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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE DIREITO
A DECISÃO JUDICIAL COMO SÍNTESE DO CONTRADITÓRIO PARTICIPATIVO
Thiago Brega de Assis
Rio de Janeiro
2008
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1
Thiago Brega de Assis
A DECISÃO JUDICIAL COMO SÍNTESE DO CONTRADITÓRIO PARTICIPATIVO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da
Faculdade de Direito, da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, como requisito parcial para obtenção dotulo
de Mestre em Direito Processual.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Greco
Rio de Janeiro
2008
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Thiago Brega de Assis
A DECISÃO JUDICIAL COMO SÍNTESE DO CONTRADITÓRIO PARTICIPATIVO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da
Faculdade de Direito, da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, como requisito parcial para obtenção dotulo
de Mestre em Direito Processual.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Greco.
Aprovado em: 24 de setembro de 2008.
Banca Examinadora:
__________________________________
Leonardo Greco
Prof. Dr. da Faculdade de Direito da UERJ
__________________________________
Flávio Mirza Maduro
Prof. Dr.da Faculdade de Direito da UERJ
__________________________________
Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva
Prof. Dr. da Faculdade de Direito da UFF
Rio de Janeiro
2008
3
Este trabalho é dedicado a Alícia e Patricia. Pelos
momentos da infância de minha filha que a privei de
minha companhia para o desenvolvimento desse trabalho,
às vezes não lhe dando a atenção para brincar e ouvir suas
histórias e suprir suas necessidades. E por não ter dado a
atenção devida a minha esposa, em tardes, noites,
madrugadas e finais de semana, no estudo e preparação
dos trabalhos do mestrado.
4
AGRADECIMENTOS
Sou muito grato a diversas pessoas e, em especial, a Deus, pelas oportunidades que me
deu, e por ter colocado seres tão especiais em meu caminho.
Meus pais foram fundamentais pelos valores ensinados, pela chance de estudar com
tranqüilidade, possibilitando segurança, amor e uma estrutura familiar com três excelentes
irmãos.
Minha esposa ingressou em minha vida com carinho e atenção, merecendo meu especial
agradecimento pela paciência durante as várias e longas horas de preparação para os trabalhos
acadêmicos.
Minha filha, por ser a inspiração de minha vida.
Os colegas e professores de faculdade e pós-graduação, os membros da banca em que fui
aprovado para o cargo de professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Juiz de Fora, o que impulsionou minha vida acadêmica, professores Abdala,
Marcos Vicio e Nilton.
Os membros da banca de entrevista do mestrado, professores Paulo Cezar, Aluisio
Mendes e Humberto Dalla. E, além desses, todos os demais professores com quem tive a
satisfação e a oportunidade de conviver na UERJ, como Luiz Fux, Afrânio Jardim, Alexis
Toribio, Maria Beatriz David, Vicente Barreto, Hélcio Assumpção, Eduardo Adamovich e
Ricardo Falbo, assim como os demais funcionários.
E, finalmente, meu orientador, o professor Leonardo Greco, pelo exemplo de jurista e de
pessoa, por seus ensinamentos e pela compreensão de minhas dificuldades na elaboração do
presente trabalho.
5
Será que a nossa lei julga um homem sem que primeiro o
tenha ouvido e venha a saber o que ele está fazendo?
João 7, 51
6
RESUMO
ASSIS, Thiago Brega de. A decisão judicial como síntese do contraditório participativo.
2008. 143 f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Faculdade de Direito,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo sob o enfoque do contraditório,
como princípio essencial ao moderno direito processual. Inicialmente, faz-se um estudo da
jurisdição e sua conotação dentro de um Estado Democrático de Direito, em que a
participação da população no exercício do poder é fundamental. Depois são verificados o
contraditório e seu objeto, destacando a necessidade de que os litigantes tenham a plena
possibilidade de influir de forma eficaz na decisão a ser proferida no processo judicial, uma
vez que terão seus patrimônios jurídicos afetados pelo julgamento. Além disso, é feita uma
abordagem dos princípios do acesso à justiça e do contraditório, no que se refere ao conflito
entre eles, o interesse do autor em obter uma decisão o mais rapidamente posvel e o do réu
em exercer sua defesa de forma mais ampla, com o tempo necessário para sua efetivação, e o
fato de que ambos os princípios devem ser respeitados, com maior ênfase imediata para um
ou outro diante das peculiaridades do caso. É enfrentado, ainda, o princípio da motivação e
sua relação com o princípio do contraditório, ambos como garantias fundamentais do Estado
moderno, sendo intimamente ligados, na medida em que a violação daquele princípio irá levar
à deste. Finalmente, o contradirio é estudado nas ações coletivas, em especial no que se
refere à formação da coisa julgada, que não poder operar se o interessado não teve a
oportunidade de manifestar suas razões no processo e participar da elaboração da decisão.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual. Jurisdição. Participação. Contraditório. Defesa.
Urgência. Motivação. Coisa Julgada. Limites.
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ABSTRACT
The following paper’s objective is to analyze the civil procedure focusing on the principle of
bilateral hearing, seen as an essential principle to the modern legal procedure. Firstly, a study
of jurisdiction and its connotation within the Democratic State is done in which popular
sovereignty, that is, people exercising the definitive decision-making power is fundamental.
Later, principle of bilateral hearing and its object is acknowledged, enhancing the need that
the litigant should have full chances to efficiently influence the decision of the downright of
legal proceedings since one will have ones legal patrimony affected by the trial. Moreover,
this paper will deal with issues concerning the principles of access to justice and of bilateral
hearing, the conflict between these two principles, the interest that the author has of obtaining
a decision as rapidly as possible and the defendant to exercise ones defense with vast means,
with necessary time for its effectuation, and the fact that both principles must be respected,
emphasizing one or the other depending on the case. The principle of motivation is also faced,
as well as its relation with the principle of bilateral hearing, both intimately seen as modern
State’s fundamental guaranties, considering that the violation of that principle implies the
violation of the other. Finally, principle of bilateral hearing is studied in class action, in
special on the claim preclusion, because it cannot affect the one to whom wasn’t given the
opportunity of expressing his reasons in the proceedings and participating in the decisions
elaboration.
KEY WORDS: Procedural Law. Jurisdiction. Participation. Bilateral Hearing. Defense.
Urgency. Motivation. Claim Preclusion. Limits.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------- 9
1 O PROCESSO E A DEMOCRACIA --------------------------------------------------------- 13
1.1 A participação na jurisdição ----------------------------------------------------------------- 23
2 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ---------------------------------------------------- 33
2.1 O conteúdo do contraditório ----------------------------------------------------------------- 43
3 O CONFLITO ENTRE A CELERIDADE E O DIREITO DE DEFESA ------------- 54
3.1 O direito ao processo célere ------------------------------------------------------------------ 56
3.2 O dilema contraditório, defesa e urgência ------------------------------------------------ 62
4 O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO E O RESPEITO AO CONTRADITÓRIO ----- 77
4.1 Evolução histórica e conceito do princípio da motivação ------------------------------ 77
4.2 A fundamentação das decisões judiciais como garantia política ---------------------- 81
4.3 O aspecto endoprocessual da motivação e o contraditório ----------------------------- 85
4.4 Análise crítica da motivação na jurisprudência dos tribunais superiores ---------- 91
5 O CONTRADITÓRIO E AS AÇÕES COLETIVAS ------------------------------------- 100
5.1 O desenvolvimento dasões coletivas ----------------------------------------------------- 102
5.2 A legitimidade nasões coletivas ---------------------------------------------------------- 107
5.2.1 A legitimidade passiva ------------------------------------------------------------------------
110
5.3 Contraditório e coisa julgada em ações coletivas ---------------------------------------- 118
CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------------------------- 131
REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------------ 135
9
INTRODUÇÃO
Com a instauração da jurisdição obrigatória, e a realização de justiça por meios privados
sendo vedada à populão, salvo raras exceções, o Estado assumiu o dever de adotar um
método adequado para solucionar os conflitos e aplicar a lei e o direito, o que se consagrou
através do processo.
Esse sistema de solução das controvérsias, para sua sedimentação e segurança dos
envolvidos, os jurisdicionados, ganhou uma fundamentação doutrinária de modo a alcançar
conotação científica. A ciência, para atingir seus fins, procurando descrever e compreender os
fenômenos do mundo, sistematiza as idéias de modo a constituir um conhecimento racional
acerca de uma determinada realidade, como a do Direito. Desse modo, o estudo do processo é
feito através de métodos científicos, o que envolve a compreensão e a formulação de normas
que regem o objeto de estudo, e dão a sua devida concepção integrada.
E as leis, ou normas, mais gerais se manifestam atras dos princípios jurídicos, que
expressam a estrutura das instituições estabelecidas e que fazem a substância da sociedade”
(BOSON, 1996, p. 164), e, portanto, têm fundamental importância para o conhecimento do
Direito, e sua aplicação.
Desse modo, também o processo possui seus princípios, que orientam o modo pelo qual
devem as forças estatais ser mobilizadas e utilizadas segundo os valores ditados pela
sociedade, valores estes que se incorporam ao Estado através das leis.
A análise dos princípios, como normas primárias que orientam o desenvolvimento e a
aplicação do direito processual, dando-lhe coerência e organicidade, permite uma melhor
10
compreensão e aplicação dos institutos jurídicos pertinentes ao respectivo ramo do direito,
sendo útil seu estudo à luz da jurisprudência da doutrina e da jurisprudência.
O presente trabalho, assim, tem por objetivo analisar o princípio essencial de participação
no exercício da jurisdição, e sua manifestação mais específica no princípio do contradirio.
No Estado democrático, caracterizado pela participação da sociedade no exercício do
poder, o processo permite a concretização dos valores estatais, que são públicos, servindo
como instrumento de poder político, verdadeira garantia constitucional, que afasta o artrio e
fornece segurança aos cidadãos.
Outrossim, não basta a existência do processo e do acesso burocrático a este instrumento
do Estado, é necessário que a prestação jurisdicional seja feita dentro de um ambiente de
plena participação dos interessados, o suficiente para que se permita a defesa dos envolvidos e
para que possa ser esclarecida a verdade dos fatos, segundo as versões das partes. Esse é,
portanto, um direito fundamental de interação com a autoridade da decisão que irá repercutir
em assuntos relevantes das partes envolvidas, enquanto pessoas dotadas de dignidade.
O direito à participação efetiva no processo é abordado no primeiro capítulo, estando
previsto na Constituição e em convenções internacionais, justificando-se com fundamento nos
direitos humanos, sendo uma necessidade da ordem jurídica democrática, vez que a
racionalidade humana entende que se a decisão for fruto da atividade da parte, será, também,
mesmo que relativamente, sua.
Segundo Gomes Filho, citando Ferrajoli, o processo é visto como uma garantia, uma
forma de limitação do poder estatal contra o cidadão, pois somente através dele se pode
disciplinar o exercício do poder (2001, p. 25), e se a pessoa pode integrar a atuação da
autoridade, terá mais possibilidade de aderir voluntariamente à decisão judicial.
Esse direito, ou, na realidade, essa garantia fundamental, não se restringe à possibilidade
de mera participação formal na atividade jurisdicional do Estado de dizer e aplicar o direito,
11
abrange também a prerrogativa de nele participar, permitindo ao interessado que influa na
decisão que regulará sua vida no aspecto concreto; sendo, assim, analisado o contraditório no
segundo capítulo.
Além disso, não basta a existência do processo e do acesso a este instrumento do Estado,
é necessário que a prestação jurisdicional seja feita dentro de um tempo razoável, o suficiente
para que se permita a defesa dos interessado e dentro do qual possa ser esclarecida a verdade
dos fatos. Esse é, portanto, um direito fundamental, haja vista que se refere a uma necessidade
dos indivíduos para a realização de sua personalidade, enquanto seres dignos. Outrossim, o
direito deve seguir a realidade social, em que o tempo urge e a comunidade se modifica a
passos largos, pelo que as normas e sua aplicação devem acompanhar a evolução e a
necessidade dos anseios das pessoas, para que a resposta estatal chegue em tempo hábil para a
satisfação dos interesses legítimos amparados pelas leis.
Como o processo pode demorar até que seja prestada a jurisdição, permitindo a ampla
defesa e o contraditório, com os meios e recursos inerentes, é fundamental a análise das
medidas urgentes frente ao contraditório, e a possibilidade de concessão de medidas inaudita
altera parte. Daí porque no processo deve haver a possibilidade precaução e atuação, em
determinadas hipóteses, quanto aos males do decurso do tempo para a sua utilidade e
efetividade, o que é apreciado no terceiro capítulo.
No campo do direito processual, o princípio da motivação das decisões, ou princípio da
fundamentação das decisões judiciais, é também essencial para a função jurisdicional,
integrando o devido processo legal, pois a decisão, notadamente a sentença, finaliza a
dialética processual e o contraditório. Isso porque é pela fundamentação da decisão que se
permite encontrar a síntese das questões controvertidas debatidas no processo, reunindo na
articulação da motivação os principais e essenciais fundamentos de fato e de direito da lide.
12
A motivação das decisões, ao lado da publicidade, encerra, uma garantia de segundo
grau, ou garantia de garantia, permitindo que sejam controladas as demais garantias
processuais, o que será relacionado ao contraditório, no quarto capítulo, que também faz uma
análise da motivação frente aos tribunais superiores.
Finalmente, no quinto e último capítulo, será feita uma abordagem das ações coletivas
frente ao contradirio, especificamente no que se refere à legitimidade e à formação de coisa
julgada.
As ações coletivas se desenvolveram como forma de permitir a solução de conflitos
envolvendo interesses públicos e de grupos volumosos de pessoas, sendo importante a sua
análise, haja vista a moderna sociedade de massas.
Perquire-se, ainda, sobre as ações coletivas, acerca da possibilidade de uma coletividade
estar incluída no pólo passivo de uma demanda, formando-se a ação coletiva passiva, que tem
como característica principal o fato de nem todos os membros do grupo envolvido estarem
presentes diretamente no processo, sendo que na realidade apenas uma pequena parte, ou
mesmo uma única pessoa, exerce em juízo a defesa da categoria.
E tendo em vista que os efeitos de uma decisão podem ser tornar imutáveis, faz-se uma
verificação da formação da coisa julgada em ação coletiva, considerando o fato de que sua
utilização ocorre com a chamada legitimação extraordinária, o que obriga deverem ser
respeitadas as peculiaridades do caso.
O contradirio, destarte, será o foco deste estudo, por sua posição essencial no processo
do século XXI.
13
1 O PROCESSO E A DEMOCRACIA
Nos dias atuais, não há como negar que a teoria jurídica possui um conteúdo ideológico,
haja vista que os grupos sociais que controlam o poder estatal, e mesmo os seus estudiosos,
têm cada um sua própria visão de mundo, que pretendem ver presente nas normas jurídicas. A
democracia é entendida pluralista, daí porque são diversos os pontos de vista acerca da
realidade estatal e jurídica, o que acaba refletindo tanto na atuação dos agentes poticos como
nas normas editadas para regular a conduta das pessoas.
Como conseqüência, o processo, que integra o aparato jurídico estatal, não pode mais ser
considerado como um instrumento neutro, estando também dotado de significação potica,
pois tem relação direta com a democracia, cuja evolução conceitual, atualmente, levou ao que
se chama de democracia participativa.
O homem, base do Estado, possui as características de sociabilidade, que se manifesta no
relacionamento com os outros, e de liberdade, uma vez que não é um ser autômato, tendo
condições de realizar escolhas tanto no plano individual como no social. Essas escolhas
podem ser benéficas, indiferentes ou prejudiciais para as demais pessoas, levando a uma
observação e a um controle das condutas humanas pelos demais membros do grupo e também
por este, como um ente organizado, notadamente quanto àquelas atitudes que possam ser
consideradas nocivas para outros integrantes da comunidade.
A sociabilidade faz, ainda, com que os homens se organizem em comunidades poticas, o
que conduz à formação de hierarquias. A organização hierárquica leva a situações de
14
desigualdades e determina a submissão de vontades, exigindo-se o poder político, que pode
permitir tanto a satisfação de necessidades como a distribuição de riquezas, o que ivariar
segundo a ideologia do grupo dominante. Nas palavras de Calmon de Passos (1988, p. 85),
Pensar o homem sem pensar a sociedade é um contra-senso; pensar a sociedade sem pensar a
organização, um desprosito; pensar a organização sem pensar o poder, um despautério”.
O Direito, como instrumento da sociedade, tem por finalidade precípua regular a conduta
humana e servir ao homem. A ordem jurídica trata, pois, da ação do homem em sociedade,
regulando a conduta de “um indivíduo em face um, vários ou todos os outros indivíduos” bem
como a conduta recíproca dos mesmos indivíduos (KELSEN, 1998, p. 34).
A leis são editadas para regrar o comportamento das pessoas segundo os valores eleitos
pelo legislador, valores que expressam a vontade da comunidade dos indivíduos, ou do grupo
dominante, em busca de proteção própria. O Direito se vale, assim, de normas coativas, no
sentido de que suas ordens são destinadas à obediência das pessoas, para cujo respeito pode se
utilizar, inclusive, da força.
E o Direito moderno, de um modo geral e como regra, não permite que a força física seja
usada pelos próprios indivíduos contra os demais, mesmo em caso de violação das normas,
pois é justamente a sociedade organizada, por leis gerais, que passou a exercer o monopólio
do uso da coação. “O princípio da autodefesa é limitado o máximo possível” (Ibidem, p. 43).
Isto se dá porque, dessa forma, a comunidade obtém maior segurança coletiva, em que é a
própria organização social que prevê por quem e como a força deve ser utilizada para fazer
cumprir as normas.
A solução dos conflitos e o restabelecimento da vontade da lei, inclusive coativamente,
passaram a ser exclusividade do Estado, como manifestação política da sociedade organizada,
tendo sido atribuído ao Poder Judiciário, como integrante do aparato estatal, a função
específica de direcionar o uso da força pública da comunidade no sentido de restabelecer a
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ordem jurídica violada, mesmo em se tratando de interesse tido como exclusivamente privado,
sendo, de um modo geral, considerado benéfico o respeito às normas vigentes, inclusive a que
veda a autotutela.
A vida social, portanto, faz com que os seres humanos participem de uma coletividade, e,
direta ou indiretamente, os insere tanto na formulação das leis, através do moderno Estado
Democrático, em que os cidadãos elegem seus representantes, os quais irão escolher os
valores que deverão ser refletidos em normas, como na escolhas dos administradores do
aparato estatal e, ainda, no restabelecimento da ordem violada, pela necessidade de se buscar
na própria organização coletiva a solução dos conflitos quando houver infração da lei.
Assim, como forma de regular as situações da vida social, o poder se vale do Direito para
concretizar o sistema de valores adotado pela organização político-social democrática.
Para realizar o Direito, dessa forma, o poder político tem no processo um valioso
instrumento, que, por estar inserido numa conotação cultural-potico-econômico específica, é
visto por alguns como um instrumento dos grupos que detêm a força na sociedade para o
controle dos governados e a realização de seus interesses.
Tendo em vista que o Estado Democrático pressupõe a participação popular, o Direito
procura permitir aos governados influir no exercício do poder, o que é mesmo uma garantia
para as minorias que não detêm o poder político. Mas do ponto de vista do controle do aparato
estatal, Calmon de Passos entende que o Direito serve como forma de controle social,
manutenção do status quo, cristalizando a desigualdade para realizar o máximo de injustiça
tolevel (1988, p. 87).
Existem, contudo, outras posições sobre a concepção do Direito, que podem variar
segundo a doutrina e o entendimento do intérprete, conforme sua concepção teórica do
conhecimento e do mundo em geral.
16
Para o positivismo pode se compreender o “derecho como voluntad del soberano
(BOBBIO, 1994, p. 80), enquanto, de outro lado, a corrente jusnaturalista vê o direito como
una ética de la resistencia a la opresión, de la defensa de la persona frente a las pretensiones
del Estado, de la libertad individual frente al sometimiento servil a la ley, de la autonoa
frente a la heteronomía” (Ibidem, p. 81).
Como conseqüência lógica, também o instrumento do Direito, que é o processo, sofre
influência da ideologia jurídica, havendo, no que se refere à aplicação e função das normas,
posições mais conservadoras e rígidas enquanto outras são mais liberais e flexíveis, variando
nos extremos a que permitem chegar as teorias do conhecimento humano e da sociedade.
Mas a postura radical em um ou outro lado não pode ser aceita sem críticas, havendo
como compatibilizar uma ideologia axiológica do Direito e do processo com uma aplicação
crítica das leis e sua finalidade social. Segundo Bobbio (Ibid., p. 85)
ningún jurista puede sensatamente rechazar la exigencia de una crítica de las leyes, de la que ha sido
portador históricamente el jusnaturalismo en sus diversas formas, entendida esta crítica “como el filtro
al que la conciencia no puede dejar de someter todo precepto que se presente como algo querido por
otro, pero todavía no por nosotros”. Desde este punto de vista, el jusnaturalismo, con respecto al
positivismo jurídico, no es otra cosa que una invitacn dirigida al jurista para que tenga en cuenta que
frente al derecho, como frente a todo fenómeno de la comunidad humana, se pude adoptar, además de
la actitud del investigador escrupuloso, imparcial, metódico, también la actitud valorativa del crítico, y
que del ejercicio de esta segunda actividad dependen el cambio, la transformacn y la evolución del
derecho.
O projeto de justiça, que é um ideal do Estado Democrático, predominante no mundo
moderno, se liga diretamente a aspectos políticos e ecomicos, sendo que o Direito e o
processo, para a realização daquele projeto, estão comprometidos com os valores dominantes
no meio social e com o respeito aos direitos fundamentais, o que, quanto a estes, ocorreu
principalmente após a segunda grande guerra.
O Estado tem fins próprios, segundo os valores que escolheu seguir, sendo que a
instrumentalidade do processo se refere aos resultados que dele se esperam para se atingir
aqueles objetivos, sem perder de vista o ideal democrático de participação.
17
Pode-se dizer que, conforme citado por Marinoni (2006, p. 33), existem duas posições
básicas acerca da finalidade do processo: uma que entende que o direito substancial é
suficiente para criar situações que atendam aos interesses da comunidade, servindo o processo
apenas como uma fórmula de atuação da vontade concreta da lei, pois já nesta estão presentes
os valores democráticos (Chiovenda); e outra entendendo que o processo tem papel na própria
formação dos direitos, servindo para a justa solução da lide, como conflito social (Carneluti).
Para os que adotam essa segunda posição, o processo pode ser uma fonte de confronto
entre o juiz e o legislador, pois aquele atuará na ausência de atividade deste ou mesmo
contrariando determinados atos do legislativo, como no caso do controle de
constitucionalidade. Nesse aspecto, é de se ressaltar que os juízes não são eleitos como os
parlamentares, o que representa um ponto de discussão no meio jurídico-político acerca da
sua legitimidade e, conseqüentemente, da referente às decisões que proferem. Nas palavras de
Humberto Dalla B. de Pinho (2007, p. 59)
Para alguns doutrinadores, o fato de os juízes não chegarem ao poder através do voto representaria um
grande obstáculo à legitimação democrática de suas decisões, principalmente naquelas envolvendo
direitos sociais de conteúdo prestacional.
Assim, para que não seja profícuo o questionamento feito à forma de escolha dos juízes
ou às suas decisões, o que vale para o caso brasileiro, deve ser ainda maior o
comprometimento da Jurisdição com realidade constitucional, no sentido de estar em sintonia
com o Estado estabelecido pelo Poder Constituinte, e mesmo com a estrutura da sociedade
ditada pela Lei Maior, garantindo-se o respeito aos direito fundamentais, ainda que seja
eventualmente necessário contrariar o legislador ordinário e uma maioria potica que afronte
o Pacto Fundante da Nação, haja vista que deve imperar no Estado de Direito o respeito à lei,
em seu sentido material e em sua finalidade social.
Democracia significa discussão pública dos assuntos de interesse comum, daí porque são
tão caros os princípios informadores do devido processo legal: a publicidade como forma de
18
permitir o controle por parte do povo acerca do exercício do poder jurisdicional, a motivação
para haja a devida explicitação dos argumentos adotados para a decisão respectiva, a
legalidade determinando o respeito às normas vigentes, a ampla defesa para assegurar o
direito de justa resistência a uma provocação por meio do poder público, o contradirio
permitindo que os interessados possam influir de forma eficaz na decisão que os atingirá,
dentre outros.
A própria noção de democracia indica a necessidade de participação dos interessados na
atividade governamental. Segundo José Afonso da Silva (1995, p. 119) o Estado Democrático
de Direito é visto
como Estado de legitimidade justa (ou Estado de Justiça Material), fundante de uma sociedade
democrática, qual seja a que instaure um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos
mecanismos do controle das decies, e de sua real participação nos rendimentos da produção.
Desse modo, como o poder jurisdicional é parte do mecanismo estatal, também está
vinculado aos preceitos normativos gerais que regem a comunidade como um todo. Sendo a
decio judicial oriunda do Estado, e por se destinar a influir na vida social, mediata ou
imediatamente, não se permite a interferência na vida das pessoas de modo arbitrário, sem que
se dê aos interessados a oportunidade de se manifestar.
Para Aroldo Plínio Gonçalves “a doutrina jurídica vem percebendo a profunda e crescente
importância do processo como modelo ideal de participação dos próprios destinatários na
formação, na execução e na aplicação de seu direito” (1992, p. 169).
A própria expressão jurisdição, com significado de dicção do direito, indica que o juiz
não está simplesmente dotado do poder de decidir de qualquer forma, mas de julgar segundo
as normas vigentes, pelo que deve seguir a legislação que rege o Estado, entendido como uma
unidade.
Portanto, o processo moderno, seja no que se refere aos seus escopos imediatos, como a
realização dos interesses envolvidos diretamente na causa, ou mediatos, como a reintegração
19
do direito objetivo, principalmente as normas fundamentais ditadas pela Constituição, é um
instrumento indispensável para o exercício da democracia, devendo respeitar seus ditames.
Não havendo possibilidade de os interessados, por si mesmos, resolverem seus conflitos,
porque vedada a autotutela, o Estado é chamado a intervir com o objetivo de restabelecer ou
tentar criar uma situação de equilíbrio na comunidade, sendo reconhecido que “o único ato
imperativo que pode incidir sobre a universalidade de direitos de uma pessoa é o ato
imperativo do Estado” (GONÇALVES, 1992, p. 92), devendo esse ato imperativo, contudo,
ser fruto também da atividade daqueles que sofrerão seus efeitos.
Como um instrumento do Estado Democrático, além da finalidade propriamente jurídica,
o que se refere à afirmação da legalidade e realização do direito objetivo, o processo tem a
função de restabelecer a pacificação da sociedade e também resguardar os direitos humanos,
ponto essencial para a sociedade do século XXI, sendo “impossível conceber, nos dias atuais,
a atividade jurisdicional divorciada dos princípios constitucionais, especialmente, do acesso à
justiça e da dignidade da pessoa humana” (PINHO, 2007, p. 43).
Outrossim, a jurisdição tem como fim manter a paz social e a segurança jurídica, e não
apenas em seu aspecto formal, mas essencial e humano. Não a simples segurança de
aparência, mas efetiva, pela qual a sociedade possa sentir e vivenciar efetivamente um Estado
Democtico de Direito, resolvendo pacífica e ordeiramente seus conflitos, com a maior
interferência possível dos interessados.
O processo, no Estado moderno, tem por finalidade atingir o bem comum, no que se
insere o desenvolvimento integral da personalidade humana, permitindo a liberdade individual
e a igualdade de oportunidades, valores democráticos, ressaltando-se que sua extensão e
melhor compreensão dependerão das circunstâncias históricas de cada sociedade, que terá sua
idéia específica de bem comum e de justiça.
20
Para Aroldo Plínio Gonçalves, o processo é um mecanismo legal por meio do qual o
Poder Judiciário se manifesta para resolver conflitos quando os interessados não conseguirem
resolver suas pendências através da autocomposição, sendo este instrumento da lei também
submetido ao Direito instituído pela nação. “E esse Direito é o único poder capaz de limitar a
atuação do Poder” (1992, p. 12). Dessa forma, o poder social está regulado e limitado pelo
Direito estabelecido pela própria sociedade, sendo o processo a forma pela qual é exercido.
Os fins do Estado e seu Direito se relacionam com as necessidades e aspirações de seu
povo, sendo relevante o aspecto cultural, pois há diversidade nos conceitos de liberdade ou de
igualdade dependendo das concepções de cada sociedade e de cada nação, variáveis tanto no
tempo como no espaço, em maior ou menor escala. Nesse sentido, a forma e a amplitude de
utilização do processo como instrumento da democracia poderão ser diversas em diferentes
nações.
Através do processo é possível que os cidadãos, objetiva e concretamente, possam
pleitear o respeito aos valores individuais e sociais escolhidos pelo legislador, dando-lhes
participação no exercício do poder, permitindo também a realização dos seus direitos
pessoais. Nas palavras de Calmom de Passos (1988, p. 95)
Acredito que estejamos caminhando para o processo como instrumento político de participão. A
democratização do Estado alçou o processo à condição de garantia constitucional; a democratização da
sociedade fá-lo-á instrumento de atuão política. Não se cuida de retirar do processo sua feão de
garantia constitucional, sim fazê-lo ultrapassar os limites da tutela dos direitos individuais, como hoje
conceituado. Cumpre proteger-se o indivíduo e as coletividades não só do agir contra legem do Estado
e dos particulares, mas de atribuir a ambos o poder de provocar o agir do Estado e dos particulares no
sentido de se efetivarem os objetivos politicamente definidos pela comunidade. Despe-se o processo
de sua condição de meio para a realização de direitos já formulados e transforma-se ele em
instrumento de formulação e realização dos direitos. Misto de atividade criadora e aplicadora do
direito, ao mesmo tempo.
Desta feita, o magistrado, inserido no moderno aparado estatal democrático, possui a
responsabilidade de comprovar que está, no exercício de suas funções, cumprindo a missão
que o legislador constituinte lhe atribuiu, proferindo suas decisões segundo os anseios maiores
da sociedade expressos nas normas fundadoras do Estado. Segundo Nojiri, contudo, o
compromisso do juiz não é com a maioria, mas com a lei e com a técnica jurídica, pelo que
21
estando subordinado apenas à lei e à Constituição, é a “expressão da consciência jurídica
nacional” (1999, p. 58), a qual tem a democracia participativa como um fundamento da
sociedade.
A técnica de condução do processo e também sua concepção dependem, portanto, do
contexto histórico, podendo ser mais ou menos formal, com conotação rígida ou flexível,
refletindo a sociedade a que serve.
Atualmente, a maior parte da comunidade política internacional anseia cada vez mais pela
participação no exercício do poder, tanto na administração pública de cada país como na
formulação das leis e em sua aplicação judicial. Já que o Estado Democrático de Direito é
pautado por princípios racionais e públicos, o exercício do poder pode e deve ser controlado
por seus destinatários, que também têm interesse em participar das decisões importantes que
regem suas vidas.
Diante da possibilidade de o ato estatal, notadamente no caso da jurisdição, vir a gerar
efeitos na vida das pessoas, Fazzalari esclarece que “l’ordinamento dispone che di tali attivi
siano protagonisti, oltre all’autore dell’atto finale, i soggetti nella cui sfera giuridica tale atto è
destinato a svolgere efficacia, in contraddittorio fra loro” (2005, p. 7). Assim permite-se a
atuação democrática do poder estatal ligado ao ato jurisdicional, melhorando sua repercussão
no meio social, sendo o contraditório um método fundamental para esse mister.
E a participação dos interessados na solução de um conflito, da forma mais ampla
possível, poderá levar até mesmo a uma decisão mais correta, o que, muitas vezes, sequer é
percebido pelos litigantes. Conforme diz Francisco Alves (2006, p. 149)
É bem provável que o jurisdicionadoo tenha a exata noção de que decisões boas tendem a surgir
mais facilmente quando uma causa é amplamente discutida, com todos os reflexos do devido processo
legal.
Cândido Dinamarco (1988, p. 121) entende que o processo no Estado moderno e
pluralista possui um escopo social com dois objetivos bem distintos: pacificar com justiça e
22
servir como instrumento de educação jurídica da população. No primeiro aspecto, deve o
processo colaborar com a implantação de um clima de justiça social, realizando a paz social,
segundo os valores encontrados nas normas jurídicas explícitas e implícitas. Para que haja paz
efetiva, é mister a integração das pessoas envolvidas, de modo que possam tentar convencer
sobre seus argumentos, sendo necessário que a decisão judicial, ao menos em tese, também
possa persuadir os interessados.
O Estado Democrático, portanto, serve para eliminar as insatisfações das pessoas, sendo
que a lei é estabelecida para definir as condutas que satisfazem a vida em grupo e reprimir
aquelas que prejudicam a comunidade. Distribui, assim, bens entre as pessoas, ditando as
normas em abstrato, normas essas que são realizadas efetivamente através do processo.
As situações concretas de conflito entre os membros da comunidade são definidas por
meio da jurisdição, que se une à legislação, numa unidade teleológica, em uma tarefa de
cunho social, fazendo real o que antes existia apenas em idéia nas normas abstratas ditas pelo
legislador (DINARMACO, C., 1996, p. 160).
Em sua função pacificadora, a jurisdição tem o fim de eliminar o conflito e regular a
situação das pessoas, não de modo transitório, mas definitivamente, pois uma solução
provisória não é interessante para os envolvidos, como também não é útil para os demais
membros da comunidade, pois o conflito gera insegurança social, maior ou menor,
dependendo de sua extensão e proporção.
Como corolário da pacificação está o direito de participação na decisão, enfatizando o
aspecto democrático do processo. A possibilidade de a parte integrar a decisão judicial, nela
influindo mediante o procedimento adequado, notadamente através do contraditório, também
ajuda a estabelecer a idoneidade do sistema jurisdicional perante a comunidade. Por meio do
processo, a solução da lide pode ser dada através de critérios justos e por uma forma correta
23
no plano procedimental, necessariamente de forma dialética, de modo que as partes possam
expor suas posições e as suas respectivas razões.
Assim, a pacificação pode e deve gerar segurança social, pois a solução jurisdicional do
conflito de forma democrática é um fator de tranqüilidade para os envolvidos, ao dar
estabilidade às relações sociais, em especial para aquelas que antes eram controvertidas, com
o encerramento do processo. O que vale mesmo que parte tenha uma decisão desfavorável,
haja vista que não são incomuns a satisfação e o alívio simplesmente com o fim da demanda,
desde que haja um pronunciamento estatal decorrente da atuação dos envolvidos, e
devidamente explicitado (DINARMACO, C., 1996, p. 162).
O processo serve, assim, para solucionar as insatisfações das pessoas realizando os
valores democráticos, servindo de útil instrumento para a população, ao assegurar não só as
posições de vantagens previstas nas normas como também o interesse geral na existência de
uma justa solução para as causas, segundo o entendimento da sociedade, envolvendo os
interessados no exercício do poder.
1.2 A participação na jurisdição
Com o intuito de concretizar os escopos democráticos do processo, a técnica processual
deve ser utilizada em auxilio de suas finalidades essenciais, em especial no que se refere à
participação dos interessados na justa solução de seus conflitos.
Para tanto, o prinpio da demanda e o princípio dispositivo servem para assegurar a
imparcialidade do julgador, permitindo também que a parte opte por levar ou não um conflito
24
ao judiciário. Tem-se, desse modo, a atuação da parte desde o começo do processo, que dá
início, por sua iniciativa, à atuação do Estado e da sua função jurisdicional.
Considerando o princípio da demanda, o processo terá início com a provocação de uma
parte interessada, o que é de relevância fundamental para a prestação jurisdicional a ser dada
pelo Estado. Neste sentido, Andrés de la Oliva Santos afirma que a ação contida na pretensão
identifica inicialmente o objeto do processo, aquilo sobre o que incidi a decisão judicial
(2005, p. 30).
Destarte, o processo será iniciado por provocação da parte, cujo pedido desde já é
dirigido ao julgador para a obtenção de uma decisão judicial favorável. Neste ato, o
demandante se vale de seu direito fundamental de acessar a Justiça para obter uma atuação
estatal em seu favor, momento em que narra o motivo da existência do processo, ou seja, o
conflito de interesse com outra pessoa ou a necessidade da atuação jurisdicional.
Já do pedido, e mesmo em sua possibilidade, é possível se inferir a estrutura normativa do
Estado que cria normas em favor da comunidade e permite que os direitos previstos
abstratamente sejam efetivados, concretizados, garantindo-se o direito ao direito.
Neste sentido, a própria permissão de utilização do processo já envolve uma manifestação
da personalidade do indivíduo.
Noutros termos porventura mais explícitos: o cidadão, ao desfrutar de instrumentos jurídico-
processuais possibilitadores de uma influência directa no exercício das decisões dos poderes públicos
que afectam ou podem afectar os seus direitos, garante a si mesmo um espaço de real liberdade e de
efectiva autodeterminação no desenvolvimento da sua personalidade (CANOTILHO, 2004, p. 73).
A Democracia, logo, também se manifesta no processo, tanto pela liberdade de pleitear
uma resposta estatal acerca do Direito vigente, ou mesmo pela aceitação livre de uma
pretensão alheia.
Este direito ao Direito se realiza no acesso à Justiça, no sentido de que o Estado esteja
sempre aberto às solicitações dos indivíduos quanto à aplicação da lei, ainda que
25
eventualmente o demandante não tenha de fato razão, adotando-se o direito de ação como a
possibilidade de provocar a atividade jurisdicional.
O princípio dispositivo coloca a jurisdição civil à escolha do interessado, como regra. Em
determinados casos pode ser que sequer haja um conflito, pelo que se permite à parte a
iniciativa da movimentação do processo, o que será feito segundo seus critérios individuais de
necessidade, conveniência e oportunidade, como regra.
A democracia pressupõe o direito de instaurar ou não um processo. Mas para que haja o
devido equilíbrio nas relações sociais, mormente em situações que legislador define como
merecedoras de atenção por parte do Estado, dadas sua relevância e repercussão, faculta-se ao
Ministério Público a utilização ação civilblica, assim como se permite que associações
promovam demandas coletivas, aumentando ainda mais a atuação da comunidade no
exercício do poder jurisdicional.
Desse modo, a necessidade de instauração do processo, pelo exercício do direito de ação,
e de seu desenvolvimento na forma de litígio, pela faculdade conferida à parte de se defender,
são questões confiadas à iniciativa das partes. Segundo Cândido Dinamarco (1996, p. 166), a
disponibilidade dos direitos é complementada pela distribuição dos ônus processuais, como o
de afirmação e o de provar. A questão da revelia, permitindo a resolução do processo se não
houver contestação, confirma a finalidade de pacificação, pois o aspecto jurídico é deixado
em segundo plano, permitindo-se que a presunção, diante da ausência de resistência,
prevaleça. São também formas de participação no processo, ainda que por omissão e assunção
dos riscos decorrentes dessa conduta.
A influência dos interessados na elaboração da norma concreta que irá regular seu
patrimônio jurídico é, portanto, essencial desde a instauração da demanda até sua solução
final. Segundo Leonardo Greco, ao autor “deve ser reservado o poder de limitar a demanda
fática e juridicamente” (2003, p. 62).
26
Na antiguidade, as leis estavam acima e fora da vontade dos homens, pois os deuses
dirigiam os destinos dos povos e das pessoas, que pensavam que não tinham maior
importância em seus próprios destinos. Foi com a influência do cristianismo que a noção
responsabilidade individual ganhou destaque no mundo ocidental, a partir de quando passou a
haver maior intervenção das pessoas em suas próprias vidas.
E pelo desenvolvimento social, a noção de responsabilidade das pessoas,o só por suas
vidas individuais, mas também pela ordem social, ganhou força. O destino da história passou
a depender do homem, tanto no aspecto coletivo como no individual. Chegou-se à conclusão
que são as necessidades poticas e ecomicas das pessoas que levam às mudanças sociais.
Esse ideário culminou com as revoluções do século XVIII, com o aumento de força e de papel
social da burguesia.
Tendo florescido, no mesmo peodo, o ideal de autonomia privada e de soberania
popular, o Estado Burguês passou a se preocupar com o exercício do poder e sua origem e
finalidade populares, no que se incluía a função da jurisdição. Como a lei editada pelo
parlamento era considerada a mais racional e avançada forma de vontade popular abstrata,
genérica e prévia, devia ser seguida por todos, pelo que cabia ao Judiciário fazer respeitá-la.
Nascia o moderno Estado de Direito e, com ele, o estudo da nova ciência processual e o
desenvolvimento do direito de ação.
Num primeiro momento, o processo servia apenas como um instrumento de poder
potico, não sendo tão útil ou acessível aos indivíduos em geral, pois era mera praxe, forma
disciplinada e burocrática para o exercício do poder estatal, daí porque o direito de ação tinha
uma conotação mais formal, sem tanta preocupação com sua efetividade.
Mas com o avanço da democracia o processo passou a ter o caráter de garantia
constitucional, limitando também a atuação do Estado e assegurando a liberdade e o direito
27
contra o artrio, mesmo que do próprio aparato estatal, repercutindo no direito de ação, que
culminou sendo entendido como direito de acesso à Justiça.
Atualmente, o processo tem sido visto como instrumento potico de participação popular
no exercício do poder; e mais, um instrumento de atuação política. Se houve uma opção
valorativa do legislador em determinado sentido, o que representa a vontade da própria
comunidade organizada, cabe ao processo ser um meio idôneo para tutelar as situações de
vantagem garantidas nos casos concretos.
Desta feita, o cidadão passa a depender da própria comunidade para que possa
legitimamente reclamar seus direitos e fazê-los valer. Deve tomar a iniciativa e se socorrer do
Poder Judiciário para tentar restabelecer as condições fáticas e jurídicas havidas antes da
violação de seu interesse, devendo lhe ser assegurada a possibilidade de participar da defesa e
da concretização de seu direito.
Tem-se, então, um direito assaz importante consagrado pelas ordens judicas, o de se
permitir o acesso à parte do aparato estatal que tem o poder de aplicar o Direito, impor
sanções e re-equilibrar a ordem jurídica e social violada, o Poder Judiciário. Cabe, pois, ao
Estado zelar pela segurança e pelos bens dos indivíduos e auxiliar a estes na busca da
realização do Direito.
Assim, não basta que o Estado crie normas em favor da comunidade, ou que positive os
seus valores morais, assegurando-lhe direitos em tese, é preciso que se permita que estes
direitos previstos abstratamente na norma sejam efetivados, concretizados, devendo ser
considerados os pontos de vista das pessoas envolvidas, que têm a possibilidade de acionar os
instrumentos do poder estatal para a defesa concreta de seus interesses.
O direito de ação é um direito fundamental processual, e não um direito fundamental material, como
são os direito de liberdade, à educação e ao meio ambiente. Portanto, ele pode ser dito o mais
fundamental de todos os direitos, que imprescindível à efetiva concreção de todos eles.
(MARINONI, 2006, p. 205)
28
Este direito é considerado, destarte, como integrante dos direitos humanos, que, contudo,
não se esgota com a simples possibilidade de se provocar o aparato estatal para que responda
dizendo o direito e o aplicando, é necessário que essa resposta seja consentânea com as
questões particulares discutidas no caso, decorrente da participação dos sujeitos envolvidos,
realizando-se uma síntese democrática dos direitos e interesses envolvidos através do
processo.
Nesse sentido, como formas de participação popular no poder estão incluídos o direito de
ação e o direito de defesa, tão caros à moderna ciência processual.
O direito de ação, assegurado constitucionalmente, garante o acesso ao Poder Judiciário,
que não pode ser impedido de apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito. Assim, a pessoa
tem o direito de provocar a atuação jurisdicional para fazer atuar o poder estatal em seu favor,
caso demonstre ter razão, protegendo seu direito concretamente.
Para Leonardo Greco (2003, p. 13), o direito de ação “é direito que o autor compartilha
com o réu, embora cada um objetive alcançar um resultado prático diverso”. Complementar
ao princípio dispositivo, o direito de ação permite que o autor instaure a demanda e busque a
restauração do direito violado, enquanto o réu procura o reconhecimento de que é indevida a
investida do autor.
E a defesa, como um contraponto ao direito de ação, é também indispensável para o
processo justo e democrático, exigindo que ao réu sejam garantidos meios de se insurgir
contra a atuação estatal iniciada pela outra parte, de forma a influir eficazmente no exercício
da jurisdição.
Permite-se, através da ação e do processo, a provocação da atuação do Estado para que
sejam efetivados os objetivos políticos da comunidade, sendo instrumento de formulação e
realização dos direitos, como atividade criadora e aplicadora do direito, para o que é
fundamental facultar aos interessados colaborar na atividade do Judiciário.
29
Havendo uma questão pendente a ser solucionada, pelo direito de ação pode o interessado
buscar a solução que entende justa, momento em que delimita o que pretende seja decidido
pelo juiz. “Mas é o próprio CALAMANDREI que aponta a função prática da ação no direito
positivo: delimitar o exercício da jurisdição” (GRECO, 2003, p. 26). Se a ação delimita o
exercício da jurisdição, e é iniciativa do indivíduo a ação, este termina sendo responsável pelo
exercício da jurisdição.
A jurisdição e o processo, portanto, se relacionam com a vida do Estado como um todo,
em especial na dinâmica da atuação e justificação do poder, em proveito de seus legítimos
detentores, os membros da comunidade.
Com o processo jurisdicional o Estado se estabelece como fonte de decisões, devendo
cumprir os fins a que se propôs, enfatizando o poder da coletividade organizada. E não só
isso, pois garante o direito dos indivíduos, sua dignidade, limitando até mesmo a atuação do
Estado, sendo concretizadora do valor liberdade.
Ao permitir a participação da comunidade no exercício do poder estatal, tanto em sua
iniciativa quanto no seu desenvolvimento, o processo só faz confirmar e aumentar a
legitimidade da jurisdição, buscando sua fonte última, a vontade popular. Se, num primeiro
momento, a jurisdição tinha a finalidade de permitir a aplicação da lei ao caso concreto, em
uma ideologia liberal individualista, hoje em dia tem uma função política, em que a
solidariedade é fator de promoção do homem, devendo respeitar os valores constitucionais e
os direitos fundamentais da pessoa humana, do que o processo não pode se afastar.
Essa atuação dos interessados no processo tem no contraditório sua máxima expressão,
assegurando que aqueles que estarão sujeitos aos efeitos da decisão judicial possam interferir
no procedimento que a precede e, principalmente, no seu conteúdo, permitindo a confiança da
comunidade na sua função pacificadora, o que legitima o seu poder.
30
Permitir o desenvolvimento da liberdade também é função potica da jurisdição,
limitando o poder para que não interfira indevidamente na vida das pessoas ou cerceie sua
liberdade, como um valor e direito potico fundamental. Se há participação na jurisdição, a
solução tende a ser socialmente mais adequada e mais aceita pelos próprios destinatários das
normas e das decisões.
Para Cândido Dinamarco (1996, p. 174), a jurisdição não tem apenas um caráter
secundário, para resolver os casos patológicos, casos de erro, mas tem também um caráter
primário no sentido de ser o próprio poder do Estado na realização de seus fins potico-
sociais, no que se inclui a realização da pessoa humana, o que é atendido tanto pelo direito de
ação como pelo respeito ao contradirio.
O escopo democrático do processo, desse modo, faz dele um efetivo instrumento do
direito, não apenas em sua instrumentalidade como aspecto negativo, no sentido de que o
processo seria um mero instrumento do direito substancial, mas no seu âmbito positivo, pelo
qual o processo deve ser um instrumento efetivo de realização do direito em sentido amplo,
concretizando os valores sociais e individuais que fundamentam o próprio Estado, em que se
inclui a participação no exercício do poder.
Assim, a técnica processual deve servir para que o processo produza concretamente os
resultados dele esperados, de modo que não seja um formalismo estéril, mas um instrumento
do poder público, em sua verdadeira acepção popular.
E, com amparo na filosofia, podemos utilizar o raciocínio de Aristóteles para defender a
necessidade de que o processo seja democrático e participativo, quando verificamos, fazendo
uma analogia com base em seu ensinamento, sua noção de virtude ligada à mediania. Isso
porque o estagirita via na virtude uma disposição de caráter relacionada com a escolha de
ações e paixões, e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, que é
determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática” (2004,
31
p. 49). Comparando-se com a prestação jurisdicional, pode-se entender como necessidade da
racionalidade do homem que o processo se desenvolva com a participação igualitária das
partes, sem pender unilateralmente para um dos pólos da relação processual e,
conseqüentemente, prejudicar a defesa dos direitos debatidos e a correta instrução e formação
participativa da decisão.
A justiça, considerada “a virtude completa”, pois ligada ao próximo, é chamada de o
bem do outro” (Ibidem, p. 105), e quando Aristóteles considera o justo como “uma espécie de
termo proporcional (Ibid., p. 109), esta proporcionalidade pode ser levada para o âmbito da
participação no processo, haja vista a necessidade de respeito à soberania popular e à
necessária influência dos interessados no poder estatal jurisdicional. O desenvolvimento do
processo deve se dar de forma proporcional, permitindo-se a participação dos interessados,
tanto autor como réu, em um equibrio dinâmico ao longo de todo o procedimento, a a
solução final.
Também a racionalidade kantiana permite concluir pela obrigatoriedade de um processo
aberto à interação. É tranilamente possível se estabelecer uma máxima nesse sentido que
possa se converter em lei universal. O imperativo categórico de Kant, do mesmo modo, pode
embasar essa conclusão, agir segundo uma regra que possa se tornar uma lei universal (2003,
p. 51).
Isso porque o direito de influir na decisão do processo não prejudica a quem quer esteja
em qualquer dos pólos de um processo, a não ser que haja uma parte pretendendo ocultar a
realidade dos fatos em possível má-fé, pois quando se reclama a prestação jurisdicional esta
deve ser concedida ponderando os todos os lados da queso, respeitando-se o direito de
defesa e de apresentação de provas das partes envolvidas. E essa norma é válida para todos os
seres racionais, haja vista que atenderá tanto aos interesses de quem está sendo demandado
como os daquele que postula a satisfação dos seus direitos.
32
Como o processo não é um meio em si mesmo, haja vista que apenas o ser humano, como
ser racional, possui valor absoluto (KANT, 2003, p. 58), é a declaração e a concretização do
direito do indivíduo que se busca no processo, de modo que o instrumento, que é o processo,
seja efetivamente utilizado como um meio de realização da dignidade da natureza humana,
através de uma jurisdição democrática e participativa, o que pode ser aceito de forma
universal pela racionalidade, como máxima dirigida à satisfação dos indivíduos, como fins em
si mesmos (Ibidem, p. 66).
Resta evidente, portanto, que o direito a um processo participativo, como um direito
fundamental, é “deseable, importante y bueno para el dessarrollo de la vida humana, como
diria Eusébio Fernandes (1984, p. 116), o que decorre de uma exigência de satisfação da
necessidade humana de ter direito ao Direito efetivo e realizado, bem como o de ser ouvido e
de ter analisados os argumentos tidos como relevantes, cujos fundamentos possuem
racionalidade e universalidade suficiente no atual momento histórico, em que a dignidade
humana se realiza em uma sociedade comunicativa e interativa.
E a forma pela qual a participação se efetiva por excelência no processo se dá pelo
respeito ao contraditório. O contraditório pode ser visto, atualmente, como manifestação
máxima da democracia processual, na medida em que expressa a atuação do indivíduo no
exercício do poder estatal, poder esse que ditará uma norma e uma solução definitiva para as
situações de crise e conflito, por meio da função jurisdicional, através do processo.
33
2 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
A norma jurídica se concretiza de sua previsão abstrata na legislação para atuar
diretamente no caso concreto através da intervenção estatal com a prestação jurisdicional, por
meio da decisão judicial como conclusão de um processo democrático com a participação
efetiva dos interessados que a ela se submeterão.
A atividade democrática do Estado consiste em permitir a participação rotineira dos
interessados na sua atuação, tanto no que se refere às funções legislativa e executiva,
principalmente pela eleição do parlamento e dos chefes da administração pública, como no
que diz respeito à função jurisdicional, devendo-se assegurar a todos o respeito aos interesses
juridicamente tutelados, a despeito das diversidades e adversidades que dificultam o exercício
dos direitos (GRECO, 2005b, p. 197).
A participação na decisão judicial, destarte, favorece o clima de paz e permite a
concretização dos valores democráticos, em que as diferenças de opinião são cada vez mais
explícitas, o que decorre da própria abertura inerente à Democracia. Esse é o campo fértil para
o desenvolvimento do contraditório.
Gil Ferreira de Mesquita considera que o
princípio do contraditório (ou princípio da bilateralidade de audiência, como preferem alguns
doutrinadores) é conceito inseparável da função jurisdicional estatal. Historicamente confunde-se com
a própria história do direito processual civil (2003, p. 155).
Segundo Picardi a origem do contradirio remonta à Antiguidade grega, referindo-se ao
adágio auditatur et altera parts, fazendo o autor referências a Seneca, Aristofane e Euripide,
citando, ainda, o textoblico do Gênesis, para compa-lo a um símbolo de direito natural,
além de destacar que na literatura européia dos anos oitocentos se defendia que o fundamento
34
do contradirio reside em um princípio de razão natural, sendo, assim, imanente ao processo
(1998, p. 674).
Para Fazzalari (2006, p. 111) o contraditório possui fonte austaca de onde teria surgido
o “Parteiengehöri (entendido como princípio da “audição” do cidadão interessado)”, visto
como o contraditório dos destinatários do provimento, mas que recentemente alcançou sua
concepção mais atual.
Proprio nelle fonti austriache, e derivate, è dato di cogliere il già menzionato Parteiengehör (inteso
come principio dell’ “audizione” del cittadino interessato) e/o addirittura il contraddittorio dei
destinatari del provvedimento: profili che segnano l’iter storico del passaggio dal procedimento mero
al processo. (2005, p. 74/75)
Saliente-se que no caso do processo romano, até o período clássico, o contraditório
dependia da participação voluntária do demando no processo, visto que este não era obrigado
a comparecer em juízo (OLIVEIRA, 2005), pois a submissão ao processo dependia de um ato
de réu aceitando-o, como num contrato.
No período medieval, o processo europeu ainda recebeu a influência dos valores gregos,
pautados pela racionalidade, com forte influência da retórica aristotélica, para a qual era
intrínseca uma “paritária e recíproca regulamentação do diálogo judiciário”, sendo sua
concepção como “ars dissedendi e ars oponendi et respondendi” (Ibidem). Desse modo, se
havia um contradirio nesse período, decorria do procedimento dialético então adotado para
o processo.
Outro aspecto do contradirio consiste no tratamento igualitário às partes submetidas ao
processo. Mencionando John of Salisbury, Leonardo Greco lembra que essa iia surgiu ainda
na Idade Média, o que determinava uma compensação nas diferenças existentes no processo
entre os litigantes, para o que deveria ser considerada inclusive a questão da capacidade dos
defensores das partes (2005c, p. 542).
Ainda nesse período, o contraditório era visto como uma forma natural de se chegar à
verdade, pois o processo sofria influência da filosofia política e da ética, pelo que o direito de
35
responder aos termos do processo e fazer oposição à pretensão do autor era como que
obrigatório para os fins da racionalidade da época, pois a verdade não poderia ser fruto de
uma razão individual, mas uma atitude conjunta das partes, “revelando-se impcita uma
atitude de tolerância em relação aos ‘pontos de vista’ do outro e o caráter de sociabilidade do
saber” (OLIVEIRA, 2005). Nesse momento histórico, em que a retórica argumentativa era
tida como imprescindível instrumento do conhecimento, o contraditório era o modelo ideal de
investigação da realidade para a correta solução do litígio.
Contudo, com o florescimento do absolutismo, a idéia de participação perdeu força, pois
era o soberano quem ditava as normas, inclusive processuais, diminuindo, assim, a
importância do contraditório, que passou a ser entendido como o simples direito de a parte ser
ouvida (Ibidem).
Além disso, o contradirio perdeu sua referência origiria com os natürliche
Rechtsgrundsätze, deixando de possuir também uma conotação ético-ideológica. Não era mais
considerado uma entidade preexistente à norma processual, não era uma exincia
endoprocessual, passando para uma categoria secundária do processo e perdendo sua ligação
com a essência do fenômeno processual (PICARDI, 1998, p. 675).
Essa concepção de contraditório meramente formal, e sem um caráter axiológico no
processo, perdurou ao longo dos séculos XVIII e XIX, sob a influência do espírito positivista
(Ibidem), pois o processo liberal burguês, com o predonio de idéias individualistas, fazia do
julgador algo próximo a um mero observador da atividade das partes, verificando o respeito
apenas a determinadas regras formais, tendo a função “quase de árbitro do litígio”, não mais
sendo considerado o contraditório um instrumento de busca da verdade, mas apenas um
princípio externo e meramente formal do processo (OLIVEIRA, 2005). O contraditório, nesse
período, sequer era essencial, e nem mesmo estava previsto em todos os procedimentos
(GRECO, 2005c, p. 543).
36
No princípio do século XX o contraditório continuou sem um papel de destaque no
processo, sendo considerado um meio do processo, e não um fim. Para Betti, o contraditório
era dispensável, pois a atuação da lei, através de uma decisão justa, poderia ser alcançada
ainda que sem a cooperação da parte (Apud PICARDI, 1998, p. 677). E uma grande prova da
desvalorização do contraditório consistiu na proposta alemã de abolição do contraditório no
processo civil, com a incorporação do processo de partes na jurisdição voluntária (Ibidem).
O segundo pós-guerra marcou o renascimento do princípio do contraditório. O Estado de Direito que
se reconstruiu após os nefastos regimes autoritários redefiniu as suas relações com os cidadãos,
firmando o primado da dignidade humana e a eficácia concreta dos direito fundamentais, assegurada
pelo amplo acesso à sua tutela através da Justiça. Readquiriram relevância o método dialético de
solução de conflitos e a paridade de tratamento dos litigantes, componentes essenciais do princípio do
contraditório, como fatores indispensáveis à concretização no processo judicial dos valores
humanitários nacional e internacionalmente reconhecidos como inerentes ao estágio de civilização
atingido pela sociedade humana. (GRECO, 2005c, p. 543/544)
A partir de então, o contraditório voltou a ter papel de destaque no processo civil, com
sua valorização na formação da decisão judicial e papel central na experiência processual,
enfatizando-se a necessidade de colaboração das partes para o esclarecimento das principais
questões do processo, tanto de fato como de direito.
No Brasil, foi com a Carta de 1988 que o contraditório alcançou status constitucional e
passou a ser expressamente aplicável também ao processo administrativo, atingindo
importância nunca antes existente em nosso Estado. Antes disso, somente era reconhecido
constitucionalmente de forma expressa o direito a uma instrução contraditória no processo
criminal, não havendo a amplitude que possui atualmente. E a partir de seu reconhecimento
como garantia fundamental, tem como escopo assegurar o princípio da participação
democrática, permitindo que a parte influa eficazmente na decisão judicial.
O contraditório, nos períodos em que teve maior valor para o processo, serviu como
garantia das partes no sentido de possibilitar-lhes a efetiva defesa de suas razões, sendo
considerado uma decorrência da razão, além de necessário para o processo justo.
37
O contraditório assumiu, assim, o caráter de instrumento operacional do julgador
(PICARDI, 1998, p. 680), como um pressuposto necessário da decisão.
Na segunda metade do século XX se destaca o contraditório participativo, significando a
necessidade de o juiz se envolver com as partes em um “diálogo humano construtivo”,
estabelecendo uma comunicação recíproca, “de dupla via”, com as partes, permitindo que
estas saibam que estão sendo ouvidas (GRECO, 2005c, p. 545).
O Estado moderno permite, pois, no exercício da função jurisdicional, a participação
direta dos cidadãos em suas decisões, assegurando o acesso à justiça. Os cidadãos, in casu,
“são aqueles em cuja esfera particular o ato (decisão judicial) está destinado a produzir
efeitos, ou seja, o provimento interferirá, de alguma forma, no patrimônio, no sentido de
universum ius, dessas pessoas” (GONÇALVES, 1992, p. 112).
A contrariedade de interesses das partes do processo, uma pretendendo uma decisão
contrária à outra, é que marca a necessidade de presença do contraditório, de modo que ambas
tenham a garantia de tratamento igualirio.
O contraditório não é, por isso, a “mera participação no processo”. Essa era a idéia originária do
contraditório, quando a participação era concebida como o auge das garantias processuais.
Participação no processom todos os sujeitos do processo, caso contrio não seriam “sujeitos dos
atos processuais”. Entretanto, a participação em contraditório se desenvolve “entre as partes”, porque a
disputa se passa entre elas, elas são detentoras de interesses que serão atingidos pelo provimento.
(Ibidem, p. 121)
Considerado por Leonardo Greco como o “mais importante princípio geral do processo
judicial contemporâneo”, o prinpio do contraditório significa o reflexo processual da
participação democrática, como princípio potico que informa as relações entre os cidadãos e
o Estado, de modo que este não interfira na esfera de interesses daqueles sem lhes conferir a
oportunidade de interferir na respectiva atuação estatal (2006, p. 21).
Essa garantia fundamental não se restringe à possibilidade de provocação do Estado para
dizer e aplicar o direito, abrange também a prerrogativa de participar do processo, que é o
38
instrumento de que se vale a organização potica social para realizar concretamente a norma
jurídica.
Sendo requisito essencial do processo justo, o contradirio “integra a vida social e se
realiza plenamente na sociedade, permitindo que as questões da sociedade se resolvam como
expressão participativa de um povo livre (GONÇALVES, 1992, p. 187).
No entendimento de Humberto Dalla B. de Pinho a fuão jurisdicional só pode ser
legítima a partir do momento em que permite que haja participação dos interessados por meio
de um procedimento desenvolvido em contraditório, com respeito à legalidade, esta
decorrente do devido processo legal. “Nesse sentido, o processo só será justo quando o juiz,
atento à disciplina legal, possibilitar a participação adequada e equilibrada dos indivíduos”
(2007, p. 135).
Manifestam-se, no processo, desde seu início, os valores superiores da comunidade,
cristalizados na Carta Política, que prevê a cidadania como fundamento do Estado
Democrático de Direito, o que significa a possibilidade de participar das decisões relevantes,
como, no caso, a concretização da norma jurídica específica para o caso a ser julgado, que
definirá o patrimônio judico dos interessados. Havendo um conflito, é indispensável, no
Estado Democrático, que as partes nele envolvidas possam expor e defender suas posições.
O dimensionamento da “crise”, sob a concepção da “democracia” como espaço de liberdade que não
anula mas permite a manifestação de conflitos, tem se expandido na reflexão jurídica, e é sob esse
enfoque que a idéia do contraditório se desenvolveu como elemento fundamental do conceito de
processo. (GONÇALVES, 1992, p. 52)
O acesso à Justiça e o próprio processo participativo têm, assim, matriz constitucional, e,
desse modo, devem respeitar o estatuto máximo que suporta o ordenamento jurídico quanto a
essa matéria, tanto no que diz respeito aos fundamentos da República quanto às garantias
individuais aplicáveis ao processo, especialmente no caso brasileiro.
O exercício da jurisdição por meio do processo, destarte, deve refletir o resultado do jogo
dialético das partes no processo, em que pese poder haver uma certa variação da influência
39
dos litigantes nas diversas espécies de decisão judicial, sendo menor no despacho e maior na
sentença, merecendo ser observado nas decisões interlocutórias, nas decisões monocráticas
dos tribunais e nos acórdãos, seja relativo a recursos propriamente ditos como em embargos
declaratórios.
Saliente-se que, de um modo geral, o processo somente será necessário quando houver
dois sujeitos com pretensões conflitantes, e na medida em que um deles se veja compelido a
buscar a solução judicial para ver seu suposto direito realizado, isto é, “se os homens têm
necessidade do processo, isto quer dizer que falta acordo entre eles” (CARNELUTTI, 2004, p.
34). Havendo necessidade do processo, haverá igual obrigatoriedade de os litigantes exporem
suas respectivas razões e participarem da solução judicial do conflito.
A decisão judicial, portanto, deve refletir os valores constitucionais, de modo a se
harmonizar com o sistema normativo como um todo, mesmo no caso de indeferimento da
petição inicial, o que deverá ser feito com a justificativa respectiva, dada a conseqüente
restrição ao direito à análise da pretensão material formulada em juízo.
E uma vez que haja a inclusão de outra parte no processo, pois conforme Barbosa
Moreira (1997, p. 27) a “citação inicial do réu é requisito de validade de qualquer processo”,
sendo indispensável a comunicação da ação à parte contra quem é solicitada a prestação
jurisdicional, também a ela devem ser assegurados os mesmos direitos de participar da
formação da norma jurídica concreta a ser dada pelo judiciário para aquele caso em exame,
pois a decisão irá atingir seu patrimônio material e/ou moral. Nesse sentido, para Aroldo
Pnio Gonçalves, o contraditório garante a participação das partes, “em simétrica paridade”,
pois a elas são destinados os efeitos da sentença, sendo que suportarão elasos efeitos do
provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor” (1992, p. 120).
O devido processo legal, para o réu, portanto, passa necessariamente por seu chamamento
a participar da relação processual e intervir no procedimento, dando início ao contraditório,
40
que carece de ser respeitado por todo o curso do processo. Saliente-se que o contradirio
deve oportunizar aos interessados a manifestação na decisão a ser formulada, não se podendo
impor uma “participação coativa” (Ibidem, p. 159).
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (2003, p. 113/114) dita a essencialidade do
contraditório:
Mostra-se imperiosa, como facilmente se intui, a participação dos interessados no iter de formação do
provimento judicial destinado a interferi em sua esfera jurídica. E essa participão deverá ocorrer, à
evidência, da forma mais paritária possível, de modo a permitir a intervenção dos interessados
mediante eqüitativa dos respectivos poderes, faculdades e ônus, como efetiva correspondência e
equivalência entre as posições contrapostas.
Assim, o contradirio significa a audiência das partes antes da decisão, para que nesta
possam influir, a possibilidade de exercício de ampla defesa, com os meios a ela inerentes,
tanto no aspecto probatório como por meio dos recursos cabíveis, com o direito a um
procedimento que permita efetivamente a participação no processo, segundo as peculiaridades
do caso, e também a obediência à isonomia no tratamento das partes, de modo que tenham as
mesmas oportunidades de interferir eficazmente na convicção do julgador.
Na medida em que, notadamente no caso brasileiro, todo poder emana no povo, no que se
inclui o Judiciário, e que o exercício desse poder deve ser feito nos termos da Constituição,
conforme consta em seu Título I, o julgador está obrigado a respeitar os mandamentos da Lei
Maior na condução do processo e em sua conclusão.
Através do contradirio o poder popular é exercido no processo, na medida em que seu
desenvolvimento depende da oitiva dos interessados, dando-se vida democrática à jurisdição.
No debate havido entre as partes, o seu direito material é submetido à apreciação do julgador,
permitindo que “o jogo dos interesses divergentes” torne-se real, quando “as partes desvelam
os direitos materiais que afirma ter, e que se contrapõem nas afirmações dos direitos materiais
que são mutuamente negados” (GONÇALVES, 1992, p. 170).
41
Insere-se, portanto, como condição para a validade constitucional da decisão judicial o
respeito aos dispositivos superiores que regem o processo, e não apenas ao mero formalismo
do procedimento.
O sistema constitucional, saliente-se, exige que para a correta prestação jurisdicional é
indispensável a obediência ao contraditório, desde a instauração da demanda até a última
decisão a ser dada nos autos, pois “como meio assecuratório do princípio potico da
participação democrática, o contraditório deve assegurar às partes todas as possibilidades de
influenciar eficazmente as decisões judiciais” (GRECO, 2005c, p. 544).
O contraditório, como princípio constitucional, deve se irradiar por todo o processo, em
todas as suas formas de expressão. Com a evolução da importância do direito constitucional, o
estudo e a aplicação dos princípios constantes da Carta Magna passou a ter importância
primordial no ordenamento jurídico, no que se inclui o princípio do contraditório.
Os preceitos constitucionais, que se apresentam como princípios jurídicos, balizam o sistema
normativo, impedem sua projeção, através de normas que com ele possam ser incompatíveis, em
direção contrária aos fundamentos do sistema, e limitam a atuação do poder, pois no Estado fundado
sobre o Direito, o poder se exerce nos “limites” determinados pela lei. (GONÇALVES, 1992, p. 54)
Dessa forma, como princípio é considerado constitutivo da ordem jurídica, nele constam
os valores mais elevados da comunidade, que devem ser considerados na aplicação das
normas infra-constitucionais, podendo levar inclusive ao controle de constitucionalidade,
inclusive adequando a interpretação de determinado preceito normativo à finalidade
constitucional. Segundo Marinoni (2006, p. 50) o Estado moderno, que é “caracterizado pela
força normativa da Constituição, obviamente não dispensa a conformação das regras aos
princípios constitucionais e sabe que isso apenas pode ser feito com o auxílio da jurisdição”.
Os princípios constitucionais refletem a orientação do Poder Constituinte no que se refere
ao respeito aos direitos humanos, pois essa é a finalidade do Estado.
Segundo o professor Humberto Ávila, que possui monografia específica sobre os
prinpios jurídicos,
42
Os princípios são normas imediatamente finasticas, primariamente prospectivas e com preteno de
complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicão se demanda uma avaliação da correlação
entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à
sua promoção. (2007, p. 78/79)
Os princípios indicam a necessidade de realização de um determinado ideal, um fim a ser
atingido pelas normas jurídicas, sendo que, no que se refere ao contradirio, esse princípio
tem como finalidade permitir a máxima participação dos sujeitos de uma relação processual
na decisão a ser proferida. Para tanto, são exigidas determinadas condutas, tanto do legislador
como do julgador, no sentido de se aproximar, o tanto quanto possível, do objetivo a ser
alcançado pelo referido princípio. O fim buscado pelo princípio apenas se concretiza com
certas atitudes, que “passam a constituir necessidades práticas sem cujos efeitos a progressiva
promoção do fim não se realiza” (Ibidem, p. 80).
O escopo almejado pelo princípio do contraditório é, assim, que as partes obtenham uma
decisão que não seja construída unilateralmente pelo magistrado, que não dependa
exclusivamente de suas concepções ideológicas, “não condicionada pela magnanimidade de
um fenômeno Magnaud, mas gerada na liberdade de sua participação recíproca, e pelo
recíproco controle dos atos do processo” (GONÇALVES, 1992, p. 188). Daí porque o
comportamento dos envolvidos no procedimento, não as partes interessadas, mas também o
julgador, deve ser pautado por uma participação dialética, para que possam esclarecer seus
pontos de vistas, seus ideais sobre o conflito, suas oposições às manifestações do adverrio,
de modo que seja proferida uma sentença verdadeiramente participada pelos que irão se
sujeitar aos seus efeitos, e não como um ato isolado do Estado.
E, tratando de princípio do processo moderno, não se pode deixar de mencionar o
posicionamento do professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, em seus princípios criados para
uma nova sistematização da teoria geral do processo: acessibilidade, operosidade, utilidade e
proporcionalidade.
43
Ainda que não seja expresso o princípio do contraditório, ele pode ser inferido do
princípio da acessibilidade, com sua conotação de direito à informação acerca dos próprios
direitos (CARNEIRO, P., 2000, p. 57), pois sem esse conhecimento a possibilidade de
participação no processo judicial fica inegavelmente comprometida.
Possui também ligação com o princípio da operosidade, com sua conotação de atuação
ética no processo, tal como chegou a ser ressaltado no período medieval. Para o autor, para se
atingir os fins sociais e políticos que informam o processo
todos devem cooperar com as atividades destinadas à democratização do processo, tendo como meta
ideal a participão de quem quer que seja, em igualdade de condições, de sorte a possibilitar a justa
composição dos conflitos individuais ou coletivos que surjam em determinada sociedade (Ibidem, p.
63/64)
Tem-se, desse modo, também na sistematização de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, o
mesmo ideal de participação inerente ao contraditório, o que repercute até mesmo na
produção probatória, pois defende o autor a inversão do ônus da prova como forma de
assegurar a igualdade das partes no desenvolvimento do processo (Ibid., p. 75), o que é uma
das facetas do conteúdo do princípio do contraditório.
2.1 O conteúdo do contraditório
O princípio do contradirio significa que o juiz deve ouvir ambas as partes antes de
tomar suas decisões (auditatur et altera pars), permitindo-lhes oportunidades iguais de acesso
à Justiça, para exercer a defesa de seus direitos.
Implica o contraditório na necessidade de abertura de possibilidade de o réu se
manifestar, como regra, antes da decio, sendo considerado como um princípio de direito
44
natural (GRECO, 2005c, p. 541) e defendido pelo raciocínio “retórico-dialético”, serve para
que o juiz alcance a verdade.
Mas não basta, para o atendimento ao contraditório, que se dê às partes mero
conhecimento dos atos processuais, sendo necessário que se lhes abra efetiva possibilidade de
agir contrariamente às condutas do adversário, e até mesmo do magistrado, que possam ser
contrárias a seus interesses. O conteúdo do contraditório não se exaure com a ciência dos atos
do processo às partes dando-lhes simples oportunidade de se manifestar, mas exige que o
provimento judicial dependa efetivamente da interferência das partes.
O objeto do contraditório ao longo do procedimento consiste nas questões relativas aos
atos processuais, na análise da admissibilidade de determinadas medidas pleiteadas pelas
partes, decidindo por sua utilidade ou não, incluindo as relativas à produção probatória, nas
decisões sobre declaração de invalidação de atos do processo, ou sua renovação, e, em
especial, quanto à decisão de mérito, em que o julgador irá acolher o rejeitar o pedido do
autor.
È costituito daquestioni” relative alle stesse attività processuali: se siano ammissibili (rectius, leciti o
doverosi), pertinenti, utili uno o più atti da svolgere (ad esempio, nel processo giurisdizionale civile, la
questione dell’ordine d’integrazione del contraddittorio; quella dell’ammissione di una prova; quella
della dichiarazione d’invalidità di un atto processuale; della sua rinnovazione). Anche le questioni
cosiddette dimerito” concernono il compimento di un atto processuale: precisamente dell’atto finale,
del provvedimento (ancora nel processo civile, la questione “di merito” culminante è se il giudice
debba emettere il provvedimento giurisdizionale richiesto, o rifiutarlo. (FAZZALARI, 2005, p. 88)
Segundo a doutrina de Sérgio La China, o contraditório possui dois aspectos essenciais:
informazione e reazione. O primeiro, referente ao direito à informação sobre os atos do
processo, é indispensável em qualquer caso, enquanto o segundo, o direito de reação, possui
caráter eventual, na medida em que pode não ser exercitado pelo interessado, ainda que a
possibilidade dessa atuação lhe seja obrigatoriamente concedida, da forma mais ampla
possível. É dever do magistrado dar ciência às partes das informações processuais, de modo
que elas, achando conveniente e oportuno, possam intervir no processo. (Apud
GONÇALVES, 1992, p. 126).
45
Segundo Mesquita (2003, p. 187), o binômio informação-reação está intimamente ligado
a outros prinpios processuais, não sendo exclusividade do prinpio do contradirio, tendo
conexão direta com o prinpio da ampla defesa, no caso de reão do réu, ou com o prinpio
da ação, se a reação parte do autor.
Dessa forma, o contraditório não se resume ao dizer e ao contradizer em relação aos
pontos controvertidos do processo, como também não se restringe à controvérsia acerca do
direito substancial discutido no processo ou sobre o teor da sentença a ser proferida. Esse
pode ser o seu conteúdo. O contraditório tem como base o princípio da igualdade de
tratamento e oportunidade no processo, decorrente do princípio geral da liberdade que todos
têm decorrente da lei. A essência do contradirio, destarte, consiste na simetria de
oportunidade, que se funda na liberdade de todos perante a lei. É essa igualdade de
oportunidade no processo.
A influência do contraditório no processo serve para que este seja um instrumento
dialético, permitindo necessariamente que as partes contraditoras, durante todo o curso do
procedimento judicial, recebam tratamento isonômico na defesa de seus interesses, com as
mesmas possibilidades de atuação, pois são diretamente interessados na atuação da jurisdição
(MESQUITA, 2003, p. 156/157).
No caso do Brasil, estando previsto diretamente na Constituição Federal, não dependendo
de regulamentação pelo legislador, pode ser considerado direito auto-aplicável e tem como
objeto a possibilidade de exercer influência, através dos métodos adequados, nas decisões
judiciais com capacidade de interferir na esfera jurídica da parte. Ainda que não haja lei
expressa, portanto, decorre da própria eficácia normativa da Constituição o direito de atuar
sobre a convicção do julgador. E pelos mesmos motivos alcança todas as medidas do Estado
que possam interferir nos direitos de uma pessoa.
46
Uma conseqüência do contraditório é a “compensação das diversas espécies de
desigualdades existentes no processo” (GRECO, 2005c p. 542), cabendo ao juiz velar pela
paridade de armas das partes no processo, não podendo ser omisso, pois a dignidade da parte
deve ser considerada para que as garantias consagradas na Constituição e na lei não sejam
inócuas, mas continuando o julgador com a obrigação de ser imparcial.
Permite-se, portanto, que os interessados participem do próprio procedimento e seu
desenvolvimento. Para Fazzalari (Apud GRECO, 2005c, p. 545), a estrutura dialética do
procedimento é um “instrumento de realização dos valores da pessoa humana”, assegurando
um processo justo, no qual se garante às partes os direitos relativos ao contraditório
participativo.
O fim do processo, em última análise, é a realização dos valores constitucionais ligados à
dignidade da pessoa humana, no caso brasileiro o fundamento e objetivo final da República,
servindo o contraditório para permitir essa concretização no exercício da jurisdição.
Afinal, “a dignidade humana é valor que não se negocia” (GONÇALVES, 1992, p. 11), o
que exige sua promoção máxima, em todos os aspectos da vida social e jurídica, o que
inegavelmente tem reflexo no Direito Processual.
Sendo o ser humano um fim em si mesmo, deve ser dada oportunidade de intervir
ativamente em seu patrimônio jurídico, que é passível de ser atingido pela decisão judicial.
Tendo em vista o princípio do contraditório, não se pode impor às partes que se sujeitem
passivamente ao provimento judicial, também não sendo permitido que tolerem indiferentes
as discussões acerca das questões de fato e de direito debatidas no processo. Isso afasta a
possibilidade de os interessados serem tratados como meros objetos do processo e da sua
decio, assegurando-lhes o direito de intervir efetiva, crítica e construtivamente em todas as
fases do processo e, conseqüentemente, sobre o seu resultado, defendendo seus interesses e
pontos de vista antes que a decisão seja proferida. Esse tratamento que deve ser concedido à
47
parte nada mais é que uma decorrência do atendimento ao princípio da dignidade da pessoa
humana, e mesmo da Democracia. O contraditório é o reflexo desses valores no processo
judicial e no exercício da função jurisdicional, garantindo não um simples debate acerca das
questões do processo, mas um amplo direito de defesa das razões das partes, no sentido de
poder influir na convicção do julgador, mormente na hipótese de sua convicção ser lacunosa
ou insuficiente (OLIVEIRA, 2005).
Não se permite que as partes se surpreendam por uma decisão que seja apoiada em razão
jurídica ainda não versada nos autos. Nesse sentido, deve o juízo dar aos interessados pvio
conhecimento dos direitos discutidos, sobre o que incidirá a cognição judicial, para que a
decisão se refira apenas a questões debatidas entre as partes, às quais deve ser dado o direito
de influir no julgamento defendendo suas razões.
Ainda que o juiz possa conhecer de ocio tanto as questões de direito como de fato, deve
franquear às partes o conhecimento das questões que serão objeto de decisão, no caso de
eventualmente não terem sido levantadas pelas elas próprias.
Segundo Vitorio Denti (1968, p. 221) a iniciativa do julgador na cognição das questões
prejudiciais do processo não é necessariamente contrária ao princípio do contraditório.
Saliente-se que o autor considera as questões prejudicais não como as que devam ser
decididas com precedência sobre as outras, mas as que possam, por sua importância, definir o
julgamento da causa (Ibidem, p. 220). O autor considera que a violação do contradirio por
parte do julgador ocorre no exercício indevido do poder de decidir questões, quando o faz
precipitadamente e sem a participação dos interessados, dando causa à nulidade do
julgamento (Ibid., p. 223).
Assim como no conhecimento de exceções processuais levantadas pelas partes, em que
deve ser dada oportunidade à outra para se manifestar, do mesmo modo deve ocorrer quando
a questão é levantada de ofício pelo julgador, abrindo-se a chance de os interessados exporem
48
suas razões e pontos de vista sobre a questão. Se não se pode prescindir do contraditório em
havendo exceção levantada pela parte, também não se pode dispensá-lo se a questão é
levantada de ofício (Ibidem, p. 224).
Portanto, se o julgador tem liberdade de escolher a norma que iser utilizada para
decidir uma controvérsia, ainda que não provocado pelas partes, o que é expressão do
brocardo iura novit curia, esse poder não afasta o dever de ouvir os interessados acerca do
destino do processo, em atendimento ao princípio contradirio.
Nesse sentido, o respeito à essência do contraditório não se limita à mera comunicação às
partes dos atos do procedimento ou na faculdade de sobre eles contradizer, mas obriga que a
decisão judicial passe a depender da real colaboração dos interessados, para o que se torna
necessário que cada litigante tenha conhecimento dos argumentos e razões levantadas pelo
outro e também dos “motivos e fundamentos que conduziram o órgão judicial a tomar
determinada decisão, possibilitando-se sua manifestação a respeito em tempo adequado (seja
mediante requerimentos, recursos, contraditas etc.)” (OLIVEIRA, 2005).
O que também deve ser observado quando da individualização da norma aplicável ao
caso, mormente quando esta não tenha sido indicada pelas partes, de modo que deve ser
permitida a discussão contradiria de uma norma jurídica que, levantada pelo julgador, tenha
idoneidade suficiente para definir a controvérsia (DENTI, 1968, p. 225). Outrossim, caso o
julgador não respeite o dever de provocar o contraditório acerca de questão jurídica relevante
suscivel de ofício, haverá afronta ao contraditório, com possível nulidade da decisão
(Ibidem, p. 226).
O contradirio também se mostra imprescindível quanto às questões de fato e
probatórias, pois devem as partes ter amplas possibilidades de debater acerca dos pontos
fáticos do julgamento, de modo a interferir na respectiva cognição judicial, o que vale não só
49
para escolha dos meios de prova, mas também na sua formação, no que tem igual relevância a
possibilidade de iniciativa probatória do julgador (OLIVEIRA, 2005).
Referindo-se a Marinetto, Denti (1986, p. 222) sustenta que o contraditório representa a
possibilidade de plena defesa, pelas partes, das próprias razões, o que significa a faculdade de
participar ativamente no desenvolvimento do processo, tanto no que se refere aos fatos como
às provas, de modo a colaborar com a formação do convencimento do julgador.
Para o respeito ao contradirio, Leonardo Greco entende que deve se assegurar que as
partes possam se manifestar acerca todas as questões que serão objeto de cognição pelo
julgador, de modo que nenhum dos litigantes tenha maior oportunidade de apresentar suas
razões, propor ou produzir provas (2006, p. 22). Desse modo, não pode haver posição de
vantagem de um litigante em relação ao outro, tanto no que se refere ao planejamento da sua
defesa como em sua concretização no processo, garantindo-se igualdade de oportunidade de
êxito na causa.
A paridade de armas, segundo o referido autor, para que seja efetiva, pode levar o
julgador a compensar eventuais deficiências de uma parte em desvantagem, o que é relevante
principalmente quando há uma parte em condição de superioridade, como no caso da
Administração Pública. Deve, assim, o juiz analisar se no caso específico posto à sua
apreciação existe supremacia de uma parte em relação à outra quanto ao acesso aos meios de
defesa, de modo que compense a inferioridade da outra parte com sua iniciativa,
restabelecendo a igualdade para permitir um resultado justo do processo (Ibidem).
Essa orientação vale também a respeito das regras que regulam os ônus probatórios, para
que estas não sejam uma forma de consolidação de desigualdades dos litigantes, pois em
muitos casos aquele a quem mais interessa determinada prova não é a parte com maiores
condições e meios de produzi-la, não se podendo aceitar que a outra parte, por sua omissão ou
pela criação de obstáculos à iniciativa probatória, frustre que se alcance a verdade que
50
favoreceria aquela. Outrossim, é possível até mesmo que o julgador inverta o ônus da prova
ou dê início à produção probatória, de ocio, para que não prevaleça a vantagem de uma parte
sobre a outra ou impeça a descoberta das questões de fato relevantes para o deslinde da causa,
de modo a permitir que ambos os litigantes tenham o maior acesso possível à verdade
(GRECO, 2006, p. 23).
E caso o juiz se valha da faculdade de produzir as provas de ocio, é indispensável que
sua produção ocorra sob o crivo do contradirio, para que as respectivas questões sejam
amplamente debatidas entre os interessados.
Sobre o contraditório, diz Fazzalari (2005, p. 83)
Tale struttura consiste nella partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale alla fase
preparatoria del medesimo; nella simmetrica pari delle loro posizioni; nella mutua implicazione delle
loro attività (volte, rispettivamente, a promuovere ed a impedire l’emanazione del provvedimento);
nella rilevanza delle medesime per l’autore del provvedimento: in modo che ciascun contraddittore
possa esercitare un insieme – cospicuo o modesto non importa – di scelte, di reazioni, di controlli, e
debba subire i controlli e le reazioni degli altri, e che l’autore dell’atto debba tener conto dei risultati.
No entendimento de Leonardo Greco (2005c, p. 547), seu conteúdo envolve,
inicialmente, a necessidade de audncia bilateral, da comunicação do ajuizamento da causa e
dos atos processuais, a possibilidade de impugnar os atos dos outros sujeitos processuais. As
decisões devem ser precedidas de cientificação, sendo as formas de comunicação ficta apenas
para os casos estritamente necessários, permitindo, de um modo geral, o fornecimento de
alegações, requerimento e produção de provas e providências, exercendo influência efetiva
sobre as decisões.
Apenas em casos necesrios, segundo os interesses em jogo, deve ser postergado o
contraditório, como nas hipóteses de liminares cautelares e antecipatórias urgentes, e com
base em fundamentos concretos do pedido e do direito do requerente, casos em que o
magistrado exerce uma análise da situação das partes, verificando qual o maior perigo, entre o
de postergar o contraditório ou de negar a medida pleiteada, pelo que deve o julgador
ponderar os interesses em risco e proteger o que lhe pareça mais carente de defesa imediata. E
51
para consagrar o contraditório, o requerido, em caso de liminar deferida antes de sua
participação no processo, deve ter as mesmas possibilidades de pedir a revisão da decisão,
pelo mesmo órgão judicante, e não apenas por meio de recurso para órgão superior.
Outra conseqüência do contraditório, segundo Greco, é a flexibilidade dos prazos,
permitindo a defesa efetiva, com possibilidade de interferir com eficncia no julgamento, de
acordo com “as necessidades defensivas da partes, que variam em função das circunstâncias
da causa e as imposições do próprio direito material” (2005c, p. 549), implicando na
possibilidade de prorrogação ou devolução do prazo por impossibilidade de prática do ato,
“independentemente da imprevisibilidade ou imprevisão do fato impeditivo” (Ibidem).
A igualdade concreta é também essencial ao contraditório participativo, determinando as
mesmas oportunidades às partes, de modo que o juiz possa suprir eventual deficiência ou
inferioridade de uma parte para assegurar a mesma condição de acesso à tutela jurisdicional.
O que implica na previsão da assistência judiciária, isentando a parte carente do pagamento de
custas para, de um modo geral, permitir o acesso à justiça, inclusive com a intervenção
assistencial do Ministério Público para que seja assegurada a paridade de armas. “A igualdade
substancial reflete os valores do Estado Social, que o contradirio participativo deve tornar
efetivos” (GRECO, 2005c, p. 550).
O processo, como instrumento da democracia, é “revelador da vontade coletiva”, sendo
visto como um “meio justo para um fim justo, ou melhor, como meio justo sem o qual não
haverá possibilidade de reconhecer que o resultado seja justo” (Ibidem, p. 552). Como
garantia constitucional,o pode sofrer limitações impostas pelo legislador ordinário, pois
reflete a dignidade da pessoa humana no processo, o que impõe o poder de influenciar na
decisão judicial que irá repercutir sobre a vida da pessoa.
Assim, é necessário um diálogo humano envolvendo o juiz e os demais integrantes do
processo, o que exige um novo juiz, capaz de escutar e falar, interagindo com as partes. Nesse
52
sentido, o contradirio participativo corrobora a necessidade da oralidade, como forma de
comunicação humana mais perfeita, da publicidade, dando transparência ao processo e
servindo como forma de controle social da utilização do poder estatal e da efetividade do
diálogo humano, e da fundamentação, que serve para permitir a verificação se houve efetiva
influência da atividade processual da parte na decisão do caso.
Como a Democracia é participativa, deve ser permitido o direito de atuar no
desenvolvimento da “vontade estatal”, através de um processo qualitativo, humano, e com
decisões justas, o que, segundo Taruffo (Apud GRECO, 2005c, p. 556), pressupõe: “a) a
correta escolha e interpretação da regra jurídica aplicável; b) o reconhecimento aceitável da
verdade dos fatos relevantes; c) um procedimento válido e justo”. O contraditório integra
esses pressupostos, sendo, portanto, indispensável.
As prerrogativas da ampla defesa constituem o segundo componente do contraditório, que
também é garantia constitucional, significando a possibilidade de exigir provas e apresentar
razões, permitindo adotar as medidas úteis para a defesa do direito material. Exige, a ampla
defesa, participação efetiva no processo como forma de influir na decisão.
O poder tem origem popular, e o processo, como instrumento do poder, deve servir para a
realização humana, segundo os ditames do sistema normativo, que tem em seu ápice
hierárquico a Constituição. Portanto, o contradirio é a base do moderno processo, e não
apenas a mera bilateralidade formal, mas uma efetiva dinâmica entre as partes e o juiz até que
seja finalmente sintetizada a ordem jurídica na relação jurídica objeto do processo, com a
análise das questões postas à apreciação judicial.
A decisão judicial não é, portanto, um mero ato de silogismo formal, o que, se o fosse, em
muito a empobreceria, mas representa a criação de uma consciência viva, sensível, vigilante,
humana, conforme já dizia Piero Calamandrei (1965, p. 648).
53
Sendo, outrossim, o processo um instrumento do Estado Democrático, deve ser exercido
de forma consentânea com sua finalidade institucional, para assegurar o exercício dos direitos
individuais, tendo a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade cujos
fundamentos são a cidadania e a dignidade da pessoa humana, exigindo-se, para tanto, a
participação dos titulares do poder estatal, que são os próprios membros da comunidade.
54
3 O CONFLITO ENTRE A CELERIDADE E O DIREITO DE DEFESA
O grande dilema que vive hoje a ciência processual consiste na necessidade de que o
processo seja, ao mesmo tempo, o mais rápido possível e com todas as garantias
constitucionais para as partes, em especial a demandada.
O ideal seria que a jurisdição concedesse à parte o seu direito assim que ele fosse violado,
o que não se mostra possível nos dias de hoje, tendo em vista a necessidade que os
interessados têm de defender suas posições, comprovar suas razões, sem falar no tempo
necessário para a formação da convicção do julgador e formulação da decisão. “É, justamente,
entre este dilema da rapidez de um lado e da segurança de outro que os grandes debates sobre
a atividade jurisdicional vêm acontecendo através dos tempos” (CARNEIRO, P., 2000, p. 78).
Além de assegurar o contradirio e a ampla defesa, com todos os recursos e meios
necessários para sua efetivação, também exige a ordem constitucional que a prestação
jurisdicional se faça dentre do um prazo razoável, na maior celeridade possível, e que impeça
a concretização de dano iminente ao direito do interessado.
O problema destacado por Gil Ferreira de Mesquita é que o procedimento comum possui
diversas características inconvenientes para a parte, notadamente a autora, que fica
dependendo da boa vontade da parte ré em cumprir a obrigação de forma voluntária para que
possa gozar do bem da vida a que faz jus (2003, p. 269), o que acaba por prejudicar a
efetividade do processo, tendo em vista que nem sempre há solidariedade entre os
demandantes, e essa é a regra, infelizmente.
55
As dificuldades para uma prestação jurisdicional eficiente decorrem de diversos fatores,
como normas processuais ultrapassadas, o que persiste por mais que se reformem os códigos e
as leis, o excessivo apego às formas, os problemas ecomicos, poticos e sociais porque
passam a população e o Estado, a crescente judicialização dos conflitos de toda ordem,
incluindo os que deveriam ser resolvidos no âmbito da administração pública, até mesmo a
má formação e falta de conhecimento daqueles que trabalham com o processo, incluindo
advogados, juizes e promotores. Esses fatores contribuem para a demora do processo
“fazendo com que se forme um caldo de cultura propício à quebra do contraditório,
estimulando as liminares conservativas ou antecipatórias, correndo-se o risco de que a tutela
de urgência passe a ser a Justiça tout court” (OLIVEIRA, 2005).
Mas não há como afastar a possibilidade de concessão de medidas urgentes, dado que é
inevitável uma certa demora na prestação jurisdicional, assim como é necessária a previsão de
medidas capazes de afastar os males do tempo em relação ao direito tutelado e à utilidade do
processo, pelo que é preciso uma análise dos requisitos que devem ser obedecidos quando da
mitigação do contraditório, fenômeno que ocorre quando há necessidade de pronta atuação da
jurisdição.
Certo é que quanto maior a interferência judicial na vida do interessado, em se tratando
de tutela cautelar ou antecipatória, mais profunda deve ser a análise das condições a serem
preenchidas para a concessão de uma medida urgente, notadamente nos casos em que não haja
um prévio contraditório, e maior deve ser a relevância do direito e dos argumentos que
fundamentam a respectiva pretensão, até mesmo para que possa se justificar a não
observância plena de um direito fundamental.
56
3.1 O direito ao processo célere
O Estado, ao analisar uma questão jurídica que lhe é posta à apreciação para dar a
resposta aos indivíduos, o faz através do Poder Judiciário, que se vale do processo como um
instrumento do exercício da jurisdição (SANTOS, M., 1995, p. 266), a qual é função estatal
de aplicar o direito para restaurar os interesses violados. Existe, logo, todo um caminho a ser
percorrido entre a violação de uma norma, ou um interesse não satisfeito, e sua realização por
meio da atuação do Estado.
Nesse sentido, permite-se aos indivíduos tanto a provocação do Poder Judiciário como a
participação em sua decisão. Segundo Canotilho (2004, p. 73) o fato em si de participar no
procedimento decisório já representa oexercício de um direito fundamental”, ressaltando
que “a participação no e através do procedimentoo é um instrumento funcional e
complementar da democracia, mas sim uma dimensão intrínseca dos direitos fundamentais”
(Ibidem, p. 74).
Contudo, não basta que o Estado converta em lei os anseios maiores da sociedade, que
estabeleça normas concretizando os valores da comunidade e permita que esta participe da
solução das questões jurídicas de seus interesses, é necessário que o direito seja concretizado
de forma efetiva e que os instrumentos processuais sirvam para o fim de realização das
normas.
O mesmo autor português entende o procedimento como sistema de regras e/ou princípios
que tem por finalidade atingir um determinado resultado, para o que deve ser observado um
caminho procedimental que seja adequado aos direitos fundamentais, ou seja, o direito ao
processo consiste na previsão de normas processuais por parte do legislador e na correta
interpretação e aplicação dessas normas por parte do juiz (Ibid., p. 75/76).
57
Marinoni diz que para o direito de ação alcançar suas finalidades, faz-se necessário que “o
autor esteja munido dos instrumentos hábeis a dar-lhe efetividade e, portanto, dos meios
executivos capazes de outorgar concreção à tutela jurisdicional do direito, seja ela final ou
antecipada” (2006, p. 212).
Outrossim, o Estado, quando veda o exercício particular das próprias razões, proibindo a
autotutela, estabelecendo normas em sentido material e procedimental, assume obrigações de
igual monta, exatamente no sentido de conferir proteção jurídica para que o titular de um
direito possa exigir concretamente a efetivação do seu interesse juridicamente protegido pela
norma; restando, ainda, ao Estado, o dever de não violar as próprias normas e não invadir a
esfera de proteção dada pela lei, que deve ser respeitada também por ele como representação
da comunidade politicamente organizada.
Não basta, assim, a mera previsão das normas em abstrato, pois já dizia Jhering que: “O
direito existe para se realizar. A realização é a vida e a verdade do direito, é o próprio direito
(Apud OLIVEIRA, 2003, p. 244). A concretização da norma jurídica é essencial para sua
existência, pois caso contrário seria mera cogitação, uma teoria sem efeitos práticos.
O grande dilema que envolve a realização do direito consiste em sopesar os valores
justiça e segurança judica, pois enquanto este reclama uma ampla possibilidade de defesa e
contestação dos fatos atribuídos a uma pessoa, aquele exige a efetivação da norma de modo
célere e eficiente. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira entende que a efetividade do processo
não pode ser tomada de forma isolada, mas conjugada com os valores sociais referentes à
jurisdição, materializados nos princípios do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa,
concluindo que
o próprio valor justiça, espelhando a finalidade judica do processo, encontra-se intimamente
relacionado com a atuação concreta e eficiente do direito material, entendido em sentido amplo como
todas as situões subjetivas de vantagem conferidas pela ordem jurídica aos sujeitos de direito
(Ibidem, p. 246).
58
Mesmo o mestre Barbosa Moreira já alertava, contudo, que se o processo deve ser o mais
rápido possível, não se pode esquecer que uma certa demora é natural e, de certo modo, até
mesmo desejável, haja vista a necessidade de se respeitar os interesses da própria sociedade
no que se refere à observância das garantias das partes (2004b, p. 5), sendo certo que dentre as
garantidas das partes está o contraditório. Salienta, ainda, que é o próprio Direito que exige do
processo, em uma sociedade que pauta a atuação estatal pelo respeito aos direitos
fundamentais, uma menor celeridade, pois: “Se uma Justiça lenta demais é decerto uma
Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça
boa” (Ibidem).
Desse modo, seja para permitir a realização do direito da parte, seja para assegurar as
garantias inerentes ao próprio Estado de Direito, como o direito à obediência às regras
procedimentais e à defesa, o processo não pode ser visto senão como um instrumento de
concretização dos valores constitucionais, ou um “direito constitucional aplicado”
(OLIVEIRA, 2003, p. 261), devendo ser tomado como integrante dos direitos fundamentais,
tanto do autor como do réu.
Quanto à questão do enquadramento dos direitos fundamentais, acompanhamos Eusébio
Fernandez (1984, p. 78), segundo quem tratam dos “direitos mais essenciais em relação com o
pleno desenvolvimento da dignidade humana. Para este autor, os direitos humanos têm
relação direta com as necessidades humanas e sua fundamentação antropológica, no sentido
de que se assegure aos indivíduos a proteção das exigências necessárias para uma vida digna,
respeitando-se essa essência das pessoas.
Certamente envolve a alise de uma vida digna a necessidade de resposta adequada do
Estado quando houver violação de um direito assegurado. Se à parte não restasse outra
alternativa diante de uma afronta ao seu interesse letimo senão se resignar, não haveria
qualquer sentido na utilização da expressão direito.
59
E mais uma vez concordando com Eusébio Fernandez (1984, p. 79), podemos dizer que o
direito fundamental tem como um paralelo uma obrigação ou dever fundamental, dada a
correlação necessária entre direito e dever.
Outrossim, em respeito ao direito fundamental do cidadão ao processo, existe o
correspondente dever fundamental de o Estado oferecer uma prestação jurisdicional justa, o
que é denominado de acesso à Justiça, e que Greco (2005a, p. 230) chama de o “direito que
cada cidadão tem individualmente ao exercício da função jurisdicional sobre determinada
pretensão de direito material, sobre o mérito do seu pedido”.
Entretanto, mesmo em se reconhecendo o acesso à Justiça como um direito fundamental,
no sentido de se permitir a todos uma resposta aos pleitos dirigidos ao Poder Judiciário, se não
houver uma prestação jurisdicional de qualidade, de nada valerá a consagração de referido
direito. Desse modo, o direito à Justiça somente se concretiza se a atividade jurisdicional for
prestada dentro de um período de tempo considerado razoável, devendo haver por parte do
Estado uma resposta consentânea com a necessidade demonstrada perante suas autoridades.
Já há bastante tempo a doutrina defende a tese de que está dentre os princípios do
processo o da celeridade processual, ou, como o definia Moacyr Amaral Santos, prinpio da
brevidade, segundo o qual “o processo deve desenvolver-se e encerrar-se no menor prazo
possível, sem prejuízo do princípio da veracidade” (1995, p. 294), de modo que os atos
processuais somente levem o tempo necessário e suficiente para atingir sua finalidade.
Aroldo Pnio também se manifestava no sentido de que a doutrina processual preocupa-
se com a demora na tramitação do processo, pois a lentidão da justiça é prejudicial ao direito
de acessar o judiciário (1992, p. 124).
O direito ao processo razoavelmente célere pode ser visto, assim, como um direito
fundamental dos indiduos, conforme entendimento manifestado por Leonardo Greco
(2005a, p. 225): “A tutela jurisdicional efetiva é, portanto, não apenas uma garantia, mas, ela
60
própria, também um direito fundamental, cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em
respeito à própria dignidade humana”.
No caso espefico da ordem judica brasileira, o referido princípio alcançou dignidade
constitucional pela chamada Emenda n.º 45, que fez incluir no artigo 5.º, em seu inciso
LXXVIII, da Carta Magna, que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados
a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Sabendo-se que a justiça instantânea é impossível, como já salientado, haja vista a
necessidade de tempo para que as partes pleiteiem os seus direitos, para que possam
demonstrar de forma adequada a veracidade de suas alegações através dos meios de prova
admitidos, em respeito ao contradirio, assim como a necessidade de análise minimamente
detida do caso para a apreciação judicial, e, ainda, os recursos possíveis para cada caso
(CARNEIRO, P., 2000, p. 79), não é menos certo que se pode chegar a um processo com
duração razoável, sendo que o grande dilema atual da atividade jurisdicional consiste no
conflito entre segurança e rapidez da resposta judicial.
Henrique Garcia Pons entende que o direito a um processo rápido possui, de fato,
natureza de direito fundamental, dizendo textualmente que “El derecho a unanime proceso
dentro de un plazo razonable o sin dilacionaes indebidas, inherente a toda persona humana
por su condición de tal es un derecho fundamental” (Apud CARNEIRO, P., 2000, p. 80).
Destarte, a mera previsão teórica de um direito fundamental pelo ordenamento jurídico de
nada valeria se não houvesse um direito, também fundamental, para permitir a concretização
das normas jurídicas de forma efetiva, adequada e célere.
Daí se pode concluir que o direito ao processo célere, a uma resposta rápida do Poder
Judiciário conforme as características do interesse jurídico ameaçado, é um direito
fundamental, haja vista que é essencial para o desenvolvimento da dignidade humana, por
corresponder a uma resposta indispensável para uma necessidade das pessoas, das mais
61
básicas delas, que é o respeito ao direito de ser titular de um direito realizado, e, então,
existente.
A positivação da obrigatoriedade de duração razoável do processo somente confirma sua
presença no rol dos direitos humanos, haja vista a previsão normativa, de um modo geral,
desses direitos em convenções internacionais e mesmo nas ordens jurídicas internas. O direito
ao processodentro de um prazo razoável” já veio inserido expressamente na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo 8.º, item 1, no ponto que trata das garantias
judiciais (CINTRA, DINAMARCO E GRINOVER, 1996, p. 85).
E também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo VIII, é textual
no sentido de que todos têm direito a receber dos tribunais remédio efetivo contra as violações
dos direitos fundamentais, não havendo dúvida de que um remédio efetivo é aquele que
socorre o necessitado em tempo suficiente para evitar a perda do direito pleiteado perante o
Estado.
Desta feita, não há como negar a necessidade histórica das pessoas em obter resposta
rápida para seus litígios, pelo que a comunidade atual entende como da essência da dignidade
humana o direito ao célere pronunciamento judicial sobre os interesses em litígio, assim como
o é o direito ao contradirio.
Mesmo o Convênio Europeu de Direitos Humanos tem a previsão de que “toda pessoa
tem direito a que sua causa seja ouvida eqüitativa, publicamente e dentro de um prazo
razoável, por um Tribunal independente (...)” (Apud CARNEIRO, P., 2000, p. 80), o que se
mostra como uma questão universal do processo.
Neste sentido, vale citar o posicionamento de Leonardo Greco (2005a, p. 269), para quem
ainda que a jurisdição naturalmente exija determinado período de tempo para ser exercida, o
tempo que se dever tolerar para a duração do processo é o necessário para que seja concedido
ao adversário o pleno exercício de sua defesa, isto porque
62
A demora no julgamento cria uma instabilidade na situação jurídica das partes, incompatível com a
noção de segurança jurídica exigível em toda sociedade democrática. A jurisdição deve assegurar a
quem tem razão o pleno gozo do seu direito durante o máximo tempo possível.
E mais adiante critica a iniqüidade do longo tempo despendido para a burocracia inútil do
processo, como para a distribuição, para as publicações e outros atos secundários e acessórios
do processo, concluindo, contudo, “que a rapidez não pode prejudicar o contradirio e esse é
o grande dilema a que está hoje atirada a chamada tutela da urgência, cautelar ou antecipada”
(Ibidem, p. 271).
Desse modo, o a jurisdição deve ser necessariamente eficiente para resguardar o direito
violado, dentro de um prazo suficientemente curto, mas não pode descurar de respeitar o
direito à participação plena do interessado, por meio do contradirio, que exige um certo
tempo para que seja efetivo.
E, além da questão referente ao processo célere, ainda há o problema da urgência, quando
há uma situação de perigo que exija imediata atuação do judiciário, para evitar a ocorrência de
um mal maior. Aí a necessidade de respeito ao contradirio se mostra mais delicada, pelos
direitos fundamentais conflitantes: participação e rapidez.
3.2 O dilema contraditório, defesa e urgência
Em confronto com o direito a umapida solão para o litígio, como visto, es a
garantia da ampla defesa, corolário do contraditório.
Segundo Marinoni (2006, p. 307) o direito de defesa é um contraponto ao direito de ação,
sendo necessário o seu respeito para o exercio da jurisdição, posto que sem a efetividade do
direito de defesa fica comprometida a legitimidade da jurisdição.
63
O direito à defesa não significa o direito a uma tutela favorável, mas a possibilidade de
negar a tutela do autor, não se restringindo ao contraditório dentro de um limite
procedimental, devendo ser respeitado o efetivo e pleno contraditório participativo. Em
havendo a necessidade específica diante da situação posta em litígio, o réu deverá poder se
defender conforme um procedimento adequado. Essa a verdadeira acepção de ampla defesa,
com os meios a ela inerentes.
Assim como o autor tem direito a uma tutela específica tendo em vista as peculiaridades
do direito material, também ao réu deve ser assegurada a defesa efetiva segundo as
necessidades do seu direito material.
Se ao autor for assegurada uma tutela antecipatória, ao réu também deverá ser garantido o
direito de, por um meio adequado e célere, se insurgir contra a concessão da tutela. É o caso
de poder exigir a pronta resposta do mesmo juiz ou de um órgão superior, como um tribunal,
quanto ao pedido de reforma da decisão antecipatória de tutela, pois esta passou a interferir
em sua esfera jurídica desde o momento em que foi deferida.
O direito de defesa é um corolário do direito de acesso à justiça, segundo o qual não basta
o direito de apresentar uma defesa, mas de uma forma que efetivamente assegure uma
oposição real à pretensão de tutela do direito autoral.
O contraditório significa participão no exercio do poder, sendo uma expreso
técnico-jurídica do princípio da participação, o que significa o atendimento às partes
litigantes, servindo o contraditório tanto ao autor como ao réu.
A aplicação dos direitos deve se dar de forma harmônica, tanto em relação ao autor como
ao réu, pelo que os interesses são ponderados diante da situação concreta, tendo em vista os
direitos fundamentais envolvidos na demanda. Mas, em respeito à segurança do
jurisdicionado, a proporcionalidade deve ser uma última sda na decisão judicial, deixando-
se a ponderação apenas para os casos em que não houver uma solução juridicamente evidente,
64
ou mais clara possível para o caso, como forma de evitar que fique nas mãos do juiz optar por
um dentre dois direitos fundamentais, haja vista que deve haver a maior previsibilidade
possível nos julgamentos proferidos, dentro de uma racionalidade acessível aos interessados.
Eventualmente, em hipóteses específicas, como na antecipação de tutela, o direito de
defesa acaba sendo restringido, assim como o contradirio, dada a necessidade de proteção
de outro direito fundamental, alegado pelo autor. Para proteger o direito de ação do autor,
pelas peculiaridades do caso concreto, em que se exija a imediata prestação jurisdicional, para
que ele não sofra prejuízo irreparável ou de difícil reparação, diante da verossimilhança do
direito alegado decorrente de um início plausível de provas, poderá haver a concessão de
tutela jurisdicional sem que se permita ao réu o direito de exercer a prévia, plena e completa
defesa.
Mas a decisão sem o contradirio e a plena defesa não poderá atingir os efeitos de coisa
julgada. Nesse sentido afirma Marinoni (2006, p. 337) que
retirar do réu a oportunidade de defesa, deixando-o subordinado aos efeitos de uma decisão não mais
passível de discussão (porque marcada pela coisa julgada material), significa violação do núcleo
essencial do direito fundamental de defesa.
Desse modo, ainda que se admita eventual restrição à possibilidade de prévia resistência,
para que se continue a ter um processo garantístico, deve ser respeitado um limite do direito
de defesa que não pode ser superado, sob pena de violação do contradirio.
Se o direito fundamental ao contradirio prévio pode ser limitado, diante da necessidade
do direito fundamental de ação, a oportunidade de defesa plena, mesmo que postecipada, não
pode ser afastada, não existindo contrariedade ao núcleo essencial do contraditório e do
direito de defesa ao se postecipar, para depois da concessão da medida urgente, o pleno
exercício do contraditório e do direito de defesa (Ibidem, p. 337).
65
Contudo, essa deve ser uma exceção, pois o respeito ao contraditório prévio a qualquer
decisão deve ser a regra. Essa tese deve ser sustentada ainda que a concessão das medidas
urgentes, inaudita altera parte, seja cada dia mais comum.
É certo que o próprio legislador admitiu a limitação ao contradirio quando previu, no
digo de Processo Civil, para a efetividade do direito de ação e utilidade do processo, a
tutela antecipatória, as medidas cautelares e demais liminares, que também se encontram em
diversas leis extravagantes. Ao prever o instituto da antecipação de tutela, permitindo sua
utilização no procedimento ordirio, o legislador já ponderou os interesses de autor e réu, de
modo genérico e abstrato, aceitando que, presentes os pressupostos respectivos, haja a
limitação ao direito de defesa prévia, sendo que a ampla defesa poderia ser feita após a
concessão de uma medida antecipatória. Ainda assim, essa concessão de medidas
antecipatórias não pode ser vulgarizada, pois é uma violência a parte ser atingida por uma
medida judicial sem que tenha a possibilidade de prévia de manifestação quanto ao pedido e
as alegações do autor.
A urgência pode ser objeto de análise por meios variados, como pela idade da parte, pelo
direito específico que mereça mais rápida proteção, por sua relevância, ou mesmo por opção
do legislador, em que não existe propriamente urgência, mas celeridade adotada na tramitação
de determinados procedimentos (GRECO, 2007).
Portanto, existe uma abertura no ordenamento para que o juiz exerça uma ponderação dos
direitos materiais em jogo, por suas respectivas relevâncias, com a possibilidade de deferir as
medidas urgentes, em casos necessários e excepcionais.
Pela natural demora no conhecimento das questões controvertidas, pode o autor vir a
necessitar de uma antecipação de tutela ou uma medida cautelar, para evitar um dano que
possa ser causado ao seu direito ou para garantir que o processo, quando chegar em seu final,
produza bons frutos.
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Ocorre que, diante da cada vez maior lentidão do processo, as antecipações de tutela
começaram a ser deferidas, até por previsão legislativa, não em casos de urgência, mas
também para definir uma situação jurídica para a causa até a solução final.
Leonardo Greco (2007) entende que a concepção da moderna tutela antecipada decorre de
uma alteração de paradigma no que diz respeito à administração da justiça, que passou a dar
ênfase à questão da pacificação social, por meio de decisões provisórias, que chegam a ter
mais relevância para as partes até mesmo que a decisão definitiva, o que aproxima a civil law
da common law. Passa a ter mais importância, assim, uma pronta decisão para a causa, que
analise as probabilidades dos direitos das partes, de modo que aquela que tem razão não seja
prejudicada pela demora na tramitação do processo.
Assim, as liminares acabaram ganhando contornos bem próprios, abrangendo não
casos com urgência, mas também aqueles em que a aparência do direito de uma das partes é
tamanha que leve à concessão da medida antecipatória. O problema dessa situação consiste
em que muitas vezes o contraditório é relegado em segundo plano, em defesa da comodidade
de uma solução rápida para a controvérsia.
Em estudo sobre as liminares, Eduardo Costa analisou que nem sempre, na prática, vale a
regra processual que coloca como requisitos da tutela de urgência a aparência ou
probabilidade do direito e o perigo de dano iminente ou de difícil reparação. Para o autor, os
referidos requisitos não são autônomos, mas interimplicados (2006, p. 8).
As tutelas de urgência e de evidência são aspectos da sumarização do procedimento e da
ordinarização da liminar, o que não pode ser feito em detrimento de garantias essenciais do
processo, como o contradirio.
Segundo a norma processual,o havendo probabilidade suficiente do direito do autor,
mesmo existindo perigo iminente de dano insuportável, não é cabível a liminar; como também
o é devida se houver direito com grande probabilidade, mas sem um mínimo perigo de
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dano. Sem que estejam previstos os pressupostos legais, não se pode, portanto, postecipar o
contraditório, que deve ser amplo e prévio quando não houver possibilidade, ou melhor,
necessidade, de antecipação de tutela.
Contudo, não é incomum encontrar decisões antecipatórias em que não há urgência ou
perigo de dano, apenas uma aparente evidência do direito alegado. Diante de um direito com
grande aparência de certeza, sem um risco relevante, pensa-se que é justa a concessão da
medida, pois “o decurso do tempo diante do direito evidente sem resposta por si só representa
uma ‘lesão’” (FUX, 1996, p. 309).
Na sua análise, Eduardo Costa, faz uma gradação da certeza, ou probabilidade do direito
alegado, em sete níveis: certeza positiva; probabilidade positiva; verossimilhança ou
aparência positiva; dúvida; verossimilhança ou aparência negativa; probabilidade negativa; e
certeza negativa. Essa diferença de níveis varia segundo determinados fatores, como a
existência de uma súmula vinculante ou decisão do plenário do STF, passando por
jurisprudência de tribunais superiores, divergência entre tribunais até chegar a jurisprudência
contrária ao direito vindicado (2006, p. 23/25).
Nesses casos, a tese nem sempre se pauta pelas questões pertinentes ao caso concreto,
mas a um conhecimento abstrato e pré-concebido do assunto. Uma vez deferida a medida
liminar nessa situação, há violação ao contraditório, tendo em vista que a parte é privada da
possibilidade de demonstrar as peculiaridades do caso concreto, e até mesmo de defender sua
situação anterior, antes de ser atingida em seu patrimônio jurídico pela decisão.
Além da chamada tutela de evidência, existe também a tutela de urgência ou segurança,
em que, na praxe forense, nem sempre existe uma demonstração razoável do direito, a
probabilidade não está suficientemente demonstrada, mas pela gravidade do perigo, nas
situações em que a “irreversibilidade do dano iminente é máxima (ou seja, é impossível que o
dano seja recomposto) e o bem jurídico ameaçado é de enorme relevância (i.e., cuida-se de
68
bem cuja inviolabilidade é chancelada pelos mais elevados valores constitucionais)” (COSTA,
2006, p. 17), defere-se a medida liminarmente, como é o caso da saúde ou da integridade
corporal de uma pessoa. Diante de um perigo extremo, o juiz dá atenção ao aspecto do risco
de dano irreparável ou de difícil reparação.
Ainda assim, há grande possibilidade de se violar o contradirio, pois nessas hipóteses
não é incomum haver irreversibilidade na medida, sendo que caso a parte prejudicada por uma
medida liminar demonstre posteriormente ter razão, dificilmente será restituída a situação
anterior, concretizando-se, então, uma injustiça.
Para Luiz Fux, falando da tutela de segurança, “a tônica dessa forma de tutela está na
‘prevenção’ e na unidade do procedimento, que funde atos de cognição e execução” (1996, p.
45), o que acaba sendo uma forma de assegurar a efetividade do processo de modo que à parte
seja conferido, em um justo tempo, o direito a que faz jus. O problema es em que nem
sempre ela possui a proteção jurídico-normativa que alega ter.
E fazendo uma hierarquia também para o periculum in mora, Eduardo Costa arrola sete
espécies de perigo de dano: dano extra-patrimonial irreparável in natura, com perigo à vida
ou integridade física ou psíquica; dano extra-patrimonial irreparável por hipossuficiência
ecomico-financeira ex adversa; dano extra-patrimonial quase-irreparável, ou reparável por
meio de delongado processo (difícil reparação); dano patrimonial irreparável in natura; dano
patrimonial irreparável por hipossuficiência econômico-financeira ex adversa; dano
patrimonial quase irreparável, ou reparável por demorado procedimento; e dano patrimonial
facilmente reparável. Aqui, os riscos vão desde o perigo de morte ou grassima lesão física
ou psíquica, passando por danos morais sem possibilidade de reparação e prejuízos materiais
de maior ou menor dificuldade de reparação (2006, p. 22/23).
Mas não é o grau de perigo, tão somente, que irá justificar uma mitigação do
contraditório para possibilitar a medida liminar, pois é necessário o atendimento aos preceitos
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normativos, de modo a resguardar os direitos do réu, para que o julgador não faça, no caso
concreto, caridade com joelho alheio.
Ainda que seja comum, na prática, a compensação da falta de um dos requisitos da
medida liminar pelo sobrepujamento da presença do outro, levando à sua concessão, essa
conduta fere o contraditório, ainda mais claramente porque viola a própria norma que permite
o deferimento da medida.
O estudo de Eduardo Costa leva à conclusão de que a liminar, assim, o se baseia em
dois elementos distintos, fumus boni iuris e periculum in mora, mas um único pressuposto
que é o resultado de uma valoração a respeito da tensão ‘fumaça do bom direito’ – ‘perigo de
dano’, o que se verifica no caso concreto”, concluindo que
Existe sim um conjunto infinitesimal de experiências, dentro das quais diferentes liminares são
concedidas à medida que diferem os juízos de valor concretos sobre a tensão fundamental entre
‘fumaça de bom direito’ e perigo de dano’ (2006, p. 33).
Ainda assim, essa combinação deve levar a uma real necessidade da medida, com a
comprovação de seus requisitos legais, para que possa ser concedida sem a oportunidade do
contraditório prévio.
Uma vez demonstrado, de forma provável (verossimilhança ou fumus boni iuris), mas
também concreta e calcada em elementos razoáveis, que o direito do autor terá mais chance
de ser reconhecido em decisão final que o do réu, havendo perigo de dano pelo
prolongamento do processo, é inerente ao direito de ação e de acesso à justiça a possibilidade
de obtenção de uma tutela urgente, mesmo que o contraditório não tenha ocorrido e réu ainda
não tenha exercido plenamente sua defesa.
Outrossim, eventualmente, em se tratando de medidas urgentes, o julgador pode entender
necessário, excepcionalmente, deferir medida que afete a esfera jurídica do interessado antes
de sua participação no processo, o que poderá levar à consolidação de dano grave e de difícil
reparação para um dos litigantes.
70
O julgador deve fazer, no caso, uma ponderação entre o direito do demandante a uma
resposta imediata do Estado, de um lado, como concretização do princípio do acesso à justiça
e da inafastabilidade do controle jurisdicional, e, de outro, o direito do demandado de
participar previamente do processo e de uma decisão que o irá atingir, respeitando-se o amplo
direito de defesa e o contradirio prévio.
O contraditório, no caso, não pode ser eliminado, mas eventualmente postergado, para
depois da decisão, sendo necessário e indispensável, como citado alhures.
E Barbosa Moreira (Apud BRUSHI, 2004, p. 102), corroborando as razões expostas
acerca da problemática essencial da efetividade do processo, afirma que
a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os
direitos (e outras posições jurídicas de vantagem), quer resultem de expressa previo normativa, quer
se possam inferir do sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em
princípio, sejam quais forme os supostos titulares dos diretos (e das outras posições jurídicas de
vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou
indeterminável o círculo dos eventuais sujeitos; c) impende assegurar condições propícias à exata e
completa reconstituão dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda,
tanto quanto puder, à realidade; d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo
há de ser atual tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus
segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com onimo disndio
de tempo e energias.
Desse modo, a busca por uma justiça mais célere, com a efetivação do direito postulado e
demonstrado pela parte interessada, ainda que sem uma dilação probatória mais profunda já
num primeiro momento, vai ao encontro das modernas tendências que evolvem a doutrina
judico-processual, no sentido de que o direito seja um instrumento útil e eficaz para a
solução de conflitos individuais e sociais.
Uma concessão de plano de uma medida urgente não implica, portanto, necessariamente,
na violação do princípio do contradirio, desde que seja a providência mais adequada ao caso
concreto. Isto porque a defesa do interessado, que teve seu patrimônio jurídico afetado por
decisão judicial concessiva de medida urgente, poderá, e deverá, ser a mais completa e
extensa possível, em seguida, no curso do próprio processo em que a decisão se efetivou, ou
mesmo por outro processo ou, ainda, por meio de um recurso, o que não deve ser a regra, pois
71
o direito do demandado deve ser acessar e influir na convicção do mesmo juiz que deferiu a
medida.
Destarte, o Direito, no seu anseio de realização da justiça, possui como obstáculo,
principalmente nos dias de hoje, o problema da demora na prestação jurisdicional e suas
conseqüências nefastas para a garantia do interesse juridicamente tutelado.
E o meio que o legislador encontrou para amenizar o problema do tempo na solução dos
processos foi a adoção do que se tem chamado de regime jurídico de tutela de urgência, o qual
envolve a as antecipações de tutela e as medidas cautelares. A maior parte da doutrina entende
que aquelas têm por finalidade conceder ao interessado desde já o resultado prático da
sentença final, e que o escopo destas é assegurar a utilidade do processo como instrumento de
realização da justiça.
Apesar das diferentes concepções havidas entre as tutelas de urgência, conforme exposto
acima, é para evitar os males do tempo de processamento dos feitos que essas medidas se
justificam. Cândido Dinamarco (2004, p. 58) aponta o que une as cautelares às antecipações
de tutela: “É inegável, todavia, que tanto as cautelares quanto as antecipatórias convergem ao
objetivo de evitar que o tempo corroa direitos e acabe por lesar alguma pessoa”.
Daí porque caberá ao julgador analisar as razões contidas no pedido, não exigindo desde
já a prova plena, mas a “prova convergente ao reconhecimento dos fatos pertinentes, ainda
que superficial e não dotada de muita segurança, desde que não abalada seriamente por outros
elementos probatórios em sentido oposto”, conforme explicita o citado autor (Ibidem, p. 64).
Finalmente, o interessado deverá demonstrar que caso sua pretensão não seja desde logo
acolhida poderá ocorrer de o processo não chegar a um resultado final seguro e útil, o que
acarretará grave prejuízo para seu direito.
Segundo Victor A. A. Bonfim Marins (1997, p. 561)
Do mesmo modo, o ‘fundado receio de dano irreparável ou de dicil reparação’ (art. 273, I)
corresponde praticamente ao ‘justificado receio de ineficácia do provimento final’ (parágrafo 3.º do
art. 461), porquanto, no plano das probabilidades, se houver ineficácia (parcial ou total) do provimento
72
final seguramente haverá dano irreparável. Ainda sob a óptica da aparência, a recíproca é também
verdadeira: havendo aparência de dano irreparável ou de dicil reparação haverá tamm
probabilidade de ineficácia do provimento final.
No mesmo sentido, Rita de Cássia Corrêa de Vasconselos (2003, p. 60) afirma que, ao
assegurar o acesso à justiça, a Constituição Federal, no artigo 5.º, XXXV, permite o acesso à
tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva”, e que não teria valor para o
jurisdicionado se não fossem previstos mecanismos e procedimentos para uma efetiva
aplicação dos ditames da lei, em um prazo razoável, pois uma tutela intempestiva não serve à
justiça.
Também nessa toada, Paulo Afonso de Souza Sant’anna (2003 p. 93) corrobora a
pretensão referente à antecipação de tutela, citando renomado processualista
Ovídio A. Batista da Silva salienta quehá casos de urgência urgentíssima’, nos quais o quenão se
mostrará legítimo será o Estado recusar-se a tutelar o direito verossímil, sujeitando seu titular a
percorrer as agruras do procedimento ordinário, para, depois, na sentença final, reconhecer a
existência apenas teórica de um direito definitivamente destruído pela sua completa inocuidade
prática’.
Cândido Dinamarco (2004, p. 58) diferencia as medidas urgentes dizendo que as
cautelares servem para se evitar que o tempo prive o processo de utilidade para o bom
exercício da jurisdição e a sua conseqüente produção de efeitos na vida das pessoas, enquanto
as antecipatórias se ligam à vida das pessoas, de modo que se possa lhes permitir o benefício
pretendido mesmo antes da decisão final do processo.
Ainda que exista esta diferença na instrumentalidade das medidas, a finalidade das
medidas urgentes é uma só, garantir que o tempo do processoo viole o direito da parte.
Pouca relevância a inclusão dessa categoria de tutela jurisdicional como cautelar ou como modalidade
diversa de provimento de urgência. Fundamental é sua perfeita identificação, a fim de verificarmos se
representa solução adequada para atender à necessidade de rapidez, sem abandono das garantias
constitucionais (BEDAQUE, 2006b, p. 163).
Desse modo, em casos graves e excepcionais, é possível a concessão da medida judicial
sem citar o réu ou sem que a ele tenha sido oportunizado contraditório prévio. Para tanto, é
indispensável que o tempo necessário para a citação do réu e a possibilidade de resposta deste,
73
ou mesmo sua ciência do ato, seja incompatível com a urgência e a relevância do direito do
autor. Isto é, somente se não houver como aguardar o contraditório e a defesa é que é possível
a concessão de liminar inaudita altera parte. Havendo como dar ao réu o direito de se
manifestar antes da decisão, este deve ser ouvido, pois a negação do contradirio prévio,
através da interferência no seu patrimônio judico, apenas é admissível quando estritamente
necessário para se alcançar o resultado da medida de defesa do direito em questão
(MARINONI, 2006, p. 356).
Mas em determinados casos, é de se reconhecer que somente a “tutela imediata –
antecipatória ou cautelar – é apta para tornar efetiva a prestação jurisdicional” (Ibidem). Se o
tempo normal do processo puder acarretar grave dano ou de difícil reparação ao direito da
parte, a tutela de urgência deve ser admitida, mesmo se for o caso de não se ouvir previamente
a parte contrária. Marinoni, citando Vitório Denti e Andrea Proto Pisani, afirma que “a tutela
urgente constitui um atributo fundamental da função jurisdicional”, sendo “um componente
essencial e ineliminável da tutela jurisdicional” (Ibid., p. 356/357), desde que para evitar um
dano maior e irreparável.
Saliente-se que o dispositivo legal que prevê a antecipação de tutela não possui qualquer
vedação no sentido de que a antecipação de tutela seja concedida sem a prévia oitiva da parte
contrária, o que, contudo, não pode fazer dessa possibilidade uma regra.
O direito à tutela urgente, inclusive sem a oitiva da outra parte, constitui, portanto, uma
conseqüência do direito fundamental de ação. Ainda que, neste caso, haja limitação do
contraditório prévio e do direito de defesa, eles não são atingidos em seu núcleo essencial,
dada a provisoriedade da tutela urgente. Desse modo, fica garantido ao réu o direito ao
contraditório amplo e, também, recorrer da decisão concessiva da tutela urgente. Não
negativa de contradirio, mas ocorre o que se chama de contraditório diferido, quando ele é
74
transferido para depois da concessão da medida judicial, como forma de preservar sua eficácia
e garantir que o processo seja produtivo para o interesse legítimo.
Conclui, assim, Marinoni, que “a postergação do contradirio é obviamente legítima,
pois atende a um princípio merecedor de atenção, isto é, a efetividade do direito fundamental
de ação” (2006, p. 357).
Mas essa questão é polêmica, não se podendo deixar de citar manifestação de Ada
Pellegrini Grinover, que não aceita a antecipação de tutela quando fundada em elementos de
prova produzidos unilateralmente pelo autor, pois nesse caso não haveria o respeito ao
contraditório na produção desses elementos que levariam à formação da convicção do
julgador, ainda que num juízo provisório, notadamente quando o convencimento do
magistrado dependesse de outros pontos não apresentados na petição inicial (2005b, p. 69).
No mesmo sentido é o entendimento de Calmon de Passos, para quem não haveria como
ser deferida a antecipação sem prévia citação do réu e a apresentação de defesa, ou o decurso
de seu prazo, para que seja atendido o princípio do contraditório, dizendo, também, que,
depois de apresentada contestação, as provincias preliminares e as medidas necessárias para
seu cumprimento impediriam a antecipação, pelo fato de o processo ainda estar em fase de
saneamento (Apud MESQUITA, 2003, p. 278).
Como o direito não se realiza imediata e autonomamente no plano dos fatos e as leis não
têm o condão de afastar a possibilidade de lesão ao direito das pessoas, é preciso que exista a
previsão das medidas urgentes para esses casos especiais.
Entretanto, o julgador deve agir com prudência, realizando a interferência mais branda
possível na vida do interessado, que deve sofrer a menor restrição cabível em seu direito, de
modo que não se antecipe uma medida mais do que seja necessário. Se não houver
possibilidade de concretização do perigo antes da citação e do decurso do prazo de defesa,
75
não será aceitável a antecipação de tutela antes da realização do contraditório (MESQUITA,
2003, p. 277).
Aroldo Pnio, por sua vez, sustenta que o se pode permitir que o clamor pelo rápido
andamento do processo viole a garantia do contradirio (1992, p. 125).
Em posição mais vanguardista, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro defende a possibilidade de
medida antecipatória mesmo havendo possibilidade de irreversibilidade do provimento,
lamentando o que chama de excessiva prudência do legislador” (2000, p. 82). O autor aceita
a irreversibilidade da medida antecipatória nos casos em que seu indeferimento puder levar a
dano irreversível e mais significativo para o autor, considerando os interesses em disputa
(Ibidem, p. 83), pelo que deve incidir o princípio da proporcionalidade, notadamente quando
ocorrer uma situão limítrofe entre os riscos da concessão ou não da liminar, de modo que a
opção do julgador deve ser “pela garantia da efetividade do processo, do bem da vida em
disputa, com o menor sacrifício possível para as partes” (Ibid., p. 97).
Mas não se pode esquecer que a irreversibilidade da medida liminarmente concedida, em
termos práticos, resulta no êxito consolidado da pretensão do autor, em detrimento do réu, o
que implica em violação do contraditório. Ainda assim, é de aceitar esse risco, em situações
extremas, se o direito fundamental violado tiver maior relevância em mais grave perigo.
A exigência de irreversibilidade, assim, não é peremptória e decisiva, pois sempre existe
um certo grau de irreversibilidade em tutela urgente, o que é considerado principalmente em
casos de maior probabilidade do direito do autor e da qualidade do bem jurídico para o qual se
pede proteção, quando há prova suficiente para gerar uma convicção e um grau de perigo
maior da não concessão da medida antecipatória.
É certo que a tutela jurisdicional deve ser uma proteção efetiva, com capacidade de
proporcionar ao demandante, o tanto quanto possível, os mesmos benefícios que decorreriam
do normal respeito à lei pelo adversário, cumprindo sua obrigação (PINHO, 2007, p. 197), daí
76
porque também não se pode afastar a possibilidade de uma interferência imediata do
judiciário, quando necessário.
O provimento jurisdicional de urgência tem como finalidade afastar o risco de prejuízo
oriundo da morosidade processual, permitindo a maior efetividade da decisão final, que deve
ser útil para o titular de uma posição jurídica de vantagem (PINHO, 2007, p. 198). Daí
porque, como forma de equilibrar os grandes valores em conflito no processo moderno, que
em tese são contrários, tendo em vista que segurança tem como condição o contraditório
amplo e exauriente enquanto efetividade se liga a rapidez, é prevista a tutela provisória, que
tem por finalidade permitir a pronta solução de uma situação urgente, quando não houver
elementos para uma decisão definitiva, diferindo-se o contraditório para outra oportunidade,
haja vista a necessidade e relevância do direito material invocado (Ibidem, p. 199).
O respeito ao contradirio é fundamental, mas também o é o direito à Justiça, sendo que,
no final das contas, é o julgador, com sua sensibilidade e experiência, diante dos elementos
que lhe são apresentados e das normas vigentes, quem irá fazer pender o fiel da balança para
um ou outro lado.
77
4 O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO E O RESPEITO AO CONTRADITÓRIO
4.1 Evolução histórica e conceito do princípio da motivação
A origem histórica da necessidade da motivação das decisões não é pacífica na doutrina,
sendo controvertido seno direito romano, como no procedimento da cognitio extra
ordinem, havia a obrigação de o juiz fundamentar sua decisão.
No período medieval, em que prevalecia o entendimento de que o soberano era o
escolhido de Deus para o governo dos homens, as decisões do rei eram conseqüência da
escolha da própria divindade, sendo, portanto, corretas, independentemente de uma
justificativa. Desse modo, a ausência de motivação das decisões tinha ainda uma finalidade de
fortalecer o poder real, bem como impedir a contestação de sua autoridade por eventual
questionamento sobre os julgados e seus fundamentos. Ainda assim, em determinadas
localidades já se fazia incipiente uma regra de motivação das decisões, como em Florença –
Rota Florentina, Portugal – Codificação Manuelina, Catalunha e Aragão (GOMES FILHO,
2001, p. 56).
É certo, contudo, que a partir do século XVIII, com a edição de diversos diplomas
normativos nos Estados ocidentais, se generalizou a exigência de que o juiz declarasse as
razões de suas decisões (TARUFFO, 1975, p. 322), como uma possibilidade de controle das
partes sobre a atuação judicial.
78
Mas Taruffo destaca que o citado período de ampliação do princípio da motivação é
decorrente de uma aproximação, pois os diversos sistemas processuais europeus possuíam
soluções diversas para a questão da fundamentação das decisões, dadas as diferentes
finalidades que os legisladores perseguiam ao impor ao juiz a obrigão de motivar os
julgamentos.
Com a Revolução Francesa, finalmente, chegam-se aos contornos mais definidos do
dever de motivar, uma vez que era necessário extirpar a arbitrariedade judicial tão comum no
antigo regime. Nesse sentido, a obrigação de motivar a decisão era um resultado autônomo e
original da ideologia democrática decorrente do regime revolucionário (TARUFFO, 1975, p.
325). E seguindo a posição francesa, a maioria dos códigos processuais do século XIX passou
a prever a necessidade da fundamentação das decisões, como a Ley de Enjuiciamiento Civil
de 1881 na Espanha e a reforma processual italiana de 1865.
Dados os ideais revolucionários e o rompimento com a situação anterior e o antigo
regime, a doutrina iluminista exigia mais certeza quanto à aplicação do direito, pelo que era
necessária a obediência ao primado da lei, que somente poderia ser verificada com a
explicitação das razões de decidir. E no caso francês, pela definição de uma supremacia do
legislativo, a motivação serviu como modo de controlar que os tribunais não interfeririam no
poder legislativo.
Desse modo, o que levou à generalização da obrigação de motivar as decisões foi mais
uma exigência de ordem ideológica e política do que jurídica ou filofica, ainda que as
condições culturais decorrentes do iluminismo em geral, e do iluminismo jurídico francês em
particular, fossem um necessário pressuposto de fundo para essa concepção (Ibidem, p. 327).
Para Taruffo, sob o aspecto filosófico, apenas Condorcet, pouco antes do início da revolução,
afirmava que o juiz tinha, segundo o direito natural, a responsabilidade moral de prestar
contas à sociedade do exercício de seu poder através da motivação (Ibid., p. 326).
79
Diferentemente do período anterior, em que o rei, como origem de todos os poderes,
estava isento de justificar suas decisões, com o regime revolucionário instituiu-se
definitivamente a separação dos poderes do Estado, e assim a motivação possuiu natureza
essencialmente potica, de modo que as decisões judiciais fossem justificadas segundo as leis
existentes, ditadas pelo Poder Legislativo, único com a função de criar as normas. Por essa
razão, a exigência da motivação era expressa quanto à matéria de direito dos julgamentos;
sendo, contudo, omissa a legislação quanto à declaração das questões de fato.
De outro lado, a legislão processual prussiana deu um significado diverso ao dever de
motivar a decisão judicial, na medida em que impunha a obrigação de dar às partes o
conhecimento das razões da decisão. Com o Codex Fridericianus Marchicus de 1748 passou
a haver a necessidade da publicidade e da motivação da decisão, mas a razão desse dever era
estritamente endoprocessual, para permitir à parte conhecer o conteúdo da decisão e
possibilitar sua impugnação, além de facilitar a alise da questão pelo juízo de segundo grau
(TARUFFO, 1975, p. 328).
No sistema de common law, em que pese a ausência de norma determinando que os juízes
motivem suas decisões, é corriqueira a apresentação do raciocínio que levou à decisão
judicial. Barbosa Moreira (1980, p. 84) e Gomes Filho (2001, p. 73) vêem que a tradição da
justificação das decisões, apesar da ausência de obrigatoriedade, está intimamente ligada ao
sistema de precedentes, em que é de grande relevância a explicitação das razões de decidir.
Segundo Taruffo, a existência de decisões motivadas é documentada na Inglaterra já a
partir do século XII (1975, p. 345), destacando que sempre existiu no sistema da common law
uma tendência mais ou menos ampla de expressar as razões em que se fundam as decisões
(Ibidem, p. 346), que naquele sistema representam um momento de criação jurisprudencial do
direito, do que decorre a necessidade de motivação dos julgados, com importância decisiva no
contexto daquele sistema jurídico (Ibid., p. 347).
80
E também o Brasil, mesmo ainda quando colônia, continha a obrigação de o julgador
explicitar as razões de decidir, inicialmente pelo disposto no Código Filipino, conforme citado
por Barbosa Moreira (1980, p. 85), em que na Ordenação do Livro III, Título LXVI, §7,
principio, para que os juízes da mor alçada pudessem entender melhor os fundamentos da
decio de inferior instância, determinava-se que fossem declaradas especificamente nas
sentenças definitivas as causas, em que se fundaram a condenar, ou absolver, ou a confirmar,
ou revogar.
Já no peodo imperial, o Regulamento n.º 737, do mesmo modo, trouxe disciplina para a
matéria, estabelecendo seu artigo 232 que a sentença deveria ser clara e que o juiz estava
obrigado a motivar com precisão o seu julgado.
O Código Processual de 1939 regulou a necessidade de motivação nos artigos 118,
parágrafo único, que mandava que o julgador declarasse os fatos e circunstâncias que
motivaram o seu convencimento, e 280, n.º II, determinando que na sentença estivessem os
fundamentos de fato e de direito.
Por sua vez, o atual estatuto processual brasileiro estabelece, em seu artigo 131, que o
juiz deve indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento, dispondo
como requisito essencial da sentença, a que Barbosa Moreira (2004c, p. 117) chama de
elementos da sentença, no artigo 458, II, os fundamentos em que o juiz analisa as questões de
fato e de direito, confirmando a necessidade de clareza na sentença e a manifestação judicial
sobre os pontos principais da decisão.
Finalmente, a Carta Constitucional de 1988 incorporou em seus preceitos o princípio da
motivação como informador da atuação judicial, dispondo o artigo 93, inciso IX, que todas as
decisões dos órgãos do Poder Judiciário sãoblicas e fundamentadas, sob pena de nulidade,
salvo quanto à publicidade, para a qual pode haver limitações específicas, nos termos da lei.
81
Outrossim, o dever de motivar está inserido na ordem jurídica pátria, e com sua dignidade
constitucional alcançou finalmente o lugar que merece no direito nacional.
A evolução do princípio da motivação se deu inicialmente como uma forma de controle
da autoridade do soberano sobre os julgados, para a confirmação do controle da lei, possuindo
diversas nuances em suas feições modernas.
Em seu aspecto mais profundo, o princípio da motivação exprime a exigência geral e
constante de controlabilidade do modo pelo qual os órgãos estatais exercitam os poderes que
o ordenamento jurídico lhes conferiu, o que é essencial para a noção moderna do Estado de
Direito (TARUFFO, 1975, p. 405).
Esse prinpio tem relevante conexão com outros prinpios inerentes à jurisdição, em
especial com o da publicidade e o da participação. É condição para o atendimento da
publicidade que a decisão esteja fundamentada, pois a publicidade de um dictum oraculare
seria inútil. De outro lado, permite-se também que se respeite a exigência potica de permitir
uma ligação direta entre a administração da justiça e o ambiente social (Ibidem, p. 407),
enfatizando a participação no exercício do poder.
4.2 A fundamentação das decisões judiciais como garantia política
Sob o aspecto político, considerando que a decisão judicial é emanada de um poder
público, integrante do Estado Democrático de Direito, é fundamental sua adequação ao
sistema de que faz parte. O Estado de Direito é aquele que se justifica, pois existe a lei que é
origem e fundamento do poder, pelo que o próprio Estado se estrutura sob o domínio legal,
age segundo a lei e demonstra assim estar agindo. E Democrático porque o poder tem origem
82
na população, que exige a demonstração e justificação do correto exercício do poder.
A questão potica da motivação da decisão representa uma possibilidade de controle
externo da atividade judicial, por parte da opinião pública e da sociedade em geral
(TARUFFO, 1975, p. 334), sendo um princípio potico de garantia, para o controle do
arbítrio do juiz e controle democrático do exercício que ele faz do poder (Ibidem, p. 350).
Para Jeremy Bentham a motivação é uma manifestação do princípio da publicidade do
processo, representando uma garantia potica de controle público do exercício do poder,
afirmando que boas decisões são aquelas para as quais boas razões podem ser dadas: “good
decisions are such decisions for which good reasons can be given” (Apud TARUFFO, 1975,
p. 351).
A própria expressão jurisdição, com significado de dicção do direito, indica que o juiz
não está simplesmente dotado do poder de decidir, mas de julgar segundo as normas vigentes,
pelo que deve indicar na sentença as razões de seu convencimento, segundo a legislação que
rege o Estado como um todo.
Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (1996, p. 68) o princípio da motivação é voltado
ao controle popular sobre o exercício da função jurisdicional”, sendo que em seguida
complementam que o referido princípio possui hoje uma função política, pela qual é possível
aferir-se a legalidade e a justiça das decisões bem como a imparcialidade do juiz.
No mesmo sentido, Barbosa Moreira entende que o atual enfoque do dever de motivar se
encontra em razões de ordem política, estando inserido no âmbito dos princípios fundamentais
que ordenam o comportamento do Estado. Vê, o citado jurista, a determinação da explicitação
das decisões como uma garantia, idéia básica pela qual devem ser ditados de forma pública os
fundamentos de uma decisão judicial (1980, p. 91).
Um outro fundamento para justificar a necessidade das decisões judiciais, segundo
Gomes Filho (2001, p. 79) consiste no fato de que normalmente os membros do Poder
83
Judiciário não são eleitos pela população, não recebendo aprovação do Parlamento. Desta
feita, não havendo escolha democrática no ingresso da magistratura, é ainda mais importante a
limitação desse poder pela necessidade de motivação da decio judicial.
Sendo a origem de todo o poder o povo, este tem o direito de saber de que forma o poder
está sendo usado em seu nome na função jurisdicional, o que representa o aspecto
democrático do Estado. E como o Estado também é de Direito, sua organização se dá através
de “princípios racionais” (NOJIRI, 1999, p. 38). Esta forma de organização do poder deve se
pautar pela supremacia da Constituição, separação dos poderes, respeito à legalidade e aos
direitos humanos (Ibidem, p. 39).
Na mesma linha acima citada, Nojiri também ressalta o fato de não haver eletividade ou
periodicidade no âmbito do Poder Judiciário (Ibid., p. 56). Com essa obrigação de dizer o
direito ao caso concreto, para resguardar a ordem jurídica no contexto democrático, é
necessária a prestação de contas referente ao poder que o juiz recebe, o que é feito pela
motivação da decisão.
Essa é chamada de função extraprocessual da fundamentação das decisões, se referindo à
necessidade de participação popular na administração da justiça. Já que o Estado Democrático
de Direito é pautado por princípios racionais, a necessidade de justificar o exercício do poder
permite o seu controle, de modo que sejam evitadas as decisões arbitrárias, além de
possibilitar, a motivação, a reforma deste comando abusivo por meio de uma impugnação,
como é o caso dos recursos.
A motivação está intimamente ligada ao exercício da jurisdição, tendo em vista sua
ideologia democrática, pela qual somente é correto o exercício do poder jurisdicional
enquanto seja satisfeita a garantia de controlabilidade externa e difusa, por meio da
motivação, da justiça e da legalidade do provimento em que se concretiza a jurisdição. Sem a
motivação esta assumiria uma ideologia diversa daquela do moderno Estado Democrático, e
84
voltaria a uma concepção burocrática e autoritária da função do juiz (TARUFFO, 1975, p.
412).
Assim, o contradirio, a publicidade e a motivação das decisões permitem a atuação
democrática do poder estatal ligado ao ato jurisdicional. Como o magistrado está adstrito ao
comando da lei, esta sim editada pelos representantes diretos do povo, titulares de todo o
poder do Estado, ao decidir uma questão posta para sua análise, deve justificar o motivo
respectivo, fazendo referência à forma como chegou à referida decisão, dizendo os
fundamentos jurídicos e fáticos respectivos.
A necessidade de motivação das decisões serve como um meio de controlar a função
jurisdicional, haja vista que o juiz não age segundo sua própria vontade ou valores pessoais,
mas está vinculado a critérios objetivos de julgamento, queo justamente as leis (NOJIRI,
1999, p. 67); destarte, servindo de limitão do poder estatal, a fundamentação da decisão
serve como garantia política do jurisdicionado contra a violação do direito.
Tal é a importância do referido princípio, que Nojiri o coloca como princípio
estruturante da Constituição (do Estado Democrático de Direito)” (1999, p. 69), em função do
que se incorporou à essência do Estado. Em conseqüência, o dever de motivar as decisões
integra o chamado “núcleo essencial do texto constitucional” (Ibidem¸ p. 70), incluindo-se nas
chamadas cláusulas pétreas citadas pelo artigo 60, §4.º, da Carta Política, pelo que sequer
pode ser excluído por reforma constitucional. Sendo manifestação do Estado Democrático de
Direito, e por representar uma participação direta do povo no exercício do poder, assim como
o contradirio, a necessidade de justificar as decisões é intangível.
E também como expressão de garantia potica, a necessidade de fundamentar as decisões
judiciais, Gomes Filho (2001, p. 92) a coloca como “garantia da efetividade dos direitos
fundamentais. Estes diretos m relevância constitucional expressa, o que obriga também os
poderes públicos a respeitarem-nos, haja vista que são dirigidos contra o próprio Estado.
85
Conclui o autor que a motivação possui duplo enfoque no que se refere à sua função de direito
fundamental à limitação do Poder Judiciário: um no sentido de que permite o
acompanhamento do raciocínio do julgador, para verificar se houve o atendimento ao devido
processo legal; e o outro que permite o controle da efetiva legalidade da decisão e sua
conformidade com a realidade dos fatos respectivos.
Além disso, Taruffo (1988, p. 40) chega a afirmar que existe uma corrente bem difundida
que defende que a obrigação de motivar é um princípio de direito natural, que existe
independentemente de estar formulado pelo direito positivo, concluindo em seguida que a
fundamentação da decisão é uma garantia, como condicionante necessária para o controle
democrático do poder jurisdicional, sendo manifestação fundamental da limitação do Estado
no exercício dos poderes públicos.
4.3 O aspecto endoprocessual da motivação e o contraditório
Além de seus aspectos políticos, acima elencados, a motivação da decisão judicial
também possui função técnico-jurídica própria, como forma de controle da legalidade pelas
partes diretamente interessadas e para permitir a impugnação específica e modificação dos
julgados.
Nesse aspecto, é possível, pela análise da motivação, inferir se houve o devido respeito ao
contraditório. Como a motivação deve se referir às questões discutidas no processo, para que
haja o respeito ao contraditório, deve o juiz demonstrar que analisou as razões das partes, que
sua decisão é fruto do embate dos respectivos argumentos, o que é necessário esteja refletido
nas razões da decisão.
86
Com a correta motivação, as partes poderão verificar o seu interesse em se utilizar dos
recursos cabíveis, tendo em vista os fundamentos de suas razões e aqueles da decisão
proferida.
Conforme já constava nas Ordenações Filipinas, era necessária a motivação da decisão
para que as partes pudessem saber da conveniência de impugnar as decisões por meio dos
recursos cabíveis. Do mesmo modo, através da decisão, os juízes de grau superior podiam
verificar as razões da decisão recorrida.
E como já ressaltado anteriormente, por ser o processo uma ciência, o dever de motivar
surge também como forma de sistematizar a racionalizar a prestação jurisdicional, de modo
que se possa verificar a eficiência do Poder Judiciário (GOMES FILHO, 2001, p. 95).
A decisão judicial, para ser corretamente entendida, não prescinde da sua fundamentação,
haja vista que é por meio desta que se permite o correto entendimento do julgado, não
bastando sua parte dispositiva. A compreensão exata do comando judicial somente se
completa com a devida análise de seus motivos determinantes, pois apenas assim a parte pode
averiguar se seus argumentos foram ou não apreciados, se puderam influir no convencimento
do julgador.
Gomes Filho enfatiza esta função da motivação, haja vista que fazendo constar no corpo
do julgado a análise das questões postas pelas partes para a apreciação judicial, o que indica
que houve o contraditório argumentativo, é possível que o interessado verifique que o juiz
considerou tanto a pretensão autoral quanto a resistência do demandado, para que a cognição
do ato judicial seja explicitada (Ibidem, p. 96/97). A motivação demonstra que as partes
puderam participar da formação da decisão.
Em seguida, citando Kazuo Watanabe, indica que a decisão envolve “um ato de
inteligência” (Ibid., p. 97), concluindo que somente pela exigência da fundamentação é que se
87
permite a compreensão da influência das razões jurídicas e fáticas debatidas no processo sobre
a decio judicial.
Na medida em que o julgador está obrigado a seguir um caminho lógico no momento de
decidir, relatando a causa e fundamentando a decisão, permite-se que as partes verifiquem
eventuais equívocos no momento de julgar, e também eventual violação do contraditório, caso
haja unilateralidade nas razões de julgamento. Dessa forma, a parte vencida pode ver-se
convencida pelo julgamento prolatado, entendendo adequadamente a decisão. Do mesmo
modo, facilita a interposição do recurso, para impugnar especificamente os pontos que
estejam em desconformidade com as provas produzidas e com o direito aplicável à espécie.
Segundo Taruffo, o aspecto endoprocessual do dever de fundamentar a decisão judicial,
de origem normativa prussiana, tem origem no racionalismo funcional e burocrático do
despotismo esclarecido. O mesmo autor destaca a utilidade da motivação para a reorganização
e simplificação da administração da justiça, de modo a evitar os inconvenientes e dificuldades
das partes e do juízo de impugnação, permitindo um controle de tipo burocrático das atuações
do julgador (1975, p. 335).
Assim, os primeiros destinatários da motivão são as próprias partes interessadas, pois
caso não conheçam efetivamente o teor e as razões da decisão, não têm como interpor o
recurso adequadamente. E não havendo a apreciação das questões postas, além da violação da
motivação, haverá também afronta ao contraditório.
O artigo 514 do Código de Processo Civil estabelece a necessidade de o recorrente
indicar os fundamentos de fato e de direito que embasam a apelação; enquanto o artigo 524 do
mesmo diploma processual exige que a parte, em sua peça recursal, apresente as razões do
pedido de reforma da decisão. Já o artigo 536 do pergaminho adjetivo dita que os embargos
devem ser interpostos através de petição que indique o ponto obscuro, contraditório ou
omisso. Finalmente, o artigo 541, também do estatuto processual, é claro ao exigir que os
88
recursos para os tribunais superiores contenham, am da exposição fática e jurídica, as razões
do pedido de reforma da decisão recorrida.
Destarte, se a parte vencida não souber exatamente porque a causa foi julgada desta ou
daquela forma, não tem como apresentar os fundamentos de fato e de direito, ou apontar os
pontos obscuros, também não sendo possível a apresentação das razões de reforma da decisão
recorrida. Daí porque o primeiro destinatário da motivação ser a própria parte litigante, para
que a omissão do julgador não se torne um impedimento para a correta formulação da peça de
recurso e das razões respectivas.
Do mesmo modo, através da análise do julgado é possível averiguar a efetiva
independência e imparcialidade do julgador, e que foram apreciadas as razões de ambas as
partes. A isenção do Poder Judiciário é indispensável para o Estado Democrático de Direito,
pelo que a obrigatoriedade da motivação pode permitir que se encontrem indícios para
verificar o que levou o juiz a decidir daquela forma, o que influiu para aquela decisão
(TARUFFO, 1975, p. 63). A apresentação da motivação, outrossim, serve como forma de
verificar se os motivos constantes do processo são as reais razões que levaram o julgador a
decidir da forma respectiva, sendo um ponto de partida para análise de motivos extra-autos
que levaram ao respectivo julgamento, como questões ideogicas e valorativas do juiz.
Além disso, tendo em conta o caráter dialético do processo, as razões da decisão devem
representar uma síntese do que foi debatido nos autos, verificando a posição das partes
litigantes, em respeito ao contraditório. O julgamento deve abranger as razões opostas das
partes, indicando qual delas deve ser acolhida, e porque fundamentos, demonstrando que foi
efetivamente considerada a participação dos litigantes no processo.
Finalmente, a exigência de motivação, como função endoprocessual, também tem a
finalidade de possibilitar que os órgãos superiores controlem os juízes, analisando a correção
dos julgados por estes proferidos.
89
Se não houvesse a explicitação dos fundamentos da decisão, os tribunais de segundo grau
ou de revisão não teriam como saber do acerto ou equívoco do julgamento em grau de
recurso. Desse modo, ficaria prejudicada tanto a perfeição da impugnação, conforme
salientado, como também a análise da adequação da decisão ao caso em exame, tanto em seus
aspectos de fato como de direito. Em exame recursal, o órgão ad quem analisa exatamente as
razões de decidir, e não somente a parte dispositiva, que por si só pode não indicar se o
julgamento foi correto ou não.
Destarte, somente através da existência da motivação é que os tribunais podem verificar
os eventuais vícios da decisão impugnada, possibilitando “um melhor funcionamento dos
tribunais de segunda insncia, propiciando ao óro ad quem competente um controlo mais
aprimorado dos atos decisórios submetidos a uma nova apreciação” (NOJIRI. 1999, p. 31).
Não se pode dizer, por outro lado, que o tribunal superior, por decidir em última
instância, não tem obrigação de motivar sua decisão, pois, na medida em que deverá
prevalecer definitivamente, o seu pronunciamento, que “representa (ou deve representar) a
expressão máxima da garantia, precisa, mais do que qualquer outro, mostrar-se apto a
corresponder à função delicadíssima que lhe toca” (MOREIRA, 1980, p. 90).
A motivação representa, portanto, uma proteção constitucional para as partes, uma vez
que sofrerão os efeitos da decisão em seu patrimônio jurídico, o que decorre da análise do
debate dos direitos materiais em contraditório, sendo que se as partes têm o direito de influir
na decisão judicial, têm, do mesmo modo, como garantia, a possibilidade de saber os motivos
pelos quais um pedido foi negado ou porque houve uma condenação. Tendo havido a
participação no processo, ao menos como garantia, em todo o seu desenvolvimento,
esclarecendo a situação de direito material, pela reconstrução dos fatos e do direito aplicável,
as partes contribuíram na formação do processo, esperando a decisão final. Sendo assim, é
bastante razoável que os primeiros destinatários da motivação sejam os próprios litigantes.
90
Havendo recurso cabível, deverá continuar a ser assegurado o contraditório, e mesmo que não
haja recurso, terá o contradirio atingido seu objetivo, ao fazer com que as partes tenham
conhecimento sobre a razão de, em nome do Direito, um direito ser negado ou uma
condenação ser proferida (GONÇALVES, 1992, p. 167).
O contraditório permite que os jurisdicionados saibam as razões pelas quais se formou o
ato do Estado que irá atingir sua liberdade ou patrimônio, fazendo com que tenham ciência
sobre o que levou a uma decisão de procedência ou improcedência quanto ao direito
postulado (Ibidem, p. 171).O conhecimento fundamentado permite, ao menos, que seja
afastado o argumento autoritário que não se explica senão pela força que o sustenta” (Ibid., p.
197).
Também Taruffo estabelece a ligação entre exercício do direito de defesa a necessidade
da motivação dos julgamentos, dizendo sobre a necessidade de que sejam fundamentadas
todas as decisões que possam influir no andamento do processo ou na posição processual das
partes, condicionando o modo pelo qual as partes exercem seus direitos em juízo (1975, p.
397). O autor defende que o princípio da obrigatoriedade de motivação está inserido em um
sistema de garantia, que a constituição democrática criou como forma de tutelar as posições
judicas individuais em confronto com o poder estatal, dizendo que o dispositivo da
Constituição Italiana sobre a motivação (em seu artigo 111) faz parte de uma garantia
fundamental de justa natural (Ibidem, p. 398).
Através da motivação é possível verificar a independência do julgador, sua submissão à
lei, assim como o respeito ao contraditório.
Pela análise das razões da decisão, pode-se averiguar a imparcialidade concreta do
julgador frente ao caso posto à sua apreciação, diante da controvérsia que exige solução.
A motivação permite controlar o respeito ao contraditório, no sentido de verificar que as
partes puderam participar efetivamente do convencimento do juiz, e se este considerou o
91
material jurídico trazido por elas ao processo, se concretamente se lhes permitiu influir na
decisão.
Peraltro, c che si tratta di verificare attraverso la motivazione non è tanto il fatto che le parti abbiano
avuto la concreta possibilità di avvalersi di tutti gli strumenti forniti dall’ordinamento processuale per
l’idoneo esercizio delle rispettive ragioni, ben specialmente il fatto che il giudice abbia preso
adeguatamente in considerazione le istanze e le allegazioni in cui l’esercizio del diritto di difesa si è in
concreto manifestato (TARUFFO, 1975, p. 401).
A violação da garantia do contraditório pode decorrer diretamente da decisão, como já foi
salientado anteriormente, quando o juiz adota uma terceira via, adotando uma solução que não
foi objeto de debate entre as partes, ou quando sobrevaloriza ou subvaloriza indevidamente,
valendo-se de seu próprio livre convencimento, os elementos de prova trazidos a juízo. O que
pode ocorrer nesse caso é o juiz justificar de modo específico e adequado a decisão,
demonstrando ao menos que levou em consideração as posições expressas pelas partes, assim
como o que o levou a decidir sem o apoio dos argumentos despendidos pelos litigantes
(Ibidem, p. 403).
A garantia integral do contradirio somente ocorre quando houver o prévio debate pelas
partes acerca das questões relevantes para a decisão, sendo que o direito de a parte influir na
decisão judicial terá efetivamente ocorrido se for possível estabelecer “attraverso la
motivazione, se ed in qual modo tale influenza si sia verificata, o per quali ragioni essa non si
sia verificata” (Ibid., p. 405).
4.4 Análise crítica da motivação na jurisprudência dos tribunais superiores
Diante das razões doutrinárias acima apontadas acerca da motivação, passa-se a um
estudo da posição dos tribunais superiores sobre o tema.
92
Em análise de julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) verificou-se uma maior
exigência quanto ao dever de fundamentar as decisões, no sentido da obrigatoriedade da
motivação, ainda que sucinta, das principais questões debatidas no processo, sendo
dispensada apenas a alise ponto a ponto dos argumentos das partes.
No julgamento Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 682.082/RS (BRASIL,
2006a), relatado pelo Min. Hélio Quaglia Barbosa, a decisão do Tribunal foi clara quanto à
função da motivação, como “meio de exteriorização dos motivos” do convencimento do
Judiciário que permite às partes a “possibilidade de emitir valorações sobre os provimentos
jurisdicionais”, assim podendo verificar a correção da atividade jurisdicional, valorando-a,
evitando e reprimindo erros ocasionais, abusos de poder e desvios de finalidade”, servindo
como um instrumento para o reexame da atividade jurisdicional. Claramente se verifica pela
análise do julgado que é a função endoprocessual da motivação que se destaca neste caso.
Alem disso, segundo o relator, a fundamentação das decisões também encerra uma
concretização do devido processo legal em sentido formal ou procedimental, consagrado no
artigo 5.º, inciso LIV, da Carta Magna, pois é direito do cidadão uma prestação jurisdicional
coerente, compreensível e congruente, o que somente pode se concretizar com a efetiva
justificação da decisão, concluindo no sentido de que o princípio em análise integra o “núcleo
intangível da ordem constitucional brasileira”, que vincula todo o Poder Judiciário.
Em interessante julgado, a Segunda Turma do STJ, no REsp 653438/MG, de relatoria do
Min. Castro Meira (BRASIL, 2006b), se posicionou no sentido da possibilidade de manejo de
embargos de declaração contra decisão interlocutória, tendo sido a razão de decidir a
necessidade de fundamentação de toda decisão judicial.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 159317/DF,
sendo relator o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, atestou a importância do princípio,
concluindo que “a interpretação meramente literal do art. 535 do Código de Processo Civil
93
atrita com a sistemática que deriva do próprio ordenamento processual, notadamente após ter
sido erigido a nível constitucional o princípio da motivação das decisões judiciais” (BRASIL,
2006c). Considerou o Tribunal que a ausência de fundamentação implica na nulidade da
decisão, eis que acarreta a violação do princípio da motivação, que possui índole não só legal,
como também constitucional.
A conclusão do julgado é clara, pois todas as decisões devem ser fundamentadas, e como
a decisão interlocutória tem possibilidade de afetar diretamente a situação de fato das partes,
notadamente em se tratando de cautelares ou antecipatórias, é mister a devida avaliação dos
fatos e do direito pelo julgador em seu pronunciamento judicial, pois somente assim permite-
se que a parte sabia a conformidade da decisão com a realidade dos autos e com os
argumentos jurídicos suscitados que levaram ao convencimento do magistrado no caso
específico, o que leva à verificação do respeito ao contraditório. Pode, assim, a parte se
conformar com a decisão proferida, por sua eventual correção, ou, ainda, exercer o direito de
impugnação por meio do recurso cabível, permitindo-se o questionamento direto do julgado
impugnado, por suas efetivas razões e respectivas possíveis incorreções.
Já no Recurso Especial n.º 684.947/RJ, em que foi relator o Min. José Delgado, a Corte
analisou a artigo 200, §2.º do Regimento Interno do Tribunal de Justa do Estado do Rio de
Janeiro (TJRJ), segundo o qual no julgamento de agravo regimental em que o seja
conhecido o recurso ou quando lhe for negado seguimento “ficarão consignados na ata os
motivos ou fundamentos básicos e se certificará nos autos o que foi decidido” (BRASIL,
2006d). O entendimento da Turma foi no sentido de que não há que prevalecer a referida
norma regimental frente aos preceitos constitucionais e legais que regem a matéria, dada a
necessidade de fundamentação das decisões judiciais. Ressalte-se que houve diversos
julgamentos no mesmo sentido, negando validade à mesma norma regimental do TJRJ,
reconhecendo a deficiência de julgamento em que não conste qualquer fundamentação, nem
94
mesmo através de notas taquigráficas o que foi debatido oralmente, apenas fazendo constar
uma certidão com a conclusão do julgamento.
No julgamento do Recurso Especial n.º 586.461/PE (BRASIL, 2006e), tendo como
relator o Ministro José Delgado, também se frisou a necessidade de que a parte tenha resposta
efetiva às suas indagações, e somente com o enfrentamento dessas questões pelo Poder
Judiciário, de forma expressa, é que se concretiza o mandamento contido na Lex
Fundamentalis. Outrossim, a garantia constitucional e legal da motivação das decisões só se
completa quando o julgador, de modo explícito, analisa e discute as questões suscitadas pelas
partes no curso da lide e lhes empresta decisão. A decisão salientou que a ordem jurídica
pátria tem como base inspiradora o princípio maior informativo do regime democrático, é
essencialmente dialético e, conseentemente, pluralístico.
E votando com o relator, que deu provimento ao recurso especial para anular o acórdão
recorrido de modo “que o tribunal a quo expresse manifestação, como juridicamente bem
entender, sobre as razões apresentadas pela ora recorrente”, o Ministro Francisco Falcão
suscitou a importância da matéria tratada nos autos (relativa a crédito prêmio de IPI), por sua
repercussão econômica, que tinha sido tratada pelo Tribunal a quo de “uma forma muito
sucinta, apenas com a citação de alguns precedentes, não se sabendo se se trata da mesma
matéria” (Ibidem). Desse modo, entendeu-se que foi tal a ausência da explicitação das razões
de decidir que não se identificou de forma clara que a decisão envolvia os pontos diretamente
tratados no processo. Neste ponto houve a apreciação também da função endoprocessual da
motivação, pois através dos fundamentos do decisum as partes podem verificar a adequação
do julgado não só com as normas vigentes, mas também com as questões efetivamente
debatidas e discutidas no processo, o que representou violação ao contraditório.
Outra posição firme do STJ é no sentido de que o dever de motivar não vincula o julgador
a analisar ponto a ponto as alegações das partes, uma vez que o livre convencimento lhe
95
permite analisar o caso segundo o seu entendimento, conforme decidido no REsp
332.885/ES, em que foi relator o Min. José Delgado (BRASIL, 2006f). Além disso, também
decorre da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que a mera contrariedade ao
interesse da parte também não implica em ausência de fundamentação, que não há omissão da
decisão que aborda o caso sob prima diverso do que pretendido pela parte, e assim julga a
causa contra seu interesse. Na mesma linha foi decidido que a fundamentação suficiente para
o deslinde da causa é o que basta para que tenha havido a devida e motivada prestação
jurisdicional (BRASIL, 2006g).
O entendimento pacífico do STJ, assim, é no sentido de que uma vez que a decisão
contenha a análise da lide, ainda que sucinta, está suprida a necessidade da motivação.
Havendo as razões da decisão, está respeitada a obrigação de motivar, sendo esta a posição
predominante.
Pela análise das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão da
motivação, tem-se que a Corte se manifesta de forma pacífica no sentido de que a garantia
conferida pelo artigo 93, inciso IX, da Carta Magna, se concretiza quando o órgão julgador
fundamenta sua decisão, sendo indiferente a correção das razões de decidir, pois uma vez
que se encontrem presentes os motivos do julgamento está satisfeito o citado preceito.
Cumpre citar a decisão paradigmática proferida no RE 140.370, de 20 de abril de 1993,
que teve como relator o Min. Sepúlveda Pertence, interpretando a norma constitucional, no
sentido de que é necessária a motivação, e não sua correção, constando da ementa que
O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a
fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no
julgado as premissas, corretamente assentadas ouo, mas coerentes com o dispositivo do acóro,
está satisfeita a exigência constitucional (BRASIL, 2006h).
O julgado se manifestou nesta linha argumentando que é pela existência de motivação
que se permite à parte tomar ciência das razões do julgado, e assim poder vir a impugná-lo,
pois a partir da fundamentação as partes têm como verificar eventuais defeitos na apreciação
96
da prova ou quanto à análise do direito. Daí a afirmação no sentido de que a motivação tem a
conotação de garantia de garantia, haja vista que através dela é possível controlar o respeito às
demais garantias constitucionais, como a legalidade da decisão, e sua conformidade com a
ordem jurídica. Contudo, a Corte não entra propriamente na adequação da motivação, fazendo
apenas uma análise superficial se existem na decisão os motivos que a embasam.
Tendo como base o referido julgado, o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente
assim se manifestado, de forma pacífica e uníssona, pois uma vez presente a análise dos fatos
e do direito, o julgador se manifestou sobre o caso posto à análise jurisprudencial, justificando
então a atuação do poder estatal no caso concreto.
E mesmo muito antes da consagração constitucional do princípio da motivação, com suas
atribuições anteriores de tribunal federal, a Corte já havia se manifestado sobre o tema, no RE
77.792/MG, em que foi relator o Min. Rodrigues Alckmin, julgamento de 15/10/1974,
afirmando que somente a ausência de motivação implica na nulidade da decisão, e não o fato
de as razões serem sucintas ou deficientes (BRASIL, 2006i). O que continuou a ser aplicado
segundo o atual dispositivo constitucional, que exige a fundamentação de todas as decisões,
pena de nulidade.
Confirmando a sua posição já consagrada, o STF, no julgamento do AI-AgR 132738/PR
(BRASIL, 2006j), de relatoria do Min. Maurício Corrêa, entendeu que para se analisar a
violação de norma constitucional, esta deve ser direta e frontal, para o que não se permite o
enfrentamento de questões infra-constitucionais ou processuais da legislação ordinária, o que
se aplica a caso da motivação, ora em exame, nos termos dos próprios julgados do Tribunal.
Assim, a Corte tem se manifestado de forma uníssona no sentido de que a alegação de
desrespeito ao princípio da motivação das decisões judiciais, assim como da legalidade, do
devido processo legal, do contraditório, se dependente de questionamento de normas
97
inferiores, somente permitiria a configuração de ofensa meramente reflexa ao texto da
Constituição.
Desta feita, em sua posição de guardião da Constitucional, exercendo o controle de
constitucionalidade das decisões por meio do recurso extraordinário, o Supremo Tribunal
Federal é muito restrito na apreciação da violação do princípio da motivação, considerando
que este vício somente existe efetivamente quando se tratar de ausência completa de
fundamentação, o que não é o caso de razões breves, ou mesmo equivocadas, na efetivação da
prestação jurisdicional.
Essa postura é quase uma omissão em sua missão, tendo em vista o significado que essa
garantia tem para o jurisdicionado, não atendendo aos ditames constitucionais, uma vez que a
violação da motivação ou do contraditório afrontam, sim, diretamente, a constituição federal,
pois implica em afronta a garantia constitucional representada por cláusula pétrea, e do acesso
à Justiça.
Desta feita, o Tribunal procura restringir ao máximo a apreciação do tema, mormente em
se tratando de recurso extraordinário, ou os que têm por finalidade a sua análise, como
agravos de instrumento e regimentais, haja vista tratar-se de “um recurso excepcional,
admissível apenas em hipóteses restritas, previstas na constituição com o fito específico de
tutelar a autoridade e aplicação da Carta Magna” (THEODORO JÚNIOR, 1998, p. 598).
Apenas como instância origiria ou em recurso ordinário o Tribunal é mais senvel
quanto à possibilidade de análise da insuficiência ou falta de fundamentação, mormente em
sede de habeas corpus. No julgamento do HC 86.094-0/PE, em que foi relator o Min. Marco
Aurélio (BRASIL, 2006k), a decisão foi no sentido de que a simples referência à hipótese
normativa, in casu, sobre a quebra de sigilo de dados, não é suficiente para que se tenha como
respeitada a ordem constitucional, devendo a decio considerar efetivamente os pametros
do caso concreto.
98
Destarte, como não se trata da excepcionalidade do recurso extraordinário, nesses casos a
Corte exerce a função de controlar a correção do julgamento, pelo que examina efetivamente
as questões referentes à motivação, ainda que tenha que adentrar um pouco mais no
julgamento atacado.
É o que se pode notar no julgamento do HC 87.917/GO, de relatoria do Min. Cezar
Peluso, em que cita a obra de Gomes Filho, analisando-se a questão da fundamentação
insuficiente, por não apreciar os argumentos contrapostos das partes, que devem influir na
decisão da causa, o que implica em nulidade absoluta do julgado, tendo sido a decisão pela
concessão da ordem, haja vista a nulidade absoluta da decisão em questão, por falta de
fundamentação (BRASIL, 2006l).
Essa exceção deveria ser a regra na análise dos pontos constitucionais relativos à
motivação e ao contraditório, pois esses temas têm sede constitucional e deveriam ser
enfrentados pela Corte, o que, infelizmente, sabe-se que não ocorre.
Sobre o que acontece no Brasil, vale o que já dizia Taruffo acerca a jurisprudência
italiana, segundo a qual a obrigação de motivar a decisão é satisfeita quando a motivação
permite conhecer o iter lógico-jurídico mediante o qual o julgador alcançou a decisão. Isso,
para o autor, trata de um critério amguo e, em grande parte, obscuro, na medida em que as
decisões não têm em conta a efetiva operosidade do princípio, mas um argumento usado para
excluir o que poderia constituir, em concreto, um vício de motivação da decisão impugnada
(1975, p. 417).
É um critério insuficiente para verificar a adequação da motivação em relação ao que se
poderia esperar de uma devida justificação da decisão.
E criticando o critério adotado, Taruffo conclui que se trata na verdade de um pseudo-
critério, dificilmente empregável para discriminar em concreto uma motivação adequada e
uma inadequada, pois, carecendo de um maior aprofundamento, trata-se de uma tautologia
99
segundo a qual a obrigação de motivar se entende como satisfeita quando a decisão é
acompanhada de uma motivação suficiente (1975, p. 418). E completa seu argumento dizendo
que a jurisprudência não conseguiu superar o critério genérico e da pseudo-definição,
continuando a repetir acriticamente a fórmula acima citada, tendo falhado todas as tentativas
de aprofundar criticamente a análise da motivação com a finalidade de definir sua adequação
em termos jurídica e logicamente aceitáveis. Sendo que somente em casos particularmente
graves de evidente violação da regra da motivação é que ocio é reconhecido, pelo que é
comum prevalecer a tendência de não enfrentar diretamente a dificuldade, e se refugiar no uso
de um conceito estereotipado (Ibidem, p. 420).
Finaliza dizendo que o modelo estrutural da motivação como justificação racional da
decisão judicial deve envolver um conjunto orgânico de critérios com base nos quais se possa
avaliar a adequação da motivação. Havendo necessidade de que se refira a um modelo de
completude, segundo o qual a motivação exprima os fundamentos que conduziram à decisão,
fundando-se em critérios pelos quais se possa racionalmente chegar às conclusões do julgado,
segundo os seus aspectos jurídicos, fáticos e valorativos (Ibid., p. 421).
Ainda que o volume de processos para sua análise seja enorme, como o Supremo
Tribunal Federal pode agora escolher as matérias com repercussão geral, de ordem jurídica, a
ser objeto de julgamento em recurso extraordinário, caberia uma nova análise do tema da
motivação, no sentido de reconhecer sua violação caso os fundamentos da decisão se afastem
dos argumentos das partes e do que foi objeto do contraditório, aprimorando a jurisprudência
quanto ao que se entende como adequada motivação.
100
5 O CONTRADITÓRIO E AS AÇÕES COLETIVAS
Diante da sociedade de massa em que vivemos, é importante fazer uma análise das ações
coletivas, que têm se desenvolvido cada vez mais nos últimos tempos, ganhando relevância
cada vez maior no direito processual.
Como o objeto deste trabalho não é o estudo das ações coletivas, mas da decisão judicial
e sua relação com o contraditório, serão abordados tão somente pontos selecionados para que
a questão seja enfrentada, tais como a legitimidade e seu reflexo na formação da coisa
julgada. Isso porque, no que se refere à análise das questões ligadas às garantias do processo e
sua aplicação naquelas espécies de ação, inclusive quanto ao contradirio, é de importância
fundamental a questão referente à coisa julgada (GRINOVER, 1990c, p. 53).
Em estrita ligação com a coisa julgada está a legitimidade para as ações coletivas, uma
vez que nessas ações não é o titular do direito que defende em juízo seus interesses, mas um
representante, que age em nome dos representados da coletividade.
Como espécie de ação coletiva, existe a questão de uma coletividade estar incluída no
lo passivo de uma demanda, formando-se a ação coletiva passiva, que tem como
característica principal o fato de nem todos os membros do grupo envolvido estarem presentes
diretamente no processo, sendo que na realidade apenas uma pequena parte, ou mesmo uma
única pessoa, exerce em juízo a defesa da categoria, para o que é ainda mais essencial a
apreciação da legitimidade e da possibilidade de formação de coisa julgada.
Nesse aspecto, o direito norte-americano prevê, há mais de um século e meio, a
possibilidade de um grupo estar presente no pólo passivo de uma ação, sendo demandado em
101
nome de um ou alguns membros, com toda a coletividade sendo afetada pelos efeitos da
decisão; atualmente, exige-se para tanto que haja necessidade da ação coletiva, que os
ausentes estejam devidamente representados pela parte presente no processo e até mesmo que
os advogados da classe tenham idoneidade e qualificação suficientes para defender o interesse
da comunidade.
Também o direito brasileiro já prevê há bastante tempo a ação coletiva passiva,
especificamente nos dissídios coletivos da Justiça do Trabalho, podendo os sindicatos
representar as categorias profissionais, vinculando os respectivos membros através da decisão
proferida no processo de classe. O que, contudo, possui uma conotação especial, pelas
características do direito do trabalho e do direito sindical pátrios.
Ocorre que não há outra previsão legal expressa que permita a utilização da ação coletiva
passiva no caso nacional, e uma vez que este tipo de ação exige a legitimação extraordinária,
devendo a coletividade ser representada no processo, parte da doutrina rejeita a presença de
um grupo no pólo passivo da ação. Contudo, como o direito de acesso à Justiça está
consagrado no ordenamento jurídico brasileiro,o se pode rejeitar de antemão e
peremptoriamente a viabilidade da ação coletiva passiva, ainda que seja necessária sua
adequação às garantias constitucionais para que os direitos fundamentais relativos à jurisdição
e ao contraditório sejam respeitados.
Havendo um direito fundamental das pessoas à prestação jurisdicional, daí decorre o
correlato dever de o Estado efetuar a concretização dos comandos previstos nas normas,
respondendo aos anseios da comunidade, inclusive permitindo a presença de um grupo como
demandado em ação coletiva, uma vez que não há norma expressamente vedando esta
situação. Sendo o processo um instrumento que serve para a satisfação das necessidades dos
homens, na medida em que pode existir a necessidade de uma demanda contra uma
102
coletividade é de se entender possível o manejo da ação coletiva passiva, como um meio de
proteção dos direitos individuais e/ou sociais.
Outrossim, o Direito deve se adaptar ao contexto histórico-cultural da sociedade, que
evolui constantemente, pelo que é necessário que as normas, sua aplicação e interpretação
acompanhem os interesses dos indivíduos e da comunidade, de modo que a resposta estatal
seja dada satisfatoriamente para a proteção dos direitos consagrados, sem formalismos vazios
ou inconseqüentes.
Finalmente, como a ação coletiva tem por finalidade a defesa da sociedade de um modo
geral, a coisa julgada formada em eventual ação coletiva passiva deve respeitar as
peculiaridades do caso, jamais permitindo que alguém seja afetado por uma decisão judicial
se não tiver havido uma defesa adequada aos seus respectivos interesses na ação coletiva.
5.1 O desenvolvimento das ações coletivas
Tradicionalmente, a defesa dos interesses juridicamente protegidos foi feita de modo
particular, sendo que era o indivíduo que exercitava o direito, valendo-se dos poderes
organizados, através de uma autoridade, em caso de necessidade. Mesmo em se tratando de
direitos de interesse público, era popular a sua defesa.
Segundo Eduardo Admovich (2005, p. 36) o “individualismo era uma marca da
sociedade romana e o associativismo então era meramente embrionário”, o que, contudo, não
impediu o surgimento da postulação jurídica em nome de um grupo de pessoas, como pela
actio pro populo, considerada a origem das ações populares e coletivas, permitindo a defesa
da sociedade em casos de crimes e ofensas a coisas sagradas ou públicas.
103
Sidou (2002, p. 304) cita diversas finalidades que a ação popular possuía em Roma,
distinguindo as criadas por lei: lex Aquiliana de damno dato, lei Julia Agrária (dirigida contra
a remoção de marcos de limites campestres), lex Quintia de acquedutibus (contra a
danificação dos aquedutos de Roma) etc; outras decorrentes do edito do pretor, que tinham
cunho popular”, permitidas aos cidadãos em geral: lex Plaetoria (para a defesa dos
adolescentes tornados capazes muito cedo), actio de albo corrupto (para a defesa do edito
perpétuo do pretor publicado em locais públicos que havia sido corrompido), actio de effusis
et deiectis (dirigida contra os que lançam ou derramam algo sobre os transeuntes) etc; e
aquelas com origem diversa das anteriormente citadas: contra os que tivessem obtido dinheiro
em jogo proibido, os que praticassem usura, os que desobedecessem aos magistrados, os que
mantivessem animais nocivos em via pública etc.
Contudo, o desenvolvimento das ações coletivas a partir de sua origem romana até os
tempos atuais, além de não ser aceita de forma tranqüila na doutrina, não se deu de forma
linear, mormente pela queda do Império Romano, a divisão das populações européias, a
ausência de uma noção bem definida de Estado e pela falta de estudo sistemático do direito
processual.
Foi na Inglaterra, no início do segundo milênio, que as ações coletivas ressurgiram, com
uma conotação mais próxima da que temos hoje sobre o tema, sendo citado por Aluisio
Mendes que o primeiro caso teria ocorrido em 1199, em que o pároco de Barkway ajuizou
uma ação em face dos paroquianos de Nuthamstead pleiteando certas oferendas e serviços
diários. O diferencial desse caso, que o aproxima da moderna ação coletiva, foi o fato de
terem sido chamado a juízo “apenas algumas pessoas, para, aparentemente, responder por
todos” do grupo (2002, p. 43/44).
O citado caso histórico versou sobre uma ação coletiva passiva, aquela na qual uma
coletividade é demandada estando representada por uma ou algumas pessoas que exercem a
104
defesa em nome de todos, sendo que todo o grupo pode ser afetado pela decisão proferida no
respectivo processo.
Em outros casos registrados de ações coletivas no direito inglês, nosculos XIV e XV,
também por não haver discussões acerca dos aspectos processuais, pois não havia ainda sido
desenvolvida uma ciência propriamente processual, questões como legitimidade e coisa
julgada não eram suscitadas, sendo característica do período uma “aceitação espontânea da
respectiva representação ou legitimação extraordinária” (MENDES, A., 2002, p. 43/44).
Pedro Dinamarco destaca a origem moderna das ações de classe com o Bill of Peace do
século XVII (2001, p. 25), quando, em juízos de equidade, questões referentes à necessidade
de ações de grupo (pela impossibilidade de um litisconsórcio muito extenso), à vinculação da
decisão da ação, à existência de interesse comum das partes na questão objeto de julgamento e
à devida representação das partes ausentes passaram a ser consideradas de forma reiterada,
condicionando a admissão das representative actions.
Nos Estados Unidos da América os estudos sobre a ação coletiva tiveram a importante
participação de Joseph Story, o qual, a partir de ações de grupo apreciadas pela Suprema
Corte, da qual foi membro, publicou uma obra em 1836 enfatizando a importância das
demandas coletivas, que tinham a finalidade de reduzir litígios inúteis e o número de
processos, tendo como benefícios diminuir o número de ações julgadas pelos tribunais e
permitir o acesso à justiça, levando ao judiciário questões que individualmente não teriam
importância significativa, conforme citado por Aluisio Mendes (2002, p. 65).
Também Eduardo Admovich destaca a importância do trabalho doutrinário de Story, para
quem se permitia os litígios em grupo se o número de litigantes fosse muito excessivo para
comparecer à corte, se houvesse interesse comum em que poucos pudessem defender o direito
de muitos e desde que estes pudessem ser entendidos como representados por aqueles (2005,
p. 56/57).
105
Em que pese a existência das ações coletivas nos citados exemplos, tendo em vista que o
Direito tem forte ligação com a realidade social a que se destina, por um período
relativamente longo entre os séculos XVIII e XIX os processos de grupo restaram relegados
pela comunidade jurídica, haja vista o desenvolvimento dos ideais individualistas, tendo sido
restringida a aceitação de defesa dos interesses de um grupo amplo, pois a formação das
corporações de ocio limitava os pontos comuns de participação, inclusive em termos
processuais, aos seus integrantes.
Outrossim, ainda que tenham sido formados grupos delimitados objetivamente pelas
corporações, é certo que se permitiu o estudo da representatividade no âmbito das classes,
mas os ideais individualistas dosculos XVIII e XIX abrandaram a utilização das ações de
classe, predominando a necessidade de uma explícita “justificação para seu exercício”, o que
levou a um “período de hibernação das ações coletivas” (MAIA, 2006, p. 27).
Com o passar do tempo, florescendo a consciência de classe, principalmente como
conseqüência das mudanças sociais decorrentes da revolão industrial, isso permitiu que
voltasse a ser objeto de discussão no âmbito processual a ação coletiva, mas a categorização
da classe mudou de um aspecto meramente objetivo, em que não havia uma consciência do
grupo, no qual não existia um vínculo psíquico entre os respectivos membros, para abranger a
ligação subjetiva do grupo, unindo-o por interesses comuns e afins, que influiu no
recrudescimento da tutela coletiva dos direitos. Pela possibilidade de distinção de classes com
uma maior ou menor consciência de si, vendo-se como grupos autodeterminados, o processo
coletivo ganhou impulso e estimulou os estudos sobre o tema e a ampliação do seu tratamento
normativo, e mesmo sua aplicação por parte dos tribunais, mormente a partir do século XX.
Não se pode deixar de mencionar que os efeitos das duas grandes guerras tiveram grande
peso no fortalecimento dos novos valores, com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, assim como o aparecimento de novos direitos, como o direito ao meio ambiente
106
sadio, o direito do consumidor, e o movimento de acesso à justiça, fatores fundamentais para
o avanço das ações coletivas, com a defesa processual de interesses transindividuais.
No direito constitucional brasileiro, já pela Constituição do Império de 1824, em seu
artigo 157, havia a possibilidade de ajuizamento, por qualquer do povo, da ação popular em
caso de suborno, peita, peculato e concussão, o que era corroborado pelo artigo 179, inciso
30, ao assegurar o direito de reclamação por infração da Constituição, com possibilidade de
responsabilização dos infratores. E foi a Carta de 1934 que fez incluir definitivamente na
ordem jurídica pátria a ação popular com os contornos hoje conhecidos, na linha que está
descrita na Constituição de 1988, em seu artigo 5.º, LXXIII. Desse modo, a atual Carta
Potica traz a possibilidade de defesa do patrimônio público, incluído o de entidade da qual
o Estado participe, bem como à moralidade administrativa, ao meio ambiente, e ao patrimônio
histórico e cultural, por meio da ação popular. Complementando a norma constitucional, é de
se considerar o disposto na Lei n.º 4.717, de 1965, que regula a ação popular (LAP), diploma
que foi recepcionado pela Constituição vigente.
Outros dois grandes marcos na defesa dos interesses coletivos foram a Lei de ão Civil
Pública, de 1985, e o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, que se integrou àquela para
formar um micro-sistema de defesa dos interesses, difusos, coletivos e individuais
homogêneos, que será analisado adiante quanto à normatização da coisa julgada.
Em ambos os casos, ação popular e ações coletivas, o legislador, tendo em vista o avanço
da ciência processual, já se preocupou com questões técnicas ligadas ao processo, em especial
no que se refere à coisa julgada, havendo exceções quanto à sua formação, com
um novo tratamento para a disciplina da coisa julgada relacionada às ações coletivas, com o fito de
evitar que fossem desrespeitadas as garantias do contraditório e da ampla defesa, na medida em que o
sistema tradicionalmente vigente para a coisa julgada o cumpria esse papel (MARCATO, 2005, p.
304).
107
5.2 A legitimidade nas ações coletivas
Os sistemas de representatividade das partes em se tratando de ações coletivas são
basicamente dois, o sistema ope legis e o ope judicis.
Pelo sistema de representatividade ope legis, a análise da possibilidade de representação
da coletividade decorre das leis estabelecidas, que de antemão prevêem quem pode postular
ou se defender judicialmente em nome da coletividade. É o exemplo do artigo 5.º da Lei n.º
7.347, de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), e do artigo 82 da Lei n.º 8.078, de 1990 (Código
de Defesa do Consumidor). Este sistema, que vale no Brasil, adota a representatividade
presumida, “pois a legitimidade para figurar no processo coletivo pátrio como defensor dos
interesses e direitos metaindividuais independe da avaliação subjetiva da real capacitação da
pretensa parte”, como bem definido por Diogo Maia (2006, p.137).
Os legitimados previstos na legislação têm, assim, uma capacidade presumida para a
representação dos interesses coletivos, sendo que no caso das associações estas devem atender
a determinados requisitos objetivos exigidos pelo legislador.
Contudo, essa representatividade presumida nem sempre é real, como destacado por Ada
Pellegrini Grinover (2005d, p. 213), ao dizer que existem problemas práticos em relação à
atuação especialmente de associações, que podem não ter credibilidade, seriedade ou
conhecimento técnico-cienfico ou disponibilidade econômica suficientes para a defesa
processual eficiente de uma coletividade, o que seria necessário para uma representatividade
idônea e adequada, destacando, ainda, que em certos casos o Ministério Público atua
defendendo interesses que podem não coincidir com aqueles da classe representada em juízo.
Por essas razões, a autora defende que seja possível a verificação da representatividade pelo
juiz, no caso concreto, também no sistema brasileiro.
108
Contudo, essa posição defendida por Ada Grinover não é aceita unanimemente pela
doutrina e jurisprudência pátrias, dizendo Pedro Dinamarco que “entre nós não existe um
verdadeiro requisito da representatividade adequada para que os legitimados possam ajuizar
uma ação civilblica” (2001, p. 201).
A adequação da representatividade da classe é de grande importância para a formação da
coisa julgada, podendo-se concluir que a mitigação da coisa julgada no caso brasileiro tem
como objetivo preservar os interesses individuais, notadamente quando o resultado da ação
não for favorável à comunidade. Houve, portanto, uma compensação entre a ausência de uma
real representatividade, dado que a presunção legal pode não corresponder à realidade, pela
restrição dos efeitos da decisão na esfera individual dos membros do grupo ou da
coletividade.
pelo sistema de representatividade ope judicis é o julgador que verifica no caso
concreto se a parte presente possui condições de defender os direitos do grupo e dos membros
ausentes. Como a verificação da legitimidade é feita caso a caso, diz-se que o sistema ope
judicis adota a representatividade adequada real da coletividade, em contraposição à
representatividade presumida do sistema ope legis.
No que se refere à representação ope judicis, pode ser citado o caso norte-americano, que
costuma servir de parâmetro no estudo das ações coletivas. Em 1938 foram adotadas pela
Suprema Corte dos Estados Unidos as FEDERAL RULES OF CIVIL PROCEDURE, que, com
suas alterações, ainda regem as ações coletivas, estando as class suits ou class actions
previstas na Rule 23 (Regra 23), com relevância para a expressa exigência da
representatividade adequada de todos os membros do grupo (insure the adequate
representation), de modo que também podem os ausentes ser vinculados pela decisão
proferida no processo coletivo, tanto nolo ativo como no lado passivo da ação, havendo
previsão de que a coletividade possa estar presente em ambos os lados da ação. Há, também, a
109
necessidade de que exista interesse comum a todos os membros do grupo e “um mero tal de
litigantes que inviabilizasse material ou processualmente a respectiva vinda em juízo”, nas
palavras de Eduardo Adamovich (2005, p. 60).
A Regra 23 sofreu revisões em 1966, passando a prever novas abordagens das class
actions e enfatizando a questão da representatividade adequada, ponto este sempre tido como
fundamental para a aceitação das demandas coletivas e para permissão da vinculação da
coletividade.
Desse modo, pela Regra 23 é indispensável para o reconhecimento da ação coletiva que
haja a representação da classe através da parte representativa, que deve possuir pretensões
ou defesas típicas da classe, atendendo à condição chamada tipicality. Segundo Aluisio
Mendes, a “norma pressupõe que o membro da classe, por possuir um interesse pessoal e
direto na lide, estará, aparentemente, apto a empreender os melhores esforços para perseguir
os objetivos do grupo” (2002, p. 77). Citando o devido processo legal, o mesmo autor salienta
que a devida representação dos membros ausentes é importante para o sistema do Estado
Democrático de Direito (Ibidem, p. 80), em que se prestigia a participação das pessoas na
defesa dos seus direitos, sendo exceção a postulação e a defesa de direitos alheios.
Desta feita, sem a representatividade adequada não há a certificação, que é a declaração
de admissibilidade da ação como coletiva, correspondendo a uma decisão do juiz que “atua na
identificação da classe e na verificação da idoneidade dos representantes” (ADAMOVICH,
2005, p. 66), analisando, ainda, se as questões fáticas e jurídicas são realmente referentes à
classe, cuja definição é dada pela mesma decio, esclarecimento este que também é
fundamental pelo fato de que os julgamentos proferidos sob a Regra 23 afetam todos os
membros da classe, sendo-lhes favoráveis ouo.
E não só em relação às partes é exercido um controle judicial acerca da representatividade
adequada, pois também a idoneidade dos advogados é verificada, sendo
110
levadas em consideração várias queses, dentre as quais a qualificão profissional, especialização na
área, a experiência com ações coletivas, a qualidade dos escritos submetidos ao tribunal e a
performance na causa como um todo, o relacionamento com a parte, cumprindo com seu dever de
comunicação e esclarecimento dos membros presentes da classe, a estrutura e a capacidade do
escritório para patrocinar o litígio, a conduta ética e os antecedentes, bem como a existência de
conflitos de interesse (MENDES, A., 2002, p.82).
Ressalte-se que, até o ano de 2003, não havia expressa exigência nas FEDERAL RULES
OF CIVIL PROCEDURE sobre a representatividade dos advogados, sendo decorrente das
próprias decisões a necessidade de verificação da idoneidade dos patronos da classe. No
citado ano, outras emendas da Rule 23estenderam de forma explícita a averiguação da
representatividade adequada ao advogado da coletividade”, cabendo à Corte a
responsabilidade de avaliar e indicar quem será o advogado da parte coletiva” (MAIA, 2006,
p. 54).
5.2.1 A legitimidade passiva
O grande ponto de discussão acerca de uma ação coletiva passiva reside na questão da
legitimidade passiva, isto é, na possibilidade de o grupo estar representado na ação
independentemente da presença pessoal e direta de todos os interessados no resultado do
julgamento.
A possibilidade de existência da ação coletiva passiva passa exatamente pela questão da
legitimidade passiva do grupo e sua representação no processo. E o artigo 6.º do Código de
Processo Civil é fundamental para a analise deste tema, ao dispor que ninguém poderá
pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
A controvérsia gira em torno da possibilidade ou não de uma coletividade ser substituída
no pólo passivo da ação por um representante, e se aquela poderia vir a ser vinculada pela
111
decio proferida no caso. O dispositivo condiciona a exisncia de legitimidade
extraordinária, como no caso de ação coletiva passiva, à prévia autorização legal.
A corrente que não admite a ação coletiva passiva se baseia na análise literal do
dispositivo, afirmando que por não haver lei em sentido estrito, como espécie de norma
emanada do poder legislativo, regulando a matéria, não é cabível a ação coletiva passiva no
direito nacional.
O conflito que se estabelece no caso tem duas vertentes se amparando em princípios
processuais constitucionais para a defesa de seus argumentos, estando de um lado o princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional, pelo qual, mesmo não havendo previsão legal
expressa, não se pode recusar o julgamento de uma causa por falta de norma; estando do outro
lado o princípio do devido processo legal, segurança judica e seus corolários, como o
contraditório e a ampla defesa, do que decorre que a ausência de lei explícita que permita a
vinculação de quem não figurou no processo impede que este seja afetado por uma decisão
judicial.
Pedro Dinamarco mostra-se contrário à possibilidade de ação coletiva passiva no atual
caso brasileiro
Fazendo-se uma interpretão sistetica, conclui-se que não existe a possibilidade de uma associação
(ou qualquer outro grupo organizado) representar os interesses exclusivos de seus associados no pólo
passivo de uma ação civil pública (ou de qualquer outra demanda coletiva), ainda que
simultaneamente haja a proteção de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos de
pessoas representadas pelo autor. (2001, p. 268)
Segundo o autor, nos Estados Unidos é permitida de forma expressa a defendant class
action, caso em que é feita uma verificação minuciosa do controle da representação
adequada no caso concreto, adotando-se o sistema de representação ope judicis, sendo que a
coisa julgada vincula sempre todos os representados.
Ainda segundo Pedro Dinamarco, como no caso brasileiro a verificação da representação
é prévia, pelo sistema ope legis, sem uma apuração da real representatividade dos interessados
no caso específico, não é possível a ação coletiva passiva. Para o autor, o artigo 103 do
112
Código de Defesa do Consumidor somente traz previsão de benefício da coletividade com a
ação coletiva, sem vinculação prejudicial, pois não impede o ajuizamento de demandas
individuais, mesmo em caso de improcedência do pedido da ação civil pública; e arremata
dizendo que o artigo 5.º da Lei de Ação Civil Pública permite “a presença de associação de
determinada classe apenas no pólo ativo: o insucesso da defesa apresentada pela associação
jamais poderá prejudicar indevidamente os interesses de seu associado” (2001, p. 270).
Como afirmado acima, Pedro Dinamarco entende que a associação no pólo passivo,
substituindo terceiros, afronta o direito individual ao contradirio e à ampla defesa, assim
como o devido processo legal. Não admite, pois, que a sentença prejudique a quem não teve a
oportunidade de se defender amplamente ou de se valer dos recursos cabíveis. E pelas
mesmas razões, não aceita que “o réu da ação aqui tratada ajuíze ação declaratória incidental
ou reconvenção” (Ibidem). Isso porque essas são demandas autônomas com possibilidade de
adquirir o status de coisa julgada, a qual não poderia prejudicar a classe. Destarte, nesses
casos, haveria carência de ação por ausência de interesse-utilidade da atuação jurisdicional.
O mesmo autor cita o caso da ação civil pública movida contra as torcidas organizadas,
que seria dirigida contra o interesse das próprias associações (sua dissolução com o
cancelamento do registro), não se enquadrando como ação coletiva passiva.
Pedro Dinamarco defende a inclusão da ação coletiva passiva no sistema pátrio “mediante
um exame restritivo da conveniência e da representatividade no caso concreto, na linha do
direito anglo-americano” (2001, p. 272), ou como em França, onde a associação é
previamente cadastrada em órgão oficial, que verifica sua idoneidade, podendo capacitá-la
para estar presente nolo passivo de uma demanda em nome um grupo específico. Alega,
ainda, que seria necessária a modificação da coisa julgada secundum eventum litis, para poder
passar a “prejudicar os representados individualmente”, como ocorre na ação declaratória de
constitucionalidade.
113
Rodolfo de Camargo Mancuso, em linha mais tolerante, aceita que estejam nolo
passivo de uma ação civil pública as mesmas pessoas que estão legitimadas no pólo ativo,
com exclusão do Ministérioblico, pois, citando Jo Marcelo Menezes Vigliar,
o parquet é ‘órgão estatal desprovido de personalidade jurídica’, de sorte que o Estado respectivo ou a
União, conforme o caso,é que responderá pelos eventuais atos praticados, e o óro de execução do
Ministério Público será responsável pelos casos em que agir com dolo ou fraude’ (1999, p. 145).
No que toca às associações (ambientalistas, de defesa do consumidor), Mancuso alerta
que deve ser excepcional sua legitimação passiva, pois costumam atuar na defesa dos
interesses coletivos, e não contra. Em relação aos entes poticos o autor é mais tolerante “seja
porque eles podem dar causa à lesão” ou pela “aplicação da responsabilidade objetiva, ou do
risco integral” por danos aos interesses metaindividuais (Ibidem).
Já Pedro Lenza afirma ser tímida a aceitação de uma ação coletiva ajuizada contra uma
classe, e cita Mazzilli, para quem não é possível a representação passiva da categoria classe ou
grupo, nem mesmo em reconvenção, pelos legitimados ativos; Gidi, também contrário a que
os legitimados do artigo 5.º da Lei de Ação Civil Pública figurem como réus na ação coletiva;
e Arruda Alvim et al, que afirmam que somente é possível a propositura da ação coletiva pelos
representantes adequados, não podendo ser contra estes ajuizada.
Com base nas defendant class action americanas, Lenza vê na ação coletiva passiva uma
revitalização do “papel do juiz como o verdadeiro protagonista, que deverá assumir a
imprescindível missão de identificação da classe (defining function) e de controle sobre a
efetiva capacidade de sua representação (adequacy of representation)” (2005, p. 207).
Sustentando-se em uma citação de Vigoriti, Lenza entende não haver violação do devido
processo legal se houver garantia de proteção do interesse das partes ausentes que serão
vinculadas pela decisão, o que se faz através da verificação em concreto, caso a caso, da
representação dos interesses da classe segundo os direitos envolvidos, o objeto da demanda,
a capacidade financeira dos representantes etc.
114
Lenza aceita, assim, a ação coletiva passiva, pois mesmo que “não prevista
expressamente, pode ser inferida do sistema, que permite, já que não veda, o controle judicial
sobre a representatividade adequada” (2005, p. 207). E confirma sua posição citando
exemplos de Watanabe como no caso de uma ação “contra uma associação de moradores do
bairro que decidisse bloquear o acesso de automóveis a certas ruas”, “contra a Ordem dos
Advogados do Brasil para obrigá-la a suspender a distribuição de adesivos, eventualmente
ofensivos a outras categorias profissionais” ou para “a validade de condição geral de contrato
de adesão, contestada individualmente por membros de uma classe, para que tivesse eficácia
com relação a toda categoria” (Ibidem).
Outro exemplo concreto mencionado por Lenza foi o caso de ação civilblica movida
contra a Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante – ABCDT para “evitar a
paralisação dos serviços de hemodiálise perante a rede credenciada ao SUS”, caso em que a
magistrada entendeu que “a entidade de classe pode ser considerada uma adequada portadora
dos interesses da categoria envolvida, daí porque, a decisão final também os alcança”, tendo
sido fixada multa diária de um milhão de reais no caso de interrupção do serviço – processo
n.º 2003.34.00.0138526, da 8.ª V. Federal do DF, em 01/05/2003 (Ibid., p. 208/209).
Reforçando o argumento em favor da ação coletiva passiva, Pedro Lenza ressalta que o
artigo 107 do Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de se firmar convenção
coletiva de consumo entre entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores
ou sindicatos de categorias econômicas, e ainda que a convenção somente vincule os filiados
às partes contratantes, é possível “demandar judicialmente a classe em caso de
descumprimento de qualquer das cláusulas do aludido contrato, após a sua celebração”
(Ibidem, p. 210). Também ampara sua posição citando o artigo 83 do Código de Defesa do
Consumidor, ao permitir a utilização de todas as espécies de ações capazes de propiciar a
adequada e efetiva tutela dos direitos e interesses protegidos pelo Código.
115
Lenza conclui dizendo que, mesmo que não seja comum, é “perfeitamente possível a
propositura de ação em face da classe”, para o que é imprescindível a “revisitação do papel do
juiz na aferição da idoneidade do representante da classe” (2005, p. 211).
Ada Pellegrini Grinover, por sua vez, também entende possível a ação coletiva passiva,
ressaltando a importância da verificação da representatividade do réu coletivo. Destaca,
inicialmente, que o sistema brasileiro “não é avesso ao controle da ‘representatividade
adequada’ pelo juiz, em cada caso concreto” (2002, p. 5).
Em interpretação a contrario sensu do artigo 82, §1.º, do Código de Defesa do
Consumidor, Grinover entende possível que o juiz negue a legitimação quando não estiverem
presentes os requisitos da ‘representatividade adequada’. Essa verificação se dá pela análise
da “credibilidade, seriedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade ecomica, a
possibilidade de produzir uma defesa processual válida”, integrando o conceito da idoneidade
da representação (Ibidem).
Desse modo, por não haver regra impeditiva, e com base no artigo 4.º da Lei de
Introdução ao Código Civil (na omissão da lei, julga-se com base em analogia, costumes e
princípios), a defining function do juiz permite a verificação da ‘representatividade adequada
no caso concreto. O que é ainda mais importante na ação coletiva passiva, que tem como
condição sine qua non, requisito indispensável, para sua admissibilidade, a adequacy of
representation, como “condição necessária e suficiente para que a sentença possa vincular
todos os componentes da classe, independentemente de sua participação individual no
processo” (GRINOVER, 2002, p. 6). Portanto, a autora somente aceita a ação contra a classe
se esta estiver adequadamente representada, portando-se em juízo os interesses de todos os
membros da categoria.
Segundo Grinover, a possibilidade da ação coletiva passiva encontra respaldo, ainda, no
artigo 5.º, §2.º, da Lei de Ação Civilblica, pois permite que o Poder Público ou outras
116
associações legitimadas sejam habilitadas como litisconsortes de qualquer das partes. E
corrobora sua posição dizendo ser evidente, portanto, que se a intervenção no processo de
entes legitimados às ações coletivas pode se dar como litisconsortes do autor ou do réu, é
porque a demanda pode ser intentada pela classe ou contra ela” (2003, p. 7).
Na mesma linha de Pedro Lenza, Ada Grinover cita o caso do artigo 107 do Código de
Defesa do Consumidor, ao prever a possibilidade de se firmar a convenção coletiva de
consumo, que pode originar uma lide coletiva passiva; e também do artigo 83, ao dispor que
podem ser utilizadas todas as espécies de ações para a defesa dos direitos lá previstos.
Desta feita, é de se considerar que o artigo 6.º do Código de Processo Civil não afasta a
possibilidade de legitimidade passiva extraordinária, mas a condiciona à existência de lei
sobre o tema.
O ponto especial no caso é definir extensão do vocábulo lei, sendo que a visão tradicional
identifica lei com a espécie normativa prevista no artigo 59 da Constituição Federal, pois os
princípios da segurança jurídica e da legalidade servem de garantia para os cidadãos, que o
podem ser afastados sem prejuízo da estabilidade do ordenamento jurídico, como entende
Pedro Dinamarco, ao concluir pela impossibilidade da ação coletiva passiva.
De outro lado, entretanto, a mesma Carta Constitucional estabelece em seu artigo 5.º,
inciso XXXV, que não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito, direito fundamental que pode vir a ser violado pela rejeição peremptória à ação
coletiva passiva. Neste sentido, como defende Diogo Maia, pode-se entender o vocábulo lei,
no caso, “como texto legal ou como conjunto normativo” (2006, p. 89). Outrossim, lendo-se
na palavra lei o conteúdo de sistema normativo, afasta-se uma análise meramente formal do
citado dispositivo do estatuto processual civil, adequando-o às necessidades sociais e
permitindo o acesso à justiça.
117
A título ilustrativo, diante de uma invasão de sua propriedade por centenas de pessoas, o
proprietário ficaria praticamente impedido de ter sua posse tutelada se fosse obrigado a
convocar individualmente todos os invasores para participar do processo, pois não haveria
previsão legal expressa no sentido de permitir que fossem citados apenas os deres do
movimento em nome de todo o grupo. Assim, aceitando-se a ação coletiva passiva, o
proprietário não estaria privado de acessar a justiça, pois, diante da impossibilidade fática de
identificar individualmente os invasores, poderia promover uma ação contra todos,
convocando os líderes para exercer a defesa coletiva, desde que reconhecidos como aptos para
exercerem a defesa em nome da classe.
A lei, portanto, não pode ser óbice ao acesso à tutela jurisdicional, pelo que é de se aceitar
a ação coletiva passiva, ainda que como previsão excepcional decorrente do ordenamento
judico, o que é o caso da legitimidade extraordinária passiva, sendo mister o exame de sua
necessidade no caso concreto, sempre com o respeito ao amplo direito de defesa da classe, e
também de seus membros, com o contraditório e os recursos cabíveis, através de uma
adequada verificação da defesa do grupo no caso concreto.
Se o Estado não pode ficar inerte diante de uma possibilidade de lesão a direito, também
não pode interferir arbitrária e injustamente na esfera jurídica das pessoas, pelo que não
havendo a devida representação do direito da coletividade no processo, ou existindo
eventualmente conflito ou diversidade de interesses entre o representante e o grupo, ou parte
deste, estes não podem ficar privados dos bens ou dos direitos controvertidos na ação, pois
isso violaria o contradirio, o que deve ser verificado diante da situação conflituosa concreta
posta à apreciação jurisdicional.
118
5.3 Contraditório e coisa julgada em ações coletivas
Como já foi mencionado anteriormente, a questão da legitimidade é essencial para a
formação da coisa julgada em ação coletiva, notadamente porque é aquela que define como se
dá a participação dos interessados ao longo do processo.
Nos Estados Unidos, uma vez aceita a ação como coletiva, através de rigoroso critério de
verificação da representatividade adequada, haverá a formação de coisa julgada coletiva,
inclusive atingindo os membros do grupo individualmente, mesmo em caso de insucesso da
ação. Nesse sentido, Aluisio Mendes destaca que, após a reforma de 1966, a Regra 23 passou
a ter ênfase “na representação adequada e leal, como pressuposto para a manutenção das
ações coletivas, cujo julgamento passaria a atingir a todos os que fossem considerados como
membros da classe, independentemente se o resultado fosse ou não benéfico para os mesmos
(2002, p. 72).
Já no caso brasileiro, os efeitos da sentença proferida em ação coletiva não podem atingir
os membros da coletividade para os prejudicar, em respeito a contraditório, considerando que
a representatividade não é real como no sistema ope judicis, mas, decorrendo do sistema ope
legis, presumida, pelo que se a pessoa não teve a oportunidade de participar da decisão, esta
não pode lhe afetar.
Desse modo, no Brasil, a extensão subjetiva erga omnes e secundum eventum litis da
decisão proferida em ação coletiva é somente in utilibus, apenas em benefício dos que
integram o grupo, ainda que não façam parte da relação jurídica processual. Essa é uma clara
forma de respeito ao contraditório, pois a pessoa pode eventualmente ser beneficiada, sem
questionamento, por uma decisão proferida em processo que não integrou, mas o oposto não
se pode aceitar, uma vez que viola o contraditório alguém ter seu patrimônio jurídico afetado
negativamente por um julgamento ao qual foi alheio, sem que pudesse contribuir na formação
119
da convicção do julgador. Essa foi a forma de conciliar o direito de acesso à justiça coletiva
com as garantias inerentes ao processo, sem prejudicar o contraditório.
Assim, em uma ação coletiva que versa sobre direitos difusos, mesmo que haja decisão de
improcedência do pedido feito em proveito da coletividade, com formação de coisa julgada
erga omnes coletiva, pro et contra, o que impedirá novo processo coletivo sobre o mesmo
tema, dispõe o artigo 103, §1.°, do Código de Defesa do Consumidor, que os efeitos do
julgado coletivo não podem atingir os direitos individuais dos membros da coletividade, na
medida em que poderão promover ações individuais para a defesa de seus direitos. Nesse
caso, não se poderá ajuizar uma outra ação coletiva sobre o tema, mas ficará o indivíduo com
o direito de promover uma ação individual. Não se veda, portanto, que, com mesmo
fundamento, os titulares de direitos individuais venham reclamar judicialmente seus interesses
(MARCATO, 2005, p. 305). Saliente-se que se houver improcedência por insuficiência de
provas, não haverá coisa julgada nem mesmo em relação aos legitimados coletivos, que
poderão propor nova ação, com fundamento em prova nova, o que se dá em razão de a coisa
julgada ser secundum eventum litis.
As conclusões são as mesmas em se tratando de direitos coletivos em sentido estrito, para
os quais a coisa julgada se dá ultra partes, limitando-se os seus efeitos ao grupo, categoria ou
classe. A diferença básica que existe entre a coisa julgada no caso de direitos difusos e de
direitos coletivos é que neste caso ela se forma ultra partes, restringindo-se aos membros da
categoria ou da classe, e naquele ela ocorre erga omnes.
Ada Pellegrini Grinover (1990c, p. 53) destaca muito bem a razão para essa diferenciação
em relação à coisa julgada
a limitação da coisa julgada às partes é princípio inerente ao contraditório e à defesa, na medida em
que o terceiro, juridicamente prejudicado, deve poder opor-se à sentença proferida inter alios,
exatamente porque não lhe foi dado participar da relação jurídico-processual.
120
Essa proteção dos membros ausentes é ainda mais clara em se tratando de direitos
individuais homogêneos debatidos em ação coletiva, pois somente a decisão de procedência
do pedido leva à coisa julgada erga omnes, no sentido de beneficiar as timas ou os seus
sucessores. A improcedência do pedido, seja por que motivo for, não afeta as partes
representadas na ação coletiva e que não tenham intervindo no processo como litisconsortes,
eis que poderão propor ação de indenização a título individual.
A relação com o contradirio é bastante clara, pois se os membros da comunidade
integraram o processo, atuando como litisconsortes, puderam participar da formação da
decisão, submetendo-se aos seus efeitos. Não havendo esse envolvimento, essa capacidade de
influir no convencimento do julgador da ação coletiva, os ausentes não serão prejudicados
pela decisão de improcedência.
Além disso, o §3.° do artigo 103 da Lei n.º 8.078, de 1990, permite que haja o transporte,
in utilibus, da coisa julgada resultante de sentença proferida na ação civilblica para ações
individuais de indenização. Sendo julgado improcedente o pedido coletivo, os direitos
individuais não são prejudicados, mantendo-se a possibilidade de ajuizamento de processos
para reclamar seus interesses. Já no caso de procedência, dá-se a ampliação do objeto do
processo, em proveito daqueles que não participaram do processo coletivo, o que ocorre em
homenagem ao princípio da economia processual.
O que se nota é que o legislador, nesses casos, teve grande preocupação com o
contraditório, ao se valer dos instrumentos da coisa julgada secundum eventum litis e in
utilibus. “Essas formas de proteção é que resguardam, de um lado, os direitos dos terceiros
que não participaram da relação jurídica e viabilizam, de outro, o cumprimento do princípio
do contradirio” (MARCATO, 2005, p. 312).
121
Uma vez aceita a adoção da ação coletiva passiva, é importante definir a extensão dos
efeitos da decisão proferida no processo respectivo, notadamente a possibilidade de fazer ou
não coisa julgada, e em que casos.
Seguindo a orientação dodigo de Defesa do Consumidor, que se volta para a defesa
dos interesses dos consumidores e das vítimas, Ada Pellegrini Grinover entende que o regime
lá previsto não é apropriado para ações coletivas passivas.
Pelas normas do referido estatuto, nas ações que versam sobre direitos difusos e coletivos
stricto sensu os efeitos da decisão são erga omnes, salvo em caso de improcedência por
insuficiência de provas, hipótese em que é permitida nova ação com base em prova nova. E
em se tratando de direitos individuais homogêneos, os efeitos da decisão e respectiva coisa
julgada são erga omnes e secundum eventum litis, em que somente a sentença favorável
beneficia os autores e a coletividade, mas a improcedência não impede a utilização de ações
individuais; é a chamada coisa julgada in utilibus, que não prejudica os direitos individuais, os
quais não são afetados negativamente pela decisão do processo coletivo.
Assim, sendo a intenção do legislador a proteção da classe, evitando-se o risco da
representação inadequada, Grinover entende que essa proteção deve ser mantida na ação
coletiva passiva, invertendo-se os termos da questão. Na hipótese de uma ação individual
contra a classe, em caso de direitos difusos ou coletivos, sendo a sentença procedente contra o
grupo e reconhecendo o juiz “a insuficiência da defesa coletiva” (2002, p. 8), não haverá coisa
julgada, podendo haver nova ação contra outro legitimado renovando a possibilidade de
defesa em benefício da classe. O juiz, no caso, negaria a representatividade adequada,
recusando a “legitimação do portador em juízo dos interesses coletivos” (Ibidem), pelo que
faltaria uma condição da ação, fato que não obstaria nova ação contra outro legitimado. E em
ação individual versando sobre direitos individuais homogêneos, a sentença favorável contra a
classeo impede a utilização de ações individuais por qualquer membro da categoria,
122
procurando repelir a pretensão do autor vencedor, caso em que a coisa julgada também seria
in utilibus, somente beneficiando, e não prejudicando, os membros da classe.
Já para a ação duplamente coletiva, em que classes litigam em posições antagônicas,
Grinover defende um regime igualitário, sem privilégio para qualquer das partes, com a coisa
julgada se formando erga omnes, tanto em caso de procedência como de improcedência do
pedido, desde que controlada pelo juiz a adequada representação das partes.
E concluindo, citando e refutando o argumento contrário à ação coletiva passiva,
Grinover defende a posição, de lege lata, da via do acesso à justiça contra classe, uma vez que
a defining function do juiz permite a utilização de “solução judicial de situações justapostas às
previstas em lei, desde que observado o princípio da proporcionalidade” (2002, p. 9).
Pedro Lenza, por sua vez, entende que a procedência de ação coletiva contra a classe
“implicará a impossibilidade de propositura de qualquer ação coletiva sobre o mesmo objeto
(repropositura da mesma ação)” (2005, p. 211/212), mas as timas ou sucessores não estarão
vinculados pela decisão, podendo mover ações individuais. Em hipotética ação coletiva contra
o IDEC pedindo validade de cláusula contratual, a decisão de improcedência do pedido
somente “beneficiará as vítimas e seus sucessores se houver pedido reconvencional pelo
representante ideológico da massa julgado procedente” (Ibidem).
Mas ressalta que a coisa julgada, como regra, não pode ser prejudicial para a coletividade.
A coisa julgada somente vinculará as partes coletivas, os autores coletivos, que eventualmente
ficarão impedidos de repropor ação sobre a mesma questão. Uma ação entre representantes
coletivos sobre a validade de uma determinada cláusula contratual terá seu julgamento
vinculativo para as partes coletivas, mas os consumidores não ficarão impedidos de propor
uma ação individual para discutir a validade da mesma cláusula no caso concreto.
Diogo Maia, de seu lado, trata do problema de que nada valeria a ação coletiva se não
houvesse a possibilidade de sua execução coletiva contra a classe, pois a permissão de
123
discussão individual das questões debatidas no processo de classe afastaria a utilidade do
instituto.
Ada Pellegrini destaca a utilidade prática das ações coletivas passivas mesmo que exista a
possibilidade de os interessados se oporem através da utilização de ações individuais com a
finalidade de afastar os efeitos da sentença coletiva de suas esferas particulares (2005c, p.
211).
Desse modo, o grande problema da formação da coisa julgada em ação coletiva passiva é
a “vinculação definitiva dos titulares dos direitos materiais discutidos na ação, ainda que
contra seus interesses” (MAIA, 2006, p. 176). Isso porque, se a ação coletiva passiva tem
como pressuposto a legitimidade extraordinária, em que se defende em juízo direito alheio, a
parte substituída pode vir a ser afetada por uma decisão judicial para cuja formação não
participou diretamente, o que exige a cuidadosa análise do tema, para que a coletividade não
seja indevidamente prejudicada.
Assim, começa seu estudo estudando a hitese de ação movida por autor individual
contra a classe, sendo que no caso de direitos coletivos e difusos a decisão de improcedência
faz coisa julgada, pois benéfica para o grupo. Já no caso de procedência do pedido movido
contra a coletividade, esta somente será vinculada pelo julgado se houver prova bastante que
forme o convencimento do julgador, estando sempre o ônus da prova integral com o autor
individual. Maia questiona a posição de Ada Pellegrini Grinover ao criar “um instrumento de
intenso grau de subjetividade” permitindo que o juiz verifique uma “insuficiência de defesa
coletiva”, o que é diverso de “insuficiência de provas” e foge, assim, “do sistema de formação
da coisa julgada na ação coletiva ativa” (2006, p. 179).
Em se tratando de direitos individuais homogêneos, mesmo considerando que a ordem
jurídica pátria não permite expressamente a formação de coisa julgada contra a coletividade,
Maia defende posicionamento diverso, haja vista a inafastabilidade do controle jurisdicional.
124
Caso se aceite que a classe não possa ser afetada em ação coletiva passiva sobre direitos
individuais homogêneos, a decisão seria de todo inútil, pois sem qualquer efetividade, pela
possibilidade de que a questão venha a ser discutida ad eternum, argumentando que “a coisa
julgada deve se formar, ainda que contra os interesses da coletividade” (2006, p. 181). Para
tanto, contudo, é necessária a aferição da legitimidade adequada e do interesse coletivo
presente na pessoa do réu. “Cabe ao autor individual o ônus probatório integral, para que
possa obter uma sentença de procedência, formando coisa julgada e, por conseqüência,
vinculando os membros da classe coletiva” (Ibidem). Outra condição para essa verificação
consiste na necessidade de que os direitos devam ser “verdadeiramente homogêneos”, em que
a análise “da situação de um membro do grupo corresponde à análise da situação dos demais”
(Ibid.). E conclui sua posição reforçando-a com o exemplo da responsabilidade anônima
reconhecida pelo Direito Civil, em caso de projétil lançado de um condomínio de
apartamentos, e pelo Direito Penal, em rixa qualificada com morte ou lesão grave que
aumenta a pena do participante do crime, casos em que as obrigações e deveres independem
de averiguação das questões individuais do condômino ou de quem fez parte da rixa, que
serão responsabilizados sem a avaliação de sua culpa individual.
Em ação duplamente coletiva Diogo Maia concorda com Ada Pellegrini Grinover,
devendo haver a vinculação da coletividade, pelo enfrentamento recíproco, sem restrição à
formação da coisa julgada, seja a decisão de procedência ou improcedência, que terá efeitos
erga omnes.
Ressalta, finalmente, que é obrigatória a participação do Ministério Público nas ações
coletivas passivas, por aplicação do artigo 92 do Código de Defesa do Consumidor, ainda
mais em se tratando de possibilidade de vinculação da coletividade, caso em que a presença
do parquet no processo somente legitima a qualidade da decisão a ser proferida, como regra,
125
pela defesa da legalidade em sentido amplo, procurando também evitar a simulação ou a
fraude.
Mencione-se, ainda, o caso das ações coletivas na Justiça do Trabalho, que têm como
partes os sindicatos, e uma vez que estesm a disponibilidade coletiva dos direitos
individuais permite-se que em suas ações a formação da coisa julgada se dê pro et contra,
notadamente nos dissídios coletivos, haja vista que os sindicatos, como associações, podem
dispor extrajudicialmente de alguns direitos dos seus integrantes, como autorizado pelo artigo
7.º, VI, da Constituição Federal, c/c artigo 611, da Consolidação das Leis do Trabalho. Se os
direitos são renunciáveis, não há porque limitar os efeitos da prestação jurisdicional. Esse é o
posicionamento de Eduardo Adamovich (2005, p. 439).
Tratados genericamente como coletivos, os direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais
homogêneos dos trabalhadores sempre repercutiram na esfera individual os efeitos das decisões da
Justiça do Trabalho, formando-se coisa julgada pro et contra, enquanto mantidas as mesmas condições
econômicas e observados os prazos legais de revisão das decisões em dissídios da espécie (CLT, art.
873). A coisa julgada nos dissídios coletivos de natureza econômica sempre foi limitada no tempo em
razão da dinâmica dos direitos que tutela, admitindo, em função das variações nessa mesma dinâmica,
a alteração futura do regramento que adotasse para as diversas relações de trabalho. Poderia até levar a
dizer-se que seria dada sob a cláusula rebus sic stantibus, tendo-se presente a referida norma do art.
873 da CLT.
O direito do trabalho, contudo, em razão de suas normas especiais, não pode servir de
parâmetro adequado para a comparação com os demais ramos do Direito, uma vez que a
própria Constituição e a tradição daquele ramo da jurisdição indicam uma representatividade
própria, tanto processual como extraprocessualmente, dos sindicatos.
Um ponto que merece ser salientado, em qualquer caso, é que a vinculação da decisão
proferida em ação coletiva a quem não foi parte no processo não pode ser absoluta, para que
não sejam violados os direitos fundamentais à participação no processo, em especial no que se
refere ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contradirio.
Destarte, ainda que tenha sido proferida decisão contra uma coletividade, pretendendo-se
incluir determinada pessoa na classe participante da ação, não se pode negar que ao suposto
membro seja permitido o direito de suscitar a ausência de interesse comum, a divergência
126
fática ou o conflito de pretensões entre a classe e o seu alegado integrante, de modo a excluí-
lo dos efeitos do julgamento da ação coletiva, pois a configuração de diferença entre os
objetos de interesse implica na impossibilidade de formação de coisa julgada, tendo em conta
que a controvérsia estaria fora dos limites da lide e das questões decididas.
Para Pierre Pescatore a expressão auditatur et altera pars representa
que uma decisão o pode adquirir a autoridade da coisa julgada para quem não participou do debate
judicrio, que o contradirio possibilita o melhor esclarecimento do juiz, e que, entretanto, significa,
sobretudo, a possibilidade que a parte deve ter de se fazer ouvir: “Ce principe doit être entendu
toufeois em ce sens que toute partie interessée doit avoir la possibilité de se faire entendre” (Apud
GONÇALVES, 1992, p. 119/120).
Concordamos, nesse ponto, com Eduardo Talamini, para quem não se pode aceitar como
regra irrestrita que a parte substituída no processo fique atingida pela coisa julgada do
processo do qual apenas o substituto participou. Para que a parte substituída seja vinculada
pela coisa julgada, o autor defende que o interessado: (i) tenha tido a oportunidade de deduzir
sua pretensão em juízo; (ii) pudesse ter ciência do processo em que ocorreu a substituição; e
(iii) fosse possível sua interveão no processo como assistente (2004, p. 224). E conclui que
“nos casos em que essas condições não estão presentes, não é possível que a coisa julgada
formada no processo de que participou apenas o substituto atinja o substituído” (Ibidem).
Daí porque, verificando-se não ter havido a devida adequação da representação da
coletividade substituída no pólo passivo da ação, ainda que parcialmente ou no caso de um
indivíduo específico, não se pode negar, no caso concreto, que o prejudicado suscite a
ausência da defesa dos seus interesses pleiteando a sua exclusão dos efeitos da coisa julgada,
pois não pode ser privado do direito à ampla defesa e do contradirio, em síntese, do efetivo
devido processo legal.
Essa conclusão vale não apenas para a ação coletiva passiva, mas também para a ação
ativa, pois o direito ao contraditório vale constitucionalmente em todo caso.
Outrossim, ao se aceitar a ação coletiva passiva com base em direito de acesso à justiça
do autor não se pode negar os demais direitos fundamentais de participação popular na função
127
estatal do Poder Judiciário e do devido processo legal com o contraditório, assegurados àquele
que não teve suas pretensões e defesas particulares suscitadas no processo, a quem também
são consagradas garantias constitucionais ligadas à atividade jurisdicional.
Pedro Dinamarco destaca que certos indivíduos podem ser atingidos pela decisão
proferida em ação coletiva sem que tenham integrado o processo, mas ressalta que na “ação
civil pública os indivíduos ausentes jamais podem ser prejudicados pela improcedência da
demanda” (2001, p. 87). Completa que não se pode aceitar o processo civil do autor, para que
em nome da efetividade e da tempestividade do direito de ação seja preterido o direito de
defesa.
De seu lado, Humberto Dala defende o acesso à justiça nas ações coletivas, entendendo
que “nestas residem grandes carências e necessidades da sociedade de massa” (2007, p. 279),
pelo que aceita o “o alcance subjetivo da coisa julgada, sobretudo nas ações coletivas”
(Ibidem, p. 281).
Essa é a linha defendida por alguns dos anteprojetos de Código de Processo Coletivo, em
que é incluída a ação coletiva passiva, como odigo Modelo de Processos Coletivos para
Ibero-América e os anteprojetos de Código de Processo Coletivo da USP e da UERJ/UNESA.
O primeiro deles (Versão de Agosto de 2004) trata da questão nos artigos 36 a 38:
Art. 36. Coisa julgada passiva: interesses ou direitos difusos - Quando se tratar de interesses ou
direitos difusos, a coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do grupo, categoria ou
classe.
Art. 37. Coisa julgada passiva: interesses ou direitos individuais homogêneos - Quando se tratar de
interesses ou direitos individuais homogêneos, a coisa julgada atuará erga omnes no plano coletivo,
mas a sentença de procedência não vinculará os membros do grupo, categoria ou classe, que poderão
mover ações próprias ou defender-se no processo de execução para afastar a eficácia da decio na
sua esfera jurídica individual.
Parágrafo único – Quando a ação coletiva passiva for promovida contra o sindicato, como substituto
processual da categoria, a coisa julgada terá eficácia erga omnes, vinculando individualmente todos
os membros, mesmo em caso de procedência do pedido.
O Código Modelo se filia ao sistema da representatividade ope judicis, cabendo ao
julgador verificar a adequação da representação da coletividade, que deve ser real e ligada ao
grupo, classe ou categoria. Como conseqüência, a decisão, em se tratando de interesses ou
128
direitos difusos, será erga omnes, vinculando a coletividade. Já em caso de interesses ou
direitos individuais homogêneos, a decisão da ação não prejudica o direito individual, salvo
no caso de sindicato como substituto da categoria, caso em que seus membros ficarão
vinculados ao julgado.
Em comentários ao Código Modelo, Aluisio Mendes (2005, p. 737) destaca a verificação
da legitimidade para a causa e seus requisitos referentes “a um controle, em concreto, quanto
à seriedade, viabilidade e importância da demanda coletiva que se pretende propor”, sendo
que a representação adequada é fundamental para o reconhecimento da legitimidade e sua
representatividade. E sobre a participação do Ministério Público afirma
O Ministérioblico deverá intervir necessariamente no processo como fiscal da lei. Se o próprio
Ministério Público for o autor da ação coletiva duplamente passiva, a intervenção deve se dar,
mediante agentes distintos, nas duas funções, a exemplo do que ocorria, por exemplo, antes da
Constituição brasileira de 1988, quando o Ministério Público Federal atuava tanto como fiscal da lei
quanto como representante da União (Ibidem, p. 743).
De fato, é interessante e pertinente a posição do autor, pois havendo uma coletividade no
lo passivo, e sendo o autor da ação um membro do órgão ministerial, a presença de outro
representante do ministério público traria benefícios para a regularidade da demanda e da
decisão, e sua conseqüente aplicação a todo o grupo.
Também o anteprojeto da USP (3.ª Versão – Outubro de 2005) sobre os processos
coletivos traz dispositivos expressos sobre a ação passiva, nos artigos 36 a 38, fato que reforça
sua realidade e presença na ordem jurídica, confirmando sua possibilidade.
Art. 37. Coisa julgada passiva – A coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do
grupo, categoria ou classe e aplicando-se ao caso as disposições do artigo 12 deste Código, no que
dizem respeito aos interesses ou direitos transindividuais.
Neste caso também é exigida a representatividade adequada, adotando-se o critério ope
judicis, com a coisa julgada formando-se erga omnes, com exceção no caso de descoberta de
prova nova, até dois anos depois deste fato, e na hitese de insuficiência de provas, o que
mantém o sistema atual da coisa julgada secundum enventum litis, em proveito da
coletividade, tratada de forma um pouco diversa. Cumpre enfatizar que a versão de janeiro de
129
2005 do anteprojeto da USP seguia o modelo iberoamericano, pois trazia em seu artigo 41 que
em caso de ação coletiva sobre direitos individuais homogêneos os membros do grupo não
seriam vinculados, o que se entendeu que acabava por comprometer a eficiência do instituto,
ponto que foi revisado na versão de outubro de 2005.
O projeto da UERJ/UNESA traz as mesmas características daquele da USP revisado:
Art. 43. Coisa julgada passiva – A coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do
grupo, categoria ou classe.
Também nesse caso é devida uma verificação da representação da coletividade, que deve
ser real e adequada aos interesses do grupo, fazendo a decisão coisa julgada erga omnes, com
a vinculação dos membros do grupo, categoria ou classe.
Outrossim, a existência de diversos anteprojetos sobre o tema somente enriquece o debate
sobre o assunto, restando ao legislador, como representante da população que será afetada
pelas novas normas jurídicas, adotar o que melhor se adapte às necessidades brasileiras,
permitindo a defesa dos interesses coletivos, com o respeito aos princípios constitucionais do
acesso à justiça e do devido processo legal, em especial o contraditório.
Contudo, é de ser feita uma ressalva quanto ao tratamento da coisa julgada nesses
anteprojetos, notadamente no que se refere à possibilidade de formação de coisa julgada
contras os membros da coletividade que não integraram o processo.
Nesse sentido, é válido o entendimento de Leonardo Greco, para quem não é compatível
com o contraditório a formação de coisa julgada em detrimento da parte substituída no
processo, sem que esta tenha dele participado, destacando que em caso de legitimação
extraordinária, em que pese a oposição da doutrina, apenas pode ocorrer coisa julgada
secundum eventum litis, ou seja, somente in utilibus (2003, p. 41). E complementa que existi
injustiça para o adversário nesse caso, a qual deve ser compensada de alguma forma; o que
não pode permitir que a parte substituída “sofra perda de um direito em decorrência de uma
130
ficção jurídica, qual seja, a de que o seu interesse foi legitimamente defendido por aquele a
que a lei atribuiu essa função, o substituto processual” (GRECO, 2003, p. 42).
E especificamente tratando da ação civil pública, diz Greco que não aceita que o Estado
adote ficções paternalistas em relação à representatividade da parte substituta.
Ninguém que seja titular de um interesse jurídico próprio a uma prestação jurisdicional diversa da que
resultou do processo em que esse interesse foi patrocinado por um daqueles legitimados pode ter de
submeter-se à perda desse interesse ou à vedação da sua postulação em juízo sem ter tido a
possibilidade concreta de influir eficazmente no correspondente provimento jurisdicional (Ibidem, p.
51).
Ainda sobre as ações coletivas o autor sustenta dever ser o processo uma expressão do
pluralismo da sociedade, de modo que as várias opiniões nela existentes estejam aptas a
articular seus interesses e participar da atuação da jurisdição, devendo ser assegurada a
participação desses interessados, ainda que por meio de intervenção litisconsorcial ou através
de atuação independente daquela posição assumida pelas partes originárias (Ibid., p. 52).
Destarte, a utilização da ação coletiva como relevante instrumento social não pode
prejudicar os direitos fundamentais do indiduo, notadamente o direito ao processo em
contraditório, de modo que a sujeição da parte a uma decisão judicial somente é aceita se esta
teve a oportunidade de se fazer ouvir e de defender especificamente sua situação jurídica no
processo, única forma de fazer respeitar sua dignidade de pessoa humana no exercício da
jurisdição.
131
CONCLUSÃO
No Estado Democrático de Direito, o povo é a origem de todo poder, o que confere
àquele o direito controlar o uso deste, no que se inclui a função jurisdicional, pois a
organização e o uso do poder são feitos em nome e beneficio da população.
O processo moderno, tanto na realização dos direitos individuais como na atuação das
normas gerais, ditadas pelos representantes do povo e em benefício deste, é um instrumento
indispensável para o exercício e o aprimoramento da democracia.
A jurisdição, além disso, é essencial na organização potica da sociedade, pois atua como
forma popular de exercício e controle do poder estatal. No Estado Democrático, o processo
adquiriu posição de garantia constitucional, pois restringe a ação do Estado e assegura a
liberdade individual.
O processo é um meio potico de participação, permitindo que a população interfira
diretamente na atuação estatal, aumentando a legitimidade desta, principalmente quando
promove os valores constitucionais e os direitos fundamentais.
É essencial, portanto, que o direito seja restabelecido através do processo de forma
equilibrada, podendo-se concluir que é importante, desejável e bom para o desenvolvimento
da vida humana, e para a satisfação dos interesses juridicamente protegidos, que haja a
contribuição dos titulares dos interesses envolvidos, preservando-se, assim, a dignidade dos
indivíduos em litígio.
132
O contraditório tem por uma de suas finalidades permitir a defesa dos cidadãos contra a
arbitrariedade dos governantes, pois se o poder tem origem na própria sociedade, as normas
valem para seu benefício, e não sua opressão.
É fundamental a estrutura dialética do procedimento, assegurando um processo justo, no
qual se garanta às partes os direitos relativos ao contraditório participativo, como um
instrumento de realização da cidadania.
Sendo a comunicação o grande diferencial do homem em relação aos demais seres, uma
ligação racional é essencial para o respeito aos litigantes como pessoas, o que se dá com o
diálogo humano entre o juiz e as partes, estabelecendo-se uma interação ativa, em que o juiz
ouve as partes e estas sabem que estão tendo efetiva audiência com o julgador e entrando em
sua inteligência decisória, pelo contraditório participativo.
A prestação jurisdicional não é justa se não for feita dentro de um período de tempo que
impeça a deterioração do direito em litígio. Assim, o direito à duração razoável do processo
foi elevado é um direito fundamental positivado.
Mesmo antes de sua positivação, já se considerava como um direito humano, pois
essencial para a satisfação das necessidades das pessoas. A proteção rápida do direito
individual se incorpora à dignidade da pessoa humana, não se concebendo como justo ou
digno que um processo leve um período infindável de tempo, o mesmo um tempo superior ao
necessário para o esclarecimento dos fatos e aplicação da norma pertinente, com a defesa dos
interessados.
O contradirio é sempre indispensável, ainda que possa ser maior ou menor dependendo
da relevância e extensão da decisão a ser proferida no processo, permitindo-se, em casos
realmente necessários, e excepcionalmente, a postergação do contradirio quando houver
urgência para o direito do demandante, como em medidas liminares urgentes cautelares ou
antecipatórias, sem que, em nenhuma hipótese, possa o contradirio ser eliminado.
133
O princípio da motivação das decisões judiciais sofreu uma evolução sobre sua
necessidade e concepção, em razão das diversas modificações poticas, culturais e
ideológicas.
No moderno Estado, que pauta sua atuação pela lei, é indispensável que sejam
justificadas as intervenções nas vidas das pessoas, o que se materializa no princípio da
motivação das decisões judiciais.
A motivação das decisões tem uma conotação política, como forma de se assegurar que
as leis estão sendo efetivamente respeitadas, que o poder com origem no povo está realmente
sendo utilizado em seu favor, permitindo-se de um modo geral o controle da atividade
jurisdicional, como uma atividade estatal que, em especial, deve respeitar as normas jurídicas
vigentes.
E também para o processo, no interesse dos litigantes, a motivação tem necessidade
fundamental, pois é através dela que a parte toma conhecimento da decisão de sua causa,
verificando se suas alegações foram apreciadas ou não, e também permite o controle da
decisão judicial pelos órgãos de revisão, sendo que através da fundamentação é possível
averiguar a correção da decisão, sua adequação aos fatos e ao direito versado no caso concreto
e, também, se foi respeitado o contraditório.
Ainda que os tribunais superiores tenham posição firme no sentido de exigir a
fundamentação, o critério de sua verificação é superficial e falho, uma vez e não há
necessidade de correção das razões de decidir.
As ações coletivas têm um papel de destaque na sociedade de massas, sendo essenciais
em seu estudo as queses da legitimidade e da coisa julgada.
A representatividade adequada de todos os membros do grupo é condição para que os
ausentes também sejam vinculados pela decisão proferida no processo coletivo, sendo que o
134
processo civil brasileiro adota o sistema presumido, ou ope legis, acerca da legitimidade,
diferentemente do norte-americano que usa a legitimidade real o ope judicis.
A questão da legitimidade passiva extraordinária é a que encerra a grande polêmica
acerca da ação coletiva passiva, ou seja, se é ou não possível que a coletividade esteja
representada no lado demandado.
Pelo princípio do acesso à justiça, pode ser aceita a legitimidade extraordinária passiva,
desde que examinada sua necessidade, respeitando-se sempre o direito à ampla defesa da
classe e de seus membros, principal e especificamente através de uma adequada verificação
da defesa do grupo e sua representação no caso concreto.
Não é compatível com o contraditório a formação de coisa julgada em detrimento da
parte substituída no processo sem que esta tenha participado de sua formação, sendo que em
caso de legitimação extraordinária somente é possível que a classe substituída seja
beneficiada pelo resultado da ação, e não prejudicada.
Assim, a utilização da ação coletiva como relevante instrumento social não pode
prejudicar os direitos fundamentais do indiduo, notadamente o direito ao processo em
contraditório, de modo que a sujeição da parte a uma decisão judicial apenas é aceita se esta
teve a oportunidade de se fazer ouvir e de defender especificamente sua situação jurídica no
processo, única forma de fazer respeitar sua dignidade de pessoa humana no exercício da
jurisdição.
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