Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ/RJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PROPED
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Considerações acerca da atual produção de
conhecimento de inspiração marxista em Filosofia da
Educação: uma perspectiva marxista
Adriana Doyle Portugal
Rio de Janeiro – RJ
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Adriana Doyle Portugal
Considerações acerca da atual produção de
conhecimento de inspiração marxista em Filosofia da
Educação: uma perspectiva marxista
DISSETAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COMO REQUISITO PARCIAL
À OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM EDUCAÇÃO.
Orientadora: Siomara Borba Leite
Rio de Janeiro
2008
1
ads:
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ / RJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PROPED
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Considerações acerca da atual produção de
conhecimento de inspiração marxista em Filosofia da
Educação: uma perspectiva marxista
Adriana Doyle Portugal
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em Educação
Banca examinadora:
Profª Drª Siomara Borba Leite
Professora Orientadora – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ
Profª Drª Elizabeth Fernandes Macedo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
Profª Drª Anita Handfas
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Rio de Janeiro
27 de fevereiro de 2008
2
Portugal, Adriana Doyle, 1968-
Considerações acerca da atual produção de conhecimento de
inspiração marxista em Filosofia da Educação: uma perspectiva marxista
/ Adriana Doyle Portugal.
114 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro. 2008.
Área de concentração: Fundamentos da Educação. Filosofia da
Educação.
Linha de Pesquisa: Educação, Conhecimento e Filosofia.
Orientadora: Siomara Borba Leite
3
À minha mãe. Por tudo.
4
Agradeço especialmente à professora Siomara, com
admiração e respeito, sobretudo pela importância e pela coragem
de representar, na contramão da atual conjuntura, uma força
fundamental para a produção de conhecimento teórico e crítico
em Educação.
5
AGRADECIMENTOS:
A todos os companheiros do grupo de estudos Educação, Conhecimento e
Filosofia, pelos calorosos e importantes debates.
Ao amigo Sérgio, pela paciência e pelo apoio técnico, indispensáveis em
momentos determinantes da elaboração da dissertação.
À professora Daisy Seabra de Queiroz, de quem fui aluna na Licenciatura e
com quem tive o primeiro contato com uma bibliografia atual de inspiração
marxista em Educação. Foi sobretudo a partir de suas aulas que a motivação e o
interesse pela produção de conhecimento de inspiração marxista em Educação
surgiram.
À professora Anita Handfas, cujo trabalho tornou-se referência teórica
importante em meus estudos iniciais durante o mestrado e através de quem, nos
tempos da Licenciatura, pude ter contato com uma bibliografia educacional do
campo do marxismo que eu desconhecia.
À professora Elizabeth Macedo, pela disponibilidade e pelas considerações
acerca do projeto de pesquisa, importantes para a continuidade da pesquisa e
para a delimitação do campo investigado.
À professora Miriam Limoeiro Cardoso, um agradecimento muito especial:
por ter sido o ponto de partida de minha inserção no campo do marxismo e de
minha introdução nos estudos de metodologia e epistemologia das ciências, no
início dos anos 90. Agradeço pelo apoio, pela disponibilidade em ler e contribuir
com este trabalho de mestrado, e, sobretudo, pelas preciosas considerações.
Muito obrigada.
Ao meu irmão, Rodrigo, por todos os abstracts!
6
RESUMO:
Esta dissertação de mestrado é parte de um trabalho de pesquisa mais amplo
acerca da atual produção de conhecimento de inspiração marxista em Educação no Brasil
e resulta de uma investigação teórica acerca desta produção na área específica da
Filosofia da Educação. Foram analisados os trabalhos apresentados na Associação
Nacional de Pós-Graduação em Educação, no GT Filosofia da Educação, nos últimos
sete anos (de 2000 a 2007), nos quais foram identificados alguns problemas teórico-
metodológicos. A dissertação concentra-se na apresentação destes problemas e de
algumas contribuições teóricas do campo do marxismo que permitem superá-los. O
principal objetivo da dissertação consiste em contribuir para a produção de conhecimento
marxista em Educação.
Palavras-chave: Filosofia da Educação, marxismo, imperialismo, educação.
ABSTRACT:
This dissertation is the result of a more extensive research work on the current
production of knowledge with Marxist inspiration in Education in Brazil. The text comes
from a theoretical investigation about that production in the specific area of Educational
Philosophy. Papers from the last seven years (from 2000 to 2007), presented on the
“Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação”, of the “GT Filosofia da
Educação”, were analysed. We were able to identify some theoretical-methodological
problems on these papers. The dissertation focuses on the presentation of these problems
and on some theoretical contributions of the Marxist field in order to overcome these
issues. Moreover, we provide enlightenment on the production of Marxist knowledge in
Education of the current day.
Keywords: Educational Filosophy, Marxism, imperialism, education.
7
SUMÁRIO:
Introdução ............................................................................................................09
Capítulo I: A produção atual de conhecimento de inspiração marxista em
Filosofia da Educação .........................................................................................16
I.1: A crítica de inspiração marxista, em Filosofia da Educação, à conjuntura
epistemológica atual, em suas dimensões epistemológica e política .............................18
I.2: As reivindicações epistemológicas de inspiração marxista em Filosofia da
Educação e sua fundamentação teórico-metodológica e política
..................................31
Capítulo II: Contribuições metodológicas para a produção de conhecimento
em Educação hoje: uma perspectiva marxista .................................................41
II.1: Considerações teóricas sobre a construção do conhecimento .....................41
II.2: A questão do método em Marx
..................................................................54
Capítulo III: A teoria marxista do imperialismo: contribuições teóricas para a
pesquisa em Educação .......................................................................................70
III.1: A teoria marxista da acumulação capitalista ..............................................72
III.2: A teoria leninista do imperialismo
..............................................................81
III.3: O estatuto teórico das contribuições de Lênin para a pesquisa educacional
hoje.
.........................................................................................................................90
Considerações finais............................................................................................99
Referências bibliográficas:
Bibliografia analisada como objeto da pesquisa ..............................................105
Bibliografia que serviu como orientação teórico-metodológica da pesquisa
........107
Bibliografia complementar .............................................................................111
O
utras citações bibliográficas ........................................................................113
8
Introdução
O trabalho de pesquisa do qual resultou a presente dissertação trazia como
objetivo, ainda inicial e geral, investigar a atual produção de conhecimento
marxista em Educação no Brasil. Os primeiros contatos com uma bibliografia
recente de inspiração marxista do campo educacional, ainda no curso de minha
Licenciatura nos anos 2005 e 2006, na UFRJ, realizaram-se pautados por um
certo entendimento existente entre os professores de que aquela bibliografia,
indicada e apresentada por eles, era o que havia de mais significativo e relevante
no campo do marxismo contemporâneo em Educação. Este entendimento comum
se confirmava ao ingressar no mestrado em Educação na UERJ e, continuamente,
ao entrar em contato com professores de outras universidades, já no início de
minha investigação como aluna de mestrado: os trabalhos de Demerval Savianni,
Gaudêncio Frigotto, Pablo Gentili e José Carlos Libâneo eram considerados os
trabalhos de maior referência deste campo específico de produção de
conhecimento. A partir das leituras iniciais destes trabalhos – e de alguns outros
indicados por professores da universidade, encontrados em destaque em livrarias,
também usualmente conhecidos como trabalhos importantes e de referência deste
campo, a julgar pelo número geralmente alto de suas edições
1
– pude, então,
construir o objeto inicial de pesquisa. Confirmavam-se, a cada passo, a presença
e a influência destes autores na atual produção de conhecimento de inspiração
marxista em Educação.
O objeto inicial da pesquisa, que fomentou a elaboração do projeto, foi,
então, construído a partir das primeiras leituras destes trabalhos que
supostamente teriam se tornado referência nacional predominante no marxismo
no campo educacional, inspirando sua luta ideológica e acadêmica.
O aprofundamento destas leituras iniciais, a descoberta de muitos outros
trabalhos relevantes no campo do marxismo, a participação em inúmeros de seus
1
Refiro-me, aqui, além dos autores já citados, especialmente aos trabalhos de Moacir Gadotti e
Newton Duarte, ambos indicados como autores dentre aqueles de maior referência do marxismo
em Educação. Entre os seus trabalhos, destacam-se “Pedagogia da Práxis” (GADOTTI, 2004) e
“Vigotsky e o ´aprender a aprender`: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria
vigotskiana” (DUARTE, 2006).
9
encontros e eventos importantes e as posteriores leituras dos trabalhos
produzidos a partir destes eventos, permitiram-me a construção de três problemas
iniciais sobre os quais a pesquisa poderia se desenvolver.
O primeiro problema consistia na identificação da presença predominante
de um certo humanismo: uma expressiva parte dos trabalhos lidos até então
apresentava a categoria de homem como a categoria teórica central a partir da
qual todo o seu conteúdo se desenvolvia. Alicerçados pelas obras do jovem Marx,
orientados pela discussão da ontologia de Lukács e de algumas reflexões de
Gramsci, estes trabalhos apresentavam a crítica da educação contemporânea a
partir de uma concepção ontológica do ser social, em que o trabalho aparecia
como categoria central e fundante da vida social: a crítica da educação capitalista
tinha como contraponto a defesa de uma educação voltada para a emancipação
humana. Concentrar a pesquisa em torno deste problema exigiria da pesquisa
uma discussão aprofundada do materialismo histórico e dialético e uma discussão
acerca da demarcação dos limites entre este e o humanismo teórico, um caminho
possível a seguir.
O segundo problema refere-se à presença de um certo reformismo, também
predominante entre o conjunto dos trabalhos lidos. A identificação inicial da
presença de elementos de reformismo e de espontaneísmo nas primeiras leituras
vinha-se confirmando a cada momento da pesquisa, na medida em que novas
leituras eram feitas e mediante sua confirmação a partir dos debates manifestos
nos eventos importantes dos quais pude participar, identificação esta que permitiu
a produção de dois trabalhos acerca do tema (PORTUGAL, 2007a e 2007b). A
partir da análise das propostas político-educacionais presentes nos diversos
trabalhos, foi possível identificar uma certa concepção reformista de Estado
subjacente àqueles, através da qual as concepções de democracia, de transição
ao socialismo e de luta política e contra-hegemônica eram desenvolvidas.
Trabalhar em torno do tema do reformismo e do espontaneísmo aparecia como
um caminho fundamental a seguir: ao mesmo tempo em que permitiria demonstrar
os problemas teóricos e políticos deste campo, traria uma inovadora contribuição
para o campo do marxismo acadêmico.
10
O terceiro problema refere-se às análises de conjuntura realizadas
naqueles trabalhos: concentrados, em geral, nos temas do neoliberalismo e da
reestruturação produtiva, conjugados à idéia de crise, os trabalhos analisam as
mudanças educacionais no Brasil como conseqüência de um novo contexto de
mudanças econômicas, políticas e ideológicas. As noções de neoliberalismo, de
globalização e de sociedade mercantil – em que predominaria, segundo estes
autores, o imperativo da lógica do mercado – aparecem como determinantes da
conjuntura capitalista atual, sem se coligarem com um terreno teórico rigoroso de
explicação destes fenômenos. Este problema também foi discutido em trabalho
recente (PORTUGAL, 2007b), em que pude identificar a ausência de explicação
sobre a relação entre a dinâmica estrutural do capitalismo e estas mudanças
contextuais, chamando a atenção para a necessidade da explicação destas
mudanças a partir da teoria marxista do imperialismo, que encontra nas obras de
Lênin, de Cervetto e nas edições de Lotta Comunista, a meu ver, a sua maior,
mais rigorosa e decisiva contribuição.
Ainda neste período inicial da pesquisa, esta problemática fazia surgir uma
outra questão importante em relação, ainda, à construção do objeto, que dizia
respeito à necessidade de critérios quanto à definição do que vem a ser o
marxismo, que trariam decisivas implicações para a definição também dos critérios
de seleção dos trabalhos a serem investigados na pesquisa a partir de então. Não
é novidade que muitos autores, cujos trabalhos pautam-se por orientações
reformistas, humanistas e liberais, têm sido considerados e autointitulados autores
marxistas, inspirando-se em referenciais teóricos do campo do marxismo. O
campo do marxismo no Brasil tem-se constituído historicamente como um campo
de correntes e disputas teórico-metodológicas, formadas por influências distintas e
divergentes e inspiradas em diferentes interpretações acerca das contribuições de
importantes teóricos e militantes marxistas, desde as obras de Marx e Engels,
passando por Antonio Gramsci, George Lukács, Vladimir Ilitch Ulianov (depois
conhecido pelo nome de guerra Lênin), Louis Althusser, Rosa Luxemburgo, Leon
Trotsky, Karl Kautsky, entre tantos outros, até as contribuições mais
contemporâneas. As diferenças e muitas vezes divergências teóricas e políticas
11
do marxismo contribuíram para a fertilização de conflitos teórico-metodológicos em
seu interior, permitindo, sobretudo, a consolidação de apropriações reformistas e
liberais de muitas daquelas contribuições, consideradas, ainda assim, marxistas.
Foi a partir do reconhecimento da dificuldade de delimitação do campo
propriamente marxista, face à amplitude deste debate, que a expressão
“pensamento de inspiração marxista” tornou-se, neste trabalho, apropriada para a
definição do campo desta pesquisa, na medida em que soluciona os impasses
teóricos e políticos que a definição do que vem a ser marxismo acarretaria.
Além disso, eu já havia constatado uma divisão em áreas temáticas através
das quais a pós-graduação em Educação se dividia no Brasil e já me havia sido
feita uma importante sugestão, pela professora Elizabeth Macedo, através do
parecer acerca do projeto de pesquisa, analisado por ela, de, mediante as
dificuldades de delimitação do campo investigado – e mediante o grande volume
de material recolhido, lido e analisado até então –, desenvolver o trabalho em
torno destas áreas temáticas. Foi a partir desta sugestão que a pesquisa voltou-se
para a produção teórica destas diversas áreas, especificamente através dos
trabalhos apresentados nos encontros anuais da ANPEd
2
. Pesquisando, então,
esta produção dos últimos sete anos, pude constatar uma presença expressiva do
marxismo no GT Trabalho e Educação, e, também, sua manifestação no GT
Filosofia da Educação , além de alguns poucos trabalhos apresentados em 2006
nos GTs Educação Popular, Formação de Professores e Política de Educação
Superior. Aqueles trabalhos iniciais que me permitiram a elaboração dos
problemas da pesquisa estavam, quase em sua totalidade, distribuídos entre as
duas primeiras áreas temáticas, com presença significativa no caso do GT
Trabalho e Educação, aparecendo como referencial teórico também nas outras
três áreas. A cada novo trabalho lido, os mesmos problemas, apresentados
anteriormente, apareciam, embora marcados por referenciais teóricos diversos.
2
A ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação – divide-se em áreas
temáticas organizadas por Grupos de Trabalhos, os GTs. Os trabalhos aceitos pelos respectivos
GTs para apresentação nos encontros da ANPEd são avaliados e selecionados mediante
aprovação por examinadores de cada área temática, podendo haver reprovação de trabalhos
inscritos.
12
Feito todo este percurso, o objeto da pesquisa tornava-se cada vez mais
concreto: aquele ponto de partida geral e abstrato – a atual produção de
conhecimento marxista em Educação – dava lugar à concretude da existência do
humanismo teórico, do reformismo acadêmico e das áreas temáticas em torno das
quais a produção de conhecimento acadêmica de inspiração marxista no Brasil
aparecia dividida. O objeto de pesquisa foi construído através deste trabalho de
investigação e leitura, a partir de uma problemática orientada pelo materialismo
histórico, pela teoria marxista do Estado e do imperialismo – sob a luz das obras
de Marx, Engels, Lênin e Althusser e de contribuições mais recentes, como Miriam
Limoeiro Cardoso, as edições de Lotta Comunista, na Itália, e do Intervenção
Comunista no Brasil.
A esta altura, face ao volume extenso do material obtido, às leituras
realizadas e à dimensão daqueles três problemas já construídos – que
possibilitavam diferentes caminhos para a continuação da pesquisa –, optamos
por um caminho compatível, ao mesmo tempo, com o restante curto prazo exigido
para a defesa da dissertação e, sobretudo, com a linha de pesquisa na qual este
trabalho está inserido, intitulada Educação, Conhecimento e Filosofia.
O caminho escolhido fora o de concentrar o trabalho somente na área
temática Filosofia da Educação. Para tal, foram analisados os trabalhos de
inspiração marxista desta área, dos últimos sete anos, apresentados nos
encontros anuais da ANPEd, bem como a sua principal referência teórica, a partir
dos autores presentes nas respectivas referências bibliográficas. Destacam-se,
entre eles, os trabalhos de Newton Duarte e Maria Célia Marcondes de Moraes.
Os trabalhos de Newton Duarte, em especial, tornaram-se referência de outros
trabalhos em outras áreas temáticas, como no GT Educação Popular.
A partir da análise dos trabalhos da área temática Filosofia da Educação,
foram reconhecidos elementos semelhantes aos encontrados na totalidade dos
trabalhos lidos desde o início da pesquisa que consolidavam aqueles problemas
levantados inicialmente, embora os elementos teórico-metodológicos de todos os
trabalhos que permitiram a elaboração daqueles problemas iniciais não sejam
13
homogêneos nem exclusivos de uma área específica. Além disso, pôde ser
identificado um novo problema teórico-metodológico relevante para a pesquisa e
crucial para o desenvolvimento da dissertação: a concepção epistemológica que
aparecia como fio condutor da crítica à conjuntura teórica e educacional realizada
por estes trabalhos. A crítica de inspiração marxista à conjuntura epistemológica
atual, realizada nesta área temática, e a fundamentação epistemológica e política
desta crítica, não somente reproduziam os mesmos problemas já identificados
anteriormente – a presença do humanismo teórico, a constituição do reformismo
acadêmico e a ausência de explicação teórica para a conjuntura – como
apresentavam, também, um novo – e quarto – problema: a leitura do materialismo
histórico e dialético fundamentada sob a perspectiva de uma “ontologia marxista”
cuja orientação epistemológica apresenta uma interpretação dos textos
metodológicos de Marx com um certo viés positivista, afastando-se
significativamente de nossa leitura acerca da metodologia marxista e da
perspectiva adotada nesta pesquisa.
A dissertação tem como objetivo apresentar os principais elementos que
consolidam dois dos quatro problemas construídos durante toda a pesquisa, a
saber, o terceiro e o quarto problemas indicados acima, que correspondem
respectivamente à leitura da realidade social e à concepção metodológica
presentes neste pensamento atual de inspiração marxista em Filosofia da
Educação.
A dissertação está dividida, então, em três capítulos. O primeiro
apresentará as principais questões em torno das quais versam os trabalhos
investigados que constituem os elementos destes dois problemas: serão
apresentadas a crítica à conjuntura epistemológica, as reivindicações
epistemológicas destes autores e, também, a análise que fazem acerca da
realidade social contemporânea. O segundo e o terceiro capítulos da dissertação
apresentarão algumas contribuições do marxismo que possibilitam um contraponto
a estes dois problemas encontrados nos trabalhos investigados e que, a meu ver,
fomentam um debate importante e contribuem para a produção de conhecimento
educacional do campo do marxismo acadêmico. Para tal, serão apresentadas
14
algumas contribuições acerca da problemática metodológica marxista e, também,
contribuições acerca da teoria marxista do imperialismo, respectivamente, que
consolidam as duas problemáticas da própria pesquisa e que, no nosso
entendimento, são fundamentais para a produção de conhecimento em Educação
hoje.
15
Capítulo I: A produção atual de conhecimento de inspiração
marxista em Filosofia da Educação
O atual pensamento educacional de inspiração marxista em Filosofia da
Educação tem concentrado sua produção teórica especialmente a partir de dois
eixos temáticos específicos: o primeiro consiste na análise e crítica da atual
produção de conhecimento educacional, em seus aspectos epistemológicos,
pedagógicos e políticos. Os trabalhos investigados procuram demonstrar, em seu
conjunto, os problemas epistemológicos e políticos das epistemologias
educacionais dominantes e, também, os problemas teóricos e políticos de
algumas concepções político-educacionais dominantes – circunscritas aos campos
do Pragmatismo, em especial –, demonstrando a relação destas epistemologias e
teorias político-pedagógicas com a conjuntura capitalista atual, no Brasil e no
mundo. Em outras palavras, os trabalhos de inspiração marxista percorrem três
diferentes e complementares caminhos: o primeiro consiste na crítica
propriamente epistemológica das concepções e reivindicações também
epistemológicas presentes na produção recente de conhecimento em Educação,
ou seja, procura demonstrar os problemas epistemológicos daquelas
reivindicações, a partir de uma problemática especificamente metodológica. Para
tal, toma-se como referencial teórico-metodológico uma certa leitura das
contribuições propriamente metodológicas do campo do marxismo, principalmente
de K. Marx, G. Lukács e A. Gramsci. O segundo caminho procura analisar a
relação entre estas reivindicações epistemológicas recentes e a conjuntura
político-econômica atual, ou seja, procura demonstrar os problemas políticos
daquelas reivindicações epistemológicas, de modo a demonstrar de que modo
elas têm servido aos interesses do capital. E, por fim, um terceiro caminho que
consiste na análise e crítica teórico-política de algumas concepções político-
educacionais presentes na produção de conhecimento em Educação.
Neste sentido, os trabalhos procuram demonstrar que a atual produção de
conhecimento educacional dominante, em suas diversas vertentes e variadas
dimensões, não somente emerge de um contexto histórico capitalista específico,
16
como constitui alicerce ideológico importante da atual fase capitalista do Brasil e
do mundo.
O segundo eixo temático específico, em torno do qual este pensamento
tem-se concentrado, consiste no conjunto de reivindicações a partir das quais
acredita-se contribuir tanto para a resistência quanto para o enfrentamento diante
da conjuntura atual. Estas reivindicações percorrem, também, dois caminhos
complementares entre si: o primeiro consiste no conjunto de defesas propriamente
epistemológicas, em que se procura reivindicar o marxismo como terreno teórico-
metodológico para a produção de conhecimento da realidade educacional e onde
algumas discussões sobre a dialética materialista e o materialismo histórico
aparecem como cruciais para a sua defesa. O segundo caminho consiste no
conjunto de defesas político-educacionais propriamente ditas, em que aparecem
reivindicações de modelos de escola, de gestão e de ensino – das quais emergem
contribuições acerca da discussão curricular e da inserção docente –
consideradas importantes como alternativas, de resistência e de luta, aos modelos
vigentes, onde as contribuições de Antonio Gramsci, em especial, têm consolidado
uma referência expressiva.
Sendo assim, o pensamento educacional de inspiração marxista atual tem
se posicionado em duas frentes de luta: na luta teórica – na qual a produção de
conhecimento educacional capitalista contemporânea é criticada em seus
aspectos epistemológicos, privilegiadamente, e, também, em seus aspectos
político-pedagógicos; e na luta político-ideológica, na qual a educação capitalista
contemporânea é criticada em seus aspectos pedagógicos e político-educacionais.
Neste primeiro capítulo serão apresentados, primeiramente, os elementos
que compõem esta crítica à conjuntura epistemológica, ou seja, será apresentada
a análise crítica desta conjuntura em seus aspectos epistemológicos e políticos;
em seguida, serão apresentados os elementos através dos quais o marxismo é
reivindicado como alternativa à conjuntura epistemológica atual, que configuram
as reivindicações propriamente epistemológicas do pensamento marxista atual em
Filosofia da Educação. Para tal, será apresentada uma certa compreensão da
17
realidade capitalista contemporânea da qual os autores analisados partilham e
através da qual realiza-se a dimensão política desta crítica.
Deste modo, este primeiro capítulo apresentará os principais elementos da
crítica às epistemologias atuais dominantes, realizada pelo pensamento atual de
inspiração marxista em Filosofia da Educação, bem como as suas principais
reivindicações, de modo a demonstrar a fundamentação teórico-metodológica e
política deste campo específico de produção de conhecimento.
I.1: A crítica de inspiração marxista, em Filosofia da Educação, à
conjuntura epistemológica atual, em suas dimensões epistemológica e
política
A primeira afirmação presente – e recorrente em diversos trabalhos
analisados – refere-se à constatação da existência de uma certa conjuntura
epistemológica recente que se manifesta como uma tendência na produção de
conhecimento em Educação, designada como um “movimento” chamado de
“recuo da teoria” (MORAES, 2001), em que a discussão teórica estaria sendo
gradativamente suprimida das pesquisas educacionais, trazendo conseqüências
significativas para a produção de conhecimento nesta área e implicações políticas,
éticas e epistemológicas capazes de comprometê-la.
São duas as principais críticas a esta conjuntura epistemológica atual: uma
crítica epistemológica e uma crítica política. A crítica epistemológica a esta
conjuntura fundamenta-se a partir de uma “epistemologia marxista”, que se
constitui como um conjunto de argumentos especificamente epistemológicos
fundamentados a partir de leituras de textos metodológicos de Marx e de alguns
autores importantes na história do pensamento marxista, como Lênin (1982),
Lukács (1970, 1976) e Gramsci (1970), e também, mais recentemente, Jameson
(1998), Kopnin (1978) e Kosik (1976), entre outros. A crítica política a esta
conjuntura epistemológica concentra-se na análise da relação entre esta e o
processo de reprodução e desenvolvimento do capitalismo, nacional e mundial e,
sobretudo, na demonstração de que este movimento epistemológico tem sido
18
elemento importante na consolidação de uma nova fase do capitalismo no Brasil,
servindo, sobretudo, a interesses específicos da organização capitalista da
educação escolar e acadêmica, em tempos de reestruturação sócio-econômica.
Os trabalhos analisados durante a pesquisa apresentam argumentos diversos
para ambas as críticas, mas que, em seu conjunto, aparecem como
complementares. Vejamos, então, cada uma destas críticas, em seus diversos
argumentos e em sua dupla perspectiva teórica: a epistemológica e a política.
Do ponto de vista epistemológico, o “recuo da teoria” tem sido apresentado
como decorrente de uma “nova onda cética” que “interpõe-se nas ciências
humanas e na filosofia nos últimos anos” (FONTE, 2005, p.01) e que afirma ser a
realidade uma construção, relativa aos esquemas culturais e discursivos de cada
grupo social específico. Neste sentido, este movimento tem como fundamento
epistemológico central a afirmação da impossibilidade de existência de critérios
que garantam alguma objetividade de conhecimento da realidade. Chamado,
também, de “ceticismo epistemológico” (FONTE, 2005, p. 01) ou de “ceticismo
pós-moderno” (DUARTE, 2003), os trabalhos de inspiração marxista procuram
demonstrar que este movimento tem sido respaldado por alguns argumentos
centrais que contribuem para fundamentar a afirmação desta ausência de garantia
de critérios de objetividade no conhecimento; dentre eles, destacam-se dois
argumentos principais que, a meu ver, orientam as diferentes perspectivas
epistemológicas deste movimento e dos quais desdobram-se suas múltiplas
vertentes.
O primeiro argumento resulta do questionamento da existência de um real
independente do pensamento, ou seja, coloca-se em dúvida a existência mesma
de uma realidade exterior ao sujeito. Como exemplo desta concepção, Fonte cita
Baudrillard, quando ele afirma que “não há real; não há alguma coisa, há nada,
quer dizer, a ilusão perpétua de um objecto não captável e do sujeito que crê
captá-lo” (BAUDRILLARD apud FONTE, 2005, p.01). A autora apresenta o
argumento de Baudrillard como exemplar da negação da existência da realidade,
dizendo:
19
Em um extremo, Baudrillard (1996) assevera que há uma
ilusão radical na crença de que a realidade existe, de que há um
referente para o conhecimento [...] A seu ver, o ser humano teima
em se prender à ilusão metafísica do sujeito e do objeto, do
verdadeiro e do falso, e julga intolerável um mundo sem vontade.
Diante disso, Baudrillard (1996, p.139) não hesita em anunciar sua
inevitável e drástica saída estetizante: “O que conta é a
singularidade poética da análise. Só isso pode justificar escrever, e
não a miserável objectividade crítica das idéias”. (FONTE, 2005,
p.01).
O argumento central, aqui, consiste em afirmar a inoperância de qualquer critério
para o conhecimento, pois, ao colocar-se em dúvida a existência mesma de uma
realidade independente e externa ao sujeito, afirma-se a impossibilidade do
próprio conhecimento: não há o que se conhecer para além do próprio sujeito, pois
não há objeto.
O segundo argumento, mais comumente presente nesta conjuntura
epistemológica, refere-se à impossibilidade metodológica do conhecimento da
realidade independente do sujeito cognoscente. Neste caso não se trata de negar
a existência da realidade – de um real existente independentemente do sujeito que
o conhece e que atua sobre ele – mas trata-se de afirmar que o conhecimento do
real, ao vincular-se intrinsecamente à perspectiva do sujeito cognoscente e dela
depender, impossibilita o acesso ao real e, neste sentido, impossibilita o
conhecimento do real tal qual ele é em si mesmo. Esta perspectiva epistemológica
tem sido consensual entre os críticos do positivismo, fomentando a base teórico-
metodológica de diversas correntes de pensamento nas ciências humanas e na
filosofia, sobretudo na tentativa de superação do positivismo como concepção
teórico-metodológica, que predominou na gênese e no desenvolvimento das
ciências desde o século XIX. A partir, então, deste argumento central – o da
impossibilidade de separação entre o conhecimento do real e a perspectiva do
sujeito – desdobram-se algumas vertentes epistemológicas que, em seu conjunto,
vão fomentar o terreno do “ceticismo epistemológico”.
20
Uma destas vertentes, de caráter relativista
3
e criticada de modo recorrente
nos trabalhos analisados, consiste na redução do conhecimento ao estatuto de
discurso e afirma, a partir daquele segundo argumento epistemológico, a
equivalência entre todos os discursos sobre o real; dentro desta vertente, todo
conhecimento acerca de uma certa realidade, seja ela de que natureza for,
consiste numa perspectiva particular e culturalmente construída e, por isto,
apresenta-se como uma construção discursiva – e não cognitiva – acerca da
realidade incognoscível. Para esta vertente, a validade e a legitimidade de um
certo discurso sobre o real dependerá de critérios sociais, culturais e políticos – e
não epistemológicos. Neste caso, não há conhecimento sobre a realidade, há
discursos sobre a realidade, há perspectivas discursivas construídas culturalmente
sobre a realidade, pois a realidade, ela mesma, é inatingível, incognoscível e
inapreensível. Esta vertente traduz-se, na filosofia, pela redução da epistemologia
à filosofia da linguagem, posto que sua máxima consiste em negar a possibilidade
de conhecimento e substituí-la pela análise dos discursos: o discurso realiza-se no
âmbito da linguagem, e não do conhecimento. Como exemplo desta perspectiva,
Moraes (2001) e Fonte (2005) citam o pensamento de Rorty
4
, a primeira afirmando
que:
Mesmo quando uma certa objetividade do contexto
histórico não é de todo negada, como em Rorty (1991, 1994,
1996), por exemplo, ela não pode ser alcançada pelo pensamento
que, em última análise, está sempre imerso em uma cultura. Assim
como não há uma plataforma supracultural, um ´gancho celeste` a
partir do qual se possa sair da própria cultura para contemplar o
mundo ´lá fora`, não pode haver, por conseguinte, um estado
mental cujo conteúdo pudesse ser o ´espelho` deste mundo. A sua
representação só pode ser, portanto, textual, cultural etc.,
simplesmente porque ´não existe algo como o modo pelo qual uma
3
Sobre algumas diferentes formas de relativismo, ver o trabalho de H. Japiassu (2001), como
crítica ao que chamou de “onda relativista”, referindo-se à predominância atual do relativismo no
tratamento do tema da relação entre conhecimento e verdade.
4
Ver a discussão de Rorty sobre o tema especialmente em “Pragmatismo, Filosofia Analítica e
Ciência” (1998), onde parte-se da afirmação da impossibilidade da “representação” e da
“correspondência” entre idéia e real no processo de cognição.
21
coisa realmente acontece, para além de sua descrição, para além
do uso que os seres humanos possam fazer dela` (Rorty, 1991, p.
99) (MORAES, 2001, p. 04)
Citando Moraes, Fonte afirma, ainda sobre o pensamento de Rorty, que
este “não chega a negar a existência da realidade, mas nega a possibilidade de a
ela ter acesso fora do âmbito das descrições particulares (cf. MORAES, 2003c)”
(FONTE, 2005, p. 01). Também Patrick Joyce (1997) e Braun (1997) são
igualmente citados como exemplos que fomentam esta vertente epistemológica; o
primeiro, ao destacar que “o que está em questão não é a existência do real, mas
– dado que o real só pode ser apreendido através de nossas categorias culturais –
que versão do real deve predominar” (JOYCE apud FONTE, 2005, p. 01) e, o
segundo, ao explicitar o desdobramento deste argumento para a historiografia,
afirmando que “assim, a ´realidade` passada não existe; no seu lugar, há um
infinito número de realidades equivalentes aos vários julgamentos e pontos de
vista que se pode encontrar no presente” (BRAUN apud FONTE, 2005, p. 01).
Uma outra vertente, também resultante deste segundo argumento
epistemológico, consiste na afirmação de que, dada a impossibilidade de
conhecimento do real tal qual ele é, torna-se possível o conhecimento de apenas
uma parte deste real, a partir mesmo da perspectiva do sujeito cognoscente.
Deste modo, a concepção de conhecimento passa a ser parcial, contextual e
particular à perspectiva cultural do sujeito, mas não se nega a possibilidade de
conhecimento; esta vertente tem servido como subsídio epistemológico para duas
diferentes perspectivas, também recorrentes nesta conjuntura epistemológica
atual e, em especial, na Educação: por um lado subsidia as afirmações acerca da
equivalência entre todas as possíveis e existentes perspectivas sobre o real e,
também, a negação de qualquer perspectiva que se apresente como superior ou
mais verdadeira dentre as demais, pois, se não há critérios de garantia de
objetividade, dada a interferência da perspectiva do sujeito no processo de
conhecimento sobre a realidade, não há critérios epistemológicos que legitimem
ou privilegiem um conhecimento em detrimento de qualquer outro. Por outro lado,
subsidia a afirmação da possibilidade do conhecimento da realidade a partir da
22
perspectiva da própria realidade, ou seja, na medida em que se reconhece a
interferência do sujeito na compreensão do objeto, procura-se apreender a
realidade a partir do próprio objeto, a partir da perspectiva do objeto; assim, a
objetividade é afirmada pela negação da interferência do sujeito cognoscente e
pela afirmação da perspectiva do próprio objeto: como nas ciências humanas e
especialmente na Educação a realidade que se pretende conhecer é vivida pelos
sujeitos da própria realidade – pelos agentes integrantes desta mesma realidade –
é, pois, a perspectiva destes agentes que se pretenderá atingir, apreender e
conhecer. Em outras palavras, será a perspectiva cultural dos sujeitos – a versão
dos próprios agentes acerca da realidade da qual fazem parte – que constituirá, ao
mesmo tempo, a referência discursiva conceitual acerca da realidade e o próprio
objeto a ser conhecido. Nas ciências humanas – e na pesquisa em educação –
esta vertente, de base relativista, tem sido representada, em sua dupla dimensão,
pelas correntes interpretativistas
5
, destacando-se, como exemplo do segundo
caso, as abordagens fenomenológicas, etnometodológicas e interacionistas
6
.
Dentro desta perspectiva, as abordagens qualitativas ganham força especial,
como critérios metodológicos alternativos aos métodos reivindicados pelo
positivismo. O trabalho de Lígia Márcia Martins (2007), em especial, procurou
analisar e criticar essas abordagens qualitativas e sua vinculação com o
materialismo histórico dialético, apontando para a força destas abordagens na
conjuntura epistemológica atual. Assim diz a autora:
5
Muitas foram as influências das abordagens interpretativas das ciências sociais na pesquisa em
educação; dentre elas, destaca-se o trabalho de Clifford Geertz (1978), que tornou-se referência
metodológica do interpretativismo e onde aparecem a etnografia e a descrição densa como
elementos metodológicos centrais para o trabalho de pesquisa, tomados como referência do
interpretativismo em geral. Como exemplo da fenomenologia, destaca-se o trabalho de A. Schutz
(1979).
6
A afirmação sobre a impossibilidade da neutralidade e a crítica ao positivismo levou à conclusão,
presente nestas posturas metodológicas, de que todo saber é uma interpretação da realidade e,
como interpretação, não representa a realidade em si mesma. Como alternativa metodológica à
interferência do sujeito no processo de conhecimento, apresentou-se a polifonia – elemento da
etnometodologia – na tentativa de apresentar a realidade em suas próprias vozes, sem a
interferência da interpretação. Também neste sentido, a presença das narrativas como tentativa de
minimização ou superação destas interferências, tem sido referencial metodológico utilizado. Para
exemplo, ver o trabalho de Elza Dutra (2002), intitulado “A narrativa como uma técnica de pesquisa
fenomenológica”. Todas estas propostas têm sido utilizadas como referenciais possíveis em
pesquisa educacional, como podemos observar na própria formação atual dos alunos na pós-
graduação em Educação da UERJ.
23
Segundo estudiosos das abordagens qualitativas foi a
partir da década de 70 que a concepção positivista de ciência
passou a receber, no Brasil, severas críticas filosóficas, políticas e
técnicas. O alvo destas críticas apontava na direção da aplicação
dos modelos de ciências naturais para as outras ciências (em
especial, as humanas) e para a separação entre fatos e contextos,
uma característica básica do positivismo ao tratar o mundo como
um conjunto de fatos naturalmente interligados.
Tais características demandaram a busca por novas
estratégias investigativas, culminando na proposição de uma
abordagem alternativa para o tratamento dispensado aos
problemas de pesquisa e suas correspondentes análises,
denominada de modo bastante amplo como pesquisa qualitativa.
(MARTINS, 2007, p. 03-04).
Embora, para Martins, o trabalho maior de sistematização e de expansão
da pesquisa qualitativa tenha ocorrido nos últimos quarenta anos, a autora faz
referência, com base nas contribuições de Godoy (1995), às origens remotas
deste modelo, datadas a partir da sociologia inglesa de Sidney Webbs (1859-
1947), de Beatrice Webbs (1858-1943) e da “Escola de Chicago” (MARTINS,
2007, p.04). Assim, sob a designação de “pesquisa qualitativa”, encontram-se, na
conjuntura epistemológica atual, vários tipos de investigação que se apóiam em
diversos referenciais teóricos, entre os quais, segundo a autora, destacam-se a
teoria sistêmica, a etnometodologia, a fenomenologia e o materialismo histórico
(MARTINS, p. 04); um dos esforços da autora neste trabalho tem sido apontar os
problemas epistemológicos e políticos da pesquisa qualitativa em Educação e,
sobretudo, sua incompatibilidade com o materialismo histórico dialético. A ênfase
da crítica realizada pela autora – presente em outros trabalhos importantes
analisados nesta pesquisa – refere-se ao empirismo das pesquisas qualitativas:
“descentrando suas análises das metanarrativas, os percursos qualitativos
aprisionam-se ao empírico, ao imediato, furtando-se ao entendimento essencial
dos fundamentos da realidade humana” (MARTINS, 2005, p. 09). Neste sentido, a
crítica volta-se para o aprisionamento ao mundo imediatamente presente, ao
24
mundo aparente, à manifestação fenomênica da realidade; argumenta-se, então,
que, por trás da afirmação da impossibilidade do conhecimento objetivo e da
inevitável interferência do sujeito no processo de conhecimento, as pesquisas
qualitativas prendem-se aos fenômenos imediatamente perceptíveis, ou seja,
prendem-se “às representações primárias decorrentes de suas projeções na
consciência dos homens, desenvolvem-se à superfície da essência do próprio
fenômeno” (MARTINS, 2005, p. 10). Os métodos qualitativos, presos à apreensão
do imediatamente empírico, concorrem, assim, para o esvaziamento da teoria nas
pesquisas em educação fomentando, então, o denominado “recuo da teoria”
(MORAES, 2001), em que as discussões teóricas são gradativamente esvaziadas
nas pesquisas educacionais.
Ainda sobre a conjuntura epistemológica atual, Moraes afirma que
a celebração do ´fim da teoria` - movimento que prioriza a
eficiência e a construção de um terreno consensual que toma por
base a experiência imediata ou o conceito corrente de ´prática
reflexiva` - se faz acompanhar da promessa de uma utopia
educacional alimentada por um indigesto pragmatismo (Burgos,
1999, p. 468). Em tal utopia praticista, basta o ´saber fazer` e a
teoria é considerada perda de tempo ou especulação metafísica e,
quando não, restrita a uma oratória persuasiva e fragmentária,
presa a sua própria estrutura discursiva. O que teria ou estaria
direcionando o movimento que faz prevalecer a empiria e, por
conseguinte, marginaliza os debates teóricos no campo
educacional? (MORAES, 2001, p. 02)
A autora aponta para dois caminhos de explicação desta conjuntura: o
caminho político-econômico e o caminho propriamente epistemológico. Do ponto
de vista epistemológico, afirma que “no plano teorético as propostas que
desqualificam a teoria têm origem na convicção em torno da falência de uma
determinada concepção de razão: a chamada razão moderna de corte iluminista”
(MORAES, 2001, p. 02). Moraes afirma que esta racionalidade iluminista “abrangia
e balizava um conjunto de princípios, idéias e práticas reguladoras que lhe
25
permitia auto-representar-se, possuindo as condições para estabelecer ´a nítida
demarcação entre racional e irracional, entre episteme e doxa, entre verdade e
erro, entre ciência e não ciência` (Duayer e Moraes, 1998, p. 64)”; para a autora, a
crítica contemporânea – na qual se baseiam as epistemologias atuais – baliza-se
pela desconstrução de tal concepção de racionalidade e, com ela, pela
desconstrução dos alicerces epistemológicos que sustentavam a ciência moderna,
inaugurando, então, o movimento que decidiu-se designar por “pós-modernidade”,
movimento que inaugura o “ceticismo epistemológico” e que traz como base
epistemológica o argumento, já apresentado acima, da impossibilidade do
conhecimento do real, em suas variadas vertentes. Assim é descrita por Moraes a
conjuntura atual:
inaugurou-se a época cética e pragmática, dos textos e das
interpretações que não podem mais expressar ou, até mesmo, se
aproximar da realidade, mas se constituem em simples relatos ou
narrativas que, presas das injunções de uma cultura, acabam por
arrimar-se no contingente e na prática imediata – é o que se pode
denominar de metafísica do presente, ou como define Jameson,
uma história de presentes perpétuos (Jameson, 1988, p.26)”
(MORAES, 2001, p. 02-03).
Do ponto de vista político, este movimento de “recuo da teoria” tem sido
apresentado pelos trabalhos de inspiração marxista como decorrente de um
contexto capitalista determinado, de uma fase específica pela qual o capitalismo
no Brasil, em relação ao capitalismo no mundo, tem-se desenvolvido. Esta
conjuntura epistemológica tem sido vista como decorrente desta fase específica
do capitalismo, ou seja, emerge deste contexto – neste sentido, é determinada por
uma conjuntura político-econômica específica – ao mesmo tempo em que lhe
serve de alicerce superestrutural.
São vários os elementos apresentados pelos diversos trabalhos analisados
na pesquisa que irão consolidar, em seu conjunto, um terreno teórico comum do
qual partem, a meu ver, tanto a sua crítica política como a própria concepção de
26
mundo que a sustenta. Vejamos, então, alguns desses elementos que consolidam
este terreno teórico-metodológico que fundamenta a crítica política à conjuntura
epistemológica atual.
Dentre os trabalhos analisados, existe uma constatação consensual – tanto
por sua referência explícita presente nos textos analisados, quanto por sua
existência implícita, manifesta através de seu referencial teórico e bibliográfico –,
de que o processo de reestruturação sócio-econômica em escala mundial tem
exigido de todos os países do mundo, face à imposição da internacionalização do
mercado, uma reorganização em todas as esferas da vida social, especialmente a
reorganização da educação escolar e acadêmica. As pesquisas educacionais de
inspiração marxista, a partir dos anos 90, têm apontado, em inúmeros trabalhos,
as conseqüências desta reestruturação produtiva capitalista para os processos
educacionais em todo o mundo, subsidiando o universo ideológico hegemônico na
produção de conhecimento de inspiração marxista no Brasil (PORTUGAL, 2007a).
Estes trabalhos procuram demonstrar que as novas demandas educacionais no
Brasil, oriundas da reorganização capitalista do país face à sua adequação às
exigências de potências capitalistas dominantes, têm sido contempladas pelos
governos brasileiros até então, em conformidade com as exigências de
organismos internacionais e regionais. Como diz Moraes,
Documentos de organismos multilaterais, como o Banco
Mundial, UNESCO, CEPAL, de mercados regionais, como o
MERCOSUL e a União Européia, ou os de governos nacionais,
são unânimes em assegurar a centralidade da educação – e,
sobretudo a chamada educação básica – nas atuais circunstâncias
econômicas e políticas (MORAES, 2001, p. 01, grifos meus).
Para a autora, esta centralidade da educação deve-se ao fato de a própria
educação ter-se tornado mercadoria, “mediante a introdução de mecanismos de
mercado no financiamento e gerenciamento das práticas educacionais”
(MORAES, 2001, p. 01) e, também, deve-se ao fato de atribuir-se à educação a
função de formar as novas gerações dentro das exigências novas deste mercado.
Para Moraes,
27
“os destinos da educação, desse modo, parecem estar
diretamente articulados às demandas de um mercado insaciável e
da sociedade dita do “conhecimento”. Como decorrência, os
sistemas educacionais dos vários países sofrem pressões para
construir ou consolidar escolas mais eficientes e aptas a preparar
as novas gerações e, além da atualização do sistema escolar, a
criarem mecanismos para uma educação continuada, uma
educação para toda a vida (MORAES, 2001, p. 01)
A autora revela que, através da ideologia da “sociedade do conhecimento” –
termo usado pelos porta-vozes deste processo para designar a atual fase pela
qual a educação tem passado – esconde-se a implantação e “manipulação de
´pacotes` prontos de conhecimento, de acordo com os indicadores de
desempenho e aceitação no mercado e a posição que nele ocupamos. Ou seja,
trata-se de ´mecanismo de controle social mediado pelo mercado`(Preston, 1999,
p. 562)” (MORAES, 2001, p. 01).
Sob a designação de “neoliberalismo”, esta fase atual do capitalismo no
Brasil tem sido consensualmente vista como a fase em que o processo de
privatizações em geral – e do ensino em particular - junto ao descompromisso
político e financeiro do Estado face ao ensino público, vem transformando a
educação em instrumento de propaganda ideológica e de uma instrução
específica, compatíveis com as novas demandas do mercado internacional e da
divisão do trabalho. A idéia, presente nestes autores, é a de que as ideologias da
“diversidade”, do “respeito às diferenças”, da “cidadania” e da “educação
democrática”, difundidas pela sociedade capitalista e tomadas como o horizonte
central das mudanças epistemológicas e pedagógicas, constituem-se em alicerce
ideológico da conjuntura epistemológica atual. Através destas ideologias, e de sua
manifestação epistemológica, a educação se transforma em educação para o
mercado e para a instrução necessária a este modelo capitalista dominante: o
neoliberalismo.
Face às exigências da imposição e da internacionalização do mercado
capitalista, portanto, esse contexto tem sido visto como determinante das
28
mudanças na produção de conhecimento em educação e, sobretudo,
determinante na consolidação da conjuntura epistemológica: a serviço dos
interesses mercantis desta nova fase da organização do capitalismo, o “ceticismo
pós-moderno” e as “epistemologias neoliberais” (DUARTE, 2003) estariam, assim,
respondendo bem e melhor às demandas atuais.
Neste sentido, a conjuntura epistemológica atual tem sido vista como
compatível com o novo momento histórico, pois sustenta teoricamente as novas
ideologias neoliberais e as novas políticas educacionais.
Dentro desta perspectiva, são duas as principais conseqüências desta
conjuntura epistemológica, apontadas pelos trabalhos analisados: uma primeira
que, ao esvaziar o conhecimento teórico tanto no processo de produção de
conhecimento educacional quanto nos currículos escolares e acadêmicos, impede
a produção de conhecimento crítico sobre a realidade capitalista; o movimento de
“recuo da teoria”, já discutido anteriormente, esvazia a possibilidade de
compreensão profunda da realidade, tornando inoperantes as abordagens críticas
acerca desta mesma realidade. A compreensão da dinâmica da dominação, do
desenvolvimento do capitalismo e das relações entre as diversas esferas da vida
social, em sua totalidade e contradições, é substituída pelo empirismo das
pesquisas qualitativas (MARTINS, 2007), pelo “fetichismo da diversidade”
(MORAES, 2001, p. 3), pelo pragmatismo (DUARTE, 2003 e MORAES, 2001) e
pelas pedagogias neoliberais (DUARTE, 2006)
7
.
Uma segunda conseqüência desta conjuntura epistemológica refere-se ao
tema da alienação, recorrente não somente em Filosofia da Educação, mas no
pensamento educacional de inspiração marxista em geral. Como diz Martins,
“trata-se de não se perder de vista o fato histórico fundamental de que vivemos
7
Newton Duarte (2003, 2004, 2006), em diversos trabalhos recentes, tem demonstrado a relação
entre o neoliberalismo, as pedagogias que predominam no pensamento educacional brasileiro e a
conjuntura epistemológica: para o autor, o “recuo da teoria”, ao valorizar o conhecimento tácito,
experimental e cotidiano em detrimento do conhecimento teórico-científico, corresponde às
exigências do contexto atual neoliberal, especialmente na medida em que, em nome das
ideologias da “diversidade” e da “democracia”, e tomando como ponto de partida a “equivalência
entre todos os saberes” – dada a impossibilidade de afirmação da primazia de algum
conhecimento sobre os demais – acabam reforçando a alienação capitalista.
29
numa sociedade capitalista, produtora de mercadorias, universalizadora do valor
de troca, enfim, uma sociedade essencialmente alienada e alienante que precisa
ser superada” (MARTINS, 2007, p.16). Argumenta-se que as epistemologias
predominantes neste contexto propõem que as pesquisas educacionais voltem-se
para o conhecimento tácito – para os saberes do cotidiano escolar, para os
saberes vividos pelos sujeitos que operam dentro da realidade que se pretende
conhecer – e que, assim, reiteram o cotidiano alienado destes mesmos sujeitos;
este processo, ao mesmo tempo em que invalida o saber teórico-científico, coloca
como referencial da pesquisa em Educação os saberes do cotidiano alienado,
reforçando, na produção de conhecimento e através dela, as ideologias existentes
na sociedade capitalista, ideologias estas que operam a serviço da reprodução do
capitalismo – e não de sua crítica e superação. Os saberes alienados –
considerados os saberes da prática, os saberes do cotidiano, os saberes da
experiência – tornam-se o ponto de partida das próprias pesquisas educacionais,
passando a ser considerados os saberes de referência privilegiados na produção
de conhecimento em Educação e tornando-se, assim, legítimos, válidos e
prioritários para o conhecimento da realidade social. A crítica dos autores de
inspiração marxista dirige-se para o caráter alienante e conservador desta
perspectiva, na medida em que, em nome da diversidade cultural, da
impossibilidade de conhecimento objetivo e da equivalência entre os diversos
saberes, estas epistemologias acabam contribuindo para a manutenção desta
mesma realidade.
As questões apresentadas até aqui constituem, em seu conjunto, a análise
crítica, em Filosofia da Educação, à conjuntura epistemológica educacional atual.
Será, então, a partir dessa dupla crítica – epistemológica e política – que os
autores de inspiração marxista em Filosofia da Educação consolidam o conjunto
de reivindicações através das quais pauta-se sua luta teórica e política no campo
educacional contemporâneo.
30
I.2: As reivindicações epistemológicas de inspiração marxista em
Filosofia da Educação e sua fundamentação teórico-metodológica e política
São duas as principais reivindicações propriamente epistemológicas
presentes nos trabalhos analisados: a primeira consiste na defesa de uma
“epistemologia marxista” para a produção de conhecimento em educação e, a
segunda, consiste na defesa da “teoria” para a pesquisa em educação; ambas as
defesas estão inseridas numa concepção específica de luta e resistência à atual
conjuntura social e epistemológica. Vejamos, então, as características e os
principais elementos destas duas reivindicações para que sua fundamentação
teórico-metodológica e política possa ser demonstrada.
Sob diferentes denominações encontramos, na reivindicação de uma
epistemologia marxista, a defesa do materialismo histórico e dialético para a
produção de conhecimento em educação. Na crítica à dimensão empiricista
(MARTINS, 2007) e ao “anti-realismo” (FONTE, 2005, p.02) da atual conjuntura, já
apresentada anteriormente, a defesa do materialismo histórico e dialético aparece
como superação da aparência fenomênica e, também, como superação do anti-
realismo. Neste sentido – e em oposição ao empirismo e ao anti-realismo como
dupla dimensão das atuais epistemologias – o materialismo histórico e dialético é
apresentado como a possibilidade de conhecimento da realidade social para além
das aparências que a constituem. Em outras palavras,
para o materialismo histórico dialético, o mundo empírico
representa apenas a manifestação fenomênica da realidade em
suas definibilidades exteriores. Os fenômenos imediatamente
perceptíveis, ou seja, as representações primárias decorrentes de
suas projeções na consciência dos homens, desenvolvem-se à
superfície da essência do próprio fenômeno. (MARTINS, 2007,
p. 10, grifos meus)
Este é um ponto fundamental sobre o qual versam inúmeros trabalhos de
orientação marxista na produção de conhecimento educacional hoje; a base
teórico-metodológica que o fundamenta consiste na concepção de que o
conhecimento deve apreender a “essência” do fenômeno, por trás da aparência
31
imediatamente apreensível. Entende-se, aqui, que o método marxista é capaz de
apreender essa essência, essência esta constitutiva do real, mas não
imediatamente perceptível. Fundamentando-se em Kosik (1976), Martins reforça
esta tendência essencialista quando afirma que a epistemologia marxista procura
“descobrir a essência oculta de um dado objeto, isto é, superar sua apreensão
como real empírico...” (MARTINS, 2005, p.10). Para a autora, esta “essência”
traduz-se pelo “conteúdo” (idem, p. 10) do fenômeno que significa o “processo
ontológico da realidade humana e das formas pelas quais este processo tem se
desenvolvido historicamente” (idem, p. 10). Esta realidade ontológica – o
conteúdo do fenômeno, prenhe de mediações históricas concretas que só podem
ser reconhecidas à luz das abstrações do pensamento, isto é, do pensamento
teórico” (idem, p. 10) – é vista como a essência que se esconde por trás da
realidade “visível aos olhos” (idem, p. 11); esta “essência” só é possível ser
revelada pelo desvelamento de suas contradições e determinações internas,
através do pensamento teórico, que partirá destas “representações primárias e
das significações consensuais em sua imediatez sensível em direção à descoberta
das múltiplas determinações ontológicas do real” (idem, p. 11): conhecer a
realidade, em seu conteúdo e forma, é reproduzi-la intelectualmente na
consciência através do trabalho do pensamento teórico. O percurso próprio do
conhecimento materialista histórico dialético, para Martins (2007), é caminhar
destas “representações primárias e das significações consensuais em sua
imediatez sensível” (idem, p. 11) – ou seja, da realidade imediata, da experiência
sensível, das primeiras representações obtidas pela aparência que se mostra
imediatamente – em direção à “descoberta das múltiplas determinações
ontológicas do real” (idem, p. 11) – que se escondem por trás desta aparência
imediatamente perceptível. Coloca-se o conhecimento como o trabalho teórico de
descoberta da essência ontológica do real. Coloca-se como ponto de partida do
conhecimento as representações primárias, resultantes da percepção das
aparências fenomênicas “visíveis aos olhos” e, como resultado, a apreensão de
suas determinações essenciais, não aparentes, conseguidas através do trabalho
32
de abstração racional, que reproduz as determinações concretas do real por meio
do pensamento.
Dentro desta mesma perspectiva, a “dialética materialista” (ABRANTES,
2006, p.02), entendida como “método ou conjunto de princípios que servem de
referência na produção de conhecimentos que não se limitam à descrição de
aspectos do ´presente`” (idem, p.04), abre a possibilidade de “penetração na
essência das coisas“ (idem, p.03, grifos meus), método este que permitiria a
superação dos limites encontrados nos processos de conhecimento reduzidos à
experiência ou apenas à dedução lógica rigorosa. Também aqui, a dialética
materialista é vista como a possibilidade de superação do empiricismo e do anti-
realismo e, sobretudo, como a possibilidade única de apreensão da essência das
coisas. Assim diz o autor:
A lógica dialética na sua “inversão” materialista pode ser
considerada... como atividade do pensamento que possui ciência
do movimento dialético da realidade e da necessidade de
reproduzi-lo no pensamento.
Considerando o movimento da realidade e o processo de
conhecê-la em seu movimento e multilateralidade estamos de
acordo com Novack (1993) quando afirma que existe uma lógica
interna das relações em toda a realidade e que as leis desta lógica
podem ser conhecidas e transmitidas (ABRANTES, 2006, p. 04)
Para esta perspectiva, o método marxista permite conhecer as “leis da
lógica interna das relações” (ABRANTES, 2006, p.04), permite reproduzir as
determinações do real no pensamento, apreender a essência das coisas e dos
fenômenos, e, assim, conhecer as relações internas da realidade para reproduzi-
las no pensamento (ABRANTES, 2006; FONTE, 2005; MARTINS, 2007). A
fundamentação desta possibilidade reside na concepção de uma ontologia
marxista, ou seja, na afirmação da existência de um real que existe independente
do pensamento, que se manifesta sob formas aparentes que escondem sua
constituição contraditória interna. Como afirma Fonte,
33
se a produção do conhecimento sempre se faz por um
horizonte ontológico de compreensão, a pergunta ´como é possível
conhecer a educação` traz consigo a indagação sobre o que é a
prática educativa, ou seja, como os processos educativos se
constituem como tal. A ontologia debruça-se sobre a
constituição e a produção da realidade; ela trata, nas palavras
de Moraes (2000), da ´tessitura do real`. Portanto, na investigação
de suas diversas problemáticas, a pesquisa educacional não só
apresenta caminhos para se conhecer, mas também maneiras de
explicar e compreender os fios que tecem a prática social
educativa” (FONTE, 2005, p. 02, grifos meus)
A perspectiva ontológica, portanto, trata não só da afirmação da existência
do real como da possibilidade de conhecê-lo tal qual ele se constitui. A ontologia,
mais do que o horizonte que afirma a existência da realidade concreta, afirma a
possibilidade de conhecimento da realidade concreta tal qual ela se constitui em si
mesma.
Um dos problemas desta abordagem metodológica consiste em afirmar a
possibilidade de apreensão do real tal qual ele se constitui, em suas
determinações constitutivas essenciais. Neste sentido, acredita-se, por um lado,
na apreensão do real tal qual ele é em sua essência, e, por outro lado, na
apreensão da própria aparência tal qual ela se constitui, tal qual ela é em sua
realidade mesma: ambos os aspectos do real – a aparência fenomênica e a
essência que o constitui – são consideradas passíveis de apreensão, a primeira
“visíveis aos olhos”, a segunda pelo trabalho do pensamento. O real que existe
fora do pensamento, que dele independe em sua existência, é considerado, aqui,
como o próprio objeto de conhecimento, como um objeto que se mostra ao sujeito,
constituído de uma face “visível” – aparente, que se mostra imediatamente às
percepções e que se constitui como gênese das representações primárias
imediatas – e uma face “oculta” – que deve ser apreendida através do método. O
sujeito cognoscente tem como seu objeto o próprio real e, através do método
marxista, pode apreendê-lo em suas múltiplas determinações, pode conhecer a
sua dinâmica, seus nexos internos e contraditórios, pelo trabalho do pensamento.
34
Afirma-se a existência de uma realidade concreta, cuja concretude só poderá ser
conhecida através da teoria, do trabalho do pensamento – e não das descrições,
das interpretações ou do acesso ao mundo empírico imediatamente acessível, da
aparência imediata desta mesma realidade. Porém, o objeto deste conhecimento é
o próprio real, visto, agora, em sua totalidade contraditória, na dialética entre a
aparência e suas determinações essenciais a partir das quais aquela é
manifestação. O objeto do conhecimento, nesta perspectiva, é o próprio real, e o
trabalho teórico visa a apreensão das múltiplas determinações constitutivas deste
real.
Esta concepção da epistemologia marxista é resultado, por um lado, de
uma leitura específica dos textos metodológicos de Marx e, por outro lado, de uma
apropriação particular desta leitura realizada principalmente por Lukács (1970,
1976) e, posteriormente, por outros pensadores do campo do marxismo, nos quais
os trabalhos aqui analisados se baseiam, como Kopnim (1978), Kosik (1976) e
Novack (1993).
Para além da afirmação da “essência” constitutiva do real a qual pretende-
se atingir, uma outra abordagem ontológica é merecedora de destaque entre os
trabalhos analisados. Trata-se da discussão acerca da relação entre ontologia e
gnosiologia feita por Fonte (2005), a partir das contribuições de Lênin (1982) e
Lukács (1976). Neste trabalho, a autora apresenta a defesa do materialismo de
Lênin contra o empiriocriticismo e da ontologia de Lukács contra o ceticismo dos
neopositivistas, ambas consideradas abordagens marxistas fundamentais para a
compreensão da concepção metodológica marxista. No primeiro caso, a autora
mostra a importância de Lênin em considerar a relatividade do conhecimento, mas
“não no sentido de negar a verdade objetiva, mas sim de reconhecer a
´condicionalidade histórica dos limites da aproximação dos nossos conhecimentos
em relação a esta verdade`, o mundo como matéria sempre em movimento e o
permanente desenvolvimento da própria consciência humana” (FONTE, 2005, p.
08). Assim, a contribuição de Lênin está em afirmar a realidade objetiva – a
realidade ontológica, a existência de uma verdade objetiva – porém, advertindo
para a relatividade de nossos conhecimentos em relação a esta verdade: “os
35
limites da verdade podem ser alargados ou restringidos com o desenvolvimento do
conhecimento. É historicamente condicional nossa aproximação em relação à
verdade objetiva, mas é de modo incondicional que dela nos aproximamos. Em
cada verdade relativa, encontra-se um elemento de verdade absoluta” (FONTE,
2005, p. 08).
Não obstante a afirmação desta relatividade, a apropriação que faz a autora
desta obra de Lênin percorre um caminho similar ao dos trabalhos citados
anteriormente, pois a relatividade dos conhecimentos é atribuída às condições
históricas – e não ao terreno teórico de onde partem – e, também, afirma-se a
aproximação do conhecimento em direção à “verdade”, ou seja, afirma-se a
possibilidade do conhecimento “refletir o objeto de forma aproximadamente
verdadeira” (idem, p. 09). Apesar da relatividade histórica do conhecimento e do
caráter aproximativo deste serem elementos novos em relação aos anteriores, a
ausência de esclarecimentos dos critérios que definem esta aproximação como
“verdadeira”, o aspecto progressista em que o conhecimento é concebido neste
texto e, sobretudo, a identificação entre objeto de conhecimento e objeto real
tornam, em conjunto, esta abordagem próxima àquelas que vislumbram a
possibilidade de conhecimento objetivo do real, através da relação entre sujeito
“histórico” cognoscente e real “histórico” concreto. A afirmação de que o real é
histórico e de que o sujeito de conhecimento também o é – que subsidia a
concepção da relatividade histórica do conhecimento – não supera, aqui, a
concepção de que o conhecimento se dá pela relação entre sujeito e objeto e de
que este objeto é o próprio real – a base ontológica, a base material sobre a qual o
pensamento se volta.
Afirma-se, assim, sob a designação de uma ontologia marxista, a existência
de uma realidade material – histórica, contraditória, cuja manifestação aparente
constitui sua realidade fenomênica e cuja essência, não aparente, constitui suas
determinações internas – como objeto de conhecimento para o qual o pensamento
se volta. O conhecimento, ainda que historicamente relativo e limitado face à
historicidade do objeto e do sujeito, tem como objeto esta realidade material, este
real sobre o qual o sujeito se volta.
36
As questões acima reunidas formam, em seu conjunto, a primeira
reivindicação epistemológica feita pelos autores de inspiração marxista em
Filosofia da Educação, ou seja, formam a concepção da epistemologia marxista
que defendem. Vejamos, agora, a segunda reivindicação, que consiste na defesa
da “teoria” para a pesquisa em educação.
A reivindicação da “teoria” aparece na totalidade dos trabalhos
investigados, porém, o entendimento do que vem a ser “teoria” e sua relação com
a pesquisa educacional não tem sido apresentada de modo rigoroso. Os trabalhos
referem-se, dentro desta temática, à necessidade das “discussões teóricas”
(MORAES, 2001, p.01) e à importância do “pensamento teórico” (ABRANTES,
2006, p.01), porém, relacionados, em geral, à dimensão racional do pensamento,
ou seja, à uma certa identificação entre “teoria” e o processo racional do
pensamento, que permite a produção das “abstrações”. Neste sentido, sob a
designação de “teoria”, são destacados, para sua definição, elementos
relacionados ao processo próprio da atividade racional do pensamento, atividade
que busca a apreensão das determinações não aparentes da realidade, tal qual
discutidas anteriormente. Assim, na quase totalidade dos trabalhos lidos, a
reivindicação da “teoria” aparece equivalente à reivindicação da própria
“epistemologia marxista” tal qual anteriormente apresentada: “teoria” entendida
como o próprio trabalho do pensamento, vinculado à primazia da “razão” na
atividade de pensar e de conhecer, na qual chega-se às “abstrações”, aos
“conceitos teóricos”, aos “conceitos científicos” (MORAES, 2001, p.02).
Porém, não obstante a existência de uma certa imprecisão quanto à
definição do que vem a ser “teoria” e quanto à compreensão de seu lugar na
produção do conhecimento científico – que serão discutidos no próximo capítulo –
a defesa da “teoria” aparece, também, como defesa do conhecimento teórico-
científico, tanto para a pesquisa educacional quanto para o currículo escolar e
acadêmico. Dentro da perspectiva da crítica às epistemologias pós-modernas e às
pedagogias neoliberais (DUARTE, 2003), a defesa da teoria, entendida como o
conhecimento teórico-científico disponível e acumulado socialmente, torna-se
condição para a superação da alienação oriunda da reiteração dos saberes
37
cotidianos que aquelas valorizam. Duarte, analisando os fundamentos teóricos das
epistemologias que predominam, segundo ele, na educação hoje, apresenta os
argumentos de D. Schön e M. Tardif – importantes porta-vozes desta conjuntura
epistemológica – afirmando que, segundo os argumentos destas epistemologias,
a escola deve deslocar seu foco de atenção do
conhecimento escolar para o conhecimento tácito (cotidiano), deve
deixar de considerar o saber escolar superior ao saber cotidiano e
deve valorizar as formas de percepção e pensamento próprias da
prática cotidiana. Esse tipo de educação escolar é que deveria,
segundo Schön, constituir o fundamento da formação do professor
reflexivo. É por esta razão que o saber escolar (o saber
acadêmico, teórico, científico) também deveria deixar de ser o
fundamento dos cursos de formação dos professores” (DUARTE,
2003, p. 620)
Duarte demonstra, então, que estes pressupostos epistemológicos,
predominantes em educação, fundamentam-se no pragmatismo
8
, em especial de
John Dewey (DUARTE, 2003), onde se proclama o caráter prejudicial do
conhecimento teórico-científico. O objetivo de Duarte é o de demonstrar que todo
o conjunto dos argumentos das epistemologias dominantes em educação, na
medida em que desvalorizam as teorias científicas e reiteram a fetichização dos
saberes cotidianos, impossibilitam a construção de conhecimentos críticos acerca
da realidade social, contribuindo, assim, para os interesses da reprodução do
capitalismo.
Segundo a perspectiva de Duarte, compartilhada por muitos autores de
inspiração marxista em Educação, a defesa do conhecimento teórico-científico
para os currículos escolares e acadêmicos e para as pesquisas educacionais,
8
Pragmatismo, em Duarte (2003) e em Moraes (2001), refere-se à perspectiva da construção dos
problemas de pesquisa oriundos da vivência cotidiana dos educadores, tomados como ponto de
partida da pesquisa em Educação; a pesquisa, neste caso, volta-se para a resolução dos
problemas da atividade prática e cotidiana, problemas construídos sob a luz da própria ação –
predominantemente a pedagógica, referente aos processos de ensino-aprendizagem. A crítica ao
Pragmatismo constitui-se como crítica à defesa de se tomar como ponto de partida da pesquisa
uma problemática do cotidiano, relacionada aos pressupostos dos saberes oriundos da vivência
alienada, na medida em que desprezam a discussão teórica.
38
constitui tática fundamental para a luta pelo socialismo. Em primeiro lugar, porque
somente os saberes científicos possibilitam a direção e a organização da
sociedade no estágio em que se encontra – em relação ao desenvolvimento das
forças produtivas, então necessárias para o desenvolvimento do socialismo como
modo de produção universal. Assim, a socialização destes saberes teórico-
científicos torna-se condição para a direção da sociedade e, portanto, sua
aquisição torna-se necessária à classe trabalhadora, portadora desta tarefa. Neste
sentido, entende-se que a divisão social capitalista do trabalho tem hierarquizado
as condições e formas de acesso ao conhecimento teórico-científico, conforme os
interesses da organização capitalista da produção e da inserção dos trabalhadores
nas diferentes atividades produtivas: a produção capitalista cria a demanda por
diferentes níveis de qualificação do trabalhador, organizando a educação escolar e
acadêmica, em seus diferentes níveis, de acordo com esta demanda. Através das
pedagogias e epistemologias pós-modernas, reserva-se às classes trabalhadoras
a reiteração de seus saberes cotidianos e alienados, tornando-as excluídas do
acesso ao conhecimento científico acumulado pela humanidade e, portanto,
excluídas da capacidade de direção da própria sociedade. Em segundo lugar, a
defesa do conhecimento teórico-científico torna-se condição para a crítica da
sociedade capitalista. Sem o conhecimento teórico-crítico – fundado no
materialismo histórico e dialético – a compreensão da realidade social e a
possibilidade de sua superação tornam-se impossíveis.
Por isto, para o pensamento de inspiração marxista, a defesa da teoria
torna-se tática fundamental de luta e resistência face à conjuntura social atual. Por
um lado, no campo da produção de conhecimento educacional, confronta-se com
as epistemologias atuais e dominantes, defendendo as teorias críticas para a
pesquisa em educação e, assim, defendendo a produção de conhecimento crítico
em educação como tática da luta teórica. Por outro lado, no campo dos currículos
escolares e acadêmicos, confronta-se com as pedagogias neoliberais, defendendo
o acesso das classes dominadas ao conhecimento teórico-científico e crítico como
condição para a superação da sociedade capitalista.
39
Tanto a defesa de uma epistemologia marxista quanto a defesa do
conhecimento teórico-científico concorrem, juntas, para a produção de
conhecimento crítico em educação. Neste sentido, ambas se inserem na
perspectiva de uma luta teórica através da qual acredita-se contribuir para a luta
política marxista, pela inserção do marxismo na pesquisa educacional; tem-se
como fundamento a busca pela inserção do marxismo na universidade, de modo a
promover sua expansão como tática de uma luta social mais ampla: a luta pelo
socialismo
9
.
9
Deste mesmo horizonte, partilham todos os autores do campo do marxismo em Filosofia da
Educação, assim como muitos outros de outras áreas temáticas analisadas no desenvolvimento da
pesquisa. Este horizonte corresponde a algumas apropriações, no campo da educação, do
pensamento de Antonio Gramsci; a luta pela hegemonia é concebida prioritariamente como uma
luta que deve ser travada dentro dos espaços institucionais da sociedade capitalista – as
instituições escolares e acadêmicas tornam-se espaços privilegiados desta luta e, também,
espaços em disputa. Desta forma, os autores afirmam que a condição para a conquista de
hegemonia na sociedade é a difusão da teoria marxista dentro destas instituições, alargando o
campo de produção de conhecimento marxista em todas áreas. Como exemplos da concepção
gramsciana na Filosofia da Educação, ver os trabalhos de Giovanni Semeraro (2006, 2005), de
Rosemary Dore Soares (2002) e de Cezar Luiz de Mari (2003). Sobre a apropriação do
pensamento de Gramsci pelo campo do marxismo em educação e a constituição do reformismo a
partir desta apropriação, ver o trabalho apresentado no IV Simpósio Trabalho e Educação,
intitulado “Marxismo e Educação: Gramsci e a consolidação do reformismo acadêmico na produção
de conhecimento em educação hoje” (PORTUGAL, 2007a).
40
Capítulo II: Contribuições metodológicas para a produção de
conhecimento em Educação hoje: uma perspectiva marxista
Neste capítulo, serão apresentadas algumas contribuições importantes do
campo do marxismo – especialmente a partir dos trabalhos de Louis Althusser e
de Miriam Limoeiro Cardoso – de modo a apresentar uma outra abordagem face
às apresentadas até então pelo pensamento de inspiração marxista em Filosofia
da Educação. Para tal, será discutido, em primeiro lugar, o tema da construção do
conhecimento, a partir de uma problemática teórico-metodológica tributária da
concepção althusseriana acerca do materialismo histórico e do materialismo
dialético. Em segundo lugar, será discutida a problemática especificamente
metodológica presente e reivindicada por K. Marx, a partir de seus próprios textos,
sob a luz, em especial, da leitura destes dois autores.
O principal objetivo deste capítulo consiste em apresentar uma outra leitura
possível das contribuições metodológicas de Marx, a partir de um entendimento
particular e diferente daquele produzido pelos autores discutidos no primeiro
capítulo, trazendo, como contribuição, algumas questões epistemológicas do
campo do marxismo que, a meu ver, são de preciosa relevância para a discussão
da problemática metodológica presente em Marx e, principalmente, para a análise
do processo de produção de conhecimentos, quando tomado como objeto de
pesquisa educacional.
II.1) Considerações teóricas sobre a construção do conhecimento
As considerações teórico-metodológicas que se quer apresentar aqui, como
contraponto à abordagem epistemológica apresentada pelo pensamento de
inspiração marxista em Filosofia da Educação, fundamentam-se a partir de uma
problemática filosófica específica, chamada pelos althusserianos de materialismo
dialético, em que se reconhece a superação, realizada por Marx e Engels, da
problemática das “epistemologias idealistas” (BADIOU, 1979), e que consolida um
41
outro e novo terreno a partir do qual passam a ser elaboradas as suas
preocupações metodológicas.
Não obstante a existência de inúmeras controvérsias e da enorme
polêmica que a distinção, proposta por Althusser, entre materialismo histórico e
materialismo dialético suscitou, o fundamental para a discussão proposta aqui é o
reconhecimento de que o marxismo, a partir de A Ideologia Alemã de Marx e
Engels, construiu um novo terreno teórico-metodológico de problematização das
questões que giravam em torno do conhecimento. Neste sentido, Althusser, em
especial em Materialismo Histórico e Materialismo Dialético (1979), nos indica
alguns elementos importantes para a compreensão deste terreno novo de
problematização e, principalmente, para a compreensão de sua incompatibilidade
e superação em relação aos problemas anteriores e comuns das epistemologias
idealistas que, a meu ver, ainda estão presentes nas discussões epistemológicas
atuais, impregnando, inclusive, as discussões metodológicas do campo do
marxismo.
O materialismo dialético é visto por Althusser como uma disciplina filosófica
nova, que se inicia a partir de A Ideologia Alemã e das Teses sobre Feuerbach, e
que tem como objeto próprio a produção de conhecimentos. Como diz Badiou,
...diferentemente das epistemologias idealistas, o MD
(materialismo dialético) é uma teoria histórica da ciência. O MD é
´a teoria da ciência e da história da ciência` (LC II, 110). O que
acontece é que na verdade não existe outra teoria da ciência a não
ser a da história teórica das ciências. A epistemologia é a teoria da
história do teórico; a filosofia é ´a teoria da história da produção
dos acontecimentos` (LC I, 70). E é assim que a construção
revolucionária da ciência da história, ao mesmo tempo que torna
possível uma história científica da produção dos acontecimentos
científicos, produz também uma revolução filosófica, marcada pelo
MD” (BADIOU, 1979, p.14, parêntesis meus)
A revolução científica realizada por Marx através de O Capital – que
produziu uma nova teoria científica da realidade social e que tinha por objeto o
42
modo de produção capitalista – teria, segundo Althusser, construído, também,
uma nova filosofia: o materialismo dialético, que consiste numa teoria histórica da
própria produção de conhecimento, cuja maturidade encontra-se a partir da
elaboração de O Capital, embora de forma inacabada e não explícita
10
. O
materialismo dialético, assim, é visto como uma nova filosofia da ciência, mas uma
filosofia que, ao superar a problemática epistemológica idealista, constitui-se como
uma disciplina científica – e não mais ideológica. As primeiras formulações, ainda
embrionárias, desta nova filosofia encontram-se em A Ideologia Alemã, onde Marx
e Engels iniciam a elaboração de uma nova teoria da história (que Althusser
denominou “materialismo histórico”) e a elaboração filosófica dos pressupostos
desta nova ciência da história (elaboração esta que Althusser denominou
“materialismo dialético”). Como diz Badiou,
A simples consideração teórica deste fato: Marx fundou
uma nova ciência, nos mostra a diferença conceitual frente a qual
todo escamoteamento do corte histórico, por um efeito derivado,
efetua a supressão. Esta diferença essencial, interna agora ao
projeto teórico de Marx e na qual a diferença Hegel/Marx é a
manifestação histórico-empírica, é a diferença da ciência marxista
(o materialismo histórico) com a disciplina em cujo interior é
possível declarar, com legitimidade, a cientificidade desta ciência.
Althusser chama a esta segunda disciplina, segundo uma tradição
talvez discutível, materialismo dialético... (BADIOU, 1979, p. 11)
Em outras palavras, o materialismo histórico é a teoria marxista da história e o
materialismo dialético é a teoria marxista da ciência.
O materialismo dialético, então, aparece como uma disciplina filosófico-
científica distinta do materialismo histórico, cuja distinção repousa na diferença
10
Sobre o tema da revolução teórico-científica realizada por Marx, ver, além dos textos de
Althusser, o trabalho intitulado “Continuidade e ruptura no pensamento de Marx: do humanismo
racionalista ao materialismo crítico”, de João Quartim de Moraes (2000), em que o autor afirma e
demonstra que “a revolução teórica de Marx é sua crítica da economia burguesa” (p.25). É
importante ressaltar que o que se pretende chamar, aqui, de revolução científica é o resultado do
empreendimento da crítica à Economia Política e da construção da nova teoria, realizado por Marx
– e não exatamente da ruptura entre o “jovem” e o “maduro” Marx. Entre outros, o trabalho de
Miriam Limoeiro Cardoso sobre a Introdução de 1857 (1990) demonstra exatamente esta
“revolução”.
43
entre seus objetos: o MH
11
tem como objeto os modos de produção (por exemplo,
o modo de produção feudal, o modo de produção capitalista, etc – do ponto de
vista de seu funcionamento, de sua organização e de suas transformações),
enquanto o MD tem como objeto “a história da produção de conhecimentos
enquanto conhecimentos” (ALTHUSSER, 1979, p. 43), designação que, para o
autor, resume outras definições do objeto, a saber, “a diferença histórica entre
ciência e ideologia”, “a teoria da história da cientificidade”, o “que Engels chama ´a
história do pensamento`, “ou o que Lênin denomina ´a história da passagem da
ignorância ao conhecimento`” (idem, p. 43): todas as definições que “ocupam em
geral o campo chamado na filosofia clássica ´Teoria do conhecimento`” (idem, p.
43). Para Althusser, substituiu-se este campo da filosofia clássica, o campo da
Teoria do Conhecimento – ou da epistemologia – pelo campo da história da
produção de conhecimentos; o primeiro preocupava-se com “as condições formais
intemporais do conhecimento, do cogito (Descartes, Husserl), das formas ´a priori`
do espírito humano (Kant)”, ou com uma “teoria do saber absoluto (Hegel)” (p. 43);
já o segundo, que inaugura o MD, preocupa-se com a história da produção de
conhecimentos, isto é, “uma teoria das condições reais (materiais e sociais de um
lado, e condições internas à prática científica, de outro) do processo desta
produção” (idem, p. 43). Assim afirma Althusser:
...a nova teoria modifica completamente o problema
tradicional da “teoria do conhecimento”: ao invés de colocar a
questão das garantias do conhecimento, coloca a questão do
mecanismo de produção de conhecimentos enquanto
conhecimentos. (Althusser, 1979, p. 44)
Das contribuições de Althusser acerca do materialismo dialético, este é um
ponto que merece destaque: o autor demonstra que a mudança de problemática
em Marx, após seu rompimento com a filosofia clássica alemã, é crucial na
elaboração de novos problemas sobre os quais seu pensamento irá se debruçar.
Na problemática materialista dialética o conhecimento passa a ser visto sob novas
11
Utilizaremos, a partir daqui, as maiúsculas MH e MD para designarem, respectivamente, o
materialismo histórico e o materialismo dialético, tal qual também feito por Badiou em O (re)
começo do materialismo dialético (BADIOU,1979)
44
bases: o problema da garantia do conhecimento – ou dos critérios de objetividade
de conhecimento e, sobretudo, de suas garantias de “verdade” – passa a ser
considerado do ponto de vista histórico, dentro de uma nova problemática, em sua
relação com as determinações histórico-sociais. A preocupação, então, no MD,
não se volta para a discussão sobre a verdade do conhecimento e sobre os
critérios metodológicos de sua garantia: volta-se para a compreensão dos
mecanismos da produção dos conhecimentos enquanto conhecimentos, no
sentido de sua relação com as determinações históricas e sociais e, portanto, de
sua relação com as relações de classe em um modo de produção determinado. A
partir do momento em que o conhecimento científico da história foi produzido,
pôde ser produzida uma nova filosofia que, ao deixar de ser “teoria do
conhecimento” passa a ser “teoria da história da produção de conhecimentos
(Althusser, 1979, p.51). Assim diz o autor, acerca deste momento, a partir do qual
produziu-se uma nova ciência:
...a filosofia não pôde continuar desconhecendo, repelindo
nem desviar sua relação com a história, teve que assumir e pensar
esta relação. Teve que ´mudar de terreno`, adotar uma nova
problemática, definir seu objeto através de novas questões, para
pensar na própria filosofia, sua relação com a história ao mesmo
tempo que pensa sua relação com o conhecimento. (ALTHUSSER,
1979, p.51)
E, logo em seguida, sobre a questão dos critérios de garantia do
conhecimento e sobre a superação de Marx em relação a esta questão, Althusser
diz:
A grande tradição da filosofia crítica, desde Descartes até
Kant, e atualmente Husserl, era combatida principalmente porque
tratava o conhecimento como um ´problema` e colocava nele a
questão de sua ´garantia` de direito, ao passo que o conhecimento
não é senão o processo de sua própria produção, e só pode
colocar a questão das condições e do mecanismo de sua
produção” (Althusser, 1979, p. 51, grifos meus)
45
Desloca-se, assim, o problema da garantia do conhecimento – e de todas
as questões que este suscita – para o problema das condições e dos mecanismos
de produção do conhecimento, conhecimento como uma atividade, como uma
prática histórica, como um trabalho teórico e historicamente determinado.
Considerando a produção de conhecimento como uma prática, dentro de
um modo de produção determinado, o próprio MD expressa os princípios de sua
própria prática. Althusser indica dois princípios importantes: o primeiro refere-se à
primazia do real sobre o seu conhecimento e, o segundo, refere-se à distinção
entre o real e o seu conhecimento. É para o segundo princípio – fundamental para
Althusser – que devemos voltar nossa atenção, pois é ele que nos garante a
superação – e, portanto, o afastamento – tanto do idealismo especulativo quanto
do idealismo empirista
12
. É a partir deste segundo princípio que Althusser afirma
uma particularidade importante da filosofia marxista: o fato de que a distinção
materialista entre o objeto e seu conhecimento implica necessariamente a
presença da história, ou seja, de que estes princípios são internos ao processo de
uma história de produção de conhecimentos – não tendo valor epistemológico em
si mesmos. Em outras palavras, os princípios da filosofia marxista só podem ser
compreendidos face à história teórica de sua produção.
Sem querer entrar nas controvérsias conceituais acerca da diferença entre
filosofia e ciência, que em Althusser aparece carente de maior precisão, o
importante aqui é o reconhecimento da existência, em Marx e Engels, desta nova
problemática acerca do conhecimento científico, que se inicia a partir de A
Ideologia Alemã e que, como indica acertadamente Althusser, encontra sua
existência madura em O Capital. Isso significa reconhecer que Marx começa a
elaboração das bases da ciência marxista a partir da crítica e superação das
problemáticas anteriores: a compreensão da elaboração destas bases e de seus
12
Idealismo especulativo, em Althusser, é apresentado como sendo a concepção de conhecimento
que reduz o real ao seu conhecimento – como se o real fosse produto do conhecimento. O
idealismo empirista é visto por Althusser como a concepção que reduz o conhecimento ao real, ou
seja, onde o conhecimento é visto como resultado da relação direta entre o sujeito e o real dado
que se põe a conhecer. Neste segundo caso, acredita-se que o conhecimento corresponde ao real.
46
pressupostos tornam-se fundamentais para o entendimento do materialismo
dialético.
Uma outra questão importante e fundamental a ser destacada refere-se à
concepção de ciência própria do materialismo dialético, tal qual entendida por
Althusser e, segundo ele, presente em Marx
13
. Em primeiro lugar, esta concepção
de ciência é definida em sua relação com a concepção de ideologia. Para
Althusser, “a ciência é a prática produtora de conhecimentos, cujos meios de
produção são os conceitos; enquanto que a ideologia é um sistema de
representações cuja função é prático-social...” (BADIOU, 1979, p. 15). Neste
sentido, a ideologia produz um resultado de reconhecimento, enquanto a ciência
produz um resultado de conhecimento, ou seja, na ideologia, as condições
apresentadas são representadas e não conhecidas. Porém, para Althusser, o
processo de conhecimento é um processo de transformação, enquanto o processo
de reconhecimento é um processo de repetição. Badiou, ao analisar a perspectiva
althusseriana acerca do par ciência-ideologia, demonstra que não se pode
interpretar a oposição entre ciência e ideologia dentro da perspectiva ideológica da
relação entre verdade e falsidade. Em outras palavras – e este ponto é crucial
para a compreensão da ciência marxista – a ciência não se põe “contra” a
ideologia, no sentido da verdade contra a falsidade; ao contrário, pensada como
uma prática, a produção de conhecimento é uma atividade de transformação de
um saber anterior – e de seus conceitos – em novo saber, em que estes conceitos
são transformados. É, portanto, o fato de ser produto desta atividade de
transformação, atividade esta teórica, histórica e social, que caracteriza um saber
como científico – e não o fato de ser este portador de uma verdade em oposição a
uma falsidade. O par ciência-ideologia não corresponde ao par verdade-falsidade
e, tampouco, pode ser visto como uma oposição em que a ciência se põe contra a
ideologia, dissipando-a ou lhe substituindo. Como diz Badiou,
13
A discussão sobre a concepção marxista de ciência, a partir das contribuições de Althusser e,
posteriormente, de Miriam Limoeiro Cardoso, possibilitará a compreensão da perspectiva científica
marxista sob bases distintas daquelas a partir das quais o pensamento de inspiração marxista em
Filosofia da Educação se desenvolveu. Aqui serão apresentados os principais elementos desta
concepção de ciência, a partir das considerações feitas acima, acerca do materialismo dialético.
47
...é evidente que uma função prático-social que obriga a um
sujeito que ´mantenha seu lugar` não pode ser a negação da
produção de um objeto de conhecimento, e é exatamente por isso
que a ideologia é uma instância irredutível das formações sociais
às quais a ciência não poderia dissolver: ´não se pode conceber
que o comunismo, novo modo de produção que implica forças
produtivas e relações de produção determinadas, possa prescindir
de uma organização social da produção e de formas ideológicas
correspondentes` (RTM.192)
A partir destas considerações sobre o materialismo dialético e sobre o par
ciência-ideologia, o problema da construção do objeto científico – problema central
para a perspectiva adotada aqui – pode ser, finalmente, colocado.
A primeira consideração acerca da questão da construção do objeto é o
reconhecimento de que o objeto de conhecimento é distinto do objeto real. Neste
sentido, tanto o resultado do processo de conhecimento quanto o seu ponto de
partida são teóricos: a ciência produz um objeto de conhecimento – o objeto
científico – distinto do real e, também, parte de um terreno teórico cujo objeto
também é uma construção; tanto o objeto – a realidade – para o qual se volta o
início do processo de conhecimento quanto o seu resultado são, ambos, objetos
construídos. Porém, é importante ressaltar que nenhuma das duas construções –
o objeto inicial do qual parte a ciência e o objeto final que sua atividade prática
produziu, distinto do objeto inicial, agora transformado – constituem-se do real
propriamente dito. Dentro desta perspectiva, o ponto de partida e o ponto de
chegada, embora distintos entre si, não constituem o real em si mesmo, em sua
realidade concreta. Este é um ponto fundamental que distingue esta perspectiva
daquela concepção do pensamento de inspiração marxista, fundada numa
perspectiva ontológica – como foi apresentada no primeiro capítulo da dissertação.
Vejamo-lo mais pormenorizadamente.
Badiou afirma, dentro desta perspectiva, ainda na discussão em torno da
concepção althusseriana do par ciência-ideologia, que “o resultado próprio da
ciência - ´resultado de conhecimento`- é obtido pela produção orientada de um
48
objeto essencialmente distinto do objeto dado e distinto inclusive do objeto real...”
(BADIOU, 1979, p. 15), ou seja, a ciência produz o objeto sobre o qual o
pensamento se volta em seu processo de conhecimento, cujo resultado produzirá
um novo objeto, distinto daquele sobre o qual seu pensamento se voltou. Neste
primeiro sentido, a ciência é ciência da ideologia, pois “produz o conhecimento de
um objeto cuja existência está indicada por uma região determinada da ideologia”
(idem, p. 17), e, também, porque “a ideologia é sempre ideologia para uma
ciência, e inversamente” (idem, p. 17). Isto quer dizer que é no interior do espaço
ideológico que encontramos a produção do que se designa como real: as
ideologias formam, aqui, o espaço que produz a idéia de um real, formam a região
que indica a existência de algo como real sobre o qual a ciência, em sua gênese,
se voltará, ou seja, a ciência tem como ponto de partida uma generalização
ideológica que será transformada em generalidade científica (BADIOU, 1979,
p.17). Por isso a concepção de ideologia – sua definição mesma – só pode partir
de um campo científico, de uma análise retrospectiva de uma ciência. Assim é
que, para Marx, a ciência econômica é, ela mesma, ideológica, ou melhor, aos
olhos do materialismo dialético, a economia clássica e a economia vulgar
constituem-se, ambas, como uma só ideologia: a ideologia econômica.
Dentro desta perspectiva, a relação entre sujeito e objeto no processo de
conhecimento é vista de um modo totalmente novo: não há um sujeito e um objeto
propriamente ditos, ou seja, a relação do processo de conhecimento é uma
relação entre a perspectiva das idéias e o objeto construído a partir desta
perspectiva. Mais precisamente, é a relação entre a perspectiva ideológica ou
teórica – dependendo da fase em que se encontra a ciência em sua história – e o
objeto construído dentro desta perspectiva, ambos historicamente determinados.
Aqui, o objeto para o qual se volta o conhecimento é, ele mesmo, uma construção
histórico-teórica e/ou histórico-ideológica – e não o real propriamente dito.
Uma importante – e mais aprofundada – contribuição teórica acerca do
processo de construção do conhecimento, discutido sob a luz do materialismo
dialético – MD como perspectiva teórico-histórica cujo objeto consiste no processo
de produção de conhecimento – encontra-se nos trabalhos de Miriam Limoeiro
49
Cardoso. Em “Perspectiva teórica” (CARDOSO, 1978)
14
, a autora apresenta a
perspectiva do conhecimento como aproximação, em que algumas considerações
acerca da questão da construção do objeto de conhecimento são fundamentais
para a compreensão do problema. Assim diz a autora:
É o conhecimento que coloca o mundo real como seu
objeto, que desde então é uma formulação, uma construção, a
construção do objeto do conhecimento distinto do objeto real.
A existência desta realidade concreta permanece uma questão em
aberto, mas não pode deixar de ser posta como uma questão... A
perspectiva do conhecimento como aproximação coloca
adequadamente o problema.” (CARDOSO, 1978, p.25, negritos
meus)
Neste sentido, o trabalho teórico é uma prática que constrói o objeto sobre
o qual sua própria atividade de conhecimento se debruça: esta construção volta-se
para as indicações que as ideologias fornecem sobre a existência de um real ou,
no caso de um campo científico já desenvolvido, para as indicações que as teorias
já constituídas fornecem sobre seu objeto; no segundo caso, para Althusser
(1979), o próprio resultado teórico de uma determinada ciência colocar-se-á como
o objeto de conhecimento da atividade teórica nova e posterior, para a qual aquele
anterior se constituirá como ideológico, desde que superado por uma nova
formulação teórica.
É importante ressaltar, aqui, uma distinção fundamental entre os objetos de
conhecimento em relação à história teórica de uma determinada ciência, para a
qual chama atenção, ainda Althusser, e que se faz importante para o exato
entendimento das afirmações acima apresentadas. Althusser (1979,1979b)
distingue a qualidade dos objetos científicos em relação ao momento do
desenvolvimento da ciência da qual fazem parte, afirmando que, quando uma
ciência é ainda nascente, seu objeto pode ser muito ideológico, mas que, para
uma ciência já constituída e desenvolvida, seu objeto constitui-se por conceitos
14
Título dado à primeira parte da tese de doutorado da autora, intitulada Ideologia do
Desenvolvimento: Brasil:JK-JQ (CARDOSO, 1978).
50
científicos, já produzidos teoricamente. Esta distinção torna-se fundamental para a
compreensão do objeto do materialismo histórico – da ciência marxista. A
produção científica de Marx, com O Capital, teria transformado a construção
conceitual anterior (da economia política), produzindo novos conceitos teóricos a
partir da nova formulação teórico-científica realizada por Marx; aqui, para
Althusser, Marx teria fundado uma nova ciência, mas a partir de formulações ainda
muito ideológicas – entendidas assim por tratar-se da fase pré-científica da ciência
econômica, no sentido de que o trabalho teórico dos economistas anteriores
pautava-se, sobretudo, pela sistematização de elementos ideológicos da própria
sociedade burguesa. O objeto conceitual de Marx tinha sua gênese nas
formulações de uma fase, então, ainda muito inicial desta ciência. Porém, após
constituída uma ciência, seu objeto tem um caráter mais teórico e preciso, com
teorias já plenamente elaboradas; neste caso, o objeto de conhecimento das
próximas pesquisas realizam-se dentro de campos teóricos muito precisos e
distantes das elaborações ideológicas constitutivas de uma determinada
sociedade. O próprio Althusser assim define:
Existe, pois, uma prática da teoria. A teoria é uma prática
específica que se exerce sobre um objeto próprio e conduz a seu
produto próprio: um conhecimento. Considerado em si mesmo,
todo trabalho teórico supõe, portanto, uma matéria-prima dada e
os “meios de produção” (os conceitos da “teoria” e o seu modo de
emprego: o método). A matéria-prima tratada pelo trabalho teórico
pode ser muito “ideológica”, se se trata de uma ciência nascente;
se se trata de uma ciência já constituída e desenvolvida, pode ser
uma matéria já elaborada teoricamente, conceitos científicos
formados. Dizemos, muito esquematicamente, que os meios do
trabalho teórico, que são a sua própria condição: a “teoria” e o
método, representam o “lado ativo” da prática teórica, o momento
determinante do processo (ALTHUSSER, 1979b, p.150).
É neste sentido que podemos ler, em Cardoso (1978), que “o objeto de
conhecimento é idéia” (1978, p. 26), ou seja, o objeto sobre o qual se debruça a
atividade teórica é, ele mesmo, uma construção. O conhecimento, então, não
51
trabalha com o real propriamente dito, e sim com as construções previamente
estabelecidas, com o conhecimento acumulado: é o conhecimento anterior que se
coloca como objeto no processo de conhecimento. Esta é a concepção de objeto
científico, definido por Cardoso como a “perspectiva das idéias” (idem, p. 26).
Assim complementa a autora:
O conhecimento não trabalha com o que aqui se designa
como “real”, não são fatos ou dados o seu objeto, mas idéias que o
conjunto dos esforços para conhecê-lo, numa aproximação dada,
define. O “objeto” é sempre inatingível. Cada teoria o formula,
como seu objeto, segundo seus pressupostos, segundo sua
postura diante dele (CARDOSO, 1978, p.26)
Dentro desta perspectiva, o resultado de conhecimento não provém de um
contato direto com um “real” exterior, não há um real em si (um objeto inteiramente
exterior) que se põe a conhecer, com o qual um “sujeito” se relaciona. Neste
sentido, a produção de um conhecimento novo é fruto de um rompimento com o
conhecimento anterior que só é possível mediante a dúvida sobre ele, mediante a
negação de suas suposições iniciais, a partir da qual o trabalho árduo de
sucessivas retificações se inicia até a produção teórica de um novo objeto. Assim
diz Cardoso:
A descoberta não se faz sobre um real, mas a partir de uma
relação de precariedade que aponta o erro e que propicia uma
retificação. O conhecimento procede de outro conhecimento sobre
o qual exerce a dúvida, dúvida que em momentos decisivos da
história do saber concerne a própria base da certeza anterior.
(CARDOSO, 1978, p. 32)
O “verdadeiro”, então, é a retificação histórica de um erro: “é com a
descoberta do erro que se afirma uma nova verdade, ou uma nova dimensão da
verdade, a verdade constituindo a retificação do erro” (idem, p. 33)
15
. A
15
Esta perspectiva, presente em Cardoso e em Althusser – que se apresenta nos dois autores com
algumas diferenças, embora não importantes para o que se pretende nesta dissertação –, tem
origem na concepção de Gaston Bachelard, de quem Althusser sofreu influência direta. Deve-se a
Bachelard a importância da discussão acerca do conhecimento como aproximação e, sobretudo,
52
“aproximação”, aqui, não é exatamente em relação ao real, mas consiste no vetor
do conhecimento, pois, quanto mais retificações, mais rigorosa uma teoria, e,
portanto, mais “verdadeiro” o conhecimento que ela produziu, verdadeiro para a
sua nova formulação, dentro do campo teórico delimitado ao qual corresponde. O
conhecimento não é uma “leitura” ou um “discurso” e, também, não é uma
“ontologia”: ele é uma construção, resultado de um trabalho teórico, historicamente
determinado.
Fica evidente a impossibilidade, aqui, de se tratar o conhecimento como
uma relação entre “sujeito” e “objeto”, tal qual as epistemologias idealistas
apresentam. A concepção de construção do objeto apresentada aqui rejeita,
portanto, a concepção de conhecimento presente – e muito difundida – no
pensamento de inspiração marxista em Filosofia da Educação que considera o
conhecimento como resultado de uma relação entre sujeito (razão) e objeto (real),
baseado na perspectiva “ontológica” de conhecimento. As formulações daqueles
trabalhos de inspiração marxista, ao criticarem a dimensão empirista das
epistemologias atuais – as que predominam, segundo eles, na produção de
conhecimento em Educação – apresentam, na sua própria crítica, a crença na
possibilidade de um conhecimento epifenomênico, ou seja, de um conhecimento
que resulta das representações primárias oriundas de uma relação direta com a
aparência dos fenômenos da realidade: são as sensações, as percepções, as
descrições e as sistematizações desta aparência imediata a fonte do saber
empirista, segundo eles. Acredita-se na possibilidade de uma imersão nesta
aparência, relação entre o sujeito e a própria aparência da realidade. Por outro
lado, acredita-se, como superação deste empirismo, no trabalho racional –
concebido como sinônimo de “teórico” – como caminho para a apreensão de uma
outra dimensão do real, que existe, segundo aqueles autores, para além das
aparências manifestas, que constitui a sua essência, ou seja, as determinações
não imediatamente observáveis do real. Para este pensamento, as determinações
da concepção de ciência como a “perspectiva de erros retificados” (BACHELARD, 2001:14).
“Aproximação”, aqui, é uma ordem que cria um mundo artificial, distante do mundo real: este é o
caráter da concretude e da objetividade. Para Bachelard, a atividade da ciência se dá contra o
instante anterior – que pode ser pré-científico ou propriamente científico: o conhecimento se volta
sobre o conhecimento anterior, e não sobre o real.
53
são ocultas e existentes no real – embora não visíveis e não imediatamente
acessíveis: por isso somente o trabalho teórico – o trabalho do pensamento – será
capaz de atingi-las. A relação, em ambos os casos – empirismo e marxismo –, é
vista como uma relação entre sujeito e objeto real, este último constituído por uma
dialética entre aparência e essência que deverá ser descoberta. Todo o trabalho
teórico gira em torno da idéia de descoberta, no sentido de desvendar a
constituição oculta do real; deste modo, tanto a crítica ao empirismo quanto a
solução para sua superação contêm as marcas de um terreno positivista não
superado.
Sabemos que um dos motivos da concepção desta “epistemologia marxista”
reivindicada pelos autores aqui analisados – já discutida no primeiro capítulo –
reside, como já foi dito, no tratamento dado aos textos metodológicos de Marx e
Engels, sobretudo o famoso texto que tem como título Introdução de 1857
16
. Será,
então, a partir das contribuições acima apresentadas – dentro da perspectiva do
materialismo dialético – que propomos, a seguir, uma outra leitura acerca das
contribuições metodológicas marxianas e que permite uma aproximação com a
discussão do materialismo dialético aqui proposta.
II.2) A questão do método em Marx
Pela quase ausência de textos propriamente metodológicos de Marx, o
manuscrito conhecido como Introdução de 1857 tornou-se um texto crucial para a
compreensão da metodologia marxiana: a freqüente alusão ao texto justifica-se,
principalmente, por nela estar contida “a mais extensa e a única exposição
sistemática sobre a questão do método, na imensa literatura marxiana”
(GORENDER, 1982, p.XI).
16
São pouquíssimas as formulações explicitamente metodológicas de Marx. A muito citada e
famosa “Introdução” de 1857, que o próprio Marx decidiu não publicar, foi alvo de inúmeras
polêmicas, tanto em relação à obra da qual seria, de fato, uma introdução (que primeiramente foi
considerada introdução ao livro Contribuição à Crítica da Economia Política e, posteriormente, ao
conjunto de estudos de Marx que formam os “Grundrisse” – Grundrisse der Kritik der Politischen
Ökonomie) quanto ao seu conteúdo. Por isto Cardoso afirma que “há muita controvérsia na sua
leitura e na sua análise, que contempla linhas de interpretação as mais variadas e mesmo
divergentes” (CARDOSO, 1990, p.02).
54
Como indica Gorender (1982, p.XI-XIII), a Introdução de 1857 contém três
principais temas: o primeiro diz respeito ao objeto científico, e consiste nas
definições acerca do objeto próprio da ciência marxiana, no sentido de sua
superação em relação ao tratamento do objeto dado pelos economistas anteriores
a Marx; o segundo tema “aborda o aspecto propriamente epistemológico da
metodologia” (idem, p.XII) e o terceiro tema trata da organização expositiva, ou
seja, “da ordem em que devem ser expostas as categorias para que formem um
sistema explicativo estruturado” (idem, p.XIII).
Vejamos, então, alguns elementos do texto que consolidam a perspectiva
metodológica de Marx, de acordo com a leitura que se pretende aqui.
O ítem 3 da Introdução de 1857 – intitulado Die Methode der Politischen
Ökonomie (“O método da Economia Política”)
17
– começa assim:
Ao considerar a economia política de um dado país,
começamos por sua população, sua divisão em classes,
distribuída em cidade, campo e mar; os diversos ramos da
produção, a exportação e a importação, a produção anual e o
consumo anual, os preços das mercadorias, etc.
É que parece correto começar pelo real e pelo concreto,
pela pressuposição efetivamente real e, assim, em Economia, por
exemplo, pela população: fundamento e sujeito do ato todo da
produção social (die Grundlage und das Subjekt des ganzen
gesellschaftlichen Produktionsakts). A uma consideração mais
precisa, porém, isto se revela falso. A população, por exemplo, se
omito as classes que a constituem, é uma mera abstração. ...
...Se começasse pela população, haveria de início uma
representação (Vorstellung) caótica do todo, e só através de
determinação mais precisa (durch nähere Bestimmung), eu
chegaria analiticamente (analytisch), cada vez mais, a conceitos
17
A opção pela edição bilingüe, traduzida pelo professor Fausto Castilho – com quem pude discutir
diretamente o texto original –, deve-se à importância de trazer, além do texto original em alemão,
uma maior clareza em relação a alguns conceitos que já se tornaram senso comum – quase
ideológicos – no campo do marxismo. Por exemplo, o conceito de síntese que, comumente,
encontramos como sinônimo de “método marxista” ou em oposição ao “método analítico”, etc.
55
(Begriffe) mais simples. Partindo do concreto representado (von
dem vorgestellten Konkreten), chegaria a abstratos sempre mais
tênues, até alcançar por fim as determinações mais simples (die
einfachsten Bestimmumgen). (MARX, 1997, p.07, grifos e
parênteses do tradutor).
O primeiro método apresentado por Marx é aquele que tem como
pressuposto – e como garantia de objetividade – começar pelo real. Como o
objeto da Economia é a produção, este método supõe que, começar pela
população – sujeito da produção – é começar pelo real. Marx aponta, em primeiro
lugar, para o erro desta concepção metodológica. Partir da população como se
fosse partir do real é, na verdade, partir de uma suposição de que a população
representa a base sólida, concreta, sobre o qual o processo de conhecimento
deveria se iniciar. Mas, para Marx, a população só começa a ganhar sentido
teórico quando a análise vai chegando às suas determinações. A população,
pressuposta inicialmente como o real, dado, concreto e efetivo – o imediatamente
apreensível – constitui-se como um ponto de partida cuja concretude é falsa, pois
constitui-se como uma mera abstração se, nela, não estiverem contidas as suas
determinações, ou seja, os conceitos mais simples. Logo, a população parece ser
uma base sólida, concreta e real, de onde deve partir o conhecimento. Mas isto é
falso, pois a concretude da população só começa a ser apreendida a partir do
processo de análise, processo este fundamentalmente teórico. Os conceitos e as
relações gerais e abstratas a que se chega pela análise é que constróem a
concretude da população, pois, sem os conceitos que constituem as
determinações da população, ela continuaria a ser uma abstração vazia, uma
representação caótica. Por isto Cardoso diz que, para Marx, “fundar-se no real –
supostamente uma base sólida – como garantia de objetividade é fundar-se numa
base vazia de sentido, perdendo, portanto, tal garantia” (CARDOSO, 1990, p.21).
A concretude, aqui, não é da ordem do real, e sim da ordem do teórico: é o
trabalho teórico que constrói a concretude do real, que substitui a abstração vazia
por múltiplas determinações construídas pelo trabalho teórico. Mas é preciso
fazer, agora, algumas considerações mais precisas sobre o método proposto por
56
Marx – e que ele identifica como o método cientificamente correto – para que não
sejam confundidas a análise da economia clássica e a proposta do próprio Marx.
Marx, após apontar o erro da pressuposição do ponto de partida na
construção do objeto de conhecimento científico, conforme dito acima, afirma o
seguinte:
Dali, a viagem recomeçaria pelo caminho de volta, até que
reencontrasse finalmente a população, não já como a
representação caótica de um todo (eines Ganzen) e sim, como
uma rica totalidade de muitas determinações e relações (als bei
einer reichen Totalität von vielen Bestimmungen und
Beziehungen). O primeiro caminho é aquele que a Economia
percorreu em sua gênese histórica. Exemplo: os economistas do
século XVII que, sempre começam por um todo vivo (mit dem
lebendigen Ganzen) – população, nação, Estado, vários estados,
etc. – mas, sempre terminam por algumas relações gerais,
abstratas, determinantes (einige bestimmende abstrakte,
allgemeine Beziehungen) – divisão do trabalho, dinheiro, valor,
etc. – que eles descobriram por análise. Tão logo esses aspectos
individuais isolados (diese einzelnen Momente) achavam-se mais
ou menos abstraídos e fixados, os sistemas econômicos
começavam a elevar-se (aufsteigen), a partir dos elementos
simples, - o trabalho, a divisão do trabalho, as necessidades
(Bedürfnis), o valor de troca –, até o Estado, o intercâmbio entre
as nações e o mercado mundial. É manifesto que este último
caminho é o método cientificamente correto. O concreto é concreto
por ser uma concentração (Zusammenfassung: concentração,
síntese) de muitas determinações, logo, uma unidade do múltiplo.
Eis a razão por que aparece no pensamento (im Denken) como
processo de concentração (síntese), como um resultado, e não
como um ponto de partida,... (MARX, 1997, p. 09, parênteses e
grifos em negrito do tradutor, grifos em itálico meus).
Para Marx, se o real tem uma ordem, ela não está dada; por outro lado, a
busca do conhecimento desta ordem – a das determinações que estruturam o real
57
– consiste num caminho que não é uma via informada diretamente pelo real e,
também, não é um conhecimento produzido a partir do contato direto com o real.
Em outras palavras, para a produção teórica das determinações da realidade
social – cuja existência é uma suposição inicial do trabalho científico de Marx –
não se parte de uma análise procedente do real; ao contrário, parte-se, como diz
Limoeiro, “dos conceitos mais simples que essa análise, já disponível – senão ela
não poderia ser criticada – conseguiu alcançar no seu final” (1990, p.23). Assim,
este “método cientificamente correto” (MARX, 1997, p.09) é aquele que começa
“pelo trabalho crítico sobre as categorias gerais elaboradas pela análise empírica”
(CARDOSO, 1990, p.23).
O entendimento desta questão – a do método proposto por Marx – é crucial
para a problemática que se quer demonstrar aqui
18
. Trata-se de um
reconhecimento, por parte de Marx, já no século XIX – em que predominavam,
segundo Cardoso (1990), as perspectivas empíricas nas pesquisas científicas –,
de que o objeto inicial do trabalho científico não é o real propriamente dito;
diferentemente das interpretações dominantes na Filosofia da Educação, a
concepção de relação que se estabelece no “método cientificamente correto” é a
de uma relação entre o sujeito de conhecimento (histórico e teórico) e o
conhecimento já disponível, uma relação de negação e crítica que, face à
precariedade do conhecimento anterior, produz-se um novo conhecimento. A
concretude do real é produzida no campo teórico – com a construção das
determinações – e, assim, tanto o objeto de que se parte, quanto aquele que é
produzido são construídos pelo trabalho teórico. Porém – e este ponto é realmente
crucial – estas determinações não são construídas a partir de uma relação com o
próprio real: são construídas a partir de uma crítica teórica do conhecimento
anterior.
18
Deve-se ao trabalho de Miriam Limoeiro Cardoso a possibilidade desta leitura da Introdução de
1857 (CARDOSO, 1990). Foi a partir deste trabalho – em que a autora acompanha
sistematicamente o texto “O Método da Economia Política” – que pudemos chegar a algumas
indicações sobre o caráter teórico do objeto científico para Marx e sobre a distinção entre o objeto
de conhecimento e o objeto real. Porém, alguns dos apontamentos conclusivos presentes neste
capítulo da dissertação – acerca da relação entre o objeto teórico e o real – é de inteira e exclusiva
responsabilidade nossa, e não exatamente ao tratamento dado à relação entre teoria e real pela
autora.
58
Há, então, dois caminhos constitutivos do “método cientificamente correto”
– e não um único caminho: o primeiro constitui o trabalho de crítica do
conhecimento anterior, do conhecimento acumulado e já disponível socialmente.
Este trabalho de crítica do conhecimento anterior foi exatamente o gigantesco e
rigoroso trabalho realizado por Marx ao empreender a crítica da economia clássica
e sem o qual a teorização sobre o modo de produção capitalista seria impossível.
Esta é a via em que se caminha do abstrato (as categorias da economia clássica)
ao abstrato e em que são reconstruídas as categorias econômicas, a partir da
crítica. Este foi, portanto, um trabalho enorme e um esforço teórico gigantesco
empreendido por Marx, que passa a se constituir como ponto de partida, então,
para a construção de sua teoria sobre a produção capitalista. O segundo caminho
do “método cientificamente correto” consiste na própria teorização do objeto, ou
seja, consiste na produção teórica do modo de produção capitalista, a partir da
reconstrução crítica das categorias econômicas realizada no primeiro momento.
Assim, o ponto de partida do segundo método – o “método cientificamente correto”
– não é o ponto de chegada do primeiro método, pois, além de ser abstrato, é um
abstrato reconstruído criticamente a partir do primeiro abstrato. Em outras
palavras, as categorias às quais chegou a Economia Política clássica precisaram
ser reconstruídas criticamente e, somente a partir desta crítica, foi possível a
produção teórica nova, a produção científica de Marx. Todo este trabalho teórico –
que consiste no “método cientificamente correto” – não pode ser confundido,
portanto, com uma idéia abstrata de “pensamento” ou de “razão”, como aparece
nos trabalhos de inspiração marxista em Filosofia da Educação. O método
proposto – e realizado – por Marx é um trabalho teórico de profunda crítica e
reconstrução das categorias econômicas e de um esforço posterior de construção
da teoria marxista. Reduzir estes dois caminhos a uma idéia abstrata de
“pensamento”, ou até mesmo a uma idéia abstrata de “teórico” é partir de uma
epistemologia idealista – e não de uma análise materialista dialética da
metodologia marxiana. Proceder a partir desta redução compromete a discussão
metodológica de Marx e a compreensão da dimensão e da profundidade de todo o
trabalho empreendido por ele.
59
Assim, o ponto de partida para a produção teórica nova realizada por Marx
é este abstrato já criticado pelo autor – e não o real. Sobre isto, assim diz
Cardoso:
Portanto, o conhecimento científico do real começa com a
produção crítica das suas determinações, produção que se
processa ao nível do teórico, ao nível das categorias. Por ser
crítica de uma produção teórica anterior, tal produção só pode ser
alcançada quando já existe um desenvolvimento teórico razoável
disponível. É daí que o método para produzir esse conhecimento
”se eleva do abstrato ao concreto” (CARDOSO, 1990, p.32).
Apesar da afirmação acerca da anterioridade do real e de sua
independência face ao seu conhecimento, o real, aqui, aparece como
pressuposição – e não como objeto da ciência marxiana. Para Marx, o real coloca-
se como pressuposto: há uma certeza teórica de sua existência e concretude e,
por isso – e somente neste sentido – ele é o “ponto de partida efetivo” (MARX,
1982, p.14). Por isto, o “método cientificamente correto” tem este real como
pressuposição, embora o conhecimento deste real não proceda deste mesmo real.
Para concluir, podemos afirmar que, por um lado, “o pensamento não é a
gênese do real, nem o real é a gênese do pensamento. Mas se pode, e se deve,
afirmar que o real sempre antecede ao teórico, que o teórico é um teórico sobre
um real” (CARDOSO,1990, p.31); mas que, por outro lado, a produção do real no
pensamento não advém de uma relação entre sujeito e real: provém de uma nova
construção a partir de uma construção anterior – que se nega ou que se alarga.
Como esclarece Cardoso, a respeito da revolução teórica de Marx:
Nesse momento é que o conhecimento se apresenta
decididamente como uma relação. Relação pela qual se
transforma e que funda todo o progresso da ciência: relação de
precariedade com o seu próprio objeto.
Não é toda construção de conhecimento que se faz por
esta relação de precariedade, mas apenas a construção das
grandes transformações do conhecimento científico, nos limites do
60
poder explicativo de um esquema teórico, no estabelecimento de
uma teoria marcada pelo novo. Há todo um processo de lenta
acumulação e extensão teórica até que uma relação de
precariedade seja capaz de romper com o conhecimento anterior
(CARDOSO, 1978, p.29).
A afirmação de Cardoso acerca da condição teórico-histórica para o
alcance da produção científica marxiana – e, portanto, para a realização deste
“método cientificamente correto” – é fundamental: a autora nos mostra que, não
somente Marx reconhecia que a sua produção teórica só foi possível mediante a
existência de uma produção anterior – a já disponibilizada pela Economia Política
clássica – como reconhecia que seu objeto inicial é resultado da crítica e
reconstrução desta produção anterior. Ou seja, o “método cientificamente correto”
– de elevar-se do abstrato ao concreto – só pôde ser realizado a partir de um certo
contexto histórico e científico. Este método, então, não pode ser pensado
independente da conjuntura científica e social da qual emerge, ou seja, não pode
ser pensado abstraído das determinações teóricas e históricas de onde partiu,
através das quais pôde se realizar.
Este é um outro ponto fundamental a ser destacado, pois, trata-se, aqui, de
um momento determinado da história das ciências econômicas, momento de
ruptura epistemológica e teórica com o conhecimento anterior, próprio da
revolução científica realizada por Marx. Torna-se, portanto, injustificável a
apropriação da reflexão metodológica de Marx para o estabelecimento de um
método atual em Educação hoje.
Vimos que uma das conseqüências da apropriação indevida da reflexão
marxiana sobre o método consiste na redução da ordem do “teórico” – tal qual
apresentado acima, que consiste no gigantesco trabalho teórico de Marx e que
permitiu a revolução científica por ele realizada – à ordem do “pensamento” ou da
“razão”, consideradas abstratamente, ou seja, consideradas abstraídas das
determinações que constituem o campo teórico em Marx. Porém, uma outra
conseqüência desta apropriação manifesta-se na transformação da reflexão
metodológica marxiana em regras aplicáveis na produção de conhecimento em
61
Educação hoje, tal qual tem sido sugerida, implícita ou explicitamente, em alguns
trabalhos em Filosofia da Educação, analisados nesta pesquisa. Abstraídas da
conjuntura histórica e do campo teórico no qual foram produzidas, as formulações
de Marx são consideradas aplicáveis na conjuntura teórica atual. Por isso, a crítica
da conjuntura epistemológica atual e a indicação do caminho de sua superação
são elaboradas a partir de uma apropriação questionável da metodologia
marxiana. Nesta apropriação, a superação das atuais pesquisas empíricas
educacionais é sugerida a partir do método tal qual proposto por Marx: identifica-
se, assim, o empirismo da Economia Política clássica ao empirismo das pesquisas
educacionais atuais e, ao mesmo tempo, identifica-se – reduzindo-o – todo o
trabalho teórico de Marx ao trabalho de “abstração do pensamento”. Ora, este
trabalho – que propiciou a revolução teórica de Marx – já fora realizado, realização
esta que permitiu o desenvolvimento de uma nova ciência, a ciência marxista.
O que se pretende afirmar aqui é que, após a revolução teórica de Marx e a
construção de uma nova ciência – e de uma nova teoria sobre a realidade social –,
o ponto de partida das pesquisas educacionais não pode ser considerado a partir
das formulações produzidas para a crítica e superação do conhecimento
disponível na época de Marx. A atual produção de conhecimento educacional
deverá ter como ponto de partida as próprias teorias desenvolvidas a partir desta
ciência já consolidada. Em outras palavras, na medida em que a ciência marxista
produziu historicamente um conhecimento teórico para a explicação da realidade
social – e educacional – é, portanto, a partir destas teorias que a pesquisa em
Educação deverá proceder.
Na produção de conhecimento educacional de inspiração marxista – e em
Filosofia da Educação – desconsidera-se o desenvolvimento e a extensão teórica
da ciência marxista, ou seja, desconsidera-se o acúmulo e a extensão da teoria
marxista como problemática da pesquisa educacional que se pretende seguir.
O ponto de partida da produção de conhecimento em educação deverá ser,
então, o terreno teórico disponível e acumulado até então pela ciência marxista. A
presente dissertação tem como eixo central a hipótese de que será somente a
62
partir da teoria marxista do imperialismo que as pesquisas educacionais que se
pretendem marxistas poderão conhecer de modo rigoroso e profundo a realidade
educacional contemporânea.
No próximo capítulo serão apresentados e comentados os principais
elementos que constituem a teoria marxista do imperialismo e que permitem a
compreensão teórica da conjuntura social – e educacional – atual, fundamental
para a produção de conhecimento marxista em educação hoje.
Porém, antes de iniciarmos o próximo capítulo, uma última consideração,
ainda sobre a questão do método em Marx – e que estrapola a dimensão teórica
da discussão do método –, torna-se crucial para a sua compreensão: trata-se da
dimensão política da concepção metodológica de Marx.
A constatação de que a construção teórico-metodológica de Marx é
inseparável de sua dimensão política não é nova: há uma enorme bibliografia que,
embora apresente divergências acerca do entendimento desta relação, afirma, de
modo consensual, a importância das influências que o movimento operário de
diversas partes da Europa exerciam em Marx e Engels. Um dos trabalhos
significativos a este respeito encontra-se numa Introdução de A Ideologia Alemã,
de Marx e Engels, editada em 1989, de autoria de Jacob Gorender, onde o autor
afirma o seguinte:
Ainda que não pertencessem a nenhuma organização
revolucionária, pois somente em 1847 é que ingressaram na Liga
dos Justos (no mesmo ano, rebatizada de Liga dos Comunistas),
Marx e Engels já atuavam em estreito contato com numerosas
entidades e correntes do movimento operário de vários países da
Europa ocidental. Assim, o surgimento do marxismo não se dá,
conforme tem sido costume afirmar, de fora do movimento
operário, mas de dentro dele. Já é como intelectuais orgânicos da
classe operária que Marx e Engels submetem à crítica a mais
avançada cultura do seu tempo e extraem dela algo contrário a
ela, ou seja, a expressão teórica dos interesses de classe do
proletariado. Não se trata de acontecimento puramente
63
intelectual, mas também de acontecimento sócio-político de
significação histórico-mundial (GORENDER, 1989, p.XIII, grifos em
itálico do autor, grifos em negrito meus).
Isso significa que toda a obra teórica de Marx é – ao mesmo tempo e
inseparavelmente – determinada histórica e socialmente, influenciada pelo
movimento operário e, sobretudo, realizada como expressão dos interesses
revolucionários da classe operária.
Como a obra A Ideologia Alemã assinalou a fundação do materialismo
histórico e do materialismo dialético – tal qual apresentados no primeiro ítem deste
capítulo – ou, como diz Gorender, “assinalou o nascimento do materialismo
histórico, teoria e metodologia da ciência social associada aos nomes de Marx e
Engels” (1989, p.VII), convém apresentar alguns elementos da obra que ilustram o
caráter político da concepção metodológica marxiana.
Em A Ideologia Alemã, Marx e Engels procuram afirmar duas dimensões
inseparáveis da ciência que, a partir deste momento, começam a estruturar: a
dimensão objetiva e a dimensão política. O eixo central da crítica à Filosofia Alemã
– reduzida pelos autores à “ideologia”
19
– e da concepção metodológica que
começa a ser estruturada consiste na preocupação com a transformação da
realidade social, ou seja, com a revolução. É neste sentido que toda a crítica
metodológica de Marx e Engels foi elaborada, pois, a construção das bases
teórico-metodológicas da nova ciência que propõem é produzida sob a luz desta
preocupação e, somente neste sentido, ela pode ser compreendida.
O elemento central da crítica à Filosofia Alemã consistia em afirmar que a
transformação do pensamento – a substituição de um pensamento conservador
por um pensamento crítico – não produz uma transformação na história, ou seja,
19
Ideologia, aqui, é um conceito caracterizado por um conjunto de fatores, contidos, segundo Marx
e Engels, na Filosofia Alemã, sobretudo nos jovens hegelianos: 1) conjunto de idéias abstratas –
no sentido de abstraídas das determinações históricas e sociais que permitem a compreensão
materialista e histórica das mesmas; 2) por se realizar como abstrações, “falseiam” a compreensão
da realidade social; 3) na medida em que falseiam a realidade – produzindo “mistificação” sobre a
mesma – servem aos interesses das classes dominantes, naquele contexto social específico do
qual emergem; 4) a própria ideologia é vista, assim, como constitutiva da realidade social: cada
modo de produção contém uma ideologia própria de seu tempo, relacionada aos interesses das
classes que nele dominam.
64
para transformar a história não basta transformar as idéias. Para os jovens
hegelianos, o problema central de sua época era a dominação que as idéias
exerciam na vida dos homens – idéias conservadoras que, ainda que filosóficas,
correspondiam ao campo religioso; para eles, os homens criavam idéias e se
deixavam dominar por elas: dissipá-las e substituí-las por idéias críticas libertaria
os homens de sua dominação. Por isso, para os jovens hegelianos, era necessário
a difusão de novas idéias – críticas – que pudessem produzir uma “consciência
crítica” de modo a romper com as idéias dominantes e, com isso, libertar os
homens da dominação que as idéias conservadoras exerciam. Sobre esta
concepção filosófica, assim falam Marx e Engels:
Exigir assim a transformação da consciência equivale a
interpretar de modo diferente o que existe, isto é, reconhecê-lo por
meio de uma outra interpretação. Apesar de suas frases
pomposas, que supostamente “revolucionam o mundo”, os
ideólogos da escola jovem hegeliana são os maiores
conservadores. Os mais jovens dentre eles acharam a expressão
exata para qualificar sua atividade, ao afirmarem que lutam
unicamente contra uma “fraseologia”. Esquecem no entanto que
eles próprios opõem a essa fraseologia nada mais que outra
fraseologia e que não lutam de maneira alguma contra o mundo
que existe realmente ao combaterem unicamente a fraseologia
desse mundo (MARX e ENGELS, 1989, p.12).
O sentido, então, da crítica de Marx e Engels à Filosofia Alemã dirige-se à
ilusão – e por isto às idéias “falsas” – do caráter revolucionário deste movimento.
Assim continuam os autores:
A revolução, e não a crítica,é a verdadeira força motriz da
história, da religião, da filosofia e de qualquer outra teoria. ... São
igualmente estas condições de vida, que as diversas gerações
encontram prontas, que determinam se a comoção revolucionária
será suficientemente forte para derrubar as bases de tudo o que
existe; os elementos materiais de uma subversão total são, por um
lado, as forças produtivas existentes e, por outro lado, a formação
65
de uma massa revolucionária que faça a revolução não só contra
condições particulares da sociedade existente até então, mas
também contra a própria “produção da vida” anterior, contra o
“conjunto da atividade” que constitui sua base; se essas condições
não existem, é inteiramente indiferente, para o desenvolvimento
prático, que a idéia dessa subversão já tenha sido expressada mil
vezes... como o prova a história do comunismo (MARX e ENGELS,
1989, p.37).
Por outro lado – e se, como dizem, “não é a consciência que determina a
vida, mas sim a vida que determina a consciência” (MARX e ENGELS, 1989a,
p.26) –, há uma relação de determinação entre a conjuntura histórico-social e as
diversas formas de conhecimento nela produzidos, da qual tanto a Filosofia Alemã
– e a ideologia em geral – quanto a própria teoria marxiana não escapam.
Considerando a concepção marxiana de história – em que se encontra a
dialética entre as forças produtivas e as relações de produção, e, sobretudo, a
dinâmica da luta de classes, já elaborada desde A Ideologia Alemã –, a luta de
classes tem uma relação de determinação com todos os saberes produzidos
socialmente: as idéias dominantes passam a ser vistas como sustentáculos das
classes dominantes.
O falseamento da realidade, produzido pela ideologia, é uma concepção
intrínseca ao seu caráter de classe: este é o problema central para Marx, de onde
parte para a elaboração das reivindicações metodológicas, já contidas – mas não
amadurecidas tal qual na época de preparação de O Capital – em A Ideologia
Alemã.
O que pretendemos demonstrar, aqui, é que o fundamento tanto da crítica
quanto da elaboração marxiana do método é essencialmente político. É também
neste sentido que todo o empreendimento da crítica à Economia Política e da
construção da ciência marxista é realizado como crítica e superação da ciência
burguesa e como construção da ciência do proletariado
20
. Este é um aspecto
20
Ver sobre esta questão o importante trabalho de Hector Benoit, intitulado “Sobre a Crítica
Dialética de O Capital”, onde o autor apresenta o modo como, em O Capital, Marx demonstrou o
66
central da crítica e da construção científica de Marx: o esforço teórico
empreendido por Marx – da crítica à Filosofia e da crítica à ciência econômica –
que o consumiu desde a década de 1840 até a elaboração de O Capital, tinha
como centro a preocupação em construir uma ciência do proletariado, a sua
consciência teórica. A preocupação central de Marx era superar a consciência
filosófica e científica de seu tempo, sobretudo pelo caráter de classe a elas
intrínseco. Assim deve ser vista toda a produção científica de Marx e, sobretudo,
sua discussão metodológica, tal qual apresentada anteriormente. Como diz Benoit,
acerca de O Capital, “com esta crítica da economia da sociedade burguesa e da
sua consciência teórica, a Economia Política, Marx termina o capítulo primeiro”
(BENOIT, 1997): a Economia Política é a consciência teórica da burguesia e a
ciência marxista é a consciência teórica do proletariado.
Sendo assim, a natureza da objetividade do processo de produção de
conhecimento científico, defendida por Marx em todos os momentos em que
apresentou uma discussão propriamente metodológica, está intrinsecamente
ligada ao caráter de classe que sua ciência assume. O principal critério de
objetividade, em Marx, é fundamentalmente político, e não epistemológico, pois o
empreendimento realizado por Marx na construção dos critérios de objetividade de
conhecimento – e na sua crítica ao conhecimento anterior – tem como
pressuposto a interferência do ponto de vista de classe – o ponto de vista
histórico-social – na construção do objeto de conhecimento. A construção do
objeto de conhecimento, além de ser teórico, é histórico e social: o objeto é
construído teoricamente sob uma perspectiva de classe determinada, para a sua
luta revolucionária. Este é o caráter crítico e revolucionário da ciência marxista,
reivindicado por Marx e Engels, constituindo-se em elemento central de sua
objetividade e do desenvolvimento da teoria marxista posterior, sobretudo a teoria
do imperialismo.
Sendo assim, a escolha do terreno teórico-metodológico marxista para a
produção de conhecimento em Educação é uma escolha teórico-política: os
caráter burguês da Economia Política e, também, de que modo Marx demonstra o caráter classista
– e proletário – de sua própria ciência (BENOIT, 1997)
67
critérios de objetividade, no marxismo, são ao mesmo tempo e inseparavelmente
teóricos e políticos.
Dentro desta perspectiva, a necessidade teórica e política da teoria leninista
do imperialismo deve-se, em primeiro lugar, à compreensão de que esta teoria
consiste na extensão da teoria marxista da acumulação capitalista e, neste
sentido, consiste no alargamento da ciência marxista – e não em sua crítica ou
superação. Nesta relação de alargamento, de extensão da ciência marxista, Lênin
pôde desenvolver categorias mais complexas e desenvolvidas face à teoria
marxiana, a partir do estudo do desenvolvimento do capitalismo em fase
imperialista. Este alargamento pode ser, então, considerado como o maior
desenvolvimento da ciência marxista, consolidando o sistema conceitual mais
complexo desta ciência e, por isso, constitui o terreno teórico a partir do qual a
compreensão da realidade hoje torna-se possível e necessária. Este campo
teórico – o sistema conceitual mais desenvolvido, mais complexo, e por isto mais
concreto (no sentido anteriormente definido neste capítulo) – é esta teoria, a teoria
leninista do imperialismo. Por isto, ela deve ser o ponto de partida da análise
marxista – e não a realidade em si mesma. O conhecimento historicamente
acumulado pela ciência marxista – que tem na teoria marxiana da acumulação
capitalista e nas análises de Lênin sobre o imperialismo os elementos
fundamentais para a compreensão do capitalismo hoje – deve tornar-se, assim, o
ponto de partida da análise das situações concretas da realidade capitalista hoje.
Em segundo lugar, o conhecimento da dinâmica mundial do capitalismo
hoje torna-se fundamental para uma intervenção marxista e para a elaboração
tática e estratégica de atuação na conjuntura atual. A luta marxista, de caráter
internacionalista, deve ser elaborada sob a luz da ciência marxista, ciência esta
que explique o desenvolvimento do capitalismo no mundo, permitindo a
compreensão dos desafios e das tarefas políticas e organizativas do partido
revolucionário internacionalista. O conhecimento do imperialismo elucida as
tendências da situação internacional dos trabalhadores no mundo, de sua
composição e de sua fase de amadurecimento. As tarefas do partido
revolucionário – e seus desafios contemporâneos – só podem ser compreendidas
68
sob a luz da ciência marxista, a partir do campo teórico mais rigoroso e
desenvolvido desta ciência, capaz de construir o conhecimento do capitalismo
hoje, em suas determinações imperialistas.
Assim, o conhecimento do desenvolvimento do capitalismo hoje – e do
lugar que o Brasil ocupa no cenário mundial imperialista atual, que explica a
dinâmica de seu desenvolvimento interno – só poderá ser concretizado a partir da
ciência marxista, sob a luz de sua teoria: este conhecimento não é uma relação
entre um sujeito cognoscente e um objeto real (o real em si mesmo), mas uma
construção, que resulta de um contexto histórico, teórico e político determinado, a
partir do qual ela pode e deve ser realizada. A teoria marxista do imperialismo
coloca-se, aqui, como um terreno necessário a partir do qual todo o trabalho
teórico deve ser realizado. O ponto de partida, então, é a perspectiva da teoria, da
construção teórica marxista disponível, a partir da qual o conhecimento será
construído. Por isso, o ponto de partida do conhecimento deve ser a teoria
marxista do imperialismo, que torna-se uma exigência teórica e política para o
marxismo hoje.
A demonstração de que a teoria leninista do imperialismo consiste neste
alargamento da ciência marxista, bem como o seu estatuto propriamente teórico
para a produção de conhecimento educacional hoje, serão apresentados no
próximo capítulo.
Passemos, então, à teoria marxista do imperialismo que, dentro da
perspectiva aqui adotada, consiste numa teoria fundamental para o conhecimento
da dinâmica imperialista do capitalismo hoje e para uma intervenção política
marxista que, como já foi discutido, constituem, ambos, aspectos indissociáveis
para o marxismo.
69
Capítulo III: A teoria marxista do imperialismo: contribuições
teóricas para a pesquisa em Educação
O tema do imperialismo, especialmente na primeira metade do século XX,
aparecia como um tema importante no debate teórico-político do campo do
marxismo, tendo sido tratado por importantes expoentes do pensamento marxista
e dirigentes do movimento operário internacional – como J. A. Hobson, R.
Hilferding, R. Luxemburgo, K. Kautsky, N. Bukharin e V. Lênin –, assumindo um
papel central de explicação e análise da conjuntura capitalista daqueles tempos e,
sobretudo, de elaboração estratégica e de intervenção política. Este intenso
debate sobre o tema no início do século XX, que girava em torno de concepções
distintas acerca do imperialismo, trazia como conseqüência divergências políticas
significativas em torno da elaboração tática e estratégica do movimento operário.
Sobre este debate, diz Fernandes:
Este debate se constituiu no segundo momento mais
importante da reflexão, discussão e sistematização marxista sobre
as características do desenvolvimento do capitalismo (depois da
elaboração de O Capital pelo próprio Marx). Em boa parte, suas
formulações serviram de referência para toda a produção teórica
sobre o tema ao longo do século XX, tanto dos que procuravam
negar a sua validade, quanto dos que procuraram desenvolvê-las”
(FERNANDES, 1991, p.16).
Contudo – e a despeito da importância teórica e política que o estudo e a
compreensão deste debate possuem para o entendimento dos critérios de adoção
da teoria marxista do imperialismo desta dissertação –, a proposta deste capítulo
consiste em apresentar o tema do imperialismo fundamentalmente a partir das
contribuições de V. Lênin.
São duas as principais motivações para esta escolha: a primeira refere-se à
natureza teórica do tema do imperialismo em Lênin, ou seja, refere-se ao fato de
que, neste autor, a elaboração acerca do tema culminou na construção de uma
teoria de tal dimensão e rigor que, ao mesmo tempo em que superou os
70
problemas concernentes às outras abordagens – não somente do campo do
reformismo, mas também do próprio marxismo, como é o caso do tema do
imperialismo em Rosa Luxemburgo
21
–, constituiu-se como a mais rigorosa
explicação teórica do desenvolvimento do capitalismo, consagrando um terreno
novo e fundamental a partir do qual novas pesquisas podem – e puderam, em
todo o século XX e início do nosso século – surgir. A segunda motivação refere-
se, como decorrência da primeira, à sua relevância teórica e estratégica para o
estudo do capitalismo hoje, que permite não somente explicar a natureza, o
desenvolvimento e as mudanças nos processos educativos, tanto no Brasil quanto
no mundo, como também constitui terreno teórico necessário para a elaboração
política e estratégica revolucionária na conjuntura capitalista atual.
A hipótese central que orientou a motivação pela apresentação da teoria
leninista do imperialismo nesta dissertação foi construída a partir da identificação
de uma limitação, presente no pensamento de inspiração marxista em Filosofia da
Educação – e no pensamento educacional de inspiração marxista em geral –, em
relação à compreensão da conjuntura capitalista atual. A hipótese consiste em
supor e indicar que esta limitação resulta da ausência de explicação teórica da
conjuntura atual, especialmente em relação à questão da determinação
econômica desta conjuntura, e que esta explicação – e, portanto, a compreensão
teórica da conjuntura atual – só poderá ser plenamente e rigorosamente
construída a partir da teoria marxista do imperialismo.
Para a apresentação da teoria leninista do imperialismo, será discutida, em
primeiro lugar, sua própria base teórico-metodológica, que deriva da teoria
marxiana da acumulação capitalista, especificamente da explicação teórica da
21
Sobre o debate teórico em torno do tema do imperialismo, ver o trabalho de Luís Fernandes,
intitulado “O debate marxista sobre a economia política do imperialismo no início do século” (1991).
O autor apresenta, de modo sistematizado, os pontos fundamentais que diferenciam a abordagem
de Lênin das demais, apresentando os problemas das principais concepções de imperialismo no
campo do marxismo: da concepção de imperialismo do “liberalismo-reformista” de J. Hobson, cujas
formulações vão ao encontro das conclusões políticas do principal teórico da II Internacional, K.
Kautsky; da concepção reformista de Hilferding, cujo pensamento foi acompanhado pela guinada
política não-revolucionária efetuada pela social-democracia nas primeiras décadas do século XX,
que tinha em E. Bernstein a maior referência; da concepção de imperialismo da revolucionária R.
Luxemburgo e de N. Bukharin, entre outros. Fernandes apresenta, também, o debate teórico sobre
o imperialismo após Lênin.
71
reprodução ampliada do capital, realizada por Marx. Posteriormente, serão
apresentados os principais pontos da elaboração de Lênin acerca do imperialismo
e, por fim, serão discutidos alguns pontos teórico-metodológicos fundamentais
para a compreensão do estatuto teórico das contribuições de Lênin acerca do
tema, que consolidam propriamente uma teoria e que, dentro da perspectiva aqui
adotada, torna-se crucial para a produção de conhecimento marxista em
Educação.
III.1) A teoria marxista da acumulação capitalista
Antes de iniciar a apresentação das determinações que constituem o
processo de acumulação, às quais deve-se o estatuto teórico deste tema em
Marx, convém uma breve apresentação do método de exposição em O Capital,
para que o tema da acumulação capitalista possa ser compreendido com rigor.
O Livro I de O Capital está dividido em três partes: a primeira parte
corresponde à seção I, onde Marx apresenta o resultado do estudo das leis da
produção de mercadorias e do dinheiro. Nesta seção, tem-se como objeto o
espaço do mercado, onde reinam as leis de equivalência do sistema de troca e a
partir do qual as ideologias da igualdade, da liberdade e da propriedade têm seu
fundamento. Aqui, o capital ainda não está posto – apenas pressuposto – e a
explicação do lucro – a origem do valor excedente – ainda não está colocada.
Na segunda parte, que corresponde às seções que vão da II à VI, Marx sai
deste mundo do mercado e de suas leis, de onde partem e reinam as ideologias
liberais e burguesas, e passa à exposição da transformação do dinheiro em
capital. Nesta parte, Marx revela o segredo da produção do valor excedente, a
partir da teoria da mais valia. Com isso, desmistifica-se toda a ilusão oriunda do
mundo do mercado e a igualdade torna-se não-igualdade, a liberdade torna-se
não-liberdade e a propriedade torna-se não propriedade. O segredo da mais valia
– o universo de sua produção – apresenta-se como a antítese do mundo do
mercado. Porém, ainda que Marx tenha revelado o segredo da mais-valia e,
através dele, as contradições da produção capitalista, o movimento do capital é
72
apresentado de modo descontínuo, ou seja, “a reprodução e a acumulação do
capital são apresentadas no âmbito da ação dos capitalistas individuais”
(TEIXEIRA, 1995, p.39). Apesar da existência da mais-valia e de sua explicação,
cada ato de compra e venda – considerados isoladamente – obedece às leis de
equivalência. O movimento do capital, considerado do ponto de vista dos
capitalistas individuais, não permite demonstrar de que modo o valor que
corresponde ao capital – reproduzido e adiantado em cada ciclo da produção – é
produzido pelo próprio trabalhador. Esta demonstração só é possível se o
movimento do capital for considerado do ponto de vista de sua totalidade. Como
diz Marx:
A ilusão, gerada pela forma monetária, desaparece
imediatamente tão logo sejam consideradas a classe capitalista e
a classe trabalhadora em vez do capitalista individual e do
trabalhador individual. A classe capitalista dá constantemente à
classe trabalhadora, sob forma monetária, títulos sobre parte do
produto produzido por esta e apropriado por aquela. Esses títulos,
o trabalhador os restitui, do mesmo modo constante, à classe
capitalista e retira-lhe, com isso, aquela parte de seu próprio
produto que é atribuída a ele. A forma mercadoria do produto e a
forma monetária da mercadoria disfarçam a transação (MARX,
1988b, p.146)
A terceira parte do Livro I – que corresponde à seção VII do Livro I de O
Capital – consiste, assim, na apresentação do movimento do capital como um
movimento ininterrupto e contínuo, no âmbito das classes sociais. A demonstração
do processo de acumulação do capital sob a ótica de sua totalidade – e não mais
sob a ótica das relações individuais – é apresentada nesta seção, que tem como
título “O Processo de Acumulação do Capital”
22
. Somente, então, a partir da
22
A seção VII de O Capital, que finaliza o Livro I, corresponde, então, à primeira totalização
realizada por Marx, ou seja, passa-se à exposição da produção e da reprodução do capital sob o
ponto de vista de sua totalidade – e não mais de sua perspectiva individual. Esta seção, por sua
vez, contém cinco capítulos – que vão do XXI ao XXV –, dentre os quais, para a demonstração da
teoria marxista da acumulação capitalista, destacam-se o capítulo XXI, XXII e XXIII, intitulados
respectivamente como “Reprodução Simples”, “Transformação de Mais-Valia em Capital” e “A Lei
Geral da Acumulação Capitalista” (MARX, 1988b)
73
compreensão do movimento do capital em sua totalidade social, sob a perspectiva
das classes sociais – e não mais sob a perspectiva do capitalista e do trabalhador
como indivíduos que compram e vendem suas mercadorias – é que as leis de
propriedade vão se tornar o seu contrário: em leis de apropriação capitalista.
Para a apresentação da “lei geral da acumulação capitalista“, que dá o título
do capítulo XXIII desta seção, Marx apresenta o movimento do capital do ponto de
vista da reprodução simples e do ponto de vista da reprodução ampliada.
Sobre a reprodução simples, diz Marx:
Qualquer que seja a forma social do processo de produção,
este tem de ser contínuo ou percorrer periodicamente, sempre de
novo, as mesmas fases. Uma sociedade não pode parar de
consumir, tampouco deixar de produzir. Considerado em sua
permanente conexão e constante fluxo de sua renovação, todo
processo social de produção é, portanto, ao mesmo tempo,
processo de reprodução (MARX, 1988b, p.145).
Assim, a reprodução simples é uma sucessão de ciclos de produção que
renovam, no mesmo nível que o anterior, as condições de produção. A
importância da apresentação da reprodução simples na seção sobre a
acumulação capitalista reside no fato de Marx poder demonstrar que, mesmo
ainda sob o ponto de vista da reprodução simples – e, portanto, excluindo-se,
aqui, a acumulação capitalista –, o capital adiantado para a renovação dos ciclos
da produção, depois de um certo período em que o capitalista consumiu o capital
inicial, é produzido pelo trabalhador. A simples reprodução do capital já possibilita
a desmistificação da ilusão burguesa de que o valor adiantado pelo capitalista a
cada ciclo corresponderia ao valor pertencente ao seu capital original. Em outras
palavras, Marx demonstra que o processo de reprodução de capital transforma
todo o capital original em mais-valia capitalizada: o capital variável, anteriormente
visto como um fundo próprio adiantado pelo capitalista, agora é revelado como
sendo mais-valia capitalizada, ou seja, como o valor produzido pelos
trabalhadores e apropriado pelos capitalistas. Como diz Marx,
74
Se a mais-valia produzida periodicamente, por exemplo,
anualmente, por um capital de 1000 libras esterlinas, for de 200
libras esterlinas e se essa mais valia for consumida todos os anos,
é claro que, depois de repetir-se o mesmo processo durante 5
anos, a soma da mais-valia consumida será = 5 x 200, ou igual ao
valor do capital originalmente adiantado de 1000 libras esterlinas
(MARX, 1988b, p.147).
Depois disso, continua:
Ao final de certo número de anos, o valor do capital que
possui é igual à soma da mais-valia apropriada durante o mesmo
número de anos, sem equivalente, e a soma do valor consumido
por ele é igual ao valor do capital original. Certamente ele mantém
um capital nas mãos, cuja grandeza não se alterou, do qual parte,
edifícios, máquinas etc., já existia quando pôs seu negócio em
andamento. Trata-se, porém, aqui, do valor do capital e não de
seus componentes materiais. Se alguém consome sua
propriedade inteira assumindo dívidas que se igualam ao valor
dessa propriedade, então toda a propriedade representa apenas a
soma total de suas dívidas. E, do mesmo modo, quando o
capitalista consumiu o equivalente de seu capital adiantado, o
valor desse capital representa apenas a soma global da mais-valia
de que se apropriou gratuitamente. Não subsiste nenhum átomo
de valor de seu antigo capital (idem, p.147, grifos meus).
Contudo, será a partir da exposição do processo de produção capitalista em
escala ampliada – a reprodução ampliada do capital – que Marx demonstrará a lei
geral da acumulação capitalista, fundamental para a compreensão da teoria
leninista do imperialismo.
Convém, então, partir da definição de acumulação dada pelo próprio Marx:
Anteriormente tivemos de considerar como a mais-valia se
origina do capital, agora, como o capital se origina da mais-valia.
Aplicação de mais-valia como capital ou retransformação de mais-
75
valia em capital chama-se acumulação de capital. (idem, p.154,
grifos meus)
A acumulação, para Marx, é a reprodução do capital em escala progressiva,
onde a mais-valia se retransforma em capital, ou seja, se na reprodução simples a
mais-valia se origina do capital, aqui ela se transfigura em novo capital. Esta
reinversão da mais-valia desenvolve-se em um processo crescente, em que “o
circuito da reprodução simples se altera e se transforma, na expressão de
Sismondi, em uma espiral” (idem, p.156). Assim, a reprodução do capital em
escala ampliada nada mais é do que a transformação da mais-valia em capital em
sentido crescente, em que as condições materiais da produção, face às exigências
do mercado capitalista, ampliam-se. Porém, adverte Marx, “a mais-valia só é
transformável em capital porque o mais-produto, do qual é o valor, já contém os
componentes materiais de um novo capital”; e continua: “para fazer esses
componentes funcionarem de fato como capital, a classe capitalista necessita de
um acréscimo de trabalho” (idem, p.155). Isso significa que, nas condições
materiais da produção devem estar realizadas as condições para a reprodução
ampliada do capital, ou seja, devem ser garantidas forças de trabalho adicionais –
caso a exploração dos trabalhadores já ocupados não deva crescer extensiva ou
intensivamente. Demonstra-se, aqui, a importância do “exército industrial de
reserva”, como força não somente concorrencial entre os próprios trabalhadores,
mas, sobretudo, de reserva adicional para a realização da ampliação do capital.
Com o mais-trabalho antecipado, cria-se o valor que servirá como novo capital no
ciclo posterior. O capital, assim, se reproduz crescendo.
Na apresentação da Lei Geral da Acumulação Capitalista Marx vai expor a
dinâmica da acumulação em relação às suas conseqüências para a classe
trabalhadora, bem como em relação ao exército industrial de reserva, às
alterações na composição do capital e, sobretudo, em relação à concentração e
centralização do capital. Estes dois últimos constituem pontos centrais, junto à
dinâmica da concorrência capitalista, da explicação do imperialismo como fase
monopolista do capitalismo.
76
O principal objetivo de Marx, neste capítulo, consiste na discussão sobre a
influência da acumulação no destino da classe trabalhadora. Por isso diz Marx:
“Os fatores mais importantes nessa investigação são a composição do capital e as
modificações que ela sofre no transcurso do processo de acumulação” (MARX,
1988b, p.178). A composição do capital deve ser vista em duplo sentido:
Da perspectiva do valor, ela é determinada pela proporção
em que se reparte em capital constante ou valor dos meios de
produção e capital variável ou valor da força de trabalho, soma
global dos salários. Da perspectiva da matéria, como ela funciona
no processo de produção, cada capital se reparte em meios de
produção e força de trabalho viva; essa composição é determinada
pela proporção entre, por um lado, a massa dos meios de
produção utilizados e, por outro lado, o montante de trabalho
exigido para seu emprego. Chamo a primeira de composição-valor
e a segunda de composição técnica do capital. Entre ambas há
estreita correlação. Para expressá-la, chamo a composição-valor
do capital, à medida que é determinada por sua composição
técnica e espelha suas modificações, de: composição orgânica do
capital (MARX, 1988b, p.178, grifos meus)
Marx vai mostrar que a composição orgânica do capital se modifica
ciclicamente e que é este movimento cíclico que transforma a acumulação
capitalista num processo composto por fases de aceleração e de desaceleração;
estas fases formam o que Marx denomina ciclos econômicos; estes ciclos têm
uma duração correspondente ao tempo em que se leva para recuperar o valor
investido. A coisa se processa assim: o investimento do capital fixo deve ser
recuperado, mediante condições já determinadas (a força de trabalho utilizada e a
composição técnica do capital, ou seja, mediante uma dada composição
orgânica); porém, o desenvolvimento das forças produtivas – impulsionada pela
concorrência entre os capitalistas – impõe ao capitalista uma transformação de
sua base técnica, correspondente ao capital fixo. Em outras palavras, a
concorrência capitalista impõe a necessidade de introdução de novos meios de
produção e de absorção de mais-trabalho que garantam o desenvolvimento das
77
forças produtivas capitalistas; na medida em que os meios de produção são
constantemente substituídos por novos, a composição do capital se altera e inicia
um novo salto da acumulação que transforma radicalmente as bases técnico-
produtivas anteriores. A passagem de uma fase à outra ocorre mediante uma
recuperação da economia frente à queda do nível da atividade econômica
inicialmente produzida pela transformação do capital orgânico: este período de
recuperação, que prepara a economia para uma nova fase de aceleração da
acumulação, é o período chamado acima de “fase de desaceleração”. É claro,
então, que cada fase destes ciclos corresponderá a condições distintas da classe
trabalhadora, acarretando-lhe consequências diversas mediante este processo de
acumulação. E, a cada renovação do ciclo econômico corresponderão níveis mais
altos de tecnologia. Como diz Teixeira:
...entre a seção primeira e a seguinte deste capítulo, existe
uma passagem lógica que corresponde à realidade mesma do
processo de acumulação: os ciclos em que a acumulação se
processa com composição constante e como essa fase prepara a
posterior, abrindo um novo ciclo de acumulação, desta feita com
composição distinta da que prevaleceu na fase anterior. E não só
isso: a nova fase subseqüente da acumulação pode reiniciar com
um nível de salário abaixo, igual ou maior do que o da fase
anterior, o que descaracteriza a tese de que os salários em cada
ciclo retornam ao nível passado (TEIXEIRA, 1995, p.195)
A cada ciclo de crescimento do capital, então, corresponde um nível de
produtividade mais desenvolvido e complexo – face ao desenvolvimento das
forças produtivas, apontado anteriormente. Ao aumento da composição técnica do
capital – que aumenta o capital fixo – corresponde uma diminuição relativa da
demanda por força de trabalho e, principalmente, corresponde uma exigência da
acumulação: a de que a produção de mercadorias só pode ser sustentada em
larga escala. A contínua reinversão da mais-valia em capital exige que a produção
capitalista seja realizada em larga escala, de modo a realizar, de modo crescente,
todo o ciclo econômico acima descrito.
78
Portanto, a acumulação capitalista leva a um crescente processo de
concentração de capital. Na medida em que esta concentração se prolonga entre
os capitais individuais já existentes, produz-se o que Marx chamou de
centralização de capitais. A concentração simples se converte em centralização.
Em outras palavras, a concentração corresponde ao fenômeno de crescimento
dos capitais individuais, independentes entre si; e a centralização consiste na
concentração de capital mediante a supressão da autonomia dos capitais
individuais, mediante a expropriação de capitalista por capitalista. Neste processo,
os capitais menores transformam-se em capitais maiores.
Para melhor determinar a diferença entre a definição de concentração e de
centralização, convém demonstrá-la através das próprias palavras de Marx:
Primeiro, a crescente concentração dos meios de produção
social nas mãos de capitalistas individuais é, permanecendo
constantes as demais circunstâncias, limitada pelo grau da riqueza
social. Segundo, a parte do capital social, localizada em cada
esfera específica da produção, está repartida entre muitos
capitalistas, que se confrontam como produtores de mercadorias
independentes e reciprocamente concorrentes (MARX, 1988b,
p.187)
Depois, acrescenta:
a repulsão recíproca entre as suas frações é oposta por por
sua atração. Essa já não é concentração simples, idêntica à
acumulação, de meios de produção e de comando sobre o
trabalho. É concentração de capitais já constituídos, supressão de
sua autonomia individual, expropriação de capitalista por
capitalista, transformação de muitos capitais menores em capitais
maiores. Esse processo se distingue do primeiro porque
pressupõe apenas divisão alterada dos capitais já existentes e em
funcionamento, seu campo de ação não estando, portanto, limitado
pelo crescimento absoluto da riqueza social ou pelos limites
absolutos da acumulação /.../. É a centralização propriamente dita,
distinguindo-se da acumulação e da concentação (idem, p 187).
79
A centralização – a atração de capital por capital –, então, altera o
agrupamento quantitativo das partes integrantes do capital social, num processo
relativamente mais rápido do que o simples desenvolvimento contínuo da
acumulação e concentração.
Este é um ponto crucial para o entendimento da teoria leninista do
imperialismo como derivada da teoria da acumulação marxiana. Por isto, cabe
aqui, novamente, recorrer às palavras do próprio Marx, de modo a revelar as
determinações das leis econômicas no processo de centralização do capital, do
qual decorrem os monopólios:
A luta da concorrência é conduzida por meio do
barateamento das mercadorias. A barateza das mercadorias
depende, caeteris paribus, da produtividade do trabalho, esta
porém da escala da produção. Os capitais maiores derrotam
portanto os menores. /.../ Os capitais menores disputam, por isso,
esferas da produção das quais a grande indústria se apoderou
apenas de modo esporádico ou incompleto. A concorrência se
desencadeia aí com fúria diretamente proporcional ao número e
em proporção inversa à grandeza dos capitais rivais. Termina
sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos capitais
em parte se transferem para a mão do vencedor, em parte
soçobam. /.../ o sistema de crédito, que, em seus primórdios, se
insinua furtivamente como modesto auxiliar da acumulação, /.../
logo se torna uma nova e temível arma na luta da concorrência e
finalmente se transforma em enorme mecanismo social para a
centralização dos capitais.
À medida que se desenvolve a produção e acumulação
capitalista, na mesma medida desenvolvem-se concorrência e
crédito, as duas mais poderosas alavancas da centralização.
(idem, p.187-188, negritos meus)
E conclui:
A centralização complementa a obra da acumulação, ao
colocar os capitalistas industriais em condições de expandir a
80
escala de suas operações. /.../ E enquanto a centralização assim
reforça e acelera os efeitos da acumulação, amplia e acelera
simultaneamente as revoluções na composição técnica do capital,
que aumentam sua parte constante à custa de sua parte variável
e, com isso, diminuem a demanda relativa de trabalho (idem,
p.188-189)
Neste sentido, a centralização é um movimento essencial para o
desenvolvimento da acumulação capitalista. Este movimento centralizador, ao
permitir a expansão das escalas das operações dos capitalistas, pode ser
realizado mediante dois caminhos: pelo “caminho violento da anexação” (idem,
p.188), em que “certos capitais se tornam centros de gravitação tão superiores
para outros que lhes rompem a coesão individual e, então, atraem para si os
fragmentos isolados” (idem, ibidem), ou pela fusão de uma porção de capitais
“mediante o procedimento mais tranqüilo da formação de sociedades por ações”
(idem, ibidem). Em ambos, diz Marx, “o efeito econômico permanece o mesmo”
(idem, ibidem). A centralização, assim, é uma necessidade do processo crescente
da acumulação capitalista.
O imperialismo, para Lênin, nada mais é do que o processo de acumulação
capitalista em escala mundial na fase do capitalismo monopolista, ou seja, na fase
em que a centralização do capital resulta na formação e superioridade do capital
sob a forma monopolista. Assim, a teoria marxiana da acumulação capitalista será,
como já foi dito, o terreno teórico sobre o qual desenvolveu-se a teoria leninista do
imperialismo, que será apresentada a seguir.
III.2) A teoria leninista do imperialismo
Podemos dizer que a elaboração teórica de Lênin acerca do imperialismo
resulta de três “fontes” determinantes: a primeira, das análises anteriores acerca
da evolução do capitalismo, sob a denominação de “imperialismo”, realizada por
inúmeros autores anteriores e contemporâneos de Lênin, os quais este submete à
sua rigorosa e profunda crítica. Como diz Fernandes, “para desenvolver a sua
81
teoria, ele referenciou sua reflexão em todas as análises marxistas que
expusemos até aqui (que constitui o debate sobre o imperialismo do campo do
marxismo, mencionado no início deste capítulo), bem como em interpretações e
informações de inúmeros autores ´burgueses` e fontes oficiais de governos
capitalistas” (FERNANDES, 1991, p.38, parênteses meus). Destacam-se, como
ilustração do enorme empreendimento de Lênin para a crítica das análises
anteriores e para a elaboração de sua teoria, os cadernos preparatórios para o
livro O Imperialismo, fase superior do capitalismo, que contém anotações e
trechos de 148 livros e 232 artigos que analisavam, em diversas línguas e origens,
o fenômeno do imperialismo. Sobre isso, confirma Fernandes:
Mas Lênin não se limitou a compilar os estudos anteriores
sobre a evolução do capitalismo. Também submeteu essa
literatura a uma crítica profunda, procurando identificar e superar
as limitações teóricas dos respectivos autores (idem, p.38)
A segunda “fonte” consiste na problemática histórico-política da qual
emerge, ou seja, nas preocupações propriamente políticas (táticas e estratégicas)
de Lênin face ao movimento operário internacional e a social democracia russa,
que alimentavam sua elaboração teórica de modo determinante.
A terceira “fonte” consiste na teoria marxista da acumulação capitalista –
apresentada no item anterior deste capítulo. Para Lênin, o imperialismo consiste
no processo de acumulação capitalista em escala mundial, numa fase
determinada do desenvolvimento do capitalismo; em outras palavras, para o autor,
a fase do capitalismo designada como fase imperialista deriva do processo de
desenvolvimento da acumulação capitalista, que passa a se processar em âmbito
mundial, cuja explicação teórica encontra-se na teoria da acumulação capitalista
elaborada por Marx em O Capital, da qual a teoria do imperialismo é originária.
Apesar do livro O Imperialismo, fase superior do capitalismo, escrito em
1916, ter sido a famosa obra de Lênin considerada mundialmente como aquela
que contém integralmente a teoria do imperialismo, é importante fazer duas
ressalvas: a primeira, a de que nesta obra, apesar de terem sido apresentados
82
alguns dos principais traços do capitalismo na fase imperialista, Lênin adverte para
o fato de que o imperialismo poderá aparecer sob novas formas, ou seja, para o
autor o fundamental é conhecer o imperialismo em sua integridade – e não apenas
indicar as suas características principais, que podem mudar. A segunda ressalva
refere-se aos limites da própria obra que, como afirma Lênin, fora escrita sob a
censura tzarista e, por isto, limitou-se “estritamente não só a uma análise teórica,
principalmente econômica, mas também, e além disso, a formular as poucas, mas
indispensáveis observações políticas com a maior prudência” (LÊNIN, 1979, p.07).
Logo em seguida, diz Lênin: “atualmente, nestes dias de liberdade, é penoso reler
estas passagens mutiladas, comprimidas, apertadas, como em um torno de ferro
devido à censura tzarista” (idem, ibidem), avisando ao leitor sobre a importância
de seus artigos escritos entre 1914 e 1917 para uma melhor compreensão de
suas análises, caso houvesse maior interesse pelo tema. Portanto, a obra O
imperialismo, fase superior do capitalismo não esgota – e nem poderia fazê-lo – a
totalidade dos fenômenos do imperialismo e tampouco abarca todas as suas
dimensões. Esta obra, dadas as advertências do próprio autor, apresenta-se
limitada teórica e politicamente: sua profundidade teórica e política só poderá ser
alcançada mediante a apreensão da totalidade da obra de Lênin, especialmente
dos seus estudos anteriores. O mexicano Alonso Aguilar Monteverde, em seu
importante trabalho intitulado Teoria leninista del imperialismo (1984), afirma o
seguinte:
Lo anterior (acerca das advertências de Lênin) no solo
demuestra la prudencia y la responsabilidad con que Lenin da
cuenta de su contribución al estudio del imperialismo: comprueba,
además, la necesidad de rastrear en múltiples trabajos para
conocerla en su integridad y evaluarla adecuadamente. De no
proceder así se cae en una apreciación unilateral, fragmentaria y
estática de un pensamiento profundo, complejo, que se
desenvuelve a lo largo de más de un cuarto de siglo y que
responde a una concepción global y totalizadora (Idem, p.04,
parênteses meus).
83
Sobre este pensamento “profundo” e “complexo”, Monteverde tem em
mente a totalidade da teoria do imperialismo de Lênin, em suas diversas
dimensões, econômica e política, internacional e histórica. Veremos, aqui, os
principais elementos desta teoria, especialmente em sua dimensão econômica,
pois a sua compreensão torna-se fundamental para o estudo e para a explicação
teórica de todas as outras instâncias do capitalismo em fase imperialista, tanto no
Brasil como no mundo. Assim diz Lênin, acerca de Imperialismo, fase superior do
capitalismo:
Me atrevo a ter esperança de que a minha brochura
ajudará a compreensão de um problema econômico fundamental,
sem o estudo do qual nada é possível compreender acerca do que
é a guerra e a política dos nossos dias; pretendo falar da natureza
econômica do imperialismo. (LÊNIN, 1979, p.08)
Para Lênin, o principal elemento que configura o imperialismo é a
substituição da livre concorrência pelo monopólio: o processo de acumulação de
capital – apresentado no ítem anterior deste capítulo – conduz diretamente ao
monopólio. Convém apresentá-lo a partir das próprias palavras de Lênin:
O enorme desenvolvimento da indústria, e o processo de
concentração extremamente rápido da produção, em empresas
cada vez mais importantes, constituem uma das características
mais marcantes do capitalismo. /.../ a concentração, atingido um
certo grau do seu desenvolvimento, conduz, por ela própria,
permita-se a expressão, diretamente ao monopólio. Com efeito,
algumas dezenas de empresas gigantescas têm possibilidade de
crescerem facilmente e, por outro lado, a dificuldade de
concorrência e a tendência para o monopólio nascem, exatamente,
da grandeza das empresas. Esta transformação da concorrência
em monopólio é um dos fenômenos mais importantes – senão o
mais importante – da economia do capitalismo moderno. (Idem,
p.16-17)
O nascimento dos monopólios, como consequência da concentração da
produção, “é uma lei geral e essencial do atual estádio de evolução do
84
capitalismo” (idem, p.20), como já havia demonstrado Marx, a partir da teoria da
acumulação capitalista. Por isso, para Lênin, o nascimento e a dominância dos
monopólios não eliminam as leis da concorrência: ao contrário, desenvolvem a
concorrência entre os monopólios e sua disputa pela hegemonia, além de conviver
com a concorrência entre as empresas menores. O motor econômico do
imperialismo continua sendo a concorrência, impulsionada pela lógica da
acumulação capitalista, porém, agora, ela se desenvolve sob novas bases.
É importante ressaltar que os monopólios resultam do processo econômico
da acumulação capitalista e, neste sentido, o monopólio não é simplesmente uma
política: esta é uma diferença fundamental entre a teoria de Lênin da de outros
autores, como Hilferding, Luxemburgo e Kautsky. Sendo assim, a formação das
associações monopolistas, característica no imperialismo – como os cartéis, os
sindicatos, os trusts e os consórcios –, constitui-se como diferentes formas e
possibilidades de manifestação dos monopólios
23
. Com o desenvolvimento do
capitalismo na fase imperialista, aprofunda-se, assim, o processo de concentração
da produção dos monopólios.
Um outro elemento importante do imperialismo consiste no que Lênin
chamou de “nova função” dos bancos (LÊNIN, 1979, p.18): da função inicial dos
bancos – a de intermediários nos pagamentos – estes se tornam monopólios,
“dispondo da quase-totalidade do capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e
dos pequenos empresários, assim como da maior parte dos meios de produção e
das fontes de matérias-primas” (Idem, p.30). O processo de integração dos
bancos menores aos maiores e a dependência daqueles em relação a estes –
assim como se processou com as indústrias – acentua a centralização do capital
bancário, fundindo-se com o capital industrial. Os monopólios bancários
contabilizam e repartem o capital, restringindo a alguns grandes bancos o círculo
23
Monteverde (1984) apresenta uma definição precisa acerca das diferentes manifestações dos
monopólios. Como mostra o autor, o cartel é uma associação baseada em um acordo sobre a
distribuição de mercados, preços únicos, repartição de matéria-prima e contratação de
trabalhadores, estabelecimentos de cotas sobre a venda e a produção, sobre uma unidade de
cálculo de lucro e sobre a limitação da produção; o sindicato consiste numa aliança entre
capitalistas que define um lugar comum onde comprar matérias-primas e vender seus produtos; o
trust é uma união monopolista que converte os capitalistas independentes em sócios e o consórcio
é um complexo de empresas sob o controle de um grupo financeiro.
85
em que se processa a procura por créditos – o que torna a grande indústria
dependente de alguns poucos grupos bancários. A esta hegemonia do capital
bancário frente ao industrial simultânea ao seu entrelaçamento, Lênin chama de
capital financeiro. Os bancos, então, se convertem em monopolizadores do capital
financeiro, concentrando o controle da maior parte do capital e das rendas de
países inteiros, através de uma oligarquia financeira que se torna, segundo Lênin,
cada vez mais poderosa, dominando não somente o capital financeiro, como,
também, os governos. Com isso, Lênin procura demonstrar que, sob a fase
imperialista, acentua-se a separação entre a propriedade do capital e sua
aplicação concreta na produção, apontando, sobretudo, para o predomínio de
quem tem o capital – a oligarquia financeira –, que, para o autor, é a manifestação
mais evidente do monopólio bancário e, também, a sua personificação burguesa.
Lênin, assim, procura demonstrar que o capital que domina nesta fase do
capitalismo é o capital monopolista – e não o capital em geral ou o capital
industrial em geral: a formação das oligarquias financeiras, que representam os
interesses do capital financeiro dominante, reflete não somente o novo papel que
assumem os bancos, mas, sobretudo, uma nova correlação de forças entre os
capitais. O capital financeiro, na verdade, é, para Lênin, resultado do
desenvolvimento do capital monopolista. Como diz Monteverde,
El dominio de los monopólios em las más diversas
actividades anuncia el advenimiento del imperialismo. Pues bien,
en la fusión de esos monopolios descansa el nacimiento del
capitalismo financiero, que es una forma superior del capital
monopolista, y, a la vez – ya que desde luego no se trata de un
proceso que se desenvuelve linealmente -, la expansión de la
banca y el desarrollo del capital financiero reafirman y aceleran el
proceso de monopolización propio del imperialismo.
(MONTEVERDE, 1984, p.96)
A partir da análise da vinculação entre os bancos e a indústria, Lênin
procura mostrar sua relação com os governos: para o autor, o Estado, na medida
em que reforça a dominação da oligarquia financeira, contribui para o crescimento
86
de seu poder, nacional e internacionalmente. O Estado figura como manifestação
dos interesses da burguesia dominante, neste caso, a oligarquia financeira,
confirmando a teoria marxista do Estado: para Lênin, o Estado é instância
superestrutural que serve aos interesses da acumulação capitalista de grupos
capitalistas dominantes
24
.
Um outro – e fundamental – elemento do capitalismo nesta fase
imperialista consiste na exportação de capitais. Como diz Lênin,
O que caracterizava o antigo capitalismo, onde reinava a
livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que
caracteriza o capitalismo atual, onde reinam os monopólios, é a
exportação de capitais. (LÊNIN, 1979, p.60, grifos do autor)
Este é um ponto crucial – e que merece destaque, especialmente na
conjuntura atual – da teoria do imperialismo de Lênin. Para o autor, o impulso
fundamental do imperialismo – em que domina o capital financeiro – é a formação
de capitais excedentes oriundos da lógica da acumulação capitalista. Sobre isso,
diz Lênin:
No limiar do século XX, assistiu-se à constituição de um
outro gênero de monopólios: primeiro, associações monopolistas
em todos os países de capitalismo evoluído; em seguida, a
situação de monopólio de alguns países muito ricos, onde a
acumulação de capitais atingia enormes proporções. Nos países
avançados formou-se um enorme “excedente de capitais”. (LÊNIN,
1979, p.60)
Como Marx já havia assinalado na teoria da acumulação capitalista, a
concorrência capitalista, que impulsiona o desenvolvimento das forças produtivas
– e, portanto, que promove o aumento da composição orgânica do capital –, gera
24
Ver sobre a teoria marxista do Estado em O estado e a revolução (LÊNIN, 1986) e, também, no
trabalho intitulado Marxismo e Educação: Gramsci e a consolidação do reformismo acadêmico na
produção de conhecimento em Educação hoje (PORTUGAL, 2007a)
87
uma tendência à queda da taxa de lucro no sistema
25
, fomentando, então, aos
capitalistas a procura por uma compensação dessa tendência. Para Lênin, uma
forma fundamental de compensação dessa tendência e de ampliação do capital
consiste, então, em investir o capital excedente em regiões mais atrasadas do
ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo. Conforme afirma Fernandes,
Os capitalistas procurariam compensar esta tendência
através do aumento do volume da produção vendida (o que
aumentaria a massa de mais-valia, embora continuasse vigorando
a tendência à queda da taxa de lucro) ou através de investimento
de capital em áreas mais atrasadas do ponto de vista do
desenvolvimento do capitalista (onde a taxa média de lucro na
economia permaneceria, ainda, mais elevada, devido à
composição orgânica mais baixa do capital). (FERNANDES, 1991,
p.40)
Para Lênin, o nível alto do desenvolvimento do capitalismo em alguns
países, impulsionado pela acumulação capitalista, gera, então, esta pressão pela
exportação de capitais para outras regiões do mundo, o que promove um
desenvolvimento do próprio capitalismo nestas regiões mais atrasadas. Este
desenvolvimento, apesar de submetido aos interesses imperialistas, impulsiona os
países receptores do capital a um desenvolvimento mais acelerado do que os
próprios países já muito desenvolvidos, o que provoca recorrentes conflitos entre
as potências capitalistas do mundo inteiro.
É importante ressaltar que estes capitais não são dirigidos somente às
áreas mais atrasadas: regiões industriais também são alvo desta exportação, na
medida em que, o que interessa, é um investimento seguro capaz de ampliar o
capital, pois o motor do expansionismo imperialista é o capital financeiro – e não o
capital industrial.
Desta forma, Lênin demonstra um outro elemento essencial da teoria do
imperialismo: o desenvolvimento desigual do capitalismo. Como diz o próprio
25
A taxa de lucro é calculada através da divisão da mais-valia pela soma do capital investido em
capital constante e variável. Ver sobre a problemática da tendência à queda da taxa de lucro em
Fernandes (1991) e Rubin (1987).
88
autor, “o desenvolvimento desigual, e por saltos, das diferentes empresas, das
diferentes indústrias e dos diferentes países é inevitável em regime capitalista”
(LÊNIN, 1979, p.60). Assim, além das áreas mais atrasadas serem alvo do capital
exportado e, por isso, desenvolverem o capitalismo internamente – o que as torna
mais desenvolvidas, e não mais atrasadas ou estagnadas –, as potências
imperialistas, no processo de concorrência em busca dos novos alvos de
exportação de capital, entram em novos conflitos imperialistas, produzindo novas
guerras pela divisão das áreas de investimento. Nesse sentido, os diversos
capitais monopolistas são representados politicamente pelos diferentes e
respectivos governos que, face ao processo de concorrência pelas áreas de
investimento no mundo inteiro, se relacionam em função dos interesses destes
capitais que eles representam, produzindo alianças ou guerras em nome destes
interesses. Em outras palavras, o movimento internacional dos capitais
monopolistas, face à concorrência entre eles – que pode ser mais aguçada do que
em fases anteriores do capitalismo –, e, também, face ao desenvolvimento
desigual do capitalismo no mundo, promove conflitos e novas guerras entre os
seus representantes políticos – os governos. Por isso, diz Lênin:
Enquanto o capitalismo continuar capitalismo, o excedente
de capitais será afetado, não para elevar o nível de vida das
massas de um dado país pois daí resultaria uma diminuição de
lucros para os capitalistas, mas para aumentar estes lucros,
mediante exportação de capitais para o estrangeiro, para os
países subdesenvolvidos. /.../ As possibilidades de exportação de
capital resultam de um certo número de países atrasados serem,
desde agora, arrastados na engrenagem do capitalismo mundial,
de aí terem sido construídas ou estarem em vias de construção
grandes ferrovias, de aí se encontrarem reunidas as condições
elementares do desenvolvimento industrial, etc. A necessidade de
exportação dos capitais resulta da ´maturidade excessiva` do
capitalismo em certos países, onde (sendo a agricultura atrasada e
as massas miseráveis) o capital carece de colocações
´vantajosas`”. (LÊNIN, 1979, p.61)
89
Foram apresentados, até aqui, os principais elementos das análises de
Lênin e sua relação com a teoria marxista da acumulação capitalista, que
consolidam os fundamentos da teoria leninista do imperialismo. Vejamos agora, a
título de conclusão, o estatuto propriamente teórico destes elementos para a
análise do capitalismo hoje, especialmente no Brasil.
III.3) O estatuto teórico das contribuições de Lênin para a pesquisa
educacional hoje
Das contribuições teóricas de Lênin apresentadas acima, existem dois
aspectos cruciais – e indissociáveis entre si – merecedores de atenção: sua
relevância teórica para o conhecimento da realidade social hoje – e, portanto,
também para a pesquisa educacional – e a necessidade deste conhecimento para
uma intervenção revolucionária, especialmente no Brasil.
A primeira questão a ser discutida para o entendimento do estatuto teórico
das teses de Lênin para a pesquisa educacional hoje refere-se à dimensão
propriamente teórica destas teses, de modo a demonstrar o lugar que os conceitos
teóricos ocupam na pesquisa científica.
Althusser, em Sobre o trabalho teórico, nos apresenta algumas indicações
relevantes a este respeito. Considerando o fato de que a teoria consiste num
sistema conceitual explicativo de um determinado objeto de conhecimento, diz o
seguinte:
Na linguagem teórica, as palavras e expressões funcionam
como conceitos teóricos. Isto implica muito precisamente que o
sentido das palavras está nele fixado, não pelo seu uso corrente,
mas sim pelas relações existentes entre seus conceitos teóricos no
interior de seu sistema. São estas relações que atribuem às
palavras, que designam conceitos, o seu significado teórico.
(ALTHUSSER, 1978, p.02)
Os conceitos teóricos, então, assumem importância determinante para o
conhecimento da realidade e se constituem como conceitos pela relação que
90
possuem na totalidade de um sistema teórico, ou seja, na própria teoria da qual
faz parte e dentro da qual seu significado assume seu estatuto teórico. Esta
definição é importante na medida em que distingue o significado teórico de um
termo ou de uma expressão de seu significado ideológico (familiar, usual). A partir
daí, Althusser propõe uma distinção entre o que chamou de conceitos teóricos e
conceitos empíricos.
26
Esta distinção refere-se, resumidamente, ao nível de
abstração teórica dos conceitos em relação ao objeto de conhecimento, ou seja, à
relação própria existente entre os conceitos e uma determinada realidade ou
situação concreta. Como exemplo, Althusser refere-se ao conceito marxista de
“modo de produção” como um conceito tipicamente teórico, na medida em que se
refere ao modo de produção em geral; porém, também é teórico o conceito
marxista de “modo de produção capitalista”, pois, ainda que mais concreto que o
anterior – na medida em que particulariza social e historicamente o conceito
anterior e, neste sentido, confere-lhe maior determinação – refere-se ao modo de
produção capitalista em geral, ou seja, não nos fornece um conhecimento
específico e particular de uma situação determinada. São os conceitos empíricos
que, para Althusser, permitem um conhecimento mais aproximado em relação às
situações particulares de uma determinada realidade. Porém, adverte-nos o autor,
a designação de conceitos empíricos encontra-se dentro da perspectiva do
materialismo dialético e, portanto, em terreno absolutamente distinto do
empirismo
27
; neste sentido, podemos entender que, para Althusser, os conceitos
empíricos são o resultado do processo de conhecimento em que se partiu de um
determinado terreno teórico – neste caso, a teoria marxista – para conhecer as
particularidades de uma situação concreta – por exemplo: a formação do
capitalismo no Brasil, a formação da educação escolar e acadêmica no Brasil, a
26
A expressão conceito empírico foi utilizada de modo provisório, de acordo com observação feita
por Althusser, em nota (número 1) de rodapé, em que afirma a necessidade de substituí-la
posteriormente por outra denominação mais adequada. Para a presente dissertação, o importante
é a compreensão acerca da função teórica que um esquema conceitual assume na produção de
conhecimento científico.
27
A concepção althusseriana do materialismo dialético e do materialismo histórico foi discutida no
segundo capítulo da dissertação, o que tornaria o desenvolvimento do tema, aqui, uma repetição
desnecessária.
91
composição e luta de classes num determinado período, etc. Cabe neste exemplo
uma infinidade de temas de pesquisa. Por isso, Althusser diz que
Os conceitos empíricos dizem respeito às determinações
da singularidade dos objetos concretos, quer dizer, ao fato de
determinada formação social apresentar esta ou aquela
configuração, determinados traços, determinadas disposições
singulares, que a qualificam como existente (ALTHUSSER, 1978,
p.20)
Se, por um lado, os conceitos empíricos refletem a exigência metodológica
da observação e da experiência como elementos cruciais da investigação
científica, por outro apresentam-se como resultado de todo um controle exercido
pela teoria e, neste sentido, são conceitos produzidos a partir de elaborações
teóricas sucessivas. Assim, “os conceitos empíricos ´realizam` os conceitos
teóricos no conhecimento concreto dos objetos concretos” (idem, p.24). Embora
ambos os sistemas conceituais – teórico ou empírico – sejam teóricos – no sentido
de permitirem um conhecimento científico sobre uma determinada realidade, mais
abstrata e mais concretamente, respectivamente – apenas o primeiro constitui-se
como teoria para Althusser.
A despeito da insuficiência e, de certo modo, da polêmica que esta
distinção feita pelo autor pode provocar, o que nos importa é que seu pensamento
indica um elemento central e determinante do que, aqui, queremos qualificar como
teoria: este elemento refere-se à dimensão e ao alcance de um determinado
esquema conceitual que lhe permite assumir a função de teoria no processo de
produção de conhecimento.
Althusser procura demonstrar o que designa por teoria tomando como
exemplo o discurso teórico de Marx em O Capital:
A teoria do modo de produção capitalista (objeto formal-
abstrato), teoria em sentido estrito, permite, com efeito, o
conhecimento de um grande número de objetos reais-concretos,
neste caso o conhecimento de todas as formações sociais, de
92
todas as sociedade reais, estruturadas pelo modo de produção
capitalista (idem, p.28)
Por objeto real-concreto, Althusser entende as situações concretas, sobre
as quais se debruçarão as pesquisas científicas, a fim de conhecê-las. Tal qual os
exemplos utilizados acima, a respeito da definição de conceitos empíricos, são
situações concretas: a luta de classes em França (exemplo dado por Althusser),
ou, dentro da perspectiva desta dissertação, o capitalismo no Brasil hoje, as
instituições educacionais no Brasil, a produção de conhecimento educacional num
determinado período, etc. Por objeto formal-abstrato, Althusser entende os
princípios do marxismo, “considerados independentemente de qualquer objeto
real-concreto” (idem, p.29).
O estatuto teórico de um sistema conceitual, portanto, deve-se ao lugar e à
relação específica que estabelece no processo de conhecimento de uma situação
concreta ou de uma realidade determinada. Assim, a perspectiva althusseriana
nos permite afirmar que, mesmo um esquema conceitual produzido a partir do
processo de conhecimento de uma situação determinada e particular poderá
fornecer elementos teóricos para o conhecimento de novas situações particulares.
Assim, o importante, aqui, não é a distinção entre conceitos teóricos e
empíricos e, tampouco, entre objeto abstrato-formal e objeto real-concreto: o
fundamental é a compreensão de que um sistema conceitual assume a função de
uma teoria na medida em que ele possui a capacidade específica de fornecer os
instrumentos teóricos indispensáveis para o conhecimento de toda e qualquer
realidade concreta, na medida em que seu alcance teórico não se restringe a
determinadas situações particulares, mas, ao contrário, atinge uma dimensão
abstrata e universal.
Dentro desta perspectiva, podemos dizer que as análises de Lênin acerca
do imperialismo formam um esquema teórico-conceitual cuja dimensão e alcance
revelam-se universais para a explicação e para o conhecimento do capitalismo
hoje, nas suas múltiplas manifestações e situações concretas. Nesse sentido, as
análises de Lênin formam uma teoria: a teoria leninista do imperialismo.
93
Passemos, agora, à questão principal – mencionada no início deste ítem –,
referente à relevância da teoria leninista do imperialismo para a pesquisa
educacional contemporânea.
Uma primeira observação a ser feita é que todo o estudo realizado por
Lênin, assim como por Marx, teve como pressuposto a dimensão internacionalista
necessária à intervenção revolucionária: a construção da ciência marxista, da qual
a teoria leninista do imperialismo faz parte, foi realizada sob a luz do
internacionalismo político que, para ambos, é uma condição da revolução. Esta
perspectiva, que tornou-se um dos princípios fundamentais do marxismo, é
resultado do próprio conhecimento acerca do desenvolvimento mundial do
capitalismo, que realiza-se em escala ampliada, conforme demonstra a teoria da
acumulação capitalista de Marx.
Podemos afirmar, então, que o conhecimento acerca da realidade
educacional no Brasil hoje, sob a luz do marxismo, sofre uma dupla exigência:
teórica e política. Teórica no sentido da exigência de se conhecer o
desenvolvimento do capitalismo no Brasil em sua relação com a dinâmica do
desenvolvimento do capitalismo no mundo, em fase imperialista, e política no
sentido de que este conhecimento é uma necessidade da luta revolucionária.
O conhecimento do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, sob a luz da
teoria leninista do imperialismo, torna-se, então, uma exigência para a explicação
de situações contemporâneas concretas e para a luta revolucionária organizada.
No Brasil, o Boletim Internacionalista de Análise Marxista, intitulado Intervenção
Comunista, tem sido um exemplo significativo desta unidade. Conforme afirma em
sua primeira edição no país:
O estudo do desenvolvimento imperialista, nas suas crises
e guerras, e da amplitude internacional da luta entre as classes, à
luz dos fundamentos teóricos do marxismo, foi definida como
tarefa primordial não para ser propriedade de um restrito círculo de
intelectuais, mas para ser a base de uma séria intervenção teórica,
94
política e organizativa na realidade brasileira, entre os assalariados
e os jovens brasileiros (IC, 2003, p.01)
28
Sob a luz da teoria marxista do imperialismo e das teses de Arrigo
Cervetto
29
, IC analisa o desenvolvimento do imperialismo contemporâneo,
demonstrando a atualidade das contribuições de Lênin e a sua necessidade para
a explicação de situações atuais no cenário nacional e mundial. Em Ascensão
asiática impõe nova fase estratégica (2005), IC demonstra, por exemplo, que o
desenvolvimento do capitalismo na China, determinado economicamente pelas
importações de capitais e pelo processo da acumulação capitalista desenvolvido
internamente, tem sido o motor da rearticulação das potências imperialistas
mundiais e de novas guerras imperialistas. O alcance chinês à condição de
potência imperialista no cenário mundial demonstra a inevitabilidade da quebra da
ordem na balança global das potências. IC demonstra que a ascensão asiática
não somente impulsionou a Europa aos acordos políticos recentes, resultando no
novo bloco imperialista europeu, como determinou a reação bélica estadunidense
em relação à veia petrolífera representada pelo Oriente Médio. Como diz IC,
... o processo econômico é a base não (somente) da
ascenção política da China, o que seria óbvio, mas do processo
europeu na nova fase da Constituição; aqui também a causa
fundamental é a irrupção da Ásia. É a colossal mudança nas
relações de força que toma forma na Ásia que puxa a
centralização política na Europa. (IC, 2005, p.06)
28
O Intervenção Comunista consiste num boletim mensal, fundado em maio de 2003 por um grupo
político, que tem como concepção tática a construção de uma organização internacionalista no
Brasil. Sua primeira edição no Brasil afirma que “o eixo central que orienta sua proposta política
concentra-se na propaganda e difusão da teoria revolucionária” (IC, 2003, p.01). O Intervenção
Comunista será referenciado nesta dissertação como IC.
29
Fundador do Lotta Comunista na Itália nos anos 50 do século XX, e um de seus principais
dirigentes, Cervetto produziu, no decorrer de sua trajetória política, um conjunto de teses a partir
da análise das tendências do desenvolvimento do imperialismo no mundo sob a luz da teoria
leninista do imperialismo. Estas teses encontram-se difundidas nos jornais e publicações diversas
do Lotta Comunista desde a década de 50 até as edições mais recentes, inclusive dos jornais de
2007. No Brasil, foram traduzidas pelo Intervenção Comunista e divulgadas, também de modo
esparço e não sistemático, em muitos boletins e outras publicações de IC no Brasil. Em todas as
suas publicações referenciadas na bibliografia em anexo encontram-se algumas importantes teses
de Cevetto: destacam-se, entre elas, as teses sobre a educação, que orientou uma publicação
especial de IC em torno da relação entre as instituições educacionais e o desenvolvimento do
capitalismo no Brasil (IC, 2004).
95
Neste sentido, IC explica a organização política européia a partir da
determinação econômica, ou seja, a partir do desenvolvimento do capitalismo na
China, que a transforma em potência imperialista.
Isto demonstra que o desenvolvimento desigual do capitalismo – uma das
principais teses de Lênin, atualizada por Cervetto (IC, 2003) – acentua a
concorrência entre as potências imperialistas e entre estas e as novas potências
emergentes – China e Índia na Ásia, e Brasil e México na América Latina. Estas
últimas, como diz IC,
... de modo prepotente, entraram em cena no mercado
mundial, seja como expressão das exportações de mercadorias,
seja como manifestação do processo de concentração e
centralização do capital nas empresas, nos mais diversos setores
industriais e comerciais (IC, 2003, p.05)
As guerras, então, são elementos-chave na definição desta balança global
entre as potências, pois os conflitos políticos recentes encontram as suas
motivações profundas na necessidade de novas articulações políticas. Estas, por
sua vez, resultam do processo imperativo do desenvolvimento desigual do
capitalismo em escala planetária.
Assim como a China é a mais próspera potência imperialista, o Brasil ocupa
um lugar de destaque, ao lado do México, como potência emergente na América
Latina. Este é um ponto muito importante para a compreensão da dinâmica do
desenvolvimento das superestruturas educacionais no Brasil hoje.
Confrontando o PIB das potências ascendentes da América Latina com o
dos Estados Unidos – com base nos dados coletados por Angus Maddison e
publicados em 2001 – IC demonstra que, no período entre 1950 e 1998, o PIB dos
Estados Unidos, nos anos 50, era 16,3 e 21,6 vezes maior que os do Brasil e do
México respectivamente, mas que esta relação veio caindo significativamente nos
anos posteriores, chegando, em 1998, a 8 e 11,3 vezes maior apenas,
respectivamente. A proporção do PIB do Brasil e México, em relação ao total do
PIB da América Latina, aumentou de 21,1% e 15,9% para 31,5% e 22,3%. Os
96
dados revelam o nível de crescimento do desenvolvimento econômico de cada
país em relação a todo o continente americano. Junto a isto, IC mostra a forma de
articulação política realizada por ambos – Brasil e México – na correlação de
forças deste continente, impulsionada pelo desenvolvimento econômico, revelando
como as diferentes formas de acordo econômico e político, realizadas pelos mais
importantes grupos econômicos de cada país, determinam-se pela busca de
novos mercados internacionais. As negociações através dos blocos regionais de
integração econômica (Mercosul e NAFTA) são expressões destes interesses.
Grandes grupos econômicos da América Latina, destacando-se como
liderança Brasil e México, inserem-se no cenário internacional como capitais
monopolistas importantes, e dão aos respectivos países as bases econômicas de
sua inserção política como potências imperialistas na América Latina
30
.
Por isso, diz IC,
O processo de concentração e centralização do capital, que
opera de modo desigual e desequilibrado nas empresas e nos
setores industriais e comerciais, determina a formação dos
grandes grupos que se internacionalizam e competem entre si e
com os grandes grupos internacionais
E, continuando, chama a atenção para o fato de que este processo é “só o
ápice da pirâmide” (idem, p.06), lembrando que a concentração de capital “não
exclui a formação de pequeno capitalismo” (idem, ibidem) e que
a formação dos grandes grupos concentrados e
centralizados no capital financeiro se desenvolve incessantemente
sobre a extensão do capitalismo, sobretudo nesses mercados
ascendentes, onde ainda um quinto da população trabalha na
agricultura. O que significa que nesses mercados se assiste ainda
a um processo de desagregação camponesa, fonte de um vasto
30
Ver a tabela dos maiores grupos internacionais latino-americanos, com base nos ativos externos
de 2000, na edição de maio de 2003 de IC. Entre os grupos internacionais mais importantes,
destacam-se, do Brasil, a Vale do Rio Doce (setor de minérios), a Petrobras (petróleo), a
Metallurgica Gerdau (siderurgia) e a Varig (transporte); do México, a Cemex (cimento), o Grupo
Carso (diversos), a Savia (diversos), o Gruma (alimentos e bebidas) e a Panamerican Beverages
(alimentos, bebidas).
97
reservatório para o desenvolvimento da força de trabalho
assalariada na indústria e no comércio” (idem, p.06)
Em meio século, o desenvolvimento desigual do capitalismo modificou
significativamente a posição relativa das diversas regiões do planeta, desde as
mais avançadas às mais atrasadas. Das regiões mais atrasadas e intermediárias,
emergiram novas potências, destacando-se a China, “que se junta ao cartel das
potências imperialistas” (IC, 2005, p18). A destruição da ordem bipolar (EUA-
URSS) – pelo colapso da URSS e pelo posterior declínio relativo dos EUA frente à
emergência da Ásia –, o enfraquecimento evidente do Japão e a reação européia
frente à ameaça chinesa, entre outros, são elementos que não somente
comprovam as teses de Marx e Lênin, mas, sobretudo, só podem ser explicados
sob a luz de sua teoria.
É dentro desta perspectiva, que a realidade social brasileira poderá ser
profundamente conhecida e que alguns fenômenos específicos desta realidade –
como as instituições educacionais – poderão ser explicados.
A teoria marxista do imperialismo impõe-se, assim, como uma exigência da
ciência marxista e da pesquisa acerca da realidade brasileira. Afinal, como adverte
a máxima de Lênin, em sua ainda plena atualidade: “sem teoria revolucionária não
existe movimento revolucionário” (1902).
98
Considerações finais
Esta dissertação é resultado de apenas uma parte de um trabalho de
estudo mais amplo acerca da produção nacional e contemporânea de inspiração
marxista em Educação, trabalho este que teve início no ano de 2005. Desde então
e através do grande volume de material obtido durante o percurso inicial da
pesquisa, a contar de meu ingresso no curso de Mestrado em Educação na UERJ,
puderam ser identificados, inicialmente, alguns importantes problemas naquela
produção acadêmica que apareciam, recorrentes, na quase totalidade das obras
lidas durante a pesquisa: conforme anunciado na Introdução, destacavam-se,
dentre os problemas encontrados, as dimensões reformista e humanista presentes
no campo considerado marxista da produção de conhecimento educacional. A
pesquisa procurou, também, investigar esta produção de inspiração marxista a
partir das diferentes áreas temáticas através das quais encontrava-se dividida, e
se concentrou, para tal, no estudo dos trabalhos apresentados na Associação
Nacional de Pós-Graduação em Educação – a ANPEd – nos últimos sete anos, a
partir do ano 2000. Neste estudo, verificou-se a presença de trabalhos de
inspiração marxista em diferentes áreas temáticas, mas com presença expressiva
na área Trabalho e Educação e, também significativa, na área Filosofia da
Educação. Dentre as referências bibliográficas de todos estes trabalhos,
predominava a presença da obra de G. Lukács e de A. Gramsci como orientação
teórico-metodológica, sobretudo a partir de seus últimos trabalhos
31
– e não
exatamente de suas obras mais claramente revolucionárias, como História e
Consciência de Classe de Lukács, e como os escritos de Gramsci até 1926,
quando ainda orientado pelas diretrizes da III Internacional.
Na produção específica da área temática Filosofia da Educação, havia uma
certa leitura da obra de Marx e Engels que, orientada especialmente pela
perspectiva daqueles dois autores, traziam como problemática metodológica uma
concepção de ontologia a partir da qual a sua concepção epistemológica se
31
Refiro-me, aqui, dentre os trabalhos de Gramsci, especialmente a “Os intelectuais e a
organização da cultura” (1968), a “Concepção Dialética da História” (1995), a “Cartas do Cárcere”
(1978), a “La alternativa Pedagógica” (1976). De Lukács, especialmente “Introdução a uma estética
marxista” (1970) e “Ontologia do ser social” (1976).
99
desenvolvia. Em sua maioria, os trabalhos de inspiração marxista desta área, ao
criticarem a conjuntura epistemológica atual – identificada por eles como um
movimento hegemônico existente na produção de conhecimento atual, no qual as
teorias são esvaziadas nas pesquisas educacionais – apresentavam, como
contraponto, uma concepção de “epistemologia marxista” cujo terreno teórico-
metodológico, constituído por uma interpretação do marxismo através da
perspectiva da ontologia, traziam dois principais problemas.
O primeiro problema, de caráter epistemológico, apresentava-se constituído
por duas concepções básicas. A primeira refere-se à identificação entre o objeto
de conhecimento e o objeto real: a afirmação da existência de um real
independente do sujeito cognoscente implicava no entendimento de que este real
é, em si mesmo, o objeto a ser conhecido. O conhecimento aparecia, então, como
sendo o resultado de um processo racional – entendido como equivalente ao
“teórico” e ao “pensamento” – da relação entre sujeito cognoscente e real, em que
se coloca o próprio real como objeto a ser conhecido. Havia, assim, nesta
concepção de ontologia, a ausência de uma discussão histórica e social sobre a
construção do conhecimento e sobre as mediações ideológicas e teóricas
constitutivas desse processo. A segunda concepção do problema refere-se ao
entendimento de que este real, embora histórico e transitório, seja constituído por
duas dimensões contraditórias: uma aparência – dada imediatamente,
correspondente aos fenômenos da realidade social – e uma essência, oculta pela
manifestação aparente da realidade. Havia uma reivindicação metodológica
baseada numa concepção de que a realidade social se apresenta sob uma forma
aparente que esconde as suas determinações essenciais e que o trabalho teórico
seria exatamente o trabalho de apreensão – de descoberta – dessas
determinações essenciais ontológicas do real. Esta perspectiva resultava,
sobretudo, de uma interpretação particular e corrente dos textos propriamente
metodológicos de Marx, em especial A Ideologia Alemã e a Introdução de 1857,
bem como de outros textos do campo do marxismo onde o tema acerca da
metodologia marxista aparece. Estas foram as questões centrais através das
quais o primeiro problema da pesquisa fora construído e anunciado, desde a
100
Introdução, como o problema epistemológico. A dimensão positivista desta
concepção de ontologia reside especialmente no tratamento dado à relação entre
sujeito e objeto no processo de conhecimento, presente tanto na crítica ao
empirismo quando na própria reivindicação da “epistemologia marxista”: afirma-se
que o grande equívoco metodológico do empirismo consistiria na apreensão
imediata dos fenômenos, ou seja, das aparências que se apresentam ao sujeito
cognoscente, crítica esta a partir da qual reivindica-se a apreensão da própria
essência do real. Em ambas as problemáticas – empirista e marxista – considera-
se a existência de uma relação direta entre sujeito e objeto, de cuja análise estão
ausentes as mediações teóricas e ideológicas deste processo.
O segundo problema, caracterizado como o problema teórico-político, fora
construído a partir da identificação de um certo terreno comum de onde aqueles
trabalhos partiam para construírem a sua crítica política da chamada conjuntura
epistemológica atual. Através da crítica às epistemologias dominantes e atuais em
Educação, os trabalhos lidos versavam sobre a relação entre estas epistemologias
e a conjuntura capitalista atual, mas vista sob uma perspectiva que apresentava, a
meu ver, alguns problemas teóricos. Os trabalhos partiam, em geral, de
referenciais ideológicos críticos comuns que giravam em torno de temas como
“neoliberalismo”, “reestruturação sócio-econômica” e “lógica do mercado”, a partir
dos quais os apontamentos acerca da realidade social contemporânea apareciam.
Estes temas eram apenas anunciados nos trabalhos, ora fragmentados, ora
carentes de uma análise mais rigorosa acerca da conexão entre as diversas
instâncias da realidade. Apesar de afirmarem a existência da relação entre as
diversas esferas da vida social, especialmente entre as instâncias econômica,
política e epistemológica, a explicação para a dominância daquelas
epistemologias no campo educacional estava circunscrita àqueles temas: o
neoliberalismo, a reestruturação produtiva e a “lógica do mercado”. A sua análise
aparecia, então, carente de um terreno teórico preciso que permitiria não somente
explicar este contexto contemporâneo, como, também, correlacionar estas
instâncias em sua relação de determinação e de dominação. Foi neste sentido que
a pesquisa identificou uma certa limitação teórica, decorrente do sistema
101
conceitual utilizado naqueles trabalhos, na medida em que, neles, o tema da
“lógica do mercado” aparecia como tema central da análise da conjuntura social.
As mudanças na educação contemporânea e a predominância das epistemologias
“neoliberais” e “pós-modernas” eram analisadas sob a luz da universalização do
mercado, que, segundo eles, é o motor central das mudanças educacionais.
Mesmo quando apareciam as expressões “lógica do capital” e “socialismo”,
estavam, em geral, presas ao terreno teórico da análise do mercado e, portanto,
de um entendimento da realidade social centrada nas relações “humanas”: a
dinâmica das classes sociais e a lógica da acumulação capitalista ficavam
ausentes do centro da análise. Além disso, o “neoliberalismo”, a “universalização
do mercado”, a “reestruturação produtiva” e a “lógica do capital” apresentavam-se
como explicadores da atual conjuntura, sem que houvesse uma precisão quanto
às suas próprias determinações – que pressupõe a sua relação com a dinâmica
das classes sociais e com a acumulação capitalista em fase imperialista. É neste
sentido que pôde ser percebida uma ausência de clareza teórica no tratamento
das questões sobre o capitalismo atual apresentadas naqueles trabalhos,
sobretudo em relação à teoria marxista. Este problema foi considerado
fundamental na pesquisa, principalmente porque o terreno teórico-metodológico
de onde partem aqueles trabalhos não somente compromete todo o
desenvolvimento das conclusões de seus trabalhos, como pode trazer implicações
decisivas para o campo propriamente político no Brasil hoje. A problemática
conceitual a partir da qual se produz conhecimento no campo do marxismo é
decisiva para a atuação política do marxismo na luta de classes, a partir da qual
todo um conjunto de problemas táticos, estratégicos e organizativos são definidos.
Esta foi, desde início, uma preocupação central na pesquisa como um todo,
decisiva para o tratamento deste tema como problema da pesquisa.
Sendo assim, a dissertação apresentou, no primeiro capítulo, as principais
questões presentes na produção de conhecimento de inspiração marxista em
Filosofia da Educação que, em seu conjunto, formam estes dois problemas. Foi
apresentada, no primeiro ítem deste capítulo, a análise crítica à conjuntura
epistemológica, a partir da qual aparecem tanto aquelas concepções
102
metodológicas (a “epistemologia marxista” por eles defendida) quanto aquelas
concepções teórico-políticas (os seus apontamentos acerca da realidade social
contemporânea). No segundo ítem, foram apresentadas as suas reivindicações
epistemológicas e algumas de suas reivindicações políticas, estas últimas
entendidas, por eles, como desdobramentos das primeiras.
O segundo capítulo procurou apresentar algumas contribuições do
marxismo relacionadas especificamente à discussão metodológica, consideradas
importantes como contribuição face às discussões epistemológicas apresentadas
no primeiro capítulo e consideradas como problema na pesquisa. Para tal, alguns
trabalhos de Louis Althusser, de Alan Badiou e de Miriam Limoeiro Cardoso
tornaram-se fundamentais para a apresentação de uma outra problemática a partir
da qual a discussão sobre a produção e a construção do conhecimento e sobre as
mediações teóricas e históricas presentes neste processo podem ser colocadas e,
também, a partir da qual apresenta-se uma leitura particular acerca do tema da
metodologia em Marx, diferente das que aparecem nos trabalhos analisados na
pesquisa.
O terceiro capítulo está diretamente relacionado ao problema teórico-
político construído na pesquisa e complementa toda a discussão feita no segundo
capítulo: trata-se da apresentação da teoria marxista do imperialismo, entendida
como um terreno teórico fundamental para a produção de conhecimento marxista
em Educação. Neste capítulo, foram apresentadas a teoria marxista da
acumulação capitalista e as teses de Lênin sobre o imperialismo. Este capítulo
apresenta-se, assim, como uma indicação da problemática teórica marxista a
partir da qual, a meu ver, torna-se possível o conhecimento da conjuntura
capitalista atual. A hipótese central, aqui, é a de que a realidade educacional
contemporânea poderá ser rigorosa e teoricamente explicada sob a luz da teoria
marxista do imperialismo. O terreno teórico de onde parte Lênin para a explicação
do imperialismo – a teoria marxista da acumulação capitalista – é visto, aqui, como
decisivo tanto para a obra de Marx como para o entendimento da determinação
econômica desta conjuntura atual. A partir da teoria do imperialismo, demonstra-
se que a instância econômica é determinante na conjuntura capitalista em fase
103
imperialista e, também, nas políticas educacionais contemporâneas. O esquema
conceitual desta teoria possui categorias teóricas que se apresentam com uma
totalidade de determinações muito complexas e necessárias ao conhecimento da
realidade, sem as quais a compreensão da realidade pode esbarrar em limitações
teóricas ou ideológicas, aprisionando-se em categorias ainda muito abstratas face
à concretude da teoria do imperialismo.
Esta dissertação, assim, preocupou-se não somente em apresentar a
perspectiva epistemológica presente no pensamento de inspiração marxista em
Filosofia da Educação, mas, sobretudo, em indicar algumas contribuições teórico-
metodológicas consideradas, aqui, fundamentais para o campo de produção de
conhecimento marxista em Educação como um todo.
Afinal, a produção de conhecimento crítico e revolucionário, sob a luz da
teoria marxista, é condição para a construção do movimento revolucionário e da
organização revolucionária, sem os quais o marxismo limitar-se-á à crítica teórica
e meramente acadêmica.
104
Referências bibliográficas:
Bibliografia analisada como objeto da dissertação (constituída
pelos trabalhos de inspiração marxista apresentados entre 2000 e
2007, nos encontros anuais da Anped, na área temática Filosofia da
Educação e, também, por obras que serviram de referencial teórico-
metodológico destes trabalhos):
ABRANTES, A. A. Desenvolvimento do pensamento teórico: mediações
educacionais. Disponível em:
www.anped.org.br/reunioes/ . 29ª. Reunião
Anual/Anped/2006.
DUARTE, N. A pesquisa e a formação de intelectuais críticos na Pós-
graduação em Educação. Perspectiva, Florianópolis, SC, volume 24, n.01,
p. 89-110, janeiro/junho, 2006.
____. (Org.). Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas: Autores
Associados, 2004.
____. Conhecimento tácito e conhecimento escolar na formação do
professor: porque Donald Schön não entendeu Luria. Revista Educação e
Sociedade, Campinas, v. 24, n.83, p. 601-625, 2003a.
____. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Quatro
ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. Campinas: Autores
Associados, 2003b.
____. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais
e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados,
2000.
105
FONTE, S. S. D. Considerações sobre ontologia e gnosiologia marxista.
Disponível em:
www.anped.org.br/reunioes/ . 28ª. Reunião Anual/ Anped/
2005.
GRAMSCI, A. Antologia. México: Siglo XXI, 1970.
____. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1995.
____. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968.
____. La alternativa pedagógica. Barcelona: Nova Terra, 1976.
____. Cartas do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
JAMESON, F. The Ideologies of Theory: Essays, 1971-1986. Vol.II. London:
Routledge, 1998.
KOPNIN, P. V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LESSA, S. A ontologia de Lukács. Maceió: EDUFAL, 1996.
LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1970.
____. Ontologia dell ´essere sociale. V. I. Roma, Editori Riuniti, 1976.
MARI, C. L. de. O papel educador dos intelectuais na formação ideológica e
hegemônica em Gramsci: uma perspectiva de emancipação humana.
106
Disponível em
www.anped.org.br/reunioes/ . 26ª. Reunião Anual/ Anped/
2003.
MARTINS, L. M. As aparências enganam: divergências entre o materialismo
histórico dialético e as abordagens qualitativas de pesquisa. Disponível em:
www.anped.org.br/reunioes/. 29ª. Reunião Anual/ Anped/ 2006.
MORAES, M. C. M. de. Recuo da Teoria: Dilemas na Pesquisa em
Educação. Disponível em:
www.anped.org.br/reuniões/ . 24ª. Reunião
Anual/ Anped/ 2001.
NOVACK, G. Introdução à lógica marxista. Belém. 1993 (primeira edição
1969/palestras de 1942).
SEMERARO, G. Intelectuais ´orgânicos`: atualidade e contraponto.
Disponível em:
www.anped.org.br/reunioes/ . Reunião Anual/ Anped/ 26ª.
Reunião Anual/Anped/2003.
____. Filosofia da práxis e (neo)pragmatismo. Revista Brasileira de
Educação, maio/jun/jul/ago, 2005, p. 28-39.
SOARES, R. D. Educação e escola nos cadernos do cárcere. Disponível
em:
www.anped.org.br/reunioes/ . 25ª. Reunião Anual/ Anped/ 2002.
Bibliografia que serviu como orientação teórico-metodológica
da dissertação:
ALTHUSSER, L. Materialismo histórico e materialismo dialético. In Badiou,
A. e L. Althusser, Materialismo Histórico e Materialismo Dialético. São
Paulo: Global ed., 1
a
. ed., maio, 1979.
107
____. A Favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar ed., 2
a
. ed., 1979b.
____. Sobre o Trabalho Teórico. Portugal, Porto: Ed. Presença, 1978.
____. Lenine e a Filosofia. Portugal, Lisboa: Editorial Estampa, 1974.
BADIOU, A. O (re) começo do materialismo dialético. In Badiou, A. e L.
Althusser, Materialismo Histórico e Materialismo Dialético. São Paulo:
Global ed., 1
a
. ed., maio, 1979.
BENOIT, A. H. R. Sobre a crítica (dialética) de O Capital. Crítica Marxista,
São Paulo, vol.1, no. 03, 1996, p.14-44.
____. Pensando com (ou contra) Marx? Sobre o método dialético de O
Capital. Crítica Marxista, São Paulo, no. 08, junho, 1999, p.81-92.
CARDOSO, M. L. Ideologia do desenvolvimento: Brasil:JK-JQ. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2
a
. ed., 1978.
____. La Construcción de conocimientos: cuestiones de teoría y método.
México: Ediciones Era, 1977.
____. O mito do método. Boletim Carioca de Geografia, Rio de Janeiro:
1976, p.61-100, ano XXV.
____. Para uma leitura do método em Karl Marx: Anotações sobre a
“Introdução” de 1857. Cadernos do ICHF, UFF, ICHF, Rio de Janeiro, 1990.
FERNANDES, L. O debate marxista sobre a economia política do
imperialismo no início do século. In FERNANDES, L. URSS, ascensão e
queda: a economia política das relações da URSS com o mundo capitalista.
São Paulo: Ed. Anita Garibaldi, 1991, p.15-62.
108
GORENDER, J. O nascimento do Materialismo Histórico. In Marx, K. e F.
Engels. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.VII-XXXIV.
____. Apresentação. In Marx, K. O Capital. São Paulo: Coleção Os
Economistas, Abril Cultural, 1983, p.VII-LXXII.
GORENDER, J. Materialismo Histórico e Método da Economia Política. In
Marx, K. Para a Crítica da Economia Política. Introdução. São Paulo:
Coleção Os Economistas, Abril Cultural, 1982.
HANDFAS, A. Apresentação das duas problemáticas: o Humanismo
Teórico e o Materialismo Histórico. In Uma leitura crítica das pesquisas
sobre as mudanças nas condições capitalistas de produção e a educação
do trabalhador. Tese de doutorado defendida e aprovada em setembro de
2006, na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Rio
de Janeiro: UFF, 2006, p.16-67.
(SEM AUTOR). Uma estréia de guerra para a nova ordem. Intervenção
Comunista, Niterói: maio, 2003, p.01-03.
____. A formação dos grandes grupos na América Latina. Intervenção
Comunista, Niterói: maio, 2003, p.05-06.
____. Ascensão asiática impõe nova fase estratégica. Cadernos
Intervenção Comunista, no. 02, Niterói: 2005.
____. A educação na sociedade capitalista: escolarização mundial e
escolarização brasileira. Cadernos Intervenção Comunista, no. 01, Niterói:
2004.
LENIN, V. I. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo:
Global, 1979.
109
____. Que Fazer?. São Paulo: Hucitec, 1978.
____. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. São Paulo: Abril, 1982.
____. O Estado e a revolução. São Paulo: Hucitec, 1986.
MARX, K. Die Methode der Politischen Ökonomie: O Método da Economia
Política, terceira parte. Edição bilingüe, Campinas: Primeira Versão,
IFCH/UNICAMP, agosto, 1997.
MARX, K. e F. ENGELS. A Ideologia Alemã I: crítica da filosofia alemã mais
recente. Portugal: Presença, 1989 a.
____. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989 b.
____. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, Livro I, vol. 1, 1988a.
____. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, Livro I, vol. 2, 1988b.
MONTEVERDE, A. A. Teoria leninista del imperialismo. Cuba: Editorial de
Ciencias Sociales, 1984.
MORAES, J. Q. A miragem global e a rearticulação imperialista. Crítica
Marxista, vol. 1, no. 03, São Paulo: Brasiliense, 1996.
____. Continuidade e ruptura no pensamento de Marx: do humanismo
racionalista ao materialismo crítico. In BOITO Jr., A., TOLEDO, C. N.,
RANIERI, J. e TRÓPIA, P. (orgs.). A obra teórica de Marx. São Paulo:
Xamã, 2000, p.23-40.
PORTUGAL, A. D. Marxismo e Educação: Gramsci e a consolidação do
reformismo acadêmico na produção de conhecimento em Educação hoje.
110
Disponível em
www.fae.ufmg.br/simposionete. Apresentado no IV Simpósio
Trabalho e Educação: Gramsci, Política e Educação, agosto, 2007a.
____. Marxismo e Educação: marxismo e reformismo na produção de
conhecimento em Educação hoje. Revista de Educação/PUC-Campinas,
no. 23, novembro, 2007b.
Bibliografia complementar (analisada durante a pesquisa e
relacionada aos temas abordados nos capítulos 2 e 3 da dissertação):
ALAVI, H. Viejo y nuevo imperialismo. Cuadernos de Pasado y Presente,
no. 10. Argentina: Pasado y Presente, fevereiro, 1975, p.121-155.
BACHELARD, G. Essai sur la connaissance approchée. Paris: Librairie
Philosophique J. Vrin, 6
a
. ed., 1987.
BANFI, R. A propósito de “El imperialismo” de Lenin. Cuadernos de Pasado
y Presente, no. 10. Argentina: ed. Pasado y Presente, fevereiro, 1975, p.91-
119.
CANO, W. Notas sobre o imperialismo hoje. Crítica Marxista, vol.1, no.03.
São Paulo: Brasiliense, 1996, p.132-135.
EPSTEIN, I. Revoluções científicas. São Paulo: Ática, 1988.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva,
5
a
. ed., 1998.
LÉVY, D. e DUMÉNIL G. O imperialismo na era neoliberal. Crítica Marxista,
no. 18. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p.11-36.
111
MARQUES, R. M. Globalização e estados nacionais. Crítica Marxista, vol.1,
no.03. São Paulo: Brasiliense, p.136-139.
MIGLIOLI, J. Globalização: uma nova fase do capitalismo?. Crítica Marxista,
vol1, no.03. São Paulo: Brasiliense, 1996, p.140-142.
MORAES, J. Q. Império, guerra e terror. Crítica Marxista, no. 14. São Paulo:
Boitempo, 2002, p.09-25.
NETTO, J. P. Lênin e a instrumentalidade do Estado. In NETTO, J. P.
Marxismo impenitente: contribuição à história das idéias marxistas. São
Paulo: Cortez, 2004, p.109-138.
RUCCIO, D. F. Globalização e Imperialismo. Crítica Marxista, no. 20. Rio de
Janeiro: Revan, 2005, p.49-69.
RUBIN, I. I. A teoria marxista do valor. São Paulo: Polis, 1987.
SANTI, P. El debate sobre el imperialismo em los clásicos del marxismo.
Cuadernos de Pasado y Presente, no. 10. Argentina: ed. Pasado y
Presente, fevereiro, 1975, p.11-63.
SOARES, P. de T. P. L. Globalização ou imperialismo? Crítica Marxista,
vol.1, no.03. São Paulo: Brasiliense, 1996, p.146-148.
TEIXEIRA, F. J. S. Pensando com Marx: uma leitura crítico-comentada de
O Capital. São Paulo: Ensaio, 1995.
VIZENTINI, P. G. F. Imperialismo e globalização. Crítica Marxista, vol.1,
no.03. São Paulo: Brasiliense, 1996, p.149-152.
112
DEL ROIO, M. Globalização e imperialismo: a globalização é uma nova fase
do capital em processo. Crítica Marxista, vol1, no.03. São Paulo:
Brasiliense, 1996, p.153-155.
WOOD, E. M. Imperialismo dos EUA: hegemonia econômica e poder militar.
Crítica Marxista, no. 19. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p.49-61.
Outras citações bibliográficas presentes na dissertação:
DELACAMPAGNE, C. História da Filosofia no século XX. Rio de Janeiro:
Jorge ZAHAR Editor, 1997.
DUTRA, E. A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica.
Estudos de Psicologia, 7 (2), Rio de Janeiro: 2002, p.371-378.
GADOTTI, M. Pedagogia da Práxis. São Paulo: Cortez, 2004.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
JAPIASSU, H. Nem tudo é relativo: a questão da verdade. São Paulo:
Letras & Letras, 2001.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública – A pedagogia
crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1990.
NEVES, L. M. W e LIMA, J. C. F. (orgs.). Fundamentos da Educação
Escolar do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006.
RORTY, R. Pragmatismo, filosofia analítica e ciência. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1998.
113
SCHUTZ, A. Fundamentos da Fenomenologia. In: WAGNER, H. R. (org.),
Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
114
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo