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CONTRASTES E CONFRONTOS:
um estudo funcional do elemento mas na fala e na escrita
Paulo Henrique Duque
2008
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2
CONTRASTES E CONFRONTOS:
um estudo funcional do elemento mas na fala e na escrita
PAULO HENRIQUE DUQUE
Tese de Doutorado submetida ao Programa
de Pós-Graduação em Lingüística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de
Doutor em Lingüística.
Orientadora: Profª. Doutora Maria Luiza
Braga
Rio de Janeiro
Janeiro de 2008
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3
Duque, Paulo Henrique.
Contrastes e Confrontos: um estudo funcional do elemento mas
na fala e na escrita/ Paulo Henrique Duque. Rio de Janeiro: UFRJ/
LETRAS, 2008.
237 f.: Il: 31 cm
Orientadora: Maria Luiza Braga
Tese (Doutorado em Lingüística) UFRJ/ LETRAS/ Programa de
Pós Graduação em Lingüística, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 223-237
1. Conectivos. 2. Fala e Escrita. 3. Lingüística – Teses.
I. Braga, Maria Luiza (orient.). II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de Letras: Pós-Graduação em Lingüística. III. Título.
4
CONTRASTES E CONFRONTOS:
um estudo funcional do elemento mas na fala e na escrita
Orientadora: Professora Doutora Maria Luiza Braga
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para
a obtenção do título de Doutor em Lingüística.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Profª Doutora Maria Conceição Auxiliadora de Paiva – UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor . Dermeval da Hora Oliveira – UFPB
_________________________________________________
Profª. Doutora Mariângela Rios de Oliveira – UFF
_________________________________________________
Profª. Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
_________________________________________________
Profª. Doutora Vera Lucia Pereira Paredes da Silva - UFRJ
_________________________________________________
Profª. Doutora Claudia Nivia Roncarati de Souza – UFF (suplente)
_________________________________________________
Profª. Doutora Maria Conceição Auxiliadora de Paiva – UFRJ (suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
5
Aos meus pais Ozaira e João,
Irmãos Alessandra, Ana Paula, Felipe e Lucas
e sobrinha Lavínia.
6
AGRADECIMENTOS
À Professora Maria Luíza Braga, que vem criando novos sentidos, carregados de
afetividade, para o termo orientação.
Às professoras Christina Abreu Gomes e Vera Paredes Silva, pelas preciosas
sugestões durante o Exame de Qualificação.
À Professora Conceição Paiva, por todo o apoio, sempre.
Ao professor Ataliba de Castilho, pela paciência e pela contribuição para o
enriquecimento bibliográfico deste trabalho.
7
As idéias das pessoas são pedaços da sua felicidade.
William Shakespeare
8
RESUMO
DUQUE, Paulo Henrique. Contrastes e Confrontos: um estudo funcional do
elemento mas na fala e na escrita. Rio de Janeiro: 2008. Tese (Doutorado em
Lingüística) Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2008.
Na presente tese, investigamos em que medida as funções semânticas do mas e a
arquitetura das construções nas quais o elemento se insere são determinadas pela
modalidade (fala ou escrita). Descrevemos as instâncias de atuação do item,
vinculando segmentos sintagmáticos ou unidades discursivas. Para isso,
controlamos grupos de fatores como presença/ ausência de negação, transitividade
verbal, gênero discursivo e seqüências tipológicas textuais. Como referencial teórico,
utilizamos os pressupostos teóricos do funcionalismo lingüístico para descrever e
comparar o comportamento sintático e semântico dos segmentos conectados pelo
mas. As amostras utilizadas constam de dados da modalidade falada e escrita, do
Rio de Janeiro, extraídos de entrevistas, aulas e jornais escritos. Da perspectiva da
metodologia adotada na pesquisa, valemo-nos de alguns recursos da teoria da
variação lingüística, com base nos quais, submetemos os dados a um tratamento
quantitativo, por meio do pacote Makecell (do programa VARBRUL), mesmo sem
estar operando com uma regra variável. Assumimos nesta tese, a hipótese de que
haja uma correlação entre as funções semânticas do mas, os tipos de segmentos
por ele ligados, a modalidade (falada ou escrita) na qual o elemento se encontra e
os gêneros e as seqüências tipológicas textuais dos trechos nos quais o elemento
ocorre. Visando à comprovação empírica desta hipótese, os contextos de inserção
do item mas foram analisados, a partir de parâmetros sintáticos e discursivo-
pragmáticos, e os resultados quantitativos da pesquisa evidenciaram que: (a) os
diversos mecanismos funcionais encabeçados pelo mas exibem um padrão
distribucional divergente entre si e, portanto, remetem a contextos sintáticos e
discursivo-pragmáticos distintos; (b) tais diferenças se explicam pela ação de grupos
9
de fatores como tipo de segmento conectado, modalidade, gênero textual e
seqüência tipológica textual; (c) alguns usos de mas são influenciados pela
presença/ ausência da negação lexicalizada e sua posição em relação ao elemento
em estudo; (d) as funções semânticas desempenhadas pelas construções
encabeçadas por mas têm alguma relação com o grau de fragmentação/ integração;
distanciamento/ envolvimento presentes nos gêneros textuais utilizados nesta tese;
(e) para cada grupo semântico examinado, algun (s) tipo (s) de verbo (s) é (são)
mais freqüente(s).
Palavras-chave: Lingüística Funcional. Fala e Escrita. Conectivo. Mas
10
ABSTRACT
DUQUE, Paulo Henrique. Contrasts and Confrontations: a functional study of the
element mas (but) in speech and in writing. Rio de Janeiro: 2008 (Ph.D. dissertation)
– Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.
In this thesis, we investigate in what extent the semantic functions of mas and the
architecture of the constructions, in which the element is inserted, are determined by
the mode (speech or writing). We describe the instances in which the item acts,
linking syntax segments or discursive unities. So, we controlled groups of factors
such as presence/absence of negative, verbal transitivity, discursive kind and textual
typical sequences. As a theory reference, we adopt the theorical presuppositions of
the functional linguistics to descrive and compare the syntatic and semantic
behaviour of the segments linked by mas . The samples are constituted by data
referring to the Portuguese spoken and written in Rio de Janeiro, taken from
interviews, lessons and newspapers. From the point of view of the adopted
methodology in this research, we used some resources of the theory of the linguistic
variation, founded in which we submitted the data to a quantitative processing by
means of the Makecell packet (from the VARBRUL program), even without operating
in a variable rule. We adopted in this thesis the hypothesis that there is an interaction
among the semantic functions of mas, the kind of segments linked by it, the modality
(spoken or written) in which the element is situated and the typical textual kinds and
sequences of the passages in which the element occurs. Looking for the empirical
confirmation of this hypothesis, the contexts of insertion of the item mas were
analyzed from syntactic and discoursive-pragmatic parameters and the quantitative
results of the research showed that: (a) the several functional mechanisms starting
from mas show a distributing pattern diverging from each other, and, therefore, lead
to different syntactic contexts and discursive pragmatic; (b) such differences explain
themselves by the action of a group of factors such as connected segment, modality,
textual kind and textual typological sequence; (c) some uses of mas are influenced
by the presence / absence of the lexicalized negative and its position relatively to the
element which is being studied; (d) the semantic functions performed by
constructions beginning by mas have some relationship with the degree of
fragmentation / integration; detachment / involvement that are present in the textual
11
kinds used in this thesis; (e) for each semantic group that we examined, some kind(s)
of verb(s) is (are) more frequent.
Key-words: Functional Linguistic. Speech and Writing. Conective. Mas (but).
12
LISTA DE FIGURAS, QUADROS E GRÁFICOS
FIGURAS
Figura 1
Esquema argumentativo de KOCH (2001) 43
Figura 2
Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e
na escrita (Marcuschi, 2001)
104
Figura 3
Escala fragmentação/ envolvimento e
integração/distanciamento
192
QUADROS
Graus de desigualdade entre os segmentos coordenados
por mas
46
Funções representativas do mas 71 e 72
Distribuição dos falantes pelas amostras utilizadas 114
Distribuição dos gêneros jornalísticos nas amostras de
escrita
115
Exemplo de transcrição por grades 118
Segmentos relacionados por mas 121
Localização da partícula de negação 122
Mecanismos de fragmentação/ envolvimento e integração/
distanciamento
122
Graus de conexão entre os segmentos vinculados por
mas
124
Quadro 10
Transitividade Verbal, segundo Halliday (1985) 125 e 126
Quadro 11
Seqüência tipológicas, segundo Paredes (1997) 134
Quadro 12
Presença/ ausência e posição da partícula de negação/
mecanismos
161
Quadro 13
Divisão dos MDs em grupos (cf.: MACEDO e SILVA,
1996)
163
Quadro 14
Mecanismos de integração/ distanciamento/ gêneros
textuais
192
Quadro 15
Mecanismos de fragmentação/ envolvimento/ gêneros
textuais
192
13
GRÁFICOS
Gráfico 1
Instâncias de atuação do mas, na fala e na escrita 138
Gráfico 2
Distribuição dos segmentos conectados por mas nas
amostras
141
Gráfico 3
Distribuição dos Sintagmas não oracionais conectados por
mas, na fala e na escrita
144
Gráfico 4
Funções semânticas de mas em sintagmas oracionais na
fala e na escrita
148
Gráfico 5
Graus de conexão dos sintagmas oracionais vinculados por
mas, na fala
153
Gráfico 6
Graus de conexão dos sintagmas oracionais vinculados por
mas, na escrita
153
Gráfico 7
Funções semânticas desempenhadas pelo mas, em
construções sintagmáticas
161
Gráfico 8
O mas na organização de textos falados e escritos 169
Gráfico 9
Distribuição dos processos verbais na fala e na escrita 178
Gráfico 10
Distribuição do elemento mas pelos gêneros 193
Gráfico 11
Tipologias textuais identificadas nas amostras
195
Gráfico 12
Distribuição dos gêneros textuais nas amostras 210
14
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Instâncias de incidência do elemento mas, na fala e na escrita 137
Tabela 2
Instâncias de atuação do mas pelas amostras 140
Tabela 3
Distribuição dos sintagmas não oracionais conectados por mas na fala e na
escrita
144
Tabela 4
Funções semânticas do mas, na conexão de sintagmas oracionais, na fala
e na escrita
148
Tabela 5
Graus de conexão dos sintagmas oracionais vinculados por mas 152
Tabela
6
Tabela resumitiva: funções, instâncias e modalidades 160
Tabela 7
O mas na organização textual 167
Tabela 8
Papéis dos processos da transitividade dos segmentos introduzidos pelo
elemento mas
178
Tabela 9
Processos da transitividade dos segmentos introduzidos pelo elemento mas
185
Tabela 10
Mecanismos de fragmentação, integração, envolvimento e distanciamento 187
Tabela 11
Total de ocorrências e número de palavras 191
Tabela 12
Total de ocorrências e número de palavras 191
Tabela 13
Distribuição do mas pelos gêneros textuais analisados 193
Tabela 14
Instâncias de atuação do mas e gêneros textuais 194
Tabela 15
Tipologias, gêneros e modalidades 200
Tabela 16
Tipologias textuais e funções semânticas do mas 201
Tabela 17
Tipologias textuais e transitividade dos processos 207
Tabela 18
Transitividade dos processos e gêneros textuais 213
Tabela 19
Funções semânticas e gêneros textuais 214
15
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
17
2
O FUNCIONALISMO EM LINGÜISTICA
22
3
A NOÇÃO DE CONTRASTE
28
3.1 UMA VIAGEM DIACRÔNICA 28
3.2 ABORDAGEM TRADICIONAL 31
3.3 ABORDAGENS LINGÜÍSTICAS 40
4
FALA, ESCRITA E GÊNERO TEXTUAL
73
4.1 O FIM DAS PRIMAZIAS 73
4.2 A PROPOSTA DE CHAFE 84
4.2.1
Fragmentação e Integração
85
4.2.2
Distanciamento e Envolvimento
93
4.3 A NOÇÃO DE TEXTO 100
4.4 GÊNEROS TEXTUAIS 101
4.5 PROCESSOS DE CONSTITUIÇÃO DO TEXTO 105
4.5.1
O processo de ativação do texto
106
4.5.2
O processo de re
-
ativação do texto
110
4.5.3
O processo de desativação do texto
110
5
PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
113
5.1 INSTRUMENTAL METODOLÓGICO E AMOSTRAS 113
5.2 A QUANTIFICAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 116
5.3 HIPÓTESES E FATORES CONTROLADOS NA PESQUISA 118
5.4 PROCEDIMENTOS ADOTADOS PARA A APRESENTAÇAO
DOS EXEMPLOS
134
6
O
MAS
NA CONSTITUI
ÇÃO DE TEXTOS FALADOS E
ESCRITOS
136
6.1 AS CONSTRUÇÕES DE CONTRASTE VINCULADAS POR
MAS
141
6.1.1
Conexão entre elementos no interior do sintagma não
oracional
142
16
6.1.2
Conexão entre sintagmas não oracionais
143
6.1.3
Conexão entre sintagmas oracionai
s
147
6.1.4
A expressão correlativa “não só...mas também”
156
6.1.5
Focalização do sintagma não oracional
158
6.1.6
Outros
159
6.2 CONEXÃO ENTRE SINTAGMAS EXTRA-ORACIONAIS 162
6.2.1
Na organização textual
166
6.2.2
Na organização interacional
173
6.3 TRANSITIVIDADE VERBAL NA FALA E NA ESCRITA 177
6.4 MAS EM CONTEXTOS DE INTEGRAÇÃO, FRAGMENTAÇÃO,
DISTANCIAMENTO E ENVOLVIMENTO
187
6.5 O MAS NA CONSTITUIÇÃO DE TIPOLOGIAS TEXTUAIS 194
6.6 O MAS NA CONSTITUIÇÃO DE GÊNEROS TEXTUAIS 210
7
CONCLUSÃO
216
REFERÊNCIAS
223
17
1 - INTRODUÇÃO
O objetivo desta tese é analisar em que medida as funções semânticas do
mas e a arquitetura das construções nas quais o elemento se insere são
determinadas pela modalidade (fala ou escrita). Para isso, descreveremos os
contextos nos quais o item participa da conexão de elementos dentro do sintagma
não oracional; da vinculação entre sintagmas não oracionais; da ligação entre
sintagmas oracionais; da organização (sub) tópica e das trocas de turno.
Controlaremos a presença/ ausência da partícula de negação e o seu
posicionamento na construção; consideraremos a transitividade verbal do segmento
introduzido por mas e investigaremos os gêneros textuais e seqüências tipológicas
dos trechos analisados.
Normalmente, os estudos sobre o item mas detêm-se a examinar o seu papel
na organização argumentativa dos enunciados (RODRIGUES, 1990; FABRI, 2001;
GUIMARÃES, 2002; ROCHA, 2006). Para isso, valem-se dos pressupostos da
Semântica Argumentativa de Ducrot e Vogt (1979) e Ducrot (1972, 1988), de cujos
estudos caracterizaram dois tipos de mas: um de refutação (masSN) e um de
argumentação (masPA). No entanto, essa bipartição vem se mostrando insuficiente
na caracterização de muitas ocorrências do elemento, como nos demonstra Neves
(1984, 2000, 2002, 2006), ao propor a distribuição de diferentes usos do mas numa
escala, partindo da simples desigualdade entre os segmentos por ele conectados e
chegando à anulação do conteúdo do segmento que o precede. Assim, a autora
conseguiu caracterizar grande número de ocorrências. Entretanto, o foco exclusivo
sobre os usos conjuntivos e a não consideração de fatores pragmático-discursivos,
18
como nos aponta Urbano (1998), deixou muitos usos fora da análise. Por outro lado,
alguns lingüistas abordaram, em seus trabalhos, as funções discursivas do mas - ou
consideraram aspectos pragmáticos envolvidos nos seus usos - (RODRIGUES,
1993, 1995; SWEETZER, 1995; SCHIFFRIN, 1997; URBANO, 1998), mas, ou não
se detiveram nos usos conjuntivos do elemento, ou não investigaram com
profundidade as propriedades comuns dos usos conjuntivos e discursivos.
Além disso, vale lembrar que os trabalhos realizados não se propuseram a
investigar concomitantemente o papel da modalidade (fala e escrita), dos gêneros
textuais e das seqüências tipológicas na caracterização do mas. Ao adotarmos um
olhar tão abrangente na análise do elemento, pretendemos demonstrar que as
funções semânticas são determinadas pela conjunção de grupos de fatores
diversos.
Dessa forma, procuraremos explicar os usos do item mas, analisando os
contextos lingüísticos, discursivos e pragmáticos nos quais verificamos esses usos.
Para isso, valer-nos-emos de pressupostos teóricos da abordagem funcionalista,
como a correlação entre forma e função, e a noção de transitividade como fenômeno
escalar, dependente do contexto.
Examinaremos os contextos de inserção do elemento mas, numa perspectiva
sincrônica. Para isso, utilizar-nos-emos de corpora representativos da língua falada:
amostras de entrevistas, do PEUL
1
e do NURC
2
e da língua escrita: amostra de
jornais cariocas, que integram o acervo do PEUL. Os dados coligidos serão
submetidos a um tratamento quantitativo e todas as ocorrências arroladas de mas
serão analisadas sob o recorte de determinados grupos de fatores. As evidências
1
Programa de Estudos sobre Uso da Língua.
2
Norma Urbana Oral Culta.
19
estatísticas nos fornecerão respaldo às interpretações do fenômeno lingüístico aqui
examinado, no sentido de se poderem confirmar ou refutar as hipóteses aventadas
na pesquisa. Logo, os dados coletados também serão analisados qualitativamente
com o intuito de se descreverem, a partir das propriedades formais e semântico-
pragmáticas consideradas na pesquisa, os diferentes usos do mas, correlacionando-
os às estratégias sintáticas nas quais se atualizam, ao gênero e à seqüência
tipológica textual e à modalidade.
Visando, então, a uma abordagem descritivo-quantitativa do fenômeno
lingüístico a ser investigado, a presente tese tem como principais objetivos:
a) Cotejar, do ponto de vista gramatical e semântico, os diferentes usos de
mas;
b) Depreender elementos lexicalmente concretizados que co-participam dos
diversos usos de mas, como as partículas de negação;
c) Identificar quais propriedades formais e semânticas, consideradas na
pesquisa, servem de base para o estabelecimento de convergências e
divergências entre esses usos;
d) Detectar os graus de integração sintática entre os sintagmas oracionais
interligados pelo mas, a fim de se verificar o grau de integração e fragmentação,
característicos da escrita e fala, respectivamente;
e) Identificar, em cada função semântica desempenhada pelo elemento em
estudo, quais os tipos de verbos (Halliday, 1985) mais representativos;
f) Verificar a correlação entre determinados usos do mas, por um lado, e
modalidade, gêneros textuais e seqüências tipológicas, por outro lado.
20
Para isso, postulamos as seguintes hipóteses:
a) Que existe uma correlação entre o tipo de segmento relacionado por
mas, por um lado, e a modalidade, por outro;
b) Que a vinculação entre sintagmas não oracionais e entre adjetivos
atributivos pelo mas representam mecanismos de integração. Logo,
são mais freqüentes na escrita;
c) Que existe uma correlação entre modalidade, por um lado, e funções
desempenhadas pelas construções vinculadas por mas, por outro
lado;
d) Que a conexão entre os sintagmas oracionais vinculados por mas por
ser forte ou fraca. Os graus de conexão mais fortes são mais
freqüentes na escrita e os graus de conexão mais fracos são mais
freqüentes na fala;
e) Que os verbos de processos mentais de percepção e de afeição,
devido ao seus papel de estabelecer o envolvimento entre os
interlocutores, são freqüentemente identificados em segmentos
introduzidos por mas na fala;
f) Que a co-existência de partículas de negação contribui ativamente
para a identificação das diversas funções semânticas das
construções nas quais o mas se insere.
Este trabalho se desenvolverá em 5 capítulos: No capítulo 2, apresentaremos
as noções teóricas relativas aos postulados funcionalistas nos quais nos
basearemos para fazer as descrições, as análises e as interpretações dos usos de
mas. Caracterizada a abordagem teórica funcionalista, no capítulo 3, realizaremos a
revisão bibliográfica crítica dos principais estudos sobre o elemento mas. No
capítulo 4, trataremos da relação entre fala, escrita e gêneros textuais, baseando-
nos, principalmente nos estudos de Marcuschi (1995; 2000; 2001a; 2001b e 2005),
sobre a inter-relação entre modalidades e gêneros textuais, e Chafe (1982; 1985),
no que diz respeito às noções de integração e fragmentação, distanciamento e
21
envolvimento. No capítulo 5, descreveremos a metodologia utilizada na pesquisa;
caracterizaremos os corpora utilizados, discorreremos sobre os procedimentos
metodológicos a serem adotados tanto no levantamento como na análise dos dados,
definiremos as hipóteses aventadas e os fatores controlados no exame dos usos do
mas. No capítulo 6, procederemos às análises qualitativa e quantitativa das
construções envolvendo mas, nas amostras de fala e de escrita, a partir de
parâmetros formais e semântico-pragmáticos controlados na pesquisa. Em seguida,
teceremos as considerações finais, no que concerne às características estruturais e
semânticas dos usos do mas, suas semelhanças e diferenças. Finalmente,
apresentaremos as referências bibliográficas do trabalho.
Assim, acreditamos que o estudo a ser realizado:
1 Contribuirá para o fortalecimento do funcionalismo lingüístico, enquanto
Programa de Investigação Científica, por fornecer evidências da correlação entre
estrutura lingüística e uso;
2 Fornecerá novas evidências do caráter escalar da relação fala/escrita,
constituído pela distribuição dos gêneros textuais num continuum, segundo
mecanismos de integração/ distanciamento, fragmentação/ envolvimento, propostos
por Chafe (1985);
3 Propiciará uma percepção abrangente e multidimensional dos usos de
mas: abrangente por contemplar usos conjuntivos e discursivos, ao mesmo tempo, e
multidimensional, por realizarmos o cotejo de textos de diferentes gêneros e
modalidades.
22
2. O FUNCIONALISMO EM LINGÜÍSTICA
O enfoque teórico adotado no presente trabalho, o Funcionalismo Lingüístico,
concebe a língua como um instrumento de comunicação e, sendo assim, não pode
ser considerada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura submetida às
pressões provenientes das situações comunicativas.
Dessa forma, o funcionalismo focaliza a estrutura gramatical sem perder de
vista a situação comunicativa inteira, ou seja, seu campo de análise engloba o
propósito do ato de fala, seus participantes e seu contexto discursivo.
Acreditamos que a escolha entre as diversas construções vinculadas pelo
elemento mas depende da configuração de fatores conjugados, do sistema ao qual
ele pertence. O estudo de uma língua exige que se leve rigorosamente em conta a
variedade das funções lingüísticas e dos seus modos de realização no caso
considerado.
Neves (2000; 2003), afirma que “a língua (e a gramática) não pode ser
descrita como um sistema autônomo, que a gramática o pode ser entendida
sem parâmetros como cognição e comunicação, processamento mental, interação
social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução”.
Uma abordagem funcionalista de uma língua natural sempre tem como
objetivo o interesse de verificar como se obtém a comunicação com essa língua, ou
como os usuários dessa língua dela se utilizam para se comunicar entre si de
maneira eficiente. O que se põe sob análise, portanto, é a chamada competência
comunicativa.
23
Halliday (1974,1975, 1976, 1985) propõe uma teoria funcionalista sistêmica
3
,
e busca estabelecer relações entre todas as escolhas semanticamente relevantes
feitas na língua como um todo, procurando chegar à resposta do porquê um falante
escolhe determinados itens dentre os tantos disponíveis naquela língua para fazer o
seu enunciado.
Para o lingüista, o sistema lingüístico está intrinsecamente ligado ao sistema
social, ao uso.
...everything that is said or written unfolds in some context of use (...)
Language has evolved to satisfy human needs...
4
” (1985:xiii)
Concordamos com o autor, quando ele defende que o sistema provê todos os
elementos necessários para que a língua possa ser utilizada em situações concretas
de uso por falantes concretos, mas que também o falante se vale dos fatores
externos para determinar suas escolhas.
Segundo Halliday, a língua é um sistema para produzir significados. De
acordo com Neves (1997:59-60),
“sistema (...) configura uma teoria da língua enquanto escolha. (...) A
consideração do sistêmico implica a consideração de escolhas entre os
termos do paradigma, sob a idéia de que escolha produz significado.”
As escolhas se situam no nível paradigmático, ao passo que as cadeias de
relações se encontram no nível sintagmático. A conjugação dessas escolhas e
relações contribui para a produção do texto, que pode ser caracterizado como uma
representação do sistema social e lingüístico.
Identificamo-nos, pois, com a perspectiva funcionalista de Halliday, por
considerar, em seus estudos sobre a linguagem, que o processo lingüístico ocorre
3
A Teoria Sistêmica de Halliday é baseada na Teoria de Firth , que por sua vez inspirou-se nos trabalhos de
Malinowski e Worf. A Teoria Lingüística Firthiana provém da tradição etnográfica de Boas-Whorf-Sapir e da
Escola de Praga. A teoria Sistêmica tem, portanto, como base o funcionalismo etnográfico e o contextualismo
desenvolvido por Malinowski.
4
Tudo o que se fala ou escreve revela-se em algum contexto de uso (...) A língua evoluiu para satisfazer as
necessidades humanas.
24
dentro de um conjunto de situações comunicativas (interlocutores, às condições de
produção e à dinâmica do ato comunicativo).
Ainda, de acordo com Halliday (1976), as funções básicas da comunicação se
dividem em:
Ideacional de acordo com a qual a linguagem tem por finalidade a
manifestação de conteúdos que estejam ligados à experiência que o falante
possui do mundo concreto, real ou de seu universo subjetivo, interior. Diz respeito
ao conteúdo do que é dito, à interpretação e expressão de nossa experiência
acerca dos processos do mundo exterior e dos processos mentais e abstratos de
todos os tipos.
Interpessoal que abrange todos os usos da língua para expressar relações
sociais e pessoais, incluindo todas as formas de intervenção do falante na
situação de fala e no ato de fala. Tal função permite que o falante participe da
situação comunicativa para aprovar, desaprovar, expressar crença, opinião,
dúvida, etc.
Textual segundo a qual a linguagem estabelece vínculos com ela mesma e
está ligada às características da situação em que é usada. Nesta função, o
indivíduo falante ou escritor é capaz de criar textos e o ouvinte ou leitor
consegue distinguir um texto de um conjunto aleatório de frases. A função textual
é, pois, um instrumento das outras duas, já que sempre o ato comunicativo
necessita da elaboração de discursos. Esta função é que habilita o falante a criar
um texto.
Combinadas, essas três funções se atualizam simultaneamente nas
construções, estruturando, assim, o contexto conversacional, equilibrando o ato de
fala em representação (ideacional), troca (interpessoal) e mensagem (textual). A
partir do contexto situacional, o falante seleciona o registro a ser utilizado em sua
atuação lingüística. Suas escolhas no ato comunicacional estão ligadas ao papel
que assume na interação verbal. A escolha depende, portanto, da intenção do
falante, da forma que ele considera adequada para emitir sua informação pragmática
e de como ele deseja que o destinatário a receba e retorne a ele.
25
Dessa forma, o autor defende uma teoria da linguagem centrada na noção de
função da linguagem. A função da língua para ele é central, importa saber ‘como a
língua faz’ e ‘o que ela faz’ e não os elementos da língua e suas combinações.
A língua para Halliday, não poderá ser dissociada do significado, porque o
significado é que constitui as relações de comunicabilidade e interações da língua. A
lingüística sistêmica funcional considera a função e a semântica como as bases da
língua humana e das atividades comunicativas.
Os funcionalistas sistêmicos partem do contexto social, para observar como a
língua age neste contexto e como é influenciada por ele. O contexto situacional é
constituído através de um relacionamento sistêmico entre o meio social e a
organização funcional da linguagem. Por isso é que num paradigma funcional vê-se
a relação entre os componentes mais visíveis da organização lingüística: o
pragmático, o semântico e o sintático, de tal modo que o primeiro, o pragmático seja
mais abrangente (Neves, 1994).
Consideramos como requisito fundamental, a subordinação do estudo do
sistema lingüístico ao seu uso. Assim, descreveremos o fenômeno lingüístico
levando em conta os tipos de atividades discursivas e as construções lingüísticas
utilizadas nessas atividades. Nesse sentido, reconhecemos a inter-relação entre os
níveis das atividades discursivas: sintático, semântico e pragmático.
A noção de gramática adotada neste trabalho é a de uma gramática
paradigmática, por considerarmos o sistema gramatical equivalente ao código
semântico da língua e os componentes funcionais como fundamentais para o
significado (cf.: Halliday, 1994).
A gramática sistêmica de Halliday corresponde à realização simultânea de
cada uma das metafunções acima descritas e preocupa-se com a multiplicidade
26
funcional refletida na organização interna da língua. A função ideacional
compreende a atuação de diferentes itens como nomes/ pronomes; verbos e
circunstantes para a organização semântica da frase. O nome, dentro do sistema de
transitividade, é o participante de processos e assume uma função sintática na
estruturação do enunciado, como a função de sujeito.
A concepção de transitividade de Halliday (que adotaremos aqui) difere-se
daquela que é costumeiramente apresentada pela tradição gramatical. Torna-se
praticamente inviável falar da teoria funcionalista de Halliday sem tratar da sua visão
particular da transitividade.
Enquanto as gramáticas tradicionais priorizam a complementação verbal à
direita do verbo, para Halliday, transitividade nada lembra a complementação verbal
à direita do verbo. O verbo, diferentemente da abordagem tradicional, é o centro
dinâmico da frase e especifica os papéis dos elementos (dos argumentos) como
ator, meio e meta.
As diferentes redes sistêmicas codificam diferentes espécies de significado,
ligando-se às diferentes funções da linguagem. É a transitividade que especifica os
papéis dos elementos da construção. O sistema de transitividade codifica a
experiência do mundo e liga-se com a função ideacional. Esse sistema traduz o
mundo da experiência, mediado por um conjunto de processos. A noção de
processo é central para a concepção de transitividade; aos participantes e
circunstantes são designados fazer, acontecer, sentir. Halliday (1994) identifica seis
processos: material, comportamental, mental, verbal, relacional e existencial e todos
eles são realizados por verbos em língua portuguesa.
A transitividade é um sistema que contempla participantes envolvidos com
o(s) processo(s), o(s) próprio(s) processo (s) e as circunstâncias (s) deste(s)
27
processo (s). Circunstâncias, processos e participantes são categorias semânticas
que explicam de modo geral como os fenômenos do mundo real são
representados nas estruturas lingüísticas.
28
3 A NOÇÃO DE CONTRASTE
3.1 UMA VIAGEM DIACRÔNICA
De acordo com o Dicionário Houaiss contraste representa o “grau marcante
de diferença ou de oposição entre coisas da mesma natureza, suscetíveis de
comparação”. Tal conceito nos evoca a primitiva significação comparativa do mas.
Cunha e Cintra (2001) informam que o termo vem da forma latina magis e que,
também de magis, se originou o advérbio português mais “designativo de
aumento, de grandeza ou comparação”. Lembra ainda que magis (latim) tem a
mesma raiz (mag-) de magnus (magno, maior). Ernout & Meillet (1959) informam
que o advérbio latino magis era usado, no latim clássico, para indicar grau
comparativo. O uso, que inicialmente se restringia a adjetivos desprovidos de marca
morfológica de grau, estendeu-se aos demais, chegando a substituir o morfema
comparativo de superioridade ior. Quanto ao caráter opositivo, os autores (apud
Barreto, 1999; Castilho, 1997) dão as seguintes informações: o advérbio latino
magis era freqüentemente empregado ao lado de sed, sendo que a expressão sed
magis, tomada em sua totalidade, introduzia uma ação que se realizava em lugar de
outra, no caso, preterida.
A forma medieval mays se insere numa linha de continuidade com o latino
magis, como diz Nunes (1980):
“Para compensar a perda das demais conjunções latinas recorreu a língua a
outras palavras, principalmente aos advérbios e preposições, e com elas
criou novas, umas vezes se orientado com uma destas partículas como
mas [...]. a primeira forma desta partícula foi mais, como ainda pronuncia o
povo, porém, no período arcaico aparece a atual, que deve ter resultado
daquela em virtude de próclise e perdendo a sua primitiva significação de
comparativa, tomou a especial de adversativa.”
29
A tentativa mais completa de explicar a transformação de magis a mas
aparece em Corominas & Pascual (1980-1983),
“[...] mais também se empregou como conjunção adversativa sinônima do
atual mas que por outro lado representa a evolução da primeira palavra em
posição proclítica; [...] ainda se empregava na linguagem escrita do século
XIV; [...] esta palavra, com esta acepção conjuncional, continua em uso hoje
na linguagem dialetal de Portugal e do Brasil.”
Neste mesmo sentido é a afirmação de Alvar & Pottier (1983):
“El empleo de mas se explica a partir de um movimiento de adición (cfr.
más), em el que el contexto se encarga de crear la sustracción subjectiva,
de que hemos hablado
5
.”
Essa evolução do advérbio magis é ainda referida por gramáticas latinas e
manuais de Filologia Românica, como a de Ernout & Thomas (1972):
“Des particules adversatives latines, aucunne n’a survécu. Toutefois pour
magis est annoncée l’evolution qui, du sens de ‘plutôt’ la conduira au fr.
mais. Catul. 68, 30: Id, Manli, non est turpe, magis miserum est. “Ce n’est
pás honteux, Manlius, (mais) c’est plutôt malheureux”; Sal.J. 96,2: ipse ab
nullo repetere; magis id laborare ut... “Il NE réclamait rien à personne; Il
s’efforçait plutôt (=au contraire) de[...]
6
Também Bourciez (1967), refere-se à evolução do advérbio magis:
“Pour faire ressortir une opposition entre deux phrases, à cote dês procédés
usuels qui consistaient dans l’emploi de sed, at, verum on voit dês poetes
se servir aussi de magis au sens de potius ‘plutôt’. Ainsi “non equiden
invideo, miror magis (virg. Bucol. I, II) “quem non lucra, magis Pero
formosa coegit” (Prop. 2, 2, 17). Ce procéprit vite une grande extension
dans la langue familière.
7
5
O emprego de mas se explica a partir de um movimento de adição (cf.: mais), no qual o contexto se encarrega
de criar a subtração subjetiva, de que falamos.
6
Das partículas adversativas latinas, nenhuma sobreviveu. Entretanto o mas com o sentido de 'antes' chegou ao
francês mais. Catulo 68, 30: Id, Manli, non est turpe, magis miserum est. Não é vergonhoso, Manlio, (mas) é
antes infeliz; Sal.J. 96,2: ipse ab nullo repetere; magis id laborare ut... "Ele NÃO reclamava nada a ninguém; Ele
se esforçava antes (= ao contrário) [...]" – tradução nossa.
7
"Para fazer surgir uma oposição entre duas frases contrárias usualmente recorria-se ao emprego de sed (mas)
que foi substituído pela partícula magis no sentido de 'antes'. Dessa forma “non equiden invideo, miror magis
(virg. Bucol. I, II) “quem non lucra, magis Pero formosa coegit” (Prop. 2, 2, 17). Esse processo ganhou
rapidamente uma grande extensão na língua familar." – tradução nossa.
30
Vale ressaltar que, nesta acepção, os termos latinos potius e magis
apresentam uma estrutura que sugere substituição, ou seja, em latim havia
ocorrências de magis com a função de conjunção adversativa operando uma
retificação (magis=potius). Este funcionamento da partícula é visível em enunciados
como:
(01) Id, Manli, non est turpe, magis miserum est
8
(Catulo, 68, 30)
(02) Non equidem invideo, magis miror
9
(Virgílio, Bucol., I, II)
(03) Neque quisquam parens liberi uti aeterni forent optavit,
magis uti boni honestique vitam exigerent
10
(Salústio, De B.
Jug., 96, 2)
Em (01), (02) e (03), o valor de magis é muito próximo do valor etimológico
adverbial e comparativo; em qualquer das frases, magis estabelece gradação entre
predicados. Do ponto de vista pragmático, é dada, ao destinatário, uma instrução
geral no sentido de este reconhecer um critério axiológico de gradação crescente
entre dois constituintes homólogos. A negação da proposição do primeiro segmento
ligada à introduzida por magis representa um apagamento, relativamente ao valor
graduado atribuído ao constituinte que pertence ao primeiro segmento. Esse
apagamento relativo exprime-se em diversas línguas por um morfema de negação
ou pela desinência (ou por preposição) de ablativo ou terminus a quo”. se pode
considerar mas como conjunção quando, em vez de relacionar constituintes
homólogos explícitos do primeiro e segundo segmentos, extração de inferência
do primeiro segmento, a que se opõe o conteúdo do segmento introduzido pelo mas.
8
Isso, Mânlio, não é torpe, mas miserável. – tradução nossa.
9
Não, na verdade, invejo, admiro mais. – tradução nossa.
10
E nem cada pai optou para que os filhos fossem eternos, mais para que levassem a vida bons e honestos.
tradução nossa.
31
Os usos do morfema adversativo em que se relacionam constituintes
homólogos do primeiro e segundo segmentos têm, portanto, origem direta em usos
análogos já observáveis em latim.
Cumpre, a seguir, apresentarmos alguns dos principais estudos tradicionais
acerca do elemento mas.
3.2 A ABORDAGEM TRADICIONAL
Nesta seção, apresentaremos as caracterizações do elemento mas, segundo
a Gramática Tradicional, verificaremos a adequação desses conceitos valendo-nos
de nossos exemplos e identificaremos algumas propriedades que são
recorrentemente mencionadas nas gramáticas investigadas. Em seguida,
analisaremos se as propriedades levantadas são suficientes e adequadas para a
caracterização do item sob análise.
A Tradição Gramatical normalmente enquadra o elemento mas no rol das
conjunções coordenativas, ou seja, itens ou expressões gramaticais invariáveis que
ligam orações de mesma função ou elementos sintáticos equivalentes (Torres, 1968;
Melo, 1978; Luft, 1976; Bechara, 1977; Sacconni, 1979; Tufano, 1997; Faraco &
Moura, 1999; dentre outros). Verificamos que a definição descreve adequadamente
os exemplos (04) e (05):
(04) Dirceu afirma que não deixará o governo, mas confirma que
chegou a entregar o cargo ao presidente Lula.(O GLOBO
Cartas)
(05) O Vasco tinha jogadores rápidos, mas fortes, bem
preparados. (JB – Notícias)
32
Nesses exemplos, de fato, o elemento mas liga orações (04) ou elementos
sintáticos de mesma função (05). No entanto, essa definição se mostra incompatível
com os exemplos (06) e (07):
(06) Vivi dias alegres nesse carnaval, mas quando pensei que
estava mergulhando um pouco mais nas minhas raízes,
deparei-me com uma espuma branca em forma de Spray. (O
Globo – 28/02/04 – Cartas)
(07) Ela engravidou. Tava tudo legal e foi acho que comecinho de
janeiro, foi em janeiro aquele teste que você faz quando você
tem Rh negativo você faz um acompanhamento chamado
Coombs ela fez o Coombs e deu logo uma taxa altíssima
[de]...[de]...de freqüência no sangue dela de anticorpos em
relação ao sangue do menino. Mas foi uma gravidez
tumultuadíssima porque a médica achou estranho porque
era... (Amostra 00(c) – t32)
Em (06), os segmentos relacionados por mas apresentam funções e
estruturas sintáticas diversas. Além disso, a utilização exclusiva da escrita contribui
para que a Tradição Gramatical não considere itens característicos da organização
(sub) tópica
11
, como é o caso de (07). Com a sua perspectiva, a Tradição
Gramatical destaca os usos nos quais o mas estabelece a relação entre elementos
sintáticos com a mesma função.
São poucos os autores que chamam a atenção para o fato de os elementos
conjuntivos não relacionarem apenas sintagmas, mas porções maiores do texto
(Faraco & Moura, 1999). De acordo com Cunha & Cintra (2001), é particularmente
importante o emprego do mas para mudar a seqüência de um assunto, geralmente
com o fim de retomar o fio do enunciado anterior que tenha ficado suspenso. Em
(08), por exemplo, o informante retoma, no final, o assunto tratado no início do
tópico: o fato de gostar da cunhada:
11
Unidade de análise de estatuto discursivo, adequada à descrição textual-interativa do português
falado. (RISSO, Mercedes et al, 2002)
33
(08) (...) eu trouxe uma cunha:da que eu gostava muito ...com
noventa e dois anos noventa e um, até, quando ela- nós
viemos ela morreu em noventa e sete com noventa e três
anos... e no final da vida dela, ela já tava completamente fora
do ar... depois não andou, me deu um (motocicleta)
trabalhinho..., mas eu gostava muito dessa cunhada...
(Amostra 00(i) – r12)
Apesar da relevância dessas considerações, seus autores se restringem a
tecê-las em breves notas de rodapé, com parca exemplificação e geralmente
caracterizam esses comportamentos não ortodoxos como manifestações de “valores
afetivos” (Idem).
De acordo com as gramáticas consultadas, as conjunções, ao concretizarem
a relação sintática de coordenação, distribuir-se-iam em várias subclasses,
dependendo da idéia geral que traduzissem. As conjunções adversativas, nosso
objeto de investigação, relacionariam pensamentos opostos ou incompatíveis,
exprimindo oposição
12
, contraste, ressalva, adversidade ou compensação. No
entanto, em ocorrências como (8), o mas não exprime nenhuma dessas nuances
semânticas, pois não relaciona pensamentos opostos nem incompatíveis. Pelo
contrário, a informante retoma o assunto, ratificando-o.
A posição fixa do mas no início de um sintagma oracional, de acordo com
Rocha Lima (1965) e outros, coloca-o na condição privilegiada de “conjunção
adversativa por excelência”. Entretanto, localizamos, com certa facilidade,
ocorrências em que o mas não introduz orações, como em (09) e (10):
(09) Não necessidade de casas de parto, mas de unidades
hospitalares preparadas com instalações e pessoal treinado
para este procedimento. (O GLOBO – Cartas)
12
Vale lembrar que, em nenhuma das gramáticas consultadas, houve preocupação de se estabelecer uma
diferença entre noções como: contraste, oposição, adversidade etc.
34
(10) O local mais próximo é Laranjeiras, mas num restrito local
comercial. (JB – Crônicas)
Poder-se-ia refutar, no exemplo (09), o fato de o mas estar introduzindo
constituinte não oracional, visto que é possível a recuperação do segmento oracional
anterior, como em (09’).
(09’)Não necessidade de casas de parto, mas [há
necessidade] de unidades hospitalares preparadas com
instalações e pessoal treinado para este procedimento.
Mas tal recurso não pode ser aplicado no exemplo (10), como podemos
verificar em (10’).
(10’) *O local mais próximo é Laranjeiras, mas [ é Laranjeiras]
num restrito local comercial.
Apesar dessas falhas conceituais, cumpre ressaltar que alguns gramáticos
consultados apresentam algumas observações que sinalizam para uma análise mais
completa do mas. Segundo Chediak (1960), nem sempre as fronteiras entre classes
gramaticais são rigorosamente delimitadas. Muitas palavras podem, com facilidade,
migrar de uma classe para outra, ou figurar em mais de uma classe. Para o autor,
em relação às conjunções, em especial, “há muitos travestimos e “muitas
coordenações inclassificáveis”. No caso do mas, isso se confirma, pois nem sempre
esse elemento pode ser enquadrado na classe das conjunções, como verificamos
anteriormente. Em (11), por exemplo, aparentemente, o mas poderia ser retirado do
trecho, visto que a oposição é estabelecida pelo elemento embora. No entanto, a
ausência do item em questão impossibilitaria uma avaliação discursiva de todo o
35
período e impediria a percepção do caráter remissivo do segmento que lhe é
posterior.
(11) Engraçado que eu gosto muito de chuchu embora todo
mundo ache chuchu uma coisa assim sem graça... aguada...
mas eu gosto... e carne a...aqui em casa nós fazemos de
várias formas... (NURC – DID 0012)
Apesar dos problemas apresentados até aqui no tratamento do item sob
investigação, alguns autores, como Luft (1976), consideram as conjunções
coordenativas e, ou e mas aditiva, alternativa e adversativa, respectivamente -
como verdadeiras
13
. Essa atribuição nos leva a pressupor que esses conectivos
devam compartilhar algumas características. Para isso, levantamos as propriedades
dos conectivos e e ou, recorrentemente mencionadas pelas gramáticas analisadas.
São elas:
(a) As duas orações relacionadas pelos conectores e e ou podem ser
separadas, opcionalmente, por pontuação, o que seria um caso de
coordenação assindética;
(12) Todos chegavam e olhavam aquela placa. era [aquela]...
[aquela]... aquelas brincadeiras. (Amostra 80 – c03)
(13) Eu- eu [não]- não incomodo de comer, ou de ver uma
pessoa comer, ou dar um pedaço de pão a uma pessoa que
precise é tudo. (Amostra 80 – c03)
(14) Eu- eu [não]- não incomodo de comer, ou de ver uma
pessoa comer, ou dar um pedaço de pão a uma pessoa que
precise é tudo. (Amostra 80 – c03)
(12’) Todos chegavam, olhavam aquela placa. era
[aquela]... [aquela]... aquelas brincadeiras.
13
Embora o autor não explique o uso do adjetivo “verdadeiras” adotado para as conjunções mas, e e
ou, acreditamos que ele esteja se referindo a um possível caráter prototípico desses conectivos.
36
(13’) Eu- eu [não]- não incomodo de comer, de ver uma pessoa
comer, ou dar um pedaço de pão a uma pessoa que precise é
tudo.
(b) As conjunções e e ou podem coordenar qualquer número de membros;
(15) Assim, eles parecem entender que os espanhóis deveriam
ter apoiado um governo que levou o país para uma guerra
ilegal, baseada em mentiras, e que mentiu e manipulou as
informações sobre o atentado para tirar proveito eleitoral (JB
– 14/03/2003 – editoriais).
(16) Eu- eu [não]- não incomodo de comer, ou de ver uma
pessoa comer, ou dar um pedaço de pão a uma pessoa que
precise é tudo. (Amostra 80 – c03)
(c) As conjunções e e ou, quando não repetidas, podem ocorrer logo
antes da última oração coordenada;
(17) Ontem eu acordei cedo, fiz o café, arrumei a mesa e esperei
as visitas (exemplo pessoal de observação assistemática).
(18) Compro os presentes, preparo a festa, faço as ligações ou
fico aguardando as ordens? (exemplo pessoal de
observação assistemática)
(d) O e e o ou servem para juntar quaisquer elementos coordenáveis, como:
Sintagmas Nominais
(19) De janeiro a abril deste ano, o Estado do Rio registrou
19.493 roubos e furtos de carros - de acordo com balanço do
Sindicato das Seguradoras - o equivalente a 4.873 casos por
mês.
(20) Quem está certo? Os policiais ou os bandidos? Nunca ouvi
um bandido dizer que realmente é bandido.
37
Sintagmas Adjetivais
(21) A forma torpe, revoltante e fútil com que bandidos vêm
tirando a vida de cidadãos contribuintes nos remete a uma
profunda reflexão sobre a quem devemos aplicar os direitos
humanos.
(22) É necessário que ocorra um incêndio de proporções
gigantescas para que haja uma conscientização das
instituições (públicas ou privadas) sobre a importância de
sua documentação (O Globo – 23/03/2003 – Cartas).
Sintagmas Preposicionais (com função adverbial)
(23) O Rio tem um número de roubos muito grande, o que toma
seus seguros mais caros do que em São Paulo e nas outras
regiões metropolitanas do país (O Globo – 25/04/2003
Cartas).
(24) O que realmente importa é que estamos vendidos, rendidos
e perdidos com bandidos por todos os lados; no morro ou no
asfalto, a serviço do tráfico ou do (des)governo, mas isso é
que não tem importância mesmo (O Globo 16/09/2002
Cartas).
Sintagmas Verbais
(25) Lembremos que, através dos anos, o PT se acostumou a
jogar pedras e pedir CPIs, na maioria das vezes para
aparecer bem nas fotos (JB – 13/02/2004 – Editoriais).
(26) Por essas e outras policiais ficam a cada dia mais omissos,
pois não querem ser punidos por prender um bandido ou
matá-lo, ainda que em legítima defesa (O Globo
12/10/2005 – Cartas).
Cabe, em seguida, examinamos a aplicabilidade dessas propriedades ao
mas:
38
1 - Contrariando a propriedade (b), o mas pode coordenar dois elementos,
como constatamos a seguir:
(27) Fiquei feliz, mas nervosa com essa estréia (Jornal O Globo
11/03/04 – Colunas Sociais).
(27’) Fiquei feliz, preocupada, mas nervosa com essa estréia.
Em (27’), ou a oposição se entre feliz e nervosa, ou entre preocupada e
nervosa, mas não entre os três elementos coordenados.
2 - Ao anularmos a aplicabilidade da propriedade (b) ao item sob análise,
estamos anulando também, a aplicabilidade da propriedade (c), visto que o mas, não
pode coordenar mais do que dois elementos
14
.
3 - Contrariando a propriedade (d), o mas não pode coordenar qualquer
elemento: pode coordenar adjetivos ou verbos, mas não substantivos, pois, ao
relacioná-los, o mas perde seu caráter conectivo e passa a atuar como uma espécie
de intensificador, o que pode ser verificado em (28).
(28) Eu adoro praias, mas praias... não qualquer prainha não!
(exemplo pessoal de observação assistemática)
4 – Em se tratando de estruturas paralelas, o mas pode até ser omitido, o que
evidencia a propriedade (a). Mas em outros casos, tal omissão do elemento é
impossível, como em (28).
14
Vale lembrar que o mas, ao introduzir uma quebra de expectativa, em seqüências narrativas,
parece coordenar mais de duas orações: Levantei cedo, fiz o café, arrumei a mesa, mas as visitas
não chegaram.
39
(29) Ele admite que o Rio tem muitos problemas, mas quer ficar.
(O POVO – 25/03/2002 - Editoriais)
(29’) Ele admite que o Rio tem muitos problemas. Quer ficar.(*)
Os traços que possibilitam o enquadramento das conjunções e e ou, no rol
das conjunções “verdadeiras” não se aplicam, da mesma forma, ao item sob
investigação: mas. Podemos tomar essa o-aplicabilidade como uma evidência de
comportamento atípico do elemento em tela, o que torna sua análise um pouco mais
complexa, em relação aos demais elementos coordenadores.
De acordo com Perini (2001), a complexidade de análise dos elementos
coordenadores, em especial do mas, se deve ao fato de a coordenação se
aproximar dos fenômenos discursivos. Ou seja, a coordenação é menos dependente
da estrutura interna das formas lingüísticas e baseada, em vez disso, (de
preferência), em fatores semânticos e cognitivos em geral. Isso torna impossível um
tratamento unificado da coordenação, adotando-se uma perspectiva puramente
formal.
Nesta seção, evidenciamos que apesar da tendência de a Tradição
Gramatical caracterizar o elemento mas como conector de orações ou sintagmas de
mesma função ou estrutura sintática, isso nem sempre ocorre. O mas pode conectar
porções mais amplas que os sintagmas e de funções e estruturas sintáticas
diferentes. Além disso, nem sempre o mas estabelece relações adversativas. Ao
estabelecermos um conjunto de parâmetros, baseados na análise das gramáticas
tradicionais, identificamos traços que distanciam o mas dos seus congêneres e e
ou, considerados conjunções verdadeiras. Acreditamos que a tendência de se
focalizar unicamente a escrita contribui para algumas falhas conceituais que
40
detectamos na Tradição Gramatical, tais como o reduzido número de estudos acerca
do mas discursivo e a crença generalizada de que todos os usos do item sob
investigação sejam facilmente categorizados na classe das conjunções. No entanto,
tendo por base o estudo feito até aqui, acreditamos que haja fatores independentes
da estrutura interna de formas lingüísticas que interferem no(s) uso(s) do mas. A
seguir, revisitaremos alguns estudos relevantes acerca do elemento em tela,
buscando confrontá-los entre si e com os dados levantados em nossa pesquisa.
3.3 ABORDAGENS LINGÜÍSTICAS
Embora as gramáticas tradicionais incluam o elemento mas na classe das
conjunções, sabemos que, além de ligar orações, o item sob investigação tem outras
funções, até mesmo mais significativas (Guimarães, 2002). Como vimos na seção
anterior, o uso do elemento em tela, em contextos de fala, é pouco explorado pela
tradição gramatical. Acreditamos, como Rodrigues (1995) que o mas, no discurso
oral, desempenha funções que revelam uma “ampliação do seu âmbito de atuação”.
A atuação do mas para além dos limites dos sintagmas oracionais e não-
oracionais parece ter relação com a sua origem. Teria surgido do processo de
gramaticalização do advérbio latino magis (Neves, 1984), cujo valor semântico era o
de estabelecer comparações de quantidades e qualidades e inclusão de indivíduos
no conjunto (Nunes, 1945). De acordo com Castilho (2003), o “valor inclusivo” o
predispôs a atuar no módulo do discurso, como uma espécie de “conectivo de turnos
e de unidades discursivas”. Em seguida, após transformações metonímicas, o mas
teria passado a atuar no módulo da Gramática, como uma conjunção adversativa.
41
Dessa forma, ainda no latim clássico, magis desempenhava, no início, uma
função de advérbio, na construção do comparativo de superioridade, e, depois, ao
lado dessa função adverbial, a de conectivo, funcionando como uma espécie de
retificador. Rodrigues (1990) utiliza dois exemplos que, respectivamente, ilustram as
duas funções:
(30) Disertus magis est quam sapiens
15
(Cícero)
(31) Id, Manlius, non est turpe magis miserum
16
(Catulo)
O exemplo (30) nos remete ao mas retificador investigado por Ducrot & Vogt
(1979), ou seja, o masSN
17
. As características presentes em (30) são semelhantes
às presentes na estrutura P masSN Q
18
:
a. Negação explícita de P, sintática e lexicalmente realizada;
b. Apresentação de Q como retificação de P;
c. Articulação de dois conteúdos semânticos.
d. É parafraseado por sino (esp.) e sondern (alem.), “mas sim”, em português.
Identificamos ocorrências que contemplam apenas alguns dos traços
apresentados por DUCROT & VOGT (1979), na identificação do masSN, como em
(31) e (32).
15
Ele e mais bem falante do que sábio.
16
Isso, Mânlio, não é torpe, mas miserável.
17
MasSN, do espanhol sino e do alemão sondern e MasPA, do espanhol pero e do alemão aber
(ANSCOMBRE & DUCROT, 1977 e 1988; DUCROT & VOGT, 1979; DUCROT et al., 1980;
MOESCHLER, 1989, entre outros.)
18
Onde P = segmento anterior ao mas/ Q = segmento posterior ao mas.
42
(32) O americano , ele não se enfia um na casa do outro, mas
são profundamente prestativo. (Amostra 00(i) – R11)
(33) Dirceu afirma que não deixará o governo, mas confirma que
chegou a entregar o cargo ao Presidente Lula. (O GLOBO
14/04/2003 - Cartas)
(34) Sugiro uma pena que não os imobilize, mas inclua a prática
diária e obrigatória de lutas esportivas. (JB 27/03/2002 -
Cartas)
Em (32) e (33), aplicam-se as propriedades (a) e (c). Em (34), acreditamos
que, além das propriedades (a) e (c), possa ser aplicada também a propriedade (b).
É importante ressaltar que, os exemplos (32), (33) e (34) não se enquadram
completamente à categoria masSN, mas não parecem possuir o caráter
argumentativo (na perspectiva de DUCROT & VOGT
19
), apresentado pelo exemplo
(35).
(35) Cumprimento o jornalista Alberto Dines pelo artigo “A
República de 1964 a 2004 (27/03). Sem paixões ou
dialéticas ideológicas, faz breve, mas sensata avaliação do
período 1964 – 2004. (JB –02/04/2004 - Cartas)
De acordo com Ducrot & Vogt (1979), em ocorrências como (35), a presença
do conectivo mas seria marcada pela argumentatividade, ou seja, um contexto P
mas Q
20
, onde P é verdadeiro, o que levaria o interlocutor a concluir R (por ser
breve, a avaliação poderia ser considerada insensata!). Porém, essa conclusão é
anulada pois Q representa um argumento mais forte para não-R (a avaliação é
19
Apesar da relevância da classificação do conector mas de Ducrot &Vogt (1979), ou seja, mas retificador
(masSN) e mas argumentativo (masPA), acreditamos, como FABRI (2001), que todo enunciado com a presença
do conectivo mas é marcado pela argumentatividade. Ao introduzir o segmento Q, com o mas, o informante faz
uso de uma retificação que impõe uma desigualdade em relação ao primeiro segmento, o que cria condições
para a adesão à segunda afirmação, ou seja, o destinatário é levado a rejeitar o conteúdo presente em P.
20
Em que P se refere ao segmento anterior ao segmento introduzido pelo elemento mas (Q). R identifica a
conclusão resultante do argumento representado por P.
43
Argumento decisivo para a
conclusão não- R
Argumento possível
para a conclusão R
sensata). Ducrot (1981) representa esse esquema utilizando a imagem de uma
balança. O locutor coloca no prato A um argumento P (com o qual não se engaja); a
seguir coloca no prato B um argumento contrário, ao qual adere, fazendo a balança
inclinar-se nessa direção, como ilustra o esquema de Koch (2001):
Figura 1: Esquema argumentativo de KOCH (2001)
O advérbio magis (comparativo de superioridade) teria se gramaticalizado no
conector mas, visto que uma comparação é, antes de tudo, um confronto
argumentativo, onde um termo é apresentado como mais importante que o outro.
(36) Disertus magis est quam sapiens
21
(Cícero)
Em (36), o magis não é um conectivo de adversidade, ele é apenas um
advérbio que estabelece a comparação de superioridade entre dois termos, fazendo
ressaltar o primeiro: “ser bem falante”. Para explicar o funcionamento do exemplo
(36) poderíamos recorrer ao esquema argumentativo de Ducrot (1981) (figura 1): Se
colocarmos os dois termos em cada um dos pratos de uma balança, verificaremos
que o peso do primeiro é nitidamente superior ao do segundo, ou seja, o segundo
termo tem menos força argumentativa que o primeiro.
21
Ele é mais bem falante do que sábio – tradução nossa.
A
B
arg. q
arg. p
44
Segundo Rodrigues (2001), é precisamente a atribuição de certo grau de
inferiorização ao segundo segmento (Q) que evidencia se o advérbio comparativo
magis deu origem ao masSN ou ao masPA. Esse grau de inferiorização pode se
realizar na forma de negação argumentativa (lexicalizada ou não).
Para Ducrot & Vogt (1979), “Num comparativo de superioridade, o segundo
termo (o que é declarado como inferior) é sempre, do ponto de vista semântico-
pragmático, o objeto de uma negação argumentativa
22
”.
Em (36), uma negação argumentativa, pois o “bem falar” foi valorizado em
detrimento da “sapiência” que, segundo Ducrot & Vogt (1979), sairia negado
argumentativamente. Para Rodrigues (2001), o masPA teria se originado do magis
comparativo de superioridade, da mesma forma que masSN. A diferença residiria no
fato de masPA ter surgido de ocorrências com negação argumentativa, como em
(37).
(37) Torço pelo Vasco, mas, nesse jogo, vou torcer pelo
Friburguense.
O valor argumentativo de um enunciado funciona como comentário do
anterior. Guimarães (2002) defende que no caso das frases iniciadas com masPA
da mesma forma que as frases iniciadas com eo conector “remete à frase anterior,
em virtude da marca de comentário, que tem força anafórica de remeter a seu tema”.
22
Os autores distinguem negação argumentativa de negação lógica. A negação argumentativa corresponde à
rejeição de um argumento, provocada por orientação argumentativa contrária, obtida com o uso de operadores
argumentativos. A negação lógica corresponde simplesmente ao valor de verdade e de falsidade dos
enunciados.
45
Isso explica a tendência de o segundo segmento conter elementos de
referência anafórica ao segmento anterior, como em (38):
(38) Moro na Rua Antunes Maciel, em São Cristóvão, e existia
um ponto de ônibus em frente ao São Cristóvão Futebol
Clube, mas ele foi desativado e transferido para a Rua Pedro
Segundo. (Extra – 15/01/2004 – Cartas dos Leitores)
Apesar de os estudos acerca do mas, baseados na Semântica
Argumentativa, serem profícuos e explicarem uma grande quantidade de
ocorrências, a existência desses dois tipos de mas não deveria mascarar suas
afinidades pragmáticas, pois, como afirma Mainguenau (1997), tanto em um caso
quanto no outro, “institui-se um afrontamento entre o locutor e um destinatário (real
ou fictício)”. Não se trata de uma simples oposição entre dois enunciados. Nas
amostras analisadas, identificamos muitas ocorrências que não se enquadram em
nenhuma das duas categorias apresentadas por Ducrot & Vogt (1979), além disso,
consideramos pouco clara a noção de argumentatividade proposta pelos autores.
Ainda quanto à dimensão pragmática requerida por Maingueneau (1997), ao
tratar do elemento mas, vale acrescentar aqui os estudos de Lakoff (1971). No que
diz respeito ao mas (but), para a autora, haveria a exigência de um mesmo referente
para os dois segmentos articulados. Quando este tópico não se encontra explícito,
torna-se necessário resgatá-lo por meio de deduções e pressuposições. Para a
autora, haveria, pois, dois sentidos básicos para o but do inglês: o de oposição
semântica e o de quebra de expectativa.
A atribuição de apenas dois sentidos básicos para o mas parece não
corresponder à realidade. Em nossos dados, detectamos ocorrências diversas que
46
não se enquadram em nenhuma dessas nuances semânticas. Acreditamos que,
devido a este problema, Neves (1984) propõe sentidos que possam preencher os
dois extremos apontados por Lakoff (1971).
Além disso, acreditamos que o fato de o elemento mas ser originário do
advérbio magis, empregado nos comparativos de superioridade, parece corroborar a
perspectiva adotada por Neves (1984), segundo a qual ambas as estruturas (masSN
e masPA) apresentam em comum a expressão de desigualdade. A existência do
significado básico “desigualdade e as implicações, decorrentes dessa noção, são
ignoradas pelos estudos até aqui apresentados, que basicamente bipartem as
noções expressas pelo conector mas em contrastiva e concessiva, compondo dois
grupos mutuamente excludentes. É como se as categorias contraste e concessão
pertencessem a um mesmo nível.
O mas ocorreria entre duas entidades diferentes entre si. “Cada uma delas é
não sintaticamente externa, mas também marcada como desigual em relação à
outra” (grifo nosso). É a partir dessa premissa que a autora constrói um continuum
contendo os graus de desigualdade entre os segmentos coordenados por mas:
desigualdade pouco caracterizada, contraste, contrariedade, comparação,
desconsideração, oposição, rejeição e refutação (Neves, 2006). Com base nesse
continuum, elaboramos o quadro seguinte:
Quadro 1: Graus de desigualdade entre os segmentos coordenados por mas
Caracterização da desigualdade entre os
segmentos coordenados por mas
Anulação d
o primeiro
segmento
Desigualdade pouco
caracterizada
Contraste
Contrariedade
Compensação
Desconsideração
Oposição
Rejeição
Refutação
47
O mas pode relacionar uma simples desigualdade entre os segmentos ou
introduzir um segmento que anule (elimine) o anterior. Para a elaboração desse
continuum, NEVES (idem) considera fatores como natureza da relação, direção da
contraposição
23
, existência ou não de gradação que pode, ainda, estar associada a
variáveis, como por exemplo, o tempo.
Um enunciado de forma p mas q pode indicar uma relação cujo segundo
membro coordenado admita (contraposição) ou anule (anulação) o primeiro. A
contraposição dos segmentos pode se dar em direção semântica oposta, mesma
direção semântica ou direções semânticas independentes. A direção semântica dos
membros contrapostos por mas é estabelecida por meio de contraste,
contrariedade, compensação, restrição e negação de inferência.
a) Contraposição em direção semântica oposta:
O contraste caracteriza-se pela contraposição de segmentos, levando-se em
consideração sua polaridade (positivo/ negativo ou vice-versa), como em (39) e (40):
(39) O meu receio é que a proibição da exploração de bingos não
elimine o jogo, mas termine por permitir que facínoras
valorizem
(40) Sou a rainha dos calendários, mas nunca chego na hora. (JB
– 17/03/2004
A contrariedade caracteriza-se pela contraposição de segmentos, levando-se
em consideração a existência de expressões de significação oposta, como em (41):
23
Entenda-se aqui contraposição como o resultado do ato de se colocar dois elementos lado a lado, a fim de se
verificar seus traços de desigualdade. Vale enfatizar que os elementos contrapostos não se anulam. “Ele é muito
inteligente, mas
ensina mal” é um caso de contraposição, visto que o segmento p não é anulado por q . em
“Pensei em falar com ela, mas não tive coragem de abrir a boca”, o segmento p é anulado por q. Logo, é um
caso de anulação.
48
(41) Eles são muito evoluídos de um lado. mas são muito
conservadores, por outro lado. (Amostra 00(i) – R11)
O contraste entre diferentes caracteriza-se pela contraposição de segmentos,
levando-se em consideração a existência de expressões de significação diferente,
como em (42):
(42) O mercado está abastecido, mas a renda média da
população tem caído. (O GLOBO – 26/11/2003 - Cartas)
A compensação caracteriza-se pela contraposição de segmentos, cujo
segundo compensa alguma fragilidade apresentada no primeiro. Pode haver
gradação de argumentos (do mais forte para o mais fraco ou vice-versa) ou o. O
mas pode ser parafraseado por “mas em compensação”.
(43) Muito já foi dito. Muito foi mostrado pela propaganda de
vários governos que se sucederam no Rio, mas pouco foi
efetivamente realizado, no sentido de resolver essas suas
questões, que afetam gravemente o conforto e a saúde da
população do Estado. (JB – 24/02/2004 - Opinião/Editorial)
(44) O dinheiro que se aqui pode atrasar a revolução, mas
ajuda o cara na hora. (Extra – 18/09/2003 – Editoriais)
A restrição caracteriza-se pela contraposição de segmentos, por acréscimo de
informação (45) ou negação da inferência (46) de um argumento enunciado
anteriormente.
49
(45) A polícia é paga para agir de acordo com regras, que
também inclui atirar para matar, mas em recurso extremo,
quando em confronto. (O GLOBO – 13/03/2004)
(46) Tenha calma porque as mudanças vão acontecer, mas não
imediatamente. (JB – 02/11/2002)
Em (45), ao explicar que a polícia é paga para agir de acordo com regras, que
inclui atirar para matar o cronista acrescenta informação, a partir do mas: em
recurso extremo, quando em confronto. em (46), o editor, após o uso do mas,
nega a possível inferência de que as mudanças venham a acontecer imediatamente.
b) Contraposição na mesma direção semântica
A contraposição na mesma direção se caracteriza pelo fato de o segundo
argumento ser superior ou, pelo menos, não inferior ao primeiro, como em (47):
(47) Eu prefiro eu dá, pagá do que alguém um outro tipo de
cigarro a ela, entendeu? então... agora a verdade é essa, eu
tenho na minha rua garotas lindas! Maravilhosas! que
passam... lá em cima do Morro de São Carlos, Querosene ali
no Rio Comprido, daqui a pouco descem... (ruído) garotas
que você (hes) se eu te dissesse, (hes) garotas, homens...
também, meninas, mas principalmente
24
as garotas, elas
tem o vício, não tem como comprar, como pagar em
dinheiro, elas se trocam pelo bagulho! (Amostra 00 (i) – r10)
c) Contraposição em direção independente
A contraposição em direção independente se caracteriza pelo fato de, no
segundo membro, ser enunciado um argumento que ainda o foi considerado. O
24
Note-se que o advérbio “principalmente” exerce um papel relevante na atribuição de “peso” ao segundo
segmento.
50
argumento anterior, apesar de admitido (= “ainda assim”), é menos relevante do que
o que vem acrescentando, como em (48).
(48) Na Rocinha, como em qualquer outra favela do Rio de
Janeiro, existem pessoas de bem, mas, para os policiais,
todos que habitam são bandidos (O Globo 25/02/04
Cartas).
d) Eliminação do segmento anterior, sem substituição (oposição e rejeição)
(49) O estribilho sugere uma situação que a maior parte dos
casais já viveu: a do homem que foi “experimentar outro
sabor”, mas volta porque “não larga o seu amor”. (JB –
28/03/04 – Cartas dos Leitores)
e) Eliminação do segmento anterior, com substituição (refutação)
(50) Eu tenho uma impressão e isso vem de um amigo nosso,
que é comandante, mas não brasileiro, ele é americano.
(Amostra 80 - c045)
Além dessa escala, Neves (1984) defende que o registro dos graus da
desigualdade estabelecido pelo mas pode ser realizado com base no grau de
admissão das entidades envolvidas. A escala de admissão vai de um mínimo, o
simples reconhecimento ou registro de existência da entidade apresentada no
segmento anterior ao mas, a um máximo, a concessão.
(51) D1 - De vez em quando, a gente em jornal, mesmo no
Brasil e em outros países também mais ( ) problemas
ligados a certos animais que estão desaparecendo, né?
L2 – Sim...
D1 Não animais terrestres... mas animais que vivem...
na água. (NURC – D2 369)
51
Em (51), ao tratar da extinção dos animais, o informante não nega que haja
animais terrestres na lista. Pelo contrário, além de ratificar tal fato, adiciona ao grupo
de animais ameaçados de extinção, os animais que vivem na água. Logo, não
anulação de nenhum dos termos relacionados por mas.
(52) O quarto das minhas filhas é o lugar que eu mais gosto...ele
é...não é muito grande...mas é jeitoso. (NURC – DID 084)
(53) O quarto das minhas filhas é o lugar que eu mais gosto...ele
é...não é muito grande...mas é jeitoso. (NURC – DID 084)
Em (52), a informante nega que o quarto das filhas seja grande, mas afirma
que o modo é “jeitoso”. Verificamos em construções como essa, que o segundo
segmento se opõe à inferência extraída do primeiro. É cil depreender uma
construção concessiva
25
do exemplo (53):
(53’) O quarto das minhas filhas é o lugar que eu mais gosto...
Apesar de não ser muito grande, ele é jeitoso.( NURC – DID 084)
Apesar da validade da proposta acerca do continuum, a tivemos dificuldade
de caracterizar, segundo a proposta de Neves (1984), muitos dados de nossas
amostras, por não identificarmos traços de diferenciação entre uma categoria e
outra, suficientemente claros, ou pelo fato de os dados não apresentarem
desigualdades semânticas. De acordo com Urbano (1998), essa escala de
desigualdade/ oposição pode ser estendida aos níveis discursivos ou pragmáticos.
25
Recorremos ao recurso da paráfrase, como no exemplo (53), a fim de identificarmos os casos de
ressalva, no tratamento dos nossos dados.
52
Ele demonstra que o conector mas relaciona características não excludentes
entre si, mas que, pragmaticamente, costumam ser vistas como tal. A força
argumentativa do mas seria comprovada em diálogo, quando um dos interlocutores
inicia o seu turno com esse conector e o seu ouvinte retruca com frases do tipo: “não
tem mas, nem meio mas. Na construção “sou pobre, mas honesto”, o conector
mas relaciona pobre e honesto, duas características que não se excluem. O mesmo
acontece nos exemplos seguintes:
(54) O Vasco tinha jogadores rápidos, mas fortes, bem
preparados. (JB 08/03/04 – Noticias)
(55) Gostam de futebol, pipa, praia e carnaval. mas vivem na
Rocinha, a maior favela do Brasil. (O GLOBO 25/02/04
Cartas)
Apesar de as características relacionadas pelo mas não se excluírem, o uso
do mas contribui para que, pragmaticamente, essa impressão seja criada. Em (54),
por exemplo, infere-se que um jogador rápido não poderia ser forte e, em (55), o fato
de se viver na Rocinha impediria que uma criança gostasse de futebol, pipa, praia e
carnaval.
Nessa mesma linha, Mira Mateus et al (1989) defende que o mas
normalmente representa a “expressão de não satisfação de condições (necessárias,
prováveis ou possíveis) para que uma dada situação ocorra”. Isso é claro nos
exemplos seguintes:
(56) A redução do recesso da alerj de 90 para 60 dias e o fim do
pagamento por convocação extraordinária são um grande
auxílio para a recuperação da moral política. mas ainda não
são suficientes. (O GLOBO – 23/03/2004)
53
(57) Fica, pois, a contribuição do Balanço Mensal: o crescimento
ajuda, mas não basta para reduzir as taxas de desemprego.
(JB – 14/09/2003)
Além disso, Neves (2006) identifica no mas um papel bastante significativo na
organização do texto. Ao comparar o mas com o e, a autora reconhece que
enquanto a força do e está na simples mobilidade para a direita, que faz dele, o
elemento mais eficaz na dinamização do texto, como seqüenciador do texto, o mas
exige uma certa atenção ao contexto precedente.
Essa fixação no contexto precedente justifica, na nossa opinião, o grande
número de ocorrências cujo segundo segmento apresente elementos anafóricos,
como em (58) e (59).
(58) O cozinheiro Roberto Cláudio Bonaço, de 38 anos, que
nove trabalha no bairro, viu muitas batidas no local, mas
todas antes do equipamento. (Extra –15/10/2003 - Notícia)
(59) Moro na Rua Antunes Maciel, em São Cristóvão, e existia
um ponto de ônibus em frente ao São Cristóvão Futebol
Clube. mas ele foi desativado e transferido para a Rua Pedro
II. (Extra –19/04/2003 – Cartas dos Leitores)
Seria essa referência ao contexto anterior, o motivo de o mas se tornar um
“elemento de eleição privilegiada na abertura de caminhos novos, que ele marca
como, de algum modo, divergentes ou discrepantes” (grifos nossos), ou seja, além
do valor inclusivo, demonstrado acima, a fixação no contexto precedente contribui
para que o mas desempenhe funções discursivas, como em (60).
54
(60) E- O senhor pode me explicar como é que é, como o senhor
faz ? Porque tem...
F - Olha, eu gosto de farofa com manteiga (est) então eu
derreto a manteiga, pico bastante cebola, (est) que eu gosto
muito de farofa acebolada, (est) faço um refogadinho, ponho
um pouquinho de sal, quebro um ovo dentro, deixa ele ficá
em ponto de ovo mexido, né? Quando (hes) ele tivé bem
amarelinho você joga um pouquinho de farinha. Não muito,
pra num ficá muito seco [Ai, também detesto aquela <fari>
que bate vento...] farofa molhada, é. (tosse f) [Horrível] Você
faz aquele, né ? Faz uma passoquinha (est) com ovo,
<tuma>, é... cebola, a manteiga, um poquinho de sal e fica
uma farofinha gostosa. A cebola também que é o ponto alto
da farofa, né?
E - mas eu acho que o senhor sabe cozinhar sim, o senhor
escondendo o jogo [Não...] (riso e) essa farofa tá gostosa.
F - De vê a gente aprende.
E - É verdade (falando rindo). É... o senhor sofreu algum
tipo de...o senhor sofreu... foi assalta: do, sofreu algum tipo
de violência, ou sabe de alguém que já tenha sofrido ?
F - Não. Eu, particularmente, graças a Deus, nunca fui
assaltado nessa cidade (ruído) e nem conheço pessoas
conhecidas (est) que... tivessem sido assaltadas.
E - mas o senhor sabe assim de algum caso, de alguma
coisa que deu na... que o senhor falou que gosta muito de
ouvir [A: h! frequentemente] repórter, teve alguma coisa
ultimamente que o senhor ouviu que assim marcou mais? A
respeito da violência no Rio? Hoje em dia [tá] se falando
muito nisso: violência no Rio, tal. Teve alguma coisa, algum
acontecimento que marcou (inint) (Amostra 00 (c) – T31)
Em casos como esses, o mas deixaria de estar integrado à estrutura sintática
do enunciado para atuar em segmentos mais amplos (seqüências tópicas e sub-
tópicas). De acordo com Rodrigues (1995), o mas atua na organização do discurso,
por meio do estabelecimento de relações tópicas. Esse elemento pode ampliar ainda
mais sua atuação, em estruturas de troca de turno. Para Castilho (2003), na
interação conversacional, o mas liga turnos para organizar uma unidade de
construção de turno. Em (60), por exemplo, o entrevistador lança mão do mas como
um recurso para tomar o turno na conversação. Além disso, os valores léxico-
semânticos do elemento em tela o predispõem a atuar como elo de unidades
discursivas.
55
A função discursiva do mas receberia contribuições de suas propriedades
gramaticais (Schiffrin, 1997). A propriedade de o mas conectivo se fixar no
segmento anterior é mantida no mas discursivo, por meio do efeito de retomada de
tópico (sub-tópico), exemplificado a seguir.
(63) (...) nessa transição [de] [de] de... que acontecendo na
empresa, nessa informatização, nessa mecanização,
otimização, em geral (est) pode havendo [alguma] algum
conflito, ne? da...
E- É que as pessoas tão <de>...tão reclamando muito da
demora, né?
F- É. Existe a fase de adaptação, os carteiros antigamente
ficavam olhando... [Foi isso que eu imaginei]... Ai meu Deus,
num sei quê, quanto... manipulando aquilo com a mão o dia
todo (est) então, hoje ele deparando com a máquina, a
máquina faz o que o carteiro fazia, então, o próprio
carteiro...tá...fa com a mão que é mais seguro...então,
existe esse conflitozinho, viu? A questão de adaptação
homem, quina, mas a coisa tá se encaminhando pru lado
da perfeição, a empresa lucra pela qualidade total do
serviço, vai demorá um tempinho...essas coisas [num] num
acontece da noite pro dia...(Amostra 00 (c) - 031)
Em seu estudo a respeito do elemento maar” (mas, em Holandês), Mazeland
& Huiskes (2000) identificaram que, além de participar do mecanismo de ligação de
unidades (elementos não sintagmáticos, sintagmas não oracionais e sintagmas
oracionais), o maar participaria de mecanismos de contraste no nível da organização
do discurso, relacionando turnos. Os autores verificaram três usos para o elemento
alemão, em se tratando de ligação entre turnos: a) introdutor de objeção,
semelhante ao do exemplo (61); b) marcador de continuidade de um assunto
anterior, abandonado devido a algum tipo de interrupção do interlocutor, semelhante
ao do exemplo (62) e c) marcador de resumo, semelhante ao do exemplo (63).
56
(61) E- E a senhora ficava [sozinha]?
F- [E eu ficava sozinha] com os meninos. Olha, vou te dizer
uma coisa, Maria Lúcia, até natal e ano novo, eu passei
muito sozinha, sabe? Muitos natais e ano novo eu passei
sozinha com os menino. E a minha nora reclamam da vida
que, as vezes, os meninos (hes) chegam atrasados, chegam
tarde, essas coisas, eu digo: "oh, minha filha, vocês não
devem reclamar, não. Vocês levam até uma vida muito
melhor que eu levei- poxa!"
E- Mas eu acho, dona Mariângela, que a mulher hoje ela sei
lá ela não aceita com tanta facilidade assim.
F- Eu também acho. A mulher agora não aceita mesmo não,
sabe? É porque foram habituadas - tiveram uma educação
diferente, não é? (Amostra 80 – c47)
Em (61), o entrevistador E objeta a explicação da falante F, sobre o papel
passivo da mulher que, na sua concepção, deve aceitá-lo com resignação. Em
objeção, E explica que a mulher mudou nos últimos tempos.
(62) L1- morando em Ipanema... eu sou suspeita pra falar...
mas ( ) sinto tanto... eu não posso deixar de pensar em
outras pessoas que ( ) Ipanema tem um clima... em termo...
você disse que ( ) que as pessoas são todas iguais né... uma
que o são... mas Ipanema tem um clima... que predispõe
sabe... que possibilidade à pessoa de se abrir muito mais
entende... você pode sair vestida de palhaço de lá... que
ninguém vai olhar pra você...
L2 - justamente é isso... é liberdade... você pode ser uma
artista famosa... passa pela rua tranqüilamente...
L1 - ( ) às vezes... ninguém te incomoda... se você sai assim
( )
L2 - [é... hum nem liga...
L1 - ninguém está nem querendo saber como é que você
está... ninguém nem presta atenção em você... porque aquilo
ali ( )
L2 - [é normal...
L1 - assim tão boa de cada um viver a sua própria vida...
quer dizer... logicamente tem suas desonrosas exceções...
L2 - é claro... ( )
L1 - mas está todo mundo naquele espírito de cada um
viver sua vida... levar sua vida sem se preocupar com a do
vizinho... que ninguém está se importando se você sai de
vermelho com verde... amarelo... roxo... ninguém está
querendo saber a não ser... agora isso também traz um
problema de solidão... né... se você fizer uma análise da...
solidão...
L2 - é justamente porque... uma vez uma... uma amiga falou
pra mim... "engraçado aqui"... ela não é brasileira... então ela
falou assim... ela é equatoriana... ela disse assim...
"engraçado no Rio... principalmente Copacabana Ipanema
Leblon... a gente anda cercado de gente à beça... mas
57
ninguém olha pra gente... ninguém..."... e sozi/... você parece
ir sozinha... e você po/... como... ela dizia... "pôxa eu não
tenho muito poder aquisitivo agora... mas eu posso andar de
calça Lee durante um mês que ninguém vai olhar pra
mim..."... vai per/... dizer se ela está ruça... rasgada ou eu
que ando muito bem alinhado... muito bem arrumado e
ninguém repara... no mesmo bar em que se senta uma...
uma... não digo um ... restaurante de luxo entende... mas um
bar... um bar assim da moda em que senta um... um
deputado... senta muito bem arrumado e tal... do lado dele
senta um rapaz hippie... uma moça muito tranqüila mesmo e
não... não se sente choque... (NURC – D2 -147)
Em (62), o mas marca a retomada de um assunto anteriormente abandonado.
O Falante L1 falava de Ipanema e de seu ambiente favorável à liberdade de seus
moradores e visitantes, quando foi interrompido pelo falante L2, que introduz uma
fala complementar, referindo-se ao fato de artistas poderem perambular pelas ruas
de Ipanema sem serem abordados. Finalizada a interrupção, L1 retoma sua linha de
fala e de raciocínio, realizando a progressão do assunto para o problema da solidão
dos moradores de bairros com as características de Ipanema. Antes de dar
prosseguimento ao assunto, L1 faz um resumo de sua observação inicial
(sublinhado).
De acordo com Mazeland & Hiskes (2000), nem sempre o falante retoma o
assunto com a intenção de lhe dar prosseguimento. Às vezes, o assunto é retomado
de forma resumitiva, a fim de se encerrar o (sub) tópico em tela.
(63) D - o que acham do Rio de
Janeiro como cidade?
L1 - a cidade é muito turbulenta... gostaria de morar numa
cidade... mais calma... como Teresópolis... por exemplo...
L2 - eu não sei... justamente apesar de toda essa turbulência
esse movimento todo... eu gosto de passar no máximo assim
um mês fora... umas férias... mas no fim eu já começo a ficar
assim aflita começo a ficar nervosa nervosa porque o
tem aquele movimento assim ( )
L1 - [talvez... talvez o que aconteça comigo é muita
vivência já... eu já estou cansada do ambiente... você é bem
mais jovem do que eu... agora eu procuro paz...
tranqüilidade... não é?
L2 - não eu sinto falta disso... porque ainda mais a gente
58
trabalhando... principalmente o dia inteiro... horário integral...
essa coisa toda... né? e isso cansa... e eu com filhos
pequenos... duas meninas pequenas... tem realmente...( )
L1 - [é tem problema também...
L2 - mas de qualquer forma no máximo um mês eu estou
começando a ficar nervosa... pra vir pro movimento... que a
calma está me perturbando ((riso))
L1 - eu consegui tirar umas férias de dois meses... e não
me senti assim... entediada... não... de estar em
Teresópolis... gosto muito de jardinagem... gosto mais da
vida simples e sol ( )
L2 - [sim... eu também... eu pra sair assim... (NURC D2 269)
Em (63), a falante L2 falava do fato de estar acostumada com o dinamismo da
cidade do Rio de Janeiro e que, ao se afastar daquela cidade, depois de um mês,
ficava entediada e sentia vontade de voltar, quando foi interrompida por L1 que abriu
uma linha de fala concorrente e passou a tratar da violência urbana. Concluída a fala
concorrente, L2 re-apresenta a sua fala anterior de forma resumida.
Apesar da relevância dos trabalhos até aqui apresentados, cumpre destacar
os estudos de Fabri (2001) e Rocha (2006). O primeiro investiga as diferenças no
emprego das conjunções adversativas em diferentes tipologias textuais e o segundo
trata do processo de gramaticalização desses conectivos.
Segundo Fabri (2001), os diferentes usos das conjunções adversativas, em
textos escritos (de tipologias dissertativa, narrativa, descritiva e injuntiva), seriam, em
parte, determinados por aspectos relativos às dimensões sintática, semântica,
argumentativa, informacional e pragmática.
Quanto à dimensão sintática, segundo a autora, o mas (objeto de nossa
investigação) ocuparia sempre o início da oração adversativa. No entanto, a autora
defende que o mas relaciona não orações e períodos, mas também sintagmas
não oracionais, parágrafos e conjunto de parágrafos.
59
No que concerne à dimensão semântica, a autora, baseada nos estudos de
Neves, distribui os significados das conjunções em negação, retificação, contraste e
quebra de expectativa:
a) Negação: quando o reconhecimento do conteúdo de um dado segmento
e, em seguida sua refutação (64) e a negação do conteúdo de um segmento,
contrapondo-se a um conteúdo já conhecido (65).
(64) É um país sórdido que escamoteia até as palavras. [Quem
deveria pagar IR], mas não o faz, não pratica sonegação, no
vocabulário desse Brasil indecente. (Exemplo da autora)
(65) [No domingo passado, outros três homens foram presos
sob suspeita de pertencer à gangue da batida], mas eles não
foram reconhecidos pelas mulheres vítimas... (Exemplo da
autora)
b) Retificação: quando o enunciado seguinte ao mas corrige, retifica o
enunciado apresentado anteriormente (66), podendo mudar a orientação
do assunto, dando seqüência ao texto (67).
(66) Eram 5 horas da
manhã e [o cortiço acordava, abrindo, não os olhos], mas a
sua inifinidade de portas e janelas alinhadas. (Exemplo da
autora)
(67) [Se eu fosse pintor
começaria a delinear este primeiro quadro de trepadeiras
entrelaçadas, com pequenos jasmins e grandes campânulas
roxas, por onde flutua uma borboleta cor de marfim, com um
pouco de outro nas pontas das asas].
Mas logo depois, entre o primeiro plano e a casa fechada, há
pombos de cintilante alvura, pássaros rápidos e certeiros...
Mas o quintal da casa abandonada ostenta uma delicada
mangueira, ainda com moles folhas cor de bronze sobre a
cerrada fronde sombria... (Exemplo da autora)
60
c) Contraste: quando entre os dois segmentos relacionados por mas, a
comparação de um mesmo elemento ou elementos diversos (68).
(70) [Durante uma conversa ou uma reunião, quanto mais você
discordar, mais iminente será a briga... Posicione-se], mas
refreie seus impulsos de levar a coisa para o lado pessoal.
(Exemplo da autora)
d) Quebra de expectativa: Quando há um conhecimento de mundo
partilhado que é pressuposto e quebrado a partir da oração iniciada pela
conjunção adversativa (71).
(71) [Há também quem se desanime com as fontes sulfurosas a
70º C. Dizem que são terapêuticas], mas queimam a pele e
fedem a ovo podre, a enxofre. (Exemplo da autora)
Ao tentarmos classificar nossos dados, de acordo com esses significados,
identificamos alguns problemas:
1 Ausência de traços formais que tornem a classificação precisa. Não foi
possível, por exemplo, diferenciar a negação da quebra de expectativa, em
ocorrências como:
(72) A CEDAE recebeu diversas reclamações, mas o
solucionou o problema. (Extra - 27/09/2003 – Cartas)
61
2 Se a retificação está relacionada à mudança de orientação (sub)tópica,
como em (73), o mas estaria atuando em instâncias discursivas. Caberia, pois,
enquadrá-lo, em casos como esse, no rol dos Marcadores Discursivos
26
.
(73) Uma grande greve dos servidores federais está se
organizando este mês. Uma parte da sociedade será
a favor, outra vai dizer que são apenas pessoas que
não querem trabalhar. Mas alguém já perguntou
quanto desses profissionais realmente recebem? A
maior parte do salário é composta por gratificações
que não contam para a aposentadoria. Um professor
universitário com doutorado tem salário básico de
cerca de R$ 1000, 00... (O GLOBO 27/01/2004
Cartas dos Leitores)
3 No caso do contraste, novamente sentimos falta de marcas formais que
nos auxiliassem na classificação. Detectamos, casos que se enquadram na
definição da autora, mas que possuem características formais bastante diversas.
(74) O mercado está abastecido, mas a renda da população tem
caído. (O GLOBO – 29/02/2004 - Cartas dos Leitores)
(75) Muito foi mostrado pela propaganda de vários governos
que se sucederam no Rio, mas pouco foi efetivamente
realizado, no sentido de resolver essas duas questões, que
afetam gravemente o conforto e a saúde da população do
Estado. (JB – 05/10/2002 -Editoriais)
(76) Não se pode, entretanto, ser contra a medida provisória que
fecha os bingos. lá, pode ser manobra, mas é certa. (O
GLOBO – 26/02/04 – Cartas)
(77) Deixar bem claro ao infrator uma verdade antiga, mas
sempre atual: o crime não compensa quando a sociedade o
repele. (JB – 05/10/2002 - Editoriais)
26
Na seção referente à Constituição de Textos Falados e Escritos, a noção de Marcador Discursivo será tratada.
62
Em (74), (75), (76) e (77), o enunciado que se segue ao mas não elimina o
enunciado anterior. Em (74) e (75), ocorrência de dois elementos em oposição:
mercado x renda da população e abastecido x caído, enquanto em (76) e (77)
oposição de conteúdo semântico expresso nos predicativos/ complementos
relacionados.
No que diz respeito à dimensão argumentativa, a autora, mantém, em grande
parte, a proposta apresentada por Ducrot & Vogt (1979). Acrescenta, porém, que
mesmo o masSN estabelece uma relação argumentativa, pois o
encaminhamento do leitor ao convencimento da proposta apresentada no primeiro
segmento.
Quanto à dimensão informacional, a autora afirma que em todas as
ocorrências, a presença da conjunção adversativa traz uma informação nova,
permitindo, inclusive, o avanço para o enunciado seguinte e possibilitando a
progressão textual.
Quanto à dimensão pragmática, de acordo com a autora, apenas as
conjunções com o valor semântico de retificação responsáveis pela mudança de
direção do tópico da seqüência anterior funcionam como conjunções pragmáticas.
No entanto, acreditamos que, se entendemos a dimensão pragmática como
intimamente relacionada ao contexto, todos os dados possuem uma cota de
informação pragmática, embora isso fique mais evidente em exemplos extraídos de
conversação.
Verificamos que o item em tela pode aparecer relacionando segmentos
passíveis de descrição formal ou segmentos discursivos, como parágrafos (em
textos escritos), tópicos e subtópicos e turnos (em textos falados). Apesar de atuar
63
nessas diferentes instâncias, alguns traços são recorrentes, como foi assinalado nos
trabalhos a aqui apresentados, como retomada, compensação, detalhamento de
informações etc. De acordo com Sweetzer (1995), isso se devido à projeção
entre os domínios de atuação do mas.
O termo “domínio” é utilizado pelas correntes teóricas cognitivistas e é usado
para mostrar que o significado lingüístico se processa cognitivamente. Domínios são
estruturas organizadas da memória. Sweetzer (Op. Cit.) propõe a existência de três
domínios para o emprego das conjunções em geral, a saber: o do conteúdo, o
epistêmico e o conversacional. O domínio do conteúdo é o domínio a partir do qual,
em função de experiências físicas, como as sensório-motoras, o falante elabora
novos significados, graças a sua capacidade imaginativa, estabelece uma
linearidade decorrente do mundo real; o domínio epistêmico se refere ao raciocínio,
ou seja, é o domínio no qual se estabelece uma linearidade decorrente de um
processo lógico e o domínio conversacional que se relaciona aos atos de fala.
De acordo com a autora, a análise do mas deve se fundamentar na relação
de sentido existente entre os domínios epistêmico e conversacional, pois seu uso
não reproduz iconicamente uma ordem de eventos sucedidos no mundo real, e sim
uma ordem de premissas que levam a uma conclusão.
Para a autora, a adversativa mas conecta segmentos, cujos conteúdos
“colidem” entre si. No domínio epistêmico teríamos:
(78) Ela se formou, mas ela não pára de estudar. (Amostra 00
(i) – r7)
64
No exemplo (78), o fato de ela ter se formado levaria à conclusão de que ela
tenha parado de estudar, o que colide com a informação introduzida por mas. O
choque pode dar-se também entre duas conclusões implícitas, suscitadas por duas
premissas conectadas por mas, como em:
(79) Eu não acho correto menina de dez, onze, doze anos vê
certos programas...isso vai do pai, mas os pais nem sempre
estão em casa. (Amostra 00 (i) – r11)
Em (79), é o pai que concede o direito de uma criança assistir a certos
programas. Isso nos leva à conclusão de que os problemas causados pelo contato
da criança com certos programas têm solução, mas o fato de os pais nem sempre
estarem em casa funciona como premissa para a conclusão contrária. Em
ocorrências como (79), Sweetzer (1995) dois argumentos que se encaminham
para conclusões distintas, ou melhor, são mutuamente excludentes.
No nível conversacional, a colisão pode se dar entre as intenções dos atos de
fala:
(80) O Frederico fica com ciúmes, que diz que eu sou mais
assim com a Tatiana do que com o Gustavo. Não é
verdade, a Tatiana é mais na dela, mas o Gustavo é
muito levado, eu não agüento ele. É divertido.
(Amostra 80 – c047)
Em (80), duas sugestões indiretas apresentadas como atos de fala ser
mais apegada à Tatiana ou ser mais apegada ao Gustavo. Segundo Rocha (2006),
as relações contrajuntivas estabelecidas pelo mas ocorrem nos domínios epistêmico
e conversacional da linguagem, devido a uma motivação metafórica originada de
65
ambientes que apresentavam partículas de sentido negativo. A autora concluiu que,
por motivações conceptuais, determinados elementos, como o mas, no decorrer do
tempo, adquiriram traços que possibilitaram a sua inserção no grupo das conjunções
adversativas.
A não co-ocorrência de partículas negativas se justifica:
1 pelo caráter não adversativo do mas: intensificador (81), aditivo - (82) ou
focalizador (83);
2 – pelo caráter de ressalva das construções relacionadas por mas (84);
3 pelo uso de outros recursos, no lugar do contraste (+/- ou -/+), como:
oposição estabelecida pelo uso de termos de significação diversa (85); oposição no
domínio epistêmico (86), mudanças de parágrafos, (sub)tópicos e tópicos (87) e
mudanças de turnos (88);
(81) É um negócio terrível, mas terrível mesmo. (Amostra 80
c044)
(82) Eu me sinto muito bem lá, porque as pessoas são
responsáveis. Impressionante a diferença. Mas também tem
um lado deteriorado, né? da sociedade em si, eles são muito
evoluídos de um lado mas são muito conservadores por
outro lado. (Amostra 00(i) – r11)
(83) No entanto alguns dos maiores artistas plásticos hodiernos
(gostaram?) são humoristas. Muitos deles como, por
exemplo, André François, Steadman e o próprio Steinberg,
reconhecidos. Mas no gueto. (JB –27/10/2002 Crônicas)
(84) engraçado que eu gosto muito de chuchu embora todo
mundo ache chuchu uma coisa assim sem graça... aguada...
mas eu gosto... e carne a... aqui em casa nós fazemos de
várias formas... (NURC – DID 0012)
66
(85) O nosso corpo de repente acaba aqui, mas a consciência é
uma coisa que...ou se a gente é uma máquina biológica, né?
(Amostra 00 (i) – r07)
(86) Jean, Linnike e Lucas são três adolescentes com direito à
vida e a saúde garantido na Constituição e no Estatuto da
Criança e do Adolescente... Sonham com um futuro melhor,
e gostam de informática, música, festas e roupas novas,
como qualquer adolescente. Gostam de futebol, pipa, praia e
carnaval. Mas vivem na Rocinha, a maior favela do Brasil, e
convivem com adultos divididos entre facções de traficantes
e a polícia. (O GLOBO –25/02/2004 - Cartas)
(87) A vitória sempre inebria, ainda mais uma vitória conseguida
depois de tantas tentativas e tantos anos de militância.
Mas a “onda vermelha” que parecia ter tomado conta do país
não está traduzida politicamente nem no Congresso e muito
menos nos governos estaduais. (O GLOBO 27/01/2002 -
Editoriais)
(88) F - A cebola também que é o ponto alto da farofa, né?
E Mas eu acho que o senhor sabe cozinhar sim, o senhor
ta escondendo o jogo [Não...] (riso E) essa farofa ta gostosa.
(Amostra 00 (c) – t31)
Rocha (2006) categoriza o mas como um dos operadores que contrapõem
argumentos orientados para conclusões contrárias. Para isso, faz referência ao
esquema de Koch (2001), citado anteriormente neste trabalho.
Acreditamos, com Rocha (Op.Cit.), que as conjunções não estabelecem por
conta própria relações de sentido entre as partes interligadas e que o uso de
algumas expressões pode ser necessário para reforçar uma idéia de contraste
existente em certos contextos.
(89) O fundo não garante o pagamento de todas as despesas,
mas é uma esperança de fechar o ano com tudo em dia
comemorou o secretário estadual de controle, René Garcia.
(O GLOBO – 25/10/2002)
(90) O cozinheiro Roberto Claudio Bonaço, de 38 anos, que
67
nove trabalha no bairro, viu muitas batidas no local, mas
todas antes do equipamento. (EXTRA – 07/01/2004)
(91) E- E ele dorme?
F- Esse de quarta ele vai dormir. Dorme de pega de acho
que é de seis da tarde até seis da manhã do dia seguinte.
Mas, em compensação, no dia seguinte ele não trabalha lá,
sabe? (Amostra 80 – 047)
(92) ah... é... não... não... a titia... aqui a gente varia... a gente
come carne de boi... pode comer... a gente come galinha
também... come peixe... ela procura fazer um... uma coisa
assim de cada... eh... em cada dia da semana a gente
procura variar... mas a base mesmo é a carne... porque eu
acho que sai mais barato... peixe... por exemplo... se você
compra... a gente compra em dia de feira... porque é o
peixe mais fresco... o peixe na peixaria geralmente é muito
caro e na feira é mais fresquinho e é mais em conta... sabe?
então a titia compra o peixe e faz ou frito ou faz cozido com
pirão... eh... faz também... às vezes ela faz esca/ faz
aquela... tira aquele filé de peixe que a gente come com
molho de camarão... (NURC – DID 0012)
Em (89), identificamos a co-existência da negação lexicalizada. Para Peres &
Negrão et ali (2001), quando “o operador negativo” está adjacente a sintagmas não
oracionais, ele funciona como marcador implícito ou explícito de contraste entre dois
sintagmas (93). casos em que o contraste é estabelecido entre um elemento de
forma não x e um segundo elemento elíptico (94). também a fórmula (95). Neste
último caso, de acordo com os autores, o paralelismo resulta numa inclusão, e não
num contraste.
(93) Tinha plantação de café... eu acho bonito aquilo tudo assim
como paisagem... mas não como meio de vida... eu não me
adaptaria a isso... (exemplo do autor)
(94) Transformando...os elementos...a seu gosto...portanto o
artista é aquele que...sabe ver... não a imagem prática e
vulgar... que tem a sua... mas a imagem dos outros...
(exemplo do autor)
(95) ... falamos não só daquilo que ele passa... mas (também) de
outras profissões existentes... (exemplo do autor)
68
Em (90), a co-existência da recuperação de itens do segmento anterior (por
meio de um elemento anafórico = ‘todas’) parece, por si só, introduzir o caráter
restritivo do enunciado. Em (91), a expressão ‘em compensação’ favorece a
interpretação contrapositiva de compensação, dos segmentos relacionados por mas.
Em (92), o item lexical ‘mesmo’ fortalece o caráter de ressalva da construção em
tela.
Ao término desta parte de nosso trabalho, gostaríamos de oferecer nossa
classificação de tipos e funções desempenhadas por mas. Lembremos que a
proposta de Ducrot & Vogt (1979), ao considerar o papel do elemento na
organização argumentativa, identificou um mas argumentativo (masPA) e outro de
refutação (masSN). Segundo o autor, mas argumentativo opõe uma conclusão
inferível do argumento expresso no primeiro segmento a uma conclusão explícita no
segundo, revelando uma espécie de ressalva; e o não-argumentativo, que introduz
um segmento, cujo conteúdo retifica ou substitui o conteúdo do segmento anterior.
Esse último possui duas características essenciais: a presença de negação
lexicalizada no primeiro segmento e a condição de ser parafraseável por mas sim”.
Segundo os autores, este segundo tipo revela uma simples oposição semântica.
Apesar da relevância desse estudo, não conseguimos aplicar a bipartição
categórica entre oposição e concessão a uma série de ocorrências encontradas nos
corpora adotados nesta investigação. Ocorrências como (96), (97) e (98) ilustram
esse problema:
(96) Que tal o cheque chapinha? Mas, para todo mundo, hein? (O
69
Globo – 23/10/2002)
(97) Dizem que o Exército não foi preparado para tomar conta
das ruas, mas deveria ser. (O Globo – 05/03/2004)
(98) O que ainda se salva é o talento dos produtores tupiniquins.
mas o é o vídeo. A barra ta pesada na publicidade
também. (JB – 07/03/2004)
Recorremos aos estudos de Lakoff (1971), nos quais a autora identifica dois
sentidos básicos para o mas argumentativo de Ducrot & Vogt: o de quebra de
expectativa e o de oposição semântica. No entanto, tanto a investigação dos autores
quanto os estudos de Lakoff (Op. Cit.) não esclarecem todos os empregos de mas
que aparecem no português.
A fim de resolver esse problema, Neves (1984; 2000; 2006) propôs uma
definição semântica básica para o mas, independente da sua performance na
orientação argumentativa de enunciados: os graus de desigualdade, que se
manifestam numa escala, que vai da simples desigualdade entre os segmentos até a
completa anulação do conteúdo do primeiro segmento. Além disso, identificamos,
nos trabalhos de Neves (op. cit), uma escala de admissão do conteúdo do primeiro
segmento, que vai da simples admissão ou reconhecimento da existência desse
conteúdo até os casos de concessão. Utilizando as duas escalas propostas por
Neves (idem), tornou-se possível caracterizar ocorrências como a (96), (97) e (98).
Apesar da riqueza do trabalho desenvolvido pela autora, algumas noções
como a de ‘oposição’ não ficaram claras devido a ocorrências como (99).
(99) Cumprimento o jornalista Alberto Dines pelo artigo A
República de 1964 a 2004 (27/03). Sem paixões ou
70
dialéticas ideológicas, faz breve, mas sensata avaliação do
período 1964 – 2004. (JB - 30/03/04 – Cartas)
Em (99), por exemplo, breve e sensata não são excludentes do ponto de vista
semântico, o que dificulta a aplicação de noções como a de oposição’. Para Urbano
(1998), no entanto, a proposta de Neves deve ser analisada não do ponto de
semântico, mas também do ponto de vista pragmático.
Neves (2006) afirma que o caráter remissivo do mas ao contexto precedente
contribui para suas funções discursivas na organização tópica e troca de turno.
Quanto aos usos discursivos do mas, Schiffrin (1989) defende que suas
características se desenvolvem a partir de suas propriedades gramaticais.
Em relação ao problema das instâncias de atuação do elemento mas,
Sweetzer (1995) parece encontrar a solução, a partir da noção de domínios.
Segundo a autora, o mas atuaria nos domínios epistêmico e conversacional. Isso
explicaria seu caráter argumentativo, pois a ordem das cláusulas relacionadas pelo
mas não reproduz iconicamente a ordem de eventos sucedidos no mundo real
(domínio do conteúdo), mas sim uma ordem de premissas que levam a uma
conclusão.
Qual seria a motivação para o surgimento das relações contrajuntivas
estabelecidas pelo mas? De acordo com Rocha (2006), em função de uma
motivação metafórica, o valor contrajuntivo do mas teria se originado em ambientes
que apresentavam partículas de sentido negativo.
A seguir, propomos um quadro contendo as funções mais representativas do
mas. Nele, destacamos:
71
1 O tipo de segmento relacionado pelo mas, se sintagmas (oracionais ou não),
(sub) tópicos ou turnos;
2 A caracterização do ambiente de ocorrência de mas, bem como possíveis
paráfrases;
3 – O trato das informações presentes nos segmentos relacionados pelo mas;
4 – Exemplificação com dados extraídos dos corpora utilizados neste trabalho;
5 – Função semântica desempenhada pelas construções introduzidas por mas.
Tipos de segmentos
relacionados por
mas
Observações
Trato das
informações
Exemplificação
Função semântica
Sintagmas não-
racionais
Sintagmas oracionais
Parafraseável pelo
conectivo de adição “e”.
Presente nas seguintes
fórmulas: “mas (também)”
e “não só... mas também”.
Introduz um segmento
cujo tópico tenha sido
citado no segmento
anterior.
O sujeito do segmento
introduzido por mas
normalmente é implícito.
Acréscimo de
informações
novas sobre um
referente dado
as pessoas o
responsáveis.
Impressionante a diferença.
Mas também tem um lado
deteriorado da sociedade
em si. (RECONTATO
R11)
É o feijão tipo o daqui...a
gente pode comparar ao
feijão manteiga...sabe...
mas também uma delícia.
(NURC – DID 012)
Adição
Unidades do sintagma
não oracional;
sintagmas não
oracionais; sintagmas
oracionais
Mudança de entonação:
ênfase
Co-ocorrência de
expressão enfática:
“mesmo”, “à beça”,
“demais”etc.
Repetição do item lexical
mencionado no segmento
anterior ao introduzido por
mas.
Intensificação da
informação
E- Como são seus
vizinhos?
F Maravilhosos. Ótimos
vizinhos, mas ótimos
mesmo. (CENSO -048)
Intensificação
Sintagmas oracionais
Interpõe-se na construção
sintagmático-oracional,
focalizando o sintagma
que lhe segue.
Realce de
informação
Para que ter bang bang,
hoje em dia, se nós
temos, mas nas ruas?
(CENSO -048)
Focalização
Sintagmas não
oracionais
Sintagmas oracionais
Parafraseável por “mas
sim”.
Co-ocorrência de negação
lexicalizada no segmento
anterior ao introduzido por
mas.
Parte do segmento
introduzido por mas está
implícito.
Substituição de
uma informação
por outra
A minha participação não é
de intromissão, em
absoluto, mas de apoio.
(RECONTATO – R11)
Substituição
Sintagmas oracionais
Parafraseável por “mas
em compensação
Existência de negação
lexicalizada no segmento
anterior ao introduzido
por mas.
A informação é
introduzida a fim
de compensar o
tom negativo da
informação
presente no
segmento anterior
ao introduzido
pelo mas
Os americanos não se
enfiam um na casa do
outro, mas são bastante
prestativos. (RECONTATO
– R11)
Compensação
Sintagmas oracionais
Existência de negação no
segmento introduzido pelo
mas
Pode-se depreender uma
conclusão no segmento
anterior ao introduzido
Há uma quebra
de expectativa
em relação a
uma
conseqüência
possível a partir
da informação
apresentada no
Ela já se formou, mas ela
num parou de estudar.
(RECONTATO – R07)
Quebra de
Expectativa
72
pelo mas segmento anterior
ao introduzido
pelo mas
Elementos dentro do
sintagma não
oracional
Sintagmas oracionais
Parafraseável por “mas
mesmo assim”
A informação
apresentada no
segmento
introduzido por
mas faz uma
ressalva em
relação ao
conteúdo do
segmento anterior
Hoje em dia lá tem bancos,
tem lojas, mais lojas e tal,
mas o comércio é mais ou
menos restrito no mesmo
lugar, não cresceu muito.
(CENSO – 045)
Ressalva
Subtópicos discursivos
Após uma digressão, um
assunto anterior é
retomado.
Há retomada de
uma informação
tratada
anteriormente..
Engraçado que eu gosto
muito de chuchu embora
todo mundo ache chuchu
uma coisa assim sem
graça...aguada... mas eu
gosto... (NURC – DID 012)
Retomada de
subtópico
Subtópicos ou tópicos
discursivo
Utilização freqüente de
mecanismos de topicalização
marcada
Acréscimo de
informação nova
por meio de
introdução de
novas unidades
discursivas
... a primeira Constituição
Francesa... que surge nessa
fase... nós vemos que ela é
elaborada pelos
representantes da burguesia...
Mas a segunda fase da
Revolução... vocês viram... foi
a fase da Convenção... essa
fase foi uma fase
inteiramente... diferente da
primeira... nós vimos que ela...
é diferente por que? nós vimos
isso na outra aula... fala
Feliciana... (NURC – EF 382)
Abertura de
(sub)tópico
(Sub) tópicos
Parafraseável por “mas aí
F: Eu vou operá o nariz, tenho
carne no nariz, na face mas a
operação boba, mas eu fui
duas vezes e não consegui
operá por causa da pressão
que sobe, medo, essas horas
eu tenho medo, aí eu cego lá a
pressão tá em alta, manda
pra casa, vai outro dia.
então agora eu vou procurá
um hospital grande, que eu ia
operá na Policlínica de
Botafogo, mas aconteceu
esse problema, eu fico lá
enternado um dia, dois
controla a pressão e faz a
cirurgia. (Amostra 00 (i) – r09)
Progressão Textual
Turnos
Troca de locutor
Introduz comentário sobre
conteúdo do turno anterior
Acréscimo de
informação, com
ressalva,
anulação,
recuperação ou
compensação
Ah...cê gosta de matá os ôtru,
tá bom vâmu (hes) fazê uma
terapia cuntigo...é...bota ele
pra sofrê na carne...
E- Mas eu sempre acreditei
nessa (inint) colônia agrícula,
alguma coisa assim...
F- Mas isso aí é
bobagem...[Mas invés de ficá
na cadeia vai plantar, vai
mexer com terra, vai fazê...]
todo bem...pra alguns isso aí
seria ótimo, pra outros teria
que quebrá pedra mesmo,
sofrimento na carne,
entendeu? (TENDÊNCIA –
T31)
Interpelação
Contestação
Quadro 2: Funções Representativas do Mas
Acreditamos que a maior parte das funções identificadas em nossas amostras
estão representadas no quadro 2. Cumpre, na seção seguinte, apresentarmos
73
algumas propriedades distintivas das modalidades fala e escrita, para que
possamos verificar em que medida a escolha da modalidade repercute na realização
multifuncional do item sob investigação.
74
4 FALA, ESCRITA E GÊNERO TEXTUAL
Mas a palavra escrita se mistura tão intimamente com a palavra
falada, da qual é a imagem, que acaba por usurpar-lhe o papel
principal. (Saussure, 1916/1975)
Ao retratarmos a perspectiva adotada pela Tradição Gramatical em relação ao
mas, verificamos que, para o que se propõe, a perspectiva da Gramática Tradicional
obteve sucesso, posto que utilizou, nas suas investigações, um conjunto de
exemplos extraídos de obras literárias. No entanto, ao contemplar, em seus estudos,
um conjunto de dados extraídos da Língua Falada, lingüistas identificaram outras
funções, algumas de difícil categorização. Mesmo o mas conectivo, apresentou, na
fala, algumas características pouco evidentes na escrita. Cumpre, pois, verificar,
nesta etapa do trabalho, em que medida a adoção de uma modalidade (fala ou
escrita) repercute na postulação dos diferentes usos de mas. Para isso, adotaremos
uma perspectiva de tratamento da fala e da escrita que não privilegia uma das
modalidades. Dentro da perspectiva a ser utilizada, examinaremos, com base nos
dados levantados em amostras de fala e escrita, a configuração sintagmática do
ambiente de ocorrência do mas (na fala e na escrita).
4.1 O FIM DAS PRIMAZIAS
A admissão de que a língua falada merece local de destaque nas
investigações científicas é relativamente nova. Historicamente, o meio acadêmico
tem considerado a escrita, em particular os textos literários, como forma “verdadeira”
75
de língua, ao passo que a fala, por ser considerada instável e degenerada foi
ignorada e seu estudo taxado de impraticável.
Esta situação começou a mudar
27
, no século XIX, quando alguns lingüistas
(cf. irmãos Grimm, na Alemanha) passaram a investigar a oralidade. Esta prática foi
fortalecida, quando a Fonética se transformou em disciplina na Inglaterra (cf. Sweet
e Jones). No entanto, para Biber (1988), o simples fato de os lingüistas
reconhecerem a importância do estudo da fala, não foi suficiente para que se
estabelecessem linhas de investigação as quais tomassem a comparação entre fala
e escrita como objeto, porque, numa forte reação à perspectiva anterior, os
lingüistas passaram a considerar a fala como primária e a escrita como secundária.
A escrita passou a ser compreendida como uma forma de língua derivada da fala. O
autor ilustra esta visão, por meio de citações da época que, a seguir, reproduzimos:
“Writing is ‘visual speech symbolism
28
’”, Sapir (1921)
“writing is not language, but merely a way of recording language by visible marks
29
”, Bloomfield
(1933)
“speech is fundamental and writing…only a secondary derivative
30
”, Hall (1964)
“writing is a crude way of representing linguistic structure rather than a sign system with a direct
relation to the world
31
”, Postal (1966)
“written communication is ‘derivative of the face-to-face conversational norm
32
’”, Fillmore (1981)
27
Vale lembrar que essa mudança de perspectiva não ocorreu plenamente fora do âmbito da
Lingüística. A visão histórica de que a escrita, ngua literária, é a verdadeira língua continua
dominante nos dias atuais.
28
A escrita é o simbolismo visual da fala – tradução nossa
29
A escrita não é linguagem, mas meramente uma maneira de registrar a linguagem por marcas
visíveis – tradução nossa
30
A fala é fundamental e a escrita... somente um derivativo secundário – tradução nossa
31
A escrita é uma maneira crua de representar a estrutura lingüística mais do que uma um sistema
de signos com uma relação direta com o mundo – tradução nossa
32
A comunicação escrita é derivativa da norma conversacional cara-a-cara – tradução nossa
76
“notes ‘the undoubtedly correct observation that spoken language is “true” language, while written
language is an artifact
33
”, Aronoff (1985).
É fácil deduzir que afirmações como estas revelam a falta de motivação para
a comparação entre fala e escrita, devido aos equívocos relacionados ao status de
primazia concedido à fala. Outro problema detectado nos trabalhos citados reside no
fato de que, embora a escrita seja considerada como secundária e derivada da fala,
paradoxalmente, esta última é julgada como o-sistemática e não representativa
das “verdadeiras” estruturas lingüísticas
34
.
Admitimos que, em termos de desenvolvimento humano, a fala realmente
precede a escrita, pois os membros de uma civilização aprendem a falar muito antes
de escrever; que as crianças aprendem a falar antes de ler e escrever; que, apesar
de todas as crianças aprenderem a falar, nem todas aprendem a escrever; e que
todas as culturas fazem uso de construções faladas, embora muitas línguas não
possuam um sistema de escrita.
No entanto, apesar de todos estes argumentos favoráveis à primazia da fala,
não há razão para imputarmos à escrita um status secundário, como mostram
algumas concepções atuais, fala e escrita têm usos específicos. Como afirma
Fávero (1999), tais modalidades são “aspectos que enfatizam determinados
componentes de um mesmo sistema”.
A assunção de que uma modalidade não tem primazia sobre a outra foi
inicialmente defendida por Hymes (1972). Afastando-se da definição clássica
33
Notas “a observação indubitavelmente correta de que a linguagem falada é a "verdadeira"
linguagem, enquanto a linguagem escrita é um artefato” – tradução nossa
34
Esta perspectiva ainda é comum dentro da perspectiva Gerativa, cujos dados apresentam estruturas muito
próximas as da escrita. Excluem-se, em suas análises, “erros” de performance da fala, dialetos e variação de
registros e quaisquer traços lingüísticos cuja interpretação dependa de um contexto discursivo ou estrutural,
dependam de um contexto discursivo ou estrutural para a interpretação.
77
proposta por Chomsky (1965)
35
, o lingüista incorporou a dimensão social ao conceito
de competência. Ao propor o conceito de competência comunicativa, demonstrou
claramente estar preocupado com o uso da língua. Assim, para Hymes (Op. Cit.),
não é suficiente que o indivíduo domine a fonologia, a sintaxe e o léxico da língua
para ser caracterizado como competente em termos comunicativos. É necessário
que, além disso, esse indivíduo saiba e use as regras de adequação discursiva
específicas da comunidade na qual se insere. O indivíduo demonstra possuir
competência se sabe quando falar, quando não falar, e a quem falar, com quem,
onde e de que maneira.
Como Biber (1988), Castilho (2003), Marcuschi (2001), Chafe (1982) e Koch
(2001), acreditamos que nem a fala, nem a escrita devam ser tomadas como
primárias, apenas por apresentarem diferenças apenas na forma de aquisição
36
.
Assim, tanto a fala quanto a escrita requerem análise e a sua comparação é
necessária a fim de cobrirmos o maior número possível de formas e usos de uma
dada língua. Vimos que a adoção exclusiva de amostras da escrita não cobriu todos
os usos do mas. Da mesma forma a adoção apenas de amostras da fala não seria
suficiente para identificarmos os vários usos do elemento e suas nuances.
A fala e a escrita não ocupam os limites de uma linha reta; não são
dicotômicas. Tais modalidades mereceriam ser estudas como dois estágios
discursivos em que as disparidades e afinidade se dão ao longo de um contínuo de
gêneros, em cujas extremidades se situam; de um lado, o grau máximo de
espontaneidade e, de outro, o grau máximo de formalidade.
35
Segundo a qual competência significa conhecimento da língua, isto é, das suas estruturas e regras, e
desempenho o uso real da língua em situações concretas, numa construção marcadamente dicotômica, sem
qualquer preocupação com a função social da língua.
36
De acordo com AKINASO, 1982 (apud FAVERO et al, 1999), a escrita é um processo mecânico que exige a
aprendizagem formal da manipulação de um instrumento físico e do controle da coordenação motora e cognitiva,
enquanto a fala é um processo natural.
78
Tannen (1982), ao estudar as relações entre fala e escrita, chegou a dois
pontos de vista fundamentais: a) a fala depende quase que exclusivamente do
contexto, enquanto a escrita é descontextualizada, b) recursos paralingüísticos e
não verbais (gesto, entonação, conhecimento partilhado e etc.), contribuem para a
compreensão do texto falado, ao contrário do que ocorre com a escrita, na qual a
coesão se dá por meio de elementos lexicais (conjunção, locuções conjuntivas,
dêiticos, etc.) e de construções sintáticas complexas.
A autora admite que haja tais peculiaridades nessas modalidades, entretanto,
assegura que as estratégias da língua oral podem ser encontradas num texto
escrito, da mesma forma podem ser encontradas estratégias da escrita num texto
oral. Ou seja, as diferenças formais se dão em função do gênero e do registro
lingüístico, e não em função da modalidade.
Outros lingüistas nos apresentam os resultados da comparação entre a fala e
a escrita para um estudo mais contundente do contínuo em que se situam os
diversos gêneros textuais. Halliday (1987 e 1989), por exemplo, discute a
complexidade estrutural das modalidades; Britton (1975) demonstra que as
diferenças dos gêneros se fundam nas suas condições de produção; Biber (1988)
descreve as dimensões significativas de variação lingüística, a relação entre os
gêneros e o contínuo tipológico nos usos da língua e Chafe (1982) leva em
consideração um envolvimento maior ou menor dos interlocutores.
Quanto à comparação entre fala e escrita, Koch (1997) salienta que:
Existem textos escritos que se situam, no contínuo, mais próximos da fala
conversacional (bilhete, carta familiar, textos de humor), ao passo que
existem textos falados que mais se aproximam do pólo da escrita formal
(conferências, entrevistas profissionais para altos cargos administrativos
dentre outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros
intermediários.
79
Marcuschi (1995) também se preocupa em estudar as formas textuais num
contínuo tipológico, apesar de a sua preocupação, ao analisar a relação entre a fala
e a escrita estar vinculada, sobretudo, na crítica à dicotomia contextualização x
descontextualização.
Foi Marcuschi quem sugeriu, possivelmente, o termo continuum tipológico
em alusão a Biber (1988), para se referir à relação entre fala e escrita. Para o autor,
na checagem entre a fala e a escrita, devem-se considerar os respectivos gêneros
textuais e o contínuo tipológico destes gêneros nos usos lingüísticos, evitando
comparações dicotômicas, fundamentadas exclusivamente em textos característicos
de cada modalidade.
Logo, não é conveniente imaginar que quaisquer distinções lingüísticas ou
situacionais da fala ou da escrita se efetivem em todos os gêneros textuais falados
ou escritos. No contínuo tipológico, há gêneros textuais semelhantes que pertencem
à esfera da fala e à esfera da escrita. Isso ocorre porque não há homogeneidade na
relação fala/escrita.
De acordo com Pawley & Syder (1983), as diferenças entre coloquialismo e
gramática literária podem ser mais bem compreendidas quando a análise se faz,
considerando as situações de uso das modalidades oral e escrita. Estas situações
de uso, no entender desses teóricos, dispõem-se num contínuo, em cujo limite se
afixa o uso convencional ou coloquial e o uso autônomo ou formal.
Vale ressaltar, além disso, que não se pode determinar a língua escrita como
um mero amontoado de atributos formais, inacessível ao alcance da língua oral, de
cujas propriedades se distinguem completamente. Estas modalidades não são
estanques; elas escolhem seus itens a partir das possibilidades da linguagem a
80
língua, que lhes convêm como fonte de nutrição das produções dos seus usuários
da língua falada e dos usuários da língua escrita.
Para Kato (1987), o que gera as disparidades entre tais modalidades são as
condições desiguais em que o discurso é produzido, o que pode refletir num maior
ou menor condicionamento do contexto, um maior ou menor grau de idealização e
uma maior ou menor dependência aos preceitos gramaticais.
A dependência contextual determina o grau de explicitação textual, isto é, o
seu grau de autonomia. O grau de planejamento determina o nível de formalidade,
que pode ir do menos tenso (casual ou informal) até o mais tenso (formal).
Marcuschi (2001) retoma a hipótese do continnum tipológico e observa que a
idéia que se tem da língua escrita é a de um fenômeno bastante estável. Vejamos o
que diz Marcuschi (2001).
As diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum
tipológico das práticas sociais de produção textual e o na
relação dicotômica de dois pólos opostos.
O autor demonstra sua inquietação com o encadeamento das diferenças
entre fala e escrita, não num plano, mas em diversos planos de onde passam a
existir um contíguo de variações.
O conceito de contínuo tipológico fundamenta o ponto de vista de que há mais
semelhanças entre as modalidades discursivas da língua do que diferenças entre
elas, Marcuschi (2001). O conceito de contínuo torna o argumento da dicotomia
entre as modalidades discursivas contraditório, porque, ao admitirmos este conceito,
passamos a perceber que a fala e a escrita constituem um mesmo princípio
lingüístico e que não são estanques, a despeito de seus processos e meios de
produção distintos.
81
Segundo Marcuschi (2001), ainda pode-se ter a idéia das relações mistas dos
gêneros a partir do meio e da concepção das modalidades. Para Bakhtin (1997),
quando o indivíduo utiliza a língua, sempre o faz por meio de um gênero de texto
ainda que possa não ter consciência disso; em outras palavras, ao selecionar um
determinado gênero textual o indivíduo o primeiro passo da construção do elo
comunicativo.
Os estudos sobre a fala sempre foram uma inquietação que se tornou mais
proeminente no âmbito da Lingüística, a partir do momento em que os teóricos da
linguagem perceberam que a fala poderia ser um objeto de pesquisa. O que veio de
certa forma expandir a visão dos estruturalistas, lingüistas que concebem a língua
como atividade ou modelo estrutural de gramática (Castilho - 2003). Assim,
buscavam o que nela era homogêneo e analisavam-na de forma contemplativa, sem
levar em conta o contexto no qual a fala estava inserida.
Dessa forma, os estudiosos que escolheram a fala como objeto de estudo
começaram a considerar a língua como uma atividade, uma forma de ação e fatores,
como quem falou, em que condição falou e para quem falou, antes ignorados,
passaram a ter uma importância especial.
Koch (2001) afirma que
É nesse momento que se criam condições propícias para o advento de uma
lingüística do texto/discurso, isto é, uma lingüística que se detém nas
manifestações lingüísticas produzidas pelos usuário da língua falada, ou
seja, de uma língua em conjunturas concretas, sob determinadas condições
de produção.
Com relação às distintas formas de ver os fatos lingüísticos, Castilho (2003)
defende, de maneira mais especifica, que a linguagem é um objeto escondido, que
para ser elaborado parte-se de um ponto de vista de postulações prévias que
constituirão a linguagem como um objeto cientificamente analisável. De acordo com
82
o autor, três grandes postulações teóricas para a interpretação da linguagem
humana: a língua como atividade mental, a língua como uma estrutura e a língua
como atividade social.
...a língua é uma capacidade inata do homem, que lhe permite reconhecer
as sentenças, atribuindo-lhes uma representação fonológica... A teoria da
língua como estrutura postula que as diferentes línguas naturais dispõem de
um sistema composto por signos, distintos entre si por contrastes,
organizados em níveis fonológicos e gramaticais... A língua como uma
atividade social, por meio da qual veiculamos as informações, externamos
nossos sentimentos e agimos sobre o outro.
A gramática funcional entende a língua como um conjunto de usos concretos,
historicamente situados, que envolvem sempre um locutor e um interlocutor,
encontrados num ambiente característico, interagindo a propósito de um tópico de
conversação previamente negociado. Halliday (1973) propõe a existência de pontos
chave entre as estruturas, identificadas pelo modelo anterior, e os contextos sociais
em que elas emergem, ao contextualizar a língua no âmbito social.
As considerações sobre os fatos lingüísticos tiveram como prenunciador e elo
de inspiração, entre tantos, Bakhtin (1992) que declarou:
...a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social
da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua...
Esse mesmo autor ainda diz que a enunciação realizada é como uma ilha
emergindo de um oceano sem limites, o discurso. As dimensões e as formas dessa
ilha são determinadas pela situação da enunciação e por seu auditório.
A linguagem humana é essencialmente dialógica, mesmo em sua forma
escrita. Uma das inconfundíveis razões disso é que, na língua escrita, é
imprescindível mencionar as coordenadas espaço-temporais em que se movem as
personagens, ao passo que na fala, tais coordenadas estão dadas pela própria
situação de fala. Castilho (2003).
83
A visão dicotômica entre fala e escrita, na qual a primeira é tida com superior
a segunda, esteve presente nos estudos lingüísticos por muito tempo, veio tomar
novos horizontes ou ser questionada a partir dos anos 80, quando alguns teóricos
viram essas modalidades como práticas sociais diferentes. Sobre isso nos diz
Marcuschi (2000):
...hoje predomina a posição de que se pode conceber oralidade e
letramento como atividades interativas e complementares no contexto das
práticas sociais e culturais. Uma vez adotada a posição de que lidamos com
práticas de letramentos e oralidade, será fundamental considerar que as
línguas se fundam em usos e não o contrário.
O teórico nos revela também, que numa sociedade como a nossa, a escrita,
compreende um dos recursos tecnológicos mais eficazes. Assim, esse autor, levanta
a hipótese de que o fato de ter se tornado tão importante, a língua escrita,
aproveitou-se de um status mais alto”. Embora sobre o ponto de vista central da
realidade humana, o homem pode ser definido como um ser que fala e não como um
ser que escreve. Mesmo assim, isso não torna a fala superior à escrita e tampouco
se admite a convicção de que a fala é primária.
A escrita e a fala fundam práticas e usos da língua, que, por sua vez,
possuem peculiaridades próprias. Essas peculiaridades, entretanto, não as tornam
dicotômicas, pois as duas possibilitam construções de textos coesos e coerentes.
Foi a visão dicotômica da língua falada e da língua escrita, mencionada, a
princípio, que deu origem as heterogeneidades entre essas modalidades, com
relação à fala: contextualizada, implícita, redundante, não planejada, com
predominância do “modus pragmático”, fragmentada, incompleta etc, Marcuschi
(2003). Por outro lado, a escrita é considerada descontextualizada, explícita,
condensada, planejada, predominância do modus sintático” etc. A esse respeito,
Koch (1997) salienta que nem todas estas características são exclusivas de uma ou
84
outra das duas modalidades e que tais características foram sempre estabelecidas
tendo por parâmetro o ideal da escrita.
Essa maneira de idealizar fala e escrita levou a uma visão preconceituosa de
que a fala é desordenada, sem planejamanto e rudimentar. Marcuschi (2000)
explicita que, além da visão dicotômica entre fala e escrita, há, também, a
culturalista.
Mais uma forma de encarar a questão fala e escrita, apontada pelo autor, é a
variacionista, que segundo esse teórico:
...trata o papel da escrita e da fala sob o ponto de vista dos processos
educacionais e faz propostas específicas a respeito do tratamento da
relação padrão e não padrão lingüístico nos contextos de ensino formal (...)
são estudos que se dedicam a detectar as variações de usos da língua sob
sua forma dialetal e sociodialetal (...). Neste paradigma o se fazem
distinções dicotômicas ou caracterizações estanques, verifica-se a
preocupação com regularidades e variações. (...) Todas as variedades
submetem-se a algum tipo de norma. Mas como nem todas as normas
podem ser padrão, uma ou outra delas será tida como norma padrão”.
Marcuschi (2000) defende que a proposta geral do sociointeracionismo se
acopla à visão variacionista e com os postulados da análise da conversação
etnográfica aliados à lingüística do texto. Na percepção desse teórico, esta seria a
forma mais aconselhável no tratamento das relações no campo lingüístico,
contextual, interacional e cognitivo no tratamento das semelhanças e pendências
entre as línguas falada e escrita, nos fazeres de formulação textual discursiva.
Koch (1997) chama atenção para o fato de que o texto falado apresenta uma
sintaxe característica, contudo a sintaxe geral da língua serve-lhe de pano de fundo.
Além de que a escrita pode ser considerada como resultado de um processo,
portanto estático, enquanto a fala é o processo, sendo assim dinâmica.
Logo, é conveniente a afirmação de Marcuschi (2000): pode-se dizer que
discorrer sobre as relações entre oralidade/letramento e fala/escrita não é referir-se
a algo consensual nem mesmo como objeto de análise. Trata-se de fenômenos de
85
fala e escrita enquanto relação entre fatos lingüísticos (relação fala-escrita) e
enquanto relação entre práticas sociais (oralidade versus letramento). As relações
entre fala e escrita não o óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante
dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades
de uso da língua.
4.2 A PROPOSTA DE CHAFE
Nesta seção, investigaremos quatro pontos de diferença entre a fala e a
escrita: fragmentação, integração, distanciamento e envolvimento, que refletem
algumas atividades cognitivas vinculadas à produção e recepção de textos. Segundo
Chafe (1982), a fragmentação e o envolvimento são típicos da fala, enquanto a
integração e o distanciamento estão associados à escrita. Essa análise objetiva
fornecer subsídios para a caracterização dos textos das nossas amostras, no que
diz respeito à aproximação maior (ou menor) com a fala ou com a escrita.
De acordo com Chafe (1982), no Inglês, a fragmentação envolve a
seqüenciação de unidades de idéia sem conectivos (ou com conjunções
coordenativas como and) e o envolvimento se manifesta freqüentemente por meio
de referências ao falante (uso da primeira pessoa do singular). Esses dois
dispositivos são muito usuais na fala, devido ao tempo limitado que se dedica ao
planejamento de atos comunicativos, o que resulta em construções sintáticas mais
simples.
Para Chafe (idem), a integração envolve o empacotamento de maior volume
de informação no interior de cada unidade de idéia, por meio do uso de vários
86
mecanismos, o distanciamento se manifesta em mecanismos que servem para
distanciar a língua dos estados e eventos concretos específicos, tais como a voz
passiva e a nominalização.
Os traços lingüísticos sobre os quais nos deteremos na caracterização dos
mecanismos tratados por Chafe (ibidem) são os seguintes: orações complexas/
orações simples/ fragmentos de oração; o número de cláusulas envolvidas nas
orações complexas; nominalizações; particípios; passivas; pronomes pessoais;
monitoramento do fluxo de informação; partículas enfáticas e vagueza.
Por uma questão metodológica, na contagem dos dispositivos
caracterizadores da fragmentação/ integração e envolvimento/ distanciamento,
consideramos o conjunto total de palavras para cada modalidade (140.000 palavras
para a fala e 140.000 palavras para a escrita). Na contagem dos pronomes
pessoais, incluímos as formas lexicalizadas e elípticas. Com relação à sintaxe,
verificamos o número de orações por subtópico e identificamos os tipos de orações
envolvidas.
4.2.1 Fragmentação e Integração
Estas duas propriedades estão fortemente conectadas com o processo de
produção do texto. Como Chafe (1982) afirma: “a fala é mais rápida que a escrita”, e
a diferença de tempo de que um falante e um escritor dispõem para produzir seus
textos repercute no nível de complexidade do produto final. Significa que um texto
escrito produzido rapidamente estaria mais próximo do texto oral prototípico e um
texto oral produzido pausadamente, mais próximo dos textos escritos. O traço que
87
melhor ilustra isso é a complexidade sintática dos textos escritos, seguido de outros
traços como nominalizações e particípios.
Numa discussão acerca das diferenças entre língua falada e escrita, Chafe
(1985) propôs uma hipótese, segundo a qual, uma unidade de idéia contém toda a
informação que um falante pode manusear “num simples foco de consciência”. Esse
foco ajusta um limite, tendo como parâmetro a quantidade de informação que a
atenção humana pode focar num determinado tempo. Para o autor, as construções
encontradas em textos falados são “mal organizadas”, com falsos inícios,
reformulações, repetições e correções, ou seja, nos textos falados, encontramos
sentenças simples e fragmentos de sentenças e, nos textos escritos, encontramos
sentenças completas e complexas.
Enquanto sentenças simples e complexas são definidas como estruturas
completas gramaticalmente, contendo um ou mais predicados respectivamente,
fragmentos de sentenças são tipos de construções incompletas gramaticalmente,
porque carecem de predicados explícitos, mas cuja estrutura sintática é suficiente
para garantir a comunicação entre os interlocutores, graças ao contexto e por
responder às necessidades expressivas do falante. construções que têm um
número mínimo de elementos necessários para o transporte de uma mensagem em
certas circunstâncias comunicativas. Às vezes, por não possuir elementos
lingüísticos redundantes, a estrutura da sentença se torna extremamente enxuta. De
acordo com Chafe (1982), tais construções são muito freqüentes na escrita.
Segundo Chafe (idem), para obter um alto nível de integração nos textos
escritos, freqüentemente o escritor recorre ao uso de dois mecanismos: a
nominalização e os particípios.
88
A nominalization allows a notion which is verbal in origin to be
inserted into an idea unit as if were a noun. Such an element then
plays the role of a noun in the syntax of the idea unit, acting as one of
the arguments of the main predication. Thus it adds another one,
intrinsically predicative, element to the idea unit in the guise of a
nominal one (Chafe, 1982: 39).
Ao investigar as relações entre fala e escrita, o autor parte do princípio de que
falar é mais rápido que escrever e que falantes interagem com suas audiências
diretamente, enquanto escritores não o fazem. Na fala, nós normalmente
expressamos uma unidade de idéia, ao mesmo tempo em que a produzimos. Na
escrita, nós temos tempo de elaborar uma sucessão de idéias dentro de um todo
mais complexo, coerente e integrado, fazendo uso de mecanismos que raramente
usamos na fala. Ou seja, numa unidade de idéia da escrita, quase sempre,
conseguimos reunir mais informações do que uma unidade de idéia da fala
37
. Por
isso, os textos escritos tendem a ser mais integrados do que os textos falados.
A integração se manifesta pelo uso de um conjunto de dispositivos que
organizam os elementos que compõem uma unidade de idéia, como:
nominalizações, particípios, adjetivos atributivos, sintagmas conexos, ries,
seqüências de sintagmas preposicionais, orações completivas e relativas.
O próprio mas, ao exercer funções de conectivo, estaria participando deste
processo de integração, haja vista que a presença de conectivos sinaliza o tipo de
relação estabelecida entre dois segmentos, tornando-os mais integrados. O mas,
em especial, no domínio epistêmico (cf. SWEETZER, 1995), é capaz de criar a
integração entre segmentos completamente desconectados semanticamente.
37
Isso se relativiza, ao considerarmos a proposta de MARCUSCHI (1984), apresentada
anteriormente.
89
(100) O Vasco, ao contrário, tinha jogadores rápidos, mas
fortes, bem preparados. (JB - Notícia)
(99’) O Vasco, ao contrário, tinha jogadores rápidos, fortes, bem
preparados.
Daí, o predomínio do mas epistêmico em textos escritos, como
demonstraremos mais a frente.
Nominalizações
A nominalização é o mecanismo mais comum encontrado em textos de alta
integração. Consiste no uso nominal de termos de origem verbal.
(101) O importante da reportagem do Estado de S. Paulo não
estava no lead, mas no que vinha mais abaixo, o registro da
média de audiência de todas as redes abertas de televisão.
As diferenças entre os dois institutos não são relevantes.
(JORNAL DO BRASIL -03/06/03 – Editoriais)
De acordo com os dados levantados por Chafe (1982), essas nominalizações
tendem a ocorrer com sintagmas preposicionais introduzidos por “de” que
expressariam o sujeito ou o objeto do verbo correspondente ao nominalizado, como
“registro da média de audiência” (cf.: registrar a média de audiência), em (101).
Particípios e Particípios Presentes
A ocorrência de particípios e particípios presentes também é bastante comum
em textos que apresentam um baixo grau de fragmentação. Estes particípios e
gerúndios o formados por verbos transformados em nomes ou adjetivos,
respectivamente.
90
(102) Se esse produto for focado, então, sua abrangência será
ainda bem maior - e com ela seu resultado comercial. Focar,
nesse caso, significa adequar o produto às políticas de
programação das emissoras. (JORNAL DO BRASIL -
03/06/03 – EDITORIAL/ OPINIÃO)
(103) Graças aos partidos, portanto, o governo futuro es
liberado de parte de sua angústia para identificar, num
orçamento espremido, o meio de bancar, entre outros, o
Programa Fome Zero. Somente ele, a um custo estimado de
R$ 20 bilhões por ano, dinheiro que terá que ser achado em
escaninhos próximos, como o existente Fundo de
Combate à Pobreza. Tarefa complicada. Cada real a mais a
ser gasto tem que vir acompanhado da identificação de sua
fonte.(JORNAL DO BRASIL 01/11/2002 EDITORIAL/
OPINIÃO)
Adjetivos Atributivos
CHAFE (op. cit.), em suas investigações, verificou que adjetivos predicativos
38
ocorrem tanto em textos escritos quanto em textos falados. No entanto, os adjetivos
atributivos ocorrem principalmente em textos escritos, cuja fragmentação tende a ser menor.
(104) Obra da proibição e das interdições moralistas que
incrementaram a imoralidade, a transformação acaba de
completar-se em nossa academia de gicas. A alegria de
ganhar alguma coisa agora é a expressão do inferno astral
onde desesperadas emendas saem pior do que apressados
sonetos, reparações são mais danosas do que os equívocos
e a bobeada seguinte mais flagrante do que a anterior.
(JORNAL DO BRASIL – 06/03/2004 – CRONICAS)
Sintagmas não-oracionais conexos
Outra característica dos textos com alto grau de integração é a ocorrência de
verbos, adjetivos ou nomes conjugados num único sintagma verbal, adjetival ou
38
Estamos aqui considerando os adjetivos predicativos, como aqueles que funcionam sintaticamente
como Predicativo do Sujeito ou do Objeto e Adjetivos Atributivos, como aqueles que funcionam
sintaticamente como Adjuntos Adnominais.
91
nominal, respectivamente. Este mecanismo possibilita a concentração de mais
informações dentro de uma única unidade de idéia.
(105) Seria fundamental recuperar e construir abrigos para a
população de rua, não como meros depósitos de gente, mas
como lugares onde tivessem oportunidade de uma
ressocialização acompanhada de orientação e atendimento
médico, nutricional, sanitário etc. (O GLOBO- 22/01/2003
EDITORIAL/ OPINIÃO)
(106) É de se notar também a ausência do Juizado de
Menores, tão ágil e preocupado quando se trata de intervir
em desfiles de moda e programas de televisão. (O GLOBO-
22/01/2003 – EDITORIAL/ OPINIÃO)
(107) Ninguém pensa em uma coisa que num possa mais
trabalhá, ninguém pensa em morrê, entendeu? ninguém qué,
né? morrê. Então as pessoas acham até ... como se fosse
até um agouro, né? ( “fala assim”) às vezes liga alguém e
fala assim, com curiosidade sobre o seguro: ah, mas e
isso assim assim ... e se por um acaso ... Deus me livre e
guarde! peraí vô batê [na pa]... na madeira ... e se eu morrê”
(inint) sabe? então as pessoas realmente têm aquele medo,
parece que tá até chamando a morte, né? (RECONTATO
r03)
Séries
Semelhante ao processo anterior, este mecanismo garante a integração de
três ou mais itens dentro de uma mesma unidade de idéia.
(108) Pegada acima do normal, uma característica comum a
Éder e Popó (foto). Éder tinha um estilo mais clássico. Popó
é mais criativo, mais arrojado e mais bailarino. Éder foi até
onde as pernas alcançaram. Popó, pelo jeito, quer ir além. E
se bobearem, acaba levando o cinturão dos pesados.
(EXTRA – 05/01/2004 –EDITORIAL/ OPINIÃO)
Seqüências de Sintagmas Preposicionais
92
Nos textos de alta integração, os sintagmas preposicionais são conectados
em seqüência para concentrar um grande volume maior de informações. Segundo
CHAFE (op. cit.), esse é um mecanismo basicamente encontrado em textos escritos.
(109) Quem votava no Lula não por hábito mas por convicção
tem mais razões ainda para se beliscar e bater com a
cabeça na parede, pensando que é sonho e tentando
acordar, depois de se dar conta. (O GLOBO 01/10/2002
CRONICA)
Orações completivas e relativas
Até agora, tratamos da ocorrência de integração favorecida pelo uso de
palavras simples e sintagmas não oracionais nas unidades de idéias. No entanto, o
encaixamento de orações é um recurso produtivo na garantia da integração.
(110) Esta é a semana, também, para as pessoas que ainda
não tinham se dado conta, se darem conta. Se você se
acostumou com o Lula candidato, se achava que candidatura
do Lula era um acontecimento quadrienal regulamentado,
como a Copa do Mundo (crianças se criaram com a idéia de
que "eleição é aquilo que o Lula perde"), se via cada nova
tentativa do Lula, pobrezinho, de ser presidente como
apenas outra das eternas frustrações do povo brasileiro,
coitado, tão despreparado e tão iludido, ou se até votava no
Lula para ser simpático sabendo que não havia perigo de ele
ganhar - dê-se conta de que desta vez pode ser no primeiro
turno. (O GLOBO – 01/10/2002 – CRÔNICA)
Os graus mais baixos de integração se manifestam particularmente pelo
enfileiramento de unidades de idéias, sem o uso de conectivos interoracionais
39
.
Nesses casos, são comuns as ocorrências de unidades de idéia constituídas de uma
construção gramatical formada apenas por sintagmas não oracionais.
39
Em compensação, os itens “e”, “mas”, “então” e “porque” são muito comuns introduzindo unidades
de idéias.
93
Em (111), o baixo grau de integração, dentre outros motivos, é causado pela
ausência de conectivos e unidades de idéias concretizadas em sintagmas o
oracionais.
(111) F: A Barra antigamente era um lugá bom de morá,
tendeu? A gente andava qualqué hora na rua, tava sempre
andano. Hoje em dia, por exemplo, como eu vejo até assim
nos repórtê assim, jornal e coisa, como fui (inint) pra
fazê algum serviço, aí eu vejo que não é a merma coisa, não
é um lugá que a gente é reconhecido, [que]... que a gente
daquela época, né? que a gente andava a cavalo, andava de
tudo, agora... hoje em dia, a gente não tem nada pra fazê
isso. É mais um... um lugá mais violento, a gente quando
lá é... muita coisa que a gente lá que escuta que... não
é a merma coisa, mas não é mesmo! Quem dera que a Barra
pudesse voltá aquilo que era, eu voltá aquele poço do (inint)
pra tomá aquela água gelada. (TENDÊNCIA –t16)
Verificamos que, apesar de haver um continuum que perpassa tanto textos
escritos quanto falados, a integração é mais evidente nos textos escritos talvez
devido ao seu tempo maior de planejamento prévio.
Em seus dados, Chafe (1982) encontrou 5 (0,05%) ocorrências de
mecanismos de fragmentação/ distanciamento, em textos falados e 55 (0,55%)
ocorrências em textos escritos, num conjunto de dados que somam 1000 palavras.
Os particípios, outro mecanismo de integração produtivo, segundo Chafe
(idem), não apresenta uma alta freqüência de ocorrência em nossos dados: 2492 de
280.000 palavras. Em seus dados, Chafe identificou 8 particípios na fala e 36 na
escrita, num universo de 1000 palavras.
94
4.2.2 Envolvimento e Distanciamento
Para Chafe (1982), a simultaneidade (ou não) da comunicação em relação ao
contexto extralingüístico reflete-se na distinção entre as noções de envolvimento e
distanciamento. No caso da fala, a interação acontece em tempo real (on-line), o que
permite ao falante monitorar os seus efeitos e, ao ouvinte, contribuir para o processo
da comunicação, sinalizando aprovação, desaprovação, interesse etc. Já no caso da
escrita, um distanciamento espacial e temporal entre os participantes no
processo de comunicação:
the writer is less concerned with experiential richness, and more concerned
with produzing something that will be consistent and defensible when read
by different people at different times in different places, something that will
stand the test of time (Chafe, 1982: 45).
Um dos marcadores de distanciamento mais produtivos é a apassivação, que
“elimina o envolvimento direto de um agente numa ação” (Chafe, 1982). Muitos
mecanismos de envolvimento mencionados por Chafe (idem) foram encontrados em
nossos dados: uso da primeira pessoa, seguido do monitoramento do fluxo de
informação, partículas enfáticas e expressões de vagueza.
O uso freqüente de formas pessoais de primeira pessoa é uma das melhores
estratégias de determinar em que medida os falantes ou escritores se referem a si
mesmos no processo de comunicação, da mesma forma que nos possibilita a
investigação do modo como tornam objetivas suas considerações, garantindo o
distanciamento entre si próprios, o tópico e os seus ouvintes/ leitores. Segundo
Chafe (1982), a primeira pessoa do singular é usada com mais freqüência na língua
falada, enquanto a terceira pessoa do singular é encontrada normalmente na escrita.
De um lado, o falante introduz o diálogo de forma a trocar informações com o
95
ouvinte, que freqüentemente inclui expressões de atitude, opiniões e sentimentos,
expressões de subjetividade. Por outro lado, o escritor produz um texto,
especialmente em relatórios científicos e administrativos, de forma a apresentar uma
opinião objetiva (ou apresentar suas próprias opiniões como objetivas).
Portanto, estratégias freqüentes na escrita incluem o uso da voz passiva,
nominalização, terceira pessoa do singular, primeira pessoa do plural ou qualquer
outro recurso que distancie o escritor do texto. a língua falada é dominada por
estratégias que favoreçam o maior envolvimento do falante e ouvinte no processo de
comunicação, tais como o uso da voz ativa e da primeira pessoa do singular.
Outros traços característicos de envolvimento são o monitoramento do fluxo
de informação, o uso de partículas enfáticas e de expressões de vagueza. Para
Chafe (idem), no Inglês, partículas enfáticas (just, really, trully, certainly e indeed)
expressam “(...) envolvimento entusiástico com o que está sendo dito”. Dessa
maneira, pertencem à modalidade falada, onde as emoções do falante integram uma
parte da mensagem.
Finalmente, as expressões de vagueza, segundo Chafe (1982), prevalecem
nos textos falados, pois expressam o desejo por envolvimento experiencial em
oposição ao desejo de precisão representado pela escrita. Expressões como and so
on, something like, sort of, kind of, in a way foram encontrados nos dados de fala
levantados pelo autor.
A modalidade falada apresenta uma certa tendência, apontada por Chafe
(op.cit.), de garantir o envolvimento do falante consigo mesmo, com o ouvinte ou
com o assunto. Os graus mais altos de envolvimento, por sua vez, repercutem no
aumento da freqüência em que o falante faz referencias a si mesmo e ao próprio
96
processo mental. Além disso, o aumento do grau de envolvimento também é
caracterizado pelo monitoramento do canal de comunicação, a fim de que este
funcione bem. Nos casos de alto grau de envolvimento é comum o uso de
expressões coloquiais, o uso de partículas enfáticas, expressões de vagueza e
discurso direto.
Uso freqüente da primeira pessoa
O envolvimento do falante com o seu interlocutor se manifesta, dentre outras
maneiras, por meio de referências a si próprio e, devo acrescentar, ao lugar e ao
tempo da enunciação. Segundo Chafe (1982), este tipo de referência é bem mais
freqüente em textos falados, como o que evidencia o trecho (112).
(112) E: Como é que você conheceu seu marido, se
lembra?
F: Eu conheci meu marido no portão aqui da minha casa.
E: Na sua casa?
F: Aqui no portão. A gente não podia saí muito, né? mas
ele passava muito por aqui, né? (TENDÊNCIA – t18)
Da mesma forma, referências a segunda pessoa do discurso também
ocorrem preferencialmente na fala, por revelarem o envolvimento, característico da
interação, como ilustra o exemplo (112).
(113) E- [Vem cá! O senhor] acha que para vender
precisa falar muito, tem que [falar bem?]
F- [(inint]-! [Não,] você tem que ser (hes) além de ser
comunicativo, [você]... você... digamos, eu sou um cara
baixinho, gordinho, está? (est) Tenho um metro e
sessenta, peso cem quilos, mas eu sou um gozador.
(CENSO – c26)
97
Referência ao processamento mental
Referências ao próprio processamento mental também são comuns em textos
com alto grau de envolvimento.
(114) E- Tem muita gente querendo. (riso e)
F- Opa! (riso) E como! Ele é muito romântico, (hes) eu
bati um papo assim- eu não sei (hes) se eu contei para
vocês, no outro dia, (est) uma coisa, assim, inesperada,
não é? Você vê, completamente informal, tranqüilo. E eu
sinto que ele é uma pessoa como ele aparece nas
músicas: (est.) uma pessoa tranqüila, romântica, doce. Eu
acho ele uma criatura incrível. Pode ser até que nem seja
nada disso, mas eu tenho impressão que ele é ("assim").
Eu acho ele um barato! (CENSO –c34)
Em (114), verificamos a existência de verbos de processamento mental
40
.
Monitoramento do fluxo de informação
Na interação, o falante garante o envolvimento por meio do monitoramento do
canal de comunicação com o ouvinte. Esse monitoramento garante o funcionamento
do canal. Dessa forma, o falante utiliza recursos que assegurem que o ouvinte está
assimilando o que está sendo dito. Daí, o uso marcadores de avaliação do canal,
como: entendeu?
(115) F- Assim, querer ser mais, assim, do que os outro, quer
subir mais alto do que os outro, sabe? sem poder, sabe?
E- (est) [E]- e como é que você acha que- em que -que
eles falam diferente de você?
F- Não, porque- (ruído) não sei eles- tem hora que: "Ah,
porque o meu filho-" inclusive, tem uma vizinha lá perto da
minha casa que ela é assim: "O meu filho vai viajar -",
porque ela é separada do marido, sabe? "Meu filho, o pai
dele vem apanhar ele para ir para São Paulo." "Porque o
40
Segundo HALLIDAY (1994), processos mentais são processos relacionados ao sentimento e ao pensamento.
98
meu filho ganhou isso, o meu filho ganhou aquilo." eu
chego para ela, eu falo ("assim"): "olha, seu filho ganhou
isso, não é? Mas o meu ainda não ganhou, porque eu
ainda o estou podendo dar. Mas, quando eu puder dar o
meu filho, eu vou dar." Então, quer dizer, quer subir mais,
quer ser mais do que os outro, entendeu? Que- eu sinto
que ela quer ser mais assim [(inint).] (CENSO –c04)
Partículas enfáticas
Na interação, o falante se utiliza de partículas que expressam envolvimento
enfático, como ilustra o exemplo (116).
(116) Nós vamos no sítio- então, eu ajunto, eu gosto muito- não
gosto muito de ir sozinha não. Eu gosto muito [de]- de,
[assim, de ter] uma- assim, uma família junto, assim, para
(pássaro) ter aquela incentivo, não é? Então, eu gosto muito
de piscina, eu fico igual uma-[que eu [f-]- que eu [f-]- que eu
sou assim [uma]- uma criança, (riso f) uma criança grande.
Então, eu vou no escorrego, assim, caio dentro da piscina,
eu nado, [eu]- [eu]- eu faço (est) coisa que eu me esqueço
que eu estou doente, eu faço . (CENSO – c55)
O próprio mas, talvez devido à sua própria origem etimológica apresenta um
caráter enfático, em construções como a ilustrada em (117).
(117) Se isso aqui é pequenininho... vocês concordam que isso
aqui é bem pequeno.... mas muito pequeno. (NURC EF
251)
Expressões vagas
expressões de pouca precisão semântica que caracterizam o
envolvimento humano, em oposição à exatidão de alguns termos utilizados nos
99
textos de baixo grau de envolvimento, como a expressão “e por aí vai”, apresentada
no exemplo (118) ou “mais ou menos”, em (119).
(118) E: E... tem faixa, não?
F: Tem, tem faixa. É... a graduação eh... faixa branca,
faixa amarela, faixa amarela ponteira:verde, faixa
verde, faixa verde ponteiro:azul, faixa azul, faixa azul
ponteira:vermelha, faixa vermelha, faixa vermelha
ponteira:preta, faixa preta: faixa preta primeiro dam,
segundo dam e por aí vai. (TENDÊNCIA – t09)
(119) E- Daqui de Santa Cruz mesmo? (ruídos)(pequeno
silêncio) O que que você acha do jeito que você
fala? (riso ) (silêncio) Você acha que fala bem, que
fala mal, mais ou menos. Como é que é? [me conta].
F- [Acho que eu] falo mais ou menos.(est) Acho que
eu não falo muito bem não! (CENSO –c01)
Discurso Direto
Finalmente, o uso do discurso direto também expressa um alto grau de
envolvimento. Tal recurso é bastante visível nos textos orais, quando o falante
reproduz a fala de terceiros, como ilustra o exemplo (120).
(120) F- Assim, querer ser mais, assim, do que os outro,
quer subir mais alto do que os outro, sabe? sem
poder, sabe?
E- (est) [E]- e como é que você acha que- em que
-que eles falam diferente de você?
F- Não, porque- (ruído) não sei eles- tem hora
que: "Ah, porque o meu filho-" inclusive, tem uma
vizinha perto da minha casa que ela é assim:
"O meu filho vai viajar -", porque ela é separada
do marido, sabe? "Meu filho, o pai dele vem
apanhar ele para ir para São Paulo." "Porque o
meu filho ganhou isso, o meu filho ganhou
aquilo." eu chego para ela, eu falo ("assim"):
"olha, seu filho ganhou isso, não é? Mas o meu
ainda não ganhou, porque eu ainda não estou
podendo dar. Mas, quando eu puder dar o meu
filho, eu vou dar." Então, quer dizer, quer subir
mais, quer ser mais do que os outro, entendeu?
Que- eu sinto que ela quer ser mais assim
100
[(inint).] (CENSO – c04)
Verificamos que apesar de o envolvimento ser predominante nos textos
falados, os textos de jornais, no caso das reproduções de entrevistas, apresentam o
uso do discurso direto, como em (121).
(121) Recuperado, mas ainda fora de forma física. Mesmo
empolgado com a volta ao time, Alex Alves reconhece que
ainda está longe da sua melhor condição: “fiquei muito
tempo parado e vou sentir na parte física, o que vou
recuperar completamente com a seqüência de jogos. Mas
estou com muita vontade, motivado, e isso pode superar
tudo”. (JB – 06/03/04 – Notícia)
Dessa forma, como fora sinalizado por Chafe (1982), os dispositivos de
envolvimento tendem a predominar nos textos falados.
Ao analisarmos as relações entre fala e escrita, sustentamos que, tanto numa
modalidade, quanto noutra, o texto é o produto da interação, pois, segundo
Marcuschi (1983), “é por texto e não por sentenças que nos comunicamos”. Essa
interação, segundo Castilho (1998), pode ser de dois tipos: “face-a-face”, na fala, ou
“com um locutor invisível”, na escrita. Além disso, em conformidade com a
perspectiva funcional, aqui adotada, a atividade lingüística não existe fora da
produção e interpretação de textos orais ou escritos.
Cumpre, nesta seção, focalizarmos a noção de texto, sua classificação e suas
tipologias, a fim de verificarmos em que medida a seleção de diferentes construções
com o elemento mas depende dos gêneros e/ou tipologias textuais, de que fazem
parte.
101
4.3 A NOÇÃO DE TEXTO
De acordo com Houaiss (2001), o termo “texto” deriva do verbo latino texěre,
“tecer, fazer tecido, entrançar, entrelaçar”. Da expressão texěre oratiōnem, se
originou o sentido aproximado de “conjunto de palavras num livro, folheto,documento
etc.” Trata-se de um conjunto de palavras “entrelaçadas” entre si, por meio de
mecanismos de coesão, e à situação comunicativa concreta em que foi produzido,
por meio de mecanismos de coerência.
Segundo Vilella & Koch (2001), desde as origens da Lingüística até nossos
dias, a noção de texto sofreu algumas mudanças. Num primeiro momento, foi
concebido como: “unidade lingüística (do sistema) superior à frase; sucessão ou
combinação de frases; cadeia de pronominalizações ininterruptas; cadeia de
isotopias e complexo de proposições semânticas”. Para as perspectivas de natureza
pragmática, texto passou a ser definido como: “uma seqüência de atos de fala,
fenômeno primeiramente psíquico, resultado, portanto, de processos mentais e
como parte de atividades mais globais de comunicação, que vão muito além do texto
em si, que este constitui apenas uma fase deste processo global.” Assim, a noção
de texto foi gradativamente se transformando: deixou de ser compreendido como
uma “estrutura acabada” e passou a ser concebido da perspectiva do seu “processo
de planejamento, verbalização e construção”.
Ao nos identificarmos com esta última concepção, assumimos com Vilella &
Koch (op.cit.) que:
a. a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais e,
portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades;
102
b. trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o
desenvolvimento de estratégias concretas de ão e a escolha de meios
adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade
teleológica que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o
texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao
destinatário através da manifestação verbal;
c. é uma atividade interacional, orientada para os parceiros da
comunicação, que, de maneiras diversas, se acham envolvidos na atividade
de produção textual. (pág. 453)
Assim, conceituamos texto como um tecido verbal estruturado por elementos
lingüísticos selecionados conscientemente. A imagem de tecido contribui para
esclarecer que não se trata de feixe de fios (frases soltas), mas de fios entrelaçados
(frases que se inter-relacionam) em seqüência, no decorrer da atividade verbal.
Segundo Koch (2001), a intencionalidade e a ordenação em seqüência possibilitam
aos interactantes a depreensão do sentido e a interação, de acordo com a
competência sócio-comunicativa dos falantes/escritores-ouvintes/leitores.
É devido à competência sócio-comunicativa, que falantes/escritores e
ouvintes/leitores identificam se um texto é ou não adequado a uma situação
comunicativa concreta. Da mesma forma, essa competência possibilita a
diferenciação de diferentes classes de textos (gêneros textuais) e a averiguação de
que tipos de seqüências predominam num determinado texto (tipologias textuais).
4.4 GÊNEROS TEXTUAIS
Segundo Bakhtin (1992),
“todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão
relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter
e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas
da atividade humana [...]. O enunciado reflete as condições específicas e
as finalidades de cada uma dessas esferas, não por seu conteúdo
103
temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos
da língua recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais mas também, e
sobretudo, por sua construção composicional”.
Todos os enunciados que produzimos se baseiam em modelos relativamente
estáveis de enunciados que integram os gêneros. Dessa forma, partimos do
pressuposto de que a comunicação verbal se dá, basicamente, por meio de algum
gênero. Tais padrões sofrem alterações porque, com o passar do tempo, surgem
novas necessidades comunicativas que repercutem na transformação dos gêneros
existentes ou na criação de novos gêneros.
No que concerne à relação entre fala e escrita, tanto uma como a outra se
distribuem em dois contínuos: na linha dos gêneros textuais e na linha das
características específicas da modalidade (fala e escrita). Dessa forma, um
determinado gênero textual representaria uma espécie de protótipo de uma
modalidade (a conversação espontânea, por exemplo, seria um gênero prototípico
da modalidade oral), o que tornaria impossível a comparação entre um gênero
prototípico de uma determinada modalidade com o gênero prototípico de outra
modalidade. O gênero conversação espontânea jamais poderia ser comparado com
um gênero escrito que fosse, por exemplo, o protótipo de escrita (conferência
acadêmica, por exemplo).
No entanto, cumpre esclarecer que, apesar de haver uma série de textos
produzidos nos mais diversos domínios discursivos das duas modalidades, muitos
textos se entrecruzam sob muitos aspectos e, por vezes, constituem domínios
mistos. De acordo com Marcuschi (2006), textos, como o noticiário de televisão,
que são originalmente escritos, mas são recebidos oralmente. Da mesma forma,
104
uma aula expositiva é, em grande parte, composta de leituras prévias, mas a
consideramos como um evento tipicamente oral.
Em nossos dados, detectamos textos falados completamente moldados pelo
letramento (122) e textos escritos que, em algumas ocorrências, reproduzem textos
orais (123).
(122) Todos nós sabemos que qualquer constante, mas
qualquer constante em equilíbrio é função da temperatura
(NURC – EF 251)
(123) A turma da coluna que anda pelos blocos, já viu de tudo
em carnaval. Mas, esta é novidade. No desfile do Laranjada
em Laranjeiras, sábado, havia dois camelôs garçons, veja
só, que andavam pra e pra cá com uísque e copo cheio de
gelo sobre uma bandeja para vender à moçada. (O GLOBO
23/02/04 – Coluna social)
Passagens, como estas, nos levam a crer na inviabilidade da separação da
fala e da escrita como se fossem sistemas lingüísticos diferentes. Tudo indica que as
duas modalidades fazem parte de um mesmo sistema da língua, apesar de
integrarem “representações” diferentes. Concordamos com Marcuschi (2006), ao
afirmar que “não se pode observar um texto em si e isolado de seu contexto cio-
comunicativo, que todo texto é um evento comunicativo numa dada prática social
de uso da língua.”
Segundo o autor, estas relações mistas dos gêneros podem ser encontradas
também, ao se verificarem o meio e a concepção. A fala é de meio sonoro e
concepção oral e a escrita é de meio gráfico e concepção escrita. No entanto,
gêneros como entrevistas publicadas em jornais e notícias de TV não exibem esses
pressupostos. No primeiro caso, trata-se de um gênero de concepção oral, mas que
105
utiliza um meio de produção gráfica e, no segundo, um gênero de concepção escrita,
mas que utiliza um meio de produção oral.
Casos de difícil categorização levaram o autor à proposição de um gráfico que
mostra de forma clara a representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na
escrita. Na figura 2, o autor apresenta oito categorias de gêneros distribuídos
irregularmente entre as duas modalidades: fala e escrita. No centro do gráfico, o
autor apresenta, numa elipse, um conjunto de gêneros de difícil categorização no
que diz respeito à modalidade. O quadro sugere ainda que as duas modalidades
estejam presentes nos diversos níveis de formalidade da comunicação verbal
humana.
Nesta perspectiva, os graus de contextualização, de dependência, de
explicitação, de redundância, de planejamento, de precisão e de normatização,
dependerão do gênero textual em que a modalidade se concretiza. Uma carta
pessoal e um relato de experiência oral, por exemplo, têm menos diferenças do que
um relato de experiência oral e um texto acadêmico escrito. uma conferência
universitária terá maior semelhança com textos escritos do que uma conversação
espontânea.
Figura 2: Representação do contínuo dos gêneros textuais
na fala e na escrita (Marcuschi, 2001)
106
Nossas amostras de fala o constituídas por entrevistas e aulas e, as
amostras de escrita, por um conjunto de gêneros jornalísticos: carta do leitor, coluna
social, crônica, opinião/editorial e horóscopo.
4.5 PROCESSOS DE CONSTITUIÇÃO DO TEXTO
De acordo com Castilho (2003), durante o processo de constituição do texto
escrito ou falado
41
, somos levados a tomar decisões sobre como administrar o
léxico, que palavras escolher, que propriedades suas ativar. Isso ocorre em três
processos simultâneos
42
: de ativação, de reativação e de desativação das
propriedades semânticas e gramaticais dos itens lexicais. Para Castilho (idem),
nosso cérebro não processa a língua num ritmo unilinear. Ao contrário, ele ativa
simultaneamente conjuntos de regras semânticas e gramaticais, avançando,
retomando e abandonando atividades de processamento que estavam em pleno
curso.
Por meio do processo de ativação, organizamos o texto e suas unidades, as
sentenças e sua estrutura sintagmática, funcional, semântica e informacional,
dando-lhes uma representação fonológica.
A reativação é uma espécie de processamento anafórico, por meio do qual
retomamos e repetimos formas, ou repetimos conteúdos. A repetição, ou recorrência
41
Entendemos texto, aqui, como produto de uma interação, que pode ser do tipo “face-a-face”, como na Língua
Falada, ou do tipo “interação com um interlocutor invisível”, como na Língua Escrita.
42
A perspectiva adotada aqui está associada à idéia de que a construção do texto e da sentença tem seu ponto
de partida no léxico.
107
de expressões, e a paráfrase, ou recorrência de conteúdos, são as duas
manifestações da construção por reativação.
A desativação é um processo de ruptura na elaboração do texto e da
sentença, de que resultam o abandono de segmentos textuais, as digressões, os
parênteses, e, no domínio da sentença, a ruptura da adjacência por meio de pausas,
de hesitações, de inserção de elementos discursivos etc. Também as elipses e os
anacolutos são fenômenos sintáticos atribuíveis à desativação.
Segundo o teórico, os processos de ativação, re-ativação e desativação
ocorrem no nível do texto e no nível da sentença. Cabe, a seguir, examinarmos de
forma mais detalhada como esses processos atuam na constituição desses níveis.
4.5.1 O processo de ativação do texto
o produzirmos textos, ativamos recursos lingüísticos, que são adquiridos na
infância: a fala, na família e a escrita, na escola. Segundo Castilho (op. cit.), esses
recursos se dispõem nos seguintes módulos: o discurso, a semântica, a gramática
43
,
mediados pelo léxico
44
.
Para Chafe (1985), no caso do texto falado, Unidades Comunicativas, ou
seja, manifestações formais de tópicos. As Unidades Comunicativas correspondem
aos parágrafos, na língua escrita. A cada tópico conversacional, corresponde uma
Unidade Comunicativa que, de acordo com Castilho (2003),
43
O módulo discursivo abriga as negociações intersubjetivas que se desencadeiam no momento da enunciação:
a constituição do locutor e do interlocutor, a seleção e a elaboração de um tópico conversacional e as rotinas de
conversação. O módulo semântico se define como os diferentes processos de criação dos sentidos lexicais, dos
significados componenciais e das significações interacionais. O módulo gramatical se ocupa das classes, das
relações que podemos estabelecer entre elas, e das funções que as classes desempenham no enunciado.
(MORRIS, 1938; FRANCHI, 1977 e 1991; CASTILHO, 2003)
44
O léxico é concebido como um conjunto de itens armazenados em nossa memória. Cada item dispõe de
propriedades semânticas e gramaticais, que são igualmente adquiridas.
108
“é um segmento do texto caracterizado (i) semanticamente, por preservar a
propriedade de coerência temática da unidade maior, atendo-se como
arranjo temático secundário ao processamento de um subtema, e (ii)
formalmente, por se compor de um núcleo de duas margens”.(1989, p. 253)
Ainda, segundo o autor,
1 O cleo da Unidade Comunicativa (da fala) é ocupado por segmentos
anacolúticos e por uma ou mais sentenças centradas em determinado tópico,
reconhecível pelos interlocutores. Esses segmentos anacolúticos são responsáveis,
em parte, pela fragmentação do texto, que não se torna incompreensível ao
interlocutor, devido à interpretação multissêmica (gestos, voz, olhar etc.).
(124) (...) quem não era de casa tinha. (est) Quantas vez eu me
lembro que eu acordei, com ela mordendo meu dedão do pé.
Ela ficava- acordava de manhã e já ficava, não é?
Louquinha- de noite, de noite, antes de ir- antes de
amanhecer, não é? Porque é um bicho noturno, ela
("passava") (inint), o dia inteiro para ficar dormindo (est) isso
mesmo é que era chato, que eu dormia de noite, queria
brincar com o bicho (barulho pancada cigarro) e o bicho
(gesto) dormia de dia, não é? E de noite(latido cachorro)
("que eu") ia- estava dormindo, eu não podia brincar. Ela
ficava me mordendo, todo mundo, não é? Ficava me
mordendo, mordeu a ponta da orelha, (riso) (inint)- é isso aí.
Depois- eu ("acho") que em casa teve tanto bicho, sabe?
Pô! (Amostra 80 – c38)
2 A margem esquerda
45
é ocupada por Marcadores Conversacionais
orientados para o texto. O mas tende a ocupar esta posição, atuando na
organização de unidades comunicativas e na mudança de turno.
(125) E - É verdade (falando rindo). É... o senhor já sofreu
algum tipo de... o senhor sofreu... foi assaltado, sofreu
algum tipo de violência, ou sabe de alguém que tenha
sofrido?
F Não. Eu, particularmente, graças a Deus, nunca fui
45
Segundo CASTILHO (2003), apesar de as margens serem constituintes facultativos, a
impossibilidade de intercambia-las evidencia que há uma gramática na Unidade Comunicativa.
109
assaltado nessa cidade (ruído)e nem conheço pessoas
conhecidas (est) que... tivessem sido assaltadas.
E Mas, o senhor sabe assim de algum caso, de alguma
coisa que deu na...que o senhor falou que gosta muito de
ouvir [A:h! frequentemente] repórter, teve alguma coisa
ultimamente que o senhor ouviu que assim marcou mais a
respeito da violência no Rio? (Amostra 00(c) – T31)
3 A margem direita é ocupada por Marcadores Conversacionais orientados
para o falante. Nas amostras utilizadas, não identificamos exemplos do elemento
mas nessa posição.
Em se tratando de textos falados, quanto à hierarquia tópica
46
, de acordo com
Castilho (op. cit.), “um texto não é uma enfileirada de informações novas o tempo
todo”. unidades comunicativas relevantes para o processamento informativo do
tópico, mas também, unidades comunicativas relevantes para a interação e, para
que haja a conexão entre unidades comunicativas, muitas vezes, nos valemos de
conectivos textuais
47
. Segundo Marcuschi (1983), a Língua Falada, além da sintaxe
horizontal, dispõe de uma sintaxe vertical. Logo, os conectivos textuais, ao mesmo
tempo em que retomam o que foi dito anteriormente, podem anunciar tópicos que
seguirão.
(126) F: Meus empregados ( inint ) eu tinha um empregado, um
escuro que ele entrava pela porta da sala e saía pela porta
da cozinha na minha casa, é e eu nunca paguei salário
mínimo a empregado. Quando o salário era noventa e seis
reais eu pagava duzentos a todo o pessoal [do]... [do]...o
frentista. Porque o empregado ganhando bem ele lucro o
patrão e o empregado ganhando mal ele só da prejuízo,
porque trabalha aborrecido, trabalha com raiva, né? mas o
empregado também ensina muitas vezes, muito a gente,
sabe como é?. Eu por exemplo, eles ganham por semana.
Eu trabalhava lavadores, enxugador de carro, ganhavam
46
A hierarquia tópica de um texto falado se organiza levando-se em consideração o quadro tópico, seguido dos
supertópicos e subtópicos. O Tópico Conversacional se configura a partir de duas propriedades: Centração e
Organicidade (URBANO, 1993).
47
Para CASTILHO, uma tendência de os conectivos textuais transformarem-se em conectivos sentenciais,
por meio do processo de gramaticalização.
110
por semana. Menina, eu estava com quatorze caminhões no
domingo pra lavar, não apareceu um. (Amostra 00 (i) – r15)
Em (126), o conectivo mas introduz uma mudança de subtópico. O subtópico
por que pagar bem aos empregados é substituído por o que se aprende dos
empregados”.
(127) F- [Ah eles são um barato.] Não, meu pai é um barato. De
vez em quando ele fica com umas frescuras, assim, de ficar:
"ah! não faz isso, não faz aquilo", mas ele me dá muita
liberdade, sabe? Ele não fica fazendo: "não faz isso, porque
é isso, não- você o pode fazer isso." Ele sempre, quando
eu tenho- sabe, assim- eu peço para ele para ir num lugar,
ele não fala não, ele oportunidade ("a") mim discutir,
sabe, de pedir mesmo a ele para ir nesse lugar. De
argumentar. Minha e é mais ou menos a mesma coisa.
(Amostra 80 – c22)
Em (127), o elemento mas retoma o assunto tratado anteriormente as
características do paie anuncia o subtópico seguinte. O fato de o pai, de vez em
quando “ficar com umas frescuras”, proibindo a falante de fazer algumas coisas, leva
o interlocutor a inferir que o pai cerceia a liberdade da filha. No entanto, logo em
seguida, essa inferência é destruída, quando a informante afirma que o “pai lhe
muita liberdade”. Essa “liberdade” concedida pelo pai passa a ser o tópico seguinte:
Ele não fica fazendo: “não faz isso, porque é isso, não você não pode fazer isso.”
Ele sempre, quando eu tenho sabe, assim eu peço para ele para ir num lugar,
ele não fala não, ele oportunidade (“a”) mim discutir, sabe, de pedir mesmo a ele
para ir nesse lugar. De argumentar”.
111
4.5.2 Processos de reativação do texto
No processo de construção de um texto falado, recorremos também à
reativação, ou seja, retomada de elementos, por meio da repetição de segmentos
textuais (repetição), (128), ou repetição de conteúdos (paráfrase), (129).
(128) Eu- praticamente eu dobrei o meu salário. Quer dizer,
dobrei o meu salário com menos despesa ainda. (Amostra
80 – c26)
(129) trabalha uma, as outras fica em casa. (est) Tem duas
("que") estuda. também não trabalha, porque não encontram,
não é? Ainda estão procurando. (est) estão inscrita em
hospital, esperando chamada. Estão assim lutando, não é? E
a que trabalha também lutou também. Agora que graças a
Deus, se estabilizou, está trabalhando direitinho. (Amostra
80 – c35)
Em (127), verificamos a repetição do segmento “dobrei o meu salário”. Em
(128), identificamos reiteração do conteúdo “elas não trabalham”: ainda estão
procurando; estão esperando chamada; estão lutando.
5.5.3 Processos de desativação do texto
No processo de construção do texto, o falante também pode recorrer aos
processos de desativação, ou seja, o abandono de palavras principais e sua
posterior substituição, por meio da digressão (130) e criação de parênteses (131).
(130) Às vezes, eles estão enjoadinho, não é? porque tem
cada palhaçada- nem palhaçada, não é? (inint) cada piada
assim meio chata, enjoada, que não tem graça, não é? (est)
não é? às vezes, eu até desligo a televisão, porque tem-
às vezes, tem <ca...>- o programa todo fica enjoado assim.
Assim, um dia foi assim, ó: [ele estava]- ele estava no
ônibus, não é? (est) fumando, não é? estou contando
nisso, não é? (riso de e) estou contando de novo. (inint)
Estou contando de novo. Estava fumando. Depois, botou a
112
meia assim para fora, tirou o sapato: (muxoxo f) "sou
charmoso, não é?" depois, acabou. <De->- começou outro.
[Ah!] [ah!] é, sem graça, (riso de f) não é? você fica
esperando alguma [coisa muito engraçada-] [É]- é pensando
que era engraçado. No começo assim tem que ser enjoado
mesmo, enjoado: (ruído), tem que ser enjoado. depois no
final, não é? tem que ser bom. (est) (inint), ou então assim,
outra: não sei se vai achar graça, não é? porque vou contar
uma parte, assim, -- ele [estava]- estava comendo pão. aí:
"ih! Esse pão está seco!" "bota água!" sem nenhuma
(falando rindo) graça. (Amostra 80 – c50)
(131) De repente eu nem quereria aceitar [fazé 1]
entendendo mas, [mas agora é moda né jogador posa nú 2],
ator posa nú, e tudo velho né. Chico Anísio posa nú. [Você
assistiu? 3] Eu assisti ele e aquele ... como é que é o nome
meu Deus... é um gordo que trabalha em novela, a beça. A
coisa mais ridícula os dois sabe, não apareceu a parte de
baixo, mas Chico Anísio com aquela barriga indecente, é de
mais prá garganta. (Amostra 00 (i) – r09)
Em (130) e (131), há interrupções da progressão textual, por meio de inserção
de comentários, em (130), ou abertura de parênteses, em (131)
Identificamos três processos de constituição de textos: ativação, re-ativação e
desativação. No nível do texto, esses processos são responsáveis pela constituição
de tópicos por meio de unidades comunicativas. A seguir, veremos que esses
mesmos processos ocorrem no nível da sentença, conduzidos pelo verbo.
Por meio da categoria de transitividade, o falante/ escritor manifesta sua
experiência do mundo e representa quem faz o que, a quem e em quais
circunstâncias, definindo tipos de processos (materiais, mentais, verbais, relacionais,
comportamentais e existenciais (Halliday, 1985), os participantes e as circunstâncias
de cada oração do texto, diferenciadas entre si pelo tipo de verbo.
De acordo com Castilho (2003), a sentença é um somatório de propriedades
fonológicas, sintáticas e semântico-informacionais. Fonológicas, pelo fato de
congregar um conjunto de palavras dotadas de entonação própria; Sintáticas, por
113
ser um grupo de palavras constituído de um sintagma nominal e um sintagma verbal,
conectados por uma relação predicativa; Semânticas, por estabelecer uma relação
de sentindo entre seus termos e em relação ao texto em que figura e;
Informacionais, por se realizar como unidade comunicativa, dividindo-se em tema e
rema.
Uma sentença se organiza a partir da ativação das propriedades gramaticais
do verbo que seleciona nomes ou pronomes argumentais e não-argumentais, da
reativação ou desativação dessas propriedades. Da mesma forma como ocorre no
nível do texto, acreditamos que processos de reativação e desativação contribuam
para a melhoria do envolvimento entre interlocutores, mesmo que isso gere um caos
aparente na estrutura dos enunciados.
Acreditamos que o processo simultâneo de ativação, reativação e desativação
das propriedades lexicais seja planejado ou não. Assim, textos que têm uma
tendência a serem planejados simultaneamente à produção, o que confere uma
característica de fragmentação que contrasta com a integração mais acentuada de
textos planejados e construídos com mais tempo. A rapidez de construção de alguns
textos resulta em um fluxo de informações intermitentes que acabam por revelar o
processo de elaboração, ao contrário dos textos planejados que apenas expõem o
produto final.
114
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
5.1 O INSTRUMENTAL METODOLÓGICO E AS AMOSTRAS
Neste capítulo, descreveremos os procedimentos metodológicos adotados
neste trabalho, no que concerne tanto à formulação de hipóteses e variáveis
controladas na pesquisa quanto à análise dos dados. Adotaremos a noção de
grupos de fatores e o emprego de percentagens. A análise de um conjunto de dados
empíricos à luz dos mesmos grupos de fatores visa a garantir consistência e
coerência analíticas. A utilização de percentagens visa a garantir que as
generalizações a serem extraídas do exame de dados empíricos é respaldada pro
critérios estatísticos mínimos capazes de identificar e distinguir usos mais
recorrentes, vale dizer, menos marcados, dos mais raros, menos prototípicos.
Nesta tese, contraponho as construções sintáticas em que o elemento mas se
insere, tomando por base evidências empíricas. Visando a cotejar as ocorrências
dessas construções, analisamo-las quantitativamente a partir de alguns fatores
lingüísticos e extralingüísticos. Os resultados quantitativos obtidos servem, assim,
como norteadores das interpretações apresentadas em relação ao comportamento
do elemento em questão (às suas congruências e divergências) e às construções
co-ocorrentes a cada uso.
Nos quadros abaixo, apresentamos a distribuição dos falantes pelas amostras
utilizadas. Em relação aos dados da fala, os 14 informantes selecionados para esta
pesquisa estão distribuídos nas amostras 80, 00(c), 00(i), EF
48
NURC, D2
49
NURC e
48
Elocuções Formais
115
DID
50
NURC. As amostras 00(c) e a amostra 00(i) foram constituídas para investigar
a mudança lingüística em tempo real de curta direção, tanto no indivíduo quanto na
comunidade e a amostra 80, com a finalidade de permitir o conhecimento mais
realístico das características da fala popular, visto que para a linguagem culta
havia um acervo de dados da fala, organizado pelo projeto NURC. Os inquéritos do
NURC exemplificam 03 tipos de discurso oral culto: as Elocuções Formais (EF), que
compreendem aulas universitárias; os Diálogos entre dois Informantes (D2), que
correspondem o diálogo entre profissionais de nível universitário e os Diálogos entre
Informantes de nível universitário e documentador (DID).
AMOSTRA INQUÉRITO
80 44
80 45
80 47
80 48
00 (c) 31
00 (i) 07
00 (i) 09
00(i) 11
EF NURC 251
EF NURC 382
D2 NURC 296
D2 NURC 369
DID NURC 12
DID NURC 84
Quadro 03: Distribuição dos falantes pelas amostras utilizadas
Nossa amostra de fala é constituída por cerca de 140.000 palavras,
distribuídas proporcionalmente ao número de corpora utilizados: PEUL (08 falantes)
– cerca de 76.000 palavras - e do NURC (06 falantes) – cerca de 61.000 palavras.
A amostra de textos escritos compõe-se de textos de jornais publicados no
período de 2002 a 2004. Foram selecionados artigos e matérias dos seguintes
jornais do Rio de Janeiro: Extra, O Globo, Jornal do Brasil e O Povo. Os textos foram
49
Diálogo entre 2 informantes
50
Diálogo entre Informante e Documentador
116
distribuídos em seis categorias: Coluna Social, Editorial/ Opinião, Crônica, Carta do
Leitor e Notícia. Esse material integra o banco de dados do PEUL. A distribuição dos
textos escritos é apresentada no quadro seguinte:
CATEGORIAS JORNAL
Carta do Leitor
EXTRA
O GLOBO
DO BRASIL
O POVO
Coluna Social
EXTRA
O GLOBO
DO BRASIL
O POVO
Crônica
EXTRA
O GLOBO
DO BRASIL
O POVO
Editorial/ Opinião
EXTRA
O GLOBO
DO BRASIL
O POVO
Quadro 04: Distribuição dos gêneros jornalísticos nas amostras de escrita
Da mesma forma como procedemos com as amostras da fala, restringimos a
dimensão do conjunto de amostras da escrita a um universo de aproximadamente
140.000 palavras, distribuídas entre as categorias utilizadas, da seguinte maneira:
cerca de 26.000 palavras, para as crônicas; cerca de 30.000 palavras, para as
cartas; cerca de 25.000 palavras, para as colunas sociais; cerca de 26.000, para os
editoriais e cerca de 29.000 palavras, para as notícias.
Ao combinarmos dados da fala e da escrita na análise do fenômeno
lingüístico que constitui objeto de estudo da presente tese, pretendemos verificar em
que medida as funções do mas e a arquitetura das construções em que tal elemento
se insere são determinadas pela modalidade (fala ou escrita).
117
5.2 A QUANTIFICAÇÃO E A ANÁLISE DOS DADOS
Para analisar o fenômeno lingüístico estudado, procedemos ao
processamento das seguintes etapas:
(a) Levantamento e fichamento dos trechos com construções em que o
elemento mas estivesse envolvido;
(b) Codificação das construções, a partir das variáveis independentes
consideradas na pesquisa;
(c) Análise quantitativa das construções com o auxílio de programa
estatístico, a fim de se considerar o comportamento da atuação dessas
variáveis.
O critério adotado para o levantamento e fichamento das construções com o
item sob investigação foi o seguinte: num primeiro momento, levantamos e fichamos,
nos textos analisados, todas as ocorrências de mas, independente do contexto em
que se encontravam. Foram registradas ocorrências do elemento atuando na
relação entre segmentos diversos: unidades menores que o sintagma; sintagmas
não oracionais; sintagmas oracionais simples; sintagmas oracionais complexos;
segmentos correspondentes a sub-tópicos, tópicos discursivos e turnos.
Após o levantamento dos dados, distribuimo-los por “arquivos”, vale dizer,
categorias lingüísticas e codificamo-los segundo as variáveis pertinentes àquele tipo
de ocorrência (ou então, propostas postuladas para a análise daquele tipo de dado).
Durante as etapas de codificação e quantificação dos dados, foram excluídos da
análise os seguintes dados:
118
(a) Construções que se encontravam em contextos interrompidos,
truncados ou insuficientes para a compreensão do trecho em foco;
(b) Usos de mas isolados em conversação;
No que concerne ao tratamento dos dados da fala, utilizamos um mecanismo
de análise estrutural dos textos falados, a fim de driblarmos o alto grau de
fragmentação aparente. Para isso, adotamos um modelo proposto inicialmente por
Blanche-Beveniste et al (apud Castilho, 2003) e aprimorado por Castilho (2003) que
diz respeito a um processo de transcrição por grades, que facilita a visualização dos
arranjos sintáticos. São grades formadas por segmentos horizontais, que
representam o eixo sintagmático da língua e, por colunas, que representam o eixo
paradigmático, em que são anotados fenômenos como hesitações e repetições.
uma coluna especial para os verbos (coluna 3), visto que a construção sentencial se
a partir da escolha do verbo, da organização da estrutura argumental da
sentença e, de forma mais fraca, da adjunção.
(132) LI olha I. ...eu...como você sabe...u:: uma pessoa um
diretor da Folha...certa feita me chamou... e me incumbiu
de escrever sobre televisão...o que me parece é que na
ocasião...quando ele me incumbiu disso...ele pensou...que
ele ia::... ficar em face de uma recusa...e que eu
ia...esnoBAR ((ri)) agora vamos usar um termo...que eu
uso bastante que todo mundo usa muito - - eu iria esnobar a
televisão...como todo intelectual realmente esnoba... (NURC
–D2 –SP333)
119
Conectivo
Sujeito
Construção de tópico
Verbo
Argumento interno do verbo
Predicativo
Equativo
Argumento único
Olha I
eu Ø
como você Sabe
u::ma pessoa um Diretor lá da
Folha
certa feita ( ) chamou
(me)
e Ø ( )incumbiu (me) de escrever sobre televisão
O que me parece é que
quando ele ( ) incumbiu (me) disso
ele pensou (S)
que Ø Ia ficar em face de uma recusa
e que Eu Ia esnoBAR - Ø
agora Ø vamos usar um termo
que eu uso bastante (que)
que todo mundo usa muito - (que)
eu ia esnobar a televisão
como todo intelectual realmente esnoba... Ø
Quadro 5: Exemplo de transcrição por grades apresentado por Castilho (2003)
Neste modelo de transcrição da sentença falada, os conectivos figuram na
primeira coluna. O sujeito e as construções de tópico, na segunda. Os argumentos
internos do verbo, o predicativo, o equativo e argumentos únicos, na quarta. É fácil
verificar que da mesma forma como ocorre a conexão entre as unidades
comunicativas de um texto, isso acontece entre sintagmas e sentenças.
5.3 HIPÓTESES E FATORES CONTROLADOS NA PESQUISA
O domínio das construções sintáticas nas quais o mas se integra apresenta
uma grande complexidade estrutural e semântica, seja pelas diferentes
configurações sintáticas que tais construções assumem, seja pelo variado estatuto
gramatical que o mas pode instanciar nessas variadas construções.
Entendemos que uma correlação entre as funções semânticas do mas, os
níveis de integração sintática entre as construções por ele relacionadas, as
características da modalidade (fala ou escrita) escolhida, o gênero e a tipologia
textual. Assim, por exemplo, os textos falados tendem a se caracterizarem por uma
120
certa autonomia sintática das construções relacionadas por mas. Uma das questões
centrais desta tese é saber se existem, no plano sintático, diferenças significativas
nos usos do mas em textos falados e escritos.
Fundamentados nos estudos acerca da relação entre fala e escrita, na noção
de gênero e tipologia textuais, nos graus de conexão entre orações relacionadas
pelo elemento em estudo, postulamos as seguintes hipóteses gerais para este
trabalho:
(a) Existe uma correlação entre o tipo de segmento relacionado pelo mas
(elementos dentro do sintagma não oracional, sintagmas não-oracionais,
sintagmas oracionais, (sub) tópicos e turnos), por um lado, e a modalidade
(fala e escrita), por outro. Postulamos que elementos dentro do sintagma não
oracionais, sintagmas não oracionais e sintagmas oracionais relacionados por
mas sejam mais freqüentes na escrita, devido ao planejamento prévio que
viabiliza, dentre outras coisas, a não-repetição de termos nos dois segmentos
vinculados;
(b) A vinculação entre sintagmas não oracionais e entre adjetivos atributivos
pelo mas representam mecanismos de integração, logo, são mais freqüentes
na escrita.
(c) Existe uma correlação entre modalidade, por um lado, e as funções
desempenhadas pelas construções vinculadas por mas, por outro lado.
(d) Há uma correlação entre os graus de conexão
51
dos sintagmas oracionais
vinculados pelo mas e as modalidades. Postulamos que os graus de conexão
mais altos sejam mais freqüentes na escrita e, os mais baixos, na fala;
51
Os graus de conexão são citados a seguir, ao tratarmos dos grupos de fatores controlados neste trabalho.
121
(e) Verbos de processos mentais de percepção e afeição, devido ao seu
papel de estabelecer o envolvimento entre interlocutores, são freqüentemente
identificados em segmentos introduzidos por mas na fala;
(f) A co-existência de partículas de negação contribui ativamente para a
identificação das diversas funções semânticas das construções nas quais o
mas se insere;
A fim de testarmos as hipóteses supracitadas, serão controlados nesta
pesquisa, os seguintes fatores:
(a) Construções sintáticas relacionadas por mas;
(b) Negação;
(c) Contextos de fragmentação/ integração, distanciamento/ envolvimento da
fala/ escrita;
(d) Graus de conexão entre orações relacionadas por mas;
(e) Transitividade verbal
(f) Tipologias textuais;
(g) Gêneros textuais;
(h) Co-existência de elementos indicativos de contraste nas construções em
que o mas se estabelece.
Essas categorias remetem a parâmetros formais semântico-pragmáticos que
podem ser indicadores da multifuncionalidade do item sob investigação em textos
escritos e falados. Verificamos na revisão dos estudos realizados acerca do mas
que muitos dos fatores relacionados à multifuncionalidade do mas, levantados nesta
investigação, já haviam sido adotados por diversos estudiosos. No entanto, em
122
nenhum desses trabalhos, encontramos a associação desses parâmetros à noção
de gênero, tipologia e modalidade, concomitantemente.
Descreveremos, a seguir, cada um dos fatores controlados na pesquisa,
citando as hipóteses aventadas nessa pesquisa que se relacionam a esses fatores.
1. Tipo de construção sintática
A atuação da propriedade tipo de construção sintática tem sido examinada em
trabalhos teóricos e empíricos de orientação funcionalista. Nesses trabalhos tem
sido constatada a relevância dessa propriedade para se compreender a influência da
arquitetura da construção na determinação das funções exercidas por determinados
itens.
Segmentos relacionados por
mas
Exemplos
Elementos no interior do sintagma
O Vasco, ao contrário, tinha jogadores rápidos, mas
fortes, bem preparados. (JB – 08/03/04 – Notícias)
Sintagmas não oracionais
Ele hoje tem consciência de que o país o elegeu não
por boniteza, mas por precisão. (O GLOBO
02/11/02 – Crônicas)
Sintagmas oracionais
As autoridades foram informadas sobre os
problemas, mas ainda não tomaram as devidas
providências. (EXTRA 14/01/04 Cartas dos
Leitores)
Unidades sub-tópicas
O caso Propinodiniz trouxe à baila as velhas
propostas do financiamento público de campanha,
agora atualizadas com a de extinção do privado.
Mas não se pode imaginar outra coisa além de um
simples aumento da nossa pesadíssima carga
tributária. (O GLOBO 19/02/04 Cartas dos
Leitores)
Turnos
E – Você nasceu aqui no Rio, né?
F – Sim, sou carioca.
E Mas, agora você ta morando no Rio Grande do
Sul?
F – Em Porto Alegre. (Amostra 00 (i) – r07)
Quadro 6: Segmentos relacionados por mas
2. Negação
A negação, bem como a sua posição de anterioridade ou posterioridade
em relação ao mas, pode sinalizar o tipo de oposição estabelecida entre as
construções relacionadas.
123
Localização da partícula de negação Exemplos
Partícula de negação no segmento que precede o mas
Então a minha participação o é de
intromissão, em absoluto, mas de apoio.
(Amostra 00 (i) – r11)
Partícula de negação no segmento introduzido por mas
Ela já se formou, mas ela não para de
estudar. (Amostra 00 (i) – r07)
Ausência de partículas de negação
Levei meses para me recuperar da
cirurgia, mas as marcas na alma
permanecem. (O GLOBO 26/02/04
Cartas)
Quadro 7: Localização da partícula de negação
3. Contextos de fragmentação, integração, distanciamento e envolvimento
Os graus de fragmentação e distanciamento nos auxiliam na classificação dos
gêneros no continuum da fala e escrita. Assim, o gênero textual, na sua constituição,
apresenta propriedades da fala ou da escrita, de forma mais ou menos intensa. A
incidência dessas propriedades parece participar da identificação dos limites dos
segmentos ligados por mas.
Mecanismos
Exemplos
Fragmentação e envolvimento
L1 – Qual é o inseto que a senhora tem mais
horror? ... não é inseto ( )... horror né? qual é o
bicho assim...desse tipo assim....
L2 eu...acho que é o rato também barata
não...eu não me incomodo mato sem... sem
repugnância....
L1 – [ sentir muita dificuldade, né?
L2 – é ... nenhuma é.... mas rato, eu acho que de
fato incomoda muito...fora os outros animais pulga
e percebejo... (NURC – D2 369)
Integração e distanciamento
Bastou eliminar a proibição, para que o
negócio voltasse a ser explorado, não por
criminosos, mas por empresários do setor,
gerando, pelo menos algum benefício para a
sociedade. (JB – 04/03/04 – Crônicas)
Quadro 8: Mecanismos de fragmentação/ envolvimento e integração/ distanciamento
4. Graus de conexão entre os sintagmas oracionais relacionados por mas
Em se tratando do elemento mas, o estabelecimento de ligação entre
sintagmas oracionais é bastante comum e a co-relação entre o grau de conexão
desses segmentos e a modalidade adotada parece nos conduzir a verificação de
124
que graus de conexão mais frouxos se relacionam a gêneros textuais da fala,
enquanto graus de conexão mais fortes se relacionam a gêneros textuais da escrita.
Para a aferição dos graus de conexão entre os sintagmas oracionais relacionados
por mas, recorremos a Paredes Silva (1991). A conexão do discurso como
estipulada pela autora compreende seis graus, atribuídos ao sujeito de cada oração
analisada, conforme sua posição nessa escala. Os graus de conexão levam em
conta também outros elementos do contexto discursivo, como tempo, aspecto, modo
verbais; possíveis elementos interferentes, como orações impessoais; mudança de
plano ou mesmo de tópico discursivo, enfim, elementos capazes de afetar a conexão
do discurso. Adaptamos a escala da autora, a fim de verificamos não a conexão do
discurso, mas a conexão de sintagmas oracionais interligados por mas. Com esse
objetivo, caracterizamos a seguir os graus de conexão utilizados neste trabalho:
Graus de
Conexão
Especificações
Exemplos
Grau 1
É o grau de conexão mais alto da escala, visto que
é mantido o mesmo referente como sujeito da
oração, o mesmo tempo e o mesmo modo verbal,
geralmente representando uma seqüência de
eventos em torno do mesmo participante (op.cit., p.
27).
Eu quero ficar no Flamengo, mas
ainda tenho alguns pontos a
conversar (EXTRA – Notícia)
Grau 2
uma ligeira queda na conexão. Apesar de se
manter o mesmo tópico, pode haver mudanças no
tempo, aspecto e/ou modo do verbo.
O PT tem a maior bancada da
Câmara, mas terá que fazer
coligações até mesmo para confirmar
a presidência da Câmara para seu
grupo político. (O GLOBO opiniões/
editorial)
Grau 3
um enfraquecimento da conexão, pois o
referente no sujeito não é o mesmo. Entre o sujeito
e sua menção prévia, ocorrem orações de curta
extensão, geralmente impessoais, que não chegam
a representar um corte, uma interrupção na
seqüência do discurso, cujo tema permanece o
mesmo.
Sem ocorrências
52
52
Não identificamos exemplos contendo este grau de conexão. Acreditamos que o fato de o elemento sob análise
vincular apenas dois segmentos, impede a intercalação de orações entre os mesmos.
125
Grau 4
O referente tem sua última menção em outra
função sintática. Representa a passagem de um
papel secundário para o papel principal.
O importante é que Teresa se
apaixona pela empresário, mas ele
morre tragicamente. (O GLOBO
Crônicas)
Grau 5
Este grau se caracteriza pela entrada de outro
participante na função de sujeito.
O nosso corpo de repente acaba
aqui, mas a consciência é uma coisa
que... Ou se a gente é uma máquina
biológica, né? (RECONTATO – R07)
Grau 6
Este é o grau de conexão mais fraco. Há uma
mudança de tópico discursivo.
uma infiltração italiana muito
grande na parte do Sul... não é...em
Curitiba eles tem uma... uma zona
assim semelhante à...à Barra...aqui à
Barra da Tijuca...onde tem assim
uma fileira de restaurantes onde eles
servem comidas típicas italianas...
mas a parte das sobremesas...eles
têm muita torta né...a parte assim de
doces...eles têm muita torta
...também servem muita fruta...
(NURC – DID 012)
53
Quadro 9: Graus de conexão entre os segmentos vinculados por mas
5. Natureza dos Processos
A transitividade é entendida aqui como a categoria gramatical relacionada à
metafunção ideacional, de Halliday (1985), ou seja, refere-se à representação das
idéias, da experiência humana. De acordo com Cunha e Souza (2007), tal
experiência é geralmente entendida como “um fluxo de eventos ou acontecimentos,
atos ligados a agir, dizer, sentir, ter e ser.” A transitividade seria a materialização
desse conjunto de atividades por meio dos tipos de verbos.
Assim, a transitividade é a base da organização semântica da experiência e
denota não apenas a oposição convencional entre transitivos e intransitivos, mas um
conjunto de tipos oracionais com diferentes transitividades.
Este sistema de transitividade possibilita a identificação das ações das
atividades humanas expressas no discurso e a realidade retratada. Tal identificação
é representada pelos principais papéis de transitividade: os processos, participantes
53
Como aplicamos a proposta de Paredes Silva (1991) a vinculação de sintagmas oracionais, o grau 6 não foi
utilizado em nossas análises.
126
e circunstâncias, respectivamente representadas por verbos, substantivos e
advérbios.
Existem seis tipos de verbos: materiais, mentais, relacionais, verbais,
comportamentais e existenciais. Para cada um destes tipos, associam-se
participantes específicos determinados pela semântica dos tipos de processos e
circunstâncias variadas para expressar informações adicionais. Segundo Halliday
(1985), na ativação das orações por meio do sistema de transitividade, três tipos de
processos são considerados principais: os materiais, os mentais e os relacionais e
três são tidos como secundários: os comportamentais, os verbais e os existenciais.
A seguir, caracterizaremos os tipos de verbos, segundo a proposta de
Halliday (Op. Cit).
Tipos de verbos Características Exemplos
Processos materiais
São os verbos por mio dos quais se faz algo:
são os processos do fazer que constituem
mudanças externas, físicas e perceptivas.
Eu gosto de qualquer fruta, mas eu
como muita laranja. (NURC
DID012)
Processos mentais
São os verbos que lidam com a apreciação
humana do mundo. São os processos do
sentir, os quais incluem processos de
percepção, afeição e cognição.
Não vou à casa dela todos os dias,
porque não posso ficar saindo
daqui, mas a gente conhece todo
mundo. (Amostra 80 – c048)
Processos relacionais
São os verbos que estabelecem uma
conexão entre entidades, identificando-as ou
classificando-as, na medida em que
associam um fragmento de experiência a
outro.
Eu me dediquei mais a ela porque
não tive memória, mas os meninos
ficam com ciúmes. (Amostra 80
c047)
Processos verbais
São os verbos que expressam o dizer; são
os processos de comunicar, do apontar.
Eu acredito que alguma coisa boa
vá sair, mas dizem que todos os
policiais tem aquele lado mau que
é como a corrupção tremenda.
(Amostra 80 – c048)
Processos existenciais
São verbos que representam algo que existe
ou acontece e se constroem com apenas um
participante. Realizam-se pelos verbos haver
e existir.
Eu sou muito pouco solúvel, mas
tem (=haver) sempre alguma
solubilidade sim. (Amostra 80
048)
127
Processos
comportamentais
São os verbos responsáveis pela construção
de comportamentos humanos, incluindo
atividades psicológicas como ouvir e assistir;
atividades fisiológicas como respirar, dormir;
e verbais como conversar e fofocar.
Quando um cidadão pára na rua
para adquirir de camelô o produto
que entrou ilegalmente no país está
colaborando com o crime
organizado, mesmo sem saber,
mas tem muito que aprender. O
que parece ser boa compra pode
ser aquisição de mercadoria de
assalto. (JB – 07/06/04 – Editoriais)
Quadro 10: Transitividade verbal, segundo Halliday
6. Gêneros textuais
O controle do gênero e tipologia textuais é relevante pelo fato de tais
categorias concretizarem relações lingüístico-discursivas. O elemento sob análise
parece desempenhar funções coerentes com a determinação de tais classificações.
6.1 Gêneros da Fala
O gênero aula
As EF compõem uma amostra contendo as elocuções produzidas em atitude
formal, ou seja, são transcrições de fala enunciada através de uma linguagem formal
(ou tensa), pois são fruto de um planejamento maior e enunciadas em circunstâncias
formais. Apesar de essa variedade lingüística ser formal e apresentar características
que a distingam radicalmente da língua informal (ou distensa), na realidade, EFs
como um todo apresentam diferentes graus de formalidade. Assim, as aulas
expositivas (três universitárias e uma secundária), existentes nas amostras do
NURC, representam elocuções formais. Apesar disso, cumpre ressaltar que as
aulas, pelas condições de sua produção, caracterizam uma linguagem menos formal
e tensa do que as conferências.
128
O gênero entrevista
A entrevista é um gênero muito comum de interação verbal e apresenta
características que a afastam de um uso oral prototípico da língua, como no caso
das conversações espontâneas porque envolve certo nível de pré-planejamento e
assimetria de papéis: um introduz o tópico e o outro responde. Ao mesmo tempo,
porém, verificamos que esse gênero mantém diferenças relevantes em relação à
língua escrita, devido à sua concepção oral e a uma complexa relação de
concomitância (na coleta de dados, etapa do diálogo entre o entrevistador e o
entrevistado) e não-concomitância (etapa de transcrição do material coletado)
temporal que a aproxima/ afasta da língua falada. Podemos dizer também que tal
gênero, no continuum língua falada/ língua escrita, ora se aproxima da modalidade
falada típica caso das entrevistas do PEUL -, ora se aproxima da modalidade
escrita, como nas entrevistas do NURC, nas quais o discurso é mais trabalhado,
devido à formalidade e ao fato de os entrevistados conhecerem de antemão os
tópicos sobre os quais seriam entrevistados e terem se preparado para a situação
de entrevista exigida para a construção das amostras DID e D2. Apesar dos
entraves que afastam o gênero entrevista da conversação espontânea, tal gênero se
instancia, na realidade, em vários aspectos da vida, manifestando-se,
cotidianamente, por exemplo, quando pedimos informações ou durante uma
entrevista de emprego.
As particularidades desse gênero em relação ao diálogo comum entre duas
pessoas residem principalmente no fato de haver um roteiro de assuntos a tratar e
uma assimetria entre os interlocutores. Segundo Fávero (2000) “a entrevista, porém,
constitui um tipo especial de texto falado porque o planejamento existe da parte do
entrevistador (PEUL e NURC) e pode existir também, em certos casos, da parte do
129
entrevistado (NURC D2), diminuindo, dessa forma, marcas da oralidade.” De fato,
se considerarmos a questão do planejamento como central na diferenciação entre
língua falada e ngua escrita, reforçamos a hipótese de a entrevista pairar em pleno
continuum entre os extremos dessas modalidades.
a) Entrevistas do NURC (DID e D2)
Os D2 são diálogos entre dois informantes cultos. Estes diálogos, cujos
informantes escolhidos intencionalmente possuem graus diferentes de intimidade,
estava previsto pelo projeto para serem desenvolvidos em 80 minutos (limite que,
nas gravações publicadas, apresenta alguma variação, para mais ou para menos),
tempo suficiente para que, com as variações do assunto e das circunstâncias da
situação, o registro lingüístico se tornasse mais natural, apesar da presença do
documentador e do equipamento de gravação.
Por sua vez, os DID são inquéritos que, embora apresentem características
próprias, revelam muitas das marcas presentes nos EF e no D2. Segundo Urbano
54
,
os DID apresentam marcas de formalidade presentes nas EF e informalidade
patentes nos D2. A diferença entre DID e D2 é que no D2 havia um outro
participante, além do documentador e falante. Supostamente D2 deveria ser mais
informal, mas não foi o que ocorreu.
As entrevistas do NURC não exibem tantas repetições, reformulações,
palavras soltas e fragmentações quanto as do PEUL, devido ao fato de haver um
planejamento por parte do entrevistador na realização das entrevistas.
54
Apresentação das amostras do NURC, no site: http://www.fflch.usp.br/dlcv/nurc/apresentacao_did.htm.
130
b) Entrevistas lingüísticas: amostra 80, amostra 00 (C) e Amostra 00 (I)
As entrevistas das amostras do PEUL, devido ao seu objetivo se aproximam
mais das características da fala popular. Como os tópicos foram apresentados
gradativamente pelo entrevistador, independente do grau de conhecimento por parte
do entrevistado acerca do assunto tratado, as entrevistas estão repletas de
repetições (133) , reformulações (134), palavras soltas e fragmentações (135).
(133) É um produto químico. Ele, quando[ele]- ele sente a
caloria- é pó, ele, quando sente a caloria, ele se derrete,
ele <fi...>- ele vira líqüido. Então, <ma...>- ele- quando
ele é líqüido, aí que vem o perigo. (Amostra 80 –c27)
(134) Depois é que o troço começou a funcionar, que, de
primeiro, o pessoal trabalhava com o ouvido sem
nenhuma proteção. Um barulho ensurdecedor. Quer
dizer, que para muita gente que tinha um certo
desequilíbrio, quer dizer que agravou o problema de
muita gente. [(inint-)] (Amostra 80 –c27)
(135) Não, o motorista! não, o motorista- (hes) o carro
está
no nome da minha esposa e tem ("um") motorista. ele
paga uma diária, ele é registrado no carro, certo? Como
motorista auxiliar ("e") ela roda num período, ele roda
num outro período. O mesmo acontece com o meu. Eu,
quando estou na oficina, estou na oficina, ele roda a num
período e eu rodo num outro período, certo? (est) (latido
longe) Muita das vez eu estou cansado, o táxi serve
simplesmente como condução, certo? (Amostra 80
c07)
6.2 Gêneros da Escrita
O Gênero carta do Leitor
A carta do leitor é um subgênero do gênero carta, considerando que temos
diferentes classificações de cartas, dependendo do domínio em que circulam e de
seu objetivo: carta pessoal, carta comercial, carta ao leitor, carta do leitor, carta
131
circular, entre outras. Mas todos esses subgêneros têm em comum alguns
elementos paratextuais, além de sua função comunicativa, que é dirigir-se a um
interlocutor, geralmente explicitado no texto, a fim de agir sobre ele de diferentes
formas.
Por meio da carta do leitor, pertencente ao que integra o domínio midiático ou
jornalístico, o enunciador pode realizar diversos atos de fala: solicitar, criticar,
elogiar, agradecer, opinar, perguntar, etc. Cabe destacar que, dependendo do
veículo de comunicação, o propósito comunicativo do locutor pode mudar: por
exemplo, no Jornal do BRASIL e O GLOBO, observa-se que os locutores desejam
posicionar-se frente a reportagens, notícias, artigos ou mesmo em relação à carta ao
leitor ou a carta de outros leitores, ao passo que, no jornal EXTRA e O POVO, o fim
ilocutório é, freqüentemente, a reclamação ou denúncia.
Crônica
A crônica é um gênero que nasceu no folhetim, como narrativa curta, com a
intenção de informar aos leitores, acontecimentos diários ou semanais, conforme
afirma (2001). Sendo assim, esse gênero, segundo ASSIS (2002), “descreve
acontecimentos rápidos, utilizando uma sintaxe simples através de uma linguagem
que lembra as características da ngua falada (...), relata um pequeno
acontecimento do dia-a-dia”.
Dessa forma, o cronista cria o texto com as suas impressões, uma vez que
ele é o próprio autor, fazendo uso de uma linguagem simples, clara e objetiva e se
aproxima da oralidade, do cotidiano, para facilitar a compreensão do leitor e
provocar reflexões sobre vivências em comum.
132
Editorial
É o gênero jornalístico que lida com idéias, argumentos, crítica e trata de
assuntos ou acontecimentos de maior relevância. A opinião da agência responsável
pelo periódico é a principal expressão em um editorial. A redação de determinado
jornal pretende, por meio dos editoriais, convencer seus leitores de que a tese
defendida pela agência é a mais adequada na abordagem do tema em questão.
Sendo assim, como elementos comuns a todos os editoriais, identificamos a opinião
da agência responsável pelo jornal e o desejo de formar a opinião de uma parcela
de pessoas que leia a realidade sob as lentes do jornal, determinando seu ponto de
vista. Em um editorial, o emissor é a redação do jornal, uma vez que poucos
editoriais são assinados. Os receptores, por sua vez, o os leitores do jornal e, por
fim, a mensagem é a argumentação, a tese defendida pelo jornal.
Notícia
O gênero notícia é o relato de uma série de fatos, a partir do mais importante
ou interessante. Devido ao seu caráter referencial, possui uma linguagem
estruturada, segundo a variedade culta, a fim de se não deixar margens para
possíveis dúvidas por parte do leitor. A impressão de verdade e isenção que a
notícia precisa causar é também uma forte marca do gênero. Para garantir a
sensação de isenção de opinião, as notícias são escritas em terceira pessoa.
aparece primeira pessoa quando, na notícia, são inseridas falas de participantes ou
observadores do fato noticiado. Assim, se houver opinião, ela é das testemunhas
oculares e não do jornal, que guarda o aspecto de neutralidade pretendido. A
isenção de opinião nas notícias é sempre algo que o jornal pretende, mas não
alcança. Sabemos que, na realidade, as notícias sempre trazem o ponto de vista do
133
jornal que as publicou. Basta comparar as notícias sobre um mesmo fato, publicadas
em jornais de tendências diferentes. Elas sempre vão trazer, em sua linguagem,
formas de dizer próprias de cada jornal.
7. Seqüências tipológicas
De acordo com Paredes Silva (1997), é possível estabelecermos parâmetros
de natureza formal ou funcional para a caracterização de uma determinada tipologia
textual, ou seja, podemos considerar e nos determos ora nos aspectos da estrutura
interna da língua, ora nos aspectos externos, relativos ao seu funcionamento na
comunicação. Nesta seção, pretendemos apresentar os modelos de seqüências
textuais, apesar de reconhecermos que, normalmente, num mesmo texto,
deparamos com mais de uma tipologia.
Marcuschi (2005) sugeriu que as características básicas dos tipos textuais
estivessem relacionadas ao fato de eles serem definidos por seus traços lingüísticos
predominantes, daí a idéia de que o conjunto destes traços formaria uma seqüência,
não um texto.
Essa perspectiva relevância às estruturas discursivas disponíveis na
língua, ou seja, uma lista limitada de seqüências tipológicas (narrativas, descritivas,
expositivas, argumentativas, avaliativas
55
, procedurais
56
e dialógicas), cada qual
definida por critérios baseados em estruturas lingüísticas características do conjunto
55
SCHIFFRIN (1998), ou expressivas (PAREDES, Op. Cit.)
56
Procedimentais (MARTELOTTA, 1998), diretivas (TRAVAGLIA, 1991) ou injuntivas (MARCUSCHI, 2005)
134
de enunciados. Paredes Silva (1997) propõe as seguintes caracterizações para as
diferentes seqüências textuais:
Seqüências Caracterização Exemplo
Narrativas
Verbos de aspecto perfectivo
57
, verbos de processamento
material
58
, em torno de eventos referentes à 1ª. ou 3ª.
pessoas, sintaticamente organizados em orações com
juntura temporal.
Mari foi passar a noite de Natal na casa
da avó e combinou um encontro com o
namorado neste mesmo dia. Ela não
apareceu e os dois só se falaram no dia
seguinte, por telefone, mas houve
discussão e Paulo pediu para apanhar
os objetos pessoais na casa de Mari no
dia 27 de dezembro. Durante o encontro,
houve mais uma briga. "Ela disse que
tinha arrumado outro melhor do que eu e
que até podia bancá-la", relembrou. (O
POVO/ Notícias)
Descritivas
Verbo na forma não-perfectiva, predicado estativo, em
torno de entidades (mais freqüentemente em 3ª. pessoa),
sintaticamente centradas em estruturas nominais.
Adjetivação abundante. Orações relativas.
Estou de queixo caído. Não um
queixinho qualquer, mas daqueles
queixos caídos aterradores, que ficam
pendurados precariamente na
articulação e a balançar na altura do
peito, causando dores e aflições.
(EXTRA – Editorial)
Procedurais
Verbo no imperativo
59
; exigência de uma organização
seqüencial. A referência à pessoa tem menos importância
que ao processo em si, daí a incidência de sujeitos
genéricos ou impessoalidade. Sintaticamente, o
predomínio de orações independentes.
Você pica a cebola... põe a
cebolinha.... a salsa.... mas tem
também o alho... reserva. (NURC
– D2 369)
Avaliativas
Estruturas com verbos preferencialmente no presente,
predicados com verbos de processamento mental
(opinativos ou subjetivos, de um modo geral
60
). Há o
predomínio da primeira pessoa.
Todo mundo quer imitar o carioca, essa
que é a verdade, não é? Todo mundo
quer, não é? Mas eu, particularmente,
acho a fala do nortista um troço
sensacional. (CENSO – 045)
Explicativas ou Expositivas
Predicado estativo e orações explicativas.Predicado
nominal. Verbos no presente. Conectores do tipo gico.
Hipotaxe.
Cl...porque o AgCl tem o produto de
solubilidade muito menor que CaCl2...e
como tem muito Cl...Ag não tem
não...Ag...tem um agezinho só...certo?
Mas todo o cloro desse cara aqui...já é o
suficiente para estourar o produto da
solubilidade...de modo que.... aqui o Cl
precipita (NURC – EF 251)
Argumentativas
Estruturas sintáticas mais complexas (construções
hipotáticas e encaixadas). Verbos de processamento
mental usados em formas não perfectivas, com forte
contingente de construções hipotéticas. Operadores
argumentativos. Modalizadores.
Discute-se muito se Zeca Pagodinho
teria sido antiético ao fazer a
propaganda da Brahma, depois de haver
sido filmado experimentando a Nova
Schin. Se o pagode que ele canta
promovendo a Brahma não contivesse
forte apelo popular, talvez a Nova Schin
não ficasse tão brava. Mas o estribilho
sugere uma situação que a maior parte
dos casais viveu: a do homem que foi
"experimentar outro sabor", mas volta
porque "não larga o seu amor". Com a
57
Segundo HOPPER (1979), a perfectividade se manifesta, principalmente, por meio da seqüencialidade
cronológica dos eventos. Como o evento é visto como um todo, a conclusão de um é um pré-requisito para a
realização do subseqüente.
58
HALLIDAY (1985).
59
O verbo se apresenta no modo dos diretivos o imperativo, mas pode se encontrar nas formas de futuro ou
infinitivo ou presença de certos modais deônticos.
60
Eu acho, eu acredito, eu penso, eu considero etc.
135
simpatia e o charme que o cantor
possui, seu jeito de bon vivant, e essa
mensagem de não abandonar quem se
ama, o difícil é não perdoá-lo. (JB–
Cartas)
Dialógicas
Alternância de participantes (1ª. e 2ª. pessoas).
Uso de dêiticos. Verbos discendi.
O carneiro do Instituto de
Hematologia mora num sétimo
andar né... ((risos)) é... em vez de
estar em vez de estar ali...
L2
final dos tempos né... Mas vocês
têm mesmo pra estudo lá? no
trabalho? (NURC – D2 369)
Quadro 11: Seqüências tipológicas, segundo Paredes (1997)
Em síntese, a partir dos grupos de fatores supracitados, assumimos que as
construções vinculadas pelo mas apresentam as seguintes características:
(a) Relacionam estruturas sintáticas diversas: segmentos inferiores ao sintagma; sintagmas
não oracionais e sintagmas oracionais;
(b) Relacionam segmentos mais amplos que o sintagma: sub-tópicos, tópicos discursivos e
turnos;
(c) Representam graus de conexão diversos em função da modalidade escolhida;
(d) A negação tem papel fundamental na caracterização das funções desempenhadas pelo
mas;
(e) As arquiteturas das construções apresentam características que favorecem a
interpretação contrastiva do mas.
5.4 PROCEDIMENTOS ADOTADOS PARA A APRESENTAÇÃO DOS
EXEMPLOS
Os exemplos selecionados para ilustrarem os dados das amostras foram
reproduzidos de acordo com os seguintes critérios:
136
(a) No caso dos dados da fala, a identificação de cada exemplo foi feita
imediatamente após a sua citação, indicando-se a amostra e o inquérito
utilizados. nos dados da escrita, os exemplos foram identificados do
seguintes modo: o nome do jornal e o gênero textual utilizado.
(b) A numeração dos exemplos inicia-se no número (01) e termina no número
(235);
(c) Na reprodução dos exemplos, priorizamos a fala do informante, porém,
em alguns casos, transcrevemos a fala do documentador para facilitar a
compreensão do trecho destacado; em alguns momentos, também houve a
necessidade de se transcreverem, mais extensamente, alguns exemplos com
o propósito de que não se perdesse o contexto discursivo em que se
inseriam;
(d) Na transcrição dos exemplos, para indicar que alguma palavra ou frase
da entrevista foi omitida, utilizaram-se reticências entre parênteses.
137
6 O MAS NA CONSTITUIÇÃO DE TEXTOS FALADOS E ESCRITOS
Neste capítulo, com base em amostras da fala e da escrita, identificaremos
construções nas quais haja incidência do elemento mas e analisaremos de que
forma este elemento participa da arquitetura
61
dos mecanismos de contraste e, em
que medida, fatores como transitividade verbal, graus de conexão entre orações,
tipologias e gêneros textuais contribuem para o exercício de suas funções
semântico-pragmáticas. No processo de análise:
Descreveremos os segmentos relacionados pelo mas, considerando o tipo de
segmento e, quando necessário, a influência de elementos como partículas de
negação, na arquitetura de construções de contraste;
Quanto ao mas, atuante na relação entre sintagmas oracionais, procederemos à
investigação dos graus de conexão entre as orações interligadas pelo elemento
em pauta;
Verificaremos a interface entre as construções identificadas, gêneros e tipologias
textuais;
Paralelamente, avaliaremos a relação entre os resultados apresentados e as
modalidades: fala e escrita.
Para isso, evocaremos resultados quantitativos que nos fornecerão respaldo às
interpretações sugeridas em relação ao padrão distribucional das construções sob
investigação e à sua multifuncionalidade, no português falado e escrito.
Cumpre registrar que a distribuição do mas entre as modalidades se mostra
61
Adotaremos, aqui, o termo arquitetura para caracterizar as especificidades das construções e fazer
perceber a natureza plástica (maleável) destas.
138
irregular (575 ocorrências na fala e 278, na escrita), apesar do controle da dimensão
das amostras. Sendo assim, sempre que se fizer necessário, procederemos à
relativização dos dados, calculando os percentuais com base na totalidade dos
dados identificados na fala ou na escrita, como ilustra a tabela 1.
Instâncias de incidência do elemento mas FALA ESCRITA
TOTAL
Elementos no interior do sintagma não oracional
- 12/278 (4%)
12/853 (1%)
Sintagmas não oracionais
53/575 (9%) 61/278 (22%)
114/853 (13%)
Sintagmas oracionais
291/575 (51%) 178/278 (64%)
469/853 (55%)
(Sub) tópicos
191/575 (33%) 27/278 (10%)
218/853 (26%)
Turnos
40/575 (7%) -
40/853 (5%)
575 278 853
Tabela 1: Instâncias de incidência do elemento mas, na fala e na escrita
A tabela 1 evidencia que, das 853 ocorrências do elemento mas, 55%
(469/853) dizem respeito à atuação do elemento na ligação de segmentos
oracionais. Verificamos ainda que a freqüência de sintagmas oracionais conectados
por mas, na escrita (64%) é superior ao da fala (51%). Quanto aos outros
segmentos relacionados pelo item, cumpre observar que:
1 Na fala, o mas relaciona sintagmas não oracionais em 9% (53/575) das
ocorrências, enquanto, na escrita, o mesmo tipo de conexão se estabelece em 22%
(61/278) das ocorrências;
2 Na fala, o mas participa da organização (sub) tópica em 33% (191/575)
das ocorrências, enquanto, na escrita, isso acontece em apenas 10% (27/278) das
ocorrências;
3 – Na fala, o mas participa da troca de turnos;
4 – Na escrita, o mas participa da conexão de elementos no interior de
sintagmas não oracionais.
Com base nesses dados, organizamos o gráfico 1, que possibilita a
139
visualização dos resultados.
Gráfico 1: Instâncias de atuação do mas, na fala e na escrita
No gráfico 1, constatamos que uma tendência de os sintagmas (oracionais
ou não) serem mais recorrentes na escrita do que na fala. Esta diferença se justifica
pelo fato de, na modalidade escrita, a construção do texto decorrer de um
planejamento prévio. No caso da fala, a construção do texto se dá paralelamente (on
line) à sua expressão e interferências de fatores pragmáticos, o que repercute na
atuação do elemento em instâncias extra-oracionais, como se constata no gráfico 1.
Cumpre ressaltar que os índices percentuais mais altos para a vinculação
entre sintagmas não oracionais e elementos de sintagmas não oracionais na escrita
se devem ao fato de esta modalidade explorar a elipse de elementos, como em
(136).
(136) Embora realmente existam na nossa cidade pessoas com
pouca cultura e civilidade, que sabem destruir o
patrimônio público, as fotos apresentadas na edição de hoje
(10/03) do GLOBO mostram o descaso da prefeitura. Mato
alto, faixa de pedestre apagada, decoração de carnaval
quase despencando não traduzem falta de civilidade dos
cariocas, mas sim desinteresse da prefeitura em investir na
conservação da cidade. (O GLOBO – 11/03/04 – Cartas)
140
Em (136), a recuperação do verbo é plausível. Acreditamos que o fato de ele
não ter sido reiterado se deve à imposição gramatical que avalia negativamente a
repetição de itens lexicais. O efeito da não reiteração se traduz como maior grau de
integração.
Quanto à alta freqüência de sintagmas oracionais conectados por mas, na
fala (51%), vale uma consideração, após a leitura do exemplo (137).
(137) Eu quero é a cuca maravilhosa e fé. Eu sou católica,
(carro passando) ele pode não ser católico, mas eu gostaria
que ele tivesse uma fé. Viver sem fé, ninguém vive. (ruído) A
minha maior riqueza é a minha fé. Não vou <tor...>- não
vou- não sou carola. Não vou fazer que o meu neto seja
católico, se ele o quiser. Se ele- eu vou- lógico que ele vai
ser encaminhado dentro da (ruído) religião dos pais e [da
avó,] naturalmente, da família, católica. Mas se ele adulto
quiser ser espírita, um bom espírita, se ele quiser ser um
bom (ruído) protestante, eu acho que (bonde passando) tudo
bem. Desde que ele creia nessa que ele vai abraçar, (est)
não é? Que ele tenha um (f) bom- uma boa instrução, é
melhor que uma caderneta de poupança. Porque se você
tem uma caderneta de poupança, mas você não tem
instrução, você não tem cabeça, ela o vale nada. Agora,
se você não tem poupança, mas tem instrução e uma boa
cabeça, você tem tudo. (est) Então para o meu neto eu
quero ("o") quê? Paz e amor, como (riso e) vocês dizem
agora essa expressão que é maravilhosa. Um bom sentido
de paz e no bom sentido de amor. Amor aos homens,
(buzina) à família. Ninguém vive sem família, (ruído) bem!
Quando nós somos jovens, nós não damos tanto valor às
nossas raízes. Mas conforme nós vamos envelhecendo não
me considero velha não, (riso de e) embora com cinqüenta e
dois anos. eu sou uma coroa. (Amostra 00 (c) – c48)
Em (137), temos um trecho, no qual se identificam cinco ocorrências de mas.
Deparamo-nos com este tipo de encadeamento, com certa freqüência, ao lidarmos
com dados da fala. Identificamos tal fenômeno principalmente em trechos
eminentemente argumentativos, como em (137), em que a informante defende sua
concepção acerca da educação de um jovem (a ser aplicada, no caso, ao seu neto).
Primeiro, defende a necessidade de uma religião, na qual ele demonstre sua fé.
141
Depois, passa a argumentar a favor de se ter uma boa instrução e formação e, por
fim, trata da importância de se valorizarem as raízes familiares. Acreditamos que a
alta freqüência se deve ao efeito gatilho ocasionado pela contaminação do contraste
em todo o ambiente de incidência do item mas.
Quanto à distribuição dos segmentos conectados por mas pelas amostras
utilizadas nesta tese, cabem aqui algumas considerações. Para isso, valer-nos-emos
da tabela 2.
AMOSTRAS/
INSTÂNCIAS DE
ATUAÇÃO DO MAS
Elementos no
Interior do
Sintagma não
Oracional
Sintagmas não
Oracionais
Sintagmas
Oracionais
(Sub) Tópicos Turnos
PEUL: ENTREVISTAS - 22/ 368 (6%) 189/368 (51%) 125/368 (34%)
32/368 (9%)
368/853 (43%)
NURC - 31/207 (15%) 102/207 (49%) 66/207 (32%) 8/207 (4%) 207/853 (24%)
PEUL: JORNAIS 12/278 (4%) 61/278 (22%) 178/278 (64%) 27/278 (10%) - 278/853 (33%)
12/853 (1%) 114/853 (13%) 469/853 (55%)
218/853 (26%)
40/853 (5%)
853
Tabela 2: Instâncias de atuação do mas pelas amostras
As amostras da fala utilizadas neste trabalho, descritas no capítulo referente
aos procedimentos metodológicos desta tese, foram extraídas dos corpora do PEUL
e do NURC. Nas entrevistas do PEUL, a fala dos entrevistados se aproxima da fala
fluente e não se verifica o planejamento prévio acerca dos temas tratados. Nos
corpora do NURC, o planejamento prévio dos temas tratados nas entrevistas e
aulas. Dessa forma, no que tange à modalidade falada, a distribuição apresentada
na tabela 2, em que elementos no interior do sintagma não oracional, sintagmas não
oracionais e sintagmas oracionais ocorrem predominantemente nas amostras do
NURC, enquanto (sub) picos e troca de turnos ocorrem predominantemente nas
entrevistas do PEUL.
O gráfico 2 ilustra esta distribuição dos segmentos vinculados pelo mas, nas
amostras utilizadas.
142
Gráfico 2: Distribuição dos segmentos conectados por mas nas amostras
Note-se que a freqüência de sintagmas não oracionais e elementos ligados
por mas no interior de sintagmas não oracionais se mostra intermediária, nas
amostras do NURC, devido ao fato de entrevistas, aulas e conferências contarem
com graus de planejamento mais altos do que as entrevistas do PEUL.
Após essa esta análise preliminar acerca da distribuição do elemento sob
análise na fala e na escrita, cabe, nas seções subseqüentes, considerarmos a
arquitetura das construções, nas quais, o elemento estabelece seus vínculos.
6.1 AS CONSTRUÇÕES DE CONTRASTE VINCULADAS PELO MAS
Como podemos constatar na seção anterior, os ambientes de contraste, nos
quais incidências do item mas, são constituídos de segmentos de diferentes
instâncias: sintagmáticas, textuais e interacionais. Assim, O principal papel do mas
na arquitetura de uma construção é servir de liga para diferentes tipos de
segmentos, que se constituem em diferentes etapas do processo de ativação e re-
ativação de sentenças e textos.
A configuração destes segmentos se adéqua, entre outros fatores, aos
padrões organizacionais das diferentes seqüências tipológicas e/ou se adéquam a
143
determinadas regularidades determinadas pelo gênero textual. Ao desempenhar o
seu papel, o elemento sob investigação participa de todas as instâncias: na conexão
de elementos no interior do sintagma; da conexão de sintagmas não oracionais; da
conexão de sintagmas oracionais; da conexão de (sub)tópicos discursivos e da
conexão entre turnos.
6.1.1 Conexão entre elementos no interior do sintagma não oracional
Identificamos, nas amostras analisadas, que apenas adjetivos atributivos
62
são conectados pelo mas dentro do sintagma não oracional e que estes adjetivos
integram objetos diretos, como adjuntos. Todos os doze trechos verificados
apresentam a mesma constituição de (138) e (139).
(138) Assim como fez quando o time disputou a Série C do
Brasileiro, ocasião em que recebeu uma única, mas
importantíssima injeção financeira de R$ 50 mil. (O Globo
10/03/2004 – Notícia)
(139) Nossa defesa é bem preparada, mas leve, mal
fisicamente. O Vasco, ao contrário, tinha jogadores rápidos,
mas fortes, bem preparados. (JB – 08/03/2004 – Notícia)
Em (138) e (139), nas construções, o estabelecimento de uma ressalva,
criando um tipo de restrição que permite a admissão do segmento anterior. Isso
pode ser evidenciado pela paráfrase do item mas por mas mesmo assim . Em
(138), por exemplo, o Friburguense recebeu uma única injeção financeira da
prefeitura, mas mesmo assim foi importantíssima para a reabilitação do clube e, em
(139), depreendemos que os jogadores do Vasco são rápidos, mas mesmo assim
são fortes e bem preparados.
62
São adjetivos ligados diretamente aos substantivos, outorgando-lhes um atributo. Opõe-se aos adjetivos
predicativos, que se ligam aos substantivos, por meio de um verbo de ligação.
144
As duas arquiteturas apresentam as variações de uma mesma construção, na
qual o elemento mas conecta dois adjetivos atributivos que caracterizam o
substantivo, núcleo do complemento verbal. Em (138), os adjetivos única e
importantíssima caracterizam a expressão substantiva injeção financeira,
complemento de receber. Da mesma forma, em (139), os adjetivos fortes e
preparados caracterizam o substantivo jogadores, complemento do verbo ter.
O fato de a construção em tela ocorrer predominantemente na escrita
corrobora a proposta de Chafe (1984), segundo a qual, a modalidade escrita se
caracteriza pela presença de mecanismos de integração. De acordo com o autor,
uma única unidade de idéia da escrita reúne mais informações do que uma unidade
de idéia da fala. A conexão entre adjetivos atributivos relativos a um mesmo
substantivo ilustra plenamente esse princípio.
A admissão do conteúdo expresso no enunciado anterior coloca este tipo de
construção no grau mais baixo da escala de desigualdade proposta por Neves
(1984), ou seja, trata-se de uma simples desigualdade: admite-se o conteúdo
expresso no segmento que antecede o mas.
Assim, verificamos que os elementos ligados por mas no interior dos
sintagmas não oracionais são adjetivos atributivos e o item sob investigação
participa do mecanismo de ressalva, nesses casos.
6.1.2 Conexão entre sintagmas não oracionais
Como foi apresentado anteriormente, o elemento sob análise participa da
conexão de sintagmas não oracionais em 13% (31/853) dos dados analisados.
Destas ocorrências, 27% (31/114) se dão na fala e 73% (83/114), na escrita. Estes
145
sintagmas se configuram como Sintagmas Preposicionais (SPreps), Sintagmas
Nominais (SNs) ou Sintagmas Adverbiais (SAdvs), como evidencia a tabela 3.
Sintagmas não
oracionais
FALA ESCRITA
Spreps 27/82 (33%)
55/82 (67%) 82/114 (72%)
SNs 4/10 (40%) 6/10 (60%) 10/114 (9%)
SAdv - 22/22 (100%) 22/114 (19%)
Tabela 3: Distribuição dos sintagmas não oracionais
conectados por mas na fala e na escrita
Com base na distribuição apresentada na tabela 3, é evidente a freqüência
superior de SPreps (72% - 82/114) em relação a de SNs (9% - 10/114) e SAdvs
(19% - 22/114). Quanto à distribuição destes sintagmas na fala e na escrita, os
resultados podem ser mais bem visualizados no gráfico 3.
Gráfico 3: Distribuição dos Sintagmas não oracionais conectados por mas, na fala e na escrita
As construções nas quais SPreps e SNs o conectados por mas
representam mecanismos de substituição, nos quais anulação do conteúdo
exposto no primeiro segmento, como no exemplo (140).
(140) Leio hoje no GLOBO, não com surpresa, mas com
tristeza, que a secretaria comandada pelo Sr. Anthony
Garotinho esmais uma vez maquiando as estatísticas. (O
GLOBO – 19/02/04 – Cartas do Leitor)
146
Em (140), o conteúdo expresso no sintagma com tristeza substitui o conteúdo
do sintagma com surpresa. Em casos como este, podemos parafrasear o elemento
mas por mas sim.
Apesar de os SNs conectados por mas apresentarem a mesma orientação
das que envolvem SPreps, ou seja, a de substituição, nas ocorrências analisadas,
verificamos que, paralelamente à vinculação de SNs, ocorre um mecanismo de
gradação, como em (141) e (142).
(141) Vejam os senhores que o Romário, que estava com a
vida ganha, conquista uma aposentadoria que daria para
sustentar não alguns velhinhos, mas um asilo lotado. Não
discuto os direitos do Baixinho, que são legítimos. Caiu-me o
queixo pela quantia que Vasco e Flamengo vão desembolsar
mensalmente ao longo de anos e anos a fio. Uma coisa de
louco! (EXTRA – 07/01/04 – Editorial)
(142) F- Ele foi o primeiro cara que colocou um livro, assim, do
Edgar Allan Poe. Traduziu para mim, porque era todo ele
escrito em inglês. Leu, eu ouvi. Foi o maior barato. A gente
estava preso na escola, para variar, a gente estava preso.
E- Você gostou de Poe?
F- Maior barato, ele, sabe? Um cara assim com uma
cabeça, sabe? É aquele lance, não é? Eu acho que, como
eu te falei, precisava nem o mundo todo, mas um pequeno
país, tipo assim a Holanda, o é? Todo mundo se
admitisse. O mundo ia ser uma doideira, cara, porque,
sabe? Uma minoria ia mudar o mundo assim na melhor,
sabe? Cada um saísse assim por um país, sabe? (inint)-
Aliás, sair é uma furada, porque tu começa, não é? A
definir um para lá, outro para cá, <pá!> nada disso, aí.
Concentra, faz a massificação e: uau! porque o mundo
começa a prestar atenção, sabe? Começa a prestar
atenção, a saber qual é- querer saber qual é. (Amostra 80
c037)
147
Em (141), verificamos a ocorrência de uma gradação crescente: alguns
velhinhos > um asilo lotado e, em (142), de uma gradação decrescente: o mundo
todo > um pequeno país.
As construções formadas pela conexão entre SPreps e SNs guardam outra
característica importante: apresentam partículas de negação no segmento que
precede o mas. Esta partícula pode tomar como escopo apenas sintagma não
oracional, como em (143), ou a construção inteira, como em (144).
(143) Quem votava no Lula, não por hábito, mas por convicção,
tem mais razões ainda para se beliscar e bater com a
cabeça na parede pensando que é sonho e tentando
acordar. (O GLOBO – 01/10/02 – Crônicas)
(144) Não necessidade de casas de parto, mas de unidades
hospitalares preparadas com instalações e pessoal treinado
para este procedimento. (O GLOBO 27/02/04 Cartas do
Leitor)
Em (143) e (144), ocorre o mecanismo de substituição, que consiste na
anulação total do conteúdo expresso no segmento que antecede o mas. A diferença
básica entre (143) e (144) reside na ampliação do escopo da partícula negativa não.
Enquanto, em (143), a negativa incide sobre o SPrep por hábito”, em (144), a
negação incide sobre a construção inteira. Dessa forma, em (144), a recuperação do
verbo parece plausível.
Acreditamos que, ao preceder SAdvs, o mas previna o leitor de uma possível
interpretação equivocada, como em (145)
148
(145) Tenha calma porque as mudanças vão acontecer,
mas não imediatamente. (JB – 23/10/03 – Editoriais)
Em (145), o editor, prevendo uma possível interpretação equivocada acerca
da velocidade de realização das mudanças, previne o leitor de que tais
transformações não ocorrerão imediatamente. Em todas as ocorrências, envolvendo
SAdvs, identificamos a presença da partícula de negação.
Nesta seção, verificamos que na conexão entre sintagmas não oracionais, o
mas participa do mecanismo de substituição, que repercute na anulação do
conteúdo expresso no segmento que antecede o elemento sob análise. A anulação
se dá, principalmente, pela existência de partícula de negação incidindo sobre o
sintagma não oracional a ser substituído, ou sobre toda a construção.
6.1.3 Conexão entre sintagmas oracionais
vimos que a construção na qual o elemento mas estabelece a conexão
entre segmentos oracionais corresponde a 55% (469/853) das ocorrências, com
51% (241/575), para a fala e 64% (178/278), para a escrita. Além de este segmento
vinculado por mas ser tão freqüente na fala quanto na escrita, apresenta
construções com muitas possibilidades de arquitetura, devido aos processos de
ativação das orações envolvidas e ao papel das partículas de negação, dentre
outros aspectos.
As construções nas quais o elemento mas estabelece a ligação entre dois
sintagmas oracionais representam quatro funções semânticas principais:
substituição, compensação, quebra de expectativa e ressalva, cuja distribuição na
149
fala e na escrita pode ser visualizada na tabela 4.
FUNÇÃO/ MODALIDADE FALA ESCRITA TOTAL
Substituição 12/258 (5%) 14/141 (10%) 26/399 (7%)
Compensação 66/258 (26%) 27/141 (19%) 93/399 (23%)
Quebra de Expectativa - 24/141 (17%) 24/399 (6%)
Ressalva 180/258 (70%) 76/141 (54%) 256/399 (64%)
258 141 399
Tabela 4: Funções semânticas do mas,
na conexão de sintagmas oracionais, na fala e na escrita
Tendo como referência a tabela 4, constatamos que, em sintagmas
oracionais, a atuação do elemento sob análise em mecanismos de ressalva é bem
mais freqüente, chegando a 64% (256/399) das ocorrências, enquanto os
mecanismos de substituição e de quebra de expectativa representam apenas 7% e
6%, respectivamente, do número total de ocorrências. Para facilitar a visualização
das freqüências das funções semânticas de mas em sintagmas oracionais, na fala e
na escrita, valemo-nos do gráfico 4.
Gráfico 4: Funções semânticas de mas em sintagmas oracionais na fala e na escrita
Na instância oracional, verificamos que mecanismos de ressalva e de
compensação predominam na fala, enquanto mecanismos de substituição e quebra
de expectativa, na escrita.
150
Parafraseáveis por mas em compensação”, os mecanismos de compensação
resgatam as funções semânticas do magis latino que, como podemos constatar, no
primeiro capítulo desta tese, estabelecia comparações. A compensação se
caracteriza pela apresentação, no segundo segmento, de uma propriedade positiva
de um elemento ou acontecimento expresso no primeiro segmento. Isso se
evidencia em (146) e (147).
(146) Nós passamos uma tarde num...num lugar onde eles
serviam uma refeição e depois então era só frutas...mas
frutas realmente que eu nunca havia visto. (NURC DID
012)
(147) Lá, nós comemos um quindim por 15 cruzeiros...mas era
um senhor quindim. (NURC DID 012)
Em (146), o informante parece se queixar do fato de, no local onde passou
uma tarde, servirem apenas frutas. No entanto, no segmento introduzido por mas,
ele apresenta um aspecto que compensou o jejum a base de frutas: o fato de serem
frutas que ele nunca havia visto. Em (147), o alto preço do quindim, o que seria um
impeditivo para a sua compra, é compensado pela qualidade do doce.
Nos mecanismos de compensação, o conteúdo expresso no primeiro
segmento não é anulado, é admitido. Logo, não presença de partícula de
negação nesse segmento.
Em segmentos paralelos sintaticamente, a inserção da partícula de negação
no sintagma oracional que antecede o introduzido por mas, poderia transformar o
mecanismo de compensação, num mecanismos de substituição, como em (146’).
151
(146’) Serviram uma refeição e depois então não eram só frutas,
mas frutas realmente que eu nunca havia visto.
Nos sintagmas oracionais em que o elemento sob análise atua em
mecanismos de substituição, o mas pode ser parafraseado por mas sim, da mesma
forma como procedemos, ao lidarmos com instâncias sintagmáticas não oracionais.
(148) Pitboys, os rapazes de classe média que promovem
violentas arruaças em casa noturnas, parecem apresentar
quantidade exagerada de energia, que canalizam para as
brigas, e de falta de princípios éticos. Não há dúvidas de que
precisam ser punidos. Entretanto, as penas, que até hoje
lhes foram impostas, resumiam-se ao fornecimento de
cestas básicas. Pensa-se, agora, em sentença de reclusão.
Sugiro uma pena que não os imobilize, mas inclua a prática
diária e obrigatória de lutas esportivas, em locais sob
controle policial, onde possam gastar suas energias
aprendendo as regras que regem os princípios da lealdade e
respeito devidos a seus semelhantes. (JB 29/03/04
Cartas dos Leitores)
Em (148), o remetente da carta procura demonstrar que o tipo de punição
estudada para os jovens infratores, a reclusão, não permitiria que eles gastassem
suas energias (motivadores de arruaças e violência), d a sua ineficácia. Sendo
assim, propõe uma forma de punição que substitua a reclusão: a prática de
esportes. A arquitetura do mecanismo de substituição apresenta dois traços
característicos: o paralelismo sintático dos dois segmentos ligados pelo mas e a
existência de partícula de negação no primeiro segmento, com função anuladora.
Na fala, identificamos construções com períodos pseudo-complexos, como
(149).
(149) teve um amigo dela que eu disse: “Olha Luana,
não... não gostei desse seu amigo”. Acabou, na
verdade, que o menino não vale nada. Não que seja
assim drogado, mas era meio pancado” da cabeça.
(Amostra 00 (i) – 07)
152
Este período pseudo-complexo se caracteriza pela não existência de oração
principal. Em (149), a informante explica que o menino não “valia nada”, não por ser
drogado, mas por ser meio “pancado” da cabeça.
Nos mecanismos de ressalva, o mas pode ser parafraseado por mas mesmo
assim”. Estes mecanismos se caracterizam pela admissão dos conteúdos
apresentados nos dois segmentos. Acontece que, ao unir dois conteúdos
completamente desconexos do ponto de vista semântico, o uso do mas cria um
vínculo pragmático que gera implicações semânticas, como em (150).
(150) Cinco folhas do calendário de 2003 foram para o lixo,
mas as páginas dos cadernos de boa parte dos alunos da
rede estadual de ensino em Duque de Caxias continuam em
branco. (EXTRA – Notícias)
Em (150), o repórter admite que cinco folhas do calendário foram arrancadas,
mas mesmo assim, as páginas dos cadernos de boa parte dos alunos estão vazias.
Ao fazer uso do mecanismo de ressalva, o repórter cria um vínculo entre os
conteúdos admitidos nos dois segmentos.
O vínculo estabelecido tem implicação no mundo extralingüístico, posto que, a
priori, o ato de arrancar folhas do calendário e as páginas dos cadernos dos alunos
estarem vazias não representam qualquer relação semântica.
Outro mecanismo que verificamos em 17% (24/399) das ocorrências de mas
entre sintagmas oracionais se caracteriza pela utilização de partículas de negação
no segundo segmento, o que contribui para uma quebra de expectativa. A
afirmação expressa no primeiro segmento leva a uma inferência que é negada no
segundo segmento, como em (151).
153
(151) O carro da contadora que foi morta tinha
rastreador, mas a polícia nada fez . (O Globo
15/03/04 – Cartas dos Leitores)
Em (151), o remetente da carta afirma que o carro da contadora possuía um
rastreador, o que nos leva a inferir que a ação da polícia foi imediata. No entanto,
esta expectativa é quebrada, pois a polícia “nada fez”. O mesmo acontece em (152):
(152) A CEDAE recebeu diversas reclamações, mas não
solucionou o problema. (Extra 21/12/03 Cartas dos
Leitores)
Em (152), o fato de a CEDAE já ter recebido diversas reclamações, nos leva a
esperar que tenha solucionado o problema. Entretanto, nossa expectativa é
destruída, ao verificarmos, no segundo segmento, que o problema não foi
solucionado.
7.1.3.1 Os graus de conexão entre sintagmas oracionais
Ao tratarmos da conexão entre sintagmas oracionais, consideramos a
aferição dos graus de conexão entre os segmentos oracionais ligados pelo mas
fundamental para a elucidação dos mecanismos identificados. Com base neste
grupo de fatores, organizamos a tabela 5.
Funções Semânticas/
Graus de Conexão
dos Sintagmas
Oracionais
GRAU 1 GRAU 2 GRAU 4 GRAU 5
TOTAL
FALA ESCRITA FALA ESCRITA FALA ESCRITA FALA ESCRITA
Substituição
12/26 (46%) 14/26 (54%) - - - - - -
26
Compensação
23/93 (24%) 20/93 (22%) 10/93 (11%) 6/93 (6%) 4/93 (4%) - 18/93 (19%) 12/93 (13%)
93
Quebra de
Expectativa
- 11/24 (46%) - 2/24 (8%) - 2/24 (8%) - 9/24 (37%)
24
Ressalva
26/256 (10%) 13/256 (5%) 21/256 (8%) 13/256 (5%) 30/256 (12%) 13/256 (5%) 114/256 (45%) 26/256 (10%)
256
Tabela 5: Graus de conexão dos sintagmas oracionais vinculados por mas
154
Na tabela 5, visualizamos a distribuição das funções exercidas pelo mas e os
graus de conexão dos sintagmas oracionais vinculados pelo elemento, na fala e na
escrita. Com base na tabela 5, elaboramos os gráficos 5 e 6:
Gráfico 5: Graus de conexão dos sintagmas oracionais vinculados por mas, na fala
Gráfico 6: Graus de conexão dos sintagmas oracionais vinculados por mas, na escrita
Nos gráficos 5 e 6, constatamos a alta freqüência do grau de conexão 1, em
mecanismos de substituição, na fala e na escrita. Esses resultados evidenciam que,
no caso, dos mecanismos de substituição, um forte vínculo entre os segmentos
conectados pelo mas, pois mantêm o mesmo referente como sujeito, o mesmo
tempo e o mesmo modo verbal, como ilustra o exemplo (153).
(153) Embora realmente existam na nossa cidade pessoas com
pouca cultura e civilidade, que sabem destruir o
patrimônio público, as fotos apresentadas na edição de hoje
(10/3) do GLOBO mostram o descaso da prefeitura. Mato
alto, faixa de pedestre apagada, decoração de carnaval
155
quase despencando não traduzem falta de civilidade dos
cariocas, mas representam o desinteresse da prefeitura em
investir na conservação da cidade. (O Globo 11/03/04
Cartas dos Leitores)
Em (153), a remetente da carta defende que os problemas de conservação no
Rio de Janeiro não são conseqüências da falta de civilidade dos cariocas. Ela
substitui esta hipótese por uma mais plausível: os problemas seriam decorrentes do
descaso da prefeitura.
Ainda, com base nos gráficos 5 e 6, verificamos que mecanismos de
compensação apresentam grau de conexão 1, em ocorrências como (154) e (155), e
grau de conexão 5, em ocorrências como (156) e (157).
(154) Se quiser me matar, me mata, mas deixa a minha filha
viver porque ela está começando a vida agora. (Amostra 00
(i) – r09).
(155) Esse de quarta ele vai dormir. Dorme de pega de acho
que é de seis da tarde até seis da manhã do dia seguinte.
Mas, em compensação, no dia seguinte ele não trabalha ,
sabe? (Amostra 00 (c) – c047)
(156) O nosso corpo, de repente, acaba aqui, mas a
consciência é uma coisa que....ou se a gente é uma
máquina biológica, né? (Amostra 00 (i) – r07)
(157) O mercado está abastecido, mas a renda da população
tem caído. (O Globo – 29/02/04 – Cartas dos leitores)
Em (154) e (155), os sintagmas oracionais introduzidos por mas se
caracterizam pela entrada de novos participantes na função de sujeito. Vale ressaltar
que, na fala, os mecanismos de ressalva podem apresentar grau 4 de conexão,
numa freqüência considerável. Em casos como esses, identificamos a co-ocorrência
de elementos anafóricos no segmento introduzido por mas, como ilustram os
156
exemplos (158) e (159).
(158) Cesar Maia quando entrou, quebrou a cidade toda dizendo
que ia fazer obra pra chuva, mas obra essa que era fachada
para botar a cidade interligada com TV a cabo, onde tinha
obra de chuva, tinha TV a cabo. (Amostra 00 (c) – t31)
(159) O importante é que Teresa se apaixona pelo empresário,
mas ele morre tragicamente. (O Globo 23/10/02
Crônicas)
Em (158) e (159), o referente, sujeito do sintagma oracional introduzido pelo
mas, exerce função sintática diversa no primeiro segmento. Nestes exemplos, os
elementos que representavam papéis secundários no primeiro segmento passam a
desempenhar papéis principais, no segundo segmento.
Em 46% (11/24) das construções concessivas de quebra de expectativa
ocorre o grau de conexão 1, ou seja, o mais alto. O sujeito é comum aos dois
segmentos da construção, como o exemplo (160) evidencia.
(160) A ação do policial ferido de raspão em um dos braços
vai lhe valer uma promoção, mas não foi suficiente para
impedir o assalto. (JB – 23/10/02 – Notícias)
Em (160), a construção apresenta um mesmo sujeito para os dois segmentos
oracionais: a ação do policial.
Em todas as funções desempenhadas pelo mas na conexão entre orações,
os graus 1 e 5 predominam na fala. Por outro lado, o grau 1 predomina na escrita,
independente da função semântica desempenhada por mas. Acreditamos que o
157
grau de conexão 1 seja um forte mecanismo de integração. Daí a alta freqüência
deste grau em sintagmas oracionais conectados por mas, na escrita.
6.1.4 A expressão correlativa “não só... mas também”
Em nossos dados, verificamos que o elemento sob análise participa da
expressão correlativa “não só...mas também”, como ilustra o exemplo (161).
(161) A questão é saber se será um crescimento sustentado ou
apenas um resultado circunstancial, a exemplo do que
ocorreu, por exemplo, mais recentemente, em 2000, ano em
que houve um crescimento de 4,4 %, seguido de uma nova
crise em 2001, motivada não por uma mudança no quadro
externo, mas também por um problema de ordem doméstica,
a carência de energia que motivou o racionamento. (JB
04/03/04 – Crônicas)
O exemplo (161) apresenta uma correlação aditiva, na qual soma de dois
complementos nominais para o particípio passado: motivada por uma mudança no
quadro externo e motivada por um problema de ordem doméstica. Esse tipo de
correlação apresenta um uso relativamente freqüente (4% - 32/853). Estabelece
uma forte vinculação entre sintagmas oracionais ou não oracionais. A correlação
exerce um papel importante, pois concorre para que se destaquem as opiniões
expressas.
Acreditamos que, na expressão correlativa não só...mas também haja
mecanismos de focalização, representadas pela expressão não , e de inclusão,
nesse caso, formalizada pela conjunção mas. Na verdade, o “não só” desfocaliza
algo/alguém e, ao desfocar, obriga o falante/ escritor a acrescentar outro elemento,
que pode desencadear uma comparação e não apenas uma adição. Esse acréscimo
é feito pela conjunção mas. Essas características o responsáveis pela quebra de
158
linearidade da sentença, tirando sua sucessão temporal, como demonstraremos a
seguir.
(162) O que realmente me impressionou e me encantou foi a
seriedade com que o Cruzeiro participou de todas as
competições. O melhor exemplo foi ter disputado a última
rodada do Brasileiro não só para cumprir tabela, mas para
afirmar e reafirmar a sua superioridade. (EXTRA 18/12/03
– Editoriais)
Em (162), ao se formular a construção coordenando as duas sentenças,
observamos que a linearidade e a sucessão temporal estão presentes. Obtém-se,
assim, uma sucessão de eventos, devidamente marcada, como demonstramos em
(162’)
(162’) O melhor exemplo foi ter disputado a última rodada do
Brasileiro para cumprir tabela, para afirmar e reafirmar a sua
superioridade.
No caso do par correlativo não só...mas também a bifurcação em dois eixos
argumentativos faz com que haja uma quebra na sucessão temporal dos
acontecimentos. Os elementos constituintes da expressão correlativa o só...mas
também podem sofrer pequenas alterações, como as apresentadas em (163), (164)
e (165).
(163) D1 De vez em quando, a gente em jornal, mesmo no
Brasil e em outros países também mais ( ) problemas ligados a
certos animais que estão desaparecendo, né?
L1 – sim...
D1 – não a animais terrestres... mas (a) animais que vivem...
na água... (NURC –D2 369)
(164) Agora é esperar a ex-global assumir e ver as novidades que vão
surgir não apenas no Dia-a-Dia, mas em toda a programação da
Band. (O Povo – 22/01/04 – Coluna Social)
159
(165) Todos, se quiserem, deverão ir à universidade, onde terão
contato com seus pares e se alimentarão da ciência para não
apenas compreender, mas (também) exercer melhor a
cidadania. (O Globo – 27/02/04 – Cartas dos Leitores)
Vale enfatizar que, a correlação entre sintagmas oracionais ocorre
exclusivamente na fala (18% -6/32), mas a correlação entre sintagmas não
oracionais ocorre com bastante freqüência na escrita (22% - 7/32). Das 19
ocorrências da correlação envolvendo sintagmas não oracionais, nos textos falados,
12 pertencem às amostras do NURC.
6.1.5 Focalização do sintagma não oracional
Dentre as construções nas quais o mas incide sobre sintagmas não
oracionais, um tipo específico de construção nos chamou a atenção: em 5%
(41/853) das ocorrências, identificamos uma arquitetura na qual o mas se insere no
interior do sintagma oracional para realçar SPreps, com função adverbial, como em
(166).
(166) Alguns dos maiores artistas plásticos hodiernos
(gostaram?) são humoristas. Muitos deles como, por
exemplo, André François, Steadman e o próprio Steinberg
são reconhecidos, mas no gueto. (JB – 27/10/02 – Crônicas)
Em (166), o cronista revela que os maiores artistas plásticos da atualidade
são reconhecidos “no gueto”. Ao inserir o elemento mas antes do SPrep no gueto, o
escritor promoveu a focalização deste segmento. Além disso, há uma crítica
implícita ao fato de os artistas não possuírem um reconhecimento mais amplo.
Ao participar do mecanismo de focalização, o contexto de incidência do mas
160
apresenta duas características: 1) o mas é inserido sempre diante de SPreps em
posição de coda; 2) o mas estabelece um vínculo pragmático entre o conteúdo
restritivo do segmento focalizado e o conteúdo de toda a construção na qual está
inserido.
Em (166), por exemplo, o mas está inserido na posição de coda. No exemplo,
o SPrep “no gueto”, local de reconhecimento de alguns dos maiores artistas
plásticos hodiernos, representaria apenas uma circunstância de lugar, se o
houvesse a inserção do mas, tornando-o pivô de um dilema: o gueto passa a
representar um local inadequado para o reconhecimento de um bom artista plástico.
6.1.6 Outros
Em nossos dados identificamos 64 ocorrências de sintagmas oracionais
vinculados por mas que o representam nenhum dos mecanismos identificados,
neste estudo. No entanto, os sintagmas oracionais ligados pelo elemento em estudo
apresentam dois traços que, a seguir, enumeramos:
1 – Recuperação de elementos introduzidos no sintagma oracional anterior ao
introduzido por mas, como em (167), (168) e (169).
(167) Tenho uma vaga lembrança de estridentes caminhões de
som com candidatos em cima percorrendo a cidade, mas
nenhuma de algo que parecesse propaganda eleitoral na TV
pelo menos algo inteligível. (O Globo Crônicas
22/10/02 – Crônicas).
(168) O Roger Moore estava péssimo e, quando a tropa vai
embora, ele fica lá para se recuperar. É claro que Baker e
Moore se apaixonam, mas tudo muito platônico. (O Globo
23/10/02 – Crônicas)
(169) Talvez quem possa desfazer o mistério seja a escritora
mineira Cristina Agostinho, mas somente se ela quiser. (O
161
Globo – 22/10/02 – Editoriais)
2 Freqüência maior na escrita (21% - 37/178) do que na fala (9% - 27/291),
o que se justifica pela coesão, expressa pela ocorrência de elementos anafóricos
nos sintagmas oracionais introduzidos pelo mas.
Verificamos até aqui, a atuação do elemento mas em instâncias
sintagmáticas, estabelecendo a conexão entre elementos no interior de sintagmas
não oracionais; entre sintagmas não oracionais e entre sintagmas oracionais.
Analisamos a dimensão dos sintagmas, sua arquitetura e outros fatores que
participam da constituição de mecanismos tais como: substituição, ressalva,
compensação, quebra de expectativa, adição e focalização. A seguir, apresentamos
a tabela resumitiva (tabela 6) contendo as funções semânticas e os tipos de
segmentos sintagmáticos conectados por mas, na fala e na escrita.
Elementos dentro
do sintagma
não oracional
Sintagmas
não oracionais
Sintagmas
oracionais
FALA ESCRITA FALA ESCRITA FALA ESCRITA
Adição
- - 19/31 (61%) 7/61 (11%) 6/291 (2%) -
Compensação
- - - - 66/291(23%) 27/178(15%)
Quebra de Expectativa
- - - - - 24/178(3%)
Ressalva
- 12/12 (100%)
- - 180/291(52%)
76/178(43%)
Substituição
-
-
12/31 (39%) 18/61 (30%) 12/291(4%) 14/178(8%)
Focalização
- - - 36/61(59%) - -
Outros
- - - - 27/291(9%) 37/178(21%)
Tabela 6: Tabela resumitiva: funções, instâncias e modalidades
Com base na tabela 6, organizamos o gráfico 7.
Gráfico 7: Funções semânticas desempenhadas pelo mas, em construções sintagmáticas
O gráfico 6 revela as diferentes freqüências dos usos de mas no
162
estabelecimento de conexão em instâncias sintagmáticas. Constatamos a alta
freqüência de mecanismos de ressalva (47%), de mecanismos de compensação
(16%) e de substituição (10%). Os mecanismos de ressalva são mais freqüentes na
fala (64% - 88/268) do que na escrita (33% - 180/268). Verificamos, também, que
mecanismos de ressalva só ocorrem no interior do sintagma não oracional, na
modalidade escrita.
Constatamos que os mecanismos de compensação são mais freqüentes na
fala (23% - 66/291) do que na escrita (15% - 27/178) e ocorrem apenas em
instâncias sintagmáticas oracionais.
Os mecanismos de substituição são mais freqüentes na escrita (57% - 32/56)
do que na fala (43% - 24/56). Na escrita, tais mecanismos são bem mais freqüentes
em instâncias sintagmáticas não oracionais.
Quanto aos mecanismos de focalização e de quebra de expectativa, estes
acontecem exclusivamente na escrita.
Na constituição do ambiente no qual os diversos mecanismos se manifestas,
vale destacar o papel das partículas de negação:
Presença/ Ausência e posição da partícula de negação Mecanismos
Partícula de negação no segmento que precede o mas
Adição
Substituição
Ressalva
Partícula de negação no segmento introduzido por mas Quebra de Expectativa
Ausência de partículas de negação
Compensação
Focalização
Tanto faz Outros
Quadro 12: Presença/ ausência e posição da partícula de negação/ mecanismos
163
6.2 CONEXÃO ENTRE SEGMENTOS EXTRA-ORACIONAIS
Nesta seção, analisaremos a atuação do mas entre segmentos extra-
oracionais, ou seja, na organização textual-interativa, ambiente em que estabelece
algum tipo de relação entre unidades textuais e/ou entre os interlocutores. Os
mecanismos de atuação do Marcador Discursivo mas consistem em recursos
imprescindíveis e muito recorrentes na construção do discurso.
Marcuschi (1986) defende que os marcadores discursivos (doravante MDs)
formam uma classe de palavras ou expressões estereotipadas, de grande
ocorrência e recorrência. Segundo o autor (1989), elementos de todas as classes
gramaticais e formas sintáticas podem funcionar como MDs. Dessa forma, não é a
classe gramatical que indica se o elemento lingüístico é um MD, mas a função
desempenhada por ele na interação. Macedo & Silva (1996) consideram que os MDs
estão envolvidos em macrofunções discursivas, uma vez que eles organizam o
discurso internamente e mantêm a interação dialógica e o processamento da fala na
memória. É difícil definir quais elementos são MDs, pois se todos os elementos que
estão no discurso podem ser chamados de marcadores, dado que sempre marcam,
organizam e sinalizam alguma informação, seriam marcadores discursivos. As
autoras propõem várias funções para os MDs, uma para cada grupo de marcador,
levando em conta, também, o sentido e a posição deles no discurso.
164
GRUPO FUNÇÃO
Iniciadores
Iniciam turnos
Requisitos de apoio discursivo
Usados para se certificar da atenção do interlocutor
Redutores
Evitam uma postura assertiva ou autoritário do locutor
Esclarecedores
Tentam resumir ou retomar com mais clareza parte do discurso
Preenchedores de pausa
Evitam o silêncio enquanto um novo trecho de fala está sendo
providenciado
Seqüenciadores
Marcam seqüência no discurso
Resumidores
Encerram uma lista de itens e resumem o que se considera ser de
conhecimento
Argumentadores
Iniciam argumentação
Finalizadores
Dão um fecho ao turno do falante
Quadro 13: Divisão dos MDs em grupos (cf.: Macedo & Silva, 1996)
Segundo Castilho(1998), os MDs são elementos que “verbalizam o
monitoramento da fala, sendo freqüentemente vazios de conteúdo semântico,
portanto, irrelevantes para o processamento do assunto, porém altamente relevantes
para manter a interação”. Por fim, os MDs fazem com que as informações a respeito
do processamento cognitivo sejam explicitadas, marcando na fala as pós-reflexões,
reformulações, enfim, a reorganização do que os falantes disseram.
De acordo com Marcuschi (1998) os MD apresentam duas grandes funções
específicas: conversacional e sintática. A função conversacional considera sinais do
falante e do ouvinte; a função sintática relaciona-se à sintaxe de interação e ao
encadeamento das estruturas lingüísticas. Para o autor (1989),
os marcadores discursivos operam simultaneamente como organizadores
da interação, articuladores do texto e indicadores de força interlocutória,
sendo, pois, multifuncionais”.
Além disso, os MDs podem vir em várias posições dentro do turno ou na
seqüência dos turnos. De acordo com Castilho (1989), todos os MDs organizam o
texto. Porém, ele reconhece dois tipos funcionais de MDs: os interpessoais, cuja
função é de administrar os turnos conversacionais e manter a interação
falante/ouvinte; e os ideacionais, que orientam na organização do texto e marcam a
165
relação texto/falante. Basicamente, a multifuncionalidade dos MDs está associada a
funções gerais de natureza distinta: interpessoal ou interativa e textual.
Em seus estudos de base textual-interativa, Urbano (1999) e Risso (1999)
afirmam que dificilmente uma forma desempenha uma única função, assim, nem
sempre é possível distinguir os MDs que desempenham a função textual daqueles
que têm a função interacional.
Martelotta, Votre e Cezario (1996) e Martelotta (1998) defendem que os MDs
apresentam como função principal a reorganização da linearidade discursiva das
informações trocadas pelos falantes. Segundo esses autores, os MDs assumem
diversas funções que estão relacionadas à reformulação da fala. Vejamos:
a) a marcação de hesitações ou reformulações;
b) modalização do discurso, marcando insegurança ou não comprometimento do falante
em relação ao que fala;
c) a mudança na direção comunicativa, podendo manifestar uma concessão em relação
ao que foi dito;
d) a criação de espaços vazios (reticências);
e) a retomada de um dado anterior para fazê-lo de tópico do que será dito em seguida;
f) a introdução de informação de fundo;
g) o preenchimento de vazios causados por pausas que ocorrem para calcular
informações vindas posteriormente.
Verificamos que Macedo & Silva (1996) contribuem com os estudos dos
marcadores, propondo uma divisão para as várias funções dos MDs, levando em
conta o sentido e a posição que tais elementos ocupam no discurso. Diante desta
166
divisão, o elemento mas foi caracterizado, nas nossas amostras, como iniciador de
turno, seqüenciador, resumidor e argumentador.
O estudo denominado Marcadores Discursivos: traços definidores realizado
por Risso et al. (1996) tinha como objetivo o estabelecimento de traços
identificadores do estatuto dos MDs, capazes de conduzir a uma definição mais
precisa destes elementos. Para isso os elementos considerados MDs foram
analisados em relação a dezesseis variáveis, cada qual, com traços específicos
63
. A
partir dos traços propostos pelos autores, podemos enquadrar o mas no conjunto de
marcadores prototípicos ou bastante próximos do grupo que assume traços-padrão
identificadores de prototipicidade da classe.
Pautados nessas considerações, trataremos das funções discursivas do
elemento mas, assumindo que tais funções dizem respeito: no texto, a abertura de
(sub) tópico e retomada de (sub)tópico e, na interação, participa em mecanismos de
abertura de turno, iniciando uma argumentação, como resumidor ou marcando
seqüencias no discurso.
63
Apresentamos as variáveis, cada qual com seus respectivos traços: Variável 1- padrão de
recorrência (traços: baixa freqüência, média freqüência, alta freqüência); Variável 2 articulação de
segmentos do discurso (traços: seqüenciador tópico, seqüenciador frasal, não-seqüenciador);
Variável 3 orientação da interação (traços: secundariamente orientador, basicamente orientador,
fragilmente orientador); Variável 4 - relação com o conteúdo proposicional (traços: exterior ao
conteúdo, não-exterior ao conteúdo, não se aplica); Variável 5 transparência semântica (traços:
totalmente transparente, parcialmente transparente, opaco, não se aplica); Variável 6 apresentação
formal (traços: forma única, forma variante); Variável 7 relação sintática com a estrutura oracional
(traços: sintaticamente independente, sintaticamente dependente); Variável 8 demarcação
prosódica (traços: com pauta demarcativa, sem pauta demarcativa); Variável 9 autonomia
comunicativa (traços: comunicativamente autônomo, comunicativamente não autônomo); Variável 10
massa fônica (traços: até três sílabas tônicas, além de três sílabas tônicas); Variável 11 tipo de
ocorrência (traços: contíguos combinados, contíguos não combinados, contíguos repetidos, o
contíguos); Variável 12 base gramatical (traços: substantivo, adjetivo, advérbio, verbo, conjunção,
pronome, interjeição, preposição, formação mista, não se aplica); Variável 13 sexo (traços:
masculino, feminino); Variável 14 local do inquérito (traços: Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São
Paulo, Porto Alegre); Variável 15 tipo de inquérito (traços: DID, D2, EF); Variável 16 Posição
(traços: inicial, medial, final).
167
6.2.1 Na organização textual
O mas extra-oracional que articula segmentos textuais participa da
organização pica, sinalizando mudança de (sub) tópicos, como em (170) ou,
simplesmente, promovendo a retomada de algum (sub) tópico, após uma digressão,
como em (171).
(170) Discute-se muito se Zeca Pagodinho teria sido antiético ao
fazer a propaganda da Brahma, depois de haver sido filmado
experimentando a Nova Schin. Se o pagode que ele canta
promovendo a Brahma não contivesse forte apelo popular,
talvez a Nova Schin não ficasse tão brava. Mas o estribilho
sugere uma situação que a maior parte dos casais já viveu: a
do homem que foi "experimentar outro sabor", mas volta
porque "não larga o seu amor". Com a simpatia e o charme
que o cantor possui, seu jeito de bon vivant, e essa
mensagem de não abandonar quem se ama, o difícil é não
perdoá-lo. (JB – 28/03/04 – cartas)
(171) Ela é irmã da minha mãe, não é? Mas ela está forte, minha
filha. Você pensa que [ela]- ela se entrega? (rindo) Não se
entrega, não.(f) Ela só tem essa mania: [de]- de doença. eu
nunca vi, meu Deus! Gente velha é assim, não é? Se está-
(riso f) [tudo]- tudo é (gaguejo) doença, é exame- [adora]-
como adora fazer exame, não é? Fazer hemograma, [fazer]-
fazer...
E- [Mas ela é saudável?]
F- É, ela gosta muito de se lamentar, sabe? Eu digo assim:
olha, você precisa sair, andar, fazer exercício esse negócio
de ficar em casa, deitada o dia inteiro, não resolve, não.
Você tem que andar, fazer movimento, não é? Mas ela não-
ela não gosta, [de]- sabe? De ficar (hes) de sair- adora ficar
em casa lendo, lendo jornal- ah! Isso não é vida, não é?
E- Ela mora sozinha?
F- Ela [mora]- mora com uma irmã. Ela morou muito tempo
sozinha. Mas essa irmã, essa outra minha tia, ela também é
solteirona. Todas as duas são solteirona, não é? Moravam
separado, porque elas duas não se davam bem, viviam
brigando. Aí, moravam separado. mas agora, a outra minha
tia ficou com um problema levou um tombo, [quebrou a]-
quebrou a perna. (Amostra 00 (c) – 047)
Em (170), o uso do mas serve para introduzir um subtópico: o estribilho da
música utilizada na campanha publicitária da Brahma e seu apelo popular. Em (171),
a informante vinha discorrendo sobre os hábitos sedentários da tia. Num
168
determinado trecho da conversa, o entrevistador pergunta se a referida tia morava
sozinha, ao que a informante responde que sim: mora com uma irmã, faz um
comentário: ela morou muito tempo sozinha e retoma o assunto anterior, ou seja, o
fato de sua tia morar com uma irmã, também, solteira. O mas, nesse caso, participa
da re-introdução de um assunto, no discurso.
FALA ESCRITA
Abertura de (sub) tópico 87/191 (46%) 15/27 (56%)
Retomada de (sub) tópico 89/191 (47%) 12/27 (44%)
Progressão Textual 15/191 (8%) -
TOTAL 191 27
Tabela 7: O mas na organização textual
Nas amostras analisadas, verificamos que o elemento sob investigação atua
na mudança de (sub)tópicos, retomada de sub tópicos e progressão textual, em 26%
(218/853) de todas as ocorrências. Essa freqüência revela a relevância do elemento
mas na organização do texto. Das 218 ocorrências, 47% (102/218) estão
relacionados à abertura de (sub) picos, como em (172); 46% (101/218), da
retomada de unidades subtópicas, como em (173) e 7% (15/218), da progressão
textual, como em (174).
(172) Isso varia de prédio pra prédio... né... alguns prédios não
usam porteiro durante a noite... então as pessoas usam chave
da portaria... né?... mas nesse aqui tem porteiro de noite... ele
fica ... aliás uma maldade... que a portaria não está pronta ainda
e o velhinho fica em pé a noite inteira encostado aqui nas... nas
pilastras do edifício... uma peninha... dá vontade de pegar
uma cadeira e dar pro homem sentar... (NURC – DID 084)
(173) O é engraçado que você saindo do Brasil... a gente sente
uma falta muito grande dessa parte de verduras... eu falo muito
em verduras porque justamente é a base da minha
alimentação... entende? então a salada pro... pro pessoal de
Buenos Aires... a salada se resume a alface e tomate... aqui
não... você pede uma salada vêm outros legumes... né? e...
geralmente... quando eles servem o churrasco eles não servem
além da/ do alface e do tomate... eles o servem uma coisa
picadinha... assim? ( )
é sempre cebola...é... eles não... não é... eles usam muito
169
isso... a salada que eles usam com o churrasco é mais cebola e/
agora... eles usam também batata frita... que é diferente da
nossa batata frita aqui... a batata frita de lá é redonda e eles
usam um processo na hora de fritar que incha a batata... então
ela fica gorda... ela fica alta... feito a nossa batata corada...
porém ela é... é... é ... é oca por dentro... sabe... então eles
servem muito aquilo com o churrasco... lá eles chamam de
"papas" fritas... mas a falta de verduras a gente sente muito...
é... não tem... verdura na... na parte da Argentina nós não vimos
nada... sabe? se ressente... a gente se ressente muito... (NURC
– DID 0012)
(174) F: Eu pouco me arrependo do que fiz na vida, mas eu...É:
abandoná o Pedro II...Eu não tenho diploma dele, isso eu me
arrependo, sabe? Eu saí no científico [26 porque a guerra,
porque a guerra], não eu tinha sido reprovado no científico e
aí eu fui numa escola que me daria o [27 2º e o 3º...], é,
justamente, foi por causa disso, mas aí quando começou aquela
história muito <d...> com a família, foi isso, também foi muita
falta de orientação da minha parte, não da minha parte, eu sinto,
da parte dos meus pais foi (inint) isso, me deixaram meio...Que
eu sempre fui meio assim, o irmão mais velho que nasceu por
último, sabe? (Amostra 00 (i) – r09)
Em (172), o informante, após discorrer sobre o fato de os prédios do Rio de
Janeiro possuírem ou não porteiros, passa a falar especificamente do prédio em que
reside. Em (173), a informante deixa de falar do gosto do brasileiro por verduras e
passa a falar da culinária argentina. Em seguida, retoma o assunto: verduras. Em
(174), o informante, no segmento anterior trata do seu único arrependimento: ter
saído do Colégio Pedro II. A partir do mas, começa a expor os motivos que o
levaram a deixar o referido colégio.
Quanto às ocorrências nas quais o mas participa da organização textual, na
fala e na escrita, vale verificar o gráfico 8.
170
Gráfico 8: O mas na organização de textos falados e escritos
No gráfico 8, é possível depreender a alta freqüência de mas na abertura de
(sub) tópicos da escrita. Quanto à progressão textual, foram identificadas
ocorrências exclusivamente na fala.
São comuns ocorrências em que o mas aparentemente conecta segmentos
oracionais, porém tem sua abrangência ampliada como em (175).
(175) Diversas foram as cartas sobre a violência presenciada
pelos moradores de Copacabana, em recente episódio
no Pavão/ Pavãozinho. Esse tipo de violência é a mais
sentida pela população. Mas existe outro tipo de
violência. É a da omissão, do cinismo, da arrogância e
da soberba dos poderes federal, estadual e, em
particular, o municipal. É a violência de sair às ruas e se
deparar com as calçadas ocupadas por mercadorias,
triciclos, mendigos, camelôs. É a violência de ir se à
praia e se deparar com tantas barracas de bebidas que
tornam quase impossível sentar na areia. (O GLOBO
07/03/04 – Cartas dos leitores)
Em (175), aparentemente o informante apenas contrapõe dois segmentos
oracionais, numa construção de compensação. No entanto, num exame mais detido,
concluímos que o mas introduz uma mudança de sub-tópico. Deixa de falar de um
tipo de violência: a agressão física e passa a falar de outro tipo de violência: a
agressão psicológica. Nas palavras de Rodrigues (1993), o mas deixa de estar
integrado ao âmbito da sentença para articular segmentos não adjacentes, que
expressam uma relação adversativa: "violência física x violência psicológica". Esse
171
exemplo de utilização do mas teria assim uma função de natureza textual - a de
estabelecer uma vinculação entre dois segmentos do texto - e uma função discursiva
ou organizacional - a de promover a introdução de um sub-tópico novo no discurso.
Ao introduzir uma mudança de (sub) tópico no discurso, o mas não chega a
estabelecer uma relação adversativa entre sintagmas, o que é visível em (176).
(176) Você vê... na Espanha... nós vamos ter a limitação do
governo absoluto de Fernando sétimo por uma carta
constitucional... em Portugal... vocês lembram...
temos a Revolução Constitucionalista de mil
oitocentos e vinte... na América Latina... todos os
países se tornando independentes... da América
latina... quando os vice reinos espanhóis se
desagregaram... todos eles vão entrar o que? num
regime constitucional... não é isso? as constituições...
limitando o poder... dos governantes... certo? Mas ...
a primeira Constituição Francesa... que surge nessa
fase... nós vemos que ela é elaborada pelos
representantes da burguesia... mas a segunda fase
da Revolução... vocês viram... foi a fase da
Convenção... essa fase foi uma fase inteiramente...
diferente da primeira... nós vimos que ela... é
diferente por que? nós vimos isso na outra aula... fala
Feliciana... (NURC – EF 382)
Em (176), o elemento mas apresenta um segmento que introduz um tópico
novo relativo ao fato de "a constituição francesa que surge na época da revolução
ser elaborada por burgueses". Verificamos que, em todas as ocorrências de mas
envolvido na mudança de sub tópico, o segmento introduzido pelo item apresentava
um caráter restritivo frente ao assunto do texto. Em (176), por exemplo, o informante,
num primeiro momento, fala das constituições. Com a utilização do mas, ele se
restringe à Constituição Francesa. Face a exemplos como este, concluímos que
todo contexto em que mas é utilizado sinaliza contraste.
A propriedade bidirecional do elemento mas parece contribuir para a sua
função de retomada de (sub) tópicos, ou seja, nos casos de retomada de sub tópico,
além de dar seqüência ao texto, o mas recupera um assunto tratado anteriormente,
172
como em (177).
(177) Esse fogão da fazenda é uma maravilha... conservado
por uma empregada antiqüíssima... então... o grande
prazer dela é depois que termina toda função de
alimentação e de alimentar aqueles vândalos... de arear
os metais... passar Brasso... então o fogão fica lindo...
maravilhoso... chega na hora do jantar bota lenha fica
tudo pretinho outra vez... não tem importância... todo dia
ela faz a mesma coisa... bom... tirando da cozinha... nós
temos um pátio bem grande... nesse pátio tem uma
reserva de lenha... a parte fechada... tem uma escadaria
de pedra... em cima tem um morro e nesse morro tem uma
pequena cabana que foi feita pras minhas filhas... é uma
cabaninha de boneca... então nessa cabana de boneca
tem uma reprodução do fogão de lenha da fazenda tem os
dourados... isto é muito importante... logo a seguir depois
tem uma outra casa... que é a continuação da fazenda...
então na parte... dois andares... na parte de baixo tem
uma sala grande... que esvazia atualmente... mas que
futuramente seria uma sala de jogos... jogo de botão...
pingue pongue... etc... etc... e em cima tem três quartos...
esses três quartos estão mobiliados com uma mobília
idêntica à que eu tenho no meu quarto... e tem um
banheiro... um banheiro e uma sala... normalmente
ficam os rapazes da casa totalmente isolados... agora...
bem longe da casa... dessa fazenda... mas dentro ainda
do... do território familiar... tem uma piscina... piscina
natural... aliás... a piscina é até muito interessante...
descobriram esse ano que esta piscina foi escavada
cem anos atrás... fizeram... sabe? porque o... a piscina
furou... o fund/ Não sei se isso tem interesse... (NURC
DID 084)
Em (177), ao fazer a descrição da fazenda, a informante utiliza uma
digressão: deixa de falar do aspecto familiar e passa a tratar de aspectos externos.
O mas é utilizado para retomar o aspecto que vinha sendo descrito no início da
descrição: os espaços reservados à família. Verificamos, em casos como este, que o
mas é utilizado após uma digressão e a retomada quase sempre é iniciada com um
pequeno resumo, como em (178).
173
(178) Esta greve da Polícia Federal corrobora a tese de que o
problema está na seleção dos policiais. Não importa se a
greve é legal ou não; no mínimo, uma greve de policiais é
amoral. O policial, como o médico, faz parte de uma classe
especial, em que a responsabilidade e o amor ao que se faz
devem estar em primeiro lugar. A pessoa é policial ou médico
24 horas por dia, 7 dias na semana. Não que devam trabalhar
de graça ou não receber bons salários, longe disso. Mas um
salário inicial em torno de R$ 4.500 não pode ser considerado
tão ruim assim. Alguns dirão que é pouco para quem arrisca
sua vida. Mas o policial é policial porque quer. E aí volta se à
questão do processo de seleção. Devido à falta de emprego
em nosso país as pessoas se tornam policiais por falta de
opção e pela estabilidade no emprego, e não por vocação. (O
GLOBO 11/03/04 – Cartas)
Em (178), antes de retomar o aspecto: processo de seleção de policiais, o
remetente da carta resume tudo o que vinha discorrendo anteriormente em uma
frase: policial é policial porque quer.
Dessa forma, ao participar da organização textual, o mas deixa de estar
integrado à estrutura sintática do enunciado para atuar em segmentos mais amplos:
envolve-se em mecanismos de abertura (sub) tópica, de retomada (sub) tópica e da
progressão textual. Vale ressaltar que alguns dos traços identificados na arquitetura
das construções nas quais o elemento atua em instâncias sintagmáticas se repetem
na instância textual:
1 A fixação do elemento no contexto que o precede, marcada muitas vezes
pelo uso de elementos anafóricos, mesmo nos mecanismos de abertura de (sub)
tópico e de progressão textual;
2 Anulação ou admissão do conteúdo expresso no segmento precedente,
por meio do uso de partículas de negação;
3 – Expressão de contraste em relação ao segmento que precede o mas.
174
6.2.2 Na organização interacional
Na organização interacional, o mas pode estar envolvido na sinalização de
ênfase de algum segmento em especial, como em (179); na interpelação, como em
(180) ou em mecanismos de contestação, como em (181).
(179) Metrô... o metrô... eles nos levaram para ver
metrô... ver... quando eu entrei... era uma
COIsa... ( ) iluminação... candelabros... as
paredes... eh... com desenhos de pintura a
óleo dos maiores pintores... Mas uma
coisa… cinematográfica… (NURC – D2 256)
(180) F - ... tu cai num lugar onde ninguém fala a
tua língua, tu tem, tu sabe alguma coisa em
inglês, é com o inglês que tu tem que te virá.
tu começa a gaguejá no começo, pá, mas
daqui a pouco tu tá, sabe? Meio que nem
andando de bicicleta, né? só que eu ainda
não consegui tirá as rodinhas (inint). Mas foi
legal, eu cheguei a conversá bastante, eu
fiquei empolgado várias vezes, até a minha
esposa que nas aulas ficava meio brincando
que eu na aula, pá, engasgava muito,
gaguejava e: quando chegou lá eu falei muito
mais do ela. [18 <Le...> aquilo que tu falou
agora de que na profissão num adianta o
inglês, tu tem que sabê fae depois, né? É
a mesma coisa aquilo, se você num é uma
pessoa que fala muito, se tu fala inglês, mas
tu chega lá, pô, tu é tímido de natureza e
ainda vai aquela história de que, pô, vou
falá errado, o cara vai ri de mim ou vão me
sacaneá, num vão me dá atenção, eu vou
(inint), agora se é um cara fala bastante
com todo mundo, tem aquela simpatia tua
natural e gosta de conhecê gente e gosta de
conversar com as pessoas e tu...Mesmo que
saiba pouco inglês esse pouco tu vai fa
muito mais uso (inint) num gosta muito de
falá. Problema que aconteceu, ela me
sacaneou muito dentro do, da, é:, com a
professora e ria muito entre elas coisa que eu
não entendia, não conseguia falá, só que
quando a gente chegou nos Estados Unidos
ela falou <mui...> olha, 10% do que se falou
foi ela, o resto foi eu (est) e falou pelo
seguinte, quando chegá e ! e falá não
agora quem vai perguntá é você porque se
dependia dela, ela num fazia nada (riso e). É,
num foi...E foi assim. Primeira decepção foi
175
na Flórida que ela chegou: é: speak Spanish?
No Spanish aí eu falei olha ó Neuza é melhor
a gente começá a falá inglês...Ela [já]...já
falava nas aulas mais do que eu, ela ficou
tímida naquela primeiro hotel que a gente
procurou em uma outra cidadezinha na
Flórida (inint), daí começamos a falá e daí sai,
tem que saí, se não tu num vai fazê nada, se
não tu num vai pegá o teu <av...> o carro,
voltá [19 , pegá o avião] (inint), questão de
sobrevivência. E flui, o pior é que flui mesmo,
depois tu falando mais, mais solto e
mesmo que tu êrre, que tu erre, tu (inint), tu
vai vê aquela...A expressão da pessoa e...
E :[Ela sabe mais do que você?] [É uma
questão de sobrevivência, né? Eu entendo].
Mas <e...> dessa, essa experiência toda que
você viveu, você acha que num...Te
enriqueceu bastante, né? [você...]
F: [Bastante, ah, viajá e ah, essas situações
assim...Me enriqueceu bastante.
E: Mas o que que você acha do inglês, do
seu inglês agora? disse que num tem, te
falta o coloquial, né? que você acha...Acha
que num tá...Teu inglês [ 21 é: (inint)]tão
fluente.
F: [21 Tão fluente]. É eu queria mais fluência,
mais fluência.
E: Então cê tem planos prá...
F: Tenho, ah, eu é necessidade, tenho sim,
tenho sim ,eu espero o momento de
formado como engenheiro...
E- Eu ia perguntá isso, qual era o seu prato
preferido... (falando rindo)
F- Na cozinha eu sô um problema sério (riso
E) agora em caso de extrema
necessidade, eu um jeito lá, pra num
ficá com fome. Agora cozinhá, fazê uma
comida...
E- nesse dias assim de extrema
necessidade, que que o senhô faz ?
F- Olha (hes) o ovo é fundamental, né? (riso
E) o ovo é o prato principal de quem com
fome, né? Então, cê procura (hes) fadois
ovos, faz um arroz, se o feijão tivé pronto
[Ah, arroz, também...Hum, hum...] você
uma refogada nele, né? É...aquece alguma
coisa, se tivé um bife você frita, se tivé... o
que ...inventa. (est) Você num vai prepará
um frango, você num vai prepará uma
carne, temperá aquilo, aquilo que você... eu
num sei, é ...por exemplo: fazê uma salada
de tomate, cortá, eu sei fa uma faro:fa,
(est) o que você pudé improvisá você
improvisa. Agora... fazê uma comida eu num
sei, eu faço no improviso pra num passá
(hes)...pra saí da fome.
E- Mas bom ó : salada, farofa, bife, ovo
(riso e)
176
F- Isso se tivé lá o bife também, né? por que
senão vai o ovo (riso e), o ovo é a.. é o
prato principal.
E- Ah, então o senhor sabe fazê farofa.
F- Sei, muito boa por sinal.
E- O senhor pode me explicar como é que
é, como o senhor faz ? Porque tem...
F- Olha, eu gosto de farofa com manteiga
(est) então eu derreto a manteiga, pico
bastante cebola, (est) que eu gosto muito de
farofa acebolada, (est) faço um refogadinho,
ponho um poquinho de sal, quebro um ovo
dentro, dêxa ele ficá em ponto de ovo
mexido, ? quando (hes) ele tivé bem
amarelinho você joga um poquinho de
farinha. Não muito, pra num ficá muito seco
[ Ai, também detesto aquela <fari> que bate
vento...] farofa molhada, é. (tosse f)
[Horrível] Você faz aquele, né ? Faz uma
passoquinha (est) com ovo, <tuma>,
é...cebola, a manteiga, um poquinho de sal
e fica uma farofinha gostosa. A cebola
também que é o ponto alto da farofa, né?
E- Mas eu acho que o senhor sabe cozinhar
sim, o senhor escondendo o jogo [Não...]
(riso e) essa farofa gostosa. (Amostra 00
– t31)
Em (179), o mas introduz uma espécie de avaliação enfática acerca do metrô
da Holanda: uma coisa cinematográfica. Em (180), o mas parece chamar a atenção
do interlocutor, interpelando-o. Tal sub-função aparece em diálogos, em frases
interrogativas, quando, durante a fala, necessidade de confirmar o vínculo com o
interlocutor. Trata-se de um recurso fático: no curso da conversa, os interlocutores
falavam sobre a experiência de se viver num país estrangeiro; num determinado
momento, a entrevistadora interpela o informante a fim de saber sobre a sua fluência
em Inglês.
Ainda, em (180), o informante, num primeiro momento afirma não ser muito
bom na cozinha, mas ao apresentar a receita de sua farofa, a entrevistadora
contesta-o: mas eu acho que o senhor sabe cozinhar sim. Em ocorrências como
esta, há uma tentativa de se negar o que se expõe num enunciado precedente.
Assim, na interação, o mas participa da mudança de turno, tornando-se
177
responsável por marcar a interação e a posição dos interlocutores com relação ao
enunciado, por meio de mecanismos de interpelação e de contestação. Os
mecanismos de interpelação decorrem da necessidade de se confirmar o vínculo
com o interlocutor enquanto os mecanismos de contestação ocorrem em diálogos,
nos quais se questiona um argumento precedente, explicitando ou não um contra-
argumento.
178
6.3 A TRANSITIVIDADE VERBAL NA FALA E NA ESCRITA
Nesta seção, analisaremos os processos verbais que ocorrem nos segmentos
introduzidos por mas. De acordo com a perspectiva aqui adotada, o sintagma
oracional traduz a percepção do usuário da língua acerca da realidade exterior e
interior. Sendo assim, o significado da oração como representação dessa realidade
está relacionado ao sistema de transitividade da língua, que organiza a experiência
interna e externa do falante em processos, participantes e circunstâncias,
representados, na língua, por verbos, substantivos e advérbios, respectivamente.
Os processos verbais, que enfocaremos nesta seção, são representações
lingüísticas das ações que ocorrem no mundo real e, funcionalmente, são
categorizados segundo o seu significado semântico. Utilizaremos, aqui, os seis
processos discriminados por Halliday (1985), a saber: processos materiais;
processos mentais; processos relacionais; processos comportamentais; processos
verbais e processos existenciais.
Como vimos, na seção correspondente aos grupos de fatores adotados nesta
tese, os processos materiais são aqueles que envolvem alguém realizando ações
concretas; os processos mentais representam a percepção que alguém tem de
alguma coisa; os processos relacionais estabelecem uma relação (de intensidade ou
circunstância) entre elementos diferentes; os processos comportamentais são
responsáveis pela construção de comportamentos humanos, incluindo atividades
psicológicas e fisiológicas; os processos verbais referem-se aos verbos que
expressam o dizer e os processos existenciais representam a existência de algo.
179
A tabela 8 apresenta a distribuição dos processos verbais identificados nos
segmentos introduzidos pelo elemento mas.
Papéis dos processos na
transitividade\ Modalidade
Fala Escrita TOTAL
Não se aplica
48/ 575(8%) 37/278(13%)
85/853(10%)
Processos Relacionais
143/575(25%) 127/278(46%)
270/853(32%)
Processos Comportamentais
2/575(0%) -
2/853(0%)
Processos Mentais
168/575(29%) 63/278(23%)
231/853(27%)
Processos Existenciais
157/575(27%) 2/278(1%)
159/853(19%)
Processos Materiais
38/575(7%) 46/278(17%)
84/853(10%)
Processos Verbais
19/575(3%) 3/278(1%)
22/853(3%)
TOTAL
575
278
853
Tabela 8: Papéis dos processos na fala e na escrita
Os resultados expostos na tabela 8 podem ser mais bem visualizados no
gráfico 9, que a seguir apresentamos:
Gráfico 9: Distribuição dos processos verbais na fala e na escrita
No gráfico 9, revela-se a alta freqüência dos processos relacionais e
processos mentais, em dados da fala e da escrita e dos processos existenciais, na
fala. A grande recorrência de processos relacionais em segmentos introduzidos pelo
mas se deve, principalmente, ao fato de este tipo de verbo apresentar funções
semânticas que se identificam com o papel desempenhado, normalmente, pelo
segmento introduzido por mas. Para Cunha e Souza (2007), processos relacionais
são usados para definir, classificar, avaliar, generalizar e identificar, enquadrando
180
em uma visão particular, as experiências vividas pelo falante. Da mesma forma, os
segmentos introduzidos pelo mas caracterizam componentes específicos do
segmento anterior, definindo-os, classificando-os, avaliando-os ou identificando-os,
como demonstram os exemplos (181), (182), (183), (184) e (185).
(181) AL: eu acho que sim... porque para qualquer ne/ para
qualquer tamanho de empresa... se não houver uma
equipe... se não houver organização... se não houver
e... essas pessoas pra... juntas... para obter uma
determinada tarefa... para obter um determinado
objetivo... acho que em qualquer empresa... tanto de
pequeno porte... porque por menor... numa de pequeno
porte... a equipe vai ser menor... é lógico... vai ser mais
fácil... numa de médio porte... vai ser uma profissional...
Inf.: então... em todas as... eh... empresas... não
importa a sua dimensão... você considera que é
indispensável que aquele elemento forme uma equipe...
mas ela deve ser uma empresa que não tenha um
corpo administrativo...
AL: sim... mas o que eu falei é que seja
PROPORCIONAL... a empresa rudimentar pede que...
o dono pode ser o...
Inf: é... é...
AL: o dono é... é o administrador... (NURC EF 379)
(182) F Paulo Goular....um homem gordo daquele... poxa,
bota a Wilsa Carla [riso] (?)
E É que era para conquistar... eu vi um pedacinho
na propaganda.
F É na... conquista uma enfermeira... uma
secretária...Ah...eu fiquei tão irritado com aquilo que
eu saí da sala [riso]. Você mostra uma coisa bonita...
ainda passa, mas aquilo é um sorvete de abacaxi!
Poxa, você vai perder seu tempo olhando prá isso,
olhar pra quê? Sou mais bonitinho ainda poxa
(falando rindo), ainda tô mais bonitinho, forte (Amostra
00 (i) – r09)
(183) As pessoas estão assim porque fiz três gols três
vezes no campeonato, mas isso é muito
complicado. (JB – 10/03/04 – Notícia)
(184) Tem uns quatro ou cinco colegas que vêm, mas
tudo é amigo, colega de todo mundo. (Amostra 00
(i) – r09)
(185) Parece até repetitivo escrever seguidamente a
palavra comunidade, mas este JCN é um defensor
181
perpétuo dessa gente sofrida. (O GLOBO
23/10/03 – Editorial)
Em (181), ao retratar o tipo de empresa adequada para a formação de
equipes auto-gerenciáveis, o informante faz uma ressalva em forma de definição:
deve ser uma empresa que não tenha um corpo administrativo. Em (182), ao
comentar sobre uma determinada novela, o falante se mostra indignado pelo fato de
o ator Paulo Goulart, mesmo estando fora de forma, representar galãs
conquistadores. Num determinado momento da conversa, o informante classifica o
ator como um “sorvete de abacaxi”. Em (183), o jogador entrevistado caracteriza a
sua façanha, a de realizar três gols, em três jogos consecutivos, num mesmo
campeonato como “muito complicada”. Em (184), ao falar das pessoas que
normalmente freqüentam a sua casa, o informante, introduz com o elemento mas,
uma generalização: todos são amigos. E, em (185), o jornalista identifica o jornal
onde trabalha como sendo um defensor das pessoas “sofridas”.
Verificamos, em todos os exemplos, que o processo relacional evidencia uma
relação de natureza estática entre dois participantes: portador e atributo, como em
(183) e (184), em que o processo relacional une o portador ao seu atributo (a
façanha complicada; colegas amigos); ou entre um item e o seu valor, como em
(181), (182) e (185), em que o processo relacional une itens e seus valores
(empresa ideal para formar equipes auto-gerenciáveis empresa sem corpo
administrativo; Paulo Goulart – um sorvete de abacaxi; O Jornal O Globo – Defensor
perpétuo dessa gente sofrida).
Além disso, identificamos que o uso de processos relacionais está vinculado a
algum tipo de retomada, que se concretiza no uso de elementos anafóricos,
imediatamente após o uso do mas.
182
Nos sintagmas oracionais com processos relacionais atributivos, o portador
dos atributos é sempre um nome ou SN e o atributo é realizado por um adjetivo ou
SAdj, como em (186).
(186) Dia 20 dei uma palestra no Clube Israelita Brasileiro
do Rio, explicando sobre radicalismo islâmico, mas o
assunto é complicado demais. (NUC – D2 369)
Nos sintagmas oracionais com processos relacionais identificadores, dois
participantes: aquele ao qual uma identificação, função ou significado é relacionado,
e o valor, que corresponde à identificação atribuída ao primeiro participante. Os
participantes são SNs, como em (187).
(187) Você perguntou como ajuda o relacionamento...porque
o meu marido é um ótimo pai, mas ele é um português
autoritário. (Amostra 80 – c48).
Os processos mentais o também muito recorrentes em segmentos
introduzidos por mas (26%), pois lidam com a apreciação humana do mundo,
característica, também, bastante comum nos segmentos introduzidos por mas.
Esses verbos expressam as experiências do sentir, como a percepção (188), a
cognição (189) e a afeição (190).
(188) Eu não posso...eu o tenho assim uma condição de
avaliar isso, não é? Porque eu não vivo a vida, não é?
Mas a gente por esses problemas de violência, de
assalto... É um problema. (Amostra 80 – c045)
(189) Se os terroristas atacassem uma base militar
americana ou um porta aviões da marinha dos EUA, eu
poderia, pelo menos, tentar chamá-los de corajosos.
Mas eles sabem melhor do que ninguém que não dariam
um passo ante uma tropa de elite, bem treinada e
equipada. (O Globo – 13/03/04 – Cartas dos Leitores)
183
(190) Nosso time de futebol de calçada e terreno baldio se
chamava Racing. Ou frequentemente se chamava
Racing, pois assim como não tinha uma formação exata
o número de jogadores em ação podia oscilar entre
três e treze, ou mais o nome também variava. Mas eu
gostava de Racing. Não “reicim”, Racing com a
pronúncia francesa ou argentina. (O Globo - 01/11/02
Crônicas)
Em (188), o verbo “ver”, de percepção, ativa o segmento introduzido por mas.
No trecho, a informante afirma que apesar de não vivenciar os problemas da cidade,
ela os vê. Em (189), o emissor da carta utiliza o verbo “saber” para manter a
seqüência (sub) tópica do texto. No caso, apresenta a razão pela qual os terroristas
não atacariam bases militares ou porta aviões norte-americanos. Vale ressaltar, a
ocorrência do verbo de processamento mental cognitivo, em meio a um ambiente de
forte apelo argumentativo. Em (190), identificamos uma ocorrência de verbo de
processamento mental de afeição, num trecho de conteúdo afetivo, marcado por
lembranças da infância do cronista.
Verificamos em nossos dados que os processos mentais são mais freqüentes
na modalidade falada (31% - 176/ 575) do que na modalidade escrita (16% -
45/278). Segundo Chafe (1982), a referência ao próprio pensamento mental é um
recurso que garante o envolvimento em textos falados. Vale ressaltar que processos
mentais de percepção foram encontrados apenas na fala e os processos mentais de
cognição mais comuns identificados nos textos falados foram: achar, saber e
acreditar. Sintagmas oracionais introduzidos por mas eu acho que” o bastante
recorrentes.
Processos existenciais também são comuns em segmentos introduzidos por
mas (19%). Tais processos são a representação de algo que existe ou acontece.
184
Normalmente, ocorrem no inicio de um texto ou quando o texto está movendo-se
para uma nova fase. Daí a sua alta freqüência na organização (sub) tópica e na
troca de turno (61% - 97/159), como nos exemplos (191) e (192).
(191) F Meu pai não gostava que eu fosse no cinema
com o namorado. Tinha que ir acompanhado com
minha irmã.
E – Aí, não tinha graça (riso E)
F Ah, não tem graça, não é isso, Maria Lúcia? Mas
acontece então que eu fui criada num sistema assim
mesmo, mais antigo. (Amostra 80 – c047)
(192) F E não é de sair muito tarde não, assim, de
chegar dez hora da noite é! Onze hora...
E – Já ouvi dizer sobre isso aí
I Mas tem uma pergunta que sempre se faz para
pessoa que voa. Você passou numa situação de
perigo? Avião caindo, coisas prestes a cair? (Amostra
80 – c045)
Em (191) e (192), o mas introduz respectivamente uma mudança de (sub)
tópico e uma troca de turno. Em (191), após o comentário da entrevistadora, a
informante retoma sua fala anterior e, em (192), a entrevistadora introduz um novo
(sub) tópico na conversa.
Ao lado do participante existente, de acordo com Cunha e Souza (2007), na
maioria dos casos, presença de elementos circunstanciais, como podemos
constatar em (193).
(193) Tem a parte do toca discos...tem os
amplificadores...os amplificadores de som...aqui
tem dois, mas tem mais amplificadores por lá...tem
maiores inclusive. (NURC DID 084)
Em (193), o falante apresenta as aparelhagens de som que estão na sua sala
e salienta para a existência de outros aparelhos no seu local de trabalho.
Funcionando como elo e simultaneamente como instaurador de um novo foco
185
discursivo, as orações existenciais são definidas no trato com a construção da
argumentação, além de se constituírem em componentes fundamentais para a
progressão textual.
Pouco recorrentes nos segmentos introduzidos por mas, os processos
materiais ocorrem em contextos, nos quais o conceito de ação é subjacente e, para
externar uma ação, o envolvimento de pelo menos um participante (orações
intransitivas) ou dois participantes (orações transitivas). Esta descreve impactos
decorrentes da transição de uma força, enquanto aquela, representa
acontecimentos. Os exemplos (194) e (195) apresentam os dois tipos de processos
materiais: transitivo e intransitivo, respectivamente.
(194) Se ele complementasse me chamando de tio, acho
que eu encerrava a conta no banco e talvez até levasse
uma grupa de 15 centavos, a título de “abono da terceira
idade”. Eles são capazes de perpertuar isso. Mas não fiz
nada. ( O GLOBO – o1/06/03 – Crônicas)
(195) Sou a rainha dos calendários, mas nunca chego na
hora. (JB – 25/10/02 – Cronicas)
Em nossos dados, os segmentos introduzidos pelo mas dificilmente
contribuem para a progressão da narrativa. Verificamos, no entanto, que em trechos
predominantemente narrativos, o item mas introduz comentários, podendo contribuir
assim para a mudança da perspectiva discursiva do texto, de figura para fundo,
como em (196).
(196) Não sei porque cargas d’água passei da porta...
não entrei...bom...aí o cara que estava na sala
continuou...quando cheguei em cima...não ia
entrar na casa dos outros...estava sem
bola...aí pulei...o cara ficou parado me
olhando...o garotinho com a bola e vice
versa...mas eu nunca faria isso em condições
normais. (NURC – EF251)
186
Na tabela 9, apresentamos os resultados da tabulação cruzada que leva em
consideração a função do segmento introduzido por mas e o processo de
transitividade.
PROCESSOS
DA TRANSITIVIDADE
Adição
Intensificação
Focalização
Substituição
Compensação
Q. de
Expectativa
Ressalva
Outros
Mudança de
subtópico
Retomada de
subtópico
Mudança de
Turno
TOTAL
F E
F E F E F E F E F E F E F E
F E
F E
F E
Não se aplica
22/22 (100%)
4/10 (40%)
19/19 (100%)
3/3 (100%)
-
-
7/7 (100%)
18/35 (51%)
-
-
-
-
-
12/79 (15%)
-
-
-
-
-
-
-
-
85
Processos Relacionais
-
-
-
-
-
9/36 (22%)
-
-
19/76 (25%)
26/50 (53%)
-
-
48/172 (10%)
59/79 (75%)
8/32 (25%)
21/32 (66%)
27/91 (63%)
6/11 (55%)
26/105 (25%)
6/11 (55%)
15/52 (29%)
-
270
Processos
Comportamentais
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
2/172 (1%)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
2
Processos Mentais
-
-
-
-
25/36 (61%)
-
-
17/76 (23%)
7/50 (14%)
-
13/24 (54%)
83/172 (48%)
6/79 (8%)
4/32 (8%)
1/32 (3%)
30/91 (33%)
-
37/105 (35%)
-
5/52 (44%)
-
226
Processos
Existenciais
-
2/10 (20%)
-
-
-
-
-
-
16/76 (21%)
-
-
-
27/172 (33%)
2/79 (3%)
17/32 (53%)
34/91 (37%)
-
40/105 (38%)
-
23/52 (44%)
-
161
Processos Materiais
-
2/10 (20%)
-
-
-
2/36 (5%)
14/21 (23%)
16/35 (27%)
17/76 (22%)
13/50 (26%)
-
11/24 (46%)
9/172 (5%)
-
3/32 (9%)
10/32 (31%)
-
5/11 (45%)
-
5/11 (45%)
9/52 (17%)
-
125
Processos Verbais
-
2/10 (20%)
-
-
-
-
-
-
6/76 (8%)
3/50 (6%)
-
-
13/172 (8%)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
24
Tabela 9: Processos da transitividade dos segmentos introduzidos pelo elemento mas
A partir dos resultados apresentados na tabela 9, valem algumas
considerações:
1 Em mecanismos de ressalva e de retomada de (sub) tópico, na
187
modalidade falada, predominam verbos de processo mental. Vale ressaltar que
referências ao processamento mental caracterizam o envolvimento próprio da
modalidade falada;
2 Em mecanismos de ressalva, compensação e retomada de (sub)
tópico, na modalidade escrita, predominam verbos de processo relacional. Esse
processo é recorrente em textos escritos, pois, ao contribuir para classificar e
categorizar os elementos por ele relacionados contribui para a formação de pontos
de vista. Logo, depende de certo planejamento prévio para a sua utilização;
3 Em mecanismos de abertura de (sub) tópico, nas duas modalidades,
predominam verbos de processo relacional. Esta freqüência se justifica, na medida
em que, a maior incidência de verbos relacionais recai nos textos escritos e nos
gêneros textuais das amostras do NURC, que contam com certo grau de integração/
distanciamento.
4 Em mecanismos relacionados à mudança de turno, predominam verbos
de processo existencial. Esta predominância acontece porque este tipo de processo
participa ativamente da instauração de novos focos discursivos, no texto.
188
6.4 MAS EM CONTEXTOS DE INTEGRAÇÃO, DISTANCIAMENTO,
FRAGMENTAÇÃO E ENVOLVIMENTO
Com base nas nossas amostras, tendo como referência o número de
palavras, identificamos mecanismos de fragmentação/ integração e envolvimento/
distanciamento. Na tabela 10, apresentamos os dados de forma a facilitar a
visualização.
Mecanismos
FALA
ESCRITA
TOTAL
Sentenças complexas 6774 (22%) 24026 (78%) 30800
Sentenças simples/ Fragmentos de sentenças 244020 (98%) 4980 (2%) 249000
Nominalizações 25 (2%) 1207 (98%) 1232
Particípios 73 (3%) 2419 (97%) 2492
Passivas 02 (7%) 27 (93%) 29
Primeira pessoa do Singular 113847 (95%) 5993 (5%) 119840
Terceira pessoa do singular 5945 (11%) 48095 (89%) 54040
Monitoramento de fluxo de informação 1101 (98%) 19 (2%) 1120
Partículas enfáticas 1703 (99%) 29 (1%) 17032
Adjetivos Predicativos 1767 (98%) 37 (2%) 1804
Expressões de vagueza 1412 (99%) 16 (1%) 1428
Tabela 10: Mecanismos de fragmentação/ integração, envolvimento/ distanciamento
Os resultados acima confirmam, a priori, a assunção de que, devido à sua
natureza interativa, nos textos falados há o predomínio de mecanismos de
fragmentação e envolvimento enquanto, nos textos escritos, o predomínio de
mecanismos de integração.
As ocorrências nas quais verificamos mecanismos indicadores de
fragmentação/ envolvimento na escrita, em 78% dos casos, dizem respeito a trechos
nos quais o autor procura reproduzir a fala, em entrevistas, por exemplo. Os outros
22% se referem a textos nos quais o autor procura se aproximar do interlocutor,
muito recorrente em crônicas, como ilustra o exemplo (197)
189
(197) Quando é rapaz e já se tornou um farrapo humano
capaz de filar um cigarro de alguém que acabou de
conhecer ou mesmo não conhece, quer ser mais velho
para poder pegar as mulheres que, nessa fase, o
consideram um pirralho (a palavra hoje deve ser outra,
mas deixei de atualizar o vocabulário há uns 20 anos.
Deve haver esse privilégio na lei, também) (O GLOBO
01/06/03 – Crônicas)
Em (197), identificamos alguns mecanismos indicadores de fragmentação/
envolvimento, próprios da fala, como: 1) uso freqüente da pessoa do singular; 2)
referência ao processamento mental e 3) desativação do texto, por meio de
parênteses.
Quanto ao uso de mas, das 853 ocorrências de mas, identificamos 170 (20%)
que ocorreram em contextos que se caracterizam pela integração. Destas 170
ocorrências, 136 (80%) foram detectadas em textos escritos. Isso confirma a tese de
Chafe (1984) de que mecanismos de integração são mais comuns em textos
escritos. As 34 ocorrências restantes (20%) foram detectadas na amostra EF, do
NURC. Esta amostra congrega um conjunto de dados extraídos da gravação e
transcrição de aulas. Segundo Marcuschi (2006), o gênero aula possui um alto nível
de formalidade, devido ao seu forte vínculo com o letramento, ou seja, são textos
construídos sobre referências escritas. Daí, a sua proximidade com a escrita.
Ocorrências de mas diante de mecanismos de nominalizações, particípios
presente e particípios, adjetivos atributivos e correlacionando elementos dentro de
um mesmo sintagma predominam nos textos escritos, como ilustram os exemplos
(198), (199), (200), (201) e (202).
190
(198) As famosas caixinhas não devem desaparecer de todo,
mas o financiamento público dará mais transparência aos
gastos dos partidos. (O GLOBO 19/02/04 – Cartas)
(199) Apesar da atuação dos policiais, os bandidos
conseguiram escapar, atravessando o terreno de um
condomínio vizinho ao colégio. Na fuga, deixaram cair no
pátio da escola o revólver calibre 38. No tumulto, um menor,
de 15 anos que, amedrontado, corria para a escola, foi
detido mas liberado em seguida. (JB 23/10/02 – Notícia)
(200) A possibilidade de fuga sempre existe; um pouco maior
aqui, um pouco menos acolá, mas nunca inteiramente
inexistente. (O GLOBO 18/10/02 – Editorial)
(201) O Fluminense está desequilibrado fisicamente. O Vasco,
simplesmente, ganhou todas as disputas de bola. Nossa
defesa é bem preparada, mas leve, mal fisicamente. O
Vasco, ao contrário, tinha jogadores rápidos, mas fortes,
bem preparados. (JB 08/03/04 – Notícia)
(202) Sem paixões ou dialéticas ideológicas faz breve, mas
sensata avaliação do período 1964-2004. (JB 30/03/03 –
Cartas)
Quanto à presença de mas no contexto de SPreps, verificamos que, apesar
de tal mecanismo de integração predominar na escrita, ocorrências na fala, em
amostras do NURC. Foram identificadas 30/278 ocorrências (11%) na escrita e 11/
575, na fala (2%).
(203) Em que pesem as graves conseqüências do
impacto de um aparelho de ar
condicionado num transeunte, as considerações
sobre o impacto de aproximadamente uma
tonelada, feitas por uma física, estão erradas.
Qualquer pessoa da área de ciências exatas sabe
que, numa queda livre, não se deve falar em
força, mas em energia. Discussão à parte, o
aconselhável é mesmo andar sob marquises,
sempre que possível. (O Globo 15/03/04 – Cartas)
191
No que diz respeito ao mas relacionando orações completivas e relativas,
verificamos que são mais freqüentes em textos escritos (8/ 278 3%) do que em
textos falados (7/575 – 1%).
(204) Por falta de informação ou de coragem, no transcorrer
das batalhas de Itararé em que se transformaram os
prometidos debates, apenas a honrosa exceção de uma
candidata ensaiou uma análise e discurso em torno do
assunto, que não dá voto, mas que se constitui num dos
mais sérios problemas a serem enfrentados pelo futuro
governo do Rio. (JB – 05/10/02 – Editorial)
Na escrita, verificamos também, o predomínio de ocorrências do mas
estabelecendo a ligação entre elementos sintáticos de mesma função: Escrita
71/278 – 25% / Fala – 16/575 – 3%.
Ao todo, das 853 ocorrências de mas, identificamos 213 (25%) que foram
empregadas em contextos que se caracterizam pela presença de mecanismos de
envolvimento. Destas 213 ocorrências, 191 (90%) foram detectadas em textos
falados. Isso confirma a tese de Chafe (1984) de que mecanismos de envolvimento
são mais comuns em textos falados. As 22 ocorrências restantes foram detectadas
em crônicas (11), cartas (8) e colunas sociais (3).
Assim, ocorrências de mas estabelecendo a ligação tópica, atuando na troca
de turnos, estabelecendo oposição entre pessoa, tempo e lugar, próximo a verbos
de referência mental, enfático, em discurso direto ou solto no texto são
predominantes em textos falados. As ocorrências de alguns desses mecanismos em
textos escritos se justificam pelo fato de os gêneros crônica, carta e coluna social se
caracterizarem pela ênfase na função interacional (cf.: Brown e Yule, 1984).
Com vistas a analisar a correlação entre mecanismos de
192
integração,distanciamento, fragmentação e envolvimento, por um lado, e gêneros
textuais, por outro, pré-condição para a compreensão do uso de mas, elaboramos
as tabelas 11 e 12:
Mecanismos de
Integração e de
Distanciamento
Entrevista do PEUL
(+/- 77.000 palavras)
Entrevista do NURC
(+/- 40.000 palavras)
Aula do NURC (+/-
21.000 palavras)
Crônica (+/- 26.000
palavras)
Carta do Leitor (+/-
30. 000 palavras)
Coluna Social (+/-
25.000 palavras)
Editorial (+/- 26.000
palavras)
Notícia (+/- 29.000
palavras)
Oração complexa
0,002025974 0,00935 0,031238095 0,147148148 0,1334 0,16228 0,197 0,236965517
Nominalização
- 0,00025 0,000714286 0,004037037 0,004233333 0,01112 0,011576923 0,013517241
Particípio
0,000220779 0,000625 0,00147619 0,009518519 0,012466667 0,0192 0,024923077 0,022758621
Passiva
- - 9,52381E-05 0,000148148 0,000133333 0,0002 0,000230769 0,000275862
3ª Pessoa do
singular
0,024636364 0,050525 0,09652381 0,348148148 0,3137 0,38012 0,374346154 0,346482759
TOTAL
0,026883117 0,06075 0,130047619 0,509 0,463933333 0,57292 0,608076923 0,62
Tabela 11: Total de ocorrências e número de palavras
Mecanismos de
fragmentação
e envolvimento
Entrevista do PEUL
(+/- 76.000 palavras)
Entrevista do NURC
(+/- 40.000 palavras)
Aula do NURC
(+/- 21.000 palavras)
Crônica
(+/- 26.000 palavras)
Carta do Leitor
(+/- 30. 000 palavras)
Coluna Social
(+/- 25.000 palavras)
Editorial
(+/- 26.000 palavras)
Notícia
(+/- 29.000 palavras)
Oração
simples/
Fragmento de
oração
0,15012987 0,25775 0,416571429 0,111518519 0,0277 0,02852 0,0125 0,003448276
1ª Pessoa do
Singular
0,766233766 0,5364 0,332285714 0,056666667 0,050133333 0,04788 0,032192308 0,031068966
Monitoramento
do fluxo de
informação
0,007818182 0,012475 0,004761905 0,002481481 0,000166667 0,00016 0,000115385 -
Partícula
enfática
0,008272727 0,0135 0,025047619 0,000259259 0,0002 0,00024 0,000192308 0,000172414
Adjetivo
predicativo
0,007948052 0,014575 0,027238095 0,000333333 0,000266667 0,00032 0,000307692 0,000137931
Expressão de
vagueza
0,006844156 0,0118 0,019666667 0,000185185 0,000133333 0,00016 0,000115385 -
Tabela 12: Total de ocorrências e Número de palavras
As tabelas 11 e 12 foram elaboradas a partir da divisão do total de
ocorrências de cada mecanismo pelo total de palavras limitadas para cada gênero.
Com base nestes quocientes, chegamos aos seguintes percentuais:
193
Quanto aos mecanismos de integração/ distanciamento:
Entrevista (PEUL)
3%
Entrevista (NURC)
6%
Aula (NURC)
13%
Crônica
51%
Carta do Leitor
46%
Coluna Social
57%
Editorial
61%
Notícia
62%
Quadro 14: mecanismos de integração/ distanciamento/ gêneros textuais
Quanto aos mecanismos de fragmentação e envolvimento:
Entrevista (PEUL)
95%
Entrevista (NURC)
85%
Aula (NURC)
83%
Crônica
17%
Carta do Leitor
8%
Coluna Social
8%
Editorial
5%
Notícia
3%
Quadro 15: mecanismos de fragmentação/ envolvimento/ gêneros textuais
Assim, considerando as freqüências dos mecanismos de integração/
distanciamento e fragmentação/ envolvimento e pautados na proposta de Marcuschi
(2006) acerca da distribuição gradual dos gêneros textuais na fala e na escrita,
elaboramos o seguinte continuum:
Figura 3: Escala fragmentação/ envolvimento e integração/distanciamento
Entrevista do PEUL
-
Entrevista do NURC
-
Aula
-
Carta do Leitor
Crônica
-
Coluna Social
-
Editorial
-
Notícia
Fragmentação
Envolvimento
Integração
Distanciamento
194
Com a finalidade de verificar a distribuição do mas pelos gêneros analisados
nesta tese, consideramos o número de palavras.
Gênero\ Modalidade
N
úmero
Aproximado
de Palavras
Fala Escrita
Entrevista (PEUL)
76.000
368/ 76.000
(0.0048421)
-
Entrevista (NURC)
40.000
152/ 40.000
(0.0038)
-
Aula
21.000
55/ 21.000
(0.002619)
-
Editorial
26.000 -
58/ 26.000
(0.0022307)
Coluna Social
30.000 -
9/ 30.000
(0.0003)
Crônica
25.000 -
45/ 25.000
(0.0018)
Carta do Leitor
26.000 -
112/ 26.000
(0.0043076)
Notícia
29.000 -
54/ 29.000
(0.001862)
TOTAL
853
Tabela 13: Distribuição do mas pelos gêneros textuais analisados
De acordo com a tabela 13, o mas é mais freqüente nas entrevistas do PEUL
(0.0048) e em Cartas dos Leitores (0.0043), seguido do gênero textual aula (0.0026),
Editorial (0.0022), Notícia (0.0019) e, por fim, Coluna Social (0.000). Esta
distribuição pode ser visualizada no gráfico a seguir:
G
G
r
r
á
á
f
f
i
i
c
c
o
o
1
1
0
0
:
:
D
D
i
i
s
s
t
t
r
r
i
i
b
b
u
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e
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a
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p
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e
l
l
o
o
s
s
g
g
ê
ê
n
n
e
e
r
r
o
o
s
s
A distribuição apresentada no gráfico 10 nos revela uma alta freqüência do
elemento mas em ambientes de fragmentação/ envolvimento, presentes nos
195
gêneros: entrevista, aula e carta do leitor. Acreditamos que esta tendência se deva à
atuação do elemento sob investigação em instâncias extra-oracionais, na
organização (sub) tópica e troca de turno. Por outro lado, em gêneros textuais
marcados pela alta freqüência de mecanismos de integração/ distanciamento,
identificamos maior freqüência de mas conectivo, o que ratifica a hipótese de Chafe
(1984), acerca da alta freqüência de conectivos, tais como but em mecanismos de
integração/ distanciamento.
PEUL NURC Editorial Coluna Carta Crônica Notícia
Instância Sintagmática
(222/368) 60% (103/207)50% (47/55)85% (15/15)100% (80/103) 78% (37/51)73% (54/54)100%
Instância (sub) tópica
(120/368) 33% (78/207)38% (8/55)15% - (23/103) 22% (14/51) 27% -
Troca de turno
(26/368) 7% (26/207)13% - - - - -
Tabela 14: Instâncias de atuação do mas e gêneros textuais
A tabela 14 revela que os gêneros marcados por maior integração e
distanciamento apresentam os sintagmas oracionais e não oracionais como
instâncias de atuação do mas. A alta freqüência de sintagmas não oracionais
ligados por mas na modalidade escrita e nas amostras do NURC se deve ao fato de
este tipo de construção sintagmática representar um importante mecanismo de
integração que inviabiliza a repetição dos verbos.
Verifique-se que, nos gêneros de maior integração, a freqüência de sintagmas
não oracionais conectados por mas tende a aumentar, enquanto a freqüência de
unidades (sub) tópicas e turnos ligados pelo elemento tende a diminuir.
6.5 O MAS NA CONSTITUIÇÃO DAS TIPOLOGIAS TEXTUAIS
196
Nesta seção, pretendemos relacionar as funções semânticas de mas às
tipologias textuais identificadas nos corpora analisados, ou seja, as seqüências
descritivas, expositivas, avaliativas, procedurais, argumentativas, narrativas e
dialógicas. Vale lembrar que os resultados apresentados não dizem respeito às
tipologias predominantes nos gêneros textuais utilizados nesta pesquisa, mas sim,
relativas aos trechos de onde extraímos as ocorrências do elemento mas. Assim,
nos trechos levantados, obtivemos o seguinte resultado quanto à freqüência das
tipologias em relação aos trechos nos quais o mas incide:
Gráfico 11: Tipologias textuais identificadas nas amostras
O gráfico 11 revela que o mas tende a ser empregado em seqüências
descritivas (26%), argumentativas (22%) e avaliativas (19%). Por outro lado, nas
seqüências procedurais (5%), expositivas (8%), dialógicas (10%) e narrativas (11%),
os usos são menos recorrentes.
A freqüência da tipologia descritiva se deve ao fato de o elemento mas
participar ativamente de construções, cuja arquitetura apresenta adjetivação
abundante, como em (205); ocorrências de orações relativas, como em (206) e
predicado estativo, como em (207).
197
(205) Os militares golpearam a esquerda apoiados
pela opinião pública e sem dar um tiro sequer
contra os irmãos justamente no momento em
que ela crescia pela falta de compostura de um
chefe supremo das Forças Armadas, que tentou
quebrar a sagrada hierarquia militar em
palanques públicos; tudo em proveito da
ideologia incompatível com a índole do povo
brasileiro, mas compatível com a vontade dos
amigos do democrata e justiceiro Fidel Castro.
(JB – 29/03/04 – Cartas dos Leitores)
Em (205), verificamos o desenvolvimento de uma seqüência tipológica
descritiva, na qual se representam as ações que deram origem ao golpe militar. O
trecho no qual o elemento sob análise se insere, no entanto, representa a
caracterização da ideologia evocada pela falta de compostura do idealizador do
golpe. Tal caracterização é realizada por meio dos adjetivos “incompatível” e
“compatível”. Aliás, a articulação entre adjetivos é bastante recorrente nas
construções de contraste, como vimos em seções anteriores.
(206) Preciso reconhecer que esse esporte vem
sendo humanizado através de regras e de
comportamentos que diminuem seus riscos e
que o tornam menos sanguinolento. Para
tristeza, aliás, de muita gente. Gente que se
borraria de medo num ringue, mas que, fora
dele, entra em orgasmo ao ver um olho
amassado e sangue farto a espirrar como num
chafariz de jardim. (Extra – 05/01/04 – Editoriais)
Em (206), temos um trecho eminentemente descritivo. Nele, o editor
apresenta o boxe como um esporte que vem se humanizando, devido às regras e
aos comportamentos recentemente seguidos no momento do embate. Em seguida,
ele passa a descrever o tipo de audiência que discorda da humanização desse
esporte. Quando é o caso, as orações relativas articuladas pelo mas são sempre
restritivas. Isso se deve ao próprio caráter restritivo do elemento mas, identificado
198
em seções anteriores.
(207) Bonita e, ainda por cima, simpática. Numa de
suas primeiras cenas em “celebridade”, na qual vive
Tânia, Lavínia Vlasak o se incomodou ao ser
fotografada usando um biquíni de deixar os fãs
babando. O primeiro foi Marcos Palmeira que, não,
não esnamorando a atriz, mas será alvo de seu
desejo na novela das oito. (Extra 19/03/04
Colunas Sociais).
Em (207), além de articular duas relativas, o mas introduz uma construção
estativa. A alta incidência de mas em contextos descritivos contraria as expectativas
daqueles que, à priori, esperavam encontrar o elemento atuando
predominantemente em textos argumentativos. Vale lembrar que as seqüências
tipológicas argumentativas exigem estruturas sintáticas mais complexas
contemplando construções hipotáticas e encaixadas. Vimos que o mas, por
natureza, participa de relações paratáticas, ou seja, um ambiente não propício para
a realização de seqüências de tipologia argumentativa. No entanto, o mas participa
não da articulação entre orações, liga também subtópicos, mais, exerce uma
função muito próxima da concessiva. Isso amplia as possibilidades de ocorrência da
tipologia argumentativa, como em (208).
(208) Ele pretende cursar veterinária, mas o fato de este ano
ainda não ter tido aula de história, geografia, literatura e
física vem atrapalhando sua preparação. (O Globo
04/03/2003 – Cartas dos Leitores).
Em (208), apesar de o item sob análise estar articulando sintagmas
oracionais, o segmento introduzido soa como um novo subtópico, posto que,
apresenta o motivo que pode prejudicar os anseios do menino de cursar a faculdade
199
de Veterinária. No caso acima, o segmento anterior serve como uma primeira
proposição, cuja inferência é negada pela segunda proposição.
Outra seqüência tipológica típica de ambientes nos quais o mas ocorre, é a
avaliativa, na qual identificamos a co-ocorrência de verbos de processamento
mental, freqüentes na fala, devido aos mecanismos de envolvimento dessa
modalidade.
(209) Eu acho, agora, que para um coração de mãe
sofre tanto quando um filho homem ou uma filha
mulher estão num mau caminho. Mas eu acho que
para companhia, também, não sei, tenho mais
simpatia para o maior número de mulher do que
homem. Embora eu tenha o meu caçula, ele é
carinhosíssimo. (Amostra 80 – c048).
Em (209), a informante trata das suas experiências como mãe de homens e
mulheres. Nos dois segmentos a informante faz uma avaliação, caracterizada pela
introdução do verbo de processamento mental opinativo: “achar”.
Em seqüências dialógicas, o mas participa da troca de turnos. Acreditamos
que o uso do mas na troca de turnos seja um mecanismo bastante produtivo. No
entanto, devido, principalmente, à natureza das amostras aqui utilizadas,
identificamos poucas ocorrências desse uso.
(210) F Ah...você gosta de matar os outros... tá
bom...vamos fazer uma terapia contigo.... é...bota ele
pra sofrer na carne...
E Mas, eu sempre acreditei nessa colônia
agrícola...alguma coisa assim...
F Mas isso aí é bobagem... para alguns isso seria
ótimo, para outros teria que quebrar pedra
mesmo...sofrimento na carne, entendeu? (Amostra 00
(c) – t31)
200
Em (210), verificamos duas ocorrências do elemento mas atuando na troca
de turnos. O primeiro mas ilustra uma tomada de turno. Antes de o falante concluir
sua fala sobre formas alternativas de punição de criminosos, a entrevistadora insere
um comentário. Em seguida, o falante emprega novamente o elemento mas e
retoma seu turno, contestando a observação da entrevistadora.
Nas seqüências narrativas, o mas introduz orações que sinalizam quebra de
expectativa, como em (211).
(211) A luz foi cortada, fizemos as reclamações à
Light, mas ainda não fomos atendidos. (JB – 04/03/04
– Cartas dos Leitores).
Em (211), a seqüência narrativa se desenvolve em 03 momentos: 1) houve o
corte da eletricidade; 2) a reclamação foi realizada e 3) houve a quebra da
expectativa em relação ao atendimento da Light.
Ainda, em relação às seqüências narrativas, vale lembrar que o mas pode
participar da progressão textual, alterando-lhe a condução, como em (212).
(212) Dom João teve que dar uma satisfação a
Napoleão...ele... disse que adere ao Bloqueio
continental...mas... por trás continuou...a
negociar com a Inglaterra... confiscou grandes
empresas...devolveu por trás...etc. (NURC
EF382)
Em (212), ao apresentar a seqüência de fatos que culminaram com a fuga da
família real de Portugal, o professor altera a condução da narrativa, por meio de
parênteses para narrar o que estava acontecendo paralelamente ao acordo entre
Portugal e França.
Cabe, a seguir, caracterizarmos as amostras em termos de seqüências
201
tipológicas, modalidade e gêneros textuais para, posteriormente, mostrarmos a
distribuição das funções do mas.
Seqüências Tipológicas
Fala Escrita
Total
PEUL
NURC
DID e D2
NURC
EF
Editorial
Coluna
Social
Crônica
Carta
do Leitor
Notícia
Descritiva
84/368 (23%) 42/153(27%)
7/54(13%) 20/55(36%)
3/15(20%)
11/51(22%)
40/103(39%)
19/54(35%)
226
Expositiva
19/368 (5%) 15/153(10%)
26/54(48%)
- 7/15(47%)
- - -
67
Avaliativa
73/368 (20%) 30/153(20%)
- 11/55(20%)
5/15(33%)
6/51(12%) 17/103(17%)
18/54(33%)
160
Procedural
29/368(8%) 9/153(6%) 2/54(4%) - - - - -
40
Argumentativa
106/368(29%)
21/153(14%)
5/54(9%) 16/55(29%)
- 10/51(20%)
29/103(28%)
-
187
Narrativa
5/368(1%) 12/153(8%) 10/54(19%)
8/55(15%) - 24/51(47%)
17/103(17%)
15/54(28%)
91
Dialógica
52/368(14%) 24/153(16%)
4/54(7%) - - - - 2/54(4%)
82
TOTAL
368 153 54 55 15 51 103 54
853
575 278
Tabela 15: Tipologias, gêneros e modalidades
Na tabela 15, verificamos que, as seqüências descritivas ocorrem
principalmente na escrita, em cartas de leitores (39%), editoriais (36%) e notícias
(35%) e se ancoram na co-ocorrência de adjetivos atributivos e orações relativas,
que são elementos lingüísticos promotores da integração na escrita.
As seqüências tipológicas argumentativas e avaliativas também ocorrem,
principalmente, na escrita. Quanto à seqüência tipológica narrativa, esta se destaca
na escrita, nas crônicas, a seqüência tipológica expositiva, devido à sua
configuração, que acomoda construções explicativas, é mais recorrente na amostra
NURC EF, que contempla o gênero aula.
Quanto às funções semânticas do elemento sob investigação em relação às
seqüências tipológicas, apresentamos a tabela 16:
202
Seqüências
Tipológicas/
Funções
Semânticas
Frase
Texto
Interação
Substituição
Ressalva
Quebra de
Expectativa
Compensação
Mudança de
Subtópico
Retomada de
Subtópico
Progressão
Textual
Adição
Ênfase
Focalização
Interpelação
Contestação
TOTAL
Descritiva
72%
23%
- 44%
12% 19% - 37% 73% 51% - -
226
Expositiva
28%
10%
- 8% - - - 19% 27% 11% - -
67
Avaliativa
- 20%
33%
15%
24% 28% - 19% - 22% - -
160
Procedural
- 2% - 6% 10% 9% - - - 19% - -
40
Argumentativa
- 30%
- 20%
49% 18% - - - - - -
187
Narrativa
- 14%
67%
6% - 4% 100% 25% - - - -
91
Dialógica
- - - - 6% 22% - - - - 100%
100%
82
total 25 315
24 126
101 107 12 32 22 37 25 27 853
Tabela 16: Tipologias textuais e funções semânticas do mas
De acordo com a tabela 16, mecanismos de substituição ocorrem
principalmente em segmentos de tipologia descritiva (72%). Esta predominância se
deve ao fato de a substituição representar um mecanismo utilizado recorrentemente
na especificação de conteúdos, como em (213).
(213) É dever da profissão contábil buscar por todos
os meios técnicos e éticos recuperar a sua
credibilidade o maculada pelos fatos ocorridos
mundo afora não com protestos sem
fundamentação técnica e com forte apelo
corporativo, mas através de programas de
desenvolvimento profissional. (JB 09/03/03
Crônicas).
Em (213), ao caracterizar o dever da profissão contábil: recuperar a
credibilidade, o cronista especifica o modo como deve proceder a recuperação da
credibilidade da profissão, ou seja, por meio de programas de desenvolvimento
profissional. O mas de substituição, neste caso, participa da especificação
identificando o modo de recuperação que deve ser evitado, ou seja, protestos sem
203
fundamentação técnica.
Mecanismos de ressalva ocorrem principalmente em segmentos de tipologia
argumentativa (30%). A ressalva é um tipo de mecanismo que promove a extração
de inferências do primeiro segmento, que são negadas no segundo. Esse
procedimento se relaciona a co-ocorrência de estruturas sintáticas complexas e
verbos de processamento mental, como em (214).
(214) Badalam muito as estrelas do campeonato carioca,
mas se esquecem que o Vasco também tem as suas.
Nós temos o Marcelinho, de renome internacional, o
Alex Alves, o Beto e, em menor escala, eu. (JB –
08/03/04 Notícias)
Em (214), o atacante Valdir, do Vasco da Gama, admite a badalação em torno
das estrelas do campeonato carioca e faz uma ressalva, a de que o Vasco também
possui estrelas que são esquecidas e cita quatro exemplos que evidenciam a sua
afirmação. Temos aí, um segmento, cujo valor argumentativo, em grande parte, se
deve ao mas de ressalva.
Mecanismos de Quebra de Expectativa ocorrem principalmente em
segmentos de tipologia narrativa (67%). A seqüencialidade cronológica dos eventos,
neste caso, é quebrada com a inserção do elemento mas, que contribui para um
final diferente do esperado, como em (215).
(215) Os moradores entraram em contato com as
autoridades, mas ainda não foram atendidos. (Extra
12/01/04 – Cartas).
Em (215), a primeira oração, com verbo de processo material, suscita uma
204
expectativa que o se concretiza. ocorrências de quebra de expectativa, no
interior da qual o mas parece participar da separação entre figura e fundo, como em
(216).
(216) Se ele complementasse me chamando de tio, acho
que eu encerrava a conta do banco e talvez, até
levasse uma gruja de 15 centavos, a título de “abono
de idade”, eles são capazes de perpetrar isso, mas
não fiz nada, arrastei meus pobres pés de velho até a
fila indicada e fiquei bom tempinho. (O Globo
01/06/03 Crônicas).
Em (216), o mas parece marcar o fim dos comentários (fundo) e retomar a
narração abandonada antes da inserção do comentário, que se verifica com o uso
de verbos de processo material aspecto perfectivo, os quais participam da seqüência
cronológica das ações.
Mecanismos de compensação ocorrem principalmente em segmentos de
tipologia descritiva (44%). A compensação é um recurso utilizado freqüentemente na
descrição, como em (217).
(217) A vida na Europa é muito cara, mas, em
compensação, o europeu tem padrão de vida
superior ao brasileiro (Amostra 80 – c045).
Em (217), ao descrever a vida na Europa, a informante recorre ao recurso de
compensação: o padrão de vida europeu compensa os altos preços praticados
naquele continente. Cumpre lembrar que, em mecanismos de compensação,
identificamos uma alta freqüência de verbos de processo relacional possessivo.
Mecanismos de mudança de sub-tópico ocorrem principalmente em
segmentos de tipologia argumentativa (49%). A mudança de sub-tópico serve
205
normalmente para apresentar restrições, explicações ou especificações acerca do
que se diz no subtópico anterior, como em (218).
(218) O técnico Abel Braga terá que esperar no nimo mais
um treino para ver Edilson. O atacante tentou voltar ontem
à noite de Salvador, mas o vôo marcado para deixar a
capital baiana às 19 horas (20 horas de Brasília) atrasou
em quase duas horas, fazendo o craque discutir de
retornar à noite para o Rio. (Extra – 13/01/04 Notícia)
Em (218), o mas articula dois sub-tópicos: a tentativa de o jogador Edmilson
voltar para o Rio e o atraso do vôo com destino ao Rio. Assim, a falta do jogador ao
treino é justificada pelo rápido atraso.
Mecanismos de retomada de sub-tópico ocorrem principalmente em
segmentos de tipologia avaliativa (28%). Normalmente, o sub-tópico retomado
introduz uma avaliação em relação aos contextos até então apresentados, como em
(219).
(219) Daniele Hypólito foi considerada a principal
ginasta do país. Em 2001, com a prata o solo
no Mundial, a carioca chegou a ficar
estressada com tantos compromissos e
entrevistas. Hoje, Daiane dos Santos, campeã
mundial no solo, ocupa o posto, mas Daniele
garante estar tirando proveito das glórias da
gaúcha. (Extra – 07/01/04 – Notícias)
Em (219), a alternância do sucesso na ginástica olímpica, leva Daniele
Hypólito a tirar proveito do sucesso de sua rival, pois não está mais sobre pressão.
Em casos assim, o sub-tópico retomado representa uma avaliação do conteúdo
expresso anteriormente, o que se materializa no uso de verbos de processo mental,
na fala, e processo relacional, na escrita.
206
Mecanismos de progressão textual ocorrem exclusivamente em segmentos
de tipologia narrativa (100%), como em (220).
(220) Tereza se apaixona pelo empresário, mas ele
morre tragicamente. Ele conhece, então, um
toureiro. Vive uma louca paixão, mas o toureiro
acaba morrendo nas patas de um touro e Tereza
chega à conclusão de que tudo é um castigo dos
céus. ( O Globo – 32/10/02 – Editoriais)
Em (220), os enunciados são apresentados de acordo com a ordem
cronológica dos fatos. Apesar de (220) representar um trecho narrativo, a presença
do mas gera uma certa tensão, que leva a personagem Tereza chegar a uma
conclusão, no final do trecho. Verbos de processo material são bastante recorrentes
nestes casos.
Mecanismos de adição ocorrem principalmente em segmentos de tipologia
descritiva (37%), como em (221).
(221) É o feijão tipo o daqui... a gente pode comparar ao
feijão manteiga... mas também uma delícia. (NURC DID
012)
Em (221), verificamos que a expressão mas também serve para adicionar
uma característica ao que vinha sendo apresentado até então acerca do feijão.
Mecanismos de ênfase ocorrem principalmente em segmentos de tipologia
descritiva (73%), como em (222).
(222) E – Está certo! Moradora antiga de Santa
Tereza, não é? De Santa Tereza. Como são
os seus vizinhos?
F Maravilhosos...ótimos vizinhos, mas
207
ótimos mesmo! (Amostra 80 – c048).
Em (222), a informante elogia e os vizinhos enfaticamente. Para isso, recorre
à utilização do mas, antes da repetição do adjetivo ótimos. Em casos como este,
verificamos a co-ocorrência de elementos de ênfase, como mesmo, muito ou
substantivos que criam o efeito de grandiosidade, como em (223).
(223) Metrô... o metrô... eles nos levaram para ver metrô...
ver... quando eu entrei... era uma coisa... ( ) iluminação...
candelabros... as paredes... eh... com desenhos de
pintura a óleo dos maiores pintores... mas uma coisa
cinematográfica (NURC d2 256)
Em (223), verificamos a co-ocorrência do adjetivo “cinematográfica”,
contribuindo para a ênfase dada à descrição do museu. A função enfática ocorre
também em situações de indignação, espanto, ansiedade e apreensão.
Mecanismos de focalização ocorrem principalmente em segmentos de
tipologia descritiva (51%), como em (224).
(224) Eu poderia viajar, mas por lazer (Amostra 80 – c045)
Em (224), prevendo uma interpretação equivocada (viajar a trabalho, por
exemplo), o falante previne, inserindo o mas antes do sintagma preposicional “por
lazer”, a fim de deixar claro o motivo da viagem.
Os mecanismos de interpelação e de contestação ocorrem exclusivamente
em segmentos de tipologia dialógica. A tipologia dialógica, por si, representa o
208
caráter interativo da linguagem.
A seguir, consideramos os resultados para a correlação entre uso de mas,
tipos textuais e transitividade verbal.
Descritiva
Expositiva
Avaliativa
Procedural
Argumentativa
Narrativa
Dialógica
Não se aplica
30/226(13%) 11/67(16%)
8/160(5%) - 24/187(13%)
9/91(10%) 3/82(4%)
Processos Relacionais
125/226(55%)
15/67(22%)
24/160(15%)
3/40(7%) 36/187(20%)
19/91(21%)
15/82(18%)
Processos Comportamentais
15/226(7%) 8/67(12%) 13/160(8%) 2/40(5%) 17/187(9%) 3/91(3%) 9/82(11%)
Processos Mentais
12/226(5%) 4/67(6%) 30/160(19%)
3/40(8%) 41/187(22%)
6/91(7%) 12/82(15%)
Processos Existenciais
26/226(12%) 22/67(33%)
22/160(26%)
20/40(50%)
25/187(13%)
22/91(24%)
22/82(27%)
Processos Materiais
18/226(8%) 7/67(10%) 54/160(21%)
12/40(30%)
38/187(20%)
30/91(33%)
19/82(23%)
Processos Verbais
- - 9/160(6%) - 6/187(3%) 2/91(2%) 2/82(2%)
TOTAL 226 67 160 40 187 91 82
Tabela 17: Tipologias textuais e transitividade dos processos
Nos segmentos de seqüência tipológica descritiva, verificamos a
predominância de processos relacionais em orações introduzidas por mas (55%).
Os processos relacionais estabelecem conexão entre entidades, identificando-as ou
classificando-as, na medida em que associam um fragmento de experiência a outro.
Ao atribuir uma qualidade a uma entidade pode denotar intensidade, como em (225).
(225) É um negócio terrível, mas terrível mesmo (Amostra 80 –
c044).
O segmento encabeçado por mas pode também atribuir uma circunstância de
tempo ou lugar a uma entidade, como em (226).
(226) Aqui o rio tinha uma espécie de banana parecida...
parece que se não me engano era banana figo que eles
chamam aqui no Rio...mas ainda é maior que a
209
banana figo. (NURC DID 084).
Pode também estabelecer uma relação de posse, como em (227).
(227) Era muito importante ter a Inglaterra como aliada, mas a
Inglaterra! (NURC EF – 251)
Como verificamos anteriormente, altas freqüências de mas em seqüências
descritivas. Isso se deve ao caráter identificador ou atributivo dos segmentos por ele
vinculados, o que se concretiza por meio do uso de verbos de processo relacional.
Nos segmentos de seqüência tipológica expositiva, verificamos a
predominância de processos existenciais (33%). Em segmentos introduzidos por
mas, os processos existenciais representam algo que existe ou acontece e são
realizados pelos verbos haver, existir ou ter (=haver).
(228) Não necessidade de casas de parto, mas
de unidades hospitalares preparadas. (O Globo
27/02/04 – Cartas dos Leitores).
Um dos mecanismos mais freqüentes nestes ambientes se caracteriza pela
substituição de participantes, cuja existência tenha sido anulada no primeiro
segmento.
Nos segmentos de seqüência tipológica avaliativa, verificamos a
predominância de processos existenciais (26%) e mentais (19%), que representam
ações de mudanças externas, físicas e perceptíveis ou processos de cognição em
orações encabeçadas por mas, como ilustram respectivamente os exemplos (229) e
210
(230).
(229) No dia a dia tem que se usar gíria mesmo, não tem
outra escapatória. Mas tem que se saber a diferença:
quando deve se falar correto e quando pode se falar
popularmente. (Amostra 00 (i) – r11)
(230) Achei (hes) a melhor coisa que eu fiz assim em
termos de viagem, assim de coisa <pi...> nada de
excepcional, mas eu acho uma beleza. (Amostra 80
c044)
Nos segmentos de seqüência tipológica procedural, verificamos a
predominância de processos existenciais (50%) e materiais (30%) expressos por
segmentos iniciados por mas. A ocorrência de processos materiais se justifica pelo
fato de esta tipologia ter por objetivo levar o leitor/ ouvinte a fazer alguma coisa,
seguindo procedimentos. Logo, os verbos relacionados ao fazer aparecem com
certa freqüência. Quanto à ocorrência de processos existenciais, isso se deve a
própria natureza do mas que, em seqüências tipológicas procedurais, normalmente
é usado para marcar a inserção de um elemento que quebra de seqüência natural,
como em (231).
(231) Você pica a cebola... põe a cebolinha.... a salsa....
mas tem também o alho... reserva. (NURC D2
369)
Nesta seção, verificamos as seqüências tipológicas nas quais os diversos
mecanismos, aqui estudados, incidem. Verificamos que o elemento sob análise
ocorre predominantemente em seqüências tipológicas descritivas, avaliativas e
argumentativas.
211
Mecanismos de substituição, compensação, adição, ênfase e focalização,
devido aos contextos de atribuição e identificação dos quais fazem parte, participam
de seqüências tipológicas descritivas e são caracterizados por verbos de processo
relacional.
Mecanismos de quebra de expectativa e retomada de (sub) tópicos ocorrem
predominantemente em seqüências tipológicas avaliativas e se caracterizam pela
alta freqüência de verbos de processo mental.
Mecanismos de abertura de (sub) picos ocorrem em seqüências tipológicas
argumentativas e se caracterizam pela alta freqüência de verbos de processos
relacionais e as seqüências dialógicas co-ocorrem com a incidência de mas na troca
de turno.
6.6 O MAS NA CONSTITUIÇÃO DOS GÊNEROS TEXTUAIS
Nesta seção consideraremos a distribuição do mas segundo os gêneros
textuais. Preliminarmente, apresentaremos uma caracterização geral dos gêneros
textuais investigados nesta tese para, posteriormente, considerarmos a distribuição
do mas por eles. A distribuição dos gêneros textuais que constituem as amostras
utilizadas neste trabalho é apresentada no gráfico 12.
212
Gráfico 12: Distribuição dos gêneros textuais nas amostras
No gráfico 12, verifica-se que, quanto à modalidade (fala e escrita), os
gêneros textuais utilizados nesta tese apresentam uma distribuição equilibrada. A
entrevista representa 39%. Esta alta freqüência do gênero entrevista se justifica pela
alta concentração de trechos nos quais o mas participa da articulação textual e da
interação.
Quanto aos gêneros da escrita, verificamos a freqüência proeminente do mas
no gênero Carta do Leitor (20%) e a baixa freqüência do elemento no Gênero
Crônica (1%). Isso se deve, dentre outros fatores, ao fato de o gênero Carta do
Leitor ser o ambiente propício à ocorrência de mecanismos de quebra de
expectativa e ressalvas, por tratar de reclamações, críticas e denúncias, que se
justificam devido ao não atendimento de alguma solicitação do remetente às
autoridades competentes, como ilustram os exemplos (232) e (233).
(232) Na Estrada São Mateus, em frente ao número 60, no
Bairro de Jardim Primavera, em Duque de Caxias, existe
um poste que está sem lâmpada três semanas. A
falta de iluminação tem deixado o local muito escuro e
perigoso à noite. As autoridades já foram informados
sobre o problema, mas não tomaram providências.
(Extra – 14/01/04 – Cartas dos Leitores).
(233) Para erradicar uma favela em Cubatão (SP), o
Ministério das Cidades revela que vai liberar R$ 2, 6
milhões e a Prefeitura de Cubatão, mais R$ 3,2 milhões,
totalizando R$ 5,8 milhões para um projeto que prevê a
construção de oito prédios e 160 apartamentos, além de
213
um Centro Comunitário e uma creche. Em Santos (SP),
foram gastos mais de R$ 11 milhões na restauração
do Teatro Coliseu, mas as obras, que levam mais de
5 anos, o meio de serem concluídas e ninguém
ainda chamou a polícia. (JB 30/03/04 Cartas dos
Leitores).
Em (232), quebra de expectativa pelo fato de as autoridades terem sido
avisadas da falta de iluminação no local e não terem tomado as devidas
providências. Em (233), na sua denúncia, o remetente da carta, revela os gastos de
mais de R$ 11 milhões na restauração do Teatro Coliseu, e comenta que apesar dos
gastos as obras ainda não foram concluídas.
A incidência do elemento mas no gênero Coluna Social é pouco
representativa pelo fato de este gênero referir-se à cobertura de eventos,
normalmente, retratando celebridades, o que contribui para a construção de um
ambiente pouco propício para a ocorrência do elemento mas.
Quanto ao gênero editorial e notícia, verificamos freqüências representativas
do elemento mas, O caráter argumentativo dos contextos representados por estes
gêneros são propícios para a realização da expressão de contraste, como ilustra o
exemplo (234).
(234) Se os salários dos nossos professores e doutores,
comparados ao que se paga nos Estados Unidos,
Inglaterra, França, Alemanha e Japão, são irrisórios,
uma outra aflição atinge atualmente o mundo
acadêmico.
Com a pretendida reforma da Previdência, o quadro
da pesquisa nacional, que muito apresenta
situação crônica de falta de recursos, mas de muito
idealismo e abnegação, tende a se agravar, com a
corrida à aposentadoria de cerca de 1 mil e 500
pesquisadores bolsistas de estágio mais avançado do
CNPq, conforme adverte a cientista Glaci Zancan,
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência. O mero tende a crescer se
considerarmos pesquisadores na faixa de 50 anos de
214
idade que trabalham em instituições congêneres. A
debandada pode alcançar ainda até 13% dos 42 mil
professores das universidades federais, levando à
aposentadoria pesquisadores na faixa de 55 anos,
extremamente produtivos, o que vai criar um vazio de
difícil reposição. (JB – 02/06/03 – Opinião e Editorial)
Em (234), para criticar a pretendida reforma da previdência, o jornalista
menciona a falta de recursos das universidades públicas. Para o jornalista, com a
referida reforma, as poucas pesquisas desenvolvidas, graças ao idealismo dos
professores, tendem a se extinguir, pois os professores tendem a se aposentar no
atual sistema previdenciário, a fim de garantir seus benefícios. O mas, neste caso,
representa um mecanismo de compensação, segundo o qual a falta de recursos é
compensada pelo idealismo e abnegação dos professores, a que o jornalista
concede o mérito pelas pesquisas realizadas no país.
A seguir, apresentamos os resultados para a distribuição de mas segundo
duas variáveis: gênero textual e transitividade verbal.
Transitividade dos processos PEUL NURC Editorial
Coluna
Social
Crônica
Carta do
Leitor
Notícia
Não se aplica
29/368(8%) 8/207(4%) 12/55(22%)
5/15(33%)
8/51(16%) 17/103(17%)
6/54(11%)
Processos Relacionais
27/368(7%) 67/207(32%)
22/55(40%)
8/15(53%)
23/51(45%)
57/103(55%)
33/54(61%)
Processos Comportamentais
37/368(10%) 15/207(7%) - 2/15(13%)
- 13/103(13%)
-
Processos Mentais
75/368(20%) 27/207(13%)
- - 6/51(12%) - -
Processos Existenciais
114/368(31%)
39/207(19%)
4/55(7%) - 2/51(2%) - -
Processos Materiais
77/368(21%) 49/207(24%)
17/55(31%)
- 4/51(8%) 16/103(15%)
15/54(28%)
Processos Verbais
9/368(2%) 2/207(0%) - - 8/51(15%) - -
TOTAL 368 207 55 15 51 103 54
Tabela 18: Transitividade dos processos e gêneros textuais
Em relação à transitividade dos processos verbais constitutivos dos
215
segmentos introduzidos por mas, no que diz respeito aos gêneros, verificamos que,
nos gêneros da escrita, a co-ocorrência de processos relacionais é mais freqüente.
Na fala culta (NURC), também identificamos a predominância deste tipo de
processo.
Nos gêneros da fala, identificamos alta incidência de processos existenciais
nos segmentos introduzidos por mas. Esta forte incidência se deve ao fato de a fala
ser construída em tempo real, o que leva a constantes referências circunstanciais,
como vimos anteriormente, ambientes de referências circunstanciais de verbos de
processo existencial, como em (235).
(235) A parte da cozinha não é muito grande, mas tem
uma coisa que eu acho ótimo... é ladrilhada até o
teto... cabe muito bem uma geladeira... armário e as
cadeiras pras empregadas... certo? a parte da área
tem dois secadores... o tanque... a máquina de lavar
e ainda dá lugar prum armário pequeno que eu posso
guardar as coisas de mantimento... (NURC – DID
084)
Novamente, aqui, verificamos que a incidência de mas parece estar vinculada
ao processo verbal e não ao gênero. A tabela 19 mostra a distribuição de mas
segundo duas variáveis: a função do segmento introduzido por este elemento e o
gênero textual.
Função PEUL
NURC
Editorial
Coluna Social
Carta do Leitor
Crônica
Notícia
SINTAGMAS
Substituição
1% - 9% - 5% 14% 4%
Compensação
13% 9% 11% 47% 17% 20% 24%
Quebra de Expectativa
- - 16% - 11% - -
Adição
2% 6% - - 7% - 4%
Intensificação
3% 5% - - - - -
Focalização
4% 3% 9% - 6% 10% -
216
Ressalva
37% 27% 40% 53% 32% 29% 69%
TEXTOS
Mudança (sub) tópica
17% 14% 15% - 13% 4% -
Retomada (Sub) tópica
16% 23% - - 10% - -
Progressão Textual
- - - - - 24% -
TUNROS
Interpelação
3% 6% - - - - -
Contestação
4% 6% - - - - -
Tabela 19: Funções semânticas e gêneros textuais
De acordo com a tabela 19, mecanismos de ressalva predominam em todos
os gêneros (37%); o mecanismo de progressão textual é o menos recorrente
(1%). A predominância dos mecanismos de ressalva em todos os gêneros deve ser
interpretada em função da alta freqüência deste mecanismo em todas as amostras.
Alguns outros resultados, no entanto, merecem ser considerados:
1 O ambiente gradativo da freqüência de mecanismos de compensação
entre os gêneros do menor para o maior grau de integração/ distanciamento;
2 A alta freqüência de mecanismos de retomada (sub) tópica nos gêneros
do NURC, devido ao planejamento prévio das estruturas em torno de temas
previamente selecionados;
3 A ocorrência dos mecanismos de progressão textual exclusivamente no
gênero crônica, devido à forte incidência da seqüência tipológica narrativa neste
gênero.
217
7 CONCLUSÃO
Neste trabalho, analisamos a relação entre as funções semânticas do
elemento mas, por um lado, e os contextos lingüístico-discursivos, nos quais tais
mecanismos ocorrem, na fala e na escrita, por outro lado. Para realizar as
descrições a caracterização, as análises e as interpretações desses contextos,
utilizamos a perspectiva da lingüística funcional, segundo a qual, a motivação para
os fatos da língua encontra-se no contexto discursivo. Com base nesse modelo
teórico, desenvolvemos uma reflexão acerca dos conceitos de modalidade (fala e
escrita), pautando-nos, principalmente, no estudo de Chafe (1985) sobre os
mecanismos de integração/ distanciamento e fragmentação/ envolvimento na fala e
na escrita; de gêneros e tipologias textuais, pautando-nos principalmente em
Marcuschi (2001), em seu estudo acerca da distribuição dos gêneros textuais da fala
e da escrita numa escala, e na categorização de Paredes Silva (1991) das
seqüências tipológicas textuais; de transitividade verbal, proposto por Halliday
(1985), em seu estudo acerca dos papéis da transitividade, nos quais nos
fundamentamos para explicar e cotejar o comportamento semântico e sintático das
construções nas quais o elemento sob investigação ocorre. Ainda, seguindo um
pressuposto teórico-metodológico da teoria funcionalista, investigamos a arquitetura
das construções em pauta a partir dos seus usos lingüísticos, numa perspectiva
sincrônica. Examinamos, então, dados das duas modalidades: fala e escrita.
Do ponto de vista da metodologia adotada na pesquisa, a utilização de alguns
dos recursos oferecidos pela Teoria da Variação Lingüística se mostrou um
instrumento valioso para a consecução dos objetivos deste trabalho. Desse modo,
218
ao analisarmos as ocorrências de mas, à luz dos mesmos fatores lingüísticos
(mesmo sem estar operando uma regra variável), pudemos, com base em
evidências estatísticas, identificar traços comuns e idiossincrasias no que concerne
ao padrão distribucional dessas construções. Por exemplo, essa análise permitiu
atestar que, na escrita, o item mas relaciona, principalmente, elementos dentro do
sintagma não oracional ou sintagmas não oracionais; no entanto, quando se trata de
unidades discursivas, a atuação de mas é mais freqüente na fala. Ademais,
procedendo a uma análise quantitativa dos dados, pudemos estabelecer, a partir da
freqüência de uso, os tipos de mecanismos encabeçados pelo mas, na fala e na
escrita, sem perder de vista a co-atuação de grupos de fatores como gêneros e
tipologias textuais, por exemplo.
Tendo em vista as hipóteses formuladas acerca da correlação entre as
funções semânticas do mas, tipos de construções sintáticas, modalidade, gêneros e
tipologias textuais, encontramos evidências de que (a) os contextos de atuação do
mas se distinguem não só por atributos semânticos mas também por atributos
sintáticos e (b) constituem diferentes instâncias de atuação: no interior do sintagma
não oracional; estabelecendo a vinculação entre sintagmas não oracionais e entre
sintagmas oracionais; na organização (sub) tópica e na troca de turnos. Na definição
do perfil sintático dessas construções, verificamos que outros elementos como
expressões anafóricas, partículas de negação e transitividade verbal contribuem
para a constituição daqueles mecanismos. Vale ressaltar que, nas construções com
negação lexicalmente concretizada, as partículas de negação não se situam
exatamente no mesmo ponto. Essa mobilidade da partícula de negação repercute no
tipo de mecanismo desempenhado pelo mas: negação no segmento que precede o
mas, por exemplo, representa funções que envolvem algum tipo de anulação e a
219
presença de negação no segmento introduzido por mas representa a negação de
alguma inferência extraída do segmento anterior.
As categorias lingüísticas que distinguiram as diversas construções nas quais
o mas incide foram as seguintes: tipo de segmento, transitividade verbal, presença/
ausência de negação, posição da negação e presença de elementos anafóricos.
Com respeito a essas categorias, os mecanismos de substituição, ressalva,
compensação, adição, quebra de expectativa exibiram os seguintes atributos:
1 - Os mecanismos de substituição ocorrem em contextos cujos segmentos
relacionados por mas são SPreps, SNs (mais freqüentes na escrita) ou sintagmas
oracionais (mais freqüentes na fala). presença de negação lexicalizada no
sintagma não oracional anterior. Ao atuar sobre segmentos mais amplos que o
sintagma, a partícula negativa contribui para uma possível recuperação do verbo do
segmento introduzido por mas. No caso dos sintagmas oracionais, verificamos o
predomínio de processos relacionais.
2 – Os mecanismos de ressalva ocorrem em contextos cujos segmentos
relacionados por mas o elementos no interior do sintagma não oracional (mais
freqüentes na escrita) ou sintagmas oracionais. A presença de negação lexicalizada
é rara nestes casos, pois admissão do conteúdo expresso no segmento que
precede o mas. No caso dos sintagmas oracionais, identificamos o predomínio de
verbos de processo mental (mais freqüentes na fala) e relacional (mais freqüentes
na escrita).
3 Os mecanismos de compensação (mais freqüentes na escrita) ocorrem
em contextos cujos segmentos relacionados por mas são sintagmas oracionais. A
220
ausência de negação na construção se deve à admissão do conteúdo expresso no
segmento que precede o mas. Verbos de processo relacional são mais freqüentes.
4 Os mecanismos de adição são expressos por meio da expressão
correlativa não só... mas também e suas variedades. Apesar da negação
lexicalizada no segmento que precede o mas, não anulação, mas a quebra de
linearidade da sentença. A expressão pode correlacionar sintagmas não oracionais
(mais freqüentes na escrita) ou sintagmas oracionais (mais freqüentes na fala).
5 Os mecanismos de quebra de expectativa ocorrem em contextos cujos
segmentos relacionados por mas são sintagmas oracionais (ocorrem
exclusivamente na escrita). A presença de partícula de negação no segmento
introduzido por mas, favorece a quebra de expectativa. Nestes casos, admissão
do conteúdo expresso no segmento anterior.
Contudo, contrariando as expectativas, o mas não ocorre predominantemente
em seqüências tipológicas argumentativas, mas em tipologias descritivas. Isso se
explica devido à diversidade de usos não argumentativos do elemento, o que se
verifica apenas em mecanismos de ressalva e quebra de expectativa. Além disso,
vale ressaltar que, em se tratando de sintagmas oracionais, há dois graus de
conexão predominantes: um grau máximo (grau 1), predominante na escrita, e um
grau máximo (grau 5), predominante na fala, o que nos remete à noção de
integração, mecanismo característico da escrita.
Os resultados obtidos revelaram não divergências, mas também
convergências entre os mecanismos em pauta com relação ao seu comportamento
no português contemporâneo:
221
a) A noção de anulação/admissão do segmento anterior ao introduzido
por mas está presente em todos os dados e é decorrente da presença/
ausência de partícula negativa no segmento anulado;
b) Há, de alguma forma, recuperação de informação apresentada no
segmento que antecede o mas. Muitas vezes, a recuperação é evidenciada
por meio de expressões anafóricas no segundo segmento ou da ocorrência
de grau 4, na conexão entre sintagmas oracionais, ou seja, determinado
sintagma presente no segmento anterior passa a exercer função sintática
diversa no segmento introduzido por mas;
c) Apesar de, na maioria das vezes, o mas não fazer parte de
seqüências tipológicas argumentativas, o contexto no qual ocorre é um
ambiente de contraste e comparação.
Sendo assim, não resta qualquer dúvida de que, nos contextos de atuação do
mas, permanecem os vestígios do seu antigo uso comparativo; em outras palavras,
nessas construções, o elemento mas mantém características exibidas na forma
inicial magis. Quanto aos usos discursivos, mostramos que, a atuação do mas em
instâncias discursivas é bastante freqüente. Na abertura de (sub) tópico e na
progressão textual, o mas apresenta um caráter de seqüenciador textual. Na
retomada de (sub) tópico, verificamos o seu papel de recuperação de informações,
observado em vários usos conectivos. Essas características também são visíveis
na sua atuação na mudança de turno.
Tais constatações contrariam, completamente, a visão tradicional de que o
elemento mas atua unicamente em na inter-relação entre orações. Ademais, as
várias funções identificadas e sua relação com os grupos de fatores aqui analisados
222
contribuem para uma reformulação da perspectiva tradicional acerca do referido
elemento.
Quanto às eventuais contribuições desta tese, ela forneceu as seguintes
evidências empíricas:
1 Existe uma correlação entre o tipo de segmento relacionado por mas e a
modalidade: elementos dentro dos sintagmas não oracionais, sintagmas não
oracionais e sintagmas oracionais relacionados por mas realmente são mais
freqüentes na escrita;
2 Os gêneros textuais entrevista (do PEUL), entrevista (do NURC), aula,
carta do leitor, crônica, coluna social, editorial e notícia, adotados na tese, são
distribuídos num continuum constituído por propriedades associadas à
integração/ fragmentação/ distanciamento/ envolvimento. Os gêneros textuais
do NURC (entrevistas e aulas) se encontram numa posição intermediária
nessa escala;
3 O mas estabelece a vinculação de sintagmas não oracionais e adjetivos
atributivos principalmente na escrita, instanciando mecanismos de integração;
4 Algumas funções semânticas, como substituição e quebra de expectativa
são próprias da escrita e outras, como contestação, ênfase e interpelação são
próprias da fala. E mesmo as funções semânticas que são comuns às duas
modalidades, apresentam diferenças quanto ao tipo de segmento conectado,
quanto ao grau de conexão das orações ou quanto ao tipo de processo.
5 O graus de conexão mais altos são mais freqüentes na escrita e os mais
baixos, na fala.
223
6 – Os verbos de processos mentais de percepção e afeição, por contribuíram
com o mecanismo de envolvimento são mais freqüentes na fala
7 - Os verbos de processo existencial são mais freqüentes na fala, em
mecanismos de abertura (sub) tópica, de progressão textual e troca de turno.
8 Seqüências tipológicas argumentativas e avaliativas (tipologias
cognitivamente complexas) são mais freqüentes nos gêneros caracterizados
por graus mais altos de integração e distanciamento.
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