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MOHAMAD ALI ABDUL RAHIM
O modelo psicanalítico kleiniano aplicado à prevenção
em saúde mental na infância
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo para a obtenção do
título de Doutor em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia Clínica
Orientador: Prof. Dr. Ryad Simon
São Paulo
2006
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Abdul-Rahim, Mohamad Ali.
O modelo psicanalítico kleiniano aplicado à prevenção em saúde
mental na infância / Mohamad Ali Abdul Rahim; orientador Ryad
Simon. -- São Paulo, 2006.
248 p.
Tese (Doutorado Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia Clínica) Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
1. Promoção da saúde 2. Prevenção 3. Psicanálise 4. Klein,
Melanie, 1882-1960 I. Título.
RA427.8
2
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Mohamad Ali Abdul Rahim
O modelo psicanalítico kleiniano aplicado
à prevenção em saúde mental na infância
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo para obtenção do
título de Doutor.
Área de Concentração: Psicologia Clínica
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituição: ___________________________ Assinatura:_____________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição: _____________________________ Assinatura:___________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição: _____________________________Assinatura:___________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição: _____________________________ Assinatura:___________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição: _____________________________ Assinatura:___________________________
3
DEDICATÓRIA
À minha esposa Hadia e meus filhos Nadia e Hadi, em nome dos quais dediquei todos estes
anos de pesquisa e a quem agradeço pela atitude paciente e demonstração de confiança e
afeto.
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu Mestre Ahmad Hadi Yashruti, fonte constante de inspiração e de inesgotável
sabedoria.
Ao Prof. Dr. Ryad Simon, pela sua serena e sábia presença nos momentos decisivos durante o
processo de elaboração desta pesquisa.
À Universidade de São Paulo, por abrir suas portas e permitir a realização desta tese de
doutorado.
À Arlete, em nome do Departamento de Psicologia Clínica, pela paciência e generosidade
com que ofereceu suporte e ajuda.
À bibliotecária Aparecida Angélica Zoqui Paulovic Sabadini do Serviço de Biblioteca e
Documentação do Instituto de Psicologia, e à bibliotecária Maria Eduarda da UNIP campus
Santo pelas precisas orientações quanto à pesquisa bibliográfica e à normatização das
referências bibliográficas e citações.
5
“Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer pouco”.
Edmund Burke
6
RESUMO
ABDUL-RAHIM, M. A. O modelo psicanalítico kleiniano aplicado à prevenção em saúde
mental na infância. 2006. 248f. Tese (Doutorado) Instituto de Psicologia, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2006.
O presente trabalho visou à realização de uma análise teórica do modelo psicanalítico
kleiniano com a finalidade de formular uma concepção de prevenção em saúde mental na
infância. Buscou também avaliar a existência de concepções kleinianas que apontem para a
prevenção primária, bem como elementos que corroborem a intervenção preventiva primária,
em suas aplicações universal, seletiva e indicada. Foram formulados conceitos de saúde
mental com base no modelo psicanalítico kleiniano, e analisadas as influências do processo de
transformação do superego como precondição para a consolidação da saúde mental na
infância. Sua viabilização se deu a partir de pesquisa teórica de livros, artigos científicos, e
outras fontes de informação relacionadas às obras completas de Melanie Klein e aos escritos
dos pós-kleinianos. A análise do material teórico contemplou as principais categorias
conceituais da teoria kleiniana e enfatizou rtices que marcassem o encontro com as noções
de prevenção e saúde mental. Conclui-se que o modelo kleiniano comporta a idéia de
prevenção primária e reúne elementos para nortear intervenções preventivas universais,
seletivas e indicadas. A saúde mental é definida como um estado fluido, influenciado por
fatores quantitativos e qualitativos, e que se caracteriza pela resiliência e competência sócio-
emocional. A transformação do superego arcaico em consciência moral é tida como essencial
para o alcance da saúde mental, juntamente com a integração do ego. Por fim, com base em
análise teórica do modelo kleiniano, e a partir do estudo da interação entre os fatores de risco
e fatores protetivos, foi elaborada proposta inspirada na geometria cartesiana para aplicação
em intervenção preventiva primária. Foram analisadas as implicações teóricas e éticas da
aproximação entre a teoria psicanalítica e a abordagem preventiva.
Palavras-chave: Promoção da saúde. Prevenção. Psicanálise. Klein, Melanie, 1882-1960.
7
ABSTRACT
ABDUL-RAHIM, M. A. The kleinian psychoanalytic model applied in infant mental
health prevention. 2006. 248f. Thesis (Doctoral) Instituto de Psicologia, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2006.
The present work aimed at the theoretical analysis of the kleinian psychoanalytic model to
formulate a conception of infant mental health prevention. Attempted also to evaluate the
existence of kleinian conceptions directed towards primary prevention, as well as elements
that corroborate the primary prevention intervention, in its universal, selected and indicated
applications. Concepts of mental health were formulated, based on the kleinian
psychoanalytic model, and the influences of the transforming process of the superego as
precondition to the mental health consolidation in childhood were analyzed. Its viability was
accomplished by theoretical research of books, scientific articles, and other sources related to
Melanie Klein’s work. The analysis of the theoretical material contemplated the main
conceptual categories of the kleinian theory and emphasized vertices the pointed out the
meeting with notions of prevention and mental health. It was concluded that the kleinian
model holds the idea of primary prevention and reunites elements to support universal,
selective and indicated preventive intervention. Mental health is defined as a fluid state,
influenced by quantitative and qualitative factors, and characterized by resilience and social-
emotional competence. The transformation of the archaic superego in moral conscious is
considered essential to the reaching of mental health, hand in hand with the integration of the
ego. Finalizing, based on the theoretical analysis of the kleinian model, and the study of the
interaction between risk factors and protective factors, a proposal inspired on Cartesian
geometry applied in primary prevention intervention was elaborated. The theoretical and
ethical implications of the approximation between the psychoanalytic theory and the
preventive approach were examined.
Keywords: Health promotion. Prevention. Psychoanalysis. Klein, Melanie, 1882-1960.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Apresentação gráfica da interação entre os fatores internos e externos................201
Figura 2 - Diferentes combinações resultantes da interação entre os fatores.........................206
Figura 3 - Aplicação das linhas transversais sobre os quadrantes..........................................208
Figura 4 - Apresentação gráfica da interação dinâmica entre os fatores................................212
Figura 5 - Apresentação gráfica da incidência da intervenção preventiva.............................214
Figura 6 - Apresentação gráfica da interação entre os fatores na relação mãe-bebê..............215
Figura 7 - Apresentação gráfica do efeito de um desmame abrupto.......................................216
Figura 8 - Apresentação gráfica do efeito da recomendação enquanto fator externo.............217
Figura 9 - Apresentação gráfica do efeito da reação do bebê enquanto fator interno.............217
9
SUMÁRIO
1 Introdução 12
1.1 Apresentação 12
1.1.1 O Modelo Psicanalítico Kleiniano 24
1.2 Relevância das Propostas 31
1.3 Objetivos 40
1.4 Revisão Bibliográfica 41
1.4.1 Noções de Prevenção em Saúde Mental 41
1.4.2 Psicanálise e Prevenção 58
1.4.3 Psicanálise e Educação 66
1.4.4 A Infância e o Infantil em Psicanálise 72
1.4.5 O Modelo Kleiniano 76
1.4.5.1 O Modelo Kleiniano: Visão de Homem 83
1.4.5.2 O Modelo Kleiniano: Posições x Fases 89
1.4.5.3 Relação de Objeto Precoce x Narcisismo Primário 103
1.4.5.4 Superego Arcaico x Herdeiro do Complexo de Édipo 111
1.4.5.5 A Teoria da Inveja 126
2 Material e Método 133
2.1 Delineamento da Pesquisa 133
2.2 Operacionalização 133
3. Discussão 135
3.1 Conceitos de Saúde Mental 139
10
3.1.1 Uma Questão Também Quantitativa 141
3.1.2 Um Estado Fluido 146
3.1.3 Uma Competência Sócio-Emocional 151
3.1.4 A Resiliência 159
3.2 A Integração Psíquica: Transformação do Superego e o Fortalecimento do Ego 166
3.3 A Prevenção Possível 179
3.4 Fatores Protetivos e Fatores de Risco 192
3.5 Convergência entre a Teoria da Adaptação e a Prevenção: o Modelo Psicanalítico-
Adaptativo de Ryad Simon 198
4. Conclusões 219
5. Recomendações 226
REFERÊNCIAS 231
11
1 Introdução
1.1 Apresentação
O presente trabalho científico visou à realização de uma análise teórica do modelo
psicanalítico kleiniano com a finalidade de formular uma concepção de prevenção em saúde
mental na infância. As razões para a escolha de tal tema, sua relevância e a proposta de
encaminhamento desta empreitada serão explicitadas adiante. O caminho seguido passou por
elementos de âmbito geral, voltados para a psicoprofilaxia infantil, e outros específicos,
ligados à contribuição da psicanálise e do modelo kleiniano a este debate.
O desenvolvimento infantil tem sido um foco de interesse recorrente na atualidade,
bem como a possibilidade de acompanhar seu curso de modo a garantir o ótimo cumprimento
de suas etapas ou possibilitar ação preventiva para evitar seu fracasso.Os avanços observados
no entendimento deste campo no último século não deixam dúvidas quanto ao complexo
universo que se descortina diante de todos.
O interesse na temática do desenvolvimento mental infantil e dos aspectos que
possibilitam ou afetam seu curso têm acompanhado o autor deste trabalho em pesquisa
anterior (Abdul-Rahim, 2000), a qual enfocou processos psicossomáticos desencadeados na
primeira infância. Porém, o estudo sobre a prevenção revelou-se urgente em decorrência das
limitações e impossibilidades encontradas no atendimento ao sofrimento emocional infantil, e
dos alarmantes dados epidemiológicos que retratam este quadro.
12
O atendimento a grandes populações de crianças que buscam assistência psicológica
em unidades básicas de saúde ou que freqüentam escolas públicas e apresentam carências ou
transtornos no desenvolvimento psicológico, revelou ser tarefa árdua a oferta de intervenção
psicológica eficaz. A contínua aparição espontânea de casos que demandavam atenção
psicológica, ou que eram produzidos pela instituição (escola em especial), tornava a
abordagem remediativa quase inútil aos propósitos de uma população carente e
crescentemente desassistida. A intervenção preventiva impôs-se como alternativa quase
obrigatória se consideradas as condições da oferta de serviços e as estatísticas alarmantes
sobre transtornos mentais na infância.
As conclusões alcançadas em pesquisa anterior realizada pelo autor do presente
trabalho (Abdul-Rahim, 2000), já apontavam para a necessidade de lançar mão dos achados já
existentes sobre a prevenção em saúde mental na infância, bem como produzir novos
conhecimentos que embasassem iniciativas que pudessem abranger maior número de pessoas
assistidas e evitar o aparecimento de transtornos difíceis de tratar. Esta tarefa, para aumentar
as chances de êxito, precisava ser beneficiada pela introdução de arcabouço teórico que
acrescentasse maior compreensão das vicissitudes que envolvem o crescer e o adoecer
psíquico. A proposta de fazer uma aproximação entre os fundamentos e benefícios da
prevenção e o olhar profundo e problematizador da psicanálise, apesar de aparentemente
parecer insólito, revelou-se de extrema valia na busca por alternativas mais próximas dos
anseios por uma saúde mental viável, que agregue os valores de saberes que pouco se
encontram. Assim, as virtudes de um compensam as carências do outro.
Se por um lado a psicanálise carece de expedientes que apresentem resultados
concretos na resolução e prevenção de muitos dos efeitos de uma infância malsucedida, o que
pode ser compensado pelas práticas e fundamentos da ciência preventiva, por outro lado esta
13
última carrega os vícios de uma visão positivista que dificulta a compreensão dos fenômenos
que estão na raiz deste problema, campo em que a psicanálise tem muito a oferecer.
Pode-se dizer que o século XX foi o século da infância, tamanhas foram as
descobertas sobre a criança, destacadas aqui as contribuições da escola psicanalítica (Freud,
1905; Klein, 1928, 1946, 1952a, 1958; Spitz, 1979; Winnicott, 1990a, 1990b; entre outros)
que revelou uma nova ótica sobre a relação entre a criança, sua sexualidade e o ambiente;
etológica (Bowlby, 1977, 1988, 1990), que esclareceu as raízes do nculo afetivo;
epistemológica genética (Piaget, 1967, 1993, 2002), que apontou o papel do sujeito
epistêmico na construção de seu próprio conhecimento, em interação com o meio; sócio-
histórica (Vygotsky, 1991, 1993), a qual destacou a importância da interação social na
formação do sujeito; e psicogenética-dialética (Wallon), que alçou a um lugar de destaque a
dimensão do movimento no desenvolvimento humano e a visão integral do homem(Galvão,
1995). Consideradas tais descobertas, parecem absurdas a um observador deste século as
maneiras de lidar com a infância até meados do século XIX (Aries, 1978).
Poucos discordam da idéia de que os primeiros seis anos de vida (os dois primeiros em
especial) representam um período de intensa transformação e formação das bases das
habilidades cognitivas, afetivas e sociais do homem. Sabe-se atualmente que o bebê começa
sua aprendizagem desde o primeiro dia de vida e que estas experiências iniciais são
responsáveis pela formação de boa parte das conexões cerebrais, mais do que por mera
determinação genética. O contato com o meio ambiente, principalmente o social, confere ao
bebê um universo de possibilidades de desenvolvimento graças à plasticidade do seu cérebro.
Dito de outra forma, as pessoas com as quais ele vai interagir serão protagonistas, junto com
ele, na construção de sua personalidade.
A primeira infância e a idade pré-escolar reúnem experiências e momentos críticos que
de certo traçam contornos bem definidos na personalidade. A velha máxima freudiana de que
14
“a criança é o pai do homem” é difícil de contestar, mesmo depois de anos de críticas à
psicanálise. Não se trata de dar um tom fatalista ao curso do desenvolvimento, e sim
reconhecer o papel de destaque das experiências da infância, e sua forte influência sobre os
determinantes da personalidade. É sabido que transformações estão sempre em curso nos
valores, atitudes e temperamento, mas se tornam menos intensas e freqüentes com o passar
dos anos. Em alguns aspectos inclusive, pode-se até falar em rigidez e imutabilidade.
Avanços em diversos campos garantiram uma infância mais segura e saudável, de
modo que ela pudesse se realizar mais satisfatoriamente.
Os avanços na área médica possibilitaram a consolidação de práticas de saúde
preventiva antes inimagináveis, tais como a fixação de um calendário de vacinação, o
acompanhamento pré-natal, a puericultura, as práticas preconizadas pela Organização
Mundial de Saúde para a promoção da saúde da criança no que tange a alimentação e higiene
básica, etc. Motivada pelo progresso científico, a medicina orgânica, voltada para esforços
preventivos, eliminou doenças virais e bacterianas causadoras de grandes epidemias (Apolito,
1978). Contudo, não foi observado êxito semelhante na prevenção dos transtornos mentais, o
que abriu caminho para críticas duras à inépcia da psiquiatria.
No âmbito educacional formal, impulsionado pelas teorias do desenvolvimento e da
aprendizagem, verificou-se uma evolução nas técnicas pedagógicas, no respeito às
habilidades, capacidades e potencialidades de cada aluno e na relação professor-aluno, apesar
das muitas distorções e atraso ainda observados neste campo. Nas últimas décadas inclusive,
as crianças com deficiência receberam grande atenção das autoridades públicas e dos
estudiosos em Educação e desenvolvimento infantil.
Avanços nas regras sociais também garantem atualmente o respeito às especificidades
da vida infanto-juvenil, como a proibição do trabalho infantil, a proteção dos direitos da
criança e do adolescente através de dispositivos legais, a criação de instituições que garantam
15
a aplicação das leis de proteção, bem como a aplicação de penalidades nos casos de violação
das mesmas. É notória, porém, a distância entre o estabelecimento de regras e sua aplicação,
na realidade brasileira.
No que concerne à saúde mental da criança, alguns fatores parecem problematizar a
realização e incorporação de práticas preventivas, tanto no âmbito da informalidade do lar,
quanto no da formalidade das instituições, apesar dos benefícios indiretos trazidos pelas
medidas citadas acima.
Em primeiro lugar, a amplitude e abrangência do que se pode chamar “promoção da
saúde mental”, autoriza profissionais das mais diversificadas formações a atuarem neste
terreno, o que, por um lado, contribui para o diálogo entre variados campos do saber, e por
outro, permite que cada um incorpore o papel de profissional qualificado para opinar, orientar
e determinar o que é melhor para a criança. Assim, dilui-se de forma errante a promoção da
saúde mental da criança. Os modelos de promoção de saúde mental e de intervenção
preventiva não se contrapõem, mas têm importantes diferenças conceituais e filosóficas, as
quais serão abordadas mais detalhadamente em outra parte deste trabalho.
Em segundo lugar, sobram divergências quanto aos modelos teóricos mais adequados
para nortear tão valiosa e complexa tarefa. Debates intensos tiveram lugar nas últimas décadas
e parecem ter inaugurado este século sem o vislumbre de um consenso.
Em terceiro lugar, vale ressaltar o lugar da família, e mais precisamente, dos pais ou
responsáveis, neste debate. Verifica-se nos dias de hoje uma intensa transformação nos papéis
de quase todos os agentes sociais, especialmente os que fazem parte do grupo primário
familiar. A primazia do econômico diminui o espaço para as trocas afetivas e empobrece os
laços entre pais e filhos. A crescente institucionalização das relações interpessoais distancia
cada vez mais o indivíduo de um vínculo verdadeiramente íntimo e rico de afetividade, e
aproxima-o dos contratos burocráticos e formais que caracterizam uma relação profissional.
16
Neste cenário, a autorização para opinar sobre o que é melhor para a criança fica a cargo
quase que exclusivo daqueles que detém algum status legitimado pela burocracia e
formalidade das instituições formadoras.
E numa escala mais ampla e invisível, as indústrias da propaganda e do
entretenimento impõem o ideário capitalista do consumismo ilimitado, aumentam o poder
sobre a formação da criança, substituindo amplamente outras instituições tradicionais, como a
família, a igreja ou a escola. Seu corolário pode ser observado no esforço da psiquiatria, em
conjunto com a indústria farmacêutica, na disseminação das soluções medicamentosas como
panacéia para o sofrimento psíquico humano. A imposição de uma felicidade ilimitada e
onipresente rechaça qualquer tentativa de reflexão ou contato com a subjetividade,
principalmente se isto significar dor ou mal-estar (Kehl, 2003).
“O sujeito de nossa modernidade (portanto todos nós e nossas crianças) parece ser
forçado a remover a dor” (Ripa di Meana, 2001). Com esta afirmação, a autora chama a
atenção para a tendência de se considerar as iniciativas em prevenção como forma de otimizar
a vida e reprimir a dor. Baseada nas declarações de Françoise Dolto, a autora evidencia os
riscos de se assumir um ideal de bem estar, gestado nos anos 80, que teria levado a uma
evitação do risco, inclusive o de ser feliz. Assim sendo, a evitação do dano ou da doença,
próprios da prevenção primária, poderia conduzir o homem a um paradigma imposto e
convencionado universalmente, o que exige cautela na construção de um caminho viável de
prevenção.
Finalmente, porém não menos importante, a idéia de prevenção na infância encerra
numerosas controvérsias, em especial no terreno psicanalítico, sobre o qual se debruça este
trabalho científico. Visar à prevenção em psicanálise pode subverter, segundo alguns autores,
a própria essência do trabalho psicanalítico: a investigação do inconsciente, que este não
comporta a idéia de tempo, essencial para o trabalho preventivo. No apêndice de seu relevante
17
trabalho “A psicanálise de crianças”, Klein (1932b) fala dos alcances e limites da psicanálise
e, apesar de enfatizar a impossibilidade de livrar por completo a criança dos riscos de uma
erupção psicopatológica, aponta a psicanálise como medida profilática que diminui as chances
de aparecimento futuro de doença. Nesse trabalho, uma defesa explícita da prevenção
secundária:
Se toda criança que apresenta perturbações graves fosse analisada em
tempo hábil, um bom número daquelas pessoas que mais tarde
terminam em prisões ou hospitais psiquiátricos ou que se desintegram
seriam salvas deste destino e seriam capazes de desenvolver uma vida
normal (Klein, 1932b, p.300).
Apesar de iniciativas fecundas com vistas à prevenção no terreno psicanalítico
(Dolto,1989a, 1989b, 1996, 1999; Laznik-Penot, 1994), sobre a educação de crianças
(Associação psicanalítica de Porto alegre, 1995; Dolto, 1998; Hoffer, 1983; Kupfer, 1994;
Rickman, 1969; Veiga, 1992), este tema faz emergir questionamentos a respeito da validade
da iniciativa preventiva, dos riscos das tentativas de controle e da inevitável e constante
expressão de intangíveis elementos inconscientes. Esta posição, porém, estende a toda a
psicanálise a noção de tempo existente no inconsciente, como se fosse sua única ocupação e
fundindo uma no outro. A noção de tempo inexiste no sistema inconsciente (Freud, 1915a),
mas não se estende a psicanálise, a qual tenta dar sentido às suas manifestações. Ao trazer
para o sistema consciente a compreensão de alguns elementos inconscientes, faz-se uso das
qualidades do primeiro, como a linguagem, o processo secundário e o princípio da realidade.
Segundo Mezan (2002), a psicanálise encerra em seu âmbito um paradoxo: os
impasses da razão e a sedução da desrazão. os que se deixam seduzir pela desrazão, numa
atitude apaixonada, e que, portanto, evitam os impasses da razão, o que , na opinião do autor
deste trabalho, limita indevidamente as possibilidades de pesquisa científica neste campo. A
pesquisa científica deve garantir, antes de qualquer coisa, a aplicação e utilidade do
18
conhecimento científico acumulado, no dizer de Bacon. Neste caso, a relação entre psicanálise
e prevenção parece encerrar impasses e dificuldades semelhantes às observadas na relação
entre psicanálise e ciência, quais sejam: os problemas da previsibilidade e da generalização.
Instituições psicanalíticas comprometidas com a perpetuação de dogmas, baseadas
num fanatismo conceitual que engessa a necessária abertura para reformulações e reciclagens
(no sentido de descobrir novas aplicações para idéias antigas), comprometem as
possibilidades de expansão e oferecem farto material para os que profetizam o fim da
psicanálise. Com isso, a psicanálise acaba tendo papel quase inexpressivo na aplicação do
saber acumulado em seu bojo, notadamente na promoção de ações preventivas em saúde
pública.
A própria psicologia, desde seus primórdios, assim como a psicanálise, apresenta-se
como ciência e como profissão, fundada numa tensa interação entre teoria e prática. Izard
(2002) lembra que tem havido uma considerável lacuna entre a teoria e a prática psicológica e
que a implementação de intervenções baseadas em pesquisas básicas em tratamento e
prevenção podem promover uma maior aproximação entre ambas e até mesmo fechar estas
lacunas.
Uma simples abordagem superficial da psicoprofilaxia na infância permite
vislumbrar as dificuldades de tal empreitada.
Como se pode notar, assistiu-se nos últimos tempos ao reconhecimento da infância e à
especialização de seu acompanhamento, tanto com vistas à prevenção, em rios níveis,
quanto a remediação. O conhecimento acumulado conduziu um exército de profissionais a
esta difícil tarefa. Aspectos biopsicossociais são levados em consideração, pois é notório o
reconhecimento de vários elementos em jogo neste complexo universo do desenvolvimento
infantil.
19
Para se ter uma idéia de como o olhar sobre a criança sofreu transformações, é sabido
que na idadediao se fazia distinção clara entre a criança e o adulto e a vida escolástica
não reservava espaços exclusivos de acordo com a idade (Aries, 1978). A precocidade da
passagem da criança para a idade adulta foi sendo inicialmente superada no início do
século XIX, porém foi no século passado que a compreensão sobre a infância teve seu maior
crescimento.
Ademais, o aumento da preocupação e interesse na infância fez descortinar-se diante
de pesquisadores e clínicos um novo mundo repleto de infinitos detalhes. Como negar as
contribuições oferecidas e polêmicas causadas pelas descobertas de Freud (e de seus
seguidores) sobre o universo mental da criança e sua implicação no comportamento adulto.
De inegável reconhecimento é também a teoria piagetiana, que ofertou ao mundo acadêmico,
educacional e familiar uma nova ótica sobre o desenvolvimento intelectual. Para ficar apenas
nesses exemplos, não é difícil perceber um expressivo aumento na atenção dirigida hoje à
criança. Pesquisas posteriores balizadas nos marcos oferecidos por estes autores têm
aprofundado os debates e estudos sobre o desenvolvimento infantil, levando a algumas
reformulações (Flavell, 1975 e outros).
Antes de Freud, a infância era vista como um estado passageiro em direção à vida
adulta, e a finalidade era tornar civilizada aquela criatura primitiva. Assim, não havia razão
para prestar atenção ao desenvolvimento infantil. Crianças eram deixadas em colégios
internos ou hospitais, sem preocupações quanto ao efeito da separação do seu cuidador,
contanto que fossem oferecidas condições favoráveis para a manutenção da integridade física.
A princípio, o comportamento infantil era colocado em oposição ao comportamento
adulto. Depois de Freud, o comportamento adulto passou a ter suas raízes na infância. Esta
mudança de visão sobre a infância provocou um impulso nos estudos científicos relativos ao
20
comportamento da criança, especialmente fora do contexto da clínica, e com ênfase nos
estágios precoces do desenvolvimento.
Durante e após a segunda guerra mundial, vários estudos alteraram a visão anterior,
provando que a privação da figura materna traria conseqüências sérias ao desenvolvimento da
criança (Burlingham & Freud, 1942) e poderia até levar à morte (Bowlby, 1988, 1990; Spitz,
1960).
Na década de 1950, os estudos de Bowlby ganharam destaque e foram confirmados
por várias outras pesquisas que se seguiram (Mohacsy, 1983), com enfoque nos malefícios da
separação entre a criança e sua mãe.
Nos anos 60, Margaret Mahler (1968) destacou-se por seus trabalhos sobre a relação
mãe-bebê, ao descrever o que chamou de processo de separação-individuação. Neste mesmo
período, a escola britânica concentrou esforços no estudo das relações objetais (Balint, 1968;
Fairbairn, 1952; Guntrip, 1961; Winnicott, 1965). Os teóricos das relações objetais
argumentavam que a relação mãe-bebê é a base da formação da personalidade e determina o
desenvolvimento. As contribuições de Melanie Klein e sua importância serão apresentadas em
outra parte.
Vários outros aspectos da vida infantil foram objeto de estudo e pesquisa,
especialmente numa abordagem psicanalítica (distúrbios do sono, da alimentação, o controle
dos esfíncteres, a masturbação, etc.). Observa-se atualmente um incremento no interesse pelas
experiências infantis e suas repercussões no futuro. Os ambientes físico e afetivo-relacional se
apresentam como decisivos no emolduramento das características da personalidade do
indivíduo.
As inúmeras dificuldades existentes no estudo das variáveis constantes na relação
indivíduo-meio ambiente impõem limites severos nas pesquisas científicas sobre o assunto.
21
Apresentar conclusões num terreno carente de objetividade e previsibilidade é tarefa das mais
árduas.
Emde (1988) destaca as controvérsias e desencontros entre pesquisadores que buscam
algum padrão nas reações comportamentais resultantes do desenvolvimento. O autor aponta a
oposição entre a psicanálise tradicional e os desenvolvimentistas atuais, mostrando que Freud
lamentava a previsibilidade da estereotipia neurótica e mal-adaptada, contra o “paradoxo
desenvolvimental”, que revela a falta de previsibilidade do comportamento através do tempo.
Nas palavras de Emde (1988) “o homem não é apenas organizando, ele está se organizando”
(p.25).
Talvez por esta razão, e por outras de ordem histórica, cultural, econômica e científica,
o século passado foi o palco (e provavelmente o atual se também) para a consolidação de
uma cultura organicista e geneticista.
O meio ambiente lugar à genética; o indivíduo consciente e inconsciente sede
espaço para um organismo destituído de subjetividade e submetido aos imperativos biológicos
e físico-químicos. Desta forma, a medicalização torna-se inevitavelmente presente como a
principal opção de atendimento à infância. A idéia de que um desequilíbrio bioquímico está
na origem dos sintomas comportamentais marca uma visão exageradamente reducionista. Nos
EUA, o uso generalizado de medicamentos (como a Ritalina) para tratar crianças com
problemas emocionais ou comportamentais, tem levantado dúvidas sobre este procedimento e
esta visão.
A um longo percurso nas ciências biológicas, que culminou na descoberta da estrutura
do DNA (a dupla hélice), seguiu-se uma série de debates marcados, por um lado, pelos
avanços na biologia molecular (com o projeto genoma humano), e por outro, pelo radicalismo
e sensacionalismo resultantes deste projeto. O debate sobre os determinantes da natureza
humana, que colocam em oposição os defensores da natureza (“nature”), os quais atribuem
22
aos genes a explicação para todas as características humanas, inclusive as comportamentais, e
os defensores da cultura (“nurture”), que descrevem o homem como sujeito sócio-histórico ou
moldado pelas contingências ambientais, parece pender atualmente para o primeiro grupo,
principalmente no imaginário popular e no discurso de cientistas pouco rigorosos em suas
acepções. Nomes consagrados, como o do ganhador do prêmio Nobel pela descoberta da
dupla hélice, James Watson (juntamente com Francis Crick e Maurice Wilkins), reforçam a
crença no determinismo genético ao asseverar que as doenças mentais estão inscritas nos
genes, ou que “a burrice é genética” (Leite, 2003). Alguns estudos inclusive tentam minimizar
a influência ambiental no desenvolvimento da capacidade cognitiva, correlacionando-a quase
que exclusivamente à carga genética (Thompson et al, 2001). Abordagens da biologia
evolucionista (Burnham & Phelan, 2002; Dawkins, 1989; Pinker, 1998, 2002), da psicologia
evolucionista, e da sociobiologia (Wilson, 1980, 1981), ancoradas num ultradarwinismo,
engrossam o coro do determinismo genético.
Debates mais recentes, porém, têm sido marcados pela ponderação no peso do DNA
(ácido desoxirribonucléico, principal componente dos cromossomos) na determinação do
comportamento humano e da biologia genética na explicação sobre as diferenças individuais
(Olson, 2003). Curiosamente, surgem agora vozes que elevam mais uma vez o fanatismo
genético, ao atribuírem o mesmo poder determinante e milagroso, desta vez ao RNA (ácido
ribonucléico, aparentado com o DNA). Parece difícil suportar a idéia de que a natureza
humana, e principalmente o funcionamento mental, escapam à fantasia onipotente da
explicação reducionista e simplista.
A hereditariedade parece ter sua influência sobre o homem durante toda sua vida, mas
a expressão de um gene é em parte determinada por influências ambientais. Entretanto,
quando a hereditariedade deixa sua marca no homem? Estudos mostrados por Emde (1988)
surpreendem os que acreditavam que a hereditariedade predominava na infância. Ao contrário
23
da crença vigente, o comportamento é mais afetado pela hereditariedade com o avanço da
infância em direção à adolescência. No dizer de Searr & Kidd (1983), citados pelo autor, “o
desenvolvimento de genótipos em fenótipos toma lugar em um espaço epigenético no qual
forças ambientais, do nível celular ao nível social, afetam os resultados fenotípicos” (Emde,
1988, p.27).
Sem desconsiderar o papel determinante dos fatores constitutivos do indivíduo na
formação da personalidade infantil, a atenção aqui é dirigida também às variáveis
psicossociais (afetivo-relacionais). A análise de propostas teóricas que desvendem os
meandros de experiências desde as mais primitivas até as que ainda têm lugar na memória
consciente, e suas implicações no curso do desenvolvimento, visa a oferecer uma outra
alternativa de atendimento à criança e acompanhar seu crescimento. Uma alternativa voltada
às necessidades afetivas e psicossociais da criança, e próxima da infância que hoje se
conhece, uma infância mais complexa, vulnerável e cheia de recursos em seus primórdios.
O bebê que foi descoberto, gradativamente, a partir das pesquisas na área da
psicologia do desenvolvimento, da biologia, da neurologia, da lingüística, é um indivíduo
muito mais rico sensorialmente, capaz socialmente, e ávido cognitivamente, mas, em
conseqüência, mais sensível e vulnerável afetivamente. Assim, este “novo” bebê exige um
tratamento compatível com tais descobertas, o que é possível lançando-se mão de uma
abordagem teórica em consonância com esta visão de homem.
1.1.1 O Modelo Psicanalítico Kleiniano
24
Antes de expor as razões da escolha do modelo teórico kleiniano, é recomendável
esclarecer porque foi feita a escolha por uma teoria inserida no âmbito da psicanálise.
Como foi dito antes, o tratamento dado à infância sofreu grandes transformações no
decorrer do século passado. Sem sombra de dúvida, a psicanálise está entre as áreas do saber
que mais contribuiu para esta guinada, e de forma dramática e decisiva. Dramática porque
inaugurou um olhar inédito e chocante sobre a criança, ao postular a existência de uma
sexualidade infantil; e decisiva porque este olhar tornou-se um divisor de águas na história da
psicologia da criança e da psicologia do desenvolvimento. Este caráter inovador já confere ao
terreno psicanalítico um lugar promissor para investigações científicas.
A ampliação da visão sobre os processos psíquicos, negando a igualação entre
consciente e psíquico (Freud, 1900, 1915a), deu ao inconsciente um lugar de destaque (lugar
do qual nunca saiu), o que possibilitou uma profunda compreensão do funcionamento mental.
Uma série de comportamentos, normais ou patológicos, civilizados ou primitivos, antes
relegados ao status de manifestação incoerente, sem sentido e sem importância, teve seu
sentido resgatado e suas causas reveladas. Assim, é possível dizer que a psicanálise deu voz a
elementos psíquicos que antes haviam sido calados pelo desconhecimento e pela repressão. E
a criança insere-se neste contexto, como também a mulher nos estudos sobre a histeria
(Breuer & Freud, 1893–1895), pois seu discurso ganhou significado e suas manifestações
comportamentais, compreensão.
E neste ponto emerge outro instrumento no cabedal psicanalítico que o qualifica como
privilegiado para o trabalho de ajuda à infância: a interpretação. A existência de processos
inconscientes em jogo todo o tempo impõe uma espécie de regra ao olhar psicanalítico sobre o
sujeito (neste caso a criança): por trás de toda manifestação um conteúdo manifesto e um
conteúdo latente. Os discursos infantis, os atos da criança em geral, ganham o status de
desconhecido a ser revelado. Surge a oportunidade de dar voz à expressão da criança, uma
25
voz que traduz seu universo (ou pelo menos que tenta traduzi-lo), ao invés de servir de
projeção para as necessidades de defesa adulta. O manifesto não é mais o sinal de algo
fortuito ou sem sentido, ou ainda simples reação às contingências ambientais, mas sim o elo
de ligação entre o que foi possível (e permitido) surgir, e a força que o originou. O conteúdo
tornado aparente, então, é o resultado de um acordo que deixa em seu rastro o caminho de
volta para o seu real significado.
Desta feita, a psicanálise almeja de maneira ambiciosa trazer à tona a criança que se
perdeu em séculos de repressões, projeções, formações reativas, racionalizações e toda a sorte
de dispositivos egóicos de uma civilização pouco receptiva às vicissitudes da infância.
Em meio às evoluções tecnológicas e transformações sociais, alavancadas pelo ideário
capitalista, a subjetividade perdeu seu valor e lugar. As resignificações tão necessárias para
forjar um sujeito que vive em mutação e precisa se afastar o quanto pode (ou suporta) das
fantasias onipotentes de imortalidade e gozo ilimitado, sob pena de cultivar uma ansiedade
perene devido à busca pelo impossível, dão lugar à ilusão da felicidade eterna e à proibição
em sentir qualquer tipo de ansiedade.
A escolha por um campo psicanalítico de investigação representa, de partida, uma
oposição a este ideário e implica numa postura que reconhece a inevitabilidade do
enfrentamento de uma realidade distante daquela desejada pelo princípio do prazer, que o
contato com a angústia como uma oportunidade de reformulação, que enfoca a
intersubjetividade como o lugar da resignificação constante do ser, e finalmente, que tenta
aproximar o sujeito da possibilidade da felicidade e não da felicidade impossível.
Entretanto, talvez ainda mais complexa é a tarefa de dosar o uso do arcabouço
psicanalítico e não permitir uma perturbação do olhar profissional a partir da supervalorização
do mesmo. A possibilidade de um trabalho preventivo deve incluir a participação efetiva
daqueles que formam e mantêm a rede afetiva que justamente protege (ou desampara) a
26
infância e previne (ou acarreta) a doença: a família. A intervenção psicoprofilática, ao invés
de excluir a indispensável presença dos pais, ou mesmo enquadrar as interações afetivas em
moldes artificialmente constituídos, deve favorecer a aplicação de padrões de interação que na
verdade existem em forma embrionária e potencial. Ou ainda identificar modos de relação
comprovadamente daninhos para o satisfatório desenvolvimento infantil.
Afastando-se de um projeto higienista, dado à criação de ambientes excessivamente
artificiais e rigidamente anti-sépticos, o que conduz a uma personalidade destituída de
recursos mínimos para o enfrentamento da realidade, propõe-se um esforço “preventivista”,
dirigido a evitação do sofrimento inútil e desestruturante.
O maior desafio, portanto, não é o de propor um projeto previamente arquitetado e
impor sua construção. Ao contrário, mister se faz construir continuamente as condições que
permitam a elaboração no seio da família de um projeto que antes permita à criança crescer e
se desenvolver o máximo possível. Neste contexto, a prevenção não deve contemplar um
dogmatismo que promete acertar sempre, mas um realismo que visa tentar sempre.
Pode-se dizer que o desenvolvimento de práticas preventivas em saúde mental é uma
preocupação dos que lidam direta ou indiretamente com o comportamento infantil (pais,
professores, psicólogos, médicos, fonoaudiólogos, assistentes sociais e outros). Mas de que
modo isto pode ser garantido, e quais as teorias que embasam tão relevante tarefa? A
psicanálise pode contribuir para este debate? Mais ainda, o modelo kleiniano,
reconhecidamente revolucionário e pioneiro no atendimento à primeira infância, é capaz de
oferecer elementos teóricos capazes de promover a psicoprofilaxia infantil? Finalmente, é
possível falar em prevenção sem incorrer numa espécie de atitude premonitória?
Verifica-se, de partida, que se trata de tarefa bastante complexa a busca de respostas
para estes questionamentos. Um sem número de opiniões voltadas para a compreensão
(psicanalítica ou não) do desenvolvimento da criança, com propostas bastante diversificadas,
27
revela um cenário de ricas formulações teóricas e, ao mesmo tempo, muitas idéias
inconciliáveis.
A princípio, podem ser listadas diversas obras que versam sobre variados temas
relacionados ao desenvolvimento psicológico e suas vicissitudes, e que interessam a quem
pretende trabalhar preventivamente, tais como: desenvolvimento emocional primitivo (Hoffer,
1983; Jerusalinsky, 1989; Klein, 1952a, 1952b, 1958; Lebovici, 1980; Simon, 1999; Stern,
1985; Winnicott, 1945); a evolução do comportamento infantil no primeiro ano de vida
(Pinto, 1997); o desenvolvimento emocional infantil (Klein, 1928, 1932a, 1946, 1952a; Perez-
Sanchez, 1983; Spitz, 1960; Winnicott, 1990a, 1990b) e as reações esperadas e patológicas
neste período (Freud, 1937; Spitz, 1979); o processo de aquisição da independência (Mahler,
1982); a formação dos laços afetivos e as conseqüências do seu rompimento (Bowlby, 1977,
1988, 1990; Rutter, 1971, 1972; Yarrow, 1961); os mecanismos de defesa comuns na criança
(Freud, A. 1936; Klein, 1946; Winnicott, 1990a); a influência da paternidade (Aberastury,
1984a; Dor, 1991); a formação da identidade sexual (Freud, 1905, entre outros); as
repercussões das “situações de risco” (desmame, separação dos pais, morte de ente querido, o
nascimento de um irmão (ã), etc.) no desenvolvimento psicológico (Aberastury, 1984b;
Dessen, 1992; Dolto, 1989b; Klein, 1936; Kovacs, 1992; Lefort, 1988); o complexo de Édipo
(Klein, 1928; Steiner, 1992;); e o desenvolvimento psicossocial da criança (Elkin, 1968;
Erikson, 1971; Vygotsky, 1992, 1994; Youniss, 1980).
Como se pode notar o leque de assuntos relacionados aos aspectos emocionais e
psicossociais do desenvolvimento é muito grande. A complexidade verificada e a amplitude
encontrada reservam uma das mais árduas tarefas aos que objetivam intervir
psicoprofilaticamente.
Assim sendo, a eleição de um único modelo teórico que reúna fecundas contribuições
para o entendimento do universo mental infantil pode tornar mais viável a empreitada
28
vislumbrada no título deste trabalho. É certo que esta escolha leva a uma inevitável limitação
na elaboração de idéias a respeito da prevenção na infância, mas é igualmente certo que esta
opção impõe um caráter mais científico e factível a esta empreitada, dando-lhe mais coerência
e objetividade. Ademais, não se objetiva esgotar as discussões teóricas sobre o tema, numa
tentativa ilusória de dar contornos finais ou definitivos. Ao contrário, o que se busca é o
aprofundamento do debate em torno da possível contribuição da psicanálise nesse campo,
mais precisamente da contribuição kleiniana.
A análise detalhada de uma teoria pode fornecer elementos adicionais que antes não
eram reconhecidos e, portanto, acrescentar mais instrumentos capazes de tornar viável a
proposta de prevenção na infância. Uma teoria rica e profunda pode ser “visitada” por
diversos “olhares”, extraindo cada um deles elementos capazes de dar novas utilizações para a
mesma. Foi e tem sido assim com a psicanálise de Freud, visitada por olhares médicos,
sociológicos, antropológicos, psicológicos, leigos ou especializados, gerais ou específicos,
revelando a riqueza de uma fonte teórica de inestimável valor. A cada revisitação, aspectos
são destacados com o intuito de dar novas destinações às descobertas do autor (ou
reformulações e limitações às mesmas).
É com vistas a esta revisitação que a teoria kleiniana é eleita. Propõe-se um olhar
preventivo com a finalidade de examinar a possível existência de uma noção kleiniana de
prevenção ou verificar a viabilidade de se destacar elementos que possibilitem a elaboração de
proposta teórica capaz de oferecer alternativas ao trabalho de prevenção em saúde mental na
infância.
As tentativas de estender ao público em geral as contribuições da psicanálise na
prevenção em saúde mental na infância foram raras (Winnicott, 1966), em especial de
inspiração kleiniana, (Bicudo, 1956; Isaacs, 1948; e outros). Aliás, tal percurso parece ser
evitado pela psicanálise, de modo geral, e em parte pelas razões citadas anteriormente. A
29
simples formulação destas perguntas soa como heresia para muitos estudiosos da psicanálise.
O receio de criar fórmulas prontas, portanto reducionistas (preocupação salutar), predispõem
muitos a sequer se fazer questionamentos deste tipo (rigidez desnecessária). Um espírito
verdadeiramente científico o é aquele que se permite fazer apenas incursões em terrenos
conhecidos e seguros, mas que explora os terrenos independentemente de sua segurança ou
previsibilidade.
Numa época em que as descobertas do pai da psicanálise ajudavam a compreender
como os distúrbios psíquicos se constituíam e quais as leis que regiam o funcionamento
mental, o olhar sobre o comportamento e o desenvolvimento infantil sofreu importantes
mudanças. Apesar do pioneirismo e da inestimável contribuição de Freud, foi Melanie Klein,
a partir de suas experiências clínicas com crianças pequenas e dos seus ensaios sobre o
desenvolvimento emocional primitivo, quem aproximou a psicologia de uma maior
compreensão sobre o mundo mental infantil. Ela reformulou conceitos freudianos, inaugurou
técnicas terapêuticas na clínica da criança e lançou luz sobre um terreno bastante obscuro: o
das personalidades psicóticas (Simon, 1986).
Corajosamente, viu nos primeiros meses de vida do bebê uma complexidade de
sentimentos, pensamentos e outros processos mentais que chocaram estudiosos da época, mas
que são cada vez mais confirmados pelos achados atuais sobre a atividade mental e sensorial
infantil (Banks e Salapatek, 1983; Hayne, Rovee-Collier e Borza, 1991; Hillier, Hewitt e
Morrongiello, 1992; Kuhl et al., 1992; Porter et al., 1992).
Com uma contribuição desta monta, seria inevitável recorrer a tão valiosa construção
teórica para formular questionamentos tais como os citados aqui. Após ter alcançado tamanha
importância no cenário psicanalítico e até no da psicologia da criança, tendo seus conceitos
aplicados amplamente, teria a psicanálise kleiniana esgotado sua contribuição? Ou ainda tem
a acrescentar ao debate atual sobre a prevenção em saúde mental infantil?
30
A hipótese assumida aqui é a de que a teoria psicanalítica kleiniana oferece material
rico para contribuir na formulação de concepções psicoprofiláticas que podem ser aplicadas
ao desenvolvimento psicológico infantil, por conter em seu bojo idéias de saúde mental,
referências de desenvolvimento normal e patológico, bem como elementos que apontam para
um desenvolvimento saudável, em especial no que se refere à formação e transformação do
superego arcaico em consciência moral, e à integração do ego.
Em resumo, assumiu-se como hipótese que noções de prevenção e de saúde mental
podem ser formuladas a partir da análise da teoria de Melanie Klein, em especial sobre a
formação do superego e sua mudança no decorrer da infância, bem como sobre a integração
do ego.
1.2 Relevância das Propostas
O contato freqüente com o comportamento infantil e sua patologia oferece experiência
ao mesmo tempo enriquecedora e frustrante. Se de um lado é empolgante acompanhar a
evolução das aquisições afetivas, sociais, motoras e intelectuais da criança, angustia o
enfrentamento do sofrimento infantil decorrente da sabotagem de um ou vários aspectos de
seu desenvolvimento, seja qual for a razão.
É notória a importância dos primeiros anos de vida na formação de personalidades
saudáveis. Porém, é de conhecimento geral também que existe um descaso no atendimento às
necessidades afetivas e educacionais das crianças neste momento crucial. Destacado o
exemplo do poder público, o investimento em educação infantil, faixa que engloba crianças de
0 a 6 anos, revela a desatenção e a pouca importância dadas a este período crucial da vida. As
31
creches e escolas de educação infantil estão entre as menos preparadas para o oferecimento de
atividades de qualidade na formação das crianças. Somado a isto, os profissionais destas
instituições são os menos qualificados academicamente, com números reduzidos de pessoal
com curso superior ou mesmo com noções mínimas sobre desenvolvimento infantil.
Pesquisas atuais têm apontado cada vez mais a precocidade da interação do bebê com
o ambiente e as marcas, muitas vezes indeléveis, deste encontro nas mentes infantis, tanto em
termos de desenvolvimento intelectual, quanto no que tange à estruturação da personalidade.
Mohacsy (1983), de posse destas evidências assevera que:
Nós estamos diante do desafio de unir os avanços nas ações de saúde
mental preventiva com as pesquisas sobre a psicologia do bebê. No
presente, as evidências indicam que crianças são afetadas pelo mundo
e conseqüentemente seu desenvolvimento é de alguma forma
marcado desde o primeiro dia após o parto. Claramente, se a
prevenção em saúde mental deve ser efetiva, também precisa começar
naquele mesmo dia. (p. 273).
Curiosamente, os resultados destes estudos não estão chegando à população em geral,
criando um hiato entre as conquistas científicas e os benefícios alcançados na melhoria da
vida. Apolito (1978) destaca o fato de a prevenção em outros campos ter sido assumida por
especialistas, enquanto na área da saúde mental esta tarefa ficou reservada à religião, à
família, à escola e à justiça. O fracasso destas instituições, segundo este autor, mostra que o
modelo tradicional de prevenção, “baseado no condicionamento moralista-aversivo...deve ser
substituído por um modelo científico de prevenção” (Apolito, 1978, p.121).
Relatório da Organização Mundial de Saúde (2001) revela que 30% dos países
estudados não dispõem de programas de saúde mental, e que 450 milhões de pessoas no
mundo sofrem de algum transtorno mental ou neurológico, das quais 121 milhões têm
depressão e 50 milhões sofrem de epilepsia. Pelo menos 60% das pessoas que convivem com
os males da depressão poderiam se recuperar caso recebessem assistência adequada. As
32
conseqüências desta falta de assistência se revelam nas taxas de suicídio: 1 milhão de pessoas
cometem suicídio todo ano e de 10 a 20 milhões tentam o suicídio. O relatório conclui que a
carência na oferta de cuidados elementares aos que sofrem com problemas de saúde mental
impõe custos sociais e econômicos elevados aos indivíduos, famílias e sociedade.
Diante deste cenário, o relatório da OMS apresenta algumas recomendações de longo
alcance, tais como: oferecer cuidados primários em saúde mental; organizar campanhas de
educação e sensibilização do público sobre a saúde mental; preparar recursos humanos para
apoiar programas de cuidados primários de saúde; especialmente em países que detêm poucos
recursos financeiros, monitorar a saúde mental na comunidade, através da aplicação e
acompanhamento de seus indicadores; implementar pesquisas sobre os aspectos biológicos e
psicossociais da saúde mental.
A experiência do autor deste projeto no atendimento à criança, em conjunto com
outros profissionais (pediatras, fonoaudiólogos, professores, orientadores, e outros), revela
que mesmo especialistas acumulam fracassos e demonstram pouco rigor e conhecimento. As
orientações sugeridas aos pais (ou responsáveis) são de ampla variedade e, em diversos casos,
essencialmente questionáveis. Diante de situações de risco, em que a criança pode vivenciar
crises psicológicas importantes (no desmame, no treino dos esfíncteres, na adaptação a
situações novas vinda de um irmão(ã), entrada na escola - morte de ente querido, etc.) é
possível identificar recomendações prejudiciais (como colocar substâncias de paladar
desagradável no seio para facilitar o desmame), prematuras (como a recomendação precoce
do desmame), esdrúxulas (como a escolha de atividades esportivas específicas para inibir
tendência homossexual), inúteis (como a administração precoce de calmantes sem necessário
exame das causas do comportamento ansioso e hiperativo), e outras baseadas no senso
comum e carentes de fundamentação (dormir com os pais para diminuir carência afetiva; o
permitir que a criança acompanhe o enterro de ente querido; entre outros).
33
Não foi encontrada, e seria difícil operacionalizar, pesquisa que avalie os impactos de
recomendações e orientações tais como as citadas anteriormente. Mesmo assim, uma
conclusão é inevitável: sobram boas intenções e falta preparo técnico e teórico aos
profissionais que assistem ao desenvolvimento psicológico infantil, em caráter preventivo. A
falta de fundamentação teórica, além da inconsistência e incoerência, é flagrante. Parece ser
desnecessário ou secundário dispor de embasamento teórico para emitir orientações. O senso
comum e a prática pouco reflexiva tornaram-se os principais referenciais disponíveis.
Se é inquestionável a necessidade de se realizar acompanhamento médico do recém-
nascido até o final da infância (puericultura) por pessoal especializado (médico pediatra),
porque não pensar o mesmo a respeito do desenvolvimento psicológico? Ou este último é de
menor importância e deve ser deixado aos cuidados de profissionais pouco preparados? Não
são raras as vezes em que mães relatam discursos médicos que reduzem o bebê a um
organismo conduzido por processos fisiológicos e bioquímicos: “se você amamentou seu
filho, deu banho nele e não sintomas de doença, então seu choro é ‘manha’ e ele deve ser
deixado chorando em seu berço”. A possibilidade de o bebê chorar em decorrência de algum
processo psíquico desencadeado pela interação de impulsos instintivos e influência ambiental,
é simplesmente ignorada.
Ao mencionar o acompanhamento médico e o psicológico separados, não se busca
defender posição dualista ou reducionista. Pelo contrário, apenas almeja-se evidenciar a
importância de ambos, e sua indispensabilidade.
Porém, em vista da complexidade que é o desenvolvimento infantil, em seus aspectos
biopsicossociais, entregar ao médico tal responsabilidade denuncia a priorização do orgânico
em detrimento do psíquico. E os imperativos práticos não deixam dúvida quanto à
inviabilidade de atribuir a um único profissional a reunião de inúmeras habilidades técnicas e
domínio teórico. Assim, uma ão preventiva deve apontar para a soma de esforços, com o
34
conseqüente benefício para a infância, e não para a subtração de prioridades, com o inevitável
prejuízo da plena exploração das possibilidades de crescimento e desenvolvimento.
O atendimento psicológico direto à criança (ludoterapia) ou indireto (orientação de
pais), tem revelado fatos que são do conhecimento dos profissionais que atuam nesta área. Há
um desconhecimento quase que total sobre o universo mental infantil, como também se
ignoram as vias psicossomáticas de manifestação do sofrimento psicológico, caminho aliás
muito comum nas crianças (Mazet, 1977). Tal desconhecimento é com freqüência verificado
entre profissionais e, de forma flagrante, entre os pais. O aparecimento de transtornos
emocionais é recorrentemente atribuído às conseqüências de um estado fisiológico
desfavorável, como no caso de crianças obesas e as que sofrem de transtornos respiratórios,
principalmente a asma (Abdul-Rahim, 2000).
O status dos processos psíquicos é o de mero coadjuvante, que surge como reação às
adversidades do funcionamento orgânico e à adaptação social. Não se cogita a possibilidade
desses mesmos processos intermediarem este funcionamento e esta adaptação. A
compreensão sobre a etiologia de transtornos mentais ou comportamentos anti-sociais está
geralmente relacionada à idéia clássica de trauma, para alguns dos que reconhecem o papel
predominante dos processos psíquicos (algum fato isolado na vida do sujeito teria
desencadeado o transtorno emocional). Ainda parece distante para muitos a compreensão de
que não um fato isolado, mas geralmente um conjunto de experiências, principalmente as
começadas na tenra infância, as quais interagem com tendências inatas, constroem um edifício
(personalidade) que pode se tornar vulnerável a fatos isolados chamados “traumáticos” no
futuro. Manuais para os pais são publicados em grande escala, mais para esclarecer sobre
cuidados de saúde que reduzem o filho a um organismo determinado por processos
biológicos.
35
Mesmo campanhas destinadas à promoção de atitudes mais saudáveis para a criança
denunciam sua índole organicista. O estímulo à amamentação, chamado no Brasil de
“aleitamento materno”, revela a priorização do orgânico, quando reduz o ato de amamentar a
um oferecimento de leite à criança. Estas campanhas raras vezes alcançam índices
considerados adequados no que diz respeito ao tempo ideal de amamentação. Levantamentos
do Ministério da Saúde, feitos em 1999, mostram que a mulher brasileira oferece
amamentação exclusiva (somente o peito) por 33,7 dias, em média, quando o ideal
preconizado é de 180 dias (Marques, 2000). Entre as diversas razões para este fracasso nas
campanhas de conscientização, segundo a opinião do autor desta pesquisa, está a priorização
dos benefícios do aleitamento, ao invés de o da amamentação, o qual incluiria, além das
qualidades do leite, a qualidade da relação mãe-bebê.
As implicações desta constatação são inúmeras e preocupantes. Muitos pais acabam
ignorando pedidos de ajuda dos filhos, ou simplesmente sinais de conflito. Na melhor das
hipóteses, quando estes logram identificar alguns sinais de alerta, terminam sendo
desorientados por profissionais insensíveis às vicissitudes do mundo mental infantil, ou que
tratam do caso com imperícia. As conseqüências parecem bem previsíveis: identificação
tardia de transtornos emocionais; redução das chances de reversão dos quadros mórbidos;
aumento nas taxas de morbidade, entre outras.
A assistência psicológica, entretanto, ainda está longe de ser incluída como elemento
essencial nas intervenções preventivas, em face da visão leiga que se tem da psicologia
enquanto campo especializado com atuação de índole remediativa dos casos graves de
transtornos mentais. Porém, iniciativas recentes mostram que a psicologia pode agir em nível
de atenção primária com vistas a psicoprofilaxia (Goldston, 1986; Levant, Tolan & Dodgen,
2002). Deve-se somar esforços para a mudança desta mentalidade, daninha tanto para os
36
propósitos de uma intervenção psicológica eficaz como para o estreitamento da relação entre a
psicologia e a população em geral, a qual deve ser a principal beneficiária dos seus serviços.
O crescente número de psicopatologias reconhecidas atualmente (DSM IV) revela
que o atendimento à infância doente reserva um dos grandes desafios à modernidade. É
notório que apesar do enorme volume de trabalhos que oferecem intervenção terapêutica, tem
se tornado tarefa cada vez mais árdua reverter quadros psicopatológicos infantis. É que além
da gravidade dos estados mórbidos, seu reconhecimento é alvo das mais ferrenhas
controvérsias.
Em 2002, a OMS (Organização Mundial da Saúde) dedicou o Dia Mundial da Saúde
ao tema da saúde mental. Em seu relatório sobre saúde mental lançado naquele ano, intitulado
“Saúde mental: novos entendimentos, novas esperanças”, apresentou dados que mostram
tendências preocupantes: vinte e cinco por cento da população mundial deve apresentar um
transtorno mental ao longo da vida; alta prevalência de alcoolismo, depressão e quadros
fóbico-ansiosos; entre outros. Metade das doenças mais incapacitantes em todo mundo são
doenças mentais. Em relação à realidade brasileira: trinta e quatro milhões de brasileiros
sofrem atualmente de transtornos mentais (Jorge & Mari, 2003); e uma das constatações mais
graves: boa parte deste contingente recebe pouca ou nenhuma assistência (mais de quatro
milhões de brasileiros). Diante destes dados, o relatório da OMS faz algumas recomendações
que devem embasar políticas nacionais voltadas à saúde mental, entre elas o investimento na
atenção primária à saúde.
Estudo realizado pela Universidade de São Paulo, em parceria com a Universidade de
Londres, iniciado em 1999 e concluído em 2001, revela que quase três milhões de crianças e
adolescentes podem estar sofrendo de problemas emocionais no Brasil (Antenore, 2003).
Nos Estados Unidos, onde os dados sobre saúde mental são colhidos continuamente e
são revestidos de critérios rigorosos, algumas constatações são alarmantes: os índices de
37
suicídio superam os de homicídio; a depressão produz transtornos com gravidade maior do
que muitas doenças sicas crônicas; transtornos de humor estão na base dos casos de morte
devido ao consumo de fumo e álcool (Muños, Mrazek e Haggerty, 1996). A prevenção dos
transtornos mentais surge como estratégia essencial para mudar estes dados.
Barnes (1998) aponta a promoção da saúde mental como essencial para qualquer
sociedade, pelas razões que se seguem: o aumento da incidência de problemas psiquiátricos
na infância; o prognóstico negativo de boa parte destes problemas; e o papel de fatores de
risco infantis na origem destes problemas em adultos.
Profissionais da psicologia e da pedagogia enfrentam na atualidade problemas de
saúde mental e problemas educacionais com os quais são incapazes de lidar satisfatoriamente,
dada sua quantidade e variedade. Como alertava Alpert (1985), este cenário revela que as
abordagens voltadas para a remediação são ineficazes por falhar recorrentemente na tentativa
de evitar que danos psicológicos e educacionais alcancem um ponto crítico. Mais
recentemente, a mesma constatação é revelada por Muñoz, Mrazek e Haggerty (1996):
Nós não temos a cura para a esquizofrenia ou a doença maníaco-
depressiva, por exemplo, embora possamos melhorar a maioria dos
sintomas agudos. A depressão maior geralmente volta, mesmo com os
melhores tratamentos em vigência... O uso abusivo de drogas é muito
difícil de tratar; mesmo quando pessoas com adição são capazes de
abandonar o vício, são com freqüência propensas a recaídas. É
exatamente porque as abordagens remediativas estão muito longe da
perfeição, que nós temos uma grande necessidade de desenvolver
abordagens preventivas eficazes.
Os autores ainda acrescentam importantes conclusões extraídas do relatório do
Institute of Medicine (IOM) sobre a prevenção dos transtornos mentais, tais como: a
identificação da psicologia como a disciplina que mais contribui para a prevenção e a
pesquisa em prevenção na área da saúde mental. Com base nisto, recomendam a continuidade
das pesquisas psicológicas sobre prevenção em saúde mental e a soma de esforços com outras
38
disciplinas desta área para “aprimorar as práticas preventivas em saúde mental e assegurar sua
inclusão nos cuidados gerais à saúde” (Muñoz, Mrazek e Haggerty, 1996).
Vários estudos têm mostrado que a prevenção em saúde mental na infância reflete-se
de forma marcante e positiva sobre as crianças, famílias, instituições e comunidades (Barnes,
1998). Esforços no caminho da popularização de conhecimentos úteis e na disseminação de
práticas preventivas revelam-se como imperativos da sociedade contemporânea. E a
atualidade deste debate exige um engajamento e tomada de posição por parte de instituições,
profissionais e pesquisadores que se dedicam ao estudo e intervenção do desenvolvimento
infantil.
Apesar de seu pouco envolvimento com as urgências sociais, as instituições
psicanalíticas e a própria psicanálise enquanto saber instituído e legitimado, não deve abster-
se deste debate. Mesmo que adiante se revele sua incapacidade e incompatibilidade para
enfrentar tais desafios.
39
1.3 Objetivos
A presente pesquisa teve como objetivo geral realizar uma análise teórica do modelo
psicanalítico kleiniano com a finalidade de examinar a possível existência de uma noção
kleiniana de prevenção. Dito de outra forma, extrair uma concepção de prevenção na infância
que se baseasse no pensamento kleiniano.
Em sintonia com tal objetivo, outros, de âmbito específico, foram buscados:
- Avaliar a existência de concepções kleinianas que apontassem para a prevenção primária;
- Extrair um conceito de saúde mental com base no modelo psicanalítico kleiniano;
- Elaborar, com base em análise teórica do modelo kleiniano, proposta que se aplicasse a
intervenção preventiva primária, a partir do estudo da interação entre os fatores de risco
(precursores do aparecimento de transtornos mentais) e fatores protetivos (promotores da
saúde mental);
- Buscar no interior do modelo kleiniano, elementos que corroborassem a intervenção
preventiva primária, em suas aplicações universal, seletiva e indicada.
- Analisar as implicações teóricas e éticas da aproximação entre a teoria psicanalítica e a
abordagem preventiva.
- Estudar a possível relação entre a transformação do superego, sua influência sobre a
integração do ego, e a consolidação da saúde mental na infância.
40
1.4 Revisão Bibliográfica
Com base na psicanálise freudiana, dada sua importância e caráter fundador e original,
os pilares da teoria kleiniana foram sendo desenvolvidos. Os tópicos que se seguem, marcam
um percurso de concordâncias e divergências entre as duas teorias, para gradativamente seguir
em direção à originalidade do pensamento kleiniano.
Antes, considerando que a temática da prevenção é central neste trabalho, foram
introduzidos conceitos e noções de prevenção em saúde mental a fim de facilitar a
compreensão das diversas acepções do termo e esclarecer qual foi adotada neste estudo.
Ainda antecipando a apresentação do modelo kleiniano, o encontro entre psicanálise e
prevenção foi examinado.
1.4.1 Noções de Prevenção em Saúde Mental
Uma breve observação, mesmo desatenta, das rotinas e práticas que cercam a vida das
pessoas, logo torna evidente a idéia de que o viver se baseia numa espécie de previsibilidade
que possibilita um mínimo de organização das ações humanas. Acordamos, agendamos
compromissos, definimos planos, encontramos pessoas, realizamos tarefas, sempre com base
num porvir relativamente esperado. Mesmo assim, nos deparamos com surpresas, imprevistos
e novidades que dão um aspecto dinâmico e revelador aos nossos dias.
O inesperado vai penetrando aos poucos (outras vezes de modo brusco) no dia-a-dia
de cada um. Ainda assim, a novidade só pode ser elaborada ou integrada a partir de um molde
41
que representa a organização cotidiana. De outra forma, o caos da total falta de delimitações
criaria um estado tal em que as oscilações não permitiriam qualquer tentativa de crescimento
ou mesmo aproveitamento da experiência. Mesmo diante da recomendação providencial de se
colocar aberto para o novo e o inesperado quando recebe um paciente, o terapeuta só
consegue apropriar-se deste devir a partir de algo estabelecido e organizado, tal como o
local, a data e o horário de atendimento, além de um conhecimento prévio sobre a história do
paciente.
A noção de prevenção parece encerrar em si uma necessidade humana de organizar-
se diante do novo que se revela a todo instante. A constatação de que este novo muitas vezes
se revela nocivo, reverteu-se em mais esforços na perseguição de atitudes e comportamentos
preventivos. Simon (1989, p.72) lembra que o enfrentamento do novo muitas vezes não pode
ocorrer sem a vivência de crises, “... porque ninguém pode viver evitando permanente o novo
na experiência humana”. E as mudanças significativas passam pelo enfrentamento destas
crises.
Quase todas as nossas ações, decorrentes do teste da realidade, desenvolvidas a partir
do amadurecimento do ego, visam prevenir algo. Depois de estarmos movidos quase que
exclusivamente pelas demandas pulsionais, voltadas para o alívio da tensão e,
conseqüentemente, à obtenção do prazer, passamos a realizar boa parte de nossos
comportamentos a fim de prevenir excessos, riscos e perigos em nome de um viver mais
seguro e sociável. Aliás, não seria exagero asseverar que a psicologia do ego e os
desenvolvimentos posteriores da teoria freudiana, especialmente no que se refere à segunda
tópica, quando Freud introduz as instâncias psíquicas id, ego e superego, são uma descrição
exaustiva da dinâmica do funcionamento psíquico que, grosso modo, pode ser considerada
como uma odisséia humana em busca da prevenção. A mente, coordenada pelas ações do ego,
perseguiria a todo instante condições ótimas de funcionamento para aliviar tensões advindas
42
de fontes internas e externas, a fim de criar um contexto livre de situações hostis e repleto de
organização e controle. É evidente que isto não é alcançado sem soluções de compromisso
(entre o ego, o superego e o id) e num cenário de configurações psíquicas contraditórias (amor
e ódio; pulsões de vida e de morte).
Os benefícios colhidos da influência do inconsciente sobre a criatividade e a intuição
de modo algum podem ser descartados, ou considerados de menor valor. Porém, os mesmos
integram-se ao todo do funcionamento psíquico e enriquecem as tendências egóicas. No dizer
de Apolito (1978, p.121), “Nós vivemos na era da prevenção; esta é a principal razão porque
nós ainda estamos vivos”. Para ele, a humanidade encontrou várias formas de evitar que
forças hostis ameaçassem a vida do homem. Vale lembrar que estas forças hostis podem advir
de fontes internas ou externas.
Não é demais dizer que a empreitada da busca pela prevenção se revelou
freqüentemente infrutífera, seja por pecar pelo excesso de controle, seja pelo direcionamento
equivocado. Por esta razão, assistiu-se a uma crescente crítica que tanto serviu para inspirar
reavaliações, como também provocou desistências e afastamentos precoces. Isto parece ter
ocorrido com boa parte das iniciativas da psicanálise nesta direção. Oportunamente, este
assunto será retomado.
Desde o início do século XX, a psicologia assistiu a investidas esporádicas do ideário
preventivista, mas nas últimas décadas a literatura popular e científica tem produzido
trabalhos em larga escala, sem que isto impedisse uma negligência recorrente sobre o assunto
(Kenneth, 1996), bem como um uso indiscriminado do termo prevenção, o que tem causado
confusão entre os profissionais (Goldston, 1986).
A saúde pública foi o berço dos esforços iniciais em prevenção primária. O foco das
ações preventivas girava em torno da doença e dirigia-se à redução de sua incidência
43
(prevenção primária), redução de sua prevalência (prevenção secundária) e redução da
cronicidade e deterioração devidas a ela (prevenção terciária) (Shore, 1998).
A complexidade da tarefa de se implementar uma empreitada preventivista primária
aparece nas palavras de Shore (1998):
Prevenção primária é uma das áreas mais difíceis de estudo. É multi-
dimencional e altamente complexa, uma perfeita candidata para
figurar entre as estratégias ecológicas de pesquisa em
desenvolvimento... Seu escopo é vasto, por sua relação com o bem-
estar social, educação e outras áreas da atividade humana. Tem várias
implicações políticas (p.477).
Fruto de variadas experimentações, conceitos de prevenção foram cunhados. Segundo
Cassorla (2001):
A prevenção primária implica promoção de saúde, prevenção do
agravo e diagnóstico precoce; a secundária em ações efetuadas quando
o problema se manifestou, e a terciária remete à reabilitação
(p.732).
Simon (1989), inspirado no modelo criado por Leavell & Clark (1965), segundo o
qual a “prevenção do agravo e diagnóstico precoce” são medidas constituintes da prevenção
secundária, esquematiza as variações de prevenção de outra forma. Ao se referir às medidas
de prevenção para lidar com a crise, entendida aqui como o enfrentamento de “uma situação
nova e vitalmente transformadora” (Simon, 1989, p.58), o autor classifica dois grupos de
medidas preventivas: prevenção passiva e prevenção ativa. E explica:
Nas situações em que a crise eclodiu, o psico-higienista tem que
aceitá-la passivamente, como já está colocada. Chamamos ao conjunto
de medidas para lidar com a crise em andamento de ‘prevenção
passiva nas crises’. Nas situações em que a crise tem possibilidade de
ocorrer, mas ainda é latente, o psico-higienista pode preparar o sujeito
ou grupo para lidar com a situação... Neste caso, ao conjunto de
medidas chamaremos de “prevenção ativa nas crises (Simon, 1989,
p.63).
44
O autor explica que as medidas de prevenção passiva se aplicam às crises geradas por
“perda”, enquanto as medidas de prevenção ativa se aplicam às situações que geram crises por
“aquisição”.
O modelo de Leavell e Clark (1965), referido por Simon (1989), explica a história
natural das doenças dividindo-a em dois períodos. O primeiro período é chamado de “pré-
patogênico”, em que predomina a saúde do sujeito, o qual pode vir a contrair um agente
infeccioso. Sujeito e agente infeccioso convivem num mesmo ambiente, porém sem haver
contato direto. Caso o agente se instale no sujeito, passa-se para o segundo período da história
natural da doença: o período “patogênico”. Na opinião de Simon (1989), este modelo ajuda a
organizar a prevenção em três fases: prevenção primária, relacionada com o período pré-
patogênico, em que se aplicam medidas de proteção específica e promoção de saúde para
evitar determinada doença e preservar e melhorar a saúde” (Simon, 1989, p.68); prevenção
secundária, ligada ao período patogênico e que demanda medidas de diagnóstico precoce e
tratamento eficaz “para detecção rápida da moléstia e seu imediato combate no intuito de
evitar o agravamento ou morte e obter recuperação da saúde” (Simon, 1989, p.68); e por fim
prevenção terciária, também no período patogênico, onde o foco está na reabilitação do
sujeito, “procurando então evitar sua invalidez total, recuperando-o parcialmente para a vida
útil” (Simon, 1989, p.68). Em trabalho recente, Simon (2005) apresenta uma proposta
inovadora para nortear o trabalho em psicoterapia breve e oferece um modelo que pode
auxiliar muito na organização de ações em prevenção primária. Esta relevante proposta foi
analisada em outra parte deste trabalho.
Apolito (1978) discute criticamente estas formas variadas de prevenção aplicadas à
psiquiatria. Ele argumenta que a prevenção terciária, voltada para o tratamento de doenças
crônicas em remissão, não representa o esforço preventivo necessário e principal. Mesmo a
prevenção secundária, foco de interesse mais atual para a psiquiatria, com intervenções
45
precoces voltadas para doenças agudas e incipientes, também não enseja o que de primordial
existe sob a denominação “prevenção”. Isto porque muitos processos patológicos são de
difícil detecção e podem manifestar-se de forma severa sem sinal prévio aparente. Ainda que
sejam identificados, boa parte destes estados mórbidos exige tratamentos prolongados e,
infelizmente, malsucedidos. Conclui o autor que o foco de interesse deve ser dirigido à
prevenção primária, com métodos que se apliquem a todas as crianças, prevenindo o
aparecimento destes transtornos. Vale ressaltar que é a esta forma de prevenção que o
presente trabalho propôs uma análise, à luz da psicanálise kleiniana.
Convencido da necessidade de dirigir mais esforços na prevenção primária, Apolito
(1978) lista alguns achados de valor para uma compreensão geral sobre a etiologia e
patogênese dos transtornos mentais, entre os quais estão: a existência de raízes comuns a
variados transtornos; a constatação de que os transtornos mentais são pandêmicos por se
encontrarem presentes, em estado latente, em toda pessoa “normal”; o reconhecimento de
uma vulnerabilidade presente em todas as crianças, em graus variados, de acordo com sua
predisposição hereditária; em complementaridade ao item anterior, a confirmação da
existência de uma equação que leva à evolução dos transtornos mentais, com elementos tais
como predisposição hereditária a um agente patogênico, severidade da exposição, e a idade
em que o impacto foi maior. Estes agentes, denominados “psicotóxicos”, repetindo noções
desenvolvidas por Spitz (1979), foram reunidos sob o termo “hostilidade” e incluem rejeição,
crítica hostil, frustração das necessidades, humilhação, negligência, ameaças de agressão
física, ou agressões físicas reais, e abandono total.
A combinação de idade, exposição a agentes externos e predisposição hereditária, vai
ao encontro da proposição kleiniana sobre o aparecimento de transtornos psíquicos. É obvio
que as fantasias produzidas no bojo desta combinação são essenciais. Oportunamente, quando
46
da discussão destas idéias sob o ponto de vista do modelo kleiniano, esta análise será
retomada.
Alpert (1985) também define a prevenção dividindo-a nas três categorias clássicas
(primária, secundária e terciária):
... prevenção secundária envolve tratamento precoce da doença, e
prevenção terciária envolve tentativas de minimizar efeitos de longo
prazo. Prevenção primária refere-se à prevenção de transtornos antes
que ocorram.
O conjunto de medidas da prevenção terciária está geralmente vinculado à idéia de
reabilitação, e seu objetivo é prevenir a invalidez. A prevenção primária é considerada
impessoal por se aplicar a um número muito grande de pessoas e ter um formato de “educação
de massa”, sem a finalidade de fazer qualquer tipo de reparação. Aplicam-se aqui as noções
de “promoção de saúde” e “Proteção Específica” (Simon, 1989). Opõe-se a ‘prevenção
primária individual’, presente desde os anos 60, a qual se aplica a indivíduos vulneráveis por
não disporem de recursos para lidar com problemas pessoais. O objetivo é o ensino de
habilidades e competências para aumentar o ajustamento e a força adaptativa do sujeito.
Uma análise mais atual feita por Kaplan (2000), denota a confusão e a falta de
consistência no uso dos conceitos de prevenção primária e secundária. Cita a definição da
Organização Mundial de Saúde (Pan American Health Organization, 1996), segundo a qual:
“Prevenção primária é a prevenção do surgimento do episódio inicial da doença. Prevenção
secundária é definida como prevenção de um novo episódio da doença”.
Kaplan (2000) explica que diferenças importantes entre a prevenção primária e a
secundária. A última se baseia num modelo médico e pressupõe diagnóstico e tratamento
(cirurgia ou uso de medicação, por exemplo). Inspira-se num “pensamento linear”,
mecanicista, focado no sintoma e na estrita extinção do mesmo por meio de ações isoladas e
47
parciais. Apesar de resultados positivos, este modelo restringe-se a reparar problemas em uma
parte específica do corpo, e com freqüência leva a efeitos colaterais. Por estas razões, a
prevenção secundária tradicional traz tímidos benefícios para a saúde pública. A prevenção
primária, por sua vez, é mais focada no comportamento do que na doença, e dá pouca atenção
para o diagnóstico. A visão de homem é mais integradora. O corpo é visto como um sistema
que não pode ser tomado em partes. O objetivo é melhorar a duração e a qualidade de vida. O
foco é posto na pessoa ou população, e não na doença, já que se trabalha com uma hipótese de
ausência e evitação da doença. Seu potencial para a melhoria da saúde pública é enorme e
demanda transformações nas políticas públicas. Isto corresponde ao conceito de Promoção
de Saúde” (Simon, 1989).
Raras vezes presente entre as prioridades da psiquiatria, que dirigia atenção à
criança após constatação de uma extensa sintomatologia, a prevenção em saúde mental foi
gradativamente ganhando força e se tornou preocupação central entre os profissionais ligados
a esta área (Mohacsy, 1983), além de instituições e governos.
Influenciado por este movimento, o congresso americano ordenou que o National
Institute of Mental Health (NIMH) entrasse num acordo com o Institute of Medicine (IOM),
para produzir um relatório sobre as pesquisas atuais sobre prevenção. Em 1992, foi formado o
Committee on Prevention of Mental Disorders (CPMD). Este comitê produziu um relatório de
605 ginas, publicado em 1994, intitulado “Reducing Risks for Mental Disorders: Frontiers
for Preventive Intervention Research" (Mrazek e Haggerty, 1994).
O relatório foi organizado em três partes distintas: a primeira ênfase à necessidade
de encontrar uma nova definição para o termo prevenção em saúde mental; a segunda parte
destaca três fontes de conhecimento que podem alimentar o campo da prevenção em saúde
mental: estudos sobre a prevenção de doenças físicas, pesquisas sobre o tratamento de
transtornos mentais, e contribuições das ciências comportamentais e biológicas; a terceira
48
parte descreve uma série de ões necessárias à continuidade das pesquisas sobre as
intervenções preventivas.
No que tange à necessidade de uma nova definição para o termo prevenção, o comitê
encontrou muito desacordo em torno da classificação tradicional que divide a prevenção em
primária, secundária e terciária. Em vez de adotar este modelo, foi proposta outra
classificação que cobriria um continuum de intervenções para combater os transtornos
mentais, começando pela prevenção propriamente dita, e passando pelo tratamento e
manutenção.
A nova proposta classificatória visava isolar o termo prevenção e aplicá-lo apenas nos
casos em que a intervenção ocorresse antes do “surgimento inicial de um transtorno
clinicamente diagnosticável” (Mrazek e Haggerty, 1994). Nos indivíduos em que os critérios
diagnósticos se aplicassem, a intervenção estaria relacionada ao tratamento e não à prevenção.
São exemplos de tratamento a identificação do caso e o uso de técnicas consagradas para este
fim. Quando se tratar de indivíduo acometido por episódios agudos de um determinado
transtorno mental, a intervenção será com vistas à manutenção, ou seja, após o abrandamento
do episódio, busca-se reduzir recaídas e recorrências, bem como projetar serviços de
reabilitação.
A restrição do uso do termo prevenção às intervenções anteriores ao aparecimento de
quadros mórbidos não implica reduzir seu espectro de ação. Tanto que a prevenção foi
dividida em três subcategorias: (a) intervenções preventivas universais: dirigidas ao público
em geral ou um grupo populacional que não esteja exposto a um risco crescente; (b)
intervenções preventivas seletivas: destinadas a indivíduos ou grupos específicos expostos a
fatores de risco biológicos, psicológicos ou sociais numa proporção acima da média geral para
desenvolver transtornos mentais, muito próximo do conceito de “Proteção específica”; (c)
intervenções preventivas indicadas: direcionadas a pessoas que apresentam marcas biológicas
49
ou sintomas leves, mas que podem ser detectados, apontando para uma predisposição para
desenvolver transtornos mentais, sem que estejam presentes critérios diagnósticos até o
momento. Devido a limitadas evidências que possibilitem a identificação daqueles que
desenvolverão a doença, as estratégias indicadas tem tímidos resultados na promoção da
saúde ou na evitação da doença (Herrman, 2001). A finalidade principal das categorias de
prevenção é “reduzir a ocorrência de novos casos de transtornos mentais”.
Durlak (1998) oferece alguns exemplos da aplicação destas formas variadas de
prevenção no contexto escolar. No caso da intervenção universal, dirigida a um alvo
populacional inteiro, os esforços podem estar voltados para crianças que estão ingressando
pela primeira vez na escola, ou que vão mudar de escola; a intervenção seletiva pode ter como
alvo crianças que vivem em condições sócio-econômicas precárias, o que na opinião do autor
coloca este grupo em risco, mesmo que ainda não apresente comportamento disfuncional; as
intervenções indicadas, específicas para os que demonstram sinais de dificuldade e exigem
uma ação pontual, poderiam envolver crianças nas primeiras séries que apresentam
comportamentos destrutivos de menor intensidade. Durlak (1998) acrescenta que nesta última
forma de intervenção o monitoramento de uma determinada população, e apenas os que
apresentam dificuldades comportamentais em estado nascente são indicados para receber
atenção. O autor conclui, através de uma meta-análise dos resultados obtidos em rios
estudos, que os programas de prevenção primária são realmente efetivos.
Barnes (1998) critica o CPMD por separar promoção de saúde mental de prevenção,
em especial quando o alvo é a infância, e apóia as intervenções preventivas o mais cedo
possível, com base na teoria ecológica. Ele apresenta a promoção de saúde mental numa
perspectiva desenvolvimental, considerando o contexto escolar como particularmente
adequado para a aplicação de intervenções ambientais.
50
Zubrick et al. (2000) acreditam que a distinção entre promoção e prevenção é artificial,
cientificamente pouco sólida, e leva a conseqüências indesejáveis, tais como a separação entre
teorias e atividades relacionadas aos problemas de saúde mental, além de alienar cuidadores e
comunidades. Eles defendem uma integração entre promoção e prevenção, que evidências
científicas têm demonstrado que a ansiedade, a depressão e os distúrbios de conduta
(delinqüência e agressividade elevada) podem ser prevenidos desta forma.
O termociência preventiva”, cunhado na década de 90, trazia esta preocupação de
reduzir a ocorrência de transtornos mentais. A pesquisa deve ser focada, de acordo com o
sentido dado ao termo, “no estudo sistemático dos precursores do transtorno e da saúde”,
salienta Kenneth (1996). Os precursores, explica o pesquisador, são denominados “fatores de
risco”, quando ligados a algum transtorno, ou fatores protetivos”, se ligados à saúde. Como
os transtornos de modo geral são ligados a múltiplos fatores, bem como fatores específicos
são ligados a múltiplos transtornos, a relação entre fatores de risco e fatores protetivos e a
manifestação do transtorno mostrou-se de grande complexidade.
Shore (1998) faz severas críticas ao que se convencionou chamar de “ciência
preventiva”. Ele explica que os estudos sobre a prevenção primária sofreram severas
restrições, devido aos critérios gidos exigidos para a aceitação dos trabalhos, por haver um
foco explícito na nomenclatura psiquiátrica, muito geral e de validade duvidosa, e finalmente,
por acreditarem que os dados por si mesmos seriam capazes de indicar políticas sociais.
Munõz et al. (1996) afirmam existir uma relação entre o modelo de prevenção que visa
diminuir os fatores de risco, e o modelo de promoção de saúde, voltado para a obtenção de um
estado ótimo de bem-estar. Porém, ele acrescenta que estes dois modelos apresentam
diferenças conceituais e filosóficas. A falta de concordância sobre a melhor forma de definir
saúde mental e bem-estar dificulta a adequada delimitação dos contornos de um programa de
promoção de saúde mental. Os autores explicam que:
51
Promoção de saúde exige mais do que buscar ser livre de transtornos
ou doenças. Representa a tentativa de buscar um senso de coerência,
saúde, bem-estar, entusiasmo, resiliência, auto-eficácia,
empowerment, energia, flexibilidade, ordem, equilíbrio, harmonia e
integridade” (Munõz et al., 1996).
Já a finalidade da prevenção, na palavra dos autores, é definida desta forma:
Prevenção é pensada para evitar o sofrimento desnecessário. A
desorganização na vida das pessoas, a considerável dor emocional
envolvida e, às vezes, os impactos irreparáveis na vida de famílias ou
comunidades daqueles afetados pelos transtornos mentais, torna
imperativo que nós enquanto sociedade devotemos recursos
substanciais para a prevenção (Munõz et al., 1996).
Shinn & Tooney (2001) questionam a separação entre programas de intervenção
preventiva e programas de promoção de saúde mental e bem-estar, por haver uma interação
constante e uma interdependência entre suas finalidades. A aproximação de ambos aumenta
os benefícios.
Albee (1986) acrescenta um debate ideológico à discussão sobre o objetivo da
prevenção primária enquanto mudança social e redistribuição do poder, e critica os estudos
que minimizam os efeitos das mudanças no ambiente social sobre a resistência à
psicopatologia. Ele acredita que o discurso em defesa da determinação genética naturaliza
injustiças sociais e reforça a atitude alienada.
Mesmo havendo poucas evidências claras de que as intervenções preventivas
realmente reduzem a incidência de transtornos mentais, rias experiências têm demonstrado
que fatores de risco que estão associados ao surgimento de transtornos podem ser diminuídos
(Kenneth, 1996; Durlak e Wells, 1997), e outros trabalhos têm destacado as características
que tornam os programas de prevenção efetivos (Maury et al., 2003).
52
Esforços no sentido de conceituar saúde mental ainda não ganharam unanimidade,
nem garantiram maiores subsídios na discussão sobre o tema. Mesmo assim, convergência
nas opiniões de que, apesar das dificuldades em definir o que se pensa a respeito da saúde
mental, é definitivamente algo a ser perseguido.
Escalas padronizadas de saúde mental não conseguem distinguir entre pessoas com
saúde mental genuína e pessoas que, influenciadas por defesas psicológicas, m a ilusão da
saúde mental. O fator geral de saúde mental parece relacionado a resiliência do ego (Shedler
et al., 1993).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) (2001) lembra que “... a saúde mental é
indispensável para o bem-estar geral dos indivíduos, das sociedades e dos países” (p.29).
Acrescenta que os conceitos de saúde mental envolvem: bem-estar subjetivo, auto-eficácia
percebida, autonomia, competência, dependência intergeracional, auto-realização do potencial
intelectual e emocional. A essência do programa de saúde mental está apoiada na defesa de
um desenvolvimento mental saudável e na promoção da saúde mental. Porem enfatiza a
impossibilidade de se definir saúde mental satisfatoriamente, em especial numa perspectiva
transcultural.
Vaillant e Vaillant (2004) apontam, a partir de uma perspectiva semelhante, as críticas
da antropologia cultural à tentativa de definir saúde mental. Os autores levantam
questionamentos sobre a validade, utilidade, aplicabilidade e adaptabilidade de um conceito
universal de saúde mental. Através de um estudo minucioso, Vaillant e Vaillant (2004)
detalham seis abordagens empíricas diferentes de saúde mental, as quais serão apresentadas a
seguir.
A primeira abordagem é a de saúde mental como um estado acima do normal. Aqui,
saúde é um estado de funcionamento desejável, mais do que um estado ótimo. A idéia
53
tradicional de saúde como ausência de doença prevalece neste modelo. Os autores lembram
que a saúde é encarada em termos de uma norma ou padrão natural.
A segunda abordagem define a saúde mental como psicologia positiva. A partir de
uma comparação entre a psiquiatria e a psicologia, Vaillant e Vaillant (2004) explicam que,
enquanto a primeira encara o sujeito como saudável ou doente, a segunda o concebe num
continuum. Enquanto o médico objetiva remover os sintomas por meio de tratamento
medicamentoso, o psicólogo busca o desenvolvimento de competências tais como: prazer pela
vida, o otimismo, a curiosidade e o interesse pelo outro. É flagrante a diferença de ponto de
vista da medicina e da psicologia sobre a saúde mental, nesta abordagem. O otimismo, como
elemento de destaque na abordagem da psicologia positiva, é criticado pelos autores, os quais
recorrem a Nietzsche, Freud, Karl Marx e Charles Darwin, para quem o otimismo é uma
forma ingênua e imatura de encarar a saúde mental.
A terceira abordagem traça a saúde mental como maturidade. Sob este ponto de vista,
a saúde mental adulta revela um processo maturacional em continuo desdobramento. Mais
maturidade reflete mais saúde mental. Mas o que se quer dizer com maturidade? Vaillant e
Vaillant tomam como exemplo o modelo de Erikson, segundo o qual o homem passa por
conflitos evolutivos que devem ser vencidos para o desenvolvimento da maturidade.
A quarta abordagem entende a saúde mental como inteligência sócio-emocional, o que
significa dizer que quanto maior a inteligência sócio-emocional, maior a saúde mental. A
ênfase recai sobre a capacidade para identificar uma variedade de sentimentos em nós
mesmos e nos outros e lidar com eles, denotando uma série de habilidades sociais, de auto-
conhecimento e autocontrole. Vaillant e Vaillant (2004) usam evidências extraídas da etologia
para mostrar a importância das emoções na comunicação entre os seres humanos. A empatia,
qualidade de se colocar no lugar do outro e reconhecer seus sentimentos, é essencial para o
sucesso nos relacionamentos interpessoais e para o desenvolvimento da auto-estima. A
54
inteligência sócio-emocional, segundo os autores, é geralmente definida a partir de critérios
tais como: percepção consciente e monitoramento das próprias emoções; adaptação na
expressão das emoções, de acordo com a ocasião; reconhecimento acurado e resposta
adequada às emoções do outro; habilidade nas negociações em relacionamentos íntimos;
capacidade para focar emoções em busca de objetivos desejados (motivação).
Vaillant e Vaillant (2004) mostram que as variadas formas de relacionamento com o
outro ganharam mais espaço nos estudos psicanalíticos a partir dos anos de 1970, com a
importância dada à modulação das relações objetais, mais do que à modulação dos instintos.
A partir da perspectiva da inteligência sócio-emocional, lembram os autores, os instintos e as
relações objetais são considerados parceiros.
Algumas semelhanças são apontadas por Vaillant e Vaillant (2004) entre a abordagem
em questão e a psicologia positiva. ... como o modelo da psicologia positiva, o modelo da
inteligência sócio-emocional é potencialmente intervencionista” (p.590). Alguns trabalhos
estão sendo conduzidos no sentido de desenvolver habilidades sociais e emocionais em
crianças em idade escolar
A quinta abordagem define saúde mental como bem-estar subjetivo. Ao invés de
enfatizar a capacidade para adaptar-se às emoções do outro e desempenhar satisfatoriamente
interações sociais, lança-se atenção ao sentimento de bem-estar subjetivo, o que vale dizer que
mais do que ausência de angústia ou desolação, a presença do contentamento e da felicidade
torna-se sinal de saúde mental. Vaillant e Vaillant (2004) preferem usar o termo felicidade no
lugar de bem-estar subjetivo, por este último encerrar ambigüidade no seu significado. E
apontam dois tipos de felicidade: a felicidade autêntica, ligada à autonomia, à capacidade de
perdoar e de estabelecer relacionamentos íntimos, bem como à auto-eficácia; e a felicidade
subjetiva, que pode ser adaptativa ou o. De qualquer modo, o bem-estar subjetivo depende,
em certa medida de fatores ambientais.
55
A sexta e última abordagem da saúde mental a define como resiliência. Vaillant e
Vaillant (2004) explicam a resiliência a partir da maneira como indivíduos enfrentam o
estresse. “... não é o estresse que mata os indivíduos, mas o domínio saudável do estresse que
permite aos indivíduos sobreviver”. Segundo eles, existem três grupos de mecanismos usados
pelo homem para lidar com situações estressantes: a procura consciente por apoio social; o
uso de estratégias cognitivas conscientes; e o uso de mecanismos adaptativos involuntários de
enfrentamento das situações estressantes (também chamados mecanismos de defesa).
Estes mecanismos adaptativos involuntários, considerados pelos autores como defesas
mentais homeostáticas ajudam o homem a lidar com mudanças abruptas: ignorando ou
desviando impulsos ou emoções que surgem inesperadamente; providenciando um intervalo
para o ajustamento mental a mudanças repentinas na realidade, as quais não podem ser
imediatamente integradas; mitigando conflitos com pessoas importantes, vivas ou mortas;
enfim, estes mecanismos possibilitam a evitação ou o melhor enfrentamento de conflitos
intrapsíquicos.
Hodgson (1996) acredita que a promoção de saúde mental deve estar voltada para os
contextos individual, social e ambiental, e sua ênfase deve recair sobre as políticas de saúde
pública. Ele define a promoção de saúde mental como “o aumento da capacidade dos
indivíduos, famílias, grupos ou comunidades de fortalecer ou manter experiências emocionais,
cognitivas e relacionais positivas” (p.2). O autor afirma categoricamente que os problemas de
saúde mental podem ser prevenidos e que a promoção de saúde mental pode ser efetiva.
Para Herrman (2001), a promoção de saúde mental e a prevenção de doenças mentais
são complementares, de extrema necessidade e não há como substituir uma pela outra. Mas os
métodos para a implementação de cada um deles são diferentes, apesar de suas atividades
serem muitas vezes sobrepostas. Os determinantes da saúde, ligados à promoção de saúde
56
mental, e os determinantes da doença, vinculados à prevenção, quando tratados
conjuntamente, fazem com que o segundo esteja inserido no primeiro.
Ela apresenta a definição de promoção de saúde da OMS como “ação e defesa do
monitoramento de toda a extensão de determinantes de saúde potencialmente modificáveis”
(p.711) e define saúde como “um estado de equilíbrio que os indivíduos estabelecem com eles
mesmos e com seu ambiente(p.710). Este equilíbrio é alcançado, para a autora, com a inter-
relação entre as dimensões mental, emocional, social, física, cultural e espiritual. Percebe-se
aqui uma definição inspirada numa perspectiva ecológica.
Dentro deste contexto, Herrman (2001) define saúde mental como “a habilidade das
pessoas para pensar e aprender, e a habilidade para compreender e viver com suas próprias
emoções e com as reações dos outros” (p.710). Apesar de apresentar conceitos bastante
didáticos e compreensíveis, a autora aponta algumas barreiras para uma definição satisfatória
de saúde mental, quais sejam: a crença de que saúde mental e saúde física têm existência
separada e que saúde e doença são mutuamente excludentes. Estas crenças fazem sentido
se baseadas num conceito de saúde como ausência de doença, noção esta abandonada
algum tempo.
Por fim, Herrman (2001) aponta fatores que promovem a saúde mental e protegem
contra a doença, os quais devem ser favorecidos enquanto objetivos da promoção e da
prevenção. Entre estes, estão: o desenvolvimento e a manutenção de comunidades saudáveis;
a habilidade de cada um para lidar com o mundo social (por meio da tolerância e da
responsabilidade mútua), e com os pensamentos e sentimentos, associados a resiliência e a
saúde física.
57
1.4.2 Psicanálise e Prevenção
O binômio que dá nome a esta seção representa uma tentativa de aproximação que está
sendo buscada neste trabalho e que é marcada pela pouca produção científica, por análises
comparativas muitas vezes difíceis de conciliar, e pelo encontro de conceitos aparentemente
incompatíveis. Este estado de coisas pode fazer crer que esta empreitada é pouco promissora,
mas a investigação científica revela-se promissora quando se alimenta mais da indagação
constante do que da cautela excessiva ou da exclusiva exploração de terrenos seguramente
estabelecidos. Aliás, como bem esclarece Motta (2002): “Produzindo pontos de tensão, não
nos furtamos às controvérsias e aos pontos de não sustentação teórica, abertos à pesquisa.
Praticar articulações sem garantias, como tudo, em Psicanálise” (p.109-110).
A extrapolação do setting clínico parece inevitável, e parte do arcabouço teórico da
psicanálise se em situação difícil, mas necessária, de experimentar novas incursões por
terrenos pouco conhecidos, de aplicar termos surgidos em contextos diversos, e como alerta
Cassorla (2001), de estar agindo para além dos limites estabelecidos pela psicanálise, o que
exige vigilância para não incorrer em atitude onipotente.
Esta aplicação da psicanálise fora dos muros da clínica não deve ser ampla e irrestrita,
numa transposição pura e simples de um modelo terapêutico. Trata-se mais do aproveitamento
dos “insumos e formas de pensar provenientes da experiência psicanalítica” como enfatiza
Portolese (2001, p.752). Assim, diferentes áreas podem ser “fertilizadas... sobretudo no
campo da prevenção nos programas de saúde mental da criança”, conclui a autora. Emde
(1988), sensível à urgência de aplicar a psicanálise no campo da prevenção, questiona: “Nós
devemos descartar nosso conhecimento acumulado da clínica sobre a importância das
58
primeiras experiências e dos anos formativos?” (Emde, 1988, p.25). O próprio autor responde:
“Acredito que não”.
A preocupação com a prevenção em saúde mental esteve presente nos escritos de
Freud, em várias passagens de seus trabalhos. Em “análise terminável e interminável” (1937),
ele chama a atenção para a necessidade de dirigir esforços na diminuição da freqüência das
repetições neuróticas, com vistas a um desenvolvimento mais adaptado à realidade.
Portolese (2001) lembra um discurso de Freud (1919[1918]) dirigido aos psicanalistas
reunidos em um congresso em Budapeste, no ano de 1918. Na oportunidade, o pai da
psicanálise lembrou os presentes que “a sociedade reconhecerá, assim, que a saúde pública é
tão ameaçada pelas neuroses como pela tuberculose”. A autora enfatiza a necessária aplicação
de esforços em medidas preventivas que conscientizem pais e trabalhadores que atendem ao
público infantil (em creches e escolas, por exemplo) quanto às necessidades e
vulnerabilidades emocionais das crianças. Esta concentração do trabalho analítico dirigido à
prevenção possibilitaria melhoras consideráveis à vida mental dos pequenos. Nesta mesma
obra, Freud (1919) apresenta seu célebre comentário: “É muito provável, também, que a
aplicação em larga escala da nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre com
o cobre da sugestão direta”. Estas palavras demonstram o reconhecimento de Freud sobre a
necessidade de que a psicanálise seja acessível ao grande público.
Difundir o pensamento psicanalítico para além da clínica também é apontado por
Cassorla (2001) como de grande utilidade em situações que envolvem seres humanos. O uso
da teoria psicanalítica, uma das três acepções do termo “psicanálise”, é a que oferece menos
dificuldades e a que espera maior desenvolvimento no terreno da psicoprofilaxia. Cogitando-
se a possibilidade de aplicar a psicanálise ao coletivo, como previu Freud, em Análise
terminável e interminável”, “... as três acepções de sua definição, ainda que válidas,
necessitam ser re-pensadas”, aconselha Cassorla (2001, p.740). É importante ressaltar que esta
59
diferenciação das acepções tem muito mais uma função didática e metodológica, e que nem
sempre é possível distinguir suas fronteiras.
Críticas dirigidas à psicanálise, profetizando sua morte, na opinião de Hoffman (2000),
decorrem de uma resistência das instituições psicanalíticas em se abrir para a exposição
pública. O caráter privativo do trabalho psicanalítico clínico concorre para uma espécie de
aversão às aplicações de conceitos em áreas estranhas às suas origens. Hoffman aconselha o
psicanalista a educar o público em geral sobre as idéias psicanalíticas, ainda que considerando
algumas conseqüências negativas tais como: interferências em aspectos transferenciais com
pacientes, violações éticas e privadas, distorções nas informações veiculadas pela imprensa,
entre outras. Porém, é difícil imaginar que isto não ocorra independente da popularização
da psicanálise ou mesmo em decorrência da resistência a ela.
A psicanálise foi gestada no espaço restrito da clínica, onde as incursões científicas
encontram barreiras quase intransponíveis; e onde o público leigo pouco encontra
compreensão e receptividade. Mesmo considerando os constantes progressos na terapêutica
psicanalítica, este espaço parece começar a “sufocar” e ameaçar a sobrevivência da
psicanálise, menos pela eficiência de suas estratégias do que pela sua abrangência e adaptação
a outros meios. Talvez fosse mais razoável supor que esta abertura, tal como é proposta neste
trabalho, e endossada pelos autores aqui citados, respeitada a ética e a coerência, seja um
meio de resgatá-la de seu movimento entrópico.
Apesar dos poucos escritos a respeito, é flagrante a divisão de opiniões entre os
trabalhos encontrados, com posições fortemente favoráveis, e objeções severas.
Rohenkohl (2002), instigada pela indagação, levanta questionamentos sobre o objeto e
objetivo da prevenção, e do tempo da prevenção em psicanálise. Ao mesmo tempo, aponta
para a limitação do prevenir, ponto em que se alcança sua impossibilidade. Para ela, o ímpeto
preventivo de chegar o quanto antes não pode ser atendido pela psicanálise, a qual deve
60
empenhar-se não em “chegar cedo”, mas em “chegar na hora”. Pois ela acredita que a ação da
psicanálise estaria condicionada a existência prévia de um incômodo. A autora explica ainda,
que a pressa de chegar antes e a “promessa de felicidade” estão ligadas à ferida narcísica de
quem cuida da criança. A psicanalista de inspiração lacaniana conclui então que, entre as
impossibilidades vinculadas à prevenção, estariam a concessão de garantias ao sujeito, a
chegada antes do incômodo e a “universalização da prevenção” (Rohenkohl, 2002, p.101). “A
prevenção primária, portanto, não funciona”, acrescenta Ripa di Meana (2001, p.102),
“porque tropeça no sujeito do inconsciente”. Por outro lado, no terreno das possibilidades, “o
que a psicanálise aponta é a necessidade de favorecer condições fundamentais para a
constituição do sujeito...”.
A idéia da imprevisibilidade do inconsciente encerra um paradoxo. Se o caráter
imprevisível das manifestações inconscientes for tomado sem ressalvas, o que significa dizer
que não qualquer possibilidade de prever o que se expressa por meio dos processos
psíquicos inconscientes, então seremos obrigados a abandonar inclusive um dos pilares da
psicanálise: a universalidade e inevitabilidade do complexo de Édipo. O relativismo implícito
no discurso dos que rechaçam a aproximação entre a psicanálise e a prevenção primária,
denuncia uma falta de rigor na aplicação deste mesmo relativismo a vários conceitos
fundamentais da psicanálise que pressupõem um mínimo de generalização e previsibilidade,
tais como: as fases de desenvolvimento psicossexuais, o surgimento do complexo de Édipo, as
características básicas do id, ego e superego, presentes em todo indivíduo, etc.
Contrariamente à opinião da não aplicabilidade da psicanálise à prevenção primária,
Hoffman (2003) defende a aplicação da psicanálise com vistas à prevenção primária e
secundária. Já Mohacsy (1983) aponta a necessidade de abordar os problemas de
comportamento precocemente, inclusive com a orientação de pais, professores e instituições
sociais no sentido de se levar em conta as reais necessidades da criança, considerando o
61
conhecimento existente sobre o desenvolvimento da personalidade. Quanto à prevenção
secundária, o mesmo aconselha o treinamento de profissionais que dão assistência à criança,
tais como pediatras e professores, para que sejam capazes de aconselhar pais no
enfrentamento de transtornos psicológicos menores. Assim, conclui Mohacsy (1983): “Se
psicólogos e psiquiatras puderem usar estas organizações para transmitir seus conhecimentos
ao público em geral, então haverá poucas crianças precisando de tratamento no futuro”
(p.270).
Não se deve desconsiderar o fato de que os conhecimentos psicanalíticos adquiridos
por meio de expedientes educativos (racionalmente) têm limitado poder de transformação,
mas que não deve ser desconsiderado, que é difícil delimitar o que é exclusivamente
assimilado pela consciência e o alcance de seus efeitos sobre o inconsciente. Assertiva
comumente declarada, de que o conhecimento adquirido desta forma não tem efeitos sobre a
dinâmica da personalidade, carece de um conceito básico freudiano, segundo o qual
comunicação constante entre os sistemas consciente e inconsciente, mesmo que para produzir
resistência ou formações de compromisso em forma de sintomas.
Apoiada no conceito de saúde primária, Motta (2002) defende uma prática de
prevenção em saúde mental que além da clínica enfocada no sintoma. A autora enfatiza a
neuroplasticidade cerebral e a participação ativa do outro até mesmo na ativação e produção
de sinapses, para sustentar a idéia de um enfoque clínico na infância inicial (de 0 a 3 anos). A
aproximação entre a Psicanálise e a Neurologia permitiu identificar este período como sendo
sensível, o que vale dizer que as experiências vividas pela criança aqui deixam marcas, mas
estas se mantêm abertas a novas configurações, dada a plasticidade do desenvolvimento tanto
cerebral quanto emocional.
O que se assiste nesta infância inicial é um constante movimento de transformação que
confere plasticidade e indefinição ao desenvolvimento psicológico. Portanto, é prematuro e
62
precipitado apresentar conclusões definitivas a respeito do caminho que será traçado pelo
psiquismo infantil até ganhar contornos mais duradouros. Pode-se apenas apontar tendências,
o que é de grande valia. Transformações constantes são observadas neste princípio, a tal
ponto que, uma estrutura patológica que se configura inicialmente, em decorrência de
experiências desestruturantes, pode ser desfeita no momento seguinte graças à outra ordem de
fatores, estes ambientais, psicossociais e ou biológicos (instintivos).
Holinger (2000) apresenta estudos sobre a eficácia da prevenção e da intervenção
precoce com base em alguns modelos teóricos de inspiração psicanalítica, e destaca os
trabalhos de Gross (1994) e de Olds (1997, 1998), os quais mostram que há a possibilidade de
mudar a estrutura do caráter de bebês e crianças a partir de intervenções preventivas. Holinger
(2000) destaca ainda, que devem ser desenvolvidas pesquisas que ajudem a elucidar questões
cruciais, tais como o papel do processo de internalização e das intervenções ambientais na
construção do mundo interno.
Assim, podemos falar numa necessária atitude hipotética constante, um
posicionamento mental aberto, pronto para refazer hipóteses, em busca de outras mais
próximas da realidade que se observa; uma crença profunda na capacidade de adaptação do
aparelho mental e em sua flexibilidade; uma aceitação do dinamismo como característica
básica do funcionamento mental.
Mas pensar na prevenção traz à tona reflexões sobre a idéia de normalidade, de um
ideal a ser buscado. Aqui, aumentam as complicações, tendo em vista que, em psicanálise,
falar em prevenção aplicada à saúde mental o implica numa busca por um estado ideal.
Ainda mais quando a idéia de normalidade é alvo de tantas controvérsias.
Em um de seus últimos e relevantes escritos, “Análise terminável e interminável”,
Freud (1937) faz uma reflexão sobre o alcance e as limitações da análise, e apresenta algumas
idéias sobre seus benefícios. Em certa medida, suas observações a este respeito ajudam a
63
compreender sua opinião sobre o conceito de normalidade. O amansamento” das forças
instintivas, em especial o instinto de morte, pelo fortalecimento das funções egóicas, explica
para Freud, de modo simplista, o funcionamento psíquico normal”. Mas o êxito desta
empreitada dependerá da força do instinto. Freud (1937) relativisa os resultados desta difícil
tarefa:
A experiência cotidiana, contudo, nos ensina que, numa pessoa
normal, qualquer solução de um conflito instintual só é válida para
uma força específica de instinto, ou, mais corretamente, para uma
relação específica entre a força do instinto e a força do ego. Se a força
deste diminui, quer pela doença, quer pela exaustão, ou por alguma
causa semelhante, todos os instintos, que até então haviam sido
amansados com êxito, podem renovar suas exigências e esforçar-se
por obter satisfações substitutivas através de maneiras anormais.
Temos aqui um reconhecimento explícito de que haverá sempre limites na tarefa de
resgatar um funcionamento mental satisfatório perdido (remediação), ou de facilitar seu
surgimento e manutenção (promoção e prevenção). De qualquer modo, a normalidade, ainda
que um ideal inatingível para Freud, esta certamente ligada a um esforço constante de
submeter partes do id e sintetizá-las com o ego, num aumento gradativo de influência do
processo secundário sobre o processo primário. Ao explicar a missão da análise, Freud
(1937), de certa forma, expõe o que poderia ser considerada a tarefa preventiva de inspiração
psicanalítica:
Nosso objetivo não será dissipar todas as peculiaridades do caráter
humano em benefício de uma ‘normalidade’ esquemática, nem
tampouco exigir que a pessoa que foi ‘completamente analisada’ não
sinta paixões nem desenvolva conflitos internos. A missão da análise é
garantir as melhores condições psicológicas possíveis para as funções
do ego.
64
Ogden (1992), citado por Lisondo (2000), lembra que a vida mental é o interjogo entre
aspectos conscientes e aspectos dinamicamente inconscientes. A não aceitação desta
dimensão inconsciente empobrece a visão de saúde mental e estreita a compreensão sobre os
elementos constitutivos da mentalidade humana. Ao admitir a dimensão inconsciente, abri-se
a possibilidade de novas reflexões sobre o conceito de normalidade.
A dor psíquica, tanto quanto o sofrimento decorrente de transações entre nossas
instâncias psíquicas e a realidade externa, não perde seu lugar num espaço denominado saúde
mental. “O mal estar é de origem... Assim, prevenção leva em conta que o transtorno humano
é de origem” (Motta, 2002, p. 113).
Muito se discute atualmente sobre a possibilidade de aumentar o número de
beneficiados com os achados psicanalíticos. Cogita-se inclusive a possibilidade de ampliar o
alcance da psicanálise a grandes populações, através do vértice da abordagem preventiva.
Tendo em vista esta ampliação, Kusché (2002) desenvolveu e aplicou no ambiente
escolar um programa inspirado em princípios psicanalíticos intitulado PATHS (Promoting
Alternative Thinking Strategies). A pesquisadora utilizou um currículo compreensivo, a ser
aplicado pelos professores com alunos no período de latência, na sala de aula. Entre os
objetivos propostos, destacam-se: melhorar competências sociais, aliviar e prevenir
transtornos emocionais e problemas de comportamento, reduzir fatores de risco e promover
um desenvolvimento ótimo. As demandas sociais atuais, segundo Kusché (2002) exigem o
desenvolvimento de uma espécie de competência emocional, o importante de ser explorada
na escola quanto saber ler, escrever e calcular.
Apesar do risco que esta proposta traz, o mesmo deve ser assumido sob pena de
confinarmos cada vez mais o arcabouço psicanalítico com a pretensão de resguardá-lo.
Confinado desta forma, serviria em especial às elucubrações de poucos iniciados, sabedores
dos mecanismos ocultos que nos governam, como quem observa em um silêncio mórbido (e
65
talvez sádico), as manifestações de um inconsciente que pede significação e intervenção.
Silêncio disfarçado de respeito e sabedoria, e que esconde, muitas vezes, desejos narcísicos de
fazer parte de uma minoria privilegiada (“eu sei o que você não sabe a seu respeito e não vou
lhe contar”). A aplicação da psicanálise a campos estranhos à clínica traz riscos? Claro que
sim. Mas não maiores que seu confinamento ao universo profundo, mas restrito, da clínica.
Afinal, o risco é algo permanente na prática psicanalítica.
1.4.3 Psicanálise e Educação
Escritos psicanalíticos desde sua origem foram dedicados à tarefa de analisar a
educação e seu papel na formação da personalidade. Apesar da atitude crítica em relação à
educação escolar e familiar, considerando-as em muitos de seus variados modelos, produtoras
de subjetividades empobrecidas e submetidas, o próprio Freud empenhou-se em vários
trabalhos na apreciação do assunto. O interesse despertado pela temática da educação
dominou parte de seus estudos. Inclusive uma de suas principais experiências clínicas, o caso
do pequeno Hans (Freud, 1909), baseou-se em orientações dadas ao responsável, pai da
criança, sobre atitudes educativas mais adequadas ao desenvolvimento e recuperação do
pequeno paciente.
Neste trabalho de 1909, lembra Barros (1996), Freud aponta para a possibilidade de se
utilizar uma educação inspirada nos achados da psicanálise sobre o comportamento infantil,
favorecendo o desenvolvimento do potencial criativo da criança e agindo profilaticamente
sobre as inibições neuróticas. Nesta fase inicial de sua obra, a psicanálise e a pedagogia
estavam mais próximas. O que Freud chama de uma educação psicanaliticamente orientada se
66
aproxima de uma proposta psicoprofilática com base nos achados da psicanálise. Isto difere
radicalmente da educação infantil tradicional baseada na repressão sexual e nas doutrinas
religiosas, esta incapaz de garantir um desenvolvimento mental saudável, a seu ver.
Em seu trabalho de 1911, “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento
mental”, Freud define a educação, de forma sucinta, como um processo de controle sobre o
princípio do prazer e desenvolvimento do princípio da realidade.
Ao falar sobre o interesse educacional da psicanálise, Freud (1913a) mostra as
descobertas trazidas pelos estudos psicanalíticos sobre o desenvolvimento psicossexual da
criança (o complexo de Édipo, o narcisismo, a disposição para as perversões, o erotismo anal,
a curiosidade sexual, etc.), pouco compreendidos pela mente adulta. Demonstrando sua crença
na prevenção, ele afirma: “Tudo o que podemos esperar atulo de profilaxia das neuroses no
indivíduo se encontra nas mãos de uma educação psicanaliticamente esclarecida (Freud,
1913a).
No mesmo ano de 1913, Freud (1913b) volta a falar sobre a benéfica relação entre a
psicanálise e a educação em nome de propósitos profiláticos. Em seus comentários sobre a
obra de Pfister, o qual escrevia com o intuito de familiarizar educadores com o conhecimento
psicanalítico, Freud fala da importância de colocar a psicanálise a serviço da educação, em
benefício das gerações futuras. Ele faz uma análise comparativa interessante entre os esforços
terapêuticos e da educação. Em relação à última, ele explica que o objetivo é evitar que
algumas disposições inatas causem danos ao próprio sujeito ou a sociedade; no caso da
primeira, ela é acionada para lidar com as conseqüências indesejáveis, em forma de sintoma,
que afetam o indivíduo quando as forças instintivas fogem ao controle. Uma terceira
possibilidade, mais daninha, é a formação de personalidades perversas. “A educação constitui
uma profilaxia, que se destina a prevenir ambos os resultados tanto a neurose quanto a
perversão”, arremata Freud (1913b).
67
Assim, ao se questionar sobre a possibilidade de usar a psicanálise para fins
educativos, Freud (1913b) faz comentários que apontam tanto para uma prevenção primária
quanto para uma prevenção secundária:
O educador, por um lado, estaria preparado, por seu conhecimento das
disposições humanas gerais da infância, para julgar quais dessas
disposições ameaçam conduzir a um desfecho indesejável; e, se a
psicanálise pode influenciar o curso tomado por tais
desenvolvimentos, poderia aplicá-la antes que os sinais de um
desenvolvimento desfavorável se estabeleçam. Assim, com o auxílio
da análise, ele poderia ter uma influência profilática na criança,
enquanto esta ainda é sadia. Por outro lado, poderia detectar as
primeiras indicações de um desenvolvimento, na direção da neurose e
resguardar a criança contra o seu desenvolvimento ulterior, numa
época em que, por diversas razões, uma criança nunca é levada ao
médico.
Os termos antes e primeiras mostram a crença inequívoca de Freud sobre a
possibilidade de lançar mão da psicanálise de forma preventiva, mesmo que através da
análise.
Com o avanço da primeira guerra mundial, Freud (1915c) escreve sobre os
sentimentos de desilusão despertados pelas atrocidades cometidas pelos indivíduos e pelo
estado. Sua opinião sobre a educação e a eficácia no que se refere ao controle ou sublimação
dos impulsos instintivos elementares torna-se mais cautelosa. Ele pondera que a busca
incessante pela satisfação das necessidades primárias muitas vezes deixa o homem refém de
seus próprios instintos, por mais que a educação tenha se esforçado em domar as tendências
inatas. Aqui parece ser observada uma espécie de digressão no pensamento otimista de Freud
a respeito dos efeitos profiláticos da aplicação da psicanálise na educação.
Num trabalho posterior (“Os caminhos da formação dos sintomas”), Freud (1917)
aumenta suas restrições ao esforço do trabalho preventivo. A investigação sobre o caminho da
formação dos sintomas confirmou a importância das experiências infantis como sendo o
terreno sobre o qual se constrói a maioria dos sintomas. Esta certeza incentivou uma série de
68
recomendações de proteção às vivências infantis. Freud questionava esta proteção alegando
que a causa dos sintomas era complexa, não sendo reduzida a um único fator, e que o fator
constitucional tornava impotentes as medidas protetivas. Conclui deste modo:
Assim, continua sendo extremamente duvidoso saber até onde a
profilaxia na infância possa ser executada com vantagens, e se uma
modificação de atitudes para com a situação imediata não poderia
oferecer um melhor ângulo de abordagem à prevenção das neuroses
(Freud, 1917).
A oscilação na posição de Freud sobre as aplicações da psicanálise na prevenção deixa
dúvidas quanto a sua real opinião sobre o assunto. De forma bastante vaga, ele volta a colocar
em debate o alcance da psicanálise sobre a psicoprofilaxia, enquanto comentava as obras de
Otto Rank, Theodor Reik e o Doutor Pfister. “... os limites de sua influência ainda não estão à
vista”, afirma Freud (1923[1922]).
Freud (1926) volta a fazer uma defesa explicita da união entre a psicanálise e a
educação com propósitos profiláticos quando escreve “A questão da análise leiga”. Neste
trabalho ele defende um tratamento às crianças acometidas com sintomas neuróticos que
combine influência analítica com medidas educacionais. Como resultado desta combinação,
dois efeitos desejados ocorreriam: a eliminação dos sintomas e a reversão da tendência em
direção à mudança de caráter.
O esforço em tornar o ser humano, essencialmente instintivo, um ser civilizado, está
entre os maiores desafios da educação e dos profissionais e instituições a ela ligados, na
opinião de Freud.
Em seus escritos sobre a etiologia das neuroses, no início de sua trajetória teórica,
Freud aponta para a necessidade do investimento de energia do psicanalista na profilaxia,
dada a condição de incurabilidade de algumas formas de neurose, segundo sua posição.
69
Freud (1930) retoma o valor relativo dos esforços para se prevenir o sofrimento e a
doença psíquicos em “O mal estar na civilização”. A cada novo escrito que carrega seu
pessimismo diante dos caminhos da humanidade, ele parece retroceder de sua esperança nas
aplicações preventivas da psicanálise. As dificuldades do homem em encontrar a felicidade
decorrem de três fontes de sofrimento, explica Freud: o poder da natureza, a fragilidade dos
corpos e a inadequação das regras sociais. Como não se pode fazer muito para anular as
adversidades decorrentes das duas primeiras fontes, Freud passa a ponderar sobre as
possibilidades de atuação sobre a terceira. A humanidade não aceita o fato incontestável de
que os meios sociais utilizados para evitar o sofrimento não tenham alcançado êxito.
Retomando seu relativismo, Freud (1930) afirma:
Contudo, quando consideramos o quanto fomos malsucedidos
exatamente nesse campo de prevenção do sofrimento, surge em nós a
suspeita de que também aqui é possível jazer, por trás desse fato, uma
parcela de natureza inconquistável dessa vez, uma parcela de nossa
própria constituição psíquica.
Em “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise”, Freud (1933) aponta o
benefício que vi da influência da psicanálise sobre a educação das crianças, como uma
alternativa aos modelos repressores que preconizam a supressão das forças instintivas.
Retomando um discurso otimista sobre o tema da aplicação da psicanálise à educação, Freud
(1933) afirma: Devo mencioná-lo porque é da maior importância, é o pleno de esperanças
para o futuro, talvez seja a mais importante de todas as atividades da análise”. É retomada a
discussão sobre a importância das primeiras experiências da infância e a necessidade de evitar
as situações traumáticas que conduziriam a criança a um desenvolvimento neurótico limitante
ou psicótico: “O reconhecimento de que a maioria das nossas crianças atravessa uma fase
neurótica no curso desenvolvimental impõe medidas de profilaxia” (Freud, 1933).
70
Ainda que reconhecendo a necessidade da implementação de medidas profiláticas,
Freud impõe restrições ao uso inconseqüente da psicanálise para fins educacionais. Aborda o
papel fundamental do educador enquanto adulto que deve estar qualificado para lidar com a
individualidade de cada criança, ser intuitivo o suficiente para compreender o que se passa na
mente infantil e ainda mesclar quantidades suficientes de amor e autoridade. Neste sentido,
como aconselha Barros (1996), a educação deve buscar um ponto de equilíbrio entre a não
interferência e a frustração. Assumindo uma posição de defesa da educação
psicanaliticamente orientada, portanto da prevenção primária, Freud (1933) sugere que a
formação psicanalítica de educadores teria efeitos mais satisfatórios do que a própria análise
das crianças.
Este equilíbrio vem sendo buscado desde os primórdios da psicanálise de crianças.
As célebres discussões públicas entre Anna Freud e Melanie Klein revelavam esta difícil
aproximação entre psicanálise e educação.
Em 1927, Klein apresenta seus argumentos contrários às recomendações de Anna
Freud (1927), feitas no ano anterior, sobre a técnica de análise de crianças. As principais
controvérsias giravam em torno da capacidade ou não da criança de estabelecer uma neurose
de transferência, da fragilidade de seu superego e da profundidade das interpretações. Klein
criticava a orientação pedagógica sugerida por Anna Freud no tratamento de crianças,
enquanto Anna Freud acusava Melanie Klein de expor as crianças a situações arriscadas, dada
a fragilidade do aparelho psíquico infantil. Vale ressaltar que as objeções de Klein
restringiam-se à situação analítica, sendo prematuro, portanto, asseverar que ela se opunha a
qualquer aplicação da psicanálise com objetivos educacionais e preventivos.
Porém, parece que o equilíbrio tão almejado ainda não foi alcançado. Lisondo (2000),
alerta para uma tendência atual em se desvalorizar a experiência emocional e a própria
existência do inconsciente. “A tentação do cientificismo positivista segue na prática, um
71
simples behaviorismo reflexológico, no mais lato senso, a Pavlov” (Lisondo, 2000, p.90),
critica a autora.
Em um de seus últimos trabalhos, “Análise terminável e interminável” sabedor da
difícil tarefa de educar, Freud (1937) lista três “profissões impossíveis”, condenadas a
acumular resultados insatisfatórios: a profissão de governar, analisar e educar. Mesmo diante
dos insucessos do analista, o pai da psicanálise nunca abandonou a idéia de que este ofício é
promissor e necessário. Da mesma forma, o governar não pode ser abandonado, apesar das
inúmeras frustrações, em especial em nosso meio. A tarefa de educar, entre as
impossibilidades apontadas, igualmente deve manter-se em curso, em detrimento de sua
limitação. Assim como na análise, apesar de impossível, educar continua imprescindível.
Segundo Eizirik (1998), citado por Lisondo (2000): “... nossa chave (a psicanálise) já
foi usada para abrir muitas portas, mas mil outras esperando por nós. A educação é uma
das portas a ser aberta com humildade. Encontrar uma maneira é nosso desafio” (p.100).
1.4.4 A Infância e o Infantil em Psicanálise
O título desta seção pode parecer redundante. Pode-se ponderar que falar de criança é
falar do que é próprio do infantil e da infância. Que fazer distinções aqui não tem utilidade
teórica ou prática. Mas existe uma distinção básica a ser considerada, apenas perceptível a
partir de meados do século passado.
A criança, este ente social recentemente percebido e conhecido, sempre suscitou
dúvidas, confusões, distorções e projeções. Na esteira das descobertas acumuladas no último
século sobre a criança, foi-se construindo uma concepção mais refinada da infância, capaz de
72
esclarecer distinções antes ignoradas e inaugurar novos olhares sobre as peculiaridades do
desenvolvimento psíquico durante este período crucial da vida.
Na é exagero destacar que distinguir infantil de infância é evidenciar as mudanças na
maneira de ver a criança. A igualação entre infantil e infância encerra uma concepção que
desconsidera os efeitos das experiências infantis, em seus contextos sócio-afetivos; enquanto
marcar esta diferença, pressupõe a percepção de uma quase indivisibilidade entre experiência
anterior e vivência atual. A interação entre o vivenciado no presente e o experimentado no
passado é constante e indissolúvel. Abordar esta interação é evidenciar o atemporal como
característico do psiquismo humano. Ou melhor, é apontar uma temporalidade específica da
experiência afetiva.
O esclarecimento deste debate deve passar pela conceituação de infância e de infantil.
A infância, período específico da vida, baseado em critérios temporais, representa uma faixa
etária recentemente descoberta e reconhecida. Estudos feitos por Aries (1978) mostram que
até antes do século XVII, a criança era vista como uma espécie de adulto em miniatura. O
reconhecimento da infância é recente na história da humanidade.
Bandarovsky (1996) separa em três períodos a evolução das concepções sobre a
infância: um primeiro, que engloba a época medieval e a Renascença, onde não havia nenhum
sentimento de infância, se comparado com o que temos hoje; um segundo, que vai do século
XVII até o início do século XX, quando a criança ganha um lugar e uma individualidade; e
finalmente o período iniciado com o século XX, quando surge o que a autora chama de
“criança da psicanálise”, marcando a inauguração de um olhar peculiar sobre a infância. Pode-
se supor que é desta noção de criança da psicanálise que surge a diferenciação entre o infantil
e a infância.
A cronologia é superada pela psicanálise, na busca de especificidades no infantil e na
criança (Mrech, 2002). Freud, ao unir sexualidade e criança, descrevendo uma sexualidade
73
infantil, faz emergir uma representação de criança dinamicamente presente em cada um de
nós, ao invés de uma criança estática encerrada em si mesma (Bandarovsky, 1996). Assim, a
infância pode até acabar, mas o infantil permanece como elemento interiorizado (Green,
1979).
Mas quem é esta criança da psicanálise? A esta indagação, Freud esclarece se tratar da
criança que está presente no adulto, que busca prazer movida pelos impulsos libidinais, mas
que destrói impulsionada pela pulsão de morte, e que se mantém incansavelmente em busca
daquele primeiro objeto, alvo de seus amores e ódios, acrescentaria Klein.
Para Bleger, citado por Barros (1996), o infantil é o objeto de interesse da psicanálise,
tanto de adulto quanto de criança. Mas para ele, apesar de identificar e explorar o infantil,
Freud tomou a criança como seu sinônimo. Assim, a “criança da psicanálise” é o que é
descrito aqui como infantil, enquanto a criança da psicologia do desenvolvimento relaciona-se
com o que se considera aqui infância.
O abandono da teoria da sedução por Freud nos revela mais sobre a relação entre
infância e infantil em psicanálise. Enquanto influenciado pela teoria da sedução, via o trauma
como um acontecimento concreto ocorrido primordialmente na infância. Ao se referir ao
trauma psíquico, com o abandono da teoria da sedução, Freud nos revela um modo infantil de
encarar os acontecimentos, uma interpretação da realidade baseada em conflitos psíquicos
inconscientes, uma mistura que marca a subjetividade de cada um como uma impressão
digital: única, individual e identificatória.
Desta forma, um abandono gradativo também da concepção de infantil como etapa
de desenvolvimento, generalizável a todas as crianças e culturas como algo comum (Mrech,
2002). O ponto de vista estrutural abre caminho para um olhar sobre o homem enquanto ser
singular, que vive suas experiências de modo específico e que é constantemente influenciado
por sua história de vida.
74
Na opinião de Peterfreund (1978), esta concepção de psiquismo como algo único do
homem, presente na metapsicologia psicanalítica, surgiu às custas de uma “adultomorfização”
da infância. Ao invés de estudar o bebê a partir do ponto de vista de seu próprio mundo,
prevaleceria o ponto de vista do adulto. Isto, segundo o autor, deve-se basicamente ao fato de
que a psicanálise construiu sua compreensão do psiquismo infantil a partir da análise de
adultos, muito mais do que da observação direta de bebês. Ainda segundo sua crítica, o
pensamento psicanalítico apresentaria uma tendência em encarar estados normais da infância
precoce como base hipotética para estados psicopatológicos posteriores.
A visão psicanalítica da infância será sempre retrospectiva, na opinião de Carstairs
(1992), já que o tratamento psicanalítico depende de uma troca verbal e o bebê não pode falar.
Citando Stern (1985) e Emde (1988), ela descreve uma discrepância entre a visão de infância
extraída da experiência clínica (o bebê clínico) e a que resulta da observação direta (o bebê
observado).
Peterfreund (1978) resume assim sua crítica à metapsicologia psicanalítica, que mais
se assemelha a uma descrição da metapsicologia freudiana inicial: Em suma, a
metapsicologia psicanalítica é uma teoria fundamentalmente pré-darwiniana, 18centista,
vitalista e hidrodinâmica, que invoca um homúnculo o ego como conceito explicativo
central” (p.437).
Os avanços da psicanálise parecem não carregar estes problemas. A reformulação de
alguns conceitos psicanalíticos contribuiu para uma maior aproximação da realidade psíquica
do bebê, em especial graças às contribuições de Melanie Klein.
Em Klein, a dimensão histórica está sempre acompanhada das dimensões dinâmica e
estrutural. Cintra e Figueiredo (2004) apontam a necessidade de distinguir no pensamento
kleiniano os conceitos de infância e infantil. As teorias de Melanie Klein operam, segundo os
autores, sobre a dimensão do infantil, o que significa realizar articulações entre o infantil e o
75
psiquismo em qualquer idade, e isso implica transitar... pelos meandros das questões
filosóficas relativas ao tempo, ao além do tempo e ao sem tempo” (Cintra e Figueiredo, 2004,
p.55).
Enquanto o infantil é durável e significador das experiências, a infância marca apenas
sua inauguração. A criança é um sujeito cronológico, enquanto o infantil é um sujeito
psíquico.
1.4.5 O Modelo Kleiniano
Descrições atuais sobre o recém-nascido apontam para um ser ativo, que interage
desde o princípio e que apresenta um aparelho perceptivo bem mais sofisticado do que jamais
se imaginou. Este bebê, que emerge das pesquisas modernas e dos discursos científicos,
aproxima-se cada vez mais do bebê descrito já no final da década de 20 do século passado por
Melanie Klein.
Inúmeros dados estatísticos, emanados de estudos recentes, não deixam dúvidas
quanto às capacidades presentes no momento do nascimento ou que se desenvolvem a
partir dele no bebê. Visão, audição, paladar e olfato mais aguçados (Cernoch & Porter, 1985;
Haith, Bergman & Moore, 1977; Kuhl et al., 1992) habilidades sociais bem estabelecidas,
capacidade cognitiva em franco funcionamento (Piaget, 1967, 1993), memória ativada
(Hayne, Rovee-Collier & Borza, 1991). A única exceção é a motricidade, obviamente
bastante rudimentar. A descrição de um ser considerado indiferenciado ao nascer não encontra
sustentação; muito menos a idéia de uma indiferenciação entre sujeito e ambiente. Como bem
revela Mohacsy (1983): “O quadro que emerge não é de uma fusão de uma ‘unidade dual’,
76
mas uma verdadeira díade, a criança e a mãe cada um dando deixas e condicionando o
comportamento do ‘outro’” (p.272).
Os avanços tecnológicos nas neurociências serviram para dar maior legitimidade e
credibilidade ao que havia sido intuído sobre a atividade psíquica do recém-nascido por
Klein.
Por meio de levantamentos detalhados que objetivavam conhecer as motivações do
comportamento humano, Emde (1988) mostrou que o bebê nasce com uma espécie de
“agenda desenvolvimental” voltada para a atividade, o que vale dizer que o homem é por
natureza um ser que tem uma tendência para a atividade. Sua interação com o ambiente se
segundo tendências pré-determinadas. Isto não invalida, é claro, toda a riqueza de interações
com o ambiente, que têm influência direta sobre o desenvolvimento mental. A auto-regulação,
um segundo motivador básico, garante uma espécie de equilíbrio interno, já bem conhecido na
Biologia como homeostase, e que estaria presente nos sistemas comportamentais. Um outro
motivador do comportamento, uma espécie de habilidade social para a adaptação (‘social
fittedness’), prepara o bebê para participar com desenvoltura, desde o princípio, das interações
humanas. Um quarto motivador básico do comportamento diz respeito a uma propensão para
monitorar a experiência de acordo com sua qualidade prazerosa ou desprazerosa. “Estes
princípios motivacionais são inatos, universais e operativos durante a vida”, conclui Emde
(1988, p.31).
A simples apresentação destes dados autoriza a escolha do modelo kleiniano como
adequado para a discussão em questão neste trabalho, e o coloca como surpreendentemente
atual. A visão de homem, de natureza humana, contempla boa parte do que aqui se discute
sobre as condições do bebê ao nascer.
As contribuições de Melanie Klein começaram por uma fidelidade ao pai da
psicanálise, mas logo assumiram uma independência e originalidade que autorizavam o
77
nascimento de uma teoria autônoma. Este nascimento certamente contou com a decisiva
influência de Sandor Ferenczi, o precursor e inspirador dos primeiros trabalhos de Klein.
Barros (1996) aponta esta filiação do pensamento teórico de Klein, enfatizando alguns
aspectos notadamente presentes, tais como: a centralidade das emoções, que organizam e dão
significado aos acontecimentos psíquicos; a onipresença das fantasias inconscientes; a
simbologia presente no jogo e no comportamento nas sessões de análise; e a importância da
interpretação transferencial.
Segundo Mezan (1993), Ferenczi foi pioneiro ao dar especial atenção à forma como o
comportamento do paciente aparece na sessão. Certamente, esta ênfase influenciou a teoria de
Klein. Atenta às variações do comportamento, ela preocupava-se mais com a maneira como a
pessoa percebe, deseja e sente e os significados extraídos destas experiências. Por esta razão,
segundo Mackay (1981), a teoria kleiniana seria uma teoria fenomenológica, por se preocupar
menos com as causas do que com os efeitos.
A centralidade das emoções, na opinião de Stein (1990), ao modelo kleiniano uma
originalidade marcante. Os sentimentos não são vistos como surgindo secundariamente ao
trauma. Os sentimentos e as emoções surgem primariamente e requerem o uso de mecanismos
defensivos diversos, os quais estariam presentes em várias psicopatologias, caso alcançassem
níveis elevados. Assim, são os sentimentos que promovem ou obstruem o desenvolvimento,
para a autora.
No que tange às fantasias inconscientes, suas vinculações com os sentimentos são
estreitas. Para Isaacs e Riviere, citados por Stein (1990), as fantasias contam a história de um
sentimento ou de uma sensação. Mas elas podem ser inferidas fenomenologicamente, não
sendo possível percebê-las através de uma observação direta do comportamento (Carstairs,
1992). Ainda assim, Klein atribui às fantasias um lugar central e um início precoce. Em seu
trabalho sobre o desmame, de 1936, ela já mostra o valor atribuído à fantasia:
78
Creio que essa é a atividade mental mais primitiva e que as fantasias
estão na mente do be quase desde o nascimento. Aparentemente,
todo estímulo recebido pela criança imediatamente gera a fantasia...
(Klein, 1936, p. 332).
Apesar do caráter fantástico das fantasias produzidas pela mente do bebê e que
distorcem a realidade, elas são experimentadas como reais e vívidas.
Bianchedi (1988) mostra as inovações trazidas pela escola kleiniana, das quais
destacam-se: a) a existência de um ego que estabelece relações de objeto desde o início da
vida, que experimenta ansiedade e que desenvolve mecanismos de defesa primitivos; b) o
funcionamento mental sendo estruturado pelos mecanismos de identificação projetiva e
introjetiva; c) um conceito de mundo interno que deriva de fantasias inconscientes, as quais
são influenciadas pelas relações de objeto; d) a proposição de uma teoria das posições
(esquizo-paranóide e depressiva) que dá grande ênfase às ansiedades psicóticas no
funcionamento mental por toda a vida; e) um ponto de vista diferente sobre o instinto de
morte e suas vicissitudes, dando origem a conceitos fundamentais como o da inveja primária.
A obra de Melanie Klein foi forjada no decorrer de um percurso intelectual marcado
por uma fidelidade inicial a Freud, e seguida de uma originalidade ímpar. Para Simon (1986),
Klein foi quem mais contribuiu para o desenvolvimento da psicanálise, depois de Freud.
Apesar de se considerar como uma freudiana e de encarar seus escritos como um
desenvolvimento natural a partir das idéias de Freud, já que recorria constantemente à obra do
pai da psicanálise, sua teoria foi atacada e ela mesma considerada como rival de Freud
(Mackay, 1981).
O’Shaughnessy (1982) divide a obra de Klein em três estágios: no primeiro, ela inclui
vários artigos derivados das observações lúdicas e que apresentam uma técnica de análise de
crianças. Estes trabalhos foram reunidos no livro The psychoanalysis of Children, de 1932.
79
Aqui, são confirmadas por Klein algumas descobertas de Freud sobre as fantasias
inconscientes, mas ela acrescenta ainda a presença marcante da ansiedade e do sadismo. Além
disso, altera a escala temporal do desenvolvimento, ao apontar relações de objeto desde o
início da vida, ao antecipar o surgimento do complexo de Édipo, influenciado por impulsos
pré-genitais, e finalmente ao apresentar um superego primitivo e aterrorizante, presente
desde as primeiras relações de objeto, o que causou grande polêmica na comunidade
psicanalítica da época. Num segundo momento, chamado de intermediário pela autora, Klein
apresenta sua teoria do desenvolvimento mental. Distanciando-se da progressão por fases
psicossexuais sucessivas, modelo freudiano, ela defende a progressão das relações de objeto,
com os impulsos, ansiedades e defesas decorrentes. As relações de objeto se desenvolveriam
não através de fases, mas de posições. Klein descreve primeiro a posição depressiva, a
segunda a aparecer. Por fim, no chamado terceiro estágio, Klein volta-se mais ainda para o
desenvolvimento mental primitivo, e apresenta a posição esquizo-paranóide, detalhando a
influência dos impulsos agressivos. Termina por lançar a teoria da inveja primária e sua
relação com o sentimento de gratidão.
Enquanto Freud apoiava-se num modelo mecanicista, movido pela ânsia de tornar suas
proposições mais de acordo com moldes científicos, em especial nos seus primeiros escritos,
Melanie Klein ateve-se à finalidade de compreender os fenômenos psíquicos, sem muita
preocupação com um status científico, o que aproximou sua teoria das ciências humanas
(Bianchedi, 1988). Freud por sua vez, tentou manter-se mais próximo das ciências naturais,
por meio das explicações econômicas (os investimentos de energia libidinal), topográficas
(consciente, pré-consciente e inconsciente), dinâmicas (o interjogo das forças instintivas) e
estruturais (id, ego e superego).
Mackay (1981) ressalta o caráter fenomenológico da teoria kleiniana, que corresponde
à visão de homem das ciências humanas, em contraste com o modelo mecanicista de Freud
80
(com conceitos energéticos e estruturais e pontos de vista dinâmicos e econômicos), em
especial em seus primeiros escritos, mais próximos das concepções das ciências naturais. Mas
ressalta o autor que o pensamento kleiniana “... emprega a terminologia da teoria estrutural
freudiana, com suas várias conotações mecanicistas” (Mackay, 1981, p.196).
Para Davidovich (1982), um dos grandes méritos de Melanie Klein foi ter ampliado a
aplicação dos conceitos de inconsciente e transferência, estendendo os limites de atuação da
psicanálise. As fantasias inconscientes estariam presentes nos processos mentais desde a
primeira interação do bebê com a mãe e as funções corporais teriam íntima relação com os
significados extraídos pelo mesmo, das experiências (Klein, 1952a).
O uso feito por Klein para o termo “inconsciente”, segundo Mackay (1981),
corresponde à última noção dada por Freud ao termo, ou seja, não como uma estrutura ou
sistema, mas como uma forma de descrever a qualidade dos sentimentos e fantasias, que
podem ser conscientes ou inconscientes. Mackay explica ainda, que Klein demonstra mais
interesse nos efeitos do id sobre a mente do que na origem dos instintos. Além disso, ego e
self por vezes ganham status de equivalência, mas prevalece o sentido psicológico do termo
self como um constructo que abrange o ego e o id.
Com a publicação do caso Dick, Klein (1930) abre caminho para a viabilização de
uma verdadeira psicanálise de crianças e de psicóticos. Mas não via uma oposição
exclusivamente qualitativa entre saúde mental e doença.
Kavaler-Adler (1993) apresenta o modelo kleiniano como fundamental e único, por
integrar os aspectos processuais e conflitivos da mente humana. A autora explica que “Os
movimentos progressivos no sentido da posição esquizo-paranóide em direção à posição
depressiva, com as oscilações, formam parte do aspecto processual da teoria kleiniana”
(Kavaler-Adler, 1993, p.188).
81
O conflito, presença constante no acontecer psíquico, não é encarado como indicador
de processo patológico, mas constitutivo do ser humano e fundador de sua personalidade.
Enquanto para Freud os impulsos teriam uma existência isolada (como impulsos físicos), para
Klein eles estavam sempre relacionados a objetos internos e dirigidos a objetivos construtivos
e destrutivos (Kavaler-Adler, 1993), caracterizando a condição conflitiva.
A continuidade psíquica, presença marcante na obra de Melanie Klein, foi abordada
em vários trabalhos (Klein, 1921; 1923a; 1923b). O acontecer psíquico é marcado pela
história do sujeito, num processo contínuo. O desenvolvimento psíquico segue uma lógica
baseada na experiência subjetiva do sujeito.
A maneira de encarar a ansiedade, sua etiologia e função no desenvolvimento mental,
ajuda a esclarecer as particularidades do modelo kleiniano e suas semelhanças e diferenças em
relação ao modelo freudiano. Também ajuda a esclarecer esta condição conflitiva como
elemento estruturador.
A ansiedade foi encarada a princípio por Klein como inibidora das capacidades, para
depois assumir a condição de propulsora do desenvolvimento mental (Stein, 1990) e sempre
significativa (Carstairs, 1992). Freud asseverava que a função primária da ansiedade estava
ligada à auto preservação e, mais tarde, à proteção do ego. A presença da ansiedade
desencadearia no ego mecanismos defensivos voltados para a proteção contra perigos internos
e/ou externos. Assim, o fortalecimento do ego seria inversamente proporcional à presença da
ansiedade. Klein, por sua vez, enfatizava mais a capacidade do ego para tolerar ansiedade do
que a presença ou ausência da mesma. Desta forma, a normalidade para Freud é alcançada
quando a ansiedade é reduzida a quantidades mínimas (Freud, 1933), enquanto para Klein,
não é a quantidade (ainda que importante) que determina a normalidade, mas a qualidade da
ansiedade. O ego saudável tolera, distribui e modifica a ansiedade (Bianchedi, 1988).
82
Em “Inibições, sintomas e angústias”, Freud (1926a) apresenta sua idéia de que a
ansiedade, que antes era considerada como resultante de libido acumulada, desencadeia no
ego o processo de repressão.
Assim, o funcionamento mental é visto de forma fundamentalmente diferente por
ambos os autores. Freud enxerga na vida mental uma tendência para o equilíbrio com uma
busca constante por redução de tensão a um nível ótimo ou mínimo (ponto de vista
econômico). para Klein o princípio regulador da vida mental é a organização, uma espécie
de tendência que aponta para o crescimento e o desenvolvimento (Bianchedi, 1988).
As partes seguintes desta revisão serviram para descrever os elementos essenciais do
modelo kleiniano. Esta tarefa se desenvolveu, como antecipado no início da revisão, a partir
de uma análise comparativa entre as propostas kleiniana e freudiana.
1.4.5.1 O Modelo Kleiniano: Visão de Homem
A visão de homem, que pode ser extraída a partir da leitura de textos teóricos e
técnicos, mostra muito de como o ser humano é concebido e como é entendida a natureza
humana. Em que condições nasce o ser humano? Qual a moral inata (boa, ou neutra)? Em
relação à natureza da ação, podemos dizer que prevalece a atividade, passividade ou
interatividade? A resposta a estes questionamentos é determinante para compreender qual a
visão de homem implícita num determinado modelo teórico. Os conceitos desenvolvidos são
amplamente influenciados por esta visão. Pode-se inclusive dizer que aqui se encontra a
identidade da teoria, o que a diferencia das outras, ou mesmo os pontos de concordância e
oposição em relação a outras visões.
83
De partida, observa-se em Klein uma visão de homem bastante peculiar, inédita
mesmo, e pouco comprometida com o politicamente correto. Não se encontra uma
preocupação em apresentar um homem agradável aos olhos e ouvidos ou mais de acordo com
os ideais humanitários. Ao contrário, observa-se uma fidelidade quase obsessiva pela verdade,
por mais que ela pareça carregada de componentes destrutivos e primitivos. Em seus escritos,
é clara sua intenção em descrever um ser humano real, exatamente da maneira como se
apresenta, ao invés de um perfil do homem ideal. Possivelmente, a teoria winnicottiana cedeu
ao último caminho, apresentando um ser humano de natureza essencialmente boa, capaz de se
dirigir espontaneamente ao desenvolvimento saudável, a partir de um suporte adequado do
ambiente, inicialmente representado pela mãe. A destrutividade, neste modelo ideal, seria
quase que puramente reativa, resultante de falhas no ambiente. Sem ceder a tentação de
buscar um homem ideal, Klein mergulhou nas profundezas da mente humana e extraiu
componentes muitas vezes desagradáveis de se conhecer. Não hesitou em apresentar a
destrutividade humana como primária e constitutiva.
Atenta aos desdobramentos dos impulsos agressivos, Klein não poupou detalhes ao
descrever o caráter violento e insaciável dos processos inconscientes (Cintra e Figueiredo,
2004).Entretanto, foi igualmente capaz de revelar a importância da capacidade de amar, do
poder da reparação e da relevância da gratidão.
A influência de Karl Abraham no percurso pessoal e teórico de Klein teve papel
marcante no destaque dado pela autora à agressividade, tanto na compreensão do
funcionamento mental, quanto na técnica ludoterápica criada por ela e aplicada no tratamento
de crianças (Kavaler-Adler, 1993).
Mesmo em Freud, observa-se também uma paulatina valorização da agressividade na
vida mental e no desenvolvimento. Desde que cunhou o conceito de ego, em 1923, quando
apresentou uma instância psíquica contrária às pulsões, Freud reviu mais tarde as
84
características egóicas e reconheceu no ego uma instância que comporta ela mesma energias
libidinais e agressivas.
Da mesma forma, a ansiedade deixou de ser vista como um produto da tensão e da
frustração, e passou a ser encarada como uma marca do ego, após a divisão dos instintos (vida
e morte), em 1915b. Neste trabalho de Freud, e no apresentado por Abraham (1924), a
agressividade ganhou um papel central, juntamente com os sentimentos de desprazer, na vida
mental e no desenvolvimento da personalidade. O conflito psíquico básico estava focado na
sexualidade. Por um lado, o instinto sexual, em busca do prazer, e por outro o de auto
preservação, orientado pela realidade. A grande contribuição kleiniana foi revelar que, mesmo
quando concordância entre os impulsos e a realidade, um conflito interno continuava a
existir (Stein, 1990).
Assim, na concepção kleiniana, a reação de oposição do ego em relação às pulsões
dizia respeito à defesa contra sentimentos intoleráveis para ele mesmo, ao invés de alerta por
se oporem à realidade ou acumularem energia.
Desta forma, Klein avançou de uma visão dos instintos como externos ao ego, para
uma visão do ego experimentando sentimentos intimamente relacionados com os instintos. O
conflito, como se vê, esteve desde o princípio no centro das atenções dos escritos kleinianos:
nos primeiros trabalhos, desde 1919, com a oposição entre os impulsos libidinais e agressivos;
e a partir de 1927, com o interjogo entre amor e ódio. Desde então, esta foi a tônica do
modelo kleiniano.
Segundo Spillius (1983), o instinto de morte revelado por Freud ganhou posição de
destaque e novo sentido na teoria de Klein. Apesar de ambos adotarem a idéia de uma
destrutividade primária, Freud a relacionava com a fusão dos instintos de vida e de morte e
explicava a agressividade como resultado da deflexão do instinto de morte para fora do
indivíduo. Klein, por sua vez, explicava esta deflexão como um mecanismo de projeção de
85
sentimentos agressivos intoleráveis que tinham como destino objetos externos. Como
resultado, estes objetos assumiam as características rejeitadas pelo ego e passavam a ameaçá-
lo. A ansiedade resultaria da ameaça destes objetos “maus”, internos e externos. Sadismo e
ansiedade tornam-se um binômio básico dos escritos de Klein. Como se pode notar, diferente
de Freud, Klein enxergava os instintos sempre vinculados a objetos.
As pulsões, reveladas por Freud (1915b) como forças inatas dirigidas ao alívio da
tensão, assumiram no modelo kleiniano muitas das características atribuídas ao ego pelo pai
da psicanálise. Direcionadas incondicionalmente a objetos, as pulsões passaram a descrever
estados afetivos intensos. Como bem explica Stein (1990), referindo-se a Greenberg &
Mitchell (1959): “... Klein deixa claro que seu conceito de pulsão não diz respeito apenas à
redução de tensões corporais, mas principalmente a um relacionamento mais completo e
intenso com outra pessoa” (p.507).
A autora acrescenta que a centralidade dos sentimentos nos processos psíquicos obriga
o ser humano a se organizar em função da sua manifestação e de seu controle. E a necessidade
de controle, em especial no início da vida, torna a onipotência infantil o princípio primário do
desenvolvimento, bem mais do que a sexualidade infantil. A onipotência infantil permite que
objetos sejam criados por sentimentos na vida mental (Stein, 1990).
A riqueza e variedade de fenômenos psíquicos descritos até aqui fazem supor que se
trata de descrição de uma teoria pouco interessada pela influência do ambiente externo, ou
que atribui valor desprezível às interações homem x meio.
O modelo kleiniano foi alvo de inúmeras críticas que apontavam uma certa
desvalorização do papel do meio ambiente no desenvolvimento mental. Um exame mais
rigoroso dos trabalhos de Klein logo afasta estas críticas.
Em “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides”, Klein (1946) afirma:
86
No desenvolvimento normal, os estados de desintegração
experimentados pelo bebê são transitórios. Entre outros fatores, a
gratificação constante vinda do objeto externo ajuda a romper estes
estados esquizóides (p. 70).
Os estados esquizóides a que se refere a autora são comuns nos primeiros meses de
vida e deturpam a capacidade do bebê de avaliar adequadamente os dados da realidade. A
percepção, mesmo que bastante ativa ainda peca pela incapacidade de integrar elementos. A
realidade apresenta-se fragmentada, facilitando as distorções resultantes dos impulsos
destrutivos, os quais são aguçados pelas experiências de frustração. Este cenário favorece uma
maior atividade dos processos psíquicos sobre a capacidade perceptiva do bebê. Dito de outra
forma, o mundo interno destorce o mundo externo, e este, uma vez contaminado”, tem
influência direta sobre aquele. Ainda assim, está obvia a interação constante entre ambos.
Nestes primeiros meses de vida, como se pode notar, a relevância não está no
ambiente externo como elemento predominante. Ele representa apenas mais um numa
equação complexa de interações complexas. Além do ambiente, estão presentes nesta equação
as tendências inatas trazidas pelo recém-nascido, o que vale dizer: suas pulsões de vida e de
morte e a capacidade do ego para tolerar frustrações.
À medida que o bebê cresce, e as interações com o meio se desenrolam com o
predomínio das gratificações sobre as frustrações, a percepção amadurece e se torna capaz de
apreender um mundo externo mais de acordo com suas características objetivas. A figura
materna, principal responsável pela introdução do bebê no mundo externo, aumenta sua
presença objetiva e sua influência sobre os rumos do desenvolvimento mental de seu filho.
Enquanto aparece como um dos elementos no espetáculo inicial do desenvolvimento
da personalidade, misturado entre as percepções, sentimentos e pulsões do bebê, o ambiente
vai aos poucos assumindo posição de destaque neste cenário, sobrepondo-se aos demais,
porém nunca os sucumbindo.
87
As contribuições inestimáveis de Bion (1966, 1991), um pós-kleiniano que foi capaz
de desenvolver seu próprio modelo teórico e um pensamento único, ajudaram a dar ao objeto
externo seu lugar de elemento integral no sistema. Segundo Spillius (1983), a descrição da
noção de objeto enquanto continente, deu a Bion o mérito de mostrar o quanto e como o
ambiente é importante. A capacidade de reverie e a função alpha garantem ao objeto a
qualidade de conter em seu interior aquilo que não é suportado ou compreendido pelo bebê. O
ambiente apresenta-se como continente, suporta e organiza as experiências e as devolve num
estado que pode ser reintrojetado e compreendido. Bion também admite que o fracasso ou o
sucesso nesta interação da criança com o ambiente depende de fatores internos, como a
intolerância à frustração e a inveja do indivíduo.
Conforme se avança na descrição do ideário psicanalítico kleiniano, verifica-se uma
visão de homem como sendo essencialmente conflitivo e interativo. Vida e morte, amor e
ódio, agressividade e reparação, inveja e gratidão, enfim forças opostas se combinam num
mundo mental carregado de objetos. Estes objetos, que interagem entre si e com objetos
externos, são o alvo básico dos sentimentos humanos desde a primeira experiência do bebê.
Prevalente no início, a agressividade influencia todas as interações e experiências do ser
humano. Gradativamente, os impulsos libidinais, expressos pelo amor e pelo desejo da
construção e da reparação, assumem lugar de destaque e se sobrepõem aos impulsos
destrutivos, expressos pelo ódio e pela agressão. A capacidade de amar encaminha o ser
humano para relações mais saudáveis e duradouras. Ainda assim, o conflito prevalece, pois
não existe relação de objeto que não seja ambivalente para Melanie Klein. As oscilações entre
amor e ódio permanecem por toda a vida. A saúde mental significará a vitória do primeiro
sobre o segundo. O estado saudável, entretanto, estará invariavelmente ameaçado, para alguns
mais e para outros menos, mas sempre ameaçado, pela ambivalência latente. Estas
considerações abrem caminho para novas concepções de saúde mental, de normalidade, mais
88
associadas a um funcionamento mental balizado por mecanismos identificados com a posição
depressiva.
Esta profusão dialética e a importância do ambiente se fazem perceber na visão de
homem de Klein (1937) quando ela responde a questão “O que somos nós?”:
Tudo de bom e de mau pelo que passamos desde os nossos primeiros
dias de vida; tudo o que recebemos do mundo externo e tudo o que
sentimos em nosso mundo interno: experiências felizes e tristes, as
relações com as pessoas, atividades, interesses e pensamentos de todos
os tipos ou seja, tudo o que vivemos faz parte de nós mesmos e
ajuda a construir nossa personalidade (p.379-40).
1.4.5.2 O Modelo Kleiniano: Posições x Fases
O esclarecimento sobre a visão de homem implícita no modelo kleiniano serve, a
princípio, para elucidar como o ser humano é percebido e como é seu relacionamento com a
realidade. Entretanto, faltam dados que ajudem a entender também como o homem se
desenvolve. A originalidade do pensamento de Klein se revela de novo surpreendente, ao
apresentar um modelo de desenvolvimento que se afastou da saída já consagrada de explicar a
evolução do psiquismo humano através de fases sucessivas.
Fiel à idéia de que o ser humano estava sempre às voltas com dois grupos de
ansiedades e defesas, Klein distancia-se da proposição freudiana inicial, segundo a qual a
ansiedade seria a princípio destituída de significado, apenas resultante de um distúrbio
econômico. O significado psicológico viria apenas, como explica Bianchedi (1988), do
deslocamento da ansiedade para as condições que a determinaram. Mais tarde (Freud, 1933),
são apresentados os conceitos de angústia neurótica e angústia real.
89
Assim, temos um modelo que descreve duas ansiedades: uma com significado e outra
sem significado para o sujeito (modelo freudiano); e outro modelo que atesta dois grupos de
ansiedades: aquelas que decorrem de ameaças ao ego e as que resultam de ameaças ao objeto
(modelo kleiniano).
Enquanto desenvolve seu modelo teórico, Klein coloca a ansiedade numa posição
central em sua teoria. A princípio, a ansiedade era encarada como inibidora de capacidades.
Em seguida (Klein, 1923a), o desenvolvimento passa a depender da resolução da ansiedade.
Mais adiante (Klein, 1929a), a ansiedade ganha status de impulsionadora da criatividade.
Finalmente, a partir de 1930, a presença da ansiedade e sua resolução tornam-se cruciais para
o desenvolvimento emocional. Esta idéia ficou mantida no restante de seus escritos.
Klein passou a usar o termo “posição” para substituir a palavra “fase”. Esta opção
guardava sua convicção de que os dois grupos de ansiedades e defesas, mesmo tendo seu
surgimento nos primeiros meses de vida, representavam uma espécie de predisposição que
acompanharia o sujeito por toda a vida e poderiam surgir em diversas situações, de acordo
com a prevalência de sentimentos e as circunstâncias (Klein, 1952a).
Bianchedi (1983) explica que “O conceito de mobilidade posicional permite a
exploração sincrônica e diacrônica das transformações e modificações das funções e
processos mentais” (p. 393).
No prefácio à terceira edição do livro A psicanálise de crianças, Klein (1948a)
apresenta algumas das razões para adotar o termo “posição em substituição ao termo “fase”.
Ela argumenta que:
O termo 'posição' foi escolhido porque, embora os fenômenos
envolvidos ocorram primeiramente durante estágios arcaicos de
desenvolvimento, eles não estão confinados a esses estágios, mas
representam agrupamentos específicos de ansiedades e defesas que
aparecem e reaparecem durante os primeiros anos de infância (Klein,
1948a, p.17).
90
Mais tarde (Klein, 1952a, p.118), ela acrescenta “... em certas circunstâncias,
posteriormente na vida”. Assim, está consolidada a idéia de posição, que norteou todos os
seus escritos.
Com este ponto de vista, é abandonada a perspectiva especificamente cronológica,
para se adotar uma idéia de mobilidade que se estende por toda a vida (Bianchedi, 1988). A
oscilação das posições representaria uma variação de configurações, expressas por um
conjunto composto de relações de objeto, ansiedades e defesas específicas. Organizações
psicológicas confeririam diferentes significados às experiências vividas, influenciando e
afetando a subjetividade. Uma relação dialética se instalaria, o apenas a serviço de uma
superação de fases ou amadurecimento, mas também atribuindo significado subjetivo às
experiências.
A perspectiva genética freudiana contribuiu de forma pioneira para a compreensão do
desenvolvimento afetivo a partir da conceituação de uma seqüência bem definida de estágios,
caracterizados pela prevalência de determinadas zonas erógenas (Lisondo, 2000).
Porém, a idéia de fases sucessivas lugar a uma perspectiva mais dinâmica e
dialética em Klein. A linearidade sede espaço para a “circularidade”. O desenvolvimento
mental ganha uma nova compreensão, que encerra a idéia de conflito e oscilação, ao invés de
superação e sucessão. Sujeito e objeto, em constante interação e interdependência,
influenciam-se mutuamente. Como bem lembra Kavaler-Adler (1993), “Sem um self e um
objeto diferenciados, não existe nenhuma dialética no self, somente fusão ou oposição”
(p.196).
A superação do modelo de Freud e Abraham concretizou-se em 1935, quando Klein
conceituou a posição depressiva. Antes, ainda mantinha em seus escritos referências a
estágios psicossexuais sucessivos. De Abraham, porém, permaneceu a inegável contribuição
de ter inspirado Melanie Klein a usar a idéia de objetos parciais.
91
O foco na interação entre os instintos de vida e de morte distanciou definitivamente
Melanie Klein de seus grandes inspiradores, abrindo caminho em direção a uma nova teoria.
Na realidade, se observava em seus trabalhos um gradativo distanciamento por seu
interesse sempre presente pelo conceito de objeto e pelas relações objetais.
Na opinião de Stein (1990), o conceito de posição não combina com uma perspectiva
desenvolvimental, mas sim estrutural. Desta feita, não se pode explicar as alterações das
configurações subjetivas em termos de fixação, regressão ou superação. Estas configurações
dependerão em larga escala do modo como a pessoa lida com seus sentimentos,
caracterizando a prevalência de uma ou outra posição. Estas mesmas posições teriam uma
existência independente e conflitante. O retorno à organização mais primitiva, com suas
defesas e sentimentos peculiares, equivaleria a o que é descrito como regressão por Freud.
A ativação de diferentes zonas erógenas numa seqüência, as quais caracterizariam as
fases de desenvolvimento, não expressa a visão de Klein. Para ela, todas as zonas erógenas
encontram-se ativas desde o nascimento e afetam as experiências do bebê, alimentando suas
fantasias e compondo seus sentimentos a cada nova troca objetal. No início, entretanto, os
impulsos pré-genitais estariam mais ativos que os genitais.
Aliás, esta interação entre sujeito e objeto, bem como o interjogo das forças
instintivas, compõem o cenário no qual se estruturam as organizações nomeadas por Klein
como posição esquizo-paranóide e posição depressiva. Estas posições representam dois
modos diversos de perceber e interagir com o objeto, cada qual com seu grupo de defesas,
fantasias, ansiedade e relação de objeto.
Descrita posteriormente à posição depressiva, a posição esquizo-paranóide surge no
início da vida e se estende, na maioria dos bebês, até o terceiro mês. A ansiedade
predominante é a persecutória, e a relação de objeto é do tipo parcial. A própria nomenclatura
utilizada pela autora guarda uma coerência muito grande com sua perspectiva teórica e ajuda
92
a entender as característicassicas desta posição; esclarece inclusive sua compreensão sobre
a psicopatologia.
O prefixo esquizo denota a uma só vez tanto a percepção básica do bebê, quanto o tipo
de relação que o mesmo estabelece com o objeto. Devido a sua imaturidade neurológica e
graças a sua capacidade perceptiva, o bebê é capaz de estabelecer uma legítima relação de
objeto ao nascer, porém este objeto é percebido apenas em partes, fragmentado. As suas
experiências são interpretadas e atribuídas a diferentes objetos, em especial quando elas dizem
respeito a sentimentos diversos e ambivalentes. A incapacidade egóica impede qualquer
tentativa bem sucedida de integrar as experiências ou mesmo os sentimentos. O próprio ego,
por sua vez, fragmenta-se nos mesmos moldes aplicados ao objeto, criando um mundo
carregado de contradições, e uma variedade de relacionamentos. É como se sujeito e objeto se
multiplicassem. Rosenfeld (1983), referindo-se a Klein, explica que:
... quando o splitting do objeto interno e externo assume lugar,
sempre um splitting correspondente dentro do ego. Então as fantasias
e sentimentos sobre o estado do objeto interno influenciam vitalmente
a estrutura do ego (p.261).
A mentalidade primitiva do bebê é carregada por uma variedade de cisões, tanto do
objeto quanto do ego. Porém, este expediente criado para afastar a angústia termina por
fracassar. A idealização decorrente da cisão está a serviço de uma tentativa onipotente do
bebê de se aliar a poderosos objetos que o protegeriam dos outros objetos persecutórios. A
cisão é necessária para impedir que o seio mau destrua o seio bom e é salutar quando mantida
para facilitar a integração na posição depressiva. Se esta cisão for excessivamente bem
sucedida, paradoxalmente, o bebê tem seu desenvolvimento comprometido. Ao afastar a
ansiedade, ele inibe sua caminhada em direção a posição depressiva. Para Klein, é a
ansiedade, em certa medida, que impulsiona o sujeito em busca da integração. A cisão
93
também fracassa quando a inveja excessiva, ou outros derivados do instinto de morte
(voracidade e ódio) atacam o objeto bom, prejudicando a idealização e a integração posterior,
bem como a manutenção de um objeto interno solidamente estabelecido. Portanto, a busca
pela integração dependerá de um equilíbrio ótimo entre cisão e idealização (Souza Melo,
1981), e será reforçada pela tendência natural à síntese, decorrente da maturação biológica do
sistema nervoso e da influência da pulsão de vida e das experiências.
Neste mundo onde os objetos o parciais, os sentimentos são polarizados e as
relações são contraditórias, a ansiedade é de um tipo especial. O termo paranóide define com
exatidão este tipo especial de ansiedade. Influenciado pelos impulsos instintivos, os de vida e
de morte, o recém-nascido responde às situações vividas de acordo com o resultado em
termos de prazer e desprazer que experimenta. A constante presença de situações de
frustração, inevitáveis a um ser pouco tolerante a elas, desencadeia reações de intensos
sentimentos odiosos. O trauma do nascimento e as frustrações das necessidades corporais são
atribuídos a objetos externos ou internos maus.
O sadismo atinge seu auge e tem como alvo o seio da mãe (bem como o interior de seu
corpo), objeto primordial com o qual o bebê tem suas primeiras interações e a partir das quais
constrói seu mundo interno e sua percepção do mundo externo. A finalidade destes ataques
sádicos é devorar, esvaziar e destruir (Klein, 1935). A ênfase é colocada na agressividade do
ser humano.
Movido por impulsos destrutivos, o bebê entra em contato com seu próprio ódio e o
dirige ao objeto que supostamente o frustrou. A intolerância para lidar tanto com a frustração
quanto com o ódio força o ego incipiente a desenvolver mecanismos de defesa. Uma
variedade de dispositivos egóicos é acionada para enfrentar e alterar uma realidade que se
apresenta hostil: cisão, introjeção, projeção, negação, identificação projetiva e idealização.
94
As inevitáveis e constantes experiências frustrantes levam o bebê a acreditar que vive
em constante ameaça pelo objeto que infligiu sofrimento a ele. Esta ansiedade persecutória
ainda é reforçada pela projeção dos próprios sentimentos odiosos do bebê, os quais ele é
incapaz de reconhecer como sendo seus. Uma vez projetados estes sentimentos são
depositados no objeto, que então passa a ser percebido como detentor das qualidades repelidas
pelo sujeito. O medo de ser aniquilado é a mais vívida expressão de sua persecutoriedade.
A denominação esquizo-paranóide representa assim, o que de essencial ocorre durante
os três primeiros meses de vida. É claro que esta descrição não exclui os momentos de
tranqüilidade e conforto vividos pelo bebê. Inclusive estes são fundamentais para que ele
mantenha suas chances de um desenvolvimento mental saudável, ou seja, em direção à
posição depressiva. O fato é que Melanie Klein deu grande ênfase aos efeitos da pulsão de
morte nestes primeiros meses, e estudou em profundidade seu corolário, os impulsos
destrutivos. Graças a este destaque, a psicanálise ganhou nova compreensão sobre a natureza
humana, sobre as psicoses e sobre a clínica de casos graves. Para Simon (1986), a ênfase à
agressividade foi uma forma de Klein compensar o destaque dado por Freud ao papel da
libido e suas vicissitudes na etiologia das neuroses.
O desejo voraz de manter continuamente as gratificações conduz o ego a utilizar o
artifício da introjeção. Ao identificar no objeto todas as propriedades benevolentes, uma
idealização se processa, e quase que simultaneamente, o bebê usa da introjeção para garantir a
permanência do bom objeto em seu interior. Por intermédio deste expediente, o besente-se
duplamente seguro: primeiro por garantir a gratificação constante; e segundo por ganhar um
poderoso aliado contra os ataques do mau objeto interno.
Um mundo polarizado e dicotômico se apodera do imaginário do bebê, descrito por
Melanie Klein em termos de seio bom e seio mau. Tanto o ego quanto o mundo interno ficam
carregados de imagos “que são uma imagem distorcida de forma fantástica dos objetos reais
95
em que estão baseadas” (Klein, 1935, p.304). Esta distorção compara-se ao que se processa
nas mentes dos adultos psicóticos.
Na posição esquizo-paranóide a consciência de um senso subjetivo de self está
ausente. Apesar da existência de um ego ao nascer, sua incipiência impede uma percepção
mais clara do self, restando uma impressão difusa que faz o bebê acreditar que seus próprios
impulsos agressivos emanam de objetos maus internos. Para Kavaler-Adler (1993), na
mentalidade esquizo-paranóide não existe uma noção de sujeito que age, toma iniciativa ou
interpreta, mas um self que se como vítima, como objeto de ameaças. Somente mais tarde,
na posição depressiva, graças a uma maior integração, os ataques são percebidos como vindos
do próprio self.
Hanna Segal (1954) usa o termo “equação simbólica” para explicar esta obscura
diferenciação entre sujeito e objeto presente neste período do desenvolvimento. Segundo ela,
o símbolo é confundido com o objeto, ou mesmo equivale a este.
A intolerância com sua própria destrutividade e a força da pulsão de vida, que impele
o bebê a buscar sua sobrevivência, desencadeiam no pequeno infante uma seqüência quase
interminável de projeções e introjeções. A projeção e os impulsos agressivos dirigidos ao
objeto aumentam a ansiedade persecutória, pois geram um círculo vicioso. O objeto alvo dos
ataques termina por ser temido como ameaçador, por ganhar as qualidades negativas
expelidas. O que ainda não se percebe, é que este objeto odiado e temido é o mesmo objeto
amado e idealizado. A mais sutil das tentativas de integração é logo abortada pelo bebê por
não suportar a principal de suas conseqüências: a culpa por ter atacado e danificado o objeto
amado.
A idéia da identificação projetiva, uma das maiores contribuições de Klein, surgiu no
seu célebre trabalho de 1946, “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides”, quando
descrevia a posição esquizo-paranóide. No interjogo dos mecanismos de introjeção e
96
projeção, ela demonstra a existência de um terceiro mecanismo sofisticado, movido pela
onipotência do bebê e pela percepção parcial do objeto e de si mesmo. A premente
necessidade de controle sobre esta avalanche de sentimentos e ameaças e, em especial, de
controle sobre os objetos, principalmente maus, mas também bons, motiva o bebê a criar
fantasias bastante engenhosas: partes do self(entendido como a junção entre ego e id) são
separadas e expelidas, tendo como endereço o interior da mãe ou de seu seio. Desta forma,
onipotentemente, o bebê tenta controlar o objeto.
A distinção entre projeção e identificação projetiva é alvo de controvérsias mesmo
entre estudiosos da obra de Melanie Klein. Spillius (1983) afirma não ser útil distinguir
projeção de identificação projetiva. Entretanto, não se questiona a utilidade deste constructo
teórico para compreender inclusive a comunicação não-verbal que se processa na relação
entre a criança e sua mãe, e, por extensão, na relação entre paciente e terapeuta. A
comunicação que decorre da colocação de partes do próprio self num objeto, que funciona
como continente de elementos que não podem ser compreendidos pelo sujeito, foi estudada
por pós-kleinianos como Wilfred Bion (1957, 1959, 1961) e, posteriormente, Herbert
Rosenfeld (1971, 1983).
Rosenfeld (1983) propõe três diferentes formas de identificação projetiva: uma voltada
para a comunicação; outra com objetivos defensivos; e uma terceira observada nas relações
transferenciais com pacientes psicóticos. A primeira das formas é vista como uma variante
benigna, por objetivar a comunicação e não ter a finalidade de modificar o objeto que serve de
continente. O objeto continente recebe elementos incompreensíveis para o sujeito e os
devolve em forma de elementos compreensíveis para dentro do self. Esta experiência ao
sujeito a importante sensação de ser compreendido por alguém e ajuda a fortalecer e
desenvolver o self. Os psicóticos, por sua vez, na relação transferencial, fazem uso da
97
identificação projetiva em moldes semelhantes aos usados pelo be na posição esquizo-
paranóide.
O uso da identificação projetiva com propósitos defensivos é mais nocivo e visa a
livrar o self de conteúdos mentais intoleráveis. O objeto que é alvo deste mecanismo sofre
modificações, tanto quanto o próprio self. A realidade psíquica e até mesmo a realidade
externa são negadas e alteradas pela onipotência e em decorrência da intolerância à frustração.
Aliás, é o aumento da tolerância à frustração, à angústia depressiva e à separação do
objeto que possibilita, segundo Klein, a criança vivenciar a posição depressiva. Souza Melo
(1981) lembra que Klein usou respectivamente os termos “entrada”, “superação” e finalmente
“penetração” para descrever esta passagem. A mudança no uso dos termos denota sua
convicção de que se tratava de relações objetais de tipos diversos, mas que se relacionavam
entre si.
Ao elaborar seu conceito de amor, Klein oferece as bases sobre as quais se fundará a
posição depressiva. Em seu trabalho “Amor, culpa e reparação”, de 1937, a autora detalha sua
teoria sobre o amor e remonta a origem do que ela considera como a mais complexa das
emoções humanas, às experiências primitivas vividas pelo bebê na relação com a mãe.
O amor pelo objeto danificado em conseqüência dos ataques do bebê, estimula um
impulso reparador. O reconhecimento pelo dano causado faz crescer a culpa e o desejo de
reconstruir o que foi destruído no objeto que agora é percebido de forma integrada e, portanto,
detentor das qualidades boas e más antes cindidas e deslocadas para um outro objeto.
A relação de objeto deixa de ser parcial e se torna total. Apesar do enorme avanço na
qualidade das relações e na percepção, o ego agora vive a angustiante experiência da perda do
objeto amado. “Só quando o objeto é amado como um todo é que sua perda pode ser sentida
como um todo” (Klein, 1935, p.306).
98
A capacidade de amar, fundamental para o desenvolvimento em direção à posição
depressiva, depende grandemente da quantidade de pulsão de vida presente no sujeito, mas
também da quantidade e qualidade das relações de objeto. Experiências emocionais
gratificantes, sensações prazerosas e sentimentos de segurança ajudam a aumentar
gradativamente a internalização do bom objeto, responsável pela capacidade de amar e de ser
amado. A mãe boa internalizada cria no sujeito a convicção de ser ele também detentor das
qualidades benevolentes do objeto. Além do mais, dentro do sujeito o bom objeto pode ficar
mais protegido e preservado.
A identificação total do ego com o objeto numa ligação libidinal motiva o primeiro a
lutar constantemente pela preservação do segundo, contra os objetos maus ameaçadores e
contra os impulsos do id.
Mesmo com variadas tentativas de resguardar o objeto dos perigos, principal
preocupação da posição depressiva, sempre pairam dúvidas e incertezas no ego quanto à
segurança e integridade do objeto bom, principalmente do objeto bom internalizado. As
intermináveis projeções e introjeções, bem como os ataques sádicos realizados anteriormente,
não permitem ao ego proteger eficazmente o objeto. O receio do ataque ao objeto bom
permanece como ameaça constante no mundo interno. Para Klein, esta é a base para o
comportamento hipocondríaco no adulto. Os sintomas hipocondríacos são motivados pela
introjeção dos objetos maus.
O objeto que recebe a vigilante proteção do ego na posição depressiva é a mãe, agora
percebida de forma mais integrada e menos distorcida. A preocupação que se revela na
criança pequena para com sua mãe assume formas que podem à primeira vista parecer ser
resultado da grande dependência de uma pela outra. O apego da criança à mãe, tão comum de
se observar nos primeiros anos de vida, é, na opinião de Klein (1935), não somente resultado
99
da dependência da criança, mas também decorrência de sua preocupação em garantir que a
mãe esteja segura ou distante de ameaças.
Em diversas situações é comum observar a dificuldade da criança em se separar da
mãe. A experiência do autor deste trabalho em ambiente escolar revela um sem número de
fatos desta ordem. O acompanhamento dos primeiros dias de aula de crianças em idade pré-
escolar (entre 2 e 6 anos) permite compreender as motivações de muitas destas crianças ao
protestar diante da separação. É comum ouvir destas crianças, quando se oferece escuta
adequada, sua preocupação em deixar a mãe voltar sozinha para casa, ou mesmo desapontada
e com saudade da filha ou filho. O sentimento de culpa e preocupação das crianças com
relação aos seus cuidadores é muito mais forte e freqüente do que supõe o senso comum ou a
observação pouco atenta. Em geral, os casos de protesto da criança diante da separação são
encarados como dificuldade ou dependência excessiva da criança. Mas a preocupação com a
mãe é uma causa que não pode ser menosprezada.
Na posição depressiva o sujeito sai de seu lugar de vítima para assumir
responsabilidade sobre seus atos. A ansiedade persecutória sede espaço para a ansiedade
depressiva. A culpa coexiste com a paranóia, e a ambivalência torna-se presente. Se antes a
preocupação essencial era com a integridade do ego, agora a atenção é dirigida para a
restauração do objeto. um reconhecimento da própria destrutividade, diminuindo as
projeções e, conseqüentemente, a sensação de estar sendo perseguido. As partes de si antes
consideradas intoleráveis, e por isso atribuídas a um objeto externo alvo das projeções são
integradas ao self, levando ao aumento do senso de realidade. Mundo externo e interno agora
podem ser percebidos sem grandes distorções.
O bebê não pode mais imaginar de forma maníaca que seus ataques ao objeto podiam
ser simplesmente esquecidos ou desconsiderados. O sujeito reconhece-se como ser histórico.
Seu desenvolvimento é visto como resultante de uma história, e as conseqüências de seus atos
100
não podem mais ser maniacamente eliminados. Klein definiu como defesa maníaca e negação
maníaca esta tentativa de iniciar novamente como se nada tivesse ocorrido ou que nada
tivesse sido perdido ou danificado. A onipotência, para ela, é a principal marca do
comportamento maníaco. Os desenhos e histórias infantis oferecem farto material que revela
esta atitude maníaca.
Kavaler-Adler (1993) explica que com o aumento do senso de tempo e da consciência
do self e do sujeito histórico, aumenta também, na posição depressiva, a sensação de que o
self é vulnerável, tanto quanto o objeto. Ainda segundo a autora, com a diferenciação entre
sujeito e objeto, diferenciam-se igualmente um self subjetivo e um self objetivo. O
egocentrismo, que antes impedia qualquer tentativa de ver por uma perspectiva que não fosse
a própria, diminui e o sujeito alcança a possibilidade de compreender outros pontos de vista,
bem como observar a si próprio, através de uma descentralização.
Observa-se um processo de diferenciação generalizada, entre self e objeto, entre
mundo interno e externo, entre corpo e mente. Em contrapartida, a integração de partes do
self e do objeto, entre amor e ódio. Se antes sujeito e objeto confundiam-se num processo de
equação simbólica, com o aumento da capacidade de diferenciação, o ego passa a ser capaz de
criar símbolos e reconhecê-los como separados dos objetos. Como todo símbolo, representa o
objeto e pode substituí-lo quando do deslocamento de impulsos agressivos ou libidinais. Esta
capacidade de simbolizar foi brilhantemente descrita por Hanna Segal (1954).
Para Segal (1954), um processo de luto bem sucedido possibilita a adequada
internalização do objeto bom. A introjeção e a projeção, exaustivamente usadas na posição
esquizo-paranóide, pela carência de uma capacidade de representação do objeto, cede espaço
para a simbolização. Agora a criança pode tolerar a ausência do objeto através da
representação que constrói dele, graças à elaboração do luto, ou seja, em virtude da
internalização das qualidades boas do objeto perdido. A criança pode ficar acompanhada de
101
suas fantasias internas e representações do objeto, enquanto o mesmo está ausente. Se este
processo de internalização do objeto amado intacto fracassa, estão dadas as condições para a
formação de uma depressão patológica posteriormente.
É justamente a perda do objeto amado que encaminhará o ego para a experimentação
da ansiedade depressiva. De grande importância também são as experiências gratificantes que
decorrem da relação entre mãe e bebê. Estas experiências iniciais têm valor determinante no
desenvolvimento de uma personalidade saudável, segundo as premissas do modelo kleiniano
e de outros dentro do arcabouço psicanalítico.
A entrada na posição depressiva e a forma como ela será elaborada pela criança,
determinarão seu futuro desenvolvimento mental. A interação entre as posições e os
mecanismos defensivos correspondentes é de valor vital.
O esforço no detalhamento descritivo das posições depressiva e esquizo-paranóide
revela a dificuldade em estabelecer uma diferenciação exata entre elas. O entrelaçamento
entre as posições e a estreita ligação entre elas frustra a tentativa de estabelecer limites onde
uma termina e a outra começa. Klein sempre recorre à qualidade da ansiedade que prevalece,
ou seja, na posição esquizo-paranóide a ansiedade decorre da preocupação com a preservação
do próprio ego, enquanto na posição depressiva a ansiedade vincula-se à proteção e reparação
do objeto. Excluídas estas distinções, muitos dos processos psíquicos descritos por ela podem
criar confusões ou dúvidas no leitor quanto à posição que está em questão. “O estado
depressivo está calcado no estado paranóide, do qual deriva geneticamente”.(Klein, 1935,
p.316).
102
1.4.5.3 Relação de Objeto Precoce x Narcisismo Primário
O modelo explicativo kleiniano sobre o desenvolvimento mental é sem dúvida um
modelo genético. Visa esclarecer as origens do funcionamento mental, como nascem e
evoluem os processos mentais e seu efeito sobre o desenvolvimento da personalidade.
Melanie Klein dirigiu sua atenção em especial às primeiras experiências do be e sua
interação com a mãe.
A análise minuciosa sobre estas experiências primitivas custou novas controvérsias em
relação ao pensamento freudiano vigente. A então, prevalecia o conceito freudiano de
narcisismo primário, segundo o qual o recém-nascido encontra-se a princípio num estado de
indiferenciação com o objeto. As percepções e sensações vividas pelo bebê eram
experimentadas como uma extensão dele mesmo. Portanto, não se falava em relação de
objeto, já que não havia sequer uma interação do tipo eu - outro.
Muitos estudiosos do desenvolvimento infantil corroboraram este modelo (Fenichel,
1945; Mahler, 1982; Piaget, 1967, 1993, 2002; Spitz, 1960, 1979; Winnicott, 1945; e outros).
Para estes, não era possível falar na existência de um ego ao nascer. Conseqüentemente, a
consciência da existência de um self e de um objeto era inconcebível. A tarefa básica do
desenvolvimento, portanto, seria realizar a difícil tarefa da diferenciação gradativa em relação
ao objeto, experimentado no início da vida como uma extensão do próprio sujeito.
Assumir a idéia de que existe um ego ao nascer representa uma grande mudança na
maneira de encarar as habilidades e capacidades do recém-nascido, e na maneira de explicar
sua interação com o meio. Em conseqüência, todo o desenvolvimento mental recebe novo
olhar e as experiências do bebê ganham em complexidade e profundidade.
103
A etimologia da palavra ego remonta à noção de “eu”. Se existe um ego no
nascimento, então o bebê apresenta uma percepção, mesmo que incipiente e difusa, de seu
próprio self. Conseqüentemente, pode supor a existência de um ou vários “outros”. Assim,
suas experiências sensoriais são vivenciadas como acontecendo num terreno de interação com
algo que está fora e dentro dele.
Meltzer (1981) salienta que Melanie Klein descreve uma mente que vive em dois
mundos (interno e externo) e que, sem se dar conta:
... transformou o narcisismo, de uma teoria sobre a natureza da libido
e sua ligação no corpo, para uma concepção de narcisismo que é
muito mais social e organizacional, a saber as relações das partes da
personalidade da criança, umas com as outras (p.179).
Tomlin e Viehweg (2003) descrevem inúmeras pesquisas sobre o desenvolvimento
cerebral que apontam para a centralidade dos relacionamentos na formação das sinapses e
para a importância das experiências ambientais e interpessoais para o amadurecimento
cerebral. Eles mostram que os princípios da saúde mental infantil estão sendo confirmados,
em especial a tese de que os bebês nascem prontos para desenvolver um apego com
cuidadores. Completam os autores que esta prontidão se processa no rebro através da
produção acima do necessário, de trilhões de sinapses (nos três primeiros anos de vida), como
forma de preparar o indivíduo para captar e organizar uma vastidão de informações advindas
do ambiente. Com o passar do tempo, e com base em experiências repetidas, alguns padrões
de sinapses serão preferidos, em detrimento de outros.
As interpretações dadas pelo pequeno infante ganham um novo colorido afetivo e
intelectual. A ótica sobre o comportamento oferece uma compreensão diferente sobre suas
motivações. Enfim, trata-se de uma revolução no olhar sobre o desenvolvimento emocional
104
infantil. O objeto é visto como alvo das pulsões advindas do id e torna-se um conceito
psicológico fundamental (Davidovich, 1982).
Esta revolução seguiu um caminho difícil e tortuoso. Expor idéias contrárias a um
consenso vigente exigiu muita coerência e coragem por parte de Melanie Klein. Os seus
primeiros escritos ainda guardavam um esforço no sentido de garantir fidelidade ao pai da
psicanálise. Porém, ela logo abandonou o ímpeto de se manter ao lado de Freud, a não ser nos
pontos em que realmente existiam concordâncias. A concepção kleiniana de relações de
objeto precoce foi influenciada, apesar de pouco citado, por Ferenczi, e, mais sabidamente,
por Abraham.
Freud falava numa catexia libidinal original do ego, que posteriormente se dirigiria
para objetos. Ao primeiro tipo de investimento de energia libidinal, aquele dirigido para o
ego, Freud deu o nome de narcisismo primário. Ele descrevia um estado em que o bebê
tomava a si mesmo como objeto de desejo, que não havia percepção de um objeto externo.
Assim, o bebê viveria num estado narcísico e de auto-erotismo em que não existiria relação de
objeto. O prazer seria extraído do próprio sujeito. O ego surgiria a partir de uma diferenciação
do id, como resultado do teste da realidade.
Para Peterfreund (1978), caracterizar os bebês como sendo “narcísicos” nada mais é do
que a “adultomorfização” da infância. O conceito de barreira de estímulos”, muito usado
pelos estudiosos, entre eles Spitz (1960), para explicar o estado narcísico primário do bebê, e
a concepção de que o nascimento psicológico não coincide com o nascimento biológico,
desconsideram os resultados alcançados em estudos sofisticados recentes sobre o bebê, critica
o autor.
Klein sustentou, desde o princípio, que o auto-erotismo e o narcisismo no bebê
ocorrem num cenário de relações com objetos. Aliás, as relações de objeto estariam presentes
desde a primeira experiência do bebê em seu ambiente. Em “As origens da transferência”, ela
105
reafirma com convicção sua hipótese: “O auto-erotismo e o narcisismo incluem o amor pelo
objeto bom internalizado e a relação com o mesmo, o qual, na fantasia, constitui parte do
corpo e do self amados” (Klein, 1952c, p. 74).
Portanto, o investimento libidinal ao qual se referia Freud, não tinha para Klein o ego
como alvo, mas sim objetos bons internalizados, os quais eram sentidos como unidos ao ego,
fruto de fantasias inconscientes. Ela, entretanto, recusava uma divergência o grande entre
suas idéias e as de Freud neste particular, que em sua opinião, o próprio Freud não deixou
muito clara sua hipótese a respeito.
Klein sustentou em algumas passagens de seus escritos que havia certa obscuridade
nas explicações de Freud sobre a infância inicial. Acreditava inclusive ser possível encontrar
em sua obra referências quase explícitas da existência de relações de objeto desde o
nascimento. Em “As origens da transferência”, de 1952c, ela refere um trabalho de Freud de
1922, em que ele descreve uma experiência prazerosa do bebê com o ambiente externo,
enquanto mama, o que denota uma crença, apesar de não defendida explicitamente, da
existência de relação de objeto muito cedo na infância. Esta falta de clareza custou novos
embates entre Klein e Anna Freud, piorando ainda mais uma convivência carregada de
disputa e hostilidade, e acirrando por completo as diferenças de abordagens entre as duas e os
modelos que defendiam.
O período que Freud descreveu como narcisismo primário, pode ser combinado com a
posição esquizo-paranóide de Klein, onde a preocupação central do ego é com a sua auto
preservação. O que Klein acrescenta, na verdade, é que esta preocupação não desconsidera a
existência de um mundo externo, mas este mundo externo como elemento de interação
para garantir ou ameaçar a integridade e proteção deste ego. As constantes utilizações da
introjeção e da projeção são formas de manipulação dos mundos interno e externo, a serviço
dos interesses narcísicos do ego.
106
O narcisismo propriamente dito é encarado por Klein como uma organização que
aparece mais tarde, representada por uma reação hostil contra o mundo externo, em
conseqüência da ineficiência do prazer alucinatório e do embate com o objeto mau que foi
projetado (Davidovich, 1982). Ela distingue, segundo Spillius (1983), dois estados narcísicos:
um temporário, no qualuma retirada em direção a um objeto interno idealizado; e um mais
duradouro, nomeado “estrutura narcísica”, em que o expediente da identificação projetiva é
usado para controlar objetos, afetando a estrutura do ego e do superego. Em seus últimos
trabalhos, Klein (1957) vê o narcisismo como uma organização de defesas contra a inveja.
Ogden (1986), citado por Carstairs (1992) pondera que o uso freqüente que Klein faz
dos verbos na voz passiva, ao descrever as experiências do bebê durante a posição esquizo-
paranóide, faz supor que ela concebia estes primeiros meses de vida como uma “experiência
não-subjetiva”. O autor sugere, assim, que a infância inicial é marcada pela não apropriação
da própria experiência. O bebê é menos sujeito que objeto do que experimenta.
Não era possível para Klein conceber um período inicial na existência humana
destituído de relações de objeto. Ela afirma com veemência:
A análise de crianças muito pequenas ensinou-me que o existe
urgência pulsional, situações de ansiedade, processo mental que não
envolva objeto, externo ou interno; em outras palavras, as relações de
objeto estão no centro da vida emocional (Klein, 1952c, p. 76).
Talvez o aspecto mais impressionante das novas idéias introduzidas por Melanie Klein
diga respeito à ênfase colocada nas interações não com objetos em geral, mas com objetos
internos. Suas descrições detalhadas sobre o uso extensivo dos mecanismos de projeção,
introjeção e identificação projetiva, fizeram emergir uma noção de mundo interno bastante
peculiar e rica. Parece ser este o grande diferencial entre o modelo kleiniano e o freudiano.
107
Onde Freud enxergava o narcisismo primário, Klein via relações com objetos internos, os
quais foram introjetados pelo sujeito a partir de suas primeiras interações com o meio social.
Spillius (1983) considera o conceito de mundo interno fundamental para compreender
a teoria kleiniana. Ela o descreve como “... uma experiência subjetiva, largamente
inconsciente, do ego e objetos bons e maus, construída através da operação constante do
splitting, projeção e introjeção...” (Spillius, 1983, p.327).
Bianchedi (1988) faz uma vasta e detalhada análise do ponto de vista metapsicológico
da escola kleiniana. Ela destaca o ponto de vista “espacial”, que parece expressar com clareza
a noção de mundo interno. A abordagem fenomenológica dada por Klein aos processos
psíquicos enfatiza a localização dos espaços presentes nestes fenômenos. Assim, o conceito
de mundo interno tem como base aquilo que é experimentado pelo bebê dentro de seu próprio
corpo. As fantasias inconscientes mais primitivas são desencadeadas por sensações e
expressas em sentimentos e emoções, o que ocorre, em especial, devido à falta de
diferenciação entre corpo e mente.
Ainda detalhando o ponto de vista espacial, Bianchedi (1988) acrescenta a importância
da hipótese da identificação projetiva e dos conceitos de dissociação e cisão dos objetos e do
self, como aspectos de uma teoria que tem como referência um modelo espacial.
O mundo interno kleiniano encontra vários pontos em comum com a realidade
psíquica freudiana. Ambos os constructos teóricos resultam de uma apreensão subjetiva da
experiência, resultante de fantasias inconscientes experimentadas como extremamente vívidas
e reais.
O outro ponto de vista descrito por Bianchedi e que compõe a metapsicologia
kleiniana, é o “dramático”. Como o anterior, ajuda a entender a opinião de Klein sobre as
relações de objeto. Segundo este ponto de vista, os processos mentais ocorrem dentro de um
enredo composto de vários personagens. Tanto o ego quanto os objetos atuam de forma
108
interativa e significativa como personagens dotados de intenções e sentimentos. “Ambos, o
ego e os objetos, podem ser simultaneamente ou alternadamente espectadores ou
protagonistas do drama” (Bianchedi, 1988, p.396). Alguns conceitos ajudam a firmar, na
opinião da autora, este ponto de vista dramático, tais como fantasia inconsciente, objetos
parciais e totais, a figura combinada, o complexo de Édipo precoce, entre outros.
Por fim, Bianchedi (1988) faz uma análise comparativa do ponto de vista econômico
de Freud em relação ao modelo kleiniano. Aqui, o modelo freudiano concebe a mente como
um aparelho onde circula energia e os fenômenos psíquicos como resultantes dos
deslocamentos e investimentos desta energia. Ao invés de focar seu interesse no caminho e
nas transformações desta energia libidinal, Klein deu especial atenção à qualidade dos
vínculos estabelecidos e à variedade das relações de objeto. Dentro deste contexto de
complexas interações o que mais conta não é a energia despendida, mas a comunicação
estabelecida.
O ponto de vista econômico serviu como pano de fundo para Freud abordar e explicar
inicialmente a ansiedade. O acúmulo de libido dentro do aparelho psíquico provocaria uma
descarga em forma de ansiedade. Porém, a ineficiência econômica desta reação de descarga
forçaria o aparelho psíquico a desenvolver novas estruturas capazes de encontrar maneiras
mais eficazes de lidar com as catexias endógenas. Os pontos de vista topográfico e dinâmico
são forjados por Freud para dar conta destes novos problemas epistemológicos. Agora, a
ansiedade não mais resulta da transformação da libido, mas funciona como uma reação do ego
diante de situações de ameaça a sua integridade (Freud, 1926a).
Klein (1958) por sua vez, vincula a idéia de ansiedade às tensões existentes entre as
pulsões de vida e de morte, presentes desde o início da vida. Ambas as pulsões geram
fantasias, desejos e relações de objeto, como lembra Bianchedi (1988). O impulso destrutivo,
visto por Freud como “mudo”, opera num nível psicológico para Klein.
109
Se antes a ansiedade era concebida como a projeção do sadismo, agora ela está mais a
serviço da vida, pois sua aparição é um sinal de que o ego sofre a ameaça da pulsão de morte.
Com este ponto de vista, Klein consolida sua posição de que um ego capaz de experimentar o
medo da morte e reagir às ameaças com mecanismos defensivos engenhosos está presente
desde o nascimento. Além disso, o primeiro expediente usado pelo ego para afastar o perigo
não seria a repressão, como acreditava Freud, mas a projeção (Klein, 1930).
Em seu trabalho de 1948b,Sobre a teoria da ansiedade e da culpa”, Klein afirma: “...
a ansiedade é despertada pelo perigo proveniente da pulsão de morte que ameaça o
organismo; e sugeri que essa é a causa primordial da ansiedade” (Klein, 1948b, p.49).
A opinião sustentada por Klein termina por se chocar com as afirmações de Freud,
segundo as quais o medo da morte não seria uma ansiedade primária. Contrariamente a este
ponto de vista, Klein (1948b) sustenta que o medo do aniquilamento da vida está presente no
inconsciente, e se expressa em forma de ansiedade primária, a qual é experimentada pelo bebê
como algo aterrorizante e persecutório.
A ambivalência entre amor e ódio acompanha o ego e influencia a percepção que o
mesmo tem dos objetos. Stein (1990) salienta que os objetos têm características psicológicas
para o bebê, pois ganham um colorido sentimental e intencional bastante variado. Amam e
são amados, odeiam e são odiados, invejam e são invejados.
É no interjogo das forças pulsionais que o cenário das relações objetais se estabelece.
O primeiro objeto de amor, por exemplo, resulta do investimento de libido (pulsão de vida) no
seio da mãe. O seio que serviu como objeto deste investimento é tomado como algo
infinitamente bom, graças às experiências positivas de gratificação e nutrição. Ameaçado
pelos objetos persecutórios gerados em fantasia, o bebê investe o seio bom de qualidades
onipotentes, tornando-o idealizado. Com base neste raciocínio, Klein afirma que “o objeto
idealizado é o corolário do perseguidor”. Detentor de todos estes atributos, o objeto bom
110
interno, investido de libido, ajuda a formar o núcleo do ego por meio de um processo
identificatório. É essencial para o desenvolvimento mental saudável que este processo se
realize, e seu sucesso depende em parte do amor e dos cuidados dispensados pela mãe ao seu
filho (Likierman, 1993).
Spillius (1983, p.328) pondera que a obra kleiniana nunca detalhou ou explicitou como
os objetos internos bons e maus concorrem para a formação do ego, que este ... combina
objetos bons e maus em si mesmo”. Paula Heimann (1952) tentou esclarecer estas dúvidas ao
ponderar que objetos seriam assimilados completa e incompletamente pelo ego. A descrição
da formação do superego, também resultante da internalização de figuras boas e más,
contribuiu para esta falta de detalhamento.
1.4.5.4 Superego Arcaico x Herdeiro do Complexo de Édipo
É corrente a idéia de que Melanie Klein antecipou cronologicamente boa parte dos
achados de Freud. Sua experiência na análise de crianças pequenas, usando a técnica
psicanalítica através do brincar, colocou diante de seu olhar intuitivo atento um grande
número de comportamentos que foram sistematicamente interpretados. As fantasias
inconscientes que iam se revelando, as quais envolviam dinamismos pré-genitais, levaram
Klein a crer que estava em jogo desde a mais tenra idade um superego de extrema rigidez e
crueldade.
As características deste superego tão arcaico poderiam ter se formado muito cedo,
quando o bebê ainda se encontrava às voltas com seus impulsos destrutivos em franca
evidência. Formava-se a partir daí, o conceito de superego precoce, resultado da
111
internalização de objetos bons e maus, e que tinha seu nascimento logo na primeira relação de
objeto do bebê.
O superego freudiano, por sua vez, tinha características diferentes, em certa medida,
das citadas acima e sua origem remontava ao final da fase fálica, por volta do sexto ou sétimo
ano de vida. Estava instalada mais uma importante divergência entre os modelos kleiniano e
freudiano.
As principais contribuições de Freud sobre a origem do superego apareceram em seu
célebre trabalho de 1923, “O ego e o id”. Tido como o herdeiro do complexo de Édipo, o
superego assumia a importante função de manter reprimidos os desejos edípicos através da
interdição do incesto.
As explicações dadas por Freud para a formação do superego têm íntima relação com
o fenômeno da identificação, realizado pelo ego quando do abandono do objeto libidinal, o
qual é instalado no ego, como forma de lidar com o luto pela perda do objeto amado. Este
expediente, comum em indivíduos melancólicos, ajudaria o ego a lidar com as exigências
instintuais do id, pois este último passaria a ter o próprio ego como objeto de seus impulsos.
Ao mesmo tempo em que a identificação com o objeto perdido aumenta o controle do ego
sobre o id, o primeiro também é obrigado a se sujeitar às exigências do segundo.
O cenário no qual se desenrola o processo de formação do superego é o da fase
psicossexual em que ocorre o complexo de Édipo. A bissexualidade e o caráter triangular são
apontados por Freud como fatores determinantes no desenvolvimento e dissolução do
complexo de Édipo. Assim, ele fala em um complexo de Édipo completo, onde ocorrem
identificações com ambos os pais e sentimentos ambivalentes pelos dois. O foco o é sobre
um tipo simples de relação que exclui um dos genitores como objeto de ódio, e privilegia o
outro. As fantasias edípicas têm ambos os pais como alvo, de forma intercalada e
ambivalente: quando um é amado, o outro é odiado e hostilizado, e vice-versa.
112
A partir da descrição deste complexo de Édipo mais completo, Freud (1923) supõe a
formação do superego como resultante da identificação com as figuras paterna e materna, a
qual é definida por ele da seguinte forma:
“O amplo resultado geral da fase sexual dominada pelo complexo de
Édipo pode, portanto, ser tomada como sendo a formação de um
precipitado no ego, consistente dessas duas identificações unidas uma
com a outra de alguma maneira. Esta modificação do ego retém a sua
posição especial: ela se confronta com os outros conteúdos do ego
como um ideal do ego ou superego” (Freud, 1923, p.46-47).
Este precipitado definido como superego que se formou a partir das escolhas objetais
do id, passa a se colocar em oposição a elas. Está formado para Freud o herdeiro do complexo
de Édipo, que tem sua existência fundada na repressão dos desejos edípicos, e sua influência
sentida tanto na consciência quanto no inconsciente.
As formulações iniciais de Freud sobre as fantasias e sentimentos edípicos datam de
1897, quando ele escreve para Fliess entusiasmado com sua descoberta (Lebovici, 1982).
Entretanto, até hoje suas idéias estão em debate e alvo de controvérsias, em especial no que
concerne à vivência edipiana na menina e no menino, bem como na concepção de uma
evolução gradativa em direção à dissolução (Lebovici, 1982).
Da mesma forma que a origem do ego é tida como uma diferenciação a partir do id, o
superego também surge em decorrência da diferenciação ocorrida a partir o ego. As
experiências infantis com os pais fizeram emergir uma admiração e temor em relação ao que
eles representavam. O ideal do ego (ou superego) representa, assim, as exigências mais
elevadas, extraídas das experiências com os pais reais e que dão base para a censura moral e
os valores humanos mais elevados. Esta representação dos pais, para Klein (1932a), foi
explicada por Freud ora como tendo relação direta com os pais reais, ora como sendo
influenciada pelos impulsos destrutivos do sujeito, explicações complementares. Apesar de
113
não receber muita atenção da comunidade psicanalítica, a segunda explicação se aproximou
mais da noção kleiniana. A instância que resulta do processo de internalização das figuras
parentais o representa exatamente os pais reais, mas o superego deles (construído pela
criança a partir deles).
Uma tensão na relação entre o ego e o ideal do ego é o que explica para Freud (1923)
o sentimento de culpa. Enquanto o primeiro representa o mundo externo e suas contingências,
o segundo representa o mundo interno e suas exigências, uma espécie de mandatário do id. A
parte do ego que se diferencia passa a vigiar a outra parte (Klein, 1958).
O desenvolvimento do superego segue caminhos diferentes no menino e na menina,
para Freud (1925). No menino, devido à ameaça de castração presente durante a fase fálica,
principal razão para o abandono dos desejos edípicos, o superego assume características mais
rígidas e ferozes. na menina, esta instância psíquica teria características mais flexíveis e
menos opressoras, pois a influência do complexo de castração estaria presente bem antes do
período edípico (Roudinesco & Plon, 1998). Portanto, a menina não teria medo de perder um
pênis que não possui, mas o amor do pai.
Ao ingressar na fase fálica, a menina passa a desejar receber um pênis da mãe. A
percepção da existência de uma vagina está ausente e o complexo de castração ganha
destaque quando a menina se conta de que não possui um pênis. Ao se aproximar do pai, a
menina busca, a princípio, o pênis que não tem, e, depois, receber um filho do pai. Assim,
enquanto no menino o complexo de castração o empurra para fora do complexo de Édipo, na
menina é fator desencadeante dos desejos edípicos. Mesmo com estas diferenças em relação
ao desenvolvimento do complexo de Édipo e à formação do superego tanto no menino quanto
na menina, “o superego e o sentimento de culpa são seqüelas do complexo de Édipo”, em
Freud (Klein, 1945, p.460).
114
Klein logo apresentou objeções às idéias de Freud sobre a formação do superego. A
constatação da presença do sentimento de culpa em crianças bem pequenas motivou Klein a
rever as contribuições de Freud.
Marcada por oscilações, a análise de Klein sobre a origem do superego passou por
diversas reformulações. A princípio, ainda muito cuidadosa e preocupada em se manter
próxima das acepções freudianas, ela antecipou o início da formação do superego para o final
do primeiro ano de vida, acompanhando o complexo de Édipo, ao invés de em seguida a ele
(Klein, 1928). A partir de 1935, consolida-se sua opinião de que a incorporação dos objetos
bons e maus, que forma a base do superego, ocorre na primeira experiência de relação de
objeto, imediatamente após o nascimento.
Cintra e Figueiredo (2004) elaboraram a hipótese de que a leitura atenta do trabalho de
Freud “Inibições, sintomas e angustia”, juntamente com as contribuições de Ferenczi, quando
se referiu a uma “moralidade esfincteriana” e as observações clínicas de Klein abriram
caminho para uma nova compreensão sobre o complexo de Édipo. Com a antecipação do
período edipiano, também se seguiu uma antecipação da formação do superego.
Lebovici (1982) sustenta que o interesse de Klein pelas fantasias pré-genitais
experimentadas pelo bebê em suas relações de objeto precoces abriu caminho para uma
formulação de um complexo de Édipo precoce, presente no segundo semestre de vida. A
presença de intensas ansiedades persecutórias e depressivas antecederia a organização edípica
genital. Concebido como a expressão de qualquer relação triangular, Lebovici (1982) explica
que o complexo de Édipo kleiniano configura-se como uma situação que nunca é resolvida
por completo. Descreve-se uma continuidade genética entre os estágios mais primitivos, em
que prevalecem impulsos pré-genitais acompanhados de sentimentos de inveja, ódio e
voracidade, e os mais avançados (genitais), que, fundidos, se fazem sentir por toda a vida e
afetam a formação do caráter e das funções psicológicas.
115
As principais idéias de Klein sobre o desenvolvimento edipiano aparecem em seu
trabalho de 1945, “O complexo de Édipo à luz das ansiedades arcaicas”. Além de apresentar
suas últimas e definitivas concepções sobre o complexo de Édipo, Klein também expõe sem
ressalvas, o que antes não acontecia, suas divergência com relação às idéias de Freud sobre o
assunto.
A partir de uma localização no primeiro ano de vida, Klein descreve o complexo de
Édipo como semelhante em ambos os sexos a princípio, e influenciado pela relação com o
seio da mãe. Como o bebê busca incansavelmente uma gratificação ilimitada, este mesmo seio
acaba se tornando um objeto frustrador, pois é impossível oferecer esta gratificação a todo
instante. A gratificação oral, assim, precisa ser buscada em outro objeto, tanto pelo menino
quanto pela menina: o pênis do pai. O desmame ajuda a dar início ao complexo de Édipo.
existe um conhecimento inconsciente, em ambos, da existência tanto do pênis quanto da
vagina.
As experiências de frustração e gratificação que eram experimentadas na relação com
o seio da mãe, agora também estão presentes na relação com o pênis do pai. O momentâneo
abandono do seio da mãe não livrou o bebê do conflito de amor e ódio, que se estende ao
pênis do pai. A busca por um objeto ideal, segundo Klein, que o bebê possa amar e por quem
possa ser amado, colore os estágios iniciais do complexo de Édipo, e inflige uma oscilação
entre um Édipo positivo e um Édipo invertido. Tanto o pai quanto a e são amados e
odiados. O desejo de possuir o objeto bom idealizado potencializa a introjeção e “as imagos
do seio da mãe e do pênis do pai se estabelecem dentro do ego e formam o núcleo do
superego” (Klein, 1945, p.453). Esta concepção foi modificada por Klein em 1948.
As figuras internas com as quais a criança interage de modo ambivalente afetam a
relação com os pais reais, vítimas das projeções constantes que se sucedem às introjeções dos
objetos externos. A interação entre introjeções e projeções tem seu efeito tanto sobre as
116
relação com os pais reais e imaginários, o que vale dizer sobre o curso do complexo de Édipo,
quanto sobre o desenvolvimento do superego, que o núcleo do mesmo é composto pelas
imagos materna e paterna. “Desse modo, o curso tomado pelo complexo de Édipo e o
desenvolvimento do superego estão intimamente interligados” (Klein, 1945, p.454).
O cenário sobre o qual se desenrola o complexo de Édipo é o da posição depressiva. A
preocupação central não é com o ego, mas com os objetos amados, que sofreram com os
ataques odiosos do bebê, durante a posição esquizo-paranóide, e que continuam a sofrer na
posição depressiva, que com menor freqüência e grau. A preocupação com a integridade
destes objetos acompanha as fantasias edípicas e impulsiona o bebê a realizar reparações.
Seus desejos libidinais são percebidos como perigosos e são reprimidos em nome da proteção
dos objetos amados e da finalidade de manter juntos os pais. A culpa surge, portanto, não no
final do complexo de Édipo, mas se encontra presente durante todo seu curso e afeta seu
resultado.
Klein (1945) descreve de modo diverso o Édipo na menina e no menino. No menino, o
complexo de castração é a principal situação de ansiedade, mas não é o fator principal na
superação do complexo de Édipo. Dois fatores concorrem para que o sentimento de culpa leve
ao abandono no menino dos desejos edípicos: as conseqüências dos desejos sádicos dirigidos
ao pai, que poderiam provocar sua morte (preocupação com o pai); e o dano irreparável
causado à mãe pela ausência do pai morto (preocupação com a mãe). A preocupação em
preservar o pai como figura interna e externa leva também à diminuição da situação edípica.
na menina, Klein assevera que a inveja do pênis e o complexo de castração têm papel
relevante. Porém, a teoria inconsciente sustentada pela menina, de que a mãe possui no
interior de seu corpo o pênis do pai, tão desejado por ela, é de importância central. “O desejo
feminino de internalizar o pênis e receber um filho do pai sempre precede o desejo de possuir
o seu próprio pênis” (Klein, 1945, p.463). A principal situação de ansiedade na menina,
117
conclui Klein, não é o medo de perder a mãe ou seu amor, apesar de presente, mas o receio de
ter seu corpo atacado e seus objetos bons internos destruídos.
O ponto de vista kleiniano sobre a formação do superego, como se pode notar, não
poderia ser apresentado sem abordar o desenvolvimento do complexo de Édipo, pois ambos
se combinam e se completam. Mas a necessidade de uma análise mais detalhada sobre a
formação do superego, por seu papel central neste trabalho.
Um conjunto rico e denso de detalhadas explicações sobre a formação, as
transformações e o papel do superego deu à obra de Melanie Klein uma originalidade ímpar.
Pode-se supor que residem suas principais contribuições sobre o que pode ser chamado de
modelo teórico aplicado à prevenção na infância. Entre as hipóteses lançadas neste trabalho,
destaca-se a idéia de que podem ser extraídos conceitos importantes que dariam base a uma
psicoprofilaxia, a partir de um novo olhar sobre os escritos de Klein sobre o assunto. A
passagem do superego arcaico, mais primitivo e aterrorizante, para um superego integrado,
mais tolerante e benevolente, aparece no modelo kleiniano como crucial para o
estabelecimento da sanidade mental. Esta análise ficou reservada ao espaço destinado à
discussão.
Nesta seção da revisão bibliográfica foram reunidos elementos capazes de esclarecer o
ponto de vista de Klein sobre a origem e desenvolvimento do superego. Com exceção dos
breves comentários anteriores,o se deu ênfase às mudanças no pensamento kleiniano sobre
o tema, preferindo-se a análise direta dos aspectos que representam as últimas e definitivas
concepções elaboradas por ela.
Apesar da formação do superego ser decorrente de um processo de internalização dos
pais, não se pode dizer que esta nova estrutura seja idêntica aos pais reais. Não raro se
observam crianças apresentarem comportamentos e atitudes que denotam um superego muito
mais severo e exigente do que seus próprios pais. Esta constatação não invalida as acepções
118
kleinianas. Ao contrário lhe dão mais consistência, já que Klein não vê o homem como um ser
passivo, formado simplesmente a partir da entrada de estímulos externos em seu psiquismo
vazio. O desenvolvimento não é tomado como resultado da influência do ambiente sobre o
sujeito, num processo de mão única e em decorrência de contingências externas.
A visão de homem que está em jogo aqui é a interacionista, ou seja, o encontro entre
os impulsos instintivos e um ego incipiente de um lado, em um ambiente social de outro, cria
impressões, sentimentos, fantasias e desejos que se alteram a cada nova configuração
situacional, fazendo emergir uma subjetividade extremamente fugaz e dinâmica.
Neste sentido, não se pode conceber a formação do superego de outra maneira, senão
como resultado de um processo de inúmeras e intensas interações entre o sujeito e seu meio
social. Assim, o que é internalizado não é uma imagem fiel e estática de um objeto externo,
mas um novo objeto, antes inexistente, resultado desta interação. O objeto que agora se
encontra no mundo interno formou-se a partir da interpretação fantástica que a criança fez de
sua experiência. As fantasias predominantes é que darão o colorido particular a estes objetos:
se predominarem as fantasias da posição esquizo-paranóide, o superego ganhará
características sádicas, rígidas e cruéis, mas sempre com elementos da realidade
remanescentes; se estiverem em evidência as fantasias da posição depressiva, emerge um
superego mais benevolente, flexível e tolerante.
As identificações arcaicas foram descritas por Klein como processos que se dão nos
“estágios iniciais da formação do superego”, período em que a oposição entre o ego e o
superego ganha sua maior intensidade. Ela afirma:
As ameaças do superego arcaico contra o id contêm em detalhe toda
gama das fantasias sádicas que foram dirigidas ao objeto e que são
agora devolvidas contra o ego, ponto por ponto (Klein, 1932c, p.161).
119
Neste processo incessante de interações entre o mundo interno e externo, o ego ainda
frágil dos primeiros meses de vida sofre pela incapacidade de lidar com as inúmeras e severas
exigências de um superego arcaico e aterrorizante (Klein, 1928).
As relações de objeto passam a ser encaradas sob um novo ponto de vista, que este
superego formado precocemente distorce e perturba as trocas objetais. A qualidade destas
relações dependerá grandemente do destino do superego: quanto mais severo e punitivo maior
é a distorção da realidade; quanto mais integrado e benevolente mais próximo é o contato com
as características objetivas do objeto.
Fiel às idéias de Abraham, Klein subordina a diferença entre a neurose e a psicose a
uma questão de grau, pois o psicótico experimenta maior quantidade de ansiedade do que o
neurótico, justamente devido às pressões insuportáveis deste superego arcaico sobre o ego.
O processo de formação do superego tem seu início na primeira experiência de
alimentação, quando o bebê introjeta diversos aspectos do seio, tanto bons quanto maus, e se
estende por vários anos (Klein, 1952c). Os aspectos mais negativos do objeto, aumentados
pela incapacidade do bebê para tolerar frustrações e pelos ataques sádicos, formam o núcleo
deste superego arcaico. Esta idéia sustentada por Klein durante mais de 40 anos, qual seja, a
de que o superego tem seu princípio amplamente influenciado pelas imagos aterrorizantes,
parece ter sofrido uma digressão, segundo comentários da comissão editorial inglesa na nota
explicativa do trabalho de Melanie Klein de 1958, “Sobre o desenvolvimento do
funcionamento mental”.
Neste trabalho, o último publicado sobre o assunto, Klein apresenta idéias que
parecem contradizer suas acepções anteriores sobre a formação do superego, na opinião da
comissão editorial, em especial sobre a influência das figuras mais aterrorizantes e severas.
Mas uma análise detalhada pode abrir espaço para outras conclusões.
120
O breve ensaio de Klein sobre o desenvolvimento mental apresenta oscilações que não
permitem dizer que ela realmente se afasta de suas principais idéias sobre a formação do
superego, senão que ela apresenta novas inquietações sobre aspectos obscuros no que diz
respeito ao papel de objetos internos na formação do núcleo tanto do ego quanto do superego.
Esta sim foi uma lacuna não esclarecida desde seus primeiros escritos.
Ao explicar as diferenças entre suas idéias e as de Freud no que concerne às
concepções sobre a formação do superego, ela escreve: “... as primeiras introjeções do seio
bom e do seio mau formam o alicerce do superego...”( Klein, 1958, p.273). Mais adiante,
Klein detalha o processo através do qual o ego mantém o objeto bom internalizado dentro de
si, fortificando-se pela identificação com ele, e projeta parte da pulsão de morte e de vida no
superego. “Dessa maneira, o superego adquire qualidades tanto protetoras quanto
ameaçadoras” (Klein, 1958, p.274). A este ponto, o superego mantém sua característica
ambivalente, resultante da internalização dos objetos bons e maus.
Quando apresenta uma fantasia infantil segundo a qual um seio idealizado onipresente
cumpriria as tarefas de controlar os impulsos destrutivos do bebê, protegendo-o contra as
ansiedades persecutórias e amparando o objeto bom, Klein diz ser esta a função do superego.
“No entanto, assim que os impulsos destrutivos do bebê e sua ansiedade são despertados, o
superego é sentido como rigoroso e despótico...” (Klein, 1958, p.274). Mesmo agregando
qualidades mais benevolentes a este superego arcaico, continua presente a forte influência dos
impulsos destrutivos em sua formação inicial.
Em outra passagem deste mesmo trabalho, Klein recorre novamente a sua experiência
clínica no tratamento de crianças pequenas para mostrar como é freqüente a aparição de “um
superego primitivo e selvagem” (Klein, 1958, p.275).
As inovações em seus argumentos aparecem de forma mais enfática ao explicar o
destino das figuras aterrorizantes internalizadas pelo bebê:
121
Estes objetos extremamente perigosos fazem surgir conflito e
ansiedade dentro do ego no início da infância; mas sob a pressão da
ansiedade aguda, eles e outras figuras aterrorizantes são excindidos de
uma maneira diferente daquela pela qual o superego é formado, sendo
relegados às camadas mais profundas do inconsciente (Klein, 1958,
p.275).
A partir desta afirmação, Klein parece se afastar da idéia de que o superego é formado
por estas figuras aterrorizantes em seus primórdios. Distingue duas formas de cisão, uma
ligada aos estratos mais profundos do inconsciente, em que ocorre a defusão, e outra mais
ligada à formação do superego, em que prevalece a fusão das pulsões de vida e de morte.
“Portanto, o superego é normalmente estabelecido numa íntima relação com o ego e
compartilha de aspectos diferentes do mesmo objeto bom” (Klein, 1958, p.275). Isto garante
um relacionamento mais harmônico entre ego e superego, ao mesmo tempo em que provoca
no ego uma repulsa pelas figuras extremamente más.
Klein não explica quais partes do objeto bom são identificadas com o ego e quais
fazem parte do núcleo do superego. As funções do ego e do superego acabam por se
aproximar numa integração que parece descrever as conseqüências da entrada na posição
depressiva, afastando a influência das figuras aterrorizantes na formação do superego. Esta
impressão é reforçada pela seguinte afirmação de Klein:
Com bebezinhos no entanto e eu suponho que isso seja mais forte
quanto mais novo for o bebê -, as fronteiras entre figuras excindidas e
aquelas menos aterrorizantes e mais toleráveis pelo ego são fluidas
(Klein, 1958, p.275).
Nesta passagem, Klein mostra a dificuldade do pequeno infante em fazer
diferenciações que livrem tanto o ego quanto o superego dos objetos internos mais violentos e
aterrorizantes.
122
Com o desenvolvimento de seu raciocínio neste trabalho, Klein se encaminha para a
idéia de que os objetos aterrorizantes estão nos extratos profundos do inconsciente.
Ao se referir à análise de crianças, Klein (1958, p.276) conclui: “... quando nós
penetramos em camadas mais profundas do inconsciente descobrimos que figuras perigosas e
persecutórias ainda coexistem com figuras idealizadas”. Estas camadas mais profundas em
que convivem objetos aterrorizantes e idealizados representam as mais primitivas partes da
mente.
De forma mais evidente, quando explica os processos patológicos em esquizofrênicos,
Klein aborda o aspecto mais destrutivo da mente e a dificuldade de separá-lo do superego:
... podemos ver mais claramente que, nestes, o superego se torna quase
que indistinguível de seus impulsos destrutivos e de seus
perseguidores internos. Herbert Rosenfeld (1952), em seu artigo sobre
o superego do esquizofrênico, descreveu o papel que desempenha, na
esquizofrenia, um superego tão esmagador (Klein, 1958, p.277).
Klein propõe a existência de um novo objeto, o objeto aterrorizante, que se forma a
partir da desfusão, num momento de ascendência do instinto de morte. O superego, por sua
vez, e é aqui que está a grande mudança em seu pensamento, é formado quando o instinto de
vida predomina, agregando características mais benevolentes.
A análise mais detalhada desta provável digressão tornou-se necessária por estarem
contidas aí questões relevantes para a condução desta pesquisa. Entre as hipóteses sustentadas
neste trabalho, encontra-se a de que as explicações de Melanie Klein sobre as transformações
no superego reúnem pontos suficientes para se sustentar a idéia de que pode-se extrair uma
abordagem psicoprofilática do modelo kleiniano. A formação do superego é vista como um
processo que, a princípio, sofre grande influência de objetos parciais, num cenário onde
prevalência de padrões pré-genitais sobre os genitais, estes últimos quase imperceptíveis. O
resultado é um superego intolerante e distante da realidade objetiva em seus estágios iniciais.
123
Com a gradativa ascensão da organização genital, as imagos aproximam-se mais da realidade
e o superego torna-se mais flexível e tolerante. Para Klein, esta evolução dependerá, além da
qualidade das experiências do bebê com o mundo externo, da fixação no estágio oral de sugar
e não de morder. Ou seja, a predominância da libido sobre a agressão determinará esta
aproximação de uma realidade mais amistosa e tolerável (Klein, 1929b).
De volta ao tema de origem, a formação do superego, Klein parece ter atribuído
particular importância para este processo e sua influência sobre o desenvolvimento do ego,
como essencial para o desenvolvimento mental. De modo um pouco simplificado, pode-se
inclusive asseverar que, enquanto Freud ocupava-se da análise da relação entre id e ego,
que o superego era uma instância tardia, para compreender os rumos do desenvolvimento
mental, em seu famoso modelo econômico e biológico, Klein debruçou-se sobre as interações
entre ego e superego, fenômeno presente no início da vida. Reside aí, em especial, o
diferencial que ajuda a denominar o modelo kleiniano do desenvolvimento inicial como mais
psicológico e o freudiano como mais biológico.
Não que os processos biológicos tenham pouca importância para Klein. Na realidade,
eles estão continuamente presentes. Porém, são imediatamente ligados a objetivos
psicológicos, já que o aparelho mental apresenta uma sofisticação inicial suficiente para tanto,
e os limites entre corpo e mente se encontram ausentes. Ao atestar a presença precoce do ego
e do superego, Klein denuncia também a presença precoce de uma mente capaz de realizar
processos altamente complexos.
Pode-se supor que o superego kleiniano representa uma espécie de evolução
psicológica em relação às demandas do id. Assim, o ego incipiente e precoce estaria às voltas
não apenas com os imperativos instintuais do id, mas principalmente com as imposições
morais e ideacionais do superego.
124
Bianchedi (1984) acrescenta mais complexidade a estes processos mentais descritos
por Klein quando salienta que “... para a escola kleiniana, ao lado do superego existem outros
objetos internos, os ‘cidadãos do mundo interno’ que mantém uma variedade de relações e
naturezas complexas entre si, com o ego e com o superego” (p.396).
Já no início da vida as tensões entre a pulsão de vida e de morte fazem-se sentir no ego
como ansiedade, ativando nele, muito cedo, mecanismos de defesa para dominá-la. “A
ansiedade primordial contra a qual o ego luta é a ameaça que surge da pulsão de morte”,
explica Klein (1958, p.271). O desempenho do ego nesta luta é determinado em boa parte por
fatores constitucionais. Quanto mais pulsão de vida se encontra presente nesta “arena”, maior
é a capacidade de amar e, portanto, maior é a tolerância para lidar com a ansiedade decorrente
da pulsão de morte. Somado ao fator constitucional, um fator externo de extrema relevância
também é determinante para o bom desempenho do ego no controle da ansiedade: a maneira
como a mãe lida com seu bebê (Klein, 1958).
O alvo das investidas sádicas do bebê, o interior do corpo da mãe, revela-se como um
mundo fantástico dentro do qual se encontram os mais variados personagens. A maneira como
se dará este investimento no corpo da mãe determinará em boa parte o sucesso da adaptação
da criança à realidade objetiva.
A combinação dos fatores constitucional e externo concorrerá para a qualidade da
internalização do objeto bom que formará o núcleo do ego. Esta mesma internalização, como
foi dito antes, também contribui para a formação do superego.
O seio da mãe, em seus aspectos tanto bons quanto maus, representará o núcleo do
superego, o qual se formará a partir da primeira experiência de alimentação do bebê e se
estenderá por anos (Klein, 1952c).
125
1.4.5.5 A Teoria da Inveja
De todos os conceitos forjados por Klein, em seus estudos e pesquisas clínicas, talvez
nenhum causou mais estranheza e controvérsia do que o conceito de inveja. Se Freud
impressionou em especial pela sua genialidade, mas, principalmente, por ter acrescentado a
sexualidade à equação que explica o funcionamento mental e o desenvolvimento da
personalidade, Klein provocou igual reação por ter somado a tudo isto uma ênfase na
agressividade humana, e em seus principais corolários: o ódio e a inveja.
A teoria da inveja representou um aprofundamento dos estudos realizados sobre os
efeitos da pulsão de morte sobre os processos psíquicos. Mais uma vez, Klein não hesitou em
expor as particularidades dos impulsos destrutivos presentes na natureza humana. E, com
igual habilidade, demonstrou o aspecto ambivalente e, ao mesmo tempo, sadio da condição
humana ao revelar a antítese do impulso destrutivo: no início de seus trabalhos, o amor como
antítese do ódio, e agora, em suas últimas contribuições, a gratidão como antítese da inveja.
“A dialética entre inveja e gratidão deve ser vista como outra variação do tema da luta entre
amor e ódio, que é o conflito nuclear na teoria kleiniana”, afirma Stein (1990, p.503).
Simon (1986) acredita que a teoria da inveja representou uma espécie de revisitação da
obra kleiniana, por ter modificado as concepções de posição esquizo-paranóide e depressiva,
acrescentado novos elementos para a compreensão do Édipo precoce, e, finalmente,
aumentado o entendimento sobre os estados confusionais e o tratamento de pacientes
psicóticos.
Logo no início de seu último e conclusivo trabalho sobre o assunto, “Inveja e
Gratidão”, o qual serviu de base para o desenvolvimento desta seção, Klein (1957) reconhece
as contribuições de Karl Abraham na compreensão das perturbações mentais a partir do
126
estudo dos impulsos destrutivos, e define a inveja como “uma expressão sádico-oral e sádico-
anal de impulsos destrutivos, em atividade desde o começo da vida, e que tem base
constitucional” (Klein, 1957, p. 207).
Cintra e Figueiredo (2004) apontam dois elementos que ajudam a entender a afirmação
de Klein de que a inveja tem base constitucional. Segundo eles, o termo base constitucional
não se relacionava a algum componente genético responsável pela expressão da inveja.
Recorrendo a Abraham, eles explicam que a maior ou menor voracidade, enquanto tendência
à fixação oral, é que predispõe o bebê a satisfazer-se ou não com a gratificação oral que
recebe do seio. Quanto mais voraz é o bebê, maior a sua intolerância e frustração diante da
espera, ainda que mínima. Está aberto o caminho para a manifestação da inveja, com os
conseqüentes ataques violentos ao objeto que o frustrou. Desta feita, é a voracidade, devido à
maior propensão para a oralidade, que é constitucional.
O segundo elemento apontado pelos autores para explicar a concepção kleiniana sobre
a origem da inveja, diz respeito à “unidade pré-natal com a mãe”. A experiência do
nascimento inflige ao recém-nascido um forte desconforto em virtude do rompimento de um
estado de satisfação plena em que o mesmo se encontrava em sua vida intra-uterina. A
ansiedade persecutória despertada leva o ego a criar um objeto idealizado que traria de volta a
unidade perdida. Cintra & Figueiredo (2004) apresentam, assim, o segundo argumento:
Existe, na inveja, um componente libidinal, uma forte nostalgia por
um estado pleno de satisfação que se teve e se perdeu, mesclada com
ódio, ressentimento e a sensação de algo que tornou-se, para sempre,
inalcançável (p.128).
Não é difícil concluir que a mãe nunca será capaz de resgatar este estado pleno de
satisfação, o que predispõe qualquer bebê ao sentimento de inveja. “... em princípio, a própria
127
descontinuidade entre a vida intra e extra-uterina é o elemento ‘constitucional’ (ou, melhor
dizendo, estrutural) que torna possível a inveja” (Cintra & Figueiredo, 2004,p.129).
Simon (1986) distingue nos escritos de Klein sobre a inveja uma definição genética,
em que se destaca a expressão oral-sádica dos impulsos destrutivos, sua base constitucional e
seu início no começo da vida; e uma definição fenomenológica, em que se revelam os
aspectos descritivos: um sentimento raivoso e um impulso de tomar e estragar algo desejável
que o outro possui e desfruta.
O desenvolvimento de um ego saudável, como resultado da internalização do bom
objeto, é ameaçado pelos impulsos invejosos. O bebê, quando exposto a experiências de
frustração, sente que foi privado de toda satisfação que antes experimentou, e que agora lhe é
roubada e reservada unicamente para o prazer do objeto usurpador. Sente que a gratificação
lhe foi roubada. A inveja representa um sentimento destrutivo imbuído de ódio, em virtude da
constatação de que o outro possui e extrai prazer de algo muito desejado. A meta da inveja é
antes atacar e estragar os atributos invejados, do que tomá-los para si. Tem suas bases nas
relações arcaicas com o seio materno. “... o primeiro objeto a ser invejado é o seio nutridor”,
explica Klein (1957, p.214).
A autora assevera que existe na mente do bebê a fantasia de que o seio dispõe de
recursos inesgotáveis. Assim, tanto nas vivências de um seio que satisfaz ou que frustra, a
privação é sentida como maldosa e proposital. Movido pelo ódio, o qual foi provocado pelas
experiências de frustração muito pouco toleradas, o bebê aumenta seus ataques ao seio, este
percebido como malvado e tirano. Com a intensificação dos ataques, torna-se cada vez mais
difícil para o pequeno infante introjetar o seio bom. Os impulsos destrutivos causam tanto
dano ao objeto, que o bebê tem dificuldade em reconhecer suas qualidades boas. A busca
desesperada por componentes benevolentes aguça a voracidade, tornando o sujeito invejoso
insaciável.
128
Spillius (1983) lembra que a inveja é um grande obstáculo ao desenvolvimento por
afetar os processos básicos de cisão, comprometendo posteriormente a diferenciação e a
integração necessárias à elaboração da posição depressiva.
O fator constitucional, bastante referido por Klein para explicar a intensidade dos
impulsos invejosos, também é levado em conta para mostrar a capacidade de amar que
acompanha o bebê. Esta capacidade cria as bases para o estabelecimento de um objeto bom
interno, o que fortalece o ego. O amor e a gratidão funcionam como antídotos contra a inveja
e a voracidade, inevitáveis até certo ponto.
Os conceitos de inveja e gratidão ajudam a explicar toda sorte de relacionamentos
humanos, bem como suas variações saudáveis e doentias. O estabelecimento de um vínculo
afetivo saudável, para Klein, depende da capacidade do sujeito de reconhecer em si e no outro
qualidades boas e desfrutá-las. A oferta e recepção destas qualidades vão determinar muito do
sucesso do vínculo. Dito de outra forma, caso sejam reconhecidos em si mesmo aspectos bons
(graças a internalização do objeto bom), pode-se tolerar os aspectos bons no outro. A
generosidade vai representar a oferta do que se detém de bom, e a gratidão significará o
reconhecimento do que existe de bom no outro e foi recebido pelo sujeito. Nas palavras de
Klein (1957):
Um dos principais derivados da capacidade de amar é o sentimento de
gratidão. A gratidão é essencial à construção da relação com o objeto
bom e é também o fundamento da apreciação do que de bom nos
outros e em si mesmo (p. 219).
Uma combinação entre fatores externos e internos pode contribuir para o
desenvolvimento da gratidão ou a potencialização da inveja. A capacidade de amar, inata para
Klein, interage com as condições ambientais às quais o bebê é exposto. Caso acumulem-se
experiências em que o bebê sente ter sido satisfeito e acolhido em suas necessidades,
129
fortalece-se a impressão de estar sendo cuidado por um objeto benevolente e em quem pode
confiar, criando as bases para a gratidão. Nos casos em que a capacidade de amar se encontra
reduzida, fator constitucional, o bebê não consegue aproveitar as experiências satisfatórias,
desconfiando da benevolência do objeto. A cada nova frustração, por menor que seja,
desencadeia reações explosivas de ódio e inveja e danifica os conteúdos do objeto.
Durante a posição esquizo-paranóide, cenário sob o qual surge tanto a inveja quanto a
gratidão, o ego se utiliza dos expedientes defensivos de que dispõe nesta época. A cisão e a
idealização são ativadas para proteger o objeto bom do objeto mau e livrar o primeiro dos
ataques sádicos do bebê. Quanto maior a persecutoriedade, maior a necessidade de separar o
bom objeto do objeto mau (cisão), a fim de proteger o primeiro. A idealização do objeto
nutridor cria uma força extra para combater o objeto mau. Preso a um círculo vicioso, o bebê
passa a invejar justamente o seio que idealizou, pois atribui a ele qualidades fantásticas e
inesgotáveis. A inveja, portanto, tem como alvo não a mãe boa real, mas sim aquela criada em
fantasia e que possui toda a bondade (Carstairs, 1992).
Ponto de vista discordante do exposto acima, na opinião de Ryad Simon (comunicação
oral), a experiência clínica tem demonstrado que é justamente “quando o terapeuta é visto
como objeto real, capaz de realizar tarefas difíceis, agüentar a hostilidade sem se
desequilibrar, usufruindo da relação com o paciente, é que a inveja é mais fortemente sentida.
Nos casos em que a capacidade de amar esta preservada, a cisão e a idealização são
menos intensas, contribuindo para uma relação mais realista e integrada com o mundo externo
e consigo mesmo.
A passagem para a posição depressiva, decisiva para o estabelecimento de uma
personalidade saudável, é vivenciada com bastante culpa pela criança que é tomada pela
inveja. Os ataques invejosos são sentidos como causadores de grande dano ao seio bom,
130
criando no ego intensos sentimentos de culpa, tendo como conseqüência quadros depressivos
acompanhados de defesas maníacas, ou mesmo regressões a estados esquizóides.
A partir do conceito de inveja, Klein retoma boa parte de seus outros conceitos e os
analisa à luz da presença deste derivado da pulsão de morte. O próprio sentimento de culpa,
desencadeado segundo Klein (1957, p.226), pelos ataques dirigidos ao seio, agora se acha
ligado “à inveja do seio nutridor e ao sentimento de haver estragado sua ‘bondade’ por meio
de ataques invejosos”.
A relação com a mãe é acompanhada de sentimentos de posse e de exclusividade. O
objeto que acolhe e alimenta encontra-se para o bebê como irremediavelmente seu e obrigado
a se colocar em permanente disponibilidade. Como esta condição é impossível de ser
alcançada, como dito anteriormente, surgem os inevitáveis momentos de frustração, seguidos
dos ataques de ódio e inveja. Enquanto a relação restringe-se ao bebê e sua mãe, percebida em
partes, a luta é pela retomada do estado constante de satisfação e plenitude. A partir da
entrada do terceiro na relação, quando o bebê é capaz de perceber o objeto de forma
integrada, o ciúme, derivado da inveja, soma-se ao complexo de sentimentos que
acompanham o bebê. A figura combinada, imagem criada pelo bebê, na fantasia, que
representa os pais unidos em um ente, e usufruindo do prazer desta união poderosa, o faz
sentir-se ainda mais abandonado e excluído.
Klein (1957, p.229) lembra que “o ciúme é inerente à situação edipiana e é
acompanhado de ódio e desejos de morte”. E completa: “Se a inveja não é excessiva, o ciúme
na situação edipiana torna-se um meio de elaborá-la” (Klein, 1957, p.230). O uso do ciúme
para elaborar a inveja, como demonstram Cintra e Figueiredo (2004), auxilia o bebê a sair de
seu “aprisionamento narcísico” em que se encerrava, na relação dual com a mãe, para um
universo mais amplo onde espaço para outros objetos e paranculos menos possessivos e
dependentes.
131
Todo objeto capaz de oferecer prazer e preservar a vida passa a ser alvo da inveja. A
inveja primária, dirigida inicialmente ao seio enquanto fonte de vida, ataca também o pênis,
durante o complexo de Édipo. Tanto um quanto o outro é odiado enquanto fonte de prazer e
de vida.
Como se pode notar, a presença da inveja, e sua intensidade, passa a ser determinante
para a elaboração das posições e para o desenvolvimento satisfatório. A saúde mental e a
felicidade dependem deste interjogo: “A inveja é uma fonte de grande infelicidade, e estar
relativamente livre dela é sentido como um estado de espírito de contentamento e de paz – em
última análise, sanidade” (Klein, 1957, p.235).
As palavras de Klein (1957), já no final de sua carreira, dão claramente a noção de
uma saúde mental que só seria viável sem a presença predominante do sentimento invejoso.
132
2 Material e Método
Nesta seção são explicitados os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa e
a forma como foi tratado o material colhido.
2.1 Delineamento da Pesquisa
Tendo em vista que a proposta do presente trabalho foi a realização de um exame e
organização de diversas idéias da teoria kleiniana sobre o desenvolvimento psicológico
infantil e sua interface com uma abordagem preventiva, sua viabilização se deu a partir de
pesquisa teórica de livros, artigos científicos, e outras fontes de informação relacionadas às
obras completas de Melanie Klein e aos escritos dos pós-kleinianos.
2.2 Operacionalização
A revisitação da teoria kleiniana se deu a partir de roteiro que respeitou finalidades
estabelecidas na apresentação deste trabalho.
Partindo-se do pressuposto de que um modelo teórico é adequado para a realização de
intervenção preventiva na infância, caso permita prever futuros transtornos a partir da análise
do comportamento presente; e ainda contenha em seu bojo noções de saúde mental e
elementos capazes de possibilitar a apresentação de condições favoráveis para um
desenvolvimento ótimo, a busca por fontes bibliográficas priorizou tais aspectos e respeitou
os limites cronológicos definidos. Privilegiou assim, aspectos dos escritos kleinianos e pós-
133
kleinianos que destacaram elementos e permitiram depreender uma noção de prevenção
coerente com a teoria kleiniana.
Impôs-se, desta forma, a necessidade de definir, na ótica do modelo kleiniano, uma
concepção de saúde mental. Assim, foram sendo delineadas com clareza as bases sobre as
quais este trabalho se debruçou, em direção a uma possível noção de prevenção na psicanálise
kleiniana.
A fim de tornar o campo de investigação mais explícito e detalhado, com suas
implicações teórico-conceituais mais claras, procedeu-se à análise do material teórico
contemplando-se as principais categorias conceituais da teoria kleiniana e enfatizando vértices
que marcassem o encontro com as noções de prevenção e saúde mental.
Para tanto, além da busca por elementos que definissem a concepção kleiniana de
saúde mental, buscou-se a reunião de material teórico que relacionasse os conceitos de
“fatores de risco” e “fatores protetivos” com o modelo kleiniano, capaz de subsidiar
intervenções preventivas universais, seletivas e indicadas, tais como são definidas pelo
Committee on Prevention of Mental Disorders (Mrazek e Haggerty, 1994; Kenneth, 1996).
Assim, foram considerados fatores de risco”, características, variáveis ou perigos que, caso
estivessem presentes num dado indivíduo ou ambiente, aumentariam a probabilidade da
ocorrência de um transtorno mental. Já os “fatores protetivos”, envolveriam aspectos que
melhorassem ou modificassem a reação de uma pessoa diante de um perigo ambiental que
poderia conduzir a um resultado pouco ou pouquíssimo adequado. Estes fatores, tanto os
protetivos quanto os de risco, segundo Munoz (1996), poderiam ter origem biológica ou
psicossocial, bem como estar presentes em indivíduos, famílias, comunidades ou instituições.
A investigação científica esteve circunscrita à exploração teórica da obra de Melanie
Klein, e seu escopo restrito a idade de 0 a 6 anos.
134
3 Discussão
A revisitação da teoria kleiniana, com vistas à reunião de material teórico que
subsidiasse a formulação de noções de prevenção em saúde mental na infância, perseguiu as
possibilidades de significações que podem ser extraídas do arcabouço conceitual da obra.
Sabe-se que o conjunto dos conceitos construídos por Melanie Klein resultou
principalmente de observações do comportamento infantil e da experiência clínica no
atendimento a crianças neuróticas e psicóticas. A revisitação de idéias forjadas num setting
bastante específico, por meio de uma pesquisa teórica, e a tentativa de aplicação dos
resultados desta empreitada a espaços mais amplos do que a clínica (o que Laplanche chamou
de aplicação extra-muros), impôs a realização de certas tarefas.
A primeira destas tarefas diz respeito à releitura dos conceitos. Esta tarefa não guarda
a intenção de traduzir os conceitos, ou retomar seu sentido literal e original, o que foi feito
na revisão da literatura, mas construir um discurso que possibilite a emergência de outros
sentidos, além dos que já são conhecidos (Garcia-Roza, 1994).
Evidentemente, esta abordagem da teoria deve respeitar a especificidade do conceito.
Como aconselha Garcia-Roza:
Não se pode tirar desse conceito a sua singularidade e transformá-lo
numa entidade abstrata, que possa ser deslocada de tempo, de lugar,
que possa ter um valor de troca ou um valor de moeda, como se ele
não tivesse a sua especificidade, a sua irredutibilidade, a sua
singularidade, portanto a sua história (p.19).
Entretanto, como toda releitura ou construção conceitual, não é possível esgotar todos
os sentidos possíveis de se abstrair, como também é inviável circunscrever de maneira
globalizante o fenômeno que se pretende descrever ou explicar.
135
Consideradas estas ressalvas, a releitura parte do pressuposto de que a teoria encontra-
se em estado de transformação constante, algo dinâmico, vivo, uma teoria “aberta”, por
acompanhar a evolução da experiência e por conter insuficiências que exigem reformulações.
Uma maior compreensão da realidade leva a um diálogo entre os conceitos existentes e os
fatos que se apresentam. É obvio que tais qualidades não podem ser atribuídas a todas as
teorias construídas, mas apenas àquelas com potencial para tanto. Cabe salientar que idéias
tais como as formuladas por Melanie Klein, a respeito de fenômenos tão complexos e
intensos, certamente guardam esta qualidade dinâmica e viva.
A segunda tarefa a ser vencida diz respeito à construção de formulações
generalizáveis. Esta releitura tem como cenário a psicanálise, que além de ser uma proposta
de tratamento de transtornos mentais, é uma teoria que encerra em si mesma uma visão de
homem. E, como toda visão de homem, e de natureza humana, comporta generalizações e
aplicações que extrapolam os limites do consultório e do paciente. Como salienta Mezan
(1998), a psicanálise desenvolveu um instrumento terapêutico e uma concepção do
funcionamento mental do homem em geral.
A partir deste ponto de vista, a formulação de uma noção de prevenção em saúde
mental na infância, de inspiração kleiniana, traz implícita uma conseqüente possibilidade de
expansão de seu alcance a populações inteiras, em especial quando se trata de prevenção
primária. O psiquismo humano encerra particularidades, que tornam cada pessoa um ser
singular, mas o terreno sobre o qual se configura esta singularidade, com todas as variações
dos processos de subjetivação, é regulado por processos universais e relativamente regulares,
pelo menos do ponto de vista da psicanálise.
As peculiaridades do acontecer psíquico, sua singularidade, não estão em risco aqui.
Não se pretende reduzir o funcionamento mental a um conjunto de regras universais e
normatizadoras. O campo psicanalítico não comporta isto. O que se busca é a formulação de
136
concepções que podem ser generalizadas sem desconsiderar o que é subjetivo, mas conciliar
com o que é psicológico e objetivo. Psicológico porque diz respeito a uma lógica de
funcionamento psíquico; objetivo porque se considera uma “causalidade genérica” (Mezan,
1998) no psíquico. Não considerar o que de comum nos processos psíquicos é quase
sepultar toda a psicologia e a psicanálise. Seguindo as recomendações de Mezan (1998), a
pesquisa em psicanálise deve evidenciar os planos da especificidade e o da generalidade.
Klein (1959), num pós-escrito do texto “Nosso mundo adulto e suas raízes na
infância”, faz uma defesa explícita da existência de uma base geral para o desenvolvimento do
caráter, independentemente das diferenças culturais, ao refutar críticas de um antropólogo às
suas idéias.
foram discutidas aqui as implicações de tal expansão, e as opiniões tanto contrárias
quanto a favor. Entretanto, parece inevitável a presença deste aspecto generalizante nas
formulações que resultaram desta releitura, ainda mais se considerados os propósitos de uma
produção científica, e até mesmo os anseios do próprio Freud.
Uma terceira tarefa, que complementa as anteriores, refere-se a articulação dos
conceitos entre si dentro da teoria kleiniana, o que pode ser nomeado aqui como articulação
interna, e a articulação da teoria kleiniana com outros saberes, externos à psicanálise, o que
poderia ser denominado como articulação externa. Retomando Garcia-Roza (1994), ao se
referir à “inter-textualidade”:
... a articulação da teoria psicanalítica, do saber psicanalítico, com esses
outros saberes é a de um encontro, que pode provocar certas questões
no interior da problemática psicanalítica, mas não no sentido de se
importar conceitos e princípios de outras teorias para a psicanálise
(p.30).
Esta articulação externa (ou “inter-textualidade”) representa uma disposição para o
encontro, para o diálogo do familiar com o estranho. Uma intercomunicação entre os
137
conceitos gestados no terreno psicanalítico e os formulados com base em outras áreas das
ciências humanas, com amplas possibilidades de favorecimento mútuo. O contato da
psicanálise kleiniana com o tema da prevenção em saúde mental na infância faz surgir “certas
questões no interior da problemática psicanalítica”: questões sobre a generalidade, a
normalidade, a previsibilidade, entre outras, além de questões éticas, políticas e ideológicas.
De forma resumida, após abordar estas três grandes tarefas, pode-se dizer que: o
problema da prevenção em saúde mental na infância, que é aqui o problema de pesquisa
fundamental, ao ser aplicado à teoria kleiniana (diferente de Garcia-Roza, não acredito ser
possível fazer uma releitura deste tipo sem impor um problema ao texto), encerra a
necessidade de releitura dos conceitos, com vistas à formulação de novos sentidos,
formulação esta de caráter generalizável, e em complemento, articulada com outros conceitos
de outras áreas do saber dentro das ciências que estudam o homem e sua relação com seu
meio.
O ponto de partida desta releitura, sem perder de vista as tarefas colocadas acima,
seguiu o caminho da busca por uma noção de saúde mental que pudesse ser formulada com
base no modelo kleiniano. Em seguida, a partir das conclusões extraídas deste primeiro passo,
foi feita uma análise da modalidade ou modalidades possíveis de prevenção que se
compatibilizassem com este referencial teórico. Finalmente, os fatores protetivos e de risco
foram abordados, numa tentativa de explicitação e detalhamento das formas de prevenção
propostas.
138
3.1 Conceitos de Saúde Mental
Que noção de saúde mental pode ser construída a partir da releitura da teoria
kleiniana? Qual relação entre normal e patológico pode ser feita? Qual articulação teórica
interna e externa ajuda a resolver estes problemas? Que concepções gerais podem ser
formuladas? Estas perguntas representam o caminho que foi traçado para o desenvolvimento
desta seção.
Melanie Klein apresentou algumas idéias a este respeito em diversas passagens de sua
obra, e de modo mais explícito em um de seus últimos escritos, o que denota uma
preocupação freqüente da autora com a problemática da saúde mental até o final de sua vida.
Em “Sobre a saúde mental”, Klein (1960) oferece descrições detalhadas e conceitos bem
definidos sobre a saúde mental. No início deste trabalho, ela já apresenta uma definição:
Uma personalidade bem integrada é a base da saúde mental.
Começarei enumerando alguns elementos de uma personalidade bem
integrada: maturidade emocional, força de caráter, capacidade de lidar
com emoções conflitantes, equilíbrio entre a vida interna e a
adaptação à realidade e uma bem-sucedida fusão das diferentes partes
da personalidade em um todo (p.306).
De partida, pode-se notar que Klein apresenta uma definição abrangente e que permite
uma ampla discussão. Porém, observam-se algumas acepções comuns. Os termos
“personalidade integrada” e “fusão de diferentes partes” parecem se referir à mesma
qualidade da mente de realizar um importante processo de integração de parcelas inicialmente
difusas e incompatíveis. De certo, está em questão a passagem da posição esquizo-paranóide
para a posição depressiva, e todas as implicações de um processo de reconhecimento de partes
negligenciadas ou repudiadas e sua inclusão no todo da personalidade. É evidente a
139
vinculação do alcance da saúde mental à passagem para a posição depressiva, a qual confere à
personalidade seu caráter integrador:
A posição depressiva infantil ocupa um lugar central no
desenvolvimento da criança. O desenvolvimento normal da criança e
sua capacidade de amar parecem depender em grande parte da
maneira como o ego passa por essa posição crucial (Klein, 1935,
p.329).
as expressões “maturidade emocional” e “capacidade de lidar com emoções
conflitantes” apontam para o que foi denominado, neste trabalho, de competência sócio-
emocional. A profusão e variação de emoções sentidas pelo sujeito recebem um tratamento
que possibilita compreensão interna, ou seja, reconhecimento e compreensão das próprias
emoções, bem como habilidade para compreender e responder aos sentimentos alheios.
Finalmente, a frase “o equilíbrio entre a vida interna e a adaptação à realidade” traz à
tona a capacidade do sujeito de suportar e enfrentar adequadamente as frustrações da
realidade, o que se aproxima da noção de resiliência.
Assim, os conceitos de integração, competência sócio-emocional e resiliência parecem
centrais na compreensão de uma noção de saúde mental de inspiração kleiniana. Esta análise
mereceu maior detalhamento, o que ficou reservado para outra parte deste trabalho.
A hipótese sustentada aqui é de que a saúde mental representa uma competência para
suportar frustrações e para lidar com as emoções próprias e alheias, bem como uma
disposição para fazer reparações e estabelecer vínculos afetivos; e que a mesma é um estado
fluido, alcançado a partir de transformações ocorridas no desenvolvimento do superego e da
habilidade do ego para dominar as interações entre mundo interno e mundo externo.
Os argumentos que ajudam a testar esta hipótese podem ser expostos a partir da
análise de um vasto material teórico escrito por Klein.
140
Em diversas passagens de seus escritos, Klein faz referências a comportamentos
normais e patológicos, a possibilidades de desenvolvimento saudável, de equilíbrio mental e
de desenvolvimento favorável. Apesar de algumas de suas concepções fundamentais
sofrerem reformulações no decorrer de sua obra, é possível, com base na evolução do seu
pensamento, identificar idéias essenciais para a formulação de uma noção de saúde mental.
3.1.1 Uma Questão Também Quantitativa
Em “Amor, culpa e reparação”, livro que reúne trabalhos de 1921 a 1945(Klein 1996),
podem ser encontradas afirmações que fornecem elementos importantes sobre saúde mental.
A idéia de que o indivíduo saudável distingue-se do doente por uma questão de grau expressa
a noção de que processos psíquicos semelhantes estão presentes no desenvolvimento saudável
tanto quanto no patológico. Em termos qualitativos, a distinção não seria tão marcante, porque
é a quantidade de certos impulsos e mecanismos que determinaria o equilíbrio mental.
Em A análise de crianças pequenas”, influenciada por uma visão econômica de
funcionamento psíquico, Klein (1923a) postula uma série complementar que colocaria de um
lado os sintomas, e de outro a sublimação bem-sucedida. As fantasias carregadas de impulsos
libidinais ou agressivos que se encaminham para a sublimação, podem sofrer uma repressão
acentuada contribuindo para a formação de sintomas. Caso a repressão tenha uma intensidade
menor, pode ocorrer uma sublimação bem-sucedida, e pequenas quantidades de libido são
descarregadas em forma de ansiedade. Neste postulado, são as quantidades tanto de impulsos
instintivos quanto de repressão, que determinam se o sujeito alcançará um estado mental
saudável. A partir de 1935, com a organização de uma teoria com um caráter mais estrutural,
141
Klein acrescenta outros elementos importantes envolvidos na busca pela saúde mental, além
do aspecto econômico, como o equilíbrio dinâmico entre id, ego e superego, e a adequação ao
meio social. Porém, a relevância das quantidades de pulsão de vida e morte, com seus
conseqüentes desdobramentos sobre o funcionamento psíquico, nunca perderam importância.
Além da repressão, Klein (1927b) cita o grau com que a criança usa o mecanismo da
fuga da realidade para fazer a diferenciação entre o normal e o patológico:
ainda outros mecanismos que são empregados tanto pelas crianças
normais quanto pelas neuróticas, e mais uma vez é a questão do grau
que determina a diferença entre as duas: um deles é a fuga da
realidade (p.208).
Ao invés de se esforçar para adaptar suas fantasias à realidade, a criança, por meio do
mecanismo de fuga descrito acima, busca adaptar a realidade às suas fantasias. Esta é uma das
razões pela qual não é tarefa simples para um observador distinguir uma criança que sofre
com as frustrações impostas pelo seu ambiente, de outra que lida satisfatoriamente com elas.
A adaptação à realidade depende, em grande escala, da “maior ou menor capacidade
[uma questão quantitativa] de tolerar aquelas frustrações que surgem da situação edipiana”
(Klein, 1932a, p.31).
Outro mecanismo que tem sua quantidade como aspecto determinante para o
desenvolvimento mental saudável é a cisão. O excesso da cisão compromete a integração do
ego, perturba a relação com a mãe e pode prejudicar o desenvolvimento intelectual. “Se os
processos de cisão não são excessivos, o consciente e o inconsciente permanecem permeáveis
um ao outro” (Klein, 1957, p.278). E esta permeabilidade garante tanto o caráter integrador,
primariamente, quanto a competência sócio-emocional, secundariamente. É que o excesso de
cisão complica as tentativas do ego de integrar as partes boas e más da personalidade, levando
a criança a ter severas dificuldades para reconhecer e perceber estas partes como integrantes
142
de um todo. Em conseqüência, aumenta a intolerância às emoções consideradas inaceitáveis
tanto no sujeito quanto no outro.
Da mesma forma, o impulso epistemofílico, essencial para o desenvolvimento da
curiosidade e da capacidade para aprender, também tem seus efeitos positivos ou negativos
sobre o desenvolvimento mental dependendo da quantidade de sadismo em jogo (Klein,
1928). A criança precisa acreditar que seu sadismo não danificou irreversivelmente o interior
do corpo da mãe. Este último representa no inconsciente tudo aquilo que é desejado. Portanto,
a obtenção do “alimento para a mente” depende da quantidade do sadismo usado nas
investidas sobre o interior do corpo da mãe (Klein, 1931). O ápice do sadismo se na
posição esquizo-paranóide, e diminui com a integração dos dois instintos, na posição
depressiva (Klein, 1935, 1946). Influenciada pelas idéias de Abraham, sobre o
desenvolvimento da libido, Klein atribui grande importância ao papel do sadismo no
desenvolvimento mental.
Ao se referir à esquizofrenia, Klein (1930) lembra que “É muito difícil detectar traços
típicos dessa doença na criança, pois em menor intensidade eles são aspectos naturais do
desenvolvimento das crianças normais” (p.262). Sintomas comuns em esquizofrênicos, como
afastamento da realidade, a falta de vínculos afetivos, a fala sem sentido e a dissociação,
recebem pouca atenção quando aparecem na criança.
De modo geral, a quantidade de amor e ódio, derivados das pulsões de vida e morte,
respectivamente, tem grande influência sobre o destino do desenvolvimento mental. A
predominância de um ou de outro confere qualidades bastante diversas às relações afetivas, às
fantasias predominantes, às características dos objetos internos, à percepção das realidades
interna e externa, entre outras conseqüências. Como ressalta Klein (1937):
... a quantidade[o grifo é da autora] de impulsos agressivos, medo e
sentimento de culpa(que surgem em parte por motivos internos)
143
exerce uma influência importante sobre a atitude mental predominante
que desenvolvemos (p.381).
Num texto detalhado e explicativo, “Neurose em crianças”, Klein (1932) aborda o
problema da distinção entre a criança “normal” e “neurótica”, em que afirma: “... toda criança
passa por uma neurose, que difere em grau de um indivíduo para outro” (p.121). São
oferecidas inúmeras descrições de comportamentos que podem apontar para uma neurose
mais severa, em seus primórdios. Ainda assim, é recorrente no discurso de Klein, a referência
a aspectos quantitativos na fronteira entre a saúde e a doença:
O que diferencia verdadeiramente a criança menos neurótica da mais
neurótica é acima de tudo, além da questão das diferenças
quantitativas, a maneira pela qual ela administra suas dificuldades
(Klein, 1932, p. 122).
Estas diferenças quantitativas, juntamente com a capacidade da criança de lidar com
as adversidades da realidade, aparecem como essenciais para identificar uma personalidade
saudável.
Em outro trabalho de 1932, Klein mantém a ênfase sobre o fator quantitativo, ao
ressaltar: “Como sabemos, o homem normal não difere do neurótico em fatores estruturais e
sim em fatores quantitativos” (p.162). Mais tarde, estas idéias ganharam novos contornos com
a teoria das posições.
A presença dos sentimentos de amor e ódio, aspecto constante nas relações de objeto,
sofre variações de acordo com quantidades de ansiedade envolvida. A capacidade para amar,
inata para Klein (1952b), “... que se revela em uma primeira relação de objeto pode
desenvolver-se livremente porque a ansiedade não é excessiva” (p.122). A observação de
bebês deu a Klein elementos para concluir que quantidades excessivas de ansiedade, como
também de voracidade, podem comprometer o desenvolvimento de uma personalidade
144
saudável. Após discorrer sobre a observação de bebês, Klein (1952b) apresenta algumas
conclusões que reforçam a importância do aspecto quantitativo:
A capacidade inata do ego de tolerar ansiedade pode depender de uma
maior ou menor coesão do ego no nascimento; isso por sua vez propicia
uma maior ou menor atividade dos mecanismos esquizóides e,
correspondentemente, uma maior ou menor capacidade de integração
(p.142).
Mesmo no final de seu percurso intelectual, em um texto publicado postumamente,
permanece a crença sobre a importância da quantidade de ansiedade presente: “Essas
ansiedades [paranóide e depressiva] existem, num certo grau, em todo indivíduo, mas são
excessivamente fortes na doença” (Klein, 1963, p.341).
Da mesma forma, perturbações ligadas à alimentação, ao sono, bem como a
inquietação e a irritabilidade, são ocorrências naturais da infância, caso não se tornem
excessivas (Klein, 1952b).
O sentimento de inveja, central na obra kleiniana, também não escapa ao aspecto
quantitativo para definir seu papel no desenvolvimento mental: “Se a inveja é excessiva,
indica, em minha concepção, que traços paranóides e esquizóides são anormalmente intensos
e que tal bebê pode ser considerado como doente” (Klein, 1957, p.214). Por outro lado, se
quantidades menores de inveja estão em jogo, o ciúme torna-se um meio adequado para a
elaboração do complexo de Édipo, preservando o objeto e mobilizando muito menos culpa na
criança. A presença e a quantidade de inveja são encaradas por Klein como fatores
determinantes para o alcance da saúde mental. “A inveja é uma fonte de grande infelicidade, e
estar relativamente livre dela é sentido como um estado de espírito de contentamento e de paz
– em última análise, sanidade” (Klein, 1957, p.235).
Apesar da ênfase no aspecto quantitativo ter recebido mais atenção na fase do percurso
intelectual da autora em que o ponto de vista econômico de Freud era assumido com mais
145
entusiasmo, a questão não perdeu importância, e mesmo no final da vida, no último artigo
escrito por Klein (1960) “Sobre a saúde mental”, ela afirma: “Essas ansiedades, de natureza
tanto persecutória quanto depressiva, são, quando excessivas, a base para a doença mental”
(p.308). Note-se que o fator diferencial não é o qualitativo (ansiedades de natureza
persecutória ou depressiva), mas quantitativo (“quando excessivas”).
3.1.2 Um Estado Fluido
A breve discussão feita a respeito do aspecto quantitativo da saúde mental na obra
kleiniana traz uma implicação natural: a noção de saúde mental não reconhece a idéia de
saúde como ausência de doença. São fartas as passagens na obra de Klein que enfatizam a
idéia de que uma mente saudável não está livre de processos patológicos nem núcleos
psicóticos.
Enquanto discorria sobre a esquizofrenia na infância, Klein (1930a) afirmou: “Ainda
mais comum do que a psicose nas crianças é a presença de traços psicóticos que, em
circunstâncias desfavoráveis, podem levar à doença num estágio posterior” (p.263). É
marcante no pensar da autora, logo no início do seu percurso teórico, a crença de que
mecanismos potencialmente patológicos se encontram presentes no início da vida e
permanecem latentes durante o desenvolvimento mental, sendo possível sua emergência em
condições desfavoráveis. No mesmo ano, em outro trabalho (Klein, 1930c) ainda sobre a
esquizofrenia, a autora explica que “... é mais difícil detectar traços típicos dessa doença na
criança, pois em menor intensidade eles são aspectos naturais do desenvolvimento das
crianças” (p.267). Esta passagem, além de oferecer mais argumentos sobre o aspecto
146
quantitativo na caracterização da saúde mental, reforça a fluidez do estado saudável. Saúde e
doença compartilham de uma proximidade em que a existência de uma o impossibilita a
permanência em estado latente da outra. “Isso quer dizer que todos nós podemos ser
influenciados por fatores irracionais, mas que, na vida normal, o somos dominados por
eles”, ensina Klein (1959, p.292).
A consolidação do conceito de posição (Klein, 1935), em lugar do conceito freudiano
de fase, acrescentou maior consistência à idéia da existência de flutuações entre saúde e
doença no desenvolvimento mental saudável, porém com a segunda subordinada a primeira.
O desenvolvimento como resultado de um processo progressivo que afasta cada vez mais o
sujeito de organizações psicológicas arcaicas e potencialmente patológicas, através da
sucessão de fases, não é mais admitido. A mobilidade posicional (Bianchedi, 1983) inaugura
uma visão de dinâmica psíquica marcada por oscilações e conflitos, numa relação dialética
entre as pulsões de vida e de morte. Assim, o resultado do desenvolvimento o é a
eliminação ou afastamento dos núcleos psicóticos, mas o aumento do controle sobre eles
através de um processo de integração, graças à consolidação de uma organização psicológica
fundada na pulsão de vida. Sobre a descrição de saúde mental dada por ela num artigo sobre o
tema, Klein (1960) afirma: “... ela se baseia num interjogo entre as fontes fundamentais da
vida mental os impulsos de amor e ódio -, interjogo no qual a capacidade de amor é
predominante” (p.309). Ela completa sua argumentação lembrando que a boa relação com a
mãe ajuda a concretizar esta predominância.
A noção de posição representa o reconhecimento de Klein de que a saúde mental é
muito mais do que ausência de doença. É a inevitável convivência conflituosa com aquilo que
é pouco ou nada tolerável em nós (e no outro). O aspecto integrador do conceito de saúde
mental de Klein volta à tona e se concilia facilmente com o conceito de posição. A integração
é encarada como indispensável para a saúde mental: “Um elemento importante na saúde
147
mental de que não tratei até o momento é a integração, que encontra sua expressão na fusão
das diferentes partes do self” (Klein, 1960, p.312).
A passagem da posição esquizo-paranóide para a posição depressiva não representa
uma superação, mas sim integração. O desenvolvimento emocional não caminha no sentido
da eliminação gradativa, ou da substituição automática por uma estrutura mais “saudável”. O
que evolui é a capacidade de tolerância e integração de parte do que antes era impossível
reconhecer ou aceitar. O ego realiza uma síntese em busca do equilíbrio entre o superego, o id
e a realidade. É claro que este processo é facilitado pela mitigação da pulsão de morte com a
predominância dos impulsos amorosos, que resultam da interação com um ambiente que
favorece a introjeção de um objeto bom capaz de lidar com as ameaças internas e externas. O
caráter inacabado e fluido da saúde mental se faz perceber nas explicações de Klein (1963)
sobre a integração:
“A integração pode acontecer passo a passo e a segurança
alcançada por ela é passível de ser perturbada sob pressão interna e
externa o que permanece verdadeiro ao longo de toda a vida. Uma
integração completa e permanente nunca é possível, pois alguma
polaridade entre as pulsões de vida e de morte sempre persiste e
permanece como a fonte mais profunda de conflito” (p.343).
Mas vale ressaltar que a lógica deste processo está fundada não no afastamento ou
eliminação do que é primitivo, arcaico e profundamente inconsciente. Suas bases estão
ancoradas sobre um olhar do todo, com seus elementos agradáveis e desagradáveis,
conscientes e inconscientes, bons e maus, construtivos e destrutivos, fundados no amor e no
ódio, dirigidos à vida e à morte. Klein (1946) esclarece bem este ponto:
Algumas flutuações entre a posição esquizo-paranóide e a depressiva
sempre ocorrem e fazem parte do desenvolvimento normal. Portanto,
não se pode traçar uma divisão clara entre dois estágios do
desenvolvimento; além disso, a modificação é um processo gradual e
148
os fenômenos das duas posições permanecem por algum tempo
entrelaçados e interagindo em alguma medida (p.35).
Existe uma relação de proximidade entre saúde e doença, amor e ódio, razão e
irracionalidade. Como lembra Klein (1955 [1953]), “... ansiedades de natureza psicótica
fazem parte, em certa medida, do desenvolvimento infantil normal...” (p.165). Da mesma
forma, a maturidade emocional não exclui a expressão ou influência do que de infantil.
“Mesmo numa pessoa emocionalmente madura, fantasias e desejos infantis persistem em
alguma medida” (Klein , 1960, p.306).
Por todas estas razões, a saúde mental o pressupõe ausência de sofrimento, nem
aprisionamento do sujeito do inconsciente. Menos ainda a evitação do inesperado. Como
alerta Ripa di Meana (2001), o sujeito do inconsciente “simplesmente reivindica o direito de
não ser distorcido, ser entendido, mas não feito uniforme” (p.46).
Em complemento às discussões sobre as implicações teóricas do conceito de posição,
o lugar de destaque dado à interação entre as pulsões de vida e morte também aparece como
contribuição importante para entender esta fluidez da saúde mental.
É de conhecimento notório a importância dada por Klein para a relação entre as
pulsões de vida e de morte. As oscilações na predominância de um ou outro, que depende
grandemente das interações de fatores inatos com o mundo externo, confere configurações
subjetivas distintas que afetam a percepção tanto interna quanto externa. Daí se supõe que a
predominância dos impulsos construtivos sobre os destrutivos aproxima o funcionamento
mental ao que Melanie Klein descreve como personalidade saudável. Todavia, isto não
significa que o sujeito se vê livre das influências de sua própria destrutividade. É mais correto
afirmar que boa parte desta destrutividade foi sublimada, uma outra simplesmente
reconhecida e aceita, e uma outra ainda em estado bruto e inconsciente que pode desfazer a
149
estabilidade mental alcançada. A probabilidade de este último desfecho ocorrer é menor em
indivíduos saudáveis, mas nunca deve ser desprezada.
O conceito de mundo interno, contribuição importante do modelo kleiniano para a
compreensão dos processos psíquicos e dos mecanismos envolvidos na origem das psicoses,
também auxilia no entendimento desta fronteira tênue entre saúde e doença. Este “espaço
psíquico”, construído a partir dos mecanismos de projeção e introjeção (que se produzem em
decorrência das trocas entre o bebê e seu meio), fica povoado de objetos internos que
sofreram maior ou menor distorção em relação à realidade. O cenário que é constituído
internamente vai influenciar o modo como o sujeito se relaciona consigo mesmo e com o
mundo. As interpretações de suas experiências são amplamente dependentes do que é sentido
subjetivamente neste mundo interno. foi esclarecido anteriormente que esta construção é
devida à interação de fatores internos e externos. O fato é que as bases sobre as quais este
mundo interno é erguido gozam de uma estabilidade relativa. Mudanças bruscas em estados
subjetivos, sejam por contingências ambientais ou pressões internas (ou ainda uma
combinação de ambos), alteram o cenário do mundo interno e as características dos objetos
internos, fazendo predominar elementos persecutórios e impulsos destrutivos que
encaminham o sujeito para uma instabilidade emocional acentuada. Isto explica, por exemplo,
as oscilações bruscas de humor.
O predomínio da ansiedade paranóide provoca a intensificação da projeção, pois a
criança não suporta os impulsos e desejos que surgem. O aumento da projeção prejudica a
capacidade de lidar com os sentimentos próprios e alheios, uma vez que os elementos
projetados contaminam a percepção dos objetos externos. Caso predominem impulsos
libidinais e experiências gratificantes, a introjeção, mais do que a projeção, passa a ser o
expediente mais usado. O mundo interno fica mais assemelhado com o mundo externo e, em
conseqüência, as relações com o outro e consigo mesmo ficam mais realistas e saudáveis.
150
O caminho seguido a então, por força da necessidade de realizar uma abordagem
didática do problema de conceituar a saúde mental com base nas idéias de Klein, leva a
necessária análise de alguns aspectos em separado, o que não quer dizer que tenham
existência isolada ou que lhes falte interligação ou interdependência. A abordagem analítica
do problema objetiva, em especial, destacar elementos que se encontram difusamente
localizados no todo da obra, sem que tal procedimento destitua o conceito de seu lugar
original.
Pode-se dizer que, a o momento, esta discussão resgatou e ajudou a formular idéias
sobre saúde mental que foram inspiradas nas primeiras incursões de Klein na construção de
sua teoria. E traz para o debate aquilo que resistiu às reformulações que se seguiram. O ponto
de vista econômico e a ênfase no mundo interno foram, sem dúvida, marcantes nos primeiros
anos dos trabalhos de Klein. A estes se somou mais tarde uma visão mais dinâmica,
complexa, estrutural, e com destaque para a influência ambiental. Entretanto, a força das
pulsões e das fantasias que povoam o mundo interno ganhou mais dinamismo e
complexidade.
3.1.3 Uma Competência Sócio-Emocional
Diz-se a respeito da teoria de Klein se tratar de uma teoria das emoções, dado o
destaque que as mesmas recebem em seus escritos. Esta presença marcante não poderia deixar
de compor a equação que aqui se constrói sobre a noção de saúde mental.
A centralidade das emoções na organização do funcionamento psíquico é marcante. É
através delas que o indivíduo da significado aos acontecimentos (Barros, 1996), e são elas que
151
promovem ou obstruem o desenvolvimento, pois surgem primariamente (Stein, 1990). As
emoções, experimentadas continuamente pelo ego e relacionadas com os instintos, têm
influência direta sobre a produção das fantasias e dos objetos que povoam o mundo interno.
Emoções de amor e ódio, sentidas desde o início da vida, bem como os sentimentos
derivados, que resultam da interação com o mundo externo, ajudam a estruturar a mente. As
pressões das pulsões (de vida e de morte) e da realidade, provocam a produção constante de
emoções e sentimentos. O modo como o sujeito lida com elas e com as que surgem das
transações com o ambiente social, é para Klein de fundamental importância para o
estabelecimento de uma vida mental saudável. A própria mudança para a posição depressiva,
sabidamente imprescindível para o alcance da estabilidade psíquica, inaugura um modo mais
flexível, maduro e realista de lidar com emoções e sentimentos. Em lugar do medo, do ódio e
da inveja, prevalecem a preocupação com o objeto, o amor e a gratidão. Como se pode notar,
a recorrência constante às emoções como forma de descrever e diferenciar estados
saudáveis e patológicos. Mais uma vez, vale ressaltar que o aspecto emocional está sendo
tratado em destaque para provar uma tese, não para apontá-lo como exclusivo ou hegemônico.
Os argumentos apresentados aqui cumprem a necessária tarefa de mostrar a centralidade das
emoções.
Ao se referir aos sentimentos de culpa e de medo de perder a mãe, Klein (1936)
afirma: “Esses sentimentos, creio, têm efeitos importantes no futuro bem-estar mental da
criança, na sua capacidade de amar e no seu desenvolvimento social” (p.334). Mais adiante,
ela acrescenta: “... os sentimentos agressivos, que causam tanta perturbação na mentalidade da
criança, são ao mesmo tempo de grande valor para seu desenvolvimento” (p.335). Além de
adicionar mais argumentos para a noção de saúde mental como resultado de uma integração
(de sentimentos agressivos e amorosos), estas passagens revelam a importância dada por
Klein ao papel das emoções para o desenvolvimento saudável. Os sentimentos derivados da
152
pulsão de vida ajudam a dar mais consistência e estabilidade às relações sociais, à
produtividade, e aumentam a sensação de felicidade e harmonia interna. Os sentimentos
influenciados pela pulsão de morte, quando adequadamente sublimados, regulam a variedade
de ações voltadas ao trabalho, esporte e lazer, entre outras.
No mesmo trabalho de 1936, ao tecer suas considerações finais, Klein faz uma defesa
enfática da importância de compreender as emoções, com a finalidade de promover a saúde
mental:
Contudo, uma melhor compreensão das necessidades emocionais do
bebê certamente terá uma influência favorável na nossa atitude em
relação aos seus problemas e poderá ajudá-los a atingir maior
estabilidade. Ao pôr em palavras essa esperança, estou resumindo o
principal objetivo desse trabalho (345).
As emoções de amor e ódio cumprem tarefa fundamental nos relacionamentos tanto
com pessoas em geral, quanto nas relações familiares, influenciando a atitude social por toda
vida (Klein, 1937). As bases para a atitude social se constroem nas primeiras relações que o
bebê tem com a e, sendo que o primeiro apresenta sentimentos de amor e gratidão em
resposta ao amor e os cuidados da segunda, bem como sentimentos de ódio e ressentimento
diante das frustrações infligidas por ela.
O amor que a criança sente pela mãe, tão necessário para a construção de uma vida
mental saudável, precisa ser deslocado para as outras relações. Klein (1937) lembra o papel
crucial desta emoção e de seu deslocamento:
Esse processo de deslocamento do amor é da maior importância para o
desenvolvimento da personalidade e dos relacionamentos humanos
ou até mesmo, pode-se dizer, para o desenvolvimento da cultura e da
civilização como um todo (p.367).
153
O deslocamento deste amor não deve ser total. “No caso de uma personalidade
realmente bem desenvolvida, sempre resta algum amor pelos pais, ao qual se acrescenta o
amor por outras coisas e pessoas” (Klein, 1937, 368).
Percebe-se que as emoções de amor e ódio regulam todo funcionamento mental, por
toda a vida, e a forma como lidamos com elas, em nós e nos outros, e que tipo de
transformações e deslocamentos são efetuados, tem relação direta sobre o destino do
desenvolvimento.
O modo de lidar com outras emoções e sentimentos, derivados daqueles, ou das
pulsões de vida e de morte, também aparecem no modelo kleiniano como cruciais para a
consolidação de um funcionamento mental saudável.
Os sentimentos de ansiedade e de inveja certamente estão entre os que determinam,
segundo o ponto de vista kleiniano, o percurso seguido pelo desenvolvimento emocional.
A ansiedade, provocada pela pressão da pulsão de morte sobre o ego, leva este último
a lançar mão de mecanismos defensivos engenhosos, a começar pela projeção. O ego saudável
é aquele que tolera, distribui e modifica a ansiedade (Bianchedi, 1988). Daí se supõe que a
maturidade e força do ego são medidas a partir do modo como ele lida com as emoções e
sentimentos, em especial a ansiedade. Inclusive a capacidade do ego, em conjunção com
condições favoráveis no meio ambiente, de modificar a ansiedade, sela o destino da
personalidade em direção à posição depressiva, pois a ansiedade persecutória, portanto
paranóica, lugar à ansiedade depressiva, de tendência reparatória. Percebe-se que a
ansiedade no decorrer da obra kleiniana foi assumindo um lugar de sentimento que pode
alavancar ou obstruir o desenvolvimento.
O sentimento de inveja, constitucional para Klein, também assumiu lugar de destaque
no modelo que descreve o caminho em direção da saúde mental, e seus obstáculos. A inveja
excessiva é talvez um dos elementos mais daninhos na busca de um desenvolvimento mental
154
saudável. O bebê exageradamente invejoso é incapaz de se beneficiar dos cuidados oferecidos
pela mãe e termina por atacar tudo aquilo que representa qualidades boas no outro. A
sabotagem do desenvolvimento é constante e torna inviável o alcance da posição depressiva,
visto que deteriora a formação dos sentimentos de amor e gratidão, verdadeiros antídotos
diante dos obstáculos ao crescimento.
O aumento da intensidade da inveja, aliado à força dos mecanismos paranóides e
esquizóides, torna bastante complicada a tarefa de separar o amor e o ódio, no início da vida.
Se aliadas a isto, as experiências com a mãe tiverem o predomínio da frustração, a criança terá
muita dificuldade para distinguir o que é bom e o que é ruim (Klein, 1957).
O papel central das emoções é incontestável que sempre um conjunto de
emoções envolvidas e diretamente responsáveis por alguma etapa importante do processo de
desenvolvimento mental. Amor, ódio, inveja, ciúme, gratidão, ansiedade persecutória e
depressiva, culpa são todas emoções e sentimentos de presença marcante nos escritos de
Klein. Portanto, a competência para lidar com as emoções, tanto próprias quanto alheias,
torna-se elemento imprescindível na composição de uma personalidade saudável. Segundo
Kusché (2002) o desenvolvimento desta competência em crianças, através de programas
aplicados no contexto escolar, é crucial para lidar com situações correntes da vida na
atualidade.
Por serem as emoções o principal veículo de comunicação usado pelas crianças e
adultos nas relações sociais, uma competência emocional, quando aplicada às emoções
próprias e do outro, assume contornos de competência sócio-emocional.
Vaillant e Vaillant (2004), após estudarem as diferentes formas de conceituação da
saúde mental, apresentaram seis modelos diferentes, entre os quais o que chamaram de
inteligência sócio-emocional. Esta foi definida como a capacidade para identificar e lidar com
sentimentos próprios e alheios, denotando habilidades sociais, auto-conhecimento e auto-
155
controle. Esta definição assemelha-se com a afirmação feita por Klein (1959), a respeito da
formação do caráter, ligado ao auto-conhecimento e o auto-controle, e sua importância nas
relações sociais, ao concluir um de seus últimos escritos:
Conclui este artigo discutindo a importância do caráter porque a meu
ver o caráter é a base para toda a conquista humana. O efeito de um
bom caráter em outros está na raiz do desenvolvimento social
saudável (p.297).
Algumas das características marcantes desta inteligência são: percepção consciente e
monitoramento das próprias emoções; adaptação à realidade na expressão das emoções;
reconhecimento e resposta adequados às emoções do outro; habilidade para negociar nas
relações íntimas; entre outras.
A ênfase atribuída pela psicanálise às relações objetais, e no caso específico do
modelo kleiniano, reconhecimento da existência desta forma de relação no início da vida,
lançou grande atenção, esforços e estudos sobre as trocas ocorridas na relação mãe-bebê. A
riqueza e complexidade de respostas e processos psíquicos envolvidos nesta ade abriram
caminho para uma percepção diferente tanto das qualidades sociais do bebê, quanto das
habilidades presentes no início da infância e necessárias para a consolidação de uma
personalidade sadia e apta para lidar com as contingências ambientais. Emoções antes
consideradas ausentes na tenra idade ou muito elaboradas para povoar a mente de um bebê
recém-nascido, passaram a fazer parte dos estudos sobre o desenvolvimento emocional
primitivo, e com freqüência apareceram nas mais variadas descrições sobre os fenômenos
psíquicos.
Com o reconhecimento da presença das emoções na vida mental humana bem antes do
que se imaginava, e seu papel fundamental na regulação e modulação das interações sociais, a
afetividade (conjunto das emoções e sentimentos e a forma de lidar com eles) ganhou status
156
de pedra fundamental e instrumento imprescindível para um desenvolvimento psicológico
saudável e o alcance de um equilíbrio psíquico. “Equilíbrio não significa evitar conflitos;
supõe a força para atravessar emoções penosas e poder lidar com elas” (Klein, 1960, 308).
Melanie Klein certamente teve participação destacada e pioneira nesta grande
revolução no olhar sobre a vida mental infantil, e seu modelo teórico reúne farto material para
supor que um indivíduo alcança a saúde mental quando, entre outras qualidades, desenvolve
uma competência sócio-emocional.
Recorrendo ao levantamento detalhado feito por Vaillant e Vaillant (2004), a relação
das características desta inteligência, chamada aqui de competência, apontam para a noção
kleiniana de saúde mental. A percepção consciente das próprias emoções, bem como o
monitoramento das mesmas, representa os ganhos adquiridos pela criança quando reconhece a
totalidade de seus sentimentos e os controla ou redireciona em nome da preservação de si
mesma e do objeto. O aumento da consciência sobre as próprias reações emocionais é tido por
Klein como essencial para o aumento da estabilidade psíquica.
O êxito na passagem para a posição depressiva, imprescindível para o alcance da
saúde mental, conduz ao aumento na adaptação das emoções e percepções à realidade,
levando à adequada expressão emocional, mais de acordo com as condições estabelecidas por
cada ocasião.
Outra conseqüência salutar da consolidação da posição depressiva, e diversas vezes
lembrada por Klein como característica marcante de um indivíduo saudável, menos suscetível
às pressões dos impulsos esquizo-paranóides, é a preocupação com o estado e a preservação
do outro. Aqui uma convergência entre os impulsos reparatórios, exaustivamente
explicados por Klein, e colocados em lugar de destaque, e a característica apontada por
Vaillant e Vaillant (2004) de reconhecimento acurado e resposta adequada às emoções do
outro, como integrantes do modelo de saúde mental denominado inteligência sócio-
157
emocional. Só é possível reconhecer e responder adequadamente às emoções do outro quando
o indivíduo não se encontra aprisionado ao egocentrismo da posição esquizo-paranóide. Ao
diminuir a ênfase sobre a atenção dirigida ao ego, que se encontrava às voltas com as fantasias
e angústias paranóicas, a libido volta-se com mais força para o objeto, o que aumenta a
capacidade de percebê-lo de forma mais realista, além de melhorar a sensibilidade do sujeito
às necessidades do outro.
A empatia, outra característica apontada na composição desta inteligência sócio-
emocional, envolve a capacidade de colocar-se no lugar do outro e reconhecer seus
sentimentos e qualidades. Klein (1958) explica a empatia como a capacidade de identificar-se
com o outro: “Em cada estágio a capacidade de identificar-se propicia a felicidade de ser
capaz de admirar o caráter ou as conquistas dos outros” (p.294). Junto com a admiração, o
olhar sobre o outro ganha compreensão e tolerância: “... ser mais compreensivo e tolerante
com nossos filhos, assim como com pessoas fora do círculo familiar, é sinal de maturidade e
de desenvolvimento bem-sucedido” (Klein, 1958, p.294).
O necessário deslocamento de boa parte do amor antes dirigido à mãe, para outros
objetos, garante o estabelecimento de relacionamentos afetivos duradouros, íntimos e estáveis.
Assim, a habilidade nas negociações em relacionamentos íntimos, mais uma das qualidades
apontadas no estudo dos autores citados acima, coaduna-se com a assertiva kleiniana.
Esta breve análise reúne formulações suficientes para se afirmar com segurança que
uma noção de saúde mental construída a partir das idéias de Klein deve conter a competência
sócio-emocional. E esta competência, segundo Kusché (2002), é essencial para lidar com a
realidade atual, carregada de intensas transformações sociais e culturais, e as prováveis
transformações que estão por vir:
As rápidas e complexas mudanças culturais das últimas décadas, bem
como aquelas previstas num futuro que pode ser antevisto, faz das
158
competências sociais e emocionais requisitos cruciais para o bom
funcionamento das crianças tanto em suas vidas em situações
correntes quanto para suas vidas como adolescentes e adultos (p.301).
3.1.4 A Resiliência
“Não é o estresse que mata os indivíduos, mas o domínio saudável do estresse que
permite aos indivíduos sobreviver”. Com esta afirmação, Vaillant e Vaillant (2004) explicam
a qualidade de ser resiliente. Os pesquisadores apontam três grupos de mecanismos
regularmente usados para enfrentar situações estressantes: procura consciente por apoio
social; uso de estratégias cognitivas conscientes; uso de mecanismos adaptativos
involuntários, conhecidos pela psicanálise como mecanismos de defesa do ego. Estes últimos
são considerados defesas mentais homeostáticas que são desencadeadas para lidar com
mudanças abruptas, as quais possibilitam a evitação ou o melhor enfrentamento de conflitos
intrapsíquicos.
Estas definições são bastante adequadas para ajudar a elaborar mais algumas
formulações sobre a noção kleiniana de saúde mental. A aproximação das idéias sobre
resiliência, conceito forjado recentemente nas ciências humanas para explicar a capacidade
humana para lidar com as adversidades da vida, com os preceitos de Klein sobre as
características de uma mente saudável, encontra diversos pontos de convergência e
complementação mútua.
A começar pelo aspecto que torna a teoria kleiniana familiar tanto para aqueles que
têm pouco conhecimento de suas bases, quanto para os que a conhecem em profundidade, a
importância do brincar tornou-se uma espécie de marca registrada. É de conhecimento geral o
valor dado por Klein ao ato de brincar como essencial e estruturador de uma mente sadia.
159
Deixando de lado seus efeitos terapêuticos e seu papel na técnica de tratamento psicanalítico
de crianças, o brincar auxilia a criança a lidar com a realidade. Num artigo de 1929 em que a
autora estuda as diferenças no brincar em várias manifestações patológicas, em comparação
com o brincar sadio, ela afirma:
As crianças normais, porém, têm melhor domínio da realidade. Sua
brincadeira mostra que elas são mais capazes de influenciar a
realidade e viver dentro dela em conformidade com suas fantasias
(Klein, 1929b, p.236).
A boa relação com a realidade, típica de pessoas saudáveis para Klein, aparece no
modo como o brincar se desenrola e nas fantasias em jogo. Não é possível pensar numa
atitude resiliente que não se apóie nos efeitos benéficos da atividade lúdica, que por sua vez é
composta por uma riqueza de fantasias que expressam e trazem os resultados das transações
que se realizaram e se realizam entre a criança e seu ambiente. O enfrentamento de situações
estressantes, além de exigir uma força de caráter (implicitamente do ego), muito citada por
Klein para definir saúde mental, demanda o uso da criatividade, para que os mecanismos de
defesa sejam eficazes, sem causar prejuízo para o sujeito ou seu meio.
A sublimação, mecanismo defensivo mais evoluído e eficaz do qual o aparelho
psíquico lança mão, é talvez a resposta mais resiliente e, pode-se dizer, versão mais madura
do brincar infantil saudável. O brincar e a atitude resiliente parecem ter uma relação estreita
que merece uma análise mais profunda.
O grau de contato com a realidade é usado por Klein como termômetro para
diferenciar uma criança saudável, de uma neurótica ou psicótica. A criança resiliente mantém
um contato estreito com a realidade, sem afastamentos prolongados ou acentuados, pois não a
interpreta como ameaça intransponível. O afastamento da realidade de modo recorrente,
subterfúgio do psicótico, baseia-se numa percepção paranóica e parcial, característica própria
160
da posição esquizo-paranóide. aquela que revela uma relação mais estreita e eficiente com
seu meio, denota uma percepção mais realista e integrada, qualidade dos que atingiram de
modo satisfatório a posição depressiva. Portanto, em última análise, a atitude resiliente é o
efeito do uso adequado do brincar, da relação harmônica com a realidade e da adequada
elaboração da posição depressiva.
Em complemento ao que foi dito até então sobre a resiliência, a capacidade de suportar
frustração, que parece ser o elemento essencial, merece um maior detalhamento.
Klein refere-se a esta capacidade de forma recorrente para defender seu ponto de vista
sobre a saúde mental. Numa nota de rodapé de seu conhecido trabalho “Amor, culpa e
reparação”, de 1937, ela fala do papel das frustrações no desenvolvimento infantil: “É
importante perceber que o desenvolvimento da criança depende de sua capacidade de
descobrir uma maneira de suportar as frustrações inevitáveis e necessárias...” (p.357).
O enfrentamento das situações frustrantes, que por sua vez provocam um conflito
entre os sentimentos de amor e ódio, já que o descontentamento diante da realidade estimula o
ódio e o coloca em oposição ao sentimento de amor (e o desejo de reparação), diz muito a
respeito das condições de saúde mental da criança. O modo como ela vai elaborar este
conflito determinará muito de sua atitude resiliente. Frustrações muito precoces, por exemplo,
um desmame precoce, podem provocar ódio e ressentimento em quantidades suficientes para
afetar a capacidade da criança de se adaptar a frustrações futuras (Klein, 1937).
A capacidade e disposição para reparar, igualmente importante nesta adaptação às
situações desagradáveis da vida, também dependem da elaboração do conflito entre amor e
ódio. Condições extremamente adversas são enfrentadas de forma obstinada por aqueles que
conseguiram construir internamente, com o auxílio de um ambiente anterior favorável, um
objeto bom que garante ao ego este ímpeto para solucionar situações difíceis. A internalização
de objetos frustradores, por outro lado, pode levar a uma reação desesperada (frente a
161
situações de privação) daquele que, influenciado por fantasias arcaicas, encontra-se
novamente diante do objeto que o frustra e priva de suas necessidades básicas, do amor e da
proteção (Klein, 1937).
A influência das primeiras experiências sobre a formação desta atitude positiva diante
das pessoas e coisas é decisiva. “... quando a criança não é feliz no início de sua vida, ela terá
dificuldades em criar uma atitude esperançosa, além de amar e confiar nas pessoas” (Klein,
1937, p.380). Klein pondera que mesmo em condições mais favoráveis, a criança pode
construir uma imagem pessimista das pessoas e do mundo, posto que além de receber amor e
gratificações, a criança precisa ter uma capacidade inata para suportar frustrações. Assim,
num trabalho anterior, ela apontou a importância desta capacidade e os efeitos de sua falta: “A
incapacidade da criança em tolerar frustrações acabará por torná-la ingovernável e mal-
adaptada à realidade” (Klein, 1932a, p.119).
A resiliência o pode ser confirmada isoladamente, pois “Em muitas crianças, a
incapacidade original de tolerar frustração fica obscurecida por uma grande adaptação aos
requisitos de sua educação” (Klein, 1932a, p.123). Klein não relaciona necessariamente a
atitude resiliente com “bondade” ou “cooperação”, que estas características podem vir
acompanhadas de inibições no brincar ou apego excessivo aos objetos. Crianças com este
perfil demonstram pessimismo e com freqüência renunciam à satisfação de suas necessidades
para se livrar da ansiedade e da culpa. Apesar destas últimas características estarem presentes
em menor ou maior grau em todas as mentes, saudáveis ou não, a preocupação excessiva com
a mitigação delas denuncia uma organização psíquica mais esquizo-paranóide que depressiva
(ou mesmo a falha na elaboração da posição depressiva).
A resiliência tem relação direta e de dependência com o aspecto quantitativo da saúde
mental. A capacidade para lidar com situações externas adversas tem relação direta com a
quantidade de pulsão de vida e de morte que se encontra em jogo no início da vida.
162
Existe uma pré-disposição de base constitucional para suportar mais ou menos as
insatisfações impostas pela realidade. Klein (1952b) detalha esta variação:
... temos que nos lembrar que algumas crianças parecem suportar
condições externas insatisfatórias sem grave dano para seu caráter e
sua estabilidade emocional, enquanto em outras, apesar do ambiente
favorável, surgem e persistem sérias dificuldades (p.122).
A descoberta revolucionária da existência de uma estrutura mental mais sofisticada do
que aquela descrita por Freud, tem implicações sobre o modo de encarar as capacidades pré-
existentes e as potencialidades psicológicas. A presença de um ego em estado rudimentar ao
nascer a criança uma série de competências nas interações com o ambiente físico e social.
E a tolerância para suportar privações está entre elas. “A capacidade inata do ego para tolerar
ansiedade pode depender de uma maior ou menor coesão do ego no nascimento” (Klein,
1952b, p.142). Mas depende também de fatores externos, tais como a experiência do
nascimento e os cuidados oferecidos pela mãe nos primeiros dias e meses de vida. A
capacidade inata lembrada por Klein, durante praticamente toda sua obra, nunca perdeu
importância, ainda que associada a fatores externos.
A frustração, em certa medida, intercalada com momentos de satisfação, pode criar um
cenário para o desenvolvimento de atividades sublimatórias e criativas, e dar à criança a
impressão de ser forte, “pois a frustração, se não excessiva, é também um estímulo à
adaptação ao mundo externo e ao desenvolvimento do sentido de realidade” (Klein, 1957,
217). O conflito, para Klein, é fundamental para o enriquecimento da personalidade e da
criatividade. O repertório de respostas que podem ser criadas pelo aparelho mental para
enfrentar a realidade é estimulado por condições que nem sempre são favoráveis, e que por
esta razão forçam a mente a buscar recursos e elaborar mecanismos que preparam melhor o
sujeito diante das situações cotidianas desafiadoras. A proteção demasiada que muitas mães
163
oferecem aos seus filhos parece embotar a capacidade de reação e de adaptação que o ego
tem, e aumenta a dependência para com o cuidador e a insegurança em relação ao mundo
externo.
A resiliência, como se pode notar, representa esta capacidade para enfrentar de forma
saudável as frustrações ambientais, mas depende da quantidade e intensidade de privações
impostas pela realidade a este ego rudimentar nascente, e também da força deste mesmo ego
para suportar as privações. Forma-se um círculo vicioso que pode ser benéfico, ou seja,
conduzir o indivíduo para o desenvolvimento favorável do caráter, do equilíbrio mental e as
bases para a saúde mental; ou maléfico, abrindo caminho para a prevalência da destrutividade,
da intolerância, da inveja e da falta de integração.
Egos mais resistentes às situações de privação, e que se identificam com um objeto
bom internalizado, aumentam a probabilidade de desencadear o círculo vicioso benéfico, mas
precisam dos outros elementos para completar o contexto favorável. Ainda assim, é evidente o
papel desta capacidade de resistência (a resiliência) tanto para a obtenção quanto para a
manutenção da saúde mental, segundo o modelo kleiniano. A seguinte afirmação de Klein
(1957) parece trazer implícita esta idéia da resiliência como característica de uma
personalidade saudável: “Contudo, a capacidade de emergir de tais estados depressivos e
reconquistar o sentimento de segurança interna é, em minha concepção, o critério para uma
personalidade bem desenvolvida” (p.228).
A capacidade de recuperação, após estar dominado por estados patológicos
depressivos, retomando a segurança e a estabilidade emocional, certamente diz respeito à
resiliência.
A passagem do superego arcaico para a consciência moral como elemento crucial para
o estabelecimento da saúde mental, diminui as projeções sobre o mundo externo, como
164
também as distorções, e melhora as respostas do indivíduo às adversidades da realidade
social.
... enquanto a função do superego for principalmente causar
ansiedade, ele desperta no ego os violentos mecanismos de defesa... e
cuja natureza é anti-ética e anti-social. No entanto, logo que o sadismo
da criança se reduz e o caráter do superego se modifica de tal forma
que este passa a gerar menos ansiedade e mais sentimento de culpa, os
mecanismos de defesa que formam a base da atitude moral e ética são
ativados. A criança passa, então, a ter mais consideração pelos seus
objetos e se torna sujeita ao sentimento social (Klein, 1933, p.290).
Este trecho explica, ao mesmo tempo, a importância da transformação do superego
para a saúde mental, e relaciona esta transformação à atitude resiliente, que depende desta
transformação para construir um vínculo mais adequado com a realidade. Uma das
conseqüências da diminuição da severidade do superego é a diminuição da projeção e o
aumento da introjeção. Quando a projeção é usada de modo intenso, as frustrações o
encaradas com grande ressentimento e suas causas são atribuídas às pessoas e circunstâncias
presentes, colocando toda responsabilidade sobre o mundo externo. com a diminuição da
projeção, e a internalização de um objeto bom que forma o núcleo do ego, as frustrações são
suportadas sem muito ressentimento e o equilíbrio pode ser restabelecido sem grande
dificuldade. Em complemento, explica Klein (1952a):
Além disso, esta atitude mais realista em relação à frustração que
implica que o medo persecutório em relação aos objetos internos e
externos tenha diminuído conduz a uma maior capacidade do bebê
de restabelecer a boa relação com a mãe e com outras pessoas quando
a experiência frustradora não está mais em vigor (p.100).
A diminuição do medo persecutório e a atitude mais realista, como se sabe, são
possíveis com a elaboração da posição depressiva. Como esta elaboração é apontada por
Klein como essencial para o estabelecimento da saúde mental, deduz-se que a capacidade de
165
enfrentar experiências frustradoras e reconquistar a estabilidade psíquica são efeitos benéficos
da elaboração da posição depressiva.
Do que foi dito até então sobre a noção de saúde mental baseada nos preceitos
kleinianos, pode ser resumido como se segue: a saúde mental representa um estado de
integração psíquica, que resulta numa competência sócio-emocional e numa atitude resiliente
diante da vida, e tem sua fluidez afetada por fatores quantitativos, inatos e ambientais.
Cabe esclarecer agora como se processa esta integração psíquica e seu papel na
construção de uma mente saudável.
3.2 A Integração Psíquica: Transformação do Superego e o Fortalecimento do Ego
As idéias desenvolvidas até aqui foram inspiradas principalmente pelas descobertas de
Klein sobre o desenvolvimento emocional precoce e, em especial, por aquelas que tornaram
seu pensamento único e que pavimentaram o caminho para o nascimento de uma nova e
original escola psicanalítica. Relações de objeto precoce, existência de ego ao nascer, origem
precoce do complexo de Édipo e do superego, a teoria das posições e da inveja, entre outras,
foram idéias revolucionárias que afetaram definitivamente o entendimento sobre o
desenvolvimento emocional e o modo de tratar crianças em geral, e psicóticos em particular.
É correto afirmar também que o reconhecimento da existência de uma estrutura egóica
incipiente inata e da origem do superego a partir das primeiras relações de objeto, alteraram o
modo de enxergar a dinâmica psíquica (relação entre id, ego e superego) e sua influência
sobre o desenvolvimento psicológico.
166
Enquanto Freud deu grande ênfase ao nascimento e estruturação do ego, e sua relação
com o id e a realidade, como fundamentais na construção dos alicerces sobre os quais se
formaria a personalidade, já que o superego só entraria em cena no final da fase fálica, quando
a criança estivesse por volta dos seis anos de idade, Klein alçou o superego à condição de
protagonista e deu grande importância à sua influência sobre a formação do ego, também
essencial para ela.
As descrições exaustivas e detalhadas feitas por Klein, desde que anunciou suas idéias
sobre a origem do superego, primeiro datando seu início no começo e não no fim do
complexo de Édipo (Klein, 1926), depois acrescentando explicações sobre as características
severas e cruéis deste superego arcaico, que sofre influência do sadismo infantil (Klein,
1928), para finalmente datar os primórdios da formação do superego a partir das primeiras
incorporações do objeto, ocorridas logo após o nascimento (Klein, 1948), deram ao superego
um aumento gradativo de importância na obra kleiniana.
Desde 1932, e em trabalhos posteriores (Klein, 1933, 1935, 1948b, 1957, 1958) o
superego aparece como instância psíquica que acompanha e influencia todo desenvolvimento
psicológico. Mais ainda, sua influência se faz presente em todo processo de transformação
psíquica, que encaminha o sujeito de uma organização polarizada, arcaica e destrutiva,
baseada no sentimento de medo e potencialmente patológica, para uma organização integrada,
fundada na consciência moral e no sentimento de culpa moderado. Esta transformação se
processa, vale lembrar, graças à assimilação crescente do superego pelo ego (Klein, 1933).
Uma das hipóteses principais sustentadas neste trabalho, e que aqui é analisada, é de
que a saúde mental pode ser alcançada com a transformação do superego arcaico em
consciência moral. E que, portanto, a noção de saúde mental baseada no modelo kleiniano tem
o superego como elemento central. Não se trata de minimizar o processo de síntese do ego, as
influências ambientais, e o interjogo entre as pulsões de vida e de morte. Parte-se apenas do
167
pressuposto de que o superego funciona como uma instância psíquica que acusa e revela
como cada um destes elementos está influenciando e se integrando ao todo da personalidade.
Uma predominância inata da pulsão de morte, por exemplo, afeta a severidade do superego e
o torna extremamente cruel. As experiências iniciais, se gratificantes ou frustrantes,
associadas à predominância de uma ou outra pulsão, contribuem para a incorporação de
objetos internos que formarão o núcleo do superego, que por sua vez, fará mais ou menos
pressão sobre o ego. Mesmo a incorporação do objeto bom (graças à combinação satisfatória
entre pulsão e experiência), que forma o núcleo do ego, sofre influência deste superego
nascente. A dificuldade de Klein em esclarecer que objetos fazem parte do processo de
introjeção que forma o núcleo de ego e do superego, fazem crer que a confusão existia pela
proximidade e, às vezes, carência de diferenciação entre ego e superego. No trabalho em que
revê a origem e estruturação do superego (Klein, 1958), Klein muda seu ponto de vista, em
virtude da introdução dos “objetos internos aterrorizantes”, os quais não podiam ser
integrados e precisavam ficar cindidos de um modo especial para permitir a manutenção do
funcionamento mental equilibrado. Neste trabalho, ela aproxima ainda mais as características
do ego e do superego: “Portanto, o superego é normalmente estabelecido numa íntima relação
com o ego e compartilha de aspectos diferentes do mesmo objeto bom” (p.275). Porém,
reforça o ponto de vista de que a integração entre eles é a base da saúde mental.
Pode parecer que o superego es assumindo muito do que a psicanálise se habituou a
atribuir às funções do ego, mas os trabalhos de Klein decididamente atribuem não ao ego
predominantemente, mas ao interjogo entre ego e superego boa parte do que era antes
considerado de responsabilidade do ego. Ademais, suas explicações partiam mais do superego
para explicar a formação do ego, do que o contrário. Esta é, acredita-se, uma das
conseqüências das descobertas de Klein sobre a origem precoce do superego.
168
As primeiras incursões de Klein em busca de entendimento sobre a formação do
superego foram tingidas pela forte influência das premissas freudianas, sendo que algumas
idéias foram abandonadas e outras mantidas. Mesmo nas primeiras décadas de seu percurso
teórico, Klein (1933) já reconhecia a força da influência inconsciente do superego no caminho
seguido pelo desenvolvimento psicológico: “... é um fator importante tanto na doença mental
quanto no desenvolvimento da personalidade normal” (p.286).
O complexo de Édipo, fenômeno estruturador da personalidade, influencia e é
influenciado pelo desenvolvimento do superego. A internalização das figuras parentais cria
imagos que interagem com a relação ambivalente que a criança tem com os pais reais. A cada
introjeção também se sucede uma projeção, interferindo sobre o desenvolvimento do
superego. “Desse modo, o curso tomado pelo complexo de Édipo e o desenvolvimento do
superego estão intimamente interligados” (Klein, 1945, p.454).
A maneira como a criança os pais, os desejos e sentimentos que dirige a eles
acabam por ser modulados pelo superego, e o sentimento de culpa (provocado pela pressão do
superego sobre o ego) impulsiona a reparação e inibe os desejos libidinais. Aliás, a pressão do
superego sobre o ego é fator determinante nas tendências de conduta assumidas pelo ego. O
grau de pressão de um sobre o outro pode determinar se o ego agirá mais pela necessidade de
reparar o objeto, portanto mais próximo da sanidade, ou de se proteger maniacamente, mais
próximo da insanidade. As pressões que a instância superegóica inflige sobre a egóica
dependem em parte das introjeções citadas anteriormente, que por sua vez são influenciadas
pelas primeiras experiências. De qualquer modo, a relação dinâmica que se estabelece tem o
superego como um modulador.
As primeiras introjeções, que formam o núcleo do superego, afetam o modo como a
criança vai se relacionar com o seio da mãe e o nis do pai, influenciam diretamente a
elaboração do complexo de Édipo, e criam predisposições para formas específicas de vínculos
169
afetivos no futuro. Tanto antes quanto depois do complexo de Édipo, o superego deixa sua
marca e consolida sua influência:
O primeiro objeto introjetado, o seio da e, forma a base do
superego. Assim como a relação com o seio da mãe precede e
influencia profundamente a relação com o pênis do pai, do mesmo
modo a relação com a mãe introjetada afeta de várias maneiras todo o
curso do desenvolvimento do superego. Algumas das características
mais importantes do superego sejam de natureza amorosa e
protetora, ou destrutiva e devoradora derivam dos componentes
maternos iniciais do superego (Klein, 1945, p.461).
As relações de objeto afetam e são afetadas pela formação do superego. As projeções
devidas ao medo de perseguidores internos alteram a percepção dos objetos externos, que por
sua vez são introjetados de forma distorcida e mudam as imagos que compõem o superego. O
próprio funcionamento do ego e seu modo de responder às relações de objeto levam a marca
do superego:
A interação entre relação de objeto e superego também encontra
expressão, creio, no fato de que em cada estágio de desenvolvimento
os todos que o ego usa nas suas transações com o objeto
correspondem exatamente àqueles usados pelo superego com relação
ao ego, e pelo ego com relação ao superego e ao id (Klein, 1932,
p.164).
Os ideais de uma determinada teoria ancorada nas ciências humanas trazem implícito
aquilo que se pensa a respeito do homem ideal, um modelo utópico que serve mais para guiar
seu desenvolvimento do que para alcançar objetivos. No caso da psicanálise, a finalidade do
tratamento representa os anseios sobre um funcionamento mental saudável e de um curso
ideal de desenvolvimento psicológico. Pode-se dizer que, sem incorrer numa atitude
reducionista, impositiva ou padronizadora, o que se almeja quando se trata um paciente,
simboliza aquilo que se pensa sobre saúde mental e desenvolvimento saudável.
170
Em “A psicanálise de crianças” Klein (1932) apresenta suas idéias principais sobre a
técnica de análise em diversas idades, como também explica os objetivos e limitações da
técnica psicanalítica. Ela assevera que, no caso do adulto, a função da psicanálise é “...
corrigir o curso mal-sucedido que seu desenvolvimento psicológico tomou” (p.296) e explica
que a consecução deste objetivo só será possível se a psicanálise tiver como alvo “...
harmonizar seu id com as exigências do superego” (p.296). Ela acrescenta que este ajuste
ajudará o ego (fortalecido por este processo) a atender às exigências da realidade. Esta clara a
subordinação da adaptação do ego à realidade, ao processo de harmonização da relação de id
e superego. Sabe-se que não é possível mudar diretamente a natureza do id, que representa
as pulsões mais primitivas e profundamente inconscientes do homem e não está sujeito às
transações com a realidade. No máximo, consegue-se deslocar e redistribuir as pulsões por
meio das transformações que tem curso no ego e no superego, estes sim em constante
interação (com o id) e com a realidade. Deduz-se daí que esta “harmonização” tem o
superego como alvo principal.
Mais adiante, ela faz o mesmo questionamento a respeito do tratamento de crianças.
“Mas, e quanto às crianças?” (p.296) ela pergunta. Sua resposta é simples e enfática; “Em
primeiro lugar, a análise resolve as fixações sádicas da criança e diminui, assim, a severidade
de seu superego...” (p.296). Aqui ela também coloca em primeiro lugar a diminuição da
severidade do superego para que, como conseqüência, a criança consiga fazer com que seu
ego se expanda e se adapte às exigências do superego e da realidade. Klein (1932) completa
seu raciocínio seguindo a mesma lógica para explicar o caminho de um desenvolvimento
psicológico satisfatório:
Para o desenvolvimento da criança ter um resultado satisfatório, a
severidade de seu superego precisa ser mitigada. Por mais que os
objetivos de cada período do desenvolvimento possam diferir entre si,
alcançá-los depende em cada caso da mesma condição fundamental, a
171
saber, de um ajuste entre o superego e o id e o conseqüente (o grifo é
meu) estabelecimento de um ego adequadamente forte (p.296).
Ao explicar o curso do desenvolvimento saudável, Klein deixa clara a dependência do
ego em relação à diminuição da severidade do superego. Após este trabalho, outros se
seguiram e alteraram algumas idéias da autora. A consolidação da teoria das posições foi um
importante avanço no enriquecimento da teoria kleiniana. Ao invés de falar em etapas do
desenvolvimento ou estágios pré-genitais e genitais, ela focou seu discurso nas oscilações
entre as posições esquizo-paranóide e depressiva, quando se referia ao processo de
desenvolvimento, porém, suas idéias sobre o papel central do superego pouco se alteraram. É
verdade que em um de seus últimos escritos (Klein,1958), há uma mudança radical de posição
em relação a mutabilidade do superego e de sua composição. Entretanto, não se dispõe de
elementos suficientes para alterar tais conclusões. Entre fazer especulações em torno de uma
mudança brusca de posicionamento, dotada de poucos argumentos, e apoiar a análise sobre
todo um percurso intelectual conhecido, a última opção foi preferida.
O ponto de vista segundo o qual o núcleo do superego é formado pela introjeção
inicial do seio da e, com seus aspectos bons e maus, e que este processo se desenrola por
um longo período, é sustentado por Klein durante praticamente toda sua obra. A formação do
ego também depende da introjeção, porém de objetos que guardam características
construtivas. “A premência do ego para a integração e a organização revela claramente a sua
derivação da pulsão de vida” (Klein, 1952d, p.81). Mesmo estando às voltas com objetos
internos e externos de características antagônicas, é o processo de integração destas diferentes
partes num todo organizado e dominado pela pulsão de vida, juntamente com o processo de
transformação do superego arcaico em consciência moral, que garante à mente estabilidade e
equilíbrio.
172
A integração dos objetos bons e maus leva ao domínio dos primeiros sobre os
segundos, do mesmo modo que a aproximação entre o ego e o superego leva à assimilação do
segundo pelo primeiro (Klein, 1952a). Os processos de integração do ego e de transformação
do superego ocorrem simultaneamente e de forma interdependente. As tendências construtivas
e organizadoras do ego se sobrepõem às destrutivas e desagregadoras, efeito benéfico do
processo de integração. Ao mesmo tempo, o superego também passa por um processo de
síntese que o torna mais flexível e benevolente, sendo aos poucos assimilado pelo ego. Assim,
o superego parece ter presença marcante e predominante no início do desenvolvimento
mental, quando o aparelho psíquico ainda guarda características predominantemente arcaicas,
e sede espaço e se submete ao ego, com o progressivo processo de integração e síntese,
quando a mente está mais organizada e madura.
A estreita ligação entre os desenvolvimentos do ego e do superego desde o início da
vida, e sua inter-relação com as pulsões de vida e de morte, não deixam dúvidas quanto a sua
interdependência e importância no caminho para a saúde mental desde muito cedo:
Uma vez que o desenvolvimento do ego e superego está intimamente
ligado aos processos de introjeção e projeção, eles estão
inseparavelmente vinculados desde o começo, e que o
desenvolvimento deles é influenciado vitalmente por moções
pulsionais, as três regiões da mente estão na mais íntima interação
desde o princípio da vida (Klein, 1952d, p.83).
A superação da neurose infantil, graças à diminuição e modificação das ansiedades
persecutórias e depressivas e da fusão entre as pulsões de vida e de morte, depende do sucesso
no processo de integração e síntese. Assim, ... fica estabelecida a base para a estabilidade
mental” (Klein, 1952a, p.113).
“Como sabemos, o objetivo último da psicanálise é a integração da personalidade do
paciente” (Klein, 1957, p.263). O desenvolvimento da saúde mental depende do predomínio
173
da integração sobre a cisão. As partes excindidas da personalidade precisam ser recuperadas,
resignificadas e sintetizadas.
Se por muito tempo Klein destacou a importante tarefa de diminuição da severidade
do superego para a obtenção da saúde mental, a integração da personalidade tornou-se mais
marcante no final de sua obra. Não é possível falar aqui numa exclusão de uma pela outra.
Parece mais que, depois de dedicar grande espaço para a transformação do superego, Klein
passou a focar seu interesse sobre o processo de integração da personalidade, a qual é mais
abrangente, pois inclui tanto as mudanças no superego quanto as ocorridas no ego, que não
é possível pensar nelas separadamente. Conseqüentemente, de uma psicologia do superego, o
modelo kleiniano passou para uma psicologia da personalidade, mais abrangente e
egosintônica.
Grosso modo, pode-se supor que os progressos da psicanálise kleiniano repetiram os
progressos no desenvolvimento da personalidade. Do predomínio superegóico inicial, mais
primitivo e hostil, para o domínio egóico, estruturado e organizado.
As afirmações de Klein a respeito da entrada em cena tanto do ego quanto do superego
nos primórdios do desenvolvimento mental levaram ao afastamento definitivo daquilo que
Freud havia afirmado sobre a estrutura da mente e abriram caminho para novas incursões:
“Se assumimos que o superego se desenvolve a partir desses processos
inconscientes arcaicos que também moldam o ego, determinam suas
funções e modelam sua relação com o mundo externo, as bases de
desenvolvimento do ego, assim como as de formação do superego,
precisam ser reexaminadas” (Klein, 1952d, p.84).
O processo de transformação que tem curso durante a infância e que encaminha o
aparelho psíquico para um funcionamento saudável, por meio da elaboração e modificação
das ansiedades persecutória e depressiva, é denominado por Klein de neurose infantil. Este
importante e decisivo período se estende do nascimento aaproximadamente os seis anos de
174
idade, faixa etária considerada neste trabalho como crucial no estabelecimento da saúde
mental. Klein (1952a) deixou claro o valor desta etapa da vida: “A neurose infantil, tal como a
vejo, começa portanto no primeiro ano de vida e chega a um fim quando, com o início do
período de latência, alcançou-se a modificação das ansiedades arcaicas” (p.105).
A superação da neurose infantil, como fica evidente,é possível com “a modificação
das ansiedades arcaicas”. De uma vez, pode-se dizer, a partir das palavras de Klein, que as
bases da saúde mental são construídas nestes primeiros anos de vida e com a transformação
psíquica conseguida pela integração do ego e síntese do superego. As ansiedades
predominantes têm seu conteúdo modificado graças à diminuição da severidade do superego e
de sua assimilação pelo ego, quando a estrutura superegóica arcaica lugar a uma
consciência moral. Como foi dito antes, fatores internos e ambientes concorrem para este
desfecho.
A mudança na natureza da ansiedade figura entre as grandes aquisições do progresso
no desenvolvimento mental, o que ocorre com a superação da neurose infantil. Este grande
trunfo dá a criança uma série de ganhos que consolidam sua saúde mental, o que novamente é
atribuído por Klein (1952a), em especial, ao desenvolvimento do superego:
Vistas à luz das vicissitudes da ansiedade, as mudanças características
do início do período de latência poderiam ser assim sumarizadas: a
relação com os pais é mais segura; os pais introjetados aproximam-se
mais da imagem dos pais reais; seus padrões, advertências e
proibições são aceitos e internalizados e, portanto, a repressão dos
desejos edípicos é mais efetiva. Tudo isso representa o auge do
desenvolvimento do superego, que é resultado de um processo que
abrange os primeiros anos de vida (p.112).
175
O domínio sobre a ansiedade é, sem dúvida, uma função primordial do ego. Porém,
esta função egóica pode ser satisfatoriamente desempenhada com a diminuição da
severidade do superego. “Em certa medida, quando o desenvolvimento vai bem, o superego é
em grande parte sentido como de ajuda e não opera como uma consciência tão severa” (Klein,
1958, p.274). Ademais, segundo Klein, o desejo de ser protegido e submetido a proibições por
um objeto idealizado, como forma de conter os impulsos destrutivos, é levado a cabo pelo
superego, que, desta forma, cria uma espécie de suporte que sustentação e segurança às
investidas do bebê em direção a um desenvolvimento mais seguro, bem como protege o
mesmo contra as ansiedades persecutórias:
... o desejo infantil por um seio sempre-presente e inesgotável inclui o
desejo de que o seio possa liquidar ou controlar os impulsos
destrutivos do bebê, e, dessa maneira, proteger seu objeto bom, bem
como salvaguardar o bebê contra ansiedades persecutórias. Essa
função pertence ao superego (Klein, 1958, p.274).
Com a superação da neurose infantil, quando começa o período de latência, o
superego funciona de modo mais organizado e menos severo, e a parte mais inconsciente e
arcaica sofre repressão e é projetada no ambiente externo (Klein, 1958).
O sucesso no desenvolvimento em direção à saúde mental, ou seja, na integração e
síntese do ego e superego, depende em grande parte do sucesso na cisão entre o objeto bom e
mau, entre o amor e o ódio. Quando tal divisão não é muito rígida, sendo porém suficiente
para diferenciar o bom do mau, ela é , a meu ver, um dos elementos básicos para a
estabilidade e a saúde mental” (Klein, 1958, p.276). O ego, desta forma, fica mais fortalecido
e menos suscetível às ansiedades persecutórias, que a integração leva ao domínio da pulsão
de vida sobre a pulsão de morte.
O fortalecimento da libido genital traz conseqüências benéficas para o
desenvolvimento mental. “Quando isso ocorre, como vimos, o ego está mais integrado”
176
(Klein, 1952a, p.110), o que favorece uma maior adaptação à realidade e uma maior
participação da consciência. “O superego também está mais integrado” (Klein, 1952a, p.110),
bem como uma síntese dos processos inconscientes e a separação entre inconsciente e
consciente fica mais clara. Desta forma, a repressão é usada pelo ego contra impulsos que não
são tolerados pela consciência, fator fundamental para a manutenção da estabilidade psíquica.
Mais uma vez, Klein (1952a) explica que este expediente se torna possível pela melhor
relação entre o superego e o ego:
As exigências do superego para manter fora da consciência certos
impulsos de natureza tanto agressiva quanto libidinal são mais
facilmente correspondidas pelo ego, já que este progrediu tanto em
termos de integração quanto em termos de assimilação do superego
(p.111).
Este processo de integração e síntese não livra a mente de suas camadas mais
profundamente inconscientes, onde coexistem figuras aterrorizantes movidas por impulsos
destrutivos. Estas, como conseqüência da passagem da posição esquizo-paranóide para a
posição depressiva, ficam separadas da parte mais organizada da mente e continuam a
ameaçar a estabilidade alcançada pelo ego. A coexistência, dentro da mente, de partes tanto
organizadas e movidas pela vida, quanto arcaicas e destrutivas, é que ao modelo kleiniano
de saúde mental seu aspecto fluido. Entretanto, a forma de lidar com a ameaça descrita acima
é que diferencia, em larga escala, uma mente saudável de uma mais frágil e desestruturada.
Quando o ego está identificado com um objeto bom firmemente estabelecido, o perigo vindo
do inconsciente é enfrentado de modo a garantir a estabilidade mental (Klein, 1958).
Vale lembrar que a internalização e consolidação de um objeto bom no ego
dependem do modo como o superego se desenvolveu e do seu grau de síntese, o que por sua
vez resulta das transações do bebê com a realidade. O fracasso no estabelecimento do objeto
bom interno, que leva a formação de mentes perturbadas, é descrito por Klein (1958) em
177
termos de sua estrutura superegóica. Ao falar sobre a estrutura mental de esquizofrênicos, ela
comenta: “... podemos ver mais claramente que, nestes, o superego se torna quase que
indistinguível de seus impulsos destrutivos e de seus perseguidores internos” (p.277).
O risco de colapso no self e a ocorrência de processos psicopatológicos estão
diretamente ligados ao nível de transformação conseguido no superego. Caso permaneça uma
estrutura arcaica, indiferenciada dos impulsos destrutivos, o destino é a psicose; por outro
lado, a transformação do superego arcaico em consciência moral, com a necessária e
moderada cisão entre bom e mau, e a prevalência da pulsão de vida sobre a pulsão de morte,
leva à distinção entre o superego e os perseguidores internos, com seus impulsos destrutivos.
O caminho para a saúde mental está pavimentado. A cisão (entre bom e mau) não muito
intensa no começo da vida, e a síntese e integração (do ego e superego) num estágio posterior,
são condições básicas para o desenvolvimento normal (Klein, 1960).
Num breve trabalho de 1942, em que Klein comenta de forma o-técnica sobre a
formação e desenvolvimento do superego aparecem trechos que mostram a importância da
integração do superego para a estabilidade psíquica; “Quando os vários aspectos do superego
tornam-se unificados (que é o que acontece com pessoas maduras e equilibradas), o
sentimento de culpa não desaparece, mas integra-se na personalidade, juntamente com o meio
de contrabalançá-lo” (p.362). Caso contrário, o sentimento de culpa torna-se insuportável e
um desenvolvimento anormal tem curso.
Em outra passagem deste mesmo trabalho, Klein (1942) volta a enfatizar a
importância do superego e sua integração com o ego para o alcance do maior bem resultante
da saúde mental: a felicidade e a satisfação. Ela afirma:
A harmonia e o equilíbrio mental e, além disso, a felicidade e a
satisfação significam que o superego foi integrado pelo ego; o que,
por sua vez, significa que os conflitos entre o superego e o ego
diminuíram bastante, e que estamos em paz com o superego (p.364).
178
Estar em paz com o superego é, em grande medida, o que Klein defende ser uma das
principais tarefas da criança na busca por um desenvolvimento mental mais saudável e uma
vida mais feliz e harmônica, tanto interna quanto externamente.
3.3 A Prevenção Possível
Desde seus primeiros escritos, na década de 20, Klein demonstrou preocupação
constante com o curso do desenvolvimento mental infantil, tanto para explicar as
características de um percurso saudável, quanto para esclarecer as conseqüências da
prevalência de processos patológicos. Em relação a estes últimos, o aprofundamento de seus
estudos e a riqueza de seus achados provou que o transtorno mental firma suas bases muito
cedo e se faz sentir de modo dramático e, muitas vezes, irreversível. A experiência da autora
no atendimento a crianças que sofriam de uma variedade de problemas emocionais deu a
Klein uma rica vivência, como também fez aumentar suas aflições e angústias quanto às
conseqüências de um desenvolvimento emocional mal-sucedido. A compreensão que foi
alcançada com a formulação gradativa do modelo teórico sobre o desenvolvimento e
funcionamento psíquico motivou Klein, em diversas passagens de sua obra, a fazer uma
defesa entusiasmada do poder do conhecimento psicanalítico para prevenir os sofrimentos que
ela tantas vezes testemunhava em seu consultório.
Em praticamente toda sua obra referências diretas ou indiretas à importância da
intervenção preventiva de base psicanalítica. É verdade que seu entusiasmo sofreu variações
179
no decorrer de seu percurso intelectual. Mas sem dúvida, a prevenção nunca deixou de ser um
tema constante e debatido por ela.
Apesar das evidências que podem ser extraídas a partir de um exame dos escritos de
Klein sobre o lugar da prevenção em sua obra, uma análise mais detalhada foi feita para, além
de demonstrar que o modelo kleiniano permite e contempla a defesa da prevenção em saúde
mental na infância, encontrar evidências sobre a possível aplicação das idéias de Klein à
prevenção primária, tanto quanto a secundária e terciária, estas últimas mais evidentes e
reconhecidas. Ainda dentro desta perspectiva, verificar a compatibilidade do modelo
kleiniano com a intervenção preventiva em seus três níveis: universal, seletivo e indicado.
As tarefas descritas acima estão em sintonia com o objetivo geral deste trabalho, qual
seja, o de verificar a existência de uma noção kleiniana de prevenção, e um dos objetivos
específicos: identificar concepções kleinianas que apontem para a prevenção primária.
Em diversas partes deste trabalho foram feitos levantamentos de opiniões e análises
que demonstraram defesas explicitas aos esforços preventivistas, bem como restrições severas
e críticas taxativas. É desnecessário retomar aqui cada uma das idéias apresentadas sobre este
tema polêmico, que esta tarefa foi suficientemente realizada. Ao invés disso, foram
colhidas opiniões de Klein em várias etapas de sua obra e analisadas à luz do que foi revisado
na literatura sobre o assunto.
Em seus primeiros escritos, Klein demonstra um vigoroso otimismo em relação à
possibilidade de prevenir os transtornos mentais. Num trabalho publicado em 1921, “O
desenvolvimento de uma criança”, ela se refere a um caso de “educação com feições
analíticas”, ao invés de descrever o atendimento dado à criança como sendo um tratamento
psicanalítico. Somente mais tarde, no prefácio à “Psicanálise de crianças”, Klein (1948)
refere-se ao caso como o início de sua técnica analítica. Desde suas primeiras incursões, Klein
vislumbrava a possibilidade de ajudar crianças além da oferta de tratamento psicanalítico.
180
Neste trabalho escrito em 1921, Klein dedica boa parte dele à discussão sobre o valor e
a utilidade da educação psicanaliticamente orientada como forma de agir
psicoprofilaticamente. São dadas recomendações aos que cuidam de crianças e informações
que devem ser associadas ao tratamento psicanalítico. Klein (1921) indaga sobre os resultados
destas informações para a profilaxia, e responde: “O resultado mais óbvio e imediato desse
conhecimento será acima de tudo evitar os fatores que a psicanálise nos ensinou a considerar
extremamente danosos à mente das crianças” (p.47). Orientações sobre a relação com os pais,
a atitude do adulto diante das curiosidades sexuais da criança, suas necessidades afetivas,
enfim, um conjunto de recomendações que auxiliariam na educação dos pequenos são
expostas.
Uma defesa enfática é apresentada:
... estas exigências educacionais podem ser postas em prática (já tive a
oportunidade de me convencer diversas vezes disso) e que elas trazem
resultados excelentes, além de um desenvolvimento mais livre em
diversos aspectos. Os ganhos seriam enormes se fosse possível adotá-
las como princípios gerais da educação (p.48).
A crença em princípios gerais que ajudariam a dar mais consistência e qualidade ao
estilo de educar e nos seus efeitos benéficos sobre o desenvolvimento infantil está presente
em praticamente todo o trabalho. Ressalvas são apontadas no que tange às disposições
neuróticas que estão presentes no bebê desde os primeiros dias de vida, e que não respondem
tão favoravelmente às recomendações educacionais. Ainda assim, Klein enfatiza os resultados
positivos alcançados por ela e descritos no caso ilustrado neste trabalho: “No caso discutido
em detalhes na primeira parte deste trabalho, as benéficas medidas educacionais ... foram
aplicadas com bons resultados ...” (p.49)
A educação é reconhecida como problemática e necessitando de reformulação e
complemento. A união entre psicanálise e educação aparece como promissora para os
181
propósitos de uma infância saudável: “A psicanálise agiria apenas como um auxílio para a
educação como um complemento deixando intocados os fundamentos que até hoje são
considerados corretos” (Klein, 1921, p.68). E os benefícios seriam ainda maiores no caso de
crianças menores, as quais estão mais livres da repressão da educação tradicional e mais
próximas do inconsciente.
A própria análise é vista também como tendo efeitos profiláticos no futuro das
crianças submetidas cedo ao tratamento. O efeito seria uma forma de proteção que ajudaria no
enfrentamento de situações difíceis e na superação de inibições.
É verdade que uma observação, acrescentada em 1947, ao trabalho que aqui é
analisado, colocou em dúvida a validade das afirmações de Klein sobre os benefícios de uma
educação psicanaliticamente orientada. Nesta observação, ela adverte: “Assim, talvez seja
melhor mencionar que, se neste momento eu fosse dar alguma sugestão a respeito da
educação, eu ampliaria e modificaria consideravelmente as opiniões contidas neste trabalho”
(p.75).
Não fica claro que alterações Klein gostaria de fazer ao que havia escrito na época
sobre a educação. Trabalhos posteriores esclarecem melhor o ponto de vista da autora sobre
educação e prevenção, temas intimamente relacionados.
Num texto de 1923, Klein (1923b) analisa o papel da escola no desenvolvimento
infantil e mostra cautela ao abordar a importância do professor nesta tarefa. Ela explica que a
atitude compreensiva do professor pode ajudar a criança a diminuir sua inibição diante da
figura ameaçadora e castradora que ele muitas vezes representa, mas quando repressão
intensa da atividade genital, a análise é a melhor alternativa. Isto faz supor que existe a
possibilidade de uma intervenção preventiva primária, por meio do cultivo de relações
baseadas na compreensão, o que evitaria formas severas de inibição do desenvolvimento
182
emocional e intelectual; e uma intervenção preventiva secundária, com a recorrência à análise
como forma de combater os efeitos de uma repressão desmedida.
Em outro trabalho escrito no mesmo ano, Klein (1923a) comenta algumas idéias de
Freud sobre o papel dos educadores em busca da profilaxia e destaca o efeito pouco eficaz da
educação diante do fator constitucional: “Não podemos, portanto dar um valor exagerado à
chamada educação analítica, apesar de termos a obrigação de fazermos tudo ao nosso alcance
para evitar danos mentais à criança” (p.128). Ainda que Klein voltasse a defender o valor da
análise muito cedo, a advertência de que se deve fazer tudo ao alcance para evitar danos à
criança, abre possibilidades para a prevenção, mesmo considerando sua eficácia relativa. Aqui
vale lembrar a máxima de Edmund Burke: “Ninguém comete erro maior do que não fazer
nada porque só pode fazer pouco”.
Os recursos da psicanálise podem e devem ser colocados a serviço da infância
saudável. Seu potencial é grande na compreensão e previsibilidade do curso do
desenvolvimento mental. “A psicanálise nos oferece os meios para fazer isso. E ainda faz
mais: ela não pode calcular o desenvolvimento futuro da criança, mas também pode
modificá-lo, dirigindo-o para canais mais adequados” (Klein, 1927b, p.213). É evidente a
crença de Klein no caráter previsível e generalizante do arcabouço psicanalítico em geral, e do
modelo kleiniano em particular. Seu alcance, na visão da autora, não deve ficar restrito aos
indivíduos, mas ser estendido a toda humanidade. O modo como a psicanálise encara e
compreende as pulsões agressivas e libidinais traria benefícios diretos para a sociedade e
contribuiria na diminuição de conflitos internos e externos. Numa defesa explícita da
intervenção preventiva universal, Klein (1933) afirma: “Diante desses fatos, não se pode
deixar de imaginar se o âmbito de atuação da psicanálise não está destinado a ir além do
indivíduo e influenciar a vida da humanidade como um todo” (p.294).
183
A intervenção preventiva universal, de caráter impessoal, voltada para populações
inteiras e tendo como foco a promoção da saúde (Simon, 1989; Mrazek e Haggerty, 1994),
encontra pontos em comum com as assertivas kleinianas apresentadas aqui. É verdade que
Klein acreditava, neste momento, que a análise de crianças pequenas cumpria esta função
preventiva universal. Porém, as perspectivas de um trabalho preventivo primário com base no
conhecimento adquirido pela psicanálise são evidentes. E a inviabilidade de oferecer
tratamento psicanalítico para grandes populações exige a busca por alternativas mais
adequadas à realidade brasileira.
As orientações e esclarecimentos dados por Klein sobre o desmame denotam a
utilidade do conhecimento psicanalítico para ajudar mães em geral na importante e sensível
tarefa de desmamar seus filhos. “O que podemos fazer para ajudar a criança numa tarefa tão
difícil?” (p.337), pergunta Klein (1936). Ela aponta uma série de recomendações que
apresentam um caráter explícito de prevenção primária universal, pois podem ser adotadas
pelas mães em geral no trato com seus filhos. O desmame, como é de conhecimento notório,
figura entre os grandes momentos de crise e transformação no desenvolvimento emocional,
para a psicanálise kleiniana. E intervir com orientações num momento tão sensível pressupõe
a crença na prevenção primária universal. Este assunto será retomado quando da abordagem
dos fatores protetivos e de risco.
As razões para se defender a aplicação da prevenção primária com base na psicanálise
kleiniana podem ser extraídas do trabalho de Apolito (1978). O autor afirma que os
transtornos mentais são “pandêmicos” por se encontrarem presentes em estado latente, em
todas as pessoas “normais”. Klein (1932a), ao falar das dificuldades presentes no
desenvolvimento de qualquer criança, afirma que as mesmas são neuróticas em essência, o
que significa dizer que todas as crianças passam por uma neurose em grau moderado:
184
que a psicanálise mostrou-se ser o meio mais eficaz de remover as
neuroses de adultos, parece lógico fazer uso dela para combater as
neuroses das crianças e, além disso, verificando que toda criança
atravessa uma neurose, aplicá-la a todas as crianças (Klein, 1932a,
p.121).
O pressuposto de que processos patológicos existem em estado latente em todas as
pessoas, concorda com as idéias fundamentais da psicanálise quanto à influência de impulsos
inconscientes destrutivos e libidinais no todo da personalidade e por toda a vida, como
também guarda semelhanças com a teoria das posições de Klein. No caso desta última,
pressupõe-se a existência de núcleos psicóticos que se encontram em estado latente no
inconsciente e são dominados pela parte estruturada e organizada da personalidade. Deste
modo, a prevenção primária volta-se para todas as pessoas, com a finalidade de criar
condições ambientais e recursos psicológicos que auxiliem na tarefa de manter o equilíbrio e
o controle, através do afastamento, controle ou eliminação dos fatores de risco, e a promoção
dos fatores protetivos.
As outras razões para a defesa da prevenção primária, segundo Apolito (1978) são:
uma raiz comum para variados transtornos mentais; a vulnerabilidade presente em todas as
crianças, que varia de acordo com a predisposição hereditária; e, por fim, a existência de uma
equação que leva a evolução dos transtornos mentais: predisposição hereditária a um agente
patogênico, severidade da exposição, e idade em que o impacto da exposição foi maior.
Alguns dos conceitos principais da teoria kleiniana ajudam a confirmar estas razões.
Tomando como base a idéia da existência de uma equação que, dependendo do papel de seus
elementos aproxima ou afasta a criança da saúde mental, pode-se dizer que a predisposição
hereditária diz respeito à influência das pulsões de vida e de morte desde o início da vida.
Klein sempre acreditou que a força destas pulsões é um fator hereditário. Portanto, algumas
crianças são mais ou menos predispostas a responder adequada ou inadequadamente a um
agente patogênico. O agente patogênico, por sua vez, representa, no modelo kleiniano, o papel
185
desestruturador e hostil que o ambiente pode ter quando se apresenta excessivamente
frustrador e privador das necessidades mais básicas do bebê. A combinação de uma
predisposição para suportar muito pouco as frustrações, com um ambiente frustrador, compõe
a equação da evolução do transtorno mental. Somado a isto, se a criança é exposta a esta
combinação em idade em que se encontra vulnerável, seu desenvolvimento estará certamente
comprometido. O fator idade, último componente da equação, remete a discussão para os
períodos considerados críticos ou sensíveis do ponto de vista do modelo kleiniano. Os
primeiros dias e meses (primeiros três ou quatro meses) são certamente sensíveis para o bebê
(posição esquizo-paranóide); a passagem da posição esquizo-paranóide para a posição
depressiva (entre os quatro e os seis meses) também. Enfim, o primeiro semestre de vida é um
período que exige cuidados redobrados no que se refere ao desenvolvimento emocional.
Esta equação explica a evolução do transtorno e da saúde mental. Os círculos viciosos
descritos inúmeras vezes por Klein tanto para descrever um desenvolvimento mal-sucedido,
quanto para explicar um percurso favorável, são um exemplo de como as razões apresentadas
por Apolito (1978) para defender a prevenção primária encontra ressonância no modelo
kleiniano.
A intervenção preventiva seletiva, que se aplica a indivíduos ou grupos específicos
expostos a fatores de risco biológicos, psicológicos ou sociais (Mrazek e Haggerty, 1994), o
que Simon (1989) chama de proteção específica, encontra espaço para aplicação dentro da
perspectiva da equação citada anteriormente. Os fatores de risco biológicos estão relacionados
à predisposição hereditária; os psicológicos ao fator idade, pois engloba variáveis psicológicas
que determinam a vulnerabilidade do sujeito; e os sociais aos agentes patogênicos, geralmente
dados pelo ambiente social em que o sujeito está inserido. Assim sendo, indivíduos ou grupos
que reúnem elementos dispostos na equação de modo a aumentar a probabilidade do
desenvolvimento do transtorno mental são o alvo das intervenções preventivas seletivas.
186
Mesmo no caso da intervenção preventiva indicada, Klein discorre sobre uma série de
sintomas leves e marcas biológicas que indicam uma predisposição para o desenvolvimento
de transtornos mentais. Com freqüência, analisa estes possíveis desdobramentos desfavoráveis
e alerta para a necessidade de agir antes da predisposição se transformar em transtorno. Esta é
a mais clara expressão da intervenção preventiva indicada.
No que se refere à raiz comum para variados transtornos mentais, também é possível
encontrar conceitos no modelo kleiniano que dão fundamento a esta assertiva. As pulsões de
vida e de morte, tão comentadas por Klein, têm papel central no desenvolvimento mental e
ajudam a dar uma base comum para a etiologia dos transtornos mentais. Em diversas
passagens de seus escritos, uma referência constante à prevalência dos impulsos
destrutivos sobre os libidinais, como base comum presente em todos os transtornos mentais.
A partir desta base, os desdobramentos podem ser amplamente variados e provocar o
surgimento de uma gama de psicopatologias. Porém, a predominância dos impulsos
destrutivos está invariavelmente presente. Como conseqüência, os esforços em busca da
recuperação do equilíbrio psíquico ou do alcance da saúde mental, passam necessariamente
pela mitigação dos impulsos destrutivos e de seus efeitos sobre os processos psíquicos. Pode-
se acrescentar que, ao lado do objetivo comum de evitar a supremacia da pulsão de morte,
como complemento e conseqüência, deve-se perseguir as condições que possibilitem a
internalização do objeto bom, básica para a saúde mental.
A idéia da raiz comum e da predisposição latente, presente em todos os seres
humanos, base para uma intervenção preventiva universal. As medidas de prevenção
universal, guiadas a todos, devem mirar no que de comum nas pessoas e combater os
fatores que possibilitam o desenvolvimento desta raiz comum. Em outras palavras, a
intervenção preventiva universal deve estar voltada para a finalidade de impedir a
predominância da pulsão de morte sobre a pulsão de vida e, assim, favorecer a internalização
187
do objeto bom. Algumas ressalvas feitas pela própria Melanie Klein alertam que, às vezes,
mesmo as melhores condições ambientais não conseguem garantir este desfecho. Mas parece
que se trata de uma exceção. Assim, continua havendo espaço para atuação preventiva e para
a busca de uma condição mais favorável de crescimento e desenvolvimento que livre a
criança do sofrimento desnecessário e desestruturante.
Do que se conhece a respeito da teoria kleiniano, pode-se asseverar que elementos
para apoiar a intervenção preventiva universal, a seletiva e a indicada. No caso da primeira, as
bases gerais sobre as quais se ergueram as formulações psicanalíticas garantem a
possibilidade da generalização e da universalização das iniciativas preventivas. A influência
do inconsciente, a inevitabilidade do complexo de Édipo, a existência de núcleos psicóticos
latentes, o interjogo entre as pulsões de vida e de morte, são concepções que dão uma visão
geral do homem e de seu funcionamento mental. Grosso modo, se existe uma base geral que
todos os seres humanos compartilham, então espaço para princípios gerais de aplicação
universal.
em relação às últimas, quase todo material produzido por Klein para explicar as
interações do bebê com o ambiente e com suas pulsões instintivas, bem como as concepções
sobre a dinâmica psíquica e as conclusões sobre o comportamento dos bebês, tudo isso reúne
material suficiente para a defesa da intervenção preventiva seletiva e indicada. Quando Klein
analisa exaustivamente as condições que são oferecidas ao bebê pelo ambiente social e seus
efeitos sobre seu psiquismo, ela está, na verdade, estudando os fatores de risco sociais.
Quando analisa os efeitos das pulsões de vida e de morte sobre a dinâmica psíquica e sobre as
transações com o ambiente, ela está abordando os fatores de risco biológicos e sua influência
sobre os fatores de risco sociais. Quando ela analisa a evolução dos processos psíquicos
durante o desenvolvimento, está enfocando os fatores de risco psicológicos e sua interação
com os outros fatores de risco: “O montante de minhas observações convenceu-me de que o
188
impacto dessas experiências externas é proporcional à força constitucional dos impulsos
destrutivos inatos e das ansiedades paranóides decorrentes” (Klein, 1957, p.262).
Nesta explicação sobre os fatores envolvidos no surgimento e evolução do sentimento
de inveja, podem ser encontrados todos os elementos da equação citada anteriormente: as
experiências externas (fator social), a força constitucional dos impulsos destrutivos (fator
biológico), e as ansiedades paranóides (fator psicológico).
Dependendo do ponto de vista que é adotado, a ênfase recai sobre os fatores protetivos
ou de risco: se for para explicar a saúde mental, o foco são os fatores protetivos, aqueles que
promovem a saúde mental; se for para explicar a evolução do transtorno, o alvo são os fatores
de risco, que podem provocar a doença.
Apesar do peso do fator biológico (constitucional) no resultado da equação, do ponto
de vista do modelo kleiniano, os outros fatores continuam a ter papel essencial no destino do
desenvolvimento mental:
A existência dos fatores inatos, referidos acima, aponta para as
limitações da terapia psicanalítica. Embora eu perceba isso
plenamente, minha experiência ensinou-me que, não obstante, nós
podemos produzir mudanças fundamentais positivas em vários casos,
mesmo com uma base constitucional desfavorável (Klein, 1957,
p.262).
Esta conclusão, que se aplica ao alcance da terapia psicanalítica, pode ser estendida
aos esforços das intervenções preventivas. Mesmo com um dos fatores da equação se
revelando desfavorável, ainda que com relevante peso na influência sobre o todo, a finalidade
deve ser sempre “produzir mudanças fundamentais e positivas”.
No trabalho de 1952, “Sobre a observação do comportamento de bebês”, Klein faz
uma descrição rica e detalhada do que se observa nos bebês nos primeiros meses de vida, e
oferece uma série de explicações sobre as várias possibilidades na interação entre a criança e
189
seu meio, que se revela como uma fonte valiosa para orientar o desenvolvimento da criança e
prevenir problemas. São apresentadas situações e construídos hipoteticamente diversos
contextos que ajudam a identificar fatores protetivos e de risco: “Procurei mostrar que, através
da observação cuidadosa de bebês muito novos, podemos obter algum insight sobre sua vida
emocional assim como indicações de seu desenvolvimento mental futuro” (Klein, 1952b,
p.143).
A observação de bebês auxilia na compreensão de suas necessidades e no modo como
evoluem seus processos psíquicos. Assim, é um poderoso instrumento de aprendizagem para
os que pretendem agir preventivamente. É possível, desta forma, aproximar o adulto das
vicissitudes do mundo mental infantil, permitindo que ele se identifique com o pequeno
infante e responda melhor aos seus apelos:
Uma percepção mais plena e mais geral das ansiedades e necessidades
emocionais do bebezinho diminuirá, portanto, o sofrimento na
infância e assim preparará o terreno para uma maior felicidade e
estabilidade na vida futura (Klein, 1952b, p.143).
As palavras de Klein fazem crer que talvez a observação de bebês tenha sido o
protótipo do trabalho em prevenção primária dentro do terreno psicanalítico. Pode-se supor
que, considerando o papel da reparação enquanto mecanismo que busca a preservação do
objeto, a prevenção seria uma espécie de reparação a priori, pois a ação ocorre antes do dano.
A atitude preventiva seria uma predisposição para agir movido pela necessidade de garantir ao
objeto condições ótimas para evitar o ataque dos objetos maus, ou fortalecê-lo para enfrentá-
los.
Em resumo, pode-se falar com segurança que existe uma noção kleiniana de
prevenção que aponta para a prevenção primária e para as intervenções preventivas universais
e seletivas e indicadas.
190
Não se pode perder de vista a recomendação de se evitar uma atitude onipotente
(Cassorla, 2001). Porém, deve-se aproveitar “os insumos e formas de pensar provenientes da
experiência psicanalítica” (Portolese, 2001, p.752) e o conhecimento acumulado sobre a
importância das primeiras experiências (Emde, 1988). O público em geral deve ser educado
sobre as idéias psicanalíticas, ainda que com o risco de provocar algumas conseqüências
negativas resultantes da aproximação entre psicanálise e prevenção primária (Hoffman, 2000,
2003). Problemas de comportamento podem ser abordados precocemente, com a orientação
de pais, professores e instituições sociais, levando em conta as reais necessidades da criança
(Mohacsy, 1983). Os esforços educacionais devem ser dirigidos a ações que se baseiem no
equilíbrio entre a não-interferência e a frustração (Barros, 1996). A aplicação dos
conhecimentos psicanalíticos em educação (como também em saúde), distante da atividade
clínica, impõe o desafio de manter uma atitude ética que impeça a manipulação e a
coisificação do ser humano e que considere e respeite sua individualidade (Cassorla, 2001).
O ponto de convergência entre a psicanálise e a prevenção está no foco sobre a
infância inicial, e não sobre o sintoma, pois “O mal estar é de origem... Assim, prevenção leva
em conta que o transtorno humano é de origem” (Motta, 2002, p.113).
A célebre frase de Freud (1919) “fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da
sugestão direta” merece ser reconsiderada e assumida como uma espécie de profecia. Nos dias
atuais, encontrar e desfrutar do ouro puro é tarefa das mais raras, árduas e restritas. A análise
livre está distante de ser uma resposta adequada às urgências que emergem das estatísticas
psiquiátricas, a não ser para um número muito reduzido de beneficiados, o que não atende de
longe as necessidades de saúde pública. A sugestão em forma de orientação, informação e
partilha de conhecimentos, com vistas à sustentação das intervenções preventivas primárias,
pode não apenas ser “fundida” às intervenções clínicas, mas antecipá-las.
191
Retomando Freud (1937), ele afirma a respeito dos objetivos do tratamento
psicanalítico: A missão da análise é garantir as melhores condições psicológicas possíveis
para as funções do ego”. Do que foi analisado até aqui sobre a saúde mental e a prevenção, do
ponto de vista kleiniano, pode-se dizer que as melhores condições psicológicas estão
relacionadas à transformação do superego e sua assimilação pelo ego, as quais podem ser
perseguidas por meio de intervenções preventivas universais, seletivas e indicadas.
3.4 Fatores Protetivos e Fatores de Risco
Uma vez definida a concepção de saúde mental, com base nos preceitos kleinianos,
como sendo um estado fluido que é alcançado com a integração do ego e síntese
(transformação) do superego, e que o resultado é uma personalidade mais resiliente e com
competência sócio-emocional, a questão que se coloca é: qual o papel dos fatores de risco e
protetivos no alcance ou distanciamento deste estado, e qual a relação entre eles e as
diferentes modalidades de intervenção primária? A discussão desenvolvida até aqui mostrou
que é possível falar em prevenção com base na teoria kleiniana, e que a prevenção primária,
por meio das intervenções preventivas universais, seletivas e indicadas, é legitimada pelos
conceitos do modelo kleiniano. Para responder a esta questão, é preciso resgatar a análise feita
sobre os fatores protetivos e de risco do ponto de vista da obra de Klein, e relacioná-los às
diferentes formas de intervenção preventiva. Assim, é possível identificar quando a
intervenção deve ocorrer, e qual modalidade é a mais adequada.
Antes, porém, cabe acrescentar uma consideração a esta análise sobre a existência e
utilidade dos fatores de risco e protetivos, para aumentar a consistência desta discussão e sua
192
convergência com os pressupostos que dão identidade a visão kleiniana do desenvolvimento
mental.
Muito se disse a respeito do peso dado por Klein aos fatores internos e externos e seu
papel no desenvolvimento mental. Análises pouco rigorosas tendem a considerar a visão
kleiniana como demasiadamente intimista e pouco sensível às contingências ambientais.
Alguns asseveram ainda que Klein dava pouca importância à realidade externa e prestava
atenção em excesso às vicissitudes do mundo interno e aos processos psíquicos envolvidos.
Caso estas posições estivessem corretas, seria impossível falar em prevenção, muito menos
primária, nem na possibilidade de identificar e manipular fatores protetivos e de risco, uma
vez que a pouca consideração pela realidade externa tornaria improvável um investimento nas
transações entre a criança e seu ambiente social, e na possibilidade de atribuir importância ao
papel da intervenção externa.
O caminho percorrido a aqui, atravessando a teoria kleiniana, levou ao acúmulo de
evidências que legitimam tanto o projeto preventivista quanto a visão interacionista de
homem. O conhecido trabalho de 1937, “Amor, culpa e reparação”, reúne um conjunto de
idéias sobre a intensidade e importância das interações entre a criança e o ambiente social em
que está inserida. Os pais, os amigos, a escola, o trabalho, são todos abordados e colocados
em íntima interação com os processos psíquicos, como fazendo parte do contexto sobre o qual
tem curso o desenvolvimento psicológico:
Procurei deixar claro que parte daquilo que amamos em nós mesmos é
formado por tudo o que acumulamos através de nossas relações com
pessoas externas, pois essas relações – assim como as emoções ligadas
a elas – acabaram se tornando uma posse interna (Klein, 1937, p.382).
As relações que têm curso desde muito cedo entre o bebê e as pessoas que cuidam dele
são a base sobre as quais se constrói boa parte dos objetos que compõem o mundo interno.
193
Este cenário íntimo, subjetivo e interno, que representa a realidade psíquica, é menos o
resultado de uma construção interna do que uma contínua transformação que resulta de
transações intersubjetivas.
Conforme foi evoluindo o pensamento kleiniano, e os progressos da teoria das posições
ganhou espaço, a importância dos fatores externos e a ênfase sobre a interação dos mesmos
com fatores internos se consolidaram. Ao se referir à passagem da posição esquizo-paranóide
para a posição depressiva, crucial no desenvolvimento emocional, Klein (1946) afirma que
“As experiências externas são naturalmente de grande importância nesses desenvolvimentos”
(p.34). As repercussões destas experiências e dos fatores externos sobre a consolidação da
posição depressiva e o afastamento do modo de funcionamento esquizo-paranóide são
destacadas:
Os fatores externos desempenham um papel vital desde o princípio,
que temos razões para supor que todo estímulo ao medo persecutório
reforça os mecanismos esquizóides, isto é, a tendência do ego para
cindir a si mesmo e ao objeto, enquanto toda experiência boa fortalece a
confiança no objeto bom e contribui para a integração do ego e para a
síntese do objeto (Klein, 1952a, p.91).
A subordinação do processo de desenvolvimento ao fator externo fica evidente desde o
nascimento. Usando os conceitos de “fator de risco” e “fator protetivo”, pode-se dizer que
“todo estímulo ao medo persecutório” pode representar um fator de risco, pois estimula o uso
de mecanismos esquizóides e aumenta a presença dos impulsos destrutivos, estes últimos
entendidos como raiz comum dos transtornos mentais; por outro lado, “toda experiência boa”
pode representar um fator protetivo, por contribuir para o que, neste trabalho, e corroborado
nesta afirmação de Klein, leva a uma das condições para o alcance da saúde mental: a
integração do ego. Afirma-se que pode representar”, porque a complexidade do
desenvolvimento exige certa relativização, o que não significa abandonar esta lógica.
194
Klein (1952a) lembra que a realidade externa não pode, em hipótese alguma ser
desconsiderada ou relegada ao papel de coadjuvante. Entretanto, o fator interno,
constitucional, de caráter quantitativo (intensidade da pulsão) e qualitativo (de vida ou de
morte), é igualmente colocado como central na interação:
As circunstâncias externas sem dúvida influenciam bastante o que vai
predominar na relação do bebê com o seio, se os sentimentos de
frustração ou os de gratificação; mas o muita dúvida de que os
fatores constitucionais, que influenciam desde o início a força do ego,
têm que ser levados em consideração (p.92).
O fator constitucional, como se pode notar, pode representar um fator biológico de
risco ou protetivo, dependendo de como ele se apresenta e se consolida, a partir da influência
das circunstâncias externas. A predominância dos sentimentos de frustração, que resulta da
ação de fatores de risco, tanto internos (pouca capacidade do ego para suportar a privação)
quanto externos (a privação propriamente dita), tem grande impacto sobre a relação do bebê
com o seio, díade primordial sobre a qual se baseiam todas as relações humanas; o mesmo
vale para o predomínio dos sentimentos de gratificação, influenciado por fatores protetivos
internos (supremacia da pulsão de vida) e externos (experiência gratificante). Vale lembrar
que, ainda mantendo um certo relativismo, tanto a frustração quanto a gratificação podem
provocar desdobramentos que fogem a lógica estabelecida acima. Por exemplo, alguma
quantidade de frustração é necessária, como foi dito antes, para forçar o ego a desenvolver
recursos que o torne mais forte e resistente às agruras da vida. Por outro lado, experiências de
gratificação podem despertar sentimentos excessivos de inveja no bebê. Mesmo considerando
estas possibilidades, a lógica estabelecida acima não pode ser abandonada, pois o ego pode
se “beneficiar” da frustração se tiver quantidade suficiente de pulsão de vida para se
fortalecer; e a inveja excessiva só virá se o bebê estiver dominado pelas pulsões de morte.
195
A intervenção preventiva baseada na crença do papel importante dos fatores externos,
de risco e protetivos, na consolidação da saúde mental, também considera que sua eficácia é
maior quanto mais cedo ela for aplicada. Klein (1952b) acreditava que a criança, mais do que
o adolescente ou o adulto está vulnerável à influência das contingências externas:
... desde o início da vida pós-natal e a cada estágio fatores externos
afetam o resultado do desenvolvimento. Como sabemos, até mesmo
em adultos a atitude e o caráter podem ser influenciados favorável ou
desfavoravelmente pelo ambiente e pelas circunstâncias, e isso se
aplica em grau muito maior às crianças (p. 120-121).
A maior vulnerabilidade da criança e do bebê às circunstâncias externas reforça a
crença de que a intervenção preventiva deve chegar cedo.
A atitude da mãe é apontada como fator externo protetivo de inestimável valor para a
consolidação da saúde mental ou fator de risco para o desenvolvimento de transtornos
mentais, na relação do bebê com o seio desde o nascimento. “A medida em que a força do ego
pode ser mantida e incrementada é, em parte, afetada por fatores externos, especialmente a
atitude da mãe em relação ao bebê”, explica Klein (1958, p.273). O modo como a mãe cuida
do bebê, seu estilo de educar e sua capacidade para receber, traduzir e reagir às identificações
projetivas de seu filho são decisivas para classificar a atitude materna como fator de risco ou
protetivo.
A teoria da inveja, uma das últimas contribuições de Melanie Klein para o progresso
da psicanálise, confirmou o papel central da relação entre o bebê e o seio, bem como a
influência de fatores internos e externos, no desenvolvimento psicológico. Em “Inveja e
gratidão”, Klein (1957) deixa isto muito claro: “Sugeri anteriormente que a voracidade, o ódio
e as ansiedades persecutórias em relação ao objeto originário, o seio da mãe, têm base inata”
(p.261). O fator interno tem presença inegável muito cedo. Mas, nunca participa sozinho no
processo de desenvolvimento: “Um outro fator que, desde o início, influencia o
196
desenvolvimento é a diversidade de experiências externas pelas quais o bebê passa” (p.262).
Mais uma vez, Klein lembra e esclarece que ambos, fatores internos e externos, têm
participação decisiva no destino do desenvolvimento psicológico, neste caso com a
predominância da inveja ou da gratidão.
Por meio da análise de um trabalho não publicado de Klein (“Notes on baby”), em que
ela escreve sobre a observação de seu neto, Aguayo (2002) mostra pontos de convergência
entre as idéias de Klein e Winnicott e lembra que Klein insistia sobre a necessidade dos
analistas conhecerem melhor a interação entre ansiedades precoces, fantasias e experiências
externas, para compreender a importância do fator externo.
Em vários trechos das obras completas de Melanie Klein, a autora tece inúmeros
comentários sobre as conseqüências de determinadas experiências infantis sobre o
desenvolvimento da personalidade, inclusive conseqüências duradouras, o que reflete uma
crença profunda de Klein sobre uma continuidade psíquica no desenvolvimento emocional, o
que vale dizer, em outras palavras, acreditar numa certa previsibilidade da conduta futura, ou
mesmo predisposição, para expressar comportamentos, sentimentos ou reproduzir vínculos,
com base nestas primeiras e intensas experiências. Além de depositar extrema importância
sobre os primeiros anos de vida, Klein os coloca como determinantes, impondo uma espécie
de marca no sujeito que os vivencia. Esta marca não significaria uma prisão ao passado. Mas
uma tendência a reproduzir que impediria uma distinção temporal. Dito de outra forma, a
reedição de experiências anteriores transporta o sujeito para um estado em que o passado não
se impõe como tal, onde o antes e o durante se misturam (sobrepõem). Uma visão tal como
esta pode fazer supor que o ambiente tem influência quase nula sobre o estado das coisas que
povoam a mente, as quais se instalaram por força das primeiras experiências, únicos
momentos em que as condições ambientes realmente contariam. Apesar de isto ser
parcialmente verdadeiro, o que parece contar mais é não somente a qualidade das
197
experiências, mas a quantidade e continuidade delas. Não são exatamente as primeiras
experiências desagradáveis que, em interação com impulsos destrutivos, conduzirão a um
desenvolvimento fadado à doença; mais que isso é a constante exposição a estas condições
(frustração mais impulso agressivo) e a maneira de interpretá-las que delineia um futuro
pouco promissor à pessoa que as vivencia. Fica evidente assim, o caráter dinâmico da teoria
estudada aqui e a visão dinâmica da interação sujeito/meio sustentada por Klein.
O aspecto dinâmico e interativo da teoria kleiniana garante sua afinidade com uma
abordagem preventivista que considera a importância dos fatores protetivos e de risco, em
busca da saúde mental. Cabe então, identificar um modelo que possibilite o uso da teoria de
Klein como referência, para a aplicação das diferentes formas de intervenção primária, com
base nos fatores de risco e protetivos presentes.
3.5 Convergência entre a Teoria da Adaptação e a Prevenção: o Modelo Psicanalítico-
Adaptativo de Ryad Simon
Após a inserção do modelo psicanalítico de Melanie Klein dentro da concepção de
saúde mental e do campo da prevenção, da sua aproximação com as propostas de intervenção
preventiva universal, seletiva e indicada, e com os conceitos de fatores de risco e protetivos,
surge o desafio de conceber um modelo que integre as várias formas de intervenção primária
com a identificação e manipulação dos fatores de risco e protetivos, para “fechar” o círculo
que favoreça o alcance da saúde mental e a prevenção dos transtornos mentais.
Esta difícil tarefa exige a busca por um modelo que contemple as idéias de prevenção,
intervenção e a existência de fatores que interagem aproximando ou distanciando o sujeito da
198
saúde mental. A proposta de correlação psicanalítico-adaptativa utilizando o modelo da
geometria analítica, de Ryad Simon (2005), mostrou-se extremamente útil e eficaz, além de
apresentar uma surpreendente capacidade de se aplicar a diferentes propostas de intervenção.
Apesar do modelo ter sido idealizado para aplicação em um contexto de atendimento clínico,
mais especificamente em psicoterapia breve, suas características moldaram-se facilmente às
propostas de intervenção preventiva primária.
Simon (1989) desenvolveu uma teoria da adaptação e um Sistema Diagnóstico
Adaptativo Operacionalizado (SISDAO), a fim de oferecer subsídios para a triagem e o
encaminhamento preventivo da população universitária de uma escola de medicina. A criação
de uma Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (EDAO) tornou este sistema
adequado para ser aplicado em diferentes populações. Simon (2005) afirma que o conceito
mais abrangente deste sistema é o de adaptação:
Defini adaptação como sendo o conjunto de respostas de um
organismo vivo a situações que a cada momento o modificam
permitindo a manutenção de sua organização, por mínima que seja,
compatível com a vida (p.24).
A busca constante pela adaptação ocorre por meio de estratégias de enfrentamento de
situações-problema que podem ser mais ou menos adequadas. A estratégia é considerada
“adequada” quando a solução buscada resolve a situação-problema e gratifica o sujeito sem
causar conflitos. È considerada “pouco adequada” quando atende a um dos dois critérios de
adequação (gratificação e ausência de conflitos). A resposta é pouquíssimo adequada”
quando apenas resolve a situação problema, mas não traz satisfação e gera conflito.
A adaptação do indivíduo, segundo Simon (1989), é composta por quatro setores:
afetivo-relacional, produtividade, sócio-cultural e orgânico. Assim, a Escala Diagnóstica
Adaptativa Operacionalizada (EDAO) seria composta pela aplicação dos três conceitos de
199
adequação ao conjunto de respostas dadas pelo sujeito dentro dos quatro setores da adaptação.
O resultado foi a criação de cinco grupos diagnósticos adaptativos que foram classificados
segundo o grau de adaptação, como se segue: grupo um: adaptação eficaz; grupo dois:
adaptação ineficaz leve; grupo três: adaptação ineficaz moderada; grupo quatro: adaptação
ineficaz severa; e, por fim, grupo cinco: adaptação ineficaz grave. A definição do diagnóstico,
dentro destes grupos, ajuda a planejar e operacionalizar uma proposta de psicoterapia breve,
como também planejar e operacionalizar uma psicoterapia psicanalítica para “quadros
medianos” ou “quadros graves” (Simon, 1999).
Este breve resumo da proposta de Simon (1989) serviu para mostrar de modo sucinto
algumas das idéias fundamentais da teoria do autor e sua aproximação com a teoria
preventiva. Porém, os desenvolvimentos posteriores, ocorridos em seu último trabalho
(Simon, 2005), revelaram-se de extrema valia para o objetivo de integrar o modelo kleiniano
às idéias de intervenção preventiva primária, por meio da identificação e manipulação de
fatores protetivos e de risco. Na introdução do capítulo quatro, “Correlação psicanalítico-
adaptativa utilizando modelo de geometria analítica”, considerado aqui a grande contribuição
para o que será exposto a seguir, Simon (2005) afirma:
Em meus trabalhos mais recentes (Simon, 1999) tenho procurado dar
um ‘salto intuitivo’ entre a teoria das posições (esquizo-paranóide e
depressiva) de Melanie Klein e minha Teoria da Adaptação na qual
uso minha Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (EDAO)
(p.63).
O “salto intuitivo” foi dado com a criação de um modelo que aproxima a teoria
psicanalítica de Klein com sua teoria da adaptação através da aplicação de conceitos da
geometria analítica. Esta construção teórica extremamente criativa foi tomada em sua íntegra
e adaptada ao propósito de fazer uma aproximação entre o modelo kleiniano e a proposta de
intervenção preventiva primária, por meio de suas aplicações universal, seletiva e indicada.
200
Simon (2005) lembra uma importante contribuição de Freud, o conceito de séries
complementares, que suporte a idéia da existência de interação entre fatores internos e
externos na formação de equações etiológicas. Os fatores constitucionais e ambientais se
encontrariam em constante interação, e o resultado seria o desenvolvimento de
psicopatologias ou a consolidação da saúde mental.
Usando o modelo cartesiano da geometria analítica plana, Simon transpõe a rica
variação na interação entre fatores internos e externos para um gráfico que seria composto por
duas linhas (uma horizontal denominada x’x, das abscissas, e outra vertical denominada y’y,
das ordenadas) que se cortam perpendicularmente e se cruzam no ponto zero. A linha
horizontal representa os fatores internos (constitucionais instintivos) e a linha vertical os
fatores externos (ambientais). Admitindo apenas duas unidades quantitativas em cada direção,
a título de ilustração, que as quantidades reais não são conhecidas, a parte à direita e acima
do zero cresce positivamente; a parte à esquerda e abaixo do zero cresce negativamente
(figura 1).
201
Figura 1. Apresentação gráfica da interação entre os fatores internos e externos.
O esquema inspirado na geometria cartesiana oferece instrumentos que auxiliam o
clínico na compreensão do papel dos fatores externos e internos e seu impacto sobre a
adaptação do indivíduo, o que garante uma visão diagnóstica do caso clínico. Além disso,
segundo Simon (2005), esses instrumentos “... contribuem para o prognóstico de um
atendimento psicoterápico, seja ele breve ou psicanalítico” (p.66). Apesar do modelo ter sido
criado para amparar as ações do clínico, é possível encontrar destinações úteis também para o
profissional envolvido em prevenção primária.
Quando o autor explica que os instrumentos são adequados para fins de diagnóstico e
prognóstico, sua última destinação surge como ferramenta condizente com os propósitos da
prevenção primária. Como foi abordado antes, a intervenção preventiva primária se apóia
na crença de que, a partir de uma condição dada (combinação de fatores internos e externos),
é possível obter alguma previsibilidade de suas conseqüências sobre o desenvolvimento
psicológico, o que desencadeia uma série de ações para prevenir suas repercussões
indesejáveis, como a ocorrência de um transtorno mental. O prognóstico mais do que o
diagnóstico é importante num modelo de atuação em prevenção primária. A proposta de
Simon (2005) contempla tanto a possibilidade de analisar o papel dos fatores internos e
externos, quanto aponta para uma certa previsibilidade, necessária em qualquer tentativa de
compreensão prognóstica.
202
Alguns conceitos desenvolvidos por Simon (2005) ajudam a dar clareza a esta
aproximação. O autor faz uma rica análise do papel de fatores internos e externos na
adaptação do sujeito à realidade. De posse destes conceitos, pode-se traçar o caminho para a
aplicação do modelo kleiniano à proposta de intervenção preventiva primária. De modo
genérico, Simon (2005) define fatores como “fatos que interagem mediados pelo ego,
influindo na adequação” (p.33). Estes fatores, do ponto de vista da prevenção, são variáveis
determinantes para a avaliação das condições em que o sujeito se encontra e para o
prognóstico de seu desenvolvimento psicológico. O autor distingue dois tipos de fatores:
internos e externos. Os primeiros são relacionados ao mundo mental do sujeito e sua estrutura
orgânica. São subdivididos em fatores internos tensionais, defensivos, objetais e orgânicos.
Apesar de não ser oportuno lançar mão de todos estes conceitos aqui, eles são úteis no
desenvolvimento de novos trabalhos que aprofundem os conhecimentos disponíveis sobre o
papel dos fatores internos e sua interação com os fatores externos. Quanto a estes últimos, são
descritos como “situações objetivas que são significativas para o sujeito... Abrangem o
conjunto dos fatores ambientais... além das características reais das pessoas implicadas
envolvidas nos relacionamentos interpessoais” (p.34). O conjunto dos elementos que fazem
parte do ambiente físico e social, e que chamam a atenção do sujeito, estão abrangidos nesta
denominação.
Simon (2005) atribui positividade e negatividade aos fatores internos e externos. Pode-
se dizer quer, em termos de prevenção primária, a positividade dos fatores externos e internos
está relacionada à qualidade de serem protetivos, ou seja, de possibilitarem a consolidação da
saúde mental; a negatividade dos fatores, por sua vez, tem relação com a qualidade de serem
considerados de risco, o que significa dizer que encaminham o sujeito para o desenvolvimento
de transtornos mentais.
203
A análise da positividade ou negatividade dos fatores internos, segundo o autor, leva a
uma maior compreensão sobre “predisposições adaptativas”, repertórios de aprendizagem que
são armazenados na memória e ajudam a predizer o comportamento.
Para desenvolver sua proposta baseada na geometria analítica, Simon (2005) refere-se
aos fatores internos e externos como fatores de adaptação, e restringe os primeiros a o que é
constitucional e os últimos a o que é ambiental. Desta forma, os fatores externos podem ser
representados por um ambiente acolhedor ou rejeitador. O ambiente é rejeitador quando
predominância dos fatores externos negativos. Simon (2005) esclarece que:
Não é o que agride fisicamente (através de maus-tratos e
frustrações) ou afetivamente (por meio de retirada do amor). É
também o permissivo, que gratifica em excesso, não coloca limites,
não impõe disciplina. E, ainda, o que superprotege, não permitindo à
criança (ou mesmo ao adulto) enfrentar situações de angústia que são
necessárias para desfazer pela ‘prova da realidade’ (Klein, 1932) os
temores fundados mais na fantasia que na realidade (p.71).
Várias possibilidades são levadas em conta para descrever o ambiente rejeitador,
incluindo não apenas a privação e frustração excessivas, mas também a permissividade e
proteção exageradas. Simon (2005) explica que a constante exposição a estas condições
favorece o estabelecimento de relações de objeto externas rígidas, as quais por meio da
internalização passam a fazer parte do mundo interno e a influenciar as relações atuais.
O ambiente é considerado acolhedor quando prevalecem os fatores externos positivos,
e, como descreve Simon (2005):
É o ambiente que propicia à criança (e também ao adulto) sentir-se
querida e respeitada em sua individualidade. Mas é também o que
frustra o suficiente para ensinar a criança (ou o adulto) a respeitar
limites. E mais, que encoraja a criança a enfrentar as situações
atemorizantes da fantasia e os perigos reais compatíveis com seus
recursos, diferenciando-os, e, desse modo, favorece a integração do
ego e a evolução para uma adaptação eficaz (p.71).
204
Mais uma vez a descrição do autor é abrangente e considera tanto o oferecimento de
um suporte acolhedor e seguro, quanto o apoio para o enfrentamento de situações difíceis e
desafiadoras. Estas condições possibilitam a integração e evolução do ego, o que neste
trabalho, e com base na visão kleiniana, é essencial para o estabelecimento da saúde mental.
No que diz respeito aos fatores internos, Simon (2005) prefere usar o termo instinto
para designar as forças internas que estão relacionadas ao fator constitucional. Ele lembra que
a intensidade dos instintos pode ser diminuída ou aumentada por influência de alterações
químicas ou hormonais, e mesmo por influência de fatores externos ambientais. Porém, esta
influência é restrita, que o instinto (o que aqui é denominado pulsão) não pode ser
totalmente afetado. O fator interno torna-se negativo quando o instinto de morte é excessivo,
o que pode ser notado indiretamente, que não é possível verificar diretamente, pela
intensidade dos derivados deste instinto, como a voracidade, o ódio e a inveja. O incremento
destes pode fazer predominar a angústia persecutória e afundar a criança na posição esquizo-
paranóide. A destrutividade prejudica as relações e danifica a percepção, encaminhando a
criança para o transtorno mental grave, e, muitas vezes, irreversível. Como lembra Simon
(2005), a agressividade (uma atenuação da destrutividade) é necessária para a sobrevivência
humana. Portanto, não é a presença do instinto de morte que torna o fator interno negativo,
mas sua exacerbação (o que nos remete para o aspecto quantitativo da saúde mental).
O fator interno é considerado positivo, para Simon (2005), quando predominância
do instinto de vida sobre o instinto de morte. O fator constitucional que conduz o sujeito para
a vida favorece a integração da personalidade e estimula a ações em direção à construção e à
reparação. A prevalência do amor e dos seus derivados se fazem sentir com força, preparando
a criança para a saúde mental:
A carga suficiente do instinto de vida predispõe ao contato adequado
com a realidade, preside a saúde mental e a busca de soluções
205
adequadas para as situações-problema suscitadas pela existência,
favorecendo a aquisição de adaptação eficaz (Simon, 2005, p.73).
Como se pode notar, existe uma estreita relação entre a aquisição da saúde mental e de
uma adaptação eficaz, o que reforça a possibilidade que utilizar o modelo do autor dentro de
uma perspectiva preventivista. Assim, enquanto o modelo idealizado por Simon (2005)
objetiva diagnosticar e planejar ações que possibilitem uma adaptação eficaz, quando aplicado
na operacionalização de estratégias de psicoterapia breve, sua aproximação com a visão
preventivista ênfase à propriedade prognóstica do modelo e sua possível aplicação no
planejamento de intervenções preventivas primárias, dirigidas para a consolidação da saúde
mental. Saúde mental e adaptação eficaz, segundo a opinião do autor deste trabalho, são faces
da mesma moeda.
A convergência do modelo analítico de Simon com a proposta preventivista, com
vistas a aproximação entre o modelo kleiniano e a prevenção, pode ser melhor compreendida
mostrando-se, a princípio, sua faceta diagnóstica e voltada para a operacionalização da
psicoterapia breve, como é apresentada pelo autor, para depois apresentar uma proposta de
nova leitura e aplicação do modelo proposto.
Simon (2005) usou o modelo da geometria plana para mostrar a interação entre os
fatores internos e externos. Os fatores internos, portanto constitucionais, são representados
pelas abscissas, enquanto as ordenadas representam os fatores externos, ambientais. As
diferentes combinações que resultam desta interação são representadas como se segue (figura
2).
206
Figura 2. Diferentes combinações resultantes da interação entre os fatores.
Em cada um dos quadrantes observa-se a formação de quatro grupos, cada qual
representando a correlação dos diferenciais dos fatores ambientais e constitucionais. Os
207
grupos localizados dentro do quadrante superior direito expressam as combinações mais
benignas entre os fatores internos e externos. Quanto mais se distanciam do ponto zero, maior
sua beneficência. Os grupos localizados no quadrante oposto (inferior esquerdo) trazem as
combinações mais maléficas. Quanto mais se distanciam do ponto zero, maior sua
maleficência. os grupos localizados nos dois quadrantes restantes apresentam
características que podem ser definidas como estando numa posição intermediária. Porém,
diferenças. No quadrante superior esquerdo, a maleficência aumenta com o distanciamento do
ponto zero. no quadrante inferior direito, a beneficência aumenta com o distanciamento do
ponto zero. Estas variações de grau são expressas através das letras a, b ,c e d, sendo que “a”
expressa melhores condições do que “b”, que por sua vez expressa melhores condições que
“c”, e assim por diante.
Numerando os grupos de 1 a 5, Simon (2005) propõe a leitura do gráfico para
diagnosticar o grau de adaptação do indivíduo e propor estratégias de psicoterapia breve. No
grupo 1 encontram-se os sujeitos com adaptação eficaz; no 2 estão os que alcançaram
adaptação ineficaz leve; no grupo 3 encontram-se aqueles com adaptação ineficaz moderada;
no grupo 4 estão os sujeitos com adaptação ineficaz severa; e, finalmente, no grupo 5 os
sujeitos com adaptação ineficaz grave.
A partir de uma outra leitura da mesma figura, e considerando a interação entre os
fatores internos e externos, é possível aplicar critérios de classificação não diagnóstica, mas
prognóstica, e propor intervenções preventivas primárias que podem ser classificadas como
universais, seletivas ou indicadas, de acordo com o Committee on Prevention of Mental
Disorders (Mrazek e Haggerty, 1994).
A possibilidade de dar uma nova destinação ao modelo de Simon (2005) exige um
outro olhar sobre seu esquema inspirado na geometria plana. Ao traçar linhas transversais
sobre o plano que reúne os quatro quadrantes, e analisar os resultados não em termos do que
208
ocorre, mas do que pode ocorrer, surgem novas destinações, como se pode ver abaixo (figura
3):
209
Figura 3. Aplicação das linhas transversais sobre os quadrantes.
A partir da direita, as duas primeiras linhas transversais cortam três grupos localizados
no quadrante superior direito. Estes grupos representam as melhores interações possíveis entre
os fatores constitucionais e ambientais, e, portanto, as melhores possibilidades de se alcançar
a saúde mental. As três linhas transversais seguintes, que cortam todos os grupos dos
quadrantes superior esquerdo e inferior direito, além dos grupos localizados próximo do zero
nos quadrantes superior direito e inferior esquerdo, representam as interações resultantes do
encontro entre os fatores ambientais e constitucionais, os quais reúnem os contextos
considerados intermediários entre a saúde e a doença. Por fim, as duas últimas linhas
transversais cortam os três grupos localizados no quadrante inferior esquerdo, os quais
representam as piores possibilidades de interação entre os fatores ambientais e
constitucionais.
No primeiro conjunto cortado pelas linhas transversais (três grupos) estão os sujeitos
que podem se beneficiar com as intervenções preventivas universais, pois estas são dirigidas a
um grupo populacional que não está exposto a um risco crescente. As combinações presentes
neste conjunto não apontam a presença de fatores de risco. No segundo conjunto cortado pelas
linhas transversais (10 grupos) encontram-se aqueles que são alvo de intervenções preventivas
seletivas, que estas se aplicam a indivíduos ou grupos específicos expostos a fatores de
risco biológicos, psicológicos ou sociais. Neste conjunto, as combinações revelam a presença
de fatores de risco, tanto ambientais quanto constitucionais. No terceiro conjunto cortado
pelas linhas transversais (3 grupos) estão reunidos os sujeitos que necessitam de intervenções
preventivas indicadas, um vez que estas formas de intervenção são direcionadas a pessoas que
apresentam marcas biológicas ou sintomas leves que podem ser identificados, sem que
estejam presentes critérios diagnósticos, apontando para uma predisposição para desenvolver
210
transtornos mentais. Aqui, as combinações denunciam um encontro bastante arriscado de
fatores negativos, os quais de certo provocam alguns sinais ou sintomas leves, no mínimo.
Tomando como exemplo a relação entre o bebê e o seio da mãe, díade fundamental
para o estabelecimento da saúde mental, a observação do comportamento do bebê diante do
seio, e da mãe no oferecimento do seio, pode dar informações valiosas para ilustrar a
aplicação preventiva que se pretende dar ao modelo de Simon (2005), usando como
inspiração a teoria psicanalítica de Melanie Klein.
Em seu esclarecedor e didático trabalho em que escreveu sobre a observação do
comportamento de bebês, Klein (1952b) explica:
As relações do bebê com seu primeiro objeto, a mãe, e com o alimento
estão inseparavelmente interligadas desde o início. Portanto, o estudo
dos padrões fundamentais de atitudes em relação ao alimento parece
ser a melhor aproximação à compreensão dos bebês (p.121).
O conselho de Klein é seguido aqui para ilustrar a aplicação proposta. A atitude do
bebê em relação à alimentação e ao seio pode ajudar a fazer suposições sobre o papel dos
fatores constitucionais. Um bebê com a voracidade exacerbada indícios de que a pulsão de
morte está prevalecendo sobre a pulsão de vida: “... a voracidade surge quando, na interação
entre impulsos libidinais e agressivos, esses últimos são reforçados” (Klein, 1952b, p.121). A
ansiedade persecutória, devida a prevalência da pulsão de morte, pode tanto aumentar a
voracidade ou diminuí-la, levando à inibição alimentar. Assim, um bebê que apresenta atitude
voraz diante do seio, ou que demonstra inibição alimentar, demonstra estar dominado pelo
fator interno negativo, mais do que o positivo. Se forem consideradas as variações máximas
dos valores diferenciais, sugeridas por Simon, teríamos hipoteticamente o eixo das variáveis
constitucionais aproximando-se do –2, quanto maior for a voracidade ou inibição da criança.
Por outro lado, Algumas crianças que embora sejam boas mamadoras, não são
211
marcadamente vorazes e mostram sinais inequívocos de amor e de interesse crescente pela
mãe em um estágio muito inicial...” (Klein, 1952b, p.122), demonstram ser mais governadas
pela pulsão de vida do que pela pulsão de morte. Neste caso, o eixo das variáveis
constitucionais tenderia para +2. Em relação às condições ambientais, neste exemplo
representadas pela atitude da mãe, também cabem algumas variações. Como orienta Klein
(1952b), A conclusão é que com todas as crianças o manuseio paciente e compreensivo da
mãe desde os primeiros dias é da maior importância” (p.124). A atitude da mãe pode fazer
aumentar ou diminuir os valores do eixo das variáveis ambientais:
A cada passo as ansiedades persecutórias e depressivas tanto podem
ser reduzidas como aumentadas pela atitude da mãe. E o grau em que
figuras benéficas ou persecutórias prevalecerão no inconsciente do
bebê é fortemente influenciado por suas experiências reais,
primariamente com sua mãe, mas logo também com o pai e outros
membros da família (Klein, 1952b, p.125).
212
Diante do exposto, alguns desfechos são possíveis: a) a criança pode estar num
contexto em que não risco crescente, ou seja, numa condição em que prevalecem fatores
ambientais e constitucionais positivos (prevalece a pulsão de vida e a atitude compreensiva da
mãe), sendo alvo das intervenções preventivas universais; b) noutro contexto, um dos fatores
com predominância negativa, seja ambiental ou constitucional (mãe hostil com predomínio da
pulsão de vida, ou mãe compreensiva com predomínio da pulsão de morte), demanda
intervenções preventivas seletivas, as que se destinam a grupos expostos a fatores de risco
biológicos, psicológicos ou sociais crescentes; c) se o contexto que se impõe é composto por
fatores ambientais e constitucionais negativos (mãe hostil e prevalência da pulsão de morte),
aplicam-se as intervenções preventivas indicadas, para aqueles que apresentam marcas
biológicas (pulsão de morte excessiva) e sintomas leves (voracidade ou inibição alimentar
intensas).
O dinamismo presente no interjogo entre os fatores ambientais e constitucionais pode
ser mais bem acompanhado e ilustrado se for dada ainda outra leitura ao modelo de Simon
(2005). Caso sejam aplicadas linhas transversais nas quatro direções, traçadas a partir da
união dos pontos que representam os valores atribuídos ao ambiente e à constituição, cortando
cada um dos vetores que compõem o gráfico, a área coberta pela soma dos triângulos em cada
um dos quadrantes, que juntos formam um polígono, representaria o conjunto das forças
positivas e negativas agindo em interação (figura 4).
O polígono irregular que surge como resultado da união dos pontos definidos
(correlação direta e não diferencial dos fatores) em cada vetor dos eixos das variáveis
ambientais e constitucionais mostra de forma dinâmica como as forças positivas e negativas
de cada fator estão interagindo. Mostra ainda, o quanto deve ser investido em cada uma das
formas de intervenção preventiva. No exemplo em questão, as áreas cobertas em cada um dos
213
quadrantes mostram que o plano de intervenção deve incluir a soma de estratégias preventivas
com maior número de ações universais e menor número de ações seletivas e indicadas.
Figura 4. Apresentação gráfica da interação dinâmica entre os fatores.
O aumento ou redução das ansiedades persecutórias e depressivas, que pode variar de
acordo com a influência de experiências reais, segundo Klein (1952b), exige uma visão
214
dinâmica que acompanhe suas constantes transformações e variadas interações entre os
fatores ambientais e constitucionais.
Consideradas aqui as características do modelo kleiniano, de caráter fortemente
dialético, que assevera a constante presença de aspectos positivos e negativos em todas as
relações humanas e em qualquer ambiente social, a proposta traçada neste trabalho deve
guardar esta marca. A presença do amor e do ódio em qualquer relação de objeto, e a
interação de pulsões construtivas e destrutivas em qualquer ação humana carregam a crença
de que estas forças antagônicas estão sempre em curso, com prevalência de uma sobre a outra.
A predominância, entretanto, não significa que a força antagônica de menor predomínio
deixou de se fazer sentir ou influenciar. Usando a analogia do “cabo de guerra”, como o fez
Simon (2005), sempre que um lado prevalece, o outro tem sua força diminuída.
Em qualquer situação de interação entre os fatores ambientais e constitucionais estarão
presentes aspectos positivos e negativos, uma vez que não é possível pensar em situação onde
um deles está presente. A idealização e a cisão, mecanismos usados com maior freqüência
na posição esquizo-paranóide, dão a ilusão de que o sujeito, o objeto e o ambiente ou são
exclusivamente bons (destituídos de qualidades negativas), ou exclusivamente maus
(destituídos de qualidades positivas). É somente na posição depressiva, quando a criança
obtém uma visão mais realista do ambiente externo, que os aspectos bons e maus são
integrados e reconhecidos como presentes num todo mais complexo. Portanto, pode-se dizer
que o modelo proposto aqui deve mostrar uma visão mais real das relações de objeto e do
ambiente ao qual a criança está exposta. Assim, assumi-se o pressuposto de que quando
predomina o aspecto positivo dos fatores internos e externos, existe sempre um aspecto
negativo menor presente, e vice-versa. Se numa dada situação estão predominando elementos
que apontam para a prevalência dos fatores internos e externos positivos sobre os negativos,
será considerada uma relação inversamente proporcional em que a superioridade de um lhe
215
confere valor dois e a inferioridade do outro, valor um, e vice-versa. Como não é possível
conhecer as quantidades reais que representam a participação de cada um dos fatores, este
pressuposto garante, pelo menos, sua coerência com a visão kleiniana de mundo e de homem.
A partir desta perspectiva, o objetivo último da intervenção preventiva primária é
aumentar a área do triângulo localizado no quadrante superior direito. A intervenção
preventiva age como experiência real positiva que incide sobre o vetor superior do eixo dos
fatores ambientais, aumentando seus valores, e, conseqüentemente, provocando uma
diminuição nos valores do vetor inferior deste mesmo eixo, e ainda, aumentando, por
influência indireta, a força do fator interno positivo sobre o negativo (figura 5).
216
Figura 5. Apresentação gráfica da incidência da intervenção preventiva.
Retomando o exemplo do bebê em interação com a mãe, pode-se partir de uma
situação hipotética de uma criança que demonstra voracidade ao ser amamentada. Sua reação
é de extrema irritabilidade e choro constante quando o seio é afastado. A mãe é compreensiva
e paciente diante dos apelos do filho. Ela pretende desmamá-lo e quer fazê-lo de modo
abrupto, por influência de outras pessoas da família que alegam ser a melhor técnica de
desmame. Este exemplo pode ser ilustrado, com base na proposta apresentada neste trabalho,
como se segue (figura 6):
Figura 6. Apresentação gráfica da interação entre os fatores na relação mãe-bebê.
217
A área coberta pelo polígono irregular é formada majoritariamente pelo quadrante
superior esquerdo, com pequenas porções dos outros três quadrantes. O caso em questão
demanda uma intervenção preventiva destacadamente seletiva, com menor participação das
intervenções preventivas universais e indicadas. Caso a mãe tivesse colocado em prática seu
plano de realizar um desmame rápido e abrupto, sua atitude alteraria a configuração do
polígono, aumentando a participação do fator externo negativo e aumentando a área do
triângulo localizado no quadrante inferior esquerdo (figura 7).
Figura 7. Apresentação gráfica do efeito de um desmame abrupto.
218
A recomendação de Klein (1952b) sobre o desmame pode servir como intervenção
preventiva seletiva neste caso: “Assim, um desmame cuidadoso e vagaroso é favorável, ao
passo que um desmame abrupto, reforçando subitamente a ansiedade, pode prejudicar seu
desenvolvimento emocional” (p.145).
Caso esta recomendação fosse colocada em prática, ela agiria como fator externo
positivo, mudando favoravelmente a configuração do polígono, voltando a diminuir a área
que compreende o quadrante inferior esquerdo (figura 8).
Figura 8. Apresentação gráfica do efeito da recomendação enquanto fator externo.
219
Se, além disso, a criança respondesse com um comportamento mais tolerante e menos
voraz, acompanhado de demonstrações de afeto para com a mãe e seu seio, tal atitude agiria
com o mesmo efeito de um fator interno positivo (por denotar a supremacia da pulsão de
vida), provocando uma nova alteração no polígono, desta vez aumentando a área do triângulo
localizado no quadrante superior direito (figura 9).
Figura 9. Apresentação gráfica do efeito da reação do bebê enquanto fator interno.
Vale lembrar que uma orientação pode servir como intervenção preventiva universal
num dado caso, e como intervenção seletiva ou indica em outro. A decisão sobre qual
220
intervenção é a mais adequada, e a qual caso se aplica, dependerá sempre da leitura que se faz
do contexto e do gráfico que o representa. A recomendação de Klein descrita acima sobre o
desmame pode também ser aplicada a grandes populações que não estejam expostas a fatores
de risco, pois se trata de sugestão geral, válida para qualquer mãe que esteja desmamando seu
filho ou filha.
Como se pode notar, a partir deste exemplo, a proposta de releitura do modelo
idealizado por Simon (2005), inspirado na geometria cartesiana plana e baseado na teoria de
Klein, pode ser aplicado na prevenção de transtornos mentais e promoção de saúde mental na
infância.
Retomando mais uma vez Freud (1919), pode-se dizer que o modelo desenvolvido por
Simon (2005), e aquele desenvolvido aqui com base neste último, representam a fundição
aconselhada pelo pai da psicanálise. A organização que resulta da incorporação em um só, de
vários elementos, permite que cada um interaja com os demais dando maior utilidade e
alcance ao produto desta fundição. A escassez do ouro (análise) e a abundância do cobre
(sugestão) exigem uma combinação que faça o ouro aumentar o valor do cobre e o cobre
aumentar o alcance do ouro.
4. Conclusões
221
A proposta de revisitação da teoria kleiniana, a partir de um outro olhar voltado para a
prevenção em saúde mental na infância mostrou-se bastante oportuna e passível de oferecer
amplas possibilidades de investigação e favorecimento para uma infância mais segura e sadia.
A aproximação entre a psicanálise e a prevenção em saúde mental revelou-se complexa,
porém promissora por apresentar vários pontos de convergência e complementação. A crítica
e as restrições a este encontro o resistem a uma análise cuidadosa dos diversos elementos
constantes em ambos os modelos, o psicanalítico e o preventivo, que apresentam
características muitas vezes conciliáveis.
O debate atual sobre a prevenção em saúde mental na infância certamente pode ser
enriquecido pelas contribuições da teoria kleiniana. A teoria psicanalítica kleiniana oferece
material rico para contribuir na formulação de concepções psicoprofiláticas que podem ser
aplicadas ao desenvolvimento psicológico infantil, por conter em seu bojo idéias de saúde
mental, referências de desenvolvimento normal e patológico, bem como elementos que
apontam para um desenvolvimento saudável.
A análise teórica do modelo psicanalítico kleiniano, proposta como objetivo geral
neste trabalho, com vistas ao exame da possível existência de uma noção kleiniana de
prevenção, revelou que esta teoria encerra em seu bojo concepções que se afinam com a idéia
de prevenção em saúde mental na infância. A crença numa continuidade psíquica, num
desenvolvimento ótimo em direção a uma condição considerada ideal, a elaboração da
posição depressiva, evidenciou sua afinidade com o ideário preventivista.
A oscilação encontrada nos escritos kleinianos sobre os benefícios de uma atitude
preventiva foi marcada por uma defesa entusiasmada dos benefícios de uma educação com
feições psicanalíticas, mesclada com recomendações de cautela quanto ao alcance das
intervenções preventivas, principalmente em decorrência das forças instintuais destrutivas.
222
Ainda assim, seu percurso intelectual manteve-se fiel à possibilidade de agir profilaticamente
em defesa de um desenvolvimento saudável.
É verdade que em boa parte dos trechos em que se refere ao benefício preventivo da
psicanálise, Klein fala da ação da análise, numa defesa explícita da prevenção secundária para
evitar um novo aparecimento da doença, ou da reabilitação de pacientes em estado grave,
numa referência à prevenção terciária. Estas formas de prevenção são bem conhecidas dentro
do campo da psicanálise kleiniana e podem ser demonstradas facilmente.
O desafio de avaliar a existência de concepções kleinianas que apontassem para a
prevenção primária representou uma das principais contribuições deste trabalho (e um de seus
objetivos específicos). Declarações de Klein (1927b, 1933) mostraram cedo seu desejo em
aplicar os conhecimentos advindos da psicanálise a grandes populações a fim de ampliar o
alcance de seus achados. As características de seu modelo teórico também revelaram sua
convergência com a prevenção primária. Retomando Apolito (1978), foi possível encontrar na
teoria kleiniana todas as evidências que provam a viabilidade da intervenção preventiva
primária: a existência em todo sujeito, em estado latente, de predisposição para o
desenvolvimento de transtornos mentais; comprovação de uma raiz comum para variados
transtornos mentais (a prevalência da pulsão de morte); presença de uma vulnerabilidade que
varia de acordo com a quantidade e qualidade do fator predisponente; e a existência de uma
equação que leva a evolução dos transtornos mentais: predisposição hereditária a um agente
patogênico (fator interno constitucional), severidade da exposição (fator externo ambiental), e
idade em que a exposição ocorreu (fator evolutivo).
A busca, no interior do modelo kleiniano, por elementos que corroborassem a
intervenção preventiva primária, em suas aplicações universal, seletiva e indicada, outro dos
objetivos específicos, revelou a presença destes elementos e sua possível aplicação às três
formas de prevenção primária. Quanto à intervenção universal, ficou clara sua aplicabilidade
223
dentro do modelo kleiniano, que ambos comportam a idéia de generalização e
universalização. As formulações psicanalíticas kleinianas guardam características que
denotam seu alcance a populações inteiras, que encerram uma visão de natureza humana,
de uma base geral sobre a qual tem curso o desenvolvimento psicológico.
No que se refere às intervenções seletivas e indicadas, ambas também foram
reconhecidas dentro da teoria kleiniana, pois pressupõem a existência de fatores de risco
biológicos, psicológicos e sociais, que interagem entre si e têm seu efeito sobre o curso do
desenvolvimento. A possibilidade de estudar o efeito destes fatores sobre o futuro do
desenvolvimento e construir um prognóstico capaz de orientar as ações preventivas encontrou
ressonância no modelo kleiniano. Foi possível mostrar uma grande variedade de contribuições
de Klein que denotam a análise constante de fatores de risco e protetivos e o oferecimento de
orientações que se assemelham a uma intervenção preventiva seletiva ou indicada.
Concepções sobre a dinâmica psíquica e sobre o comportamento de bebês abriram
caminho para a convergência entre a psicanálise kleiniana e a visão preventivista. O estudo
das condições oferecidas ao bebê pelo ambiente social mostrou o interesse de Klein pelos
fatores protetivos e de risco sociais; a análise dos efeitos das pulsões de vida e de morte sobre
o psiquismo do bebê e sobre as transações com o ambiente evidenciou sua preocupação com
os fatores protetivos e de risco biológicos e seus efeitos sobre os fatores protetivos e de risco
psicológicos e sociais; o estudo da evolução dos processos psíquicos durante o
desenvolvimento denotou sua sensibilidade quanto ao papel dos fatores protetivos e de risco
psicológicos. Uma complexa compreensão do processo de desenvolvimento, incluindo o
papel de vários elementos que interagem entre si, bem como a possibilidade de intervir sobre
cada um deles, revelou o terreno kleiniano como fértil para orientar as intervenções
preventivas seletivas e indicadas.
224
A possibilidade de aplicar estes achados à prevenção em saúde mental na infância
exigiu a formulação de conceitos de saúde mental de acordo com os preceitos da teoria de
Klein, o que foi proposto como mais um dos objetivos específicos. O desafio foi construir
conceitos que abrangessem o que se entende por saúde mental numa visão kleiniana, e que se
aplicassem de forma geral a totalidade das pessoas.
Com base numa aproximação entre os estudos de Vaillant e Vaillant (2004) e a obra
de Klein, foram extraídos conceitos que descreviam a saúde mental como um estado fluido,
influenciado por fatores quantitativos e qualitativos, e que se caracteriza pela competência
sócio-emocional e pela atitude resiliente. A grande importância dada por Klein à competência
do sujeito para lidar com suas emoções e com as do outro, bem como a ênfase sobre a
capacidade humana para suportar e enfrentar de modo equilibrado as adversidades da vida,
endossaram esta concepção de saúde mental. O papel do aspecto quantitativo foi levado em
conta por revelar a crença de Klein sobre a força das pulsões de vida e de morte no destino do
desenvolvimento. Ficou evidente que tanto quanto a qualidade da pulsão, a sua quantidade é
essencial para que ocorra um desfecho favorável ou desfavorável. Além disso, a teoria das
posições, uma das principais contribuições de Klein, aliada a outros achados da autora,
evidenciaram o caráter fluido e oscilante do estado psíquico denominado saúde mental. Saúde
e doença aparecem como componentes sempre presentes em complexas configurações
psíquicas dinâmicas e conflitantes. Na visão de Klein, mecanismos potencialmente
patológicos encontram-se presentes desde o nascimento em estado latente e podem emergir
em condições desfavoráveis. Ansiedades de natureza psicótica fazem parte do
desenvolvimento infantil normal (Klein, 1955[1953]). Assim, a noção de saúde mental com
base no modelo kleiniano não exclui a possibilidade do sofrimento, nem aprisiona o sujeito do
inconsciente, como muitos críticos desta aproximação asseveram.
225
O estudo da possível relação entre a transformação do superego, e sua influência sobre
a integração do ego, e a consolidação da saúde mental na infância, foi mais um objetivo
específico perseguido neste trabalho. A análise do papel central do superego, que aparece
como instância que acompanha e influencia o desenvolvimento psicológico, desde seu
princípio, e de sua influência em todo processo de transformação psíquica, graças à sua
assimilação pelo ego, confirmou a hipótese de que a saúde mental pode ser alcançada com
a transformação do superego arcaico em consciência moral.
Na visão de Klein, o superego funciona como instância que revela como os elementos
envolvidos no processo de transformação psíquica se integram ao todo da personalidade. A
formação do núcleo do ego, a partir da incorporação do objeto bom, é afetada pelo superego
nascente. O complexo de Édipo, fenômeno estruturador da personalidade, também está sujeito
a esta influência, assim como as relações de objeto afetam e são afetadas por ele.
A importância do superego é tão destacada, que Klein o aponta como de extrema
relevância no tratamento de crianças e adultos. No caso dos últimos, o objetivo é harmonizar
o id com as exigências do superego; no que se refere às crianças, a finalidade do tratamento é
diminuir a severidade do superego.
Na opinião de Klein (1957) o objetivo principal da psicanálise é a integração da
personalidade. A integração dos objetos bons e maus leva ao predomínio dos primeiros, ao
passo que a aproximação entre superego e ego conduz a assimilação do primeiro pelo
segundo. Os processos de integração do ego e de transformação do superego ocorrem
simultaneamente e de forma interdependente.
A superação da neurose infantil, relevante tarefa para a consolidação da saúde mental,
ocorre com a modificação das ansiedades arcaicas, segundo Klein (1952a). Portanto, as
bases da saúde mental são construídas nestes seis primeiros anos de vida e se consolidam com
a transformação psíquica conseguida através da integração do ego e da síntese do superego,
226
esta última considerada como principal responsável por este triunfo. Porém, este processo de
integração e síntese não livra a mente de suas camadas mais profundamente inconscientes,
onde coexistem figuras aterrorizantes movidas por impulsos destrutivos, o que nos remete ao
aspecto fluido da saúde mental.
A elaboração de uma proposta que se aplique a intervenção preventiva primária, com
base em análise teórica do modelo kleiniano, a partir do estudo da interação entre fatores de
risco e fatores protetivos, mais um objetivo específico, exigiu a busca por conceitos e modelos
auxiliares, o que foi adequadamente alcançado com a utilização do modelo psicanalítico-
adaptativo de Simon (2005), inspirado na geometria analítica. A proposta de Simon, aplicada
para diagnosticar pacientes e operacionalizar variadas formas de psicoterapia breve, recebeu
uma nova leitura, voltada para o prognóstico e operacionalização de intervenções preventivas
primárias. A partir desta leitura, foi possível identificar combinações de fatores
constitucionais e ambientais que ajudam a classificar populações, grupos ou indivíduos de
acordo com suas necessidades preventivas: universais, seletivas ou indicadas. Esta releitura
possibilitou ainda ter uma visão mais dinâmica da interação entre a positividade e
negatividade dos diversos fatores, o que tornou a proposta formulada aqui mais próxima da
visão kleiniana de homem e de natureza humana. A crença na presença constante de
qualidades boas e más no sujeito, de sentimentos de amor e ódio (além de seus derivados) nas
relações de objeto, e em ações humanas motivadas por impulsos construtivos e destrutivos,
orientou a busca por um modelo que abarcasse a complexidade desta visão dialética.
O aprimoramento das práticas preventivas passa pelo estudo e análise dos promotores
da saúde (fatores protetivos) e os precursores da doença (fatores de risco), para evitar o
sofrimento desnecessário, desestruturador, capaz de causar danos difíceis de reparar. A busca
por um desenvolvimento mental saudável e pela promoção da saúde mental, tarefa de extrema
complexidade, pode ser implementada a partir do encontro entre saberes que muitas vezes
227
estão apartados e que necessitam ser conciliados por meio da análise rigorosa de seus pontos
de convergência e aproximação. O aumento da capacidade das pessoas de “fortalecer ou
manter experiências emocionais, cognitivas e relacionais positivas” (Hodgson, 1996, p.2) é o
objetivo último da promoção de saúde mental. E a aplicação da psicanálise a este campo tão
estranho às suas origens (a clínica) oferece riscos. Porém, confiná-la ao universo profundo,
mas restrito, do consultório, traz riscos ainda maiores que podem ameaçar a sobrevivência da
psicanálise.
As palavras de Freud (1937) sobre os objetivos da análise expressam bem o que pode
ser dito a respeito da aplicação da psicanálise ao campo da prevenção primária:
Nosso objetivo não será dissipar todas as peculiaridades do caráter
humano em benefício de uma ‘normalidade’ esquemática, nem
tampouco exigir que a pessoa que foi ‘completamente analisada’ não
sinta paixões nem desenvolva conflitos internos. A missão da análise é
garantir as melhores condições psicológicas possíveis para as funções
do ego.
5. Recomendações
228
O percurso seguido neste trabalho permitiu chegar a conclusões fundamentais para o
desenvolvimento e implementação de práticas preventivas mais complexas e efetivas. Mas
também abriu caminho para uma grande variedade de pesquisas que podem aprimorar o que
foi obtido aqui, bem como desenvolver meios para colocar em pratica as conclusões
alcançadas, já que este estudo foi eminentemente teórico.
A partir do modelo proposto neste estudo, que oferece meios de avaliar as condições
presentes numa dada situação envolvendo fatores constitucionais e ambientais, e apresentar
um prognóstico que aponta para necessidades preventivas universais, seletivas e indicadas,
impõe-se a necessidade de definir, dentro do modelo kleiniano, fatores de risco que sejam
precursores do aparecimento de transtornos mentais, e fatores protetivos que sejam
promotores da consolidação da saúde mental. A identificação dos fatores de risco e protetivos
depende da busca cuidadosa no interior da obra kleiniana de elementos que contenham estas
características, o que foi possível constatar após um breve levantamento. Klein, em várias
partes de seus escritos, faz referências a situações, relações de objeto, características
ambientais, as quais são passíveis de uma releitura que possibilite classificá-las como fatores
de risco e protetivos. De posse destas informações, um prognóstico mais seguro pode ser feito
com base na teoria kleiniana do desenvolvimento psicológico, o que é fundamental para o
planejamento de ações preventivas primárias.
Além disso, de posse do conhecimento sobre uma variedade de fatores de risco e
protetivos, e dos seus efeitos sobre o futuro do desenvolvimento da criança, surge a
necessidade de elaborar orientações que representem a intervenção preventiva propriamente
dita. Com a avaliação prognóstica, o passo seguinte é a formulação de recomendações que
configurem intervenções preventivas universais, ou seja, que se apliquem ao público em geral,
bem como intervenções preventivas seletivas, dirigidas a grupos específicos expostos a
229
fatores de risco, além de intervenções preventivas indicadas, voltadas a indivíduos com
marcas biológicas ou sintomas leves, que não configurem um quadro diagnóstico.
Tanto o estudo dos fatores de risco e protetivos quanto a formulação de
recomendações preventivas precisam estar focadas sobre momentos considerados críticos, de
relevante importância para o destino do desenvolvimento psicológico. Temas como a
amamentação e o desmame, o controle dos esfíncteres, as relações edípicas, a entrada na
escola, necessitam ser minuciosamente estudados para extrair informações úteis para o
acompanhamento adequado do crescer infantil.
O brincar infantil, tão estudado por Klein, parece ter uma relação direta com a
capacidade de ser resiliente, pois ajuda a desenvolver capacidades essenciais para o
enfrentamento de situações adversas na vida cotidiana. O estudo da relação entre o
comportamento resiliente e o brincar pode contribuir ainda mais para a busca por alternativas
que ajudem a desenvolver no sujeito competências indispensáveis para uma vida repleta de
estabilidade psíquica e equilíbrio. Juntamente com a resiliência, a competência sócio-
emocional foi considerada neste trabalho como característica presente em indivíduos com
saúde mental bem estabelecida. A elaboração de programas que levem ao desenvolvimento
destas competências pode contribuir enormemente para a prevenção de transtornos mentais.
A transformação do superego arcaico em consciência moral, tida como condição
básica para a consolidação da saúde mental, aliada a integração do ego, também é um tema
que merece um maior aprofundamento. É de valor inestimável conhecer que condições ou
fatores favorecem esta transformação e integração, bem como que fatores prejudicam este
desfecho desejável.
Em última análise, se é aceita a conclusão de que a intensificação da pulsão de morte
está na raiz de todos os transtornos mentais, e que a predominância da pulsão de vida é a base
para uma vida mental saudável, conhecer os fatores que evitam a primeira situação e
230
favorecem a segunda, dará as condições para a efetivação da prevenção e da promoção em
saúde mental.
Supondo que os problemas de saúde mental que tem surgido atualmente e o aumento
da ocorrência de estados mórbidos conhecidos (que têm relação direta com o sentimento de
culpa e de ansiedade) como a depressão e as neuroses de angústia, chamadas atualmente de
síndrome do pânico, bem como as forma patológicas atuais de reação ao estresse, têm sua
ocorrência relacionada às dificuldades na síntese do superego, na incorporação do objeto bom
e na cisão entre o que é bom e o que é mau, mais atenção precisa ser dirigida a estes
problemas.
A assimilação do objeto bom, imprescindível para a formação de um ego forte, para o
estabelecimento de vínculos afetivos estáveis, e para o enfrentamento de situações
desfavoráveis na vida, necessita da estabilidade do ambiente social. A constante mudança nos
cuidados oferecidos à criança, e nos cuidadores que oferecem estes cuidados, torna inviável
esta assimilação. Sabe-se que atualmente é comum e cada vez mais freqüente, a mãe ser
substituída por outros objetos ou mesmo por uma instituição (abrigo, creche ou escola de
educação infantil). As conseqüências são sabidamente daninhas e foram exaustivamente
estudadas no passado. O fato é que estas condições de instabilidade têm aumentado nas
últimas décadas.
Nos casos em que não existe instabilidade do cuidador em freqüência considerada
prejudicial, ainda aparece outra dificuldade, também atual. A mudança que esem curso nos
paradigmas sobre a conduta e os valores humanos, ainda o foi capaz de apresentar
referenciais claros sobre a ética e a moral. O relativismo do movimento intelectual moderno
devolveu ao homem toda a responsabilidade sobre seus atos e individualizou os projetos
morais e éticos. Sem referenciais externos, o homem é obrigado a buscar dentro de si, sem
231
contar com um objeto bom interno que lhe sustentação, os elementos para a necessária
cisão entre o bom e o mau.
O resultado é o aumento no número de sujeitos irresponsáveis, pouco resistentes às
adversidades da vida e muito dependentes, devido à falta de um objeto bom interno bem
estabelecido. Suas variações patológicas figuram no grupo das personalidades
patologicamente ansiosas e imaturas. Por outro lado, pessoas pouco éticas e insensíveis aos
valores humanos aparecem em virtude de falhas na formação do núcleo do superego.
Na esteira da transformação superegóica, outras transformações se processam,
decorrentes e interligadas a esta, em benefício do estabelecimento da saúde mental. A
transformação do superego decorre, em parte, da diminuição da severidade deste, em virtude
de um processo de integração que faz prevalecer a pulsão de vida sobre a de morte. As forças
construtivas sobrepujam as destrutivas. Concomitantemente, outra transformação tem curso,
dentro de um contexto de relações edípicas, e favorece a saúde mental: a predominância do
ciúme sobre a inveja. A entrada do pai, terceiro que amplia o universo relacional do bebê, tira
este último de seu “aprisionamento narcísico” (Cintra e Figueiredo, 2004) e amplia as
possibilidades de desenvolvimento e fortalecimento do ego.
Num cenário onde o terceiro tem pouca expressão (ou está ausente) e,
conseqüentemente, o superego sofre menos influência dele, o desfecho provável é a
prevalência da inveja e o pouco amadurecimento do superego. A finalidade de provocar
inveja no outro, muito freqüente nas relações interpessoais atuais, e em especial, nas relações
onde predomina o poder econômico, parecem ser conseqüência desta falta. É certo que a
atitude do cuidador (a mãe), enquanto fator ambiental, e a quantidade e qualidade da pulsão
prevalente, enquanto fator constitucional, são fundamentais. É certo também, que estudar as
possíveis razões para a exacerbação da inveja esteja entre as prioridades de qualquer projeto
preventivo. Como nos ensina Klein (1957, p.235) “a inveja é uma fonte de grande
232
infelicidade, e estar relativamente livre dela é sentido como um estado de espírito de
contentamento e de paz – em última análise, sanidade”.
Por fim, é recomendável a realização de estudo que concilie as contribuições de
Melanie Klein com as de Henri Wallon, dada a relevância das teorias de ambos, as quais
foram inspiradas em visões de homem semelhantes, em área de atuação diversa. Enquanto
Klein dedicou sua vida ao estudo do desenvolvimento psicológico por meio de uma ótica
clínica, Wallon fez o mesmo a partir de um ponto de vista educacional. A aproximação entre
ambos pode aumentar os recursos teóricos e práticos com vistas à prevenção e promoção em
saúde mental na infância.
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