Download PDF
ads:
UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Arquitetura
PROPAR- Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura
Marcelo Sedrez Terres Tonial
Paradigmas culturais e projetuais
Do sistema acadêmico francês à Bauhaus e alguns dos seus reflexos
na contemporaneidade
Porto Alegre
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Marcelo Sedrez Terres Tonial
Paradigmas culturais e projetuais
Do sistema acadêmico francês à Bauhaus e alguns dos seus reflexos
na contemporaneidade
Dissertação apresentada, como requisito
parcial, para conclusão do mestrado em
arquitetura pelo Programa de Pesquisa e Pós-
Graduação em Arquitetura da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Orientadores: Prof. Dr. Renato Holmer Fiore
Prof. Dr. Elvan Silva (in memorian)
Porto Alegre
2008
ads:
Dedico esta dissertação de mestrado a meus pais,
Laura e Nívio, que tanto apoiaram e incentivaram o
meu crescimento profissional.
4
Agradecimentos
Ao Professor Doutor Renato Holmer Fiore, meu orientador, pelo incentivo,
sugestões e oportunidade de aprendizado, assim como pelo estímulo e pelo grande
interesse demonstrado no acompanhamento da realização desta dissertação.
À memória do ilustre Professor Doutor Elvan Silva, meu orientador original, pela
amizade acima de tudo e pelo estímulo à pesquisa e ao aprimoramento profissional.
Ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, à sua secretária Rosita, que sempre se mostrou disponível
aos meus interesses, e ao seu corpo docente altamente qualificado, que me acolheu e me
propiciou uma excelente oportunidade de aprendizado para desenvolver as minhas idéias
e inquietações acerca da atividade projetual.
Ao Professor Doutor Heitor da Costa Silva pelo interesse e comprometimento
mostrados pela minha situação, após o falecimento do professor Elvan Silva, e pelo meu
encaminhamento para meu novo orientador.
Ao Professor Doutor Rogério de Castro Oliveira pelo seu auxílio nas questões
atinentes ao projeto arquitetônico que tanto domina, bem como nos adequados
encaminhamentos que este trabalho deveria tomar.
Ao Professor Doutor Sylvio Jantzen pelo apoio e incentivo, desde a minha
graduação na Universidade Federal de Pelotas, pelas discussões acerca do projeto
arquitetônico e pelos diversos materiais bibliográficos fornecidos e indicados,
fundamentais para a conclusão deste trabalho.
Aos funcionários da biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, pela
disponibilidade e interesse no atendimento das minhas necessidades.
À minha família, aos meus pais, fundamentalmente, e a minha irmã Andressa,
pelo amor, incentivo e principalmente pelo apoio permanente para tudo e em todas as
horas.
5
“A melhor justificativa para o uso das estruturas
lógicas no ensino do projeto arquitetônico é de converter
inocência em capacidade”.
Elvan Silva
6
Resumo
A presente dissertação procura contextualizar a questão da problemática
projetual, realizando uma revisão histórica e abordando alguns conceitos sobre a
construção do conhecimento acerca do projeto arquitetônico. O trabalho reafirma que é
possível aprender a projetar em arquitetura, com base na formação e no incremento do
pensamento reflexivo e crítico, vinculado ao conhecimento da história da arquitetura e às
mudanças paradigmáticas culturais que geraram distintas abordagens projetuais no
século XX. O ponto de partida e motivação do trabalho foi a percepção de que ainda é
freqüente o distanciamento entre a teoria da arquitetura e a prática projetual. Procurou-
se, então, relacionar a teoria das revoluções científicas de Thomas Kuhn com as práticas
correntes no âmbito do projeto arquitetônico. Teorias da arquitetura e métodos projetuais
vinculam-se a paradigmas culturais, ambos em transformação permanente. Um estudo
histórico mostrou que a contemporaneidade experimentou o esgotamento dos
paradigmas da École de Beaux-Arts e da Bauhaus, o que gerou uma crise nas doutrinas e
práticas projetuais, embora essas tendências tenham deixado importantes legados.
Historicamente, no século XX, além de essas escolas caracterizarem duas metodologias
exemplares de projetar em arquitetura, esses paradigmas arquitetônicos mudaram e
foram mudados pelas transformações culturais e tecnológicas, permanecendo
subjacentes ao ensino contemporâneo de arquitetura. Assim, sugere-se que as práticas
projetuais contemporâneas não deveriam romper totalmente com os paradigmas do
passado. A idéia é que se pode recorrer à história, na análise de precedentes referenciais,
para tirar proveito das melhores soluções encontradas para os distintos problemas de
projeto. Buscar uma continuidade na história da arquitetura evitaria, na produção
arquitetônica contemporânea, o vazio teórico deixado pelo movimento moderno.
7
Abstract
The present dissertation addresses the problem of the construction of knowledge
concerning architectural design, proceeding with a historical review on the issue and
looking at some important concepts involved. It reaffirms that it is possible to learn how
to design in architecture on the basis of the formation and development of reflexive and
critical thought, linked to the knowledge of architectural history and to the changes in
cultural paradigms, which produced different design approaches in the 20
th
century. The
perception that, very often, there is still a distance between theory of architecture and
design practice was the point of departure and motivation of the present work. This
work, thus, connects Thomas Kuhn’s theory of scientific revolutions with the current
practices of architectural design. Theories of architecture and design methods are linked
to cultural paradigms, both in constant transformation. A historical study showed that
the contemporary world saw the exhaustion of the École de Beaux-Arts and Bauhaus
paradigms, and that there has been a crisis in design doctrines and practices, even if
those tendencies have left important legacies. Historically, in the 20
th
century, besides
having characterized two exemplary design methodologies in architecture, these two
architectural paradigms changed and were changed by the cultural and technological
transformations, and they remain underlying contemporary architectural teaching. Thus,
it is suggested that contemporary design practices should not break totally with the
paradigms of the past. The idea is that it is possible to resort to history, through the
analysis of precedents, in order to benefit from the best solutions which have been found
for the different problems of design. Keeping continuity with history of architecture
would avoid, in contemporary architectural production, the theoretical emptiness left by
the modern movement.
8
Sumário
Introdução..........................................................................................................................9
1. A formação do conhecimento, da reflexão e da crítica no ensino de arquitetura........19
1.1. A questão da condição figural do conhecimento e a hermenêutica......................23
1.2. Circunscrevendo o contexto do problema do ensino de arquitetura.....................26
1.3. A questão da crítica arquitetônica.........................................................................28
1.4. O pensamento reflexivo aplicado na arquitetura ..................................................29
1.5. A questão da analogia com precedentes referenciais na problemática do ensino de
arquitetura....................................................................................................................31
1.6. A teoria aliada à prática para formação da crítica reflexiva .................................32
2. Teoria e filosofia clássica, teoria e ciência moderna e a questão da estética na
arquitetura........................................................................................................................38
2.1. Teoria e filosofia clássica .....................................................................................38
2.2. Teoria e ciência moderna......................................................................................41
2.3. Alguns conceitos da estética vinculados à arquitetura..........................................44
3. Das academias de arquitetura ao sistema acadêmico francês......................................49
3.1. Contexto do surgimento das academias................................................................49
3.2. A arquitetura acadêmica francesa e suas fases .....................................................54
3.3. Alguns conceitos do sistema acadêmico vistos por autores recentes ...................58
4. Bauhaus........................................................................................................................63
4.1. O contexto e o surgimento da Bauhaus ................................................................63
4.2. O modelo Bauhaus nas suas diferentes fases........................................................69
4.3. As conseqüências após o fechamento da Bauhaus ...............................................73
5. Uma avaliação crítica em relação às mudanças paradigmáticas..................................77
5.1. Na questão da teoria da arquitetura.......................................................................77
5.2. Alguns dos legados deixados pelo sistema Beaux-Arts e a Bauhaus...................85
Considerações finais........................................................................................................89
Bibliografia......................................................................................................................96
9
Introdução
Uma das tendências marcantes no contexto atual da arquitetura é uma
valorização do seu âmbito teórico. Por certo, a teoria da arquitetura tem expandido e
dissolvido seus limites, sendo influenciada cada vez mais por outros campos
disciplinares, principalmente por aqueles que lidam com o problema da cultura em geral.
Outra condição contemporânea da arquitetura que se observa junto à crescente produção
teórica é o pluralismo de abordagens, revelando a impossibilidade de uma teoria geral
única. Esse pluralismo não é restrito à teoria, mas é característica também da produção
prática. Frente a tantas possibilidades conceituais, formais e tecnológicas, dissolvem-se
os critérios de crítica e julgamento da excelência arquitetônica, intimando o arquiteto a
posicionar-se ideologicamente para legitimar sua prática. O discurso pragmático que
atrela qualquer decisão arquitetônica a aspectos puramente técnicos esconde,
ingenuamente ou não, seus modelos de referência, que, portanto, não são colocados à
crítica. Numa posição oposta, há casos em que a produção teórica parece ser apenas uma
legitimação irresponsável da infinidade de jogos formais que se apresentam na mídia
arquitetônica. Assim, segundo Elvan Silva (1998), pluralismo converte-se facilmente em
relativismo. Qualquer proposta parece facilmente justificar-se, estando atrelada a textos
que funcionam como muletas conceituais.
Ainda de acordo com esse autor, acredita-se que no Brasil o distanciamento entre
teoria e prática é ainda mais problemático.
1
O que se pode observar é a prevalência de
1
Ainda, segundo Elvan Silva (cit.), no Brasil não se observa uma valorização do “arquiteto de idéias”, ou
seja, um teórico que postulasse metodologias. Do mesmo modo, a prática teórica brasileira não seria tão
relevante e reconhecida como em outros países.
10
uma prática fortemente subjugada aos ditames do mercado e da construção civil, na qual
os valores discutidos nos âmbitos acadêmicos parecem não encontrar nenhum reflexo.
Isso dificulta a renovação da produção prática, com o desenvolvimento de novas
possibilidades conceituais, formais e de atuação. Onde são possíveis experimentações,
elas são geralmente de cunho muito formalista, sendo na maioria das vezes repetição
(mesmo que talentosa) de modelos divulgados nas revistas internacionais de arquitetura,
principalmente naquelas empenhadas em divulgar modismos. Parece haver um grande
distanciamento entre os parâmetros de valor da arquitetura, por um lado, e, por outro, os
processos que de fato produzem a cidade e conformam a cultura.
Enquanto isso, a produção teórica nos meios acadêmicos, além de pouco
divulgada, não consegue ainda desafiar essa produção dominante, observando-se um
distanciamento entre educação e profissão. Dentro mesmo das próprias instituições de
ensino, observa-se a disjunção entre teoria e prática. Os modelos pedagógicos, herdados
de uma mescla dos modelos da Bauhaus e das academias de belas artes, trazem em seu
seio a separação clara entre as disciplinas teóricas e as de prática de projeto. É comum
uma diferença entre os professores teóricos e os práticos, como se fossem profissionais
de dois campos de atuação diversos e não complementares. Aos olhos dos profissionais
da prática, a teoria seria irrelevante. O percurso do presente estudo revela vários
desencontros entre a teoria e a prática projetuais.
Embora se constate uma disjunção entre teoria e prática, a arquitetura é
considerada como uma atividade que engloba necessariamente um âmbito teórico e
outro prático. No entanto, a noção de teoria, juntamente com a própria definição da
disciplina, vem sofrendo profundas mudanças que estão relacionadas ao advento da
ciência moderna e à sua crítica contemporânea. Nesse sentido, segundo Elvan Silva
(1998), podem-se destacar três momentos paradigmáticos dentro da história da
arquitetura. O primeiro, da antigüidade clássica ao século XVI, foi o período em que as
principais idéias da teoria da arquitetura estavam relacionadas à filosofia clássica. O
segundo momento, do século XVII ao século XX, coincidiu aproximadamente com o
desenvolvimento da ciência moderna e as profundas transformações na estrutura do
pensamento ocidental. O último, do século XX em diante, foi quando grande parte dos
11
estudos sobre definições e delineamento da teoria passaram a apontar para a crítica e a
revisão do projeto moderno com seu primado científico e tecnológico.
2
Em muitas situações, quando os projetistas se defrontam com o problema do
lançamento de seus projetos, talvez por falta de conhecimentos, apelam ao caminho da
resolução nos planos bidimensionais de representação gráfica. Recorre-se, então, ao
enfadonho exercício de resolver esquemas de desenhos de planta baixa, nos quais se
procura solucionar os problemas relativos ao programa de necessidades, resultando no
“plantismo”, segundo Alfonso Corona Martinez (1990). A espacialidade do artefato
arquitetônico em questão fica convertida num problema a ser resolvido posteriormente,
de modo que o arquiteto não domina o prédio como um todo, resultando este de uma
solução de planta com as paredes levantadas, dando origem às elevações que resultarão
no edifício construído. Assim, para Edson Mahfuz (1995), o resultado fatalmente será
uma arquitetura banal, comum, simples, sem uma intenção de interpretação de um
programa ou, até mesmo, de projeto. Desse modo, será impossível obter um resultado
que expresse a intenção de projeto no artefato construído, pois este se originou ao acaso,
oriundo de um processo cartorial e sem critérios específicos e justificáveis à situação
concreta, resultando apenas numa construção sem qualificação arquitetônica.
A cultura de massas das sociedades contemporâneas e as constantes mudanças de
paradigmas provocaram modificações profundas no modo de as pessoas se relacionarem
com os artefatos arquitetônicos. As divisões conceituais da estética e o mesmo da
antropologia não dão conta plenamente dos processos de consumo e da receptividade
das obras de arquitetura. Verificam-se variadas expectativas de todo tipo e em constante
processo de transformação a respeito da produção arquitetônica. Nesse contexto, o
profissionalismo do arquiteto estaria justamente em conseguir interpretar
adequadamente essas expectativas. Em alguns casos, isto significa repensar seus
próprios valores e admitir que os valores e expectativas dos usuários poderiam ser tão ou
mais importantes do que os do próprio projetista. Um arquiteto não precisa sentir-se um
2
A mudança de paradigmas de abordagem da arquitetura foi acompanhada de mudanças em outros
campos, tais como o da filosofia e o da ciência. Ver Thomas Kuhn (1962).
12
“populista” para fazer isso, pois não se faz uma boa arquitetura desmerecendo os
próprios conceitos teóricos dessa profissão.
Um dos principais problemas acerca do ato de projetar, segundo Mahfuz (1995),
é o fato de que alguns arquitetos se preocupam apenas com a “originalidade” e o
“ineditismo” de seus projetos. Conforme esse autor, um projetista que vai por esse
caminho sem o necessário talento corre sérios riscos de fazer obras “ridículas”, que o
próprio arquiteto não compreende, já que estaria fazendo uma leitura parcial do seu
próprio contexto. Suas justificativas de “arquitetura de autor” acabam por caracterizar
uma espécie de auto-indulgência por estar submetido aos valores e às imposições do
patrocinador. O próprio cliente, por vezes, não sabe bem o que quer, ou sua linguagem é
diferente daquela do arquiteto. Um cliente pode dizer que quer um projeto “ousado”, ou
original, e o arquiteto, ao propor dentro do que considera “ousadia”, pode ver sua
proposta rejeitada.
Essa situação, como afirma Sylvio Jantzen (2003), também tenderia a reforçar
falsos valores estéticos, resultantes da substituição da plasticidade específica da
arquitetura pelo emprego de materiais caros, luxuosos, ou consagrados pela mídia a
serviço do consumo de componentes da construção e da indústria de decoração de
interiores. O desempenho do projetista com a produção da edificação também é trocado
por materiais de luxo ou por aqueles que a mídia apresenta como “de estilo”. São valores
falsos porque procuram afirmar que o luxo é mais importante que os valores que
orientam a produção da obra. E no caso da arquitetura isso fica muito evidente. É
comum encontrar edificações de alto custo e sem nenhum valor estético, ou até mesmo
que apresentem problemas de funcionalidade.
Isso não quer dizer que o arquiteto carregue “a verdade estética” sempre consigo.
É preciso entender e aprimorar esses conhecimentos que embasam a arquitetura de
qualidade. Um profissional precisa estar atento ao mundo em que vive e às suas
transformações. Não é porque milhões de pessoas consideram uma obra ou artefato
bonito, ou que queiram comprá-lo, que o arquiteto vai ter que achar o mesmo.
Profissionais como os arquitetos precisam estar conscientes da necessidade de
13
“negociar” com seu público, de saber transitar também pelo mundo do leigo em
arquitetura. Por isso, o perfil profissional precisa assumir uma identidade mais
“mediadora” do que tem sido até os dias de hoje, como sustenta Jantzen (2003).
Muitas especificidades da arquitetura, tanto no projeto como na edificação
construída, merecem uma apreciação bem mais detalhada e crítica, quando se quer
compreender os procedimentos profissionais que orientam sua produção. As
informações disponíveis na mídia, e até mesmo em revistas especializadas, nem sempre
expõem todos os aspectos da realidade que o arquiteto precisa considerar.
A visão correta e pertinente de se fazer arquitetura aborda a realidade de modo
bem diferente. Uma vez que está comprometido com o processo de produção de uma
obra, o profissional terá necessariamente preocupações diferentes daquelas do leigo, e
muito mais detalhadas. É nesse contexto que entra o conhecimento como ciência,
3
no
qual estão presentes a história e a teoria da arquitetura que servirão de instrumento para
ver e potencializar a prática desta arquitetura de qualidade.
O saber-fazer do arquiteto e urbanista obriga este profissional a transitar por dois
mundos: o mundo “do leigo”, do conhecimento empírico e intuitivo, onde a aparência
final da obra, sua economia e desempenho funcional são os atributos de mais valor; e
também o mundo da arquitetura propriamente dita, do conhecimento visto como ciência,
no qual são importantes os modos de projetar, a compreensão da história e da evolução
das teorias da arquitetura, bem como das metodologias de projeto em situações práticas,
nos casos concretos. Isto se dá através de reflexões, análises, comparações e encontro de
evidências com projetos referenciais; trata-se de conhecimento aplicado. Para Jantzen
(2003), o campo teórico da arquitetura é que possibilita esse trânsito. Informado pela
discussão teórica em suas diversas vertentes, o profissional vincula teoria e prática.
Portanto, segundo esse autor, o profissionalismo de um arquiteto pode ser equiparado, de
3
Nesse sentido, a ciência da arquitetura seria um gênero cognitivo que, tendo a arquitetura como objeto e
ponto de vista, envolveria princípios, argumentações ou demonstrações que garantissem ou legitimassem a
sua validade; entretanto, é importante deixar claro que admitir a existência de uma ciência da arquitetura
não é o equivalente a afirmar que a arquitetura é uma ciência. A arquitetura propriamente dita é um fazer,
e não apenas um conhecer; todavia, suscitando um conhecer, como a teoria da arquitetura ou outros
gêneros, aquele fazer pode dar origem a uma disciplina teórica comparável a uma modalidade científica.
14
certo modo, à maneira como esse projetista “filtra” e traduz para o caso concreto a
realidade empírica do leigo com o auxílio das teorias e a utilização das metodologias de
projeto. Isso varia de um autor para outro, especialmente se for pensado naqueles
arquitetos que viraram celebridades no mundo da profissão, mas de um modo geral,
apesar do número de teorias, a filtragem teórica dos problemas da realidade, bem como a
análise crítica da evolução histórica da arquitetura acabam levando os projetistas a
tomarem decisões de projeto, convertendo problemas do “mundo real” em “problemas
de arquitetura”.
Ao fazer essas considerações, vê-se como é importante a análise crítica e
reflexiva de precedentes arquitetônicos como referenciais. Os registros da evolução
histórica da arquitetura e das suas metodologias podem ser usados como referência para
fazer adaptações nos projetos contemporâneos. Um projetista precisa, portanto, ter um
certo repertório de exemplos para embasar sua intenção projetual.
Esses questionamentos à atividade projetual, de acordo com Jantzen (2003), são
relativos à expressão de uma intenção que resulte numa arquitetura que se afirme por si
mesma, que seja embasada em saberes históricos, teóricos, arquitetônicos e extra-
arquitetônicos. A questão central é formar a base para um processo legitimamente
criativo, sem os subterfúgios fáceis e viciosos de que lança mão a prática na maioria dos
ateliês de projeto.
Contrariando as mitologias e lendas projetuais que cercam a mente de muitos
estudantes, a criatividade é um processo orgânico que consiste em adaptações do
existente e em introduções de novidades em processos que já são de domínio corrente,
ou deveriam ser. Parte-se, então, do pressuposto de que a intelectualização do projeto em
todos os seus âmbitos é a principal premissa para o seu sucesso, pois, como afirma
Corona Martinez (1990), não existe projeto que saia do nada para a sua concepção, ou
seja, a arquitetura não precisa ser uma surpresa de algo inédito para ser de boa
qualidade.
Para isso é fundamental aprender mais do que o conceito de “saber ver em
arquitetura”, de Bruno Zevi (1966), e entender de muitos outros aspectos do projeto em
15
que a visão e o desenho são insubstituíveis. O desenvolvimento dos modos de ver a
arquitetura e dos modos de representá-la é o que pode construir o “talento” de que o
arquiteto precisa. O papel do professor, ainda existente em algumas faculdades, que
tinha por hábito proferir longas aulas sobre teorias de projeto, nas quais não se fazia
nenhum exercício de análise ou de desenho, não fomentando, assim, nenhum tipo de
crítica por parte de seus alunos, terá que mudar. Os alunos precisam ser incentivados a
trabalhar mais em habilidades que desenvolvam a visão e a percepção. Isso se consegue
com exercícios de desenho. Não com o desenho técnico de projeções ortogonais apenas,
mas com o desenho que se assimila como “mensagem arquitetônica” de uma imagem.
Outra questão que se observa no âmbito do projeto de arquitetura é que se pode
tentar simultaneamente escrever, desenhar e construir no registro da razão conceitual e
segundo as suas leis, com base numa teoria unificadora do projeto. Isso significaria
estabelecer um pensamento arquitetônico coerente e sem contradições, que permitisse a
abordagem de cada caso particular sob uma perspectiva geral, elaborada previamente.
Esperar-se-ia então uma relação causal entre textos, projetos e construções: teorias
prescritivas definiriam o que e como fazer, o desenho seria a transposição técnica dessas
diretrizes para formas espaciais, e a construção funcionaria exatamente como prevista no
projeto.
Sucintamente, essa foi uma aspiração que moldou algumas arquiteturas do século
XX. A idéia de uma teoria unificadora do projeto, segundo Elvan Silva (1998), que
iguala conceitos abstratos e coisas concretas, surgiu por necessidades prementes,
relacionadas à sobrevivência da sociedade de massa e ao imperativo da economia de
meios, ou seja, por razões difíceis de replicar. Mas a dissonância entre conceitos e coisas
aplica-se também a essa discussão: ainda que tais sistemas instrumentalizados de
produção sejam paradoxais e que boa parte dos problemas ambientais, urbanos e
arquitetônicos que enfrentamos agora sejam fruto disso, eles não deixaram de suprir
certas carências reais imediatas que dificilmente se conseguiria remediar de outra forma.
Isso não legitima tais sistemas, mas é algo que a reflexão crítica não pode ignorar se
quiser ser incisiva, sobretudo quando ela se contrapõe a eles.
16
Inversamente, de acordo com Elvan Silva (1998), podemos tentar escrever,
desenhar e construir separadamente os processos. Isso significaria tratar cada instância
como expressão singular. Os textos tornar-se-iam textos poéticos autônomos,
eventualmente de alguma relevância para os desenhos. Esses, por sua vez, seriam
significativos como tais e não apenas como instruções para o canteiro de obras. E, por
último, o canteiro de obras seria um espaço de experimentação de caráter muito
diferente dos desenhos e dos textos, mas impulsionado por eles.
Para Roger Scruton (1983), uma vez que se começa a reflexão acerca dos
paradoxos implicados na sistematização dos processos que geram e constroem o espaço
humano, torna-se impossível almejar uma teoria única dedicada ao aperfeiçoamento
desse tipo de sistematização, isto é, uma teoria dedicada às metodologias de projeto. A
constatação de dissonância entre a particularidade das experiências e a universalidade
dos instrumentos conceituais leva à certeza de que metodologias de projetos deveriam
ser profunda e detalhadamente criticadas em lugar de figurarem como metas da teoria.
Mesmo que as metodologias pareçam assegurar certa qualidade mínima dos produtos
arquitetônicos e que pareçam úteis ao ensino massificado da disciplina, elas perpetuam
demasiadamente a situação arquitetônica atual. Instruções técnicas podem ser bastante
úteis, desde que não sejam fins em si mesmas, isto é, desde que mobilizadas de modo
específico para situações específicas. Mas essa possibilidade exige, por um lado, uma
reflexão crítica capaz de se opor ao caráter coercitivo das próprias instruções técnicas e,
por outro lado, uma relação teórica/conceitual com o objeto sobre o qual se atua.
A tônica dessa discussão é que se fala muito sobre o projeto e a arquitetura em si,
ambos num discurso em que se confundem crítica, história e teoria da arquitetura. No
entanto, fala-se pouco do ato de projetar, talvez por se tratar de um campo de
conhecimento subjetivo e sem um paradigma que leve a um resultado satisfatório. A
projetualidade, que consiste basicamente em transpor um problema descrito num
programa de necessidades para uma solução espacial, segundo Elvan Silva (1998), é
considerada como uma categoria complexa que inclui tanto a convicção de que o mundo
visível pode ser aperfeiçoado, como a sistematização do conhecimento para identificar
os elementos programáticos e modos apropriados de encaminhar soluções requeridas.
17
Esse desafio da projetualidade sempre fez parte das inquietações acerca do modo de se
fazer arquitetura de qualidade com base numa teoria da excelência arquitetônica que,
conforme Elvan Silva (1998), se ocuparia dos critérios de certo e de errado, da avaliação
da qualidade não só estética das edificações.
Partindo dessa problemática, esta dissertação procura abordar alguns conceitos
atinentes à construção do conhecimento acerca do projeto arquitetônico e revisar de que
maneira os modelos projetuais responderam às constantes mudanças de paradigmas
culturais na sociedade do século XX. Nesse sentido, foram abordados alguns modelos
vinculados à história, que trouxeram contribuições às discussões sobre os temas
projetuais, que abrangem a teoria e que têm como paradigmas de referência o sistema
acadêmico francês e a Bauhaus.
Como objetivos específicos deste trabalho, primeiramente é estudada e analisada
a formação do conhecimento, da reflexão e da crítica na arquitetura, assim como o
processo de como se verificam as mudanças paradigmáticas. Com isso pretende-se
evidenciar que é possível aprender a projetar em arquitetura, porque se seguem modelos,
os quais estão vinculados a paradigmas culturais de determinadas épocas, em
transformação permanente. Posteriormente é abordada uma questão da teoria e filosofia
clássica e da teoria e ciência moderna, com o objetivo de ressaltar que a evolução da
teoria esta vinculada às mudanças de paradigmas culturais.
Outro objetivo específico desta dissertação é a análise da evolução histórica de
algumas metodologias de projeto que marcaram os séculos XIX e XX. Dentre tais
metodologias, é abordada a influência da École de Beaux-Arts e da Bauhaus na
arquitetura contemporânea, pois o ensino e, conseqüentemente, o modo de se fazer
arquitetura até hoje sofrem as influências desses paradigmas projetuais.
Finalmente, com base na revisão bibliográfica acerca desses dois modelos
emblemáticos da história da arquitetura, bem como na relevância de verificar alguns dos
legados por eles deixados, busca-se fazer uma avaliação crítica dessas mudanças
paradigmáticas culturais e projetuais, desde as questões da teoria da arquitetura, até suas
revisões e reações ao projeto moderno difundido pela Bauhaus.
18
A importância de se considerar o projeto arquitetônico como um processo
reflexivo e crítico é uma das principais motivações deste trabalho. A pertinência deste
consiste em investigar alguns dos saberes históricos e teóricos vinculados a certos
paradigmas projetuais, ou seja, distintas vertentes teóricas da arquitetura, que tiveram o
intuito de alcançar êxito no projeto e entendê-lo como um todo composto por partes
coordenadas, o qual demonstra a expressão da intenção de projeto do arquiteto. Trata-se
também de um estudo com o intuito de oferecer subsídios à produção de uma arquitetura
de qualidade e consistente por si própria.
Partiu-se, então, do pressuposto de que deve haver conteúdos que intensifiquem a
reflexão e a formação de um juízo crítico para as disciplinas de projeto, a fim de torná-
las mais consistentes. Afinal, disciplina é algo que precisa ser aprendido, e, se algo pode
ser aprendido, é porque pode ser ensinado. A dualidade ensinar-aprender é uma das
bases da formação humana, e dentro dela está também o conhecimento arquitetônico e
projetual.
19
1. A formação do conhecimento, da reflexão e da crítica no ensino
de arquitetura
A epistemologia (do grego episteme, “ciência”, logos, “ estudo”) vem a ser uma
teoria da ciência. É o estudo crítico e reflexivo dos princípios, dos pressupostos e da
estrutura das diversas ciências, parte mais importante da filosofia científica. Esta exige,
como complementação, a metodologia filosófica como estudo também crítico e reflexivo
dos métodos e das técnicas de produção do conhecimento científico. A epistemologia
não tem compromisso com a metafísica, nem a pretensão de apresentar-se como uma
perspectiva filosófica (Mora, 1982). Não lhe compete fazer uma síntese ou uma
antecipação conjetural partindo de leis específicas. Limita-se a um estudo crítico da
construção científica, visando às suas estruturas centrais. Busca os pressupostos
subjetivos do saber científico, a sua natureza, o seu dinamismo, seus limites, seus
resultados, sua situação atual e seu futuro.
A epistemologia tem por objeto o saber cientifico. Parte dela pretende apresentar
e analisar o pensamento científico contemporâneo na sua dialética e estrutura interior,
mostrando suas conexões de verdade e sua autêntica novidade. Pode desdobrar-se em
considerações gerais sobre a ciência ou em considerações particulares sobre cada
ciência. A ciência é uma construção mental orientada por aquilo a que se denomina
“fatos”. Esses fatos são constituídos por aspectos do mundo acessíveis à experiência
humana. Entre as questões principais que a epistemologia tenta responder estão as
20
seguintes: O que é o conhecimento? Como nós o alcançamos? Podemos conseguir meios
para defendê-lo contra o desafio cético? Essas questões são, implicitamente, tão antigas
quanto a filosofia, embora seu primeiro tratamento explícito seja o encontrado em Platão
(427-347 a.C.), em particular no Theaetetus. Mas é primordialmente na era moderna, a
partir do século XVII, como resultado do trabalho de Descartes (1596-1650) e Locke
(1632-1704) em associação com a emergência da ciência moderna, que a epistemologia
tem ocupado um plano central na filosofia.
Thomas Kuhn, físico, dedicou-se ao estudo e ao ensino da história da ciência.
Kuhn não defendeu nenhuma filosofia da educação no sentido tradicional dessa
expressão, isto é, o tipo de teoria que podemos encontrar em filósofos clássicos, como
Platão, Rousseau (1712-1778) e Dewey (1859-1952), que são alguns dos filósofos da
educação mais conhecidos. Kuhn (1962) não elabora nenhum programa para reformar o
ensino. Ele não propõe qualquer programa fundamentado em princípios pedagógicos,
nenhum programa constituído a partir de uma concepção do mundo e do homem, nem
uma visão da sociedade ligada aos diversos projetos políticos, morais e científicos
destinados a torná-la melhor. Ao contrário, o que Kuhn faz é uma análise da educação
nas ciências naturais. O tratamento que ele dá a esse tema é de caráter histórico e
psicológico. Procura mostrar de que modo a educação leva o indivíduo a se incorporar a
uma comunidade de investigadores. Essa comunidade possui determinados padrões de
comportamento em face do saber e de sua prática investigativa. Esse investigador estará
formado no momento em que for capaz de se comportar do mesmo modo que os
membros mais antigos daquela comunidade.
A incorporação de novos investigadores a uma comunidade guarda certa
similaridade com a conversão e a educação religiosas. Para que os membros aceitem um
novo paradigma, devem passar por um processo de conversão e de rompimento com o
antigo paradigma. É nisso que consiste, segundo Kuhn, uma revolução científica. “Ela é
a passagem de um modo de compreender a natureza e os problemas científicos e de
resolvê-los para outro, que é incomensurável com o primeiro. Este é um fenômeno
necessário do desenvolvimento das ciências maduras” (Kuhn, 1962, 2005, p. 42).
21
Uma disciplina científica ou especialidade passa a existir apenas no momento em
que um primeiro paradigma (uma solução exemplar de um problema) é aceito
universalmente (ou quase) pelos indivíduos que investigam algum fenômeno ou
conjunto de fenômenos. A partir daí a comunidade científica existe propriamente, e
inicia-se um período de “ciência normal”. Durante este período, os investigadores fazem
suas pesquisas orientadas pelo paradigma aceito. Parte de seu trabalho consiste em
levantar novos problemas e tentar resolvê-los de modo similar àquele encontrado no
paradigma aceito.
Alguns desses problemas, contudo, afirma Kuhn, formulados no interior do
paradigma, não parecem ter solução com os recursos unicamente do paradigma. Isso
gera crise na ciência e provoca o início do período de “ciência extraordinária”. É assim
que soluções alternativas são procuradas, soluções que rompem com o paradigma
vigente. Quando uma delas é aceita, ocorre uma “revolução científica”, de modo
semelhante a uma revolução política. Primeiro alguns investigadores convertem-se ao
novo paradigma e passam a ver as coisas de maneira diferente. Depois, outros mais
aceitam o novo paradigma, mas alguns, normalmente os mais velhos, jamais chegarão a
aceitar o novo paradigma.
Um dos efeitos provocados por uma revolução científica é uma mudança na
visão que os investigadores têm do passado de sua disciplina. O novo paradigma não só
faz com que os estudiosos vejam sua atividade e a natureza de modo diferente, mas
também faz com que se reescreva a própria história da disciplina. Tudo é, então, visto e
reinterpretado do ponto de vista do paradigma vigente.
Nesse sentido, a abordagem de Kuhn demonstra o quão aberta pode ser a
aquisição do conhecimento e o desenvolvimento de algumas ciências, condicionadas à
qualidade e ao estudo de seus investigadores, para a quebra de alguns paradigmas, e para
as revoluções científicas, assim denominadas pelo autor.
4
4
O sentido de “aberto” aplicado por Kuhn quer dizer que um conceito ou ciência é aberto se as suas
condições de aplicação são reajustáveis e corrigíveis, isto é, se uma situação ou um caso, o qual requeresse
22
Contudo, segundo Elvan Silva (1997), não se pode duvidar de que todos os
nossos conhecimentos começam com a experiência. Como haveria de exercitar-se a
faculdade de se conhecer, se não fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos,
de uma parte, produzem por si mesmos representações, e, de outra parte, impulsionam a
nossa inteligência a compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los? No âmbito da
arquitetura, nenhum conhecimento precede a experiência, todos começam por ela, com
os objetos arquitetônicos, suas representações, bem como com os processos de concebê-
los e formaliza-los num conhecimento projetual. Assim, a análise e a crítica de
precedentes arquitetônicos tornam-se fundamentais na elaboração do conhecimento das
obras arquitetônicas e seus processos de projeto.
A capacidade de receber (a receptividade) representações dos objetos segundo a
maneira como eles nos afetam, de acordo com Elvan Silva (1997), denomina-se
sensibilidade. Os objetos são percebidos mediante a sensibilidade, e somente ela é que
nos fornece intuições; mas é pelo entendimento que elas são pensadas, sendo dele que
surgem os conceitos. Todo pensamento deve, em última análise, seja direta ou indireta-
mente, mediante certos caracteres, referir-se às intuições e, conseqüentemente, à
sensibilidade, porque de outro modo nenhum objeto nos pode ser dado.
Jean Piaget (1896-1980) elaborou a chamada epistemologia genética, ou seja,
uma teoria do conhecimento “pela sua gênese biológica”. Sustentava que todo
conhecimento tem gênese, tem uma construção. A epistemologia genética defende que
um indivíduo passa por várias etapas de desenvolvimento ao longo da sua vida. Para
Piaget, a aprendizagem é um processo que começa no nascimento e acaba na morte. A
aprendizagem dá-se através de processos de equilibrio entre a “assimilação” e a
“acomodação”. Segundo esse esquema, o ser humano assimila o que obtém do exterior,
mas, uma vez que já tem uma estrutura mental que não está “vazia”, precisa acomodar o
assimilado à estrutura mental que está em permanente construção. Esse esquema revela
que nenhum conhecimento nos chega pronto do exterior e sem que sofra alguma
algum tipo de decisão, pode ser imaginado ou obtido. Assim, alarga-se o conceito para abranger o novo
caso, ou fecha-se o conceito inventando um novo para abranger o novo caso e a sua nova propriedade.
23
alteração pela nossa parte. Ou seja, tudo o que aprendemos é influenciado por aquilo que
já tínhamos aprendido.
Ludwig Wittgenstein (1889-1951) abordou o conceito de proposição figural. Para
ele existiria uma figura possível a ser associada a uma palavra (Weischedel, 1966). Já
Paul Ricoeur (1913-2005) adotou a teoria da metáfora, de transferir, ou seja, de pegar o
significado de algo num contexto e “traduzir” esse significado noutro contexto ou campo
de significado. Segundo Rogério de Castro Oliveira (2000), a metáfora traduz
operações/construções mentais de um campo para outro.
Outros filósofos, no século XX, trouxeram contribuições notáveis à
epistemologia. Algumas de suas noções foram mais ou menos assimiladas pelos
paradigmas mais recentes e contemporâneos e conseguiram penetrar nas discussões no
campo da teoria da arquitetura. Os debates não se encontram finalizados, mas,
especialmente após a segunda metade do século XX, começou a ocorrer uma espécie de
“mudança de paradigma” no conhecimento de arquitetura, atingindo a área projetual.
Assim, alguns pensamentos sobre o projeto passaram a questionar paradigmas anteriores
da ciência e da própria epistemologia.
1.1. A questão da condição figural do conhecimento e a hermenêutica
O projeto de arquitetura não se fundamenta apenas em bases teóricas, mas faz-se
com base em convicções, as quais relacionam uma solução projetual a um problema
concreto em determinadas condições e horizontes culturais. Propõe, visa a uma validade;
o conhecimento descritivo de edifícios não basta. Assim, a “condição figural do
conhecimento”, de acordo com Rogério Oliveira (2000), estaria relacionada com a
capacidade de imaginar e representar mentalmente (graficamente e por meio de figuras
construídas na mente) objetos que correspondam ao conhecimento que se tem deles
através da linguagem e da experiência estética (em sentido amplo). Já a hermenêutica,
em linhas gerais, se ocuparia dos meios de representação e expressão da arquitetura na
medida em que esses meios se vinculam à linguagem com que se manifesta uma
intenção projetual.
24
No século XX, a linguagem passou novamente à categoria dos temas centrais da
filosofia: Martin Heidegger (1889-1976) foi um dos principais filósofos a retomar os
questionamentos sobre o assunto. Heidegger, apud Weischedel (1966), em sua análise
da compreensão (um conceito da hermenêutica do século XX), afirma que toda
compreensão apresenta uma “estrutura circular”, ou seja, toda interpretação, para
produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar. A circularidade,
segundo Heidegger e outros, é o seguinte fenômeno: a mente cria linguagens e é criada
por linguagens. Cria estruturas de comunicação e é estruturada por essas estruturas; em
outras palavras, a cabeça faz idéias e as idéias “fazem a cabeça”. A mente seria o
conjunto de movimentos das faculdades do cérebro. Entre mente e mundo há linguagens,
e estas seriam o elo de ligação entre as construções mentais e o mundo.
Durante esse período, começou a ser aceito também que nem todo o
conhecimento estava associado à lógica, que estuda e sistematiza toda argumentação
válida. A lógica tornou-se uma disciplina praticamente autônoma em relação à filosofia,
graças ao seu elevado grau de precisão e tecnicismo. Atualmente, é uma disciplina que
recorre a métodos matemáticos, e os lógicos contemporâneos têm, em geral, formação
matemática. Todavia, a lógica elementar que se costuma estudar nos cursos de filosofia é
tão básica como a aritmética elementar e não tem elementos matemáticos. A lógica
elementar é usada como instrumento pela filosofia, para garantir a validade da
argumentação, para a qual a exatidão é valorizada. A lógica é externalizada pela
linguagem, como se fosse uma calculadora da assertiva verdadeira ou falsa, de
enunciados com demonstrações “coercitivas” necessárias para o correto entendimento de
determinado assunto.
É na esfera do conhecimento “não-lógico” que se encontra a condição figural do
conhecimento, ou figuralidade, como sustenta Rogério Oliveira (2000). O estatuto
epistêmico, a que se refere o autor, seria o “estado da arte” do conhecimento de objetos
figurais. Portanto, é este o campo a ser estudado.
25
A palavra “concreto”
5
tem o significado de “crescer junto”, ou seja, uma figura
concreta cresceu na mente junto com as operações mentais que a produziram. O
concreto vai crescendo e se agregando por operações mentais, gerando figuras ou
raciocínios que transformam as figuras, ou seja, o conhecimento é sempre operatório.
Concreto também pode designar operações ligadas às figuras e às representações ou aos
próprios objetos que estão sendo operados. Por outro lado, “abstrato” refere-se a algo
não-material e retirado dos objetos, como uma fórmula, uma imagem pronta, um modelo
mental, um tipo, um ícone. Para Rogério Oliveira (2000), o estatuto epistêmico dos
objetos do conhecimento figural seria um campo de conhecimento concreto a ser
construído na mente por meio de figuras.
A construção figurativa ou figuralidade, como sustenta esse autor, é não-
discursiva, é representada na mente por construções que têm forma ou figura, uma
identidade formal. Opõe-se ao conceito de imagem, de uma representação quase
“icônica”, de um exemplo de imagem preconcebida na mente. Estaria mais apropriado o
conceito de figura, de representação ou desenho mais exato dos objetos produzidos na
arquitetura. Conseqüentemente, a figuralidade seria uma vertente do conhecimento não-
lógico voltado para a construção mental de um objeto. No âmbito do projeto
arquitetônico, o partido teria pouca figuralidade, o anteprojeto teria uma figuralidade
maior e o projeto pronto teria uma figuralidade máxima. Nesse sentido, o conhecimento
de objetos arquitetônicos é possível porque a mente elabora figuras quase como se
fossem frases na linguagem verbal, de modo figurativo e representativo, auxiliada pelo
desenho, usando metáforas.
A hermenêutica, de acordo com Hans-Georg Gadamer (1900-2002), cobre níveis
de reflexão muito diversos. Para esse filósofo alemão, a hermenêutica seria, antes de
tudo, uma práxis artificial. Isso sugere, como palavra complementar, a techne. O que se
entende, hoje em dia, por arte é a do anúncio, da tradução, da explicação e da
interpretação, incluindo, obviamente, a arte da compreensão que nela subjaz e que se
requer quando não está claro e inequívoco o sentido de algo.
5
Concreto e abstrato são noções da epistemologia que têm relevância na discussão do pensamento
projetual, portanto, são importantes para a arquitetura.
26
No uso mais antigo da palavra hermenêutica encontra-se a figura de Hermes.
Esse era o enviado divino que levava as mensagens dos deuses aos homens. Mas é
freqüente, sobretudo no uso profano, que o papel do hermeneus consista em traduzir o
manifestado de modo estranho ou ininteligível à linguagem inteligível por todos. Por
isso a tarefa da tradução goza sempre de certa “liberdade”. Pressupõe a plena
compreensão da língua estrangeira, mas, ainda mais, a compreensão do sentido autêntico
do manifestado. O que se quer fazer entender como intérprete deve traduzir o sentido
expressado. Portanto, o trabalho da hermenêutica é sempre essa transferência de um
mundo a outro. Então, trata-se mesmo de uma ars, como a oratória, ou a arte de
escrever, ou a aritmética: mais uma destreza prática do que uma ciência (Gadamer,
1975).
Nesse contexto de formas de aquisição do conhecimento, julgou-se pertinente
elucidar e mostrar a complexidade de alguns conceitos importantes, relativos ao
processo de construção do conhecimento, com vistas a embasar a argumentação da
problemática acerca do ensino de arquitetura e urbanismo.
1.2. Circunscrevendo o contexto do problema do ensino de arquitetura
Segundo Elvan Silva (1998), um ensino de arquitetura com pretensão tratadista e
disciplinar, baseado em regras e usos de metodologias preestabelecidas, é um ensino
pragmático. Preocupa-se essencialmente com a transmissão de informações, regras de
composição do projeto, relativas às suas tipologias específicas e às matérias de apoio
técnico. A orientação principal dessa visão de ensino obsoleta é o exercício profissional.
Sua fonte de inspiração são os modelos organizacionais, ou os padrões de projeto
provenientes da prática profissional da arquitetura. Tudo indica que as disciplinas
universitárias afins da arquitetura, como as artes, as técnicas ou as ciências sociais,
desempenham um papel secundário nesse tipo de ensino. Elas são consideradas,
respectivamente, meio de treinamento da capacidade de desenho e fonte de informação
para a elaboração de programas.
A arquitetura é muito mais do que uma resposta original a problemas
programáticos e estruturais; visa a transformar e adaptar o conhecimento adquirido nas
27
diferentes situações e problemas de projeto. Todo projeto fundamenta-se na premissa
inicial de que existe uma atividade humana para a qual um espaço precisa ser criado a
fim de possibilitar que aquela atividade seja exercida em condições de conforto e de
segurança. Ao se deparar com um projeto, o arquiteto precisa ir além do propósito
imediato que defina qual estratégia ou tema de projeto a seguir, precisa considerar como
de igual importância as outras dimensões da arquitetura, tais como a dimensão cultural, a
social e também a individual.
As variações curriculares são necessárias para que o curso se mantenha sempre
atual, inserido numa realidade regional e global capaz de responder a uma expectativa e
a uma demanda, mantendo seus futuros profissionais na vanguarda dos acontecimentos,
criando oportunidades para que aconteçam constantes revoluções científicas, abordadas
por Kuhn (1962). A consciência da rapidez das modificações da sociedade
contemporânea, na qual o conhecimento, as técnicas e os instrumentos entram em rápido
estágio de obsolescência, exige um pensar, um analisar constante e a conseqüente
reformulação e adequação dos currículos.
Para tal entendimento, é necessário ter em mente que o ser humano, agente
envolvido na relação professor-aluno, é dotado de individualidade, identidade, liberdade,
desejo, vontade; é um todo integrado. Caracteriza-se, também, por ser responsável por si
mesmo e pelo mundo, capaz de pensar e agir, de conhecer, de interrogar e responder,
capaz de transformar e transformar-se, aperfeiçoar e aperfeiçoar-se.
Na formação de um arquiteto de qualidade, busca-se também um cidadão que,
por meio de sua atuação profissional, promova a qualidade de vida do homem e da
cidade. Estas qualidades poderiam ser concretizadas através da organização do espaço
físico, envolvendo um processo criativo capaz de reunir os aspectos formais, espaciais,
funcionais, estéticos, tecnológicos, de conforto e da preservação do ambiente natural e
construído, considerando os fatores sociais, econômicos e culturais do lugar e da
comunidade.
28
1.3. A questão da crítica arquitetônica
Em relação à crítica de arquitetura, é importante ao mesmo tempo entender para
que ela serve e os limites da sua atuação. Josep Maria Montaner (1999) chama atenção
para o importante papel cultural que a crítica desempenha e para o fato de que é
caracterizada pela emissão de juízos e, para tanto, é obrigada a uma relação muito
próxima com a teoria, estética e a história. O autor chega a afirmar que “toda atividade
crítica necessita da base de uma teoria da qual possa deduzir os juízos que sustentam
interpretações” (Montaner, 1999, p. 21). Entretanto, o crítico precisa ter muito cuidado
para que os juízos emitidos o sejam de modo a não parecerem parciais e definitivos. O
papel da crítica deve centrar-se em revelar o sentido formal da obra no marco histórico
em que acontece, como passo prévio ao juízo estético propriamente dito por parte do
usuário.
O termo “crítica” tem uma acepção vulgar e duas acepções principais,
terminologicamente corretas. A acepção vulgar é a de procura e/ou enunciado de
defeitos. Das significações corretas, a primeira diz respeito à atividade intelectual de
análise de obras artísticas, em diversos campos, atividade esta caracterizada pela
emissão de juízo valorativo sobre aspectos da realização. Freqüentemente é difundida
através dos meios de comunicação, principalmente em periódicos impressos. Um
comentarista, presumivelmente conhecedor de uma modalidade artística, fala sobre as
qualidades e defeitos encontrados em filmes, peças de teatro, concertos, obras literárias,
etc. A crítica de obras arquitetônicas nunca foi muito popular, mesmo entre arquitetos no
Brasil, pois o modernismo era, entre sessenta e vinte anos atrás, uma causa, um
apostolado acima de apreciação analítica. A segunda acepção é a que se refere àquela
atividade intelectual, de natureza filosófica, que se ocupa da sistematização de critérios
de juízos sobre os acertos e erros dos enunciados; não se ocupa de obras isoladas, mas de
doutrinas, sistemas de idéias, etc. A crítica é, no fundo, o juízo de valor (Mora, 1982).
Assim, segundo Montaner (1999), o discurso teórico ou filosófico é a forma mais
adequada de crítica, a qual é o procedimento do intelecto que leva a verificar todas as
29
asserções antes de admiti-las como válidas e não permite afirmar nada que não se possa
demonstrar.
Segundo Elvan Silva (1997), os juízos de valor, no campo da arquitetura,
poderão ser não-sistematizados, quando expressos exclusivamente a partir da
experiência prático-sensível, como a que caracteriza o usuário do objeto arquitetônico,
ou o observador leigo; ou poderão ser sistematizados, quando revelarem relação com
uma elaboração histórica e teórica, isto é, quando forem suscitados pela reflexão. Nas
condições ideais, não se pode realizar ensino da arquitetura sem o exercício crítico,
mesmo que se opere numa forma imperfeita, nas condições previstas pela necessária
avaliação dos trabalhos acadêmicos.
1.4. O pensamento reflexivo aplicado na arquitetura
O pensamento reflexivo consiste no ato de fazer o retorno do pensamento sobre
si mesmo, tendo em vista examinar mais profundamente uma idéia, uma situação, um
problema (Mora, 1982). As reflexões procuram elaborar uma concepção de
aprendizagem mais adequada às especificidades da arquitetura.
Um dos objetivos da obra de Piaget sobre abstração reflexionante, segundo
Jantzen (2000), é a identificação de uma abstração “transportadora”. Piaget teria
pretendido distinguir uma abstração reflexionante da abstração apoiada sobre objetos. A
abstração reflexionante seria procedente de ações ou operações do sujeito, e transferindo
a um plano superior o que foi tirado de um nível inferior de atividade, do que advêm
diferenças as quais levam necessariamente a composições novas e generalizadoras. A
abstração refletida opera no nível do pensamento. É uma “reflexão sobre a reflexão”, ou
o próprio pensamento reflexivo, responsável pela construção temática retroativa ou
prospectiva com respeito às ações e conceptualizações que o sujeito já elaborou.
No caso da arquitetura, é sob esse enfoque que se poderia falar na “teoria da
arquitetura”, que na maioria dos currículos configura um elenco de disciplinas. A
história da arquitetura é o modo de extrair conceitos a partir da observação sistemática.
A história não opera nunca sozinha, sempre está orientada por enfoques teóricos,
30
conscientizados ou não, que a constroem como objeto e constroem seus objetos. Mas na
teoria da arquitetura deveriam predominar as abstrações reflexionantes: pela organização
e proposição de novos conceitos, em relação ou confronto com sua atualização na vida
prática.
Para Piaget, a abstração refletida é uma das estações mais importantes da
aprendizagem, especialmente da aprendizagem de projeto. A reorganização das idéias,
que é implicada pela abstração refletida, é o que vai possibilitar as interpretações e
avaliações dos problemas de projeto, abrindo possibilidades para outros sentidos que
podem ser atribuídos às edificações e organizando novas referências para a crítica das
elaborações, esboços e propostas iniciais para um projeto (Jantzen, 2000).
No campo da arquitetura, devido à mudança nos modos de entender os
procedimentos de ensinar e aprender, torna-se urgente a prática pedagógica nesses
campos do conhecimento, pois ainda existem falsas premissas nos processos da
inteligência e da concepção, revestindo-os de conceitos-tabu, tais como “gênio”,
“talento”, “intuição”, ou até mesmo “criatividade”, que aparecem como formas sem
gênese de acesso ao conhecimento e sem que se possa interferir sobre elas. Isso, no
campo da arquitetura, acobertaria uma insuficiência pedagógica tamanha, que faria com
que a avaliação de trabalhos e a crítica da produção arquitetônica não tivessem valor
pedagógico algum, servindo apenas para confirmar a hierarquização de competências
culturais extra-acadêmicas, que reforçam as desigualdades sociais precedentes, que já
estariam estabilizadas, de certo modo, no campo profissional.
Para a arquitetura, a abstração reflexionante de Piaget possibilitaria demonstrar
que os processos de projeto são coordenações de operações, e que um edifício, quando
pronto, é o resultado dessas coordenações. E mais, que essas operações aparecem na
forma de decisões e escolhas entre um leque de opções, mesmo que não totalmente
conscientizadas. Assim, a abstração reflexionante inclui um momento de crítica.
Ainda quanto ao assunto da abstração reflexionante, Jantzen (2000) acrescenta
que há necessidade da interferência do professor no processo. Uma vez que nenhuma
abstração acontece espontaneamente, a interferência do professor funciona como uma
31
espécie de tradução. O professor precisa transitar por dois mundos: o da arquitetura e o
do campo de significações dos alunos. Os mestres devem trabalhar seus pensamentos no
sentido mais amplo do ato de refletir, assim como conhecer o mais possível outras
correntes de pensamento. Também necessitam, por sua vez, estudar todos os caminhos
factíveis pertinentes ao tema de sua disciplina, podendo assim expor com maior
amplitude o seu conhecimento para os alunos. Finalmente, tal trabalho será
positivamente reconhecido e enriquecedor para ambas as partes. O aluno, por sua vez,
deve receber informações de uma maneira reflexiva e não-passiva, e pode até criticar
sempre que munido de informações pertinentes ao tema em questão.
1.5. A questão da analogia com precedentes referenciais na problemática do
ensino de arquitetura
Existem claramente dois tipos distintos de questões ligadas ao problema do
ensino de projeto arquitetônico dentro dos ateliês, ou seja, em relação ao tipo de
conhecimento que pode ser transmitido aos estudantes de arquitetura. Segundo Elvan
Silva (1998), são duas posições bem extremas: de um lado estão os chamados tratadistas,
que delimitam o fazer arquitetônico a métodos e normas rígidas; por outro lado,
encontram-se os que afirmam não ser possível ensinar a arquitetura, já que projetar seria
fruto de algum tipo de dom inato de cada indivíduo.
Embora radicais, essas duas posições, conforme Elvan Silva (1998), enfatizam
dois aspectos bastante importantes do processo de aprendizado de projeto arquitetônico,
o lado objetivo e a importância do lado subjetivo. Por isso seria necessário mesclar estas
duas posições, partindo o projeto de uma imagem conceitual, que forma o princípio
básico em torno do qual o todo é organizado pelas partes por meio de métodos e técnicas
de composição; assim é possível a expressão satisfatória de uma intenção conceitual. É
importante existir um equilíbrio desses dois pontos de vista, tornando-se necessário
encontrar as linguagens, os métodos, as concepções de arquiteturas e as estratégias
fundamentais articuladas nos projetos por meio da história e da teoria da arquitetura.
Este equilíbrio de extremos desmistifica que os edifícios gerados provêm de uma
instância acessível a poucos, que são fruto do gênio guiado apenas por uma inspiração
32
qualquer. Ao contrário, mostra que os projetos emanam da interpretação da tradição e
das condições concretas existentes, da disciplina e da clareza de intenções com que
visam a tarefa da arquitetura, da pesquisa e análise de problemas semelhantes, com
experiências vividas, com o saber transmitido pelo professor em sala de aula e com os
contextos sociais e políticos em que as obras se inserem.
A criação expressada por arquitetos pode ser definida como uma atividade que se
baseia em grande parte na interpretação e adaptação de exemplos precedentes. Isto é,
não parte do nada, nem da consideração exclusiva de aspectos estruturais e
programáticos. Para Elvan Silva (1998), não se pode reduzir o trabalho do arquiteto à
análise de precedentes. Seria uma simplificação exagerada da complexidade da
arquitetura em geral. Mas o uso de precedentes com certeza tem um papel importante no
âmbito da composição arquitetônica.
A analogia seria um dos instrumentos principais usados na interpretação e
adaptação de precedentes em arquitetura. Analogias não só existem dentro da disciplina
chamada arquitetura, mas são também a essência do seu significado. Entre outras
definições, analogia é uma correspondência entre duas coisas ou situações, ou ainda um
processo de pensamento a partir de casos paralelos. É necessário enfatizar que uma
analogia não implica identidade total, mas sim comparações com situações semelhantes;
e também que é através do processo analógico que na arquitetura se cria o novo a partir
do existente (Mora, 1982).
1.6. A teoria aliada à prática para formação da crítica reflexiva
No intuito de fornecer bases para uma crítica das práticas pedagógicas vigentes
nos cursos de arquitetura, é necessário esclarecer o fenômeno da valorização dos
discursos teóricos na disciplina, reconstruindo a trajetória da noção de teoria e seu papel
perante a prática, assim como o reflexo dessa tensão no ensino da arquitetura. Essa
trajetória é sistematizada em três momentos a serem abordados em capítulo específico
deste trabalho: a idéia de teoria relacionada à filosofia clássica; as profundas
transformações na estrutura do pensamento ocidental com o desenvolvimento da ciência
moderna; e, por fim, a crítica e a revisão do projeto moderno com seu primado científico
33
e tecnológico, bem como as tentativas de novos delineamentos para a teoria, seja
relacionando-os com a filosofia do século XX, ou mais especificamente dentro do
campo exclusivo da arquitetura. Dessas últimas referências, considerando
principalmente o Elogio da Teoria de Gadamer (1993), esboçam-se algumas conclusões
acerca do papel da teoria da arquitetura em sua unidade com a prática, mas distanciada
de uma metodologia aplicada ao projeto.
Na prática diária de alguns ateliês de projeto, o que se observa é a dificuldade do
aluno de aplicar os conhecimentos históricos e teóricos que fundamentarão seu projeto.
Isto se dá não só pela dificuldade de materializar determinada intenção, uma vez que o
projeto arquitetônico não se realiza no conceito, e sim na imagem, mas também pela
falta de reflexão e crítica por parte do professor, uma vez que este deveria mostrar uma
gama de conhecimentos e possibilidades de projetar, a fim de motivar o aluno a
desenvolver seu próprio método. Mais do que ensinar os alunos a projetar de uma
determinada maneira, o objetivo do professor deveria ser o incentivo à criação e a
provocação de um espírito crítico no aluno. No entanto, o que se observa como
obstáculo para a formação deste aluno crítico é a maneira como estão organizados os
currículos e os departamentos da maioria das escolas de arquitetura, nas quais teoria,
história, técnica e prática de projeto parecem ser conhecimentos autônomos. Essas
repartições não contribuem com o campo de conhecimentos projetuais, uma vez que
esses precisariam estar inter-relacionados.
Algumas das teorias têm que encontrar uma aplicabilidade na prática, enquanto
outras visam à explicação de fatos e não sua aplicação na produção de um objeto
arquitetônico. A prática, por sua vez, tem que ser alimentada por alguma teoria que a
fundamente. Portanto, acredita-se que os subsídios teóricos ao projeto são inseparáveis
da sua prática. Critica-se muito a organização do ensino institucional e a existência de
inúmeras e diferenciadas disciplinas que operam como se fossem de conhecimentos
independentes da teoria, tecnologia e prática projetual. Mas não se pode negligenciar o
fato de que a preparação para o exercício dessa atividade requer a aquisição tanto de
conhecimento quanto de habilidades, do lado objetivo e do lado subjetivo da arquitetura.
E isso só se dá dentro de bases eficientes quando se conta com um programa organizado
34
e se dispõe de pessoal docente especializado em cada campo específico. Desse modo,
torna-se inevitável a divisão em áreas de conhecimento que objetiva não dividir o
conhecimento em si, mas organizar sua transmissão.
O campo teórico está dissociado da prática. A complementaridade entre teoria
prática seria o mais desejável para as aprendizagens projetuais críticas e reflexivas. A
organização curricular ainda dominante em muitas faculdades, no entanto, reafirma
aquela dissociação.
A caracterização do ensino em competências práticas e teóricas torna-se, então,
inevitável. Porém, não se pode forçar uma divisão rígida dessas duas competências, elas
precisam estar aliadas. Existe uma diferença entre aprender arquitetura e fazer
arquitetura. É também fundamental aprender arquitetura por meio da história, teoria e
análise de precedentes para aprender a fazer arquitetura.
Além da eficiência metódica nos processos projetuais, saber fazer as coisas
corretas (eficácia na obtenção do produto final)
depende de um incentivo à crítica,
mediada pela intervenção do professor.
Para Elvan Silva (1998), métodos totalizantes de projeto geraram imensa
frustração acerca da geração e aplicação de métodos projetuais. Existe, sem dúvida,
carga pejorativa na pretensão de trabalhar metodologias, sobretudo se estas se
aproximam demasiadamente da área “sagrada” da concepção, da definição do partido
arquitetônico, nas orientações que se aproximam do paradigma da École des Beaux-Arts.
São aceitos o desenvolvimento e a aplicação de metodologias em áreas auxiliares ao
projeto, nas áreas técnicas, que gerem informações úteis para agregarem-se ao projeto.
Porém, o sucesso de um projeto arquitetônico independe de uma fórmula ou um método
específico, trata-se de algo reflexivo e crítico.
No aprendizado, o estudante com espírito crítico descobre uma maneira de
encarar seu problema como se fosse um que já houvesse encontrado antes. De fato, o
caminho a seguir é o do aprendizado como o de alguém que aprende as palavras,
juntamente com exemplos concretos de como funcionam na prática; as coisas da
35
natureza e as palavras são aprendidas simultaneamente; desse processo resulta um
conhecimento que se aprende fazendo. Assim, cabe ao professor intermediar o exercício
da crítica do aluno e torná-lo capaz de enfrentar os diferentes problemas a serem
solucionados nos seus projetos. A intervenção do professor poderia desmistificar a
crença de que o sucesso no projeto depende de talento ou dom, ou, ainda, do gênio
guiado apenas pela sua inspiração.
Os estudos de exemplos são um recurso fundamental para o ensino de projeto
arquitetônico. Em tese, podem-se estudar determinados casos, como edifícios que
mostram a evolução histórica da arquitetura, determinadas frações urbanas,
determinados espaços construídos, sem a intenção de sua aplicação imediata no processo
de projetar. O caso relaciona-se diretamente a diversos aspectos do problema histórico,
técnico, de linguagem, de uso, de conforto ambiental, do espaço construído, e os
métodos que são desenvolvidos para estudar casos ainda são predominantemente
descritivos e analíticos. Segundo Elvan Silva (2004), assim como descrição e análise, os
estudos de precedentes são geradores das referências empíricas mais bem habilitadas à
geração de parâmetros físico-funcionais a serem aplicados na programação
arquitetônica, no dimensionamento de espaços e elementos da construção.
Essa questão específica de método representa uma das mais importantes
articulações para as teorias de projeto. Ainda segundo Elvan Silva (2004), a
interpretação da proposta de projeto nessa realidade imediata, e não apenas o seu estudo
quantitativo, a descrição do espaço construído em termos funcionais e como um objeto
físico, são exercícios equivalentes ao que ocorre no processo de concepção da própria
proposta. É descabido pensar que o intérprete, ou seja, o crítico projete ao interpretar, ou
que reconstrua a mente do projetista, no momento em que concebeu a solução: o
caminho do estudo de caso é o inverso do de projetar, mas ambos os processos têm em
comum tanto a análise quanto a síntese compreensiva do espaço construído. O estudo de
caso como exercício de interpretação teria como objetivo encontrar o que se pode
chamar do lado conceitual do projeto, ou seja, investigar o conjunto de princípios de
arquitetura que foram empregados na concepção de uma obra existente.
36
Para Elvan Silva (1994), existe uma tendência de referência pejorativa por parte
dos professores tradicionais, metodologistas e cartoriais a este lado conceitual, reflexivo,
inerente à concepção. Existe porque há soluções arquitetônicas inexplicáveis pelo uso de
metodologias formalizadas e explicitadoras de alguma solução compositiva e formal que
as gere. Tanto o processo conceitual seria misterioso, quanto também seria misterioso o
processo crítico e doutrinal da arquitetura, de avaliação e julgamento das obras
existentes.
A criação arquitetônica possível de ser ensinada é totalmente mediada pelo modo
de comunicação entre aluno e professor. O estudante aprende a pensar arquitetura nos
termos em que aprende a comunicar arquitetura. Conhecimentos de história da
arquitetura também complementam o estudo de projeto. Essa é outra razão para que as
metodologias construídas para o ensino de projeto não se definam exclusivamente como
instrumentos de geração de conhecimento arquitetônico. As metodologias não garantem
isso.
Isso ocorre, segundo Elvan Silva (1994), porque as metodologias que interessam
ao ensino de projeto têm objetivos radicalmente poéticos, são dirigidas ao processo
criativo. São instrumentos realizadores de instrução, de montagem, de processamento,
de explicitação dos conhecimentos aplicados. É fundamental utilizá-las, mas nunca
esquecendo que as metodologias de projetos arquitetônicos nada criam, somente podem
auxiliar a transformar, recombinar, relacionar conhecimentos existentes. São de
naturezas distintas as metodologias e as disciplinas que geram o conhecimento que o
arquiteto aplica, inclusive o seu conhecimento sobre arquitetura como conhecimento
histórico, antropológico, político, econômico.
Também não existe projeto de arquitetura sem representação gráfica, seja ela
qual for, o que equivale dizer que a concepção do objeto como imagem mental não
caracteriza a atividade projetual do arquiteto. O ato de projetar estabelece uma ligação
dinâmica entre esquemas abstratos e concretização de figuras interdependentes como
parte do projeto como um todo. Daí a necessidade de métodos que ao mesmo tempo
37
possam despertar o espírito crítico e capacitar o aluno a colocar suas idéias no papel,
utilizando os meios de representação adequados.
Neste capítulo foi sustentado que é possível obter e formar o adequado
conhecimento da arquitetura, vinculado à história e às constantes mudanças de
paradigmas na sociedade, e também foram sugeridas algumas maneiras de se fazer isso,
com base na formação e no incremento do pensamento reflexivo e crítico. No próximo
capítulo será abordada a questão da teoria e sua evolução diante das constantes
mudanças de paradigmas culturais, bem como alguns conceitos teóricos da estética
vinculados à arquitetura.
38
2. Teoria e filosofia clássica, teoria e ciência moderna e a questão
da estética na arquitetura
2.1. Teoria e filosofia clássica
Em sua origem, nos tempos de Sócrates e Platão, o conceito de teoria confundia-
se com o de filosofia. “O nome antigo para teoria era certamente outro: filosofia, o amor
ao sophon, ao saber verdadeiro” (Gadamer, 1993, p. 57). O verbete theoria, o mesmo
que contemplatio em latim, referia-se ao ideal de vida platônico dedicado a esse saber
puro. Nos dicionários atuais encontram-se definições do termo relacionadas a esse
sentido de contemplação, como “atividade desinteressada” e “abstração”. Explica-se
assim também a oposição entre teoria e prática como uma oposição entre contemplar e
agir ou atuar. A teoria, ainda segundo Gadamer (1993), aproximava de um mero indagar
e contemplar, distante de toda necessidade e utilidade, de todo negócio sério. Segundo
Otaviano Pereira (1984), para os gregos o ato de teorizar também consistia numa
abstração da realidade em busca da verdade. E que verdade era essa? Era a ordem
imutável do cosmos, o mundo das idéias, a essência permanente das coisas desde suas
origens, um saber que se encontrava na matemática e na filosofia.
As artes ou os ofícios que, como a arquitetura e a medicina, se ocupavam da
aplicação de um saber (não o saber dos filósofos), do manuseio de ferramentas e de
empregos de técnicas, eram considerados atividades menores. Na academia de Platão, os
alunos deveriam se ocupar somente de atividades relacionadas ao pensamento puro; não
39
caberia, logicamente, a atividade pragmática de construção de edificações, embora
pudesse ser ali discutida. Era no próprio trabalho que os gregos, como seus antecessores,
aprendiam arquitetura.
Como observa Alberto Pérez-Gomez (1999), a arquitetura desvela a verdade
revelando a ordem do cosmos num mundo sublunar, mostrando a maravilha da ordem da
natureza e do nosso corpo vivo pelo uso da analogia. A teoria servia à arquitetura como
um discurso estável fundado na mathemata, ou seja, consistia num conhecimento a
priori colocado à disposição do arquiteto. Marco Vitrúvio Polio (~ 70-25 a.C.) elaborou
um corpo doutrinal específico da arquitetura, com sua definição e conjunto de princípios
sistematizados. Dizia, nos seus Dez Livros de Arquitetura, que a educação dos arquitetos
envolvia dois aspectos: o teórico, que vinha a ser a habilidade de demonstrar e explicar
os princípios da proporção, e o treinamento prático no trabalho com o emprego das
técnicas de construção. Observa-se então que, embora ainda fossem simultâneos, a
distinção entre os aspectos teóricos e práticos estava presente desde cedo no ensino de
arquitetura.
De acordo com Leonardo Benevolo (1960), será a partir de Alberti (1404-1472)
que o status da arquitetura se elevará da categoria de mera atividade pragmática à de
atividade teórica, arte liberal, guiada por princípios matemáticos e geométricos, podendo
ser desenvolvida filosoficamente. Tal postura não implicava uma dissociação entre
teoria e prática, mas uma valorização do aspecto teórico das artes manuais, como
escultura, pintura e arquitetura, podendo então ser estas ensinadas na academia, no
modelo de Platão, como uma alternativa de ensino ao simples trabalho no ateliê dos
mestres, ou nas fechadas corporações de ofícios. Provavelmente por influência de
Alberti, Lorenzo de Medici abriu nos meados de 1470, em Florença, sua academia que
reunia notáveis pintores, escultores e arquitetos, atuando como precursora das academias
de belas artes francesas (Benevolo, 1960).
O discurso teórico da arquitetura encontrará no modelo de Vitrúvio, também
retomado por Alberti, sua principal forma de manifestação da Renascença ao século
XVIII. No entanto, será necessário apontar graduais mudanças de paradigmas, a partir
40
do século XVII, que acompanharam o surgimento das academias francesas e estavam
relacionadas ao advento da ciência moderna.
Em geral, o que caracteriza esse tipo de produção teórica, segundo Hanno Walter
Kruft (1991), é fundamentalmente a preocupação em posicionar a origem legítima da
prática arquitetônica, definindo o escopo autônomo da disciplina. Geralmente essas
formulações prescrevem requisitos e qualidades da arquitetura e dos arquitetos, e teorias
ou métodos de projeto, utilizando exemplos canônicos da história da arquitetura.
Consistem, portanto, em concepções teóricas claramente atreladas à prática, oferecendo
a esta princípios que a normatizam, os quais, alguns autores chegam a não considerar
reais formulações teóricas devido a esse caráter instrumental.
Eliana Cardenas (1998) afirma que
“Embora os tratados elaborados desde Vitrúvio até o século XIX sejam os
antecedentes mais visíveis de uma teoria da arquitetura, não constituíam realmente
formulações teóricas senão uma recopilação de edificações e desenhos de edifícios, e
de seus elementos componentes, classificados segundo seu programa, seu tipo ou as
características das ordens, de modo que tinham entre seus objetivos básicos
estabelecer princípios que normatizavam a atividade prática. Tampouco estão guiados
por um enfoque historiográfico, pois Vitrúvio assume os princípios gregos como
totalmente válidos para sua época e os interpreta com total sentido de continuidade. E
uma posição similar caracteriza os tratados renascentistas e barrocos” (Cardenas,
1998, p. 78).
É preciso entender o caráter prescritivo, fundamentado na geometria e
matemática, dentro da idéia de teoria e ciência clássicas, isso é, como revelação da
verdade prístina, mítica ou divina. Ao tratar de questões de geometria e de precedentes
formais, os tratados conferiam uma autoridade ética e metafísica à produção prática,
permitindo aos projetistas, como observa Micha Bandini (1997), acessar componentes
norteadores da composição e a possibilidade de representação das convenções
tradicionais da cultura.
Os tratados clássicos, como os de Alberti, Palladio e Vignola, clarificavam o
significado do trabalho de uma construção para além de mera instrumentalidade,
articulando possibilidades de uma prática ética ao abordar a questão do que faria as
41
formas serem apropriadas a certas situações culturais. Esses tratados, como argumenta
Pérez-Gómez (1994)
“... serviam como articulações das dimensões metafísicas da arquitetura no
mundo tradicional; referindo-se à geração de formas para um cosmos coerente e seus
valores transcendentais, eles elucidavam o significado de uma arquitetura que estava
além de questão” (Pérez Gómez, 1994, p. 84).
No entanto, essa tarefa só foi possível até o Barroco, a partir do qual se vai
delineando uma concepção científica da teoria da arquitetura em que se problematiza,
cada vez mais, a autoridade metafísica da matemática e das ordens clássicas. O caráter
dos tratados e escritos sobre a história da arquitetura do século XVII ao XIX, como os de
Claude Perrault (1613-1688), Jean Fronçois Blondel (1683-1756), Jean-Nicolas Louis
Durand (1760-1834) e Auguste Choisy (1841-1904), devem ser analisados à luz da
ciência moderna e do desenvolvimento da noção de história e progresso.
2.2. Teoria e ciência moderna
A ciência moderna ir-se-á distinguir da ciência (ou filosofia) clássica
principalmente por incluir no método de conhecimento a experimentação, devendo,
portanto, ser construída a partir de fatos, dados ou fenômenos extraídos da realidade,
como observa Pereira (1984). Embora a ciência moderna continue a se valer da operação
racional e intelectiva, e principalmente da abstração matemática, nenhuma verdade
científica pode ser conhecida a partir de especulações e conjecturas que não possam ser
comprovadas na experimentação. As leis que se elaboram a partir da observação racional
da realidade devem possuir uma validade universal, permitindo inclusive a descrição do
mundo supralunar a partir de fenômenos estudados em outras circunstâncias. A
metodologia, segundo Pérez Gomes (1999), ou seja, a operação racional que vai
trabalhar a matéria do conhecimento correto e sua adequação com a verdade que deve
ser estabelecida a partir do problema ou fenômeno, torna-se um primado da ciência. Esse
caminho de investigação metódico significa, segundo Gadamer (1993), o auto-
assessoramento da razão. Só o método racional e a abstração matemática poderiam
revelar as regularidades que são ocultas aos sentidos. Mas, ainda segundo Gadamer
42
(1993), a ciência converte-se na grande empresa da penetração nos âmbitos
desconhecidos, para a qual não urge um apoio humano nem divino.
Aqui é importante observar uma profunda distinção entre ciência moderna e
clássica. Enquanto a última é qualitativa, buscando as causas sem se desligar de um
cunho metafísico amplo, a moderna é quantitativa, observando as relações de causa-
efeito fechadas em si. Enquanto o objetivo da filosofia clássica era o de ir às raízes ou à
essência das coisas, a ciência moderna procura construir uma lei geral a partir de uma
linguagem simbólica e matematizada. A verdade científica não mais responde a sentidos
humanos ou divinos. Não é antropocêntrica, nem teocêntrica, mas excêntrica. Essa
libertação relativamente à filosofia e à ontologia consolida-se a partir do século XIX,
quando o paradigma da visão metafísica da natureza se torna obsoleto com o advento da
ciência moderna (Gadamer, 1993).
O que seria teoria da arquitetura, então, nesse contexto? A teoria científica,
explica Pereira (1984), é resultante da experimentação, proclama resultados em leis,
doutrinas, sistemas, coordenando e unificando o saber científico num corpo doutrinário
universalmente válido. A teoria surge para consagrar a lei natural e generalizar o caso,
objeto da experimentação, comprovando ou não uma hipótese inicial. No dicionário de
filosofia de José Ferrater Mora (1982), encontra-se a definição de teoria científica como
um sistema dedutivo no qual certas conseqüências observáveis se seguem à conjunção
entre fatos observados e à série de hipóteses fundamentais do sistema. Embora o termo
teoria designe em geral uma construção intelectual que aparece como resultado do
trabalho filosófico ou científico, o sentido científico é o que mais influenciou a noção
geral do papel da teoria na sociedade moderna. Dentro de uma concepção utilitária da
ciência, em que esta deva contribuir à prosperidade social, a teoria deveria estar a
serviço da práxis e somente perante esse fórum poderia legitimar-se.
Segundo Pereira (1984), ainda no próprioculo da Ilustração e depois no
Idealismo Alemão e no Romantismo, reações à idéia de progresso e ao dogmatismo
racionalista tentaram resgatar a superioridade ou importância da permanência do sentido
da teoria, como o saber contemplativo da filosofia, perante a ciência prática (ou
43
moderna). No entanto, no século XIX, e principalmente no XX, as ciências da
experiência triunfaram com sua crença na prosperidade geral a ser alcançada pelas
utilizações técnicas da ciência e, de fato, conduziram o processo de civilização e da vida
na sociedade.
Segundo Gadamer (1993), com o ideal de vida teórico convertido em
investigação científica e tecnológica, a pura contemplação desinteressada desloca-se
para regiões de evasão, liberação da pressão de uma realidade cada vez mais prosaica.
Disso ocupou-se parte da arte dos séculos XVII a XIX, entendida como portadora de
uma força reconciliadora. Observa-se assim como se instaura uma distinção entre
ciência, como técnica subjugada ao novo utilitarismo social, e arte, como um dos redutos
da pura contemplação, embora não mais necessariamente racional e intelectiva. Surge,
então, a estética ou filosofia da arte como um campo autônomo.
A arte problematiza, então, afirmando sua autonomia, sua relação com a
sociedade. Com a crise de legitimação que se estabelece com essas disjunções, os
caminhos que se seguem na tentativa de problematizar e propor saídas a tal condição é o
que torna tão complexo o entendimento do que se sucede na arte nesse período. Para a
arquitetura o dilema é ainda mais complexo: seria arte ou ciência?
No entanto, os tratados de arquitetura continuaram seguindo a tradição de
arquitetura como Scientia, como defende Pérez-Gómez (1999). Portanto, para esse autor,
começam a perder, a partir do século XVII, o conteúdo metafísico e ético, passando a ser
puramente metodológicos e instrumentais, “discursos facilmente aplicáveis”, ou “um
conjunto de receitas para controlar a prática arquitetônica”. Os tratados preconizam
transformações que se farão sentir na prática somente no século XIX. O tratado de
Claude Perrault — Ordonnance des cinq espèces de colonnes selon la méthode des
anciens (1683) — é um marco nessa transformação ao desafiar a validade das
proporções vitruvianas:
As conseqüências da teoria de Perrault só serão completamente entendidas por
Durand, cujo tratado Précis des leçons d’architecture (1802-1805) consiste talvez no
texto mais influente do século XIX. Segundo Kenneth Frampton (1985), por meio da
44
definição de tipologias normativas e econômicas, Durand estabelece uma metodologia
de construção universal, pela qual estruturas econômicas e apropriadas poderiam ser
criadas através da permutação modular de planos fixos e alternativas de elevação.
Essa transformação da teoria em metodologia significa, para Pérez-Gómez
(1999), o fim de uma maneira de conceber e fazer edifícios, que era relacionada a
imagens cosmológicas que serviam como uma base intersubjetiva para a ação humana
significativa.
Segundo Cardenas (1998), as contradições do século XX propiciaram o
desenvolvimento de um discurso mais discursivo e reflexivo, que tentava explicar os
fenômenos e valorá-los, exercer uma função programática e enfrentar as novas situações
da prática. Novos operadores conceituais foram desenvolvidos no sentido da teoria
moderna, isto é, atrelada à práxis, utilitária e científica. A teoria teria, a partir de então,
de ser construída com base no ambiente histórico da experiência humana. Até meados
do século XX, a história como grande narrativa e o desenvolvimento científico das
ciências cognitivas (como a psicologia) pareciam fornecer uma base segura.
2.3. Alguns conceitos da estética vinculados à arquitetura
De acordo com Elvan Silva (1997), para o entendimento da estética é preciso
conhecer e entender os significados de subjetividade e objetividade. A experiência
estética é subjetiva no sentido de articular uma experiência individual. No entanto, é
objetiva no sentido de pretender, ter a pretensão de validade, justificar essa experiência
pela apresentação de razões que sejam válidas e suscetíveis à crítica.
Em toda construção deve-se levar em conta sua solidez (Firmitas), sua utilidade
ou adequação funcional (Utilitas) e sua beleza (Venustas), pregava Vitrúvio há 2000
anos. Em linhas gerais, dentre esses três componentes da tríade vitruviana, a Firmitas e a
Utilitas geralmente fazem parte da esfera objetiva do conhecimento, e a Venustas, o
componente estético, seria a esfera subjetiva do conhecimento. Para tanto, o
entendimento de alguns conceitos de estética torna-se fundamental ao projeto
arquitetônico. Portanto, é no sentido de buscar uma forma de raciocínio prático na
45
apreciação estética, que se verifica a relevância deste tema como objeto da crítica. O
estudo de precedentes é importante nessa habilidade, além de outras competências
culturais.
Na definição de Kruft (1991), teoria da arquitetura é qualquer texto sobre
arquitetura que a aborde sob um ponto de vista estético. Ao se tomar isso como
referência, o prosseguimento de pesquisas na teoria dependerá de como se entende o
“ponto de vista estético”. Um dos pontos importantes da estética kantiana é a noção de
que o objeto estético proporciona uma “contemplação desinteressada” (Jantzen, 2001).
O prazer estético desinteressado é a atribuição ao objeto de uma função não-prática. O
objeto estético não pode ter finalidade prática. O seu único “uso” é a contemplação
desinteressada. Nesse sentido, a função estética opõe-se a toda e qualquer função prática.
Sob esse aspecto, a arquitetura é uma arte problemática, uma vez que as obras
arquitetônicas não têm uma finalidade apenas estética.
Contudo, segundo Piaget, objeto, espaço, tempo e causalidade, como temas de
funções práticas, entram no campo da teoria da arquitetura. Essa entrada é concomitante
ao abandono da arte figurativa e sua substituição pela arte moderna abstrata. Busca-se na
arquitetura algo para além da figura. Parte-se da figura do edifício com finalidade prática
convencional. O edifício tem que parecer algo diferente de um edifício: uma máquina.
Com isso estaria criada a base para o “formalismo modernista”.
Na avaliação de um projeto, não existe um padrão de crítica fundamentado para a
apreciação deste, que fica submetido à subjetividade do processo de avaliação do
examinador. Porém, não se podem reduzir os critérios de avaliação dos projetos a
valores subjetivos. Deve-se, sim, incrementar esta discussão com base numa
argumentação consistente, prática e criteriosa.
A apreciação crítica é uma forma de raciocínio prático, porque sustenta ou critica
a experiência em termos do próprio ou impróprio, do objeto da experiência. Algo na
experiência é adequado ou então é inadequado a ela. Saber encontrar esse algo e saber as
razões da impropriedade ou propriedade deste algo é um raciocínio prático e crítico.
Nesse sentido, a apreciação crítica pode ser considerada objetiva, porque admite ser
46
sustentada como válida ou admissível em certas regras de convívio em determinadas
épocas e situações específicas, ou seja, é independente dos desejos individuais das
pessoas. A objetividade pode não ser universal, mas isso não converte os juízos estéticos
em “subjetivos”, no sentido de que eles só possam ser válidos para uma única pessoa.
Portanto, como afirma Jantzen (2001), a validade da crítica estética depende da
compreensão da apreciação, e não do certo ou errado. A compreensão é uma operação
mental que exige uma capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa e, a partir daí,
poder assimilar uma imagem do que essa pessoa considera ou pode pretender como
válido, para si e para os outros. Sob esse ponto de vista, os juízos de belo e feio são em
parte compreensivos, pois aceitam contradições. Por objetividade estética deve ser
compreendido aquilo que pode ser compartilhado.
O edifício “meramente funcional”, exemplificado por Scruton (1979), não tem,
portanto, um significado universal, pois carece da Venustas, do sentido estético e
subjetivo do conhecimento. Esteticamente, esse tipo de edificação está no mundo apenas
para realizar alguns objetivos funcionais efêmeros decorrentes de programas de
necessidades, indiferentes aos objetivos do público em geral. Edificações assim não
contêm uma intimação a um mundo objetivo de valores, não sendo possível encontrar
nesses edifícios nada além do que uma soma de objetivos individuais, de pessoas
individuais.
Um problema estético fica em aberto a partir da abordagem de Scruton (1979):
trata-se do problema do estilo, ou seja, não é qualquer estilo e nem tampouco a ausência
de estilo que resolveria os problemas da apreensão estética da arquitetura pelo público.
Insinua-se o deslocamento da questão para o terreno da responsabilidade do projetista. A
posição do arquiteto como um intérprete da história, de tradições arquitetônicas, assim
como de valores culturais, parece localizar-se neste ponto. Um intérprete, nesse sentido,
tem por tarefa transitar por dois mundos: o das aspirações dos usuários e o das
possibilidades da arquitetura em atender essas aspirações.
Um dos objetivos da educação estética, segundo Elvan Silva (1997), é “participar
imaginativamente em experiências futuras”. Uma maneira de iniciar esta educação é
47
educar o gosto como capacidade de discriminação da experiência do presente,
verificando nesta o que seria “apropriado” numa situação futura, ou mesmo, no
confronto com uma outra possibilidade.
O exercício do gosto
6
desenvolve-se por meio do conhecimento e da crítica dos
exemplos que compõem a experiência prática da arquitetura, ou seja, pelo confronto
com uma outra possibilidade. Nesse sentido, o conhecimento histórico da arquitetura é
indispensável. E, por fim, é necessária certa prática de análise de projetos, para saber
encontrar o que os bons exemplos têm de bom e também o que, a partir deles, pode ser
transposto para novas situações (Jantzen, 2003).
A educação do senso estético é também uma educação de senso prático, que se
ocupa de como obter satisfações que não são apenas questões de escolha visual, ou seja,
a forma do edifício tem que ter um grau suficiente de possibilidade de assegurar
funcionalidade. Quando um objeto tiver que ser feito de acordo com determinadas
conveniências (fins), as funções estéticas e práticas estarão concorrendo nos processos
de escolha de sua forma. A questão estética não consiste em explicar a arquitetura (seja
esta rotulada de bela ou feia), mas em descobrir os meios de compreendê-la como bela
ou feia, encontrando também os valores culturais que precisam orientar a produção da
arquitetura. Assim, é fundamental o projetista conhecer e considerar alguns desses
conceitos da estética para aplicá-los nos seus projetos.
Segundo Jantzen (2003), seria irracional produzir um edifício que funcionasse
pior do que os demais, que fosse mais feio e que fosse mais caro do que uma alternativa.
Com base na razão prática, todos reconheceriam esse princípio como objetivamente
válido, sem nenhuma dificuldade. Quanto à estética, então, terão que ser equacionados
os critérios de escolha visual que a edificação deverá atender. Conforme se pode
observar em muitas situações da vida cotidiana, muitas vezes é mais fácil externar o que
não se quer e deixar isso bem claro e bem objetivo. Para Jantzen (2003), um dos
6
O gosto é um conceito complexo, mas sua aprendizagem espelha as habilidades que são desenvolvidas
no nível do desenho de arquitetura e da análise formal de projetos precedentes. Daí a necessidade de se
trabalhar com o desenho de efeitos percebidos, de análises da forma, antes de se passar a uma crítica
aleatória, simplória ou irresponsável, de projetos, sem atentar para a complexidade do que pode ser
intensificado na assimilação da arquitetura por meio do conceito de gosto.
48
problemas estéticos mais importantes é exatamente o inverso disso, ou seja, como é
possível tornar claro e objetivo o que se quer e se deseja, ou o que se acha belo? Aqui,
novamente, aparece o caráter de pretensão de um juízo que afirma que algo é belo. A
escolha visual tem também esse caráter de pretensão de uma validade. Na busca por uma
solução para esse problema estético, encontra-se um dos maiores desafios no
aprendizado da arquitetura.
Enfim, a estética trata das questões práticas ligadas à captação de um artefato
arquitetônico e sua inclusão num sistema cultural, mediante atribuição de valores a este
artefato. A captação estética depende do trabalho de aquisição da cultura, formação de
um gosto, de conhecimento de estilos, das características pessoais e do meio social. O
efeito estético propriamente dito são as modificações na subjetividade da pessoa que se
dispõe a fazer uma apreciação estética de alguma coisa, seja da natureza, seja de algo
produzido pelo homem. A apreciação estética é feita, portanto, por meio do
reconhecimento de certos padrões e modalidades de produção de obras de arte e da
produção de imagens, que, dentro desta ou daquela cultura, comunicam os efeitos
estéticos decorrentes.
Deste modo, teoricamente, é sempre possível fazer um bom projeto, mesmo que
a partir de um programa banal e de um terreno sem grandes “espetáculos” naturais,
rurais ou urbanos. As tomadas de posição do arquiteto quanto ao partido e quanto aos
efeitos que o projeto deverá provocar é que são decisivas. Sem um “saber ver” as
possibilidades da arquitetura, não se consegue um bom resultado.
49
3. Das academias de arquitetura ao sistema acadêmico francês.
3.1. Contexto do surgimento das academias
A busca pela instrumentalidade e prescrição, justificadas em bases científicas, vai
conformando o escopo teórico da arquitetura a partir do século XVII. O conteúdo das
academias reais de arquitetura, tradição resgatada na França da academia italiana
renascentista, incluía basicamente disciplinas teóricas de caráter científico e técnico,
como aritmética, geometria, mecânica, arquitetura militar, fortificação, perspectiva e
corte de pedras.
Segundo Hanno-Walter Kruft (1991), a Académie Royale d’Architecture,
fundada em 1671 por Luís XIV, sob a direção de François Blondel, consistia
inicialmente num grupo de discussão de eminentes arquitetos que, além de aconselharem
o Rei nas matérias de arquitetura, também almejava desenvolver um conhecimento mais
exato e uma teoria mais correta. Seu objetivo, portanto, era institucionalizar a arquitetura
como uma disciplina acadêmica, elevando o arquiteto da qualidade de artesão ao de
intelectual e artista, como almejara Alberti.
Por volta de 1717 eram ofertadas palestras públicas nos assuntos acima referidos,
estruturando-se um curso de dois ou três anos. O curso oferecia apenas aulas teóricas.
Habilidades e conhecimentos de desenho e prática de projeto continuavam sendo
adquiridos nos ateliês dos mestres. Sucedendo-se à academia real, a École Royale des
Beaux-Arts, do início do século XIX, continuou incluindo somente matérias teóricas:
50
teoria e história da arquitetura, construção, perspectiva e matemática, além de física e
química, geometria descritiva, legislação de construção, história geral e história da
arquitetura francesa. Destes, segundo Geoffrey Broadbent (1971), somente assuntos de
base científica eram examinados.
A influência que as academias exerciam sobre a prática não se dava somente a
partir dos valores que se estabeleciam teoricamente. Para delinear as referências de
excelência da produção arquitetônica na formação de seus alunos eram importantes as
competições que eram promovidas pelas academias, a maioria delas em composição
arquitetônica.
Havia três tipos de competição: de esquisse (croquis), de projets rendu (desenhos
finalizados e renderizados a nanquim) e, introduzida mais tarde, de éléments analytiques
(desenhos das ordens clássicas). Havia também competições em construção,
provavelmente, de acordo com Broadbent (1971), relacionadas à necessidade, no final
do século XIX, de se produzirem desenhos cada vez mais detalhados e calculados para a
construção de edifícios.
Os alunos, segundo Kruft (1991), deveriam encontrar por si só maneiras de se
prepararem para as competições, isto é, exercer a prática da composição e aprender as
técnicas de desenho, que não eram ensinadas na academia. Como não eram suficientes
os ateliês existentes de mestres atuantes, os alunos passaram a organizar seus próprios
ateliês, contratando seu próprio patrono.
O aspecto mais importante a ser levantado sobre as competições é que nelas
estavam implícitas tanto questões de excelência da arquitetura (abordagem estilística
com valorização do repertório formal clássico romano), quanto hipóteses sobre o
processo de projeto. Ali, seguindo-se a um modelo simplificado do aprendizado do
ofício através da repetição em técnicas meticulosas de desenhos bidimensionais, seja de
detalhes ornamentais e construtivos ou das composições arquitetônicas dos mais velhos
(mestres ou alunos veteranos), é que se desenvolve uma prática pedagógica que depois
influenciará por muito tempo o ensino de projeto. Mesmo que mais tarde as escolas
tenham incluído em seus currículos os ateliês, esses continuavam independentes do
51
conteúdo científico abordado nas disciplinas teóricas e, portanto, sem muito direito à
crítica e à reflexão. Essas competições acadêmicas, na sua maior parte em composição
arquitetônica, eram importantes para delinear referências de excelência da produção
arquitetônica na formação dos alunos.
Assim, conforme Bernard Tschumi (1995), as academias promoveram uma
primeira disjunção entre os dois âmbitos da arquitetura: teoria e prática. E essa disjunção
é ainda mais problemática considerando-se a crise de legitimação que se instaura ao se
esvaziar o conteúdo metafísico da teoria e enfraquecer a autoridade das formas
referenciais da história, pois o início do tecnicismo, com base no novo paradigma das
ciências experimentais, vai fascinar cada vez mais a sociedade (e os arquitetos também)
pelos êxitos técnico-científicos. Para isso contribui não só a racionalidade utilitarista da
ciência moderna como também o desenvolvimento da noção de história linear,
relacionada à idéia de progresso e melhoria material pelas vias da tecnologia.
Com esse novo paradigma então vigente, as referências formais da história
passam a ser tomadas como uma mera sucessão de formas e estilos arquitetônicos, que
se justificam por si só, cabendo aos tratados de teoria e história da arquitetura ordenar os
edifícios historicamente com informações sobre estilos e aspectos construtivos.
Colocando-se os estilos lado a lado, para comparação e escolha, abre-se caminho para
que se questione a própria história como fonte de autoridade.
Paralelamente à Academia de Belas Artes, surgiu a École Polytechnique voltada
ao projeto de pontes, fortificações e outras obras públicas. Ali se desenvolveu mais o
aspecto científico da arquitetura, como construção, dando início à separação entre
arquitetura e engenharia. E será na engenharia que a construção alcançaria enfim seu
status de ciência moderna, desenvolvendo-se assim a indústria da construção
basicamente à margem da lógica compositiva e estilística da prática arquitetônica,
exercitada a partir dos valores das academias. Com a valorização do aspecto
compositivo (talvez resquício do caráter geométrico da herança clássica, no entanto sem
seu sentido cosmológico ou ético) em detrimento dos construtivos, observa-se, como
52
também aponta Tschumi (1995), uma segunda dissociação, ou disjunção, que distancia a
arquitetura e seu ensino dos meios de produção da cidade.
Durand, primeiro professor de arquitetura da École Polytechnique, procurou
estabelecer uma metodologia universal da edificação através da permutação de tipos
modulares fixos de plantas e elevações alternativas. Segundo Arthur Drexler (1977),
Durand aborda o termo composição afirmando que, no início de um projeto, se deve
partir do geral para o particular para poder assimilar com mais facilidade os elementos
simples e suas combinações para formar o todo: “os elementos estão para a arquitetura
como as palavras para a linguagem, como as notas para a música, sem o seu perfeito
conhecimento é impossível seguir adiante” (Drexler, 1977, p. 46). Segundo esse autor,
Durand relaciona os componentes materiais e construtivos à palavra “elemento”, e os
espaços e agrupamentos, à palavra “partes”.
Para serem recriados, os saberes de qualquer profissão precisam transitar de uma
época para outra, entre gerações, configurando um patrimônio coletivo, ou pelo menos,
na pior das hipóteses, corporativo. Assim, a teoria e a história da arquitetura funcionam
como “máquinas do tempo” para a prática profissional (Jantzen, 2001).
Com as modificações do capitalismo, no século XX, especialmente sua
internacionalização, a arquitetura e o urbanismo experimentaram algumas situações
paradoxais. O domínio das técnicas construtivas e suas aplicações em programas de
arquitetura e urbanismo de massas foram muito enfatizados
7
. No ensino, contudo, isso
aconteceu em alguns momentos e em algumas faculdades, apenas. Nos países
capitalistas, aquela ênfase fez fortunas privadas e garantiu acumulação de dinheiro pelo
Estado (como no tempo do BNH, no Brasil). Esse dinheiro nem sempre foi direcionado
a programas de habitação social ou infra-estrutura, a não ser em momentos de crises
sociais ameaçadoras aos regimes (Jantzen, 2001).
7
Os cinco primeiros Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna desempenharam um papel
fundamental na divulgação de princípios arquitetônicos mais ou menos compatíveis com os estágios de
desenvolvimento do capitalismo, em vários países, à época desses congressos.
53
Nesse contexto, é fácil ver a quem interessava danificar a “máquina do tempo”.
Os setores vinculados à construção civil que controlavam os financiamentos não
queriam e não querem saber de críticas. Por outro lado, a teoria e a história da
arquitetura são sempre potencialmente críticas. São matérias que ensinam, ou deveriam
ensinar a pensar pela própria cabeça.
Segundo Elvan Silva (1998), a teoria, a história e a estética, aplicadas aos
projetos, podem embasar críticas ao mau uso da técnica, ou ao rebaixamento da
qualidade compositiva e estética dos projetos, ou fazer críticas aos padrões de
habitabilidade impostos às classes que dependiam, ou dependem de programas sociais,
ou às populações em geral. Podem também fazer críticas à cultura em geral, que se
tornou tolerante com respeito a regimes exploradores e opressores, que precisam da
ignorância da maioria para se manter.
Enfim e segundo Jantzen (2001), poderiam ser listados muitos outros motivos,
políticos, ideológicos, e econômicos, para que as faculdades brasileiras “modernistas”
estragassem suas “máquinas do tempo”. O interesse e a apropriação por parte dos alunos
daqueles conteúdos-chave de teoria, história e estética, que acionam a “máquina do
tempo” da profissão, apesar dos currículos não darem ênfase a isso, assinalam, desde os
tempos da faculdade, as divisões sociais que vão aparecer, mais tarde, no campo
profissional. A isso se agregam as divisões sociais entre os alunos de universidades
particulares e públicas. O ensino de projeto, portanto, depende muito mais desses fatores
do que se pode imaginar, ao se freqüentar inocentemente uma disciplina de projeto
qualquer.
Mesmo assim, saber desenhar, dominar um mínimo de teoria e história da
arquitetura e do projeto, assim como sistemas construtivos, é básico na formação de
qualquer arquiteto urbanista. Por isso, de acordo com Jantzen (2001), ao tentar-se
consertar a referida “máquina do tempo” da formação profissional, é necessário retomar
conteúdos que não apenas foram importantes no passado, mas que, no presente,
contribuem para se entender esse mesmo presente e, até certo ponto, antecipar alguma
54
coisa do futuro. O sistema acadêmico francês e suas abordagens de projeto são
conteúdos desse tipo.
3.2. A arquitetura acadêmica francesa e suas fases
A formação do chamado “sistema acadêmico francês” começou, sua primeira
fase, no reinado de Luís XIV. De 1671 a 1789 o sistema era o Institut de France, a École
de Beaux-Arts e a Academie de France à Rome. Nem todos estavam criados ou
organizados, no início. As discussões eram feitas na Académie d´Architecture e as lições
nos ateliês de Jacques-François Blondel (1705-1774),
8
Julien-David LeRoy (1724-
1803)
9
e Étiénne Louis Boullée (1728-1799).
10
O academicismo francês expressava-se
nos projetos produzidos para os Concours du Grand Prix de Rome, os Grand Prix.
Entre 1800 a 1870, aproximadamente, pode-se delinear uma segunda fase. O
curso poderia durar de doze a quinze anos, e a École, além de manter seus ateliês e
ministrar algumas leçons, funcionava como um júri permanente, em torno dela
gravitando vários ateliês particulares (até mesmo de estudantes que se organizavam e
contratavam orientadores reconhecidos profissionalmente). Além dos concursos pelo
Grand Prix, havia os concours d´émulation, mensais, em que os autores dos projetos
premiados recebiam medalhas. Nessa segunda fase os princípios arquitetônicos seguidos
pela escola correspondiam às facções principais da arquitetura na França. Nos anos entre
1860 e 1870 o ambiente foi tenso na escola, mas também muito produtivo. Os nomes
que marcaram essa fase foram Charles Percier (1764-1838), Henri Labrouste (1801-
8
Jacques-François Blondel foi professor, manteve uma escola particular de arquitetura em Paris, e sua
influência nas gerações posteriores foi intensa, embora difícil de determinar com precisão. Seus
postulados teóricos aparecerão na École de Beaux-Arts no final do século XIX e durante o tempo de
Quatremère de Quincy.
9
Julien-David LeRoy foi bolsista na Académie Française à Rome, viajou à Grécia e conseguiu medir os
principais monumentos de Atenas. Foi um teórico e um historiador da arquitetura. No seu currículo e na
sua época as questões de proporções e ordens arquitetônicas muitas vezes estavam no centro dos debates
arquitetônicos. Esses debates atrelavam-se às discussões de conceitos de Vitrúvio, que estavam sendo, de
certo modo, “atualizados” no século XVIII. Conceitos de ordem, solidez, caráter e evolução da arquitetura
fazem parte de sua obra.
10
Étiénne Louis Boullée foi praticamente educado como pintor, depois foi aluno de J-F. Blondel. Passou
a ensinar na Académie d´Architecture em 1780 e exerceu uma influência significativa, especialmente pela
sua abordagem estética da arquitetura, tanto na sua época como nas gerações posteriores. O seu Essai sur
l´Art esclarece muitos pontos obscuros da estética da arquitetura (incluindo a contemporânea), tanto do
ponto de vista da terminologia, como da genealogia de alguns conceitos.
55
1875), Charles Garnier (1825-1898) e Viollet-Le-Duc (1814-1879), personalidades
marcantes, mestres que procuram um lugar no “sistema”.
Na terceira fase, segundo Drexler (1977), o sucesso da escola, de 1870 em diante,
atraiu estrangeiros que retornavam aos seus países e criavam variedades locais dos
currículos das Beaux-Arts, ao mesmo tempo em que a escola começava a declinar. Em
1920 o conservadorismo da escola não conseguia assimilar idéias modernistas. Julien
Guadet (1834-1908), em 1901, reafirmava o “liberalismo” da escola, mas isso em termos
do que se chamaria de Ecletismo.
Segundo Drexler (1977), depois dessas três fases, a escola passou por adaptações
no século XX. Foi fechada em 1968, no mesmo ano do levante estudantil que deu
origem a várias críticas ao capitalismo internacional que se fazem até hoje. O sistema
francês de ensino de arquitetura mudou completamente, desde então, criando várias
modalidades de diplomas e habilitações. Algumas dessas habilitações retornaram ao
estudo de sua antiga escola ancestral, nos anos setenta e oitenta, e muitas críticas “pós-
modernas” à arquitetura internacional devem-se àqueles estudos. Nessa mesma época,
nos Estados Unidos, o estudo sobre École de Beaux-Arts despertou muito interesse.
Estava começando um reencontro com aqueles saberes-chave da “máquina do tempo” da
arquitetura, principalmente em termos de projeto.
Conforme Drexler (1977), os conceitos de composition (composição), marche
(percurso), parti (partido), assim como a confiança na versatilidade dos métodos de
abordar o projeto nunca configuraram um estilo, mas sim uma técnica, um saber-fazer
bem pensado e conscientizado.
Eugéne Viollet-le-Duc (1814-1879) excluiu a tradição arquitetônica do
Racionalismo Clássico francês, através de seus princípios apresentados pela primeira vez
em suas aulas na École de Beaux-Arts, em 1853. Esses princípios, segundo Drexler
(1977), que eram chamados de Racionalismo Estrutural, preconizavam um retorno à
construção regional e eram divididos em dominantes e secundários. Os dominantes
preconizavam dois modos de como ser autêntico em arquitetura: um através do
programa e o outro pelos métodos de construção. O secundário estava relacionado às
56
questões artísticas da forma. Em certos aspectos, segundo Drexler (1977), estes
princípios anteciparam o Art Noveau, que propôs não só modelos, mas também um
método que libertaria a arquitetura das irrelevâncias ecléticas do Historicismo. Suas
idéias difundiram-se no final do século XIX por quase toda a Europa. Viollet-le-Duc,
cinqüenta anos depois, reforça a idéia de Durand, afirmando que o arquiteto deve
resolver parte por parte seu edifício por meio de uma idéia forte que estruture o todo.
Nesse caso, observa-se que o autor se está referindo a um partido.
O partido (parti) era importantíssimo no processo de lançamento do projeto, da
idéia básica. O processo, por sua vez, era chamado de composition pure, ou seja, o ajuste
de elementos. O parti seria, então, como uma inspiração (um tema compositivo) que se
aplicava na disposição e na importância dada aos elementos.
“Na arquitetura, partido é o nome que se dá à conseqüência formal de uma
série de determinantes, tais como o programa do edifício, a conformação topográfica
do terreno, a orientação, o sistema estrutural adotado, as condições locais, a verba
disponível, as codificações das posturas que regulamentam as construções, e
principalmente, a intenção plástica do arquiteto. Assim, compreende-se que as
mesmas situações podem justificar partidos, ou disposições de massas, diferentes
entre si. Enfim, o partido é a disposição final das massas, observando-se a distribuição
dos cheios e dos vazios, das superfícies iluminadas e das sombras” (Corona; Lemos,
1957, p. 360).
O partido é fundamental no processo de lançamento do projeto, da idéia básica.
O processo, por sua vez, consiste no ajuste das partes que formarão o todo edificável. O
partido é conseqüência da intenção, que rege a disposição e conota a importância dada
aos elementos de arquitetura e de composição.
A palavra parti vinha do francês coloquial prendre parti, que queria dizer tomar
partido, posicionar-se, fazer uma escolha. A composition pure era formal, uma maneira
de apresentar idéias, o parti, a escolha e a postura assumida nas decisões projetuais. As
idéias não eram propriamente ensinadas. Sua geração originava-se na mente dos
projetistas e dependia de uma gama de convicções e teorias que estavam ao alcance dos
estudantes, nos ateliês. No final do século XIX, de acordo com David Van Zanten
(1977), essa posição mudou. O ato primeiro de projeto manifestaria um posicionamento
eclético da escola. Nessa época tratava-se da crença de que a escola havia descoberto um
método de apresentar o projeto que seria válido em si mesmo, não importando a escolha
57
feita. No final do século XIX a escola orgulhava-se da versatilidade de seu método no
período da chamada “guerra de estilos”.
O papel da composição, por sua vez, consiste em unir, conectar o todo, tornar
factível o artefato arquitetônico. É o processo essencial da organização das partes no ato
de projetar. Não o projeto de planta, nem o de fachadas, relativos ao plano
bidimensional, mas sim o de edifícios inteiros, concebidos como objetos tridimensionais,
pensados e vistos, no seu conjunto, em planta-baixa, cortes e elevações. O conceito de
composição emergiu de distribution e disposition, das categorias vitruvianas (Kruft,
1991). Distribuir significa arranjar e colocar elementos, as partes numa certa ordem
ditada pelo partido. Compor, por sua vez, significa fazer um todo por meio das partes. O
termo partido, conforme estudado, significa escolha ou decisão; seria a essência do
projeto e, no processo de composição, substituiu o termo concepção, usado no início do
século XIX por Quatremére de Quincy (1755-1849).
11
Enfim, a composição consiste no
modo de apresentar o artefato arquitetônico edificado por meio de suas partes, e o
partido seria a escolha das referidas partes.
Julien Guadet (1834-1908), professor da École de Beaux-Arts, em torno de 1900,
afirmava que compor é colocar junto, soldar, unir as partes de um todo. Estas partes são
os elementos de composição (posicionar compartimentos ou grupos de compartimentos
de uma edificação). Para Guadet, paredes, aberturas, abóbodas e tetos referem-se aos
elementos de arquitetura. Foi com esse ensino na École de Beaux-Arts e com sua
influência sobre seus discípulos Auguste Perret e Tony Garnier que os princípios da
composição “elementarista” clássica foram passados aos arquitetos pioneiros do século
XX (Corona Martinez, 1990).
11
Antoine Chrisostome Quatremère de Quincy era quem conduzia os julgamentos da Prix de Rome.
Deixou uma teoria da arquitetura em várias obras. Elaborou uma teoria evolutiva da arquitetura, que
remontava à Grécia Antiga em todos os seus conceitos principais: a origem, os princípios, as leis (da
evolutividade), a teoria e a práxis, os quais teriam sidos alargados pelos antigos romanos e transformados
em patrimônio universal pelo mundo civilizado. Um exame mais detalhado das teorias da composição das
Beaux-Arts demonstra, contudo, que seus preceitos nem sempre foram seguidos.
58
3.3. Alguns conceitos do sistema acadêmico vistos por autores recentes
O conceito de partido, que surgiu na École de Beaux-Arts, foi um dos legados
deixados pela arquitetura acadêmica francesa para um dos modos contemporâneos de se
fazer arquitetura. Tratava-se de um método dedutivo, do todo para as partes e das
decisões de projeto centradas no referido parti para a concepção do projeto
arquitetônico. Baseava-se na idéia de adequar o projeto ao respectivo programa de
necessidades, na organização e distribuição dos elementos de arquitetura e os de
composição com base numa idéia geratriz que orientasse uma intenção projetual.
Para a organização do programa de necessidades ao partido adequado que
orientará a geração da forma arquitetônica, bem como sua interpretação (que
metaforicamente assemelha-se a um diálogo) para atender às necessidades do cliente, é
necessário que se elabore um programa prévio, que possa estabelecer um diálogo entre o
mundo da arquitetura e o mundo do cliente. Para Elvan Silva (1998), o desenho é a
ferramenta que permite esse diálogo.
Segundo Ching (1979), o programa prévio propõe desenhos de espaços, estudos
de geometria, estudos de proporções de espaços e de elementos construtivos. Assim, um
programa precisa ser desenhado para representar os espaços. Observa-se que existem
vários modos de elaborar essa parte do processo de projeto, cabendo destacar alguns
deles. Primeiro, seriam os métodos que propõem exercícios de desenhos de espaços por
meio de convenções comuns, como aqueles que se encontram em ilustrações de revistas
para público não-especializado. Segundo, seria a utilização de métodos que propõem
exercícios de imaginação, por meio do desenho, mas usando referências extra-
arquitetônicas, culturalmente legítimas, que são metaforizadas em formas arquitetônicas.
Por último, seriam, os exercícios de análise de exemplos, que consistem em estudar
precedentes referenciais e verificar como as funções dos espaços estão apresentadas e
trabalhadas no caso (trata-se de uma análise de projetos preliminar, ainda que não seja
uma análise crítica). O êxito desses exercícios depende não apenas da qualidade dos
materiais examinados e desenhados, mas também do horizonte do intérprete. De acordo
com Ching (1979), esses exercícios podem ser complementados por estudos de tramas
59
geométricas, que servem de suportes geométricos para elementos de composição e de
elementos construtivos, de acordo com algum tipo de regra de coordenação
(normalmente relacionada com o partido concebido pelo projetista).
De acordo com Elvan Silva (1998), a idéia de partido na arquitetura
contemporânea é o nome que se dá à conseqüência formal de uma série de
determinantes. Tais como o programa do edifício, a conformação topográfica do terreno,
a orientação, o sistema estrutural adotado, as condições locais, a verba disponível, as
codificações das posturas que regulamentam as construções, e, principalmente, a
intenção plástica do arquiteto. Assim compreende-se que as mesmas situações podem
justificar partidos distintos entre si. É o que comumente se observa nos concursos de
arquitetura, nos quais os arquitetos atendem igualmente a todas as exigências dos editais
e apresentam soluções formais diferenciadas, pois se percebe que, antes de tudo, há a
predominância de “intenção plástica”, quase sempre eminentemente personalista.
Para Clark & Pause (1985), o partido é a idéia dominante num edifício, que
engloba as características preeminentes deste. Concentra o mínimo essencial do projeto,
aquilo sem o qual não existiria a obra, de onde se pode gerar a arquitetura. O processo de
proposição do partido começa pela elaboração de um programa de necessidades, ou
simplesmente “o programa”. De acordo com Elvan Silva (1998), o programa emerge de
necessidades experimentadas na vida social, no campo que se chama de realidade, na
linguagem do cotidiano. As necessidades de equipamentos e edificações, do modo como
são manifestadas pelos clientes e usuários da arquitetura, são também chamadas de
“empíricas”, antes de serem elaboradas num programa.
Daí compreende-se que a elaboração de um partido depende de um processo de
interpretação. Isso quer dizer que o projetista precisaria organizar um processo de
“perguntas e respostas entre dois mundos”, o da arquitetura e o do leigo. A fusão desses
dois horizontes, desenhada convenientemente, receberá o nome de partido.
Segundo Kruft (1991), a distribuição dos elementos de arquitetura e dos de
composição, que se organizam de maneira dedutiva centrados num partido orientador, é
uma categoria vitruviana que, ao mesmo tempo, participa da Utilitas e da Venustas. A
60
disposição, por sua vez, acentua o caráter de um edifício. Essas categorias estéticas de
Vitrúvio são antigas, mas não são arcaicas. Mantêm sua vitalidade porque são simples e,
por isso, fáceis de ser assimiladas pela sensibilidade estética. Outros aspectos
contemporâneos observáveis e significativos à proposição do partido (herança do
sistema acadêmico francês) são a adequação da ordenação espacial e dos sistemas
construtivos, sendo o estudo de exemplos referenciais um modo de deixar menos vaga
essa noção de adequação. Os exemplos devem elucidar por que algumas adequações são
pertinentes aos programas e aos terrenos, e por que outras não são.
Com respeito aos elementos de arquitetura e aos de composição, cabe salientar,
segundo Elvan Silva (1994), que eles estão no nível das coisas que pertencem ao projeto.
No geral, o uso de exemplos de precedentes referenciais, nessa fase do projeto, abastece
o arquiteto com um significativo repertório de soluções que são aplicáveis a vários
dilemas de projeto que podem surgir.
Nessa fase do projeto seria importante considerar alguma definição de
composição que seja operativa no processo de desenho, isso sem entrar em
considerações teóricas mais extensas. Utilizando a referência de Corona Martinez
(1990), o importante é estabelecer uma distinção clara entre elementos de composição e
elementos de arquitetura. Dessa maneira, são possíveis exercícios de exemplos, em que
se podem identificar uma ordenação espacial (ou combinações de ordenações espaciais),
elementos de composição e elementos de arquitetura. Com isso é possível confrontar
essas representações com diversas possibilidades, iniciando um processo de crítica, uma
vez que se pode entender crítica como “o confronto com outra possibilidade”, de acordo
com Gadamer (1975). Essas críticas podem ser estilísticas. Nesse caso, podem ser
propostos exercícios que confrontem esse partido prévio e outros desenhos com estilos
diferentes, para que se examinem com transparência os problemas do emprego de
elementos com respeito às suas possibilidades de inclusão em estilos.
E, mais além, para Ching (1979), podem ser propostos exercícios de composição
da cidade, ou da amostra de tecido urbano afetada pelo partido arquitetônico que está
sendo proposto, sendo vinculados diferentes resultados das ordenações espaciais e seus
61
efeitos sobre a paisagem urbana. Basicamente, todos esses exercícios precisam enfatizar
a figuração dos elementos de composição e dos elementos de arquitetura.
A própria ordenação espacial deverá criar algumas possibilidades de proposição
de sistemas estruturais, assim como de ser alterada por aqueles. Os principais sistemas
que podem ser testados, além da alvenaria autoportante, são o emprego de grandes vãos,
de estruturas em aço, de estruturas em concreto armado e de estruturas em madeira. A
forma desses elementos estruturais, assim como a decisão de deixá-los expostos ou
escondidos nos sistemas de vedação e cobertura, vai ser determinante na análise das
possibilidades de incluir o partido num estilo.
Portanto, segundo o legado da École de Beaux-Arts e conforme Corona Martinez
(1990), na contemporaneidade evidencia-se que o caminho a ser percorrido será o da
busca da boa composição arquitetônica, orientada pela escolha de um determinado tema.
O tema consiste em propostas, proposições que tornam certas propostas inteligíveis e
certas intenções comunicáveis. Isso ocorre por meio da adoção do partido arquitetônico
orientador e articulador das partes num todo, em que podem ser buscadas as
propriedades estéticas do projeto.
Conforme analisado, pode-se afirmar que, em linhas gerais, a metodologia de
projeto da Beaux-Arts vai do geral ao particular, através de projeções independentes,
priorizando plantas-baixas, deixando para depois as determinações tridimensionais sem
resolver questões relativas às estruturas que irão sustentar tal edificação.
Segundo Kruft (1991), em nenhuma de suas fases, a École de Beaux-Arts
codificou uma teoria pronta e acabada do projeto. Os saberes teóricos sobre desenho,
construção, história, matemáticas e instalações eram ensinados em aulas teóricas. Os
ateliês, os da própria escola e os que viviam em função dela, contudo, acabaram por
consolidar algumas práticas de projeto e algumas abordagens que conformaram as
orientações teóricas da escola e também a prática projetual então vigente, nas suas
diferentes fases.
62
Porém, os paradigmas culturais dessa época apontavam para uma revisão do
modelo tradicional e pragmático do sistema acadêmico francês. Com a evolução
tecnológica e a conseqüente mecanização dos processos, a sociedade estava diante de
um novo modelo de progresso, no qual os processos industriais nos diversos âmbitos
seriam a tônica da discussão. Assim, começa-se a pensar também num novo modelo para
a arquitetura e a Bauhaus, que é objeto de estudo do próximo capítulo desta dissertação,
foi um emblema dessa mudança de paradigma com vistas a um novo mundo, de
constantes avanços tecnológicos e sem levar em conta os aspectos da história.
4. Bauhaus
4.1. O contexto e o surgimento da Bauhaus
Para melhor compreensão do surgimento da Bauhaus, é necessário remontar a
alguns aspectos da segunda metade do século XVIII, quando a Inglaterra passou por um
grande período de expansão econômica. O aumento da população da Inglaterra gerou
crescimento na produção industrial, resultante da mecanização dos sistemas de produção
e da expansão do mercado internacional.
Segundo Wick (1982), o progresso industrial ocorreu rapidamente, ocasionando
crises e insucessos para categorias populares e tradicionais da população. A grande
quantia de capitais, desigualmente distribuída na sociedade, a grande oferta de mão-de-
obra e as numerosas invenções técnicas foram-se tornando cada vez mais desordenadas,
gerando desorganização da sociedade através das mudanças econômicas. Essas
mudanças não conseguiram ser absorvidas com êxito, prejudicando a qualidade de vida
de alguns setores da sociedade.
Entendendo o novo paradigma da sociedade, da política e da economia do século
XIX, pode-se estabelecer uma inter-relação das categorias sociológicas com a
arquitetura. A arquitetura encontrava-se em um período de inovação e crítica, de
abertura para o futuro, com propostas de adaptação da linguagem tradicional,
possibilitando novas experiências. A tradição considerava a arquitetura, a pintura e a
64
escultura, artes maiores, atreladas a um sistema rígido de regras impostas, consideradas
universais e permanentes, que deveriam garantir a unidade de linguagem.
A insatisfação com a evolução da sociedade foi percebida no cotidiano das
pessoas, incluindo os objetos de uso rotineiro que foram vulgarizados com a crescente
produção industrial. Estes eram produzidos industrialmente em série, e sua concepção
era destinada a artistas motivados por finalidades comerciais. Essa pequena minoria de
artistas estava cada vez mais dependente da indústria, pois a execução de suas peças se
tornava um ato totalmente mecânico.
Conforme o livro Pedagogia da Bauhaus, de Rainer Wick, existiram alguns
importantes antecedentes que influenciaram a concepção da Bauhaus. Entre eles podem-
se mencionar as influências de Ruskin e de Morris, considerados os precursores do
design moderno. John Ruskin (1819-1900) apareceu na segunda metade do século XIX,
como crítico da transformação da sociedade, propondo reformas sociais e a rejeição do
trabalho mecanizado. Para Ruskin, o maquinismo e a divisão de trabalho transformaram
os trabalhadores numa simples peça automática e acabaram com o prazer que poderia ser
proporcionado pelo trabalho criativo. William Morris (1834-1896), um dos principais
discípulos de Ruskin, fundou oficinas de artes que obtiveram algum sucesso nos anos de
1880. Morris era um utópico, conduzindo suas teorias a uma certa forma de socialismo,
com vistas à valorização da criatividade do artista. É justamente nesse aspecto que se
compreende seu insucesso. A utopia de Morris não estava de acordo com a
automatização dos processos produtivos e a política econômica do final do século XIX
(Wick, 1982).
De acordo com Wick (1982), Ruskin sobressaía-se mais na teoria com relação às
críticas à produção industrial, enquanto Morris utilizava essas críticas de forma prática.
Uma conseqüência da produção por meio de máquinas era a baixa qualidade do material
confeccionado com relação ao produto artesanal. Morris, cujo pensamento foi
extremamente influenciado por Ruskin, foi um grande inovador da arte industrial do
século XIX. Esforçou-se para fazer uma renovação na arte do artesanato e, assim,
difundiu-se pela Inglaterra o movimento Arts and Crafts. Charles Ashbee (1863-1942),
65
teórico e prático do design moderno, aprendeu muito com Ruskin e Morris; porém,
modificou o conceito até então impregnado entre seus mestres de ir contra a máquina.
Aliou-se às máquinas por considerá-las fundamentais para a civilização moderna, e
mencionava que o ensino da arte deveria reconhecê-las.
Paralelamente vinham acontecendo reformas nas academias de artes de formação
dos artesãos. O incentivo à criatividade era preconizado (como na utopia de Morris),
porém havia a necessidade do pensar em interesses econômicos, pois a Inglaterra não
queria perder sua posição de líder na área industrial. Como conseqüência do movimento
utópico, que propunha inclusive uma vida comunitária dos artistas, atrelada à
necessidade da imposição dos interesses econômicos ingleses, surgiram as associações
de artesãos. Essas associações poderiam ser mais bem absorvidas pela sociedade da
época. Segundo Wick (1982), nas propostas isoladas e utópicas de Morris, os produtos
que deveriam ser consumidos por toda a sociedade eram caros e podiam ser adquiridos
somente pelas camadas mais ricas da população. As associações de artesãos haviam
criado um desafio, que era justamente criar uma cultura do povo, para o povo. Surgiram
vários movimentos de renovação cultural que tentavam trazer o cotidiano da população
trabalhadora, produtora de arte, para dentro das indústrias, gerando, desse modo uma
vida comunitária dentro das fábricas. Esse pensamento era entendido como fundamental
para a requalificação industrial.
Vários países tentaram copiar esse modelo da Inglaterra. Na Alemanha,
especificamente em Berlim, foi fundado o Museu de Artes Plásticas, em 1871, e, junto
desse e de outros que apareciam na mesma época, criavam-se as escolas de arte. Várias
cidades participaram desse processo de renovação cultural, sendo possível citar
Düsseldorf, Breslau, Stuttgart e Weimar. Em 1890, ainda na Alemanha, apareceu o
Jugendstil, estilo decorrente do processo de introdução de oficinas nas escolas de arte.
As indústrias exigiam uma mão de obra mais qualificada.
A Alemanha, então, foi reconhecida como centro da cultura arquitetônica na
Europa com o Jugendstil, que, dentre outros valores, mesclava arte e técnica. Além da
renovação industrial, disseminava-se pela Europa a criação de pequenas indústrias
66
privadas que fabricavam utensílios domésticos. Constituiu-se, então uma associação de
oficinas chamada Deutsche Werkstätten, que defendia a mecanização da produção, para
que essas pequenas fábricas pudessem também atingir sucesso econômico e social. A
Alemanha acabou por substituir a Inglaterra, tornando-se nação líder na produção
industrial até a Primeira Guerra Mundial. Essa substituão decorreu do fato de os
produtos alemães buscarem uma linguagem nacionalista, complementando a reputação
industrial alemã.
Em 1907 criou-se a Deutscher Werkbund, associação das artes e ofícios. Essa
associação tinha como objetivo a cooperação entre arte, indústria e artesanato para a
melhoria da atividade comercial, e também garantia a posição da Alemanha como
potência industrial. As indústrias iniciaram o processo de renovação, contratando artistas
que projetavam todo o estilo de determinada empresa.
Em 1912, Walter Gropius tornou-se membro da Deutscher Werkbund devido à
excelente repercussão de seu projeto para a fábrica Fagus. Com a exposição desse
projeto em Colônia, Gropius teve a oportunidade de projetar mais uma fábrica-tipo e um
edifício de escritórios. Esses projetos apareceram como símbolos do espírito e da
vontade da época. No caso da fábrica Fagus, o arquiteto e o cliente estavam fortemente
conectados. O cliente, Carl Benscheidt, era totalmente imbuído do espírito do
movimento de reforma social de seu tempo. Em sua fábrica, utilizava as últimas
descobertas para inovação e aumento de qualidade de seus produtos. Gropius conseguiu
projetar uma identidade corporativa com uma visão artística consistente desde a
arquitetura até os produtos e panfletos da fábrica (Wick, 1982).
Do ponto de vista histórico, é também relevante ressaltar que o surgimento da
Bauhaus ocorreu no momento em que a Alemanha foi destruída pela Primeira Grande
Guerra Mundial e humilhada pelo tratado de Versalhes.
12
12
Assinado em 28 de junho de 1919, o Tratado de Versalhes foi um acordo de paz firmado pelos países
europeus após o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Neste Tratado, a Alemanha assumiu a
responsabilidade pelo conflito mundial, comprometendo-se a cumprir uma série de exigências políticas,
econômicas e militares.
67
A Bauhaus surgiu durante a chamada República de Weimar, num momento de
grande crise política e econômica. O período entre as duas guerras mundiais propiciou
um terreno fértil para as ideologias da Bauhaus. A principal intenção desta era alavancar
a economia alemã e, para tal fim, a Bauhaus propunha-se a acabar com a “parcela livre
de artistas que geralmente amargavam seu insucesso na Alemanha” (Wick, 1982).
Assim, estes passariam a ter uma função social, deixando de ser dispendiosos para o
governo. A proposta apresentada era unir aos produtos industrializados, então em
ascensão, a arte e a técnica. Da união e das relações estabelecidas pela Bauhaus entre a
arte, a técnica e a indústria, originou-se o que hoje se conhece como desenho industrial.
Fundada a partir da Escola de Artes e Ofícios de Weimar, de 1906, a Bauhaus
refletia um contínuo esforço de reforma, não só do ensino da arquitetura, mas das artes
aplicadas em geral, isso no sentido de retomar a arquitetura num âmbito mais científico e
moderno, numa tentativa de romper as barreiras entre o artesão e o artista, de dissolver
os limites entre arquitetura, pintura e escultura no contexto da crescente produção
industrial. Gropius defendia uma educação do artista-artesão para o design, baseada em
workshops, enfrentando as resistências de uma visão academicista, cobrada pelo então
reitor da Academia de Belas Artes. A Bauhaus nasce, portanto, como uma instituição
composta, sendo um híbrido de academia de artes e escola de ofícios. Como observa
Frampton (1985), esse arranjo “iria dividir a Bauhaus conceitualmente em toda sua
existência”. Combinando a tradição Arts and Craft, que valorizava o aprendizado na
prática do ofício, com a concepção clássica da arquitetura como disciplina intelectual e
científica, a Bauhaus trouxe novos ingredientes para o dualismo teoria e prática.
Essa fase de fundação foi marcada por uma instabilidade devido ao corpo
docente muito heterogêneo e acostumado a seguir a orientação acadêmica da antiga
Escola Superior de Artes Plásticas, considerando, então, o programa da Bauhaus
progressista demais.
Conforme Wick (1982), o curso concebido por Gropius iniciava com um ciclo
básico, de seis meses, completamente focado no ofício. Orientados por artistas, os
alunos manuseavam e estudavam objetos e materiais naturais, contrastando formas e
68
texturas, além de estudarem os mestres da pintura. A entrada dava-se, portanto, pelo
mundo da experiência e da arte, teorizada em princípios abstratos como os de contraste
na cor e tonalidade, e de ritmo e composição. O ciclo básico procurava desenvolver a
criatividade e imaginação individual a partir da experimentação e familiaridade com o
material, livre de qualquer preconceito e modelo. Os próximos três anos eram dedicados
ao trabalho teórico, paralelo aos workshops (ou oficinas de trabalho). Também com
ênfase na abstração, estudavam-se a natureza, texturas, geometria, cor e composição,
construção e apresentação, materiais e ferramentas. Nos workshops os alunos
projetavam objetos em madeira, metal, tecido, vidro, argila e pedra, visando à realização
de protótipos para produção em massa.
Em 1928, sob a direção de Hannes Meyer, iniciava-se o curso de arquitetura com
duração de nove semestres. Meyer substituiu os professores pintores, com sua
abordagem abstrata da forma, por uma abordagem formal fundada na psicologia,
sociologia e economia. O curso era divido em duas partes: teoria, em que foram
contratados engenheiros para ensinar conforto ambiental, estabilidade das construções,
desenho técnico e materiais; e prática da construção, em que eram desenvolvidos
trabalhos práticos, desde desenho de móveis aos de habitação e protótipos industriais.
Segundo Frampton (1985), quando Mies van der Rohe assumiu a direção, em 1930, o
conteúdo social e político (presente principalmente nas disciplinas introduzidas por
Meyer) foi eliminado e substituído por uma ênfase em treinamento manual, técnico e
artístico. O aluno de arquitetura poderia dispensar o ciclo básico e ir direto para os
workshops em Princípios da Construção, seguido de Planejamento de Cidades e
Apartamentos, participando, após, de um estúdio coordenado por Mies, com ênfase no
desenho. Em 1933 a escola foi fechada, e Mies, imigrando para os Estados Unidos,
levou as concepções pedagógicas nutridas na Bauhaus para o curso de arquitetura do
Illinois Institute of Technology, que coordenou e dirigiu a partir de 1938.
69
4.2. O modelo Bauhaus nas suas diferentes fases
Conforme Frampton (1985), as disciplinas criadas por Mies dividiam-se em três
grupos:
• estudo dos meios, isto é, dos materiais (pedra, tijolo, madeira, aço e concreto),
tratados em termos de suas qualidades como material, tipos de construção em que
podem ser usados e suas implicações para a forma arquitetônica;
• Estudo dos propósitos, isto é, das tipologias funcionais, abordando vários tipos
de edificações habitacionais, comerciais, industriais e institucionais, sendo os alunos
colocados a projetar a partir da análise das funções e requerimentos sociais e técnicos de
inserção urbana;
• Planejamento e criação, isto é, estudo das forças do tempo (material, funcional
e espiritual), considerando que a arquitetura é dependente de sua época. Mies elabora
seus conceitos teóricos dos Princípios Ordenantes e dos Elementos da Forma
Arquitetônica.
Embora tenha havido modificações no modelo original de Gropius, alguns
aspectos podem ser apontados como características fundamentais e inovadoras da
Bauhaus. Tanto nas experimentações do ciclo básico (ou no estudo dos “meios”), quanto
nos workshops, procurava-se trabalhar um caro pressuposto do modernismo: o de que a
originalidade e a racionalidade do artista, desenvolvidas numa honestidade com o
material, substituiriam os precedentes históricos. Esperava-se que as criações de objetos
e edifícios pudessem partir de uma combinação de impulsos espontâneos e criativos com
análises lógicas e metodológicas dos programas e demandas técnicas e sociais dos
objetos e edifícios a serem projetados.
A tradição não mais tinha sentido para o presente, sendo a história eliminada
como disciplina fundante. Segundo Wick (1982), as questões formais eram analisadas a
partir de conceitos abstratos, cuja universalidade se fundaria nas novas ciências
70
cognitivas, como a psicologia, sem necessidade de se referir à questão estilística. Esses
princípios abstratos, como na ciência moderna, deveriam ser aplicáveis à prática,
entendida como momento da síntese. No entanto, alguns autores apontam para a
ineficiência desses princípios, sendo que foi inevitável que certos modelos formais
servissem como referência.
Para Broadbent (1995), isso significa uma dissociação entre teoria e prática no
seio da Bauhaus. Cabe, portanto, questionar com mais cuidado como as respostas que a
Bauhaus tentou dar à problematizada relação entre teoria e prática contribuíram para a
renovação da arquitetura e seu ensino. Com a perda da autoridade dos cânones clássicos
da tradição, o que se observa no projeto pedagógico da Bauhaus é uma tentativa de
reconstituir uma base referencial universal para a arquitetura a partir da ciência moderna.
Mas, diferentemente da academia, essa nova metodologia incorporava o ato criativo
como um importante foco do projeto pedagógico, como sustenta Frampton (1985).
Principalmente na primeira fase da escola, houve um direcionamento para se considerar
uma pedagogia que trabalhasse a liberação da criatividade individual do estudante, a
partir de sua imersão no fazer, embora essa tendência de um expressionismo, ou
abordagem mítica e emotiva da arte, tenha perdido espaço dentro do próprio curso, para
uma aclamada nova objetividade. O método da Bauhaus contribuiu para a
experimentação de teorias pedagógicas progressistas da época, que pregavam um
aprender a partir do fazer, ao invés de uma dedicação apenas à teoria. De qualquer
forma, a tensão entre a subjetividade e objetividade no processo de criação demonstra
um conflito não-resolvido entre arte e ciência no interior da Bauhaus.
Os princípios da ciência moderna puderam ser percebidos em três âmbitos das
formulações teóricas na Bauhaus: da construção, do processo de projeto e da forma. No
primeiro caso, a ciência moderna encontrou melhor caminho para se desenvolver. As
teorias científicas, desenvolvidas a partir da aplicação da matemática e física ao
comportamento dos materiais, serviriam como instrumentos de clara utilização na
prática da construção, contribuindo para um desenvolvimento tecnológico e da própria
disciplina. No entanto, tais teorizações não eram suficientes à arquitetura, uma vez que
71
não tocavam nas questões da demanda ou do uso e do sentido ou significado. O vazio do
sentido ético, ou da metafísica perdida, não parecia resolver-se aqui.
A ciência tratou de se ocupar também do processo de projeto, visto agora como
um processo científico, metodológico, em que se partia de análises objetivas dos
condicionantes do projeto até sua síntese formal. A formulação metodológica do
processo de projeto implicava que os condicionantes a serem analisados só poderiam ser
aqueles que permitissem uma abordagem científica e racional. A forma deveria ser
derivada de um método produtivo, das limitações do material e das necessidades
programáticas.
O interesse de Gropius pelo ensino, segundo Wick (1982), manifestou-se quando
ele próprio era estudante. Gropius achava que a formação do arquiteto praticada nas
Escolas Técnicas Superiores e nas Academias de Arquitetura era insuficiente para
prepará-lo para a solução dos problemas arquitetônicos do futuro. A sua crítica com
relação a esse ensino partia da consideração de que havia um abismo entre o programa
de ensino enciclopédico e as exigências práticas que a ele se seguiam e, também, de que
se continuava, apesar das grandes transformações sociais e das inovações das técnicas
construtivas, a ensinar como empregar estilos históricos em construções novas.
Gropius acreditava que, devido ao desenvolvimento da produção industrial, era
necessário criar um “novo estilo”, sendo que, por meio de seus projetos e de suas
afirmações, demonstrou um interesse em modificar e ajudar na formação desta nova
cultura, pois sensibilizava-se com a importância social na educação estética de uma nova
geração de profissionais de criação. Em 1916, Gropius, por meio de suas propostas,
associava a visão de um novo instituto orientado, segundo as necessidades econômicas
da prática, e postulava, com isso, um conceito altamente específico de educação estética,
cujas bases estariam no princípio da educação social. Para Gropius, o motivo da natureza
pedagógica da Bauhaus nasceu do reconhecimento de que a arte não poderia ser
ensinada por estar além de todo e qualquer método, mas o artesanato poderia sê-lo, por
meio de técnicas específicas.
72
A fase de consolidação da Bauhaus compreendeu o período de 1923 a 1928. A
partir de 1923, a Bauhaus começou a se transformar em um estabelecimento de ensino
cujos pontos centrais eram o projeto e a produção de protótipos para a indústria. Vários
acontecimentos ajudaram a consolidação da Bauhaus. Um deles foi a exposição da
escola, em 1923, que foi decisiva para a melhor compreensão dos próprios objetivos e
das críticas positivas da imprensa alemã e internacional. Outro motivo foi a mudança da
sede de Weimar para uma progressista cidade industrial chamada Dessau, em 1925, que
proporcionou a estabilização da Bauhaus. As oficinas da Bauhaus eram de móveis,
metais, tecidos, pintura, tipografia, imprensa, entre outras. A fase de consolidação teve
seu final em 1927, com a institucionalização do ensino de arquitetura, cuja direção foi
assumida por Hannes Meyer que resumiu suas propostas com relação ao departamento
de arquitetura da seguinte maneira: “a arquitetura não é mais a arte de construir.
Construir transformou-se numa ciência. A arquitetura é a ciência do construir. Construir
não é uma questão de sentimento, mas de conhecimento” (Wick, 1982, p.55). O período
de consolidação foi marcado por tarefas voltadas para a funcionalidade requerida por
encargos assumidos junto à própria indústria. As suas características foram a tipificação,
normatização, produção em série e em massa.
De posse do cargo de diretor da escola de arquitetura, Meyer acrescentou aulas
de economia, psicologia, sociologia, biologia e marxismo ao currículo. Com isso, foi
fechada a oficina de teatro e reorganizadas as outras oficinas. A antiga condição artística
da escola desapareceu, tornando-se mais científica, e politizada, pois as oficinas eram
usadas como foco de atividades políticas de um grupo de estudantes marxistas, fazendo
com que a escola voltasse a sofrer pressões do governo da cidade onde estava situada
(Wick, 1982).
A fase da Bauhaus que vai de 1928 a 1933 é a da desintegração. Nesse período, o
trabalho de Meyer foi considerado eficiente, tanto do ponto de vista da produção quanto
da economia. Por motivos políticos, Meyer foi substituído em 1930 por Mies van der
Rohe. Mies continuou o trabalho de Hannes Meyer, ou seja, sob sua direção também
foram mantidos na Bauhaus os traços de uma academia de arquitetura com algumas
classes de design, duas classes de pintura livre e uma classe de fotografia. Mies, porém,
73
limitou a Bauhaus com relação à pretensão de Meyer por uma eficiência social através
do aspecto incondicional de seu conceito de qualidade. Diferentemente de Meyer na sua
direção, reduziu drasticamente o trabalho de produção em benefício do programa de
ensino.
A Bauhaus de 1932 é bem diferente daquela que pregava a unificação de todas as
artes. Nesse período, todos os gêneros artísticos e tipos de artesanato passaram a ter uma
vida isolada dentro do conjunto da produção da escola. Mas essa autonomia era vista
como um rebaixamento de valor, como um apêndice de uma escola superior de
arquitetura e desenho, na qual o objetivo principal passou a ser a formação de
especialistas profissionais, e não de “generalistas” criadores. Em 1932, por problemas
políticos novamente, a Bauhaus foi obrigada a mudar de sede, indo para a cidade de
Berlim. Seus trabalhos tiveram continuidade sob condições adversas, em uma antiga
fábrica. Em 1933, devido à repressão política da época, a Bauhaus chega ao fim.
4.3. As conseqüências após o fechamento da Bauhaus
Após o fechamento da escola em decorrência das políticas adotadas pelo regime
totalitarista, na Alemanha, muitos de seus mestres emigraram para os Estados Unidos
(que estava a se recuperar da grande depressão de 1929).
13
Ao chegarem à América,
esses profissionais encontraram “as portas” abertas para as idéias que outrora
desenvolviam na escola alemã. Portanto, ao transportarem com eles, para o “novo
mundo”, os métodos e técnicas praticados na Bauhaus, os mestres ajudaram a
reestruturar e a alavancar a indústria norte-americana. Este aspecto foi essencial para que
o paradigma da Bauhaus se perpetuasse, deixando de ter sua existência restrita a pouco
mais de uma década, e entrasse para a história como um modelo paradigmático para a
teoria e à história da arquitetura.
Segundo vários autores, dentre eles Benevolo (1960), a ordem moderna
preconizada pela Bauhaus era constituída de elementos geométricos simples e sem
13
A grande crise econômica de 1929 foi provocada pelo crescimento desordenado e não-sustentável dos
meios de produção, dada a euforia da década de 20, fato que também ocasionou a quebra da Bolsa de
Valores de Nova Iorque, refletindo uma crise geral do capitalismo liberal e da democracia liberal.
74
qualquer tipo de ornamentos, feita à imagem, não de uma antigüidade distante, mas de
um mundo presente e tangível: as máquinas industriais. Pois numa máquina nada é
supérfluo ou decorativo, cada peça tem sua razão de ser. A máquina não é para ser
apreendida pelos sentidos, mas para servir a uma necessidade. Sua beleza reside na sua
capacidade de servir. Foi essa analogia que os modernistas tentaram seguir, sendo a casa
uma “máquina” de morar, onde a forma deveria seguir a função.
Uma das forças do movimento moderno encontra-se na pureza das formas
arquitetônicas. Ele foi revolucionário quando se libertou dos estilos, símbolos e signos
do passado e, assim, estabeleceu uma nova estética, baseada nas demandas populares por
habitação, escolas e hospitais, e inspirada na racionalidade industrial. Para Jurgen
Habermas (1984), a arquitetura moderna foi o primeiro estilo unificador desde o
classicismo, o único movimento arquitetônico a emergir do espírito da vanguarda. Ele
foi suficientemente vigoroso para criar seus próprios modelos e estabelecer os
fundamentos de uma nova tradição que, desde o início, ultrapassou todas as fronteiras
nacionais (era o chamado estilo internacional).
O modelo Bauhaus, abordado nesta dissertação, foi um dos paradigmas da era
moderna na sociedade e reflexo de um novo panorama cultural, baseado na era da
máquina e dos avanços tecnológicos. Conforme visto, o movimento moderno baseou-se
na idéia de que as formas “tradicionais” das artes plásticas, literatura, design,
arquitetura, organização social e da vida cotidiana tornaram-se ultrapassadas, e que se
fazia fundamental repensá-las e, assim, criar no lugar uma nova cultura. Era consenso na
sociedade modernista que os modelos históricos teriam de ser abandonados e
substituídos por novas formas, possivelmente melhores, de se chegar ao “progresso”.
Os modernistas tinham essa linha de pensamento que defendia ser necessário
deixar completamente de lado as normas e regramentos do passado, e, ao invés de rever
esses dogmas históricos à luz das técnicas atuais, seria preciso implementar mudanças
drásticas, rompendo com a história para atender a esse novo paradigma cultural. O
argumento era o seguinte: se a própria natureza da realidade como um todo e das
75
atividades humanas até então comuns estavam mudando, conseqüentemente a arte
também deveria romper com a tradição e mudar radicalmente.
Deste modo, também na arquitetura, um dos princípios básicos do modernismo
foi o de renovar, rejeitando toda a arquitetura anterior ao movimento, principalmente a
do século XIX expressada no Ecletismo. O rompimento com a história fez parte do
discurso de alguns arquitetos modernos, como Le Corbusier (1887-1965) e Adolf Loos
(1870-1933). Contudo, esse aspecto foi criticado pelo pós-modernismo, que utilizaria a
revalorização histórica como um de seus atributos.
Na segunda metade do século XX, as propostas modernistas começaram a ser
questionadas pela sua possível falta de identidade. A crítica à arquitetura moderna
centrou o foco na forma, que, além de não dar conta da problemática colocada pela
sociedade pós-industrial, não mais respondia às demandas contemporâneas. Com o
modernismo, as pessoas ficaram mais volúveis, “disponíveis” a aceitar produtos novos
que representassem inovação. Nesse contexto, a arquitetura passou a ser bastante
complexa, pois quase tudo era possível em termos tecnológicos. Então esses paradigmas
começaram a ser criticados e repensados, pois não seria preciso inovar nem ser original
para ter qualidade, e a história começou a ser vista novamente como uma das
alternativas para rever o passado com vistas a torná-lo adequado às situações específicas
do presente.
A morte desse paradigma moderno foi inclusive anunciada por Charles Jencks
(1977) com a demolição de nada menos que um conjunto residencial, símbolo da
incapacidade do moderno de produzir lugares habitáveis.
“Felizmente, podemos datar a morte da arquitetura moderna em um
momento preciso no tempo. À diferença da morte jurídica de uma pessoa, que
vem se tornando um complexo assunto de ondas cerebrais versus batimentos
cardíacos, a arquitetura moderna extinguiu-se em surdina. (...) A arquitetura
moderna morreu em St. Louis, Missouri, no dia 15 de julho de 1972, às 3:32
p.m, quando o infame projeto Pruitt-Igoe, ou melhor, vários de seus blocos,
receberam o coup de grace com dinamite” (Jencks, 1977, 1984, p. 09).
76
Diante desse fato histórico, que foi ilustrado por Jencks (1977), como um ícone
que representou o fim da arquitetura moderna na época, no próximo capítulo desta
dissertação será adequada uma avaliação crítica em relação às mudanças de paradigmas
projetuais reflexos da cultura e da sociedade como um todo, tanto em relação às teorias
da arquitetura, como em relação aos legados deixados pelo sistema acadêmico francês e
a Bauhaus à contemporaneidade.
77
5. Uma avaliação crítica em relação às mudanças paradigmáticas
5.1. Na questão da teoria da arquitetura
Conforme visto, o esvaziamento da teoria pela ideologia modernista deve-se, em
grande parte, à negação do conhecimento da história como básico para a produção
arquitetônica do presente, causada por uma revolução cultural que resultou na mudança
de paradigma de ideais para a sociedade da época. Desprezou-se o conhecimento
histórico, mudando um paradigma e substituindo-o por um vago Zeitgeist, segundo
Rogério Oliveira (1986). Desta forma, de acordo com esse autor, a teoria deixa de lado a
concepção evolutiva do conhecimento e enfatiza o uso de procedimentos neutros que,
travestidos em metodologias científicas de um culto emocional de um novo mundo,
procuravam descrever e realizar as ações como se fosse possível partir do zero.
Assim, a ciência moderna é acusada de afastar-se do homem, do sujeito do
conhecimento, na sua ênfase no objeto. Enquanto o pensamento clássico exagerou o lado
da teoria, da abstração, afastando-se da concretude, a ciência moderna, ao contrário,
prendeu-se demais à experimentação do objeto concreto, rejeitando aquele aspecto de
visão ontológica (essencial, global) da realidade. A doutrina “tabula rasa” fundamentou
as versões didáticas do modernismo.
Nesse contexto de repúdio à história, a filosofia é então convidada a realizar a
crítica da ciência moderna, questionando o caráter utilitário e metodológico da sua noção
78
de teoria. Gadamer (1993) propõe recuperar a valorização da teoria, que não se esgota ao
serviço direto da práxis. Para esse autor, teoria deveria ser “ver o que é”, recordando seu
sentido originário de contemplação. Mas não um mero ver, constatando o existente
como um fato que se pode medir e acumular como informação, mas como uma condição
humana, de presença e participação no presente. Nesse sentido, a teoria é parte da vida,
como a prática, devendo as duas ser entendidas numa unidade.
Também Pereira (1984) aponta para a unidade entre teoria e prática na práxis
humana. Para ele, a práxis, ou a ação do homem, não constitui prática pura; possui um
significado cultural, um sentido humano. A teoria, nesse sentido, seria o distanciar-se do
homem para refletir sua ação. Ressalta-se aqui a teoria não como um conjunto de
doutrinas e leis universais, mas como uma atividade com capacidade crítica e
transformadora do natural, do humano e do social, opondo-se à concepção pragmática de
valorização da prática pura, com sua visão tecnicista e utilitária da teoria. Na teoria o
homem reflete sua ação, toma consciência de si. Para Pereira (1984), a atividade humana
precisa de um respaldo teórico, crítico, tanto para os avanços dos projetos humanos
como para que nos livremos da mediocridade.
Os arquitetos do modernismo, conforme o livro Supermodernismo: arquitectura
em la era de la globalización, de Hans Ibelings, propuseram deixar de lado o mimetismo
e buscavam o contraste de seus edifícios perante o entorno. Desse modo, empregavam
formas geométricas elementares, materiais e métodos de construção novos e dimensões
destacadas dos edifícios circundantes:
O movimento moderno, nos anos cinqüenta e sessenta, segundo Ibelings (1998),
difundiu-se mundialmente por meio do chamado “Estilo Internacional”. Nos anos vinte,
a arquitetura funcionalista já havia sido descrita como internacional por Gropius. Em
décadas seguintes, vários livros e exemplos precedentes dessa arquitetura, pelo mundo,
demonstrariam que a arquitetura moderna havia originado um padrão internacional de
edificação. Seu apogeu deu-se nas décadas anteriormente mencionadas, uma vez que
existia, nesse período, uma concepção forte de que a arquitetura deveria ser idêntica em
todo o mundo.
79
Nos anos cinqüenta, conforme Ibelings (1998), começou-se a desenvolver uma
prática arquitetônica internacional liderada por arquitetos americanos, ou nacionalizados
americanos. Como poder mundialmente indiscutível, os Estados Unidos eram o marco
inicial para esta nova arquitetura internacional, marcada por uma tipologia denominada
“caixa de vidro”. A presença destes edifícios, virtualmente idênticos em cada continente,
sugeriu que as diferenças entre o primeiro, segundo e terceiro mundos decresciam, que a
prosperidade estaria ao alcance de todos e que os acontecimentos ocorreriam
simultaneamente para todos.
Contudo, o vazio deixado na arquitetura pelo novo paradigma modernista, de um
desprezo pela história pregressa e de um culto às novidades começou, a ser repensado.
Dos anos sessenta em diante, aos poucos, e nos países desenvolvidos como Estados
Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Itália, semelhante espírito de revisão e
questionamento invadiu o campo da teoria da arquitetura. A efervescência no campo das
ciências humanas e sociais contaminou a arquitetura, enriquecendo seu discurso teórico
com a presença de diversas disciplinas. Novas tendências de abordagens em relação ao
projeto moderno desenvolveram-se sob a base de estudos como a antropologia, a
sociologia e principalmente a semiótica. Como resultado houve uma proliferação de
textos normativos, explicativos, interpretativos e valorativos.
Além dessa contaminação pelas ciências sociais, isto é, por estudos cujo enfoque
seja o homem e sua cultura, procuraram-se, principalmente com a filosofia e a literatura,
fundamentos que não fossem científicos, puramente objetivos e racionais. Contribuiu
para isso um sentimento de crise ou falência do projeto moderno, criticado também pelo
seu distanciamento do homem como indivíduo histórico e contextualizado. A ênfase
científica da teoria moderna tendeu a tratar o homem como um tipo universal,
padronizando suas necessidades. A maioria dos discursos teóricos em arquitetura a partir
dos anos sessenta vão-se ocupar, então, muito mais com os aspectos simbólico-
expressivos do que tecnológicos, abandonando, como aponta Cardenas (1998), aquelas
metodologias que pretendiam normatizar o processo de projeto arquitetônico.
80
Tal fenômeno, de valorização e ampliação dos limites da teoria da arquitetura,
observou-se também na esfera do ensino. Os currículos de arquitetura ampliaram-se, e
passou-se, cada vez mais, a considerar que o arquiteto deveria ser um profissional
intelectual, formado no meio acadêmico, universitário, desaparecendo o profissional que
aprenderia o ofício somente na prática.
Broadbent (1971) também relata como a valorização da teoria e da pesquisa
acadêmica, no ensino de arquitetura, fora almejada e incentivada pelo RIBA (Royal
Institute of British Architects) na sua Conferência de 1958, em Oxford. A arquitetura
deveria funcionar como uma ponte entre as artes e as ciências, e isso se daria pelas vias
da teoria e da pesquisa, que é a ferramenta pela qual a teoria avança. Embora a
conferência reconhecesse a importância da experiência prática (mais na forma de
estágios), claramente enfatizava a teoria.
Pode-se reconhecer agora como se deu o caminho de valorização da teoria dentro
da arquitetura como relacionada primeiramente à institucionalização da disciplina como
atividade intelectual. Diferencia-se uma arquitetura vernacular, cujos preceitos se
transmitem na própria tradição, sem necessidade de sistematizações explícitas, e uma
arquitetura erudita que, segundo Elvan Silva (1998), consiste numa criação
individualizada, submetida a um pensamento teórico e disciplinar formal, portanto,
numa prática que não se divorcia da teorização acadêmica. Como explica o autor
“...na arquitetura erudita, a problemática da proposição da forma, além de
pretender solucionar determinado problema de organização do ambiente, é também a
oportunidade de realização de um exercício intelectual, de demonstração de teorias
particulares, que dizem respeito ao fazer arquitetônico e ao conceito de excelência
arquitetônica” (Elvan Silva, 1998, p. 34).
Deste modo, a teoria torna-se cada vez mais complexa e valorizada, justamente a
partir da necessidade de formular conceitos não mais encontrados a priori na tradição ou
na natureza e também a partir do sentido de crise na fonte de autoridade dos parâmetros
e valores que inserem a produção de arquitetura na cultura, dotando-a de sentido ético.
Enquanto o paradigma científico tentou fornecer os fundamentos teóricos no
século XX, culminando com a tendência normativa e tecnológica da teoria moderna,
81
ultimamente o pêndulo parece ter tendido para outro extremo, de valorização do aspecto
humano e contingencial da arquitetura. Como observa Cardenas (1998), a produção de
teorias nos últimos 40 anos evidencia uma necessidade de se buscar uma explicação para
as múltiplas contingências da realidade, na qual tem lugar essa produção, e uma reflexão
sobre si mesma. Perante essa condição, discursos teóricos tendem a uma fragmentação,
abstração e dispersão, revelando, em certos enfoques, “uma independência relativa do
objeto concreto que supõe seja sua razão de ser; assim, parte da literatura arquitetônica
conforma um gênero praticamente independente” (Cardenas, 1998, p.76).
Tschumi (1995) relaciona essa desvalorização da teoria, segundo esse novo
paradigma vigente, a uma dissociação no interior da disciplina, como parte daquela
evolução na qual o arquiteto se torna mais e mais distante das forças que governam a
construção hoje. Para ele, prática teórica não constrói, e sim publica. E, enquanto isso, as
firmas anônimas continuam construindo as cidades, perpetuando acriticamente o status
quo, o socialmente aceito. Nesse sentido, um desafio que se coloca aos arquitetos hoje, e
ao ensino de arquitetura, é o de desenhar novas condições de atuação, não simplesmente
aceitando o laissez-faire das condições atuais. Para isso deve ser repensado esse
distanciamento entre teoria e prática.
Apontar esse distanciamento da teoria não implica dizer que se pretende retomar
a teoria subjugada a uma utilidade prática. É importante diferenciar distanciamento de
autonomia. Pereira (1984) observa que, se a teoria deve ser entendida a partir do
significado cultural básico da ação, existe sim uma relação de dependência da teoria com
a prática. Uma dependência de fundamentação, já que a elaboração da teoria não pode
dar-se fora do horizonte da prática. Só a prática é fundamento da teoria ou seu
pressuposto. Com isso não se pode dizer que a teoria se dissolve na prática, pois, como
aspecto teórico da prática, ela corresponde a uma abstração. Segue o autor: “mas esse
lado de abstração não deve nem desvincular a teoria da prática, nem menosprezar
qualquer dos pólos da relação” (Pereira, 1984, p. 48). É nos termos dessa abstração
relativa que a teoria mantém em relação à prática, não um desligamento, mas uma
autonomia, porque se antecipa a ela e acaba influindo na prática em sua capacidade de
modelar idealmente um processo. É o ato de poder projetar. Observa-se então que há na
82
práxis, na condição humana, um duplo movimento de assumir e negar. Na ação o
homem faz-se, afirma-se, mas mediado pela reflexão teórica que nega a práxis como
prática pura, antecipando-a idealmente.
“É nesta autonomia, embora relativa da teoria, que reside a capacidade de
negar a prática pura e dar a ela, de volta, um significado. É por isso que a autonomia
da teoria é relativa, de vez que ela tem de fazer o exercício do retorno ao que ela
negou. Senão ela ficaria sem pressuposto e cairia no vazio” (Pereira, 1984, p. 84).
A partir desse pressuposto, da unidade de teoria e prática na práxis, podem-se
traçar alguns comentários a respeito da relação entre teoria e prática no contexto da
arquitetura. Primeiramente significa reconhecer que a prática da arquitetura possui uma
dimensão histórica e teórica, rechaçando tanto um enfoque puramente pragmático, como
a idéia de que a teoria constitui um âmbito independente, oposto ou irrelevante à atuação
prática, sendo ocupação de acadêmicos e não dos profissionais atuantes.
De acordo com Neil Leach (1997), pode-se concluir, também, que a teoria em
sua relação com a prática tem um duplo sentido de negação e afirmação. Pela sua
autonomia, o discurso teórico dedica-se a questionar, a criticar e a desvelar as verdades,
ou as afirmações, presentes na prática. Esse papel crítico da teoria diferencia-se de um
papel instrumentalizador, ou normativo, uma vez que não se pretende elaborar leis e
doutrinas num corpo único universalmente válido.
Leach (1997) acredita que o período de crise de confiança no projeto modernista
só pode ser enfrentado por uma auto-revisão crítica, por uma resistência radical, e será
na interface com os discursos teóricos de outras disciplinas culturais que a arquitetura
encontrará ferramentas teóricas para essa autocrítica. Dessa maneira, faz sentido um
distanciamento da prática, quando da possibilidade de transgredir os limites
profissionais. Mas esse distanciamento é relativo, pois a transgressão só pode dar-se em
relação a uma noção de limite, da qual se tem consciência.
Com a noção de limite relaciona-se a idéia de definição de arquitetura, que só se
faz a partir da sistematização de conceitos, de elaborações teóricas. Esse é o aspecto de
afirmação da teoria, que se confirma na prática, nas escolhas feitas, nas posturas
adotadas. Mas, como observa Cardenas (1998), nenhuma definição de arquitetura é pura
83
ou ingênua. Está sempre imersa num contexto histórico em consonância com ideologias,
que a própria teoria trata de desvelar. Retorna-se assim ao sentido de negação e
reconhece-se o importante papel que a história e a crítica de obras atuais exercem junto à
teoria.
História e crítica fundamentam-se na teoria, que embasa a prática, confirmando
ou questionando e, assim, enriquecendo a própria teoria. E assim a teoria se faz coerente
com a prática, como observa Cardenas (1998). A história, ainda segundo esta autora,
levaria o conhecimento dos processos que determinam a concepção e a materialização
do objeto arquitetônico com suas repercussões culturais e econômicas, revelando as
ideologias, nas quais se baseiam a valoração dos fatos históricos. No entanto, a autora
reconhece a dificuldade de se analisar o fenômeno arquitetônico ou urbano de uma só
vez em toda sua complexidade.
Embora Leach (1997) afirme que o ensino da arquitetura só tem a beneficiar-se
da expansão de seus horizontes, na imersão nos debates sobre a sociedade
contemporânea dos vários campos disciplinares (ao contrário dos que pregam algumas
abordagens pragmáticas), de nada adiantará se o discurso teórico não se debruçar sobre o
processo de projeto e o projeto em si, renovando e desafiando os conceitos que são
articulados no âmbito da forma e dos procedimentos. Com isso não se quer dizer que
idéias abstratas devem ser representadas em formas. Deve-se entender que, se o projeto
resulta de uma operação na esfera do pensamento, o discurso teórico da arquitetura se
articula também em desenho, resoluções formais e relações espaciais, desvelado em
conceitos. Por isso, o texto, em muitos casos, pode ser tomado como um instrumento
dessa construção intelectual, e não como um discurso externo a ela.
Nesse ponto, procura-se resgatar o aspecto não explorado da Bauhaus, onde se
trabalhou a experimentação de procedimentos, de formas, de desenhos, de técnicas.
Segundo Elvan Silva (2004), os cursos de arquitetura que se destacaram nos últimos
anos no panorama internacional caracterizam-se não só pela inclusão de disciplinas de
vários campos, mas pela renovação no interior das práticas pedagógicas de ensino de
projeto, a partir da contaminação da prática com discursos teóricos e experimentações
84
processuais e formais. Dessa forma, os estudos teóricos alimentam os ateliês, embora
não de forma instrumental, nem aplicável, mas fornecendo ferramentas conceituais para
crítica, reflexão e análise. E, por conseguinte, o projeto devolve conceitos à teoria,
permitindo que esta se enriqueça, confirmando-se ou negando-se.
Outra especulação que se pode fazer do pressuposto de que a práxis consiste
numa ação refletida, mediada pela teoria e, portanto, dotada de sentido cultural, refere-se
ao reconhecimento de que a arquitetura, como práxis, possui uma dimensão cultural,
simbólica, para além do mero pragmatismo. De fato, a articulação teórica da arquitetura,
dos gregos aos modernos, reflete uma tentativa de articulação de significado. Mostrou-se
como esse significado foi procurado na analogia com a natureza, o cosmos, na tradição e
na razão humana.
Se a questão do significado pode ser um dos papéis da teoria da arquitetura, esta
não pode ser entendida como metodologia nem como um discurso universalmente
fundante. Para Pérez-Gomez (1999), seu papel é hermenêutico ao desvelar (não
constatar ou descrever cientificamente) uma ordem social e política da experiência,
partindo das percepções do significado que a nossa cultura tem compartilhado e a que
tem dado forma nos traços históricos. Enfim, considerando o processo projetual, o
significado não é entendido como um conceito formulado anteriormente à forma, nem a
teoria como formulação de diretrizes formais ou processuais aplicáveis imediatamente à
prática, ou seja, o sentido formal deve ser continuamente construído.
De acordo com Elvan Silva (1998), são complexas as razões do por que a
arquitetura modernista, especialmente a brasileira, tinha certa aversão à teoria. No
entanto, cabe salientar duas destas razões: primeiro, a modificação do modo de entender
e abordar a arquitetura (mudança de paradigma) do movimento moderno, que se
orientou mais por padrões vernaculares e ligados à função, da qual resultaria a forma
construída; segundo, a fusão de princípios reformadores da arquitetura com princípios
reformadores da sociedade. Assim, houve distorções entre o que seriam princípios
estilísticos e o que seriam emblemas de uma causa que pautava lutas sociais mais
abrangentes, das quais a arquitetura seria um reflexo e uma imagem de um novo mundo.
85
Evidentemente que a prática projetual e o ensino de arquitetura sofreram e ainda
sofrem várias crises com esse pluralismo de abordagens teóricas. Uma das inquietações,
das quais surgem inúmeros debates e abordagens, foi em relação ao problema do projeto.
Há ou não há método? O que os métodos eruditos teriam a ensinar, o que a falta de
método (aparente) do movimento moderno contribuiria para o ensino de projeto? Como
forma de dirimir essas crises atinentes ao projeto de arquitetura, torna-se adequado
abordar alguns dos legados deixados à contemporaneidade pelos dois paradigmas
projetuais abordados nesta dissertação.
5.2. Alguns dos legados deixados pelo sistema Beaux-Arts e a Bauhaus
As primeiras décadas do século XX viram na realidade a predominância das
arquiteturas tradicionais, principalmente o método de composição acadêmico francês ou
Beaux-Arts, o qual seria um instrumento para retratar o poder e a riqueza de qualquer
cidade ou país que estivesse emergindo no cenário mundial, ou mesmo, que se
pretendesse civilizado. O método Beaux-Arts propunha, como maneira de ostentação de
poder, a arquitetura cívica e religiosa hierarquicamente no topo, e a particular e utilitária
no outro extremo. Esse cenário então vigente visava a uma forma, um método ordenado
para celebrar a monumentalidade de determinados edifícios, para que se evidenciasse a
riqueza, poder e pujança de uma nação. Sendo assim, foi na França, a grande potência da
época em termos artístico-culturais, que esse paradigma se consolidou.
O método Beaux-Arts, em sua fase madura, considerava a arquitetura
monumental como a expressão maior de uma gama de tipologias ao alcance do arquiteto
no intuito de ostentar o poder e também hierarquizar os edifícios na malha urbana. A
distinção não era, como no modernismo, entre o tecido urbano configurado pela
repetição mecanicista de formas simples, e o edifício excepcional, de formas arrojadas e
inusitadas. No entanto, diante de um novo paradigma vigente em meados do século XX,
com o avanço tecnológico oriundo da revolução industrial e da sociedade como um todo,
começou-se e repensar os dogmas preconizados pelo sistema acadêmico francês.
Segundo Corona Martinez (1990), o ensino da École de Beaux-Arts apresentava
os seguintes problemas: “treinamento para a irrealidade”, ou seja, os projetos
86
desenvolvidos nos ateliês não possuíam um terreno real com suas respectivas limitações
e valorizava-se em demasia a representação gráfica. Não eram desenvolvidos nos
projetos os aspectos construtivos. Estes, por sua vez, eram apenas representados nas
plantas e cortes. Valorizavam-se mais os traçados em planta, a composição arquitetônica
através de princípios ordenadores como, por exemplo, a simetria. O objeto arquitetônico
era criado em dois momentos, um por meio dos estudos do esquisse que darão origem às
plantas e outro, posterior, com o desenvolvimento das fachadas através do rigor dos
estilos ou baseado no ecletismo.
Mesmo assim, a École de Beaux-Arts de Paris, segundo Mahfuz (1995),
preconizava uma das idéias mais amplamente aceitas, e ao mesmo tempo uma das
menos contestadas: a de que o processo de composição evolui do todo para as partes.
Essa idéia tem origem nas interpretações das teorias arquitetônicas do Renascimento.
Conforme essas teorias, uma obra deveria apresentar as suas partes subordinadas a um
aspecto principal, o parti. Esse pensamento tornou-se um dos fundamentos da École de
Beaux-Arts, o qual influenciou, por muito tempo, os arquitetos ocidentais.
Embora boa parte da tradição da École de Beaux-Arts tenha desaparecido, o
paradigma de que o todo vem antes das partes persiste. O método Beaux-Arts possuía
um ensino muito objetivo e apresentava, em termos precisos, quais os passos a seguir até
a conclusão do trabalho. Talvez essa forma objetiva de aprendizado, apesar dos
problemas identificados, e por ser a única metodologia de projeto disponível, por um
longo tempo, seja um dos motivos pelos quais sua aceitação seja uma constante,
inclusive no século XX.
Além do conceito de partido desenvolvido na metodologia do sistema acadêmico
francês, pode-se afirmar que o conceito de marche, na terminologia contemporânea,
também se originou da École de Beaux-Arts. A marche seria uma experiência estética
com o projeto. Essa experiência seria de natureza topológica, que daria noção de lugar e
de orientabilidade, perspectiva, porque também organizaria o campo visual e, além
disso, de natureza semântica, porque permitiria perceber efeitos de plástica do projeto.
87
No lançamento do projeto, o partido rege a disposição conceitual das partes
(oriundas do programa de necessidades) num todo, pelo processo da composition, a qual
é percebida pela marche. O partido pertence ao arquiteto; a marche, ao seu projeto.
Dessa forma, poderiam ser apreciadas a originalidade de um partido e a grandeza ou a
simplicidade da marche de um projeto. Com conceitos assim, os adjetivos das avaliações
dos projetos tinham um endereço certo e eram coerentes com um sistema de gosto
(Jantzen, 2001).
Como observa Frampton (1985), a mudança paradigmática da sociedade para a
racionalidade científica do modelo Bauhaus, que propunha, conforme visto em capítulo
específico, uma ruptura histórica e teórica da abordagem arquitetônica, também invadiu
a estética, na elaboração de conceitos abstratos e anti-subjetivos dos elementos da forma
e sua ordenação. Por mais frágeis que fossem esses conceitos, principalmente porque se
pretendiam universais, contribuíram para uma profunda renovação na disciplina
arquitetura.
Em termos de teoria é fácil reconhecer essa renovação. A discussão em termos de
estilos, seus elementos e sua composição, pôde ser substituída, ou pelo menos
acrescentada de outros operadores conceituais como o de espaço, da relação forma e
função, da verdade do material, entre outros. Embora se tenha reconhecido, atualmente,
a rigidez dogmática a que chegaram muitos desses conceitos, sem dúvida contribuíram
na profunda renovação da linguagem da arquitetura, para além das referências clássicas
e dos dogmas do sistema acadêmico francês. É importante observar que isso não se deu
devido à aplicabilidade direta desses conceitos em soluções formais e espaciais, como
pretenderam muitas vezes. Acredita-se que a renovação aconteceu porque essas
reflexões críticas influenciaram experimentações processuais, formais e espaciais, uma
vez que apontavam desafios e demonstravam criticamente as incongruências do estado
de arte da prática naquele momento.
A Bauhaus, por sua vez, exerceu forte influência sobre a arte do século XX. Já na
sua fase inicial, difundia-se na escola, devido às mudanças de paradigmas vindas com a
era da máquina e do tecnicismo, a idéia de que viria um tempo de grandes mudanças,
88
quando se teria que fazer os produtos e realizar os processos industrialmente,
propiciando o consumo em massa de produtos de qualidade. Eis então que se começou a
pensar pela primeira vez naquilo que se chama hoje de Desenho Industrial, na idéia de
que os objetos produzidos pela indústria deveriam ser um misto de engenharia e arte. A
Bauhaus propunha uma arte diretamente ligada aos interesses da indústria, que era o
novo paradigma vigente. Portanto, essa nova arte preconizaria a união da beleza com a
funcionalidade, levando em conta o lado prático e econômico.
Uma das heranças da arquitetura moderna, propagada na Bauhaus, para o projeto
contemporâneo, de acordo com Mahfuz (2003), são os conceitos de economia, rigor,
precisão e universalidade. Estes, segundo esse autor, são atributos de um projeto
autêntico e pertinente ao caso concreto. O conceito de economia tem relação com o
domínio da elementaridade, do essencial, que é uma condição fundamental para alcançar
uma forma autêntica. Rigor tem a ver com a classificação dos aspectos do objeto
arquitetônico que são relevantes e essenciais à estrutura formal, deixando-se de lado
elementos que são meros acessórios. O conceito de precisão relaciona-se com o ideal de
perfeccionismo humano, que faz com que o homem deseje fazer projetos bem feitos e
obras construídas com exatidão, reforçando a identidade formal do artefato
arquitetônico. Já o conceito de universalidade é a condição de uma edificação ter um
caráter preestabelecido a certa especificidade e também de poder vir a servir a outros
propósitos sem perder a qualidade intrínsica que lhe garanta o atributo de permanência
no lugar (Mahfuz, 2003).
89
Considerações finais
O trabalho reflexivo e criterioso com as teorias de arquitetura e com os
paradigmas projetuais abordados nesta dissertação, que sustentam a prática arquitetônica
e que permitem analisar a adequação de uma solução proposta para o caso real, sempre
foi uma das inquietações do autor deste trabalho. Desse modo, procurou-se trabalhar
com alguns dos modelos paradigmáticos da história da arquitetura para identificar suas
relevâncias e aplicações na arquitetura contemporânea e estudar seus processos criativos,
a fim de contribuir para o aperfeiçoamento das habilidades expressivas, do domínio do
projeto e do lançamento de propostas adequadas ao enfrentamento de situações
específicas. Num contexto em que a contemporaneidade experimentou o esgotamento
dos paradigmas da École de Beaux-Arts e da Bauhaus, bem como vazio teórico deixado
pelo movimento moderno, desenvolveu-se uma argumentação em favor da busca por
uma arquitetura de qualidade e adequada ao caso concreto, por meio da contextualização
da problemática projetual, da sistematização de alguns conceitos relativos à construção
do conhecimento acerca do projeto arquitetônico e de uma revisão histórica acerca dos
paradigmas projetuais que marcaram a história da arquitetura dos séculos XIX e XX e
que deixaram importantes legados. No entanto, não se propõe aqui a criação de um
método “novo” para projetar em arquitetura, mas sim uma abordagem projetual diferente
da prática corrente em muitos ateliês.
Baseado no conservadorismo e pragmatismo da École de Beaux-Arts, constata-se
que o caminho a ser seguido para a boa arquitetura será o da busca pela boa composição
90
arquitetônica, em função de um método dedutivo centrado num partido arquitetônico
orientador das partes em relação ao todo edificável e também orientado pela escolha de
um determinado tema, que consiste em proposições que tornam certas propostas
inteligíveis e certas intenções comunicáveis. No entanto, o conservadorismo da École de
Beaux-Arts não assimilou as mudanças de paradigmas culturais e tecnológicos do início
do século XX, fazendo com que os modernistas da época buscassem um novo modelo a
ser seguido. Mesmo assim, o conhecimento básico da arquitetura francesa do século
XIX pode elucidar alguns métodos contemporâneos de projetar, assim como a
terminologia empregada em muitas disciplinas das escolas de arquitetura da atualidade,
ou ainda diminuir confusões que envolvam a prática de ateliê contemporânea, após a
transformação, internacionalização e deformação, inclusive, dos princípios daquela
arquitetura ao longo do século XX.
Por outro lado, o vazio teórico, ou a aversão à teoria de alguns expoentes do
movimento moderno, contrapostos àquele conservadorismo, gerou alguns paradoxos
interessantes, não apenas em termos de arquitetura, mas, principalmente, no ensino,
especialmente no ensino de projeto. Após os anos trinta, no Brasil, nos anos quarenta e
cinqüenta, começou-se a ensinar projeto de modo híbrido. Usava-se um pouco de
terminologia do sistema acadêmico francês, misturado a alguns princípios (nem sempre
bem traduzidos) da Bauhaus, conforme já apontado por Jantzen (2001), Elvan Silva
(2004) e outros autores também referidos neste trabalho.
Essa mudança de paradigma cultural da sociedade foi externada nas artes e na
arquitetura pela adoção deste novo modelo, o da Bauhaus, que seria uma alternativa de
reconciliar a arquitetura com os avanços tecnológicos e torná-la universal a um novo
cenário mundial industrializado. O movimento moderno não deu uma boa resposta ao
problema da concepção do projeto arquitetônico, pois não eram levados em
consideração precedentes referenciais, teorias projetuais consagradas da época e a
própria história da arquitetura. E, devido ao vazio teórico decorrente desse novo modelo
de encarar a criação do projeto a partir do nada, sem levar em conta o passado, conclui-
se que é importante recuperar o lugar da história da arquitetura no processo projetual,
91
para, desse modo, dirimir os efeitos daquele vazio teórico deixado pelo modernismo e
buscar um projeto reflexivo e crítico.
Não se conclui que a pedagogia da Bauhaus tenha contribuído para a dissociação
entre teoria e prática, e para o distanciamento do arquiteto dos meios de produção. Ao
contrário, acredita-se que esse novo paradigma propõe uma tentativa de reconciliação
que não foi ainda completamente explorada. As escolas de arquitetura que se espalharam
pelo mundo ocidental mantiveram muitos resquícios do sistema acadêmico francês, não
levando em frente os desafios propostos pela Bauhaus. Muitas vezes houve apenas uma
substituição do estilo clássico romano pelo que se costumou chamar “estilo moderno”,
ou internacional. O modelo da Bauhaus preconizava uma aproximação com as
tecnologias, especialmente com os procedimentos de experimentação e aplicação de
técnicas novas em substituição a técnicas tradicionais. Isso também mudou alguns
processos de projeto baseados nas metodologias derivadas da École de Beaux-Arts.
Apesar do esforço da Bauhaus em reconciliar arquitetura e tecnologia, a maioria das
escolas de arquitetura, inclusive as brasileiras, tenderam a ressaltar a disjunção entre a
arquitetura, enquanto princípios compositivos, e a construção, relegada aos engenheiros.
E, principalmente, não se soube explorar uma pedagogia voltada para a experimentação
no exercício da prática. Acredita-se que ainda é possível aprender com a experiência da
Bauhaus, desde que, é claro, isto se dê sob os auspícios de uma revisão crítica das
noções de teoria e filosofia clássica e teoria e ciência moderna, bem como dos conceitos
de estética associados à arquitetura, o que passa a ser a tônica de muitas das abordagens
teóricas e filosóficas mais contemporâneas.
Assim sendo, a história passa a ter um uso objetivo na composição arquitetônica,
por meio dos estudos de tipologias precedentes e sua aplicação reflexiva, crítica e
inventiva sobre os problemas de projeto atuais. A retomada do estudo histórico
vinculado à criação projetual apresenta-se como uma boa alternativa para a formação do
conhecimento reflexivo e crítico.
A análise tipológica de precedentes referenciais teria como objeto de estudo
exemplos que melhor tivessem resolvido um problema arquitetônico atual. Deste modo e
92
com o uso de técnicas projetuais contemporâneas, poder-se-iam adaptar e assimilar
elementos de arquitetura e de composição e, assim, conceber um projeto de qualidade.
Sendo assim, conclui-se que a avaliação de uma metodologia contemporânea adequada
de projeto só é possível a posteriori e baseada na análise de tipologias precedentes, pois
o método é sempre uma tomada de consciência na qual são obtidas algumas respostas ao
se questionar como é que se chegou a determinada solução. Quando se obtêm respostas
de modo claro, então se tem um método.
A teoria, a história da arquitetura e a crítica também devem encontrar-se na base
de uma metodologia projetual qualificada. Daí por que a total separação desses conceitos
não poderia gerar bons resultados. A teoria está sempre aberta a modificações na cultura
e a atualizações na tecnologia. A história da arquitetura está constantemente sendo
escrita por meio das teorias e não deve ser confundida com meras narrativas do passado,
pois a história é uma construção sempre contemporânea baseada numa dialética
(argumentação e contra-argumentação) entre passado e presente. Já a crítica tem como
função interpretar uma situação específica por meio de seu contexto cultural e também
pode ser vista como uma hermenêutica que revela significados, relações e essências.
Conclui-se também que o advento da modernidade e das novas tecnologias não
exigiria uma revolução científica, conforme Kuhn (1962), e uma conseqüente mudança
total de paradigma, mas sim uma continuidade da história da arquitetura, que tornaria as
teorias projetuais atualizadas e também evitaria o vazio teórico deixado pelo movimento
moderno. Talvez o que se exigisse da arquitetura em relação à modernidade fosse uma
nova postura projetual que não interrompesse a história e que levasse em conta aspectos
encontrados em precedentes referenciais. Os efeitos desse rompimento são observados
até hoje, desde o vazio deixado pelas obras correntes do movimento moderno como as
conseqüências vistas no ensino de arquitetura. A história da arquitetura como
instrumento de uma capacidade reflexiva e crítica, associada ao contexto cultural do
lugar, pode libertar o projeto tanto da criação intuitiva, conseqüência do vazio cultural
preconizado pelo movimento moderno, quanto da cópia de modelos históricos, a qual
ocorreu, de maneira geral, em algumas tendências chamadas de “historicistas” do pós-
modernismo.
93
Na experiência de ensino, a metodologia de projetar deveria ser pensada como
instrumental que estimulasse a ocorrência de concepções tão criativas quanto
explicáveis. Há sempre uma ambigüidade presente no fato de que cada decisão projetual
abre possibilidades, novas indefinições. Por outro lado, cabe salientar que metodologia
não é projeto, no sentido de que metodologias de projetar são meios para se atingir uma
determinada finalidade. Os métodos também permitem certo controle do processo
projetual. E esse controle não significa, como pode ser entendido ordinariamente, a
contenção da criatividade, mas sua catalisação e instrumentalização.
O que se observa é a necessidade de se tomar o dispositivo criativo como parte
essencial de metodologias que apóiem o ato de projetar e que estruturem as situações de
ensino nos ateliês acadêmicos. Andar até o limite do que pode ser explicado e ponderado
como processo criativo orientado, estimulado e condicionado: isso permitiria ao
estudante a exploração da intenção projetual, estimulando o desenvolvimento de sua
atitude crítica e reflexiva com relação ao que lhe é formulado. Uma tal metodologia
poderia capacitá-lo a desenvolver alternativas de uma mesma abordagem e mantê-lo
aberto a novos tipos de soluções.
Conclui-se também, em relação ao ensino de projeto, que o professor deve
assumir uma postura de mediador que possa acompanhar seus alunos no trânsito por
“dois mundos” relativos ao conhecimento arquitetônico: aquele do leigo, dos desejos e
necessidades, frutos do conhecimento empírico, e aquele mundo constituído pelas
teorias de arquitetura. Esse professor de projeto, além de desempenhar o papel de
mediador do conhecimento, também precisa apresentar algumas características
peculiares. Dentre elas, a fundamental é instrumentar o posicionamento reflexivo e
crítico, incentivando especialmente o exame de precedentes referenciais. O confronto
com “outras possibilidades” (que é quase um sinônimo de crítica, de acordo com
Gadamer, já mencionado), ao se examinarem projetos referenciais, possibilita antever
uma pluralidade de soluções aos problemas de projeto. A crítica, nesse sentido,
possibilita um alargamento das capacidades de assimilação do aluno, da aprendizagem,
portanto. O professor precisa compreender quais os limites que o aluno manifesta e
quais as possibilidades que este tem de avançar; também precisa demonstrar a extensão e
94
os modos de aproximação e aprofundamento do conteúdo, permitindo que o aluno
desenvolva um método próprio para orientar seus estudos.
Muitas questões ficam em aberto. Não se acredita que possa haver uma verdade
única em termos de arquitetura, assim como quanto aos métodos de projetar. A
arquitetura tem um lado objetivo/prático, que se refere ao modo de cumprir as diferentes
etapas de projeto cartorialmente e outro subjetivo/conceitual, relativo à concepção
formal. E um dos problemas que as metodologias tentam solucionar é encontrar uma
maneira de objetivar esse lado subjetivo referente às intenções de projeto. A atividade de
tornar inteligível esta subjetividade projetual baseia-se numa circularidade, num jogo de
perguntas e respostas acerca dos elementos de arquitetura e dos de composição.
Por fim, a construção da “forma pertinente”, como sustenta Mahfuz (1995), seria
um processo de síntese dos diversos componentes que afetam o objeto arquitetônico
numa estrutura formal autêntica, que possua identidade com os fatores locais e culturais.
Os “componentes” a que se refere aqui são aqueles formados pelos diversos fatores
sociais, culturais e tecnológicos que envolvem a atividade projetual numa determinada
situação. A síntese desses componentes seria obtida pela integração da teoria, da história
e da crítica reflexiva.
A síntese projetual, conforme sustenta Rogério Oliveira (2000), é figurativa.
Trata-se de um processo que vai sendo construído na mente por meio de uma
modalidade de pensamento figural. As sínteses são processos circulares, retêm o que
interessa para uma composição e excluem o que excede. A síntese é um processo mental
“econômico”, nesse sentido. O desenho, por seu turno, é o processo e a ferramenta para
que a síntese possa depois ser “materializada”, ou representada. Essa construção formal
de uma síntese, de um objeto arquitetônico, acontece por meio de metáforas, e não
através de uma imagem ou ícone preestabelecidos.
Há soluções, presentes na história da arquitetura, que resolveram com êxito a
maior parte dos programas. O fato de ordenações espaciais e sistemas construtivos
terem, muitas vezes, resolvido programas diferentes mostra, também, que a arquitetura
vai além da resolução de questões programáticas. A arquitetura parte do plano das
95
representações sociais, especialmente naquelas presentes no meio urbano. De qualquer
modo, portanto, fica clara aqui a necessidade de se estudar o projeto a partir de exemplos
de precedentes referenciais. Um projeto deveria sempre começar por um exemplo que
melhor resolveu um caso de características similares, e isto se daria justamente pela
análise de precedentes, objetos de análise da história da arquitetura. As comparações que
podem ser feitas entre o partido desenhado e os tipos analisados são inúmeras. Contudo,
alguns aspectos observáveis mostram-se particularmente operativos para o
aperfeiçoamento do partido.
Bibliografia
ALEXANDER, Christopher. 1964. Ensayo sobre la Síntesis de la Forma. Buenos Aires:
Ediciones Infinito, 1973.
BANDINI, Micha. 1997. The Conditions of Criticism. In: POLLAK, Martha. (org.) The
education of the architect: historiograpy, urbanism, and the growth of
architectural knowledge. Cambridge: The MIT Press, 1997.
BATTISTI, Eugenio. 1980. Arquitectura, ideologia y ciencia. Madrid: Hermann Blume,
1980.
BENEVOLO, Leonardo. 1960. História da arquitetura moderna. São Paulo:
Perspectiva, 1976.
BROADBENT, Geoffrey. 1971. Metodologia del diseño arquitectónico. Barcelona:
Gustavo Gili (2 ed.), 1971.
——————. 1995. Architectural Education. In: PEARCE, Martin; TOY, Maggie.
(orgs.) Educating Architects. Londres. Academy Edition, 1995.
CARDENAS, Eliana. 1998. Problemas de la teoria de la arquitectura. Guanajuato:
Editorial Universitaria, 1998.
CHING, Francis D. K. 1979. Arquitectura: forma, espacio y orden. México: Gustavo
Gili, 1985.
CLARK, Roger H.; PAUSE, Michael. 1985. Arquitectura: temas de composición.
México: Gustavo Gili, 1987.
97
COLQUHOUN, Alan. 1987. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre
arquitetura 1980-1987. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
COMAS, Carlos Eduardo. (org.) 1986. Projeto Arquitetônico: disciplina em crise,
disciplina em renovação. São Paulo: Projeto,1986.
CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. 1957. Dicionário da
Arquitetura Brasileira. São Paulo: Companhia das Artes, 1998.
CORONA MARTINEZ, Alfonso. 1990. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 2000.
DREXLER, Arthur. 1977. The Architecture of the École des Beaux-Arts. London:
Secker & Warburg, 1977.
DUPLAY, Claire & Michel. 1985. Méthode illustrée de création architecturale. Paris:
Moniteur, 1985.
FIORI, Renato Holmer. 1992. Arquitetura moderna e ensino de arquitetura: os cursos em
Porto Alegre de 1945 a 1951. Porto Alegre: Curso de Pós-graduação em História
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1992. [dissertação de
mestrado]
FRAMPTON, Kenneth. 1985. História crítica da arquitetura moderna.o Paulo:
Martins Fontes, 1997.
GADAMER, Hans-Georg. 1975. Verdad y método. Salamanca: Sígueme, 1977.
—————. 1993. Elogio de la Teoría. In: Elogio de la teoría. Barcelona: Ediciones
Penisulas, 1993.
GRAEFF, Edgar Albuquerque. 1967. Arte e técnica na formação do Arquiteto. São
Paulo: 1995.
GROPIUS, Walter. 1956. Bauhaus: Novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1977.
98
HABERMAS, Jürgen. 1984. Arquitectura moderna y postmoderna. In: Revista de
Occidente, n. 42, p. 95-104, 1984.
HEARN, Fil. 2006. Ideas que han configurado edificios. Barcelona: Gustavo Gili, 2006.
IBELINGS, Hans. 1998. Supermodernismo: arquitectura en la era de la globalización.
Barcelona: Gustavo Gili, 1998.
JANTZEN, Sylvio A. D. 1997. O processo da “fenocópia cognitiva” e o ensino de teoria
e história da arquitetura da Faurb/Ufpel. Coletânea do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, v. 5, n. 13, p. 34-40, jul/ago 1997.
—————. 2000. A abstração reflexionante de Piaget e o ensino de arquitetura e
urbanismo. Visual: Revista do curso de Arquitetura e Urbanismo – UCPEL.
Pelotas, RS, EDUCAT – SPAC/UCPEL, v.1, n.1, p. 12-40, 2000.
—————. 2001. Por uma pedagogia da arquitetura: formação crítica e tradição da
profissão. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001. [tese de doutorado]
—————. 2003. Exercícios de projeto. Pequeno caderno de orientação para a prática
de atelier (método crítico e estudo de tipologias). Pelotas: FAURB-UFPEL,
Seminário de Diplomação, 2003. [apostila, com a colaboração de Augusto
Carvalhal da Silva e João Rovatti]
JENCKS, Charles A. 1977. The language of post-modern architecture. London:
Academy Editions, 1984.
—————. 1973. Modern movements in architecture. New York: Penguin Books,
1980.
KIEFER, Flávio; LIMA, Raquel Rodrigues; MAGLIA, Viviane Villas Boas. 2001.
Crítica na arquitetura. V Encontro de Teoria e História da Arquitetura. Porto
Alegre: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ritter dos Reis, 2001.
99
KRUFT, Hanno-Walter. 1991. Historia de la teoría de la arquitectura. Madrid: Alianza
Forma, 1991.
KUHN, Thomas. 1962. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva,
2005.
LE CORBUSIER. 1923. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2006.
LEACH, Neil. 1997. Rethinking Architecture: a reader in cultural theory. London:
Routledge, 1997.
MAHFUZ, Edson da Cunha. 1995. Ensaio sobre a razão compositiva. Viçosa: UFV,
Impr. Univ.; Belo Horizonte: AP Cultural, 1995.
—————. 2001. O Clássico, o Poético e o Erótico e outros ensaios. Porto Alegre:
Editora Ritter dos Reis, 2001.
—————. 2003. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. In: LARA,
Fernando; MARQUES, Sônia. (orgs.) Projetar: desafios e conquistas da
pesquisa e do ensino de projeto. Rio de Janeiro: EVC, p. 64-80, 2003.
MONTANER, Josep Maria. 1999. Arquitectura y crítica. Barcelona: Gustavo Gili,
1999.
MORA, José Ferrater. 1982. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Don Quixote, 1982.
NESBITT, Kate. (org.) 1996. Theorizing a new agenda for architecture. New York:
Princeton Architectural Press, 1996.
NORBERG-SCHULZ, Christian. 1965. Intentions in Architecture. Cambridge: The MIT
Press, 1965.
OLIVEIRA, Rogério de Castro. 1986. A formação do repertório para o projeto
arquitetônico: algumas implicações didáticas. In: COMAS, Carlos Eduardo.
(org.) Projeto arquitetônico: disciplina em crise, disciplina em renovação. São
Paulo: Projeto, 1986.
100
——————. 1992. Conhecimento e projeto: o conceito de imitação como
fundamento de um paradigma didático da arquitetura. Porto Alegre: Faculdade de
Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992. [dissertação de
mestrado]
——————. 2000. Construções figurativas. Representação e operação no projeto de
composições espaciais. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. [tese de doutorado]
PEREIRA, Otaviano. 1984. O que é teoria. Coleção Primeiros Passos. São Paulo:
Editora Primeiros Passos. 1984.
PÉREZ-GÓMEZ, Alberto. 1994. Polyphilo or The Dark Forest Revisited: an erotic
epiphany of architecture. Cambridge: The MIT Press, 1994.
——————. 1999. Hermeneutics as Architectural Discourse. Belo Horizonte: IEC-
PUC Minas Gerais, 1999. [Apostila do Seminário com Prof. Alberto Pérez
Gomez]
PIÑON, Helio. 1998. Curso básico de proyetos. Bercelona: Edicions UPC, 1998.
——————. 2006. Teoria do projeto. Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2006.
RASMUSSEN, Steen Eiler. 1959. Arquitetura vivenciada. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
ROSSI, Aldo. 1966. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
SCRUTON, Roger. 1979. Estética da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
SCHÖN, Donald A. 1987. Educating the Reflective Practitioner. San Francisco: Jossey-
Bass Publishers, 1987.
SILVA, Elvan. 1994. Introdução ao estudo teórico do conceito de excelência na
arquitetura. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1994. [texto piloto]
101
——————.. 1997. Estética da arquitetura. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 1997. [texto piloto]
——————. 1998. Uma introdução ao projeto arquitetônico. 2. ed. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 1998.
——————. 2004. Notas sobre as concepções predominantes no ensino do projeto
arquitetônico: o conceito de projetualidade. Belo Horizonte, Centro Universitário
Izabela Hendrix, dez 2004. [texto]
TAFURI, Manfredo. 1968. Teorias e história da arquitetura. Lisboa: Presença, 1988.
TSCHUMI, Bernard. 1995. One, Two, Three: Jump. In: PEARCE, Martin; TOY,
Maggie. (orgs.) Educating Architects. Londres: Academy Edition, 1995.
VENTURI, Robert. 1966. Complejidad y contradicción en la arquitectura. Barcelona:
Gustavo Gili, 1974.
WEISCHEDEL, Wilhelm. 1966. A escada dos fundos da filosofia. São Paulo: Angra,
2001.
WICK, Rainer. 1982. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
ZANTEN, David Van. 1977. Architectural Composition at the École des Beaux-Arts
from Charles Percier to Charles Garnier. In: DREXLER, Arthur. The
Architecture of the École des Beaux-Arts. London: Secker & Warburg, 1977.
ZEVI, Bruno. 1966. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
102
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo