RESUMO
A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, é uma
parasitose relevante e negligenciada afetando 16-18 milhões de indivíduos em áreas
endêmicas da América Latina. A quimioterapia corrente, baseada em dois
nitroderivados (nifurtimox e benznidazol), é insatisfatória principalmente pela baixa
atividade na fase crônica, alta toxicidade e devido ao aumento de isolados
resistentes. Diamidinas aromáticas apresentam importante atividade anti-tumoral e
antiparasitária, e vêem sendo utilizadas no tratamento de doenças parasitárias
humanas e animais. Porém, devido à baixa biodisponibilidade oral e alta toxicidade,
estudos têm sido desenvolvidos de modo a sintetizar e avaliar a ação de novos
análogos dicatiônicos. Assim, a presente dissertação teve por objetivo caracterizar a
atividade de amidinas reversas (ARs) contra Trypanosoma cruzi in vitro,
comparando-a com a ação da diguanidina DB711. Nossos dados revelaram que ARs
exibem importante efeito antiparasitário sobre amastigotas e tripomastigotas de T.
cruzi em doses micro e nanomolares que não afetam a viabilidade de células de
mamíferos. As amidinas DB889 e DB702 apresentaram superior atividade na maioria
dos sistemas avaliados (diferentes formas evolutivas, diferentes condições de
temperatura, e adição de sangue) em relação às duas outras ARs testadas, DB786 e
DB811, sugerindo que pequenas variações na estrutura química resultam em
diferenças na potência antiparasitária. A análise das ARs sobre amastigotas não
revelou diferenças no perfil de susceptibilidade entre os dois estoques de T. cruzi
testados, cepa Y e clone DM28c. Observamos superior atividade das ARs sobre
tripomastigotas durante incubação a 37°C, e que a adição de sangue reduziu a
atividade tripanocida da maioria dos compostos testados à 4°C, possivelmente
devido à sua associação a componentes plasmáticos, como já relatado em outros
estudos. Ensaios de citotoxicidade in vitro revelaram perda viabilidade celular
somente frente à incubação com altas doses das drogas (>32 µM) havendo,
contudo, diferenças relacionadas ao perfil de susceptibilidade dependendo da fonte
de células de mamíferos, sendo células de cultivo primário muito mais susceptíveis
que linhagens, demonstrando a importância de se avaliar a toxicidade no primeiro
tipo celular. A análise por microscopia eletrônica de transmissão (MET) revelou
importantes alterações ultra-estruturais, principalmente no núcleo e mitocôndria dos
parasitas tratados com as ARs, corroborando dados anteriores referentes à ação de
diamidinas sobre tripanosomas. A análise do potencial de membrana mitocondrial
por citometria de fluxo confirmou o efeito das ARs sobre as mitocôndrias dos
parasitas. MET revelou que DB889 induziu um intenso “shedding” vesicular na
região da bolsa flagelar de amastigotas, sugerindo um incremento na atividade
exocítica destes parasitas. Esta amidina também gerou alterações na organização
de microtúbulos do T. cruzi, com perda parcial de microtúbulos subpeliculares em
amastigotas e aparecimento de múltiplos perfis de axonemas em tripomastigotas.
Todas as amidinas testadas revelaram-se mais efetivas quando comparadas à
diguanidina DB711, confirmando dados anteriores que revelaram a promissora ação
de amidinas reversas sobre tripanosomatídeos. O efeito de ARs contra o T. cruzi
reforça o rastreamento por novos análogos que possam ser usados sozinhos ou em
combinações com outras drogas para o tratamento da doença de Chagas, e a alta
atividade da DB889 associada à baixa toxicidade estimula estudos in vivo, que
serão em breve conduzidos.