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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS
E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
IVANILDO DIAS RODRIGUES
A DINÂMICA GEOGRÁFICA DA CAMELOTAGEM: A
TERRITORIALIDADE DO TRABALHO PRECARIZADO
PRESIDENTE PRUDENTE, 2008
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IVANILDO DIAS RODRIGUES
A DINÂMICA GEOGRÁFICA DA CAMELOTAGEM: A
TERRITORIALIDADE DO TRABALHO PRECARIZADO
MESTRADO EM GEOGRAFIA
Dissertação de Mestrado Apresentada
junto ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, com
apoio da FAPESP.
Orientador: Antonio Thomaz Júnior
PRESIDENTE PRUDENTE, 2008
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Rodrigues, Ivanildo Dias.
R613 Dinâmica geográfica da camelotagem : um estudo do trabalho
precarizado / Ivanildo Dias Rodrigues. - Presidente Prudente : [s.n],
2008
xiv, 185 f. : il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Orientador: Antonio Thomas Junior
Banca: Arthur Magon Whitacker, Marcelino Andrade Gonçalves
Inclui bibliografia
1. Geografia. 2. Trabalho. 3. Informalidade. 4. Camelôs. I. Autor.
II. Título. III.
Presidente Prudente - Faculdade de Ciências e
Tecnologia.
CDD(18. ed. )910
Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação –
Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de Presidente Prudente.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I
Em Busca de um Entendimento da Atividade do Camelô 4
1.1 Os Motivos do Ingresso em Atividades Informais 6
1.1.1 A Articulação dos Camelôs com as Atividades Conexas 11
1.2 O Circuito da Circulação das Mercadorias e as Atividades Conexas 19
1.3 A Lógica da Mercadoria Superando as Fronteiras 27
1.4 Os Camelôs, as Atividades Conexas e a “Classe Trabalhadora” 31
CAPÍTULO II
A Diferença Entre o Discurso Oficial do Estado e a Realidade do Circuito de
Circulação das Mercadorias
34
2.1 Os Trabalhadores Camelôs no Município de Presidente Prudente (SP) 36
2.2 Os Trabalhadores Camelôs no Município de Marília (SP) 42
2.3 A Camelotagem e o Território 46
CAPÍTULO III
Os Impactos da Informalidade do Trabalho para as Tradicionais Formas de
Organização da Classe Trabalhadora
60
3.1 Análise Preliminar da Movimentação no Emprego Formal no Comércio
Varejista
62
3.1.2 Análise Preliminar da Movimentação do Emprego Formal na
Construção Civil
71
3.1.3 Análise Preliminar da Movimentação do Emprego Formal no Setor
Bancário
75
3.1.4 Análise Preliminar da Movimentação do Emprego Formal na Indústria
de Alimentos
79
3.2 A Fragilidade do Movimento Sindical Diante da Informalidade do
Trabalho
80
3.2.1 Formas Incipientes de Organização Política dos Camelôs 83
3.2.2 O Papel das Associações Comerciais Contra os Camelôs 89
3.2.3 O Papel dos “Sindicatos de Camelôs” Enquanto Formas de Resistência 95
3.2.4 Os “Sindicatos” de Camelôs em Busca de Representatividade e
Legalidade
100
CAPÍTULO IV
O Papel do Estado na Manutenção do Circuito da Circulação das Mercadorias 122
4.1 Produção, Transporte e Destinação Final das Mercadorias 124
4.2 Três Passos no Interior da Complexa Trama do Capital 129
4.3 A Fiscalização como “Solução” para o Fim do Contrabando 131
4.3.1 A Fiscalização como Meio de Aquecer o Contrabando 136
4.3.2 A Reafirmação das Atividades Informais 143
4.4 A Finalidade da Nova Aduana Brasileira 146
4.5 Os Impactos da Fiscalização e a Busca por Alternativas
Clandestinas
157
4.5.1 A Fiscalização Volante no Combate ao Contrabando 159
4.5.2 O Papel da (ANTT) na Fiscalização Volante 162
5.
Considerações Finais
173
6. Bibliografia
181
7 Sites Consultados
186
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Principais Meios de Transporte Utilizado por Camelôs e
Atividades Conexas no Cruzamento da Ponte da Amizade em
Ciudad del Este (PY)
13
Figura 2 Lojas de Auto-Serviço, Cajeros e Mesiteros em Ciudad del Este
(PY)
16
Figura 3 Tecitura da Camelotagem: Camelôs e Atividades Conexas 19
Figura 4 Trajeto dos Camelôs de Marília e Presidente Prudente ao Paraguai
(PY)
21
Figura 5 Comércio em Pedro Juan Caballero (PY) 24
Figura 6 Possíveis Canais de Contrabando, Fronteiriços e Portuários 26
Figura 7 Croqui do Camelódromo de Presidente Prudente SP 37
Figura 8 Croqui do Camelódromo de Marília (SP) 42
Figura 9 Boxes Conjugados no Camelódromo de Marília 50
Figura 10 Corredor Principal do Camelódromo de Marília 55
Figura 11 Túnel Entre os Carrinhos de Pipoqueiros e a Grade de Separação 57
Figura 12 Vista Externa e Interna dos Pipoqueiros no Terminal Rodoviário
de Marília
58
Figura 13 Camelôs em Greve de Fome na Cidade de São Paulo, 1998 97
Figura 14 Repórter Entrevistando Camelôs em Greve de Fome, São Paulo,
1998
98
Figura 15 Camelôs Instalados na Praça do Largo da Concórdia 101
Figura 16 Feirinha da Madrugada no Brás SP 104
Figura 17 Croqui das Ruas do Brás Onde se Encontrava os Camelôs em
Maio de 2008
106
Figura 18 Manifestação Pública do SINDICISP na Cidade de São Paulo,
2003
107
Figura 19 Manifestação Pública de Camelôs, São Paulo, 2003 111
Figura 20 Veículo de Transporte do “Sindicato” de Camelôs 112
Figura 21 Croqui do Camelódromo e da Área de Expurgo em Presidente
Prudente
117
Figura 22 Antiga Área de Expurgo em Presidente Prudente (SP) 119
Figura 23 Fábrica de Produtos Pirateados, na China 127
Figura 24 Interface Entre Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad del Este (PY) 147
Figura 25 Região da Tríplice Fronteira 156
Quadro 1 Movimentação de Trabalhadores Formais para a Informalidade 61
Quadro 2 Movimentação do Emprego no Comércio Varejista dos Município
de Marília e Presidente Prudente em Relação a Micro Região
63
Quadro 3 Movimentação do Emprego no Comércio Varejista dos
Municípios de Marília e Presidente Prudente em Relação a
Unidade Federal (SP).
66
Quadro 4 Movimentação do Emprego na Construção Civil nos Municípios
de Marília e Presidente Prudente em Relação a Micro Região.
73
Quadro 5 Movimentação do Emprego na Construção Civil do Município de
Marília e Presidente Prudente em Relação à Unidade Federal (SP).
74
Quadro 6 Movimentação do Emprego nas Instituições de Crédito, Seguros e
Capitalização de Marília e Presidente Prudente em Relação à
Micro Região.
76
Quadro 7 Movimentação do Emprego nas Instituições de Crédito, Seguros e
Capitalização de Marília e Presidente Prudente em Relação à
Unidade Federal (SP).
77
Quadro 8 Movimentação do Emprego na Indústria da Alimentação do
Município de Marília e Presidente Prudente em relação a Micro
Região.
79
ANEXO 1 Modelo de Formulário Aplicado nos Representantes de Sindicatos
de Trabalhadores Formais em Presidente Prudente em 2004
60
ANEXO 2 Modelo de Formulário Aplicado nos Representantes de Sindicatos
de Trabalhadores Formais de Marília em 2008
60
ANEXO 3 Listagem dos Sindicatos e das Respectivas Respostas dos
Sindicalistas
71
ANEXO 4 Notícia Sobre o “Sindicato” de Camelôs 85
ANEXO 5 Reunião dos Proprietários de Vídeo Locadoras de Presidente
Prudente
92
ANEXO 6 Guia de Recolhimento da Contribuição Sindical Urbana 110
ANEXO 7 Ficha Cadastral do SINDICISP 110
ANEXO 8 Ficha de Controle do SINDICISP 110
ANEXO 9 Carnê de Contribuição Sindical do SINDICISP 110
ANEXO 10 Matérias Sobre Apreensão de Cigarros 141
Gráfico 1 Variação Absoluta de Admissões/Demissões do Emprego Formal
no Comércio Varejista
64
Gráfico 2 Dimensão da Informalidade no Sindicato 72
Tabela 1 Preço de Boxes nos Camelódromos de Presidente Prudente e
Marília
51
Tabela 2 Mercadorias Destruídas pela RF 135
Tabela 3 Mercadorias Incorporadas a Entidades Beneficentes Doadas pela
RF
136
Tabela 4 Mercadorias Incorporadas a Órgãos Públicos Doadas pela RF 137
Tabela 5 Valores arrecadados na Venda de Mercadorias 138
Tabela 6 Valores Arrecadados na Venda de Mercadorias na 9ª Região
Fiscal
139
ABES Associação Brasileira de Empresas de Software
ABPD Associação Brasileira de Produtores de Discos
ABPI Associação Brasileira de Propriedade Intelectual
ACIM Associação Comercial Industrial de Marília
ACIP Associação Comercial Industrial de P. Prudente
ADEPI Associação de Defesa da Propriedade Intelectual
ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres
APEDIF Associação Protetora dos Direitos Intelectuais e Fonográficos
CAGED Cadastro Geral de Emprego e Desemprego
CEGeT Centro de Estudos de Geografia do Trabalho
CEMOSi Centro de estudos, memória sindical “Florestan Fernandes”
CICP Comitê Interministerial de Combate à Pirataria
CNCP Conselho Nacional de Combate a Pirataria e Delitos contra a
Propriedade Intelectual
CPA Comissão Permanente de Ambulantes
CPI Comissão Permanente de Investigação
DBA Declaração de Bagagem Acompanhada
GAECO Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado
GNCOC Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas
SRF Secretaria da Receita Federal
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SENARP Sistema Nacional de Dados Estatísticos e Repressão à Pirataria
SUSP Sistema Único de Segurança Pública
SINDICISP Sindicato dos Camelôs Independentes de São Paulo
SINPESP Sindicato dos Permissionários (em pontos fixos nas vias e logradouros
públicos) do Município de São Paulo
SINPRECOESP Sindicato dos Prestamistas e Camelôs do Oeste do Estado de São Paulo
UF Unidade da Federação
“Dois palhaços se olham através da moldura vazia de um grande espelho.
Um é exatamente a réplica do outro pelo tamanho, pela roupa e pela maquiagem.
O primeiro está bêbado e o segundo imita com cuidado todos os seus gestos [...]
O primeiro palhaço é o Capital, na embriaguez e na cegueira de seu crescimento;
O palhaço imitador e lúcido é o Estado”
(RAFFESTIN, 1993 p. 176).
RESUMO
Entre o período de 2005 a 2008, ocorreram várias investidas do governo federal
brasileiro articulando ações nas diferentes instâncias do poder do aparelho de Estado (federal,
estadual, municipal), na busca de impor o crivo da tributação sobre uma imensa quantidade de
mercadorias. Dentre as estratégias governamentais a inauguração da nova Aduana brasileira
no final de outubro de 2006, foi sem dúvida, a de maior impacto no circuito espacial de
circulação das mercadorias. Este circuito é movimentado por uma grande quantidade de
trabalhadores com diferentes funções no transporte, no translado, na comercialização e no
consumo das mercadorias. No entanto, um estudo mais aprofundado destas relações de
controle e poder aponta para uma profunda articulação entre a economia do crime e a
economia burguesa, entre o mercado “negro” e o mercado legalizado, e finalmente, entre o
poder do Estado e a absurda lógica da produção exacerbada do desperdício.
Palavras chave: trabalho, território, mercadorias.
ABSTRACT
Whitin the period of 2005 to 2008, there were several massive mesures from the
brazilian government linking actions from diffirent instance of the state establishment
(federal, state, municipal) in order to asses a tax on a huge number of articles. Among those
governmen strategies, the Brazilian Custom-house opened in October 2006 was, without any
doubt, the measure with the greatest impact on the spatial circuit of merchandise circulation.
This circuit is actioned by a large number of workers with different functions for
transportation, transfer, merchandising and comsumption of goods. However, a further study
of these relations of control and power shows a deep articulation betwen the ilegal economy
and the burgeouis economy, between the “black” market and the legal market, and at the end,
between the State power and the nonsense production logic that guides huge wastefulness.
Key words: work; territory; articles.
1
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento dessa pesquisa nos estimulou a admitir que o trabalho é um tema
extremamente complexo. Para compreender as múltiplas determinações do mundo do
trabalho, assim como a plasticidade e a capilaridade
1
existentes, estão sendo exigidos
instrumentos precisos das ciências sociais e humanas, pois a precariedade, a intensidade e a
amplitude das transformações são tão expressivas que atingem as mais diversas instâncias dos
espaços produtivos e reprodutivos. Daí ser imprescindível considerarmos a dimensão do
fenômeno do trabalho, no caso particular a camelotagem em meio às dimensões espaciais e
territoriais.
A camelotagem envolve uma das principais atividades informais na atualidade e está
vinculada à Reestruturação Produtiva engendrada a partir da cada de 1970, e que
possibilitou a substituição da produção em massa voltada para o consumo em massa pela
produção flexível vinculada à demanda.
[...] o processo de reestruturação produtiva no Brasil, enunciado nas políticas
neoliberais está, de forma crescente, induzindo o crescimento e o
alargamento do setor informal [...] diferentemente das atividades autônomas
que anteriormente recebiam essa caracterização. Isto é, o setor informal não
é mais um simples depositário de força-de-trabalho que atua
autonomamente. Ao contrário, essa autonomia é quebrada e gradualmente
cede ao comando do capital que faz com que seu circuito se realize dentro
dos marcos do circuito capitalista de produção, diretamente ligado e
subordinado ao setor formal. As atividades informais não são apenas
permitidas, mas vêm sendo incentivadas, visto que conduzidas mais de perto
pelo capital, podem ser até mais lucrativas que as atividades formais, tendo
em vista os diferentes nexos (integração/subordinação) que mantêm com a
expansão e acumulação de capital, uma vez que também liberam os
empresários das relações de assalariamento e em decorrência, dos custos
sociais fundados no vínculo empregatício. (THOMAZ JR., 2002b, p. 10).
Ao conduzir as atividades informais, o capital impõe a lógica da concorrência em
diversos níveis e atividades, e passa a prevalecer o individualismo dos trabalhadores
envolvidos aumentando a precariedade daqueles que não tem outra opção de ganho.
Nossa intenção de proceder uma “leitura” geográfica do trabalho é o mesmo que
entender “o trabalho sob o enfoque geográfico,sendo possível este, compreendido por nós,
1
Cf. THOMAZ JR., 2002.
2
como expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a natureza” (THOMAZ JR.,
2002b, p.5). Assim, podemos compreender a dinâmica territorial da sociedade e as diversas
formas de expressão do trabalho e para isso, procuramos estudar de forma articulada a
atividade dos camelôs com outras formas de trabalho que se inscrevem como atividades
conexas e de suporte, tais como: sacoleiros, laranjas, carrinheiros, paseros
2
, condutores de
Vãs, motos, ônibus, barcos, cajeros e mesiteros
3
. Consideramos que estes fazem parte da
classe trabalhadora e que muitos deles foram, tempos atrás, trabalhadores da economia
formal, mas ao serem inscritos na economia informal, saíram do campo de visão, em parte,
dos órgãos oficiais do governo e das formas tradicionais de representação dos trabalhadores
inscritas como sindicatos.
O fenômeno do desemprego e da precarização das condições de trabalho na nova era
do capital, podem facilmente ser observados na maior parte das cidades brasileiras. É nesse
cenário que se tornam mais visíveis a partir do ano de 1990
4
.
Foi neste período também que se intensificou o processo de crescimento do número de
camelôs nas grandes e médias cidades brasileiras, articulados a outras franjas de trabalhadores
informais.
Os locais escolhidos, geralmente as praças públicas e as calçadas, próximos aos
centros comerciais, ou a lugares de grande fluxo de pessoas, que reúnem os potenciais
compradores, são alvos de disputa entre os próprios trabalhadores, destes com os
comerciantes legalmente estabelecidos e não raras vezes, entre os trabalhadores e o Poder
Público.
Para Yázigi (2000, p. 383), o que fazer com os ambulantes, tornou-se uma das
principais questões do espaço público.
[...] Em lugares onde eram costumeiramente inexpressivos, os aparecimentos
de algumas centenas deles, por questão de escala gera polêmicas. A
globalização com sua divisão internacional do trabalho, suas tecnologias e
2
De acordo com Rabossi (2004, p. 10), os ‘paseros’ paraguaios são trabalhadores “que durante o dia vão e vem
de uma cidade à outra”, Foz do Iguaçu à Ciudad del Este, cruzando as mercadorias na Ponte da Amizade.
3
Os cajeros e mesiteros correspondem a uma atividade parecida com a dos camelôs, porém com uma
nomenclatura própria do Paraguai.
4
Para Malaguti (2000), o ano de 1990 marca a abertura da economia brasileira, sob o comando de Fernando
Collor de Mello, e é quando se inicia um processo de liberalização mercantil, uma abertura comercial que levou
a várias falências e incentivou uma crescente monopolização do parque produtivo instalado no país. O processo
de abertura da economia chega ao auge com Fernando Henrique, eleito em 1994, apoiado no Plano Real e em
nome deste se reelege em 1998.
3
outras formas de dominância entendem que não trabalho para todos com
essas premissas: poucos vêem além de ações paliativas.
Tavares (2004), ao focar as indústrias de calçados e confecções e os nexos do trabalho
informal com a produção capitalista confirma que o trabalho informal engendrado pela
terceirização é uma forma adequada à lei do valor neste momento histórico, e embora o
trabalho informal não constitua um fenômeno novo, a reestruturação produtiva impõe
transformações à economia que ampliam as possibilidades de uso dessa forma de trabalho
mediante estratégias que dissimulam a relação compra e venda da força de trabalho.
Em nossa pesquisa abordamos apenas as atividades dos camelôs e as atividades
conexas e de suporte que compõem o que denominamos circuito de circulação das
mercadorias, mas privilegiamos principalmente a rota de circulação via Paraguai (PY), dessa
forma foi possível ampliar nossa compreensão sobre a importância do trabalho dos camelôs,
na dinâmica do capital, percebendo algumas das diversas faces do mundo do trabalho, com
suas diferentes territorialidades e impactos na esfera sindical, tomando como ponto de partida,
os camelôs nos municípios de Presidente Prudente no oeste do estado de São Paulo e Marília,
no centro-oeste do mesmo estado.
4
CAPÍTULO I
Em Busca de um Entendimento da Atividade do Camelô
Em nossos estudos definimos o trabalhador camelô como aquele que possui ponto fixo
independente de estar em um camelódromo ou nas ruas e calçadas, sendo o que o diferencia
do vendedor ambulante é exatamente a posse do ponto fixo. Pois, o camelô possui o boxe ou
barraca, os quais são mantidos, via de regra, como território conquistado, enquanto um
vendedor ambulante ao perambular pelas ruas e calçadas sem um ponto fixo, não possui um
território com as mesmas características.
No decorrer da década de 1990, nas capitais, nas grandes e nas médias cidades, a
disputa por um ponto fixo era realizada através do embate entre camelôs e o Poder Público de
cada município. Hoje, o aumento da concorrência pode levar os trabalhadores camelôs à
migração para outras atividades informais, por não conseguir manter o ponto fixo, como
mostra o extrato do relato a seguir.
Eu fiz um curso de salgadeira logo que perdi meu emprego na Casa Sol de
Materiais de Construção. Eu era salgadeira, mas não tinha clientes e meu
marido trabalhava na Sasazaki. Quando fiquei desempregada ha 6 anos com
os direitos trabalhistas comprei um boxe no camelódromo de Marília em
parceria com uma amiga, depois não arrumei emprego e tive que ficar
fazendo salgados, mas no início eu não tinha clientela formada, sem
dinheiro para comprar as mercadorias eu vendi minha parte para ela, ela
ficou dois anos e disse que não compensava então vendeu o boxe também.
Hoje o sei o que ela faz, mas eu vendo salgados como vendedora
ambulante 4 anos e agora que tenho minha clientela ganho mais do que
ganhava como empregada de firma, meu marido hoje me ajuda a fazer e
vender salgados porque faz um ano que saiu da empresa. (informação
verbal)
5
.
No extrato acima destacamos o fato de um trabalhador não conseguir manter seu boxe,
que a mediação da mercadoria a ser comercializada depende da posse de capital de giro.
Portanto, ter acesso a um boxe é apenas uma etapa para ingressar na atividade de camelô.
Pois, é necessário também ter dinheiro para comprar as mercadorias e se manter sem revendê-
5
Depoimento de Vanda Ferreira Campos (40 anos), vendedora ambulante de salgados, trabalhadora egressa do
setor formal, ou seja, ex-vendedora da Casa Sol materiais de construção. A vendedora ambulante tem como
clientela os camelôs de Marília, os funcionários do seu antigo emprego e bares da cidade. Alegou que não
pretende mais possuir um ponto fixo no camelódromo devido à concorrência.
5
las nos períodos de declínio da procura. Este é um dos motivos que leva muitos camelôs a
vender seu ponto fixo, tendo normalmente como comprador, um trabalhador ou comerciante
egresso do comércio formal.
A posse do ponto fixo também diferencia o camelô do sacoleiro. Este normalmente
prefere abrir mão de possuir um ponto fixo, para viajar mais vezes aos grandes centros de
compra, principalmente ao Paraguai, e assim se especializar nesta atividade cuja a eficiência
requer ampla experiência, pois é a função chave de ligação Paraguai/Brasil mediante o elo da
mercadoria. Nesta atividade, especificamente, existe uma via de mão dupla, porém é mais
fácil um trabalhador ou comerciante formal se tornar sacoleiro do que um sacoleiro se tornar
um comerciante formal, apesar de haver os dois casos. O depoimento de um sindicalista no
extrato a seguir exemplifica esta situação e ao mesmo tempo em que reafirma a importância e
os limites do uso do capital de giro para a manutenção de um trabalhador em uma atividade
informal.
Hoje eu sou sindicalista e defendo interesses dos trabalhadores do comércio.
Minha primeira atividade foi de empregado como vendedor. Mas já fui
sacoleiro, viajava para o Paraguai e comprava mercadorias uns 15 anos
atrás. Naquele tempo dava dinheiro e não existia CDs e DVDs como tem
hoje. Então resolvi me tornar um comerciante formal, dai abri uma loja de
R$ 1,99, hoje é outro valor, mas se trata do mesmo tipo de loja. Eu vendia
desde baldes de plástico a tudo que você puder imaginar que existe nesta
forma de comércio. Eu abri a loja no mês de novembro, em dezembro foi
bem, mas em janeiro veio as águas e as vendas caíram muito. Eu havia dado
5 cheques para a empresa fornecedora, pré-datados para 5 meses, eu
precisava vender 200 peças de mercadoria por mês para cobrir os cheques,
mas em janeiro não vendi quase nada e o que entrou eu consumi. Ou seja, eu
quebrei em três meses. É como você deixar uma cabra cuidando de uma
horta e quando volta ela comeu a horta. Foi o que eu fiz, comi o dinheiro,
fechei a loja e voltei a trabalhar como vendedor empregado em várias lojas,
até me tornar sindicalista. Mas, não posso culpar o governo, nem os
funcionários, eu entrei quebrado, não tinha visão empresarial nenhuma,
nem capital de reserva (Informação verbal).
6
Normalmente os sacoleiros são trabalhadores egressos de empresas formais que
fizeram do fundo de garantia ou poupança uma espécie de capital inicial ou capital de giro ou
também pessoas que possuíam um comércio ou micro empresa no setor formal, mas por
motivos maiores, vendeu e utilizou o dinheiro para comprar e revender mercadorias oriundas
principalmente do Paraguai, sendo que pode haver outros casos.
6
Depoimento de Antonio Patrício Barros, vice- presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio Varejista
de Marília, 01 de fevereiro de 2008.
6
A trajetória que se resume em ser empregado no setor formal e em seguida estar na
informalidade como sacoleiro ou camelô, e no outro caso ser um comerciante do mercado
formal e depois partir para a informalidade, não nos obriga a admitir a impossibilidade do
caminho inverso. Portanto, é possível um sacoleiro ou camelô retornar ao trabalho formal
como empregado, assim como o comerciante informal pode retornar ao comércio formal. No
entanto, o momento atual do modo de produção vigente, faz com que o caminho para a
informalidade se no sentido da correnteza enquanto o caminho de volta para a formalidade
parece ir contra a correnteza. Se pensarmos que não basta se inserir na economia formal, mas
também se manter nela, daí a declividade da correnteza aumenta. Tendo em vista que a
competitividade aumentou muito até mesmo na informalidade.
Por estes motivos, cercamos nosso fenômeno em torno do que denominamos de
circuito da camelotagem. Ou seja, a relação articulada do trabalho efetuado pelos camelôs
com as atividades conexas, sendo estas realizadas por outros trabalhadores, mas que em
alguns casos podem exercer mais de uma atividade. Em outras palavras, um trabalhador
camelô pode ser ao mesmo tempo camelô e sacoleiro, ou camelô e ambulante, ou camelô e
“laranja”, ou até mesmo possuir um boxe e trabalhar no setor formal sob relação de
assalariamento, ou mesmo ser proprietário de comércio legalizado. Neste caso, é possível
garantir o abastecimento dos estoques de mercadorias, via comercialização e apresentação
parcial de notas fiscais, mesclando mercadorias de procedência duvidosa com as mercadorias
declaradas, assim como adicionar uma marca registrada a uma imitação ou falsificação de
mercadoria.
Mas, o que define o trabalhador camelô enquanto tal é exatamente a posse do ponto
fixo cuja disputa, conquista e controle, entendida aqui como território, é fator fundamental
dos inúmeros conflitos que permeiam esta atividade, em que no jogo de forças estabelecido,
comparecem como seus principais protagonistas os trabalhadores camelôs, as Associações
Comerciais, o Poder Público Municipal, os lojistas e o Sindicato do Comércio Varejista.
1.1 – Os Motivos do Ingresso em Atividades Informais
Na bibliografia consultada, no que se refere aos motivos que levam um trabalhador a
exercer a atividade de camelô, encontramos diferentes posicionamentos. De acordo com
Tomé (2003), conquistar melhores condições de vida é o que impulsiona um trabalhador
7
informal a mudar de atividade, pois são as primeiras vítimas dos efeitos da crise de
acumulação e reprodução do capital por se encontrarem nas bordas do sistema.
Para Gonçalves (2000), o comércio informal se ajusta à grande quantidade de mercadorias
e a rapidez de sua circulação, favorecida pelo baixo custo e pouco tempo de vida útil
auxiliado pela prática de apreensão e destruição das mesmas, que ao invés de inibir sua
produção em larga escala e diminuir a comercialização ilegal, acaba provocando o efeito
inverso, ou seja, estimulando tal prática.
Todos concordam que ser camelô é estar à margem do mercado formal de trabalho,
independente das discordâncias quanto à opção, se por livre e espontânea vontade ou por
necessidade. Por exemplo, para Vasconcellos (1994), os motivos pelos quais muitos preferem
trabalhar na informalidade, a origem e a continuidade do trabalho informal passa pelas
escolhas feitas pelos próprios indivíduos. Assim, as atividades informais são resultado tanto
de avaliações e experiências prévias de trabalho, quanto de gostos ou vínculos pessoais com
uma dada atividade. E ao lado das preferências pessoais também a avaliação de adequação
entre o exercício profissional dessa atividade e as condições mais favoráveis de produção e
venda no mercado.
De acordo com Harvey (1992), existe uma combinação de processos produtivos,
articulando o fordismo com processos flexíveis, artesanais e tradicionais. O autor chama
atenção para a mobilidade e transferência geográfica de fábricas, das práticas mais flexíveis
de emprego do trabalho e da flexibilidade dos mercados de trabalho, da automação e da
inovação de produtos. Toda esta mobilidade gera um intenso jogo concorrencial onde vale
tudo, inclusive a prática do comércio ilegal das mercadorias oriundas do contrabando que por
sua vez “alimenta” a produção, imitação/reprodução de mercadorias piratas.
No dia 06 de maio de 2008, entrevistei o atual presidente da Associação do Comércio
e Indústria de Presidente Prudente (ACIPP), senhor Ricardo Anderson Ribeiro. Neste mesmo
dia estava acontecendo uma reunião na sede da Associação envolvendo os donos de vídeo
locadoras de Presidente Prudente, uma representante do SEBRAE e representantes da
Associação.
Um dos participantes da reunião lembrou em tom de decepção que havia 38 vídeo
locadoras no município de Presidente Prudente e no ano de 2008 existia apenas 8 e todas
querendo fechar as portas. No entanto, outro participante em tom esperançoso, lembrou que a
prática da fiscalização contínua imposta pelo Poder Público levou a um verdadeiro boom de
aluguel de filmes nas 8 vídeos locadoras restantes, por motivos do público consumidor não
encontrar filmes piratas para comprar. Os proprietários celebraram o momento se referindo
8
aos velhos tempos quando não havia a concorrência desenfreada dos comerciantes de filmes
piratas.
Tal iniciativa do Poder Público Municipal em Presidente Prudente reacendeu
momentaneamente nestes proprietários a velha esperança de continuar a lucrar com o aluguel
de filmes originais em vídeo locadoras legalizadas e, por isso estavam tão entusiasmados na
reunião exigindo urgente atitude do presidente da associação comercial no sentido de realizar
pressão política para a continuidade da fiscalização.
Um dos participantes era estrangeiro (provavelmente chileno), e se dizia enternecido
pela situação da pirataria mesmo não sendo brasileiro. “Tenho pena do seu país (BRASIL)
porque essa prática da pirataria vai arruinar a todos, mas aqui em Presidente Prudente é
mais grave porque o Poder Público organiza e libera a bagunça” e mencionou o fato de
existirem camelôs em todas as grandes e médias cidades, mas a prática da pirataria era coibida
enquanto em Presidente Prudente isso parecia ter se legalizado.
Segundo o presidente da ACIP, o problema que não dá para explicar para estes
comerciantes, é que muita gente hoje está preferindo atuar na informalidade, pois se não tem
firma aberta, não tem CGC, nem CNPJ, não tem como a Receita Federal fiscalizar.
“Este é o clima, esta é a situação, é pressão o tempo todo, quando não são eles são outros e
os temas do contrabando e da pirataria estão sempre presente. Mas, como vou pedir para
fiscalizar o tempo todo? É impossível”. Por outro lado, o mesmo presidente afirmou que hoje
em dia muitos comerciantes e empresários compram mercadorias em leilões realizados pela
Receita Federal, não pelo preço das mercadorias, e sim pelo comprovante de compra das
mesmas, com o objetivo de realizar a comercialização de produtos não tributados.
Em outra entrevista, quando questionamos o representante da ACIM, sobre o fato de
comerciantes inscritos no setor formal comercializarem mercadorias possivelmente oriundas
de contrabando, adquiridas por intermédio de sacoleiros, da mesma forma como o faz os
camelôs, ou de redes de contrabando de grande escala, o que seria mais grave, e também
mercadorias adquiridas em leilões da Receita Federal, o que é mais contraditório, obtivemos
uma resposta cautelosa, como demonstra o seguinte relato.
rumores, mas nada oficial. Não posso dizer que existe nem que o
existe, pois a associação não leva em conta o tipo de mercadoria
comercializada como requisito para se associar. O que fazemos é puxar o
histórico do interessado. Se detectarmos na “capivara” do comerciante que
ele tem problemas com a Receita Federal, nós não aceitamos como
associado. Fora isso, nós partimos do princípio de que se um comerciante
conseguiu abrir firma, os órgãos competentes estão fiscalizando (informação
9
verbal)
7
.
Segundo Harvey (1992), certo ecletismo nas práticas de trabalho em nosso tempo,
semelhante aos gostos pós-modernos. No nosso entendimento, todos os rearranjos na esfera
produtiva que o autor chama atenção ao discutir a condição pós moderna, gerou um cenário
onde os países que detêm tecnologia de ponta, informação privilegiada, tendo inclusive
maiores privilégios para patentear “suas” invenções, saem na frente ao lançar uma grande
quantidade de mercadorias, sempre com um toque de novidade no mercado mundial, ou seja,
quem pode produz e patenteia.
Mas, também os países que não podem, por não possuir os mesmo privilégios,
porém estão muito tempo na corrida por fatias cada vez mais significativas do mercado
mundial, como é o caso de alguns países asiáticos, onde vale tudo, desde a exploração do
trabalho levada ao limite, para produzir mercadorias com baixo preço, até as práticas de
falsificação e pirataria, ou seja, quem não pode produzir e criar a patente parte para a imitação
e em casos extremos para a prática da cópia.
E finalmente para aqueles países que não podem produzir e não conseguem imitar ou
copiar, resta comercializar e consumir. Acreditamos que o Paraguai e o Brasil se inserem
neste último caso, e justamente por isso o ecletismo das práticas de trabalho é mais visível
nestes países, assim como a diversidade de mercadorias originais e falsificadas, que movem
multidões de trabalhadores formais e informais, tanto na movimentação destes produtos no
comércio enquanto trabalhadores, mas também como consumidores.
Curiosamente o desenvolvimento de novas tecnologias gerou excedentes de
força de trabalho, que tornaram o retorno de estratégias absolutas de
extração de mais valia mais viável mesmo nos países capitalistas avançados.
O que talvez seja mais inesperado é o modo como as novas tecnologias de
produção e novas formas coordenantes de organização permitiram o retorno
de sistemas de trabalho doméstico, familiar e paternalista, que Marx tendia a
supor que sairiam do negócio ou seriam reduzidas as condições de
exploração cruel e de esforço desumanizante a ponto de se tornarem
intoleráveis sob o capitalismo avançado. [...] o enorme crescimento das
práticas de trabalho do setor informal por todo o mundo capitalista
avançado, representa de fato uma visão bem sombria da história
supostamente progressista do capitalismo. Em condições de acumulação
flexível, parece que sistemas alternativos de trabalho podem existir lado a
lado, no mesmo espaço, de maneira que permita que os empreendedores
capitalistas escolham à vontade entre eles. O mesmo molde de camisa pode
ser produzido por fábricas de larga escala na índia, pelo sistema cooperativo
7
Depoimento dado por Marcio Medeiros assessor de imprensa da ACIM no dia 31/01/2008.
10
da “Terceira Itália”, por exploradores em Nova Iorque e Londres ou por
sistemas de trabalho familiar em Hong Kong. (HARVEY, p. 175, 1992).
Podemos tomar aqui alguns exemplos, somente a título de comparação, após detectarmos
nos discursos patronais e estatais, tanto a intenção deliberada de apagar os camelôs e
vendedores ambulantes, do rascunho da planta das áreas comerciais, assim como a intenção
de mantê-los trabalhando de alguma forma para evitar efervescência social devido ao
desemprego.
a) A construção de camelódromos como forma de organização estética do local de
trabalho dos camelôs;
b) A padronização das cores das lonas das barracas de camelôs dispostos nas calçadas;
c) As tentativas de criação de bolsões de comércio, com prazo determinado de três dias
de permanência de um vendedor ambulante;
d) Projetos de construção de shoppings populares, o que seria um camelódromo mais
sofisticado.
Em seguida podemos comparar com a reflexão de David Harvey sobre o pós-modernismo
como o espelho dos espelhos.
Uma das condições principais da pós-modernidade é o fato de ninguém
poder ou dever discuti-la como condição histórico-geográfica. [...] Uma
retórica que justifica [...] o desemprego, o empobrecimento crescente, a
perda de poder etc. apelando a valores supostamente tradicionais de
autoconfiança e capacidade de empreender também vai saudar com a mesma
liberdade a passagem da ética para a estética como sistema de valores
dominante. [...] “Uma vez que os pobres ficam estetizados, a própria pobreza
sai do nosso campo de visão social” (HARVEY, p. 301, 1992)
De acordo com Antunes (1999), a economia informal está vinculada com a
terceirização, subcontratação, trabalho temporário, parcial, precário e o desemprego
estrutural. Ou seja, todo um processo de fragmentação da classe trabalhadora em diversos
seguimentos o que prejudica o entendimento de pertencimento de classe já que a desenvoltura
do modo de produção de se reorganizar na busca constante da lucratividade desnorteia os
trabalhadores numa realidade que é muito movediça.
A lógica do sistema produtor de mercadorias vem convertendo a
concorrência e a busca da produtividade num processo destrutivo que tem
gerado uma imensa precarização do trabalho e aumento monumental do
11
exército industrial de reservam, do número de desempregados. [...] O que
dizer de uma forma de sociabilidade que, conforme dados recentes da OIT
para o ano de 1999, desemprega ou precariza mais de 1 bilhão de pessoas,
algo em torno de um terço da força humana mundial que trabalha?
(ANTUNES, 1999, p. 16).
Diante do cenário desenhado por Antunes, tentaremos contribuir modestamente com
nosso estudo, demonstrando a existência de uma ampla gama de atividades que se
complementam e possuem formas particulares de comunicação e transporte, além de
estratégias de sobrevivência por possuírem muitos adversários. Como escreveu Harvey (1992)
“produzir espaço é produzir transporte e comunicação” (p. 233). No fenômeno por nós
estudado formas de comunicação e transporte improvisados por trabalhadores que
afrontam o poder instituído.
1.2 - A Articulação dos Camelôs com as Atividades Conexas
Com o objetivo de visualizar a complexidade que abarca os camelôs articulados com
as atividades conexas e de suporte, começamos focar a camelotagem na sua convergência
com a atividade exercida pelos sacoleiros, que em alguns momentos também exercem a
função de camelô com ponto fixo, assim como em outros momentos, o camelô também exerce
a função de sacoleiro ao viajar para buscar mercadorias nos grandes centros de compras.
Quando isso ocorre, na maioria das vezes, o camelô deixa o boxe na responsabilidade de um
funcionário, caracterizando uma relação de trabalho assalariado, em outros casos o boxe fica
sob responsabilidade de alguém da própria família.
Ao se lançar no trajeto de compra das mercadorias, tanto um sacoleiro como um
camelô, pode abastecer numa mesma relação de compra e venda os consumidores diretos, os
próprios camelôs e até mesmo lojas e grandes supermercados do comércio formal, que são
historicamente os principais adversários políticos dos comerciantes da economia informal. Ao
convergirem, camelôs e sacoleiros fazem a ligação da mercadoria existente no Paraguai com o
seu consumo no Brasil, acionando de forma intensa toda rede de transporte clandestino e
também o transporte legalizado, tendo, pois, como momento de maior tensão a travessia da
12
Ponte da Amizade
8
(Figura 1), embora existam outros canais de entrada de mercadoria que
não passam necessariamente pelo Paraguai.
A título de esclarecimento, a (Figura 1) a seguir resulta de uma montagem por nós
realizada para melhor representar a Ponte da Amizade como canal de transporte de
mercadorias, sabendo que há outros recursos utilizados para o translado de mercadorias, agora
via barcos, como podemos observar após a vigência da nova Aduana brasileira.
Para a organização da (Figura 1), o software por nós utilizado foi o (Surfer 8), a foto
em preto e branco no destaque foi escaneada do jornal paraguaio Abc Collor, do dia 25 de
fevereiro de 2005 e a foto de satélite foi retirada do Google Earth das imagens Terra Metrics
do ano de 2007. Portanto, o momento registrado na fotografia do jornal não corresponde ao
momento da fotografia do satélite, é apenas uma montagem com a intenção de ilustrar a
realidade que presenciamos em nossas inserções no Paraguai para realização de trabalho de
campo.
8
A Ponte da Amizade faz parte da BR-277 (antiga BR-35) e está situada sobre o Rio Paraná. Na margem
esquerda está a cidade brasileira de Foz do Iguaçu no Estado do Paraná (BR), e na margem direita está Ciudad
del Este (PY).
13
Figura 1: Principais Meios de Transporte Utilizado por Camelôs e Atividades
Conexas no Cruzamento da Ponte da Amizade em Ciudad del Este (PY)
Fonte: Foto em destaque: Jornal Abc Collor, 2005; Foto da Ponte da Amizade, Google Earth,
2007. Org. Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
Nossa intenção através da (Figura 1) é mostrar a intensa movimentação que ocorre
durante a travessia, por ser a Ponte da Amizade o local onde a convergência de todas as
Paraguai
(PY)
Brasil
(BR)
14
modalidades de atividades que compõem o circuito da camelotagem. A travessia é realizada
por perueiros e dentro das peruas ou vãs se encontram os camelôs com os laranjas paraguaios,
os sacoleiros e os laranjas levados do Brasil, e ainda, os motoqueiros, os taxistas e os paseros.
Todos trazendo as mercadorias para serem comercializadas e consumidas em território
brasileiro.
Ao mesmo tempo, no sentido inverso, inúmeras carretas levando outras
mercadorias recebidas nos portos brasileiros para o Paraguai, realimentando o circuito. Os
ônibus que aparecem na foto, geralmente transportam trabalhadores paraguaios e brasileiros
que atuam no comércio de fronteira ou turistas, mas os ônibus que transportam sacoleiros
normalmente não realizam a travessia da ponte, ficando estacionados em Foz do Iguaçu.
A travessia representa o local e o momento em que grande parte dos indivíduos
envolvidos no circuito se relacionam, dessa forma cada um segue executando a sua função,
sendo que a dinâmica desta convergência de atividades, em que a mercadoria é trazida de
diferentes países onde são produzidas e movimentadas por trabalhadores vindos de diversas
regiões, somado a atuação do Estado na fiscalização aduaneira e controle de fronteiras e
finalmente com as tentativas de resistência impostas pelos trabalhadores, nos remetem a
imaginar um entrelaçamento de escalas geográficas para observar uma realidade conflitante,
extremamente movediça e impossível de ser descrita na sua plenitude.
[…] capitalist globalization as an intensely contradictory integration,
fragmentation, polarization and redifferentiation of superimposed social
spaces […] this tension between global integration and territorial
differentiation leads to a ‘generalized explosion of spaces’ in which the
relations among all geographical scales are continuously rearranged and
reterritorialized. (BRENNER, 2000: 361)
9
.
A segunda articulação importante se quando os camelôs e sacoleiros acionam o
condutor do ônibus, ainda no local de origem, pois nesse momento se discute o valor da
passagem, o horário da volta e os possíveis acertos com a fiscalização durante o retorno. A
principal preocupação do condutor do ônibus é com a fiscalização realizada pela Agência
Nacional de Transporte Terrestre (ANTT).
9
[...] o capitalismo globalizado é uma intensa e contraditória integração, fragmentação, polarização e re-
diferenciação super impostas aos espaços sociais [...] essa tensão entre integração global e re-diferenciação
territorial conduz a uma “explosão generalizada dos espaços” em que as relações entre todas as escalas
geográficas são continuamente rearranjadas e reterritorializadas (BRENNER, 2000, p. 361).
15
A terceira articulação dá-se é logo na chegada em Foz do Iguaçu (PR) quando
centenas de ônibus transportando camelôs e sacoleiros de diversos lugares do Brasil são
aguardados pelos condutores de vãs a partir das três horas da madrugada. Estabelece-se uma
logística de transporte, fundamentada via rádio de comunicação e telefone celular, onde se
misturam trabalhadores de nacionalidade brasileira e paraguaia. O mesmo ocorre do lado
paraguaio, em Ciudad del Este, cujo objetivo principal é cruzar a Ponte da Amizade.
A impressão que tivemos durante o primeiro Trabalho de Campo realizado no
Paraguai no ano de 2005, foi o de se tratar de uma rede de transporte clandestino. No entanto,
a informação dada pelo Fiscal da ANTT no ano de 2007 se contrapõe ao nosso entendimento.
Por motivos da região da tríplice fronteira conter as características de rota
de contrabando e clandestinidade que lhe é peculiar, houve ofensiva do
governo federal no sentido de fiscalizar e manter um controle rigoroso sobre
todo tipo de transporte do modal rodoviário que trafega naquela região. O
resultado destas medidas é que hoje o transporte em Foz do Iguaçu e nas
proximidades é totalmente controlado pela ANTT. registros de todos os
veículos e condutores, o problema maior é com relação ao Paraguai, fora do
território brasileiro. Porém, não há um controle tão rigoroso em outras
regiões por não oferecerem o mesmo risco. Posso te dizer com segurança
que na tríplice fronteira tudo escontrolado. Mas, o rigor da fiscalização
não impede que com o tempo outras regiões venham a desempenhar o papel
de canal de entrada das mercadorias, que os limites fronteiriços do
território nacional são muito extensos e os países vizinhos muito
vulneráveis à circulação mundial das mercadorias. (Informação verbal)
10
.
A quarta articulação também se na Ponte da Amizade quando são acionados no
circuito de circulação de mercadorias, ao mesmo tempo, os condutores de motos
(motoqueiros) e os paseros
11
. Esta articulação ocorre em duas frentes, ou seja, os motoqueiros
e os paseros são acionados tanto no sentido Brasil/Paraguai como no sentido inverso, pois não
dependem somente dos sacoleiros e camelôs, mas sim de todo o comércio de fronteira,
transportando mercadorias também legalizadas dos comerciantes dos dois lados da Ponte da
Amizade. Nesta mesma articulação se encontra o barqueiro, que apesar de no dia-a-dia se
ocupar da pesca ou do transporte legalizado, vem sendo cada vez mais atraído para o circuito
da camelotagem na medida em que é acionado por camelôs e sacoleiros para cruzar
mercadorias.
10
Depoimento dado em setembro de 2007. Por motivos de respeito à cláusula do contrato de trabalho, o fiscal da
ANTT é impedido de dar informações em nome da Agência, portanto não pode ter seu nome divulgado.
11
Optamos por diferenciar o pasero (denominação paraguaia) do motoqueiro porque existem paseros que cruzam
a Ponte da Amizade a pé levando as mercadorias em mochilas, em carrinhos de mão ou de bicicletas.
16
A quinta articulação se expressa por meio da atividade dos carrinheiros
12
. Estes atuam
somente no Paraguai e podem ser acionados pelos camelôs e sacoleiros do Brasil, pelos
cajeros ou mesiteros
13
paraguaios (Figura 2) e também pelos proprietários de lojas de Auto-
serviço
14
.
Figura 2: Lojas de Auto-Serviço, Cajeros e Mesiteros em Ciudad del Este (PY)
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, Trabalho de Campo, fevereiro de 2005.
A (Figura 2) serve para ilustrar o que estamos chamando de cajeros e mesiteros. Trata-
se das Barracas com lonas de cores diversas nas ruas e calçadas, também pode ser uma banca
(mesita), no Paraguai, ou um pequeno trailer ou casinha de metal (caja ou casilha) no
Paraguai. Paralelo às barracas, na extremidade direita na foto podemos observar as lojas de
auto-serviço.
12
Os carrinheiros são trabalhadores geralmente do sexo masculino, mas de diferentes idades (idosos, em idade
ativa e adolescentes) que transportam mercadorias no Paraguai mediante uso de um carrinho de almoxarifado
que possibilita transportar cargas com peso elevado, podem ser de nacionalidade paraguaia ou brasileira, apesar
de existirem em maior número no Paraguai. É importante diferenciar o carrinheiro que atua no Paraguai com
carrinho de almoxarifado, daquele que atua em Foz do Iguaçu levando mercadorias escondidas nos guarda
volumes com carrinhos de mão, principalmente porque o carrinheiro atua somente nesta atividade enquanto o
outro, em Foz, pode ser qualquer pessoa, inclusive o dono do estabelecimento usado como guarda volumes.
13
Os cajeros e mesiteros correspondem ao que entendemos no Brasil como camelôs com ponto fixo.
14
Lojas e estandes de compra de mercadorias diversas no Paraguai parecido com uma galeria ou um pequeno
shopping.
17
A sexta articulação também é mais perceptível quando focamos diretamente o
Paraguai, local onde os camelôs e sacoleiros, diante do interesse de levar o máximo de
mercadoria possível, fazem uso do laranja que aluga seu direito de adentrar a fronteira de
outro país com uma cota legal de mercadorias, quando na verdade a mercadoria pertence a
terceiros. Estes podem trabalhar para simples camelôs, sacoleiros, consumidores comuns,
consumidores de grandes lojas do comércio formal e até mesmo grandes redes de
contrabando. Existem muitos laranjas no Paraguai somente para realizar esta atividade, mas
casos em que os camelôs levam um funcionário, parente, amigo ou uma pessoa contratada
especificamente para atuar como laranja.
Aquele que atua somente como sacoleiro, (sem ponto fixo) é quem mais utiliza o
laranja do Paraguai, pois, na maioria das vezes compra uma grande quantidade de
mercadorias diversas, (já que atua na compra por encomenda), diferentemente do camelô
(com ponto fixo) que costuma comprar apenas os itens de mercadorias que ele revende em seu
boxe ou barraca.
Um detalhe curioso que nos chamou atenção se refere à grande necessidade de
mobilidade que o laranja possui, que são os principais alvos das medidas de controle e
repressão do governo brasileiro, diante do entendimento de que a eliminação do laranja seria a
forma mais eficiente de combater a pirataria e o contrabando na região da tríplice fronteira.
Essa mobilidade garantiu a insistência na atividade mesmo após a sofisticação da fiscalização
na nova Aduana. Existe recentemente outra análise de perspectiva que aponta o fim do
circuito de circulação das mercadorias na Ponte da Amizade
15
.
Em todas estas atividades relacionadas até agora, os trabalhadores estão articulados de
forma conexa e interdependente, e como é possível perceber, nesta complexa trama existe
uma mobilidade muito grande por parte dos trabalhadores diretamente envolvidos. um
movimento contínuo que é conectado pelo elo da mercadoria, e isso compõe apenas uma
fração do que podemos entender como “nova informalidade” do trabalho.
15
Em artigo publicado no dia 25 de março de 2007 o jornal paraguaio ABC Color avalia que o modelo comercial
de Ciudad del Este, baseado na importação de produtos vindos da Ásia e dos Estados Unidos e sua posterior
revenda a brasileiros, argentinos e bolivianos, está com os dias contados, pois em 2010 ou 2011, os países do
Mercosul devem necessariamente chegar a uma base tarifária comum, com alíquota de importação fixada em
20%, tornando o mesmo, em tese, o custo para importação de mercadorias em Ciudad del Este, São Paulo ou
Buenos Aires. Nessa perspectiva, o jornal analisa que a grande vantagem do comércio paraguaio, historicamente,
esteve nas reduzidas alíquotas cobradas dos importadores, aliada aos grandes percentuais de sonegação, que
tornavam os produtos até 70% mais baratos que nos países vizinhos. Este tema foi motivo de um trabalho
apresentado pelo economista Fernando Massi, na Universidade de Paris (França). Na opinião de Massi, apesar
dos lucros imediatos, a manutenção do modelo comercial de Ciudad del Este por mais tempo é um erro.
(WOJCIECHOWSKI, 2007, p. 1)Disponível em: <
http://sopabrasiguaia.blogspot.com/2007/03/comrcio-de-
ciudad-del-este-est-com-os.html> Acesso em: 14 de novembro de 2007.
18
Em suma, camelôs, sacoleiros, laranjas, carrinheiros, cajeros, mesiteros, paseros,
condutores de vãs, peruas e ônibus, e por fim o barqueiro constroem o que estamos
denominando de tecitura, no sentido de que tecem uma “teia” de atividades, que elegemos em
nossa pesquisa para explicar o fenômeno da camelotagem e sua dinâmica territorial como um
circuito espacial (de circulação) de mercadorias que articula a atividade dos camelôs com as
atividades conexas e as de suporte.
19
1.1.2 – O Circuito da Circulação das Mercadorias e as Atividades Conexas
Intentamos por meio da (Figura 3) tornar mais claro o funcionamento da trama de
relações que compõe o circuito da camelotagem, ou da circulação de mercadorias que
descrevemos até agora.
Bra
sil
Paraguai
Figura 3: Tecitura da Camelotagem: Camelôs e Atividades Conexas
20
Apesar de apresentarmos a trama de atividades que compõem o circuito de circulação
das mercadorias se faz importante ressaltar, mais uma vez, que nosso recorte territorial são os
municípios de Presidente Prudente e Marília, ou seja, focamos especificamente a atividade
dos camelôs destas duas cidades. Porém, por se tratar de um estudo de Geografia do
trabalho
16
, no qual o foco de interpretação não é necessariamente o ambiente urbano e sim as
relações que dão sentido e significado espacial às formas de expressão do trabalho na
camelotagem, entendemos a articulação de atividades e escalas geográficas imprescindível
para compreendermos toda a dinâmica cuja movimentação constante somente é perceptível no
trajeto de compra, ou viajem ao Paraguai.
Em fevereiro de 2007 realizamos Trabalho de Campo no Paraguai no qual verificamos
que os camelôs e atividades conexas estavam aos poucos transferindo o local de compra de
Ciudad del Este, fronteira com Foz do Iguaçu (PR), para Pedro Juan Caballero, fronteira com
Ponta Porã (MS), devido ao maior rigor imposto pela fiscalização na Ponte da Amizade. Isto
se justifica principalmente após a construção da nova Aduana brasileira, conforme relatos dos
próprios camelôs, sacoleiros e o proprietário do ônibus, que os transportavam de Presidente
Prudente ao Paraguai.
que se destacar que o preço cobrado pela passagem é de R$ 100,00, porém, a
estratégia de desviar de postos de comando e pontos de fiscalização, pode aumentar o preço
da viagem, obrigando-os a perder até dois dias de trabalho no repasse das mercadorias, bem
como a contabilizar o pagamento de altos valores em propina. No entanto, não é preciso
nenhum trabalhador inserido no circuito de circulação das mercadorias dizer que é necessário
driblar a fiscalização, seja na aduana, no trajeto, ou nos pontos fixo, pois este entendimento
existe e é homogêneo e vale não somente para Ciudad del Este, mas para todos os centros de
compra no Paraguai.
O preço das mercadorias encontradas em Pedro Juan Caballero (PY) é praticamente o
mesmo, porém a variedade é bem menor se comparada com o comércio local de Ciudad del
Este (PY). Além disso, a rede de cumplicidade e confiança estabelecida entre camelôs e
16
“Denomina-se geografia do trabalho ao tratamento analítico do tema a partir das categorias geográficas. [...] o
modo como o tema do trabalho pode ser investigado pelas categorias da paisagem, do território e do espaço, as
categorias de base da geografia”. (MOREIRA, 2002, p. 20). “[...] ora mais ênfase na relação homem meio, ora
a organização espacial, a tecitura da sociedade vai sendo construída, sendo que o trabalho enquanto ato
teleológico redefine constante e contraditoriamente o processo social e o espaço geográfico. Entendemos que a
Geografia do Trabalho deve chamar para si a tarefa de apreender o mundo do trabalho através do espaço
geográfico, entendido, pois, como uma das características do fenômeno, e da rede de relações
categoriais/teóricas/escalares, ou seja, a paisagem, o território e o lugar de existência dos fenômenos, num vai e
vem de múltiplas determinações. (THOMAZ JR., 2002, p.8)
21
atividades conexas, com os comerciantes paraguaios é bem mais intensa, na Ponte da
Amizade, pois foram historicamente construídas.
Na (Figura 4), destacamos o trajeto realizado pelos camelôs e sacoleiros de Presidente
Prudente e Marília à Foz do Iguaçu (PR), para em seguida atravessar a Ponte da Amizade e
realizar suas compras em Ciudad del Este (PY). Destacamos também o trajeto á Ponta Porã
(MS), para em seguida realizar a compras em Pedro Juan Caballero (PY).
Figura 4: Trajeto dos Camelôs de Marília e Presidente Prudente ao Paraguai (PY).
Fonte: IBGE, 2008. Org. Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
Para melhor compreensão do trajeto deve-se considerar principalmente a rota traçada
na cor “ciân” representando o caminho de Presidente Prudente no sentido Paraguai e a rota
22
traçada na cor “violeta” indicando o mesmo sentido, porém partindo de Marília. Em seguida,
deve-se considerar a cor “verde” indicando rotas idênticas, ou seja, que pode ser seguida,
tanto pelos camelôs e sacoleiros de Marília, como de Presidente Prudente, indo no sentido
Paraguai, mas especificamente para Ponta Porã no Mato Grosso do Sul, conforme mostra a
(Figura 4). A cor “abóbora” mostra uma possível rota idêntica que pode ser seguida pelos
mesmos camelôs e sacoleiros dos mesmos municípios e é vista na (Figura 4), próxima da
cidade de Presidente Prudente. As outras inúmeras rotas possíveis de serem usadas de forma
improvisada são improváveis do ponto de vista do custo da viagem e dos riscos, por isso, não
as consideramos em nossa pesquisa.
Indo ou voltando de Foz do Iguaçu (PR) este é o caminho mais viável. No entanto se o
ônibus for clandestino ele tem como fazer outros caminhos para proceder os desvios. Na ida
não muito problema, pois a fiscalização vai olhar apenas a documentação, autorização de
viagem e as condições técnicas do ônibus, na volta é que entra em ação a prática de desvio
dos postos de fiscalização previamente “mapeados”. Em alguns casos se faz o uso de um
“batedor” que vai à frente do ônibus observando os postos de fiscalização e pronto a voltar ou
entrar em contato por rádio com o condutor do ônibus se for necessário. Houve épocas em que
eram realizados os comboios, vários ônibus clandestinos, sem logotipo de empresas, se
juntavam para passar pelos postos policiais em grupo, desobedecendo a ordem de parada dada
por policiais rodoviários. Esta prática teve fim quando foram postas em ação medidas mais
rigorosas de fiscalização pontual, volante e surpresa, a partir do ano de 2003, quando os
policiais tiveram ordens para atirar nos pneus dos ônibus, se fosse necessário, para obrigar a
parada.
Estes casos envolviam principalmente ônibus de outras regiões do país (Norte,
Nordeste etc.) que devido à distância e o alto custo das viagens, lotavam os ônibus de
mercadorias no bagageiro e no interior junto aos passageiros e tentava a qualquer custo
completar o trajeto. Foi nesse mesmo período, nos momentos de conflitos mais intensos, que
surgiram por parte dos próprios sacoleiros e condutores, as práticas de incendiar os ônibus
lotados de mercadorias em sinal de protesto. As justificativas comumente apresentadas por
camelôs e sacoleiros eram a necessidade de trabalhar e o alto índice de desemprego.
A viagem de Presidente Prudente (SP) à Pedro Juan Caballero (PY) dura 9 horas. Não
existe possibilidade de fixar o horário da volta, pois tudo depende do possível “acordo
23
sagrado” estabelecido entre o proprietário do veículo de transporte e a fiscalização
17
. Por sua
vez, para fixar acordos, a fiscalização não pode ser “fiscalizada” por seus superiores, assim é
comum ocorrer atraso nas negociações, portanto, um ônibus que chega às 06h30min, pode ser
obrigado a retornar apenas às 2h30min, da madrugada seguinte. Mesmo assim, permanece o
risco de se deparar com a fiscalização volante. Ou seja, não há garantia de retorno sem o risco
de apreensão das mercadorias independente do fechamento do acordo (R$ 900,00 na base e
R$ 300,00 depois
18
) e a viagem de volta pode durar por tempo indeterminado, variando de 12
até 16 horas de volta para Presidente Prudente.
De acordo com os relatos existem duas situações de risco. A primeira situação se
refere à possibilidade do ônibus ser interceptado por fiscais da Receita Federal ou pela Polícia
Federal na Ponte da Amizade, obrigando as pessoas portadoras de mercadorias acima do valor
da cota, a pagar os impostos de 25% sobre o valor das mesmas, estipulado pela Receita
Federal. Mas, na segunda situação de risco, caso o ônibus seja barrado no trajeto
Paraguai/Brasil, o pagamento passaria para 50% sobre o valor das mercadorias, quando isso
ocorre, de acordo com os camelôs, torna-se inviável tentar uma recuperação das mercadorias,
pois o pagamento dos impostos inviabiliza a obtenção de ganho na revenda.
Mas, há também a possibilidade do ônibus ser barrado por fiscais da Agência Nacional
de Transportes Terrestres (ANTT) para averiguação da situação do veículo, neste caso os
funcionários da ANTT atuam com apoio da polícia rodoviária, mas sem a preocupação com as
mercadorias.
Verificamos que na viagem até Ponta Porã (MS) mesmo em território brasileiro, a
fiscalização não é tão rigorosa como em Ciudad Del Este, por que Pero Juan Caballero (PY)
não é um centro de compra de proporções preocupantes para a Receita Federal brasileira
17
Não entramos em detalhes sobre os fiscais porque viajamos junto aos trabalhadores que atuam no circuito de
circulação das mercadorias, no interior do ônibus existiam camelôs, sacoleiros, empregados de camelôs e o
motorista do ônibus com um ajudante. Portanto, não nos identificamos como pesquisadores e sim como alguém
que estava viajando para conhecer o centro de compras no Paraguai. No entanto, às vezes, tanto o motorista do
ônibus como os trabalhadores (passageiros) se referiam ao acerto com policiais rodoviários, com fiscais da
Receita Federal, mas sempre com a preocupação maior com relação à fiscalização brasileira, tendo em vista que
no Paraguai a fiscalização não possui o mesmo rigor. Em suma não possuímos a identificação dos fiscais, até
porque somente o motorista se desloca pra fazer tais negociações enquanto os trabalhadores seguem para realizar
suas compras.
18
Estas afirmações estão embasadas nos diálogos que presenciamos no interior do ônibus, no decorrer da viagem
realizada ao Paraguai no Trabalho de Campo de fevereiro de 2007. São afirmações do proprietário do veículo de
transporte, de sacoleiros responsáveis pela organização da viagem e dos camelôs presentes. Como envolve todos
os interessados, optamos por excluir a hipótese de ser uma estratégia de extorquir dinheiro dos viajantes por
parte do proprietário do ônibus.
24
(Figura 5). Já em Ciudade del Este (PY), a presença dos camelôs e sacoleiros foi fator de
alteração total da dinâmica do comércio local.
[...] até a década de 1980, o perfil majoritário dos que iam fazer compras em
Puerto Presidente Stroessner
19
era o daquele que compra produtos para
consumo não comercial. Os esquemas de introdução de mercadorias para a
revenda no Brasil não estavam associados a pessoas que viajavam ao lugar.
A partir dos anos 80, começa a crescer o número daqueles que compram
com o fim de revenda, passando a ocupar ao final dessa década o lugar
central entre aqueles que chegam à cidade (RABOSSI, 2004, p. 55).
Ou seja, se a maioria dos trabalhadores envolvidos no circuito da camelotagem
buscarem estes novos centros de compra, pode haver mudanças significativas do ponto de
vista da dinâmica do comércio local.
Figura 5: Comércio em Pedro Juan Caballero (PY)
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, Trabalho de Campo, 2007.
Na (Figura 5), a fotografia foi tirada em horário comercial, e este é o cenário em Pedro
Juan Caballero (PY) onde a movimentação de camelôs, sacoleiros e atividades conexas é bem
inferior a Ciudad del Este. Há grande diferença entre as duas cidades paraguaias como centros
de compra, com relação à grande movimentação de trabalhadores e também o que estamos
denominando circuito da circulação das mercadorias em que os camelôs e as atividades
19
Porto Presidente Stroessner é o antigo nome de Ciudade del Este (PY).
25
conexas comparecem como agentes responsáveis pela transformação da dinâmica econômica
local.
Em julho de 2007, durante entrevistas realizadas junto aos camelôs de Presidente
Prudente, nos foi afirmado que a fiscalização está se intensificando nas novas rotas de
circulação, conforme o relato do camelô Antônio, em 30 de julho de 2007.
Depois da aduana nova tinha gente até descendo mercadoria por cordas na
ponte para fugir da federal, você deve ter visto isso nos jornais. Mas isso
acabou. Agente parou de ir para Foz do Iguaçu porque declarar tudo o
compensa. Veja bem, se é bazar ou brinquedo posso trazer 3 peças de
cada. Se é CD ou DVD posso trazer 5 unidades, mas no geral não pode
passar de 15 peças, isso agora na nova lei. Para levar laranja tem que pagar
tudo para ele, encarece muito. Por isso, fomos pra Pedro Juan, mas agora
acabou também, teve gente abusando e trazendo muita coisa, a federal
fechou o trecho, o mais. É melhor voltar pra Ciudad del Este e apelar
pros barcos. (informação verbal)
20
.
A questão principal que se coloca é se vai predominar ou não a lógica de produção e
circulação das mercadorias articulada ao desemprego. No nosso entendimento, estes são os
dois pilares de sustentação da rota de contrabando de mercadorias, porque aumenta o número
de trabalhadores antes inscritos no trabalho formal e agora dispostos a atuar em tais
atividades, junto aos trabalhadores que por opção própria já se encontravam neste circuito.
No lastro das mudanças na economia formal e informal composta por trabalhadores
formais e informais, é comum existir casos de lojas da economia formal que comercializam
produtos contrabandeados do Paraguai, adicionando-os no seu estoque e nas vitrines,
mesclando dessa forma mercadorias declaradas com mercadorias não declaradas, tornando
assim mais obscuro o entendimento com relação ao circuito das mercadorias. Afinal qual é o
grande problema, que se coloca hoje? É a procedência, a não tributação, a qualidade ou a
pouca durabilidade das mercadorias? Ou a legalidade e ilegalidade da transação? Moralismos
e discursos legalistas por parte dos comerciantes, de seus órgãos de representação e seus
associados, não mais comovem, pois o argumento da ilegalidade e da tributação das
mercadorias está fragilizado porque parte dos associados também está utilizando desse
expediente.
Existem inúmeros pontos de fronteira por onde podem circular mercadorias, no caso
de Ciudad del Este (PY) deixar de ser viável como grande centro de compra. Em Trabalho de
20
Depoimento do camelô Antonio no dia 30 de Julho de 2007.
26
Campo realizado em março de 2007, percebemos que os primeiros pontos que comparecem
como alternativa, são respectivamente Pedro Juan Caballero (PY) e Salto del Guaira. No
entanto, em Trabalho de Campo realizado em outubro de 2007, verificamos um gradual
retorno a Ciudad del Este. Constatamos que uma grande quantidade de mercadorias entra
pelos portos brasileiros e vão direto para São Paulo, sem passar necessariamente pelo
Paraguai, movimentando grandes redes de contrabando.
Na (Figura 6), na interface da linha de fronteira que separa o Paraguai do Brasil estão
representados na cor vermelha os pontos de fronteia onde circulam as mercadorias que entram
em território brasileiro. Considerando a quantidade de mercadorias e a importância da cidade
escolhida por camelôs e sacoleiros comparece respectivamente: Ciudad del Este, Pedro Juan
Caballero, Guaíra e Porto Índio.
Figura 6: Possíveis Canais de Contrabando, Fronteiriços e Portuários
Fonte: IBGE, 2008. Org. Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
Os pontos de cor verde apontam os principais portos por onde pode entrar as
mercadorias que são comercializadas entre camelôs e sacoleiros no território brasileiro. De
acordo com a importância e quantidade de mercadorias comparece respectivamente o Porto
27
de Santos, o Porto de Paranaguá e em seguida o Porto de São Francisco do Sul. outros
portos brasileiros por onde podem entrar mercadorias semelhantes e abastecer outros estados
brasileiros, mas no caso dos camelôs e sacoleiros do estado de São Paulo e também as
grandes redes de contrabando e comerciantes formais que comercializam tais mercadorias, os
portos em destaque na (Figura 6) tem maior representatividade.
Em suma, Ciudad del Este comparece como grande centro de compra, mas não o
único, assim como a Ponte da Amizade representa o principal canal de circulação das
mercadorias, mas existem vários pontos na fronteira Paraguai/Brasil que podem vir a exercer
essa função além da entrada pelos sistema portuário.
1.3 A Lógica da Mercadoria Superando as Fronteiras
A lógica de produção ampliada do capital não respeita fronteiras nem delimitações
territorias.
[...] a medida do progresso do capitalismo avançado” tornou-se a eficácia
com que o desperdício pode ser gerado e dissipado em escala monumental.
A tendência a geração de desperdício não é um “desvio” ao “espírito do
capitalismo” e em relação aos idealizados “sensatos princípios econômicos”.
(MÉSZÁROS, 2002 p. 637).
Em sua tendência geral, de acordo com Mészáros (2002, p. 636-7), o modo capitalista
de produção é inimigo da durabilidade, pois “no decorrer de seu desdobramento histórico,
deve minar de toda maneira possível as práticas produtivas orientadas-para-a-durabilidade,
inclusive solapando deliberadamente a qualidade”. Neste sentido, com relação às
mercadorias que privilegiamos em nossos estudos, ou seja, aquelas comercializadas no
circuito da camelotagem, cada vez mais a característica de pouca durabilidade e baixa
qualidade está sendo desprezada pelos consumidores. Por exemplo, no caso de DVDs com
filmes piratas, o preço irrisório supera a relativa falta de qualidade comparada ao filme
original, o que estimula a compra, permutação e descarte entre os consumidores, ao invés da
antiga opção de alugar um filme original nas locadoras.
Ressaltamos que atualmente existe nos países menos desenvolvidos uma grande
quantidade de trabalhadores dispostos a atuar na compra, transporte e revenda dessas
mercadorias por falta de alternativas no mercado formal de trabalho e mesmo por opção como
complementação de renda, ainda que sob o risco de ser criminalizado.
28
Neste caso, a camelotagem analisada junto às atividades conexas, nos aproxima do
entendimento das transformações ocorridas no mundo do trabalho, enquanto a observação dos
camelôs de forma isolada nos mostra de forma parcial o fenômeno, ao esconder a fluidez do
universo do trabalho e seus vínculos com a tecitura da informalidade. Não podemos
desconsiderar as franjas de trabalhadores informais que o movimento sindical não consegue
abranger, que o Estado tenta tributar, mas os desconhece e a Previdência Social não
contempla, apesar destes trabalhadores atuarem no limite da legalidade, compondo um
cenário conflituoso, tenso e de intensas disputas territoriais.
A existência da atividade dos camelôs articuladas as atividades conexas e de suporte,
que compõem o circuito de circulação das mercadorias nos remete à dificuldade de
compreensão do que é produtivo e improdutivo hoje para o capital. Pois, não nos parece se
tratar de circuitos paralelos, ou economias distintas, tampouco de mercadorias diferentes em
sua essência. No entanto, existe uma particularidade deste circuito em que a fiscalização não
inibe a presença de homens e mulheres no interior do mesmo, apenas força um processo de
troca de atividades, predominantemente informais e com marcas de precariedade, pois são
trabalhadores que não são absorvidos pelo mercado de trabalho que cada vez mais exige mão
de obra especializada para executar as atividades de trabalho presente nos centros dinâmicos
da economia, a exemplo de São Paulo.
O trabalho manual direto está sendo substituído crescentemente pelo trabalho de maior
componente intelectual, complexificando o universo do trabalho e aumentando a interação
entre as atividades e os trabalhos produtivos que representam o processo de criação de mais-
valia e valorização do capital. Todavia, não se restringem à espacialidade da fábrica se
considerarmos a expansão do trabalho improdutivo
21
. Acrescentamos o trabalho realizado
pelos camelôs e atividades conexas que não se encaixam nesses conceitos, pois realizam um
conjunto de atividades laborativas que não são nem produtivas nem improdutivas.
Para Tavares (2004), a função produtiva ou improdutiva das diferentes formas de
trabalho informal não é facilmente perceptível porque causa a impressão de se realizar
livremente, ou seja, fora do comando capitalista, no momento em que a produção é transferida
para fora do ambiente das fábricas, sendo espalhadas para unidades familiares ou fábricas de
fundo de quintal e até mesmo para trabalhadores (as) autônomos (as). Mesmo assim, a autora
defende que uma forma eficiente de compreender a “nova informalidade do trabalho” é
21
De acordo com Thomaz Jr (2007), o trabalho improdutivo em vários países, expressa mais da metade da
população ativa, ou seja, 55% nos EUA, com taxas semelhantes no Brasil.
29
analisá-la mediante o uso das categorias marxianas de trabalho produtivo e improdutivo,
porque mesmo com a produção de diversas mercadorias se realizando fora das fábricas, ainda
continuam sob o comando do capital e dentro do sistema de produção capitalista.
Segundo Marx (1978) o trabalho produtivo é aquele utilizado no processo imediato de
produção de mercadorias
não importando, no entanto que tipo de mercadorias o trabalhador
produz, sendo produtivo o trabalhador que se troca por capital e cujo resultado de sua
atividade pertence a quem o contratou. Os trabalhadores improdutivos entram neste circuito
atuando na venda das mercadorias produzidas pelos trabalhadores produtivos, atuam na esfera
da circulação tanto do capital dinheiro como do capital mercadoria
22
.
Concordamos em parte com a abordagem de Tavares (2004), mas ao tomarmos como
ponto de partida os camelôs, articulados às atividades conexas e de suporte respectivamente,
compreendemos que as disputas territoriais expressas em diversas escalas, tornam a percepção
do que é produtivo ou improdutivo, no sentido apontado por Marx, uma zona cinzenta de
difícil percepção.
Por isso, buscamos observar na Ponte da Amizade, a circulação das mercadorias
comercializadas numa ponta do circuito da camelotagem, ou sua tecitura para fortalecer o que
intentamos apresentar como uma ampla e complexa trama de relações informais,
considerando que comerciantes legalizados que se abastecem também dessa informalidade
ou de produtos contrabandeados. No entanto, se considerarmos todo o circuito de produção e
circulação das mercadorias, os diferentes países envolvidos, principalmente
China/Brasil/Paraguai, dai sim, concordamos que ‘fronteiras’ tênues, ligadas por ‘fios
invisíveis’ da produção capitalista que constituem partes de uma mesma organização
produtiva” (TAVARES, 2004, p. 18-20).
Segundo Antunes (2000), no capitalismo tardio, a partir do momento em que o capital
mundializou-se ficou cada vez mais difícil detectar o que é produtivo ou improdutivo, como
fazia Marx. Neste sentido, entendemos como afirma Thomaz Jr (2007), a diminuição
crescente e marcante do proletariado estável, especialmente nos países centrais do sistema, o
aumento expressivo da degradação do trabalho, bem como o aumento das formas imateriais
de trabalho, com o avanço do complexo informacional para as plantas fabris, as atividades de
serviços e todos os setores laborativos nos indicam que o valor trabalho se metamorfoseia.
Todavia, materializa sua existência na própria centralidade do trabalho abstrato, que, ao
22
Esta idéia de trabalho produtivo e improdutivo partindo de uma interpretação de Marx se encontra no prefácio
do livro “Os fios ‘invisíveis’ da produção capitalista” de autoria de Maria Augusta Tavares.
30
mesmo tempo, produz sua não centralidade, principalmente quando consideramos os altos
índices de desemprego e a massa de excluídos do trabalho vivo. Isto é, existe uma dialética
entre a centralidade e o descentramento do trabalho, como parte constitutiva do processo
contraditório da sociedade do capital.
De acordo com Comim (2001), a cisão do mercado de trabalho brasileiro entre formal
e informal, com este último passando a responder por um volume cada vez mais expressivo
das formas de ocupações no Brasil, a partir da década de 1990, está ancorada em uma das
heranças que nos foram legadas pela CLT. A Consolidação das Leis Trabalhistas data de
1943, e foi elaborada sob regime ditatorial de inspiração fascista. Portanto, trata-se de um
modelo de regulação das relações trabalhistas extremamente corporativo devido à intensa
presença do Estado na estruturação das relações de uso e remuneração da força de trabalho.
Ou seja, é neste modelo que a legislação trabalhista brasileira tem seu enraizamento.
Paralelo ao antigo modelo da CLT, as leis previdenciárias também encontram
dificuldade em reunir os trabalhadores informais, especialmente os camelôs, no que diz
respeito à contribuição com a Previdência Social. Assim, os sindicatos de trabalhadores
formais no modelo tradicional, não exercem influência sobre os postos de trabalho informal,
pelo fato dessas ocupações não serem traduzíveis no formato clássico da representação
sindical e dependentes do assalariamento e registro em carteira de trabalho. Apesar da
dinâmica dos salários nos setores formais e informais serem atrelados, existe um conjunto de
mecanismos que regem este vínculo e que ainda estão distantes da capacidade de influência e
compreensão dos sindicatos, permitindo que as formas incipientes de organização do trabalho
se apresentem como alternativas, enquanto as leis trabalhistas não forem adaptadas a nova
realidade do mundo do trabalho.
Segundo Bihr (1991), desde o final da década de 1970, devido a fragmentação
crescente há uma “paralisia” do proletariado ocidental enquanto força social. Os trabalhadores
inscritos no que o autor denomina economia subterrânea que tentam escapar ao desemprego,
trabalhando clandestinamente, se submetem constantemente a situações de subcontratação em
relação à economia oficial, o que os leva a um isolamento que prejudica a organização
política na defesa de interesses comuns.
Em nossa pesquisa não convergimos com o entendimento de economia subterrânea.
No entanto, detectamos que o fato de trabalhar clandestinamente submete o trabalhador a uma
avaliação negativa e preconceituosa por parte dos meios de comunicação, das autoridades e da
sociedade em geral. Em Ciudad del Este (PY) os comerciantes locais evitam os termos
muambeiros, contrabandistas e sacoleiros, pois os termos carregam implícito uma carga de
31
preconceito muito grande, assim se dirigem aos compradores como compristas ou turistas,
evitando a relação compra/contrabando, sabendo de antemão o desconforto que pode causar.
Com relação a organização política, nossos estudos tem demonstrado que experiências
significativas de trabalhadores camelôs na busca de organização política, mesmo estando
afastados dos trabalhadores e representantes do trabalho formal.
1.4 - Os Camelôs, as Atividades Conexas e a “Classe Trabalhadora”
Ao defender a categoria camelô e aquelas que exercem atividades conexas como parte
integrante da classe trabalhadora que aumentou e se complexificou, partimos do pressuposto
de que a categoria trabalho, enquanto “trabalho concreto”, no sentido proposto por Marx, é
uma chave analítica para compreender o mundo do trabalho hoje, com isso assumimos um
posicionamento teórico que nos leva a uma “leitura” geográfica do fenômeno.
Compreendemos que o conceito de classe trabalhadora no sentido clássico (marxista)
não contempla as atividades até aqui descritas e, neste caso, concordamos com a idéia de que
o conceito de classe trabalhadora necessita ser ampliado.
Os desafios estão postos, e para nós o mais importante é assumir que
limitações teóricas de elevada monta para entendermos o que está se
passando no interior da classe trabalhadora, especialmente no Brasil [...]
tendo em vista que a verticalização dos pressupostos eminentemente
capitalistas da reprodução do capital, dissolve e refaz relações não
capitalistas no interior do trabalho, entendemos que se faz necessário ampliar
os horizontes dos significados, tanto de trabalho (como categoría marxiana)
quanto da classe trabalhadora (THOMAZ JR, 2007, p. 8).
Nossa pesquisa evidencia a existência de uma ampla gama de atividades informais.
Porém, entendemos que o estudo dos camelôs, de forma isolada, impede a compreensão desta
atividade no interior das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, por tratar-se de uma
articulação de atividades, expressão da divisão técnica e territorial do trabalho, que envolve
não somente o camelô, enquanto aquele trabalhador que atua na venda das mercadorias para o
consumidor final, mas também as atividades conexas.
Aquela velha economia informal não é a mesma, e hoje cada vez mais a economia
do crime se articula à economia burguesa como parte do mesmo todo. A economia do crime
tem suas especificidades, porém como parte intrínseca à economia burguesa, por isso o papel
32
do Estado é hora proibir, hora mediar outra hora permitir certos expedientes, que do ponto de
vista legal deveriam ser proibidos. No entanto, sempre se privilegiam a comercialização de
um tipo de mercadoria que deve ser produzida e vendida para abastecer uma parcela da
população, que não tem acesso as mercadorias mais caras. E no geral, em outros países como
a China, Índia, Coréia etc. parece haver cada vez mais, no atual momento do modo de
produção vigente no mundo, uma busca da diminuição do preço das mercadorias, já que não é
possível aumentar o ganho dos trabalhadores, estes independente do local onde se encontram,
e da cultura que possuem, ao serem submetidos à lógica capitalista de exploração do trabalho,
passam todos a vivenciar a característica de precariedade do trabalho, pois em qualquer
situação, o trabalho sob exploração para a valorização do capital, torna-se sempre precário.
De acordo com Thomaz Jr (2007), a bagagem cultural dos trabalhadores, assim com os
elementos que estão na base das suas identidades de classe devem ser considerados, na exata
dimensão da plasticidade que reflete suas diferentes formas de externalização. Pois, existe
uma constante migração de atividades laborativas, condições de trabalho e vínculos
territoriais no seu exercício cotidiano que exige a compreensão dos elementos que compõem o
trabalhador no nível material e subjetivo.
Para isso, é necessário nos atermos às formas geográficas de externalização
do trabalho, por meio de um movimento duplo, a um tempo: a
plasticidade existente entre as diferentes formas do trabalho (assalariados,
camponeses, sem-terras, seringueiros, informais, desempregados, etc.), e as
capilaridades entre as esferas da convivência em sociedade (social, política,
econômica, cultural, etc). (THOMAZ JR., 2007, p. 09)
Os representantes do Estado nas diferentes instâncias reconhecem a importância
quantitativa do grande número de trabalhadores que atuam na informalidade, por isso em
certa medida admitem a existência de um problema social.
No entanto, as políticas governamentais conjuntas quase sempre são no sentido de
tributar os trabalhadores informais.
A informalidade é freqüentemente tratada como um fenômeno uniforme,
objetivo e mensurável por imposição do planejamento governamental e das
políticas públicas, que exigem formas de mensuração objetivas e de fácil
aplicação, muitas vezes padronizadas para comparações internacionais,
reforçando a simplificação conceitual binária formal/informal. (NORONHA,
2003, p. 02)
33
Elegemos aquele trabalhador hora empregado no mercado formal, hora desempregado,
hora na informalidade ou mesmo engrossando as fileiras de trabalhadores na luta pela terra,
considerando que as alternativas existentes nestas determinadas condições já estão postas,
independente de suas vontades ou preferências individuais.
No caso dos trabalhadores informais que vão para a camelotagem, sensíveis às
adversidades, sem ter em quem se apoiar financeiramente para planejar uma carreira
profissional, precisam dar respostas rápidas às demandas geradas pelo complexo social. Tudo
isso aumenta a mobilidade na informalidade e, em conseqüência, sua transformação, tornando
obsoletos os conceitos criados para compreendê-la na sua plenitude.
Entender a classe trabalhadora hoje, diante dos desdobramentos do
complexo da reestruturação produtiva, a polissemia do trabalho, requer que
consideremos como parte integrante [...] também aqueles que mesmo se
garantindo com certa autonomia em relação à inserção no circuito mercantil,
como os camelôs; c) os trabalhadores proprietários ou não dos meios de
produção e inclusos na informalidade [...] (THOMAZ JR., 2002b, p. 12).
Neste contexto de espalhamento de realizações da apropriação do trabalho elegemos o
circuito de circulação das mercadorias, para contribuir com o entendimento e ampliação do
conceito de classe trabalhadora, pois consideramos que ele é composto por trabalhadores.
34
CAPÍTULO II
A Diferença Entre o Discurso Oficial do Estado e a Realidade do Circuito de Circulação
das Mercadorias
Ao iniciar esta pesquisa, nossa principal dúvida era saber por que o número de
camelôs havia se multiplicado em Presidente Prudente. Ao iniciar as primeiras leituras e
tomar conhecimento da manifestação deste fenômeno na maioria das grandes e médias
cidades brasileiras, acreditávamos que o motivo da existência destes trabalhadores estava
estritamente ancorado à situação geográfica e a centralidade que o município de Presidente
Prudente exercia em termos regionais com relação às cidades próximas.
Ao incluirmos o município de Marília em nosso recorte a intenção foi encontrar
parâmetros que diferenciasse a expressão do fenômeno nas duas cidades, pois as semelhanças
eram previstas. O município de Marília também exerce centralidade econômica em sua
região, assim como sua situação geográfica tem implicações do ponto de vista da geração de
empregos.
Posteriormente, tomamos conhecimento de como o fenômeno da espacialização dos
camelôs se manifestou com maior intensidade na cidade de São Paulo, não somente pela
quantidade, mas também pela necessidade de adaptação à dinâmica de um grande centro
econômico. Começamos então a assumir uma posição mais cautelosa ao detectar a existência
de camelôs em várias cidades de pequeno porte, sobretudo por estes camelôs possuírem
características diferentes, quando comparados aos mais antigos que ingressavam nessa
atividade por incapacidade física ou educacional de inserção no mercado de trabalho formal.
Também houve mudanças significativas do ponto de vista das mercadorias comercializadas,
dos consumidores e dos próprios trabalhadores envolvidos.
Com o aprofundamento das investigações ficou evidente a impossibilidade de
considerar a atividade dos camelôs isoladamente. A partir de então, procuramos direcionar
nossos estudos considerando a função exercida pelos camelôs em seu movimento de interação
com outras atividades, por isso veio à tona o circuito que reúne um conjunto de trabalhadores
realizando funções complementares.
A pirataria, não faz parte de nossa abordagem, mas somos obrigados a considerar a
convergência da atividade dos camelôs com a comercialização de produtos piratas por tal
prática se materializar em grande parte das mercadorias comercializadas.
35
Para avançar, buscamos respaldo no conceito de fetichização das mercadorias, o que
possibilitou compreender a não tributação de determinados produtos, como primeiro fator
importante para o preço irrisório, porém ancorado a um segundo fator fundamental que é ser
fruto da exploração de um trabalho que é socialmente combinado.
Investimos, então, na busca da percepção das marcas territoriais do trabalho,
conservando a camelotagem como ponto de partida, e entendendo o conceito de território
como base para a apreensão do fenômeno em estudo e, conseqüente ampliação do
conhecimento. Pois, estão presentes no cotidiano destes trabalhadores, contradições e
conflitos que os desafiam num movimento contínuo de criação, destruição e recriação,
envolvendo disputas por poder e controle no âmbito do capital e do Estado em suas diferentes
instâncias.
Quando conseguimos cercar de forma mais ou menos satisfatória nosso objeto de
pesquisa deu-se à inauguração da nova Aduana, em outubro do ano de 2006, com impactos e
mudanças significativas na atividade exercida pelos camelôs, nos obrigando a rever vários
posicionamentos, principalmente após detectar as diferentes formas de destinação das
mercadorias apreendidas.
Até então, acreditávamos que as formas de sofisticação da fiscalização implantadas
pelo governo federal tinham como objetivo inibir e combater o contrabando. Nos discursos de
vários representantes do governo através do Ministério da Fazenda, da Receita Federal,
Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Agências Reguladoras, era defendida a
estratégia de sofisticação da fiscalização aduaneira, pontual e volante como meio eficiente de
causar o estrangulamento do circuito da mercadoria pirata e de procedência duvidosa, o que
levaria ao aumento do preço, na medida em que os camelôs, ao perderem suas mercadorias
começariam a tomar seguidos prejuízos abandonando aos poucos esta atividade, não
acionando outras atividades o que finalmente poderia estrangular o circuito.
A primeira questão que nos ocorreu foi: Como estes trabalhadores seriam absorvidos
pelo mercado de trabalho? Para comprovar ou refutar algumas hipóteses, planejamos realizar
um trabalho de campo seguindo a seguinte metodologia. Primeiro, realizamos uma viagem à
Ciudad del Este (PY), e logo em seguida, retornamos direto para a cidade de Marília,
guardando como chave de entendimento a data do dia 12 de outubro dia das crianças, data em
que o comércio formal e informal é aquecido ao mesmo tempo.
Então refutamos a primeira hipótese e em nossa análise a sofisticação da fiscalização
não diminui o número de trabalhadores que compõem o circuito da circulação das
mercadorias, apenas os obriga acionar expedientes clandestinos. No dia 12 de outubro a venda
36
de brinquedos e outras mercadorias foi intensa em Ciudad del Este, assim como o movimento
na nova Aduana, conseqüentemente, as vendas no camelódromo do município de Marília
“diminuiu” no geral mas aumentou pontualmente.
Devemos ressaltar, no entanto, que as formas de fiscalização, assim como as
delimitações institucionais e discursos moralistas voltados ao caráter de clandestinidade da
atividade dos camelôs, e a natureza da mercadoria que comercializam, não fornecem
sustentação para afirmar que esta atividade esta diminuindo, pelo contrário, esta e muitas
outras atividades conexas e de suporte parecem estar aumentando.
2.1. Os Trabalhadores Camelôs no Município de Presidente Prudente (SP)
Conforme constatamos durante pesquisa realizada ainda no âmbito da iniciação
científica, os primeiros camelôs comparecem em Presidente Prudente no ano de 1991. Depois
disso, paulatinamente o fenômeno foi tomando proporções consideráveis, ganhando
expressividade com a construção do camelódromo, inaugurado em 16 de maio de 1995. O
mesmo encontra-se até hoje na Praça da Bandeira
23
, área central da cidade e local de grande
fluxo de consumidores, contendo 250 boxes.
A construção do camelódromo de Presidente Prudente justifica-se pela necessidade de
retirar os camelôs que se multiplicavam nas ruas e calçadas do centro da cidade. Na ocasião a
então secretária do planejamento municipal, Cidene Miranda, elaborou uma lista
contemplando os camelôs que se encontravam a mais tempo na atividade ou incapacitados
fisicamente de exercer uma atividade no setor formal. O fiscal da prefeitura Adriano
24
,
responsável pela elaboração da lista, afirmou em entrevista em junho de 2005, que o número
de camelôs existentes nas ruas e calçadas não correspondia nem à metade da quantidade de
boxes construídos. Desse modo, os camelôs que conseguiram um boxe no camelódromo, nem
sempre correspondiam aos camelôs que constavam na lista. Esta informação nos deixou
atentos a um possível processo nebuloso de seleção, com o favorecimento de alguns em
detrimento de outros.
23
Cf. GONÇALVES (2000).
24
Não informou o sobrenome.
37
No entanto, a questão principal é que aparentemente, a construção do camelódromo
acabou com o clima de tensão entre os representantes dos comerciantes legalizados e os
comerciantes informais ou camelôs. Esta impressão é reforçada por motivos de não
comparecerem mais notícias diárias na imprensa local relacionadas ao camelódromo. No
entanto, podemos garantir a partir de uma pesquisa mais aprofundada, que a pressão dos
comerciantes legalizados sobre seus representantes, para acionar o Poder Público Municipal
no sentido de coibir a venda de produtos no camelódromo continuou e se intensificou no ano
de 2008, assim como as disputas e os dramas entre os próprios camelôs no interior do
camelódromo para a realização das vendas dos mesmos tipos de mercadorias em um mesmo
espaço.
A (Figura 7) é um croqui ilustrando a área do camelódromo de Presidente Prudente.
Figura 7: Croqui do Camelódromo de Presidente Prudente SP
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
38
Na (Figura 7) na foto da esquerda tirada no ano de 1995
25
, é possível notar o
camelódromo após a construção, mas ainda sem as mercadorias, o que faz parecer que o
espaço era suficientemente amplo. A foto da direita tirada no ano de 2007 mostra o mesmo
espaço, porém com as mercadorias dispostas, demonstrando que o espaço é pequeno. Quando
foi construído não havia iluminação, pintura e outras melhorias como ventiladores pisos etc.
O problema foi que o número de camelôs continuou a se multiplicar nas ruas
obrigando a construção de novos pavilhões no camelódromo, até atingir a estrutura atual. No
ano de 2005, alguns camelôs ignorando o fato de ocupar um espaço público de uso comum
começaram a comercializar seus boxes por valores que variavam de R$ 4.000,00 a R$
8.000,00. Uma prática expressamente ilegal e proibida, pois de acordo com as normas,
quando um camelô se desinteressa pela atividade, ele deve comunicar a Secretaria do
Comércio e Indústria, que irá destinar o boxe a uma pessoa que necessite e queira entrar neste
ramo, sendo que deve haver licitação e publicada no Diário Oficial. Mas, na prática não é isso
o que ocorre, e no nosso entendimento, a comercialização dos boxes se por motivos do
Poder Público ter deixado os camelôs arcarem com as despesas do acabamento e melhorias e
também por entrar pessoas logo na inauguração, em 1995, que não estavam nas ruas e
calçadas.
Por que este fator justificou a “corretagem
26
?”. Porque os camelôs ao terem arcado
com as despesas das melhorias realizadas nos boxes, com o passar dos anos começaram a
entender que eram donos do espaço público, que este espaço não havia sido cedido
provisoriamente ou por tempo indeterminado, mas para sempre.
Houve ainda casos de camelôs que alegaram ter comprado o boxe logo no início, e
sem acusar diretamente funcionários do Poder Público Municipal, apresentavam notas
promissórias e exigiam o direito de permanecer no boxe e de vendê-lo pelo preço que foi pago
na compra, caso precisassem sair.
Mas, a solidariedade do trabalho existente quando os camelôs ainda se encontravam
nas ruas e calçadas, começou desaparecer logo na inauguração do camelódromo, pois muitos
entenderam que haveria locais específicos com maior fluxo de consumidores, assim se formou
uma intensa disputa pelos melhores pontos de venda dentro dos pavilhões provocando um
clima de individualismo que se estende até os dias atuais. Motivo este que leva, por exemplo,
25
A fotografia da esquerda foi tirada no ano de 1995 por ocasião da pesquisa de Marcelino Andrade Gonçalves
para elaboração de sua dissertação de mestrado. A foto da direita foi tirada por Ivanildo Dias Rodrigues no ano
de 2007.
26
A “corretagem” é o termo que se refere à venda, aluguel e posse de mais de um boxe pela mesma pessoa.
39
os idealizadores de “sindicatos de camelôs” na cidade de São Paulo a recusar a idéia de
construção de camelódromos lançada pela Associação Viva Centro, por saberem que este
formato de organização espacial leva ao acirramento da concorrência e posteriormente ao
individualismo.
Com relação à “corretagem”, no ano de 2007 temos o relato do camelô João
27
. Este
possui dois boxes no interior do camelódromo, um em frente ao outro. Em um vende
brinquedos e eletro-eletrônicos, no outro apenas DVDs com filmes “piratas”. No início, o
mesmo afirmou trabalhar apenas com brinquedos, mas ao longo da aplicação do questionário
encontramos um ponto em comum entre nós, ou seja, sua antiga profissão era de pintor
automotivo e a minha também. A partir desse diálogo se estabeleceu uma relação de
confiança, então abandonamos momentaneamente o questionário e passamos para uma
entrevista, através da qual obtivemos as informações expressas no extrato a seguir.
Estou no ramo há três anos, comprei este box e paguei R$ 8.000,00, trabalhei
junto com minha esposa que trabalhava antes nas duas bancas de revistas
que meu sogro possuía aqui próximo ao camelódromo. poucos meses
comprei este outro boxe por R$ 10.000,00, da frente, que hoje deveria
estar fechado, pois é minha esposa que cuida dele, eu não entendo muito de
filmes. Minha esposa não está aqui porque foi viajar para o Paraguai para
comprar mercadorias. Eu inventei de abrir os dois boxes ao mesmo tempo e
tive dor de cabeça hoje. Tem gente que vem compra 4 filmes por R$ 10,
00, leva embora e assiste e depois vem querendo trocar por outros alegando
estar com defeitos, se der mole o carinha fica o ano inteiro assistindo seus
filmes na base da troca. não fecho ele agora, porque é o que mais
dinheiro. Eu vendi de brinquedo até agora (08h00min às 15h00min) R$
15,00. Já neste boxe só de filme já vendi R$ 200,00. Quando está bom vende
R$ 400,00 por isso que todo mundo quer vender essa mercadoria, mas quem
veio para no começo, logo que surgiu o DVD ficou rico (informação
verbal)
28
.
Além da corretagem é comum atualmente na atividade de camelô a relação de
assalariamento, na qual o dono de um Box emprega um ou mais funcionários. Isto foi
constatado em nossa pesquisa de campo tanto em Marília como em Presidente Prudente e
também na cidade de São Paulo, onde não existem camelódromos com boxes padronizados,
27
Não informou o sobrenome.
28
Depoimento dado pelo camelô senhor João no dia 30 de Julho de 2007.
40
mas sim pontos fixos nas ruas e calçadas. Portanto, trata-se de uma realidade da atividade e
não apenas dos camelódromos padronizados.
Esta mesma relação foi encontrada por nós entre camelôs nas capitais de Fortaleza
(CE), São Luiz do Maranhão (MA), Belém (PA), cidades que visitamos nos meses de junho e
julho de 2007 em oportunidades que participamos de eventos científicos, e também nas
cidades de Pedro Juan Caballero e Ciudad del Este, ambas no Paraguai.
Nota-se entre os camelôs em geral, a predominância do entendimento da sua atividade
como permanente e não mais como provisória. Este talvez seja o principal atrativo para
pessoas egressas do mercado de trabalho formal, bem como do comércio formal para fugir do
desemprego e do regramento tributário.
Verifica-se atualmente que os camelôs mais antigos, que conseguiram relativo sucesso
na atividade foram aos poucos adquirindo mais boxes. Outros, sem sucesso, foram vendendo
seus boxes para seus próprios pares ou para pessoas egressas do comércio formal e foram
migrando para outras atividades informais. Desse modo, no seio da corretagem existente no
camelódromo de Presidente Prudente, houve a articulação de vários boxes por um mesmo
proprietário. Construíram ainda uma espécie de rádio comunitária que faz propagandas sobre
o comércio dos camelôs.
que se destacar que por trás do individualismo que permeia essa atividade
atualmente, se esconde a história que antecede a construção do camelódromo, fruto de
embates e disputas travadas pelos camelôs enquanto estavam nas ruas e calçadas.
Quando os camelôs estavam nas ruas de Presidente Prudente e recebiam pressão por
parte dos fiscais do Poder Público Municipal, para retirarem suas barracas das calçadas a
pedido dos comerciantes legalizados, por intermédio do Sindicato do Comércio Varejista, eles
se juntavam em grupos e insistiam em permanecer nas ruas. O mesmo ocorria quando eram
forçados a se mudarem para locais distante do fluxo de consumidores. Por trás dessa união e
insistência em permanecer nas ruas estava levantada a bandeira do direito de trabalhar e
garantir o sustento dos filhos etc. Essa união foi se desfazendo aos poucos após a construção
do camelódromo, houve duas tentativas frustradas de formação de associação e vários
projetos de construção de um sindicato que mal saiu do papel e no ano de 2007, constatamos
que não há nenhum tipo de organização política.
Em relação à extinção da associação dos camelôs, entrevistamos o seu ex-presidente
no ano de 2007. Acabou porque estava dando muita confusão. O Brito, me parece que vai
41
retomar a idéia de criar o sindicato, mas até agora não posso te dizer nada. Eu não participo
mais, chega de dor de cabeça” (informação verbal)
29
.
Os defensores ou participantes da extinta associação alegam que as divergências foram
motivadas pelo fracasso em relação a uma contribuição de R$ 5,00 estipulada pelo presidente.
Porém, há outras explicações como relatou o camelô Antônio.
Não pode ser ingênuo. Você sabe que nessas coisas de associação e sindicato
existe política. Uma associação se não tem arrecadação tem gasto e o
dinheiro vai ter que sair do bolso de alguém. Mas, o racha foi porque outro
grupo de baixo (extremidade do camelódromo) tinha a idéia de através da
associação transformar isso aqui em uma micro empresa, do tipo de uma
gigantesca loja de bazar, do tipo R$ 1,99. Daí, o presidente da associação
não topou. Entenderam, e espalharam que a recusa foi porque aqueles que
estavam na diretoria, sabiam que se fosse cobrada a taxa, ia poder desviar
uma parte. Depois, vai aumentando a taxa aos poucos. Você sabe como
funciona não é? A questão é que o Baraneck saiu, a outra chapa ameaçou
assumir, mas recuou dai a associação faliu. (informação verbal)
30
.
Do exposto até aqui, devemos reter os seguintes aspectos. Existia uma associação
formada no próprio âmbito do trabalho dos camelôs, no entanto foi fechada sob pressão do
Poder Público, sob a alegação de ocorrência de corretagem no camelódromo de Presidente
Prudente, prática esta, em tese, expressamente proibida. Uma nova associação foi formada,
contendo um estatuto legal redigido pelo Poder Público e um quadro de diretores formado por
camelôs bem localizados no interior do camelódromo e imposto para o conjunto de
trabalhadores camelôs. A formação do sindicato não foi aceita nem pelos camelôs nem pelo
Poder Público e o fato é que hoje não existe mais a associação nem o sindicato.
Na cidade de Marília até o momento não conseguimos detectar nenhuma iniciativa
neste sentido e os camelôs se reúnem em grupos apenas quando é necessário participar de
reuniões com representantes do Poder Público Municipal.
29
Depoimento dado pelo senhor Ataíde Baraneck em Trabalho de Campo realizado no dia 29 de Julho de 2007.
30
Depoimento dado pelo camelô senhor Antônio no dia 30 de julho de 2007.
42
2. 2. Os Trabalhadores Camelôs no Município de Marília (SP)
No município de Marília
31
o camelódromo foi inaugurado em 1994, mas desde o ano
de 1989 já havia camelôs, ou ambulantes, nas calçadas, principalmente na Rua Nove de Julho,
uma das vias comerciais mais movimentadas na época. Atualmente, conforme mostra a
(Figura 8), o camelódromo do município de Marília se encontra próximo ao Terminal
Rodoviário, local de grande fluxo de potenciais compradores e próximo a antiga Rua Nove de
Julho, atingindo ao todo 180 boxes.
Figura 8 : Croqui do Camelódromo de Marília (SP)
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
31
Marília está localizada a oeste do estado de São Paulo, Área da unidade territorial: 1170 Km², Latitude do
distrito sede do município: - 22,21389° - Longitude do distrito sede do município: - 49,94583° - Altitude: 675 m.
Segundo Tomé (2003), a cidade de Marília obteve no ano de 1999 o maior índice de desenvolvimento do estado.
Na estimativa populacional do IBGE-2006 possuía 224.093 habitantes.
43
No município de Marília, da mesma forma como em Presidente Prudente, os conflitos
entre economia formal e informal tiveram como protagonistas os comerciantes legalizados
acionando seus representantes sob a alegação de pagar tributos e encargos trabalhistas e os
camelôs alegando a necessidade de trabalhar. Houve uma diferença de expressão do
fenômeno de dois anos entre os dois municípios, porém ambos eram influenciados pelos
intensos embates entre camelôs e comerciantes legalizados que ocorriam diariamente na
cidade de São Paulo e eram noticiados nos jornais impressos e televisivos a partir da metade
da década de 1980.
Segundo Tomé (2003), Marília é considerada pólo industrial da região, com mais de
400 indústrias instaladas, o que lhe sustenta o título de “Pólo Nacional do Alimento”, e
atraindo uma intensa população flutuante advinda da região. Acrescenta-se a isso a existência
das universidades UNESP e UNIMAR, da Faculdade de Medicina (FAMEMA) e o Centro
Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM), como fatores que tornam ainda mais dinâmico
o mercado de trabalho e a economia da cidade.
Para a mesma autora, a exemplo de grandes centros com a economia mais estruturada,
na cidade de Marília a informalidade do trabalho é visível e possui características de
precariedade, composta por catadores de material reciclável, ambulantes e camelôs.
Em Marília, os motivos que levaram a construção do camelódromo pelo Poder Público
Municipal, foram parecidos com os detectados em nossa pesquisa em Presidente Prudente. Ou
seja, a busca de um local no centro da cidade, onde houvesse fluxo de consumidores, e fosse
ponto de consenso entre camelôs, comerciantes do comércio legalizado e Prefeitura.
Esta semelhança já tinha sido verificada no final dos nossos estudos de Iniciação
Científica, antes de ampliar o recorte territorial, outrora restrito a Presidente Prudente
32
.
Deduzimos que estas características são parecidas em todas as cidades onde o fenômeno da
camelotagem se expressa de forma significativa.
Uma diferença fundamental detectada entre os camelôs dos dois municípios é com
relação ao local de compra das mercadorias. Na cidade de Marília, de 30 camelôs inquiridos,
27 responderam que não compram suas mercadorias no Paraguai, em compensação o número
de viagens à feirinha da madrugada em São Paulo é significativa, ocorrendo cerca de 3
viagens de ônibus por semana, além dos camelôs que viajam em carros particulares.
32
A cidade de Marília foi incorporada apenas no projeto de mestrado.
44
Antes de incluir o município de Marília em nossos estudos, havíamos detectado que
desde o ano de 2003, as apreensões de ônibus advindos do Paraguai transportando
mercadorias de procedência duvidosa, se multiplicaram em diversos pontos do país, devido à
intensificação das medidas de combate à pirataria exercida pelo governo federal.
No levantamento junto ao Jornal da Manhã, em Marília, no mês de abril de 2007,
constatamos que a maioria das apreensões de ônibus com camelôs e sacoleiros aconteceu em
Ourinhos, a 99 km de Marília na Rodovia Transbrasiliana, BR 153. Cabe destacar, que o
maior número de publicações noticiando apreensões de ônibus neste local, ocorreu em 2006.
No período estipulado para levantamento das notícias de jornal (2005/2007), foi no
ano de 2006 o maior número de publicações destacando apreensões de ônibus neste local.
Visando acompanhar a construção da nova Aduana brasileira, no ano de 2006,
efetuamos levantamento no site “sopa brasiguaia”, no qual constatamos que diante do atraso
na inauguração, o governo exigiu a intensificação de medidas de combate e apreensão nas
rodovias.
Comparando as notícias deste site com as do Jornal da Manhã, constatamos a
existência de uma base da Polícia Rodoviária Federal na Transbrasiliana (BR - 153). Por ser
próxima a outras rodovias como a Raposo Tavares (SP - 270), na divisa com o estado do
Paraná, isso torna a região de Ourinhos uma rota de contrabando (Vide Figura 4, p. 21).
Contudo, deduzimos que as várias operações pontuais deflagradas constantemente pela
Polícia Rodoviária Federal, e seu conseqüente aumento no referido período, tem relação com
as eleições presidenciais no Brasil e com as diversas atividades informais dependentes do
comércio paraguaio.
A relevância da quantidade desses trabalhadores se torna explícita, ao verificarmos
que a inauguração da nova Aduana brasileira na Ponte da Amizade, inicialmente prevista para
15 de agosto de 2006, foi postergada devido ao período das eleições presidenciais no Brasil. O
atraso já era previsto no jornal paraguaio “ABC Color”, em junho de 2006, quando
afirmava que no caso de haver segundo turno em 29 de outubro, as novas instalações seriam
entregues apenas no mês de novembro, como de fato aconteceu.
O governo brasileiro ao contabilizar os trabalhadores camelôs, assim como as
atividades conexas (sacoleiros, laranjas, carrinheiros, condutores de veículos, paseros,
barqueiros), como eleitores, sabia que estava sob um “teto de vidro”, e a iniciativa de
construir a nova aduana para sofisticar a tributação das mercadorias oriundas do Paraguai teria
efeitos negativos, considerando a repercussão na mídia, em face de milhares de trabalhadores
45
dependerem desta rota de comércio informal (Paraguai/Brasil). Decorre daí a estratégia de
adiar a inauguração/entrega da nova Aduana.
A maioria das notícias levantadas no Jornal da Manhã, em Marília, destacou além das
fiscalizações de rotina, as operações surpresas e em conjunto entre Polícia Rodoviária Federal
e Polícia Federal. As blitz eram realizadas regularmente, como parte de um cronograma
mensal elaborado pela superintendência em São Paulo.
Em trabalho de campo realizado na cidade de Presidente Prudente em abril de 2007,
foi possível sentir os reflexos da nova Aduana. De um total de 30 trabalhadores inquiridos, 28
camelôs, ou seja, 93% do total de formulários aplicados, responderam que a partir da
inauguração da nova Aduana brasileira, em novembro de 2006, o número de viagens ao
Paraguai diminuiu, o ganho na revenda das mercadorias diminuiu e o número de perda das
mercadorias aumentou. Isto se deve às apreensões realizadas pela fiscalização aduaneira,
fiscalização pontual nas rodovias ou pela fiscalização volante durante o trajeto de volta das
viagens para compra das mercadorias. Os camelôs destacaram a necessidade de buscar outros
locais de compras como o Brás e Santa Efigênia em São Paulo ou Pedro Juan Caballero e
Salto del Guairá no Paraguai, fronteira com Sete Quedas (PR).
Se a sobrevivência na camelotagem era difícil antes e piorou com a construção da
Aduana, a questão que se põe é: Por que tantos trabalhadores insistem em permanecer nesta
atividade?
Segundo Tomé (2003) as atividades exercidas no setor informal como um todo, em
alguns casos, são estratégias de sobrevivência, em outros, oportunidades de negócio. Mas
pondera que isso depende da posição na estrutura de classe a qual o trabalhador pertence
(p.11) e ao concordar com a afirmação de Engels de que os homens não podem explicar seus
atos pelos seus pensamentos, devendo explicá-los pelas suas necessidades que, refletidas no
seu cérebro, faz com que eles tomem consciência delas, defende ser a atividade exercida pelos
trabalhadores camelôs uma estratégia de sobrevivência.
Em nossa pesquisa percebemos no circuito da camelotagem atualmente que prevalece
a lógica de produção e circulação de mercadorias fetichizadas, fruto do trabalho estranhado,
direcionadas a um público consumidor cada vez mais diversificado do ponto de vista do poder
aquisitivo. Portanto, atuar neste circuito envolve principalmente a necessidade de trabalhar, e
a perspectiva de circulação rápida das mercadorias que possibilita o ingresso de muitos
trabalhadores. Estes ao serem pressionados por todos os lados, pelo desemprego, pela
tributação, pela concorrência ou corrupção, conseguem permanecer no circuito migrando de
atividades, ora como camelô, ora como sacoleiro, ora como laranja. Seja abastecendo
46
consumidores diretos, ou outros camelôs ou lojas do setor formal, que cada vez mais
compram estas mercadorias.
Para Tomé (2003), trabalhar como camelô é dar uma resposta real e concreta aos
limites impostos pela totalidade das relações sociais e mais diretamente, aos limites impostos
pela própria condição de classe. No nível ontológico isso significa prioridades impossíveis de
serem eliminadas da reprodução do ser humano enquanto ser social. Ou seja, a satisfação das
necessidades puramente biológicas ou a luta pela existência, sem as quais não reprodução
da vida do ser social. Em suma, trabalhar para viver e os camelôs estão inseridos no interior
de relações econômicas capitalistas, com o grande capital ditando as regras do jogo.
Neste sentido, cabe ao Estado tributar as mercadorias, e controlar as atividades que
compõem o circuito de circulação das mesmas, o que gera os conflitos e disputas territoriais,
pois de acordo com Gonçalves (2000) a não tributação das mercadorias é um fator
determinante para a realização das vendas, e o pagamento dos devidos tributos, ao encarecer o
produto, impossibilita a obtenção de um ganho minimamente necessário para os trabalhadores
camelôs se manterem na atividade. Decorre daí a busca por expedientes clandestinos e as
tentativas de burlar a fiscalização para revender as mercadorias, e de preferência aquelas com
grande circulação, no caso hoje em dia, os equipamentos de informática com seus acessórios,
e os eletro-eletrônicos.
Percebemos por meio do levantamento em jornais, realizado em Marília, uma grande
preocupação das autoridades em combater a venda de cigarros contrabandeados, mas não
presenciamos a venda de cigarros de forma significativa e o que em comum nos dois
camelódromos, das duas cidades, é a preferência por trabalhar com CDs, DVDs,
equipamentos de informática e eletro-eletrônicos, ratificando a constante convergência com a
“pirataria”, considerada atividade criminosa.
2.3. A Camelotagem e o Território
Com relação à venda de mercadorias piratas ou fruto de contrabando na camelotagem
existe consenso por parte de todos os agentes envolvidos (camelôs, lideranças, e Poder
Público) de que o correto é a declaração das mercadorias. Entre os líderes dos sindicatos de
camelôs, apesar das divergências de postura política, o único ponto de convergência é a
opinião contrária à pirataria e ao contrabando. No entanto, este tipo de mercadoria motiva
47
conflitos em diferentes escalas geográficas e encontra entre os camelôs terreno fértil de
comercialização.
Neste sentido conforme destaca Thomaz Jr.;
[...] os rearranjos do metabolismo do capital em escala mundial, e seus
efeitos se espalham e os reordenamentos daí decorrentes, desde o final dos
anos 1980, orientam novas linhas de expressão do conflito social, não se
restringindo ao formato clássico capital x trabalho, porém envolvendo outras
formas de configuração da dominação de classe, que implica novos olhares
sobre as delimitações clássicas do que é trabalhar sob distintas relações
sociais de produção e de trabalho (2007, p. 2).
Desse modo, os diferentes discursos contrários à comercialização de determinadas
mercadorias, que não coincidem com a prática, assim como o discurso político de tributar as
mercadorias para formalizar os trabalhadores informais e as promessas não cumpridas de
geração de milhares de empregos com carteira registrada, comparecem como estratégias de
disputa de território.
que se destacar aqui que apreendemos a tentativa de criação de “sindicatos de
camelôs” também como disputas territoriais, considerando a seguinte afirmação:
Os territórios o países, Estados, regiões, municípios, departamentos,
bairros, bricas, vilas, propriedades, moradias, salas, corpo, mente,
pensamento, conhecimento, enfim o território é o espaço apropriado por uma
determinada relação social que o produz e o mantém a partir de uma forma
de poder. Esse poder é concedido pela receptividade. O território é ao
mesmo tempo, uma convenção e uma confrontação. Exatamente porque o
território possui limites, possui fronteiras, é um espaço de conflitualidades
(FERNANDES, 2005, p. 3).
No nosso entendimento, tanto em Marília como em Presidente Prudente, do ponto de
vista dos conflitos, a exemplo do que Souza (2003)
33
entende como formação de territórios, os
embates se deram quando os camelôs se encontravam nas ruas e calçadas, mas articulando
esse entendimento de território com a afirmação “porque o território possui limites, possui
fronteiras, é um espaço de conflitualidades” (FERNANDES, 2005, p. 3), compreendemos
33
Marcelo JoLopes de Souza focando os camelôs na cidade do Rio de Janeiro defende que a ocupação de
calçadas e logradouros públicos gera uma situação em que se a formação de territórios com uma
temporalidade bem definida e possuindo uma dimensão de conflitos entre os usuários do espaço que o
territorializam. SOUZA, M. J. L. O Território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In:
CASTRO I. E; GOMES, P. C. C; CORREA, R. L. Geografia Conceitos e Temas, Rio de Janeiro, Bertrand
Brasil, v. 1 c. 1 p. 77-116, 2003.
48
que mesmo posteriormente, com a construção dos respectivos camelódromos nas duas
cidades, a disputa por território ainda continua. Isto é, os conflitos permanecem na medida em
os camelôs vivem constante situação de insegurança, pelo fato de que possivelmente nunca
irão adquirir o título de posse definitivo de um boxe, isto é, este será sempre uma concessão
do Poder Público, porque é um espaço de uso público.
No caso específico de Presidente Prudente, após a construção do camelódromo em
uma praça pública, o fato de muitos camelôs instalados não corresponderem às características
que o Poder Público definiu a priori, somado a responsabilidade dada a cada camelô de arcar
com os custos das melhorias dos respectivos boxes, levou ao novo fenômeno da
“corretagem”. Aqui se evidencia a disputa por um espaço no interior do camelódromo em que
os preços variam de R$ 5.000,00 até R$ 10.000,00. Obviamente a “corretagem” não poderia
acontecer, mas o aparente absurdo de vender o espaço público ocorre, tornando ainda mais
tensa e contraditória essa atividade.
Hoje, quando o Poder Público é notificado de que camelôs possuindo até 5 boxes,
camelôs alugando, outros vendendo, e alguns que possuem comércio no mercado formal e
também um ou mais boxes no camelódromo, ao mesmo tempo, não consegue tomar
providências. Mas logo no começo quando surgiram as primeiras denúncias, muitos camelôs
apresentavam promissória e cópias de cheques comprovando que não ganharam o boxe,
que este não foi cedido e sim vendido. Ou seja, algo errado foi feito no início, no ato da
construção do camelódromo e na distribuição dos boxes.
Isso explica, em parte, a postura de um camelô que sob a justificativa de ter comprado
e pago pelo boxe, defender a expulsão do outro, que sobrevive nesta atividade sem possuir um
ponto fixo, vendendo nos arredores do camelódromo.
Da mesma forma, não podemos imaginar que todos os camelôs do camelódromo têm
as mesmas características e dificuldades daqueles que vivenciaram a situação de conflito nas
ruas e calçadas no início da década de 1990, pois muita coisa mudou e surgiram ramos
específicos, que ao convergir com a pirataria, se tornaram lucrativos. Esta heterogeneidade
dificulta qualquer tipo de organização política porque quem está conseguido melhor
desempenho nas vendas passa a se entender mais como um patrão de si mesmo ou
proprietário do próprio negócio do que como um trabalhador camelô, acirrando o
individualismo característico desta atividade.
O papel “sinistro” do Poder Público Municipal também ocorreu com relação aos
camelôs na cidade de São Paulo por ocasião do episódio da “máfia dos fiscais”, apesar de
apresentar características diferentes. Este foi um raro momento em que o individualismo se
49
desfez, e a história mostra que os camelôs de São Paulo, de certa forma, perceberam a
importância de se unirem para combater uma situação em que o conflito por disputa de
território os colocava em situação de desvantagem tão intensa, que comprometia a própria
existência na atividade.
Em um universo de 150 camelôs, entre os 30 camelôs inquiridos na cidade de Marília,
apenas 8, desempenhou alguma função em empresas com carteira registrada, portanto 27%
dos camelôs, foram anteriormente trabalhadores de fábricas. As empresas mencionadas foram
Sasazaki (esquadrias metálicas), Sakata Hort-Fruit, mas a maior parte veio de empresas
produtoras de fios para tecidos, malharias e também lojas de roupas no comércio formal.
Existe uma relação muito próxima entre a descentralização da indústria têxtil e a
atividade dos camelôs. Podemos detectar alguns sinais dessa transformação através do
número de trabalhadores que saíram de antigas fábricas de tecelagem e foram trabalhar como
camelôs, assim como na comercialização de vestuários, artigos esportivos (camisetas de
times, acessórios etc.) produzidas em empresas informais, nas conhecidas “fábricas de fundo
de quintal”.
Estas mercadorias em especial compõem um dos principais itens que circulam no
circuito da camelotagem, e articulam principalmente os camelôs e os sacoleiros.
O Paraguai (PY) não é visto como centro preferencial de compra de roupas e tecidos
pelos camelôs e sacoleiros, com o fim de revenda. Mercadorias deste tipo são compradas em
território brasileiro. As principais cidades citadas pelos camelôs são: Ibitinga, Monte Sião,
Cianorte e a cidade de São Paulo, principalmente no bairro do Braz na “feirinha da
madrugada”.
O comércio formal de roupas, diante da concorrência dos camelôs e sacoleiros
vivencia também o desaquecimento das vendas. Neste movimento, os comerciantes acabam
demitindo funcionários ou desistindo do comércio formal, e ambos migrando para a
informalidade. Recentemente a rotatividade no setor comerciário de roupas aumenta, o
emprego formal diminui, mas a circulação das mercadorias (vestuário) continua e se
intensifica.
Neste caso em particular, presenciamos pelo menos três características comuns nos
camelódromos de Marília e Presidente Prudente: a) ex-funcionários de lojas do setor formal
vão buscar como funcionários de camelôs uma colocação no mercado de trabalho informal; b)
ex-funcionários de lojas compram ou alugam um boxe e passam a atuar como camelôs; c) ex-
50
proprietários de lojas no comércio formal compram e acoplam ou atrelam
34
dois ou mais
boxes no camelódromo para atuar no setor informal e fugir da cobrança de impostos, aluguel
e encargos trabalhistas, montando uma espécie de estande de vendas dentro do camelódromo.
Na observação da (Figura 9), o boxe do meio, de cor verde, corresponde ao espaço
padronizado pelo Poder Público Municipal para atender a todos os camelôs. O boxe da direita,
de cor prata, é duplo/conjugado e com o dobro do tamanho, enquanto o da esquerda, de cor
vermelha, corresponde à junção de três boxes.
Figura 9: Boxes Conjugados no Camelódromo de Marília.
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, Trabalho de Campo, outubro de 2007.
Assim como em Presidente Prudente, em Marília também uma extremidade do
camelódromo que oferece maiores possibilidades de vendas, trata-se da extremidade da parte
mais antiga, onde foi inaugurado o primeiro pavilhão que vai do boxe de número 1 ao número
50. De acordo com os camelôs o motivo é o fato desta parte do camelódromo ser mais
ventilada e com maior claridade, diferente da extremidade da parte inferior onde o corredor é
34
Nesta dissertação estamos utilizando os termos acoplar ou conjugar para os casos de supostos camelôs que
compram dois ou mais boxes um ao lado do outro, juntam todos eles ficando com um espaço maior que
possibilita funcionar como uma pequena loja no interior do camelódromo. Este tipo de situação é mais comum
na cidade de Marília, e apesar de em tese ser proibido, a forma encontrada para justificar tal prática é atribuir
cada boxe a uma pessoa diferente, alegando a junção dos boxes a uma suposta parceria ou sociedade para vencer
a concorrência. Os casos de boxes atrelados são mais comuns em Presidente Prudente, onde não presenciamos
vários boxes transformados em um só. Porém há vários casos de um mesmo proprietário possuir vários boxes em
diferentes locais do camelódromo sendo que todos funcionam de forma articulada para o abastecimento e
complementação de mercadorias.
51
coberto e boxes dos dois lados, o que torna o ambiente escuro e com pouca ventilação
(corresponde a parte fotografada acima) e na extremidade oposta, no final do espaço do
camelódromo, sempre houve pouca procura por parte dos consumidores. Devido a estas
características grande variação nos preços de venda e aluguel dos boxes encontrados na
corretagem em Marília e também em Presidente Prudente, porém notamos uma significativa
diferenciação nos preços (Tabela 1).
Tabela 1: Preço de Boxes nos Camelódromos de Presidente Prudente e Marília
Marília Preço em R$ Presidente Prudente Preço em R$
Extremidade mais
antiga com maior
fluxo
35.000,00 Extremidade mais
antiga com maior
fluxo
20.000,00
Parte intermediária
com grande fluxo
30.000,00 Parte intermediária
com grande fluxo
12.000,00
Extremidade oposta
com baixo fluxo
20.000,00 Extremidade oposta
com baixo fluxo
8.000,000
Fonte: Trabalho de Campo realizado em outubro de 2007.
Uma possível explicação para a diferença de preços nos dois municípios é justamente
o fato de não haver boxes conjugados em Presidente Prudente, e sim atrelados. Em suma
avaliamos que o boxe custa em média R$ 10.000,00 nas duas cidades. Neste caso os boxes
com valores acima de R$ 30.000,00 em Marília correspondem a boxes triplos conjugados e
localizados na parte que oferece maiores possibilidades de venda.
É claro que se você for à prefeitura para vender ou comprar um boxe, eles
vão dizer não, isso não pode, tem que ter licitação. Mas, podemos fazer
entre nós mesmos, agente acerta o preço, vai a um escritório e faz um
documento, pode ser um contrato ou uma promissória. Fica tudo entre nós.
O preço não é tabelado, mas ninguém paga mais que R$ 35.000,00 e
ninguém vende por menos de R$ 20.000,00, eu nunca vi falar de nenhum
caso. (informação verbal)
35
.
35
Depoimento dado pelo camelô Márcio (não informou o sobrenome), de 50 anos de idade, no dia 11 de outubro
de 2007. Márcio trabalha 6 anos como camelô e seu boxe foi comprado. Na ocasião da compra o preço era
mais baixo, pagou R$ 15.000,00 em sociedade com o filho. Márcio trabalhou como saqueiro e possuiu
durante 4 anos um trailer para o comércio de lanches, com o qual afirma, foi obrigado a mudar de local por mais
de 6 vezes, por ordem da prefeitura sempre na mesma praça, destacando como uma das vantagens de ser camelô,
o fato de não ter que mudar de ponto o tempo todo. Garante que seu trabalho hoje como camelô é bem mais fácil
comparado com as atividades anteriores. Afirmou ainda que desde que foi inaugurada a nova Aduana, ocasião
em que perdeu suas mercadorias na fronteira por duas vezes, nunca mais viajou para o Paraguai, atualmente
realiza todas as suas compras na feirinha da madrugada em São Paulo e viaja todo domingo levando de R$
800,00 a R$ 1.000,00 em dinheiro para as compras e o preço da viagem de carro se for em duas pessoas
52
Outra possível explicação para o alto preço de um boxe é a procura por parte de
pessoas que possuem capital inicial e buscam fugir dos impostos e do aluguel exigido para
atuar no comércio formal. Existe em Marília o caso de uma comerciante de perfumes com
dois boxes conjugados que antes possuía sua perfumaria no shopping. o caso de uma
comerciante de brinquedos, que possui um espaço que corresponde a quatro boxes onde
antigamente funcionava uma casa lotérica, e hoje está anexada ao camelódromo onde
maior fluxo de consumidores, a comerciante possui toda a estrutura de uma loja do comércio
formal, porém nos afirmou que era camelô.
Um caso oposto foi o da comerciante Maria Aparecida que possui um boxe duplo
conjugado e comercializa bonés, perfumes e produtos de beleza. A comerciante nos afirmou
que não se considera camelô mesmo estando trabalhando no camelódromo, pois possui firma
aberta mais de 6 anos, foi gerente de loja, e garante que camelô é aquele que atua na
ilegalidade. Alem do boxe possui em sociedade com o marido uma empresa de comunicação
visual no comércio formal.
No município de Marília a atividade dos camelôs está caminhando para uma
regularização forçada através da exigência do Poder Público de abertura de firmas pelos
camelôs como condição para permanecer no camelódromo mediante o pagamento de
impostos de forma lenta e gradativa.
Planejamos a data de nossas viagens ao Paraguai e Marília intentando visualizar in
locu os momentos de aumento das viagens de camelôs e sacoleiros ao Paraguai para compra
de mercadorias, com o objetivo de revenda, visando o dia das crianças. Assim, de posse de
informações prévias levantadas no Jornal da Manhã, referentes ao período de 2005 a 2007, e
ancoradas na leitura da Dissertação de Tomé (2003), referente aos trabalhadores camelôs,
retornamos à Marília nos dias 12 a 14 de outubro de 2007, para finalizar nosso trabalho de
campo. Escolhemos abarcar o dia 12 de outubro por ser dia das crianças, data de maior
aquecimento das vendas, principalmente de brinquedos. Porém, antes, nos dias 09 a 11 de
outubro fomos para Ciudad del Este (PY) pelo mesmo motivo, acompanhando ao mesmo
tempo, o aquecimento das vendas e a “atmosfera” tensa na nova Aduana.
A nova Aduana foi inaugurada no final de outubro de 2006, portanto era a primeira
vez que se presencia a circulação de mercadorias no dia das crianças, após a sofisticação da
dividindo os custos fica em torno de R$ 50,00. Comercializa rádios, lanternas e filmes piratas, garante que a
diferença de preço de São Paulo para o Paraguai é pequena não compensando correr o risco de perder as
mercadorias, garante também que todas as suas mercadorias possuem nota, exceto os filmes.
53
fiscalização aduaneira, o que intensificou o clima de tensão e os conflitos no ato da declaração
das mercadorias.
36
No dia 09 de outubro presenciamos o aquecimento característico das vendas em
Ciudad del Este (PY) correspondente a este período. No entanto, apesar do rigor da
fiscalização implantado com a nova Aduana, houve aumento das vendas no Paraguai.
Contrariamente, nos dias 11 e 12 de outubro, ao retornar ao Brasil e realizar o Trabalho de
Campo na cidade de Marília, fomos surpreendidos ao presenciar no camelódromo um baixo
desempenho nas vendas comparadas aos anos anteriores. Este dado faz mais sentido após a
comparação com os dados sindicais a seguir.
Em pesquisa realizada pelo Sindicato dos Empregados no Comércio de Marília, cujo
presidente é o senhor Mário Herrera, foi demonstrado que o número de cortes de empregados
com mais de um ano de registro em carteira, cresceu 33% no mês de setembro. Ao todo, 157
funcionários foram demitidos em setembro de 2007, enquanto no mesmo período no ano de
2006, foram demitidos 118.
As empresas que mais demitiram seus empregados neste mês da pesquisa
foram os estabelecimentos de comércio de roupas e confecção, os de móveis
e eletrodomésticos e os supermercados. [...] mais homens que mulheres
perdem seus empregos no comércio, 81 dispensas do sexo masculino contra
76 do sexo feminino. A maioria dos demitidos ocupam funções de
vendedores mensalistas (85 dispensas), seguido por vendedores
comissionistas (25 dispensas), gerente (três foram mandados embora em
setembro) e caixa (cinco). Outros 39 dispensados exercem ocupações
diversas no comércio. A maioria dos demitidos se encontra em uma faixa
etária de 17 a 40 anos: 129 dispensados. Os outros 28 dispensados estão
entre 41 e 53 anos. Quanto à formação, apenas quatro foram dispensados
possuindo o vel superior, universitário. Com somente o primeiro grau, 66
foram demitidos e com o segundo grau, foram 87 dispensas. (Mario
Herrera, presidente do Sindicato do Comércio de Marília)
37
.
Para o presidente do sindicato, a alta rotatividade do setor dificulta a permanência dos
profissionais na categoria. No mês de agosto, o sindicato contabilizou 125 empregados
demitidos, com mais de um ano de serviço. Em julho, 154 comerciários de Marília ficaram
desempregados.
36
Apesar do planejamento e de toda a estrutura projetada, os fiscais da Aduana corriam de um lado para o outro
com ferramentas, medindo e tentando a todo custo improvisar espaços para empilhar as inúmeras caixas com
mercadorias apreendidas em poder dos sacoleiros e camelôs, prevendo que o movimento iria aumentar em
horário de pico.
37
Estas informações foram publicadas no jornal “Diário de Marília” no dia 11/10/2007. Dispoível em <
www.diariodemarilia.com.br > Acesso em 17/10/2007.
54
O comerciário está deixando de ser emprego de carreira para se tornar
função transitória, pois além de haver um declínio crescente na quantidade
de empregos ofertados pelo comércio, ninguém também está mais parando
empregado neste ramo de atividade. Já chegamos a ter dez mil comerciários,
hoje a cidade oscila na média de 5.000 empregados
38
.
Interessante destacar, que durante Trabalho de Campo, por ocasião do dia das
crianças, foi possível verificar entre os camelôs que comercializam brinquedos, sendo esta a
mercadoria mais procurada nesta ocasião, que o descontentamento com as vendas era
explícito. Coincidentemente, os proprietários de boxes que conseguiam melhor desempenho
nas vendas, eram exatamente aqueles egressos do comércio formal como ex-comerciantes e
ex-vendedores.
O Box de número 40 era duplo conjugado, entre as mercadorias curiosamente
mescladas estavam bonés de marcas diversas, perfumaria e produtos de beleza em geral.
Chamava atenção a forma bem organizada como as mercadorias estavam dispostas nos
balcões e prateleiras de vidro, bem divididas e dispostas de forma a atrair a atenção do
consumidor. A vendedora possuía todos os quesitos de uma profissional do mercado formal
no que diz respeito ao atendimento, era uma das poucas que estava conseguindo realizar as
vendas, apesar de ter reclamado que aquele movimento não correspondia de maneira nenhuma
ao do dia das crianças, e que somente conseguiu vender no período noturno.
Não me considero camelô, para mim camelô é quem atua na ilegalidade, e
eu tenho firma aberta há seis anos, fui gerente de loja de roupas por 10 anos.
Primeiro comprei um boxe e vendia perfumaria por isso tenho minha
clientela formada para este tipo de mercadoria, e por isso optei por mesclar
perfume com bonés ao invés de outros artigos como camisetas ou
bermudas. Depois comprei o boxe do lado e juntei os dois para aumentar o
espaço. Não viajo para lugar nenhum para comprar mercadorias, tenho
representantes que me abastecem e não trabalho sem nota fiscal. Estou aqui
por causa da localização, do movimento de consumidores e porque aqui as
condições são melhores porque não pago imposto, mas, eu tenho uma
empresa de comunicação visual junto com o meu marido no centro da
cidade no comércio formal. (informação verbal)
39
.
Enquanto reclamavam do fraco movimento durante o dia justamente no dia das
crianças, os camelôs afirmavam que a esperança era a melhora no período noturno, o que de
38
Jornal “Diário de Marília” no dia 11/10/2007. Dispoível em < www.diariodemarilia.com.br > Acesso em
17/10/2007.
39
Depoimento dado por Maria Aparecida (40 anos), no dia 11 de outubro de 2007, durante realização de
Trabalho de Campo no município de Marília.
55
fato ocorreu como mostra a comparação do horário comercial com a extensão do horário até
as 22h:00min nas duas fotos da (Figura 10). Nota-se que os consumidores se aglomeravam no
local onde havia maior fluxo, e também os boxes conjugados, como é possível perceber ao
fundo nas duas fotos, principalmente na da direita, tirada durante a noite.
Figura 10: Corredor Principal do Camelódromo de Marília
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, Trabalho de Campo Realizado, outubro de 2007.
Diferente do que imaginávamos por motivos da intensa fiscalização, não houve
escassez de mercadorias tampouco de consumidores. Houve sim, a centralização das vendas,
nos boxes (triplo e quádruplo) conjugados, seguida dos boxes duplos e finalmente dos boxes
unitários que são a maioria. Este fato nos obriga a lançar a hipótese de que os trabalhadores
que realmente necessitam executar a atividade de camelô terão suas condições de existência
ainda mais precarizadas. Acrescentamos à hipótese que a construção de camelódromos e
distribuição de boxes padronizados nasce com a função de manter a circulação das
mercadorias, circulação esta que é acelerada à medida que aumenta a competitividade entre os
camelôs.
Em todo dia 11 de outubro, véspera do dia das crianças, é comum um intenso fluxo de
consumidores em busca de presentes nos camelódromos e no comércio formal. Desta vez, no
entanto, desde o início do horário comercial das 08h:00min às 18h00min horas, o movimento
de compras no interior do camelódromo de Marília foi parecido com os dias normais. Houve
um aumento após a 19h:00min, que o comércio de Marília neste dia funcionou até as
22h:00min, mesmo assim, somente os boxistas portadores de mercadorias com alto índice de
procura, e maior variedade, o que significa boxes maiores, conseguiam vender.
Em um universo de 180 camelôs, dos 30 camelôs inquiridos, 25 afirmaram estar
decepcionados com as vendas, 3 demonstraram contentamento e 2 responderam que estava
56
igual aos anos anteriores. Dentre as justificativas dadas pelos camelôs para o baixo
desempenho nas vendas comparecem:
a) A maioria dos camelôs de Marília compra mercadorias em São Paulo, na feirinha da
madrugada, tendo que vendê-las por um preço mais alto do que aquelas compradas
diretamente no Paraguai.
b) Atualmente, muitos comerciantes do setor formal têm acesso a mercadorias vindas do
Paraguai, podendo vendê-las por um baixo preço, diminuindo a disparidade da concorrência
exercida pelos camelôs.
c) Houve nos últimos anos um grande investimento por parte do governo incentivando os
consumidores a não comprar mercadorias sem nota fiscal.
d) Os poucos camelôs de Marília que viajam ao Paraguai para comprar mercadorias,
alegam que as dificuldades impostas pela fiscalização obrigaram o aumento dos preços.
Comprovamos que a concorrência no camelódromo de Marília aumentou muito.
pessoas com maior poder aquisitivo que podem oferecer melhores condições de preço,
provador, organização das mercadorias em espaço mais apropriado e propaganda. O rigor da
lógica de produção da mercadoria, não respeita delimitações institucionais, se formal ou
informal, legal ou ilegal se original ou pirata. O fulgor da mercadoria não reconhece a vitrine
ou o estoque onde está depositada, sendo assim, não importa onde o trabalhador irá
desempenhar seu papel, pode ser no comércio formal ou informal esta é apenas uma diferença
semântica.
57
Existe no entorno do terminal rodoviário de Marília ao todo 32 pipoqueiros com seus
carrinhos na rua voltados de frente para o interior do terminal rodoviário (Figura 11)
comercializando doces, balas, pipoca e principalmente cafezinho, através da grade
40
que cerca
o espaço do terminal. Poucos são os pipoqueiros que conseguem manter-se nesta atividade
desenvolvida neste local, devido à concorrência, ainda que o fluxo de consumidores seja
significativo no terminal.
Figura 11: Túnel Entre os Carrinhos de Pipoqueiros e a Grade de Separação
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, Trabalho de Campo, outubro de 2007.
À direita está o pipoqueiro Miro, por nós entrevistado e a pipoqueira Edna. A
disposição dos 32 carrinhos de pipoca cobertos por lonas formam um túnel com as
mercadorias dispostas nas laterais, na lateral do lado esquerdo encontra-se a grade, aonde os
usuários do terminal vem ao encontro do pipoqueiro e compra as guloseimas. À direita
verifica-se a posição do consumidor em relação ao pipoqueiro para realizar a compra através
da grade do terminal.
Eu fui o primeiro a chegar aqui, sou pipoqueiro quase vinte anos.
Antigamente tinha 3 ou 4 barracas, mas agora tem tanta gente que acha
que vai chegar e vai ganhar dinheiro, mas se engana. Eu trabalho aqui das
08h00min da manhã às 23h: 00min todos os dias. Já fui cobrador de ônibus e
trabalhei com veneno. Faltam quatro anos pra me aposentar se o advogado
conseguir fazer com que me paguem a insalubridade do tempo da brica de
veneno, porque de cobrador não existe mais insalubridade, mas eu ganho
40
O entorno do terminal rodoviário do município de Marília é cercado por grades, sendo possível a entrada
apenas na roleta onde se paga o bilhete de passagem. Os pipoqueiros ficam do lado de fora das grades, os
consumidores se quiserem comprar, efetuam a troca de mercadorias por dinheiro através da grade.
58
mais agora do que nos tempos de firma e ônibus. Como sou antigo aqui, eu
tenho minha freguesia. Mas, a maioria das pessoas que chegam agora
colocam seu ponto e depois abandonam o carrinho com as mercadorias
dentro e somem. Isso aqui não é tão fácil como parece. Eu fico em pé o dia
todo. (informação verbal)
41
.
Intentamos destacar nesta parte da dissertação a existência de inúmeras atividades
informais, com características comuns de precariedade, que não encontram espaço nem
identificação com a atividade de camelô, portanto não compõem o circuito de circulação das
mercadorias que abordamos. A exemplo dos pipoqueiros (Figura 12), estes se identificam
com as formas tradicionais de informalidade, o que os diferencia atualmente é o aumento
quantitativo, a intensificação da concorrência e a migração constante para outras atividades
informais.
Figura 12: Vista Externa e Interna dos Pipoqueiros no Terminal Rodoviário de Marília
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, Trabalho de Campo, outubro de 2007.
Na foto da esquerda tirada do lado externo do terminal é vista a parte de trás da longa
fileira de carrinhos de pipoca. Na foto da direita tirada no interno do terminal, no sentido
inverso, é vista a parte da frente da mesma fila.
O Poder Público Municipal aponta medidas necessárias para não haver a construção de
boxes para além do limite determinado para o perímetro da estrutura do camelódromo,
41
Depoimento dado pelo pipoqueiro Miro (61 anos) em 12 de outubro de 2007. Os pipoqueiros possuem um
ponto fixo do lado de fora do terminal, mas não estão anexados ao camelódromo. De acordo com Miro, em
época de eleição alguns políticos prometem construir boxes para os pipoqueiros, mas isto se repete pelo
menos 20 anos e a promessa nunca se cumpre, apenas aumenta o número de carrinhos de pipoqueiros.
59
enquanto isso, o número de trabalhadores ambulantes vai se aglomerando no entorno do
terminal, sendo que muitos almejam no futuro se tornar um camelô ignorando a dificuldade
que estes enfrentam na sua função dentro do circuito de circulação das mercadorias.
Com um olhar específico sobre o circuito de circulação, o governo federal tenta
garantir através da sofisticação da fiscalização o controle sobre as mercadorias e a quantidade
de trabalhadores que cruzam a Ponte da Amizade, os trabalhadores migram de atividade em
atividade dentro do mesmo circuito, dando respostas rápidas ao cerco do fisco e ao
desemprego. O restante da ordenação e espacialização é regido pela concorrência entre estes
trabalhadores. De qualquer forma a lógica da mercadoria se impõe, e ao faze-lo ela expressa
seu próprio estatuto, no qual não importa o trabalhador e sim a execução de sua função. Não
importa se nas mãos de um contrabandista ou de um comerciante atacadista, importa sim, o
movimento, a circulação da mercadoria, na busca do objetivo para o qual foi produzida.
60
CAPÍTULO III
Os Impactos da Informalidade do Trabalho para as Tradicionais Formas de
Organização da Classe Trabalhadora
Neste capítulo trataremos dos desafios colocados pelo aumento da informalidade do
trabalho para as tradicionais formas de organização da classe trabalhadora, sobretudo os
sindicatos. Partimos da análise de dados obtidos na aplicação de 38 formulários (ANEXO 1)
em todos os sindicatos de Presidente Prudente no ano de 2004 e processados no ano de 2005.
Complementamos estes dados com os resultados de entrevistas formais junto aos mesmos
sindicalistas. Por se tratar naquele momento de um projeto amplo, sobre os Indicadores
Sindicais de Presidente Prudente, retiramos apenas as informações referentes à informalidade
do trabalho e não privilegiamos nenhuma categoria de trabalhadores específica.
O tripé que estrutura este capítulo está assentado:
a) Na nossa participação no projeto dos Indicadores Sindicais de Presidente Prudente em
2005 e posterior resgate dos formulários em 2008;
b) Na aplicação de formulários e entrevistas formais junto a representantes sindicais da
cidade de Marília, em 2008;
c) Em Trabalho de Campo, realizado na cidade de São Paulo, quando entrevistamos os
idealizadores dos “sindicatos de camelôs”, em dezembro de 2006, janeiro de 2007 e
maio de 2008.
Nossa preocupação com atualização constante das informações se deve à rápida
transformação em diversas frentes e sentidos como predicado do fenômeno por nós estudado.
É comum existir um grande número de camelôs em um determinado local, onde nas
proximidades se estrutura um “sindicato” de camelôs. Mas, pouco tempo depois, devido às
ações do Poder Público, se os camelôs não se encontram mais no mesmo local,
conseqüentemente o “sindicato” também se desfaz.
No ano de 2008, elaboramos outro formulário com as mesmas perguntas referentes à
informalidade do trabalho (ANEXO 2) e inquirimos os representantes sindicais de categorias
específicas no município de Marília, para isto selecionamos os sindicatos dos bancários,
trabalhadores do comércio varejista, trabalhadores da construção civil, taxistas e trabalhadores
da indústria da alimentação. Após a coleta dos dados em Marília, no ano de 2008, resgatamos
os formulários aplicados no ano de 2005 em Presidente Prudente e fizemos algumas
61
comparações entre as mesmas categorias, guardando as especificidades de cada município. O
objetivo foi conhecer o posicionamento dos sindicalistas de Marília, suas diferenças e
concordâncias, tendo como referência duas realidades, a detectada no ano de 2005 em
Presidente Prudente e a constatada em Marília para as categorias similares no ano de 2008.
O (Quadro 1) resulta de várias informações colhidas em entrevistas e aplicação de
formulários junto aos sindicalistas de Presidente Prudente e Marília.
Quadro 1: Movimentação de Trabalhadores Formais para a Informalidade
SINDICATOS DE
TRABALHADORES
MOTIVOS DA DIMINUIÇÃO DE
TRABALHADORES NA BASE
ATIVIDADES BUSCADAS NA
ECONOMIA INFORMAL
Comércio Grande rotatividade Camelódromo, sacoleiros,
vendedor por conta própria.
Construção Civil Estagnação nas construções Construção civil realizada por
“gatos”, atravessadores e empresas
ilegais
Alimentação Desemprego Moto taxis, construção civil,
ambulantes, camelódromo.
Bancários Fusões e substituição da mão de
obra humana pela tecnologia da
informática e micro eletrônica.
Financeiras, cooperativas de
crédito e agiotagem.
Condutores autônomos (táxis) Estagnação da população,
concorrência de moto taxis.
Condutores clandestinos.
Para fortalecer a análise acrescentamos dados de entrevistas realizadas em 2008, junto
aos representantes dos Sindicatos do Comércio Varejista e Associações do Comércio e
Indústria, nos dois municípios, objetivando conhecer o posicionamento dos representantes do
patronato. Finalmente, comparamos com dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED) sobre a movimentação no emprego formal, privilegiando a
variação absoluta entre admissão e demissão para os setores referentes às categorias de
trabalhadores estudadas. Concluímos que para a categoria dos comerciários o principal fator
que leva à informalidade não é o desemprego, mas sim a alta rotatividade do emprego no
comércio varejista, devido à exploração e à jornada de trabalho expandida.
Nossa opção de pesquisa junto ao CAGED foi agregada e geográfica. Primeiro,
verificamos a movimentação considerando o município em relação à micro região, e
posteriormente em relação à unidade da federação. Focamos especificamente a movimentação
entre admissão e desligamento considerando a variação absoluta. Não foi possível considerar
a variação relativa por não estar disponível o número de empregos por ano, e sim, somente
para o ano de 2008.
62
3.1. Análise Preliminar da Movimentação no Emprego Formal no Comércio Varejista
Para esta análise preliminar
42
consideramos a variação absoluta entre admissão e
desligamento nos municípios de Marília e Presidente Prudente, primeiro com relação às suas
respectivas micro regiões, e em seguida com relação à Unidade da
Federação (SP). A intenção é perceber se o número de demissões tem relação direta com o
aumento da informalidade do trabalho, e como isto é percebido pelos representantes sindicais
dos trabalhadores formais.
De acordo com os dados do CAGED, até o dia 1º de janeiro de 2008 existiam: a) 9.767
empregos formais no comércio varejista do município de Marília e 4.696 estabelecimentos
comerciais; b) 12.394 empregos formais na Micro Região de Marília e 6.885 estabelecimentos
comerciais; c) 11.946 empregos formais no comércio varejista do município de Presidente
Prudente e 5.487 estabelecimentos comerciais; d) 20.008 empregos formais na Micro região
de Presidente Prudente e 12.138 estabelecimentos comerciais.
42
Trata-se de uma análise preliminar, por partir de uma sugestão dada pelo professor Arthur Magon Whitacker
na apresentação de nosso Relatório de Qualificação, portanto a avaliação destes dados deverá ser aprofundada na
seqüencia de nossos estudos no doutorado.
63
De maneira geral o emprego no comércio varejista nos dois casos se manteve em um
patamar de relativa estabilidade se considerarmos a variação absoluta entre admissão e
demissão (Quadro 2).
Quadro 2: Movimentação do Emprego no Comércio Varejista dos Município de Marília e
Presidente Prudente em Relação a Micro Região
MARÍLIA
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr)
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
Admissão 4.452 5.452 4.413 5.449 5.203 6.419 1.632 2.074
Desligamento 4.274 5.185 4.074 4.942 4.435 5.471 1.762 2.213
Variação
Absoluta
178 267 339 507 768 948 -130 - 139
P. PRUDENTE
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr)
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
Admissão 5.173
8.650
5.089
8.458
5.967
9.630
2.399
3.927
Desligamento 4.589
7.369
4.547
7.499
5.246
8.468
2.180
3.580
Variação
Absoluta
584
1.281
542
959 721 1.162
219
347
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(CAGED), 2008
43
.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues.
O aumento da variação absoluta entre admissão e demissão no comércio varejista no
ano de 2007 pode ser atribuído, no geral, ao aumento das vendas no comércio varejista,
principalmente para a classe mais pobre que trabalha e teve seu poder aquisitivo ligeiramente
aumentado, gerando um ligeiro aquecimento nas vendas. No caso particular do município de
Marília, o crescimento mais acentuado pode ser atribuído a uma arrojada política de
promoção do comércio nos dois últimos anos, com reflexos sobre o aumentou das vendas e,
conseqüentemente, da rotatividade do trabalho. A queda brusca para os dois municípios no
ano de 2008 se deve ao fato do período de janeiro a abril coincidir com a grande demissão dos
trabalhadores, antes contratados para as vendas de fim de ano.
43
O Ministério do Trabalho e Emprego disponibiliza através do CAGED, uma série de dados estatísticos sobre
emprego e desemprego de fácil acesso ao público. Retiramos apenas dados dos nosso interesse com relação a
diferença entre admissão e demissão no emprego formal para determinados setores e sub setores do trabalho
formal.
64
A observação do (Gráfico 1) indica pouca oscilação no nível de emprego no comércio
varejista dos dois municípios.
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, CAGED, 2008.
O que explica a maior variação absoluta entre admissão e desligamento para o
município de Presidente Prudente em relação a micro região pode ser, em escala local, o papel
bem mais moderado da associação comercial no que diz respeito à promoção do comércio, e
em escala regional, o potencial de comércio. Da mesma forma o número de camelôs (230) no
camelódromo do município de Presidente Prudente é superior ao de Marília (180). Isto não
significa que o comércio de Marília seja maior que o de Presidente Prudente, pois a
comparação dos números mostra que tanto o número de empregos formais quanto o de
estabelecimentos comerciais é maior em Presidente Prudente. No entanto, de acordo com o
presidente da Associação Comercial de Presidente Prudente, senhor Ricardo Anderson
Ribeiro, a região de Presidente Prudente é inferior à de Marília no quesito poder aquisitivo da
população consumidora, sobretudo a mais pobre que trabalha.
O fator mais preocupante na categoria dos comerciários, podendo refletir no aumento
ou diminuição da informalidade do trabalho, se refere à grande rotatividade entre os
trabalhadores do comércio. Pois geralmente todo comerciante, preocupado em vender suas
mercadorias, entende que seus empregados têm salário muito alto, ao mesmo tempo em que
exige mão de obra qualificada. Também asseveram ser muito alto o conjunto dos encargos
trabalhistas, assim como a carga tributária em geral, e em alguns casos reclamam da
concorrência das mercadorias do mercado negro e economia do crime. “O que distingue
65
sobretudo o possuidor de mercadorias desta última é que para ela cada outro corpo de
mercadoria conta apenas como forma de manifestação de seu próprio valor” (MARX, 1985,
p. 80).
Para o comerciante, sua mercadoria não tem nenhum valor de uso direto, o que
importa para ele é a troca de sua mercadoria por dinheiro. Mas, no processo de troca de
mercadorias que ocorre no comércio, a mercadoria tem de comprovar-se como valor de uso.
“Pois o trabalho humano, despendido em sua produção, conta somente na medida em que
seja despendido de forma útil para outros. Se o trabalho é útil para outros, somente sua troca
pode demonstrar” (idem).
Portanto, toda mercadoria já tem seu valor determinado pelo trabalho despendido em
sua produção, onde se a exploração da força de trabalho no setor produtivo. na
comercialização, o desejo de lucrar mais na revenda das mercadorias é que leva o comerciante
a visualizar o tributo e o empregado como fatores que diminuem seu ganho. As leis da
natureza das mercadorias atuam através do instinto natural dos seus possuidores” (idem).
Mas o comerciante necessita da força de trabalho empregada na comercialização, e este é um
convite à ampliação de formas disfarçadas de exploração do trabalho, e se não houvesse
restrições a ampliação seria levada a níveis insuportáveis pelo trabalhador.
Quando nós sindicalistas lutamos para aumentar a base salarial no comércio
o dono da loja Oriental Calçados, que tem várias lojas no estado de São
Paulo, reclamou que o salário do comerciário em Marília era muito alto,
acionando o Sindicato do Comércio Varejista para diminuí-lo. Eu expliquei
para ele, mostrando vários cálculos, que um escravo sairia mais caro do que
um trabalhador assalariado em qualquer ramo do comércio, pois um
trabalhador não consegue se manter com um salário de R$ 700,00, após os
descontos. Mostrei os números e perguntei a ele se preferia arcar com as
despesas do trabalhador, ao invés de pagar salário, e ele teve de concordar
comigo que levaria prejuízo. Além do mais, tem que sobrar alguma coisa,
senão, para quem ele vai vender calçados, se o salário da para manter o
trabalhador vivo? (Informação verbal)
44
.
Todo comerciante, seja organizado ou desorganizado, coloca todo tributo ou encargo
trabalhista, inclusive o INSS, embutido no preço das mercadorias, e repassa para o
consumidor, portanto, quem paga tudo é o conjunto de consumidores. A questão é que quando
o comerciante recebe o montante e está com o dinheiro nas mãos, acha que é muito para
repassar para o fisco, que o trabalhador não fez por merecer tanto, e quer tudo para ele.
44
Depoimento dado por Antonio Patrício de Barros, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores no
Comércio de Marília em entrevista por nós realizada no dia 31 de janeiro de 2008.
66
Acontece que o imposto é compulsório, e se assim não fosse ninguém pagaria. Então ele
ganha, mas não quer repassar a parte do governo e do trabalhador do comércio, mas, ao
mesmo tempo, este mesmo comerciante reclama quando os trabalhadores camelôs
comercializam mercadorias que não passam pelo crivo da tributação, e não geram emprego
com carteira registrada.
Vejamos os dados dos municípios em relação à Unidade de Federação (SP).
De acordo com os dados do CAGED havia até de janeiro de 2008 exatamente
1.625.146 empregos formais e 699.879 estabelecimentos comerciais na Unidade de
Federação (SP).
Quadro 3: Movimentação do Emprego no Comércio Varejista nos Município de Marília e
Presidente Prudente em Relação a Unidade Federal (SP).
MARÍLIA
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr)
Movimentação Município U. F. Município U. F. Município
U. F. Município
U. F.
Admissão 4.452
736.605
4.413 750.929
5.203 849.814
1.632 311.240
Desligamento 4.274
624.057
4.074 659.758
4.435 740.722
1.762 293.173
Variação
Absoluta
178
112.548
339 91.171
768 109.092
-130 18.067
P. PRUDENTE
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr)
Movimentação Município U. F. Município U. F. Município
U. F. Município
U. F.
Admissão 5.173
736.605 5.089
750.929
5.967
849.814
2.399
311.240
Desligamento 4.589
624.057
4.547
659.758
5.246
740.722
2.180
293.173
Variação
Absoluta
584
112.548
542
91.171
721 109.092
219
18.067
Fonte: CAGED, 2008.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues.
Como é perceptível, grande movimentação na relação admissão e desligamento em
toda a Unidade, mas a variação se mantém mais ou menos em um patamar de estabilidade, ou
seja, sempre mais admissões do que desligamento, o que reforça nossa percepção de que o
desemprego no comércio varejista não é o fator principal para o ingresso dos trabalhadores
nas atividades informais, e sim a rotatividade. Esta pode ser tanto dos que saem de um
estabelecimento comercial e migram para outro na economia formal, como dos que vão para a
informalidade temporariamente e depois retornam ao mercado formal de trabalho no comércio
67
varejista, não necessariamente com carteira registrada, mas também, possivelmente, como
trabalhador temporário.
É importante diferenciar o posicionamento político do Sindicato do Comércio
Varejista, como sindicato patronal, e do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Varejista, e
também do papel das Associações do Comércio e Indústria nos dois municípios por nós
estudados. Pois uma entidade corporativa que defende interesses comuns é formada
normalmente por pessoas que possuem objetivos parecidos, que em grande medida estão
associados às experiências de trabalho pregressas e também às perspectivas de futuro ou
projeções profissionais de cada indivíduo, ou seja, objetivos associados aos interesses de
classe, e é aqui que se estabelece a luta de classes, através da disputa por interesses
individuais e coletivos.
Apresentamos, no início do Capítulo I desta dissertação, o exemplo de um sindicalista
cujo relato demonstra que o fato de defender o interesse dos trabalhadores do comércio e o
seu entendimento das atividades desempenhadas por camelôs e sacoleiros está ligado à sua
antiga trajetória ocupacional, tanto no comércio formal como no informal, via Paraguai, e na
tentativa frustrada de transição de uma situação informal para a formal como lojista. Ou seja,
tentou saltar da condição de sacoleiro para dono de loja de bazar, buscando assim a
legalização, encontrou inúmeros obstáculos e, como não obteve êxito, retornou ao mercado
formal. Primeiramente como empregado e posteriormente se tornando sindicalista dos
comerciários, sempre sabendo que deixar de ser um sacoleiro, ou qualquer outro trabalhador
informal, para ser um comerciante formalizado, depende de muitos fatores além da vontade
própria, e um deles, talvez o principal, seja a posse de capital (capital inicial, capital de giro,
capital de reserva etc.).
Obviamente esta experiência, obtida através do seu trabalho e trajetória ocupacional
pregressa, tem forte influência na forma como ele entende o mundo do trabalho hoje e no seu
ponto de vista com relação ao comércio formal e informal, tanto que este sindicalista não
concorda que a mão de obra mal qualificada e o excesso de carga tributária sejam os
principais responsáveis pela diminuição de vagas no comércio formal e o conseqüente
aumento do número de atividades informais, a exemplo dos camelôs e empregados de
camelôs em Marília.
A mesma regra da experiência pregressa vale para os representantes do patronato na
figura do Sindicato do Comércio Varejista, pois a trajetória profissional que garante a
credibilidade para exercer a presidência ou diretoria do sindicato patronal é a mesma que
baliza o posicionamento político dos diretores e presidentes.
68
Vamos nos ater, por enquanto, ao caso particular do presidente do Sindicato do
Comércio Varejista de Marília, senhor Pedro Pavão. Informou-nos que sempre foi
comerciante e empresário, além de ter sido vereador uma vez e deputado federal por duas
vezes. Dessa forma, seu discurso patronal é fortemente influenciado por sua trajetória na
política e no ramo empresarial, entendendo que os problemas da conjuntura se resolvem
basicamente com políticas públicas e investimento em educação e qualificação da mão de
obra, não com discussão no sindicato, e sim nas centrais sindicais, nas federações,
confederações e no governo como um todo.
O comportamento extremamente individualista do comerciante torna a
organização da classe totalmente frágil. Você viu alguma vez a classe dos
comerciantes em Brasília, fazendo algum tipo de manifestação? Nunca viu e
nunca vai ver. Ele prefere pagar para alguém ir. Em reuniões aqui do
sindicato que é de interesse geral da classe, aparece três ou quatro gato
pingado, e se não estão nem ai com isso é porque não estão nem ai com
nada. O efeito mais maléfico da inércia do empresariado e do comerciante se
reflete na política, porque se eles não se interessam pela política, o pé-
rapado tem oportunidade. Eu digo isso porque hoje na Câmara dos
Vereadores de Marília de cada 10 vereadores apenas 3 são empresários, e um
pé rapado entra na política só para melhorar de vida, mas ele não tem
competência, ambição nem visão empresarial para elaborar projetos
(informação verbal)
45
.
Neste fragmento do relato do sindicalista evidencia-se a preocupação do patronato, da
importância da organização para obter poder e representatividade política. Essa organização
propiciará os instrumentos para o patronato exigir, ao mesmo tempo, diminuição da carga
tributária, dos encargos trabalhistas e a geração de mão de obra qualificada para atuar nas
empresas e no comércio. Tudo isso diminuiria a informalidade e o desemprego, que são
estes fatores os responsáveis pelo crescimento das atividades informais, segundo a visão do
representante do sindicato patronal.
No confronto entre patrão e empregado no comércio, que se manifesta na disputa entre
Sindicato do Comércio Varejista (patronal) e Sindicato dos Trabalhadores, comparece a
ambição do lucro, cuja noção dos limites geralmente se perde. É daí que surgem as estratégias
de exploração disfarçada do trabalhador, como a contratação de estagiários, extensão da
jornada e acordos ilegais, fazendo parecer para o trabalhador explorado no comércio formal
que, às vezes, é mais vantajoso atuar na informalidade, por conta própria ou mesmo como
45
Depoimento proferido pelo senhor Pedro Pavão presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Marília
20 anos (5 mandatos seguidos). O presidente afirmou que já ofereceu o cargo de presidente para vários
companheiros do sindicato e do comércio, mas ninguém aceitou. 30/01/2008.
69
empregado de camelô. E, para aqueles já estabilizados nas atividades informas, a permanência
na mesma, sem CGC ou CNPJ, torna-se uma estratégia lucrativa, que essa ilegalidade
dificulta o acesso de agentes do fisco da Receita Federal, passando, em muitos casos, a
explorar a força de trabalho de outros. Vide os inúmeros exemplos de camelôs que empregam
funcionários, sacoleiros que contratam laranjas, empresas de fundo de quintal com
funcionários etc.
O Pão de Açúcar teve uma época em que contratava o estagiário e colocava
para trabalhar sem registro, daí quase todo comerciante começou a fazer o
mesmo. Daí o Pão de Açúcar começou a fazer o estagiário entrar em um
determinado horário, fazer duas horas de intervalo depois voltar as 18 h e
ficar até as 22 h com um intervalo para o café. Neste intervalo de 2 h o
estagiário ficava parado esperando nos depósitos porque não compensava ir
embora e voltar. Mas, de acordo com a lei, a idéia do estágio é para
possibilitar que o jovem trabalhador possa estudar. Bom, da mesma forma
funciona a dupla jornada nas lanchonetes e restaurantes, onde o proprietário
prefere admitir os que estudam, seja garçom, barman ou ajudantes de
cozinha etc. Mas logo em seguida, ele exige que o funcionário entre as 9 h e
saia as 14 h e volte as 18 h sem horário fixo de saída, ou seja, até o último
cliente sair. Como você nos dois casos não para estudar (Informação
Verbal)
46
.
O entrevistado conclui seu raciocínio afirmando que o fato do camelódromo seguir
rigorosamente o horário comercial, acaba sendo mais favorável para alguém que precisa
concluir pelo menos o estudo elementar. Em muitos casos o horário de trabalho no
camelódromo é mais ‘humano’ do que em alguns ramos do comércio formal, que obrigam um
trabalhador a ficar 24 horas ligado ao trabalho, sem poder assumir outras responsabilidades.
Se o sindicalista estiver correto, isso explica em parte porque tantos jovens de ambos
os sexos, mas principalmente do sexo feminino, estão cada vez mais se tornando empregados
de camelôs. O entrevistado conclui de forma taxativa: “...não é somente o desemprego que
leva o trabalhador para a informalidade, é também a gana do patrão”. Não é também a
carga tributária, nem os encargos trabalhistas que impedem um comerciante de ser
formalizado nem obriga a prática da demissão, muito menos a falta de mão de obra
qualificada a responsável pela perda de vagas no comércio formal.
46
Depoimento proferido por Antonio Patrício Barros, vice-presidente do Sindicato do Trabalhadores no
Comércio de Marília em 01 de fevereiro de 2008.
70
Se o comerciário tiver tendência, com três semanas ele aprende a vender, e
daí vai ter os bons e os ruins, mas é assim em toda profissão. Como vai criar
curso de qualificação e requalificação para o comerciário se ele nunca foi e
nem é reconhecido como profissional, agora é que estão querendo
transformar o comerciário em profissão, mas nunca foi profissão. A
experiência de trabalhar como camelô ou empregado no camelódromo pode
servir para aprender a vender no comércio formal (idem).
Sabemos que o comércio é o cenário fundamental de realização da circulação das
mercadorias, onde o que sai do setor produtivo chega ao consumidor. “As mercadorias não
podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar a vista para [...]
os possuidores de mercadorias”. (MARX, 1985, p. 79). O comércio é a esfera de relações de
compra e venda de mercadorias, em que as relações de troca, levam a uma série de ajustes que
estabelecem o preço. Esta esfera é regida pela lógica concorrencial em que o alvo é o
consumidor, por isso o cliente ou freguês motiva a intensa disputa entre os comerciantes
diversos. “As pessoas aqui existem, reciprocamente, como representantes de mercadorias
e, por isso, como possuidores de mercadoria [...] nada mais são que personificações das
relações econômicas” (idem). Neste mesmo cenário existe o mercado negro, onde a venda de
mercadorias, são feitas às escondidas, à margem das normas de preço estabelecidas pelo
arcabouço de leis criadas para o comércio legalizado ao longo da própria evolução histórica
do mercado formal.
Portanto se estabelece, na esfera do comércio, uma disputa em três níveis. No primeiro
comparece a disputa entre comerciantes do próprio centro comercial. No segundo, há a
disputa entre o patronato, com seu representante na figura do Sindicato do Comércio, contra o
trabalhador do comércio ou comerciário, que vende a sua mercadoria (força de trabalho) e tem
como representante o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio. E no terceiro nível
comparecem as Associações Comerciais, também representantes do patronato mas sem a
preocupação com o embate entre patrão e empregado, que buscam criar mecanismos de
dinamização das vendas, fortalecimento do centro comercial do município e fortalecimento
político da classe patronal, e entram em confronto direto contra os agentes sociais que
executam as práticas de comércio clandestino e venda de produtos de contrabando.
A questão do regramento tributário, tanto no que se refere aos tributos que recaem
sobre as mercadorias como os encargos trabalhistas e impostos de uso do solo, sempre
permeou os discursos dos comerciantes e de seus representantes, atingidos pela concorrência
dos trabalhadores camelôs. A diferença fundamental é que no circuito de circulação das
mercadorias por nós estudado, com os camelôs realizando o papel de comerciantes
71
irregulares, não é possível repassar todos os gastos ou prejuízos para o consumidor final,
como faz o comerciante formal, devido à característica peculiar das mercadorias que circulam
no circuito da camelotagem.
3.2. Análise Preliminar da Movimentação do Emprego Formal na Construção Civil
Com base nos dados obtidos no projeto dos Indicadores Sindicais de Presidente
Prudente, podemos afirmar que até o início do ano de 2005 a informalidade do trabalho em
geral atingia diferencialmente cada um dos 38 sindicatos pesquisados
47
.
Podemos observar (Gráfico 2) que para doze sindicatos, o que corresponde a 36% dos
sindicatos pesquisados, excluindo os três que responderam em branco e dois que não sabem, a
informalidade atingia o sindicato de forma expressiva
48
(ANEXO 3). Para dez sindicatos
(30%) a informalidade era pequena, o que totaliza 66% dos sindicatos afirmando a presença
da informalidade, o que é um índice significativo em se tratando da estrutura sindical
brasileira, que a representação sindical está vinculada diretamente ao emprego com carteira
registrada, e neste universo de respostas estão contidas as categorias que mais empregam, ou
seja, a construção civil, indústria de alimentação, condutores, comércio etc. Do total de
inquiridos, onze sindicalistas responderam que não havia informalidade na categoria
representada, o que corresponde a 33%, mas neste caso não se trata de um número expressivo
devido à natureza da maioria das categorias em apreço.
47
Concluímos que este era o número de sindicatos de trabalhadores realmente existentes em Presidente
Prudente/SP, até o final do ano de 2003.
48
No ANEXO 3 encontram-se listados todos os sindicatos e as respectivas respostas dadas por seus
representantes para fins de esclarecer o entendimento da informalidade do trabalho com relação a cada categoria.
72
Fonte: Indicadores Sindicais de Presidente Prudente, 2004.
Para Gilberto Lúcio Zangiro Lami
49
, o número de trabalhadores da construção civil na
base em Presidente Prudente, no período de 1995 até 2003, período delimitado na época,
havia diminuído, assim como os trabalhadores filiados ao sindicato.
Na conjuntura nacional, no ano de 1994, desde o início do primeiro mandado do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso, sobretudo a partir do início do seu segundo mandato
em 1998 e daí até o ano de 2002, predominou, no Brasil, a estagnação e posterior diminuição
do número de empregos formais, inclusive na construção civil, ao mesmo tempo em que
houve gradativo aumento da informalidade como um todo.
A partir de 2002, no atual governo, passa a ser anunciado o investimento na criação de
empregos com carteira registrada e um dos setores alvo de investimento segundo o governo
foi justamente o da construção civil.
No entanto, no sindicato correlato do município de Marília, no ano de 2008, de acordo
com as informações dadas pelo senhor Carlos Ferreira Silva
50
, houve também diminuição de
trabalhadores na base e associados, assim como o aumento da informalidade, hoje atingindo
de forma intensa o sindicato e levando a diminuição do número de sindicalizados.
49
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção e Mobiliário do município de Presidente
Prudente (SINTRACOM) no ano de 2005.
50
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção e Mobiliário do município de Marília
(SINTRACOM) no ano de 2008.
73
Os números apresentados no (Quadro 4) confirmam o cenário negativo apresentado
pelos sindicalistas diante da pequena variação absoluta apresentada entre admissão e
demissão, sendo que em alguns anos foi maior o número de desligamentos do que de
admissões.
Quadro 4: Movimentação do Emprego na Construção Civil nos Municípios de Marília e
Presidente Prudente em Relação a Micro Região.
MARÍLIA
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr)
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
Admissão 925 1.230
995
1.263
1.537
1.745
545 682
Desligamento 962
1.205
884
1.177
1.248
1.456
460
625
Variação
absoluta
-37
25 111
86
289
289
85
57
P. PRUDENTE
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
Admissão 2.509 3.479
2.001
2.983
2.084
2.979
1.100
1.330
Desligamento 2.386
3.084
2.330
3.256
2.163
3.234
708 921
Variação
absoluta
123
395
-329
-273
-79
-255
392
409
Fonte: CAGED, 2008.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues.
De acordo com os dados do CAGED, a o dia de janeiro de 2008, existiam:
1.309 empregos formais na construção civil do município de Marília e 327 estabelecimentos;
1.552 empregos formais para a micro região de Marília e 449 estabelecimentos; 2.420
empregos formais na construção civil do município de Presidente Prudente e 662
estabelecimentos; 3.414 empregos formais na micro região de Presidente Prudente e 943
estabelecimentos.
74
Havia ao todo, para a mesma data na Unidade da Federação (SP), 397.498 empregos
formais e 46.749 estabelecimentos de construção civil. relativo equilíbrio na
movimentação do emprego formal na Unidade da Federação (SP), sem nenhum caso de
variação absoluta negativa conforme mostra o (Quadro 5).
Quadro 5: Movimentação do Emprego na Construção Civil do Município de Marília e
Presidente Prudente em Relação à Unidade Federal (SP).
MARÍLIA
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município U.F. Município U.F. Município
U.F. Município
U.F.
Admissão 925 264.175
995
283.764
1.537
353.069
545 157.096
Desligamento 962
237.874
884
260.697
1.248
287.143
460
116.590
Variação
absoluta
-37
26.301
111
23.067
289
65.926
85
40.506
P. PRUDENTE
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município U.F. Município U.F. Município
U.F. Município
U.F.
Admissão 2.386
264.175
2.330
260.697
2.163
287.143
708 116.590
Desligamento 2.509
237.874 2.001
283.764
2.084
353.069 1.100
157.096
Variação
absoluta
123
26.301
-329
23.067
-79
65.926
392
40.506
Fonte: CAGED, 2008.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues.
A seqüencia de variação absoluta positiva no país aponta que a variação absoluta
negativa nos municípios em apreço se deve a uma particularidade do próprio município ou da
micro região, quando é o caso. As explicações dadas no ano de 2005 pelo sindicalista em
Presidente Prudente e em 2008 em Marília foram semelhantes, ou seja, houve estagnação no
número de construções nos respectivos municípios, mas, em Marília, como agravante o
surgimento de um sindicato irregular na cidade de Tupã, cujo presidente, José Lopes Garcia,
sindicaliza trabalhadores da construção civil de forma irregular nas 12 cidades da base,
composta pelo grupo de cidades de Garça até Oswaldo Cruz, estas de acordo com a lei de
sindicalização pertencem ao SINTRACOM.
Esta é a percepção imediata dos respectivos sindicalistas: diante da diminuição de
obras, as empresas inscritas na economia formal começam a demitir, dessa forma os
trabalhadores buscam colocação em empresas menores e desorganizadas que contratam
75
trabalhadores da construção civil sem registro em carteira, ou tentam trabalhar para os
“gatos”, atravessadores, trabalhadores autônomos ou mesmo por conta própria.
A situação de desemprego ou instabilidade de emprego neste setor inibe o trabalhador
de denunciar os empregadores que contratam sem registro, inclusive em empresas maiores,
dificultando a ação do sindicato de acionar o Ministério do Trabalho para realizar a devida
fiscalização. Ponderamos que na categoria representada por estes sindicatos comparecem
também outras atividades conexas como fabricantes de lajes, blocos, terraplenagem,
carpintaria etc. No entanto, o aumento da informalidade é significativo apenas na construção
civil.
O trabalhador de uma determinada categoria, ao perder o emprego no mercado formal
de trabalho, provavelmente, se buscar uma vaga no mercado de trabalho informal, será em
uma área que tenha alguma afinidade com sua antiga atividade no mercado formal. Ou seja,
um pedreiro ao perder o emprego com carteira registrada provavelmente buscará trabalhar na
informalidade como pedreiro ou servente, um guarda ou vigilante provavelmente procura uma
vaga de segurança em festas ou boate etc. Neste sentido, os trabalhadores camelôs
provavelmente seriam procedentes de algum ramo do comércio. Mas estas suposições não são
rígidas, e atualmente as atividades informais de maneira geral apresentam cada vez mais um
universo de trabalhadores de diferentes procedências.
É muito difícil precisar a trajetória pregressa de um trabalhador informal, não somente
para um sindicato, mas também para os pesquisadores, diante das inúmeras possibilidades que
se apresentam. Por exemplo, se tomarmos como ponto de partida a categoria dos bancários
como uma das que mais sofreram os impactos das transformações ocorridas no mundo do
trabalho, principalmente nas duas últimas décadas devido à implantação de novas tecnologias
e ao enxugamento do número de trabalhadores nas agências bancárias, não é possível afirmar
com segurança para quais atividades informais os trabalhadores migraram, mas é possível
obter algumas pistas.
3.3. Análise Preliminar da Movimentação do Emprego Formal no Setor Bancário
No ano de 2005, o presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos
Bancários (SEEB) de Presidente Prudente, o senhor Edmilson Trevisan, afirmou que o
número de empregados diminuiu no período de 1995 até 2003, assim como o número de
76
associados do sindicato. Em período anterior havia 3000 trabalhadores bancários associados e
no ano de 2005 o numero estava reduzido a 1165, portanto houve uma diminuição
significativa de 61% no número de trabalhadores bancários.
De acordo com os dados do CAGED, até o dia de janeiro de 2008 existiam: 651
empregos formais no município de Marília nas instituições de crédito e 69 estabelecimentos;
851 empregos formais na micro região de Marília e 104 estabelecimentos; 1.065 empregos
formais em instituições de crédito, seguros e capitalização município de Presidente Prudente e
90 estabelecimentos; 1.578 empregos formais na micro região de Presidente Prudente e 186
estabelecimentos.
Quadro 6: Movimentação do Emprego nas Instituições de Crédito, Seguros e Capitalização de
Marília e Presidente Prudente em Relação à Micro Região.
MARÍLIA
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
51
Admissão 82
105
57
88 59 68 30
-
Desligamento 87 106
49 68 82
96 36 -
Variação
Absoluta
-5 -1 8 20 -23
-28
-6 -
P. PRUDENTE
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
Admissão 186
249 147
255 152
192
40
56
Desligamento 172
226
102
141
91
115
41
45
Variação
Absoluta
14 23
45
114
61 77
-1
11
Fonte: CAGED, 2008.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues.
51
Por motivos de problemas técnicos na página do CAGED não foi possível obter os dados da Micro Região de
janeiro a abril de 2008 para o município de Marília.
77
Na Unidade da Federação existia, até o dia 1 º de janeiro de 2008, 227.450 empregos
formais e 19.082 estabelecimentos.
Quadro 7: Movimentação do Emprego nas Instituições de Crédito, Seguros e Capitalização
de
Marília e Presidente Prudente em Relação à Unidade de Federação (SP).
MARÍLIA
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município U.F. Município U.F. Município
U.F. Município
U.F.
Admissão 82
52.279
57
40.059
59 36.958
30
15.124
Desligamento 87 38.804
49 26.167
82
26.050
36 11.996
Variação
absoluta
-5 13.475
8 13.892
-23
10.908
-6 3.128
P. PRUDENTE
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município U.F. Município U.F. Município
U.F. Município
U.F.
Admissão 186
52.279
147
40.059
152
36.958
40
15.124
Desligamento 172
38.804
102
26.167
91
26.050
41
11.996
Variação
absoluta
14 13.475
45
13.892
61 10.908
-1
3.128
Fonte: CAGED, 2008.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues.
No ano de 2008, no Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários
(SEEB) de Marília o seu presidente, senhor Edilson Julian, afirmou que houve de 1995 até
2007 uma diminuição de cerca de 50% no número de trabalhadores bancários e
conseqüentemente no de filiados, aproximadamente na mesma proporção.
O trabalhador bancário de acordo com o presidente Edilson é um trabalhador
qualificado, que tem escolaridade, sabe lidar minimamente com a tecnologia e com o público,
por isso quando perde o emprego na agência bancária, reúne condições de encontrar uma nova
colocação no mercado de trabalho com carteira registrada, porém com um salário reduzido.
Aquele trabalhador bancário que busca colocações informais geralmente vai trabalhar nas
financeiras ou cooperativas de créditos que estão se multiplicando rapidamente, sendo que
estes empregos geralmente são informais. também os bancários com maior tempo de
trabalho que ao perder o emprego utilizam o montante do dinheiro arrecadado com os direitos
trabalhistas e passa a atuar como agiota, o que corresponde a uma atividade informal.
No entanto, a informalidade do trabalho atinge o setor bancário de forma específica, se
pensarmos pelo viés dos empréstimos e financiamentos que o banco realiza para trabalhadores
78
com carteira registrada, assim como para os aposentados e pensionistas, ou micro e pequenos
empresários formais. Neste caso tanto os trabalhadores informais como comerciantes ilegais
são impossibilitados de realizar tais transações por não possuir comprovação de renda, renda
fixa ou emprego estável. Portanto, na medida em que a informalidade aumenta de forma
exorbitante, o público alvo do patronato bancário diminui, ao mesmo tempo aumentam as
práticas de fusão e contratação de estagiários e se acelera a política gestora patronal de exigir
do trabalhador bancário com emprego fixo a realização de várias atividades ao mesmo tempo,
inclusive como vendedor.
Neste sentido, a realização de greves por trabalhadores bancários em grande medida
perdeu a eficácia, que grande parte das transações pode ser realizada fora da agência em
caixas eletrônicos, via internet e pelo correio. A última greve significativa foi em 1995, houve
outra 2006 que durou apenas 2 dias, muito embora a exploração do trabalho seja cada vez
mais intensa.
Hoje em dia, quando um bancário não consegue atingir as metas, ele perde
o emprego, o patronato diz que não, mas nós do sindicato sabemos que
perde, assim como nós sabemos que a venda casada é proibida, mas se
tornou prática comum, como a pressão é muito grande o bancário tenta
emprego público, privado, ou um negócio por conta própria muitas vezes na
informalidade
52
.
São impostas metas de venda de produtos do banco como seguros, títulos de
capitalização, financiamentos etc. Para o bancário, a venda casada torna-se uma estratégia, em
que a concessão de um empréstimo, por exemplo, é atrelada à condição de compra de um
destes produtos pelo cliente. Caso haja reclamações por parte dos clientes o próprio bancário
vai formando um dossiê que irá pesar contra ele mesmo, podendo ser demitido por tentar
atrelar a venda de um produto a um serviço obrigatório. No entanto, o atrelamento é fruto de
toda a pressão que o bancário recebe para cumprir as metas de vendas, levando-o muitas
vezes, até exercer a atividade de vendedor fora do expediente de trabalho.
Outro ramo de atividades muito importante com relação à geração de empregos é a
indústria da alimentação, principalmente no município de Marília. Neste ponto, os números
apresentados pelo CAGED nos causam certo estranhamento, quando comparados aos
números referentes ao município de Presidente Prudente.
52
Depoimento dado pelo senhor Edilson Julian atual presidente do Sindicato dos Empregados em
Estabelecimentos Bancários de Marília, no dia 29 de maio de 2008.
79
3.4. Análise Preliminar da Movimentação do Emprego Formal na Indústria de
Alimentos
A bibliografia consultada aponta a indústria da alimentação como uma das principais
no município de Marília. Atualmente, o município de Marília destaca-se no segmento
industrial, principalmente com a produção de alimentos, abrigando empresas de grande porte
como: Marilan: Indústria e comércio de biscoitos, Xereta, Dori Produtos Alimentícios, Bel
Produtos Alimentícios e outras. Apesar da existência de empresas do ramo da alimentação
também no município de Presidente Prudente, uma primeira impressão aponta que ele é bem
menos expressivo. No entanto os números do CAGED, principalmente com relação às Micro
Regiões não apontam para esta diferença de forma muito acentuada (Quadro 8).
Quadro 8: Movimentação do Emprego na Indústria da Alimentação do Município de Marília e
Presidente Prudente em relação a Micro Região.
MARÍLIA
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
Admissão 1.964
2.235
1.813
2.105
1.753
2.050
938
1.055
Desligamento 1.302
1.637
1.529
1.764
1.590
1.880
551
659
Variação
absoluta
662 598
284
341 163 170
387
396
P. PRUDENTE
(jan/ dez) 2005 (jan/ dez) 2006 (jan/ dez) 2007 (jan/ abr) 2008
Movimentação Município Micro
Região
Município Micro
Região
Município
Micro
Região
Município
Micro
Região
Admissão 3.474
8.329
3.162
10.851
3.742
9.629
2.178
4.775
Desligamento 3.123
7.134
3.036
8.234
3.585
9.546
638
2.187
Variação
absoluta
351 1.195
126 2.617
157
83 1.540
2.588
Fonte: CAGED, 2008.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues.
De acordo com os dados do CAGED, até o dia de janeiro de 2008 existiam: 7.363
empregos formais no município de Marília nas Ind. de Produtos Alimentícios, Bebidas e
Álcool Etílico e 205 estabelecimentos; 8.151 empregos formais nas Ind. de Produtos
Alimentícios, Bebidas e Álcool Etílico na Micro Região de Marília e 329 estabelecimentos;
5.128 empregos formais na Ind. de Produtos Alimentícios, Bebidas e Álcool Etílico no
80
município de Presidente Prudente e 183 estabelecimentos; 15.616 empregos formais na Ind.
de Produtos Alimentícios, Bebidas e Álcool Etílico na Micro Região de Presidente Prudente e
456 estabelecimentos.
Como é possível observar, a Micro Região de Presidente Prudente, de acordo com
CAGED, apresenta o dobro do número de empregos formais apresentada para Marília e 127
estabelecimentos a mais em Presidente Prudente. Também a diferença de 2.235 empregos
formais a mais para o município de Marília em janeiro de 2008 parece não estar de acordo
com a diferença do mero de estabelecimentos, ou seja, 22 a menos para Presidente
Prudente. Na realidade esta diferença parece bem maior, pelo menos esta é a impressão que
temos, pois Marília parece ter um número de estabelecimentos e de empregos formais bem
maiores do que Presidente Prudente. Neste caso, estes dados serão mais bem analisados em
momento oportuno, após levantarmos dados de outras fontes oficiais como RAIS e IBCE e
outros.
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Alimentação em Marília houve
diminuição de filiados no período de 1995 a 2007, e isto seria devido ao aumento do
desemprego. O maior número de informalidade é entre empresas de pequeno porte,
principalmente padarias que abrem firma, mas até se estabilizarem realizam a contratação de
trabalhadores sem carteira registrada, como muitas vezes não conseguem tal estabilidade
fecham as portas e o trabalhador não recebe os direitos.
O último sindicalista por nós entrevistado foi o dos condutores autônomos do
município de Marília, mas não obtivemos os dados do CAGED para este ramo de atividades,
por isso não montamos um quadro tal qual os anteriores.
Este sindicato apresentou uma estrutura organizacional muito frágil e apresentou como
justificativa para a diminuição de filiados a concorrência de condutores de “moto-taxis”, além
da estagnação da população. Nos dois municípios os representantes desta categoria
demonstraram uma visão superficial do fenômeno que afeta a categoria que representam.
3.2. A Fragilidade do Movimento Sindical Diante da Informalidade do Trabalho
Em se tratando do conjunto de sindicatos pesquisados para a elaboração deste capítulo
3 da nossa dissertação, tanto no município de Marília como em Presidente Prudente, a
estratégia - quando existe - de enfrentamento defendida pelos sindicalistas não corresponde à
81
voracidade da investida do capital sobre o trabalho. Nossa pesquisa tem demonstrado que
cada vez mais o trabalhador, ao se lançar na seara da informalidade, acaba perdendo os
hábitos vinculados aos tradicionais mecanismos de formalização do trabalho, como carteira de
trabalho e contribuição previdenciária.
O próprio governo, que no ano de 2002 se elegeu sob a promessa de gerar 10.000.000
de empregos com carteira registrada, dois anos após eleito anunciava a criação de vagas no
setor informal como medida de combate ao desemprego. No ano de 2007, o governo
flexibilizou as formas de contribuição previdenciária para abarcar os trabalhadores informais,
num claro gesto de que a informalidade cada vez mais deixa de ser provisória e prolonga a sua
permanência. Ou, no limite, que o mundo do trabalho caminha ineludivelmente para a
informalidade.
De acordo com Carvalhal (2004), no geral, os sindicatos não lograram superar
dificuldades estruturais que os possibilitassem compreender a informalidade como
componente indissociável das estratégias de luta, pois isso reduz não numericamente sua
base de representação formal como, sobretudo, acaba afastando os trabalhadores informais
das possibilidades de incorporação às lutas gerais e específicas da categoria.
Vale destacar que as lideranças sindicais trazem contribuições importantes para o
nosso aprendizado, ao fornecer informações sobre as categorias específicas que representam.
No entanto, partimos da hipótese de que os sindicalistas por nós entrevistados não possuem
uma compreensão ampla e aprofundada acerca do debate da informalidade do trabalho, e sim
uma compreensão compartimentada, por isso, normalmente se referem apenas à
informalidade presente na categoria que representam.
De acordo com Santos (2007), mais da metade da classe que trabalha no Brasil
encontra-se na informalidade, de forma desorganizada e fragmentada, e essa característica
engessada do sindicalismo atual dificulta a representação de interesses comuns, devido ao não
exercício da consciência de classe. Em decorrência, o trabalhador antes inscrito na economia
formal, ao se inserir na informalidade, muitas vezes passa a se entender como patrão de si
mesmo e proprietário do próprio negócio, e para organizar estes trabalhadores nos moldes do
sindicalismo tradicional há, além dos obstáculos burocráticos, a característica de
individualismo típica das atividades informais.
Porém, mesmo diante de tantas transformações, os sindicalistas continuam presos ao
formato tradicional de representação de trabalhadores estáveis, possuindo também a
característica do imediatismo e dificuldade de pensar teoricamente.
82
Quando compareceu a reestruturação produtiva do capital, com novas
formas de gestão e regulação do processo produtivo, o mundo do trabalho
começou a apontar para o aumento das atividades informais. Na década de
1980 a informalidade começa a aumentar de forma significativa e a
discussão dos rebatimentos para o trabalho formal que deveria ser realizada
na esfera política foi transferida para a esfera sindical. Os sindicalistas que
deveriam realizar esta discussão ao longo da década de 1990, quando a
informalidade passou a tomar proporções exorbitantes, também não
realizaram a contento por estarem presos a preocupação de defender os
interesses dos trabalhadores estáveis, acuados pela investida do capital sobre
a organização sindical no formato clássico. A informalidade continuou
aumentando e tomou as dimensões que tem hoje (2004), ameaçando a
própria estrutura dos sindicatos. Além disso, grande parte dos representantes
do movimento sindical no Brasil padece da fragilidade de ser imediatistas
limitando a capacidade de realizar projeções de longo prazo, por motivos de
não valorizar devidamente a reflexão teórica. Mas, a princípio é possível
organizar os trabalhadores informais. A questão é quem irá organizar? Não
será, com certeza, este sindicalismo pelego, nem essa esquerda vendida que
temos hoje no Brasil (informação verbal)
53
.
Baseamo-nos ainda na afirmação de Thomaz Júnior et al (2004), de que o aumento da
informalidade atingiu pouco mais da metade do mercado de trabalho
54
. E também nas pistas
de Pochman que nos convida a fazer a seguinte reflexão: “Será que não está em questão
atualmente outro tipo de sindicato? Um sindicato de trabalhadores terceirizados, por
exemplo, não seria outra modalidade de sindicato que não é mais aquele cuja leitura estava
focada no sindicalismo de ofício? (informação verbal)
55
. O autor se refere às novas formas de
sindicalização surgidas recentemente, entre elas a sindicalização de trabalhadores
terceirizados.
Convergindo com a reflexão do autor, em todas as entrevistas formais e informais por
nós realizadas, no período de 2004 a 2008, tanto em Presidente Prudente como em Marília,
ficou evidente certa inércia dos sindicalistas com relação ao tema luta de classes. Por
exemplo, a discussão da informalidade não é prioridade na pauta de discussão dos
representantes sindicais, assim como a questão do contrabando, da pirataria e das tentativas de
formação de sindicatos de trabalhadores informais, que soa como absurda para a maioria dos
sindicalistas. No entanto, que o sindicato no formato clássico, que representa apenas
trabalhadores com estabilidade de emprego, não consegue chegar até as atividades informais,
53
Depoimento dado por Ariovaldo Oliveira dos Santos, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
por ocasião da V Jornada Sobre o Trabalho, organizada pelo CEGeT (Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho), realizada nos dias 09 a 10 de setembro de 2004 junto a FCT/UNESP/Presidente Prudente.
54
Cf . MATTOSO, 1999; POCHMAN & SINGER, 2000.
55
Depoimento dado pelo economista Márcio Pochman no dia 31 de março de 2008, durante a defesa da tese da
doutora Paula Marcelino sobre o processo de terceirização e seus impactos para o movimento sindical.
83
outras formas de organização destes trabalhadores começam a surgir, como as expressivas
formas de organização de trabalhadores camelôs sob a denominação “sindicato” de camelôs.
3.2.1 Formas Incipientes de Organização Política dos Camelôs
A necessidade de relacionar a camelotagem com os impactos da informalidade na
esfera sindical surgiu por ocasião de nossa iniciação científica, após constatar a primeira
iniciativa de criação de um “sindicato de camelôs” em Presidente Prudente, em dezembro de
2003. Assim que começamos a focar as possibilidades de organização política dos camelôs,
nos deparamos com um cenário de intenso individualismo, o qual nos despertou vários
questionamentos, tais como: quais os impactos da informalidade no movimento sindical? É
possível sindicalizar trabalhadores informais? É possível existir sindicato de camelôs?
No ano de 2005, havíamos entrevistado os representantes da Associação dos Camelôs
de Presidente Prudente e do “Sindicato de Camelôs de Presidente Prudente”. Na ocasião
destacamos em relatório de pesquisa e na Monografia de Bacharelado, as respectivas
diferenças de postura política quanto à forma de organização a ser adotada no camelódromo.
Posteriormente, diante do fracasso na implantação do “sindicato” em 2005, da
extinção da associação no ano de 2006 e da ausência dessas formas de organização no ano de
2007, tornou-se importante resgatar alguns trechos das entrevistas, para comparar com o
relativo sucesso alcançado pela iniciativa de criação de “sindicatos de camelôs” na cidade de
São Paulo, onde o idealizador do projeto do “sindicato de camelôs” de Presidente Prudente se
baseou e foi buscar apoio.
Por que comparar iniciativas de organização de associações e “sindicatos de camelôs”
em Presidente Prudente no interior do estado de São Paulo, com iniciativas semelhantes na
cidade de São Paulo, capital do estado?
Porque, em tese, mesmo tratando-se de realidades e contextos diferentes, o fenômeno
da camelotagem sobre qual nos debruçamos é fruto de múltiplas determinações que guardam
algumas semelhanças, e ao se territorializarem em diferentes lugares, calçadas, praças,
84
cidades, estados, países expressam os feitos do metabolismo do capital sobre o trabalho e
conseqüentemente da classe trabalhadora
56
.
Um meio de perceber algumas destas relações (diferenças e semelhanças) é a
articulação das escalas geográficas e através da Geografia do trabalho buscamos aprender a
analisar o tema a partir da categoria território. Qual a semelhança entre os camelôs da cidade
de São Paulo e os do interior? A necessidade de trabalhar, a comercialização de mercadorias
parecidas e a constante luta diária pela conquista e manutenção do território. Qual a diferença
entre eles? A diferença é unicamente de “método”, pois os camelôs da cidade de São Paulo
não defendem a criação de camelódromos padronizados como os existentes nos municípios de
Presidente Prudente e Marília.
No dia 20 de fevereiro de 2005 entrevistamos o vice-presidente da Associação dos
camelôs de Presidente Prudente, o senhor Athaíde Baraneck. À época, o mesmo nos afirmou
que a Associação estava ainda no começo e a iniciativa de sua criação foi tomada ainda no
ano de 2004, diante da total ilegalidade da associação anterior, sem registro e sem
reconhecimento oficial. Baraneck demonstrou muito entusiasmo com a nova associação que
contava com um estatuto elaborado pela própria Secretaria de Comércio e Serviços de
Presidente Prudente (SEDEEPP), um conselho fiscal com cinco integrantes, todos
trabalhadores do camelódromo, condição fundamental para pertencer a associação.
Antes tinha uma associação aqui, mas era uma confusão danada, agora não,
agora a associação possui um estatuto tudo direitinho, tem uma diretoria e
nosso objetivo é trazer melhorias para o shopping popular, o prefeito é nosso
amigo e o secretário está sempre aqui, é meu amigo, estou assim com ele
(próximo) e nosso diálogo é muito amigável. Nós levamos as propostas, ele
analisa e as providências são tomadas. Já conseguimos outro banheiro,
galeria de esgoto e estamos lutando por um estacionamento. Quando tem
desentendimento, eu vou até o box, converso com o boxista e entramos num
acordo. Dia desses, um camelô tinha retirado suas mercadorias do box e
colocado no chão para arrumar. Um operador de câmera da TV Fronteira
chegou e começou a filmar as coisas no chão, o camarada quis bater no rapaz
e quebrar a câmera dele. Eu fui lá e conversei com os dois e resolvi tudo sem
precisar de ninguém chamar a polícia. Por isso é importante a associação
para mediar as coisas, assim todos ganham. Hoje a associação es mais
consolidada e é legalizada (informação verbal)
57
.
56
Cf. Thomaz Júnior, 2007.
57
Depoimento dado por Athaíde Baraneck, vice-presidente da Associação dos camelôs de Presidente Prudente
por ocasião de nosso Trabalho de Campo realizado no dia 20 de fevereiro de 2005 ainda na Iniciação Científica.
85
Logo após a inauguração do camelódromo de Presidente Prudente em 1995, foi criada
pelos próprios camelôs a primeira associação, porém as denúncias de comercialização,
aluguel, posse de vários boxes por um mesmo camelô e a existência de boxes fechados,
motivaram o Poder Público Municipal à seguinte decisão: que os camelôs, por meio da
associação, dialogassem sobre seus interesses comuns junto aos representantes do Poder
Público, neste caso o secretário da Secretária de Comércio e Serviços de Presidente Prudente
(SEDEEPP).
Na mesma época, ao ser questionado sobre a aceitação do projeto da associação por
parte dos camelôs, o vice-presidente afirmou que foi positiva, e que apenas 10% dos camelôs
não concordaram com o projeto.
Achamos estranho, na ocasião, o fato de todos os integrantes da associação possuírem
um Box, justamente na parte do camelódromo onde intenso fluxo de consumidores, com
maiores possibilidades de vendas. Outro detalhe que chamou a atenção foi o próprio Poder
Público Municipal, por intermédio do seu secretário e da SEDEEP, ter elaborado o estatuto da
associação, por isso destacamos outro relato a seguir.
Na pesquisa de Iniciação Científica tomamos conhecimento da iniciativa de criação de
um “sindicato de camelôs” (ANEXO 4) e da intenção de obter uma área específica no centro
da cidade de Presidente Prudente
58
.
No ano de 2005, entrevistamos pela primeira vez o idealizador do “sindicato dos
camelôs” de Presidente Prudente. Na ocasião ele trabalhava somente na implantação do tal
projeto e se dizia motivado, por saber da existência de tais iniciativas na cidade de São Paulo,
com resultados positivos.
Mesmo que os camelôs paguem pelo alvará de licenciamento e o imposto de
uso do solo, para manter aberto seu box no camelódromo, isso não muda a
característica fundamental desse trabalhador estar utilizando um espaço
público, que é de uso comum, portanto aquilo não lhe pertence. Mas, o que
acontece é que o camelô após alguns anos estabelecido no camelódromo e
pagando o uso de solo e alvará, e amparado no fato de ter pago com seus
próprios recursos pelas melhorias feitas no box, ele pensa que tem o direito
de vender o box pelo valor que acha que vale. Além disso, o camelô se
acomoda e passa a entender que é dono do espaço que usa na praça, se
esquecendo que é de uso público comum e não lhe pertence, ou pelo menos
não para sempre e, para vender o box, a situação precisa passar por um edital
que será avaliado pela prefeitura, e o box será repassado para quem quiser
ingressar nesta atividade e provar que precisa. Mas, não é o que se vê.
58
Reportagem Local, “Associação dos Camelôs diz que não quer Expurgo” Jornal O Imparcial, Presidente
Prudente 02 de fev. 2003, caderno cidades p. 4B.
86
pessoas que vendem o pouco que tem e paga altos valores por um box, em
um espaço que pode a qualquer momento ser retirado deles, e todos os
recursos legais para isso (informação verbal)
59
.
O conteúdo desta entrevista, coletada em fevereiro de 2005, foi comprovado por nós
em janeiro de 2007, quando entrevistamos os líderes do “sindicato de camelôs” de São Paulo,
os quais afirmaram que existiram, realmente, as visitas do senhor Brito, tomando informações
sobre este tipo de organização.
A iniciativa de Brito de implantar o sindicato contava com o apoio, segundo ele, de
dois advogados especializados em direito trabalhista e tributário. Porém, coincidiu com o
período em que começaram a comparecer diariamente no noticiário local as denúncias sobre a
corretagem com os camelôs comercializando e alugando boxes no interior do camelódromo.
A criação da associação e do estatuto montado pelo Poder Público, no ano de 2005 não
inibiu a prática da corretagem no interior do camelódromo, por isso entendemos que este é um
dos fatores que motivaram sua extinção. Também questionamos o camelô (João) sobre a
associação, sendo que na oportunidade o mesmo afirmou que nunca participou e logo que
chegou não funcionava direito. Quando perguntamos sobre a possibilidade de criação de
um “sindicato de camelôs”, ele fez a seguinte afirmação:
Poderia adar certo, mas se fosse um negócio bem organizado, porque os
caras são burros. De vez em quando vinha aqui um advogado do tal
“sindicato de camelôs” pedindo pra gente se filiar, mas o cara queria que a
gente pagasse R$ 50,00 todo mês pra ele nos representar, e vinha com um
papo furado de legalizar as mercadorias, com nota fiscal. Meu amigo,
camelô não é burro, nós sabemos que essa porcaria é tudo ilegal, que não
tem nota, e no meu caso vendo filmes falsificados. Vai legalizar o que? Mas,
se a proposta dele fosse coisa de R$ 5,00 por camelô, olha quanta gente tem
aqui, daria certo todo mundo topava, poderia organizar isso aqui, olha quanta
gente vendendo a mesma coisa, e o que prejudica todo mundo é que tem
gente que vende 3 DVDs por R$ 10,00 e este é o preço para você lucrar, mas
tem outros que vendem 4 DVDs pelos mesmos R$ 10,00 tem outros em
baixo que vendem 5 pelo mesmo preço. Não pode ser assim, porque ele não
está ganhando nada, e atrapalha todo mundo. Com um sindicato ou uma
associação dava para por normas nem que tivesse que expulsar gente daqui.
Também não pode eu pagar R$ 10.000,00 pelo meu boxe e ficar gente do
lado de fora do camelódromo vendendo a mesma coisa que eu vendo aqui
dentro. Tem que expulsar concorda? (informação verbal)
60
.
59
Depoimento dado por Antônio de Brito Neto, no dia 21 de fevereiro de 2005. Este foi o idealizador do projeto
de criação do Sindicato dos Prestamistas e Camelôs do Oeste do Estado de São Paulo (SIMPRECOESP).
60
Idem. 30/07/2007.
87
O entendimento do camelô João da necessidade de expulsar o camelô que não tem
boxe e trabalha nas imediações do camelódromo ilustra as tramas e contradições existentes
nesta atividade. Ou seja, enquanto resistiam em permanecer nas ruas e calçadas compondo o
cenário de embates contra a polícia, fiscais, lojistas legalizados e Poder Público Municipal,
existia uma relativa união, todos levantavam a bandeira do direito de trabalhar. No entanto,
após algum tempo, instalados no camelódromo, considerando o caso em questão, esses
camelôs com ponto fixo tem dificuldades para aceitar o camelô avulso ou ambulante como
semelhante. O que constatamos é o oposto, o avulso é entendido como inimigo ou
concorrente, devendo ser expulso.
Destacamos também a existência de camelôs que possuem mais de um boxe com uso
de funcionários em relação de assalariamento. Os empregados de proprietários de boxes no
camelódromo geralmente são jovens que encontram dificuldades de encontrar o primeiro
emprego ou pessoas egressas de algum setor do mercado formal de trabalho. Nossa pesquisa
aponta que a maioria está entre os 18 e 20 anos de idade e entendem o emprego no
camelódromo como temporário, até conseguirem outro com carteira registrada. Nestes casos,
tanto o proprietário do boxe quanto o funcionário não contribuem com a previdência social.
Ponderamos que esta realidade não está circunscrita apenas a cidade de Presidente
Prudente (SP), mas também a Marília (SP), nos bairros do Brás e Santa Efigênia na cidade de
São Paulo, Ciudad del Este e Pedro Juan Caballero (Paraguai), e em todos os lugares por onde
passamos e encontramos camelôs por ocasião de nossas viagens para participação em eventos
científicos
61
.
Em Presidente Prudente, a dificuldade para a organização política dos camelôs foi
devido ao desinteresse pela proposta do “sindicalista”. Nenhum camelô concordou com as
sugestões, ou seja, pagar “contribuição sindical”, mudar para a antiga área de expurgo de
sementes, próximo à rodoviária de Presidente Prudente, comprar apenas no mercado nacional,
61
Por ocasião de nossa participação no II Encontro Regional do Trabalho, Educação e Formação Humana,
realizado em Fortaleza (CE) no mês de junho de 2007, pudemos visitar as áreas centrais onde se concentra o
comércio informal e nos chamou a atenção a existência de um camelódromo com boxes padronizados, muito
parecido com o de Presidente Prudente e Marília (SP). A diferença é que enquanto estes possuem 240 e 180
boxes respectivamente, aquele contém 2030 e mais algumas centenas de camelôs espalhados pelas ruas e praças
públicas. Na cidade de Belém (PA) em nossa viajem para a participação na SBPC em julho de 2007, percebemos
a mesma realidade. Mas, nesta cidade em particular os camelôs estavam nas ruas e calçadas e não em
camelódromos e praças. Pois, em Belém, as praças centrais são estritamente reservadas para a venda de diversos
artesanatos e para apresentações culturais devido à importância dada ao turismo como fator econômico, sendo
expressamente proibida a existência de trabalhadores camelôs.
88
vender com nota, comprar e pagar com boleto bancário e exigir nota etc
62
. E, por fim, houve
dificuldade em convencer os camelôs de que não se pode confiar inteiramente na concessão
feita pelo prefeito, à quem muitos camelôs se dirigem como o “nosso pai”, desconsiderando,
no dizer de Brito, que o prefeito muda no fim do mandato. Para o idealizador do projeto de
“sindicato”, estar em uma praça pública é um risco constante que impede o investimento na
atividade. Neste caso, a solução encontrada por ele foi propor a construção de um “shoping
popular” na chamada área de expurgo, que foi reivindicada junto à prefeitura.
Os camelôs de Presidente Prudente nem cogitam a possibilidade de saírem da Praça da
Bandeira, onde hoje está localizado o camelódromo. Desta forma, a idéia do suposto
sindicalista é vista como absurda. com relação à implantação da associação, os camelôs se
interessaram, até porque as propostas eram de interesse imediato de todos, no caso a
construção de uma galeria de esgoto e outro banheiro público.
Com relação à idéia de reivindicação de uma nova área junto à prefeitura de Presidente
Prudente, defendida pelo idealizador do tal sindicato, existe consenso entre os camelôs de que
deve ficar tudo como está, como nos afirmaram os 25 camelôs entrevistados no ano de 2005 e
os outros 30 camelôs entrevistados no ano de 2007. O prefeito é visto como um “pai”, porque
permite que os camelôs trabalhem na praça pública. Vale destacar que o projeto de construção
da associação não previa cobrança de nenhum tipo de contribuição nem posse de sede fixa, ao
contrário do “sindicato de camelôs”, e o resultado final é que hoje não nenhuma das duas
formas de organização.
O problema é que se não se organizarem para defender o boxe ou o camelódromo,
provavelmente, com o passar do tempo, o camelôs dos dois municípios em apreço perderão
seu ponto fixo de vendas como território conquistado, pois um território além de conquistado
deve ser mantido, mediante disputas territoriais contínuas, além do mais todas as mercadorias
minimamente lucrativas são ilegais, mesmo as permitidas podem ser consideradas ilegais
devido à má qualidade, e se retirar de circulação as ilegais sobra pouco a ser comercializado,
o que aumenta ainda mais a concorrência entre camelôs vendendo itens do mesmo tipo. Dessa
62
Estas medidas eram possíveis no entendimento do suposto sindicalista e constavam no seu projeto, porém a
nova área era fundamental, pois em sua opinião não era possível investir na atividade estando em uma praça
pública que poderia ser retirada do controle dos camelôs mediante a troca de prefeitos ou por pressão tanto do
Sindicato do Comércio Varejista, como da Secretaria do Planejamento Urbano. No entanto todos os camelôs
entendiam que a proposta era para sair da praça considerando isso uma loucura que não deveria nem mesmo ser
comentado tamanho era o apego que um camelô tem pelo seu boxe. Brito destacava a segurança da área de
expurgo por ser tratar de um prédio que deverá ser tombado como patrimônio histórico, dessa forma deixa de
estar totalmente sobre a tutela do prefeito em escala local ficando sobre responsabilidade do governo federal.
89
forma, os camelôs devem enfrentar vários adversários em potencial, sendo o principal deles
atualmente as Associações Comerciais.
3.2.2. O Papel das Associações Comerciais Contra os Camelôs
Nos dois municípios, Marília e Presidente Prudente, as Associações Comerciais se
fortaleceram como representantes dos interesses do patronato, no lastro do enfraquecimento
dos Sindicatos do Comércio Varejista. Se nos referirmos diretamente aos trabalhadores
camelôs, quando ainda se encontravam nas ruas e calçadas, no caso particular de Presidente
Prudente, o sindicato atingido diretamente e que tomou medidas no sentido de retirar os
camelôs das ruas e calçadas foi o Sindicato do Comércio Varejista. Durante toda a década de
1990, este sindicato foi um dos principais agentes nos conflitos que envolviam os até então
denominados vendedores ambulantes, posteriormente chamados camelôs. Foi também o
principal responsável pelas pressões sobre o Poder Público Municipal de Presidente Prudente,
que na busca da mediação e do consenso, tentou realocar os camelôs em diferentes locais até
finalmente, em 1995, serem estabelecidos onde hoje se encontram, na Praça da Bandeira.
No município de Marília ocorreu o oposto, da primeira metade da década de 1990 até
os dias atuais, período de formação do camelódromo, o Sindicato do Comércio Varejista de
Marília nunca teve papel relevante nos embates contra os camelôs, ficando esta função
relegada à Associação Comercial e Industrial de Marília.
As Associações Comerciais, quando bem administradas, podem surtir efeitos
consideráveis no comércio de um município, e ao mesmo tempo que obtém resultados
positivos conseguem mais associados, conseqüentemente mais recursos financeiros, maior
representatividade e poder político.
As Associações Comerciais são entidades formalizadas, reconhecidas e incentivadas
pelo Poder Público e pela iniciativa privada e na medida em que se fortalecem politicamente
recebem cada vez mais apoio em diferentes instâncias, sob a justificativa de representarem os
interesses de uma classe que supostamente mais gera empregos formais, contribui com a
maior parte dos impostos arrecadados, sendo responsáveis por fortalecer o município trazendo
inúmeros benefícios, no entendimento dos seus respectivos representantes.
Como se sabe, nenhuma destas características se encontra no circuito da camelotagem.
Aqui não é gerado emprego com carteira registrada, as mercadorias não são tributadas e o
90
imposto do uso do solo geralmente é simbólico. Este conjunto de diferenças leva os
representantes do patronato a enxergar os trabalhadores camelôs como um inimigo a ser
exterminado, ainda que não enxergue a gama de atividades conexas que compõem o circuito
de circulação das mercadorias dando suporte à espacialização dos camelôs na área comercial
de um município.
Portanto, ser camelô para a associação é ser oportunista ou concorrente desleal, não
importando se um ou outro comerciante se solidarize com a situação de um camelô ou
ambulante, pois o que é levado em conta é o posicionamento de seu representante legal,
enquanto entidade. Neste caso, mesmo quando os camelôs estão localizados em um local
autorizado pelo Poder Público, não se encontram isentos de pressão política, e por isso
buscam formas de se organizar e resistir nos seus pontos de venda.
A Associação do Comércio e Indústria de Marília (ACIM) é um exemplo, tanto de
modelo de associação comercial eficiente, como de uma entidade que exerce forte pressão
política junto ao Poder Público e outros órgãos competentes, no sentido de extinguir os
trabalhadores camelôs e ambulantes. “Nós simplesmente ignoramos o vendedor ambulante e
não reconhecemos os camelôs e nem o camelódromo” (Informação verbal)
63
. A associação
não reconhece atividades informais e entende os camelôs como agentes que se apropriam de
forma ilegal do espaço.
Que benefício o camelódromo traz para o município com relação ao
pagamento de impostos? Nenhum. O que um camelódromo apresenta em
termos de qualidade de vida? Nada. Quais as chances de você ser roubado,
enganado ou sofrer um acidente num camelódromo? São muitas. Se houver
um incêndio no camelódromo quais as chances dos consumidores escaparem
ilesos? Poucas. Ai eu sei que você vai dizer que eu tenho um discurso
patronal e que eles dependem daquela atividade para sobreviver e etc.
Balela! Isto é conversa fiada. Porque qual a lucratividade que um camelô
têm ao vender 5 DVDs por R$ 10,00? Ele não lucra nada. O que eu quero
que você entenda, e esse é o papel da associação, é que quando um
comerciante legalizado vende ou aluga DVDs ou CDs, muitos ganham, tem
direitos autorais, então o artista ganha, quem “queima” o CD ganha, quem
imprime a capa ganha, o compositor ou autor também ganha. Mas, no outro
caso somente um ganha. E quem é? O camelô? Não. Quem ganha é somente
o espertinho que comprou ou alugou uma matriz e multiplicou fazendo
centenas de cópias (informação verbal)
64
.
63
Depoimento dado por Marcio Medeiros assessor de imprensa da ACIM no dia 31/01/2008.
64
Idem.
91
A ACIM utiliza a seguinte estratégia de combate aos camelôs e ambulantes da cidade
de Marília. Primeiro ela parte do princípio de que todos podem trabalhar dentro dos tramites
legais. Não podemos admitir a hipótese de que um comerciante abandona o setor formal
porque não consegue arcar com a carga tributária, além disso, o Super Simples vai de
encontro a essa justificativa, e foi criado justamente para acabar com essa desculpa
(Informação verbal)
65
. Em seguida, exerce pressão política junto ao Poder Público Municipal
e outros órgãos competentes (Receita Federal, Polícia Federal, Civil e Militar, Serasa,
PROCON, e representantes de marcas) através do Conselho Comunitário de Segurança
(Conseg).
Com essa estratégia, toda notícia que comparece nos jornais do município de Marília
sempre se referem ao Conseg exigindo a retirada de vendedores ambulantes ou sugerindo
medidas de repressão aos camelôs, preservando o nome da Associação Comercial, que
alguns comerciantes, a imprensa e os consumidores em geral se solidarizam com os camelôs e
ambulantes diante do argumento do trabalho como necessidade vital.
O “produto”, em forma de serviços prestados, que a ACIM oferece aos comerciantes,
possui um slogan, e é o balizador do marketing representado em uma sigla formada por três
letras (P. P. P.) que representam Promoção, Proteção e Política, sendo que a pressão contra os
camelôs e ambulantes se refere à terceira letra P, de política, já que, grosso modo, seu
discurso patronal enfatiza a concorrência e rentabilidade comercial. Neste caso, a segunda
letra (P) de proteção se refere à defesa do comerciante contra a inadimplência, calote, golpe e
tentativa de extorsão. A primeira letra (P) de promoção se refere à propaganda e o marketing.
A promoção do comércio não se refere necessariamente a estabelecimentos comerciais
individuais, mas sim no sentido de divulgar o município de Marília como um importante pólo
comercial regional, que centraliza o comércio e tem grande poder de atração de capitais. Mas
essas características são também atrativas para os comerciantes informais das cidades
vizinhas, estas não possuidoras da mesma dinâmica comercial e poder de geração de
empregos.
Segundo Tomé (2003), é esta mesma característica de centralidade comercial regional
que faz, contraditoriamente, do município de Marília um depositário de trabalhadores
expulsos do mercado formal de trabalho que buscam na informalidade dar respostas rápidas à
situação de desemprego.
Percebe-se que a ACIM desenvolve seu trabalho dentro dos marcos do sistema de
65
Idem.
92
circulação das mercadorias regido pela lógica concorrencial, tanto entre comerciantes como
entre regiões de comércio concorrentes e por não reconhecer a atividade dos camelôs, são
poucas as discussões no interior da Associação sobre o tema da informalidade, contrabando e
pirataria. Mas, de acordo com o entrevistado Marcio Medeiros, basta se reunir um grupo de
quatro ou cinco comerciantes que as reclamações sobre a concorrência de produtos,
principalmente provenientes da China, que entram no Brasil com baixo preço, comparecem.
Presenciamos a mesma situação na ACIPP, no município de Presidente Prudente, onde
reuniões com debates fervorosos (ANEXO 5) por parte de comerciantes exigindo a
presença contínua da fiscalização no camelódromo e nos pontos de venda que se multiplicam
na área comercial.
Por isso, a situação do presidente da Associação do Comércio e Indústria de Presidente
Prudente é bem mais complicada, pois os comerciantes associam a contribuição feita à
Associação Comercial de Presidente Prudente a uma contrapartida por parte da instituição em
forma de pressão junto ao Poder Público Municipal, no sentido de proibir a venda de produtos
clandestinos no camelódromo. Mas uma série de fatores que vão desde a situação geográfica
do município, a dinâmica econômica e poder de geração de emprego, o papel de centralidade
regional do município, a política paternalista e populista da prefeitura junto aos camelôs e,
também, o poder político limitado da Associação Comercial junto ao Poder Público
dificultam uma atuação mais enérgica da associação contra os camelôs.
Em suma, um fator importante para a notoriedade e importância da ACIM foi acolher
as constantes reclamações dos comerciantes com relação à existência de muitos ambulantes
nas ruas comerciais do município de Marília e também dos camelôs no camelódromo. A
mesma situação presenciamos em Presidente Prudente, o que nos obriga a entender que nestes
dois municípios, atualmente, as associações comerciais são os principais adversários políticos
dos camelôs.
A atuação da ACIM atingiu um patamar de representatividade e influência política tão
grande no ano de 2008, que conseguiu forçar o Poder Público Municipal sempre através do
Conseg - a implantar o que ficou denominado como quadrilátero comercial e os bolsões de
comércio. Trata-se de um quadrilátero dentro da área comercial no centro da cidade, onde é
expressamente proibida a existência de ambulantes ou camelôs. Os bolsões de comércio são a
saída encontrada pelo Poder Público, através do setor de postura fiscal, implantando bolsões
em locais periféricos ao centro comercial onde um ambulante ou camelô pode se instalar e
comercializar suas mercadorias durante três dias, em seguida ele é retirado, evitando a
configuração de um ponto fixo. Todas estas providências foram tomadas antes da Associação
93
tomar a iniciativa de propor a construção do calçadão híbrido, projeto que visa estreitar o
tamanho das principais ruas comerciais a uma medida suficiente para passar apenas um carro
de passeio, reformando, enfeitando e alargando o tamanho das duas calçadas. As obras estão
em andamento no ano de 2008.
Esta medida é aparentemente arriscada no caso dos camelôs e vendedores ambulantes
voltarem a instalar barracas nas calçadas, nos moldes do que ocorreu na cidade de São Paulo
na rua Santa Efigênia e na rua 25 de Março, onde o Poder Público permitiu a instalação de
barracas padronizadas com título de permissão de uso a pedido do Sindicato de Camelôs
(SINPESP). A mesma política era apregoada pelo Sindicato dos Camelôs do Brás
(SINDICISP) de forma muito mais radical, porém sem resultado até o momento. Esta é uma
possibilidade remota nas cidades médias, onde o número de camelôs e ambulantes se mantém
em um patamar relativamente estável, no entanto, percebemos cada vez mais a intenção dos
trabalhadores camelôs de permanecer nestas e buscar formas de organização para exigir do
Poder Público o reconhecimento e regularização desta atividade.
Tudo isto cria um cenário sinistro com possibilidades de futuros embates nos dois
municípios. No entanto, o jogo de forças se estabelece em diferentes escalas, uma associação
em escala local age no sentido de obrigar a repressão aos camelôs que atuam numa ponta do
circuito de circulação de mercadorias. Porém, o tema da informalidade, pirataria e
contrabando é discutido de forma mais sistemática, na Confederação das Associações
Comerciais do Brasil (Cacb) e na Federação das Associações Comerciais do Estado de São
Paulo (Facesp) nas conferências nacionais e estaduais, respectivamente.
Uma associação comercial, ao oferecer seus serviços, deve incentivar o comerciante
associado a acreditar em duas possibilidades, ainda que remotas. Uma se baseia na promissa
de que a pressão junto ao Poder Público irá, algum dia, coibir de vez a concorrência do
comércio ilegal, do contrabando e da pirataria. A outra é que o comerciante deve resistir e
manter a estrutura de seu negócio funcionando, e para animar o comerciante mais pessimista
são apresentadas idéias inovadoras de gestão do próprio negócio, pois cada comerciante que
abandona seu ramo de atuação significa um contribuinte a menos para a associação.
Por isso, ao oferecer seu “produto” aos comerciantes em forma de prestação de
serviços do tipo proteção, promoção e política, não deve transparecer que em alguns
momentos a própria associação não acredita nas possibilidades por ela propostas. Por
exemplo, como dizer a um dono de lojas de CD, ou de vídeo locadora, que vale a pena
continuar com seu comércio e que a concorrência da pirataria e contrabando vai desaparecer.
94
Isto parece bem improvável, mas não para a associação que precisa vender seu produto. Como
dizia Marx em
Economia Política e Filosofia.
Todo produto é uma isca com a qual se quer atrair o ser de outrem, seu
dinheiro; Toda necessidade real e possível é uma fraqueza que trará a mosca
para a rede [...] todo infortúnio constitui uma ocasião de abordar
amavelmente, o vizinho e dizer-lhe: Caro amigo, dou-te aquilo que precisas;
mas conheces a condição: Sabes com que tinta deve escrever o ato pelo qual
tu te vendes a mim [...] (pg. 49).
Um exemplo pode ser percebido a partir do Programa “Empreenderdesenvolvido
pelo Serviço de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e pela Federação das
Associações Comercias do Estado de São Paulo (Facesp). Esta é a menina dos olhos da
maioria das associações de comércio e indústria atualmente. Outra novidade é a criação do
sistema de arrecadação denominado Simples Nacional
66
e popularizado como Super Simples.
O Programa Empreender, por exemplo, foi um projeto desenvolvido por instituições
empreendedoras, com o apoio do governo alemão, através da HWK Câmara de Artes e
Ofícios de Munique e Alta Baviera, a partir de 1991. Em 1999, o Sebrae Nacional e a
Confederação das Associações Comerciais do Brasil (Cacb), iniciaram a implantação piloto
do projeto Empreender em diversos estados brasileiros
67
. Aqui é importante destacar que tanto
para o Sebrae, Cacb, ACIP e o Sindicato do Comércio Varejista, neste caso somente o
sindicato patronal, o motivo principal da existência de atividades informais hoje no Brasil se
deve a ausência de mão de obra qualificada e falta de preparo do empreendedor.
Neste sentido, ser empreendedor também significa estar inscrito no setor formal. O
grande problema é que no mesmo comércio, do mesmo município, convivem os comerciantes
formais e informais com o mesmo objetivo, o de vender mercadorias. Mas as mercadorias
comercializadas por estes diferentes comerciantes possuem características diferenciadas
principalmente com relação à qualidade e o preço.
Também diferenciadas são as posições na esfera social de um comerciante formal, que
pode ser uma grande rede de comércio, um médio comerciante ou um pequeno comerciante,
todos interessantes para a associação. Enquanto um camelô não somente não interessa para a
associação ou sindicato como é visto como um concorrente a ser exterminado no jogo
66
O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido previsto na lei
complementar 123, de 14/12/2006, aplicável às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, a partir de
01/07/2007. (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, p. 6, 2007).
67
Estas informações nos foram fornecidas via correio eletrônico por Marcio Medeiros E-mail:
redação@medeiros.jor.br; jornalista e assessor de imprensa da Associação do Comércio e Indústria de Marília
através da empresa Eficaz Comunicação Empresarial Ltda – ME www.medeiros.jor.br em 14/04/2008.
95
comercial. E como agravante a própria natureza da mercadoria comercializada por um camelô
dificulta sua formalização ainda que haja uma intenção neste sentido. A única semelhança é
que toda mercadoria é fruto da exploração da força de trabalho e move tanto comerciantes
atacadistas como contrabandistas.
Dessa forma, como as ações do Estado imitam os movimentos da investida do capital,
no sentido de fazer circular todas as mercadorias produzidas, não fazendo distinção da
característica de precariedade da atividade realizada pelo trabalhador, tão pouco considerando
as delimitações institucionais de legalidade ou a ilegalidade das mercadorias, e sim buscando
a taxação das mesmas, os trabalhadores tentam se organizar de formas improvisadas, para
continuar movimentando o circuito de circulação das mercadorias.
3.2.3. O Papel dos “Sindicatos de Camelôs” Enquanto Forma de Resistência
A existência de um “sindicato” de camelôs depende da sua proximidade ao local onde
os camelôs estão estabelecidos, pois é nas proximidades que será fixada sua sede, propiciando
o trabalho constante de corpo a corpo junto aos representados. O discurso político dos
representantes de camelôs não é patronal nem é de trabalhador, é uma miscelânea dos dois
discursos, hora se aproxima de um “comerciante” dono do próprio negócio hora de um
trabalhador precarizado. Parece tratar-se mais de um discurso novo, para uma categoria nova
que está prestes a se consolidar, mas que pode desaparecer e por isso carece de uma nova
forma de representação.
Conhecemos dois casos significativos de sindicatos de camelôs, um na rua Santa
Efigênia em São Paulo e outro no Brás. Os dois buscavam a legalização com estratégias de
luta diferente, mas nos dois casos existe a dependência dos camelôs se estabelecerem em um
ponto fixo e no mesmo local, a tentativa de quebrar essa regra é a que faz surgir um sindicato
de camelôs e é a mesma que faz com que ele desapareça.
O episódio da “máfia dos fiscais” representa bem o que estamos afirmando. Trata-se
do escândalo que fez emergir uma rede de extorsão que operava através da cobrança de
propinas dos camelôs na cidade de São Paulo, por parte dos fiscais das administrações
regionais paulistanas. Na verdade haviam denúncias sobre a suposta máfia desde o ano de
1996, porém o escândalo somente recebeu a devida atenção dos meios de comunicação
posteriormente, a partir de disputas territoriais no sentido de confrontação e conflitos.
96
Geralmente em um esquema desse tipo o envolvimento de personagens públicos
como políticos e funcionários públicos, que se valem de cobrança de propina, corrupção e
intimidação por meios violentos. O esquema da máfia dos fiscais a que nos referimos baseou-
se em extorquir dinheiro regularmente de pessoas que não estão totalmente amparadas pelos
trâmites legais.
Nossa pesquisa aponta que os camelôs tornam-se alvo de cobrança de propina devido
ao caráter de irregularidade
68
da atividade que executam, do ponto de vista da sua
espacialização, seja nos pontos fixos ou mesmo no trajeto de compra das mercadorias. A
execução de sua atividade geralmente está no limite da legalidade, dando margem à prática da
corrupção em escala local, sem oferecer alternativas legais de reivindicação, restando
também, como única opção, a prática da resistência apelativa, inclusive rebeliões, greve de
fome e outras.
A forma encontrada pelos camelôs estabelecidos na Praça do Largo da Concórdia, no
bairro do Brás na cidade de São Paulo, em 1998, para chamar a atenção da opinião pública foi
fotografada na ocasião e as fotos estavam na revista do SINDICISP, que nos foi cedida pelo
então presidente Afonso José da Silva, no mês de janeiro de 2007, por ocasião de nosso
Trabalho de Campo realizado na cidade de São Paulo. Constatamos a veracidade destas fotos,
sob o pretexto de se tratar de uma montagem ou de sensacionalismo por parte dos camelôs.
Perguntamos sobre a veracidade dos acontecimentos para representantes de camelôs com
posicionamentos opostos, verificamos em jornais e pesquisamos na internet, o que nos deu
segurança de utilizar a fotografia com a certeza de que tal greve realmente ocorreu conforme
fotografada na época.
68
A atividade realizada pelos camelôs é legalizada, porém é irregular e esta irregularidade se dá principalmente
pelo não pagamento de impostos e pela comercialização de mercadorias contrabandeadas. mercadorias que
não são alvo de fiscalização, como brinquedos roupas bonés e outros. outras que chamam mais a atenção da
fiscalização nos pontos fixos como filmes piratas, cigarros e CDs, no entanto como as ações do Poder Público
através da polícia são mecânicas, não discriminação de mercadorias, por isso muitas vezes todos os camelôs
são reprimidos independente da mercadoria que comercializam.
97
As (Figuras 13 e 14) não são de nossa autoria, mas as utilizamos porque retratam as
formas de manifestação, como a greve de fome realizada por camelôs na cidade de São Paulo,
por ocasião do episódio da “Máfia dos Fiscais”.
Figura 13: Camelôs em Greve de Fome na Cidade de São Paulo, 1998.
Fonte: Revista do SINDICISP
69
, 2004.
Entre o chefe do esquema de extorsão que ditava a política e o nível operacional de
homens que executavam suas ordens havia camadas, ou amortecedores para que nada pudesse
ser atribuído ao chefe a menos que um dos elos da corrente fizesse uma denúncia.
De acordo com Chaia; Teixeira (1999), a primeira vez que a imprensa noticiou a
extorsão realizada por fiscais da prefeitura paulistana foi no ano de 1996, no bairro da
Freguesia do Ó, após verificar rápida proliferação do comércio clandestino. No ano de 1997,
houve uma série de reportagens na imprensa escrita e falada, mas sem repercussão na mídia, o
que fazia com que o delito se tornasse cada vez mais grave. Os fiscais além de cobrarem
propina para que um camelô pudesse trabalhar em um ponto fixo, aumentavam
constantemente o preço “leiloando” os pontos que ofereciam maior possibilidade de vendas.
Em suma, o camelô que pagasse mais ficaria com o ponto do outro mesmo que aquele
também estivesse pagando a propina.
A miopia política da mídia ficou patente ao não relacionar esses delitos entre as
denúncias e a crise existente entre o prefeito Celso Pitta e sua bancada de vereadores, cuja
69
Revista do SINDICISP, v. 1, n. 1, mar., 2004.
98
prática política do executivo consistia em cooptar a Câmara Municipal, distribuindo
Administrações Regionais aos vereadores situacionistas (CHAIA; TEIXEIRA, 1999). A
(Figura 14) ilustra um repórter entrevistando os camelôs em greve de fome no momento em
que a mídia ainda tratava o assunto de forma acrítica, somente em busca de noticias.
Figura 14: Repórter Entrevistando Camelôs em Greve de Fome, São Paulo, 1998.
Fonte: Revista do SINDICISP, 2004.
Segundo Chaia; Teixeira (1999), após as primeiras prisões ficou evidente que existia
uma ampla rede de cumplicidade envolvendo desde fiscais de órgãos do primeiro escalão da
administração pública a vereadores. Como haviam muitos vereadores envolvidos entendeu-se
que era necessário o Legislativo investigar os fatos, subsidiando um pedido de instalação de
CPI amplamente apoiada pela mídia e pela oposição, mas a mesma foi barrada por 29 a 24
votos em 23 de fevereiro 1999. Porém, a mídia momentaneamente deixou de lado a
concorrência pelas notícias e elaborou um pesado esquema de ataque em conjunto aos
vereadores contrários a instauração da CPI, publicando a fotografia de todos os vereadores
que votaram contra e o respectivo telefone de seus gabinetes incentivando a população a
entrar em contato exigindo esclarecimentos.
Em pesquisa no site “Observatório Último Segundo
70
em março de 2007,
confirmamos que um novo pedido de CPI foi encaminhado e os vereadores assustados com a
repercussão negativa de suas decisões anteriores, aprovaram por unanimidade a votação da
70
Disponível em <www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/pb200399> Acesso em 15/03/2007
99
mesma em 03 de março de 1999. Tal esquema de cobrança de propina abarcou o período de
01 de janeiro de 1993 a 31 de dezembro de 1999.
Existiam ao todo 20 formas diferentes de cobrança de propina. O funcionamento da
“máquina” era mantido pela Administração Regional da Sé, controlada pelo então vereador
Hanna Garib e o Sindicato dos Permissionários. Na sede do sindicato eram obtidas licenças
frias para que os ambulantes atuassem clandestinamente
71
.
Resgatamos esse episódio envolvendo trabalhadores camelôs na cidade de São Paulo,
com o objetivo de explicar a existência dos “sindicatos de camelôs”, já que o tema do
crescimento da informalidade é abordado em nossa pesquisa, devido ao impacto sobre as
formas tradicionais/formais de trabalho (relações de trabalho propriamente) e
conseqüentemente na organização da classe trabalhadora no formato clássico de sindicatos de
trabalhadores formais.
A nova realidade do trabalho e suas múltiplas faces, a fragmentação de atividades
laborativas, as práticas de terceirização etc, levaram a pulverização de modalidades de
sindicatos menos expressivos, com o propósito de tentar no máximo dar algum tipo de
assistência ao trabalhador para quem as dificuldades concorrenciais são imensas.
Os sindicatos de camelôs parecem seguir uma lógica parecida, sendo que suas ações
não possuem traços do que se entende como luta de classe, ou luta contra o capital, mas sim a
simples manutenção de um ponto fixo, a tentativa de buscar reconhecimento legal enquanto
atividade e como sindicato. Seus idealizadores têm plena clareza das dificuldades burocráticas
de tal legalização, também conhecem e visualizam o seu adversário político, que são as
associações comerciais, também enxergam no Poder Público o único agente social relevante
que pode estabelecer os limites de estabelecimento dos pontos fixos, os termos de permissão
de uso do solo e o caminho de realização dos trâmites legais que levará o pedido de
legalização do sindicato até ao Ministério do Trabalho onde finalmente será expedida a carta
sindical, o principal documento de legalização de um sindicato.
71
Os ambulantes eram obrigados a pagar propina se quisessem trabalhar na Ladeira General Osório, nas Ruas 15
de Novembro, Quintino Bocaiúva, José Bonifácio, Direita, do Tesouro, Álvares Penteado, 3 de Dezembro, São
Bento, 25 de Março, Santa Efigênia e nas Praças da Sé, da Bandeira, do Correio e no Largo São Francisco. Eram
pagamentos mensais de R$ 150,00 a R$ 200,00 para quem possuía barraca e de R$ 30,00 a R$ 50,00 para os
ambulantes com "tabuleiros" [...] até cigarros apreendidos pelos fiscais voltavam ao mercado para serem
revendidos nos tabuleiros [...] Além de Garib, foram acusados de improbidade administrativa o presidente da
Associação dos Comerciantes do Brás, Whebe Youssef Dawalibi, (Jô). Estas informações foram retiradas do site
consciência em 15 de março de 2007.
100
3.2.4. Os “Sindicatos” de Camelôs em Busca de Representatividade e Legalidade
Nos meses de dezembro de 2006 e janeiro de 2007, no município de São Paulo,
visitamos e entrevistamos dois representantes de sindicatos de camelôs, o Sindicato dos
Camelôs Independentes de São Paulo (SINDICISP
72
), e o Sindicato dos Permissionários em
Pontos Fixos nas Vias e Logradouros Públicos do Município de São Paulo (SINPESP
73
).
A intenção de montar sindicatos de camelôs é antiga e encontramos algumas
referências a este tipo de iniciativa em pesquisas sobre camelôs.
Os conflitos ocorridos entre camelôs, fiscais da prefeitura e comerciantes,
deram, enfim, a criação dos sindicatos dos camelôs, no período da gestão da
Prefeita Luiza Erundina. Apesar de que quase um terço dos camelôs
entrevistados nunca foi filiado ao sindicato, no entanto, é significativo que
um quarto deles seja filiado ao sindicato [...] Quanto a ação sindical, os dois
principais sindicatos existentes no bairro do Brás, são o Sindicato dos
Camelôs e o Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal [...] as
pessoas inseridas em um dos dois sindicatos pagam uma taxa mensal de dez
reais. (SANCHES, 1997, p. 78).
Sanches (1997) constatou em sua pesquisa que o antigo Sindicato dos Camelôs era
filiado à CUT e constituído de oitocentos filiados, somente no bairro do Brás. A proposta
apresentada por este sindicato como meio de ordenamento da atividade dos camelôs baseava-
se nos seguintes aspectos:
a) legalizar a atividade dos trabalhadores de rua diante da prefeitura, tornando-a uma
ocupação incluída na economia formal,
b) verificar o número exato dos camelôs existentes no Brás e organizá-los a cada cinco metros
de distância, distribuindo-os por algumas ruas do bairro (no total o bairro possuía 56 ruas),
c) privilegiar os camelôs mais antigos nos pontos com maior fluxo de consumidores
estipulando apenas uma barraca por pessoa.
No entanto, os dois sindicatos por nós entrevistados em 2007, dez anos após, não eram
os mesmos entrevistados por Patrícia Sanches em 1997. Por exemplo, o SINDICISP estava
72
Na ocasião de nossa entrevista, o SINDICISP ficava localizado à Rua Brigadeiro Machado, 309; Brás São
Paulo, e foi fundado em 16 de agosto de 1999 e era filiado à Força Sindical, hoje não se encontra mais no mesmo
local.
73
O SINPESP tem sede própria na Avenida Prestes Maia, 241/Praça Pedro Lessa 110, 18º andar, sala 1813,
CEP: 01032-001, São Paulo, sem filiação com centrais sindicais. Ao ser questionado sobre a filiação do
sindicato, o tesoureiro Heros Gomes nos afirmou que o SINPESP é uma agremiação confederativa ligada a
Confederação do Comércio Brasileiro.
101
filiado a Força Sindical e seu presidente Afonso José da Silva considerava a CUT uma
instituição fechada e de difícil diálogo.
Afonso José da Silva (Afonso Camelô) foi o personagem central do episódio da
“máfia dos fiscais”, idealizador e protagonista da greve de fome, autor das primeiras
denúncias e tima de atentado a tiros devido às mesmas. Posteriormente se tornou presidente
do (SINDICISP) e na ocasião de nossa entrevista afirmou que o “sindicato” contava com um
número de filiados que oscilava entre 10.000 e 12.000 filiados, considerando os camelôs que
aderem e os que abandonam tal agremiação. A taxa de contribuição era por meio de um carnê
e o valor estava fixado em R$ 40,00 no ano de 2007.
Os motivos históricos e geográficos que proporcionaram a existência do SINDICISP
como fruto do episódio da “máfia dos fiscais” pode ser explicado em parte, por sua antiga
localização na Praça do Brás no Largo da Concórdia, antes de serem expulsos (Figura 15).
Figura 15: Camelôs Instalados na Praça do Largo da Concórdia
Fonte: Revista do SINDICISP, 2004.
No Bairro do Brás instalou-se até o final da década de 1990 uma complexa estrutura
de comércio ambulante, voltado para a grande quantidade de pedestres, com barracas de
camelôs ocupando não somente a Praça na foto, mas também massivamente várias ruas nas
mediações do Largo da Concórdia.
102
Quando entrevistamos os representantes dos “sindicatos” de camelôs em dezembro de
2007, os trabalhadores camelôs não se encontravam mais no local representado na (Figura
15) e sim nas calçadas de várias ruas próximas do mesmo local. Os camelôs foram expulsos e
a Praça foi restaurada. O sindicato instalou sua sede na Rua Brigadeiro Machado por estar
próxima das mediações onde os camelôs se encontravam naquele momento.
O principal argumento para um sindicato desta natureza se estabelecer é a promessa
junto aos camelôs de ajudar a conquistar e manter seu ponto fixo de venda das mercadorias. O
“sindicato” de camelôs se apresenta junto às entidades consideradas rivais dos camelôs
(Associação Viva Centro, Sindicato do Comércio Varejista, Associações Comerciais) com
propostas de ajudar o Poder Público estipular regras mínimas de organização espacial das
barracas, entre elas comparecem:
a) A padronização de um espaço de 10 a 15 metros entre cada barraca;
b) Colocação de lonas com uma cor padrão e com o símbolo do estado de São Paulo;
c) Colocação de propagandas de parcerias impressas nas lonas das barracas.
Geralmente um “sindicato” de camelôs não se compromete a ser responsável pela
recuperação de mercadorias apreendidas pela fiscalização, caso estas sejam piratas ou
falsificadas, mas existe um entendimento de que mercadorias legalizadas, cuja
comercialização é permitida. Neste caso, se houver apreensão indevida o “sindicato” pode
recorrer com seus advogados junto ao Poder Público ou Receita Federal tentando recuperar as
mercadorias apreendidas.
Mas percebemos que a intenção catalisadora da ação dos representantes de camelôs na
cidade de São Paulo é a defesa do ponto fixo de comercialização das mercadorias. Este é um
dos motivos do posicionamento radicalmente contrário a construção de camelódromos, por
motivos de conhecerem a intensa concorrência e conseqüentemente o individualismo que este
tipo de organização espacial proporciona, ao juntar em um mesmo local, um grande número
de trabalhadores comercializando mercadorias parecidas.
Como o “sindicato” se estabelece sobre a promessa de ajudar a manter o ponto fixo do
camelô, convencendo-os a pagar a contribuição “sindical” estipulada, tal promessa se torna o
seu calcanhar-de-aquiles, deixando-o em condição de vulnerabilidade no embate contra os
representantes dos comerciantes legalizados.
Em um cenário de constante conflito, os representantes dos lojistas fazem enorme
pressão para que os camelôs sejam retirados das calçadas. Ao mesmo tempo o “sindicato” de
camelôs vai realizando um trabalho em diferentes frentes, busca aumentar o número de
103
filiados para arrecadar mais dinheiro, busca convencer o Poder Público a deixar instalar
barracas de forma mais ordenada nas calçadas onde os camelôs se encontram e ao mesmo
tempo correm atrás de uma possível legalização do próprio “sindicato”.
É notório que é uma empreitada de grande monta, mesmo assim não podem contar
com a compreensão dos agentes sociais relevantes, pois no entendimento geral, são apenas
trabalhadores informais oportunistas querendo representar camelôs, sendo estes também
trabalhadores informais, muitas vezes entendidos como pessoas que se apropriam de forma
ilegal do espaço público e ainda revendem mercadorias clandestinas. Neste sentido, quando
sob pressão dos representantes do comércio formal, o Poder Público resolve trocar os camelôs
de lugar, o “sindicato” de camelôs acaba tendo certo prestígio ao lutar para ajudar os camelôs
a continuarem no ponto de venda onde estão. Mas, em casos extremos, com a força da polícia,
quando as autoridades tomam decisões radicais expulsando de forma truculenta os camelôs de
um determinado lugar, sem oferecer alternativas de escolha de outro local, e sem margem
para resistência, obviamente, os camelôs vão se espalhar e se estabelecer em diversos pontos e
alguns migram para outras atividades informais.
Quando isto ocorre, o “sindicato” de camelôs está acabado, pois não conseguiu
cumprir a promessa feita anteriormente de ajudar o camelô a manter o ponto fixo.
Conseqüentemente fica sem filiados e não consegue manter a estrutura construída, a sede, os
funcionários, o veículo, os advogados etc. Será preciso esperar um número significativo de
camelôs se estabelecerem novamente em outro local, localizar nas proximidades uma nova
sede, e recomeçar todo o trabalho, e ao se adaptar a nova realidade não pode perder de vista
que outra ação de mesma intensidade do Poder Público poderá por tudo a perder novamente.
O caso recente do SINDICISP exemplifica bem o que estamos tentando demonstrar.
Foi o sindicato de camelôs mais combativo e com a melhor estrutura de 2004 até 2007, com
um papel de resistência reconhecido até mesmo pelo sindicato rival chamado SINPESP. Mas,
logo que começou a representar desconforto para as autoridades, após reunir vários camelôs
para fazer manifestações públicas, inclusive em frente à casa do atual prefeito da cidade de
São Paulo, houve represálias e os camelôs foram expulsos das mediações do Largo da
Concórdia onde estavam no início de 2007.
Esta decisão do Poder Público obrigou os camelôs a se espalhar e com isso deixar de
dar credibilidade aos seus representantes, inclusive acusando as lideranças de abusarem das
manifestações públicas e pressões contra as autoridades locais. O resultado foi uma parcial
extinção do “sindicato” no ano de 2008, e ainda que alguns de seus representantes afirmem
que a agremiação em si não acabou eles não possuem mais a antiga sede e também não
104
conseguiram nenhum documento oficial de legalização, além de perderem praticamente todos
os filiados com pontos fixos. Ou seja, os camelôs que antes possuíam barracas passaram a
atuar com panos ou tabuleiros, para possibilitar a fuga mais rápida caso a polícia apareça nos
atuais locais provisórios, sendo esta situação de instabilidade não propícia para a formação e
manutenção de um “sindicato” de camelôs. Pois, como afirmamos anteriormente, o
“sindicato” de camelôs deve defender o ponto fixo.
Atualmente os camelôs do Brás estão localizados em diversos pontos, mas não fixos,
ou seja, prevalece a atmosfera de insegurança na qual a polícia pode aparecer e expulsá-los.
Os motivos que levaram os camelôs escolherem essas ruas é o grande fluxo de consumidores
tradicionais que compram produtos dos comerciantes legalizados, mas, principalmente a
proximidade com o local onde se encontra a Feirinha da Madrugada (Figura 16), sendo esta a
grande responsável pela intensa movimentação de possíveis compradores de todo Brasil e até
de estrangeiros.
Figura 16: Feirinha da Madrugada no Brás SP
Fonte: Google Earth, 09 de junho de 2008.
105
O local representado na Figura 16 é uma ilustração de tal sistema de circulação de
mercadorias. Na vista aérea, possibilitada pela foto de satélite, é possível observar os ônibus
que viajam de diversos lugares do Brasil até a Feirinha da Madrugada e as barracas que a
compõem. No entanto, a (Figura 16) não representa com fidelidade o intenso fluxo de
veículos e pessoas, que circulam no local, principalmente nos meses mais propícios para o
comércio (dias das crianças, dia dos namorados, natal, ano novo etc.) quando a movimentação
é muito mais intensa e, no nosso entendimento, a tendência é o aumento das viagens de
compra a São Paulo, devido à intensificação da fiscalização na Ponte da Amizade, após a
inauguração da nova Aduana brasileira, afugentando os camelôs e sacoleiros que antes se
dirigiam a Ciudad Del Este (PY) e que agora, cada vez mais buscam a Rua 25 de Março e o
Brás para realização de suas compras.
A Feirinha da Madrugada forma um complexo centro de compra de mercadorias,
principalmente roupas, para consumidores diversos, o horário de funcionamento é a partir da
duas horas da madrugada e cada vez mais vem atraindo camelôs e sacoleiros de diversos
pontos do Brasil. Sua importância como centro de compras é também, por estar nas
proximidades da estação Brás/Roosevelt, um dos principais nós de articulação entre os
sistemas de transporte da cidade e de circulação da região, baseado nos grandes eixos radiais
leste e sudeste, onde se sobrepõem o trem, o metrô e as grandes avenidas (do Estado e Radial
Leste).
Lembramos que um “sindicato” de camelôs, mesmo sendo expressivo como em São
Paulo, aparentemente possui apenas uma “figura política” que a “figura jurídica” de um
sindicato nos moldes tradicionais está ancorada em um arcabouço teórico que o define
enquanto uma agremiação que defende interesses comuns de trabalhadores com carteira de
trabalho registrada.
De acordo com a representante do SINPESP, Josefa Viana Nogueira Araujo, um
“sindicato” de camelôs quando é permitido pelo Poder Público pode representar apenas
camelôs que possuem o termo de permissão de uso do solo (TPU). No caso dos comerciantes
da Feirinha da Madrugada, existe um alvará de funcionamento e todos atuam como
comerciantes autônomos, sendo que alguns possuem CNPJ, neste caso, não podem ser
representados nem sindicalizados por um “sindicato” de camelôs, tudo isso faz com que a
situação dos vendedores da feirinha fique indefinida, pois, muitos buscam o “sindicato” de
camelôs para se filiar e não conseguem, pois não são camelôs, mas também não podem se
filiar as Associações Comerciais e nem ao Sindicato do Comércio Varejista, como
comerciantes formalizados, ficando totalmente desorganizados e sem representação nenhuma.
106
Após se espalhar por várias ruas pelo bairro do Brás e ficar em locais indefinidos, os
camelôs passaram aos poucos a privilegiar algumas ruas, e até o mês de maio de 2008, se
encontravam principalmente na Rua Oriente, na Rua Maria Marcolina e na Avenida Rangel
Pestana (Figura 17).
Figura 17: Croqui das Ruas do Brás Onde se Encontrava os Camelôs em Maio de 2008
Fonte: Google Maps, 2008. Org. Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
A cor amarela representa a Avenida do Estado, a parte listrada de cinza é o local onde
se encontra o complexo da Feirinha da Madrugada (ver foto de satélite na Figura 16), a cor
azul cian representa a Rua Oriente, principal local onde os camelôs se instalaram
provisoriamente no ano de 2008 por tratar-se de uma rua muito movimentada com grandes
lojas do comércio varejista e atacadista nas duas calçadas e por fazer a ligação com a Feirinha
da Madrugada. A cor vermelha se refere à Rua Maria Marcolina, também muito movimentada
com lojas nas duas calçadas, rua esta que atraiu os camelôs principalmente por cruzar a Rua
Oriente, ser próxima das mediações da Feirinha da Madrugada e ao mesmo tempo fazer a
ligação com a Avenida Rangel Pestana, de cor marrom, que liga todo o fluxo de consumidores
a Estação Brás Roosevelt (parte listrada de cor verde).
107
A referência ao termo sindicato para uma atividade informal, ou “sindicato” de
camelôs, aparentemente seria uso inadequado do termo. Ou seja, é possível organizá-los, mas
não em sindicatos e sim em associações. Porém os diferentes “sindicalistas” na capital e no
interior insistem na utilização do termo sindicato e em nosso entendimento, a partir do
cruzamento de algumas informações obtidas em campo, tal insistência possui um motivo de
cunho político estratégico, que o termo sindicato ainda remete a lutas e reivindicação de
direitos de trabalho e esta é a caracterização que os idealizadores deste tipo de agremiação
desejam, conforme ilustra a (Figura 18).
Figura 18: Manifestação Pública do SINDICISP na Cidade de São Paulo, 2003
Fonte: Revista do SINDICISP, 2004.
Quando questionamos os deres de camelôs tanto em São Paulo como em Presidente
Prudente sobre este ponto confuso (como montar um sindicato de trabalhadores informais, se
um sindicato, pelo que se entende, defende interesses de trabalhadores formais, ou seja, com
carteira registrada?) obtivemos as explicações que seguem nos extratos a seguir.
Porque um sindicato e não uma associação? Pode ser associação, o que não
pode é o Poder Público montar uma associação e seu estatuto para os
camelôs. Isto tem que passar por uma votação democrática, tem que sair no
Diário Oficial, se não for assim pode montar, mas não dura, ela acaba. E o
sindicato foi possível montar a partir do momento que a atividade de camelô
deixou de ser ilegal e passou a ser legal apesar da irregularidade. Veja você
108
que ilegalidade é diferente de irregularidade. Uma coisa pode ler legal e
irregular ao mesmo tempo. Os camelôs são legalizados, podem atuar nos
seus pontos de venda, mas a atividade está irregular, por isso propomos a
regularização (informação verbal)
74
.
O líder do SINDICISP, Afonso, fez questão de deixar claro que lutar pela
regularização se trata de organizar a disposição das barracas com normas estabelecidas. Mas
isto não inclui lutar pelas mercadorias vendidas pelos camelôs. Diante da venda de
mercadorias com procedência duvidosa encontrada em grande quantidade entre estes
comerciantes informais, o líder afirma que se um sindicato ou qualquer outra forma de
organização defender a pirataria estará cometendo crime e com certeza será desfeito pelas
autoridades.
Ainda com relação à legalidade/ilegalidade do sindicato segue o extrato a seguir.
Em 1991 a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a lei 11.039 que foi
vetada pela então prefeita Luiza Erundina porque discriminava os
nordestinos, mas este veto foi derrubado no legislativo. A partir do momento
que foi criada essa lei a atividade dos camelôs deixou de ser ilegal e sendo
uma atividade legal pode ser organizada em sindicato, desde que sejam
seguidas as regras. O problema é que todas as iniciativas tomadas com
relação aos ambulantes sempre tiveram caráter paternalista. Veja que esta lei
defende o deficiente físico, mas quem depende dessa atividade não são
somente os deficientes físicos, muitos dependem (informação verbal)
75
.
Também de acordo com o informe do SINPESP, de junho de 2006, a Lei 11.039 de 23
de agosto de 1991, foi a primeira lei a disciplinar o comércio ambulante. A mesma visava
proteger principalmente os interesses das pessoas portadoras de deficiências físicas. Depois
veio a Lei 11.111 de 31 de outubro de 1991 em seguida a Lei 11.124 de 26 de novembro de
1991, e o Decreto 42.600 de 11 de novembro de 2002. É o art. do Decreto 42.600/02 que
versa sobre a regulamentação das áreas de atuação dos ambulantes e como estas foram
distribuídas.
Todas as leis acima estão ancoradas na constituição federal. Nas cidades médias,
onde o fenômeno da espacialização dos camelôs se tornou expressivo, levando o Poder
Público Municipal de cada cidade a tomar medidas com relação aos trabalhadores camelôs,
74
Depoimento dado por Afonso José da Silva líder do SINDICISP em Trabalho de Campo realizado em janeiro
de 2007.
75
Idem.
109
foram feitas na escala do município os devidos ajustes nas leis, seja por emenda ou por
decreto. Mas, na interpretação de todos os idealizadores de “sindicatos de camelôs” por nós
entrevistados a pretexto dos obstáculos legais e burocráticos encontrados para estruturar um
“sindicato” de camelôs, independente da importância quantitativa dos trabalhadores que
atuam na informalidade, o direito ao trabalho e a dignidade é constitucional, sendo assim seja
qual for a lei em qualquer lugar no Brasil, terá que assegurar o direito destes trabalhadores
garantirem minimamente o sustento de suas famílias, neste sentido cabe aos camelôs e outros
trabalhadores informais se organizar e lutar por estes direitos, diante da dificuldade de acesso
ao trabalho formal.
Na aplicação dos questionários junto aos camelôs de Presidente Prudente, nas
entrevistas realizadas no camelódromo de Marília e nas entrevistas realizadas junto aos
camelôs e deres de camelôs em São Paulo, ficou evidente que a maioria não considera mais
a possibilidade de retornar ao mercado de trabalho formal como empregado, com exceção
daqueles que são empregados de camelôs. Estes admitem estar nesta atividade
temporariamente até encontrar um emprego com carteira registrada. Mesmo assim, em
Presidente Prudente e Marília empregados de camelôs que começaram com a intenção de
ficar temporariamente até achar colocação no mercado formal de trabalho, mas por motivos
maiores permaneceram na informalidade.
Não podemos desconsiderar também a existência de camelôs que atuam no ramo
muito tempo e apesar de associarem o ingresso na atividade à falta de opção no mercado
formal de trabalho, fica caracterizado que optaram por permanecer na informalidade. É o caso
do próprio idealizador do SINDICISP, que afirmou que atua como camelô há vinte anos.
No início da década de 1990, a criação de um “sindicato de camelôs” talvez
representasse apenas uma atitude ingênua ou oportunista de alguns supostos representantes
sindicais. Mas a dimensão da informalidade atual e o crescimento do número de camelôs,
articulado as outras franjas de atividades informais, fez com que até mesmo os sindicatos do
trabalho formal, que antes pouco discutia sobre a questão da informalidade, passassem a
considerar a necessidade de organizar os trabalhadores informais (Exemplo da Força Sindical
aceitar a filiação do SINDICISP), apesar do embasamento legal não estar claramente previsto
na constituição.
Parece ser este o pensamento dos idealizadores de sindicatos de camelôs. Diante das
dúvidas com relação ao arcabouço da legislação vigente permitir ou não a organização
política dos trabalhadores camelôs em sindicatos, eles partem do princípio de que é necessário
mudar as leis já que não se consegue gerar emprego no setor formal.
110
Grosso modo, quem não depende da informalidade para sobreviver (sindicalistas do
trabalho formal, representantes do Poder Público, trabalhadores especializados etc.) entendem
que é necessário qualificar a mão de obra para estes trabalhadores poderem ser reinseridos no
mercado de trabalho formal, enquanto os representantes de trabalhadores informais entendem
que não lugar para todos no trabalho formal, assim buscam se qualificar minimamente para
disputar uma vaga na informalidade, onde a concorrência também aumentou.
Hoje o sucesso no trabalho como camelô depende da capacitação, nosso
sindicato (SINPESP) tenta mostrar para o camelô que ele precisa se
capacitar. Por exemplo, eu trabalho com alimentos. O que eu fiz? Um curso
de higiene alimentar e agora na minha barraca eu utilizo equipamentos
(luvas de plástico, máscara, toca), pois um camelô geralmente não sabe que
um espirro traz milhões de bactérias. Com o curso eu tenho mais clientes do
que os outros. É assim que funciona (informação verbal)
76
.
No fragmento do relato acima é notório como o discurso da capacitação e da
qualificação, o mesmo que é propalado pelas entidades representantes de seguimentos do
patronato, ultrapassa as fronteiras da economia formal e do movimento sindical como um
todo e se instala no universo simbólico dos trabalhadores informais. Por este motivo, “a
bagagem cultural dos trabalhadores, os elementos que estão na base das suas identidades de
classe ou da subjetividade, na perspectiva de classe, devem ser levados em consideração”
(THOMAZ JR. 2007, p. 25), e na exata dimensão da plasticidade que sua forma de trabalho
reflete, pois a investida do capital sobre o trabalho tem por principal característica a
fragmentação/separação que conduz ao estranhamento, e ao mesmo tempo em que precariza
as condições de trabalho obriga o trabalhador a se sentir responsável por sua situação de
precariedade.
Nesse sentido, o “sindicato” de camelôs, ao tentar aos poucos fazer com que os
camelôs se entendam como uma “categoria
77
”, devido ao tempo de existência desta atividade,
que na cidade de São Paulo remonta com expressividade á década de 1980, ganhando
76
Depoimento dado por Heros Gomes, (ex) tesoureiro do SINPESP, em janeiro de 2007.
77
Os representantes de camelôs Afonso José da Silva (SINDICISP) e Heros Gomes (SINPESP), nos
depoimentos, se referem ao termo “categoria” como é utilizada no jargão sindical, no sentido de “um conjunto de
trabalhadores que exercem a mesma atividade, possuem dificuldades parecidas e conseqüentemente devem lutar
em conjunto por seus direitos e interesses comuns”. Entende-se que o sucesso do “sindicato” ocorre na medida
em que as lideranças conseguem aos poucos convencer, os camelôs deste ponto em comum, ou seja, convencê-
los de que o fato de venderem mercadorias diferentes ou concorrerem vendendo mercadorias parecidas, não
muda a característica fundamental de serem todos camelôs, portanto formando uma “categoria” de trabalhadores.
111
proporções exorbitantes na década seguinte, busca na verdade, representar alguns interesses
imediatos destes trabalhadores, como a manutenção de um ponto fixo e o direito de revender
algumas mercadorias permitidas. No entanto, para isso precisou apelar para a realização de
manifestações públicas como estratégia de reivindicação e de reconhecimento da atividade,
conforme mostra a (Figura 19), a partir do ano 2000.
Figura 19: Manifestação Pública de Camelôs, São Paulo, 2003
Fonte: Revista do SINDICISP, 2004.
Entendemos que a possibilidade de fundação do SINDICISP, assim como o seu
relativo sucesso, teve origem no episódio da “máfia dos fiscais”, manchete de diversos jornais
de circulação nacional na década de 1990 devido ao destaque dado aos camelôs após
denunciarem o forte esquema de corrupção. Este episódio ganhou projeção a partir das
manifestações públicas de protesto realizadas no período de 01 a 14 de dezembro de 1998,
quando alguns destes trabalhadores ficaram acorrentados por 325 horas (13 dias e 13 horas)
em greve de fome, nas calçadas do Largo da Concórdia em São Paulo quando foram ouvidos
pela mídia.
Se considerarmos a escala e a quantidade de trabalhadores, a formação de um
sindicato nestes moldes somente é possível na cidade de São Paulo e não no interior, onde o
número de camelôs é pequeno se comparado ao Brás e Santa Efigênia (SP), mas as lideranças
vislumbram algumas alternativas.
112
Não temos a intenção de montar um sindicato de camelôs em cidades do
interior de São Paulo, nós possuímos uma “seção sindicalem Salvador na
Bahia onde tem muitos camelôs e está dando certo. No interior as iniciativas
devem partir de gente que vive a realidade dos camelôs, mas é claro que se
procurarem nossa ajuda estaremos a disposição (informação verbal)
78
.
Até o ano de 2007 o SINDICISP possuía sede própria, equipada com computadores e
realizava propaganda, como veículo de comunicação entre a “categoria” e o suposto sindicato.
Utilizava meios de aproximação junto aos camelôs parecidos com os utilizados por sindicatos
do trabalho formal, como carro de som, panfletagem, palanque, calendários, camisetas,
boletins informativos com tiragem periódica etc. Porém, fazem do corpo a corpo seu principal
instrumento de comunicação. Possuíam também o veículo de transporte de propriedade do
SIDICISP, que era apresentada pelos líderes como uma importante conquista, cuja
valorização está refletida na divulgação do nome do sindicato (Figura 20).
Figura 20: Veículo de Transporte do “Sindicato” de Camelôs
Fonte: Revista do SINCICISP, 2004.
A oposição entre representantes do comércio legal e camelôs com relação a
apropriação do espaço público foi constatada na cidade de Presidente Prudente, por Gonçalves
(2000), e também na cidade de Marília por Tomé (2003). A diferença é que nestas duas
cidades em particular houve consenso para a construção de camelódromos. Mas no caso da
Cidade de São Paulo a Associação Viva Centro é uma entidade que participa das reuniões da
78
Depoimento do presidente do SINDICISP, Afonso José da Silva, em janeiro de 2007.
113
Comissão Permanente de Ambulantes (CPA), criada pela subprefeitura da Sé e atua nas
discussões e embates nos momentos de definir os pontos onde os ambulantes podem atuar.
Porém, no ano de 2007, percebendo que a construção de camelódromos resolve o problema da
estética do centro das cidades, retirando os camelôs das ruas e calçadas, esta entidade passou a
fazer estudos e propostas de construção de camelódromos na cidade de São Paulo, mas como
afirmamos anteriormente, os camelôs e seus representantes resistem a estes projetos por
motivos de conhecerem previamente as dificuldades depois que um grande número de
camelôs é colocado em um mesmo local com uma aparência de boa organização. Neste caso,
a organização na paisagem aparece como ordenamento, escondendo ou disfarçando os
conflitos na sua essência.
De maneira geral é sabido que a construção de camelódromos aumenta a concorrência
entre os camelôs e intensifica os conflitos entre eles. Além disso, devido ao discurso de ser
um “Shopping Popular” os camelôs começam a se entender mais ainda como comerciantes
proprietários de seu boxe, surge a “corretagem” sem controle e, em conseqüência, se torna
impossível qualquer forma de organização para defesa de interesses maiores como
demonstramos com relação ao fracasso de organização em Presidente Prudente e a ausência
da mesma em Marília, pois o controle do território por parte do Poder Público comparece
como uma constante ameaça de desapropriação e a insegurança, fator de barganhas políticas,
instabilidade e o individualismo passam a ser o ponto fraco dos camelôs.
No SINPESP, não notamos a mesma preocupação com a propaganda. Mas, apesar da
sede ser menor que a do SINDICISP, localiza-se no famoso edifício Mirante do Vale, paralelo
ao Viaduto Santa Efigênia, e a forma de contribuição é mediante boleto bancário recolhido na
Caixa Econômica Federal (ANEXO 6). Destacamos a localização, porque no nosso
entendimento valoriza a sede conquistada e mantida pelo sindicato, que em Presidente
Prudente uma das maiores dificuldades para criação de um “sindicato de camelôs”, nestes
moldes, reside na dificuldade de conquistar e manter uma sede.
No SINDICISP a filiação era feita mediante fichas de inscrição (ANEXOS 7, 8) nas
quais são obtidos todos os dados de cada camelô filiado, e a forma de pagamento era através
de um carnê de contribuição sindical (ANEXO 9) o que dava um aspecto de clandestinidade
ou prática criminosa de angariar recursos, muitas vezes criticado pelas autoridades.
As discussões e embates no conflituoso jogo de forças expresso na atividade dos
camelôs na cidade de São Paulo é mediada pelo Poder Público. Nunca houve a participação
de representantes do movimento sindical. No entanto, recentemente, diante da dimensão de
organização do número de filiados, a Força Sindical tem disponibilizado seus advogados,
114
quando necessário, para defender as lideranças do SINDICISP, mesmo diante da
inconsistência jurídica e as dificuldades de formação de um sindicato desta natureza como
mostra o seguinte extrato.
Entre as regras para fundar um sindicato de camelôs a obrigatoriedade de
possuir sede própria como condição fundamental, seguida da necessidade de
haver previamente no mínimo 70 filiados. Na seqüência das normas
comparece a escolha dos membros da diretoria do sindicato em Assembléias,
sendo obrigatório no ato da apresentação das devidas chapas que haja uma
oposição, ou no caso de ausência de opositores os participantes devem ter o
direito de questionar os diretores da chapa vencedora. A chapa vencedora irá
participar das reuniões realizadas pela Comissão Permanente de Ambulantes
(CPA) criada pela subprefeitura da onde os representantes dos camelôs,
Poder Público, Associação Viva Centro, Guarda Metropolitana (SP) e
Comércio Varejista irão travar debates e disputar interesses. Por isso é
fundamental que todos os encontros e votações sejam registrados em ata,
pauta e caderno de presença, contendo os respectivos nomes de todos os
participantes que passam a ser testemunhas da escolha da diretoria,
reconhecida somente após a publicação no Diário Oficial (SP). Porque se a
diretoria não for escolhida dessa forma, seguindo estas regras quando for
representar os interesses dos camelôs na CPA, podem acontecer duas coisas:
Ou vai aparecer na reunião duas ou mais diretorias do mesmo sindicato, ou
denúncias de que aquela diretoria e aquele sindicato não representam os
interesses dos camelôs porque foi escolhida de forma autoritária, e ai o Poder
Público vai cancelar a reunião da CPA, como aconteceu várias vezes
(Informação Verbal)
79
.
Existem outras iniciativas de formação de sindicatos de camelôs em São Paulo em
diversos lugares onde o fenômeno se expressa, porém se os camelôs percebem que está em
jogo apenas o interesse em arrecadar contribuição sindical, sem a devida contrapartida, logo
abandonam a agremiação e o sindicato se desfaz. Até que isso ocorra são feitas inúmeras
acusações entre supostas lideranças, por isso somente os camelôs que tiverem credibilidade e
liderança conseguirão levar adiante uma empreitada deste tipo.
As lideranças dos dois sindicatos admitem existir várias acusações por parte de
representantes do Poder Público, Associação Viva Centro e lojistas de que os líderes do
SINDICISP estariam formando quadrilhas e um esquema criminoso de cobrança de propina
para extorquir os camelôs. Existem também outras lideranças de camelôs que tentam formar
79
Depoimento dado por Afonso José da Silva presidente do SINDICISP em janeiro de 2007.
115
outros sindicatos, devido as discordância ou mesmo por entender que um sindicato pode ser
lucrativo.
Demoramos seis meses apenas para conseguir escolher a diretoria, a coisa
não andava, as reuniões eram canceladas devido às divergências e acusações;
não se monta um sindicato de uma hora para outra; você precisa realmente
convencer os camelôs de que es interessado na causa, precisa ter
credibilidade e provar que o sindicato não é somente para arrecadar a
contribuição sindical e isso dá trabalho, muitos se filiam e saem outros
entram, mas se o trabalho não der resultado o sindicato acaba. ainda
pressões políticas para que o sindicato acabe. Pois por causa das denúncias
de corrupção na época da máfia dos fiscais” muita gente importante foi
parar na cadeia (Hanna Garib), mas hoje eles estão de volta e estão na
política. O sindicato para ser reconhecido é uma luta e para ser mantido é
uma luta constante (informação verbal)
80
.
Neste ponto, o limite de nossa pesquisa reside na impossibilidade de compreender qual
sindicato está mais próximo de ser reconhecido pelo Poder Público, enquanto uma agremiação
legal, justificando o uso da denominação sindicato, sem confundir com o sentido tradicional
do termo. Segundo as informações dadas por Josefa Viana Nogueira Araujo, ex-presidente do
SINPESP, hoje na diretoria devido ao fim do mandato, o seu sindicato é o que está mais
próximo do reconhecimento legal e possui a carta sindical expedida pelo Ministério do
Trabalho, mas não pode nos fornecer a tal carta até o momento.
Dentre as justificativas dadas pelos idealizadores do SINDICISP comparece a posse
do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) como chave de sustentação legal. para os
representantes do SINPESP a posse do CNPJ não constitui requisito de legalidade, pois
qualquer pessoa jurídica pode obter este registro, e somente a posse da carta sindical torna um
sindicato legalizado.
A contribuição sindical via Caixa Econômica Federal como é feita no SINPESP parece
ser um fator importante, dessa forma o SINPESP estaria mais próximo de uma possível
legalidade, mas com relação às manifestações o SINDICISP era mais entusiasmado e seus
líderes enxergam no caminho das manifestações públicas e a pressão junto às autoridades a
forma mais eficiente de atuação
81
.
80
Depoimento dado por Afonso José da Silva presidente do SINDICISP em janeiro de 2007.
81
Conforme demonstra a notícia publicada no dia 15/08/2007 no jornal “Globo.com” sob o título “Para
Matarazzo protesto de camelôs é de quem não tem razão”, em que os camelôs liderados pelo SINDICISP
116
Os líderes do SINPESP possuem uma postura mais cautelosa.
Todas as pressões se voltam contra os próprios camelôs. Neste caso, a
estratégia deve ser sempre o caminho das negociações políticas, discutidas
nas reuniões da CPA, por isso que nunca nenhum de nossos diretores foi
preso, ou acusado de extorsão. Não adianta ilusão porque nós (camelôs)
somos o elo mais fraco da corrente, sempre vai estourar em cima dos
camelôs (Informação verbal)
82
.
A extinção momentânea do SINDICISP no ano de 2008 demonstra o acerto da
afirmação feita logo acima, mas nada impede que o SINPESP também se desfaça ou até que o
SINDICISP se recomponha.
em Presidente Prudente, o idealizador do sindicato (SINPRECOESP) Antonio de
Brito Neto entendia até o ano de 2005 que era fundamental a obtenção de uma área dentro da
cidade que não estivesse sob o domínio total do prefeito. A área escolhida foi o antigo Galpão
de Expurgo de sementes, que segundo este seria tombado como patrimônio público, ficando
sob responsabilidade do governo federal. Nesta nova área deveria ser construído um novo
camelódromo ou “shopping popular” para os camelôs que se encontram nas ruas ou querendo
ingressar na atividade, posteriormente atendendo os antigos camelôs hoje estabelecidos na
Praça da Bandeira, desde que estes demonstrassem interesse de atuar na nova área. Este
projeto não teve bons resultados até o momento.
Na tentativa de compreender porque os camelôs de Presidente Prudente entendem
como absurda a idéia do idealizador do SINPRECOESP de montar um “Shopping Popular”
em uma nova área, mesmo diante da instabilidade de estar em um local de uso público, e ao
mesmo tempo tentar descobrir porque os camelôs e idealizadores de “sindicatos de camelôs”
da cidade de São Paulo se recusam a ser realocados em camelódromos, procuramos fazer
perguntas que articulavam as duas realidades do interior e da capital.
Com este propósito, apresentamos a idéia de Antonio de Brito Neto de conseguir junto
à prefeitura de Presidente Prudente o Galpão de Expurgo
83
para construção do que ele chama
de “Shopping Popular” e que os camelôs entendem como transferência do camelódromo de
um local para o outro.
fizeram protestos em frente a casa do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (DEM) Disponível em
<http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,MUL88423-5605,00.html> Acesso em 20 de agosto de 2007.
82
Depoimento dado por Heros Gomes, tesoureiro do SINPESP, em janeiro de 2007.
83
O Galpão de Expurgo é um prédio antigo próximo a Rodoviária de Presidente Prudente onde antigamente
eram expurgadas sementes de algodão e amendoim. No ano de 2005, o idealizador do “sindicato” de camelôs e
Prestamistas de Presidente Prudente (SINPRECOESP), Antônio de Brito Neto afirmou que aquele prédio seria
tombado com patrimônio público e seria um local ideal para a instalação de um novo local para os camelôs.
117
Fonte: Foto, Google Earth, agosto, 2007; Croqui, Google Maps, setembro, 2007.
Org. Ivanildo Dias Rodrigues, dezembro, 2007.
Na (Figura 18) na parte circulada em azul na foto de satélite está localizado a Praça da
Bandeira, o destaque em vermelho no croqui se refere a localização do camelódromo e a parte
destacada em verde representa a antiga área de expurgo de sementes a qual nos referimos.
Figura 21: Croqui do Camelódromo e da Área de Expurgo em Presidente Prudente
118
Como é possível perceber uma distância considerável de sete quadras, do atual
local onde estão os camelôs na Praça da Bandeira na saída do calçadão na Rua Tenente
Nicolau Maffei, no centro da cidade de Presidente Prudente, no quadrilátero comercial até a
parte destacada em verde no croqui. Dessa forma, os motivos que levam os camelôs a não
aceitarem sair do local atual (Praça da Bandeira) para ir para a Área de Expurgo, próximo à
Rodoviária de Presidente Prudente, podem ser:
a) A distância entre o novo local sugerido e a principal rua comercial;
b) O apego ao território temporariamente conquistado;
c) O comodismo após se estabelecer em um ponto fixo;
d) O estranhamento do trabalho que ao se manifestar não permite o camelô entender que
há outros trabalhadores que podem vir a precisar se inserir nesta atividade;
e) A insegurança de não obter ganhos no local novo e a perda do local antigo.
O Poder Público Municipal negou a área por motivos do seu valor imobiliário. Diante
disso, Brito convocou os camelôs para uma reunião e expôs sua idéia de construção de um
shopping popular, alegando que a antiga área de expurgo seria tombada como patrimônio
histórico e dessa forma passaria do controle do Poder Público Municipal para o controle do
governo federal e através da conjugação da constituição com a lei orgânica municipal. Brito
defendia que através da pressão os camelôs conseguiriam a antiga área de expurgo. No
entanto, o suposto sindicalista bateu de frente com o individualismo existente entre os
camelôs, que ofusca a história de construção do camelódromo enquanto fruto de embates e
disputas quando os camelôs ainda estavam nas ruas e calçadas.
Até o momento das entrevistas em São Paulo em dezembro de 2006 e janeiro de 2007
junto aos representantes de camelôs, entendíamos o depoimento de Brito como uma intenção
louvável e ao mesmo tempo ingênua, pois sabíamos que ele jamais conseguiria reunir
argumentos para convencer o Poder Público Municipal a ceder uma nova área devido ao valor
enquanto empreendimento imobiliário da mesma. Mesmo assim, explicamos várias vezes e de
diferentes formas sua intenção, porém os interlocutores (lideranças e camelôs em São Paulo)
não compreendiam e achavam a idéia absurda. Ou seja, aparentemente é mais difícil explicar
ao camelô a possibilidade de perder seu ponto fixo, e sugerir uma área mais segura, do que
conseguir essa área junto ao Poder Público.
119
A (Figura 22) mostra o prédio abandonado em frente à Rodoviária de Presidente
Prudente, referido pelo senhor Antonio de Brito Neto, como sendo uma antiga área de
expurgo de sementes. Quando idealizava o projeto de “sindicato” de camelôs, Brito se baseou
no fato de haver várias famílias precisando entrar na atividade de camelô para garantir seu
sustento, mas não conseguiam, que um boxe no camelódromo somente era adquirido por
intermédio do dinheiro na prática da corretagem.
Figura 22: Antiga Área de Expurgo em Presidente Prudente (SP)
Fonte: Ivanildo Dias Rodrigues, Trabalho de Campo, maio, 2007.
Todos os representantes dos camelôs de São Paulo discordaram da idéia e da iniciativa
tomada em Presidente Prudente, alertando para os perigos de prometer sucesso em uma nova
área, sob o risco do mesmo não ocorrer e o sustento das famílias ficar comprometido.
ainda, a possibilidade das duas áreas ficarem ocupadas por camelôs ao mesmo tempo, já que
atualmente pessoas que se inserem nesta atividade por opção. Destacaram ainda a
dificuldade de dialogar com os camelôs no momento em que se põe em discussão o seu ponto
de vendas conforme os relatos a seguir.
Para que montar um camelódromo sem camelôs, os camelôs devem vir
primeiro depois o camelódromo é montado. Se você tira os camelôs da praça
e leva para o outro local, outros ocupam a praça. E se não der certo não tem
como voltar, é um risco muito grande. Depois agente sabe como é o
120
camelódromo, um monte de gente um em frente ao outro vendendo a mesma
coisa (informação verbal)
84
.
O que o camelô mais valoriza é o seu ponto fixo, não é à toa tanta denúncia e
corrupção, tente convencê-lo a abrir mão do seu ponto fixo e sua intenção de
representá-los não tem credibilidade, mesmo ser for boa. Quem quer
defender os interesses dos camelôs não pode nunca apresentar como
alternativa que saiam do local onde estão e sim dizer que vai lutar para
permanecerem onde estão (informação verbal)
85
.
Somados estes dois relatos mais outras respostas obtidas em entrevistas informais na
cidade de São Paulo, Marília e Presidente Prudente, foi acentuada nossa percepção da forma
como o ponto fixo é visto como um território conquistado e que deve ser mantido.
Não estamos dizendo para os camelôs para saírem da Praça, estamos
dizendo que mais gente que precisa entrar na atividade e não tem mais
lugar na praça. Eles poderiam ir para área de expurgo, se o prefeito liberasse
para a construção de um “shopping popular”, mas o prefeito não vai liberar a
área de “mão beijada” (por boa vontade), mas para conseguir tudo isso
por meio da pressão de forma organizada baseado na Constituição Federal e
na Lei Orgânica Municipal. Eu tenho o projeto para organizar essa gente,
mas temos que lidar com a cabecinha deles, pois são acomodados, acham
que o prefeito é um pai e nunca vão ter que sair da Praça. Uma associação
não vai resolver pedindo para construir galeria de esgoto (informação
verbal)
86
.
Lembramos que em Presidente Prudente nenhum camelô se interessou pelas condições
sugeridas para representar seus interesses, ou seja, pagar “contribuição sindical”, mudar para a
antiga área de expurgo de sementes, comprar apenas no mercado nacional, vender com nota,
comprar e pagar com boleto bancário e exigir nota etc
87
.
84
Depoimento de Afonso José da Silva, presidente do SINDICISP, em janeiro de 2007.
85
Depoimento de Heros Gomes, tesoureiro do SINPESP, em janeiro de 2007.
86
Depoimento de Antonio de Brito Neto, idealizador do Sindicato dos Prestamistas e Camelôs do Oeste do
Estado de São Paulo (SIMPRECOESP), no dia 21 de fevereiro de 2005.
87
Estas medidas eram possíveis no entendimento do suposto sindicalista e constavam no seu projeto, porém a
nova área era fundamental, pois em sua opinião não era possível investir na atividade estando em uma praça
pública que poderia ser retirada do controle dos camelôs mediante a troca de prefeitos ou por pressão tanto do
Sindicato do Comércio Varejista, como da Secretaria do Planejamento Urbano. No entanto todos os camelôs
entendiam que a proposta era para sair da praça considerando isso uma loucura que não deveria nem mesmo ser
comentado tamanho o apego que um camelô tem pelo seu boxe. Brito destacava a segurança da área de expurgo
por ser tratar de um prédio que deverá ser tombado como patrimônio histórico, dessa forma deixa de estar
totalmente sobre a tutela do prefeito em escala local ficando sobre responsabilidade do governo federal.
121
Entendemos residir na preocupação de um camelô de não colocar em discussão a
possibilidade de perder seu ponto fixo, a força que o território exerce na subjetividade de
quem era desterrado e passou a ter um território (boxe ou ponto fixo), ainda que inseguro.
Mas, agora no ano de 2008, a preocupação de Brito, de conseguir uma área mais
segura para a instalação dos camelôs, não nos parece mais tão absurda. No bairro do Brás,
onde parecia tudo tão “sólido”, camelôs aparentemente organizados, com um “sindicato” bem
estruturado e combativo, “tudo desmanchou no ar”, se acabou. Vendo por este ângulo, lutar
por uma área mais estável para se instalar faz sentido; o problema é que não há um espaço que
não tenha dono.
Adiantamos que apesar dos obstáculos burocráticos e da obscuridade jurídica, estas
formas de organização política existem e surgiram num cenário permeado por conflitos e
práticas de corrupção, portanto como atos de resistência e disputa de território, conforme
apresentamos ao discutir o episódio da “máfia dos fiscais”
88
, e de um ponto de vista jurídico:
É um perigoso engano pensar que são dádivas das leis e das constituições e
de que nelas devem estar expressos para existirem e prevalecerem. “Há todo
um acervo, um patrimônio de valores e de modos de relações humanas que
não podem ser alterados, nem mesmo pelas constituições políticas. Acreditar
nessa possibilidade é uma sinistra utopia; tentar realizá-la uma insana
tirania” (NETO; PRADO, 1987, p. 129).
Constatamos em nossos estudos que o pagamento de propina não é regra apenas em
escala local ou quando os camelôs se encontram em pontos fixos, para atuarem na revenda
das mercadorias. Pois, o caráter de ilegalidade da atividade que executam não se limita a
espacialização em calçadas ou logradouros públicos, percorre também toda a trajetória de
compra e transporte das mercadorias. É nessa dinâmica, quando a atividade dos camelôs
converge com as atividades conexas e de suporte, que as negociações e acertos comparecem
como regra, nos momentos em que noções de trabalho e delito se confundem. A sofisticação
das formas de tributação, assim como as medidas de combate a pirataria impostas pelo
governo federal tem corroborado para diversas interpretações destas atividades como
trabalho/delito, apesar de justificativas pouco relevantes se referindo a estes trabalhadores
como inocentes.
88
Ver subitem 3.2.3.
122
CAPÍTULO IV
O Papel do Estado na Manutenção do Circuito da Circulação das Mercadorias
Neste capítulo, trataremos dos embates entre o Estado e os trabalhadores inscritos no
circuito da camelotagem, junto às atividades consideradas conexas e de suporte. Para tanto,
utilizamos a denominação atividade de suporte, listada pela Justiça Federal e acrescentamos
dados de nosso conhecimento.
O Estado a serviço do capital e refém da lógica de produção de mercadorias lança mão
de um discurso que é incorporado por funcionários que representam o governo no papel de
agentes arrecadadores. Há também os funcionários do Estado que cumprem o papel de
agentes reguladores a serviço do governo, ambos com a obrigação de fiscalizar as atividades
desenvolvidas no circuito de circulação de mercadorias nas quais os trabalhadores que
compõem tal circulação oferecem diversas formas de resistência.
A lógica concorrencial destacada nesta dissertação se refere em primeiro plano à
disputa entre quaisquer empresas em escala planetária, levando a falência de algumas e à
incorporação de outras. Portanto, este fator é considerado gerador de desemprego estrutural e,
também responsável pelo surgimento de “empresas” e práticas de produção clandestina e
imitação de produtos. quem defenda que a prática da imitação de marcas ou produção de
qualidade é resultante da falta de ética. Estamos em conformidade com Marx, quando
afirmava tal processo como uma tendência da universalização da produção e da concorrência
levada ao extremo.
Mantendo o raciocínio do papel relativamente limitado dos Estados, em certa medida
refém do jogo concorrencial entre mega empresas, torna-se importante diferenciar a lógica
“territorial” do poder e a lógica “capitalista” do poder.
O capitalista que dispõe de capital financeiro deseja aplicá-lo onde quer que
possa haver lucro, e tipicamente busca acumular mais capital. Os políticos e
homens de Estado buscam tipicamente resultados que mantenham ou
aumentem o poder de seus próprios Estados diante de outros Estados. O
capitalista procura as vantagens individuais e (embora de modo geral sujeito
a restrições legais) é responsável perante seu ciclo social, imediato, ao
passo que o homem de Estado procura vantagens coletivas, vendo-se
restringido pela situação política e militar do seu Estado, sendo em algum
sentido responsável perante uma comunidade de cidadãos ou, o que é mais
freqüente, perante um grupo de elite, uma classe, uma estrutura de
parentesco ou algum outro grupo social. O capitalista opera no espaço e no
123
tempo contínuo, enquanto o político opera num espaço territorializado e, ao
menos nas democracias, no âmbito de uma temporalidade ditada pelo
período eleitoral. Por outro lado, as empresas capitalistas vêm e vão, mudam
de localização, se fundem entre si ou encerram as operações, mas os Estados
são entidades de vida longa, não podem migrar e, exceto em circunstâncias
excepcionais de conquista geográfica, estão confinados a fronteiras
territoriais fixas (HARVEY, 2004, p. 32).
Para Harvey (2004, p. 33-4), a lógica territorial e capitalista do poder difere entre si
“essas duas lógicas se entrelaçam de formas complexas e por vezes contraditórias”. No caso
do circuito que estudamos, a complexidade dessas duas lógicas pode ser explicada pela
dinâmica da circulação das mercadorias, considerando o grande número de trabalhadores
envolvidos e as ações do Estado, a partir do final da década de 1980.
Numa matéria de 1987, se descreve o sistema de compras de videocassete e
filmadoras no Paraguai com entrega a domicílio no Rio de Janeiro, em São
Paulo ou em Brasília. [...] Os produtos eram conseguidos pela metade do
preço e era cobrada uma “taxa” para cobrir os gastos de transporte e
passagem pela fronteira (5000 cruzados pelo vídeo e 10.000 pela filmadora)
[...] O sistema de envio a domicílio permite ver a operação de mecanismos
de comercialização que ampliaram o alcance dos produtos de Ciudad
Presidente Stroessner no Brasil e que é de se supor abriram e
consolidaram circuitos de circulação de mercadorias e pessoas. Outra
estratégia que teve um papel fundamental na expansão desses circuitos foi a
exportação de mercadorias ao Paraguai por empresas localizadas no Brasil
para seu posterior retorno ao mercado interno brasileiro com o objetivo de
serem vendidas sem impostos (RABOSSI, 2004, p. 245).
Para guardar a particularidade das mercadorias, enquanto substância deste circuito, foi
utilizada a relação dada pela Receita Federal por identidade de uso, recomendada pelo
Ministério da Fazenda. Dessa forma, excluímos, ao utilizar dados estatísticos, as mercadorias
que não fazem parte do enfoque desta pesquisa, assim privilegiamos apenas aquelas que são
cotidianamente encontradas no circuito delimitado por tal estudo e as revendidas por camelôs.
Porém, conservamos a explicação da mercadoria dada por Marx em “o Capital” (livro
I) no qual afirma que toda mercadoria é fruto do trabalho social combinado e seu processo de
produção é por nós entendido, desde a extração da matéria prima até as várias fases de
produção em diferentes empresas e diferentes locais, mas no final, são aglutinadas em uma
única mercadoria a ser comercializada e consumida em lugares diversos do planeta.
O intuito é demonstrar neste capítulo que o fluxo de mercadorias no circuito de
circulação em apreço é muito complexo, para sua dinâmica ser atribuída, apenas, ao
consumidor com baixo poder aquisitivo, ou seja, aquele consumidor que compra mercadorias
124
de camelôs e ao consumidor comum que encomenda mercadorias dos sacoleiros em escala
local e regional. Acrescentamos que a produção das mercadorias tem tentáculos em outros
países.
Nesse estudo, apresentamos nossas reflexões iniciais sobre o ciclo completo da
mercadoria, considerando o momento do consumo interterritorial articulado à produção
extraterritorial. Neste sentido, partimos da hipótese de que este movimento de circulação em
sua totalidade, cuja substância é a mercadoria, está submetido a uma lógica de produção em
massa, e em um sistema concorrencial em diferentes países. Para tanto, nos apoiamos em
diferentes fontes, dentre elas: na bibliografia selecionada, nos dados publicados no site da
Receita Federal e na realização de três trabalhos de Campo no Paraguai referentes aos anos de
2005 e 2007.
O tripé apresentado como estrutura deste capítulo se embasa em alguns fatos: 1) a
prisão de Law Kin Chong, maior representante da conexão pirata China/Brasil; 2) a operação
“Comboio Nacional”, como investida do governo brasileiro sobre as formas de transporte
rodoviário de mercadorias contrabandeadas e; 3) a inauguração da nova Aduana brasileira
como forma sofisticada de fiscalização aduaneira.
4.1. Produção, Transporte e Destinação Final das Mercadorias
O circuito de circulação, ao qual nos referimos como camelotagem, tem como força
motriz os trabalhadores camelôs, as atividades conexas e de suporte, sendo que a sua
substância é um conjunto de mercadorias diversas, geralmente com baixo valor agregado,
pouco tempo de vida útil e não tributadas, mas, também as mercadorias originais e aquelas
que exigem o emprego de tecnologia avançada na sua produção.
Essas mercadorias têm em comum a característica essencial de ser fruto de um
trabalho social combinado, que influencia no seu preço final; e a necessidade de serem
transportadas de um país a outro para serem comercializadas. Tal característica conecta os
laços de ligação entre a produção, a circulação e a destinação final das mercadorias.
Existem vários fatores predominantes na elaboração final de uma mercadoria com
baixo valor agregado, sendo que um deles é a exploração da mão de obra barata.
125
O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto
maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das
coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos
homens, pois o trabalho não produz apenas mercadorias. Produz-se
também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e
justamente na mesma proporção com que produz bens. (MARX, 2001,
p. 111).
Independente da força de trabalho empregada na produção de uma mercadoria original
ou de uma imitação, ou de uma falsificação, considera-se a existência de duas extremidades
complementares para o funcionamento do circuito em apreço, ou seja, existe a extremidade da
circulação das mercadorias, a qual nos ateremos com maior profundidade, mas também, na
outra extremidade, a produção das mercadorias mediante a exploração da força de trabalho,
com extração de mais valia.
É, principalmente, devido à forma de exploração da força de trabalho na extremidade
referente à produção que comparece a grande quantidade de mercadorias e sua circulação com
baixo preço. Estas mercadorias são produzidas em grande quantidade em países como a
China, Taiwan, Indonésia, Coréia, México e outros.
A China representa o papel de principal produtor das mercadorias comercializadas
entre os camelôs, e catalisa o circuito de circulação da camelotagem ao acionar a complexa
trama de atividades conexas, cuja substância é a mercadoria. Via de regra, a maioria das
mercadorias em apreço é fabricada na China. Neste caso, existem os produtos chineses
originais com baixo custo devido à qualidade, o pouco tempo de vida útil e a forma de
exploração do trabalho. Como também, uma grande parte é considerada mercadoria pirata, ou
seja, imitação, fato este que preocupa, até mesmo, as economias avançadas.
Na escala (mundial), a concorrência é entre grandes potências econômicas,
especificamente, a China, pois de alguma forma consegue que suas mercadorias com baixo
valor agregado adentrem nas fronteiras de países com a economia e o sistema tributário
menos estruturado e a conseqüência inevitável da concorrência é a total determinação das
mercadorias, a falsificação, a produção de qualidade e o contágio universal” (MARX,
2001, p. 88).
Esta afirmação de Marx, nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, apontava para
esta tendência, o que nos leva a acreditar que os governos dos países que comparecem neste
jogo concorrencial no lado mais fraco, ao não conseguirem ir além da tributação das
mercadorias e da intensificação da fiscalização nas fronteiras, não conseguem frear a
produção das mercadorias, pois, esta se em território alheio e assim a determinação da
126
mercadoria com baixo custo prevalece e continua, porque, para o capital, as fronteiras dos
estados não são empecilho.
Porém, a necessidade de transportar tal mercadoria de um continente a outro, a
obrigatoriedade da tributação imposta de acordo com as leis do comércio mundial e de cada
país influenciam no preço final da mercadoria e acarretam na busca de acordos alfandegários
e portuários entre países interessados.
Para as mercadorias adentrarem as fronteiras de outros países, seja no Brasil via
Paraguai ou no Paraguai via Brasil pelo sistema portuário, articulando modais de transporte
marítimo e rodoviário-, são realizados acordos econômicos e políticos numa relação de jogo
de forças, no qual o país que possui o sistema alfandegário, tributário etc. menos estruturado
oferecerá menor resistência à entrada das mercadorias.
Segundo Rabossi (2004), o olhar sobre a fronteira Brasil/Paraguai reproduzida nos
meios de comunicação e governos está exclusivamente assentado no fluxo de mercadorias do
Paraguai em direção ao Brasil, desconsiderando o fluxo inverso Brasil/Paraguai. Mas, existe
também um fluxo interno no qual as mercadorias entram pelos portos brasileiros, circulam e
são comercializadas em território brasileiro, sem necessariamente passar pelo Paraguai.
Além dos acordos políticos, também a busca de expedientes clandestinos
possibilitados pela conexão realizada por agentes relevantes que atuam na esfera da circulação
das mercadorias, nos países onde se realiza o consumo final e, com seus compatriotas nos
países onde se realiza a produção. Por isso, o circuito de circulação das mercadorias deve ser
pensado em todo o processo de realização. Entretanto, ponderamos que o limite deste estudo
não permite abordar com profundidade a extremidade da produção.
Para esclarecer melhor a conexão que possibilita os expedientes clandestinos a que nos
referimos, resgatamos a notícia publicada pela Revista Veja
89
em julho de 2004, referente à
prisão de Law Kin Chong
90
, tido como o maior contrabandista do Brasil, em que as
investigações da polícia federal nos trazem alguns elementos esclarecedores sobre os métodos
do esquema de entrada de mercadorias contrabandeadas, provenientes da China no território
brasileiro.
Segundo a reportagem da Revista Veja no ano de 2004, durante as investigações, a
polícia detectou nas agendas do contrabandista e de seu advogado o nome de mais de uma
89
REVISTA VEJA, n. 1861, a. 37, n. 27, jul. de 2004.
90
Law kin Chong estava nesta atividade ha 24 anos até ser preso no mês de junho de 2004. Possuía segundo a
reportagem da Revista Veja um faturamento mensal de R$ 50.000.000,00 e uma rede de proteção que lhe
custava cerca de R$ 5.000.000,00 de reais por mês, composta por cerca de 200 pessoas, entre elas fiscais da
Receita, policiais militares, civis e federais (REVISTA VEJA, 2004, p. 92).
127
dúzia de pessoas ligadas ao Poder Público, incluindo seis delegados, o então chefe de
repressão aos crimes fazendários e o chefe da delegacia de polícia de imigração.
Law possuía, segundo a reportagem da Revista Veja (2004), ao mesmo tempo,
fábricas na China, conforme mostra (Figura 23) e 600 estandes de venda de produtos
pirateados em shoppings de São Paulo.
Figura 23: Fábrica de Produtos Pirateados, na China
Fonte: Revista Veja, n. 27, 2004.
A (Figura 23), se refere a uma seqüência de vídeo feito em uma das viagens de Law
Kin Chong a Hong Kong pela China, nas quais ele vistoria o que seria uma de suas fábricas
de produtos pirateados. Esta é a ponta do circuito da camelotagem onde afirmamos que a
extração de mais valia na exploração da força de trabalho, como um dos fatores responsáveis
pelo baixo preço das mercadorias.
O espaço de relações China/Brasil se realiza num primeiro momento, mediante a
comercialização das mercadorias em grande quantidade nos shoppings, estandes e lojas de
auto-serviço.
O shopping 25 de março é um dos maiores exemplos desta conexão, onde ocorre o
segundo momento da comercialização, uma vez que é nestes locais de compra que os camelôs
e os sacoleiros costumam comprar mercadorias em grande quantidade, por baixo preço, para
revendê-las nos camelódromos e nas calçadas de diversas cidades. Também é neste local que
os sacoleiros compram por encomenda mercadorias que abastecem consumidores diversos,
tanto formais como informais.
É importante destacar, a partir deste ponto, a existência de caminhos de entrada de
mercadorias no território brasileiro, não circunscritos necessariamente ao Paraguai, e que se
constituem em corredores estratégicos de contrabando por expedientes clandestinos de
entrada pelos portos; pois, antes de se tornar um grande contrabandista, Law Kin Chong
realizava o contrabando denominado informalmente “formiga”.
128
Aos 19, comprava relógios contrabandeados no Porto de Santos: descia a
serra que separa São Paulo do litoral montado em uma moto modelo CB 400
e, chegando ao cais, remava em um barquinho até alcançar os navios
ancorados. Mochila repleta voltava para a capital, onde tinha como clientes
lojistas e camelôs
91
.
Após estruturar seu empreendimento, as mercadorias trazidas da China eram
desembarcadas nos portos de Santos, Rio, Paranaguá, São Francisco do Sul e Vitória, assim,
somente algumas miudezas vinham do Paraguai (Ver Figura 6, p. 25).
Um policial envolvido na investigação conta que, quando os ônibus de Law,
carregados com até 12 toneladas de produtos, chegavam a São Paulo pela
Rodovia Castello Branco, tinham à sua espera uma escolta de policiais
federais. O comboio seguia até o prédio de número 181 da Rua Barão de
Duprat, que a polícia suspeita pertencer ao contrabandista. Lá funcionava um
dos depósitos de Law e, no 7º andar, seu principal escritório
92
.
Do contrabando formiga ao contrabando em grande escala, um grande número de
trabalhadores envolvidos, seja como sublocatários de estandes de vendas pertencentes a
grandes redes de contrabando, seja nas calçadas, ou, até mesmo, viajando em busca de
mercadorias baratas por encomenda.
Em geral, um entendimento de que a comercialização dessas mercadorias é crime.
No entanto, o fato de serem comercializadas por simples camelôs, por grandes
contrabandistas e por comerciantes inscritos no setor formal, faz com que a quantidade das
mercadorias, articulada ao grande número de trabalhadores envolvidos na sua circulação, sem
contar os envolvidos na extremidade da produção, se torne um mecanismo importante no
interior da estrutura da sociedade, cuja retirada ou a interrupção do seu funcionamento foge
do alcance do governo. O governo, por sua vez, busca impor o crivo da tributação sobre o
máximo possível de mercadorias que, em seguida, são relançadas no circuito de circulação
através dos leilões, o que visa os consumidores, que podem ser pessoas jurídicas e pessoas
físicas inclusive e novamente os próprios camelôs e sacoleiros, ou seja, o fulgor da
mercadoria continua e prevalece.
O aparelho de Estado, no intuito de arrecadar os impostos das mercadorias, tenta
balancear através dos leilões o total de mercadorias que, eventualmente, passam
despercebidas pelo crivo da tributação. Mas, a prática do leilão reinsere as mercadorias
91
REVISTA VEJA, n. 1861, a. 37, n. 27, p. 92, jul. de 2004.
92
Idem. p. 94.
129
apreendidas anteriormente no circuito de circulação, justificando a continuidade da
comercialização, que, por sua vez, aciona novamente a extremidade da produção em outros
países, e o circuito da camelotagem continua seu movimento ininterrupto.
Nesse movimento contínuo, o que prevalece é a lógica da produção em grande escala,
a concorrência em todos os níveis do circuito e os expedientes clandestinos como meio de
compensação devido ao baixo preço das mercadorias. Sendo assim, prevalece o aumento e
não a diminuição do número de trabalhadores inseridos em atividades clandestinas e
precarizadas.
4.2 - Três Passos no Interior da Complexa Trama do Capital
Na extremidade do circuito em que ocorre o momento da produção das mercadorias,
se inicia a complexa trama do capital, ou seja, um primeiro passo. Acreditamos que este
momento do circuito da camelotagem se realiza com maior expressão na China,
comparecendo em seguida a Coréia, Taiwan e outros. Aqui, hora se aposta no baixo valor
agregado e na pouca durabilidade das mercadorias. Seguindo a lógica dos países asiáticos
com grande massa de mão de obra humana disponível, se não é possível aumentar os ganhos
diminui-se o preço dos produtos, dessa forma, hora se investe na imitação de produtos,
prezando por uma relativa qualidade mediante o uso de tecnologia não de ponta, mas
avançada, por exemplo, dos aparelhos digitais, eletro-eletrônicos e equipamentos de
informática em geral, e em outros momentos há o apelo à falsificação e a pirataria.
Estas mercadorias ao serem produzidas na China não têm um único destino, não
visam apenas o Brasil ou Paraguai, mas estão inscritas em uma lógica capitalista
concorrencial em escala mundial. Portanto, tais mercadorias podem ser encontradas em
qualquer porção do planeta, sendo esta necessidade de ser transportada para outros países
responsável por emergir o segundo passo da complexa trama do capital, em que prevalece a
necessidade de transportar as mercadorias em contêiner de navios saídos dos países de origem
e fazê-las chegar ao país de destino sem passar pelos crivos da tributação.
As mercadorias provenientes da China e outros países possuidores de uma política
alinhada à lógica capitalista concorrencial, com um forte sistema tributário e com sofisticados
meios de tributação, podem defender o seu mercado para que não ocorra a lógica inversa, ou
seja, os países compradores se tornarem fornecedores das mesmas mercadorias.
130
Ao contrário, países como o Paraguai, por exemplo, e também o Brasil não
conseguem impedir a entrada das mercadorias, assim como não podem frear o processo de
produção destas em território alheio. Por este motivo, as mercadorias provenientes dos países
asiáticos encontram fértil terreno de comercialização em outras partes do mundo, onde o
arcabouço de leis que compõem a estrutura tributária e trabalhista não é muito bem
estruturado, e, também, onde o sistema portuário contém falha, mas acima de tudo, porque há
nestes países um grande número de pessoas dispostas a trabalhar na circulação das
mercadorias, independente dos elementos de precariedade expressos em algumas atividades,
assim como nos países asiáticos, principalmente na China, uma grande quantidade de
trabalhadores à disposição, para produzir mercadorias com baixo valor agregado.
O terceiro passo da complexa trama do capital é o mais sutil e de difícil percepção,
mas se torna o mais importante devido às contradições que apresenta, pois, na sociedade
capitalista, em que prevalece a concorrência, não é novidade a produção e o transporte de
mercadorias de um país a outro ou entre continentes. Mas, a comercialização que por sua vez
se realiza na extremidade do circuito de circulação das mercadorias na camelotagem
(entendida agora como o circuito de compra/distribuição/comercialização de mercadorias
93
)
tem os camelôs e as atividades conexas e de suporte (sacoleiros, laranjas, carrinheiros,
perueiros, etc.) atuando no transporte e venda.
Desde a década de 1980, estes trabalhadores são acusados de exercerem concorrência
desleal ao comércio formal, de fornecerem mercadorias contrabandeadas e estimular a
falsificação etc. Por isso, é nesta ponta do circuito que o Poder Público Municipal atua, seja
construindo camelódromos ou escolhendo locais para os camelôs estabelecerem suas
barracas.
Também é na esfera da circulação que o governo Federal atua. No caso específico
dessa pesquisa, podemos nos referir ao governo brasileiro e paraguaio, que, no ano de
2006, entraram em consenso quanto à necessidade de sofisticar os meios de tributação de
93
As mercadorias comercializadas na camelotagem recebem em geral diferentes nomenclaturas. Os órgãos
governamentais utilizam freqüentemente o termo mercadorias piratas. No jargão jurídico é utilizada a
nomenclatura “mercadorias de procedência duvidosa” e outras formas como mercadorias com baixo valor
agregado, mercadorias falsificadas, mercadorias fruto de contrabando, imitações, mercadorias com pouco tempo
de vida útil, mercadorias sem nota ou com nota “fria”, mercadorias não declaradas, mercadoria do Paraguai etc.
No entanto, entre os camelôs as características das mercadorias são especificadas, por exemplo, durante Trabalho
de Campo, ao serem questionados sobre quais mercadorias comercializam, os camelôs normalmente
discriminam como: bazar, brinquedos, informática, CDs, Filmes, eletro-eletrônicos, diversos, alimentação,
roupas, tênis, bolsas etc. No entanto, nunca houve nenhum caso de um camelô responder que trabalha com
mercadoria pirata, falsificada, contrabandeada etc., apenas identificam as mercadorias com base na sua
identidade de uso.
131
mercadorias, o que culminou com a construção da nova Aduana brasileira.
4.3. A Fiscalização como “Solução” para o Fim do Contrabando
Para chegar a este nível de fiscalização, os camelôs, os sacoleiros, os laranjas etc.
foram por diversas vezes apontados como responsáveis por enganar o consumidor ao fornecer
produtos sem nota fiscal e de qualidade, prejudicar os cofres públicos ao não declarar as
mercadorias e abastecer redes de contrabando. Porém, a grande quantidade de mercadorias
que circulam no circuito, ao qual nos referimos até agora, não poderia ser movida - tendo
como destino apenas o consumidor com baixo poder aquisitivo que compra mercadorias
vendidas por camelôs.
Temos, então, dois tipos de contrabando: o contrabando “formiga” e o de grande
escala. O segundo caso é representado pelas grandes lojas, supermercados, distribuidoras de
bebidas e lojas comuns inscritas no setor formal da economia, que também se utilizam deste
expediente, mesclando mercadorias oriundas do contrabando em seu estoque ou vitrine, assim
como as grandes redes de contrabando que dinamizam o circuito de circulação das
mercadorias de procedência duvidosa, com o apoio de representantes do Poder do Estado.
A nova Aduana brasileira simboliza a intensificação das políticas de controle e
combate ao contrabando e a pirataria, foi iniciada no Brasil, desde o ano de 2001, após a
criação do Comitê Inter/ministerial de Combate à Pirataria formado por representantes dos
Ministérios da Justiça; Relações Exteriores; Fazenda; Ciência e Tecnologia; Cultura e
Desenvolvimento; Indústria e Comércio Exterior; cuja secretaria executiva era exercida pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), e a vice-presidência pela Polícia
Federal.
A partir de 2003, o Governo Federal iniciou, por meio da SENASP e do Ministério da
Justiça, a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que articula as
políticas de combate e repressão à pirataria.
No ano de 2006, foi inaugurada a nova Aduana brasileira em Ciudad del Este (PY). A
partir daí, verificamos em Trabalho de Campo realizado em março de 2007 e setembro de
2007 que esta foi a medida de maior impacto até agora no fenômeno por nós estudado, pois
os trabalhadores camelôs de Presidente Prudente, Marília, assim como de muitas outras
cidades ao atuarem como camelôs e as vezes como sacoleiros, sofreram um duplo golpe que
132
não somente forçou a diminuição das idas ao Paraguai via Ponte da Amizade, obrigando-os a
mudar de trajeto de compra; mas também encareceu os produtos, no entanto, as mercadorias
continuam a circular em grande quantidade.
É como se estivéssemos diante de uma situação em que a produção de determinadas
mercadorias, sob intensa exploração do trabalho determina um preço irrisório em que a
incidência de tributos impossibilita a comercialização.
Para forçar a tributação, o governo intensifica a fiscalização, o que resulta na
apreensão de um grande número de mercadorias em diversos pontos do Brasil. Na escala
nacional, a Receita Federal divide a área de fiscalização por Regiões Fiscais, sendo que o
estado de São Paulo (SP) corresponde sozinho a Região Fiscal e os estados do Paraná (PR)
e Santa Catarina (SC) correspondem juntos a 9ª Região Fiscal.
Elegemos apenas a e região para avaliar as mercadorias e sua natureza, por estas
serem as mais expressivas do ponto de vista da quantidade de mercadorias apreendidas, do
montante de dinheiro arrecadado em função das suas vendas em leilões, e também pela
proximidade geográfica com nosso recorte territorial.
Todas as mercadorias apreendidas pela Receita Federal podem ser leiloadas, sendo que
o montante arrecadado em dinheiro pode ter diferentes destinações, assim como algumas
mercadorias que estejam dentro das normas de regulação de consumo. Para o objetivo desta
dissertação, privilegiamos apenas as mercadorias comercializadas no circuito da camelotagem
e as saídas por destruição, alienação, incorporação a órgãos públicos ou entidades
beneficentes.
Quando as mercadorias estão em poder dos trabalhadores que compõem o circuito de
circulação, as autoridades do fisco as apontam como produto de contrabando, por não terem
passado pelas formas de tributação do Estado. No entanto, quando estas mercadorias estão sob
domínio da Receita Federal, aguardando para serem liberadas dos galpões de armazenamento,
são agrupadas e resumidas em “grupos de mercadorias”, e passam a ser consideradas a partir
da sua identidade de uso e não mais pela sua procedência, da mesma forma como antes faziam
os trabalhadores.
Após a apreensão, a Receita Federal se refere aos grupos de mercadorias com as
seguintes identidades de uso:
a) Bazar: compreende mercadorias e produtos diversos que possam ser utilizados para
distribuição gratuita em programas educacionais ou assistenciais, ou para venda em
feiras ou bazares beneficentes com o produto da alienação aplicado em programas
educacionais ou assistenciais;
133
b) Brinquedos: abrangem jogos, artigos para divertimento ou para esporte, suas partes e
acessórios;
c) Eletrônico: abrangem máquinas, aparelhos e material elétrico e suas partes, tais como
eletrodomésticos em geral, televisores, videocassetes, filmadoras, calculadoras, rádios
receptores, aparelhos de som, de fax, telefônicos, musicais, fotográficos, bem assim
suas partes, acessórios e suportes para gravação;
d) Material de escritório: abrangem canetas, lápis, fitas impressoras, entre outros
materiais de expediente ou escolar;
e) Informática: abrangem unidades de processamento de dados, suas partes, peças,
acessórios, periféricos, suportes, tais como placas, monitores, leitores, teclados,
"scanner", impressoras, disquetes;
f) Vestuário: abrange matérias têxteis e suas obras e calçados;
g) Outros: abrange os produtos e mercadorias não classificáveis nos outros grupos, tais
como utensílios domésticos e ferramentas.
Em todos os itens acima, dependendo da identidade de uso, as mercadorias podem ser
doadas, neste caso uma seleção realizada por funcionários da receita para decidir sua
destinação.
A destinação de mercadorias apreendidas pela Secretaria da Receita Federal,
prevista no artigo 29, item II, do Decreto-lei nº 1455, de 07 de abril de 1976,
atualmente regulamentado pelo Decreto 4.543, de 26 de dezembro de 2002 e
pela Portaria MF 100, de 22 de abril de 2002, pode ocorrer nas seguintes
modalidades: venda, mediante leilão, a pessoas jurídicas, para seu uso,
consumo, industrialização ou comércio; venda, mediante leilão, a pessoas
físicas, para uso ou consumo; incorporação a órgãos da administração
pública direta ou indireta do nível federal, estadual ou municipal, dotados de
personalidade jurídica de direito público; incorporação a entidades sem fins
lucrativos declaradas de utilidade blica federal, estadual ou municipal, ou
a Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP
qualificadas conforme a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999; destruição ou
inutilização, na hipótese de produtos contrafeitos, pirateados ou falsificados,
cigarros, produtos condenados pela vigilância sanitária ou defesa
agropecuária, dentre outros para os quais não seja possível a destinação por
incorporação ou leilão. O Ministro da Fazenda delegou ao Secretário da
Receita Federal a competência para decidir sobre a destinação de
mercadorias apreendidas. (MINISTÉIRO DA FAZENDA, 2007)
94
.
94
Disponível em <www.receita.fazenda.gov.br/Publico/DestinacaoMercadorias/2007> Acesso em 20/09/2007.
134
O que mais chama atenção para nosso propósito é a destinação para a destruição de
determinados itens. De acordo com a notícia publicada no dia 15 de agosto de 2007
95
, a
Receita Federal do Brasil destruiu em várias unidades cerca de 900 toneladas de mercadorias
apreendidas no mesmo ano, correspondendo ao valor total de R$ 43,28 milhões, que
representa o dobro do ano de 2006. Tratava-se de mercadorias que não se encaixavam nos
tipos de saídas por incorporação por estarem em desacordo com as normas de regulação do
consumo. Destacamos que a maior parte dos gastos com a incineração ou qualquer outra
forma de destruição das mercadorias é arcada pelas empresas detentoras das marcas que
foram falsificadas ou imitadas e por empresas eventualmente interessadas na destruição.
A tendência do capital ao monopólio é contrabalançada pela concorrência
[...] O mesmo vale para a lei tendencial da taxa de utilização decrescente que
se afirma como a reabilitação do “LUXO” e “PRODIGALIDADE” junto
com a expansão do rculo de consumo, que passa assim a abarcar também
um número cada vez maior de “Pobres que trabalham” a estes é
proporcionada uma gama crescente de mercadorias à medida que o
desenvolvimento das forças produtivas o torna tanto possível como
necessário sem, porém, deixar de lado a “FRUGALIDADE” a
“ECONOMIA” e a “POUPANÇA” como momentos subalternos do capital
em sua ascensão. A mesma tendência, sob as condições do capitalismo
plenamente desenvolvido, assume a forma de extrema PERDULARIDADE
e DESTRUIÇÃO, mas é de novo contrabalançada em vários graus - pelo
imperativo de poupar, bem como pela inevitável necessidade de reconstituir
o capital depois da periódica destruição de sua magnitude “superproduzida”,
no interesse da sobrevivência do sistema do capital (MÉSZÁROS, 2002, p.
653).
95
Disponível em <www.receita.fazenda.gov.br/Publico/DestinacaoMercadorias/destruiçao/2007> Acesso em
22/09/2007.
135
A (Tabela 2) é apresentada aqui apenas como estimativa para ilustrar a dimensão do
montante em dinheiro equivalente as mercadorias destruídas, que as informações
disponibilizadas no site da Receita Federal se referem a dez (10) Regiões Fiscais, e
contemplam algumas mercadorias que não privilegiamos em nossos estudos.
Tabela 2: Mercadorias Destruídas pela RF
Anos Saída por destruição (valor em R$)
%
em relação ao total
2000
39.133.554,14 5,1
2001
85.350.028,44 11,1
2002
105.490.036,13 13,7
2003
71.206.773,08 9,2
2004
93.563.466,41 12,1
2005
103.066.259,99 13,4
2006
129.150.141,19 16,8
2007
96
142.538.729,18 18,5
TOTAL
769.498.988,56 100%
Fonte: Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2007
97
.
Para nosso propósito, estes dados estatísticos são ilustrativos enquanto estimativa, por
predominar como principais mercadorias destruídas os CDs e DVDs piratas, cigarros,
cosméticos, perfumes, preservativos, medicamentos, brinquedos, pilhas, isqueiros, bolsas,
mochilas, óculos e relógios falsificados, as quais compõem o universo de nossa pesquisa.
A justificativa dada por autoridades do fisco para a destruição em massa das
mercadorias é o não enquadramento nas normas legais de regulação de consumo. Percebe-se
que o aumento crescente da destruição foi interrompido na virada do ano de 2002 para 2003.
Neste caso, o decréscimo pode ser associado à mudança de governo no Brasil e à
reestruturação do aparato de fiscalização sob comando do novo quadro do Ministério da
Fazenda. Mas, os números mostram que, logo em seguida, o aumento das mercadorias
destruídas foi contínuo até o ano de 2007.
96
Em todas as tabelas para o ano de 2007, os cálculos se referem aos meses de janeiro a agosto e para os demais
anos se referem ao período completo de janeiro a dezembro.
97
Disponível em <www.receita.fazenda.gov.br/Publico/DestinacaoMercadorias/2007> Acesso em 20/09/2007.
136
4.3.1. A Fiscalização como Meio de Aquecer o Contrabando
As ações de apreensão de mercadorias e o aumento tanto da quantia arrecadada em
leilões, como do volume de itens destinados à destruição, são apresentados pela Receita
Federal em tom de comemoração da eficiência no combate e controle das práticas de
contrabando. Do mesmo modo, a doação de mercadorias para entidades beneficentes (Tabela
3) comparece como uma solução paliativa, porém relevante.
Tabela 3: Mercadorias Incorporadas a Entidades Beneficentes Doadas pela RF
Anos Saída por incorporação a Ent. Beneficentes
%
em relação ao total
2000
12.327.655,04
3,03
2001
20.852.009,64 5,12
2002
42.724.199,78 10,50
2003
39.089.871,61 9,60
2004
54.713.672,76 13,40
2005
78.415.900,43 19,25
2006
97.019.527,02 23,80
2007
62.234.174,79 15,30
TOTAL
407.377.011,07 100%
Fonte: Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2007
98
.
Assim como no exemplo das mercadorias destruídas, no das mercadorias doadas para
entidades beneficentes um crescimento contínuo com decréscimo no período das eleições
presidenciais. Caso façamos a subtração do montante do ano de 2002 pelo do ano de 2003,
obtemos uma diferença de (R$ 3.634.328,17). O crescimento das doações é retomado
posteriormente e novo decréscimo na virada do ano de 2006 para 2007, novamente em
período de eleições presidenciais, mas agora, o resultado da subtração é mais significativo,
equivalente a (R$ 34.785.352,23). Uma justificativa possível do decréscimo é a inauguração
da nova Aduana, no começo de novembro de 2006, afugentando, num primeiro momento, os
camelôs e sacoleiros que se dirigiam a Ciudad del Este (PY), via Ponte da Amizade, na
fronteira com Foz do Iguaçu (PR), na Região da Tríplice Fronteira, assim como a
intensificação da fiscalização pontual, volante e surpresa nas rodovias.
98
Disponível em <www.receita.fazenda.gov.br/Publico/DestinacaoMercadorias/2007> Acesso em 20/09/2007.
137
No período de 2005 a 2006, constatamos a intensificação da fiscalização nas rodovias
ao mesmo tempo em que o governo brasileiro postergava a inauguração da nova Aduana,
prevendo os reflexos na campanha eleitoral.
Era previsível para o governo que a construção da Aduana nova teria impacto sobre os
milhares de trabalhadores que atuam em todo o circuito de circulação das mercadorias, mais
ainda os que sobrevivem do comércio de fronteira. Mas, acrescenta-se a este montante de
dinheiro arrecadado e mercadorias destruídas os dados da (Tabela 4).
Tabela 4: Mercadorias Incorporadas a Órgãos Públicos Doadas pela RF
ANO Saída por incorporação a Órgãos Públicos
%
em relação ao total
2000
34.727.811,18 4,3
2001
46.510.297,34 5,7
2002
68.597.347,36 8,4
2003
86.449.920,27 10,6
2004
115.132.953,16 14,2
2005
139.486.530,63 17,2
2006
176.185.409,30 21,7
2007
145.356.390,72 17,9
TOTAL
812.446.659,96 100%
Fonte: Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2007.
A Tabela 4 é referente à quantia (valores em reais R$) arrecadada com a venda de
mercadorias apreendidas e que foi destinada, no mesmo período (2000 a 2007), para Órgãos
Públicos, mediante doações feitas pela Receita Federal. Lembramos que é possível a doação
das próprias mercadorias, no caso de eletrônicos, material de escritório, informática
99
, desde
que possam ser utilizadas por estes órgãos.
Além da destinação para órgãos públicos, as mercadorias que passarem por uma
triagem e estiverem dentro das normas de uso são leiloadas. Os leilões são previamente
anunciados pela Receita Federal na internet e os interessados podem vistoriar as mercadorias
com antecedência, pois, no dia do leilão, na venda por lotes de mercadoria, não é possível
fazer nenhum tipo de vistoria.
Na Região Fiscal, houve ao todo 101 leilões no período de (2000 a 2007). No
entanto, o que destacamos é o aumento do montante de dinheiro arrecadado em todo o
período (2000 a 2007), o que significa uma grande quantidade de mercadorias reincorporadas
ao circuito de circulação na figura do consumidor final.
99
Ver descrição nos itens c, d, e, respectivamente, na pg.124 desta dissertação.
138
Na (Tabela 5), estão os valores arrecadados em leilões realizados apenas na Região
Fiscal (SP), e fica evidente o decréscimo da arrecadação em proporção direta à diminuição do
número de leilões.
Tabela 5: Valores Arrecadados na Venda de Mercadorias
Fonte: Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, 2007
101
.
Dessa maneira, é como se o Poder do Estado agisse como um mediador ao retirar as
mercadorias do poder dos camelôs e sacoleiros, alegando que não deve existir a destinação de
comercialização, no entanto, o próprio governo faz a ponte para que estas mercadorias
cheguem ao consumidor final através dos leilões.
No caso das doações, apesar das mercadorias não serem destinadas à destruição,
também possuem a característica comum do pouco tempo de vida útil, e são também fruto da
exploração da força de trabalho, ou seja, as mercadorias doadas também sofrerão um rápido
desgaste, principalmente as do tipo brinquedos e bazar, doadas a instituições sem fins
lucrativos. Porém, da forma como está descrita no item (a) o produto da alienação aplicado
em programas educacionais ou assistenciais” fica oculto o fato das mercadorias doadas
terem sido pagas em algum momento, pelos trabalhadores que compõem o circuito de
circulação da camelotagem, o mesmo vale para todo tipo de destinação das mercadorias.
100
No ano de 2007, foram calculados os valores arrecadados em mercadorias apenas no período de janeiro a
junho.
101
Disponível em <www.receita.fazenda.gov.br> Acesso em 20/09/2007.
Anos Nº de Leilões
Valores Arrecadados
%
em relação ao total
2000 24 60.861.660,00 26,9
2001 17 39.091.750,00 17,3
2002 17 28.919.143,00 12,8
2003 15 21.938.035,00 9,7
2004 8 17.166.034,00 7,6
2005 5 7.767.090,00 3,4
2006 9 31.855.998,50 14,0
2007
100
6 18.378.060,00 8,1
TOTAL
101 225.977.770,50 100%
139
Na 9ª Região Fiscal, houve ao todo 207 leilões no período de (2000 a 2007), conforme
mostra a Tabela 6.
Tabela 6: Valores Arrecadados na Venda de Mercadorias na 9ª Região Fiscal
Anos Nº de Leilões Valores Arrecadados %
2000
52 6.432.629,00 11,8
2001
59 8.295.498,00 15,2
2002
39 11.646.725,00 21,4
2003
22 11.676.309,00 21,4
2004
16 6.222.382,00 11,4
2005
11 6.304.675,00 11,6
2006
4 1.538.630,00 2,8
2007
4 2.354.550,85 4,3
TOTAL 207 54.471.398,85 100%
Fonte: Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, 2007
102
.
Acreditamos que a transformação mais significativa no circuito da camelotagem se
deve ao fulgor da mercadoria, à necessidade que o sistema produtor de mercadorias possui de
produzir independente da qualidade, durabilidade, desperdício, e as condições de precariedade
da força de trabalho daquele que produz, transporta ou vende, seja na China, no Brasil ou no
Paraguai.
[...] uma vez que o funcionamento deste sistema, no decorrer de sua história,
se caracteriza pela prevalência da lei do desenvolvimento desigual, as
tendências [...] e contratendências podem se manifestar de maneira muito
diversa nas diferentes partes do mundo, dependendo do nível mais ou menos
avançado de desenvolvimento dos capitais nacionais dados, bem como da
posição mais ou menos dominante destes últimos no interior da estrutura do
capital global. [...] A predominância de um lado sobre o outro é igualmente
verdadeira em relação a nossa preocupação específica: a taxa de utilização
decrescente assumiu, na atualidade, uma posição de domínio na estrutura
capitalista do metabolismo socioeconômico, não obstante o fato de que, no
presente, quantidades astronômicas de desperdício precisem ser produzidas
para que se possa impor à sociedade algumas de suas manifestações mais
desconcertantes. (MÉSZÁROS, 2002, p. 653-5).
O mesmo se estende às condições precárias das atividades dos que atuam na
circulação e transporte das mercadorias, não somente as imitações (piratas), mas também as
originais de baixa qualidade, com pouco tempo de vida útil e baixo valor agregado. Talvez no
102
Disponível em < www.receita.fazenda.gov.br> Acesso em 20/09/2007.
140
plano contingente, o fato de uma mercadoria ser pirata faz com que ela tenha um menor
preço, por não incidirem alguns tributos e taxações, mas, tal fator, de certo modo no plano da
dinâmica, não anula a característica de fetichismo da mercadoria que se impõe de qualquer
forma, em qualquer condição institucional e, ao se impor, ela oculta a natureza destas
mercadorias de ser produto do trabalho social combinado, e o segredo dessa categoria
fetichismo da mercadoria é algo que está na estrutura dessa forma de ser do produto social,
naquelas condições de uma sociedade mercantil onde então ela se impõe.
É importante destacar que os dados das Tabelas 2, 3, 4 e 5 foram retirados de outras
tabelas disponibilizadas pela Receita Federal, tendo como fonte o Sistema de Controle de
Mercadorias Apreendidas. Como retiramos apenas os números interessantes ao nosso
propósito, nossa fonte é a Receita Federal, assim ponderamos que os números da RF
abrangiam alguns itens que foram suprimidos em nossos estudos por não possuírem uma
movimentação expressiva na camelotagem.
Os demonstrativos de destruição de cigarros publicados pela Receita Federal, no
período de 2000 a 2007, referem-se aos cigarros apreendidos por infração fiscal sujeita à pena
de perdimento, e estes são destruídos conforme artigo 14 do Decreto-Lei 1.593, de 21 de
dezembro de 1977 (redação dada pela Lei 9.822, de 23 de agosto de 1999), regulamentado
pela Portaria SRF 555 de 30 de abril de 2002. Das mercadorias fruto de contrabando, os
cigarros são os que possuem o maior rigor quanto à fiscalização, por isso as estratégias de
fabricação e distribuição são mais disfarçadas.
Eu comprei um hotel de um fabricante em Pedro Juan Caballero que tinha
sua própria marca de cigarros, mas também falsificava outras marcas.
Depois ele abriu uma fábrica de cigarros com a mesma marca no Brasil, em
seguida denunciou às autoridades que estavam falsificando sua marca de
cigarros no Paraguai, mas era ele mesmo que falsificava. A intenção foi
distanciar o foco da polícia de suas práticas de falsificação, a estratégia
funcionou por um tempo depois ele foi preso (informação verbal)
103
.
O estado do Paraná é o que mais destruiu a mercadoria do tipo cigarro no referente
período, no entanto, mesmo considerando a intensa comercialização de cigarros, não
apresentamos os números com mais detalhes porque constatamos que a venda destes nos
camelódromos de Presidente Prudente e Marília, assim como a sua busca em Ciudad del Este
(PY), foi insignificante nos dois últimos Trabalhos de Campo realizados para este estudo no
103
Depoimento dado por R. A. R, Associação do Comércio e Indústria de Presidente Prudente em 16 de maio de
2008.
141
ano de 2007, ainda que continue a prática antiga, mas, hoje, mais significativa do contrabando
de cigarros.
Deixar prendas como garantia é uma prática bastante comum como outras
mercadorias nas quais os paraguaios também trabalham. Dois rapazes que
trabalhavam diretamente com bricas de cigarro deixavam seu automóvel
como garantia para retirar as cargas que ia entregar. Uma vez que voltavam
com o dinheiro, podiam levar o automóvel (RABOSSI, 2004, p. 60).
A forte pressão exercida pelas grandes empresas fabricantes sobre o governo para
intensificar a fiscalização, a apreensão e a destruição reforça nosso entendimento da lógica
concorrencial da produção exacerbada, geradora da tendência à produção de má qualidade e
as práticas de falsificação.
A maior quantidade de cigarros contrabandeados ao Brasil provém do
Paraguai. Nas análises da mídia e das empresas localizadas no Brasil, a
questão é enfocada a partir da produção de cigarros no Paraguai e sua
vinculação com práticas ilegais, seja através dos mecanismos utilizados para
introduzir essa produção no Brasil contrabando ou pela manipulação do
direito de patentes paraguaio para usar marcas registradas em outros países.
Porém a expansão da produção de cigarros no Paraguai pode ser
compreendida à luz do crescimento da exportação de cigarros brasileiros a
esse país com o objetivo de ser re-introduzidos de forma irregular
(RABOSSI, 2004, p. 245).
Existem várias notícias semanais em jornais, tanto de Marília como de Presidente
Prudente (ANEXO 10), relacionadas à apreensão de grandes quantidades de cigarros e sua
posterior destruição, mas os camelôs deixaram de ser alvo das investigações nos
camelódromos dos dois municípios, após abandonar quase totalmente a comercialização de
cigarros devido ao rigor da fiscalização. Concluímos a este respeito que os cigarros originais,
falsificados ou fabricados por imitação possuem esquemas de compra, venda e distribuição
diferenciados, extrapolando os limites de alcance de nossa pesquisa.
Em suma, todas as destinações das mercadorias, seja destruição, doação para entidades
assistencialistas, doação para órgãos públicos ou venda em leilão, não inibe a produção das
mercadorias, e sim, causa um represamento, pois estas, se apreendidas nas mãos de camelôs,
sacoleiros, ou laranjas etc. de alguma forma é porque foram compradas e pagas pelo seu
valor de troca.
Da mesma forma, as mercadorias não tributadas apreendidas nos portos ou no trajeto
terão seu ciclo de valorização realizado no ato do leilão. Dessa maneira, estamos
142
considerando que a natureza da compra de mercadorias por lotes em leilão tem
freqüentemente como finalidade a comercialização.
No caso da destruição de mercadorias apreendidas que não condizem com as normas
de regulação e de consumo, há também o estímulo de mais produção nos países que compõem
a extremidade do circuito onde são produzidas, pois sua destruição é em maior parte
patrocinada por empresas defensoras das marcas originais, ou do produto correlato no
mercado formal, portanto são empresas que lucram na escala dos milhões. A destruição de
CDs, DVDs, isqueiros, preservativos, perfumes, óculos de sol etc., tanto por incineração ou
outro tipo, não inibe a produção e a continuidade das práticas de falsificação, pois isto
somente ocorreria se estes produtos não fossem comprados e pagos por camelôs e sacoleiros
antes de serem apreendidos.
Não adianta imaginar que a perda das mercadorias por repetidas vezes irá intimidar
um sacoleiro ou camelô, levando-o a desistência da atividade, após tomar alguns prejuízos,
mesmo porque, existem dois fatores predominantes para a insistência na atividade: um é a
necessidade de trabalhar sem alternativas, e outro é o patrocínio da atividade, tendo em vista
que, na maioria dos casos de contrabando mais significativo, as mercadorias não são
encomendadas por unidades ou consumidores comuns, mas sim por comerciantes legalizados
que exigem estas mercadorias em grande quantidade e em períodos contínuos. Portanto, se um
sacoleiro desiste da atividade, outro comparece em seu lugar, e o circuito de circulação das
mercadorias continua seu movimento uma vez que os elementos geradores continuam ativos.
143
4.3.2. A Reafirmação das Atividades Informais
No dia 09 de outubro de 2007, realizamos Trabalho de Campo em Ciudad del Este
(PY), com o objetivo de averiguar o funcionamento da nova Aduana brasileira
104
. Possuíamos
conhecimento prévio sobre a Aduana, após acompanhar os detalhes de sua construção no site
“sopa brasiguaia” e em jornais diversos e, em seguida, no dia 11 de outubro realizamos um
trabalho de campo no camelódromo da cidade de Marília, na região centro oeste do estado de
São Paulo.
A razão pela qual exigiu um novo Trabalho de Campo no Paraguai foi o fato da
inauguração da Aduana nova, no final de outubro de 2006, por ter causado significativas
mudanças no fenômeno estudado nesta pesquisa, tanto na cidade de Presidente Prudente,
oeste do estado de São Paulo, como na cidade de Marília ao mesmo tempo. Houve grande
impacto também em todo o circuito da camelotagem e no comércio de fronteira.
havíamos realizado um Trabalho de Campo em Ciudad del Este (PY) no ano de
2005, quando ainda existia a Aduana antiga, por isso, a necessidade de realização de outras
viagens para comparar a realidade das atividades que compõem o circuito de circulação das
mercadorias, após a intensificação da fiscalização, expressa na sofisticada Aduana no lado
brasileiro da Ponte da Amizade, na divisa de Ciudad del Este com Foz do Iguaçu no estado do
Paraná (BR), na conhecida e polêmica região da Tríplice Fronteira.
Outro fato que motivou a escolha de datas de realização de Trabalho de Campo foi a
proximidade com o dia 12 de outubro, dia das crianças, que em tese é quando as vendas de
brinquedos e presentes, em geral, tem um aumento significativo, tanto no comércio formal
como no informal. Dessa forma, poderíamos comparar o momento de aquisição das
mercadorias no principal centro de compras que é Ciudad del Este e o posterior momento da
venda no camelódromo de Marília.
104
A nova Aduana brasileira conta com área de 8,4 mil m², com um investimento de aproximadamente R$ 13,5
milhões. Estão previstos 200 Fiscais para garantir o funcionamento 24 horas, 7 dias por semana. Contém 7 pistas
(4 para carros, 1 para ônibus, 1 para motos e 1 para pedestres). Possui um banco de dados com o nome de
aproximadamente 200 mil camelôs e sacoleiros e 12 mil “laranjas”, e um software “inteligente” desenvolvido
por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), que analisa as imagens captadas pelo sistema de
câmeras da aduana e identifica indivíduos “suspeitos”. A segunda etapa das obras de modernização no sentido
Foz do Iguaçu / Ciudad del Este, está orçada em R$ 5.561.072, devendo ser construída no período de 02/01 a
29/10 de 2007. O governo brasileiro ainda oferece apoio financeiro de US$ 3.000.000,00 para reforma no lado
paraguaio. Disponível em <
www.sopabrasiguaia.blogspot.com> Acesso em 29/05/2007).
144
Para compreender esta complexidade de relações, entrevistamos vários camelôs e
sacoleiros ao longo da viagem, mas, durante o Trabalho de Campo nas lojas e nas ruas de
Ciudad del Este, nos dedicamos a acompanhar apenas o percurso de compra realizado pela
sacoleira Rita (60 anos) devido a especificidade de suas compras possuir elementos
importantes para compreendermos a trama de realização do valor das mercadorias, assim
como o abastecimento de comércios inscritos no setor formal.
A sacoleira Rita ciente das novas normas de fiscalização imposta na Aduana nova
levou consigo três “laranjas” para garantir um total de U$ 1.200,00 dólares de cota, sendo que
um dos “laranjas” era sua própria filha de 13 anos de idade. Esta prática de utilização de
laranjas é comum em Ciudad del Este para evitar a declaração das mercadorias e ampliar o
limite permitido de U$ 300,00 da cota de importação de turismo no Paraguai.
Estou tentando ensiná-la a trabalhar como sacoleira porque não estou mais
conseguindo viajar, é muito cansativo, mas ela precisa ser mais atenta, pois
para ser sacoleiro o pode ser lerdo”. Por isso eu mando ela ficar com a
bolsa com o dinheiro, mando pagar as contas no caixa, retirar as
mercadorias no balcão. Ela precisa aprender a ordem de realização das
compras. Por exemplo, a saída do ônibus para retornar à Presidente
Prudente é as duas horas (14 h), mas nunca sai na hora, porque os sacoleiros
velhos de Paraguai chegam na hora combinada, mas, tem sempre gente
nova que vem pela primeira vez e isso atrasa a volta. Para o tipo de
mercadorias que eu compro e vendo não se pode ficar aqui muito tempo,
porque quanto mais aumenta o movimento na nova Aduana, mais os fiscais
ficam estúpidos e ai o passa nada, mesmo se tiver dentro das normas.
Tem que sumir daqui no máximo as 9:00 horas. Então eu chego e já compro
maquiagens, porque a loja abre as 4:00 horas, não adianta ficar zanzando
por ai, porque tem ladrões por todo lado de madrugada, é melhor ficar
dentro da loja até as 7:00 horas e esperar abrir a loja de bebidas
105
, onde as
coisas são demoradas. Daí, deixo um “laranja” esperando a mercadoria ser
liberada na loja e corro nas outras e compro as outras mercadorias porque é
tudo no mesmo lugar. Ou seja, quando da 8:00 horas eu já fiz tudo, pago um
condutor de confiança e caio fora daqui o mais rápido possível. (informação
verbal)
106
.
Nas normas da nova Aduana, não basta agrupar as garrafas por tipo de bebida, é
preciso separar por identificação. Por exemplo, podem ser transportados em cada sacola
apenas três litros de cada marca de Whisky, ou seja, 3 litros de Jack Daniels, 3 litro de Black
label, 3 litros de Buchanas. Mesmo assim, dependendo da interpretação do fiscal, pode ser
105
A loja de bebidas a que a sacoleira Rita se refere é a loja Macedônia, uma das mais procuradas de Ciudad del
Este, para a compra de bebidas, mas também vende perfumes, cosméticos, tabacaria e eletro-eletrônicos em
geral.
106
Depoimento dado pela sacoleira Rita no dia 10 de outubro de 2007 que exigiu que o sobrenome não fosse
divulgado, assim como o estabelecimento para o qual fornece as bebidas importadas e os acessórios.
145
caracterizada a compra para revenda, por isso a sacoleira Rita tinha a cautela de dividir em
cada sacola apenas 6 litros de Whisky, sendo 3 de cada marca e acrescentava 3 litros de licor
de amarula; em outra sacola, fazia o mesmo, mas acrescentava 3 litros de vodka importada.
Nas normas antigas, havia certa flexibilidade com relação aos itens repetidos de mercadorias,
por isso, antes do ano 2006, ainda predominava a passagem com grande quantidade de
mercadoria em poder de uma mesma pessoa.
Atualmente nas novas normas de fiscalização, o quesito item repetido ganhou mais
importância, o que obrigou a contratação de laranjas pelos camelôs e sacoleiros no local de
origem e não mais no local de compra, pois passou a ser necessário haver maior relação de
confiança.
Nos dias atuais, após a liberação das caixas de bebidas no estoque das lojas de auto-
serviço em Ciudad del Este (PY), enquanto um “laranja” fica vigiando as mercadorias, o
sacoleiro segue em busca de outros itens, para, em seguida, distribuí-las da melhor maneira
possível no preenchimento da declaração de bagagem acompanhada (DBA) de cada laranja,
para retornar ao local de origem. Diferente do laranja que atua apenas no Paraguai, o laranja
levado pelos camelôs ou sacoleiro terá que se responsabilizar pelo registro das mercadorias
em seu nome, que ficará registrado no banco de dados da Aduana por um período de 31 dias.
O objetivo destes trabalhadores é cruzar a aduana o mais rápido possível, sabendo que
a relação cara a cara com os fiscais é muito tensa. Por isso, muitos preferem passar as
mercadorias pelo rio Paraná, através dos barqueiros. Mesmo perdendo por vezes as
mercadorias, estes trabalhadores continuam entendendo como viável exercer a atividade.
Compensa. Depois eu volto e recupero o prejuízo, a gente não perde
sempre. Hoje eu perdi no máximo R$ 100,00. Não quero ganhar muito
apenas o meu arroz com feijão e os meus remédios. Dessa vez eu perdi não
por causa das bebidas, mas por causa dos incensos. Veja, eu tinha um
pacote de cigarros que não pode passar, eu distribui os maços na minha
sacola e na da minha filha, o fiscal viu e não falou nada, tem gente que
passa com muito mais que isso em CDs que não pode e eles não falam nada,
tudo depende do fiscal que te chama no guichê, do humor dele, e da sorte da
gente. Hoje não foi meu dia de sorte, mas ainda bem que as sacolas dos dois
“laranjas” passaram, do contrário, eu teria muito prejuízo. Agora, com o
lucro das duas sacolas eu recupero parte do que perdi e tenho que seguir em
frente. Não sei fazer outra coisa. Alem do mais, quem daria emprego para
mim? (informação verbal)
107
.
107
Depoimento dado pela sacoleira Rita no dia 10 de outubro de 2007.
146
Mesmo com a justificativa dada pela sacoleira Rita, os sinais de abatimento de mãe e
filha eram visíveis. Então, perguntamos a um dos “laranjas” se era viável correr o risco de
perder as mercadorias e obtivemos o seguinte relato.
Ela perdeu porque não soube trabalhar. Ela não conhece as normas. Eu saí
prejudicado, porque combinei com ela que viria como “laranja”, sem
receber nada, somente passagem e as refeições, desde que, eu pudesse
comprar alguns presentes para os meus filhos, no fim sobrou espaço na cota
de quase U$ 80,00 e ela não me deixou comprar nada somente para ter cota
de sobra no caso do fiscal criar problema. Deu no que deu, ela perdeu duas
sacolas (U$ 600,00) e eu não comprei nada. Bem feito. Quem trabalha com
isso tem que ser esperto e não é o caso dela. Mas eu vou voltar e vou
comprar minhas coisas daqui um mês quando o meu nome for liberado do
sistema, não tem problemas é trazer “laranjas” e seguir as normas, não
comprar muita coisa. (informação Verbal)
108
.
Chamou-nos a atenção neste relato a intenção de uma pessoa comum, que não pensava
em ser sacoleiro, mas atuou como “laranja” e, a partir daí, ao conhecer o trajeto de compra
das mercadorias, passou a ver no circuito um atrativo para retornar, no entanto, atuando como
comprador que irá levar consigo outros “laranjas”.
Lembramos que, próximo ao período de inauguração da nova Aduana, criou-se uma
atmosfera entre autoridades da Receita Federal, de que a atual fiscalização iria eliminar de vez
a atuação dos “laranjas”, pois seus nomes ficariam registrados no banco de dados da Receita
Federal. No entanto, presenciamos o contrário: o rigor da fiscalização obriga os camelôs e
sacoleiros a levar outras pessoas, quantas forem necessárias, para atuar como “laranjas”,
aumentando o número de pessoas comuns que agora passam a exercer esta função.
4.4. A Finalidade da Nova Aduana Brasileira
A título de comparação, podemos afirmar de antemão que a diferença de ordenação
física espacial, de estrutura e de gestão da nova Aduana é imensa, se comparada aos mesmos
aspectos da Aduana antiga.
Na Aduana antiga, os condutores de vans que cruzavam a Ponte da Amizade e
entravam no Brasil precisavam apresentar um documento chamado manifesto. Trata-se de
108
Depoimento dado por Aparecida da Silva (33 anos), que atuou como laranja, mas não tem essa atividade
como profissão e estava viajando pela primeira vez ao Paraguai.
147
uma planilha na qual os passageiros devem anotar seu nome e documento de identificação.
Em tese, cada van podia transportar no máximo três pessoas e com limite máximo de
bagagem (três sacolas). No entanto, pela desorganização e grande quantidade de vãs que
cruzavam a ponte ao mesmo tempo, era praticamente impossível a vistoria.
Na ordenação espacial implantada atualmente, parte visível que mais chama atenção
na Aduana nova, a intenção clara do acesso mais fácil dos fiscais da Receita Federal e da
Polícia Federal aos veículos que cruzam a Aduana, transportando mercadorias.
A separação dos corredores de veículos por capacidade de carga facilita a fiscalização.
Pois, dessa forma, em um corredor onde circulam veículos do mesmo tipo, os fiscais
aprendem a procurar nos respectivos carros as mercadorias que possivelmente são escondidas
pelos condutores em lugares estratégicos. Como as práticas de tentar iludir a fiscalização e
passar com mercadorias escondidas no interior dos veículos se repetem, um corredor de carros
do mesmo tipo facilita a busca direta pelos fiscais nos supostos esconderijos.
A (Figura 24) representa a interface entre Ciudad del Este (PY) e Foz do Iguaçu (PR),
cuja intenção é apenas mostrar a seqüência da localização da nova Aduana brasileira, pois
muitas pessoas que nunca viajaram ao Paraguai, especificamente para Ciudad del Este, não
sabem ao certo se as instalações da nova Aduana brasileira estão situadas em território
paraguaio, brasileiro ou exatamente na fronteira, uma vez que do lado paraguaio também
existe a aduana paraguaia.
Figura 24 : Interface Entre Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad Del Este (PY)
Fonte: IBGE. Org. Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
148
A observação da (Figura 24) mostra que a nova Aduana está em território brasileiro
depois de cruzar a Ponte da Amizade, apesar do governo brasileiro ter um projeto de financiar
e estender as obras também para a reconstrução da Aduana ,no lado paraguaio.
A prática de cruzar a Aduana antiga com mercadorias sem a devida declaração vale
para veículos de diferentes portes. Nos carros de passeio, normalmente nos táxis, as
mercadorias eram transportadas no porta-malas, sendo que as mercadorias que chamavam
mais a atenção da fiscalização, como cigarros, por exemplo, eram escondidas na caixa de
estepe ou mesmo dentro da tapeçaria do carro.
Existem inúmeros casos de veículos, do tipo vans ou peruas que possuem esconderijos
adaptados no próprio assoalho ou no teto para passar mercadorias, cujo valor se aproxima ou
ultrapassa o limite permitido pela cota de importação de turismo brasileiro no Paraguai. Trata-
se de mercadorias como computadores portáteis, filmadoras, câmeras digitais, ou itens
repetidos de equipamentos e acessórios de informática como pen drives, CDs e outros.
O seguinte relato do condutor de um ônibus ilustra o impacto imediato da inauguração
da Aduana nova sobre o circuito de circulação das mercadorias em fevereiro de 2007.
Hoje em dia é muito grande a exigência da Receita Federal, para declarar as
mercadorias no cruzamento da Ponte da Amizade em Foz do Iguaçu, por isso
é melhor vir para Pedro Juan. Sabemos que o certo é declarar as
mercadorias, mas daí o preço fica muito alto e se contar com os gastos da
viagem, acaba não compensando. Como os camelôs precisam trabalhar e eu
também, agente corre o risco. O problema é como eu disse: a hora que a
gente vai sair de Pedro Juan e chegar em Presidente Prudente, vai depender
dos acertos. (informação verbal)
109
.
Em Pedro Juan Cabalero (PY), fronteira com Ponta Porã (BR), e em Salto del Guairá,
fronteira com Sete Quedas (PR), os comerciantes começavam a comemorar o aquecimento
das vendas em fevereiro de 2007. Pedro Juan Caballero (PY) é considerado “fronteira cega”
pelo motivo da fiscalização não ser rigorosa.
Em estudos anteriores realizados até novembro de 2003, detectamos que 84% dos
camelôs de Presidente Prudente compravam suas mercadorias para revender em Ciudad Del
Este (PY), fronteira com Foz do Iguaçu (PR), enquanto 16% recebiam dos sacoleiros estas
mercadorias no Box para revender, totalizando na época, aproximadamente 250 camelôs.
Ainda hoje, esta relação permanece, porém o número de camelôs que passaram a viajar para o
109
Depoimento dado pelo motorista e proprietário do ônibus - acreditamos clandestino - que pediu para não ter o
nome divulgado.
149
Paraguai aumentou para eliminar a figura do sacoleiro, que nesta relação funcionava como um
atravessador.
No entanto, em fevereiro de 2007, após a inauguração da nova Aduana, somente
aqueles camelôs com ponto fixo ou sacoleiros sem ponto fixo, que como dizem no cotidiano
da camelotagem “são velhos de Paraguai”, ou seja, somente os que possuíam mais experiência
e conheciam formas menos arriscadas de passar com as mercadorias é que ainda se
aventuravam a viajar para Ciudad del Este (PY) com relativo sucesso. Outros ao perder as
mercadorias desistiam de viajar e passavam a comprar dos atravessadores.
Nosso primeiro Trabalho de Campo no Paraguai foi na Iniciação Científica, em
fevereiro de 2005, especificamente em Ciudad del Este (PY). Naquela ocasião, verificamos na
trajetória dos camelôs, para a compra das mercadorias, sua articulação com algumas
atividades que atuam no transporte (pequenas empresas de turismo, ônibus clandestinos,
motoristas de vans ou peruas etc.). Ao verificarmos a contratação de laranjas, carrinherios,
paseros, percebemos a tessitura das atividades conexas, pois o que faz com que estas
atividades se complementem de forma articulada é, além da necessidade de trabalhar, o
entendimento comum entre ambas de que a fiscalização imposta pelo Estado é um obstáculo a
ser superado.
Em nosso segundo Trabalho de Campo no Paraguai, em Pedro Juan Caballero (PY),
em fevereiro de 2007, voltamos a presenciar o entendimento dos camelôs e outros
trabalhadores inseridos neste circuito, de que a não declaração das mercadorias é fator
fundamental para sobreviverem na atividade, pois a não tributação é um motivo dos produtos
por eles comercializados possuírem baixo preço. Desta forma, viajam mesmo sob risco de
perderem as mercadorias.
Diante da rigidez da fiscalização, a bandeira do direito ao trabalho volta à tona. Assim,
uma série de discursos antagônicos passa a ser defendida nos meios de comunicação. No
entendimento dos representantes da Receita Federal, existe uma logística do contrabando na
região fronteiriça, conectando os camelôs e as atividades conexas a estabelecimentos que
servem como base aos grandes contrabandistas (hotéis, estacionamentos, postos de gasolina,
depósitos e guarda-volumes), o que obrigou a implantação de um novo mecanismo de
fiscalização na Aduana nova, no qual é obrigatória a comprovação da renda destes
trabalhadores intentando detectar se viajam a serviço de terceiros.
A entrada de mercadorias não declaradas em território brasileiro tornou-se
preocupante para o governo, após várias apreensões realizadas a partir da intensificação da
fiscalização volante e de surpresa, em rodovias no ano 2003, ainda quando operava a aduana
150
antiga. Naquele período, enormes cargas de mercadorias, de vestuário e bazar até
equipamentos de informática de alta tecnologia começaram a ser apreendidas em ônibus,
caminhões e carretas. Tudo isso, somado a utilização de vários ônibus adaptados para o
contrabando, freqüentemente, sem os assentos e abarrotados de mercadorias no seu interior e
no bagageiro, sem mencionar os ônibus clandestinos transportando mercadorias sem
declaração, e camelôs, sacoleiros e “laranjas” com destino a diversos estados brasileiros.
A intensificação de tais práticas levou as autoridades do governo ao entendimento de
que a rota do contrabando na região da Tríplice Fronteira, principalmente no cruzamento da
Ponte da Amizade, movimentava muito mais do que o contrabando “formiga”, que se
expressa nos inúmeros camelôs espalhados nas calçadas e praças das grandes e médias
cidades brasileiras, ou seja, as autoridades do fisco perceberam que o dinâmico corredor de
circulação de mercadorias oriundas do Paraguai e comercializadas no Brasil não podia ser
impulsionado com tamanha intensidade apenas pelos camelôs e sacoleiros, visando o
consumidor final comum, com baixo poder aquisitivo. Mas, havia também, uma organizada
de rede de contrabando de grande escala, com o abastecimento de supermercados, lojas e
distribuidoras inscritas no setor formal, mas que se valem deste expediente para mesclar
mercadorias declaradas com as não declaradas em seu estoque.
Em suma, houve a percepção por parte das autoridades arrecadadoras do Estado de
que o investimento na sofisticação aduaneira, naquele corredor de mercadorias, iria implicar
em altos ganhos em arrecadação por parte do Governo Federal. Isto faz-nos partir da hipótese
de que a intenção do governo é principalmente tributar as mercadorias, e ao mesmo tempo,
controlar o fluxo de pessoas e veículos que cruzam a fronteira Brasil/Paraguai.
A construção da Aduana nova prevê a obrigação da declaração de 100% das
mercadorias compradas no Paraguai. Isto forma uma enorme fila para o preenchimento da
Declaração de Bagagem Acompanhada (DBA), que na linguagem cotidiana dos camelôs e
sacoleiros se chama “DARF”. Dessa forma, um intenso e desorganizado fluxo de veículos
diversos de pequeno porte, no lado paraguaio, que se direciona ao Brasil. Mas, quando estes
se aproximam da nova Aduana vão aos poucos se posicionando na pista, de forma a
assumirem seus corredores de fiscalização ao adentrar a área restrita da Aduana.
As vans e táxis param em uma área reservada no espaço da Aduana nova, próximo a
uma imensa quantidade de mesas onde são preenchidas as declarações de bagagem. Nem
todos os veículos cruzam a Aduana, a maioria retorna ao Paraguai, e somente os taxistas
regularizados podem cruzar e voltar novamente, porém mesmo estes estão sujeitos a uma
minuciosa revista.
151
Nesse momento, forma-se uma imensa fila de sacoleiros, camelôs, laranjas e turistas
comuns arrastando pesadas sacolas repletas de mercadorias de diferentes tipos. O
preenchimento do DBA é o segundo momento de maior tensão da viagem, pois é quando os
camelôs, sacoleiros e laranjas vivenciam o “corpo a corpo ou (cara a cara)” com os fiscais da
Receita Federal.
O “clima” estabelecido entre fiscais - enquanto trabalhadores representantes do poder
do Estado - e os trabalhadores informais que compõem o circuito de circulação das
mercadorias é de hostilidade. Aqui verificamos in locu os conflitos entre o poder do Estado,
colocado em prática na figura dos representantes do governo contra as formas de resistência
dos trabalhadores que executam atividades no limite da legalidade.
Diante dessa situação, evita-se qualquer forma de comunicação, contato físico e
simpatia, por parte das autoridades do fisco, dos agentes arrecadadores do Estado e agentes da
Polícia Federal para com os sacoleiros, camelôs e turistas compradores.
Todo tipo de comentário ou diálogo paralelo é evitado. Qualquer tentativa de
abordagem aos fiscais ou agentes da Polícia Federal para pedir informações não é
recomendada, a dispersão ou circulação de pessoas nas dependências da Aduana, assim como
fotografias, filmagens etc. é expressamente proibida.
A passagem pela Aduana é forçosamente apressada e truculenta. intensos conflitos
quando um fiscal constata a existência de vários itens repetidos de mercadorias de mesma
espécie nas sacolas dos camelôs, sacoleiros, “laranjas” e mesmo de turistas compradores, pois
não como diferenciar de antemão um sacoleiro que compra com fins de revenda de um
turista comum.
A Aduana nova segue a padronização das mercadorias separadas por subgrupos
dispostas por itens, ou seja, na forma que o Ministério da Fazenda exige. Seguindo este
receituário, os fiscais em início de carreira tentam mostrar eficiência profissional, sob rigorosa
supervisão dos profissionais que exercem os cargos de chefia aduaneira. Neste caso, ser
eficiente significa vistoriar com o máximo de rigor toda mercadoria encontrada em poder dos
camelôs, sacoleiros e “laranjas”. Dessa maneira, todo excesso de mercadoria, repetição de
itens de mesmo tipo ou desrespeito à cota de importação é passível de apreensão.
Verifica-se no ato da passagem pela Aduana nova um intenso jogo de força entre os
trabalhadores representantes do governo que exercem o papel de arrecadadores, e outros, o
papel de controladores (polícia federal, guardas, fiscais e seguranças) contra os trabalhadores
que atuam no circuito de circulação das mercadorias.
152
Porém, quando nos referimos a estes trabalhadores informais em conjunto e dizemos
que suas atividades se complementam, não significa que atuam de forma unida e solidária,
pelo contrário, inúmeros traços de individualismo e concorrência entre os camelôs,
sacoleiros e laranjas. Por exemplo, questionamos os camelôs presentes na viagem, sobre a
alternativa da sacoleira Rita, devido aos problemas de saúde, ao invés de ser sacoleira, sem
ponto fixo, se tornar camelô com ponto fixo, adquirindo gratuitamente um boxe no
camelódromo, como em tese deveria ocorrer. Contudo, nas respostas obtidas, notamos que
prevalece entre estes trabalhadores muito mais o “ímpeto” da concorrência do que o da
solidariedade do trabalho.
A construção da nova Aduana, assim como a intensificação das ações de fiscalização
no nosso entendimento, são partes de uma estratégia do governo brasileiro no sentido de dar
respostas aos problemas causados pela pirataria.
Nesse contexto, de acordo com o relatório do Ministério da Justiça
110
sob
responsabilidade do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade
Intelectual (CNCP),
[...] É muito difícil precisar o momento exato em que a pirataria invadiu o
Brasil e, mais ainda, demarcar o momento em que ela despontou como
atividade de impacto econômico significativo, uma vez que passou a ser
encarada como um problema de Estado apenas quando foi, aos poucos,
tomando proporções não desprezíveis, e passou a representar sérios prejuízos
ao Governo e aos setores industriais. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA.
Relatório 2006, p. 11).
Segundo o mesmo relatório, “o Brasil nunca foi um grande produtor de mercadorias
piratas, e nem o é. A produção em larga escala, normalmente ocorre no exterior e entra
ilegalmente no mercado interno” (p.11). Neste sentido, a cadeia de distribuição das
mercadorias piratas é realizada na camelotagem articulada às atividades conexas, cuja
tessitura compõe uma complexidade. Nesta complexidade existe ao mesmo tempo uma ampla
gama de trabalhadores brasileiros, mas também paraguaios e de outros países, sendo os
camelôs, os trabalhadores que atuam em uma ponta desta cadeia de distribuição (vide os
camelódromos).
110
O BRASIL CONTRA A PIRATARIA. Anos de 2003, 2004 e semestre de 2005. Biênio 2005/2006, junho
de 2006. Disponível em <
www.mj.gov.br/combatepirataria/> Acesso em 12 de fevereiro de 2007.
153
Ainda
no relatório mencionado, o combate à pirataria passou a ser uma preocupação
constante nas diferentes esferas de competência do Governo brasileiro. Não apenas através de
operações policiais e alfandegárias de apreensão de produtos pirateados, como também
esforços em diferentes instâncias, como a constituição de grupos de trabalho sobre assuntos
correlacionados, o encaminhamento de propostas institucionais e legislativas e as diferentes
ações de coordenação e treinamento (p.15).
Nossa pesquisa tem demonstrado que os produtos pirateados, apesar de sofrer aumento
de preço diante da intensificação da fiscalização, continuam sendo vendidos pelos camelôs,
assim como a atividade dos sacoleiros continua a ser exercida apesar dos riscos de perda das
mercadorias, lembrando que camelôs abastecem um grupo de consumidores cada vez mais
diversificado do ponto de vista do poder aquisitivo.
As apreensões de ônibus com grandes quantidades de equipamentos de informática,
laptop etc. em poder de “laranjas”, que não conseguem comprovar renda suficiente para
adquirir tais mercadorias, indicam que estes, evidentemente, atuam em nome de terceiros os
quais possuem capital de giro. Também, o fato de sacoleiros comprarem uma grande
quantidade de mercadorias do mesmo item, sob encomenda, mostra que o perfil
socioeconômico dos consumidores destas mercadorias é diversificado.
Da mesma forma, a característica dos trabalhadores encontrados nos camelódromos
tem se alterado se comparado ao início desta atividade no começo da década de 1990, que
antes era restrita às pessoas impedidas de atuar no mercado formal por problemas físicos,
baixa escolaridade, sem profissão etc. Atualmente é comum encontrar no circuito da
camelotagem pessoas com segundo grau completo, com profissão e em alguns casos até curso
superior.
Diante da necessidade do Brasil dar uma resposta, com relação à pirataria, às
entidades mundiais como a OMC, às grandes empresas e aos EUA, as ações de fiscalização
por parte da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Receita Federal aumentaram nos
últimos anos, assim como o número de apreensões de mercadorias pirateadas e sua
conseqüente destruição. No entanto, a insistência de camelôs e atividades conexas no circuito
de circulação das mercadorias está obrigando o governo a rearticular as formas de fiscalização
para apreender mercadorias e combater o contrabando, pois, na medida em que se fiscaliza e
aumenta o número de apreensões e destruição de algumas mercadorias, diminui o número de
itens entre os camelôs, levando ao aumento do preço e da procura e conseqüentemente
estimulando novamente um grande número de pessoas que, ao levantar a bandeira da
necessidade de trabalhar, se lançam novamente no circuito de circulação, mesmo correndo o
154
risco de perder tudo novamente. Contraditoriamente, um conjunto de atividades passa a
funcionar de forma ainda mais articulada, e estas pessoas também enxergam na
comercialização dessas mercadorias uma forma de trabalho. O que coloca para o Estado um
desafio nas diferentes esferas do poder.
Na esfera da União, o desafio é ao mesmo tempo combater a pirataria para cumprir o
compromisso político voltado para as normas de comércio exterior, e internamente sofisticar
os mecanismos de tributação em pontos estratégicos da Receita Federal.
[...] o imposto de importação é além de fonte de arrecadação, como todos os
demais tributos, um eficiente meio de que dispõe o Estado para a) controlar
os preços no mercado interno; b) equilibrar a balança comercial e c)
dificultar as práticas abusivas de produtores estrangeiros ou nacionais. Por
possuir múltiplos objetivos extrafiscais, as alíquotas são fixadas em tal ou
qual patamar porque há um interesse público em que assim seja. Deste
modo, quem deixa de pagar o tributo devido ao introduzir a mercadoria no
território nacional atinge diretamente o interesse que a norma penal visa a
proteger (BALTAZAR JR)
111
.
Segundo este jurista, para a incidência do crime de descaminho, não necessita haver
fraude, ou seja, se a mercadoria entra por zona alfandegária
112
, mas o sujeito não declara -
mesmo passando pela fiscalização -, e, caso as mercadorias sejam apreendidas, estará
configurado o crime de descaminho. Para caracterizar o delito previsto no caput do artigo 334,
do Código Penal, não é necessário que a pessoa venda, exponha à venda ou mantenha em
depósito a mercadoria, pois basta sua entrada em território nacional, sem o devido
recolhimento de impostos. Assim, o descaminho é uma infração penal, tributária e aduaneira,
e o mais antigo dos crimes contra a ordem tributária cujo bem jurídico protegido é a ordem
tributária.
[...] o termo mais antigo, contrabando, se origina de contra e bannumou
bandum como algo oposto à autoridade bannum ou à ordem dela
emanada bandum”, já o termo descaminho surgiu no Direito português. A
lei trata ambos como sinônimos, porém são diferentes. O contrabando é a
importação ou exportação de mercadoria proibida, atentando contra a saúde
ou a moralidade pública, e administração pública. Já o descaminho, é a
111
Este artigo não continha título nem ano de publicação. Disponível em <www.verbojuridico.com.br> Acesso
em 14/04/2007.
112
Zonas alfandegárias são locais destinados pela legislação aduaneira para o ingresso regular de mercadoria
estrangeira no País. Existem alfândegas nos portos, aeroportos e alfândegas terrestres (Uruguaiana, Chuí e
Ciudad del Leste).
155
ilusão do pagamento de tributo em operação envolvendo mercadoria
permitida, ofendendo, primordialmente, a ordem tributária (idem).
Existe uma quota legal com isenção tributária, prevista em decreto de lei acerca da
bagagem do viajante. Nessa lei, no que se refere à suposta isenção tributária, o conceito de
bagagem abarca os produtos de uso pessoal, levados para o exterior ou trazidos para o Brasil,
e sua quantidade não pode possuir destinação comercial até o limite estabelecido pela
autoridade administrativa.
Em estudos anteriores, percebemos que a cota de isenção que antes era de US$ 150,00
e posteriormente foi aumentada para US$ 300,00 era o suporte legal utilizado pelos camelôs e
sacoleiros, mas ignorando o quesito destinação. Sempre que por nós inquiridos sobre este
aspecto, os camelôs respondiam que estavam dentro da cota ou que só compravam o limite da
cota, apesar de comprarem toda a cota de uma única mercadoria.
A partir do ano de 2006, este item ganhou importância maior, ou seja, mesmo que os
produtos trazidos componham um valor no limite da quota, o que a princípio excluía o
trabalhador do crime de descaminho, assentado na isenção tributária, em uma interpretação
mais rigorosa os produtos não podem ter destinação comercial; porque se assim for, constitui
o crime de descaminho, ainda que dentro da quota permitida, nos termos do art. do DL
2.120/84
113
.
Portanto, estão excluídas do conceito de bagagem as mercadorias com destinação
comercial. Tal fato ocorre quando na bagagem existe um grande número de itens do mesmo
produto, e é exatamente esta a característica das mercadorias vendidas nos camelódromos, ou
seja, nas viagens ao Paraguai compra-se o valor da cota em brinquedos, isqueiros,
eletroeletrônicos, CDs etc.
No desenvolvimento de nossa pesquisa, percebemos que o grau de tolerância com
relação à fiscalização sofreu oscilações para mais ou para menos muito significativas. No
início da década de 1990, quando a informalidade começou a aumentar, havia uma margem
113
Art. 18. Consideram-se como produtos estrangeiros introduzidos clandestinamente no território nacional, para
todos os efeitos legais, os cigarros nacionais destinados à exportação que forem encontrados no país, salvo se em
trânsito, diretamente entre o estabelecimento da empresa industrial e os destinos referidos nos incisos do art. 8º,
desde que observadas as formalidades previstas para a operação. Art. 1º. O viajante que se destine ao exterior ou
dele proceda está isento de tributos, relativamente a bens integrantes de sua bagagem, observados os termos,
limites e condições, estabelecidos em ato normativo expedido pelo Ministro da Fazenda. § -Considera-se
bagagem, para efeitos fiscais, o conjunto de bens de viajante que, pela quantidade ou qualidade, não revele
destinação comercial. § . O disposto neste artigo se estende: aos bens que o viajante adquira em Lojas Francas
instaladas no País; aos bens levados para o exterior ou dele trazidos, no movimento característico das cidades
situadas nas fronteiras terrestres .
156
de manobra bem maior por parte da fiscalização aduaneira, volante e local. Porém, a partir
dos anos de 2003, tais medidas foram se tornando mais rígidas, e, a partir do ano de 2005, o
governo brasileiro projetou a nova Aduana inaugurada no final de outubro de 2006. As
principais justificativas foram a pressão que a OMC e os EUA vêm exercendo sobre as
autoridades brasileiras, no sentido de combater a pirataria, considerando a região da Tríplice
Fronteira (Figura 25), como a principal zona de circulação das mercadorias piratas.
Figura 25: Região da Tríplice Fronteira
Fonte: IBGE, 2008. Org. Ivanildo Dias Rodrigues, 2008.
A Região da Tríplice Fronteira é o lugar comum que une os limites territoriais e
políticos de três países diferentes. Existem muitas tríplices fronteiras na América do Sul,
sendo que no Brasil nove tríplices fronteiras
114
. A região da tríplice fronteira é formada
pelas cidades de Puerto Iguazu, na Argentina, Ciudad del Este, no Paraguai e Foz do Iguaçu,
no Brasil e é considerada pelas autoridades nacionais e internacionais como o maior centro de
contrabando da América do Sul
115
.
114
Disponível em: < http://pt.wikipedia. Org/wikitr%Cw%ADpliceFronteira > Acesso em 08/09/2007.
115
Disponível em: < http://www.defesa.ufjf.br/arq/Art173.htm > Acesso em 08/09/2007.
157
4.5. Os Impactos da Fiscalização e a Busca por Alternativas Clandestinas
Com o objetivo de perceber as alterações na atividade dos camelôs, após a
inauguração da Aduana nova entrevistamos o camelô, senhor Antonio, no mês de julho de
2007. Indagamos sobre a possibilidade de abandonar a atividade, caso a fiscalização
permaneça ou se intensifique, e a resposta está representada no seguinte extrato de nossa
entrevista.
Por enquanto você pode apelar pros barcos. Funciona assim, a “marinha”
sobe ou desce o rio, e os barqueiros sabem que tem 15 minutos pra ela
voltar, esse é o tempo exato pra você fechar com o barqueiro, o valor é R$
70,00, pra ele atravessar suas sacolas e por na barranca do Rio Paraná. Ele
não se responsabiliza se de repente a “marinha” voltar antes dos 15 minutos
e pegar de surpresa. O governo cogitou um imposto especial para gente, mas
até agora não mudou nada e para declarar tudo do jeito que eles querem não
dá, não compensa, melhor parar e fazer outra coisa. (informação verbal)
116
.
A possibilidade de “fazer outra coisa” ou buscar outra atividade não comparece como
opção para a maioria dos camelôs e trabalhadores que executam as atividades conexas e que
não são aposentados, pois esta característica da aposentadoria, antes comum nas atividades
informais, nos dias atuais, deixou de ser relevante. A complexidade das atividades assim
como a heterogeneidade dos trabalhadores que as compõem é mais visível se considerarmos
todo o circuito de circulação.
O rigor da fiscalização que em tese deveria diminuir o número de trabalhadores que
compõem o circuito de circulação, pelo contrário, acaba fazendo ressurgir e diversificar
atividades que não estavam em evidência como a dos barqueiros.
O comércio em Ciudad del Este sofreu um significativo decréscimo a partir da
inauguração da Aduana nova, mas já está recuperando sua dinâmica, para isto, duas atividades
que compõem o circuito de circulação das mercadorias passaram a ter papéis fundamentais o
laranja; que pensava-se iria desaparecer, pelo contrário, continua, se multiplica e se
diversifica, assim como o barqueiro que tinha perdido em boa parte sua importância enquanto
função como atividade clandestina e, agora, passou a ser uma das atividades mais acionadas
do circuito.
116
Depoimento do camelô Antonio (aposentado), realizado no dia 30 de Julho de 2007. O senhor Antônio
resolveu comprar um boxe no camelódromo de Presidente Prudente pelo fato de sua filha já possuir um boxe.
158
As mercadorias compradas pelos camelôs e sacoleiros brasileiros são entregues a um
intermediário que atua no comércio informal de Ciudad del Este (PY), este pode ser um
laranja, carrinheiro, mesitero ou cajero, sendo este, o mesmo a transportar a mercadoria até
um determinado ponto do Rio Paraná em território paraguaio e contactar o barqueiro.
É importante destacar que somente as mercadorias são transportadas nos barcos e não
os camelôs e sacoleiros. Antes de cruzar o Rio Paraná, as mercadorias são empacotadas em
caixas de 1,5 m², em seguida, são embaladas em um plástico de cor preta e finalmente são
envolvidas por completo com fita adesiva transparente larga (durex). Na linguagem cotidiana
dos barqueiros e sacoleiros, as caixas são “durecadas” e isto explica em parte a enorme
procura por estas fitas adesivas que se encontra em todas a mesitas ou casilhas no comércio de
Rua em Ciudad del Este (PY).
O plástico de cor preta e a fita transparente fazem com que a caixa tenha uma cor
parecida com a da água do rio, que vista de longe tem cor escura. Isto ajuda na camuflagem
das mercadorias para não serem vistas de longe pela polícia “marinha”, já que, além de servir
como proteção para a caixa não se abrir ao longo da travessia, em casos extremos, se for
necessário jogar as caixas na água, para fugir da polícia, ou por acidente de percurso, a fita e o
plástico podem proteger a mercadoria da água por um determinado tempo, possibilitando um
posterior resgate.
Em seguida, depois que as mercadorias são depositadas na barranca do outro lado do
rio em território brasileiro, são transportadas nas costas até um intermediário com van ou
carro de passeio e levadas até Foz do Iguaçu. Em Foz, as mercadorias são guardadas em
restaurantes ou lojas que compõem o comércio de fronteira no lado brasileiro do Rio Paraná.
Este expediente clandestino não encontra obstáculos no limite da fronteira,
principalmente pelo fracasso recente do comércio local após a inauguração da nova Aduana.
O cenário local é de lojas vazias, bares e restaurantes fechados, e os comerciantes reclamam
da brusca queda nas vendas. Cada restaurante, bar ou loja cobra por caixa “durecada” o valor
de R$ 3,00 para guardar por um dia e uma noite. Na maioria dos casos, o próprio dono do
estabelecimento fornece um carrinho ou indica um carrinheiro para levar a mercadoria até um
veículo, ou até o ônibus no estacionamento dependendo da distância.
Normalmente, os camelôs e sacoleiros voltam e repetem o trajeto de travessia pelo rio
mais de uma vez, e assim compram o máximo possível de mercadorias no limite do horário
estabelecido para a volta.
Presenciamos um incidente, no momento de retirada das caixas pertencentes a uma
sacoleira, do interior de um restaurante para ser levada por um carrinheiro até o ônibus que
159
ficava no estacionamento próximo. Foram necessárias três pessoas para pegar uma das caixas
e colocar no carrinho, mesmo assim, a embalagem rasgou e a caixa se desfez. Naquele
momento, uma grande quantidade de brinquedos, do mesmo tipo, se espalhou pelo chão
dentro do restaurante. A sacoleira explicou que a caixa caiu no rio por acidente no momento
de ser retirada do barco, como ficou muito tempo no restaurante com outras caixas em cima, a
embalagem se desfez, porém os brinquedos estavam com suas embalagens intactas,
protegidos pela embalagem de plástico preto e durex que envolvia a caixa.
Todas as caixas são retiradas dos bares, lojas e restaurantes e são levadas até os
estacionamentos, onde ficam guardados os ônibus para finalmente retornarem ao local de
origem.
Antes de ser colocada no bagageiro do ônibus, toda a mercadoria é retirada da caixa e
colocada em sacolas para não caracterizar que foi transportado pelo rio, através do barqueiro,
no caso da fiscalização volante abordar o ônibus no trajeto de volta. Neste momento, os
condutores do ônibus têm o cuidado de etiquetar as mercadorias para isentar a empresa ou o
condutor de cumplicidade no transporte ilegal das mercadorias. Atualmente, a maior parte das
empresas ou mesmo ônibus particulares que realizam o trajeto de compra no Paraguai exigem
dos passageiros o preenchimento de um termo de responsabilidade sobre as mercadorias
transportadas.
4.5.1 - A Fiscalização Volante no Combate ao Contrabando
No circuito de circulação das mercadorias acontece uma articulação de atividades, que
mesmo desorganizada e sem a intenção a priori de impor resistência ao Estado, acaba
formando uma somatória de forças fragmentadas que impõe às autoridades formas de
resistência e afronta. Neste sentido, o governo cria e reforça espaços de regulação e busca
constantemente sofisticar os aparatos fiscais, visando uma arrecadação eficiente de impostos.
Neste movimento, os representantes do governo se referem aos integrantes do circuito como
criminosos, enquanto estes se enxergam como trabalhadores e utilizam os inúmeros exemplos
de práticas de corrupção e desgoverno para continuarem atuando.
No mês de junho de 2005, o governo federal realizou uma intensa operação de
fiscalização que ficou conhecida como operação “Comboio Nacional”, com o objetivo de
160
apreender ônibus de turismo usados no trajeto Paraguai/Brasil, e a meta estabelecida era
retirar de circulação 365 veículos.
Ao divulgar os números acima, os chefes da Receita Federal, Polícia Federal e Polícia
Rodoviária Federal em Foz do Iguaçu apontaram como locais de ação conjunta, ao mesmo
tempo, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal e Goiás e
estavam sustentados por mandados de busca e apreensão, expedidos pela Justiça a pedido do
Ministério Público Federal em Foz e Iguaçu. Foram mobilizados, na época pela Receita
Federal, cerca de trezentos servidores para a operação “Comboio Nacional”.
O nome da operação é devido à conhecida prática adotada em conjunto por camelôs,
sacoleiros e condutores de ônibus clandestinos, de tentar passar pelos postos de fiscalização
pontual com ônibus em comboio, impedindo a ação de revista dos policiais.
A Receita Federal fez uma investigação minuciosa do esquema e descobriu
que esses veículos transportaram nos últimos 12 meses mais de US$ 1 bilhão
em mercadorias importadas irregularmente, em 9.832 viagens a Foz,
autorizadas pela ANTT só em 2004. Os veículos tiveram suas placas
filmadas e fotografadas, quando formavam comboios para escapar da
fiscalização nas rodovias. Pelas imagens, descobriu-se que muitos ônibus
fizeram ao menos 500 viagens à região. Nos estudos que antecederam às
operações, realizados no final de 2003, constatou-se que mais de 90% das
mercadorias irregulares deixavam a cidade de Foz do Iguaçu através de
ônibus que se passava por transporte de fretamento eventual ou turístico. A
partir desse estudo, ações foram desenvolvidas para que se pudesse atingir a
logística do contrabando, descaminho e pirataria. No decorrer de 2004,
foram apreendidos ou retidos, somente em Foz, 385 ônibus. Foram então
identificadas as principais cadeias logísticas responsáveis pelas organizações
criminosas. Constatou-se que o volume de mercadorias contrabandeadas e
falsificadas chegava a 15 mil contêineres equivalentes a R$ 7,5 bilhões no
período de um ano, através da rota Brasil-Paraguai (2005)
117
.
O perfil das redes de contrabando traçado pela Receita Federal inclui uma série de
atividades de suporte, que foi confirmada por nós e em nossas inserções no Paraguai para a
realização de nossa pesquisa. São elas:
• Batedores: estes são responsáveis pelos contatos e a vigilância a BR 277 e pontos de
fiscalização e pela formação dos comboios. Trata-se de um condutor de veículo de passeio
que vai à frente do comboio, verificando as condições de fiscalização e a tensão ao longo do
117
Informações publicadas no site da Receita Federal, sob responsabilidade de Mauro de Brito, até então chefe
da Divisão de Repressão ao Contrabando, Descaminho e Pirataria da Receita Federal e José Carlos de Araújo,
até então delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu. Assessoria de Imprensa da Secretaria da Receita
Federal, Brasília, 17 de junho de 2005. Disponível em <
www.receita.fazenda.gov.br> Acesso em 20/09/2007.
161
trajeto. Este deve estar equipado com algum aparato de comunicação para o contato rápido,
ou conhecer bem o trajeto para retornar quando necessário ou apontar caminhos de desvio;
118
Facilitadores: são os que junto aos batedores são responsáveis pela contratação de equipes e
contatos que eliminam os riscos dos transportes. Pode ser qualquer integrante da porção do
circuito que opera no Paraguai, inclusive um comerciante do comércio de fronteira e até
mesmo um fiscal. Qualquer tipo de cumplicidade para com o transporte das mercadorias é
sempre mediado pelo dinheiro, tanto no formato de retribuição como em forma de pagamento
de propina;
Exército de desempregados: estes são seviciados pelas organizações criminosas, ou seja, são
pessoas empregadas pelo crime organizado para transpassar mercadorias e assumir a
responsabilidade tributária e criminal em nome de seus patrões. Neste caso, é feito uso da
legislação e suas fissuras, pois a própria lógica de reprodução ampliada do capital expressa na
circulação das mercadorias, contradizendo as ações de fiscalização, acaba justificando a
inserção de trabalhadores em atividades à margem da legalidade;
Transportadores: são empresas cadastradas para o turismo eventual e em menor escala e
autorizadas a realizar o transporte regular de passageiros, bem como ônibus clandestinos
utilizados para transportar os produtos do crime. Aqui se inscrevem as empresas de pequeno
porte que foram expulsas pela intensa concorrência formada no setor de transporte rodoviário
e de turismo, em que as grandes empresas jogam pesado para conquistar uma linha de
operação;
Hotéis, restaurantes, lojas, estacionamentos que atuam como guarda-volumes utilizados para
armazenar temporariamente as mercadorias, inclusive as que são transportadas por
expedientes clandestinos, por exemplo, através do rio por intermédio do barqueiro e
posteriormente por caminhos rurais (trilhas);
Veículos de passeio, vans, táxis e motos utilizados para passar a mercadoria pela
fiscalização na fronteira e eventualmente, em condições adversas durante as operações, levá-
las até o estacionamento onde se encontra o ônibus, aguardando para retornar ao local de
origem.
118
A Polícia Rodoviária Federal desenvolveu a tática de deixar passar o batedor anotando a placa e a cor do
carro, em seguida deixar passar intencionalmente o comboio. Posteriormente, após perseguição, se apreende o
batedor impedindo a comunicação com o comboio, e finalmente em outro ponto de fiscalização é feita a
apreensão do comboio e a revista das mercadorias no interior dos ônibus. (Informação verbal. Depoimento dado
por Zandonad - policial militar aposentado - em 11 de outubro de 2007, em entrevista realizada durante Trabalho
de Campo na cidade de Marília). No entanto, diante de cada nova tática da fiscalização, são desenvolvidas pelos
integrantes do circuito de circulação das mercadorias novas estratégias para superar o que é entendido como
obstáculo, neste caso o envio de um falso batedor ou mais de um batedor.
162
Foi divulgado no site da Receita Federal
119
que a Justiça Federal de Foz do Iguaçu, no
início de 2005, reuniu informações sobre empresas que têm atividades voltadas para dar
suporte às atividades conexas do circuito da camelotagem e as enviou ao Ministério Público
Federal, que por sua vez ofereceu denúncia à Justiça Federal. Na denúncia oferecida estavam
detalhados os crimes, na seguinte ordem:
Formação de quadrilha, pois os motoristas, passageiros e guias pouco variavam nas viagens
realizadas;
Contrabando e descaminho, que em muitos dos casos de fiscalização as empresas foram
responsabilizadas pelas mercadorias encontradas nos veículos. Por este motivo, no ano de
2007, toda pequena empresa ou proprietário particular de ônibus que realiza fretamento para
camelôs e sacoleiros rumo ao Paraguai passou a exiger o preenchimento de um termo de
responsabilidade de cada passageiro pela sua bagagem;
• Receptação qualificada, pois se considera que transportar mercadorias provenientes de
crimes implica em receptação, tornando-se qualificada em virtude de explorar comercialmente
esta atividade;
• Expor ao perigo outros meios de transporte, justificada pelo fato da formação de comboios e
outras atitudes verificadas demonstrarem o conhecimento prévio das empresas na prática dos
ilícitos, sendo que foram muitos os acidentes provocados por ultrapassagens perigosas, além
da afronta ao Estado. Uma das afrontas, no ano de 2005, publicada em jornais televisivos foi a
queima de ônibus repletos de mercadoria por camelôs e sacoleiros, em sinal de protesto.
4.5. 2 - O Papel da (ANTT) na Fiscalização Volante
A partir da Lei 10.233 de 05 de junho de 2001, foi criada a Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) que passou a atuar a partir de fevereiro de 2002. A função do
fiscal da ANTT é ver a documentação do ônibus, que precisa ter um seguro obrigatório no
valor de R$ 2.200.000,00 em função do valor de aproximadamente R$ 3.000,00 que a pessoa
jurídica paga à seguradora. Este valor, no caso de acidente, dividido entre 40 passageiros
119
Disponível em < www.receita.fazenda.gov.br> notícia referente ao mês de Junho de 2005, Acesso em 10 de
agosto de 2007.
163
corresponde a uma indenização de R$ 55.000,00 por passageiro, mas se o ônibus for
clandestino ninguém tem direito a indenização.
Aqui é importante fazer uma distinção quanto ao papel dos fiscais, enquanto agentes
que representam o poder do Estado. Os fiscais da Receita Federal são autoridades do fisco,
cuja função é arrecadar impostos para o Estado. os fiscais da ANTT, ANTAQ e etc. não
são autoridades do fisco com esta conotação de arrecadadores, pois são representantes de
agências reguladoras, que através das multas buscam a regulação dos meios de transportes.
Lembramos que o papel do Estado em relação ao circuito em questão é a tributação, tanto de
empresas informais, de qualquer porte, dos trabalhadores, não importando suas condições e
das mercadorias, independente de sua identidade de uso.
Para realizar viagens longas, o ônibus precisa ter um padrão de janelas e quantidade de
saídas de emergência, o telefone 0800 da ANTT para possíveis reclamações, lista de
passageiros constando o nome e RG de todos os passageiros, a empresa precisa ser cadastrada
na ANTT, especificando que faz fretamento. Antes de realizar a viagem, é necessário entrar
no site da ANTT e especificar quantos passageiros serão levados. Estas informações precisam
ser dadas antes da viagem, mas pode ser feito na hora, via internet, quando o ônibus já está de
saída.
Quando um fiscal da ANTT pára um ônibus, recolhe todos os documentos de
identidade dos passageiros (RG) e confere com a lista de passageiros cada nome, a não
coincidência do passageiro com o nome especificado na lista incute em uma multa de R$
4.000,00 aplicada ao proprietário do ônbibus. Até o limite de quatro nomes fora da lista o
veículo é apenas multado, porém segue viajem. Mas, acima de cinco nomes, o carro é retido, e
exige-se que o proprietário contrate, por conta própria, outra empresa para finalizar a viagem,
esta ação é denominada transbordo. Muitas vezes, a empresa procurada se nega a oferecer o
ônibus para fazer o transbordo, por motivo dos proprietários de ônibus clandestinos ou
empresas irregulares demorarem em realizar o pagamento e às vezes não realizar. Neste caso,
o transtorno é muito grande porque os passageiros podem se rebelar, e por este motivo ou
dependendo da situação, do dia e do local da abordagem do veículo, o fiscal acaba tendo certa
flexibilidade.
Salvo nesses casos, enquanto não for pago o valor do transbordo, o ônibus fica retido e
não é possível conseguir outra autorização ou cadastro de viagem. A numeração deste
cadastro é seqüencial para dificultar a falsificação. Os casos mais comuns de tentativa de
burlar a lei são protagonizados por condutores de ônibus clandestinos que tentam utilizar
cópias de cadastros anteriores, vencidos, com datas modificadas, neste caso, uma consulta
164
no site da ANTT, nos computadores dos postos policiais, feita pelos fiscais, possibilita a
descoberta da falsificação.
A Tabela 7 revela o número de reclamações de passageiros feitas à ANTT, com
relação aos transportes clandestinos. Os camelôs e sacoleiros, quando viajam ao Paraguai,
normalmente sabem das condições de ilegalidade de sua atividade, mas nem sempre
reconhecem a ilegalidade da atividade do condutor do transporte que utilizam, neste caso,
pessoas que viajam ao Paraguai, mas depois denunciam o ônibus clandestino, a empresa
irregular, ou mesmo a empresa regular que não ofereceu, naquele momento, o mínimo de
condições necessárias de viagem.
Tabela 7: Operações Irregulares ou Clandestinas no Transporte de Passageiros
Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT), 2007
120
.
O baixo número de reclamações no ano de 2002 (ano em que começou a funcionar a
agência) é explicado pelo fato da ANTT, na época, ainda não possuir o serviço de ligação
gratuita através do (0800). Já o grande salto no número de reclamações do ano de 2005 para
2006 está relacionado à construção da Aduana nova, e a intensificação das medidas de
fiscalização pontual, volante e surpresa, implantadas pelo governo federal. Pois, se aumentam
as apreensões de ônibus durante o trajeto e os conseqüentes transtornos causados, aumentam
as reclamações sob a justificativa de não saber que o ônibus era clandestino.
Uma empresa de ônibus pode ser classificada como “permissionária”, que se refere à
empresa que presta um serviço regular e contínuo ao usuário mediante compra do bilhete de
passagem, e existe também a forma de “fretamento”, que se refere ao transporte turístico,
encomendado pelo organizador, geralmente um camelô ou sacoleiro, junto a uma empresa que
120
Os dados da tabela foram retirados dos Relatórios resultantes das ouvidorias da Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT), nos anos de 2002 a 2006, e representam a quantidade de reclamações de
usuários com relação às operações irregulares ou clandestinas no transporte de passageiros. O aumento das
reclamações reflete o aumento do uso deste tipo de transporte, no entanto não reflete a expressividade de seu
uso, porque a maioria dos camelôs e sacoleiros, que são os passageiros que mais utilizam este tipo de transporte,
não tem o hábito de enviar reclamações em órgãos governamentais, porque também exercem atividades que
existem no limite da legalidade. Todos os dados utilizados e tabelas completas encontram-se Disponível em
<www.antt.gov.br/ouvidoria/> Acesso em 19/09/2007.
ANO QUANTIDADE DE RECLAMAÇÕES RECEBIDAS
2002 7
2003 77
2004 382
2005 473
2006 702
165
pode possuir um ou mais ônibus (pessoa jurídica), com placa vermelha, e nesta operação é
necessário a emissão de uma nota fiscal, em nome de uma pessoa que está entre os
passageiros.
A idéia do fretamento é que a viagem é para passeio turístico, por isso a nota fiscal do
serviço deve ser grampeada junto à lista dos passageiros, mas no caso do camelódromo de
Presidente Prudente, são feitas propagandas na “rádio do camelódromo”, por pessoas que
organizam tais viagens e fazem a mediação entre o condutor do ônibus e o conjunto de
camelôs, sacoleiros, laranjas e outros que eventualmente expressem a intenção de viajar ao
Paraguai. Portanto, toda a negociação é feita como se fosse um passeio turístico, mas na
verdade é uma viagem para compra de mercadorias.
No dia que ficamos em Assis, no posto da SP (270), Raposo Tavares,
(setembro de 2007) de 15 carros que foram parados todos eram fretamento,
tinha somente três que não iam pra Foz do Iguaçu, tinha carros vindos de
Minas, São Paulo e todos eram muambeiros. No primeiro dia pegamos 2
ônibus e no segundo dia mais 3 com isso que eles estão fazendo agora. Eles
fecham as cortinas para ninguém ver o que tem dentro e tiram todos os
bancos. A ANTT não tem como pegar isso, porque não tem passageiro e a
gente tem como base o transporte de passageiro. Nestes casos quem pega é o
fiscal da Receita Federal que lacra o ônibus e prende como veículo
caracterizado ou adaptado para contrabando
.
(informação verbal)
121
.
Existe um dispositivo legal na ANTT que versa sobre a obrigatoriedade do ônibus ter
menos de cinco anos de uso para realizar um percurso acima de 500 km, no entanto, esta lei
não é aplicada (uma lei que não pegou), por isso, ônibus clandestinos normalmente possuem
muito mais do que este tempo de uso, e muitas vezes suas condições já ultrapassaram o limite
permitido. Normalmente, um ônibus é vendido por uma grande empresa de turismo para uma
pessoa jurídica, pequena empresa ou mesmo para uma pessoa física, por ocasião de renovação
de frota.
A Viação Mota estava vendendo um ônibus bem velho, ano 89, se não me
engano, por R$ 45.000,00, qualquer pessoa se tiver dinheiro pode comprar,
trata-se de um carro velho, acabado, mas para o comprador retirar os bancos
e viajar clandestinamente serve, apesar dos riscos de segurança” (informação
verbal)
122
.
121
Existe no contrato de trabalho uma cláusula na qual o funcionário não pode dar entrevistas em nome da
ANTT, por isso o fiscal em apreço pediu para não ter o seu nome publicado.
122
(idem).
166
Com a construção da nova Aduana brasileira, o governo pretende controlar 100% do
fluxo, de cerca de 40 mil pessoas e 20 mil veículos que cruzam a Ponte da Amizade
diariamente. Até o ano de 2006, menos de 20% desse total eram fiscalizados na antiga
Aduana. Agora, a intenção da Receita Federal é verificar 100% das cargas transportadas em
ônibus, veículos particulares e de carga e bagagens de mão. No mesmo ano haviam sido
cadastrados 200.000 “sacoleiros” e 13.000 “laranjas”, dos quais 5.000 foram retirados de
circulação.
Com relação à fiscalização na travessia da Ponte da Amizade, Rabossi (2004), afirma
que até o ano de 2001, uma vez que alguém era detido para fiscalização, tinha que se
apresentar no balcão da Receita Federal para declarar a mercadoria, apresentando o
formulário de Declaração de Bagagem Acompanhada (DBA), no qual são declaradas as
mercadorias que podiam ser retidas (para ser liberada com o pagamento dos impostos
correspondentes ou com algum acordo particular com o fiscal) ou podiam ser confiscadas.
no ano de 2001, toda pessoa deveria ser cadastrada, apesar de tal procedimento não ser
aplicado sistematicamente, daí o registro se matinha por trinta dias, depois era eliminado
automaticamente dos terminais da Receita Federal.
Atualmente além da sofisticação tecnológica melhor organização do fluxo de
veículos. Lembramos que foi dada maior ênfase ao quesito do mesmo tipo, caracterizando
destinação comercial das mercadorias, e ainda quem declarar mercadorias, necessita mediante
comprovação de renda provar que não está viajando a mando de terceiros. Além disso, é
possível passar pela nova Aduana quatro vezes ao ano de forma legal, dentro do limite de cota
de turismo e sem itens de mercadorias repetidos.
No entendimento do delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu, José Carlos de
Araújo, os trabalhadores utilizam a Ponte da Amizade para complementar renda. Trata-se de
pessoas que têm profissão, e neste sentido a Receita Federal não estaria criando um problema
social e sim combatendo o contrabando.
O paradoxo se apresenta quando refletimos sobre a iniciativa de intensificar a
fiscalização, porém sem alternativas de novas ocupações para quem atua nestas atividades. A
nova Aduana pode intensificar novas práticas de entrada de mercadorias por meio de
expedientes clandestinos, como tem ocorrido, e foi demonstrado no Jornal Nacional, no dia 25
de maio de 2007.
Nos últimos anos o que assistimos é a sofisticação de formas de fiscalização, impondo
dificuldades para estes trabalhadores exercerem suas atividades, mas diante dos desafios
167
postos, novas formas de permanecer na informalidade são recriadas pelos trabalhadores em
um constante cenário de conflitos e mediações.
É impossível, por mais eficiente que seja a fiscalização, abordar todos os veículos
“Não podemos controlar todas as Vans porque senão a fila chegaria até Curitiba
123
”.
Rabossi (2004) comparou o movimento do transporte na Ponte da Amizade, com outros dois
pontos de contagem de veículos, a Ponte Internacional Tancredo Neves que liga Foz do
Iguaçu a Argentina e o trecho Santa Tereza Céu Azul (mediação sobre a BR-277), principal
via de ingresso a Foz do Iguaçu que vai terminar na Ponte da amizade. Concluiu que a média
diária de veículos registrada no ano 2000 na Ponte da Amizade era de 19.283. Para o trecho
Santa Tereza Céu Azul a média foi de 4.881 veículos e para a Ponte Tancredo Neves foi de
5.040 veículos no mesmo período.
A partir do cálculo do número de veículos que cruzaram a Ponte da Amizade no ano
de 2000, Rabossi (2004) afirma que o cálculo pró médio de pessoas (em base de 3 pessoas por
carro de passeio, 40 pessoas por ônibus e 1 por caminhão) da um total de 58.620 pessoas por
dia. Rabossi (2004) pondera que tais cifras se desagregam de diversas maneiras, por englobar
quem cruza somente uma vez e não volta no mesmo dia e quem vai e volta no mesmo dia, ou
seja, aqueles que trabalham em Ciudad del Este ou Fóz do Iguaçu e vivem do outro lado e os
que passam várias vezes no mesmo dia.
Tanto os dados sobre o número de veículos como o número de pessoas poderão ser
atualizados com maior precisão a partir do ano de 2008, caso os registros da nova Aduana
sejam disponibilizados.
Em notícia publicada no ano de 2007, no jornal Folha de S. Paulo sob o título
“Sacoleiros podem ter tributação simplificada”, a Receita Federal estudava propor uma
alíquota única - substituindo seis tributos
124
- que será paga na fronteira e também criar cotas
provavelmente trimestrais para a importação dos produtos (Folha de S. Paulo, 26 de maio de
2007 p. B-4), em entrevistas realizadas nos meses de julho até início de agosto de 2007, os
123
Esta fala do Fiscal das Foztrans foi retirada do trabalho de Rabossi (2004), e foi coletada por ele em gravação
por ocasião de seu trabalho de campo realizado no ano de 2001. Em nosso trabalho de campo no ano de 2005,
realizamos essa travessia em uma Van junto a uma sacoleira, um laranja, o motorista e sua ajudante. Portanto,
duas pessoas a mais do que manda a regra (três por cada Van). Perguntei sobre a fiscalização e a resposta foi:
“Não tem perigo, eles param apenas alguns veículos, como é muita gente eles não podem parar todos, tudo
depende do seu dia de sorte, vamos torcer pra dar tudo certo”.
124
O pagamento da alíquota única, se colocada em prática, equivalerá ao recolhimento do Imposto de
Importação, (PIS), Cofins, IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), Imposto de Renda e CSLL
(Contribuição Social sobre o Lúcro Líquido).
168
camelôs na cidade de Presidente Prudente e Marília afirmaram não haver ainda nenhuma
mudança de tributação e muitos estavam perdendo as mercadorias ou evitando as viagens ao
Paraguai, mas retomando as viagens a São Paulo.
Para obter o regime simplificado, o comprador precisa abrir uma empresa e de acordo
com o secretário Jorge Rachid, não se trata de formalizar estes trabalhadores e sim reduzir a
concorrência desleal dentro do Brasil, e a preocupação é não estabelecer um valor muito baixo
que possa incentivar o importador que se encontra na formalidade a buscar o regime
simplificado, prejudicando assim a indústria nacional.
Observar camelôs no espaço do camelódromo, nos remete automaticamente à conexão
trabalho/delito e contrabando ou descaminho. A questão é que quanto mais se fiscaliza e
diminui o número de mercadorias proibidas no comércio informal, sua procura leva ao
aumento do preço e, conseqüentemente, a transforma em um risco que vale a pena para
muitos que se aventuram a buscar no Paraguai tais produtos. Em diversos relatos de camelôs,
tanto em Presidente Prudente como em Marília, fica explícito o desejo de comercializar
eletroeletrônico, CDs e DVDs.
A questão que se coloca é: Quais mercadorias podem ser comercializadas pelos
camelôs?
Vamos admitir a hipótese dos brinquedos poderem ser comercializados, desde que não
sejam imitações de marcas famosas. Neste caso, considerando que fosse respeitada a cota de
importação de US$ 300,00. Caso calculemos os custos da viagem e a necessidade de ganhar
na revenda, para ficar no limite deste valor, seria necessário viajar mais vezes, o que
aumentaria o custo e diminuiria a possibilidade de ganho. Mas, isto não é tudo. O principal
problema é que, mesmo respeitando a cota de importação, não pode haver vários itens do
mesmo produto. Porque, se assim for, e houver abordagem pela fiscalização aduaneira,
volante ou em escala local, estes trabalhadores podem perder as mercadorias mesmo estando
no limite da cota de importação.
No circuito de compra das mercadorias, os camelôs e atividades conexas podem ser
abordados pelo fiscal da Aduana na fronteira, fiscais da Receita Federal e agentes da Polícia
Federal no percurso, e, ainda, pelos fiscais da prefeitura nos municípios em que atuam.
Acrescenta-se ao risco de perder as mercadorias a incerteza do lucro e a possibilidade de ser
fichado como contrabandista.
Hoje, no Brasil, no âmbito do governo federal, prevalece o discurso que defende o
objetivo de inibir o comércio de produtos piratas, vendidos livremente em lojas e camelôs,
persuadindo e incentivando mediante o investimento de recursos financeiros, para que o
169
governo do Paraguai também invista no rigor da fiscalização, evitando que as mercadorias
cheguem às mãos dos comerciantes paraguaios. Justifica-se que o plano beneficiará inclusive
o fisco paraguaio, ao compelir os compradores brasileiros a exigir notas de vendas legais e
obrigando os comerciantes paraguaios a pagar os devidos impostos. Portanto, beneficiando o
mercado formal na medida em que dificulta a existência dos que trabalham na informalidade.
Novamente, destacamos a contradição referente à compra e venda de mercadorias oriundas do
Paraguai por lojas do mercado formal no Brasil.
A Receita Federal utiliza um banco de dados no qual, mediante o cruzamento de
informações coletadas pelos órgãos federais, havia listado até setembro de 2006 o nome de
15 mil “laranjas” que transportavam para terceiros (camelôs e sacoleiros), e 160 mil
sacoleiros. Ainda existem cerca de 12 mil “laranjas” trabalhando na fronteira e graças ao
cadastro foi possível eliminar mais de três mil, somente nos últimos anos. Atualmente estão
sob a mira da Receita Federal os que ainda resistem na atividade
125
.
Consideramos como uma novidade essa situação em que trabalho e delito se
confundem. Casos em que o trabalhador entende estar sendo honesto ao trabalhar em
atividades com características de precariedade, por não estar roubando ou vivendo o flagelo
do desemprego. No entanto, existem pontos que se repetem na história, mas de forma mais
sofisticada. “Ser tratado como caso de polícia e infratores era tão comum no século XIX [...]
como é na atualidade” (DURÃES, 2006, p. 16).
Em finais do século XIX, existia uma forma de controlar os trabalhadores de rua
considerados pelas autoridades como criminosos “quase todos registrados no livro de
matrícula sob responsabilidade do corpo policial. Neste livro constava a profissão, idade,
origem e outras características físicas [...] (DURÃES, 2006, p. 22).
Atualmente o trabalho informal se diversificou, assim como as mercadorias e os
consumidores. Neste sentido, as formas de controle (Livro de matrícula no séc. XIX) também
são mais sofisticadas e um exemplo visível é a própria Aduana, reinaugurada em 2006, onde
está sendo utilizado um banco de dados e um software “inteligente” que analisa as imagens
captadas pelo sistema de câmeras e identifica os indivíduos considerados “suspeitos”.
125
Conforme relato do senhor José Carlos de Araújo - Delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu.
Disponível em <www.sopabrasiguaia.blogspot.com> Acesso em 29/05/2007.
170
Hoje, nossas pesquisas demonstram a situação de criminalidade em que os
trabalhadores camelôs e atividades conexas se encontram, diante da intensificação da
fiscalização sofisticada implantada pelo governo.
Nas primeiras décadas do século XX os trabalhadores ainda eram vistos como
criminosos. Neste sentido, Antunes (2007) lembra a manobra getulista de trazer a classe
trabalhadora para a agenda do Estado, para tirá-la do espaço exclusivo da criminalização e das
delegacias policiais, assim, mostra como o governo pode agir de forma contraditória mediante
o uso do poder do Estado. Vargas precisava de uma nova forma de se relacionar com a classe
trabalhadora e era necessário tirá-la da condição de caso de polícia, trazendo o trabalho para o
centro da vida nacional, tratando a classe trabalhadora como “questão social”. Mas, a
verdadeira intenção de Vargas era usar a classe trabalhadora como força suporte em sua
relação com as classes que, de fato, ele representava, que eram as frações agrárias tradicionais
e as forças industriais emergentes.
um discurso oficial que defende que o Brasil tem que forçar/incentivar os
trabalhadores para uma situação de legalidade, ao obrigá-los à tributação das mercadorias e
mediante os reajustes nas leis previdenciárias, ou seja, trazer estes trabalhadores informais
para o aparato do Estado. Mas, um discurso também oficial de que as estratégias de
fiscalização buscam estrangular o circuito de comercialização de mercadorias piratas na
medida em que as operações deflagradas ao prender e destruir mercadorias de procedência
duvidosa torna inviável sua comercialização, porque aumenta o preço do produto.
No final do ano de 2002, existia uma espécie de “esperança” veiculada nos meios de
comunicação de que a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, levaria a
algumas medidas políticas no sentido de caminhar para um projeto de desenvolvimento, com
geração de empregos, garantia de direitos trabalhistas etc. devido à trajetória do partido desde
sua criação. De fato, nada disso ocorreu e os problemas e indefinições continuam.
Diante dos resultados da pesquisa eleitoral, eu não tenho nenhuma
dúvida hoje (18/10/2002) do Lula ser o presidente da República, ele
vence a eleição, acho que o Serra não consegue reverter o quadro.
Agora, também não tenho nenhuma ilusão do Lula fazer muito
diferente do FHC. Algumas coisas talvez mudem, mas no sentido
estrutural não tenho ilusão, não vejo esta possibilidade diante das
alianças feitas pelo PT para chegar ao poder e também pelo papel que
171
têm os governos hoje com relação ao capital mundial”. (informação
verbal)
126
No ano de 2002, o grande desemprego existente no Brasil foi palavra de ordem, para a
esquerda combater os setores de direita e chegar ao poder. Lula fez algo parecido com o que
fez Vargas - guardando as devidas proporções –,ou seja, utilizou a classe trabalhadora como
força suporte para chegar ao poder.
Havia no mesmo ano (2002) um índice muito alto de informalidade do trabalho, que,
em 1988, atingia 54% da mão de obra metropolitana
127
. Neste sentido, a estratégia política
do PT consistia em prometer além do desenvolvimento do país, a criação de 10.000.000 de
empregos com carteira assinada, deixando a oposição de mãos atadas, diante da
impossibilidade de prometer uma cifra semelhante devido ao candidato (Serra) significar para
a opinião pública e os eleitores a continuidade do governo de 8 anos de FHC, que além de não
criar, eliminou empregos formais, permitindo o crescimento da informalidade.
No entanto, durante a reeleição do governo Lula a inauguração da nova Aduana foi
postergada de todas as formas possíveis para não deixar transparecer os impactos nas
atividades dependentes deste circuito de circulação. Para “sorte” de Lula, o seu adversário
mais significativo sempre em momento oportuno se referia à informalidade do trabalho no
Brasil, repetindo como “chavão” que “mais de 50% dos trabalhadores brasileiros estão na
informalidade”, no entanto, não conseguia ir além dessa afirmação, pois historicamente os
impactos na informalidade estão fora do campo de preocupação dos políticos tradicionais.
Até aqui no nosso entendimento, se a intenção do governo é diminuir a informalidade,
trazendo os trabalhadores informais para a formalidade, é possível fazer uma análise de
perspectiva. Mas, se a intenção é diminuir as atividades informais, combatendo a pirataria a
partir da tributação das mercadorias, sem criar novas oportunidades de inserção destes
trabalhadores, pelo fato do governo estar submetido a um “jogo de forças” em diferentes
escalas, provavelmente o cenário continuará sendo conflituoso. Assim, novamente
comparecerá a centralidade do trabalho, a plasticidade e a capilaridade do trabalho e a disputa
por território.
126
Depoimento de Ricardo Antunes (18/10/2002), durante entrevista realizada por ocasião de sua participação
nas atividades da “III Jornada Sobre o Trabalho” realizada pelo Centro de Estudos de Geografia do Trabalho
(CEGeT) na FCT/UNESP – campus de Presidente Prudente.
127
Ver pesquisa do IBGE publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, em 29 de fevereiro de 2000. Ou consultar
Santos (2007).
172
Existe grande dificuldade em visualizar todo o ciclo da quantidade exorbitante de
mercadorias encontradas na camelotagem, tanto na sua fluidez no circuito de circulação, nas
formas de descarte, na forma como são produzidas fora do território brasileiro, como na
tributação destas.
Podemos afirmar que estas mercadorias são a substância de uma economia que recebe
diferentes nomenclaturas, (paralela, subterrânea, informal etc.), mas que está conectada à
economia formal. Tais mercadorias possuem uma identidade “biruta”, sendo procuradas, ao
mesmo tempo, por consumidores diversos devido ao baixo preço e enorme variedade, por
revendedores diversos por motivos da não incidência de tributos, e por representantes do fisco
com o fim de tributá-las.
Sendo a economia informal aquela insuscetível de ser mensurada, como se
pode saber qual sua participação na economia total de um país? Como
visualizar o invisível. [...] a economia informal é como o vento, escondida
aos olhos, mas muito sentida. [...] A pesquisa prova que ela existe, descreve
seus padrões de comportamento, propõe razões para seu crescimento, explica
pelo menos em parte a ampla influência na sociedade [...] mas tudo isso fica
longe de precisar um mapa amplo e detalhado [...] Por isso qualquer que seja
o método adotado [...] o resultado jamais poderá passar de uma estimativa.
(PRADO, 1991, p. 30).
O que ora apresentamos é apenas uma estimativa, e de acordo com Prado (1991), esta
é uma condicionante da economia informal, pois existe o interesse das pessoas envolvidas
nestas atividades de se manterem ocultas (economia subterrânea), e afirma que uma solução
parcial é a aplicação de métodos indiretos e aponta que um deles é o “método da abordagem
fiscal”. “O método da abordagem fiscal baseia-se em operações das autoridades do fisco
que, por amostragem, pesquisam determinados grupos suspeitos de não declararem ou
subdeclararem seus rendimentos”. (PRADO, 1991, p. 31).
Para efeitos deste estudo, as medidas de fiscalização incidem sobre as mercadorias
comercializadas. A implantação da nova Aduana com maior rigor e uso de tecnologia
sofisticada na tributação e controle dos trabalhadores, somada ao dispositivo legal que exige a
comparação da renda com quantidade de mercadorias em poder do comprador, poderá
fornecer números mais precisos para a quantificação dos trabalhadores que passam pela
aduana, mas ainda assim, a aplicação do método da abordagem fiscal nos dará apenas
estimativas sobre as mercadorias que compõem o circuito de circulação em apreço.
Os motivos da imprecisão dos resultados são exatamente as capilaridades
características deste tipo de trabalho, em que predomina uma intensa mobilidade e migração
173
de uma atividade a outra, e desempenho da mesma atividade pelo mesmo trabalhador, assim
como o uso de “laranjas” que não atuam permanentemente no circuito de circulação, podendo
ser um parente ou amigo. Há, também, os trabalhadores de fronteira que vão e vêm várias
vezes no mesmo dia e a diminuição das viagens devido à busca de novos centros de compra
etc.
5. Considerações Finais
O desafio de tentar compreender a complexidade do tema trabalho, a partir de uma
“leitura” geográfica, obriga o estudante partir de um recorte territorial local. Este serve tanto
de porta de entrada para os primeiros contatos com alguma manifestação que é síntese de um
fenômeno muito mais amplo, como para estimular a percepção do observador no sentido de
procurar explicações não explicitadas no nível da paisagem, sendo estas perceptíveis apenas
através de um exercício permanente de avaliação das mediações territoriais.
Ao delimitar nosso recorte territorial inicialmente no camelódromo de Presidente
Prudente (SP) e localizado na Praça da Bandeira e, posteriormente, abrangendo o município
de Marília (SP), que a impressão obtida com as primeiras observações é da não existência de
conflitos significativos, devido a fatores observáveis tais como: organização e disposição dos
boxes padronizados, a existência de uma relativa harmonia entre os camelôs e os
comerciantes do comércio legalizado e um aparente equilíbrio na concorrência entre os
próprios camelôs no que diz respeito à venda das mercadorias. Dessa maneira, entendíamos,
até então, que os próprios camelôs viajavam ao Paraguai (PY) para realizar suas compras por
motivos das mercadorias serem mais baratas.
No entanto, fomos orientados desde o início a pressupor ser a função exercida pelo
camelô, uma atividade relevante contida na complexidade do mundo do trabalho por diversos
aspectos, seja por servir como saída estratégica para situações de desemprego, ou por
completar o circuito da mercadoria, fazendo-a chegar ao consumidor final. Partindo deste
pressuposto, percebemos também que a relevância do trabalhador camelô assenta-se
principalmente no fato constatado nesta dissertação, em acionar uma ampla gama de
174
atividades conexas e de suporte, funcionando de forma articulada e compondo um dinâmico
circuito de circulação de mercadorias.
Esta descoberta nos obrigou a detectar quais eram as atividades conexas e de suporte e
o papel de cada uma delas, considerando que o contato de uma atividade previamente
conhecida, neste caso a atividade dos camelôs, com uma segunda, a do sacoleiro, revelava a
exigência de uma terceira atividade, no caso o condutor do ônibus clandestino ou legalizado
que realiza a rota Paraguai/Brasil e assim sucessivamente. Na medida em que a função do
camelô revelava toda uma “teia” de circulação, transporte e consumo de mercadorias, o
comércio como um todo compareceu como o cenário dos conflitos e gerador das pressões e
tentativas de resistência.
Portanto, o camelô deixou de ser visto por nós apenas como um trabalhador
desempregado, comercializando mercadorias fora das leis gerais estabelecidas historicamente
para o comércio, e passou a ser entendido como parte de um conjunto de trabalhadores com
funções diversas, regidos pela necessidade do trabalho, enquanto necessidade vital; mas
também passou compor um conjunto articulado de trabalhadores que mantém o
funcionamento de uma parte significativa de um mecanismo funcional ao sistema produtor de
mercadorias.
Assim, o desenrolar da pesquisa foi apontando as devidas ligações com outras
atividades, a exemplo do laranja, atuando junto ao sacoleiro, mas também requisitado por
camelôs e pelos próprios condutores de ônibus, e, posteriormente, a ligação dessas quatro
atividades com a dos condutores diversos que atuam na interface dos limites fronteiriços entre
Foz do Iguaçu (PR) com Ciudad del Este (PY).
No caso específico desta pesquisa, o camelô e o recorte territorial local serviram como
canal de entrada para iniciar a compreensão de uma dinâmica de circulação, e após relacionar
a função do trabalhador camelô com as funções dos demais trabalhadores, ambos inscritos no
mesmo circuito por nós detectado, foi possível, então, realizar a ligação com outros recortes
territoriais e outras realidades, porém sempre privilegiando o exercício contínuo de passagem
do recorte local às dimensões gerais do fenômeno estudado, e, ainda que extrapolando os
limites territoriais físicos do território brasileiro, sempre houve o retorno ao recorte inicial.
Essa técnica de pesquisa nos deu segurança e permitiu aos poucos abordar outras
realidades. Assim nos lançamos por várias vezes em viagens a diversos locais na cidade de
175
São Paulo, privilegiando os bairros do Brás e Santa Efigênia; no município de Marília,
focando o comércio central e nos diferentes centros de compra; em cidades do Paraguai
principalmente Ciudad del Este, mantendo como ponto de partida e de chegada nosso recorte
territorial original, funcionando como laboratório constante para obtenção de informações e
acompanhamento dos impactos locais devido às constantes intervenções governamentais nas
escalas mais amplas.
Cada intervenção do governo, nas esferas municipal, estadual ou federal, fosse no
sentido de tributar as mercadorias, controlar os trabalhadores que cruzam a fronteira ou
apreender as mercadorias produzia impactos observáveis empiricamente. No entanto, somente
a realização da pesquisa nos forneceu as ferramentas necessárias para realizar as devidas
avaliações dos impactos. Pois, grosso modo prevalecem diversos discursos veiculados
estrategicamente para diferentes públicos, exaltando o combate ao contrabando visto como
uma “chaga extremamente prejudicial ao país como um todo, mas hora proibindo, hora
permitindo a venda das mercadorias.
Como a formação de camelódromos em diferentes estados ou municípios segue um
roteiro mais ou menos parecido, pode causar a impressão de não acontecer novidades
significativas relacionadas à camelotagem. Por este motivo, o estudante pode ter o impulso de
ampliar ou mudar o recorte territorial, porém essa ampliação ou troca pode acarretar apenas
novo levantamento de dados repetitivos, ao passo que transitar pelas mediações do fenômeno
estudado, retornando sempre ao ponto de origem possibilita adquirir mais segurança no
decorrer da pesquisa, pois a cada retorno ao recorte original munido de novas informações, a
compreensão é enriquecida e as dúvidas se multiplicavam.
No nosso caso, em cada experiência de pesquisa, a importância da realização de
Trabalho de Campo se reafirmava, não somente devido à escassez de dados oficiais
confiáveis, mas também por motivos da diversidade de compreensões e discursos
contraditórios que permeiam o universo de relações em apreço, sendo um deles o incentivo à
formalização do trabalhador informal, através do “super simples” ou Simples Nacional, e
incentivo à contribuição previdenciária diferenciada.
Nesse sentido, constatamos alguns casos e obtivemos algumas informações através de
entrevistas e aplicação de questionários, demonstrando que uma das principais dificuldades
para um camelô ou sacoleiro se tornar um comerciante formal, reside na natureza da
mercadoria comercializada. Pois, um comerciante inscrito na economia formal,
176
principalmente comercializando mercadorias variadas, executa a prática cotidiana de embutir
nas mercadorias, independente do valor agregado, todos os tributos, salário e encargos
trabalhistas, repassando em seguida ao consumidor final. Dessa forma, quem arca com o total
da carga tributária, encargos trabalhistas e salário para a manutenção do comerciante formal e
seus empregados é o conjunto dos consumidores.
Esta mesma prática cotidiana não é e nem poderia ser realizada por um trabalhador
inscrito na economia do crime, ou no circuito por nós detectado. Pois, devido à natureza das
mercadorias comercializadas (pouco tempo de vida útil, baixa qualidade, forma de produção,
clandestinidade etc.) não margem para embutir quase nada no preço final, nem repassar ao
conjunto de consumidores finais, na medida exata que este não entenda ser melhor comprar
no concorrente. Por isso, as poucas possibilidades são eliminadas devido à intensa
concorrência existente, principalmente entre os camelôs, seja nas calçadas ou em
camelódromos, que precisam arcar com todo e qualquer prejuízo obtido devido a eventuais
práticas de apreensão realizada por fiscais ou policiais.
Assim, o ingresso na economia formal, que exige trabalhar com mercadorias
tributadas, obrigando o exercício comercial cotidiano de embutir e repassar, requer uma
prática que um trabalhador informal, aspirante a comerciante formal, não tem o hábito, e
muitas vezes a competência para realizar de forma eficiente. Lembrando que essa prática
envolve desde a venda de uma cortina até um simples alfinete.
Isto é apenas parte da explicação dos diversos motivos da saída do mercado formal
como trabalhador com posterior ingresso na informalidade, ser bem mais comum do que a
saída da informalidade para ingressar no mercado formal e manter-se com relativo sucesso
enquanto comerciante. Ou seja, uma coisa é ser empregado no mercado formal para, em
seguida, migrar para a informalidade, outra bem diferente é ingressar no mercado formal
como comerciante, apesar de muitos camelôs, sacoleiros e outros trabalhadores informais,
após algum tempo na economia informal, estimulados pelos discursos de capacitação,
empreendedorismo e gestão veiculados pelo Sebrae, enxergarem a possibilidade de se tornar
comerciante formalizado, principalmente montando lojas de variedades para posteriormente
abrir falência, sendo que podem existir casos bem sucedidos.
Em casos de fracasso, duas estratégias imediatas: permanecer na informalidade ou
se tornar um comerciante formal que mescla mercadorias legais e ilegais no estoque e vitrine,
considerando que o retorno ao mercado de trabalho formal como trabalhador depende da
177
existência das vagas, do preparo para vencer a concorrência e se estabelecer como empregado
e da disposição para atuar nas condições impostas pelo patronato, seja no comércio ou
qualquer outro setor.
A mescla de mercadorias com posterior venda ilegal, mediante esquemas de
falsificação de notas e de mercadorias etc. em tese uma prática criminosa e passível de
repudio, segundo os discursos oficiais veiculados na mídia em geral, na verdade apresenta
uma contradição quando contrapostas com a observação do próprio mecanismo de
fiscalização e apreensão de mercadorias contrabandeadas. Esta contradição explica em parte,
porque os discursos não comovem os agentes envolvidos com esquemas de contrabando seja
ele “formiga” ou de grande escala.
Nesse sentido, o exemplo mais explícito parte da nossa observação em Trabalho de
Campo e de levantamentos documentais, mostrando que o fato do aparelho de estado, através
dos funcionários representantes do fisco arrecadador, apreender toneladas de mercadorias em
fiscalização aduaneira, mais toneladas de mercadorias em fiscalizações pontuais e volantes
por meio dos funcionários do fisco controlador, para, em seguida, juntar e separar todo
montante para dar destinações de incorporação aos órgãos públicos, doação às entidades
beneficientes, destruição ou venda em leilões, sob a prerrogativa de estrangular a circulação,
ao contrário, acaba estimulando-a de forma ainda mais dinâmica.
Isto explica em certa medida, porque grande parte dos comerciantes inscritos no
comércio formal, empresários e até gestores de grandes redes de contrabando optam por
comprar mercadorias em leilão, mesmo sabendo das desvantagens com relação ao preço e os
riscos da existência de mercadorias danificadas nos eventuais lotes leiloados. Acontece que a
obtenção de qualquer comprovante de participação e compra em leilões da Receita Federal
possibilita a prática de incorporação de mercadorias ilegais mescladas com as mercadorias
legalizadas, no mesmo estoque ou vitrine. Vejamos um caso em particular, apenas a título de
exemplo.
O proprietário de um comércio legalizado, inscrito na economia formal que
comercializa bebidas fabricadas e importadas de diferentes países, tem como trunfo o fato da
fabricação e importação fazer com que uma mercadoria deste tipo tenha um alto preço, devido
aos impostos incididos desde a fonte de fabricação, transporte, até o local de consumo final.
Além disso, fatores próprios da mercadoria que incidem no preço, por exemplo, uísque ou
vodka importada dependendo da marca e do tempo de envelhecimento etc.
178
Caso este comerciante possua as matrizes para envasamento e preste serviços do tipo
festas, bufe etc. é possível encher litros originais com bebidas de valor inferior falsificando
com 50% e 100%. Nestes casos, as bebidas circulam geralmente em festas de grande porte
como formaturas, casamentos e comemorações empresariais, em que os clientes possuem
considerável poder aquisitivo. No caso de bufes, o gerente orienta a equipe de garçons a
realizar a primeira rodada com bebidas originais, a segunda rodada com bebidas mescladas
com 50% de bebidas de valor inferior e da terceira rodada em diante, pode ser servida bebida
totalmente falsificada, e dependendo do tipo a lucratividade é imensa. Pensemos em um litro
de uísque que custa em média R$200,00, cujo conteúdo é substituído na mesma embalagem
por outro com preço de R$20,00.
Nesses casos, o estoque do comerciante é de bebida original mesclado com bebidas
portadoras de comprovante de compra em leilões, portanto são legalizadas pela Receita
Federal. Mas, a grande parte que circula nas festas pode ser reabastecida via Paraguai ou
outras rotas de contrabando acionando o sacoleiro, que irá acionar o “laranja” e os condutores
clandestinos, inclusive os barqueiros. Nossa pesquisa comprova que o sacoleiro é quem mais
contrata “laranjas” levados do Brasil ao Paraguai e quem mais aciona os laranjas e os
“carrinheiros” que atuam somente no Paraguai para chegar até ao barqueiro para efetuar a
travessia via Rio Paraná.
Mas, percebemos também que as bebidas importadas compõem um dos itens mais
procurados pelos sacoleiros, por ser um dos mais lucrativos, e o interessante é que nunca
presenciamos um camelô vendendo bebidas nos pontos fixos. Ou seja, não são os principais
responsáveis pela circulação desta mercadoria no circuito de circulação em apreço, indicando
que o sacoleiro pode ser financiado por consumidores formais, que conseguem utilizar este
expediente clandestino devido à compra de lotes de mercadorias em leilões da própria Receita
Federal. Utilizamos o exemplo das bebidas importadas, porém esquemas com quase todo
item listado pela Receita Federal por identidade de uso.
Esta constatação nos motivou através de uma “leitura” geográfica a privilegiar a
categoria de análise do território na tentativa de definir o que é ser camelô, diferenciando-o do
sacoleiro e das demais atividades conexas e de suporte, pois entendemos que, apesar de
comporem o mesmo circuito e estarem sob a mesma lógica de reprodução ampliada do capital
mediante a produção exacerbada de mercadorias diversas, cada atividade carrega um conjunto
de relações e características particulares.
179
Para esta empreitada, partimos do entendimento do território para além das tentativas
de controle e poder acerca da delimitação territorial física dos países em suas interfaces.
Também consideramos, ainda que de formas preliminares, uma articulação de escalas em que
os conflitos territoriais não comparecem somente na escala do poder do Estado em relação a
outros Estados, mas também com relação ao poder do Estado nas diferentes instâncias do
poder com relação aos trabalhadores no contexto de um mundo do trabalho voltado para a
produção e o desperdício.
O resultado foi o entendimento, ainda em construção, da definição do trabalhador
camelô como sendo aquele possuidor de um ponto fixo de venda das mercadorias, onde o seu
território é o seu ponto fixo, e este deve ser mantido em uma relação de tensionamento,
envolvendo interesses diversos, do Poder Público Municipal; através dos seus representantes,
contra os camelôs; e dos interesses dos próprios trabalhadores camelôs em embates entre eles
mesmos.
O acontecimento que melhor exemplificou o que estamos apontando foi o momento
em que fiscais do Poder Público, ao perceber a importância dada por um camelô ao seu ponto
fixo de venda, passaram a leiloar os pontos, dando início a uma crescente onda de corrupção
noticiada nacionalmente como “Máfia dos Fiscais”, o que gerou uma greve de fome dos
trabalhadores camelôs, perda de cargos públicos por parte de fiscais e políticos, criação de
estratégias de organização incipientes de camelôs, manifestações públicas e tentativas de
homicídio em alguns casos levadas ao extremo e consolidadas.
No nosso entendimento, como toda esta trama de relações girava em torno da
concessão de um local para os camelôs executarem suas atividades e da necessidade de
manutenção do ponto fixo, ainda que em forma de pagamento de propina, que somente é
possível a concessão destes pontos em espaços públicos de uso comum, sem a possibilidade
de posse definitiva, nos sentimos seguros para definir o trabalhador camelô como aquele que
possui temporariamente e precisa manter diariamente o seu ponto fixo de vendas, inclusive
conseguindo mantê-lo funcionando em horário comercial nos momentos de refluxo total das
vendas.
Outros exemplos foram apontados nesta dissertação sob a denominação de
corretagem, atrelamento e conjugação de boxes padronizados. Apontamos, ainda, o
“estranhamento” que leva um boxista que compra e paga por um boxe a exigir a expulsão de
um vendedor ambulante desterreado dos arredores do camelódromo. No entanto, estas
180
características territoriais se resumem ao território do trabalhador camelô com seu ponto fixo,
não sendo a mesma característica, por exemplo, de um trabalhador que executa a função de
sacoleiro.
Na definição por hora alcançada em nossos estudos, o sacoleiro possui como território
o conhecimento adquirido após inúmeras viagens aos grandes centros de compra,
conhecimento este que supera inclusive a posse de capital para a realização das compras; uma
vez que existem inúmeros casos de sacoleiros que, por atuarem muitos anos na rota de
contrabando, conseguem ser financiados por agentes de grandes redes de contrabandistas de
grande escala, pertencentes à economia do crime e por comerciantes ou empresários inscritos
na economia burguesa. casos de um sacoleiro poder viajar sem dinheiro e comprar no
crédito informal, conseguido nos pontos de revenda nos grandes centros abastecedores, após
muitos anos como cliente das mesmas lojas, galerias, shoppings, estandes etc. existentes no
Paraguai.
Esta convergência de interesses em torno da mercadoria nos obriga a pensar a
economia do crime articulada com a economia burguesa, como parte de um todo que se
completa. A gama de atividades com seus trabalhadores é por nós entendida como a
continuidade da plasticidade e das capilaridades do trabalho, que obriga o trabalhador a
migrar através de inúmeras atividades tanto no universo do trabalho formal, como do trabalho
formal para o informal e, posteriormente, continua migrando de atividade em atividade dentro
do próprio circuito de circulação. Neste circuito, as mercadorias são o combustível, a
concorrência levada ao limite é o motor e os trabalhadores são peças importantes, porém não
fundamentais para a manutenção e o funcionamento, que podem ser facilmente descartadas
e substituídas.
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PRESIDENTE PRUDENTE, 2008
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A DINÂMICA GEOGRÁFICA DA CAMELOTAGEM: A TERRITORIALIDADE DO
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