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Aqui, Ruth conta a experiência de ter sido mãe aos 17 anos, em um período da vida em
que além de precisar trabalhar, também tinha outros anseios, como o de “buscar
conhecimento”. Essa “busca de conhecimento” de que fala Ruth tinha a ver com sua própria
história de militante política, que começou muito cedo em função da educação que recebera
da mãe, também militante, ligada a movimentos sociais e associação de moradores
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.
Podemos perceber que “buscar conhecimento” – ir a seminários, cursos, atos da atividade
militante, foi relatado como algo que diminuiu, ou ao menos, limitou a presença de Ruth junto
ao filho.
E então podemos nos perguntar: tais experiências – “maternidade” e “busca de
conhecimento” – são necessariamente excludentes? É certo que, no caso de Ruth, falamos de
uma situação que envolveu a maternidade na adolescência, que é um assunto complexo,
delicado, que hoje se coloca, sobretudo, como um grave problema de saúde pública
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e que
não poderá ser discutido neste trabalho. Contudo, durante a coleta de dados, puder ver - e
viver – a continuidade de ambas as experiências na vida desta mulher, que hoje, é mãe
novamente e ainda milita em mais de um espaço político. Ela continua a trabalhar, a militar, a
“buscar conhecimento”, e a ser mãe. E continua, mesmo já em idade madura, a ter que lidar
com a falta de tempo para estar com os filhos.
Seria simplório reduzir tal falta de tempo à jovem maternidade, seria mesmo uma
alienação total da realidade de muitas mulheres, posto que tal experiência é vivida por
diversas mães, de diferentes idades, e também de diferentes classes sociais:
... não é só a mulher da favela que deixou não, a empresária também -
ela bota na mão da babá. Ela também não tem tempo, igual a mulher
da favela. A única diferença é que se o filho dela for preso, da
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Lídia Sales dos Santos, mãe de Rute, ganhou a ‘Medalha Chico Mendes de Resistência’ em 1998 como
homenagem do Grupo Tortura Nunca Mais, que descreve sua história da seguinte forma: “...morava na Favela
Indiana, aos pés do Borel. Mãe de dezessete filhos, conseguiu criar treze, dos quais a polícia matou Josué e
Ismael. Desde a década de 70, atuava nos movimentos populares: primeiro, contra a ditadura militar, logo pela
Constituinte, Diretas Já, emancipação feminina, pelos pobres e indefesos. Dona Lídia trabalhou na Pastoral de
Favelas e na Secretaria de Serviço Social, assistindo meninos de rua. Em 1984, representou as mulheres do Rio
de Janeiro no histórico comício da Candelária, frente a um milhão de pessoas. Embora só tivesse o curso
primário, escrevia poesias e peças de teatro; em 1986, fez a peça “O Povo e a Constituinte”, encenada em várias
comunidades, através da Associação Liberdade Mulher. Alguns anos depois, no Teatro Carlos Gomes, foi levada
ao palco “A Mãe de Pedra”, ópera funk de sua autoria que denunciava a morte dos meninos da Candelária.
Funcionária da Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, ali viu desperdiçada sua vocação de
educadora e artista. Recebia pouco mais de um salário mínimo, pelas oito horas diárias de trabalho, para
sustentar onze filhos. Aos cinqüenta anos, Lídia adoece gravemente, sem que o Estado lhe concedesse férias ou
licença para tratamento. Internada em urgência, morre e os filhos não têm acesso ao laudo médico, apesar do
IML indicar envenenamento.” (Grupo Tortura Nunca Mais, 2008)
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Sobre o assunto ver: “A juventude como sintoma da cultura” in Juventude e sociedade: trabalho, Educação,
Cultura e Participação. (Kehl, 2004)