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Universidade Federal do Rio de Janeiro
AVALIAÇÃO DE DESVIOS DE PERCEPÇÃO EM CRIANÇAS APRENDIZES DE
INGLÊS COMO L2
Elaine de Souza Goalves
Rio de Janeiro
Abril de 2008
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AVALIAÇÃO DE DESVIOS DE PERCEPÇÃO EM CRIANÇAS APRENDIZES DE
INGLÊS COMO L2
Elaine de Souza Goalves
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Lingüística
da Universidade Federal do Rio de Janeiro
como quesito para a obtenção do Título de
Mestre em Lingüística.
Orientadora: Professora Doutora Myrian
Azevedo de Freitas
Rio de Janeiro
Abril de 2008
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Gonçalves, Elaine de Souza
Avaliação de desvios de percepção em crianças aprendizes de inglê
s
como L2 / Elaine de Souza Gonçalves. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade
de Letras, 2008.
80 f.; 28 cm.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Programa de Pós-graduação em
Linística, 2008.
Orientadora: Myrian Azevedo de Freitas
Referências Bibliográficas: f. 77 – 80
1.Aquisição de L2. 2. Input. 3. Percepção. 4. Período crítico e
período sensível. 5. Fonologia de Uso e Teoria de Exemplares.
I. Freitas, Myrian Azevedo de. II. Universidade Federal do Rio de janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Lingüística.
III. Título.
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AVALIAÇÃO DE DESVIOS DE PERCEPÇÃO EM CRIANÇAS APRENDIZES DE
INGLÊS COMO L2
Elaine de Souza Gonçalves
Orientadora: Professora Doutora Myrian Azevedo de Freitas
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do tulo de Mestre em Lingüística.
Examinada por:
Professora Doutora Myrian Azevedo de FreitasUFRJ
Orientadora
Professora Doutora Aurora Maria Soares Neiva – UFRJ
Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario – UFRJ
Professor Doutor Carlos da Silva Sobral – UFRJ
Suplente
Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
Suplente
Rio de Janeiro
Abril de 2008
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus que está sempre comigo, me dá força para persistir nesta minha
caminhada obtendo muitas conquistas.
À minha mãe, minha fortaleza, pelo apoio e incentivo que sempre me deu na vida e por ser
responsável pela pessoa que sou.
Ao meu irmão Alexandre pelos inúmeros auxílios, inclusive os de ordem tecnológica.
Ao meu namorado André de Andrade, companheiro fiel de todos os momentos, pelo seu amor,
incentivo e presteza em me ajudar e apoiar minhas decisões.
Aos meus tios Ary e Lenir que me acolheram desde o início da minha jornada acadêmica e
sempre torceram pelo meu sucesso. E aos meus primos Leonardo e Luciane (Leo e Lú) pela
ajuda, pelo carinho e pelo convívio fraterno de sempre.
À minha orientadora Myrian Freitas pela sua contribuição à minha vida acadêmica, pela sua
paciência e apoio.
Ao amigo Rodrigo Alípio pelo imenso carinho e incentivo, por ter sido um parceiro leal em
toda nossa jornada acadêmica e pela valiosa ajuda.
À amiga Danielle Sequeira por dividir vários momentos e pela ajuda durante este processo.
À Beatriz Simões pela ajuda e pela confiança.
Aos meus familiares e amigos que estiveram envolvidos direta ou indiretamente comigo,
incentivando-me ao longo do trabalho.
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GONÇALVES, Elaine de Souza. Avaliação de desvios de percepção em crianças aprendizes
de inglês como L2. Dissertação de Mestrado em lingüística. Rio de Janeiro: Faculdade de
Letras, UFRJ.
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo investigar em que medida a recorrência dos desvios em testes
de percepção com crianças aprendizes de inglês como L2 pode subsidiar a discussão de
hipóteses sobre a representação mental dos itens lexicais e a organização do léxico nas
interlínguas destes aprendizes. O trabalho leva em consideração o papel do input na aquisição
fonológica e busca apoio na teoria de exemplares (Pierrehumbert, 2001) e em modelos
baseados no uso (Bybee, 2001) para exame dos dados. Foram elaborados 2 corpora a fim de
comparar o desempenho dos informantes em tarefas de reconhecimento diante de palavras
conhecidas e desconhecidas por eles. Os corpora são formados por itens lexicais
monossilábicos terminados nas consoantes oclusivas orais do inglês [p], [t], [k], [b], [d], e [g].
Ambos os corpora 1 e 2 aplicados na fase dos testes de percepção foram gravados em
sentenças veículo por uma falante semi-nativa e uma falante não-nativa. Os resultados da
análise apontaram a importância do armazenamento feito através da experiência para o
reconhecimento fonológico tendo em vista que (i) as substituições feitas apresentaram um grau
significativo de proximidade com o sistema representacional da fala compatível com
convenções da língua-alvo; (ii) houve, por parte dos alunos informantes desta pesquisa, maior
identificação com a produção oral não-nativa do que com a fala semi-nativa na ngua-alvo. O
bom desempenho global dos aprendizes pode ser atribuído à quantidade e qualidade
diferenciada do input que vêm recebendo, e constitui um facilitador para separação entre as
categorias de sua L1 e as da L2 em seu léxico mental. A riqueza do input forneceu-lhes
exemplares - tokens – suficientes para orientar sua categorização de forma a demonstrar um
nível de proficiência elevado no donio das relações grafema/fone na L2 o que indica que a
freqüencia token exerce papel importante no reconhecimento de das relações gráfico-fonético-
fonológicas na língua-alvo.
PALAVRAS-CHAVE: Aquisição de L2; input, percepção; falante nativo e semi-nativo;
período crítico e período sensível; Fonologia de Uso e Teoria de Exemplares.
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GONÇALVES, Elaine de Souza. Avaliação de desvios de percepção em crianças aprendizes
de inglês como L2. Dissertação de Mestrado em lingüística. Rio de Janeiro: Faculdade de
Letras, UFRJ.
ABSTRACT
This research investigates the nature of perception errors produced by children acquiring
English as a foreign language in view of recent hypotheses about the mental representation of
lexical items in the students’ interlanguages. This thesis takes into consideration the role of
input in second language acquisiton and examines data based on theoretical support from
Exemplar Theory (Pierrehumbert, 2001) and Usage-Based Phonology (Bybee, 2001). Two
corpora were organized in order to compare the students’ performance in the task of
recognizing familiar words versus unknown words. The corpora consisted of monosylabic
English items ending in one of the following oral consoants [p], [t], [k], [b], [d] or [g]. The
words were presented to the informants orally in carrier sentences. All of these sentences were
recorded by a near-native speaker and by a non-native speaker. Both recordings were heard by
the students on different occasions for word identification.The results from data analysis
pointed out the importance of lexical storage made through experience for the phonological
recognition in so far as (i) the deviant substitutions made by the children exhibited a significant
degree of similarity to the target language speech representational system and its grapheme-to-
sound conventions; and (ii) the students prooved to identify preferably with the non-native oral
production than with the near-native speech. The global performance of the informants was
very good and this fact can be attributed to the quantity and quality of L2 input they received
through formal instruction or otherwise. By providing them with a large number of word
exemplars – tokens of occurrence - the input richness rendered easier for the students the task
of keeping L1 and L2 categories appart in their mental lexicon. They could, therefore,
demonstrate a high level of accuracy in dealing with grapheme-phone-phoneme relations in the
target language.
KEYWORDS: Acquisition of L2; input, perception; native and semi-native speaker; critical
period and sensitive period; Usage-Based Phonology and Exemplar Theory.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9
2. AQUISIÇÃO DE L2 E CONCEITOS RELACIONADOS .....................................................12
2.1. Teorias descritivas do processo de aquisição de L2 .................................................12
2.2. A relevância do input para a aquisição de L2 .......................................................... 18
2.3. Estudos sobre perceão e produção ....................................................................... 20
2.4. Os conceitos de falante nativo e semi-nativo ........................................................... 27
2.5. A questão do sotaque estrangeiro ............................................................................. 30
2.6. Peodo crítico e aquisição de L2 ............................................................................ 31
2.7. Período(s) Sensível(is) e o papel do input na aquisição de L2 ................................. 35
2.8. Modelo teórico para o tratamento dos dados............................................................ 38
3. METODOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ................................ 45
3.1. Motivação e hipótese de trabalho ............................................................................. 45
3.2. Os sujeitos da pesquisa e seu perfil .......................................................................... 48
3.3. Os Corpora e o procedimento de coleta dos dados ................................................. 52
4. ALISE DOS RESULTADOS ........................................................................................... 57
4.1 – Palavras Alvo dos Testes 1 e 2 ............................................................................... 57
4.2 – Resultado do desempenho dos informantes com os testes do Corpus 1. ............... 59
4.3 – Resultado do desempenho dos informantes com os testes do Corpus 2................ 62
4.4 - Análise qualitativa do desempenho dos sujeitos da pesquisa. ................................ 66
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................75
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 77
9
1- INTRODUÇÃO
Trabalhar com aquisição de língua permite a compreensão de várias questões tais como
a natureza da linguagem, da aprendizagem humana e de como se processa a comunicação oral.
Há uma necessidade de se entender melhor o processo de aquisição de segunda língua uma vez
que este conhecimento além de ser interessante e importante para a Lingüística e estudos sobre
línguas, ele pode se tornar muito útil, pois sendo possível explicar melhor o processo de
aprendizagem, melhor será o reconhecimento do porquê de sucessos e insucessos observados
em aprendizes de L2.
Como professores de inglês, podemos observar algumas dificuldades que os aprendizes
brasileiros de inglês como L2 têm quanto à realização e à pronúncia de determinados fones.
Essa dificuldade pode ser decorrente, dentre outros fatores, do fato desses fones não existirem
no português do Brasil (PB) ou de não ocuparem determinada posição na sílaba em nosso
idioma. O aprendizado da representação dos fones através da escrita convencional na L2
acrescenta mais um fator de dificuldade ao processo de aquisição da ngua estrangeira: o de
dominar a relação entre os sons da fala e grafema na língua-alvo, que não se dá da mesma
forma como ocorre na L1 do aprendiz. A exposição da criança ao sistema ortográfico do inglês,
o qual se caracteriza por possuir peculiaridades relacionadas a sua morfologia e história da
língua
1
resultando em um acentuado contraste em relação ao português
2
, por exemplo, poderia
1
O processo de padronização da língua inglesa iniciou em princípios do século 16 com o advento da litografia, e
acabou fixando-se nas presentes formas ao longo do século 18, com a publicação dos dicionários de Samuel
Johnson em 1755, Thomas Sheridan em 1780 e John Walker em 1791. Desde então, a ortografia do inglês mudou
em apenas pequenos detalhes, enquanto que a sua pronúncia sofreu grandes transformações. O resultado disto é
que hoje em dia temos um sistema ortográfico baseado nangua como ela era falada no século 18, sendo usado
para representar a pronúncia da língua no século 20. (D'EUGENIO, Antonio. Major Problems of English
Phonology. Foggia, Italy: Atlantica, 1982:319)
Outra obra que trata desta questão histórica da língua inglesa: CRYSTAL, David. The Cambridge Encyclopedia of
the English Language. Cambridge University Press, 1999.
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ser um fator crucial na constatação dessa dificuldade. Muitas vezes, os aprendizes não
percebem que há diferença entre o que é produzido oralmente e o que seria de fato o segmento
alvo correspondente na língua inglesa. Outras vezes, os aprendizes transferem características
grafo-fônico-fonológicas de sua L1 para a L2.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar em que medida a ocorrência de desvios na
representação escrita, resultante da maneira como são percebidos alguns vocábulos, pode
subsidiar a discussão de hipóteses sobre como se forma a representação mental dos itens
lexicais da L2 na interngua do aprendiz. Esses temas são certamente de grande relevância no
campo de estudo da percepção da fala e vêm sendo abordados por diversos autores interessados
em pesquisar e desvendar alguns processos ocorridos durante a aquisição de ngua pelo
aprendiz.
O trabalho aborda questões de percepção sob a ótica da Fonologia de Uso (Bybee,
2001) a respeito da organização das estruturas lingüísticas no léxico. Aborda, também, outros
temas que a literatura relacionada à aquisição de L2 vem considerando relevantes tais como a
freqüência de uso, a transferência de conhecimento grafo-fônico-fonológico de L1 para L2 e
sua relação com a experiência lingüística prévia do aprendiz.
Os dados foram obtidos a partir do que foi produzido pelos indivíduos nos testes
aplicados. Em seguida, procurou-se identificar os fatores que poderiam ser responsáveis pelos
2 No inglês e no português além das diferenças fonéticas e das diferenças fonológicas, existe a questão da
interpretação oral da língua escrita. Isto é, a quais sons correspondem as letras e as palavras de um texto. Em
primeiro lugar, a interpretação fonética da ortografia em inglês apresenta diferenças em relação ao português. Em
segundo lugar, e mais importante, embora não haja relação biunívoca entre som e letra nem na língua inglesa, nem
na língua portuguesa, ou seja, o mesmo grafema (letra) não corresponde sempre ao mesmo fonema (som), a
correlação entre ortografia e pronúncia em inglês é notoriamente bem mais irregular.
11
desvios cometidos pelos aprendizes e que pudessem estar relacionados ao conhecimento
internalizado por eles e que faz parte de sua interlíngua.
Os objetivos desse trabalho, portanto, são (1) analisar a produção escrita dos alunos e
identificar os desvios ocorridos tendo em vista o contexto de aprendizado e o modelo da
língua-alvo a que foram expostos (semi-nativo/não-nativo) e (2) tentar avaliar os fatores que
podem ter interferido no desempenho dos indivíduos nesta pesquisa, à luz da Fonologia de
Uso e da Teoria de Exemplares.
No segundo capítulo são relatados estudos sobre os processos de aquisição de língua
que fornecem subsídios para o exame da aquisição de L2. Serão apresentadas algumas questões
pertinentes à área de estudos sobre produção e percepção, à questão do sotaque de estrangeiro,
à qualidade do input e à hipótese do peodo crítico. Por último seo tratados aspectos da
Fonologia de Uso e da Teoria de Exemplares em que está fundamentada a análise dos dados.
No capítulo 3, são expostos a metodologia de coleta e tratamento dos dados, bem como
os corpora e as hipóteses de trabalho.
No capítulo 4 são descritos e analisados os dados que permitiram verificar a pertinência
das hipóteses levantadas no capítulo anterior. Os resultados obtidos apontam a importância de
Fonologia de Uso e da Teoria de Exemplares na explicação de como se processa a aquisição do
sistema sonoro de uma L2 em consonância com a sua representação ortográfica.
Finalmente, o catulo 5 resume os resultados mais relevantes da pesquisa e levanta
ainda algumas sugestões para um possível desdobramento do presente trabalho.
12
2- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Neste capítulo será feito um breve relato dos estudos que serviram de base para o
desenvolvimento desta pesquisa. Nele serão apresentadas questões relacionadas à aquisição de
língua, em especial, de L2. Além disso, serão abordados estudos sobre percepção e produção
em L2, diferenciando a discriminação auditiva de consciência fonológica, conceituando
sotaque estrangeiro, discutindo aspectos relativos à transferência do conhecimento de L1, ao
peodo crítico e ao peodo senvel e à relevância do input e sua qualidade para a aquisição de
L2. Por último, finaliza-se este capítulo com as propostas da Teoria de Exemplares e a
Fonologia de Uso para explicar a organização da estrutura lingüística e sua configuração na
mente do falante, bem como servir de base para a análise dos dados.
2.1- Teorias Descritivas do processo de aquisição de L2
Ao longo de décadas, pesquisadores têm tentado construir teorias que possam descrever
o processo de aquisição de ngua materna (L1). De fato é muito importante essa tentativa de
teorização, pois a linguagem é uma característica comum a todos os seres humanos nas
diversas sociedades. Por outro lado, tais modelos teóricos tamm têm sido tomados como
ponto de partida para muitas pesquisas na área de aquisição de segunda língua (L2).
Segundo Mitchell e Myles (1998:2), a necessidade de se entender melhor o processo de
aquisição de segunda língua deve-se a dois motivos básicos: a) o aumento de conhecimento
nessa área permite que se compreenda melhor questões ligadas à natureza da linguagem, da
aprendizagem humana e mesmo à comunicação; b) tal conhecimento será muito útil por si só.
13
Alguns estudos em aquisição de L2 começaram a ser construídos a partir de uma
perspectiva lingüística com a contribuição de Chomsky (1965, apud Mitchell e Myles, 1998)
3
.
Conforme será demonstrado mais adiante, outra teoria inatista, esta proposta por Krashen,
demonstra grande importância nos estudos de aquisição de L2. Entretanto, esta teoria é muito
questionada devido a determinadas questões, como por exemplo, o fato das hipóteses
levantadas no Modelo Monitor não poderem ser testadas.
Desde o movimento da reforma na área de ensino de línguas, no final do século XIX,
havia a tendência de se tentar propor uma base teórica na área de aprendizagem de nguas para
fundamentar os métodos que surgissem. Segundo Mitchell e Myles (1998), na década de
cinqüenta e no início da década de sessenta do século XX, a teorização que se fazia na área de
aprendizagem de L2 estava estreitamente relacionada às questões práticas do ensino de línguas.
Assim sendo, nos anos cinqüenta e sessenta, as reflexões e propostas dos especialistas em
ensino de nguas apresentavam sérias considerações em torno de uma teoria de aprendizagem
para fundamentar o ensino de L2.
A teoria behaviorista de aprendizagem (Skinner, 1957) foi a base para o trabalho de
Lado (1964) que aplica no ensino de L2 esta teoria de Skinner. Segundo esta visão, a
aprendizagem de língua materna estaria equacionada à formação de hábitos linguísticos. Um
estímulo acarretaria uma resposta que, caso fosse a esperada, esta por sua vez, sofreria um
reforço positivo com o objetivo de mantê-la. Caso a resposta obtida pelo esmulo não fosse a
esperada, o reforço seria negativo com objetivo de descartá-la.
ESTÍMULO ! RESPOSTA ! REFORÇO (+) ou (-)
3 MITCHELL, R. & Myles, F. (1998). Second Language Learning Theories. London: Arnold Publishers.
14
Chomsky (1959), partindo de um ponto de vista lingüístico, faz uma revisão dos
postulados de Skinner, apontando vários problemas. Chomsky (ibid.), por exemplo, discorda
que as crianças apenas reproduzam sentenças. Na verdade, elas são criativas, na medida em
que internalizam regras que lhes permitem criar novas sentenças. Tendo feito a distinção entre
competência (capacidade para produzir sentenças gramaticalmente corretas) e desempenho (a
efetivação daquela capacidade no uso), Chomsky prefere trabalhar com a língua em abstração,
ou seja, orientada para a competência, pois o desempenho estaria cheio de incorreções.
Baseado neste princípio, ele afirma que as crianças são portadoras de um mecanismo de
aquisição de linguagem, de sorte que são naturalmente programadas para descobrir as regras da
língua, de forma tal que prescidem de treinamento nos moldes estímulo-resposta-reforço.
Chomsky (1959) propõe a existência de uma Gramática Universal (GU), comum a
todos os seres humanos, governada por princípios e parâmetros “que controlam a forma que as
línguas humanas podem tomar, sendo o que faz as línguas humanas serem similares entre si”,
Mitchell e Myles (1998:43).
4
Chomsky (1959) propôs que toda criança normal é capaz de aprender sua ngua
materna num período de tempo surpreendentemente curto e normalmente consegue se
comunicar livremente já na idade pré-escolar como relata Klein (1986:3). Segundo Chomsky,
isto é possível porque a Gramática Universal tem uma base biológica, ou seja, mecanismos
inatos da mente da criança que permitem a aquisição da linguagem.
Estes mecanismos constituiriam os princípios e parâmetros da Gramática Universal e
estariam presentes na forma de estruturas mentais inatas, que fazem parte do chamado
Dispositivo de Aquisição da Linguagem. Este dispositivo conteria os princípios universais
inerentes a todas as línguas humanas e também os parâmetros universais que permitem suas
4 Esta e as demais traduções de textos publicados originalmente em inglês são de minha responsabilidade. No
original: “that control the way that human language may take, and what makes the human similar to each other.”
15
variações e, por isso, seria responsável por construir a competência lingüística da criança a
partir dos dados lingüísticos do input.
Há autores que fazem críticas a esse modelo teórico. Mitchell e Myles (1998), por
exemplo, apontam a limitante preocupação com a sintaxe, deixando-se de lado aspectos como
semântica, pragmática e discurso. Além disso, as pesquisas sob o ponto de vista desse modelo
focalizam a rota de desenvolvimento lingüístico em L2, não levando em consideração variáveis
psicológicas e sociais. Larsen-Freeman e Long (1994[1991]) questionam a afirmação de
Chomsky (1959) de que a aprendizagem de línguas ocorre rapidamente e de que se completa
basicamente completada por volta dos cinco anos de idade, posto que há evidências empíricas
de que aspectos complexos de sintaxe são adquiridos bem mais tarde. Outras limitações
poderiam ser apontadas, mas cabe salientar, conforme apontam Mitchell e Myles (1998:70),
que esse modelo teórico “tem sido muito útil enquanto ferramenta sofisticada para análise
lingüística, permitindo aos pesquisadores formularem hipóteses bem definidas que podem ser
testadas em pesquisas empíricas”.
5
Stephen Krashen (1985), um dos pioneiros do movimento comunicativo, formulou uma
teoria de aquisição de segunda língua ou língua estrangeira ao final da década de setenta
composta de cinco hipóteses: a distinção entre aquisição e aprendizagem de uma língua; a
ordem natural; o monitor; o insumo e o filtro afetivo. Estas hipóteseso elucidadas por
autores como Ellis (1994) e Mitchell e Myles (1998) nos trechos seguintes.
a) Hipótese da aquisição-aprendizagem: em seu modelo, Krashen faz a distinção entre
aquisição – “processo subconsciente idêntico ao processo que a criaa utiliza ao aprender sua
5 No original: “has been very useful as a tool for sophisticated linguistics analysis, allowing the researchers to
formulate hypotheses well defined that can be tested by empirical research."
16
primeira língua e aprendizagem processo consciente que resulta em saber sobre a língua”
Krashen (1985:1). Desta forma, a aquisição de L2 é resultante do processo natural de interação,
usando-se a língua em comunicação, cujo desenvolvimento se assemelha à aquisição de L1, ao
passo que a aprendizagem é resultante da experiência em sala de aula, na qual o aprendiz é
levado a voltar sua atenção para a forma e a aprender sobre regras gramaticais.
b) Hipótese da ordem natural – essa hitese deriva-se das pesquisas que indicam um percurso
de certa forma comum na aquisição de traços gramaticais formais como explica Ellis (1994).
Desta forma, o aprendiz apresenta essa ordem em sua produção se estiver envolvido em
atividades de comunicação natural, no entanto tal ordem é perturbada caso ele tenha que
desenvolver atividades que exijam ou permitam a utilização de conhecimento metalingüístico
obtido através da aprendizagem.
c) Hipótese do monitor – o monitor é o mecanismo acionado pelo aprendiz para editar sua
produção lingüística, pois utiliza conhecimentos aprendidos para modificar as elocuções
produzidas a partir do conhecimento adquirido, podendo ser acionado antes ou depois da
elocução ser efetivamente produzida. Para que tal mecanismo seja acionado pelo aprendiz é
preciso que haja tempo suficiente, que o foco seja na forma e não no significado e que ele saiba
a regra que precisa ser acionada conforme explicita Ellis (1994). É possível que o aprendiz
utilize conhecimento adquirido, mas esse tipo de edição seria feito através de “percepção”.
Haveria, então, três tipos de usuários do monitor (Mitchell e Myles, 1998): os sub-usuários que
não se importam com os erros cometidos; os super usuários que não gostam de errar e que
estão constantemente checando sua produção; os ótimos utilizadores do monitor que o usam
apenas nos momentos apropriados, ou seja, quando não vai interferir na comunicação.
17
d) Hipótese do insumo – essa hipótese está relacionada à anterior no sentido de que o aprendiz
se move em um contínuo de desenvolvimento na medida em que recebe insumo compreensível
em L2. Esse tipo de insumo é aquele um pouco além da sua atual competência, em termos de
complexidade sintática (Mitchell e Myles, 1998) e representado pela fórmula i+1. Segue-se
que um insumo muito simples (i+0) ou muito complexo (i+2; i+3...) não são úteis no processo
de aquisição de L2. O primeiro por já ser conhecido e o segundo por estar além da capacidade
de compreensão do aprendiz, não podendo ser transformado em insumo absorvido (intake),
conforme apontam Larsen-Freeman e Long (1994[1991]). Assim sendo, a fala não é a causa da
aquisição, é o seu resultado como explica Ellis (1994 e 2002), diferentemente da posição
defendida pelos teóricos interacionistas.
e) Hipótese do Filtro Afetivoo insumo compreensível por si não faz com que a aquisição
aconteça. É preciso que os aprendizes deixem-no entrar. Daí a importância dessa hipótese, pois
esse filtro “determinaria quão receptivo seria o insumo compreensível recebido pelo aprendiz”
(Mitchell e Myles, 1998:38).
Várias são as críticas a esse modelo teórico. Com relação à hipótese da ordem natural,
McLaughlin (1978, apud Larsen-Freeman e Long (1994[1991])
6
mostra que nos próprios
estudos de Krashen e seus colegas, em que seria testada a hitese de que em redações escritas
sob a pressão de tempo não haveria perturbação na ordem de aparecimento dos morfemas, o
que aconteceria no caso de não haver essa pressão. Os resultados destes estudos mostraram que
a ordem natural de aquisição de morfemas na L2 aparecia em ambos os casos. Quanto à
hipótese do Monitor, era difícil testá-la empiricamente, segundo Larsen-Freeman e Long
6 LARSEN-FREEMAN, Diane & LONG, Michael (1994) An Introduction to Second Language Acquisition
Research. London: Longman.
18
(1994[1991]), Ellis (1994[1985]) e Mitchell e Myles (1998), por falta de elementos para medir
se alguém era um sub-usuário, um super usuário ou um ótimo usuário do monitor. Da mesma
forma seria impossível testar as hipóteses do insumo compreensível e do filtro afetivo.
Ainda com relação às criticas, todos os autores acima mencionados apontam como falha
no modelo o fato de todas as hipóteses permanecerem hipóteses por não poderem ser testadas.
Acredito que também seria possível adicionar às críticas o fato de Krashen não considerar o
contexto social em que o processo de aquisição-aprendizagem acontece, nem as influências que
o referido contexto poderia acarretar para o mesmo.
Contudo, embora existam tantas críticas ao modelo teórico de Krashen, é importante
que fique destacado que a hipótese da aquisição-aprendizagem, por exemplo, na qual ele
estabelece a distinção entre os dois processos, foi e ainda é muito utilizada e bem aceita pelos
pesquisadores. Vale ressaltar que na presente pesquisa, apesar da proposta de Krashen, tais
termos - aquisição e aprendizagem - serão usados indistintamente.
2.2- A relevância do input para a aquisição de L2
Estudos sobre o ambiente lingüístico ao qual a criança está exposta mostraram que o
input recebido é insuficiente para a aquisição da linguagem. Lydia White (1989), estudiosa que
trabalha na linha da GU apresenta três problemas deste input: a subdeterminação, a
degeneração e a ausência de evidência negativa.
A subdeterminação se refere ao fato de que vários aspectos da língua são
subdeterminados pelo input, isto é, o conhecimento que a criança adquire da sua ngua,
chamado de competência lingüística, inclui noções que não são óbvias no input recebido e que
o são ensinadas diretamente. O conhecimento impcito subjacente ao uso da linguagem vai
19
muito além daquilo a que uma criança qualquer estaria realmente exposta, e este conhecimento
o poderia ser adquirido através de estratégias gerais de aprendizagem ou habilidades de
solução de problemas. A degeneração se refere ao fato de que o input que a criança recebe
nem sempre é equivalente aquele produzido por um falante nativo de uma L2. Na verdade, este
input é cheio de erros, hesitações e interrupções, incluindo frases agramaticais e formas
parciais tanto quanto frases gramaticais. A ausência de evidência negativa, ou seja, ausência de
informações explícitas sobre que frases seriam agramaticais, constitui um outro problema para
a aquisição da ngua.
Pesquisas sobre aquisição de L1 sugerem que as crianças geralmente não são corrigidas
quando produzem uma frase agramatical. Este tipo de evidência, portanto, não estaria presente
no input recebido pelas crianças, mas apenas evidências positivas na forma de frases
gramaticais (ou quase) realmente ouvidas pelas crianças.
Lydia White (1989: 38) sustenta que, apesar de algumas pesquisas demonstrarem que o
input disponível para o aprendiz de L2 não é degenerado, mas, sim, simplificado, isto apenas
complica o problema, pois input simplificado também seria insuficiente para permitir a
aquisição do sistema da L2.
A diferença principal entre a aquisição de L1 e aprendizagem de L2, no que se refere
ao input disponível ao aprendiz, estaria na presença da evidência negativa, ou seja, enquanto
crianças aprendendo uma L1 recebem pouca ou nenhuma evidência negativa, é indiscutível que
os aprendizes de L2 têm acesso à evidência negativa em aulas de língua. White defende que
nem todo aprendiz de L2 recebe evidência negativa, e que aqueles que recebem nem sempre a
utilizam. Afinal, ninguém pode ser corrigido por erros que não cometeu.
20
2.3- Estudos sobre percepção e produção
Ao longo de algumas décadas, muitas diferenças segmentais entre a produção oral em
L1 e a produção oral em L2 têm sido documentadas em estudos acústicos e fonéticos.
Argumenta-se que as diferenças segmentais entre nguas têm uma base perceptual, tornando
difícil a aquisição de novos sons.
A relação entre produção e percepção é fundamental para o entendimento da aquisição
de estruturas da L2. Vários autores atribuem a não aquisição de sons estranhos ao sistema
sonoro das línguas à questão de como se dá a percepção durante o processo de aquisição de
segmentos da L2.
Flege (2003) afirma que a produção da fala é limitada pela acuidade perceptual do
falante. Seu Modelo de Aprendizagem da Fala (Speech Learning Model- SLM) é estabelecido
a partir de duas proposições: 1) os aprendizes da L2 não conseguem separar totalmente seus
subsistemas fonéticos da L1 e da L2, pois os elementos fônicos que constituem esses
subsistemas interagem num espaço fonológico comum; 2) embora os mecanismos responsáveis
pela aquisição da fala permaneçam intactos durante toda a vida de um indivíduo, a formação de
categorias prototípicas dos sons da fala da L2 torna-se menos provável com o aumento da
idade (Flege, 2002: 224). Segundo esse modelo, à medida que a percepção dos fones da L1 vai
se desenvolvendo durante a infância e a adolescência, a assimilação das qualidades fonéticas
das vogais e consoantes da L2 torna-se menos provável. Contudo, a formação de novas
categorias de contrastes será bloqueada se determinadas produções de sons da fala da L2
continuarem sendo identificadas como instâncias de fonemas e alofones da L1. É importante
ressaltar que Flege afirma explicitamente que essas limitações na capacidade de percepção
21
fonética de categorias da fala em L2 são oriundas da experiência lingüística prévia com a L1 e
o de um programa maturacional.
Best, McRoberts e Goodel (2001) (apud Zimmer 2006:125)
7
, assim como Flege (2002),
afirmam que a discriminação dos sons da fala em L2 depende de como ou, ainda, se esses sons
são perceptualmente “assimilados” e atribuídos a fonemas da L1.
Os pesquisadores propõem um Modelo de Assimilação Perceptual (Best, McRoberts e
Goodel, 2001) que postula que a acuidade na discriminação pode ser influenciada pelo grau de
semelhança fonético-articulatória entre os fones da L1 e os da L2 conforme explica Zimmer
(2006:125). Desta forma, o modelo parte do princípio de que a percepção da fala é realizada
por meio da percepção direta da informação fonética. É válido mencionar que a questão da
percepção da fala ser realizada por meio da percepção direta da informação fonética é bastante
questionável, já que alguns estudiosos acreditam e afirmam que essa realização não é direta na
realidade, pois a mesma informação fonética seria filtrada e em seguida realizada. O sucesso na
discriminação de fones da L2 está relacionado à maneira como um contraste da L2 é
assimilado tendo em vista as categorias da L1. Portanto, casos em que diferentes categorias da
L2 não são perceptualmente assimiladas a nenhuma categoria da L1 permitem que elas sejam
bem discriminadas e, conseqüentemente, produzidas corretamente. Com isso, os adultos, por
exemplo, conseguem discriminar melhor os fones da L2 que são mapeados para diferentes
categorias fonêmicas da L1 do que os fones que são mapeados para a mesma categoria da L1.
Assim, esse modelo prevê que os fones e os alofones da L2 serão mais facilmente percebidos
se diferirem daqueles produzidos na L1.
7 ZIMMER, M.C (2006). & ALVES, U. K. A produção de aspectos fonético-fonológicos da segunda língua:
instrução explícita e conexionismo. Revista Linguagem & Ensino 9 (2): 101-143.
22
Contudo, é muito importante demarcar a diferença entre discriminação auditiva e
percepção categorial. A discriminação auditiva seria a capacidade de o indivíduo distinguir um
fone diferente em termos de sonoridade, tensão ou outra característica. Já a percepção
categorial seria a capacidade de distribuir esses fones em categorias diferentes respeitando as
suas características. Um exemplo bem apropriado para ilustrar essa distinção dos termos seria o
caso dos fonemas [e] e [ ], duas categorias distintas no português sendo o primeiro mais tenso
e mais fechado e o segundo, menos tenso e mais aberto, mas que um aprendiz espanhol, por
exemplo, tenderia a atribuí-los a apenas uma categoria /e/.
Segundo Flege (1995), a produção e percepção dos segmentos da L2 estão
correlacionados. Quanto mais tarde se aprende uma segunda língua, maior a probabilidade
de se ter sotaque. Analisa-se sotaque aqui como uma maneira particular de um determinado
indivíduo pronunciar determinada ngua. Esta questão será melhor desenvolvida na seção
seguinte. É válido destacar como já foi mencionado anteriormente (cf. pg. 20) que Flege afirma
explicitamente que essas limitações na capacidade de percepção fonética de categorias da fala
em L2 são oriundas da experiência lingüística prévia com a L1 e não de um programa
maturacional. Portanto, Flege não é um defensor da Hipótese do Período Crítico.
O Modelo de Aprendizagem da Fala (Speech Learning Model – SLM),
desenvolvido por Flege pela primeira vez em 1987, se baseia na semelhança entre os
segmentos da L1 e da L2 e também na percepção para explicar as dificuldades na
aquisição de sons de uma língua estrangeira.
Um dos aspectos mais importantes do SLM (Flege, 1995) é a idéia de que os sons da
L2 que são similares aos sons da L1 serão mais dificilmente adquiridos do que os
novos sons. Isso ocorre devido ao fato de esses sons similares serem simplesmente conectados
à categoria fonética que foi formada com base na L1 já existente. Com isso, não há formação
23
de uma nova categoria; dois ou mais sons passam a ocupar uma única categoria. Por outro
lado, segundo o SLM, sons específicos de uma determinada língua são armazenados na
memória fonêmica do falante e cada uma destas representações constitui uma categoria
fonética. Se durante a aprendizagem de L2 o falante não-nativo se depara com um som
diferente de sua L1, isto resultará na formação de uma nova categoria fonética, específica para
este som da L2. Desta forma, o modelo de Flege postula que, quanto maior a proximidade entre
sons da L1 e sons da L2, maior será a dificuldade de aquisição. Portanto, à medida que o
falante não-nativo adquire experiência na L2, ele pode desenvolver a capacidade de perceber
traços da L2, formando novas categorias fonéticas. Esse processo exige uma grande quantidade
de input de falantes nativos em diferentes situações de uso da língua-alvo.
O Modelo de Assimilação Perceptual (Perceptual Assimilation Model - PAM),
desenvolvido por Best (1995), também está direcionado para o estudo da produção e percepção
dos sons da língua-alvo. O PAM parte do princípio de que a percepção de sons de uma L2 é
influenciada pela L1: a L1 funciona como um filtro para sons da L2. Ambos os modelos, PAM
e SLM, proem que a eficácia em perceber contrastes não-nativos está parcialmente
determinada pelo meio que estes fones são assimilados em relação às categorias fonéticas
nativas. No PAM, sugere-se que os sons da L2 são percebidos de acordo com suas semelhanças
em relação aos sons da L1 mais próximos articulatoriamente.
Seguindo a mesma linha de Best, McRoberts e Goodel (2001), o modelo denominado
Ímã da Língua Materna – ILM (Kuhl e Iverson, 1995; Kuhl, 2000) conforme explica Zimmer
2006:126)
8
formula a hitese de que a percepção das propriedades dos sons da fala é definida
pela experiência com os mesmos na primeira infância. O ILM postula que o mapeamento
perceptual que os bebês fazem dos sons da fala presentes na linguagem do ambiente cria uma
8 ZIMMER, M.C (2006). & ALVES, U. K. A produção de aspectos fonético-fonológicos da segunda língua:
instrução explícita e conexionismo. Revista Linguagem & Ensino 9 (2): 101-143.
24
rede ou filtro complexo através do qual a linguagem é percebida. Essa sintonia perceptual com
as categorias da L1 pode, futuramente, moldar a discriminação dos fones produzidos na L2. É
importante destacar que tanto Kuhl e Iverson (1995) como Flege (2002) sugerem que as
restrições à percepção dos sons da L2 resultam da experiência lingüística prévia, e o da
perda de plasticidade resultante da maturação do cérebro.
McClelland (2001) dise da mesma opinião de Kuhl (2000) e afirma que os adultos às
vezes não conseguem distinguir fones da L2 por terem passado anos “esculpindo seu espaço
fonológico de acordo com a estrutura da língua materna, e então os protótipos fonéticos da L1
atuam como ímãs ou atratores (em termos de redes neuroniais), distorcendo a percepção de
itens próximos, tornando-os mais semelhantes aos protótipos da L1” (McClelland 2001: 9).
É importante destacar que os estudos desses pesquisadores mencionados acima no
campo da L2 – Flege, Best, Kuhl e McClelland – condizem com a afirmação de Wode (1978)
(apud Zimmer 2006:127) de que era preciso haver uma semelhança crucial entre a língua alvo
e a língua materna para ocorrer a transferência, e parecem tender para um ponto comum quanto
ao papel da experiência lingüística prévia do falante na moldagem da percepção e produção da
fala na L2. Todos os pesquisadores especificados acima concordam com o fato de haver uma
grande influência da percepção, mais especificamente a percepção das categorias do sistema
fônico da L1 sobre a produção da fala em L2.
A relação entre percepção e a produção de fala condiz com o modelo de fonologia
conexionista proposto em Joanisse (2000). Segundo o autor, os padrões de sons entre as
línguas não ocorrem em função de uma gramática universal que caracteriza sons mais ou
menos marcados, mas, sim, são explicados pelo fato de que a universalidade das restrições de
marcação dos sistemas se origina em função de “características cognitivas, auditivas e
articulatórias entre os falantes de todas as línguas” (Joanisse, 2000: 120), sendo, portanto, inata
25
apenas a sensibilidade à informação probabilística nas línguas. Desta forma, os padrões
fonético-fonológicos de uma língua são aprendidos a partir da interação da percepção (pelo
ouvinte) com a produção da fala (pelo falante). Com isso, a percepção e o uso que os falantes
são capazes de fazer da informação presente no input o elementos fundamentais para o
processamento dos aspectos fonético/fonológicos da linguagem.
Vale ressaltar que o conceito de marcação é “variável” conforme a perspectiva. Dentro
da tradição gerativista, Eckman (1996: 198) define marcação da seguinte forma: “Se a presença
de uma estrutura p em uma língua implica a presença de alguma outra estrutura q, mas a presença de q
em algumanguao implica a presea de p, então p é marcado em relação a q, e q o é marcado em
relação a p.” (ECKMAN, 1996)
Silveira (2004) (apud Zimmer 2006:114-115) exemplifica a noção de marcação
mencionando que uma língua que possui a seqüência consonantal final de três elementos, como
o inglês, é mais marcada, em relação às seqüências consonantais finais do que o português
brasileiro, que admitem no máximo duas consoantes compondo a posição de coda.
De acordo com Joanisse (2000), a marcação é orientada pelo desempenho. Estruturas
mais ou menos marcadas são derivadas de características do input como a freqüência de
determinadas seqüências, freqüência essa que é fruto de características acústicas, articulatórias
e cognitivas do estímulo lingüístico.
Em síntese, restrições fonéticas agindo sobre a produção e a percepção são o que
definem algumas estruturas como mais freqüentes do que outras. Na visão conexionista, as
estruturas mais marcadas são aquelas menos freqüentes no input lingüístico. Conforme afirma
o autor, estruturas mais difíceis do ponto de vista acústico-articulatório – que são as menos
freqüentes e as mais marcadas – são tidas como mais frágeis e, portanto, mais suscetíveis a
mudanças.
26
É importante mencionar que a não-percepção adequada de um segmento pode exercer
conseqüências diretas tanto na fala como na recodificação para leitura em L2, o que caracteriza
tanto transferências do conhecimento fonogico quanto do conhecimento grafo-nico-
fonológico da L1 para a L2. Por exemplo na fala dos aprendizes cuja L1 é o português
brasileiro, os segmentos-alvo [θ] e [ ð ] tendem a ser substituídos por [v], [t], [f], [d] e [s], [z], o
que pode ser visto como resultante de uma percepção equivocada dos sons da língua alvo,
conforme a explicação proposta pelo Ímã de Língua Materna.
Deve-se admitir que, ainda que a percepção dos sons da L2 estabeleça uma condição
fundamental para a aquisição de tais estruturas, este não é o único obstáculo a ser vencido
pelos aprendizes. Existem casos em que, ainda que o aprendiz já se mostre consciente da
distinção entre [θ] e [ð] e os sons da língua materna, e perceba tais distinções quando exposto à
L2, o mesmo não consegue produzir foneticamente tal segmento, em função de dificuldades
que são decorrentes de uma transferência dos padrões articulatórios da L1 para a L2.
Zimmer (2004) investigou a transferência do conhecimento grafo-fônico-fonológico em
um estudo em que pôde verificar tal fenômeno. A autora afirma que:
Não é apenas a diferença entre sistemas fonológicos que
subjaz à transferência durante a recodificão leitora, mas
também os princípios dos sistemas alfabéticos da língua-
fonte e dangua-alvo. Nesse sentido, ainda que o português
e o inglês façam uso do sistema alfabético, a relação entre a
forma gráfica e a produção dos sons da língua é diferente
em cada um desses sistemas. A transfencia grafo-fônico-
fonológica representaria, justamente, a tendência, durante a
fala ou a leitura oral em L2, de atribuir aos grafemas que
compõem as palavras da L2 a mesma ativão fonético-
fonológica que tais grafemas reforçariam durante a fala ou a
leitura oral na L1. (
Zimmer, 2004:61).
27
2.4- Os conceitos de falante nativo e semi-nativo
Neste mundo globalizado, o conceito do que significa ser um falante nativo
de uma língua torna-se cada vez mais difícil de definir. Em estudos desenvolvidos na área de
aquisição de segunda língua, na década de 90, o "modelo de falante nativo” foi reavaliado e
revisto com vistas a sua melhor compreensão (cf. Davies, 1991; Medgyes, 1992 e Phillipson,
1992 apud Lee 2005:1).
9
A primeira utilização do conceito de falante nativo, de acordo com Davies remonta a
Bloomfield (1933) que teria afirmado: "A primeira língua que um ser humano aprende a falar é
a sua língua nativa; ele é um falante nativo desta língua”
10
conforme explicita Lee (2005:3). No
entanto, esta definição parece ser restrita e insuficiente. De uma perspectiva etimológica, o
termo "nativo" sugere que um indivíduo é “falante nativo de uma língua por força do lugar ou
país de nascimento" (Davies 1991: 9)
11
, o que pode levar à conclusão de que o conceito se
refere à língua que o indivíduo adquiriu desde o nascimento (Davies 1991; Paikeday, 1985;
Phillipson, 1992 apud Lee 2005:3). No entanto, a primeira língua aprendida, embora não possa
ser completamente esquecida, pode ser substituída por outra que venha a ser adquirida mais
tarde. Esta segunda língua pode vir a ser usada com mais freqüência por se mostrar, devido às
circunstâncias, mais útil ao indivíduo que nela tornar-se fluente, passando a usá-la de forma
produtiva e criativa e fazendo dela sua "primeira" opção (Davies, 1991:16). Neste caso
estariam as crianças que passam por processos de migração ou adoção quando ainda muito
9 LEE, Joseph J. "The Native Speaker: An Achievable Model?” Volume 7. Issue 2/Article 9:1-9.
Disponível em www.asian-efl-journal.com/June_05_jl.pdf
10 No original “The first language a human being learns to speak is his native language; he is a native speaker
of this language”
11
No original “an individual is a native speaker of a language by virtue of place or country of birth.”
28
jovens. Além disso, a língua que o individuo fala em casa pode não coincidir com o a língua
falada fora dela na região em que habita ou com o idioma oficial do país em que reside.
Conforme relata Davies (1991:1), no campo da Lingüística, de base gerativista, o
falante nativo é a autoridade que domina plenamente a gramática de sua língua e que sabe o
que pertence a ela ou não (Chomsky, 1965, apud Davies, 1991:1). De acordo com essa lógica,
um falante nativo é um indivíduo que tem perfeito comando de sua língua. Entretanto, Nayar
(1994) defende a noção de que o falante nativo pode errar sem que isto comprometa a sua
competência e propõe que o conhecimento do chamado falante nativo seja testado e reavaliado
como elucida Lee (2005:3).
Para obter uma imagem mais clara do conceito de falante nativo, foram selecionadas
seis características presentes em numerosos estudos no campo da aquisição de L2 e com as
quais a maioria dos pesquisadores na área parece concordar. Falante nativo seria o indivíduo
que:
1. adquiriu o idioma no início da infância e o mantém em uso constante (cf. Davies (1991),
McArthur (1992), Phillipson,(1992) e Kubota (2004) apud Lee (2005:4);
2. tem conhecimento intuitivo da língua (cf. Davies (1991) e Stern (1983) apud Lee 2005:4);
3. é capaz de produzir um discurso fluente e espontâneo naquela língua (cf. Davies (1991) e
Maum (2002); Medgyes (1992) apud Lee (2005:4);
4. faz uso da língua para se comunicar de forma competente e eficaz em diferentes ocasiões no
convívio social com outros usuários da língua (cf. Stern (1983), Davies (1991), Medgyes
(1992) e Liu (1999) apud Lee 2005:4), apud Lee (2005:4);
5. se identifica com uma comunidade lingüística ou é identificado como pertencente a ela por
seus outros integrantes (cf. Davies (1991), Johnson & Johnson (1998), Nayar (1998) apud Lee
2005:4)
29
6. não tem um sotaque de estrangeiro Coulmas (1981), Medgyes (1992), Scovel (1969, 1988)
apud Lee (2005:4).
Dentre as seis definições acima propostas para o falante nativo, aquela menos
controversa parece ser a que se refere ao falante nativo como alguém que adquiriu a língua na
infância e sustenta seu uso no decorrer da vida. Como explica Lee (2005:6), segundo Cook
(1999), um indivíduo só pode se tornar falante nativo de uma ngua se a tiver adquirido na
infância. Uma pessoa que não adquire uma dada língua na infância provavelmente irá manter
alguma marca de sotaque de estrangeiro em seu discurso (Scovel, 1969, 1988) apud Lee
(2005:6)
também uma variação considerável nas definições correspondentes ao termo
“falante semi-nativo” segundo Koike & Liskin-Gasparro (1999). No que diz respeito à
pronúncia, por exemplo, o falante semi-nativo é caracterizado como sendo aquele que “poderia
ser confundido com um falante nativo por causa do seu sotaque natural" Koike & Liskin-
Gasparro (1999: 6)
12
. Contudo, este também poderia ser caracterizado como aquele que possui
um sotaque de estrangeiro pouco marcado ou ainda mesmo aquele que não apresenta marca de
sotaque estrangeiro. O falante semi-nativo não alcançaria o mesmo nível de precisão
gramatical que se espera de falantes nativos da língua. Apesar disto, muitos se referem ao
falante semi-nativo como aquele que não comete nenhum desvio em relação ao que seria
considerado gramatical na língua, ou que comete apenas desvios ocasionais que não se
caracterizam como sistemáticos. Já em relação à fluência, o falante semi-nativo seria aquele
que fala sem hesitações, numa velocidade confortável e com facilidade.
12 No original "could be confused with a native speaker because of his/ her natural accent.
30
2.5- A questão do sotaque estrangeiro
Um dos maiores objetivos da maior parte dos aprendizes de L2 é ser entendido em sua
L2 por uma ampla gama de interlocutores em variados contextos. Embora o sotaque não-
nativo possa algumas vezes interferir nesse objetivo, pesquisadores e professores de L2 estão
cientes de que o sotaque não atua necessariamente como uma barreira comunicativa. Mesmo
uma fala com sotaque é algumas vezes perfeitamente inteligível e os desvios prodicos
parecem ser uma força mais potente na perda de inteligibilidade do que desvios fonéticos. Para
Anderson-Hsieh, Johnson, & Koehler (1992) (apud MUNRO e DERWING, 1999) erros
prosódicos são mais sérios do que erros segmentais. Por outro lado, para Koster e Koet (1993)
e Fayer e Krasinski (1987) (apud MUNRO e DERWING (1999) os erros segmentais têm efeitos
mais prejudiciais sobre a compreensão. Não há ainda indicação que a redução do sotaque
necessariamente esteja vinculada ao aumento da inteligibilidade.
O sotaque permite identificar os membros de uma comunidade de fala em comparação a
integrantes de outra comunidade. É a variante própria de uma região, classe ou grupo social,
etnia, sexo, idade ou indivíduo, em qualquer grupo linguístico, e pode se caraterizar por
alterações de ritmo, entonação, ênfase ou distinção fonêmica.
Dependendo da origem, da formação e do contexto social no qual o falante está
inserido, poderá ser mais ou menos capaz de identificar e/ou compreender sotaques diferentes
do seu. Sotaque não deve ser confundido com dialeto
13
, que se trata de uma diversidade de
13 Dialeto pressupõe umsistema divergente de uma língua comum, viva ou desaparecida, normalmente com uma
concreta limitação geográfica, mas sem forte diferenciação frente a outras de origem comum". (ALVAR, M.,
1968: 30).
31
vocabulário e gramática, para além da pronúncia em si. Um sotaque identificado por
falantes nativos como sendo estrangeiro é aquele marcado pela fonologia de outra língua. O
falante detentor do sotaque dessa língua inconscientemente tende a interpretar os sons da L2
como idênticos àqueles peculiares ao seu próprio idioma, ou seja, o falante não-nativo tende a
assimilar os fonemas da língua aprendida àqueles com que já está familiarizado.
Presume-se que os ouvintes fazem seus julgamentos sobre o sotaque baseando-se em
alguma noção do que seria a versão nativa. Desta forma, pode-se dizer que esses julgamentos
variam de ouvinte para ouvinte. A presença de um sotaque estrangeiro forte não
necessariamente resulta na redução da inteligibilidade ou da compreensão na fala em L2. Dois
sotaques podem ser completamente inteligíveis, mas um pode necessitar de mais tempo para
ser entendido do que outro.
2.6 - Período Crítico e Aquisição de L2
É válido mencionar outro aspecto comumente discutido em pesquisas voltadas para a
comparação dos processos de aquisição de L1 e de aquisição de L2. Trata-se da idade do
aprendiz quando do início de sua exposição à ngua alvo, inter-relacionada com o tempo de
exposição. A idade ideal para se começar a aprender uma L2 é um ponto amplamente debatido
no que se refere à aquisição de segunda ngua, porém é ponto pacífico que quanto maior o
tempo de exposição à língua, maior será o sucesso do aprendiz.
Essa noção de idade ideal para se começar a aprender uma L2 seria aquela idade ligada
ao período denominado por muitos estudiosos como “período crítico”, doravante PC, devido à
maturação de novas áreas cerebrais. É durante este período que há uma maior facilidade para
32
as crianças desenvolverem novas habilidades. E é dentro desse período, também, que alguns
estudiosos defendem o início do processo de ensino de outro idioma para as crianças.
O proponente e principal defensor da Hipótese do Período Crítico para aprendizagem
de uma segunda língua foi o neurologista Eric H. Lenneberg (1921 – 1975). De acordo com a
teoria de Lenneberg (1967), a idade crítica para o aprendizado de uma língua estrangeira em
indivíduos sem comprometimento neurológico se estende dos 21 aos 36 meses; após esse
período a capacidade aquisitiva vai diminuindo. O período entre 12 a 14 anos é a fase a partir
da qual o ser humano gradativamente iria perdendo a capacidade de assimilar línguas com a
mesma facilidade com que adquiriria a língua materna. Essa perda é mais perceptível na
pronúncia. Por volta dos 12 anos, a fluência só viria com muito esforço e a gramática dessa
segunda língua não seria equivalente à de um nativo. É preciso ter cuidado com o conceito de
falante nativo, pois o mesmo pode apresentar diversas definições como já apresentadas no item
2.4. Até os 12 ou 14 anos de idade, a criança que tiver contato suficiente com um idioma o
assimilaria de forma tão completa quanto a sua língua materna.
Lenneberg argumenta que há um período durante a vida humana – entre a infância e a
puberdade (de 2 a 13 anos)- que é crítico para o aprendizado de nguas e durante o qual o
aprendizado pode ter sucesso, tornando-se, depois disso, secundário. Tal período seria avaliado
por meio de uma série de processos neurológicos. Lenneberg argumenta que adolescentes e
adultos não operam suas capacidades inatas na aquisição de línguas tão bem quanto as
crianças.
A teoria de Lenneberg foi adotada por outros neurofisiologistas, variando um pouco o
fator cronológico. Eles afirmam que a melhor idade para o aprendizado de nguas estrangeiras,
numa situação artificial, se situaria entre os quatro e os dez anos. Acreditavam também que
nesta fase o cérebro ainda seria suficientemente maleável para permitir que a criança adquirisse
33
outra língua com facilidade, além do fato de que a língua materna, por não estar ainda
firmemente estruturada e fixada não ocasionaria excessiva interferência no processo de
aprendizagem. A Hipótese do Período Crítico afirma que a habilidade de aprender uma ngua
é limitada aos anos que antecedem a puberdade, período no qual esta habilidade desaparece
provavelmente devido ao processo maturacional do cérebro. Por esse motivo, alguns
defensores da teoria sobre uma idade crítica para o aprendizado de uma L2 defendiam o ensino
de uma L2 na inncia, pois, na fase adulta,rios fatores poderiam influenciar negativamente
a aprendizagem de um idioma. Dentre eles pode-se destacar a interferência da língua materna.
Contudo, é de grande importância mencionar que através do modelo conexionista, acredita-se
hoje que esta maleabilidade do cérebro seja característica não só do cérebro da criança, mas
também do adulto.
Shütz (2004), professor de língua e também estudioso do período crítico (não tão
influente como Lenneberg) na aprendizagem de uma segunda língua, afirma que a idade
máxima para se aprender um novo idioma pode variar de pessoa para pessoa e principalmente
depende do ambiente lingüístico em que a aprendizagem vai ocorrer. As limitações que
começam a se manifestar a partir da puberdade são fundamentalmente de pronúncia.
A tese do Período Crítico é considerada ainda uma questão pouco clara para aquisição
de L2 e permanece entre os temas mais debatidos nas pesquisas sobre esta questão. Existe uma
variedade de pontos de vista sobre este tema em si e sua origem tais como se este período é
realmente crítico ou sensível, se ele é causado por fatores cognitivos, maturacionais ou outros
fatores. Atualmente, parece haver uma grande aceitação da existência de um período crítico
para a aquisição de L1 e que estaria sujeita a um processo maturacional. Entretanto, observa-se
que a aquisição de L2 por adultos não é muito clara, pois enquanto se afirma que poucos
adultos, aprendizes de uma L2, alcançam a competência tida como nativa nesta L2, algum grau
34
de competência de fato é adquirido. Este fato parece ir contra a noção biológica e o processo
maturacional na aprendizagem de linguagem. Parece válido afirmar que os indivíduos pré-
adolescentes alcaam níveis de proficncia mais altos em L2 do que os aprendizes adultos e
geralmente somente os aprendizes muito jovens como as crianças podem alcançar donio do
sistema sonoro da L2 equivalente ao do nativo.
Algumas críticas apontam que a relação entre idade e o progresso na aquisição de L2 é
gradual e não deveria ser analisada e justificada apenas pelo PC. Essas críticas são sustentadas
pelo fato dos erros mais freqüentes dos aprendizes adultos de L2 estarem relacionados a
aspectos estruturais que são diferentes em comparação com a sua L1. Portanto, se a aquisição
de L2 estivesse relacionada a um PC e sujeita a um processo biológico, maturacional do
cérebro, os aprendizes adultos de L2 supostamente deveriam cometer erros de todos os tipos e
não apenas aqueles envolvendo estruturas da L2 que divergissem daquelas características da
sua L1.
Para muitos pesquisadores é possível que um aprendiz adulto de L2 alcance um nível
alto de competência nesta L2. Outros pesquisadores apontam que a competência nativa em
uma L2 só é alcançada pelos aprendizes muito jovens ainda, como as crianças, confirmando a
existência de um processo maturacional. Contudo, a questão crucial parece ser não tanto
se as crianças são mais bem sucedidas do que os adultos na aquisição de uma L2 com
competência nativa, mas sim se é impossível para os adultos aprendizes de uma L2 alcançar a
competência nativa na língua alvo.
Como aponta Long (1990:274) (apud Moskovsky 2001:1)
14
a maneira mais fácil de
contestar a Hipótese do Período Crítico seria fornecer dados de aprendizes que tenham
14
MOSKOVSKY, Christo. The Critical Period Hypothesis Revisited. Proceedings of the 2001 Conference of the
Australian Linguistic Society:1-8
35
comprovadamente atingido a competência nativa em uma L2 tendo sido expostos a ela depois
do PC.
Conclui-se com esta discussão que as evidências existentes não
oferecem suporte firme e conclusivo para a existência de um período crítico para a
aprendizagem da fala humana e que assumir a existência de um período crítico pode
inibir a busca de hipóteses que podem vir a ser testadas relativas a difereas entre a pronúncia
de L2 de adultos e crianças.
2.7- Período(s) Sensível(is) e o Papel do Input na Aquisição de L2
Por ser dicil estabelecer um peodo de anos exato durante os quais aprender línguas
pode ocorrer naturalmente, alguns pesquisadores têm apresentado uma versão revista da
hipótese do PC. Utiliza-se o termo "período sensível", em vez de "período crítico", para a
aquisição de L2. A distinção entre a hipótese do período ctico e a hipótese do período
sensível reside no fato de saber se a aquisição é "possível somente dentro do período de idade
definitivo" ou mais fácil dentro deste período. A proposta de Seliger (1978) (apud Nagai
1997:5)
15
é que pode haver múltiplos períodos cticos senveis para diferentes aspectos da
língua. O período durante o qual um sotaque nativo é facilmente adquirível, por exemplo,
parece acabar mais cedo do que o período que rege a aquisição de uma gramática nativa.
Oyama (1979:88) afirma que períodos sensíveis são precedidos e seguidos por períodos menos
receptivos.
15 NAGAI, K. (1997). A concept of ‘critical period’ for language acquisition: its implication for adult language
learning.
36
É possível controlar aproximadamente a duração de tempo que uma criança e um adulto
residiram num ambiente em que uma L2 é falada, mas, mesmo assim, a possibilidade de que
existam diferenças na pronúncia do adulto e da criança pode resultar de diferenças na
qualidade ou quantidade de experiência com a L2. Cochrane (1977) (apud Flege 1987:168)
16
administrou um questionário detalhado sobre experiência com a língua e o seu uso com
crianças e adultos japoneses que estavam aprendendo Inglês nos Estados Unidos. Comparado
com os adultos, as criaas tendiam a falar Ings com um maior mero de pessoas fora de
suas casas, e seriam obrigados a utilizar Inglês em ummero maior de contextos sociais do
que os adultos.
Não só a quantidade, mas também a qualidade do input da L2 que tanto o aprendiz
adulto quanto a criança recebe pode variar. Burling (1981) (apud Flege 1987:168) notou que as
crianças tendem a utilizar a linguagem com maior freqüência em referência aos acontecimentos
que estão em curso do que os adultos, que são mais aptos a discutir conceitos abstratos sem
referências concretas. Asher (1981) (apud Flege 1987:168) observou que a criança aprendiz de
L2, ao contrário da maioria dos adultos, habita um ambiente no qual grande parte da linguagem
dirigida a ela é imediatamente compreensível pelo contexto (por exemplo, ‘Give Daddy a kiss’/
‘Dê um beijo no papai’; ‘Let's wash our hands’/ ‘Vamos lavar as mãos’). Por outro lado, a
linguagem dirigida aos adultos tende a ser menos facilmente entendida, menos dependente do
contexto.
16 FLEGE, J. E. (1987). A Critical Period for Learning to Pronounce Foreign Language? Applied Linguistics 8:
162-177.
37
A diferença na qualidade do input da L2 pode ter conseqüências importantes. As
crianças podem compreender uma proporção maior da fala de uma L2 que é direcionada a elas
do que os adultos, o que pode, por sua vez, levar a uma diferença quantitativa no insumo
absorvido (intake) da L2. As crianças tamm podem ter um leque mais rico de palavras da L2
com associações sensoriais do que os adultos, tornando-as mais fáceis de armazenar e
recuperar no processo da fala. Asher e Price (1967) (apud Flege 1987:169) postularam
também a hipótese de que as diferenças na pronúncia entre adulto e criança desapareceriam
caso o insumo absorvido da L2 fosse verdadeiramente igual para os alunos de diferentes
idades. Como suporte indireto desta hipótese, eles acreditavam que os adultos teriam um
desempenho melhor que as crianças para compreender e executar comandos falados em uma
língua estrangeira quando expostos a ações demonstradas fisicamente que fossem explicadas
na L2 pelo instrutor.
Muitas pesquisas influenciadas pela Hipótese do Período Crítico examinaram a
capacidade de crianças e adultos de pronunciar sons de uma L2 devido, em grande parte, ao
fato de diferenças na produção da fala entre falantes nativos e não-nativos serem mais
facilmente observadas e, portanto, mais freqüentemente avaliadas e quantificadas do que as
diferenças de percepção. Pesquisas sobre produção, sem dúvida, também têm sido estimuladas
pela crença popular de que os adultos e as crianças diferem na produção da fala, enquanto um
consenso popular semelhante no que diz respeito à percepção de línguas estrangeiras parece
não existir.
Na próxima seção, última do capítulo de Pressupostos Teóricos, serão expostos os
aspectos da Fonologia de Uso e da Teoria de Exemplares em que está fundamentada a análise
dos dados apresentada no item 4.
38
2.8- Modelo teórico para o tratamento dos dados
A Fonologia de Uso é uma das linhas recentes na Fonologia e é ela que será alvo desta
discussão. A Fonologia de Uso (Bybee 2001) postula a existência de um léxico mental, em que
itens lexicais estão organizados em redes associativas em função de similaridades
compartilhadas. Além disso, postula que todas as ocorrências de usos estão estocadas bem
como informações de toda a natureza: semântica, morfossintática, pragmática e, também,
fotico-fonogica. Se as teorias fonogicas tradicionais (rotuladas de modelos formais)
pressupõem a existência de uma representação mental única, a representação na Fonologia de
Uso contempla todo tipo de alofonia e alteração fonética em função dos diferentes contextos de
ocorrência dos itens lexicais. O indivíduo teria, portanto, as palavras estocadas em sua
memória junto com o seu conteúdo fotico. Esta armazenagem ocorreria a partir de todas as
formas variantes daquelas palavras com as quais tivesse contato em todas as situações reais de
uso.
No modelo da Fonologia de Uso, a freqüência de ocorrência (token frequency) e a
frequência de tipo (type frequency) têm funções importantes e distintas. Segundo Bybee
(2001), a freqüência de ocorrência (token frequency) corresponde à freqüência de uma
determinada unidade – geralmente uma palavra – no uso de uma língua, ou seja, o quão
freqüente essa palavra específica aparece num determinado corpus. Já a freqüência de tipo
(type frequency) corresponde à freqüência de um padrão específico no léxico (o passado em -ed
no inglês, por exemplo.), ou seja, a freqüência de tipo é decorrente da semelhança recorrente
entre tokens. Refere-se a um padrão que se cria a partir da repetição de uma forma no uso da
língua com uma dada função.
39
A Fonologia de Uso assume que as mudanças sonoras ao longo do tempo são fonética e
lexicalmente graduais. A implementação de mudanças sonoras foneticamente motivadas pode
ser observada pela avaliação de freqüência de token que será mencionada mais abaixo.
Mudanças sonoras que não são foneticamente motivadas também são implementadas
gradualmente no léxico. Neste caso, a freqüência de tipo desempenha um papel importante na
implementação da mudança.
As mudanças de som que são completas podem ser identificadas como regulares ou
não, dependendo se elas afetaram ouo todos os itens lexicais existentes no momento da
mudança. O apagamento das oclusivas finais /t/ e /d/ no inglês americano é um processo muito
estudado e tem mostrado variações. A eliminação é mais freqüente se às consoantes citadas
seguem uma outra consoante (just perfect...), ou menos freqüente, isto é, as consoantes estão
menos sujeitas à eliminação se o /t/ e o /d/ fazem parte de um verbo no passado regular do
inglês (danced, watched...), e também por questões sociais e de idade. Em Bybee (2000:61)
verifica-se que o apagamento do /t/ e do d/ ocorre mais em palavras de maior freqüência.
Bybee (2001) estabelece seis pressupostos teóricos da Fonologia de Uso:
1. Experiência afeta representações - A representação mental sofre inflncia dos padrões e
formas usadas no cotidiano. Determinadas palavras, por terem uma maior freqüência no uso
tornam sua representação mais forte fazendo com que elas sejam mais facilmente acessadas e
provavelmente sofram menos mudança. Por outro lado, as palavras de menor freqüência são
mais difíceis de serem acessadas e podem, por isso, ser esquecidas. Em outras palavras, os
padrões que ocorrem em mais itens são mais fortes e mais acessíveis do que aqueles que
ocorrem em menos itens.
2. Representações mentais de objetos lingüísticos têm as mesmas propriedades de
representações mentais de outros objetos – Representações mentais não têm propriedades
40
previsíveis abstraídas fora delas, mas antes são firmemente baseadas na categorização de
ocorrências reais.
3. Categorização é baseada em identidade e em similaridade A armazenagem da
percepção fonológica é organizada por um tipo de categorização que pode ser obtida através da
experimentação fonética e psicológica assim como através de analogias com outros donios
da percepção.
4. Generalizações em relação a formas não são separadas de representações, e sim
emergem a partir das formas – As relações de similaridade fonética e semântica que ocorrem
entre as formas armazenadas tornam as generalizações sobre as formas possíveis. Novas
formas podem ser produzidas pela referência de formas existentes, mas a maior parte das
palavras são armazenadas como um todo no léxico.
5. A organização lexical oferece generalizações e segmentações em vários níveis de
abstração e generalização – os morfemas, os segmentos ou as sílabas são unidades que
procedem da relação de identidade e similaridade que organiza a representação.
6. O conhecimento gramatical tem caráter de procedimento – O conhecimento gramatical
não é um conhecimento proposicional de como obter uma informação. É necessário, por
exemplo, um procedimento que envolva o domínio de produção de um som e de mapeamento
entre este som e o significado.
Em relação à variação e freqüência, Pierrehumbert (2000) menciona que as palavras
possuem certa “variabilidade” em sua prodão. As palavras pouco utilizadas acabam sendo
esquecidas. Esse esquecimento de uma estrutura pode ser verificado na fala de indivíduos. Há
duas maneiras de se observar a atuação da freqüência: sincronicamente (comparando-se a
pronúncia de palavras com seu maior ou menor uso) e diacronicamente (examinando-se as
mudanças da pronúncia através dos anos).
41
Assim, para a Fonologia de Uso, estruturas pouco freqüentes estão mais propensas à
variação. Havendo duas categorias similares competindo numa língua, a mais freqüente é
considerada mais comum e a menos freqüente, como uma categoria marcada. Contudo, mesmo
palavras freqüentes não deixam de sofrer alterações.
A Teoria de Exemplares (Pierrehumbert:2001), a ser apresentada também nesta seção
do capítulo, é compatível com o modelo fonológico proposto por Bybee (2001): Fonologia de
Uso. O modelo apresentado em Pierrehumbert (id.) pode ser considerado inovador, pois a
autora sugere uma proposta que incorpora a percepção e produção da fala e é também utilizado
pelo modelo fonológico da Fonologia de Uso. A Fonologia de Uso adota a Teoria dos
Exemplares como modelo representacional.
Ao contrário das propostas dos modelos fonológicos tradicionais, Pierrehumbert (id.)
sugere que os falantes têm conhecimento fonético detalhado dos itens lexicais e que fazem uso
de tal conhecimento. Segundo a Fonologia Tradicional, o léxico é um componente dissociado
da Gramática (e da fonologia). A implementação fonética se aplica de maneira idêntica a todas
as representações fonológicas (no componente fonológico). A freqüência lexical e de padrões
fonológicos é vista como uma propriedade de desempenho (e não de competência) e não deve
ser incorporada aos modelos de Gramática. A proposta tradicional assume uma visão de que
generalizações são baseadas em economia, com representações simbólicas mínimas.
A visão tradicional em processamento de fala é de que as representações mentais são
derivadas a partir do sinal acústico da fala, sendo desprezada a informação referente à variação.
Nesta visão tradicional as representações mentais são compreendidas como sendo simples e o
mapeamento do sinal da fala para tal representação é complexo. Existe um 'dicionário mental'
onde cada item é listado no léxico (mental) e associado exclusivamente a uma única forma
fonética. A representação mental deste item seria idêntica à entrada no 'dicionário mental',
42
contendo informações sintáticas, semânticas, fonológicas, fonéticas e ortográficas (cf.
Cristófaro-Silva, 2002). Assim, cabe ao ouvinte escolher a entrada do dicionário mental cuja
forma fonética seja mais próxima da forma fonética do sinal.
A Teoria de Exemplares sugere uma proposta alternativa com referência ao conteúdo
das representações fonológicas. A Teoria de Exemplares assume que o detalhe fonético é
aprendido como parte da palavra e a freqüência desempenha um papel crucial no mapeamento
fonológico.
Em resumo, a Teoria de Exemplares assume que a memória de propriedades fonéticas é
associada a itens lexicais individuais. O léxico e a gramática expressam graus específicos de
generalizações de memórias foticas mantendo um relacionamento estreito entre si. As
freqüências de tipo e de token desempenham papel crucial na organização das representações
fonológicas, incorporando inúmeras descobertas decorrentes de pesquisas em sociolingüística.
Na Teoria de Exemplares cada categoria fonética é representada na memória por uma nuvem
de exemplares - tokens - que foram registrados para tal categoria através do input. As
categorias mais freqüentes são aquelas que possuem mais exemplares, como mostra a figura 1
(Bybee, 2001:52 apud Cristófaro-Silva, 2002). Os exemplares são organizados num mapa
cognitivo. Categorias mais freqüentes apresentam maior número de exemplares enquanto as
categorias menos freqüentes apresentam poucos exemplares. Uma nuvem de exemplares
contém informação lingüística e não-lingüística.
43
Embora uma série de trabalhos tenha demonstrado que a capacidade da memória
humana supera níveis antes inimagináveis, Pierrehumbert (2001:141) propôs restringir o
número de exemplares categorizados usando como argumentos o enfraquecimento da memória
e o fato de o ouvido humano não ser capaz de distinguir diferençasnimas em F0. A autora
sugere que um conjunto de exemplares influencia a categorização de um novo exemplar (ou
token). A semelhança fonética é avaliada pela relação de um exemplar específico com os
demais exemplares contidos num determinado espaço.
Tendo sido exposto neste capítulo uma breve menção dos estudos que serviram de base
para esta pesquisa, segue no capítulo 3 a relação entre os pressupostos e a metodologia da
pesquisa de fato. As questões relacionadas à aquisição de ngua, em especial, de L2 são muito
importantes e relevantes para toda a compreensão do trabalho. É válido ressaltar que alguns
pressupostos referem-se à aquisição de fala. Entretanto, os testes não vão medir a produção
oral dos alunos, mas a percepção. Além disso, os estudos sobre percepção e produção em L2,
diferenciando a discriminação auditiva de consciência fonológica permitem avaliar o
desempenho dos participantes da pesquisa. Os conceitos de falante nativo, semi-nativo e
sotaque estrangeiro servem de suporte para a discussão de aspectos relativos à transferência do
conhecimento de L1 para L2. O peodo ctico e peodo(s) senvel(is)o de fundamental
Contexto
Contexto Fatores
sociais
exemplares
Fig. 1: Nuvem de exemplares
Significado
/
pragmática
44
importância devido a faixa etária a que pertencem os participantes da pesquisa. E por último, as
propostas da Teoria de Exemplares e da Fonologia de Uso são usadas visto que os testes
permitiriam avaliar o desempenho dos informantes considerando a força dos exemplares
existentes em seu léxico e a inflncia da freqüência do uso das palavras que comem os
corpora.
45
3 - METODOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Neste capítulo serão apresentadas as hipóteses a serem investigadas e a metodologia de
elaboração do corpus, de coleta e análise dos dados, bem como as características principais dos
testes através dos quais foram obtidos os dados a serem analisados, tendo em vista as hipóteses
que conduziram esta pesquisa. Serão também abordadas todas as questões pertinentes à
formulação do questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa. Todo o procedimento adotado foi
visando uma análise qualitativa sendo necessário em alguns momentos o uso de algum tipo de
quantificação, como por exemplo, os percentuais de desvios e acertos em relação à língua alvo.
3.1. Motivação e hipótese de trabalho
A motivação que desencadeou o presente estudo surgiu de minha experiência como
professora de inglês como L2 para crianças. Na instituição de ensino em que leciono, alunos
desde os cinco anos de idade são expostos à língua inglesa de forma tal que sua aprendizagem
ocorre paralelamente à aprendizagem de L1 (português). É bastante conhecida a tendência de
aprendizes brasileiros de inglês de acrescentar um som vocálico após consoantes oclusivas
surdas e sonoras do inglês [p], [t], [k], [b], [d] e [g] em coda especialmente em final de palavra,
contexto este em que os referidos fones nunca ocorrem em sua língua materna (cf. Cristófaro-
Silva: 2005). Esse comportamento foi percebido como uma estratégia de alguns aprendizes para
preencher um espaço vazio na estrutura silábica do inglês (CVCφ), que eles aparentemente
interpretam como necessitando de preenchimento, visto ser esta a estrutura esperada segundo o
molde silábico de sua L1. Em outras palavras, em sua produção oral, inseriam uma vogal ao
final das palavras que apresentavam o contexto descrito acima e a ressilabificavam, adotando o
46
esquema mais característico de sua primeira língua: CV$CV. Operavam, assim, uma
transferência para a L2 do que seria uma sílaba possível em sua L1. O conhecimento acumulado
pelo aluno das estruturas de sua L1 mostra-se, portanto, um fator importante para a análise do
que ele produz durante o processo de aquisição de uma segunda língua..
A formação do corpus e a aplicação dos testes tiveram por objetivo confirmar ou
descartar a hitese de que crianças aprendizes de L2 tendem a transferir características
fonético-fonológicas de sua L1 para a L2 não só no momento da produção, como pude observar
em minha experiência como professora de inglês, mas também quando interpretam o input que
recebem. Mais especificamente, as crianças tendem a transferir a estrutura silábica da L1 ao se
depararem com uma estrutura diferente – a da L2 que está sendo adquirida? Até que ponto a
pouca exposição da criança ao sistema ortográfico do inglês, que ainda não domina plenamente
e cujas convenções diferem em muito daquelas que regem o sistema ortográfico de sua L1,
pode interferir em sua percepção oral na língua estrangeira?
Poderão elas também interpretar palavras como back [
b
æ
k
] ou cap [kæp] com uma
sílaba a mais, resultado da inserção vocálica, registrando as formas ortográficas que apontem
para realizações como ['
b
æ
ki
] e ['kæpi]? Haverá evidência nos dados de processos fonológicos
da língua materna, como por exemplo, a palatalização após inserção de vogal em palavras como
hat [
h
æ
t
]
>[
h
æ
t
i
] o que , neste caso, iria neutralizar o contraste existente em inglês entre
[
h
æ
t
]
e [
h
æ
t
], um desvio com efeitos não só fonéticos como fonológicos? A palatalização de
/t/ e /d/, um fenômeno comum na fala carioca (dialeto dos aprendizes de inglês), e que se
processa automaticamente em presença da vogal [i], além de constituir marca de sotaque de
estrangeiro pode ainda vir a causar problemas de interpretação semântica da palavra na língua-
alvo com reflexos na ortografia. De acordo com Schütz (2004), a prática pedagógica com o
47
ensino de pronúncia de inglês como LE aponta que a inserção seguida de palatalização no
contexto CVCφ na língua alvo ocorre constantemente por parte de aprendizes brasileiros. É
válido mencionar que tal fenômeno de palatalização não foi observado na produção oral das
falantes semi-nativa e não-nativa, participantes da pesquisa, portanto, não será contemplado na
análise.
Em síntese, as perguntas que norteiam minha pesquisa são as seguintes:
a) A criança-aprendiz faz transferência de sua L1 para a língua alvo (no caso, o inglês
norte- americano) quando se depara com a ocorrência de oclusivas orais em final de
palavra?
b) A criança-aprendiz de L2 consegue identificar a fala nativa/semi-nativa por oposição à
fala não-nativa, i.e., com marcas de sotaque local? Os aprendizes reconheceriam melhor
as palavras produzidas oralmente por qual destes falantes (semi-nativo ou não-nativo)?
c) O input que recebem do professor é o que serve de modelo para os aprendizes ou
eles buscam outro modelo a partir de sua experiência com a língua estrangeira fora
da escola?
d) Qual a qualidade do input a que esses alunos são expostos freqüentemente? Isso tem
reflexos diretos em sua percepção? Tokens mais freentes seriam reconhecidos mais
facilmente e por isso apresentariam menor incidência de desvios de interpretação?
e) Essas crianças demonstram ter atingido o nível de consciência fonológica e categorizado
os fones da língua alvo em nuvens de exemplares diferentes daquelas de sua primeira
língua ou não conseguem ir além da discriminação auditiva ao se depararem com
segmentos “inticos” aos de sua língua em contextos diferentes? Ou seja, a criança-
aprendiz de L2 tem a capacidade apenas de distinguir um fone diferente em termos de
48
sonoridade, tensão, ponto/modo de articulão ou ela é capaz de distribuir esses fones
em categorias diferentes respeitando as suas características na língua alvo?
3.2 Os sujeitos da pesquisa e seu perfil
Fizeram parte dessa pesquisa um grupo de cinco alunos com faixa etária de 10 anos, três
meninas e dois meninos, alunos regulares da 4ª série de uma escola situada na Barra da Tijuca.
Toda a pesquisa foi feita de comum acordo e com a aprovação da coordenação da escola, assim
como dos responsáveis pelas crianças. Essas crianças são moradores da Barra da Tijuca, na
Zona Oeste do Rio de Janeiro, pertencentes à classe social alta. Todos são alunos de um
programa intensivo de inglês não obrigatório dessa escola que oferece aos alunos 3 horas
diárias de aula de inglês, durante toda a semana. Todos são falantes nativos do português do
Brasil, em sua variante do Rio de Janeiro e informaram estar em contato ininterrupto com a
língua alvo há pelo menos cinco anos.
É válido mencionar a freqüente oportunidade de contato dessas crianças com a língua
estrangeira (o inglês) não apenas no contexto sala de aula como LE, mas também no contexto
em que essa ngua é a L2 deles quando estão fora do Brasil, num país onde o inglês é a L1.
Em uma etapa anterior à aplicação dos testes com os corpora, os participantes foram
instruídos a preencher um questionário (q.v. anexo 3) visando reunir informações sobre o
contato deles com o inglês, principalmente sobre o tempo de ensino formal de inglês e a sua
exposição à língua alvo em situações não formais ( viagens ao exterior, cinema, TV, música,
etc.). O objetivo principal do questionário foi traçar um perfil dos alunos para verificar quais
fatores externos estavam relacionados ao seu aprendizado da ngua alvo, bem como avaliar a
maior ou menor inflncia que o contato com a L2 exercia sobre sua capacidade de identificar
49
diferenças entre a fala nativa/semi-nativa e a não nativa. O questionário também mostraria se
seria possível analisar os participantes desta pesquisa de maneira uniforme, ou seja, o perfil dos
cinco informantes seria semelhante e, portanto a interpretação e a análise dos dados obtidos
seriam feitas a partir de fatores externos comuns a todos eles que poderiam vir a interferir na
percepção.
Além de informações básicas tais como nome, idade e escolaridade, o questionário
continha várias perguntas que pretendia estabelecer as preferências dos informantes pelo
vculo de contato com a língua alvo, bem como seu julgamento de valor em relação à
variedade de inglês preferida (britânica ou norte-americana)
17
.
17 Esta é certamente uma simplificação, uma vez que as variedades da língua inglesa ultrapassam de longe esta
mera dicotomia. No entanto, em termos de ensino formal de inglês no Brasil, costuma haver uma opção pelo que
se convencionou chamar de inglês norte-americano geral (General American English) ou pela variedade tida
como padrão britânico (Received Pronunciation). Por outro lado, também não está descartada a possibilidade de a
resposta das crianças ter sido influenciada pelo julgamento que possam ter ouvido por parte de adultos.
50
Todas as informações obtidas a partir do preenchimento deste questionário pelas
crianças foram usadas para ajudar na interpretação e análise dos dados provenientes dos testes
de percepção, visto que vários fatores podem interferir na percepção. Dentre outros, podem ser
mencionados: a idade de primeira exposição à L2, o tipo de instrução formal (restrita, no
questionário, ao aprendizado de inglês como L2 em escola e curso), a motivação do aprendiz, o
tempo de contato com a L2 (inclusive em situações concretas de uso desta ngua em um país
estrangeiro onde a mesma não seja uma ngua estrangeira), bem como a sua efetiva utilização
como veículo de comunicação oral ou escrita.
51
O fato de os informantes da pesquisa serem crianças, o fator idade os relaciona
diretamente à hipótese do período crítico; outros fatores tais como o tipo e grau de instrução
formal põem em foco a questão da qualidade/quantidade do input a que esses aprendizes estão
expostos diariamente, visto que estes alunos fazem parte de um programa intensivo de
aprendizagem de inglês que envolve uma carga horária de três horas diárias nos 5 dias úteis da
semana.
Como já foi dito, o questionário não se deteve apenas ao contexto escolar, mas verificou
também as oportunidades de as crianças virem a ter contato com a língua alvo no convívio
social fora da sala de aula. Incluiu perguntas sobre a possibilidade de viagens internacionais, a
freqüência dessas viagens, a interação com outros falantes da língua alvo, o contato com a
mídia (cinema, TV a cabo, gibis) e até mesmo a preferência dos informantes por filmes/DVDs
com ou sem dublagem. Os participantes desta pesquisa, vale lembrar novamente, são indivíduos
que pertencem a uma classe privilegiada em que o contato com uma língua estrangeira e a
possibilidade de permanência no exterior chega quase a fazer parte da rotina. São crianças com
acesso a diversos meios de comunicação, ao ensino intensivo e produtivo da L2. Além disso,
pode-se afirmar que, apesar de ainda serem crianças, são indivíduos que se posicionam em
relação aos fatos, desejam ser reconhecidos como membros da comunidade de usuários fluentes
na L2, e estão altamente motivados para alcançar proficiência na língua alvo, seja com
instrumento eficaz de comunicação fora do seu país natal, seja para usufruir os benecios
decorrentes da aprovação dos pais, ou por qualquer outro.
52
3.3 Os Corpora e o procedimento de coleta dos dados
A fase seguinte à aplicação do questionário foi a de coleta de dados. Para a realização
desta etapa e para tentar responder às indagações apresentadas em 3.1 foram elaborados dois
corpora: o primeiro compreendendo palavras conhecidas dos aprendizes e, o segundo, palavras
existentes na língua inglesa que, porém, ainda não faziam parte do vocabulário que as crianças
dominavam na língua-alvo.
Os corpora utilizados foram os seguintes:
53
Ambos os corpora foram gravados por uma falante semi-nativa
18
e uma falante não-
nativa para serem aplicados em etapas diferentes durante a fase de coleta dos dados, para
verificar a influência da familiaridade com um determinado sotaque de estrangeiro sobre a
capacidade de reconhecimento dos aprendizes. A elaboração de dois corpora, por sua vez,
destinava-se a medir o efeito da familiaridade dos informantes com as palavras (conhecidas
versus desconhecidas) sobre o seu reconhecimento.
As sentenças foram incluídas nos corpora visando sua apresentação aos informantes de
forma aleatória e intercalados alguns distratores, comoSay pencil again” e “I saw a doll”, que
não constituíram objeto de análise, e cujo objetivo foi apenas o de desviar a atenção de todos os
participantes, inclusive aqueles que produziram as gravações, do foco da pesquisa. Foram
também incluídas nos corpora, propositadamente, palavras do inglês terminadas em <e> mudo.
Estas palavras apresentam semelhança ortográfica com a ngua portuguesa. A forma gráfica
mate, por exemplo, significando “companheiro” em inglês coincide com a palavra do português
que designa uma bebida não alcoólica; no entanto, não há semelhança fônica entre elas: no
inglês temos [meΙt], um monossílabo com estrutura silábica #CVC#, ao passo que no português,
temos uma palavra formada por duas sílabas abertas (#CV$CV#). O intuito era poder aferir o
donio do sistema ortográfico do inglês pelas crianças, e conseqüentemente, da relação entre
som e letra, sobretudo no corpus 2 em que foram apresentadas a elas palavras desconhecidas.
O corpus 1 foi composto por um número razoável de substantivos monossibicos
selecionados de forma a contemplar o contexto fônico #C
1
V C
2
# em que a posição C
2
,
diferentemente do que ocorre na L1 dos informantes, fosse ocupada por uma oclusiva oral; ou
seja, foram incluídas palavras do ings formadas por uma única sílaba e terminadas pelas
18 A falante aqui descrita como semi-nativa nasceu no Brasil. Contudo, residiu fora do país, nos Estados Unidos
da América, durante quinze anos a partir dos primeiros anos de vida e, quando indagada a respeito, afirmou
considerar o inglês como a sua primeira língua. Vale conferir os conceitos de falante nativo e semi-nativo no
capítulo 2.
54
consoantes [p], [t], [k], [b], [d], ou [g]. Além disso, o corpus 1 compreendia apenas palavras
comuns à rotina escolar do aprendiz como, por exemplo, as palavras map, cat, back pack, Bob,
dad, bag, para testar o efeito da familiaridade com as mesmas por contraposição a palavras
desconhecidas (q.v. descrição do corpus 2 abaixo). As palavras não foram expostas aos sujeitos
da pesquisa isoladamente. Elas estavam inseridas em sentenças vculo do tipo: I saw a cat./
Say cat again. A posição das palavras nas sentenças veículo foi estrategicamente ora medial,
ora final. Além disso, a seleção dos adjetivos combinados aos substantivos na formação de SNs
procurou incluir seqüências como <big clock>, <black bed> e <odd hat> em que na gravação
da falante brasileira não-nativa podiam apresentar vestígios de acomodação de sonoridade com
a consoante inicial do substantivo seguinte por influência de um processo de assimilação
regressiva do português. Esta acomodação não se verificaria ou ocorreria em menor grau na fala
semi-nativa. Por outro lado, uma junção da consoante oclusiva final com a vogal inicial do
advérbio seguinte, “again”, poderia bloquear o processo de inserção de vogal do português. O
intuito era verificar se este fato repercutiria nos resultados, ou seja, se os diferentes contextos de
sândi externo, tornariam mais dicil ou facilitariam o reconhecimento das palavras pelos
informantes tanto em relação à gravação falante semi-nativa como naquela da não-nativa. É
válido ressaltar que tanto a falante semi-nativa quanto a não-nativa não apresentaram flapping
na produção oral, ou seja, as oclusivas não viraram flap [ ] como ocorre normalmente no inglês
Americano no contexto de sândi em que estão as sentenças-veículo: Say late again, Say made
again, Say black bed again e Say cat again no corpus 1 e Say mate again, Say nod again, Say
bait again e Say mat again no corpus 2.
O corpus 2 se diferencia do corpus 1 apenas pelo fato de ser composto exclusivamente
por palavras desconhecidas pelos participantes da pesquisa, mas que possuem o mesmo
ambiente fonético alvo da pesquisa, ou seja, palavras monossilábicas do inglês com a estrutura
55
fônica #C
1
V C
2
# e terminadas em consoantes oclusivas orais, igualmente inseridas nos
mesmos tipos de sentenças vculo.
O propósito de aplicação do segundo corpus era detectar a reação dos sujeitos da
pesquisa diante de palavras desconhecidas; determinar qual estratégia os alunos aplicariam em
tal situação: iriam transferir conhecimento da sua L1 para a L2? Simplesmente registrariam o
som que acreditavam ter ouvido seguindo convenções de ortografia da L1 ou já demonstrariam
donio das relações fala/escrita da língua-alvo? Criariam uma nova palavra existente ou não
na língua inglesa, mas seguindo e respeitando o conhecimento das relações grafo-fônico-
fonológico que na L2 e não a sua L1? Reagiriam de igual maneira diante da produção oral pelo
falante semi-nativo e pelo não-nativo? Como captariam a diferença entre as oclusivas finais
surdas e sonoras? Estariam captando com regularidade a especificação de sonoridade mesmo
fora do contexto esperado na sua primeira língua? Estariam associando as palavras da L2
àquelas que lhes soariam similares na própria L2 e que fariam parte de sua rotina escolar, ou
estabeleceriam associações com a sua L1? .
Os testes de percepção foram feitos com os alunos em grupo reunidos numa sala com
ambiente silencioso; os sujeitos da pesquisa ficaram estrategicamente separados, evitando-se
assim a interferência de uma criança sobre a outra, de forma a garantir a confiabilidade das
respostas fornecidas. Primeiramente, submeteu-se aos informantes para audição a gravação do
corpus 1 feita pela falante não-nativa e, em seguida, a gravação do mesmo corpus pela falante
semi-nativa, com um intervalo de tempo entre cada sentença suficiente para que as crianças as
registrassem por escrito. Cada gravação foi repetida uma segunda vez para que os participantes
pudessem conferir as respostas, de forma tal que não restasse dúvida quanto à transcrição
grafemática das sentenças que haviam feito. O mesmo procedimento foi adotado no que se
refere ao corpus 2. A coleta de dados do corpus1 e do corpus 2 não foi realizada na mesma
56
seção, mas em momentos diferentes não só para o cansar os participantes, como para que a
retenção das sentenças na memória de curto prazo das crianças não viesse a interferir nos
resultados .
Vale lembrar que um dos objetivos da análise dos dados coletados seria identificar se os
resultados se mostravam diferenciados com relação a cada um dos corpora, ou seja, se os
aprendizes reagiam de forma diversa à fala semi-nativa em comparação com a fala não-nativa,
apesar de serem expostos nas aulas de inglês tanto a um tipo de produção oral, quanto ao outro.
A análise dos dados levaria em consideração tanto a qualidade/quantidade do input recebido
dentro e fora do contexto de ensino formal, bem como o domínio do sistema grafo-nico-
fonológico da L2 pelos informantes. Esperava-se poder julgar até que ponto esses fatos estariam
ou não relacionados apenas à capacidade de discriminação auditiva, se o reconhecimento dos
vocábulos tornava-se mais fácil em face de sua freqüência de ocorrência na experiência de
aprendizado da L2 e em que medida as crianças já haviam atingido algum grau de consciência
fonológica na língua alvo.
57
4 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Este capítulo apresenta e discute os resultados das performances dos informantes que
participaram dos testes descritos no capítulo 3 e está estruturado da seguinte forma:
primeiramente serão apresentados os dados acompanhados por suas respectivas transcrições
fonéticas de acordo com a produção oral esperada na língua alvo. Em seguida, serão exibidos os
resultados correspondentes ao desempenho das crianças no teste com o corpus1 composto por
palavras conhecidas. O mesmo procedimento será seguido para os resultados obtidos com o
teste do corpus2 composto por palavras desconhecidas. Será efetuado o cômputo dos desvios
efetuados pelos informantes, porém eles serão analisados apenas qualitativamente tendo em
vista seu número restrito. Finalmente, será feita a comparação entre os desvios produzidos
quando da audição da fala não-nativa com aqueles ocorridos quando dos testes realizados com a
gravação feita pela falante semi-nativa.
4.1 – Palavras Alvo dos Testes 1 e 2
O Quadro 1 abaixo apresenta, respectivamente, o conjunto de palavras conhecidas e
desconhecidas que foram objeto de análise acompanhadas de sua transcrição fonética. Tendo
em vista o fato de a falante semi-nativa ter residido durante quinze anos nos Estados Unidos,
bem como o fato de a falante brasileira ter tido maior exposição à variedade de inglês norte-
americano no decurso de sua formação como professora de inglês e, ainda, de ser esta a opção
escolhida como base para o ensino deste idioma na escola em que as crianças estudam, a
transcrição fonética baseou-se no padrão conhecido comoGeneral American English”.
Observe-se que, do ponto de vista fonético-fonológico, bem como da relação entre
sistema sonoro do inglês e a representação ortográfica, as palavras do corpus 1 e do corpus2
58
não se diferenciam em termos de maior ou menor dificuldade. O único fator que poderia tornar
as palavras do corpus 2 mais difíceis para as crianças seria o fato de elas não integrarem o
vocabulário conhecido delas. As palavras do corpus 1 já faziam parte do vocabulário a que
foram expostas durante as aulas de inglês na escola e, portanto, eram familiares para elas. Já as
palavras do corpus 2 não haviam sido ainda introduzidas, pelo menos formalmente, em seu
vocabulário e, algumas delas são pouco freqüentes até mesmo no léxico de alunos de nível mais
avançado.
Quadro 1 – Palavras-Alvo dos Testes
O total de 21 é resultado dos 17 alvos de fato, considerando back pack como 2 alvos por
ser composto por 2 monossílabos + os adjetivos big, black, fat e odd que acompanham os
monossílabos clock, bed, pig e hat..
59
4.2 – Resultado do desempenho dos informantes com os testes do Corpus 1.
Os quadros 2 e 3 apresentam os dados obtidos a partir das transcrições grafemáticas
feitas pelos informantes quando da audição das gravações das palavras-alvo no corpus 1
realizadas pelas falantes semi-nativa e não nativa, respectivamente, bem como a totalização dos
desvios registrados:
Quadro 2
Distribuição dos dados obtidos quando ouvida a gravação do corpus 1 pela falante semi-nativa.
60
Quadro 3
Distribuição dos dados obtidos quando ouvida a gravação do corpus 1 pela falante não-nativa.
O total de dados com desvio em relação ao alvo esperado foi de 17 em 105 (21 alvos
multiplicados pelo número de informantes, i.e, 21 x 5=105) transcrições das palavras-alvo na
gravação do corpus 1 pela falante semi-nativa e de 09 em 105 transcrições das palavras-alvo do
mesmo corpus, mas na gravação feita pela falante não-nativa.
A tabela 1, por sua vez, apresenta cômputo geral dos resultados obtidos com as
gravações das falantes semi-nativa e não-nativa. O cálculo dos percentuais da tabela foi obtido
em função do total de 105 palavras-alvo:
Tabela 1
Percentual relativo ao total de desvios no desempenho dos informantes
61
Conforme demonstra a tabela acima, o percentual de acertos por parte dos aprendizes foi
elevado, chegando a quase 100% diante da fala não-nativa, produzida por uma falante do
mesmo dialeto da primeira ngua das crianças.
O Gráfico1 a seguir apresenta os percentuais correspondentes ao desempenho geral dos
sujeitos da pesquisa calculados em função do total de 210 dados (versão semi-nativa e não-
nativa) relativos às 21 palavras-alvo. Os percentuais refletem a pequena diferença entre o
reconhecimento das palavras produzidas pela falante semi-nativa e aquelas produzidas pela
não-nativa, como pode ser observado pelo índice de acertos na Tabela 1.
Gráfico 1
Índice de desvios em relação ao alvo esperado dos vocábulos do corpus 1 em função da fala
semi-nativa e não-nativa
Considera-se que o pequeno número de desvios possa ser atribuído a fatores tais como a
qualidade do input a que esses informantes são expostos diariamente em suas aulas de ings
visto se tratarem de palavras conhecidas, usadas com freqüência pelos informantes na
realização de suas atividades durante o aprendizado formal da L2. Embora a ordem pré-
estabelecida de realização dos testes tenha sempre apresentado aos informantes a gravação da
62
falante não-nativa e em etapa posterior a fala semi-nativa, não se espera que este fato tenha
repercutido nos resultados. Note-se que a diferença entre o patamar de acertos/desvios diante da
fala não-nativa em comparação com a semi-nativa foi inferior a 10 pontos percentuais
(aproximadamente 7,6%). Além disso, comparando-se os quadros 2 e 3 apresentados
anteriormente pode-se notar que a informante 5 foi a principal responsável por esta pequena
margem de discrepância. O pior desempenho desta informante pode ser atribuído a outros
fatores; a probabilidade maior é de que tenha tido causa de natureza diversa, como por
exemplo, uma momentânea falta de atenção para com a tarefa visto que de acordo com as
respostas obtidas através do questionário, verificou-se um perfil bem semelhante entre os
informantes em relação ao tempo e o tipo de contato com a L2, a motivação dos aprendizes...
4.3 – Resultado do desempenho dos informantes com os testes do Corpus 2.
Os quadros 4 e 5 exibem os dados obtidos a partir das transcrições grafemáticas feitas
pelos informantes das 20 palavras desconhecidas do Corpus 2. Nestes quadros estão
contabilizados os desvios por palavra (última coluna à direita) e por informante (ao final do
quadro). Os dados produzidos pelas crianças estão em quadros separados conforme tenham sido
expostos à fala semi-nativa (Quadro 4) ou não-nativa (Quadro 5). A presença do sinal (!) no
Quadro 4, visa chamar a atenção para as substituições efetuadas com regularidade pelos
informantes ao ouvir as palavras <plot> e <cod> enunciadas pela falante semi-nativa. Este fato
será comentado adiante, no decorrer deste capítulo.
63
Quadro 4:
Distribuição dos dados obtidos quando ouvida a gravação do corpus 2 pela falante semi-nativa
Quadro 5:
Distribuição dos dados obtidos quando ouvida a gravação do corpus 2 pela falanteo-nativa
64
O total de dados com desvio em relação ao alvo ultrapassou consideravelmente os
números registrados quando da aplicação do teste com o corpus 1. Nas transcrições
grafemáticas das palavras-alvo produzidas pela falante semi-nativa o total de desvios foi de 68
em 100 dados (20 alvos multiplicados pelo número de informantes, i.e, 20 x 5=100); já na
audição da fala não nativa pelos informantes, houve uma diminuição deste índice para 40 em
100 nas transcrições das palavras-alvo. Ainda assim, este total de desvios foi significativamente
maior do que o que fora registrado com o teste envolvendo palavras conhecidas.
A tabela 2 contém o cômputo geral dos resultados obtidos com as gravações das falantes
semi-nativa e o-nativa e seu correspondente percentual, obtido em fuão do total de 100
palavras-alvo:
Tabela 2
Percentual relativo ao total de desvios no desempenho dos informantes
65
O Gráfico 2 a seguir apresenta os percentuais correspondentes ao desempenho geral dos
sujeitos da pesquisa calculados em função do total de 200 dados relativos às 20 palavras-alvo.
Ao contrário do gráfico 1 que põe em relevo os (pouquíssimos) desvios realizados pelas
crianças com relação às palavras conhecidas, o gráfico 2, apresentado a seguir, procura destacar
os acertos, tendo em vista que, com o Corpus composto por palavras desconhecidas, o número
de desvios suplantou e muito os resultados obtidos com palavras conhecidas.
Gráfico 2
Índice de acertos em relação ao alvo esperado dos vocábulos do corpus 2 em função da fala
semi-nativa e não-nativa
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
Tap Mate Creek Nod Track Rag Pad Bai t Chap Scab Tack Peg Tab Nape Pl ot Nap Cod Mat Rug Mock
Não-nati va
Se m i - n a t i v a
Pode-se observar que os percentuais mostram claramente a discrepância numérica entre
o reconhecimento dos vocábulos produzidos pela falante semi-nativa daqueles produzidos pela
o-nativa: os desvios quando da exposição a palavras desconhecidas enunciadas por esta
última foram da ordem de 68% , ou seja, houve apenas 32% de acertos em relação ao alvo na
L2.
66
4.4 – Análise qualitativa do desempenho dos sujeitos da pesquisa.
Um exame qualitativo sobre a natureza dos desvios realizados pelos sujeitos deste
estudo permitisua avaliação à luz das teorias e tendências recentes de estudos em fonologia,
especialmente os modelos baseados no uso, e em aquisição de L2, principalmente aqueles
voltados para a sensibilidade do falante a marcas de sotaque de estrangeiro no processo de
percepção e interpretação da fala de seu interlocutor.
É certo que o input que recebemos da nossa L1 é muito maior do que o que recebemos
da L2. O conhecimento lingüístico prévio que acumulamos da L1certamente influencia a
interlíngua do aprendiz que se forma e reestrutura constantemente ao longo de processo de
aprendizado de uma segunda língua. A teoria de exemplares (cf. Pierrehumbert: 2000) aplicada
ao processo de aquisição de ngua permite conceber como se dá, de modo dinâmico, a
formação de nuvens de exemplares no léxico mental do aprendiz. Cada exemplar equivalente a
uma ocorncia – token – de uma “mesma” palavra entra no léxico carregando informações,
dentre muitos outros aspectos, de natureza fonético-fonológica e, no caso de aprendizes
alfabetizados, também sua representação ortográfica.
Deste ponto de vista, o contato contínuo e prolongado do aprendiz com a L2 e, portanto,
o input que recebe, é necessário não só para que se formem novas nuvens de exemplares, como
para tornar cada vez mais robustas aquelas já existentes.
Dada a relevância, cada vez enfatizada em estudos de aquisição de L2, do input ao qual
o aprendiz está exposto para que possa atingir um grau de proficiência cada vez mais alto, é
preciso examinar os dados produzidos pelos sujeitos desta pesquisa levando em consideração:
(a) o modelo da L2 a que eles são submetidos na escola: recebem instrução formal na ngua
estrangeira de duas professoras. Enquanto uma delas pode ser considerada semi-nativa, porque
67
adquiriu a língua inglesa durante o chamado período crítico e residiu nos EUA por mais de
quinze anos, a outra aprendeu a língua através do ensino formal no Brasil, tem um sotaque não
nativo, e embora se expresse com fluência e acuidade, não atinge o mesmo grau de proficiência
da professora semi-nativa. Os dados levam a crer que os alunos participantes desta pesquisa,
embora tenham contato em sala de aula com ambas as professoras (falante semi-nativa e não-
nativa), se identificam mais com a produção oral da não-nativa, no contexto sala de aula
durante o ensino formal do inglês como L2. Essa maior identificação dos alunos com a fala
não-nativa pode ser devido às marcas de sotaque por eles identificadas (mesmo que de forma
não consciente) na gravação da professora brasileira coincida com as expectativas deles em
relação ao que seria a sua própria enunciação, tanto em termos segmentais, como até mesmo no
que se refere aos elementos supra-segmentais percebidos na produção das sentenças-molde
como um todo. Dito de outra maneira, aprendizes brasileiros se identificariam mais com
professores brasileiros aprendizes da L2, do que com instrutores que apresentam um sotaque
muito mais próximo do ings nativo.
(b) a familiaridade ou não do aprendiz com as palavras a serem identificadas nas gravações.
Palavras conhecidas, já ouvidas antes reiteradas vezes, parecem anular o efeito de “estranheza”
do sotaque de estrangeiro da professora semi-nativa e facilitar o reconhecimento das palavras.
Os índices de acerto em relação ao alvo mostraram-se muito próximos independente do item
lexical ter sido produzido pela professora não-nativa ou pela semi-nativa. Prevaleceu a
familiaridade com a imagem sonora e gráfica armazenada no léxico da interngua do aprendiz.
O mesmo o se repetiu quando dos testes com palavras desconhecidas: neste caso prevaleceu a
familiaridade com a pronúncia da professora não-nativa.
Se for feito um exame da própria natureza das substituições efetuadas pelos aprendizes,
mais algumas observações importantes podem ser feitas. Os quadros 6, 7 e 8 a seguir mostram
68
as escolhas feitas pelos sujeitos da pesquisa que não coincidem com as palavras selecionadas
para integrar os corpora:
QUADRO 6
QUADRO 7
69
QUADRO 8
Note-se que nestes quadros todos os itens dos corpora apresentam em final de palavra,
do ponto de vista fonético-fonológico, as consoantes oclusivas orais que, na L2 constituem
alofones não explodidos dos fonemas /p t k b d g/. Na L1 dos aprendizes, as referidas
consoantes, além de o ocorrerem em final de palavra, jamais apresentam uma realização sem
soltura da oclusão, o que dificulta sua identificação. Acresce que, embora o sistema fonológico
da língua portuguesa tenha a mesma série de oclusivas orais e, assim como no inglês, a série /p t
k/ se oponha a /b d g/ pelo traço de sonoridade, quando não explodidas em final de palavra, a
pista de que os falantes nativos de inglês se valem para identificar o segmento surdo por
oposição ao sonoro se manifesta na duração da vogal precedente, algo sem correlato no sistema
sonoro do português. Note-se que das 26 substituições operadas no corpus 1, 11 envolveram o
uso de um grafema correspondente a uma consoante surda no lugar de outro correspondente a
um segmento sonoro, ou vice-versa. Os resultados do corpus 2 também exibem 12 trocas que
70
podem ser consideradas desta mesma natureza.
19
O fato mais interessante é que destes 23
desvios, 18 ocorreram com as transcrições dos informantes diante da produção oral da falante
semi-nativa, o que talvez se deva ao fato da não explosão destes segmentos não ocorrer de
forma regular na fala não-nativa.
Outro aspecto relevante que pode ser observado é que não só estas como as demais
substituições efetuadas não são randômicas. Elas seguem um padrão compatível, em sua quase
totalidade, com convenções ortográficas usuais na L2, embora possam não corresponder à
relação som da fala/forma gráfica idêntica àquela da palavra-alvo. Vale ressaltar que é muito
improvável que as crianças conheçam essas palavras. As representações gráficas raggie, moc,
Teck e tek, embora possam causar estranhamento se encontram registradas em dicionários da
L2. A primeira delas, raggie, como escrita variante para a palavra raggy; moc como forma
reduzida de moccasin, usada informalmente, Teck como topônimo (denomina uma cadeia de
montanhas na Inglaterra) e, por último, tek como substantivo pouco utilizado, que designa um
cabrito montês siberiano. Há, ainda, algumas representações gráficas escolhidas pelos
aprendizes que coincidem com abreviações ou acrônimos encontrados em dicionários da L2,
conforme os listados no quadro 9:
QUADRO 9
19 Foram incluídas apenas as substituões envolvendo os grafemas <p t k b d g>, isoladamente ou formando o
grupo <ck>.
71
Dentre duzentas representações gráficas utilizadas pelas crianças no teste com palavras
desconhecidas, apenas cinco configurações, apresentados no quadro 10 a seguir, constituem
seqüências fônicas não registradas em dicionários da L2, seja como itens lexicais
convencionais, seja como abreviações ou acrônimos:
QUADRO 10
É preciso notar, porém, que apesar de se tratarem de formas gráficas sem registro formal
na língua-alvo, estas escolhas dos aprendizes também não refletem uma interferência da L1. As
formas às quais os aprendizes recorreram, como evidenciam os dados, são compatíveis com as
possibilidades combinatórias de grafemas da língua-alvo, e não com as da sua L1 – o português
brasileiro. Os sujeitos da pesquisa usaram, por exemplo, em final de palavra grafemas
correspondentes à série de consoantes oclusivas orais (a saber, [p t k b d g]) que jamais ocorrem
em coda silábica no final de palavra em sua L1. Basta conferir, dentre outros, os seguintes
exemplos: tap, rub, met, ped, crek, pag. Comentário da mesma natureza pode ser feito com
relação a seqüências de grafemas no mesmo contexto (coda final de palavra): tamp, paint, teck,
math. Encontramos, ainda, nos dados o grafema <w> (wet) e a seqüência <sk> ( skeb) em coda
inicial de palavra, fato este não previsto pelas convenções ortográficas da língua portuguesa.
Foram registrados, ainda, em posição medial de palavra, encontros de grafemas consonantais e
72
vocálicos não permitidos na L1 dos aprendizes, mas admissíveis na L2, tais como: rugge,
reegae, creak, cood.
20
Além disso, quase todas as escolhas dos aprendizes no momento em que efetuaram a
substituição correspondem, majoritariamente, a palavras usuais na L2. Note-se, por exemplo,
que, no quadro 8, as palavras alvo plot e cod foram substituídas pelos cinco sujeitos da pesquisa
respectivamente por clock e car, palavras estas bastante corriqueiras, introduzidas e usadas com
freqüência por estes aprendizes desde seus primeiros contatos com a L2. A opção por bate (07
ocorrências) no lugar de bait embora aparentemente possa ser considerada um desvio, encontra
respaldo em dicionários da L2, que a registram como uma variante gráfica possível, apesar de
não ser a forma preferencial.
Vale observar também que o alto índice de acerto em relação ao alvo (09 em 10
possibilidades
21
), por parte dos informantes, em relação ao item lexical track talvez possa ser
atribuída ao fato desta palavra ser comum para as crianças, apesar de não ter sido ainda
formalmente introduzida a elas na escola. Como se trata de uma palavra bastante usual na L2 e
que aparece muito em CDs e DVDs, tanto os de uso convencional como os que são acessados
pela internet, e considerando-se que estes bens ficam desde cedo ao alcance de crianças da
classe social que caracteriza o grupo nesta amostragem, é bem provável que o referido índice de
acerto decorra da freqüência desta palavra no input das crianças, o que fez com que pudesse ser
facilmente acessada, independente de ter sido produzida, durante os testes, pela falante semi-
nativa ou pela não-nativa.
20 Seria necessária uma nova bateria de testes de produção oral para identificar a exata natureza da relação que os
sujeitos da pesquisa estabeleceram entre estas formas gráficas e seus correlatos no nível fonético-fonológico.
21 A única exceção foi a grafia trake, possível na L2 apenas como alternativa pouco usada para trach.
73
A natureza do input e a taxa de recorrência das palavras na experiência lingüística prévia
dos aprendizes são fatores que parecem ter tido, portanto, um papel importante nos resultados
dos testes.
Apesar de todos os sujeitos da pesquisa estarem sendo expostos à L2 durante o chamado
período crítico e recebendo a mesma carga horária de ensino formal da língua-alvo, foram
detectadas difereas em seu desempenho. Embora não haja discrepâncias relevantes no
mputo de acertos em relação ao alvo no desempenho das quatro primeiras crianças, a
informante de número 5 foi a única a ultrapassar o patamar de 40% de desvios em relação ao
alvo, uma taxa de quase oito pontos percentuais acima do pior resultado dentre as demais
informantes. A tabela 3 a seguir mostra o cálculo dos desvios por informante. Foram tomadas
como base para o referido cálculo as 41 palavras dos corpora multiplicadas por dois em razão
de sua enunciação pela falante não-nativa e pela semi-nativa:
Tabela 3
Percentual de desvios no desempenho dos informantes
O mais importante a considerar no que se refere aos resultados, no entanto, não é a
diferença numérica expressa pela tabela 3 e sim o fato da não coincidência de percentuais de
acerto. Há uma escala variável de patamar de acertos, numa faixa em torno de 13 pontos
percentuais entre o melhor e o pior desempenho. Somado ao fato de os desvios não terem sido
registrados com regularidade, seja em relação aos mesmos alvos ou à mesma produção oral
74
(fala semi-nativa versus não nativa)
22
, o quadro geral revela a não uniformidade da interngua
de cada um dos informantes. Talvez esta constatação decorra da influência do número e
natureza dos exemplares acumulados na experiência dos aprendizes, responsáveis pelas
categorizações estabelecidas em suas respectivas interlínguas. Medir com rigor o alcance da
exposição do aprendiz à L2, porém, não é tarefa fácil porque vai muito além da quantidade de
ocorrências a que é submetido no ensino formal. Compreende todas as oportunidades que possa
ter de contato com a L2 fora do ambiente escolar, em situações informais de uso diferenciado
da língua alvo. É preciso acrescentar que o input recebido durante estas oportunidades sofre,
ainda, a influência de fatores individuais do aprendiz, como motivação, capacidade de atenção e
interesse em estabelecer contato com outros usuários da língua-alvo, colocando em uso efetivo
seu conhecimento acumulado da L2.
22 O mero mais elevado de desvios em relação ao alvo diante da fala semi-nativa no corpus 2 (q.v. Quadro 4),
por exemplo, não foi da informante 5 (11 desvios) e sim da informante 3 (16 desvios).
75
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exame dos resultados da pesquisa em face das perguntas que nortearam minha
pesquisa permite tecer algumas considerações no que se refere ao donio do sistema gráfico
da L2 e sua relação com o sistema sonoro da interlíngua dos aprendizes.
Foi constatado que as crianças não fizeram transferências diretas de seu conhecimento
grafo-fônico-fonológico da L1 para L2 como era esperado. Pelo contrário, buscaram apoio nos
exemplares da própria L2 para representar as palavras ouvidas, mesmo as que ainda não haviam
sido introduzidas formalmente em seu vocaburio no ensino formal. Foi observado também
que as crianças-aprendizes de L2 lançaram mão das mesmas ferramentas de identificação das
palavras independente de terem sido enunciadas na fala semi-nativa ou na fala não-nativa. A
despeito deste fato, foi verificada uma maior identificação com a produção oral da falante não-
nativa do que com a semi-nativa, se considerado o grupo de informantes como um todo,
resultado talvez de acomodação fonética, por familiaridade com produção oral da locutora não-
nativa da L2, usuária do mesmo dialeto da L1 que os aprendizes.
Seja para a aquisição de L1 ou para a aquisição de L2, o input e o número de exemplares
acumulados na experiência lingüística do falante são fundamentais para que sejam feitas
associações e, conseqüentemente, estabelecidas categorias em seu léxico mental. Sua
quantidade e qualidade respondem, segundo os modelos teóricos baseados no uso, pelo sistema
lingüístico armazenado na mente do aprendiz durante o processo de aquisição de língua. As
palavras entram para o léxico mental com todas as informões a elas pertinentes, inclusive
aquelas pertinentes às correspondências entre o sistema ortográfico e sonoro da ngua. A
pesquisa revelou que, embora não haja uniformidade na interlíngua dos informantes, como era
de se esperar, todos fizeram associações com a L2 durante seu desempenho nos testes. As
76
substituições feitas apresentaram um grau significativo de proximidade com o sistema
representacional da fala compatível com convenções da ngua-alvo.
A faixa etária dos aprendizes e o fato de sua exposição à ngua-alvo não estar limitada
ao ambiente de sala de aula ou à produção oral exclusiva de falantes não-nativos, ou seja, a
quantidade e qualidade diferenciada do input que m recebendo, constitui um facilitador para
separação na memória desses indivíduos entre as categorias de sua L1 e as da L2. A riqueza do
input forneceu-lhes exemplares - tokens – suficientes para orientar sua categorização de forma a
demonstrar um nível de proficiência elevado no donio das relações grafema/fone na L2. A
força dos exemplares mais freqüentes como referencial foi detectada na escolha majoritária por
itens lexicais da L2 com ocorrência regular em sua experiência com a língua-alvo quando
diante de palavras desconhecidas. Os dados restritos compreendidos neste trabalhoo
permitem, pom, afirmar que os sujeitos da pesquisa tenham atingido consciência fonológica
plena e um donio do sistema sonoro da língua alvo equivalente ao de um falante nativo da
L2. Pelo contrário, os resultados indicaram dificuldades com a identificação da sonoridade das
oclusivas orais não explodidas em final de palavra.
Vale ressaltar, finalmente, que os resultados alcançados com esta amostragem apontam
a necessidade não só de ampliar o número de informantes, de forma a incluir aprendizes com
perfis diferenciados quanto à faixa etária, motivação e exposição à ngua-alvo, como também
aumentar o escopo dos corpora, de forma a incluir o maior número possível de contextos de
ocorncia de processos alofônicos da L2o coincidentes com os encontrados na L1 dos
aprendizes.
77
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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