poder aquisitivo das pessoas residentes no local.
Os funcionários públicos muitos do Banco do Brasil
28
, considerado um dos melhores
empregos na época, residiam na mesma área urbana que os funcionários da administradora da
vila, a Imobiliária Gentil S. A. Esta mantinha bombeiros e eletricistas residindo no local para
prestarem serviços de reparos nas residências e nas ruas, sempre que fosse necessário.
D. L.S. moradora do local desde o final da década de 1930 ao fazer suas colocações
acerca do local onde reside destaca a diversidade de imóveis existentes no bairro, apontando a
diferença entre os tipos econômicos que outrora se estabeleceram no bairro.
Do Benfica eu não sei muita coisa. Quando eu vim morar aqui era um bairro de casas muito bonitas,
com famílias da alta sociedade, meus avós moravam aqui, a família Sabóia. Eles moravam ali onde
28
Informação cedida por d. L.S. em sua entrevista a fim de destacar o nível dos residentes locais.
66
tem o observatório na UFC, porque meu avô, João Thomé, fazia uns estudos sobre chuva. Eles saíram
quando a universidade comprou, depois acabou o bairro do Benfica, porque as pessoas que têm mais
posses podem fazer maior esforço pelo bairro.
Quando instalaram a universidade eles compraram a residência do José Gentil, principal pessoa
daqui, porque ele foi o fundador da Gentilândia, proprietário de todas as casas. Eu lembro que cada
rua era um tipo de casa, era um bairro de classe média alta, pelo menos uma parte dele. A vila era
muito bonitinha. foi instalado abastecimento de água pela CAGECE depois que a Gentilândia foi
vendida, porque a água você tinha junto com o contrato de aluguel, em algumas ruas existia uma
placa com a frase “Vila Particular”. Aqui onde tem essas casas (quarteirão formado pelas ruas João
Gentil, Padre Francisco Pinto e Walderi Uchoa) era uma praça que tinha o nome de Parque
Gentilândia e do lado (rua Paulino Nogueira) tinha um clube. Eu não lembro do clube porque
quando eu vim para já tinha acabado, mas lembro da piscicultura, tinha engenheiro agrônomo.
Essa praça era arborizada com banquinhos.
Lembro que aqui tinha muitas sedes de times de futebol, a Gentilândia era muito bonita. As casas hoje
são melhores, mas era muito bonita.
Eram excelentes residências, algumas pelo menos, porque tinha um conjunto de casas melhores e
essas ai (referindo-se as casas da rua João Gentil) casas bem precárias, elas tinham uma torneira,
depois que eles venderam as pessoas reformaram, tinha também outras casas modestas. Mas para
você ter uma idéia Demócrito Rocha morou aqui numa dessas casas que ficam de frente a praça
(Walderi Uchoa).
Essa minha casa aqui não foi construída pelo José Gentil, nessa rua foi construído até esse ponto
comercial da esquina, onde hoje é o Bar do seu Chagas. Porque aqui tinha pontos comerciais, ele
queria fazer tudo aqui, comércio, lazer, ele queria construir uma mini-cidade.
Aqui, aos poucos, as coisas foram se transformando, por exemplo, aqui do lado da minha casa é uma
empresa de ar-condicionado, mais na frente tem o CEFET, teve colégios. Todo mundo que
morou na Gentilândia não esquece acha que foi o melhor tempo, porque é considerado um bairro
dentro do Benfica, tem gente que diz que não é Benfica, mas é.
A gentilândia, para d. L.S., se destaca como local de recordações mais vivas. Lugar
onde as vivências fazem as lembranças aflorarem com mais vivacidade e mesmo não estando
presente em seu discurso sobre o bairro de forma clara ela aponta a Gentilândia como mais
importante que o Benfica, ainda que neste tenha residido parte da elite econômica do estado e
algumas das casas mais luxuosas das primeiras décadas do século XX estivessem. Para a
entrevistada o fato de a Gentilândia ter sido planejada e, por vezes, apontada como o
“primeiro bairro” destinado a abrigar uma classe média que despontava no cenário urbano dá-
lhe destaque.
Além disso, o apego ao vivido no lugar se destaca, como se cada rua ao mesmo tempo
em que representasse um modelo de imóvel a ser alugado, se referisse a algum ex-morador.
As lembranças de como era a Gentilândia do começo
29
sobressaltam na memória da
entrevistada, pois ainda que não descreva detalhadamente as características físicas do local
sempre se refere a ele como algo muito bonito e bom de ser lembrado.
29
Expressão usada por d. M.L.L. em sua entrevista residente no bairro desde 1932, atualmente reside na rua
Santo Antônio.
67
A expansão da Vila Gentil foi planejada por seu proprietário em todos os detalhes. As
residências projetadas por ele para as famílias de maior poder aquisitivo não possuíam
garagem porque havia um quarteirão destinado a elas na Gentilândia para que a entrada de
carros na frente das residências não prejudicasse a beleza arquitetônica do conjunto.
A preservação das frondosas mangueiras que compunham sua chácara quando da
construção da vila é outro fator apontado como diferencial desse espaço no Benfica. O
periódico O Povo, ao noticiar o falecimento do comerciante, em 12 de março de 1941 destaca
a criação da Vila Gentil e as preocupações urbanísticas de seu idealizador: Amigo de
Fortaleza construiu dentro da capital uma cidade moderna, higiênica e aprazível, aquela que
lhe tem o nome. Encantado pela paisagem, perdia horas noturnas diante de uma planta de
construção, dedicado a estudar o meio de poupar as árvores”.
A permanência de árvores no meio de algumas vias que cortam o bairro é um destaque
no cenário. D. M.L.L. destaca que a preocupação não era apenas preservar as árvores, mas
que os moradores zelassem por elas: aqui e acolá ele botava uma placa numa mangueira
dizendo: podem os senhores inquilinos usarem as frutas, mas sem estragarem as
mangueiras”.
Dos quatro espaços verdes deixados para o usufruto dos moradores apenas um era
praça, denominada Parque Gentilândia. Ocupava metade do quadrilátero formado pelas ruas
Padre Francisco Pinto, João Gentil e Valdery Uchoa, pois a outra parte, na extremidade da rua
Paulino Nogueira, era ocupada pelo Centro de Piscicultura de Fortaleza coordenado pelo
Instituto Federal de Obras Contra as Secas, IFOCS. As outras três praças existentes eram
terrenos de areal usados pelos garotos como espaço para jogar futebol.
Nesse período a Gentilândia despontava no cenário de Fortaleza como o local
adequado para a residência de pessoas com poder aquisitivo elevado, ainda que não
representassem a elite local. A organização com que os serviços eram oferecidos aos
residentes fazia com que fosse reconhecida dentro da capital como um dos melhores locais
para se estabelecer, pelo menos para os que podiam pagar o valor exigido pelos imóveis.
Jucá (2003) aponta o precário sistema de saneamento de Fortaleza na década de 40 era
muito precário e mesmo na Aldeota que começava a despontar na época, junto com a Praia de
Iracema, como bairro elegante o fornecimento era falho, causando imensas reclamações dos
residentes. E destaca a Gentilândia como um dos locais onde havia a tentativa de superar o
fornecimento irregular através da extração de água do subsolo da Vila serviço implantado pela
68
Imobiliária Gentil. No entanto, no restante do Benfica diversas ruas não eram atendidas.
Talvez por isso nas descrições que as mulheres fazem da Gentilândia sempre salientam o
fornecimento de serviços precariamente prestados pelo poder público que não eram tão
intensamente sentidos.
D. L.S. fala do abastecimento de água e D. M.L.L durante sua entrevista destaca o
fornecimento de luz pela imobiliária que funcionava das seis às dez da noite que para sua
família era muito importante primeiro porque seu irmão mais velho estudava a noite e isso
dava mais segurança para a família e segundo porque era costureira. Certa vez ela comentou
comigo sobre a aflição de sua mãe quando o boato de que a imobiliária venderia as casas
começou a circular por não saber onde arranjariam um lugar descente para morar, ou pelo
menos oferecesse os serviços de energia elétrica e saneamento com a mesma regularidade.
Mesmo que para os diferentes tipos de residências houvesse distinção no serviço como propõe
D. L.S. ao indicar a presença de um ilustre para a cidade, residindo num bairro onde algumas
casas só possuíam uma torneira.
Pessoas ilustres da classe média cearense lá estabeleceram residência. Demócrito
Rocha, famoso jornalista, residiu na rua Waldery Uchoa o que para os moradores menos
abastados era motivo de orgulho.
O entrevistado e as entrevistadas residem em diferentes pontos do Benfica e nas
descrições deixam escapar as formas diferenciais pelas quais os locais que habitam foram
tocados pelas mudanças. Dos relatos percebe-se que a casa e as imediações são os locais de
referência para expor as impressões e as lembranças de cada um. Tanto que d. L.S. informa
não saber muito sobre o Benfica, mas descreve com detalhes a Gentilândia considerada por
muitos de seus moradores um bairro autônomo.
Por não viverem o bairro integralmente, mas apenas partes dele, os moradores usam os
julgamentos de uma área particular para caracterizar o todo. Como propõe Tuan (1983, p. 89):
As emoções começam a dar cor ao bairro inteiro recorrendo e extrapolando da
experiência direta de cada uma de suas partes - quando se percebe que o bairro tem
rivais e que está ameaçado de alguma forma, real ou imaginária. Assim, o
sentimento afetuoso que se tem por uma esquina expande-se para incluir a área
maior.
Halbwachs (1990) coloca que quando o grupo se insere numa parte do espaço ele o
molda a sua imagem, não só pelas construções e monumentos erguidos que resistem ao tempo
e fundam certa inércia do espaço, mas pelo traçado, no sentido de escrita, de cada pessoa e da
69
coletividade no lugar, o qual não é ocupado, é também marcado pelo sentido que o torna
inteligível. Para esse autor, nenhuma memória é unicamente individual ela foi moldada no
fluxo da vida e das relações sociais e, portanto, carrega em si a marca da coletividade. Desta
forma, cada fala representa uma parte da memória coletiva do lugar.
Na fala dos moradores percebe-se um pouco da atual paisagem, pois a partir da
descrição que cada um faz de suas experiências pode-se verificar a diversidade do cenário do
Benfica.
Isso não quer dizer que o bairro não foi atingido pelas mudanças que Fortaleza passou
para chegar a ser metrópole. As mudanças na cidade foram sentidas no Benfica, primeiro, a
migração dos moradores mais abastados para áreas da cidade que passavam a representar o
status social de seus residentes. O crescimento urbano que o tornou um dos bairros
residenciais mais próximos do centro da cidade e a avenida da universidade uma das
principais vias de acesso, conduzindo pessoas do distrito de Parangaba e adjacências para o
centro de Fortaleza. O crescimento do número de carros e ônibus a circular por essa avenida é
outro fator relevante para o bairro como um entrevistado indicou de alguma forma o trânsito
foi responsável pela mudança nas relações de vizinhança que se estabeleciam antes.
2.3 Quando Chega a universidade
Na década de 1950 o campus da Universidade Federal do Ceará, UFC, foi instalado no
Benfica para reunir as unidades de ensino superior dispersas na capital. Instalada em 26 de
junho de 1956 a universidade motivou as primeiras modificações físicas na estrutura do bairro
ao adquirir as mansões que compunham o cenário local. A principal delas, residência do Cel.
José Gentil, foi ampliada e tornou-se sede da reitoria.
A universidade adquiriu imóveis em toda a extensão do bairro, mas concentrou seu
campus nas proximidades da Gentilândia em virtude de lá estarem às residências de maior
porte que ofereciam área suficiente para as instalações da UFC. Os prédios onde hoje estão
instaladas as Casas de Cultura francesa, britânica e alemã eram as residências de Bráulio
Lima, Tomaz Pompeu Magalhães e Francisco Queiroz Pessoa. O interior dessa área onde está
instalado a Biblioteca do Centro de Humanidades e os cursos de pedagogia e letras era a
Chácara de D. Dagmar Barroso com frente para a rua Marechal Deodoro. Do outro lado da
avenida estavam as residências de Antônio Gentil, substituída pelo Centro de Esportes
70
Universitários – CEU e pelo prédio do Centro de Aperfeiçoamento de Economistas do
Nordeste, CAEN. E a Vila Angelita como era conhecida a casa de João de Thomé Sabóia da
qual ainda resta seu observatório, para estudos que realizava sobre as chuvas no Nordeste,
ocupado pelos Centros Acadêmicos de Comunicação e Psicologia.
Após a treze de maio estava o colégio Santa Cecília e a chácara do dr. Edgar de
Arruda, ocupados, respectivamente, pelo Museu de Arte da UFC e pela rádio universitária que
preservou a residência do médico. A reitoria é fruto da ampliação do palacete de José Gentil a
partir da demolição de duas residências pertencentes ao mesmo. Por fim, onde hoje é o
Departamento de Ciências Sociais estava a residência de João Gentil.
As mudanças na paisagem do bairro com as demolições e as novas funções impostas
aos prédios que foram conservados marcam os primeiros câmbios no bairro. Segundo o sr.
Francisco Barroso as possíveis transformações que viriam junto com a universidade
assustavam os moradores do Benfica em geral. E para a Gentilândia em particular que
nessa área ocorreram a maior parte das aquisições e, portanto, as mudanças foram sentidas
mais rápido.
Houve, ainda, resistência à instalação da universidade no bairro por seus moradores
considerarem o contexto social do mesmo, completamente residencial, inadequado para
acomodar uma instituição desse porte. No entanto, foram as mudanças quanto ao uso do
espaço no cotidiano dos moradores, nas práticas de lazer, o principal motivo de resistência.
Tendo em vista a ocupação das áreas verdes e, sobretudo, o loteamento da única praça
existente no local, o Parque Gentilândia
30
.
De fato houve uma reação, porque os moradores do Benfica em geral e da Gentilândia, que ainda
hoje se conserva com aspecto residencial, mas no Benfica também eram residências, não existiam
esses prédios comerciais, os comércios da época eram poucos. Então, havia quem não quisesse que
um órgão dessa natureza ocupasse aquele espaço, mas não me lembro quem eram as pessoas que se
movimentaram, apenas houve na época quem lembrasse o cuidado com que o coronel José Gentil
procurava conservar a natureza, houve ocasião em que ele mandou que desviasse o muro para evitar
derrubar uma árvore. na Gentilândia lugares em que o muro ia fazia uma volta para desviar de
uma árvore e ainda existem hoje árvores no meio da rua. Na pracinha a resistência foi maior, porque
a pracinha era da imobiliária tudo era do coronel José Gentil, mesmo a praça José Gentil da caixa
d’água era da imobiliária, a praça da feira era da imobiliária, mas acontece que por causa da
destinação do resto do terreno aquela pracinha era como se fosse comum, a pracinha tinha os
passeios era calçada, enquanto que a praça que resta hoje (João Gentil) era um areal, a pracinha era
calçada com um tijolo de ladrilho, ali bem pertinho da esquina do Bar do Beto ainda tem calçada com
esse tipo de tijolo é um tijolo de barro feito aqui no Siqueira. Era uma pracinha feita a propósito para
servir de recreio para os moradores, a resistência maior foi ao loteamento dessa quadra.
O que se esperava é que o lugar ao invés de ser vendido fosse aberto, ao invés de ser permitida a
construção daquele prédio da residência universitário que fica na Paulino Nogueira, ali ficasse tudo
30
Ver figura 02 no anexo.
71
uma praça só, as pessoas queriam era isso e no momento a imobiliária não quis fazer acordo... loteou
aquela praça, loteou o terreno da Vila Santa Cecília e vendeu o terreno da Santa Rita, as casas foram
todas demolidas.
[...]
O loteamento do parquinho e do terreno da Santa Cecília é que foi combatido, aquilo tinha sido
deixado de propósito, não estava especificado na escritura, mas as pessoas sabiam que o fato de
terem adquirido casa, porque as casas, primeiro, foram alugadas e depois vendidas, dava direito à
utilização daquele terreno
31
.
A resistência dos moradores ao loteamento das referidas praças pode ser interpretada
como uma forma de manter os laços sociais estabelecidos que o loteamento do Parque
Gentilândia, única praça que de fato havia no bairro, romperia o hábito dos moradores de irem
caminhar e conversar na praça. Esses atos são responsáveis pela constituição dos laços de
vizinhança e dos valores, hábitos e atitudes dos moradores em relação ao lugar onde viviam.
O bairro não é apenas local de residência é espaço de morada, onde a vida se desenvolve e,
por isso, é parte da própria existência das pessoas.
A resistência dos moradores ao loteamento da praça demonstra mais que um cuidado
com a paisagem e organização do bairro o receio pela mudança nas relações entre os
habitantes e a reivindicação pelo direito de uso dos espaços verdes deixados pelo Cel. José
Gentil quando planejou a Vila. Ao descreverem o bairro as pessoas associam as práticas aos
lugares onde se desenvolvem. Segundo Tuan (1980) todo lugar agrega um conjunto de
práticas sociais que lhe caracterizam formadas na relação entre os habitantes e entre estes e o
lugar.
Ao lembrarem do passado as pessoas sempre fazem referência aos lugares porque
estes sempre estão associados a práticas. Na descrição do bairro os lugares reportam a rotina
dos moradores, a qual é responsável pelas relações sociais que os habitantes do local mantêm
entre si e com os demais. O apego ao lugar aqui se expressa pela forma carinhosa com que os
entrevistados referem-se ao Benfica e as emoções acarretadas por esse ato durante o diálogo.
Uma entrevistada diz que as mudanças foram mais importantes para as pessoas que
residiam no Benfica, pois as residências adquiridas e demolidas pela universidade situam-se
nesse bairro
32
. No entanto, as principais mansões adquiridas situavam-se na Gentilândia, área
que segundo ela não foi muito afetada, demonstrando que mesmo sendo marcos de
31
Francisco de Andrade Barroso, escritor. Residiu no Benfica na avenida Carapinima.
32
Essa entrevistada faz uma diferenciação entre o Benfica e a Gentilândia, apontando esta como um bairro
dentro do bairro.
72
suntuosidade e esteja na memória dos moradores como símbolo de status do local não
permeia as lembranças declaradas com mais apego.
Nas conversas informais com os moradores eles apontam com orgulho a sede da
reitoria, informando as modificações pelas quais passou para ser o prédio que é hoje, mas não
se detêm nele como marco de sociabilidade ou lugar vivido.
A maioria dos entrevistados aponta mudanças pouco significativas no bairro após a
chegada da universidade, os comentários a esse respeito são bastante sucintos, ao contrário do
que acontece quando se referem à história do Benfica e aos espaços usufruídos rotineiramente
pelos moradores.
(...) depois que criaram a universidade a Gentilândia ficou mais valorizada ainda, todo mundo queria
morar aqui, porque ficava perto da universidade. Meus sobrinhos se formaram aqui. Valorizou muito.
33
............................................................................................................
Mais para o Benfica [refere-se às mudanças advindas com a universidade] por que eles compraram as
casas, muitas pessoas nem queriam vendê-las, depois foi quase tudo para o Pici. Eles tinham um
plano de comprar a Gentilândia derrubar e fazer a universidade aqui, algumas vilas foram
compradas, ali onde é o Banco do Brasil hoje, tinha duas vilas a Santa Cecília e a Santa Luzia, e
compraram ainda duas casas. A vida propriamente não mudou, mas eu era garota, talvez não saiba
avaliar o impacto, mas aos poucos foram criadas as residências de estudantes, hoje mesmo vem esse
pessoal da África para cá. O movimento aumentou de carros, de pessoas.
34
Para os moradores mais antigos a universidade parece não ter cambiado os hábitos que
marcavam a vida diária, para os mais jovens ela trouxe mudanças que não interferiram no
curso normal da vida das pessoas.
Entretanto, partimos do pressuposto de Sahlins de que as mudanças sempre ocorrem
levando em consideração a estrutura de conceitos anteriormente existentes, não uma
ruptura total com as velhas estruturas para a implantação de outras. Elas se imbricam e se
relacionam ainda que não se confundam. Para o autor, uma relação entre o sentido cultural
e a referência prática, um diálogo simbólico entre a ação e o conjunto de significados que lhe
dão sentido. Segundo o autor (1999, p. 181):
No final, quanto mais as coisas permaneciam iguais, mais elas mudavam, uma vez
que tal reprodução de categorias não é igual. Toda reprodução da cultura é uma
alteração, tanto que na ação, as categorias através das quais o mundo é orquestrado
assimilam algum novo conteúdo empírico.
33
D. M.L.L.
34
D. L.S.
73
Desta forma, a medida que os habitantes do bairro conduziam suas vidas baseados em
seus conceitos de vizinhança e de sociabilidade também ocorriam câmbios, paulatinos, que se
acomodavam nos interstícios, nas brechas abertas pelos novos usos. Talvez imperceptíveis
para eles e, por isso, seja difícil citar as mudanças ocorridas.
Naquela época já chamavam Gentilândia e parecia um bairro dentro de outro bairro. Porque a
Gentilândia é um bairro dentro do Benfica, por imposição de seus moradores, porque não tem nada
oficializado.
Em 1966 criou-se a primeira residência universitária. O presidente Castelo Branco veio inaugurar, a
praça aqui foi fechada para receber essa figura.
Com o tempo o bairro foi crescendo e muitos movimentos surgiram nos bares que ficavam nas
redondezas. Eu lembro de um grupo musical que surgiu na faculdade de arquitetura, no bar do
Nonato. Tudo acontecia aqui na Gentilândia, inclusive fatos políticos.
[...]
Antes tudo se voltava para o P.V. Antes era o Prado, onde é o CEFET hoje, depois para o P.V. Mas a
universidade mudou tudo isso, primeiro com a quadra do Céu e depois com a concha acústica.
Aconteciam os jogos universitários e reunia muita gente. Isso marcou muito a época. A mudança no
bairro foi espetacular. Além das residências universitárias outras casas começaram a receber
estudantes. Hoje, as pessoas fazem quitinetes e alugam.
Nós podemos considerar, hoje, a Gentilândia uma espécie de cidade universitária.
Como era o Benfica na época que o senhor era adolescente?
Eu costumo dizer que os anos de ouro são os anos 60, pois tudo se modificou nele, muitos falam dos
anos 50, mas para mim é 60. Pelo menos aqui as mudanças de hábito foram nessa década. Naquela
época nosso divertimento era dançar e jogar futebol, os rachas nos campo e as tertúlias dos fins de
semana...
E aqui na Gentilândia como era, com a inserção dessas pessoas de fora que vinham para cá?
Mudou muito os hábitos, porque a partir do momento que os jovens entravam na faculdade eles
passaram a ser bons partidos, o casamento era visto como uma coisa boa. A quadra do Céu, na época
de jogos as moças usavam aquilo para freqüentar e conhecer pessoas que vinham de outros bairros.
Antes da Universidade era uma coisa mais pacata, o diferencial eram os jogos no P.V... Basicamente
os grandes eventos eram em função do P.V.
Os jogos mudavam muito o bairro?
Mudavam. Quando nós não podíamos ir aos jogos, por falta de dinheiro, a gente ficava em cima do
muro vendo as pessoas irem para o estádio. O estádio lotava e as torcidas rivais gozavam umas das
outras, mas era uma coisa saudável não era como hoje. Era um grande acontecimento.
[...]
As pessoas começaram a se desligar do futebol, porque passou a existir outros eventos como o futebol
de salão na quadra do Céu e lutas de vale tudo, no que a gente chamava de Getulinho, era uma
quadra sem coberta com uma pequena arquibancada, porque ainda não havia o Aécio de Borba.
[...]
A universidade foi uma sensação e depois dela as coisas que foram surgindo pareciam não ter tanta
importância, ainda que hoje a importância dela tenha diminuído.
Talvez porque ela já tenha sido incorporada ao cotidiano de quem está aqui?
É ela foi incorporada e, por isso, a gente não observa tanto. A universidade é um pedaço do bairro,
ela está incorporada ao sistema, como uma coisa nossa.
35
35
Sr. C.S. corretor de imóveis reside no Benfica, na área da Gentilândia, desde que nasceu. Faz questão de
explicar que morou vários anos no Rio de Janeiro, mas em nenhum momento esqueceu seu vínculo com o bairro.
74
A entrevista citada acima se destaca pela relevância atribuída a universidade para
caracterizar o bairro, principalmente, quando o sr. C.S. indica a década de 1960 como período
das mudanças de hábito no Benfica, momento posterior a instalação da referida instituição de
ensino. Talvez porque nesse período ele tenha rompido os limites de uso do espaço que, em
geral, até a pré-adolescência localiza-se nas imediações da casa e, portanto, tenha usufruído
experiências diferentes atribuídas a universidade.
O Benfica antes reconhecido pela sua característica residencial e desportiva passou a
ser visto como bairro universitário e muitas das residências antes ocupadas por famílias
passaram a ser residência de estudantes oriundos de cidades do interior e de outros Estados.
Se antes essa era uma prática incipiente, atualmente, parece ser uma das características do
bairro como aponta o entrevistado ao considerá-lo uma “cidade universitária”.
O bairro, segundo o entrevistado, era um local calmo onde a rotina era quebrada pelos
jogos no Estádio Presidente Getúlio Vargas, P.V. Contudo à medida que a universidade ia se
integrando ao bairro as pessoas se desligavam do futebol, não de forma completa, mas podiam
experimentar outras formas de diversão disponibilizadas pelos novos equipamentos. Outras
modificações apontadas são os passeios das moças nos jogos universitários para conhecerem
rapazes, que ao ingressarem na faculdade eram considerados bons partidos”, e os bares que
passaram a comportar antigos e novos freqüentadores trazidos pela dinâmica da universidade.
Para o sr. C.S. o Benfica é um lugar de memória, um dos bairros mais tradicionais de
Fortaleza caracterizado sobretudo pelas partidas de futebol no Estádio Presidente Vargas e
pela presença da universidade. Como destaca o residente antes os acontecimentos no bairro
ocorriam em função dos jogos no estádio que transformavam o cotidiano dos habitantes, mas,
paulatinamente, a universidade instala a partir de seus equipamentos uma dinâmica que se
entrelaça a precedente.
Apesar disso o entrevistado compartilha com outros residentes a opinião de que o
Benfica é tradicional pela resistência à venda dos imóveis e a conservação das relações de
vizinhança. Como se os novos sujeitos tivessem sido assimilados pelos moradores sem haver
uma adaptação destes ao novo contexto do bairro.
A tradição evocada pelos antigos moradores em suas colocações parece isenta de
qualquer mudança, como se o fato de terem experimentado um novo contexto não os levasse a
reavaliar, ao menos, suas noções de sociabilidade. De acordo com Sahlins (1999) os conceitos
culturais são reavaliados na ação, a cultura quando exercida pelo grupo tende a ser repensada.
75
No caso do Benfica, a permanência de antigos moradores e a inserção de novos sujeitos
atuantes e pensantes abrem um diálogo entre o discurso sobre o bairro residencial que
preserva a memória local e o discurso do bairro cultural criado pelos novos usuários a partir
dos elementos pré-existentes.
Todo conceito cultural é, portanto, reavaliado no mundo real e sofre determinações do
contexto. O esquema cultural é posto numa posição duplamente perigosa. Objetivamente,
porque as situações reais podem colocar o significado em perigo, ou seja, contradizer o
sistema simbólico. E subjetivamente, porque o signo tem um valor, fixado no sistema cultural,
determinado pelo interesse do sujeito ativo (Sahlins, 1999).
As mudanças sobre o sentido que o bairro adquire podem ser observadas sobre esse
duplo perigo. A instalação da universidade insere novos sujeitos no cotidiano dos moradores,
estes são levados a reavaliar seus conceitos sobre a sociabilidade, podendo mesmo ter
produzido a idéia de resistência a qual os mesmos tanto se referem. Os novos sujeitos atuantes
no bairro ao se inserirem no contexto precedente reavaliam o discurso produzido pelos
moradores de acordo com seus próprios interesses.
A tradição reivindicada é reavaliada pelos novos usuários ao vivenciarem o Benfica.
Essa reavaliação ainda que não se expresse abertamente nas posições de seus moradores deixa
claro que a inserção da universidade no bairro trouxe modificações na vida diária. Ao realizar
as entrevistas sobre o Benfica para obter informações tanto sobre a história do bairro quanto
sobre a visão atual que os moradores possuem dele percebi que estes evitavam falar da
universidade durante a década de 1960.
C.S. foi único entrevistado que falou sobre esse período, mas apenas indicou a atuação
política de estudantes na quadra do CEU, próxima a reitoria. Dois residentes, antes de iniciar
a entrevista, pediram para não serem indagados acerca do período da ditadura militar. De
alguma forma o receio em falar sobre esse período atrela-se ao medo gerado na época pela
repressão. No entanto, comecei a imaginar que poderia haver elementos relevantes nesse
período, pois era a década posterior a instalação da UFC no bairro e mudanças na
sociabilidade ou nas visões que as pessoas possuíam de seu local de morada poderiam ser
reveladas. Além disso, como destaca Thompson (1992) em relatos orais a omissão também é
uma forma de comunicação, pois o sujeito pode esquivar-se de perguntas que lhe tragam
lembranças ruins. No entanto, o contato mais contínuo do entrevistador com as pessoas ou
uma situação inusitada pode fazê-las falar sobre assuntos antes evitados.
76
Foi o que ocorreu na entrevista de d. L.A.C., ao indagar acerca do período posterior à
instalação da universidade ela apenas informou que a parte do bairro onde se concentra os
equipamentos da UFC, Gentilândia, foi a que mais se desenvolveu. Neste momento, seu filho
F.C. interrompe a entrevista e diz que a mãe tem muito mais a dizer, percebendo a relutância
de sua genitora ele inicia uma descrição sobre o bairro na década de 1960.
Como foram as mudanças a partir da década de 60, pelo que dizem Fortaleza cresceu a partir de 60?
A Gentilândia cresceu porque tem as faculdades ali perto.
A gente era criança e eu me lembro disso. Por ser um bairro onde as universidades foram criadas,
onde é o Shopping Benfica era a universidade de engenharia, a faculdade de economia, a reitoria, o
Céu e a quadra onde eram disputados todos os jogos universitários. Pelo bairro ter concentrado essas
faculdades, antes o bairro era chamado de Campus do Benfica e depois que criaram o Campus Pici
parte dos cursos migraram para lá.
Minha mãe passou por toda essa fase de movimentação a 50, 55 anos atrás. Nessa rua a gente teve
até presos políticos eu não vou falar quem eram porque não compete a gente. Mas a cultura
Benfiquiana faz com que a gente não esqueça o passado. Quando você me perguntou com quem
poderia falar sobre a história do bairro e eu lhe indique minha mãe foi porque do número 256 até o
número 54
36
uma das pessoas mais antigas e vividas no bairro é ela. Nós tínhamos outras pessoas,
mas já faleceram.
Nós somos um bairro brincalhão, as pessoas aqui gostam de cultura, é o maior bairro do mundo. Ele
concentra universidades, associações, blocos culturais etc.
Então d. L.A.C a senhora pode continuar falando sobre a década de 1960?
Mamãe, ela quer que a senhora fale do movimento estudantil.
Quanto a isso eu vi muita pancadaria. Mas isso foi para o progresso.
A senhora pode descrever uma dessas situações?
Eu lembro que a gente ficava na rua brincando e minha mãe colocava a gente pra dentro de casa
enquanto passava.
Mas é como eu disse fazia parte do bairro.
As concentrações eram na Faculdade de direito?
Não, era em muitos lugares aqui no bairro. Mas como a avenida da Universidade, a Marechal
Deodoro e a Senado Pompeu eram ruas mais centrais as pessoas vinham correndo por ela.
A senhora lembra dessas situações?
Eu lembro que tinha cuidado com os meus para que nada acontecesse. Foi um momento difícil.
Ao indicar os cursos localizados no Benfica tenta demonstrar a importância da
universidade para o bairro ainda que a maioria dos cursos hoje se concentre no Campus do
Pici. O entrevistado comenta sobre o período da ditadura militar e revela em seu depoimento a
importância da presença da UFC para a constituição da memória coletiva do lugar ao informar
as concentrações de estudantes que ocorriam na Faculdade de Direito, no CEU e nos jardins
da Reitoria.
Nesse momento o sr. F.C. aponta que a cultura do bairro está atrelada a presença da
universidade e, por isso, os fatos relacionados ao momento político citado não podem ser
esquecidos. E ainda que não sejam feitas referências diretas, nesse momento o Benfica deixa
36
Rua Marechal Deodoro.
77
de ser interpretado como essencialmente residencial para ser descrito como local de
relevância cultural e política na capital cearense. Tendo em vista que a Faculdade de Direito
instalada no bairro desde 1938, só se destaca para o residente neste momento.
Até mesmo o pedido dos moradores para não comentarem sobre essa década, antes
que eu iniciasse a entrevista, demonstra a mudança sofrida pelo bairro. Como se o período
anterior caracterizado pelo predomínio familiar e o posterior qualificado pela irradiação de
cultura para Fortaleza pudessem ser interpretados sem a interseção que os moradores não
desejam citar.
Após o termino da entrevista com d. L.A.C., o sr. F.C. acompanhou-me a residência
de um morador antigo do local que segundo ele eu poderia entrevistar com grande proveito
para minha pesquisa. No caminho ele me falava do medo que sua mãe e outras pessoas que
viveram a época tinham de falar desse momento, descrito por ele como marcante para a
história do bairro. Ele ainda insistia que sua mãe tinha muito mais a dizer, pois como era
criança lembrava de pouca coisa, mas sua mãe sempre fazia comentários com ele e seus
irmãos sobre as situações vistas por ela.
A partir do que podia lembrar ele comentou que a melhor caracterização para os
momentos de concentrações de estudantes no bairro era “quebra-quebra”, pois mesmo não
compreendendo o que ocorria presenciava da janela de sua casa a fuga dos estudantes
37
. Para
d. L.AC. a movimentação vista no Benfica nessa época foi importante para uma
transformação da situação política do país e interpretando suas palavras, “...fazia parte do
bairro.”, ou seja, não eram acontecimentos esporádicos.
Ainda que utilizado para compreender mudanças culturais o conceito de evento como
Sahlins (1999) o usa serve para pensarmos as transformações de significados que o bairro
adquiriu a partir da UFC, pois a instalação dessa instituição de ensino é interpretada aqui
como o evento que marca não apenas a inserção de novos sujeitos capazes de significar o
lugar a partir de suas experiências, mas, também, como o momento em que os próprios
residentes reavaliam os sentidos atribuídos ao Benfica.
37
Em 25 de junho de 1968, o jornal Gazeta de Noticias o confronto entre policiais e estudantes universitários na
praça José de Alencar, informando que um estudante que conseguiu furar o cerco da polícia ao tentar entrar na
residência universitária na avenida da universidade . 2132, foi atingido por dois tiros disparados por policiais.
Fato que causou medo e pânico entre os moradores locais.
78
De acordo com Sahlins (1999, p. 191) um evento é a relação entre acontecimento e
cultura, ou seja, é o significado que um fenômeno adquire em um determinado sistema
simbólico.
Um evento é de fato um acontecimento de significância e, enquanto significância, é
dependente na estrutura por sua existência e por seu efeito. ‘Eventos não estão
apenas ali e acontecem’, como diz Max Weber, ‘mas têm significado e acontecem
por causa deste significado’. Ou, em outras palavras, um evento não é somente um
acontecimento no mundo; é a relação entre um acontecimento e um dado sistema
simbólico.
A instalação da universidade pode ser interpretada como acontecimento culminante
para modificar a definição do bairro de residencial para tradicional. Ressalte-se que a
modificação apontada não se de uma vez ela ocorre à medida que o Benfica vai sendo
reconhecido como universitário pelos novos sujeitos e pelos moradores antigos, sem excluir o
antigo reconhecimento. um passado no presente, ou seja, as coisas preservam uma
identidade na mudança para que as pessoas possam continuar a reconhecerem-se nelas
(Sahlins, 1999).
Segundo Sahlins, a significância transforma o acontecimento em uma conjuntura fatal
e nesse caso as entrevistas revelam que a inserção da universidade, paulatinamente,
transforma os sentidos atribuídos ao bairro por seus moradores, fazendo-o ser reconhecido
como bairro universitário onde esta instituição de ensino representa uma das principais
características.
A entrevista de V.H.C. se comprada às entrevistas anteriormente citadas revela as
formas diferenciais pelas quais um acontecimento pode ser interpretado. Ele não destaca a
instalação da universidade no Benfica como fato importante para diferenciá-lo de outros
bairros de Fortaleza, discordando da escolha para a instalação da UFC, mas ao mesmo tempo
demonstra que ela trouxe modificações que o descaracterizam.
O sr. Lembra da época que instalaram a universidade aqui?
A instalação se deve a luta dos políticos como Paulo Sarasate, Otávio Lobo e quem pegou a
carruagem andando foi o Martins Filho. Foi o poder político eles angariaram recursos junto ao
governo federal para instalar, mas quem mais conseguiu dinheiro foi Paulo Sarasate. Eles
encamparam as faculdades que existiam e criaram outras.
Houve mudanças na vida das pessoas que residiam aqui quando universidade se instalou?
Houve por que ela desalojou muitas pessoas, saiu comprando casas e certas pessoas que viviam bem,
porque os melhores bairros eram Benfica, Jacarecanga e Aldeota eram bairros nobres. Saiu
comprando casas que valiam 100 mil reais eles avaliavam por 10 mil, mas de qualquer maneira a
universidade foi um marco muito grande para o desenvolvimento do Ceará.
Como ficou o Benfica depois da universidade?
79
Melhorou muito começaram a vir estudantes do interior. Eu vejo passar por aqui pessoas que podem
ser bestas, mas não são burras porque conseguiram um lugar, estão estudando.
O senhor lembra de fatos do movimento estudantil na década de 1960?
Lembro. Tinha aqueles que enxergavam um pouco mais, mas tinha aqueles que bagunçavam
quebravam cadeiras e nisso eu não vejo sentido. Os próprios estudantes hoje participam das greves
por melhores salários. Eles interditavam salas de aula.
[...]
A presença da universidade não acaba diferenciando o Benfica dos outros bairros de Fortaleza?
Na movimentação, mas como a gente sabe estudante não gera riqueza. No meu tempo até para ir para
a faculdade você tinha que ter um terno e um sapato por mais pobre que fosse. Não que eu seja
saudosista, mas aquela época era melhor, hoje os alunos vão vestidos de qualquer forma e os
professores também. O mérito do Martins Filho foi ter se cercado de pessoas que queriam trabalhar e
esses nunca aparecem nas homenagens.
Cada uma das entrevistas citadas apresenta elementos diferentes em relação a
instalação da Universidade Federal do Ceará, apresentando que a experiência sobre a
instituição é diferenciada de acordo com o local onde os entrevistados residem. Eles
apresentam elementos que para cada um marca a acomodação dela e que lhes foram mais
relevantes por suas experiências de vida. Augé (1994) comenta que o passado sempre é
avaliado tendo-se em consideração o presente e, portanto, cada uma das falas transcritas
também representa uma opinião sobre o presente e a relevância atual da universidade para os
moradores.
Bosi (1994) afirma que as lembranças, também, têm relação com a posição do sujeito
na sociedade, a atuação das pessoas na escola, na família, na igreja, sua profissão e classe
social, pois interfere no que é lembrado e na importância dada aos acontecimentos. Por isso,
cada uma das pessoas que fala sobre esse acontecimento revela um pouco de sua vida e de sua
atuação no bairro. Sr. Francisco Barroso têm na área da Gentilândia, segundo coloca, parte
das melhores lembranças de sua mocidade quando era presidente do Gentilândia Esporte
Clube, o sr. C.S. em sua adolescência viveu a universidade como algo além do espaço familiar
que a casa e as ruas próximas representam.
As declarações do filho de d. L.A.C ajudam a compreender afirmações feitas por ela
que até então pareciam não ter sentido na entrevista. Ela no período destacado, por exigência
do governo estadual, ingressara na universidade a fim de obter um diploma de nível superior
para continuar lecionando. Três filhos seus na mesma época
38
entraram na faculdade e
passaram a ter mais participação política e, por isso, ela destaca o zelo pelos seus.
38
D. L.A.C e o filho F.C. não souberam precisar a data em que ela e seus filhos ingressaram na universidade,
mas supôs que fosse ao início da década de 1970.
80
A escolha do bairro para a instalação da instituição pode ser compreendida quando se
observa que na segunda metade da década de 1950 o Benfica era um dos bairros mais centrais
de Fortaleza, com bom serviço de transporte e saneamento básico, possuindo espaço para a
instalação da instituição visto ter sido composto quando de sua formação por chácaras que
ocupavam grandes extensões. Isso se verifica quando se avalia a instalação das unidades
concentradas e os prédios que anteriormente ocupavam a área: o Departamento de Ciências
Sociais, onde esteve a residência de João Gentil; a reitoria que ocupa o lugar de três
residências, duas demolidas para a ampliação do prédio; o Centro de Humanidades - 1 que
preserva três residências e adquiriu uma chácara que ficava de frente para a Marechal
Deodoro; e o Centro de Humanidades - 2 onde havia duas residências.
De acordo com Vasconcelos Júnior (1999), o Benfica, diferente de outros bairros de
Fortaleza outrora nobres, não sentiu tão intensamente a desvalorização de seu espaço a partir
da migração dos moradores representantes da elite econômica do estado para a Praia de
Iracema e Aldeota, por causa da compra das residências pelos moradores, principalmente na
área da Gentilândia, como o fator que permitiu ao bairro manter uma dinâmica diferenciada
na cidade. Motivando a representação do Benfica como local de memória onde se
estabelecem práticas de resistência em relação à modernidade.
Entretanto, indaga-se qual o papel da universidade para a constituição do Benfica
como bairro tradicional, considerando que pela fala dos moradores o estabelecimento da
universidade é visto como o acontecimento que reestrutura o bairro e dá-lhe destaque como
um dos mais tradicionais e culturais de Fortaleza.
As mudanças, sucintamente, apontadas servem para ilustrar que o Benfica não ficou
imune as transformações pelas quais a cidade passou para tornar-se Fortaleza como a
conhecemos hoje. No entanto, o que se quer destacar é que a universidade além de causar
modificações no espaço construído do bairro ao adquirir residências antigas, demoli-las ou
refuncionaliza-las, trouxe consigo um conjunto de atores que se integraram ao bairro
constituindo um cenário diferenciado em Fortaleza.
Imóveis erguidos durante a terceira e a quarta década do século XX, ainda podem ser
vislumbrados no bairro com modificações realizadas para acolher as novas necessidades.
Algumas residências tornaram-se pontos comerciais ou associações de classe para atender ao
novo contexto em que o bairro está inserido.
81
A inserção de atividades comerciais que não estão destinadas a suprir as necessidades
dos moradores é uma das principais mudanças apontadas por eles, pois de acordo com os mais
antigos predominava a função residencial e o comércio local destinava-se a atendê-los. A
atividade educacional é apontada por eles como uma característica desde tempos presente
que o Colégio Santa Cecília, o Ginásio Americano, Grupo Escolar Rodolfo Teófilo, o
Colégio das irmãs Ferreira Lima etc. estavam no local, antes da universidade que acabou
comprando os prédios onde esses funcionavam.
As diferentes falas demonstram que as experiências de lugar são localizadas e quando
eles apontam que as modificações se deram mais num ponto do bairro do que em outro
parecem querer manter o que acreditam ser o diferencial dos locais onde estão estabelecidos.
Se não consenso nem entre os moradores quanto ao sentido do bairro e as mudanças pelas
quais passou pode-se imaginar que ao considerar um conjunto maior de atores, cada um pode
atribuir diferentes sentidos ao lugar, os quais não são menos verdadeiros do que os
estabelecidos pelo tempo de residência, apenas deles se diferenciam.
2.4 Tradição, Cultura e Liberdade: elementos para pensar o bairro
Cada pessoa ao contar a história do local onde vive anos acaba imbricando o que o
bairro foi com o que ele é hoje (Halbwachs, 1990). Não se pode pensar o Benfica como
exclusivamente residencial, como fica subentendido em alguns depoimentos, nem que ele
perdeu completamente as características que um dia o identificaram na cidade, fazendo os
antigos viverem do passado. uma relação entre os dois, o novo não exclui o pré-existente,
ele o redefine e o incorpora. Ao conversar com freqüentadores e moradores
39
percebi que
usavam, constantemente, as palavras tradicional e cultural para caracterizar o Benfica e
quando perguntava por que esses dois adjetivos eles respondiam por causa dos moradores e
da universidade”.
Ao verificar o resultado dos questionários por mim preenchidos numa fase preliminar
de pesquisa onde havia uma pergunta na qual era pedido que fossem indicados os aspectos
39
Alguns moradores durante as entrevistas também indicaram o Benfica como um bairro cultural e apontaram a
universidade como a responsável por essa característica, mas só depois que perguntava abertamente se eles assim
o consideravam e de afirmarem sua tradicionalidade.
82
que caracterizariam o Benfica, as opções mais assinaladas foram tradicional e cultural
40
.
Muitas pessoas ao responderem perguntavam se podiam assinalar mais de uma alternativa,
quando lhes dizia que sim elas comentavam que todos os aspectos adequavam-se ao Benfica,
e pediam para que eu assinalasse a ordem de importância por eles informada. Desta
“importância” destacaram-se os aspectos anteriormente citados, como primeiro e segundo
elementos indicados, respectivamente.
Tendo em vista o conjunto de informações obtidas com os questionários percebi que
moradores apresentavam a tradição como principal elemento, indicando as relações de
vizinhança como ponto mais importante para a tradicionalidade do bairro. Freqüentadores
indicavam o aspecto cultural que em suas colocações muitas vezes se imbricavam com o
tradicional, como se eles fossem dois componentes do mesmo sentido.
O aspecto cultural apontado nos questionários destaca a universidade como lócus de
produção de cultura que se irradia para o restante de Fortaleza, diferenciando o Benfica de
outros bairros da capital cearense. Inclusive pela universidade encontrar-se dispersa de forma
que moradores e freqüentadores possam compartilhar do que a instituição produz. Esses
aspectos são ressaltados quando se observa a tentativa de implantação de projetos que
visavam tornar o bairro um pólo cultural em Fortaleza.
O primeiro, consta no Plano Diretor do Campus Universitário da UFC de 1982 o qual
previa o deslocamento das atividades de administração e ensino localizadas no Benfica para o
campus do Pici. De acordo com o plano, neste bairro permaneceriam as atividades de cultura
e extensão promovidas pela universidade, concentrando-as nas áreas do CH1 E CH2.
Inclusive a reitoria tornar-se-ia pólo cultural com uma área ocupada pelo Diretório Central
dos Estudantes, DCE. O plano visava corrigir o que fora apontado como erro no primeiro
plano de desenvolvimento da universidade datado de 1966, onde a descentralização do
campus predominava, que as atividades estavam dispersas por toda a extensão da Avenida
da Universidade.
O plano de 1982 aponta como problemas para o desenvolvimento da UFC no Benfica
o fluxo intenso de carros, fato que não ocorria durante a instalação, e os problemas com o
abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica. Além da proximidade do centro ser
um impedimento para a ampliação das atividades necessárias a academia.
40
Segundo respostas do questionário o tradicional relaciona-se a moradia e a amizade. O cultural alia-se a
universidade, ao futebol e a boemia.
83
O loteamento original do bairro com testadas estreitas e ocupação concentrada
impedia a universidade de adquirir novos imóveis e concentrar as atividades necessárias. Por
isso, o Plano Diretor do Campus de 1982 define que o Benfica deveria ser o lócus das
atividades culturais e de extensão da UFC em virtude de sua proximidade com o centro da
cidade e do acesso rápido. Além disso, poderia ser usufruído por toda a população da capital.
Neste plano esperava-se que permanecessem na área do Benfica: Centro de artes, Teatro
universitário, Museu de Arte, Concha Acústica, Centro de Convenções, Centros de Cultura
41
,
Imprensa Universitária, residência universitária e pousada para professores visitantes. Estes
dois últimos equipamentos seriam instalados no prédio do Departamento de ciências Sociais.
Em 1992 a UFC propôs novamente uma revitalização do Benfica a fim de transformar
a Avenida da Universidade um corredor cultural, articulando os seguintes equipamentos:
concha acústica, teatro universitário, casa amarela e museu de arte. Se em 1982 a proposta era
concentrar as atividades culturais e de extensão a proposta dez anos depois foi tornar o
corredor de tráfego um corredor cultural.
No jornal O Povo de 31 de julho de 1992 a revitalização do Benfica e a recuperação
do patrimônio edificado é pauta da reportagem Benfica abandonado aguarda revitalização.
Nesta Marcondes Rosa, pró-reitor de extensão, destaca mais uma vez o interesse dos
primeiros administradores da universidade em integrá-la a cidade, salientando a ingenuidade
dos planejadores, já que estes imaginavam que a presença da UFC nas proximidades do centro
e no Benfica formaria um pólo cultural e não um corredor de tráfego como é destacado em
suas colocações.
Nós fomos românticos ao acreditar que a universidade teria força para induzir o planejamento da
cidade.
[...]
Ao invés de corredor cultural o bairro virou um corredor de tráfego. Até contra fluxo foi implantado,
como se fosse para provar que não tínhamos poder nenhum para induzir a cidade.
O projeto divulgado nesta reportagem segue o plano de 1982 onde o Benfica tornar-se-
ia pólo cultural com a articulação das diferentes instâncias de poderes. Neste projeto além dos
equipamentos da universidade são inclusos o estádio Presidente Vargas, o Ginásio Aécio de
Borba e as pracinhas localizadas no bairro. A revitalização é pensada como uma contigüidade
do centro da cidade, podendo, numa segunda fase, estender a revitalização a outros bairros
históricos da cidade, como o Jacarecanga.
41
Casas de Cultura estrangeiras.
84
Nas colocações do pró-reitor o Benfica é comparado a Paria de Iracema a fim de
exemplificar dois pólos culturais dentro de Fortaleza. O primeiro irradiaria cultura, apenas,
em âmbito local e o segundo bairro seria a vitrine da cidade, que na época era um dos
cartões postais da capital cearense.
O Plano Diretor do Campus Universitário da UFC de 1982 e o projeto de revitalização
de 1992 dão exemplos de como a universidade foi vista, desde sua implantação, pelos
planejadores como instituição cultural que deveria ser acessível a toda população da capital
cearense.
Recentemente, Ricardo Paiva em entrevista ao jornal O Povo em 04 de abril de 2006
para a reportagem Benfica memória de fachada aponta a ligação da universidade com a
cidade e indica a instalação da instituição no bairro como responsável pela atual configuração
de prédios antigos e arborização. Afirmando, também, que a intenção do primeiro reitor da
universidade, Antônio Martins Filho, ao instalá-la no Benfica era fazê-la se integrar ao espaço
da cidade.
Uma das coisas que caracteriza o Benfica é que o espaço se confunde com a formação do território
da Universidade dentro da cidade. Era uma maneira de fazer com que o campus tivesse uma ligação
direta com a cidade...
De acordo com Ricardo Paiva, a universidade deveria ser vista na cidade como bem
cultural e lócus produtor de ciência e, por isso, a necessidade de instalá-la próximo ao centro
da cidade. Para o entrevistado, a UFC é a principal responsável pelas características que
fazem o Benfica ser reconhecido na cidade como lócus de tradição e cultura.
A constituição do Benfica como pólo cultural e tradicional foi uma construção lenta e
gradual, pois os projetos de implantação de um pólo cultural no bairro não chegaram a se
concretizar. A tradição é fruto do cotidiano dos próprios moradores que não se diferenciam
dos de outros bairros da cidade quando se pensa as relações de vizinhança. No entanto, ouvi
muitos residentes comentarem as modificações na vizinhança com a venda das residências, o
falecimento dos mais antigos e a chegada de estudantes, mas sem apontá-los como elementos
descaracterizador do bairro. A cultura está associada à universidade e as práticas nela
desenvolvidas, lançamento de livros, exposições de arte no Museu de Arte da UFC, MAUC,
e, principalmente, pela circulação dos estudantes nas ruas do bairro. Percebi que se fazia
muita alusão a movimentos musicais e folclóricos surgidos no bairro pelas práticas estudantis,
85
os quais eram apontados como elementos peculiares do Benfica, entretanto sem questionar
porque essas manifestações ocorrem neste e não em outro local da cidade
42
.
um diálogo entre esses dois sentidos atribuídos ao Benfica. Se no início a
universidade nem mesmo era percebida pelos moradores como elemento relevante para suas
vidas e depois ela passa a ser apontada como um destaque local, como algo presente desde
sempre. Parece impossível não atentar para a ocorrência de pelo menos esses dois sentidos.
Nesse caso a fala a seguir é bastante elucidativa, ao mesmo tempo em que permite
uma reflexão acerca de como esses sentidos convivem e se relacionam.
[...]
... antes o Benfica era um bairro totalmente residencial, tinha umas bodeguinhas aqui outras ali, mas
com a vinda da universidade ele se tornou um bairro artístico e cultural, ele se tornou um bairro
elitizado. Muitos moradores daqui quando surgiu a Aldeota migraram para lá, pelo menos os que
tinham um poder aquisitivo melhor. É um bairro antigo.
Você pôde acompanhar mudanças nos hábitos das pessoas?
Houve mudança no hábito de pessoas, mas não são moradoras do Benfica, eu chamo de flutuantes por
que elas vêm e vão embora depois. Não são do Benfica.
Os moradores participaram das mudanças trazidas pela universidade?
Foi bom para os moradores porque o Benfica se tornou um bairro cultural, um bairro universitário,
além da boêmia dos estudantes que acabam convivendo muito com os moradores, porque surgiram
mais barzinhos. Surgiram outras manifestações como os reisados que na época nós fazíamos
artesanalmente. Aqui continua sendo um bairro muito residencial e muito simples, aqui havia muito
espaço sem construção, onde era uma praça hoje tem um monte de casas.
[...]
Por que você elegeu a Universidade?
Os estudantes sempre foram muito participativos... Aumentou o número de bares, por causa do lazer,
no final de semana sempre tem alguma coisa acontecendo. O bairro não mudou muito, porque as
pessoas vêm, mas depois vão embora. Houve o aumento da população, não na Gentilândia, no
Benfica.
O primeiro ponto a assinalar na fala de R.C. é a diferença que ele faz entre o Benfica e
a Gentilândia. R.C. tem 66 anos e mora nesta área desde que nasceu, morou alguns anos no
Rio de Janeiro e em Recife, mas ressalta que sempre teve o local onde passou sua
adolescência e infância como lugar mais importante de sua vida. Para ele, as mudanças
trazidas pela universidade foram sentidas no Benfica, em virtude do crescimento de atores
presentes no bairro
43
.
42
Bastos Júnior com a monografia de especialização intitulada O Benfica como paisagem das manifestações
culturais (2003) destaca o bairro como lócus particular onde e expressam diferentes movimentos culturais em
Fortaleza, entretanto não questiona como e por que ocorrem nesse e não em outro local da cidade.
43
A distinção feita por R.C. é a mesma que d. L.S. faz ao afirmar que as mudanças trazidas pela universidade
atingiram o Benfica em virtude do conjunto de casas adquiridas pela universidade para a implantação do campus.
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R.C. destaca a inserção de novos atores que ao se apropriarem do Benfica iniciaram
um processo de diferenciação deste em Fortaleza, tornando-o, assim, o mais cultural da
cidade como muitas vezes afirma o entrevistado. A população flutuante” apontada como
responsável pela mudança na caracterização pode ser identificado como estudantes e
freqüentadores, os quais podem se estabelecer no bairro enquanto concluem os estudos de
graduação, ou em alguns bares para encontrar os amigos.
Para ele o Benfica é um bairro cultural em virtude da universidade e da presença dos
estudantes. Interessante notar que ele aponta o lazer por meio dos bares como uma das
principais formas de interação entre os moradores e os flutuantes”. Segundo R.C., essa
convivência foi salutar por ter dado aos residentes a oportunidade de interagirem com pessoas
inteligentes e esclarecidas, tornando os moradores antigos pessoas mais sapientes.
Saliente-se que o entrevistado participa intensamente da vida cultural do bairro, sendo
filiado a três agremiações culturais: um bloco de pré-carnaval, uma escola de samba
denominada Acadêmicos do Benfica e o Maracatu Solar.
Vale evidenciar em sua fala o imbricamento entre as características residencial e
artístico-cultural do bairro, apontadas por ele como os elementos definidores do Benfica em
Fortaleza. Sua fala mostra-se ambígua, pois considera, concomitantemente, que os moradores
se beneficiam com a relação estabelecida com os novos atores, mas que as mudanças
atingiram a parte do bairro onde se na paisagem a universidade. Quando perguntado sobre
quais bares proporcionam maior interação entre os dois agrupamentos por ele indicados ele
nomeou estabelecimentos na área apontada por ele como a parte onde o impacto da chegada e
acomodação da UFC foi menor, Gentilândia.
O entrevistado aponta dois significados para o bairro, como se os dois em nenhum
momento pudessem coexistir, ocorrendo em função dos agrupamentos por ele apontados, mas
sem pertencer a um conjunto comum de sentidos. Os moradores antigos representam a
tradicionalidade que conseguiu permanecer imune às transformações e os estudantes são os
produtores da cultura local.
Mudanças de sentido são constantes na vida social. Todo sentido é revisto na ação, na
prática os significados que as pessoas atribuem ao mundo são vividos e ao mesmo tempo
revistos, o que nos faz pensar que se convivência entre os dois agrupamentos por ele
apontados também um intercâmbio entre esses significados (Sahlins, 1999). Não se pode
esperar uma convivência inoperante entre o tradicional e o cultural, cada um permanecendo
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incondicionalmente com seu sentido particular, os dois trocam entre si elementos que servem
para a sustentação de ambos.
Para moradores e freqüentadores tradicional e cultural são dois adjetivos que
significam o Benfica sem que haja necessidade de qualquer argumento para isso. Ambos os
agrupamentos têm esses sentidos sedimentados em suas formas de pensar e agir sobre o
bairro, ainda que cada um dê mais ênfase a um elemento do que a outro.
Assim como Sahlins (1999) acredita que por meio da ação a cultura é reproduzida e os
esquemas de significação das pessoas são também repensados, faz-se importante entender os
sentidos do lugar como elementos possíveis de serem repensados no movimento, nesse caso
na interação entre diferentes agrupamentos os quais ao interagirem podem repensar os
sentidos atribuídos ao bairro.
A inserção da UFC apontada como uma mudança foi incorporada e faz parte do lugar.
Esse acumula novos sentidos que, progressivamente, passam a constituí-lo. A noção
empregada aqui não é o conformismo com a ordem específica do local, a qual definiria as
condutas no bairro que até hoje não conceberiam alternativas aos sentidos validados no
passado que definiriam o Benfica como residencial. Não se quer compreendê-lo como lócus
de resistência, onde uma forma pura de sociabilidade resistiria às alterações oriundas do
tempo e das relações externas, mas como algo em constante mudança
44
.
Segundo Balandier (1976) a tradição é um conjunto de valores que rege as condutas
individuais e coletivas, sendo transmitido de geração para geração. Portadora de um
dinamismo inerente que atualiza o passado no presente constantemente, usando o código de
valores como uma reserva de símbolos que permite à adaptação as mudanças vindas com as
relações externas e a mudanças empreendidas pelos sujeitos em suas ações.
Tradição não é sinônimo de estagnação no tempo e no espaço é uma dialética entre os
elementos sedimentados pelo tempo e as mudanças e inovações de sentido produzidas na vida
diária (Balandier, 1976). Por isso, ela é portadora de um dinamismo não-linear onde o jogo
dos possíveis acontece e os significados culturais são engendrados. Assim, a fala dos
moradores sobre o Benfica quando da implantação da UFC demonstra que um elemento de
inovação pode, ao longo dos anos, tornar-se marca da tradicionalidade, algo que faz parte e,
por isso, não cabe mais pensar como mudança.
44
Balandier (1976) aponta que para trabalhar a tradição é necessário pensar que as pessoas acumulam
empréstimos culturais que, progressivamente, tornam-se elementos de sua cultura. Ou então os antropólogos
continuaram trabalhando o “presente etnográfico” em busca de formas puras.
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A universidade foi “incorporada ao sistema”, como disse anteriormente o sr. C.S. Nas
descrições do bairro a UFC é elemento característico, como se ela estivesse presente desde
o início da ocupação do Benfica pelas chácaras no final do século XIX. Hoje essa instituição
de ensino superior reafirma as características do bairro e surge como justificativa para a
inserção de novos elementos.
Contudo, não são apenas essas duas características que significam o Benfica. mais
quando se considera o conjunto de atores que participam da vida do bairro. Num ambiente
metropolitano a coexistência de diferentes estilos de vida e visões de mundo é um elemento
peculiar, sendo inevitável o cruzamento de discursos simbólicos diferenciados, portanto o
bairro pode possuir tantos sentidos quanto atores sociais nele presentes. O tradicional e o
cultural mencionados não excluem outros sentidos, mas pelo contrário podem alimentar-se
deles, bem como alimenta-los, e com eles estabelecer uma comunicação (Velho, 1994).
Na fala dos moradores da Gentilândia quando perguntados, qual a situação do bairro
hoje, afirmavam não haver modificações, mas ao final apontavam a ocupação da Praça Jo
Gentil como situação incômoda.
A ocupação da praça é hoje o elemento de incomodo para os residentes e mesmo para
alguns freqüentadores a identificação dela com o público GLBTTT é um elemento
descaracterizador do bairro. Compreendida como um fato que pode retirar deste a
tradicionalidade tão importante para algumas pessoas. Muitos fazem questão de afirmar a
ocupação como um movimento passageiro que pouco durará. No entanto, segundo a
reportagem Praça Ocupada - A vida a céu aberto do jornal O Povo de 01 setembro de 2007 e
entrevistas, com freqüentadores da praça, o movimento ocorre, pelo menos, desde 2004.
Segundo um dos estudantes entrevistados na pesquisa, o Benfica é um espaço
polarizador de diferentes atores sociais, os quais convergem para ele por encontrarem a
possibilidade de interagirem. Entretanto, afirma não entender por que as pessoas não
conseguem definir essa multiplicidade, identificando os atores presentes em cada local ou que
freqüentam cada lugar.
Compartilho essa dificuldade de identificá-los, acredito ser difícil por não haver uma
distinção essencial entre os locais freqüentados. As distinções quando são apresentadas
referem-se a relação das pessoas num local, pois se a praça for eleita como ponto de encontro
de um público particular percebe-se que dentro deste também uma diferenciação apontada
pelos próprios freqüentadores que chegam a caracterizar o Benfica como ponto de encontro
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entre diferentes agrupamentos. Aqui [na praça] tem várias tribos. Tem rockeiro, forrozeiro,
pagodeiro... As pessoas têm o mesmo gosto sexual e vão sendo apresentadas umas as outras e
começam a se conhecer... Aqui, todo mundo se conhece”
45
.
Vale ressaltar como esse público identificado como GLBTTT percebe o Benfica e
como o significam, a fim de verificar se há elementos semelhantes entre as informações
cedidas por eles e pelos moradores.
Por que você começou a freqüentar o bairro?
Comecei porque um amigo meu estudava no CEFET e, assim, a gente vai começando a freqüentar um
lugar e fazendo amizades. E como aqui é um bairro com milhões e milhões de opções e locais... Foi
uma isca que deu certo.
[...]
O Benfica tem milhões e milhões de quê?
O Benfica tem milhões e milhões de tudo. O grande problema é que ninguém define e, principalmente,
a galera aqui que tem uma idade entre 15 e 25 anos. Quem tem uns 20 ou 25 tem um conhecimento
melhor, mas quem está chegando agora não conhece nada, mas eu acho que a praça funciona como
um alvo as pessoas vem para e acabam conhecendo o verdadeiro valor do bairro, porque ele é
muito antigo.
Você conhece a história do Benfica?
Conheço, mas não de forma aprofundada. Antigamente, era um bairro muito saudoso, ele foi
considerado um dos bairros com maior atração popular.
Você lembra quando foi isso?
Na década de 70. Eu tenho um conhecimento sobre o bairro porque eu procurei saber alguma coisa,
além do que a praça é. Eu sempre vejo que um ar meio jovem talvez pela presença da
universidade. Esse aspecto universitário.
[...]
Eu faço faculdade no Pici, mas venho para encontrar a galera, aqui tem muito universitário. Ele
[Benfica] centraliza as pessoas.
Por que você acha que isso acontece?
Justamente por ele ser um bairro da comunidade jovem sempre vir para cá, estudar ou fazer alguma
outra coisa. Eu acho que ele vontade de você saber um pouco mais sobre ele. Quando eu cheguei
aqui eu achei o bairro muito interessante, os bares, as pessoas que vão e vem independente do
horário. Eu quis me estender um pouco mais em relação a isso.
[...]
Eu queria só fazer um P.S. em relação ao bairro. Ele é um bairro com muitas qualidades e
predicativos que poderia crescer em relação a galera jovem. A sociedade muda muito com o passar
do tempo. A segurança que existe hoje por mais que haja muito policiamento não é a mesma que
havia anos atrás, aqui não tem segurança [creio que o entrevistado está se referindo aos arrastões
freqüentes desde 2005]. Deveria haver mais segurança. O Benfica não é um pólo de desenvolvimento,
mas é um pólo de idéias, a circulação de saber é muito intensa. O bairro está crescendo, mas as
pessoas temem vir para por causa disso, mas eu acho que deveria acontecer de cada vez mais
pessoas virem para cá, aqui é pólo de várias idéias e pessoas diferentes. É mais ou menos isso.
46
45
G.M. 18 anos, Freqüentadora da Praça da Gentilândia.
46
E.D. freqüentador da Praça.
90
O Benfica como colocado além de ser um espaço tradicional e cultural é considerado,
também, um espaço de liberdade por ser pólo de idéias. Pela proximidade da universidade, o
conjunto de discussões que nela ocorrem e a constituição de novas idéias são fatores
importantes para a construção de uma nova atitude das pessoas em relação à diversidade
sexual. A entrevista aponta, ainda, a possibilidade de freqüentadores da praça participarem
das atividades promovidas pela universidade e pela prefeitura como forma de estarem mais
integrados com os acontecimentos e de aprenderem mais. Para o entrevistado, um
verdadeiro valor, relacionado as possibilidades culturais oferecidas no bairro, que deve ser
buscado pelos adolescentes para não se prenderem a praça como único espaço interessante a
ser conhecido.
O Benfica é visto por ele como um bairro plural, onde diversas possibilidades de
uso que extrapolam a simples visita semanal a praça. E.D. salienta que deve haver um
conhecimento maior das pessoas em relação ao Benfica para que os freqüentadores da praça
não o percebam, somente, a partir desse local, deve-se buscar a diversidade oferecida até para
não torna-la um gueto.
Tradicional, Cultural e espaço de liberdade são elementos ressaltados, interessante no
depoimento é que nenhum deles exclui os outros, ao contrário eles parecem estar relacionados
e alimentam uns aos outros. Isso fica claro ao se verificar o destaque dado a presença da
universidade como pólo produtor de idéias e lócus de discussão, proporcionando o aceite da
diversidade sexual.
A tradição local é reconhecida como um elemento que dificulta o aceite dos residentes
para a apropriação da praça. As denuncias dos moradores sobre o barulho causado nas sextas-
feiras foram exemplos dados com constância pelos freqüentadores como represálias dos
moradores a apropriação da praça. Nota-se que o respeito aos idosos e as famílias residentes
nas proximidades da praça são apontadas por alguns como atitude importante para a
convivência, outros acreditam que o direito de se expressarem livremente deve prevalecer.
Para isso ambos usam, respectivamente, o tradicional e o cultural como argumentos de suas
ações.
G.M., acerca da reação dos residentes sobre a ocupação da praça, diz: “Aqui há muitas
pessoas antigas, acho que estão aqui desde que o bairro começou. Por isso elas têm
dificuldade de nos aceitar, não penso que seja por vontade. As pessoas pensam diferente,
principalmente, quem é de tempo diferente.”
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Aqueles que acreditam no direito a livre expressão buscam na presença da UFC a
partir das discussões e palestras que nela ocorrem elementos que podem tornar o Benfica um
local esclarecido. E.D., por exemplo, apontada a universidade como fator explicativo para a
ocorrência dos encontros neste e não em outro bairro da cidade.
Aqui é um bairro muito discursivo, aqui tem muita visibilidade, de alguma forma esse bairro junta
muitas pessoas de Fortaleza e então eu acho que o que acontece aqui deveria ser mais divulgado, as
palestras que acontecem na reitoria, as discussões na universidade, as exposições de arte, as coisas
acontecem e ninguém fica sabendo.
Mas, por fim, o que me dizem essas falas sobre o Benfica? E o que tudo isso tem haver
com o objeto da pesquisa?
Percebe-se nos depoimentos a mudança e a permanência como elementos importantes
para a compreensão dos sentidos atribuídos a um lugar. Se não é mais possível pensa-lo como
o ponto onde um grupo estabelece por longos anos uma relação com o meio e através desta
produz um significado único e compartilhado por todos. E se é necessário considerar a
diversidade de atores presentes, para então avaliar como cada um significa o lugar parece
importante considera-lo como uma pluralidade de significados. Ou mesmo compreender que o
lugar é significado de forma particular por cada sujeito, tendo, assim, um sentido diferenciado
(Massey, 2000).
A coexistência desses três aspectos destaca o contínuo processo de constituição em
que o Benfica está envolvido, seus sentidos sendo construídos segundo três dimensões
convencionais de tempo que negociam, constantemente, umas com as outras: um passado que
valida, um presente que atua pelas práticas dos sujeitos e um futuro que se apresenta como
mudança no interior daquele (Balandier, 1976).
Atribuir sentido é uma negociação com a realidade, entre o que os sujeitos querem e o
que lhes é posto como possibilidades nos momentos de interação na vida social, os quais
devem avaliar suas expectativas, histórias particulares e a história maior que os cerca da qual
muitas vezes eles não participam. Também se deve ponderar que mesmo coexistindo
diferenças de poder entre esses sentidos atribuídos ao Benfica, pois cada um pauta-se sobre
um conjunto que lhe sustentação e dependendo da correlação de forças um pode sobressair
sobre os demais.
“O sentido contextualizado institui o diálogo contínuo entre sentidos novos e antigos
(Spink, 2004, p. 49). Assim, considerar situações onde atores e sentidos podem ser
92
reconhecidos e situados parece relevante para compreender como as pessoas significam o
Benfica e quais relações de forças se estabelecem no ato de significação.
93
Capítulo 3 – Produzindo lugares: sentidos atribuídos ao Benfica no cotidiano
De acordo Oakes (1997), o lugar apresenta realidade incompatíveis em si mesmo, ele
não é o fruto de um longo processo de diferenciação, mas se constitui nas relações que os
sujeitos estabelecem entre si e com o mundo. Sua proposta baseada em Massey (2000) sugere
que os lugares devem ser vistos como instáveis formados por paradoxos e contradições onde a
subjetividade que sentido aos mesmos é constituído por forças de abstração e de
objetivação.
As formas como os lugares são descritos pelos sujeitos contêm as relações que o
produzem, pois eles não são interpretados como sinônimos de comunidade, nem uma porção
menor da região ou do espaço. Eles são espaços com significado produto da relação direta das
pessoas com o meio e das relações de produção, pois todo sujeito é fruto de uma ideologia
que o faz ver no espaço elementos inerentes às contradições em que vive diariamente.
Para Oakes (1997) o lugar possui duas características: um local de identidade e de
ação do indivíduo. Segundo o autor não se constitui lugares sem as relações diretas com ele
que permitam viver as contradições nele inerentes. Estas são frutos das constantes
internalizadas pelos sujeitos e pelo lugar, e os elementos exógenos que penetram os lugares
tornando-os estranhos a seus habitantes.
A ambivalência é a principal características dos lugares, eles são, simultaneamente, em
si e fora de si, porquanto é nas relações que estabelecem com o mundo que produzem suas
particularidades. Por isso, ele é sempre um processo entre o ser e o vir a ser. De acordo com
Oakes (1997, p.520, tradução nossa):
O lugar é um terreno de relações de forças. Mas essas relações não estão acima do
lugar, elas fazem uso dele e tem nele parte do material que utilizam. Considerar o
lugar o último ponto da subjetividade é negar o paradoxo inerente de que as
relações se dão nele.
47
Assim, a subjetividade deve ser estudada sem negar a objetividade. O lugar é instável
porque nele se confrontam hegemonia, dominação e resistência.
47
“To regard place as an ultimate terrain of emancipatory subjectivity is to deny the inherent paradox upon
which the struggle to claim ourselves as subjects (rather than objects) of history and spatiality rests in the first
place” (Oakes, 1997, p. 520).
94
Baseando-se em Oakes, Ferreira (2005) compreende o lugar como um discurso onde
se estabelecem relações de forças entre diferentes elementos que definem as formas de
apropriação do lugar. Este é então um lugar definido pelo discurso dominante, o que não
exclui a existência do dominado, ele existe e combate o outro continuamente ainda que não
consiga se impor. Os elementos discursivos são essenciais para a compreensão do lugar, pois
como produto relacional deve-se admitir a possibilidade de trocas e inversões. Como propõe
Foucault (1985, p. 95), ...não se deve admitir um mundo do discurso dividido, admitido e o
discurso excluído, ou entre discurso dominante e dominado; mas, ao contrário, como uma
multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em estratégias diferentes”.
O poder exercido para a definição do lugar é um conjunto de posições estratégicas
tomadas pelos dominantes que têm seus efeitos reconduzidos pelos dominados; sendo,
portanto, o modo de ação de uns sobre outros, uma ação agindo sobre outra ação, restringindo
a existência do poder ao seu exercício. Para Foucault (1995, p. 243):
Uma relação de poder se articula sobre dois elementos que lhes são indispensáveis
por ser exatamente uma relação de poder: que o outro (aquele sobre o qual ela se
exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido ao fim como sujeito de ação; e
que se abra diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações,
efeitos, invenções possíveis.
A constituição do Benfica é algo relacional, perpassado por relações de poder que
buscam determinar o significado atribuído ao bairro. Desta forma, não se pode imaginar que
um grupo tenha o poder de impor aos outros participantes seu próprio sentido, este entra na
correlação de forças onde cada um exerce força sobre cada um. O Benfica é atravessado por
discursos que o significam e podem ser compreendidos em suas relações constituidoras.
O lugar é entendido como resultado de afrontamentos incessantes os quais
transformam, reformam e invertem os significados que se produzem a cada instante em todos
os pontos, ou melhor, na relação estabelecida entre eles, pois “O poder está em toda parte; não
porque englobe tudo e sim porque provem de todos os lugares” (Foucault, 1985, p. 89).
Nesse campo de correlação de forças é possível utilizar as prescrições de prudência
propostas por Foucault (1985) para a análise do poder, para compreender a dinâmica do lugar
e dos sentidos atribuídos a este pelos sujeitos no cotidiano. Primeiro, a Imanência do poder,
pois este está em toda parte e é inerente a qualquer relação; segundo, a Variação contínua
onde não é possível encontrar o centro onde emerge o poder, pois como relação ele muda
incessantemente; terceiro, o Duplo condicionamento onde o local e o global se relacionam. E,
95
por último, a Polivalência tática dos discursos que os considera uma articulação de segmentos
diversos que compõem estratégias diferentes.
Essas regras da analítica do poder de Foucault demonstram alguns elementos que
devem ser considerados para a atribuição de sentido, onde sujeito e relações de poder se
imbricam para definir sentidos do lugar. Assim, referindo-se as quatro regras destacadas
acima se coloca, respectivamente: 1) todos os sujeitos presentes no lugar atribuem significado
e é nesse campo de significações que se constrói o sentido global; 2) não se deve procurar
quem tem o poder, mas como os significados do lugar são modificados na correlação de
forças; 3) não se deve pensar em níveis de significação, mas como os diferentes se associam;
e 4) o sentido geral do lugar é polivalente, porquanto associa características de diversos
significados atribuídos pelos grupos nele presentes.
Se, cada um dos grupos presentes lança significados para formar uma trama onde
todos têm peso igual pode-se considerar que o sentido do Benfica como lugar está sempre em
processo, porquanto o jogo estabelecido pelos sujeitos impede a permanência e a fixidez.
Então, o lugar pode ser entendido como uma trama de sentidos constituída pelos significados
que os sujeitos atribuem ao bairro.
Assim, no lugar o exercício do poder consiste em conduzir condutas, em estruturar o
campo de ação dos outros para que esses tenham a conduta esperada pelo grupo que
sentido a ela, entretanto cabe salientar que os outros significados do sujeito não são excluídos
para que prevaleça apenas um, eles são postos em segundo plano para serem ativados em
outro momento.
O lugar como campo de forças é um momento produzido na articulação das diferenças
a qual deve ser entendida como uma negociação complexa e em andamento, nela os embates
podem ser consensuais e conflituosos. O lugar, entendido como o local da negociação de
sentidos e de significados, pode ser considerado uma mediação. Onde reconhecimento e
estranhamento se relacionam, ininterruptamente, lançando um momento onde os jogos
simbólicos são intensificados, produzindo um espaço que não é nem um nem outro, mas a
interseção entre os dois.
As regras apontadas por Foucault (1985) podem ser vinculadas ao conceito de prática
discursiva de Bakhtin (1988) cuja definição a destaca como a linguagem em uso pelos sujeitos
e, por isso, são momentos de ressignificação onde sentidos são construídos no cotidiano.
Narrativas, conversas, textos impressos, etc. são momentos onde convivem na linguagem
96
ordem e diversidade. Ou seja, o discurso institucionalizado e a possibilidade de inverter,
subverter e misturas elementos de discursos diferentes.
De acordo com Spink (2004, p. 45), no cotidiano o sentido é produzido pelos
repertórios interpretativos que os sujeitos dispõem, mas “é pela ruptura com o habitual que se
torna possível dar visibilidade aos sentidos”. São nas construções inesperadas em contextos
específicos que os sujeitos refletem sobre temas antes sem importância, produzindo sentidos e
se posicionando nas relações sociais cotidianas. A autora ainda destaca que o sentido
atribuído é um diálogo contínuo entre sentidos novos e antigos, portanto, a pesquisa sobre
produção de sentidos é “um empreendimento sócio-histórico e exige o esforço transdisciplinar
de aproximação ao contexto cultural e social em que se inscreve um determinado fenômeno
social” (Spink, 2004, p. 53).
O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais
precisamente interativo, por meio do qual as pessoas na dinâmica das relações
sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas constroem os termos a
partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta”
(Spink, 2004, p. 41).
Para Foucault (1980) a linguagem não é literal ela transmite um significado que está
por baixo, no entanto, não é um significado menor e protegido, pois é acima que a
profundidade se anuncia e se revela. Esta é um segredo da superfície descoberto a partir das
relações sociais. De acordo com o autor, a linha descendente de interpretação restituirá
sempre a exterioridade das relações que foram enterradas sobre o jogo do significado que está
por baixo.
Ao negar o começo de qualquer atribuição de sentido, Foucault (1980) considera a
interpretação uma tarefa infinita, inacabada e fragmentada, pois para o autor não
significados profundos a revelar. Sentidos são formulados em relações de poder e sempre que
se busca o interior dos mesmos encontra-se o conjunto de relações nos quais foram
constituídos, por isso destaca que quanto mais se avança na interpretação mais próximo se
fica de seu retrocesso e desaparecimento.
Ela é um processo inacabado, porque nunca se encontrará em lugar algum o
absolutamente primário. No entanto, isso não quer dizer que não nada a interpretar, o que
Foucault (1980, p. 16) ressalta quando diz que tudo é interpretação” é que sentidos são
produtos de relações sociais e as interpretações também fazem parte delas. Assim, o que se
97
interpreta é uma interpretação, pois “cada símbolo é em si mesmo não a coisa que se
oferece a interpretação, mas a interpretação de outros símbolos”.
Os símbolos justificam interpretações e não as interpretações justificam os símbolos,
essa é a base da argumentação do autor. Portanto, sugere-se a interpretação da interpretação
visto que as palavras não significam as coisas elas impõem interpretações destas. Assim, a
interpretação é sempre a interpretação de alguém, ou seja, de um sujeito histórica e
culturalmente situado, logo o princípio da interpretação é sempre o interprete.
Com isso se quer colocar que o lugar como construção discursiva será interpretado
como fruto de relações sociais expressas nas falas dos sujeitos, as quais também podem
revelar coexistência de sentidos e, portanto, o dialogismo inerente a qualquer voz. Nas falas
acredita-se são atribuídos sentidos ao lugar. Dessa forma, este não é um fato, mas uma
negociação de significados entre os sujeitos, sobre o significado do lugar para cada um deles
e, por isso, destaca-se as relações estabelecidas entre eles e suas experiências no lugar.
O bairro deve ser compreendido como portador de aspectos de conflito e transformação, bem
como aspectos de repetição, reprodução e consenso através dos quais os sentidos atribuídos a
ele são estabelecidos e validados. Cada sentido representa uma relação dos sujeitos com o
mundo.
Atribuir sentido a uma porção do espaço é um processo de interação, confronto e
negociação entre práticas sociais e visões de mundo distintas. O Benfica ao possuir diferentes
atores sociais, usufruindo de seu espaço e das atividades nele dispostas comporta um conjunto
de elementos a serem interpretados, pois não se pode esperar que os sentidos estejam todos
dispostos sem a existência de diferenças mediadas e toleradas por regras de convivência que
tornam a permanência no mesmo bairro possível.
Agier (1998) ressalta que os bairros não podem mais ser vistos como lugares
antropológicos tradicionais, onde uma ligação direta entre espaço, sociedade, cultura e
indivíduo, porquanto para pensar a cidade de forma global e atender a sua heterogeneidade é
necessário romper com esta noção de lugar para interpretá-lo através das relações. Segundo o
autor, o sujeito surge como o centro da problemática e das respostas, informando acerca das
identidades de lugar, das sociabilidades como base do apego aos lugares urbanos e da
reprodução e reinvenção de relações no espaço heterogêneo da cidade.
Assim, os elementos caracterizadores dos bairros não são frutos de uma relação longa
e internalizada de um grupo particular com uma determinada porção do espaço, mas são
98
resultados de correlações de forças entre os sujeitos para tornarem essa porção do espaço
urbano lugar, ou seja, uma área na cidade onde os mesmos se reconheçam e a reconheçam
como parte de suas existências.
As falas, destacadas no capítulo anterior, evidenciam que o Benfica possui para os
sujeitos que dele se apropriam um sentido atrelado aos modos e as expectativas de cada um
em relação ao lugar. Este se relaciona a biografia, as experiências de vida, as expectativas e a
cultura que os sujeitos carregam consigo (Tuan, 1985). Assim, o sentido surge no contexto de
uma interação social concreta, pois a vida envolve negociação de sentidos dentro de grupos e
entre grupos (Correa, 2003), os quais através de formas simbólicas, objetivadas por imagens,
instituições ou narrativas se representam para si e para os outros.
No entanto, essa correlação não ocorre entre conjuntos bem delimitados e com
histórias demarcadas que os diferenciam uns dos outros, pois o mundo não se divide entre um
nós evidente e um eles enigmático (Geertz, 2001). As diferenças marcam a vida em
sociedade, seja a distinção entre nossos costumes e o de uma aldeia perdida ou entre os
sentidos atribuídos a um bairro numa grande cidade.
Assim, cabe questionar como os sentidos são vividos pelas pessoas? E quais relações
de força estão envolvidas para atribuir sentido na vida humana? O que é necessário para
imprimir sentido a uma porção do espaço e como isso ocorre?
Nessa sessão, pode-se vislumbrar que o trabalho de campo é uma experiência
fragmentada e diversa e ainda que o pesquisador delimite o campo e defina como e quando as
informações serão coletadas o resultado pode surpreendê-lo, pois o material encontrado pode
mostrar-se diverso do que a princípio ele suponha encontrar, pois os interesses dos sujeitos
podem conduzi-lo para trilhas antes ignoradas. Ao se pesquisar os sentidos atribuídos ao
Benfica no cotidiano, percebi que mais do que buscar elementos com identidades
semelhantes, era necessário buscar relações sistemáticas entre fenômenos diversos (Geertz,
2001), ou seja, entender em diferentes contextos como os sentidos se apresentam e como se
relacionam aos demais.
99
3.1 Gentilândia: um lugar e sua confraria
A Gentilândia é definida por seus moradores comoo coração do Benfica”. O
conjunto residencial no qual as relações de sociabilidade atribuem ao bairro o sentido
tradicional que o mesmo possui na cidade de Fortaleza. Os residentes de outros locais do
Benfica admitem a diferenciação interna, indicando como principal ponto de destaque a
presença da Universidade Federal do Ceará. No entanto, informam que ao contrário do que
dizem os residentes da Gentilândia ela não é a área mais tradicional, pois foi a que mais
sofreu mudanças com a evolução da cidade, principalmente, com a presença do campus
universitário.
Ao tentar entender a diferenciação interna existente no bairro propagada pelos
residentes surgiu a possibilidade de verificar a existência de um quase-grupo
48
denominado
Confraria da Gentilândia - amigos que se reúnem semanalmente num dos bares localizados
nas proximidades do PV, o qual em 2006 idealizou o Memorial da Gentilândia, uma
exposição de fotografias e documentos que conta a história do local como é lembrada pelos
residentes mais antigos.
A Confraria da Gentilândia é composta por senhores, com idade entre 60 e 85 anos,
que se reúnem semanalmente no bar Padre Cícero na Rua Padre Francisco Pinto, nº. 128. Esse
quase-grupo a partir das reuniões cria uma identidade e um imaginário para a Gentilândia,
transmitindo aos demais a relevância da mesma na vida de cada um e do conjunto. Porquanto,
para eles estar nela não é apenas uma localização espacial, mas um estado de espírito revelado
pelo ambiente que produzem durante seus encontros.
A confraria não possui uma trajetória clara, pois os participantes mais assíduos ao
falarem das reuniões semanais não definem o momento de constituição da mesma. De acordo
com os depoimentos coletados, houve pelo menos três momentos distintos até a formação
atual. Mas todos concordam que o elo entre as diferentes gerações ali reunidas sustenta-se
pelo amor ao futebol e a Gentilândia. A formação inicial data de 1990, mas as relações de
amizade e de vizinhança compartilhadas pelos confrades são anteriores, atrelando-se a
infância ou a adolescência dos componentes datadas das décadas de 1940 e 1950.
48
Mayer (1987, p. 127) define quase-grupos como “Entidades sem uma estrutura identificável, mas cujos
membros possuem determinados interesses ou condutas comuns que poderão em algum momento, leva-los a
formarem grupos definitivos”. O autor considera, ainda, que as relações estabelecidas pelo conjunto não são o
meio pelo qual este pode ser descrito, mas sua base de existência.
100
Os integrantes, ao reencontrar amigos com os quais partilharam experiências comuns
na infância e na adolescência, os convidam para participarem das reuniões. Levam seus filhos
e parentes próximos para “festejar” junto com eles a felicidade de ser gentilandino”. Para os
integrantes a eleição daqueles que podem participar de seus encontros é muito importante,
pois não se busca apenas a presença nas reuniões semanais, mas compartilhar um sentimento
comum.
Assim, ser amigo não significa ter vivido as mesmas peripécias, ter jogado nos
mesmos campos de futebol, ou ter participado dos mesmos grupos quando adolescentes;
porquanto muitos dos confrades não compartilharam das experiências uns dos outros, tendo
em vista os momentos distintos de suas vivências no bairro. A união ocorre pelo sentimento
compartilhado pelo local.
De acordo com os confrades, o Benfica e, em especial, a Gentilândia é um local
particular dentro de Fortaleza, destacando-se por ter permanecido com a estrutura de ruas e
casas que foram construídas no início da década de 1930. Estas características estruturais
servem como pano de fundo para um enraizamento que se estabeleceu pelas relações
cotidianas as quais sustentam a memória coletiva do lugar (Halbwachs, 1990).
Durante a pesquisa de campo foi possível identificar uma árvore como símbolo do
agrupamento. Esta proporcionava sombra desde os primeiros encontros realizados na década
de 1990 até o ano de 2004, quando veio a morrer. A fim de recuperá-la e reconstruir a ligação
direta que os confrades possuíam com o local que ao se estabelecerem na rua podiam
usufruir da relação direta com o lugar, além de haver a possibilidade de encontrar outros
saudosistas que por passam de vez em quando a verificar se as referências ainda
permanecem. Em junho de 2005 um pau-branco - Auxxema Oncocalyx Taub - foi
transplantado para o local onde outrora estava o fícus-benjamim.
Em junho de 2006 o grupo comemorou o primeiro ano da árvore, apelidada pelos
confrades de “pau do Beto”, por estar localizada em frente ao ponto comercial onde funcionou
o bar do confrade Beto Brasil
49
. Ainda que seja um fenômeno recente a arvore é um símbolo
do grupo, pois a mesma representa todos que nela se abrigavam e todos que nela poderão se
abrigar, que sendo parte de um espaço público poderia ser ocupada por qualquer um que
concordasse estar com os presentes, aceitando e redefinindo o agrupamento a fim de
integrá-lo.
49
Do lado oposta da rua está o bar onde atualmente se reúnem os confrades e onde está o Memorial da
Gentilândia.
101
Sem saber, os membros da confraria criaram um símbolo para si, algo que representa o
enraizamento, a simbiose com o lugar e a possibilidade de estar sempre agregando mais e
mais participantes sob os galhos de uma árvore, pois esta não privilegia ninguém e atende a
todos da mesma forma. Porquanto, o grupo define que não distinção entre as pessoas que
dele participam.
Não é a árvore...
...mas a sombra que ela proporciona, que faz crescer amizades,
favorece encontros e lembranças. Acolhe o contar de histórias e
de exemplos de vida que dão frutos e traduzem a alegria de ter amigos
50
.
A árvore é um símbolo que representa a união e o desenvolvimento do agrupamento
em suas celebrações, e ao que parece não busca uma essência, mas uma situação na vida que
permita a eles e aos demais sentirem-se parte do ambiente que habitam. As fotografias
presentes no cartão são, respectivamente, dos anos de 2005 e 2006 nas quais é possível notar
não só o crescimento do número de pessoas presentes, mas de familiares dos confrades
participando ativamente da comemoração.
A ação dos confrades ao transplantarem uma árvore no exato local de outra não
destaca apenas uma ação pela preservação do verde como foi colocada por alguns, ela
evidencia a inscrição do grupo no lugar. Destaca-se aqui a logomarca criada para compor o
convite de inauguração e os painéis do memorial. No canto esquerdo está uma árvore a fazer
sombra para o quase-grupo, de onde se interpreta a vinculação entre este e o lugar
51
.
Figura 01: Logomarca do cartão de convite da inauguração do
Memorial da Gentilândia em 2006.
50
Mensagem do Cartão comemorativo do primeiro aniversário da árvore, ver figura 5 anexa.
51
Ver cartão completo no anexo, Figura 06.
102
Segundo os confrades a intenção de instalar um memorial na Gentilândia para resgatar
a memória local era antiga, mas nunca havia sido posta em prática. No ano de 2006 em
comemoração ao jubileu da conquista do campeonato cearense pela equipe de futebol do
Gentilândia Esporte decidiu-se iniciar a constituição do que para a confraria é motivo de
orgulho.
O Memorial da Gentilândia instalado no bar onde os integrantes se reúnem,
atualmente, inscreve as lembranças dos moradores antigos da área e registra pessoas que
não estão mais presentes para que filhos e netos dos confrades possam ter referências. Mesmo
mencionando a Família Gentil e a Universidade Federal do Ceará enfatiza-se praças, bares,
campos de futebol e residências simples do local, ambientes onde as relações de vizinhança se
estabeleciam de forma mais apurada.
Através do Memorial é possível observar fatos importantes que mantêm a unidade do
quase-grupo. Os painéis contam desde a construção das primeiras casas pelo proprietário da
chácara até os amigos que atualmente se encontram na Gentilândia para as conversas
rotineiras. Histórias pessoais e do lugar se confundem, pois as referências são de locais onde
se passou parte da vida e onde a experiência direta de alguém pode estar inclusa.
Um depoimento exposto no painel “Gentilândia do Verde” exemplifica a incorporação
de elementos do lugar na constituição de lembranças, um senhor relata a ação de sua esposa
contra um fiscal da prefeitura para que este não derrubasse a árvore que ficava em frente à
residência do casal. Evidencia-se em sua fala o imbricamento entre a lembrança de sua mulher
as recordações que o mesmo possui do local.
Na época eu trabalhava no banco e minha esposa e eu morávamos na rua João Gentil. Um dia eu
estava voltando do trabalho quando vi minha mulher discutindo com um homem, era da prefeitura, na
época a SUMOV prestava serviço para a prefeitura. Tinham feito uma denúncia de que a árvore
estava atrapalhando a rua, minha mulher não deixou derrubar, ela brigou com o homem até que eu
cheguei e ajudei. Eu acho que deveria ter uma homenagem a ela nem que fosse ali naquela planta
mesmo, homenageando porque a árvore existe hoje por causa dela, ela não deixou derrubar. Era
uma mulher guerreira. Sempre que olho para a árvore, lembro dela...
52
As pequenas histórias do dia-a-dia cristalizam o tempo em espaço, pois as histórias
pessoais acabam se tornando histórias do lugar que se habita, bem como as histórias do lugar
acabam se tornando histórias pessoais. Essa reciprocidade constrói os espaços vividos,
52
Parte da entrevista de Airton Fontenelle como está destacada no painel.
103
porquanto se vida e lugar elaboram-se mutuamente qualquer modificação num acarretará
transformações no outro.
A importância dada aos aspectos físicos do espaço para a constituição da memória
coletiva parece se reafirmar na passagem destacada no painel acima citado. Entretanto, deve-
se compreender que as mudanças na cidade são muito aceleradas para que se possa ter no
espaço o maior vinculo das pessoas com o lugar. As transformações pelas quais a cidade
passa não permitem a estabilização de uma paisagem onde se fixa a memória coletiva. Esta
existe e se mantêm pelas lembranças e adaptações constantes sofridas a fim de adequar-se ao
novo contexto. O que fica nas pessoas são suas lembranças, seus hábitos e a imagem que
projetam do lugar, a qual é reconstruída a cada modificação, tendo como fundamento as
linhas anteriores (Halbwachs, 1990).
A vida cotidiana elabora os elementos que permitem a identificação com um lugar e
com as pessoas que o compõem. O memorial destaca as pessoas mais representativas e os
aspectos físicos da paisagem essenciais para a formação dos sentimentos pelo lugar. Além de
destacar as principais vivências e experiências do conjunto
53
.
Os painéis demonstram como o cotidiano constrói a memória de lugar, representando
as relações de sociabilidade estabelecidas pelos membros da confraria. Eles representam a
história da Gentilândia como é lembrada pelos habitantes
54
, por isso, contem muito das
relações diárias e dos sentimentos de apegos por ruas ou casas.
Quadro 1: Painéis do Memorial da Gentilândia
53
Painéis anexos.
54
Habitante aqui se refere tanto a residentes ou não residentes que se identificam com a Gentilândia e
compartilham de seu ethos.
Memorial da Gentilândia
Painéis Assunto
Gentilândia e sua Origem Família Gentil
Palacetes, Sobrados e Casarões Conjunto arquitetônico local
Vilas e Ruas Conjunto de residências erguidas pela imobiliária Gentil
S.A.
Gentilândia do Verde Preservação das áreas verdes
Feira Livre, Empresas e Serviços Comerciantes locais
Bondes e Ônibus Transporte e vias de acesso
A Fé Atividades realizadas pela igreja
Educação, Cultura e Lazer Colégios da área e Universidade Federal
Futebol Relevância do esporte para a identificação do local
Elas na Gentilândia Mulheres residentes no bairro que se destacaram na cidade
de Fortaleza
Personalidades Pessoas ilustres que visitaram o bairro ou nele residiram
Confrarias Agrupamentos de amigos que se reúnem no bairro
104
Lugares são espaços intensamente humanos porque possuem sentidos atribuídos pelos
sujeitos, gerando a identidade do lugar. O memorial pode ser interpretado como uma imagem
pública criada pela confraria para representar o seu lugar no bairro e nas colocações dos
confrades “o lugar mais tradicional de Fortaleza”. O lugar construído e representado no
memorial é composto pelas características físicas, pela história local e por seus habitantes.
Para os gentilandinos” um verdadeiro ethos que caracteriza os pertencentes e os não
pertencentes ao lugar. Esse ethos seria “... o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu
estilo moral e estético (...) é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que
a vida reflete.” (Geertz, 1978, p. 142).
Eu sou um saudosista, agora é como eu te disse a Gentilândia é um bairro diferente, tudo acontece
aqui primeiro e a gente curte o bairro de uma forma tão intensa. Veja aqui uma testemunha, esse
rapaz morou aqui, a infância dele foi aqui na Gentilândia. Hoje ele mora no Dionísio Torres, mas
todo sábado ele está aqui, ele é um dos organizadores dessa nossa reunião. A Gentilândia é um
estado de espírito, ela está sempre presente na vida da gente.
[...]
Hoje se diz que ela é associada a um bairro Cultural. É um bairro residencial familiar. Pode olhar
que não existe especulação imobiliária aqui, os moradores das casas são quase os mesmos, existe
uma tradição muito grande em conservar este estado de espírito das pessoas dentro do bairro. Esses
encontros já dizem da camaradagem que existe entre as pessoas.
55
A identidade de lugar partilhada pelos confrades, também, une moradores da área da
Gentilândia que não participam das reuniões. Gentilandino é uma identidade forjada a partir
da memória coletiva preservada pelos moradores e transmitida aos demais usuários do local.
As identidades territoriais não se formam apenas segundo uma paisagem particular que
caracterizaria o local e, por conseguinte, as pessoas que nele se estabelecem. Ela é uma
construção diferencial entre os elementos da paisagem e a experiência das pessoas (Haesbaert,
1999), formada na relação entre a memória coletiva e o espaço que ela significa.
De acordo com Halbwachs (1990), as ões dos grupos humanos se traduzem em
termos espaciais, pois cada detalhe do lugar contém em si mesmo um sentido que é inteligível
para os membros, porque cada aspecto do espaço representa diferentes estruturas da vida de
sua sociedade. Em sua interpretação da memória coletiva e da ligação desta com o espaço,
conclui que se as relações na sociedade e entre esta e o espaço mudam este não será mais o
mesmo e, portanto, a memória coletiva será outra.
A memória coletiva se compõe diariamente, pelos costumes dos sujeitos do lugar,
desempenhando o papel de um sistema simbólico que indica o funcionamento da comunidade.
55
C.S. organizador da Confraria do Cristiano.
105
Pois através dele se estabelece uma comunicação com o próprio entorno que caracteriza o
viver num lugar, além de apontar para as coisas ditas, feitas e amadas pelos que compõem a
comunidade.
Quando os painéis referentes ao futebol e ao comércio local são observados percebe-se
um destaque para os pontos de encontro e para principal atividade lúdica do bairro, como os
confrades a consideram
56
, tanto pela presença do estádio, quanto por nele terem sido criados
as duas equipes de futebol mais antigas de Fortaleza, o Ceará Esporte Clube, denominado
inicialmente Rio Branco, e o Fortaleza Esporte Clube, inicialmente, Stela. O futebol permitiu
aos integrantes da confraria uma sociabilidade ímpar, pois mesmo os que não foram
contemporâneos dos jogos nos campos de areia participaram do Gentilândia Futebol Clube
57
,
como técnicos, jogadores, massagistas ou diretores.
Figura 02: Painel Futebol do Memorial da Gentilândia em 2008.
A representação da Gentilândia no Memorial destaca que o ato de significar um lugar
liga-se as vivências pessoais e coletivas dos sujeitos, porquanto os depoimentos e recordações
56
Nos questionários preenchidos e em conversas informais foram realizadas referências ao estádio como uma
das formas de lazer existentes no bairro e como um dos destaques do Benfica.
57
Equipe de Futebol amador criada na década de 1930, campeã do Campeonato Cearense de 1956.
106
expostos têm como pano de fundo as épocas vividas e as experiências possíveis para cada um
(Halbwachs, 1990). Além da geração, o gênero destaca-se como elemento relevante nas
representações do lugar que os painéis mais extensos em tamanho e mero de fotografias
remetem a locais e a atividades de sociabilidade masculina
58
.
Assim, dos painéis destacados, anteriormente, pela representatividade, nota-se que
mesmo a escala do bairro sendo, na maioria das vezes, associada ao raio de atuação das
mulheres não se torna evidente no memorial, pois as referências são realizadas sempre para os
homens. Mesmo havendo um painel dedicado as mulheres, intitulado “Elas na Gentilândia”,
suas presenças estão associadas aos feitos extraordinários e não ao desenrolar da vida. Neste
painel estão presentes: Emília Correia Lima, mis Brasil em 1955; Anita Gentil, primeira
Chauffese de Fortaleza e filha do Coronel José Gentil Alves de Carvalho; Amélia Gentil,
última descendente da família gentil a se retirar do bairro; e Dagmar Moreira Leitão, esposa
de um ex-vereador de Fortaleza e fundadora de uma escola para pessoas especiais. Essas
mulheres para se fazerem presentes e para representarem no memorial tiveram de se destacar
em alguma atividade.
Acredita-se, não porque elas fossem consideradas irrelevantes, mas porque a
socialização com os idealizadores do memorial não fosse forte o suficiente para uma presença
mais marcante. Os diálogos estabelecidos em seus encontros semanais, versando em geral
sobre o futebol, as brincadeiras de criança parecem excluir a participação feminina, não
intencionalmente, mas pelo fato de as interações entre homens e mulheres na temporalidade
das experiências lembradas não serem intensas.
A religiosidade, outro tema abordado, é lembrada no memorial como uma forma de
interação entre as pessoas do bairro. Além de fazer referência ao processo de ocupação do
Benfica por comerciantes portugueses no final do século XIX, tendo em vista a invocação da
paróquia ser Nossa Senhora dos Remédios. A igreja teve participação ativa na socialização
dos confrades tanto pela participação nas atividades, normalmente, a ela atribuídas
59
quanto
pelos jogos promovidos pelos padres responsáveis por ela na quadra desta instituição.
Para a confraria o importante é festejar a Gentilândia” e o sentido de viver ou ter
vivido nela. Outro destaque no memorial é a referência no último painel a outros
58
São representados o comercio local, principalmente, os bares freqüentados nas décadas de 1950 e 1960; e as
atividades lúdicas relativas à equipe de futebol que levava o nome do local, o Campo do Prado e o Estádio
Presidente Vargas.
59
Batizados, casamentos, crismas etc.
107
agrupamentos que se encontram no bairro, são: Curiós e Curiós, Velha Guarda do Chaguinha
e Confraria do Cristiano.
As histórias contadas sobre suas vidas e a de seus companheiros se misturam a
evolução da Gentilândia. Esta é um dado relevante na vida de cada um e, simultaneamente,
reorganizado em cada narrativa presente nas contações de histórias semanais. Quando a
confraria fala sobre a Gentilândia torna-a um lugar vivido e revivido, no qual são impressos
significados que as ruas abertas pelo planejamento urbano jamais teriam sem a atuação
humana. Não é o espaço que permanece, mas a atitude adotada em relação a ele que se fixa na
memória e no habitus das pessoas (Halbwachs, 1990).
Canevacci (1997) destaca que as lembranças são mais relevantes para imprimir
significados do que o cenário material construído, pois as mudanças morfológicas impostas à
metrópole não permitem a permanência de estruturas significativas para a constituição das
identidades de lugar. O que permite, portanto, definir a experiência de lugar pelas relações
que nele foram estabelecidas, fato evidenciado pelas distintas lembranças dos confrades, as
quais podem ser agrupadas de acordo com os momentos vividos por cada um no bairro.
A vida das pessoas se confunde com o espaço, este não é o simples depósito de
construções materiais sem sentido. Ele assim como todas as coisas que existem sobre a terra
participa da vida das pessoas e, por isso, é significado pelos seres humanos. No caso da
vivência num lugar, este é permeado pelas práticas dos sujeitos. Ao contar a história de um
lugar sempre se fala da própria história e vice-versa, pois “... se as pedras se deixam
transportar, não é tão fácil modificar as relações estabelecidas entre as pedras e os homens...”
(Halbwachs, 1990, p. 136).
A Confraria da Gentilândia ajuda a ilustrar as relações que as pessoas estabelecem
com o espaço tornando-o parte de suas vidas de forma a lhes darem nome e identidade. Uma
identidade que serve não para nomeá-la, mas sobre tudo para identificar os sujeitos que
compartilham dos mesmos valores e sentimentos pelo lugar. No Benfica, a primeira distinção
entre a significação do lugar e a atribuição de sentido que se pode observar é a realizada pelos
próprios habitantes do bairro, dividindo-o em duas partes distintas o Benfica e a
Gentilândia
60
. Bairro e pedaço (Magnani, 1984), porquanto para os residentes dessa área ela é
o verdadeiro lugar”.
60
Nesta sessão será enfocada apenas a correlação de forças existente entre moradores do Benfica e da
Gentilândia na definição do lugar no bairro.
108
A caracterização da Gentilândia como parte boa do bairro está presente em muitas
falas dos residentes. Até quando estes a consideram parte do Benfica a destacam como setor
mais relevante. “O Benfica é um bairro e a gentilândia é um pedaço do bairro. Não
explicação o que tem de bom é Gentilândia, tudo que acontece de bom acontece aqui.”
61
.
3.1.2 A Identidade Gentilandina
A relação afetiva que os moradores estabelecem com o lugar fica clara quando se
verifica os depoimentos de confrades e moradores do Benfica. O raio de ação das pessoas que
vai da rua onde se reside as imediações da casa são os espaços eleitos para a estruturação do
espaço identitário, ou seja, o lugar. De acordo com Tuan (1983), o lugar é um espaço
significado pelas relações que os seres humanos estabelecem com o meio, a qual ocorre em
termos individuais e coletivos, pois cada pessoa está submetida as regras do grupo ao qual
pertence, mas também pode viver experiências intimas definidoras do sentido do seu lugar.
uma topofilia (Tuan, 1980) determinante das relações dos habitantes da
Gentilândia com o local que habitam tornando-o lugar. As relações são evidentes no memorial
e nos aspectos eleitos para serem expostos como relevantes para a construção da memória do
lugar. Os sujeitos reivindicam suas experiências como elementos importantes para a
significação dos lugares, e através da oralidade estas são transmitidas aos mais novos como
forma de proporcionar o conhecimento necessário para a inserção no lugar.
O lugar é valorizado como o centro das experiências mais significativas na vida das
pessoas, suas biografias confundem-se com a história dos lugares, ou estórias já que no
momento da significação algo é inventado e se incorporado ao real (Tuan, 1985).
É porque a gente ama aquilo ali, a Gentilândia dos mais velhos, até os mais novos , você que hoje
tem gente ali na nossa mesa, gente nova ali com a gente, que vai conhecendo o que foi a Gentilândia
como agora você está conhecendo.
A Gentilândia tem de tudo ali, o que você procurasse na Gentilândia tinha, aqueles que ainda hoje
restam, que sobrevivem, são poucos que você pode interrogar o que era a Gentilândia. Era fabulosa
um dos bairros mais ricos como o Jacarecanga, mas a Gentilândia é Gentilândia nunca vai deixar de
ser, se a gente pudesse a gente se enterrava lá, ficava mais perto das visitas.
[...]
61
Fala de E. C. 81 anos, quando adolescente morou no entorno da Gentilândia. Atualmente, mora na Rua Júlio
César.
109
Então, a Gentilândia é como uma mulher bonita todo mundo quer, e eu não sei mais nem o que falar
dela, porque falar da Gentilândia é falar da minha vida, é trazer muita coisa que vai me dar saudade,
eu não estou muito forte para saudade, os olhos parecem que vão secando as lágrimas não correm
mais com aquela força, com aquele peso, mas eu acho que depois da minha família, da minha mulher,
da minha mãe, eu acho que foi a mulher que eu mais amei foi a Gentilândia.
[...]
Então a minha vida foi aqui, mais a Gentilândia, porque quando eu tenho um tempinho estou
telefono “Beto a turma está ai, tem alguém hoje ai”, e então é isso.
Quem chega por aqui é assim, pode ter amores antigos, mas troca logo pelos amores da Gentilândia.
62
Segundo Tuan (1985), a identidade de lugar é a característica física, a história e como
as pessoas fazem uso do passado para promover uma consciência acerca dos lugares,
comparando-os com as pessoas que para o autor são: sua biologia, seu passado, as influências
acidentais e a maneira como vêem o mundo. Os lugares são suas construções físicas, a
histórias que os moldou e a biografia das pessoas que o habitaram ou o habitam.
A essa definição de espaço apropriado por um grupo Haesbaert (1997) acrescenta as
relações políticas estabelecidas entre os sujeitos as quais ocorrem no nível do desenrolar da
vida diária. Haesbaert considera a identidade territorial uma identidade social onde um dos
aspectos fundamentais para sua estruturação é a referência a materialidade do espaço
condensadora da memória do grupo.
As identidades territoriais são, assim, localizadas espacial e temporalmente, pois ao
serem produzidas no curso da existência das pessoas tem seus referenciais construídos a partir
da eleição de eventos e lugares do passado chamados, a fim de edificar uma coerência, para
representar o sentido atualmente atribuído ao lugar. No caso da Gentilândia e do memorial
elaborado para representá-la como lugar de memória em Fortaleza, pode-se destacar o painel
Educação e Cultura onde estão presentes antigos colégios e a UFC como se esta fosse uma
continuidade dos grupos escolares e escolas domésticas antes existentes no bairro.
A identidade territorial constitui-se de aspectos subjetivos e objetivos, pois a dimensão
concreta do espaço constitui um dos aspectos sustentadores das identidades que têm o espaço
como fonte de identificação. Nesse até as casas construídas na década de 1930, mesmo que
poucas ainda existam, bem como, a antiga residência do Cel. José Gentil Alves de Carvalho,
atual reitoria da UFC, servem como símbolos da identidade de lugar.
Pol (1994) destaca que o processo de identificação ocorre em duplo sentido, do espaço
para o sujeito e do sujeito para o espaço, pois este não é um elemento morto a espera de uma
62
A. M. morador do Benfica, na rua Dom Jerônimo.
110
significação, ele também é um determinante na constituição das identificações humanas. No
caso das identidades regionais a expressão dessa relação dialógica fica mais evidente já que os
tipos humanos atribuídos a cada região são caracterizados a partir dos aspectos naturais do
local. No caso de identificações numa escala menor e dentro de uma cidade, monumentos,
mansões e residências se relacionam as memórias dos habitantes para formar a identificação.
Na Gentilândia, as poucas residências que ainda não sofreram modificações para
adaptarem-se as necessidades dos atuais moradores são utilizadas como emblemas da
identidade de lugar. Até a reitoria da UFC é apropriada pelos moradores como elemento que
garante a identificação com a tradição. A própria mudança serve para salientar a importância
do lugar.
A reitoria é um lugar lindo, para imaginar que alguém morava ali. Hoje ela representa um pólo
cultural para a cidade, é a cede do poder da universidade. Todas as colações de grau acontecem ai,
aqui fica uma loucura, tem gente que nem sai de casa, porque quando volta é difícil colocar o carro
na garagem. Ela foi, há muito tempo, residência dos Gentil, mas hoje tem outro significado, é como se
ela destacasse a importância desse lugar para a cidade. Nesse bairro (Gentilândia) as pessoas gostam
de tradição, memória e cultura, todo mundo conhece, uns mais outros menos, a história da cidade e
daqui, porque é um bairro muito antigo.
63
A identificação das pessoas com o lugar permanece ainda que muitas mudanças na
paisagem sejam observadas, o pouco que ainda está presente na Gentilândia é usado como se
fizesse parte de um conjunto arquitetônico diferenciado do restante da cidade. A identificação
constituída pelo reconhecimento com o lugar toma como referências concretas elementos de
uma paisagem pretérita e, por isso, acredita-se que essa identidade esteja mais vinculada ao
poder dos habitantes locais em tornar um local sem distinções aparentes um território
diferenciado no Benfica. De acordo com Haesbaert (1997, p. 50), “Não é propriamente o
espaço que vai fundar uma identidade, mas a força política e cultural dos grupos sociais que
nele se reproduzem e sua capacidade de produzir/estimular uma determinada escala de
identidade, territorialmente mediada.”.
A dimensão simbólico-afetiva do lugar, no entanto, não existe isoladamente. uma
dimensão política, pois os homens constroem uma topofilia e um sentimento de pertença e de
propriedade. Além do mais a identidade de lugar não se forma exclusivamente pelos vínculos
com o lugar, existem as relações que as pessoas estabelecem entre si, com o outro, a partir das
quais definem suas identidades.
63
R.C. morador da Gentilândia.
111
As residências aqui são diferentes do resto do bairro, se você olhar bem, muita coisa mudou, mas tem
coisas que permanecem quase as mesmas. Quando ando pelas ruas daqui, todo dia de manhã eu faço
uma caminhada, olho para os lugares e me lembro de como as coisas eram e com elas ainda são. Veja
ali, nessa rua (Padre Francisco Pinto) tem duas casas lindas uma na esquina da redenção e outra na
esquina da Nossa senhora dos Remédios. As pessoas que moram ainda deixam tudo como era
antes.
Mas muita coisa está diferente, a maioria das casas foi modificada?
Mas mesmo assim, elas permanecem. A reitoria, por exemplo, foi modificada ela não era desse
tamanho tinha umas vilas ai dentro, mas ninguém nunca vai dizer que não era a casa do Cel. José
Gentil. As coisas mudam e ao mesmo tempo permanecem, sabe? É como se mesmo com a modificação
sempre que se passa aqui você lembra, porque ninguém pode impedir ninguém de lembrar. E de certa
forma as coisas são parte da nossa vida.
A maioria das pessoas quando a vê associa ela a universidade e não a família Gentil?
É. São pessoas que não conhecem a história, por que gentilandino conhece, conhece e preserva, conta
pros filhos e netos. Os meus conhecem eu mostro as coisas pra eles e digo o que tinha antes, quando
você conta a coisa se perpetua...
64
aqui uma simbolização do lugar pelas lembranças do sujeito, a referência é
chamada pelo que já não representa e pelo que é, como se ao mesmo tempo uma servisse para
reforçar a outra. Também há uma identificação do gentilandino como perpetuador da memória
do lugar através da transmissão de informações para as novas gerações as quais multiplicarão
a identidade de lugar.
Os emblemas do lugar contrapõem-se ao restante do bairro, como se este tivesse uma
paisagem radicalmente diferente da Gentilândia. Chamam-se as casas simples e,
posteriormente, a reitoria da universidade, imóvel com arquitetura mais imponente da área,
como símbolos de distinção. Essa fala avulta o pouco que existe para realçar uma suposta
distinção. Concomitantemente, ela destaca que se uma identidade, há uma diferença que
não é um estado estático, mas uma relação com o outro, num movimento incessante criador de
diferenças e, por isso, a todo momento fixos distintos são chamados a demonstrar a
originalidade da identidade.
A diferença não é a origem das identidades, mas o resultado do processo onde
identidade e diferença se constroem. Ambas são produzidas, o ponto inicial é a relação que
funda o processo de diferenciação (Silva, 2004). Assim, a identidade é uma construção
histórica e relacional onde significados sociais e culturais norteiam uma diferenciação entre
grupos e entre indivíduos.
Para Hall (2005) as identidades estão sempre em processo e, portanto, elas são
dinâmicas estão abertas às contingências. São construídas ao longo de discursos, práticas e
64
E. C. 81 anos.
112
posições muitas vezes antagônicos, mas que no momento aparentam uniformidade. Por serem
históricas elas são sofrem transformação e mudança constantes.
As falas dos residentes da Gentilândia apontam entrelaçamentos entre acontecimentos
que representavam mudança e num outro momento são chamados como formas contínuas.
Cabe considerar o trabalho seletivo da memória das pessoas ao falarem sobre os aspectos
mais relevantes do local, mas a fim de construírem uma narrativa homogênea do lugar
descrevem acontecimentos de mudanças como elementos perpetuadores da continuidade.
Para Hall (2004) a historicidade faz das identidades um processo e, portanto, deve-se
usar o termo identificação que permite ver as re-significações dos discursos constituidores das
práticas e das representações dos diferentes sujeitos. Segundo o autor:
A identificação é, pois, um processo de articulação, uma suturação, uma
sobredeterminação, e não uma subsunção. sempre ‘demasiado’ ou ‘muito
pouco’ uma sobredeterminação ou uma falta, mas nunca um ajuste completo uma
totalidade. Como todas as práticas de significação, ela está sujeita ao jogo da
différence. Ela obedece a gica do mais que um. E uma vez que, como num
processo, a identificação opera por meio da différence, ela envolve um trabalho
discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas, a produção de
‘efeitos de fronteiras’. Para consolidar o processo, ela requer aquilo que é deixado
de fora o exterior que a constitui (Hall, 2004, p. 106).
Assim, os gentilandinos recorrem o tempo inteiro a aspectos da paisagem como a
diferenças entre eles e o Benfica para afirmarem a identidade de lugar. Hall (2004) destaca a
insuficiência das identidades e, por isso, elas buscam o outro para afirmarem-se. É na relação
com o que não são que as mesmas ganham sentido e encontram eficácia, um reconhecimento
pela distinção com o outro.
O diálogo e o conflito forjam as identidades, estas são posições relacionais assumidas
pelos sujeitos visto serem construídas dentro e não fora da diferença. Como toda relação de
significação, as identidades são construídas em relações de poder ou de forças que se mostram
como o aparentemente dado é construído, produzido e sofre adaptações constantes para
manter-se na posição que ocupa. Segundo Cruz (2007, p. 20) é “... num jogo de corte e
recorte, colagem e repetição de enunciados, imagens e símbolos, que a identidade produz o
consenso, a ação e a mobilização”.
As pessoas e os lugares ganham sentido por meio da atribuição de diferentes posições
num sistema classificatório, por isso, a marcação da diferença é essencial para a
113
caracterização das identidades. Woodward (2004) salienta que a diferença deve ser pensada
como o desequilíbrio de poder na relação, seja ela binária ou não. Desequilíbrio onde alguns
termos são sempre mais valorizados que outros, e neste o significado é fixado. De acordo com
a autora, o significado não é ele está presente e como um ‘traço’, constituído a partir da
relação entre significado e significante. Nesta afirmação tem-se a relação entre o objetivo e o
subjetivo como elementos preponderantes na constituição de uma identidade, a relação entre o
que existe e os meios simbólicos pelos quais as coisas são significadas.
Na Gentilândia, ainda que a identidade seja formada pela relação das pessoas com o
meio e passada através das gerações, há uma relação entre as diferentes partes do bairro a fim
de construir dento do Benfica uma área supostamente, mais tradicional e outra menos
tradicional. Aqui cabe verificar como isso ocorre? E como a relação consegue se perpetuar?
3.1.3 O Benfica e os Gentilandinos
A identidade de lugar reivindicada pelos moradores da Gentilândia os põe em relação
de oposição com os residentes do Benfica. De forma velada, há uma disputa entre os
gentilandinos e os “benfiquenses”
65
, pois estes questionam o motivo pelo qual a Gentilândia
é considerada mais tradicional que o restante do bairro. Haesbaert (1999) destaca que
identificar-se é sempre um processo relacional, onde se estabelece um diálogo com o outro o
qual se busca diferenciação e, por isso, os elementos reivindicados para a distinção nunca são
os mesmos se adaptam as circunstâncias, segundo este autor trata-se de um processo múltiplo
e não uno.
Como toda identidade social a identidade de lugar é relacional, ou seja, depende para
existir de algo que esteja fora dela, um outro que a espelha e da qual ela se distingue
(Woodward, 2004). Ela é marcada, sobretudo, por símbolos que representam a diferença entre
as partes, no caso dos gentilandinos, a diferença entre estes e o restante dos moradores do
bairro é apresentada de duas formas: 1) a sociabilidade local, apontada nas entrevistas como o
hábito de sentar-se na calçada e estabelecer relações de vizinhança, referente ao tempo de
residência da maioria dos moradores e 2) a resistência das residências antigas, esta vinculada
65
Essa expressão não é usada pelos moradores de outras áreas do bairro, ela é usada aqui apenas para marcar a
oposição.
114
a sociabilidade que impediria a inserção de atividades comerciais na área e a implantação de
condomínios.
Além disso, o restante do Benfica seria perpassado pela presença de casas alugadas
por estudantes em forma de repúblicas e prestação de serviços, principalmente, os vinculados
a universidade que não permitiriam a comparação entre a Gentilândia e outras partes do
bairro.
Entretanto, a pesquisa demonstrou que as características indicadas como
diferenciadoras das partes se expressão na área total do Benfica, tanto as que fazem da
Gentilândia tradicional quanto do restante do bairro não tradicional.
Segundo os gentilandinos, não há condomínios na área por eles ocupada em virtude da
resistência dos moradores ao processo de verticalização da cidade, favorecendo relações
estreitas de sociabilidade na vizinhança, mesmo num dos bairros mais movimentados da
cidade e próximo ao centro. No entanto, pode-se apontar que a ocupação do solo de forma
compactada, com lotes pequenos seguindo a regra dos locais de ocupação antiga na cidade
não favorece a instalação de condomínios no local, que a compra de lotes de terras de
diferentes proprietários seria mais dispendiosa. Verifica-se a presença de condomínios nos
limites da antiga propriedade do Sr. José Gentil onde, segundo as entrevistas nas décadas de
1940 e 1950, estavam as margens e o sangradouro do riacho Amaral, servindo na estiagem
como campo de futebol.
Outro elemento apontado é o tempo de estada dos moradores e o caráter residencial da
área. No entanto, em outras áreas do Benfica há residentes tão antigos quanto os ali presentes,
além disso, ao se caminhar pelas ruas internas que compõem a Gentilândia é possível perceber
a ocupação de antigas residências por empresas de prestação de serviços, fato que a faria ser
comparada com o resto do bairro.
Os entrevistados residentes na Gentilândia afirmavam com freqüência o fato de todos
se conhecerem, como se a vizinhança fosse formada por uma grande família. É verdade que
muitos parentes se estabelecem próximos uns dos outros, mas a presença de atividades
apontadas pelos mesmos como elementos que descaracterizariam o Benfica também estão
presentes na área apontada como a mais tradicional.
É o espaço físico. Em função da família Gentil esse pedaço passou a chamar-se Gentilândia, mas ele
é um bairro dentro do Benfica. Eu acredito até que existia um projeto, mas não foi aprovado. O
115
Benfica cresceu muito, mas a Gentilândia está quase do mesmo jeito, aqui ainda se coloca cadeira na
calçada, o que se deve as famílias as mais antigas, as mais tradicionais conservaram esse hábito.
66
......................................................................................................................
Não vejo diferença entre a Gentilândia e o Benfica. Eles afirmam muitas vezes que são tradicionais,
mas eu não entendo como. Como? Se as mudanças foram maiores do que aqui, porque a
universidade fica mais próxima de lá, então as mudanças são maiores. Aqui mudou muito, minha mãe
até falou pra você. Mas foi para o progresso, depois dessa rua (Senador Pompeu) tinha mato,
agora tem casas, uma outra cidade. Foi isso que mudou.
67
As falas anteriores são de um morador da Gentilândia e outro do Benfica, quando
confrontadas demonstram como é a relação entre os residentes. De certa forma, evidencia-se
um conflito entre ambos em virtude da crença de que uma área é mais tradicional que outra.
Ambos buscam na paisagem e nas relações de vizinhança argumentos para assentar suas
posições. Essa diferença se reflete na forma como o bairro é representado em Fortaleza.
A atribuição diferenciada de valor a áreas do Benfica se evidencia quando as
reportagens que informavam sobre a inauguração do Memorial da Gentilândia são analisadas.
Nestas são identificadas dois conjuntos: um que considera a Gentilândia parte mais tradicional
do Benfica e outro que a considera um bairro autônomo, usando como justificativa a
tradicionalidade.
Dois fatos importantes marcaram a vida dos moradores e nativos do bairro Gentilândia em 2006. O
primeiro foi a comemoração dos 50 anos da conquista do campeonato cearense de futebol pelo time
do Gentilândia em 1956. (...) O segundo fato foi a inauguração do ‘Memorial da Gentilândia’, onde a
memória do bairro é resgatada com riqueza de detalhes desde a construção das primeiras casas até
os dias de hoje.
68
....................................................................................................
Espaço de resgate da memória histórica de um dos bairros mais tradicionais de Fortaleza.
Inaugurado em dezembro de 2006 por iniciativa dos amigos da Confraria da Gentilândia, o memorial
relata através de fotografias, depoimentos e escritos, aspectos do bairro da Gentilândia...
69
......................................................................................................
Um espaço de resgate da memória histórica de um dos bairros mais tradicionais de Fortaleza. Assim
é o Memorial da Gentilândia inaugurado em no dia 15/12/2006, localizado na rua padre Francisco
Pinto nº. 128, Benfica.
70
......................................................................................................
66
C. S organizador da Confraria do Cristiano.
67
F. C residente na rua Marechal Deodoro próximo a avenida Domingos Olímpio.
68
Diário do Nordeste, 02 de fevereiro de 2007. Opinião – Cartas e e-mails. Gentilândia.
69
O Povo, 23 de janeiro de 2007. Agenda Vida & Arte. Em destaque.
70
Rota do Sol, 31 de janeiro de 2007. Resgate histórico de um bairro charmoso.
116
Um resgate da história de um dos locais mais tradicionais de Fortaleza, a Gentilândia no bairro
Benfica. Assim é o memorial da Gentilândia, que reúne fotos e depoimentos de moradores...
71
O primeiro trecho destacado foi escrito por um morador da Gentilândia e publicado na
coluna de opinião do leitor, demonstrando a diferenciação que os moradores da área fazem
entre si e o restante do Benfica. As demais reportagens são das colunas que informam sobre
eventos e atividades culturais a ocorrerem em Fortaleza. As reportagens evidenciam a
projeção da identidade gentilandina na capital, pois as três consideram a Gentilândia local
tradicional e duas delas a destacam como bairro autônomo.
Segundo Agier (1998) o bairro como “lugar urbano” pode ser definido de duas
maneiras. A partir de uma visão de fora onde o mesmo é visto no contexto da cidade e uma
visão de dentro onde sobressaem as relações entre os moradores e seus trajetos. No caso do
Benfica essas duas visões se confundem de forma a quase não haver contradição entre a forma
como a Gentilândia é representada na cidade e a forma como seus moradores a representam.
Tendo em vista ser continuamente interpretada como bairro tradicional ou como parte mais
tradicional do bairro.
Os residentes do Benfica não concordam com a identificação da Gentilândia como
bairro e, sobretudo, de sua identificação como local mais tradicional. Assim, indaga-se, por
que os residentes dessa área conseguem atribuir para si esse valor e projeta-lo para o restante
da cidade?
Buscou-se, para elucidar esse questionamento, uma obra de Norbert Elias e John
Scotson (2000) na qual se analisa o caso da comunidade inglesa de Winston Parva, onde
habitantes que possuíam maior tempo de residência atribuíam para si um valor mais elevado
que os recém estabelecidos, identificando-os por características pejorativas. Utilizando para
tanto a fofoca como meio de reprimi-los e domina-los, tanto para que não houvesse mistura
entre os moradores, quanto para lembrar aos outsiders o diferencial de valor entre eles
existente.
As opiniões de cada um sobre e o seu bairro e os bairros vizinhos, nesse contexto
como em muitos outros, não eram inicialmente formadas por cada indivíduos para
si mesmo; formavam-se no âmbito de uma troca de idéias contínua dentro da
comunidade, no decorrer da qual os indivíduos exerciam considerável pressão uns
sobre os outros, para que todos se conformassem a imagem coletiva da comunidade
na fala e no comportamento... (2000, p. 54-55).
71
O Povo, 24 de dezembro de 2006. Fortaleza. Memorial resgata história da Gentilândia.
117
No caso da Gentilândia é a reprodução do valor superior pelos residentes locais que
sustenta a diferença. A identificação dessa área do Benfica como tradicional é fato
estudado
72
, no entanto nunca se problematizou o diferencial de valor atribuído ao tempo de
residência pelos moradores para se destacarem do restante do bairro e como essa
diferenciação é vista pelos “menos tradicionais”.
Elias e Scotson (2000) consideram que o vel de organização é o responsável pelas
diferenças existentes na comunidade de Winston Parva, avaliando que o diferencial de coesão
era uma faceta do diferencial de poder. Da mesma forma, pode-se considerar que é a
organização dos moradores da Gentilândia o fator preponderante para reproduzir a diferença.
Exemplo é a publicação de artigos e notas por dois colunistas um do jornal Diário do
Nordeste e outro do jornal O Povo
73
, indicando a Gentilândia como bairro tradicional.
No jornal O Povo, em 06 de abril de 2007, foi publicado em comemoração ao
aniversário de um poeta fortalezense um roteiro sobre os lugares mais freqüentados por ele na
cidade, um dos quais é a Gentilândia, sendo ele também o responsável pela coluna de
crônicas, neste mesmo periódico, na qual se com freqüência referências a esse local. O
responsável pela coluna no Diário do Nordeste reside na Gentilândia desde que nasceu e,
também, propaga a sua peculiaridade na cidade por meio de comentários nos programas de
rádio e televisão onde participa como colaborador. Um dos comentários do locutor no
programa afirmava a Gentilândia como a “Aldeota do Benfica”
74
,identificando o valor que os
moradores da área atribuem para si e seu status superior diante dos residentes de outras áreas.
Uma das formas de perpetuar a Gentilândia como área superior é através da “herança
sociológica”
75
onde os filhos herdam dos pais valores e preconceitos transmitidos pela
educação (Elias e Scotson, 2000), divulga-la como lócus da tradição por meio de matérias de
jornais e registrar a memória coletiva numa exposição itinerante são formas de transmitir as
gerações mais jovens o sentido do lugar no bairro. Essa herança é fundamental quando se fala
do carisma superior, pois, em geral, esse se fundamenta nos julgamentos que o grupo faz de si
mesmo.
72
Vasconcelos nior (1999) analisou a sociabilidade dos moradores da Gentilândia e Nascimento (2002) que
usou a história oral para avaliar as relações afetivas entre a Gentilândia e seus moradores.
73
A partir do final da década de 1930 é possível encontrar reportagens no jornal O Povo, indicando a
Gentilândia como um bairro, em função da organização das residências ali construídas, as quais para a época
possuíam a melhor infra-estrutura da cidade, com abastecimento de água, fornecimento de energia elétrica e
fossas comuns proporcionados pela Imobiliária Gentil S. A. responsável pelo empreendimento. Jornal O Povo,
de 16 de dezembro de 1937, O bairro da Gentilândia ficou sem transporte.
74
Aldeota é um bairro da zona leste de Fortaleza, possuindo um dos metros quadrados mais caros da cidade.
118
A reafirmação constante da Gentilândia como área ou bairro tradicional é elemento
que garante a permanência do valor diferenciado. Quando um morador afirma seu local de
estada como melhor ajuda a perpetuá-lo como tal, além de tornar a minoria que representa
mais visível. Assim, as notícias e informações veiculadas para toda a cidade são auxiliadas
pelas práticas e falas diárias que sedimentam o sentido do lugar.
Ao conversar com um morador da Gentilândia sobre as diferenças entre os blocos de
pré-carnaval existentes no Benfica, ele informou conhecer todos os blocos que se
apresentavam no bairro, mas que o carnaval mais tradicional era o que ocorria na rua onde
residia, que na década de 1990 nos sábados a tarde realizava-se na Praça José Gentil o
Quem de Benfica, considerado precursor dos blocos pré-carnavalescos de Fortaleza. Indaguei
se ele sabia que havia um bloco de pré-carnaval na Rua Marechal Deodoro com 10 anos de
existência. Ele informou que os responsáveis por esse bloco tinham inveja da Gentilândia,
pela sua tradicionalidade; indicando, na expressão facial, certo desprezo pela possibilidade de
haver tradição no referido logradouro.
No entanto, esse conflito existente entre os gentilandinos” e os moradores do Benfica
não faz o bairro ser definido por seus residentes como menos tradicional em relação a
qualquer outro da cidade. Aqueles afirmam que a tradicionalidade” é uma singularidade do
todo. Gentilândia e Benfica formam um conjunto distinto dos outros bairros da capital,
mesmo aqueles mais antigos como o Jacarecanga. Ao utilizar a expressão “coração do
Benfica”, indicam que ambos são parte de um único conjunto, mas a Gentilândia seria o
centro produtor e difusor da tradicionalidade. Assim como na anatomia humana, onde o
coração é o responsável por distribuir o sangue.
A relação entre os residentes da Gentilândia e do restante do Benfica deve ser
interpretada como uma relação de forças na qual o produto é a valorização diferencial de
porções do espaço. Esta é fruto das relações que as pessoas estabelecem com o lugar, por
meio de suas vivências, e entre si; sendo, portanto, fruto de relações de poder, pois este está
presente em todas as relações humanas, atuando por um equilíbrio instável de forças (Elias e
Scotson, 2000) inclusive nas que atribuem valor as pessoas e aos lugares.
Ao entrevistar moradores nas proximidades do centro da cidade eles afirmaram não
haver diferenças entre o bairro e a área destacada, por outros residentes como tradicional,
demonstrando conhecimento sobre a forma planejada como as residências foram erguidas ali
na década de 1930. Mas enfatizaram a diferença entre o bairro e o restante de Fortaleza,
informando que mesmo com as alterações sofridas para se adaptar a modernização da cidade,
119
as relações de vizinhança matem-se quase inalteradas e mesmo os novos moradores, dentre
eles os estudantes universitários, se estabelecem por serem pessoas de bem” adaptadas ao
ethos local.
Aponta-se uma distinção entre o Benfica e o resto da cidade, unindo “benfiquenses” e
gentilandinos”, pois mesmo com a diferenciação interna uma comunhão da noção de
singularidade local. Remetendo as correlações de forças estudadas por Elias
76
(2001) para
evidenciar que a homogeneidade dos grupos que se relacionam na vida social é apenas
aparente, porquanto classes ou grupos apresentam inúmeras diferenciações internas expostas
quando se busca o nível das relações e das interdependências entre os indivíduos. Porquanto,
o Benfica não é um bairro homogêneo para os que nele residem, mas exibe-se desta forma
para residentes de outros bairros da capital cearense.
Essa distinção entre o Benfica e o restante da cidade evidencia-se quando se fala na
delimitação da Gentilândia como bairro autônomo
77
. Muitos moradores a vêem como parte do
bairro na qual não seria possível estabelecer uma delimitação, por ela ser maior que qualquer
delimitação territorial possível, pois esta não seria capaz de demonstrar seu valor e
importância na vida dos habitantes. As passagens a seguir ilustram como a fixação de limites
é vista por alguns residentes
78
.
A Gentilândia é um ponto de encontro e reconhecimento. A delimitação geográfica excluiria pessoas
que moram fora dos limites, mas que pertencem ao ambiente vivido.
............................................................................................................
Não diferença a Gentilândia faz parte do Benfica e o Benfica da Gentilândia. Mas a Gentilândia
mora no coração da gente, ela não tem delimitação, começa e termina no coração da gente.
A delimitação territorial da Gentilândia é assunto que divide os moradores do local,
alguns acreditam que ela estaria em posição de destaque caso a área fosse demarcada, outros
não crêem ser necessário, pois seu status não se modificaria. Nas passagens percebe-se que
mesmo quando não consideram necessário delimitar acreditam na superioridade local,
76
Elias busca evidenciar as figurações constituídas pelos indivíduos que mantêm o funcionamento do regime
absolutista de Luis XIV, estas figurações são de acordo com o autor sustentadas por um equilíbrio instável de
forças, dentro da nobreza francesa e desta com as outras classes sociais existentes.
77
Em 10 de dezembro de 1999 o projeto de lei nº. 0434/99 denominava Gentilândia um bairro de Fortaleza com
delimitação a ser definida pelo Poder Executivo Municipal. Entretanto, a prefeitura nunca instituiu a delimitação.
Segundo os moradores que apoiavam o projeto isso ocorreu em virtude do desencontro de opiniões entre os
residentes da área, pois não se chegou a um acordo acerca dos limites do bairro.
78
Falas são transcritas do diário de campo, vale ressaltar que nenhum desses senhores é residente da Gentilândia.
Ambos residem no Benfica, respectivamente, nas ruas Tereza Cristina e Dom Jerônimo.
120
demonstrando que mesmo permanecendo como único e, a primeira vista, homogêneo o
Benfica como lugar é constituído por uma correlação de forças.
A partir disso, vê-se que dar sentido não é um fato independente na vida. O sentido é
fruto de uma relação entre elementos, representando os anseios coadunados das distintas
partes, pelo menos, é desta forma que se apresenta. Parte dos moradores acredita que o local é
um bairro autônomo, outra parte o como porção mais importante, mas ambas acreditam no
diferencial de valor dessa área que a tornaria lugar e que também tornaria o Benfica lugar.
A questão do ethos local fica clara nessas falas, porquanto muitos gentilandinos
residem em outras áreas do Benfica, ou mesmo nunca residiram neste. A característica
simbólica da identidade de lugar apresenta-se de forma clara quando se afirma não ser
necessário delimitar o local para sua existência real, “A Gentilândia é mais do que isso, cada
um entende de uma maneira. Ela é infinita no coração da gente”.
Se não há uma delimitação territorial, há uma demarcação simbólica do lugar. A
Gentilândia não é apenas a antiga Vila Gentil, até porque as edificações guardam pouco das
características originais, ela representa um conjunto de experiências vividas constitutivas das
lembranças de cada sujeito, sejam os moradores antigos ou os freqüentadores dos campos de
futebol e das quermesses da igreja. É o ethos que compõe as fronteiras do lugar, e o maior
exemplo é a toponímia local, tanto que se a área deixasse de ser assim nomeada
provavelmente perderia o sentido a ela relacionado.
Corrêa (2003), ao estudar a dimensão cultural do espaço urbano, destaca que o ato de
nomear parcelas do espaço significa marca-lo. A toponímia expressa uma apropriação que
funciona como elemento identitário, esse nomear é considerado um ato político e cultural.
Tanto a nomeação de parcelas do espaço urbano pelo executivo municipal como as
atribuições realizadas pelos habitantes de um lugar, estabelecidas pela apropriação informal
79
,
devem, segundo o autor, ser consideradas atos demarcadores, pois “Nomear os lugares é
impregná-los de cultura e de poder.” (Claval, 2007, p. 202).
Assim, a Gentilândia dentro do Benfica é um ato da apropriação informal dos
moradores. De acordo com Claval (2007), batizar lugares é transformá-los em objeto de
discurso impondo sentidos instituídos pelo grupo que o pode realizar.
79
Correa (2003) faz a distinção entre apropriação formal e informal para diferenciar as ões dos habitantes do
lugar das ações instituídas pelo poder público na significação dos lugares, outros autores utilizam os termos
apropriação e dominação do espaço.
121
Durante o pré-carnaval 2008, um bloco que se concentra nesta praça deu informações
sobre as atividades da sexta-feira seguinte e informou sobre a concentração no sábado a tarde
no mesmo local de bloco um chamado Adeus Amélia. Um dos organizadores chamou a Praça
de Antônio Gentil, nome de um dos filhos do antigo proprietário da chácara. Uma estudante
dirigiu-se a ele e informou que o nome era João Gentil, por fim uma moradora da Rua João
Gentil lhes informou que a rua contígua assim se chamava e o nome da praça era José
Gentil
80
. Entretanto, estabeleceu-se entre eles uma discussão, que durou quase dez minutos,
acerca de quem tinha a razão, ao final, concluíram que o nome era pracinha da Gentilândia e,
desta forma, não haveria motivo para discussões, pois todos a reconheceriam.
Naquele momento poucos pareciam saber o nome da praça e para muitos pouco
importava, que cotidianamente, ela é denominada pracinha da Gentilândia. Se chamada
pelo seu nome oficial poucos a reconhecem. A toponímia oficial é quase desconhecida, mas o
uso Gentilândia se arraigou na mente das pessoas de forma a constituir a identificação
principal. Até informativos distribuídos pela Prefeitura Municipal de Fortaleza ao público,
GLBTTT, freqüentador da praça, a identificam desta forma.
A Praça José Gentil ao ser identificada como pracinha da Gentilândia, revela uma
apropriação simbólica. A nomeação da praça é uma manifestação do poder da identidade de
lugar para se impor, este seria um poder simbólico como Bourdieu (1998, p. 7-8) o define “...
um poder invisível o qual pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem
saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem...”.
A mudança na toponímia da praça demonstra a sutileza da atuação do poder simbólico
de uma identidade tecida a partir dos afetos dos habitantes para com o lugar e da
contraposição com o Benfica. Baseando sua consistência nos aspectos concretos do lugar.
Atribuir sentido ou identificar parcelas do espaço urbano é um ato que demonstra o
poder de um grupo para impor aos demais “sua visão” sobre a essência de um lugar. Sua
visão, porque não se considera que os lugares possuam uma imanência que os distingue dos
demais eles são diferencialmente valorizados simbolicamente (Cosgrove, 2003). Quando a
Gentilândia é colocada como centro da tradição, o resto do bairro é hierarquizado de acordo
com as características que se acredita, ou não, nela existirem. Ela passa a ser o parâmetro a
partir do qual se atribui valor ao restante do Benfica.
80
A lei . 982, instituída em 14 de setembro de 1955, denomina Coronel José Gentil Alves de Carvalho a praça
existente no bairro Benfica. Na época única praça urbanizada, pois a praça da feira na rua Santo Antônio foi
organizada na década de 1990.
122
A situação descrita serve para ilustrar a forma como os significados são negociados no
cotidiano. A Gentilândia transcende a identificação do local com a família que a loteou e
fundou na década de 1930. Cada uma das pessoas descritas na situação anterior representa o
conjunto de relações no qual o lugar está envolvido a fim de lhe atribuir sentido. Os atores
presentes na ocorrência descrita são exemplos de quais sujeitos estão presentes no bairro e
demonstra como o sentido estabelecido na relação entre moradores é vivido pelos demais
sujeitos que se apropriam do bairro.
Como destaca Haesbaert as identidades são tanto mais eficazes quanto maior a sua
capacidade de esconder que são produzidas por relações sociais, entre pessoas e entre estas e
lugares. Elas são mais aceitas quando o conjunto de relações que as constitui estão abaixo de
um aspecto tido como natural e por isso invariável e inquestionável.
O poder da identidade social é tanto mais forte quanto maior for sua eficácia em
‘naturalizar’ esta identidade, tornando puramente ‘objetivo’ o que permeado de
subjetividade, transformando a complexidade da construção simbólica no
simplismo de uma ‘construção natural’, a-histórica e aparentemente imóvel (1999,
p. 177).
Os sujeitos que demonstram desconhecer o nome da praça, sem saber, reproduzem um
sentido atribuído ao local fruto da correlação de forças entre moradores do Benfica. Tendo em
vista que para os freqüentadores a principal identificação local é como Gentilândia, no entanto
para eles essa já não é o espaço da tradição, mas o local da liberdade.
3.2 Lazer no Benfica
Freqüentadores e estudantes reconhecem a distinção interna do bairro, mas não a
utilizam como forma de significação. Para esses grupos o que destaca o Benfica no contexto
urbano é a diversidade” do bairro. Esta foi alvo de constantes comentários nas entrevistas
realizadas. Nas conversas informais os sujeitos faziam referência a ela, na tentativa de indicar
que o Benfica não era homogêneo e que essa heterogeneidade representava um dos
diferenciais do bairro em relação a outros da cidade. No entanto, sempre que perguntados ao
que se referia à diversidade e como ela poderia ser observada as respostas apresentavam-se de
forma evasiva. Como se fosse possível identificar uma pluralidade no público freqüentador do
bairro, sem a possibilidade de explicá-la, ou definir quais agrupamentos a compunham.
123
O Benfica é um bairro muito atraente, gostoso de se conviver pela diversidade de pessoas. É
olhar essa praça.
Por ser um bairro universitário e a universidade como o nome já diz é um universo acolhe todo tipo
de gente, tanto da capital quanto do interior e no meio desse povo ninguém determina quem é quem.
Talvez com o intuito de se graduar ou simplesmente mudar de lugar para mudar, seja ela mudança
física ou emocional. O bairro acolhe muito bem... Para mim o bairro é como a cidade de Campinas
em São Paulo.
Essa diversidade existe só pela presença da universidade?
Eu acredito que sim. Por ser um meio pseudo-intelectual, esse meio vem a atrair pessoas com
cabeças mais abertas. Seja sexual ou intelectual. A universidade é o ponto mais atraente do bairro.
Eu caracterizaria o Benfica como uma mãe barriguda que aceita todo mundo. Todo tipo de gente,
de todos os lugares, raças e credos participam da convivência aqui no Benfica.
81
A identificação do Benfica como lócus de diversidade é uma constante nas falas de
estudantes e ex-alunos da UFC. O bairro é identificado como o local onde a moda é lançada,
em virtude da presença da universidade e do ambiente propício que ela organizaria. Para esse
entrevistado a diversidade de pessoas é fator que torna o Benfica atrativo para seus
freqüentadores sendo responsável pela sua peculiaridade na cidade. A presença do
público GLBTTT na praça da Gentilândia é apresentada como exemplo do diferencial entre o
Benfica e outros bairros de Fortaleza. Entretanto, a linguagem não verbal trazida junto com as
falas deixava escapar uma identificação realizada mais pelo estigma imputado do que pelo
reconhecimento da existência de uma real diversidade.
Entretanto, esse mesmo público como foi citado anteriormente em entrevista de um
freqüentador do local não se apresenta homogêneo, pois nem todos que se encontram na praça
possuem uma orientação sexual GLBTTT, deslocando-se para a fim de encontrar amigos e
conhecidos. Por isso, o questionamento sobre como a diversidade do Benfica se apresentava e
qual público a constituía ficava sem resposta satisfatória. Como ela podia ser apresentada
como característica do Benfica e, ao mesmo tempo, não ser identificada.
Muitas expressões foram utilizadas para destacar a heterogeneidade de público. E.M.
diz que “O Benfica tem milhões e milhões de tudo”, quando este sujeito foi perguntado sobre,
milhões e milhões do que ele apenas sorriu e disse que ninguém conseguia definir. L.C
informou que “O Benfica, não falo boêmio, mas ele tem aquela coisa que tem muitas opções
de lugares para ir, não sei se isso é só agora...”. Destacando o lazer oferecido no bairro como
81
J. M. ex-aluno da UFC, residente no Meireles, freqüentador do Benfica.
124
um dos componentes essenciais para a manutenção da diversidade de pessoas que nele se
encontram
82
.
Parafraseando Torres (1996) há vários Benficas, com ritmos e faces diversas. No
imaginário das pessoas é o diálogo que sustenta a validade desse lugar urbano. A autora ao
estudar o lazer de freqüentadores do bairro do Bixiga em São Paulo destaca que o mesmo é
visto como lócus da diversidade, onde diferentes agrupamentos urbanos se encontram e
dialogam. A associação feita aqui foi apontada por um freqüentador que disse “... quando
falam do Benfica penso logo no Bixiga, o lazer, os bares... Na boemia.”
83
.
No Benfica pelas informações que foi possível colher estão presentes, segundo
identificaram entrevistados ou pessoas com as quais foi possível dialogar durante a pesquisa,
pelo menos os seguintes agrupamentos: residentes, torcedores de futebol, estudantes
universitários, ex-alunos, e público GLBTTT
84
.
No início dessa pesquisa acreditei que a melhor forma de interpretar os sentidos
atribuídos ao bairro seria identificar e territorializar cada um dos agrupamentos nele reunidos
a fim de verificar seus trajetos. Entretanto, durante a execução a tarefa mostrou-se,
duplamente, equivocada; pois o mapeamento não diria sobre impressões, expectativas e
projeções do Benfica para cada um, bem como o informariam sobre a relação estabelecida
entre os agrupamentos.
Além disso, identifica-los na forma de “tribos” (Maffesoli, 1987) parecia errado,
porquanto o significado é tanto mais complexo quando se acredita que sentidos são
compartilhados, dialogados e disputados; sem haver delimitação de territórios.
Assim, a melhor forma de demonstrar as convivências entre esses agrupamentos e os
sentidos que atribuem ao bairro seria verificar uma situação de convivência entre eles. Onde
os sentidos coexistissem. Por isso, a escolha se deu dentro do conjunto de elementos
apontados como característicos do Benfica os quais eram: as partidas de futebol no Estádio
Presidente Vargas e os bares representantes da boemia local.
Apesar de serem apontados como marca histórica do Benfica, ocorrendo desde a
instalação do antigo campo do Prado, os jogos de futebol apresentam um conjunto de
82
Ambas as falas foram coletadas na praça da Gentilândia. A primeira é de um rapaz estudante do curso de
engenharia da UFC no campus do Pici e a segunda é de uma freqüentadora do bairro, residente no Carlito
Pamplona.
83
Comentário realizado por E.V. o qual residiu em São Paulo e, atualmente, mora no município de Maranguape.
84
Os agrupamentos não foram assim definidos por nenhum sujeito colaborador da pesquisa. Estes são
interpretações da autora realizadas a partir das informações cedidas durante a pesquisa.
125
interações que se entre torcedores de equipes distintas, podendo limitar as interpretações
possíveis. Os bares destacam-se como lócus de intercâmbio entre atores diversos, pois não
restrição de uso dos estabelecimentos, ainda que predomine um público ou outro.
Observa-se que interações entre as pessoas, elas convivem e quando estão num
local adaptam-se as regras determinadas pelo agrupamento “tradicional do local”. São essas
relações que interessa verificar. Como elas ocorrem? Quais sentidos transmitem? E como o
bairro está sendo significado através delas?
O interesse está na densidade de relações. No conjunto de normas e regras para
permanência nos lugares, muitas vezes não ditas, capazes de definir condutas e expressar
sentidos indiretos, não expressos pelo primeiro gesto ou pela primeira palavra, mas que dela
necessita para designar sua existência. Um deslocamento da ação concreta para o sentido
transmitido por ela, uma tentativa de “... ler (‘no sentido de construir uma leitura de’) um
manuscrito estranho desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e
comentários tendenciosos...” (Geertz, 1978, p. 23).
Geertz é bastante elucidativo quanto ao conjunto de relações e sentidos transmitidos
pelos sujeitos em suas ações, para o autor estas são sempre um conjunto de significados
transmitido aos demais definido por uma cultura específica que permite a compreensão do que
está sendo transmitido, pois o interesse está no sentido compartilhado e não o status
ontológico da ação.
Por isso, a co-presença de sujeitos nesses espaços é essencial porque uma ação sempre
envolve o outro, pois sentidos sendo transmitidos pelo comportamento humano ou pela
fala. Além do mais uma relação envolve mais de um, existe alguém para quem a ação se
dirige, o outro presente ou um dos pares para quem ela funciona como reafirmação dos
valores do conjunto. Segundo Geertz (1978), as ações portam significados conhecidos através
da cultura a qual funciona como um contexto onde a ação é lida, faz sentido e comunica.
Isso ocorre porque os bares não são locais restritos e fechados, as interações ocorrem
entre todos, inclusive entre os que não se falam diretamente, mas participam dos sentidos
transmitidos. Os bares apresentam um duplo caráter de público e privado qualquer um pode
acessá-los, no entanto devem submeter-se as regras. Estar num local é saber o que fazer e
quando se pode fazer, ser de fora requer cuidado quanto ao dito e ao feito. Para eleger o lócus
126
desta seção, realizou-se um levantamento dos estabelecimentos existentes no bairro
85
a fim de
verificar até que ponto a identificação do mesmo como local de boêmia era realidade ou
apenas a projeção da parte para o todo.
Seguindo a delimitação oficial da prefeitura de Fortaleza foram localizados os bares presentes
no Benfica os quais, em relação à estrutura sica, apresentam poucas diferenças uns dos
outros, a maioria é composta por pequenos estabelecimentos sem serviço de cozinha. Para os
freqüentadores do bairro eles representam uma das principais formas de lazer no local. Os
estudantes vêem-nos como uma característica do bairro associada a presença da universidade
e mesmo não conseguem imagina-lo sem os estabelecimentos que proporcionam seus
encontros. Para os moradores alguns fazem parte da história do lugar, tendo em vista alguns
terem iniciado seu funcionamento na década de 1950 e outros mesmo com funcionamento
recente pertencerem a antigos residentes.
A maioria dos estabelecimentos concentra-se nas proximidades do Centro de
Humanidades da UFC e do Estádio Presidente Vargas
86
, funcionando de terça a sábado, sendo
a sexta-feira o dia mais movimentado. Acredita-se que a reunião de estabelecimentos nessa
área ocorra em função desses dois fixos que funcionam como pólos de atração para o bairro.
Nessa área os bares mais conhecidos são o Bar do Ventura; o Bar do Assis; o Bar do
Feitosa, o Bar do Zezinho, também conhecido como SaxBar ou Bar da Tia Fátima; o
Cantinho Acadêmico e o Bar do Chaguinha. Cada um, identificado por um agrupamento que
o freqüenta
87
, no entanto por não haver uma delimitação de espaços a serem apropriados pelos
atores o que mais se observa nesses estabelecimentos é a interseção, a co-presença de sujeitos
diferentes no mesmo local, a qual ao invés de descaracterizá-los os torna espaços mais densos
de relações.
Os bares anteriormente citados muitas vezes participam dos trajetos uns dos outros,
mas as separações entre eles constituem uma forma de melhor compreender as apropriações
dos estabelecimentos, pois não se pode afirmar que o Bar do Assis não participe do trajeto dos
torcedores de futebol, ou que o Bar do Ventura não seja parte dos locais freqüentados por
85
O levantamento utilizou o mapa do bairro definido pela prefeitura de Fortaleza. Nos limites estabelecidos
foram identificados trinta e cinco bares, para cada um foi preenchida uma ficha com o nome do estabelecimento,
localização e público.
86
Quase 65% dos bares catalogados localizam-se nessa área.
87
Na ordem disposta o público que freqüenta cada um dos estabelecimentos, segundo a catalogação, é: 1)
torcedores de futebol, além de ex-alunos da UFC ex-residentes da RÉU; 2) estudantes universitários e
moradores; 3) estudantes universitários; 4) público GLBTTT; 5) estudantes e ex-alunos da UFC; e 6) moradores
antigos ou pessoas que apreciam a tradicionalidade do bairro.
127
estudantes da UFC, as distinções apontadas são as predominantes. Além do mais as interações
entre eles constituem o elemento mais relevante para a descrição densa desses
estabelecimentos.
No aspecto físico pode-se fazer uma comparação entre os bares, primeiro, o Assis e o Feitosa
ambos localizados na Rua Adolfo Herbster dispõem as mesas tanto nas calçadas quanto na
rua, sendo frequentemente multados pela prefeitura em virtude da ocupação das vias públicas.
Segundo, o Chaguinha e o Ventura, aquele na Rua Padre Francisco Pinto e este na rua Paulino
Nogueira, apesar de também ocuparem as calçadas, são caracterizados pela concentração de
pessoas no ambiente interno onde a disposição das pessoas diz sobre sua assiduidade ao local
e o status imputado a eles pelo proprietário. Terceiro, o Bar do Zezinho, também na rua Padre
Francisco Pinto, onde a maioria das pessoas senta-se no alpendre, diferente dos demais este é
qualificado na Gentilândia como ponto de convergência do público GLBTTT. Quarto, o
Cantinho Acadêmico, apresentado decoração interna.
Ao verificar nos jornais locais as informações disponíveis sobre o Benfica, a fim de
entender suas representações para Fortaleza, apurei um conjunto de reportagens que falavam
sobre as atividades culturais nele desenvolvidas a partir da universidade, dos jogos de futebol
e dos bares presentes no local. Dentre os quais se destacou o Bar do Chaguinha por ter sido
identificado como uma “vitrine” a partir da qual certeza de se estar no tradicional bairro
do Benfica”
88
. Nas reportagens o bar é identificado pelas iguarias servidas nas sextas e
sábados e pela música como um dos melhores estabelecimentos para conhecer. Sendo
considerado, entre freqüentadores e moradores, um dos mais tradicionais em virtude do tempo
de funcionamento.
Além do mais é o bar mais citado nas entrevistas, as quais informam os mesmos
elementos das reportagens, mas acrescentam o elemento vivo, ou seja, o conjunto de relações
nele presentes.
Assim, elegeu-se um bar onde as relações pudessem dar exemplo de
convivências, consentimentos e disputas estabelecidas para definir o sentido do lugar.
Verificar-se-á, por isso, situações e falas
89
de freqüentadores no Bar do Chaguinha, elas
poderão nos informar sobre sujeitos, regras e sentidos presentes que definem não o
estabelecimento, mas também o bairro.
88
Jornal O Povo, 14 de novembro de 2007, Guia Vida & Arte. Rodas de Bamba.
89
As entrevistas feitas com freqüentadores foram realizadas no próprio bar, do lado de fora por causa do
barulho.
128
129
3.2.1 O Bar do Chaguinha – o palco
O comércio do Francisco Ferreira Neto, sr. Chagas, começou a funcionar em fevereiro
de 1956 como mercearia na rua Padre Francisco Pinto. Onde os residentes do local
compravam produtos de primeira necessidade. Segundo o proprietário, a mercearia era uma
das sete existentes na área do Benfica e não possuía concorrente, pois cada uma oferecia
produtos específicos a clientela local, pois sem a existência de super-mercados prevalecia na
cidade o pequeno comércio.
O Bar do Chaguinha é um pequeno imóvel, de apenas um pavimento, situado na Rua
Padre Francisco Pinto nº. 144. Eqüidistante da Avenida 13 de Maio e do Estádio Presidente
Vargas. O acesso ao local, assim como a todo o Benfica, é rápido e fácil, podendo-se chegar
ao mesmo de automóvel próprio ou ônibus. Fui até lá várias vezes de ônibus, descendo na
pracinha da Gentilândia e caminhando até o estabelecimento, de dia ou à noite. O trajeto
realizado até o bar, descendo dois quarteirões pela Rua João Gentil, permitia verificar alguns
atores presentes no bairro, idoso e crianças na praça, estudantes caminhando apressados.
O horário de funcionamento do bar era bastante distinto de outros, funcionando
durante a semana pela manhã, de nove às treze horas; na sexta-feira abrindo as dezessete e
trinta, e encerrando por volta das duas e meia ou três horas da madrugada. E aos sábados a
partir das dez da manhã até as cinco da tarde. Cada um desses dias é possível obter
informações sobre os sujeitos freqüentadores do local e as relações entre eles estabelecidas.
Na primeira vez que me desloquei para esse bar com a intenção de observá-lo realizei
poucas anotações. Era uma quarta feira cerca de 11hs da manhã no local estavam cinco
senhores a conversar com o proprietário do bar. Adentrei e pedi uma lata de refrigerante,
dentre os presentes havia um integrante da Confraria da Gentilândia o qual me cumprimentou
e apresentou-me aos presentes como jornalista que estava fazendo uma pesquisa sobre o
bairro. Nenhum deles pareceu se interessar, mas sr. chagas convido-me a sentar numa mesa
próxima. Creio que poucas vezes bebi tão lentamente um refrigerante, acredito que esperava
ver algo que pudesse chamar minha atenção, talvez alguma ocorrência inusitada.
Nada se passou, após alguns minutos fui convidada a sentar a mesa para falar sobre
minha pesquisa. Como acreditavam que eu estava interessada na história do bairro alguns
informaram seu tempo de residência e caso quisesse poderia entrevistar algum deles, seria
necessário apenas ligar e marcar hora. Após alguns instantes a conversa tomou outro rumo e
130
eles esqueceram que seu estava à mesa. A situação não me constrangeu, no entanto, fiquei
sentada ouvindo a conversa enquanto terminava refrigerante. Cerca de dez minutos depois,
eles começaram a despedirem-se uns dos outros, pois tinham que ir para suas residências
almoçar. Ficamos no bar eu e o senhor chagas, observei tudo atentamente e sai.
A segunda vez foi numa sexta à noite, cheguei por volta das 20hs e não consegui lugar
para sentar dentro do bar, tive de me contentar com a calçada. Nela o movimento nesse
horário é pouco, algumas pessoas conversando, muitas parecem vir do trabalho direto para o
bar, pois fui informada que nesse dia o local é muito disputado e, por isso, é necessário chegar
cedo ou conhecer alguém que o tenha feito. Apesar de ter ficado do lado de fora, a percepção
do estabelecimento lotado e com seresta foi bastante diferente da anterior. O local apinhado
parecia ser outro.
Nesse momento percebei que dependendo do momento da observação minhas
anotações podiam ser diferentes. Então decidi fazer a descrição do local em dois momentos
um quando estivesse vazio e outro quando estivesse lotado. Assim, como muitas vezes os
sujeitos são separados dos objetos pareceu interessante verificar as duas situações a fim de
perceber o local sem os sujeitos que lhe imprimem vida e com os mesmos.
Na parte externa do prédio não há atrativos visuais, a pintura amarela acompanhada de
uma placa onde está escrito Bar do Chaguinha, junto com uma propaganda de refrigerante,
deixa escapar o pouco interesse do proprietário em conservar ou tornar a decoração externa do
local um atrativo para o estabelecimento.
Primeiro, na parte interna, onde não se pode colocar mais do que dez mesas de forma
bastante apertada, a pintura é idêntica a do exterior. Nas paredes além de dois painéis um de
caricaturas e outro retratista, há o primeiro registro do estabelecimento na secretaria da
fazenda do município e algumas homenagens recebidas pelo proprietário do bar. Dentre elas
estão uma pequena escultura em barro, na forma de um quadro, onde está o sr. Chagas atrás
do balcão, seu lugar habitual as sextas a noite, dia de maior movimento; uma reportagem, das
muitas que é possível encontrar, sobre a tradicionalidade do bar; e, por último, uma
homenagem em forma de periódico que noticia o fechamento do bar do Chagas e comenta
sobre o desespero dos amantes do local.
Num painel estão presentes alguns freqüentadores assíduos e o Sr. Chagas. No outro,
presente de uma freqüentadora, encontram-se a esposa do proprietário, duas filhas e a senhora
131
que presenteou o bar com o painel, segundo ela em virtude de no painel ao lado não haver
nenhuma mulher presente.
O teto ainda possui a mesma estrutura da época da construção, os caibros são de
tronco de carnaúba. Nas paredes estão dois ventiladores que tentam dissipar o calor produzido
pelo volume de pessoas, o qual não parece incomodar os presentes, pois mesmo com o calor
na parte interna ela é a mais disputada.
O balcão, de verde bastante gasta pelo tempo, está à direita de qualquer das duas
portas de entrada, talvez ele tenha acompanhado a trajetória de 52 anos do estabelecimento,
marcando a divisão entre o espaço privado e o público do bar. Por uma porta a esquerda
passa-se aos banheiros, onde mal cabe uma pessoa, situados ao lado da cozinha e na qual em
geral se permanece por um tempo já que o único espelho, com cerca de vinte centímetros, esta
posto na parede que divide a área externa da interna.
Sem pessoas no interior do bar pouco a dizer sobre o local. Seu aspecto físico não
marca a presença de um agrupamento. Ele parece com qualquer outro bar que se tenha
conhecido. A decoração totalmente improvisada, as mesas e cadeiras de plástico sem cuidados
de diferenciação marcariam o estabelecimento como mais um no Benfica. Entretanto, quando
os sujeitos são dispostos no interior do bar, observa-se o surgimento de algo mais. Creio que
na primeira visita com o local quase vazio era difícil coletar qualquer tipo de informação, ele
parecia apenas mais um edifício com algumas poucas cadeiras dispostas ao centro.
O espaço adquire significância quando expressa movimento, ou seja, quando se
olha as atividades nele desenvolvidas. Elas ajudam a dar vida ao que aparentemente só
representa uma estrutura física. Assim, quando entrei no bar na quarta-feira com alguns
poucos moradores antigos, forma pela qual se identificaram, o bar não parecia tão diferente de
outros, mas numa sexta com a presença de diferentes sujeitos e pelas relações estabelecidas
entre eles é possível verificar mistura e ajustamento.
A partir disso, imagine-se agora esse mesmo ambiente com um conjunto de dez a
quinze mesas repletas de pessoas. No centro uma mesa se destaca por nela estar o grupo
responsável pela famosa seresta das sextas, em cima dela o SongBook apresenta o repertório a
ser tocado naquela e em outras noites. Esta cena fora vista por mim quando entrei pela
primeira no bar o painel de caricaturas representa o conjunto de cantores que semanalmente
de forma espontânea se dirigem ao local a fim de cantarem. No estabelecimento não se cobra
“couvert” porque o grupo é amador, apresentando-se pelo prazer de estarem e interagirem
132
com outras pessoas. Segundo me informou sr. Chagas, a seresta é tradicional e ocorre três
anos. Ao redor desta mesa é difícil definir se todos se conhecem, no entanto parecem interagir
livremente. Qualquer pessoa pode pedir uma música desde que esteja no repertório e caso não
esteja seja aceita pelos seresteiros.
A atenção dos presentes se desloca junto com os protagonistas, ou seja, com a parte
dominante da relação. Isso se evidencia quando o portador do violão levanta-se de sua mesa e
vai para outra, os presentes viram o rosto e o corpo para acompanhar a música. Além disso, o
livro com o repertório é outro centro das atenções, já que muitas vezes a pessoa que canta não
é a mesma que acompanha com o violão. Estas podem estar em mesas diferentes, então a
atenção das pessoas é dividida entre ambas.
Atrás do balcão está o Sr. Chagas servindo algumas pessoas, seguindo uma rigorosa
fila de atendimento organizada por ele, no entanto diferente de outros bares não
aglomeração das mesmas a sua frente a fim de permanecerem no interior do estabelecimento.
A maioria das pessoas é atendida e se desloca para alguma mesa a fim de conversar ou para
fora do bar. Aquelas que permaneceram na mesma posição conversam com o proprietário do
bar, no dia da observação eram três homens.
3.2.2 Ser e conhecer – os atores e as regras
Numa primeira impressão os presentes podem ser diferenciados por faixa etária e
sexo, mulheres e homens com idade entre 25 e 60 anos. Todos que entram no bar são
cordialmente saudados pelo proprietário, alguns se detêm e por instantes falam sobre suas
famílias, outros passam rapidamente e se acomodam nas mesas.
O proprietário do estabelecimento não aponta diferenças para seu público, indicando,
genericamente, seus freqüentadores como o tipo Classe A.
O Dr. Airton Castelo Branco foi um dos fregueses que desde quando eu abri a bodega ele vinha aqui.
Ele era advogado e quando se formou foi morar no interior, em Várzea Alegre, ele foi meu freguês até
morrer. Quando ele vinha para Fortaleza ele estava sempre aqui. Quando conseguiu ser transferido
ele vinha todo o dia, no dia que não podia ele dizia assim: ‘Chagas, amanhã não posso vir, não me
espere’. Na época tinha muito estudante por aqui, mas esse pessoal foi morar na Aldeota e não veio
mais aqui. Você chegando aqui dia de sexta-feira a minha clientela é toda diferente... Minha clientela
é toda nova. Vochega aqui sábado de manhã eu abro 11hs, não tem ninguém da Gentilândia, são
pessoas de fora, de toda a cidade.
133
Tenho uma clientela excelente, classe A. Esse pessoal aqui do painel, todos tocam aqui, eles
freqüentam aqui a mais de três anos... Aquele lá foi a Mazé... ela freqüenta aqui há dez anos.
[...]
Vem muita gente, mas não vem gente para dar problemas... Eu sou muito exigente. Gente que vem
namorar, sentar um em cima do outro. Se acontecer eu escrevo um bilhete: ‘Prezado Cliente, aqui nós
não aceitamos esse tipo de comportamento. Tenha prudência deixe isso para outro lugar’, agradeço,
e o garçom leva. A pessoa já muda o comportamento, se insistir eu peço pra ir embora.
90
Indaguei a alguns presentes quem eram os fregueses habituais, a fim de estabelecer
uma comparação com minha observação. As referências, apesar de distintas umas das outras,
foram bastante homogeneizantes, gente de bem”, “pessoas de família” ou “quem gosta de
tradição”. Creio que cada uma delas se refira ao conjunto de relações estabelecidas por cada
autor no bar e a expectativa de cada um quando de suas investidas.
O proprietário utiliza o tempo de freqüência como o elemento preponderante para
diferenciar os fregueses, apresentando três momentos diferentes e lançando para cada um
deles elementos relacionados à trajetória do bar. Primeiro, um freqüentador da época da
instalação de sua mercearia na Gentilândia. Segundo, estudantes da década de sessenta e
terceiro, com certo orgulho, uma nova clientela composta por residentes de outros bairros da
cidade. Acredito para marcar não uma diferença, mas a ascensão do estabelecimento,
que ser procurado por pessoas de fora demonstra sua repercussão na cidade
91
.
Destaca, ainda, o comprimento das regras como o principal fator determinante para a
permanência de alguém no estabelecimento, utilizando um exemplo considerado um caso
extremo. No entanto, a observação demonstrou que havia outras regras perceptíveis apenas
quando os atores estavam em interação determinadas não por uma conduta moralmente
inadequada, mas pela posição do ator no local.
A reportagem do Jornal O Povo de 14 de novembro de 2007
92
, onde uma descrição
do local, informando como algo inusitado a forma como é organizada a roda de música no
bar, a primeira vista destaca o diferencial do local em relação a outros. A seção intitulada
tem lá diz:
90
Proprietário do bar.
91
Na entrevista o sr. Chagas não comenta, mas de terça a sexta das 10hs às 11hs e 30 min, encontra-se no Bar do
Chaguinha um conjunto de residentes na Gentilândia com cerca de 30 a 40 anos de estada no local. Esse
agrupamento foi identificado pela Confraria da Gentilândia como Velha Guarda do Chaguinha.
92
Jornal O Povo, 14 de novembro de 2007, Guia Vida & Arte. Rodas de Bamba.
134
viu roda de música sem ser barulhenta? Pois no Chaguinha - às vezes - tem, sim senhor! "Ei,
pessoal, silêncio total que o meu amigo vai cantar aqui!", grita um dos músicos. É a vez de seu
Saraiva interpretar O Sole Mio. O clássico italiano, acreditem, é ouvido com atenção pelos presentes
- poucos insistem no "Xiiiii!!!” (afinal, estamos ou não num bar?). O resultado, claro, loas ao
veterano músico. "Obrigado, obrigado! "agradece com as mãos juntas em sinal de vitória. Outra: o
songbook Aquarela Brasileira serve de "pesca", ficando estrategicamente à vista no meio da mesa.
As informações cedidas na reportagem tratam a ocorrência no bar como algo
pitoresco, sem destacar que o silêncio ou o barulho feito por alguém é revelador da posição do
sujeito no conjunto de relações estabelecidas no local. Há uma hierarquia definidora das
condutas para os presentes, remetendo ao status da pessoa no local e o que ele permite ou não
fazer, distinguindo habitués
93
de freqüentadores “novatos”.
Nem todos podem cantar livremente é necessário que os mais antigos concordem e
mostrem-se dispostos a cooperar. Até acompanhar uma música pode ser indicador do status
imputado a alguém no local. Não se pode fazer barulho, os que acompanham a música não
podem deixar suas vozes mais elevadas que a dos cantores “oficiais” do bar. O proprietário
muitas vezes pede silêncio quando uma música está sendo proferida e caso alguém
acompanhe sem ser convocado é convidado a fazer silêncio e não atrapalhar.
Quando se quer ter acesso a alguma benefício no local é necessário conhecer alguém, e
a partir do intermédio desse se pode atingir o desejado. Chegar ao local e demonstrar
conhecer alguém é um elemento que facilita a inserção do recém ingresso, possibilitando ao
mesmo, atitudes que de outra forma não seriam possíveis. Ser um completo desconhecido
limita o conjunto de ações possíveis de serem efetuadas.
Quando eu fui pela primeira vez achei tudo muito legal, mas como era tarde ficamos do lado de
fora, não deu para ver tudo... Assim, como funcionava lá dentro. As músicas, como já tinham me dito,
são muito boas, mas para pedir dentro do bar, não precisa estar no livro, se estiver melhor,
porque ai é mostrar, mas se não estiver alguém que toca tem que conhecer e gostar. Eu sou um
novato, vim poucas vezes, ninguém me conhece direito e quando tentei puxar uma música, fui
ignorado, ninguém me acompanhou, foi estranho cantar só. Na verdade ninguém ouviu. Então um
amigo disse, ‘você tem que pedir a música para o cara que toca... se sair cantando vão te ignorar’. Aí
eu percebi que quem canta livremente é um conhecido, estão acostumados com ele, o violão
acompanha.
94
93
Habité um “antigo freqüentador, ‘peça do cenário’que não tem mais posição a defender ou que está tão
bem aceito que não é ameaçado por expor o que os outros dizem ou fazem” (Dean apud Cicourel, 1980, p. 113).
94
Estudante, 24 anos, residente no Montese.
135
As duas falas descrevem situações onde a ação é mediada por uma hierarquia. Ambas
descrevem não um simples fato, mas relações entre presentes no bar. Pedir silêncio num bar,
local destacado pelo ruído constante de pessoas falando e rindo, não é inusitado para o
ambiente demonstra o poder de agir sobre os demais sem ser repreendido. Assim como iniciar
uma música sem a ação cordial de pedi-la pode ser interpretado como uma atitude que quebra
as regras do local.
O rapaz demonstra surpresa ao perceber que a simples ação de cantar não é livre, ou
pelo menos para fazê-la é necessário estar no âmbito das regras. Sua fala confirma o ambiente
agradável pelo qual o bar lhe foi apresentado e, a medida que fala, parece aos poucos ter
tomado conhecimento de como agir num ambiente onde ele ainda é um outsider
95
. Regras que
o amigo parece já ter conhecimento, um aprendizado que pode levá-lo a ser um habitué.
Comparei a situação vivida por esse sujeito com uma outra, anteriormente anotada por
mim no diário de campo como uma ocorrência a mais e sem ter feito para ela qualquer
comentário. Era uma cena inusitada, as pessoas não costumam ficar de pé no interior do bar, a
regra geral é permanecer sentado, a não ser para os que estão no balcão conversando com o
dono ou sendo atendidos.
Numa das vezes que estive no Bar do Chaguinha presenciei um senhor que numa mesa
próxima ao painel de retratos levantou-se e começou a cantar livremente, sendo acompanhado
pelos músicos em seguida. O homem gesticulava e vez por outra cantava quase a gritar,
ninguém pediu para que ele se recolhesse, aproximava-se das mesas e incentivava as pessoas
a cantarem e ao final ele fez um gesto de agradecimento e sentou-se.
Quando entrevistei o senhor Chagas, ao final, ele informou que o ambiente era muito
bom, enfatizando seu esforço para manter a ordem local como mão de ferro”. De acordo
com ele era necessário ter regras para manter o ambiente familiar e saudável. Por isso,
acompanha atentamente os presentes Se você vier aqui ninguém vai incomodar você, a
pessoa só pode ir à mesa de outra se for conhecido, quando eu vejo alguém em pé numa mesa
pergunto logo, você conhece? Está incomodando?”.
Ir a outras mesas e falar com as pessoas é outro elemento que define a posição
ocupada por alguém na hierarquia de fregueses do bar. Penso não ser possível o senhor
Chagas atrás do balcão saber quando alguém ao dirigir-se a uma mesa está ou não
incomodando e muitas vezes quando os atores da situação se conhecem ou não. A distinção
95
Elias (2000).
136
apontada por ele como uma das formas de manter a ordem no local e preservar seus clientes
de incômodos, também, passa pela diferença entre novos e antigos. Tendo em vista que um
antigo não tem suas ações monitoradas, um novato ao chamar muita atenção para si é
regulado pelo olhar do proprietário. Assim, as regras estabelecidas são aplicadas de acordo
com a posição do sujeito na hierarquia.
Vim aqui porque comentaram comigo disseram que era bom ai você sabe, a curiosidade de conhecer
coisas novas faz a gente ir. Você freqüenta muito um lugar e de repente não agüenta mais quer ver
outros, eu sou assim. Fiquei ali no balcão... Não eu entrei e pedi uma dose de wiskque no balcão
tinha bastante gente, tava bem animadinho como hoje, ai eu fiquei em olhando o movimento,
procurando alguém pra paquerar. Aí o seu Chagas olhou e disse ‘tá procurando alguém’ eu disse não
to olhando, ele olhou com aquela cara dele que não é muito simpática e disse, ‘pois aqui é apertado
não dá pra ficar em pé no balcão, é melhor procurar um lugar para sentar lá fora’. Depois foi que eu
percebi que pra ficar ali em pé olhando pra ele tem que ser conhecido, mas não é qualquer conhecido
eu não sabia e foi um baque na hora eu pensei que sujeito grosso. Falei com garçom e ele disse ele
não gostava de gente ali.
96
Ir ao bar sem conhecer as regras do local pode ser uma empreitada mal sucedida,
que a possibilidade de cometer gafes que quebram as regras básicas do bar aumenta e ser visto
como presença indesejável também. Esse entrevistado freqüenta o bar dois anos e diz que
essa foi a experiência mais marcante no local, funcionado como um rito de passagem de ser
um completo desconhecido para alguém que pode realizar ações proibidas para a outras
pessoas. “Hoje eu posso ficar, ganhei confiança.
97
As formas como as pessoas se dispõem no espaço representa qual seu status no local, a
organização delas diz sobre a posição que ocupam no contexto do lugar, pois este é entendido
aqui como um discurso, uma construção na qual as pessoas são posicionadas e significadas.
Apesar de o bar não poder ser considerado um espaço disciplinar
98
, pode-se considerar que a
distribuição nele normatiza, hierarquiza e delimita o sujeito e suas ações. Além de evidenciar
a posição do mesmo no conjunto de relações.
A dificuldade não é a de apenas conhecer ou não pessoas no bar, mas refere-se a
limitação do domínio das regras o que acentua as distâncias. Realizar uma ação considerada
inconveniente pode num primeiro momento limitar a capacidade de inserção de uma pessoa
96
Freqüentador 50 anos, residente no Papicú.
97
Ibidem.
98
De acordo com Foucault (1997), no espaço disciplinar a arte da distribuição permite o controle das pessoas no
espaço, pois a organização do espaço permite conhecer e dominar através de localizações funcionais que os faz
circular e participar de relações específicas.
137
no local, além de a mesma passar a ser monitorada, dependendo da gravidade da gafe
cometida.
Não é ação que determina a atitude do dono do bar, a posição do sujeito é relevante
para decidir como proceder. A ação de um antigo pode passar despercebida enquanto um
novato pode ser repreendido, mais em virtude da hierarquia que da circunstância.
Gosto da diferença entre as pessoas porque é como se ela marcasse quem vem mais tempo e quem
não vem. Sabe uma vez eu estava cantando e um rapaz começou a cantar junto, era bem tarde e o
sr. Chagas estava sentado na cadeira dele, perto das mesas. Ele olhou para o rapaz e disse você
está atrapalhando.
O senhor é cantor profissional?
Não.
É um dos seresteiros?
Não, eu venho aqui muito tempo, uns quatro anos. Trago minha família, mulher e filha. Sou
respeitado por ele, sou uma pessoa séria, ele nunca teve uma reclamação a fazer. Acho que pode ser
por isso, o rapaz nem estava atrapalhando é até legal quando você canta que alguém acompanha, é
um sinal de aprovação de que a música é boa, aqui principalmente, todo mundo que vem aqui gosta
de boa música, forró, pagode aqui não toca, só se for Cartola, Pixinguinha, mas aí nem se compara.
Então, por que ele repreendeu o rapaz?
Talvez para marcar a diferença... Forma de reconhecimento. A gente até se sente bem, quer dizer que
não sou qualquer um.
99
Os freqüentadores do bar reconhecem a distinção classificadora entre novos e antigos,
mas a vêem como elemento que define uma inserção maior ou menor no local, pois se estes
forem considerados os extremos de uma linha pode se dizer que uma infinidade de pontos
onde alguém pode se localizar mais próximo de uma das extremidades e, portanto, qualquer
forma de reconhecimento é válida para manter a diferença. Assim, apesar de acreditar que a
presença do rapaz e seu acompanhamento não atrapalham seu desempenho, nem diminui o
brilhantismo da música, as regras, veladamente estabelecidas, como a marca definidora do
local.
Os antigos parecem gostar da diferença, crendo ser um a forma de valorizar seu
empenho para tornarem-se habitués no local. De acordo com a fala, ser reconhecido causa
uma sensação de pertencer ao local indicando ser parte do mesmo e das características a ele
atribuídas. Tornar-se freguês conhecido do proprietário e reconhecido pelos freqüentadores
parece ser um status almejado, principalmente nos estabelecimentos apontados como
tradicionais no bairro.
99
Freqüentador do bar residente no Bairro de Fátima, 45 anos.
138
Conhecer pessoas, regras e interagir livremente são indicadores do status da pessoa no
bar. Diferenciar os presentes é uma forma de garantir uma ordem acompanhada pelo
proprietário e pelos fregueses. Estes zelam pela organização na qual se inserem para que a
mesma não seja subvertida e suas posições no local não sejam abaladas.
Eu freqüento o bar uns três anos, vim porque me disseram que era muito bom... Sabe eu sempre
gostei de tradição, de cultura, eu trabalho com isso. Gosto desse ambiente onde você vem pra uma
roda de pessoas que estão pelo prazer de cantar com os outros, isso é muito característico do bairro.
Gente interessante, alegre de idades diferentes, faz com que seja lucrativo. Assim, de você vir e
encontrar com quem pra conversar, tem muita interação, na mesa você ta conversando com um
amigo seu e depois puxa conversa com alguém do lado num papo muito legal.
100
A distinção entre novatos e antigos não pode ser confundida com a faixa etária, ela
representa na verdade dois grupos: 1) pessoas reconhecidas pelo tempo de freqüência ao bar e
2) os recém chegados ao local atraídos pelas notícias veiculadas sobre o estabelecimento ou
por recomendação de alguém. A convivência permite as pessoas ter acesso às regras que
regem o local, ela define novos e antigos.
Ao destacar a possibilidade de interagir com outras mesas o entrevistado revela, ainda,
sua posição no local como um habitué ou pelo menos como alguém que pode chegar a esse
status no bar. Primeiro, por indicar conhecer os presentes e comungar com eles assuntos
relevantes para ambas as partes e segundo, por não demonstrar em nenhum momento que sua
interação com os demais foi, é, ou será repreendida por alguém.
Até aqui as falas tem demonstrado uma diferença constituída de dois pólos de
interação, os estabelecidos que aceitam as regras e as mantêm e os recém chegados que delas
estão tomando conhecimento e buscando a elas se adaptar e galgando na organização das
interações no bar uma posição sempre melhor.
Pode-se comparar as interações no bar as figurações analisadas por Elias (2001) na
corte do rei Luis XIV na França. O autor destaca a etiqueta e o cerimonial como uma forma
de diferenciar o status de cada indivíduo na corte. As ações permitidas a cada um designavam
a posição ocupada na hierarquia social, esta era resguarda por todos como forma de distinção,
a divisão de atividades cedidas a cada camada, dentre os nobres, os diferenciava e exigia
vigilância constante para comprimento das regras. Quebrar alguma delas era motivo de
100
Estudante da UFC, 27 anos.
139
mudança hierárquica, significava para alguém ser rebaixado o nível no qual se encontrava. E,
concomitantemente, representava a ascensão de outra pessoa.
A corte não era uma camada social homogênea, se compunha de indivíduos ocupando
diferentes posições, tentando ao mesmo tempo não serem rebaixados, permanecerem nas suas
posições e ascenderem. Num bar não se pode dizer que rebaixamento, mas algumas ações
podem deixar uma pessoa numa posição onde, mesmo não deixando de ser freqüentador,
passa a ser repreendida pelas demais. Para lembrá-la das regras estabelecidas e como forma de
controlar as ações de novatos.
Assim, se as regras são melhor observadas quando se trata de alguém completamente
estranho ao local, não quer dizer que não exista regras para os que quebraram a barreira de
ser visto como um novato. Nenhum dos entrevistados apontou diferenças no tratamento entre
os considerados conhecedores das normas estabelecidas para permanência no local.
No entanto, nas conversas percebeu-se sua sutil existência na cobrança pela utilização
das regras de boa maneira e comportamento. Uma senhora discorreu sobre o dia em que seu
marido saiu de bastante bêbado e, por isso, o proprietário do bar fez considerações a
respeito de seu estado designado como inadequado para o local. Um senhor falou sobre as
cobranças de sr. Chagas para que ao chamarem sua filha para atendimento ela seja tratada
pelo nome, e não por ei ou mocinha, segundo ele os que esquecem disso são advertidos.
3.2.3 Definições do bar, semelhança com o bairro
As distinções apontadas entre os sujeitos presentes no bar têm sido colocadas em
termos de antigos e novos, no entanto essa diferenciação esconde a característica mais
relevante do local para este original, os diálogos estabelecidos entre esses atores a fim de
manterem suas posições, pois elas informam sobre as definições de cada sujeito acerca do bar.
Pode-se afirmar que dentro das definições do estabelecimento uma disputa que extravasa a
dialética apontada inicialmente, as falas revelam situações onde regras são estabelecidas, mas
também indicam semelhanças com a definição do bairro.
Como destaca Elias (2001) “o quê” muitas vezes prevalece sobre “o como”, no entanto
este contém o significado. O comportamento é revelador das relações que os sujeitos
140
estabelecem entre si e com o bairro, tendo em vista o bar ser colocado como a representação
do Benfica.
As regras tornam o bar resultado da constante negociação entre as pessoas e as
situações nas quais se envolvem. O bar seria um espaço semi-público, ou seja, o público
apropriado por um grupo e no qual as normas por ele estabelecidas reduz as pessoas que
podem usá-lo. Um espaço regido pela hierarquia e pelas relações pessoais resultantes do
ajustamento entre os diferentes. Como definem Eilbaum e Villalta (2002, p. 62):
Assim, se quando não há regras o espaço público é um ‘espaço vazio’, podendo ser
usado por todos, quando se estabelecem as relações pessoais este se encontra
‘cheio’ de conotações sociais que ao mesmo tempo que restringe o uso para uns,
facilita sua apropriação por outros (Tradução nossa)
101
.
Compartilhar das opiniões do proprietário não significa que não haja nenhuma outra
forma de identificar o local. uma apropriação do estabelecimento pelos freqüentadores
cujas opiniões e as interpretações são, paulatinamente, acrescentadas ao que inicialmente era
tido como a definição única e geral. Assim, a medida que a pessoa se integra ao local
identifica-o com elementos apreciados por ela. Para um habitué o bar é mais do que o
consumo do espaço, ele é uma forma de estar no Benfica. E estar no bairro é algo abrangente,
pois diz o que o sujeito pensa sobre o mesmo, como este é significado e quais elementos o
identificam.
Mesmo quando se tratava de revelar as regras do local essas concepções
diferenciadoras já se mostravam. Para a maioria dos sujeitos cada um dos significados
atribuídos ao bar era o único, definindo-o no contexto do Benfica. Poucos apontaram as
interações existentes no local, indicando que o bar era definido por uma multiplicidade de
pessoas que nele se encontravam e dialogavam, numa contraposição de idéias.
Para o proprietário o bar é um ambiente familiar, suas regras servem para assegurar a
manutenção de um espaço onde haja respeito pelas boas maneiras. O caso extremo por ele
apontado e suas ações de perguntar pela família dos fregueses demonstram uma diferenciação
entre os mesmos e suas perspectivas sobre o que ele propõe que o bar seja.
101
Asi, si cuando rigen las regras el espacio público es um espacio “vacío” que pude ser usado por todos, cuando
rigen las relaciones personales este, se encuentra “lleno” de connotaciones sociales que al mismo tiempo que
restringen su uso, facilitan su apropriación por otros (Eilbaum & Villalta, 2002, p. 62).
141
Gosto daqui, é bom, Acho que é um dos bares mais tradicionais do Benfica, porque não é qualquer
um que pode chegar e fazer o que quiser. Se você falar alto, gritar seu Chagas manda embora. Se
você for mal educado também, se cometer alguma coisa que não deva é chamado atenção. Pra muita
gente é frescura dele, mas eu acho que é uma forma de manter a ordem, eu trago minha filha de
dezesseis anos aqui, algumas vezes, mas sem medo de ela ver ou ouvir o que não deve.
102
O sentido do bar como espaço familiar é complementado pelos fregueses que
acrescentam a ele suas próprias definições do lugar, comparando-o com outros elementos
pelos quais o bairro é identificado. Esse sujeito reconhece o estabelecimento como ambiente
familiar, adicionando a tradição como um traço compartilhado entre o Benfica e o
estabelecimento.
Alguns destacam que o estabelecimento pode existir no Benfica e em nenhum
outro local da cidade. O bairro seria o fornecedor de parte das características identificadoras
do bar: familiar, tradicional e cultural.
O Chaguinha faz parte do Benfica como a universidade. É tradicional ele está ai há 50 anos, mas tem
um bar mais antigo que não funciona mais que era do Betão, é comum encontrar ele ai no
Chaguinha. O bar é cultura, tem essa coisa de você vir e ter uma música, mas isso é por causa de
quem vem aqui. Aluno, professor, funcionário, morador, gente de outros bairros é um ambiente sem
igual. Eu estudei no Itapery, mas a gente vinha pra cá curtir o bairro.
103
Nessa fala o Bar do Chaguinha é comparado à universidade para demonstrar como o
estabelecimento, pelo tempo de funcionamento, faz parte do bairro e contem parte de suas
características. Num segundo momento, ele é definido pelos atores que agrega, em sua
maioria, ligados à universidade, os quais seriam responsáveis pela caracterização do local.
Esse freqüentador associa o bar com tradição e cultura a fim de defini-lo no contexto do
Benfica.
O aspecto familiar não é destacado por ele como traço. Sua definição é baseada na
tradição e na cultura, como se ambas caminhassem juntas e não pudessem ser dissociadas,
relacionando o bairro com o bar constantemente. Ir ao Chaguinha era usufruir o que o
Benfica tinha a oferecer.
A hierarquia entre os fregueses além de revelar quanto tempo se freqüenta o bar,
destaca os sujeitos em interação. Ao se relacionarem e estabelecerem suas regras de
102
Morador do Benfica.
103
Ex-aluno da UECE, no campus do Itapery, atualmente reside no Benfica.
142
convivência, reconhecendo a distinção feita pelo dono do bar e concordando com ela uma
tentativa de manter a tradição e a cultura da forma como melhor lhes convêm.
As regras são determinadas pelo Chaguinha, mas elas são circunstanciais. Depende da veneta,
algumas vezes ele aceita alguma coisa, outras vezes não. Mas tem umas que são firmes, sem camisa
aqui não pode, ficar gritando. Elas existem e são embutidas no comportamento da casa. O bar do
Chaguinha é como um espelho do bairro, aqui dentro você tem aquela boemia gostosa que eu acho
que tem no bairro todo. As vezes eu penso que posso encontrar uma vaca andando por essas ruas
daqui. Eu ia achar lindo se visse. O bairro muito bucólico.
Mas quando vocês tocam existe silêncio?
Não, as vezes tem barulho como agora e agente mandando ver, pras tantas a coisa vai, o pessoal
vai cansando, o pessoal que não é muito chegado a música, que chega de repente vai saindo, e vão
chegando as que gostam de música e chega um momento que até as cadeiras e as mesas estão
cantando. Tem vários grupos de assíduos, de habitues.
104
No bar os freqüentadores são identificados pela afeição à boa música, no entanto eles
não formam um grupo homogêneo, de acordo com essa fala grupos de habitués, ou seja,
diferentes sujeitos afeitos a música que não podem ser identificados da mesma forma. Este
senhor identifica-as de acordo com a posição que ocupam na universidade: estudantes,
professores e servidores. Ressaltando a relação com essa instituição como um elemento
diferencial do bar, que a ligação faria dos fregueses um pessoal de nível cultural
excelente”.
105
O bar é um espaço semi-público dotado de significado e segmentado, sendo
atravessado por múltiplas relações de poder. Estas resultam de proibições, distinções e
hierarquias alojadas em classificações e esteriótipos construídos sobre as noções de tradição e
cultura. Esses dois adjetivos assumem no estabelecimento sentidos diferentes de acordo com o
sujeito que o pronuncia, pois cada pessoa fala a partir das posições assumidas no discurso
(Woodward, 2004). Pode-se dizer que há uma disputa discursiva, menos evidente que as
normas do bar, definidora dos significados deste, a qual chegam a representar o próprio
bairro.
Isso se torna evidente quando os sujeitos são localizados historicamente ao invés de
serem diferenciados pelas funções exercidas na universidade. O ser estudante, professor ou
servidor dizem pouco sobre o que os fregueses realmente pensam sobre o bar, diluindo as
perspectivas de cada um. A fala deve ser compreendida como a representação do lugar.
104
A. N. 58 anos. Seresteiro do bar, freguês há dez anos.
105
Ibidem.
143
Nesta sessão as falas destacadas utilizam os mesmo adjetivos para caracterizar o bar e
por relação o Benfica cujas características para um são ampliadas para o outro. No entanto,
devem ser compreendidas como parte do discurso sobre o bairro e então os diálogos entre
os presentes são revelados.
Moral e bons costumes. Resgate do bucolismo perdido nas grandes cidades. Expressão
de uma cultura urbana forjada no diálogo entre os diferentes. Estes são os sentidos embutidos
nas falas dos sujeitos, discursos sobre o Benfica que tentam defini-lo e, simultaneamente, o
tornam fruto das correlações entre os diferentes. Ligações que se expressão sutilmente e se
evidenciam nas conexões entre o bar e outros locais do bairro.
Eu venho aqui porque eu gosto desse tipo de música e é de graça, você sabe que ninguém é obrigado
a pagar no Código de Defesa do Consumidor. No Cantinho Acadêmico também tem música, mas
paga. Geralmente, é pra lá que vou durante a semana. As pessoas falam muito das regras, só que vo
burla, todo mundo burla, dizem que ele é intolerante, eu não acho, como em qualquer outro bar tem
regras. Pra você ver como isso é bobagem, essa coisa de aqui ser tradicional pelas regras. Essa
semana um casal (homossexual) foi expulso do Cantinho, não sei se foi beijo ou carinho, é
freqüentado pelos estudantes da UFC, ali da Faculdade de Educação, ninguém diz que é tradicional
porque teoricamente pode fazer tudo, mas o casal foi expulso, assim como outros locais aqui no
Benfica já fizeram o mesmo. Eu digo, o diferente aqui é a interação entre as pessoas, tem muita gente,
porque você fica de acordo, mas não quer dizer que abra mão das coisas que acredita e quando
conhece melhor as pessoas percebe que assim como você elas gostam da música, mas nem por isso
são conservadoras, isso é a cultura do bar e do bairro. Eu conheço pessoas muito antigas aqui que
num primeiro momento parecem concordar com tudo, mas depois você que elas cedem às
regras.
106
Essa estudante destaca que o Bar do Chaguinha possui como diferencial a interação
entre os sujeitos que o freqüentam, destacando que estar de acordo como as regras do local
não significa compartilhar das mesmas posturas conservadoras assumidas pelo proprietário e
alguns freqüentadores. Para ela o estilo de música do local atrai diferentes sujeitos que
convivem e trocam experiências, esse ajustamento seria a principal característica do local.
Para Maffesoli (1987) a vida cotidiana é construída pela mistura e pelo ajustamento
com o outro, pois os idênticos são diferentes e os diferentes podem se identificar, algo que se
resolve na correlação. No caso do Bar do Chaguinha, apontado como um ponto a partir do
qual o Benfica pode ser revelado, as interações entre os sujeitos demonstram o ajustamento
entre os freqüentadores do bar a fim de defini-lo.
106
Estudante do centro de humanidades da UECE.
144
Essa acomodação ocorre pelo diálogo entre a proposta de cada sujeito e o
estabelecido. Como destaca a fala o acordo entre os sujeitos é apenas parcial e, portanto,
como destacam Eilbaum e Villalta ( 2002, p. 62) “Se não existe um pacto entre os jogadores e
as regras, mas somente entre alguns jogadores, o jogo não é possível, e o espaço público
resulta de uma constante negociação entre as pessoas e as situações” (tradução nossa)
107
.
Ao final há um destaque nessa relação entre os diferentes evidenciando que os
fregueses não podem ser definidos como um único grupo, no entanto isso é revelado
quando os sujeitos interagem.
Na fala o Cantinho Acadêmico apontado como outro local freqüentado é usado para
exemplificar um trajeto realizado no bairro, revelando um conjunto de interações onde o
sujeito está envolvido e evidencia sua posição no Bar do Chaguinha, ou seja, como o
estabelecimento é significado por ele. As conexões que estabelece no bairro ajudam a
verificar as formas como reconhece o estabelecimento, compreendendo-o como ponto de
interações e não expressão da originalidade. E mesmo sem saber questiona a tradicionalidade
do bar, apontada por muitos como as regras existentes no local, destacando que outro
ambiente também impõe suas regras, no entanto não é reconhecido deste modo.
Mesmo assim, a entrevistada concorda com a identificação Você deve ter ouvido
que é tradicional, cultural... e é mesmo.”
Conversei com outras pessoas que acompanhavam a autora da fala anterior. Os
comentários, anotados no diário de campo, ilustram as relações estabelecidas com o bairro,
ressaltando os ajustes feitos pelos sujeitos para permanecerem no local. Caso se partisse do
pressuposto de que todos concordam como o estabelecido não seria possível vislumbrar as
interações que ocorrem no estabelecimento. Nas falas o Bar do Chaguinha é apresentado
como um local interessante, mas para o qual se vai poucas vezes, em virtude das restrições,
mesmo assim se evidencia que não liberdade nos outros locais, apenas uma menor
vigilância.
O Assis é ótimo, é bem legal, não pra fazer tudo, mas é menos vigiado que em outros locais. Na
verdade paquerar a gente paquera em todo lugar, porque ninguém percebe. Mas certas coisas, já não
pode aqui o único lugar que aceita carinhos, uma proximidade maior, é o bar da Tia Fátima. No
Assis, também, só que menos. Acho engraçado ele não gostar de barulho e permitir outras coisas, vai
ver é por causa dos vizinhos, quem tem um bar no meio da rua, tem que se dá bem com a vizinhança.
107
“Si no existe este pacto entre los jugadores e las reglas, sino sólo entre algunos jugadores, el juego no es
posible, y el espacio público resulta en una constante nogociación entre las personas e las situaciones (Eilbaum
& Villalta, 2002, p. 62).
145
As falas deixam escapar que os presentes, ou pelo menos parte deles, participa do
grupo estigmatizado no bairro, surgindo como uma repartição entre os presentes. Perguntei se
os mesmos freqüentavam a Toca do Javali
108
eles responderam que não, ela havia sido um
bom lugar para ir, mas naquele momento não, comparando-a com a Divine
109
.
Um residente em sua entrevista fez uma afirmação sobre o Bar do Assis que vai ao
encontro da afirmação anterior:
Ele vende a cerveja mais barata da cidade. O bar do Assis hoje tem pouca gente do bairro a maioria é
de fora, ninguém sabe o mistério. Ele também não tem preconceito e isso ajuda. Como você recebe os
clientes e se comporta é importante. Ele é conhecido por ser liberal e por ser um ambiente público
não tem o que fazer.
110
Cada sujeito pode formular definições diferentes para tradição e cultura. O bairro
tradicional, 1) lócus de hábitos que remetem a sociabilidade em extinção nas metrópoles ou 2)
local que guarda parte da memória da cidade. E ao bairro cultural, 1) como expressão da
universidade e das atividades desenvolvidas por ela ou 2) ponto de encontro entre diferentes
sujeitos. Nenhuma dessas definições se invalida, elas coexistem.
Essas características são formuladas a fim de evidenciar como os sujeitos definem o
bar e acabam definindo o bairro. O estabelecimento não é visto como um simples lócus de
consumo, mas como uma forma de estar no bairro, de defini-lo enquanto lugar. No entanto, as
regras não deixam que as interações e acomodações se revelem sem a cortina de uma suposta
homogeneidade, ou de que todos concordam com as normas. Portanto, cabe verificar um
momento de interação entre os sujeitos, onde supostamente não regras a fim de verificar
como o bairro é construído como lugar pelos atores.
3.3 Pré-carnaval é a cara do Benfica
111
O Benfica é identificado como um bairro tradicional quanto a comemoração do pré-
carnaval em Fortaleza. Na cada de 1990, a população local organizou um bloco chamado
108
Bar na avenida da universidade identificado pela presença do público GLBTTT.
109
Casa noturna na rua General Sampaio, centro de Fortaleza.
110
C.S. residente na Gentilândia.
111
Expressão usada por um organizador do bloco Luxo da Aldeia.
146
Quem é de Benfica, que ficou famoso em Fortaleza e reunia multidões na praça da
Gentilândia. Problemas com infra-estrutura insuficiente para comportar o contingente de
pessoas que se dirigiam ao bairro nos sábados do mês de janeiro e o desvio da proposta inicial
de apresentar bandas de sopro e metais com marchinhas de carnaval as quais começaram a
competir com o som dos carros estacionados foram apontados como os fatores propulsores do
fim do bloco.
A repercussão do bloco na cidade era tanta que, em 1999, foi impedido circular
112
pela
Prefeitura Municipal de Fortaleza - PMF - em cumprimento a lei nº. 8219 que disciplina o uso
de bens públicos para a realização de micaretas e outros eventos, mas depois de um diálogo
entre o prefeito e os organizadores o bloco teve a saída liberada. O contingente de pessoas era
tanto que o bloco passou a ser considerado o pré-carnaval de Fortaleza.
A prefeitura ainda apoiou através dos órgãos Emlurb, Ettusa e Polícia Militar, até
mesmo para fiscalizar o som dos carros, no entanto, segundo L. N
113
os “de fora usavam as
ruas como banheiro. A prefeitura, até tentou colocar banheiros químicos para aliviar a
situação, mas não foi suficiente, ou até mesmo por isso tenha piorado.” Para ela o fato de ter
banheiros disponíveis fez aumentar ainda mais o número de presentes. O lixo produzido e o
som mecânico tornaram as apresentações do bloco indesejadas pelos moradores. Em 2000 o
bloco encerrou suas apresentações.
Em 2005 a prefeitura de Fortaleza lançou o primeiro edital para fomentar a
continuidade e a formação de blocos de pré-carnaval organizados por agremiações, ou pessoas
físicas nos diversos bairros da cidade. Para a apresentação das propostas destacam-se os
seguintes critérios: os benefícios da animação cultural, a perspectiva de continuidade das
mesmas, o envolvimento da comunidade local e a proibição do uso de trio elétrico para evitar
a poluição sonora. Esses elementos são reforçados nos critérios de avaliação, onde se enfatiza
o interesse por apresentações de pequeno porte, pois de acordo com o edital dar-se-á
preferência a blocos que proponham a utilização de bandas de sopro e metais, charangas, e
baterias de escolas de samba.
Estes critérios evidenciam a intenção da prefeitura municipal de propor um pré-
carnaval onde cada brincante permaneça em seu bairro a fim de evitar aglomerações em locais
públicos, que todas as apresentações devem ser realizadas em locais de livre acesso. Nos
112
Diário do Nordeste - Caderno Cidade, 08 de janeiro de 1999. Prefeitura libera Quem é de Benfica.
113
A entrevistada participava do bloco Quem é de Benfica e, atualmente, do Sanatório Geral.
147
anos de 2007 e 2008
114
, respectivamente, foram apoiados pela prefeitura sessenta e sessenta e
quatro blocos de pré-carnaval distribuídos pela cidade. De acordo com a PMF, para que cada
bairro tivesse seu pré-carnaval
115
, evitando aglomerações e democratizando o acesso das
pessoas aos festejos fomentados pelo poder público.
O Benfica apresentou em 2008 cinco blocos
116
de pré-carnaval: Segura o Copo, Luxo
da Aldeia, Sanatório Geral, Unidos da Cachorra e Cachorra Magra. Em quantidade o bairro
fica atrás apenas da Praia de Iracema, as apresentações são organizadas de acordo com os
critérios estabelecidos pela FUNCET - Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza
e, por isso, possuem o mesmo horário de apresentações, bem como as regras estabelecidas
entre os organizadores e os ambulantes.
A passagem do Quem é de Benfica para os atuais blocos de pré-carnaval pareceu
interessante pela quantidade de vezes que o bloco foi citado como o precursor do atual pré-
carnaval de Fortaleza, indicando o Benfica como espaço por excelência desse tipo de
manifestação em virtude da experiência anterior. Fato usado para explicar por que tantos
blocos apresentando-se no bairro.
Mas afinal, por que observar a apresentação dos blocos de pré-carnaval do Benfica se
eles não são tradicionais visto a maioria ter apenas dois anos de existência. Bem parece que o
momento da festa faz conviver diferentes sujeitos no mesmo ambiente, tornando-os parte de
um todo complexo e heterogêneo expresso nas relações estabelecidas durante as
apresentações de cada bloco. A observação de cada um dos cinco blocos ofereceu elementos
para questionar a festa comunitária proposta pela prefeitura, de cada cidadão no seu bairro de
origem, já que em cada um deles pode-se observar relações entre diferentes sujeitos.
Isso porque os festejos de pré-carnaval estão sendo pensados como produtores de um
lugar onde as trocas simbólicas se adensam, lócus de interações onde a suposta ausência de
regras permite não a coexistência de sujeitos, mas a produção dos lugares por eles
114
Em 2005 e 2006 a prefeitura apoiou, respectivamente, 16 blocos e 27 blocos de pré-carnaval em Fortaleza.
Dos quais estavam no Benfica Vampiros da Princesa e Porra da Cachorra.
115
Nesses dois anos a PMF apoiou financeiramente quarenta e cinco blocos. O excedente recebeu apenas
segurança e iluminação.
116
Esse número representa os blocos do ano de 2008 aos quais se pode acrescentar o bloco Vira o Copo cujas
apresentações ocorreram em dezembro de 2007, no entanto não consta nas interpretações que a observação
sistemática ocorreu em janeiro de 2008. Os blocos que se apresentaram apenas em 2007 foram: Amor que fica é
de Benfica e Bloco do Vampiro. Este, anteriormente, chamava-se Vampiros da Princesa, referência a rua
Princesa Isabel onde o bloco se concentra.
148
ocupados. Ferreira (2005) compreende a espacialidade produzida por uma festa
117
como ponto
onde se articulam diferentes grupos sociais que compõem uma cidade, no caso das festas de
bairro ela defronta os grupos que o compõem. Não por uma ocupação territorial, mas para
definir o conceito do lugar. Como propõe o autor:
A festa, mais do que um espaço de trocas simbólicas, definirá o adensamento
dessas trocas no espaço. O espaço da festa será, necessariamente, um espaço
eclético, polissêmico, aberto, articulador dos diferentes atores que dela participam.
A festa será marcada exatamente pela ocupação desse espaço; não necessariamente
pela ocupação física do território, mas por sua ocupação conceitual, simbólica,
discursiva (Ferreira, 2005, p. 300).
A noção de que uma festa produz diferentes lugares oriundos da disputa discursiva
entre os participantes interessa neste trabalho já que se acredita que o bairro também é
definido nas relações estabelecidas em diferentes situações que nele ocorrem. Como salienta
Amaral (1998, p. 39) “festa acontece de modo extra-cotidiano, mas precisa selecionar
elementos característicos da vida cotidiana”. Assim, os festejos de pré-carnaval adensam as
relações estabelecidas entre os sujeitos presentes no bairro.
Abaixo está transcrita parte da primeira anotação feita no diário de campo sobre os
blocos de pré-carnaval.
04 de janeiro de 2008 – Bloco Luxo da Aldeia:
Cheguei cedo ao Benfica, passei pela praça e como não havia nenhuma movimentação
que indicasse a presença do bloco Segura o Copo, de acordo com meu planejamento o
primeiro a ser observado, decidi descer a rua João Gentil e ir até a Padre Francisco Pinto,
onde o bloco Luxo da Aldeia se concentrará em 2008.
Pessoas do bairro começam a se aproximar, sentando-se nas mesas dos cinco bares do
trecho da rua que está fechado, dois do lado esquerdo e três do lado direito. Além das barracas
e isopor montados por moradores na tentativa de auferirem renda extra. Estes apesar de
estarem trabalhando divertem-se ao ver o movimento e conversar com os vizinhos que
chegam ou passam.
As seis o bloco inicia a organização com alguns presentes. Seis e meia, horário que o
bloco inicia sua apresentação, o palco está armado e os ensaios de som começam. Sete
117
O autor utiliza o conceito de festa definido por Douvignaud (1983) e analisa as trocas simbólicas na
espacialidade produzida pelo carnaval carioca.
149
horas tomam início os festejos. A banda inicia um som instrumental e alguns presentes
erguem-se de suas mesas e iniciam a dançar, liberando a energia contida. Algumas pessoas
que descem a rua olham o movimento e como não percebem um número elevado de
brincantes dirigem-se para os bares da rua Adolfo Herbster, onde permanecem até cerca de
sete e meia, quando há maior concentração de pessoas e, por isso, retornam.
Os residentes apontam que a maioria dos presentes não são moradores do bairro,
segundo as palavras utilizadas por ela, não são caras conhecidas, pessoas que não são
comumente vistas nos bares e ruas do Benfica.
Sete e trinta a rua começa a ser ocupada, um samba começa a ser tocado. Oito horas
pais e filhos, rodas de amigos, casais e idosos dançam na rua, alguns conhecidos da
universidade. Divertem-se ao som da música que caracteriza o bloco, outros olham das
calçadas em busca de amigos ou apenas apreciam a diversão alheia a qual acaba sendo a sua
própria. A aglomeração próxima ao palco dificulta o acesso a sua frente, sendo mais fácil ir
até lá pela lateral, onde se vê a venda de camisas do bloco.
muitas crianças, o bloco parece se integrar a dinâmica geral da rua, pois para não
incomodar a vizinhança, impreterivelmente, as dez horas a atividade é encerrada. Oito horas e
a rua está lotada, difícil se mexer, parece que as pessoas retardam sua chegada ao bloco para
curtirem a madrugada. Já não é possível distinguir os presentes.
As dez horas, no auge da festa a banda toca sua última música. Ainda não é a última,
mas fica de aviso que a festa vai acabar. Mas ninguém vai embora e cada vez mais, chegam
novas pessoa, esperando continuidade. Mas o bloco agradece e avisa é agora. As poucas
famílias que se via dão lugar as rodas de amigos que tomam a cena.
Essa passagem foi eleita para iniciar esta sessão em virtude de ter sido a primeira
anotação feita sobre pré-carnaval do Benfica em 2008. E por encontrar nela, quando a li
novamente, elementos apontados por mim nos demais blocos do bairro. A anotação foi feita a
fim de registrar tudo que pudesse ser visto de diferente no local, como a paisagem me era
familiar tenho a impressão que me ative as ações das pessoas.
O trecho é sucinto, mas destaca os atores presentes no local, esse foi o elemento
comum às outras anotações. Claro com algumas diferenças, indicando ao final que num
determinado bloco via-se mais residentes, pessoas de outros bairros, ou estudantes, pelo
menos eu supunha que eram.
150
Descritos de uma posição distanciada as impressões transcritas são comentários
insatisfatórios, pois elas parecem representar apenas meus anseios em relação ao real e uma
descrição superficial. No entanto, o que descrevi não eram pessoas indo e vindo, mas
relações entre essas pessoas.
Para destacar essas relações que dão sentido ao bairro parece relevante considerar o
pré-carnaval no Benfica como uma situação social onde o comportamento dos sujeitos e o
próprio ato de participar ou organizar um dos blocos refere-se a posição dos mesmos no bairro
e os sentidos atribuídos a ele. O pré-carnaval não é considerado aqui uma um momento de
inversão social (Duvignaud, 1983), mas uma situação na qual estão presentes diferentes
sujeitos significando o bairro e confrontando-se. Ainda que dois anos seja pouco tempo para
verificar a notoriedade do festejo, este nos oferece a possibilidade de interpretar os sentidos
transmitidos e negociados durante seu acontecimento.
De acordo com Guarinello (2001) circulam bens materiais, influência e poder nas
festas, pois elas são um tempo de exalação de sentidos sociais regido por regras que regulam
as disputas simbólicas em seu interior, pois ela une os diferentes.
A festa é uma produção do cotidiano, uma ação coletiva, que se num tempo e
lugar definidos e especiais, implicando a concentração de afetos e emoções em
torno de um objeto que é celebrado e comemorado e cujo produto principal é a
simbolização da unidade dos participantes na esfera de uma determinada
identidade. Festa é um ponto de confluência das ações sociais cujo fim é a própria
reunião ativa de seus participantes (Guarinello, 2001, p. 972).
A festa é uma forma de ação coletiva que interrompe as atividades diárias. Para o autor
toda festa possui um objeto focal que funciona como pólo de agregação e é símbolo de uma
identidade circunstancial ou permanente entre os participantes. Esta pode ser forte, quando
reforça uma identidade comunitária; segmentária, quando expressa uma singularidade; ou
fraca, onde a festa funciona como pólo agregador.
Segundo Guarinello (2001, p. 972-973) os três tipos não são excludentes e podem
estar presentes numa mesma festa.
... dizer que a festa produz identidade não significa afirmar que produza,
necessariamente, consenso, muito pelo contrário. A festa é produto da realidade
social e, como tal, expressa ativamente essa realidade, seus conflitos, suas
tensões, suas cesuras, ao mesmo tempo que atua sobre eles. (...) Toda festa tem
suas próprias regras seus digos de conduta , sua rede de expectativas
recíprocas, que podem ser escritas, ou fortemente ritualizadas, ou absolutamente
espontâneas e informais...
151
152
Di Méo (2001) também destaca que a festa produz ou reafirma uma identidade, no
entanto essa é constituída num processo complexo que apresenta paradoxos e conflitos que
uma identidade não se define sem a visão da alteridade. Segundo, porque sua identidade é
uma representação, ela necessita para se reproduzir de uma memória social. O que o autor
busca destacar é que essa identidade é uma reprodução das práticas cotidianas nas quais está
inserida a comunidade que comemora.
O pré-carnaval no Benfica pode ser pensado a partir das considerações de Guarinello
(2001) e Di Méo (2001), pois ambos buscam, nas relações do cotidiano, elementos para
caracterizar o acontecer da festa. Por isso, no Benfica os blocos serão pensados como
expressões das disputas sociais no bairro, pois “a festa é o espaço de múltiplas
territorialidades” (Bezerra, 2007, p. 176) produzidas pelos atores sociais presentes no espaço-
tempo da mesma, como organizadores, prestadores de serviços ou participantes.
3.3.1 Os blocos na fala dos organizadores
Os blocos de pré-carnaval no Benfica assim como os da Praia de Iracema foram alvo
da maioria das noticias veiculadas em 2007 e 2008 as festividades em Fortaleza. O Benfica é
apresentado como lócus de uma diversidade de blocos que reflete a diversidade de atores
presentes no bairro, a explicação para a presença de tantos blocos e brincantes no bairro é a
tradicionalidade do local como bairro boêmio da cidade.
A fala dos organizadores é interessante, pois além de dizerem sobre o que propõem
que o pré-carnaval seja é possível contrapor o que cada o discurso de cada um sobre os blocos
que organizam e o observado.
Então por que o senhor organiza um bloco de pré-carnaval no Benfica?
Por causa que a identidade familiar que nós temos é aqui, como estamos aqui desde criança e por ser
um bairro altamente carnavalesco que a Marechal Deodoro.
Porque a Marechal é assim tão carnavalesca?
A Marechal vem fazendo carnaval desde a época do espalha brasa e depois dele teve o prova de fogo
e outros blocos pré-carnavalescos.
E o bloco Cachorra Magra como surgiu?
Surgiu de uma brincadeira de criança, da herança que nossos pais deixaram por serem foliões e uma
vez nós sentados aqui nessa esquina pensamos por que não fazer um pré-carnaval. Então nós criamos
o bloco aqui, foi uma coisa premeditada. Vamos fazer e aconteceu.
Qual a proposta do bloco Cachorra Magra?
153
Além de resgatar as músicas tradicionais, o bloco faz o dia da criança e o São João da Cachorra
Magra. A proposta do bloco é fazer a integração das pessoas da comunidade, até hoje nós o
tivemos nenhuma confusão aqui nem entre brincantes nem com as pessoas que não vêm, pois a gente
tem horário para começar e para terminar. O problema esse ano foi só a energia.
[...]
Como funciona o pré-carnaval da Cachorra Magra?
É tão simples que é difícil dizer, sabe como é. A gente chega oportunidade para todo mundo. A
gente chega abre o canil as pessoas começam a chegar e ficamos até as dez e meia, nosso público são
as pessoas da comunidade como temos músicas tradicionais.
O senhor acha que a diferença entre o seu bloco e os outros são só as músicas?
A música influencia muito, se você vai cantar música de cazuza ou jotaquest em estilo de carnaval o
pessoal de setenta, oitenta anos não vai gostar. A brincadeira é a mesma.
118
A fala destaca vários aspectos relevantes, primeiro a identificação familiar da
comemoração a qual serviria para relembrar antigos carnavais e proporcionar uma festividade
entre a vizinhança. Segundo, o logradouro onde o bloco se apresenta é destacado como
representação do bairro, fazendo referência não ao Quem é de Benfica, identificado como uma
o pré-carnaval mais antigo do bairro, mas blocos, segundo o entrevistado, mais antigos,
mas que são pouco citados em virtude da pouca expressão assumida em Fortaleza.
O tempo de residência no local e as relações de vizinhança são os elementos apontados
como importantes parta a estruturação da comemoração do pré-carnaval, fazendo que a
comemoração possa ser comparada com uma festa como a define Di Méo (2001). Segundo o
autor toda festa é em parte a expressão da identidade sócio-territorial de uma comunidade de
tal forma que ela parece ser organizada para um pequeno número de pessoas comuns, ainda
que muitas abram espaço onde a participação é quase irrestrita.
Nesse caso a fala do organizador do bloco pode ser contraposta com a observação
realizada no local. A presença de pessoas da vizinhança era marcante, no entanto percebia-se
a presença de estudantes e pessoas oriundas de outros bairros da capital. Algumas pessoas
abordadas destacaram suas presenças por convite de conhecidos, ou por terem visto alguma
reportagem nos jornais que comentasse o pré-carnaval no Benfica.
Uma moça de trinta anos com a qual conversei informou que pretendia verificar os três
blocos que se apresentariam no bairro naquele bado, primeiro o Cachorra Magra, depois o
Sanatório Geral e, por último, o Unidos da Cachorra cuja apresentação era a mais esperada.
Ela informou ter lido numa reportagem
119
um roteiro sobre os blocos do Benfica e como
pretendia ver a apresentação da bateria sem pagar aproveitaria para verificar os demais
118
F. C. organizador do bloco Cachorra Magra.
119
Acredita-se tenha sido a seguinte: O Povo, 19 de janeiro de 2008. Fortaleza Pré-carnaval: faltam dois
sábados de festa. Roteiro para curtir o Benfica.
154
blocos. Nesse momento era cerca de seis da tarde e havia poucas pessoas presentes na rua. O
som do Canil, estabelecimento na esquina das ruas Marechal Deodoro com Joaquim
Magalhães alugado pelo bloco Cachorra Magra para guardar o material de som e de
divulgação, havia sido ligado a poucos momentos. Por fim, ela comentou que estava muito
desanimado e conhecia o Sanatório Geral e, por isso, dirigir-se-ia para até o horário de
voltar.
Na fala do organizador uma tentativa de destacar os participantes como
exclusivamente compostos por pessoas da comunidade. Parece ter a finalidade de afirmar a
tradicionalidade do bloco ao informar que os participantes são pessoas de idade e jovens da
vizinhança. A música é outra forma de demonstrar uma tradição, a comparação feita por ele
entre o tipo de música apresentada lá e outras, parece querer afirmar uma não tradicionalidade
dos demais, algo que está implícito na afirmação que se revela quando o sujeito fala num
momento fora da entrevista e pergunta a mim qual o bloco mais tradicional do bairro. Antes
que eu respondesse, ele disse que havia o Quem é de Benfica, mas esse durou pouco tempo, o
Cachorra Magra era mais antigo e os demais pareciam ser organizados para o público mais
jovem.
Cerca de dois quarteirões de distância separam a apresentação do Cachorra Magra e
do Unidos da Cachorra. O contingente de pessoas se concentra em frente ao Canil até as sete
e meia ou oito da noite quando o Unidos da Cachorra começa a organizar sua apresentação. É
possível verificar residentes sentados nas calçadas esperando o desfile dos dois blocos e
outros com bancas de lanches ou bebidas.
Este bloco diferencia-se dos demais por apresentar sambas enredo e realizar duas
apresentações, uma a partir das três da tarde no Buono Amici’s e outra a partir das oito da
noite na rua Marechal Deodoro. O bloco Chega ao logradouro sete e meia inicia um som
mecânico até a organização da bateria, junto percebe uma afluência maior de pessoas que com
a camisa do bloco apinham a rua. Muitas parecem ter vindo com o mesmo da Praia de
Iracema ou vão para o local apenas quando este bloco inicia sua apresentação.
Durante a apresentação da bateria é quase impossível se locomover na rua,
dificultando a observação. Mas percebe-se que uma tendência ao blico jovem, talvez
pelo ritmo acelerado da música. Ambos os blocos da rua Marechal Deodoro tem a prática de
se encontrarem durante as apresentações. O bloco Cachorra Magra faz um percurso pequeno
que vai da Joaquim Magalhães passa pela Senador Pompeu e volta pela Quintino Bocaiúva,
ao final segue pela Marechal Deodoro até encontrar o bloco Unidos da Cachorra. Este em
155
retribuição vai ao encontro do mesmo na concentração. De acordo com os organizadores, essa
prática é para garantir a harmonia entre ambos.
Como surgiu o bloco Unidos da Cachorra?
Bem, foi quase de repente. Um grupo de amigos Joãozinho. Amauri e Paulo Brasil estavam num
barzinho conversando e de repente pensaram em formar uma charangazinha, um batuque porque aqui
é uma rua tradicional de carnavais. Aqui já tiveram muitos blocos as bruxas que hoje é na Bela Vista,
as Meninas do Barulho, as Coca-colas tudo eram blocos de carnaval, antigamente. Funcionavam aqui
ao redor do Benfica, ai eles resolveram fazer um bloco para fazer barulho, uma batucada e foi
começando a agregar pessoas.
Há quanto tempo ele existe?
Há dez anos. O bloco Unidos da Cachorra era a “Porra da Cachorra”, mas como era um nome muito
pejorativo nós resolvemos em 2004 colocar Unidos da Cachorra, inclusive fizemos uma pesquisa na
rua com vários nomes como: Nossa Cachorra, continuando com Porra da Cachorra e esse Unidos da
Cachorra. E ficamos com esse que hoje é o nome da nossa bateria.
Qual a proposta do Bloco Unidos da Cachorra?
[...]
Nossa proposta é fazer um bom carnaval e fazer um samba enredo bonito. As pessoas adoram nossa
bateria, é uma coisa super família e super alegre. Tem gente de todas as idades, pessoas idosas, as
pessoas gostam da gente é por isso que a gente tem que fazer mais bonito para que as pessoas cada
vez se aproximem mais.
Quais são os participantes do bloco?
Nós decidimos pelo samba enredo para diferenciar dos outros blocos, que tem um estilo muito bonito
como o Segura o Copo e a turma do Benfica, mas são tipo marchinhas mais antigas. A gente
pensando em colocar uma coisa mais diferentes penamos no samba enredo. Mas não é só o pessoal da
Marechal vem gente de todas as partes de Fortaleza. Da cidade 2000, teve um pessoal do Rio que veio
passar as férias aqui, vem gente de todas as partes não é só daqui. São cerca de 1500 pessoas todas a
noites. Além de ser uma rua muito familiar as pessoas põem cadeiras na calçada com as crianças com
os idosos. O que é bom pra gente é isso, é para a população da gente e as pessoas que vem de fora
são sempre bem vindos, porque o que é mais importante para nós é a paz e a harmonia entre as
pessoas.
120
Assim como na fala anterior, faz-se uma comparação entre o Unidos da Cachorra e os
demais blocos do bairro a fim de explicar as escolhas feitas pelos organizadores. O aspecto
tradicional ao invés de fazer menção aos carnavais das décadas de 1960 e 1970 é apontado
por meio da participação da comunidade. Em parte, isso se contrapõe ao observado durante as
apresentações, a população local pouco se agrupa na rua, a maioria contenta-se em observar o
movimento da calçada. Até porque como a movimentação na área é maior a partir do inicio da
apresentação vê-se também a concentração de barracas e ambulantes no trecho mais próximo
a bateria.
A Rua Marechal Deodoro é apresentada como logradouro familiar, mas a fala enfatiza
a presença de pessoas de outros bairros da cidade como prova do sucesso das apresentações.
120
G.C. um dos organizadores do bloco Unidos da Cachorra.
156
Inclusive de outros Estados, ainda que se faça referência a participação dos residentes
próximos o sucesso é avaliado pela presença dos de fora.
Essas duas entrevistas pouco mencionam os outros blocos que se apresentam no
Benfica a maioria das referências é ao bloco imediato. Estando na mesma rua parece haver
uma necessidade dos organizadores em fazer comparações.
Uma das reportagens
121
veiculadas sobre o pré-carnaval de fortaleza em 2007 destaca
a quantidade de blocos no Benfica, apontando cada um deles como alvo de um público
específico e em virtude da proximidade das apresentações, a possibilidade de participar de
mais de um bloco ao mesmo tempo, pelo menos para aqueles que não se consideram membros
efetivos de uma única agremiação. A reportagem aponta a presença de residentes, estudantes e
freqüentadores de bares das imediações como o público presente nos desfiles dos blocos. No
entanto, sempre se destaca o caráter familiar dos mesmos.
Nas noites de sábado, além das apresentações na Rua Marechal Deodoro, na
Gentilândia o desfile do Sanatório Geral, cuja concentração ocorre na rua Paulino Nogueira
em frente ao SaxBar. Nesse bloco pode-se destacar a presença de estudantes universitários,
ainda que os residentes das imediações participem da organização e das apresentações. Este
demonstra outra conjuntura na idealização do bloco atrelada à aproximação com o bairro por
meio da universidade e da freqüência a algum dos bares do local.
Como vocês idealizaram o Sanatório?
A gente tem uma turma de amigos e amigas que gosta de carnaval e freqüentou recife e Olinda. Boa
parte dos nossos amigos é de Quixeramobim e nós estávamos acostumados com aquele carnaval de
frevo, então a gente a materialização do que a gente brincava quando era criança. A gente tenta
levar para Benfica o que a gente via lá. Eu moro no Benfica, o Marco Antônio, o Danilo uma parte da
turma organizadora do bloco. E com isso a gente conseguiu envolver outras pessoas. O Zezinho que é
o maestro da Banda mora lá, coincidentemente o cara é amigo de infância do meu pai lá em
Quixeramobim, então a gente fez uma ligação do Benfica com a vida no interior, conseqüentemente a
gente fez uma reprodução do que a gente vivia na infância do bloco de rua, a música, não era essa
que a gente ouve hoje em Aracati e Paracuru. A gente pensava só o Concentra, mas não sai; que
tinha carro de som, muita gente. Então nós pensamos vamos criar um bloco pra gente. A proposta
puxava para a luta antimanicomial que a gente considera um absurdo, é inadmissível que em nossa
época uma pessoa leve choque por alguma bobagem que fez, e muitas vezes uma conversa pode
resolver. Tem essa ligação e coincidentemente o bloco ocorre na Rua Paulino Nogueira que de
frente para o Myra y Lopez. No primeiro ano a gente fez um boneco do Freud, o pessoal brincava
porque o boneco ficou mal feito e quando a gente começava a andar a cabeça caia, o pessoal dizia o
Freud perdeu a cabeça. Esse ano foi o de Antônio Conselheiro que era tido como louco, mas não
tinha nada de louco. No próximo ano a gente vai fazer uma mulher.
Você mora no Benfica desde que veio morar em Fortaleza?
121
O Povo, 05 de fevereiro de 2007. Fortaleza, Folia nos quatro cantos do Benfica.
157
Não, eu moro lá há cinco anos. Todos nós estudamos na UFC então o vínculo com o bairro vem disso,
o Osvaldo Estudou Direito, o Danilo Comunicação Social... Todo mundo tem um vínculo com o bairro
desde a universidade. Eu entrei na universidade em 1991, 17 anos de ligação. De morar cinco
anos.
[...]
Como vocês elegem o repertório de vocês?
A gente tem uma lista de 40 músicas. O pessoal da banda do Zezinho é profissional, como ele é o
maestro tudo que precisa ele arranja. Esse pessoal é pago. A gente tentou ensaiar músicas, mas como
eles são profissionais não conseguimos, porque sempre que se marcava havia algum impedimento.
Por isso eu falei por substituir por uma coisa nossa, pela diversão, sem o compromisso profissional.
Se você pega um Maracatu a maior parte é assim, excepcionalmente é pago.
Eu acho que é uma falha do nosso bloco. No primeiro ano a gente tentou não deu certo. Esse ano das
40 eles tocaram 10. Eles acham que ninguém conhece a música, mas eles é que não conhecem. É bom
que a pessoa lá e goste mesmo que não conheça. Por isso nós montamos nossa Banda Juízo Final
porque ela era uma possibilidade de apresentar um repertório, pegando músicas lentas e dando um
caráter de carnaval. Carnavalizar a música, foi uma experiência legal, a gente desafinou, mas
agradou pelo repertório.
Você tem interesse em se diferenciar de outros blocos?
Não como uma forma de negação, mas criar atrativos outros. Acho que nem um bloco tem boneco,
isso não é nada original porque vem da nossa experiência de Olinda, mas no Benfica nós somos os
únicos. Crianças gostam do boneco a gente cria atrativos para conquistar com pessoas. Além disso,
uma integração entre nós e o pessoal de outros blocos que vão para prestigiar a gente. O pessoal
do Luxo da Aldeia é um que eu poso dizer está muito próximo de nós.
122
A conjuntura de idealização do bloco assemelha-se as informações cedidas pelos
outros dois blocos que ocorrem nas sextas-feiras a noite na Gentilândia. Ambos são
organizados por estudantes e ex-alunos da UFC, que em virtude da aproximação com o
Benfica decidiram organizar uma agremiação para manter contato com o bairro.
Nessa fala destaca-se as semelhanças que os organizadores fazem entre o Benfica e a
cidade de Quixeramobim, cidade de origem da maioria dos organizadores. O entrevistado
aponta o repertório como uma das diferenças entre este e os demais blocos que se apresentam
no bairro. Apresenta ainda duas referências como parâmetros para as apresentações, pois
quando fala do repertório musical, salienta tanto o carnaval do interior, pelo tempo de
referência festas a fantasia organizadas em clubes fechados; o carnaval de Olinda e Recife,
que pela tradicionalidade é, usado como parâmetro; e o Maracatu pelo envolvimento de
pessoas nas agremiações pelo prazer em participar e fazer parte.
A intenção de tornar o bloco de pré-carnaval algo tradicional é um destaque na fala
que constantemente são feitas referências a elementos considerados pelo entrevistado
parâmetros para a organização das apresentações. Observa-se a busca, mesmo não declarada,
de uma identidade representativa do bloco.
122
A.C. um dos organizadores do bloco Sanatório Geral.
158
A relação com outros blocos presentes no bairro é apresentada como forma de
integração e união das agremiações. Entretanto, vê-se que a referência direta é feita para um
bloco que, também, possui na organização estudantes e ex-alunos da UFC. A proximidade do
local de apresentação de ambos e o fato de se realizarem em dias diferentes são apontados
como motivos pelos quais é possível participar das apresentações de cada um, mas pode-se
salientar a semelhança da origem dos organizadores como item importante na relação entre
ambos.
Na entrevista realizada com um organizador do Luxo da Aldeia é enfatizada a
diferença com o Sanatório Geral, destacando que este bloco apresenta um repertório eleito
com músicas baianas e pernambucanas, principalmente, da década de 1980. o Luxo da
Aldeia, nome inspirado na música Terral de Ednardo, compilou músicas de compositores
cearenses como: Petrúcio Maia, Lauro Maia, Luis Assumpção, Evaldo Golveia, Fausto Nilo,
Mozart Brandão e Gordurinha. A eleição das sicas ocorreu em virtude da necessidade de
divulgar para o público cearense as composições de artistas locais pouco conhecidos.
Como surgiu o bloco Luxo da Aldeia?
O bloco surgiu da idéia de alguns amigos de fazer um bloco onde se busca resgatar a música
cearense. Não desmerecendo, mas o blocos de pré-carnaval tocam sempre marchinhas, a gente é
amante de música e pensou, “poxa tem tanta música cearense de carnaval e ninguém toca, ninguém
executa”
[...]
E como a organização está formada?
Eu no caso já sou formado, são cinco, O Matheus está concluindo o mestrado, tem Thiago da
arquitetura, o Bruno da História. Tem muito haver com esse bairro, com o Benfica, a gente acha o
Benfica com cara de Ceará, mais cara de Ceará impossível.
[...]
E o que você acha do pré-carnaval no Benfica?
Eu não posso te informar, porque sexta-feira eu estou aqui e sábado não para ir em tantos. Eu
acho que acaba dando certo, eu vejo um certo medo nas pessoas quanto ao que aconteceu no Quem é
de Benfica que acabou tomando uma dimensão maior do que ele podia suportar, com aqueles velhos
problemas de carro de som, confusão. Aqui nós temos uma regra dez horas acaba o som, “mas está
maravilhoso” não acabou, Porque existe uma lei, é por respeito as pessoas que moram perto, respeito
ao bairro e a própria cidade. Mas mesmo assim as pessoas do Benfica recebem muito bem, eu vejo o
pessoal do Sanatório Geral que fica aqui perto o pessoal brinca. Como eu disse o Benfica tem muito a
ver com a música, com a festa.
123
O público do bloco é identificado como estudantes e pessoas não residentes no bairro,
os residentes são apontados como espectadores que aceitam a proposta, mas não são
apontados como alvo das apresentações. Isso se evidenciou nas observações que
123
J.P. um dos organizadores do bloco Luxo da Aldeia.
159
demonstraram uma presença marcante de estudantes universitários que haviam participado da
apresentação do ano anterior no Cantinho Acadêmico.
As apresentações ocorrem na sexta-feira a noite, sendo possível observar a presença
marcante de estudantes universitários. O público é predominantemente jovem, sobretudo,
quando se aproxima o fim da apresentação, talvez pela proximidade da UFC e da sexta ser o
dia em que de maior freqüência aos bares localizados na Gentilândia. Nas proximidades
poucos residentes sentam-se nas calçadas para observar o movimento.
Este bloco não circula pelas ruas do bairro, ele se concentra quase em frente ao Bar do
Chaguinha e permanece durante toda a apresentação. O estandarte por volta das nove e
meia da noite é carregado por um dos organizadores a frente do palco, onde o espaço é tão
disputado só os presentes desde cedo conseguem integrar-se a movimentação promovida.
Na fala o destaque é para a comparação do bairro com a festa e a música. O Benfica é
identificado com a boêmia e este é o argumento usado para a apresentação do bloco nesse no
local, inclusive pelo ponto específico onde se concentra identificado como lócus de parte da
boemia cearense.
Nenhum dos organizadores reside no Benfica, mas concordam que é o melhor local
para o desenvolvimento da proposta, pois é considerado um bairro onde a produção cultural se
destaca.
Não se faz referência ao bloco contíguo que se apresenta na Praça João Gentil, Segura
o Copo. Cita-se apenas o Sanatório Geral, talvez porque parte dos integrantes se conheçam da
universidade e de outras atividades culturais desenvolvidas pelos organizadores. Acredita-se
que a alusão a este bloco ocorra em virtude disso que outros blocos que se apresentam no
sábado são citados apenas pelo nome e não se demonstra o conhecimento por meio de uma
visita a nenhum dos outros.
O Bloco Segura o Copo diferente dos outros dois localizados na Gentilândia não é
organizado por estudantes e ex-alunos da UFC. São pessoas que residem a pouco tempo ou
residiram no Benfica e o elegeram por identificarem-no com a diversidade. A princípio
demonstra-se a boemia como o elemento principal, mas logo se aponta a heterogeneidade de
pessoas no local como elemento preponderante.
O Benfica sempre foi um bairro acolhedor, sempre teve pré-carnavais aqui, marchinhas os bares
organizavam. A Cachorra Magra que muito tempo tem um pré-carnaval, tinha o Quem é de
160
Benfica que deixou muita Saudade e que foi um marco, acredito que foi um dos grandes motivadores
para que o pré-carnaval esteja acontecendo hoje na cidade. Na praia de Iracema acontece também,
mas acho que o propulsor para o pré-carnaval do Benfica foi o Quem é de Benfica.
Como vocês elegeram o Benfica?
Os outros dois organizadores moram no Benfica e eu já morei. Eu não moro mais, mas eu acho que
60% da minha vida eu passo no Benfica, freqüentando os bares.
Por que vocês escolheram a praça da Gentilândia para apresentar o bloco?
Porque é o centro de reunião das pessoas. A idéia inicial de trazer para a praça é a seguinte nós
tínhamos aqui o “Quem é de Benfica” e fazia uns cinco ou seis anos que não tinha nenhum
movimento de carnaval, um pré-carnaval, nada no Benfica. Então a idéia foi levar para a praça por
que ela é o maior exemplo de local aberto, de liberdade, além de ficar no centro do bairro, nós somos
o primeiro bloco de pré-carnaval a lançar o bloco na sexta-feira para que as pessoas pudessem sair
do trabalho e terem onde se encontrar, de onde fazer um encontro com um amigo, para tomarem uma
cerveja, uma opção com música de carnaval tradicional. E ao mesmo tempo reunir as famílias, aqui,
por exemplo, é uma praça onde nós temos bastante crianças, casais, idosos, tem toda uma diversidade
de público. A idéia da praça foi essa dar liberdade, porque ninguém é de ninguém.”
124
Dos organizadores do bloco dois residem no Benfica a cinco anos e um residiu no
Benfica durante sua infância e adolescência. No entanto, o registro de sua identificação como
local apropriado para a execução do bloco dá-se pela característica boêmia com a qual o
entrevistado compara o bairro. O público, de acordo com a descrição é o mais variado dos
blocos do bairro, apontando a escolha de um espaço público, como a praça, justamente para
possibilitar a convivência entre diferentes sujeitos cujas apropriações do espaço do bairro não
ocorrem somente durante o pré-carnaval, mas durante o ano inteiro já que a presença deles no
local é constante.
Os três blocos que se apresentam na Gentilândia diferenciam-se uns dos outros em
suas propostas e no público que os compõe. O Segura o Copo, talvez, por estar numa praça
onde o ambiente é mais amplo apresenta maior número de moradores os quais em geral são
identificados pela presença de crianças e idosos acompanhados de familiares.
Idosos e crianças dançando ao som das marchinhas de carnaval das décadas de 1970 e
1960 em meio a estudantes e freqüentadores habituais da praça formam, diferente dos outros
blocos observados, uma imagem mais heterogênea. As convivências entre os participantes
parecem, bastante, tranqüilas sem confrontos. No entanto, como destaca Queiroz (1992) a
instalação da desordem social através da festa é um mito, a desordem aparente conserva as
estruturas sociais imutáveis.
Assim, a produção do lugar onde prevalece a diversidade de atores convivendo em
harmonia proposta pelo organizador é apenas aparente. Queiroz ainda destaca que a crença no
124
F.L. um dos organizadores do bloco Segura o Copo.
161
carnaval como meio pelo qual as barreiras sociais são quebradas é um apego na idéia de que
se naquele momento a sociedade alternativa se instala, por que isso não ocorreria
definitivamente. De acordo com Queiroz (1992, p. 182) o carnaval representa o mito de um
rito que conduziria “para uma sociedade ‘outra’, na qual não existiriam nem injustiças nem
coerções; assim, mobilizaria a ação dos indivíduos no sentido de instalar uma sociedade de
liberdade e paz”.
Quadro 2: Características dos blocos de pré-carnaval no Benfica.
Blocos de Pré-carnaval no Benfica – 2008
Elementos
Cachorra
Magra
Unidos da
Cachorra
Luxo da
Aldeia
Sanatório
Geral
Segura o Copo
Tempo de
existência
10 anos 10 anos 3 anos 2 anos 2 anos
Organizadores
Residentes Residentes Estudantes EX-alunos da
UFC
Residentes e ex-
residentes
Escolha do local
Rua onde os
organizadores
cresceram
Rua onde
residiam ou
residem parte
dos
organizadores
Identificação
do local com a
boemia e a
cultura
Identificação do
bairro cidade do
interior e ponto
de confluência
dos
organizadores
Encontro da
diversidade com a
boemia
Participantes
Destaque para
os residentes da
Marechal e
imediações
Destaque para
pessoas de
outros bairros e
Estados
Destaque para
o público
universitário,
os moradores,
apresentados
como
coadjuvantes.
Destaque para
estudantes e
pessoas de
outros bairros, a
participação de
moradores é
apontada como
indicador de
aceitação
Público variado:
estudantes,
crianças, idosos e
público GLBTTT
Singularidade
Presença de
famílias e as
marchinhas de
carnaval de
1970 e 1960.
Samba enredo
Música de
compositores
cearenses
Músicas baianas
e
pernambucanas
da década de
1980.
Marchinhas de
carnaval das
décadas de 1970 e
1960.
Os blocos de pré-carnaval do Benfica seriam como as representações de uma
sociedade de bairro
125
, cada um representaria um dos atores nele presentes. Apesar de ser uma
afirmação pouco conveniente, quando se tem por base as entrevistas verifica-se que a festa,
125
Termo usado por Cordeiro e Costa (1999) para designar o conjunto de relações num bairro de Lisboa.
162
como destacada anteriormente, resgata elementos do cotidiano para a promoção da
festividade.
O Benfica apresenta-se como lócus de um variado conjunto de apresentações de pré-
carnaval que tem nos organizadores, nas músicas eleitas para as apresentações e na escolha do
local traços que demonstram elementos do cotidiano do bairro como justificativas para a
organização dos blocos.
De acordo com Di Méo (2001), a festa é um interstício espaço temporal marcado
simbólico e fisicamente, sendo muitas vezes representante do habitus de um povo da forma
como Bourdieu o define e, por isso, não seria como se coloca na literatura clássica uma
ruptura total do cotidiano. Para o autor a festa define um lugar, o lugar dos que festejam da
forma como eles o festejam, pois “A festa (...) participa da reprodução social e espacial dos
grupos territorializados” (Di Méo, 2001, p. 18, tradução nossa)
126
.
A festa representa um evento que contorno humano ao lugar. O espaço da festa é
representado, nomeado e vivido, freqüentemente apropriado por seus usuários, habitantes e
visitantes de um dia de festa. Ela não reduz o lugar onde ocorre a ela mesma, ela se justapõe,
exaltando o contato direto entre as pessoas (Di Méo, 2001). A festa ajuda a reforçar o sentido
do lugar estabelecido pelos que a executam, ela reforça o sentido que cada um propõe para
a mesma. No entanto, isso não quer dizer que não haja contradições nos festejos, ela contem
em si a contradição cujos processos são vislumbrados em seu interior.
Assim, as relações estabelecidas para definir o sentido do lugar no bairro são
exacerbadas durante a festa. Segundo Da Matta (1997, p. 60), as festas “consistem em
momentos especiais de convivência social” nos quais alguns aspectos da realidade são postos
em relevo, evidenciando relações ou sentidos atribuídos cotidianamente ao lugar. A proposta
de cada bloco parece evidenciar os distintos sujeitos presentes no Benfica, mas escondem as
interseções que as apresentações de cada bloco contem.
Amaral Destaca (1998) que a festa possui a dimensão cultural de colocar em cena
valores e projetos de um grupo, sendo uma mediação entre diferenças culturais e símbolos e,
portanto, comunica a postura dos participantes.
Festeja-se sempre algo, mesmo quando o objeto seja aparentemente irrelevante. A
função do mbolo parece não estar então, simplesmente, em significar o objeto, o
126
“La fête (...) Elle participe à la reproduction sociale comme à la reproduction espaciale des grupes
territorializes” (Di Méo, 2001, p. 18).
163
acontecimento, mas em celebrá-lo, em utilizar todos os meios de expressão para
fazer aparecer o valor que se atribui a esse objeto (Amaral, 1998, p. 39).
Elementos do cotidiano, ou como cada organizador percebe o bairro ficam evidentes
nas falas, alguns mais outros menos, destacam elementos que podem ser usados para
interpretar o bairro de acordo com a proposta de cada um. Entretanto, as convivências podem
mostrar contradições entre a proposta do bloco ou o que o organizador pretende e a aspiração
dos participantes; estes podem circular entre os diversos blocos, estando ora em um, ora em
outro, ou experimentar em diferentes fins de semana blocos diferentes. E mesmo entrar em
contato com diferentes sujeitos no momento das apresentações.
3.3.2 Os brincantes e o bairro
Acredita-se aqui que os blocos no Benfica evidenciam características do lugar no
bairro, este entendido como lócus de vários sentidos atribuídos por diferentes sujeitos. As
relações estabelecidas entre os brincantes dos blocos e entre os organizadores e os mesmos é
reveladora de sentidos de lugar no bairro. Esses são evidenciados na apropriação de cada
sujeito expressa pela forma o definem.
No caso dos blocos de pré-carnaval as formas como se faz referências a participantes
são reveladores.
O que me chama atenção é a presença de moradores do bairro. Um vizinho meu que é muito
religioso, eu vejo ele indo pra a missa, mas 17hs da tarde ele está lá tomando cerveja e
conversando com as pessoas. É uma atividade profana que ele faz, que sai do ambiente religioso dele.
Muitas pessoas do bairro, de idades diferentes e pessoas de outros bairros que tem relação com o
Benfica por causa da universidade e vão para lá. Tem o amigo do amigo, pessoas que não são
estudantes agora, mas que passaram por lá. Se eu pudesse apontar eu apontaria sem medo de errar
que 90% passaram ali na Arquitetura, na Comunicação Social, na Psicologia e na Letras.
127
Essa fala quando da transcrição da entrevista chamou minha atenção pela destaque
dado a presença de um morador. Em parte, acredita-se que os blocos de pré-carnaval sejam
organizados para os residentes no bairro, no entanto, a presença de um morador, que acredito
represente muitos outros, é salientada como ponto de sucesso. Em seguida, aponta-se o
127
Estudante da UFC morador de república universitária na Gentilândia.
164
público característico do bloco. A fala ainda que não faça referência direta com o bairro
destaca o público esperado no pré-carnaval no Benfica. Evidenciando uma identificação do
mesmo com a universidade e, portanto, uma apropriação do bairro pelos estudantes.
A identificação do público é interessante, porque ela marca para organizadores e
observadores como o mesmo é representado pelos demais e para o restante da cidade através
das reportagens veiculadas sobre o carnaval cujas do ano de 2008 foram bastante extensas,
tendo inclusive uma votação pela internet para saber qual era o melhor bloco de Fortaleza.
Durante as entrevistas não ouvi referências a isso, apenas no bloco Segura o Copo um
estudante solicitou falar ao microfone e pediu que os presentes, assim como ele havia feito,
votassem naquele bloco.
A caracterização dos blocos é feita a partir da impressão causada pelos brincantes.
Apresenta-se uma diferença que atribui uma melhor qualidade para o que se apresenta como
tradicional, nessa fala comemorações que se referem a presença de moradores antigos ou
pessoas de idade.
Eu estive ontem, você sabe que a gente faz pré-carnaval no horário que todo mundo faz, então a a
gente não tem a oportunidade de ver, mas existem alguns carnavais que são na sexta-feira então eu
fui ver para aprimorar, ver como estão fazendo e melhorar a nossa apresentação. Eu fui ao José
Bonifácio..... achei interessante e fui também na praça da Gentilândia. Eu acho que espaço para
todo mundo se você colocar um tipo de música para tocar as pessoas que gostam vão. Como o nosso é
tradição não tem limite de idade. Na Gentilândia eram só pessoas novas, mas era muito bom...
128
A participação de residentes, na fala, é indicada pela presença de pessoas da terceira
idade, o pré-carnaval da Gentilândia é representado como um local onde as músicas mais
recentes atraem pessoas mais jovens e, por isso, não seria uma apresentação tradicional. Nas
observações realizadas o bloco ao qual se refere o entrevistado, Segura o Copo, é na área da
Gentilândia o que apresenta maior número de idosos e crianças, executando, também
marchinhas de carnaval da década de 1960.
De acordo com uma senhora de 81 anos entrevistada no local aquele é “um carnaval
para a terceira idade, para nós, os velhos do bairro”, opinião que se contrapõe a expressa na
fala anterior.
A fala de um residente do bairro apresenta elementos para caracterizar as
apresentações do bloco Sanatório Geral, parecidas com a do outro brincante, indicando a
128
F.C. organizador do Cachorra Magra.
165
participação jovens, mas para ele isso não faz o bloco perder em tradição, pois esta é atrelada
a cultura transmitida pelos brincantes e na proposta.
É um bloco muito agradável para se brincar por que a proposta dele é que as pessoas se divirtam da
maneira que elas são sem rotular, até a música do bloco diz isso. É um bloco alegre que toca as
músicas tradicionais e as mais modernas. Têm um boneco. Os meninos que participam do bloco
apreciam cultura, os meninos são todos gente boa, eu participo, admiro e gosto.
Você consegue identificar o público que participa do bloco?
Tem muita gente de fora, porque quando começou as pessoas ficaram assustadas, elas olhavam meio
impressionadas, mas com o tempo foram aderindo, sentando na calçada para ver passar, outros
participaram, começou a haver uma integração.
No primeiro ano eram mais pessoas de fora que do próprio bairro?
Muita gente de fora, além do pessoal do bairro. As pessoas vêm por amizade. Muita gente que
participa do Sanatório é universitário.
129
Até pelo pouco tempo de existência seria difícil uma integração maior dos residentes
antigos que não participam da organização do bloco. A diferença entre estes e os
organizadores não ocorre só pela diferença de posições que ocupam no bairro, pois muitos dos
organizadores passaram a moram no bairro a cinco anos, mas pelas interpretações que cada
um possui do bairro e como estabelecem relações de proximidade com este.
Começou como uma coisa nossa, mas esse ano a gente viu uma participação maior das pessoas do
bairro, desde cortar tirinhas para a decoração como ficar na calçada esperando que o bloco
passasse. Pedir para que o bloco parasse, uma senhora pediu para que o bloco parasse na calçada da
casa dela. Houve uma interação legal.
130
Assim como salientou anteriormente um brincante a participação de moradores mais
antigos é vista como forma de adesão e aceite. Apesar de ser identificado com o público
jovem e com a presença da universidade, inclusive pelo vínculo dos organizadores, não se faz
referência a diversidade apontada por outro bloco como o Segura o Copo.
A identificação com a juventude para o organizador do Segura o Copo é, não uma
característica do bloco, mas do Benfica que une os diferentes no mesmo local, contribuindo
para identificação do bairro com a diversidade e, por isso, teria potencial para bater até o pólo
boêmio da cidade. Na proposta do bloco essa característica de unir os diferentes é evidente,
até mesmo na escolha do local para as apresentações.
129
R.C. brincante do Sanatório Geral, residente no bairro.
130
A.C organizador do Sanatório Geral.
166
Eu, particularmente, eu acho que o pré-carnaval do Benfica, se nós conseguirmos organizar um bom
pré-carnaval nós teremos o melhor pólo cultural e de lazer de Fortaleza, tem tudo para bater a Praia
de Iracema em qualidade e diversidade. Como você sabe que a diversidade de público nos pré-
carnavais do Benfica é imensa, nós temos crianças, idosos, o público GLBTTT, é uma mescla, um
caldeirão cultural, o pessoal da universidade, da sociologia, da filosofia, vem aqui para fazer seu
carnaval.
131
Os brincantes são destacados nessas falas como se cada um, da forma como são aqui
identificados, representasse o bloco do qual participam. Nas falas os sujeitos são indicados,
mas não se destaca interação entre eles. As relações parecem se dar numa coexistência sem
interação real, pelo menos da forma como são colocadas. Partindo do pressuposto de que cada
bloco possui um público específico, estes poderiam circular no bairro e interagir, no entanto,
acredita-se que mesmo nessa aparente homogeneidade interações não vistas pela aparente
possibilidade de transpor as diferenças sociais e conviver livremente no espaço-tempo da
festa.
A participação na festa de acordo com Amaral (1998) é tida como um encontro com
o outro, tendo em vista a tentativa de alcançar uma meta comum, portanto, uma boa festa é
aquela onde a participação da coletividade, a aproximação de diferentes sujeitos
convivendo e se relacionando, o que não produz, necessariamente, uma relação de harmonia.
Maia (1999) complementando a autora diz que na festa pessoas que cotidianamente são
distantes umas das outras se tornam próximas pelo momento que o evento produz.
Na observação dos blocos a circulação pareceu uma característica de pessoas jovens
que buscavam diversão nos diversos pontos do Benfica. Estas eram vistas em diferentes
blocos durante os fins de semana de janeiro. idosos e crianças por terem sua locomoção
condicionada ao auxílio de parentes era normal vê-los no mesmo local.
No entanto, saliento uma situação que representa a convivência entre os diferentes
numa mesma apresentação. Acredito que a amplitude do local tenha facilitado a observação.
E, por isso, esta seja a situação aqui descrita.
Na segunda sexta-feira, observando o bloco Segura o Copo percebi uma senhora
uniformizada que dançava e cantava as marchinhas de carnaval executadas pela banda, junto
com outras duas senhoras. Ela parecia convocar as demais ao centro da apresentação para
também se divertirem. No canto esquerdo estava o quiosque do bloco e o estandarte, junto
com algumas barraquinhas de bebidas. A direita algumas crianças brincando, sendo
131
F.L. organizador do Segura o Copo.
167
observadas por pais ou avós sentados nos bancos da praça. Carinhos de pipoca e
churrasquinho são vistos ao fundo, na direção da Treze de Maio.
O espaço ocupado pelo bloco é delimitado entre a avenida e o busto de José Gentil, a
frente do qual a banda de sopro loca-se. A medida que o tempo vai passando mais pessoas
chegam a praça e de início apenas observam das extremidades, os desinibidos que dançam e
cantam, entre os quais está um grande número de crianças fantasiadas e com confete para
brincarem entre si. Algumas jogam confete em adultos ou jovens próximos sem fazer
distinção entre os conhecidos e não conhecidos.
Os jovens começam a dançar e o centro fica cheio de pessoas, que brincam de
trenzinho ou fazem coreografias para as músicas. As senhoras pedem músicas para lembrarem
dos antigos carnavais e mesmo executando a sica mais antiga que conhece o maestro da
banda não agrada, pois a senhora ao ouvi-la demonstra um ar de decepção e gesticula um sinal
negativo para a amiga que aquela não era de seu tempo.
A cena fica cada vez mais heterogênea, ainda que o número de crianças tenha
diminuído, algumas permanecem mas não ocupam o centro. Estão nas extremidades e este
é ocupado pelos jovens. A senhora, com a camisa do bloco e copo na mão, desloca-se vez por
outra até um grupo de jovens que dança frevo de forma bastante expansiva e os empurra, sem
provocar qualquer tipo de incomodo, e segue dançando para o outro lado. Um catador de
recicláveis dança no canto direito aproveitando o momento de trabalho para se divertir ao som
da música.
A cena de convivência não indica nenhum conflito visível entre os participantes,
aparentemente todos aceitam as presenças uns dos outros e até interagem com rápidos
contatos. Quando o estandarte circula entre os brincantes eles o acompanham, alguns pedem
para tirar fotos, ou carrega-lo. Nesse momento ele convoca a Miss do bloco para fazer uma
fotografia, que será tirada por outra organizadora, esta era a senhora indicada anteriormente
pelo uniforme.
Uma semana depois tive a oportunidade de entrevistar essa senhora e suas colocações
foram esclarecedoras sobre a situação e as interações naquele momento.
Antes do bloco a senhora vê diferença que freqüentava e freqüenta a praça?
O pessoal vai a praça ver o bloco, o povo diz que o melhor carnaval que tem no Benfica é esse ai da
praça, um senhor chamou e disse tem muita coisa por aí, mas gosto daqui. Eu não gosto daqueles que
ficam com umas pernadas faltam bater na gente pra que aquilo, eu dou a volta e empurro e digo
vão pra lá, eu quero ficar é livre, deixem espaço. Também não gosto daquele trenzinho, saem todos
168
correndo, isso atrapalha. O bom é todo mundo dançando de braços dados. Ali eu gosto por que eu
vejo que é uma coisa familiar gente do Benfica, por isso que chama carnaval do Benfica porque o
pessoal que vem olhar mais é família do Benfica, levam as crianças, você viu? Senhores e senhoras de
idade, o esposo com a esposa, namorado com namorada, gente da igreja dos Remédios, que eu sou
católica, muitas famílias bacanas.
A senhora conhece os outros blocos aqui da Gentilândia?
Eles fecham a rua, mas eu nunca fui olhar por que tem muita gente, é muito apertado, nem olhar eu
vou porque tem muito é venda, até banheiro eles põem em frente a casa dos outros e isso eu acho
errado, isso não pode se fosse mais distante, por exemplo aqui na pracinha é distante das pessoas e
das casas. E tem outro aqui (aponta para a rua Paulino Nogueira), quando foi sábado eu disse vamos
dar uma voltinha ali, ele tocava lá, mas parece que a prefeitura pagava pouco, então ele fez um
carnaval (referindo-se a banda do bloco Sanatório Geral). Ele diz que eu sou a Miss do Bloco, a
rainha do bloco, por isso que as vezes eu penso não vou não, há mas hoje é o último...
A senhora diz que gosta do carnaval da praça porque tem muita família, mas também tem muito
estudante?
Eu não gosto porque é sexta-feira se fosse mudado para outro dia era melhor.
Por quê?
Por causa daquele povo, ontem tinha bem umas 40, aquelas criaturas que namoram com mulheres, a
gente passa e as vezes eles estão se agarrando. Se a gente olhar ai é que eles se agarram. Eu acho
uma falta de respeito, aquele ronda, eles deviam ver isso.
Mas a presença dessas pessoas não impede que carnaval seja bom?
Não, não impede e as famílias freqüentam e a prefeita fez aquilo para as pessoas da terceira idade,
tem jovem, mas é para nós e eu que moro aqui perto qualquer coisa venho em casa. Eu acho que tem
muito bêbado (refere-se a estudantes). O problema é sexta-feira, se não fosse diminuía o número
dessas pessoas. Vou até falar para a menina mudar o dia (refere-se a organizadora do bloco).
E colocar em que dia?
Dia de quinta-feira. Tem essas mulheradas e quando a gente vê eles estão no meio dançando
também.
132
O que num primeiro momento parece convivência pacífica entre diferentes sujeitos,
esconde relações conflituosas. As considerações vão de encontro a proposta do bloco de fazer
conviver os diferentes, pois quando aborda essa coexistência é como se o bairro fosse o lócus
de interação harmoniosa, os conflitos não são apresentados.
A descrição da brincante acerca do bloco e das situações de convívio que o mesmo
proporciona se contrapõe a do organizador cuja descrição destaca o convívio entre os
diferentes como uma das características do Benfica, apontando este como elemento
fundamental do festejo promovido pelo Segura o Copo. A festa é uma expressão da
sociedade, contendo os conflitos existentes entre os atores sociais. De acordo com Queiroz
(1992, p. 154), na festa:
...estruturas e valores permanecem as mesmas durante sua realização; somente
ficam escondidas pelo véu do entusiasmo e da efervescência desencadeadas pelas
representações coletivas que compõem a imagem da festa. Nenhuma modificação,
132
M. A. 81 anos, brincante do bloco Segura o Copo e residente no bairro.
169
nenhuma inversão palpável aparece, nem nas estruturas e organização da
coletividade festiva, nem em seus valores profundos, que continuam governando os
comportamentos.
Assim, as contradições existentes no bairro e as disputas entre os sujeitos estabelecidas
cotidianamente não são postas de lado durante as apresentações de pré-carnaval elas
permanecem exercendo influência sobre as relações entre os participantes.
Como se percebe na seguinte fala:
E no pré-carnaval como foi a relação dos moradores com os freqüentadores?
Comigo eles não mexeram e não falaram coisas erradas. Mas eu me afastei um pouco porque tinha
crianças e é complicado.
Mas você acha que a atitude das pessoas da praça mudou porque era o pré-carnaval?
Eu acho que não. Eu mudei. Na época eu estava namorando e minha namorada falou ‘tem crianças e
nós temos que respeitar’. As pessoas nem mudaram para pior nem para melhor. Como se todos
estivessem no mesmo lugar, mas sem se misturar, havia uma tolerância.
133
A certeza de que as relações cotidianas estabelecidas entre freqüentadores da praça e
residentes não muda por causa do pré-carnaval fica evidente nesta fala, “respeito de ambas
as partes” que possibilita a coexistência e a interação, nós até brincamos com as
crianças”
134
.
3.3.3 Os lugares no pré-carnaval no Benfica
Cada fala acerca dos blocos e dos brincantes aponta uma caracterização do bairro
algumas mais evidentes outras não. No entanto, o destaque, como coloca Maia (1999), deve
ser dado ao fato de as festas despertam sentimentos espaciais num determinado grupo, pois
ela produz um espaço com significado, um lugar.
Esse é produto das relações entre os sujeitos, entre o sentido que cada um atribui ao
local onde a festa se realiza. O lugar não é produto apenas do festejo, este reitera as
características atribuídas a ele cotidianamente por um ator ou conjunto de atores. Segundo Di
Méo (2001) as festas demonstram a existência humana, pois elas através das formas como são
133
L. freqüentadora da praça da Gentilândia, brincante do bloco Segura o Copo.
134
N. freqüentadora da praça da Gentilândia, brincante do bloco Segura o Copo.
170
comumente reconhecidas, festas do calendário cósmico, de santos ou nacionais, ocultam os
conflitos entre dois grupos territoriais vizinhos ou entre grupos internos, servindo para
reforçar os laços simbólicos com o território.
O autor ressalta que a diferença entre festa, manifestação e espetáculo é justamente
pelo fato daquela, mesmo que muitas vezes os integre, fazer referência constante a memória
social e a inscrição espacial, pois segundo Di Méo (2001) ela é um código sócio-cultural e
simbólico impresso no espaço que descreve uma identidade coletiva que se apresenta na
forma material distinguível no espaço, ou sob a forma de memória coletiva que se cristaliza
na lembrança da última festa.
Assim, Di Méo salienta que a festa produz uma carga simbólica que qualifica o lugar e
os jogos de sentido nela demonstram conflitos sociais. Afirmação que está de acordo com
Guarinello (2001) quando este propõe que a festa não apaga as diferenças, ela cria uma
identidade diferenciada e conflituosa.
Nas propostas de cada bloco o Benfica é representado por um discurso através do qual
ele é reconhecido.
... O Benfica é a cara do Ceará, é um bairro que têm tudo haver com música, o Benfica é um bairro
boêmio. Onde a produção intelectual é muito grande, as academias estão aqui: a Universidade
Federal do Ceará, o CEFET, as casas de cultura, então se produz muita cultura no Benfica. A
recepção das pessoas do bairro é mais fácil. A gente se identifica muito com o Benfica.
E o número de blocos?
É como eu te disse no Benfica a produção cultural é muito grande, bares. Na própria universidade,
todo mundo conhece quatro, cinco, seis bandas. Tem muito a ver com isso todo mundo se conhece. A
pracinha da Gentilândia, casas de cultura, a reitoria...
135
Ferreira (2005) destaca que um dos papéis das festas populares na vida urbana é
afirmar a participação numa coletividade e mostrar a especificidade da cultura local, através
de uma manifestação quesentido ao lugar por meio do lastreamento de valores simbólicos.
Segundo o autor, a festa é dominada por um discurso de poder que orienta ações e
apropriações mobilizando sistemas simbólicos produzidos pelos grupos que a produzem. E,
ainda que não seja, planejado e organizado eles fazem funcionar as apropriações e relações no
lugar.
135
J.P. organizador do Luxo da Aldeia.
171
Para o autor na festa a disputa de poder é pelo espaço simbólico onde prevalecem as
normas do grupo dominante. Na festa um sentido do lugar que controla as ões, um
discurso hegemônico. Esse, no entanto, é perpassado por outros discursos secundários que
também definem um lugar os quais não tem força para se impor, ficando subordinados.
A festa além de ser um espaço de trocas simbólicas define o adensamento dessas
trocas e, portanto, é um espaço aberto do qual diferentes sujeitos participam. A festa é uma
ocupação simbólica e discursiva.
...O Benfica é um bairro cultural. É muito bom, um bairro tradicional da cultura popular e tem que
continuar, isso é bom para as famílias. Aqui nessa rua as pessoas se divertem com a gente, cada ano
que passa é melhor. Não é cansativo. Aqui no Benfica tem muitos blocos e todos fazem um excelente
pré-carnaval, tem que continuar.
Ao que o senhor atribui essa quantidade de blocos aqui no Benfica?
As pessoas verem fazer acham bonito e fazem também certo e elas continuam. Fazem para alegar
sua rua, os vizinhos, O bom é a familiaridade. Para nós aqui na Cachorra não é o samba em si, são
as pessoas que querem brincar sem violência.
O bloco Unidos da Cachorra é identificado como um dos blocos que reúne mais jovens como o senhor
vê a relação entre a tradição que o senhor coloca e essa identificação com o novo?
O samba enredo como eu lhe falei não era quase conhecido por muitas pessoas, principalmente pelos
jovens. Os blocos que existiam como o Prova de Fogo e o Espalha Brasa já tocavam o samba enredo,
um pouco mais lento, mas tocava. O nosso samba está sendo aceito tanto pelos jovens quanto pelas
pessoas mais antigas, é um samba bem alegre. Para você ter uma idéia a gente foi convidado até
para tocar em casamentos. Tem um garoto aqui de quatro anos que adora a bateria, o seu Manoel
tem 94 anos é um dos primeiros a colocar a cadeira na calçada, o seu Daniel Capistrano que tem 84
anos. Não é o jovem que quer nem o idoso, são todas as idades. O samba enredo é
contagiante.
136
De acordo com Guarinello (2001, p. 972), “uma festa é uma produção social que pode
gerar vários produtos, tanto materiais como comunicativos ou, simplesmente, significativos”.
O pré-carnaval no Benfica pode-se afirmar, gera significados que demonstram o
reconhecimento do lugar para cada ator. A proposta dos blocos, o reconhecimento dos
brincantes e os argumentos usados para justificar suas existências sugerem sentidos para o
bairro.
O Benfica é reconhecido por características que produzem a festa e dão sentido a
execução da mesma nele e não em outro local. São os atributos do bairro que produzem a
festa e não o inverso, ainda que esta reforce os aspectos pelos quais o local é reconhecido. As
festas nos blocos de pré-carnaval resgatam aspectos do bairro que torna “Cada uma delas (...)
festa determinada e determinante de seu lugar.” (Ferreira, 2005, p. 313).
136
G.C.organizador do Unidos da Cachorra.
172
Ferreira (2005) alia o conceito de lugar ao de festa e estabelece a questão de espaço
poder como algo intrínseco ao evento festivo, advertindo que as relações não são apenas entre
tradição e modernidade, mas se estabelecem entre os atores participantes dele. O lugar é fruto
da mediação entre diferentes atores, pois para imprimir sentido a um porção do espaço é
necessário ter o poder de executá-la. O autor destaca que este não é exercido pelo
constrangimento, mas pela constituição de um sistema simbólico que orienta as ações e as
apropriações nos limites espaciais da festa.
A narrativa do espaço, segundo Ferreira (2005) articula sentidos e reflete as
concepções daqueles que a geraram e, portanto, a festa é considerada uma ocupação
simbólica, conceitual e discursiva onde o encontro dos diferentes produz os sentidos do lugar.
Podendo-se considerar que um mesmo espaço pode possuir diferentes discursos festivos e que
participam das diferentes festas aqueles que concordam com elas mesmo temporariamente,
tendo em vista que as pessoas podem mudar de discurso e compartilhar de vários discursos ao
mesmo tempo.
Os cinco blocos justificam suas presenças no bairro resgatando aspectos cotidianos
que para os organizadores e, logo, para os participantes identificam o Benfica. Nesse sentido,
vale salientar a presença de outros blocos identificados pelos estandartes que circulavam nas
apresentações dos citados: 1) Adeus Amélia que divulgava sua proposta em outros blocos e
tinha como lema combater o machismo, apresentando-se naquele bairro, especificamente na
praça da Gentilândia, por ser universitário e aberto as discussões de gênero; 2) Unidos das
Árvores do Benfica, organizado pelo Comitê de Pró-tombamento das Árvores do Benfica,
CPTAB, que durante o ano de 2006 organizou passeatas, manifestações, abaixo-assinados e
audiências públicas para preservação das árvores na área da universidade e do bairro, o bloco
não possuía apresentação própria circulando nos demais; e 3) Unidos da Vila Rosinha, bloco
organizado pelos moradores da vila de mesmo nome localizada na rua Marechal Deodoro
próxima a rua Joaquim Magalhães, no qual se reivindicava melhorias para o local.
(...) Eu não imagino aquilo no Papicú ou na Varjota. O próprio bairro é uma área de pedestre, a
gente ainda tem a coisa de o vizinho também ser vigilante. O bairro é bacana, charmoso, cheio de
bares, central. No nosso percurso a gente sai do Zezinho passa no Nonato, vai para o Feitosa, Assis,
Chaguinha e volta. São os principais bares do bairro. A gente mora e acha que o bairro recebe
bem essas propostas.
O que você pensa sobre o Benfica?
É um bairro charmoso, mas isso não exclui parte dos problemas urbanísticos das demais áreas da
cidade. Ele passa por um processo gradativo de descaracterização da arquitetura original,
principalmente, da cada de 1940 do século passado, casas com estilo chalezinho, com jardim na
173
frente. Hoje no Benfica você constrói do jeito que quer (...) Do ponto de vista natural o bairro de vez
em quando corta uma mangueira daquela não sei para que, o mal que elas fazem é sombra. Esse ano
tinha um bloco Unidos das Árvores do Benfica, achei um barato. Tem tudo haver, pessoas que moram
desde a infância dizem que o bairro na década de 1950 era cheio de árvores pelo bairro inteiro,
deu uma praga de Lacerdinha e o prefeito idiota achou por bem cortar as árvores, os benjamins, para
acabar com a praga. É como se por causa da dengue você não quisesse mais que chovesse. Eu não
presenciei, mas me causou um impacto. De vez em quando acontece, de cortar uma árvore.
Outra coisa importante é a centralidade. O bairro é eqüidistante de qualquer lugar. Quando eu estava
na arquitetura e ia a para o centro. A proximidade com o centro me tira de outros lugares da
cidade como o Iguatemi.
O que você entende por charmoso, você fez várias referências a isso?
Eu acho que as residências estão descaracterizadas, a ocupação do lote é antiga, casas geminadas,
não tem jardim, não tinha banheiro dentro de casa. O charme está na grande mistura entre o que
ainda resta da arquitetura e a vivacidade. De ter gente da rua. Eu moro próximo ao Ginásio e, às
vezes, é problemático, o da presença do ginásio, mas pela falta de organização. O urbanismo
contemporâneo recomenda que as pessoas tem que trabalhar perto de onde moram e ter lazer, de ter
comercio perto de casa. Ir a padaria, ao açougue... Para mim é bom, é charmoso pela escala do
Pedestre. As pessoas botam cadeira na calçada para conversar. O caráter boêmio do bairro passa
pela universidade.
137
O bairro é apresentado com diversos aspectos que justificam a existência do bloco e de
outros, além do mais informa sobre a diversidade de elementos dispostos no Benfica que o
fazem parte singular de Fortaleza. Na fala constrói-se uma cadeia de significações onde o
local é constituído e através do qual é interpretado pelo sujeito, nenhum dos elementos por ele
apontados é destacável ou significa sem os demais, apenas quando juntos fazem sentido.
137
A.C. organizador do Sanatório Geral.
174
Considerações finais
Poderia dizer que o Benfica é como qualquer outro bairro existente em Fortaleza o que
seria muito tendo em vista que bairros são espaços vividos e, portanto, tecidos com os
sentidos atribuídos no cotidiano. Estes trazem no traçado das ruas, na arquitetura e
principalmente na apropriação das pessoas elementos que os distinguem dentro da cidade e
acabam contando um pouco de sua história.
O bairro é um lugar, todavia dependendo do sujeito que fala os argumentos utilizados
para caracterizá-lo e distingui-lo podem ser semelhantes ou contraditórios. Não me refiro
apenas a pessoas com idades diferentes que participaram de diferentes momentos da história
local, vivendo experiências distintas, mas de sujeitos que pensam diferente porque participam
de construções de sentido distintas, isto é, estão diferentemente situados histórico e
culturalmente.
A narrativa de cada sujeito para falar do Benfica destaca elementos de diferentes
situações históricas, mesclando-os e fazendo referência ao que o bairro foi e ao que ele é.
Assim, não existe uma separação clara entre a descrição de jovens e idosos, residentes antigos
e novos, freqüentadores habituais e esporádicos. As distinções parecem estar mais a nível de
como as cadeias de significação são construídas, pois pode-se usar as mesmas palavras para
caracterizar o bairro, no entanto o significado em cada uma das estruturas pode ser diferente.
As vivências dos moradores no bairro são as primeiras a mostrar como residindo em
diferentes partes do bairro têm-se experiências de lugar distintas, já que as descrições sobre os
locais preferidos e as mudanças sofridas são descritas no raio de atuação e vivência direta da
própria pessoa, demonstrando que mesmo quando se trabalha com residentes suas
descrições sobre o local são diferentes, logo os sentidos atribuídos ao Benfica são diferentes.
Quando se observa as relações entre os sujeitos a partir das ações que empreendem
percebe-se como as cadeias são constituídas. A confraria ao instalar um memorial na
Gentilândia, ora reivindicando-a como bairro autônomo, ora considerando-a parte mais
tradicional do Benfica; coloca-se em contraposição aos elementos levantados durante a
pesquisa e mesmo as colocações de moradores de outras partes do bairro descordando da
afirmação são a primeira disputa de sentido para a definição do lugar.
Nos bares a convivência entre sujeitos demonstra as relações que os diferentes
estabelecem entre si, entre os sentidos que atribuem e os sentidos que o local diz possuir e
175
reproduzir. Essa correlação esta no cerne de um diálogo entre o estabelecido e as inovações
produzidas durante as falas, pois mesmo pronunciando palavras semelhantes os significados
contidos nelas são diferenciados, demonstrando que coabitar o mesmo local é uma
possibilidade de compartilhar com o outro.
O pré-carnaval seria uma festa por excelência, ou seja, o momento onde os diferentes
convivem e se relacionam abertamente sem haver imposição de qualquer regra, por isso ela é
o momento onde os sentidos se mostram espontaneamente sem mediações que possam
conduzir o que vai ser dito sobre o Benfica. A formação de um bloco revela as posições dos
sujeitos que o organizam e dele participam, ainda que muitas vezes essas posições possam ser
contraditórias.
A partir dos elementos expostos, pode-se dizer que o Benfica é polissêmico na medida
em que cada sujeito ao falar atribui um sentido diferente a ele, mesmo usando palavras
semelhantes. Tradição, cultura e liberdade são os vocábulos mais associados ao bairro,
quando falam em seus contextos específicos, a confraria, o bar e o pré-carnaval, os sujeitos
estão envoltos num conjunto de relações preponderante para o dito. Suas falas não podem ser
dissociadas do momento em que são ditas, pois elas também são ações e de acordo com De
Certeau (1994), duplamente, já que falar é pensar e fazer.
O Benfica como lugar se constrói, desta forma, na relação entre os diferentes sujeitos e
das cadeias de significações que usam para atribuir sentido as suas experiências no local. O
bairro possui hoje uma gama de usuários relativas a seu papel no contexto da cidade: moradia,
comércio, lazer, universitário e ligação, pois ele é cortado pelas principais vias de acesso ao
centro de Fortaleza, tornando-o pólo de convergência.
No entanto, essas significações não ocorrem sem disputas, como as situações
demonstram os sentidos convivem, mas estabelecem entre si, logo entre os sujeitos,
correlações de forças referentes a quem deve, merece, ou pode definir o lugar no bairro. Em
cada situação há um sujeito detentor do poder de fazer prevalecer sobre os demais um sentido
aparentemente único.
Algo no nível das aparências porque buscando encontra-se o diverso, o diálogo
inerente a toda e qualquer atribuição de sentido. Este se mostra como um processo inacabado
onde continuidades, rupturas, emendas e colagens de vários tipos, tendo em vista que as
situações não elegem sujeitos específicos e, por isso, também não excluem outros.
convivências mediadas pela cessão ora mais, ora menos de elementos que cada sujeito atribui.
176
Ceder e entrar no jogo do outro não significa abdicar do que se acredita e propõe. É
mais uma posição assumida no conjunto do que uma ação de submeter-se ao outro. Assim, em
outra ocasião pode-se estar como hegemônico na relação e aquele que antes o fora ceder, para
num outro momento voltar a ser hegemônico.
Isso faz pensar como o bairro pode conter múltiplos lugares justapostos, dialogando e
competindo entre si, coexistindo na mesma media em que os sujeitos o co-habitam. Os
sujeitos dão sentido ao bairro dentro do contexto de relações que estabelecem para si e nas
posições que assumem no local.
O Benfica é um bairro vivido por seus moradores antigos e recentes, pelos estudantes
secundaristas e universitários, pelos freqüentadores do Estádio Presidente Vargas e do
Ginásio Aécio de Borba, pelos fregueses de bares e integrantes de confrarias, pelos que
diariamente o tem apenas como local de passagem, mas constroem em outros pontos da
cidade seus lugares, que são, da mesma forma, disputados.
O pensamento para o bairro então deve ser um pensamento múltiplo, onde não haja a
contradição entre dois pólos opostos, mas diferença da forma como Derrida (1991) a define,
isto é, um movimento de significação onde cada elemento presente está em relação com outro
elemento ausente, onde o presente relaciona-se com o passado e o futuro, onde não há
intervalos de separação para cindir o que é do que não é, já que a cisão faz parte da
constituição e, portanto, não deve ser pensada como uma linha divisória. Desta forma, todo
lugar contem em si, mais e menos do que é capaz de reconhecer.
Não porque outras significações, outros lugares justapostos, mas porque existem
elementos compartilhados. Ou seja, estão nos diferentes discursos, no entanto não significam
o mesmo porque os arranjos que os envolvem são distintos e os sentidos são sempre relativos
as relações, a como cada elemento é relacionado e em qual medida o é.
Esses arranjos proporcionam o que Foucault (1980, p. 68) denomina de
“multiplicidade maravilhosa da diferença”. De um ser sempre outro sem cópias ou imitações.
177
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188
ANEXOS
189
Figura 01: Avenida Visconde do Cauype, 1920. Atual Avenida da Universidade.
Fonte: Arquivo Nirez.
Figura 02: Clube Gentilândia, 1940. A esquerda estava o Parque Gentilândia área de
lazer das famílias residentes na Vila Gentil.
Fonte: Arquivo Nirez.
190
Figura 03: Vista aérea do Benfica em 1930. Em primeiro plano a Lagoa do Tauape
e logo acima o campo do Prado Cearense.
Fonte: Arquivo Nirez.
Figura 04: Muro do Centro de Esportes Universitários – CEU, sendo reforçado para
manifestação de estudantes
Fonte: Gazeta de Notícias, 25 de junho de 1968.
191
Figura 05: Cartão do aniversário de um ano do transplante da árvore
em 2006.
Fonte: Silvio Mendes.
192
Figura 06: Convite de inauguração do Memorial da Gentilândia em 2006.
Fonte: Silvio Mendes.
Figura 07: Reitoria da universidade Federal do Ceará, ao fundo a Concha Acústica
e a direita as Vila Santa Cecília.
Fonte: Arquivo Nirez.
193
Figura 08: Painel no Bar do Chaguinha onde estão os seresteiros e a esquerda com a bandeja
na mão o sr. Chagas.
Fonte: Ilaina Damasceno.
Figura 9: Painel no bar do Chaguinha em 2008.
Fonte: Ilaina Damasceno pereira.
194
Painéis do Memorial da Gentilândia.
195
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205
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