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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE.
LINHA DE PESQUISA MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICA E EDUCAÇÃO
POPULAR.
ALVA D’ABADIA AMARAL
A VIVÊNCIA DEMOCRÁTICA DA ESCOLA LIBERDADE
Cuiabá - MT
2008
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2
ALVA D’ABADIA AMARAL
A VIVÊNCIA DEMOCRÁTICA DA ESCOLA LIBERDADE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação, do Instituto de Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação, na Área
Educação, Cultura e Sociedade e linha de pesquisa:
Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.
Orientadora: Prof.ª
Drª.
Artemis Augusta Mota Torres
Cuiabá - MT
2008
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3
ALVA D’ABADIA AMARAL
____________________________________________________
Prof
ª
. Drª. Célia Frazão Soares Linhares
Examinador Externo (UFF)
____________________________________________________
Prof. Dr. Delarim Martins Gomes
Examinador Interno (UNIRONDON)
____________________________________________________
Profª. Drª. Artemis Augusta Mota Torres
Orientadora (UFMT)
Cuiabá, agosto de 2008.
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
4
A todas as pessoas da comunidade escolar Liberdade: educadores,
educandos, pais, mães, avós e demais familiares. Em especial às
crianças: Ed-carlos, Bianca e Renan, que me mostraram que o
melhor método de ensinar é se colocar a escuta daqueles que buscam
aprender, inclusive de mim mesma.
5
Agradecimentos
À Prof
ª
. Drª.
A
rtemis
A
ugusta
M
ota
T
orres, pela liberdade e respeito com que
me orientou nas minhas dificuldades e limitações apresentadas no desempenho deste trabalho.
Ao Prof. Dr.
D
elarim
M
artins
G
omes por sua criteriosa observação; pelo carinho
e atenção dispensados às longas horas de avaliação no processo de qualificação.
À Profª. Drª.
C
élia
F
razão
S
oares
L
inhares pelo seu apoio e contribuição aos meus
estudos, desde 2006 quando ao se interessar por conhecer a Escola Liberdade, mesmo antes
de sabermos que faria parte deste trabalho investigativo, me ajudou sugerindo algumas
leituras.
Ao Prof. Dr.
L
uiz
A
ugusto
P
assos, pelo carinho nos meus momentos de dúvidas e
pelas orientações valiosas que muitas vezes me mostravam a luz no fim do túnel. Que me
orientava mesmo quando falava aos outros.
A
C
arlos
A
lberto
R
eyes
M
aldonado, por um dia ter-me convidado para fazer
parte do Projeto Educativo da Escola Liberdade e poder ser parceira, nos sonhos e nas utopias
nesta sua bandeira de luta que passou a ser minha e de outros educadores.
À Profª.
E
lizabeth, pela sua firme postura política e pedagógica. Para mim, um
exemplo de coragem e dinamismo, para que o Projeto Educativo da Escola Liberdade fosse
implantado com raízes profundas. Ao Prof. Januário que demonstrou nas suas atitudes de
generosidade que a escuta é a arma poderosa que nos faz tutores de nós mesmos e do outro
nas relações humanas. Ao Prof. Paulo Eduardo dos santos, pelo apoio e o companheirismo de
todas as horas, principalmente nos momentos de sufoco, em que a equipe sente dificuldade
em ver além dos aparentes obstáculos.
À
E
quipe
L
iberdade pela transparência , empenho e disponibilidade , em fornecer
as informações necessárias para a construção deste estudo.
6
À
R
osângela e ao
M
arcos companheiros de apoio de lutas por causas comuns,
pelas sugestões de leituras relevantes e as palavras de conforto nos momentos de angústias e
inseguranças.
Aos
C
ompanheiros do GPMSE, em especial ao
O
snir, que não poupou esforços em
contribuir com suas orientações nos momentos de definição do objeto de pesquisa.
À
S
ilvia,
V
alquíria,
E
dna,
L
ucirene e
S
uely, companheiras de todos os
momentos. Pelo apoio e disponibilidade sempre que precisava nas pesquisas, nas leituras e
nos momentos difíceis da construção e sistematização das palavras.
Aos meus
F
amiliares: primos, sobrinhas e sobrinhos queridos; em especial aos meus
irmãos e irmãs pelo carinho e apoio em todos os mementos inclusive nas longas ausências nos
dois últimos anos.
Aos meus
N
etos e
N
etas,
F
ilhos e
F
ilhas, meus amores, minha vida. A principal
razão de ainda eu continuar na luta. Por entenderem as minhas faltas. Aos meus
G
enros e
N
oras, pelo apoio incondicional em todos os momentos durante esta caminhada.
Ao meu marido,
E
dson
E
stevam de
A
raújo, pela paciência, companheirismo e
apoio nos muitos momentos de ausência.
À minha mãe,
O
tília
M
aria
A
maral, pela força e juventude permanente em sua
vida, me fazendo acreditar o tempo todo que sempre vale a pena lutar. Ao meu pai,
M
arcelino
F
erreira
A
maral (in memorian), pelo exemplo de fé e generosidade.
Aos meus amigos e amigas do
G
rupo
R
enascer que me ouviram com
serenidade quando eu mais precisava falar.
A
D
eus, pela e a força que me inspira e me fortalece. Pela oportunidade de estar
aqui e poder comemorar junto aos meus familiares e amigos, este momento único.
7
Tudo o que a gente puder fazer no sentido de convocar os que
vivem em torno da escola, e dentro da escola, no sentido de
participarem, de tomarem um pouco o destino da escola na
mão, também. Tudo o que a gente puder fazer nesse sentido é
pouco ainda, considerando o trabalho imenso que se põe
diante de nós que é o de assumir esse país democraticamente.
P
aulo
F
reire
8
Resumo
A presente pesquisa foi realizada na Escola Liberdade, uma escola da Rede
Municipal de Ensino de Cuiabá MT, que tem sua gestão organizada na forma de Conselho,
buscando incentivar a participação efetiva de todos os membros da comunidade escolar, em
exercício de democracia direta na escola. Mediante a Gestão Co-operada, a Escola aposta
numa prática pedagógica assentada nas relações de alteridade, com vistas à formação cidadã.
O objeto do estudo foram as relações construídas entre educadores e educandos, como base de
sustentação da prática pedagógica, e o estreitamento das relações entre a comunidade escolar
e os moradores locais. O objetivo foi compreender a vivência das pessoas envolvidas nesse
processo, indagando sobre as mudanças que ela é capaz de provocar nas suas atitudes.
Procurou-se também analisar as inovações produzidas na prática pedagógica, buscando
compreender se esta prática contribui, conforme propõe o Projeto Educativo da Escola, para
uma formação cidadã. Este é um estudo de caso, de tipo etnográfico, amparado em uma
abordagem qualitativa. No trabalho de campo, os procedimentos metodológicos utilizados
foram os registros em diário de campo, entrevistas e análise de documentos e de trabalhos
desenvolvidos no período de 2002 a 2007. Por se tratar de uma investigação que busca
compreender a vivência “democrática”, procedi ao estudo na decorrência do processo
histórico. A proposta de gestão da Escola é que os atores sociais se coloquem na condição de
sujeitos “aprendentes” e “ensinantes”, no exercício do fazer pedagógico. Os resultados
evidenciam que houve avanços significativos no sentido do fortalecimento do trabalho
coletivo nas práticas da Gestão, e que os maiores entraves residem nas diferenças de
interpretação por parte da Escola Liberdade e da Secretaria Municipal de Educação acerca das
relações interpessoais no exercício da gestão democrática. As informações obtidas por meio
de observações e entrevistas mostram que as finalidades do Projeto da Escola estão sendo
concretizadas, uma vez que a pretendida formação cidadã acontece no processo e é, portanto,
nesse contexto que pode ser captada. Assim, as muitas evidências de mudanças nas relações e
nas práticas pedagógicas, que vêm sendo captadas no cotidiano escolar, têm indicado que, a
despeito das dificuldades de institucionalização e conseqüente vulnerabilidade do Projeto, é
possível imprimir uma lógica distinta e inovadora na execução das atividades escolares.
Palavras-chave: formação cidadã; projeto educativo; relação pedagógica.
9
Abstract
This research was carried out in the Liberdade School, a school that belongs to the
Municipal educational System of Cuiabá MT, which is managed by the Council, seeking to
stimulate effective participation of all the members of the school community, working with
direct democracy in school. Through cooperated management, the School relies on a
pedagogical practice based on the relations of alterity, aiming at citizen development. The
aims of the study were the relationships built between educators and students, as a basis of
support of the pedagogical practice, and bringing closer the relations between the school
community and the local dwellers. The aim was to understand the way of life of the people
involved in this process, questioning about the changes that it is able to provoke in their
attitudes. The innovations in the pedagogical practices were also analyzed, seeking to
understand if this practice contributes, according to the proposal of the Educational Project of
the School, for a citizen civic education. This is an ethnographic case study, supported by a
qualitative approach. In the field work, the methodological procedures used were registered in
a field diary, interviews and analysis of documents and works developed from 2002 to 2008.
As it is an investigation that seeks to understand the “democratic” way of life, I continued the
study following the historical process. The management proposal of the School is that the
social actors put themselves in the condition of “learners” and “teachers”, when teaching. The
results show that there were significant advances in the strengthening of the collective work in
the Management practices, and that the biggest difficulties are in the differences of
interpretation of the Liberty School and of the Municipal Secretariat of Education about the
interpersonal relationships in the democratic management. The information obtained through
observation and interviews show that the aims of the School Project are being fulfilled, since
this citizen development happens in the process and it is in this context that it can be obtained.
So, the evidence of changes in the relationships and in the pedagogical practices, that have
been obtained in the daily school life, have indicated that, despite the difficulties of
institutionalization and having the vulnerability of the Project as a consequence, it is possible
to transmit a distinct and innovating logic when doing the school activities.
Key words: citizen formation; educational project; pedagogical relationship.
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Lista de Siglas e Abreviaturas
AT – Ação Tutorial
CE – Conselho Executivo
CEC – Conselho Escolar Comunitário
CJ – Conselho Judiciário
CL – Conselho Legislativo
EMEB – Escola Municipal de Educação Básica
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LGD – Lei de Gestão Democrática
PCNs – Planos Curriculares Nacionais
SME – Secretaria Municipal de Educação
TdG – Tutoria de Grupo
TeG – Tutoria em Grupo
TI – Tutoria Individual
TMD – Técnico em Multimeio Didático
TMSG – Técnico em Manutenção de Serviços Gerais
TNE – Técnico em Nutrição Escolar
TsT – Tutoria sob Tutoria
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
UNEMAT – Universidade Estadual de Mato Grosso
UNITINS – Universidade de Tocantins
11
Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 13
1 A ESCOLA E AS PESSOAS (SUJEITOS DA HISTÓRIA E SUJEITOS DA PESQUISA) ..................... 24
1.1
E
SCOLA
L
IBERDADE
:
LOCALIZAÇÃO
,
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO
................................................... 26
1.2
A
S PESSOAS COMO SUJEITOS DA HISTÓRIA
................................................................................................... 29
1.3
A
S PESSOAS COMO SUJEITOS DA PESQUISA
................................................................................................... 35
2 O PROJETO DA ESCOLA LIBERDADE .................................................................................................... 43
2.1
A
UTOPIA DE UMA ESCOLA EMANCIPATÓRIA
............................................................................................... 45
2.1.1 Como se organizaria a gestão da “nova escola”? ............................................................................. 51
2.1.2 Como seriam o tempo e o espaço pedagógicos na “Gestão Co-operada”? ....................................... 53
2.1.3 Uma escolha... um significado... um nome: Escola Liberdade ........................................................... 56
2.2
D
A UTOPIA AO PROJETO POSSÍVEL
............................................................................................................... 58
2.2.1 Concepção de democracia/liberdade/respeito na “Gestão Co-operada” .......................................... 62
3 ESCOLA LIBERDADE: VIVÊNCIA E CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO .......................................... 68
3.1
A
ÇÃO
T
UTORIAL
:
VIVÊNCIA E FORMAÇÃO CIDADÃ
...................................................................................... 69
3.1.1 Tutoria Individual (TI) ........................................................................................................................ 74
3.1.2 Conhecendo o Bairro .......................................................................................................................... 77
3.1.3 A Tutoria em Grupo (TeG).................................................................................................................. 78
3.1.4 Ambiências Temáticas: participação e cidadania .............................................................................. 84
3.1.5 Tutoria de Grupo (TdG) ...................................................................................................................... 88
3.1.6 Tutoria sob Tutoria: um caso à parte ................................................................................................. 91
3.2
O
QUE MUDOU COM A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS
.................................................................................. 94
3.3
G
ESTÃO
C
O
-
OPERADA
:
ENTRE
CRISES
,
AVANÇOS E RECUOS
..................................................................... 97
4 INOVAÇÕES NA GESTÃO: DO PRETENDIDO AO ALCANÇADO .................................................... 105
4.1
R
EUNIÕES DO
CEC:
PARTICIPAÇÃO POLÍTICO
-
PEDAGÓGICA
...................................................................... 106
4.1.1 As formas de planejamento: organização e aprendizagem ............................................................... 108
4.1.2 Princípios de enturmação: respeito e afetividade ............................................................................. 110
4.1.3 As formas de avaliação: o processo e o produto educativo .............................................................. 114
4.1.4 Assembléias: possibilidades e limites da participação ..................................................................... 118
4.1.5 Comemoração dos aniversariantes: aprender com prazer ............................................................... 122
4.1.6 A Festa de fim de ano ........................................................................................................................ 124
4.2
P
ARTICIPAÇÃO
:
OS DIVERSOS OLHARES DA COMUNIDADE ESCOLAR
.......................................................... 125
4.2.1 O olhar dos educandos ..................................................................................................................... 128
4.2.2 O olhar dos educadores: professores e técnicos ............................................................................... 133
4.2.3 O olhar dos pais ................................................................................................................................ 137
4.3
G
ESTÃO
C
O
-
OPERADA
:
ENTRE
PERDAS E GANHOS
.................................................................................. 140
CONSIDERAÇÕES “FINAIS” ........................................................................................................................ 149
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 157
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 157
APÊNDICES ......................................................................................................................................................... 162
APÊNDICE A ....................................................................................................................................................... 163
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS EDUCADORES DA ESCOLA LIBERDADE ...................................... 163
12
APÊNDICE B ....................................................................................................................................................... 165
CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTOS ORAL PARA A UNIVERSIDADE .............................. 165
FEDERAL DE MATO GROSSO - INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO ............................................................ 165
ANEXOS .............................................................................................................................................................. 171
ANEXO A ............................................................................................................................................................ 172
JUSTIFICATIVA PARA O FUNCIONAMENTO DA ESCOLA LIBERDADE ............................................. 172
ANEXO B ............................................................................................................................................................ 175
ESTATUTO SOCIAL DO CONSELHO ESCOLAR COMUNITÁRIO ........................................................... 175
DA ESCOLA LIBERDADE ............................................................................................................................... 175
ANEXO C ............................................................................................................................................................ 192
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA MUNICIPAL DE ....................................................... 192
EDUCAÇÃO BÁSICA LIBERDADE ................................................................................................................ 192
ANEXO D ............................................................................................................................................................ 230
ATA DA ASSEMBLÉIA DE ELEIÇÃO DO CEC 2007 ................................................................................... 230
13
INTRODUÇÃO
A razão de ser da vida é a própria vida. A qualidade de vida
não precisa e nem merece ser medida. Mas se houver medida
para ela, o seu indicador de “qualidade” é a dimensão de sua
própria densidade. É o sentido densamente humano de sua
experiência na Vida e como Vida.
Carlos Rodrigues Brandão
O trabalho de pesquisa que ora apresento ao Programa de Pós-graduação da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), para a apreciação de outros leitores e
pesquisadores, é o resultado de muitos outros trabalhos e pesquisas que desenvolvo
praticamente desde quando um dia, sonhei ser educadora. Desde os tempos em que ainda não
entendia o real sentido de ser educadora. Na verdade esse entendimento foi sendo construído e
aprimorado ao longo de uma história de vida própria que remonta outras histórias,
relacionadas a minha formação pessoal e profissional, se é que é possível fazer essa distinção
entre uma e outra. Formação esta, que sofreu influência direta da minha relação familiar, mais
especificamente da e da coragem do meu pai, da sabedoria e do espírito de luta de minha
mãe, que fez dela uma professora ativa dos 18 aos 72 anos de idade; do amor, do carinho, e do
afeto dos meus familiares, em especial dos meus irmãos, que serviram e ainda servem de
exemplos para que eu possa lutar por aquilo em que acredito e principalmente por uma
educação justa e humana. Posso afirmar que estes são os valores morais que me induziram e
me fizeram comprometida com a educação.
Ser professora tem a ver com o fato de que um dia acreditei que esta profissão era a
que poderia me colocar em contato direto com outras pessoas que também acreditam nas
possibilidades de a educação escolar ser um elo que liga as pessoas e o mundo. E se o mundo
é do tamanho do conhecimento que temos dele (RIOS, 2006, p. 24), é tarefa minha, e de todos
aqueles que se dizem educadores, realizá-la com o compromisso de promover sua capacidade
de se auto-avaliar e de se colocar criticamente diante dos desafios propostos pela própria vida.
Essa tem sido minha preocupação ao desempenhar o meu trabalho. Mas esse mesmo empenho
também me levou várias vezes a renúncias, quando os obstáculos me pareciam
intransponíveis. Porém quando isso acontecia, o retorno era sempre forte e consistente o que
14
me propiciou vivenciar experiências diversas, relevantes para a construção da pessoa
educadora que hoje sou.
Dessas experiências destaco, aqui, a vivida na construção de uma Escola de novo
tipo, vinculada a um projeto político social muito mais amplo que o projeto de uma unidade
escolar. Pois, tal projeto está fundado em uma concepção determinada de sociedade e de
educação. Mas, falo também do Projeto Político Pedagógico (PPP) Ludicidadania, construído
pela equipe de educadores da qual faço parte, como documento elaborado e formalizado para
delineamento das práticas idealizadas no projeto maior. Ao mencionar a equipe de
educadores, não falo apenas de professores, estou me referindo ao corpo de profissionais que
na Escola Liberdade, todos, independentemente dos cargos nos quais estão lotados, atuam
com a certeza e o compromisso de que são educadores, portanto, responsáveis pelo
desempenho e o aprendizado de si e dos outros.
A equipe de profissionais da Escola Municipal de Educação Básica Liberdade,
fundada em 2002, assegurada na Lei de Gestão Democrática LGD 4.120/01, título VI,
optou pela construção de um Projeto Educativo a partir da vivência com a realidade do
educando. Optou também por uma organização estruturada na forma de Conselho: Conselho
Escolar Comunitário (CEC), denominada “Gestão Co-operada” que se encontra expressa e
efetivada no seu Estatuto, promovendo a integração do poder público, comunidade, escola e
família. O esforço é no fortalecimento do Conselho como instância máxima da unidade
escolar, ao mesmo tempo em que ganha personalidade jurídica como prevê a lei já citada.
Esta pesquisa traz para reflexão e análise as práticas educativas vivenciadas no
interior da Escola Liberdade propostas pela Gestão Co-operada, uma gestão diferenciada no
que se refere às práticas até então vivenciadas segundo os princípios da lei de gestão
democrática. Tem como objetivo compreender a vivência dos atores sociais envolvidos nesse
processo que provoca mudanças, procurando perceber que inovações estão sendo produzidas
nas relações que se vão estabelecendo com o exercício desta prática, entre educadores e
educandos, e em que sentido esta prática está contribuindo para uma recíproca formação
cidadã.
Optar pela Escola Liberdade como objeto deste estudo, foi levar em conta os laços de
afetividade construídos com a comunidade escolar e com todo o processo de vivência e
construção do Projeto Educativo. Esta afetividade é resultado de experiências acumuladas
durante os cinco anos de trabalho dedicados exclusivamente à escola, em que pude vivenciar
práticas tanto individuais quanto coletivas totalmente diferentes daquelas antes vividas.
15
Práticas que foram possíveis devido às condições de liberdade proporcionadas pelo tipo de
gestão desenvolvido na Escola, que oportuniza a formação recíproca de educador e educando,
uma vez que na vivência desse processo pedagógico, a liberdade individual e o incentivo
aos educadores para se tornarem auto-investigativos. Com esta postura ao mesmo tempo em
que conseguem passar por uma formação, proporcionam ao educando essa mesma
possibilidade, na arte de ensinar e de aprender.
Embora a Escola já tenha sido campo de pesquisa de outros pesquisadores, Santos
(2006), Silva (2006) e Farias (2006), meu objetivo foi investigar com um olhar de quem viveu
desde o processo inicial, servindo-me dos depoimentos da comunidade escolar: educadores,
educandos e familiares
1
.
A Escola Liberdade encontra-se no ano de funcionamento. Pela experiência
vivenciada nesse período é possível dizer que o cotidiano da Escola é constantemente
marcado por imprevistos. Com uma proposta pedagógica pautada nas relações de afetividade
e solidariedade, o ensino à criança é pensado a partir das necessidades pessoais apresentadas
por elas. Por isso, mesmo tendo como referência um PPP, são comuns as mudanças nas ações,
mantendo como piloto e direcionador dessas ações, as linhas gerais do Projeto como sustento
da finalidade educativa, que são os valores sociais tidos como pilares macros do processo:
Liberdade, Democracia, Solidariedade e Beleza, tendo como eixo central, as relações
humanas. A finalidade maior é proporcionar ao educando a sua formação pessoa, buscando
“relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança” (FREIRE 1997, p. 72).
Entendo que esta seja uma prática que requer constante aprendizagem de toda a
comunidade escolar, e em especial dos educadores, que são os principais agentes responsáveis
pelo processo. Pretende-se que este se realize num contexto onde impere o desejo e o esforço
em proporcionar ao educando a competência de se posicionar enquanto sujeito que pensa,
organiza e decide seu próprio destino. E, se a nossa vocação é ser sujeito e não objeto
(FREIRE, 2005), uma das principais relevâncias desta pesquisa é a possibilidade de tornar
evidente, para os próprios educadores, o sentido que a prática pedagógica requerida pela
“Gestão Co-operada” tem dado aos educandos na sua formação enquanto pessoa, e que, no
dia a dia parece ter se tornado comum.
1
Refiro-me aos dados coletados desde a idealização do projeto de escola, da vivência inicial da implantação do
Projeto e sistematização oficial dos documentos da Escola Estatuto, PPP e Regimento, da pesquisa em sala
de aula e do processo de construção das relações entre os membros do CEC.
16
Após cinco anos de pesquisa em sala de aula, questionando as práticas educativas
convencionais, abrindo espaço para a criança manifestar a sua maneira de aprender e, a partir
dessa demonstração, aprender uma maneira de ensinar, pude reconhecer em mim, nos
educandos e nos demais educadores da Escola, que o aprendizado do ensinar e do aprender
democráticos, demanda um tempo que amalgama o antes, o durante e o depois, na vivência de
cada um. Esse tempo é constituído pelos sonhos e utopias que nos movem e nos impulsionam
à busca de realizações daquilo que projetamos no “tempo antes”. Portanto, encontra-se, este
tempo, exposto à fragilidade de conviver com as pressões impostas por s mesmos, quando
acreditamos em nossos projetos; às tensões do “tempo durante” que corresponde à realização
dos fatos em si e à constatação de resultados do “tempo depois”. Dada a grande expectativa
gerada pelo tempo antes, muitas vezes somos incapazes de enxergar o que realmente se
evidencia como perdas e ganhos. Ser capaz de discernir essa relação entre os tempos é o que
pode nos tornar seres reflexivos das nossas limitações para agirmos sobre a realidade que nos
condiciona (FREIRE 1996).
Pude perceber ainda que, quando nos colocamos na condição de educador/
pesquisador que busca respaldo em princípios voltados para a formação humana, é comum
sermos levados pelos sentimentos de dúvidas e incertezas na realização daquilo que nos
propomos. Embora comumente a dúvida seja um sentimento que denota a fragilização das
pessoas, Gadotti (2006) e Rancière (2002), em seus escritos, nos animam, ao falar da dúvida
como uma filosofia pedagógica que nos inquieta e nos instiga a questionar sempre nossas
atitudes de educadores e a nos colocar numa posição de busca e de constante renovação dos
nossos conhecimentos. Mas também pode, muitas vezes, nos levar às práticas que
contradizem o real sentido das intenções propostas. Assim, ao mesmo tempo em que os
avanços aparecem em alguns fatores, em outros denotam um retrocesso ainda maior,
principalmente no que se refere às práticas pedagógicas. Logo, a única segurança que um
educador pode ter confirmada é a consciência de seu saber inconclusivo. Que de um lado,
atesta sua ignorância, mas de outro, abre caminhos para conhecer (FREIRE, 1997).
Mesmo entendendo que mudanças são processos e por isso é natural que aconteçam
descontinuamente, de diferentes formas e em tempos distintos, é praticamente impossível
desvencilharmos do sentimento de impotência, como se estivéssemos remando contra a maré.
Conviver com essa mistura de sensações foi motivo suficiente para alguns profissionais
desistirem do Projeto da Escola Liberdade. Receando chegar ao ponto de também querer
afastar-me da Escola, como fizeram outros, senti a necessidade de buscar novos
17
conhecimentos que me ajudassem não a entender o que de fato acontecia, como também
me possibilitassem encontrar formas, estratégias para contribuir com os educadores a fim de
que se vejam como sujeitos do e no processo. Isso porque defendo a idéia de que, uma
pesquisa científica em educação, deve oferecer, principalmente àqueles que se dispõem como
sujeitos da pesquisa, a expor suas opiniões, carregadas de tensões, angústias, em meio a
sonhos e desilusões, a oportunidade para refletirem sobre suas práticas.
Após afastar-me da Escola em 2006 para a realização do mestrado, continuei
presente nas reuniões ordinárias e extraordinárias do CEC, de planejamento e nos eventos
festivos. Nesse período, apenas observava e anotava alguns pontos que me pareciam
relevantes para discussões posteriores. Aos poucos fui percebendo que as preocupações que
até então pareciam ser minhas eram de outros, também. Em diferentes circunstâncias, um
ou outro apresentava-se mais exigente e atento aos compromissos requeridos pelo Projeto.
Essa constatação me obrigou a rever conceitos e ser mais cuidadosa nas observações.
Assim durante todo o ano de 2006, período de definição do objeto de pesquisa, mesmo
afastada das responsabilidades cotidianas da Escola, minha presença condicionada ao papel de
pesquisadora colocou-me diante de alguns fatores que me chamaram a atenção: a presença de
ex-educandos e de pais, em eventos festivos e assembléias e o fluxo constante de pessoas no
cotidiano da Escola., ora por uma razão específica de seus interesses, ora apenas como visita.
O que mais me chamou a atenção, foi a liberdade que, cada um sentia ao se
manifestar, tanto para reclamar e criticar algumas decisões dos educadores, quanto para
demonstrar seus contentamentos, que por sua vez se sobrepunham aos descontentamentos.
Presenciei alguns comentários:
[...] se eu soubesse que a minha filha ia se sentir tão bem nessa escola eu teria
desde o começo colocado ela aqui.
[...] Minha filha não gostava da escola em que estudava e nos três anos que
esteve não aprendeu nada comparando com o que aprendeu aqui em um ano. [...]
[...] Eu nem preciso mandar minha filha vir pra escola. o horário ela se arruma
e vem. Se deixar vem até cedo demais (outubro 2006).
Pude perceber então que, por mais que os conflitos do cotidiano parecessem grandes,
sobrepondo-se à união coletiva, havia um empenho desses profissionais em promover formas
de educar, que revelavam a re-significação dos valores sociais de convivência e a promoção
do exercício democrático. Porém, marcada também por renúncias de alguns educadores,
muitas vezes até pelo próprio receio de ter que desistir dos sonhos.
18
Sem a preocupação de corresponder a uma determinada teoria na condução dos
trabalhos, os educadores constroem no dia a dia da Escola sua própria história. Dedicados aos
interesses da comunidade escolar, acreditam e investem seus esforços na formação do
educando. Esse esforço é permeado por constantes desafios e o principal deles se reflete na
dificuldade em lidar com a desconstrução de conceitos internalizados, mesmo que este seja
previamente negado. Por isso, estes mesmos esforços se revertem na prática, em formação
daqueles que direta ou indiretamente estão envolvidos no compromisso deste ensinar, no caso,
educadores, familiares e comunidade em geral.
A gestão na forma de Conselho, rompendo com uma gestão tradicional onde as
pessoas são reconhecidas pelos cargos que as põem numa condição superior de poder, é a
prova de que a equipe acredita na possibilidade de outras formas, para que a educação escolar
possa de fato exercer seu papel fundamental de proporcionar aos educandos e educadores uma
cultura pedagógica centrada na formação de pessoas. O que requer uma outra compreensão
das relações no processo do ensinar e do aprender coletivamente, um dos grandes desafios
para quem vive em uma sociedade capitalista.
Os estudos do Grupo de Movimentos Sociais e Educação (GPMSE) me auxiliaram
na percepção das categorias que no decorrer do trabalho me ajudaram na compreensão do
fenômeno estudado. Foram elas: relação pedagógica, democracia, cidadania, e educação. Para
este estudo, optei por buscar compreender como estas categorias estão sendo atualmente
interpretadas e reescritas na prática pedagógica da Escola Liberdade, uma vez que, são
tomadas como referência, no conceito de escola. Tendo optado por esta estratégia
metodológica, as categorias são apresentadas à medida que vou trabalhando com dados
empíricos da pesquisa, entrecruzando dados coletados e teoria sem necessariamente construir
um capítulo teórico distinto.
O levantamento bibliográfico dos autores com os quais estabeleço a interlocução
também foi sendo feito na medida em que procedia ao encaminhamento da pesquisa, que foi
construída em várias etapas e fases, na seguinte seqüência: primeiro foi a releitura e
transcrição dos registros feitos durante a minha experiência com o projeto da Escola,
enquanto educadora atuante, referentes aos anos de 2002 a 2005; em seguida, dediquei-me a
observações, à coleta sistemática dos dados, ouvindo depoimentos, realizando entrevistas,
análise de documentos e de trabalhos desenvolvidos pela Escola, no período de 2006 , 2007 e
2008.
19
Esse procedimento ocorreu inicialmente de forma individual aleatória e não
planejada. Partia sempre do meu interesse em me inteirar dos acontecimentos. Após ouvir os
depoimentos de um e de outro, em diferentes momentos, percebi que a preocupação comum é
principalmente manter forte o compromisso com as responsabilidades requeridas pelo Projeto
Educativo da Escola. Percebi ainda que esta mesma preocupação, constantemente, provocava
um comportamento não condizente às suas críticas, levando-me a constatar a fragilidade dos
educadores em não se perceberem como principais sujeitos nos resultados do processo.
Diante destas constatações iniciei a busca de um estudo teórico que me ajudasse a
compreender o que ocorria e de que forma poderia utilizar-me da pesquisa científica como
instrumento que promovesse no grupo reflexão, estudo e mudança. Então era preciso não
identificar o problema, mas principalmente buscar estratégias que contribuíssem com o
fortalecimento da coletividade, para, assim, refazermos criticamente nosso saber e deixar
incidirem os resultados novamente sobre o saber, na ação-reflexão-ação, como nos sugere
Freire.
Ao me colocar à escuta no coletivo, ouvi de todos que, naquele momento, o que mais
os incomodava era a incerteza dos resultados do trabalho pedagógico da Escola, e que isso
poderia estar levando os educadores a duvidar das suas próprias práticas. Compartilhar esta
preocupação me induziu a procurar os educandos egressos com o intuito de buscar
informações que esclarecessem tais preocupações. Convidei para uma roda de conversa os ex-
educandos que se encontram em maior número estudando na EMEB Constança de Palma
Bem-Bem, localizada no bairro Osmar Cabral. Embora o convite fosse para todos,
compareceram apenas 8 (oito) educandos, conforme aparece no primeiro capítulo deste
trabalho. Após esse processo, reuni as informações fornecidas por eles, aos depoimentos dos
educadores também egressos, anotados em meus arquivos de memória, para avaliação e
prosseguimento das investigações.
Em seguida, elaborei um questionário para colher dos educadores atuantes,
informações referentes aos seus ingressos na Escola Liberdade, seus ideais, suas dificuldades
e, sobretudo, o que significa para eles serem autores e co-autores do Projeto social da Escola.
Mesmo daqueles que não participaram do desfecho inicial dos trabalhos, considerando que a
perspectiva de constante construção do Projeto requer de todos uma postura integradora, que
os faz sentirem-se comprometidos com o processo. Após responderem ao questionário,
(Apêndice A, 163), optei por conversar durante a pesquisa, com cinco professores (entre eles
uma professora interina) e seis técnicos. Tal escolha respeitou a opinião dos educandos,
20
quanto à forma de ensinar e às atitudes para resolver conflitos. Para escolha dos técnicos
considerei, além da relevância das relações construídas com os educandos, também apontadas
por eles, a importância de seus interesses no processo educativo.
Com os membros do CEC, representantes do segmento das mães e dos pais, a
escolha decorreu do interesse na participação, nas reuniões e no cotidiano da Escola; com os
atuais educandos entrevistados, a escolha partiu do meu interesse em compreender como os
educandos estavam interpretando a contribuição dos educadores na formação das suas
habilidades em lidar com as diferentes relações no grupo; outras pessoas e depoimentos que
aparecem no decorrer da pesquisa correspondem às observações e anotações em conversas
não direcionadas, mas que serviram de apontamentos complementares às indagações
levantadas no desfecho das abordagens investigativas.
Busquei compreender o que os educadores chamam de um bom ensino de uma boa
formação. Mas principalmente porque, mesmo sustentando tais afirmações, não se sentiam
seguros e colocavam em dúvida a prática pedagógica quando questionados por opiniões
externas. Por isso, as investigações foram focadas nos educadores e educandos como
principais sujeitos de investigação.
Assim me posicionando, a democracia nesta pesquisa, é vista como uma categoria a
ser desvelada no processo de observação cotidiana, partindo da concepção de que, democracia
não se faz por decreto, mas sim no processo contínuo do diálogo, presente na teoria
educacional freireana. Para tanto, foram observados e analisados compreensivamente os
condicionantes proporcionados pela prática pedagógica, como facilitadora de inclusão de
educadores e educandos no processo de participação.
Com a certeza de que a participação deva passar pelo processo de aprendizagem e
que essa aprendizagem deva ter sua base fundamentada numa gestão escolar preocupada com
esta finalidade, alguns questionamentos me acompanharam durante o processo: afinal, o que é
gestão participativa? Em que se baseia uma gestão participativa na educação escolar? De que
maneira a pedagogia requerida pela “Gestão Co-operada” tem contribuído para a formação
cidadã dos educadores e dos educandos?
Acreditei a princípio que a condição de envolvimento com a Escola,
fundamentalmente, facilitaria o desenvolvimento do estudo que me propus realizar. Não posso
negar esta verdade, mas, se essa proximidade de um lado facilitou o processo de investigação,
principalmente com as crianças e profissionais da escola, mas também pelo respeito adquirido
21
entre as mães, pais, avós e outros membros da comunidade em geral; por outro lado, me
colocar de fora mesmo estando dentro, e estar dentro me colocando de fora, não foi tarefa
fácil.
Comportar-me como sujeito fora do processo, imaginando que seria esta, a melhor
forma para desenvolver a pesquisa, foi este o meu primeiro esforço. Porém, durante o tempo
de investigação, foi impossível estar na escola apenas como pesquisadora. Não os
profissionais, como também as crianças, pais, ao sentirem minha presença, naturalmente
me incluíam nos assuntos em questão: eventos, reuniões, assembléias, decisões, e em todos
eles a minha contribuição contava muito nas decisões da equipe, principalmente quando os
assuntos eram referentes à Secretaria de Educação Municipal (SME). Assim, eu me envolvia
de tal maneira que o meu olhar de investigadora era sempre depois, repensado e escrito.
Portanto, quase todos os registros são de memória, vindas de depoimentos espontâneos, não
direcionados, sem uma intenção prévia da pesquisadora; resultaram de comentários livres,
sobre acontecimentos que ocorriam no cotidiano da Escola. Após a escrita, esses depoimentos
eram levados ao conhecimento dos depoentes para reflexão e autorização para utilizá-los.
Também houve declarações que resultaram de provocações quando eu presenciava
discussões a respeito de determinados assuntos que poderiam contribuir com dados
importantes para a compreensão dos depoimentos feitos em circunstâncias mais restritas.
Menciono isso porque pude sentir durante o tempo em que me dediquei às investigações, que,
observar o dia a dia dos atores sociais da Escola Liberdade, mesmo sendo parte da equipe, é
aprender a conviver com imprevisível. É comum se deparar a todo momento com os mais
diversos sentimentos, ações e reações entre as pessoas. Num primeiro instante, esse
reconhecimento não significou nenhuma novidade para mim, mas a novidade consiste num
outro reconhecimento que acredito, faz parte da minha formação-pessoa que se amplia nesse
processo dialógico, ao qual me propus durante as investigações. A compreensão sobre a
realidade à qual me dediquei durante os estudos investigativos, se aprimora na medida em que
percebo o desfazer de algumas verdades que me impediam muitas vezes de acreditar que o
sonho continua, mesmo que aparentemente, esta se apresente como uma inverdade.
As informações apresentadas neste trabalho investigativo, têm como fundamentação
as informações registradas anteriormente, quando, em prática de aula, foram observados
comportamentos e atitudes de educandos sendo modificadas através de relações de liberdade e
autonomia vivenciadas por educadores e educandos, ao buscarem construir uma cultura
22
pedagógica que promovesse a passagem do conhecimento comum ao científico sem a relação
de obrigatoriedade.
Tal envolvimento no “tempo antes”, que me colocou nesta pesquisa, e no “tempo
durante” na realização da mesma, foi que me fez compreender que se trata de uma pesquisa
qualitativa, na qual, segundo Bogdan e Biklen:
Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que
simplesmente pelos resultados ou produtos [...] Os dados recolhidos são em forma
de palavras ou imagens e não de números. Os resultados escritos da investigação
contêm citações feitas com base nos dados para ilustrar e substanciar a apresentação.
Os dados incluem transcrições de entrevistas, notas de campo, fotografias, vídeos,
documentos pessoais, memorandos e outros registros oficiais.
(1994, p. 48)
[grifo dos autores]
.
Por se tratar de um estudo que busca compreender em que sentido ocorre a formação
de educadores e educandos no processo de cidadania proposto pela “Gestão Co-operada” e
fazer dessa compreensão, o meio de proporcionar aos educadores a capacidade de se
reconhecerem sujeitos construtores do processo, achei procedente iniciar este trabalho a partir
da apresentação do cenário onde as observações acontecem. Em se tratando de pesquisa
qualitativa, enquanto investigadora devo situar os acontecimentos no contexto, considerar que
tudo se inter-relaciona. Ou seja, não “divorciar o ato, a palavra ou o gesto do seu contexto”
(BOGDAN & BIKLEN, 1994), para não perder de vista os significados. Nessa perspectiva, o
trabalho de pesquisa está organizado em quatro capítulos.
No primeiro capítulo apresento o campo de realização da pesquisa: o espaço físico da
Escola Liberdade, sua estrutura organizacional e funcionamento, e os sujeitos que
contribuíram com o desenvolvimento das investigações.
No segundo, abordo o histórico de fundação da Escola Liberdade, procurando situar
o leitor aos acontecimentos que ocorreram desde a idealização e os primeiros passos que
deram concretude ao idealizado. Esta concretude refere-se à arquitetação teórica do projeto
que vai da organização do “desenho” espacial e físico da Escola, momento em que tudo é
projetado e pensado para uma vivência real, pelo grupo de profissionais
2
da educação
idealizadores do Projeto Educativo, ao primeiro contato da equipe de educadores com o
exercício de colocar em prática a organização da Escola conforme o Projeto idealizado.
2
Grupo de profissionais: Secretário de Educação Carlos Alberto Reyes Maldonado e assessores da SME e a
equipe de educadores (professores e técnicos) que se propuseram a integrar ao Projeto Educativo da Escola
Liberdade
23
O terceiro capítulo trata das ações iniciais da equipe de educadores da Escola
Liberdade, buscando construir outra cultura para a prática pedagógica, que visa a formação
contínua do educador e do educando, no ato de ensinar e de aprender democráticos: a Tutoria.
Menciono as diversas formas de Tutoria que os educadores vivenciaram na busca de
estratégias metodológicas que dessem conta de atender as necessidades do educando naquele
momento. Algumas ações são citadas porque se destacaram como relevantes na superação das
dificuldades da comunidade escolar
3
ao enfrentarem os desafios: as conquistas e os avanços
pessoais e profissionais dos educadores, ao se apresentarem dispostos a construir uma outra
prática pedagógica com base nas relações de alteridade
4
.
No quarto capítulo, informo as “inovações”, trazendo para estudos as ações que
permaneceram ao longo dos sete anos de existência da Escola, procurando sinalizar as perdas
e os ganhos no processo da “Gestão Co-operada”. Trago para reflexão e análise as opiniões da
comunidade escolar, mediante as modificações por que passa a gestão e as atuais relações
com a SME.
Nas considerações finais, apresento ainda de forma reflexiva, análise do estudo
realizado durante a pesquisa, onde procuro ressaltar em que sentido as inovações
proporcionam mudanças pessoais e profissionais dos educandos e dos educadores, e ainda, se
o diálogo estabelecido durante o processo de realização da pesquisa contribuiu com a
intencionalidade proposta, de proporcionar aos educadores, a capacidade de se perceberem
sujeitos nos resultados do processo, e promover a partir desse entendimento a busca de um
aporte teórico para a sustentação da prática pedagógica.
3
Comunidade escolar – comunidade interna e externa à escola: profissionais (educadores: professores e técnicos;
educandos: estudantes da Escola); e as pessoas: (pais, mães, avós e responsáveis pelos educandos) e outras,
interessadas em conhecer e participar dos trabalhos da Escola Liberdade.
4
Do ponto lógico, negação estrita da identidade e afirmação da diferença (JAPIASSU , 2006, p. 7)
24
1 A ESCOLA E AS PESSOAS (SUJEITOS DA HISTÓRIA E SUJEITOS DA
PESQUISA)
Gosto de estudar na Escola Liberdade porque aqui eu tenho
liberdade para fazer esse tipo de trabalho, o teatro. O que eu
procuro fazer no teatro é a integração das crianças que são
mais tímidas e afastadas das outras. Eu não gosto de ver
ninguém isolada. Me dá a sensação de que está excluída.
Edilaine Avelar Ribeiro (educanda)
Ao falarmos ou pensarmos em escola, imediatamente nos remetemos à imagem de
um prédio, local por onde transitam pessoas com responsabilidades duplas, de ensinar e de
aprender. Para o estudante, o compromisso, a obrigação da freqüência; para os educadores, o
compromisso de ter que cumprir uma jornada de trabalho. Somos guiados por normas, regras,
que determinam nossos afazeres em quanto, quando e como devemos realizá-los. É assim não
somente na escola, mas em qualquer instituição que envolve qualquer tipo de trabalho. Tudo
isso no dia-a-dia torna-se um fardo difícil de conduzir, transformando-nos muitas vezes em
pessoas cansadas, física e emocionalmente.
Aprofundando um pouco mais nas minhas reflexões, eu diria que não apenas no dia-
a-dia da escola e das instituições, mas no cotidiano da vida de cada ser humano, suas bases de
vida são construídas em meio aos atropelos impostos pelo tempo cronológico, que é o que nos
guia. Porém, se não como se furtar da tensão exigida pelo tempo de cumprimento dos
afazeres, e se, para desempenhá-los somos movidos não somente pelo dever de fazer, mas
também pelo sentimento que nos impulsiona ao querer fazer, podemos no mínimo dar-nos o
direito de utilizar dessa competência de querer para equilibrar tais sentimentos e nos
tornarmos pessoas capazes de viver com dignidade.
Por isso, prefiro pensar a escola como um lugar que proporciona às pessoas que por
ela transitam profissionais, estudantes e familiares a aventura de educar, ensinar, criar,
recriar e descobrir seus próprios universos. Pelas mais variadas razões, as pessoas que
dependem da escola, seja para ensinar, para aprender, é natural que depositem nela a
esperança de realização dos sonhos e desejos de poderem construir uma vida melhor,
25
formando assim uma comunidade com diferentes interesses porque, embora se encontrem em
busca de realizações, as expectativas nunca são as mesmas no ideário de cada pessoa.
Por ser a escola criada para fins específicos de formar as pessoas para o convívio
social, “Sempre que a sociedade defronta-se com mudanças significativas em suas bases
sociais e tecnológicas, novas atribuições passam a ser exigidas à escola. Sua função social
tende a ser revista; seus limites e possibilidades, questionados” (PENIN & VIEIRA, 2002,
p.13), pois se espera que a escola prepare as pessoas para conviver e contribuir com tais
mudanças. Concordo com Paro (2001, p. 104) quando diz que, “A escola, então, ao prover
educação, precisa tomá-la em todo seu significado humano, não em apenas algumas de suas
dimensões”, inclusive se organizar de forma adequada, com o propósito de construir um
espaço físico favorável à plena formação do educador e do educando.
Os novos tempos embalados pela abertura à participação e pelas idéias de
democratização no interior das escolas, têm contribuído para buscas de alternativas. Os
profissionais da educação, mesmo não estando ainda certos de que atitudes tomar, mas
movidos pela inquietação do querer participar buscam formas e características distintas para
atender as peculiaridades das comunidades regionais e locais, nos processos educacionais de
ensino e aprendizagem, conforme sugerem a LDBEN/96 e os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs).
As escolas em todos os níveis e modalidades da Educação Básica (Educação Infantil,
Ensino Fundamental, Ensino Médio) passaram a ter como função social formar o cidadão com
atitudes e valores que tornem seus agentes em sujeitos solidários, críticos, éticos e
participativos; portanto, é a escola, uma instituição com possibilidades de proporcionar ao
sujeito a condição de refletir sobre si mesmo, e de ser socializador entre os demais sujeitos.
Isto quer dizer que, sendo comum a finalidade da escola – promover o pleno
desenvolvimento da pessoa cada unidade pode e deve ter características e formas
de organização própria, dependendo de sua localização geográfica, clientela e outros
aspectos (PENIN e VIEIRA, 2002, p. 21).
Logo, preocupar-se com outras formas de organização do espaço físico escolar,
também é fator que contribui para a construção de novas relações das pessoas para novos
tempos de convivência.
Neste primeiro capítulo, tenho o objetivo de apresentar o contexto em que o estudo
se desenvolveu. Está dividido em três tópicos: no primeiro, apresento ao leitor a Escola
Liberdade, sua organização e funcionamento, campo da pesquisa, para informar ao leitor
26
sobre o espaço onde as investigações foram realizadas; no segundo, os educadores, os
educandos e as pessoas da comunidade externa, membros do CEC que foram entrevistados;
no terceiro, os sujeitos que representam parte da história. Seus depoimentos me ajudaram a
definir a forma de conduzir as investigações, considerando que, numa abordagem qualitativa
“[...] nada é trivial, e tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer
uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo” (BOGDAN & BIKLEN,
1994, p. 49).
1.1 Escola Liberdade: localização, organização e funcionamento
A Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) Liberdade está localizada no bairro
Osmar José de Cabral, Zona Sul na Periferia de Cuiabá-MT, fundos da Igreja Católica São
Francisco de Assis, na avenida principal s/n, em função da não construção do prédio próprio
idealizado para ser construído no bairro Jardim Liberdade. Assim sendo, o prédio em que a
Escola se encontra são salas alugadas para uso nos períodos matutino e vespertino em dias
letivos. No período noturno e nos finais de semana essas salas são utilizadas pela igreja
católica e pela comunidade do bairro local e adjacências, para catequese. O trâmite de
contrato é feito entre os responsáveis pela Igreja e pela SME.
A Escola tem seis ambiências de aula, que correspondem às respectivas áreas do
conhecimento e foram nomeadas segundo a relação atribuída pelos educadores e educandos
ao tempo e ao espaço do ensinar e do aprender. Ao todo o prédio tem nove salas e estão
distribuídas da seguinte forma:
Sala 1 - Ambiência administrativa. Nesta sala são organizados os documentos de
discentes e docentes, e também a documentação legal da escola. Esta sala e as demais salas de
aula medem aproximadamente 12 m²
Sala 2 - Viajando no Universo”, na qual são trabalhadas as questões referentes à
história e a geografia.
Sala 3 - Era uma vez é destinada às praticas pedagógicas inerentes à língua
portuguesa.
A sala 4 - Planeta Vida”, tem por finalidade as construções a cerca dos
conhecimentos das Ciências Sociais e Humanas.
27
A sala 5 - Oficina da Alegria”, se constitui no espaço para o estudo das Artes e
Educação Física; produções artísticas; trabalho do corpo e da mente.
A sala 6 - Quebra Cabeça”, é o local destinado à problematização e criação de
situações matemáticas. Construção de regras e normas de convivência através de jogos.
A sala 7 “Fábrica das Letras”, a 2007 esta ambiência era designada Magic
English, o ambiente de experimentação de outra cultura, forma de expressão e criação. A
partir de 2008, a SME retirou do currículo das séries iniciais a língua estrangeira. Então a
Ambiência passou a ter esta denominação, passando a se ocupar com o aprimoramento da
escrita dos educandos.
A sala 8 Multiuso”, ambiência onde funcionam a biblioteca, que é utilizada pelos
educadores e educandos, não para leitura e pesquisa, como também para preparação de
materiais decorativos para os eventos da Escola, e o refeitório. Esta sala mede 20m² e fica
entre duas salas menores, onde, em uma, guardam-se os materiais didático-pedagógicos e, em
outra, os produtos de consumo destinados à cozinha e à limpeza.
A sala 9Cozinha”, local em que, além da confecção da merenda escolar, também
ocorre o movimento de construção em torno das diferentes áreas do conhecimento. É muito
comum a realização de aulas neste espaço. Esta sala mede 20 m
2
.
ainda dois banheiros que ocupam um espaço de aproximadamente 13m
2
sendo
um masculino e um feminino.
O tio, que mede aproximadamente 100 m
2
, é o espaço onde está localizado o
portão de entrada que dá acesso direto à calçada e à avenida principal do bairro Osmar Cabral.
As salas de número 1 a 4 e a 9 estão no térreo do prédio, do lado direito do pátio; do
mesmo lado, após a sala 9 (cozinha) está a escada que acesso às salas de número 5 a 7 no
piso superior do prédio; do lado esquerdo do pátio, está o espaço “Multiuso”, onde ficam o
refeitório e as outras duas salas que guardam os materiais didáticos e de limpeza; e no fundo
do pátio, de frente para o portão de entrada estão os banheiros.
O quadro de profissionais (2007/2008) está composto de 22 (vinte e duas) pessoas,
entre professores e técnicos, conforme demonstra o Quadro 1.
28
Quadro 1 - EMEB LIBERDADE (2007/2008) - Situação funcional dos educadores
Quantidade
de
Profissionais
Cargo ou função / situação na Rede Área do conhecimento
1 Professora / efetiva Geografia e Estudos.Sociais
1 Professora / efetiva Ciências Biológicas
1 Professora / efetiva Letras - Português e Inglês
1 Professora / efetiva História e Ciências Sociais
1 Professora / efetiva Matemática
2 Professores / efetivos Pedagogia
1 Professora / interina Pedagogia
1 Professor / interino Educação Física
1 Professora / interina Letras - Português e Espanhol
3
Técnico em Manutenção
e Serviços. Gerais
Nível Médio
1
Técnico em Manutenção
e Serviços Gerais
Graduanda em Pedagogia e
Geografia.
1 Técnico em Nutrição Escolar Nível Médio
1 Técnico em Nutrição Escolar Graduanda em Pedagogia.
1
Técnico em Nutrição Escolar
(desvio de função)
Ensino Fundamental
1 Técnico em Multimeio Didático Nível Médio
4 Vigilantes Nível Médio
A Escola tem capacidade para atender 240 crianças, mas atende cerca de 260.
Conforme consta no projeto educativo Ludicidadania, o objetivo é atender crianças com idade
de seis a 11 anos, nas diferentes modalidades do ensino, contemplando o primeiro e o
segundo ciclos de formação, ou, traduzindo conforme a nova legislação, do primeiro ao sexto
ano. Devido ao redimensionamento da Secretaria Municipal de Educação (SME), nos anos de
2006 e 2007, a Escola Liberdade atendeu apenas crianças que cursavam do primeiro ao quarto
ano.
Embora a Escola Liberdade não tenha uma referência marcada por um histórico de
construção de um prédio próprio, com direito a inauguração, pedra fundamental, e a corte de
fita simbólica, por ter se instalado em espaço provisório
5
como medida emergencial, tem sido
palco de muitas experiências que significaram e ainda significam a construção de um projeto
de vida social dos educadores, dos educandos e dos familiares, que dela esperam uma
5
Maiores explicações sobre a decisão do grupo de educadores iniciarem os trabalhos da Escola em um espaço
provisório, encontra-se detalhado no próximo capítulo, histórico de idealização e fundação da Escola.
29
formação que os ajude a ter perspectivas, a acreditar em si mesmos e no outro nas relações
cotidianas. O que ocorreu em seu interior também atraiu outros pesquisadores que, instigados
pela atuação dos seus profissionais e pela gestão diferenciada, trouxeram para seus relatórios
de pesquisa os desafios enfrentados por eles, bem como as suas dificuldades na busca de dar à
Escola uma referência democrática. Esta pesquisa traz para o centro das investigações os
sujeitos da história e da pesquisa, bem como as inovações provenientes das suas persistências.
1.2 As pessoas como sujeitos da história
Durante o ano de 2006, além da descrição dos dados obtidos durante o tempo de
atuação em sala de aula, eu visitava a Escola realizando observações diárias: as
movimentações dos educadores e educandos, as visitas dos pais e mães que procuravam a
Escola por razões diversas, de maneira espontânea ou atendendo a solicitação da Escola; o
trânsito nas Ambiências de aula e administrativa. Sem me fixar em ponto algum, apenas
observava e anotava, porque buscava definir melhor o objeto de pesquisa. Da mesma forma,
procurava conversar com pais, educadores e educandos atuantes e egressos da Escola e
moradores dos bairros. Essas conversas eram registradas um diário de memórias, que
posteriormente decidi tomar como ponto de partida do processo da revisão histórica e das
análises que constam nos próximos capítulos.
A Escola Liberdade, desde a sua fundação, tem sido palco de muitos acontecimentos.
Muitas pessoas entraram, muitas saíram e outras continuam. Os depoimentos dos sujeitos da
história para este estudo fundamentaram o início desta investigação. Os depoimentos dos
professores fazem parte de um registro de memória, em momentos distintos e distantes. O
primeiro é o de uma professora que tendo se afastado da Escola no início dos trabalhos,
alegando dificuldade em administrar os conflitos relacionais e, acima de tudo, incertezas em
relação às práticas educativas, após algum tempo, fez a seguinte reflexão:
Hoje eu sei que a Escola Liberdade está no caminho certo, e que as dificuldades e
inseguranças eram normais. Fico pensando: meu Deus! como eu fui precipitada,
hoje sim se eu voltasse teria outra atitude”. Mas sinto também que eu precisava me
dar esse tempo pra eu poder ver as coisas como vejo agora. Acho que agora sim eu
estaria preparada para enfrentar aqueles desafios (Professora Alcimene em 2005).
Outro momento foi em outubro de 2007, quando estive presente no evento
organizado pela SME, para tratar mais uma vez da rediscutir a reformulação da Lei de Gestão
Democrática Municipal (4.120/2001) e encontrei Eliete, ex-professora e Presidente do CEC
30
da Escola Liberdade de 2003 a 2005, que fez um comentário semelhante, quando se referiu ao
seu novo olhar, ao se encontrar fora da Escola:
Trabalhar na Escola Liberdade é conviver com imprevistos constantes. Todos os
dias quando me levantava da cama e me preparava para ir para a Escola, eu
tinha a certeza de que iria para um local onde as crianças me esperavam e que eu
deveria desempenhar um ensino significativo para a vida delas. Mas, nunca tinha a
certeza se de fato o que eu faria, se isso ou aquilo, e em que circunstâncias, pois
considerava que cada dia era uma caixinha de surpresas. Hoje, distante, eu sei
de uma coisa: eu sinto saudades. Saudades dos contatos, das relações existentes
entre todos, principalmente com as crianças. Onde eu estou, não que eu não
queira, mas, não é possível estar tão próximo de todos. o sei se você entende,
mas não se consegue, até pela própria organização não é a mesma coisa. A
diferença, eu acredito, está no sentimento. Existe uma gentileza profissional, não é
afeto, não sei bem expressar. sei que eu tenho saudades, mas sei também que eu
precisava me afastar para enxergar isso. Acho até que, agora sim, eu estaria
preparada para estar na Liberdade.
Esse depoimento me fez pensar: como cada profissional da Escola Liberdade se
no processo educacional? Será que cada um tem consciência do que faz, por que faz e a quem
faz? Será que quem ainda está lá é porque consegue fazer a reflexão que Eliete fez, ou seria
necessário que todos se afastassem para tomar consciência disso? Como se vêem no processo
e o que os prende à Escola, afinal?
Na ocasião do afastamento da Professora Eliete da Escola Liberdade, ela dizia não
estar em condições emocionais para continuar no projeto, pois se sentia insegura com o peso
da responsabilidade atribuída pela gestão da escola. Não via nos outros as mesmas
preocupações, o mesmo compromisso e isso muito a angustiava. Achava até que a equipe
deveria repensar se deveria, de fato, continuar com a forma de gestão escolhida, pois não via
que esta prática pudesse repercutir positivamente na vida dos educandos, uma vez que, ao
saírem da Escola, enfrentariam outra realidade, onde o direito à vez e a voz não existia. Dizia
ela que sonhávamos demais e que estávamos formando crianças rebeldes. Embora ela tenha
refletido sobre sua opinião e demonstrado em seu depoimento uma mudança de ponto de
vista, a expressão “crianças rebeldes” me instigou a procurar os educandos egressos. E a
pergunta que não calava era: até que ponto pode-se dizer que a prática de liberdade de
expressão tem ajudado ou prejudicado os educandos quando estes enfrentam uma outra
realidade escolar?
A intenção é retratar o olhar de cada um sobre os trabalhos realizados e
principalmente, sobre os efeitos que a “Gestão Co-operada” tem causado nas relações
pedagógicas que se estabelecem entre educadores e educandos. Embora as análises
acompanhem o desfecho histórico, porque buscam uma compreensão da formação das
31
pessoas como sujeitos ativos, responsáveis e construtores do processo educativo, as
conclusões se centram no contraponto dos acontecimentos da realidade dos anos 2006, 2007 e
2008, anos em que a equipe vive a realidade de uma nova administração do município, mais
voltada para as questões burocráticas.
Após ouvir e conviver esse outro momento, em que me coloquei à observação e
escuta dos educadores, tomei a iniciativa de buscar a opinião dos educandos egressos. Agora
mais determinada, com o intuito de colher informações a respeito de seus desempenhos em
outras escolas, onde os trabalhos administrativos e pedagógicos acontecem numa gestão
diferente daquela que conheceram e vivenciaram na Escola Liberdade.
Apesar de ter em mente as minhas intenções, não tracei nenhum roteiro de entrevista,
com receio de constrangê-los e não conseguir a naturalidade dos depoimentos. E uma das
intenções era justamente saber quais os impactos que a mudança de uma escola para outra
havia provocado neles, para poder avaliar se o início da formação que tiveram na Escola
Liberdade foi de fato significativo, no sentido de prepará-los para conviver com uma
realidade diferente daquela recebida antes. São crianças com idade acima de 11 anos (com
exceção de Lucas 8 anos) e parte delas iniciou seus estudos na Escola Liberdade, aos seis e
sete anos, sendo que algumas delas possuíam o primeiro histórico escolar, de Educação
Infantil, Jardim de Infância ou Pré-escola; outras a tiveram como primeira experiência
escolar.
A abordagem utilizada para esta reunião, foi um convite para um café da manhã, que
depois se transformou em uma rodada de sorvete, na lanchonete próxima à Escola. Os
primeiros convidados apareceram às 8h40min. Foram: Ariadini, Karla, Kamila, Etielly e
Lucas. Sentamo-nos no pátio da escola, lugar onde se sentiram mais à vontade. O restante foi
aparecendo pouco a pouco. Iniciei falando pouco de mim, da pesquisa e das minhas intenções
ao propor aquela conversa. Em seguida, pedi que falassem um pouco de si, em que escola
estavam estudando, como se sentiram ao se deparar com outra realidade escolar e como se
avaliavam em relação às crianças que não iniciaram seus estudos na Escola Liberdade.
Percebendo maior descontração, comecei sutilmente a introduzir algumas perguntas: como
estavam se desempenhando nos estudos e como estavam suas situações de estudantes na
escola atual. A conversa girou em torno de: estamos bem, mais ou menos, com notas
razoáveis. Para quebrar a timidez, resolvi fazer algumas perguntas referentes à Escola
Liberdade:
32
“Do que vocês se lembram, quando pensam na Escola Liberdade? O que ficou
marcado nas suas lembranças que vocês não conseguem esquecer?”
Etiely - As apresentações no pátio, as assembléias, a gente “se achava”
6
, parecia
gente grande.
Karla - As brincadeiras antes de entrar para a sala de aula.
Kamila - As cartinhas que eu escrevia e recebia dos professores.
Ariadini - As apresentações de leitura e de poesias no início das assembléias.
Lucas - As brincadeiras do recreio.
O que é diferente para vocês hoje, em outra escola?
A resposta foi unânime e bastante espontânea: Ai professora, tudo é diferente.
Na sala de aula, a gente não pode falar nada. A gente sequer pode falar com uma
colega que leva uma bronca. Quando o professor explica a matéria, ele pergunta
se a gente entendeu, eu não tenho coragem de falar que não entendi, porque se ele
explicar de novo e eu de novo não entender, ele já fala que a gente não ta prestando
atenção. Então eu prefiro fingir que entendi para não passar carão. Muitas vezes eu
não entendo nada do jeito que o professor explica, mas quando eu converso com
minha colega eu acabo entendo bem melhor. Mas isso na aula de alguns
professores, porque a maioria deles não permite a conversa com colegas.
(ARIADINI).
Dirigi-me a ela e perguntei como fazia para conseguir boas notas, que em grande
parte das aulas ela não entendia nada. Respondeu-me:
Por mim mesma, eu não decoro nada como os professores mandam nem como
outros alunos fazem, eu leio do meu jeito, e acabo tirando nota, não são muito boas,
não tiro dez, mas também não fico abaixo da média sete. Na Escola Liberdade era
assim, a gente ia aprendendo pouco a pouco, e as professoras iam observando e
falando se eu estava aprendendo ou não. Lá, eles cobram e eu fico quieta e aprendo
do meu jeito. Eu não sou inteligente como minha colega que consegue decorar tudo,
mas é assim que eu aprendo. Na hora da prova eu sinto medo, mas consigo fazer. As
aulas são chatas porque a gente o participa, não é chamado para apresentar
trabalhos, fica lendo e ouvindo. Eles querem que a gente aprenda do jeito deles,
por isso eu fico quieta.
Eu também fico quieta, porque a gente nunca sabe se deve ou não falar. E vou
tentando aprender, uma hora eu entendo o que o professor fala, outra hora não. Prefiro ficar
calada e tirar minhas dúvidas sozinha (KARLA).
Eu pergunto, mas nem preocupo se eu não entendo, eu me viro sozinha leio outro
livro, ou então peço ajuda a minha mãe (KAMILA)
6
Importante; com poder de também decidir as coisas; não era de brincadeira (explicação da própria educanda).
33
Eu, professora, continuo perguntando e muito, como antes. Enquanto eu não
entendo, eu não sossego, porque senão a prejudicada sou eu porque na hora de
fazer a prova eles fazem do jeito deles, então eu preciso saber entender o que eles
estão me falando. Na minha escola eles me respondem quantas vezes eu pergunto,
porque eu não aceito que não me responda (ETIELY).
Professora, mas a Escola dela é particular, por isso os professores são diferentes
(KARLA).
Mas tá errado... num tá, professora? A escola pública não é de graça, porque meu
pai, paga impostos. Então, é nosso direito sermos bem atendidos (ARIADINI).
Uai! Então fala, pergunta! (ETIELY)
Ariadini - É, mas não é fácil assim não, porque ninguém te ajuda, todo mundo tem
medo.
Resolvi então fazer outra pergunta: “Diante de tudo tão diferente que vocês estão
vivendo em outra escola, vocês consideram boa ou ruim a forma como foram ensinados na
Escola Liberdade?”
Foi bom e ruim. Bom porque pelo menos a gente viveu isso pra lembrar pra sempre,
e também porque a gente aprendeu a ser esperta. Ruim porque a gente estranha
muito quando vai pra outra escola. não estranha estudar com muitos professores
porque aqui também é assim (KARLA)
E quando eu perguntei se ela achava que a Escola Liberdade deveria mudar a forma
de tratar os alunos, o jeito de ensinar, ela disse rapidamente: não.
Foi bom. Porque é bem melhor aprender sem medo (KAMILA).
Foi bom. A gente brincava muito mais aprendia com respeito. A gente decidia tudo
com os professores (ETIELY).
Na escola vocês podem estar em contato com crianças que estudaram em outras
escolas, que não adotavam a mesma forma de ensino da Escola Liberdade. Em todas essas
situações que vocês apontaram como difíceis - provas, o entendimento das explicações dos
professores, as relações de obediência - vocês acham que os alunos que não estudaram na
Escola Liberdade têm mais facilidade em conviver com essas situações?
Não. Têm as mesmas dificuldades e os mesmos medos. A diferença é que decoram
mais as matérias que nós. E todos concordaram (ARIADINI).
34
Eles são mais bagunceiros, briguentos, sujam muito as salas, não respeitam os
professores e têm notas até mais baixas que as nossas. Se a gente conversa com a diretora ela
finge que não ouve. Minhas notas são boas (BRUNA).
As regras na escola são dadas pelos professores e todas as regras são a favor dos
professores e não de nós. A gente não pode isso, não pode aquilo (GEISIANE).
Interessante é que ela ia citando tudo que na Escola Liberdade também não era
permitido, então eu comentei que na Escola Liberdade também não era permitido. Ela
completou:
Ah, professora, mas na Escola Liberdade a gente aprendia a respeitar com as
regras que a gente fazia junto com todos e os professores. Até sobre a limpeza das
salas, por isso a gente não sujava, porque a gente mesmo decidia como ia fazer.
não dava raiva.
Helemara concorda e diz:
É mesmo, a gente tinha a assembléia, que até parecia bagunça, mas a gente podia
falar e também não aceitar muitas coisas, mas era junto com todo mundo.
Se vocês acham que os professores são tão rigorosos, bravos, porque então, os alunos
são tão bagunceiros como dizem?
Helemara conclui:
Eu acho que é porque eles pensam assim: já que a gente não pode falar nada, então
eu vou “aprontar”
7
. Lá eles quebram tudo, cadeira, vidraça; jogam coisas nos professores.
Vocês falam o tempo todo dos outros alunos, os que não estudaram na Escola
Liberdade. Mas, e vocês, como é o comportamento de vocês?
Até hoje, eu sei que a Wilza já brigou e feio com uma outra aluna, não com
professores. E a Daysse que falta bastante às aulas. Sei também que o Renan
continua bagunceiro e agora muito mais porque ninguém conversa com ele, só
briga, e a senhora sabe, medo ele não tem de ninguém (GEISIANE).
Até então, Lucas estava caladinho, não dizia uma palavra. Minha intenção era
conversar com os maiores por terem permanecido mais tempo na Escola Liberdade. Mas
por respeito a sua presença, dirigi-me a ele também. Fui mais simples e direta. Perguntei onde
estava estudando ele respondeu e já foi logo completando:
7
Fazer coisas erradas, desobedecer, não cumprir ordens.
35
É muito ruim. As outras crianças começaram a rir e ele olhou firmemente para elas e
disse: é a minha escola.
Perguntei então o que era ruim e ele respondeu:
Tudo, o recreio, as aulas porque os professores falam que a minha letra é feia, que
eu não estou aprendendo direito, que eu vou reprovar. Eu preferia estar aqui mesmo.
E o encontro foi encerrado com a fala de Lucas, por volta das 10 horas. Durante a
conversa com as crianças, pude perceber que, embora guardem sentimentos de saudade em
relação à Escola Liberdade, não são crianças frustradas, nem se sentem decepcionadas por
encontrarem formas diferentes de atendimento em outras escolas. Ao contrário, apesar das
diferenças, mostraram que a formação recebida nos anos iniciais, ajuda-os a enfrentar essa
diferença, desenvolvendo seu aprendizado de forma singular e autônoma.
1.3 As pessoas como sujeitos da pesquisa
Ao longo dos próximos capítulos estarei me referindo com freqüência às pessoas
com as quais conversei durante a pesquisa, reportando-me as suas atitudes e opiniões. Para
melhor situar o leitor a esse respeito, faço aqui uma breve apresentação de cada uma dessas
pessoas e o que significa ou significou para elas serem agentes do processo de construção do
Projeto Educativo da Escola Liberdade, bem como o que significa para elas, conviver com
uma prática educativa não convencional requerida pela “Gestão Co-operada”.
Para a coleta das informações dos educadores aqui citados, o procedimento foi a
elaboração de um questionário, com perguntas abertas, abordando desde informações
pessoais, profissionais, até suas opiniões prévias a respeito da “Gestão Co-operada”, por
escrito. Em respeito à disponibilidade de cada um, todos tiveram liberdade para responder no
espaço e no tempo que precisassem. Com os educandos, pais, mães e/ou responsáveis o
procedimento adotado para obter as informações foi o diálogo que surgia sempre de uma
curiosidade minha a respeito de comentários dos próprios sujeitos em relação aos
acontecimentos ocorridos na Escola. Portanto, as perguntas dirigidas a eles não
correspondiam a intenções diagnósticas do pesquisador, que busca provar ou não uma
hipótese, mas a uma leitura compreensiva de seus olhares.
Edilaine Ribeiro Avelar - estudante. Edilaine, dez anos de idade, mora com os pais
no bairro Osmar Cabral; é a caçula de três filhos, evangélica da Igreja Assembléia de Deus.
36
Estudou anteriormente na EMEB Maria Elazir; na Escola Liberdade estudou dois anos, 2006
e 2007. Cursou a etapa do primeiro Ciclo e 1ª etapa do segundo Ciclo na Escola Liberdade,
conforme consta no seu histórico escolar. É uma menina extrovertida, curiosa e muito
questionadora. Gosta de teatro e para ela tudo pode ser associado ao teatro. No seu relato
sobre a Escola, ressalta:
Gosto de estudar na Escola Liberdade porque aqui eu tenho liberdade para fazer
esse tipo de trabalho, o teatro. O que eu procuro fazer no teatro é a integração das
crianças que são mais tímidas e afastadas das outras. Eu não gosto de ver ninguém
isolada. Me dá a sensação de que está excluída (dezembro de 2007)
Júlia Hemily Vieira Alves - estudante. Júlia, dez anos de idade, filha de Francisco
Alves Pereira e Eloide Vieira da Silva; mora com a mãe os avós, tios e tias e uma irmã mais
nova que também estuda na Escola Liberdade. Começou a estudar com 6 anos de idade na
EMEB Eugênia Pereira de Melo. Estudou na Escola Liberdade nos anos de 2005, 2006 e
2007. Cursou 2ª eetapa do primeiro Ciclo e etapa do segundo Ciclo, como consta no seu
histórico escolar. É uma menina meiga, fala pouco, observadora e segura do que fala.
Gosto da Escola Liberdade porque os professores mostram interesse não de
ensinar, mas também de que os alunos fiquem bem. Não são todos que tem essa
forma de relacionar com os alunos, mas ensinar, todos se esforçam para ensinar
bem (dezembro de 2007).
Oscalina Rocha Belmiro - conselheira segmento dos pais. É avó de Nicolly, de
sete anos de idade que estuda desde março de 2007 na Escola Liberdade. Mora no Bairro
Osmar José de Cabral há dois anos. É natural do Estado de Espírito Santo e viveu em
Rondônia vinte e sete anos. É falante, e espontânea.
Eu aceitei fazer parte do conselho porque achei muito importante ser chamada pra
participar sem nem procurar saber se eu tinha estudo pra isso. E também porque eu
gostei muito daqui. Quando eu entrei nessa Escola eu senti uma coisa boa, sabe?
Todo mundo rindo e me cumprimentando. Depois eu falei que não tinha leitura mais
falaram (...) não tem importância, a senhora é importante porque é da
comunidade e nós queremos gente assim com coragem e vontade. eu achei que
era melhor pra minha neta e aceitei e estou muito feliz porque aqui tem alegria e a
gente precisa disso (dezembro de 2007).
Alcides Euclides Pinheiro - conselheiro segmento dos pais. Alcides é pai de
Renan, sete anos de idade. Mora com o filho no bairro Novo Milênio. Quis se integrar ao
CEC por curiosidade em conhecer melhor a Escola. Queria saber o que era diferente que
ouvia o povo falar.
Era assim: alguns falavam que não era bom, mas muito mais pessoas falavam que
era bom, falavam bem dos professores, do povo da Escola. E eu vim à Escola para
observar, falar, ouvir e gostei. Mas eu queria saber mais e na Assembléia de
37
Eleição do Conselho quando os professores convidaram os pais presentes para
compor o segmento dos pais eu acabei aceitando o convite, o povo aceitou e hoje eu
estou aqui. O que eu vejo aqui é muita discussão, muita reunião, mas isso é bom
não é? (dezembro de 2007).
Verônica Cristina Hauselmann - professora. Verônica é casada, 29 anos, mãe de
um filho, mora em Várzea Grande-MT, cidade vizinha de Cuiabá-MT, no Bairro Jardim Paula
II; formada em Letras (Português/Inglês) 1998, pela faculdade Fafijan, Jandaia do Sul-PR. Ser
professora foi uma escolha feita desde criança. Trabalhar na periferia de Cuiabá, a princípio,
quando aprovada no concurso oferecido pela Prefeitura Municipal, não foi uma escolha, foi a
única opção oferecida pela SME. Hoje permanece porque aprendeu a gostar da região e da
comunidade. trabalhou nas escolas EMEB Constança de Palma Bem-Bem, Fernando Leite
Marcoski, como professora de a séries. Vir para a Escola Liberdade foi o desejo de
adquirir novas experiências, enfrentar novos desafios. Como membro do CEC, onde é
tesoureira, participa das decisões da Escola e realiza tarefas administrativas e pedagógicas.
Admite que, hoje, se sente mais à vontade, mais segura para desempenhar as duas funções
com tranqüilidade. Porém, no início era receosa, se manifestava quando necessário, pois
sentia dificuldades em expressar suas opiniões; tinha vergonha e medo de que as pessoas da
equipe achassem que ela não sabia tanto quanto elas.
Hoje, reconheço, que se alguém tem mais conhecimento, acredito que seja por que
têm mais experiência, pelo tempo de trabalho, que eu também estou adquirindo com
o tempo, por isso me sinto livre, à vontade para dar minhas opiniões e de
desempenhar as duas funções (março 2007).
Eunice Conceição de Pinho - professora. Eunice é solteira, mãe de um casal de
filhos, Mora no Bairro Nossa Senhora Aparecida, Cuiabá-MT; formação, Estudos Sociais e
Geografia, pela Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT); especialização em
Interdisciplinaridade na Educação Básica. É integrante da Escola desde a fundação, a convite
do Secretário. Aceitou-o incentivada pelo desafio de um projeto diferenciado, inovador.
Como membro do CEC, foi Relatora no Conselho Legislativo (CL), Secretária no Conselho
Executivo (CE) e hoje se encontra novamente Relatora no Conselho Legislativo (CL). Quanto
ao seu desempenho na Escola faz o seguinte relato:
Tive dificuldade no início em desempenhar as duas funções, administrativa e
pedagógica, tinha medo do ridículo ao expor minhas idéias. Bom não era na
questão profissional, eu era uma pessoa insegura. Hoje não, em qualquer
circunstância eu vou e faço nem que depois eu vejo que foi errado, mas eu tenho
a coragem, assumo meus erros e acertos, o que eu não tinha antes, desistia sem nem
tentar. fui relatora do Conselho Legislativo, Secretária no C. Executivo, hoje sou
novamente membro do Legislativo. Tudo foi um grande aprendizado. O que já
aprendi aqui tenho a certeza que nenhuma universidade, nenhum título, me
38
proporcionaria: esse crescimento pessoal e profissional que a Escola Liberdade me
deu.(março de 207).
Marilei Luiza de Magalhães - professora. Marilei, 45 anos, casada, mãe de um
filho, mora no bairro Jardim Jockey Club, Cuiabá-MT. Formação, Ciências Biológicas pela
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Sempre trabalhou na periferia, por achar que
é uma comunidade que precisa de mais atenção e respeito, o que não acontece por parte das
autoridades; gosta da comunidade e sente-se útil no seu trabalho social. Faz parte da equipe
fundadora da Escola Liberdade e aceitou esse desafio por acreditar que teria mais
oportunidade em desenvolver outras habilidades, dentro de uma gestão diferenciada. No CEC,
é membro do CL, mas foi no primeiro momento, membro do CE e, no segundo,
Coordenadora no Conselho Judiciário (CJ).
Na Escola Liberdade nós podemos de fato ser o que somos, temos liberdade para
criar, inventar, enfim, buscando sempre a melhor forma da criança aprender e com
isso nós aprendemos também. Hoje as minhas dificuldades não são as mesmas de
quando começamos, mas no dia-a-dia surgem novos desafios, e estamos
enfrentando todos. Posso dizer que me sinto realizada, feliz e estou contribuindo
para que as crianças acreditem num futuro promissor (março de 2007).
Paulo Luiz de Oliveira - professor. Paulo é solteiro, 31 anos de idade, formação,
Pedagogia Plena, pela UFMT; professor efetivo na Rede Municipal de Ensino de Cuiabá.
Mora no Condomínio Flor do Cerrado, bairro Tijucal, Cuiabá. Foi diretor de Escola durante
quatro anos, após essa experiência foi para a Escola Liberdade em 2005, encaminhado pela
SME, e, dentre as vagas existentes nas escolas da Rede, optou pela Escola Liberdade, por se
tratar de um projeto diferenciado.
Acredito que a rotatividade nas funções, a troca de responsabilidades exigidas pelo
projeto, proporciona uma experiência profissional mais ampla. [...] minha
participação é suficiente, discreta, existe, mas não aparece... não está à frente... as
decisões ocorrem no coletivo, mas a consciência das coisas acontecem em
diferentes circunstâncias... por isso, coisas que eu vejo que poderiam ser feitas
de uma outra forma, mas não vale a pena insistir, a maioria vence. A minoria faz a
diferença, inquieta, mas não vence. A assembléia é o momento mais significativo
pras crianças, mas também pra mim, no meu ponto de vista (março 2007).
Silma Aparecida Barbosa - professora. Silma é casada, 43 anos de idade, mãe de
três filhos; formada em Letras Português/Espanhol, pela Universidade de Cuiabá (UNIC), no
ano de 2003; Pós-graduação - Educação Especial pelo Instituto Cuiabano de Educação, em
2005; mora no bairro Coophema, Cuiabá. Não é membro efetivo no CEC, devido a sua
condição de contratada, mas participa ativamente de todas as reuniões. Explica a professora:
Vir para a Escola Liberdade o foi diretamente a minha escolha. Eu nem sabia da
existência dessa Escola. Quando eu estava na SME aguardando de acordo com a
39
minha classificação, ser encaminhada para uma das escolas da Rede Municipal,
uma pessoa que estava à frente do processo de encaminhamento ao ouvir-me disse:
conheço uma escola que é a sua cara, votem o perfil perfeito para atuar nela.
Chamou as professoras Verônica e Cristina que estavam presentes e me apresentou
a elas pedindo que me falassem sobre o Projeto Educativo da Escola. Eu aceitei o
desafio e aqui estou desde 2007. É uma pena que eu possa ficar aqui até o final
do ano 2008, que vence os dois anos que são permitidos ao professor contratado
permanecer na mesma Escola. que essa minha condição não faz a diferença no
meu compromisso. Participo das discussões, de todas as reuniões com o mesmo
empenho de um professor efetivo. Sinto-me parte do Projeto (março de 2007).
Léia da Silva - Técnica em Nutrição Escolar (TNE). Léia é casada, 45 anos, sua
formação, Grau Propedêutico. Trabalhava como vendedora, antes de trabalhar com
educação; mora no Residencial Santa Genoveva, bairro Aeroporto, Várzea Grande-MT.
Prestou concurso público em 1999, para o cargo de Merendeira e ficou aguardando ser
chamada de acordo com sua classificação. Foi chamada em 2003 e optou ficar na Escola
Liberdade incentivada pela proposta diferenciada de educação. Prestou concurso por duas
razões: queria ter os sábados livres e fazer o que gosta e acredita que faz muito bem, cozinhar.
O interesse em conversar com Léia, foi o fato dela de repente, se interessar em desenvolver
um trabalho de Tutoria com três crianças: Michelle, Kamila e Yara, o que segundo ela
significou o seu despertar de se reconhecer no Projeto da Escola Liberdade. Sua declaração
foi muito emocionada:
Acho que, agora, eu estou pronta para continuar no projeto”. Como membro do
CEC não me preocupa se estou no Legislativo, Judiciário ou Executivo, sei que
sou conselheira e tenho uma responsabilidade grande em relação ao Projeto
Educativo da Escola. Sinto que para a Escola represento muito mais que ser
merendeira (março de 2007).
Liane Mariana da Silva Queiroz - Técnica em Manutenção e Serviços Gerais
(TMSG). Liane é casada, 36 anos, mãe de duas filhas, mora no bairro Praeirinho, em Cuiabá-
MT; sua formação, 2º Grau profissionalizante. Escolheu trabalhar na Escola Liberdade por ser
relativamente mais próximo de sua casa e por curiosidade em conhecer o Projeto da Escola.
No começo era receosa quase o participava nem dava opiniões nas reuniões.
Hoje o falo, dou opiniões, como questiono e às vezes me posiciono contra
algumas coisas. Hoje não só ouço os outros, mas falo também (março de 2007).
Regina Rita Corrêa Borges - Técnica em Nutrição Escolar (TNE). Regina tem 44
anos, é casada, mãe de três filhas, mora no bairro Jardim Liberdade. Trabalhava como
contratada na EMEB Constança de Palma Bem-Bem. Desde a fundação da Escola Liberdade
que se interessou pelo projeto, mas na ocasião não pôde se integrar à equipe porque ainda não
estava efetivada na Rede Municipal, e este era um dos critérios básicos. Conta sorridente:
40
Mas eu o perdi as esperanças; assim que fui chamada pela SME para efetivação
do cargo, a merendeira da Escola Liberdade estava saindo, foi quando as pessoas
daqui me avisaram da vaga, e eu vim correndo. Estou ahoje, estranhei um pouco
no início, mas hoje acredito que estou bem mais dentro do Projeto. Participo de
todas as reuniões e sei que a minha opinião é importante, principalmente no
pedagógico. Como conselheira me preocupo com o bem-estar de todos na equipe,
na prática sou conselheira e minha participação não se prende a este ou aquele
conselho, mas naquilo que eu vejo que é da minha responsabilidade de conselheira.
(março de 2007).
Jafé Edílson Ogeda - Técnico em Multimeio Didático (TMD). Jafé é solteiro tem
39 anos, mora no Bairro Tijucal, Cuiabá-MT; sua formação, 2º Grau em Contabilidade,
Cursos Profissionalizantes, Técnico em Contabilidade e Técnico em Multimeio Didático. Foi
para a Escola Liberdade em 2003, porque havia a vaga; sobre seu ingresso na Escola comenta
sorridente:
Quando conheci o Projeto da Escola achei um absurdo, pensava que não tinha
como funcionar, hoje em dia penso que seria difícil me adaptar em outra escola.
Aqui quem quer aprende tudo. Eu aprendi muito aqui, mas, tenho certeza, ainda
tenho muito que aprender. Posso dizer que hoje sou uma pessoa completamente
diferente de quando entrei. (...) quando eu cheguei queria resolver tudo na bronca,
com medo de ser comandado pelos outros. Hoje sou até mais questionador, mas
muito menos briguento. No CEC fui membro do CL, mas agia como conselheiro
normalmente como conselheiro mesmo, sem me comprometer com a definição,
Legislativo, Executivo ou Judiciário. Meu relacionamento com as crianças é bem
mais próximo isso me mais responsabilidade, (...) é, assim parece que a gente
trabalha mais, mas também, é claro, com muito mais prazer (março de 2007).
Jafé é o atual Presidente do CEC. Foi eleito pela comunidade escolar na Assembléia
de novembro de 2007, período em que ocorreram as eleições para diretores nas escolas da
Rede Municipal de Cuiabá.
Zilda Maria de Jesus - Técnica em Manutenção e Serviços Gerais (TMSG).
Zilda é casada, 54 anos, mãe de dois filhos e mora no Bairro Pedra 90; faz parte do grupo
fundador da Escola Liberdade; como membro do CEC esteve no CE, CJ e atualmente no
CL; morou durante 15 anos no bairro Osmar José de Cabral, onde trabalhou como interina por
seis anos na EMEB Constança de Palma Bem-Bem; no tempo de permanência na escola,
sempre se envolveu com projetos voltados para a comunidade; foi co-adjuvante nos projetos
da SME nos anos de 2000 e 2001, que visava promover a participação da comunidade e dos
alunos, e a integração das escolas da região;
É assim que me sinto útil. E foi por isso que o Maldonado me convidou para o
Projeto da Escola Liberdade para que eu pudesse aproveitar os meus
conhecimentos adquiridos quando trabalhei nos projetos da Secretaria e facilitar os
contatos com a comunidade. No começo, eu me dediquei muito no sentido de manter
o contato mais de perto com a comunidade. Não sei se porque era um empenho de
fazer com que a comunidade acreditasse em nossos trabalhos que fazia com que a
gente se empenhasse mais nessas relações. Não sei ao certo, talvez agora, porque a
41
gente não convive mais com as dúvidas dos pais, pelo menos como antes, acho que
a gente se acomodou. Estou falando das ações que a gente desenvolvia com as
mães, com os pais, como artesanato, teatro (...) Hoje eu não estou mais empolgada
como antes, porque eu não vejo na equipe o mesmo empenho em desenvolver esse
tipo de trabalho, às vezes sinto-me frustrada (...) mas, mesmo assim, ainda acho que
aqui a gente trabalha com mais liberdade. Somos s quem cria e decide, mesmo
que muitas vezes a nossa vontade não possa prevalecer, porque nem a própria
Escola é assim tão livre. Existe a SME que a palavra final. Para atuar nos
trabalhos, não me importa em que parte do Conselho estou. Tanto que nem sei
direito se estou no CL ou qualquer outro. Eu sei que sou conselheira e tenho
compromisso com a Escola de maneira geral e principalmente com o povo (março
de 2007).
Sônia Macário da Silva Cândido - Técnica em Manutenção e Serviços Gerais
(TMSG). Sônia é casada, 36 anos, e de três filhas, graduanda nos cursos de Pedagogia
Plena sistema Modular na Universidade de Tocantins (UNITINS) e Geografia na UFMT;
mora no bairro Jardim Santa Laura, próximo à Escola Liberdade; faz parte do grupo fundador
do Projeto Educativo da Escola Liberdade; No CEC foi membro do CL, do CJ e hoje é
Secretária do CEC. Quanto ao seu ingresso e permanência na Escola explica fazendo um
resumo histórico:
Vim para a Escola Liberdade porque via no projeto, a possibilidade de desenvolver
outras habilidades, além do meu cargo de concurso. Acredito que tenho conseguido
até aqui alcançar meu objetivo. No primeiro trabalho de tutoria desenvolvida pela
escola, pude ver progressos como o de Moisés, que era um menino que não
conseguia se concentrar no que fazia, vivia sempre desligado, em outro mundo.
Com o trabalho da tutoria, quando os pais pediam urgência no aprendizado da
leitura e da escrita, com as letrinhas no teclado pude descobrir o seu gosto pela
música o que serviu de ponta-pé inicial para que ele se dispusesse a aprender.
Lógico que aprender da forma que os pais esperavam levou um tempo, mas o que
foi importante é que ele se descobriu capaz, sentimento que ele não tinha quando
iniciamos o trabalho. Depois foi o coral das crianças, dos profissionais, com a
participação dos pais em 2005. Tudo isso serviu para me abrir horizontes e eu fui à
luta, por isso estou hoje buscando uma formação superior (março de 2007).
Carlos Francisco Rodrigues da Costa - Vigilante. Carlos é solteiro, 27 anos e mora
com os pais no bairro Osmar José de Cabral 15 anos ; formação, Nível Médio; é um rapaz
calmo, com personalidade firme; é receptivo e colaborador; faz parte do grupo responsável
pelas atividades da Igreja São Francisco de Assis; iniciou na Escola Liberdade como
funcionário contratado em 2007, mas conhecia um pouco do trabalho da Escola porque,
mesmo quando não era funcionário, participava das Assembléias quando a comunidade era
convidada. Foi trabalhar na Escola a convite de pessoas conhecidas, diz ele:
O convite veio de encontro aos meus desejos. Achava bonito nas Assembléias como
todos os profissionais falavam das ações da escola. Tinha muita curiosidade em
conhecer de perto o que era realmente esta Escola. Nas primeiras reuniões do
Conselho fiquei assustado, não estava acostumado a ouvir tanta franqueza, pra mim
parecia briga. Depois, percebi que era um jeito verdadeiro de se resolver as
questões, procuram-se o esconder nada. Eu fiquei ainda mais surpreso quando vi
42
que depois da reunião todos tem uma convivência normal. Acho isso legal. Agora, é
claro, mas no começo achei estranho (março de 2007).
Nesta apresentação do espaço escolar e dos sujeitos, a intenção foi localizar os
sujeitos no tempo e no espaço da pesquisa. Ou seja, que lugar ocupam ou ocuparam, para
possibilitar as análises que serão feitas nos próximos capítulos. Para esse entendimento, as
análises acompanham os depoimentos, conforme o proposto na introdução deste trabalho.
A intenção do resgate histórico do processo de construção do Projeto foi conhecer a
compreensão que os sujeitos têm acerca daquilo que chamam de crescimento pessoal e
profissional, ao desempenharem o papel de educadores gestores da Escola Liberdade. Foi
também entender ainda o nível de participação dos educandos no início dos trabalhos, bem
como a sustentação dessa prática no processo educativo, que tem como princípio a formação
cidadã numa perspectiva humana.
43
2 O PROJETO DA ESCOLA LIBERDADE
A utopia é um horizonte irrealizável que dá sentido para
projetos históricos concretos [...] nenhum horizonte é
alcançável. Ele sempre se distancia na medida em que nos
aproximamos dele. Assim também é a utopia. A diferença é
que a utopia não é um horizonte qualquer, mas sim um
horizonte desejável por si mesmo e que também dá sentido às
nossas lutas ou à nossa existência.
Jung Sung
“A história é construída por cada um de nós na relação com o mundo e com os
outros. Ela possui traços individuais que se concretizam nas relações coletivas” (PASUCH,
2004, p. 68). Nessa construção histórica, o contato do ser humano com a natureza e com
outros seres é que o torna capaz de produzir conhecimentos, construir valores, técnicas,
comportamentos, arte, tudo enfim, “[...] caso contrário, a humanidade teria que reinventar
tudo a cada nova geração” (PARO, 2001).
A escola, instituição criada para socializar o saber construído pela humanidade, está
inserida na história com a finalidade de possibilitar ao ser humano o acesso ao saber criado
pelo homem desde o seu surgimento na face da terra, para que este, de posse dos
conhecimentos existentes, seja capaz de dar continuidade ao processo, produzindo novos
conhecimentos que possam favorecer sua relação com a vida, em comunhão com os outros no
meio social. Porém, esse processo não se desenrola de forma natural, linear. A escola não é
apenas o local onde se reproduzem os interesses, os valores, a cultura, a ideologia; não é uma
instituição neutra frente à realidade social; ela influencia e sofre influências desta realidade.
Por isso, da mesma forma, “[...] também pode influenciar a ideologia, os valores, a ciência, a
política e a cultura na sociedade em que está inserida” (RODRIGUES, 1996, p. 57).
Essa compreensão, a partir da década de noventa, induziu as comunidades a abrir
novas discussões sobre a função social da escola, ressaltando-se como emergencial decidir
sobre a escola necessária para os tempos modernos, como nos sugere Rodrigues 1996. A
preocupação a respeito dos novos caminhos que a educação escolar deva trilhar passou a ser
tema de discussão de educadores, gestores, pais, educandos e segmentos organizados da
sociedade civil. A grande e maior preocupação recaiu sobre o processo de exclusão e
marginalização cada vez mais crescente, caracterizando o início do século XXI, segundo
Souza & Corrêa (2002), um caos para 2/3 da humanidade, tendo como principal causa a
44
existência de grupos de poderosos que cada vez mais mantêm o monopólio da economia e da
política.
O novo paradigma de gestão escolar permitiu às escolas a autonomia de construir seu
próprio projeto pedagógico, objetivando trazer para o seu interior discussões coletivas sobre
as necessidades apresentadas pela realidade local. A finalidade é que a escola possa cada vez
mais acrescentar ao ser humano um saber que o ajude a compreender a realidade social e,
dessa compreensão, conseguir descobrir meios de produção para sustentação e condução da
própria vida. Esse entendimento questiona também os princípios que norteiam a prática
pedagógica, exigindo que esta, ao deixar de ser única no ato de ensinar e de aprender entre
professor e aluno, se expanda para as relações entre outros sujeitos da comunidade escolar,
para que juntos possam pensar e decidir o parâmetro curricular da escola, de forma a
contemplar a preparação de pessoas capazes não para realizar tarefas, mas que, ao realizá-
las, sejam elas uma escolha própria, fruto da consciência das suas reais necessidades. Logo,
novos valores relacionais devem ser criados, “[...] a partir de uma pedagogia que procure
ouvir, respeitar e avançar com as concepções expressas pelos vários atores envolvidos com a
prática educativa, sejam eles docentes ou não docentes.” (SOUZA & CORRÊA, 2002, p. 49).
Com isso eleva-se a importância do projeto pedagógico como direito e dever das
escolas na sua organização interna, constituindo-se então em elemento fundamental de
organização e integração da prática escolar e das relações entre os diversos segmentos da
comunidade interna e externa.
Para Rios, a relevância de um projeto de escola está justamente na sua provocação ao
diálogo, porque segundo ela:
Um projeto de escola não se faz sem a participação de todos os que a constituem e
não é uma mera soma de projetos individuais, mas sim uma proposta orgânica em
que se configura a escola necessária e desejada, e na qual se articulam na sua
especificidade, as ações de cada sujeito envolvido (2005, p. 125).
Assim, abre-se a possibilidade de cada escola poder escrever sua própria história de
acordo com seu modo de existir que corresponda às particularidades da comunidade que a
compõe, aos parâmetros de uma escola que seja necessária para a formação cidadã. Nesse
contexto se insere o Projeto Educativo da Escola Liberdade. O histórico a seguir, enfatiza a
importância deste projeto mediante a realidade em que se embasa sua construção. Ele nasce
com o intuito de atender a real necessidade dos moradores, que naquela ocasião se
45
encontravam na sua grande parte excluídos do acesso à educação escolar, e que fosse também
a revelação de outra leitura para a gestão democrática.
Neste capítulo apresento esse histórico dividindo a redação em duas seções. Nas
duas, “utopia” é a palavra utilizada para expressar o empenho dos profissionais da educação
que apesar das dificuldades apresentadas pela não aquisição do conhecimento da nova
concepção de escola na qual se integram, lutam e acreditam na possibilidade da realização do
sonho de poder vivenciar uma educação escolar diferenciada, na perspectiva da emancipação
humana conforme suscita a própria gestão democrática.
Na primeira seção, apresento o contexto em que o Projeto Educativo da Escola
Liberdade foi pensado: inicio a partir de alguns resultados de pesquisas realizadas no Estado
de Mato Grosso, que mostram como a gestão democrática era vivenciada nas escolas, as lutas
dos educadores pela reformulação da Lei de Gestão Democrática/93, as influências dessa
reformulação na construção de um projeto diferenciado de escola e os primeiros passos de
idealização da Escola Liberdade.
A segunda seção mostra as primeiras ações da equipe de profissionais da Escola no
início de implantação do Projeto idealizado em um espaço físico improvisado, apostando
numa prática capaz de superar as limitações dos espaços oferecidos pelas circunstâncias
emergenciais.
2.1 A utopia de uma escola emancipatória
“Quando a sociedade brasileira, discutindo a escola, puder formular o seu destino ou
puder estabelecer o tipo de escola necessária para a sociedade, estaremos a caminho de
concretizar a democratização da escola” (RODRIGUES, 1996, p. 40). Com esse pressuposto
alguns educadores da Rede Municipal de Educação de Cuiabá, insatisfeitos com os modelos
educativos até então experimentados, dão início à criação da Escola Liberdade com o objetivo
de exercitar uma nova possibilidade educativa. A proposta nasce assim desse desejo coletivo
de construir uma nova prática pedagógica, capaz de considerar as reais necessidades dos
moradores do bairro Jardim Liberdade, onde a participação pudesse ser o eixo norteador das
ações educativas e também da metodologia de trabalho. Porém não foi um desejo aleatório,
surgiu de uma série de acontecimentos, como aparece no breve relato a seguir.
46
No final da década de 1990, não Cuiabá, como também todo o Estado de Mato
Grosso, recebia uma série de críticas acerca da LGD 3.201/93, apontando para a necessidade
de discutir uma possível reformulação desta Lei. Segundo pesquisas existentes, a partir
daquela década, apesar das discussões, debates, que de certa maneira provocavam mudanças
no interior das escolas, especialmente no que tange à participação popular, algumas questões
não avançavam diante das limitações existentes na legislação, ficando ainda a gestão
democrática muito presa ao processo de eleição para Diretores. Os Conselhos Escolares são
destaques nessas pesquisas realizadas, apontando avanços, mas também limitações, no que diz
respeito à participação da comunidade externa. Entre elas destaco algumas que me serviram
de informação a respeito do que acontecia no interior das escolas públicas:
Rezende (1994), embora seu estudo não tenha como foco o Estado de Mato Grosso,
trouxe contribuições para entender em quais circunstâncias os conselhos surgiram e quais
reações provocaram nas pessoas nos diversos segmentos da sociedade.
Souza (1996) pesquisou sobre a participação dos pais na escola, tendo como campo
de pesquisa a Escola Aurelina Estácio Ribeiro. Na sua conclusão ressalta que a presença desse
segmento na unidade escolar foi benéfica em dois sentidos: influência na prática estudantil e
nas relações estabelecidas no interior da escola; embora nem todos os pais se mostrassem
interessados em participar no processo de democratização, o que acredita o autor ser o
resultado da cultura de exclusão vivenciada por estes atores durante muito tempo.
Silva (2002) realizou um estudo de caso para conhecer as formas de participação do
aluno no processo de gestão democrática da escola. A autora verificou que, apesar de
constituir-se em um requisito essencial na formação dos jovens, no sentido de prepará-los
para uma formação crítica e produtiva na sociedade, as resistências para que essa participação
se efetive ainda permanecem na essência das práticas escolares.
Mamedes (2004), em sua pesquisa buscou compreender como ocorre a participação
dos professores nos processos de democratização das escolas nas diferentes instâncias. A
autora constatou que a efetiva participação ainda não é uma prática, sob o risco de a lei
continuar apenas no papel. Concluiu que a democracia “[...] não é algo que se possa alcançar
e depois se acomodar, pois é caminho e não chegada. É processo e não resultado” (p. 60).
47
Segundo Carlos Alberto Reyes Maldonado
8
, em entrevista concedida a mim nesta
pesquisa (maio, 2006), “Os resultados daquele processo de gestão democrática ainda não
tinham avançado concretamente na oferta educativa, na qualidade da educação que
deveriam recobrir o processo educativo como um todo”. As dificuldades apresentadas pelos
educadores em tornar efetiva a participação popular e vivenciar o processo democrático nas
relações pedagógicas, despertaram o interesse de alguns educadores da Rede Municipal de
Educação de Cuiabá em abrir espaços para novos debates e discussões sobre a LGD 3.201/93,
que contaram com o apoio e a liderança de Maldonado, Secretário de Educação naquela
ocasião.
Com a abertura para novas discussões relativas à qualidade do ensino proporcionada
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996, os debates se
fortaleceram e geraram inquietações tanto no poder público, quanto nas escolas, que
começaram a se movimentar na busca de alternativas com vistas na melhoria da educação
9
.
Em 2001, Maldonado e alguns educadores incomodados com a educação vigente
naquele momento, organizaram ações junto aos assessores pedagógicos da SME, pela
reformulação da LGD/93 em vigor. Para esta reformulação buscavam acrescentar parâmetros
que dessem maior autonomia às escolas nas suas organizações administrativas e pedagógicas,
de acordo com as demandas de cada região
10
.
A finalidade era sensibilizar outros educadores da Rede Municipal de Cuiabá, dado
que nem todos se encontravam mobilizados na busca de mudanças para a educação. Tratava-
se de vislumbrar novas relações de convivência nas escolas, de incentivo à criação de espaços
para o diálogo, à participação e responsabilização mútua das comunidades: interna e externa.
Uma dinâmica que proporcionasse às escolas a liberdade de se organizar para realizar
8
Secretário de educação na Rede Municipal por um período de 4 anos, durante a gestão “Novos Tempos por
Cuiabá” no governo de Roberto França. Maldonado (como é popularmente chamado), representou um divisor
de águas na educação municipal em Cuiabá, por possuir uma visão ampla de homem e de mundo, que
“contagiou” um significativo grupo de educadores que se lançaram na reorganização administrativa e
pedagógica de 9 (nove) escolas com propostas de inovação que, mesmo com a estrutura organizativa
tradicional de gestão, provocou mudanças nas relações internas. As salas de aula ganharam outra característica
e em algumas o próprio prédio da Escola passou por modificações estruturais.
9
As informações referentes aos acontecimentos na Rede Municipal de Educação de Cuiabá, por ocasião da
reformulação da LGD nesse histórico, foram dadas por Maldonado em entrevista com duas horas de duração
em maio/2006. Estas mesmas informações se encontram na Dissertação de Santos (2006) com enfoque mais
abrangente.
10
Na pesquisa realizada por Santos (2006) consta que essa demanda dos moradores da região do bairro Osmar
Cabral requeria não mais escolas, mas uma escola que direcionasse seu ensino às reais necessidades das
pessoas do local; reivindicavam além das disciplinas normais oferecidas pela escola, ensinos relativos às
atividades na área de Artes, como trabalhos manuais, pintura, bordados, etc.
48
experiências inovadoras, de acordo com as necessidades de cada comunidade envolvida. Que
essas experiências, uma vez realizadas, viessem a se tornar referências inspiradoras e
encorajadoras para outras escolas, na busca de novas alternativas para a educação. Enfim, que
o processo democrático avançasse para além do processo de eleição para diretores.
Nessa reformulação da LGD, a grande preocupação era com a efetiva participação da
sociedade na unidade escolar entendida como fundamental para o avanço na democratização
das escolas. As discussões ocorridas no andamento desse processo de reformulação não
ocorreram sem conflitos, especialmente para as escolas da Rede Municipal, que resolveram
inovar suas práticas. Por outro lado, as discussões oportunizaram um diálogo mais aberto,
tanto no âmbito administrativo, quanto pedagógico das escolas, o que possibilitou mudanças
significativas em algumas delas. Estas escolas, após se reorganizarem, foram denominadas
pelo então Secretário de “Escolas de Inovação”
11
, posto que buscava inovar em relação à
proposta original de gestão democrática implantada nas escolas municipais de Mato Grosso,
inclusive buscando formas de vencer debilidades e os vícios de uma prática político-partidária
eleitoreira vivenciada no país e transferida para dentro das escolas. A esse respeito
Maldonado faz a seguinte crítica:
Na verdade, a idéia de gestão democrática, ao invés de construir inovações, ela
cristalizou situações que as relações políticas do país acabaram transferindo para
dentro das escolas o universo dos problemas enfrentados na arena e na batalha
político-partidária que a gente tem. A eleição para diretores o é pior do que a
indicação política, claro que o, ela está muito além. Mas também está muito
aquém de qualquer possibilidade efetiva de avanços reais, concretos, na oferta
educativa, na qualidade da educação, que deveria recobrir o processo de educativo
como um todo e mesmo na configuração de uma nova prática, por exercícios
democráticos. A escola não conseguiu de forma alguma inovar nisso. Na prática,
nós não tivemos sob esse aspecto, alterações muito expressivas, muito significativas
(maio, 2006)
Porém, complementa Maldonado, “[...] mesmo não sendo as novas legislações,
ideais, têm esse mérito de não fechar um único modelo, de abrir a possibilidade do invento,
do novo, para que, quem queira, possa criá-lo(maio, 2006). Enfim, a legislação, por seu
princípio democrático auxiliou para garantir às escolas que as inovações que estavam em
curso não fossem afetadas por alterações com argumentos legais.
Apesar da existência de experiências inovadoras, as reformulações da Lei citada não
avançaram como se desejava. Em meio a essas movimentações e acontecimentos, inclusive a
partir da busca da reformulação da LGD, havia na SME a demanda de criação de mais uma
11
Escolas já estruturadas e reorganizadas pedagogicamente buscando dinamizar as práticas pedagógicas e a
ampliação do diálogo entre a comunidade interna e externa à escola, conforme informações de Santos (2006).
49
escola na região do bairro Osmar Cabral
12
. Maldonado e seus assessores, à frente das ações
que investigavam as reais necessidades da região mencionada, resolvem responder a essa
demanda já de forma diferenciada desde a formulação do projeto da escola.
A demanda por escola na Regional Sul, afirma Santos (2006), surge de um
levantamento realizado por meio da aplicação de um questionário à população residente nos
bairros que compõem esta Regional: São João Del Rei, Osmar Cabral, Jardim Fortaleza, Santa
Laura, Jardim Liberdade, Cinturão Colina Verde e Novo Milênio. Este levantamento apontava
um grande número de crianças fora da escola:
[...] os dados apresentados pelo questionário sócio econômico e cultural, aplicado
inicialmente no bairro Jardim Liberdade revelaram a necessidade de expandir a
oferta de ensino público na Microrregional
13
(Sul), identificando uma demanda de
298 crianças na faixa etária entre 6 e 12 anos de idade (SANTOS, 2006, p. 96).
No Sistema de Ensino o funcionamento exige que os gestores assumam a
responsabilidade administrativa, encaminhando como solução imediata a criação de salas
anexas para acolher essas crianças, que em sua maioria pertenciam ao bairro Jardim
Liberdade, no qual, talvez por sua localização entre os bairros Osmar Cabral, Jardim Fortaleza
e Santa Laura, não havia e nem há atualmente nenhuma escola em seu território.
O bairro Jardim Liberdade surgiu de ocupação grilo de terra e não dispunha de
infraestrura, nem espaços físicos públicos comunitários como igrejas, associação de
moradores e/ou outros que pudessem abrigar salas de aula. Diante dessa realidade, as salas
anexas emergenciais, a princípio, foram constituídas no bairro Osmar Cabral até que o
projeto de construção de um prédio próprio, adequado às necessidades da nova proposta de
escola, fosse efetivado. O que se previa poder ocorrer em um ano.
Após a reformulação da LGD/93, em 16 de novembro de 2001, diante das
possibilidades oferecidas, o Secretário e os assessores passaram a imaginar outro modelo de
escola, que superasse a organização hierárquica presente nas escolas então existentes,
inclusive aquelas que se pretendiam diferenciadas (Escolas de Inovação), e pudesse
proporcionar um sistema mais dinâmico. Uma gestão onde as responsabilidades fossem
compartilhadas entre todos profissionais da escola, junto à comunidade. Imaginava-se uma
12
O Bairro Osmar Cabral tornou-se referência de localização na Região sul do município por estar numa posição
central em relação aos demais.
13
As Microrregionais surgiram nas escolas municipais que se afirmavam com as idéias engendradas pelos
princípios da Cidade Educadora e da Gestão Democrática, que propunham alargar a forma de atendimento da
população do entorno da escola e ampliar a participação da unidade escolar na definição do seu projeto
educativo. Assim foram criadas na tentativa de unificar as unidades educativas existentes numa base territorial
e são compreendidas como sendo uma célula da Cidade Educadora (SANTOS, 2006, p. 86-87).
50
escola que fosse um espaço, onde o prazer de ensinar e aprender perpassasse as dimensões da
educação e da vida.
De comum acordo, Maldonado e assessores organizaram os primeiros contatos com
os moradores do bairro Jardim Liberdade, ao mesmo tempo em que se articulava a
constituição da equipe de profissionais que supostamente atuariam na escola. O critério
exigido para quem quisesse compor a equipe e participar da construção deste ideal inovador
era especialmente o sonho, embalado pela ousadia e o desejo de fazer educação diferente;
estar incomodado com as formas de educação atual e desejar buscar uma nova leitura para
interpretar e vivenciar a democratização no interior da escola e da educação. Além desses
requisitos o candidato deveria ser funcionário efetivo da Rede Municipal de Ensino, ter
disponibilidade para trabalhar 40 (quarenta) horas, possuir valores morais, éticos, além de
criatividade, inventividade, responsabilidade, bom humor, sensibilidade, respeito pelo outro e
capacidade para trabalhar em equipe
14
.
Constituída a equipe de profissionais (que contava com nove professores, dois
técnicos em manutenção e infra-estrutura, dois técnicos em nutrição, um técnico em
multimeio e dois vigilantes), estes se reuniram com os moradores da região, em assembléia,
para apresentar e discutir a proposta de constituição da escola. Devo lembrar que a demanda
de escola por parte da comunidade, não necessariamente era uma demanda de uma escola
diferenciada. Demandava-se escola para os filhos a princípio nos mesmos moldes das escolas
existentes na região, que eram as que se conhecia. O grupo (Secretário, assessores e equipe de
profissionais) então apresentou um modelo novo e aberto à participação de todos.
Após exposição, discussão e entendimento da proposta, mesmo que parcialmente, os
moradores presentes naquele momento, confiaram na equipe e na possibilidade de participar
efetivamente do processo educativo para seus filhos. Com sua aprovação, sucederam-se
muitas reuniões de estudo, para decidirem em que bases fundamentariam a organização da
escola, uma vez que se tinha como finalidade proporcionar uma educação que possibilitasse a
formação da pessoa enquanto sujeito cidadão, buscando a re-significação dos valores sociais
de convivência.
Dados os primeiros passos para garantir o funcionamento efetivo, a Escola carecia de
formalização oficial e de organização administrativa e pedagógica, coerentes com o ideal. A
14
Estas informações foram dadas pelo Secretário de Educação (Maldonado) em reunião a todos os que se
apresentaram como interessados a se integrarem à equipe que atuaria no desenvolvimento do Projeto de escola.
E se encontram também em Santos (2006).
51
equipe parcialmente formada elaborou uma justificativa para que a Escola pudesse ser
constituída, mesmo sem prédio próprio, para atender em caráter emergencial, conforme
citamos, às crianças que estavam fora de escola.
Maldonado coordenava os estudos com reflexões provocativas, que induziam os
educadores a se auto-interrogarem, a buscarem a própria resposta para tais provocações: por
que eu desejo uma escola diferente? O que me incomoda na prática educativa atual? Que
escola eu quero? A busca às respostas das questões expostas apontou para uma organização
diferenciada de gestão da Escola.
2.1.1 Como se organizaria a gestão da “nova escola”?
Entendemos por educação todas as manifestações humanas que buscam a
apropriação da cultura produzida pelo homem. Neste cenário, a escola é a instituição
especializada da sociedade para oferecer oportunidades educacionais que garantam a
socialização desses saberes, proporcionando uma educação de qualidade para todos nela
envolvidos. Essa prática educacional demanda, de todos os segmentos escolares, o
desempenho efetivo de suas funções, não devendo ser isoladas, pois cada função só faz
sentido no coletivo da escola, com a participação da comunidade escolar, conforme prevê a
própria LDBEN/96.
Com este propósito, a equipe ao acatar a sugestão do Secretário, dispensou o sistema
hierárquico comum na gestão das escolas da rede municipal que contam com um diretor, um
coordenador e um secretário. A idéia era que a Escola na sua própria forma organizativa fosse
acolhedora, e proporcionasse maior participação da comunidade escolar, nas decisões e ações
nela vivenciadas.
Organiza-se então, a gestão da Escola na forma de Conselho, que passou a ser
conceituada pela equipe como Gestão de Responsabilidade “Co-operada”
15
. A gestão “Co-
operada”, aqui, se diferencia da gestão cooperada implantada pela Gestão Democrática no
Município, especificamente no que tange à forma de participação de todos os envolvidos no
processo. Na gestão democrática do programa geral do município a participação se via
15
Compreensão dada ao termo co-operado na gestão: ato de gerir a si mesmo, operar, converter em obra; fazer,
executar, praticar, fazer com; realizar alguma coisa em função do coletivo.
52
conselhos onde participam representantes do segmento de pais, professores, funcionários e
alunos maiores de 14 anos, conforme rege a legislação.
O CEC tem a seguinte composição:
Assembléia Geral, CE, CL e CJ. Nestes conselhos são distribuídas as
responsabilidades como rege o estatuto social da escola. Nessa organização a Assembléia
Geral é instância maior e soberana em suas deliberações; o Conselho Executivo é o órgão
coordenador do CEC; o CL, o órgão normativo do CEC e o CJ, órgão de controle e
fiscalização do CEC. Cada setor que compõe o CEC é constituído por conselheiros efetivos e
sócio-colaboradores. Podem tornar-se conselheiros efetivos: os pais; responsáveis e
profissionais da escola; e sócios colaboradores: lideranças comunitárias, ex-educandos e
educandas e ex-funcionários,
Vale lembrar que a criação do conselho não se constitui na formalização de uma
hierarquia ele não exerce nenhum poder sobre outra instância. Apesar de legal e formalmente
constituído, ante a SME, que não reformulou suas instâncias hierárquicas, o conselho precisa
indicar uma pessoa (no caso o presidente) para assinar as documentações e responder a essa
legalidade. No entanto, na prática cotidiana da Escola e em suas decisões o Conselho
incorpora o coletivo escolar. O CEC se constitui num órgão articulador da integração dos
segmentos, visando favorecer o aprender e o ensinar coletivo, organizando-se na forma de
parlamento
16
.
Essa forma organizativa tem por finalidade proporcionar uma vivência que articule e
re-signifique as relações sociais entre comunidade civil e poder público, procurando
dinamizar práticas de convivência que possibilitem esse entendimento. Expressa o anseio por
uma legítima distribuição de responsabilidades harmonicamente correlacionadas, buscando
formar novos significados capazes de valorizar o diálogo, a igualdade de direitos, na busca do
entendimento trazido pelos desafios, ainda que conflituosos.
Os educandos, por falta de amparo legal (sendo permitido acima de 14 anos), não se
integraram à organização formal do CEC, mas têm direito a vez e a voz, ficando a cargo dos
educadores desenvolverem um trabalho pedagógico com base em relações que incentivem
neles o espírito participativo, trazendo para reuniões do CEC seus anseios e suas proposições
16
Composto pelos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário. Nessa organização todos os envolvidos
participam efetivamente de todos os aspectos relativos ao dia-a-dia da escola, sem com isso permitir que um
poder se sobressaia ao outro. A organização tem como objetivo oportunizar a todos o aprendizado do
desempenho coletivo na gestão da escola nos aspectos administrativo e pedagógico.
53
como indicativos para encaminhar novas ações pedagógicas. Mesmo não contando com o
amparo legal de se constituírem membros do CEC, o projeto da Escola Liberdade prevê a
participação dos educandos nas Assembléias dando sua opinião e influenciando nos votos dos
pais e educadores, e até o direito de assinarem a Ata das Assembléias, quando se empenham
em fazê-lo.
Assim, a “Gestão Co-operada” tem como objetivo central a partilha de
responsabilidades, a valorização e o protagonismo de toda a comunidade escolar. A equipe de
profissionais da Escola Liberdade busca possibilitar por meio do trabalho, tanto no âmbito
administrativo quanto no pedagógico, a construção coletiva da gestão. Daí a forma de
Conselho, buscando facilitar a realização de uma tarefa que resulte na articulação da outra.
Enfim, esse entendimento, deve ser também o princípio norteador da prática pedagógica.
Nessa compreensão, os profissionais da escola possuem uma responsabilidade
supostamente dupla, ou seja, além do desempenho das atividades correspondentes às suas
funções específicas, todos se responsabilizam em manter e articular, de forma integrada, os
trabalhos no coletivo para a sustentação da gestão da Escola.
2.1.2 Como seriam o tempo e o espaço pedagógicos na “Gestão Co-operada”?
De acordo com o a descrição feita (a organização administrativa e pedagógica da
escola, na forma de “Gestão Co-operada”), as intenções de gerenciamento interno, a utilização
do tempo e do espaço pedagógicos, correspondem a uma responsabilidade de todos os
profissionais da educação nela inseridos, independente do cargo ou função ocupado por cada
um na condução dos trabalhos. Embora fosse um desafio a enfrentar, tendo em vista uma
organização não usual, portanto desconhecida para todos os educadores, a decisão de assim se
organizarem foi a forma vista pela equipe como um caminho por onde os ideais de uma
educação diferenciada pudessem no seu perpassar ir se tornando realidade.
Na verdade, uma das tarefas políticas que devemos assumir é viabilizar os sonhos
que parecem impossíveis. Em outras palavras, é diminuir a distância entre o sonho e
suas materializações
(FREIRE 1991, p. 126).
Ensinar e aprender nesse contexto passa pela significação da vivência, ou seja, a
prática democrática vivenciada pela comunidade escolar na gestão política e pedagógica da
escola, deve ser fundamentalmente referência nas relações de ensino e de aprendizagem. Por
54
isso, todos passam a ter uma função comum, educar e se educar, princípios que mais tarde
passaram a ser fundamentos na sistematização do Projeto Educativo, do Regimento Interno e
do Estatuto do CEC.
[...] na Escola Liberdade, todos os que atuam diretamente no seu interior, participam
de todos os momentos da vida escolar. Nas reuniões de planejamento, na avaliação,
na execução de ações, exercendo de fato as funções de profissionais da educação
(Projeto Educativo Ludicidadania, 2004 p. 7)
Nessa dinâmica, as ações não se separam, e todos os profissionais, assumem o
compromisso de manter vivos os sonhos sustentados nos ideais de promoção e integração das
pessoas via formação capaz de possibilitar condições no exercício da cidadania a própria
formação cidadã. Fundamentalmente o parâmetro para a prática do aprendizado próprio e
permanente (educador e educando) está assentado na busca de um significado mais amplo do
ensinar e do aprender, e o desenvolvimento de uma prática pedagógica, que aumente as
condições de luta pela superação das desigualdades para a formação do sujeito participativo.
Brandão (2006) em seus escritos nos lembra que não uma forma única nem um
único modelo de educação, e que as pessoas se educam independentemente da escolarização.
Mas, sendo a escola o local responsável pela educação formal, para cumprir de fato seu papel,
ser competente na sua função, “[...] ela deve levar em conta a necessidade de que seus alunos
sejam seduzidos pelo desejo de aprender” (PARO, 2001, p. 107). Não poderá significar ao
educando um espaço de sofrimento e dor, mas dar ênfase ao querer aprender, considerando
ser esse o desafio primeiro da didática, da qual dependem todas as demais iniciativas.
Assim, o espaço pedagógico, foi idealizado para tornar as salas de aula em
ambiências temáticas, com o objetivo de atender crianças de 6 a 12 anos. A idéia era iniciar
com as crianças de seis anos, na perspectiva de um único ciclo de formação. Nesses seis anos
de permanência na Escola, os educadores desenvolveriam um trabalho pedagógico de
incentivo à criatividade e à pesquisa. Nesse caso, educador e educando não teriam que
cumprir um currículo pré-formatado, mas sim construí-lo na prática cotidiana de ensino e
aprendizagem sem se prenderem às denominações séries ou ciclos de formação, mas sim ao
processo de desenvolvimento de cada criança. Ao final do ciclo, a Escola Liberdade se
encarregaria de fornecer um único currículo constando o histórico de formação do educando,
suas habilidades e conhecimentos adquiridos, e em que série poderia ser inserida de acordo
com o previsto nos parâmetros curriculares comuns das escolas.
55
Assim, as ambiências foram denominadas de acordo com o ensinar e o aprender
integrador de educadores e educandos, para a construção de novas relações de respeito ao
tempo de cada sujeito aprendiz, com meios e métodos de aprendizagem pautados na
liberdade, autonomia e prazer.
As ambiências ficaram assim constituídas:
- Teatro e Cinema – desenvolver habilidades sensoriais e motoras;
- Inventos e Ciências – expansão da competência para a criatividade;
- Jogos e brincadeiras desenvolver o raciocínio lógico matemático e relações
interpessoais;
- Linguagem Manuseio de livros estudos das nguas e alfabetização,
interpretação e construção de textos;
- Artes manuais construção coletiva, produção de materiais desenvolvimento de
habilidades manuais e de concentração;
- Observatório de tempo e espaço Estudos históricos no tempo e no espaço
geográfico;
- Oficina pedagógica e registros - desenvolvimento de trabalhos voltados às
habilidades da escrita;
- Plenária – Espaço para reuniões e discussões coletivas;
- Espaço multiuso – Reservado para biblioteca e planejamento de aula;
- Cantina/cozinha – Confecção das refeições e espaço educativo e de convivência.
Nesta organização, o tempo e o espaço pedagógicos mudam de cenário. O tempo
passa a ser determinado pelo processo de aprendizagem de cada sujeito, e o espaço torna-se o
cenário de revelação das ações nele organizadas. Imagina-se um espaço onde o tempo do
fazer pedagógico não se limite a um tempo fim, mas, sim a um tempo que é movimento de
cada sujeito no processo. Busca-se uma educação com base na comunicação e no diálogo, na
qual, o ato de ensinar não seja fundamentado na “[...] transferência de saber, mas um encontro
de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (FREIRE, 1977, p. 69),
para possibilitar a apropriação do saber e tornar-se capaz de expandi-lo nas relações com
outros seres nos diversos espaços de convivência.
56
Nas palavras de Passos, essa compreensão se amplia e nos faz refletir sobre a
importância de procurarmos entender proximidades e distâncias nesse processo:
A legítima afirmação do Ter, Valer e Poder para SER, carece dos limites postos pela
descontinuidade, pelos entretempos (interstícios), contratempos, eventualidades,
espaço de transcendência, do mito, do sagrado. Nunca foi tão importante dar tempo
ao tempo, para que divisemos não produtos finais, mas possibilidades quase
infinitas, com bordas qualitativas, temporais, limitativas [..] (2003, p. 18).
Este breve histórico de criação das ambiências, mostra a experiência de organização
das mesmas, ainda no campo da idealização. Porém, a partir do momento em que se inicia
uma vivência real de trabalho pedagógico, as ambiências passam por uma variedade de
nomes, em tempos diversos na história da Escola, caracterizando a real vivência entre
educadores e educandos no desenvolvimento do processo educativo.
2.1.3 Uma escolha... um significado... um nome: Escola Liberdade
Até aqui as preocupações da equipe giravam especificamente em torno do ideário de
cada um e do grupo. Aos poucos esse ideário foi tomando forma, corpo, características
concretas. A Escola, o espaço físico precisava existir. Mas, como imaginar um prédio cujo
espaço que contemplasse uma organização pedagógica e administrativa correspondente ao
tempo de ensino e aprendizagem na vivência das pessoas que por ela transitariam? O prédio
foi idealizado com uma arquitetura diferenciada, que proporcionasse um ambiente de
movimento, interação, integração e participação. Por isso, teria uma estrutura circular, com
paredes removíveis, sem muro ao seu redor, e com pátio para ser arborizado pela comunidade
escolar no processo educativo.
Uma escola criada espacial, estrutural e culturalmente para o exercício de uma
prática educativa emancipadora. “A escola emancipadora é aquela que na sua prática
educativa, liga o conhecimento científico ao interesse do educando, proporcionando-lhe uma
formação que lhe permite ser sujeito das suas ações” (WITTMANN, 2006)
17
. Embora o autor
não se refira ao espaço físico, a citação tem o propósito de dizer que, aqui, uma coisa se liga a
outra e, quando se trata de pensar uma educação voltada para a existência das relações
humanas, Brandão nos diz que as coisas não se desvinculam, mas se interagem numa
vivência. Tudo é ser e tudo se humaniza.
17
Wittmann (2006) – Palestra proferida no Seminário - Programa Nacional Fortalecimento dos Conselhos
Escolares.
57
Pode ser assim sintetizado: “isto existe e está vivo”. Ou, de maneira mais ampla e
mais generosa: ‘isto existe e participa da Vida por criar entre outros seres as
condições para a sua existência’. Logo é um Ser Vivo ou um Cenário de Vida e
participa, com tudo o que existe e vive, da Rede da Existência do Dom da Vida. Se
“isto existe”, em qualquer dimensão da existência do que vive e é vivo, então “isto”
é um Sujeito da Vida e participa de todas as teias e redes que geram, fazem interagir
e transformam tudo-o-que-existe e o-todo-do-que-existe. (BRANDÃO, 2005, p. 19).
A escolha do nome seguiu esse entendimento: se o espaço físico imaginado fazia
parte de uma construção de vida, de relações, “Liberdade” seria não somente um nome, mas a
forma mais expressiva desse acontecimento. A preferência pelo nome “Liberdade” foi
unânime e sustentava também o seguinte raciocínio: se o objetivo era atender a comunidade
do bairro Liberdade; se a equipe estava sendo chamada de “o povo do (bairro)
Liberdade”
18
; e, se todos os trabalhos preparativos estavam pautados na liberdade de
expressão e no diálogo, a escolha do nome correspondia tanto ao pensamento mais ideológico
quanto ao mais prático.
Após toda a construção imaginária, a equipe elaborou uma justificativa que
homologada pelo Secretario de Educação, constituiu o documento provisório para o
funcionamento legal da Escola Liberdade, mesmo sem contar com a existência do prédio
próprio (Anexo A, p. 173).
Um sonho que ainda não se realizou. Por questões políticas e administrativas a
escola, desde o início de suas atividades em 2002, funciona em salas alugadas, o que na
ocasião, seria apenas em caráter emergencial, com previsão de construção do prédio no prazo
de um ano, como já o dissemos.
Observando a figura 1, pode-se perceber distância que separa a realidade em que se
18
Tratamento utilizado pelos profissionais da SME quando se referiam à equipe de profissionais do Projeto
Liberdade.
Figura 1 - Escola Liberdade - realidade e sonho
58
encontra a Escola Liberdade e o sonho projetado pelos educadores que vivenciam e acreditam
nessa proposta educativa.
2.2 Da utopia ao projeto possível
Nasceu assim uma escola com dimensão diferenciada, não caracterizada pelo prédio,
materialização de um mbolo, mas sim pelo projeto educativo utópico inerente a cada uma
das pessoas que passariam a compor a construção de um sonho possível. E, como nos diz
Passos & Amaral “Por si só, a utopia não mexe no processo, quem mexe são as pessoas, e o
fazem tocadas pelo desejo [...] somos seres do desejo, que se põe a caminho tencionado pelos
apelos dos sonhos [...]” (2007, p. 15). A afirmação de Freire complementa a idéia dos autores:
A utopia exige conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso
denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. o posso
anunciar se não conheço. Mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo
existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um
anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto
(2005 p.
32)
.
Assim, não perdendo de vista as aspirações do projeto maior, mas adequando-se à
realidade, sem um espaço físico adequado ao projeto imaginado, a organização a seguir
mostra que a equipe buscou como estratégia imediata as ações norteadoras dos trabalhos com
as seguintes providências:
- A organização da Secretaria da Escola;
- O trâmite legal da vida escolar das crianças;
- A formação do CEC como órgão gerenciador da Escola;
- A construção e sistematização do Estatuto do CEC, do Projeto Educativo e do
Regimento interno.
Como as salas alugadas eram provisórias e os espaços não contemplavam o pensado,
a equipe não se preocupou a princípio, com o formato idealizado, pois, “Escola não significa,
por sua vez, um prédio, um espaço, um local, significa um projeto, uma idéia [...]”
(GADOTTI, 2006, p. 61). Acreditando nisso, a equipe preocupou-se em providenciar
atendimento às emergências requeridas: conhecer a realidade das pessoas (moradores, pais,
mães, alunos e profissionais da Escola) e do seu local de residência. Buscava-se com tais
informações elementos da realidade de vida dessas pessoas para a estruturação da Escola e
59
elaboração dos documentos sustentadores da proposta educativa, na perspectiva de atender
aos anseios da comunidade escolar.
Em Assembléia Geral o CEC é formado em caráter experimental por um período de
oito meses, ficando assim constituído: CE - composto por um presidente (professor), um vice-
presidente (um pai), tesoureiro (professor), um Secretário (um técnico) e dois suplentes (uma
mãe e um pai); CL - um coordenador (professor), um relator (professor) e dois suplentes (duas
mães); CJ - um coordenador (professor), um relator (professor) e dois suplentes (duas mães);
os demais funcionários, membros que transitam por todos os conselhos.
No que se refere às questões pedagógicas, a finalidade primeira do CEC é
proporcionar condições favoráveis aos sujeitos diretamente envolvidos no processo educativo
- educador e educando -, a experiência de construir o próprio saber, através de ações sócio-
educacionais de estreitamento das relações entre seus associados, prevendo a promoção e a
integração entre o poder público, comunidade, escola e família, na qual o CEC assume as
funções político-administrativas e pedagógicas. Por isso prevê o rodízio dos
conselheiros/educadores nas diferentes funções, para que todos tenham a oportunidade de
desenvolver outras habilidades e, ao mesmo tempo, contribua com o aprendizado do outro no
processo de mudança.
As ações iniciais da escola tinham um caráter experimental. A equipe se organizava
no dia-a-dia com programações curtas, o que requeria reuniões constantes, quase diárias, para
avaliação. As observações eram sistematizadas como propostas para elaboração da
documentação da escola e encaminhadas às pessoas responsáveis pela sistematização do
projeto, (equipe composta pelo Presidente do CEC, o Coordenador do CJ e o Relator do CL).
Os demais se ocupavam da organização da Secretaria da Escola junto ao oficial
administrativo. Essa distribuição não acontecia de forma rigorosa, havia os responsáveis para
aquela função, mas o trabalho era revezado entre todos e se finalizava em acordos coletivos
nas reuniões periódicas. Toda esta organização acontecia concomitantemente ao atendimento
às crianças em sala de aula.
Este trabalho era sustentado por discussões, reuniões de estudos e debates pela
comunidade escolar, como forma de compreender a realidade local e a intenção de fazer com
que os dados obtidos subsidiassem a construção do Projeto Educativo. Desde então, muitas
foram as formas buscadas pela equipe para que os resultados contassem com o máximo de
participação desta comunidade.
60
A prática assembleística tornou-se constante nesse iniciar dos trabalhos, com a
finalidade de expandir o espírito participativo. Pensava a equipe que as várias reuniões
deviam-se ao momento de constituição da Escola e que com o tempo seriam menos
intensivas
19
mas, na realidade, tornaram-se característica da “Gestão Co-operada”.
Nessa perspectiva, a comunidade escolar compõe esse cenário. Logo, requer que,
constantemente, esses profissionais revejam seus conceitos à luz de valores que propiciem o
trabalho coletivo. Abre-se nesse jeito próprio de organização, uma lacuna que deverá ser
preenchida com um novo conhecimento científico que conta do andamento desse processo
político/pedagógico. Neste contexto, seguindo a linha de pensamento de Gramsci, todos os
envolvidos devem se colocar na condição de aprendiz e mestre, simultaneamente, no campo
da participação política. E “[...] essas condições implicam ou exigem a presença de
educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos”
(FREIRE, 1996, p. 26).
A Escola Liberdade pauta-se numa pedagogia que propõe que o conhecimento surja
dessa convivência. Assim, o desafio de todos é aprender a construir juntos, uma vez que se
lançam a viver uma prática que busca valorizar as individualidades para possibilitar o
processo coletivo, ou seja, formar para a cidadania.
Para Gadotti (2006), existe quem não queira mais falar ou escrever sobre
cidadania, tamanha a vulgarização deste termo nos últimos anos. Segundo o autor, o termo
cidadania foi apropriado com sentido e significados muito diferentes. Porém neste estudo
torna-se fundamental abordá-lo, uma vez que falamos de formação de sujeito. Tomando como
base a interpretação de Rios, sujeito não se forma isoladamente, mas sim numa relação entre
sujeitos, o que implica o reconhecimento recíproco de si e do outro. Entende-se com isso que
cidadania exige uma outra conotação, que para a Escola Liberdade deve ser construída a partir
de uma vivência onde as pessoas é que dão significado às práticas. Esta proposta de educação
ampara-se em Paro, quando afirma:
A escola fundamental reveste-se, assim, de uma dupla responsabilidade social: por
um lado, é uma mediação indispensável para a cidadania, ao prover, de modo
sistemático e organizado, a educação que atualiza historicamente as novas gerações;
por outro, porque não pode dar conta de todo o saber produzido historicamente, ela
precisa fazer isso de modo seletivo, priorizando aquilo que é mais relevante para a
formação dos cidadãos. Tudo isso empresta uma extrema seriedade àquilo que a
escola se propõe a fazer e àquilo que ela de fato faz
(2001, p. 22)
.
19
Intensiva no sentido de se realizarem várias vezes, todos os dias, por mais simples que parecessem as questões,
eram sempre levadas para se discutir em reuniões. Ninguém tomava decisões isoladas.
61
Partindo dessa compreensão, Gadotti sugere ainda que devamos entender a educação
a partir de um contexto histórico e em se tratando de uma educação para a cidadania, entendê-
la como “[...] um movimento educacional concreto, acompanhado por uma particular corrente
de pensamento pedagógico.” (2006, p. 66) Por isso especificamente em uma realidade para
esta mesma realidade. E isso exige que educadores tenham um compromisso constante de
investigar em que bases se constroem as práticas pedagógicas e as demais relações sociais no
cotidiano escolar. Ou seja, criticar as práticas existentes e ousar criar outras novas que
induzam o educando à percepção de si mesmo para melhor compreender a realidade que o
cerca, e se sentir sujeito integrante nos processos sociais.
Nessa perspectiva de formação do sujeito participativo, a prática pedagógica revela-
se na relação crítica e solidária como sugere Freire (1996), porque o seu processo se sustenta
no diálogo e por isso proporciona a superação das desigualdades. O que não significa
abandonar o conhecimento de conteúdos organizados, mas sim, empreender o estudo dos
conteúdos como forma de promover um conhecimento que considere as relações recíprocas
entre cidadania, democracia e educação, com o intuito de proporcionar ao educando a
apropriação do saber e a capacidade de expandi-lo nas relações com outros seres nos diversos
espaços de convivência. Logo, “Toda atividade é política. Se o saber, o conhecimento é
importante e tarefa fundamental da educação escolar, ele o é na medida em que promove,
no educando, a sua capacidade de estabelecer novas relações com a realidade vivida.
(RODRIGUES, 1996, p. 34-35). Ou seja, cidadania se faz quando consciente daquilo que se
quer, o sujeito é capaz de exercer sua liberdade na busca de um bem viver, sem que, em nome
disso, ignore seus limites ou ultrapasse os limites na instância do outro. Ao contrário é
reconhecendo o sujeito em si que se pode torná-la eticamente efetiva. Passos traz uma
contribuição valiosa e reforça essa compreensão:
A educação é a atividade (correlata) coordenada pelos sujeitos sociais, que busca de
forma gradativa, gerar autonomia, para que nos primeiros anos de vida, aquele ser
inteiro, mas incompleto, conquiste de maneira máxima as suas próprias regulações.
As de-cisões sempre mais pessoais, delimitadas pelas tramas intersubjetivas, vão,
não apenas constituir o corpo de sua liberdade, mas traçar-lhe o caminho, os tipos de
valores, as balizas do agir, e por isso mesmo a direção e o sentido de sua vida. A
educação libertadora, neste contexto, é aquela que voltada a um tempo a
individualidade particular de cada ser humano, seu lugar no protagonismo da
história - seu referencial cultural, e a caminhada da comunidade na qual cada um se
radica, ubicado no seio de relações sociais violentas, - possa garantir o máximo de
expressão de liberdade para o ser humano, na confecção solitária/solidária dos seus
caminhos, revestidos de tempo e espaço
(2003, p. 338).
62
Essa corrente de pensamento dos autores vem explicar a perspectiva libertadora de
educação pretendida pelo Projeto Educativo da Escola Liberdade, que requeria uma nova
concepção de sujeito; uma mudança de paradigma que envolvesse a dimensão administrativa
e pedagógica da Escola, através da abertura de espaços para participação da comunidade
escolar e de uma pedagogia voltada para a formação de sujeitos críticos e capazes de refletir,
agir e interferir na construção de uma sociedade democrática e humana.
O passo seguinte requeria da equipe a competência para administrar o desejo dos
moradores expressos na pesquisa anterior, à projeção da Escola idealizada no espaço
oferecido pela realidade. Assim, algumas perguntas precisavam ser respondidas para sustentar
as práticas iniciais: Quais seriam os primeiros passos a dar em direção a uma prática educativa
democrática? Que valores deveriam ser tomados como referências na condução inicial dos
trabalhos e como seria vivenciar isso?
2.2.1 Concepção de democracia/liberdade/respeito na “Gestão Co-operada”
A Escola Liberdade foi pensada como uma cidade onde as pessoas, crianças e
adultos ao transitarem por ela, aprendessem, além do ensino sistematizado, a conviver
democraticamente, respeitando as contradições e as diferenças. Nesse sentido, para construir
na Escola relações de co-operação, no trabalho coletivo e no partilhamento do poder, era
preciso aprender a exercitar a pedagogia do diálogo, do respeito às diferenças, da liberdade de
expressão, e desta forma promover uma convivência democrática, “[...] visto que ninguém
nasce democrata ou com os requisitos culturais necessários para o exercício da democracia
[...]” (PARO 2001, p. 52).
Assim, entender gestão escolar democrática é garantir mecanismos e condições para
que espaços de participação, partilhamento e descentralização de poder ocorram, porque
segundo Bordenave (1994), a participação, apesar de ser uma necessidade básica, o homem
não nasce sabendo participar. No entanto, pode ser aprendida e aperfeiçoada no exercício da
prática e da reflexão. Assim, em cada época e a seu tempo a concepção de democracia deve
ser reconstruída, ampliada, discutida, praticada no interior das escolas, conforme define
Maturana:
A democracia é uma obra de arte político-cotidiana que exige atuar no saber que
ninguém é dono da verdade, e que o outro é tão legítimo como qualquer um. Além
disso, tal obra exige a reflexão e a aceitação do outro e, sobretudo, a audácia de
63
aceitar que as diferentes ideologias políticas devem operar como diferentes modos
de ver os espaços de convivência
(1998, p. 75).
Paro em algumas de suas pesquisas, constata que, apesar da percepção por parte de
quem busca dar uma nova configuração para os processos democráticos nas organizações
escolares, a prática, muitas vezes revela que ainda prevalecem os conceitos antigos, como por
exemplo, o direito ao voto. No caso das escolas, o direito em eleger um gestor, enquanto os
esforços deveriam se concentrar na concepção de democracia [...] pautada pela inclusão,
sendo não só acessível a todos, mas também proporcionando àqueles que dela participam uma
formação democrática.” (NAJJAR, 2000, p. 22).
Freire (2005) denuncia que tal comportamento constitui uma das formas de opressão
que o ser humano já internalizou, tornando-se opressor de si mesmo, ou hospedeiro do
opressor, impedindo uma visão mais ampla de seus direitos. Este é um pensamento que a
prática educativa na Escola Liberdade busca desinstalar, uma vez que no processo, o fazer
pedagógico, destina-se a oportunizar às pessoas, a liberdade de expressão, vez e voz e a
crença de que a realidade pode ser mudada.
Essa compreensão nos obriga a repensar a função social da escola como algo que se
mistura com o próprio acontecer da história e assim sendo, a questão democrática ao falarmos
de escola, deve ser tratada num outro entendimento:
[...] como um princípio que sentido à própria idéia de escola; como um meio de
organizar o sistema escolar, para possibilitar o alargamento dos processos de
emancipação humana, e; como um fim não concebido como algo estático, a ser
alcançado, mas como algo dinâmico, a ser almejado e perseguido por essa
instituição (NAJJAR, 2000, p. 22).
O que, segundo Freire, só é possível, sustentado no sentimento utópico, que para ele,
“[...] não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e
anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante. Por esta razão a utopia é também um
compromisso histórico.” (2005, p. 32).
Entender democracia nesse sentido é entendê-la sempre em movimento concreto de
práticas e atitudes humanas, onde o passo seguinte nunca é a anulação do atual, mas sempre a
sua superação. Da mesma forma a gestão democrática na forma de lei, que foi sem dúvida um
ganho conquistado pelo povo, faz-se necessário reconhecer que, “[...] a promoção de
mudanças se constitui no processo de mediação entre a realidade que temos e a realidade que
queremos” (BORDIGNON & GRACINDO, 2006, p. 161), portanto, não basta ter esses
64
direitos assegurados na existência da lei, é preciso que esta provoque o desejo de busca para
novas possibilidades, o que significa movimento e processo, porque:
As mudanças, rigorosamente, não dependem de boas intenções ou de uma definição
em papel, em lei, mas de um esforço sincronizado de todos que se acham
implicados. Elas requerem ajustes, acompanhamento, preparação, formação,
treinamento, continuidade, persistência, convencimento, mobilização política. Sem
tais condições, qualquer processo inovador ou reformulador vai-se esgotando
(TORRES, 2000 p.45).
Portanto,
Devemos resgatar as utopias, os objetivos pelos quais vale a pena dedicar nossas
vidas, nossos esforços cotidianos. Esses esforços devem estar necessariamente,
calçados em uma análise acurada do presente, mas não devem nunca deixar de mirar
o futuro. Perseguindo utopias, construímos caminhos para um mundo diferente do
presente, para uma sociedade inclusiva e solidária (TORRES 2000, p. 23).
Assim, o conhecimento crítico sustenta a aceitação dos conflitos e fortalece o
entendimento e a ação do sujeito frente aos desafios de conviver com as diferenças e fazer
disso a construção da igualdade, o que Linhares caracteriza como experiências instituintes,
porque não se estabiliza é movimento constante. Nesse mesmo sentido arrisco dizer que
entender gestão escolar como democrática é entendê-la como processo. E enquanto processo,
nunca está instituída, mas sim se instituindo. Ou seja, viver a gestão democrática não significa
buscar perfeições, mas, construí-la na perspectiva de uma outra cultura, política, social,
educacional que prime pelo reconhecimento da alteridade. (Linhares 2007).
Diante desta breve exposição sobre democracia e participação interpretada pelos
autores apresentados, a intenção foi procurar contextualizar os princípios que levaram os
educadores da Escola Liberdade a se organizarem, para atender a comunidade escolar. A
preocupação com a prática da democracia, liberdade e respeito à comunidade, foi pensada em
três dimensões:
A primeira dimensão é a organização na forma de Conselho - visando à participação
dos diversos segmentos, buscando instaurar um ambiente agradável e fraterno no interior da
escola, ligada ao interesse em superar a falta de respeito humano que cada vez mais se verifica
na cultura escolar vigente, presente não nas relações entre escola e comunidade externa
como também entre os profissionais nela existentes. Esta passou a ser a preocupação
primordial entre os profissionais da escola: combater a cultura dominante e instaurar uma
cultura de respeito mútuo nas relações, com responsabilidades co-operadas visando à
ascensão do espírito coletivo. Daí a composição do CEC entre os diversos segmentos da
comunidade, ficando assim constituído:
65
CE Presidente: uma professora; Vice-presidente: um pai; Tesoureiro: uma
professora; Secretário: o oficial administrativo; Suplentes: duas mães;
CL – Coordenador: uma professora; Relator: uma professora; Suplentes: duas mães;
CJ Coordenador: um professor; Relator: uma professora; Suplentes: um pai e uma
mãe. Os demais profissionais mesmo não tendo uma função definida no CEC são conselheiros
com as mesmas responsabilidades e poder de ação. A definição da organização não
significava maior ou menor poder apenas uma estrutura formal.
A segunda dimensão é o cuidado para com a formação do educando - os princípios
da cidadania devem estar presentes em todas as ações e decisões da escola, a começar pela
escolha dos profissionais, em que o primeiro requisito observado pela equipe é o da
responsabilidade, o de compromisso com o trabalho e gostar de criança. Isso porque, na falta
do profissional responsável pela sala de aula, não se admite um substituto externo que não
conheça o projeto e a metodologia dos trabalhos requeridos por ele, mas também não dispensa
o educando. À equipe cabe se re-organizar de forma em que todos possam ter aula
normalmente
20
.
A terceira dimensão é o atendimento à comunidade externa - a dedicação deve estar
presente nas diversas maneiras por ela solicitada. Assim foram traçados os seguintes
princípios:
1. A escola deve estar sempre aberta para atender a quem a procura, seja para discutir
sobre o desempenho dos seus filhos ou apenas para informações rotineiras;
2. Buscar diferentes horários e formas para a organização de eventos considerando
que a comunidade, na sua grande maioria, tem ocupações e trabalhos sem horários fixos e
poucas são as mães que se dedicam exclusivamente aos trabalhos do próprio lar. A essas
poucas, dar a oportunidade constante para comparecem sempre à escola buscando conhecer
suas habilidades e procurar formas que as evolva no dia a dia da escola como em eventos e
atividades internas, mesmo que sejam simples ou rotineiros;
3. Promover nas reuniões formais, como as reuniões mensais do CEC, assembléias,
aulas inaugurais, avaliação de ações desenvolvidas pela escola, palestras e atividades para
20
Neste caso, utiliza-se de três alternativas: - assume a sala de aula o professor que estiver em planejamento;
- os educandos são distribuídos nas demais turmas; - um técnico assume a sala de aula, sem
necessariamente desenvolver atividades específicas de aprendizagem da leitura e da escrita, mas com
atividades recreativas, ou artesanais;
66
apresentar as intenções educativas da escola e colher suas opiniões e se sentirem sujeitos co-
responsáveis nas realizações.
“A experiência da Escola ‘Liberdade’, desde o início, trouxe ares renovados de
esperanças, de sonhos e, sem dúvida, de utopia que estão presentes em todos nós” (SANTOS,
2006, p. 109). A esperança de cada um se materializou na vontade, no desejo, que os colocou
em movimento de busca da realização concreta de uma prática ainda não vivida.
Este processo não deriva de um movimento de natureza, espontâneo, que cercaria
qualquer pedagogia, mas implica um investimento intencional em dotar uma pedagogia que se
define historicamente por esta qualidade, voltada à libertação (no sentido freireano) e a
relações pedagógicas diferenciadas daquelas estabelecidas. Em outras palavras elas
pressupõem o respeito à autonomia e a progressiva libertação do sujeito em todo e qualquer
estágio do processo que culmina com a luta permanente contra todas as opressões.
Conforme afirma Linhares (2007), o emancipatório pressupõe uma qualidade em
devir, e não o alcance final de um estágio em que as contradições históricas ganham um
estado paradisíaco trata-se de uma luta permanente. Assim, a emancipação não é uma
qualidade adquirida, uma mercadoria, um estágio final, uma coisa que represente uma
aquisição para sempre, ela é um movimento de decisão e liberdade, aberto e voltado para um
futuro construído no presente, via prática educativa.
Porém, o fazer da prática emancipatória demonstra que se trata de uma tarefa nova,
portanto permeada de inseguranças que não se constitui como algo fácil. Pelo contrário,
constitui-se em uma tarefa complexa, pois envolvem desejos, sonhos e subjetividades,
expressos na fala dos pais dos educadores e dos educandos inseridos no processo educativo,
como aparecerão no decorrer desse trabalho.
A construção do Projeto Educativo
21
da Escola Liberdade nasceu da manifestação de
sonhos, desejos e utopias pessoais e coletivas dos atores sociais que por passaram e
deixaram suas marcas de vida; mas principalmente daqueles que ainda permanecem e
acreditam que mesmo renunciando em algum momento, a parte desses sonhos, preferem
permanecer na linha de risco a desistir diante dos obstáculos. Assim se refere Freire
21
Vale esclarecer que, a referência ao Projeto Educativo da Escola Liberdade significa que o texto está se
referindo ao projeto de escola como um todo na idealização e organização. Não se trata, portanto de um
Projeto Político Pedagógico, documento elaborado como um documento da unidade escolar. Este também faz
parte das discussões deste trabalho, mas refere-se a um outro momento de vivência da Escola.
67
[...] o que não é, porém, possível é sequer pensar em trans-formar o mundo sem
sonho, sem utopia e sem projeto [...] os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua
realização não, não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário,
avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta. Na verdade a
transformação do mundo a que o sonho aspira é um ato político e seria uma
ingenuidade não re-conhecer que os sonhos têm seus contra-sonhos [...]
(2000, p.
26):
Até aqui foi apresentado o processo de construção coletiva de uma proposta de
escola diferenciada, que foi do sonho aos primeiros passos que deram consistência à
elaboração do Projeto Político Pedagógico, com bases na realidade vivenciada, conforme está
apresentado no próximo capítulo.
68
3 ESCOLA LIBERDADE: VIVÊNCIA E CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO
[...[ Na Escola Liberdade os funcionários
22
ouvem a gente e
também ensinam.
[...] Não tem diretor. [...] Todo mundo é diretor.
[...] Todos mandam e organizam.
[...] A gente é livre para dar opinião
[...] O aluno pode ensinar
[...] A gente sente um pouco dono da escola.
[...] Os professores conversam e não castigam
[...]. A gente decide na Assembléia [...].
Educandos
“A escola, pelas características que lhe são próprias, constitui-se em um espaço por
excelência do exercício da democracia como valor e processo.” (PENIN & VIEIRA, 2002, p.
32), porque é na escola que o estudante, desde a mais tenra idade, inicia sua socialização,
passando a conviver com o outro e consigo mesmo num outro espaço, mais amplo e diverso.
Nessa diversidade relacional, exerce cotidianamente normas de convivência que lhe permitem
estabelecer relações individuais e coletivas com os demais sujeitos. O que se extrai dessas
relações é que determina o tipo de cidadão que se forma para atuar numa sociedade. Assim
julgando, a função da escola é trabalhar a construção do conhecimento, deve também produzir
um efeito de transformação nas pessoas de modo que passem a compreender melhor o mundo
em que vive. “Mas, igualmente importante é a maneira como se vai realizar este ensino. O
modo como o ensino é trabalhado. E quando falamos de modo estamos nos referindo à
metodologia de trabalho da escola.” (RODRIGUES, 1996, p. 77).
A Escola Liberdade propõe em seu PPP que regras e normas de convivência devam
ser vivenciadas, observadas e retratadas como valores sociais criados pelo próprio sujeito no
seu processo de construção do conhecimento. Ou seja, o compromisso daquele que instrui está
igualmente ligado ao compromisso de formar a si e ao outro como cidadão. Portanto, sua
metodologia se fundamenta a partir da vivência do educando e se alarga na relação dialógica.
Neste capítulo trago para análise a experiência vivida pela comunidade escolar que,
no exercício de construção do Projeto Educativo, procura respeitar o tempo de aprendizado de
educadores e educandos no processo, mas também cumprir o tempo de elaboração formal do
PPP como documento legal da Escola exigido pela SME. Este tempo de construção reside
22
Tratamento dado pelos educandos àqueles que não são professores: os técnicos.
69
num inter-tempo entre o primeiro e o segundo, na tentativa de estabelecer um equilíbrio de
sustentação às bases do Projeto, fundadas no primeiro tempo (de aprendizagem dos sujeitos),
e a obrigatoriedade formal do segundo tempo (sistematização do PPP).
A Tutoria aparece neste contexto como sustentação das relações e integração entre os
membros da comunidade escolar e em especial entre educadores e educandos. As análises são
feitas à luz de autores que compõem uma literatura organizada por Ricardo Argüis (2002) em
que apresenta uma série de textos selecionados, ilustrando o modo como algumas escolas da
Espanha, vivem a experiência de Tutoria em todas as modalidades da Educação Básica:
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Gramsci, Paulo Freire, Rancière e
Freinet se apresentam como autores de base para tratar sobre formação político-pedagógica.
Outros autores aparecem nas discussões complementares.
Para se ter uma compreensão das diversas formas de Tutoria aqui analisadas, a
metodologia utilizada foi, ao fazer o estudo teórico, relatar algumas atividades desenvolvidas
e os resultados conseguidos, no desempenho cognitivo, afetivo e social dos educadores e
educandos, da Escola Liberdade.
Na seqüência, direciono as análises à avaliação da “Gestão Co-operada”. Como a
equipe se organiza no cotidiano da Escola, entre atividades e práticas de ensino e as atividades
e práticas organizativas estruturais; os entraves e os avanços diante dos desafios internos e
externos requeridos pelo trabalho diferenciado.
3.1 Ação Tutorial: vivência e formação cidadã
A Escola Liberdade na sua projeção idealizada traduz uma intenção educativa dentro
dos princípios democráticos para a formação do cidadão que não se contenta apenas com a
liberdade de ter direitos de participar na escolha dos seus representantes ou dirigentes de
escolas; não de poder ter o direito de aceitar ou não as criações, mas também de poder
criar. Tais princípios fundamentados nas relações humanas, na prática pedagógica que re-
signifique valores sociais de convivência são tidos como linhas gerais de condução dos
trabalhos. Dessa forma, a Escola não contou com um currículo pré-formatado constando
conteúdos programados para o ensino, que correspondesse ao histórico escolar de cada
estudante, como acontece normalmente nas escolas, e que, através desse instrumento, prepara-
se a formação do educando. Como na Escola Liberdade a proposta era construí-lo através da
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prática e do exercício da cidadania, o primeiro passo foi acolher as crianças e iniciar um
trabalho mais de escuta do que de realização de atividades. Era preciso conhecê-los primeiro,
como pessoas, para em seguida conhecê-los como estudantes e sim encaminhar as tarefas
escolares.
Essa compreensão levou a equipe a agrupar as crianças de acordo com faixa etária,
com o objetivo de facilitar e acelerar o processo de conhecimento entre educadores e
educandos. Ao primeiro contato mais próximo, os educadores perceberam que estavam diante
de crianças que expressavam em seu ser, em seu corpo, nos gestos e no histórico apresentado
pelas escolas da região, sinais de explícita e cruel exclusão e marginalização. As crianças que
ali estavam não pertenciam apenas à comunidade do bairro Jardim Liberdade, eram uma
seleção de crianças moradoras da região e que, segundo informações dos professores das
escolas de onde vinham eram consideradas extremamente agressivas, e com um alto grau de
dificuldade na aprendizagem.
Diante dessa realidade percebida pelos educadores da Escola Liberdade, após várias
reuniões de estudos e reflexões, a equipe chegou à conclusão de que não bastava querer
ensinar o melhor, era preciso saber associar esse desejo ao desejo dos pais e das crianças. Por
isso, outros olhares deveriam ser direcionados para orientar as buscas norteadoras dos
trabalhos de ensino e aprendizagem. “Era preciso ensinar o que os próprios educadores
ignoravam” (RANCIÈRE 2005). Ou seja, sair dos limites impostos pelo domínio do
conhecimento até então adquirido, e tentar criar outras formas que os ajudassem não a
entender a realidade, como também a agir sobre ela. Para tanto era preciso conhecer, e bem,
toda a comunidade externa.
O desejo de conhecer o outro é uma das primeiras expressões naturais do ser humano
quando se interessa por esse outro. “Somos movidos pelo desejo de crescer, de aprender, e
nós, educadores, também de ensinar.” (FREIRE, 1992 p. 11). Esse sentimento justificou a
busca de um trabalho complementar: a Tutoria. Mas o que é Tutoria? Por que e para que
Tutoria na prática educativa? E como seria desenvolvida?
Arnaiz, autor que descreve a fundamentação de Tutoria cita como referência de suas
interpretações vários autores que fazem a seguinte definição de Tutoria e tutor:
diversas definições para “tutoria” e “tutor”. O dicionário de língua define o tutor
como um conselheiro ou guia de outro a quem serve de apoio. A. Lázaro e J. Asensi
reúnem diferentes definições: “É um professor (...) que se encarrega de atender
diversos aspectos que não são suficientemente tratados nas aulas” (Artigot). “Tutor é
o professor, o educador integral de um grupo de alunos” (Benavent). “Pessoa que
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aconselha em tudo o que se refere à educação” (Schamalfus). “A Tutoria é uma
atividade inerente à função do professor, que se realiza individual e coletivamente
cm os alunos de uma sala de aula, a fim de facilitar a integração pessoal nos
processos de aprendizagem” (Lázaro e Asensi). A tutoria é a ação de ajuda ou
orientação ao aluno que o professor pode realizar além de sua própria ação docente e
paralelamente a ela” (S. Sánchez). (ARNAIZ, 2002, p. 15 - 16).
Rodriguez (2002) faz uma analogia à Tutoria, como sendo uma articulação escolar
que exercita diferentes maneiras para ensinar e aprender, com a finalidade de formar
democraticamente pessoas (criança, jovem e adulto) para atuar e decidir em liberdade sobre o
modelo social e político que melhor lhes convier. Afirma o autor:
Viver em democracia significa ter e exercer esses direitos, assim como cumprir
responsavelmente e em liberdade as obrigações individuais e de grupo. Atuar
democraticamente, respeitar e ser respeitado, argumentar, tomar a palavra, atuar
assertivamente, reclamar o que é justo, cumprir as obrigações... tudo isso se aprende
e, visto que se aprende, tem de se ensinar. [...] é lógico que na escola articulem-se
mecanismos e estruturas que tornem isso possível. (2002, p. 11).
Nessa interpretação o autor conceitua de maneira ampla, a Tutoria como ações
escolares que trazem na sua base a intenção do exercício democrático. E, enquanto intenção
democrática contribui para a formação do sujeito, independente da idade ou faixa etária.
Para Maldonado, que apoiava a equipe com estudos e reflexões concernentes ao
trabalho em desenvolvimento, a Tutoria funcionaria como apoio moral e intelectual à
comunidade escolar, como forma de estabelecer relações com base na confiança e no respeito
mútuo, sempre visando a liberdade de expressão e a participação. Conforme explicação a
seguir:
A Tutoria é a única forma possível para avançar no processo educativo visando à
formação democrática, visto que, nesta relação, ambos (educadores e educandos)
são colocados no mesmo patamar de igualdade, onde o grau de importância, tanto
de quem aprende quanto de quem ensina se equivale, podendo vislumbrar uma
formação mútua de educadores e educandos. O educando aprende com sua própria
história de vida, e o educador vai descobrindo novas formas de ensinar; e, juntos
fazem desse processo, uma educação, diferenciada, na perspectiva de que, ensinar e
aprender nasçam do resultado dessa convivência, onde todos se empenhariam na
construção de princípios e regras, para o
funcionamento coletivo das ações de
trabalho da escola (Reunião de estudos: 2002).
Este pensamento de Maldonado encontra ressonância em Gramsci (2004), quando
dizia em seus cadernos de cárcere privado que a educação de fato se realizaria quando a
relação entre mestre e aluno fosse “[...] uma relação ativa de recíproco intercâmbio, onde todo
mestre é sempre aluno e todo aluno é mestre”, e em Freire, ao afirmar que “não docência
sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não
se reduzem à condição de objeto um do outro” (1996, p. 23).
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Para os educadores da Escola Liberdade, a Tutoria naquele momento visava o
estreitamento das relações entre criança/criança, educador/criança, Escola e família, e tinha
como finalidade a sustentação da prática pedagógica. Era, portanto, uma atitude que cada
educador assumiria tanto para conhecer quanto para deixar-se conhecer. Nesse caso, a Tutoria
estava relacionada a práticas direcionadas a este fim. Porém ao envolver todos os
profissionais, professores e técnicos, como possibilidade de concretização do Projeto
Educativo, se caracterizou em uma Ação Tutorial, conforme explica os autores.
Para Arnaiz, Tutoria e Ação Tutorial, “são dois conceitos complementares que
significam o conjunto das atuações de orientação pessoal, acadêmica e profissional formulado
pelos professores com a colaboração dos alunos e da própria instituição.” (2002, p. 16).
Para Notó “A ação tutorial comporta uma atenção individual e pessoal a cada aluno;
portanto, se essa ação se faz com todos os alunos de acordo com as características pessoais de
cada um deles, estamos atendendo a diversidade.” (2002, p.37).
Tomando como base os autores, as análises de Maldonado e a interpretação dos
educadores da Escola Liberdade, a Tutoria entendida como uma ação complementar à prática
pedagógica, pode ter uma finalidade específica, individual e se realizar por afinidades entre
tutor e tutorando; ou grupalque pode ocorrer em duas circunstâncias: quando os tutorandos
não são do mesmo grupo ou turma, e o tutor os reúne para desenvolver coletivamente,
atividades específicas da tutoria; e, quando os tutorandos são do mesmo grupo ou turma e o
tutor pode ou não desenvolver atividades direcionadas ao trabalho de Tutoria, mas destinará
sempre um olhar específico às suas atitudes sem necessariamente escolher um dia ou horário
designados a tal finalidade. Neste caso, a responsabilidade do tutor não cessa e avalia
constantemente seus tutorandos.
Lembrando que, se o termo Ação Tutorial é utilizado pelos autores para explicar uma
decisão que parte da escola e é exercida de forma compartilhada por todos os professores, no
processo de aprendizagem, objetivando promover a adaptação dos alunos à diversidade das
necessidades educativas, no caso da Escola Liberdade, a abrangência tutorial foi ainda maior,
pois passou a ser de responsabilidade não só dos professores como também dos técnicos.
Retomando o relato histórico, vale lembrar que na ocasião o estudo feito em função
de como seria desenvolvida a prática da Tutoria, foi um exercício dos educadores na tentativa
de tirar o máximo de si mesmos, uma compreensão que desse conta de administrar as
dificuldades apresentadas pelos educandos e os ajudasse a agir sobre a realidade com
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competência. Na prática, não houve uma intenção de busca a uma relação teórica para
embasamento e direção da mesma, o esforço era interpretar a realidade posta preocupando-se
única e exclusivamente em entender as pessoas, crianças e adultos. depois se buscaria uma
teoria para explicar cientificamente o vivido.
Nessa perspectiva, o tema pedagógico discutido e planejado pela equipe orientava a
todos os educadores e se ampliava à medida que avançavam no estágio da prática, seguindo
esta ordem:
1. Quem é esta criança?
2. Com quem vive?
3. Qual a sua história de vida?
Para seguirem esta seqüência, em sala de aula, as atividades abordavam temas que
suscitavam a criança à busca do conhecimento de si mesma, como: quem sou eu? Com esta
pergunta, trabalhava-se a história do nome. Para fazer o relato a criança buscava informações
com os pais (primeiro diálogo); e na Escola, ao expor sua história às outras crianças e ao
educador (segundo diálogo), provocava a curiosidade de todos e o diálogo se expandia no
coletivo, o que possibilitava aos educadores perceberem o nível de aprendizagem de cada um,
bem como suas dificuldades afetivas e sociais.
Alguns problemas ocorriam durante o processo: nem todas as crianças conseguiam
conversar com seus pais e trazer as informações. Na Escola, o diálogo era quase impossível.
As crianças não se sentiam à vontade, reagindo de duas maneiras: silenciando, como se não
acreditassem em nada do que falavam os educadores, rejeitando qualquer aproximação ou
atitude afetiva (essa reação mais forte na faixa etária de 7 a 9 anos); ou com atitudes irônicas,
agressivas, até desrespeitosas, com colegas e educadores (mais acentuada na faixa etária de 10
a 12 anos). As relações se faziam mais tranqüilamente, no sentido de troca, de convivência,
com as crianças da faixa etária de 6 a 7 anos. Talvez pelo fato de estarem praticamente na fase
inicial de estudante. Por isso, toda a abordagem dessa didática era aplicada num ambiente de
jogos e brincadeiras, com o objetivo de observar e colher as informações necessárias ao
estudo decorrente dessa prática. As atividades pedagógicas seguiam uma organização que
partia das observações dos educadores sobre os educandos no cotidiano da Escola, e as ações
partiam sempre de uma realidade que requeria uma importância maior do conhecimento de si
e do outro. “Nesta prática, todo educador passa a ser educador-pesquisador”
(MALDONADO, 2002 pronunciamento em reunião de trabalho).
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Observar foi a maneira que possibilitou aos educadores desenvolverem a escuta, e o
olhar mais apurado sobre os pontos relevantes nas relações, necessários para iniciar o
processo do ensinar e do aprender de forma democrática, conforme afirma Freire:
Observar, olhar o outro e a si próprio, significa estar atento, buscando o significado
do desejo, acompanhar o ritmo do outro buscando sintonia com este. A observação
faz parte da aprendizagem do olhar, que é uma ação altamente movimentada e
reflexiva
(1992, p.11)
Analisando pelo ponto de vista da autora, quando a observação desse nível acontece,
deve imediatamente ser seguida de ações pedagógicas que correspondam a interferências
ativas de ensino. Esta foi a atitude dos educadores diante do primeiro diagnóstico tutorial: em
reuniões de estudos, expunham suas observações e a quais conclusões haviam chegado.
Traziam como destaque o que se apresentava como digno de uma atenção especial, para em
seguida decidirem o que seria enfocado para outras ações. Tais observações levaram os
educadores a realizar dentro da Ação Tutorial, um trabalho mais próximo, individual. Dedicar
um momento exclusivo para dialogar com a criança e conquistar sua confiança.
A partir daqui apresento um estudo das diferentes formas de Tutoria que vão se
modificando à medida que os educadores percebem que as circunstâncias exigem uma outra
prática. Apresento ainda as ações organizadas de acordo com as necessidades requeridas pelas
práticas tutoriais acompanhadas das análises desta pesquisa.
3.1.1 Tutoria Individual (TI)
Para o exercício da TI, cada educador deveria de antemão saber quem seriam seus
tutorandos. O critério adotado foi o sorteio das crianças, dividindo em partes iguais o número
de crianças por educador, para evitar escolhas, preferências, que naquele momento
impediriam o sucesso do trabalho, uma vez que, estava também em teste o olhar do educador
sobre a necessidade da criança, independente de quem fosse e do grau de dificuldade
apresentado por ela.
O atendimento aos educandos foi organizado de acordo com a disponibilidade dos
educadores. Os professores se organizaram de forma que, pelo menos uma vez na semana, em
períodos alternados (matutino/vespertino) fariam o atendimento aos tutorandos; os técnicos se
organizaram da mesma forma alternando as atividades. Seguiram o seguinte procedimento:
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Cada tutor conversava com seu tutorando seguindo um roteiro previamente
elaborado; a conversa era gravada, pelo tutor, mediante a aprovação do tutorando; em
seguida, estudada e refletida pelo tutor, socializada em reuniões de estudos, o que direcionava
as ações de prática de ensino e de integração. A primeira delas foi conversar com os pais e
responsáveis para juntos pensarem uma educação para que todos aprendessem com a troca de
experiências. Esta ação, como esperado, deu início a um contato mais próximo com a
comunidade, o que revelou certa ansiedade dos pais em acelerar o aprendizado das crianças
com idade acima de dez anos.
Ao término de dois meses de trabalho, já conhecendo a realidade das crianças no que
dizia respeito a vivências, relações, aprendizado, e, atendendo às expectativas dos pais, os
educadores com a intenção de superar a defasagem da aprendizagem em relação à idade,
decidiram o agrupamento dos educandos, não só por idade, como também por níveis de
aprendizado mais próximos uns dos outros. Assim, foram formados cinco níveis diferentes de
enturmações:
Nível I – Crianças de 6 e 7 anos de idade, 1º e 2º ano de escola.
Nível II – Crianças de 7 e 6 anos de idade 2º ano de escola. (A inversão da ordem das
idades significa que este vel era fundamentalmente formado pelos educandos de sete anos.
Da mesma forma, nos itens seguintes, o primeiro número apresentado significa o predomínio
do número de educandos naquele nível).
Nível III – Crianças com 10, 9 e 8 anos de idade e ano de escola com bloqueios
de aprendizagem.
Nível IV – Crianças com 8, 9 e 10 anos de idade, e 3º ano de escola, pré-
alfabetizadas, porém, mais presas ainda à fase silábica.
Nível V Crianças com 9 e 10 anos acima, alfabetizadas com o mínimo de
compreensão de leitura e escrita, num estágio silábico-alfabético. Um pouco mais avançados
que o grupo anterior.
Adotando essa organização, os educadores verificaram um fenômeno bem
significativo: a baixa manifestação de conhecimentos, competência e habilidades, tomando-se
como referência, a idade avançada, e a etapa/ciclo ou série constantes do registro escolar de
origem. Não havia um educando sequer, exceto os que ingressaram naquele ano, que tivesse
correspondência entre o nível de idade e etapa de ciclos constantes em seus registros de
histórico escolar, ao aprendizado demonstrado. Isso apresentou à equipe, o primeiro desafio,
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buscar uma resposta para os bloqueios evidenciados na clara manifestação de desinteresse
pela sala de aula. Matou-se na criança o elemento fantasioso, a curiosidade, o encantamento
pela escola, fatores indispensáveis para uma relação prazerosa, o que seria significativo para
suas vidas. E ainda mais, o bloqueio não parou apenas na decepção pela não aquisição de
conhecimento da leitura e da escrita e da matemática, mas atingindo negativamente a
construção do autoconceito. Outra constatação dizia respeito à desinformação dos pais acerca
da real situação escolar dos seus filhos.
Diante de tantas informações dolorosas constatou-se aí um alto índice de violência de
desrespeito ao ser humano, provocados pelo silêncio de quem nega a quem precise a palavra
verdadeira. Essa realidade levou a equipe a se re-organizar pedagogicamente em função das
necessidades emergenciais das crianças. Resgatar o prazer de ser, trazer de volta a esperança
de uma vida feliz para se sentirem confiantes e deixar aflorar a capacidade de aprender.
Freire, em situação similar, faz a seguinte declaração:
Pensávamos uma alfabetização que fosse ao mesmo tempo um ato de criação, capaz
de gerar outros atos criadores; uma alfabetização na qual o homem, que não é
passivo nem objeto, desenvolvesse a atividade e a vivacidade da invenção e da
reinvenção, características dos estados de procura
(2005, p.47).
Nesse sentido a observação de Freinet, serve de alerta: “Se o aluno não tem sede de
conhecimentos, nem qualquer apetite pelo trabalho que você lhe apresenta, também será
trabalho perdido ‘enfiar-lhe’ nos ouvidos as demonstrações mais eloqüentes. Seria como falar
com um surdo.” (2004, p. 19).
Dentre as várias atividades direcionadas a este fim (o resgate da motivação), as que
se destacaram entre as crianças foram: o jogo de bolitas e a confecção de pipas. Buscava-se
com estas práticas, embora adaptando-as ao momento e respeitando tanto a diversidade da
faixa etária dos educandos quanto o nível de aprendizado, resgatar o prazer de brincar que
fora abafado nas fases iniciais da escolaridade.
Das brincadeiras, extraiam-se os conteúdos das disciplinas de todas as áreas do
conhecimento, inclusive dos temas transversais ao estabelecerem conjuntamente, valores de
convivência na elaboração das regras de construção e execução dos jogos. A leitura e a escrita
estava presente no ato de elaboração das regras e normas; o raciocínio lógico se desenvolvia
na prática e na elaboração dos problemas surgidos antes, durante e depois dos jogos da
seguinte forma: Em sala de aula discutia-se o tipo de jogo preferido pelos educandos; os
educadores (um professor e um técnico) mediavam as discussões ao estabelecerem as regras
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do jogo. Em seguida, saíam às ruas do entorno da Escola para a realização do jogo, mediante
o acordo de voltarem para a sala de aula ao primeiro conflito gerado pelo não cumprimento
das regras, para rediscutirem as regras de comportamento. Assim, todas as ações, se tornaram
temas para as atividades em sala de aula, como também para os estudos e reflexões da equipe.
Para dar prosseguimento ao processo conforme o planejado, o próximo passo seria conhecer
os familiares e o espaço de vivência dos educandos.
3.1.2 Conhecendo o Bairro
Realizada a primeira parte da Tutoria, foi possível conhecer um pouco mais sobre a
criança e sua realidade escolar, a equipe planejou ações para dar continuidade à segunda fase,
no segundo semestre do ano de 2002, buscando responder à segunda questão que a equipe
havia colocado por ocasião do diagnóstico: Onde e com quem vivem as crianças?
Dando continuidade à realização dos objetivos da Tutoria, procurou-se fortalecer as
relações familiares por meio da aproximação e da participação. Para tanto o valor social em
evidência e que deu respaldo ao sustento das atividades foi a solidariedade, no intento de
elevar a auto-estima e estreitar as relações de afetividade entre os membros da comunidade
escolar. Após uma semana de estudos, a equipe se reuniu em assembléia com a comunidade
externa, para apresentar o planejamento das ações e receber ou não o consentimento. Uma vez
aprovadas, iniciaram-se os trabalhos.
Em dias alternados, durante uma hora e trinta minutos, três ou quatro educadores,
com um grupo de crianças, visitavam duas casas de família por período. Ao retornarem à
escola, relatava-se a experiência de forma escrita ou oral, seguindo um roteiro temático: O
que vi? O que ouvi? O que senti? Dava-se às crianças, a liberdade total para fazer as
exposições: orais, registros que podiam ser feitos utilizando desenho, escrita, colagens, ou até
com representações teatrais.
Os relatos eram anotados pelas crianças e educadores e expostos na sala para servir
de referência no processo de aprendizagem. No momento, dos relatos, expressões como:
alegria, tristeza, carinho, amor, raiva, ódio, felicidade, carisma, amizade, eram observados
pelos educadores e discutidos com as crianças. Observava-se também o surgimento do
interesse em escrever sobre a experiência, o que resultou embora de forma aparentemente
lenta, na construção da aprendizagem. Contam os educadores que este foi um momento
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difícil, pois requeria um despreendimento de práticas costumeiras porém tornara-se
prazeroso, a cada descoberta de uma nova prática, crescia-se um pouco mais” (Professora
Marilei maio de 2006).
Apesar das dificuldades marcadas pelo desafio do começo, de conviver, aceitar ou
mesmo questionar a sua opinião e a do outro, a experiência provocou fundamentalmente
mudanças pessoais e profissionais, é o que diz esse depoimento da professora Eunice:
Foi difícil no primeiro ano. Quando nós pensamos a Escola Liberdade, a idéia era
iniciar com as crianças de 6 anos de idade e durante seis anos desenvolver um
trabalho que garantisse na sua saída da Escola um histórico com toda sua
experiência de aprendizado adquirida. Ao deparar com uma outra realidade, com
crianças trazendo um histórico escolar e que s deveríamos dar prosseguimento a
esse histórico e com qualidade, pensamos que o projeto idealizado jamais seria
realizado. Mas as crianças estavam ali a nossa espera, e a gente tinha que fazer
algo. Hoje eu vejo que se tivéssemos iniciado como pensamos, será que teríamos
aprendido tanto? (maio, 2007).
Rancière, descreve assim essa compreensão:
Quem busca sempre encontra. Não encontra necessariamente aquilo que busca,
menos ainda o que é preciso encontrar. Mas encontra alguma coisa, a relacionar à
coisa que já conhece. O essencial é essa contínua vigilância, essa tensão que jamais
se relaxa sem que venha a se instalar a desrazão em que excelem tanto aquele que
sabe quanto o ignorante. O mestre é aquele que mantém o que busca em seu
caminho, onde está sozinho a procurar e o faz incessantemente
(2005, p. 57).
A visita às casas das crianças foi um trabalho de muita emoção. Durante o tempo em
que se permanecia nas casas, conversando com os familiares, às vezes era motivo de alegria,
de boas risadas, mas muitas vezes era preciso conter as grimas diante da visível
demonstração de medo das crianças e dos moradores. Em algumas casas a visita era do
lado de fora e a própria criança convidava os educadores a saírem. Outros se emocionavam e
ao retornarem à Escola, no momento dos relatos dizendo: senti saudades da minha mãe”,
“senti saudades do meu pai”, “tive medo do vizinho ficar bravo com o barulho dos guris e
sair atirando”. A sala toda ficava em silêncio. Essa foi a primeira demonstração de
solidariedade e afeto pelo outro.
3.1.3 A Tutoria em Grupo (TeG)
Em 2003 a equipe percebe que as relações construídas com a prática de Tutoria
requeriam um novo passo. No primeiro momento da AT o atendimento objetivou estabelecer
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uma relação de confiança entre educador educando, conhecer suas fragilidades referentes ao
aprendizado e, em decorrência disso, atrair para dentro da Escola, a comunidade externa.
O novo passo seria fortalecer as relações de afetividade entre os educandos, para
desenvolverem o espírito coletivo e se tornarem participativos nas ações programadas pela
Escola. Assim, a prática da Tutoria passa de um momento exclusivo ao atendimento
individual do educando, para a realização de atividades de seus interesses no coletivo. O
objetivo era observar como os educandos reagiam na socialização e integração com os outros
e como reagiam após cada experiência vivida, fosse ela recreativa ou não. Nessa prática o
foco do olhar do tutor continua sobre o comportamento individual do tutorando. O que muda
é o método do trabalho utilizado para esse olhar.
Por isso Tutoria em Grupo, TeG, e não Tutoria de Grupo, TdG, que para os autores
da literatura visitada consiste em uma outra forma de atendimento aos tutorandos. Para os
autores na TdG o tutor é uma pessoa a mais na sala de aula, um colaborador e sua atuação no
grupo de alunos é na sala de aula, para orientá-los na realização de diversas tarefas, de forma
mais direcionada, conforme esclarece Arnaiz:
O tutor ajudará os alunos na orientação do currículo e na participação ativa na vida
da escola. Colaborará com os professores que intervêm no grupo de alunos e
proporcionará a cada um dos professores do grupo a informação necessária sobre
cada aluno e grupo. Veiculará a troca de informações entre os pais e a escola e
favorecerá a participação dos pais nos processos de decisão do aluno
(2002, p.
18)
.
Nesse período, os educadores, acreditando terem superado as primeiras dificuldades,
conseguindo a elevação da auto-estima dos educandos, decidem mudar os trabalhos de
Tutoria, passando a ser desenvolvida em encontros quinzenais. Nesta terceira fase da Tutoria,
cada tutor, de acordo com sua competência e a necessidade do educando, tinha a autonomia
de decidir o tipo de atividade, que variava entre aulas de música, artesanato, desenhos,
pinturas, teatros, passeios ou apenas um dia de recreação e lazer.
Entre as diversificações das ações, as que mais se destacaram como significativas no
meio das crianças foram: a música, e as cartas. A educadora que se designou a ensinar através
da música, desenvolveu atividades com um grupo de sete crianças das quais era tutora. Com
as letras do alfabeto colocadas no teclado assimilavam as letras à música e as relacionavam às
notas musicais, o que revelou nesse grupo um despertar, um grande interesse pela leitura,
começando a partir daí a busca pelo aprendizado.
80
O que mais chamou a atenção dos educadores neste trabalho foi o menino Moisés.
Ele se apresentava sempre distante de tudo e de todos. Em sala de aula estava sempre
desatento, nunca se ligava a nenhum assunto, e sempre que era chamado a se inteirar, ele
balbuciava coisas totalmente estranhas, alheias, sem sentido nenhum. A partir do momento
em que se inicia o trabalho de alfabetização no teclado, através da tutoria, Moisés torna-se um
menino centrado e começa a apresentar interesse nas coisas ao seu redor. Criado pelos avós,
Moisés teve uma gestação e nascimento difíceis, conta sua Avó:
Minha filha escondeu a gravidez e quando ela entrou em trabalho de parto, eu não
sabia e quando eu vi a criança nasceu. Nasceu quieto não se mexia, pensei que
estava morto, mas não tava não. Por causa disso pensei que ele jamais ia ser uma
pessoa normal. Sempre desligado, nunca demonstrava interesse por nada. Os
irmãos da Igreja gostavam dele só pra rir. Ele era considerado um bobinho, o bobo
da corte. Todo mundo se aproximava dele pra se divertir. [...] Hoje ele está mais
esperto que os irmãos. Vocês é que descobriram isso. Ninguém acreditava nele.
(Depoimento em reunião de avaliação, 2003).
Para descobrir o potencial oculto de Moisés foi necessário desviar da metodologia
convencional de ensinar, e mais ainda, ultrapassar a idéia de que só a figura do professor fosse
capaz de proporcionar-lhe a descoberta de si mesmo. Esta prática nos mostra que, não importa
as circunstâncias, nem o tempo em que estamos; o que conta é o ser humano, a sua
necessidade; nesse sentido, a afirmação de Freinet completa nosso pensamento:
As crianças m necessidade de pão, do pão do corpo e do pão do espírito, mas
necessitam ainda mais do seu olhar, da sua voz, do seu pensamento e da sua
promessa. Precisam sentir que encontraram, em você e na sua escola, a ressonância
de falar com alguém que as escute, de escrever a alguém que as leia, ou as
compreenda. De produzir alguma coisa de útil e de belo que é a expressão de tudo o
que trazem nelas de generoso e superior
(2004, p. 129)
.
Conversando com Sônia, a educadora/tutora de Moisés, sobre o que significou a
Tutoria naquele momento para ela, comenta com lágrimas nos olhos:
Ah, primeiro foi a alegria de Moisés, vendo seu interesse sendo despertado, sua
maneira de expressar através da música, foi assim, um momento único. A partir
daquele trabalho eu vi que podia fazer mais, mas que também eu precisava buscar
mais para minha formação. É isso, pra mim significou acima de tudo a descoberta
desta necessidade, o que me levou ao firme propósito de concluir o ensino médio e
procurar uma formação superior.
Com esta declaração, Sônia mostra a sua mudança, tanto pessoal quanto profissional.
Profissionalmente foi um desafio que, com sua vontade pessoal induzida pela afetividade,
contribuiu da mesma forma com a descoberta e o crescimento de Moisés. Parafraseando
Freire, este é um ato de amor construído na relação de alteridade: Sônia reconheceu a
necessidade de Moisés e, ao tentar ajudá-lo ajuda a si mesma descobrindo uma outra forma de
81
se ver e se reconhecer. Essa interpretação me lembra ainda as palavras de Alves (2004, p. 71),
quando diz: “Aprender significa mudar e mudar significa aprender. Estava nisso a essência
do protagonismo e a nossa essência: o agente da mudança é beneficiário da mudança”.
Abro aqui um adendo para relatar sobre a minha contribuição neste trabalho de
Tutoria. Este período em que muitas realizações aconteciam, foi marcado por um clima de
alegria e sensação de poder: poder sorrir, falar, decidir, ajudar, fazer, compartilhar,
colaborar, cooperar, enfim poder ser. As crianças querendo expressar esta emoção, começam
a manifestar o desejo de expressar seus sentimentos de uma forma romântica. Desenhavam
em papéis e ofereciam aos educadores dizendo que eram cartinhas. Curiosa, perguntei por que
não escreviam também algumas palavras, alguns respondiam que não sabiam escrever, outros
timidamente desconversavam dizendo que não queriam escrever desenhar. Isso
demonstrava a insegurança que ainda tinham em relação ao aprendizado.
Aproveitando o ensejo do interesse despertado pelas crianças de uma forma geral,
decidi trabalhar a escrita de cartinhas. A princípio era apenas uma atividade com os
tutorandos que estavam sob minha responsabilidade. Comecei orientando que, se muitas
crianças estavam escrevendo, como as pessoas que as recebiam iriam saber de quem haviam
recebido? Para que isso não acontecesse seria necessário identificá-las, colocando seus nomes,
e que estas pessoas ficariam muito mais contentes se vissem, também, os nomes delas nas
cartinhas. Após a primeira atividade, todas as outras crianças pediram-me que as ensinassem
também. Foi então que a ação se transformou em uma atividade a ser desenvolvida na
ambiência de alfabetização. A primeira frase que se interessaram em aprender: EU TE AMO.
Mesmo quando as cartinhas eram desenhos, esta frase estava em todas elas. A escola foi
contagiada pelo espírito da comunicação escrita, foi então criado o correio. Depois, para
utilizar o correio, era preciso escrever também o nome do destinatário da cartinha. O trabalho
passou a ser desenvolvido com todas as crianças em horário de aula, deixando de ser uma
atividade específica da Tutoria. Os educandos passaram a adquirir conhecimento pela própria
experiência. Aqui Freinet (2005. p. 53) deixa sua contribuição para nos dizer:
Infeliz educação a que pretende, pela explicação teórica, fazer crer aos indivíduos
que podem ter acesso ao conhecimento pelo conhecimento e não pela experiência.
Produziria apenas doentes do corpo e do espírito, falsos intelectuais inadaptados,
homens incompletos e impotentes [...].
82
Cada grupo passava pelo processo uma vez por semana quando estavam na
Ambiência da alfabetização. Aproveitando os trabalhos das ambiências, a caixa do correio e a
veste do carteiro foram confeccionadas na ambiência de artes. O carteiro era escolhido através
de sorteio, e nesse dia, o responsável pela correspondência, vestia-se de carteiro e entregava
as cartinhas aos destinatários. Se acaso ainda não soubesse ler a professora lia com ele, os
nomes dos destinatários e em seguida, ele partia para a entrega nas salas. Esse processo foi
registrado, por meio de fotos, e uma de suas etapas pode ser vista na figura 2.
À medida que o trabalho se expandia, as crianças que já sabiam ler passaram a ajudar
a ensinar aqueles que ainda não sabiam. Mais tarde, tornou-se “Tutoria sob tutoria”, ou seja,
as crianças que iam aprendendo passavam a se ajudar mutuamente, sob a tutoria dos
educadores.
Nesse momento que releio meus pensamentos e os transcrevo neste trabalho como
um tempo de agora, vejo que a analogia de Alves me ajuda a explicar o desejo despertado
pelas crianças quando a prática do ensinar e do aprender tem relação com o tempo e o espaço
vivido por elas: “O ato de comer e o ato de aprender são muito parecidos. O comer começa
com a fome. Também aprender começa com a fome, a fome que tem o nome de curiosidade”
(2004, p. 38). E citando Adélia Prado, o autor completa: “Não quero faca nem queijo, quero é
fome. Porque se eu tiver faca e queijo e não tiver fome, não comerei. Mas se eu tiver fome,
irei à procura da faca e do queijo [...]”.
Semelhante ao que diz o autor, a prática de escrita das cartinhas se tornou comum
entre os educandos. E quando esta prática passou a fazer parte de uma estratégia de aula, foi
aos poucos se transformando em outras produções. As cartinhas tornaram-se uma atividade
praticada em casa, nos intervalos de aula, e o diálogo de carinho e afeto entre educadores e
educandos se expandiu. Porém, como todo trabalho, mesmo tendo uma repercussão
Figura 2
-
Correio: uma prática de leitura e escrita na TeG
83
satisfatória, não se realizou forçosamente num ambiente de risos e cantos somente. Ao
contrário, como nos diria Freinet, houve sofrimento e ranger de dentes, mas acima de tudo,
houve vida. E como nos diria Freire, houve humanização, houve democracia. As palavras de
Rancière traduzem essa experiência pedagógica:
Essa experiência pedagógica abria, assim, uma ruptura com a lógica de todas as
pedagogias. A prática dos pedagogos se apóia na oposição da ciência e da
ignorância. Eles se distinguem pelos meios escolhidos para se tornar sábio o
ignorante: métodos duros ou suaves, tradicionais ou modernos, passivos ou ativos,
mas cujo rendimento se pode comparar
(2005 p. 32)
.
Procurando interpretar AT, à luz dos pensamentos do autor, acredito que, a relação
que se estabelece no exercício dessa prática, mesmo partindo de um compromisso com a
aprendizagem dos educandos, é possível afirmar que ocorre aí, a formação do educador, que
independente de uma formação acadêmica, (pré-requisito fundamental ao exercício da
profissão), não aconteceu de forma isolada, nem direcionada, em que um pressuposto do
saber mais que sobrepõe àquele que sabe menos. Mas partiu de uma vontade do educando e
dessa vontade o desejo de aprender e esse desejo foi transformado pelo educador em prática
de ensinar. O reconhecimento das diferenças não interferiu no processo de ensino-
aprendizagem, ao contrário, contribuiu com a formação do educador e do educando de forma
recíproca. “Chamar-se-á de emancipação, a diferença conhecida e mantida entre as duas
relações, o ato de inteligência que não obedece senão ela mesma, ainda que a vontade obedeça
a uma outra vontade.” (RANCIÈRE, 2005, p. 32).
Ainda com base nos pensamentos do autor, o interesse que parte do pressuposto de
alguém que sabe mais em função de ensinar a alguém que sabe menos, o aprendizado que
resulta desse ensinar pode ter um resultado brilhante, porém não é uma prática emancipadora.
Porque nessa prática uma relação de dupla dependência: o esforço de quem sabe menos
para alcançar o saber mais do outro; e o esforço deste outro que sabe mais em esperar que o
outro que sabe menos reproduza o seu saber mais.
Aprofundando um pouco mais nesta reflexão, Freire (1996), vai dizer que, a
formação quando concretizada na prática do ensinar e do aprender, numa relação pedagógica
descentralizada, viabiliza o desenvolvimento da criticidade e da solidariedade, na vivência do
cotidiano escolar, torna-se um ato político. Porque é uma prática que possibilita questionar o
que está posto como verdade e se solidariza no entendimento de que é um processo que requer
compreensão de si mesmo e do outro enquanto sujeitos nas mesmas condições necessárias de
aprender e de ensinar.
84
De acordo com os pensamentos dos autores, adotando a prática de Tutoria nas
relações pedagógicas, estas se tornam de fato humanas, pois, ao possibilitarem que o processo
alcance uma aprendizagem significativa entre educadores e educandos, provocam o desejo de
superação de limites, tanto na prática do educador quanto do educando, porque ambos são
instigados a se colocarem na posição de busca, como seres aprendentes. Segundo Rancière,
“[...] Essa reciprocidade é o cerne do método emancipador, o princípio de uma filosofia nova”
(2005 p. 64), porque ignora a existência do mais ou menos inteligente, apenas há o
reconhecimento recíproco da competência humana de cada um em cada manifestação
intelectual. O relato a seguir revela esta afirmação. Os educadores tornaram-se mais criativos
e procuraram dentro de um espaço físico totalmente incoerente com o espaço imaginado a
caracterização adequada ao desenvolvimento dos educandos, conforme propõe a AT. O
interesse passou a superar os limites materiais disponíveis.
3.1.4 Ambiências Temáticas: participação e cidadania
Uma das preocupações da Escola Liberdade era a organização das Ambiências
Temáticas, pois a existência delas significava para os educadores o norte na condução dos
conteúdos voltados para um outro momento do aprendizado. Era preciso associar o interesse
do educando ao conhecimento dos seus direitos e deveres enquanto cidadão. Mais uma vez a
equipe se reuniu para mais uma semana de estudos.
Nessa semana, participou das reuniões o vice-presidente do conselho, pai de uma
aluna, e algumas es que se revezavam nos dias de estudo. Embora no primeiro momento
demonstrassem não entender, sentavam e diziam que estavam aprendendo. Vez ou outra
davam opiniões, mais relacionadas a concordarem ou não, de acordo com o entendimento.
Bom, o mais importante é que estavam ali e se empenhavam em acompanhar o raciocínio das
pessoas e também em dar suas opiniões. Deixavam claro seus interesses em entender como
seria o ensinamento aos seus filhos, conforme aparece nos depoimentos a seguir:
É muito bom estar aqui. É muito bom participar nas decisões da escola dos meus
filhos. A gente se sente importante. Sei que todos estão me ouvindo e a minha
palavra tem valor. Isso é muito bom. (membro do CE em 2003).
Estou feliz, pela primeira vez estou me sentindo mais perto das pessoas que estão
com meus filhos. Alegre pela confiança. (membro do CJ em 2003).
Estou feliz por estar na Escola que meu filho é feliz. (membro do CL em 2003).
85
O primeiro passo foi escolher um valor como tema dos trabalhos daquele ano. O
tema eleito pela equipe foi: “Cidadania”. O que justificou a escolha foi estar em ano político;
a idéia foi fazer da escola um espaço de ações e discussões, procurando situar as crianças da
importância de se inteirar desse evento. A Escola passa a ser imaginada como uma cidade
onde todos se envolvem com sua administração.
Nas discussões, buscava-se a nomeação das ambiências de forma que fossem nomes
sugestivos à curiosidade e à invenção, e que instigasse o desejo da participação. Para atender a
esta finalidade, Bordignon nos diz que,
“[...] qualquer organização educacional precisa ter uma estrutura pedagógica
determinada pela finalidade, pelos fins da educação, diferente da tradicional
estrutura burocrática, em que, quase sempre, os meios são mais importantes que os
fins.”(2006, p.154).
Por isso as salas de aula foram pensadas e nomeadas de forma que correspondessem
a esse ideal. Ficaram organizadas já com um planejamento de atividades a serem nelas
desenvolvidas, no primeiro bimestre, conforme descrição a seguir:
Sala 2 Rádio e TV. O objetivo desta ambiência era desenvolver a oralidade das
crianças. Foram realizados eventos internos de discussões e debates sobre acontecimentos na
escola e no bairro, simulando programas ao vivo de TV; da mesma forma foi criado também,
um programa de rádio notícias, onde os educandos após colherem as informações faziam a
transmissão com um número de ouvintes previamente organizados pelos educadores.
Sala 3 – “Jornal. Esta ambiência estava especificamente designada ao aprendizado
da leitura e da escrita, por isso foi pensado pelo grupo a criação de um jornal quinzenal, e um
livro de receitas, mesmo manuscrito, que servisse de incentivo ao aprendizado da leitura e da
escrita. Neste jornal as crianças, de acordo com o nível de aprendizagem em que se
encontravam, desenhavam ou escreviam acontecimentos nas salas de aula, como: o que se
passava na escola naquele dia, principalmente sobre o que estavam aprendendo e como se
sentiam; realizavam-se entrevistas com educadores e educandos.
Sala 4 Ciências e Inventos. Esta ambiência estava designada ao
desenvolvimento da criatividade e invenção das crianças, bem como dos estudos dos
fenômenos naturais do ambiente.
Sala 5 – “Ateliê e Galeria de Artes. Designada a desenvolver o espírito artístico das
crianças; foram realizados muitos desenhos e pinturas livres. Os trabalhos eram expostos no
86
pátio da escola, para a apreciação da comunidade. As pinturas nas paredes valorizavam a
criatividade e reforçavam a auto-estima e o reconhecimento de cada um.
Sala 6 Jogos e Brincadeiras. Nesta ambiência, criavam-se regras e formas de
comportamento. Neste exercício as crianças, mediadas pelos educadores, pensavam em
normas que ajudassem na organização e andamento dos trabalhos, mas também e
principalmente, em regras que valorizassem o bem-estar de si e do outro; construíam-se jogos
e brinquedos e criavam-se situações problemas desenvolvendo o raciocínio lógico
matemático; resolviam-se questões matemáticas.
No segundo bimestre, para dar continuidade aos trabalhos, as programações
passaram para o segundo estágio: a criação dos documentos que um cidadão necessita para
exercer seus direitos e deveres nas participações, decisões e escolhas dos seus representantes
no governo. Assim, cada ambiência ficou designada a confeccionar junto à criança, um
documento simbólico.
A Sala 5 por ser o espaço responsável pelas produções artísticas, todos os desenhos
dos documentos foram produzidos nela pelos educandos orientados pelo educador
responsável, neste caso, o professor de artes.
Nas outras salas os educadores se incumbiam de pesquisarem com os educandos tudo
sobre a importância de cada documento para em seguida procederem ao seu preenchimento
com os dados do portador, no caso a criança. Os estudos foram realizados segundo a ordem de
importância dos documentos, conforme a apresentação que se segue:
Rádio e TV - Nacionalidade e naturalidade, utilização dos documentos;
Jornal - Preenchimento dos dados e legalização dos documentos;
Ciências e Inventos - Paternidade e sobrenome, estudo da digital e importância do
cadastro – (responsável pela expedição da Certidão de Nascimento);
Jogos e Brincadeiras - O porquê dos números, origem e significado do nome e a
Importância dos documentos;
Ateliê de Artes - Heráldica e Brasões/gráfica dos documentos.
Nesta segunda parte, o processo de alfabetização ocorria a partir da escrita do próprio
nome. Assim, à medida que confeccionavam o documento, o aprendizado da leitura e da
escrita se desenvolvia pelo interesse em produzir algo que estava significando a sua
existência, a sua identidade.
87
O objetivo era fazer com que o educando ao mesmo tempo em que fosse aprendendo
a conhecer seus direitos e deveres, também sentisse a importância do seu papel na sociedade,
enquanto sujeito participativo. Novamente Freinet traz uma explicação semelhante e justifica
as constantes variações de métodos como um empenho do educador que acredita e busca
formas diferentes para suscitar o aprendizado:
É bom qualquer método que abra o apetite de saber e estimule a poderosa
necessidade de trabalho. Provocar a sede, mesmo que por meios indiretos.
Restabelecer os circuitos. Suscitar um apelo interior para o alimento desejado.
Então, os olhos se animam, as bocas se abrem e os músculos se agitam. Há aspiração
e não atonia e repulsão
(2005 p. 19)
.
Com esta prática, evidenciou-se que algumas crianças não possuíam sequer a
certidão de nascimento, o que demandou da equipe buscar alternativas, como: providenciar
junto às famílias a documentação dessas crianças. Diante da avaliação, a equipe prorrogou as
atividades por mais um bimestre e, no final deste, decidiu que a programação deveria seguir
até o final do ano. Foi então que os educadores decidiram ampliar o trabalho, transformar o
“faz de conta” em realidade. Buscaram junto ao órgão responsável a confecção das carteiras
de identidade das crianças. No segundo semestre, esta e outras ações foram realizadas, de
acordo com o tema em questão.
Nesse clima, de participação mútua foi realizado um concurso de desenhos, entre
todos os educandos (sem exceção de idade) e os educadores, para criação da Bandeira e do
Brasão da Escola Liberdade. Para a escolha dos desenhos foi organizado um evento interno no
pátio da escola, onde todas as criações foram expostas e votadas secretamente, simulando os
mesmos procedimentos que ocorrem em uma eleição. Os educandos foram instruídos para
serem presidente, mesários, fiscais e eleitores, usando os documentos simbólicos que
estavam confeccionados. Na figura 3 pode-se ver a bandeira e o brasão da Escola Liberdade,
concretização do resultado da eleição para a escolha dos mesmos.
88
Esta prática encontra ressonância nas palavras de Alves (2004, p. 89) quando se
refere à aprendizagem num contexto que dá significados. Diz ele:
Aprender não é preparar-se para a vida. É viver no lugar e no momento em que se
está vivendo. Viver é aprender. É nisso que está a excitação do viver. Caso contrário
a vida é um tédio insuportável. Então a aprendizagem pode acontecer no espaço-
tempo em que a vida está sendo vivida.
3.1.5 Tutoria de Grupo (TdG)
Em 2004, as ações programadas pela Escola Liberdade foram empreendidas
mediante a prática da gestão democrática, com foco no aprendizado à participação e decisão
coletiva para o exercício da democracia. Estando educadores e educandos num estágio mais
avançado das relações, a equipe decidiu ampliar a AT centrando as atividades voltadas para a
conscientização dos educandos à necessidade de trabalhar a sistematização dos conteúdos
específicos das áreas do conhecimento, conforme exigência dos históricos escolares. Com esta
finalidade os educadores organizaram a Tutoria de Grupo.
Na TdG a função primordial do tutor “[...] é zelar pelas interações sociais (tanto as de
trabalho como as de relação) que se dão no grupo de alunos para estabelecer, reestruturar e
modificar, se for preciso, as condições necessárias para favorecer o processo de ensino-
aprendizagem.” (ULZURRUM & MASEGOSA, 2002 p. 78). Na Escola Liberdade, os
educadores organizaram a TdG com o mesmo objetivo, porém, exercida pelos próprios
professores em sala-de-aula, e suas atuações ocorrem no processo da prática educativa. Não
um educador exclusivo para o desempenho da Tutoria. Assim, cada grupo em sala de aula
Figura
3
-
Bandeira e Brasão da Escola Liberdade
89
passou a ser tutorado por dois educadores (um professor e um técnico). O acompanhamento
aos tutorandos era assim organizado: durante a semana o professor-tutor, ao estar com seus
tutorandos no cotidiano das aulas deveria, ao desenvolver atividades previamente planejadas,
relacioná-las às Ambiências Temáticas, observando as fragilidades do grupo e buscando a
superação das dificuldades apresentadas. Essa observação servia de subsídio para a avaliação
e redação do relatório (documento formal do desempenho do educando) em três aspectos: o
desenvolvimento cognitivo, o produtivo e o afetivo social; os técnicos nas suas funções, não
estando comumente com o educando em sala de aula, acompanhavam com observações,
envolvendo atitudes, comportamentos e as relações dos tutorandos no grupo maior, nos
intervalos das aulas.
Nessa fase da Tutoria, as dificuldades relacionais eram discutidas no Grupo em
momentos de estudos, discussões e reflexões na sala de aula. Com essa prática todo e
qualquer problema era levado para as rodas de discussões, onde os educandos faziam suas
argüições a respeito do que ocorria durante as aulas e principalmente no recreio, momento em
que todos se encontravam no pátio. As brincadeiras, as brigas, os xingamentos comuns entre
crianças, tudo se resolvia nas rodas de discussões e debates, com a mediação dos educadores-
tutores, geralmente no ato dos acontecimentos.
Puíg define essa prática educativa como: “assembléias de sala de aula”, e sua escrita
sobre esse tema afirma que o faz em defesa dessa prática, porque segundo o autor:
Tal prática educativa não é uma perda de tempo, nem uma concessão injustificável
aos alunos, nem tampouco um traço residual das pedagogias dos anos 60. As
assembléias de sala de aula são um elemento essencial em uma escola democrática e
um instrumento insubstituível da educação em valores. Não pretendem diluir o papel
e a responsabilidade dos educadores, mas tentam dar a palavra a todos os
protagonistas do processo educativo. (...) visto que as assembléias estabelecem um
procedimento baseado no diálogo para considerar as questões escolares (...) são úteis
e eficazes porque as palavras que se dizem nelas adquirem força, podendo motivar e
comprometer os que falam
(2002 p. 27)
.
Similar ao que diz o autor, o desenvolvimento dessa prática colocava os educandos
no centro das discussões. Quando o grupo de educandos era reconhecido pelo educador como
um grupo considerado especial de atenções, em qualquer grau que afetasse as relações dentro
do grupo, ou deste grupo com outros, os conteúdos das atividades seguiam uma programação
prévia, com a finalidade de prevenir atitudes de agressividade entre os educandos; o mesmo
procedimento aplicava-se quando o foco era aprendizagem.
Com este trabalho algumas crianças manifestaram o desejo de desenvolver a Tutoria
individual, porque gostariam de avançar no aprendizado da leitura e da escrita. Então,
90
pediram a permissão aos educadores para o direito de escolher o seu tutor. Uma vez aceita, a
opção de escolha, os professores atendiam os educandos nos seus horários de planejamento.
Uma das crianças escolheu como tutor nessa atividade, uma das técnicas, a Zilda. Como o
objetivo era desenvolver a leitura e a escrita, os professores procuraram dar suporte à Zilda
passando orientações de práticas de ensino. A esse respeito Zilda comenta que a ajuda dos
professores foi no sentido de selecionar as atividades, mas que na hora de pensar como faria,
foi com a criança que ela decidiu:
Eu procurei primeiro saber o que ele queria aprender. ele falou: o que você me
ensinar eu vou aprender. Como eu escrevia com muito erro, faltando letras, o que é
que eu fiz. Estudava primeiro o que eu ia ensinar e eu contei com a ajuda de
vocês que começaram a me dar dicas. E ele muito interessado ia aprendendo,
mesmo eu tendo dificuldades eu sabia ver que ele ia aprendendo direitinho. E ele
falava pra todo mundo que estava aprendendo porque eu estava ensinando pra ele.
Eu sei que no final, eu acho que nós aprendemos juntos. Eu melhorei muito e
erro ainda, mas são erros assim... que eu sei que também é mais difícil até pra quem
tem uma formação. E até hoje quando eu encontro esse menino ele fala pra quem
está com ele: foi a Zilda quem me ensinou a ler e escrever. Eu só sei que eu também
aprendi. Melhorei muito minha escrita. Hoje eu tenho consciência quando eu
escrevo errado e enquanto eu o confiro e corrijo eu não sossego. (novembro,
2007).
Com esta prática o educador, que não é um professor, ensina e a criança afirma que
aprende e na sala de aula notam-se progressos no seu aprendizado e na sua atitude. A criança
mostra-se interessada e passa a se relacionar melhor com as outras crianças. Como podemos
compreender tal mudança? Zilda não tinha um método previamente elaborado, mas ao ouvir a
criança, cria uma forma de poder ensinar, simplesmente com o intuito de atender seu pedido;
colocou-se no mesmo patamar de igualdade e se dispôs a aprender e fazer desse aprender o
ato de ensinar. Por isso a afirmação de Rancière, pode esclarecer melhor esta interpretação:
Não se trata de uma questão de método, no sentido de formas particulares de
aprendizagem, trata-se de uma questão propriamente filosófica: saber se o ato
mesmo de receber a palavra do mestre a palavra do outro é um testemunho de
igualdade ou de desigualdade
(2005 p. 12).
Analisando pelo ponto de vista dos autores, a reação do educando e de outros não
citados foi resultado dos trabalhos desenvolvidos na TdG, que segundo Arnaiz “Tem como
finalidade proporcionar ao aluno uma formação integral, facilitando-lhe seu
autoconhecimento, sua adaptação e a tomada de decisões refletida.” (2002 p. 21). Isso porque
o tutor ajudará o educando a superar suas dificuldades, proporcionando a competência de se
auto-avaliar, sendo capaz de reconhecer suas próprias fraquezas e procurar meios de superá-
las.
91
As mudanças de pensamento e de atitudes provocadas pela TdG, não pararam e, de
forma mais abrangente, outros encaminhamentos foram se dando; aos poucos a inserção dos
educandos no processo de decisão das ações da Escola foi se tornando uma necessidade, à
medida que foram tomando consciência das coisas as discussões cresciam, as relações se
expandiam para fora das salas de aula. Os grupos foram se tornando um só, nos intervalos das
aulas, encontravam-se, trocavam idéias e as encaminhavam aos seus tutores. Essa abrangência
resultou em dois avanços: a renomeação das Ambiências temáticas e a criação das
Assembléias Mirins.
3.1.6 Tutoria sob Tutoria: um caso à parte
A Tutoria sob Tutoria não foi uma ação planejada pela Escola, como ocorreu nos
primeiros momentos da AT, mas sim uma prática que surgiu quase que espontaneamente, à
medida que as relações entre educadores e educandos se construíam com base na afetividade e
as possibilidades do diálogo se ampliavam. Os educandos apresentavam as primeiras atitudes
de autonomia, que requeria uma outra postura dos educadores, na prática pedagógica. Trata-se
de um caso semelhante ao que ocorreu com a Zilda, citado na seção anterior. Trata-se de um
caso próprio. Por isso mais uma vez abro um adendo para submeter a minha prática de
educadora, às minhas próprias análises, com um olhar de pesquisadora.
Ao se definir os grupos para a TdG ficaram sob a minha responsabilidade tutorial os
educandos de 10 e 11 anos. Ao perceber em dois deles defasagem na aprendizagem, timidez e
insegurança, que os mantinham afastados dos demais, tentava, nos dias em que me dedicava à
Tutoria, programar atividades que os colocassem em parceria com outros. Essa prática não
solucionou o problema, eles preferiam desenvolver as atividades sozinhos. Por esta razão, não
seria ideal falar-lhes das suas dificuldades, pois poderia agravar o estado de insegurança.
Seguindo uma experiência anterior, vivenciada por mim, com outros que aprenderam
ensinando, resolvi então convidá-los a me ajudar ensinar os pequenininhos no outro período
de aula. Muito contentes, aceitaram meu convite.
Na sala de aula, apresentei-os aos educandos, dizendo que ambos eram revelações no
seu grupo, em aprendizado, e por isso os convidei e que, com certeza se fossem aceitos, eles
também teriam a oportunidade de se tornarem tão bons quanto eles. De imediato ficaram meio
quietos, mas aos poucos foram se soltando. Ao sentirem-se aceitos, os meninos tutores
92
começaram então a ajudá-los. Sob minha orientação, quando também tinham dúvidas, me
procuravam, para depois ensinar aos outros. Assim, enquanto ensinavam iam igualmente
sanando suas dificuldades. Ou seja, ao ensiná-los, eles da mesma forma, ensinavam aos
outros; ao tirar a dúvida dos pequenininhos sanavam as suas também. Que passou a ser uma
prática de Tutoria sob Tutoria.
Diante dos resultados de interesse dos educandos, da curiosidade despertada e de
uma aprendizagem singular de cada um, e plural na interação das suas diversidades pude
perceber que os educandos foram “[...] se transformando em reais sujeitos da construção do
saber ensinado, ao lado do educador igualmente sujeito do processo.” (FREIRE, 1996 p. 26).
A partir das constatações de melhorias, tanto nas relações pessoais quanto nas
relações com o próprio aprendizado, esta mesma prática foi igualmente desenvolvida com
outros educandos no cotidiano das aulas. Diante desses resultados, adquiri outra postura que
me proporcionou não o alargar do meu olhar ao tratar com os educandos, como também a
forma de dialogar com os demais educadores.
Ao relatar em reuniões de estudos os ganhos proporcionados por essa prática
observei que essa postura começou a ser experimentada, de maneira meio tímida, por outros
educadores, que, igualmente passaram a enxergar maiores possibilidades em lidar com as
dificuldades dos educandos e as deles mesmos.
A professora Marilei, que foi a segunda a aventurar-se nessa prática faz um
depoimento emocionado:
Eu hoje eu posso dizer que sou uma outra pessoa. Acredito que a partir do momento
em que eu me preocupei mais em observar de uma outra maneira as crianças, eu
não precisei mais me preocupar em fazê-la aprender, elas vão aprendendo, não tem
mais dificuldades. E quando aparece alguma, não é mais aquele problema que fazia
a gente pensar que era impossível resolver. Sempre aparece uma maneira. A gente
vai descobrindo. E isso me faz sentir realizada como professora. Muito feliz mesmo.
Parece que aquela coisa de incompetência, acaba. Nem as crianças e nem a gente e
isso dá uma sensação de leveza, de missão cumprida. (março, 2007).
Ao refletir sobre os resultados dessa prática, vejo mais uma vez que a contribuição de
Rancière explica as citações dos educadores. “Quem pode mais, pode menos e um método
capaz de ensinar o que se ignora permite ensinar facilmente o que se sabe.(2005, p. 169). O
saber que não se aprende e nem se ensina apenas com a decodificação da palavra escrita, mas
sim com o sentido que se e que se ganha, quando na sua criação, educador e educando a
constroem como revelação do ser mais numa relação de respeito mútuo.
93
“Por isso não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo
de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo
a outros que possuem outro saber relativo” (FREIRE, 1979, p. 29).
Com esse trabalho houve avanços significativos nas relações de afetividade e
solidariedade entre as crianças, e consequentemente na aprendizagem da leitura e da escrita.
Outra característica observada foi a autoconfiança e a auto-afirmação enquanto pessoas.
Em uma parte dos educadores essa prática proporcionou a troca de idéias e
começaram a fluir num campo de confiabilidade maior. Para outra parte, apenas respeitava-se
tal atitude, mas não gerava interesse em também adotá-la como prática. Esse entendimento
dividido, também gerou conflitos entre os educadores. Mesmo reconhecendo as desenvolturas
das crianças em relação à aprendizagem, alguns os avaliavam como atrevidos e rebeldes.
Em 2005, obedecendo ao rodízio nas ambiências, assumi a Oficina da Alegria, onde
se desenvolve atividades de Educação Física, e Artes. Como são dois professores na mesma
ambiência fiquei responsável por trabalhar Artes. Como Tutora do grupo de 10 e 11anos
propus às crianças transformarmos a Ambiência em uma oficina de reconstrução de textos
com o intuito de transformá-los em dramatizações. A idéia era desenvolver a leitura e a
escrita de maneira prazerosa. Por isso foi aceita e imediatamente inicializada. Para a
realização das tarefas, a classe foi organizada em quatro grupos e deram início às pesquisas
nos materiais disponíveis na Escola, os livros didáticos. “Quando existe o livro didático, é
preciso pelo menos fazer o aluno procurar nele o que interessa, usando-o mais como fonte de
pesquisa, do que como manual ou receita.” (DEMO, 1997, p. 21). Assim os textos eram
selecionados pelos educandos segundo seus interesses. Em outra etapa, procuravam
reescrevê-los fazendo as modificações que desejavam. No final de quatro aulas, que durou um
mês, porque estavam nesta ambiência uma vez na semana, decidiram que esta segunda
etapa estava pronta.
Chegou a hora da socialização dos grupos. Naquele momento cada grupo expunha a
história escolhida e transformada por eles, em apresentações na forma de teatro. No final, por
unanimidade elegeram uma das histórias como a melhor delas. Decidiram então juntarem os
grupos em um e fazer uma dramatização maior. Juntos, ampliaram as falas e criaram um
outro final para a história com a inclusão de todos os participantes. Assim, as aulas na Oficina
da Alegria se transformaram em um laboratório, onde estudavam seus textos e ensaiavam as
cenas. Entre os ensaios iam construindo suas roupas de papel e de roupas usadas. Criamos
também uma música que, cantada por todos, fechava a apresentação. Esta foi uma das
apresentações na festa do final do ano letivo.
94
OI GENTE!
Acabamos de nascer. Muito prazer!
O que acabamos de mostrar Vamos nos apresentar para vocês!
para vocês. Eu sou Laíssa, bela uma delícia!
Foi apenas um começo Eu sou Olimar, grande como o mar!
Podem crer! Eu sou Júlio, sou do barulho!
Somos todos amadores Eu sou Renan, doce como romã!
É verdade! Eu sou Helton, o gostoso, o bom!
Mas não importa, por que somos Eu sou Ramoluana, aquela que ama!
LIBERDADE! Eu sou Wilza, leve como a brisa!
E eu sou Klíssia, sou doce, sem malícia!
Somos todos atores meus amores
de verdade, nós somos liberdade!
LIBERDADE!!!!!!!!!
O período de desenvolvimento deste trabalho foi significativo no fortalecimento das
relações pessoais entre os educandos e com o encaminhamento das atividades da Escola. A
alegria fortaleceu e estimulou a alegria de aprender e de viver. Não se revelou uma euforia
ingênua como diria Freire, mas uma alegria expressa pela consciência do saber mais, pela
certeza de que é possível aprender de outras formas, porque houve “[...] uma relação entre a
alegria necessária à atividade educativa e a esperança.” (FREIRE, 1996, p. 72). Por isso
tornaram-se mais interessados em aprender, mais amigos, mais alegres e mais críticos.
3.2 O que mudou com a participação das crianças
As práticas pedagógicas desenvolvidas para atender às necessidades dos educandos
promoviam neles um despertar do pensamento crítico. As salas de aula tornaram-se
insuficientes para dar conta das suas reivindicações. A sensação era que se perdia muito
tempo durante as aulas, tentando atender suas necessidades expressas em atitudes de
angústias. Foi quando surgiram as assembléias mirins. Embora as primeiras reuniões fossem
muito tumultuadas, os educandos aos poucos, com a ajuda dos educadores, foram se
organizando e conseguindo ter voz e vez.
As discussões iniciavam a partir de um tema dado por eles, ou por um educador, que
mediava as discussões e, os demais educadores que naquele dia seguiam uma escala prévia,
acompanhavam a assembléia. No final de cada assembléia encerravam-se as discussões com
95
encaminhamentos feitos pelos próprios educandos. Com o tempo, foram-se abrindo espaços
possíveis para algumas organizações como, por exemplo: ao final das reuniões, deixar um
tema para ser pensado durante a semana e discutido durante a próxima assembléia. Os
depoimentos a seguir foram colhidos com o intuito de avaliar os resultados do processo de
gestão da Escola. Na opinião dos educandos:
[...] Na Escola Liberdade os funcionários ouvem a gente e também ensinam. [...]
Não tem diretor. [...] Todo mundo é diretor. [...] Todos mandam e organizam. [...] A
gente é livre para dar opinião [...] O aluno pode ensinar [...] A gente sente um
pouco dono da escola. [...] Os professores conversam e o castigam [...]. A gente
decide na Assembléia [...]. (Pesquisa realizada para estudos no GPMSE, 2005).
Assim, parafraseando Larrosa (2003), os educadores conheciam as crianças, ou
tentavam conhecê-las, e procuravam falar uma língua que elas pudessem entender quando
tratavam com elas nos lugares que organizavam para abrigar suas vozes.
Os educadores iniciavam com essa prática, uma nova experiência ainda não
vivenciada, mas instigante e desafiante. Era preciso ouvir, mediar e encaminhar, sem reprimir.
O que exigia segurança, competência profissional e generosidade para conseguir transformar
a aparente rebeldia do educando, na construção de uma disciplina sem minimizar a liberdade.
Pelo contrário, apostando nela. Conforme afirmação de Freire:
Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre; jamais na rebeldia da liberdade, um
sinal de deterioração da ordem. A autoridade concretamente democrática está
convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos
silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que
desperta
(1996, p. 93)
.
Em Assembléia os educandos pedem permissão para participarem das reuniões do
CEC. Surpresos com o desejo das crianças, os educadores preocupados com a questão da
menor idade, tomam a seguinte decisão: na véspera da reunião, os educadores enviavam um
bilhete pedindo autorização, e os mesmos eram levados de volta assinados pelos pais por
escrito. Nas salas de aula, por meio de votação entre elas, com a ajuda do educador, foram
eleitos dois educandos de cada turma para representarem os demais na reunião. Nas reuniões,
embora não participassem das discussões mantinham-se atentos às decisões dos conselheiros e
levavam a informação aos que não estavam presentes.
A presença ativa das crianças nas reuniões resultou na renomeação das Ambiências
Temáticas, que a partir dnão sofreram mais alterações conforme a apresentação descrita na
p. 43. Durante uma reunião de trabalho, em que se tratava das alterações do PPP, os nomes
96
foram sugeridos por educandos e educadores e mediante votação foram modificadas e
tornaram-se de fato referência para eles.
Sala 1 - Ambiência Administrativa Esta foi a única Ambiência que permaneceu
com o mesmo nome, a justificativa foi que este seria a forma mais expressiva para a
Ambiência, em vista dos trabalhos nela desenvolvidos.
Sala 2 - Viajando no Universo – Nome sugerido por uma aluna de 7 anos de idade e
eleito pela preferência da maioria ali presente.
Sala 3 - Era uma vez... – Nome sugerido pela professora Eunice e também aprovado
pela maioria.
Sala 4 - Planeta Vida – Nome sugerido pela professora Marilei
Sala 5 - Oficina da Alegria Nome sugerido por uma aluna de 8 anos, também
eleito por unanimidade.
Sala 6 Quebra Cabeça Nome sugerido pelo professor Emerson
23
, o que muito
agradou aos educandos foi eleito praticamente pelos seus votos, que representavam a maioria.
Sala 7 Magic English Nome sugerido pela professora Verônica. A primeira
sugestão foi de Mak-Laine, que sugeriu: “A magia de aprender inglês” e a professora apenas
fez a versão para o próprio inglês e todos aprovaram.
O depoimento de uma educanda egressa, citada na p. 33, fecha de maneira
significativa essa seção de reflexões: Foi bom. A gente brincava muito mas aprendia com
respeito. A gente decidia tudo com os professores” (Etiely).
Para finalizar....
Todo o desempenho pedagógico aqui analisado passou por um processo de leitura e
re-leitura no sentido compreensivo da palavra. Conforme anunciei na introdução deste
relatório de pesquisa, nem tudo está escrito, mas o conteúdo que foi tomado como estudo
serviu de base reflexiva para a auto-afirmação da equipe e a segurança para o
encaminhamento de novas ações e retomada de algumas. O estudo da forma como está sendo
apresentado contribuiu para que durante o processo, algumas coisas fossem ficando mais
claras, o que me permitiu dividir com os sujeitos algumas revelações até então não percebidas
pela equipe. A principal delas foi a conscientização de que a Tutoria, mesmo tendo sido
23
Emerson trabalhou na Escola Liberdade como contratado no ano de 2003 e 2004. Sua contribuição foi de
grande relevância na Escola. Um professor dinâmico, aberto, participativo, muito querido pelas crianças.
97
construída sob o entendimento do exercício de técnicas complementares à prática pedagógica,
após várias ações individuais, grupais, vivenciá-la ultrapassam o sentido de desenvolvimento
de técnicas tornando-se atitudes pedagógicas de educadores e educandos. Optar por conduzir
assim as investigações foi porque parti do pressuposto de que a prática pedagógica é o fio
condutor das relações propostas pela Gestão Co-operada, uma vez que, coloca como centro do
funcionamento da gestão o aprendizado de todos no processo. O que o aprendizado significou
no andamento das questões administrativas da Escola é o que trago para estudo na próxima
subseção.
3.3 Gestão Co-operada: entre “crises, avanços e recuos”
Assim, o espaço utilizado no processo educativo fundamentou-se em tempos e
espaços de formação para o exercício da Gestão Co-operada, porque na medida em que a
prática pedagógica ia exigindo re-organizações de trabalho, delineava e estruturava sua
organização administrativa. Em cada tempo de ação da equipe desenhava-se um modelo
experimental dos espaços de aprendizagem; e em cada avaliação, um novo tempo e um novo
espaço se abriam com intencionalidade de ampliar a formação dos sujeitos.
Para tanto, era preciso formalizar a existência da Escola. A justificativa de
funcionamento elaborada pela equipe e homologada pelo Secretário de Educação, era
provisória e não garantia a sua permanência. O quanto antes os documentos, como Estatuto e
PPP deveriam estar prontos. Por ser uma gestão diferenciada sua garantia estava no registro
do Estatuto em Cartório, mediante a comprovação do PPP, que sustentava o próprio Estatuto
na sua estrutura organizacional. Internamente o Conselho já estava formado em caráter
experimental por oito meses; após esse período, a comunidade escolar interna deveria se
reunir novamente em Assembléia Geral para se submeter à avaliação da comunidade externa
sobre os trabalhos desenvolvidos e apresentar a primeira redação do Estatuto. Mediante a
opinião da comunidade os educadores poderiam ou não manter a organização da gestão da
Escola no formato experimental. Durante esse período de oito meses, os educadores se
organizavam da seguinte forma: nos primeiros meses três educadores ficaram responsáveis
pela elaboração e sistematização do Estatuto o presidente do CEC, o relator do CL e o
coordenador do CJ; em reuniões internas, a equipe socializava, discutia e re-elaborava
questões pertinentes.
98
Após seis meses de trabalho, no mês de julho/2002, a equipe de educadores da
Escola Liberdade, o Secretário e seus assessores se reuniram para avaliação dos trabalhos até
então desenvolvidos. Para tanto foram organizados momentos de estudos que permitiram uma
visão geral da real situação dos moradores da região da Escola: suas necessidades, seus
anseios e seus descréditos em relação à educação escolar. Desta experiência foram retirados
encaminhamentos que serviram de referências básicas para a elaboração do PPP em linhas
gerais.
Nesta parte do texto, apresento o resumo dos procedimentos e os resultados desse
encontro. Os assessores utilizaram como referência do estudo quatro autores: Freire, Freinet,
Ferreiro, Piaget e Vigotsky. As atividades iniciais foram desenvolvidas à luz de cinco recortes
dos autores citados. Os autores eram tomados não como direção dos estudos, mas sim como
fonte a ser buscada quando se fizesse necessário. O esforço era desenvolver a capacidade de
observar, de tirar o máximo possível do imaginário, explorar a memória visual e depois
associar aos pensamentos dos autores.
As atividades e as dinâmicas de grupo ajudavam a refletir sobre a prática e a retirar
delas os valores sociais construídos e, desses valores, retirar apenas quatro que
contemplassem na sua abrangência todos os valores sociais de convivência. O exercício
consistiu em expressar em palavras os sentimentos vividos com a experiência: solidão, luta,
autonomia vigiada, força, união, dificuldades, luz, valores, salto qualitativo, equipe,
individualidade, ouvir, falar, experiência, fragilidade, melindres, conforto, esperanças, sonhos,
transpor, descoberta, choque do novo, diferenças, conflitos, relações, confidências, confiança,
liberdade, simplicidade, falta de expressão, segurança, mistério, tradicional, fé.
O exercício seguinte foi retirar das expressões os valores de acordo com as
características de personalidade, dos princípios de processo de conhecimento, éticos e
estéticos e de cidadania; de cada um desses princípios, os valores citados iam sendo
agrupados até chegar à definição dos valores macros, da seguinte forma:
Características de personalidade: afetividade - amizade, amor, carinho;
honestidade, medo, confiança, otimismo, compromisso, gentileza, espontaneidade,
responsabilidade, sabedoria, obediência, auto-estima.
Resumo: afetividade/auto-estima, responsabilidade e honestidade, ousadia.
99
Princípios de processos de conhecimento: curiosidade, espírito investigativo –
mistério e descoberta; movimento flexibilidade; ludicidade – fantasia; conhecimento prévio,
compreensão e capacidade relacional;
Resumo: investigação/registro, curiosidade/observação; ludicidade, capacidade
relacional, personalidade na relação educativa, flexibilidade e
movimento.
Princípios éticos e estéticos: felicidade, beleza, prazer, verdade, liberdade,
espiritualidade, harmonia, respeito, solidariedade e ousadia.
Resumo: beleza, liberdade e solidariedade.
Princípios de Cidadania/participação social: união participação, coletividade,
inclusão, justiça, ouvir, transformação, mudança, democracia; fortalecimento familiar,
resistência, conquista, companheirismo.
Resumo: Fortalecimento familiar, coletividade, inclusão e democracia.
Valores definidos como macros: Liberdade, Democracia, Solidariedade e Beleza.
Esses valores se tornaram os pilares de sustentação do PPP em elaboração.
Ainda naquele momento de estudo, o conceito de escola e a proposta educativa da
Escola Liberdades também foram elaborados. Ficaram assim definidos no PPP (2002 p. 4):
É uma Escola onde todos são instigados ao desafio de elaborar conceitos, construir
princípios e regras de convivência e experimenta-las nos diferentes espaços vitais
onde a criatividade e ousadia da construção sejam manifestações espontâneas e
referências do olhar avaliativo.
A Escola Liberdade tem como proposta pedagógica a re-conceituação do ensinar e
aprender de modo significativo, pautado nos valores sociais, na perspectiva da
autonomia do pensar, sentir, querer, criar e experimentar para uma vivência humana
equilibrada e feliz nas relações que se estabelecem entre todos os envolvidos no
processo educativo: profissionais/alunos/pais/comunidade.
A partir desses princípios elaborados, os educadores deram continuidade à
elaboração do PPP, em reuniões internas após a jornada de trabalho normal, em finais de
semana e feriados. A Lei de criação da Escola foi publicada no Diário Oficial, em julho, sob
nº 081/2002, mas dentro dos princípios constitucionais de uma escola comum.
Vale lembrar que, o efetivo trabalho dos educadores nesse período foi desenvolvido
entre sonhos, desejos, medos, decepções, alegrias, tristezas e muitos outros sentimentos, mas,
com e coragem de continuarem com o propósito de fazer diferente, apesar das inúmeras
dificuldades. A primeira foi enfrentar os trabalhos com o quadro de professores incompleto.
100
Isso porque dois professores se afastaram da Escola na primeira semana aula, alegando a
jornada de trabalho ampliada, seguida de reuniões diárias e sem que isso revertesse em maior
remuneração. Pela mesma razão, outros profissionais efetivos na Rede não se interessavam
em se integrar ao projeto, visto por eles como trabalho em dobro e ainda criticavam: vocês são
loucos em aceitar esse tipo de proposta, sem nenhuma remuneração a mais. A quem vocês
pensam que estão ajudando? Por outro lado o critério de efetividade impedia o ingresso de
professores contratados.
Outros fatores contribuíam para o cansaço da equipe: o desafio do novo, de encontro
com a renúncia às atitudes costumeiras; criar situações educativas que dessem conta das
situações apresentadas pelas crianças; as emoções abaladas pelo desconforto diante do público
que não entendia o projeto e criticava; e as reações dos pais, que não acreditavam na liberdade
proposta pela prática pedagógica, o que os impedia de perceber os progressos dos filhos em
relação à aprendizagem. Como aparece neste depoimento de uma mãe numa reunião do CEC:
Eu sei que o que a Escola Liberdade ensina é bom, é bonito, as crianças gostam. É para ser
cidadão e não marginal, mas os professores não sabem o que fazem em casa, a criança
pode ficar sem saber o que seguir” (membro conselho Executivo). A mãe se referia às
atividades realizadas em clima de brincadeira e até porque era esta a interpretação dos
educandos: a gente não estuda, brinca”. Dizia ela que a preocupação dos pais, inclusive
dela, era que com isso crescessem menos responsáveis.
Farias, em seu relatório de pesquisa realizada na Escola Liberdade, depara-se com
essa realidade ao se colocar à escuta dos educadores e faz o seguinte comentário:
É uma pena que isso aconteça, pois o brincar é o modo pelo qual a criança revive e
recria o modo de viver e a experiência cio-cultural dos adultos. A criança penetra
num mundo mais amplo do qual se apropria (2006, p. 101).
Por outro lado também havia grandes conquistas que permitiam a permanência
daqueles que se engajaram no projeto. A elaboração do Estatuto do CEC (Anexo B, p. 175) e
a sistematização do Projeto Político Pedagógico, aprovados pela comunidade em Assembléia
Geral, (dezembro 2002) e apresentados à SME ainda no final do ano letivo (Anexo C, p.
192)
24
. Nesta mesma Assembléia, mediante a avaliação e a aprovação da comunidade escolar,
o CEC é reconhecido como órgão gerenciador da Escola Liberdade, permanecendo na sua
constituição os membros eleitos como provisório na ocasião de fundação da Escola. Mesmo
aprovando, as opiniões da comunidade se dividiam, demonstrando que ainda não entendiam
24
O documento em Anexo, versão 2008, por duas reformulações em 2004 e 2008. Lembrando que as
reformulações foram de natureza complementar, o que não alteraram as linhas básicas gerais do projeto
constantes na primeira versão (2002)
101
bem a maneira como a Escola trabalhava, mas confiava-se na equipe; outra discussão foi a
respeito da construção do prédio da escola, que estava prevista para o final daquele ano. O
engenheiro responsável apresentou o projeto de construção da Escola e a notícia de que o
terreno destinado para aquela finalidade estava em trâmite legal de doação e que diante dos
fatos a Escola ainda permaneceria, no ano seguinte, em salas alugadas.
O ano de 2003 foi marcado por renúncias, mas também por conquistas. Afastaram-se
da Escola três professores, referências de liderança na equipe, o que abalou profundamente a
comunidade escolar. Além das causas particulares, os professores alegavam: sobrecarga de
responsabilidade, inabilidade em lidar com os conflitos relacionais internos, perda de
compromisso dos profissionais com os ideais do projeto educativo. Um dos professores,
presidente do CEC, acreditando não ter conseguido manter a coesão da equipe, convoca uma
reunião extraordinária com a presença do Secretário e comunica seu afastamento da Escola
declarando que o projeto tomava outros rumos dos quais se recusava a participar. Por sua vez,
entregou ao Secretário o Projeto, pedindo sua intervenção. Ainda os pais presentes nesta
reunião criticavam a prática pedagógica, alegando o não avanço dos seus filhos na leitura e na
escrita.
Diante da situação, o Secretário à equipe um prazo até o final daquele ano para
retomarem o Projeto, caso contrário convocaria uma nova equipe, ou se extinguiria o Projeto.
Para tanto, convocou uma reunião com a comunidade e, em Assembléia Geral, apresentou
duas pessoas que assumiriam a responsabilidade de assessorar os trabalhos pedagógicos e
administrativos da Escola, caso a equipe aceitasse. Acreditando que as assessoras poderiam
contribuir com um olhar de fora, a assessoria foi aceita e passou a dar assistência à Escola a
cada quinze dias.
A equipe aceitou a assessoria, mas recusou-se a iniciar as aulas com o quadro de
professores incompleto. O Secretário passou aos educadores a responsabilidade de buscar
novos integrantes. Na falta de professores efetivos interessados, a equipe contrariou as
exigências do Secretário e rompeu com o critério efetividade aceitando o ingresso de
professores contratados. Nesse caso a equipe assumiu a responsabilidade de passar aos novos
integrantes a socialização da proposta da escola e assegurar a integração com a equipe e com
as responsabilidades requeridas pela “Gestão Co-operada”.
Os trabalhos da assessoria atenderiam a dois propósitos: orientar as práticas de
alfabetização (reivindicação dos pais), e a organização administrativa da Escola. Para tanto
exigiram trabalhar apenas com os professores. Algumas ações foram alteradas: o
102
planejamento que era realizado com a presença de todos os profissionais passou a acontecer
sem a presença dos técnicos; os técnicos assumiram Tutoria junto aos pais e as mães enquanto
os professores estavam com as assessoras; desenvolviam-se neste dia, trabalhos livres sem
necessariamente atender ao pedagógico, como: artesanatos, jogos e recreação; as Assembléias
com os educandos, que até então eram feitas em sala de aula, de forma grupal, passaram a ser
realizadas no pátio reunindo todos educandos num grupo. Houve ainda uma tentativa da
assessoria em modificar o PPP da Escola, o que resultaria em mudanças na gestão e
consequentemente na organização pedagógica. O primeiro passo foi o incentivo a trazer de
volta as discussões sobre a gratificação aos cargos de Diretor, Coordenador e Secretário. Com
a ajuda de Paulo Eduardo dos Santos, (atual presidente do Conselho Municipal de Educação)
e, ainda sócio colaborador do CEC, a equipe elaborou um documento justificando o pedido da
gratificação que seria distribuída em partes iguais a todos os profissionais da Escola, tendo em
vista o envolvimento de todos no processo de gestão. Como foi apontada pela SME a
necessidade de colocar nomes de profissionais nos cargos, mesmo que fictício para requerer
tal direito, isso fez com que a equipe se reunisse novamente e repensasse: que escola estavam
buscando e o que poderia acontecer quando o suposto pedido fosse atendido. Vendo nessa
fictícia organização uma possibilidade de extinção do Projeto da Escola, a equipe desistiu da
idéia.
O importante é que mesmo com divergências geradas pelas opiniões diferenciadas,
as atividades seguiam, ora sob a liderança de um, ora sob a liderança de outro, e aos poucos a
integração acontecia. Assim, em meio a tantos acontecimentos, em dezembro de 2003, a
equipe decidiu apresentar à comunidade externa, os trabalhos desenvolvidos pela Escola,
realizando uma grande festa e entregando na ocasião as carteiras de identidade das crianças
confeccionadas pela Secretaria de Segurança Pública.
As apresentações culturais foram realizadas pelos educandos com o apoio dos
educadores, como uma noite de gala. O objetivo era ressaltar a auto-estima das crianças e
apresentar à comunidade os avanços conseguidos na leitura e na escrita. As apresentações
culturais destacavam as atividades pedagógicas de sala de aula e os trabalhos desenvolvidos
na Tutoria. As crianças autoras da Bandeira e do Brasão da Escola desfilaram ao som dos
aplausos, exibindo seus inventos. Desde então, a festa de fim de ano tornou-se o grande
evento, momento de confraternização da Escola e toda comunidade externa, reunindo
entidades religiosas e grupos populares da região.
103
No decorrer dos anos de 2003 e 2004, cinco professores efetivos integraram-se à
equipe, destes, três se afastaram, permanecendo a professora Cristina, com formação em
História e a professora Eliete, formada em Educação física. Eliete, tendo em vista sua
experiência anterior em outras escolas, como presidente do Conselho Deliberativo,
manifestou seu interesse em se apresentar à comunidade como candidata à presidência do
CEC, embora ciente de que enfrentaria um desafio diferente do então vivido. Apresentada
ao público em Assembléia Geral foi aceita e eleita pela comunidade.
No ano de 2004 mais uma vez a equipe é chamada para a revisão do projeto, na
tentativa de que fossem mudadas as questões administrativas. A assessoria convocou os
professores para uma reunião que duraria um dia inteiro de trabalho, e que não seria
necessário a participação dos técnicos, mas, a equipe recusou, exigindo a presença de todos.
Reuniu a comunidade e justificou a necessidade da suspensão das aulas neste dia para tratar
tais questões. Neste dia o Secretário também estaria presente para discutir sobre a construção
da Escola. Em assembléia, os educandos ao serem avisados da suspensão das aulas se
interessam em participar da reunião, pois gostariam também de saber a respeito da construção
da Escola. Organizam-se e compareceram, nove educandos. Foi quando as Ambiências
Temáticas foram efetivamente renomeadas. O Secretário não compareceu, mas eles deixaram
sua marca de participação.
Assim, quando a SME investe na possibilidade de intervir no programa da Escola, a
equipe se afirma resistindo à intervenção. Com a recusa dos profissionais, a assessoria
afastou-se da Escola. Mesmo assim, a primeira versão do projeto educativo que estava escrito
em linhas gerais, aquele que a equipe entendia como uma maneira de poder nesse espaço, se
movimentar, se organizar com diferentes ações educativas, sofreu algumas alterações.
O que se vivenciou nesse período na Escola liberdade colocou a equipe frente ao
desafio da retomada de seu Projeto. As ações da Escola passaram por um período mais
concentrado, em função do que constava em documento (PPP) que correspondia a uma
elaboração e sistematização da própria equipe após o grande diagnóstico e vivência no ano de
2002 e 2003. A resistência do grupo frente às investidas da SME, não significou um
rompimento com a mesma. Mas sim uma tomada de posição e defesa de um Projeto
construído coletivamente. Nesta fase os profissionais buscavam assegurar a realização do
Projeto e construção de sua autonomia. Ou seja, as buscas de subsídios para a elaboração do
mesmo que demandou muito trabalho e envolvimento de todos foram substituídas pela busca
de mecanismos que pudessem garantir o seu desenvolvimento.
104
No cotidiano da Escola, o projeto educativo passa a ser interpretado de duas formas:
a rigorosidade e as exigências por parte de alguns dos profissionais e pelo não cumprimento
por parte de outros. Os conflitos giravam em torno do compromisso em manter o que estava
sistematizado.
Uma vez pronto o projeto – instituído – para ser executado, a equipe passou a
vivenciar conflitos oriundos do compromisso de ter que cumprir metas estabelecidas. A
constante preocupação requerida pela equipe também gerou conflitos internos e muitas vezes
difíceis de resolver, pois nem todos que chegavam abraçavam as causas da Escola, ao
contrário, diante das dúvidas, das dificuldades em realizar um trabalho diferente do que
estavam acostumados influenciavam negativamente.
Porém, concordando com Rodrigues (1996), se a Escola se pretende democrática, ela
deve compreender e permitir tais conflitos, e ser capaz de administrá-los. Nesse sentido, não
deve ainda desenvolver nela atos que abafam ou eliminam as diferenças existentes. Mas sim,
procurar na sua forma de organização, permitir o aprendizado a respeito da natureza dos
conflitos e das contradições existentes, de modo a promover a abertura de espaços para que
outras interpretações ressaltem e contribuam com momentos de discussões e debates que
sirvam de novos encaminhamentos para o trabalho escolar.
Assim, me inspirando em Linhares (2007), as experiências realizadas pela Escola
Liberdade procuram diferir em um movimento criador estremecer o que foi organizado pela
história. No tocante à prática da gestão democrática isto quer significar a imprescindibilidade
de movimentos inovadores, apesar das recusas que eles provocam pelas suas estranhezas,
signo da perda, em algum grau, mas também de ganhos porque provoca inquietações e buscas.
Da mesma maneira, aderindo à idéia de Torres, compreendo que “[...] que nadar
contra a corrente, aproveitar a oportunidade conquistada e legalizada da participação
democrática, para assumir a definição dos rumos da escola, concebidos e debatidos no
coletivo.” (2006 p. 241). O importante é que a Escola mantenha permanentemente sua
característica instituinte
25
.
25
Entende-se por instituinte, uma ação que institui uma outra realidade, marcada pela includência de todos e
de forma inteira. Chamamos uma experiência de instituinte quando a mesma busca ressignificar, realinhar a
ação, dando lugar à diferença, ao mesmo tempo em que luta contra as desigualdades. (STERING, apud
LINHARES, 2008)
105
4 INOVAÇÕES NA GESTÃO: DO PRETENDIDO AO ALCANÇADO
Eu gosto tanto desta escola! Ela é como um útero...
Tão pequenininha... mas cuida dos filhos da gente dando vida.
Ela cuida das crianças e dá uma nova vida,
como se fosse uma outra mãe.
Eu sinto como se minha filha passasse por um outro
nascimento
Depoimento de uma mãe
quase um século, Almada Negreiros
26
dizia que, no tempo em que nasceu, todos
os tratados que deveriam fazer mudar o mundo estavam escritos, e que faltava uma
coisa: mudar o mundo. Ora, se o sonho é o que nos embala e nos coloca em movimento, se é a
poesia que nos move na Escola Liberdade, sem prescindir do debate, ousa-se sonhar, trazer a
poesia, a arte, o lúdico como elementos essenciais de uma educação para a transformação de
cada um, do outro e do mundo.
Quando a Escola Liberdade iniciou seus trabalhos, as dificuldades vivenciadas se
concentravam na tentativa de desconstruir conceitos, hábitos internalizados, enfim de
conviver com o ainda não experienciado. Insegurança, medo, coragem, eram sentimentos que
se misturavam, mas as buscas de construção do novo eram mais fortes. A clareza que se tinha
até então era de que o modelo de escola que tínhamos e que ainda temos, posto ser este
hegemônico, provou ser insuficiente para garantir uma educação autônoma e
emancipatória. Vivemos num tempo em que ainda, paradoxalmente, se discute a escola como
objeto inerte e agonizante, não questionável, imutável.
A Escola Liberdade está circunscrita em uma região sob jurisdição da Secretaria de
Educação do Município de Cuiabá e, portanto, sob normatizações e leis que regem seu
funcionamento. Assim, mesmo desejando e sonhando com uma escola diferenciada, não
prescinde destas leis. Como então adequar sonho e realidade? O sonho não se desconecta da
realidade. Pelo contrário, a realidade é elemento essencial do sonho, é por causa dela e pelo
desejo de transformá-la que sonhamos, criamos utopias que nos colocam em movimento, na
26
Escritor e artista plástico, José Sobral de Almada Negreiros nasceu em S. Tomé e Príncipe a 7 de Abril de
1893. Foi um dos fundadores da revista Orpheu (1915), veículo de introdução do modernismo em Portugal,
onde conviveu de perto com Fernando Pessoa. Além da literatura e da pintura a óleo, Almada desenvolveu
ainda composições coreográficas para ballet. Trabalhou em tapeçaria, gravura, pintura mural, caricatura,
mosaico, azulejo e vitral. Faleceu a 15 de Junho de 1970 no Hospital de S. Luís dos Franceses, em Lisboa, no
mesmo quarto onde morrera seu amigo Fernando Pessoa.
106
construção de um projeto que aproxima ou antecipa a utopia de uma educação para a vida,
não prescinde também de uma reflexão sobre a realidade. A constituição da Escola partiu de
uma demanda da comunidade, da ausência de salas de aula para atender as necessidades das
crianças daquela localidade.
Pode-se dizer que nestes seis anos de vivência, entre avanços e recuos, a equipe
cresceu. Uns mais, outros menos em diferentes aspectos, cada um a seu tempo, marcado por
suas individualidades. Como me disse uma das meninas, em entrevista, o que é legalé que
todos são o que são de verdade. Tudo isso porque aprender precedeu ensinar ou, em outras
palavras, “[...] ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender.” (FREIRE,
1996, p. 24).
Neste capítulo apresento os trabalhos desenvolvidos pela Escola Liberdade nos anos
de 2006, 2007 e em parte de 2008. Os estudos seguem de acordo com as informações mais
recentes nos anos citados, após a incorporação da nova administração municipal na SME.
Algumas alterações foram feitas em função das exigências da nova administração. Mas, o que
se perde? O que se ganha? Como a equipe interpreta e convive com essa nova realidade
apresentada pelo poder público?
As mudanças ocorridas, as opiniões diversas da comunidade escolar, onde aparece o
que de fato ainda permanece que mantém o espírito coletivo da equipe e o que é que se torna
relevante para a formação das pessoas que por transitam, como afirmam os educadores em
seus depoimentos. Os tópicos que serão percorridos nesta parte do estudo são intrinsecamente
interdependentes um do outro, abrangendo algumas reflexões sobre as mudanças mais
recentes ocorridas na Escola Liberdade, apontando indícios instituintes refletidos em tempos e
espaços que são organizados e reorganizados constantemente, buscando assegurar uma cultura
pedagógica com maior includência e “[...] amorosidade partilhada que proporcione dignidade
coletiva e utópicas esperanças em que a vida é referência para viver com justiça neste
mundo.” (FERNANDES, 2008, p. 37)
4.1 Reuniões do CEC: participação político-pedagógica
Historicamente a abertura para participação coletiva (comunidade externa,
profissionais diversos da educação e educandos) na gestão escolar não é uma cultura, no
entanto, acreditando que essa história pode ser escrita num outro contexto, a Escola Liberdade
107
cria condições que propiciam a formação da comunidade escolar para o exercício da
cidadania, promovendo ações didático-pedagógicas voltadas para a promoção do sujeito
construtor da sua história. Ex.: as discussões nas reuniões do CEC, na Assembléia Geral e nas
Assembléias Mirins, assim como a alegria nos eventos internos, organizados, ora pelos
educadores, ora pelos educandos, buscando valorizar as diferentes idéias e conhecimentos, a
liberdade de expressão e a presença dos familiares na unidade escolar, são momentos que
contribuem para a emancipação das pessoas ao mesmo tempo em que promove a integração
social.
Nesse sentido, Rios afirma que:
Cidadania e felicidade são intercomplementares e ganham sentido num espaço
verdadeiramente democrático em que as ações e as relações sustentam-se em
princípios éticos: afirmam-se as identidades no diálogo, no respeito mútuo, na
justiça e na solidariedade e buscam-se condições de uma vida digna
(2006, p.
124).
Foi olhando por essa lente, e perguntando o que a Lei permite realizar, que no
primeiro momento o Projeto da Escola Liberdade foi idealizado, buscando colocar acima de
tudo os sonhos, os desejos da comunidade escolar.
A LDB/96 estabelece nos artigos 14 e 15 um princípio e duas diretrizes para
implantação do princípio constitucional da Gestão Democrática:
O princípio:
Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação
básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa
e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público
(Artigo 15 p. 47)
Diretrizes:
I participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político
pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em
conselhos escolares ou equivalentes. (Artigo 14 p. 47)
Este princípio e diretrizes estão reafirmados na Lei de Gestão Democrática do
Município de Cuiabá, nº 4.120, de dezembro de 2001, Artigo 96:
Mantidos os princípios gerais desta lei, outras formas de organização político-
administrativa e pedagógica poderão ser propostas por unidade ou conjunto de
unidades escolares ao Conselho Municipal de Educação e, aprovados por este,
ganharão eficácia após homologação do Secretário Municipal de Educação
(SANTOS, 2006, p. 114).
108
Assim, quando na LDBEN/96 e na LGD do município de Cuiabá está instituída a
autonomia da escola em se organizar em função da boa formação do educando e que, para
tornar esses princípios efetivos criam os conselhos como representantes dos segmentos dos
profissionais, da comunidade e dos educandos, para serem instâncias de apoio, a primeira
preocupação como condicionante favorável a essa integração é a organização funcional da
gestão. Na Escola Liberdade, como a gestão é de responsabilidade do CEC e, que na sua
composição, todos os profissionais da Escola são membros respectivos, preserva-se como
primordial o andamento das reuniões ordinárias, momento em que todos os membros apontam
as possíveis falhas do processo e sugestões de mudanças, e prestam conta dos recursos
financeiros utilizados pela Escola. É, portanto, o espaço de discussões e encaminhamentos,
das ações gerenciais da Escola.
As reuniões acontecem mensalmente em caráter ordinário e, de acordo com as
exigências circunstanciais, podem acontecer a qualquer momento, em caráter extraordinário.
Nas reuniões do CEC são discutidas e decididas as formas de utilização do tempo e do espaço
pedagógico. Organizam-se os planejamentos, os princípios de enturmações as avaliações dos
educadores e dos educandos, e os eventos festivos que, além da intenção recreativa, visando à
integração constante da comunidade escolar são também considerados momentos
pedagógicos, pois é no incentivo à participação nesses eventos que os educandos aprendem a
se comunicar melhor, a resolverem questões relacionais e comportamentais, ao se sentirem
integrantes como sujeitos que criam, inventam, representam, trabalham e se educam.
4.1.1 As formas de planejamento: organização e aprendizagem
Planejar é a forma que as pessoas utilizam para se organizar em função de alcançar
objetivos. É assim no dia a dia das pessoas, em todos os afazeres aos quais se dedicam. Ao
planejarmos levantamos hipóteses, imaginamos metas e traçamos caminhos para alcançarmos
o que almejamos. Nas empresas, todos se organizam com finalidades de se superarem a cada
dia em quantidade e qualidade nas suas produções. Na escola, o objeto de trabalho é o
estudante e o produto é a sua formação. E essa formação deve decorrer da compreensão do
educador que sua prática de ensino deve prever também a sua formação. Nesse caso o diálogo
é aberto e questionador dos seus próprios conhecimentos.
É, preciso que a educação esteja em seu conteúdo em seus programas e em seus
métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito,
109
construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens
relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história... (FREIRE, 2005 p. 45).
Neste sentido, o cuidado ao planejar ações escolares deve considerar importante o
espaço e a ambientação adequados não só para a produção, mas principalmente para o
acolhimento e o desempenho da formação pessoal, vista como primordial desencadeadora do
processo de ensinar a aprender e a produzir. Como planejar nessa perspectiva? Segundo
Freire, “[...] o ponto de partida deve estar sempre nos homens, no seu aqui e no seu agora
[...]Somente partindo desta situação que determina a percepção que eles têm - podem começar
a atuar.” (2005, p. 95). Planejar nesse sentido, não se trata de pensar uma educação voltada
apenas para o conhecimento de coisas que correspondem a uma necessidade externa, trata-se
de primar pela pessoa, pela promoção do autoconhecimento; é pensar em conteúdos,
programas e métodos que permitam aos educandos e educadores serem sujeitos
reciprocamente formadores no processo educativo.
Na Escola Liberdade, tornou-se costumeiro que em todo início do ano letivo durante
uma semana, os educadores se dediquem ao planejamento anual. Nesse planejamento os
educadores organizam ações que possam interagir no processo de alfabetização como
condição primeira para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, portanto, não é uma
atividade que se esgota num tempo ou numa disciplina, é a base do processo educativo,
presente em todas as áreas do conhecimento. Um tema que contemple valores sociais de
relações é escolhido, e os professores, de acordo com as ambiências pelas quais se
responsabilizarão durante seis meses, fazem um planejamento prévio, mas não definitivo das
áreas do conhecimento.
Na prática das aulas, o exercício das atividades programadas obedece alguns passos
na sua realização: o primeiro corresponde ao processo que possibilita aos educadores
conhecerem os educandos, que dura aproximadamente 20 dias; após esse período, no decorrer
das aulas, a equipe reúne-se a cada 15 dias, retoma o planejamento e direciona as atividades
específicas das ambiências, de modo a trabalhar as necessidades detectadas durante o período
de sondagem e diagnóstico. Tais atividades mesmo correspondendo às especificidades
requeridas pela ambiência, tendo como foco a prática pedagógica, a alfabetização, o principal
determinante do processo é a formação da criança na sua essência pessoal. Por isso, no
decorrer do ano letivo, esses planejamentos sofrem alterações, procurando dentro das
possibilidades dos educadores que as ações planejadas correspondam às necessidades
pessoais, emocionais e cognitivas apresentadas pelo educando. Essas organizações advêm das
110
observações cotidianas sobre o processo, o que possibilita aos educadores estarem em
constante avaliação dos trabalhos que realizam e a auto-avaliação das suas atitudes.
Vale lembrar que, até o ano de 2005, todo início do ano letivo a SME organizava
com as escolas municipais uma semana de estudos pedagógicos, dividida em dois momentos:
no primeiro, as escolas se encontravam para socializar seus trabalhos desenvolvidos no ano
anterior, bem como a forma como organizavam os estudos internos; no segundo se dividiam
para individualmente (cada escola), planejar as ações do ano corrente. Nesse segundo
momento dava-se às escolas a liberdade de se organizarem no seu tempo de planejamento e na
preparação do espaço escolar para receberem os educandos. Caso as escolas se organizassem
antes ou depois do tempo previsto pelo calendário da SME, elas tinham a autonomia de
antecipar ou adiar o início das aulas, desde que fizessem o próprio calendário dentro das
normas da carga horária anual de direito do aluno e dever da escola, e comunicassem a
decisão, com antecedência, à SME. Até então, as relações da Escola com a comunidade
externa e o poder público, apesar das dificuldades de entendimentos nesta integração, eram
estabelecidas mantendo o respeito às diferenças reais vivenciadas pelas escolas.
A partir de 2006, a nova administração da SME, determinou um mesmo calendário
escolar para todas as escolas, com a proposta de que todas teriam o mesmo tipo de
atendimento e o mesmo tempo e espaço para cumprir suas atividades regulares. A semana
pedagógica deixou de ser momentos de troca de experiências entre as escolas e passou a ser
momento de estudos de formação, direcionado a todas as escolas.
Nesse novo contexto a equipe da Escola Liberdade para manter o planejamento
interno coletivo tem-se organizado no curto espaço de tempo que lhe é permitido entre os
períodos das aulas, que se iniciam logo após a semana pedagógica. Assim, o ano letivo
escolar é iniciado com uma aula inaugural, para recolhimento dos educandos e informação
aos seus familiares sobre o prazo previsto para a efetivação da programação anual e a data de
apresentação na Assembléia Geral.
4.1.2 Princípios de enturmação: respeito e afetividade
É comum nas escolas, enquanto espaço físico, que sejam divididas em salas e que
nelas a ocupação se dê de forma homogênea, segundo critérios do histórico escolar, para
facilitar o processo do ensino aprendizagem. Esta forma de organizar o espaço escolar retrata
111
um imaginário herdado dos nossos antepassados, que retratam também as formas de
organização social em que vivemos. Dividimos e classificamos tudo por níveis e graus que
correspondem a julgamentos de certo e errado, maior e menor, bom e ruim, enfim sempre no
sentido de classificação.
É assim também no nosso dia-a-dia, estamos sempre priorizando esta ou aquela
atividade, utilizando critérios seletivos de acordo com a nossa organização, que obedece
também ao nosso grau de interesse. Então, costumamos atender àquilo que, a nosso ver, está
em primeiro plano. Esse interesse também está presente nas nossas relações com os outros.
Segundo Bordenave (1994), as relações com os outros seres é um fenômeno natural
da vida. Sentimos necessidade do outro por várias razões e, principalmente, porque achamos
que nessa relação, nos tornamos mais fortes, mais dinâmicos, mais gente, porque nos auto-
afirmamos no reconhecimento do outro. Começamos esta relação no seio familiar, quando
incondicionalmente nos tornamos, de fato, parte desse convívio mútuo com aqueles que já são
parte e que nos acolhem. Nesse mesmo convívio, aparentemente iguais, nos tornamos mais
próximos a quem nos demonstra maior afinidade. Por isso, tendencialmente já fazemos nossas
escolhas nos aproximando mais de uns do que de outros. Não necessariamente porque não
consigamos nos relacionar com os demais, apenas pelo fato de nos sentirmos mais seguros e
mais à vontade quando a afinidade permite sermos nós mesmos.
Após ouvir alguns educadores da Escola Liberdade, em 2006, pude perceber que,
embora não se refiram explicitamente a teoria alguma ao priorizarem outras formas de
agrupamento do educando, eles apostam na afinidade como possibilidade de melhores
resultados no processo de ensino-aprendizagem, como também de facilitar o processo de
interferência pedagógica nos princípios da formação da pessoa, conforme está previsto no
PPP da Escola.
Embora pareça estranha a forma de enturmação dos educandos em sala de aula, por
idade ou afinidade, ela encontra respaldo na LDBEN/96, em seu art. 22, quando dispõe que
“A educação Básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores”. E fornece o amparo legal para que a escola se organize de
formas variadas, desde que sejam observadas as normas curriculares e os demais dispositivos
da legislação (NAVARRO, 2006 p. 14).
112
Assim, de acordo com a LDBEN/96, não só a enturmação por séries, como ciclos, ou
mesmo com base na idade, na competência ou outros critérios é sugerida, desde que o
interesse da escola seja promover da melhor forma possível a formação do educando. Até
2007, esta foi a forma que os educadores adotaram para o agrupamento dos educandos, ao
invés de fazê-lo por determinação do histórico escolar, priorizando a proximidade de idade e o
nível de aprendizagem. Há todo um cuidado prático neste sentido, explica a professora
Marilei:
Ao adotarmos esta forma de enturmação não ignoramos o ano ou série constada no
currículo do educando, apenas agimos assim durante um período de adaptação das
crianças à escola e aos novos colegas. Acreditamos que, quando as crianças têm
mais ou menos a mesma idade, elas se entendem melhor na sala de aula, porque
não existe o pensamento de que o maior sabe mais [...] e dessa forma fica também
mais cil da gente desenvolver um trabalho, porque entre eles uma troca de
entendimento e eles aceitam a ajuda do outro. [...] é lindo ver a preocupação deles
querendo que o outro também faça a tarefa. (março, 2007).
Faz parte deste princípio de enturmação, que todos os professores e educandos
tenham a oportunidade de se relacionar com todos. Por isso, é uma das normas da Escola não
adotar em cada grupo ou turma um professor regente, porque desta forma, os educandos
passam por todas as ambiências, e têm contato com todos os professores durante o seu
desenvolvimento de aprendizagem.
O processo de agrupamento segue este procedimento: todo início de ano letivo, os
educandos são agrupados em número de 20 a 25, de acordo com a faixa etária. A finalidade
dos educadores, conforme diz a professora Marilei é procurar aproximar-se e conhecer as
crianças, ao mesmo tempo em que se procura identificar o nível de conhecimento em relação
ao seu histórico escolar. Encerrado o diagnóstico, os educadores reúnem-se e decidem o
reagrupamento, momento em que são agrupados de acordo com o ano de escolaridade
constante em seus currículos.
Quando, na realização desse diagnóstico, é percebida a defasagem de aprendizagem
em relação à idade ou ao histórico escolar, outras providências são tomadas. Se o número de
crianças que apresentarem esta situação for pequeno, o educador procura recuperar a
aprendizagem desta criança, no mesmo grupo e no mesmo tempo de aula, ou em momentos
específicos num outro horário, caso seja esta a melhor forma de fazê-lo. No caso de um
grande número cria-se uma turma em horário alternado com atividades programadas
especificamente para possibilitar o avanço. Tanto no primeiro caso, quanto no segundo, as
providências são tomadas dentro dos princípios da Tutoria, por se tratar não só da recuperação
113
da aprendizagem, mas principalmente pelo tratamento especial do tutor visando à recuperação
da auto-estima, quadro que geralmente se evidencia nestes casos. Portanto são aulas que, além
do apoio à aprendizagem, se processam na Tutoria porque a preocupação e a própria ação da
equipe com os educandos embasam-se numa dimensão que vai além de constatação da
deficiência no desempenho normal do seu processo de aprendizagem, que é a recuperação de
acreditar em si mesmo, da sua autoconfiança e autonomia.
O agrupamento também pode não ser definitivo, ou sem um tempo determinado
durante o ano letivo. Dependendo das necessidades de interferência pedagógica observadas
pelos educadores, os educandos podem passar por vários outros agrupamentos, embora não
seja uma prática constante na Escola.
Segundo a Professora Marilei,
Depende do desenvolvimento de cada um. Existe uma cobrança muito grande por
parte das outras escolas, para que a criança aos oito anos de idade saiba ler e
escrever com certa fluência e como está previsto, segundo informações da
Secretaria de Educação que a partir do próximo ano a escola Liberdade passará a
atender alunos do 1º ao ano, nós preocupamos também com isso e estamos nos
organizando para que possam sair daqui com o máximo de aprendizado possível,
para não sofrerem maiores conseqüências lá fora. (outubro, 2007).
Isso justifica também as diferentes formas que os educadores buscam para programar
as ações, sejam elas direcionadas a uma finalidade específica e emergencial para resolver e
encaminhar algumas questões, ou simplesmente como estratégias para diferenciar as
atividades rotineiras.
Conversando com a professora Silma sobre o que ela via e sentia em relação à
vivência na Escola, ela relatou o seguinte:
Sem dúvida, eu sinto que a preocupação não é com o aprendizado, mas também
em torno de tudo que se refere à criança, como também com todos, é tanta que
chega a ser estressante, e que essa preocupação não se apresenta no mesmo nível e
compreensão de cada um. Mas isso existe e eu acho lindo. Eu ainda acho que falta
mais rigorosidade e persistência naquilo que se propõe. Não porque não se quer
fazer, mas eu vejo que o envolvimento com as questões burocráticas supera, na
maioria das vezes, em relação ao que se propõe no dia-a-dia, transformando num
clima tenso porque, de um lado, existe um compromisso, que é o de manter o bem
estar para as crianças e proporcionar o avanço no aprendizado, de outro, atender
as burocracias exigidas pela SME, porque a Escola também depende disso. [...] mas
o que ainda faz com que a gente valorize a Escola Liberdade é a própria liberdade
que a gente tem pra lidar com as situações. Eu acho que apesar dos desesperos que
tudo isso causa, o bem comum ainda supera (Depoimento em reunião de avaliação
do CEC. Novembro de 2007)
A professora Silma é contratada. Ao falar da sua experiência com a educação diz que
sempre procurou trabalhar o aluno como um todo, e que, o que diferencia sua prática na
114
Escola Liberdade é a própria liberdade para fazer suas escolhas de experiências individuais,
mesmo havendo um planejamento coletivo. Mesmo que decidido entre conflitos, no cotidiano
respeita-se a iniciativa que lhe é peculiar. E isso, reafirma:
[...] reforça a auto-estima do professor na sua prática e o incentiva a buscar mais e
mais formas para o aprendizado da criança”. Na relação da equipe com o todo,
uma grande preocupação de todos, não só dos professores em relação à criança na
questão do aprendizado em si, mas principalmente do que pode ser buscado para
que esse aprendizado aflore de maneira tranqüila. Por isso eu acho importante a
maneira lúdica que a Escola adotou para agrupar as crianças em sala, o cuidado
com que tudo é organizado deixa a criança sem medo e livre para aprender. A gente
vê, sente a felicidade delas. E isso é porque elas sentem que são valorizadas
(novembro 2007)
Para ela falta um pouco mais de persistência da equipe na seqüência dos trabalhos
programados. Cita a feira de ciências e a re-enturmação no mês de setembro (2007) que foram
realizadas objetivando avançar na alfabetização. Como houve mais determinação no que se
propôs, chegaram a um resultado consideravelmente satisfatório até em relação às crianças de
6 e 7 anos, “mesmo os considerados especiais avançaram na leitura, na escrita, e o que é
melhor, se sentiram inclusos, valorizados”.
4.1.3 As formas de avaliação: o processo e o produto educativo
O processo ensino-aprendizagem é muito mais importante do que a simples
mensuração de resultados obtidos pelos estudantes em avaliações que visam identificar, na
sua maioria, somente alguns dos conhecimentos adquiridos. Mesmo que o CEC opte por
iniciar a avaliação da escola pelo desempenho discente (NAVARRO, 2004), não se pode
perder de vista o processo como um todo. Deve-se, portanto, avaliar o desempenho dos
educandos procurando estabelecer um programa que contemple as demais dimensões do
processo educativo, tais como: o contexto social, o processo de gestão democrática, as
condições físicas, materiais e pedagógicas da escola e o desempenho dos educadores docentes
e não docentes.
Na Escola Liberdade essa compreensão está contemplada nas formas de avaliação
utilizadas pela equipe em duas dimensões principais: a avaliação do desempenho dos
educadores e dos educandos. 1) A dos educadores está relacionada à prática de gestão,
referente às questões administrativas e pedagógicas, numa visão geral do CEC e é feita em
dois momentos: em reunião anual de avaliação do CEC, momento em que os conselheiros
115
procuram fazer uma auto-avaliação da sua atuação enquanto conselheiro - gestor e educador -
e, na Assembléia Geral, em que a atuação da equipe, as ações desenvolvidas e o desempenho
das crianças, se põe à avaliação da comunidade. 2) A avaliação do desempenho dos
educandos não é feita de forma sistemática em que se cobra do aluno o domínio de um
determinado conteúdo para efeito de nota. O que não exime os educadores do compromisso
de conduzir as atividades de maneira sistemática. O acompanhamento do desempenho dos
educandos é diário, observando-se três aspectos: o cognitivo, o afetivo-social e o produtivo.
As atitudes que segundo os educadores merecem um atendimento especial são levadas às
reuniões internas, discutidas no coletivo e, daí, são decididos novos encaminhamentos. Essas
observações, até 2005, eram registradas e transformadas em um relatório descritivo sobre
desempenho do educando e os métodos utilizados pelos educadores durante o processo. Esse
relatório respeitava o tempo exigido pelo sistema de automação escolar da SME a cada
bimestre. Porém, dava-se às escolas a autonomia de criar o próprio formulário para os
registros.
A partir de 2006, conforme normas da nova administração da SME, os professores
registram o desempenho observado em um formulário denominado Dossiê do Aluno, comum
a todas as escolas do Município de Cuiabá. Esse histórico contempla as informações
requeridas pelo sistema, como prova de competência do educando no ano em que sucede seu
estudo. Nesse documento a Escola obedece às normas convencionais exigidas e faz constar se
o educando avançou ou não, nas perspectivas do próprio documento.
Conversando com a professora Marilei, registrei seu comentário sobre avaliação, o
que considerei importante aqui apresentar:
A avaliação começa desde a enturmação no início do ano e em todas as outras,
porque pra fazer esta enturmação, [...] primeiro procuramos saber quem é esta
criança a gente já percebe como ela é, como está sua auto-estima, e vamos vendo
o que fazer. Quando a criança tem dificuldade em se relacionar, geralmente
quem procura fazer essa abordagem é aquela pessoa que mais se identifica com o
caso apresentado por ela, que tanto pode ser um professor ou um técnico. Se a
criança também corresponde, demonstra afinidade com este educador começa um
trabalho que s chamamos de Tutoria. [...] Com isso a gente vai percebendo do
que ela gosta e procura ensinar a partir daí. [...] é assim o ano todo; mais pro
final do ano é que a gente passa a dar mais ênfase, a preocupar mais com os
conteúdos, aporque é que as crianças passam a entender melhor e dar mais
importância ao que se ensina. Principalmente com quem já está cursando a 4ª série,
que vai para outra escola no próximo ano, que provavelmente vão cobrar delas uma
forma mais sistemática dos conteúdos. (março, 2007).
O interessante é que no meio da conversa, ela um sorriso e diz que nem sempre
ela teve essa clareza e que talvez estivesse fazendo essa reflexão agora.
116
Eu acho que isso acontece com todo mundo aqui. A gente vai fazendo porque acha
que é certo, guiado por uma coisa boa que é querer o melhor para o outro, nesse
caso, o beneficiado diretamente é a criança e indiretamente nós, que aprendemos
muito com elas ( março, 2007).
Analisando o depoimento da professora pelo ponto de vista freireano, vejo que esta é
uma das competências que correspondem a uma pedagogia voltada para a autonomia de
sujeitos na relação dialógica, pois é “[...] aprendendo socialmente que, historicamente,
mulheres e homens descobriram que é possível ensinar... e é por isso que ensinar inexiste sem
aprender.” (FREIRE, 1996, p. 24).
Mas a professora mostra também que, aliada a esta prática, existe a preocupação
ligada à dependência da finalização do documento escolar, de uma aprovação em termos
numéricos, embora não explicitados, mas subentendidos no Dossiê do Aluno. Embora na sua
explicitação demonstre que o mais importante na avaliação da Escola é o crescimento pessoal
da criança, mostra ainda que é preciso preocupar-se com as questões formais e sistemáticas,
uma vez que, não sendo o educando permanente na Escola Liberdade, não se deve colocar em
jogo sua vida escolar num outro espaço.
A avaliação do educando acontece nas observações do dia-a-dia da escola e é
acompanhada mais especificamente pelo seu educador tutor. Em reuniões internas esta
avaliação é socializada e discutida entre os educadores, que juntos planejam formas de
atuação pedagógica para solucionar casos considerados especiais, tanto no que se refere à
aprendizagem da leitura e da escrita, quanto das dificuldades apresentadas nas relações
interpessoais. Por isso, na Escola Liberdade essa observação avaliativa ocorre em todos os
momentos da vida escolar do educando. Na sala de aula, nos momentos recreativos e nos
eventos, pois em todos deve estar presente a proposta pedagógica de formação cidadã. E,
considerando que nesta prática prioriza-se a formação do sujeito enquanto pessoa, a proposta
é constatar em que sentido esta formação procede.
Os eventos em si são comuns, as reuniões mensais do CEC, as datas comemorativas
normais em todas as escolas como: a páscoa, o carnaval, dia das mães, do trabalhador, dos
pais, a entrada da primavera, amostra dos trabalhos realizados em sala de aula à comunidade,
dia das crianças, dia dos professores e outros; apenas as sextas (feiras) culturais, as
assembléias de avaliação das ações da escola, as assembléias mirins e dia da PECHINCHA,
são menos comuns em relação a outras escolas, como também os considerados grandes
eventos: a comemoração de aniversário dos educandos e educadores que acontece em dois
117
momentos, sendo um em cada semestre do ano letivo; e a grande festa de confraternização de
fim de ano como fechamento das atividades.
A comemoração dos aniversariantes é realizada no espaço da escola entre educadores
e educandos nos dois períodos, matutino e vespertino. A festa de fim de ano é realizada na
quadra de esportes do Bairro Osmar Cabral, aberta a toda comunidade dos Bairros adjacentes.
A cada ano as apresentações retratam o estilo dos educandos e educadores da atualidade da
escola.
Uma característica marcante nos educadores da Escola Liberdade é, sem dúvida, o
entusiasmo demonstrado na realização de qualquer atividade, seja ela simples como o fato de
uma criança, de repente, identificar seu próprio nome entre os outros, num painel; uma
brincadeira de pega-pega; a apresentação de uma dança ou coreografia nos eventos da escola
criada pelas próprias crianças. Enfim, é fazer desse simples o grande significado da alegria e
do prazer. A equipe procura extrair da vivência das ações que desenvolvem o que de
melhor e mais forte para superação dos conflitos causados, muitas vezes, por não conseguirem
administrar algumas emergências. Essa observação não é só minha. Conversando com pessoas
da comunidade local que sempre transitam pela Escola, com visitantes de outros locais, com
os educandos e com alguns pesquisadores, percebi que é também de todas essas pessoas que,
inclusive falam desse entusiasmo com certa curiosidade, porque não conseguem avaliar de
imediato a razão disso.
Eu acho que aqui todo mundo gosta de trabalhar em Escola, só pode ser isso
(Depoimento de uma mãe em visita à Escola em dezembro 2007) .
O que eu vejo nessa Escola e que inclusive gostei é que tem muita discussão, hoje
mesmo eu cheguei mais cedo pra reunião do Conselho e participei de uma outra
reunião. A discussão era sobre cumprimento das obrigações dos professores e todo
mundo fala mesmo. Parece que ninguém esconde nada. E isso pra mim é bom. O
que eu também gosto é que mesmo com os problemas que toda escola tem não é só a
nossa, todo mundo é alegre e meu filho gosta demais daqui. (ALCIDES, conselheiro
segmento dos pais)
Mesmo considerando os anos de 2006 e 2007 como difíceis, nos quais o clima de
alegria muitas vezes foi substituído pelas tensões ao tentarem equilibrar as necessidades
emergenciais da Escola e o compromisso de estabelecer um diálogo que sustentasse as
relações entre os sistemas (Escola SME), as ações foram realizadas.
118
4.1.4 Assembléias: possibilidades e limites da participação
“A cidadania radica no coletivo, é uma condição de relação com o outro não
cidadania no isolamento, na exclusão -, por isso implica uma situação de partilha”
(BORDIGNON, 2004, p. 57). Por isso um dos princípios que fundamentam o conceito de
cidadania é sem dúvida a participação. É através da participação que podemos opinar, exigir,
contestar e aceitar, mas acima de tudo de nos formarmos coletivamente como sujeitos sociais.
Para Bordenave, a participação se define de duas formas: a ativa e a passiva.
Segundo o autor essa definição mostra o nível de participação, e permite, ainda, mostrar a
distância entre o cidadão inerte e o cidadão engajado. Alega também que o que importa na
participação não é o quanto se participa, mas sim como se participa, e isso depende da
qualidade dessa participação. Segundo o autor, o homem não nasce sabendo participar, e esta
é uma habilidade que se aprende e se aperfeiçoa. Por isso,
A qualidade da participação se eleva quando as pessoas aprendem a conhecer sua
realidade; a refletir, a superar contradições reais ou aparentes; identificar premissas
subjacentes; a antecipar conseqüências; a entender novos significados das palavras;
a distinguir efeitos de causas, observações de inferências e fatos de julgamento.
(1994, p.72 - 73).
Diante das afirmações do autor, as finalidades das escolas da atualidade,
comprometidas com a prática pedagógica e a prática social, são principalmente as de
promover os meios educativos comprometidos com uma formação que ajude aos educandos e
aos educadores a construírem e desenvolverem o espírito participativo. Esses meios, quando
buscados de forma crítica às práticas convencionais, podem proporcionar inquietações,
indignações (GADOTTI 2001), mas acima de tudo contribuir com a conscientização dos
educadores e dos educandos. Trata-se de “[...] uma pedagogia que vai buscar no interior da
escola, respostas pedagógico-didáticas que permitam o exercício dessa crítica, a partir das
próprias determinações sociais das situações pedagógicas concretas.” (LIBÂNEO, 1985 p.
12). É nesse sentido que posso afirmar que a prática social requerida pela Gestão Co-operada
é, principalmente, pedagógica. Nessa compreensão, toda ação desenvolvida na Escola
Liberdade tem como objetivo o aprimoramento do exercício participativo, seja ela de caráter
formal, onde a finalidade seja refletir o seu papel no cumprimento da legislação, ou a
organização de programações voltadas ao lazer; procura-se resolver ambas as preocupações
sem necessariamente anular uma ou outra. Este equilíbrio é que sustentação e versatilidade
à prática educativa.
119
As assembléias representam um momento do diálogo, um momento que a escola
destina de maneira exclusiva a promover a participação por meio da palavra. Durante as
assembléias, educadores, educandos e comunidade local reúnem-se para refletir e tomar
consciência de si mesmos, transformar tudo aquilo que seus membros consideram oportuno.
É, portanto, um momento organizado para que os sujeitos desenvolvam sua competência de
falar e ser ouvido, criticar e ser criticado, mas acima de tudo de reconhecer e ser reconhecido.
É um espaço de aprendizagem mútua, em que os sujeitos exercitam sua autonomia, mas
principalmente a auto-regulação, ou seja, aprende-se que no diálogo coletivo sua vez e voz
estão assentadas no respeito ao outro, por isso as possibilidades e os limites se juntam e se
separam na ambigüidade
27
do próprio exercício.
Na história de construção do projeto educativo da Escola Liberdade, as assembléias
têm uma importância especial de formação política. Seria impossível contar a história de sua
criação, sem um destaque exclusivo sobre o real significado das Assembléias. Esta forma de
se reunir para tomar decisões marcou os momentos mais relevantes nos trabalhos da escola.
Foi em assembléia no ano de 2001, que os moradores do bairro Jardim Liberdade
aprovaram a criação da Escola nos moldes da nova proposta apresentada pelo grupo de
educadores. Foi em assembléia que esta comunidade escolar (moradores e profissionais da
Escola), em eleição aberta, aprovou e criou o CEC como órgão gestor da Escola. Desde então,
as Assembléias passaram a ser a instância máxima de gerência na construção do CEC e no
exercício das ações pedagógicas, sob a denominação de Assembléia Geral.
Do ponto de vista formal da constituição do CEC, a Assembléia Geral é a instância
maior nas deliberações no que tange ao gerenciamento da Escola, porque as decisões
institucionais são nela decididas. Os membros do CEC são representantes e mediadores entre
a escola e a comunidade, que é por eles acionada formalmente no início e no final do ano
letivo, para apresentação do planejamento anual da escola e avaliação das ações que foram
propostas e desenvolvidas no decorrer do ano. Pode também ser acionada
extraordinariamente, caso os membros do CEC reconheçam a necessidade no cotidiano
escolar.
Cabe ressaltar que embora toda a comunidade externa local seja convidada a
compartilhar da Escola, não como “amigos da Escola”, mas sim como co-participantes na
27
Ambigüidade (lat. Ambiguitas: Duplo sentido) 1. Duplo sentido de uma palavra ou de uma expressão. 2.
Condição do ser humano que reside na impossibilidade de fixar, previamente, um sentido para sua existência
(JAPIASSU, 2006, p. 8).
120
condução dos trabalhos, a comunidade interna (educadores e educandos), cotidianamente são
os que determinam efetivamente os rumos do processo de ensino e aprendizagem. Assim a
seguir descrevemos como se processa esta participação.
As Assembléias Mirins, como todas as formas de participação, têm contribuído
principalmente com a formação dos educadores. Isso porque o esforço em criar situações que
possam ressaltar a participação do educando exige dos educadores uma busca constante de
alternativas sustentáveis das suas proposições, o que implica numa constante renovação das
práticas pedagógicas na gestão do ensino. Um exemplo desse momento está registrado na
figura 4.
As Assembléias Mirins não foram criadas por acaso nem como uma invenção
aleatória ou modista de conduzir as aulas, mas sim quando se fez necessário expandir os
anseios dos educandos de forma pública. Essas Assembléias têm sua história de construção
marcada pelas revelações de autonomia dos educandos e as dificuldades dos educadores em
lidar com as indagações trazidas por eles, refletidas na forma agressiva que utilizavam para
expressar seus sentimentos de dor e de revolta pela não aquisição do saber da leitura e da
escrita. Buscar equilíbrio entre liberdade de expressão e os limites que a própria liberdade nos
impõe, foi o desafio que mais abalou a estrutura emocional dos educadores, mas em
contrapartida provocou mudanças significativas nas suas atitudes. Por isso as Assembléias
(dos adultos e das crianças) trazem as marcas das possibilidades e dos limites da formação
participativa no interior da Escola, pois ao mesmo tempo em que proporciona o direito de se
referir ao outro, este outro também tem seu direito de refutar.
Figura 4 - Assembléia Mirim
121
Na verdade, as Assembléias Mirins surgiram como resultado dos trabalhos de
Tutoria que se sucederam de um processo contínuo e progressivo, visando, no início, o
desbloqueio emocional e a elevação da auto-estima, com a finalidade de oferecer aos
educandos alternativas para redirecionar sua aprendizagem e provocar-lhes o despertar do
espírito participativo. Depois, como possibilidades de aproximação entre a comunidade e a
escola; e, finalmente, como forma de tornar públicas as reivindicações dos educandos e
assegurar-lhes o direito a voz e a vez. Mas afinal qual a compreensão dos educadores a esse
respeito?
Conversando com a professora Eunice a respeito do seu entendimento sobre Tutoria
e Assembléias, ela fez o seguinte comentário:
Acredito que hoje estão presentes todas as formas de Tutoria, porém sem aquela
preocupação formal, ela é exercida digamos... de forma automática. As crianças
gostam de sentir que têm apoio, e hoje isso é feito sem necessariamente ser
chamado de Tutoria, se tornou comum. Quando a criança sente necessidade de
falar alguma coisa em particular, ela mesma procura a pessoa, ou muitas vezes ela
é procurada por um educador que observa alteração no seu comportamento. Por
isso, formalmente, a Tutoria hoje acontece nas Assembléias, quando os educandos e
os educadores se reúnem para discutirem algumas pendências de relações e
encaminhar algumas decisões. (agosto, 2007)
O professor Paulo, tem uma opinião semelhante a da professora Eunice e vê o evento
como o mais significativo para os educandos dado o interesse apresentado por eles:
Sem dúvida nenhuma, as Assembléias é o evento mais esperado pelas crianças. A
participação delas é forte e às vezes até incomoda, porque elas ouvem e agem. E
nós às vezes ouvimos, falamos e depois nos desapercebemos, mas elas o. E isso
exige de nós uma atenção constante com o que falamos e acordamos nas
Assembléias, porque elas nos lembram. Mas também, temos que ter jogo de cintura
porque, por serem crianças, precisamos ensiná-las que tudo deve ser discutido, mas
ensinando os limites que a própria vida impõe
(setembro, 2007).
Os depoimentos dos Professores me conduziram à sala de aula com o intuito de
conhecer o que os educandos pensam e falam de como os educadores se organizam para que
possam participar no processo educativo da Escola. Fui então, estar com o grupo de
educandos de 9 e 10 anos, que são na sua maioria, crianças que estão na Escola no mínimo
dois anos, cursando 3ª e 4ª séries:
[...] aqui a gente resolve tudo na sociedade [...] mas pra gente tudo é festa”
(Benehaylton), “[...] é porque ... mesmo quando o assunto não é muito bom, quando
a gente fala a gente alivia e fica bem alegre (Edilaine) “[...] é e ninguém fica
zangado, fala porque precisa falar(Arthur Diego) “... é as vezes alguém não gosta
mais depois entende que é melhor pra todos, fica tudo bem. Eu acho assim... A
Assembléia é a coisa mais importante aqui na Escola, porque é nela que a gente
decide tudo ”. (Edilaine). (setembro, 2007).
122
Ao ouvir os educadores e os educandos, o que fica claro é que todas as outras ões
da escola têm, na assembléia, a palavra inicial quando se trata de planejar; e final, porque é
através desse processo que abrem e fecham as programações da Escola. Assim, o educador
poderá propor medidas ordinárias (para todos os educandos) e extraordinárias (apenas para
um grupo reduzido de educandos). Depende da urgência e da necessidade requeridas pelas
circunstâncias, conforme é entendida pelos educandos.
[...] a assembléia é pra gente dizer o que acontecendo na escola que a gente não
gostando.... mas a assembléia também é pra a gente pensar em alguma coisa
diferente pra a escola, não é pra reclamar (Arthur Diego). É. a gente decide
como é que vai ser. Se tem pouca coisa pra discutir, a gente faz apresentações,
canta, conta histórias... é assim. (Edilaine) “[...] Quando a gente acha que o bicho
ta pegano
28
a gente chama a professora Marilei e ela organiza uma assembléia”
(Benehaylton). “[...] Mais também quando a gente pensa em organizar alguma
festinha como, por exemplo, o que fazer na hora do recreio, a professora Marilei
o maior apoio, as vezes a gente faz na assembléia e as vezes a gente combina na
sala de aula mesmo, depois que a gente pede a assembléia pra falar com todo
mundo (Edilaine) (outubro, 2007).
Na Escola Liberdade a Assembléia Mirim é uma das ferramentas da AT utilizada na
formação social do educando para favorecer a construção de valores democráticos. Embora
nem todos os educadores tenham essa clareza, mesmo assim se organizam e reorganizam
sempre com o intuito de atender a diversidade dos educandos, como eles mesmos expressam
claramente nos seus depoimentos. Assim como no começo a Tutoria foi direcionada para o
atendimento às individualidades, buscando a elevação da auto-estima, hoje, mesmo não
dispensando essa possibilidade, caso necessite, o objetivo maior da Tutoria é ajudá-los a se
posicionarem coletivamente. Contudo, as duas possibilidades devem estar sempre permeando
as relações educativas.
4.1.5 Comemoração dos aniversariantes: aprender com prazer
Este evento, que acontece semestralmente, foi mais uma iniciativa dos educadores
em oportunizar o estreitamento das relações humanas e sociais. Considerando que a data de
aniversário é significado de festa e alegria, essa importância ressalta-se nos olhares e sorrisos
de crianças e adultos, desde o momento da preparação até o simples ato de cortar o bolo.
28
Quando alguma coisa considerada errada está acontecendo. Ex: desavenças entre os educandos, uma atitude
incorreta de algum educador, ou mesmo uma decisão tomada pelos educadores que os educandos não
concordam.
123
A preparação começa com a arrecadação do dinheiro para comprar os ingredientes. A
princípio a verba era arrecadada pelos educadores que buscavam parcerias com lojas que
interessassem em divulgar seus departamentos. Hoje a arrecadação dessa verba acontece
também com a participação direta dos educadores e educandos e a comunidade externa
organizando o dia da PECHINCHA. Neste dia, a escola se organiza com roupas e objetos
usados um brechó e vendem junto aos educandos para a própria comunidade a preços
mínimos.
Conversando com Zilda, que trabalhou diretamente com as crianças na
PECHINCHA, ela fala emocionada, eufórica sobre o acontecimento:
Nessa hora eu me senti mais eu mesma, mais forte, capaz... pra mim acontecia
naquele momento uma aula de verdade.... as crianças se empenhando, fazendo
contas passando troco.... parecia que estavam dizendo à comunidade, eu estou aqui,
eu sei fazer as coisas... As mães então, a gente via o orgulho no rosto delas. Pra
mim é esse tipo de evento que o verdadeiro significado do projeto da Escola
Liberdade (outubro, 2007).
A outra preparação importante é a organização do painel com as fotos dos
aniversariantes, com as respectivas datas. Esta é a parte que põe em evidência a importância
das pessoas. A professora Marilei é a responsável pela preparação desse painel, não por
designação ou obrigação, mas sim porque ela mesma se propõe pelo prazer em fazer.
A felicidade das crianças ao verem suas fotos no painel, pra mim é um momento
único. Mesmo quando ainda não dominam a leitura, elas ficam diante do painel até
encontrar seu nome. Às vezes, quando temos tinta suficiente na impressora
imprimimos as fotos de todos os aniversariantes e colocamos no painel, aí sim é que
ficam felizes. Isso significa muito para elas. E eu, a minha alegria é tanta que eu me
sinto como se tivesse ganhado tudo, que não me faltasse mais nada. Para mim esta é
uma ação que não podemos nunca deixar morrer. As crianças precisam de
momentos como esse para valorizar o que aprendem e o que precisam aprender.
Aquelas que ainda não demonstraram grandes interesses em aprender a ler depois
de um evento como este elas voltam com outro ânimo, nos procurando e dizendo
que conseguiu ler seu nome e de alguns coleguinhas no painel, ou que conseguiu
porque o coleguinha ajudou. Mas a gente percebe uma mudança que reflete
numa vontade de aprender mais porque ler o painel é importante para elas. Durante
o tempo em que fica exposto, todos os dias elas param para ler novamente.
(novembro, 2007)
Por fim a terceira preparação, que marca a importância da festividade e da alegria do
momento, a confecção do bolo. Para esse trabalho, um dos educadores assume a liderança e
conta com a participação daqueles que se dispõem a ajudar.
No segundo semestre de 2007 a confecção do bolo foi de responsabilidade das
professoras Eunice e Maria Tereza. Enquanto preparavam a massa do bolo, as duas contavam
sorridentes os últimos acontecimentos, na reunião com os pais ocorrida no dia anterior:
124
Estamos muitos felizes, pena que você não estava aqui. Ontem uma mãe ao saber que no
próximo ano terá que levar sua filha para uma outra escola nos disse”:
Eu gosto tanto desta escola, ela é como um útero... tão pequenininha... mas cuida
dos filhos da gente dando vida. Ela cuida das crianças e dá uma nova vida, como se
fosse uma outra mãe. Eu sinto como se minha filha passasse por um outro
nascimento (novembro de 2007).
“Ouvindo isso nós ganhamos não foi o dia, mas o ano todo. Nosso cansaço foi
pro espaço”. (Professora Maria Tereza. Novembro, 2007)
4.1.6 A Festa de fim de ano
A festa de fim de ano é considerada a grande festa. É o maior evento que a Escola
Liberdade realiza. “É neste momento que a Escola procura reunir toda a comunidade externa,
por isso já se tornou uma tradição” (Sônia, setembro de 2007). A emoção estampada em seu
rosto revela a importância desse evento para ela própria, mesmo se referindo como um
momento importante para a comunidade externa. Analisando este evento como mais um
momento que é desenvolvido com a finalidade de promover a formação cidadã de educadores
e educandos, porque reforça as relações com a comunidade externa, as reflexões de Rios
afirmam este pensamento:
A tarefa fundamental da educação, da escola, ao construir, reconstruir e socializar o
conhecimento, é formar cidadãos, portanto contribuir para que as pessoas possam
atuar criativamente no contexto social de que fazem parte, exercer seus direitos e,
nessa medida, ser, de verdade, pessoas felizes. Este é seu objetivo último. Podemos
tornar mais precisa esta idéia de felicidade, se a considerarmos como concretização
de uma vida digna, realização sempre buscada – do ser humano, algo que se dá em
processo, e que não se experimenta apenas individualmente, mas ganha seu sentido
pleno na coletividade, no exercício conjunto da cidadania
(2006, p. 26).
Busquei em Rios explicação para a expressão da educadora ao referir a importância
deste evento para a comunidade externa. Ao mesmo tempo em que se denota uma
preocupação com o bem-estar das pessoas, seu bem-estar também se aflora num gesto de
afeto na voz e no semblante. A equipe reporta-se à felicidade como um dos princípios de
cidadania, e encontro nesta observação a relação de alteridade, pois ao se preocupar com o
outro, não o faz por compromisso apenas de trabalho, mas, principalmente porque é um
encontro do seu prazer com a felicidade do outro.
125
A preparação para a festa de fim de ano inicia-se com uma breve reflexão no
planejamento do primeiro semestre e se fecha no início do segundo. No seu decorrer, todas as
ações e práticas pedagógicas têm uma programação voltada para a realização do evento.
Embora se prime para que as ações organizativas também ocorram em clima festivo, percebe-
se no processo de preparação, a seriedade e o rigor com que tudo é preparado. É um espaço de
aprendizado em que o tempo da formação pessoal dos educadores e dos educandos deriva da
ação, do empenho de fazer o melhor, de se doar da melhor forma possível no desempenho das
tarefas.
Em reuniões de serviço cotidianas, e do CEC, todos os educadores da Escola
discutem e deliberam entre eles as atribuições de trabalho, quando cada um assume uma
responsabilidade de acordo com seu querer, e, no caso, o fazem pela habilidade e aptidão, ou
seja, optam por fazer aquilo em que acreditam ser mais competentes. As mães e os pais
participam antes, na preparação, durante a organização dos eventos e depois, de maneira
espontânea.
Esta síntese sobre as intenções e iniciativas da equipe da Escola Liberdade de se
organizar, tem o propósito de mostrar a firme intenção de realizar uma educação de qualidade,
pelos esforços que se dão. Significa que essas pessoas se doam dentro dos seus limites
pessoais e profissionais a uma intenção educativa, e a crença nesta possibilidade é que
sustenta sonhos e desejos, ainda que conflituosos, mas pautados no respeito e na afetividade
entre os membros da comunidade escolar.
4.2 Participação: os diversos olhares da comunidade escolar
Buscar a participação da comunidade externa nas ações da Escola Liberdade foi o
destaque nos anos iniciais. Porém, no terceiro ano de trabalho a equipe demonstrou nesse
período uma compreensão um tanto confusa a este respeito, talvez porque esperasse que nesse
tempo decorrido, a efetiva participação dos familiares ocorresse de maneira espontânea. A
pesquisa de Silva (2006), que investigava no ano de 2004 como a Escola via a participação da
família na escola, constatou nos depoimentos dos educadores, que as dificuldades
apresentadas por eles, ainda se centravam em entendimentos antigos, atribuindo às
dificuldades ainda existentes nas relações dos educandos uns com os outros e na sua
126
aprendizagem, aos problemas domésticos, e à pouca participação dos pais nas reuniões
formais. O que a investigadora interpretou como justificativa dos educadores, para a falta de
competência em administrar o que a escola poderia oferecer como atrativo. Falar sobre tais
dificuldades com a pesquisadora ajudou a equipe a refletir sobre suas interpretações e rever
seus conceitos para novos procedimentos relacionais com o educando e com a família. Hoje já
existe uma outra interpretação dos educadores para a presença ou não das famílias na Escola.
No entendimento de uma das educadoras, a participação irregular das famílias devia-
se às disponibilidades distintas das pessoas, e também porque no início, em 2002, os pais
estavam mais inseguros quanto à nova proposta e se faziam presentes para entender e para
garantir que o funcionamento da Escola. Hoje existe uma relação de confiança e por isso
não se sentem na obrigação de ficar “controlando”, explica ela:
uma participação dos pais. Se olhar pelo número nos momentos em que
comparecem em reuniões, parece menor do que antes, porque acredito que isso se
deve ao fato de que hoje, eles confiam mais na escola. Hoje eles comparecem mais
nas datas comemorativas. E é claro os pais que fazem parte do Conselho, que
também não compareçam regularmente, mas nunca a reunião acontece sem a
presença de pelo menos dois membros do segmento dos pais. Também deve-se aos
problemas do dia-a-dia de cada um [...] nós ficamos sabendo porque mantemos
sempre contato por telefone, ou quando os encontramos na rua por acaso. [...] a
gente percebe que existe uma preocupação deles em dizer por que estão ausentes. E
muitas vezes eles vêm no outro dia para saber o que foi informado e decidido.
Isso é importante (Sônia, técnica, setembro de 2007).
Na visão de outro educador a participação dos pais está ligada ao interesse dos filhos,
em sua opinião são eles que de uma forma ou de outra, forçam a participação dos pais.
Eles vêm mais aos eventos festivos. Eles vêm participam e muitas vezes não é pra
assistir não, que pra mim também é participação, mas para participarem na ação
também. Tem mãe que comparece, ajuda na organização e depois entra no espírito
do momento e participa junto aos filhos. Você viu a mãe na festa da primavera,
desfilando com a gente, ela parecia uma criança, e tava na cara a sua felicidade. Eu
acho que é assim, a escola aberta e quando eles querem, eles entram, participam
e se divertem também ( Jafé, técnico, outubro de 2007).
Uma das professoras atribui a irregularidade da participação não dos pais como
também de alguns profissionais, ao fato de que, como na Escola preserva-se a liberdade de
expressão e ação, eles interpretam que cada um tem o direito de faltar a esta ou aquela
reunião. Explica ela:
Se ele deve ou não se sentir também responsável ele vai aprendendo à medida que
começa a perceber que quando ele não compartilha das decisões é obrigado a
acatar a decisão dos outros. [...] mas isso leva um tempo que aos poucos a pessoa
vai entendendo e a gente vai aceitando aonde dá. Se depois de um tempo ele não
muda, a gente enquanto Conselho começa a fazer um trabalho mais próximo de
fazer esta pessoa cair na real. [...] e com os pais é mais ou menos parecido, quando
127
eles querem saber sobre o que propõe a escola, eles comparecem, criticam elogiam
e mesmo que não dizem nada, a gente nas suas expressões que estão tentando
entender e se manifestam quando não entendem. (Professora Eunice. Setembro,
2007).
A escola Liberdade, na busca pela concretização de seu ideário emancipatório,
compreende que se sua ação, por outro lado, inaugura o desmanchamento de amarras que
prendem o sujeito à condição anterior de dominação e, portanto, implicando a idéia de um
processo libertador, não livra de uma vez por todas dos processos de colonização e opressão.
Trata-se de um movimento permanente, de uma luta a ser travada cotidianamente. Tal
complexidade é demonstrada nas falas das mães e dos pais, em momentos diferentes de
avaliação referente ao fazer pedagógico da Escola Liberdade, que embora não sejam
depoimentos recentes servem de reflexão, porque é um questionamento que ainda faz parte do
tempo presente daqueles que vão chegando e ainda não vivenciaram a experiência:
Meu filho perdeu o medo. Antes bastava eu olhar para ele e ele me obedecia. Agora
tudo o que eu peço para ele eu tenho que explicar o porquê. (Fala da mãe de
Guilherme em assembléia, 2003).
Minhas filhas ficaram mais cuidadosas com as coisas delas, [...] elas mesmas
arrumam os quartos e fazem suas tarefas sem eu mandar (Mãe de Karla e Kamila
em reunião de avaliação, 2004).
As mães apontam claramente este paradoxo. Demonstram, por um lado, as
dificuldades das pessoas em lidar com questões de autonomia. A mãe que fala que o filho
perdeu o medo expressa certa preocupação, pois esta interpreta o medo como um valor
necessário, associado ao respeito, numa relação mãe e filho. E por outro, o depoimento da
segunda mãe, aponta as vantagens da autonomia adquirida pelas filhas na questão
responsabilidade, mostrando na sua colocação, que sua visão em relação à mudança de
comportamento das filhas, tem a ver com a distinta hierarquia de valores.
Em outras reuniões os depoimentos vão demonstrando que a compreensão dos pais
se modifica diante não das mudanças comportamentais dos filhos, mas também do estado
de saúde alterando alguns sintomas:
Minha filha tem problema no sangue desde que nasceu. Por isso ela não
desenvolveu bem seu físico. Toda vida eu tenho que correr sempre com ela para o
médico precisando ficar internada constantemente. Isso impede que ela tenha uma
seqüência normal nos estudos. Desde que ela entrou nessa Escola ela é uma menina
mais alegre, às vezes ela não está muito bem mas insiste em vir para a Escola
dizendo que aqui ela melhora. Aprender ela ainda não aprendeu muito mas, está
mais feliz. Isso é muito bom. (Mãe de Wanderléia na festa de confraternização da
comunidade escolar, 2004)
Meu filho tem um problema de saúde sério. Tem ataques de nervos... desmaia...
toma remédio controlado. Depois que começou a estudar aqui ele mudou
128
completamente. Está mais calmo, alegre, brincando... e dorme bem. Quase nem
precisa mais usar remédio controlado. (Mãe de Amaral em reunião de avaliação,
2005)
4.2.1 O olhar dos educandos
Falar da participação dos educandos não é tarefa fácil, quando procuramos vê-la
como participação ativa. Não faz parte da nossa cultura proporcionar às crianças
oportunidades à crítica, e saber ouvi-las com seriedade talvez por estar o adulto na condição
de protetor e responsável por elas, em qualquer circunstância, seja ela a de pai, mãe,
professor, enfim, a importância dada ao que vem delas, não serve de parâmetro para que
mudanças sejam pensadas. É considerado natural que sua participação esteja apenas ligada a
fazer parte daquilo que previamente foi decidido pelo adulto. Por isso, para que sua
participação seja ativa, necessário se faz que os adultos pensem em formas organizativas que
favoreçam e instiguem o desejo em participar.
Conversando com as crianças da turma de 9 e 10 anos, elas disseram o seguinte:
A gente participa de tudo, quer dizer, quem quer, porque a gente é livre pra
escolher se quer ou não participar. Eu por exemplo gosto de mexer com teatro,
agora mesmo a nossa turma ta organizando um. Quem escreveu a história foi a
Jhúlia e eu vou transformar em peça de teatro. Mas não é todo mundo daqui que
quer... então, eu convido alguns de outras turmas. Eu sempre convido aqueles mais
tímidos que é pra eles se soltarem, ficar mais falantes e eles gostam. A senhora pode
vir aqui sexta-feira? Nós vamos apresentar um teatro, venha assistir. (Edilaine,
outubro, 2007).
No momento da conversa, Benehaylton completou, dizendo que:
[...] na sala de aula também a gente participa, reclamando quando a aula chata
[...] às vezes o professor muda, às vezes não, porque ele fala que não , mais a
gente fala [...] a gente resolve tudo na sociedade.
Athur Diego complementou, dizendo:
[...] é mesmo, pra feira de ciências mesmo, eu fiquei representando o grupo nas
apresentações dos trabalhos porque eu quis, mas, assim mesmo, os outros ficaram
de arrumar as coisas, os materiais, mas ninguém obrigou nada, a gente quem
decidiu. A professora Cristiane só orientou a gente. (outubro, 2007).
Sobre as práticas das aulas, os conteúdos, mesmo correspondendo ao pensado e
planejado o desenvolvimento em sala de aula se diferencia na didática de cada professor. Em
cada ambiência percebe-se essa variação. As práticas acontecem, desde atividades tradicionais
no seu modo de aplicabilidade (conteúdos informativos com uso exclusivo de quadro-giz), às
129
formas intermediárias (atividades conteudistas, mas num clima de discussão e interação entre
educador e educando), até a mais dinâmica maneira (atividade apresentada pelo educador,
metodologia e conteúdos sugeridos pelos educandos e práticas desenvolvidas em conjunto).
A esse respeito, perguntei também às crianças sobre as aulas. Elas falaram:
Todos os professores são legais, deixa a gente decidir, participar das coisas (Athur
Diego),
Algumas aulas não são muito boas, são chatas (Thaisa - 9 anos)
[...] é, quando a gente escreve muito, mais a gente acha que é bom, também. porque
a gente precisa escrever pra aprender. Quando é muita coisa a gente reclama, não
na assembléia porque a gente acha que o professor vai ficar com vergonha, mas na
sala a gente fala (Athur Diego 10 anos).
[...] às vezes muda um pouco, às vezes não, mas a gente sabe que depois dele vem
outro professor e a aula fica diferente (Bruno Felipe – 9 anos).
Após conversar com este grupo de crianças, decidi que conversaria com algumas
delas em particular. Optei por Edilaine e Jhúlia Hemily. Mas antes teria que assistir à
encenação teatral delas. Assim, na sexta-feira fui até a Escola com essa intenção. E fiquei
surpresa em ver a maturidade das meninas ao observarem atitudes que aos nossos olhos são
comuns entre as crianças: o egoísmo no conflito relacional.
Edilaine era a narradora. Jhúlia Hemily, Flávia e mais duas menininhas de sete anos
eram as personagens da história. As duas personagens eram bonecas, uma de plástico e uma
de pano. As outras duas eram bonecas índias. A história se referia à rivalidade entre as duas
primeiras, que viviam brigando porque se achavam mais bonitas que as outras. Estas duas
bonecas viviam isoladas das demais. Não dividiam nada e não tinham amigas. Enquanto isso
as bonecas índias tinham amizades e viviam felizes, sempre rodeadas de amigos. E a história
se desenrolava nas brigas, a boneca de plástico e a de pano. A narradora, que também era a
dona das bonecas, tentava acabar com os conflitos, argumentando que tudo aquilo era muito
feio para duas bonecas tão lindas. Chamava a atenção das duas para as bonecas índias, que
tinham uma boa relação com todos e por isso arrancavam aplausos do público. Em meio à
trama e à narração, a narradora conversava com o público (crianças e educadores), e com isso
o público também entrava e participava da história, criando assim uma interatividade. E a
mensagem que passavam era que o egoísmo, além de não ajudar na beleza, não deixava as
bonecas enxergarem e desfrutarem de outras coisas boas da vida. O que era demonstrado
pelas bonecas índias numa outra parte do palco. No final, com a ajuda do público, as bonecas
fizeram as pazes e participaram de um desfile de moda que a princípio seria apenas com as
bonecas índias, pois o desfile pedia a apresentação de duplas. Se não fizessem as pazes, não
130
seriam aceitas. No final a narradora mostrou o ganho que as duas tiveram: além da
oportunidade de participar do desfile de modas, ainda recebiam o carinho do público. E a
história termina com um grande abraço das quatro bonecas e muitos aplausos.
Assistir a esse momento me deixou ainda mais curiosa em falar com Edilaine e
Jhúlia Hemily. Achei que a mensagem transmitida por elas naquela história era de uma
compreensão muito madura para duas crianças de apenas 10 anos de idade. Ao terminar a
apresentação perguntei à professora Marilei quem dos educadores havia dado esta idéia de
realizarem tal apresentação, ela disse:
Ninguém, elas vieram falar comigo para pedirem permissão para apresentarem
no período de aula delas, como eu achei muito interessante e sugestivo o tema, eu
as convidei para virem também neste outro período em que elas não estudam. Mas
hoje de manhã eu não sabia nem o que iam apresentar, foi surpresa também pra
mim.
Procurei as meninas Edilaine e Jhúlia Hemilly para cumprimentá-las e então
perguntei: o que fez vocês imaginarem em uma apresentação com um tema como este?
Edilaine respondeu: ah professora, é uma história muito longa, mas eu o posso falar agora
porque eu preciso ir embora, minha mãe me esperando”. Combinei com as duas e marquei
uma conversa num outro dia na Escola.
Durante a apresentação, duas coisas me faziam refletir: o olhar de quem está lá,
dentro da Escola, quando se porta como se estivesse de fora não é o mesmo olhar de quem é
de fora e se coloca dentro para observações. Por mais que eu tivesse no início da pesquisa, a
certeza de que a proposta pedagógica de formação cidadã se perdia, este evento me convenceu
de algo que ouvi nas palavras de Paulo Eduardo dos Santos, na Assembléia de avaliação de
fim de ano em 2006:
Por mais que não pareça, algo de diferente acontece aqui na Escola Liberdade que
escapa ao nosso olhar, que não conseguimos expressar em palavras, mas que se
expressa em alguns momentos do cotidiano e em eventos como este, quando as
palavras saem de alguns e na aprovação do olhar daqueles que não falam.
Nessa Assembléia, estavam presentes alguns ex-educandos da Escola, quando foram
convidados a falar. A menina Ariadini pegou o microfone e falou de forma simples e natural:
Tem gente que acha que a Escola Liberdade é particular eu também pensava assim,
mas eu acho que é porque aqui todo mundo trabalha feliz e a gente também
aprende feliz. Tomara que isso não acabe nunca.
Uma mãe ao fazer a sua avaliação, afirmou:
131
Acho que esta Escola não ensina ler e escrever. Ela ensina para a vida e isso tem
sido muito bom para nossos filhos. Eu tenho a agradecer e dizer que todos estão
de parabéns.
Voltando ao caso das meninas. No dia combinado fui ao encontro delas. Edilaine
compareceu Jhúlia estava doente e a avó não permitiu que saísse de casa. Iniciei pedindo que
falasse sobre a atuação dos educadores, se o que ela aprendia nas aulas contribuía com o
desenvolvimento desta sua habilidade em organizar e apresentar uma “peça de teatro”, e como
os avaliava nas suas práticas educativas. Alegre e espontânea ela falou tranquilamente:
Quanto ao teatro, todos dão apoio. Assim... ninguém impede que a gente faça isso
no tempo de aula. Eu estudei em outras escolas, mas aqui a gente é mais ouvido.
O que eu gosto aqui é a atenção que todo mundo tem com a gente. Lógico que uns
são mais... outros são menos [...] mas de forma geral são legais. Assim... ensinar
todos ensinam bem, mas que cada um do seu jeito e por causa desse jeito é que
eles o diferentes. Uns ensinam com mais alegria e outros com mais pressão. Mas
tem uns que ensinam com energia e carinho ao mesmo tempo. Esses para mim se eu
pudesse dar uma nota, eu daria dez e aos outros nove. Mas o que eu acho mais
importante é que todo mundo é o que é e ninguém esconde nada, se tá zangada tá, e
a gente respeita isso. Eu respeito isso. Ah, eu acho que é assim mesmo, não é todo
dia que a gente bem, o importante é que a gente sabe disso e entende. É assim
que eu vejo.
Perguntei-lhe também a respeito do teatro que ela e Jhúlia Hemily apresentaram com
mais três crianças, sob o tema “O egoísmo”. O que as levou a organizar uma apresentação
com este tema?
É assim. A senhora conhece a Rafaela? Então ela é extremamente egoísta, o que é
dela é dela, ela não divide com ninguém. E tudo que é dela ela acha que é melhor
que dos outros, que ela tem condições de ter. Não colaborava com os colegas,
não cedia nada nunca. Daí eu pensei: eu preciso arrumar um jeito de tirar isso
dela. Uma menina tão bonita não pode ser assim tão egoísta. Chamei a Jhúlia e
convidei ela pra gente fazer juntas um teatro com este tema para ver se a gente
tirava um pouco isso dela e a Jhúlia topou. Mas que pra ela entender, a gente
tinha que convidar ela para ser uma das personagens. Daí nós duas fizemos o
convite e ela aceitou. Daí a Jhúlia escreveu a peça e eu dei uma ajeitada para
passar para as meninas estudarem. que foi muito interessante, na hora da
apresentação, nós mudamos muita coisa, que a gente acha até que ficou melhor. Foi
muito engraçado! (entrevista em dezembro/2007).
Após esta conversa fomos à casa de Jhúlia Hemily. Fomos recebidas por sua tia e a
avó. Ela estava adoentada, por isso não foi ao nosso encontro na Escola. Fiz uma abordagem
dizendo qual a minha intenção na conversa e se ela estava disposta. Aceitou prontamente.
Pedi então que dissesse como ela fazia para escrever as histórias que Edilaine transformava
em peça de teatro. De forma simples ela foi dizendo:
Eu escrevo assim: penso em alguma coisa e vou escrevendo. Às vezes a gente pensa
num tema antes e eu escrevo. Ás vezes não. Eu sei que tenho que criar alguma
coisa e vou escrevendo uma história. Depois eu passo pra Edilaine e ela pra
cada um que vai apresentar. Tem algumas crianças que tira alguma coisa, outras
132
acrescentam. Às vezes também a história não muito legal e a opinião do outro
ajuda a escrever de novo. fica assim uma história com a cara de todo mundo... e
fica legal. Nesse teatro “O egoísmo”, além de mudar na hora de decorar, a gente
mudou muito na hora de apresentar também. Por exemplo, aquela parte de chamar
quem estava assistindo para participar, dar opinião, foi na hora que a Edilaine
inventou. E a criançada gostou. Foi muito lega!
Aproveitei o ensejo e perguntei se esse aprendizado tinha a ver com a forma de
aprender nas aulas. Ela pensou e disse:
Acho que sim. Lembra em 2005, eu aprendi muito com a senhora quando a gente
trabalhou a Tutoria. Quando a gente ensinava os outros que tinham dificuldades.
Eu aprendi muito com esse jeito de ensinar.
Perguntei se ela lembrava de alguém que aprendeu com ela. Ela sorriu e disse:
Lembro sim, o Romário e a Fernanda. O Romário, tadinho, não sabia nada e a
Fernanda não tinha coragem de falar, com medo de errar. Tudo ela me perguntava
se tava certo. Não, o mais engraçado é que eu fazia a minha tarefa também
preocupada em não errar e, quando ensinava pra eles dois, eu fazia sem me
preocupar, e muitas vezes a minha estava errada e a deles é que tava certa. Eu acho
que foi quando eu aprendi mais quando eu ensinava. Parece que quando a gente
ensina, a gente descobre também aonde a gente errou. Eu acho que foi em 2005 que
eu mais aprendi.
Perguntei então sobre os professores atuais, se ela tinha apoio para desenvolver sua
habilidade em escrever histórias. Ela, mais uma vez, tranquilamente disse:
Nem todos. Tem alguns professores que se preocupam em ensinar o que eles
querem. Mas tem outros que o, como a professora Marilei, a Silma e o professor
Paulo. Eles incentivam a gente pra criar as coisas. Eu acho que cada um tem um
jeito de ensinar. Tem professor que ainda ensina na base da punição. Eu não gosto.
Não que eles não sabem ensinar, mas eu não gosto da forma que eles se relacionam
com a gente. A professora Eunice trabalha muita aula diferente e aceita que a gente
dê sugestão, como foi a aula de culinária, foi sugestão da Edilaine e ela aceitou. Foi
legal essa aula porque a gente pediu receitas da mãe, chegava na escola, a gente
passava para os outros colegas e, depois, a gente junto com a professora fazia a
receita. Assim, tem professores que aula legal, mas não gosto muito do jeito de
alguns deles chamarem a atenção dos alunos. Eu o gosto de quem na hora de
corrigir, briga e não explica muito. Eu acho que desse jeito o ensina muito e
também não aprende muito.
Perguntei ainda se na pesquisa ela se importava de colocar seu próprio nome ou se
preferia que eu inventasse um outro, ela disse categoricamente.
“Não. É a minha opinião. Eu não gostaria que saísse como se fosse outra pessoa”.
Falei ainda que posteriormente eu teria que pedir a permissão da sua mãe pelo fato de ela ser
menor de idade. Ela disse: se minha e não autorizar, se eu tiver que aparecer com outro
nome, eu prefiro que não coloque minha fala”.
133
As crianças têm seus espaços para participar nos eventos, nas práticas de ensino, nas
assembléias, isso ficou claro nos depoimentos das crianças. Percebe-se também que eles
distinguem muito bem as diversas formas de atuação de cada educador e têm sua forma
própria de descrevê-los. Sobre os eventos citados pelas crianças, pude presenciar dois deles: a
feira de ciências e uma sexta cultural.
Embora as crianças possam e participem da Assembléia Geral, no dia-a-dia da
escola, podem solicitar Assembléias Mirins, onde as pautas são por elas organizadas com o
apoio dos educadores, para atender suas reivindicações. Com esse procedimento, os
educadores contribuem para a preparação política do educando, oportunizando espaços de
discussões. O constante olhar avaliativo sobre as crianças na busca de compreender suas
atitudes, visando a melhor forma de abordagem para facilitar o processo de aprendizagem; os
freqüentes eventos que mesmo se tratando de questões estritamente formais são realizados em
ambientes lúdicos; e quando têm finalidades recreativas, o envolvimento de todos uma
caracterização de felicidadania
29
(RIOS, 2006).
4.2.2 O olhar dos educadores: professores e técnicos
Aliar práticas de ensino e formação política foi o primeiro desafio apresentado aos
educadores da Escola Liberdade. De um lado, as dificuldades em conviver com uma prática
ainda não vivenciada, mesmo que por opção; do outro promover o espírito participativo dos
educandos nas práticas de ensino-aprendizagem. Desde o início da organização dos trabalhos,
a preocupação fundamental foi tornar o espaço destinado ao processo educativo,
possibilitador da intercomunicação e do estreitamento das relações entre educadores e
educandos.
No que compete aos educadores, faz-se uma avaliação de como eles participam,
tendo como principal responsabilidade organizar-se em função do aprendizado do educando.
Aos educandos, como estes respondem a essas organizações e como nesse processo, se
tornam participantes ativos. Nessa compreensão, a participação dos professores não se define
exclusivamente na prática de sala de aula, depende das reais necessidades apresentadas no
29
Em Compreender e Ensinar, Rios (2006) fala de felicidadania, (conceito usado por Herbert de Souza
(Betinho) para dizer que o exercício da cidadania só se efetiva quando o sujeito é contemplado pelo direito de
ser feliz, com base na conquista, nos ganhos, enfim na condição de poder buscar seus direitos e deveres) na
ação docente é construir, é criar espaço no cotidiano da relação pedagógica para a afetividade e alegria.
134
cotidiano da Escola. Ex.: Caso falte um técnico, em qualquer função, o professor se faz
presente também nessas atividades, na confecção da merenda ou no auxílio dos serviços
gerais. Da mesma forma, o técnico poderá, a qualquer momento, assumir a sala de aula,
dependendo da importância apresentada, como aparece nos relatos dos anos anteriores: nas
diferentes formas de enturmações, nas diferentes Tutorias e assim, em todos os sentidos
ocorre a participação de todos.
No começo dos trabalhos da Escola, a Tutoria significou o tempo que os educadores
necessitavam para encontrar a melhor maneira de intervir no processo de aprendizagem dos
educandos; para os educandos o tempo para confiar nos educadores, vencer os bloqueios,
elevar a auto-estima e atingir o domínio da leitura e da escrita; para os pais o tempo para
estabelecer com a escola uma relação de confiabilidade, respeito e crença na metodologia do
trabalho.
A partir do ano de 2003, as enturmações continuaram adotando o critério da idade e
proximidade do conhecimento, porém, para que os educadores e educandos se livrassem do
conceito de série ou etapa, como determinantes do tempo de aprendizagem e utilização do
espaço pedagógico, a feição de turmas passou a ser identificada por símbolos, como: cores e
animais, ou cores e frutos, conforme a escolha das crianças. A idéia é que, tanto os
educadores quanto educandos, em um primeiro momento, se desliguem do apego ao grau de
escolaridade e se libertem para o aprender e o ensinar espontâneos. Assim, ao início do ano
letivo, os educadores pautam o trabalho pedagógico no clima de liberdade e alegria
incentivando aos educandos a dar às turmas uma referência que seja fruto da aspiração
coletiva.
O fato de poder escolher um símbolo para seu grupo, significa para as crianças o
primeiro passo para a liberdade de expressão dentro da Escola. Elas se sentem
importantes, a gente nos seus olhos o sentimento de que realmente são donos de
tudo isso [...] é uma sensação de poder e elas se sentem felizes com isso”
(Professora Eunice. Outubro, 2007).
Para assumirem as ambiências, os professores no início de cada semestre, se reúnem
para planejamento e definição dos pares responsáveis pelos trabalhos pedagógicos a serem
desenvolvidos nelas. Para assegurar a qualidade do ensino, procuram combinar que um dos
professores tenha a formação correspondente à área do conhecimento específica da
ambiência, para possibilitar o trabalho conjunto e facilitar a ambientação do outro professor
com a área, evitando prejudicar o aprendizado do educando. Após os seis meses, os
professores mudam de ambiência, tomando os mesmos cuidados. A idéia é que todos os
135
professores conheçam todas as ambiências, desenvolvendo atividades em áreas diferentes da
sua formação. Porém, isso ocorre quando o professor se sente seguro e disposto a enfrentar
o desafio. Nesta organização, o professor é fixo na ambiência e as crianças é que mudam de
sala no segundo horário de aula.
Segundo a professora Eunice,
No começo, até que todos se ambientassem com a dinâmica, nós o fizemos por
formação e afinidade. Ou seja, um era da área de formação e o outro não, então era
melhor que se juntasse naquele primeiro momento quem tinha mais afinidade. Hoje,
quem é antigo na Escola não tem assim tanta dificuldade, mas tomamos esse
cuidado com quem chega a cada ano, principalmente no caso dos professores
contratados que permanecem no máximo dois anos. Então a gente procura entender
que, quem chega, também precisa de um tempo para se ambientar. No caso do
contratado, que tem uma permanência temporária na Escola, se o professor tiver
inseguro e optar por continuar na ambiência em que ele se identifica, a gente
respeita. Foi assim que nós decidimos fazer, quando começamos essa metodologia
de trabalho, se não tínhamos ainda a segurança de que iríamos corresponder às
necessidades da criança naquela ambiência, decidíamos no coletivo em permanecer
mais um tempo... Assim foi até chegarmos onde estamos. (Eunice, setembro, 2007)
Nos anos iniciais de funcionamento da escola, os técnicos tiveram participação direta
no processo pedagógico, no dia-a-dia das aulas. Primeiro, pelo menos uma vez na semana os
técnicos entravam em sala e junto aos professores participavam do processo de ensino-
aprendizagem, às vezes com as atividades programadas pelo professor, ou com atividades
propostas pelos técnicos, com o apoio do professor, desde que atendesse ao interesse do
educando. Depois, com o processo de Tutoria adotado pela equipe como método de
aproximação e estreitamento das relações, os educadores se organizavam internamente para
atenderem seus tutorandos em um dia e horário específico da semana, com programações que
eles mesmos organizavam. Assim as ações dos técnicos se diversificavam entre aulas de
música e trabalhos artesanais. Mais tarde, para atender uma emergência pedagógica, a Tutoria
contou com a presença dos pais junto aos técnicos, quinzenalmente enquanto os professores
faziam o planejamento das aulas.
Hoje, os técnicos não participam de forma direta nas salas de aula, como aconteceu
nos anos iniciais. Conversando com Regina (TNE), enquanto preparava a merenda escolar, ela
disse o seguinte:
Nossa participação no dia-a-dia, funciona como apoio nos intervalos e na hora do
lanche, e mesmo durante as aulas, mas não dentro das salas acompanhando o
aprendizado, a não ser quando a gente precisa conversar com as crianças a
respeito do uso dos banheiros, a freqüência no pátio ou quando temos algumas
observações a respeito das refeições, sobre o o desperdício e a importância de
comer de tudo que se serve, e até mesmo o modo de se comportar com os talheres. A
gente não preocupa mais se isso é Tutoria ou não, mas a gente faz. Bom, esse é o
136
meu olhar. Acho que as outras, a Elira, a Léia, a Rosidelma, a Zilda, todos têm sua
forma diferente de observar. (maio, 2007).
Segundo Liane (TSG), sua participação é ativa, o fato de não estar diretamente
envolvida em sala de aula, não a exime do seu compromisso, está sempre atenta e decidida a
falar o que é preciso nas reuniões.
Sobre as crianças, a gente acompanha tudo, às vezes, a gente conversa com elas e
se acha que as questões por elas apresentadas merecem atenção especial, levamos
para ser discutidas nas reuniões de avaliação e planejamento junto com os
professores. Ou, se a criança apresenta confiança e simpatia com a gente, começa
aí um trabalho de Tutoria, como faz a Léia (junho, 2007).
Em outro momento Liane complementa: Nos eventos e nas aulas de campo,
participamos desde a organização até a realização de fato das atividades programadas”.
Léia, (TNE), conta que sempre esteve presente às reuniões, mas apenas como parte
ou por necessidade de estar ali. Aceitava as condições de trabalho da Escola, sem questionar
muito. desenvolveu trabalho de Tutoria, conforme a escola havia organizado. Porém, na
ocasião, o fazia de forma meio mecânica, porque se sentia no dever de fazer. Até que
começou a pensar que não estava fazendo de fato o seu papel de educadora na escola. Só
neste ano (2007), conta ela, que alguma coisa se despertou dentro de mim. As observações
sobre as crianças passaram a ter um outro significado pra mim”.
A expressão de Léia é como se ela tivesse começado tudo naquele instante, mesmo
com base nas experiências adquiridas nos anos anteriores. Ao aproximar das crianças em
momentos disponíveis no seu trabalho, busca conversar assuntos que possam ajudá-los na
elevação da auto-estima. Léia conta emocionada:
O que provocou esse despertar foi a menina Yara, que um dia, afastada de todos na
hora do recreio, chorava. Cheguei perto dela procurando saber o que havia
acontecido. Naquele momento, eu não consegui que ela dissesse muito, mas o
importante é que aquele momento significou o início de uma nova relação entre nós
duas. A partir desse dia, percebi que podia fazer alguma coisa para aquela criança.
E assim, eu continuei observando o jeitinho dela e me aproximava sempre que
achava necessário, depois ela mesma passou a me procurar. E assim acontece
também com outras crianças. (junho, 2007).
Léia conta (com lágrimas nos olhos) que estava pensando em sair da Escola, por
achar que não estava de fato, desempenhando o papel que havia proposto no seu ingresso. A
partir desse momento mudou de idéia.
Sobre este seu despertar, a professora Eunice interpreta da seguinte forma:
Todos nós tivemos o nosso tempo para mudar. E olha que foi a duras penas, em
meio a muitos conflitos, não que hoje não temos, mas aquele primeiro estágio de
137
angústia por achar que não daríamos conta, hoje não existe mais, as angústias são
outras e muito mais fáceis de serem superadas, porque temos clareza de que com o
tempo tudo é possível quando a gente quer. Este é o tempo de Léia. (julho de 2007).
O tempo de aprendizagem de Léia, como disse a professora Eunice não foi
construído dentro de um espaço fim, mas por um tempo que se deu num espaço modelado e
modelador da sua história, construída e reconstruída na própria vivência educacional “[...]
com suas buscas de conhecimento, de auto-conhecimento, de saberes, de sabedorias,
enfatizando formas de empatia com a vida e, em especial, com a vida humana.” (LINHARES,
2003, p. 16).
Ouvindo a opinião da professora Verônica a respeito de como via o grau de
participação dela e dos demais, ela deu um sorriso tranqüilo e fez um comentário que
implicitamente enfatiza a importância de se ter e de permitir ao outro o espaço necessário para
a compreensão daquilo que se designa realizar no seu tempo:
Bom. Em sala de aula meu trabalho hoje é tranqüilo. Procuro faze-lo com seriedade
e principalmente observando se alguma criança precisa de atenção especial. Sem
esquecer que criança é criança. Umas são mais calmas, outras não, mas eu acho
normal nada de assombro. Tem dia que eu não consigo convencer um ou outro
menino ou menina, realizar a atividade que gostaria. Mas vejo que ele faz de outra
maneira, isso que é importante. Enquanto conselheira, cresci muito. Como
tesoureira, sei da importância da minha participação e sempre cumpri com
rigorosidade a preparação dos acertos de conta com a comunidade e com SME. Sou
assídua às reuniões, porque sei do meu compromisso com a Escola (julho, 2007).
4.2.3 O olhar dos pais
Para esta parte do texto, ouvi mães e pais em diferentes momentos e circunstâncias
no intuito de evitar o risco de influenciarem e serem influenciados nas opiniões uns dos
outros. Com alguns, já tinha contatos anteriores, quando estava atuante na Escola. Com
outros, eu apenas os conheci sem ter tido um contato mais próximo, isso porque, passaram a
conhecer a Escola nos anos de 2006 e 2007.
O depoimento a seguir mostra que a compreensão dos pais pode partir dos reflexos
das mudanças provocadas no aprendizado dos filhos, quando o trabalho educativo
desenvolvido com as crianças tem influência direta na família, conforme interpretações de
Jafé, Sônia e Eunice, apresentadas anteriormente. Ao presenciar a visita de uma mãe à escola,
perguntei pela sua filha, que estudou na Escola nos anos 2002 e 2003 e - foi inclusive a autora
138
da bandeira da Escola -, e também sobre os outros dois menores que ainda estudavam na
Escola. Ela respondeu emocionada:
Jéssica muito bem. tira boas notas. Muito estudiosa professora. Depois que
ela estudou com vocês ela é uma outra menina. [...] ela sentiu muito ter saído daqui,
mas conta de tudo na outra escola, direitinho. Por mim meus filhos nunca saíam
dessa escola ficavam aqui até formar. Antes eu achava esquisito não ter diretor,
agora eu sei que é bem melhor, porque se um não o outro também sabe atender,
explicar o que a gente quer. Porque eu não posso vir sempre às reuniões, mais todo
mundo me fala o que aconteceu é eu procurar saber. Parece que todo mundo
aqui é estudado. Outra coisa é que, antes, eu pensava que meus filhos eram mais
bobos que os filhos dos outros, mas vindo à escola e conversando com os
professores, eu vi que a burrice era minha. Meus filhos têm um jeito diferente de
aprender, nem por isso são piores, só são diferentes, e eu não brigo mais com eles e
não estou nem com os outros. Se eu pudesse meus filhos não saíam nunca daqui,
porque eu sei que em outras escolas vão falar mal deles, que eles são lerdos. Sei que
vou ter que me preparar para brigar muito. (outubro de 2006).
Num outro momento, encontrei com uma mãe em um ônibus coletivo e perguntei
sobre sua filha na Escola, ela disse:
Ah! A Andrielly está muito bem, aprendendo muito e se quiser chamar ela pra briga
é dizer que vai tirá-la da Escola. O que é bom é porque a gente confia em todo
mundo a gente sabe que as crianças estão bem, até eu quando estou em casa vou
pra lá porque gosto de conversar com todo mundo e inclusive gosto da merenda que
é uma delícia. Na Escola Liberdade a gente sente à vontade, todo mundo conversa
com todo mundo, dá atenção, eu gosto de ir lá. Vou em todas as reuniões que posso.
Quando eu não vou é porque realmente não dá. (mãe de Andrielly depoimento em
agosto/2007).
A seguir, o depoimento é de uma mãe que havia sido chamada pela Escola para
comunicar-lhe do surgimento da vaga para seu filho. Aproveitei para ouvir sua opinião a
respeito da Escola. Ela pareceu bastante espontânea e tranqüila ao conversar comigo.
Minha filha estudou dois anos aqui na Escola. Saiu porque aqui não tem série.
Ela chorou muito por isso no final do ano. Agora meu filho menor também está
estudando aqui. Eu gosto muito das pessoas dessa Escola, porque eu não tenho
tempo de vir muito aqui e eles sempre me informam de tudo sobre minha filha. Eu
sou mãe solteira trabalho muito em quase todos os horários. Por isso eu me esforcei
muito pra colocar meu outro filho aqui. Moro no São João Del Rei, mas prefiro que
meus filhos estudem aqui pela confiança que tenho na Escola. E também porque
acho que os professores têm um jeito diferente de ensinar que as crianças aprendem
e tem gosto pela Escola. Minha filha sempre foi uma boa aluna, mas aqui ela tem
alegria, é diferente de quando estudava em outra escola. Quase não participo de
reuniões, porque meu horário de trabalho não é fixo. Mas quando não chocam os
horários do trabalho com o horário da reunião eu venho. E ela vem sempre comigo
e não é porque eu forço não, ela gosta mesmo. E quando eu não posso vir ela pede
permissão aos professores e vem, e me conta tudo depois. (Depoimento em
fevereiro/2008).
Na primeira Assembléia Geral deste ano (2008), os educadores após um dia
exaustivo de trabalho pediram-me que fizesse a abertura da reunião. Todo ano esta abertura é
feita com uma exposição da proposta pedagógica do Projeto Educativo por um educador, para
139
informar aos novos educandos e seus familiares o funcionamento pedagógico e administrativo
da Escola. Decidi então fazer de um outro jeito. Após cumprimentar as pessoas, procurei
saber quem eram os novatos e quem dos presentes conhecia mais tempo a Escola e se
disporia ir à frente para apresentá-la aos demais. Havia poucos. Entre eles, o Senhor Francisco
se levantou e disse:
Eu tive um neto que estudou aqui de 2002 a 2003. Sou avô do José Augusto. Eu
gostei muito desta Escola e como a gente da comunidade pode continuar
participando das Assembléias, eu sempre que posso estou aqui, porque acho
importante. Eu posso falar que a Escola é diferente, mas é um diferente bom. O
jeito de ensinar dos professores, o jeito de todo mundo aqui tratar nossos filhos...
[...] os fazem aprenderem também diferente. Meu neto pegou gosto pelo estudo e a
hoje continua estudando. Mas também vocês podem vir aqui para comprovar se eu
estou certo ou não. Eu tenho certeza que alguém vai te explicar melhor. É isso
que eu tenho para falar. (Depoimento em março, 2008).
Avaliações como esta do Sr. Francisco, são revelações de que novos valores no seu
tempo e espaço não estão prontos previamente (Linhares 2003), mas podem ser modelados e
tornarem-se modeladores de histórias de buscas de conhecimentos e de autoconhecimento.
Portanto, marcado pelo tempo também de outros, por isso, também, diverso e inacabado
(Freire 1996).
A reflexão inicial deste capítulo quando apresento as regras e normas legislativas, as
quais a Escola está subordinada, o intuito foi trazer para o leitor como a Escola Liberdade se
movimenta nos espaços cedidos por elas, ao mesmo tempo em que crescem as percepções da
equipe num aprendizado muitas vezes não percebido no ato em que se processa, mas refletido
num outro momento, à medida que a percepção individual das pessoas também avança. O que
não aconteceu no início dos trabalhos, que a meu ver, acreditou a equipe que todos tivessem
uma mesma compreensão do projeto, portanto, o mesmo nível de desempenho, o que gerou
grandes expectativas, e a realidade não correspondida gerou também grandes frustrações,
resultando no afastamento de alguns educadores.
A atuação assistencialista e paternalista, ainda preponderante nos órgãos
administrativos bloqueia a liberdade e a autonomia das escolas. Assim, aos poucos a gestão
democrática corre o risco de ir se diluindo perdendo seu sentido primordial de promover a
emancipação humana. O próximo tópico mostra um pouco isso.
140
4.3 Gestão Co-operada: entre “perdas e ganhos”
Ao longo dos anos, à medida que outras crianças, assim como outros educadores
entram e saem da Escola, algumas características suas interferem na gestão, como também a
gestão da Escola influencia educadores e educandos que vão e vêm. Não como fugir das
modificações geradas por esse trânsito, pois sendo uma Escola que procura formar as pessoas
para a vida, obviamente que deve, portanto, ser a sua própria revelação. Entre educadores,
educandos e familiares, que são as principais pessoas que pela Escola transitam não se pode
esquecer daquelas que têm uma função fundamental para que ela seja reconhecida como a
principal responsável pela educação da comunidade escolar: o corpo administrativo do
sistema que regula e controla as ações da Escola. Este, igualmente, influencia e interfere,
como também pode ser influenciado e sofrer interferências.
Em 2005, aconteceram novas eleições para prefeito, o que significou a mudança na
administração do município. Comentava-se que com a nova administração a Escola do
Secretário Maldonado (como chamam a Escola Liberdade), seria extinta. Foi nesse clima de
apreensão que a equipe iniciou as atividades em 2006. Iniciava-se também o processo de
redimensionamento escolar no município. O objetivo era abrir vagas nas Escolas para ofertar
também a Educação Infantil, em cumprimento às promessas de campanha política
30
. Nesse
processo foram retiradas das escolas da Regional Sul, Maria Elazir, Ana Luiza, Osmar Cabral
e Liberdade as crianças da 2ª e 3ª etapas do segundo ciclo e remanejadas para EMEB
Constança de Palma Bem-Bem; em 2007, o mesmo processo de remanejamento, e a Escola
Liberdade passa por uma perda de referência do Projeto (que até então, assegurava a
permanência do estudante dos seis aos 12 anos de idade), também se limitando a ofertar o
ensino por referência do histórico escolar, ou seja, não importando a idade e sim a série que
está cursando para se ingressar na Escola.
A equipe começou a ser atropelada por uma série de exigências burocráticas tendo
que provar constantemente os resultados dos trabalhos. Durante todo o ano de 2006, a SME
passou por constantes mudanças no corpo administrativo, e a cada nova incorporação a Escola
lidou com os mesmos processos: encaminhar as documentações da Escola (PPP, Estatuto e
Regimento) e esclarecer o objetivo do Projeto. A cada andamento uma nova interpretação, o
que foi se tornando desgastante.
30
Esta foi a justificativa da comissão que estava à frente no trabalho de redimensionamento escolar.
141
Atendendo à solicitação dos educadores, o novo Secretário de Educação se dispôs a
receber a equipe para falar a respeito do Projeto Educativo da Escola, e da necessidade de dar
prosseguimento à construção do prédio da Escola iniciada na administração anterior. Na
ocasião esteve presente, a pedido do Secretário, o presidente do Conselho Municipal de
Educação, para maiores esclarecimentos sobre as questões legais de funcionamento da Escola.
Nesta reunião o Secretário justificou não poder dar continuidade àquela construção
iniciada, pelo fato de não ter conseguido negociar com a construtora que iniciou o trabalho. E
uma outra não assumiria a construção de algo iniciado por outros. Nesse caso a alternativa
seria iniciar uma nova, mas no outro modelo, o convencional, pois os custos daquele
representavam quase três vezes mais os de um modelo comum. Mesmo a equipe aceitando
essa condição, o Secretário não criou expectativas para sua construção, alegando uma série de
providências que demandariam muito tempo. Quanto à permanência do Projeto Educativo da
Escola, dependeria dos resultados do processo educativo apresentado. E que seria feita uma
averiguação através do acompanhamento de uma assessoria, além de uma avaliação legal.
Num segundo momento, que sucedeu à tal averiguação, o Secretário reuniu-se
novamente com a equipe no espaço da Escola Liberdade. Primeiro pediu que alguém
expusesse os objetivos do Projeto da Escola, por outras pessoas que não fossem aquelas que
estiveram na reunião anterior. Em seguida comentou que havia se informado na Escola Bem-
Bem, para onde vai o maior número de educandos que sai da Escola Liberdade, dizendo que
tinha boas referências: alunos fáceis de ensinar, mais expressivos, argumentativos,
respeitosos, mas não obedientes com um histórico quase zero de repetência e evasão”.
Admitiu que a organização pedagógica da Escola superava a idéia de ciclo. Mas, mesmo
assim, deixou clara sua dificuldade em lidar com a estrutura de gestão da Escola. Pediu nome
e telefone da presidente do CEC (na ocasião, professora Cristina) dizendo que sempre que se
dirigisse à Escola, procuraria e falaria apenas com esta pessoa.
Em 2007, mudou-se o Secretário de Educação. Alguns eventos foram realizados pela
prefeitura na região. Faixas e discursos em homenagem às escolas, destacavam as equipes
gestoras. E mesmo com a presença relevante da comunidade escolar Liberdade, seu nome era
ignorado. Em um desses eventos a professora Marilei procurou o Secretário de Educação
perguntando por que a Escola Liberdade não havia sido mencionada pelo prefeito em seu
discurso, uma vez que praticamente cinqüenta por cento daquela comunidade escolar estava
presente e caracterizada pelo uniforme. O mesmo justificou dizendo: como fazer isso se a
Escola não tem uma equipe gestora, vou me referenciar a quem?” A professora explicou: “O
142
senhor pode se referenciar CEC, porque somos um colegiado. Não precisa citar nomes, mas
sim à Escola Liberdade, ela existe e isso o senhor não pode se negar a reconhecer este fato”
(depoimento em março de 2007). A demonstração de descaso abala a equipe e isso se reflete
no cotidiano escolar.
Houve neste período muitos desacordos na administração das questões internas da
Escola. Alguns educadores incorporam o autoritarismo vivenciado na Rede e a equipe perdeu
um pouco da coletividade. O descontentamento dos técnicos é revelado em reuniões do CEC,
reagindo com ausências, silêncio, ou falas agressivas; no trabalho restringem-se às suas
atividades e alegam não terem mais voz ativa. O cotidiano das aulas também é afetado,
revelando indeterminismo, incoerência das práticas de ensino em relação ao proposto no PPP.
Perde-se o referencial político-pedagógico das atitudes dos educandos e as Assembléias
Mirins começam a ser incorporadas por alguns educadores como um momento de imposição,
- embora não explícita -, de regras e normas comportamentais, em substituição à prática
mediadora das discussões e dos debates entre os educandos, em que as normas e as regras
eram derivadas de seus próprios encaminhamentos.
Esses acontecimentos são acompanhados de perto também por Angelina, uma nova
pesquisadora da UFMT que iniciou uma investigação na Escola, para tese de doutorado, tendo
como objeto de pesquisa o currículo em construção. Nas conversas informais, pude perceber
que suas observações retratavam os conflitos nas relações internas e as confusões na condução
dos trabalhos pedagógicos, vivenciados, e principalmente o distanciamento dos técnicos na
co-operação dos trabalhos. Dizia ela:
V
ejo que a cooperação nos trabalhos é mais forte por parte dos professores, não
vejo o mesmo empenho da parte dos técnicos. Sem dúvida nenhuma, é uma Escola
extremamente humana. Admiro muito a competência que todos têm de se manterem
sempre alegres apesar dos conflitos. Vejo na Escola uma marca muito forte de
preocupação com o outro e de estar sempre num ambiente festivo. Porém “deixa
muito a desejar por parte de alguns professores na prática pedagógica. Acredito
que a partir do momento em que todos conseguirem ser mais rigorosos nesta
questão, a Escola dará um grande salto”.
Algumas interferências me foram possíveis, em reuniões do CEC, em discussões
cotidianas nas reuniões internas, alertando para refletir sobre a prática pedagógica como
fundamentação e sustentabilidade da Gestão Co-operada.
Ao perceber a baixa auto-estima que recaía sobre a equipe, iniciei a pesquisa com a
intenção de trazer para reflexão as opiniões dos educandos e da comunidade em relação aos
trabalhos da Escola, na tentativa de re-estabelecer o ânimo e a segurança sobre suas práticas.
143
Em relação às Assembléias Mirins, conversei individualmente com alguns educadores.
Percebendo na professora Marilei uma atitude mais sensibilizada com as tendências de perdas
dos valores sociais de sustentação das relações internas, o que refletia nas práticas
pedagógicas, resolvi acompanhá-la mais de perto. Ao mesmo tempo, lidava com certa cautela
com os demais, procurando alertá-los sobre os riscos de extinção do projeto mediante algumas
ações impensadas.
Assim percebi algumas mudanças, ou pelo menos o reconhecimento da necessidade
desse aprimoramento no ano de 2007, após ouvirem também as sugestões de Angelina, que
participou de algumas reuniões do CEC e reuniões cotidianas de discussões a respeito do
desempenho do aprendizado dos educandos. Segundo a pesquisadora, ela também sofreu
mudanças na sua forma de olhar, pois em princípio seu olhar era direcionado para um
pressuposto, e aos poucos pode perceber algumas modificações na sua maneira de observar,
mais aberta e flexível nas suas interpretações.
Mesmo com a resistência da equipe, a vivência na Gestão Co-operada sofreu perdas,
embora não tenha ainda se consumado em mudanças na estrutura de organização da Gestão,
as influências se refletiram na funcionalidade do tempo e do espaço pedagógico: quando em
2006 a SME buscou o redimensionamento escolar na região, a equipe ao permitir a inclusão
da Escola nesse processo, iniciou gradativamente uma perda de referência do Projeto
Educativo, uma vez que, o respeito aos educandos da garantia de permanecerem na Escola até
aos 12 anos de idade foi abruptamente rompido. O receio da equipe de colocar em risco a
continuidade do projeto, não oferecendo resistência, colocou a Escola na mesma condição de
risco, gerando incoerência entre as proposições do Projeto e o que se praticava de fato.
Mesmo assim, algumas ações em 2007 permaneceram, conforme o descrito no tópico anterior.
Porém, com algumas perdas como relata esta educadora:
Não temos mais tempo de planejarmos outras atividades como fizemos até 2005:
ensaios de coral com os pais, coral com os educandos. Porque antes, com a
autorização da Assembléia Geral nós nos organizávamos internamente para esse
tempo. Lógico que procurando não prejudicar não interferir na carga horária de
direito do educando, mas hoje não temos mais essa liberdade. Somos interpretados
como se tivéssemos descumprindo a legislação. Ah, eu estou muito triste.
imaginou que será sempre assim a cada nova administração? Confesso que estou
cansada (Sônia - depoimento em março de 2008).
Em janeiro de 2008 a equipe foi chamada a comparecer na SME para explicar sobre
o Projeto Educativo mais uma vez. O que seus representantes alegavam em primeiro
momento era um não entendimento dos princípios de enturmação dos educandos. Justamente
144
o item que trata do respeito ao educando - ao não se apegar ao histórico escolar para
proporcionar o aprendizado até então não conseguido, na tentativa de colocá-lo no nível
esperado por seu histórico -, foi interpretado por eles como desrespeito ao educando, dizendo
que a Escola prejudicava seu aprendizado; outro motivo apontado era que a Escola não
necessitava daquela organização pedagógica, tendo em vista que o atendimento ao educando
se resumia apenas do primeiro ao terceiro ano escolar, logo, seu funcionamento não dependia
de professores de outras áreas.
Diante das explicações da equipe, mostrando que o procedimento não estava em
desacordo com a legislação, nem com o respeito ao educando. As pessoas responsáveis por
essa averiguação, exigiram que o CEC emitisse um documento que justificasse a necessidade
da Escola em manter a organização pedagógica por área de conhecimento, assinado por todos
os conselheiros, e entregue para ser submetido à análise do corpo administrativo da SME,
dentro de vinte e quatro horas. A equipe solicitou a interferência do Presidente do Conselho
Municipal junto à SME em relação ao prazo, pois, alguns conselheiros, devido ao período de
férias estavam viajando, prorrogando o prazo para setenta e duas horas.
O documento foi elaborado cumprindo algumas exigências da SME, entre elas, a
garantia de que permaneceria um professor exclusivo da área, fixo em cada Ambiência,
ficando apenas os outros rotativos em todas as Ambiências. (conferir p. 30 do Anexo C). O
que se perde com isso? Aos poucos a Escola começa a se encaixar nos padrões “normais”.
Perde-se a possibilidade dos professores se inteirarem das demais áreas e promoverem uma
formação de fato interdisciplinar. E o que ainda se ganha? A força e o espírito de luta que
ainda resiste. Agora, a atenção da equipe é manter-se ainda mais atenta à coletividade, para
evitar um retorno à concentração de informações naqueles que sistematicamente ocupam uma
posição superior em relação a outros, se forem observadas e tratadas sob a ótica de uma escala
hierárquica. Essa consciência fica evidente quando em dezembro de 2007, na eleição para
nova composição do CEC (onde internamente ocorre o rodízio dos educadores nas
modalidades do CEC, e a inclusão de novos membros do segmento de pais), a equipe
apresentou em Assembléia Geral, como candidato à presidência do CEC, um técnico e não
um professor, o qual foi eleito por unanimidade (Anexo D, p. 230). Porém ao encaminhar a
Ata ao cartório para registrar a nova constituição do CEC, por várias vezes o documento
voltou, sob alegação de que havia mais membros no Conselho do que o permitido em Lei.
Para não resumir as interpretações ao meu olhar apenas, organizei uma reunião com
a equipe, com o intuito de provocar uma reflexão sobre as “mudanças” ocorridas na prática
145
pedagógica, e os “tumultos” provocados nos encaminhamentos administrativos, procurando
perceber o que cada um considerava como perdas e ganhos na gestão da Escola. Como em
todas as reuniões que a equipe organizou para discutir tais questões, em que pude participar e
utilizar seus depoimentos para estudos investigativos, e contribuir com reflexões que ajudasse
em novos encaminhamentos, esta reunião, mesmo sendo solicitada por mim para atender as
expectativas da investigação, tive o mesmo cuidado, em não colher os depoimentos, mas
também direcioná-los de forma a contribuir com a resolução dos problemas que se
apresentassem. A reunião aconteceu no dia 15 de maio de 2008, das 10 às 11 horas, na
Ambiência Administrativa da Escola.
A primeira a usar a palavra foi a professora Cristina, que fez uma observação no
mínimo intrigante:
De 2003, que foi quando eu entrei na Escola, até hoje muita coisa se perdeu sim.
Antes preocupávamos mais em observar o tempo de aprendizagem das crianças, por
isso as atividades antes se centravam exclusivamente no lúdico. Mesmo assim,
querendo ou não, na Escola Liberdade, um ano nunca foi e acho que nunca será
igual ao outro. Mudam-se os alunos, os professores... euo sei se consigo explicar
direito, mas a realidade das crianças de hoje, dos seus familiares não é a mesma.
Talvez por isso, até nós que estamos mais tempo no Projeto também o somos
nem poderíamos ser os mesmos. Não sei se consigo me expressar, dizer se isso é
bom ou ruim, mas, o que eu sei aqui e agora é que, será que o certo seria agirmos
da mesma forma como agimos em alguns destes anos atrás? Eu não sei explicar se
tivemos perdas em relação ao Projeto. No começo achei que sim, mas agora eu não
tenho tanta certeza. Posso até estar errada, mas é assim que estou pensando agora.
Do ponto de vista da professora Cristina, as perdas podem estar relacionadas a
algumas práticas, porém em relação ao Projeto o que parece perda, pode significar ganho uma
vez que, o princípio do Projeto é atender as necessidades das pessoas. E atendê-las também é
muitas vezes adotarmos algo que mesmo nos parecendo incoerente com o que nós educadores
acreditamos ser o certo, para aquela criança, naquela realidade pode ser o melhor.
A professora Verônica explicou:
Acho que o que a professora Cristina está tentando explicar que, hoje, nós temos
uma cobrança maior da SME em acelerar o processo de alfabetização. Mudou-se
muita coisa sim, devido a essas cobranças. Olhando pelo lado do aprendizado da
leitura e da escrita houve avanço. Mas, nós sabemos que a preocupação, na
verdade, não é especificamente com a nossa prática pedagógica, mas sim procurar
no pedagógico uma justificativa para dizer que a gestão da forma que está não
funciona, porque querem provar que as desigualdades no tempo da aprendizagem
devem-se ao fato dos professores não terem uma dedicação exclusiva com o
pedagógico. Por isso eu acho que se mantermos a tranqüilidade, daqui a pouco
tudo passa. Esta é a minha opinião.
146
A professora Cristina tenta esclarecer:
Não. Não me refiro às exigências da SME. Esta é uma reflexão que eu faço agora,
que na verdade vem me incomodando alguns dias. Porque às vezes, nós, os mais
antigos, sentimos tanto pelas mudanças, sem pararmos para pensar que de repente
elas são necessárias. Com o passar dos anos todos nós mudamos por alguma razão
e isso é refletido na nossa prática. Também não sei ao certo, como eu disse estou
fazendo esta reflexão agora. o estou afirmando nada, apenas estou me
perguntando.
Silma tem a seguinte opinião:
Trabalhar o lúdico na prática de ensino não é necessariamente colocar
brincadeiras e jogos em tudo. Trabalhar ludicamente é fazer a alegria da criança,
descobrir seu interesse. Que é o que está acontecendo com as crianças agora. As
turmas do ano tão numa alegria só, porque estão conseguindo ler. Pra mim o
lúdico de verdade acontece quando a criança está feliz com seu aprendizado. Nesse
sentido, embora eu não tenha presenciado os primeiros anos de trabalho da Escola
Liberdade, não se trata de perdas e ganhos, mas, sim de diferentes circunstâncias.
Nesse sentido é que eu digo que não se perdeu a ludicidade, o que está sendo
preciso é fazer uma outra leitura dessa ludicidade que pra mim está presente sim.
Independente da forma de enturmação, porque as crianças estão recebendo uma
atenção individual, mesmo assim.
A professora Marilei acrescenta:
No pedagógico, acredito que se perdeu mais do que ganhou. Porque o que acontece
agora? A nossa preocupação com o avanço da turma é maior do que com a criança
em si. Quero dizer com isso que querendo ou não o tempo da criança aprender está
aos poucos se transformando no tempo de sua turma. O que é pior ainda é que isso
está acontecendo quase que inconscientemente. E a gente começa a achar isso
normal. Concordo com a professora Silma quando diz que o lúdico está na alegria
da criança. Só que não são todas. E aquelas que precisam do cuidado especial, nós
estamos nos dedicando a elas? Com certeza? Agora mesmo, todos nós estamos
preocupados com a Provinha Brasil, com receio de que o resultado negativo
influenciar na interpretação do Secretário em relação à gestão como bem disse a
professora Verônica. Tem criança que vai conseguir muito bem, mas, e as que não
vão conseguir, que nós sabemos que existem? como vamos trabalhar a cabecinha
delas, depois dessa provinha? Agora mesmo, que é que nós estamos fazendo? De
que forma estamos tratando essas crianças que ainda o estão no nível da prova?
Eu não sinto que esta seja a maior preocupação do coletivo nesse sentido.
As considerações apresentadas pelos educadores trouxeram-me as seguintes
reflexões: A Escola está passando por uma fase em que o tempo do aprendizado dos
educandos na sua individualidade está sendo sufocado pelo medo dos educadores que, sabem
que o olhar de quem está fora não é capaz de ter a mesma percepção daqueles que estão
dentro do processo, o que não impede que a Escola seja interpretada de outra forma. Na
introdução deste relatório comentei sobre o que me impulsionou a realizar esta pesquisa, que
agora acho oportuno retomar, mesmo resumidamente, no intuito de explicar a preocupação
dos educadores. Durante esse tempo que me dediquei a pesquisar como os educandos
aprendiam, apenas acompanhando e orientando o seu processo de busca do conhecimento,
147
presenciei inúmeras e diferentes formas de aprender. Crianças que aprenderam sem usar
caderno, apenas observando seus colegas; crianças que aprenderam porque se dispuseram a
ensinar; Crianças que aprenderam com a repetição da escrita, porque foi a sua escolha;
crianças que aprenderam lendo letras de músicas; crianças que aprenderam porque digitou um
poema no computador; crianças que aprenderam escrevendo várias vezes um mesmo texto,
trocando apenas os nomes dos personagens; crianças que aprenderam vendo o colega escrever
a história que ele próprio contou; crianças que aprenderam apenas porque foram ouvidas.
Ao acompanhar o desempenho individual dos educandos, pude observar que, nos três
primeiros anos de aprendizagem, vindo ou não de uma experiência escolar, a liberdade de ser
da criança é fundamental para o processo de construção do raciocínio lógico. Uma prática
pedagógica sustentada nesta didática, não cabe numa programação em que atividades são
preparadas para todos num plano de igualdade. A igualdade é justamente dar-lhes o direito de
aprenderem na sua diferença. Como todos os resultados acompanhados por cada educador são
socializados na equipe, é compreensiva a preocupação dos educadores.
Concordo com a professora Cristina, há que se fazer uma reflexão sobre as
mudanças, mas, que se lembrar também que o principal papel da Escola é justamente
formar para a compreensão do que acontece no seu entorno. Por isso, tomarmos o cuidado
para não interpretar como necessidade última, o que nos pede seus familiares sem a clareza do
que realmente seja necessário para fazer a diferença nas suas vidas. Como nos lembra muito
bem Rodrigues “A escola não é uma instituição neutra frente à realidade social. Temos de
compreender a realidade social onde ela se situa para podermos clarear o grau de interferência
e a possibilidade de ela agir também sobre essa realidade.” (1996, p. 57). Caso contrário, não
há formação para a cidadania.
Concordo também com a professora Silma quando diz que o lúdico não se resume
apenas em jogos e brincadeiras, e sim o que proporciona o prazer da criança. Mas, vale cuidar
para não condicionar a alegria da criança apenas à avaliação do outro, mesmo que seja a do
professor. Acredito que toda essa reflexão encontra ressonância na avaliação da professora
Marilei, quando chama a atenção para a tendência de generalização das crianças, perdendo
com isso o olhar sobre os casos que merecem uma atenção individualizada.
Se nos anos iniciais os educadores da Escola Liberdade viveram as tensões
requeridas pela desconstrução de valores, na tentativa de criar e recriar novas práticas que
respeitassem o tempo de aprendizado de educadores e educandos no processo de ensino e
148
aprendizagem passa agora, por um período que requer uma nova leitura, mais apurada e mais
consciente da prática pedagógica vivenciada na Escola.
A professora Eunice em um de seus depoimentos na p. 121, fez uma declaração
importante, e aqui acho oportuno retomar: “Acredito que hoje na Escola Liberdade existem
todas as formas de Tutoria” segundo ela, houve uma mudança de atitude dos educadores,
adquirida pelas várias formas de Tutoria que foram desenvolvidas. De repente um ou outro
diz que nós não fazemos mais Tutoria”, mas a verdade é que todos mudaram a forma de
olhar e atender o educando. A observação da professora Eunice mostra inclusive que seu olhar
passou por uma transformação que lhe permite ver além do óbvio. Porém, e agora é o meu
ponto de vista, se a equipe não aproveitar esse momento em que tudo deve estar devidamente
registrado e documentado, inclusive a metodologia dos trabalhos da Escola, mesmo sendo
uma prática de todos, mas se este reconhecimento não se tornar uma consciência coletiva, isso
pode se perder. Vejo que, assim como em outros momentos, tudo que está sendo exigido pela
SME, por mais que pareça absurdo em relação aos princípios da proposta pedagógica da
gestão da Escola, pode ser transformado e utilizado segundo estes princípios. Como nos dizia
Maldonado nos nossos estudos, “tudo se relaciona com tudo, depende da forma que eu olho e
conduzo”.
Uma das mudanças no Projeto foi acrescentar uma sala exclusiva para apoio à
aprendizagem. Com a existência desta sala, os educadores tanto podem ver nela a solução dos
problemas do ensino e aprendizagem e não mais se preocuparem com as diferenças em sala de
aula, como também podem transformá-la no espaço para desenvolver a Tutoria Individual,
enquanto os demais educadores poderão se envolver as TdG, cuidando para o avanço grupal.
Nas minhas observações eu percebo que, estes são métodos que estão sendo estrategicamente
criados para que não se perca em meio às mudanças, as bases do Projeto. Mas, em meio ao
aparente tumulto que a situação provoca, essa consciência se perde entre os educadores, e aos
poucos as referências de base poderão se perder. Porém, não há como fugir desta realidade.
Isso me leva a entender que, tanto nos momentos poéticos e instintivos do
nascimento do novo, quanto nos momentos mais rigorosos, exigindo uma posição ética e
política, que a equipe tem procurado se afirmar enquanto Escola. É deste tempo que é feito a
Escola Liberdade, entrelaçando o tempo de ser e de viver, ao tempo do dever. É neste eterno
ir e vir que vai se construindo, embora com a sensação de sempre inacabado, que agora pede
que se acrescente ainda, o tempo de ver.
149
CONSIDERAÇÕES “FINAIS”
Somente um ser que é capaz de sair do seu contexto, de
“distanciar-se” dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo
para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o,
saber-se transformando pela sua própria criação; um ser que é
e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico,
somente este é capaz, por tudo isto, de comprometer-se.
Paulo Freire
Minha condição de educadora, integrante da Equipe Liberdade e co-autora do projeto
educativo da Escola me conduziram para a realização desta pesquisa. Apaixonada pela
educação, reflito constantemente sobre minha prática, sobretudo, nos últimos dois anos sobre
a prática educativa que ocorre na Escola Liberdade, porque nela reside a minha marca de vida
pessoal e profissional, pois, estar lá é a minha escolha. Por isso procurei durante o processo de
pesquisa, sustentar minhas curiosidades investigativas nos valores sociais que também são
sustentadores do Projeto Educativo da Escola Liberdade. Ao me despir das certezas e
conseguir me aproximar, me colocar à escuta dos sujeitos, a afetividade e a solidariedade me
ajudaram a ouvir e ser ouvida. A liberdade de expressão nos seus depoimentos e nas suas
opiniões tornou-se relevante para uma compreensão democrática, mas, como cidadã não podia
ser omissa, e me posicionei criticamente quando foi necessário.
Ao apresentar as considerações finais para este momento no que se refere à esta
pesquisa procurei tomar como referência a maneira que educadores e educandos vêem a si
mesmo e os outros como sujeitos no exercício da formação cidadã.
Fazer uma leitura da realidade escolar vivenciada e experienciada na Escola
Liberdade foi uma tarefa complexa. Meu envolvimento e compromisso em assegurar o
andamento do projeto da Escola se confundiam com o compromisso de pesquisadora, em
confrontar criticamente com os fenômenos apresentados. Uma coisa é entender que existe um
esforço muito grande da equipe em fazer valer a proposta pedagógica; outra é procurar
compreender o sentido que cada um aos resultados do processo, para poder fazer uma
análise compreensiva entre o proposto e o alcançado, e aproximar da possibilidade de
compreender o que realmente sustenta este processo.
A opção pelo resgate do processo histórico foi a maneira solidária que encontrei para
que, à medida que detectasse os acontecimentos não percebidos pela equipe, que mereciam
um olhar mais atento, que contribuísse para um despertar dos sujeitos no reconhecimento de si
150
mesmos e do outro. Isso justificou a metodologia de reconstituição da trajetória vivenciada
pelos atores sociais desde a idealização do Projeto da Escola.
Na procura da reconstituição da “memória” do Projeto, encontrei três tempos de
referência: o tempo de “estar sozinho”, o tempo de “estar com alguns”, o tempo da “escola
toda”. Entre o segundo e o terceiro tempo, verificou-se um hiato, durante o qual quase tudo o
que até então se construiu correu risco de desaparecimento. Depois, houve o tempo de os pais
aprenderem e da aprender com eles, o tempo das crianças se adaptarem a novos modos de
aprender e dos educadores se adaptarem à Escola, a todos e a cada um. Depois, houve ainda o
tempo de consolidar e fundamentar.
Ao descrever o idealizado, os sentimentos não impediram o rigor e a
responsabilidade que requeria o PPP da escola, ao contrário, foi o que sustentou e
impulsionou a levar em frente a busca de tornar possível tais ideais; depois, ao vivenciar, a
equipe buscou nesses dois referenciais, o idealizado e o planejado, transformar em prática,
experiências que ajudaram a escrever a construção de uma história educativa que teve
relevância na vida pessoal e social da comunidade escolar.
Por isso, a experiência vivenciada na Escola Liberdade, não corresponde a uma
prática pedagógica usual, porque é justamente este, o propósito, que está mais do que claro
que a educação escolar da forma em que se encontra, “[...] não consegue atender as
emergências requeridas pelo momento.”
(STRECK, 2005)
31
.
Observo que, o que faz o diferencial para a formação das crianças, que afirmo como
cidadã, são as oportunidades que lhes são dadas de serem elas mesmas. É o fato de os
educadores não se prenderem a um ensino conteudista, mas de transformá-los em temas de
discussões, e ao mesmo tempo, em temas de eventos como as festas e as comemorações entre
a comunidade. São nestes momentos, em que educadores e educandos se entregam ao prazer
de ser no coletivo, que refletem o desejo e o gosto do querer aprender, tornando-se
reveladores dos avanços no processo de e ensinar e de aprender, tornando uma prática
democrática e crítica, em que a leitura do mundo de cada um está implícita na leitura da
palavra e da escrita por eles interpretadas e transcritas (FREIRE, 2000).
As crianças não são educadas apenas para a autonomia, mas através dela, nas
margens de uma liberdade matizada pela exigência da responsabilidade. Busca-se uma escola
31
Discurso proferido pelo autor em uma reunião junto aos atores sociais da Universidade Popular Comunitária
(UPC) em 2005.
151
de cidadãos indispensável ao entendimento e à prática da democracia. Procura-se no mais
ínfimo pormenor da relação educativa, formar o cidadão sensível e fraterno.
Na Escola Liberdade, cada educando age como participante de um projeto de
preparação para a cidadania no exercício da cidadania. Foi por isso que se constituíram as
Assembléias Mirins. A lista de direitos e deveres que os próprios educandos propõem,
discutem e aprovam é o que lhes permite serem dignos do exercício cotidiano da liberdade,
mas com responsabilidade.
A coesão da equipe alimenta-se da mútua importância que os seus elementos se
concedem, da partilha de afetos, via da qual cada um possibilita rumos seguros a outras vidas,
inventando a sua própria existência no seio das práticas cotidianas. Como o objetivo maior é
fazer das crianças pessoas mais sábias e mais felizes, todas as ações ao serem desenvolvidas
são antes, pensadas, planejadas e experimentadas com os educandos. O que faz com que os
adultos sintam-se também mais conhecedores e mais felizes, independente de seus cargos, no
dia a dia da Escola.
Na perspectiva das ações desenvolvidas pela Escola Liberdade, todos os educadores
e educandos são especiais, independente também das especialidades físicas ou psicológicas.
Foi acrescentando às tradicionais dificuldades de aprendizagem ao reconhecimento das
dificuldades de vivenciar novas práticas de ensino que se concretizou um ensino diferenciado.
Houve um esforço coletivo em compreender que cada criança é um ser único e irrepetível,
que seria errado imaginar a coincidência de veis de desenvolvimento, por isso a equipe
avançou com outra organização da escola. Um mesmo currículo para todos os alunos
desenvolvido de modo diferente por e para cada um.
Idealizou-se um novo espaço escolar, com o objetivo de libertar a criança da rigidez
de espaços tradicionais e favorecer processos de socialização e de transformação do aluno
num ser social que confronta experiências de vida e as re-elabora. E por ser indispensável
contemplar o ritmo de cada aluno, todos os momentos de avaliação passaram a ser entendidos
como oportunidades de aprendizagem.
A Legislação exige que, no seu cumprimento, seja priorizado o direito da criança de
viver sua infância, mas também garante seus direitos de receber uma formação escolar
adequada e ao seu tempo cognitivo e cio-cultural. A Escola Liberdade interpretando esses
dois princípios adota a metodologia com ênfase na ludicidade e a rigorosidade nas práticas
pedagógicas, assegurando a aprendizagem crítica e solidária como princípios da cidadania.
152
Para exercer a solidariedade é necessário compreendê-la, vivê-la em todo e qualquer
momento.
Com os momentos de estudos proporcionados pelos pesquisadores presentes na
Escola em 2004, como apresenta o histórico nos capítulos três e quatro, a participação dos
pais passou a não se restringir às atividades promovidas apenas em reuniões do CEC, mas na
presença contínua dos mesmos nas avaliações do Projeto e nas suas contribuições quando
solicitados. Por isso, hoje, sempre um educador tutor disponível para o atendimento diário
e a qualquer hora, se algum pai o solicita como aparece nos seus depoimentos.
Sem dúvida nenhuma, o desenvolvimento do Projeto é um ato coletivo. Não é
exclusividade de um professor, pois, todos os participantes se conhecem entre si e se
reconhecem em objetivos comuns, este ato se revela quando, mesmo entre conflitos as
decisões são tomadas coletivamente. A condução do Projeto é colegiada, mas existe uma
coordenação, estruturada na formação do CEC. Mesmo que as funções no dia a dia não sejam
assumidas conforme sua designação, porque dependendo da emergência requerida pelas
circunstâncias, as funções não significam maior importância, mas sim o problema em questão.
Nesse caso a busca da resolução passa a ser assumida por aquele que na atual circunstância é
visto pela equipe, mais preparado resolvê-lo.
As dificuldades encontradas são comuns a todos os processos de mudança. Os
obstáculos mais difíceis foram e continuam sendo os que radicam na cultura pessoal e
profissional dos educadores, conforme aparece nas falas dos educandos e dos educadores.
Porém, não há como negar a perseverança da equipe, os esforços cotidianos na aceitação das
diferenças apresentadas pelo outro, ou das suas próprias diferenças que mesmo não
percebendo vão adquirindo, o que exige constante renovação desse olhar sobre si mesmo e
sua prática.
Analisando do ponto de vista do cumprimento à legislação, o que se percebe entre os
educadores é que, embora essa preocupação seja um fator que interfere nas suas atitudes, na
prática educativa, esta é uma preocupação secundária. E isso, ao mesmo tempo em que
suaviza a prática, por não se prenderem à regras, também coloca a Escola na linha de risco de
perda da sustentação do Projeto, uma vez que, é no reconhecimento da existência da
vinculação da prática à legislação que a Escola se sustenta diante da sociedade e do poder
público.
153
As dificuldades de aprendizagem dos educandos na Escola Liberdade são as mesmas
apresentadas nas outras escolas públicas da região e até mesmo do município. Porém, a
assistência recebida por elas é o que faz a diferença. Embora as dificuldades de se trabalhar
uma prática que seja como diz Libâneo, com conteúdos críticos, por alguns educadores ainda
seja uma realidade, também é real que as relações entre educadores e educandos, embora
tenham ainda muito que avançar, porque ainda não reside no entendimento de todos, nela está
o diferencial e é isso que me leva a afirmar que uma nova cultura educativa está sendo vivida
e apresenta resultados positivos. Está presente tanto no olhar dos educandos egressos e dos
atuais, quando afirmam que aprendem, independentemente de como são ensinados, porque
aprendem à sua maneira (cap. 1 p. 25 e 26); se as crianças são capazes de se auto-avaliar e
avaliar os educadores com tamanha segurança, se são capazes de construir textos e
transformá-los em peça de teatro, com o objetivo de passar a mensagem de aprendizado, de
valor moral a uma outra criança, eu não posso me furtar do reconhecimento de que a Escola
promove sim a formação cidadã.
Por isso, se no início, o grande desafio da equipe era romper com a cultura de poder e
autoridade nas relações entre educador e educando, hoje o maior desafio está na competência
de fazer dentro do tempo e do espaço que têm o documentário das experiências vivenciadas,
para que nesse processo, se reconheçam e se afirmem diante das especulações. E, poder com
isso, se afirmar diante do poder público enquanto Escola, que a equipe está em busca de
garantir um padrão de qualidade educativa (para todos) e que, para isso, não precisam
desconsiderar a diversidade local.
Os educadores da Escola Liberdade, mesmo nos seus limites procuram educar para
cultivar a curiosidade, a paixão pelo estudo, o gosto pelo aprender, seja pela produção de
textos escritos ou não. Propõe a espontaneidade, o inconformismo e a autonomia.
Aprendizagem criativa e não mecânica, conforme ressalta na fala dos educandos e que em
muito se assemelham aos ideais educativos paulofreireano; Não se esquecem que enquanto
ser humano, a prática que permeia todas as suas ações é a das suas possibilidades não
mágicas, mas praticáveis. Estando, portanto, sujeitos a erros e falhas, como também a acertos.
Porém que se ter um olhar mais largo, para poder enxergar entre erros e falhas os acertos
que muitas vezes, não aparecem aos nossos olhos, não porque são mínimos, mas porque
muitas vezes, o nosso olhar pode estar condicionado a um tempo que nos remete ao
estritamente esperado.
154
O ser humano precisa ser valorizado, e para isso necessita do reconhecimento do
outro para em contrapartida, se reconhecer também. Não falo aqui de uma valorização salarial
como primordial nesse reconhecimento, embora seja fundamental. Falo aqui do re-
conhecimento da palavra que anima que ajuda e impulsiona o educador que interessa e busca
dar uma outra configuração à educação escolar. Foi o que percebi quando apresentava aos
educadores as avaliações dos educandos, a alegria retratada num olhar de encantamento, e a
coragem redobrada ao retomarem as atividades rotineiras. Atitudes como estas, que acredito,
poderão um dia ajudar-nos a escrever uma outra história sobre educação, quiçá, sairmos da
falência.
O educador também precisa desse afago, caso contrário ele, humanamente não terá
condições de levar adiante seus sonhos, suas utopias de poder de fato fazer diferente. Não é
possível doar aquilo que não se tem. A crítica é necessária e também faz parte do dia a dia da
Escola Liberdade. Está presente nos desacordos, nas discussões, mas também nos acordos,
resultados no coletivo.
Este é o tempo do qual carece a Escola Liberdade: o tempo de quem possa olhar, sem
as viseiras que colocam as pessoas em marcha no mesmo ritmo e cadência. O tempo que
caminha e não corre e por isso tem tempo para descansar e esperar.
Por isso ao encerrar este trabalho consciente de que as interrogações são ainda
maiores, porque mesmo impulsionada pela busca de respostas, estas, fizeram-me compreender
que, são possíveis quando outras as sobrepõem. E neste embalo acalanta nossos sonhos e
utopias tornando-os sempre instituintes. Porque como nos disse em 2002 um visitante,
representante da Editora Abril e mais tarde em 2006, tal afirmação foi reforçada por Linhares:
“na Escola Liberdade, não tem nada certinho, arrumadinho, organizadinho dentro das
caixinhas, mas brilho nos olhos das crianças e dos educadores. E isso é que é importante”.
Porém para que instituições com propostas diferenciadas possam prosseguir enfrentando o
que está posto e instaurado, se sustentar e se assegurar com autonomia, os olhares de quem
nela transita principalmente de pesquisadores, deve também ser designado a um propósito
maior de contribuir com reflexões e estudos. Só assim as pesquisas científicas poderão
provocar mudanças na educação escolar.
Acredito que a continuidade do envolvimento da Escola com Instituições como a
UFMT, buscando parcerias para estudos sobre problemas detectados pela própria equipe, são
estratégias que poderiam ajudar a Escola a crescer e sair do anonimato. Contar com grupos de
estudos externos que contribuam para o desenvolvimento de pesquisas participantes
155
proporcionaria aos educadores, o crescimento intelectual para uma nova maneira de “olhar”
de “debruçar-se” sobre os trabalhos que desenvolvem e ajudá-los a transformar tudo isso em
matéria de outros estudos.
Uma outra necessidade, que considero de fundamental importância, e falo não como
profissional da Escola Liberdade, mas como educadora: se está claro para todos nós que a
educação escolar necessita de práticas emergenciais para sair do caos em que se encontra, de
que nos adianta a consciência disso se não ousamos sequer admitir nossas dificuldades? Se
quando nos deparamos com aquilo que nos é desconhecido, preferimos ignorar e deduzir que
não é funcional? Para esta reflexão eu convido não os educadores que estão nas unidades
escolares, mas também àqueles que ocupam nas Secretarias de Educação um respeitoso e
digno papel de apoio pedagógico e administrativo às escolas, para mudarmos o nosso diálogo.
Substituir velhas maneiras relacionais assistencialistas na tentativa de “arrumar”, de
“organizar” de um jeito aparentemente mais fácil e rápido para trabalhar - que bem sabemos
não é capaz de viabilizar as mudanças que a educação escolar realmente precisa -, para mais
discussões e debates aparentemente menos fáceis e mais lentos nas decisões e no processo de
trabalho. É fato que as escolas precisam de educadores também dispostos a isso, mas também
do apoio dos profissionais que ocupam nos órgãos superiores, uma função com esta
finalidade. Estou falando de um apoio dialogal, em que ambas as partes possam se ajudar.
Nos últimos dois anos tenho percebido o empenho da SME, em levar às escolas do
Município, inúmeros projetos sociais e muitos deles estão sendo realizados. Porém, teriam
resultados muito mais satisfatórios, se esses projetos, além de uma intenção educativa sócio-
cultural mais ampla, que deve ser esta a proposta, prioritariamente, atendessem a demanda
social da comunidade escolar. Apresento como exemplo, o projeto Flauta Mágica que foi
objeto de estudos de Stering (2008), que nasceu do diálogo entre SME e Escola Dejani
Ribeiro, na Regional Norte com o intuito de tirar de situações de vulnerabilidade social as
crianças do bairro Jardim Vitória e incluí-los na educação escolar. Embora este projeto hoje
não tenha mais vínculo com a SME, suas bases foram construídas nessa relação e continua
sendo o espaço onde são atendidos os interesses da comunidade daquele local. Outro exemplo
foi o projeto desenvolvido por Pulquério (2005) intitulado, Pojetos Culturais: um elemento
mobilizador para a democratização do espaço escolar e das relações entre os indivíduos na
Escola Municipal de Educação Básica Dr. Fábio Firmino Leite, que nasceu com o objetivo de
trazer para dentro da Escola, a comunidade externa. Com a diferença do projeto anterior, este,
após encerrarem as pesquisas da autora, a escola não deu continuidade ao processo. O que a
156
meu ver faltou algo que sustentasse e desse continuidade às relações estabelecidas durante o
desenvolvimento do projeto.
As avaliações destinadas às escolas são indispensáveis, devem existir, porém jamais
ser mensageira do medo de se expor, de se ridicularizar; seu maior propósito deve ser o de
ampliar o diálogo entre os sistemas para juntos rediscutirem os problemas e viabilizarem
novos encaminhamentos. Se a LDBEN/96 definiu na implantação a gestão democrática, a
autonomia das escolas se organizarem internamente, em função da sua realidade, mas
mantendo o respeito e a autonomia dos órgãos responsáveis, o processo só será de fato
democrático quando esse diálogo se instaurar no respeito entre as partes. É nesse espaço de
responsabilidade social dos sistemas (secretarias e escolas) que vejo a possibilidade de serem
estabelecidas novas relações de comunicação e troca de interesses que possam surgir
intenções educativas, sejam em forma de projetos sociais ou não.
Diante dessas considerações, vejo ao final desta pesquisa que, os impactos que a
comunidade escolar vivenciou com o processo de implantação da “Gestão-Cooperada”,
contribuíram aos educadores para a construção de novos conceitos a respeito da educação.
Mudou a opinião dos familiares que hoje passam aos novos integrantes, segurança à respeito
do Projeto Educativo da Escola. Isso tem facilitado a integração e interação também de novos
educadores.
Neste contexto, continuar educadora é dar continuidade aos compromissos que a
partir de agora me colocam de volta no cotidiano escolar. E o principal deles é auxiliar
àqueles que também se alimentam dos mesmos sonhos e utopias. Vejo também, que o
principal compromisso de quem se propõe a ensinar é educar para a vida. E vida é
movimento. E, se é movimento, cada passo é um avanço rumo a um terreno desconhecido; se
é desconhecido é preciso estar atento às mudanças. Para percebê-las como mudanças é preciso
estudá-las. Para estudá-las é preciso interpretá-las. Todo esse movimento será possível se
enquanto educadores não nos eximirmos do olhar de pesquisadores. Por isso minhas
conclusões, obviamente, não concluem com suposições do que se apresenta no tempo em que
está, mas sim no tempo estando porque é um olhar sobre o processo que nos forma. Nessa
formação, nós caminhamos sempre, mesmo quando não saímos do lugar, porque caminhamos
culturalmente.
157
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77-85.
162
Apêndices
163
Apêndice A
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS EDUCADORES DA ESCOLA LIBERDADE
164
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS EDUCADORES DA
ESCOLA LIBERDADE PARA PESQUISA
Nome:
Formação:
Endereço:
Condição na Escola Liberdade: contratado/efetivo
1. O que te levou a trabalhar na Escola Liberdade?
2. Quais as suas dificuldades, o que você sente ou sentiu quando iniciou seus trabalhos
na Escola Liberdade?
3. Como se sente hoje em relação ao desempenho das funções administrativa e
pedagógica?
4. Qual a sua opinião a respeito da Gestão da Escola?
5. Qua a sua função no CEC?
6. O que te faz permanecer na Escola?
165
Apêndice B
CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTOS ORAL PARA A UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MATO GROSSO - INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO
171
Anexos
172
Anexo A
JUSTIFICATIVA PARA O FUNCIONAMENTO DA ESCOLA LIBERDADE
175
Anexo B
ESTATUTO SOCIAL DO CONSELHO ESCOLAR COMUNITÁRIO
DA ESCOLA LIBERDADE
192
Anexo C
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA MUNICIPAL DE
EDUCAÇÃO BÁSICA LIBERDADE
230
Anexo D
ATA DA ASSEMBLÉIA DE ELEIÇÃO DO CEC 2007
231
Aos treze dias do mês de fevereiro do ano de dois mil e oito às oito horas e trinta minutos
estiveram reunidos a comunidade Escolar da EMEB Liberdade em uma Assembléia Geral
Extraordinária. Pauta: Eleição e posse dos membros do Conselho Escolar comunitário. A
professora Maria Teresa Mota de Jesus Martins coordenadora do atual conselho judiciário,
agradeceu a presença de todos, informou que de acorda com a orientação do cartório de
registro deveria acontecer Nova Assembléia Geral, por isso e para a legalização da
documentação do C.E.C. da EMEB Liberdade. Em seguida a professora Cristina Santana
Duarte fez um breve relato sobre as prestações de contas do período 2005/2007, à qual
esteve à frente da presidência do C.E.C. Informou ainda sobre as aquisições ocorrida nesse
período. A professora Alva D´Abadia Amaral fez uma explanação sobre o estatuto e
regimento do CEC. e sobre cada poder à qual o CEC da EMEB Liberdade é subdividido: O
Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A professora Alva comentou que toda Unidade
Escolar é submetida à Secretaria Municipal de Educação, digo toda Unidade Escolar
municipal, e que atualmente a SME passa por uma reestruturação e por isso todos devem
estar unidos para lutarem e defenderem os objetivos do bem comum, não é somente os
profissionais que devem correr atrás dos interesses da escola, e que se os profissionais
tiverem a ajuda dos pais, a corda se fortalece e será mais difícil arrebenta-la. Um sistema se
curva diante da vontade de uma comunidade, mas essa comunidade tem que mostrar que
tem o desejo da mudança e também que sabe mostrar e lutar pela realização do seu sonho.
Em seguida a professora Alva fez um breve relato sobre as funções de cada poder em que o
CEC da EMEB Liberdade está dividido. A professora Maria Tereza explicou a importância da
participação dos pais em um processo de Gestão colegiada que é o tipo de Gestão que a
EMEB Liberdade desenvolve. Em seguida abriu espaço para as candidaturas.
Candidataram-se ao Conselho Executivo os profissionais: Jafé Edílson Ojeda de Moraes (
presidente ), Sônia Macária da Silva Cândido ( Secretária ), Verônica Cristina Hauselmann (
tesoureira ), e os pais de alunos: Argemiro Rodrigues de Oliveira ( vice-Presidente ) pai do
aluno Fernando, o senhor Alcides Euclides Pinheiro, pai do aluno Renan e a senhora
Conceição Gonçalves Ortiz Santos, mãe da aluna Maria Elize, ficando como suplentes no
Conselho Executivo a profissional Regina Rita Borges Correa e a senhora Elizabeth
Conceição mãe do aluno João Victor. Candidataram-se para o Conselho Legislativo os
profissionais: Marilei Luiza de Magalhães, Alva D`Abadia Amaral e Eunice Conceição de
Pinho Almeida, os pais dos alunos: Oscalina Rocha Belmiro, avó da aluna Nycolli, Elza
Maria Ribeiro, mãe do aluno Railson e Solange Silva Carvalho, mãe do aluno Daniel, ficando
como suplentes do Conselho Legislativo a profissional Maria Teresa Mota de Jesus Martins
e a senhora Santina Caetana dos Santos mãe do aluna Alex da Silva. Candidataram-se para
o Conselho Judiciário os profissionais: Eidinete Maria dos Santos Lacerda, Zilda Maria de
Jesus Silva e Cristina Santana Duarte, os pais de alunos:Delaires Silva Dal Cortivo, mãe do
aluno Bruno Dal Cortivo, Marineusa Pereira da Silva, mãe da aluna Thalia Beraldo e
Lucineide de Alencastro, mãe da aluna Lucinéia, ficando como suplentes do Conselho
Judiciário o profissional Paulo L. Dias de Oliveira e a senhora digo senhora Luciana Maria
da Conceição mãe do aluno Paulo Vitor da Conceição Pereira.Com unanimidade as
candidaturas foram eleitas para o período de 13/02/2008 a 12/02/2010. Nada a tratar, eu,
Eunice Conceição de Pinho Almeida, lavrei a presente ata que vai assinada por mim e pelos
demais presentes. Eunice Conceição de Pinho Almeida, Verônica Cristina Hauselmann,
Maria Teresa Mota de Jesus Martins, Cristina Santana Duarte, Leia da Silva, Marilei Luiza
Magalhães, Maria de Jesus Rocha Oliveira, Éster Vieira da Silva, Claudia Santa de Oliveira
Campos, Sandra Assunção Fialho, Rosane Tamarossi, Inês Rodrigue Silva, Rosangela
Barbosa da Silva Moraes, Luciana Ventura de Amorim, Gisele C. Amorim, Vilma Costa
Campos, Adriana de Assis Costa de Sousa, Claudiane de Fátima Mendes, Vanderlucia da
232
Silva Tabosa, Adenize R. Oliveira, Osenir Jorge Oliveira, Silmara da Costa, Lanildo Alves
Martins, Vera cia da Nóbrega Sousa,Francisco Assis, Simone da C. Silva Sandra da
Costa Silva, Maria A. S. Lima, Claudimária Guimarães Farias, Suely do Espírito Santo,
Francisco Gilcelino Albuquerque, Eliety Sales Lemes, Maria Daniele Alves, Elisabete da
Conceição, Rosilda Porto de Sousa, Adriana Nunes do Nascimento, Maria do Carmo Silva,
Laura Claudia N. Nunes Silva, Maria Helena da Silva, Elisabeth Loren Hellebrandt
Schembek, Rosa Maria da Silva, Sebastiana da Costa, Aparecida Martins dos Santos, Paulo
César Nascimento Jardim, Cleide de Oliveira, Elizabeth C. Martins, José Gregório de
José, Elene Lima da Silva, Jakeline Ferreira Ramos, Rosineis Avelino de Oliveira, Maria
Helena Ferreira demoura, Mirian Jachquelyn Conceição Mejia Aguirre da Silva, Silvânia
Alves Antunes, Ana rocha Belmiro, Vera Lucia F. de Moura, Fabiana Francisca Arruda,
Rosineide da Silva Martins, Keilys Alves Barreira, Sara Carmo Siba Foneca, Domingos Lima
das Virgens, Liane Mariana da Silva Queiroz, Elira Alves do Nascimento, Regina Rita C.
Borges, Oscalina Rocha Belmiro, Paulo Luiz Dias de Oliveira, Eidinete,Zilda Maria Jesus,
Maria dos Santos Lacerda, Sonia Maçaria Silva Candido, Alva D’Abadia Amaral, Edvaldo fr
da Paixão, Berenice Campos Silva, Marineuza Pereira da Silva, Maria do Carmo, Pedro
Alves Ferreira, Valdecir Silva Brasil, Ivanildes Luzia Silva Siqueira, Laura Hemonogildo
Gomes, Marina Pinto Santana, Ademir J (digo) Fátima dos Anjos Pedrozo, Luzia da
Silva, Clarice Lemes da Luz, Mônico Aparecido Neves Brandão,Adislaine de Oliveira Lima,
Francismely Hartman Sacamoto da Cruz, Nirci Catarina de Arruda, Kátia Soares da Silva,
Jurandir de Souza, Jose Soares Pereira, Jacimira Correa Lima, Nadir da Chagas Pereira,
Inês dos Santos Silva, Zilma Fátima de O Souza, Márcia Cristina T. Esp. Santo, Jocilene
Villanova da Silva, Alfer A dos Santos, Marilene Fatima da Silva, Jorge da Silva Cordeiro,
Odete Castro de Souza, Helio da Mata Souza, Conceição Gonsaves Ortiz dos
Santos,Alcides Euclides Pinheiro, Carlos Francisco Rodrigues da Costa, Argemiro
Rodrigues de Oliveira, Dolaires Silva Dal Cortivo, Marineuza Pereira da Silva, Solange Silva
de Carlvalho, Lucineide de Alencastro, Elza Maria Ribeiro da Silva, Jafé Edílson Ojeda de
Moraes.
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