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ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
S
ÃO
P
AULO
PUC
-
SP
Antonio Paulo Lage Terassovich
Análise da percepção dos gerentes de crédito imobiliário para investigar as
formas de exercício do poder nas organizações.
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
SÃO PAULO
2008
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P
ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
S
ÃO
P
AULO
PUC
-
SP
Antonio Paulo Lage Terassovich
Análise da percepção dos gerentes de crédito imobiliário para investigar as
formas de exercício do poder nas organizações.
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
Administração pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo sob a
orientação da Profa. Doutora Maria
Cristina Sanches Amorim.
SÃO PAULO
2008
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Resumo
O objetivo desta dissertação é examinar a percepção da gerência média de
bancos comerciais, por meio de entrevistas, buscando compreender as formas de
exercício do poder nas organizações em que trabalham. A pesquisa buscou
compreender quais as práticas de poder que o gerente intermediário se utiliza,
conscientemente ou não, para exercer suas funções.
Escolheu-se o setor de crédito imobiliário dentro de instituições bancárias
porque ele está em forte crescimento o que aumentou sua importância relativa
dentro das áreas dos bancos caracterizando um momento de mudança neste setor.
O volume de unidades financiadas com os recursos do SFH – Sistema Financeiro da
Habitação em 2007 e início de 2008 alcançam, pela primeira vez, os volumes mais
altos comparado com o início da década de 80, os maiores de todos os tempos.
As perguntas que se faz são: Existe um espaço vazio deixado pelas normas
organizacionais em que o indivíduo tem total liberdade de ação? Existe de fato um
espaço de liberdade do indivíduo? E para efeitos deste trabalho, existe de fato um
espaço de liberdade para o gerente de crédito imobiliário? E se existir, quais as
percepções que podem ser encontradas neste espaço? Ou pelo contrário, as
normas e a hierarquia dos bancos não deixam área de liberdade alguma? Para
responder a essas pergunta a temática escolhida foi o poder e dentro deste contexto
as análises das entrevistas serão conduzidas para investigar se é possível distinguir
práticas de poder nas relações que os gerentes estabelecem quando exercem suas
funções dentro do seu ambiente de trabalho.
As análises das entrevistas identificaram alguns tipos de comportamento que
os gerentes de crédito imobiliário se utilizam para conseguirem “agir sobre a ação
dos outros” com o objetivo de exercer suas funções e alcançar as metas
organizacionais dentro dos limites impostos pelas normas corporativas.
Palavras chave: Poder, dominação, disciplina, gerentes de crédito imobiliário.
Abstract
This master’s thesis aims to focus on the average managers’ perception from
comercial Banks on the interviews provided by them, intending to understand the
kinds of effective power on the organizations they work for. This research work
struggled to specify which power practices an intermediate manager uses
(consciously or unconsciously) to carry on his/her work activities.
Real Estate Financial Loans Policies in banks was chosen as a sector in this
research once it is in considerable growth in these days and its importance has risen
significantly in bank institutions, revealing major changes in the sector. The total of
units financed by SFH in Brazil (a governamental system to enable citizens to ask for
specific loans to purchase houses or apartments) in 2007 and beginning of 2008
reach the highest amounts in terms of volume of units when compared to early 80’s.
Some questions arouse in this investigation, such as: Is there a free space in
organization rules in which an individual might have total freedom to act? Is there
effectively a freedom space for individuals? And for the means of such work, is there
a freedom space for a Real Estate Manager? And if so, which perceptions can be
gathered in such space? In case there is no freedom at all, rules or bank hierarchy do
not alow any kind of freedom? In order to answer those questions, this master’s
thesis refined as theme an analysis on power and in this context the interviews were
carried out so as to verify whether it is possible to distinguish power practices in
relationships managers have when they exert their functions in their work
environment.
The analysis of the interviews identified some kinds of behaviors of those
managers when they have to “act on the others” aiming to exert their fucntions and
acomplish their organizational goals in the determined principles established by
corporate rules.
Key Words: Power, domination, dispute, real estate managers.
Banca Examinadora
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_____________________________________
Agradecimentos
Agradeço a Deus por ter me dado inspiração, amor pelas coisas da vida,
persistência e o estímulo para enfrentar mais uma etapa na minha existência.
Agradeço aos meus pais por terem me ensinado a viver e a respeitar o
mundo.
Agradeço a minha professora Maria Cristina pela orientação e por ter me
ajudado a concluir esse trabalho no exíguo tempo planejado.
Agradeço aos meus professores do mestrado por tudo que aprendi durante as
aulas e fora delas.
Agradeço aos meus amigos do curso Daniela, Priscila, Gisele, Andrea,
Patrícia, Ana, Salete, Simone, José Roberto e Francisco, companheiros nos
momentos difíceis e nos momentos agradáveis desses dezoito meses.
Agradeço a minha esposa Adriana e aos meus filhos Bruna e Rodrigo pela
compreensão e pelo carinho quando não pude estar com eles.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................3
CAPÍTULO 1...............................................................................................................7
RELAÇÕES DE PODER E DOMINAÇÃO..................................................................7
1.1. O poder segundo Max Weber............................................................................7
1.2. O agir sobre a ação dos outros, segundo Max Weber..................................15
1.3. O poder em Foucault .......................................................................................20
1.4. Análise das relações de poder e saber sob a óptica de Foucault...............28
1.5. Análise dos indivíduos dentro das organizações sob a óptica de poder de
Foucault ...................................................................................................................36
CAPÍTULO 2.............................................................................................................45
GERÊNCIA: ASPECTOS TEÓRICOS......................................................................45
2.1 Comportamento dos gerentes nas organizações.........................................45
2.2 Estrutura das organizações e as funções dos gerentes ..............................52
CAPÍTULO 3.............................................................................................................64
O CRÉDITO IMOBILIÁRIO NO BRASIL ..................................................................64
CAPÍTULO 4.............................................................................................................72
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS ENTREVISTAS.............................................72
4.1 Nádia .................................................................................................................72
4.2 Oliveira..............................................................................................................75
4.3 César.................................................................................................................80
2
4.4 Thiago ...............................................................................................................89
4.5 Cristiano............................................................................................................95
4.6 Janice................................................................................................................99
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................110
Anexo I - Roteiro para entrevista de pesquisa ...................................................125
Anexo II TRANSCRIÇÃO LITERAL DAS ENTREVISTAS ....................................128
Nádia ......................................................................................................................128
Oliveira...................................................................................................................143
César......................................................................................................................159
Thiago ....................................................................................................................171
Cristiano.................................................................................................................181
Janice.....................................................................................................................187
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por finalidade realizar uma análise sobre o
comportamento da gerência média de bancos comerciais, na área de crédito
imobiliário, procurando características de formas de poder. Para tanto, procurou-se
examinar a percepção dos gerentes, por meio de entrevistas, buscando
compreender quais as práticas de poder que o gerente intermediário se utiliza,
conscientemente ou não, para exercer suas funções.
Escolheu-se o setor de crédito imobiliário dentro de instituições bancárias pelo
momento que passa esse mercado. Em primeiro lugar, porque ele está em forte
crescimento o que aumentou sua importância relativa dentro das áreas dos bancos e
com isso pode pagar melhores salários congregando funcionários teoricamente mais
competentes. Trabalhar nesse setor conduziu à escolha do segmento e do público
alvo que foi objeto desta pesquisa, o GCI - gerente de crédito imobiliário.
Os líderes organizacionais tomam decisões que são influenciadas por
diversos fatores, muitos das quais são analisadas por diferentes teorias que
transitam por conceitos como racionalidade, liderança, poder, processos, gestão de
pessoas, condições ambientais, fatores comportamentais entre outros.
A alta administração está sujeita a esses fatores e ainda mais a gerência
média que está em contínua pressão tanto de seus superiores quanto de seus
próprios funcionários e pares. Essas teorias dizem respeito a estratégias, estruturas
organizacionais, cultura e poder e podem conduzir a entendimentos que muitas
vezes são contraditórios e podem colocar o líder, como de fato ocorre, em uma
situação de escolha multifacetada e multidimensional.
Tais escolhas residem para o gerente intermediário dentro do seu grau de
amplitude de decisão. Essa amplitude foi estabelecida pelo conjunto de fatores
mencionados acima. Dentro dessa margem de liberdade, a influência da
subjetividade pode tornar-se muito mais preponderante. De acordo com Quivy
4
(1998), o gerente pode ser analisado no âmbito da relação da cooperação
conflitante, ou seja, tem duas dimensões: uma definida pela capacidade de cooperar
e, outra, definida pela capacidade de interferir na gestão de produção por meio de
uma relação conflitante. Em outras palavras, se o gerente é ou não capaz de
encontrar um lugar na cooperação da produção e de se defender numa relação de
conflito.
Dependendo do tipo de estudo realizado, estudos organizacionais tendem a
salientar conceitos mais voltados à atuação do indivíduo, do que propriamente ao
contexto das atividades empresariais, ou o oposto, isto é, enfatizam mais os
aspectos estruturais, relativos à cultura, aos sistemas, do que a ação individual.
A temática escolhida foi o poder, uma vez que esta envolve temas como jogos
de influência, arcabouço estrutural, as fontes e as bases do poder, e até mesmo a
cultura no seu processo de não-decisão, isto é, o poder para reprimir o conflito
acontece sob a superfície, de forma velada e nesse cenário a pesquisa privilegiou a
ação individual.
Discutir aspectos relacionados ao poder não é tarefa simples, pois se trata de
um conceito complexo e com diferentes abordagens. A estrutura teórica deste
trabalho está apoiada nas proposições de Michel Foucault, para o qual o poder não
existe em si, em pessoas ou locais, mas é na relação entre as pessoas que o poder
se manifesta e é exercido por meio de inúmeras estratégias. Ele não nega a
existência de outros tipos de poder, mas estes não conseguem explicar a
complexidade do tema.
Para a confrontação das idéias do pensador francês a respeito dos outros
tipos de poder foi escolhida as proposições de Max Weber, para o qual um dos tipos
de poder é a dominação caracterizada pela existência da obediência, ou de uma
vontade mínima de um indivíduo ou grupo a obedecer por interesse próprio dos mais
diversos motivos.
Desta forma o trabalho será conduzido com os conceitos de Foucault que
admitem a existência dos conceitos de Weber, mas que aumentam o conjunto de
5
idéias a respeito do poder. Dentre eles a dimensão do contra poder, ou seja, aquele
que é exercido pelo dominado ao se insurgir em oposição a uma determinada
imposição de um dominador. Assim, a relação entre dominado e dominador funciona
com o poder e o contra poder em um sistema de ação e reação recorrente.
Dentro deste contexto, as análises das entrevistas serão conduzidas para
investigar se é possível distinguir os conceitos dos dois autores nas relações que os
gerentes estabelecem quando exercem o poder dentro do seu ambiente de trabalho.
No que diz respeito à estrutura geral da dissertação, o primeiro capítulo
apresenta o referencial teórico adotado para este estudo; uma reflexão sobre teorias
de Max Weber, depois, a questão do poder em Michel Foucault, e uma articulação
dos conceitos dos dois autores apenas em relação aos resultados dos processos de
poder. Em seguida, no segundo capítulo, passa-se a debater os assuntos
específicos que envolvem gerência, adotando como base, estudos teóricos da área
de administração. Os capítulos seguintes referem-se à apresentação do histórico da
área de crédito imobiliário, as resultados obtidos de entrevistas com gerentes do
deste setor e à associação do conteúdo dessas entrevistas com as teorias
selecionadas para essa dissertação. Nas considerações finais elaboram-se as
observações que delineiam a parte teórica e estão subjacentes na pesquisa de
campo de modo a estabelecer possíveis caminhos para estudos futuros sobre
gerência média e percepção de relações de poder.
Conforme explicado anteriormente, esta dissertação conta com dois
procedimentos teórico-metodológicos:
1. Revisão bibliográfica contando com a seleção de textos de Max Weber,
Michel Foucault sobre poder e dominação, para se analisar como estas
questões se manifestam no processo decisório dos gerentes;
2. Realização de seis entrevistas abertas com gerentes do setor bancário de
crédito imobiliário, as quais serão transcritas e discutidas a partir de critérios
de análise qualitativa, a fim de se observar, na prática, como se exerce o
poder no processo de estrutura de trabalho desses profissionais, o que eles
6
pensam e como agem para atingir seus objetivos pessoais e organizacionais
e questões intrínsecas ao reconhecimento da autoridade.
A versão integral das entrevistas consta nos anexos desta dissertação. É
importante ressaltar que os entrevistados têm nomes fictícios assim como as
instituições bancárias a que pertencem, a fim de evitar quaisquer problemas ou
incômodos para esses profissionais.
CAPÍTULO 1
RELAÇÕES DE PODER E DOMINAÇÃO
1.1. O poder segundo Max Weber
Existem dois conceitos centrais para o entendimento de poder segundo Max
Weber (2004a): poder e dominação. Dominação é uma das maneiras de se exercer
o poder, mas não é a única. Poder é “a probabilidade de uma pessoa ou várias
impor, numa ação social, a vontade própria, mesmo contra a oposição de outros
desta”. (WEBER, 2004a, p. 176). Uma ação social pode ser originada por uma ação
das massas, de todo um contexto social caracterizado pelo comportamento
aparentemente semelhante de um grupo, por uma ação comunitária, qualificado
normalmente pelo consenso, ou por uma ação associativa, distinta por sua
característica ordenada e dirigida de forma planejada.
Os indivíduos aspiram ao poder por inúmeros motivos que poderiam ser
resumidos pelo termo prestígio. Ele pode ter conotações pessoais, patrimoniais,
religiosas, sexuais, enfim inúmeras outras, mas sempre com o significado para eles
de um poder pessoal e um sentimento de prestígio pessoal condicionado pelo
próprio poder.
O prestígio almejado pode ser subdividido em duas dimensões: de conotação
econômica, poder econômico, ou conotação de honra social. As duas modalidades
podem existir separadamente ou coexistir uma em função ou como conseqüência da
outra. A ordem jurídica pode servir como sustentáculo dessa situação, não tem como
assegurá-la, mas enquanto ela persistir forma-se uma ordem social, composta na
8
maneira de como o poder se distribui entre os grupos típicos numa comunidade,
classes, estamentos e partidos.
Classes representam fundamentos semelhantes específicos de uma
pluralidade de pessoas, de uma ação social, no sentido exclusivo de interesse
econômico, ou seja, são situações de mercado de bens e de trabalho que moldam
esse grupo pela natureza do poder à disposição, ou a falta deste, sobre esses
mesmos bens ou qualificação de serviços para a obtenção de rendas.
Estamentos de um grupo estão vinculados ao seu modo de vida, na sua
forma de educação e no prestígio hereditário ou de profissão. Assim, situação
estamental está condicionada por uma específica avaliação social, que tanto pode
ser positiva como negativa, da honra de um determinado círculo de pessoas. Essa
categoria engloba, dentre outras, a profissão do indivíduo por comportar
determinada honra social em virtude de uma condução de vida específica. Esse
ponto é importante e será abordado mais a frente nesse trabalho.
Os partidos são formações associativas com o escopo de proporcionar poder
a seus dirigentes e, dessa forma, gerar oportunidades para realizar algum fim ou
obter vantagens pessoais. Sua característica fundamental é o livre recrutamento de
seus componentes voluntários em contraposição àqueles que são obrigados, por
motivos diversos, a fazerem parte de uma associação. Este termo é definido como
uma relação social fechada para fora, destinado a um propósito específico de um
dirigente, de um quadro administrativo composto de diferentes formas peculiares, ou
dos dois ao mesmo tempo em maior ou menor grau.
Esses grupos diferem em sua origem filosófica, pois as classes estão
vinculadas a interesses econômicos, os estamentos suportados por uma ordem
social e os partidos perambulam na dimensão do poder, na medida em que
procuram, por intermédio de uma ação planejada e organizada, alcançar
determinado objetivo. Todos eles tentam influenciar a ordem jurídica como meio de
obter vantagens e acabam por influenciarem-se uns aos outros, sem importar os
meios que usam para tal, desde a força bruta até os mais refinados como o dinheiro,
a influência social, o poder da palavra, sugestão ou condução.
9
Um caso particular de poder, conforme mencionado, que faz parte das
relações de poder é a dominação. Weber esclarece que enquanto o poder é um
conceito sociologicamente amorfo, pois, no limite, toda espécie de qualidade,
positiva ou negativa, é capaz de impor sua vontade sobre alguém ou sobre um
grupo de pessoas, a dominação é caracterizada pela existência da obediência, ou
de uma vontade mínima de um indivíduo ou grupo a obedecer por interesse próprio
dos mais diversos motivos. A probabilidade de encontrar obediência disponível,
automática e esquemática a uma ordem, em virtude de atividades treinadas ele o
nome de disciplinas.
Existem diversos tipos de dominação que podem ser desenvolvidos nos
meios mais diversos como no mercado. Todos eles poderiam ser identificados entre
dois pólos opostos, classificados num continuum entre um lado, caracterizado em
virtude de uma constelação de interesses e o outro extremo em virtude de
autoridade. A primeira ponta é devido a um monopólio de mercado de bens ou de
habilidade, por exemplo, a influência de um banco central no estabelecimento de
normas monetárias, e a segunda advém de um dever de obediência, como o poder
de um chefe de família ou de um príncipe. Entre esse dois lados existem as formas
de dominação que estão em fase de transição por um mandado em virtude de
intuição, inspiração ou persuasão racional, motivados que seja por obrigação, por
medo, por costume ou para a obtenção de vantagens pessoais.
Pode-se dizer que em princípio a maioria, o todas, das formas de
dominação é influenciada pelo poder econômico, mas para que a dominação seja
perene é necessário que sua sustentação tenha legitimidade. Por legitimidade,
entende-se a natureza, a forma, a composição dos meios escolhidos da dominação
e que essa natureza seja válida em grau socialmente relevante, ou seja, aceita
perante a relação entre o senhor ou grupo dominante e os dominados, de modo que
a vontade dos primeiros, por intermédio de um mandado, possa exercer uma
influência sobre as decisões e o comportamento dos segundos. O conteúdo da
legitimidade estabelece a estrutura da dominação que pode ser dividida em três
modelos mais puros.
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Esses modelos têm um conteúdo mais teórico do que empírico que são
efêmeros em sua forma pura, mas servem para fixar o conceito e para a auto
justificação, uma necessidade sociológica inclusive do próprio poder. Às vezes essa
justificação torna-se uma lenda, aceita inclusive pelos dominados, como a de um
grupo que, por tradição, possa ser privilegiado apenas pelo seu sangue ou nome.
O primeiro deles é estruturado num mandado baseado num sistema de regras
racionais onde o direito de mando é daqueles que foram nomeados para exercer a
dominação, típico da burocracia. Em seguida vem aquele em que a legitimidade é
pautada pela tradição, onde existe uma crença cotidiana de obediência às normas e
não à pessoa, como no patriarcalismo. E, por último, o modelo carismático,
fundamentado na veneração extracotidiana da santidade, do poder heróico ou do
caráter exemplar de uma pessoa.
O modelo baseado em regras racionais, a dominação burocrática em virtude
do conhecimento predomina em organizações privadas, em formações estatais e
eclesiásticas, e têm pressupostos que o sustentam:
Princípio das competências oficiais fixas. Existe uma distribuição fixa das
atividades regularmente documentadas e necessárias, os poderes e os meios
coativos estão delimitados por regras e é estabelecido um procedimento para
a contratação de funcionários regularmente qualificados. Eles são submetidos
a um exame de seleção, um dos instrumentos do poder disciplinar de
Foucault, que testa seus conhecimentos das regras e nesse instante gera o
saber, em contra posição ao funcionário eleito que pode não ter
conhecimento apropriado para o cargo.
Princípio da hierarquia de cargos. uma seqüência lógica do poder de
mando para esses cargos, para o funcionário existe uma estima social
oriunda da posição do cargo, o dever e fidelidade em troca de uma existência
assegurada por meio de um salário, têm uma perspectiva de carreira
profissional e são submetidos a uma disciplina e controle de serviço. A
existência de uma remuneração regular pressupõe uma economia monetária.
11
O modelo burocrático estabelece condições superiores em termos de
eficiência de resultados frente aos demais modelos de dominação por ter maior
rendimento na precisão, continuidade e confiabilidade. Ele é um modelo mais
robusto porque seus efeitos advêm de uma ação associativa, onde tanto os
senhores como os dominados têm interesse na continuidade da relação mantida que
é pela disciplina, que suplanta a ação do tipo comunitário. Mesmo porque, sem ele,
tanto um lado como o outro ficariam sem uma instituição organizada para substituí-
lo. No limite, as pessoas podem ser substituídas nos cargos que não afetaria o
rendimento global da organização, como no exemplo de Bismark que viu seus
ministros tocando seus cargos sem ligar para sua saída do poder.
Uma das maneiras de preservar o poder nesse modelo é a manutenção do
segredo. Ele é usado como instrumento de poder e fornece, principalmente ao
pequeno grupo no comando, condições para o fortalecimento do poder oriundo de
uma fonte de conhecimento. O próprio sistema burocrático garante essa situação
como no exemplo dos funcionários contábeis do Xá persa que fizeram da arte
orçamental uma doutrina esotérica e serviam-se de um código secreto. Dessa
maneira, é possível estabelecer determinados tipos de conduta por meio da
imposição de idéias dentro de um complexo social organizado.
Outra forma de dominação, a tradicional, como foi dito, repousa na
legitimidade na crença na santidade de ordens e poderes do senhor na posição de
comando, que pode, ou não, ter um quadro administrativo. No primeiro caso trata-se
da dominação patriarcal, o feudalismo é o caso limite no sentido das relações entre
os senhores e os vassalos, e o segundo da dominação estamental, um dos grupos
típicos de uma comunidade, parte do poder do senhor foi capturado pelo quadro
administrativo em troca de serviços e fidelidade.
Os dominados nas duas formas acabam por submeter-se por meios
emocionais aos senhores ou ao quadro administrativo, seguindo a tradição da
crença da inviolabilidade daquilo que foi assim desde sempre, em contra posição ao
modelo burocrático caracterizado pela norma instituída que cria a legitimação do
detentor concreto do poder para exercer o seu mandado. Percebe-se nesse ponto a
12
diferença entre o modelo racional que a norma legitima o senhor, do modelo
tradicional que a submissão ao senhor legitima a norma.
Pode-se verificar uma série de situações parecidas nas organizações atuais
ao se comparar, por exemplo, o poder da diretoria executiva, quadro administrativo,
frente à assembléia de acionistas, os senhores; ou mesmo a necessidade de uma
consciência estamental dos funcionários que os condiciona à subordinação
incondicional aos superiores, mas por outro lado, têm preservada sua dignidade pela
honra social e remuneração do cargo ocupado.
Algumas indagações são pertinentes de serem formuladas nesse instante
para que não se perca a linha de raciocínio, mas serão abordadas mais à frente:
Será possível no século XXI que exista um senhor, um líder, que tenha
competência, leia-se tradição, e ao mesmo tempo consiga operar no sistema
racional?
O modelo de dominação carismático puro difere dos outros modelos, já que
pressupõe que seus senhores tenham dons físicos ou espirituais específicos, não
acessíveis para todo um grupo ou população. As razões são inúmeras. Pode ser
encarado como revolucionário no sentido em que não respeita as regras racionais
do modelo burocrático e esquece o passado, rompendo com as bases do modelo
tradicional. O modelo carismático é instável e efêmero, ao contrário dos outros que
têm um caráter cotidiano, pois o senhor carismático tem a necessidade de
comprovar constantemente seus dons, sob pena, caso não o consiga, de ter desfeita
sua base de dominados.
O fundamento econômico deste modelo difere dos demais (burocrático e
tradicional estamental), pois estes dependem de um sistema de receitas constantes
para a manutenção dos salários, enquanto no carismático puro os dominados
podem sobreviver de parte das benesses recebidas pelo senhor, sejam elas
materiais ou honrarias. O herói carismático obtém sua autoridade apenas das provas
de seus poderes e não dos estatutos ou de costumes tradicionais. A obtida por
esse herói é de dentro para fora, ele diz: “está escrito, mas eu vos digo”, assim,
13
primeiro modifica os homens, depois as coisas e as ordens, enquanto a razão opera
de fora para dentro, modifica as normas e o contexto para com eles modificar as
pessoas sob seu comando.
Existem, entretanto, alguns pontos onde os modelos acabam por se
encontrarem, isto é, por ter pontos em comum. Um deles é o contexto de atuação.
Eles podem ser percebidos, não na sua forma pura, mas sob a forma de uma
mistura qualitativa, tanto na esfera militar, como na religiosa, na política e na
econômica.
Esse processo é chamado por Weber de rotinização do carisma, no qual a
exigência da graça divina do herói passa por uma transformação e passa a ser
apenas uma qualidade do indivíduo que pode ser transferível (possibilitando a
sucessão), adquirível (possibilitando a seleção com o auxilio do exame) ou vinculada
não mais à pessoa, mas ao cargo que ela ocupa. A qualidade de ser transferível
mais comum é aquela por intermédio dos laços de sangue ou os exemplos clássicos
no Estado e na área eclesiástica onde o carisma está vinculado ao cargo. O carisma
do cargo é institucionalizado por meio de rituais, imposição de os, figurino e
outras normas para que tenha aderência social.
As principais causas desse processo de rotinização são interesses
econômicos ou a necessidade das camadas privilegiadas, existentes, verem
legitimada sua situação social e econômica, de um estado de relações de poder
existentes puramente de fato, em um cosmo de direitos adquiridos. Esse processo
também pode ser visto como mais um exemplo aludido por Foucault de diagramas
se integrando. Partindo do postulado da legalidade onde os ilegalismos se alteram
com o passar do tempo, eles geram diferenciações que são estabelecidas pelas leis.
Interpretando o parágrafo anterior de outra forma, a lei, ou a norma no caso das
organizações, é sempre uma composição de ilegalismos, que ela diferencia ao
formalizar, é o exercício atual da estratégia da classe dominante, ou de outra forma,
a maneira de agir sobre a ação dos outros.
Para que a rotinização se estabeleça é necessário lançar-se mão dos
recursos das disciplinas. Mas para Weber é a disciplina racional que potencializa os
14
efeitos da estrutura estamental e impõe uma superioridade firme sobre os
subordinados de modo a obter uma obediência quase cega aos preceitos
estabelecidos. Ela faz com que a ação individual seja bloqueada mais do que
qualquer outro tipo de poder, pois advém de apelos e motivos de caráter ético. A
ética no sentido de dever e consciência é gerada por uma arte de induzir a ação dos
outros com uma substância fundamental suportada pelo treino que condiciona o
pensamento, estabelece parâmetros para um serviço do ótimo racionalmente
calculado, de energia física e psíquica das massas uniformemente adestradas.
O lado ético é tão forte que onde não houver suas qualidades o poder
transforma-se no do senhor e do escravo ou nos dos condenados. A disciplina e sua
filha mais racional, a burocracia, impõe a necessidade do dever e da consciência em
cada um para que possa ser utilizado por todo o poder que queira recorrer a seu
serviço. Dessa forma, Weber estabelece que a disciplina possa ser utilizada por todo
aquele que pretende alcançar o poder, ou como um dos instrumentos de poder.
Para se concluir a idéia do poder, segundo Weber, é necessário enxergar
qual o arcabouço onde o poder pode se estabelecer. Ele coloca essa estrutura como
necessária ao Estado, mas relaciona imediatamente com as organizações
empresariais. Os fundamentos para que se estabeleça uma estrutura de dominação
são as justificativas internas, ou seja, os três tipos de legitimidade explicados para
que se promova a obediência e os meios externos, o quadro administrativo e os
recursos materiais para aplicar-se a coação física em última instância.
O quadro administrativo é o corpo que coordena, a mando do poder, todas as
funções que o senhor não tem tempo para verificar. O importante é notar que esse
quadro presta obediência por medo de perder ou a recompensa salarial ou a honra
social. A solidariedade é prestada ao detentor do poder pelo funcionário atual como
eram os vassalos nos feudos, com a diferença que na atualidade o quadro
administrativo está separado do controle dos meios materiais da organização. E,
finalmente, o funcionário, nesse tipo de estrutura, pode alcançar níveis especiais de
colocação ou pelo conhecimento particular, gerando categorias de especialização
pelo saber técnico ou pelo conhecimento dos fatos, o saber oficial.
15
1.2. O agir sobre a ação dos outros, segundo Max Weber
Em uma de suas principais obras, A ética protestante e o espírito do
capitalismo, Max Weber estabelece a relação entre a ética protestante e a formação
de um arcabouço estrutural do capitalismo.
Os reformistas protestantes não tinham como objetivo a formação de uma
nova ordem econômica, pelo contrário, o foco era a formação de uma conduta moral
diferenciada. Conforme apresentado por Max Weber, a partir da discussão de
estudos de Benjamin Franklin surge o estabelecimento de uma ética em ganhar
cada vez mais dinheiro, “no mais rigoroso resguardo de todo gozo imediato do
dinheiro ganho, algo tão completamente despido de todos os pontos de vista
hedonistas e pensado tão exclusivamente como fim em si mesmo, que, em
comparação com a felicidade do indivíduo ou sua utilidade aparece em todo caso
como inteiramente transcendente e simplesmente irracional”. (WEBER, 2004, p. 46)
Diferentes correntes protestantes, com dogmas divergentes como os
luteranos, os calvinistas, os pietistas, os metodistas e as seitas anabatistas,
pensavam de maneira semelhante quanto ao modo de vida que impunham a seus
seguidores como meio de formalizar essa nova ética.
O âmago desta questão está na doutrina da predestinação, adotada por
essas correntes, entendida como desígnio de Deus pelo decreto determinante que
escolhia os homens bem aventurados com a graça da vida eterna, os eleitos,
possuidores de dons virtuosos como intelectos iluminados e corações expandidos e
os homens maus, os condenados, os réprobos, sem dons virtuosos e condenados a
viver no pecado, na devassidão, submissos às tentações deste mundo, não somente
nesta vida, mas por toda a eternidade.
O maior ou menor grau de adoção desta doutrina pelas divergentes correntes
protestantes, desde a aceitação integral como fato consumado, inclusive sem a
possibilidade de qualquer interferência humana no sentido de alterar o cruel destino,
até a aceitação da reversão do decreto divino por meio de determinados
16
sacramentos como a confissão ou penitências diversas, foram causa de profundas
discussões e antagonismos, em alguns casos sangrentos.
Mesmo assim o conceito da predestinação persistia e dele estabeleceu-se
que a maneira de identificar os escolhidos, para os mais ortodoxos, ou transformar-
se em um deles, para os mais flexíveis, era a maneira como cada um conduzia sua
vida. Essa era o único modo de se alcançar a certitudo salutis (certeza da salvação)
o que conferia, àquele iluminado, todo um embasamento para o agir, o pensar, o
vestir, até o sentir de uma maneira eticamente correta e desta forma identificar-se,
ou mesmo ser identificado, como um dos “eleitos”.
A importância da certitudo salutis é tamanha que funcionou como elemento
propulsor no sentido em que impingiu em todos os adeptos protestantes a idéia
prioritária de que apenas a correta conduta de vida poderia conceder tal benefício.
Este ponto é equivalente ao conceito de do tênue fio de Servan e atingiu o
instante exato em que “Quando tiverdes conseguido assim formar a cadeia das
idéias na cabeça de vossos cidadãos...” para a formação de uma infra-estrutura
moral pautada na opinião de que a certitudo salutis era obra divina e, portanto digna
de ser aceita como dogma e assim, influenciar as atitudes de cada um com se fosse
de sua própria vontade.
A conduta de vida idealizada, que conduziria ao estado de graça, era assumir
um comportamento ascético, originado do grego áskesis (exercício físico), onde
ascese é “o controle austero e disciplinado do próprio corpo por meio da evitação
metódica do sono, da comida, da bebida, da fala, da gratificação sexual e de outros
prazeres desse mundo”. Weber distingue a ascese do monge que é realizada no
claustro, separado do mundo do dia a dia, e a dos puritanos, uma vertente da
corrente calvinista, baseada no trabalho metódico e diário, um dever religioso, para
cumprir, no meio do mundo, a vontade de Deus.
Nesse ponto reside uma das diferenças entre as éticas católica e protestante,
pois, as primeiras permitiam, em completa contradição com o puritanismo, um
vaivém humano entre o pecado e o arrependimento, numa espécie de saldo devedor
17
e credor, ajustado por erros e penitências eclesiásticas, respectivamente. Mesmo
com tentativas como a Ordem Terceira de São Francisco de instituir uma ascese
católica na vida cotidiana, um trabalho para o católico, uma boa ação isolada, a ser
realizada quando melhor lhe aprouvesse, constituiria uma obra que agradaria a
Deus e somaria créditos para a vida eterna. Para o puritano, ao contrário, isso não
bastava. Era necessário um esforço diário, supremo e permanente para passar com
louvor no exame de “auto-inspeção sistemática que a cada instante enfrenta a
alternativa, a dúvida maior entre: sou um eleito ou um condenado?” e assim,
alcançar a certitudo salutis.
Essa maneira racional de pensar: se trabalho todos os dias, o dia todo, tenho
uma profissão; se tenho uma profissão, não tenho como praticar excessos na
comida, na fala, no sono, enfim nas tentações deste mundo; se excluo da minha vida
as tentações, não tenho pecado algum; se não sou um pecador, sou um dos
escolhidos; teve reflexos no cotidiano dos puritanos.
A escolha da profissão pelos protestantes está submetida a critérios, sempre
vinculada ao agrado de Deus, orientados em primeira instância por motivos morais;
em seguida pela importância que têm para a coletividade os bens produzidos nela e,
por último, sempre com a capacidade de dar lucro econômico privado. A justificativa
racional deste lucro é que se Deus indicou “um caminho onde possais ganhar, no
limite da lei, mais que em outro e vós rejeitais e seguis um com ganho menor,
estareis negando ser um administrador Dele.” (WEBER, 2004 a).
Esse é, na sua essência, o prêmio psicológico de uma ética protestante
ancorada na religião, uma justificativa racional para uma conduta de vida pautada
pela profissão divinamente escolhida e que deságua diretamente da fé para o
mundo da economia. É fundamental para o protestantismo ascético a comprovação
da salvação do indivíduo, da certitudo salutis desta profissão, diferentemente do
catolicismo que dispunha de outros meios para evitar a danação eterna.
O conceito de profissão que acumula as funções de enriquecimento sem o
sentimento de culpa, de estar operando sob os desígnios de Deus, de comprovação
inequívoca de ser um dos eleitos, de autenticar sua fé, constituiu, segundo Weber, a
18
alavanca mais poderosa para a expansão de um estilo de vida chamado por ele de
espírito do capitalismo. Combinando a aversão ao consumo, principalmente o
consumo de luxo, para fugir das tentações deste mundo, com a retirada do
obstáculo religioso tradicionalista às pretensões de lucro, o resultado é a
acumulação de capital mediante a coerção ascética à poupança, conduzindo, então,
o reinvestimento dos lucros nas próprias empresas, patrocinado assim o dito
investimento de capital, uma das égides do capitalismo moderno.
Weber ressalta que esta racionalidade protestante, como todas as outras, é
relativa. Menciona, inclusive, que seu trabalho deve ter por mérito expor a
polivalência do termo racional que este argumento depende do ponto de vista do
emissor. Nunca uma coisa é irracional em si, mas sempre de um determinado ponto
de vista racional. A própria ética protestante é irracional sob a óptica hedonista, do
grego hedoné (prazer, gozo), filosofia moral que faz do prazer o bem supremo e a
busca do prazer um fim em si mesmo.
Guardado, portanto, o caráter relativo de racionalidade, a ética protestante
justifica não somente a existência do empresário como a do trabalhador. Aliás,
outras religiões também professam que o trabalhador, mesmo que mal remunerado,
mas com o trabalho honesto e leal é aprazível a Deus. Essa linha de pensamento
possibilita que se considere factível, tanto religiosamente como socialmente, a
dicotomia entre patrão com atividade lucrativa e o empregado de atividade
meramente produtiva.
A moral religiosa, de forma geral, estipula que o trabalho enobrece ao homem
em contra ponto ao pecado da preguiça, da indolência, mas a ética protestante
puritana ia além, afirmava que o trabalhador eleito deveria seguir uma carreira
profissional de acordo com sua vocação indicada por Deus, e o trabalhador
condenado deveria resignar-se em seu lugar, que ao réprobo, nem reclamar ele
poderia, pois seria como se um cão pudesse reclamar de sua condição de não ser
humano.
Dessa forma, surgia um ethos profissional, que ao longo do tempo foi se
transformando de suas raízes inicialmente religiosas para uma justificativa utilitária
19
burguesa, de consciência limpa, pois estava na graça de Deus, desde que
mantivesse dentro dos limites da lei, de ter sua conduta moral irrepreensível e de
não fazer de sua riqueza um uso escandaloso, o empresário poderia (deveria) ter
aspirações ao lucro. E, por outro lado, ele dispunha de uma massa de trabalhadores
prontos, fiéis e obedientes, aferrados ao trabalho, porquanto era o poder da conduta
ascética tanto a carreira esplendorosa, para os escolhidos, como a formal
resignação, para os condenados, visto que a “repartição desigual dos bens deste
mundo era obra da divina Providência”.
Esse ethos profissional foi responsável pela criação de uma sociedade
produtiva dividida em profissões cada vez mais especializadas, que faz lembrar o
conceito de Adam Smith acerca da divisão do trabalho, e faculta ao trabalhador uma
competência que conduz ao aprimoramento qualitativo e quantitativo da produção,
proporcionando a melhoria do bem comum. Essa era também uma das
características da ética protestante que justificava o amor ao próximo mais pelo
amor à comunidade do que ao próximo humilde que pedisse esmolas. À este, não
estava reservado nem um lugar na vida eterna pois sua atitude apontava
exatamente aquilo que a doutrina da predestinação indicava como a comprovação
de um ser condenado.
Vários diagramas, concebidos pela ética protestante, foram se atualizando,
se integrando, de início com matérias não formadas e funções não formalizadas,
mas a procura de instituir posições privilegiadas de poder. Tanto é que nesse
período as classes que se sentiram ameaçadas pelas mudanças tomaram atitudes
no sentido de mitigar o crescimento da ascese puritana.
A metodologia do estudo de Weber partiu “dos efeitos que a apropriação
subjetiva da religiosidade ascética por parte do indivíduo estava talhada a suscitar
uma conduta de vida e não da disciplina eclesiástica que nem sempre ia na mesma
direção” . (WEBERa). Por meio desse estudo ele também chegou à conclusão que a
ascese puritana impunha uma disciplina gida, o agir sobre a ação dos outros, com
o intuito de botar ordem na vida de seus adeptos, a tal ponto que lhes inculcava uma
personalidade particular e diferenciada dos estranhos. Tal rigidez era estampada na
20
obrigatoriedade de submissão total às disciplinas para ser aceito como membro das
Igrejas visíveis, organizadas e governadas por Deus.
Dessa forma, percebe-se a atualização dos diagramas com a formação de
Igrejas, substâncias visíveis e formadas e enunciados como o de Benjamim Franklin
que resume o espírito capitalista:
Lembra-te que tempo é dinheiro, pois quem vagabundeia deixas de
ganhá-lo; lembra-te que o dinheiro é procriador por natureza e fértil, que
quanto mais dinheiro houver, mais produzirá ao ser investido, de sorte que os
lucros crescem mais rápido; lembra-te que o bom pagador será sempre
possuidor de crédito; lembra-te que tuas ações afetam teu crédito, pois se
soarem as pancadas do teu martelo das cinco da manhã até as oito da noite seu
credor dormirá sossegado, coisa que não aconteceria se o visse na mesa de
bilhar ou na taberna...” (WEBERa, p. 42)
1.3. O poder em Foucault
Foucault (2007) analisa o poder de um ponto de vista diferente de outros
autores ou de outras linhas de pensamento. Seria mais prudente explicar seu modo
de análise por meio de negativas, do que por afirmações. Para começar ele não vê o
poder como propriedade de uma instituição, de um indivíduo ou de uma classe
social. A perspectiva de poder que Foucault estabelece não existe como entidade
metafísica, como figura de retórica e não tem arcabouço estrutural para sustentar-se
como teoria ou como conceito. No entanto, discorrer um assunto pelo que ele não é,
corre-se o perigo de estendê-lo em demasia e pode causar a sensação de fuga de
objetivo. Nesse sentido, o presente trabalho busca, de fato, dentre outras coisas,
elucidar como a perspectiva de poder de Foucault pode ser vista, de modo que ela
possa ser interpretada e utilizada como uma maneira diferente de se olhar a
sociedade e as reações dos indivíduos nela inseridos.
Este autor na obra Vigiar e Punir (2007) analisa a história das punições ao
longo do período que vai desde o século XVII ao culo XX. Constatou uma
mudança de conceito e de objetivo naquilo que se procurava punir, bem como na
21
forma com que os rituais eram celebrados. A começar pela alteração nas
delinqüências que eram passíveis de punição. De alguma forma os rituais do
suplício, aplicados no século XVII tiveram seu objeto principal alterado nos culos
seguintes. O corpo do condenado que era submetido a terríveis suplícios em praça
pública foi desaparecendo para, gradativamente, dar lugar a uma punição mais sutil,
mas não menos eficiente sob novos pontos de vista.
Não que o corpo dos criminosos não sofresse punições, mas eram com
outros objetivos, tipos de crime e com rituais modificados. Essas punições tinham a
conotação de privação de algumas das necessidades do ser humano como
alimento, sexualidade e liberdade de movimento. E o ponto de atenção deixou de
ser o corpo somente e passou a se concentrar na alma como expressa o “princípio
de Mably: que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo”
(FOUCAULT, 2007, 18).
O novo conceito era controlar o desejo do indivíduo em cumprir a lei, ser auto-
suficiente e prevenir futuros desvios de conduta, ou seja, “dar aos mecanismos da
punição legal um poder justificável não mais simplesmente sobre as infrações, mas
sobre os indivíduos; não mais sobre os que eles fizeram, mas sobre aquilo que eles
são, serão, ou possam ser” (idem, p.20).
Ao mesmo tempo, a justiça criminal moderna se reestruturou no sentido de
retirar o juiz como o elemento de punição. É colocado no seu lugar todo um sistema
que conta desse processo expresso por um discurso do saber, por discursos
científicos preocupados na requalificação do saber, utilizando-se de técnicas que se
entrelaçam com a prática de punir” (idem, p.22).
Foucault (2007) deixa claro o objetivo de sua análise sobre o processo de
vigília e punição:
“Uma história correlativa da lama moderna e de um novo poder de julgar;
uma genealogia do atual complexo científico-jurídico onde o poder de punir se
apóia, recebe suas justificação e suas regras, estende seus efeitos e mascara
sua exorbitante singularidade.” (idem, p.23).
22
Na seqüência de sua argumentação, Foucault estabelece regras gerais em
seu estudo, nas quais se destacam os efeitos positivos dos mecanismos punitivos
não se devendo olhar apenas seu lado negativo. Que as técnicas de punição foram
transformadas não pela humanização das penas, mas por resgatar outros
campos do saber e que o investimento do poder no corpo pode ser fruto de uma
geração de um saber científico na prática judiciária.
O objetivo do poder é tornar o corpo e suas forças algo de utilidade e
docilidade. Essa tecnologia do corpo proporciona o nascimento de um novo saber
onde o corpo é investido, marcado, dirigido e submetido ao poder que é exercido por
meio de estratégias utilizadas em todas as relações dos pontos de encontro de uma
rede que permeia, que interpenetra, se volta e se movimenta por toda a sociedade.
A essa figura Foucault dá o nome de “microfísica do poder que define pontos de luta,
focos de instabilidade comportando cada um seus riscos de conflito, de lutas e de
inversão, pelo menos transitória da relação de forças” (p.27).
Dentro do conceito de investimento do poder no corpo nasce a dimensão de
corpo político, caracterizado pela transformação dos objetos das sociedades antigas
de direito, o suplício do corpo, para o objeto nas sociedades modernas do sujeito
obediente, a pena aplicada à alma. Entenda-se alma não como ideologia religiosa,
algo incorpóreo, mas como foco do poder, como o local onde “a engrenagem pela
qual as relações de poder o lugar a um saber possível, e o saber reconduz e
reforça os efeitos de poder”.
Cria-se, portanto, a idéia de duas dimensões do corpo que Foucault, para
melhor elucidar, resgata a análise do corpo do rei, de Kantorowitz:
...corpo duplo de acordo com a teologia jurídica formada na Idade Média,
pois comporta além do elemento transitório que nasce e morre [visível], um outro
que permanece através do tempo e se mantém como fundamento físico, mas
intangível do reino [enunciável] (p.28).
No antigo sistema, o suplício tinha o objetivo de estabelecer a verdade e
reafirmar o poder do soberano impondo sua vingança e sua ira sobre o corpo do
criminoso estabelecendo, assim, um sistema jurídico apoiado na confissão apenas
23
como ato complementar. Para isso ele precisava ser amplamente demonstrado em
praça pública seguindo rituais que causariam náuseas nos meios mais perversos da
humanidade.
Estabelece-se dessa forma uma relação entre o poder e a verdade, através
da qual o suplício é o meio de comunicação entre os dois e ao mesmo tempo de
reafirmação entre um e outro. Essa relação é fundamental e irá permanecer no
trabalho e análise de Foucault até seu final conectando o crime com a pena, o crime
com o castigo.
O processo de mudança do objeto de aplicação do poder no corpo para a
alma, do suplício para as penas, não é isolado e foi influenciado por outros
elementos que demandaram novas práticas no controle do corpo. Os principais
foram o crescimento demográfico, o novo processo produtivo, o aumento do nível de
vida e o aumento do nível de riquezas, caracterizado principalmente pelas
propriedades imobiliárias, industriais e comerciais. Esse crescimento populacional e
de riquezas materiais trouxeram para algumas classes sociais novas preocupações
que precisavam ser satisfeitas. Como protegê-los dos crescentes índices de roubo e
furto que de certa forma eram permissíveis na época do soberano? De fato, como
em todas as épocas, as sociedades de direito também tinham suas ‘ilegalidades’
toleradas e uma delas eram os pequenos furtos executados pela população que o
soberano permitia até como forma de subsistência.
O poder tem, então, mais uma preocupação que é atingir mais profundamente
toda uma população, o corpo social, diminuindo seu custo político e econômico.
Nasce uma notável coincidência estratégica onde o discurso preocupa-se em
transformar as ilegalidades ditas de sangue, do corpo, para ilegalidades de fraude,
da alma. Transforma-se a ilegalidade de direito para a ilegalidade dos bens. Essa
transformação não foi gerenciada por uma classe social, por um indivíduo, pelo
Estado ou por uma nação. É importante frisar que Foucault estabelece que essa
mudança é fruto de uma série de acontecimentos, fatos múltiplos, processos
diversos, idéias que foram se formando ao longo do tempo sem um órgão
centralizador. Será visto, mais adiante, que esse processo de mudança, segundo
Gilles Deleuze, é para Foucault o ponto central de como as relações de força se
24
atualizam em novas relações do saber, ou em outras palavras é o processo de
integração de um diagrama.
Talvez, mais importante que isto, dentro dessa coincidência estratégica, é a
característica de que o poder de punir desloca-se da mão do soberano para a
responsabilidade e concordância de todo o corpo social. Toda uma série de ritos e
procedimentos é formulada juntamente com especialistas nesses novos ‘saberes’
como juristas, psicólogos, psiquiatras, educadores e administradores.
Como foi dito, o objetivo é controlar a ação dos outros e, se possível, de
uma forma que não exponha o poder para que a população não se volte contra ele,
como o soberano era exposto; de uma forma que permeie por toda a população,
como os rituais dos suplícios tentavam conseguir. Mais uma vez Foucault elucida
esse objetivo com uma brilhante idéia, dessa vez a de J. M. Servan:
Quando tiverdes conseguido assim formar a cadeia das idéias na cabeça
de vossos cidadãos, poderei então vos gabar de conduzi-los e de ser seus
senhores. Um déspota imbecil pode coagir escravos com correntes de ferro; mas
um verdadeiro político os amarra bem mais fortemente com a corrente de suas
próprias idéias; é no plano fixo da razão que ele ata a primeira ponta; laço tanto
mais forte quanto ignoramos sua tessitura e pensamos que é obra nossa; o
desespero e o tempo roem os laços de ferro e aço, mas são impotentes contra a
união habitual das idéias, apenas conseguem estreitá-las ainda mais; e sobre as
fibras moles do cérebro funda-se a base inabalável dos mais sólidos impérios.
(Idem, p. 86)
Esse novo conceito do poder de punir, essa idéia da ação sobre a possível
ação dos outros de forma preventiva é baseada em seis regras importantes para que
os efeitos da punição logrem em atingir todo o corpo social:
- A quantidade mínima: De forma a manter o equilíbrio entre o crime e a pena,
é suficiente que o mal que o crime causou seja suplantado pela dor imposta pela
punição ao criminoso.
-A idealidade suficiente: O objetivo é agir sobre as futuras ações dos
indivíduos para que eles descartem a idéia de cometer um desvio legal ou
normativo.
- Os efeitos laterais: A idéia de sofrer a pena perpétua causa mais espanto do
que a pena de morte.
25
- A certeza perfeita: Não pode existir nenhum crime impune sob pena de ruir
toda estrutura do poder.
- A verdade comum: Altera-se a formulação da verdade, não mais pela
imposição da confissão nos suplícios, mas pelo caminho da razão dos filósofos e
cientistas. Nesse ponto é estabelecida uma nova relação entre poder e verdade.
- A especificação ideal: A punição deve ser eficiente, de nada adianta a multa
para o rico ou a infâmia para o indivíduo exposto. Para que isso aconteça, um
código abrangente e específico é necessário. (FOUCAULT, 2007, 91)
As seis regras e a reforma penal, da sociedade de direito para a sociedade
dos bens, tem dois objetivos que são o estabelecimento da figura do criminoso,
inimigo de todo corpo social, e de prescrever as táticas de intervenção no sentido de
impedir a ação desses inimigos. Nesse ponto é importante mencionar dois conceitos
que são fundamentais para se entender Foucault. Quando ele se refere ao
estabelecimento da figura do criminoso, ele o submete ao conceito do visível, em
contraponto ao conceito do enunciável, que se reporta ao estabelecimento da
prescrição das táticas do poder de punição.
Para se aprofundar nesses dois conceitos é bom retomar a idéia de agir sobre
a ação dos outros, onde o poder de punir deve, ao mesmo tempo, cuidar do visível e
do enunciável para que consiga tornar eficaz o conjunto de regras prescritas. E de
que forma ele consegue estabelecer essa ligação?
Emitindo sinais-obstáculos, os menos arbitrários possíveis, elevando a
preocupação com a pena e consequentemente diminuindo o desejo pelo crime, com
o objetivo de atingir o alvo principal do poder de punir: os outros, todos os outros.
Por exemplo, dando a visibilidade do emprego da mão de obra dos criminosos na
construção de estradas blicas, de modo a formar a idéia da punição como efetiva,
correta, plausível, justa e desejada por todo o corpo social, formando então, o
discurso da verdade baseado no código penal, o enunciável.
No âmago da idéia transmitida de punição não está apenas a elevação do
desejo de não cometer o crime. Está além do estabelecimento de que roubar vai
causar a retirada da liberdade, está a idéia de que o indivíduo deve trabalhar para,
26
com seus proventos, satisfazer suas necessidades e, nesse instante, é que se forma
na mente do próprio indivíduo, a outra ponta do laço de tessitura fina e tênue a que
se referiu Servan.
Forma-se, então, todo o arcabouço para a criação do corpo dócil e útil; desde
o caso do indivíduo que vai trabalhar porque quer, porque tem que satisfazer suas
necessidades e, se por acaso (já que o pensamento é incontrolável) ele ousar
pensar em seguir o caminho do mais fácil, de atingir seu bem-estar de maneira
ilegal, os sinais-obstáculos o conduzirão aos trilhos que o poder deseja, além de
impedir de cometer um crime, o indivíduo vai ocupar o seu lugar no novo processo
de produção de riqueza.
Os mecanismos que o poder dispõe para essa transformação do sujeito de
direito, temeroso dos suplícios, para o sujeito obediente, trabalhador, respeitador e
vigilante da lei, é sujeitá-lo a uma imposição de hábitos e regras, submetê-lo a uma
vigilância ininterrupta e a uma coerção imediata. Para tanto é preciso treinar os
corpos para que eles se habituem a essas regras estabelecidas não mais pelo
soberano, mas por instituições administrativas, onde o ponto de aplicação das penas
passa, então, do corpo para a alma.
A todo esse processo de imposição de hábitos e vigilância, Foucault (Silveira,
2005) deu o nome de disciplinas. Elas atuam em três dimensões diferentes e ao
mesmo tempo interligadas. A coerção imediata é o controle do tempo, a todo
instante, a todo o momento. A outra é o controle do espaço por onde o indivíduo
pode, ou não, transitar, descansar, trabalhar. E a composição dessas duas é a
dimensão do movimento, que esquadrinha, determina exercícios, padrões a serem
seguidos no tempo e no lugar corretos. Nasce assim um novo saber sobre o corpo,
uma nova tecnologia do corpo, para torná-lo mais útil quanto mais obediente for, e
vice-versa.
Em cada uma das três dimensões existe uma analogia, uma afinidade entre
as técnicas do poder e o processo do saber. A disciplina começa pelo controle da
distribuição ordenada das pessoas no espaço. Nas oficinas, por exemplo, os
funcionários são colocados ao longo de fileiras, onde é possível, para o supervisor
27
andando no corredor central, vigiar cada um dos indivíduos, bem como ter noção do
comportamento geral. Vigiar, uma técnica do poder, e os funcionários alocados no
espaço de acordo com categorias de especialização fazendo parte de um processo
de saber.
Em seguida, o controle passa a observar a atividade. Como coordenar cada
passo, cada movimento dos indivíduos em seus aspectos básicos como direção,
amplitude, duração e sucessão. O exemplo, nesse caso, é o da infantaria prussiana
que logrou muitas vitórias na época de Frederico II, que articulou muito bem o corpo
e a arma.
Finalmente a disciplina organiza a gênese dos indivíduos. Classificação,
hierarquização e colocação em séries proporcionam um controle mais detalhado e
além, a possibilidade de intervenção corretiva mais eficaz. Assim, o tempo pode ser
acumulado ao longo das séries e ao mesmo tempo formando e diferenciando as
pessoas.
As três dimensões juntas compõem individualidades com quatro
características:
É celular, pois classifica a repartição espacial das pessoas.
É orgânica já que codifica as atividades.
É genética porque “acumula” o tempo possibilitando o nascer de
indivíduos diferentes.
É técnica, pois articula a composição de forças para tornar o conjunto um
aparelho eficiente.
O poder disciplinar se utiliza de instrumentos para controlar e vigiar com o
objetivo de agir sobre a ação dos outros. Eles são: o olhar hierárquico que vigia, a
sansão normalizadora que define padrões e o exame que diferencia e sanciona ao
mesmo tempo. A vigilância estabelece, por exemplo, o surgimento da figura do
supervisor, o olhar hierárquico necessário para controlar os indivíduos. É ao mesmo
tempo uma rede que opera em todas as direções, de cima para baixo, de baixo para
cima e para os lados. Foucault resgata a figura do Panóptico de Bentham como a
estrutura visível da composição de uma vigilância perfeita. Nele o diagrama do poder
28
se intensifica, assegura sua eficácia por seu caráter preventivo e seu funcionamento
contínuo e automático.
No espaço vazio das leis a sansão normalizadora estabelece micro
penalidades por descumprimento às regras. A sansão compara e diferencia, cria
critérios, define formas de hierarquização, aponta metas a serem atingidas. O
exame, por sua vez, combina os objetivos do olhar hierárquico e da sansão
normalizadora. Nesse sentido opera em duas funções: a de hierarquizar, podendo
fazer a distribuição espacial dos corpos e, ao mesmo tempo, facilitando o controle
temporal de cada um. Ele é um instrumento do poder e um processo de
estabelecimento da verdade simultaneamente. Mas opera de forma diferente em
termos de visibilidade. Se, nas sociedades de direito o soberano era o foco de
atenção, nas sociedades modernas o poder se camufla. A visibilidade passa a ser o
indivíduo controlado, exteriorizado, submetido.
A sociedade acaba por se apoiar nessa estrutura disciplinar, utilizando-se de
táticas do poder, onipresentes e onipotentes, que servem para controlar as
multiplicidades humanas, com o intuito de obter, do e para o corpo social, corpos
úteis e dóceis a baixo custo. Essa sociedade disciplinar permite e incentiva, numa
espécie de causa e conseqüência imanentes, reforçando-se mutuamente, a
majoração do poder e o nascimento de processos de saber. Nesse contexto nascem
e progridem os conhecimentos da psiquiatria, da medicina clínica, da
psicopedagogia e até da racionalização do trabalho.
1.4. Análise das relações de poder e saber sob a óptica de Foucault
Intrigante, revolucionário e fugidio não confere ao pensamento de Foucault
toda sua complexidade e muito menos o define adequadamente ou mesmo forma
um modelo da sua linha de raciocínio. Como mencionado, é menos problemático
definir, para quem tem interesse nesse tipo de processo, o pensamento de Foucault
pelo que ele não é, ou pelo menos pelo que não aparenta ser.
29
Em primeiro lugar, deve-se compreender que sua obra foi composta por três
etapas que não podem ser dissociadas completamente, ao contrário, se
interpenetram e se alimentam, mas esse recurso auxilia no seu entendimento. Essas
etapas foram chamadas por Silveira (2005) de três eixos da experiência onde a fase
arqueológica foi configurada pelo eixo do saber, a fase genealógica pelo eixo do
poder e a fase da ética, pelo eixo do sujeito. O presente trabalho é a respeito do eixo
do poder.
Para que se possa enxergar as organizações, suas estruturas e seus
procedimentos, sob a óptica do pensador é necessário um processo que se inicia
pela leitura de seus livros, segue pela leitura de analistas de suas idéias, passa pela
junção dessas interpretações no sentido de montar um arcabouço onde o trânsito
entre o pensamento e a análise possa fluir de maneira suave e, assim, permitir que
se habilite um olhar baseado nos estudos de Foucault.
Esse tipo de olhar diferenciado é como enxergar por meio de óculos que
permitiriam, por exemplo, ver matizes de cores e freqüências invisíveis a olho nu.
Para tanto é necessário explicitar e entender alguns conceitos e dimensões que
fazem parte de um todo maior da filosofia de Foucault.
A começar pela metodologia do estudo do poder. O processo utilizado é do
tipo ascendente que configura o estudo dos mecanismos e técnicas infinitesimais de
poder, como tendo uma forma própria de existência, e a partir dprocurar até onde
essas relações alcançam; diferenciadas dos modelos tradicionais, descendentes,
que expõem o poder maior do Estado, decompõem-no em partes com objetivo de
verificar seu alcance até os escalões mais baixos da sociedade.
Esse modelo é chamado por Foucault de microfísica do poder como atesta
Machado (2006) ao afirmar que o pensador procura dar conta do nível molecular de
exercício do poder partindo da periferia para o centro, do micro para o macro. A
conclusão dessa investigação é que o poder não está em algum lugar definido
ou é propriedade de um indivíduo. Ele existe sob um aspecto de caráter
30
relacional, ele existe em todos os pontos de relacionamento entre as partes
coligadas.
Em seguida é preciso compreender o que vem a ser o diagrama, como ele
funciona, existe, e como atua. Ele é composto de matérias o formadas e funções
ainda o formalizadas. Não se trata de algo palpável ou possível de ser visto, mas
é algo real que consegue estabelecer sua força e seu poderio.
Para ajudar a explicar esse conceito, deve-se resgatar a idéia de que o
caráter relacional do poder apresenta relações de poder que existem como uma rede
que permeia por toda a sociedade. Nas sociedades primitivas, por exemplo, o poder
não está no chefe da tribo, toda uma rede de alianças familiares e pequenos grupos
locais definem o exercício do poder por suas respectivas relações de força. Sob o
teto dos grandes conjuntos e instituições modernas essas mesmas relações de força
são compostas por micro relacionamentos que definem uma espécie de mapa
difuso, dinâmico e instável cuja densidade e intensidade variam a todo o momento.
Essas relações de força, num determinado, mas imprevisível momento atuam
no sentido de estabelecer posições privilegiadas de poder. Nesse instante o mapa
difuso e instável, o diagrama, nas palavras de Deleuze (2006), se integra. Integra-se
por dois meios: cria uma substância formada, por exemplo os presos, e cria funções
formalizadas, por exemplo punir, educar. A esse respeito, Foucault estabelece a
dimensão do visível em contraposição da dimensão do “enunciável” que é composto
pelo discurso, pelas funções formalizadas.
Os diagramas quando se integram e se atualizam criam diferenciações, que
fazem parte das relações de poder, de forma a estabelecer um novo staus quo,
provisório é verdade até a próxima atualização, mas palpável e conceituável, visível
e enunciável, real e figurativo. Essas diferenciações são de ordem jurídica,
governantes e governados; econômicas, proprietários e trabalhadores; tradicionais,
público e privado; intelectuais, filósofo e leigo; e culturais, a discriminação racial por
exemplo.
31
Outra característica dos diagramas é que eles se comunicam, formam
cadeias, têm inúmeros tamanhos, são formados por discursos que camuflam ou
escondem certas vontades e podem ser vistos a todo instante e por todos os
lugares. Basta, para tanto, ter-se iniciado no olhar de Foucault.
Um exemplo simples, mas interessante, é a estrutura de atendimento de táxis
em alguns aeroportos. Existe uma regulamentação, a dimensão do enunciável, que
permite apenas àqueles veículos regularmente cadastrados entrarem nas
dependências do aeroporto sem nenhum passageiro, ou seja, com o objetivo claro
de tomar um cliente, com placas e guardas vigiando esse processo, a dimensão do
visível. No entanto, um pequeno diagrama opera sob esse aparato constituído de
forma muito fugaz. Alguns motoristas de táxis oferecem aos comissários de bordo
que estão se encaminhando a para o aeroporto uma condução grátis e, dessa
forma, conseguem adentrar nos locais de desembarque sem sofrerem multas. Assim
que liberam o pretenso passageiro conseguem, por meio de olheiros a paisana
recompensados por pequenas gorjetas, um passageiro de fato de dentro do
aeroporto, ludibriando, desse modo, todo o poder pretensamente estabelecido.
Quais as perspectivas dessa situação? Que grupo, qual diagrama conseguirá
alterar o visível e o enunciável para que essa circunstância se modifique? Quando
isso ocorrer, se ocorrer, o diagrama vencedor vai operar mudanças nas relações de
forças entre os grupos. Esse processo de atualização ao mesmo tempo em que
modifica as relações instaura, estabelece, cria novos conceitos e normas.
Percebe-se, então, que existe um processo social anterior às atualizações,
um diagrama funcionando, vivo, uma rede flexível e transversal ao estabelecido e
normatizado. A esse processo Deleuze (2006) deu o nome de quinas sociais que
são abstratas que existem, mas não podem ser vistas. Após a atualização do
diagrama, quando ele se integra, cria-se, muda-se, transformam-se em quina
concreta. No exemplo dos aeroportos: uma norma que obrigue aos comissários de
bordo descerem dos táxis longe do local de captação de passageiros e, paralelo a
esta medida, um sistema contínuo de transporte exclusivo nas imediações dos
terminais, podendo até ser patrocinado pelo grupo de taxistas credenciados.
32
Desse modo, a atualização transforma as substâncias não formadas e as
funções não formalizadas do diagrama em matérias visíveis e normas escritas,
respectivamente. No caso acima: a criação de um acesso exclusivo ao aeroporto
dos comissários de bordo, controlado por vigias (substância formada), além da
instituição de uma pequena reprimenda para os faltosos (funções formalizadas).
O caso singelo citado ajuda a elucidar como um diagrama opera, mas não
revela o tamanho da dimensão do enunciado. Ele não é um conjunto de proposições
e de frases que existem num processo de contradição e de abstração. Foucault
rejeita o estudo simples da verticalidade das proposições e da horizontalidade das
frases como aprofundamento de um processo histórico e se utiliza de uma
metodologia dita diagonal ou transversal. Dessa forma ele consegue encontrar os
enunciados que são raros, é verdade, mas que são reais e se propagam por meio de
“um acúmulo através do qual ele se conserva, se transmite ou se repete” (Deleuze,
2006) . Neles tudo é real, não existe nada camuflado por alguma espécie de
discurso.
Um enunciado pode ser procurado no meio do murmúrio anônimo como o
encontrado pelo pensador no corpus da sexualidade no século XIX. Essa
investigação das palavras trocadas nos confessionários, na conversa ocultas, das
proposições nas instituições de natalidade e de nupcialidade, possibilita extrair delas
a realidade de uma situação. Assim, ao invés de se pensar que o sexo na era
vitoriana era proibido, a verdade foi ele ter sido escolhido como o assunto para ser
conversado de forma escondida e ininterrupta.
Essa metodologia transversal de análise possibilitou encontrar uma nova
concepção de poder que não o hierárquico, o centralizador, existente de fato, mas
que não explica todas as situações possíveis nas relações humanas.
Esse poder não pode ser possuído por alguém ou ser encontrado em um
ponto exclusivo. É melhor pensar como se fosse uma rede de pesca, que se estende
por toda a sociedade, escalões, instituições, classes sociais, enfim, onde cadase
comunica com os outros por meio de uma relação de força, conforme dito em Vigiar
e Punir. Dessa forma não se encontra pontos de poder e, portanto o poder em si não
33
existe, existem sim relações de poder. Os nós mais altos tentam influenciar os mais
baixos e para tanto se utilizam de estratégias para uma mudança de conduta do
outro, apropriada e interessada, de maneira que as relações de forças buscam, no
fundo, agir sobre a ação dos outros.
A idéia de agir sobre a ação dos outros é fundamental no exercício do poder
de Foucault e, para que isso aconteça, para que se forme o fio de tessitura fina e
tênue de Servan, é necessário que o indivíduo tenha a liberdade de escolha, pois se
assim não fosse, ele estaria acorrentado, não poderia escolher suas ações, “no
limite, relação de poder quando o homem pode escapar” (FOUCAULT apud
SILVEIRA, 2005).
Deleuze comenta que Foucault estabelece a quebra dos seguintes postulados
a respeito do poder:
Postulado da propriedade: O poder não tem dono, não é de um
indivíduo, grupo ou classe que o tenha conquistado.
Postulado da localização: Não existe um ponto onde o se encontra o
poder. O Estado não é uma causa e sim uma conseqüência da multiplicidade das
relações de poder.
Postulado da subordinação: O poder encarnado pelo Estado estaria
subordinado a um modo de produção tal qual uma infra-estrutura.
Postulado da essência ou do atributo: O poder é resultante de um
embate de relação de forças inclusive transitando pelos ditos dominados.
Postulado da modalidade: A violência e a ideologia são apenas poeiras
levantadas pelo contínuo confronto das relações de forças. Uma relação de forças é
uma função do tipo: incitar, suscitar, combinar, repartir, colocar em série, compor,
normalizar, agir sobre a ação dos outros. O poder produz realidade, antes de
reprimir, e também produz verdades, antes de ideologizar.
Postulado da legalidade: Os ilegalismos se alteram com o passar do
tempo. Quando os diagramas operam, eles geram diferenciações que são
estabelecidas pelas leis. A lei é sempre uma composição de ilegalismos, que ela
diferencia ao formalizar, é o exercício atual da estratégia da classe dominante, ou de
outra forma, a maneira de agir sobre a ação dos outros.
34
Retomando o conceito do enunciado, a estratégia atual da classe dominante,
a lei, é a tradução do enunciável, de uma família de linguagem que formam, por
exemplo, os códigos do direito penal, que definem palavras e conceitos como
delinqüência, infrações, penas e sujeitos classificados de delinqüentes. É esta
definição de conceitos que estabelece a relação entre o crime e o castigo, entre a
infração e a punição, que enfim vai atuar sobre a alma dos indivíduos.
Ao mesmo tempo em que o enunciável, o direito penal, resultado da ação das
relações de forças, define conceitos, o visível se estabelece na forma da prisão,
também fruto do embate dessas mesmas forças. Tanto um como o outro são
gerados simultaneamente e as “duas formas, de expressão e de conteúdo
respectivamente, não param de entrar em contato, insinuando-se uma dentro da
outra, cada uma arrancando segmento da outra”.
Esse mingau de atualização de diagramas na forma visível e na forma
enunciável forma não somente as prisões, mas também as escolas, os quartéis, os
hospitais, as oficinas e as fábricas. O que se apresenta é a atuação das relações de
força, que na realidade são relações de poder, gerando substâncias formadas (o
visível): presos, alunos, soldados, doentes, trabalhadores; ao mesmo tempo que
funções formalizadas (o enunciável): punir, ensinar, ordenar, tratar, fazer produzir.
Exatamente nesse ponto, o elemento aglutinante entre as duas formas de
atualização é o saber. Quando o diagrama se atualiza, ele opera, ele cria novos
saberes. O direito penal e a interpretação e correlação das punições, a pedagogia e
o magistério, o estabelecimento da ordem e conduta no exército, a medicina curando
os enfermos, a administração da produção.
A conexão que se forma é entre o poder e o saber. Existe a conexão, mas
eles são de natureza diferente. O poder é constituído pelas relações de forças, é
diagramático, não é essencialmente repressivo que ele cria, produz resultados,
gera individualidades (o médico, o formado, o cnico), é exercido antes dele ser
possuído, passa pelos dominados e pelos dominantes. O saber, por sua vez, diz
respeito a matérias formadas (visível) e a funções formalizadas (enunciável), é
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estratificado, pode ser arquivado: as séries, a classificação dos indivíduos, é
repartido em duas grandes condições formais, ver e falar, luz e linguagem.
O poder, mais precisamente as relações de poder, se utiliza de estratégias
para atualizar suas categorias afetivas (incitar, induzir, desviar, tornar fácil ou difícil,
ampliar ou limitar, etc.) e o local que tem a capacidade de integrar as relações de
poder constituindo saberes é a instituição que as remanejam e as redistribuem.
Existe uma multiplicidade de integrações locais definindo instituições como o Estado,
a família, a religião, a produção, o mercado, a arte, a moral que se organizam em
torno de um foco central: o soberano ou a lei no Estado; o pai na família; o dólar ou
o ouro no mercado; Deus na religião, o sexo na instituição sexual.
Observa-se, dessa forma, que as relações de poder têm um primado sobre as
relações de saber, pois se alguém, uma categoria ou classe social, não importa, não
estivesse disposta a agir sobre a ação de outros, estivesse satisfeita, não precisaria
atualizar as leis ou as normas para tentar alterar as relações de poder existentes e,
portanto, esse alguém ficaria quieto, sossegado. Mas como sempre existe um
indivíduo, uma categoria, um grupo querendo influenciar a ação de outros, eles irão
procurar atualizar as relações de saber para ganhar maior competência em agir
sobre a ação de outros.
O processo de Foucault de desvendar os diagramas o levou a revelar pelo
menos três tipos de sociedade que têm em comum a conexão das relações entre
poder e saber:
A sociedade pastoral: onde a categoria de poder era apascentar um
rebanho.
A sociedade de soberania: na época dos suplícios, caracterizada pela
idéia de confiscar, decidir a morte.
A sociedade disciplinar: onde as categorias de poder transformam-se em
incitar, induzir. O objetivo é a vida e não mais a morte.
Uma característica comum a todas essas sociedades era a procura pela
justificação de seus atos. Era a confirmação do estabelecimento ideal dos aparelhos,
36
o visível, e das regras, o enunciável. Para tanto elas procuravam todos de
investigação das verdades que diferiam totalmente entre si. A sociedade pastoral
estabeleceu que a troca entre o sofrimento efêmero na matéria era muito menor que
a felicidade eterna em espírito e criou aparelhos e regras de subordinação sob a
égide da fé cega e submissa.
A sociedade de soberania impôs o suplício como forma de coerção e medo
para controlar e explicitar o poder do rei, mesmo que o condenado admitisse crimes
não cometidos pela tortura bárbara e cruel. A sociedade disciplinar estruturou o
reconhecimento da verdade baseado na razão, com objetivos claros de controle da
alma dos indivíduos a fim de produzir corpos dóceis e úteis.
Nessa busca pela interpretação ou definição da realidade o poder estabelece
verdades que não podem ser dissociadas do seu método de procura. O mundo real
é, de fato, interpretado pelo sujeito que o faz, por meio do universo simbólico que ele
mesmo definiu. Assim, o se pode esquecer que as verdades são resultados de
intenções que não estão isentas de imparcialidade e esta recai na intencionalidade
das relações do poder. Foucault deixa claro que a burguesia não foi ingênua nem
inocente em seu processo histórico de crescimento.
1.5. Análise dos indivíduos dentro das organizações sob a óptica de poder
de Foucault
Inúmeros fatores podem influenciar o comportamento dos indivíduos dentro
das organizações. Dentre eles encontram-se dimensões como as estratégias
empresariais, a estrutura organizacional, a cultura e as práticas de poder.
As estratégias empresariais requerem determinado tipo de pessoas, que
podem ser selecionadas de acordo com suas Competências, Habilidades e Atitudes
para liderança, áreas funcionais, áreas de produto ou mercado, administração de
37
tipos particulares de pessoas e de operações, administração do momento da
empresa (crescimento, sobrevivência etc.) que, definitivamente, demandam
características individuais diferentes.
A estrutura organizacional pode, dentre outros fatores, ser moldada pelo
tamanho, grau de centralização, amplitude de controle e pelo binômio incerteza e
padronização. O conjunto de sistemas que compreendem o planejamento, a
contabilidade, a informação e a avaliação impõem ao indivíduo, ao lado do modelo
estrutural, determinados tipos de comportamento que senão forem seguidos podem
resultar no desligamento da organização.
A cultura e suas dimensões como valores compartilhados, normas, símbolos
e valores simbólicos influenciam e determinam de maneira mais sutil, mas não
menos exigente, tanto o comportamento do indivíduo como certos traços de sua
personalidade.
Mas o que é comum a todos os tipos de estratégias, modelos de estrutura
organizacionais e culturas empresariais? É o conceito básico de poder que são
instituídos por esses mesmos fatores. Não importa qual o modelo, se voltado para o
poder coercitivo, o formal, o legítimo ou mesmo o poder pessoal. Não importa se as
táticas utilizadas são legítimas, ou racionais, ou contém apelos inspirativos, ou têm
conotações coercitivas. Todos esses fatores conduzem a algum tipo de poder sem o
qual a instituição não pode funcionar.
Stephen Robbins chama de habilidades interpessoais aquelas necessárias
para que o executivo consiga fazer sua carreira decolar. Ele deixa claro que as
habilidades técnicas são importantes nos primeiros anos de vida profissional, mas
insuficientes para o sucesso das atividades de gestão. Dentre elas, e talvez a
principal, está o conhecimento a respeito das práticas do poder. “Se você deseja que
as coisas sejam executadas dentro de um grupo ou organização, você precisa ter
poder” (ROBBINS, 2006, p.319).
Ele vai além e declara que as bases do poder de talento e de
referência são individuais e as bases de coerção derivam do poder organizacional. O
38
poder tem mão dupla, a toda hora alguém tenta maximizar a dependência dos outros
perante ele, pois assim terá como agir sobre as ações dos outros, mas ao mesmo
tempo os outros também estarão procurando situações mais estáveis de poder.
“Cabe ao executivo, ao gerente, entender a natureza política das organizações (...)
no sentido de prever as ações dos outros” (ROBBINS, 2006, p.319).
Esse é o ponto de conexão com as perspectivas do filósofo francês. O poder
disciplinar estabelece segundo Foucault apud Silveira (2005), que a receita geral do
poder punitivo (para seu exercício sobre os homens) é colocar o espírito (leia-se
subjetividade) como superfície para a inscrição deste poder, personificando uma
tentativa de submissão dos corpos pela inscrição da força, da ação coercitiva das
idéias. Para tanto, o exercício do poder é estabelecido na medida em que é possível
agir sobre as ações dos outros, conduzir as idéias dos outros para que se possa dar
encaminhamento às suas condutas. Mas Foucault estabelece que isso é possível,
somente se o outro tiver a liberdade de escolha.
É nesse contexto de escolha, onde o gerente de área tem liberdade para
decidir, fora do alcance das normas estabelecidas, mas ao mesmo tempo
interrelacionada como dependente e influente, que se formam os discursos objetos
desta investigação.
Então, reformulando e sintetizando as perguntas iniciais:
Quais seriam os conceitos de poder referenciais para as práticas das ações
do gerente em sua função, na perspectiva de Foucault?
Resgatando a idéia de rede de pesca, como metáfora das relações de poder,
percebe-se que a idéia de agir sobre a ação, presente ou futura, dos outros se
estabelece como conceito central no sentido das estratégias que disso tratam
procurarem estados estáveis de poder. Nessa procura, as estratégias de confronto
das relações de poder encontram resistências que se opõe ao alcance de seus
objetivos a todo o momento e em todos os lugares.
39
Os objetivos claros dessas estratégias é obter meios de manter dispositivos
de poder, para, por meio deles, conseguir vantagens e assim conduzir o vencido,
coação sobre as forças do corpo. As relações de poder se utilizam dessas
estratégias por meio de vários componentes.
O primeiro deles é estabelecer um sistema de diferenciações, visíveis e
enunciáveis, jurídicas, tradicionais, econômicas e culturais que possibilitem a
apropriação desproporcional de riquezas, habilidades e competências e assim, de
acordo com os aparelhos as e as regras formalmente institucionalizados, o segundo
componente, alcançar o objetivo de sempre manter determinados privilégios.
Para tanto se utilizam de instrumentos como as normas, a vigilância, as
palavras e se necessário for, as armas. A metodologia racional desse uso alterou-se
do modelo da soberania, do direito, para o atual modelo estratégico, da política. O
conjunto direito, lei, castigo alterou-se para técnica, norma e controle.
As instituições atuais funcionam sob esta égide e possuem mecanismos que
proporcionam sua própria subsistência. Elas colocam em jogo o aparelho (visível) e
a regra (enunciável) a todo instante. Se a procura pelas instâncias do poder for
nesse sentido, Silveira (2005) deixa claro que se corre o risco de privilegiar um ou
outro vendo as relações de poder apenas como norma, lei ou coerção.
Dessa forma, a análise das instâncias do poder deve, então, ser a partir das
relações de poder, como explicitado, para se olhar o indivíduo dentro das
instituições. O poder disciplinar, caracterizado pelo olhar hierárquico, sanção
normalizadora e o exame constituem o campo de análise dessa investigação, mas a
maneira de se olhar esse campo é procurar quais as estratégias de confronto
existentes, quais as dimensões que ainda estão como substâncias não formadas ou
funções não formalizadas.
E complementando as perguntas iniciais, à luz da terminologia de Foucault:
Existem diagramas em vias de se atualizarem? Existe um espaço vazio
deixado pelas normas em que o indivíduo tem total liberdade de ação? Existe de fato
40
um espaço de liberdade do indivíduo? E para efeitos deste trabalho, existe de fato
um espaço de liberdade para o gerente intermediário? E se existir, quais as
dimensões que podem ser encontradas neste espaço? Como o gerente atua dentro
desta área de liberdade?
O ponto de toque entre Weber e Foucault não é a terminologia do poder,
que, para Foucault o poder, pelo menos o poder a que ele se refere, não pode ser
encontrado em um lugar ou ser de propriedade de um indivíduo, mas acaba por
influenciar sua atitude, sua conduta, enquanto para Weber, o termo dominação
conduz a uma obediência, ou seja, uma atitude comportamental influenciada por
outros. Dessa forma, o encontro, a coincidência entre os dois pensadores não se
realiza na causa, mas no resultado do processo que é a mudança de atitude de um
indivíduo ou grupo, dirigido que foi pelos sinais-obstáculos que o conduzirão aos
trilhos que o poder (Foucault), ou que a dominação (Weber), deseja.
Fica, então, estabelecida uma relação entre o poder de Foucault e a
dominação de Weber no sentido que ambos se situam com o propósito de agir sobre
a ação dos outros. Também existe uma igualdade de conceito para o termo
disciplina, pois Weber, o define como o treino na obediência em massa e Foucault
como o processo de uma imposição de hábitos e regras, submetendo a uma
vigilância ininterrupta e a uma coerção imediata.
Entretanto, permanece uma diferença nesse conceito no que tange à
dimensão da resistência a um processo de mudança de atitude no sentido que para
Weber, não resistência, obediência, ou seja, a ação de quem obedece como
se tivesse feito do conteúdo da ordem e em nome dela a máxima de sua conduta,
enquanto para Foucault, para todo poder há o contra poder.
Esclarecido esse ponto, pois é fundamental para essa dissertação o
estabelecimento dos conceitos que serão utilizados no seu desenvolvimento, isto é,
a semelhança de terminologia do poder de Foucault e a dominação de Weber, no
que tange a agir sobre a ação dos outros, bem como do termo disciplina, como o
instrumento que mantém e regula as relações de poder.
41
Esta dissertação está centrada nos estudos de Max Weber e Michel Foucault,
ainda assim é importante resgatar, ainda que de maneira genérica, o que outros
autores discutiram sobre o poder nas organizações. Ressalta-se, portanto que este
tópico serve como indicação bibliográfica para futuros estudos, que este trabalho
está concentrado nas teorias dos mencionados pensadores.
Um dos autores que merecem especial atenção sobre a análise de poder é
Antonio Gramsci. A concepção de Antonio Gramsci é voltada para a formação de
partidos políticos e como eles deveriam operar na sustentação de um governo. Ele
parte do princípio de que existem governantes e governados e fornece uma receita
para que o processo político opere com a máxima eficiência. A fórmula é a
preparação melhor possível dos dirigentes e descobrir qual o melhor caminho para
encontrar a menor resistência possível dos dirigidos. Nesse aspecto ele concorda
com Foucault no sentido de que existe a resistência, o contra poder, quando se tenta
estabelecer uma indução na conduta de outros.
Para a existência de um partido é necessário a existência de três elementos.
Os liderados que participam de forma disciplinada e com a devida fidelidade. O
transporte dessa idéia para as organizações deve ser feito com cuidado no sentido
de que a fidelidade dos partidários é assumida de forma espontânea enquanto a dos
funcionários é em função de suas necessidades materiais, ou como disse Weber, a
obediência vem pelo medo de perder seu salário ou honra social. O segundo
componente, o dirigente, é a força que consegue aglutinar de forma eficiente um
grupo ou conjunto de pessoas que de outra forma não conseguiriam ficar coesos.
Por último o elemento de articulação entre os dois primeiros, o gerente, por exemplo,
que forme em ambos não somente uma ligação moral e intelectual, mas também
física.
No entanto, a obediência dos partidários e, portanto, para os funcionários
organizacionais objeto deste trabalho mais ainda, deve ser conduzida por algo mais
que a simples vontade do líder mesmo que sua idéia seja embasada por uma
necessidade justa e até mesmo racional, ou seja, o dirigente não pode presumir que
os liderados o seguirão porque constituem um grupo de imbecis ou por uma graça
divina. Esse foi, aliás, o erro do general italiano Luigi Cardona com seus
42
subordinados que redundou na derrota de Caporetto (1917), originando o termo
cadornismo representado pela irresponsabilidade e autoritarismo de certos
dirigentes.
O mecanismo sugerido por Gramsci para a obediência também é a disciplina.
Ela não tira dos indivíduos a liberdade que ela está localizada na origem do poder
que a criou. A recomendação é de que exista tolerância na formulação das normas,
onde dirigentes e dirigidos discutem-na, onde se formam os elementos concordes e
solidários para a ação, onde enfim as verdades são estabelecidas e a fusão das
almas e das vontades para que em seguida, no momento da ação, a intransigência
prevaleça, ou seja, não permitir quaisquer desvios do planejado sob pena de
desastres pavorosos causados pela desobediência.
Sob outro ponto de vista em relação ao poder, a obra de Maquiavel foi
analisada e interpretada por inúmeros autores e pesquisadores. Para esse trabalho
interessa o enfoque em relação ao exercício do poder e quais as recomendações
que ele faz ao príncipe de sua época que podem ser trazidas ao líder no mundo
atual.
Ele admite que existam éticas como a cristã e a judaica, mas também existe a
ética particular na política. O príncipe, na sua posição de responsável pelo bem estar
do povo e da cidade, sujeito às incertezas e às influências de outros príncipes, pode
e deve ter uma ética diferente da ética do povo.
Transportando para as organizações, o líder deve dirigir as pessoas num
ambiente de competição e de incerteza ambiental e ao mesmo tempo manter-se
dentro da ética. Como ser competitivo e respeitar a todo momento os princípios
morais? Nesse ponto é que Maquiavel sugere uma outra ética para o líder, diferente
e mais permissiva em determinados aspectos que a do liderado. Deve inclusive
deixar claro aos liderados essa proposta, mesmo que comprometa um pouco sua
imagem. Outro componente importante deste modelo de poder é a imagem do
príncipe. Ele não precisa ter todas as qualidades de um líder completo, mas é
necessário que aparente que as tenha.
43
Maquiavel cuida da forma de atuação do líder. Quando ele atua de forma
cruel ao espalhar punições, deve fazê-lo de uma vez. Quando for distribuir
recompensas, propalar visões, indicar novos caminhos, deve fazer ao contrário,
pausadamente, utilizando-se do maior tempo possível. Nas palavras de Maquiavel:
“as violências devem ser feitas todas ao mesmo tempo...[para] ofender menos. Os
bons feitos... praticados pouco a pouco, para que possamos saboreá-los melhor”
(Bignotto:1992). Isso indica a existência de mais um dos quesitos do exercício do
poder, que é o controle do binômio punição e recompensa, perfeitamente
comparável aos “recursos materiais” de Weber quando ele o sugere como um dos
fundamentos para que se obtenha uma estrutura de dominação.
Nesse contexto, o líder não pode sempre ser apenas o motivador, inspirador
de confiança, pois lhe cabe duplo papel, o de punir e o de recompensar. Vai além,
diz que é preferível para o der ser temido a ser amado e, portanto, se o líder não
tiver o poder de punir não conseguirá liderar.
A ação política deve ser direcionada apenas para atingir a meta desejada.
Como Maquiavel diz ... a boa ação política não deve levar em conta valores que
sejam incapazes de garantir seu sucesso...” (BIGNOTTO, 1992). No entanto, essa
meta dentro de um projeto maior deve visar o bem coletivo, pois ele despreza o
enriquecimento próprio e a vaidade individual.
O exemplo de Nelson Mandela ilustra esse ponto. Ao deixar o cativeiro e ser
conduzido ao poder, Mandela, movido por sentimentos de vingança, poderia ter
punido a muitos pelas privações que sofreu, mas preferiu determinar tribunais de
conciliação e assim evitou uma provável guerra civil.
O trabalho de Friedrich Hayek, por sua vez, tem como pano de fundo sua
concepção de fundamentos econômicos neoliberais em contraposição ao socialismo
que, segundo ele, está fadado à extinção, pois seus dogmas de liberdade conduzem
infalivelmente ao totalitarismo do Estado, justamente aquilo que ele mais combate.
O oposto do totalitarismo é que exista liberdade. A idéia é de que haja
liberdade de escolha e para isso é necessário que se tenha liberdade no contexto
44
econômico e no político, ou seja, a menor intervenção estatal possível. Ele contesta
a idéia do socialismo de que a liberdade econômica seria alcançada posteriormente
à liberdade política e propõe o modelo neoliberal de não intervenção. O ponto de
análise é que Hayek acredita que o individualismo é superior como teoria ao
coletivismo. Ele admite como fundamental a liberdade de escolha do indivíduo,
nesse ponto ele é tão enfático quanto Foucault, e indica que quem obtiver o controle
dos meios econômicos terá o controle sobre as pessoas e por isso ele é contra as
formas estatais intervencionistas.
Nesse contexto é que insere a busca deste trabalho no sentido de que ele
também admite que os meios econômicos, como Gramsci e Weber, são fontes e
instrumentos do poder e nesse caso tanto para os trabalhadores como para os
produtores em se falando de Estado. Para que não paire dúvidas a esse respeito é
importante notar que o controle econômico exercido pela livre concorrência, ou por
entidades privadas, jamais será absoluto como aquele que porventura seja exercido
pelo estado. Ele também o admite nem que exista qualquer tipo de segurança de
caráter material para um indivíduo ou grupo nas suas atividades econômicas, pois
isto induzira à diminuição da liberdade de escolha da profissão ou do trabalho,
que haveria um privilégio para uns em detrimento de outros.
Ao líder ele recomenda discernimento e alerta para o perigo de que a maioria
deles é constituída de maus elementos. A justificativa está, em primeiro lugar, que os
mais preparados em termos de opiniões e hierarquia de valores divergem em muitos
pontos e o alto grau de conformidade de pensamento só seria encontrado nas
camadas onde os padrões morais e intelectuais são inferiores proporcionando assim
a índole necessária para o controle das massas. Aliado a este fato, o princípio de
seleção do líder que impõe sua vontade, ou seja, que não preserva
fundamentalmente a liberdade de escolha, por um sistema organizado é mais bem
aceito pelos dóceis e simplórios que não têm fortes convicções, mas se submetem
aos esquemas de comando rígidos e apregoados de forma estrondosa e com a
necessária freqüência. E, finalmente, à predisposição do ser humano em concordar
com esquemas negativos de coesão, o ódio ao inimigo, por exemplo, do que numa
tarefa de cunho positivo.
CAPÍTULO 2
GERÊNCIA: ASPECTOS TEÓRICOS
2.1 Comportamento dos gerentes nas organizações
Em um artigo publicado no Academy of Management Executive, Jeffrey L.
Kerr (2004) trata dos limites da democracia nas organizações. Logo na abertura do
texto, a afirmação de que apesar de vários teóricos e consultores terem
defendido a importância de se desenvolver um processo democrático como parte do
sistema de gerenciamento e de tomada de decisões, isto não tem ocorrido em
grande parte das organizações. Mais do que propriamente haver uma relutância em
dividir o poder, Kerr considera a possibilidade de que o sucesso restrito da
democracia dentro da empresa ocorre em função do próprio gerenciamento das
organizações.
Características essenciais do sistema democrático como prestação de contas
aos governados, direito à participação, livre intercâmbio de informações e direito de
representação são raramente apoiados nas organizações. Além disso, a discussão
sugere que o processo democrático pode ter sucesso apenas se for considerado
uma contribuição real para a vantagem competitiva e para o desempenho da
organização. Isto depende de uma série de variáveis de contingência, entre elas, a
própria natureza dos produtos e/ou serviços da organização, características de sua
equipe de trabalho e o grau de resistência por parte da hierarquia em delegar poder
e controle. (KERR, 2004, p. 81)
Na seqüência, Kerr comenta que a idéia de democracia está fortemente
arraigada à cultura do Ocidente, tornando-se rapidamente um ideal. Então, segundo
o autor, não é de se surpreender que organizações baseadas em economias
desenvolvidas sejam vistas como entidades defensoras de valores e práticas
democráticos, uma vez que precisam se adaptar continuamente às mudanças, a
buscar profissionais cada vez mais capacitados etc. De acordo com Kerr (idem, p.
46
81), para determinadas organizações a adoção de práticas democráticas parecia
simplesmente inevitável. Entretanto, a aplicação real de princípios democráticos
acaba por falhar nessas empresas. Apesar de os gestores adotarem a retórica da
defesa da democracia, do empowerment e da participação mostram-se relutantes
em compartilhar o poder, em garantir a autonomia, em divulgar amplamente as
informações e em incluir os funcionários no processo de tomada de decisões.
Também no que se refere, especificamente, aos funcionários, estes nem sempre se
mostram dispostos a participar da tomada de decisão quando isso resulta em falta
de clareza nas tarefas e aumento para a contabilização de resultados. Em linhas
gerais, Kerr (2004, p. 81) chega à conclusão de que grande parte dos gestores se
recusa a compartilhar poder e autoridade. Afinal, a autocracia é um expediente que
leva o gerenciamento a ter livre acesso aos recursos organizacionais para atingir os
objetivos desejados.
Kerr (2004, p. 82) leva em consideração duas concepções distorcidas que
podem explicar por que a democracia nas organizações acaba não tendo sucesso
na forma de governância e de tomada de decisões. , segundo ele, um erro na
lógica que distorce as expectativas de como deveria ser a democracia nas
organizações e como se trabalharia em um contexto democrático: o pressuposto de
que a democracia política fornece um modelo útil e adequado às bases da
democracia nas organizações. O outro erro, conforme o autor, está na aplicação que
resulta em esforços bem intencionados que se tornam frustrantes na implementação
da democracia organizacional; trata-se do acepção de que enquanto método de
governância e de tomada de decisões, os valores e práticas podem ser aplicados em
todas as esferas da organização. Ambos os erros, de acordo com Kerr (2004, p. 82),
partem de um mesmo problema: falta de clareza quanto aos elementos essenciais
de um processo democrático, na aplicabilidade de tais elementos para organizações
econômicas (opostas às de natureza política) e nas condições e circunstâncias nas
quais os valores democráticos podem florescer nas organizações. Em suma, a
democracia pode ser mais um apelo de construção política e intelectual e as
organizações não são sociedades no sentido político e os gestores não foram eleitos
para assumir o comando. Diferenças reais existem na natureza do coletivo
(organização econômica versus política social), no escopo da legimitização do poder
(propriedade versus governo eleito), nos papéis e responsabilidades individuais
47
(funcionário versus cidadão) e no processo de tomada de decisão por meio do qual
se sustenta a governança.
Com base nas distorções na concepção de democracia e de sua prática nas
organizações, Kerr prossegue a análise a partir de dois eixos. Primeiramente, volta-
se à reflexão sobre as diferenças conceituais entre democracia política e democracia
organizacional; argumenta que apesar de haver uma tendência em se fazer
generalizações, as duas formas de democracia têm poucos elementos em comum.
Isto ocorre porque a função da democracia organizacional é diferente daquela da
democracia política, que é a de ser implementada e de ter sucesso apenas se
estiver atrelada à promoção de vantagem competitiva e de indicadores de
performance. Em um segundo momento, Kerr discute os problemas da aplicabilidade
e implementação da democracia organizacional, das condições do gerenciamento
sob as quais a democracia pode se sustentar e as situações em que se recomenda
a adoção de valores e práticas democráticos. Após apresentar estas duas vertentes
relacionadas à democracia, o autor chega a conclusão de que a decisão por um
modo de gestão atrelado a princípios democráticos ocorre independentemente de
considerações de ordem moral ou filosófica, isto é, na verdade leva-se em conta os
custos e os riscos de uma reestruturação democrática que podem ser justificados
pelos benefícios potenciais do desempenho da organização.
Como vimos, o artigo de Kerr (2004) trata das questões envolvidas na
dificuldade que muitas organizações m em adotar efetivamente práticas
democráticas, o que envolve indiretamente uma discussão sobre poder e/ou
exercício da autoridade.
Em um outro artigo, publicado no American Journal of Economics and
Sociology, Stanley Vanagunas (2004) recorre aos modelos da teoria de Max Weber
para explicar a teoria da Contra-Ineficiência (termo que em inglês é X-inefficiency).
Segundo o autor, Weber desenvolveu uma metodologia analítica na qual recorre ao
mercado competitivo como base de contraste em relação a outras estruturas de
mercado, além de enfatizar um modelo de tipo ideal de comportamento.
(VANAGUNAS, p. 394). Ao descrever detalhadamente a tipologia proposta por
Weber, Vanagunas afirma que é possível, por exemplo, entender que uma
48
organização caracterizada pela estrutura de autoridade tradicional seja menos
eficiente porque a tomada de decisão se baseia mais em hábitos, convenções e
imperativos morais. Também é possível verificar que as organizações
governamentais estejam mais propensas ao modelo de autoridade tradicional
porque isso tem a ver com a razão de sua existência, com a sua própria concepção.
Daí a constatar que a adoção de tal modelo torna muitas empresas públicas menos
eficientes do que as privadas. De maneira semelhante a autoridade carismática pode
ser capaz de evocar comportamentos baseados em incalculáveis atos de
cooperação ou de não cooperação aos comandos e regulamentações. Como
exemplo disso, Vanagunas (p. 399) inclui as associações de alto risco, empresas
que querem penetrar em um mercado ou organizações próximas à falência,
excelentes candidatas à opção por uma liderança carismática, vinda de uma
estrutura autoritária que opta por ações mais intuitivas do que por decisões
calculadas.
Ao final do artigo, o autor afirma que a teoria da Contra-Ineficiência centraliza
a questão da produtividade na organização e em especial dentro de seu
gerenciamento; ressalta também que os modelos de autoridade propostos por
Weber permitem estabelecer categorias de comportamento gerencial em uma escala
de racionalidade econômica em três níveis, a qual está relacionada à eficiência. Tal
perspectiva integrada proporciona uma visão mais clara da eficiência organizacional,
de modo que a ligação entre eficiência e estrutura de mercado pode ser mais tênue
do que se imaginava. Como exemplo, Vanagunas menciona as corporações AT&T e
IBM, alvos evidentes de uma política governamental antitruste, as quais tiveram,
paradoxalmente, reputações singulares de eficiência. O autor menciona ainda as
políticas governamentais dos principais competidores da América do Norte, Japão e
Alemanha, encorajam o crescimento de grandes empresas em sistema de
monopólio; segundo ele, tais práticas associam eficiência mais com a organização
do que propriamente com a estrutura do mercado.
O tema da ética do gerente na organização está presente na discussão
proposta por César Ibarra-Colado et. al. (2006). Os autores buscam examinar como
se manifesta a ética nas organizações em relação à subjetividade dos gerentes.
Para tanto, recorrem a estudos de Michel Foucault, para mostrar como a ética se
49
posiciona frente à moralidade individual e os princípios que regem a organização.
Assim, o estudo de Ibarra-Colado e seus colaboradores investiga como a ética é
entendida como uma prática, fortemente ligada à liberdade do indivíduo em realizar
suas escolhas e o contexto organizacional em que tais escolhas se situam, se
limitam e são governadas.
Logo no início, lança-se a afirmação de que o ser ético tornou-se um dos
principais desafios para as organizações logo no início do século XXI. Tanto para os
pesquisadores quanto para os gerentes, é importante compreender como se
constitui a ética nas organizações; algumas vezes esta questão se associa às
regulamentações éticas e à maneira como os membros da organização se colocam
frente a elas. Um indivíduo ético aqui significaria agir totalmente dissociado de
quaisquer privilégios, paixões e emoções (GAY, 2000, apud IBARRA-COLADO et.
al., 2006, p. 46) e aderir totalmente aos padrões éticos que podem ser
“gerenciados”.
Ibarra-Colado et. al. (2006, p. 46) afirmam que outros autores (BRINKMANN,
2003; THORNE e SAUNDERS, 2002, apud IBARRA-COLADO, 2006, p. 46)
consideram o gerenciamento que se utilize de normas éticas de modo perverso e até
anti-ético para aventar a possibilidade da ética nos negócios. Na proposta de Ibarra-
Colado e seus colaboradores o indivíduo é responsável por um comportamento ético
e as organizações deveriam evitar restringir a individualidade; ao contrário, elas
deveriam propiciar um empowerment para a ética, que possibilitasse às pessoas
perceber a importância de adotar responsabilidades éticas. A opção pelos estudos
de Foucault ocorre pela compreensão da ética e do gerenciamento como uma
mediação do entendimento da ética como responsabilidade individual e da ética
determinada pelas organizações. Um gerente, neste ínterim, age ao vislumbrar os
dois tipos de ética, daí a importância de ter como perspectiva a subjetividade dos
gerentes como estágio central da discussão sobre ética. A subjetividade, para os
autores (cf. idem, p. 46) é o meio pelo qual ao pensar indivíduos como seres sociais;
porém, uma pessoa pode considerar esses seres como um “indivíduo”, se estiverem
associados a instituições sociais ou a organizações. Ser ativo envolve subjetividade
gerencial como empreendimento ético em relação às normas e estruturas
organizacionais. Desse modo, a ética não é propriedade do indivíduo, apesar da
50
organização, nem algo que as organizações controlem de maneira formal ou
informal trata-se da relação entre os dois. Retoma-se a partir daqui a idéia de
Foucault de que a ética é “a prática consciente da liberdade” (FOUCAULT, 1984, p.
284, apud IBARRA-COLADO, 2006, p. 46), através da qual as pessoas desenvolvem
a noção do self considerado ético. Tal prática não é livre, no sentido de que o self
ético surge em relação às normas sociais ou organizacionais que regulamentam o
que a pessoa deveria ser ou não.
Ibarra-Colado e seus colegas ao prosseguirem com a reflexão baseada em
princípios formulados por Foucault afirmam que a ética do gerenciamento surge no
meio de quatro questões interligadas, cujas respostas podem constituir a base de
uma subjetividade ética. São elas:
- substância ética quais aspectos do comportamento gerencial são considerados
como de preocupação com o julgamento ético?
- modo de subordinação - em quais modos os gerentes estabelecem seus
relacionamentos com as normas e obrigações éticas?
- práticas do self em quais práticas os gerentes se engajam a fim de se
considerarem éticos?
- aspirações para o self – quais são as éticas do gerenciamento idealizado aspiradas
pelos gerentes?
A maneira pela qual tais questões podem estar associadas a um determinado
gerente varia conforme sua atuação nas organizações. Mais do que isso, no ponto
de vista das organizações, espera-se que ao se invocar a ética, consiga-se
“governar o comportamento” (idem, p. 47), ou até mesmo as atitudes dos
funcionários, ou seja, trata-se menos de uma questão ética e mais propriamente de
mecanismos para determinar (ou pelo menos limitar) as oportunidades que o
indivíduo tem para pensar e agir. Em uma outra instância, a ação ética de um
indivíduo é posta em relação ao grau de poder que ele exerce sobre outras pessoas.
Estas questões estão relacionadas ao que Foucault chama de “governamentalidade”
(FOUCAULT apud IBARRA-COLADO, p. 47). Trata-se de uma junção dos termos
governo e mentalidade que, na acepção de Foucault, abrange as práticas que
constituem, definem, organizam e elaboram estratégias que os indivíduos recorrem
51
para lidar uns com os outros. Aqueles que tentam controlar, determinar e limitar a
liberdade dos outros são indivíduos livres que dispõem de certos instrumentos para
governar os outros. A “governamentalidade” envolve a liberdade de um sujeito em
sua relação com os outros, e nas possibilidades para examinar as ligações entre
poder e ética.
Na parte final do artigo de Ibarra-Colado et. al., os autores lançam a
afirmação de que uma pessoa imbuída com subjetividade significa relacionar a forma
do próprio eu, do próprio self, com o conhecimento e com os outros. Nesse sentido,
é essencial a maneira como alguém se como sujeito, todavia, não se trata de um
sujeito pensado de forma isolada e sim na sua relação com os demais indivíduos, de
modo que dessa interação surgem os elementos que podem influenciar a
subjetividade.
O poder tem um papel muito importante porque esclarece as relações éticas
entre diferentes indivíduos. Tais relações, segundo os autores (idem, p. 49) são
esclarecedoras das relações entre pessoas diferentes, associam-se aos
comportamentos adotados no ambiente de trabalho, ou seja, um campo de força
limitado pelas regras de circulação e pelos procedimentos que governam o
comportamento dos indivíduos e limitam sua ação coletiva em tais contextos. O
poder é exercido sobre os sujeitos a fim de gerenciar sua conduta e governar suas
ações dentro de um espaço da organização.
No que tange, especificamente, a ética, Ibarra-Colado et. al. postulam que ela
não se constitui um sujeito em si mesma, mas também se revela em formas
possíveis de governar as relações entre os sujeitos.
Apesar das restrições que as organizações possam estabelecer com
referência à conduta das pessoas, estas não são determinantes na instância
individua. Neste ponto, Ibarra-Colado et. al. citam Bevir (1999, 358, apud IBARRA-
COLADO et. al., op. cit., p. 50), o qual afirma que “pelo fato de diferentes pessoas
adotarem diferentes crenças e adotarem diferentes ações na formação, de uma
mesma estrutura social, deve haver um espaço não decidido frente a tais estruturas,
52
no qual os sujeitos, na condição de indivíduos, decidem quais crenças apoiar e quais
ações realizar, de acordo com suas próprias opções.”
Ibarra-Colado et. al. prosseguem a discussão afirmando que ao se considerar
as pessoas como sujeitos ativos e éticos operando em meio ao poder e à
“governamentalidade”, mais do que à mercê da ética imposta pela organização, os
sujeitos estão tanto em meio ao controle individual quanto organizacional. Segundo
os autores, a habilidade de uma pessoa ser considerada como um sujeito ético
depende de seu relacionamento com os outros assim como os regimes da
governamentalidade constitui relações deste tipo dentro das organizações.
A discussão se encerra com o reforço dos autores de que a adoção do
conceito de ética de Foucault tem implicações para o estudo da ética nas
organizações; a ética não pode ser considerada apenas nos termos da organização
e sim nos termos da relação entre práticas governamentais e o modo como elas
possibilitam que as pessoas se tornem determinados tipos de sujeitos.
No que concerne ao poder, os autores afirmam que ele é central em qualquer
discussão sobre ética nas organizações, não em termos de que o exercício do poder
deva ser julgado como ético ou não, mas como o poder possibilita diferentes formas
de ética. Dessa forma, o poder não deve ser visto como algo para o qual a ética
pode ser aplicada analiticamente, porém a ética deve ser considerada como algo
envolvido nas relações de poder que constituem as organizações.
2.2 Estrutura das organizações e as funções dos gerentes
De um modo geral, a estrutura de uma organização implica estabelecer como
se realiza um processo de delineamento da autoridade, isto é, de especificação dos
cargos, das funções e tarefas a serem desenvolvidas. Estabelece-se, assim, uma
forma de comunicação permitindo que as pessoas realizem as atividades e exerçam
a autoridade que lhes compete para obtenção dos objetivos organizacionais.
53
Conforme as discussões sobre estudos de Weber envolvendo a organização
do Estado e da sociedade, pode-se inferir que o gerente é, a princípio, aquele que
foi nomeado para exercer a dominação do tipo burocrática e, portanto teria suas
origens no século XIX.
Segundo Peter Drucker, o conceito de gerência existia muito tempo,
mas o nascimento da atual figura do gerente foi uma das causas e efeitos
recorrentes do aparecimento, na década de 1950, de um novo fator de produção: o
conhecimento. “Os tradicionais fatores de produção recursos naturais, mão-de-
obra e capital não desapareceram, mas tornaram-se secundários. Eles podem
facilmente ser obtidos, desde que haja conhecimento.” (DRUCKER, 1999, p.26).
Henri Mintzberg, por sua vez, reconhece que os gerentes têm papéis
importantes no ambiente corporativo a ponto de influenciar o próprio design da
estrutura organizacional. Ele analisou a influência de fatores como idade, tamanho,
ambiente e poder no processo de formação da estrutura das organizações e
elaborou hipóteses que consideravam a maior ou menor tendência à centralização
ou descentralização em cada uma delas.
A hipótese 15 por ele formulada é muito clara quando define que as
necessidades de poder dos membros da organização tendem a gerar estruturas
excessivamente centralizadas. “Tipicamente, todos os membros da organização
procuram poder, se não para controlar os outros, pelo menos para controlar as
decisões que afetam seu próprio trabalho” (MINTZBERG, 2003, p.167).
Arnaldo Nogueira e o Antonio Maximiano fazem uma coletânea dos principais
autores que descreveram o gerente e suas principais funções e habilidades
necessárias ao bom desempenho de suas responsabilidades. Um breve histórico se
faz necessário para entender melhor quais as dimensões, qual a relevância do
“papel dos gerentes” como instrumento do poder e da disciplina dentro do contexto
organizacional e como ele foi analisado por esses autores.
A cronologia desses autores é encabeçada por Henri Fayol (1916),
idealizador do conceito da atividade da função administração dentro dos
54
empreendimentos humanos. Essa função tem o objetivo de planejar, organizar,
coordenar e controlar dentro de um contexto racional de regras e autoridade. “Uma
vez organizada uma empresa, seus colaboradores necessitam de ordens para saber
o que fazer, suas ações precisam de coordenação e suas tarefas precisam de
controle gerencial” (FAYOL apud MAXIMIANO, 2005, p. 75).
Dentro dos 14 princípios de Fayol para a administração eficaz e dos 16
deveres do gerente destacam-se, para efeito deste trabalho, o direito de mandar e o
poder de se fazer obedecer, a sanção que acompanha o exercício do poder, a
manutenção da disciplina e do controle.
Em seguida, Chester Barnard (1938) defende que a eficiência, a eficácia, o
equilíbrio dinâmico com o ambiente externo e interno e a autogestão são
fundamentais tanto para a organização como para o gerente. Entretanto, sua idéia
de atuação do gerente difere dos conceitos de Weber e Fayol porque ele entende
que o gerente não pode impor sua vontade sobre os subordinados.
Existe uma organização informal dentro das organizações que somente pode
ser controlada, pode ser eficaz para produzir bons resultados, se os objetivos das
pessoas forem anteriormente atendidos. Dessa forma, tais objetivos devem ser a
preocupação central dos executivos e gerentes da organização. “Os gerentes devem
estar conscientes de que dependem dos subordinados para implementar suas
decisões (...) devem doutrinar os trabalhadores que representam o fator estratégico
básico em qualquer organização” (BARNARD apud MAXIMIANO, 2005, p. 139)
Se os fatores comportamentais eram importantes até então, ou seja, como o
quê fazer para controlar seus subordinados, a partir de 1960, Herbet Simon introduz
um novo aspecto no contexto de atuação dos gerentes que é a transformação da
base da teoria da decisão do homem econômico para o homem administrativo.
Nesse plano as decisões gerenciais, conceito fundamental para ele, não ficam
restritas aos conceitos de “(...) maximização dos ganhos por meio da racionalidade
(...) que é limitada, mas que procura tomar decisões satisfatórias (...) que atendam
aos requisitos mínimos desejados” (SIMON apud MAXIMIANO, 2005, p.141).
55
Simon divide as decisões em dois tipos: programadas e não programadas.
As primeiras até poderiam ser baseadas no conceito da racionalidade, mas as
segundas requerem, pela primeira vez exposto com tamanha clareza, novas
habilidades como julgamento, intuição e criatividade.
As habilidades gerenciais necessárias ao bom desempenho da função
também foram abordadas por Mintzberg em 1973 quando ele descreveu os três
principais papéis do gerente:
2.1 Papéis de decisão Empreendedor, Controlador de distúrbios, administrador de
recursos, negociador.
2.2 Papéis interpessoais – Figura de proa, líder e ligação.
2.3 Papéis de informação Monitor, disseminador e porta-voz. (MINTZBERG apud
MAXIMIANO, 2005, p.142)
Percebe-se que a figura do gerente ganha uma importância maior pois ele
deixa de ser apenas o responsável pelas ações dos seus subordinados e se envolve
com outras dimensões dentro da organização. Para tanto, Mintzberg estabelece que
o gerente deve ter as habilidades inerentes ao cumprimento desses papéis como a
de relacionamento com colegas, liderança, saber lidar com informações, tomar
decisões em condições de ambigüidade, alocar recursos de forma eficiente e acima
de tudo ter a capacidade de aprender com a própria experiência.
Antes dele, Robert Katz (1955) abordou o tema de habilidades gerenciais,
mas sob o ponto de vista da diferença entre os três níveis hierárquicos. A alta
administração deveria ter o domínio conceitual que permite compreender a
complexidade das organizações e assim conseguir estabelecer estratégias com
criatividade, planejamento e raciocínio abstrato. O nível intermediário, o dos
gerentes, requer a habilidades humanas no sentido de compreender as pessoas,
suas necessidades, interesses e atitudes. Nesse sentido ele compactua com as
idéias de Simon porque ambos entendem que é importante compreender os
subordinados para poder lidar com eles. E por último a supervisão de primeira linha
que exige a técnica funcional para o bom desempenho da função.
56
O conceito da decisão gerencial, implementado por Simon, voltou a ser
abordado por Rosemary Stewart (1982) de uma maneira interessante. Ela
estabelece que o cargo gerencial tem três dimensões: escolhas, exigências e
restrições. As escolhas, ou as decisões, ficam delimitadas pelas duas outras onde
as exigências são estabelecidas pelas normas, as funções que o cargo exige como
atingir padrões, manter contados e cumprir determinações legais. As restrições, do
outro lado, limitando a amplitude das decisões ou escolhas, são fatores externos ou
internos que impõe restrições ao desempenho do cargo como legislação, limitação
de recursos, de instalações e diversas outras fontes.
Tais escolhas ficam no ambiente onde o gerente pode, mas não é obrigado a
realizar. o as atividades, “as tarefas que o gerente decide ignorar ou delegar a
subordinados, as habilidades que ele prefere aprimorar e a ênfase se sua atenção
para determinados aspectos de seu trabalho e da unidade que ele administra”
(STEWART apud MAXIMIANO, 2005, p. 145).
Esse ambiente ou esse espaço onde o gerente pode decidir de acordo com
seus preceitos, seus princípios, onde ele não sofre as influências tanto das
exigências, como das restrições, onde, enfim, ele tem liberdade de decidir, tem o
pleno domínio de seu livre-arbítrio.
Ainda utilizando-se do conceito de controlar seus funcionários, mas não como
atividade fim e sim como atividade meio, Andrew Grove (1983) propõe três idéias
básicas para a administração de alta produtividade. A primeira é voltada para a
produção da organização. Não importa o quê se faça, engloba toda a produção de
bens materiais como a indústria manufatureira e nesse caso o produto é, por
exemplo, um automóvel, como a de serviços que pode ser a formação de um
estudante por meio do resultado da atividade escolar ou mesmo de um paciente
curado, por meio da atividade de um cirurgião. O gerente da brica de automóveis,
o diretor da escola e o cirurgião são gerentes que devem cuidar do seu produto final.
A segunda idéia é de que o trabalho com raríssimas exceções é realizado por
equipes e não por indivíduos. Isso é tão fundamental que o autor define como a
frase isolada mais importante do seu livro como: “A produção de um administrador é
57
a produção das unidades organizacionais que se encontram sob a sua supervisão e
sua influência” (GROVE, 1983, p.12). Com isso o gerente consegue formatar o que
ele chamou de “alavanca empresarial” que mede o impacto resultante de suas
atividades no aumento de desempenho de suas equipes. As principais são:
treinamento e motivação.
O corolário das duas primeiras conduz à terceira idéia representada pelo
papel do gerente no processo produtivo. Ele não acha que o produto do gerente são
atividades como dirigir, alocar recursos, treinar, planejar e negociar, isso são coisas
que os gerentes fazem para atingir seus objetivos. O produto do gerente é o produto
de sua equipe e daquelas que ele, com seu trabalho, consegue influenciar, no
extremo, é o produto da sua organização mais o produto das organizações vizinhas.
Assim, “A definição do gerente deve ser ampliada: são todos os colaboradores
individuais que coletam e disseminam know-how e informações pela organização
porque exercem grande poder dentro dela” (GROVE, 1983, p.56).
Outra classificação das atividades dos gerentes foi conduzida por Fred
Luthans (1988):
Funções gerenciais: tomar decisões, planejar e controlar.
Comunicação: trocar e processar informações e documentação.
Administração de recursos humanos: motivar, resolver conflitos,
colocar pessoal e treinar.
Relacionamento (networking): manter relações sociais, fazer política,
interagir com as pessoas de fora da organização. (LUTHANS apud
MAXIMIANO, 2005, p. 146)
As atividades listadas têm muito pontos em comum com a classificação de
Mintzberg. A inovação de Luthans ficou por conta dos conceitos de gerente de
sucesso e gerente eficaz. O primeiro, segundo suas pesquisas, com ascensão de
careira mais rápida, tem foco concentrado nas atividades de networking e
comunicação, enquanto o segundo tem foco na comunicação e em recursos
humanos.
58
Contrastando com os trabalhos anteriores, Peter Drucker elaborou pesquisas
muito interessantes a respeito das atividades e funções gerenciais. De fato ele
iniciou esse processo no longínquo ano de 1967 no livro O Gerente Eficaz, no qual a
definição de gerente passou a comportar um aspecto interessante. o é mais
somente o fato de ter subordinados que define a situação gerencial, o enfoque é que
em virtude de sua posição e conhecimento o trabalhador que contribuir efetivamente
para os resultados da organização pode ser considerado um gerente.
Aliás, um capataz, no sentido de apenas supervisionar o trabalho de outros,
mas que não tem a responsabilidade sobre a direção, qualidade e método de
execução, não merece a qualificação de gerente. No limite, “o trabalho esclarecido
não é definido pela quantidade, nem por seu custo, é definido pelos resultados. E,
para isso, o tamanho do grupo e a amplitude do trabalho administrativo não são nem
sintomas” (DRUCKER, 1976, p. 15)
Mais recentemente o autor reforçou o conceito do novo comportamento
gerencial. As definições de quem é o gerente foram mudando ao longo do tempo:
Até a década de 40: “alguém que é responsável pelo trabalho dos
subordinados”.
Na década de 50: “alguém que é responsável pelo desempenho das
pessoas”.
Na passagem do século: “alguém que é responsável pela aplicação e pelo
desempenho do conhecimento”. (DRUCKER, 1999, p.28)
A atividade gerencial foi de suma importância para a recuperação do Japão e
da Coréia após a Segunda Guerra Mundial e Guerra da Coréia respectivamente.
Sem ela talvez o processo fosse muito mais demorado. A função de fato mudou
desde a década de 50 e Drucker explica essa transformação pela introdução uma
nova dimensão para a análise das atividades gerenciais: o conhecimento. “O que
distingue o trabalho do administrador é a responsabilidade da contribuição para o
desempenho da organização” (DRUCKER apud NOGUEIRA, 2007, p.89).
59
A função do gerente inicialmente era de agir equilibradamente de acordo com
as necessidades de todos os interessados nos produtos e funcionamento da
empresa. Eles eram os acionistas, os empregados, os fornecedores, a comunidade
local, enfim os stakeholders. Contudo, na década de 70 e 80, na época da economia
de bolha, a premência pelo lucro fez o foco mudar para aquisições hostis e compras
alavancadas onde a base era maximizar o valor para o acionista.
Essa atitude diminui a capacidade de geração de riqueza empresarial no
longo prazo e hoje se sabe que o equilíbrio e integração nas metas em diferentes
áreas estratégicas compõe um receituário melhor para resultados perenes. Assim,
na virada do século, volta o gerente a ter uma função de se adequar às novas
exigências do mercado, ou seja, preservar a competitividade organizacional visando
sua longevidade.
Essa mudança de foco também foi devida pelo surgimento de novos “donos”
das ações: os fundos de pensão. Eles têm características diversas daquelas dos
antigos proprietários, uma vez que seus interesses divergem dos acionistas que
queriam maximização de lucros; almejam a segurança de ter seus ganhos futuros
garantidos na época da aposentadoria, mas não têm a menor condição de cuidar
desse patrimônio.
Nessa situação que a função gerencial muda dentro da dimensão de “a quem
prestar contas?”. Inicialmente era aos donos do negócio, passou para os executivos
contratados pelos donos e agora é para as empresas de auditoria empresarial, que
são responsáveis acima de tudo para impedir os saques fraudulentos. Essa
transformação acarretou uma mudança nas atividades gerenciais pois a auditoria
dará à gerência uma autonomia de que ela necessita para ter um bom desempenho,
cobrará por essa responsabilidade e colocará a gerência sob a disciplina de
requisitos de desempenho públicos e conhecidos” (DRUCKER, 1999, p. 67).
O outro ponto importante analisado por Drucker foi a transformação da
concepção da função gerencial em três fases. A primeira, antes da década de 70, o
gerente tradicional transmitia ordens para baixo e informações para cima. A partir do
momento em que a informação se torna mais disponível com o advento da
60
informática computadorizada essa função torna-se supérflua. Assim o processo
gerencial passa da atividade única de comando para a de gerenciar informações, a
segunda fase.
A terceira fase é materializada pela transformação da maneira de se encarar
o conhecimento. Antigamente o conhecimento era artesanal e era passado pelo
mestre ao pupilo de forma tácita e demorada. Atualmente exige-se um conhecimento
em determinada disciplina com profundos sustentáculos metodológicos como a
engenharia, a medicina, o direito, caracterizando-se deste modo, uma era de
“conhecimentos”. Essa era criou uma nova sociedade que “precisa ser estruturada
com base em conhecimentos especializados e em pessoas especialistas (...) e isso
poder a elas sugerindo novas concepções de valores, visões, crenças de todas
as coisas que mantém unida a sociedade e dão significado à nossas vidas.”
(DRUCKER, 1999, p.30).
O gerente, então, segunda essa visão, passa a ter um novo modelo de vida
pela transformação da própria sociedade. Eles passam a formar o que foi conhecido
como a nova classe média. Esse termo foi idealizado por Charles W. Mills e
representa uma classe que abrange desde o pessoal dos serviços técnicos até os
cargos de diretoria. Mas o ponto importante é que o nível gerencial está, por assim
dizer, a procura de “maximizar a renda, possibilitando satisfazer as necessidades de
consumo; exercer o poder, compensando a falta da propriedade privada e firmar
status, decorrente das relações sociais de sua posição no trabalho” (MILLS apud
NOGUEIRA, 2007, p. 86). Essa posição pode ser alcançada quando o indivíduo
possui escolaridade técnica ou superior.
Esse conhecimento especializado é refletido na mudança da ascensão da
carreira do gerente. Ele não é mais aquele que exerceu as funções e depois, mais
experiente, passou a comandar. Ele passou por cursos de pós-graduação, fez um
estágio na função, mas não foi torneiro mecânico nem sujou as mãos de graxa. O
conhecimento é apartado da função. Drucker fornece os exemplos do maestro que
não sabe como o oboé funciona, mas sabe como ele deve contribuir, da mesma
forma o cirurgião em relação ao anestesista.
61
Nesse ponto a terceira fase se caracteriza pela responsabilidade de cada um
no processo produtivo. Nesse ponto se assemelha com a visão de processo
produtivo de Grove, mencionado anteriormente. O anestesista precisa se preocupar
em aprimorar seu trabalho para melhorar o processo como um todo. “Mesmo as
organizações que, à primeira vista, executam trabalho pouco ou nada especializado
precisam ser reestruturadas como organizações baseadas em responsabilidade”
(DRUCKER, 1999, p. 98).
O reflexo na função do gerente é imediato. Ele deve ser especialista, mas não
pode perder a visão global do processo e nem deve permitir que isso aconteça com
seus subordinados. Ele deve ser responsável, mas deve também incutir tal atitude
nos demais funcionários.
Então, quem é essa figura que desperta tanto interesse no meio acadêmico e
no ambiente corporativo? Analisando as perspectivas dos autores investigados,
percebem-se algumas dimensões que procuram traçar o perfil do gerente. Elas às
vezes são antagônicas, mas existem certas similaridades em outros casos.
Weber e Fayol concordam que a posição gerencial deve comandar os
subordinados, fazer-se obedecer e a figura do gerente deve ser respeitada pois caso
contrário a função tem o poder de aplicar sanções corretivas. Nesse contexto o
gerente é o agente aplicador dos mecanismos do poder disciplinar aludido por
Foucault, como será visto no capítulo seguinte.
Barnard e Katz não retiram dos gerentes a função de comando, mas
expressam que para serem efetivos eles devem levar em consideração os objetivos
pessoais dos subordinados e para tanto devem possuir habilidades humanas para
melhor compreender o processo de gestão. Simon, por sua vez, apresenta a
necessidade do novo gerente, em função das novas demandas organizacionais, ter
mais habilidades, principalmente as de julgamento, intuição e criatividade.
Mintzberg e Luthans aprofundam a questão das habilidades gerenciais com
mais detalhes. Eles definem uma série delas que impõe ao perfil gerencial
determinadas competências, como lidar com conflitos e distúrbios, estabelecer
62
relações sociais, negociar e fazer política, que não podem ser adquiridas pelo
treinamento, aperfeiçoadas talvez. Nesse caso admitir-se-ia que o processo de
seleção incluísse a perspectiva de traços da pessoa que fazem parte da
subjetividade de cada um.
As perspectivas de Drucker e Grove têm o ponto em comum ao
responsabilizar os funcionários, principalmente o gerente, pelo processo
organizacional como um todo, pelo menos àqueles que são afetados pelas suas
próprias atividades. Em resumo, o gerente tem que ser responsável (Drucker) pelo
seu produto final (Grove).
A contribuição de Stewart é diferenciada dos demais, pois ela não enfoca o
conteúdo dos cargos gerenciais. Ela tenta explicar como analisá-los em suas
diferenças, por meio das três dimensões - escolhas, exigências e restrições e
assim, conforme as imposições das duas últimas nasce um espaço de liberdade
para o gerente decidir de acordo com suas próprias convicções.
Todas essas definições e funções gerenciais tentam estabelecer e situar o
gerente dentro da estrutura organizacional que foi mudando ao logo do tempo. As
empresas passaram por períodos e demandas diferenciadas e para cada uma delas
o reflexo é imediato na figura do gerente. Ele ora atua como agente aplicador das
ordens superiores para se atingir objetivos estratégicos, ora atua no plano tático
gerenciando sua equipe e deve, eventualmente, realizar tarefas de cunho
operacional.
Por que eles fazem esse trabalho? A explicação corrente mais comum é em
função de um salário, de uma posição de poder, mas também, conforme concordam
Weber, Mills e Nogueira (p.90) para estabelecer um status social em função do
cargo gerencial.
Nenhuma das definições ou lista de funções pode ser considerada como a
imagem perfeita do perfil gerencial, mas elas colaboram no sentido de tentar
identificar aspectos importantes para uma análise, para um estudo. O que pode
resumidamente ser dito “(...) é fundamental, para os gerentes, que eles conheçam
63
aspectos da área técnica, tenha bom relacionamento com as pessoas e domine o
conceito geral e estratégico da organização” (NOGUEIRA, 2007, p. 91).
Essas abordagens, portanto, contribuem para que o papel do gerencial fique
mais claro para que se possa, assim, estruturar a pesquisa de forma a identificar o
modo de agir do gerente intermediário, como ele forma seu discurso, o que esses
discursos escondem, quais as dimensões além das normas organizacionais que
influenciam suas decisões.
CAPÍTULO 3
O CRÉDITO IMOBILIÁRIO NO BRASIL
No momento em que todas as atenções estão voltadas para a abertura de
uma fase de crescimento sustentado, faz-se necessária a expansão de todas as
formas de financiamento de longo prazo. Quando comparado a outros países, o
investimento habitacional por habitante no Brasil é muito exíguo, como será visto a
seguir. O crédito imobiliário tem a importante função de dinamizar mercados
financeiros e estabelecer uma política social de habitação continuada, de alavanca
ao crescimento, da formação de capital habitacional e do desenvolvimento sócio-
econômico.
A partir da década de 30, com a intensificação da industrialização e
urbanização, o Estado brasileiro passou a intervir diretamente na construção dos
primeiros conjuntos habitacionais. No início da década de 50 as necessidades
habitacionais eram estimadas em 3,6 milhões de moradias. Em 1964, foi criado o
Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que permanece até os dias atuais como
pilar do crédito imobiliário. A captação de fundos deu-se a partir das cadernetas de
poupança e do FGTS. Esse sistema gerou enorme volume de fundos para o
financiamento habitacional, passando de oito mil unidades por ano em 1964 para
627 mil em 1980. Nos meados dos anos 80, acontece uma reversão da trajetória de
expansão do crédito habitacional (FGV,2007).
O presidente da ABECIP, Luiz Antonio França e o presidente da Câmara
Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Sáfady Simão, apontam como
falhas do SFH a taxa de juros fixa, a falta de comunicação entre o SFH e os demais
segmentos do mercado, a instabilidade do sistema e seu caráter pró-cíclico.
A crise econômica ocorrida entre 1980 e 1990 no Brasil, o arrocho salarial, a
queda do poder aquisitivo e a elevação das taxas de juros e inflação ocasionaram
elevada inadimplência no SFH. As sucessivas alterações nas regras de correção dos
termos contratuais e a ação do judiciário no sentido de proteger os mutuários
65
acabaram introduzindo limitações no funcionamento do mercado, gerando restrição
de crédito. A crise no SFH foi um dos fatores responsáveis pela perda de dinamismo
da economia brasileira.
A criação em 1997 do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) foi a
principal medida para contornar essa crise. Seus principais fundamentos são a
securitização (terminologia do mercado imobiliário com o objetivo de gerar títulos
para o mercado secundário) dos créditos e a maior segurança jurídica dos contratos.
Apesar do Brasil ainda estar longe de apresentar um sistema de
financiamento habitacional à altura de seus grandes desafios, houve um aumento
expressivo na oferta de crédito imobiliário. Porém, pesquisas, conforme destacou o
analista da Moody's
Investors Service, Soummo Mukherjee, (Revista Valor
Econômico, 04. mar. 08) que a carência de moradias é uma das questões sociais
mais graves e não evoluiu na mesma direção da oferta de crédito.
A experiência internacional demonstra que o êxito das políticas de
financiamento habitacional esteve vinculado ao fortalecimento das instituições,
conjugado a avanços na estabilidade macroeconômica. Desse exemplo de
crescimento recente é possível perceber a importância da estabilidade com a renda
em elevação. (FGV, 2007)
As necessidades habitacionais no Brasil e as potencialidades de crescimento
do crédito imobiliário justificam o esforço de pensar em diretrizes gerais para seu
aperfeiçoamento. Se não for pela perspectiva humanitária que seja pela estrutura
dos países mais avançados que possuem um volume muito maior de investimento
nesse setor do que o Brasil. (figura 1)
Um conjunto de propostas que permita ao crédito imobiliário reassumir seu
papel de alavanca de crescimento e formação de capital deve considerar uma série
de condições de viabilidade, entre elas:
66
criar um ambiente propício para a discussão de propostas e implantação
de reformas entre o poder público, instituições financeiras, órgãos normativos,
etc.
promover esforços de coordenação institucional entre os poderes
Executivo e Judiciário.
estabelecer uma política de habitação para baixa renda.
ampliar a atividade das operações vinculadas de crédito imobiliário a
investidores nacionais e estrangeiros.
O financiamento imobiliário é uma atividade de longo prazo, impulsionada
pelas seguintes variáveis: juros e renda. Juros porque o setor de crédito imobiliário
dentro de uma instituição financeira, limitado que está pela imposição do Banco
Central de operar com limite máximo de 12% ao ano, não pode competir com
valores elevados da SELIC. E renda porque esse é o componente primeiro da
análise de crédito para um financiamento de longo prazo. Quanto maior for a
distribuição renda da população, maior será a demanda por novas linhas de crédito
em cada uma das faixas segmentadas por valor.
Assim, um quadro econômico estável é condição necessária para as tomadas
de decisões tanto dos tomadores de crédito quanto dos intermediários financeiros. O
processo de construção de uma estabilidade monetária e macroeconômica
sustentável abriu espaço para uma queda mais acentuada da taxa de juros. Além
disso, é crucial a manutenção de um arcabouço jurídico institucional que garanta um
ambiente seguro para a realização dos contratos, pois o setor do crédito tem
dificuldades jurídicas ao retomar o imóvel dado em garantia no caso de
inadimplência.
Os pontos descritos abaixo são propostas para a construção de um modelo
no qual as duas vertentes de crédito seriam contempladas: uma voltada para os
grupos com renda inferior e outra vinculada às operações de mercado.
medidas voltadas à habitação social: além da concessão direta de
recursos por parte do poder público, certas parcelas do crédito poderiam ser
67
atendidas com recursos originados no Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SPBE);
medidas fiscais: várias medidas de redução direta de impostos sobre
as atividades do crédito imobiliário podem ser adotadas para uma retomada
da formação de capital habitacional em níveis elevados;
medidas referentes ao mercado de crédito imobiliário: à parte das
iniciativas para a desregulamentação e flexibilização do mercado, é
importante ampliar as modalidades de financiamento direto à produção e
incorporação imobiliária;
medidas de estímulo às operações nos mercados hipotecários: os
mercados hipotecários apresentam notável potencial de desenvolvimento e
podem ser o canal para a atração de capitais de diferentes origens.
Essas medidas visam a alterar a face do crédito imobiliário no país, pois este
recebe um tratamento distinto do que ocorre em outros países. No Brasil ainda
pouca representatividade relativamente ao Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 2%,
enquanto em outros países esse volume chega a estonteantes 86% como é o caso
do Reino Unido. Como pode ser visto na figura 1 (percentual), o volume de crédito
imobiliário coloca nosso país dentre os de menor investimento nesse setor.
Diretoria de Crédito Imobiliário
Percentual de financiamento no PIB
Source: Central Bank Data, Merrill Lynch estimates
Note: Most data end-2005, some end 2004
86%
66%
50%
40%
33%
22%
10%
6%
5%
5%
3%
3%
1%
1%
0%
0%
15%
11%
2%
35%
30%
15%
13%
9%
5%
5%
2%
2%
2%
Reino Unido
EUA
Alemanha
Japão
Àfricado Sul
Israel
Hungria
Rep. Tcheca
Bulgária
Polônia
Cazaquistão
Ucrânia
Romênia
Turquia
Egito
Rússia
Chile
México
Argentina
Brasil
Combia
Taiwan
Malásia
Tailândia
Coréia do Sul
China
Índia
Filipinas
Indonésia
BRASIL
Figura 1 – (Palestra de José Roberto Mendonça de Barros no Banco Itaú, abr.2008)
68
A análise da figura permite pensar em uma relação positiva entre o grau de
desenvolvimento do país e o volume de crédito disponível. Mesmo assim, apesar
deste país não figurar entre os mais desenvolvidos, dados mais recentes apontam
para uma revitalização não do crescimento vegetativo do setor como o
aparelhamento para uma arrancada fenomenal em termos de uma completa
reestruturação da área.
Como pode ser visto na figura 2 (4 períodos), o volume de unidades
residenciais financiadas está, pela primeira vez, atingindo o recorde histórico de
1980, cerca de 600 mil unidades e o BNDES faz projeções otimistas com relação ao
crescimento da participação da área dentro do PIB nacional, vide figura 3
(estimativa).
Diretoria de Crédito Imobiliário
Financiamento de Imóveis no Brasil – 4 Períodos
Número de Financiamentos (em milhares de unidades)
Source: Banco Central, ABECIP e CAIXA.
2007E
84
59
77
97
60
65
109
58
58
109
261
267
259
45
43
35
62
132
182
68
75
41
65
54
61
47
38
35
39
35
36
36
29
36
54
61
114
230
157
118
124
158
96
142
274
268
338
383
627
465
541
77
86
60
107
231
280
100
241
401
109
58
61
63
68
206
163
135
197
284
241
248
320
399
522
597
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
Funding: Poupança Funding: FGTS
• Forte crescimento econômico
• Criação do BNH ( Banco Nacional da
habitação) em 1966
• Hiper inflação
• Alta Inadimplência
• Fraca estrutura reguladora para
financimento
• Descasamento de Taxas
• Fim do BNH em 1986
• Alta taxa de juros
• Melhoria da estrutura
judiciária
I – MILAGRE BRASILEIRO
II – CRISE III – PLANO REAL
• Estabilidade
Macroeconômica
• Queda da taxa de juros
IV– CRESCIMENTO
Figura 2 (Palestra de José Roberto Mendonça de Barros no Banco Itaú, abr.2008)
69
Diretoria de Crédito Imobiliário
Habitação Instria PF Rural Demais
Seqüência6
1,6 1,7
2,3
3,6
5,2
7,4
10,0
7
7
8
8
11
12
13
15
3
3
4
4
9
9
10
10
32,4
33,2
36,7
40,7
Jun/2007 Dez/2007 Dez/2008 Dez/2009 Dez/2010* Dez/2011* Dez/2012*
Total Crédito Brasil em % do PIB - Estimativa BNDES
Modelo de Regressão considera as seguintes variáveis: PIB; inflação; Selic e renda
4,8 6,0 7,5
V1
V2
(*) Estimativa Crédito Imobiliário Itaú Estimativa Consultoria Econômica = 11,5% em 2011
Figura 3 (Palestra de José Roberto Mendonça de Barros no Banco Itaú, abr.2008)
A imprensa especializada e agências internacionais traçam cenários
otimistas como destacou o analista da Moody's, Soummo Mukherjee: "A
combinação de mudanças estruturais, demografia favorável e demanda reprimida
prenunciam uma boa atividade para a indústria de construção nos próximos anos",
segundo Juliana Cardoso, do Valor On-line, publicado no Valor Econômico de 04 de
março de 2008.
A Tarde On-line, em sua edição de sábado, 08/03 /2008, publicou uma
estimativa de crescimento para este ano de 6%, sendo o segmento imobiliário o
responsável por cerca de 30% do faturamento do setor da construção civil, apontado
como a vedete desse aquecimento. De acordo com o presidente da Câmara
Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Sáfady Simão, os bons ventos
que sopram no setor começaram a ser sentidos a partir de meados de 2004, quando
foi sancionada a Lei Federal 10.931, que estabeleceu regras para os negócios de
incorporação imobiliária. “Essa lei estabeleceu regras claras e transparentes, dando
mais segurança jurídica a essas transações”, avaliou Simão.
70
Somando-se ao marco regulatório, outros elementos ingressaram fortemente
nessa equação. Um deles, a disponibilidade de crédito habitacional. Dados
constantes em documento do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP),
mostram que a indústria, entre janeiro e novembro de 2007, foi contemplada com
financiamento, com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
(SBPE), da ordem de R$ 8,3 bilhões. Para a aquisição de imóveis novos ou usados,
a disponibilidade de financiamento alcançou R$ 8 bilhões, no mesmo período.
Outro fator contribuiu para o crescimento do setor que foi a injeção de
recursos a partir da abertura de capital de algumas grandes construtoras brasileiras.
Com esse dinheiro, as empresas passaram a comprar terrenos em todo o Brasil e
assim ganharam fôlego para grandes investimentos. Estima-se que em 2006
empresas do setor tenham captado quase R$ 6 bilhões com a venda de ações. Em
2007, o mesmo processo rendeu mais R$ 13 bilhões.
A velocidade do crescimento de créditos concedidos também foi endossada
por Luiz Antonio França, presidente da Abecip, a entidade que reúne as empresas
ligadas ao setor de empréstimos com recursos da poupança, que estima uma taxa
em torno de 25% ao ano até 2010. Ele argumenta que ainda é pouco perto do
tamanho da nossa economia, conforme publicado na Gazeta Mercantil de 20/12/07,
pág. B1.
Existe o argumento de que dois fatores ainda impedem a maior desenvoltura
desse mercado. O primeiro é o descasamento dos prazos de captação e aplicação,
a poupança tem liquidez mensal e os empréstimos chegam até 30 anos, e o
segundo é o instrumento jurídico entre as partes que desde 1998 foi alterado para
alienação fiduciária ao invés do antigo modelo hipotecário. O mercado reclama por
outras fontes de crédito, como o mercado de capitais e o novo modelo de contrato
que estão em fase de avaliação, que sua instituição teve o intuito de minimizar a
inadimplência.
Talvez uma das maiores provas do interesse nesse mercado de crédito é o
ingresso de bancos que nunca operaram no setor, como o Banco Votorantin, que
71
está finalizando a estruturação de uma área especializada em crédito imobiliário a
construtoras. Fontes do mercado informam que a BV Financeira, seu braço de
varejo, deve entrar em breve no mercado imobiliário para pessoas físicas.
Além deste, o Banco Panamericano, do grupo Silvio Santos, o GE Money,
braço de financiamento ao consumo da General Electric, multinacional de origem
norte-americana que aqui faz financiamentos de automóveis também está se
estruturando para atender a demanda. Nessa esteira, o BNP Paribas, segundo
Bernard Mencier, seu presidente, informa que o banco francês também está
estudando entrar nesse mercado, por meio das suas unidades de crédito ao
consumo Cetelem e Cardif, o BMG, segundo Alaor Rodrigues, vice-presidente
executivo, é outro que confirmou estudos.
Até pesos pesados como o Banco do Brasil que somente operava com a
poupança verde, isto é, crédito para a agricultura se estrutura para atender esse
segmento e o Citibank está de volta ao mercado depois de fechar sua carteira em
2000, segundo Edson Nassar, superintendente executivo de produtos e serviços,
conforme publicado pela Gazeta Mercantil, de 23/02/2007, pág. B1.
O momento que passa esse mercado é nitidamente de crescimento que
aliado à facilidade de relacionamento por trabalhar nesse setor conduziram à
escolha do segmento e do público alvo que será objeto desta pesquisa. O fato de
esse mercado estar em expansão acarreta uma “dança de cadeiras” entre os
funcionários da média gerência e isto vai propiciar a comparação de instituições
diferentes pelo mesmo indivíduo, produzindo, quem sabe, outra perspectiva de
análise.
CAPÍTULO 4
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS ENTREVISTAS
4.1 Nádia
As opiniões encontradas nessa entrevista dão conta de uma atitude pessoal
pautada por um comportamento aprendido no ambiente familiar. uma justificativa
sobre as atitudes da entrevistada em relação às pessoas ao frisar que: “meu pai me
ensinou e dá certo”, o importante é “o jeito como você trata as pessoas”. Ela “sempre
pedia por favor e obrigada”.
Nádia enfatiza a importância da hierarquia e respeita as normas institucionais
caracterizando um estado de obediência, fundamental, segundo Weber (2004b),
para o exercício da dominação, uma das formas de se exercer o poder. Ela afirma:
“não pode passar por cima de ninguém..., não posso fazer nada que fira as normas
do banco, ou fira as pessoas que trabalham comigo..., você precisa respeitar a
hierarquia”. Os motivos podem ser diversos, mas um deles é a ética, pois por
diversas vezes esse fato foi citado como: “tem que ser ético” e, em outro momento,
ela afirma que certas pessoas não têm esse tipo de comportamento ao mencionar:
“porque tem gente que faz troca, que não tem escrúpulos para resolver as coisas” e
quando perguntada “Ferindo normas?” ela respondeu “Sim, não posso citar nomes”
ressaltando seu lado de respeito a uma ética pessoal muito forte.
A entrevistada demonstra ter senso de responsabilidade, pois se coloca como
responsável por uma situação não somente por erro, mas também por omissão. Em
determinado trecho, ao se referir a um contexto onde percebe que existe um erro,
uma falta de ética ou uma atitude que ferir as normas do banco ela afirma
categoricamente: “se você percebe o problema, você é responsável também junto”.
Essa frase a conotação do seu grau de responsabilidade, mas também
demonstra a importância que as normas organizacionais têm para ela.
73
Esse respeito às normas vem de dentro dela, existe, portanto, de alguma
forma, uma tendência a obedecer inerente a ela mesma. Não se pode afirmar o
motivo dessa obediência inata, a não ser talvez pela influência paterna, mas pode-se
dizer que o resultado, sua atitude perante a organização é a mesma que a advinda
da legitimidade da dominação de um contexto hierárquico burocrático preconizado
por Weber.
Esse fato é reforçado por sua atitude racional ao afirmar que na sua mudança
de emprego ao sair do Banco A e ir para o Banco B ela disse a respeito das
diferenças das normas entre um banco e outro: ”Eu tenho que me adaptar. É assim.
Tem que aprender”. Ao ser questionada em qual ambiente ela preferia trabalhar, se
no Banco A onde as normas eram mais informais ou no Banco B com uma estrutura
mais formal ela declarou “lá, no Banco A, é melhor é mais cil, mas aqui você tem
uma segurança maior”, denotando que, no seu entender as normas lhe dão um
sentimento muito forte de segurança.
Ela prefere o Banco B por ser mais organizado, pensando no longo prazo,
não se perde o controle, tem parâmetros, não tem tanta política e isso pode indicar
que quanto maior o rigor normativo menor a necessidade de que as pessoas,tenham
que influenciar os outros por meio de subterfúgios, de artimanhas, sem a
necessidade de se perder tempo com estratégias capciosas. O resultado dessa
questão é segundo suas palavras “uma estrutura mais informal é mais gostosa, mas
é menos eficiente”.
Desde que as normas fossem respeitadas, respeitadas as hierarquias,
respeitada sua ética, a entrevista conseguiu captar qual é o tipo de comportamento
que Nádia prefere que tenham em relação a ela. O tratamento dito “humano”, aquele
entendido como o cuidado com os sentimentos da pessoa, não olhar apenas os
interesses da organização, lhe é fundamental. A atitude do seu superintendente
conseguiu cativar nela um estado de quase devoção. Por diversas vezes isso foi
reforçado como: “eu devo tudo a ele..., extremamente humano” o passagens que
conquistaram Nádia para que ela trabalhasse alegre e de acordo com as
necessidades do seu superior. O lado oposto dessa história segundo seu
depoimento é “no mundo corporativo as pessoas se esquecem que você o é
74
máquina”, “você é um cargo” revelando a necessidade de um comportamento mais
“humano” demandado por ela. Nesse sentido ela aprovou quando o presidente do
banco mandou “as pessoas pararem de chamar o diretor de doutor”.
Essa é uma das formas, ou das ferramentas utilizadas por um indivíduo,
consciente ou inconscientemente, para que alguém possa “agir sobre a ação dos
outros” fora das normas, fora do explicitado pelos parâmetros organizacionais
preconizado por Foucault. Ela indica a metodologia desse ferramental ao revelar que
seu superintendente dizia: “vamos resolver isso agora” com a conotação de lhe dar
atenção imediata, sem postergações. Ela afirma que “ele sempre foi muito de me
apoiar, primeiro de me ensinar, depois quando ele viu que eu tava caminhando
sozinha, de ficar delegando coisas para mim”.
Essa atitude de seu chefe funcionou para ela e o mesmo comportamento ela
teria com seus subordinados. Ela iria “identificar o potencial de cada um e extrair
isso da pessoa” da mesma forma que seu superior agiu. Ela considera que “os
líderes são bons porque conseguem cativar” e no limite, identificando talvez numa
resposta o “fio de Servan” instalado nas “fibras moles do cérebro” quando indagada
o porquê que as pessoas fazem aquilo que lhe é solicitado ela declarou: “fazem
porque elas tomam a decisão de bom gosto”.
O motivo que o seu chefe lhe tratava bem, segundo seu depoimento, era
porque “ele reconhecia muito meu esforço, meu comprometimento, acho que é por
isso que ele cuidava de mim dessa forma”. O real motivo não é importante para esse
trabalho. Não importa que o chefe tenha essa atitude intencionalmente ou não. O
fato fundamental é que existe uma relação entre superior e subordinada operando
fora das normas institucionais e principalmente que essa relação determinava o
comportamento extremamente obediente e sincero da subordinada. Ela executava
as ordens do seu chefe com muita satisfação por causa do comportamento dele.
75
4.2 Oliveira
Oliveira é um homem na casa dos cinqüenta anos e trabalho no Banco B
mais de 28 anos. Essa característica tem uma influência em seu comportamento e
naquilo que ele espera da organização em que trabalha. Ele tem objeções a respeito
de certas normas internas, mas em geral não somente as aceita com também
defende o status quo normativo do seu ambiente profissional e declara: “aqui é
gostoso trabalhar”.
Para que a pessoa possa gostar do ambiente em que trabalha, ele considera
fundamental conhecer quais são as regras de comportamento, segundo ele, “tem
que saber como funciona..., isso é importantíssimo”. Reforçando essa linha de
pensamento, ao ser questionado por um funcionário da possibilidade de trocar de
emprego ele sugeriu ao mesmo: “olhe os benefícios daqui e veja, você vai ganhar
mais, você não sabe as pessoas que vai encontrar, o ambiente de lá...”.
Ao ser indagado o quê ele espera do banco, a resposta foi pragmática: “...que
ele exista por muito mais tempo pois eu tenho uma previdência privada que vai
ajudar na minha aposentadoria”. Ele faz uma associação interessante, pois coloca
como um dos fatores responsáveis pelo sucesso do banco a existência de normas.
Normas acima de tudo porque a organização deu certo agindo assim e assim deve
permanecer. Por diversas vezes suas respostas sustentavam essa idéia:
“A flexibilização que nós temos é muito pequena frente ao que eu acho que
nós deveríamos ter. Mas é uma postura da empresa, uma decisão da empresa, você
não pode discutir. Você pode sugerir, mas se o retorno não vem você tem que
continuar do jeito que está. Você tem que saber acatar isso.”
A flexibilização a que ele se refere é relativa a alguns parâmetros técnicos de
análise de crédito sempre dando importância para a segurança representada pela
liquidez. O mais importante para o banco é a liquidez e não a garantia oferecida pelo
tomador de empréstimo. Como esses parâmetros normativos conduziram o banco
ao sucesso de lucro e crescimento ele os defende até como meio de manter sua
sobrevivência futura.
76
um estilo racional de comportamento, aceitando as normas, é da
metodologia burocrática de Weber que faz a razão operar de fora para dentro,
modificando as normas e o contexto para com eles modificar as pessoas sob seu
comando. Quando questionado a respeito se tinha flexibilidade em outras áreas a
resposta indicou uma adaptação à cultura do banco: “A gente tem flexibilidade para
almoçar entre meio-dia e duas horas” e isso é o suficiente para ele, está
perfeitamente adaptado à cultura do banco e talvez por isso esteja lá há 28 anos.
O segundo ponto levantado nesta pesquisa relacionado aos preceitos de
Weber é a hierarquia burocrática. Oliveira prefere estrutura hierárquica normatizada
de uma grande organização a um emprego anterior numa pequena empresa onde o
dono era mais acessível do que o presidente do banco. Ele respeita a hierarquia
independentemente da qualidade do líder. Ao ser perguntado a respeito se as
pessoas obedecem ao chefe porque ele é um bom líder, ou se as pessoas
obedecem por que é de bom alvitre obedecer, a resposta foi:
“Não eu acho que é uma questão que aquela pessoa passou a ser o
seu líder naquele momento. O seu chefe. Fale para ele o que deve falar,
mas com respeito. Você pode discordar dele, mas fará o que ele está
pedindo. Você pelo menos colocou a sua opinião”.
A postura denota uma atitude de respeito às normas e à hierarquia como uma
constante em seu comportamento no ambiente profissional. Não era objetivo dessa
pesquisa identificar os motivos para tal conduta seja por ter aderido de bom grado,
seja por estar próximo da aposentadoria, enfim uma série de outros motivos, mas o
resultado do seu comportamento é que ele pode fazer parte sim de pessoas dentro
da instituição que têm um procedimento de energia física e psíquica canalizados em
prol dos objetivos da organização, exatamente como definido por Weber. Um dos
exemplos de que ele aceita os limites das normas foi quando afirmou que: “...o prazo
de 2 meses que a comissão definiu foi em função do volume de processos que tem
em análise e isto é perfeitamente plausível”.
A metodologia para a implementação e manutenção dessa cultura
empresarial, segundo Weber, é o treinamento. Uma das respostas a respeito de o
que faz isso funcionar, Oliveira declarou: “Aqui temos um projeto chamado Modo
77
Banco B de Fazer: Cultura e Performance, todas as áreas passam por isso”. O
treinamento inicia no momento em que novo funcionário entra no banco. Em suas
palavras:
“Sim, eu acho que cada empresa tem sua cultura e dentro da cultura
suas regras. E as regras estão aí para você cumprir. Se você não cumprir,
é carta fora do baralho. As regras têm que ser bem ditas na hora de
contratar alguém, porque não tem o olho do dono, mas você faz o papel
dele, você está contratando alguém e eu tenho que assumir e passar isso
para o funcionário para ele saber que isso aqui não é a casa da Maria
Joana”.
Oliveira assume o papel do dono do banco e se sente confortável em
controlar seus funcionários de acordo com as regras vigentes. Ele reconhece que
precisaria promover mais reuniões com seus subordinados para “estar por dentro”
daquilo que eles estão fazendo e devido ao acúmulo de trabalho isso não é possível,
mas as normas colaboram com ele nesse sentido quando exigem relatórios dos
funcionários acerca de suas visitas aos clientes. Ao ser perguntado acerca da
liberdade dos subordinados ele disse: “Liberdade total para agenda deles, marcar
passagem ida e volta, vai para as visitas, depois precisa prestar as devidas contas...,
dá para ver no relatório o que aconteceu”.
O treinamento aparece em outro momento quando ele não tenta influenciar
seus funcionários, ele apenas os orienta:
“...para você atender o cliente, você tem que estar, não como um lorde
no estilo, mas apresentável, barbeado, a aparência tem que ser tratada,
você tem que ter conhecimento daquilo que você está vendendo...”
Isto denota uma postura racional e prática. É importante para ele passar a
cultura empresarial para que cada um saiba como a máquina funciona. Na questão:
A tua vontade basta para que os funcionários realizem aquilo que precisa ser
feito?
Oliveira: Não chamaria de vontade, mas de necessidade de cada um. Cada um tem
que se virar. Precisa de ajuda? Ajudo. Encontrou uma dificuldade? Vamos tentar
resolver.
78
Esse comportamento demonstra uma necessidade de intensificar e viver
pelas normas eliminando ou pelo menos mitigando o lado “humano” que apareceu
nas outras entrevistas. Ele admite que lidar com pessoas é diferente. “na prática a
teoria é outra, sabe por quê? Porque você tem pela frente pessoas”. Como ele
trabalha muito tempo no banco, seu conhecimento a respeito das regras e das
pessoas é bem amplo. “Agora, nós que aqui estamos de longa data, então você
conhece quem são, sabe quem é o Zangado, todos os anões da Branca de Neve
e dar o nome para cada um.”
Quando perguntado a respeito de como se deve tratar as pessoas surgiu nas
respostas um aspecto voltado para as pessoas. “Relacionamento? É um dos mais
importantes componentes na vida profissional. E se você não tiver uma boa
interação com os responsáveis dessas áreas, o contrato não sai.
Pelas respostas às questões subseqüentes relativas ao comportamento
correto dos funcionários dentro do banco ficou claro que o sistema irá repudiar quem
não tiver uma atitude adequada. Existe uma reprovação surda que percorre os
corredores impelindo o indesejável para fora. Nas suas palavras:
“Elas mesmas passam a perceber que não são bem-vindas. E isso
ocorre de uma maneira muito maior do que voimagina. Você vai ficar
marcado não naquela área, mas em todas as áreas. O relacionamento
numa grande instituição é um grande diferencial para as pessoas que
ficam um determinado tempo nessa empresa. As pessoas que não se
integram, interagem, elas caem fora, elas são cartas fora do baralho”.
O comportamento desejado pelo sistema que funciona atualmente no banco é
o comportamento ético. A ação individual está pautada, limitada, vigiada por todos e
advém de um apelo ético impondo uma disciplina racional que potencializa os efeitos
da estrutura estamental, exatamente como foi reconhecido por Weber. Este fato é
claramente verificado ao se analisar sua resposta.
“O banco preza muito, mas muito pela ética. Acontece com um ou
outro. Aquela pessoa que para se sobressair, poder cumprir sua meta, ela
age de uma forma, não digo ética, mas ele age de uma forma que procura
levar vantagem do outro e com isso ele vai jogar pontos, essa pessoa é
79
olhada com outros olhos. E se o cara não perceber numa conversa de
corredor... Nós tivemos caso aqui. O cara saiu”.
O resultado dessa pesquisa não pode afirmar se houve intencionalidade dos
gestores deste banco em criar uma atmosfera onde claramente a ética do indivíduo
é posta a prova todos os dias no relacionamento com o banco e com os colegas.
Este é um exemplo de um final de processo de rotinização onde a “disciplina
racional”, preconizada por Weber, impôs uma superioridade firme sobre os
subordinados estabelecendo uma obediência quase cega aos preceitos da
organização. Mais uma vez, a ação individual está bloqueada por apelos e motivos
de caráter ético no sentido de dever e consciência estabelecendo um
comportamento adequado para toda a estrutura da empresa.
Os dois últimos pontos da entrevista que podem ser interpretados pela teoria
de Weber é a respeito da legitimidade do carisma e da ação paternal ou patriarcal.
Mesmo dentro de um clima organizacional que está totalmente pautado, segundo
ele, pela obediência às regras, caracterizando um ambiente tipicamente burocrático
existe lugar para o carisma. Ao ser questionado: Tem espaço aqui para alguém com
um carisma muito forte? A resposta foi: “Tem espaço e ainda facilita, sobe”.
Por outro lado não se identificou uma ação que possa ser aproximada com a
legitimidade patriarcal. Não houve alusão a este aspecto a não ser pela negativa de
sua existência. Segundo ele: “Não tem paternalismo, ou você faz ou está fora. Se
tiver proteção, todo mundo fica sabendo..., e isso não é bom”.
A entrevista caminhava para uma confirmação dos preceitos de Weber em
todas as direções em que se olhava. No entanto, um olhar mais apurado em
algumas respostas pode-se perceber uma idéia que talvez confirme o “agir sobre a
ação dos outros” de Foucault. Fora das normas, sem estar explícito em qualquer
regra, Oliveira faz alusão a uma ferramenta de comportamento que se utiliza para
convencer os outros. Mais uma vez o motivo não foi pesquisado, mas o resultado é
um comportamento que ele emprega para conseguir que seus contratos passem
pelos diversos comitês dentro do banco. A ferramenta é a empatia. O tempo ensinou
80
e isso funciona com ele. Não está escrito em lugar algum. Fica muito claro em suas
palavras:
“Eu acho que depende muito de empatia..., coloque-se no lugar do
outro..., então você tem que chegar de uma maneira que não pareça um
intruso. É simples, mas na realidade não é simples, nem todo mundo é
assim. pessoas que agem chutando o pau da barraca. Se você faz
isso numa empresa grande, eles vão te comer pelas bordas”.
Outro ponto da teoria de Foucault que pode ser identificado na pesquisa é o
Panóptico de Bentham. Ele desconhece o termo, mas com sua expressão “Isso
mesmo, você está agregando valor para empresa, pensa que ninguém está te
olhando? Alguém te olha”. Segundo ele o mais importante é o cliente. O olhar
hierárquico dentro do Panóptico funciona vigiando as metas de cada um, mas talvez
para ele isso funcionasse melhor de outra forma. A meta não é o mais importante
para Oliveira, o banco “acha” que assim ativa seu funcionário, não, pelo menos não
para Oliveira. O banco poderia cultivar o relacionamento com o cliente e teria
“conquistado” por tabela a adesão da atitude dele. Isso fica claro quando indagado
se ele ao atingir sua meta ele aliviava as pressões sobre os outros departamentos.
“Se você atingiu a meta, você ganha 30%, para você ganhar 100%
você tem que atingir 105%. Mas quem paga o nosso salário é o cliente.
Então não importa que tenha cumprido. Eu vou continuar brigando para
que saia no prazo, aquele processo dele. O cliente..., é muito mais
importante que a meta”.
4.3 César
César é uma pessoa que está na casa dos cinqüenta e trabalha no banco
mais de vinte e cinco anos. Ele tem uma maneira peculiar de conduzir seu trabalho e
a forma como ele lida com as normas indica que a experiência adquirida ao longo
dos anos é fundamental para que seu empenho consiga atingir os objetivos a que se
propõe.
81
Ele explica na entrevista toda a estrutura da sua área composta por um Vice
Presidente, um diretor, dois superintendentes e cinco gerentes comerciais. Os dois
primeiros escalões têm outras atribuições, mas os superintendentes e os gerentes
desta área comercial são específicos para o produto de Crédito Imobiliário.
Abaixo dele não funcionários diretos o que o impõe uma necessidade
muito maior de influenciar do que de exigir ou comandar. Essa situação fica clara em
uma de suas respostas quando argumenta a relação que ele tem com a estrutura
interna do banco:
“Toda essa estrutura está ligada a você e você acompanha essa
estrutura desde o início, desde a prospecção até a liquidação da
operação. Esta estrutura está ligada a você. Mas isto não significa que eu
tenha poderes em relação a eles. Toda essa estrutura nos atende. Alguns
gerentes têm um pouco mais de prestígio que outros.”
Aparentemente existe um componente que ele chamou de “prestígio” que irá
ser investigado ao longo da análise desta entrevista. O processo de aprovação de
um crédito depende muito mais do gerente comercial como ele, do que de das
normas que o integram. As diferenças não estão nas normas, estão nas pessoas.
Para que esse ponto seja apurado, em primeiro lugar a análise se concentrou
nas inúmeras vezes onde ele se referiu às normas. Ele deixa claro ao afirmar que os
outros departamentos têm que seguir as regras:
“Uma vez feita a viabilidade com a nossa interferência comercial a
gente parte para a parte da contratação e também essa nossa
gerência, a parte em que ele pode atuar. O Jurídico e a engenharia, eles
fazem exatamente o que o figurino, a norma manda. Esses
departamentos seguem as normas.”
O entrevistado entende e aceita que esse tipo de procedimento é necessário
e a própria estrutura do banco foi montada dessa forma. Ao ser questionado a
respeito de limites, afirmou: “Limite, na verdade, a gente procura não criar muito
limite. Existem limites que a corporação impõe para você. Quem estabelece esse
limite é a área de crédito que leva até a Matriz para você ter uma idéia”. Mas ele
82
respeita e aceita ao afirmar: “Tem alguns limites que tem que mensurar, é risco, não
vou insistir”.
Apesar de admitir que quando envolve risco de crédito ele não interfere, ou
seja, respeita e admite uma regra explícita, ele entende que as demais imposições
das regras podem e devem ser desconsideradas. Isso fica explícito quando ele
responde:
“Muita experiência e sensibilidade também conta. Tem que ter jogo de
cintura. Se for seguir a regra, o que está no manual, você não tem como
operar. Se for pela norma, o comercial não opera e você sai do mercado
porque perde a competitividade”.
Esse comportamento é típico da simbologia do “contra poder” aludido por
Foucault. Existe a norma que orienta, define, restringe e aoutros departamentos
operam em obediência a ela, mas ele de alguma forma, que é revelada durante a
entrevista, consegue atingir seus objetivos sem se submeter inteiramente às regras.
Essa metodologia é descrita de forma muito clara por uma sistemática
abrangente dentro do sistema: “A gente faz um trabalho de base, começa pelo
analista e depois vai ao gerente”. Ele envolve todas as pessoas que participam do
processo de aprovação de crédito e com isso fortalece o comprometimento delas
para com seus próprios objetivos organizacionais.
Um dos exemplos desse contra poder é a metodologia que ele se utiliza
quando seu superior esconde uma determinada informação. Este fato é típico do
poder burocrático de Weber, pois preservar o segredo é uma das maneiras de
preservar o poder. Ele consegue por outros meios obtê-la apesar de não ficar
confortável nessa relação, principalmente porque sente uma separação entre os
dois.
“Essa distância não é boa, porque algumas coisas que seriam boas
para o seu conhecimento não são passadas. Você fica à margem de um
processo, ele tem a informação e não passa. Essa é a característica do
meu superior, ele é meio centralizador. Ele fala: “Eu confirmo isso a
você no momento que tiver certeza absoluta.” Está rolando algo, mas não
83
tenho como confirmar. Isso é complicado, né, porque você usa de outros
meios para obter a informação”.
A técnica é muito simples, mas demanda que ele tenha uma rede
relacionamento em que confie e onde ele é tido como alguém confiável. São
conversas de bastidor, frases trocadas no corredor da instituição, mas também fora
dela.
“Não no happy-hour, mas no próprio relacionamento dentro do
banco, você cria essa afinidade”.
Não o todos, no entanto que conseguem fazer esse trabalho de base. Para
atingir essa condição são necessários alguns componentes fundamentais como a
experiência, o relacionamento, a confiança e o respeito que o indivíduo consegue
construir ao longo dos anos. Sem eles o gerente não consegue trabalhar e exercer
suas funções, não consegue agir sobre a ação dos outros.
A experiência:
“Essa informação, ele não tem por falta de experiência. Agora a área
jurídica anda na linha. É aí que a gente tem o poder de interferir para
agilizar o processo”.
“Em outros casos, pela nossa experiência, pelo histórico de soluções
que temos, podemos ir direto, porque as pessoas de também tem o
mesmo poder de decisão e criamos um canal de comunicação que agiliza
demais o processo, senão você sobrecarrega demais o teu
superintendente”.
A experiência e o relacionamento:
“Aí entra muito uma questão de relacionamento, nem sempre se
consegue o que se deseja, mas vai muito do conhecimento, da
segurança, da experiência que você transmite para a outra área e justifica
até para os superiores deles lá, essa questão a gente senta, faz uma
reunião, analisa os riscos, argumenta a posição como comercial, como
operação, verificamos que o risco com a concordância do jurídico é
pequena, então não há problema. Agora existe algumas dificuldades,
depende muito do relacionamento.
Não são todos que conseguem construir ma atmosfera nesse sentido:
84
“Se você tem um canal de comunicação muito bom e você faz as
coisas fluírem. Eu particularmente consigo. O pessoal acha ruim de mim:
puxa você consegue tudo lá com os caras, não é?”
A confiança:
“É a confiança e além de perceber que com a experiência que a gente
tem, a pessoa obedece. Crio uma sinergia. A pessoa me acompanha. Ela
fala assim: a pessoa pensa: eu o sigo, porque tenho a ganhar com ele.”
Ao ser indagado: É melhor que o chicote? Ele respondeu: “Eu acho que é
muito melhor”.
O respeito:
“O que a gente mais espera dos funcionários é respeito. Se eu
conseguir o respeito dos funcionários, eu tenho tudo na mão”.
Todos esses componentes colaboram, segundo César, para um processo de
agir sobre a ação dos outros, um dos pontos fundamentais dessa pesquisa. Mas
esta sistemática é exatamente uma das formas que podem ser explicadas pelo
pensamento de Foucault. Existe uma rede flexível e transversal ao estabelecido e
normatizado “que se estende por toda a sociedade, escalões, instituições, classes
sociais”, enfim, onde cada se comunica com os outros por meio de uma relação
de força, conforme discutido em Vigiar e Punir.
O outro ponto da perspectiva de Foucault nesta entrevista é o fato de vigiar e
conseguir que seus funcionários aceitem suas observações porque eles já têm
instalado “nas fibras moles do cérebro o outro lado do fio de tessitura fina”, aludido
por Servan. O trecho encontrado que sustenta essa idéia era uma alusão acerca de
como cativar o funcionário:
E: Até que ponto vai esse paternalismo? Porque o pai afaga, mas às vezes tem que
bater. Como você bate?
C: Eu bato na verdade, normalmente a gente percebe uma conduta, um
direcionamento errado que está dando, então a gente acompanha de perto e
corrige imediatamente. Às vezes a gente é um pouco duro e fala com clareza. Mas a
85
pessoa por ter esse laço de confiança ela aceita isso de uma forma muito forte,
essas observações.
Mesmo depois de construído essa imagem com muito tato, demonstrando sua
experiência no assunto e adquirido respeito das pessoas dentro da organização
quando essa sistemática não funciona, ele se utiliza do que poderia ser
caracterizado como uso da força oral.
Com relação aos seus pares:
“Se há reciprocidade, tudo é duas mãos, se não tem o retorno, você
não muita brecha. Não sou daquelas pessoas que... eu falo na hora,
não deixo guardado. Tem momentos que você tem que dar uma cacetada
para a pessoa enxergar”
Com relação aos seus superiores:
“A mesma coisa. Tem momentos que... uma porrada de vez em
quando é importante para a pessoa ver que está errada. Tem coisas que
a gente quer discutir num tom mais elevado para mostrarmos que não
somos cordeirinhos e aí sobrecarrega e não vai dar para dar conta de
tudo. Você é sozinho”.
Essa rede de relacionamento que ele construiu dentro do banco não
funcionaria se ele fosse pelo chicote como afirmou acima. “Porque na verdade você
não pode chegar impondo..., essa postura você tem uma negativa. eles falam
se é assim, meu amigo, cumpra o que está na norma e pronto”.
Ele acredita que esse processo de experiência e respeito numa ação
recorrente entre os dois, alimentando-se mutuamente, funciona tanto para seus
pares e possíveis subalternos de outras áreas como para seus superiores. Quando
indagado a respeito do porquê as pessoas respeitam os superintendentes ele disse:
“Todos nós, inclusive eu, porque os superintendentes m experiência,
ele é cnico, e aquilo que a gente faz com produto, exige muito
conhecimento técnico. Ele nos ajuda muito, devido pela experiência que
tem. Passou por aquilo ali, ele sabe o caminho e decide. É uma ação
positiva para nós. Então por isso nós obedecemos pela bagagem dele. Eu
acredito muito que ele tem que ter esse conhecimento senão ele não
consegue tomar decisões”.
86
Complementou argumentando que é uma condição necessária, mas não é
suficiente para ser um bom chefe, para poder agir sobre a ação dos outros. É
preciso ter todas as outras condições que já foram reveladas na entrevista.
Talvez para ele uma das mais importantes condições seja a forma dele lidar
com as pessoas. Um fato elucida muito bem essa situação. Nádia, entrevistada pela
pesquisa deste trabalho, era gerente jr. do Banco A até o início de 2008, e portanto
par do César, tendo ido para o Banco B cerca de 3 meses. A entrevista revela o
cuidado com que César teve com ela no sentido de ensiná-la, ampará-la no início de
sua carreira dentro do Banco A. Nádia revela em sua entrevista que a única
insatisfação foi perder o amigo, colega e pai César. Ele mesmo declara o modo
carinhoso que despende não somente com Nádia, mas com todos:
“Ela aficou triste por ter saído. O fato de a gente ter dado toda
uma orientação, um direcionamento, ensinado realmente como fazer,
como um pai ensinaria o filho, talvez foi o que a cativou, que a fez ter
tanta consideração pela gente. Mas isso eu não fiz com ela não. Faço
em geral com todos”.
Essa forma de cativar o funcionário, na realidade “com todos” em suas
próprias palavras tem uma origem religiosa.
“Sim, o budismo pensa muito no bem-estar de todas as pessoas,
porque através desse bem-estar, é proporcionada, através desse
direcionamento, você consegue o seu próprio bem-estar, você não
consegue atingir a sua felicidade sem proporcionar o bem-estar das
outras pessoas”.
Talvez esteja aqui a transição dos conceitos de Foucault para Weber dentro
da entrevista com César. Até esse instante as respostas poderiam ser suportadas
pelos conceitos e dimensões de Foucault, inclusive a maneira carinhosa de
conquistar o respeito das pessoas que lhe proporcionava um “poder” sobre elas .
Com esse “poder” ele influenciava a ação das mesmas para que seus objetivos
dentro do banco fossem atingidos. Suas palavras e da ex-gerente jr., dia, não
revelam maldade nesses relacionamentos, ao contrário, revelam um contexto de
harmonia e ganho para ambos.
87
O início da interpretação da entrevista pelos conceitos de Weber pode ser o
motivo de seu comportamento. Ele declara que sua atitude, sua maneira de tratar as
pessoas não é apenas no ambiente corporativo, ele extrapola para todas as áreas
de sua vida. De maneira semelhante à conexão que Weber fez entre a ética
protestante e o “espírito capitalista”, ou seja, que tal ética propiciou um
comportamento favorável ao que seria necessário para o contexto capitalista, existe
uma analogia da conexão entre sua religião e sua atitude perante a vida. Ele adotou
os preceitos da religião budista no relacionamento com as pessoas e justifica:
“Temos muito claro em nossa mente que pessoas e ambiente são
duas partes distintas mas são unos, são uma única coisa. Pessoa sem
ambiente não vive. Não tem. O ambiente está dentro de você, familiar, no
trabalho. E você é a pessoa que pode proporcionar harmonia ou
desarmonia no ambiente, você tem que ser capaz de influenciar os
demais gerando harmonia. E não sofrer a influência para o ambiente ficar
desarmônico, eu tenho que gerar uma harmonia, de que forma eu
fortaleço? Eu vou falar com as pessoas, ouvir as pessoas, você é o
próprio universo, quem muda essa situação é vo mesmo, o seu
ambiente desarmonioso é resultado do seu interior que está
desarmonioso”.
O seu jeito de se relacionar com as pessoas, o seu modo de encarar a vida é
fruto de sua concepção religiosa, mas admite que outros indivíduos possam ter
semelhante comportamento sem a necessidade da mesma influência. A pessoa em
questão é um dos superintendentes do Banco A de nome Abud, que também foi
mencionado em outra entrevista, a da Janice, gerente de relacionamento. O trecho
da entrevista do César a seguir deixa claro essa situação:
E: Tem algum superintendente com o mesmo tipo de atitude que você?
C: O Abud. Ele é uma unanimidade, um cara que tem um lado muito humanístico,
ouve, protege os funcionários, os valoriza, conforto profissional até familiar... ele
ouve muito, não só do lado profissional, mas do lado familiar também.
E: E você leva essa filosofia para o ambiente corporativo? Mas o Abud não é
budista?
C: Não é budista, mas tem uma atitude, comportamento budista. Me dou muito bem
com ele. O Abud tem o mesmo comportamento, mas não é budista.
88
Um segundo ponto, sob a perspectiva de Weber, que pode ser encontrado na
conversa foi motivo pelo qual César procura uma posição privilegiada dentro da
organização. De acordo com Weber, as conotações podem ser pessoais,
patrimoniais, religiosas e sexuais, mas todas levam a um “prestígio” que envolve ou
uma conotação econômica ou uma conotação de “honra (status) social”. A
expressão utilizada foi “reconhecimento” que ele assim o define:
“Na verdade, pelo tempo que estou no banco a minha visibilidade é
muito grande, as gerências de todas as agências ligam direto para mim.
Isso é muito legal, essa visibilidade na organização toda, me faz ser
reconhecido, isso é uma satisfação total é muito boa”.
Ao ser perguntado se é possível falar em status social? Ele respondeu:
“Status social, é interessante, é bom para o ego da gente. E também para ter um
livre trânsito sem fazer o puxa-saquismo”.
Esse trânsito acessível a todos os departamentos, cuidadosamente
estruturado por sua maneira de ser, facilita seu trabalho porque sua principal
preocupação é com seus clientes, aliás apreensão semelhante revelada pelo
Oliveira e pelo Cristiano. Ao ser indagado qual sua ansiedade mais importante ele
deixa claro que é seu cliente:
“A minha preocupação é com o cliente que tem que estar satisfeito o
tempo todo. Acho que isso é que a visibilidade. Eu vou e ligo para
pessoa e tento resolver o problema”.
Essa persistência em resolver os problemas para satisfazer seus clientes
demanda um contato constante com as pessoas dentro do banco e a qualidade
dessa interação está, como assim dizer, sob constante prova, todo dia sendo
testada. A diversividade de personalidade com as quais ele lida não o incomoda, ao
contrário, o anima, o engrandece, pois ele tem “o princípio que todas as pessoas são
iguais, isso faz com que a gente de certa forma, no relacionamento pessoal, a gente
dê o mesmo tratamento”, fruto de sua convicção religiosa.
No entanto essa concepção de tratar a todos do mesmo jeito, respeitando e
cumprimentando, não pode ser extrapolada para todos os níveis hierárquicos. Essa
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faceta foi encontrada quando ele foi questionado a respeito do tratamento que um
Vice-Presidente deve dispender aos demais funcionários. O diálogo a seguir é bem
explicativo da sua linha de raciocínio ao ser interrogado se todos deveriam
cumprimentar a todos nos corredores e elevadores:
C: Por exemplo, a VP precisa ter uma certa distância, ela não pode fazer isso, eu
reconheço que ela não pode fazer isso.
E: Como fica o espírito de tua filosofia budista se você fosse assumir a vice-
presidência?
C: Eu buscaria um caminho médio, eu não seria tão extremo de um lado, nem do
outro.
E: A tradição da posição de vice-presidente impõe um comportamento, cerceia mais
a liberdade que você como gerente tem?
C: Sim. Não tenha dúvida.
O terceiro aspecto da teoria de Weber encontrado na entrevista do César é
essa diferenciação comportamental entre os níveis hierárquicos admitida por ele
que somente pode ser justificada pela legitimidade do modelo de dominação
sustentado pela “tradição”, onde existe uma crença cotidiana de obediência às
normas e não à pessoa, como no patriarcalismo, finalizando este trecho de análise.
4.4 Thiago
Thiago é jovem se comparado com outros entrevistados que têm carreira
de mais de 20 anos na área de crédito imobiliário. Ele tem 25 anos de idade e 5 de
carreira na área em questão. O banco C tem uma estrutura parecida com os demais
bancos que atuam no setor, vice presidente, um diretor executivo, diretor, o
superintendente e ele como gerente comercial e neste caso sem nenhum
subordinado direto.
As principais áreas que ele se relacionava são a de crédito, engenharia,
jurídico, marketing e área comercial, normal nessa função, e sem ascendência
90
hierárquica sobre essas elas. Ao ser questionado se havia diferença para lidar com
essas áreas ele argumentou:
“Sempre tem. Eu acho que a área de engenharia era mais difícil, por
ser mais técnica, principalmente para nós da área de vendas, ela tinham
uma falta de visão de negócios. O R$ 351 mil é diferente de R$ 349 mil
1
,
eles estavam muito amarrados a normas”.
Encontra-se neste ponto a primeira citação a respeito das normas. Essa
entrevista revela com muita profundidade o comportamento de um gerente que está
cercado por muitas regras e normas que constantemente o impedem de atingir seus
objetivos organizacionais. Elas existem dentro do Banco C, como em todos os outros
também. Elas são fruto da legitimidade típica da burocracia, entendida como uma
das formas de dominação que tem grau socialmente relevante, ou seja, aceita
perante a relação entre o senhor ou grupo dominante e os dominados, de modo que
a vontade dos primeiros, por intermédio de um mandado, possa exercer uma
influência sobre as decisões e o comportamento dos segundos, segundo Weber.
Ele revela uma aversão aos que não conseguem enxergar o negócio como
oportunidade para o crescimento do banco e fica atrelado ou amarrado pelas regras.
Como ele não tinha funcionários subordinados, não tinha nenhum funcionário direto,
ele trabalhava com escritórios terceirizados para a área jurídica, empresas de
avaliação terceirizadas para área de engenharia e uma gerência em cima disso.
Com todas essas pessoas ele tinha que ter uma coisa fundamental:
“relacionamento”.
Isso é revelado no trecho da entrevista em que se reporta ao jurídico e depois
à engenharia.
Jurídico:
“Não, eles eram rígidos porque o banco internamente determinava as
regras. quando as regras empatam o negócio, você tem que ir ao
jurídico dentro do banco e negociar”.
1
No SFH- Sistema Financeiro da Habitação existe um limite máximo de R$ 350 mil para o uso do
FGTS. Valores maiores que este dificultam a venda imobiliária para os clientes.
91
Engenharia:
Sim, e por isso a gente enfrentava uma certa dificuldade. Mas com
jogo de cintura a gente controlava. Mas desgastava, aí às vezes era
preciso brigar com a engenharia o que poderia ser evitado se a
engenharia tivesse um pouco de visão”.
Em ambos os casos aparece a ação de negociar, ter jogo de cintura para
conseguir superar a rigidez das regras e conceder o crédito ao cliente. Esta é
maneira que ele encontrou de superar o poder hierárquico, estabelecido e regulado
pelas normas burocráticas. Ele faz parte da “rede de pesca” aludida por Foucault
que permeia por toda a sociedade, escalões, instituições, definindo que não existem
“pontos de poder”, o poder não está num local, mas sim em “relações de poder”
onde cada nó da rede de pesca tenta influenciar a ação do outro.
Tal comportamento é fruto da sua liberdade de escolha, da sua decisão em
como agir para que suas necessidades fossem satisfeitas, trabalhando por baixo e
entre as normas organizacionais. Exatamente dentro do que esse trabalho chamou
de área de liberdade. Ele mesmo seguia determinados conceitos que pareciam
dogmas internos dentro da sua área de liberdade, da sua área de decisão:
“Tinha liberdade para fazer a minha agenda, fazia o meu tempo, eu
identificava os clientes potenciais, eu era cobrado por uma meta, como eu
iria atingir essa meta eu é que decidia. Porém, eu tinha que seguir umas
coordenadas. Tinha uma política de visitas, por exemplo, eu não podia
visitar um cliente sozinho, eu tenho que avisar o executivo da conta da
dele, mas eu sempre entrava na empresa em consentimento com a área
comercial do banco, para não ter atritos”.
A sua tática era utilizar-se da sua competência, da sua arte em negociar, do
seu jogo de cintura até determinado momento, até determinado ponto no qual a
negociação entrava num beco sem saída. Nessas ocasiões quando a outra área
pedia uma justificativa ele partia para outra tática, ele conduzia o caso para os seus
superiores.
“Decisões que a gente ia tomando, até o momento em que o jurídico
pedia uma justificativa então eu tinha que buscar outros apoios como no
superintendente, diretor, diretor-executivo. Algumas vitórias se
conseguiam através do Emílio”.
.
92
Isso lhe dava um conforto de não ter que pedir bênção para todas as coisas, e
também de que ao ver que não conseguiria resolver algo, ele teria o Emílio para lhe
ajudar. Essa atitude pode parecer ambígua porque ele reconhece que não se pode
tratar as pessoas de maneira rude ou delatando seus comportamentos para os
superiores. A correta conduta segundo ele, então, é tratar os outros com muita
habilidade e educação. Segundo ele, alguém que manda um e-mail para o
engenheiro, com cópia para o chefe dele, dizendo favor revisar, falta-lhe visão de
negócios.
“Esse cara não vai ter um bom tratamento na área da engenharia,
porque o cara não vai gostar de ler aquilo. Você tem que usar o jeitinho,
amizade, relacionamento, antes de mandar o e-mail, você convida o
engenheiro para tomar um café e explicar a situação. Na porrada a coisa
não vai”.
Essa forma de ser é extrapolada para todos os níveis. Ele se utiliza de uma
“arte política” com todos que se relaciona. uma relação causal entre aquilo que
ele dispensa aos outros e o comportamento dos outros para com ele.
“Se o teu superior te chama para tomar um chopp às 6 da tarde e você
diz que tem um compromisso com a namorada e diz que não vai, mas se
você aceita tomar o chopp mesmo sem gostar, isto vai dar algumas
afinidades para ficar próximo da pessoa e ela confiar mais em você”.
Existe inclusive uma intenção clara atrás dessa atitude que está além da arte
política, ou melhor, que a arte política é a ferramenta para se conseguir influenciar
sua própria carreira e seus ganhos.
“Isso funciona, e nem sempre por causa da arte política e
relacionamento humano, porque as pessoas não são apenas promovidas
pela capacidade técnica e sim pelo relacionamento com as outras áreas.
Com jeitinho conseguem-se as coisas..., desde o estagiário até o
presidente”.
Existe no banco uma avaliação periódica das metas e objetivos de cada
funcionário, exatamente o “exame”, um dos instrumentos do poder disciplinar de
Foucault que diferencia e sanciona ao mesmo tempo. Diferencia porque pode elevar
seu salário por meio de ascensão dentro de uma escala interna de “graus” e
93
sanciona quando o impede de tal promoção. Esta avaliação tem componentes claros
e objetivos e, portanto mensuráveis como prazos e volume de negócios, mas
também contém componentes subjetivos. A influência que ele tenta exercer na
carreira e nos seus ganhos é por esse lado subjetivo, nas palavras dele, o “lado
político”. Para tanto ele procura ficar ao lado do gestor, ser parceiro do gestor,
participar dos riscos que seu superior corre na aprovação de um crédito.
“É estar comprometido com alguns riscos, toda operação financeira
tem riscos, vale observar se você quer entrar ou não. Então, se ele vai
fazer negócio com uma empresa que o banco não tem simpatia ele está
querendo trazer aquela prospecção, você vai jogar contra o cara? Você
está sendo cruel com ele. Se você comprar a idéia de que o negócio é
bom, você vira parceiro do gestor”.
Se por acaso ele discordar do seu superintendente, a divergência deve ser
acertada internamente, ou seja, sem que os demais tenham conhecimento. Esse
modo de ser ajuda no seu trabalho, no seu dia a dia, na sua maneira de lidar com as
tão temíveis metas organizacionais. De acordo com suas palavras “O resultado é
resultante. Se você fizer as coisas direitinho, trabalhar de segunda a sexta, dar
retorno aos clientes, fazer follow-up das coisas, o resultado vai aparecer”.
Entretanto, toda essa estrutura do banco, estabelecendo modos e
procedimentos exercem uma pressão muito grande como se fosse uma guerra,
todos os dias ela começa às 9 horas. Ele fez uma comparação metafórica com o
filme Coração Valente, de Mel Gibson, na cena em que o personagem tem que
matar um inimigo após o outro ao afirmar que “Eu preciso entregar isso hoje, tenho
que entregar o relatório hoje, tudo isso é assim...”.
na entrevista um trecho extenso quando ele relembra dois episódios que o
marcaram de uma forma muito acentuada ao ser questionado o que ele achava dos
bastidores políticos. A resposta é longa, mas vale a pena deixá-la literal para não se
perder a dimensão e o significado da mesma.
“Já sofri muito. Hoje eu lido melhor, acho que com o tempo a gente
aprende, com a experiência, mas eu vou contar um caso para você
entender como é a pressão dentro do banco. Uma vez meu pai foi visitar
no andar junto com meu irmão. Um prédio maravilhoso, com obras de
94
arte. Na saída eles fizeram um comentário, como é frio esse ambiente,
como é gelado esse ambiente. De fato é, cada um está preocupado com
as suas coisas, e o dia que eu percebi que as coisas eram dessa forma,
foi um dia que uma menina de outro departamento entrou embaixo da pia,
porque estava com síndrome do pânico não diagnosticada. Ela
enlouqueceu, chamaram paramédicos, chamaram a família, teve que sair
com anestesia. Dopada. Esse dia me chocou muito. Esse é um caso
extremo. Quantas pessoas vivem tentando evitar chegar nesse caso
extremo? Pode ter certeza, se voconversar com psiquiatra, o índice de
bancários que ele atende é gigantesco. Cada vez mais jovens indo para o
divã. Porque é fato que é uma carreira curta, você não tem certeza de
nada...”
Ao ser perguntado por que a careira é curta a explicação veio de como forma
de desabafo mesclado com ironia:
“Porque quanto mais tempo o funcionário fica no banco, mais caro fica
para o banco. E não necessariamente eu serei cada vez melhor. Pode vir
um cara mais novo e melhor do que eu. Você percebe uma renovação. Há
executivos de 30 anos, gerentes de 25 anos”.
Do que é composta sua estratégia para lidar com essa pressão? Qual a
maneira que ele emprega para sobreviver nesse, segundo ele, ambiente pesado? A
entrevista procurou de várias formas encontrar as ferramentas utilizadas, suas
nuanças, seus componentes, mas o retorno sempre foi de um contexto
comportamental necessário no tratamento despendido para com os outros, seguido,
em caso de insucesso, da lógica em encaminhar o caso para os superiores,
sistemática aprendida com os mais velhos, mais experientes.
E: Imagina que você está nesse dia, diretor, cliente, não sei o que e uma outra
área te sonega informação, mostra má vontade, o que você faz?
T: Eu tento com o jeitinho brasileiro, quebrar aquele gelo. Se isso não for possível,
eu tento não queimar essa pessoa, eu vou para cima do meu head, digo que estou
com problema da área, de não conseguir informações, o meu head entra com o
head da outra área. Agora se a pessoa tiver boicotando o próprio head, ela será
penalizada.
E: Os seus pares fazem da mesma forma?
T: São orientados a fazer.
E: Isso é cultura do Banco C?
95
T: Não. Acho que é uma cultura de boa vizinhança. Acho que pela lei de
sobrevivência, os mais velhos dizem que não adianta decidir na porrada.
Assim fica claro que ele não culpa o banco por ter uma estrutura formal e um
ambiente tenso. Tanto é que ele mudou de instituição financeira por motivos
meramente salariais: “Eu saí de por uma questão financeira, recebi uma proposta
de 60% a mais, não tive dúvidas, fui mesmo”.
Seu aprendizado de 5 anos no Banco C o deixou mais confiante em termos
profissionais. Ensinou-lhe que é necessário tratar as pessoas de forma amistosa,
nem sempre semelhante, ter uma atitude amigável para conseguir seus objetivos e
se necessário um “sorriso amarelo”. Essa é sua estratégia para lidar com o poder
dentro da organização, sua percepção da organização para “agir sobre a ação dos
outros”. O diálogo final ilustra sua atitude.
“Tento fazer uma leitura das pessoas e me adaptar a elas, não para
esperar que elas ajam da forma como você queria. Claro que você não vai
vender seus princípios morais, éticos, tem limite para tudo, mas às vezes
é preciso fazer um sorriso amarelo... porque eu sou um camaleão, eu não
tenho religião definida, então eu consigo conviver bem com as diferenças
pessoais”.
4.5 Cristiano
Pragmático, firme e objetivo em suas convicções é o resultado de um estilo
profissional praticado há 30 anos e 9 meses na mesma instituição financeira o Banco
D. Cristiano apenas recentemente, cerca de 3 meses, mudou para banco o Matone,
pois foi-lhe oferecido um salário melhor, com a perspectiva de um desafio em âmbito
nacional, mas principalmente porque um ex-colega seu de Banco D havia feito o
mesmo caminho de mudança.
Essa entrevista, portanto é sobre a sua vida profissional dentro do Banco D
que ele não tem, ainda, condições de discorrer sobre seu novo emprego. Seu cargo
no antigo banco era de gerente de crédito imobiliário, mas diferentemente da maioria
96
dos seus pares equivalentes em outras instituições ele tinha funcionários
subalternos.
Todas suas respostas foram no sentido de confirmar os preceitos da
legitimidade burocrática de Weber em praticamente todos os sentidos. A começar
pelo caso particular de poder que é característico da dominação burocrática, onde
existe necessariamente a obediência como fator aglutinador das relações de poder.
Suas respostas a respeito dos componentes hierarquia e chefes superiores foram
muito explícitas e indicaram um comportamento pautado pela obediência a todo
custo.
Hierarquia:
“De certa forma, quando você está numa organização existe uma certa
diretriz a seguir, a hierarquia, se você está dentro de uma determinada
área, você tem que fazer o que está ali. Se vorecebe uma negativa, se
algo é decidido pelo comitê, não há como mudar”.
Superiores:
Ao ser questionado se seus colegas obedecem ao seu chefe porque ele é
bom ou porque quem é esperto obedece, ele declarou “Você tem que obedecer ao
seu chefe, ele tem mais conhecimento”.
Os dois pressupostos que sustentam o modelo baseado em regras racionais,
o burocrático, foram verificados durante a entrevista. O primeiro deles, o princípio
das competências oficiais fixas, preconizado por Weber, caracterizado por poderes e
meios para o exercício do poder que são delimitados por regras pode ser encontrado
na sua resposta à indagação se ele passaria por cima das normas. “De jeito
nenhum. Dentro do banco você não pode fazer isso. As normas têm que ser
respeitadas”.
O segundo, o princípio da hierarquia de cargos onde existe uma consciência
de dever e fidelidade em troca de uma existência assegurada de um salário, aparece
na resposta à seguinte questão:
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E: Você que fazia o seu horário. Por exemplo, quando você tem essa liberdade de
horário, você acaba não tendo essa liberdade, porque você tem o compromisso com
a organização, certo?
C: Perfeito.
A partir desse instante todas as perguntas eram satisfeitas com alusões a
respeito das regras e dos procedimentos internos padronizados.
A norma vigiando o horário dos funcionários:
C: Estávamos com profissionais e não trabalhando com crianças para arrastar aqui e
ali. E tínhamos o registro para fazer as compensações pelo banco de horas deles.
Eles faziam as compensações.
E: Eles reclamavam disso?
C: Sim
A norma estipulando a forma de promoção. Ele declarou a maneira com que tentava
promover seus funcionários, mas na maioria das vezes não conseguia, tanto é que
ao trocar de banco aqueles que permaneceram haviam ganho uma espécie de
aumento:
“Eu fazia um feedback da evolução do funcionário, que ele superou as
expectativas que ele merecia, nhamos a dificuldade de premiar os
funcionários. Quando eu saí de lá, tinha uma funcionária que fazia 4 anos
que não tinha o prêmio por mérito, por mais que eu tivesse solicitado. Eu
não consegui. Quando eu saí de lá, ela me ligou e ela disse que tinha
ganhado um mérito, estilo “cala-boca”. Na verdade o receio deles é que
tivesse uma debandada dos funcionários.
A norma impondo uma conduta passiva, pelo menos para ele, a respeito de
metas atingidas e também das não cumpridas. O diálogo a seguir retrata uma
situação sem saída, sem possibilidade de ação, de mudança, uma aceitação do
status quo vigente sem a mínima chance de transformação:
E: Qual a penalidade para quem não cumpriu a meta?
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C: Na avaliação de performance ele estaria abaixo, havia uma questão quanto a
cumprir ou não a meta. Havia uma bolsa de estudos, uma ajuda, para quem
superasse a expectativa a bolsa chegava a 100%.
E: E quando a meta era alcançada e o funcionário não tinha bônus?
C: Eu colocava isso para ele, nós tínhamos um diálogo bem aberto quanto a isso. O
problema é quando o diálogo fica muito repetitivo. eu tive que colocar o
superintendente para me amparar, para me ajudar a expor o porquê, de após 4 ou 5
semestres não dar uma premiação.
E: Puxou uma vez o diretor?
C: Não consegui.
E: Ele não quis?
C: Não consegui.
Aparentemente esse comportamento era generalizado dentro do banco. Ao
ser indagado se tal situação era padrão, ele respondeu: ”De uma certa forma, a
pessoa tinha que lidar na mesma escola, no mesmo estilo”.
Sua atitude em tentar convencer as outras áreas com as quais lidava, a saber
Engenharia, Crédito, Jurídico e Operacional, era simplesmente negociando, mas de
uma forma extremamente racional, com parâmetros pré-estabelecidos e
normatizados. Sua preferência em negociar era por áreas que fossem subordinadas
ao mesmo vice presidente, como a engenharia por exemplo. Seus argumentos eram
práticos e objetivos:
“Essa operação aqui tem essa operação com prazo mais elástico, a
necessidade de lançamento não vai ocorrer agora... mas sempre
procurando negociar para não extrapolar os prazos”.
talvez uma razão pessoal e uma organizacional não explícita para ele se
submeter a essa disciplina de forma tão profunda, para ele não tentar obter a linha
de financiamento que o cliente desejava. A primeira é o conceito que permanece no
mercado relativo ao seu nome em caso de um crédito concedido que não foi
honrado, não foi pago pelo cliente. Não era, no seu entender, o nome do Banco D
que estaria prejudicado por um crédito mal avaliado, era o dele mesmo. A segunda
razão, não explícita, era a idéia de que quem insistisse demasiadamente para que
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os demais departamentos concedessem um crédito, poderia ser encarado como
uma pessoa possivelmente subornável. Basta ler o diálogo a seguir:
E: Você pode “forçar a barra”?
C: Isso não pode fazer porque pode parecer outra coisa.
E: Uma vantagem que o cliente lhe daria?
C: Isso mesmo.
Para ele não existe outra possibilidade que não o respeito e a obediência às
normas internas.
E: Como você faz para influenciar as outras pessoas a fazerem aquilo que você
precisa?
C: Como já disse eu negocio. Eu tento mostrar que tem alguma alternativa dentro do
negócio. Se o comitê não aprovar eu tenho que explicar o motivo para o cliente.
Para encerrar a análise desta entrevista, a única consideração que foi feita
por ele fora dos padrões admitidos por Weber foi relativa à sua persistência em
trabalhar além do horário estipulado, não pela norma, mas para atender um amigo,
termo que ele usou para alguns de seus clientes preferenciais e mais antigos.
E: O que é importante para você? Por que você entrava antes e saía depois do
horário normal?
C: Porque eu fazia o que gostava e tinha os clientes como amigos. Eu tinha a idéia
de que eu tinha que atender um amigo. Você tem uma estrutura muito grande e
depende de outras áreas e eu tinha que cobrar as outras áreas para atender as
expectativas do cliente.
4.6 Janice
A experiência de cerca de 20 anos ensinou Janice que o relacionamento
profissional deve ser pautado pela disciplina, responsabilidade e credibilidade. Ela
trabalhou em sete instituições bancárias diferentes e atualmente está cerca de 6
anos no Banco A.
100
Ela respeita as normas do banco e afirma que devem ser seguidas, mas a
metodologia do seu trabalho transcende os limites impostos pelas regras
organizacionais. O respeito aos códigos leva a Weber e sua metodologia de trabalho
leva a Foucault. Ambos os conceitos convivem nela e aparentemente em equilíbrio.
É possível distinguir os conceitos dos três modelos weberianos de dominação
nas relações que ela mantém com seus colegas do seu ambiente de trabalho. O
primeiro, o burocrático de regras racionais é por ela respeitado conforme pode ser
verificado na seguinte parte da entrevista:
E: Você acha certo o banco exigir metas?
J: Acho.
E: Por quê?
J: Porque o banco precisa atingir um número X para sobreviver. Como ele vai
sobreviver sem as metas? Vai ficar um oba-oba, porque todo mundo faz o que quer
porque não tem meta, acho certíssimo. A gente é pago para isso..., tanto no Citi
como no Banco A é via de duas mãos: você ganha, você tem que fazer.
Segundo Weber, o conceito de que o dever e a fidelidade existem em troca de
uma existência assegurada por meio de um salário, têm uma perspectiva de carreira
profissional e são submetidos a uma disciplina e controle de serviço.
A importância às regras aparece em outros pontos da conversa ressaltando
um contexto organizacional no Banco A bem normatizado, impondo processos:
“O banco parou de atuar acima do Espírito Santo no crédito imobiliário
porque as agências do banco não estavam agüentando o repasse, então
para não atender com qualidade, por isso trancou. Mas o
processos do banco. Por ser o banco de varejo tem muito processo,
diferente de um banco de investimento, um banco menor...,é preciso se
adequar às medidas novas do banco”.
Definindo hierarquias de comando e graus de autonomia restritos:
E:Com relação aos teus funcionários o que você pode decidir em relação a eles?
101
J: Nada.
E: Quem decide?
J: O superintendente. Ele que decide tudo.
E : E o superintendente de crédito tem alçada?
J: Não é ele, é o comitê, são membros do comitê.
Atingindo no limite a necessidade do aval de um vice presidente para aprovar uma
atividade operacional:
“... tive que pedir autorização para a vice-presidência..., para abrir uma
conta sem documentos..., tudo isso você precisa pedir autorização que vai
até o vice-presidente, para você ver que é processo”.
O segundo, o modelo de dominação pautado pela tradição onde existe uma
crença cotidiana de obediência às normas e não à pessoa ao afirmar que ela deveria
edificar um relacionamento com o novo superintendente que ela havia acabado de
perder. A legitimidade pautada pela tradição impõe a ela uma fidelidade ao cargo do
chefe, mesmo sem saber ainda quem ele é.
O terceiro, o modelo carismático, fundamentado na veneração
“extracotidiana” da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma
pessoa, onde o herói carismático obtém sua autoridade apenas das provas de seus
poderes e não dos estatutos ou de costumes tradicionais igualmente pode ser
encontrado nessa entrevista.
Por coincidência seu superintendente, o Abud, pediu demissão do banco e foi
para outra multinacional e este fato a deixou muito transtornada. Ao ser indagada o
porquê, a resposta foi direta e muito esclarecedora ao ressaltar as qualidades do
seu recém ex chefe:
“Fiquei chateada sim, porque é aquilo que conversamos, tem chefe e
gestor, ele não é um chefe, ele é um gestor..., No dia a dia ele não
deixava esmorecer, ele vai motivando, não só a mim, mas os outros
hostess também, que eu não consegui jogar a peteca, pois eu não tenho
coragem de ver alguém que faz tudo, que vai lá, que vai junto comigo no
comitê, batalhava junto, ele não é um cara que larga você...,
102
Ela comenta a maneira cuidadosa que ele tinha para tratar com seus
funcionários:
“Ele nos olha não como funcionários, mas como seres humanos...,
ele me conhece tanto que fica atento aos mínimos detalhes. Todo mundo
de manhã tem necessidade de dar uma satisfação, a gente conversa
todos os dias de manhã, é legal, ele sempre dá idéias para a gente”.
O Abud também recebeu elogios de outro entrevistado, César, que
reconheceu nele “uma unanimidade, um cara que tem um lado muito humanístico,
ouve, protege os funcionários, os valoriza, conforto profissional até familiar... ele
ouve muito, não só do lado profissional, mas do lado familiar também”.
O estilo de comando deste personagem, neste caso por seu caráter exemplar,
é comparável ao da fé obtida pelo herói carismático de Weber que trabalha as
pessoas de dentro para fora, ele diz: “está escrito, mas eu vos digo”, assim, primeiro
modifica os homens, depois as coisas e as ordens, enquanto a razão opera de fora
para dentro, modifica as normas e o contexto para com eles modificar as pessoas
sob seu comando. Um dos exemplos de modificar as pessoas é o fato de convencer
sua equipe a treinar um novato do departamento a pedido dele: “O Roberto...,e
todos ajudamos a ele..., hoje ele é um hostess ótimo, cumpriu a meta, hoje é um
cara que anda sozinho, faz as coisas dele”.
Outro, e mais significativo exemplo, é o fato que Janice seguiria exatamente o
mesmo estilo do Abud caso fosse elevada ao posto de superintendente,
modificando, influenciando, transformando assim o modo dela pensar, inclusive
reconhecendo que precisaria fazer um curso de “gestão de pessoas” ao ser
questionada qual o melhor estilo para liderar:
“Eu faria coisas que motivassem o funcionário. Eu fiz MBA pelo banco.
Fiz na FGV, isso foi ótimo. Ah, dizem que o banco estimula gente
jovem, não é isso. Eu tenho 45 anos e fiz o MBA há dois anos atrás que o
banco deu! Claro que para assumir essa posição eu teria que fazer um
curso de gestão, sem dúvida, porque eu não tenho gestão de pessoas, eu
precisaria estudar isso, mas eu gostaria de me espelhar na gestão do
Abud, porque é uma gestão que deu certo, ele não é um cara querido
no meu segmento, ele passou por rias áreas do banco em todas as
áreas que ele passou no banco, ele teve sucesso”.
103
E continuam os elogios:
“Ele é um cara de bem com a vida, ele tem um astral bom, tem uma
energia boa, está sempre de bom humor, ele é um cara que faz um
ambiente maravilhoso para você trabalhar. Ele sempre conversa com um,
com outro...eu nunca acordei para dizeR: “puxa, vou ter que trabalhar...”
(em tom de lamentação).
Ela fala com propriedade, pois tem conhecimento deste modelo de gestão
que “deu certo”, mas também conhece um outro, o estilo chicote, como já foi
mencionado em outras entrevistas:
“Eu tive chefe que me ligava de 5 em 5 minutos para saber onde eu
estava..., mas não falam como a gente chega (na meta, no cliente,
etc.). È preciso dizer como chegar lá”.
O treinamento aludido ao novo funcionário também é um tema abordado por
Weber ao se referir a um caso particular de poder, conforme já mencionado, que faz
parte das relações de poder denominado dominação, para um mandado em virtude
de “intuição”, “inspiração” ou “persuasão racional”. A probabilidade de encontrar
obediência disponível, automática e esquemática a uma ordem, em virtude de
atividades treinadas ele o nome de “disciplinas”. Ela concorda com esse todo,
o treinamento, e enaltece as suas virtudes:
“Totalmente, é o sucesso para qualquer funcionário. Para mim também.
Acredito em treinamento, acredito que a gente precisa investir na gente,
em cursos, palestras, temos que estar sempre se reciclando no mercado,
a gente não pode parar, porque o mundo está mudando muito rápido”.
Dessa forma, podem-se perceber os três modelos de legitimidade,
burocrática, tradicional e carismática, aludidos por Weber numa mesma entrevista.
Segundo ele, existem alguns pontos onde os modelos acabam por se encontrarem,
isto é, por ter pontos em comum. Um deles é o contexto de atuação onde podem ser
percebidos, o na sua forma pura, mas sob a forma de uma mistura qualitativa,
tanto na esfera militar, como na religiosa, na política e na econômica,
especificamente como é este caso.
104
O modelo weberiano burocrático pode ser verificado na entrevista não nas
“justificativas internas”, a legitimidade racional, como também nos “meios externos”,
“o quadro administrativo e os recursos materiais para aplicar-se a coação física em
última instância” (WEBER, 2004a). Esse modelo conduz a um contexto para a
formação da disciplina e sua filha mais racional, a burocracia, impondo a
necessidade do dever e da consciência em cada um para que possa ser utilizado
por todo o poder que queira recorrer a seu serviço. Nas palavras de Janice: “... se
você não tiver responsabilidade e se você não cumprir a meta... você está fora”.
Para finalizar o enfoque weberiano desta conversa com Janice é preciso
acercar-se da questão da ética. Foi dela a idéia, nas entrevistas preliminares, da
decisão de cunho ético e não normativo de demitir primeiro o solteiro e depois o
indivíduo casado com filhos, que o primeiro tem, pelo menos teoricamente, menor
quantidade de pessoas a sustentar. Ao ser abordada a respeito de qual seriam seus
limites, ela foi taxativa:
“Os meus limites estão dentro da lealdade, da responsabilidade, eu
jamais chegaria a um objetivo deixando alguns rastros ruins, como
passando por cima de alguém, falando mal de alguém para me
sobressair, sabe algo assim, falar que alguém não cumpre meta”.
Weber partiu “dos efeitos que a apropriação subjetiva da religiosidade
ascética por parte do indivíduo estava talhada a suscitar uma conduta de vida”. Por
meio desse estudo ele também chegou a conclusão que a ascese puritana impunha
uma disciplina rígida, o “agir sobre a ação dos outros”, com o intuito de botar ordem
na vida de seus adeptos protestantes, a tal ponto que lhes inculcava uma
personalidade particular e diferenciada dos estranhos. Janice de maneira
semelhante tem fundamentos religiosos e familiares para se comportar de tal forma
e esclarece à questão ética:
E: Isso é um componente de ética pessoal. Ela tem um nome? Religiosa, racional,
familiar?
J: Ah, totalmente familiar. Eu sou de uma família espírita, tudo que a gente prega em
casa é dentro de uma energia. Meu pai sempre disse para não reclamar, para olhar
que coisas ruins, que precisamos passar, mas precisamos sorrir para a vida,
105
porque ela irá sorrir para você. Cada dia é um dia. Em casa, a gente sempre viveu
muito em harmonia..., O ser humano é feito de coisas boas e ruins. Se ele cultivar
mais as coisas ruins, ele ficará ruim, se ele cultivar as coisas boas, ele será bom.
Todo este contexto weberiano poderia indicar que a totalidade da entrevista
estaria sujeita às análises do pensador alemão, mas o exame mais apurado revelou
que os pensamentos de Foucault podem ser encontrados nas respostas da Janice.
A primeira delas é a idéia da atitude que funciona por debaixo das normas, ou além
delas. A confirmação deste pressuposto começa quando ela foi indagada a respeito
da área de crédito, a mais temível para os gerentes de crédito imobiliário, de como
era sua atuação em relação a este departamento:
“Mas o crédito nosso hoje é muito... ele tem uma união com a gente,
ele não é um cara que não é fazedor, ele quer fazer negócio. Então, antes
da gente entrar no comitê de crédito, a gente fala com o analista...”
Esta forma de abordagem não é normal e deriva do consentimento do chefe
da área, como ela relata ao ser perguntada se o fato de falar com o analista é
normatizado: “Não está numa norma, o gestor de crédito liberdade para eu falar
com ele”. Outro ponto é o costume de atender ao telefone de clientes que não
pertencem a sua carteira, coisa corriqueira nos bancos de grande porte, mas
dificilmente encontrado em instituições menores:
“Sou obrigada sim, não está escrito na norma, os clientes são clientes
do banco e não seus. Votem obrigação de atender os clientes, porque
o cliente não é seu, o cliente vai onde há a melhor qualidade, com a taxa
menor”.
Mas o auge desta atitude é no comportamento utilizado por ela para que ao
outros façam aquilo que ela precisa para alcançar seus objetivos pessoais e
organizacionais. Neste trecho vem a confirmação de tal método:
E: Como é a interação com os outros departamentos, com o crédito, com o crédito
imobiliário?
J: Você precisa ter um super jogo de cintura. Então o que eu fiz? Eu fui ao crédito,
falei com o analista, com jogo de cintura, mostrar para eles que eles não são
106
funcionários da gente, eles são funcionários do banco, e não para falar “você tem
que fazer” porque eles m um cargo menor do que a gente; eu pergunto “por
favor, será que você pode fazer isso para mim? vou explicar o motivo da urgência” e
explicar o porquê da urgência, é preciso ter argumentos, porque todo mundo chega
dizendo que é urgente. Você precisa chegar com uma justificativa que procede
essa urgência.
E: Os outros pares não fazem igual a você?
J: Não.
Da mesma forma que outros gerentes entrevistados, Janice também possui
um “jeitinho” para conseguir as coisas, metodologia que seus pares o conseguem
efetivar. A experiência mostrou que pedir “por favor”, explicar com argumentos fortes
e ressaltar a importância do cliente funcionam como argumentos para convencer aos
outros. Por inúmeros argumentos a entrevista mostrou o jeito “Janice” de ser.
Primeiro com seu único funcionário, a forma de controlá-lo é:
“A gente determina o que são as prioridades para ele. Na realidade,
ele é um funcionário nosso direto do banco, mais do superintendente, do
que da gente, a gente acaba comandando. Eu não levo em conta o
horário, eu levo em conta a disciplina”.
Em seguida a liberdade que o banco lhe para determinar sua agenda é
controlada por ela mesma: ”eu faço minha agenda, ou tudo de manhã, ou tudo à
tarde, para as visitas, para não quebrar. Independentemente de gestor, de meta,
existe um negócio chamado responsabilidade”.
Sua estratégia de solicitar aumento ou recompensa vem recheada daquilo
que o banco precisa, que as metas sejam atendidas, sendo assim a forma do banco
recompensar o seu esforço e seus resultados:
“... e sempre é preciso mostrar, montar uma estratégia para pedir o
aumento, eu subo munida, digo o que dei de receita, eu fiz isso,
cresci, tem todo um esquema para falar, eu acho que o aumento deve
acontecer como conseqüência do seu trabalho”.
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Sua tática para ganhar credibilidade é revelada na resposta à pergunta de
como fazer para conseguir conquistá-la:
“Primeiro: você precisa ter paciência, segundo você vai pedir urgência
quando for urgente mesmo e você fala assim no prazo de três dias eu
vou regularizar. E antes desse prazo, regularizar. E antes de te cobrar,
está regularizado”.
Ou para preservá-la como uma das ferramentas mais importantes do seu dia
a dia: “Existe uma coisa que é a credibilidade, se você perder isso, você perdeu o
serviço”. Até o relacionamento com pessoas não tão agradáveis ela tem uma receita:
“... você tem que trazer a pessoa para o seu lado. Eu trabalhei com
pessoas que não eram do bem, que queriam ferrar um ao outro. Eu
trabalhei em banco pequeno e banco pequeno é assim..., mesmo o cara
do mal você precisa trazer esse cara para você..., é melhor se juntar a
ele, porque ele fica mais preocupado na hora de puxar o teu tapete, ele
vai ficar com problema de consciência, você chama esse cara para
almoçar, você começa a conhecer melhor, você não o deixa afastado...”
Esse modelo de atitude tem fundamentos em requisitos que ela considera da
máxima importância. Essa sua maneira peculiar de ser é a forma que ela utiliza para
influenciar o comportamento dos outros, “agir sobre a ação deles”. Ela deixa explícito
quais são suas ferramentas, qual é o seu feitio ao descrever seu relacionamento
com uma colega de trabalho:
“A gente ficou muito amiga, porque a responsabilidade, junto com
sinceridade, lealdade, são valores muito importantes não só para o banco,
mas para a vida da gente. Sou de bem com a vida totalmente, você nunca
vai me ver de mau humor, porque eu gosto da vida, a vida sorri, eu deixo
a vida sorrir para mim, pessoas que não fazem isso, eu deixo a vida
sorrir para mim”.
Essa entrevista revelou um ponto muito interessante que não apareceu nas
outras. Ela conseguiu ter um nome de respeito dentro do banco pelas suas atitudes
a ponto de reconhecer de que talvez ela tenha criado uma “marca” para o seu nome.
Essa marca possibilita que ela possa agir sobre a ação dos outros
independentemente das normas, por debaixo delas. Ao ser perguntada se:
108
E: A credibilidade junto com a responsabilidade, que o dois componentes
fundamentais para você ter um argumento forte e a tua voz ter peso, é isso?
J: Exatamente, para você ter uma idéia não eu, outros gerentes trabalham
assim quando fala assim “é da Janice”, dizem “pode fazer, porque ela realmente
cumpre”.
Ela criou um modelo eficaz de comportamento mesmo sob a pressão das
normas e das metas organizacionais. Todo esse esforço sob enorme tensão e ainda
assim tendo prazer em continuar trabalhando conferem um modo de agir que pode
ser comparado ao resultado do tênue fio de Servan. Apenas para relembrar:
“... mas um verdadeiro político os amarra bem mais fortemente com a
corrente de suas próprias idéias; é no plano fixo da razão que ele ata a
primeira ponta; laço tanto mais forte quanto ignoramos sua tessitura e
pensamos que é obra nossa; o desespero e o tempo roem os laços de
ferro e aço, mas são impotentes contra a união habitual das idéias,
apenas conseguem estreitá-las ainda mais; e sobre as fibras moles do
cérebro funda-se a base inabalável dos mais sólidos impérios”.
(FOUCAULT, 2007, 86).
Ela esclarece esse comportamento, o seu esforço para atingir metas e
resultados, exatamente como a instituição bancária deseja, ou seja, sem revoltas,
sem grilhões, quando argumenta que o mundo corporativo é assim e basta você
saber como trabalhar dentro dele:
“... a gente tem uma meta para cumprir no banco, que se a gente não
cumprir estamos fora do jogo, isso é muito claro para gente. Como outros
lugares também há essas metas, sabemos disso, trabalhamos sob
pressão, porque o mundo é assim, os negócios o assim, o cliente te
pressiona, o banco te pressiona, e você tem que saber administrar isso,
entender como um desafio. Eu não somatizo, porque está no corporativo,
o mundo está assim, está tudo muito rápido, as pessoas estão muito
rápidas, você tem que acompanhar, ver que tem as metas, tem que
cumprir, no final do mês é uma correria, sempre pensando positivo
também”.
Mais uma vez, não se pode comprovar uma intencionalidade do banco em
montar uma estrutura, um modelo organizacional capaz de determinar funcionários
com essa linha de pensamento. Mas o fato é que o contexto institucional bancário
aliado aos fundamentos de vida da Janice determinaram um comportamento
109
resultante parecido com aquele aludido por Servan, ao se referir de que a partir do
momento em que a pessoa pensa que suas atitudes são obra do pensamento dele
próprio, ele executa as tarefas de bom grado e com mais eficiência.
A um determinado momento, Janice foi questionada sem maiores propósitos
o que a fazia feliz: “A melhor fase da minha vida não é eu estar cheia de dinheiro ou
com mil namorados, não é isso. A melhor fase da minha vida é estar em paz”. O
interessante é o contra ponto que surgiu, pois ela deixou claro que as pessoas, em
sua maioria e principalmente os que ocupam cargos mais altos tem uma obsessão
pelo poder de forma desmedida a ponto de deixar a família para plano secundário:
“A maioria, porque hoje as pessoas não estão preocupadas em ficar
em paz, elas estão preocupadas com o poder. Não é com o dinheiro, é
com o poder. Hoje fala mais alto do poder do que o dinheiro..., eles
querem ficar lá até 10 e meia, 11 horas
a família também se cansa disso, a família acaba, então para ele o
mais importante não é a família é o poder. A maioria dos presidentes de
empresas não se casa uma única vez, porque o poder fala mais alto, para
eles é a vaidade do cargo. Esses caras ganharam a vida, mas eles
querem continuar no poder. Eles querem poder”.
E o dinheiro é apenas uma posição intermediária para o sucesso, é uma
ferramenta: “Não é de demonstrar, para ele ter poder, ele precisa de dinheiro, para
freqüentar os lugares de poder”.
Quando questionada se o banco poderia agir de forma intencional nesse
contexto com o objetivo de obter funcionários de alto escalão totalmente dedicados,
ela negou:
E: Eu, banco, te dou esse cargo, esse poder, mas você me dá o retorno?... eu te dou
uma posição de VP, superintendente, de gerente,...
J: De jeito nenhum. Eles têm horário de entrar, mas não tem horário para sair porque
pode haver uma reunião.... O banco dá total liberdade para ter uma vida social. Você
não tem se não quiser.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho é examinar a percepção dos gerentes, por meio de
entrevistas, buscando compreender as formas de exercício do poder nas
organizações em que trabalham.
A função do gerente já foi analisada por diversos autores, como expresso no
capítulo 2 e é aqui resumida. Barnard e Katz não retiram dos gerentes a função de
comando, mas expressam que para serem efetivos eles devem levar em
consideração os objetivos pessoais dos subordinados e para tanto devem possuir
habilidades humanas para melhor compreender o processo de gestão. Este ponto foi
encontrado nas entrevistas ao se afirmar, por exemplo, o fator “humano” como a
razão do sucesso do estilo do superintendente de Janice e o de Nádia.
Simon, por sua vez, apresenta a necessidade do novo gerente, em função
das novas demandas organizacionais, no sentido de ter mais habilidades,
principalmente as de julgamento, intuição e criatividade e as entrevistas
comprovaram isso, pois os gerentes querem se aperfeiçoar na prática do
relacionamento interpessoal.
Mintzberg e Luthans aprofundam a questão das habilidades gerenciais com
mais detalhes. Eles definem uma série delas que impõe ao perfil gerencial
determinadas competências, como lidar com conflitos e distúrbios, estabelecer
relações sociais, negociar e fazer política. Nesse caso admitir-se-ia que o processo
de seleção incluísse a perspectiva de traços da pessoa que fazem parte da
subjetividade de cada um. Na pesquisa foi revelado que César disse que Nádia tinha
potencial e a treinou, isso foi confirmado, tanto é que ela foi para o Banco B e logo
em seguida para o BANCO BB.
As perspectivas de Drucker e Grove têm o ponto em comum ao
responsabilizar os funcionários, principalmente o gerente, pelo processo
organizacional como um todo, pelo menos àqueles que são afetados pelas suas
111
próprias atividades. Em resumo, o gerente tem que ser responsável (Drucker) pelo
seu produto final (GROVE). O GCI tem a responsabilidade de entregar linhas de
financiamento imobiliário aos seus clientes (produto final), mas não têm ascendência
hierárquica sobre as demais áreas, caracterizando um modelo particular de gestão.
A contribuição de Stewart é diferenciada dos demais, pois ela não enfoca o
conteúdo dos cargos gerenciais. Ela tenta explicar como analisá-los em suas
diferenças, por meio das três dimensões - escolhas, exigências e restrições e
assim, conforme as imposições das duas últimas nascem as “escolhas”, ou
traduzindo para a linguagem deste trabalho, para um “espaço de liberdade” onde o
gerente pode decidir de acordo com suas próprias convicções.
Foram seis entrevistados representando cinco instituições financeiras com
estruturas corporativas muito parecidas, normalmente compostas por um ou dois
Vice Presidentes, um ou dois diretores, alguns superintendentes e alguns gerentes
comerciais. Habitualmente os dois primeiros escalões têm outras atribuições, mas os
superintendentes e os gerentes desta área comercial são específicos para o produto
de Crédito Imobiliário.
Além do contato direto com o cliente do banco, empresas incorporadoras,
construtoras e imobiliárias, as principais áreas internas que os GCI se relacionam
são as de crédito, engenharia, jurídico, marketing e área comercial, normal nesse
ramo, mas sem ascendência hierárquica sobre essas elas. Dentre os entrevistados,
dois têm funcionários diretos, gerentes jr., e os demais não possuem subalternos, o
que confere a essa função um contexto propício para os fundamentos desta
pesquisa, pois eles operacionalizam seu trabalho de uma forma muito peculiar,
comprovando que há poder para além da hierarquia.
A análise das entrevistas revelou que é possível distinguir os conceitos dos
dois autores nas relações que os gerentes estabelecem quando exercem o poder
dentro do seu ambiente de trabalho. O mais importante, entretanto, é que o poder
relacional (FOUCAULT, apud SILVEIRA, 2005) que está além do poder hierárquico
existe, mas como um complemento deste último, como uma nesga ao redor de um
poder maior estabelecido pela estrutura burocrática das organizações bancárias.
112
A metodologia das instituições é estabelecer o controle não mais sobre o
processo, mas sobre o resultado. No limite, o estabelecimento de metas permite que
a organização diminua os controles sobre os demais itens como horários,
comportamento, relatórios, procedimentos internos. Neste contexto os gerentes têm
pouca margem de manobra na sua “área de liberdade”. Foi possível identificar nas
relações entre os gerentes e seus colegas as idéias de Weber e de Foucault a
respeito do poder. Ambas coexistem no ambiente de trabalho dos GCI entrevistados,
mas a preponderância é do poder burocrático.
A dominação, uma das formas de poder de Weber, caracterizada pela
existência da “obediência”, ou de uma vontade mínima de um indivíduo ou grupo a
obedecer por interesse próprio dos mais diversos motivos, foi encontrada em todas
as entrevistas ao se reconhecer que existem pessoas com um mandado, seja em
virtude de “intuição”, “inspiração” ou “persuasão racional” que estão na posição de
comando e que tais pessoas, normalmente os superintendentes e diretores, devem
ser obedecidos.
Os modelos de legitimidade, que têm um conteúdo mais teórico do que
empírico, o burocrático, o tradicional e o carismático que conferem ao superior, por
intermédio de um mandado, a possibilidade de exercer uma influência sobre as
decisões e o comportamento dos GCI foram apontados na análise das entrevistas,
principalmente o burocrático, suportado por uma hierarquia e normatizado em suas
funções.
Assim, Nádia importância à hierarquia e respeita as normas, age com um
senso de responsabilidade apurado, pois se coloca como responsável de uma
situação não somente por erro, mas também por omissão, no seu entender as
normas lhe dão um sentimento muito forte de segurança.
Oliveira afirma que as normas existem para serem seguidas inclusive que
esta regra deve ser passada em treinamento aos novatos da instituição.
113
Ele confere um grau alto de respeito à hierarquia: “... eu acho que é uma
questão que aquela pessoa passou a ser o seu líder naquele momento. O seu
chefe”. E se sente bem na sua posição: “... aqui é gostoso trabalhar”.
Aquele com maior grau de adesão aos preceitos da legitimidade burocrática
de Weber, respeitando hierarquia e superiores, é Cristiano: “De jeito nenhum. Dentro
do banco você não pode fazer isso. As normas têm que ser respeitadas”. Ele
concede às normas toda a responsabilidade para vigiar o horário dos funcionários,
vigiar se as metas foram atingidas ou não e estipular a forma de promoção porque
ao ser questionado pelos subalternos ele, ou explica e eles concordam, ou diz que
tem que ser assim e ponto final.
Janice e Thiago têm comportamento semelhante com relação a esses
preceitos. Existe o respeito de ambos para as regras racionais, Janice afirmou: “A
gente é pago para isso”, e Thiago disse: “... como eu iria atingir essa meta eu é que
decidia. Porém, eu tinha que seguir umas coordenadas”, entendidas como as
normas que a instituição lhe impunha.
Essas idéias analisadas em conjunto podem conduzir efetivamente para a
dificuldade que há nas organizações quanto a adoção de práticas democráticas, pois
em linhas gerais, Kerr (2004, p. 81), chega à conclusão de que grande parte dos
gestores se recusa a compartilhar poder e autoridade. O único ponto indicativo para
uma abertura em termos de comportamento mais aberto, não se pode ainda dizer
democrático, foi a referência da Nádia ao fato de que no Banco B, por ordem do
próprio presidente da instituição, os diretores não devem ser mais denominados
“doutores”.
Por outro lado, percebem-se muito mais menções durante as entrevistas que
corroboram as idéias de Kerr a respeito da falta de democratização. Apesar de os
gestores adotarem a retórica da defesa da democracia, do empowerment e da
participação “mostram-se relutantes em compartilhar o poder”, como exemplo cita-se
os superiores do Cristiano em garantir a autonomia e não praticar um grau de
liberdade de decisão maior para o gerente. Em “relutar na divulgação ampla de
informações”, como foi mencionado por César ao se referir ao costume do seu chefe
114
em “esconder” determinados dados até que fossem “precisamente corretos” e em
“não incluir os funcionários no processo de tomada de decisões”, como ficou
comprovado pelas respostas do Oliveira de que “ordens tem que ser seguidas”.
Voltando-se agora, às questões de poder, e se fosse estabelecida uma escala
de valores mais voltados para Weber ou para Foucault, César estaria mais voltado
para o pensador francês, rejeitando ou se insurgindo contra as normas e os
procedimentos organizacionais. Ele aceita apenas as imposições da área de crédito,
mas deixa claro que as outras devem ser contestadas a todo o momento: “Se for
seguir a regra, o que está no manual, você não tem como operar”.
Uma das únicas alusões relacionadas com Weber na sua entrevista foi a
perspectiva que César deu a respeito do comportamento de um vice presidente a
respeito do tratamento que ele deve dispender aos demais funcionários. Ele acha
que o VP não pode sair por cumprimentando e se relacionado com todos os
funcionários da mesma maneira. Tal pensamento pode ser justificado pela
aceitação da legitimidade do modelo de dominação sustentado pela “tradição”, onde,
de alguma forma, por algum motivo não revelado, sar acredita que a tradição
impõe um comportamento mais austero aos de cargo da alta cúpula da organização.
Partindo, então, para a análise de suas respostas sob a perspectiva de
Foucault, as entrevistas desvendaram uma forma de operar por baixo dessa
hierarquia e normas weberianas e pode-se perceber que os GCI, uns mais outros
menos, acabam por instituir uma metodologia de trabalho que não está explícita, não
está escrita nos manuais de procedimento dos bancos, como quase todos eles
afirmaram.
Esse método de agir, a maneira de se comportar dentro do ambiente de
trabalho foi revelado por expressões como Oliveira: “A ferramenta é a empatia”;
Thiago: “relacionamento, lado político”; o jeito “Janice” de ser ao criar uma marca
respeitada para seu nome perante os funcionários de outras áreas e o respeito que
o indivíduo consegue construir ao longo dos anos apregoado pelo César.
115
É neste instante que aparece talvez um dos pontos mais importante
enfocados nesta pesquisa baseada na conclusão da investigação de Foucault a
respeito de que “o poder não está em algum lugar definido ou é propriedade de um
indivíduo”. Ele existe sob um aspecto de caráter relacional, se existe o poder, existe
o contra poder, ele existe em todos os pontos de relacionamento entre as partes
coligadas.
O caráter relacional de Foucault pode ser encontrado no processo utilizado
pelos GCI, com exceção talvez do Cristiano, ao se dirigirem diretamente aos
analistas das áreas correlatas mencionadas acima. A frase emblemática do sar
ilustra esse tema: “A gente faz um trabalho de base, começa pelo analista e depois
vai ao gerente”.
Essa é a maneira, de forma geral, que os GCI se utilizam para praticar poder
aludido por Foucault que é exercido por meio de estratégias utilizadas em todas as
relações dos pontos de encontro de uma rede que permeia, que interpenetra, se
volta e se movimenta por toda a sociedade, bem como dentro das corporações.
Essas estratégias têm muitas conotações que podem ser encontradas nas diversas
respostas dos entrevistados, e esmiuçadas no capítulo anterior, mas todas elas
relativas ao comportamento dessas mesmas pessoas em relação às demais áreas
da empresa.
Oliveira: “Relacionamento? É um dos mais importantes componentes na vida
profissional. E se você não tiver uma boa interação com os responsáveis dessas
áreas, o contrato não sai...”
César: “São necessários alguns componentes fundamentais para ter prestígio..., a
experiência, o relacionamento, a confiança desenvolvida ao longo do tempo por um
comportamento adequado”.
Thiago: “... arte política é a ferramenta para se conseguir influenciar sua própria
carreira e seus ganhos...” e “... ter jogo de cintura para conseguir superar a rigidez
das regras e conceder o crédito ao cliente”.
116
Janice: “jogo de cintura..., preciso ter argumentos...,” falar com o analista não está
normatizado: “Não está numa norma”, nem que “Você tem obrigação de atender os
clientes não está escrito na norma” para estabelecer uma “marca para seu nome”.
São expedientes utilizados pelos GCI, são ferramentas que eles se utilizam
para influenciar as decisões ou as ações das pessoas dos outros departamentos
que não estão subordinados à eles.
Dois outros pontos observados relativos as teorias do pensador francês no
que tangem à justificativa de determinadas atitudes de obediência são a alusão ao
Panóptico de Bentham, mencionado por Foucault, quando Oliveira se refere ao
controle exercido pela hierarquia dentro do banco, “Isso mesmo, você está
agregando valor para empresa, pensa que ninguém está te olhando? Alguém te
olha...” e ao “fio de tessitura tênue” de Servan quando Nádia justifica as atitudes de
subordinados ao responder à questão do por que as pessoas obedecem: “fazem
porque elas tomam a decisão de bom gosto”. Na realidade elas foram convencidas
disto.
Tais justificativas de comportamento concordante com os preceitos da
organização se somam a outras peculiares a cada um dos entrevistados:
Nádia: “... faço porque eu devo tudo a ele..., extremamente humano”, o ambiente
familiar em que ela nasceu propiciou esta receptividade.
César: “... você não pode chegar impondo, você é responsável pelo ambiente em
torno de você, o budismo ensina isso”.
Janice: “... porque a responsabilidade, junto com sinceridade, lealdade, são valores
muito importantes não para o banco, mas para a vida da gente, ...eu deixo a vida
sorrir para mim”.
Apesar desta dissertação ser a respeito do eixo do poder, não da ética de
Foucault, existe entretanto estudos que trazem essa dimensão que pode ser
encontrada nas pesquisas. César Ibarra-Colado et. al. (2006) investigam como a
117
ética é entendida como uma prática, fortemente ligada à liberdade do indivíduo em
realizar suas escolhas e o contexto organizacional em que tais escolhas se situam,
se limitam e são governadas.
Um indivíduo ético significaria agir totalmente dissociado de quaisquer
privilégios, paixões e emoções (GAY, 2000, apud IBARRA-COLADO et. al., 2006, p.
46) e aderir totalmente aos padrões éticos que podem ser “gerenciados”. Talvez a
expressão totalmente seja muito forte, mas o fato é que trás a idéia de que existe
uma atitude organizacional impondo uma determinada ética. Isso pode ser verificado
no contexto do Banco B. Aquele que não se comporta adequadamente, e isto não
está escrito nas normas, é expelido do banco. Segundo Oliveira “Elas mesmas
passam a perceber que não são bem-vindas..., o banco preza muito, mas muito pela
ética..., houve um caso assim..., ele saiu”.
Segundo Ibarra-Colado et. al. (2006) a ética do gerenciamento surge no meio
de quatro questões interligadas, cujas respostas podem constituir a base de uma
subjetividade ética. Dentre elas, duas receberam exemplos de comportamento que
as sustentam. Tanto o “modo de subordinação - em quais modos os gerentes
estabelecem seus relacionamentos com as normas e obrigações éticas?” como as
práticas do self em quais práticas os gerentes se engajam a fim de se
considerarem éticos?” podem encontrar respostas na atitude ética do Cristiano em
atender o cliente amigo, totalmente fora das normas, e do Oliveira em continuar se
empenhando em atender os seus clientes mesmo após ter suas metas
organizacionais alcançadas.
No caso do Cristiano existe mais um componente que pode ser analisado sob
esta óptica que é “governar o comportamento” (FOUCAULT, 1984, p. 284, apud
IBARRA-COLADO, 2006, p. 47). O comportamento ou até mesmo as atitudes dos
funcionários, ou seja, trata-se menos de uma questão ética e mais propriamente de
mecanismos para determinar (ou pelo menos limitar) as oportunidades que o
indivíduo tem para pensar e agir, quando ele, Cristiano, não insiste de forma alguma
na concessão de um crédito sob pena de ser encarado como provável caso de
suborno.
118
Nesse sentido, é essencial a maneira como alguém se vê como sujeito,
todavia, não se trata de um sujeito pensado de forma isolada e sim na sua relação
com os demais indivíduos, de modo que dessa interação surgem os elementos que
podem influenciar a subjetividade, a maneira como cada um se comporta, a escolha
de determinadas ferramentas ou estilo de “agir ou influenciar a ação dos outros”.
O “reconhecimento” do César, a “marca registrada” da Janice, a importância
dada ao tipo de “relacionamento” do Oliveira, a “arte política” do Thiago e o “jeitinho”
da Nádia são essas ferramentas que os GCI se utilizam na sua área de liberdade, no
espaço não definido pelas normas, no qual os sujeitos, na condição de indivíduos,
decidem quais crenças apoiar e quais ações realizar, de acordo com suas próprias
opções.
A essência do trabalho está em estabelecer que as práticas dos GCI são
diferentes, mas se encontram num ponto em comum localizado no contexto do
relacionamento das pessoas, na relação de forças que tenta influenciar os indivíduos
“não mais sobre os que eles fizeram, mas sobre aquilo que eles são, serão, ou
possam ser”, segundo Foucault.
Essa idéia da ação sobre a possível ação dos outros de forma preventiva,
baseada em regras importantes (FOUCAULT, 2007, 91) para que os efeitos da
punição logrem em atingir todo o corpo social e, no caso da organização, todos os
funcionários, pode ser encontrada na:
Quantidade mínima cada funcionário sabe quais são as punições impostas
não pela norma, mais pelo contexto organizacional do que pelo mau
comportamento, como por exemplo, mandar um email para um colega cobrando
resultados com cópia para seu chefe, o que resulta numa indisposição permanente
deste colega em atender solicitações futuras. O crime e a pena têm, portanto, a
quantidade equivalente necessária para refrear ações deste tipo.
A idealidade suficiente o desvio legal ou normativo é imposto e controlado
por meio de “metas” organizacionais.
119
Os efeitos laterais – a pena perpétua impõe mais medo que a morte no
sentido de que a demissão fica caracterizada como a punição mais temida.
A verdade comum: altera-se a formulação da verdade, não mais pela
imposição da confissão nos suplícios, mas pelo caminho da razão dos filósofos e
cientistas e, para efeito deste trabalho, pela razão dos gerentes. Nesse ponto é
estabelecida uma nova relação entre poder e verdade, fato encontrado pela filosofia
do Oliveira em aceitar e recomendar a ética do Banco B, pois é melhor que a de
outras instituições para se trabalhar ou para se conviver.
Para que isto aconteça, pratica-se o treinamento dos corpos para que eles se
habituem a essas regras estabelecidas não mais pelo soberano, mas por instituições
administrativas, onde o ponto de aplicação das penas passa, então, do corpo para a
alma. Em seguida o controle passa a observar a atividade, a maneira de coordenar
cada passo, cada movimento dos indivíduos em seus aspectos básicos como
direção, amplitude, duração e sucessão como pode ser visto no mecanismo de
vigilância que Oliveira tem sobre seus funcionários: “Meus funcionários têm
liberdade total para decidir aonde ir e com quem falar..., mas depois precisam
prestar as devidas contas..., dá para ver no relatório o que aconteceu”.
Assim, o poder disciplinar se utiliza de instrumentos para controlar e vigiar
com o objetivo de agir sobre a ação dos outros. Esse poder é sustentado pelo olhar
hierárquico que vigia, a sansão normalizadora que define padrões e o exame que
diferencia e sanciona ao mesmo tempo. Essas três dimensões juntas compõem
“individualidades” com quatro características que foram encontradas nas entrevistas:
“É celular, pois classifica a repartição espacial das pessoas”, na realidade
institui atividades do GCI com foco muito importante na maneira com que ele se
relaciona com as outras áreas, eles saem da sua mesa e vão até os analistas das
outras áreas.
“É orgânica que codifica as atividades” e isso verificado que todos os
entrevistados atuam numa estrutura parecida.
“É genética porque “acumula” o tempo possibilitando o nascer de
indivíduos diferentes”, da forma como Nádia se transformou de puramente técnica,
120
sem condições de se relacionar com os funcionários da obra, para uma pessoa
capaz de influenciar colegas das áreas correlatas dentro de crédito imobiliário, após
aprender a maneira com o seu superintendente.
“É técnica, pois articula a composição de forças para tornar o conjunto um
aparelho eficiente”. Conjunto entendido por todo corpo organizacional
encarregado de fornecer linhas de crédito imobiliário às construtoras e
incorporadoras.
Forma-se, então, todo o arcabouço para a criação do corpo dócil e útil; desde
o caso do indivíduo que vai trabalhar porque quer, porque tem que satisfazer as
suas necessidades bem como as organizacionais, como no caso da Janice que não
reclama, ao contrário, sente prazer em acordar cedo e cumprir sua agenda por ela
mesma programada.
Se por acaso (já que o pensamento é incontrolável) o indivíduo ousar pensar
em seguir o caminho do mais cil, de atingir seu bem-estar de maneira ilegal, os
sinais-obstáculos o conduzirão aos trilhos que o poder (a organização) deseja. Por
exemplo, ele não consegue estar atento aos processos que seu cliente necessita se
não estiver cedo no banco como afirmou Janice, além de impedir de cometer um
desvio normativo, o indivíduo vai ocupar o seu lugar no novo processo de produção
de riqueza, vai participar de um processo em que ele, gerente de crédito imobiliário,
vigia a si mesmo.
Os mecanismos que o poder dispõe para essa transformação do sujeito de
direito, temeroso dos suplícios, para o sujeito obediente, trabalhador, respeitador e
vigilante da lei, é sujeitá-lo a uma imposição de hábitos e regras, submetê-lo a uma
vigilância ininterrupta e a uma coerção imediata como no caso mencionado do
Oliveira que aceita a existência de uma maneira Banco B de ser. A visibilidade
passa a ser o indivíduo controlado, exteriorizado, submetido. Janice e outros aceitam
que o banco tenha que impor normas e elas devem ser respeitadas.
A sociedade acaba por se apoiar nessa estrutura disciplinar, utilizando-se de
táticas do poder, onipresentes e onipotentes, que servem para controlar as
121
multiplicidades humanas, com o intuito de obter, do e para o corpo social, corpos
úteis e dóceis a baixo custo.
Essa sociedade disciplinar permite e incentiva, numa espécie de causa e
conseqüência imanentes, reforçando-se mutuamente, a majoração do poder e o
nascimento de processos de saber. Nesse momento nasce uma maneira
diferenciada de se comportar, uma atitude própria de GCI para conseguirem seus
objetivos. Nesse contexto nascem e progridem os conhecimentos “da psiquiatria, da
medicina clínica, da psicopedagogia e até da racionalização do trabalho”. Nasce, por
exemplo, um estilo do comportamento particular dos gerentes de CI que
necessitam de ter um “relacionamento”, uma “arte política”, uma “marca”, um
“jeitinho” especial para conseguirem “agir sobre a ação dos outros”. Essa é a forma
de atuar dentro do “espaço de liberdade” do gerente de CI.
Dessa forma, sob o teto dos grandes conjuntos e instituições modernas essas
mesmas relações de força são compostas por micro relacionamentos que definem
uma espécie de mapa difuso, dinâmico e instável cuja densidade e intensidade
variam a todo o momento.
Essas relações de força, num determinado, mas imprevisível momento atuam
no sentido de estabelecer posições privilegiadas de poder. Nesse instante o mapa
difuso e instável, o “diagrama”, nas palavras de Deleuze (2006), se integra, é gerado
uma nova classe profissional, os gerente de CI, sem subordinados, mas com poder
de resultado de acordo com Drucker e Grove.
E aqui se encontra mais uma possibilidade de futuras pesquisas. O poder,
mais precisamente as relações de poder, se utiliza de estratégias para atualizar suas
categorias afetivas (incitar, induzir, desviar, tornar fácil ou difícil, ampliar ou limitar,
etc.) e o local que tem a capacidade de integrar as relações de poder constituindo
saberes é a instituição que as remanejam e as redistribuem. Isto posto, qual será a
mais eficiente maneira de se comportar? O GCI e suas estratégias do “jeitinho”,
agindo sobre os outros de um modo foucaultiano ou do racional Cristiano com
tendências mais de weberianas?
122
E para terminar essas considerações finais, o trabalho resgata o modo com
que Servan (FOUCAULT, 2007, pg. 86)
fornece a receita de poder, e estabelece a
analogia entre o império firmado por um rei inteligente que amarra sues súditos com
o fio de tessitura mole da mesma forma que as organizações em relação aos seus
funcionários.
Existe sim um poder burocrático que comanda e limita a atuação dos gerentes
pelo estabelecimento de metas e estrutura hierárquica, poder que controla a maior
parte das relações entre os indivíduos dentro da instituição bancária como se fosse
um “Panóptico simbólico”, mas também existe um poder que se auto alimenta e que
é procurado por algumas pessoas, que funciona na nesga deste outro poder maior.
Existem algumas formas de incitar, suscitar, combinar, repartir, influenciar aos outros
numa relação de forças determinadas por uma dessas funções. Algumas delas
estão, segundo Janice, em posições do alto escalão das organizações e eles(as)
desprezaram a família e até o dinheiro, estão atrás do poder pelo poder.
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SILVEIRA, Rafael Alcadipani da. Michel Foucault: o poder e análise das
organizações. Rio de Janeiro: FVG, 2005.
125
Anexo I - Roteiro para entrevista de pesquisa
Essa é uma pesquisa acadêmica de mestrado que é orientada para a
compreensão dos processos individuais de escolha dentro das organizações. A idéia
principal é investigar quais os meios que são utilizados para influenciar a decisão
dos outros indivíduos, ou, nas palavras de Foucault (2006), como é que se faz para
“agir sobre a ação dos outro” isto é agir sobre a conduta dos outros de forma que
eles pensem, se comportem, procedam da maneira com que você desejaria.
Os resultados desta pesquisa serão muito importantes no sentido de se
compreender melhor os relacionamentos interpessoais dentro das organizações.
Para tanto faremos uma bate papo informal onde as perguntas servem apenas de
orientação geral com o objetivo de se montar um arcabouço para que a conversa
não se desvie do assunto em pauta.
As perguntas não são invasivas e não será necessário dar dados
confidenciais do seu banco. Todas as informações serão estritamente confidenciais
e suas respostas farão parte de um conjunto maior não sendo possível a
identificação das mesmas.
Neste sentido vamos começar com algumas questões para localizar
você dento da estrutura da área de crédito imobiliário:
1. Nome completo:
2. Formação (nome da instituição):
3. Idade aproximada:
25-30
30-35
35-40
40-50
> 50
4. Sua função (cargo) no banco _______:
5. Número de funcionários diretos:
126
6. Fale-me da estrutura da área de crédito imobiliário. Tem VP, diretor,
superintendente, quantos gerentes, como é?
7. Você tem liberdade para decidir o quê em relação a você mesmo? Quais seus
limites? Por exemplo: Salário, horários, almoço, prazos, recursos em geral.
Dentro desses itens quais conceitos você leva em consideração como, por
exemplo, justiça, autoridade, amizade, lealdade, responsabilidade, retribuição
de favor.
8. Você tem liberdade para decidir o quê em relação aos seus funcionários?
Quais seus limites? Mesmo exemplos da pergunta acima.
9. Quais as melhores maneiras de lidar com seus funcionários? Você controla
resultados ou comportamento? Você se utiliza das regras da empresa ou sua
persuasão pessoal? Você acredita em treinamento? As pessoas podem
melhorar com ele? Você acha que sua vontade basta para que teus
funcionários te sigam?
10. Agora inverta as questões. Quais as melhores maneiras do seu superior lidar
contigo ou com seus colegas?
11. Vamos inverter novamente. Quais as melhores maneiras de lidar com seus
colegas de trabalho? E eles contigo?
12. Para você atingir um objetivo você vai até aonde? Vopassa por cima das
normas? Quais são suas as ferramentas ou quais aquelas que você mais
abomina? Depende do objetivo?
13. Agora para os superiores ou mesmo para a organização. Para atingir um
objetivo eles vão até aonde? Passam por cima das normas? Quais são as
ferramentas utilizadas? Quais delas você concorda e aquelas que você mais
abomina? Depende do objetivo?
127
14. O que você espera da organização? Por exemplo: Remuneração,
recompensa, crescimento individual, carreira.
15. Quais os objetivos da organização? Você concorda com eles? Por exemplo:
maximização de lucros, atuação a respeito de problemas sociais, ambientais,
preocupação com funcionários.
16. O que você espera das pessoas? Por exemplo: comportamento adequado,
ética, apontar os próprios erros, responsabilidade, justificativas para
determinadas atitudes. Vo identificou algum comportamento que você
concorda? E algum que você discorda?
17. O que você faz para influenciar as pessoas ou fazer com que elas façam
aquilo que você quer que elas façam? Pares, subordinados diretos / de outras
áreas, superiores diretos / outras áreas, fornecedores, clientes, parceiros /
sócios?
18. Existe diferença em lidar / liderar pessoas diferentes em termos de
especialidade funcional, conhecimento, experiência adquirida, classe social?
19. Seus colegas obedecem ao seu líder (chefe) (outras áreas) porque ele(a) tem
competência ou quem é esperto obedece?
128
Anexo II TRANSCRIÇÃO LITERAL DAS ENTREVISTAS
Foram seis entrevistados representando cinco instituições financeiras. Cada
entrevistado aparece com seu nome fictício e eu, o entrevistador, com a letra “E:”.
Nádia
(Em um primeiro momento, o entrevistador Antonio Paulo explica para Nádia que irá
gravar a entrevista e que utilizará um gravador digital).
E: Boa noite, é quase boa noite. Boa tarde, bom fim de tarde, Nádia. Onde você
trabalha?
Nádia: Eu trabalho no Banco B, na área de crédito imobiliário.
E: Muito bem. E que função você tem?
Nádia: Eu sou gerente de negócios de crédito imobiliário.
E: E que função você tem?
Nádia: Eu sou gerente há dois meses e meio.
E: Dois meses e meio. E você antes trabalhava onde?
Nádia: No Banco A.
E: E quanto tempo você trabalhou lá?
Nádia: Dois anos e meio.
E: Nesta mesma área?
Nádia: Sim
E: Você foi “head hunterizada” ou você saiu procurando?
Nádia: (Risos) Não, eu fui indicada para a vaga. Porque o Banco B estava me
procurando para aumentar a equipe. Eles foram no Banco A em outubro e também
sabiam que eu estava insatisfeita com o banco. Então eles me perguntaram se eu
queria mandar meu currículo para lá.
E: Por que você estava insatisfeita com o banco?
129
Nádia: Porque eu estava mais de dois anos, ganhando a mesma “merreca”
(risos), fazendo a mesma coisa e eu estava fazendo a minha parte, batia meta,
viajava muito, deixei de lado minha vida pessoal e, de repente, o banco não estava
dando o retorno que eu buscava. Então decidi procurar uma nova estratégia.
E: E você viu no Banco B esta possibilidade?
Nádia: Vi no Banco B esta possibilidade, justamente porque no momento que eu
tomei esta decisão de ir lá, porque a princípio, eu fui escutá-los, mas eu tomei a
decisão baseada na questão da fusão do grupo, que estava gerando (acredito que
ainda está) uma insegurança, de ser alocada, de instabilidade, pelo que iria
acontecer com o banco, e eu estava com a oportunidade na mão.
E: Mas espere um pouquinho. Eu não entendi. Existia uma sensação de insegurança
na fusão? Por quê?
Nádia: Porque a parte do crédito imobiliário do Banco C é muito mais estruturada do
que no Banco A. E por conta do Fábio Barbosa ter assumido a direção do banco,
começou a haver uma movimentação na nossa área, que não era intenso, mas que
estava causando uma insegurança geral, no sentido de perguntaR: “o que vai
acontecer? quem vai ficar? o que vai acontecer?
E: Apesar de o Banco A ter comprado o Banco C, “quem comprou ficou com mais
medo de quem foi comprado”, é isso?
Nádia: Exatamente. Eu vou te contar tudo, porque confio em você e sei que você
não irá comentar isso lá. Eu saí de de uma maneira muito profissional, deixei as
portas abertas, explicando meus motivos, sentindo muito, mas uma das pessoas que
foram deslocadas de lá, foi o Manolo da conta corrente Pessoa Jurídica.
E: O Manolo não está mais lá.
Nádia: Ele está com produto. Não é mais comercial. Eu aprendi a me preocupar,
de repente, esquece e... eu me perco lá. Eu vi isso. E o mercado imobiliário todo
voltado para o norte e nordeste e nós sem podermos lançar nada no norte ou
nordeste. Então sem explicações, tudo isso. Então, o que está acontecendo? E no
mesmo momento eu tinha uma oportunidade num banco grande, na mão. Então
assim, eu graças a Deus, eu sempre conto com pessoas boas no meu caminho,
meus chefes, que são meus amigos, quando me viram, o meu impacto, eles me
conhecem bem e eles sabiam como eu me apego às pessoas, como sou emotiva,
enfim. Eles disseram: “Esquece a gente, lembre-se que somos amigos e que vamos
continuar seus amigos. Se você tiver uma oportunidade, primeiro, de pagar mais (e
130
no meu caso foi muito mais), e em segundo, a gente vive num momento em que a
gente não tem como garantir.” Eles falavam que pra quem é bom teria espaço, eles
mesmo estavam explodindo sem saber o que iria acontecer. Eles foram sinceros
comigo. A gente gosta muito de você, você vai ficar muito bem lá, o Gilberto sabe
que é muito competente, tem uma visão de mercado, eles vão te respeitar, eles me
falaram, o Banco B já é o que a gente tá querendo sempre. Oportunidade bate à sua
porta só uma vez. Então o Banco B está para te convencer a ir para lá. Porque eu
tinha dito não para eles. Então parece que a vida nos mostra, né? Eu tinha dito
“não”, mas depois aconteceu isso tudo aqui, esse movimento estranho no banco,
eles voltaram a me contatar e insistindo a me perguntar, o que eles precisariam
fazer para me convencer a ir... E eu bati um papo muito franco com algumas
pessoas , que tem uma oportunidade muito boa lá. A gente não está conseguindo te
dar o que você merece... porque assim eles tentaram de tudo. A Ana Peres veio
conversar comigo... mas não era só uma questão de dinheiro.
E: A Ana Feres é VP, não é?
Nádia: Ela disse assim, ela disse assim, isto é, quando eu fui pedir demissão de
verdade, eu fui muito sincera, eu não vou fazer leilão, vou ter que sair de uma
maneira ética. Lógico que não fizeram uma proposta que os meus motivos eram
esses mesmos.... e agora foi por conta de outras coisas que eu pedi. Então estou
muito feliz que não faz nem três meses que estou aqui e me convidaram para
fazer parte do BANCO BB, foi uma surpresa enorme, deve estar causando um certo
desconforto porque...
E: ... porque você é NOVA! Os seus pares devem estar muito bravos.
Nádia: Sim, principalmente ninguém me fala, mas eu sinto um certo “por que você?”
E: E por que você?
Nádia: Então, nesse tempo em que eu fiquei no Banco A eu conheci muita empresa.
Eu atendia as grandes e as pequenas, porque não tem a segmentação que tem
aqui.
E: Que tem aqui.
Nádia: Aqui é segmentado...
E: Empresa Tipo 1, Tipo 2...
Nádia: Lá tem também, mas não no crédito imobiliário. Por exemplo, você atende
Minas é tudo, das grandes às pequenas. Eu tive essa experiência de trabalhar com
grandes e... Porque são diferentes, eu tenho que destacar isso. Eu cheguei aqui e
131
me deram uma carteira de clientes que eu não conhecia. Eu fiquei extremamente
surpresa, porque achava que o Banco B estava atrás de mim por conta das
empresas que eu conhecia já.
E: Ou seja, da sua carteira.
Nádia: Exatamente. O que ocorreu? Quando eu saí do Banco A, no período que eu
estava atendendo a Incorporadora que você conhece, o Gilberto já sabia que era um
desconforto aquelas viagens todas. Eu fiquei um mês inteiro viajando, cidades,
estados diferentes.
E: Eram o quê? Espírito Santo...
N: Eram seis estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo,
Goiás e Minas.
E: Nossa! Você deve ter milhas acumuladas...
N: Tenho sim, para ir para a Europa com certeza (risos). Então eu tive uma
carteira de São Paulo com grandes empresas. agora que eles vão começar a
fazer segmentação, até agora não conseguiram me substituir lá.
E: É verdade, o César está sozinho até hoje.
N: Não me substituíram. Então eu tenho um carinho muito grande pelo banco, pelo
que eles fizeram o que eles podiam, mas o banco por conta do envolvimento todo,
eles não podiam dar grandes aumentos, nem me prometer nada. O Banco B está
estruturado... então assim, o que aconteceu? Eles me deram uma carteira que eu
mal conhecia, mas eu falei “eu vim, estou disposta a ajudar, e prospectei vários
clientes em Minas Gerais e eu fui muito honesta, cheguei e falei: Eu poderia estar
prospectando muito mais aqui e não estou, porque vocês me deram uma carteira
com empresas de diferentes segmentos, empresas de construção civil e uma série
de coisas. Eu sei que a construção civil tem um leque gigante, então não adianta
dizer que essa aqui é construção civil, ela pode estar fazendo obra pública,
industrial...
Se bem que tem uns aventureiros que querem pegar a onda e... eu fui direta com
ele, disse que poderia prospectar muito mais e isto está me desmotivando, não
estou aqui para receber o meu salário e ficar rebolando aqui... Não, eu quero
fazer muito mais! ele falou: “não se preocupa”. Eu conversei com o Oliveira e a
gente vai te indicar para o BANCO BB, você é competente e eles estão precisando
de gente, eu tenho certeza que você vai se adequar. Falei sim na mesma hora.
E: Já estava um movimento.
132
N: estava um movimento. Eu fui no BANCO BB conversei com as pessoas de lá,
porque lá é outro banco, né?
E: É outro banco.
N: Tem um link aqui com o crédito imobiliário, mas é outro banco. Fui conversei..
deu dois dias e eles me ligaram para dizer que eu tinha sido escolhida. Então
indo, tenho reunião sexta-feira, para distribuir carteira.
E: Com o pessoal.
N: E segunda eu começo efetivamente lá.
E: Mas com a carteira antiga que você tinha das empresas?
N: Não sei. Sexta-feira que eu irei saber o que vou atender, eles me ligaram para
me dizer que já está tudo pronto, que já tenho estrutura, cartão tudo...É outro
mundo. Completamente diferente. Eu super feliz, porque é como Oliveira falou: o
banco que oportunidade mesmo. Então, o Banco A com todo efeito é um banco
que em termos de gestão de pessoas tem que melhorar. O Gilberto falou que bastou
eu ficar três meses e apareceu uma oportunidade para ela e aqui ela ficou mais
de dois anos e mostrou que é competente e que aprendeu e a gente não conseguiu
fazer nada, além de dar um aumento de 18%. Não é o dinheiro, é visualizar a
perspectiva de que está crescendo. O Banco A tem que ajustar essa questão lá.
que o meu momento era assim. Porque eu tinha oportunidade na o. Eu não tinha
como esperar e...
E: E mesmo aqui você chegou aqui e não ficou contente e foi falar com o seu
superintendente e...
N: Não. Demorou...
E: Dois meses.
N: Eu fui... dois meses e meio... conversar com ele. Estou há duas semanas,
fechando tudo, deixando tudo certinho para o Oliveira, para passar para alguém
E: Para alguém que te vai substituir.
N: Porque ele queria que eu estivesse lá. Até a menina ligou para mim para
dizer que a mesa está vazia me esperando (risos). Eu sei que é um ambiente
totalmente diferente daqui.
E: No que é diferente?
133
N: É mais frio. É bastante competitivo. Eu vou ter que trabalhar com o Officer junto.
Então ele quer que passe tudo para ele. A pressão vem de tudo que é lado. Uma
das coisas que me perguntaram.
E: O Officer é o gerente da conta da empresa. É o Corporage.. OK. Esse cara que
vai te pressionar.
N: É. Também, né?
E: Aqui também tem metas?
N: Não, aqui tem metas, aqui tem bônus, que eles têm mensal. Às vezes
complica para bater. No Officer é semestral, né? A gente pode fazer nada num s,
mas no outro pega...
E: é mensal. Nesse sentido, dia, compare um pouquinho o que você fazia no
Banco A e com o que você fez no Banco B. Votinha que lidar com a área de
crédito, com a área jurídica, com a área operacional para os contratos serem
emitidos, tal. Me fale sobre as diferenças que você sentiu de um para outro.
N: São grandes.
E: Em que sentido?
N: Porque eu tinha que fazer um pouco de tudo. O operacional anda sozinho,
porque não dá conta.
E: Não dá conta, por quê?
N: Porque tem poucas pessoas.
E: Subdimensionado?
N: Subdimensionado. Elas não têm foco numa coisa só. Então assim, eles precisam
de ajuda. Eles têm a divisão, mas na hora que aperta... Essa semana mesmo,
esquece aquelas meninas, é um stress. Porque é fechamento de mês. Eles ficam
como loucos lá. Tem que contactar o jurídico para ver o que falta etc. Aqui é mais
tranqüilo, porque o Banco B se estruturou junto com a equipe comercial ele
estruturou o operacional pessoa jurídica. Cada plataforma tem de um a dois, que a
gente chama de relacionais operacionais, que é o RO, que é o comercial
operacional, ou seja, eu cuido até aprovar o crédito. Então eu passo as orientações
de tudo que eu negociei comercialmente com o cliente para ele. Então acabou. O
cara vai até a empresa, ele entrega a carta de crédito... Lógico que eu falo da
pessoa, também sou eu. Eu, no caso, em termos, mas quem vai lidar com o...
E: É o RO?
134
N: É o RO. Ele vai lá, seja para onde for, por exemplo, para Minas, entrega a carta
de crédito, explica, cumpre a documentação, é super comprometido para contratar...
aqui o que acontece? O estudo de viabilidade vem depois. Então isso também
precisa para ver a documentação técnica, tem que ver com a engenharia, ficar
cobrando...
E: Lá no Banco A não tem RO?
N: Não. E até aprovar é mais longa. Primeiro faz o estudo. chega o estudo, a
gente faz o parecer. E se está tudo bem, completa. fica brigando com a
engenharia por desavenças. A gente fica perdendo tempo com uma coisa que não
precisa perder tempo. O comercial é a pessoa que conhece a empresa, conhece o
empresário, a idoneidade dele e também vai ao local da obra. E às vezes o
terceirizado escreve umas bobagens e isso acaba indo para o cliente. E se
dúvidas, dá problema para aprovar. Então é demorado. E depois faz a proposta,
depois que vai para o cliente, depois para aprovação e para a área jurídica. Então é
muita coisa para você fazer junto, visitas, viagens, eu ficava louca. Aqui não. Aqui só
se cuida da documentação, aprova, passa para o RO e ele vai te mantendo
informado, e vai pedindo o resto, até chegar a aprovação. E eles esclarecem as
dúvidas para o cliente, eles têm todo o contato. Na operação no Banco A nem todo
mundo fala com o cliente. Aqui o. Porque o banco entendeu que a gente por estar
muito fora daqui, o cliente não consegue falar com você. Lá, por exemplo, se o
celular está tocando eu não atendo porque estou falando com você. Você não pode
demorar, às vezes, é uma pergunta que é importante. Nesse sentido aqui no Banco
B aqui é melhor. Por outro lado, no Banco A a gente resolve as coisas um pouco
mais fácil, porque dá muito “jeitinho”.
E: Jeitinho?
N: É, não para funcionar esse documento para liberar uma parcela, a entrada,
vamos ver um jeito...”, então você consegue flexibilizar mais coisas.
E: no Banco A é mais fácil? Nesse sentido de você conseguir as coisas que você
precisava lá era mais fácil você conseguir as coisas no operacional?
N: No operacional sim.
E: Aqui é mais quadradinho?
N: Sim é difícil flexibilizar algumas coisas.
E: Como você faz para as pessoas e aqui façam aquilo que você precisa que seja
feito?
135
N: Eu particularmente... assim, eu tenho uma coisa comigo que meu pai me ensinou
e certo, quando eu não sei eu vou e falo, então assim a minha postura no
sentido assim de operação era assim: eu quero saber da possibilidade de a gente
fazer algo que... eu não falava “dá um jeito porque o cliente está me estressando...”,
eu falava, “eu o quero que você não faça nada que não possa, eu quero que
você pense comigo se o dá para fazer de tal e tal forma...”, havia muita troca, de
certa forma eu fazia a pessoa se sentir muito importante também junto com meu
cliente, não assim no sentido de a pessoa estar me fazendo um favor etc., porque
tem gente que faz troca, que não tem escrúpulos para resolver as coisas.
E: Como assim não tem escrúpulos?
N: Fazer coisas que não podem em termos de investimentos.
E: Ferindo normas? E a turma fazia? Alguns.
N: Sim, não posso citar nomes.
E: Não, não, não fale nomes.
N: Uma pessoa fazia isso e muito.
E: Você sentiu claramente que ele passava por cima das normas para conseguir o
que precisava.
N: Com certeza. Eu realmente dei “tchau” para aquilo. Agora eu não iria me sentir
mais fazendo fofoca... Eu cuido muito da minha vida. Todo mundo se preocupa com
a vida dos outros, na igreja ou no trabalho ou... Aquilo me incomodava muito e eu
não sabia se eu...
E: Se você deveria falar ou não. Para o César ou para o Gilberto.
N: Ou se eles sabiam. Eu comentei que era difícil lidar com tal pessoa, porque ela
não era confiável etc. Eu não batia a minha meta para sair por cima de ninguém,
passando o meu processo primeiro por achar que fosse mais importante. Nunca
achei que o meu fosse mais importante. Falei da pessoa e pedi que eles tomarem
cuidado com aquela pessoa.
E: Muito bem.
N: Ele agradeceu, disse que estava percebendo. Porque a partir do momento que
você tem intimidade com a pessoa, se você percebe o problema, você é responsável
também junto. Se você está vendo, você tem que comunicar.
E: É verdade.
N: Então eu tinha que falar com ele... com toda a liberdade que eu tenho com o
Gilberto, eu devo tudo a ele, pela oportunidade que ele me deu, pelo que me
136
ensinou, eu sou da área de civil, extremamente técnica. Nunca tinha feito nada
assim... Eu fui estudar Administração, porque eu queria sair do técnico e aí ele me
deu a oportunidade de conhecer um mercado novo, e eu fui crescendo junto com
ele, então assim para mim, foi muito difícil, me despreender, na minha relação em
termos de gestão com ele era muito boa, muito forte, mas como ele mesmo me
disse...
E: O que você gostava do estilo do Gilberto, o teu superintendente?
N: Ele é muito prático. Ele não... assim ele é muito predisposto, ele conhece muito o
mercado então qualquer problema que eu tinha, chegava na mesa dele, eu ia à
mesa dele e ele dizia, “vamos resolver isso agora”. Ele era assim: vamos resolver
agora. Porque assim, você precisa respeitar a hierarquia. Com determinados... eu
não podia ir lá falar com fulano de tal sozinha.
E: Com o Manolo?
N: Com outras áreas, eu tinha..
E: Superintendentes de outras áreas.
N: Então, às vezes ele olhava e falava “vai você, vai e diz que eu que falei,
meu nome...”. Ele sempre foi muito de me apoiar, primeiro de me ensinar, depois
quando ele viu que eu tava caminhando sozinha, de ficar delegando coisas para
mim. Na minha vida pessoal eu tive vários problemas, no ano passado minha mãe
morreu, então assim, ele foi extremamente humano comigo em tudo que eu
precisava, disse que o que eu precisasse eu podia contar com ele. E o César, bom,
é completamente, pode estar caindo o céu na cabeça dele que ele sempre está
tranqüilo. Então eu passei alguns momentos de stress lá, por conta...
E: Eles te conquistaram por essa maneira de ser?
N: Exatamente. O Gilberto pelo profissionalismo, pela oportunidade como gestor,
pelo apoio, pelo posicionamento, ele quando tinha que me criticar me criticava,
sempre de uma maneira muito construtiva, sempre soube falar comigo, me
respeitava muito. Porque eu por ser mulher... porque eu era a única mulher da
equipe. Hoje eu não sou mais. Eu tinha essa questão. Eram todos homens. Ele
sempre perguntava, dizia, “olha você que é uma mulher bonita, cuidado”. Aí eu dizia:
“Não, Gilberto. Eu acho que se as pessoas reclamarem porque levam cantada é
porque dão oportunidade.” Ele dizia: “se acontecer alguma coisa, você me avisa,
viu? Você não precisa mais voltar no cliente...” Então ele era preocupado comigo
também como pessoa e não só como profissional. Acho isso importante, porque no
137
mundo corporativo as pessoas se esquecem que você não é máquina, que você tem
uma vida além do trabalho. Também você não pode ser amigo completamente e não
chamar a atenção na hora necessária.
E: O Gilberto, o César e agora o Dênis foram os seus chefes?
N: Não o César não era. O César era meu par. Só que ele era Sênior. Chefe mesmo
era o Gilberto, era meu e dele. O César é uma pessoa muito boa, pela própria
religião dele, eu acho que ele... ele tava mais próximo de mim no dia a dia. Não dava
certo e ele perguntava se eu o estava bem e sempre fez muita questão de me
ajudar sempre não porque eu precisava no trabalho, mas como pessoa. E eu
preferia perguntar para ele primeiro. Ele é uma pessoa fantástica. Eu o admiro muito,
muito mesmo.
E: E me fala uma coisa, Nádia, você está enaltecendo as qualidades do Gilberto, e
que te conquistaram, ou seja, quando o Gilberto pedia uma coisa para você, você
fazia alegre, feliz e contente?
N: Assim, ele reconhecia muito meu esforço, meu comprometimento, acho que é por
isso que ele cuidava de mim dessa forma.
E: Você falou que era mais fácil, não digo burlar as normas, mas conseguir alguma
flexibilização nas normas no Banco A do que aqui no Banco B. Como você faz para
que as pessoas... porque lá você tentava um jeitinho nos documentos...
N: .... Negociava.
E: Negociava, e aqui como você faz?
N: Aqui não tem tanta coisa como lá. Peguei uma carteira zerada. E eu vivi muito
tempo... Problemas aqui têm muito pouco. Mas aqui no Banco B é extremamente
ético e prega isso para as pessoas, a gente faz curso disso tal, segundo, é um
banco conservador, por conta de...
E: Conservador em que sentido? Não é arrojado?
N: Ele é, mas ele quer ter muita, muita segurança de que vai dar tudo certo. Um dos
exemplos é de que tem que ter segregação dos rendimentos. no Banco A não
precisa nada. Ele entende que as garantias são suficientes e a hipoteca acabou.
Aqui, o padrão afeta tudo. Aí se você vai argumentar, você tem que falar com o
jurídico, eles dizem que a hipoteca não vai junto, explicam que não está no
padrão. Então viram uma sessão. Então, as coisas que para mim surpreendem.
Mas se eu quitar meu apartamento, eu não vou querer que ele fique como garantia
no banco, eu não vou dar como garantia algo que eu paguei, igual carro, se eu
138
quitar o carro, ele vira meu, meu, não vai estar alienado ao banco. Então no
Banco B eles querem mais garantias do que precisa.
E: Então aqui é mais difícil você lidar com esse tipo de coisa?
N: Não, não é que é mais difícil, eu tenho que me adaptar. É assim. Tem que
aprender.
E: Ponto.
N: Então logicamente a gente tenta brigar por alguma coisa. A negociação é
diferente. você negocia o depois. A liberar, enfim. Aqui você tem que se
preocupar muito com o antes.
E: O antes da aprovação, de assinar o contrato.
N: Isso. Argumenta, porque fez a permuta, ver o que vai acontecer até aprovar,
não é assim, lá é o depois, aqui é o antes.
E: Com todos os bancos? Incorporadoras?
N: Então, não, era diferente, eu sou uma prova de que tem novidades... Então é
outra abordagem que você tem que fazer.
E: Qual você gosta mais? Do jeito que você tinha que trabalhar para convencer no
Banco A as pessoas, ou do jeito que você tem que trabalhar aqui no Banco B para
convencer as pessoas?
N: Lá, como eu falei, eu conseguia as coisas de modo mais fácil. Mas aqui,
pensando nas oportunidades de crescimento, no momento que estão acontecendo
as coisas, aqui é melhor. Primeiro, porque você tem uma noção de controle, você
sabe que tem que trabalhar dentro daquela linha e acabou, você sempre tinha a
política, que usar o jeitinho. Então por conta disso, pensando assim, no novo cargo,
porque financiamento leva tempo para acabar, então eu vivia um desgaste que
não tinha a necessidade de acontecer se tivesse tudo ok.
E: Ou seja, esse jeitinho é desgastante.
N: É desgastante. E começa a emperrar tudo. No operacional.
E: Entendi.
N: E aqui não tem isso. Eu conversei com várias pessoas aqui, para saber. Até o
superintendente. Eu não me lembro da última vez que o RO me incomodou por
conta de uma liberação, alguma coisa. Porque se ele consegue de um jeito, é
porque é alguma coisa simples, que para resolver e não no comercial ou no
operacional.
E: Entendi.
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N: E no Banco A, não. é o jeitinho primeiro. Eu sabia que se naquele dia o
telefone fosse tocar, não mandava documento nenhum, ia saber que já estava
parcela atrasada, e ficava aquele stress. Porque não queria liberar e não queria
fazer nada e eu no meio. Eu olhava e achava “assim ótimo, você não faz nada e
eu”... Eu lembro de uma ocasião que eu falei o seguinte: eu vou preencher o
formulário enquanto você inclui o penhor da nova venda, eu fui, preenchi, mandei
para ele, falei, olha aí, assina e me passa o fax. Para ver se eu ajudava.
E: Nossa Senhora!
N: É interessante, sim, porque essas coisas, tava um mês aqui, ele me achou aqui,
quer dizer, não contei para ninguém, não vou falar do Banco A, não tem cabimento,
não sei como, ele me achou. Ele, o empresário que eu ajudei, me ligou e disse “tô te
ligando para fazer um convite.” Ele queria que eu trabalhasse para ele. Falei:
Obrigada, que honra pelo convite! Ele disse: “Agora nada mais funciona sem você,
porque eu preciso de uma pessoa assim.” Eu disse assim: primeiro eu não tenho
mais essa intenção de voltar a trabalhar com construtora. Eu fiz outra opção na
minha vida, eu estudei, eu feliz, me encontrando na área financeira. Eu tinha
acabado de entrar aqui. Você acha que eu vou pedir demissão? Não. Mas fiquei
lisonjeada pelo convite.
E: E era para fazer o quê?
N: Era para ajudar na área de incorporação. Eles estão ampliando o prédio, o
terreno, eles estavam precisando de uma pessoa para a área de incorporação.
E: Para você atingir um objetivo corporativo, você... quais são seus limites? Você me
falou um, lá daquela pessoa, não vai falar o nome, lá no Banco A.
N: Primeiro, limite, você... tem que ser ético, tem que.. não pode passar por cima de
ninguém, isso é primordial, 9 anos num mundo competitivo, cada um tem seus
deveres mas sem ser prejudicial. Então assim, meu limite, no meu esforço, no que
eu posso fazer, até onde posso ir, não posso fazer nada que fira as normas do
banco, ou fira as pessoas que trabalham comigo, como acontece, pelo que vejo
muito, por conta dessas parcerias do banco, um puxar para cá, outro puxar para lá...
porque está acontecendo muito, por conta das parcerias das incorporadoras isso
acaba prejudicando os bancos.
E: Essas parcerias das incorporadoras?
N: Exatamente. Então eu acho que o limite é onde a vida nos proporciona diante do
nosso esforço.
140
E: Isso veio de onde? Da família?
N: Da família, nossa meu pai, desde pequena. As pessoas esquecem que todos são
iguais. Aí você pega um elevador com o vice-presidente e ele nem te cumprimenta.
Eu fico surpresa, como as pessoas esquecem. Cada um fazendo sua parte, a
secretária é tão importante quanto o superintendente. As pessoas te tratam de uma
maneira muito diferente. Eu fiquei um pouco decepcionada assim.
E: Com o mundo corporativo.
N: É. Parece que você vale o que você é. Aqui não é o que você tem de dinheiro,
Mas você é um cargo. Então o Roberto Setúbal está fazendo um trabalho bem
importante, de mandar as pessoas pararem de chamar o diretor de doutor, para
aproximar as pessoas. Acho que isso aproxima um pouco uma pessoa da outra.
E: Diminui o degrau.
N: Ele está fazendo isso e eu participei de um curso de gestão de pessoas, e vi o
diretor e ele não quer mais esse tipo de coisa. Legal.
E: Você acha que existe diferença entre liderar ou conduzir pessoas com diferenças
de gênero, raça, credo, inteligência... você muda o seu estilo?
N: Eu não. Eu não.
E: Não?
N: o. A pouca experiência que eu tenho em gestão de pessoas é no sentido de
identificar o potencial de cada um, você tem que perceber o que cada um tem de
melhor e aí você trabalhar, você conseguir delegar, enfim, extrair isso da pessoa.
Agora você não pode colocar todo mundo junto senão pensa que o quatro
cientistas que falam... aqui estão pessoas muito inteligentes, são engenheiros da
Poli... a opção minha é de... é de... você fala com eles e e eles até surtam... eles não
interagem. É muito interessante.
E: Por que eles não interagem? Porque são engenheiros da Poli?
N: Eles interagem com o computador. O pessoal brinca... É uma coisa assim...
Parece que... e quem trabalha na área comercial e tem perfil para isso, você não
consegue, você tem que falar com alguém, tem que trocar telefone... então eles
estão juntos conosco e as pessoas criticam as vezes dizem que eles ficam falando
sobre ferramentas de computador...ficam tirando sarro. Eles não são menos nem
mais que nós, nossa função é uma e a função deles é outra, cada um tem o seu
valor no mercado.
E: Você lida com eles da mesma forma...
141
N: Com certeza, primeiro eu observo muito a pessoa, para depois ver como agir, se
posso brincar, nesse sentido sim. Mas de liderança, eu não tenho outra forma, mais
o jeito como você trata as pessoas.
E: Qual o nome para esse estilo? Ou alguns nomes, alguns adjetivos? Seria.. Eu sou
um líder que...com relação as pessoas?
N: Que busca o melhor de cada um.
E: Uma frase, tá bom. Que busca?
N: O que cada um tem de potencial, de qualidades.
E: E aí você arranca isso dele.
N: Você tem que potencializar isso nele.
E: Potencializar, essa é a palavra.
N: Você tem os meninos e assim, não dá para você chegar para eles e dizer vai
atender o cliente. Deus me livre. Não dá. Por isso que eu falei, as pessoas criticam,
mas a função deles é essa, interagir pelo computador. E se você perguntar, eles
amam o que fazem.
E: Se você os chefiasse, é isso, é potencializar o melhor de cada um, a competência
de cada um.
N: A pessoa tem que fazer o que gosta, tem que incentivá-la. Se eu pegar um
desses meninos levar para atender um cliente, ele vai pedir demissão. Eu sou o
contrário, trabalhei na área técnica, achando que eu amava, reclamava, vivia
presa numa obra em execução, e eu tentava uma interação com os peões de obra,
mas chegou uma hora que eu percebi que... porque... é muito... se você é bonzinho
e pede com gentileza como fazer uma parede de uma forma, você vira as costas e
eles não fazem, e chegou um momento que o mestre de obras meio que “traduzia” o
que eu queria dizer para eles de uma forma muito mais rude e dessa forma
funcionava. E chegou uma época que eu estava comentando que.. se eu tivesse que
deixar de ser quem eu sou para virar uma pessoa fria...
E: Mas é frio você chegar para alguém e dar uma ordem?
N: Não, mas eu acho que o precisa ser rude. Eu pedia, por favor, falava
obrigada... e ninguém me obedecia.
E: Ninguém te obedecia.
N: O mestre de obra falou assim, com esse jeito, com essa educação toda, eles não
estão acostumados. Eles apanham desde pequeno, tem uma mão de pino, que
educam na base da porrada... você acha que entendem o que você fala? Eles são
142
como animais aqui. Eu trabalho há 40 anos em obras, você não vai conseguir mudar
isso. Tanto que na época eu até tentei implantar um sistema de qualidade, tinha
regra, tinham que se adequar... eu não tinha apoio do dono da empresa que achava
que eu estava gastando dinheiro com aquilo... então, chegou uma época que eu
fiquei num conflito interno, eu não consigo ser o que sou no trabalho, e isso não deu
certo.
E: Por isso você saiu da área técnica. Aqui você consegue ser o que você é?
N: Sim
E: E você consegue pedir por favor e falar obrigado e as coisas acontecem?
N: Acontecem.
E: Muito legal.
N: E o que eu mais gosto do contato, é exatamente isso, poder lidar com as
pessoas, essa troca, eu vou à reunião, eu tenho dificuldade, o meu chefe, ele
sempre está me ensinando alguma coisa e eu me sinto motivada por ensinar algo a
ele. Mas hoje eu estou muito feliz, realizada, eu estou muito mais segura... eu
voltava para casa triste.
E: Muito bom. Para finalizar, os teus pares, com relação ao seu superintendente, ou
os outros pares, com relação aos superintendentes deles, aos gerentes seniores
deles, eles obedecem aos superintendentes e aos gerentes porque eles são bons
líderes ou porque quem é esperto obedece? Pode ser de do Banco A e daqui
também.
N: Eu acho que tanto lá quanto aqui, eles obedecem porque eles são bons.
E: Os líderes são bons, conseguem cativar.
N: Eles conseguem, porque eles são bons. Isso eu acho importante, que as pessoas
se sintam importantes.
E: Isso é importante para as pessoas? As pessoas que se sentem importantes elas
fazem as coisas de bom grado?
N: Fazem porque elas tomam a decisão de bom gosto, estão vendo a coisa correr.
Lógico, feedback negativo também tem. Eu acho que as pessoas tem que fazer
de uma forma mais ... nos bancos.. tem a avaliação comercial... ah, senta aqui que
eu tenho que fazer o feedback... e faz de uma forma corrida e não como deveria ser.
Aconteceu alguma coisa, vamos conversar. Você deve ter um jeito de fazer uma
crítica mais construtiva.
143
E: no Banco A era mais na hora? Aqui, não, fica para avaliação. era mais
informal e aqui mais formal. Qual era o mais gostoso? Falando do formal e informal.
Esquece salário, esquece chefe...
N: Eu tenho saudades de lá, mas eu sei que a minha carreira...
E: Então você acredita que uma estrutura informal é mais gostosa mas ela não é tão
eficiente?
N: Isso. Lá é melhor é mais fácil, mas aqui você tem uma segurança maior.
E: Você sente mais segura e isso aumenta tua liberdade de agir. Entendi.
N: Mas lidar com pessoas é uma arte.
E: Muito obrigado.
N: Obrigada pela oportunidade.
Oliveira
E: (Apresentação do funcionamento do gravador digital. Conversa Informal.) Vamos
lá. Nome?
O: César Oliveira Solai.
E: Muito bom. O César é meu amigo há alguns anos, não vou deixar gravado quanto
tempo porque senão pega mal (risos), e trabalha no Banco B, me fala um pouco
sobre isso.
O: Trabalho no Banco B desde novembro de 1980. Entrei aqui numa área pequena
que estava sendo montada chamada Estudo do Mercado Imobiliário; nós
analisávamos o mercado e dávamos subsídios para crédito imobiliário na época o
que fazer, onde fazer, qual o melhor local, qual bairro que poderia ter mais chance
de desenvolvimento, de ter incorporações do que outros, super interessante etc.
Depois eu fui para a área de patrimônio, onde nós analisávamos locais para
instalações de agências. Eram definidos bairros e ruas e dentro desse quadrilátero,
ou hexágono, você tinha que definir qual o melhor ponto para montar uma agência.
E: Do perímetro.
O: Dentro do perímetro pré-estudado por uma outra área de lá. Ali nós analisávamos
ou compra ou locação. E muitas vezes comprar uma casa mais antiga, demolia, o
banco construía a agência. Este era o nosso foco. Depois eu fui dentro da área de
patrimônio, fui convidado para fazer parte da montagem de uma imobiliária dentro do
144
banco, onde na época, todos os imóveis reformados do banco, seja área comercial
ou crédito imobiliário, seria esta empresa que venderia, regularizaria esses imóveis e
venderia. eu fiquei também um tempo nessa área. Nós tínhamos à época uns
2500 imóveis à venda. fiquei uns três anos nessa área. Depois disso, eu fui
convidado em 89 para entrar na área de crédito imobiliário e passei por todas as
áreas operacionais até chegar na comercial em 2000.
E: Em 2000. E aí qual é a sua função desde 2000 nessa área?
O: Gerente Comercial de Crédito Imobiliário onde essa atividade principal é a
captação de clientes.
E: Como é a estrutura de Crédito Imobiliário, quem está acima de você?
O: Ela mudou radicalmente de um ano e meio para cá. O presidente Dr. Roberto,
abaixo dele, dentro da área de crédito imobiliário, temos um diretor-executivo
(nome), diretor-gerente (nome), diretor que veio do Banco D, uns 10 anos, e
acumula duas funções, depois abaixo dele, temos 2 superintendentes, um
superintendente que é PJ, depois embaixo do PJ, nós temos, um superintendente
jurídico, um superintendente operacional, que cuida de execução de contratos de
pessoas físicas e depois temos um superintendente operacional voltado para pessoa
jurídica. Abaixo do superintendente comercial, somos 5 gerentes seniores, e cada
gerente tem em média 4 gerentes embaixo, para atender determinadas regiões.
E: Esses 5 seniores, a divisão abrange todo o Brasil?
O: O Brasil todo.
E: Essa divisão é geográfica?
O: Não. Antes era geográfica, este ano nós fizemos uma experiência, que depois
vamos avaliar se voltamos para região, regional ou mantemos dessa forma agora,
que é a seguinte: o Banco B, ele tem classificado empresas, dentro do mercado
como um todo, em várias atividades das PJs, ele classifica em função de
faturamentos. Então, essas empresas são atendidas por plataformas. Temos Banco
B BANCO BB, as maiores, depois nós temos empresas 1, plataformas de empresas
2, plataformas de empresas 3, OK? Então, o que acontece? Esses 5 seniores, todos
eles têm carteira N1, empresas 1 e administram gerentes que trabalham em N2 e
N3.
E: Ah, entendi. Esses seniors, você é um dos seniors?
145
O: Sou. Então eu tenho 4 abaixo. Esses quatro atuam parte de São Paulo, Minas
Gerais, interior de São Paulo. É distribuído de tal forma pela quantidade de
empresas que têm, voltadas à área imobiliária.
E: OK, perfeito. Tem alguém abaixo de seus gerentes?
O: Não. Área comercial e ao todos nós somos acho que em 22, seniors, gerentes em
regiões.
E: Ok, muito bom. César, dentro de sua função, você tem liberdade de decidir o
quê?
O: Muito bem. Nós temos, isso definido pela nossa diretoria, produto desenhado,
com todos os parâmetros de prateleira que nós devemos vender esse produto.
Dependendo da empresa, dependendo do empreendimento, nós podemos, nós
temos alçadas para flexibilizar alguma coisa, mas isso não quer dizer que será
aprovado com essa flexibilização que estou dando para aquela empresa. O caso é o
seguinte: “vou tentar chegar até aqui”, está dentro da flexibilidade que tem cada um,
porque cada caso é um caso. Vamos pegar um exemplo de pessoa física, nós dois.
Você tem conta no Banco B e eu também tenho conta no Banco B. O nicho que eu
tenho é diferente do seu. A linha de crédito que eu possa ter é diferente do mesmo
crédito que você possa ter.
E: Porque você é funcionário.
O: Não, esquece que eu sou funcionário. Nós dois fora, esquece que sou funcionário
do banco. Então, pessoas físicas têm taxas diferenciadas, têm volume de crédito
aprovado diferenciado de um do outro que têm o mesmo ganho, tem tudo; em
função de outras análises que são feitas, de tal forma que nós queremos encontrar
isso na pessoa jurídica. Muito bem, então nós vamos trabalhar com empresa, vamos
aprovar um limite de crédito para aquela empresa. Quanto vale aquela empresa?
Para que a gente possa aprovar um limite de crédito. Você pode ter duas empresas
com faturamentos iguais, balanços iguais, etc, mas elas terão créditos diferenciados.
E: Por outros parâmetros.
O: Por outros parâmetros, então veja, a flexibilização que nós temos é muito
pequena frente ao que eu acho que nós deveríamos ter. Mas é uma postura da
empresa, uma decisão da empresa, você não pode discutir. É isso que tem que ser
feito, você pode lançar uma idéia em uma reunião, para ter mais isso ou aquilo, mas
se o retorno não vem, você tem que continuar do jeito que está. Você tem que saber
acatar isso.
146
E: Dentro dessa flexibilidade, essa flexibilização, você acha que ela é pequena?
O: Pequena.
E: Essa flexibilização é dentro do quê? Flexibilização em volume de crédito...
O: Em função daquilo que você pode flexibilizar com relação a..., é uma SPE, ela
constituída de uma forma que não igual à que o banco desenhou, mas é uma
mutação de gráfico, então você pode... isso para assumir, uma taxa de juros que
você pode aumentar ou diminuir, de acordo com o que você acha que é o
empreendimento, nós temos parâmetros para liberar a primeira parcela, você pode
flexibilizar um pouco, você tem 30% de venda, 20% de obra, dependendo da
empresa, do ranking dela dentro do banco eu posso falar eu te dou 30% de venda e
você me faz simulação... são parâmetros que você pode dar uma mexida nele,
mas nunca perdendo o foco na garantia, na liquidez. O mais importante para o
banco é a liquidez e não a garantia.
E: Liquidez do empreendimento. Por isso é sério.
O: Do empreendimento. Por isso é sério.
E: Entendi. Prazos. Você tem liberdade para tomar decisão a respeito de prazos?
O: Prazos?
E: Quem te cobra prazos é o cliente?
O: Não estou entendendo esses prazos. Prazos de quê?
E: Imagine que o cliente queira o crédito para ontem.
O: Não, veja bem, nós temos prazos em cada etapa do processo. A partir do
momento que com determinado cliente ele quer fazer alguma coisa acertando algo e
foi acertado, ele tem que me mandar um determinado número de informações,
documentos, para eu juntar tudo, fazer um relatório e mandar para a área de crédito;
a partir do momento que ele tiver isso completo em mãos, a área de crédito tem de
30 a 35 meses para liberar o crédito. Eu não prometo nada antes e nem falo que o
prazo pode alongar ainda mais, o prazo médio é de 2 meses. Esse é o prazo que a
comissão definiu em função do volume de processos que tem em análise e isto é
perfeitamente plausível
E: Essa liberdade que você tem... por exemplo, almoço, você pode almoçar a hora
que você quiser?
O: Almoço em função do volume de funcionários que existe nesse conglomerado,
tem em torno de 8000, temos aqui 4 restaurantes. Você entra no restaurante e tem
escolha, foi implantado questão de 3 meses atrás. Eles fizeram dessa forma para
147
atender com velocidade o maior número de pessoas. A maioria das pessoas prefere
almoçar entre meio-dia, meio-dia e meia, se você for uma e quinze, uma e meia, o
restaurante está menos cheio, se for tipo quinze para as duas, melhor. Depende
muito o almoço do que nós estamos fazendo aqui, se estamos terminando um e-
mail, não vamos parar isso no meio para almoçar. A gente tem flexibilidade para
almoçar entre meio-dia e duas horas, o restaurante vai até duas e meia. Flexibilidade
total em horário de almoço.
E: Os teus gerentes também?
O: Também. Logicamente sempre fica alguém de retaguarda para atender telefone.
Um fica, para o outro almoçar, eles se revezam.
E: Os teus funcionários. Que liberdade você tem para decidir coisas deles?
O: Decidir coisas deles é o seguinte. Eles contratam uma coisa, quando eles vão a
uma visita, eles sugerem práticas que eu conversei com eles, eles voltam para dizer
como foi o encontro, se vai dar alguma coisa, se houve dificuldades, se houve
alguma pergunta que eles não souberam responder, para entender melhor como
eles se saíram. Lógico que isso, s deveríamos fazer de uma maneira mais
constante. Inclusive participar de visitas deles para acompanhar também. que
nós também temos que viajar muito. Então veja, está pecando um pouco isso esse
atendimento, mas quem faz a agenda deles, depois eles fazem os relatórios de
visita, eu vejo os relatórios, às vezes o bate uma conversa, mas dá para ver no
relatório o que aconteceu. Liberdade total para agenda deles, marcar passagem ida
e volta, vai para as visitas, depois precisa prestar as devidas contas. X visitas, fiquei
2 dias em tal lugar etc. É isso que s acompanhamos. Não há uma imposição para
ir para tal local. Cada um sabe o seu cliente como ele é. Se ele precisa voltar 3
vezes num cliente, ele vai voltar 3 vezes. Cada um que vai ter que sentir a
necessidade.
E: Você dá uma orientação nesse sentido?
O: A partir do momento que entra aqui na empresa, você tem que passar a cultura
da empresa, para que cada um saiba como funciona. Primeiramente, você passa
como é o produto, lógico que 11 anos dentro do mercado, dentro do banco, perfil
comercial tem, basta conhecer o produto.
E: É difícil o produto?
O: Não é difícil, é um pouquinho complexo, em função de documentação, em função
de não conhecimento em parte de empresas, de como funcionam, hoje em função
148
do mercado, todas elas querem crescer, mas precisam ter recursos, e não têm
caixa, vão procurar o banco e não sabem como funcionam, não têm noção, então
isso gera um trabalho, de como falar..., não carregar no colo, mas você uma
assistência muito maior do que para outros. Você vai a uma loja comprar uma
Mercedes de 300 mil, você fala, trabalho em tal lugar, ganho tanto, posso pagar
tanto, dou um sinal e meia hora depois você sai com o carro. Aqui para você
comprar um apartamento de 60 mil reais, por que leva de 30 a 40 dias? Você precisa
pedir certidão disso, daquilo, porque você precisa angariar a documentação e
alguém tem que analisar e rodar o contrato.
E: É mais fácil você ensinar alguém da área comercial do banco e ensinar o produto
ou pegar alguém do produto e ensinar a parte comercial?
O: Veja, o comercial está na pessoa. Tem pessoa que não tem perfil comercial.
Pessoa não sabe falar não. O principal é não saber falar não. A pessoa não se sente
bem em ter que ligar de novo para o cliente e perguntar as mesmas coisas. Então
você nota que a pessoa não tem um perfil comercial. Ela pode ser ótima em outras
atividades. Nem todo mundo é obrigado a ter perfil comercial como nem todo mundo
é obrigado a fazer serviço operacional. Eu acho que o ser ou não comercial está na
pessoa. É como pessoas que não gostam de atender pessoas. Você imaginou
uma pessoa assim a ter que trabalhar numa central de atendimento? Essa pessoa
morre.
E: Qual a melhor maneira de você influenciar os seus gerentes?
O: Influenciar não, você orienta.
E: Como você orienta?
O: Veja, é... qual é a metodologia usada para você abordar um cliente? Você pode
passar isso para ele. Por exemplo, postura, está certo?, para você atender o cliente,
você tem que estar, não como um lorde no estilo, mas apresentável, barbeado, a
aparência tem que ser tratada, você tem que ter conhecimento daquilo que você
está vendendo, isto é o mais importante, e você tem que ser muito objetivo naquilo
que você fala. As suas atitudes são medidas. Se você falar algo que não deveria e
você perceber depois, retorne e fale, olhe, errei aqui, não era isso. Ser aberto, ser
transparente com o cliente. Esse é o principal.
E: E você os orienta nisso?
O: Veja eu passo isso para eles, mas depois é o que eu falei, na prática, a teoria é
outra.
149
E: (risos).
O: Voquando estudante, naquele afã, de sair logo, de se formar logo, exercer
aquela atividade que você estudou, na hora que você começa, na prática a teoria é
outra, sabe por quê? Porque você tem pela frente pessoas.
E: O fato de ter pessoas pela frente uma instabilidade num relacionamento, é
isso?
O: O que eu quero dizer é que você não é um cientista, né? Você não vai ficar
trancado numa sala estudando. É diferente. Você quando tem um relacionamento
em qualquer uma atividade, como advogado, engenheiro, veja engenheiro que tem
que lidar com peão, se você não tiver um jogo de cintura para lidar com peão, ele te
leva na conversa, isso que quero dizer, então você como estudante pode ser
excelente, mas dentro da sua atividade... veja advogados, advogados que o
conseguem... que parte para outro ramo da advocacia que não é aquele de defender
o cliente, representar o cliente em alguma coisa. São situações que a própria pessoa
depois, na atividade, no dia a dia, percebe que isso não é para ela. Isto é que em
vários fatores é o relacionamento.
E: Eu posso ousar em dizer que é o ponto mais importante do gerente?
O: Não, não é o mais importante, é um dos mais importantes. Então vamos filtrar e
ficar na crédito imobiliário. 300 funcionários. Existe a área de crédito, existe a
área de contratação, existe a área jurídica, você a partir do momento que aprova um
crédito, o que você quer que aconteça? Que esse contrato saia o mais rápido
possível. E se você o tiver uma boa interação com os responsáveis dessas áreas,
o contrato não sai. Se você não souber chegar de uma forma tal e pedir que aquele
processo você precisa com uma certa urgência, porque senão você perde, aquele
cliente para o concorrente. Você vai ficar marcado não naquela área, mas em todas
as áreas. O relacionamento numa grande instituição é um grande diferencial para as
pessoas que ficam um determinado tempo nessa empresa. As pessoas que não se
integram, interagem, elas caem fora, elas são cartas fora do baralho.
E: Elas são expulsas pelo sistema?
O: São. Elas mesmas passam a perceber que não são bemvindas. E isso ocorre de
uma maneira muito maior do que você imagina.
E: Esta é a tua ferramenta para você conversar com os outros gerentes do
jurídico, lá da engenharia?
150
O: Lógico, você não vai chegar como uma donzela. Tá certo? Você tem como
fazer que eles entendam que a tua necessidade às vezes é maior do que a do outro.
Porque cai tudo no mesmo balaio. s somos em 22, chega processo de todo
mundo e cai na mesma cesta. No mesmo jurídico, no mesmo crédito... Mas eu acho
que o relacionamento é importante para as coisas andarem de forma mais
harmoniosa e mais rápida. Você trabalhar numa empresa e encontrar aquelas
pessoas de novo...
E: Como você constrói esses relacionamentos?
O: É complicado. Eu acho que depende muito de empatia. Eu acho que depende
também da abordagem que você faz para a pessoa. Então, coloque-se no lugar do
outro, que tem 50 processos na mão, a área tem 50 processos, 8 processos na mão
de um advogado, então você tem que chegar de uma maneira, que não pareça um
enchedor de saco, um intruso, “poxa, lá vem aquele cara de novo pedir...”
E: Você tem que criar uma marca para o seu nome? Um marketing?
O: Aja com os outros da mesma maneira como gostaria que agissem com você. É
simples, mas na realidade não é simples, nem todo mundo é assim. Há pessoas que
agem “chutando o pau da barraca” (exemplos de irritação). Se você faz isso numa
empresa pequena, o dono te uma porrada. Se você faz isso numa empresa
grande, eles vão te comer pelas bordas.
E: Porque é a área comercial de crédito imobiliário que...
O: Nós não captamos. Primeiro passo, área de crédito, depois o jurídico, e você vai
defender esse crédito com a comissão, com o diretor de crédito do Banco B e não da
crédito imobiliário.
E: Você põe o teu diretor a tira-colo para entrar na comissão ou não? Nem o teu
superintendente?
O: Quando dá eles vão, mas não vão em todas.
E: Você é que vai, o sênior vai, os teus funcionários vão com você.
O: Nós vamos defender a causa dele.
E: Tem diferenças ou nuanças entre jurídico, crédito, operacional?
O: A partir do momento que o crédito está aprovado, o que nós vamos ter? O
operacional técnico, que é a engenharia, operacional jurídico e nós temos o
operacional, que é o gerente operacional, que junta as partes, que faz o contrato.
São tantas pessoas envolvidas que é preciso um jogo de cintura para que o negócio
ande o mais rápido possível.
151
E: O que você faz aí?
O: Você passa a ligar para empresa e fala, olha estou precisando disso, eu digo,
você tem que ajudar.
E: Qual é o mais fácil de lidar? Tem ou não tem diferença?
O: Eu não digo que muitas vezes não é que a pessoa não quer fazer. Muitas vezes a
gente tem dificuldades com o volume de coisas que chega. Eu primeiro me coloco
no lugar da pessoa. O que acontece? A área nossa que falta maior reestruturação é
a área de repasse. Na nossa área, um grande volume de pessoas físicas, e a
coisa não sai no prazo que deveria sair. Isso gera maior stress e é outra
superintendência.
E: Você precisa pedir, o que você precisa fazer para o processo se adiantar, o
jeitinho?
O: Eu digo que quando o processo está em andamento, é que a análise precisa ser
feita em três dias, eu peço que seja feita em dois dias ou em um.
E: Mas é jeitinho. Mas isso é quando você tem que falar com os outros gerentes,
com os seus pares, certo?
O: Pares de outras áreas, não da área comercial. Veja, todos aqui têm liberdade, eu
posso ir direto no analista, não barreiras. Por exemplo, se alguém chegar, se
alguém quiser falar comigo, precisa disso, daquilo, aqui não tem porta. A liberdade
aqui existe. Eu vou no analista: “meu amigo eu te mandei 30 processos de repasse,
como está?” Aí se extrapolar muito é preciso ir ao responsável da área de crédito.
E: Você orienta os seus gerentes para fazer a mesma coisa?
O: Exatamente.
E: Isso é treinamento.
O: Eu pergunto por que o processo foi paralisado?
E: Você orienta, dá o caminho das pedras para os seus gerentes.
O: Não adianta se não disser a quem se dirigir. Digo com quem eles devem se
dirigir. Mas cada um se vira para correr atrás do seu processo.
E: E para cima, César, como você faz para convencer seus superiores? Qual a
metodologia?
O: Convencer do quê?
E: De alguma coisa que precisa ser feita.
O: Total liberdade em qualquer reunião. Temos aqui reunião semanais com
superintendentes seniors. Uma vez por mês, reunião com todos os gerentes com
152
superintendente. Cada um vai falar das dificuldades nas regiões, as comparações
com outros bancos, estamos perdendo isso, deveríamos mudar aquilo. E coloca na
mesa aquilo que acha. Se isso vai surgir um efeito, saberemos depois. Aí nós temos
uma vez por semana aí quem está aqui participa, dos seniors, se todo mundo estiver
viajando, vai o superintendente nosso. É uma reunião com a área comercial, PF,
PJ.
E: Aquela da agência?
O: Não.
E: Ah, lá de cima.
O: é colocado em números, o que captou, o que aprovou de crédito, tanto para
PF, ou PJ. O que aumentou, diminuiu, o que está acontecendo. Mas não que você
não seja ouvido.
E: Alguma conversa direta, particular com seu superintendente adianta?
O: Sim, como disse, aqui não tem porta. Você vai, entra na sala, conversa, decide,
leva para cima, não, aborta etc.
E: Para você atingir um objetivo corporativo, quais são os limites para atingir um
limite corporativo? Você tem metas?
O: Sim, aqui todo mundo tem metas. Tem a meta da minha plataforma, que é a
soma de todo mundo, inclusive a minha, e cada um tem uma meta individual. Você
tem que trabalhar com o objetivo de atingir a meta, superando-a no mínimo em 10 %
de atuação.
E: Existem bônus? Qual a conotação do bônus?
O: Se você atingiu a meta, você ganha 30%, para você ganhar 100% você tem
que atingir 105%.
E: Esse ganho é em dinheiro?
O: Dinheiro. Quando o banco vai pagar o VR, você recebe junto em função do que
ganhou em cima da meta, tem algumas regras, você chega num determinado ponto
que pode ganhar mais 3 ou 4 salários.
E: Isso fora 13. salário, férias...
O: Isso é à parte. É bônus.
E: Isso vale para os seus gerentes, para você que é senior, para os teus
superintendentes?
O: A regra do jogo é igual desde o diretor executivo até lá os gerentes. As metas são
diferentes.
153
E: Se não atingir as metas, tem algum prejuízo?
O: Você não atingiu a meta, nós acompanhamos isso sempre. Nós sabemos das
dificuldades, então ela pode ser revista (agora em julho, no meio do ano), ou ela
pode permanecer, logicamente, você pode ser recompensado monetariamente o
que chamamos de referências a mais no salário, quem cumpriu meta, quem
extrapolou, quem não, não terá essa chance de receber isso no salário, e nós vamos
ter uma conversa sobre o motivo de não cumprir a meta. Eu acompanho isso um
acompanhamento dos gerentes, dos superintendentes conosco.
E: O que é mais fácil? Cumprir a meta ou rever a meta porque a região está ruim?
O: Nossas metas são desafiadoras, não é fácil de cumprir. É desafiador mesmo.
uma política dentro do banco que se uma meta que todo mundo cumpre, não agrega
nada. Então meta tem que ser desafiadora. E aqui dentro de 30 a 35% das áreas
não cumpre meta, não chega a atingir. Lógico que depois o diretor terá que se
justificar com o Roberto, porque existem reuniões mensais que ele faz com cada
área, Primor, Crédito, Crédito Imobiliário, onde se discute estratégia.
E: Para cumprir essas metas, qual é o seu limite, até onde você vai?
O: Se eu tenho uma meta de 100 milhões de reais até o final do ano.
E: E as ferramentas para atingir isso? Quais os limites para conseguir isso?
O: Nós temos o produto que está na prateleira e dentro esse produto tentamos
convencer o cliente a ver. A ferramenta que nós temos é esta. A bandeira do banco
ajuda? Antes ajudava mais. Hoje o cliente olha muita coisa, não bandeira, ele
olha o produto, como é, se ele vai ter trabalho ou o para abastecer de
informações, a taxa de juros, se o prazo da obra em função da taxa de juros é
compensador para a obra ou não, a taxa que você tem no comprador... É mercado,
cada instituição tem o seu produto, o seu modo operacional de acompanhar esses
contratos até o final...
E: Você faria alguma coisa para atingir a meta de 100%, que se você tivesse
atingido não faria? Por exemplo, ser muito insistente com o analista. Porque você
não atingiu a meta e...
O: Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quem paga o nosso salário é o
cliente. Então não importa que tenha cumprido. Eu vou continuar brigando para
que saia no prazo, aquele processo dele.
E: Então você continua brigando com o analista.
O: O cliente é o carro-chefe.
154
E: O cliente é muito mais importante que a meta.
O: Ele é muito mais importante que a meta.
E: Até que o ponto você enche o saco do analista em função do cliente?
O: Não é questão de encher o saco.
E: Que hora que a corda, a porca vai espanar?
O: A hora que a coisa vai demorar mais do que o devido. Porque aí o cliente vai ligar
porque você deu um prazo médio para ele e o prazo começa a extrapolar. Então
antes que extrapole, eu começo a exercer uma cobrança para que o estouro da
boca reverta, ou me dê um novo prazo para eu negociar com o cliente e falar “aquele
prazo que eu te dei furou, vou precisar de mais meses.”
E: Você começa a controlar os processos antes que eles estourem o prazo. Essa é a
metodologia. Pra você o se estressar inclusive com analista, com o gerente, e o
superintendente.
O: E o cliente começar a te ligar, porque isso é desagradável demais.
E: Você acha as normas do banco justas?
O: Normas pessoais?
E: Pessoais enfim...
O: Sim, eu acho que cada empresa tem sua cultura e dentro da cultura suas regras.
E as regras estão aí para você cumprir. Se você não cumprir, é carta fora do
baralho. Você pode não concordar com alguma coisa, mas ou você faz ou você está
fora; você pode questionar uma coisa, ser ouvido e tal, pode ser que altere ou não.
Mas empresa que não tem dono, ela não vai para frente e não tem futuro. Então, as
regras têm que ser bem ditas na hora de contratar alguém, porque não tem o olho
do dono, mas você faz o papel dele, você está contratando alguém.
E: Você assume esse papel?
O: Sim, tenho que assumir e passar isso para o funcionário para ele saber que isso
aqui não é a casa da Maria Joana. Votem liberdades, lógico que tem, se você
precisa ir ao médico, você informa e tudo bem.
E: Aqui tem essa liberdade?
O: Sim.
E: O que você espera da organização?
O: Como um todo? Como instituição?
E: Sim.
155
O: Que ela continue no mesmo rumo como está. fez 60 anos e que dure outros
60 anos assim, que eu tenho um PAC, um Plano de Aposentadoria Complementar e
que isso é muito importante para a sobrevivência da minha aposentadoria. Tenho
certeza que continuará, porque o banco é conservador, nunca quis ser pioneiro em
nada, nunca foi pioneiro em nada e se tiver que lançar algo faz pesquisa até não
poder mais para lançar algo, então eu acho que é uma instituição muito bem dirigida
do jeito que está, essa postura vem de longa data e não mudou. Espero que não
mude.
E: Mais importante do que maximizar lucro é longevidade.
O: Para você conseguindo manter a longevidade é com lucro, certo? E aí o banco
tem um ponto importante que é ter pessoas certas nos lugares certos, não tem
paternalismo, ou você faz ou está fora. Desde diretor executivo até boy.
E: Não tem essa proteção? Não dá para ter proteção aqui?
O: Se tiver proteção, todo mundo fica sabendo. Isso vai para você. Aqui temos um
projeto chamado Modo Banco B de Fazer: Cultura e Performance, todas as áreas
passam por isso. A nossa está começando a passar novamente. E isto é para que
você assimile melhor o Modo Banco B de Fazer. Toda empresa tem o modo de
fazer. E qual é o modo do Banco B? Ele tem que saber qual é essa cultura o Modo
Banco B de Fazer.
E: Nesse contexto do Modo Banco B de Fazer não tem a figura do líder? Como
posso dizer? Não o líder paternalista, porque este não tem vez aqui, se ele começa
a proteger alguém porque aparece...
O: Aparece nas avaliações que o feitas. Temos avaliações, você é avaliado pelo
pessoal de baixo..
E: Tem avaliação 360.
O: Tem. Você é avaliado pelo pessoal de baixo, de cima, e áreas que você mantém
relacionamento fora.
E: Isso funciona? Você acha que isso é bom? Ajuda as pessoas a se comportarem?
O: Ajuda as pessoas a acordarem para certos feedbacks que são recebidos. O
feedback é olho no olho, não é escrito não. Nós com os de baixo, com os
pares...olho no olho, jogo aberto.
E: Tem espaço aqui para alguém com um carisma muito forte? Ou essas próprias
avaliações conduzem para a pessoa expoente, o máximo, ou não vinga uma pessoa
assim aqui?
156
O: Aquelas pessoas que querem ser estrelas?
E: Ela naturalmente é uma estrela por uma razão qualquer. Muito inteligente, não o
chato-inteligente, ele tem um bom relacionamento pessoal....
O: Tem espaço e ainda facilita, sobe.
E: Precisa disso para subir?
O: Não.
E: Quais são os quesitos para subir?
O: Você tem que ter uma boa formação, depois tem que ter conhecimento do que
faz, você tem que se sobressair na área, atingindo metas. Você tem que se
sobressair de alguma forma.
E: O que você espera das pessoas? Você espera que elas reconheçam os próprios
erros, você espera que elas não puxem o tapete das outras?
O: Isso seria o ideal.
E: Isso acontece? Com todos?
O: Acontece com um ou outro. Aquela pessoa que para se sobressair, poder cumprir
sua meta, ela age de uma forma, não digo ética, mas ele age de uma forma que
procura levar vantagem do outro e com isso ele vai jogar pontos, essa pessoa é
olhada com outros olhos. E se o cara não perceber numa conversa de corredor...
Nós tivemos caso aqui. O cara saiu.
E: Ele não fez uma coisa anti-ética, mas ele armou e fez alguma coisa e o banco...
O: O banco preza muito, mas muito pela ética. A gente pelo menos orienta os
funcionários a como agir para não bater num lugar que não pode bater. Muitas vezes
você recebe algumas solicitações, algumas insinuações para fazer alguma coisa,
caia fora, não faça, mais vale dar um não do que tentar abraçar a causa, não dar
certo e o dia que não der certo, alguém vai falar fulano de tal fez isso e...
E: É preciso ter o tino da corporação, tem que saber como funciona. (estalando os
dedos).
O: Isso é importantíssimo. Você tem que saber... “aquela empresa onde vou
trabalhar, quem é o dono? Qual o respeito que ele tem pelas pessoas? Qual a
cultura da empresa? Como funciona o RH daquela empresa?” Lógico que quem
entra não vai pensar nisso, mas quem vai para uma outra empresa e vem falar
comigo, eu digo: olhe onde você está e olhe para onde você está indo. Olhe os
benefícios daqui e veja, você vai ganhar mais, você não sabe as pessoas que vai
encontrar, o ambiente de lá, pesquise antes, não custa nada.
157
E: Pode ganhar mais, mas o ambiente é insalubre. Aqui é gostoso trabalhar?
O: Aqui é.
E: Tem diferença de você lidar com pessoas? Diferenças quaisquer? Mais fácil,
difícil, Diferenças de gênero, credo, raça, inteligência, perspicácia, hierarquia...
O: Ninguém é igual a ninguém. Dentro de uma família um irmão não é igual a outro!
Os pais não sabem lidar com as interferências de um ou de outro. Lógico, você
tem...no primeiro momento, claro, não vai perceber isso, mas com o passar do
tempo, você sabe como é um como é outro, então você começa a perceber como
são as pessoas, se você agir de uma forma sempre neutra, você não vai ter muito
problema com relacionamento com as pessoas, seus temperamentos, atitudes,
modos de ser.
E: Mas se você for neutro, você vai conseguir com que elas façam o que você
precisa?
O: Veja, dentro da atividade que ela tem que exercer, você mostra o caminho que
tem que ir. Se ele começa a dar uma desfocada muito grande, você tem que
conversar com ele e saber o que está acontecendo.
E: Mas aí você deixa de ser neutro.
O: Sim, mas eu digo neutro no sentido de inicialmente você tratar com as pessoas.
Eu não vou brincar com você porque eu não sei como você é. Eu não vou tirar um
sarrinho se seu time ganhou ou perdeu, se eu não sei como vai ser sua reação. A
partir do momento que você está numa organização recém-chegado, eu acho que
você tem que observar para depois se soltar. Agora, nós aqui que estamos de longa
data, então você conhece quem são, sabe quem é o Zangado, todos os anões da
Branca de Neve e dar o nome para cada um. Você aprende a lidar com as pessoas,
e elas com você. Às vezes discussões mais acaloradas, mas nada pessoal, você
está brigando por um determinado serviço. Acabou aqui, acabou a discussão, daqui
a pouco estamos tomando café, um refrigerante embaixo, vou vamos almoçar
junto, agora há pessoas que levam para o lado pessoal e aí é complicado.
E: É ideal que você não tenha a mesma postura, você modifica sua postura em
função da personalidade de outras pessoas?
O: Às vezes você é obrigado a fazer isso. Mas eu trato igual todo mundo, qualquer
área que eu vou é do mesmo jeito.
E: É o seu estilo de se comportar.
158
O: Uns gostam, outros não. Não dá para agradar a gregos e troianos, a gente vai
levando.
E: Teus colegas obedecem o seu chefe, superior, porque ele é bom, ou porque
quem é esperto obedece?
O: Não eu acho que é uma questão que aquela pessoa passou a ser o seu líder
naquele momento. O seu chefe. Fale para ele o que deve falar, mas com respeito.
Você pode discordar dele, mas fará o que ele está pedindo. Você pelo menos
colocou a sua opinião. (Fornece exemplos de diálogos entre funcionário e chefe).
E: Para encerrar, é mais fácil lidar com esta estrutura hierárquica sem dono, que o
dono está lá em cima, ou naquela empresa que você tinha o alemão e o filho?
O: Aqui. na estrutura familiar você sentava na frente e resolvia na hora. As
decisões são mais rápidas. As responsabilidades são as mesmas, você é um
profissional, dentro de suas atividades, e aqui eram importantes. Aqui, você tem
que defender o seu.
E: A sua meta, o cliente...
O: Isso mesmo, você está agregando valor para empresa, pensa que ninguém es
te olhando?
E: Alguém te olha.
O: É uma responsabilidade maior, porque mais pessoas. Aqui você tem gestão
de pessoas, quer queira ou não, as pessoas têm que atingir os objetivos definidos
para cada um.
E: A tua vontade basta para que os funcionários realizem aquilo que precisa ser
feito?
O: Não chamaria de vontade, mas de necessidade de cada um. Cada um tem que
se virar. Precisa de ajuda? Ajudo. Encontrou uma dificuldade? Vamos tentar
resolver. Errou? A criança está no poço? Vamos jogar a cordinha e tirar ela de lá.
Vamos resolver como acertar esse erro. Poucas pessoas pensam assim.
E: Algo mais? Não? César, muito obrigado.
O: Espero ter contribuído.
E: Muito, você nem imagina o quanto. Foi excelente.
159
César
E: Bom dia, meu amigo, César.
C: Bom dia.
E: Como vai? Tudo bem?
C: Bem, obrigado.
E: César, onde o Sr. trabalha?
C: No Banco A.
E: Há quantos anos?
C: Na verdade 25 anos, porque o Banco A comprou o Banco Noroeste, no qual
eu já trabalhava há muito tempo, e somando o tempo do Noroeste são 25 anos.
E: Parabéns. É uma história de vida.
C: Um quarto de século.
E: É uma honra em entrevistá-lo. Você é conhecido por todas as pessoas da área de
crédito imobiliário.
C: É? Obrigado pelo convite.
E: Você pode me dar sua faixa etária?
C: 56 anos. Completo em agosto, 57 anos
E: Parabéns. Muito bem, sua função no banco.
C: Gerência Comercial de Crédito Imobiliário Pessoa Jurídica.
E: Me situa essa gerência dentro da área de Crédito Imobiliário do banco. Como é
em cima?
C: Ela está ligada a uma vice-presidência, (diz o nome do VP) que tem várias áreas,
entre elas está a vice-presidência de crédito imobiliário (diz o nome da vice-
presidente de crédito imobiliário). E esta VP por sua vez tem superintendências
ligadas a ela. Dentro da superintendência PJ, estamos pendurados aqui os
comerciais e cada um deles tem uma carteira.
E: Quantos são?
C: Esses comerciais são 5, distribuídos em todo o Brasil praticamente.
E: Essa divisão é geográfica?
C: Sim, mas está mais focada à experiência de cada um. Os mais experientes ficam
com as melhores carteiras. (risos)
E: Quem divide com você? Há alguém que eu conheça?
160
C: (diz o nome de um deles). Em SP está sob minha responsabilidade junto com o
(diz o nome). Aqui nós cuidamos das grandes empresas corporate, empresas de
construção civil e de empresas com alto faturamento (acima de 20 milhões até 150
milhões de reais). Então as carteiras do corporate são divididas comigo e com o (diz
o nome).
E: Quantos funcionários você tem, diretos?
C: Não temos funcionários diretos, mas contamos com uma estrutura de back office,
que nos atende em todo o processo da contratação do plano empresário. Essa
estrutura nos atende não a mim, comercial, como os demais comerciantes
também. Tem uma parte ligada à engenharia, ao jurídico, outra parte ligada ao
operacional, e tem um outro que é a da liberação, de pagamento.
E: Depois de assinado o contrato.
C: Toda essa estrutura está ligada a você e você acompanha essa estrutura desde o
início, desde a prospecção até a liquidação da operação. Esta estrutura está ligada a
você. Mas isto o significa que eu tenha poderes em relação a eles. Toda essa
estrutura nos atende. Alguns gerentes têm um pouco mais de prestígio que outros.
Depende do gerente.
E: Então esses seriam os seus pares. Vamos recapitular: temos o back office...
C: Back Office, temos a parte jurídica, parte cnica que é a engenharia e o back
office estaria dividido em duas partes, uma que é contratação e outra que é a da
liberação até a liquidação da operação.
E: Nesse contexto você tem liberdade para decidir o quê, em relação a sua função?
C: Temos liberdade desde o início de definir as prospecções algumas condições de
financiamento. Essa é a parte comercial mesmo. Mas quando a gente chega nessa
parte de iniciar o processo do plano empresário para contratar, a gente recebe o
estudo de viabilidade e dependendo do parecer da engenharia a gente tem a
liberdade de dar o parecer favorável mesmo se a engenharia apontar alguns senões,
porque a área cnica é muito técnica e a área comercial tem que visualizar o
negócio para o banco, entra a nossa área comercial para viabilizar
comercialmente, dentro dos parâmetros aceitos pelo banco.
E: e depois?
C: Uma vez feita a viabilidade com a nossa interferência comercial a gente parte
para a parte da contratação e aí também há essa nossa gerência, prioridade,
161
algumas documentações que poderíamos inventar, em função do conhecimento que
temos com a própria empresa, porque essa área também é 8 ou 80.
E: Jurídico?
C: Jurídico e engenharia. Eles fazem exatamente o que o figurino, a norma manda.
E: Eles seguem rigidamente as normas estabelecidas no manual que existe.
C: Evidentemente há deliberações que existem que nós sabemos que (fornece
exemplo: olha nessa questão do IPTU, pelo valor que ele tem como devedor,em
função da municipalidade, do cofre da empresa, a gente tem como dizer que não
haverá problemas... então é essa decisão que a gente tem).
E: Então, você e seus pares têm esse poder, ou você por ser mais experiente pode
fazer isso?
C: Eles consultam a gente e a gente esse direcionamento (ex: olha essa questão
que tá pegando, a dívida foi paga? foi negociada? Como está?) Essa
informação, ele não tem por falta de experiência. Agora a área jurídica anda na
linha. É aí que a gente tem o poder de interferir para agilizar o processo.
E: Como você faz com os gerentes de jurídico, da engenharia de back office, por que
você não tem poder hierárquico sobre eles, como você faz para conseguir que eles
façam o que você precisa?
C: entra muito uma questão de relacionamento, nem sempre se consegue o que
se deseja, mas vai muito do conhecimento, da segurança, da experiência que você
transmite para a outra área e justifica até para os superiores deles lá, essa questão a
gente senta, faz uma reunião, analisa os riscos, argumenta a posição como
comercial, como operação, verificamos que o risco com a concordância do jurídico é
pequena, então não há problema. Agora existe algumas dificuldades, depende muito
do relacionamento. Se você tem um canal de comunicação muito bom e você faz as
coisas fluírem. Eu particularmente consigo. O pessoal acha ruim de mim: puxa você
consegue tudo lá com os caras, não é?
E: Os seus pares ficam com inveja de você?
C: Porque na verdade você não pode chegar impondo, você tem que chegar lá,
mostrar a necessidade, explicar, justificar e convencer. E não apenas chegar e dizer:
porque tenho que fazer e você vai fazer e fim de papo!
E: Essa postura... o que acontece?
C: Essa postura você tem uma negativa. eles falam, se é assim, meu amigo,
cumpra o que está na norma e pronto. Você não pode ter uma atitude...
162
E: Você vai até o analista falar tudo isso ou no gerente?
C: A gente faz um trabalho de base, começa pelo analista e depois vai no gerente.
E: Ah, você tem que pegar a cadeia toda.
C: É ruim chegar em cima e depois em cima vir uma ordem sem ter dado
satisfação, existe uma certa sensibilidade num determinado assunto, mas você tem
que começar a perguntar, a convencer. Ele vai estar do seu lado.
E: Apesar de você ter um cargo superior ao analista, você vai ao analista tentar
convencer. E os seus pares tem um pouco de inveja da maneira como você
consegue isso?
C: Porque eles tentam fazer isso de uma forma hierárquica. Os comerciais tentam
falar com o gerente, com o superintendente de outra área.
E: Vai até ao superintendente?
C: Às vezes vai, mas não deveria ir.
E: Essa hierarquia é respeitada no banco? O teu par fala com teu superintendente,
para o teu superintendente falar com o da engenharia, é assim?
C: Em alguns casos é assim. Em alguns casos, o problema, o risco é grande e é
preciso da interferência de alguém. Em outros casos, pela nossa experiência, pelo
histórico de soluções que temos, podemos ir direto, porque as pessoas de
também tem o mesmo poder de decisão e criamos um canal de comunicação que
agiliza demais o processo, senão você sobrecarrega demais o teu superintendente.
E: O que estaria estabelecido pelas normas seria assim: tem um problema, você
comunica ao superintendente para ele falar com outro superintendente. Mas se
seguir essa norma, sobrecarrega o superintendente.
C: Então você começa a centralizar demais as decisões que poderiam ser decididas
no meio gerencial.
E: E daquele outro jeitinho que você vai ao analista, convence o gerente e o
superintendente não fica nem sabendo?
C: Às vezes fica sabendo, porque a gente comunica, até pela confiança que ele tem
ele agradece.
E: Você falou em confiança, o teu superintendente confia em você?
C: Bastante, até porque no nosso relacionamento pessoal vem desde a faculdade.
E: Eu me lembro da Nádia que trabalhou contigo, tua funcionária que foi para o
Banco B e eu vou confessar a você o que ela disse: eu adoro o meu chefe, que é
163
você. Ela até ficou triste por ter saído. Ela era tua funcionária na época, você lidava
com ela em qual sentido, como você comandava a tua funcionária?
C: Ela quando veio para o banco ela não tinha nenhuma experiência. Quando fiz a
entrevista, acreditei no potencial que ela poderia ter junto ao banco. Pela postura,
pela formação, ela não tinha nenhuma experiência comercial. Resolvemos apostar
nela. Era engenheira, atuava na obra, aí foi a Portugal fazer pós-graduação e na
falta de emprego chegou a trabalhar como vendedora em lojas de roupas etc. Mas
pela sinceridade dela, por mostrar o que ela era, isso me cativou muito. E de que
forma fazemos para ela crescer? Atuar do lado dela, mostrando o que tem que ser
feito, sem dar muita obra, sentávamos juntos, orientávamos para ela ir junto e fazer
como se fosse a parte dela. A gente treinava muito ela, dava muito feedback.
Falávamos da empostação de voz, que ela às vezes falava muito baixo, ela era
muito persistente. Ela treinou muito, inclusive em casa e o marido até reclamava,
porque ela falava alto. Ela era muito persistente. O fato de a gente ter dado todo
uma orientação, um direcionamento, ensinado realmente como fazer, como um pai
ensinaria o filho, talvez foi o que a cativou, que a fez ter tanta consideração pela
gente. Mas isso eu não fiz só com ela não. Faço em geral com todos.
E: Se fosse dar um nome para esse estilo, seria um estilo paterno, paternalista?
C: Não tão paternalista.
E: Até que ponto vai esse paternalismo? Porque o pai afaga, mas às vezes tem que
bater. Como você bate?
C: Eu bato na verdade, normalmente a gente percebe uma conduta, um
direcionamento errado que está dando, então a gente acompanha de perto e
corrige imediatamente. Às vezes a gente é um pouco duro e fala com clareza. Mas a
pessoa por ter esse laço de confiança ela aceita isso de uma forma muito forte,
essas observações.
E: Na hora de fazer a crítica, o que sustenta a crítica como construtiva é aquela
confiança que ela conseguiu adquirir com a sua pessoa.
C: E a confiança e além de perceber que com a experiência que a gente tem, ela
obedece. Às vezes, situações de discussões, claro. Eu sempre ouço e sei ouvir
muito e peço que a pessoa fale, a oportunidade de as pessoas falarem é muito
importante.
E: Você escuta o seu subordinado, você adquire a confiança dele e você fica... não é
amigo.. mas você...
164
C: Crio uma sinergia. A pessoa me acompanha. Ela fala assim: a pessoa pensa: eu
o sigo, porque tenho a ganhar com ele.
E: É melhor que o chicote?
C: Eu acho que é muito melhor. Porque as pessoas que agem assim, criam um
ambiente muito hostil, desagrega... e anos de praia a gente percebe que esse não é
o caminho não.
E: Entendi. Vamos inverter a situação: como os teus superiores lidaram contigo?
Eles tiveram o mesmo tipo de postura?
C: Não, na verdade, um pouco diferente. Os nossos superiores às vezes não ouviam
a gente, o que eu achava um problema grave, davam pouca oportunidade para te
ouvir. Eles diziam que o tinham tempo... e acabavam levando a uma situação que
na hora que tinha que resolver um problema, era aquele stress total, isso desgastava
muito. Melhorou um pouco, mas ainda mantém uma certa distância, não é muito
próxima, apesar do bom relacionamento, alguns aspectos comerciais é muito
distante. Essa distância não é boa, porque algumas coisas que seriam boas para o
seu conhecimento não são passadas. Vofica à margem de um processo, ele tem
a informação e não passa. Essa é a característica do meu superior, ele meio
centralizador. Ele fala: “Eu confirmo isso a você no momento que tiver certeza
absoluta.” Está rolando algo, mas não tenho como confirmar. Isso é complicado, né,
porque você usa de outros meios para obter a informação.
E: Você dá uma volta...
C: Você vai a outro para conversar, a uma conversa num happy-hour e consegue
descobrir.
E: Ele teria o poder da informação, não te passa a informação, mas você descobre
por outros meios, num happy hour.
C: Não só no happy-hour, mas no próprio relacionamento dentro do banco, você cria
essa afinidade.
E: Você consegue, os teus pares não conseguem.
C: Um ou outro consegue, de uma maneira geral todos tem um caminho.
E: Aquele poder da informação acaba se diluindo, porque você acaba utilizando um
contrapoder que você resolve
C: Mas existe muito isso dentro do banco e não é só na minha área.
E: Os superintendentes, os gerentes tentam segurar a informação...
165
C: Exatamente. Não sei se é em banco espanhol, mas as pessoas não estão muito
abertas aos funcionários, dar feedback, a gente percebe muito isso, por exemplo,
essa fusão com o Banco C, muitas coisas não sabemos, ficamos sabendo através
do mercado, através de colegas do ABN, não sei, mas internamente, não sei se é da
política do banco, mas pouco se comenta. Isso é ruim, porque você é comercial, na
verdade é cara do banco para os teus clientes, os clientes querem saber o que está
acontecendo e chegar e dizer que você o tem muita informação e o cara
sabendo o que tá acontecendo. É ruim, porque deveríamos saber.
E: Tem algum superintendente com o mesmo tipo de atitude que você?
C: (Diz o nome.) Ele é uma unanimidade, um cara que tem um lado muito
humanístico, ouve, protege os funcionários, os valoriza, conforto profissional até
familiar... ele ouve muito, não do lado profissional, mas do lado familiar também.
Aliás uma característica também. Muitas pessoas confidenciam seus problemas
particulares, não sei se por minha formação Budística, sem querer, estamos sempre
orientando, dirigindo algumas palavras, estamos dando uma palavra de apoio.
E: Isso é característica do Budismo?
C: Sim, o budismo pensa muito no bem-estar de todas as pessoas, porque através
desse bem-estar, é proporcionada, através desse direcionamento, você consegue o
seu próprio bem-estar, você não consegue atingir a sua felicidade sem proporcionar
o bem-estar das outras pessoas. Sozinho, você não consegue. Este é um princípio
do budismo, o budismo se dedica para as pessoas, dirigindo para o caminho da
vida.
E: uma influência para o bem-estar comum, não individual, porque
individualmente não se alcança.
C: Temos muito claro em nossa mente que pessoas e ambiente são duas partes
distintas mas são unos, são uma única coisa. Pessoa sem ambiente não vive. Não
tem. O ambiente dentro de você, familiar, no trabalho. E você é a pessoa que
pode proporcionar harmonia ou desarmonia no ambiente, você tem que ser capaz
de influenciar os demais gerando harmonia. E não sofrer a influência para o
ambiente ficar desarmônico, eu tenho que gerar uma harmonia, de que forma eu
fortaleço? Eu vou falar com as pessoas, ouvir as pessoas, você é o próprio universo,
quem muda essa situação é você mesmo, o seu ambiente desarmonioso é resultado
do seu interior que está desarmonioso.
166
E: E você leva essa filosofia para o ambiente corporativo? Mas o (fala o nome) não é
budista?
C: Não é budista, mas tem uma atitude, comportamento budista. Me dou muito bem
com ele.
E: Eu imaginava isso. César, para você atingir um objetivo, você vai até onde, quais
são os seus limites dentro do banco?
C: Você pode ter objetivos profissionais, de carreira, pode ter objetivos de metas,
que podem gerar recompensa, bônus, você tem outros objetivos de criar um
ambiente favorável, que passa muitas horas do dia, boa parte da vida convivendo
com essas pessoas. Limite, na verdade, a gente procura não criar muito limite.
Existem limites que a corporação impõe para você.
E: Que limites são esses?
C: Por exemplo, eu quero atingir uma meta para fazer jus ao bônus, então existem
limites operacionais. Olha tal empresa, o limite de operação dela é 100 milhões de
reais. Então a gente atinge esse limite e procura levar os projetos e justificar o
projeto, para equacionar e que o limite pode ser recuperado.
E: Quem estabelece esse limite é a área de crédito?
C: Vai até para Madrid, para você ter uma idéia
E: Vamos falar das metas, ela tem um valor, um prazo, se atingidas, você ganha
bônus. Se não atingir, há punição?
C: Não existe punição, você não recebe o bônus. Você não atingiu, você não recebe
o bônus. A cada trimestre tem a avaliação da meta. Ela varia: de tanto a tanto, um
salário, mais do que isso, um salário e meio e assim por diante.
E: Além do 13. salário?
C: Sim, aquele que consegue atingir.
E: Para atingir essas metas, quais o os seus limites? Na dimensão amizade, você
forçaria um relacionamento de amizade para atingir essa meta?
C: Eu não iria por esse caminho não
E: Então esse é um limite seu. Que você se auto-impõe.
C: Estabeleço esse limite porque eu sei que a área de crédito está limitada, envolve
muito mais a vice-presidência do que a superintendência de crédito.
E: Se eu mudar a pergunta para a área de engenharia, jurídica, você diria: oh, meu
me ajuda aí?
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C: Sim, é mais fácil pela própria amizade que tem, mas não é amizade só. Tem
alguns limites que tem que mensurar, é risco, não vou insistir.
E: Você sabe que tem um outro banco...
C: (Interrompe para atender o celular).
E: Você põe esse limite e diz, eu vou até aqui. Existe um banco, que se a pessoa
começa a forçar muito, existe dentro do banco, existe uma aura de que a pessoa
está levando bola. Isso não existe aqui?
C: Olha aqui eu nunca presenciei isso, nem com meu superior, nem com meus
colegas.
E: Então isso não existe aqui.
C: Pode ser que exista, mas eu nunca vi, porque nossa área é muito suscetível a
isso, você sabe, né?
E: A área comercial é muito passiva neste aspecto.
C: Procuramos forçar uma situação, de uma forma muito respaldada, muito clara,
que é uma operação boa para o banco, porque eu não vou levar algo para dar a
cara para bater. Aí então eu tenho esses limites.
E: São limites técnicos?
C: A gente sabe quais são os nossos limites. São limites mais técnicos, de
capacidade de projeto
E: São as normas que delimitam isso e a experiência.
C: Muita experiência e sensibilidade também conta. Tem que ter jogo de cintura. Se
for seguir a regra, o que está no manual, você não tem como operar.
E: Se for pela norma, o comercial não opera.
C: Se for pela norma, o comercial não opera e você sai do mercado porque perde a
competitividade.
E: Entendi. O que você espera da organização? Em termos de salário, carreira,
posição, um status, um retorno...
C: A gente espera um reconhecimento pelo que está fazendo. Ele pode vir em forma
de promoção, de aumento de salário, em forma de algum bônus, e a gente espera
muito na verdade possibilidade de ser visto na empresa, reconhecido pelo grupo
todo, a gente quer ter visibilidade não no crédito imobiliário. Na verdade, pelo
tempo que estou no banco a minha visibilidade é muito grande, as gerências de
todas as agências ligam direto para mim. Isso é muito legal, essa visibilidade na
organização toda, me faz ser reconhecido, isso é uma satisfação total é muito boa.
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E: Posso falar em status social?
C: Status social, é interessante, é bom para o ego da gente. E também para ter um
livre trânsito sem fazer o puxa-saquismo, né?
E: Sem ser aquele chato...
C: Então, porque a gente se pega um problema a gente vai resolver. Eu tenho uma
mania, talvez é algo da corporação, mas o que cair no meu colo e se eu vejo que
posso resolver, eu vou lá e resolvo rapidinho para deixar o cliente satisfeito. A minha
preocupação é com o cliente que tem que estar satisfeito o tempo todo. Acho que
isso é que dá a visibilidade. Eu vou lá e ligo para pessoa e tento resolver o
problema. Então essa ação é muito característica minha, o pessoal reclama um
pouco, mas eu penso no lado do cliente.
E: Qual é o relacionamento que você tem com os clientes?
C: Comercial e alguns deles eu tenho um relacionamento que a gente sai para
almoçar. Não que parta de mim, mas que parte do empresário.
E: Para não dar conotação que há interesse financeiro...
C: uma orientação de que se tiver um almoço, o sozinho, para não dar
margem a comentários de interesse. É uma conduta de ética.
E: O que você espera das pessoas de uma forma geral? Funcionários, você espera
que eles apontem os próprios erros, responsabilidade, comportamento, o que você
espera deles?
C: O que a gente mais espera dos funcionários é respeito. Acho que partindo desse
item, primeiro lugar, o respeito você conquista dos demais, você ser respeitado pelos
funcionários, que eles se espelhem em sua forma de conduta. Se eu conseguir o
respeito dos funcionários, eu tenho tudo na mão.
E: Se eles te respeitam, fica mais fácil você conseguir que eles façam o que você
quer? É por aí o caminho?
C: É por aí, é lógico que você ver a dificuldade, quando tem dificuldade, vai do lado
dele, faz junto com ele, isso é importante, eu faço isso. Às vezes a própria pessoa
não consegue ver uma solução simples, a gente vai lá, senta junto e mostra.
E: E com os pares?
C: Se reciprocidade, tudo é duas os, se não tem o retorno, você não muita
brecha. Não sou daquelas pessoas que... eu falo na hora, não deixo guardado. Tem
momentos que você tem que dar uma cacetada para a pessoa enxergar.
169
E: Dependendo do contexto, você dá porrada. Agora e com os superiores?
C: A mesma coisa. Tem momentos que... uma porrada de vez em quando é
importante para a pessoa ver que eserrada. Tem coisas que a gente que discutir
num tom mais elevado para mostrarmos que não somos cordeirinhos e
sobrecarrega e não vai dar para dar conta de tudo. Você é sozinho.
E: Então você bate, o contra-poder exatamente para que você não fique
sobrecarregado.
C: Exatamente, porque não adianta eu estar bonzinho, absorvendo tudo.
E: Existe a hierarquia, mas..
C: Sim, mas respeitando a hierarquia tem momentos que a gente coloca aquilo que
não dá para fazer.
E: Existe para você alguma diferença para lidar com as pessoas no ambiente
corporativo? Diferenças de gênero, de credo, de experiência, mais experiência,
menos experiência, de conhecimento, uma conhece muito, outra conhece pouco.
Você tem dificuldade para lidar com essas diferenças? Como você lida com isso?
C: Eu lido com muita facilidade porque o trabalho dentro da organização e temos
o princípio que todas as pessoas são iguais, isso faz com que a gente de uma certa
forma, no relacionamento pessoal, a gente o mesmo tratamento, a gente trata
sem distinção, porque a gente conhece pessoas que não cumprimentam uma
copeira, eu não, eu converso com elas, pergunto sobre a família. É lógico que dentro
da função...
E: Quando entra a hierarquia...
C: Por exemplo, a VP precisa ter uma certa distância, ela não pode fazer isso, eu
reconheço que ela não pode fazer isso.
E: Como fica o espírito de tua filosofia budista se você fosse assumir a vice-
presidência?
C: Eu buscaria um caminho médio, eu não seria tão extremo de um lado, nem do
outro
E: Você continuaria a dar bom dia para a faxineira.
C: A situação de eu estar na vice-presidência, como eu lidaria com as pessoas. Com
o bom senso eu cumprimentaria, falaria com algumas pessoas etc.
E: Mas no cargo de VP você mudaria um pouco o comportamento?
C: Sim, porque a própria posição exige isso.
E: A hierarquia, aquela estrutura exige isso.
170
C: Não dá tanta liberdade. Hoje eu tenho liberdade para falar com as pessoas.
E: A tradição da posição de vice-presidente, impõe um comportamento, cerceia mais
a liberdade que você como gerente tem.
C: Sim. Não tenha dúvida.
E: O superintendente fica entre os dois. Ele não tem tanto cerceamento quanto o VP
mas tem mais que o gerente. Isso influencia na felicidade dele?
C: Eu acho que não.
E: Mais para encerrar, os teus colegas obedecem aos superintendentes porque os
superintendentes têm competência ou porque quem é esperto obedece?
C: Todos nós, inclusive eu, porque os superintendentes têm experiência, ele é
técnico, e aquilo que a gente faz com produto, exige muito conhecimento técnico.
Ele nos ajuda muito, devido pela experiência que tem. Passou por aquilo ali, ele
sabe o caminho e decide. É uma ação positiva para nós. Então por isso nós
obedecemos pela bagagem dele.
E: E os outros superintendentes, eles têm essa bagagem? Da área de engenharia,
jurídico... Você é engenheiro. O superintendente da área de engenharia tem esse
conhecimento também?
C: Na verdade está amarrado a mesma superintendência. Então eles têm que
recorrer a gente.
E: Entendi.
C: Por causa da expertise. Porque a pessoa que aqui, sabe do crédito, essa parte
do empresário, para a engenharia mesmo.
E: Conhecimento é um dos pontos muito importantes para o respeito. Os líderes são
respeitados pelo conhecimento que eles têm, você acredita nisso.
C: Eu acredito muito que ele tem que ter esse conhecimento senão ele não
consegue tomar decisões.
E: É condição sine qua non.
C: Ali o nosso processo é muito rápido, não para dormir no ponto. Você tem que
decidir, escolher o caminho...
E: É uma condição necessária, mas não é suficiente para ser um bom chefe. É
preciso ter todas as outras condições que conversamos.
C: Exatamente
E: César, muito obrigado.
C: Eu que agradeço.
171
Thiago
E: Hoje é sexta-feira, dia 20 de junho, estou com meu amigo Thiago, boa tarde.
T: Tudo bom, Antonio Paulo? Boa tarde.
E: Me fala uma coisa, me dê um breve histórico da sua profissão.
T: Eu tenho 25 anos, entrei em banco com 19 anos em 2002, trabalhando na
Aymoré Financiamentos, do grupo ABN na época, trabalhava com cartões, cartões
de crédito e um produto específico chamado Private Web, cartão de bandeira
própria. Por mudanças internas, de estrutura, acabei mudando de diretoria, acabei
indo para a diretoria de cartões do Banco C, que era afastado da Aymoré, que por
coincidência era a mesma diretoria de Crédito Imobiliário. Isso era 2004 virando
2005. 2005 começo no Crédito Imobiliário trabalhando no Plano Empresário,
trabalhei com este produto por um ano. Em 2006 comecei o projeto de repasse piloto
no ABN que estava acelerando nessa área imobiliária que era o foco dos
holandeses. Aentão não tinha a venda do banco para o consórcio do Banco A.
Depois disso, passada a fusão, que ainda está acontecendo, minha saída do ABN
se deu porque fui para o Banco D, recebi uma proposta para a mesma área de
atuação e hoje estou conversando contigo.
E: Quanto tempo você ficou no Banco C na área de crédito imobiliário?
T: Foram 3 anos.
E: Começou na PJ...
T: Depois eu fui na conta PF mas sempre com relacionamento incorporadora, para
pulverizar negócio de pessoa física.
E: Você está no Banco D...
T: Há 4 meses.
E: Vamos falar do Banco C que você ficou todo esse tempo. Lá, você tinha uma
posição de supervisão, de gerente..
T: Eu tinha uma posição de gerente comercial de crédito imobiliário, mas eu não
tinha funcionários subordinados, não tinha nenhum funcionário direto. O que eu
tinha, eram escritórios terceirizados, de empresas de avaliação terceirizadas e uma
gerência em cima disso, era apenas relacionamento.
E: Como era a estrutura de crédito imobiliário do Banco C.
172
T: Era dividido em área de negócios e área operacional. Área de negócios, venda de
pessoa jurídica (plano empresário, operações de recebíveis) e área de operação
(irmã gêmea da área de vendas PJ financiamento construção de hospitais,
universidades, shopping), tinha uma outra caixinha que era a área de produtos que
desenvolvia produtos para PJ e PF, entrava financiamento isolado de terceiros e
repasse piloto e o canal de terceiros também.
E: Como era a estrutura? Sai do presidente, vai descendo...
T: Começava pelo presidente, o VP (diz os nomes), abaixo do VP era o Félix
Cardamone, que era responsável pelos cartões e crédito imobiliário, duas áreas
vitais do banco, cartões, crédito imobiliário e meios de pagamento. Abaixo do Félix,
tinha o diretor de crédito imobiliário (Antonio Barbosa) e abaixo deste tinha o
Guilherme (PJ), o Emílio Vieira (PF) e uma terceira pessoa que era de operações
estruturadas que era o Russo (que foi para o Banco B) e hoje quem está no lugar
dele é a Miriam, e uma outra pessoa de produtos que é o Luis César que começou
no ano passado. Essa era a parte de negócios. A parte operacional tinha o Laércio
que cuidava do backoffice que interagia com outras áreas de backoffice. Tinha o
Sebastião Leite que era o backoffice puro. Na verdade a gente criou uma área
chamada middle office que fazia o meio de campo com a área de negócios e
backoffice. Hoje acho que essas áreas estão juntas. O Sebastião responde para o
Laércio.
E: E onde você estava nessa estrutura? Você respondia para quem?
T: Quando eu saí estava nas vendas PF respondendo para o Emílio. Quando fazia
plano empresário eu respondia para o Guilherme.
E: Lá no Banco C, nesses 3 anos, você tinha liberdade para decidir o quê?
T: Para fazer a minha agenda, fazia o meu tempo, eu identificava os clientes
potenciais, eu era cobrado por uma meta, como eu iria atingir essa meta eu é que
decidia. Porém, eu tinha que seguir umas coordenadas. Tinha uma política de
visitas, por exemplo, eu não podia visitar a Tibério sozinho, eu tenho que avisar o
executivo da conta da Tibério, mas eu sempre entrava na empresa em
consentimento com a área comercial do banco, para não ter atritos. Este era um
cuidado que eu tinha. Isso na PF, porque no Plano Empresário, gera receita da área
comercial pura. O que eu fazia na PF.
E: Agora chama Laerte, é um corporate.
173
T: O Laerte que é meu amigo inclusive, quando vendia plano empresário, essa
rentabilidade ia para ele, então tinha que estar casado direito, em todos os passos.
No plano piloto, como a receita vai para a gente, é pulverizado pessoa física, o
executivo como o Laerte, não tem tanto interesse nessa operação. Ele quer que seja
bem atendido. Então era apenas mais um produto a ser vendido. Eu tinha liberdade
para decidir taxa de juros, para definir minha alçada de negociação, eu tinha uma
responsabilidade nessas decisões.
E: Você na sua função, PJ e PF, você tinha relacionamento com quais áreas do
banco?
T: Eu tinha relacionamento com a área jurídica, tudo que se faz é amarrado com o
jurídico, de engenharia, de crédito, de marketing e com a área comercial. As
principais são estas. Crédito, Engenharia, Jurídico, Marketing e área Comercial.
E: Como você lidava com essas áreas? Você não tinha ascendência hierárquica
sobre essas áreas. Como você fazia para que eles fizessem o que você precisava?
T: Isso vai muito de como o produto é visto no banco. O Crédito Imobiliário não é
mais o patinho feio. Ele virou o patinho bonito. Então dento da estrutura de
Marketing, de crédito, de engenharia, tinha uma pessoa para nos atender. Então eu
tinha um ponto de referência dentro do Marketing. Tinha uma figura que me atendia.
Eu era o cliente interno dentro do marketing. Tinha prazos de cumprimento das
tarefas. Eu pedia para eles fazerem uma peça, eles tinham um tempo x para
cumprir. Tinha áreas específicas para atender. Havia subdepartamentos.
E: Tinha diferença para você lidar com essas áreas?
T: Sempre tem. Eu acho que a área de Engenharia era mais difícil, por ser mais
técnica, principalmente para nós da área de vendas, eles tinham uma falta de visão
de negócios. O 351 mil é diferente de 349 mil. E: Eles estavam muito amarrados a
normas.
T: Sim, e por isso a gente enfrentava uma certa dificuldade. Mas com jogo de cintura
a gente controlava. Mas desgastava, aí às vezes era preciso brigar com a
engenharia o que poderia ser evitado se a engenharia tivesse um pouco de visão.
Marketing eu trabalhava muito bem. Crédito é sempre...
E: Você sentia a mesma coisa com o jurídico?
T: Não tanto. Eu trabalhava com um escritório jurídico terceirizado que ele tinha uma
política de alçada definida pelo jurídico interno do banco. Eles eram prestadores de
serviço do banco. Eles atendiam o que conseguiam, dentro de sua competência.
174
E: Eles não eram muito rígidos por serem terceirizados?
T: Não, eles eram rígidos porque o banco internamente determinava as regras.
quando as regras empatam o negócio, você tem que ir ao jurídico dentro do banco e
negociar.
E: E como você fazia isso? Quando o jurídico não aprovava.
T: Ai você sentava com o jurídico e falava sobre os riscos da operação.
E: E como você fazia isso?
T:Bom, você tem uma certidão de ações de execução e eu peço um objeto. Eu vejo
todos os riscos, IPTU, eu vejo quanto a empresa tem de crédito aprovado no banco:
50 milhões e o plano de ações é de 2 milhões. Então não vamos levar em conta os 2
milhões que não fazem parte do balanço do ativo circulante. Decisões que a gente ia
tomando, até o momento em que o jurídico pedia justificativa eu tinha que buscar
outros apoios (superintendente, diretor, diretor-executivo).
E: A forma como você vencia um não do jurídico, era conduzindo para o seu
superior.
T: Exatamente.
E: Legal. Vopara lidar com essas pessoas, qual a estratégia que você usava?
Você conversava com que nível?
T: Você diz par?
E: Par ou não.
T: Dependendo do tamanho do problema, eu vou direto no Head. Eu poderia ir num
par do Emílio, porque se fosse de interesse dele, ele não se sentiria trapaceado.
Agora se fosse algo da minha cabeça, e eu fosse no Head de outra área, seria
desagradável.
E: Você fazia circular pelo o Emílio.
T: A gente tenta dividir com o gestor o que você precisa e o que vai pedir para a
outra área. Até para o virar um cotovelo dentro da curva de um rio, ele falava,
anda sozinho, precisa ter o bom-senso para saber o que vai ao gestor ou não.
Algumas vitórias só se conseguiam através do Emílio.
E: Então ele jogava a responsabilidade para você decidir o que passar para ele e o
que decidir sozinho.
T: Sim.
175
E: Isto era uma liberdade que você tinha. Isso te dava uma responsabilidade maior,
de sentir um peso com isso ou não?
T: Isso me dava um conforto de não ter que pedir bênção para as coisas, e também
de que ao ver que não conseguiria resolver algo, eu teria o Emílio para me ajudar.
E: É um conforto, uma segurança?
T: É uma segurança, olha esse problema é tão grande, que vai explodir, que tenho
que passar essa bomba para outro cara. Tem bombinha que posso resolver. E se eu
fico preso com toda a bomba, não adianta nada, só vou virar um condutor de
processo.
E: Entendi. Você disse que não tinha funcionário, mas tinha uma posição como
gerente comercial, na área de crédito imobiliário, que era uma influência sobre a
área jurídica e engenharia, você notou alguma diferença em lidar com um par seu?
T: Sim. Afinidades pessoais, o jeito que você trata a pessoa. Você tem um problema,
vamos ver com a engenharia. Avaliou tudo em 351, eu tenho um par meu que
manda um e-mail para o engenheiro, com cópia para o chefe dele, dizendo favor
revisar, falta visão de negócios, é um absurdo, etc. Esse cara não vai ter um bom
tratamento na área da engenharia, porque o cara não vai gostar de ler aquilo. Você
tem que usar o jeitinho, amizade, relacionamento, antes de mandar o e-mail, você
convida o engenheiro para tomar um café e explicar a situação. Na porrada a coisa
não vai.
E: E tinha ocasião que você identificava que...
T: E quando fazia isso, ele te queimava com as áreas, com os colegas dele.
E: A coisa individual passa a ser corporativa
T: Eu diria que sobreviver em banco é uma arte política.
E: Falando na arte política, você usa dessa estratégia da arte política para lidar com
seus superiores?
T: Não tenha dúvida.
E: Em que sentido?
T: Se ele te chama para tomar um chopp às 6 da tarde e você diz que tem um
compromisso com a namorada e diz que não vai, mas se você aceita tomar o chopp
mesmo sem gostar, isto vai dar algumas afinidades para ficar próximo da pessoa e
ela confiar mais em você.
E: Ok. Funciona com teu chefe direto, com teus pares diretos, subordinados...
176
T: Isso funciona, e nem sempre por causa da arte política e relacionamento humano,
porque as pessoas não são apenas promovidas pela capacidade técnica e sim pelo
relacionamento com as outras áreas. Com jeitinho conseguem-se as coisas.
E: Entendi. Essa política serve para funcionários, superiores diretos ou indiretos, e
serve para os pares?
T: Desde o estagiário até o presidente.
E: Você tinha metas?
T: Sim.
E: Qual a relação com as metas? Alcançou, parabéns, o alcançou, o que
acontece?
T: Cada banco tem a sua política de planejamento de carreira. No Banco C tinha um
formulário chamado Smart, uma vez por semestre tinha que preencher e dizer suas
ambições profissionais, pessoais, quais cursos você queria fazer, queria desenvolver
alguma língua, quantos negócios em volume você queria fazer, depois tinha uma
avaliação no final do semestre. Aquilo que você escreveu, você conseguiu cumprir?
A meta tinha um peso X, outro tinha X dividido por 2. Você conseguia promoções,
aumentos, cursos, a minha pós-graduação foi o banco que pagou. Fiz no Mackenzie.
consegui porque tive a avaliação dentro do que foi esperado. O que eu prometi
no Smart, na avaliação do gestor, essa avaliação do gestor é subjetiva e eu volto
para a política. Como ele vai avaliar se eu melhorei no inglês? Ele consegue
mensurar o volume de negócios que fiz. Tudo tem o seu peso.
E: Essa é uma variável mensurável, que é importante, mas não é só isso.
T: Não é isso. Você criou algum conflito? Você desagregou a equipe? Tem uma
série de fatores que ele analisa. Você foi parceiro dele, quando ele precisou?
E: O que é ser parceiro do gestor?
T: É estar comprometido com alguns riscos, toda operação financeira tem riscos,
vale observar se você quer entrar ou não. Então, se ele vai fazer negócio com uma
empresa que o banco não tem simpatia ele querendo trazer aquela prospecção,
você vai jogar contra o cara? Você está sendo cruel com ele. Se você comprar a
idéia de que o negócio é bom, você vira parceiro do gestor.
E: E se você não concordar que aquela empresa é boa para o banco?
T: a gente conversa entre eu e ele, não precisa externar para outras áreas. Fica
interno.
E: Roupa suja se lava em casa.
177
T: Exatamente.
E: Para atingir essas metas, você tinha um bônus...
T: Esse é o grande problema da área de produtos, a gente não tinha bônus, quer
dizer, não era bem em cima da meta, era em cima da avaliação subjetiva, a soma de
tudo. Olha que coisa complicada. O colega... a pessoa se acha mais competente do
que realmente é. Então, ele fala eu tenho um bônus X e o outro tem um bônus Y. Ele
vai questionar, por que eu tive o nus X e eu tive o bônus Y, se eu fiz todos os
meus negócios...
E: Acaba subentendido. Até que ponto você ia na perseguição para atingir suas
metas.
T: Eu não me bitolava nisso. O resultado é resultante. Se você fizer as coisas
direitinho, trabalhar de segunda a sexta, dar retorno aos clientes, fazer follow-up das
coisas, o resultado vai aparecer. Mas se ficar pensando na meta, não vai fazer nada.
Sempre tentei separar isso na cabeça, a meta é um elemento de pressão e a gente
já tem muita pressão dentro do banco.
E: Qual outro tipo de pressão que há no banco?
T: Os bastidores políticos.
E: De novo a política. Como você convive com tudo isso? Você lida bem com essa
situação?
T: Já sofri muito, Paulo. Hoje eu lido melhor, acho que com o tempo a gente
aprende, com a experiência, mas eu vou contar um caso para você entender como é
a pressão dentro do banco. Uma vez meu pai foi visitar no andar junto com meu
irmão. Um prédio maravilhoso, com obras de arte. Na saída eles fizeram um
comentário, como é frio esse ambiente, como é gelado esse ambiente. De fato é,
cada um está preocupado com as suas coisas, e o dia que eu percebi que as coisas
eram dessa forma, foi um dia que uma menina de outro departamento entrou
embaixo da pia, porque estava com síndrome do pânico não diagnosticada. Ela
enlouqueceu, chamaram paramédicos, chamaram a família, teve que sair com
anestesia. Dopada. Esse dia me chocou muito. Esse é um caso extremo. Quantas
pessoas vivem tentando evitar chegar nesse caso extremo? Pode ter certeza, se
você conversar com psiquiatra, o índice de bancários que ele atende é gigantesco.
Cada vez mais jovens indo para o divã. Porque é fato que é uma carreira curta, você
não tem certeza de nada...
E: Por que curta?
178
T: Porque quanto mais tempo o funcionário fica no banco, mais caro fica para o
banco. E não necessariamente eu serei cada vez melhor. Pode vir um cara mais
novo e melhor do que eu. Você percebe uma renovação. executivos de 30 anos,
gerentes de 25 anos.
E: Então você abandonava, esquecia a história da meta e ia atrás dos seus
objetivos.
T: A minha luta diária. Eu falo do filme Coração Valente, que o cara vai matando um,
dá uma espadada...
E: Do Mel Gibson.
T: Do Mel Gibson. O dia a dia é esse. Eu preciso entregar isso hoje, tenho que
entregar o relatório hoje, tudo isso é assim. na guerra às 9 horas da manhã.
Começou a guerra.
E: Imagina que você está num dia desses com pressão, de entrega do relatório e um
amigo de profissão pede um favor.
T: Isso é pessoal. Eu sempre paro para atender um amigo. Vale a pena parar e
atender um amigo.
E: Meio amigo e o colega você não para.
T: Depende do favor. Se for uma coisa que vai atrapalhar a entrega do relatório,
pergunto se posso atender no dia seguinte.
E: Você não falou que não liga para metas, o seu limite é...o quê? O horário de
trabalho...
T: Meu limite é aquilo que eu listei e o que eu não consigo fazer deixo para o dia
seguinte. Até onde eu posso. Eu trabalho sempre com uma lista de tarefas. Vou te
mostrar aqui no celular.
E: Imagina que você está nesse dia, diretor, cliente, não sei o que e uma outra
área te sonega informação, mostra má vontade, o que você faz?
T: Eu tento com o jeitinho brasileiro, quebrar aquele gelo. Se isso não for possível,
eu tento não queimar essa pessoa, eu vou para cima do meu head, digo que estou
com problema da área, de não conseguir informações, o meu head entra com o
head da outra área. Agora se a pessoa tiver boicotando o próprio head, ela será
penalizada.
E: Os seus pares fazem da mesma forma?
T: São orientados a fazer.
E: Isso é cultura do Banco C, cultura do Fábio Barbosa
179
T: Não. Acho que é uma cultura de boa vizinhança. Acho que pela lei de
sobrevivência, os mais velhos dizem que não adianta decidir na porrada.
E: O que você esperava do Banco C, compromisso, retorno, dedicação? Por que
você saiu de lá?
T: Eu saí de lá por uma questão financeira, recebi uma proposta de 60% a mais, não
tive dúvidas, fui mesmo. Eu paguei um preço dentro do banco, e não foi culpa dentro
da crédito imobiliário, que a política de aumento salarial é travada, você é
classificado por grades, a pessoapode subir de grade no máximo duas vezes por
ano e você não pode dar um duplo grade. Eu estava com um grade baixo, quando
era estagiário e fui efetivado eu estava com grade mínimo. Então essa política de
grade me amarrava, a política não permitia que eu recebesse aumentos.
E: Ou seja o teu gerente não tinha liberdade para dar seu aumento.
T: Não tinha liberdade, ele tinha até x, e o mercado leva embora, inclusive o
Banco C perdeu muitos colaboradores por isso. E agora eles contrataram uma
consultoria para saber porque os funcionários estavam saindo. Para evitar isso.
Disse que o problema foi regra, regra de RH. Se vocês cobrissem a oferta que eu
recebi, eu teria ficado, permanecido. Por isso.
E: O que você esperava das pessoas, tanto subordinadas, par, superior, que elas
reconhecessem o próprio erro, erros corporativos...
T: Na verdade não tento esperar das pessoas. Tento fazer uma leitura das pessoas
e me adaptar a elas, não dá para esperar que elas ajam da forma como você queria.
E: Você se transforma num camaleão.
T: Claro que você não vai vender seus princípios morais, éticos, tem limite para tudo,
mas às vezes é preciso fazer um sorriso amarelo.
E: Imagine diferenças de gênero, credo, posição social, posição hierárquica,, de
conhecimento. Você tem alguma dificuldade, facilidade com essas diferenças?
T: Nenhuma. Acho que, modéstia à parte, eu sou versátil com isso, consigo transitar
com credos, culturas, com muita facilidade, porque eu sou um camaleão, eu não
tenho religião definida, então eu consigo conviver bem com as diferenças. Inclusive
dentro do Banco C tinha um programa de diversidade em que eles incentivam as
diferenças. Eles tinham um departamento para isso.
E: Eles fomentam isso?
T: Inclusive na FEBRABAN, eles têm o índice de diversidade dentro do banco.
180
E: Isso eu não conhecia. Nesse contexto, Thiago, a razão principal de sua saída do
Banco C foi a morosidade no reconhecimento de salário.
T: Exato.
E: Ai você recebeu uma proposta do Banco D de 60% maior, como é a estrutura do
banco, rapidinho.
T: Tem o conselho que é dirigido pelo Pedro Malan, com o Pedro Moreira Salles,
abaixo disso tem o VP, que é o Heinrich, abaixo disso vem o Veloso, que é
equivalente ao Antonio Barbosa.
E: Veloso, já conheço, ele teria um grau de diretor.
T: Diretor, não diretor-executivo. Dentro de Crédito Imobiliário, ele cuida da área de
negócios (vendas PF, PJ, produtos e uma parte de infra-estrutura dessas áreas para
interagir com a área operacional, que responde para outro VP). Aqui tem que ter
uma boa comunicação, porque nem na pancadaria resolve, o comando está lá.
E: A tua função é...
T: Hoje é repasse piloto, mas às 15 horas vai mudar.
E: UAU. Entendi.
T: Hoje haverá uma reformulação na área, visando crescimento da área. Então o
foco... será anunciado um apetite maior na área jurídica, do que ficar no PF. É
preciso ter maior capacidade estratégica. Para focar os repasses do que vendo PJ.
E: Hoje você está PF. Você vai para PJ?
T: Vou.
E: Parabéns.
T: Obrigado.
E: Essa divisão será geográfica? Quantos vão ficar na PJ?
T: Muita gente, Paulo
E: Você vai atender Tibério?
T: Sim.
E: Oba!!! Alguém depois para me atender na régua de relacionamento.
T: Isso eu não tenho certeza ainda, vou saber na reunião. O que eu cuido da Tibério,
vou fazer o repasse também. Penso que este seja o modelo mais lógico do que irá
acontecer.
E: Você está 4 meses. O que tem de diferenças gritantes com o Banco C? De
melhor, de pior?
181
T: O que é gritante de melhor do que o Banco C é ter o presidente do banco no
mesmo prédio que você. A velocidade das decisões é maior. O que é ruim é que a
gente não acelerou do jeito que o Banco C acelerou em Crédito Imobiliário.
E: Você está pegando o banco em ascensão.
T: Isso é um desafio, mas ao mesmo tempo eu sofro com a parte operacional. Mas
eu vejo como oportunidade, a parte ruim eu vejo como oportunidade.
E: Thiago, está feita a entrevista.
T: Vai na Globo?
E: Vai na PUC, São Paulo...
Fim da entrevista.
Cristiano
E: Estou com meu amigo Cristiano, terça-feira, dia 17 de junho, vinte para sete da
noite. Há quanto tempo você está no mercado?
C: 30 anos e 9 meses.
E: Você começou no Banco D...
C: Comecei no Banco D em agosto de 77.
E: E veio para cá com o Matone...
C: Comecei com o Matone no dia 3 de março de 2008.
E: Vamos falar da sua experiência no tempo que você estava no Banco D. você
era gerente de crédito imobiliário
E: Qual era a estrutura?
C: Presidente, vice-presidente, diretor, superintendente e aí gerente comercial. Tanto
PJ quanto PF.
E: Quantos funcionários você tinha diretos comigo?
C: Diretos comigo cinco.
E: E que nível eles tinham dentro do banco?
C: Assistentes. Uma senior e as outras são júnior.
E: Como funcionava essa estrutura? Tem a crédito imobilíário... Você se comunicava
com quais estruturas dentro do banco?
C: A engenharia, a jurídica e a área operacional. Até a contratação da operação.
Depois tinha o rebate.
182
E: Você ia até assinar depois parava?
C: Sim
E: Entendi. Nesse sentido, pode falar de e daqui... você tinha liberdade para
decidir sobre o quê? O que você tinha liberdade para decidir?
C: Responsável, era o gerente comercial pelo plano empresário. O que era ligado ao
produto era ligado à minha área. Então a gente fazia todos os estudos para dar o
parecer sobre viabilidade, sobre rendimentos, parâmetros, para que o gerente
comercial pudesse aprovar os créditos. Uma vez aprovados os créditos voltava para
a minha área para finalização, para emissão dos contratos. Aí contactava o jurídico,
tinha a ficha resumo dos pedidos, ia para o operacional e este contactava o
cliente.
E: Nesse contexto, você tinha liberdade de horário?
C: Entrava às 9 e saía às 18. Eu atendia o Brasil todo. Eu não tinha como travar o
horário.
E: Você que fazia o seu horário. Por exemplo, quando você tem essa liberdade de
horário, você acaba não tendo essa liberdade, porque você tem o compromisso com
a organização, né?
C: Perfeito.
E: O que é importante para você? Por que você entrava antes e saía depois?
C: Porque eu fazia o que gostava e tinha os clientes como amigos. Eu tinha a idéia
de que eu tinha que atender um amigo. Você tem uma estrutura muito grande e
depende de outras áreas e eu tinha que cobrar as outras áreas para atender as
expectativas do cliente.
E: Como que você fazia com as outras áreas Engenharia, Crédito, Jurídico e
Operacional para que eles fizessem o que você queria?
C: Negociando. Essa operação aqui tem essa operação com prazo mais elástico, a
necessidade de lançamento não vai ocorrer agora... mas sempre procurando
negociar para não extrapolar os prazos.
E: Que diferença a negociação tinha com determinado departamento? Era mais fácil
negociar com um ou com outro?
C: Engenharia era mais tranqüilo. O jurídico tinha prazo mais curto para entregar a
análise de um processo. Dependendo da demanda era mais difícil você negociar ali
porque todos eles estavam no limite do prazo. O medidor de qualidade nosso era
cumprir prazo.
183
E: A área de crédito...
C: Era mais difícil negociar, envolvia outras pessoas, outras áreas, a engenharia
estava ligada à mesma cultura, ao mesmo presidente, o crédito era outro vice-
presidente. Tinha um ou outro caso em que o executivo da plataforma podia ajudar.
E: Você formava um comitê para...
C: Para ir ao diretor de crédito... porque saiu dessa área teria que negociar com o
comitê. Então a diretoria era responsável para fechar e colocar tudo em ordem.
E: Com relação aos teus funcionários, o que você podia decidir por eles ou para
eles? Ex: chefe, quero sair mais cedo. Até que ponto você podia ser flexível ou não?
C: Na questão de horário, eu tinha autonomia. Estávamos com profissionais e não
trabalhando com crianças para arrastar aqui e ali. E tínhamos o registro para fazer
as compensações pelo banco de horas. Eles faziam as compensações.
E: O ponto eletrônico foi bom para você como gestor? Tirou da suas costas isso?
C: Sim. Mas eu não me preocupava e nem me preocupo com isso. O ponto
eletrônico tira uma certa flexibilidade do funcionário. Se o funcionário quer sair mais
tarde para o almoço e voltar mais tarde, mas o horário está definido, o ponto
eletrônico obriga a justificar alterações no horário. Você tinha que justificar tudo isso.
E: Eles reclamavam disso?
C: Sim
E: E como você administrava isso?
C: Eu verificava, abonava, conversava. Eu entrava com a prorrogação de prazo...
E: Você não batia ponto?
C: Como Comercial, nível comercial geralmente tem status e não precisa disso.
E: Promoção dos funcionários, aumento de salário como que...
C: Eu fazia a solicitação mas a movimentação dependia de outro diretor.
E: Como você levava essa situação para o teu superintendente? Para o diretor.
C: Eu fazia um feedback da evolução do funcionário, que ele superou as
expectativas que ele merecia, tínhamos a dificuldade de premiar os funcionários.
Quando eu saí de lá, tinha uma funcionária que fazia 4 anos que não tinha o prêmio
por mérito, por mais que eu tivesse solicitado. Eu não consegui. Quando eu saí de
lá, ela me ligou e ela disse que tinha ganho um mérito, estilo “cala-boca”. Na
verdade o receio deles é que tivesse uma debandada dos funcionários.
E: Aí que eles deram o mérito.
C: Na verdade foram 3 funcionários.
184
E: Nesse contexto você controlava o teu pessoal mais por resultado ou por
comportamento?
C: Os dois
E: Explique melhor.
C: Comportamento, ou você tem uma equipe que tem pessoas, que você tem
competição, esse lado você tinha que trabalhar a parte comportamental. A questão
de metas, cada um tinha uma carteira a ser cumprida e era cobrado por produção.
E: Cumpriu muito bem, não cumpriu... qual a penalidade para quem não cumpriu?
C: Na avaliação de performance ele estaria abaixo, havia uma questão quanto a
cumprir ou não a meta. Havia uma bolsa de estudos, uma ajuda, para quem
superasse a expectativa a bolsa chegava a 100%.
E: Imagina o funcionário que teve.. que superou a meta, ele merecia um aumento
além da bolsa, e não vinha, por algum problema orçamentário., como você lidava
com isso?
C: Eu colocava isso para ele, nós tínhamos um diálogo bem aberto quanto a isso. O
problema é quando o diálogo fica muito repetitivo. eu tive que colocar o
superintendente para me amparar, para me ajudar a expor o porquê, de após 4 ou 5
semestres não dar uma premiação.
E: Puxou uma vez o diretor?
C: Não consegui.
E: Ele não quis? (risos)
C: Não consegui
E: Você tinha muita rotatividade com seus funcionários?
C: o. Na minha equipe não tinha rotatividade, quando tinha era para algo melhor,
dentro ou fora do banco. Eles tinham perspectivas melhores do que se continuassem
comigo.
E: Nesse contexto de lidar com seus funcionários, você tinha outro par? De Pessoa
Física?
C: Não tinha disputa com ele.
E: Como era o relacionamento dele com o superintendente e o seu? Eram
diferentes?
C: Em determinado momento sim em outro ficou junto na mesma superintendência,
depois dividiu de novo. Então não chegou a ter essa questão com o mesmo
superintendente.
185
E: Como ele agia com o superintendente? Era diferente do seu modo de agir? Por
exemplo, ele ia lá, conversava com os funcionários dele, ia pedir aumento...
C: Mesmo procedimento.
E: Isso era padrão dentro do banco?
C: De uma certa forma, a pessoa tinha que lidar na mesma escola, no mesmo estilo
E: Qual é a melhor maneira para lidar com o superior? Ou seja, fazer o que ele quer,
contestar, contestar até que ponto, como que você...
C: De uma certa forma, quando você está numa organização existe uma certa
diretriz a seguir, a hierarquia, se você está dentro de uma determinada área, você
tem que fazer o que está ali. Lógico, que na parte de negócio a discussão é muito
pequena. uma ou outra alteração a ser analisada para atender o seu cliente.
Você vai apresentar uma visão que não foi enxergada, que tem que mostrar a
argumentação, tem que provar, até porque é preciso devolver isso, se você recebe
uma negativa, se algo é decidido pelo comitê, não como mudar. Porque eu
preciso responder para o cliente por que foi negado. o ponto que de repente por
falta de mais esclarecimentos também, coisas que você tem que argumentar.
Você tem que tentar fazer negócio. Primeiramente o comercial, além de fazer o
negócio, ele tem que saber com quem ele faz o negócio, dificilmente eu iria pedir
para fazer uma operação se eu não soubesse que fosse viável. O empresário está
comprometido com o negócio. No passado tínhamos muitos problemas porque o
empresário não estava comprometido com o negócio.
E: Vide o caso da Encol.
C: Então o comercial sabe o tipo de análise do banco. Para quem está no mercado,
você vê o crédito
E: Todo mundo fica sabendo, não foi o banco, foi Cristiano que deu o crédito
C: Eu analiso dessa certa forma.
E: Mas isso é comum no mercado?
C: Acho que sim, pelo menos a maioria do pessoal pensa assim.
E: Para conseguir um objetivo você vai aaonde? Quais seus limites? Você passa
por cima das normas?
C: De jeito nenhum. Dentro do banco você não pode fazer isso. As normas tem que
ser respeitadas.
E: Mas e se você percebe que o cliente é bom, que o contrato daria lucro para o
banco?
186
C: Vou argumentar. Como eu disse o ponto que de repente por falta de mais
esclarecimentos também, coisas que você tem que argumentar. Votem que
tentar fazer negócio.
E: Mas até onde você insiste? Você pode “forçar a barra”?
C: Isso não pode fazer porque pode parecer outra coisa.
E: Como assim?
C: Você pode ficar marcado, pode parecer que você vai ganhar alguma coisa,
entende?
E: Espera ai! Algo como alguma vantagem caso o negócio seja concretizado?
C: Exatamente.
E: Uma vantagem que o cliente lhe daria?
C: Isso mesmo.
E: Ah! Entendi.
E: Vamos mudar de assunto. O que você espera do banco?
C: Como assim?
E: Em termos de benefício, reconhecimento, carreira.
C: Eu esperei muito tempo, veio alguma coisa, mas não aquilo que eu queria. Então
eu vim para o Matone. Aqui o desafio é bem grande. Eu disse que viria se o banco
fosse atuar em todo o Brasil. Eles falaram que a princípio não, mas depois mudaram.
Então eu vim.
E: Aqui no Matone é melhor?
C: Ainda não deu para ver, mas acho que sim.
E: O que você espera das pessoas, dos seus funcionários? Qual o comportamento
que você acha adequado dentro do banco.
C: Elas têm que fazer o trabalho delas. Tem o produto na prateleira e é trabalhar
com o cliente.
E: Como você faz para influenciar as outras pessoas a fazerem aquilo que você
precisa?
C: Como já disse eu negocio. Eu tento mostrar que tem alguma alternativa dentro do
negócio. Se o comitê não aprovar eu tenho que explicar o motivo para o cliente. Vejo
se ele não pode mudar alguma coisa ou melhorar a condição do empreendimento ou
se ele tem outro empreendimento.
E: Existe alguma diferença em lidar com pessoas diferentes em termos de
hierarquia, ou classe social, ou grau de inteligência?
187
C: Não.
E: Você trata todos da mesma maneira?
C: Sim. Não tem diferença.
E: Seus colegas obedecem ao seu chefe porque ele é bom ou porque quem é
esperto obedece?
C: Você tem que obedecer ao seu chefe, ele tem mais conhecimento.
E: Cristiano, muito obrigado.
C: Não tem de que.
Janice
(Entrevista realizada no restaurante Misk) – Parte 1 – Entrevista com Janice.
E: Hoje é dia 17, uma hora da tarde, estamos aqui no Misk, muito gostoso, eu e
Janice. Janice trabalha no Banco A. Qual é a faixa etária? 35, 40...
J: 45 anos.
E: Número de funcionários diretos que você tem?
J: Um.
E: Como é uma estrutura de onde você trabalha?
J: Temos uma vice-presidência, abaixo temos o superintendente, e abaixo dele
temos 3 hostess, eu sou uma das hostess, e abaixo da gente temos um
assistente, que é o direto da gente, para nos auxiliar em tudo que precisamos. Ele
faz todo o link que preciso para entrar em contato com o cliente.
E: Quem é?
J: O Fábio. Eu viajo bastante, faço São Paulo, Curitiba, Londrina, então, quando
estou fora, ele é o link com a empresa. São três hostess em todo o país, dividido por
região. Todos fazem São Paulo, eu também faço Curitiba e Londrina, tem outro que
fica com Minas Gerais e interior de São Paulo e outro fica com Rio de Janeiro. Agora
Brasília, só um pedaço, porque o banco não está atuando em toda a Brasília.
E: O banco parou de atuar acima do Espírito Santo no crédito imobiliário.
J: Parou, porque como o banco comprou o Banco C, eles vão direcionar, vão ver
como vai ficar essa estrutura, para ver se vai atuar norte e nordeste, Vitória e um
pedaço de Brasília, Águas Claras, porque as agências do banco não estavam
agüentando o repasse, então para não atender com má qualidade, por isso trancou.
188
A demanda de negócio não estava dando conta para lidar com o crédito imobiliário.
No momento o banco resolveu parar com os projetos de crédito imobiliário.
E: Você sabe o que aconteceu com Nádia? Ela começou a analisar o projeto e me
devolveu dois meses depois, p. da vida. Ela saiu do banco.
J: Mas aí são processos do banco. Por ser o banco de varejo tem muito processo,
diferente de um banco de investimento, um banco menor. Então, a gente tem muito
processo para cumprir e não adianta, a gente tem que se adaptar a isso. Por mais
que eu ache que o projeto é interessante, tem viabilidade, é preciso se adequar às
medidas novas do banco. Nádia teve uma oportunidade muito boa e pôde ir para o
Banco B. Agora ela está no BANCO BB do Banco B. Ela vai fazer outros produtos da
área comercial, ela está muito feliz.
E: Você acha que o Banco A perdeu essa profissional?
J: Sim, perdeu essa profissional. Ela pode até em outro momento voltar, ela saiu
super bem referenciada pela vice-presidência, que é a Ana Peres, porque o mercado
é muito aberto, ela pode voltar, o Banco A não tem esse negócio de não pegar
novamente. Eu mesma saí do Banco A, fui para o Citi e voltei de novo depois de 7
anos. Se naquele momento você é um bom profissional... o negócio é sair pela porta
da frente.
E: Há empresas que não aceitam isso, algo que eu não esperava do Banco A.
J: Muita gente voltou para o Banco A. Eles têm um período, acho que de 6 meses,
por causa da lei, mas não tem problema nenhum. Às vezes o profissional quer
mudar de área e naquele momento não tem lugar no banco, aí passa dois, três anos
e o banco abriu a vaga para isso e se a pessoa quiser voltar... Os próprios gestores
dessas pessoas acabam incentivando isso.
E: Me fala um pouquinho do que estávamos conversando no carro. Você ficou
chateada porque seu chefe está saindo do banco.
J: Fiquei chateada sim, porque é aquilo que conversamos, tem chefe e gestor, ele
não é um chefe, ele é um gestor. Eu dei o exemplo, que eu recebi um bônus no meio
do ano, que não me agradou, não fiquei satisfeita porque eu achei pouco pelo que
fiz, pelas metas, mas não desanimei, porque ele teve todos os fatores para me
explicar, que eu teria sucesso no final do ano, que ele iria reverter essa situação
para mim, ele me chamou para perto dele, ele falou que iríamos dobrar essa meta, e
que eu ficaria bem no final do ano. No dia a dia ele não deixava esmorecer, ele vai
motivando, não a mim, mas os outros hostess também, que eu não consegui
189
jogar a peteca, pois eu não tenho coragem de ver alguém que faz tudo, que vai lá,
que vai junto comigo no comitê, batalhava junto, ele não é um cara que larga você, a
gente tem uma meta para cumprir no banco, que se a gente não cumprir estamos
fora do jogo, isso é muito claro para gente. Como outros lugares também essas
metas, sabemos disso, trabalhamos sob pressão, porque o mundo é assim, os
negócios são assim, o cliente te pressiona, o banco te pressiona, e você tem que
saber administrar isso, entender como um desafio. Eu não somatizo, porque está no
corporativo, o mundo está assim, está tudo muito rápido, as pessoas estão muito
rápidas, você tem que acompanhar, ver que tem as metas, tem que cumprir, no final
do mês é uma correria, sempre pensando positivo também. Se você tem consciência
que tem uma meta, que você vai ganhar dinheiro com isso, você o esmorece.
Você pega aquela coisa e diz que nada vai te abater. O negócio da gente é sempre
relacionado à nossa carteira, o cliente vai chegar no topo que ele acabou com o
limite dele, eu tenho que mantê-lo para manter todo o processo aliqüidar o saldo
devedor, para conseguir depois de um ano e meio, dois anos, para conseguir outro
limite. Eu não posso ficar esperando sem fazer nada. Tenho que prospectar novos
clientes, os clientes indicam clientes novos.
E: Sob essa pressão e tal. Você disse de uma dimensão que é se cumprir a meta,
terá um bônus bom, agora não é isso. Tem outro componente que você ficou
triste, porque ele é gestor, ele olha o lado humano é isso?
J: Ele nos olha não como funcionários, mas como seres humanos. Houve um
exemplo ontem, que a gente recebe copos d’água, ele fala quer água? eu tomo
água, e quando vou embora, ele fala você o quer mais água, tenho certeza que
4 dedos no copo, você sempre deixa 4 dedos de água no copo. Ele me conhece
tanto que fica atento aos mínimos detalhes. Todo mundo de manhã tem
necessidade de dar uma satisfação, a gente conversa todos os dias de manhã, é
legal, ele sempre dá idéias para a gente. Eu chego lá e falo, vou para a Tibério, acho
que poderia alavancar aqui em cobrança... ele fala: sim, eu acho que vamos pegar o
outro empreendimento deles para estudarmos, para ter tempo de lançar, para ver a
documentação, aí tem como alavancar outra coisa... A gente conversa muito, a
gente quando sai de temos um plano de negócios do que vamos fazer. Isso é
diário.
E: Como é o teu relacionamento com o Roberto e o Fernando, que são os outros
dois hostess?
190
J: Ótimo. O Roberto é um cara que comercialmente, ele tem pouca experiência, de
participar de comitê, de crédito, nós fizemos uma força-tarefa de todos ajudarmos
ele. E todos ajudamos ele. E se ele fala que perdeu um negócio, procuramos ajuda,
porque o crédito não foi aprovado, dizemos, vamos ver qual o banco que aprovou
esse crédito, vamos persistir, vamos ver por que o outro banco aprovou e nós não. O
Roberto veio de uma empresa, lógico, o movimento dele é diferente do nosso. A
empresa você pode terminar um projeto num outro dia, são times diferentes, por isso
que eu falo, um gestor é muito importante e solicitou para nós ajudarmos o nosso
colega. Hoje ele é um hostess ótimo, cumpriu a meta, hoje é um cara que anda
sozinho, faz as coisas dele, e fala: “lembra que você falou aquilo?” respira, porque
não adianta, chicotear, respira, espera passar o dia, porque nada como um dia após
o outro, amadurece a idéia e no dia seguinte vai falar com a área de crédito. Porque
os ânimos são outros.
E: O crédito é para todas as áreas do banco?
J: Todas.
E: Ele é uma vice-presidência independente?
J: Independente.
E: Esse é um ponto nevrálgico da sua área? Ou seja, você pegar um cliente,
entender o que ele precisa, focado em crédito imobiliário e levar para a área de
crédito.
J: Mas o crédito nosso hoje é muito... ele tem uma união com a gente, ele não é um
cara que não é fazedor, ele quer fazer negócio. Então, antes da gente entrar no
comitê de crédito, a gente fala com o analista, e ele comenta sobre a conta, como
reverter o negócio. Os analistas são abertos para falarmos com eles.
E: Isso é assim, porque tem uma norma...
J: Não está numa norma, o gestor de crédito liberdade para eu falar com ele. Se
o analista não estiver lá, eu falo com eles. Eles são abertos, ninguém trabalha com
porta fechada.
E: Já foi diferente?
J: foi diferente. Não dessa nova era que eu peguei. Talvez porque estavam
incorporando o Meridional, banco Geral, eles ficaram meio que perdidos... desde que
estou nessa era nova...
E: Essa era nova você está há quanto tempo?
J: Há 6 anos e meio.
191
E: E agora com essa compra do Banco C? Mudou o crédito?
J: Não, igual. Essa junção vai acontecer para setembro, para gente não
mudou nada, continua a mesma coisa. Ainda não teve essa junção, estamos
trabalhando separadamente.
E: Você tem relacionamento da empresa, do crédito do banco e o teu
relacionamento com a crédito imobiliário, Manolo, Saito, como funciona isto? Você
que pega o cliente, eles, quem é o prospect? Você que é responsável para ir atrás
do cliente?
J: Sim, para pegar toda a documentação financeira, ver o negócio, e falar, vamos lá,
fazer uma visita. O que aconteceu no banco foi diferente, antes de dispensarem a
Banco C State, que estava no meio, existia a construtora dentro do banco. Foi
migrada essa construtora e saiu da carteira de alguém e foi migrado para a carteira
do Banco C State. Somos 3 hostess, o Roberto veio de fora. Eu tinha carteira, 80%
construtoras, eu vim do Citi, onde atuava em construtora e trouxe minha carteira
para cá.
(Interrupção para atender chamada telefônica).
Fim da parte 1 da entrevista.
Segunda parte da Entrevista com Janice
E: A área de crédito... você está no Banco C State do Banco A... você pegou a
sua carteira do Citi e foi para o...
J: Fui para o Middle e tinha essa carteira de construtora e trouxe esses clientes.
Quando fui para o Banco C State, eu recebi o convite para trabalhar no Banco C
State, eu na realidade, uns 3 anos atrás, fui a uma palestra para crédito
imobiliário, o cara falou, era um professor que fazia mestrado, disse que daqui a três
anos e meio, quem estiver no ramo imobiliário estará super bem. eu pensei...ele
comentou, hoje todo mundo vive de aluguel, se as construtoras começarem a
enxergar melhor, a fazer a apartamentos melhores, haverá muito espaço para isso.
Eu pensei, eu queria me especializar numa área, aí, eu queria um negócio com
construtoras e cheguei a ter uma carteira de 80% de construtoras, e foi fácil migrar.
O banco quis pegar pessoas especializadas, com acesso a construtoras, então a
192
grande massa, eu trouxe porque migrei, foi excelente para mim. A Regina que
estava com a gente, ela veio da BMG e trouxe a carteira de construtoras de lá. E o
Roberto que veio, assumiu o interior no princípio. Não teve impacto, depois que
aconteceu há 8 anos atrás, fazer limite para construtora, porque teve um boom. Não
foi algo traumático.
E: O que você tem liberdade para decidir com relação a você mesma? Horário,
almoço, recurso... e dessas coisas que você tem liberdade para decidir, o que você
leva em consideração? Por exemplo, você falou do funcionário, quando você tem
esse funcionário, você leva em conta essas questões justiça, lealdade, amizade...
J: Na realidade, ele é um funcionário nosso direto do banco, mais do
superintendente, do que da gente, a gente acaba comandando. Eu não levo em
conta o horário, eu levo em conta a disciplina. Disciplina é ele seguir as prioridades,
executar as prioridades. Ele sabe disso. A gente determina o que são as
prioridades para ele. Por exemplo, crédito é prioridade, cliente que não está
satisfeito, para dar o retorno para o cliente. Pára e vai atender o cliente.
E: O meu caso, eu ligo, a cobrança não está funcionando... lembra no ano passado
que a cobrança não saía.
J: Mudou a vice-presidência agora, a do varejo e a do atacado. A gente tem uma
sinergia entre os hostess.
E: Como chama o funcionário?
J: bio. Ontem tinha um cliente que tava com um problema, com pagamento ao
fornecedor, ele tinha que fazer o pagamento, e eu não era o hostess da conta dele,
mas eu o atendi. A gente atende o cliente do outro hostess, bem, pontualidade.
E: É uma coisa que você tem liberdade para atender o cliente do outro. Você não é
obrigada...
J: Sou obrigada sim, não está escrito na norma, os clientes o clientes do banco e
não seus. Você tem obrigação de atender os clientes, porque o cliente não é seu, o
cliente vai onde há a melhor qualidade, com a taxa menor.
E: Em outros bancos não é assim...
J: Mas está mudando, por conta das mudanças no mercado.
E: Você não tem horário.
J: A gente chega no banco umas 8h30, quinze para as nove, exceto quando
comitê que chegamos mais cedo, chegamos vinte para as oito. Às vezes vou direto
193
para a visita, não vou para o banco antes, eu faço minha agenda, ou tudo de manhã,
ou tudo à tarde, para as visitas, para não quebrar.
E: Você é assim, porque você na relação de onde você trabalha, porque você
retorno financeiro e de reconhecimento. Porque tem gente que tem liberdade de
horário e age diferente.
J: Independentemente de gestor, de meta, existe um negócio chamado
responsabilidade. Você pode não ter horário... eu já trabalhei em plataforma que não
tinha horário... no próprio Citi o precisava ir todos os dias. Não adianta querer
enganar a si mesmo. Você não consegue fazer uma agenda bacana... é tudo de
manhã cedo, coisas que você enxerga de manhã e se você não monitorar
isso, você morre na praia, você tem que ligar para o cliente.
E: Você acha que as pessoas na média têm essa responsabilidade?
J: Acho que houve um momento em que havia menos, porque não havia a pressão
da meta, havia mais bancos, hoje é bem diferente. Antigamente tinha muitos
bancos... hoje os bancos compraram uns e outros, se você não tiver
responsabilidade e se você não cumprir a meta... você está fora, você tem que
cumprir. Eu penso muito objetivamente, você recebe isso no início do ano, você tem
que resolver isso ao longo do ano. Você tem que ter responsabilidade, todo dia você
tem que fazer um pouquinho, para você ter uma idéia, hoje estou tendo reunião para
fechar plano empresário para o início do ano que vem. Eu tenho que trabalhar agora
para fechar o negócio no ano que vem. Eu já estou trabalhando para o ano seguinte.
E: Com relação aos teus funcionários o que você pode decidir em relação a eles?
J: Nada.
E: Quem decide?
J: O superintendente. Ele que decide tudo.
E: Ele também decide tudo em relação a você.
J: Ele é um link, mas quem decide é o vice-presidente. É um banco em que é muito
processo, não é uma pessoa direta que decide, tem que ter a aprovação de várias
pessoas. O superintendente se quiser promover alguém, o vice-presidente tem que
aprovar.
E: E como o vice-presidente dá aumento...
J: Eu não tive problema como Nádia. Estou no banco há seis anos e meio e digo que
foi promoção, por mérito, eu não falaria, é difícil... e sempre é preciso mostrar,
montar uma estratégia para pedir o aumento, eu subo munida, digo o que dei de
194
receita, eu fiz isso, cresci, tem todo um esquema para falar, eu acho que o
aumento deve acontecer como conseqüência do seu trabalho. Você tem trabalhar
para conseguir isso. Porque se a pessoa diz que trabalha e não tem nada no final do
mês, não teve aumento de produção de clientes, é preciso rever, você está fazendo
o retrabalho, não é algo produtivo.
E: Os seus pares fazem a mesma coisa para pedir aumento?
J: Está novo, o Fernando está dois meses, a Regina foi promovida, está 17
anos no banco, o Roberto é novo no segmento. O Fernando está dois meses. Se
você fizer um esquema... se você fizer, a gente tem um projeto de vida, um desafio,
se você seguir essa linha... você passa por desafios, você quer chegar lá na frente e
como vai chegar lá.
E: Nesse como chegar, você interage muito mais com pares de outros
departamentos do que o seu?
J: Porque o meu departamento é muito pequeno.
E: Mas o seu departamento é o pólo que faz a gestão com o cliente. Você pega as
demandas do cliente e espalha dentro do banco. Como é a interação com os outros,
com o crédito, com o crédito imobiliário...
J: Você precisa ter um super jogo de cintura, porque todo mundo fala que é
prioridade.
E: Que nem no congresso “urgência urgentíssima”.
J: Se você conhece o teu cliente, o teu negócio, agora, antes da gente chegar, eu
tenho um crédito que tem que passar hoje à tarde, porque o cara vai lançar, vai
antecipar um mês para lançar um empreendimento de Curitiba, e ele tem outro
banco concorrendo. E se eu não der a resposta esta semana, ele vai fechar com
outro banco. Então o que eu fiz? Eu fui ao crédito, falei com o analista, com jogo de
cintura, mostrar para eles que eles não são funcionários da gente, eles são
funcionários do banco, e não dá para falar “você tem que fazer” porque eles têm
um cargo menor do que a gente; aí eu pergunto “por favor, será que você pode fazer
isso para mim? vou explicar o motivo da urgência” e explicar o porquê da urgência, é
preciso ter argumentos, porque todo mundo chega dizendo que é urgente. Você
precisa chegar com uma justificativa que procede essa urgência.
E: Os outros não fazem igual a você?
J: Não.
E: isso que eu quero saber.
195
J: Isso você pega e fala o seguinte: “eu vou fazer isso aqui.” Esse cliente: ele vai
lançar tal dia, ele antecipou. Eu estou falando isso porque vai acontecer. O que
acontece na maioria das vezes? O cara vai , “enche o analista”, “enche o crédito”,
aprova o negócio e ele não sai. Porque se tem uma coisa que o cara fala que é
urgente, ele fala que vai pegar o dinheiro dali a quinze dias, mas diz que precisa da
aprovação agora. Existe uma coisa que é a credibilidade, se você perder isso, você
perdeu o serviço. Eu tenho... teve uma coisa que eu precisei abrir do dia para a
noite, do dia para a noite, tive que pedir autorização para a vice-presidência.. para
abrir uma conta sem documentos... não pode segundo o Banco Central... sem ter os
documentos no banco.
E: isso é sinal vermelho.
J: ... veio um documento ilegível, para fazer uma procuração...tudo isso você precisa
pedir autorização que vai até o vice-presidente, para você ver que é processo.
E: Nossa senhora! Para abrir uma conta sem a documentação corretinha “by the
book” precisa estar de acordo e não é o teu vice-presidente?
J: É o meu. Mas tem que estar de acordo. Olha só, é o superintendente e ele vai dar
o de acordo com outro superintendente, você pensa, você vai falar com o
superintendente de uma coisa corriqueira para dar o de acordo com outro
superintendente, é complicado, você vai envolver o superintendente numa conta
corrente! Ele tem outras coisas para fazer, outras prioridades, você está lá para fazer
a gestão do negócio do cliente. Você foi contratado para isso. Primeiro: você precisa
ter paciência, segundo você vai pedir urgência quando for urgente mesmo e você
fala assim no prazo de três dias eu vou regularizar. E antes desse prazo, regularizar.
E antes de te cobrar, já está regularizado.
E: Ou seja, reforçando a credibilidade.
J: Aí você pega uma credibilidade...quando as pessoas...
E: Vocomeça a ter essa credibilidade junto com a responsabilidade, que são dois
componentes fundamentais para você ter um argumento forte e a tua voz ter peso, é
isso?
J: Exatamente, para você ter uma idéia não eu, outros gerentes trabalham
assim quando fala assim “é da Janice”, dizem “pode fazer, porque ela realmente
cumpre”. Então eu fico muito próxima do crédito, eu participo de todos os comitês,
desde aqueles que eu aprovo quinhentos mil reais até o que eu aprovo duzentos e
cinqüenta mil reais.
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E: O teu nome é então uma marca no varejo, você tem que ter uma marca lá dentro.
J: É assim: Janice faz as coisas como a gente pede, quando a gente pede uma
documentação, ela corre atrás, ela não fala que simplesmente ele não tem, por
exemplo, balancete, se eu tenho um cliente que o tem o balancete de 2008 e
digo que ele não tem, eu me antecipo antes de ser cobrada, porque eu acho que a
gente ter que se antecipar, porque senão fica no ciclo, você esqueceu a
documentação, você não sabia que ele não tinha a documentação.
E: Você falou que o Abud conseguiu que vocês ensinassem o Roberto, de um ano
para cá, então você acredita em treinamento.
J: Totalmente.
E: Totalmente?
J: Totalmente, é o sucesso para qualquer funcionário. Para mim também. Acredito
em treinamento, acredito que a gente precisa investir na gente, em cursos, palestras,
temos que estar sempre se reciclando no mercado, a gente não pode parar, porque
o mundo está mudando muito rápido, a gente tem que estar se direcionando para
coisas do nosso segmento...
E: Se você pegasse o cargo de superintendência do Abud, você orientaria os
funcionários para fazer cursos, palestras etc.?
J: O banco tem uma verba e eu pegaria essa verba e veria os níveis das pessoas e
diria..
E: Esse dá para fazer um curso de especialização, esse dá para fazer um MBA...
J: Eu faria coisas que motivassem o funcionário. Eu fiz MBA pelo banco. Fiz na FGV,
isso foi ótimo. Ah, dizem que o banco estimula gente jovem, não é isso. Eu tenho
45 anos e fiz o MBA há dois anos atrás que o banco deu!
E: Se você assumisse a superintendência, você teria o estilo do Abud, ou seja,
gestão de pessoas.
J: Claro que para assumir essa posição eu teria que fazer um curso de gestão, sem
dúvida, porque eu não tenho gestão de pessoas, eu precisaria estudar isso, mas eu
gostaria de me espelhar na gestão do Abud, porque é uma gestão que deu certo, ele
não é um cara querido no meu segmento, ele passou por várias áreas do banco
em todas as áreas que ele passou no banco, ele teve sucesso. Ele está 20 anos
no banco e teve sucesso em todas as áreas. Quando ele disse que iria se desligar,
todo mundo disse “não, não acredito!”. Todo mundo diz: “eu queria ter um chefe
como ele.” Ele é um cara de bem com a vida, ele tem um astral bom, tem uma
197
energia boa, está sempre de bom humor, ele é um cara que faz um ambiente
maravilhoso para você trabalhar. Ele sempre conversa com um, com outro...eu
nunca acordei para dizer: “puxa, vou ter que trabalhar...” (em tom de lamentação).
E: Com ele? Você já teve chefes diferentes?
J: Eu tive chefe que me ligava de 5 em 5 minutos para saber onde eu estava. Eu
tive chefe que tive de chegar no banco, às quinze para as oito da manhã e sair
tipo nove... porque se saísse às seis, diria que eu não estava trabalhando...
E: Era essa outra maneira que os outros chefes achavam que estavam controlando.
J: Essas pessoas... o sucesso é muito curto... são pessoas que não trazem a equipe
para ele, que acham tudo ruim, falam que eles sabem trabalhar, falam que a
gente tem que cumprir isso, isso e isso, mas não falam como a gente chega lá. É
preciso dizer como chegar lá. O papel de um gestor é esse. Ele vai dizer como
chegar lá.
E: Ele vai mostrar o caminho da roça. Às vezes ele “asfalta” esse caminho, como fez
como Roberto, ele asfaltou o caminho, ele pediu ajuda pra você, você estava
ligada a ele, acreditando nele e você ajudou.
J: A gente tem que dar um voto para as pessoas, você tem que acreditar, você tem
que trazer a pessoa para o seu lado. Eu trabalhei com pessoas que não eram do
bem, que queriam ferrar um ao outro. Eu trabalhei em banco pequeno e banco
pequeno é assim.
E: Banco grande não é assim?
J: Não, porque em banco grande, você tem muitos produtos, clientes, o banco
pequeno tem um nicho de mercado, não tem produto, você o faz câmbio, o
sempre os mesmos clientes...
E: Eu poderia falar que num banco pequeno alguma faceta que se estivesse
oculta nas pessoas que sobressai por causa da competição e aí da para perceber
quem é do bem e do mal?
J: Mesmo o cara do mal... eu tenho 24 anos de banco, mesmo o cara do mal você
precisa trazer esse cara para você. É difícil, mas é preciso.
E: Como você traz um cara do mal? Porque em qualquer momento ele vai te puxar o
tapete.
J: Mas é melhor se juntar a ele, porque ele fica mais preocupado na hora de puxar o
teu tapete, ele vai ficar com problema de consciência, você chama esse cara para
almoçar, você começa a conhecer melhor, você não o deixa afastado...
198
E: Você não o deixa afastado porque para vigiar mais, ou porque existe um
componente de amizade, de consciência?
J: Se você se mostrar solícita às coisas dele, se você se mostrar amigo, porque em
banco pequeno, ninguém atende o telefone de ninguém, aí você oferece isso, ele vai
se comprometer de tal forma, que decide puxar o tapete de outra pessoa, ele não vai
te ver como inimigo. Você tem que trazer.... eu convivi com todos os tipos de
pessoas, estive em 7 bancos. Vou falar como é a minha experiência. Eu cheguei
no banco, tinha uma pessoa que eu sei... eu adoro o Banco A, a Regina veio de uma
experiência diferente da minha, ela veio do Large, e tinha um determinado
relatório que ela sabia fazer, um trabalho em power point, o Large, um segmento
do banco, um segmento de empresas globalizadas, aí..., para enviar para ela abrir.
que quem fazia isso era o Large, porque acima de 75 milhões vai para outra
tarifa. Eu tinha que fazer isso. O que aconteceu? A Regina fazia isso, para ela
mostrar para gente, ela disse, ah não, amanhã eu faço. Aquilo começou... porque eu
sou assim: eu sei que alguém tem uma função e se eu falo que alguém vai fazer
isso, eu vou cobrar por aquilo, agora se o cliente ligar para mim porque você não fez
aquilo, eu vou fazer de um jeito o de outro e deixo claro e na frente falo que fiz
porque a pessoa não fez. Aquilo começou a me irritar tanto, que eu cheguei para o
Abud, e disse: “só ela pode fazer isso no banco, se um dia acontecer algo com ela,
ninguém mais fazer?” Porque eu estou um mês e meio e ela todo dia diz que vai
fazer e não vem fazer.
E: Tem o dedo do Abud aí, na verdade tem o seu dedo.
J: Aí eu falei: Regina, tem um negócio. Você pode contar comigo para o que
precisar, se eu precisar atender o seu cliente como se fosse meu. Estou vendo que
você está de vontade em me ensinar isso. Porque eu o consigo, eu tenho que
falar. Aí, eu falei: Regina, isto está me incomodando. Eu fui falar com o Abud e
perguntei se ela fazia aquilo. Eu sei que essa menina ficou comigo uns três dias
fazendo isso, é algo super minucioso, com muitos detalhes, tem que fazer gráficos,
ver os riscos... Hoje, ela é minha melhor amiga. Ela hoje ri e lembra: “lembra que
você se irritou com o negócio do power point” ? Ela hoje mesmo ela fala... e hoje a
gente ri de tudo isso. Se você vai e tem uma conversa franca, você consegue a
pessoa.
E: Neste caso ela era seu par. Isto serve para o teu funcionário, para o chefe?
199
J: Serve para todo mundo. Lógico, você não vai chegar com os quatro pés, mas é
preciso dizer, se posicionar. Acho que em qualquer fase na sua vida, você tem que
se posicionar. Aquilo me incomodava tanto e eu fui lá e me posicionei.
E: Você conseguiu mudar a atitude dela fazendo essa estratégia...
J: Hoje ela é minha melhor amiga. Hoje ela está em rias na França. A gente ficou
muito amiga. Onde ela está ela liga. A gente ficou muito amiga, porque a
responsabilidade, junto com sinceridade, lealdade, o valores muito importantes
não só para o banco, mas para a vida da gente.
E: Você no ambiente corporativo você põe a sua vida junto.
J: A vida da gente, o que estiver incomodando é preciso falar. Sou de bem com a
vida totalmente, você nunca vai me ver de mal humor, porque eu gosto da vida, a
vida sorri, eu deixo a vida sorrir para mim, pessoas que não fazem isso, eu deixo
a vida sorrir para mim. Ontem mesmo aconteceu algo engraçado, passou um cara
de controladoria eu disse bom dia e ele nem olhou na minha cara. me
perguntaram: “por que você fala bom dia para ele, se ele nem responde? Ele se
acha o máximo, por que você persiste em dizer bom dia para ele?”
E: [Interrupção para atender celular]
J: “Eu acho que você perde o seu tempo. Eu fiz a minha parte em dizer bom dia,
agora se ele não fez a dele...” Disse que eu achava que o havia perdido tempo,
que eu tinha feito a minha parte. Ah, eu fui e falei com o Luís (o da controladoria):
está tudo bem? ele disse que sim. Eu falei bom dia e você não respondeu. ele
ficou sem graça e disse que não havia me visto. Eu não me contive e tive que
perguntar para ele. Será que ele estava com algum problema...
E: O que foi mais forte em você? O fato de seu amigo ter dito que o cara não iria
responder mesmo...
J: Foi mais forte o fato de ele não ter respondido bom dia, pensei será que ele está
com algum problema, será que ele é sem-educação mesmo?
E: Você sabe que está tudo fora de ordem, mas nós estamos conversando, está
ótimo. Tem os objetivos, você vai até o final. No seu ambiente corporativo, até onde
você vai para atingir os teus objetivos?
J: Bom, como eu faço para atingir um objetivo? Primeiro é isso. Eu tenho que passar
ainda por alguns cursos dentro do banco, para chegar a ser superintendente, que é
o meu objetivo, eu quero ser superintendente não do corporativo e sim do varejo,
das construtoras menores, que eu acho que elas vão se consolidar com as maiores,
200
o mercado terá mudanças, haverá mercado, produtos para essas menores. Daqui a
um ano, esse mercado vai virar. Primeiro, fazendo os cursos e depois tendo
relacionamento com pessoas que possam me levar aisso. Querendo ou não, você
precisa fazer uma política dentro do ambiente do trabalho. Eu falei para o meu
chefe: eu quero chegar aqui. E se precisar, eu vou falar com quem for necessário.
E: O networking.
J: Agora vem outro chefe. Terei que mostrar tudo isso para ele. Terei que fazer todo
esse trabalho de novo.
E: Tem um lado de conhecimento, tem o networking, que você explicou como você
faz isso, mas quais são os limites?
J: pessoas que falam que para chegar até fazem qualquer negócio. Comigo,
não. Os meus limites estão dentro da lealdade, da responsabilidade, eu jamais
chegaria a um objetivo deixando alguns rastros ruins, como passando por cima de
alguém, falando mal de alguém para me sobressair, sabe algo assim, falar que
alguém não cumpre meta, não chegou ao gol. Eu não faria isso. É o que faz parte da
missão, que seriam os valores, que se eu tenho ética, responsabilidade, lealdade,
transparência, tudo que cabe no grupo da lealdade.
E: Isso é que delimita a sua atuação.
J: Para mim isso é sucesso.
E: Isso é sucesso?
J: Para mim isso é o sucesso, você agir com ética, com lealdade, você pode ater
problemas com isso, em qualquer empresa.
E: Por que isso?
J: Porque a pessoa que é o seu superintendente... quando você trabalha com muita
gente, você acaba dando linha para várias pessoas, então um chega para você e
fala mal. você escuta, não passa isso. Deve estancar isso. As pessoas vêm e
põem um pouco do veneno, você passa isso maior para outras pessoas e o
veneno vai se alastrando. vai chegar um momento que a pessoa que é o líder vai
ferrar a outra pessoa. Isso acontece muito.
E: Isso é um componente de ética pessoal. Ela tem um nome? Religiosa, racional,
familiar...
J: Ah, totalmente familiar, eu fui criada numa coisa assim: se você não pode ajudar,
não atrapalhe. Escute e não passe isso. Meu pai faleceu... Meu pai sempre foi de
dizer que a fofoca é ruim para a pessoa que está passando e para a pessoa que
201
segue adiante. Em casa somos muito energia. Eu sou de uma família espírita, tudo
que a gente prega em casa é dentro de uma energia. A gente acha que tem energia.
A gente limpa o ovo antes de colocar na geladeira, porque achamos que é uma
energia. Na minha casa muitos cristais, porque eu acredito nisso. Eu fui criada
nesse ambiente. Meu pai sempre disse para não reclamar, para olhar que há coisas
ruins, que precisamos passar, mas precisamos sorrir para a vida, porque ela irá
sorrir para você. Cada dia é um dia. Em casa, a gente sempre viveu muito em
harmonia. Respeito, acho que é em família. Tenho 45 anos, meu pai morreu com 78
anos eu tinha 32 anos, eu nunca presenciei meu pai discutir com a minha mãe. Claro
que eles discutiam, mas eu nunca presenciei, nem eu e nem meu irmão. Quando a
gente era moço, como a nossa família é muito pequena, meu pai fazia questão que
todo mundo participasse do almoço, alguém fizesse um aperitivo, outro fazia alguma
coisa.
E: Vamos fazer um link desse almoço do seu pai quando você convidou o malzinho
para almoçar, você trazia ele junto para você, é isso?
J: O ser humano é feito de coisas boas e ruins. Se ele cultivar mais as coisas ruins,
ele ficaruim, se ele cultivar as coisas boas, ele será bom. Se eu puder fazer isso,
não tem como, em um almoço, a pessoa vai se abrir, aí você acaba trazendo isso.
E: Você conhece a história do avô e do netinho?
J: Não.
E: O netinho chegou estourado da escola e aí o avô perguntou e o netinho disse que
estava bravo, que apanhou, que bateu, e aí ele perguntou como o aficava tão
calmo. Ele disse que s tínhamos dois lobos, um é forte, é bonito, se ele estiver
ameaçado, ele vai lutar se for o caso, mas primeiro ele pensa e raciocina. Tem um
outro lobo, que é forte e bonito também só que não pensa, seja ele se sentir
ameaçado, ele ataca e mata sem perguntar. E esses dois lobos existem dentro de
nós. Aí o netinho perguntou o que acontecia. O avô disse que os dois lobos estavam
em constante luta o tempo todo. o netinho perguntou quem vencia e o adisse
que venceria o lobo que fosse mais alimentado. Então você alimenta o lobo bom.
J: Eu concordo com isso. Claro que é experiência de vida. Alimento as coisas boas.
Eu acho que com todos os problemas, eu sinto que estou na melhor fase da minha
vida, porque eu não preciso ir ao hospital. Como no ano passado, eu fiquei no
hospital, com a minha e, porque são valores diferentes. A melhor fase da minha
vida não é eu estar cheia de dinheiro ou com mil namorados, não é isso. A melhor
202
fase da minha vida é estar em paz. E nesse momento estou em paz, porque eu
consigo enxergar coisas maiores que tinha. Eu fico imaginando assim, passei ano
novo no hospital, passei Páscoa no hospital, gente, é tão pequeno, não? A gente
tem que viver cada momento com responsabilidade.
E: As pessoas são assim?
J: Não.
E: A maioria não é assim?
J: A maioria, porque hoje as pessoas não estão preocupadas em ficar em paz, elas
estão preocupadas com o poder. Não é com o dinheiro, é com o poder. Hoje fala
mais alto do poder do que o dinheiro. O poder de ser o presidente do que ter o
dinheiro. Eles não querem o poder, eles querem mandar. Uma amiga comentou
comigo outro dia, porque os casamentos duram hoje em dia tão pouco. eu falo
que o mundo mudou. Hoje, a gente tá falando do homem, o cara que é vice-
presidente, ele vai embora tarde, ele quer ver tudo, ele quer ficar até 10 ou 10 e
meia e não quer perder o poder.
E: O Abud ficava lá?
J: Não.
E: Ele não precisava.
J: Abud é um cara que vive a vida, ele tem uma qualidade de vida com família, com
social...
E: Volta no cara ruim.
J: Ele quer ficar até 10 e meia, 11 horas. Ele esquece da família dele, que o
espera para o jantar e o cara perdeu a família, porque o mais importante para ele
é o poder. a família também se cansa disso, a família acaba, então para ele o
mais importante não é a família é o poder. Aí ele casa, separa, casa de novo, separa
mais uma vez... A maioria dos presidentes de empresas não se casam uma única
vez, porque o poder fala mais alto, para eles é a vaidade do cargo. Esses caras
ganharam a vida, mas eles querem continuar no poder. Eles querem PODER.
E: Primeiro o poder, segundo o dinheiro é uma forma de demonstrar que tem poder,
é isso?
J: o é de demonstrar, para ele ter poder, ele precisa de dinheiro, para freqüentar
os lugares de poder. Ele tem que comer em um bom restaurante, ele tem que
freqüentar os lugares onde tudo que acontece... tem lugar que tudo acontece no
203
mundo dos negócios, ele não vai fazer happy no Charles Edward, ele vai fazer
happy-hour no Leopoldo da vida, entendeu?
E: Você acha que a organização, no caso do Banco A, eles entendem isso, eles
enxergam isso, essa dimensão e prendem a pessoa com isso? Eu te dou esse
cargo, esse poder, mas você me dá o retorno?
J: Não. Retorno é meta. Não acho. Não é do banco, é da pessoa, que quer vaidade,
poder etc. O banco é muito claro, o banco é número, nós somos números!
E: Mas o banco não podem usar... eu te dou uma posição de VP, superintendente,
de gerente,...
J: De jeito nenhum. Eles têm horário de entrar, mas não tem horário para sair porque
pode haver uma reunião.... O banco dá total liberdade para ter uma vida social. Você
não tem, se não quiser.
E: Ah, vá!
J: O meu superintendente tem uma vida social maravilhosa. Meu superintendente
faz ginástica, viaja...
E: Os outros bancos que você trabalhou assim também?
J: Sim.
E: Você já soube de uma empresa que disse: sai antes das 9 que você está ferrado?
O Banco A não é assim?
J: O Banco A não é assim de jeito nenhum. Eu trabalhei no Citi que é uma
multinacional e se alguém trabalhasse depois das 6, eles achavam que não tinha
trabalhado direito, ou você está acumulada...
E: Você acha certo o banco exigir metas?
J: Acho.
E: Por quê?
J: Porque o banco precisa atingir um número X para sobreviver. Como ele vai
sobreviver sem as metas? Vai ficar um oba-oba, porque todo mundo faz o que quer
porque não tem meta, acho certíssimo. A gente é pago para isso.
E: Este é o ponto de troca?
J: É via de duas mãos: você ganha, você tem que fazer.
E: Agora quando o Banco A deixa o Abud ir embora, o líder-gestor-pessoa...
J: Mas esse momento é confuso. Ele foi pedir num momento confuso, porque é o
momento que o banco faz a fusão com o Banco C, é o momento que não sabemos
204
como vai ficar as estruturas, não é o melhor momento para isso acontecer, mas não
vejo como o banco poderia ter uma ação.
E: Será que ele não foi pedir um incremento, um reconhecimento...
J: Não, eu acho que o que aconteceu, ele é um cara que poderia estar num lugar
bem melhor e o mercado está aí, ele não disse para onde ele vai, mas ele está indo
para uma multinacional, e com certeza como diretor...
E: Mas ele não está atrás daquele poder que você falou?
J: Não.
E: Ele está atrás do quê?
J: Ele está atrás de ser reconhecido pelo trabalho dele, por tudo que ele fez a
chegar a diretor, não para simplesmente mandar. Ele quer ser diretor porque ele
acha que ele se sente preparado, ele tem como assumir, e passar a experiência e
incorporar coisas novas que não pôde implantar no banco como superintendente,
porque ele não tem alçada para isso.
E: Não tem diretor no banco?
J: Não tem diretor, não tem esse cargo.
E: As outras áreas de forma geral reconhecem no Abud um gestor?
J: Maravilhoso.
E: Eles falam isso para você? Eles têm uma inveja saudável?
J: Sim, gostariam de tê-lo como chefe sim.
E: Você falou do superintendente de crédito que é assim como o Abud?
J: Eu não o conheço muito bem, porque ele é novo no banco. Mas ele é bem
acessível, já falei algumas vezes com ele...
E: Você acha que o superintendente de crédito é muito forte no banco, né?
J: Na realidade eles não têm alçada, né? Eles não têm alçada para aprovação, eles
m alçada para limite de cheque, a alçada deles é limitada. Eles não têm alçada
para uma alçada para uma conta garantida de cem mil...
E: Não tem? E quem tem?
J: O crédito. Mas o meu superintendente comercial não.
E: E o superintendente de crédito tem alçada?
J: Não é ele, é o comitê, são membros do comitê.
E: E quem faz parte do comitê?
J: Dependendo da alçada, é o superintendente de crédito mais dois
superintendentes.
205
E: E dentro da alçada deles... por exemplo, dentro desse comitê participa o
superintendente de crédito.
J: No comitê todos eles participam. O superintendente de crédito sempre.
E: O Abud participa de algum comitê?
J: De todos.
E: Ele tem um voto?
J: Tem um voto, eu também, participo, do executivo que o, que o Abud vai
sozinho. E a gente dá voto e dá opinião. A gente que faz o plano comercial.
E: Você começou lá embaixo lá no analista, para depois subir.
J: que o analista está muito perto do gerente de crédito. foi lá, falou tudo.
Eu vou mesmo para falar com o analista e ele me pergunta por que eu quero fazer o
negócio e dou todos os argumentos, faço uma defesa lá, na hora.
E: Nossa, muito bom!
J: E eles fazem perguntas... é isso, é credibilidade. Eu desço no comitê, ah, é o
negócio da Janice. Eu posso a qualquer momento pegar uma concordata, estou
sujeita como qualquer outra pessoa. Eu volto no negócio de ficar em casa dormindo.
Se eu não estiver no cliente sempre, visitando sempre, não vou saber o que está
acontecendo, quando ele fechar as portas, vou chegar depois que as portas
fecharam. É a coisa da responsabilidade.
E: Tem uma coisa interessante para a gente abordar. Tem diferença de lidar com
pessoas diferentes? Por exemplo, especialidade funcional (controladoria, ou cara do
crédito, da crédito imobiliário), diferença religiosa, diferença social, diferença de
conhecimento... não vou falar cultural, mas de conhecimento, você lida de forma
diferente?
J: Experiência de bagagem é o mais importante. Pelos bancos que passei, tem
gente que está desde que começou o banco, ele ainda está no processo
BANESPA, devagar quase parando, eles têm uma deficiência porque vivem do
passado. Talvez até porque eles vivem de passado, vamos fazer assim agora, é
preciso trazer esse cara para a realidade toda hora, tem que falar amigo era assim e
agora não é assim. Eu não acredito em gestão de chicote. A gestão de chicote não
certo, porque o cara não consegue trabalhar sob pressão, não é todo mundo que
consegue viver sob pressão.
E: Você tem pena deles porque todos eles tinham uma aposentadoria vitalícia?
206
J: Não vitalícia, eles tem uma aposentadoria pela Banexpress que completa renda. E
outra, eles ganhavam muito mal. Não tem esse negócio de que os caixas ganhavam
10 mil. Isso era um ou dois ou três. Os caras do BANESPA, eu tive oportunidade de
trabalhar com eles, os salários deles eram muito mais baixos. Um cara que se
aposentou pela Banexpress, ela paga 3 mil, eles saíram com quatro, quatro e
duzentos. Eles completaram um salário de sete, sete e pouco. E vão ficar com isso a
vida inteira.
E: Eles ganharam quatro ou sete?
J: Sete. Mas saíram do banco essas pessoas. As pessoas que ficaram continuam
pedindo aumento toda hora. O salário do Banespa era menor, eles têm uma cultura,
eles trabalhavam juntos, mas não tinham metas. Eles não eram cobrados
E: Volta na organização, para funcionar bem precisa ter metas. Por isso que o
Banespa quebrou.
J: Não foi por isso que o banco quebrou. Mas você vê o que acontece hoje no Banco
do Brasil, você entra por concurso, você não é mandado embora, se você cumprir a
meta, não sei o que acontece.
E: O tal do cargo é comissionado, se ele não cumpre a meta ele vai voltando.
J: Mas ele não sai do banco.
E: Como você convence os caras a fazer o que você precisa?
J: Então, você primeiro você tem que ir respirando dez mil vezes, e fala, olha
amigo, preciso que você me ajude. Eu posso falar? Todas as pessoas que você
chega com jeito, pedindo por favor. A experiência mostrou isso. Agora outros
falam “ah, você não pode fazer???”
E: Você não faz isso?
J: Não, isso não funciona. Sabe por quê? O cara fica com tanta raiva de você, que
vai deixar o seu negócio fazer por ele, aí o cara vai querer dar o chicote dele, eu não
sou a favor do chicote. Como eu vou fazer isso? O cara começa a se comprometer,
se você fala com jeito com ele.
E: Você tem toda essa paciência?
J: Tenho.
E: E conhecimento? Inteligência?
J: Essas pessoas não têm uma mente mais aberta, eles nem sabem por que fazem
esse trabalho. Porque ainda dentro deles não despertou o conhecimento. Esse é o
problema. A pessoa tem que enxergar isso. Não sou eu que vou despertar isso nele,
207
ele é que vai enxergar. Está assim de gente desse tipo no banco. Esse
conhecimento tem que despertar nele. um cara disse que dez anos que o
banco não o promovia e eu perguntei se não havia algo errado nisso. Você tem que
aguçar as coisas nele, dizer as coisas boas. (Dá exemplo de como falar com o
chefe, para tentar conseguir aumento). Você tem que falar para as pessoas que elas
têm um objetivo
E: Você já fez isso com ele? Ele se mexeu?
J: Sim, ele saiu desse departamento, foi para outro departamento, que é dá
pessoa. Outro dia ele me ligou reclamando. E eu disse: amigo, pensa, você
estava 10 anos num lugar, agora você está há 5 meses em outro lugar, você não
está contente com você, é uma coisa sua. é um problema que a pessoa precisa
administrar.
E: Querida, deixa eu te agradecer, vou ter que parar, obrigado pela oportunidade.
J: Eu é que agradeço a oportunidade.
FIM
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