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ESTADO DE MATO GROSSO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
O USO LEGAL DA FORÇA NA FORMAÇÃO DE JOVENS
TENENTES: Um Desafio para a Atuação Democrática da Polícia
Militar do Mato Grosso
WILQUERSON FELIZARDO SANDES
Cuiabá - Mato Grosso
2007
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1
O USO LEGAL DA FORÇA NA FORMAÇÃO DE JOVENS
TENENTES: Um Desafio para a Atuação Democrática da Polícia
Militar de Mato Grosso
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como exigência para
obtenção do título de Mestre em Educação
(Área de Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos
Sociais, Política e Educação Popular, Grupo de
Pesquisa Educação, Jovens e Democracia), sob
orientação da Professora Doutora Maria
Aparecida Morgado.
Cuiabá - Mato Grosso
2007
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S214u SANDES, Wilquerson Felizardo
O uso legal da força na formação de jovens tenentes: um desafio para a
atuação democrática da Polícia Militar do Mato Grosso/ Wilquerson Felizardo
Sandes. - - Cuiabá: UFMT/IE, 2007. 100 p.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso como exigência para obtenção do título de
mestre em Educação (área de concentração Educação, Cultura e Sociedade, Linha
de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, Grupo de Pesquisa
Educação, Jovens e Democracia), sob a orientação da Professora Doutora Maria
Aparecida Morgado
Bibliografia: p.95-100
CDU-351.74 (817.2)
Índice para catálogo sistemático
1 . Formação policial
2 . Jovens Tenentes
3 . Uso legal da força
3
4
RESUMO
Esta pesquisa investiga a formação e atuação policial dos jovens tenentes, egressos do
Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso Bacharelado em
Segurança Pública (CFO – PMMT), em relação aos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e
Armas de Fogo. A partir de 2001, a Academia de Polícia Militar de Mato Grosso aderiu a
Base Curricular para a Formação dos Profissionais de Segurança do Cidadão instituída pelo
Ministério da Justiça. A nova base curricular propôs homogeneizar os cursos de formação e o
planejamento curricular nas polícias estaduais e federal, em unidade de pensamento e ações
adequadas às necessidades sociais, com foco em competências e habilidades para o policial
orientar-servir-proteger. O CFO PMMT é um curso de formação superior profissional com
4.780 horas-aula, realizado em período integral durante três anos e ao final o formando recebe
o tulo de Bacharel em Segurança Pública. Focaliza-se a atuação policial dos jovens tenentes
quanto ao uso legal da força em relação à formação que receberam no Bacharelado em
Segurança Pública. Metodologicamente este estudo centra-se na perspectiva qualitativa,
utiliza análise de documentos, estudo bibliográfico e entrevistas. O sujeitos selecionados são
egressos do Curso de Formação de Oficiais que passaram pelo ciclo de formação no período
entre 2001 a 2003. Esta dissertação está estruturada da seguinte forma: Na Parte I, subdividida
em três capítulos, aborda o tema Estado, democratização da polícia militar e uso legal da
força. O capítulo 1 contextualiza o Estado e a construção do monopólio de força. O capítulo 2
versa sobre os esforços governamentais para a democratização da atuação policial militar. O
capítulo 3 enfoca o poder de polícia e o uso legal da força. Na Parte II, subdividida em dois
capítulos, aborda o sistema de ensino da PMMT e as bases curriculares do bacharelado em
segurança pública. O capítulo 4 descreve a trajetória do sistema de ensino da PMMT. O
capítulo 5 analisa as bases curriculares nacionais e o bacharelado em segurança pública na
PMMT. Na Parte III, subdividida em dois capítulos, desdobra-se a análise e interpretação das
entrevistas com os jovens egressos e o uso legal da força (2001-2003). O capítulo 6 relata o
perfil da juventude no Brasil e no bacharelado (CFO). O capítulo 7 analisa a formação e
atuação dos tenentes em relação ao uso legal da força. O oitavo e último capítulo apresenta os
resultados da entrevistas. Ao final são realizadas considerações sobre os Princípios sicos
sobre o Uso da Força e Armas de Fogo e as possibilidades e limitações na atuação
democrática dos jovens tenentes da PMMT.
Palavras-chave: formação policial; jovens tenentes; uso legal da força.
5
ABSTRACT
This research investigates the formation and police performance of the young
lieutenants, egresses of the Course of Formation of Officers of the Military Policy of Mato
Grosso - superior course in Public Security (CFO - PMMT), in relation to the Basic
Principles on the Use of the Force and Firearms. From 2001 the Academy of Military Policy
of Mato Grosso adhered the resume for the Formation of the Professionals of Security of the
Citizen, instituted for the Ministry of Justice. The new base considered to similar the courses
of formation and the resume in the state policies and federal planning, in unit of thought and
adequate actions to the social necessities, with focus in abilities and abilities policeman guide-
serve-to protect it. The CFO - PMMT, is a course of professional superior formation with
4.780 h/a carried through in complete period during three years and to the end forming
receives the heading from Bachelor in Public Security. It is focused police performance of the
young lieutenants how much to the legal use of the force in relation to the formation who had
received in the superior course in Public Security. This study is centered in the qualitative
perspective, uses document analysis, bibliographical study and interviews. The selected
citizens are egresses of the Course of Formation of Officers who had passed for the cycle of
formation in the period of 2001 the 2003. This research this structuralized of the following
form: In Part I, subdivided in three chapters, it approaches the subject Been, ideological
formation, to be able of policy and legal use of the force. Chapter 1 it approaches the function
of the State and the construction of the monopoly of the force. Chapter 2 turns on the
ideological and operational formation in the police education to militate. Chapter 3 focuses
the power of policy and the legal use of the force. In Part II, subdivided in two chapters, it
approaches the curricular system of education of the PMMT and bases of the course one in
public security. Chapter 4 describes the trajectory of the system of education of the PMMT.
Chapter 5 analyzes the national resume bases and the superior course one in public security in
the PMMT. In Part III, subdivided two chapters, it is unfolded analysis and interpretation of
the interviews with the young egresses and the legal use of the force (2001-2003). Chapter 6
tells the profile of youth in Brazil and the course one (CFO). Sixth and I finish chapter
analyzes the use of the force in the formation and democratic performance of the lieutenants
of the PMMT. To the end boarding on the Basic Principles on the Use of the Force and
Firearms and the possibilities and limitations in the democratic performance of the young
lieutenants of the PMMT are carried through.
Word-key: police formation; young lieutenants; legal use of the force
6
“Ensina-me, Senhor, teu caminho, e andarei em
tua verdade, dedicando meu coração para temer
Teu nome”.
Eu te louvarei, meu Senhor Deus, com todo meu
coração, e glorificarei teu nome eternamente ”
(Salmos 86: 12-13)
7
AGRADECIMENTOS
- Rendo agradecimentos ao Grande Arquiteto do
Universo por iluminar e livrar o meu caminho.
- À minha esposa Nice por caminhar de mãos dadas com
muito amor e dedicação.
- Aos meus filhos Gabriel, Gustavo e Clara por
emocionar e alegrar a caminhada.
- Aos meus pais William, Lásara e avó Gerônima por
ensinar como dar os primeiros e decisivos passos.
- À minha orientadora professora Morgado que, além de
ensinar, mostrou caminhos alternativos e me estendeu a
mão amiga.
- Ao coronel Adaildon, amigo, irmão e mestre, por
acreditar e abrir o meu caminho.
- À amiga Tânia Romano, pela dedicada leitura e revisão
desta obra.
- Aos professores, colaboradores e colegas da UFMT por
pavimentar o caminho.
- Aos amigos, superiores e subordinados da Polícia
Militar, por ajudar a manter a cadência firme.
- E a você, que me homenageia com a sua leitura e
reflexão.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 9
Considerações Metodológicas ........................................................................................................... 13
PARTE 1 - ESTADO, DEMOCRATIZAÇÃO POLICIAL MILITAR E USO LEGAL DA
FORÇA .............................................................................................................................................. 17
Capítulo 1 - O Estado e a Construção do Monopólio de Força - Polícia .......................................... 18
Capítulo 2 – Esforços Governamentais para a Democratização da Atuação Policial Militar ........... 26
Capítulo 3 – Poder de Polícia e Uso Legal da Força ......................................................................... 33
PARTE II – O SISTEMA DE ENSINO DA PMMT E AS BASES CURRICULARES DO
BACHARELADO EM SEGURANÇA PÚBLICA .......................................................................... 42
Capítulo 4 – Trajetória do Sistema de Ensino da PMMT ................................................................. 43
Capítulo 5 – Bases Curriculares Nacionais e o Bacharelado em Segurança Pública na PMMT ...... 47
PARTE III - JOVENS EGRESSOS DO BACHARELADO EM SEGURANÇA PÚBLICA E
O USO LEGAL DA FORÇA (2001-2003) ....................................................................................... 58
Capítulo 6 – Perfil da Juventude no Brasil e no CFO ....................................................................... 59
Capítulo 7 – A Formação e Atuação dos Tenentes sobre o Uso Legal da Força .............................. 65
Capítulo 8 - Apresentação dos Resultados ........................................................................................ 83
Considerações Finais – Limitações e Possibilidades ......................................................................... 88
Referências ........................................................................................................................................ 95
9
INTRODUÇÃO
No período de 1997 a 2004, este pesquisador exercia ativamente a função de
professor nas áreas de educação física e administração dos diversos cursos de formação
profissional da Polícia Militar e Polícia Judiciária Civil em Mato Grosso. No ano de 2000
a direção da Academia de Polícia Militar Costa Verde (APMCV) convidou-me a participar
da construção de um novo currículo para o Curso de Formação de Oficiais (CFO). Na
época, a reforma curricular era presidida pelo o coronel Almir Balieiro (estudante de
Mestrado em Educação e Comandante da APMCV) e coordenada pela professora Regina
Lúcia Borges Araújo (orientadora educacional da academia).
A coordenação dos trabalhos orientou o corpo docente através de palestras e
documentos que o Ministério da Justiça, via Secretaria Nacional de Segurança Pública,
criara, um programa denominado “Bases Curriculares para Formação dos Profissionais de
Segurança do Cidadão”, visando homogeneizar os cursos de formação e planejamento
curricular e assegurar o princípio de eqüidade no processo de formação, unidade de
pensamento e ações adequadas às necessidades sociais. A iniciativa do Governo Federal
em rever a formação policial se relacionava ao aumento da criminalidade, falta de
integração entre as diversas polícias, formação com enfoque no militarismo de guerra e
abusos nas práticas policiais. A tentativa seria romper com o modelo de formação do
regime militar, que ainda emitia sinais de vigor dezesseis anos após as retomada do Estado
democrático de direito no Brasil.
Em Mato Grosso a revisão do currículo do CFO seguiu as bases curriculares
nacionais. Professores e instrutores, através de diversos grupos de trabalho, mapearam
habilidades e competências, resultando, ao final, na implementação do “Projeto Político
Pedagógico da Academia de Polícia Militar”. Na revisão curricular buscou-se desenvolver
a interdisciplinaridade e transversalidade entre os conteúdos distribuídos em uma carga
horária de 4.780 horas-aula, com 06 áreas de estudo missão, técnica, cultura jurídica,
saúde, eficácia, linguagem e informação. O conteúdo da base comum possuía 11,30%
voltadas para missão policial (filosofia, política, sociologia, ética e cidadania, psicologia),
17% para técnica policial (tiro, defesa pessoal, operações policiais, técnicas gerais de
policiamento), 23,22% de cultura jurídica, 3,77% de saúde física e mental, 9,41% para
eficácia pessoal (gestão, relações interpessoais), 16,11% para linguagem e informação
10
(didática, estatística, idiomas, pesquisa, informática), 5,54% para estágio e 11,40% para
atividades complementares. As áreas temáticas englobaram cultura, sociedade, ética,
cidadania, direitos humanos e controle de drogas.
A primeira turma submetida à revisão curricular ingressou em 2001, no CFO, via
concurso conveniado com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), um grupo
composto por vinte alunos, sendo dezoito homens e duas mulheres. Esta foi a primeira
turma formada, durante três anos consecutivos, em conformidade com o novo currículo do
Bacharelado em Segurança Pública.
Em 2001 a direção da APM, promoveu um curso de extensão em Metodologia do
Ensino Superior, onde possibilitou-nos operacionalizar a aplicação das Bases Curriculares
no CFO, principalmente com práticas pedagógicas norteadas pelo construtivismo. No
curso, participou como professora, a pedagoga Bernadete Cordeiro, ela contribuiu com sua
experiência educacional na elaboração das Bases Curriculares em âmbito nacional. Deste
curso inicia-se o interesse pelo tema da pesquisa relacionado à formação policial.
com um olhar diferente sobre o processo educacional adquirido pelo exercício da
docência e as novas concepções de ensino apreendidas, atuei com instrutor no Curso de
Formação de Soldados da PMMT no ano de 2003.
Uma turma em particular (composta por cerca de cinqüenta alunos, na maioria jovens
civis e alguns que passaram algum tempo servindo o Exército) despertou-me para uma
questão que inicialmente delineou a elaboração do anteprojeto desta pesquisa em
educação.
Recordo que durante as atividades físicas aconteciam corridas em grupo, usando o
mesmo ritmo, cadência e canções. Ao pedir para um aluno iniciar uma canção durante a
corrida para que todos repetissem, ele cantou um exórdio de guerra, talvez aprendido
durante o serviço militar. Ao final da aula, após uma reflexão em grupo sobre o papel
constitucional da Polícia Militar, recomendei que fossem abolidas as canções ou exórdios
de guerra e substituídas por canções mais apropriadas ao tema policial servir e proteger.
Durante as aulas, na companhia do instrutor, as canções obedeciam ao preconizado.
Entretanto, em um dos horários de aula ocorreu um imprevisto, liguei para a organização
da escola de formação informando possível atraso ou falta, passando assim uma atividade
física para ocupar o tempo de aula. Sanado o motivo da ausência, desloquei-me para a
escola, quando deparei com aquela turma correndo e um dos alunos destacados puxava
uma canção de guerra.
11
Em virtude do episódio acima citado, surgiu uma indagação: Por que longe das vistas
do instrutor, os policiais optaram por uma canção de guerra? Foi ao acaso que optaram em
reproduzir a prática antiga ou estes jovens se identificavam com o modelo mesmo antes
de ingressar na PMMT? O que isso teria a dizer em termos de pesquisa?
Isto posto, este estudo foca o seguinte problema: Com o novo sistema de ensino na
Academia de Polícia Militar, ocorreram mudanças na formação e atuação
democrática dos tenentes a partir de 2003 em relação ao uso da força e armas de
fogo?
Assim sendo, a pesquisa investiga os reflexos do processo formativo na atuação
profissional dos jovens egressos do Curso de Formação de Oficiais (C.F.O.) após a
reforma das bases curriculares em nível regional.
Preliminarmente, foram elaboradas duas hipóteses a partir do problema central:
- Hipótese 1: O novo sistema de ensino da Academia de Polícia Militar não
promoveu mudanças na atuação democrática dos tenentes a partir de 2003 em relação ao
uso da força e armas de fogo, pois a cultura vigente ainda tem grande influência na postura
profissional dos egressos, principalmente quando em contato direto com policiais que
mantêm uma concepção de formação voltada para a defesa do Estado.
- Hipótese 2: O novo sistema de ensino da Academia de Polícia Militar possibilitou
mudanças parciais na atuação democrática dos tenentes a partir de 2003 em relação ao uso
da força e armas de fogo, pois os jovens egressos entendem a necessidade de melhoria da
atuação policial, todavia avaliam que a nova base curricular tem alguns focos de
resistência cultural no processo formativo, principalmente quando depararam com a
necessidade de realizar atividades e estágios nos batalhões. Ocorrem dificuldades de
decidir, na prática, o que foi estudado na formação. Nota-se, em geral, uma distância dos
discursos policiais relacionados ao que aprenderam no bacharelado e suas práticas
correspondentes, oscilando entre posições conservadoras e posições inovadoras.
Quanto aos sujeitos da pesquisa, estes possuem o cargo de Tenentes da Polícia
Militar. Assim, visando descrever e delimitar os sujeitos, recorro ao Código Brasileiro de
Ocupações (C.B.O), elaborado em 2002, como documento normalizador do
reconhecimento, da nomeação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupações do
mercado de trabalho brasileiro. O Mistério do Trabalho e Emprego, em parceria com a
FIPE e especialistas das instituições policiais militares de São Paulo, Minas Gerais, Santa
Catarina e Paraná, catalogaram no Código Brasileiro de Ocupações (CBO), os cargos de
12
Primeiros Tenentes (código 020305) e Segundos Tenentes (código 020310) da Polícia
Militar que possuem as seguintes ocupações:
Comandam pelotão, coordenam policiamento ostensivo, reservado e
velado; assessoram comando, gerenciam recursos humanos e
logísticos, participam do planejamento de ações e operações,
desenvolvem processos e procedimentos administrativos militares,
atuam na coordenação da comunicação social; promovem estudos
técnicos e capacitação profissional. [...] Trabalham na polícia
militar, no comando de pelotões, como estatutários. Trabalham em
equipe, sob supervisão. Atuam em ambiente de trabalho que pode
ser fechado, a céu aberto ou em veículos, em horários diversos:
diurno, noturno e em rodízio de turnos. Atuam sob pressão, podendo
levá-los à situação de estresse; correm risco de perder a vida em sua
rotina de trabalho. [...] Para o exercício dessas ocupações requer-se
Curso de Formação de Oficiais em Academia da Polícia Militar
(Ministério do Trabalho e Emprego -CBO, 2002).
Pela descrição do CBO (2002) a função de tenente exige as seguintes competências
pessoais: prestar assistência jurídica e religiosa; manter discrição e reserva; liderar
equipes; trabalhar em equipe; manter equilíbrio emocional; manter condicionamento
físico; atuar com ética profissional; exercer tolerância; comprometer-se com a legalidade;
agir com humanidade; tomar decisões rápidas e coerentes; desenvolver relacionamento
interpessoal; manter-se atualizado; demonstrar flexibilidade; suportar situações de estresse.
O tenente necessita dos seguintes recursos de trabalho, os quais destacam-se
viaturas, uniforme, armas de fogo, rádio intercomunicador, algemas, detector de metais,
armas não letais, equipamentos de proteção individual.
***
Nesta pesquisa em educação, adotou-se metodologia com abordagem qualitativa,
através de análise documental, pesquisa bibliográfica e entrevistas. Estes métodos, após
análise e interpretação, tendem a contribuir para avaliar as hipóteses sobre os efeitos ao
13
novo sistema de ensino no Curso de Bacharelado em Segurança Pública e na formação e
atuação democrática dos tenentes em relação ao uso legal da força.
Segundo Ludke e Andre (1986, p.11) esta pesquisa qualitativa supõe o contato
direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo
investigada, ocorrem detalhes de descrição, identifica-se como um problema se manifesta
como processo, são capturadas perspectivas dos entrevistados e a análise dos dados segue
um processo que vai afunilando.
Portanto, tendo em vista a amplitude da base curricular em seus conteúdos, os
níveis de atribuições exercidas pelos tenentes, o objeto foi sendo afunilado para um campo
pontual da ação policial: O Uso Legal da Força.
Para abordar o Uso Legal da Força, recorro à resolução do “Oitavo Congresso das
Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores” realizado em
Cuba no período de 27 de agosto a 07 de setembro de 1990. Constam no documento
normas orientadoras aos Estados-membros na tarefa de assegurar e promover o papel
adequado dos encarregados da aplicação da lei, com princípios levados em consideração e
respeitados pelos governos no contexto da legislação e da prática nacional, e levados ao
conhecimento dos encarregados da aplicação da lei assim como de magistrados,
promotores, advogados, membros do executivo e legislativo e do público em geral.
No documento da ONU, em particular, destacam-se os Princípios Básicos sobre o
Uso da Força e Armas de Fogo (PBUFAF) que recomenda aos Governos e os organismos
de aplicação da lei adoção e aplicação de regras sobre a utilização da força e de armas de
fogo contra as pessoas, por parte dos policiais.
Considerações Metodológicas
Durante a pesquisa explorou-se documentos existentes na Academia de Polícia
Militar (livros, legislações, revistas). Visando o reforço à análise, realizou-se pesquisa
bibliográfica antes e após a interpretação das entrevistas. “[...] a pesquisa bibliográfica não
é mera repetição do que foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de
um tema sob novo enfoque ou abordagem, [...]” (MARCONI, LAKATOS, 2002, p.71).
14
A análise de dados resultará do cruzamento de dados das duas primeiras partes com
as informações sistematizadas nas entrevistas com os egressos sobre a formação e atuação
policial em relação ao uso da força. As tendências e padrões identificados e avaliados
buscam relações e inferências num nível de abstração mais elevado, conforme preceitua
Ludke e Andre (1986, p.45).
As entrevistas ocorreram em duas fases distintas, a primeira realizada de forma
semi-estruturada com três profissionais da educação (um coronel e duas pedagogas), que
contribuíram em âmbito nacional e estadual para formulação das bases curriculares; na
segunda fase e principal, de forma estruturada, foram entrevistados cinco tenentes que
concluíram o curso de 2003.
Em relação aos especialistas entrevistados, sendo o objetivo explorar como foi
construída a base curricular nacional, adotou-se uma entrevista semi-estruturada com
perguntas amplas visando sondar razões e motivos da instituição de um novo modelo de
ensino policial.
Além da percepção dos especialistas entrevistados, verifiquei, através de
documentos, a percepção dos alunos da CFO em 2003. As bases curriculares antes e após
2001 sobre os conteúdos em geral e específicos sobre uso legal da força foram
comparadas.
Quanto às entrevistas com os tenentes, em virtude de se obter respostas para as
mesmas perguntas e posterior comparação para refletir diferenças entre os respondentes,
adotou-se um roteiro de entrevista de caráter estruturado com perguntas abertas. Conforme
Marconi e Lakatos (2002, P.93-95) na entrevista estruturada as perguntas feitas ao
indivíduo são predeterminadas. Do universo de vinte sujeitos, foram entrevistados cinco
egressos (quatro homens e uma mulher) da Academia de Polícia Militar Costa Verde em
Várzea Grande-MT que iniciaram o curso em 2001 e concluíram de 2003, tendo em vista
que após 2003 ocorreram mudanças políticas nas bases curriculares. Selecionados aqueles
que atuam profissionalmente em Cuiabá na área de policiamento ostensivo no dia a dia. A
amostra se restringe aos que atuam em Cuiabá em virtude de aspectos de dificuldade
logística na realização das entrevistas. Dentre os recursos utilizados, optou-se pelas
entrevistas estruturadas com os egressos através de anotações digitadas, principalmente
pelo fato de alguns dos sujeitos da pesquisa se manifestarem pouco à vontade e naturais ao
ter suas falas gravadas.“[...] as notas já representam um trabalho inicial de seleção e
interpretação das informações obtidas”.(LUDKE, ANDRE, 1986, p.37).
15
Nas entrevistas estruturadas com os egressos, adotou-se o seguinte roteiro: perfil do
entrevistado; conhecimentos adquiridos no Curso de Formação de Oficiais (C.F.O.) sobre
Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (P.B.U.F.A.F.); disciplinas do
curso que abordam o tema; conhecimento sobre o modelo de uso da força; desdobramento
dos níveis de força e relatos; procedimentos em caso de confronto letal; atuação como
comandante em relação aos subordinados; entre outros assuntos com maior flexibilidade.
Os cinco egressos entrevistados foram submetidos ao mesmo roteiro estruturado de
perguntas, todavia suas respostas foram livres. A análise das entrevistas foi realizada
através do cruzamento das entrevistas individuais, sendo que cada pergunta foi
transformada em um tópico, constam as respostas uma a uma dos entrevistados dentro de
cada tópico, com citação diretas e indiretas. Cada entrevistado foi denominado de
“Tenente”, acrescentando uma letra do Alfabeto Fonético Internacional usado,
costumeiramente, no âmbito das instituições militares ao citar letras do Alfabeto a fim de
se evitar ruídos de comunicações de rádio. Exemplo: Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo,
Fox, Golf.
A análise da atuação democrática dos tenentes se operacionaliza em relação aos
princípios básicos de uso da força e armas de fogo, isto porque implica diretamente nas
vidas das pessoas que o estado em tese deveria defender. Assim foram verificados tratados
internacionais sobre ação de policiais, principalmente resoluções da Organização das
Nações Unidas.
Para compreender melhor a questão do Uso Legal da Força, este pesquisador
realizou em outubro de 2006, um curso a distância com uma carga horária de 60 horas -
aula sobre o tema Uso Legal da Força, promovido pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública e tutoria da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso.
O curso contribuiu em alguns aspectos sobre o tema, com informações mais detalhadas
sobre a conduta do profissional de segurança pública ao se deparar com uma situação de
emprego de força e arma de fogo.
Esta dissertação está estruturada da seguinte forma:
Na Parte I, subdividida em três capítulos, aborda o tema Estado, democratização da
polícia militar e uso legal da força. O capítulo 1 contextualiza o Estado e a construção do
monopólio de força. O capítulo 2 versa sobre os esforços governamentais para a
democratização da atuação policial militar. O capítulo 3 enfoca o poder de polícia e o uso
16
legal da força.
Na Parte II, subdividida em dois capítulos, aborda o sistema de ensino da PMMT e
as bases curriculares do bacharelado em segurança pública. O capítulo 4 descreve a
trajetória do sistema de ensino da PMMT. O capítulo 5 analisa as bases curriculares
nacionais e o bacharelado em segurança pública na PMMT.
Na Parte III, subdividida em dois capítulos, desdobra-se a análise e interpretação
das entrevistas com os jovens egressos e o uso legal da força (2001-2003). O capítulo 6
relata o perfil da juventude no Brasil e no bacharelado (CFO). O capítulo 7 analisa a
formação e atuação dos tenentes em relação ao uso legal da força. O oitavo e último
capítulo apresenta os resultados da entrevistas.
Ao final são realizadas considerações sobre os Princípios Básicos sobre o Uso da
Força e Armas de Fogo e as possibilidades e limitações na atuação democrática dos jovens
tenentes da PMMT.
17
PARTE 1 - ESTADO, DEMOCRATIZAÇÃO POLICIAL MILITAR E
USO LEGAL DA FORÇA
18
Capítulo 1 - O Estado e a Construção do Monopólio de Força - Polícia
Este capítulo contextualiza o Estado e a construção do monopólio da força e o
surgimento histórico da polícia como instrumento de controle social. Inicialmente recorro
a Norbert Elias sobre o processo civilizatório e monopólio de força. Para construir uma
linha de pensamento, com diversos olhares que descrevessem como se dá a manutenção da
força estatal e o controle, constam breves contribuições teóricas de Foucault, Arendt,
Goffman, Althusser e Bourdieu. Ao final apresento um recorte histórico sobre a origem de
uma instituição estatal que atua com instrumento do monopólio de força do Estado: a
polícia em geral e a Polícia Militar de Mato Grosso em particular.
Conforme Elias (1994, p.193), o processo civilizador tem muitas variáveis, entre
elas a mudança na conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica,
apesar das mudanças não terem sido anteriormente planejadas ao longo do tempo, e
posteriormente questiona a inexistência da racionalidade de planejamento em longo prazo
da civilização e depois argumenta, que apesar do não planejamento, ocorreu um tipo
específico de ordem, com instrumentos de controle, tais como autocontrole, o sentimento
de vergonha, como regulação de toda a vida instintiva e afetiva em caráter estável,
uniforme e generalizada.
Assim o processo civilizador surge ao longo do tempo. A civilização é posta em
movimento pela dinâmica rede de relacionamentos, por mudanças específicas na maneira
como as pessoas se vêem obrigadas a conviver desempenhando uma específica função
social. Através de mudanças psicológicas molda-se um comportamento socialmente aceito
mediante uma infinidade de medos. Quanto mais baixa a divisão de funções, mais instável
é a sociedade. Ao contrário, enquanto mais complexa, as divisões tendem à monopolização
da força e isso influencia o autocontrole, tornando o meio social pacificado e livre de atos
de violência.
Segundo Elias (1994, p.198), a necessidade de uma sociedade constituir
instrumentos de controle para sua proteção conduz à construção de um monopólio de
força, centrado na figura o Estado, que conduz o indivíduo a regular a conduta de maneira
uniforme e estável. Vejamos:
Ao se criar monopólio de força, criam-se espaços pacificados, que
normalmente estão livres de atos de violência [...] Nelas o indivíduo
19
é protegido principalmente contra ataques súbitos, contra a violência
física em sua vida. Mas, ao mesmo tempo, é forçado a reprimir em si
mesmo qualquer impulso emocional para atacar fisicamente outra
pessoa (ELIAS, 1994, p. 198).
O Estado, através de mecanismos legais, tem como atributo comum a vigilância da
conduta dos indivíduos e da massa, onde paradoxalmente, o medo assegura a conduta
socialmente correta, “a monopolização da força física reduz o medo e o pavor que um
homem sente do outro, mas ao mesmo tempo , limita a possibilidade de causar terror,
medo ou tormento em outros.” (ELIAS,1994, p.201)
Em um outro contexto teórico, a disciplina passa a ser um instrumento para adestrar
e uniformizar as massas, na perspectiva de Foucault (1991, p. 157), a disciplina tem como
objetivo adestrar os indivíduos e conseqüentemente retirar e se apropriar deles. Os
instrumentos utilizados pelo poder disciplinador são: o olhar hierárquico, a sanção
normalizadora e o exame. A vigilância hierárquica cria observatórios como nos
acampamentos militares, desenhando uma rede de olhares que se controlam uns aos outros.
“A vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo
tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder
disciplinar [...]” (FOUCAULT, 1991, p. 157). A sanção normalizadora funciona como um
mecanismo penal onde se qualificam e reprimem desvios de comportamento através de
mecanismos de macro e micro penalidades, de pequenas humilhações a castigos físicos.
Tem um sistema duplo: gratificação-sanção, classificação e hierarquização de bons e maus
indivíduos. A punição ocorre por operações distintas tais como: relacionar os atos, os
desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, diferenciação e princípios de
regras a seguir. A normalização ocorre através da comparação, diferenciação,
hierarquização, homogeneização e exclusão. Aparece o poder da norma: o normal se
estabelece como princípio de coerção. O poder de regulamentação obriga a
homogeneidade, permite individualizar desvios e prevê o ajustamento. O exame
combina técnicas de hierarquia e sanção e o seu uso permite qualificar, classificar e punir.
O exame fornece informações sobre as pessoas que indicam lugar e tempo, tornando-os
descritivos, analisáveis e identifica as suas singularidades, permitindo a comparação de
resultados.
Ao tempo que se cria monopólio de força e são construídos instrumentos de
20
controle, surgem desvios, e a partir daí o Estado exerce o seu poder. Neste contexto pode-
se recorrer ao olhar de Arendt (1994, p. 35-36) sobre a distinção entre binômio poder
violência, tão freqüentemente confundidos com uma tradição teórica do pensamento
político, geralmente relacionado a mando e obediência. Para a autora a questão em quem
domina quem: poder, vigor, força, autoridade e violência. “A forma extrema do poder e “o
todos contra um”, a forma extrema da violência e o um contra todos. [...] o poder nunca é
propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na
medida em que o grupo conserva-se unido [...] a violência pode ser justificada mas nunca
legitimada [...]” (ARENDT, 1994, p. 35-36).
Todavia, este tecido social, para se livrar dos desvios de comportamento que
possam causar riscos, cria instituições fechadas para abrigar aqueles que em virtude de
uma atividade ou comportamento precisam ser isolados em manicômios e prisões,
definidas como instituições totais. Vejamos:
Uma instituição total pode ser definida como um local de residência
e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação
semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável
período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada. (GOFFMAN, 2005, p.11)
Goffman (2005, p.16-17) discorre que uma instituição total possui barreiras do
mundo externo, proibições à saída, portas fechadas, paredes altas, arames, fossos. O autor
enumera cinco agrupamentos de instituições fechadas, aquelas que cuidam de pessoas
incapazes e inofensivas como crianças e idosos; em segundo lugar, as incapazes que
podem ameaçar a comunidade de modo não intencional como os que possuem doenças
contagiosas e mentais. O terceiro tipo trata de ambientes para perigosos intencionais como
prisões. o quarto agrupamento são aquelas que realizam algum tipo de trabalho
realizado em navios, quartéis, escolas internas. E finalmente, Goffman cita o agrupamento
destinado ao refúgio do mundo, como mosteiros e conventos.
À medida que o Estado possui o monopólio da força conforme preceitua Norbert
Elias, cria mecanismos de controle e disciplina dos indivíduos conforme abordagem de
Michel Foucault e, opera no binômio poder-violência conforme Hannah Arendt, estabelece
instituições fechadas conforme estudo de Erving Goffman, ocorre então, a necessidade de
21
criar mecanismos de sujeição, onde cada indivíduo reconhece o seu lugar dentro de um
contexto social e um conjunto de práticas reproduzidas ao longo do tempo: a ideologia.
Segundo Althusser (1985, p.7-9) define que a formação social é resultado de um
modo de produção dominante. Inicialmente com a reprodução dos meios de produção, tais
como instrumentos de produção, relações entre demanda e oferta em todos os níveis, com
uma relação de interdependência de matéria prima, máquinas definidos como “uma
espécie de fio sem fim” de reprodução das condições da própria produção e das relações
de produção existentes. O autor se apóia teoricamente nas concepções marxistas que têm
posição que o Estado é o aparelho repressivo do próprio Estado; o poder é o que se busca,
e aparelho de estado é instrumento de manutenção da hegemonia. É a partir dessa posição
marxista que Althusser propõe um avanço na definição do aparelho de Estado, dividindo-o
em repressivo e ideológico. O aparelho repressivo de Estado (ARE) compreende as
instituições puramente do Estado e “funciona através da violência ao menos em
situações limites (pois a repressão administrativa, por exemplo, pode revestir-se de formas
não físicas)” (ALTHUSSER, 1985, p. 67-68). Os aparelhos ideológicos de Estado (AIE)
se apresentam através de instituições distintas (públicas e privadas) e especializadas tais
como igrejas, escolas, família, sistemas jurídicos e político, sindicatos, veículos de
comunicação, cultura. Os ARE e os AIE tendem a ambigüidade e funcionam através da
violência e ideologia, se distinguindo pelo maior ou menor grau de aplicação. Exemplo: “o
Exército e a Polícia funcionam também através da ideologia, tanto para garantir sua
própria coesão e reprodução, como para divulgar os valores por eles propostos” (Id. p.70).
Todo o processo formativo da ideologia perpassa distintos grupos com ideologias
sob medida, vejamos:
Cada grupo dispõe da ideologia que convém ao papel que ele deve
preencher na sociedade de classe; papel de explorado (a consciência
“profissional”, “moral”, “cívica”, “nacional” e apolítica altamente
“desenvolvida”); papel de agente de exploração (saber comandar e
dirigir-se aos operários: as “relações humanas”); de agentes de
repressão (saber comandar, fazer-se obedecer “sem discussão” ou
saber manipular a demagogia da retórica dos dirigentes políticos); ou
de profissionais de ideologia (saber tratar as consciências com o
respeito, ou seja, o desprezo, a chantagem, a demagogia que
convém, com as ênfases na Moral, na Virtude, na “transcendência”,
22
na nação...). (Id. p. 79-80)
A ideologia pode operar a partir de um sistema de pensamento, disseminando
uma cultura através da escola, família e outras instituições. Conforme Bourdieu (1992,
p.206-206), ao discorrer sobre sistemas de pensamento, entende que os autores primitivos
não perceberam, quando dos escritos sobre educação, que do mesmo modo que a religião,
a cultura escolar propicia aos indivíduos um corpo comum de categorias de pensamento
que tornam possível a comunicação. Os indivíduos são programados para um pensar e
agir, e partilham de um certo “espírito”, moldados segundo o mesmo modelo. Surgem os
códigos comuns que permitem a comunicação entre pessoas, e a escola é responsável pela
transmissão da cultura e do senso comum, da mesma forma que os fósseis permitem datar
uma espécie antiga, vestígios cristalizados de debates indicam o pensamento de uma
época. Os automatismos verbais e os hábitos de pensamento têm por função sustentar o
pensamento, mas também podem, nos momentos de baixa tensão intelectual, dispensar de
pensar.
Em síntese, as contribuições dos autores mencionados neste capítulo, indicam que
o Estado constrói o monopólio de força através de diversas práticas no contexto social ao
longo da história, se reafirma como ente de proteção da coletividade contra o indivíduo,
age com legitimidade decorrente do próprio indivíduo que receia ser alvo da violência,
assim também legitima o Poder do Estado, permitindo a criação de mecanismos de
controle, espaços de exclusão, reprodução do cotidiano e sistemas de pensamento. Nota-se
então uma representação imaginária dos indivíduos com as suas condições de existência, e
do imaginário surge a legalidade atribuída ao Estado, ou seja, o seu monopólio de força.
“[...] se ele crê na justiça, ele se submeterá sem discussão às regras do direito, e poderá
mesmo protestar quando elas são violadas, assinar petições, tomar parte em uma
manifestação, etc.” (ALTHUSSER, 1985, p.90).
***
Ao longo da história da civilização, para coibir o fenômeno da violência, a
sociedade buscou soluções de controle social e autocontrole em diversos âmbitos.
Instituições surgiram para proteger o indivíduo contra ataques violentos. Entre as
organizações de controle surgiu a polícia. Este vocábulo, segundo Le Clere (1965) é de
origem grega politeia, e passou para o latin politia, com o mesmo sentido: governo de uma
23
cidade, administração.
A origem da polícia, contada por Monteiro (1985, p.11-12), remonta que desde o
aparecimento do homem e da formação de clãs, como moradores de cavernas e palafitas, a
vigilância era mantida principalmente à noite. É um princípio natural na história das
civilizações para manter a segurança para sobreviver. Para o autor a polícia é uma
necessidade que atravessou séculos, percorrendo todos os espaços ocupados pelo homem,
como corpo organizado ou simples vigilante, quando da formação das primeiras milícias.
No antigo Egito verificou-se a figura do inspetor de quarteirão, com a função de
proporcionar segurança nas ruas e praças. Na China antiga era destinado um funcionário
de polícia para cada uma das cidades importantes sob ordem de um magistrado. Em Roma
a.C. existiam os questores que velavam pela manutenção da ordem, sob o comando de um
chefe de polícia e magistrado denominado E Dil. A França foi o primeiro país a instituir
em sua linguagem jurídica a expressão “polícia” com a função de preceder a justiça, tendo
a vigilância o seu principal caráter (LE CLERE, 1965).
No Brasil, em 13 de maio de 1809, D. João VI criou a Divisão Militar da Guarda
Real de Polícia da Corte, a milícia era formada por 218 guardas com armas e trajes
idênticos aos da guarda portuguesa. Em 1989, com a proclamação da República, o
primeiro ato legislativo do Marechal Deodoro da Fonseca autorizou os governadores dos
Estados a legislar sobre as atividades policiais.
1
Em 1969, pelo Decreto-lei n. 667/68, as Polícias Militares dos Estados foram
reestruturadas com organização em conformidade com as normas expedidas Exército.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, as Polícias Militares receberam a
atribuição de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública continuando como forças
auxiliares e reserva do Exército, porém, com a função de atuar em um Estado democrático
de Direito.
Após apresentar uma visão ampla sobre a construção do monopólio de força e o
surgimento das polícias, abordarei em particular a origem da Polícia Militar do Estado de
Mato Grosso, objeto desta pesquisa.
Origem da Polícia Militar de Mato Grosso
Conforme Monteiro (1985), com a criação da Capitania de Mato Grosso em 1748 e
1
Documentação registrada no Museu Nacional do Rio de Janeiro, 2005.
24
com a vinda do seu primeiro governador Dom Antonio Rolim de Moura em 1752, surgiu a
necessidade de garantia organizada, pois fundaram a cidade de Vila Bela que seria a
Capital e a primeira polícia apareceu. Verifica-se através da história, mormente nos
arquivos de Estevão de Mendonça, que a polícia de Mato Grosso teve vários nomes,
tendo surgido como a tropa mista com o nome de companhia de ordenanças. Esta surgiu
em virtude da criação da Capitania de Mato Grosso em 1748, em 1753 criou-se a
Companhia de Ordenanças de “homens pardos” com um efetivo de 80 praças.
Quanto à data exata de sua fundação sempre pairou dúvida para Monteiro porque,
primeiro se descobriu Cuiabá e só mais tarde as regiões de Mato Grosso onde se implantou
a primeira cidade (Vila Bela), com segurança própria, destinada à sobrevivência de seus
habitantes naqueles remotos tempos.
Em 1835 surge a Assembléia Legislativa Provincial que oficializou a polícia de
Província de Mato Grosso, com a criação de um Corpo Policial com a denominação de
Homens do Mato, em substituição à Guarda Municipal existente em Cuiabá desde 1831.
Todavia, do que se verifica nos “fastos” de Mato Grosso, é que a segurança na região
existia 82 anos antes da data de sua oficialização que hoje se comemora em 5 de setembro
de 1835.
Em 1902, embora ainda tensa a situação, o então Corpo de Polícia do Estado, quase
sempre comandando por um Major ou Capitão, é reorganizado e passa então a ser
Batalhão de Polícia Militar. (Id. p.41).
Em 17 de janeiro de 1936, foi criada a lei n. 192 que reorganizou as Polícias
Militares nos Estados sendo consideradas reserva do Exército. “Art. 1- As Polícias
Militares serão reorganizadas pelos Estados e pela União, na conformidade desta Lei, e são
consideradas reserva do Exército, nos termos do art 167 da Constituição Federal. [1935]
(Id. p. 85).
Em 11 de julho de 1947, foi promulgada a Constituição do Estado de Mato Grosso:
Art. 136 – A Polícia Militar, instituída para manter a segurança
interna e assegurar a ordem do Estado, é considerada força auxiliar
do Exército Nacional, nos termos da Constituição Federal. (Id. p.
107)
Em 25 de julho de 1947, o governador do Estado de Mato Grosso, através do
25
Decreto n. 337 a Força Pública passa a denominar Polícia Militar. “Art. Único a Força
Policial do Estado passa a denominar-se POLÍCIA MILITAR, revogadas as disposições
em contrário”.(Id. p. 105).
Atualmente, a Polícia Militar de Mato Grosso (PMMT) é uma instituição
organizada com base na hierarquia e disciplina que possui como missão constitucional a
polícia ostensiva e preservação da ordem blica, sendo considerada, para fins de
mobilização nacional, força auxiliar do Exército Brasileiro. Os policiais militares são
tratados como “militares estaduais” e possuem estabilidade de pública. A PMMT se
subordina hierarquicamente e administrativamente ao Governador do Estado sob a direção
unificada e vinculada à Secretária de Justiça e Segurança Pública (Constituição Federal,
1988).
26
Capítulo 2 – Esforços Governamentais para a Democratização da
Atuação Policial Militar
Uma constituição desgarrada do costume democrático permanece
letra morta: é uma máscara de paz que esconde uma face de
rancores, de paixões tumultuadas. (BOBBIO apud ZAVERUCHA,
2002, p.79).
Neste capítulo reporto-me ao esforço governamental de democratização da polícia
militar através de mecanismos ideológicos e operacionais, que fundamentalmente atuam
com hierarquia e disciplina para garantir o controle interno, e conseqüentemente agir como
instrumento de Estado no regime democrático. Após a queda do regime militar no Brasil
em 1984 buscou-se mudanças do modelo de polícia do regime autoritário (polícia política)
para o regime democrático (polícia cidadã).
Inicialmente, o Estado Democrático de Direito no Brasil foi instituído com a
promulgação da Constituição Federal (C.F.) de 1988, sendo:
[...] um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias [...] (C.F. 1988).
São princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito: soberania,
cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,
pluralismo político. O poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente (C.F., 1988).
Quanto às polícias militares, a atuação democrática está prevista no art. 144 que
trata que segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio. Entre os órgãos que exercem o papel de segurança pública, constam as
27
polícias militares que cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública,
subordinando-se aos governadores do exército e sendo denominadas forças auxiliares e
reserva do Exército. As instituições policiais militares, conforme a Carta Magna, são
regidas por dois fundamentos básicos: hierarquia e disciplina (C.F., 1988).
Para garantir a hierarquia e disciplina, são instituídas, na mente do policial militar,
uma formação ideológica híbrida meio policial, meio militar. O novato é afastado de
seu mundo doméstico. No processo de admissão, uniformes são distribuídos, movimentos
são padronizados para garantir uma unidade de pensamento. Surgem os primeiros testes de
obediência; um exemplo é o juramento de defender a sociedade com risco da própria vida:
Art. 35 Ao ingressar na Polícia Militar do Estado de Mato Grosso
prometo regular a minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir
rigorosamente as ordens das autoridades que estiver subordinado e
dedicar-me inteiramente ao serviço policial militar, à manutenção da
ordem pública e a segurança da comunidade, mesmo com o risco da
própria vida. (Estatuto da PMMT, 1993).
Paradoxalmente, para cumprir os princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito, é necessário que o policial militar abdique de alguns direitos
individuais e sociais, inclusive do direito à vida. Na citação anterior fica evidente a ação
ideológica do aparelho de Estado e conseqüente sujeição do indivíduo em arriscar a sua
vida pelo dever profissional. Segundo Muniz (1999), no dia a dia, os PMs são chamados a
intervir em qualquer evento sempre que ocorre "[...] algo-que-não-devia-estar-
acontecendo-e-sobre-o-qual-alguém-tem-que-fazer-alguma-coisa-agora-e-bem [...]”.
A sujeição se estabelece logo após o ingresso na vida militar. Segundo Goffman
(2005, p. 22) as instituições totais são estufas para mudar pessoas através o mundo do
internato:
O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si
mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais
estáveis no seu mundo doméstico. [...] O seu eu é sistematicamente,
mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais eu sua
carreira moral.[...] Uma descrição de vida de um cadete numa
academia militar exemplo disso: a ruptura nítida com o passado
28
precisa ser efetivada em tempo relativamente curto [...] ajuda a criar
um grupo unificado de calouros, e não uma coleção heterogênea de
pessoas com alto e baixo status. Os uniformes são distribuídos no
primeiro dia [...] o papel de cadete deve sobrepor-se a outros papéis
que o indivíduo estava habituado a desempenhar. Restam poucas
indicações que revelam o status social com o mundo externo.
(Goffman, 2005, p. 24-25).
Reforço ainda essa evidência à luz da interpretação Althusser por Albuquerque
(1985), ele afirma que as ideologias possuem existência em um campo da realidade e
visam à reprodução continuada do modelo dominante de sociedade, criando divisão de
trabalho em um mecanismo onde a ideologia leva o sujeito — neste caso o policial militar
— a reconhecer onde é o seu lugar no contexto social através da sujeição (grifei), que não
está presente somente nas idéias, mas também em um conjunto de práticas, de rituais
situados em um rol de instituições concretas, constituindo o que é denominado de
Aparelho Ideológico de Estado (AIE).
Como abordamos no capítulo 1, os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) se
apresentam através de instituições distintas (públicas e privadas) e especializadas tais
como igrejas, escolas, família, sistemas jurídico e político, sindicatos, veículos de
comunicação, cultura. Outra modalidade de aparelho, denominada de Aparelho Repressivo
de Estado (ARE) compreende as instituições puramente do Estado e, que “funciona através
da violência — ao menos em situações limites (pois a repressão administrativa, por
exemplo, pode revestir-se de formas não físicas)” (ALBUQUERQUE In: ALTHUSSER,
1985, p. 67-68). Os ARE e os AIE tendem à ambigüidade e se articulam através da força e
da ideologia se distinguindo pelo maior ou menor grau de aplicação.
A trajetória histórica das polícias segue de um processo civilizador no sentido de
regular a conduta do indivíduo no contexto social através de instrumentos disciplinadores
operando com o uso da repressão e da ideologia.
A partir de 1984, com a advento da democracia brasileira e queda da ditadura
militar, surge um novo esforço ideológico na construção do papel das polícias militares: de
órgão de defesa do Estado para órgão de defesa do Cidadão.
Para Guimarães (2002, p. 121-122)
ocorre uma migração de uma polícia de Estado
antes voltada para proteção de um governo e determinados grupos ou classes para a
29
polícia de proteção à cidadania, esta, em tese, reconhece a diversidade social, o respeito ao
indivíduo e a coletividade em todos os seus segmentos. “Cidadania pressupõe o equilíbrio
entre os interesses do indivíduo e da coletividade”.
A polícia cidadã deve ser imparcial, reconhecer os movimentos de
garantia das diferenças e das divergências, respeitar todos os
seguimentos e garantir os espaços legítimos de manifestação. A
mediação constitui-se sua primeira e principal metodologia de ação e
a repressão policial, a excepcionalidade. (Id.).
A transformação da polícia de defesa do Estado para defesa da cidadania ganha
maior materialidade a partir de 2001, após diversos episódios veiculados sobre o
despreparo profissional e a violência policial. O Governo Federal, através do Ministério da
Justiça, passou a exigir dos estados brasileiros uma profunda reforma nas bases
curriculares das escolas de formação de policiais. A reforma ocorreu através de um
programa denominado “Bases Curriculares para Formação dos Profissionais de Segurança
do Cidadão” visando homogeneizar os cursos de formação, planejamento curricular,
assegurar o princípio de eqüidade no processo de formação, unidade de pensamento e
ações adequadas às necessidades sociais.
Nota-se que o “Poder de Estado” representado por um segmento politicamente
institucionalizado a quem se delega a faculdade de instituir e executar o processo político-
jurídico, bem como a coordenação da vontade coletiva (ESG, 2000, p.51) — mesmo com o
monopólio dos meios legítimos de coerção, resolve contribuir com as mudanças dos
aparelhos de repressão estaduais, com um foco na cidadania e a partir disso impõe uma
nova concepção ideológica denominada “polícia cidadã” e aos órgãos de formação policial
lançam a tarefa de destruir uma ideologia repressiva e reconstruir uma ideologia cidadã.
Na fundamentação teórica de Althusser a escola possui papel fundamental como
mecanismo ideológico na formação das diversas classes para reprodução dos meios de
produção. Sobre o referencial althusseriano, a escola é considerada:
O aparelho ideológico escolar, como outros Aparelhos ideológicos
do Estado, não se reduz à existência de idéias sem suporte material.
No AIE escolar também é realizada a Ideologia de estado em sua
totalidade, ou em parte, garantindo unidade de sistema “ancorada”
30
em funções materiais, que lhe são próprias e não redutíveis à
ideologia de Estado, mas que lhe servem de suporte. (CASSIN, 2003
p.331)
Teoricamente a mudança ideológica deveria ocorrer na estrutura e funcionamento
das instituições policiais militares, pois, pela análise de emprego dos AIE e ARE, para
garantir a reprodução do modo de produção é necessário ter o poder de Estado, deter o
aparelho de Estado e seus ARE e AIE.
Assim sendo, o governo democrático brasileiro possui o poder legítimo, detém o
controle das instituições policiais militares, estabelece um novo enfoque de funcionamento
ideológico pautado na cidadania. Observo uma relação paradoxal do Poder de Estado
representado politicamente por um governo e as suas imposições sobre os Aparelhos de
Estado, representado pelas instituições. É possível perceber que o Poder de Estado, em
questões mais profundas, mantém uma certa inércia em relação aos Aparelhos de Estado,
estes aparentam possuir uma outra ideologia de resistência e com “blindagem” contra
qualquer postura ideológica contrária aos interesses orgânicos institucionalizados, como se
possuíssem vidas autônomas e paralelas dentro do Estado.
Para Zaverucha (2002, p.94) a democracia tutelada é uma situação intermediária
entre um regime autoritário e um regime democrático, já que combina elementos
democráticos com traços autoritários:
Se quisermos reformular o atual modelo de policiamento, será
necessário dar um salto de qualidade em nossa democracia.
Poderíamos começar seguindo as constituições democráticas. Em
nenhuma delas admite-se [...] que polícia esteja sob controle do
Exército.(id.).
Na Escola Superior de Guerra (ESG, 2000) em seus fundamentos doutrinários, a
ideologia é descrita como imprescindível à compreensão de um cenário social, porém
quando se tornam dogmáticas, passam a gerar uma ideologia dominante e outras
concorrentes.
[...] será possível distinguir-se, além da ideologia dominante, alguma
doutrina de ideologia concorrente. Identificar a natureza das
31
principais correntes ideológicas ou doutrinárias, e, entre elas, as
dominantes e subdominantes, é imprescindível para a compreensão
das atitudes dos atores políticos, em profundidade e alcance, e para a
determinação dos cenários prospectivos possíveis na evolução de um
Sistema Político, [...] O que empresta às ideologias sua conotação
negativa é o seu sentido acrítico e dogmático, sua tendência a
constituir-se como uma cosmovisão, tudo explicado, justificado ou
rejeitado sob um único ponto de vista. [...] nem sempre o
conseguem, pode-se mesmo dizer que geralmente não o conseguem,
embora imponham muitos sacrifícios à sociedade na
tentativa.”(ESG, 2000, p.71)”.
Entendo que uma via única com duplo sentido se estabelece quando é exigida do
sujeito uma atitude policial (crítica e direcionada para a criação, mediação de conflitos
comunitários), e ao mesmo tempo uma atitude militar com foco em regulamentos rígidos e
atitudes uniformes. O paradoxo se estabelece, ora o sujeito caminha sobre os “trilhos”, ora
identificando e percorrendo novas “trilhas”. O que de fato o poder de Estado deseja como
uma polícia cidadã? Estar próxima à comunidade? Sabe-se que os membros da instituição
policial militar se portam como ARE através de ações legitimadas pelo “poder de polícia”
mito ideológico do dever agir em nome da sociedade efetuando prisões,
reintegrações de posses, controles de manifestações, serviços de guarda de órgãos
públicos, entre outros. Assim, “o ofício de polícia sempre foi considerado um mecanismo
meramente de contenção dos maus cidadãos (numerosas classes dominadas) na proteção
dos bons cidadãos (classes dominantes)” (GUIMARAES, 2002, p.127).
Todavia, as mudanças nas bases curriculares, até onde é possível observar, têm
mais foco na melhoria da capacitação dos policiais, no esforço de torná-los melhores
cidadãos, do que expressamente na mudança do funcionamento das instituições. O
incremento de disciplinas e temas globais indicam melhorias na qualificação ideológica
dos sujeitos, o que torna mais eficiente o uso do aparelho policial pelo Poder de Estado
através da sua reprodução.
Pela doutrina nacional vigente, em suas normas e princípios legais, “o Bem
Comum” continua sendo o alvo do Poder do Estado, o que legitima o agir dos aparelhos
em nome da coletividade e conseqüente manutenção do monopólio da força. Assim me
32
parece que a polícia com enfoque no cidadão (ã), a denominada “polícia cidadã”, atua em
um segundo nível de prioridade, e no conflito de interesses entre Estado e Cidadão, as
instituições do ARE tendem a sua posição ideologicamente definida, ou seja, a defesa do
Poder de Estado.
33
Capítulo 3 – Poder de Polícia e Uso Legal da Força
Poder de Polícia
Segundo De Freitas (1987, p.77-89) o termo polícia abrange a atividade estatal
voltada para a defesa dos interesses da coletividade concernentes à tranqüilidade,
segurança e salubridade pública. É o poder assegurado por lei ao Estado para a defesa do
interesse coletivo, condicionando ou restringindo o uso e gozo de direitos individuais que
afetem o bem estar social em um sentido mais amplo. No Brasil a expressão PODER DE
POLÍCIA teve seu primeiro conceito no Código Tributário Nacional, art. 78:
[...] considera-se poder de polícia a atividade da Administração
Pública que, limitando ou disciplinando o direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato e abstenção de fato, em razão de
interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina de produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de autorização do Poder
Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais e coletivos.(Id. p.80)
A cidadania, disciplinada por princípios jurídicos, expressa vínculo entre Estado e
seus membros, que por um lado implica em submissão às autoridades que exercem
atividades de administração pública e, por outro lado o exercício de direito do cidadão.
O ramo do direito que disciplina a administração pública é o direito administrativo,
os seus poderes instrumentais são os seguintes: poder vinculado, poder discricionário,
poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia.
O direito administrativo proclama a superioridade do interesse da coletividade,
firmando a prevalência dele sobre o do particular. Especificamente, entre os poderes
instrumentais, o Poder de Polícia dá o poder da polícia em agir e é a razão de sua
existência como força pública do Estado.
O Poder de Polícia autoriza a administração pública a exercer os atos coercitivos
necessários a fazer, quando colidentes o interesse geral prevalece sobre os interesse
34
individual, todavia, tem barreiras que caso sejam ultrapassadas levam à arbitrariedade, ao
abuso de poder, ao abuso de autoridade, sujeitando o agente público responsável às
sanções legais de natureza administrativa, criminal e cível. (LAZZARINI, 2001, p.07-30).
Jose Cretelha Junior apud Lazzarini (2001) conceitua polícia como algo concreto
em um conjunto de;
[...] atividades coercitivas exercidas na prática dentro de um grupo
social, o poder de polícia é uma faculdade, uma possibilidade, um
direito que o Estado tem, de através da polícia que é uma força
organizada, limitar as atividades nefastas dos cidadãos [...] O Poder
de Polícia legitima a ação da polícia e a sua própria existência [...]
“(Id. p. 20)
Lazzarini conceitua o poder de polícia como sendo:
Como poder administrativo, o Poder de Polícia, que legitima o poder
da polícia e a própria razão dela existir é um conjunto de atribuições
da Administração Pública, como poder público, indelegáveis aos
entes particulares, embora possam estar a ela ligados, tendentes ao
controle dos direitos e liberdade das pessoas, naturais ou jurídicas,
incidentes não sobre elas, como também em seus bens e
atividades, tudo a ser inspirado nos ideais do bem comum.” (Id. p.
21)
Seguindo a linha do autor, o Poder de Polícia possui atributos específicos:
Discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade. A discricionariedade, exercida
dentro dos limites impostos pela lei, é o uso da liberdade legal de valoração das atividades
policiadas, não podendo ser confundida com arbitrariedade, devendo ser observado o que a
lei impõe, como são as hipóteses do artigo quinto da Constituição da República. A auto-
executoriedade do ato da polícia diz respeito a uma decisão e sua execução direta, como
decorrência do próprio poder de polícia, salvo casos em que a norma constitucional
imponha a prévia manifestação do Poder Judiciário. A coercibilidade do ato de polícia é a
imposição coativa das medidas adotadas pela Administração no exercício do Poder de
Polícia, sendo um ato imperativo, obrigatório ao seu destinatário, e quando este opõe
resistência, admite-se até o uso da força pública para o seu cumprimento, inclusive
35
aplicando as medidas punitivas que a lei indique.
Aos atributos citados cabem as recomendações do Comitê Internacional da Cruz
Vermelha quanto à legalidade, necessidade e proporcionalidade da decisão a ser tomada
pelo encarregado da aplicação da lei. Todavia, o Poder de Polícia não é ilimitado, suas
barreiras e limites são entre outros, os direitos dos cidadãos no regime democrático (civis,
políticos, econômicos, sociais, culturais, e ambientais), as prerrogativas individuais e as
liberdades públicas garantidas pelas Constituições e pelas leis.
Abusos policiais relacionados ao poder de polícia
Conforme o sociólogo Túlio Kahn (2002, p.84-85) a democratização do país
ocorrida na última década e o intercâmbio de experiências com polícias de outros países
têm contribuído para a melhora da situação, especialmente no que tange à violência.
Conforme o autor, inúmeros fatores podem ser elencados para explicar a diminuição
relativa da violência policial, num contexto de aumento da criminalidade: criação de
Ouvidorias de polícia nos diversos Estados; julgamento em tribunais civis dos crimes de
homicídio cometidos por policiais militares; a introdução da filosofia de policiamento
comunitário; cursos de direitos fundamentais ministrados a polícias nas academias em
conjunto com organizações não-governamentais; utilização de armamento alternativo para
a repressão de conflitos; mudança de alvo nas academias de polícia; a exigência de
segundo grau para o ingresso na carreira policial em alguns Estados; a divulgação pública
periódica das estatísticas envolvendo a morte de policiais e civis em confrontos;
elaboração dos planos nacional, estadual e municipal de direitos humanos; entre outras.
Lemgruber (2003, p. 212) em pesquisa realizada com policiais da região sudeste,
sobre desvios de conduta, concluiu que:
[...] os policiais tendem a atribuir gravidade maior aos desvios com
motivações econômicas, e relativamente menor àqueles associados à
violência arbitrária ou ao uso excessivo da força contra a população
civil sugerindo uma internalização dos valores corporativos e dos
códigos disciplinares, que geralmente colocam em primeiro lugar a
garantia da ordem institucional interna e em plano secundário a
proteção da vida e da segurança dos cidadãos. (Id.).
36
Morgado (2001, p.39) se referindo a crimes de policiais contra civis, entende que:
Fatores como descontrole emocional e despreparo técnico parecem
ser, neste contexto, os que menos contam para explicar o fenômeno.
Não se desconsidera que esses funcionários da Segurança possam
agir impulsivamente. Entretanto, muitos outros fatores que
antecedem essa possível manifestação de subjetividade de um
policial, ou do grupo deles, no momento da ação criminosa [...]
de se considerar, portanto, que, desde a sua criação, a polícia política
foi treinada para, nos momentos de suspensão dos direitos políticos,
combater um inimigo representado pelos opositores internos.
Portanto o descontrole emocional e despreparo técnico não devem
ser supervalorizados. (Id. p.39-41)
Vários movimentos nacionais e internacionais tentam reduzir a prática arbitrária
nas ações policiais, são resoluções internacionais, tratados, projetos de reforma das
polícias no Congresso Nacional, modificações curriculares. Dentre os diversos
encaminhamentos sobre o tema, destacam-se normas e tratados internacionais adotados no
Brasil para instrumentalizar o uso legal da força através de princípios e modelos.
Uso Legal da Força: Instrumentos para uma Atuação Democrática das Polícias
Neste sub-tema apresento instrumentos legais que visam democratizar a atuação
das polícias em relação ao emprego da força e armas de fogo. Inicialmente com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos; em seguida com o Código de Conduta para
Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei; a Convenção Contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Resolução do Oitavo
Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores
com destaque aos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo. O
embasamento jurídico sobre o uso da força é apontado através do Código Penal e Código
Processo Penal Brasileiro. Ao final segue o Modelo de Uso da Força, uma pirâmide de
uso de força crescente, adotado nos cursos policiais no âmbito nacional e internacional.
37
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas através da Resolução n. 217 de 10 de dezembro de 1948, e assinada pelo
Brasil, definiu princípios morais e éticos que devem orientar os povos das Nações Unidas.
Dos 30 artigos, com foco nesta pesquisa, destacam:
[...].
Artigo III Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal.
Artigo V Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo IX Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
(CEPIA, 2001, p. 12-13).
Em 1979 foi criado o Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer
Cumprir a Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 17 de dezembro de
1979, através da Resolução 36/169. Esta resolução é recomendada tendo em vista o
respeito aos direitos humanos e a garantia das liberdades fundamentais de todos os
cidadãos. Dos oito artigos, destacam:
Artigo 1 – Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei
deverão cumprir em todo momento os deveres que lhes impõem a
lei, servindo a sua comunidade e protegendo a todas as pessoas
contra atos ilegais, em consonância com o alto grau de
responsabilidade exigido por sua profissão.
Artigo 2 No desempenho de suas tarefas, os funcionários
encarregados de fazer cumprir a lei devem respeitar e proteger a
dignidade humana e manter e defender os direitos humanos de todas
as pessoas.
Artigo 3 os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei
poderão usar a força apenas quando estritamente necessário e na
medida em que seja exigida para o desempenho de suas tarefas.
[...] (CEPIA, 2001, p. 121- 126).
38
Para reforçar o artigo V da Declaração de Direitos Humanos foi estabelecida a
Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n.
34/46, em 10 de dezembro de 1984 e ratificada no artigo 5 da Constituição Federal
Brasileira de 1988. Cada Estado-Parte ficou incumbido de apresentar um relatório de
quatro em quatro anos ao Comitê Contra Tortura da ONU. Entre 33 artigos destacam-se
os seguintes:
[...] Para fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa
qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos e
mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de
obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; [...]
quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário
público [...]. Não se considerará como tortura as dores ou
sofrimentos que seja conseqüência unicamente de sanções legítimas,
ou que sejam inerentes a tais funções ou delas decorram [...] (Id.
p.55-59).
Segundo Rover (1998), em 27 de agosto a 07 de setembro de 1990, foi realizado
em Cuba o Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o
Tratamento dos Infratores, tendo como objetivo proporcionar normas orientadoras aos
Estados-membros na tarefa de assegurar e promover o papel adequado dos encarregados
da aplicação da lei, com princípios levados em consideração e respeitados pelos governos
no contexto da legislação e da prática nacional, e levados ao conhecimento dos
encarregados da aplicação da lei assim como de magistrados, promotores, advogados,
membros do executivo e legislativo e do público em geral.
O instrumento acima reconhece a importância e a complexidade do trabalho dos
encarregados da aplicação da lei, reconhecendo também o seu papel de vital importância
na proteção da vida, liberdade e segurança de todas as pessoas. Este tratado internacional
encoraja os governos a manterem sob constante escrutínio as questões éticas associadas ao
uso da força e armas de fogo.
39
No congresso da ONU em 1990, foram apresentados os Princípios sicos sobre o
Uso da Força e Armas de Fogo. Seguem alguns trechos:
1. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem adotar e
aplicar regras sobre a utilização da força e de armas de fogo contra
as pessoas, por parte dos policiais.[...].
2. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem
desenvolver um leque de meios tão amplos quanto possível e
habilitar os policiais com diversos tipos de armas e de munições, que
permitam uma utilização diferenciada da força e das armas de fogo.
[...]
4. Os policiais, no exercício das suas funções, devem, na medida do
possível, recorrer a meios não violentos antes de utilizarem a força
ou armas de fogo. poderão recorrer à força ou a armas de fogo se
outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o
resultado desejado.
5. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja
indispensável, os policiais devem:
a) Utilizá-las com moderação e a sua ação deve ser proporcional à
gravidade da infração e ao objetivo legítimo a alcançar;
b) Esforçar-se por reduzirem ao mínimo os danos e lesões e
respeitarem e preservarem a vida humana;
c) Assegurar a prestação de assistência e socorros médicos às
pessoas feridas ou afetadas, tão rapidamente quanto possível;
d) Assegurar a comunicação da ocorrência à família ou pessoas
próximas da pessoa ferida ou afetada, tão rapidamente quanto
possível.
[...].
- Policiais não devem usar armas contra pessoas, exceto para se
defenderem ou defender terceiros contra iminente ameaça de morte
ou lesão grave, para evitar a perpetração de um crime envolvendo
grave ameaça à vida, para prender pessoa que represente tal perigo e
40
que resista à autoridade, ou para evitar sua fuga, e apenas quando
meios menos extremos forem insuficientes para atingir tais
objetivos. Nesses casos, o uso intencionalmente letal de arma
poderá ser feito quando estritamente necessário para proteger a vida.
10. Nas circunstâncias referidas no princípio 9, os policiais devem
identificar-se como tal e fazer uma advertência clara da sua intenção
de utilizarem armas de fogo, deixando um prazo suficiente para que
o aviso possa ser respeitado, exceto se esse modo de proceder
colocar indevidamente em risco a segurança daqueles responsáveis,
implicar um perigo de morte ou lesão grave para outras pessoas ou
se mostrar manifestamente inadequado ou inútil, tendo em conta as
circunstâncias do caso.
[...].
26. A obediência a ordens superiores não pode ser invocada como
meio de defesa se os policiais sabiam que a ordem de utilização da
força ou de armas de fogo de que resultaram em morte ou lesões
graves era manifestamente ilegal e se tinham uma possibilidade
razoável de recusar-se a cumpri-la. Em qualquer caso, também será
responsabilizado o superior que proferiu a ordem ilegal.
Quanto à legislação brasileira, destacam-se as seguintes leis:
Código Penal Brasileiro:
[...].
Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade,
II – em legítima defesa,
III em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular
do direito.
Código Processo Penal Brasileiro:
[...].
Art. 284 Não se permitido o emprego de força, salvo a
41
indispensável, no caso de resistência ou tentativa de fuga de presos.
Modelo de Uso da Força Policial
O Modelo de Uso Legal da Força visa a orientar a ação a ser tomada pelo policial
frente a uma reação de uma pessoa cometendo delito ou em situação de fundada suspeita.
“Força é toda intervenção compulsória sobre um indivíduo ou grupo de indivíduos
reduzindo ou eliminando sua capacidade de auto decisão” (SENASP, 2006).
Sobre o Uso Legal da Força a Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP
(2006), apresenta diversos modelos de sobre o uso progressivo da força nos cursos sobre o
tema: FLETC, GILLESPIE e REMSBERG, PHOENIX, NASHVILLE e CANADENSE.
Os modelos variam no nível de força, avaliação da atitude do suspeito e percepção de
risco, variam seus formatos em gráficos, círculos, tabelas e gráficos. No Brasil o modelo
mais utilizado é o FLETC adaptado.
O FLETC, segundo Leão (2001), surgiu em 1992 nos Estados Unidos, o Instituto
de Treinamento Policial da Universidade de Ilinois desenvolveu uma pirâmide de uso de
força crescente, chamada de “Modelo de Uso de Força” adotado nos cursos policiais. Este
modelo envolve a percepção do policial quanto ao agressor em cinco veis: submissão,
resistência passiva, resistência ativa, agressão física não letal, e agressão física letal; para
cada grau corresponde a ação de resposta do policial contra o agressor na mesma ordem:
controle verbal, controle de contato, controle físico, táticas defensivas não letais e força
letal. Segundo Leão, apesar de bem aceito entre os norte-americanos, esse quadro ainda
deixa dúvidas quanto à percepção do policial em relação à atitude do suspeito.
42
PARTE II – O SISTEMA DE ENSINO DA PMMT E AS BASES
CURRICULARES DO BACHARELADO EM SEGURANÇA PÚBLICA
43
Capítulo 4 – Trajetória do Sistema de Ensino da PMMT
O Sistema de Ensino da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, conforme a Lei
de Diretrizes Básicas da Educação Nacional, possui sistema próprio de ensino, com a
finalidade de proporcionar ao respectivo pessoal a capacitação para o exercício dos cargos
e funções previstos em sua organização, bem como, proporcionar assistência educacional
aos seus dependentes.
O Ensino Profissional na Polícia Militar é ministrado pela Academia de Polícia
Militar aos oficiais (tenente, capitão, major, tenente coronel e coronel), pelo Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Praças (soldado, cabo, sargento e sub tenente).
O Ensino Fundamental compreende o Ensino de Pré-Formação, constituindo o
ensino do Pré-Escolar, 1º e 2º graus, ministrados nos Colégios Tiradentes, visando a
assegurar assistência educacional permanente aos servidores da Corporação, bem como
aos seus dependentes e aos dependentes dos civis, segundo o que estabelecem os
dispositivos regulamentares.
A supervisão, orientação e inspeção do ensino da Polícia Militar são exercidas pelo
Centro de Capacitação Desenvolvimento e Pesquisa (CCDP), que expede normas,
diretrizes e demais instruções para o cumprimento da legislação vigente.
O Ensino Profissional da PMMT compreende três graus: Fundamental, Médio e o
Superior. O Ensino Fundamental constitui-se dos cursos de formação, de especialização e
extensão de cabos e soldados. O Ensino Médio constitui-se dos cursos de formação, de
aperfeiçoamento, de especialização e de extensão de sargentos. O Ensino Superior, com
três ciclos, abrange: o primeiro ciclo, os cursos de formação e especialização, que
capacitam ao exercício de funções privativas de oficial subalterno (tenente) e intermediário
(capitão); o segundo ciclo, o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, que propicie
condições de desempenho de funções de Estado-Maior de nível operacional, e de funções
próprias de oficial superior (major e tenentes-coronel); o terceiro ciclo, o Curso Superior
de Polícia que prepara o oficial para o exercício de funções de alto executivo da Polícia
Militar (coronel).
A Polícia Militar mantêm os seguintes cursos: Curso Superior de Polícia (CSP),
visando à atualização e ampliação de conhecimentos de oficiais superiores habilitando-os
ao exercício de comandos e para os cargos e funções de Coronel da Polícia Militar, com
44
uma carga horária de 780 horas-aula; Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO),
visando ao preparo para o exercício de funções de Oficial do Estado-Maior, com uma
carga horária de 780 horas-aula; Curso de Adaptação para Oficiais, visando ao preparo
funcional de candidatos selecionados para o ingresso no posto inicial do Quadro de
Oficiais de Saúde, com uma carga horária de 780 horas-aula; Curso de Habilitação de
Oficiais aos Quadros de Administração e de Especialistas, visando ao preparo funcional de
candidatos selecionados para ingresso no posto inicial dos Quadros, com uma carga
horária de 1.400 horas-aula; Curso de Formação de Oficiais (CFO), de grau superior,
visando à formação técnico-profissional e humanística necessária ao exercício de funções
inerentes ao Quadro de Oficiais Policiais-Militares (QOPM), com uma carga-horária de
4.410 horas-aula, divididas eqüitativamente em 1.470 para cada um dos três anos do Curso
de Formação de Oficiais; Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), visando à
ampliação e atualização de conhecimentos técnico-profissionais de sargentos, com uma
carga-horária de 780 horas-aula; Curso de Formação de Sargentos (CFS), visando à
formação básica cnico-profissional, necessária ao exercício das diversas funções e
atividades inerentes às graduações de sargentos, com uma carga horária de 1.400 horas-
aula; Curso de Formação de Cabos (CFC), visando à formação básica técnico-profissional,
necessária ao exercício das diversas funções e atividades inerentes às graduações de cabos,
com uma carga horária de 800 horas-aula; Curso de Formação de Soldados, visando à
formação básica cnico-profissional, necessária ao exercício das diversas funções e
atividades inerentes à graduação de soldado, com uma carga horária de 400 horas-aula.
***
A Polícia Militar de Mato Grosso não contava com oficiais diplomados, em 1943
chegaram os primeiros oficiais diplomados nas escolas militares do Rio de Janeiro e São
Paulo. (Projeto Político-Pedagógico da Academia de Polícia Militar, 2003).
O primeiro Curso de Formação de Oficiais ocorreu em 1952 em Cuiabá, no Centro
de Instrução Militar (CIM). Este Centro dispunha de 03 cursos: Curso de Oficiais
Combatentes; Curso de Candidatos a Sargentos e Curso de Candidatos a Cabo.
(Associação de Oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso, 2004).
Até 1960, ano de extinção do CIM, foram formadas 06 turmas totalizando 52
oficiais. A partir de 1967 foram retomados os quadros de oficiais da PMMT com formação
45
nas academias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Devido à falta de efetivo, e
amparada por legislação específica — o Decreto-Lei n.º 667/69 — foram admitidos vários
oficiais oriundos dos Órgãos de Formação de Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro.
(Projeto Político-Pedagógico da Academia de Polícia Militar, 2003).
Em 1987, através da Lei n.º 5.177/87, foi criada a Academia de Polícia Militar, que
passou a operar no ensino de oficiais em 1993. Neste ano, devido à necessidade de
suprir o efetivo, o governo estadual realizou concurso para seleção de oficiais oriundos
dos Órgãos de Formação de Oficias da Reserva do Exército, porém com a exigência de
possuírem experiência de comando ou função militar através do curso denominado
Curso Intensivo de Habilitação de Oficiais, com duração de um ano e carga horária de
1.262 h/a. No mesmo período, vários oficiais continuavam a freqüentar academias de
outros estados nos cursos regulares de três a quatro anos.
Na tentativa de gerar uma forma de ingresso único e com a ativação da APM em
1993, foi firmado o primeiro convênio entre Polícia Militar e a Fundação Universidade
Federal de Mato Grosso (FUFMT) objetivando a elaboração e execução de projetos nas
áreas sociais, de pesquisa, da educação e cultura, tendo como cláusulas principais: o
compromisso entre os partícipes na elaboração e execução conjunta de projetos no campo
social, da pesquisa, da educação e da cultura; elaboração de termos aditivos na execução
dos projetos detalhando obrigações; compromisso das partes em ceder pessoal (policiais
militares, professores, técnicos), respeitando os vínculos e regimes trabalhistas, para
participar de projetos e atividades do convênio; autorização da PMMT para que a FUFMT
tenha acesso às informações necessárias ao desenvolvimento das ações; ônus para a
PMMT referente ao custeio das despesas com a elaboração e execução dos projetos;
autorização da PMMT referente à publicação e divulgação dos resultados alcançados;
autorização da FUFM para que a PMMT tenha acesso às instalações. (Convênio n.º
042/2003 - FUFMT)
Em 1994, por ato governamental Decreto Estadual n.º 3144/93 foi
inaugurado o Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso
(CFO), destinado à formação, em nível superior, de tenentes durante três anos. O ingresso
foi por concurso vestibular promovido pela Universidade Federal de Mato Grosso,
mediante Termo Aditivo ao Convênio n.º 042/2003 - FUFMT.
Em 1996, por resolução estadual, foi declarada a equivalência do CFO ao nível
superior. (Resolução n.º 253/96 do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso) O
46
Parecer n.º 75/93 do Conselho Federal de Educação ao declarar “equivalência” de cursos
militares, que esses cursos têm igual valor acadêmico ao de determinados cursos civis, o
que possibilita aos graduados de estabelecimentos militares certas facilidades de acesso e
de aproveitamento de estudos nas unidades de ensino civil.
Em 2001, através do Parecer do Conselho Nacional de Educação 1295/01 colocou
as ciências militares no rol das ciências estudadas no Brasil.
Em 2003, Parecer do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, mediante
análise do Projeto Polícia Pedagógico, passou a ser conferido ao aluno do CFO o título de
Bacharel em Segurança Pública. Até o ano de 2004 a Academia de Polícia Militar formou
09 turmas do Curso de Formação de Oficiais. (Parecer n.º 428/2003 - CEE/MT).
47
Capítulo 5 – Bases Curriculares Nacionais e o Bacharelado em
Segurança Pública na PMMT
“Espera - se que os encarregados da aplicação da lei tenham a
capacidade de distinguir entre as inúmeras tonalidades de cinza, ao
invés de somente fazer a distinção entre o preto e o branco, certo ou
errado” (Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 1998).
Inicialmente neste capítulo se analisam comparativamente os currículos antes e
após a implementação das bases curriculares nacionais. É realizado um recorte sobre a
aplicação dos PBUFAF nas disciplinas do bacharelado. Posteriormente são analisadas as
percepções de alunos e educadores sobre o novo modelo curricular proposto.
Partindo do modelo curricular antigo, os alunos da primeira turma do CFO,
denominada “Turma Pioneira” ingressaram em 1994 e foram declarados aspirantes em
1996, cumpriram uma carga horária de 4.410 h/a. Segue no Quadro 1 a grade curricular no
período entre 1994 a 2000.
Quadro 1 – Grade Curricular da Academia de Polícia Militar, MT, Período de
1994 -2000
1. Administração de Recursos
Humanos
2. Administração Financeira e
Orçamentária
3. Armamento Munição e
Explosivos
4. Atividade de Bombeiro
5. Cerimonial e Protocolo
6. Comunicações
7. Correspondência Militar
8. Criminalística
9. Criminologia
10. Defesa Civil
11. Defesa Pessoal *
12. Deontologia
13. Didática
14. Direito Administrativo
15. Direito Ambiental
16. Direito Civil
17. Direito Comercial e do
Consumidor
18. Direito Constitucional
19. Direito da Criança e
Adolescente
20. Direito Penal *
21. Direito Penal Militar
22. Direito processual penal
23. Direito Processual Penal
Militar
24. Economia Geral
25. Economia Política
26. Educação Física Desportiva
27. Educação Física Militar *
28. Emergências e Traumas
29. Estágio Supervisionado *
30. Estatística
31. História da Polícia Militar
32. Informática
33. Inglês
34. Instrução Técnica e Tática de
Combate
35. Inteligência Policial
36. Introdução a Administração
37. Introdução a Comunicação
Social
38. Introdução ao Estudo de
Direito
39. Língua Portuguesa
48
40. Medicina Legal
41. Metodologia Científica
42. Natação
43. Noções de Serviço Social
44. Noções de Topografia Militar
45. Operações de Polícia de
Choque
46. Operações Especiais
Repressiva
47. Oratória
48. Ordem Unida
49. Organização e Métodos
50. Policiamento Florestal
51. Policiamento Montado
52. Policiamento Ostensivo de
Trânsito e Rodoviário
53. Prática Forense
54. Processo Decisório
55. Prova Forense
56. Psicologia Social
57. Regulamento e Normas
58. Repressão as Drogas
59. Segurança Física de
Instalações e Dignitários
60. Sociologia
61. Técnicas Gerais de
Policiamento Ostensivo *
62. Teoria e Prática de Redação
63. Tiro Policial *
Fonte: Plano Geral de Ensino da APMMT, 1995. (*) Maior carga horária
No quadro 1 somam-se 63 disciplinas, com destaque de carga horária das
seguintes disciplinas: técnica policial, disciplinas jurídicas. As disciplinas mais abordadas
durante os três anos foram: técnica geral de policiamento; ordem unida; tiro policial;
educação física; defesa pessoal; direito penal.
***
Conforme documentos oficiais do Ministério da Justiça, a área de segurança pública
vislumbrou um aumento dos índices de violência e apelo da população. Na época foi
desenvolvido um projeto focado no treinamento para profissionais da área de segurança,
integrado ao Subprograma de Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos no
Programa de Modernização do Poder Executivo Federal, realizado entre o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão - MP e o Banco Interamericano de Desenvolvimento -
BID. O projeto foi implementado pelo Ministério da Justiça - MJ, apoiado pelo Programa
das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas - UNDCP, que diagnosticou a
necessidade de formação, aperfeiçoamento e especialização de pessoal das polícias
federais e estaduais; desenvolvimento de propostas de compatibilização curricular para
garantir o princípio de eqüidade dos conhecimentos e a modernização do ensino policial.
Consta que o primeiro diagnóstico foi desenvolvido em 1998 e retomado em 1999,
que consistiu na análise externa e interna das organizações policiais. O trabalho apontou
para a redefinição de um perfil desejado para orientar a formação do profissional da área
de segurança do cidadão; delineamento dos cursos, composição de grades curriculares;
novos conteúdos abrangendo policiamento voltado para a relação polícia/comunidade, o
exercício de valores morais e éticos e o fortalecimento dos Direitos Humanos; novas
49
tecnologias em educação.
Após o diagnóstico buscou-se uma homogeneização dos cursos de formação e o
planejamento curricular, com o propósito de assegurar o princípio de eqüidade no processo
de formação, garantindo unidade de pensamento e ações adequadas às necessidades sociais
vigentes.
Competências básicas foram estabelecidas aos profissionais de segurança pública, tais
como:
- Facilidade de apreensão;
- flexibilidade de raciocínio;
- objetividade;
- método/ Senso de organização;
- espírito de observação;
- faculdade de expressão oral e escrita;
- capacidade de interpretação;
- caráter responsável;
- capacidade para prevenir e adaptar - se a
novas situações;
- percepção discriminativa e diferencial;
- reação rápida a estímulos;
- estabilidade emocional;
- capacidade de direção / espírito de
coordenação;
- iniciativa;
- sociabilidade;
- memória associativa de nomes, fatos e
fisionomias;
- discrição acentuada em assuntos
confidenciais;
- vigor físico;
- eficiência sob esforço físico intenso e
prolongado;
- entusiasmo profissional;
- lealdade;
- devotamento;
- capacidade de compartilhar informações;
- capacidade de trabalhar em equipe;
- capacidade de resolver conflitos.
A base curricular foi composta por uma base comum e uma diversificada. A base
comum para todos os cursos de formação, constituída de disciplinas que congreguem
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, inerentes ao perfil desejado do
profissional da área de segurança do cidadão, reunidas em seis áreas de estudos: missão do
policial, técnica policial, cultura jurídica, saúde do policial, eficácia pessoal, linguagem e
informação, norteadas por seis temáticas centrais: cultura - sociedade - ética - cidadania -
Direitos Humanos - controle das drogas, que deverão perpassar as teorias e práticas a
serem trabalhadas, bem como, o processo de ensino e de aprendizagem dos cursos de
formação. A base diversificada seria formulada por cada centro de ensino com o objetivo
50
reunir disciplinas que atendam as características específicas de cada curso de formação e
as peculiaridades regionais.
***
Por conta das Bases Curriculares Nacionais, em 2001 na Academia de Polícia
Militar de Mato Grosso realizou uma revisão na matriz curricular com a presença de
professores e instrutores, buscou-se desenvolver a interdisciplinaridade e transversalidade
entre os conteúdos distribuídos em uma carga horária de 4.780 h/a, conforme Quadro 2.
Foram criadas seis áreas de estudo: missão, técnica, cultura jurídica, saúde,
eficácia, linguagem e informação. O conteúdo da base comum possui 11,30% voltadas
para missão policial (filosofia, política, sociologia, ética e cidadania, psicologia), 17% para
técnica policial (tiro, defesa pessoal, operações policiais, técnicas gerais de policiamento),
23,22% de cultura jurídica, 3,77% de saúde física e mental, 9,41% para eficácia pessoal
(gestão, relações interpessoais), 16,11% para linguagem e informação (didática, estatística,
idiomas, pesquisa, informática), 5,54% para estágio e 11,40% para atividades
complementares. As áreas temáticas englobam cultura, sociedade, ética, cidadania, direitos
humanos e controle de drogas.
Quadro 2 - Matriz Curricular da Academia de Polícia Militar, MT, 2001.
Disciplinas: Missão Policial - 540 h/a - 11,30%
1. Fundamentos: Estado, Política de
Segurança *
2. Ciência Política *
3. Filosofia *
4. Sociologia Geral
5. Psicologia Social da Violência
6. Noções de Serviço Social
7. Sociologia do Crime e da Violência
8. Ética e Cidadania
9. Fundamentos da Polícia Comunitária *
10. Gestão de Qualidade *
Disciplinas: Técnica Policial - 860 h/a - 17,99%
1. Arma de Fogo, Munição e Explosivo
2. Bombeiro Militar e Defesa Civil
3. Defesa Pessoal
4. Emergências e Traumas
5. Técnicas Gerais de Policiamento
10. Medicina Legal
11. Policiamento de Trânsito
12. Drogas e Entorpecentes
13. Segurança Física de Instalações e
Dignitários
51
6. Tiro Policial
7. Criminalística
8. Instrução Tática de Combate e
Topografia
9. Natação Utilitária
14. Inteligência Policial
15. Operações de Alta Complexidade
16. Polícia Judiciária e Prática Forense
17. Polícia Ambiental
Disciplinas: Cultura Jurídica - 1.110 h/a - 23,22%
1. Introdução ao Estudo de Direito
2. Direito Constitucional
3. Direitos Humanos e Cidadania *
4. Regulamento e Normas
5. Criminologia
6. Direito Administrativo
7. Direito Civil
8. Direito Penal
9. Direito Processual Penal
10. Direito Ambiental
11. Direito da Criança e do Adolescente
12. Direito Penal Militar
13. Direito Processual Militar
Disciplinas: Saúde Policial - 180 h/a – 3,77%
1. Educação Física Militar
2. Saúde Física
3. Natação
4. Saúde Psicológica
Disciplinas: Eficácia Pessoal - 450 h/a - 9,41%
1. Introdução à Administração
2. Organização, Sistemas e Métodos
3. Relações Interpessoais *
4. Gestão de Logística
5. Planejamento e Gestão
6. Gestão de Pessoas
7. Gestão de Recursos Públicos
8. Processo Decisório
9. Gerenciamento de Crises *
Linguagem e Informação - 770 h/a - 16,11%
1. Didática
2. Estatística
3. Informática
4. Língua Espanhola *
5. Língua Portuguesa
6. Metodologia Científica
7. Correspondência PM
8. Comunicação Social
9. Língua Inglesa
10. Pesquisa (Prática)
11. Telecomunicação
12. Monografia
Estágio - 265 h/a - 5,54%
1. Planejamento e Coordenação
2. Execução de Estágio
3. Análise de Resultados
52
Atividades Curriculares - 545 c/h - 11,40
1. Disposição da Direção
2. Atividades de Ensino
3. Orientação Educacional e Psicológica
4. Cerimonial e Protocolo
5. Saúde: Jogos Acadêmicos
6. Ordem Unida
7. Visita e Viagem de Estudo
Fonte: Plano Político Pedagógico da APMMT, 2003; * novas disciplinas curriculares.
Analisando o novo currículo em relação ao anterior, foram acrescentadas onze
disciplinas, as principais inovações foram na inclusão de: Fundamentos: Estado, Política
de Segurança; Ciência Política; Filosofia; Direitos Humanos e Cidadania; Relações
Interpessoais; Língua Espanhola; e Monografia. Isso indica que do antigo currículo mais
se acrescentou do que supriu, pois ficaram ausentes as seguintes disciplinas: História da
Polícia Militar; Economia; Oratória e Direito Comercial e do Consumidor.
Enquanto o currículo velho enfatizava técnicas policiais e cultura jurídica, o novo
currículo enfatizou cultura jurídica e linguagem e informação. A área denominada missão
policial se preocupou em situar os alunos em aspectos filosóficos, sociais, políticos,
psicológicos e assistenciais. Na área técnica policial mantiveram-se as mesmas disciplinas
do antigo currículo, apesar de menor ênfase em carga horária.
***
Em relação aos PBUFAF foram contemplados nas disciplinas: Arma de Fogo;
Defesa Pessoal; Direitos Humanos; Ética e Cidadania. Tais disciplinas abordam métodos e
técnicas utilizadas pelos profissionais da área de segurança do cidadão, bem como a
integração entre as diversas áreas de conhecimento e as especificidades presentes, dentro
do pressuposto da atuação destes profissionais de forma integrada e eficiente, além de sua
adequação aos requisitos colocados pelo Estado de Direito democrático.
A disciplina Arma de Fogo capacita os discentes a recorrer ao uso da arma de fogo
dentro dos princípios da legalidade, segurança - própria e de terceiros - e da
proporcionalidade; e desenvolver habilidades para montar, desmontar, manejar e utilizar o
armamento convencional disponibilizado pela força policial. As armas de fogo devem ser
usadas somente como último recurso, depois que outros meios forem tentados e falharem,
53
ou quando, em razão de circunstâncias, o recurso aos referidos meios não deixa entrever
qualquer possibilidade de êxito, garantindo assim justificativa legal para seu emprego. A
bibliografia sugerida aponta para os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e
Armas de Fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei.
A disciplina Defesa Pessoal desenvolve técnicas não letais de defesa, controle e
imobilização, segundo o princípio da proporcionalidade. As técnicas e ticas de defesa
pessoal, quando possível, devem ser empregadas após o uso de outros meios e
instrumentos mais brandos de forma haver proporcionalidade entre a situação real e os
meios disponíveis para fazer com que a lei seja cumprida. Toda a ação policial deve ser
permeada pelo princípio da legalidade e moralidade.
Direitos Humanos, outra disciplina da Base Curricular, também aborda que os
profissionais da área de segurança do cidadão devem ter como pano de fundo de suas
ações a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Código de Conduta para
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, Princípios Básicos Sobre o Uso da
Força e Armas de Fogo, Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, e o Pacto Internacional pelos Direitos Civis e Políticos, possibilitando assim que
seus atos possam corresponder aos princípios ético, legal e técnico na promoção e proteção
dos direitos fundamentais do cidadão (vida, integridade física e a dignidade), mediante
alternativas que busquem a negociação, mediação, persuasão e resolução de conflitos, sem
a extrema necessidade do uso da força ou de armas de fogo.
A disciplina Ética e Cidadania, em uma percepção mais filosófica, consta
apontamentos sobre o uso da força e arma de fogo, de forma ética e legal. O código de
conduta para funcionários encarregados de fazer cumprir a lei. Consta nas referências
bibliográficas as resoluções da Organização das nações Unidas e Cruz Vermelha
Internacional. A disciplina ética e cidadania, os apontamentos bibliográficos foram
superiores às demais disciplinas.
***
Para identificar a percepção dos educadores, realizei uma entrevista semi-
estruturada com profissionais que atuaram em nível nacional e regional na elaboração e
implementação das bases curriculares no âmbito da APM. Os entrevistados responderam
54
sobre o processo de criação da base curricular nacional e seus avanços na Academia de
Polícia Militar Costa Verde a partir do ano de 2001.
Visando entender a concepção original da Base Curricular Nacional, em entrevista
com Bernadete Cordeiro pedagoga e consultora organizacional da Secretaria Nacional
de Segurança Pública, coordenou o projeto de elaboração da Base Curricular Nacional
para os Profissionais de Segurança Pública recortamos os seguintes posicionamentos:
[...] As bases buscavam a criação de um currículo comum e que
pudesse trazer uma unidade de pensamento das diversas polícias
brasileiras [...]
[...] O estudo tinha como base conceitual uma linha filosófica
educacional pautada em alguns eixos de construção do
conhecimento com autores conhecidos como Piaget e o brasileiro
Libaneo, este também fala do processo de apreensão e aplicação do
conhecimento. Na época tínhamos também o relatório da UNESCO
sobre as dimensões do aprender: saber, saber fazer e querer fazer
[...].
[...] Quanto ao currículo elaborado, uma das coisas que podemos
contar como avanço foi a inclusão da disciplina de direitos humanos
e uma outra disciplina que é a abordagem sociológica e psicológica
da violência, visando estudar violência de forma mais ampla e não
apenas a violência do ponto de vista de escolas forense [...].
[...] Ocorreram modificações nas bases após 2003, mas por mudança
de governo em virtude do novo Plano Nacional de Segurança
Pública, com novas percepções ideológicas sendo que as bases
foram substituídas pela Matriz Curricular Nacional, que a partir de
2003 serve de diretrizes, referencial, norteadores para a formação
dos profissionais de segurança pública nos Estados da Federação
[...].
55
O entrevistado Almir Balieiro coronel aposentado da Polícia Militar de Mato
Grosso, mestre em Educação, foi o comandante da Academia de Polícia Militar Costa
Verde no período de 2000 até o primeiro bimestre de 2003 contribuiu com alguns
relatos sobre a formação:
[...] O governo federal apresentou uma proposta diferente onde se
buscavam novas competências que permitissem uma interlocução
maior com a sociedade e assim buscou-se em Mato Grosso, um
modelo pedagógico para contemplar novas competências [...].
[...] A proposta era desviar o foco das ações militares, como enfoque
de guerra, de combater o inimigo, tanto que se referia ao policial
como guerreiro [...].
[...] Os novos oficiais precisavam ser levados a refletir, a pensar,
pesquisar e poder argumentar, o aluno deveria produzir
conhecimento [...].
[...] O perfil do aluno passou a ser mais crítico e participativo, isso
era algo positivo, passou-se a ter mais liberdade, algumas aulas eram
desenvolvidas dentro da Universidade Federal de Mato Grosso, isso
foi polêmico, muito diziam que os alunos estavam sendo
apaisanados [...].
Sobre a nova formação dos oficiais, a educadora Regina Lúcia Borges de
Araújo pedagoga, foi coordenadora pedagógica da Academia de Polícia Militar Costa
Verde durante nove anos, no período de 1995 até o primeiro bimestre de 2003
proporcionou as seguintes contribuições:
[...] O foco era aproximar o policial da sociedade dentro de um novo
perfil, diferente do exército, sem o preparo de guerra, pois isso fazia
com que o policial tivesse uma visão de combater o inimigo [...].
56
[...] O Ministério da Justiça fazia parcerias com instituições
internacionais e nacionais para realizar pesquisas na área
educacional, e essas pesquisas citam que o modelo de polícia não
servia mais [...].
[...] Trabalhamos na academia com a questão do ser, aprender a ser
e agir, às vezes você até sabe o que é o certo, mas não tem a atitude
correta, e isso não se simplesmente uma mudança de currículo,
mas de atitude [...]
[...] A questão curricular não é suficiente, pode-se formar ótimos
alunos, se cair na mão de profissionais que têm outro tipo de
comportamento não adianta, é preciso acompanhamento [...].
[...] O currículo levou em conta a construção do conhecimento, e não
apenas a reprodução do conhecimento, o aluno precisa ser crítico
[...].
Quanto à percepção dos alunos durante o processo de formação, recorro a
monografia elaborada por cinco formandos da turma de 2003, também sujeitos desta
pesquisa, estes apontam disparidades entre o que propunha a base curricular da SENASP e
o currículo da academia. O grupo de trabalho percebeu desequilíbrio entre as disciplinas
ministradas e observaram que disciplinas com foco nas atividades do policial militar não
foram priorizadas. Vejamos:
[...] a grade curricular da APMCV direciona apenas 17% de sua
carga horária para as disciplinas na área técnica policial, ao passo
que direciona 23% do total da carga horária para as disciplinas
jurídicas, isto traduz em um maior preparo jurídico em detrimento
do técnico policial, o que é o maior ofício do policial militar [...]. Há
que se priorizar a área técnica policial em detrimento àquelas
relativas à atividade policial. Desta forma, o currículo formará
policiais mais preparados dentro das técnicas policiais, o que se
57
traduziria em uma maior qualidade na prestação de serviços à
sociedade. (CABELHO, G. P. et al. 2003).
***
Analisando as informações curriculares do antigo modelo em relação ao novo
currículo do curso de Bacharelado em Segurança Pública, e considerando também as
contribuições dos sujeitos e as entrevistas com os educadores apontados, visualizo um
grande esforço na tentativa de melhorias na formação através das novas bases curriculares.
Porém, notam-se contradições de percepções entre educadores e alunos, por um
ângulo os educadores dando mais ênfase ao ser humano mais crítico e participativo através
da inclusão de disciplinas humanizantes, e, por outro ângulo, os sujeitos apontando
disparidades e desequilíbrio entre as disciplinas ministradas, dada a ênfase ao
conhecimento jurídico e pouca prioridade às disciplinas do ofício de polícia.
58
PARTE III - JOVENS EGRESSOS DO BACHARELADO EM
SEGURANÇA PÚBLICA E O USO LEGAL DA FORÇA (2001-2003)
59
Capítulo 6 – Perfil da Juventude no Brasil e no CFO
Neste capítulo abordo alguns conceitos sobre a condição juvenil e relaciono o perfil
do jovem em geral ao jovem que ingressa no Curso de Formação de Oficiais.
O primeiro desafio é categorizar juventude, segundo Abramo (2005) juventude é
um desses termos que parecem óbvios, dessas palavras que se explicam por si mesmas.
Todavia, vários autores conceituam juventude em dimensões legal, cultural e histórica.
Abramo relativiza o conceito por meio de um recorte sociológico e cronológico. Em sua
concepção:
[...] muitos dos estudos recentes tem sido feitos sobre os modos de
transição para a vida adulta, cuja finalização, classicamente, guarda
os seguintes marcos: deixar a escola; começar a trabalhar; sair da
família de origem; casar e formar um novo lar (e ter filhos).
Contudo, tais estudos têm mostrado modificações nestes processos,
trazidas em grande parte pelas mudanças no mundo do trabalho e
nas possibilidades e padrões de inserção no mundo adulto.
(ABRAMO, 2005, p. 44).
O grupo de idade tomado na pesquisa, de 15 a 24 anos, é que vem se
tornando convenção, no Brasil, para abordagem demográfica sobre
juventude, pois corresponde ao arco de tempo em que, de modo
geral, ocorre o processo relacionado a vida adulta. (Id. p. 45)
Para Morgado (2007, p.38), a juventude é uma categoria universal, mas não é
homogênea considerar suas peculiaridades regionais, comportamentais, culturais e
políticas é condição fundamental no desempenho das ações voltadas para esse segmento
populacional”.
Em uma pesquisa nacional com o tema Perfil da Juventude Brasileira realizada em
1999 e publicada por Abramo e Branco (2005) revela a percepção da juventude entre 15 a
24 anos. Em síntese, os jovens brasileiros, uma minoria possui curso superior, apenas 36%
estão inseridos no mercado de trabalho e por necessidade, a maioria possui renda familiar
60
abaixo de 10 salários nimos, vivem na cidade, tendem ao catolicismo, 69% se
consideram brancos ou pardos, 78% são solteiros e não possuem filhos, 48% moram com
os pais, se preocupam com a segurança e o emprego, as melhores amizades foram
formadas na escola ou no bairro, a maioria estuda em escola pública, não costumam
participar de grupos de jovens, 40% consideram que os direitos dos presos e bandidos
devem ser respeitados, a metade considera a política importante, a maioria nunca fumou e
nunca usou drogas como maconha e cocaína, mais da metade costuma tomar bebida
alcoólica, 75% apóiam a redução da maioridade penal, 80% nunca foram vítimas de
assalto, mas 77% já tiveram algum contato com arma de fogo. Quanto aos direitos de
cidadania, 34% foram humilhados ou discriminados, 7% sofreram violência familiar.
Quanto ao lazer nos finais de semana costumam encontrar amigos, ouvir rádio, assistir
televisão e namorar. Os tipos musicais favoritos são sertanejo, rock, pagode e axé. Quanto
à sexualidade 63% possuem parceiros sexuais estáveis, sendo que 59% usam camisinha
para evitar doenças ou gravidez.
***
Isto posto, o universo de jovens brasileiros, mato-grossenses em particular, acredita
que a vida vai melhorar, principalmente em virtude do estudo e do trabalho. Uma das
opções de melhoria de vida é a opção de ingresso na vida pública, o que corresponde a 3%
dos jovens que compõem a população economicamente ativa. Na capital de Mato Grosso,
muitos jovens civis com idade requisitada entre 17 a 24 anos, das diversas regiões do
Estado, almejam ingressar na carreira policial militar como oficiais. Todavia esbarram no
processo seletivo, que além da alta concorrência, estabelece critérios rigorosos no sentido
de selecionar 20 candidatos anualmente.
[...] o CFO incorporará jovens selecionados com aptidões policiais
militares, e continuará a selecioná-los em 03 (três) anos [...] através
de aprimorada educação [...] visa escolher os melhores, entre os
pretendentes e engloba os aspectos intelectual, físico,
médico/odontológico e psicológico. (Decreto Estadual n. 3144 de 06
de julho de 1993)
61
Quanto ao perfil cio-econômico dos alunos aprovados no CFO (UFMT, 2006), a
maioria são cuiabanos, brancos e pardos, solteiros, freqüentaram escola particular em
Cuiabá e Várzea Grande em ensino regular, alunos em cursos matutinos, realizaram curso
pré-vestibular, buscam formação profissional voltada para o trabalho devido suas aptidões
pessoais e ocupação do mercado de trabalho, a maioria nunca trabalhou, procuram
atendimento médico na rede particular, usam micro computadores, residem em casa
própria com uma renda familiar entre 5 a 15 salários mínimos. Não fumam, mas bebem
eventualmente.
No quadro a seguir comparo alguns aspectos do perfil da juventude brasileira aos
jovens que ingressam no CFO. Nota-se que as idades se aproximam quando comparadas,
porém os jovens do CFO possuem vantagens sociais e econômicas, principalmente em
relação à escola, trabalho, renda familiar e acesso tecnológico.
Quadro comparativo entre os perfis dos jovens do Brasil e jovens do CFO
Categorias
Jovens no Brasil Jovens no CFO
Faixa etária
Solteiros (moram com familiares)
Sem filhos
Nunca Trabalharam
Freqüentaram escola pública
Renda familiar acima de 10 salários mínimos.
Consideram-se de cor branca ou parda.
Não fumam.
Já ingeriram bebida alcoólica
Usam Internet
15 a 24 anos
78%
78%
32%
89%
5%
69%
74%
68%
17%
17 a 24 anos
100%
100%
66%
27%
33%
83%
100%
61%
94%
Fonte: Abramo, Branco (2005); UFMT (2006)
A carreira, via CFO, se enquadra em uma busca de melhor perspectiva funcional,
mas devido à alta competitividade, sobressaem aqueles jovens que tiveram maiores
oportunidades de estudar e não foram empregados precocemente no mercado de trabalho.
O painel apresentado se enquadra na pesquisa de Branco (2005) que revela que os
62
jovens em sua maioria são indivíduos relegados ao preenchimento de posições
ocupacionais de baixa qualidade, ostentando vínculos precários e de menos remuneração,
situados na camada inferior do setor informal, há evidências de uma procura de ocupações
pelos jovens, prejudicada pelo pouco preparo educacional e profissional em um mercado
cada vez mais excludente e competitivo.
Sobre o mercado de trabalho e altas taxas de desemprego juvenil, Morgado e
Sanches (2006) entendem:
São muitas as razões que dificultam ao jovem a conquista de um
emprego, entre os quais sobressaem as dificuldades estruturais
impostas pelo padrão de crescimento econômico pouco generoso na
geração de oportunidades, principalmente para aqueles que possuem
escassa experiência profissional e, muitas vezes, com escolaridade
inferior à requerida, pois o processo de formação foi interrompido
sem que tivessem completado o ciclo escolar compatível à sua faixa
etária. (Morgado e Sanches, 2006, p. 12).
À luz das evidências acima, entendo que os jovens do CFO são oriundos da classe
média e ingressaram na carreira policial militar devido a base de apoio familiar em relação
aos estudos e ao trabalho. Conforme Bourdieu (1992, p. 218) “o ensino superior tende a
ser reservado às classes mais favorecidas economicamente, estabelecendo e reconstruindo
uma hierarquia social”.
Conforme a Fundação Perseu Abramo FPA (2006), um aspecto ideológico
comum a qualquer classe média é a idéia de que os filhos possam ter uma vida melhor que
seus pais. Essa esperança de que o futuro possa ser melhor que o presente, ou o passado é
considerada por alguns autores a sua principal marca.
No Atlas da Nova Estratificação Social no Brasil organizado por Pochmann (2006)
apud FPA (2006), a classe média:
[...] destaca-se por posições altas e intermediárias tanto na estrutura
sócio-ocupacional como na distribuição pessoal da renda e riqueza.
Por conseqüência, a classe média termina sendo compreendida como
63
portadora de autoridade e status social reconhecidos, bem como
avantajado padrão de consumo [...] Em valores de 2005, o piso e o
teto da renda mensal das famílias de classe média equivaleria a R$
1.556,00 e R$ 17.351,00 respectivamente. (POCHMANN, 2006
apud FPA, 2006)
Do ponto de vista econômico (poder de compra e renda familiar), a Associação
Brasileira de Empresas de Pesquisa ABEP elaborou um estudo denominado Critérios de
Classificação Econômica no Brasil (2003), que estratifica a população brasileira em sete
classes econômicas: A1 (acima de 32,47 salários mínimos); A2 (acima de 19,36 salários
mínimos), B1 (acima de 11,68 salários mínimos), B2 (acima de 6,95 salários mínimos), C
(acima de 3,86 salários mínimos), D (acima de 1,76 salários mínimos) eE (acima de 0,86
salários mínimos). As classes A1 e A2 são consideradas elite e classe alta. As classes B1,
B2 e C integram a classes média-alta, média e média-baixa. As classes D e E compõem a
classe baixa à linha da pobreza.
Considerando que os jovens que ingressam no CFO possuem renda familiar entre 5
e 15 salários mínimos, se enquadravam economicamente entre as classes B1, B2 e C.
Ao que tudo indica, a carreira de oficial tende a aumentar o horizonte social dos jovens
tenentes, sendo que estes poderão conquistar autoridade e status social e ao longo da vida
profissional atingir a classe A2, com renda acima de 20 salários mínimos.
Após análise dos dados deste capítulo, concluo que os jovens tenentes cuiabanos e
interioranos, filhos da classe média que migrou para Mato Grosso, tendem a ingressar no
CFO atendendo uma expectativa pessoal e familiar de boa ocupação no mercado de
trabalho, apostando num futuro promissor.
A historiadora mato-grossense Elizabeth Madureira Siqueira, retrata o jovem mato-
grossense do século XIX quando retornava dos estudos realizados as parcas faculdades do
sudeste do império:
[...] de cada qual rumava para o seu destino. Anos se passavam e
os jovens poucas vezes retornavam à sua terra natal durante o
período de estudo, preferindo regressar definitivamente quando
formados. Novamente se reproduzia a emocionante cena no Porto de
64
Cuiabá, agora com familiares e amigos despojados de lenços, mas de
braços abertos para recepcioná-los. (SIQUEIRA, 2006, p. 8)
neste século não temos a cena do Porto de Cuiabá, mas ao final do curso de
formação de oficiais, os jovens agora chamados aspirantes, são recepcionados pela família
e amigos em estilo festivo, com trajes de gala, espadas prateadas e ao som de valsa
caminham singularmente.
O território do jovem oficial não é mais a Academia, mas sim o território mato-
grossense próximo de tudo e de todos.
65
Capítulo 7 – A Formação e Atuação dos Tenentes sobre o Uso Legal da
Força
Egressos dos Cursos de Formação de Oficiais
Este capítulo é resultado das entrevistas realizadas com os egressos do CFO sobre o
uso legal da força, no período de formação e atuação policial. Os entrevistados são
identificados através de uma letra do Alfabeto Fonético Internacional, usado
costumeiramente no âmbito das instituições militares ao citar letras do Alfabeto a fim de
se evitar ruídos de comunicações de rádio, Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo, Fox, Golf
[...]”.
O entrevistados atuam nas ruas como comandantes de tropa, formaram em 2003,
possuem três anos de prática policial. São jovens com idade entre 22 a 27 anos, alguns
casaram, apenas um entrevistado possui filhos, a renda familiar daqueles que já se casaram
varia entre até R$5.000,00, aqueles que moram com os pais a renda familiar chega a
R$10.000,00.
A seguir consta a análise de vários trechos das entrevistas, sendo que cada pergunta
foi transformada em um tópico, constam as respostas, uma a uma, dos entrevistados dentro
de cada tópico, com citação diretas e indiretas.
***
Sobre o que o egresso aprendeu no Curso de Formação de Oficiais (C.F.O.) sobre
Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (P.B.U.F.A.F.).
Alfa entende que a força tem que ser proporcional a ação do oponente, e que o uso
da arma de fogo emprega-se somente quando esgotados todos os recursos de neutralização
quer pela verbalização, técnicas de imobilização. Bravo entende que ficou muito vago o
contato com a doutrina e o uso do armamento, mas buscou pesquisar sobre o assunto,
quanto ao uso de arma somente para defender a si e a terceiros, porém de forma
proporcional à ação do agressor. Charlie aprendeu os conceitos sobre uso da força e
entende que mais importante que atirar é saber quando atirar. Delta aprendeu que, o
66
emprego da arma de fogo em uma abordagem deve ser utilizada em último caso visando
defender a integridade física própria ou de terceiros e discorreu sobre os diversos níveis de
força. Echo aponta que o uso da força deve ser moderado e sempre proporcional.
Sobre onde e como surgiu os P.B.U.F.A.F. E se foi citado no curso.
Alfa não se recorda. Bravo disse não saber. Charlie ouviu falar, mas não se lembra
onde surgiu, mas que havia aprendido nas aulas de direitos humanos. Delta não se recorda
onde surgiu, no curso discutia-se muito sobre direitos humanos, mas pesquisou sobre o
assunto. Echo não se lembra.
Verifica em quais disciplinas do curso o egresso estudou P.B.U.F.A.F. E qual o
enfoque.
Alfa estudou na disciplina de Técnicas Gerais de Policiamento com 60 h/a, Direitos
Humanos com 30 h/a, Tiro Policial com 90 h/a. Na primeira disciplina citada foi enfocado
o uso da verbalização e técnicas de imobilização, na disciplina de Tiro Policial foi visto o
momento do emprego da arma de fogo, e em Direitos Humanos estudou tipos de
abordagem policial. Alfa entende que, a carga horária das disciplinas citadas deveria ser a
maior do curso, ao invés de disciplinas como Espanhol e Inglês que possuíam carga
horária de 120 h/a cada, além disso, a assimilação de conteúdos era difícil pelo fato de as
disciplinas serem constantemente interrompidas em sua seqüência, tinha-se uma aula e
depois de algum tempo, às vezes semanas, se retomava o conteúdo. Bravo se recorda que
estudou os princípios nas disciplinas de Armamento e Explosivos e em Técnicas Gerais de
Policiamento. O enfoque foi em emprego da força proporcional, seguindo os princípios da
necessidade, legalidade e proporcionalidade. Charlie estudou nas disciplinas de Tiro,
técnicas gerais de policiamento, direitos humanos, operações de alta complexidade, em
técnicas de imobilização e uso de tonfa (bastão policial). Na parte de tiro era comentado
que o uso de armamento letal teria que ocorrer somente quando sofresse uma agressão
injusta. Na técnica geral de policiamento o enfoque iniciava com a parte da abordagem
com o uso da verbalização, emprego de força física e uso letal da força, Charlie lembra
também que muito se discutia sobre o uso de gás, sobre sua proibição ou uso, porém o
egresso entende que o uso do gás atende tratados internacionais de direitos humanos que
67
prevêem o uso de agentes químicos pelos agentes de segurança como alternativa não letal.
Na disciplina Operações de Alta Complexidade, o enfoque foi o uso progressivo da força
dentro das alternativas táticas de negociação e emprego de agentes menos que letal. Na
disciplina Técnicas de Imobilização e Uso de Tonfa, também abordava-se o uso
escalonado da força, iniciando na verbalização. Exceto a disciplina de Imobilizações
Táticas, todos os demais instrutores eram policiais militares. Delta se recorda ter
aprendido na disciplina de Policiamento Ostensivo Geral durante os três anos, e que essa
matéria procurava-se conciliar legalidade através do que se aprendia em Direito Penal e
Constitucional, quando estudava o uso da algema o instrutor questionava sobre a
legalidade na ação e as situações de emprego de força. Segundo Delta o instrutor sempre
colocava vários casos reais e a questão de que existem diversos veis de abordagem e
dentro do policiamento ostensivo geral, existe diferenciação entre uma abordagem no
trânsito em relação a uma abordagem de uma força tática, diferente da abordagem em
rodovias e em policiamento ambiental. Echo se recorda que estudou os princípios nas
aulas de Direito Penal em virtude de o instrutor ser militar e nas aulas de tiro. Que Direito
Penal era mais voltado para o uso da força quanto a legalidade da ação policial, e a
disciplina de Tiro mais voltado para utilização da arma de fogo. Segundo Echo, nas
matérias de Direito Penal sempre se discutia o uso de algemas e imobilização, e a
utilização das armas de fogo era mais abordada nas aulas de Tiro.
Conhecimento sobre o Modelo de Uso da Força.
Alfa disse conhecer o modelo de uso da força, mas não se recorda,
categoricamente, dos níveis. Bravo disse ter aprendido, mas não se recorda bem, justificou
dizendo que esse assunto não foi muito difundido, e que as cargas horárias de disciplinas
como espanhol e inglês eram superiores às disciplinas específicas de polícia, estas
possuíam 90 h/a enquanto aquelas 120 h/a. Charlie disse conhecer e citou a verbalização,
uso de força física e bastão policial, uso de agentes menos que letal e uso da arma letal,
sendo um total de quatro níveis. Que em uma especialização aprendeu o seguinte modelo:
verbalização, uso da força física, uso do bastão policial e outros equipamentos (rede e
espuma), uso de agentes químicos (gás), depois uso de munições menos que letais
(munição anti-motim, de impacto controlado, pistola taser) e por último o emprego de
arma com munição letal. Delta disse conhecer, e discorreu sobre a verbalização, contato
68
físico e visual, contato mais coercitivo através da força física. Echo disse que pode até
conhecer, mas não como apresentou o entrevistador, que estudou na academia e
posteriormente no manual de policiamento ostensivo de Minas Gerais.
Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a
verbalização e possíveis exemplos.
Alfa emprega em todas as circunstâncias de abordagem, o primeiro nível sempre
deve ser tentado, para que a partir daí possa evoluir para os demais níveis. Um exemplo
que vivenciado foi quando um homem tomou o próprio filho como refém e que após três
horas de abordagem verbal fora resolvida a crise, sendo o filho entregue sem que fosse
necessário o avanço aos demais níveis de força. Acrescenta que a maioria das ocorrências
mal sucedidas por parte das guarnições policiais se em face ao mau uso desse primeiro
nível de força. Na maioria das ocorrências de desacato, desobediência e resistência houve
falhas quanto à argüição da guarnição para com a pessoa a ser abordada. Alfa afirma que a
verbalização é o nível mais importante, pois evita conseqüências danosas durante as
ocorrências. Bravo verbaliza no momento de abordar o cidadão quando ele não oferece
resistência nenhuma, optou por um exemplo genérico de quando um cidadão recebe ordem
do policial para levantar as mãos e colocá-las na parede e não tendo resistência procede a
uma revista. Charlie entende que diversas situações de verbalização, é a primeira ação
policial, uma ação sempre tem que passar pela verbalização em todas as situações.
Também optou por um exemplo genérico, ao se cumprir um mandado de prisão, que após
lido, a pessoa não oferece resistência à condução. Delta partiu para um exemplo prático
vivenciado, onde ele e sua equipe abordaram um veículo onde os ocupantes eram
suspeitos de quebrar um bar e ameaçar um comerciante e que estariam armados, na
abordagem foi feita a verbalização para que eles fossem para a parede, não ofereceram
resistência, no veículo acharam uma pistola e durante a ocorrência descobriram que
ocorreu um desentendimento, um dos ocupantes do veículo era policial e a denúncia era
infundada sobre disparo de arma de fogo e agressão física. Echo entende que a
verbalização é o mais comum em abordagens a suspeitos, tão comum que praticamente em
todas as ocorrências é utilizado, citou um exemplo sobre a suspeita de um elemento
armado, onde o primeiro contato é a verbalização. Echo comentou durante a sua fala que
esta entrevista causa a impressão de ser um teste sobre o que foi aprendido e aplicado na
69
prática.
Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se o
contato físico, como se procede e um exemplo.
Alfa citou um exemplo genérico, uma situação da quebra da ordem blica por
uma pessoa que se encontra no estado de embriagues e sem lucidez nas suas atitudes,
verifica-se a ineficiência do uso do primeiro nível de força, restando avançar para o
contato físico para que a ordem blica seja restaurada. Para Alfa o contato físico é
realizado com o objetivo de conter a ação de uma pessoa sem que seja necessário ainda o
avanço ao terceiro nível, no contato físico a pessoa percebe a presença da autoridade
polícia. No contato físico a pessoa é segurada por um dos braços e tocada pelas costas para
que entenda que está sendo conduzida à delegacia. Bravo cita um exemplo vivenciado
dentro de um presídio, ao dar uma ordem para que os reeducandos saíssem da cela com as
mãos na cabeça para realização de uma revista de cela, ao sair a segunda ordem é para a
retirada de todas as roupas para examinar as vestes, e alguns se negam a ficar nus e passar
a roupa, sendo necessário algemá-lo e pedir para que o agente prisional retire as roupas e o
reviste através de uma busca pessoal nas roupas, onde costumam esconder drogas e
celulares. O egresso se justifica dizendo que é necessário que retirem a roupa por inteiro
pelo fato de alguns dos reeducandos costurarem celulares e drogas na parte interna da
cueca. Charlie aponta um exemplo de contato físico em uma situação onde é dada uma
ordem clara solicitando que alguém se encoste à parede para uma busca pessoal e após
verbalizar e ocorrendo desobediência, a pessoa é encostada na parede ou colocada de
joelhos, pois existe uma suspeita ou fundada suspeita para a abordagem policial, já
cabendo, se for o caso, a prisão do suspeito por desobediência devido à resistência. Para
Charlie a frase mais comum: “encoste na parede porque se você não encostar vai ser
conduzida por desobediência!” Tal medida geralmente evita o contato sico. Delta cita
uma abordagem que realizou em um pessoal que fez um assalto, recebeu uma informação
de que havia quatro pessoas em um bar e que estariam comemorando um assalto em
Várzea Grande. Na abordagem foi verbalizado para ir para a parede e um dos membros
tentou sair do local e foi dada ordem para que o policial não o deixasse sair, eles foram
segurados pelos braços e encontradas armas, o contato físico ocorreu devido à resistência.
Echo disse que o contato físico é adotado quando apenas a verbalização não é suficiente,
70
citou como exemplo um local de grande aglomeração de pessoas, quando há a necessidade
de abordar um suspeito, às vezes a simples verbalização não basta para levar para um local
mais isolado para realizar uma revista, basta o policial encostar a mão guiando-o, sem
necessitar puxar pelo braço, uma forma de condução que a pessoa sente que o policial está
junto mas sem usar a força, e muitas vezes, basta para que o cidadão acate à ordem.
Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a
imobilização e como se procede e um exemplo.
Alfa aproveita o exemplo anterior, se a pessoa oferecesse resistência na sua
condução para a delegacia, se faria necessário o uso de técnicas de imobilização, realizada
através de torção dos braços até que se esgotem as possibilidades de resistência,
normalmente quando se emprega o terceiro nível de força, se faz necessário o emprego das
algemas. Bravo continua seguindo o exemplo do presídio, quando se torna necessário
realizar a imobilização de presos quando se negam a mudar de um raio para outro,
principalmente quando ele se nega a ser transferido para outro raio alegando desafetos. O
agente algema, e quando ocorre a resistência, o preso é pego pelos braços e levado quase
que arrastado. O egresso complementa que um dia presenciou um dos reeducandos urinar
de medo em virtude da transferência de raio, mas o local para onde ele foi era seguro.
Charlie cita que no momento em que é dada voz de prisão para a pessoa,
independentemente do crime cometido, se ela oferece resistência para evitar a condução,
assim usa-se a imobilização e algema para a condução da pessoa, acontece principalmente
com pessoas sobre efeito do álcool ou entorpecente. Delta indica que a imobilização pode
ocorrer ao abordar uma pessoa que cometeu um delito, nesse caso cabe a imobilização em
virtude do risco que pode ser oferecido à guarnição, usam-se as algemas como extensão da
imobilização, ocorrendo resistência pode acarretar em lesões e sendo necessário redigir
um auto de resistência. O Egresso complementa que a imobilização pode ser também sem
contato físico, como em uma ordem para não se mexer, através da intimidação do policial
com uma arma empunhada, isso seria uma imobilização verbal. Echo também aproveita o
exemplo anterior, havendo suspeita fundada que o elemento esteja armado ou com
entorpecentes e ao se realizar uma revista mais minuciosa, ocorre resistência em
acompanhar a guarnição, momento em que se utiliza a imobilização e condução. Echo
entende que a imobilização vai depender de como a pessoa vai reagir, às vezes é
71
necessário somente imobilizar o braço, outras vezes usar algemas, às vezes usar dois ou
mais policiais na condução.
Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a
força não letal e como se procede e um exemplo.
Alfa aponta que o uso de força não letal é mais empregado nos casos em que o
número de pessoas a serem contidas é muito superior ao efetivo policial de forma que os
três primeiros níveis tornam-se ineficientes e até perigoso para a segurança da guarnição,
restando somente o avanço ao quarto nível de força através de armas não letais que visam
à dispersão dessas pessoas para tão somente se faça a contenção de grupos reduzidos. Para
que seja feita tal dispersão empregam-se bombas de efeito moral ou uso de spray de gases
de pimenta em meio à multidão até que ocorra a dispersão. Alfa complementa que pela
sua experiência policial, pouco se utiliza este quarto nível, pois as guarnições policiais dos
batalhões não possuem acesso a este tipo de arma não letal, chegando até ao terceiro nível
com o uso de algema é o necessário para a condução individual. Bravo cita que a força
não letal seria no caso de um tumulto generalizado que para dispersar a multidão, através
de agentes químicos ou numa rebelião os policias utilizam munições anti-motim de
impacto controlado. Charlie cita que se usa a força não letal quando a imobilização se
torna ineficaz, discorreu sobre um exemplo pessoal durante uma prisão, tentou fazer a
imobilização e foi agredido, sendo necessário usar munição anti-motim na perna do
agressor. Outro exemplo foi uma situação que empregou gás em um homem escondido
dentro de uma sala com arma de fogo “[...] ele atirou contra a guarnição e nós usamos uma
granada de gás lacrimogêneo e ele saiu voado e desarmado [...]”. Delta entende que a
força não letal pode ser empregada em raros casos quando o abordado não oferece risco
letal contra a guarnição. Cita um caso em que um cidadão não estava portando arma de
fogo, o uso da força não letal é interessante, a probabilidade de ocorrer algo errado é
ínfimo, mas questiona como saber se o cidadão não vai sacar uma arma de fogo, cita que é
necessário uma verbalização bem imperialista, pois mesmo que ela tenha uma arma de
fogo, vai pensar de duas a três vezes antes de esboçar reação. Um tanto quanto confuso,
entende que arma de fogo é necessária como supremacia de força para suprir a supremacia
numérica e que a abordagem sempre deve ser de dois policiais para um suspeito, mas na
prática isso é difícil, devido à escassez de efetivo. Argumenta que o policial tem que estar
72
armado e sempre verbalizar com a arma em punho, isso vantagem contra qualquer
surpresa do oponente. Echo emprega a força não letal quando outras alternativas de força
mais brandas não são suficientes, um exemplo particular é o uso do gás de pimenta e
sempre que necessário ela usa em virtude de ser pequena e ser mulher, sente bastante
resistência principalmente dos homens nas abordagens. Desabafa que ao verbalizar, tem a
impressão, quase todas as vezes, de ser olhada diferentemente, quase todas as vezes
precisa verbalizar de duas a três vezes, principalmente em abordagens a bares.
Procedimentos quando ocorre uma resistência ativa, onde o suspeito tenta agredir o
policial de forma não letal.
Alfa comenta que o terceiro nível de força sempre excluirá o uso da força não letal,
devendo ser esgotados todas as técnicas de imobilização, a não ser nos casos em que o
oponente apresentar o uso de arma letal ou objetos que tragam risco à integridade física da
guarnição como faca ou pedra, seria prudente a guarnição antes de responder com o uso de
arma letal, responder de forma não letal, como por exemplo, o uso de munições anti-
motim para que o oponente cesse sua ação. Bravo disse usar tonfas (bastão policial) e
cacetetes e emprego de defesa pessoal aprendidas nos cursos. Mas, para que haja o
desencorajamento de uma ação contra o policial é necessária superioridade numérica e de
força. Nos casos dos bastões policiais os locais no corpo, ideais para aplicação dos golpes,
seriam braços e pernas, mas na prática, no momento da ocorrência, “no calor da refrega”
[se referindo ao uma frase que ouviu de um juiz], no embate, às vezes acaba atingindo
áreas sensíveis. Uma vez atingida, a pessoa é conduzida para atendimento médico, depois
é confeccionado auto de resistência à prisão e boletim de ocorrência policial. Charlie
inicia com um exemplo de um homem com a filha de refém e dois facões, a menina
escapou e veio correndo para o lado da guarnição e o pai partiu para cima dos policiais
com os dois facões para cima, foi usada munição anti-motim, acertando a coxa e a cintura,
o agressor largou os facões na hora e sentou, depois foi algemado. Quando a menina
correu o egresso verbalizou para largar a arma, mas como não foi obedecido, disparou a
uma distância de seis metros. Delta disse que, o policial dificilmente porta arma não letal
com exceção feita ao bastão policial, que sendo utilizado de forma negligente, poderá se
tornar uma arma letal; que o bastão policial exige treinamento e isso não ocorre com
freqüência. Echo cita um caso que vivenciou, ao realizar um cordão de isolamento em
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uma manifestação, um dos manifestantes tentou agredir um superior que se posicionou
atrás da entrevistada, o manifestante foi empurrado e Echo seguiu junto com ele e caiu no
meio do povo que estava partindo para cima da polícia, recebeu três murros no peito e teve
que partir para o enfrentamento com aquela pessoa, mas quando os policiais perceberam,
aproximadamente cinco subordinados vieram em auxílio e a pessoa foi presa. Echo disse
que os policiais foram até muito firmes na prisão por causa da agressão que ela sofreu, os
policiais não toleram agressão contra mulheres, querem proteger e até demais.
Em relação ao uso legal da força, verifica-se em que circunstância emprega-se a
força letal e como se procede e exemplo.
Alfa narra que o uso da força letal ocorrerá nos casos em que o oponente estará
portando arma letal, porém antes de se fazer o uso da arma letal por parte da guarnição,
deverá tentar a verbalização, isso nos casos em que o oponente ainda não utilizou a arma
letal, mas somente portando-a. Alfa completa que já deparou com o oponente armado e ele
quando avistou a presença da guarnição efetuou disparos na direção da guarnição restando
a guarnição responder na mesma força do oponente, ou seja, com uso da arma letal. Bravo
pelo que aprendeu a força letal pode ocorrer para salvar a própria vida ou de terceiros.
Cita um exemplo genérico, durante uma ocorrência de rotina na rua ao abordar uma dupla
de rapazes pedindo para que parassem, um deles saca de uma arma atira contra a
guarnição, a guarnição responde com disparos e acaba atingindo um e levando-o a óbito.
Charlie aponta uma situação em que o agressor utiliza-se da arma de fogo ou de uma
nítida ameaça contra a vida da guarnição ou de terceiros. Um exemplo vivenciado foi um
assalto onde o meliante levou o veículo de um roubo a residência, depois assaltou uma
loja, e durante a fuga ocorreu o cerco policial, ele bateu o veículo e reagiu atirando na
guarnição, foi necessário o emprego de arma de fogo para neutralizar aquela ação, ele foi
conduzido para o pronto socorro vindo, depois de algum tempo no hospital, a óbito.
Charlie explica que foi realizada uma sindicância pela Polícia Militar, além dessa medida,
o processo tramitou em âmbito externo da justiça militar, mas não foi oferecida denúncia
contra a guarnição, por ter sido caracterizado legítima defesa. Delta comenta que o
emprego da arma de fogo passa por três vertentes do “triângulo do fogo”, e quando ele se
fecha pode-se usar a arma de fogo: perigo iminente (saque de uma arma), oportunidade
(destreza do policial no uso da arma e segurança) e habilidade (constante manutenção do
74
armamento e capacitação diária), uma outra vertente que é a conveniência (verificar se é
conveniente atirar em um local que cause risco a terceiros). Echo cita que o uso da força
letal é empregado quando todas as alternativas não forem suficientes. Comenta “[...] ainda
não passei por isso, eu espero não passar, mas se acontecer, sei que em todas as
abordagens eu já me preparo mentalmente para um possível confronto armado[...]”.
Verifica qual o procedimento após o confronto letal.
Alfa argumenta que ao perceber o cessar da ação do oponente, e verificando lesão a
integridade física, a primeira preocupação é prestar o devido socorro ao oponente lesado
de forma que garanta a sobrevivência da pessoa alvejada pelos disparos, fazendo os
procedimentos de acionar o atendimento médico no local ou deslocando-o para o Pronto
Socorro. Bravo cita que a medida é verificar se o cidadão está com vida, caso não tenha
mais pulso e nem respiração, isolar o local, informar a perícia e aguardar até a chegada dos
peritos, e estando com vida prestar socorro imediato levando-o até o hospital mais
próximo. Charlie comenta que caso a pessoa tenha sinais vitais deve ser encaminhada
para Pronto Socorro, no local do fato realizar o isolamento, acionamento da perícia,
confecção do auto de resistência à prisão e boletim de ocorrência. Delta informa que o
policial primeiro se aproxima com segurança para verificar se a pessoa ainda tem sinais
vitais, o policial tem o dever de prestar os primeiros socorros no local, o maior bem é a
vida. Na prática, o policial coloca na viatura policial e leva-o para o hospital, a
preocupação grande do policial é se naquele local terão outros comparsas ou pessoas
afetas que poderiam causar retaliação. Quando ocorre supremacia, chama-se o resgate para
prestar os socorros, no caso da morte, aquele local passa a ser isolado para a perícia
criminal. Echo cita que em tese, havendo o óbito, preserva-se o local e chama-se a perícia;
se foi apenas ferimento levar imediatamente para cuidados médicos.
Verifica em qual situação o egresso aprendeu sobre o uso da força.
Alfa cita que teoricamente aprendeu no Curso de Formação de Oficiais; porém a
afirmação dos conceitos, em sua prática, ocorreram somente na experiência operacional
vivenciada após o curso, até porque o exercício desse conteúdo durante o curso foi pouco
75
praticado em virtude do pouco estágio operacional realizado, mas especificamente
falando, tais estágios eram realizados eventualmente quando acontecia policiamento em
eventos periódicos. Também vale ressaltar que o domínio desse conteúdo será obtido
após algum tempo de prática. Bravo cita que aprendeu na academia e depois de formado
no dia-a-dia do serviço. Charlie cita que aprendeu na academia e no curso de
especialização, e que esse assunto sempre é alvo de comentários, e tem muitas literaturas.
Delta disse que aprendeu na academia e na vida prática, experiência de rua. Echo informa
que a teoria aprendeu na academia, mas na prática é possível visualizar cada nível de
força.
Verifica como o egresso avalia a sua atuação em relação ao uso legal da força e se
sente insegurança na decisão quanto ao nível adequado a ser empregado.
Alfa disse que no início de sua vivência operacional sentia dificuldades devido à
falta de prática, mas que hoje se sente mais bem preparado e seguro em aplicá-los. Cada
circunstância que depara é diferente, como por exemplo, uma situação que se faça
necessário o uso de arma letal, por mais que a prática lhe traga segurança, existem fatores
fisiológicos, como a adrenalina, que pode causar instabilidade emocional trazendo
insegurança que afete a decisão. Neste momento, de forma espontânea o egresso desabafa:
“[...] nem sempre depende da gente, passei por isso, em uma troca de tiro o meu estado
emocional ficou bastante alterado e naquele momento eu não tinha nenhuma condição de
tomar decisão e curiosamente eu fui acalmado por um subordinado que possuía muitos
anos de prática policial e naquele momento fora ele quem gerenciou tal situação para que
não ocorressem erros que prejudicassem a guarnição e a minha pessoa, fui ajudado por um
policial conhecido na gíria policial como um soldado “antigão”, com 42 anos de idade,
essa situação marcou minha vida, entendi que o ser humano não é só razão, a emoção pode
tomar conta do nosso corpo e não nada que se faça, e que se pode cometer erros na
decisão, a parte emocional tem que ser muito exercitada, momentos em que temos que
recuar, buscar a calma para não errar, uma boa decisão hoje não significa uma boa decisão
amanhã, e se tem que reconhecer quando é tomado pela emoção e isso é difícil de ser
percebido no momento, só vai ser percebido depois de errar [...]”. Bravo afirma que sente
absoluta segurança e confiança no nível de força a ser empregada em determinada
ocorrência, nunca se viu em nenhuma situação que exagerasse no uso da força ou
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deixasse de utilizá-la de forma necessária. Bravo continua, dando sinais de angústia “[...]
pode acontecer de amanhã eu estar em uma ocorrência que eu não tenha segurança, que eu
tenha medo. Tenho medo de utilizar força letal com pessoas desarmadas, isso pode ocorrer
numa situação de risco e estresse, ou encurralado por uma multidão furiosa, e sendo o
único armamento ali disponível de uso letal. Esta pergunta me deixou confuso e suscitou
várias dúvidas sobre o uso da força letal, é muito fácil aprender que se usa a força letal
para salvar a sua vida ou a de outro, mas o difícil é em uma situação real decidir, sobre a
sua vida, a vida dos seus subordinados e a vida do oponente em frações de segundos, e
depois ser julgado por alguém que está sentado e apoiado em princípios jurídicos e
doutrinários e dizer o que deveria ser feito ou não de certo ou errado [...].” Charlie,
emitindo sinais de autoconfiança e de forma curta, avaliou a sua atuação como dentro da
técnica e se algum dia deixou de escalonar a força foi por falta de meios, e não por falta de
conhecimento, que sempre foi seguro nas suas ações. Delta, desconfiado, disse que não se
viu em uma situação que estivesse inseguro quanto ao uso da força, o que procura é
cumprir e fazer cumprir a parte legal adequando ao trabalho prático de rua. Echo inicia
com a palavra “sinceramente” segue com a palavra “na verdade” tenta se mostrar segura
no início, que sempre pensa bem antes de tomar uma atitude, evita usar a emoção, sente-se
segura quando precisa utilizar mais a força. Cita que no início do seu trabalho nas ruas
ficava muito ansiosa, hoje em dia está mais tranqüila. Continua dizendo que em todas as
ocorrências tem receio de ser excessiva ou truculenta, porque pode errar e responder por
isso, sempre os policiais são muito visados nas atitudes que tomam. Echo comenta: “[...]
as experiências do dia a dia estão me trazendo mais segurança [...] penso que no início eu
precisava de auto afirmação e conquistar a tropa, principalmente pelo fato de ser mulher,
mas isso também ocorre com os homens em busca de conseguir seu espaço [...]”.
Em outro momento da entrevista Delta se emociona e aborda esta questão de forma
espontânea, o qual passo a transcrever com detalhes: “[...] Acredito assim, a nossa vida
profissional é regida por parâmetros, a natureza humana do policial, tende a se envolver
emocionalmente, fundindo sentimentos frente a uma situação real em relação ao que ele
aprendeu. Um exemplo que vivenciei foi um homicídio em uma comunidade onde pai
atirou na esposa na frente de um filho de três anos, e quando nós chegamos para atender a
ocorrência, a criança aproximou-se de mim e disse, “tio meu pai matou minha mãe”,
naquela situação, quando olhei para a criança, e tendo um filho na idade dele, eu imaginei
meu filho sofrendo como aquela criança, que nem por isso eu tinha que ter uma atitude
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não profissional caso encontrássemos o autor do homicídio, ou seja, muitas pessoas na
sociedade falam que o policial é frio, mas na verdade a gente tem que ser frio, não
podemos tomar partido, tem que fazer cumprir o que determina a justiça, tem muita
ocorrência que mexe com o lado emocional do policial, ao retornar para a base a gente
procura ajudar o policial que às vezes carrega outro problema e uma ocorrência pode
deixá-lo mais confuso e pode interferir na sua vida pessoal. Toda vez que passo por aquele
local, lembro do meu filho... isso me causa vontade de estar com o meu filho, e tudo que
faço na minha vida profissional é movido pelo sentimento que tenho pelo meu filho... O
sentimento que me veio agora foi de frustração frente a tantas coisas que acontecem de
ruim no dia a dia, vejo coisas horríveis no dia a dia e mesmo assim ter que fazer de forte
perante os subordinados e familiares, não posso fazer muito, mas tento fazer o meu
melhor. Os meus subordinados têm muitos problemas familiares e de saúde, e quando me
procuram, na condição de oficial, de comandante, eu tenho que me fazer de forte, procuro
trabalhar os problemas deles e os meus[...]”.
Verifica a atuação dos egressos como comandante na instrução aos policiais sobre os
P.B.U.F.A.F.
Alfa afirma que instrui os seus subordinados apoiado por estudos de casos. Bravo
também comenta que instrui, mas não necessariamente sobre os princípios questionados.
Charlie comenta que sempre instrui os comandados e deixa claro que ele é quem decide
sobre o nível de força que deverá ser usado no momento da ação. Delta diz instruir
exaustivamente, além das determinações corriqueiras, também instrui quanto à legalidade
no uso da arma de fogo e apresenta muitos casos práticos para chamar a atenção. Echo
costuma conversar sobre legalidade e ação moderada, são tópicos que sempre faz questão
de falar, evitar arbitrariedade, abuso de poder e etc.
Identifica se os subordinados acatam ou resistem e em caso de resistência, como
reagem os egressos no dia-a-dia e qual a sua atitude em caso de resistência do
subordinado.
Alfa cita que muitos subordinados resistem por possuírem dentro de si
procedimentos que se tornaram vícios e não aceitam que sua forma de trabalhar seja
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mudada, mesmo sabendo que os seus vícios com relação à abordagem policial são
procedimentos incorretos. Os que possuem resistência não assimilam o que é passado e
verifica-se que tais policiais são os que apresentam mais queixas e denúncias quanto à
forma de trabalho. Em casos de queixas ou denúncias, é instaurado um procedimento
disciplinar para avaliar a conduta negativa, e se confirmando tal conduta, o policial é
punido disciplinarmente, casos de policiais que possuem doenças relacionadas com o
alcoolismo, dependência química, o que interfere diretamente em sua conduta, sendo que
esses casos, quando são constatados, após a apuração de procedimento disciplinar, são
encaminhados para tratamento. Ocorre que, na maioria dos casos dos policiais que
apresentam distúrbios e após tratamento e licença, ao retornarem à atividade fim,
continuam a apresentar as mesmas condutas desviantes. Bravo cita que ocorre certa
resistência dos subordinados, alguns cumprem as ordens, mas rejeitam a idéia, muitos, por
uma questão cultural, não acreditam que deveria haver uma gradação no uso da força.
Muitos policiais culturalmente acreditam, isso já vem socialmente antes de ingressar na
polícia, que o infrator deve ser punido com tapas, agressões verbais e físicas, alguns
policiais acabam querendo tirar uma “casquinha”. No caso de descumprimento de abusos,
o policial pode ser sancionado com medidas administrativas e penais. Da mesma forma o
policial sofrerá uma gradação nos níveis de correção, da advertência à prisão. Charlie,
demonstrando fadiga, entende que seus subordinados nunca resistiram, e caso acontecesse,
seriam orientados e dependendo do caso, se viessem a trazer algum resultado mais grave,
o escalão superior seria informado, podendo inclusive, ser dada voz de prisão. Delta
entende que acatam parcialmente, que a resistência maior é passiva, principalmente em
relação à segurança própria, como o uso de colete balístico, necessidade de segurança nas
barreiras. Echo cita que, quando fala, os policiais concordam, mas na prática, às vezes
agem de forma excessiva. Cita um caso em que estava instruindo os policiais sobre o uso
da arma de fogo por ter sido questionada se ao perseguir um veículo o policial poderia
atirar para parar o veículo, ela disse que não, pois não se sabe o porquê da fuga, pode ser
um adolescente fugindo por estar sem documentos, e essa coisa de tentar acertar o pneu
pode acertar pessoas, no mesmo dia um policial que estava na palestra saiu para o serviço
e ao abordar dois elementos em uma moto, o piloto empreendeu fuga e o policial ao
encontrar com a entrevistada disse: “[...] que colocou a arma para fora e mirou na moto e
naquele instante lembrou da minha fala sobre não atirar e decidiu não atirar e que depois
conseguiu abordar o moto e era coisa simples, ele me procurou e disse: “tenente, eu só não
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atirei porque eu estava ouvindo a voz da senhora dizendo não atira...não atira.” Eu achei
isso bem interessante, me senti recompensada e com o sentimento de que vale a pena
instruir os policiais”.
Identifica a percepção dos egressos sobre as principais queixas e denúncias na ação
policial.
Alfa reclama da falta do exercício da verbalização quando, por exemplo, uma
pessoa abordada questiona sobre o motivo de estar sofrendo a abordagem e a guarnição ao
invés de responder ao cidadão o motivo daquele procedimento, avança para o segundo e
terceiro nível, constatando, dessa forma, erros por parte da guarnição quanto ao
procedimento e esgotar os argumentos para convencer o abordado. Outra queixa é em
relação à falta de técnicas na imobilização, que seria executar procedimentos que
lesionarão a pessoa conduzida, ao passo que, se utilizassem as técnicas de imobilização
ensinadas não ocorreria lesão à integridade física da pessoa conduzida. Outra queixa é o
uso de arma letal em situações desnecessárias como, por exemplo, quando o suspeito tende
a fugir durante a abordagem e a guarnição com a justificativa de fazer com que a pessoa
pare, efetua disparos para o alto ou na direção para intimidar, sem antes conhecer o motivo
pelo qual o suspeito está fugindo. Outra queixa é o uso de arma não letal em situações
desnecessárias como, por exemplo, o uso de gás de pimenta de forma inapropriada para o
tipo de ocorrência. Bravo entende que a principal queixa é que o policial foi truculento na
ação. Charlie cita pelo olhar dos policiais que também se queixam que quando utilizam a
força não possuem respaldo por parte da instituição, como amparo jurídico,
independentemente de estar certo ou errado, o policial arca com as despesas de advogados.
Complementa que suas equipes nunca foram denunciadas por exceder o uso da força, só se
não chegou ao seu conhecimento. Delta reclama do desvio de conduta, e que muitos
desses casos são questionáveis porque pessoas com interesse em desmerecer o policial
em termos profissionais por não ter tido os interesses individuais atendidos. Assim, é
muito importante saber, de fato, o que realmente aconteceu através de uma apuração
imparcial. Echo cita “Bater demais, agressão numa simples abordagem, destrato às
pessoas”.
Verifica a percepção do egresso sobre a sua turma formada em 2003, em
80
conformidade com as novas bases curriculares nacionais e se recebeu algum tipo de
aprovação ou reprovação por parte dos membros da instituição.
Alfa comenta que sentiu reprovação por parte de alguns oficiais que entendem que
esse tipo de currículo nada tem a ver com a formação de oficiais da Polícia Militar, pois a
apresentação de monografia está mais para o mundo civil do que para quem quer ser um
oficial. Foram rotulados de “turma de paisanos”, pela metodologia da grade curricular ser
totalmente contrária ao que a academia anteriormente pregava, quando por exemplo, as
nossas aulas ocorriam fora da estrutura física da academia, mais precisamente na
universidade pública, o que acarretou um contato maior com estudantes universitários e
daí a denominação de turma “paisana”. Bravo narra que, quando a turma estava se
formando, ouviam muitos comentários do tipo “a turma de almofadinhas”, mas depois que
se formaram não notou mais comentários. Quem comentava eram alguns instrutores sobre
o que ouviam fora e também achavam. “Almofadinha”, “oficial de escritório”, “essa turma
não tinha ralado e sofrido fisicamente como outras turmas”. Charlie cita que teve
aprovação e reprovação. A reprovação em sua maioria ocorreu mais por parte dos oficiais
mais antigos e aprovação maior por parte dos praças (sargentos, cabos e soldados).
Charlie sempre ouvia de alguns oficiais mais antigos, que a sua formação era muito
humanística e que na rua, na prática, a teoria era outra. Dos praças ouviam que os novos
alunos davam oportunidade de ouvir e de conversar com os subordinados. Durante a
formação e algum tempo após, era costumeiro ouvir “turma da mamãe” pelo fato delas, as
mães, participarem no processo de formação pelo comando da academia, isso fez com que
elas se unissem e tomassem partido diante de algumas situações consideradas injustas, tais
como perseguição de alunos, privilégios de outros, tratamento diferenciado, questão da
alimentação, internato, entre outras questões. Delta visualiza alguns casos isolados,
entende que os oficiais da sua turma sempre se sobressaíram, e com o diferencial de
possuírem o título de bacharel. Comentários surgiram tais como: “vocês são a turma do
Balieiro” no sentido de que o curso não tinha tanta punição e mais acesso ao estudo, a
academia está mais light!”, pelo fato de favorecer mais a formação do aluno no aspecto
profissional. Echo cita que havia muitos comentários que a turma era estudiosa, que
tinha mais conhecimento teórico do que prático, a academia era chamada de
“universidade”, o refeitório era chamado de restaurante universitário” (RU). Era uma
brincadeira das turmas anteriores, isso no primeiro ano, quando foi divulgado o currículo
81
novo.
Verifica a impressão dos egressos sobre os estereótipos recebidos pela turma de
formação.
Alfa comenta que a nova metodologia possui vantagens e desvantagens. A
vantagem é que tem uma visão moderna de ensino pedagógico na medida em que se
convivia com outros estudantes, porém no que diz respeito à grade curricular, possui
falhas quanto à carga horária de disciplinas e também possui desvantagens na formação
militar, pois realmente essa parte da formação militar era pouco exercitada. Porém, em
termos pedagógicos, o excesso do militarismo atrapalha a assimilação da aprendizagem à
medida que alguns procedimentos formais característicos do militarismo impossibilitam a
apresentação de ideias e inovações para o crescimento da instituição. Bravo acredita que,
na formação policial, ser submetido à situação de estresse é importante, mas de forma pré-
estabelecida didaticamente, sem necessidade de humilhação ou desmoralização. Charlie
vê como fato isolado e insignificante. Cada um iria mostrar o profissional que era,
trabalhando, que sempre acreditou no potencial de todos da turma. Delta comenta que a
sua formação foi voltada para o intelecto e estão mostrando, na prática, o que aprenderam,
na turma até hoje não teve nenhum desvio de conduta, a moralidade é um ponto a ser
ressaltado. Echo acredita que isso acontecia porque todas as atenções estavam voltadas
para a sua turma e isso causava um certo ciúme.
Verifica a percepção dos egressos em relação aos oficiais que foram formados no
modelo curricular anterior.
Alfa possui dificuldades de adaptação, pois percebe que o sistema é muito rígido e
mudou muito pouco, que convive com oficiais formados em outra metodologia, isso
gera frustração em saber que a nova metodologia irá demorar uns vinte anos para ter efeito
de mudança, entende que somente após o acesso da sua turma aos escalões superiores
poderá fazer com que algo mude, sente-se com a sensação de frustração, porque, apesar
das falhas na grade curricular, a metodologia que os conduzia gerou uma expectativa de
que poderiam inovar através de conhecimentos científicos, mas no campo prático percebeu
que é muito difícil aplicar as novas idéias. Hoje quase não existe rótulo, pois os integrantes
82
da turma estão em destaque e o que seria a turma de paisanos, na verdade, foi substituído
pelo destaque individual de cada membro da turma nas unidades operacionais, atualmente,
os tenentes mais elogiados são da sua turma, a Turma Milenium. Alfa finaliza com um
desabafo particular: “Para encerrar, eu achei que nunca teria a oportunidade de falar sobre
esse assunto, principalmente com um oficial superior, esta entrevista foi importante para
mim, um desabafo, e que seja refletido sobre o que eu falei e que contribua para
construção de uma doutrina científica na Polícia Militar de Mato Grosso”. Bravo, um
tanto indiferente, comenta: “Nem pior e nem melhor, porque acredito que
independentemente do currículo, em qualquer área para que tenhamos profissionais
competentes, é necessário que tenha força de vontade, assiduidade, compromisso e
inteligência, e isso não é o currículo que faz”. Charlie cita: “Nem melhor e nem pior. Não
me sinto diferente. Tivemos a oportunidade, talvez, de ter uma carga maior de
conhecimento”. Delta é ligeiro: “No mesmo patamar profissional dos outros”. E Echo
finaliza dizendo que não vê diferenças.
83
Capítulo 8 - Apresentação dos Resultados
Inicialmente nas entrevistas constam as opiniões dos egressos durante o processo
de formação em relação aos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo
(PBUFAF). Os sujeitos em sua maioria desconheciam os documentos que originaram os
PBUFAF. As opiniões demonstraram que alguns dos conteúdos curriculares abordaram de
forma direta e indireta os conceitos sobre os PBUFAF, porém foram vagos e com poucas
aulas práticas em relação ao uso do armamento. A frase que mais resume a preocupação
dos egressos sobre o uso da força no processo de formação narra que “mais importante
que atirar é saber quando atirar”.
As disciplinas mais apontadas durante a formação que contribuíram com o
conhecimento sobre o uso legal da força foram: “Técnicas Gerais de Policiamento”,
“Direitos Humanos”, “Defesa Pessoal” e “Tiro Policial”. O currículo da academia possuía
uma extensa carga horária, porém as disciplinas genéricas, às vezes, superavam as
disciplinas específicas, a carga horária das disciplinas citadas deveriam ser as maiores do
curso, ao invés de disciplinas como Espanhol e Inglês que possuíam carga horária de 120
h/a cada”.
Conforme a base curricular do CFO apresentada no capítulo 4, esta visava o
desenvolvimento humano do profissional e as habilidades e competências específicas para
o exercício da profissão. O perfil para a formação do profissional de segurança pública
focaliza responsabilidade social, compreensão do meio sócio-político-econômico-cultural,
formação humana e técnico-profissional, liderança, formação de caráter generalista e
eclético.
Entendo que o paradoxo apresentado está associado ao conceito amplo do que é
“ser policial”. O sujeito deseja mais preparo técnico para o exercício da atividade policial
devido ao risco de vida, enquanto os diversos campos do saber exigem o policial
generalista.
Em termos de avanços, no período compreendido entre 2003 a 2006 ocorreram
diversos ajustes pedagógicos e políticos nas bases curriculares em âmbito nacional e
regional. A Base Curricular passou a ser denominada de Matriz Curricular. Todavia a
mudança ocorrida não é objeto deste estudo.
II
84
Conforme consta no capítulo 3, o modelo de uso de força possui cinco níveis de
intervenção policial: verbalização, contato físico, imobilização, força não letal e força
letal. Sobre estes níveis os egressos demonstraram poucos conhecimentos teóricos,
sobressaindo o conhecimento prático em função da autuação policial no dia a dia.
O modelo de uso da força foi abordado em algumas disciplinas durante o processo
de formação do ponto de vista teórico conceitual com ênfase na memorização, faltou
relacionar melhor os conteúdos com a prática. Sobre o ensino na academia, Balieiro (2003,
p.99) reforça a falta de significado e sentido lógico do material a ser aprendido em relação
ao conhecimento do aluno.
Sobre o nível de verbalização, os entrevistados foram unânimes em afirmar que
verbalizar é o ponto de partida para a ação policial, com uso inclusive em situações de
negociação de crises com reféns, “verbalização é o mais comum em abordagens, tão
comum que praticamente em todas as ocorrências é utilizado”.
Quanto ao uso da força no nível de contato físico, que em tese deveria ser apenas
um toque no ombro da pessoa abordada em caso de não atendimento da verbalização, os
egressos entenderam por contato físico “segurar pelo braço e conduzir”, uma “revista
pessoal”, “abordagem e revista pessoal”, “encostar-se à parede”.
No caso de necessidade de imobilização os egressos entendem como “imobilizar o
braço”, “uso de algema”, “vai depender de como a pessoa reagir”. A imobilização
conforme o modelo de uso de força é uma alternativa em caso de uma pessoa oferecer
certa resistência em caso de uma prisão, geralmente resistência passiva, pois não agride o
policial, somente resiste à prisão.
Referente ao uso de força não letal, o quarto nível, os egressos possuem uma
concepção de uso mais voltada para controle de massa. Entendem que funciona quando os
três primeiros níveis não são suficientes. Empregam “bombas de efeito moral ou uso de
spray de pimenta em meio à multidão até que ocorra a dispersão”, “quase não é preciso
usar esse nível”, “usado em tumulto generalizado para dispersar multidões através de
agentes químicos”, “quando o policial é agredido”, sobre um episódio de uma pessoa
escondida em uma casa com arma de fogo “ele atirou na guarnição e nós usamos granada
de gás lacrimogêneo e ele saiu voado e desarmado”, existem dúvidas no nível a ser
empregado “como saber se o cidadão não vai sacar uma arma e atirar? É necessária uma
verbalização bem imperialista, que mesmo armado vai pensar duas vezes”. Uma
85
constatação interessante foi a forma com que as mulheres superam a força física
masculina, “neste nível uso gás de pimenta”.
Sendo necessário o uso de força física, os equipamentos mais utilizados são gás
lacrimogêneo, bastão, munição anti-motim, algema, técnicas de defesa pessoal, os pontos
do corpo mais atingidos são braços e pernas, “na hora do embate às vezes acaba atingindo
pontos sensíveis do corpo do oponente”, “dificilmente o policial utiliza arma não letal,
possui o bastão que pode ser uma arma letal em caso de mau uso”.
Em relação ao uso letal da força os egressos foram unânimes em informar que
deve ser utilizado em caso de ameaça da própria vida ou de terceiros. Sobre as situações
mais freqüentes citaram “quando a gente aborda uma dupla armada eles atiram e a
guarnição responde com tiros”, “quando acontece sempre gera um óbito”, “ainda não
passei por isso, eu o quero passar, mas me preparo mentalmente”. Os casos de
confrontos letais os policias são orientados a prestar os primeiros socorros e preencher um
documento específico com testemunhas do fato.
III
Sobre o grau de autoconfiança dos egressos ao usar os níveis de força: “nem
sempre depende da gente, passei por isso, em uma troca de tiro meu estado emocional
ficou bem alterado, quem me ajudou foi um policial antigão, isso marcou a minha vida,
poderia ter cometido um erro”, “a emoção pode tomar conta do nosso corpo”, “tenho medo
de atirar em pessoas desarmadas”. Este questionamento deixou vários egressos confusos e
angustiados sobre o próprio preparo, “esta pergunta me deixou confuso e suscitou dúvidas,
é muito fácil aprender, mas o difícil é - em que situação real decidir em fração de
segundos...”, “falam que policial é frio, mas na verdade a gente tem que ser frio, não pode
tomar partido”, um egresso ao comentar uma ocorrência onde uma criança aproximou-se
dele e disse que o pai matou a mãe, naquela situação “imaginei meu filho sofrendo como
aquela criança... quando passo naquele local lembro do meu filho e vontade de voltar
para casa e vê-lo, mas na condição de comandante tenho que me fazer forte...”. Nota-se
aqui um conflito do “eu”, que mediante tentativa de mutilação tende a incluir aguda tensão
psicológica para o indivíduo.
Ao falar de instituições totais, Goffman (1961, p.25) cita que o sujeito afasta de
sua identidade pessoal, qualquer que seja a maneira de ser chamado, tende a ocorrer uma
86
mutilação do eu, mudanças radicais nas crenças que têm a seu respeito, processos pelos
quais o eu da pessoa é mortificado são relativamente padronizados nas instituições totais.
Um exemplo desse tipo de mortificação é “quando é obrigado a executar uma rotina diária
de vida que considera estranha a ele e aceitar um papel com o qual não se identifica [...]
deve-se apresentar uma renúncia a sua vontade (id, p. 31-46)”.
IV
Em relação ao controle dos egressos sobre o comportamento dos subordinados
quanto ao uso da força, geralmente aplicam instruções diárias e nos casos de transgressões,
solicitam medidas punitivas, “muitos subordinados resistem e são cheios de vícios na
abordagem policial, nesse caso se usa o regulamento disciplinar”, “alguns cumprem as
ordens, mas rejeitam as idéias”, “muitos policiais querem punir e acabam tirando uma
casquinha, mas pode ser punido”, “a resistência passiva é pior”, “uma vez um policial me
disse, tenente eu só não atirei porque eu estava ouvindo a sua voz na minha cabeça
dizendo não atira, não atira”. As principais queixas contra os policiais subordinados são
relacionadas a abordagem errada, lesões na hora de imobilização, exibição de armas sem
necessidade, disparos de intimidação, ação truculenta, “bater demais” “destrato e agressão
numa simples abordagem”.
Apesar da tentativa de manter uma vigilância hierárquica e sujeição dos
subordinados, conforme foi visto no capítulo 1, ocorrem também os ajustamentos
secundários, segundo Goffman (1961, p.57), este ajustamento reflete muito claramente o
processo de confraternização entre os subordinados e a rejeição aos dirigentes através de
uma gozação coletiva”. Embora o sistema de castigo-prêmio funcione, surgem gestos
passageiros de desafio anônimo ou coletivo.
V
Sobre a formação dos egressos, estes comentaram que alguns oficiais mais antigos
criticavam o novo modelo de formação. Muitos foram os apelidos pejorativos dados à
turma de egressos durante o curso, tais como: turma de paisanos”, pelo fato de estudarem
na APM e na UFMT, “turma de almofadinhas”, “oficial de escritório”, essa turma não
tinha ralado e sofrido como as outras”, “a formação é muito humanística e que na rua a
87
prática é outra”. Pelo fato das mães terem acesso ao comando no período de formação e se
movimentarem socialmente contra atitudes que consideravam injustas, foram rotulados
também de “turma da mamãe”. As percepções dos egressos sobre os estereótipos
divergiram, mas a maioria considerou resistências às inovações, “a turma tem potencial,
não tem desvio de conduta, a moralidade é um ponto a ser ressaltado”, “às vezes isso
acontecia por ciúmes”. O estigma surge na tentativa de causar um efeito paralisante a fim
de proteger uma antiga identidade grupal.
Segundo Goffman (1963, p.11), os gregos criaram o termo “estigma” para se
referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de
extraordinário ou ruim sobre o status moral de que os apresentava, um atributo
profundamente depreciativo.
A postura dos policiais mais antigos rotularem os novos pode ser explicada à luz da
sociologia das relações de poder em pequenas comunidades, segundo Elias (1994, p.7), na
comunidade um grupo se reconhece como melhor, uma identidade social construída a
partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência. Mesmo que os
indicadores sociais sejam homogêneos, um grupo se estabelece como a “minoria dos
melhores”. A forma do “grupo de melhores” assumir a posição de modelo moral é
estigmatizando o “grupo de piores” com atributos associados com anomalia. No caso dos
policiais, uma postura mais civil que militar, “os de fora”. Os mais antigos da comunidade,
em suma “tratavam os recém-chegados como pessoas que não se inseriram no grupo. Esses
próprios recém-chegados, depois de algum tempo, pareciam aceitar, como uma espécie de
resignação e perplexidade” (ELIAS, 1994, p.20).
Elias (1994, p.55) reforça que com ou sem razão os grupos já estabelecidos sentem-
se expostos a um ataque contra suas fontes de poder, com isso repelem os novatos
excluindo-os e humilhando-os, os novatos dificilmente teriam intenção de agredir os
antigos, assim, “o drama todo foi encenado pelos dois lados como se fossem marionetes
(Id.).
88
Considerações Finais – Limitações e Possibilidades
Na introdução deste estudo foi delimitado um problema, que indagava se o novo
sistema de ensino na Academia de Polícia Militar produziu mudanças na formação e
atuação dos tenentes em relação ao uso da força e armas de fogo.
Aqui confirmo a segunda hipótese, pois o novo sistema de ensino da Academia de
Polícia Militar possibilitou mudanças parciais, na atuação democrática dos tenentes a partir
de 2003 em relação ao uso da força e armas de fogo.
A base curricular foi alterada em 2001 para melhor capacitar os policiais militares
com habilidades específicas e genéricas, porém na percepção dos egressos, deixou-se de
focalizar e priorizar as disciplinas próprias do ofício de polícia, talvez sem essa intenção
ou devido às pressões sociais e políticas com discursos de mudança na atuação das
polícias.
Os conteúdos curriculares relacionados ao uso legal da força foram ministrados em
algumas disciplinas, porém sem muita articulação. Em destaque apareceram as disciplinas
Técnicas de Policiamento, Direitos Humanos e Tiro Policial. Neste contexto a inovação
curricular foi a inclusão da disciplina de Direitos Humanos na grade do CFO.
Do ponto de vista pedagógico, a relação dos conteúdos nas disciplinas deixaram
espaços abertos quanto à operacionalização da prática profissional, uma distância entre o
conhecimento e a atitude, contraste nos discursos policiais relacionados ao que aprenderam
no bacharelado e suas práticas correspondentes.
A função ocupacional do tenente exige competências pessoais no âmbito dos
princípios democráticos, tais como ética profissional, agir com humanidade, tolerância,
comprometer-se com a legalidade. Entre suas ferramentas de trabalho constam algemas,
armas de fogo e armas não letais. Fica evidente que tal ocupação decorre da preservação
da ordem pública através da força. A questão chave é quando usar a força em nome da
proteção da coletividade.
Ao tenente, quer queira ao não, é atribuído o poder de polícia, legitimado pelo Estado
para manter o controle social, pois são deveres sociais impostos e que funcionam
independentemente de sua vontade, e regula as condutas utilizando o poder imperativo e
coercitivo.
O poder de polícia é a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração
do Estado, sendo um ato imperativo obrigatório ao seu destinatário, e quando este opõe
89
resistência, admite-se até o uso da força pública para o seu cumprimento, inclusive
aplicando as medidas punitivas que a lei indique. Mas não é ilimitado, suas barreiras e
limites são entre outros, os direitos dos cidadãos no regime democrático, as prerrogativas
individuais e as liberdades públicas garantidas pelas Constituições e pelas leis. O Poder de
Polícia deixa de ser exercido com democracia quando extrapola os limites impostos pela
lei, torna-se uma arbitrariedade.
Como o poder de polícia permite o uso da força física, de ser revestido de
legalidade, necessidade e proporcionalidade. O desafio está no equilíbrio do emprego legal
da força.
Em âmbitos nacional e internacional, várias publicações tentam estabelecer
parâmetros e princípios sobre o uso da força e armas de fogo pelas polícias, com destaque
aos Princípios Básicos sobre Uso da Força e Armas de Fogo. Pois os policiais, no
exercício das suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos
antes de utilizarem a força ou armas de fogo. poderão recorrer à força ou à armas de
fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado
desejado.
Paralelamente, instrumentos de controle das polícias são instituídos, a exemplo de
ouvidorias, julgamentos de policiais militares em tribunais civis, cursos de Direitos
Humanos, empregos de armas não letais e reformas curriculares. O que se pretende com
este esforço é a preservação do estado democrático de direito destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, segurança, bem-estar, igualdade e
a justiça.
Os egressos do bacharelado em segurança pública são jovens da classe média com
idades entre 22 e 27 anos, na maioria mato-grossenses, que aspiram crescimento pessoal e
profissional. As principais limitações apontadas por eles sobre a atuação democrática em
relação ao uso legal da força, residem na pouca ênfase dada ao conteúdo antes e após o
processo de formação, pois entendem que mais importante que atirar, é saber quando
atirar, isto não envolve somente mudança de currículo, mas mudança também de atitude.
Quanto à atitude do sujeito, este até deseja mais preparo técnico para o exercício da
atividade policial devido ao risco de vida, mesmo sendo-lhe exigido ser um pouco de
advogado, cientista político, assistente social, filósofo, gerente, poliglota, sociólogo,
pedagogo, cientista, preparador físico e psicólogo. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em
que se exige um generalista, um faz tudo, se exige um policial eficaz no emprego da força
90
e arma de fogo. Este por sua vez sente insegurança na hora de decidir entre manter a arma
na cintura ou sacá-la, e ao sacá-la se vai apertar o gatilho ou não, em instantes, destinos
dos envolvidos são lançados ao acaso, podendo o jovem tenente ter uma atitude aceitável
ou reprovável e irreversível.
O uso legal da força exige muita prática, durante e após a formação, pois envolve
aspectos fisiológicos e emocionais, um relato retrata bem a questão “é muito fácil aprender
que se usa a força letal para salvar vidas, mas o difícil é em que situação decidir sobre a
sua vida, a dos subordinados e do oponente, tudo em fração de segundos”. Outro relato
resume a angústia do sujeito “tenho medo de utilizar força letal”.
Os sujeitos percebem muitas resistências comportamentais em relação aos seus
subordinados e superiores, principalmente em função da idéia de que o bom comandante é
“valentão”, os tipos de abusos mais identificados se relacionam à truculência policial nas
abordagens, exibições excessivas de armas de fogo e agressões desnecessárias.
Outro aspecto que dificulta a transição curricular na prática é o momento em que os
jovens oficiais são alvos de estereótipos por parte dos oficiais mais antigos, são chamados
de “turma de almofadinhas”, “oficial de escritório”. O estigma surge na tentativa de causar
um efeito paralisante a fim de proteger uma antiga cultura, “pode-se formar ótimos alunos,
se cair na mão de quem tem outro tipo de comportamento, não adianta”.
Uma contribuição significativa, extraída das entrevistas, foi um depoimento sobre o
uso da força na formação:
[...] eu entendo que, quando você entra na academia, o que se
aprende parece ser algo muito abstrato, não tem idéia de como isso
acontece ou como se aplica, por mais que sejam dados exemplos, a
gente escuta, assimila mas vai compreender a importância depois
que vai para a rua, e lá mediante acertos e erros você aprende, porém
o erro pode até tirar a vida [...]
Este depoimento singular evidencia que existe um distanciamento entre a teoria
aprendida na escola e a prática do serviço diário, talvez por falta de experiência
significativa sobre os conteúdos trabalhados, que após a formação cada um aprende por si
só, e isso é muito arriscado para a vida do policial e de terceiros. O que indica que, após o
período de formação, nas ações práticas, o egresso é lançado à própria sorte de acertar ou
errar.
No mesmo depoimento o egresso de forma lacônica diz “caso eu fizesse o CFO
91
hoje, com a minha experiência, eu daria muito mais valor aos ensinamentos, e até
aprofundaria mais”. Isso pode ser explicado pelo fato do “hoje” do sujeito ser repleto de
experiências e com significado relevante existente na sua estrutura cognitiva. Esta questão
se relaciona com o processo de ensino-aprendizagem.
Na Academia de Polícia Militar, a aprendizagem dos egressos, conforme Balieiro
(2003, p.40), teve um caráter mais decorativo para realização de provas, diferente da teoria
de Ausubel sobre aprendizagem significativa que relaciona a informação aos conceitos
relevantes já existentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Assim, quando o conteúdo a ser
aprendido não consegue ligar-se a algo já conhecido, ocorre uma aprendizagem mecânica,
a pessoa memoriza fórmulas, leis e expressões e depois esquece.
Como sugestão entendo que duas disciplinas deveriam ser incluídas nas grades
curriculares dos cursos de formação em ciclos de treinamento policial, a primeira referente
aos Princípios Básicos Sobre o Uso Legal da Força e a segunda sobre o Modelo de Uso
Progressivo da Força, esta de caráter mais prático e focando em simulações e aquela em
caráter mais teórico. A inclusão de tais disciplinas não excluiria a abordagem transversal
do material, porém seria foco de atenção especial e com ferramentas pedagógicas que
pudessem reduzir a distância entre a teoria aprendida na escola e a prática do serviço diário
sobre uso legal da força.
O desafio maior é estabelecer que o uso legal da força não resulte em sorte ou azar.
As vidas não podem ser decididas com em um jogo de “cara ou coroa”. Instrumentos
devem possibilitar a capacitação continuada, na formação e atuação democrática da polícia
militar.
***
Para finalizar, apresento outros resultados decorrentes desta pesquisa que
influenciaram algumas práticas no âmbito das intervenções policiais.
Paralelamente, durante o processo de construção desta pesquisa, busquei alguns
encaminhamentos práticos com ênfase no objeto, o laboratório utilizado foi o Batalhão
de Polícia Militar em Rondonópolis-MT, o qual tive a oportunidade de chefiar no período
de 2006.
92
Soluções alternativas foram criadas para que os policiais militares tivessem uma
postura mais democrática, e de perto acompanhei e orientei a conduta dos diversos
policiais, inclusive dos jovens tenentes formados na academia.
Para operacionalizar o discurso sobre a ação policial que resultasse no uso
moderado da força, recorremos aos principais estudos nacionais e internacionais sobre
“modelos de uso progressivo da força”. Adotamos o modelo denominado FLETC, que
opera em cinco níveis, adaptando-o a nossa linguagem e realidade policial local. No uso
destes níveis, cada situação tem características próprias e às vezes incomuns, cabe ao
policial, reagir com proporcionalidade e legalidade frente a cada situação exigida.
Publicamos uma adaptação do modelo de uso progressivo da força na Revista
Científica da PMMT em 2006, conforme consta a seguir:
Nível 1 Presença: presença física do policial como atitude
preventiva que visa a inibir comportamento incomum ou
inadequado.
Nível 2 Verbalização: através do diálogo o policial interpela o
cidadão em conduta inconveniente, buscando a mudança de atitude a
fim de evitar o afloramento de infração. A mudança de
comportamento encerra a ação do policial.
Nível 3 Contato físico: em caso da verbalização não surtir o efeito
desejado frente a uma conduta inconveniente, como medida de
cautela e como demonstração de força para dissuadir e desencorajar
a ação, o policial verbaliza realizando contato físico (toque no
ombro). A mudança de comportamento encerra a ação do policial.
Nível 4 Imobilização: em caso de resistência sica ao se efetuar
uma condução coercitiva. Caracterizada geralmente pela recusa no
cumprimento de ordem legal, agressão não física ou tentativa de
fuga. Para chegar a este nível, devem ser esgotados os níveis
anteriores.
Nível 5 Força não letal: em caso de resistência ativa ao se efetuar
uma condução coercitiva. Caracterizada geralmente pela agressão
física contra o policial ou terceiros. É admissível que o policial
empregue força física, sempre sem violência arbitrária ou abuso de
93
poder. A verbalização deve ser mantida sempre no sentido de
desencorajar o comportamento do agressor.
Nível 6 Força letal: se justifica no caso de legítima defesa e
preferencialmente no estrito cumprimento do dever legal em
inevitável risco de vida do policial ou de terceiros frente a uma ação
deliberada do infrator. A verbalização deve se mantida sempre no
sentido de desencorajar o comportamento do agressor. (COSTA e
SANDES, 2006, p. 18).
O modelo acima se tornou uma doutrina institucional, sendo socializado em
instruções e estudos de casos no dia a dia do serviço policial militar de Rondonópolis. No
ano de 2006, em confrontos armados, os policiais seguiram corretamente os níveis de
força, não resultando em ferimento mortal. Sobre o que aconteceu na hora da troca de tiro,
no chamado “calor da ocorrência”, tivemos os seguintes relatos: “ele atirou na gente, eu
revidei, ele caiu da motocicleta, eu cheguei mais perto e antes de continuar atirando eu
respirei e abaixei a arma, ele não oferecia perigo”, o outro caso envolveu um tenente
egresso do CFO, “o suspeito apontou a arma e apertou o gatilho, mas a munição falhou,
disparei na perna, ele soltou a arma e eu parei de atirar, não desejo essa experiência para
ninguém, tudo aconteceu muito rápido, ele poderia ter acertado um de nós”.
No campo perceptivo, entendo que as instruções através de estudos de casos e
simulações sobre o uso legal da força tenham contribuído para se evitar o emprego letal da
força. Noto alguns sinais de amadurecimento sobre esta questão, como exemplo, em uma
barreira policial, um jovem motociclista carregando a namorada na garupa foi abordado e
fugiu, os policiais se entreolharam e um deles disse: “deixa ir, se a gente perseguir ele
pode cair, se machucar e machucar a moça”. Entretanto, uma cultura ainda enraizada e
perigosa na rotina policial é a prática do tiro de intimidação, para o alto ou em pneus de
veículos, que sempre são “justificados” para evitar a fuga.
Além das questões sobre uso legal da força, avançamos também em algumas
reflexões democráticas sobre a atuação policial. Em função das diversas discussões e da
troca de experiências em pesquisa, principalmente no âmbito do Grupo de Pesquisa,
Educação, Juventude e Democracia, ampliamos o olhar multidimensional sobre a realidade
social.
Assim sendo, finalizo destacando algumas intervenções sociais participativas
94
realizadas pela Polícia Militar em Rondonópolis.
- Um grupo de jovens praticantes de skate solicitou a presença da polícia em um
espaço público controlado por traficantes de drogas ilícitas, atendendo ao pedido,
ocupamos estrategicamente o espaço, colocando jovens policiais uniformizados e com
skate para realizar o policiamento interativo, ocorreu uma troca de conhecimento; policiais
aprendiam manobras de skate ao mesmo tempo em que estabeleciam, de forma
participativa, regras e valores de convívio pacífico.
- Outro episódio marcante envolvendo jovens, surgiu de reclamações sobre
veículos com alto volume de som em uma praça ao domingos, uma solução encontrada foi
a definição com o poder público de um espaço jovem denominado “rua do som”,
funcionando aos domingos durante duas horas no início da noite. O local se transformou
em um ponto de encontro de jovens, com o acompanhamento do poder público. Um dos
policiais possui um carro de som e ajuda a coordenar o evento.
- Em virtude de problemas que emergiam, o comando da instituição policial,
estabeleceu canais de comunicação e mediação social com diversos segmentos e grupos:
movimento sem terra, flanelinhas, grupos GLTS, profissionais do sexo, moto-taxi,
lideranças de bairro, entidades de classe, grupos hip hop, skatistas, grafiteiros, diretores de
escolas, vigilantes, comissões de presos, grupos de sem teto, grupos de pais, comunidades
indígenas, entre outros.
95
Referências
ABRAMO, Helena Wendel. Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In: Retratos da
juventude brasileira – Análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2005.
ABRAMO, H.W; BRANCO, P.P.M. (org). Retratos da juventude brasileira – Análise
de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. In: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de
Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado; tradução de Walter José
Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro: introdução crítica de José Augusto Guilhon
Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, 2ª edição.
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos
ideológicos de estado; tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de
Castro: introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1985, 2ª edição.
ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa). Critérios de Classificação
Econômica no Brasil 2003. Disponível em <www.abep.org> Acesso em: 17 mar 2007.
ARENDT, Hannah, 1906-1975. Sobre a violência/ Hannah Arendt; tradução André
Duarte. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 1994.
BALIEIRO, Almir. Avaliação do processo ensino-aprendizagem: uma concepção dos
professores civis e militares da Academia de Polícia Militar Costa Verde. 2003. 115 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Educação, Universidade Federal de
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