Download PDF
ads:
UNVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A CONCORDÂNCIA NA SÍNDROME DE ALZHEIMER
Lana Mara Rodrigues Rego
Rio de Janeiro
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
A CONCORDÂNCIA NA SÍNDROME DE ALZHEIMER
Lana Mara Rodrigues Rego
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Lingüística da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como quesito para a
obtenção do Título de Doutor em Lingüística.
Orientador: Professor Doutor Celso Vieira
Novaes
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
ads:
A CONCORDÂNCIA NA SÍNDROME DE ALZHEIMER
Lana Mara Rodrigues Rego
Orientador: Professor Doutor CelsoVieira Novaes
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Lingüística, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Lingüística.
Examinada por:
______________________________________________________________________
Presidente, Professor Doutor Celso Vieira Novaes (Lingüística/UFRJ)
______________________________________________________________________
Professor Doutor Humberto Peixoto Menezes (Lingüística/UFRJ)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Aniela Improta França (Lingüística/UFRJ)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Marcia Maria Dâmaso Vieira (Lingüística/UFRJ)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Mercedes Riveiro Quitans Sebold (Letras Neolatinas/UFRJ)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Christina Abreu Gomes (Lingüística/UFRJ), suplente
______________________________________________________________________
Professora Doutora Mônica Maria Rio Nobre (Letras Vernáculas/UFRJ), suplente
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
Rego, Lana Mara Rodrigues
A concordância na Síndrome de Alzheimer/ Lana Mara Rodrigues
Rego. Rio de Janeiro: UFRJ/LETRAS, 2008.
x, 136f.: il.; 31cm
Orientador: Celso Vieira Novaes
Tese (doutorado) UFRJ/ LETRAS/ Programa de Pós-Graduação em
Lingüística, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 114-116.
1. Concordância. 2. Gramática Gerativa. 3. Síndrome de Alzheimer. I.
Novaes, Celso Vieira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras. III. Título.
RESUMO
A CONCORDÂNCIA NA SÍNDROME DE ALZHEIMER
Lana Mara Rodrigues Rego
Orientador: Professor Doutor Celso Vieira Novaes
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós- Graduação em
Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade do Rio de Janeiro UFRJ como parte dos
requisitos necessários à obtenção ao título de Doutor em Lingüística.
Este trabalho apresenta um estudo sobre a concordância (AGR) na fala de indivíduos
com a Síndrome de Alzheimer, falantes do português do Brasil (PB). Segundo o Programa
Minimalista, AGR é semanticamente não-interpretável. outros estudos questionam a não
interpretabilidade semântica do traço de AGR (VAN VALIN, 2002) ou sugerem a
interpretação de que alguns traços de AGR possam ser semanticamente interpretáveis, como
os relativos à primeira pessoa do singular (NOVAES, 1996). Com vistas a analisar o status de
AGR, no PB, foram analisados dados provenientes da fala espontânea de três indivíduos com
a Síndrome de Alzheimer, com comprometimentos conceptuais diferentes. Também foram
propostos alguns exercícios de checagem de concordância verbal e nominal. De um modo
geral, os indivíduos não apresentaram problemas em gerenciar as informações ligadas à
concordância verbal e nominal. No entanto, os resultados evidenciam que quanto maior o
comprometimento conceptual dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, mais problemas
em relação à concordância lingüística eles apresentam. Conseqüentemente, na fala
espontânea, observa-se uma tendência maior ao preenchimento do sujeito de primeira pessoa
do singular pelos pacientes com mais déficits conceptuais. Esse fato pode ser interpretado
como uma dificuldade desses indivíduos em recuperar uma informação conceptualmente
motivada, codificada exclusivamente na morfologia do verbo, corroborando a proposta de
Novaes (op. cit.).
Palavras-chaves: concordância, Gramática Gerativa, interpretabilidade semântica, Síndrome
de Alzheimer.
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
ABSTRACT
AGREEMENT IN DEMENTIA OF THE ALZHEIMER’S TYPE
Lana Mara Rodrigues Rego
Orientador: Professor Doutor Celso Vieira Novaes
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade do Rio de Janeiro UFRJ como parte dos
requisitos necessários à obtenção ao título de Doutor em Lingüística.
This work presents a study of agreement (AGR) in Brazilian patients with dementia of
the Alzheimer’s type (DAT)’s speech. The theoretical framework which gives basis to the
analysis is given by the generative syntactic theory, more specifically, by the “Minimalist
Program” (MP). According to the MP, AGR is semantically non interpretable. However, other
studies question the non semantic interpretability of AGR features (VAN VALIN, 2002) or
suggest the interpretation that some AGR features can be semantically interpretable, as the
ones related to the first person singular (NOVAES, 1996). In order to examine the nature of
AGR, in Brazilian Portuguese, pieces of spontaneous speech of three DAT patients with
different conceptual impairments were analyzed. Besides, some tasks to evaluate the verbal
and nominal agreement were proposed. In a general manner, the individuals did not present
problems to manage the pieces of information related to verbal and nominal agreement.
However, the results indicate that the more conceptual impaired the DAT patients are, more
problems with linguistic agreement they present. As a consequence, in the spontaneous
speech, one can observe a larger tendency to fulfill the first person singular subjects by the
patients with larger conceptual impairments. This can be interpreted as their difficulty to
recover conceptual information, coded exclusively in the verbal morphology, which
corroborates Novaes (1996)’ proposal.
Key-words: agreement, interpretable features, Generative Grammar, Alzheimer’s Disease.
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
Ao meu marido Marcelo, maior e melhor incentivador,
meu companheiro e cúmplice, que soube entender minhas
aflições, sempre me fazendo enxergar que o copo estava
“quase cheio”. Sem ele, tudo isso não teria sido possível.
Ao meu filho Luca, que foi a melhor e mais prazerosa
distração que eu podia ter arrumado durante a
realização deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter sido tão generoso comigo, ao longo da minha vida, por me dar forças
para a realização de todos os meus projetos, por me permitir conviver com pessoas
maravilhosas e por me ensinar que tudo tem o seu tempo.
Ao professor e amigo Celso Novaes, pelo carinho e pela consideração com que
sempre me tratou, por ser o “Sol” em que todos giram à sua volta, por ser o professor que me
apresentou os mistérios do cérebro, por ser o leitor crítico e o orientador paciente.
Às minhas mãezinhas queridas que, como sempre, me apoiaram em mais este
momento da minha vida. Sem elas, eu não seria quem eu sou. Sem a ajuda delas, este trabalho
não teria sido feito.
Ao meu marido Marcelo, que, com seu apoio incondicional e seu amor, foi
fundamental na conclusão deste trabalho.
Ao Luca, que me alegrou, nos momentos de angústia, com seu sorriso lindo.
Ao Gabriel, meu filhinho do coração, a quem eu espero motivar para os caminhos da
pesquisa acadêmica.
Aos meus irmãos, Sandro Luiz e Ana Paula, por acreditarem em mim desde sempre.
Aos meus cunhados Rose e Vlad, por serem pessoas maravilhosas, verdadeiros irmãos
para mim, por me ajudarem em várias situações, aliviando a minha cabeça para que ela
pudesse pensar nessas questões acadêmicas.
Aos meus sogros, por, aos poucos, terem entendido as particularidades da vida
acadêmica e por sempre estarem ao meu lado.
Aos meus sobrinhos Lara, Ludmila, Victor Hugo e Vinícius, por terem feito de mim
uma pessoa realizada como “tia”, por serem um orgulho para mim como pessoas, como
cidadãos, como alunos, como filhos e por terem entendido a minha falta de disponibilidade
para curti-los, em alguns momentos.
À minha cunhada Dayse, por ser essa força que me coloca em cima, por estar
sempre torcendo pela minha felicidade e pelo meu sucesso.
Ao meu cunhado Paulinho por engrossar o coro da minha torcida.
À Juju, que tem a capacidade de se doar às pessoas como ninguém, que esteve ao meu
lado, torcendo pelo meu sucesso e me ajudando em tudo durante toda a trajetória. Agradeço
também a toda a sua família, que entendeu tudo isso sem ficar com raiva de mim.
Às minhas queridas vovós, Aparecida e Leda, exemplos de vida, que estão sempre ao
meu lado, com as orações e com o pensamento positivo.
À Tia Nice, minha tia do coração, que com o seu carinho e boa-vontade, foi
fundamental para a chegada até os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, cujos dados de
fala espontânea foram utilizados neste trabalho.
Aos amigos Marcia e Marcelo e à minha fofinha Marcele, por compreenderem a
correria da minha vida.
Aos Professores Humberto, Márcia, Mercedes, Aniela, Christina e Mônica, por terem
gentilmente se disponibilizado a fazer parte desta banca.
Ao Marcio Leitão, por ter sido um dos grandes incentivadores a continuação da
pesquisa acadêmica.
Às amigas-irmãs Marcia Dias e Maria Spano, fundamentais para a alegria do meu dia-
a-dia, que me orgulham por serem verdadeiras guerreiras, por terem amadurecido e
melhorado como pessoas, junto comigo, ao longo desses muitos anos de amizade.
À família da Marcia e da Maria, pela acolhida e pela torcida.
À Adriana, que de minha filhinha passou a ser minha mãezinha, por ter sido a força
propulsora para a finalização deste trabalho, por ter sido maravilhosa nas discussões, por ter
compartilhado as angústias nas buscas pelos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, por ter
se doado para mim e por ter me incentivado no momento em que eu mais precisei.
À Marcela, grande amiga, que sempre torceu pelo meu sucesso, de quem me orgulho
por ser uma vencedora.
À Mercedes, amiga zelosa, que com seu jeito meigo, foi minha fonte de energia
positiva.
À Urânia, pelo astral de uma típica “garota zona sul”, que nos alegra sempre.
Às meninas do grupo, em especial, à Fernandinha, “mulher de quase 40”, pelo
carinho.
Aos meus alunos, por me motivarem a continuar na vida acadêmica.
Aos meus professores da graduação, do mestrado e do doutorado, pela excelente
formação.
Aos professores Sebastião Votre, Mario Martelotta, Maria Maura e Marcos, amigos do
Grupo de Estudos Discurso & Gramática, por terem sido os “culpados” pelo meu ingresso no
caminho da pesquisa.
Os homens devem saber que nada a não ser o cérebro origina
alegrias, prazeres, risos, esportes, tristezas, mágoas,
desespero e lamentações. Por causa disso, de uma maneira
especial, adquirimos sabedoria e conhecimento, visão,
audição, e sabemos o que é tolo e o que é justo, o que é doce e
o que é sem gosto.
(Hipócrates)
SINOPSE
A interpretabilidade semântica dos traços de
concordância no Português do Brasil em indivíduos com
a Síndrome de Alzheimer e sua repercussão para o
entendimento da teoria lingüística.
SUMÁRIO
ÍNDICE DE TABELAS ______________________________________________________ i
ÍNDICE DE QUADROS _____________________________________________________ ii
INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 16
CAPÍTULO 1 - A CONCORDÂNCIA NO PROGRAMA MINIMALISTA ____________21
1.1 Introdução _____________________________________________________________21
1.2 A camada flexional na Gramática Gerativa ___________________________________22
1.2.1 A estrutura das orações_______________________________________________22
1.2.2 A constituição do IP _________________________________________________24
1.3 A categoria AGR e o Programa Minimalista __________________________________ 32
1.3.1 A interpretabilidade semântica da concordância ___________________________ 32
1.3.2 Relativizando a extinção do nódulo de concordância: o status de AGR e as
repercussões sobre o fenômeno do sujeito nulo ________________________________ 35
CAPÍTULO 2 - INTERPRETABILIDADE SEMÂNTICA E DÉFICITS LINGÜÍSTICOS NA
SÍNDROME DE ALZHEIMER _______________________________________________46
2.1 Introdução _____________________________________________________________46
2.2 A Síndrome de Alzheimer _________________________________________________47
2.3 A deterioração da linguagem na Síndrome de Alzheimer ________________________ 49
CAPÍTULO 3 -METODOLOGIA _____________________________________________56
3.1 Introdução _____________________________________________________________56
3.2 Tipo de estudo: de caso x de grupo __________________________________________57
3.3 Seleção de indivíduos ____________________________________________________59
3.4 O Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) ___________________________________62
3.5 Coleta de fala espontânea ________________________________________________ 63
3.5.1 Exercício de preenchimento de lacuna: checagem de concordância verbal ______70
3.5.2 Exercício de relacionamento sentença-figura: checagem de concordância nominal
(gênero e número) _______________________________________________________73
3.5.3 Exercício de preenchimento de lacuna: checagem de concordância nominal
(número)_______________________________________________________________75
CAPÍTULO 4 - RESULTADOS E ANÁLISE ____________________________________77
4.1 Introdução _____________________________________________________________77
4.2 O desempenho no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) ______________________ 77
4.3 A análise da fala espontânea ______________________________________________ 80
4.3.1 O indivíduo H. _____________________________________________________ 80
4.3.2 O indivíduo J. _____________________________________________________ 90
4.3.3 O indivíduo A. _____________________________________________________99
4.4 Análise comparativa dos resultados dos desempenhos dos indivíduos H., J. e A. _____106
CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________________ 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________ 116
ANEXOS_______________________________________________________________ 119
i
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 4.1: ocorrências de sujeitos nulos e plenos, de primeira e de terceira pessoa, nos
contextos produzidos por H. __________________________________________________88
Tabela 4.2: ocorrências de sujeitos nulos e plenos, de primeira e de terceira pessoa, nos
contextos produzidos por J. ___________________________________________________96
Tabela 4.3: ocorrências de sujeitos nulos e plenos, de primeira e de terceira pessoa, nos
contextos produzidos por A._________________________________________________ 104
ii
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1.1: Diferenças entre sujeitos nulos de primeira e de terceira pessoa ____________42
Quadro 3.1: Informações sobre os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer ____________61
Quadro 3.2: Informações sobre os indivíduos sem patologias que realizaram os exercícios de
concordância ______________________________________________________________69
Quadro 3.3 Lista dos verbos inventados utilizados nos exercícios_____________________78
Quadro 4.1: Informações sobre os indivíduos e escores obtidos no MEEM _____________77
INTRODUÇÃO
Em 1957, surgem novas concepções sobre o modo como os seres humanos adquirem
a linguagem. Contrária à visão behaviorista de aquisição da linguagem vigente na época, a
Gramática Gerativa, de Noam Chomsky, revolucionou a lingüística moderna, ao propor que
todo ser humano possui, em seu aparato genético, um dispositivo que o permite desenvolver
uma língua natural, denominado de Gramática Universal (doravante GU).
A Gramática Gerativa tem como objeto de estudo o sistema de conhecimento
representado na mente/cérebro do indivíduo que desenvolve uma ngua desde o seu
nascimento. Ao longo dos anos, essa linha teórica passou por mudanças. Suas formulações
mais recentes são o Modelo de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981) e o Programa
Minimalista (CHOMSKY, 1995).
No Modelo de Princípios e Parâmetros, a GU é formada por princípios ou “leis” gerais
válidas para todas as nguas naturais; e por parâmetros, que são propriedades que variam
entre as línguas e são fixados pela criança no decorrer do seu desenvolvimento lingüístico. A
associação dos princípios da GU com determinados valores paramétricos gera um sistema
gramatical particular, ou seja, uma dada língua; as diferenças entre as línguas do mundo
resultam das possibilidades de fixação dos parâmetros.
Além do caráter inato da linguagem, Chomsky afirma que a mente humana seria
organizada em módulos ou faculdades, de maneira que cada módulo seria responsável pela
execução de tarefas específicas, sendo a linguagem um desses módulos. Com o Modelo de
Princípios e Parâmetros, ele evidencia essa perspectiva modular: teríamos um módulo
lingüístico, ou seja, uma Faculdade da Linguagem, que, apesar de ser um módulo autônomo,
interage com os demais módulos cognitivos e é responsável por gerar expressões lingüísticas
relativas a determinados conceitos acerca das coisas do mundo.
A versão mais recente da Gramática Gerativa o Programa Minimalista (doravante
PM) propõe um modelo de análise mais econômico, refletindo, assim, uma arquitetura
minimalista. Chomsky, que optou pelo estudo da linguagem no vel computacional, busca
descrever o modo como a computação ocorre no nosso sistema lingüístico. Ao fazê-lo, propôs
a eliminação de certos construtos teóricos, objetivando apresentar os elementos mínimos
responsáveis pela execução das tarefas lingüísticas.
Com o surgimento do PM, batizado assim por Chomsky por se tratar ainda de um
programa de investigação e não propriamente de uma teoria, novos questionamentos foram
feitos em relação aos elementos que compõem a gramática de uma língua natural. Postula-se
que as diferenças entre as línguas devam-se a diferenças morfológicas. Daí a relevância em
estudar as categorias funcionais, tendo em vista que os traços morfológicos são abrigados por
essas categorias.
Por esse motivo, muito tem sido discutido acerca do status de alguns elementos
funcionais no sistema computacional e sobre a sua representação estrutural na árvore sintática.
Um dos focos da teoria neste momento passa a ser a questão da interpretabilidade ou não dos
traços de determinadas categorias nas interfaces.
Segundo a proposta do PM, apenas as categorias funcionais semanticamente
motivadas, ou seja, aquelas que têm interpretação no sistema conceptual por carregarem um
conceito que vai além de algo meramente lingüístico – como a categoria funcional tempo (T),
por exemplo – devem ganhar projeção como nódulos sintáticos.
Um dos centros dessa polêmica é o traço de concordância (AGR
1
). AGR é visto, por
Chomsky, como semanticamente não-interpretável e, portanto, como não sendo um traço que
projete um sintagma. No entanto, outros autores, como Van Valin (2002), afirmam que AGR
1
Do inglês, “Agreement”.
seria semanticamente interpretável, uma vez que, em algumas línguas, os traços de
concordância na morfologia verbal teriam interpretabilidade semântica.
Os questionamentos acerca da interpretabilidade semântica do nódulo de concordância
(sempre tratado aqui como AGRP) e, conseqüentemente, a necessidade ou não de esse nódulo
ser projetado deram origem às motivações para a proposta de trabalho desta tese de
doutorado.
Busca-se, a partir dos dados de fala espontânea de indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer
2
, verificar o modo como esses indivíduos gerenciam as informações ligadas à
concordância verbal e nominal. Analisar a fala espontânea de indivíduos com essa síndrome
degenerativa
3
mostra-se relevante, pois, tendo em vista que podem eventualmente apresentar
déficits conceptuais, eles se prestam a investigar a questão da interpretabilidade semântica dos
traços de concordância.
Com o objetivo de se ter um indicativo a mais sobre a questão da concordância, além
dos dados da fala espontânea, foram produzidos alguns exercícios a fim de se verificar como
indivíduos acometidos por essa síndrome realizam informações ligadas à concordância verbal
e à nominal.
Como na Gramática Gerativa comumente relaciona-se a existência de sujeitos nulos
em certas línguas ao tipo de traço da categoria de concordância, buscou-se compreender
melhor o status dessa categoria, a partir de dados de trabalhos que investigam o modo como
os indivíduos realizam sujeitos nas mais variadas línguas. O ponto de partida para entender
melhor o status de AGR no Português do Brasil (doravante PB) foi o trabalho de Novaes
(1996), que sugere que o sujeito nulo de primeira pessoa está sendo representado mentalmente
de modo diferente do sujeito nulo de terceira pessoa.
2
várias formas de se referir à patologia em foco (“Demência do tipo Alzheimer”, “Doença de Alzheimer”,
“Mal de Alzheimer”, “Provável Doença de Alzheimer”). Aqui, por uma questão de escolha, sempre se
utilizado o termo “Síndrome de Alzheimer”.
3
A Síndrome de Alzheimer é uma doença degenerativa que afeta diversas áreas do cérebro gerando uma série de
comprometimentos nas habilidades cognitivas do indivíduo, em especial, na memória.
Segundo a análise de Novaes (op. cit.), apenas a flexão de concordância de primeira
pessoa do singular, no PB, seria gerada como núcleo independente. Apesar de o autor não
discutir especificamente sobre a questão da interpretabilidade de AGR, a partir de sua análise,
seria possível pensar que AGR, relacionado à primeira pessoa, teria interpretabilidade
semântica, diferentemente do que ocorre nas outras pessoas verbais no PB.
Portanto, nas amostras de fala espontânea dos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer, também seinvestigado o modo como esses indivíduos produzem sujeitos nulos
e plenos de primeira e de terceira pessoa do singular.
Uma vez que indivíduos com a Síndrome de Alzheimer parecem apresentar um
comprometimento no sistema conceptual e talvez mantenham seu sistema lingüístico
preservado, espera-se que a realização do sujeito nulo na primeira pessoa do singular
apresente-se de modo mais comprometido que na terceira pessoa, pelo fato de a primeira
pessoa ser semanticamente motivada.
Além disso, uma comparação da maneira como esses indivíduos realizam a
concordância verbal e a nominal pode ser reveladora. Segundo Chomsky (2000), a
concordância nominal é tida como semanticamente interpretável e a concordância verbal,
ainda que parcialmente, tem sido tomada como não interpretável semanticamente. Se de fato a
concordância nominal é semanticamente motivada, é possível pensar que os indivíduos com a
Síndrome de Alzheimer, com comprometimentos conceptuais, teriam problemas com o traço
de concordância nos nomes por ser interpretável.
Uma justificativa para este estudo é que ele pode contribuir para o entendimento
acerca dos traços que envolvem AGR e acerca do modo como o conhecimento lingüístico da
concordância está representado na gramática de um indivíduo com uma síndrome
degenerativa, que afeta diversas áreas no cérebro, inclusive a linguagem, como a Síndrome de
Alzheimer. Como conseqüência disso, espera-se que esse entendimento possa contribuir, de
algum modo, para corroborar as propostas que tentam dar conta do conhecimento lingüístico
de indivíduos normais.
Esta tese é composta de cinco capítulos. O primeiro capítulo apresenta a categoria de
concordância à luz do PM. Este capítulo divide-se em duas partes. Na primeira, será
apresentado um breve histórico da camada flexional na Gramática Gerativa, com foco na
categoria AGR. Na segunda, serão apresentadas considerações sobre a questão da
interpretabilidade semântica de AGR. Além disso, nesta segunda parte, discute-se o status de
AGR e a relação dessa categoria funcional com a existência do parâmetro do sujeito nulo. O
segundo capítulo apresenta as pesquisas lingüísticas em indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer e o detalhamento da proposta de investigação desta tese. O terceiro aborda a
metodologia utilizada neste trabalho. No quarto capítulo, serão apresentados os resultados e as
discussões sobre o modo como a concordância está representada na mente dos indivíduos com
a Síndrome de Alzheimer. Por fim, o último capítulo traz considerações gerais sobre o
trabalho.
Capítulo 1
A CONCORDÂNCIA NO PROGRAMA MINIMALISTA
1. 1 Introdução
As propostas mais recentes da Gramática Gerativa, apresentadas no PM
(CHOMSKY:1995), acerca dos elementos que compõem a camada flexional merecem
destaque, principalmente no que se refere ao status do nódulo de concordância (AGRP).
O PM parte do pressuposto que a gramática deve ser explicada levando-se em conta
aspectos relacionados à economia e à simplicidade. Nesse sentido, Chomsky propõe que
apenas elementos com interpretabilidade semântica, assunto que será mais bem desenvolvido
ainda neste capítulo, mereceriam ocupar uma posição na árvore sintática. Com essa nova
proposta, AGR não seria mais um nódulo constituindo um sintagma, devido à natureza dos
seus traços, considerados [- interpretáveis], uma vez que não são interpretáveis pela Forma
Lógica.
Antes de se discutir sobre o papel dos traços na camada flexional e a questão da
interpretabilidade semântica com base na proposta minimalista, o que será feito na seção 1.3,
torna-se necessário apresentar rapidamente um resumo sobre o modo como a estrutura
oracional foi concebida ao longo do tempo, com foco especial no surgimento do nódulo
flexional (doravante Infl), responsável pelas informações ligadas à flexão (item 1.2.1). O foco,
no item 1.2.2, será a constituição da camada flexional.
1.2 A camada flexional na Gramática Gerativa
1.2.1 A estrutura das orações
A Gramática Gerativa, desde o seu início, com o lançamento do livro Estruturas
Sintáticas de Noam Chomsky, em 1957, tem apresentado questionamentos acerca da
computação das orações. A idéia de que uma oração seria composta apenas de sujeito-
predicado, representada como S NP VP
4
, era bastante difundida na época. No entanto,
Belletti (2000), ao fazer um breve relato sobre a história do nódulo AGR, afirma que se
pensava que, em algumas línguas, a presença de modais e auxiliares implicaria em uma
formalização diferente da estrutura oracional proposta, de modo a contemplar esses
elementos.
Ao longo dos avanços do programa de investigação gerativista, formaliza-se a idéia
de que, além de categorias lexicais, há também categorias funcionais. Ao contrário das
categorias lexicais, que podem ser compiladas a partir de um esquema de traços como [+/- N]
e [+/- V], não é possível sistematizar as categorias funcionais do mesmo modo. As principais
categorias funcionais são: CP (do inglês, Complementizer Phrase), DP (do inglês, Determiner
Phrase), NegP (do inglês, Negative Phrase) e IP (do inglês, Inflectional Phrase)
5
. O foco
deste trabalho está no IP, ou seja, no sintagma flexional
6
.
Com a presença de um sintagma flexional (IP), responsável pela codificação de
certas propriedades gramaticais que definem uma sentença finita ou infinitiva, a estrutura das
orações apresenta-se de modo mais completo, podendo ser representada como: S NP Infl
VP. Desse modo, a relação sujeito-predicado passa a ser mediada pela presença de um nódulo
4
O SN SV (oração reescrita como Sintagma Nominal + Sintagma Verbal). Usaremos no texto as abreviações
dos termos em inglês: NP para Sintagma Nominal, VP para Sintagma Verbal.
5
Podemos traduzir os termos em inglês das principais categorias funcionais como sintagma
complementizador”, “”sintagma determinante”, “sintagma de negação” e “sintagma flexional”.
6
Nesse trabalho, os termos “camada flexional”, “sintagma flexional IP”, “categoria funcional IP”, “nódulo Infl”
são utilizados para se referir aos componentes da flexão verbal presentes nas orações.
funcional Infl, que contém informações tipicamente ligadas à flexão verbal, que, em muitas
línguas, é composta de flexão de modo e tempo e flexão de número e pessoa.
Ainda que uma língua não apresente ou quase não apresente morfemas para marcar a
flexão verbal, isso não significa que não exista a categoria funcional IP. Em qualquer língua
natural, uma sentença finita tem propriedades sintáticas e semânticas que são irrefutáveis
ainda que não existam morfemas para expressar essas informações. Mesmo que se tenha uma
categoria funcional com núcleo vazio, não pronunciado, há necessidade da categoria funcional
IP porque suas propriedades desempenham papel sintático e precisam ser explicitadas pela
sintaxe.
Chomsky (1981), com a Teoria da Regência e Ligação, propõe a integração de Infl
no esquema X-barra. Nesse caso, Infl seria adotado como núcleo de IP. A representação seria,
portanto, IP I VP, e o sujeito ocuparia a posição de especificador de I. Com isso, S passou
a ser considerada a projeção máxima de I, que abrigava toda a informação flexional do verbo.
Na década de 1970, a natureza do nódulo Infl começou a ser discutida. O trabalho
desenvolvido por Emonds (1976) merece destaque por relacionar a diferença entre a estrutura
da árvore sintática de orações flexionadas e das orações infinitivas. Segundo a sua proposta, a
informação flexional do verbo, dependendo da língua, poderia ser movida em direção ao
verbo que estava abaixo de Infl na estrutura hierárquica da árvore sintática ou o verbo
poderia mover-se em direção à flexão para incorporar essa informação (cf. Emonds, 1976).
Além disso, interpretava-se que o sujeito ocupava a posição de especificador de Infl.
No final da década de 1980 e início da década de 1990, discute-se a concepção de
uma estrutura oracional ainda mais articulada. Analisando a proposta de Emonds, Pollock
(1989), após analisar dados do inglês e do francês, apresenta o que ficou conhecido na
literatura como “Hipótese da Flexão Cindida” (em inglês, Split-Infl hypothesis), segundo a
qual o dulo Infl deveria ser cindido em dois nódulos diferentes, a saber: Tempo e
Concordância.
A seção a seguir apresenta, com mais detalhes, os questionamentos que começaram
a ser feitos acerca da natureza de Infl e dos elementos que compõem a camada flexional.
1.2.2 A constituição do IP
Emonds (1976), ao estudar sentenças finitas do francês, mostrou que o nódulo Infl,
responsável pelas informações ligadas à flexão, teria a seguinte configuração [+T, +AGR], ao
contrário das sentenças infinitivas, cuja configuração de Infl seria [-T, -AGR]. Esse fato leva
as sentenças finitas e infinitivas a terem uma representação na árvore sintática diferente, uma
vez que o sintagma flexional (IP) estaria ausente nas sentenças infinitivas.
A proposta de Emonds (op. cit.), que tem como base a ocorrência de movimento do
verbo em direção a IP, foi possível para os verbos do francês. Quando essa regra foi
aplicada aos verbos do inglês, foi possível perceber que apenas os verbos to be e to have
(auxiliares) se movem em direção a IP. os verbos lexicais, por sua vez, receberiam as
informações flexionais de tempo e de concordância pelo movimento dessas em direção a VP.
Pollock (1989), ao invés de considerar o sintagma flexional (IP) como um único
constituinte apresentando os traços [± Tempo] e [± Concordância], sugere que esses grupos de
traços distintivos se tornem núcleos sintáticos de uma projeção máxima. De acordo com a
proposta do autor, haveria dois sintagmas diferentes. Existiria, portanto, o sintagma de
concordância (AGRP) e o sintagma flexional (IP), que passaria a ser nomeado TP (sintagma
de tempo), uma vez que abrigaria as informações sobre o tempo verbal.
A divisão de IP em dois cleos funcionais, AGRP e TP foi proposta a partir de um
estudo comparativo acerca do movimento de verbos nas formas finitas e infinitivas do inglês e
do francês. Tendo como base os estudos de Emonds (1976) sobre flexão verbal no francês e
no inglês, Pollock (op. cit.) tinha como objetivo fornecer uma explicação que desse conta da
posição do verbo em relação ao advérbio, aos quantificadores e às partículas de negação.
Os exemplos abaixo referem-se a sentenças finitas em inglês – exemplos (1a) e (1b)
e em francês exemplos (2a) e (2b). No exemplo (1b), a presença do advérbio em uma
posição pós-verbal torna a sentença agramatical, o que não ocorre se o advérbio estiver
posicionado antes do verbo. Vale ressaltar que essa análise refere-se aos verbos lexicais do
inglês, uma vez que os auxiliares be e have finitos aparecem à esquerda dos advérbios e
quantificadores.
Observa-se que, em francês, por outro lado, a sentença é gramatical se o advérbio
estiver na posição pós-verbal (2a) e agramatical (2b) se o advérbio estiver posicionado antes
do verbo.
(1a) John often kisses Mary.
(1b) *John kisses often Mary.
(2a) Jean embrasse souvent Marie.
(2b) *Jean souvent embrasse Marie.
Assumindo que o verbo seja gerado à direita dos advérbios, Pollock (1989) afirma
que, em francês, ocorre o movimento do verbo (V) para Infl, devido a um traço forte nessa
categoria funcional, que atrairia o verbo. No francês, o verbo obrigatoriamente se moveria
para Infl. Em inglês, apenas os verbos auxiliares movem-se em direção ao TP. Portanto, no
inglês, o verbo (lexical) permaneceria na posição onde ele é gerado, ou seja, dentro do
sintagma verbal.
Os exemplos de (3) a (6), a seguir, indicam que o mesmo ocorre na relação
verbo/quantificador e verbo/partícula de negação.
(3a) Mes amis aiment tous Marie.
(3b) *Mes amis tous aiment Marie.
(4a) My friends all love Mary.
(4b) *My friends love all Mary.
A partir do exemplo (3b), é possível perceber a agramaticalidade das sentenças em
francês em virtude da ordem quantificador/verbo. Sentenças, em francês, cuja ordem é
verbo/quantificador apresentam-se gramaticais, como no caso de (3a). No entanto, no inglês, é
possível perceber que ocorre o oposto: sentenças com verbos lexicais que se apresentam com
a ordem verbo/quantificador são agramaticais (4b) e aquelas com a ordem quantificador/verbo
(4a) são consideradas gramaticais.
Em relação à partícula de negação, sentenças em francês são gramaticais quando a
partícula de negação aparece após o verbo. No entanto, a ordem verbo/partícula de negação
faz com que as sentenças em inglês sejam agramaticais, exceto para os verbos auxiliares do
inglês que sempre aparecem à esquerda da partícula de negação.
(5) Jean n’aime pas Marie.
(6) *John likes not Mary.
Em francês, o verbo, em sua forma não finita, aparece à direita da partícula de
negação
7
. Entretanto, aparece à esquerda do advérbio/quantificador, como apresentado
anteriormente. A ordem dos constituintes em uma sentença negativa em francês com um
verbo não finito e um advérbio pode ser observada abaixo:
(7) Ne pas sembler souvent heureux est une condition por écrire des romans.
(8) *Ne sembler pas souvent heureux est une condition por écrire des romans.
Pollock (1989) propõe que os verbos não finitos possam se mover para uma posição
entre a partícula de negação e a posição ocupada pelo advérbio/quantificador. O movimento
do verbo para a posição imediatamente à esquerda do advérbio é chamado de movimento
curto do verbo.
A análise dos verbos em francês em sua forma não finita foi fundamental para que
Pollock (op. cit.) chegasse à conclusão de que haveria uma posição intermediária entre VP e
Infl. Infl não seria um único nódulo com traços de tempo e concordância. Na verdade, cada
um deles constituiria um nódulo distinto, ou seja, o sintagma flexional seria subdividido em
dois núcleos funcionais, a saber: AGRP e TP. Assim, o verbo em francês, em sua forma não
finita, iria mover-se para AGR, que é o núcleo situado entre VP e Infl que abriga as
informações sobre a concordância verbal.
7
Isso é válido para os verbos lexicais. No entanto, quando se trata de verbos auxiliares, não finitos, a partícula
de negação pode aparecer antes ou depois dos verbos.
I
I
Adv
/
Quant
VP
I
NP
I’
NEG
NEGP
AGRP
P
AGR
V
A outra projeção flexional, portanto, abrigaria apenas as informações sobre o
tempo verbal. Assim, IP passa a ser nomeado TP e a árvore sintática apresenta-se da seguinte
maneira:
T
P
T’
NEGP
Adv /
Quant
VP
T
NP
NEG’
NEG
AGRP
AGR’
AGR
V
Chomsky (1991), assim como Pollock (1989), também defende a existência de
AGRP e TP como núcleos funcionais separados. No entanto, esses autores apresentam
opiniões distintas acerca da relação de dominância entre esses dois núcleos funcionais dentro
do sintagma flexional. Segundo Pollock (1989), AGR seria dominado por T.
No entanto, Chomsky (1991), baseado nas idéias de Belleti (1990), propõe que AGR
domine T. Segundo Belletti (op. cit.), em um determinado número de línguas, o elemento de
concordância seria externo ao elemento de tempo na morfologia verbal
8
. Desse modo,
primeiramente, o verbo se move para T, incorporando as marcas de tempo e formando o
complexo verbo+tempo. Posteriormente, este complexo se move para AGRP a fim de serem
adjungidas as marcas de concordância. De acordo com a autora, como a marca flexional de
tempo ocorre antes da marca flexional de número-pessoa, como acontece em línguas como o
português e o italiano, é possível concluir que AGR domina T.
Vale ressaltar que, neste momento da teoria, o pressuposto em voga era de que os
movimentos verbais ocorriam para que pudesse haver a incorporação das flexões pelo verbo.
De acordo com o Programa Minimalista, proposto por Chomsky posteriormente, o movimento
teria como objetivo a checagem de traços morfológicos dos verbos.
Chomsky (1991) propõe a distinção de duas projeções AGRP, uma relacionada à
concordância do sujeito – AGR
S
e a outra à concordância do objeto – AGR
O
. Como se pode
ver pela estrutura apresentada por Chomsky (op. cit.), AGR
S
estaria mais próximo do sujeito e
mais distante do verbo e AGR
O
constituiria uma posição. Desse modo, AGR
S
faria
concordância com o sujeito e AGR
O
com o objeto.
8
Em “Nós falávamos”, o verbo seria formado pela raiz (fala-), pela partícula indicadora de tempo (-va), que
seria adjungida à raiz. Posteriormente, a partícula indicadora de concordância (-mos) seria também adjungida.
De acordo com a ordem de formação do verbo, AGR, então dominaria T.
De acordo com Chomsky (1991), AGR é uma coleção de traços (gênero, número,
pessoa) comuns aos sistemas de concordância de sujeito e de objeto. Neste momento da
teoria, cada nódulo tem a função de checar as propriedades dos verbos e dos sintagmas
nominais. Assim, verbos e sintagmas nominais movimentam-se a fim de promover a
checagem de traços. O verbo irá se mover em direção à AGR
O
, depois para T e, em seguida,
para AGR
S
. O movimento verbal não mais ocorre para que possa haver a incorporação das
flexões pelo verbo, mas sim devido à necessidade de checagem de traços morfológicos, ou
seja, os movimentos checam as flexões já incorporadas às palavras desde o léxico.
Quando os traços são fortes, o movimento realizado tem repercussão, ou seja, é
percebido na Forma Fonética. Vale mencionar que os traços fortes devem ser checados antes
de spell-out, pois um traço forte não é interpretável pela interface lógica. No entanto, o
movimento não tem repercussão fonética
9
se os traços são fracos.
Pode-se concluir que o modo como a ordem das palavras é determinada nas diversas
línguas naturais relaciona-se com a necessidade do movimento para a checagem de traços.
Daí a importância do estudo das categorias funcionais.
As idéias apresentadas na primeira parte deste capítulo podem ser resumidas da
9
Ter repercussão fonética significa ter alteração na sentença da ordem dos seus constituintes em relação à
posição onde esses constituintes são gerados.
seguinte forma:
i. ao longo do tempo, a estrutura oracional foi concebida de maneiras
diferentes;
ii. a presença de modais e auxiliares levou a estrutura oracional a adquirir
mais um nódulo que seria responsável por essas informações;
iii. o nódulo inicialmente chamado de AUX passou a ser tratado, depois do
trabalho de Emonds (1976) como Infl, responsável pelas informações
ligadas à flexão verbal que, em muitas nguas, é composta de flexão de
modo e tempo e flexão de número e pessoa;
iv. Pollock (1989), com base nos estudos de Emonds (1976), ao analisar o
movimento dos verbos em inglês e em francês em relação às partículas
de negação, aos advérbios e aos quantificadores, rea constituição da
camada flexional e propõe que IP deveria ser cindido em TP e AGRP;
v. Chomsky (1991) propõe a distinção de duas projeções AGRP, uma
relacionada à concordância do sujeito AGR
S
e a outra à
concordância do objeto AGR
O
. Assim, cada nódulo teria a função de
checar as propriedades dos verbos e dos sintagmas nominais.
No PM, é apresentada a proposta de que AGR não seria mais um nódulo
constituindo um sintagma, uma vez que AGR, diferentemente da categoria funcional T, não
teria propriedades semânticas e, por esse motivo, AGR não seria mais núcleo de uma
projeção. A re-classificação dos traços flexionais em interpretáveis e não interpretáveis e a
questão da concordância serão discutidas na seção 1.3, a seguir.
1.3 A categoria AGR e o PM
Com o PM, o estudo das categorias funcionais vem sofrendo várias transformações.
Os questionamentos acerca da existência de traços interpretáveis e não interpretáveis
semanticamente tiveram maior repercussão em AGR, uma vez que essa categoria não teria
propriedades semânticas e, por essa razão, não deveria projetar um nódulo sintático.
De acordo com os princípios de economia, em que o PM está baseado, o fato de a
concordância não poder ser interpretada de forma independente do verbo é o que torna
possível a ausência de AGR na árvore sintática, tendo em vista que só é projetado aquilo que
tem conteúdo, como é o caso de outras categorias funcionais, como T, por exemplo.
A proposta desta seção é apresentar a questão da interpretabilidade dos traços de
concordância e discutir a extinção do nódulo AGRP. Também serão abordados
questionamentos sobre o fenômeno do sujeito nulo, uma vez que discutir o status de AGR e,
conseqüentemente, sobre a possibilidade de AGR ser gerado relaciona-se diretamente com a
possibilidade de realização de sujeitos nulos.
1.3.1 A interpretabilidade semântica da concordância
O PM busca descrever a linguagem a partir de bases econômicas e simples. No PM,
Chomsky (1995) propõe uma eliminação no Modelo de Princípios e Parâmetros daquilo que
não é estritamente necessário, ou seja, houve uma redução no quadro teórico de modo a
contemplar apenas as propriedades que são conceptualmente necessárias.
De acordo com a proposta do PM, o léxico e o sistema computacional são os
elementos que compõem a linguagem, sendo o léxico responsável pelo fornecimento dos itens
que serão utilizados nas computações.
Os itens do léxico apresentam traços que se referem às suas informações fonéticas,
semânticas e sintáticas. Esses traços não são redundantes, o que corrobora a noção de
economia presente no PM. Desse modo, não há mais informações disponíveis em uma entrada
lexical do que aquelas necessárias para identificá-la. Além disso, esses traços, que são
tratados como interpretáveis], desempenhariam um papel crucial na computação sintática
por promover a transição ao componente interpretativo (Forma Lógica).
Destaca-se, como exemplo, a distinção entre os traços formais de concordância de
verbos e de nomes. Os primeiros, por serem considerados [- interpretáveis], apenas expressam
uma relação morfossintática e, uma vez checados, são apagados. Portanto, eles não
desempenham nenhum papel na Forma Lógica. Os traços φ (phi) dos nomes (pessoa e
número), no entanto, são tratados como [+ interpretáveis]. Daí Chomsky propor a eliminação
desse nódulo da estrutura oracional.
Chomsky (2000) justifica a eliminação de AGR como um nódulo porque, segundo ele,
AGR teria somente uma noção relacional com o verbo, uma vez que está ligado às
informações de número e pessoa. Por exemplo, o fato de um verbo ser singular ou plural,
informação codificada na concordância de mero do verbo, não seria relevante na
interpretação daquele verbo, uma vez que a concordância não pode ser interpretada de forma
independente do verbo, como acontece com o tempo
10
. As marcas morfológicas de mero e
pessoa não são relevantes para a interpretação dos verbos.
11
Portanto, AGR não precisa
constar na estrutura da oração, pois só ganha projeção sintática aquilo que tem conteúdo.
Vale ressaltar que, no caso dos nomes, acontece algo diferente em relação aos verbos,
que o traço de concordância nos nomes é interpretável. É por isso que o fato de um
10
A noção de tempo passado, presente e futuro relacionada à categoria T pode ser interpretada de modo
independente do verbo.
11
Por exemplo, o morfema de número e pessoa em “nós vai” ou “nós vamos” não é relevante na interpretação do
verbo “ir”.
substantivo ser singular ou plural é relevante para a interpretação do conceito expresso por
aquele substantivo.
No que se refere à concordância verbal, como foi apresentado anteriormente, Chomsky
analisa os traços de concordância de pessoa e número dos verbos como não-interpretáveis, ou
seja, a concordância verbal não apresenta interpretação semântica. No entanto, Van Valin
(2002) afirma que se AGR é realizado morfologicamente, ele é semanticamente interpretável,
uma vez que cada desinência verbal tem uma interpretação diferente. Por essa razão, é
possível até apagar o pronome (que é o que acontece com línguas que licenciam sujeitos
nulos). Se o verbo não tem marcas, a interpretação está no pronome.
Resumindo a idéia de Chomsky, categorias funcionais compostas por traços [+
interpretáveis], ou seja, aquelas conceptualmente motivadas, como por exemplo T, justificam-
se como nódulos sintáticos. No entanto, AGR, por conter apenas traços [- interpretáveis] deve
ser eliminado da estrutura sintática da sentença
12
.
É possível destacar duas conseqüências dos desdobramentos apresentados no PM
sobre a eliminação do nódulo de Concordância. A primeira diz respeito à procura de um
substituto para o nódulo de concordância na estrutura sintática, tendo em vista a necessidade,
apontada desde o estudo de Pollock (1989), da existência de dois nódulos flexionais na
estrutura das línguas. A segunda conseqüência refere-se ao próprio status de AGR (se de fato
ele apresenta ou não conteúdo, se AGR será sempre [-interpretável] etc) e à maneira como
ficam as novas propostas, com o enfoque minimalista, em relação ao fenômeno do sujeito
nulo, fenômeno a que AGR se relaciona diretamente.
Como um substituto do nódulo concordância, os estudos de Koopman & Sportiche
(1991), Bok-Benemma (2001), Novaes & Braga (2005), entre outros, sugerem que a estrutura
da sentença deveria conter um nódulo funcional que abrigasse as informações aspectuais, ou
12
Vale ressaltar que as idéias de Van Valin (2002) ratificam a idéia de que isso ainda não é um consenso geral.
seja, ASPP. Por uma questão de delimitação do trabalho, esse assunto não será discutido aqui.
O foco da próxima seção será, portanto, a segunda conseqüência, apontada no parágrafo
anterior.
1.3.2 Relativizando a extinção do nódulo de concordância: o status de AGR e as
repercussões sobre o fenômeno do sujeito nulo
Com o enxugamento teórico apresentado no PM, os pilares da Gramática Gerativa
passaram a ser sustentados por uma preocupação acerca da representação dos traços das
categorias funcionais (TENSE, ASPECT e AGR). Tendo em vista a proposta de eliminação
de AGR do sistema verbal da estrutura oracional, apenas as categorias funcionais com
propriedades intrínsecas que se manifestam nos níveis de interface, ou seja, àquelas com
propriedades semânticas devem ser projetadas.
Desse modo, a hipótese presente no PM gira em torno do fato de que o nódulo AGRP
não deveria ocupar uma posição na estrutura oracional devido à natureza dos seus traços,
considerados [- interpretáveis], uma vez que não se encontram presentes na forma lógica.
A fim de se verificar o status de AGR, cuja interpretabilidade semântica tem sido
questionada (VAN VALIN, 2002), escolheu-se o fenômeno do sujeito nulo, uma vez que a
possibilidade de se realizar argumentos nulos relaciona-se à natureza do traço dessa categoria.
Esse fenômeno tem sido um dos assuntos mais estudados no processo de aquisição da sintaxe
e tem sido alvo de atenção de inúmeros estudos cujo enfoque é discutir o modo como o sujeito
nulo se apresenta nas línguas do mundo.
Tendo em vista que a Gramática Gerativa considera a Gramática Universal
(doravante GU) parte do aparato genético humano, a questão da diferença entre as nguas
torna-se crucial quando se pensa no modo como o indivíduo adquire a linguagem. Faz-se
necessário, como afirmam Jaeggli & Safir (1989), que a teoria lingüística desenvolva um
modelo de GU que seja capaz de captar os traços universais das línguas naturais e que
conta da variação entre essas línguas.
Destaca-se, portanto, a importância do Modelo de Princípios e Parâmetros, segundo
a qual a diferença entre as línguas pode ocorrer devido à existência de parâmetros. Esse
conjunto de opções lingüísticas específicas interage com os princípios universais, formando a
gramática das línguas particulares. Assim, a aquisição da linguagem acontece quando, a partir
da exposição aos dados de uma língua, a criança atribui aos vários parâmetros da GU o valor
que possuem nessa língua. A aquisição da linguagem pela criança é vista pela Gramática
Gerativa como um processo de fixação de parâmetros. Percebe-se, portanto, a importância que
os parâmetros exercem na teoria de aquisição da linguagem.
Um dos primeiros parâmetros a ser proposto na teoria lingüística foi o parâmetro do
sujeito nulo ou parâmetro pro-drop (CHOMSKY, 1981). Assim, línguas que licenciam o
sujeito nulo apresentam o valor positivo para o parâmetro, ou seja, são [+ pro-drop], ao passo
que línguas que não admitem sujeitos nulos apresentam o valor negativo para o parâmetro,
sendo, portanto, [- pro-drop].
De acordo com Chomsky (1981), línguas que são [+ pro-drop], admitem, além da
possibilidade da omissão do sujeito
13
, uma série de propriedades sintáticas, tais como a
inversão livre do sujeito, violação aparente do filtro that-trace”, movimento longo de qu- e
pronomes de retomada vazios em orações subordinadas.
Os dados do sujeito nulo são importantes porque envolvem a determinação da
natureza e a distribuição de entidades foneticamente não realizadas, mas sintaticamente
presentes chamadas de categorias vazias. As propriedades descritas anteriormente referem-se
às diferenças morfológicas entre as línguas. Línguas, como o italiano, que têm o sistema
13
Neste trabalho, apenas serão apresentadas considerações sobre a possibilidade de omissão do sujeito. As outras
propriedades das línguas que são [+ pro-drop] não serão comentadas aqui.
flexional rico (AGR é rico), assumindo, portanto, valor positivo para o parâmetro pro-drop,
apresentariam essas propriedades, o que não aconteceria em línguas como o inglês, cujo valor
negativo para o mesmo parâmetro não permite a existência de sujeitos não foneticamente
realizados de modo que a posição do sujeito, referencial e não referencial, é preenchida
obrigatoriamente (AGR é fraco).
No entanto, línguas que admitem o sujeito nulo apesar de não apresentarem um
sistema flexional rico. Motivadas por um outro parâmetro, conhecido como parâmetro do
tópico zero, línguas orientadas para o discurso, como o chinês, apresentariam sujeitos nulos
devido a outras propriedades mesmo não havendo a flexão de concordância (HUANG, 1984)
(AGR é ausente). Em línguas assim, o sujeito nulo seria recuperado devido à presença de um
antecedente no discurso. Isso levou o parâmetro do sujeito nulo, quando positivamente
marcado, a ser parametrizado em termos de como as categorias vazias são identificadas: pela
flexão ou pelo antecedente.
Com os estudos de Huang (1984), a relação entre flexão verbal “rica” e o sujeito
nulo deixou de constituir uma condição exclusiva e suficiente para o licenciamento e
identificação do sujeito nulo, uma vez que línguas como o chinês admitem a ocorrência de
sujeito nulo com um paradigma verbal sem flexão.
A dissociação entre flexão verbal “rica” e o sujeito nulo levou Jaeggli & Safir (1989)
a elaborarem uma hipótese, segundo a qual, o licenciamento do sujeito nulo se faria não pela
flexão, mas pela “uniformidade morfológica”
14
do paradigma verbal de uma língua, ou seja,
os sujeitos nulos somente seriam permitidos nas línguas com paradigmas flexionais
uniformes. Assim, a identificação do sujeito nulo seria feita por intermédio ou da flexão, no
14
Os paradigmas uniformemente morfológicos são aqueles que apenas apresentam ou formas derivadas
(desinências de número, pessoa, tempo, modo, aspecto etc) ou formas não derivadas (constituídas pelo radical
apenas).
caso das formas flexionadas (desinências de número, pessoa, tempo, modo, aspecto etc), ou
do antecedente, no caso das não flexionadas (constituídas pelo radical apenas).
O estudo de Speas (1995) questiona o fato de que a distribuição de sujeitos nulos
seja derivada de condições de licenciamento específicas, e conseqüentemente, que a variação
observada entre as línguas seja conseqüência da existência de um parâmetro específico como
o parâmetro pro-drop ou o parâmetro do tópico zero.
A autora sugere que a distribuição do sujeito nulo seja derivada de princípios de
economia, o que vai ao encontro das idéias apresentadas no PM. Segundo a sua proposta,
AGR não recebe nenhuma interpretação independente e, portanto, pode estar ausente na
forma lógica. Além disso, AGR não é obrigado a ocupar um núcleo sintático independente
antes da forma lógica. AGR será gerado como um núcleo independente somente nas línguas
em que a flexão é rica. Tem-se a seguinte generalização:
a. Uma língua tem sujeito nulo se AGR é gerado na base como núcleo
independente.
b. Uma língua não pode ter sujeito nulo se AGR é gerado na base sobre o verbo.
c. Uma língua tem sujeito nulo se ela não tem AGR.
Speas (1995), com base no estudo de Rohrbacher (1993), (apud Novaes, 1996),
assume que para uma língua ter sujeito nulo, é necessário que ela obedeça às seguintes
condições:
a. Em pelo menos um número e um tempo verbal, os traços de 1
a
e 2
a
pessoa sejam distintivamente marcados.
b. Em pelo menos uma pessoa de um tempo verbal, o traço de número
[singular] seja distintivamente marcado.
Diferentemente do que propõe Chomsky, no PM, em que AGRP deixa de ser uma
projeção, Speas afirma que há casos em que AGR tem conteúdo e deve ser projetado.
Marques (2004:39) resume bem a visão da autora:
Na visão de Speas, a maneira pela qual a concordància morfológica é gerada a
saber, separadamente em Agr ou diretamente no verbo - determina o
licenciamento do sujeito nulo. A autora sugere que os morfemas de
concordància listados dão conteúdo lexical ao Agr, o que significa que a posição
[SpecAgrP] pode permanecer vazia, licenciando o sujeito nulo. Caso o morfema
de concordància seja gerado no verbo, Agrs não terá conteúdo lexical e assim, a
posição [SpecAgrsP] deve ser preenchida por um NP para que AgrsP seja
projetado.
Pode-se concluir, então, que, à exceção de Huang (op. cit.) que deriva a
possibilidade de sujeitos nulos do parâmetro do tópico zero, os autores aqui apresentados
postulam que o licenciamento do sujeito nulo ocorre em função da natureza de AGR.
No que tange ao PB, os dados das pesquisas atuais mostram que, por conta de
mudanças no paradigma verbal, que vêm acontecendo na língua ao longo do tempo, o modo
como o sujeito tem sido produzido (realizado ou não) apresenta naturezas diferentes, ora
compatíveis com as propriedades sintáticas presentes em nguas como o italiano, ora
compatíveis com as propriedades discursivas do chinês, mostrando uma tendência ao não
apagamento do sujeito e uma conseqüente dependência de um antecedente no discurso.
Duarte (1993), entre outros autores, ao analisar os dados do PB, afirma que a língua
pode estar passando por um processo de mudança paramétrica, ou seja, deixando de ser uma
língua marcada positivamente para o parâmetro pro-drop para apresentar o valor negativo
para esse parâmetro.
A mudança no valor do parâmetro pro-drop não é algo exclusivo ao PB. Duarte (op.
cit.) afirma que uma mudança paramétrica, como a que está em curso no PB, já aconteceu no
francês, que foi gradativamente deixando de apresentar sujeitos nulos. O francês antigo,
portanto, era uma língua de sujeito nulo. No francês medieval, era possível perceber um
equilíbrio no uso de sujeitos nulos e realizados, tal qual acontece hoje no PB. No entanto, o
francês contemporâneo perdeu os sujeitos nulos, o que significa que a mudança foi, de fato,
efetivada.
Os dados de Duarte (1995) corroboram a idéia de mudança em curso no PB em
relação ao parâmetro pro-drop. A partir dos seus resultados, é possível apresentar as
seguintes considerações acerca do modo como a realização do sujeito tem sido feita:
i. fatores como presença de clíticos e elementos de negação entre o sujeito e o verbo,
presença de elementos em CP e orações independentes e orações subordinadas
correferenciais são contextos que ainda favorecem o preenchimento do sujeito
pronominal;
ii. por outro lado, os sujeitos nulos no PB ainda aparecem nos contextos de sujeitos
referenciais definidos de 3ª pessoa (com tendência à redução cada vez mais
expressiva), de sujeitos o-referenciais (expletivos) relativos às construções com
verbos de fenômenos meteorológicos, com verbos de alçamento, com verbos
existenciais e com verbos inacusativos, conforme os exemplos retirados de Duarte
(2000):
(1) a. Vai pro
expl
chove.r
b. Essa janelas ventam muito (Pontes 1987)
c. São Paulo chove; o Rio faz sol. (Emissora de rádio)
(2) a. pro
expl
Parece que vocês não pensam na vida.
b. Vocês
i
parecem que [__]
i
não pensam na vida.
c. Vocês
i
parecem vocês
i
não pensam a sério na vida.
(3) a. pro
expl
Não há/tem mais clientela no centro da cidade.
b. Você não tem mais clientela no centro da cidade.
(4) a. Sempre que ela come carne de porco, pro
expl
soltam umas bolinhas na mão.
b. Sempre que ela come carne de porco, ela
solta umas bolinhas na mão.
O trabalho de Novaes (1996) ratifica a idéia de que o sujeito nulo no PB ainda
apresenta um caráter duvidoso em relação à sua natureza. Assim como Duarte (1995), o autor
afirma que o PB está em processo de mudança paramétrica. No entanto, o autor, com base na
idéia de Speas, após avaliar dados do PB, propõe que o caráter de variável de AGR
15
leva a
uma diferença entre o modo como os indivíduos realizam o sujeito nulo de primeira pessoa
em comparação ao modo de realização do sujeito de segunda e de terceira pessoas.
Enquanto Duarte (1995) propõe que o PB, em relação ao parâmetro do sujeito nulo,
apresenta tanto as propriedades das línguas marcadas positivamente para esse parâmetro
quanto as propriedades das línguas marcadas negativamente, Novaes (1996) sugere que o PB
ora apresenta propriedades do parâmetro do sujeito nulo, ora apresenta algumas propriedades
do parâmetro do tópico zero. Isso levou o autor, com base nos seus dados, a postular que
15
Neste caso, é preciso que haja um antecedente no discurso para que o sujeito nulo possa ter o seu conteúdo
recuperado.
enquanto o sujeito nulo de primeira pessoa parece apresentar um caráter pronominal, os
sujeitos nulos de segunda e de terceira pessoas apresentariam um caráter variável.
As diferenças apontadas pelo autor em relação ao comportamento do sujeito nulo
nessas pessoas podem ser resumidas no quadro abaixo:
Quadro 1.1: Diferenças entre sujeitos nulos de primeira e de terceira pessoa.
Fato lingüístico Sujeitos nulos de 1
a
pessoa Sujeitos nulos de 3
a
pessoa
Recuperação do conteúdo do
sujeito nulo (referenciais)
Ocorre em função da
flexão
Depende de um antecedente no
discurso
Movimento de palavras qu- Não se mostra sensível ao
movimento de
palavras qu-
São sensíveis ao movimento de
palavras qu-
Possibilidade de autonomia de
referência quando numa oração
subordinada
Apresenta referência
autônoma
São correferentes ao sujeito da
oração principal ou possuem
referência arbitrária
Os dados do quadro fazem com que autor postule que o sujeito nulo de primeira
pessoa apresenta um caráter pronominal e os sujeitos nulos de segunda e terceira pessoas
apresentem um caráter variável.
Novaes (op. cit.) também analisa seus dados seguindo a proposta do PM e refletindo
sobre a extinção do nódulo relacionado à Concordância. Assumindo a idéia de Speas, Novaes
afirma que somente a flexão de Concordância de primeira pessoa seja gerada como um núcleo
independente. Em relação às flexões de segunda e de terceira pessoas do singular, o autor
propõe que AGR não seja gerado, assim como ocorre em línguas como o chinês, o que
explicaria o fato de ser obrigatória a presença de um antecedente no discurso para que o
conteúdo desse sujeito possa ser recuperado.
Resumindo as idéias de Novaes (1996: 112):
i. na primeira pessoa, AGR seria gerado como um núcleo independente e o
caso nominativo seria atribuído ao sintagma nominal sujeito na posição
de especificador de AGRP (estrutura das línguas românicas como o
italiano e o francês);
ii. nas demais pessoas, AGR não seria gerado. Nesse caso, o sujeito
propriamente dito ocuparia uma posição mais baixa na sentença do que
aqueles do italiano e do espanhol, recebendo seu caso nominativo na
posição de especificador de T (Tempo).
Com o objetivo de checar se a dissociação entre primeira e terceira pessoas,
Novaes (2004), em um estudo sobre o modo como indivíduos afásicos realiza sujeitos
especificamente nessas pessoas gramaticais. Dos dois afásicos testados, um apresentou mais
dificuldades em produzir sujeitos nulos de primeira pessoa do que de terceira. O outro, ao
contrário, apresentou problemas para a realização de mais sujeitos nulos de terceira pessoa.
Esse fato vai ao encontro da previsão de Novaes (op. cit.) segundo a qual o indivíduo afásico
poderia ter problemas com os sujeitos nulos de primeira pessoa, mas não de terceira pessoa ou
vice-versa.
Os dados encontrados pelo autor sugerem que os sujeitos nulos de primeira e de
terceira pessoa apresentam naturezas diferentes. Se o sujeito nulo de primeira pessoa tem o
caráter pronominal, como propõe o autor, isso possibilita pensar que AGR tem
interpretabilidade semântica. Por outro lado, se o sujeito nulo de terceira pessoa tem o caráter
de variável, isso nos leva a concluir que AGR não teria interpretabilidade semântica e,
portanto, não mereceria estar projetado na estrutura sintática.
Investigar o modo como indivíduos com a Síndrome de Alzheimer realizam sujeitos
nulos de primeira e de terceira pessoa talvez seja uma forma possível de avaliar o status de
AGR no PB, o que reforçaria a interpretação de Novaes.
Em consonância com as idéias de Van Valin (2002), já apresentadas na seção
anterior, o que parece estar acontecendo no PB refere-se à existência de um sistema misto em
relação à interpretabilidade semântica de AGR.
Pode-se resumir as idéias apresentadas, nesta seção, da seguinte forma:
i. de acordo com o PM, sendo AGR [-interpretável], essa categoria deve
ser eliminada da estrutura sintática da sentença
16
;
ii. como AGR se relaciona diretamente ao fenômeno do sujeito nulo,
buscou-se apresentar um histórico geral sobre as línguas naturais que
licenciam sujeito nulo ou não, o que remonta a discussão sobre o
parâmetro pro-drop e parâmetro do tópico zero;
iii. a fim de se entender acerca do status de AGR, foram apresentadas
propostas de análises do fenômeno do sujeito nulo no PB;
iv. a idéia de Novaes, que foi baseada na proposta de Speas sobre a
interpretação de AGR, mereceu destaque, uma vez que serviu como
motivação para a investigação dos sujeitos nulos de primeira e de terceira
pessoa, produzidos por indivíduos, falantes do PB, acometidos pela
Síndrome de Alzheimer.
No próximo capítulo, serão abordadas questões mais gerais acerca da Síndrome de
Alzheimer, tais como: diagnóstico, causa da doença, a relação entre os estágios da doença e os
16
O que, como foi apresentado, não é um consenso geral na literatura.
comprometimentos dos indivíduos, o papel da família etc. Também se discute sobre os
déficits lingüísticos na Síndrome de Alzheimer, com especial foco nos comprometimentos de
ordem sintática. Busca-se apresentar a motivação para este estudo e os resultados que são
esperados na análise da fala espontânea dos indivíduos.
Capítulo 2
INTERPRETABILIDADE SEMÂNTICA E DÉFICITS
LINGÜÍSTICOS NA SÍNDROME DE ALZHEIMER
2.1 Introdução
A representação da linguagem na mente tem sido estudada a partir dos pressupostos
teóricos da Gramática Gerativa. Tais pressupostos, formulados para a linguagem em
indivíduos normais adultos, podem ser validados pela análise do processo de aquisição pelas
crianças ou pela análise da alteração da linguagem pelos indivíduos com patologias.
Um dos objetivos ao investigar a linguagem em indivíduos normais adultos é
compreender os dois componentes da GU: os mecanismos universais que regem todas as
línguas princípios e as escolhas que são estabelecidas para cada língua em particular
parâmetros. Para alcançar esse objetivo, uma constante tentativa de comparar os dados de
diferentes línguas para que se possa constatar semelhanças, que elucidariam os princípios, e
diferenças, que esclareceriam os parâmetros.
Com o estudo sobre a aquisição da linguagem, busca-se entender melhor acerca da
capacidade inata da criança para o desenvolvimento lingüístico da gramática particular de sua
língua, o que também contribui para a compreensão do sistema lingüístico como um todo.
Para tanto, compara-se o conhecimento lingüístico do indivíduo normal durante o processo de
aquisição aos dados aos quais ele é exposto nesse período, a fim de validar a hipótese do
inatismo e corroborar a existência de princípios universais.
Assim como os estudos sobre aquisição, aqueles sobre as patologias da linguagem
também contribuem para a melhor compreensão do sistema lingüístico. A partir dos dados de
indivíduos com patologias, é possível avaliar propostas lingüísticas e formular novas
hipóteses sobre a linguagem, objetivando entender mais a respeito da representação dessa na
mente/cérebro.
Entender melhor acerca dos ficits lingüísticos apresentados pela Síndrome de
Alzheimer, investigando quais níveis da linguagem são afetados e sua relação com os
diferentes estágios da doença é uma tarefa reveladora e imprescindível para o amplo
entendimento dessa síndrome.
Com a análise da fala espontânea de indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, espera-
se, neste trabalho, encontrar pistas que contribuam para o entendimento de como os sistemas
conceptual e lingüístico interagem, a partir da observação do modo como realizam a
concordância verbal e nominal e produzem sujeitos de primeira e de terceira pessoa do
singular.
2.2 A Síndrome de Alzheimer
Existem diversos tipos de demência, dentre elas, a mais comum é a Demência do Tipo
Alzheimer
17
. Segundo dados da Associação Mundial de portadores da doença de Alzheimer,
uma estimativa que 22 milhões de pessoas desenvolvam um quadro demencial decorrente
desta doença no ano de 2025.
O diagnóstico da Síndrome de Alzheimer é feito por exclusão. Um conjunto de
informações, tais como histórica médica do paciente, testes neurológicos e neuropsicológicos,
além da exclusão de outras patologias é o melhor caminho para identificar a patologia. é
possível ter de fato certeza a respeito da incidência da doença a partir de um exame
17
Sempre tratada aqui como “Síndrome de Alzheimer”, cf. nota de rodapé n
o
1.
histopatológico do tecido cerebral de um paciente falecido
18
. No entanto, técnicas de
imageamento mais modernas, como a ressonância magnética funcional, também podem
contribuir para a certeza do diagnóstico tendo em vista que, com essas técnicas, é possível
identificar no cérebro alterações típicas da doença.
Para os familiares de indivíduos acometidos pela ndrome de Alzheimer, o
comprometimento de habilidades cognitivas como o raciocínio abstrato, o funcionamento da
memória de trabalho
19
e o processamento da linguagem (Almeida & Crocco, 2000, apud
Rodrigues, 2004), além de alterações comportamentais, causam bastante comoção e
demandam uma série de cuidados no trato diário dos pacientes.
Segundo Rodrigues (2004), a progressão da doença acontece em três estágios, em que
é possível perceber a evolução dos comprometimentos. No primeiro estágio, problemas
freqüentes na retenção do conhecimento e no funcionamento da memória de curto prazo. Já há
uma deterioração gradual no senso de orientação temporal e espacial e a evocação de
lembranças é levemente afetada. De acordo com o autor, em relação à linguagem, os pacientes
têm dificuldades na utilização e acesso ao léxico, bem como na fluência da fala. Também são
identificados dificuldades no raciocínio abstrato e julgamento, desatenção aos cuidados
pessoais e mudanças moderadas na personalidade.
O segundo estágio da doença caracteriza-se pelo fato de o indivíduo apresentar uma
progressão rápida de patologias como a amnésia, diversos graus de afasia, agnosia e apraxia.
É possível perceber também mudanças no comportamento do indivíduo que passa ser
extremamente agitado. Além disso, o indivíduo começa a sofrer ilusões. No terceiro estágio,
os pacientes apresentam uma deterioração total das capacidades cognitivas.
Vale ressaltar que é possível estabelecer um paralelo entre o local das lesões no
cérebro frutos da doença e o tipo de déficit que os pacientes começam a apresentar. As lesões
18
O fato de se ter confirmação do diagnóstico após a morte do paciente leva alguns autores a se referirem a
doença como “Provável Doença de Alzheimer”.
19
Também chamada de “memória de curto prazo”.
histológicas começam na região mais interna do lobo temporal (hipocampo), região na qual as
informações convergem para serem armazenadas na memória.
Um pouco mais tarde, essas lesões vão atingir as regiões de córtices associativos,
responsáveis por fazer a integração de múltiplos estímulos sensoriais, comparar as
informações que chegam com as já existentes e as levar ao sistema mbico, que regula as
emoções. Daí aparecer, em seguida, o esquecimento de uma palavra, dificuldade de atenção,
uma diminuição da capacidade conceptual e de julgamento, que atestam a extensão das lesões
em direção ao córtex associativo.
Em relação às causa da Síndrome de Alzheimer, a influência de fatores genéticos,
ambientais ou a presença de algum tipo de vírus que promova a degeneração neuronal são
algumas das muitas hipóteses existentes na literatura. Assim como é difícil precisar a causa da
doença, é difícil encontrar meios precisos para avaliar seu desenvolvimento.
2.3 A deterioração da linguagem na Síndrome de Alzheimer
Como foi observado na seção anterior, os comprometimentos lingüísticos na Síndrome
de Alzheimer, em relação à linguagem, já podem ser detectados no estágio inicial da doença.
Cummings et al. (1985) (apud Rochon et al., 1994) destacam a importância de a avaliação
dos problemas com a linguagem ser incluída como um dos critérios de diagnóstico da
síndrome.
Assim como a progressão da doença, acredita-se que a deterioração da linguagem dos
indivíduos acometidos por essa síndrome percorra também três estágios.
20
Segundo Huff
(1988), no estágio inicial, os indivíduos apresentam déficits na nomeação de objetos e
20
Huff (1988) identificou três estágios específicos.
pessoas, discurso circunloquial, uso excessivo de demonstrativos e uso de estruturas sintáticas
simples. Não são observados déficits expressivos no processamento fonológico, assim como o
processamento sintático é levemente afetado. Os indivíduos não apresentam problemas na
articulação da linguagem. Na sua fala, percebe-se um número maior de pausas.
No segundo estágio da doença, o autor destaca uma deterioração expressiva tanto do
processamento semântico quanto do sintático. Com relação ao processamento sintático,
uma progressão na dificuldade de compreender orações simples e complexas. Os indivíduos
com a Síndrome de Alzheimer, em sua fala, apresentam uma elaboração sintática
extremamente simples, muitas vezes sem a conjugação do verbo e ainda apresentam uma
troca crescente de fonemas. Na escrita, erros de ortografia e repetições de palavras também
são comuns nesta fase.
O estágio final tem como característica a dissolução quase completa das habilidades
lingüísticas. Produção e compreensão da linguagem estão seriamente comprometidas.
Há, na literatura, um consenso a respeito da existência de déficits na memória. No
entanto, ainda muito a ser descoberto acerca dos déficits de natureza lingüística,
principalmente no que tange a aspectos de ordem sintática e fonológica. De fato, a
deterioração da linguagem na Síndrome de Alzheimer é bem mais complexa do que apenas
“problemas com o vocabulário” e merece ser investigada. A seguir, serão apresentados
questionamentos em torno dos comprometimentos dos indivíduos acometidos por essa
patologia no nível sintático.
Pesquisas sobre a Síndrome de Alzheimer até o início dos anos de 1970, por exemplo,
afirmavam que a capacidade de representação e processamento sintático dos pacientes era
preservada.
Os trabalhos de Irigaray (1973) e Whitaker (1976) (apud Rochon et al. 1994)
destacam o fato de os pacientes com Alzheimer reterem a habilidade de estruturar
sintaticamente uma sentença, mas perderem o conhecimento semântico.
Bayles & Boone (1982) (apud Grober & Bang, 1995) afirmavam que a freqüência de
construções sintáticas variadas e o comprimento e complexidade sintática das falas eram os
mesmos do indivíduo normal e que indivíduos com a Síndrome de Alzheimer eram capazes
de corrigir erros sintáticos, mas não semânticos, falados.
Alguns estudos, a partir da análise da fala espontânea, também propõem a sintaxe dos
indivíduos com a Síndrome de Alzheimer como preservada. Nebes (1991) (apud Grober &
Bang, 1995) afirma que a fala espontânea era marcada por impedimento lexical e semântico,
embora bem formada sintaticamente. também evidências para afirmar que as habilidades
no processamento sintático são preservadas em pacientes com Alzheimer. Esses pacientes
falham na correção de sentenças semanticamente mal-formadas, no entanto, corrigem
freqüentemente os erros de sintaxe e fonologia em sentenças anômalas.
No entanto, estudos que propõem a sintaxe dos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer como impedida. O estudo de Emery (1988), por exemplo, observou o
comprometimento do processamento sintático na compreensão da linguagem. A
complexidade sintática foi o principal fator para o declínio do desempenho dos pacientes:
quanto maior é a complexidade da sentença, pior é o desempenho nos testes.
Estudos como o de Rochon et al. (1994) argumentaram a favor da evidência de um
comprometimento das habilidades sintáticas, alegando que estudos anteriores, cujos
resultados não indicavam comprometimento sintático, haviam testado uma quantidade
pequena de relações sintáticas em seus experimentos.
No estudo de Rochon et al. (op. cit.), foram realizados testes de relacionamento
sentença-figura, em que os indivíduos identificavam qual figura melhor representava uma
sentença lida e apresentada pelo examinador. Os testes foram utilizados com o objetivo de
investigar a capacidade dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer em compreender
sentenças. Antes da aplicação dos testes, houve uma preocupação em avaliar se os
substantivos e verbos utilizados nos enunciados eram de conhecimento dos indivíduos, a fim
de eliminar a interferência do processamento semântico.
Os autores mostram que os pacientes analisados têm problemas com a compreensão de
sentenças. Quanto mais complexa a sentença, por exemplo, o número de verbos, o número de
papéis temáticos para a distribuição e a ordem dos elementos, mais comprometido estava o
componente sintático. Entretanto, não é a complexidade sintática o que mais influencia na
compreensão das sentenças. Segundo os autores, os pacientes com a Síndrome de Alzheimer
têm um comprometimento no que eles chamam de “estágio pós-interpretativo de compreensão
de sentenças”. Assim, após extrair o conteúdo proposicional de uma sentença com base na sua
forma sintática, esse conteúdo é usado para relacionar uma proposição a uma figura. Para que
a extração do conteúdo proposicional aconteça, são necessários apenas o conhecimento das
palavras na sentença e a habilidade de computar a estrutura da sentença.
o estudo de Grober & Bang (1995) objetivou reafirmar a posição sobre a evidência
de um déficit sintático. Ao aplicar testes isolando o papel da semântica, da sintaxe e da
memória na compreensão de sentenças reversíveis e não-reversíveis, as autoras constataram
que, uma vez provada a compreensão semântica das sentenças e minimizada a demanda da
memória, era possível afirmar categoricamente que o déficit era genuinamente sintático.
Assim, a partir dos resultados encontrados nos trabalhos apresentados, percebe-se que
ambos estão em acordo no que diz respeito a um déficit refletido na organização sintática das
sentenças produzidas pelos indivíduos com Alzheimer. Enquanto Rochon et al. (1994)
acreditam que esse déficit é reflexo de problemas em outros sistemas cognitivos, Grober &
Bang (op. cit.) afirmam que a origem do déficit é na sintaxe propriamente dita.
[U1] Comentário:
Retirei o
trabalho do Bickel, pois não tinha
descrição suficiente dele
Em relação à complexidade sintática, Rochon et. al. (op. cit.) afirmam que a
dificuldade dos indivíduos pode ser observada na deficiência em utilizar o resultado de suas
computações mentais sobre as estruturas sintáticas da sentença, a fim de determinar se as
sentenças são aceitáveis ou para relacionar uma sentença a uma figura. Pode-se concluir,
portanto, que a representação sintática em sentenças simples (diferenças entre voz ativa e
passiva, por exemplo) pode estar preservada até o estágio moderado da doença. No entanto, o
processamento de estruturas sintáticas mais complexas pode estar comprometido desde o
estágio inicial, por conta da demanda maior de computações sintáticas.
Vale ainda ressaltar que muitos estudos chegam a afirmar que existe um impedimento
lingüístico em Alzheimer similar ao encontrado em indivíduos afásicos. Miller (1989) afirma
que a utilização de testes de afasia na avaliação da linguagem de indivíduos com Alzheimer
mostra a existência de afasias relacionadas às lesões nas áreas da fala mais posteriores
(transcortical, sensorial e Wernicke). No entanto, a utilização de testes de afasia implica no
pressuposto que indivíduos com Alzheimer apresentam um tipo de afasia.
O autor atenta para o fato de isso ser perigoso devido a uma tendência em enquadrar o
déficit lingüístico em Alzheimer dentro de uma síndrome afásica específica, além de ignorar
os aspectos lingüísticos que distinguem essa demência das outras ndromes. A hipótese de
que o déficit lingüístico em Alzheimer e na afasia é idêntico está em aberto. Code & Lodge
(1987) e Rochford (1971) (apud Miller, 1989) revelam importantes diferenças entre esses dois
grupos.
No que se refere aos comprometimentos de ordem sintática dos indivíduos com a
Síndrome de Alzheimer, de um modo geral, as pesquisas lingüísticas ainda caminham em
direção a questões mais gerais, tais como: complexidade sintática, distribuição dos papéis
temáticos, aceitabilidade de sentenças etc. Não foi possível encontrar estudos cujo objeto de
interesse fosse o modo como esses indivíduos representam certas noções tais como tempo,
concordância e aspecto no seu sistema lingüístico.
O foco desta tese é entender melhor acerca dos déficits lingüísticos apresentados pelos
indivíduos com a síndrome de Alzheimer, principalmente no que se refere à relação entre o
sistema conceptual e o sistema lingüístico. A partir da relação entre esses dois sistemas, aliado
à importância que a representação dos traços nas gramáticas de indivíduos normais ganhou na
versão mais recente da Gramática Gerativa, o Programa Minimalista, surgiu o interesse em
investigar se os indivíduos com Alzheimer m problemas com computações lingüísticas
semanticamente motivadas em oposição àquelas que são essencialmente lingüísticas.
Objetiva-se entender melhor sobre o modo como indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer gerenciam as informações ligadas à concordância nominal e verbal e produzem
sujeitos de primeira e de terceira pessoa.
Espera-se que eles apresentem mais problemas com a concordância nominal pois,
segundo Chomsky (2000), este tipo de traço de concordância teria interpretabilidade
semântica, ao contrário do que acontece com a concordância verbal. Além disso, espera-se
que esses indivíduos apresentem diferentes padrões de realização do sujeito nulo em relação à
primeira e à terceira pessoa, tendo em vista que o sujeito nulo de primeira pessoa exigiria uma
demanda maior do sistema conceptual, ao contrário do sujeito nulo de terceira pessoa que
seria uma operação essencialmente lingüística.
Entender melhor sobre as categorias funcionais, em especial sobre o status de AGR no
PB, e os desdobramentos disso em relação ao fenômeno do sujeito pode ser um caminho para
a verificação dos comprometimentos que afetam o sistema lingüístico e o sistema conceptual
dos indivíduos acometidos pela Síndrome de Alzheimer.
Segundo a análise de Novaes (1996), apenas a flexão de concordância de primeira
pessoa do singular seria gerada como núcleo independente, o que nos leva a crer que, neste
caso, AGR teria interpretabilidade semântica, diferentemente do que ocorre nas outras pessoas
verbais
21
, ou seja, o sujeito nulo estaria sendo representado mentalmente de duas maneiras
distintas.
Além disso, investigar patologias que levam a comprometimentos lingüísticos, como a
Síndrome de Alzheimer, também pode ser um contraponto para os estudos em afasiologia
lingüística.
Os estudos em relação à Síndrome de Alzheimer e à Afasia de Broca assumem
pressupostos divergentes quanto às áreas cognitivas atingidas por essas patologias. Estudos
sobre a Afasia de Broca tomam como pressuposto que essa patologia afeta apenas o sistema
lingüístico, mantendo preservado o sistema conceptual. No entanto, pesquisas sobre a
Síndrome de Alzheimer afirmam que esses indivíduos apresentam necessariamente
comprometimento no sistema conceptual e na memória.
As idéias apresentadas, neste capítulo, referem-se a questões específicas ligadas à
Síndrome de Alzheimer, tais como:
i. informações, mais gerais, acerca do diagnóstico da doença, suas causas, seus
estágios de progressão e os déficits comuns nessas etapas etc.;
ii. a existência ou não de comprometimentos no nível sintático.
Além disso, neste capítulo, foram feitas algumas considerações sobre as hipóteses que
permeiam este trabalho.
No capítulo a seguir, será descrito o procedimento metodológico adotado para a
verificação das hipóteses propostas.
21
Para fins de delimitação do objeto de estudo, serão investigados os modos de realização dos indivíduos com
Alzheimer dos sujeitos de primeira pessoa e de terceira pessoa apenas.
Capítulo 3
METODOLOGIA
3.1 Introdução
Neste capítulo, serão apresentados os procedimentos metodológicos que foram
utilizados para a obtenção dos dados analisados neste trabalho.
Por se tratar de uma pesquisa envolvendo uma patologia, faz-se necessário explicitar
justificativas para a opção metodológica utilizada no tratamento dos dados, tendo em vista
duas possibilidades de escolha: estudo de caso ou estudo de grupo.
Uma vez que os sujeitos envolvidos nesta pesquisa são portadores de uma síndrome
degenerativa, foi necessário também investigar o estado mental que esses indivíduos
apresentavam. Para isso, utilizou-se o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), um teste
breve, de simples aplicação e de alta confiabilidade segundo a literatura, cuja proposta é
observar o nível de comprometimento conceptual dos indivíduos.
22
Com o objetivo de avaliar o status do nódulo de concordância no português do Brasil
(PB), foram gravadas amostras de fala espontânea, cujo papel era fornecer evidências que nos
permitissem perceber o modo como os falantes acometidos pela Síndrome de Alzheimer se
comportariam em relação às informações ligadas à concordância verbal e à concordância
nominal.
Como a existência de sujeitos nulos em certas línguas, dentro da perspectiva teórica
gerativista, relaciona-se ao fato de as mesmas apresentarem um sistema flexional rico de
formas específicas de acordo com as características de pessoa e de número verbal, também
foram observados, na fala espontânea dos indivíduos, a existência de sujeitos nulos, o modo
22
Caramelli & Nitrini (2000), versão do Mini-Mental State Examination, de Folstein et al. (1975).
como o sujeito era retomado no discurso e como eles produziam a concordância dos verbos
utilizados.
Este capítulo está organizado da seguinte forma: na próxima seção, será explicitada a
justificativa para a escolha metodológica utilizada neste trabalho; na seção 4.3, serão
apresentados os critérios para a seleção dos pacientes; na seção 4.4, serão relatados os
procedimentos adotados na aplicação do MEEM; finalmente, na seção 4.5, serão descritos os
mecanismos utilizados para incitar a fala espontânea dos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer.
3.2 Tipo de estudo: de caso x de grupo
A metodologia utilizada em pesquisas que envolvem qualquer tipo de testagem em
indivíduos que apresentam patologias é alvo de bastante polêmica. Assim como ocorre em
estudos envolvendo afásicos, indivíduos com a Síndrome de Alzheimer também apresentam
uma grande variabilidade em relação ao seu comportamento lingüístico e aos diferentes níveis
de severidade da patologia. Sendo assim, como tratar a questão da regularidade em meio a
tanta variabilidade tem sido discutido a partir de pesquisas que adotam duas perspectivas
metodológicas distintas: estudos de grupo e estudos de caso.
Das pesquisas que buscam validar os estudos de grupo em busca das regularidades na
Afasia de Broca, os trabalhos de Grodzinksy et al. (1999) e Drai & Grodzinsky (2004) são
categóricos ao afirmar que a utilização de estudos de grupo como opção metodológica na
investigação de pacientes afásicos é uma ferramenta fundamental para a investigação das
relações entre cérebro/linguagem.
Segundo esses autores, os resultados encontrados a partir da análise do desempenho de
um paciente, sem o contexto de um grupo, podem promover uma visão distorcida do perfil da
patologia. Eles ressaltam que os estudos de caso são importantes para se detectar a
variabilidade no desempenho dos pacientes, mas só é possível estabelecer um padrão de
regularidade, dentro da síndrome, a partir dos resultados encontrados em estudos de grupo.
Por sua vez, Berndt & Caramazza (1999) destacam que as caracterizações propostas
pelos estudos de grupo podem favorecer generalizações ilusórias e não avaliar devidamente a
natureza dos déficits apresentados pelos indivíduos afásicos, o que seria relevante para a
compreensão do processamento lingüístico do indivíduo normal.
Corroborando as idéias de Berndt & Caramazza (op. cit.), Novaes (2004) também é a
favor da utilização de estudos de caso na neuropsicologia e na afasiologia lingüística. Em seu
estudo sobre a expressão do sujeito nulo (1
a
e 3
a
pessoas do singular) no PB, foi possível
perceber que a média dos resultados obtidos não revela o padrão de dissociação no
desempenho dos dois pacientes testados. Assim, as análises de desempenhos individuais
possibilitam observar padrões específicos de dissociação dentro de um grupo, cujo
desempenho possa parecer homogêneo inicialmente.
Novaes (2004) ainda reconhece a importância de estudos de grupo no agramatismo
23
.
No entanto, ressalta que é importante considerar que a análise de casos individuais pode ser
fundamental para revelar certas especificidades que podem ser camufladas pelas estatísticas.
Os dados obtidos, a partir da fala espontânea dos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer, serão avaliados em termos qualitativos, o que caracteriza este trabalho como
sendo um conjunto de estudos de caso. No entanto, vale ressaltar que a opção por estudos de
caso não invalida a idéia de se comparar as amostras de fala desses indivíduos, o que será
feito no momento da análise dos dados.
23
O agramatismo é um sintoma da afasia de Broca, resultante de uma lesão no lobo frontal esquerdo do cérebro.
Tradicionalmente, caracteriza-se pela omissão no discurso de itens funcionais (auxiliares, pronomes,
determinantes etc.)
Na polêmica discussão acerca da melhor opção metodológica, vale ressaltar que,
independentemente da realização de estudos de caso ou de estudos de grupo, é fundamental o
estabelecimento de critérios coerentes para a seleção dos pacientes, em especial em estudos de
patologias que podem envolver comprometimentos lingüísticos e conceptuais, como neste
trabalho, cujo foco é uma síndrome degenerativa que pode atingir tanto os conceitos quanto a
linguagem. Portanto, faz-se necessária uma observação dos desempenhos individuais dos
pacientes a fim de não se obter resultados indevidos ou de não se deixar de captar a existência
de fenômenos interessantes na produção lingüística desses indivíduos.
3.3 Seleção de indivíduos
Como já foi explicitado anteriormente, não há, neste trabalho, uma preocupação em
trabalhar os dados de modo quantitativo. Portanto, busca-se uma análise que leve em conta a
qualidade dos dados obtidos. Além disso, faz-se necessário destacar a dificuldade em se ter
acesso aos pacientes com a Síndrome de Alzheimer. Sendo assim, para o presente estudo,
foram selecionados 3 (três) indivíduos nativos do PB acometidos pela Síndrome de
Alzheimer, 2 (dois) no estágio inicial da doença e 1 (um) no estágio moderado, todos
residentes no mesmo endereço.
24
Como o primeiro indivíduo selecionado para este trabalho era do sexo masculino, a
fim de se evitar as possíveis diferenças entre a fala de homens e mulheres, procurou-se manter
um padrão e, por isso, os outros indivíduos selecionados também eram do sexo masculino.
Não houve uma preocupação com a idade e a escolaridade dos indivíduos no momento
da seleção. Dada a dificuldade de acesso a indivíduos com a Síndrome de Alzheimer
24
Os indivíduos selecionados para este trabalho residem em uma casa gerontológica específica para militares
reformados e seus dependentes.
dispostos e em condições de participar de um trabalho acadêmico, esses fatores
extralingüísticos não foram levados em consideração.
Com o objetivo de se verificar o estágio da doença em que o indivíduo se encontra, foi
necessário contar com o diagnóstico do médico que o acompanha, de modo que os parâmetros
utilizados para classificação dos estágios dos diferentes indivíduos foram os mesmos. De um
modo geral, há critérios previamente estabelecidos pelos médicos para classificação dos
diferentes estágios da doença e, até mesmo, para a distinção da Síndrome de Alzheimer de
outros tipos de demência. Para minimizar riscos de uma classificação com critérios
divergentes, os indivíduos com Alzheimer selecionados são tratados pelo mesmo médico e
tiveram a degeneração cerebral acompanhada por meio de ressonância magnética. Vale
destacar que não foi possível ter acesso ao histórico clínico dos indivíduos, assim como ao
resultado da ressonância magnética. Sendo assim, foi preciso confiar na classificação
apresentada pelo médico.
A seleção de indivíduos nos estágios inicial e moderado da doença justifica-se pelo
fato de ser um consenso na literatura o fato de que os comprometimentos lingüísticos desses
indivíduos variam em função dos diferentes estágios da doença. Em especial, neste trabalho,
seria bastante interessante observar o desempenho lingüístico de indivíduos acometidos pela
Síndrome de Alzheimer em diferentes níveis de progressão da doença em relação às
informações de concordância e à realização do sujeito nulo. No entanto, o houve interesse
em indivíduos com a ndrome de Alzheimer no estágio avançado porque, nesse estágio da
doença, os indivíduos quase não são capazes de se comunicar oralmente e se mostram
também pouco participativos.
Como os dados utilizados neste trabalho seriam provenientes da fala espontânea de
indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, era fundamental um desempenho lingüístico
satisfatório, ou seja, era fundamental que esses indivíduos fossem cooperativos o suficiente a
ponto de manter uma conversação de modo natural e espontâneo. Logo, para seleção inicial
dos pacientes, tomou-se como base a subseção “Conversational and Expository Speech” do
Boston Diagnostic Examination of Aphasia
25
- BDAE (Goodglass & Kaplan, 1972). Assim,
foram feitas perguntas sociais do tipo “Como vai o senhor?” e “Qual é o seu nome
completo?”, entre outras, com o intuito de verificar a viabilidade da gravação da fala
espontânea.
O quadro abaixo mostra o perfil dos indivíduos cujos dados foram analisados neste
trabalho.
Quadro 3.1: Informações sobre os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer.
Indivíduos Idade Sexo Nível de escolaridade Nível de acometimento da
doença
J. 85 Masculino Ensino médio Inicial ou leve
H. 85 Masculino Ensino superior Inicial ou leve
A. 92 Masculino Ensino médio Moderado
Para a realização deste trabalho foram selecionados, portanto, 3 (três) indivíduos
acometidos pela Síndrome de Alzheimer 2 (dois) no estágio inicial da doença e 1 (um) no
estágio moderado, todos do sexo masculino e falantes do PB.
25
O BDAE é amplamente utilizado na avaliação da fala de indivíduos afásicos.
3.4 O Mini-Exame do Estado Mental (MEEM)
Antes da gravação da fala espontânea dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer,
cujos procedimentos de coleta serão descritos a seguir, foi necessário, além de observar se o
paciente ainda podia se comunicar, avaliar seu estado cognitivo.
Para a avaliação do estado cognitivo desses indivíduos, foi utilizado o MEEM
(Folstein et al., op. cit.). O objetivo deste teste é fornecer uma análise preliminar das
capacidades cognitivas de pessoas idosas. Sua utilização pelos médicos, de um modo geral, é
fundamental na avaliação da função cognitiva dos pacientes e para o acompanhamento da
evolução dos quadros demenciais.
Os fatores avaliados pelo MEEM dizem respeito à orientação espacial e temporal dos
indivíduos, à sua capacidade de nomeação, repetição, atendimento a comandos, leitura, escrita
e à sua percepção visual.
Como o original do MEEM está escrito em inglês, é preciso ficar atento a possíveis
problemas de tradução. Além disso, faz-se necessário adaptá-lo à realidade de cada cultura. O
fator escolaridade também deve ser levado em consideração, tendo em vista que indivíduos
com pouca ou nenhuma escolarização, por exemplo, podem ter um desempenho ruim em uma
tarefa em que seja necessária uma educação formal.
Para este estudo, foi utilizada a adaptação/tradução feita por Caramelli & Nitrini
(2000), que segue em anexo. Nesse material, o MEEM tem pontuação máxima de 30.
Levando-se em conta a escolaridade do indivíduo, que tem total relação com o seu
desempenho, os autores, após um estudo para identificação de pacientes com suspeita de
demência, sugerem as notas de corte de 18 (analfabetos), 21 (1-3 anos de escolaridade), 24 (4-
7 anos de escolaridade) e 26 (> 7 anos de escolaridade). Vale mencionar que, na publicação
original, o escore de 24 pontos era considerado como sendo a nota de corte
26
mais adequada.
3.5 Coleta de fala espontânea
Os dados da fala espontânea dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer,
selecionados para este trabalho, foram avaliados levando-se em consideração os seguintes
aspectos lingüísticos: o modo como esses indivíduos lidam com informações sobre
concordância verbal de número e pessoa, o modo como lidam com informações sobre
concordância nominal de gênero e número e o modo como produzem e retomam sujeitos de
primeira e terceira pessoas do singular.
Durante a coleta da fala espontânea, procurou-se evitar o uso de qualquer aparato
tecnológico que chamasse mais atenção a fim de que o indivíduo se sentisse o mais
confortável possível para iniciar a sua produção. Portanto, apenas um gravador digital foi
utilizado, com o consentimento dos indivíduos.
Como foi mencionado na seção 3.3, o critério fundamental para a seleção dos
indivíduos foi a habilidade em se comunicar. O início da gravação da fala dos indivíduos
ocorreu assim que essa habilidade foi confirmada. A gravação compreende não a produção
oral dos indivíduos como também o momento da aplicação do MEEM.
O indivíduo era estimulado a falar antes da aplicação do MEEM. No entanto, por J. e
A. terem apresentado uma produção oral bem reduzida nesse primeiro momento, após a
aplicação do MEEM, houve um novo estímulo para falar. Esperava-se que, nesse segundo
momento, esses indivíduos estivessem mais familiarizados com aquela situação que lhes
26
Nota de corte é a nota mínima a ser considerada. Um resultado abaixo da nota de corte caracteriza déficit
conceptual.
era apresentada e, como conseqüência, produzissem mais. Nos casos citados, os dados obtidos
nesses dois momentos de produção oral foram analisados.
Desse modo, era solicitado ao indivíduo contar como é a sua vida na instituição em
que vive e, no caso da necessidade de outra produção, contar uma situação que ele tenha
vivenciado ao longo dos anos de sua vida militar. Para tal, foram utilizados enunciados como
os apresentados a seguir:
Enunciado (1): me conta um pouquinho do senhor... como é que está sua vida hoje...
Enunciado (2): me conta um pouquinho da sua vida hoje, seu ____. Como é que é a
sua vida hoje aqui?
Enunciado (3): seu _____, conta uma história para mim sua... uma situação que o
senhor viveu... que o senhor passou...
Enunciado (4): me conta uma coisa que aconteceu na sua vida que tenha sido muito
importante...
Essas situações visavam a incitar a realização, o apagamento e a retomada do sujeito
de primeira pessoa do singular. Neste trabalho, parte-se do pressuposto de que a categoria
funcional AGR apresenta uma natureza diferente no PB, no que se refere à primeira e à
terceira pessoa gramatical (cf. NOVAES, 1996). Como a possibilidade de apagamento do
sujeito em uma língua está relacionada à natureza de AGR, analisar o modo como os
indivíduos com a Síndrome de Alzheimer realizam sujeitos de primeira e de terceira pessoa
poderia servir como um indicador para se entender mais sobre o status de AGR no PB. Assim,
na produção oral dos indivíduos selecionados, será analisado não o modo como fazem uso
da concordância verbal e nominal, como também a realização dos sujeitos nas referidas
pessoas gramaticais. Por essa razão, houve um segundo estímulo à produção oral. Dessa vez,
foi solicitado aos indivíduos que falassem sobre seu parente favorito (esposa, filho, neto etc.),
com objetivo de fazer com que eles produzissem a terceira pessoa do singular. Para tal, foram
utilizados enunciados como:
Enunciado (5): seu _____, me fala assim de uma pessoa que o senhor gosta muito
27
...
Enunciado (6): então me conta um pouquinho da sua esposa... como ela é?
Toda a fala espontânea foi, em seguida, devidamente transcrita com vistas a observar
questões ligadas à concordância verbal e nominal e a realização dos sujeitos de primeira e de
terceira pessoa
28
.
Certos esclarecimentos acerca da transcrição dos dados devem ser feitos:
(a) as reticências indicam pausa;
(b) os parênteses vazios ( ) indicam um contexto confuso ou por
simultaneidade de vozes ou por qualquer outro tipo de interferência;
(c) entre duplo parênteses (( )), são apresentados eventuais
esclarecimentos acerca de algo que tenha acontecido ao longo da
entrevista;
(d) os colchetes [ ] indicam que não é a fala do informante, mas
sim de outra pessoa.
(e) o símbolo Ø indica uma categoria vazia.
27
Como objetivava-se tornar aquela situação de entrevista uma conversa o mais natural possível, não houve a
preocupação, na produção dos enunciados, com o uso de ênclises e o emprego da regência do verbo “gostar”
segundo a norma culta padrão.
28
A transcrição da fala dos informantes segue em anexo.
A fim de se manter um padrão na transcrição, contextos obscuros foram descartados.
Para poder servir como instrumento de comparação entre os dados obtidos a partir do discurso
dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, dois fatores foram observados, a saber: o
tempo de duração da fala e a quantidade de enunciados produzidos. Entende-se, aqui,
enunciado como uma unidade de sentido completa. Para delimitação do enunciado, fatores
como pausa e uso de marcadores discursivos
29
foram de grande importância. Por se tratar de
situações de fala de indivíduos acometidos por uma patologia que afeta a memória e a
capacidade de nomeação, ainda que o indivíduo não conseguisse se lembrar do nome de
alguma coisa, aquele enunciado produzido era contabilizado. A título de ilustração, seguem
alguns exemplos do que foi considerado enunciado e de como a transcrição da fala foi
realizada:
(1) A. (92 anos), trecho do relato sobre sua vida no passado:
onde eu morava... tinha um campo de animais... de cavalos que era
de corrida... era cavalos que a gente podia pegar eles ( )... sabia que
ia pegar para tratar... eu gostava sempre de pegar, montar e correr.
(2) J. (85 anos), trecho sobre sua vida:
Desde criança, eu fiz o curso de... quando a escola era ali no Galeão...
onde é hoje o.... Aqui hoje eu sou doente de... essa doença que eu
tenho qual é o nome? ((pergunta para a cuidadora)).
29
Marcadores discursivos são aqueles elementos como “sabe?”, “né?”, “entende?” etc. típicos em contextos de
oralidade.
(3) H. (85 anos), trecho sobre sua vida:
eu não era um cara muito rico... Ø tinha alguma coisa... mas eu não era
muito rico... Ø tinha que trabalhar.
Após a transcrição da fala dos informantes, foi feita uma primeira análise dos dados de
modo a encontrar elementos que caracterizassem a fala desses informantes de uma maneira
geral. Nesse sentido, foram observados os seguintes aspectos:
i. a presença de marcadores discursivos e seqüencializadores
30
;
ii. a retomada dos objetos diretos;
iii. o uso de clíticos.
O objetivo dessa análise inicial é fornecer um instrumental que possibilite perceber em
que sentido os usos encontrados na fala desses indivíduos se aproximam ou se distanciam dos
usos típicos de qualquer falante do PB, sem patologia. Desse modo, pareceu-nos relevante
observar certos aspectos ligados à fluidez da fala dos indivíduos, o modo como lidam com
categorias vazias, dentre outros.
Em uma segunda análise, mais apurada, foram observadas questões ligadas
diretamente à concordância verbal e nominal, foco deste trabalho. Nesse caso, foi analisado o
modo como os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer fazem uso das marcas de plural no
SN, como eles estabelecem, no SN, a distinção entre gênero masculino e feminino e como é
feita a concordância entre o verbo e o sujeito da oração. No que se refere ao modo de
30
Os seqüencializadores (“então”, “aí”) são aqueles elementos que organizam a seqüência lógica das
informações no texto.
realização dos sujeitos de primeira e de terceira pessoa do singular, certas características
foram consideradas na análise, tais como:
(a) o modo como os sujeitos foram realizados plenos (com pronome lexical) ou
nulos;
(b) o contexto em que esses sujeitos eram produzidos – contextos de resposta à
pergunta feita ao informante ou contextos de retomada de referente na própria fala
do informante;
(c) o tipo de estrutura sintática em que os sujeitos apareciam – orações independentes,
estruturas de coordenação e estruturas de subordinação;
(d) o tempo dos verbos relacionados aos sujeitos;
(e) o tipo de verbo utilizado – nocional ou de ligação.
Vale mencionar que todos os contextos de produção de sujeito nulo ou pleno de
primeira e de terceira pessoa foram analisados e contabilizados, exceto pelo sujeito nulo
apresentado na expressão “fui levando” (e nas suas variantes “e fui levando”, “e aí fui
levando”, “fui levando e tal”), por ter sido interpretada como uma expressão cristalizada.
No que se refere à produção de sujeitos nulos e plenos, vale mencionar que os dados
obtidos a partir da fala espontânea dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer vão ser,
sempre que necessário, comparados aos dados de indivíduos sem patologias, analisados nos
trabalhos de Duarte (1993 e 1995) e Novaes (1996 e 2004).
Ao longo da gravação da fala espontânea, os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer
também realizaram dois exercícios de preenchimento de lacuna e um exercício de
relacionamento sentença-figura. Os exercícios propostos tiveram como objetivo verificar a
sensibilidade desses indivíduos à concordância verbal e nominal. Esses exercícios
funcionariam como um indicador a mais sobre o modo como esses indivíduos realizam a
concordância.
Por se tratar de uma pesquisa que envolve uma patologia, houve um cuidado de não
cansar os indivíduos selecionados. Por isso, foram utilizadas 12 sentenças no exercício de
preenchimento de lacuna de checagem de concordância verbal e 12 no de concordância
nominal. No exercício de relacionamento sentença-figura, cuja proposta era checar também a
concordância nominal, foram utilizadas 10 sentenças. A utilização de mais sentenças
implicaria em uma aplicação dos exercícios em dois ou mais dias, o que poderia promover
uma divergência entre os resultados, tendo em vista a variabilidade de humor, disposição e
estado geral desses indivíduos.
Com o objetivo de se ter um contraponto para o desempenho dos indivíduos com a
Síndrome de Alzheimer nos exercícios, foram selecionados 2 (dois) indivíduos nativos do PB
sem algum tipo de déficit lingüístico ou qualquer outra patologia que comprometesse seu
desempenho. A seleção desses indivíduos foi feita tendo como base certas características
condizentes com os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer selecionados, a saber, sexo,
idade
31
, classe social e nível de escolaridade. O quadro abaixo apresenta as características
desses indivíduos:
Quadro 3.2: Informações sobre os indivíduos sem patologias que realizaram os exercícios de concordância
Indivíduos Idade Sexo Nível de escolaridade Nível de acometimento da
doença
U. 78 Masculino Ensino médio -------
W. 75 Masculino Ensino superior -------
31
Como os indivíduos, cuja fala foi analisada neste trabalho, apresentavam idade bastante avançada, o foi
possível conseguir dois indivíduos para fazerem parte do grupo de controle com idades exatamente iguais.
Dentro do possível, buscou-se encontrar indivíduos com as idades mais próximas possível, a saber: 75 e 78 anos.
Os exercícios foram aplicados nos dois indivíduos sem patologias do mesmo modo
como foram aplicados aos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer
32
. No exercício de
preenchimento de lacuna para checagem da concordância verbal, os informantes deveriam
sempre fornecer as respostas oralmente a partir da apresentação de sentenças impressas em
folhas A4, em que os caracteres eram pretos e a folha branca, sendo todas as sentenças com o
mesmo tipo e tamanho de fonte. Esse exercício será descrito na seção 3.5.1.
A fim de se ter uma idéia sobre como as informações ligadas à concordância nominal
são percebidas pelos indivíduos acometidos pela Síndrome de Alzheimer, foram produzidos
dois exercícios distintos. Um exercício era de relacionamento sentença-figura. Nesse
exercício, os indivíduos deveriam ser capazes de, a partir da leitura de um enunciado, apontar
para a figura que melhor representasse o que foi lido. O objetivo era avaliar a concordância
nominal de gênero e de número. O outro era um exercício de preenchimento de lacuna, sendo
que, nesse caso, havia sentenças e figuras, também impressas em folhas A4, com o objetivo
de avaliar apenas a concordância nominal de número. Esses exercícios serão apresentados nas
seções 3.5.2 e 3.5.3.
3.5.1 Exercício de preenchimento de lacuna: checagem de concordância verbal
No que se refere às informações ligadas à concordância verbal, em particular ao modo
como os indivíduos gerenciam e realizam a concordância em relação à primeira e à terceira
pessoa do singular, foram criados pares de sentenças em que o indivíduo precisava completar
a segunda sentença com o verbo inventado, fazendo a transposição para a pessoa apresentada.
32
Faz-se importante mencionar que não foi feita a gravação da produção oral de U. e W.. No entanto, apesar de
esses indivíduos o terem qualquer tipo de patologia, a aplicação do MEEM mostrou-se relevante para se
conhecer seu estado cognitivo.
O exemplo (4), a seguir, ilustra a atividade:
(4) Ontem Carla menou muito bem.
Ontem eu _______ muito bem.
Como um dos objetivos do trabalho é investigar se ou não uma dissociação entre
primeira e terceira pessoas do singular, as sentenças apresentadas limitam-se à produção
dessas pessoas. Vale ressaltar que também foram criadas algumas sentenças permitindo a
variação entre primeira e terceira pessoas do plural, a fim de checar se havia alguma diferença
no desempenho do indivíduo na produção do singular e do plural das formas verbais.
Apesar da utilização de contextos com sentenças na primeira e na segunda pessoa do
plural, com base nas idéias de Chomsky (2000), acredita-se que o fato de um verbo estar no
singular ou no plural, informação codificada na concordância de número do verbo, não
interferiria na interpretação daquele verbo que essa mesma informação seria dada pelo
sujeito, no singular ou no plural. O exemplo (5) apresenta esse tipo de contexto:
(5) Todo dia eu e o João blenamos muito bem.
Todo dia Carla e Paulo _______ muito bem.
Os verbos utilizados nos pares de sentenças foram inventados, com o objetivo de fazer
com que os indivíduos se preocupassem principalmente com as desinências verbais a serem
utilizadas e não com o conceito dos mesmos.
Todos os verbos seguiam o paradigma da primeira conjugação, conforme quadro
abaixo:
Quadro 3.3 Lista dos verbos inventados utilizados nos exercícios
Verbos inventados seguindo o paradigma da
primeira conjugação
Prumar
Brimar
Menar
Blenar
Em relação ao tempo, os mesmo quatro verbos ora apareciam no presente simples, ora
no pretérito perfeito, ora no futuro, totalizando 12 (doze) pares de sentenças. Foram
apresentados quatro verbos nos três tempos verbais delimitados para o trabalho, o que
propicia uma igualdade de distribuição dessas formas verbais. Houve também a preocupação
em apresentar um advérbio ou locução adverbial temporal logo no início das sentenças, a fim
de minimizar os custos no processamento das informações ligadas ao tempo verbal. Os (as)
advérbios/locuções adverbiais utilizadas foram: ontem, todo dia e amanhã.
A idéia de misturar os tempos verbais funcionou como um possível distrator para o
preenchimento das lacunas. Vale ressaltar, no entanto, que a fim de minimizar os custos do
processamento das sentenças, em cada par apresentado, não houve alteração no tempo verbal.
Com isso, o indivíduo necessitava preocupar-se apenas com a transposição de uma pessoa
gramatical para outra, em um mesmo tempo verbal, não necessitando também passar de um
determinado tempo verbal a outro.
Os pares de sentenças foram impressos em uma folha A4 em fonte tamanho 48. Todas
as sentenças foram apresentadas em uma pasta do tipo arquivo composta por plásticos.
Segue, em anexo, a listagem completa dos pares de sentenças na ordem em que foram
apresentadas aos indivíduos e uma amostra do modo como as sentenças foram expostas aos
indivíduos.
3.5.2 Exercício de relacionamento sentença-figura: checagem de concordância nominal
(gênero e número)
No exercício de relacionamento sentença-figura, os indivíduos deveriam ser capazes
de identificar qual figura melhor representava uma sentença lida e apresentada visualmente.
Com o objetivo de checar o uso da informação referente à concordância nominal de gênero e
de número, foram apresentadas aos indivíduos três gravuras contendo uma ação e uma
sentença impressa em tamanho 48, cujo conteúdo refere-se à ação expressa por um dos
desenhos. Os indivíduos eram orientados a primeiro lerem a sentença e posteriormente
relacionar seu conteúdo a um dos desenhos, que estavam dispostos lado a lado sobre uma
mesa ou sobre uma pasta.
As ações expressas pelas figuras referiam-se sempre a verbos de primeira conjugação
por ser aquela mais comum e mais simples em nossa língua. Todas as sentenças apresentavam
a seguinte estrutura verbal: estar (presente) + gerúndio. Os verbos no gerúndio referiam-se a
ações bastante comuns no dia-a-dia e mais fáceis de serem representadas nas figuras, tais
como: beijar, abraçar, cumprimentar, fotografar e empurrar. Buscou-se representar as ações
expressas pelos verbos selecionados do modo mais claro possível.
Havia duas figuras possíveis para serem relacionadas com a sentença lida e uma figura
distratora. A idéia era verificar se os indivíduos conseguiam estabelecer a distinção entre
masculino e feminino e singular e plural. A função da figura distratora era avaliar se o
informante estava minimamente atento ao exercício, que na figura distratora havia uma
informação semântica não contemplada na sentença.
Como os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer apresentam problemas em relação
à memória de curto prazo, a sentença, apresentada em um cartão branco com letras pretas em
tamanho 48, ficava exposta durante todo tempo em que as figuras estivessem sendo
apresentadas para que o indivíduo a pudesse reler quando necessário. O tamanho das
sentenças produzidas era o mesmo e, apesar de serem mais custosas em relação ao
processamento, foram utilizadas, em todos os grupos, sentenças encaixadas, uma vez que era
a forma que nos pareceu mais viável de fazer com que o indivíduo relacionasse as
informações ligadas ao gênero e ao número do nome substantivo com essas informações de
nome adjetivo, apontando, assim, a figura mais adequada. A fim de se ter certeza que a
complexidade sintática das sentenças encaixadas não era um entrave para a realização,
observou-se a fala espontânea dos indivíduos no sentido de detectar se os mesmos produziam
e compreendiam sentenças dessa natureza.
Tendo em vista que o objetivo do exercício era checar as informações de concordância
ligada ao gênero e ao número, foi necessário colorir o desenho utilizado no exercício de modo
que as características descritas na figura ficassem claras aos indivíduos.
Vale ressaltar que, antes da realização do exercício, houve uma preocupação em
verificar se os indivíduos tinham condições de enxergar as figuras e se eles conheciam os
verbos e os nomes (loira, ruiva, morena, guarda, menina etc.) que foram utilizados nas
sentenças, objetivando checar o conhecimento semântico desses indivíduos.
Os conjuntos compostos pela sentença e pelas figuras ora permitiam que o indivíduo
identificasse as noções de gênero (masculino/feminino) ora permitiam que ele reconhecesse as
informações relacionadas a número (singular/plural). Em todos os casos, houve a presença de
distratores, a partir da apresentação das figuras, às vezes, alterando o número apresentado na
sentença.
Segue, em anexo, o conjunto composto pelas sentenças utilizadas no exercício e pela
descrição do que está representado nas figuras. Como ilustração, também será anexada uma
amostra da apresentação das figuras e da sentença.
3.5.3 Exercício de preenchimento de lacuna: checagem de concordância nominal
(número)
O exercício de preenchimento de lacuna foi utilizado também para avaliar como os
indivíduos gerenciam as informações ligadas à concordância. Ele foi feito oralmente e permite
verificar como os indivíduos constroem o plural de substantivos.
Objetiva-se, com a comparação dos resultados dos dois exercícios de preenchimento
de lacuna, o 3.5.1 e o 3.5.3, apresentado neste item, checar se os indivíduos com a Síndrome
de Alzheimer apresentarão diferenças na realização da concordância dos nomes e dos verbos,
o que nos levaria a pensar que a concordância dos nomes e dos verbos poderia ser resultado
de motivações diferentes, em consonância com a proposta de Chomsky (2000) de que a
concordância nominal tem uma motivação semântica, conforme apresentado na seção 1.3.1
desta tese.
Para o desenvolvimento deste exercício, foram produzidos desenhos de objetos e
nomes substantivos inventados. Era apresentado ao indivíduo, em uma pasta, um desenho de
um único objeto inventado e uma sentença apresentando o nome inventado para este objeto.
Logo abaixo, havia a mesma sentença no plural, sendo que uma lacuna tomava o lugar da
forma plural do nome do objeto inventado. Era solicitado ao indivíduo que completasse com o
nome do objeto no plural, tendo em vista que, para esta segunda sentença, o desenho de dois
objetos inventados era apresentado.
Os nomes substantivos inventados e utilizados no exercício foram aqueles em que o
plural era formado a partir do acréscimo do morfema –s de plural. Buscou-se criar
substantivos simples, terminados nas vogais a, e e i, de modo a evitar aquelas formações de
plural mais complexas na língua, como, por exemplo, aquelas que permitem duas maneiras
distintas de se formar o plural. O objetivo era verificar se os indivíduos eram capazes de
estabelecer a diferença entre singular e plural e produzir a forma mais simples de plural.
Em anexo, serão apresentadas as sentenças utilizadas no exercício e, a título de
ilustração, o modo como as sentenças e os objetos inventados foram apresentados aos
indivíduos.
Capítulo 4
RESULTADOS E ANÁLISE
4.1 Introdução
Neste capítulo, serão discutidos os dados obtidos dos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer selecionados, conforme o modo relatado no capítulo anterior. A discussão será
apresentada da seguinte maneira: no item 4.2, serão feitos comentários sobre a aplicação e o
desempenho dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer no MEEM, assim como serão
apresentados seus escores; no item 4.3, serão apresentadas as análises da fala espontânea de
cada indivíduo, assim como serão feitos comentários sobre o seu desempenho nos exercícios
lingüísticos produzidos para a checagem das informações de concordância verbal e nominal;
no item 4.4, serão feitas considerações acerca dos resultados dos desempenhos dos três
indivíduos selecionados para este estudo.
4.2 O desempenho no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM)
Como já foi explicitado na metodologia, foram selecionados 3 (três) indivíduos com a
Síndrome de Alzheimer, sendo 2 (dois) indivíduos classificados, segundo o médico que os
acompanha, no estágio leve da ndrome de Alzheimer e 1 (um) no estágio moderado. O
objetivo da aplicação do MEEM nesses indivíduos era avaliar o vel de comprometimento
conceptual, a fim de, posteriormente, relacionar os escores obtidos no MEEM, aos dados da
fala espontânea e ao desempenho deles nos exercícios lingüísticos propostos.
A adaptação do teste desenvolvida por Caramelli & Nitrini (2000), utilizada neste
trabalho, teve como base a realidade do povo brasileiro. Os autores propõem a nota de corte
levando em consideração o nível de escolarização do indivíduo. Como os indivíduos
selecionados apresentavam mais de 7 (sete) anos de escolarização, utilizou-se a nota de corte
de 26 no MEEM, o que nos remete à interpretação de que resultados abaixo desse escore
sugerem a existência de déficits conceptuais.
O quadro 4.1 abaixo retoma as informações apresentadas na seção 3.3,
acrescentando os escores obtidos no MEEM:
Quadro 4.1: Informações sobre os indivíduos e escores obtidos no MEEM
Indivíduos Idade Sexo Nível de acometimento da doença
Escores
J. 85 Masculino Inicial ou leve 21
H. 85 Masculino Inicial ou leve 24
A. 92 Masculino Moderado 16
U.* 78 Masculino ------- 28
W.* 75 Masculino ------- 30
*Indivíduos utilizados como controle nos exercícios propostos
Conforme já explicitado no capítulo sobre a metodologia, para que os indivíduos
fossem selecionados, era condição fundamental que eles fossem capazes de responder a
perguntas sociais, apresentassem uma fala fluente e se mostrassem participativos para a coleta
da fala espontânea. Como o primeiro indivíduo testado era do sexo masculino, procurou-se
manter esse padrão a fim de se evitar as diferenças comuns nas falas de homens e mulheres.
A partir das análises dos escores obtidos pelos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer, é possível dizer que, de um modo geral, estão condizentes com o estágio da
doença atestado pelo médico. A., cujo acometimento refere-se ao vel moderado, apresentou
um escore mais baixo do que J. e H., classificados como tendo um nível leve de
acometimento. No entanto, é possível perceber que H. apresenta um escore mais alto do que J.
e A., o que criou uma certa expectativa de que H. apresentaria um desempenho melhor nos
exercícios lingüísticos em relação aos outros dois indivíduos, o que de fato ocorreu. O escore
baixo do indivíduo A. no MEEM irá se refletir também no seu desempenho nos exercícios
lingüísticos, que será apresentado na próxima seção.
Os três indivíduos apresentaram problemas na retenção de informações e no
funcionamento da memória de curto prazo. Apesar de todos terem conseguido repetir
imediatamente as 3 (três) palavras apresentadas no teste, poucos minutos depois, quando
solicitado que recuperasse aquelas 3 (três) palavras ditas anteriormente, nenhum deles foi
capaz de recordá-las.
Em relação à orientação temporal e espacial, com exceção de J., que apresentou um
bom desempenho em relação à orientação temporal e espacial, H. e A. apresentaram mais
problemas no que se refere à orientação no tempo do que no espaço.
Nenhum indivíduo teve problemas para nomear os objetos utilizados no teste e para
executar três ações seguidas. Apenas o indivíduo A., com nível moderado da doença,
apresentou problemas para obedecer ao comando proposto no teste, dificuldade para executar
os cálculos e copiar o desenho.
As observações feitas sobre o desempenho dos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer no MEEM vão ao encontro do que está exposto na literatura acerca dos
comprometimentos, em várias áreas, que acometem os indivíduos com essa doença. Esses
comprometimentos podem ser percebidos, principalmente, na deterioração gradual no senso
de orientação espacial e temporal, na dificuldade de raciocínio abstrato e nas limitações no
funcionamento da memória curto prazo.
Por outro lado, os indivíduos testados com a função de estabelecer um controle em
relação aos dados encontrados com os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, nos
exercícios lingüísticos, tiveram um desempenho condizente com o seu perfil cognitivo.
33
33
O indivíduo U. apresentou problemas no que se refere a cálculo, errando duas das cinco subtrações seguidas.
4.3 A análise da fala espontânea
Nesta seção, serão apresentadas as análises acerca dos dados obtidos a partir da fala
espontânea dos três indivíduos selecionados para este estudo. Optou-se por apresentar as
análises de modo individual, o que caracteriza este trabalho como sendo um estudo de caso de
três indivíduos.
Assim, nas subseções 4.3.1, 4.3.2 e 4.3.3, serão apresentados comentários sobre a fala
espontânea dos indivíduos. Apesar de o foco deste trabalho ser a categoria de concordância,
ao longo das seções, será feita uma caracterização geral da fala desses indivíduos, antes de
apresentar as discussões sobre o modo como esses indivíduos realizam a concordância verbal
e nominal e produzem os sujeitos de primeira e de terceira pessoa do singular.
Ao longo das observações feitas a partir da fala espontânea, também serão
apresentados e discutidos os desempenhos dos indivíduos em exercícios de checagem de
concordância verbal e nominal propostos.
A subseção 4.4, última deste capítulo, traz uma análise geral dos dados encontrados na
fala dos três indivíduos, em comparação ao escore obtido por esses indivíduos no MEEM, a
fim de relacionar o desempenho lingüístico dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer
com os comprometimentos conceptuais.
4.3.1 O indivíduo H.
O indivíduo H., em estágio leve ou inicial da Síndrome de Alzheimer, obteve escore
24 no MEEM. Apesar de o escore obtido por esse indivíduo já caracterizar um
comprometimento conceptual, isso não se reflete ainda na sua fala. H. tem uma fala muito
fluente, apesar de ter apresentado certos problemas em relação à memória de curto prazo.
Perguntas do tipo “como é o seu nome mesmo?” e enunciados como “Eu sou oficial aviador...
não sei se tu sabes disso”, por várias vezes, foram produzidos durante a coleta da fala
espontânea.
Ao ser solicitado a falar, H. não necessita de intervenções para manter o fluxo das
informações. No decorrer da produção da sua fala, ele apresenta um discurso fluente, em que
se percebem elementos comuns no discurso oral como marcadores discursivos e
seqüencializadores. Caracterizando a sua fala de um modo geral, nos dois trechos da sua
produção, é possível perceber que H. faz uso de marcadores discursivos como o “né?” (11
(onze) ocorrências), “e tal” (6 (seis) ocorrências). Os exemplos (1) e (2) ilustram os contextos
de uso:
(1) um belo dia o sogro morreu... e eu fiquei com os negócios do sogro... continuei
escriba meu, né?
(2) Escrevendo e tal... me enchi e tal... um belo dia me aposentei e tal... e passei a
gozar a vida... eu e a madame viajávamos e tal... nós razoavelmente bem de vida...
então dava pra de vez em quando fazer uma viagenzinha e tal...
H., como qualquer outro falante do PB, ao organizar seu discurso, utiliza-se de
elementos como “e aí” e “então” para promover a linearidade das informações. Esses
elementos são apresentados no exemplo abaixo:
(3) então me habituei a trabalhar... e nesse me habituei a trabalhar... passei até a
trabalhar demais, né?
Há, nos dados da fala de H., 5 (cinco) ocorrências da locução verbal “fui levando”
(com as variantes e fui levando”, “e fui levando”, “fui levando e tal”). A freqüência com
que esses elementos aparecem em sua fala e seus contextos de uso corroboram a interpretação
de que eles atuam como elementos importantes na articulação do seu discurso, estabelecendo
um elo coesivo entre as informações e contribuindo para o planejamento da sua fala. O
exemplo (4) apresenta duas ocorrências dessa locução:
(4) Porque os caras achavam que eu era bom de trabalho... o que era horrível... não...
era horrível... e fui levando... fui levando e tal... aque um belo dia fiquei velho,
né?
A presença de marcadores discursivos e seqüencializadores na fala de H. ratifica a
observação de que esse indivíduo apresenta uma fala fluente, tendo em vista que esses
elementos, típicos do discurso oral, são amplamente encontrados na fala dos indivíduos sem
algum tipo de patologia que comprometa a linguagem.
As estratégias utilizadas por H. para retomar os objetos diretos em sua fala também
são comuns entre os falantes do PB. Analisando os dados, é possível notar a preferência de H.
pela retomada do objeto com o SN (sintagma nominal) pleno:
(5) conheci a minha mulher... casei com a minha mulher...
No entanto, H. também retoma o objeto com o pronome lexical, conforme o exemplo
(6):
(6) e eu me sinto chateado, né? Porque eu não vou deixar ela sozinha... e não faço a
viagem que eu quero...
Apesar de os clíticos serem cada vez mais raros no discurso oral
34
, H., apenas uma
vez, retomou o referente “minha mulher com um clítico de terceira pessoa, conforme o
exemplo (7):
(7) ela não mora comigo ( ) não é que nós sejamos separados... e que ela mora com a
família dela... problemas com a família... aquelas coisas complicadas... eu vou
quase todos os dias... e se tu quiseres conhecê-la... eu te dou o endereço dela...
Uma vez expostas as características mais gerais sobre a fala de H., que fornecem
evidências de que a sua fala apresenta-se como a de qualquer indivíduo do PB sem patologia,
procura-se investigar o modo como esse indivíduo lida com as informações ligadas à
concordância nominal e verbal.
No que se refere à concordância nominal, H., de um modo geral, faz uso das marcas
de plural em todos os elementos do SN, como mostram os exemplos (8), (9) e (10). Apenas
em duas situações, H. marcou o plural em apenas um dos elementos do sintagma, conforme os
exemplos (11) e (12):
(8) esses troços todos...
(9) aquelas necessidades todas
(10) aquelas coisas complicadas...
(11) aquelas coisa
(12) uns troço
34
Exceto pelo clítico de primeira pessoa.
Vale destacar, no entanto, que qualquer indivíduo, mesmo aqueles com um alto nível
de escolarização, pode, em algum momento no discurso oral, não realizar todas as marcas de
plural no SN.
H. não apresenta problemas em relação à concordância verbal. Em sua fala, ele faz uso
das marcas de número e pessoa no verbo, concordando com o sujeito, conforme se pode
observar no exemplo (13):
(13) ela não mora comigo ( ) não é que nós sejamos separados...
Um uso bastante comum, entre os falantes, até mesmo para os falantes com maior
nível de escolaridade, é o do verbo fazer impessoal indicando o tempo transcorrido. O
exemplo (14) abaixo apresenta um uso de H. que, como tantos outros falantes do PB com alto
nível de escolarização, concorda o verbo fazer com o objeto. Isso é uma evidência de que H.
tem a regra de concordância tão clara que, até nesses casos, em que o verbo não deveria ser
flexionado, ele o flexiona.
(14) olha fazem exatamente 4 anos que eu não viajo...
A partir dos dados da fala de H., é possível perceber que ele não apresenta problemas
em gerenciar as informações ligadas à concordância, seja ela nominal ou verbal.
A maneira como H. foi estimulado a falar possibilitou não só obter dados que
caracterizassem o modo como ele estabelece a concordância nominal e verbal, como também
observar como esse indivíduo realiza os sujeitos. Analisar a produção dos sujeitos, sejam eles
plenos ou nulos, mostra-se relevante principalmente porque a existência de sujeitos nulos está
fortemente ligada ao fenômeno da concordância, objeto de estudo deste trabalho.
Após a análise do relato de H. sobre um fato importante acontecido no passado, é
possível apresentar as seguintes considerações acerca do modo como esse indivíduo realiza
sujeitos nulos e plenos de primeira e de terceira pessoa do singular.
Em relação à primeira pessoa, H. produziu 21 (vinte e um) sujeitos nulos e apenas 5
(cinco) sujeitos plenos. Fazendo uma análise qualitativa dos 21 (vinte e um) sujeitos nulos, 1
refere-se ao início da sua fala, caso típico de resposta ao enunciado “me conta uma coisa que
aconteceu na sua vida que tenha sido muito importante...”. As outras 20 (vinte) ocorrências de
sujeito nulo referem-se aos seguintes casos: estruturas de coordenação (2 (duas) ocorrências),
estruturas de subordinação (2 (duas) ocorrências) e 16 (dezesseis) orações independentes. Os
exemplos (15), (16) e (17) representam esses contextos de uso:
(15) Ø tinha alguma coisa mas Ø não era muito rico...
(16) eu comecei a achar que Ø tinha que começar a trabalhar, né? Porque Ø tinha
casado e tal...
(17) Ø Comecei a estudar aquelas coisa toda ginásio isso aquilo aquilo outro...
As estruturas de coordenação encontradas no corpus, como a apresentada no exemplo
(15), não correspondem àquelas estruturas de coordenação com o sujeito correferente,
licenciadas nas línguas tipicamente não pro-drop. Nessas línguas, são licenciadas estruturas
de coordenação com o sujeito da primeira oração preenchido e com o sujeito da segunda
oração apagado. No entanto, os contextos de coordenação do corpus apresentam sujeitos
nulos nas duas orações coordenadas, sendo ambos retomados pelo contexto.
Fazendo uma análise a respeito do tempo dos verbos utilizados, no primeiro contexto
de fala espontânea de H., foram produzidos 13 (treze) sujeitos nulos com verbos no pretérito
perfeito e 7 (sete) com verbos no pretérito imperfeito.
O uso de verbos no pretérito perfeito e no pretérito imperfeito foi esperado tendo em
vista que o contexto dizia respeito a uma situação no passado. Os dados encontrados no
corpus, em relação à freqüência de uso desses tempos verbais, vão ao encontro do que Duarte
(1995) encontrou no seu trabalho. Nos dados da autora, o pretérito perfeito é o tempo verbal
que mais favorece o sujeito nulo, sendo o pretérito imperfeito o segundo tempo verbal mais
favorável a esse fenômeno.
Observando o modo como os sujeitos foram realizados com verbos de ligação, Nos
dados de H. no primeiro trecho da fala espontânea, houve 6 (seis) ocorrências de verbos de
ligação: 4 (quatro) com sujeitos nulos (2 (duas) ocorrências com o verbo ficar e 2 (duas)
ocorrências com o verbo ser) e 2 (duas) com sujeitos plenos (ambas com o verbo ser).
Duarte (1995) afirma que, com os verbos de ligação, uma preferência por sujeitos
nulos, o que, de fato, aconteceu na fala de H. As ocorrências do verbo ser, com sujeito pleno,
referem-se a contextos típicos de preenchimento: quando um advérbio de negação
(exemplo 18) e quando se trata de uma oração subordinada, cujo sujeito não é o mesmo da
oração principal (exemplo 19):
(18) eu não era um cara muito rico...
(19) Porque os caras achavam que eu era bom de trabalho...
Os casos de sujeito nulo em contextos em que há a locução verbal “fui levando” e
suas variantes “e fui levando”, “e fui levando”, “fui levando e tal” não foram
contabilizados, pois foram interpretados como uma expressão cristalizada, cuja interpretação
pode ser entendida como um elemento discursivo típico desse indivíduo.
Todos os exemplos citados anteriormente, referem-se à produção de sujeitos de
primeira pessoa do singular. Em relação à terceira pessoa do singular, nesse momento da fala
de H., não houve ocorrências de sujeitos nulos ou plenos (com o pronome lexical)
relacionados a essa pessoa gramatical. No único contexto de produção de sujeito de terceira
pessoa do singular nesse trecho da fala espontânea, H. fez uso do SN “a madame”:
(20) Viajava com a madame... a madame gostava de viajar...
Em um segundo momento da coleta de dados, H. foi incitado a produzir um contexto
em que falasse sobre a sua esposa. Apesar de ser um contexto em que se esperava muita
ocorrência de sujeitos nulos e plenos de terceira pessoa, isso não se confirmou. Houve 7
(sete) ocorrências de sujeitos plenos de terceira pessoa e nenhum caso de sujeito nulo. Das 7
(sete) ocorrências, 3 (três) dizem respeito à retomada do referente a partir de um SN pleno,
nesse caso, “minha mulher”. As outras 4 (quatro) ocorrências referem-se aos casos de
retomada do sujeito a partir de um pronome lexical (“ela”). Todos os verbos estavam no
presente.
De fato, a preferência de H. é pela retomada de um referente por meio de um SN
pleno. Nesse mesmo contexto, quando H. fala sobre o sogro e sobre a mãe, ele sempre retoma
o sujeito com um SN pleno:
(21) eu escrevia muito bem... o meu sogro sabia disso... eu sempre fui escriba dele
antes de casar... imagina depois de casado... então fiquei escriba do meu sogro uma
porção de tempo... um belo dia o sogro morreu...
(22) minha mãe adorava viajar... enquanto a minha mãe viveu eu sempre viajava...
Nesse mesmo contexto, em que H. deveria falar sobre sua esposa, houve 22 (vinte e
duas) ocorrências de sujeito nulo de primeira pessoa e 28 ocorrências de sujeito pleno também
de primeira pessoa. Das 22 (vinte e duas) ocorrências de sujeito nulo, 12 (doze) referem-se a
contextos de coordenação e 10 (dez) a contextos de orações independentes. Houve um total de
28 (vinte e oito) ocorrências de sujeitos plenos, sendo 1 (uma) em contexto inicial de resposta
à pergunta, 15 (quinze) em orações independentes, 8 (oito) em subordinadas e 4 (quatro) em
coordenadas.
(23) eu nasci e me criei no Rio Grande do Sul...
(24) eu gostava... hoje eu não viajo mais... não tenho mais paciência de viajar...
O exemplo (23) representa um caso típico de coordenação. No exemplo (24), é
possível perceber um caso típico de preenchimento de sujeito com a função de ênfase,
contexto em que Duarte (1995) cita como preferencial ao preenchimento do sujeito.
Em relação ao tempo dos verbos utilizados em sua fala, das ocorrências de sujeito
nulo, dos 22 (vinte e dois) verbos, 15 (quinze) estão no pretérito perfeito, 4 (quatro) no
pretérito imperfeito e 3 (três) no presente. Esse fato corrobora a idéia de que o pretérito
perfeito é o tempo verbal mais comum em contextos de sujeito nulo. Nos contextos de sujeito
realizado, por outro lado, houve um número maior de ocorrências de sujeitos realizados com
os verbos no presente (14 (catorze) ocorrências), seguido de 10 (dez) ocorrências de verbos no
pretérito imperfeito e apenas 4 (quatro) ocorrências no pretérito perfeito.
Os dados apresentados na tabela
35
abaixo resumem as ocorrências de sujeitos plenos e
nulos produzidos por H. em sua fala. É possível perceber a tendência de H. ao apagamento
dos sujeitos de primeira pessoa do singular e ao preenchimento dos sujeitos de terceira pessoa
do singular:
35
Vale ressaltar que os dados apresentados na tabela referem-se ao número total de ocorrências, sem uma
preocupação, nesse momento, em analisar o contexto de uso de cada uma delas, o que já foi feito anteriormente.
Tabela 4.1: ocorrências de sujeitos nulos e plenos, de primeira e de terceira pessoa, nos contextos produzidos por H.
1
a
pessoa do singular 3
a
pessoa do singular
Assunto
SUJEITO
PLENO
SUJEITO
NULO
SUJEITO
PLENO
SUJEITO
NULO
Sobre um fato importante no
passado
5 21 --- ---
Sobre a sua esposa 28 22 7 ---
TOTAL DE OCORRÊNCIAS
33 43 7 ---
Certas características no que se refere à concordância verbal foram percebidas na fala
de H., como mostram os exemplos (25), (26) e (27).
(25) e se tu quiseres conhecê-la...
(26) não sei se tu sabes disso...
(27) minha mulher é uma pessoa que você deveria até conhecer... um dia que você
tiver que fazer a entrevista com a minha mulher... Ø me procura...
Como H. é gaúcho, foi possível identificá-lo a partir do uso do “tu”. Ao usar esse
pronome, H. flexiona o verbo seguindo o modo de conjugação estabelecido nas gramáticas de
língua portuguesa para essa pessoa gramatical (cf. exemplos (25) e (26)). No entanto, no
exemplo (27), além da escolha pelo “você” em lugar do “tu”, é possível perceber o
apagamento da segunda pessoa do singular, no momento em que ela é retomada.
Conforme os exemplos (28), (29) e (30), H. apresentou em sua fala clíticos de primeira
pessoa, em contextos de sujeito nulo. Os clíticos de primeira pessoa são um dos poucos que
ainda sobrevivem na produção oral dos falantes do PB.
(28) me formei em Agronomia...
(29) e ai me criei em Pelotas...
(30) um belo dia me aposentei e tal...
Nos exercícios propostos, com o objetivo de checar o modo como os indivíduos lidam
com as informações ligadas à concordância verbal e nominal, H. apresentou um ótimo
desempenho, o que corrobora a idéia de que ele não tem problemas com a questão da
concordância, como também evidenciam os dados analisados de sua fala espontânea.
H., que dos três indivíduos selecionados neste trabalho apresentou menor
comprometimento conceptual, obteve um escore 24, valor bem próximo à nota de corte 26,
estabelecida por Caramelli & Nitrini (2000). O modo como H. produziu sujeitos nulos e
plenos e o modo como ele gerencia as informações ligadas à concordância verbal e nominal
levam a conclusão de que seu desempenho é bem próximo ao de um indivíduo sem patologia,
falante do PB, ora apagando o sujeito, ora omitindo. O fato de H. tender a omitir mais os
sujeitos de 1ª pessoa indica que a recuperação da informação de pessoa, disponível apenas na
morfologia verbal, não lhe causa problemas.
Como J. e A. obtiveram um escore mais baixo que o de H. no MEEM, isso gerou uma
grande expectativa de se observar a sua produção e o seu desempenho nos exercícios,
assuntos que serão discutidos a seguir.
4.3.2 O indivíduo J.
J., cujo escore no MEEM é 21, apresentou uma fala pouco fluente devido à
dificuldade, em alguns momentos, de nomear coisas
36
. Por essa razão, uma série de
36
Como já foi explicitado na “Metodologia”, os enunciados, nesses casos, não foram descartados.
intervenções foi necessária, em alguns momentos, a fim de manter a continuidade da sua
produção.
No discurso pouco fluente de J., não foram encontrados marcadores discursivos,
elementos típicos da oralidade. Caracterizando a fala de J., duas construções em que o
objeto direto, seja ele um sintagma nominal ou um sintagma oracional, aparece deslocado
para a posição anterior ao verbo (cf. exemplos (31) e (32), a seguir):
(31) toda doença que aparece.. eu pego pra mim
(32) esses defeitos se ela encontra em mim... não dependeram de mim...
Assim como qualquer falante do PB, J. também faz uso do verbo ter em construções
existenciais como a apresentada abaixo:
(33) tem um que é o mais velho...
Feita essa breve caracterização da fala de J., busca-se tecer comentários sobre o modo
como J. gerencia as informações ligadas à concordância.
Em relação à concordância nominal, J. faz uso do morfema -s para indicar plural em
todos os elementos do sintagma (cf. exemplo 34, abaixo). Nos sintagmas nominais
produzidos, os determinantes concordam com o substantivo a que estão relacionados em
função do gênero, como é possível observar no exemplo (35):
(34) esses defeitos
(35) a minha doença
Não houve casos em que J. marcasse o plural em apenas um elemento do sintagma.
Com base nos exemplos (34) e (35), pode-se dizer que esse indivíduo também não apresenta
problemas em lidar com as informações relacionadas ao gênero dos nomes.
No que se refere à concordância verbal, o informante J. também o apresenta
problemas em estabelecer a concordância entre o sujeito e o verbo. Ainda que existam outros
elementos entre o referente e o verbo, J. faz a concordância devidamente. Os exemplos a
seguir ilustram esse fato:
(36) de modo que eu pego... toda doença que aparece...
(37) esses defeitos se ela encontra em mim... não dependeram de mim...
O exemplo (38) representa um uso bastante interessante em relação à concordância
verbal uma vez que J. estabelece a concordância com o referente “nossos móveis” e não com
a expressão partitiva a maior parte”, o que também representa um uso possível no PB. No
entanto, vale ressaltar que a concordância nominal foi feita na retomada do SN “nossos
móveis” a partir do pronome-cópia.
(38) nossos móveis... o que restou deles... foram vendidos a maior parte...
A concordância entre o verbo de ligação e o predicativo, ainda que o referente seja
retomado pelo contexto também foi realizada:
(39) E: e o seu favorito?
37
37
“E” significa “entrevistador” e “I” refere-se à fala de J.
I: filhos?
E: é filhos ou netos... ok filhos...
I: são iguais...
Após os comentários sobre os dados referentes à concordância nominal e verbal, serão
apresentadas observações sobre a produção dos sujeitos na fala de J.
Em um primeiro momento da sua produção, em que foi pedido que o informante
falasse sobre a sua vida no momento atual, J. produziu 14 (catorze) ocorrências de sujeitos de
primeira pessoa do singular. Das 14 (catorze) ocorrências, 10 (dez) referem-se a casos de
sujeitos plenos e 4 (quatro) de sujeitos nulos.
Analisando os 10 contextos de preenchimento do sujeito, 9 (nove) referem-se a
contextos de orações independentes, como o apresentado em (40) e apenas 1 (um) refere-se a
um contexto de subordinação, como mostra o exemplo (41) a seguir.
(40) agora eu não tenho mais vista pra aumentar...
(41) eu estudei até fazer concurso para a Aeronáutica... aqui na escola de
especialistas... que segundo eu estou lendo ali... ainda existe até hoje...
As 6 (seis) ocorrências dos sujeitos preenchidos dizem respeito a casos de retomada de
um referente já expresso no contexto – 5 (cinco) com verbos no presente e 1 (um) com verbo
no pretérito perfeito. Apenas 3 (três) aparecem em contextos de resposta à pergunta – 2 (dois)
com verbos de ligação no presente e 1 (um) com verbo lexical no pretérito perfeito.
Dos 4 (quatro) casos de sujeito nulo produzidos no contexto em que J. fala sobre a sua
vida atualmente, 3 (três) referem-se a contextos de pergunta e resposta (exemplos (42) e (43))
e 1 (um) refere-se a um contexto de oração independente (exemplo (44)), em que o referente
está sendo retomado com o sujeito nulo:
(42) E: o senhor hoje lê bem?
I: dessa vista... Ø enxergo mal...
(43) E: o senhor nem usa óculos, né?
I: não... Ø usava quando Ø tinha vista pra aumentar...
(44) Ø não tenho que aumentar...
Não houve, nesse momento de sua fala, ocorrências de sujeito de terceira pessoa do
singular, nulo ou pleno.
No segundo momento da gravação, quando estimulado a falar sobre uma pessoa de
quem ele mais gosta, J. falou sobre o filho mais velho. Nesse momento, J. produziu 3 (três)
contextos de sujeitos de terceira pessoa do singular, sendo 2 (duas) ocorrências de sujeito nulo
e 1 (uma) ocorrência de sujeito pleno. Todas esses casos apareceram em orações
independentes.
O maior mero de contextos de terceira pessoa justifica-se por se tratar de um relato
sobre o filho do informante. As 3 (três) ocorrências encontradas no corpus referem-se a
contextos de retomada de sujeitos, sendo 2 (dois) sujeitos nulos com verbos no presente
(exemplo (45)) e 1 (um) sujeito preenchido com verbo no pretérito perfeito (exemplo (46)):
(45) tem um que é o mais velho... Ø mora aqui no Rio... de vez em quando... Ø leva a
mãe dele pra lá...
(46) e o que sobrou ficou na casa dele... ele adorou isso... quer dizer bagunçou a casa
dele...
Houve apenas um contexto de sujeito de primeira pessoa do singular nesse momento
da produção. Essa ocorrência representa um caso de resposta à pergunta, em que sujeito foi
realizado por meio do pronome “eu”, com verbo no presente do indicativo.
Apesar de este trabalho se prestar a fazer uma análise qualitativa dos dados, como a
sua produção foi bem reduzida, J. também foi incitado a falar sobre sua esposa. Nesse
contexto, em relação à primeira pessoa, houve 2 (duas) ocorrências de sujeito nulo e 2 (duas)
ocorrências de sujeito realizado. As 2 (duas) ocorrências de sujeito nulo representam
contextos de resposta à pergunta. Na verdade, ele faz uso do verbo ser no pretérito perfeito,
depois faz a retificação com um verbo no presente, como mostra o exemplo a seguir:
(47) E: o senhor foi casado?
I: Ø fui... Ø sou...
As 2 (duas) ocorrências de sujeito realizado referem-se a um contexto de oração
subordinada e um de coordenada. No primeiro caso, o sujeito da oração principal é diferente
do sujeito da oração subordinada (cf. exemplo (48)). Além disso, utilizou-se o verbo achar
(“eu acho que...”), que, segundo Duarte (1993 e 1995), sujeitos plenos em sentenças com
verbos epistêmicos (achar, saber etc.) no presente do indicativo são muito freqüentes. A
autora ressalta que, nos dados de informantes mais jovens do seu corpus, houve um índice de
25% de ocorrências de sujeito nulo nessas orações.
(48) eu acho que Ø também não tem... de aturar esse defeito...
No único contexto de coordenação produzido por J., nesse momento da sua produção,
as duas orações apresentam sujeitos diferentes:
(49) ela põe defeitos em mim... e eu devo a ela...
Em relação aos sujeitos de terceira pessoa produzidos no contexto em que J. foi
estimulado a falar sobre a sua mulher, houve 3 (três) casos de sujeito nulo e 4 (quatro) casos
de sujeito realizado. O exemplo (48), retomado aqui como (50), apresenta um contexto em
que o sujeito nulo de terceira pessoa aparece na oração subordinada, mesmo que o sujeito da
subordinada não seja o mesmo do da oração principal:
(50) eu acho que Ø também não tem... de aturar esse defeito...
Houve 2 (duas) ocorrências de sujeitos nulos em estrutura de subordinação, conforme
o exemplo (51) abaixo:
(51) Ø acha que Ø não tem obrigação...
O sujeito da oração principal é retomado pelo contexto. No entanto, em contextos
como o apresentado em (51), apesar de o sujeito da principal não estar expresso, o
apagamento do sujeito da subordinada ocorreu pelo fato de ter a mesma referência do sujeito
da principal.
Ainda em relação aos sujeitos de terceira pessoa, nas 4 (quatro) ocorrências de sujeito
realizado, todas apresentavam o verbo no presente. 2 (duas) delas referem-se a contextos de
coordenação, 1 (uma) a contexto de subordinação e 1 (uma) refere-se a um contexto de
resposta e pergunta, em que o verbo no presente vem acompanhado por um pronome clítico.
De acordo com Duarte (1995), um grande número de sujeitos plenos em contextos
em que existam pronomes clíticos, como o apresentado em (52), apesar de, neste caso, o
verbo acompanhar ter recebido dois complementos: o clítico e o SN “a minha doença”.
(52) ela me acompanha a minha doença rigorosamente...
Resumindo o que foi detalhado anteriormente sobre o modo de realização de sujeitos
de J., pode-se concluir que o informante, falando ou sobre a sua vida atualmente ou sobre o
filho ou sobre a esposa, mostrou uma tendência ao preenchimento de sujeitos de primeira
pessoa do singular. Foi um total de 13 (treze) casos de sujeitos realizados e apenas 6 (seis) de
sujeitos nulos. Por outro lado, houve um número equilibrado de ocorrências de sujeitos nulos
e plenos de terceira pessoa do singular: 5 (cinco) casos de cada.
A tabela
38
, a seguir, apresenta essas informações em função dos diferentes assuntos
abordados na fala de J.:
Tabela 4.2: ocorrências de sujeitos nulos e plenos, de primeira e de terceira pessoa, nos contextos produzidos por J.
1
a
pessoa do singular 3
a
pessoa do singular
Assunto
SUJEITO
PLENO
SUJEITO
NULO
SUJEITO
PLENO
SUJEITO
NULO
Sobre a vida atualmente 10 4 --- ---
Sobre o filho 1 --- 1 2
Sobre a esposa 2 2 4 3
TOTAL DE OCORRÊNCIAS
13 6 5 5
Em relação aos exercícios de checagem de concordância verbal e nominal, o
desempenho de J. foi excelente nos testes de preenchimento de lacuna, tanto verbal como
nominal. No entanto, seu desempenho foi mediano no exercício de relacionamento sentença-
38
Os dados apresentados, na tabela, referem-se ao mero total de ocorrências, sem uma preocupação, nesse
momento, em analisar o contexto de uso de cada uma delas, o que já foi feito anteriormente.
figura proposto. Vale mencionar que J. apresentou problemas com as sentenças (1), (4), (8),
(9) e (10)
39
. As sentenças são retomadas a seguir:
(1) O guarda que a mulher está beijando é moreno.
(4) As atrizes que os rapazes estão fotografando são loiras.
(8) As atrizes que os rapazes estão fotografando são morenas.
(9) A atriz que o rapaz está fotografando é ruiva.
(10) O rapaz que a moça está abraçando é loiro.
O fato de J. ter apresentado problemas nas sentenças (1) e (9), talvez possa ter
acontecido em virtude de ele não conseguir, no desenho, distinguir a diferença entre “loiro” e
“ruivo”, pois as figuras escolhidas como resposta apresentavam para a sentença (1) uma
mulher ruiva beijando um guarda ruivo (equivalente à figura 3) e para a sentença (9) um rapaz
moreno fotografando uma atriz morena (equivalente à figura 3). Vale ressaltar que, durante
uma conversa prévia, o indivíduo mostrou conseguir estabelecer a diferença entre “ruivo” e
“moreno”.
A análise das sentenças (4) e (8) pode talvez favorecer a idéia de que o problema no
desempenho de J., nesses contextos, referiu-se à noção de gênero e não à noção de número,
uma vez que nas duas sentenças alteração no gênero dos sujeitos envolvidos e o número é
sempre plural, tanto na oração principal como na encaixada. No entanto, o que aconteceu nas
sentenças (4) e (8) o ocorreu na sentença (10), que J. selecionou como resposta a figura
em que aparece uma moça abraçando dois rapazes loiros (figura 2), ao invés de selecionar
uma moça abraçando apenas um rapaz loiro (figura 1).
39
A lista completa encontra-se em anexo.
Com isso, talvez seja possível concluir que, além da distinção entre gênero masculino-
feminino, a noção de número possa estar começando a ficar afetada. De qualquer modo, não
se pode deixar de pensar que, coincidentemente ou não, J. apresentou problemas nos três
últimos grupos de sentenças e figuras, o que pode ser interpretado como desatenção por conta
da fadiga. Não se pode descartar essa idéia tendo em vista os comprometimentos típicos da
Síndrome de Alzheimer.
Por outro lado, o fato de J. não ter apresentado problemas em relação à concordância
em sua fala espontânea pode favorecer a idéia de que esse resultado tenha sido ocasionado
pelo tipo de exercício proposto e não evidencia, de fato, algum tipo de comprometimento em
relação às informações de concordância.
4.3.3 O indivíduo A.
Um dos critérios para a seleção dos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer foi o
fato de os mesmos conseguirem manter uma conversação. Apesar de A. conseguir manter
uma conversação, no momento da entrevista, ele precisou de um número considerado de
intervenções para que os dados de fala espontânea pudessem ser obtidos, o que acabou por
caracterizar a sua produção como um contexto de perguntas e respostas. Em virtude disso, o
estímulo à sua produção oral precisou ser feito de modo diferenciado de H. e J..
A fim de se obter uma produção de fala espontânea mais consistente, A. foi incitado a
falar sobre sua vida atualmente, falar sobre a sua vida no passado e falar sobre a sua mulher.
Antes de comentar cada contexto produzido por A., será feita uma breve caracterização da sua
fala.
A., talvez por já se encontrar no estágio moderado da Síndrome de Alzheimer, teve
uma produção pouco fluente. O trecho, apresentado em (53), exemplifica um momento de sua
produção:
(53) E: na escola assim... foi até faculdade?
I: não... só o segundo ano...
E: segundo ano... e o que é o que senhor fazia? Qual é a sua profissão?
I: minha profissão...
E: hum...
I: mecânico
E: hum hum...
E: tá jóia me conta um pouquinho da sua vida hoje, seu ____. Como é que é a sua vida
hoje aqui?
I: aqui?
E: é... o que é que o senhor faz aqui? Como é que é a sua vida aqui hoje?
I: aqui é bom... ( ) passeando por aí...
Pelo que se pode observar, no contexto apresentado em (53), A. não demonstra
fluidez em sua fala. Todo momento, fazem-se necessárias perguntas a fim de se obter mais
dados, pois as respostas do informante são reduzidas e, muitas vezes, nem chegam a ser
orações.
Em contextos em que ele precisava produzir a primeira pessoa do plural, é possível
perceber uma preferência pelo pronome nós ou pela expressão “a gente”. Vale mencionar que,
os contextos em que “nós” e “a gente” foram produzidos referem-se a contextos de referência
definida, sempre retomando o informante e sua mulher. Os exemplos (54) e (55) ilustram o
modo de retomada da primeira pessoa do plural:
(54) E: aí como vocês se conheceram?
I: nós se conheceu?
(55) os amigo... já deu uma festa pa gente (...) na Piedade... na igreja...
É interessante observar o modo como A., na sua fala, retoma os objetos: ora com o
pronome cópia, ora com a categoria vazia, conforme o contexto apresentado em (56). Não
houve produção com o pronome clítico:
(56) era cavalos que a gente podia pegar eles (...) porque era de corrida sabia que ia
pegar Ø era pra tratar... eu gostava sempre de pegar Ø, montar Ø e correr, entendeu?
Há, nos dados, um número considerado de ocorrências do verbo ter, com valor
existencial, uso bastante comum no PB, conforme o exemplo (57):
(57) tem uma embarcação... aqui tem a lancha, né? e tem saveiro... lancha é a motor,
né? Você conhece, né?
Uma vez feitos os comentários gerais sobre a fala de A., serão apresentadas algumas
considerações sobre o modo como esse indivíduo gerencia as informações ligadas à
concordância nominal e verbal.
Sobre a concordância nominal, é possível afirmar que A. faz uso de marcas de plural
em pelo menos um elemento do sintagma nominal. Não no corpus analisado nenhuma
produção de A. em que o plural fosse marcado em dois elementos do sintagma ou mais. Os
exemplos (58) e (59) ilustram esse fato.
(58) umas caminhadaØ
(59) os amigoØ
Em relação à concordância verbal, A. apresentou problemas para estabelecer a
concordância em contextos cujos verbos eram o verbo ser. Esse tipo de ocorrência em relação
à concordância, principalmente com o verbo de ligação ser, é muito comum entre falantes do
PB, principalmente se o sujeito estiver em uma posição pós-verbal. O exemplo (60) ilustra
esse contexto de uso:
(60) ... tinha um campo de animais... de cavalos que era de corrida, entendeu? era
cavalos que a gente podia pegar eles (...)
Em contextos em que A. fazia uso de outros verbos lexicais, não foi detectado nenhum
problema para estabelecer a concordância entre o verbo e o sujeito da oração.
Também foi evidenciado, na fala de A., o uso do pronome “se” em lugar de “nos”, em
contextos como o apresentado abaixo:
(61) E: aí como vocês se conheceram?
I: nós se conheceu?... umas caminhada, sabe?
Analisando o exemplo (61), é possível também perceber a confusão no tratamento das
formas nós/a gente no que se refere à concordância verbal.
Sobre o modo como A. produz os sujeitos em sua fala, foi possível verificar que, no
contexto em que A. foi perguntado sobre a sua vida atualmente, foram produzidas 3
ocorrências de sujeitos plenos de primeira pessoa do singular e apenas 1 ocorrência de sujeito
nulo também de primeira pessoa, que aconteceu em um contexto de resposta à pergunta.
Dessas 3 (três) ocorrências de sujeitos plenos, 1 (uma) refere-se a um contexto de resposta e
2 (duas) a contextos de retomada do referente.
Em relação à realização dos sujeitos de terceira pessoa, nesse contexto, ora o
informante se referia à sua esposa (2 (duas) ocorrências), ora ao pai de sua esposa (4 (quatro)
ocorrências). Quando A. falava sobre a sua esposa, os sujeitos eram sempre plenos. As 2
(duas) ocorrências referem-se a um contexto de resposta à pergunta e a um contexto de
retomada do referente. Ao falar sobre o pai de sua esposa, o informante A. faz uso de sujeitos
nulos. Houve 1 (uma) ocorrência em oração independente e 3 (três) em contextos de
subordinação, conforme o exemplo abaixo.
(62) O pai dela... que criou ela... entendeu? era funcionário do estado... entendeu? aí Ø
levava ela... ela ia passear em Minas e Ø trazia ela... Ø levava e Ø trazia nos se
conhecemos...
No momento em que A. fala sobre a sua vida no passado, percebe-se um número
maior de sujeitos preenchidos (8 (oito) ocorrências) do que de sujeitos nulos (5 (cinco)
ocorrências), em relação à primeira pessoa. Todos os verbos utilizados nos enunciados com os
sujeitos preenchidos estavam no pretérito imperfeito. Das 8 (oito) ocorrências, 2 (duas)
referem-se a contextos de resposta à pergunta e 6 (seis) de retomada de referente.
Houve uma seqüência de sujeitos realizados de primeira pessoa, caso típico de um
contexto de ênfase. Duarte (1995) afirma que em contextos como o apresentado a seguir, cujo
objetivo é enfatizar quem executa a ação verbal, é muito comum o preenchimento da posição
do sujeito.
(63) E: ah o senhor saltava assim com o cavalo?
I: eu saltava... eu não saltava... ele é que saltava comigo... eu caia... eu caia...
Dos sujeitos nulos de primeira pessoa, 3 (três) são casos de orações independentes em
contextos de retomada e 2 (duas) em estrutura de coordenação. O exemplo (64), a seguir,
apresenta o contexto em que os dois sujeitos nulos foram produzidos:
(64) Ø entrava e Ø me escondia...
No contexto em que A. fala sobre a sua vida no passado, houve apenas 1 ocorrência de
sujeito preenchido de terceira pessoa, inserido pela primeira vez no discurso e cujo referente
era a sua esposa. Não houve ocorrências de sujeito nulo de terceira pessoa.
Já no momento da sua produção, em que A. fala sobre a sua esposa, foram observadas
3 (três) ocorrências de sujeitos realizados de primeira pessoa, todos em contextos de
encaixamento, sendo 2 (duas) referindo-se a contextos de pergunta e resposta e apenas 1
(uma) de retomada de referente. Houve apenas 1 (uma) ocorrência de sujeito nulo de primeira
pessoa, em um contexto de resposta à pergunta.
Nesse contexto, em relação à terceira pessoa, não houve casos de sujeito pleno. Houve
apenas 2 (duas) ocorrências de sujeito nulo, em um contexto de coordenação, cujo referente
encontra-se na pergunta feita ao informante, como mostra o exemplo a seguir:
(65) E: por quê? Conta como é que ela é...
I: ah... por quê? Porque conheci... Ø tratou muito bem de mim... e Ø me trata muito
bem...
A tabela
40
, a seguir, resume os resultados encontrados no corpus sobre o modo como
A. preenche e apaga os sujeitos de primeira e de terceira pessoa do singular, nos três
contextos produzidos pelo informante.
Tabela 4.3: ocorrências de sujeitos nulos e plenos, de primeira e de terceira pessoa, nos contextos produzidos por A.
1
a
pessoa do singular 3
a
pessoa do singular
Assunto
SUJEITO
PLENO
SUJEITO
NULO
SUJEITO
PLENO
SUJEITO
NULO
Sobre a vida atualmente 3 1 2 4
Sobre a vida no passado 8 5 1 ---
Sobre a esposa 3 1 --- 2
TOTAL DE OCORRÊNCIAS
14 7 3 6
Observando a tabela 4.3, pode-se dizer que A. tende a preencher mais os sujeitos de
primeira pessoa do singular e a apagar mais os sujeitos de terceira pessoa do singular.
Nos exercícios realizados por A., cujo escore no MEEM é 16 (dezesseis), o informante
acertou apenas 1 (uma) das 10 (dez) sentenças apresentadas no exercício de relacionamento
sentença-figura. A sentença em que ele relacionou corretamente com a figura foi a de número
(2) (“Os meninos que as meninas estão beijando são ruivos”). Esse fato pode nos levar à
interpretação de que A. talvez tenha selecionado a figura apropriada apenas por acaso.
A. também teve problemas nos outros exercícios propostos, não conseguindo
preencher devidamente as lacunas nos exercícios de checagem de concordância verbal e
nominal.
A partir da análise dos dados encontrados na fala espontânea, é possível perceber que
A. não apresenta comprometimentos em relação à concordância verbal e nominal. A. realiza a
concordância, seja ela verbal ou nominal, como qualquer outro indivíduo falante do PB. Em
relação à produção de sujeitos em sua fala, pode-se detectar uma tendência maior ao
40
Vale ressaltar que os dados apresentados, na tabela, referem-se ao número total de ocorrências, sem uma
preocupação, nesse momento, em analisar o contexto de uso de cada uma delas, o que já foi feito anteriormente.
preenchimento do sujeito de primeira pessoa e ao apagamento dos sujeitos de terceira pessoa.
No entanto, o desempenho insatisfatório de A. nos exercícios pode ter tido como causa alguns
fatores como má interpretação das tarefas a serem feitas e fadiga.
4.4 Análise comparativa dos resultados dos desempenhos dos indivíduos H., J. e A.
Espera-se, nesta seção, relacionar os resultados encontrados na fala espontânea dos
três indivíduos com a Síndrome de Alzheimer selecionados para este trabalho. Dos três, H.,
cujo escore (24) foi mais alto no MEEM, foi o informante que mais produziu enunciados,
apresentando a fala mais fluente de todos e com maior duração. Ao contrário do que
aconteceu com J. e A., não foram necessárias intervenções a fim de manter o fluxo das
informações no seu discurso. Foi possível perceber que quanto o menor era o escore no
MEEM e, conseqüentemente, maior o déficit conceptual, menor foi a fluidez da fala e maior a
necessidade de intervenções, por meio de perguntas, com o objetivo de se obter mais dados.
Refletindo sobre a proposta de Novaes (1996) e tendo em mente que este trabalho
utiliza como informantes indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, era esperado que esses
indivíduos apresentassem problemas com a primeira pessoa, uma vez que o AGR na primeira
pessoa seria semanticamente interpretável, ou seja, mereceria ocupar um nódulo. Sendo
assim, era esperado que indivíduos com Alzheimer tivessem problemas com a primeira
pessoa, devido ao seu déficit conceptual, o que os levaria a preencher mais do que apagar o
sujeito de 1ª pessoa, refletindo a sua dificuldade em recuperar as informações semanticamente
interpretáveis codificadas na morfologia verbal de concordância. No entanto, isso não ocorreu
com todos os pacientes.
O paciente J., em estágio leve da patologia, sempre preencheu o sujeito de pessoa.
Igualmente, o paciente A., em estágio moderado, tende mais ao preenchimento do que ao
apagamento do sujeito de pessoa. Esse comportamento dos pacientes J. e A. pode ser
interpretado como dificuldades com a interpretação dos traços de AGR de pessoa, com
caráter [+semântico], codificados na morfologia verbal. Sendo assim, esses pacientes tendem
a preencher a posição de sujeito a fim de mais facilmente recuperar uma informação verbal
que lhes é de difícil recuperação. Por outro lado, o paciente H., em estágio leve, tende a omitir
os sujeitos de pessoa, indicando que a recuperação da informação de pessoa, disponível
apenas na morfologia verbal, não lhe é problemática.
Vale ressaltar que os comportamentos distintos dos pacientes J. e H., ambos em
estágio leve ou inicial da patologia, quanto ao apagamento do sujeito de pessoa, descritos
no parágrafo precedente, devem ser interpretados levando-se em conta também seus
desempenhos no MEEM. Conforme apresentado na seção 5.2, o paciente J. apresenta um
escore mais baixo no MEEM (escore 21) que o paciente H. (escore 24). Esse escore do
paciente J. pode ser um indicador de que ele esteja em um estágio um pouco mais avançado
que o paciente H., talvez se encaminhando para o estágio moderado, o que já faz com que ele
preencha mais do que apague o sujeito de pessoa, tal como ocorre com o paciente A., em
estágio moderado.
A análise da fala espontânea dos indivíduos com Alzheimer possibilitou confirmar a
dissociação entre primeira e terceira pessoas do singular, proposta por Novaes (op. cit.).
Percebe-se que o paciente H., em estágio ainda inicial e com maior escore no MEEM,
apresentou desempenhos distintos no que tange ao apagamento de sujeitos de 1ª e de 3ª pessoa
do singular, ou seja, ele omite mais do que preenche o sujeito de 1ª pessoa e preenche mais do
que omite o sujeito de pessoa. Esse comportamento aproxima-se do encontrado em
indivíduos sem patologia em Novaes (2004), trabalho em que o autor analisa a produção de
sujeitos nulos nessas duas pessoas gramaticais em indivíduos afásicos e em indivíduos sem
patologia.
Sendo assim, embora a expectativa fosse que pacientes com Alzheimer preenchessem
mais do que apagassem sujeitos de pessoa, o fato de o paciente H. estar em estágio ainda
inicial pode tê-lo feito apresentar um desempenho próximo ao do indivíduo normal, levando,
assim, à dissociação no apagamento de sujeitos de 1ª e de 3ª pessoa do singular, o que já havia
sido apresentado por Novaes (op. cit.) com indivíduos normais e afásicos.
Quanto aos outros dois pacientes, deve-se dizer que, embora J. comporte-se de
maneira semelhante quanto ao apagamento de sujeitos de 1ª e de 3ª pessoa, mais preenchendo
que os apagando, A. preenche mais que apaga sujeitos de pessoa e apaga e preenche
igualmente sujeitos de pessoa. Sendo assim, A., que se encontra no estágio mais avançado
dos três pacientes, também apresenta, de certa forma, uma dissociação no comportamento
quanto ao apagamento de sujeito de e de 3ª pessoa. Nesse caso, portanto, A. apresenta um
desempenho próximo ao que era esperado, ou seja, mais preenchimento de sujeitos de
pessoa, talvez porque a informação de primeira pessoa disponível na morfologia verbal seja
mesmo semanticamente interpretável e esse paciente possui alto índice de comprometimento
conceptual.
Dois fatores podem servir de explicação para os resultados encontrados na fala de H.,
sendo um deles o que leva em conta o vel de escolaridade. H. é o único dos indivíduos com
a Síndrome de Alzheimer selecionados para este trabalho que fez curso superior. De acordo
com o seu relato, ele fez mais de um curso superior, trabalhou por muitos anos como escriba
do sogro e tinha o hábito de ler e escrever muito. Além disso, um segundo fator que explica os
resultados de H. leva em conta o seu escore no MEEM, que foi o mais alto entre os pacientes.
Analisando os dados da fala espontânea em relação à concordância verbal e nominal,
pode-se perceber que, de um modo geral, os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer
selecionados fazem uso das marcas de concordância nominal e verbal como qualquer
indivíduo sem patologia. Certas características em relação ao modo como a concordância foi
feita são encontradas em muitos falantes do PB.
Sobre o exercício de relacionamento sentença-figura, seu objetivo era verificar se os
indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, que apresentam déficits conceptuais, seriam
capazes de relacionar de modo apropriado as informações ligadas ao gênero e ao número dos
nomes substantivos e adjetivos.
O esperado era que, se o indivíduo com a Síndrome de Alzheimer tem problema
conceptual, ou seja, se o MEEM indica um escore baixo, possivelmente ele vai ter problema
em tarefas que tenham que lidar com concordância nominal (gênero e número), tendo em
vista que a concordância nominal seria interpretada semanticamente (cf. Chomsky, 2000).
A partir da análise dos resultados, foi possível perceber que quanto maior o déficit
conceptual, pior foi o desempenho nos exercícios propostos. H. apresentou um desempenho
excelente nos exercícios, J. demonstrou problemas no exercício de relacionamento sentença-
figura, cujo foco era a concordância nominal, ora acertando algumas sentenças, ora errando e,
finalmente, A. apresentou problemas em todos os exercícios propostos, sejam eles os de
checagem de concordância nominal ou verbal.
No entanto, como nos dados da fala espontânea, os indivíduos com a ndrome de
Alzheimer não apresentaram comprometimentos no que se refere à concordância verbal e
nominal, não é possível afirmar categoricamente que a concordância nominal tenha naturezas
diferentes da concordância verbal. Sendo assim, é cabível pensar na necessidade não de
propor novos exercícios como também testes, de fato, para verificar a possível diferença de
entre a concordância nominal e verbal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo investigar o modo como os indivíduos com a
Síndrome de Alzheimer gerenciam as informações ligadas à concordância nominal e verbal. A
motivação para este trabalho surgiu dos questionamentos acerca da interpretabilidade
semântica dos traços de AGR, tendo em vista a existência de diferentes pontos de vista sobre
o fato de AGR ser semanticamente interpretável, o que o levaria a ocupar uma posição na
árvore sintática.
A escolha pela investigação do status da categoria de concordância (AGR), a partir
dos dados obtidos da fala de indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, justifica-se pelo fato
de esses indivíduos eventualmente apresentarem comprometimentos de ordem conceptual, o
que os levariam a ter problemas com algumas nuances da concordância lingüística, se, de fato,
essa categoria fosse semanticamente interpretada.
Além de analisar como é feita a concordância nominal e verbal na fala dos indivíduos
com a Síndrome de Alzheimer, também foram observados os contextos de produção de
sujeitos de primeira e de terceira pessoa, uma vez que a possibilidade de sujeitos nulos, nas
línguas, relaciona-se diretamente à categoria AGR. Nesse caso, tomou-se como ponto de
partida o trabalho de Novaes (1996), segundo o qual o sujeito nulo no PB de primeira e de
terceira pessoa tem naturezas diferentes.
Apesar de Novaes (op. cit.) não abordar, especificamente em seu trabalho, a questão
da interpretabilidade semântica de AGR, a partir da proposta do autor sobre o fato de os
sujeitos nulos de primeira pessoa serem recuperados através da flexão e os de terceira serem
recuperados em função de um antecedente no discurso, foi possível pensar que os traços que
compõem essa categoria poderiam ser semanticamente interpretáveis quando se trata da
primeira pessoa do singular. No entanto, não o seriam com a terceira pessoa do singular.
Tendo isso em mente, esperava-se encontrar algum tipo de dissociação entre essas
duas pessoas gramaticais. Por essa razão, foram analisados os sujeitos produzidos nos
contextos de primeira e de terceira pessoa do singular. Assim, acreditava-se que a
manifestação morfológica de AGR em verbos de primeira pessoa, por ter interpretabilidade
semântica, seria dificilmente compreendida pelos indivíduos com a Síndrome de Alzheimer
com déficit conceptual, o que os levaria a preencher mais que omitir o sujeito nessas orações
(uma vez que a recuperação dessa informação via morfologia verbal estaria comprometida).
Por outro lado, acreditava-se que a manifestação morfológica de AGR em verbos de terceira
pessoa, por não ter interpretabilidade semântica, seria menos problemática para esses
indivíduos, o que os possibilitaria omitir o sujeito das orações.
Os três indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, cujos dados foram utilizados neste
trabalho, foram diagnosticados pela equipe médica que os acompanha no lugar em que
residem. Dois foram classificados como pertencentes ao estágio inicial ou leve da doença e
um como pertencente ao estágio moderado. Todos foram submetidos à aplicação do teste
MEEM, utilizado para avaliar a capacidade cognitiva desses indivíduos.
Durante a coleta dos dados da fala espontânea, os indivíduos foram estimulados a falar
a partir de perguntas sobre a sua vida pessoal e sobre uma pessoa querida. Além disso, foram
realizados exercícios, chamados aqui de exercícios de checagem de concordância nominal e
verbal, com o objetivo de se ter um outro indicador para o modo como esses indivíduos lidam
com a concordância.
Para este trabalho, foram criadas algumas hipóteses que poderiam ser refutadas a partir
da análise da fala espontânea de indivíduos com a Síndrome de Alzheimer. Essas hipóteses
são:
Hipótese I os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer apresentariam mais
problemas em lidar com as informações ligadas à concordância nominal, do que em
lidar com as informações ligadas à concordância verbal, pois, segundo Chomsky
(2000), a primeira seria interpretada semanticamente e a segunda não;
Hipótese II esses indivíduos apresentariam problemas com a primeira pessoa, em
virtude de ser essa pessoa gramatical aquela com interpretabilidade semântica, o
mesmo não acontecendo com a terceira pessoa;
Hipótese III os dados lingüísticos dos indivíduos com diferentes níveis de
comprometimento conceptual e, conseqüentemente, em diferentes estágios da
patologia apresentariam diferenças.
A partir da análise da fala espontânea, a hipótese I foi refutada. Foi possível perceber
que os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer selecionados, de um modo geral, não
apresentaram problemas em lidar com as informações ligadas à concordância verbal e
nominal. Os dados obtidos forneceram evidências de que seu comportamento lingüístico
parece não estar afetado no que tange às informações de concordância, tanto verbal como
nominal, uma vez que estão presentes, na fala desses indivíduos, características comuns à fala
de tantos outros falantes do PB.
A hipótese II não foi refutada. Conforme o esperado, houve uma tendência maior ao
preenchimento da posição de sujeito de primeira pessoa na fala dos indivíduos com maior
comprometimento conceptual. Esse preenchimento poderia ser interpretado como a
dificuldade dos pacientes com déficits conceptuais em recuperar uma informação
conceptualmente motivada AGR de primeira pessoa codificada exclusivamente na
morfologia do verbo. Isso sugere que AGR referente à primeira pessoa pode ter uma natureza
diferente de AGR de terceira pessoa.
Não foi possível refutar a hipótese III. Como o apagamento do sujeito está
intimamente relacionado à concordância, é possível afirmar que indivíduos com maior déficit
conceptual gerenciam diferentemente a concordância ao preencherem mais o sujeito de
primeira pessoa do singular.
Além da diferença no modo como esses indivíduos produzem os sujeitos de primeira e
de terceira pessoa do singular, o resultado dos escores do MEEM dos três indivíduos (24, 21 e
16) fez a diferença em relação à fluidez das informações no discurso. Quanto mais
comprometimento conceptual, mais a fluidez da fala dos indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer foi perdida. Gradativamente, conforme o escore se afastava da linha de corte (26)
proposta por Caramelli & Nitrini (2000), a produção espontânea dos pacientes ia se
caracterizando como um contexto de pergunta e resposta.
Tecendo comentários sobre os resultados dos exercícios propostos, pensados como um
indicador adicional na checagem do uso da concordância, é possível dizer que houve uma
relação entre um mau desempenho nos exercícios e o menor escore no MEEM, ou seja, maior
comprometimento conceptual. O indivíduo J., cujo escore é 21, embora tenha tido um ótimo
desempenho nos dois exercícios de preenchimento de lacuna, apresentou problemas em parte
das sentenças do exercício de relacionamento sentença-figura. Por sua vez, o indivíduo A.,
cujo escore é 16, indicando grave comprometimento conceptual, praticamente o conseguiu
realizar nenhum dos exercícios propostos. Em contrapartida, H., que obteve escore 24,
indicando menor comprometimento conceptual, teve um excelente desempenho nos
exercícios.
Os resultados apresentados anteriormente possibilitam a interpretação de que, pelo
menos em uma situação de menor espontaneidade, como no caso de uma situação de
aplicação de exercícios, os indivíduos com a Síndrome de Alzheimer, com a progressão da
doença, começariam a apresentar problemas no que se refere à concordância. Pensando em
termos de como o sistema lingüístico e o sistema conceptual interagem, os resultados
encontrados, neste trabalho, podem contribuir para validar o pressuposto de que há uma
interação entre esses módulos, uma vez que, de certo modo, os dados mostraram que quanto
maior o comprometimento conceptual, mais problemas lingüísticos esses indivíduos
apresentarão, pelo menos no que tange a questões ligadas à concordância.
A fim de se entender mais a interação entre o sistema lingüístico e o sistema
conceptual, sugere-se, para o fenômeno estudado neste trabalho, a formulação de uma parte
experimental mais elaborada, de modo a verificar, em situações extremamente controladas, o
modo como esses indivíduos lidam com as informações de concordância. Com isso, também
seria possível resolver a assimetria entre os dados da fala espontânea e os exercícios propostos
neste trabalho.
Um outro caminho a ser percorrido com o objetivo de se entender mais sobre a relação
entre sistema conceptual e sistema lingüístico é investigar se os indivíduos com a Síndrome
de Alzheimer apresentam problemas com a expressão lingüística dos traços de tempo, uma
vez que seus traços seriam indubitavelmente semanticamente motivados.
Os estudos que têm como foco o conhecimento lingüístico de indivíduos com
patologias que afetam a linguagem são fundamentais para validar as teorias propostas para a
compreensão do conhecimento lingüístico de indivíduos normais.
Os resultados encontrados neste trabalho corroboram a proposta de Novaes (1996),
segundo a qual, no PB, o sujeito nulo seria representado mentalmente de duas maneiras
diferentes. A proposta, feita com base nos dados de indivíduos normais, também sobreviveu
em um segundo trabalho do autor em uma análise sobre como os indivíduos afásicos
produzem sujeitos nulos (NOVAES, 2004). O fato de os indivíduos com a Síndrome de
Alzheimer, com maior comprometimento conceptual, preencherem mais os sujeitos de
primeira pessoa do singular impede a refutação da hipótese proposta pelo autor. Assim, pode-
se concluir que os dados deste trabalho também corroboram a proposta do autor de que a
gramática mental do indivíduo adulto, falante do PB, representa lingüisticamente de maneiras
distintas traços de concordância de primeira e de terceira pessoa do singular.
Este trabalho mostra a relevância da utilização de parâmetros lingüísticos, além de
todos os outros convencionalmente usados, para classificar os diferentes estágios da
Síndrome de Alzheimer.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELLETTI, A. Generalized Verb Movement. Turin: Rosenberg and Sellier, 1990.
______. Agreement projections. In M. Baltin & C. Collins (Ed.) The Handbook of Syntactic
Theory. Blackwell, 2000.
BERDNT, R., & CARAMAZZA, A. How ‘‘regular’’ is sentence comprehension in Broca’s
Aphasia? It depends on how you select the patients. Brain and Language, 67, 1999, p. 242–
247.
BOK-BENNEMA, R. In Oosterdorp, Mark van and Elena Anagnostopoulou. Progress in
Grammar. Articles on the 20
th
Anniversary of the Comparison of Grammatical Models
Groupin Tilburg, 2001. Disponível em www.meertens.nl/books/progressingrammar
Consulta em 20/07/06.
CARAMELLI, P. & NITRINI, R. Como avaliar de forma breve e objetiva o estado mental de
um paciente?. Rev. Assoc. Med. Bras., v.46, no. 4,2000, 2000, p.301-301. ISSN 0104-4230.
CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague: Mouton,1957.
______. Lectures on Government and Binding. Dordrecht: Foris, 1981.
______. Some notes on economy of derivation and representation. In Robert Freidin.
Principles and parameters in comparative grammar. Cambridge, MA, 1991.
______. The minimalist program. Cambridge, MA: MIT Press. 1995.
______. The architecture of language. Oxford: Oxford University Press, 2000.
DUARTE, M. Eugênia. L. Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no
português do Brasil. Em ROBERTS, Ian & KATO, Mary A. (eds.) Português Brasileiro:
uma viagem diacrônica. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1993, p. 107-128.
__________. A perda do princípio Evite Pronome” no português brasileiro. Tese de
Doutorado, UNICAMP, 1995.
__________. The loss of the Avoid Pronoun principle in Brazilian Portuguese. In: KATO,
Mary A. & NEGRÃO, Esmeralda V. (eds) Brazilian Portuguese and the Null Subject
Parameter. Frankfurt-Madrid: Vervuert-Iberoamericana, 2000, p. 17-36.
EMERY, O. Language and memory processing in senile dementia Alzheimer’s type. In:
LIGHT, L. BURKE, P. (ed) Language, memory and aging. Cambridge: Cambridge
University, 1988.
EMONDS, J. A transformational approach to English syntax. New York: Academic Press,
1976.
FOLSTEIN et al. Mini-mental state: a practical method for grading the cognitive state of
patients for the clinician. J Psychiatric Res. 12, 1975, p.189-98.
GOODGLASS, H., KAPLAN, E. The assessment of aphasia and related disorders.
Philadelfia, PA: Lea and Febirger, 1972.
GRODZINSKY, Y., PIÑANGO, M. M., ZURIF, E., & DRAI, D. The critical role of group
studies in neuropsychology: Comprehension regularities in Broca’s Aphasia. Brain and
Language, 67, 1999, p.134–147.
GRODZINSKY, Y., DRAI D. A new empirical angle on the variability debate: Quantitative
neurosyntactit analyses of a large data set from Broca’s aphasia. Brain and Language, in
press, 2004.
GROBER, E. & BANG, S. Sentence comprehension in Alzheimer’s disease. Developmental
Neuropsychology, 11, 1995, p. 95-107.
HUANG, C.-T. J. On the distribution and reference of empty pronouns. Linguistic Inquiry,
15, 1984, p. 531-574.
HUFF, F. The disorder of naming in Alzheimer’s disease. In LIGHT, L. BURKE, P. eds.
Language, memory and aging. Cambridge: Cambridge University, 1988.
JAEGGLI, Osvaldo & SAFIR, Kenneth. The Null Subject Parameter. Kluwer Academic
Publishers: Dordrect, 1989.
KOOPMAN, H. & SPORTICHE, D. The position of subjects. Lingua, 85, 1991, p.211-258.
MARQUES, F. Transferência de L1 e acesso à gramática Universal no contexto do
parâmetro do sujeito nulo: evidências da aquisição/aprendizagem do inglês como L2 por
falantes adultos do português brasileiro. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, Dissertação de
mestrado, 2004.
MILLER, E. Language impairment in Alzheimer Type Dementia. Clinical Psychology
Review, v. 9, 1989, p. 181-195.
NOVAES, C. & BRAGA, M. Agrammatic aphasia and aspect. Brain and Language, 95,
2005, p. 121-122.
NOVAES, C. Neuropsychology and linguistic aphasiology: evidence in favor of case studies.
Brain and Cognition, 55, 2004, p.362–364.
______. Representação mental de categorias vazias: o sujeito nulo e a natureza da flexão
no Português do Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, Tese de doutorado, 1996.
POLLOCK, J. Verb movement, universal grammar and the structure of IP. Linguistic
Inquiry, 20, 1989, 365-424.
ROCHON, E., WATERS, G. & CAPLAN, D. Sentence comprehension in patients with
Alzheimer’s disease. Brain and Language, 46, 1994, p. 329-349.
RODRIGUES, C. A dissolução da linguagem na demência do tipo Alzheimer. In
RODRIGUES, C. et al Linguagem e cérebro humano contribuições multidisciplinares.
São Paulo: Artmed, 2004.
SPEAS, M. Economy, Agreement and the Representation of Null Arguments. (mimeo)
VAN VALIN, Jr, R.D. Minimalism and explanation. J. Moore & M. Polinsky, (ed).
Explanation in Linguistics, 281-297. Stanford: CSLI, 2002.
WATERS, G., ROCHON, E., CAPLAN, D. Task demands and sentence comprehension in
patients with dementia of the Alzheimer’s type. Brain and Language, 62, 361-397, 1998.
ANEXOS
ANEXO 1 FICHA DE AVALIAÇÃO DO MINI-EXAME DO ESTADO MENTAL
(MEEM)
ANEXO 2 PARES DE SENTENÇAS UTILIZADOS NO EXERCÍCIO DE CHECAGEM
DE CONCORDÂNCIA VERBAL.
1- Todo dia eu prumo muito bem.
Todo dia Carla _________ muito bem.
2- Ontem eu prumei muito bem.
Ontem Carla _______ muito bem.
3- Amanhã eu e Carla brimaremos muito bem.
Amanhã Raul e João _____________ muito bem.
4- Todo dia Carla brima muito bem.
Todo dia eu _______ muito bem.
5- Amanhã Carla brimará muito bem.
Amanhã eu _______ muito bem.
6- Amanhã eu blenarei muito bem.
Amanhã Paulo _______ muito bem.
7- Ontem João e Paulo prumaram muito bem.
Ontem eu e Rui _______ muito bem.
8- Ontem Carla menou muito bem.
Ontem eu _______ muito bem.
9- Todo dia eu e o João blenamos muito bem.
Todo dia Carla e Paulo _______ muito bem.
10- Ontem eu blenei muito bem.
Ontem Carla __________ muito bem.
11- Amanhã Carla menará muito bem.
Amanhã eu __________ muito bem.
12- Todo dia eu meno muito bem.
Todo dia Carla __________ muito bem.
ANEXO 3 AMOSTRA DA APRESENTAÇÃO DE UM PAR DE SENTENÇA
UTILIZADO NO EXERCÍCIO DE CHECAGEM DE CONCORDÂNCIA VERBAL.
T o d o d ia eu p rum o m u ito b em .
T o d o d ia C arla _ ___ __ _ _ _ m uito b em .
ANEXO 4 CONJUNTO COMPOSTO PELAS SENTENÇAS UTILIZADAS NO
EXERCÍCIO E PELA DESCRIÇÃO DO QUE ESTÁ REPRESENTADO NAS FIGURAS.
*As sentenças em vermelho referem-se às opções que deveriam ser escolhidas pelos indivíduos.
1) O guarda que a mulher está beijando é moreno.
Figura 1 – uma mulher morena beijando um guarda loiro.
Figura 2 – uma mulher loira beijando um guarda moreno.
Figura 3 – uma mulher ruiva beijando um guarda ruivo.
2) Os meninos que as meninas estão beijando são ruivos.
Figura 1 – duas meninas morenas beijando dois meninos ruivos.
Figura 2 – duas meninas loiras beijando dois meninos loiros.
Figura 3 – duas meninas ruivas beijando dois meninos morenos.
3) Os guardas que as meninas estão empurrando são loiros.
Figura 1 – duas garotas morenas empurrando dois guardas loiros.
Figura 2 – duas garotas loiras empurrando dois guardas morenos.
Figura 3 – duas garotas ruivas empurrando dois guardas ruivos.
4) As atrizes que os rapazes estão fotografando são loiras.
Figura 1 – um rapaz loiro fotografando uma atriz ruiva.
Figura 2 – dois rapazes loiros fotografando duas atrizes morenas.
Figura 3 – dois rapazes morenos fotografando duas atrizes loiras.
5) Os guardas que o menino está cumprimentando são morenos.
Figura 1 – dois guardas morenos cumprimentando um menino loiro.
Figura 2 – dois guardas loiros cumprimentando um menino moreno.
Figura 3 – dois guardas ruivos cumprimentando um menino loiro.
6) As alunas que a professora está cumprimentando são morenas.
Figura 1 – uma professora morena cumprimentando duas alunas loiras.
Figura 2 – uma professora loira cumprimentado duas alunas morenas.
Figura 3 – uma professora ruiva cumprimentado duas alunas loiras.
7) A professora que as alunas estão cumprimentando é loira.
Figura 1 – duas alunas loiras cumprimentando uma professora loira.
Figura 2 – duas alunas morenas cumprimentando uma professora loira.
Figura 3 – duas alunas loiras cumprimentado uma professora morena.
8) As atrizes que os rapazes estão fotografando são morenas.
Figura 1 – dois rapazes morenos fotografando duas atrizes loiras.
Figura 2 – um rapaz moreno fotografando uma atriz loira.
Figura 3 – dois rapazes loiros fotografando duas atrizes morenas.
9) A atriz que o rapaz está fotografando é ruiva.
Figura 1 – um rapaz ruivo fotografando uma atriz loira.
Figura 2 – um rapaz loiro fotografando uma atriz ruiva.
Figura 3 – um rapaz moreno fotografando uma atriz morena.
10) O rapaz que a moça está abraçando é loiro.
Figura 1 – uma moça loira abraçando um rapaz loiro.
Figura 2 – um moça morena abraçando dois rapazes loiros.
Figura 3 – uma moça morena abraçando um rapaz moreno.
ANEXO 5 AMOSTRA DA APRESENTAÇÃO DAS FIGURAS E DA SENTENÇA NO
EXERCÍCIO DE RELACIONAMENTO SENTENÇA-FIGURA.
O guarda que a mulher está beijando é moreno.
ANEXO 6 SENTENÇAS UTILIZADAS NO EXERCÍCIO DE PREENCHIMENTO DE
LACUNA.
1- Essa é uma luga. Aquelas são duas _________.
2- Esse é um pipo. Aqueles são dois _________.
3- Essa é uma lelé. Aquelas são duas _________.
4- Esse é um titi. Aqueles são dois __________.
5- Essa é uma bebé. Aquelas são duas ________.
6- Esse é um piri. Aqueles são dois ________.
7- Essa é uma muca. Aquelas são duas _______.
8- Esse é um teté. Aqueles são dois _______.
9- Esse é um lumo. Aqueles são dois _______.
10- Essa é uma dila. Aquelas são duas _______.
11- Esse é um timo. Aqueles são dois _____.
12- Esse é uma rati. Aquelas são duas _____.
ANEXO 7 APRESENTAÇÃO DAS SENTENÇAS E DOS OBJETOS NO EXERCÍCIO
DE PREENCHIMENTO DE LACUNA.
Essa é uma luga.
Aquelas são duas _________.
ANEXO 8 – TRANSCRIÇÃO DA FALA ESPONTÂNEA
1) Informante J. (escore no MEEM – 21)
E: me conta um pouquinho do senhor... como é que está sua vida hoje... o que é bom aqui...
I: é bom sim... eu sou um AR/... [militar, né?] militar... toda vida na FAB... desde criança eu
fiz o curso ali... quando a escola era... ali no Galeão... onde é hoje o... [aeroporto]
E: o que o senhor faz aqui hoje?
I: aqui hoje eu sou doente de... [diabetes, problemas cardíacos] essa doença que eu tenho qual
é o nome... de modo que eu pego... toda doença que aparece.. eu pego pra mim
E: o senhor tem filhos... tem netos?
I: eu tenho meia dúzia de netos...
E: e o seu favorito?
I: filhos?
E: é filhos ou netos... ok filhos...
I: são iguais...
E: escolhe um pra falar...
I: tem um que é o mais velho... mora aqui no Rio... de vez em quando... leva a mãe dele pra
lá... nossos móveis... o que restou deles... foram vendidos a maior parte... e o que sobrou ficou
na casa dele... ele adorou isso... quer dizer bagunçou a casa dele...
E: o senhor hoje lê bem?
I: dessa vista... enxergo mal... de modo que eu dificilmente leio... porque já que não é tão fácil
como era... eu prefiro não ler do que ler...
E: o senhor nem usa óculos, né?
I: não... usava quando tinha vista pra aumentar... agora eu não tenho mais vista pra aumentar...
não tenho que aumentar...
E: quantos aninhos o senhor tem?
I: aninhos?
I: 85
E: o senhor estudou?
I: eu estudei até fazer concurso para a Aeronáutica... aqui na escola de especialistas... que
segundo eu estou lendo ali... ainda existe até hoje...
Sobre a esposa
E: o senhor foi casado?
I: fui.. sou...
E: então me conta um pouquinho da sua esposa... como ela é...
I: ( ) ela me acompanha a minha doença rigorosamente... mas a vida particular dela... ela
põe defeitos em mim... e eu devo a ela... esses defeitos se ela encontra em mim... não
dependeram de mim... e ela não compreende isso... e acha que não tem obrigação... eu acho
que também não tem... de aturar esse defeito... defeito pessoal...
2) Informante A. (escore no MEEM – 16)
E: pronto, vamos conversar com o Seu ____. Sim, conta pra mim, Seu ____, aí qual é a idade?
Mais ou menos...
I: eu vou dizer aí... eu vou dizer aí calcula quanto vai dar: 11 do 12 de 1915... pronto tá aí
E: e o senhor estudou até quando?
I: Ih... isso eu tô estudando toda vida... até hoje.
E: que bom... é isso mesmo... parabéns...
I: não... é brincadeira... não
E: na escola assim... foi até faculdade?
I: não... só o segundo ano...
E: segundo ano... e o que é o que senhor fazia? Qual é a sua profissão?
I: minha profissão...
E: hum...
I: mecânico
E: hum hum...
E: jóia me conta um pouquinho da sua vida hoje, seu ____. Como é que é a sua vida hoje
aqui?
I: aqui?
E: é... o que é que o senhor faz aqui? Como é que é a sua vida aqui hoje?
I: aqui é bom... ( ) passeando por aí...
E: hum... aí o que é que o senhor faz? Como é que é o seu dia? O que que é que o senhor faz?
I: faço ginástica ( ) e acabou... não tem muita coisa pra fazer não
E: não?
I: não
E: me diz uma coisa... é a sua esposa, né? Conta um pouquinho dela...
I: ah... é uma beleza... é...
E: fala pra mim... como é que é o nome dela... como é que vocês se conheceram...
I: Joaquina Marciano dos Santos... ela era Joaquina Marciano ( )
E: Não tem problema...
I: Joaquina Marciano dos Santos... ( ) dizem que o homem dá nome à mulher, né?
E: hum hum... é verdade...
I: é... ah então tá…
E: aí como vocês se conheceram?
I: nós se conheceu?... umas caminhada, sabe? O pai dela... que criou ela... entendeu? era
funcionário do estado... entendeu? aí levava ela... ela ia passear em Minas e trazia ela... levava
e trazia aí nos se conhecemos... aí é por isso que (eu fiquei andando pra lá...)
E: que bom... então foi em Minas isso... foi lá em Minas...
I: é
E: que bom... e tão até hoje graças a Deus...
I: até hoje graças a Deus... já fez a festa de ouro, né?
E: hum... bodas de ouro...
I: bodas de ouro...
I: os amigo... já deu uma festa pa gente ( ) na Piedade na igreja
E: em Piedade? Qual igreja? Divino Salvador?
I: não... é...
E: ah não tem problema deve ser uma igreja daquelas lá...
Sobre a vida no passado
E: seu _____, conta uma história para mim sua... uma situação que o senhor viveu... que o
senhor passou...
I: uma... primeiro eu gostava... lá onde eu morava... por exemplo... tinha um campo de
animais... de cavalos que era de corrida, entendeu? era cavalos que a gente podia pegar eles
( ) porque era de corrida sabia que ia pegar era pra tratar... eu gostava sempre de pegar,
montar e correr, entendeu? o cavalo pulava em cima do obstáculo... tenho até aqui ó...
E: ah o senhor saltava assim com o cavalo?
I: eu saltava... eu não saltava... ele é que saltava comigo... eu caia... eu caia... ainda uma ó
quando fui atravessar um obstáculo... quase morri...
E: é perigoso, né?
I: pois é... era uma dessas que eu fazia... outras... tem uma embarcação... aqui tem a lancha,
né? e tem saveiro... lancha é a motor, né? Você conhece, ? e saveiro é uma embarcação a
vela não é? É uma embarcação a vela... gostava de... fazer das minha... entrava e me
escondia... me escondia dentro das coisa... quando o homem vinha “ah... você está aí peraí
vou ( ) teu pai” ... não dá não ( )
Sobre uma pessoa que ele mais gosta
E: seu _____, me fala assim de uma pessoa que o senhor gosta muito...
I: que eu gosto muito...
E: é...
I: uma pessoa que eu gosto muito é da minha senhora, sabe?
E: é?
I: é...
E: por quê? Conta como é que ela é...
I: ah... por quê? Porque conheci... tratou muito bem de mim... e me trata muito bem... é a
pessoa que eu mais gosto...
E: que bom... então ela tá com a bola toda...
3) Informante H. (escore no MEEM – 24)
E: me conta uma coisa que aconteceu na sua vida que tenha sido muito importante...
I: casei...
E: então conta como foi...
I: olha... eu cheguei no Rio... para estudar, né? Comecei a estudar aquelas coisa toda ginásio
isso aquilo aquilo outro... conheci a minha mulher... casei com a minha mulher... fui feliz...
esses troços todos... e nessa altura do jogo... eu comecei a achar que tinha que começar a
trabalhar, né? Porque tinha casado e tal... aquelas necessidades todas ( ) eu não era um cara
muito rico... tinha alguma coisa mas não era muito rico... tinha que trabalhar... então comecei
a trabalhar... então me habituei a trabalhar... e nesse me habituei a trabalhar... passei até a
trabalhar demais, né? Porque os caras achavam que eu era bom de trabalho... o que era
horrível... não... era horrível... e fui levando... fui levando e tal... aque um belo dia fiquei
velho, né? E resolvi em vez de trabalhar, né? Eu resolvi ler e gozar a vida, né? Passei a viajar
com a madame... tinha mais dinheiro, né? Viajava com a madame... a madame gostava de
viajar... essas coisas... e fui levando, ? Fui levando... fiquei velho... e aí comecei a ler outra
vez... voltei a ler...
Sobre a mulher
E: como é a sua esposa?
I: minha mulher... minha mulher é uma pessoa que você deveria até conhecer... um dia que
você tiver que fazer a entrevista com a minha mulher... me procura... que eu vou te dar o
endereço dela... ela não mora comigo ( ) não é que nós sejamos separados... e que ela mora
com a família dela... problemas com a família... aquelas coisas complicadas... eu vou lá
quase todos os dias... e se tu quiseres conhecê-la... eu te dou o endereço dela... hoje não...
porque eu não sei direito o número da casa... aquelas coisas... mas minha mulher chama
Nynpha... um nome lindo, né? N-Y-N-P-H-A tudo certinho...
E: como o senhor a conheceu?
I: olha eu não sou do RJ... nasci numa cidade do Rio Grande do Sul... Pelotas... e ai me criei
em Pelotas... e um belo dia.. eu resolvi dar um grito de independência... era digamos um
universitário... me formei em Agronomia... e vim pro Rio pra ver se eu fazia Agronomia
porque a Agronomia de Pelotas não me satisfazia porque eu tinha vivido agronomicamente
em fazendas do meu pai e tal... então não queria aquilo... queria uma coisa mais genérica, né?
Então vim pro Rio procurar um emprego de agrônomo... mas não encontrei o que eu queria...
acabei casando... e fui trabalhar num negócio que era do meu sogro... que era um escritório de
advocacia... mas eu escrevia muito bem... e escrevo até hoje... eu escrevia muito bem... o meu
sogro sabia disso... eu sempre fui escriba dele antes de casar... imagina depois de casado...
então fiquei escriba do meu sogro uma porção de tempo... um belo dia o sogro morreu... e eu
fiquei lá com os negócios do sogro... continuei escriba meu, né? Escrevendo e tal... me enchi e
tal... um belo dia me aposentei e tal... e passei a gozar a vida... eu e a madame viajávamos e
tal... nós razoavelmente bem de vida... então dava pra de vez em quando fazer uma
viagenzinha e tal... conheci praticamente o mundo todo... anteriormente eu tinha o vício de
viajar porque eu sou oficial aviador da FAB... não sei se tu sabes disso... enfim fui levando...
E: então o senhor gosta de viajar...
I: eu gostava... hoje eu não viajo mais... não tenho mais paciência de viajar...
E: o aeroporto cheio... aquela confusão...
I: ter que suportar a madame é fogo, né? Difícilmente um homem casado com a minha idade
concorda mais de 20% com a mulher... com o que ela quer fazer... então viajar com a minha
mulher é um sacrifício filha da mãe...
E: por quê?
I: porque ela inventa uns troço que não dá... e eu me sinto chateado, né? Porque eu não vou
deixar ela sozinha... e não faço a viagem que eu quero... então quando a minha mulher diz
“vamos viajar esse ano?”... eu digo um “vamos”... já um vamos lá pra baixo...
E: então já faz tempo que o senhor não viaja mais?
I: olha fazem exatamente 4 anos que eu não viajo... eu viajava todos os anos... eu nasci e me
criei no Rio Grande do Sul... viajava bastante com a minha mãe... minha mãe adorava viajar...
enquanto a minha mãe viveu eu sempre viajava com ela... eu era o filho mais novo e viajava
com ela... bom eu conheço praticamente o mundo todo... eu sou oficial aviador... não sei se tu
sabes disso...
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo