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A avenida onde reside o sr. V.H.C. é a principal via de acesso ao Benfica desde o
surgimento do bairro no final do século XIX, pela relevância dela iniciar-se-á por esta
entrevista.
O senhor reside no Benfica há quanto tempo?
Desde que nasci, na casa 2226 na antiga rua do Benfica que depois mudou para Visconde do
Cauhype. Essa casa pertence a nossa família a mais de 100 anos. O número era 226 e com o tempo
passou para 2226 e, atualmente, é a chamada avenida da Universidade.
O senhor pode falar um pouco sobre o Benfica nas décadas de 50 e 60?
O Benfica era uma avenida, Boulevard Visconde do Cauhype, mais larga tranqüila arborizada de
Benjamins de um lado e do outro lado da rua tinha o trilho dos bondes e era de mão dupla. Ida e
volta para a Parangaba, naquela época era abastecida de gêneros pelos carroceiros, porque não
existia ônibus para Parangaba.
O Benfica começava na igreja dos remédios, perto da casa do Gentil onde é a reitoria, e dali para
frente era a avenida João Pessoa. O Benfica tinha algumas casas bonitas, de famílias de destaque,
com poder imobiliário grande, mas pouco dinheiro, e todos eram felizes e não sabiam.
A avenida da Universidade tinha a família Gentil e perto das caixas d’água tinha a família Manços
Valente, muito religiosa. O Benfica teve grandes colégios, na João Pessoa ainda resta o colégio
Juvenal de Carvalho, e de lá para cá tinha o Ginásio Americano para moças abastadas de classe
média alta e na esquina tinha o colégio da d. Osmerinda para moças que faziam o ginasial o Colégio
Santa Cecília, onde hoje é o museu da universidade. Tinha o Grupo Escolar Rodolfo Teófilo, onde
hoje é a faculdade de economia da UFC. Esse era um grupo onde as grandes famílias matriculavam
seus filhos.
Eu lembro da d. Iaiá Montenegro que pesava 200 Kg, como não tinha ar-condicionado a mesa dela
ficava na porta de entrada, tinha a d. Mimosa cuja pedagogia era muito evoluída para época, era a
chamada palmatória que abriu a cabeça de muita gente para colocar a matemática dentro. Irmãos e
irmãs minhas aprenderam assim.
Tinha também o Ginásio Santa Maria, das irmãs Ferreira Lima, até hoje Fortaleza precisa prestar
uma homenagem a essas professoras abnegadas. Infelizmente, elas não fizeram sucessoras e
venderam por pouco mais ou nada seu prédio para a reitoria da universidade.
Como era a vivência das pessoas?
Era um congraçamento, não havia clube, o que tinha aqui perto era o Maguary meu pai era
contribuinte. As pessoas eram fraternas, por exemplo, a família do meu pai era do interior e quando
chegavam às frutas minha mãe levava para as vizinhas como uma forma de fraternidade. Existia
como não existe mais a cadeira na calçada, com a evolução e a peste de lacerdinhas, espécie de
lendias, que caiam nos olhos e faziam arderem. O prefeito mandou cortar os Benjamins e as famílias
se recolheram. A gente ficava esperando o bonde passar. A gente quando menino pegava bochecha
nos bondes da Light e nas carroças e quando eles viam a gente se soltava, os meninos jogavam bolas
de meia, que não existia bola de borracha, e quebrava a vidraça das casas. Aqui passava o bonde do
Prado e o do Benfica, no Prado, onde é a escola técnica hoje, tinha corrida de cavalos e por trás
tinha o campo de futebol.
Tinha padarias. A Padaria Americana do sr. Josué que distribuía para quem fosse comprar o pão de
manhã cedo, principalmente para os meninos, bolachas como prenda para conquistar o cliente. O
menino que ia comprar o pão que custava 800 réis ficava com 2 tonis e ainda ganhava a mão cheia de
bolacha. Tinha também o sr. Síberio Abreu ali vizinho a Casa Amarela do meu antigo colega de
Colégio Cearense Eusélio Oliveira.
As pessoas andavam a pé. Só tinha as duas caixas de água de ferro.
A lembrança que eu tenho é da minha meninice. Os Mansos Valente eram milionários, hoje a casa é
ocupada pela irmandade de Santa Rosa dos Enfermos, meu avô contava que eles colocavam dinheiro
para levar sol porque estava mofado. Eu assisti o patriarca chegava com aquele cuecão dele arriava
a calça e sentava para não tirar o vínculo da calça, ninguém reclamava a igreja era dele.
[...]
Como o senhor vê o Benfica hoje?