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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
TEREZINHA FERNANDES MARTINS DE SOUZA
ALFABETIZAÇÃO NA ESCOLA PRIMÁRIA EM DIAMANTINO
MATO GROSSO (1930 a 1970)
Diamantino – MT
2006
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TEREZINHA FERNANDES MARTINS DE SOUZA
ALFABETIZAÇÃO NA ESCOLA PRIMÁRIA EM DIAMANTINO –
MATO GROSSO (1930 a 1970)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, do Instituto de
Educação, da Universidade Federal de Mato
Grosso, na Área de Concentração Teorias e
Práticas Pedagógicas na Educação Escolar e
Linha de Pesquisa Educação e Linguagem,
como requisito para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Drª Lázara Nanci de Barros
Amâncio
Diamantino – MT
2006
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FICHA CATALOGRÁFICA
Souza, Terezinha Fernandes Martins de.
Alfabetização na Escola Primária em Diamantino Mato Grosso (1930 a 1970)/
Terezinha Fernandes Martins de Souza. Cuiabá: UFMT/IE, 2006.
260 p.: il.color.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do
Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, na Área de
Concentração Teorias e Práticas Pedagógicas na Educação Escolar e Linha de
Pesquisa Educação e Linguagem como requisito para obtenção do Grau de Mestre
em Educação.
Orientadora: Drª Lazara Nanci de Barros Amâncio
Bibliografia: p. 238 – 246
Anexos: p. 247 – 260
CDU – 372 – 41/ - 45 (817 – 2)
Índice para Catálogo Sistemático
1. Alfabetização
2. Escola Primária
3. Ensino da Leitura e da Escrita
4. Métodos – Cartilhas - Normatização
4
BANCA EXAMINADORA
ORIGINAL
5
AGRADECIMENTOS
À equipe pedagógica do Núcleo de Educação Aberta e a Distância NEAD/UFMT,
em especial a Maynara Oliveira, Luzineth Reis Barrozo e Oreste Preti pelo incentivo,
estímulo e apoio incondicional. Ao Grupo de Orientadores Acadêmicos do Pólo de
Diamantino, especialmente a Dirce Francisca da Silva Arruda e Mylene Wirgues
Paese pela amizade e troca. Aos Funcionários Administrativos Adriana Costa, pela
força e Antonio Mariano, pelo auxílio na coleta de dados em arquivos.
A equipe pedagógica e administrativa da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas
de Diamantino UNED, em nome do Diretor Geral professor José Pereira Régis e
minha colega de trabalho na Assessoria Pedagógica e amiga professora Elni Elisa
Willms, pelo apoio.
Às professoras da Linha Educação e Linguagem, Drª Cancionila Janzkovski
Cardoso, Drª Ana Arlinda de Oliveira e Drª Sorahia Miranda de Lima, pelas
contribuições durante os momentos de definição e construção do objeto de pesquisa
e pelas trocas informais no decorrer do curso.
A Drª Francisca Izabel Maciel, da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG,
pelas preciosas dicas para a pesquisa, por ocasião do Seminário de Linguagem em
Rondonópolis e pelas orientações preciosas na banca de qualificação.
A historiadora Elisabeth Madureira Siqueira, pelas contribuições e ensinamentos
sobre o tratamento com as fontes para pesquisa de fundo histórico, nos momentos
em que esteve conosco.
Ao grupo de pesquisa Alfabetização e Letramento - ALFALE, do qual faço parte e a
equipe do Núcleo de Pesquisa em Educação NUPED, do Campus da UFMT de
Rondonópolis, especialmente Marijane Silveira Silva, pelas informações e dados
sobre cartilhas.
A equipe de Assessores Pedagógicos e Administrativos da Secretaria Municipal de
Educação de Diamantino, representados pela professora Adélia Maria dos Santos,
em especial a Cecília Maria da Silva e Iraci Resende, pelo fornecimento de dados e
informações sobre escolas primárias e professoras rurais.
A equipe de professores e coordenadoras pedagógicas da Escola Estadual Plácido
de Castro, em nome das Diretoras Jucineide Martins da Cruz Barros (2005) e
Gilvana Oliveira Dias (2006), em especial às funcionárias Marlene Mesquita Barros
Castoldi e Rosidete Neves de Barros, sinceros agradecimentos pelo acesso às
fontes documentais que serviram de base para a realização deste estudo.
As equipes pedagógicas e administrativas das instituições em que fiz pesquisa
arquivística referente ao período de 1970 a 2000 em que os dados ficaram
reservados para estudos posteriores: Escola Estadual Ir Lucinda Facchini,
Prefeitura Municipal “Palácio Parecis”, Câmara Municipal de Vereadores “Urbano
Rodrigues Fontes”, Biblioteca blica Municipal “Monteiro Lobato”. E ao grupo de
professores/as entrevistados/as do mesmo período pela acolhida e colaboração.
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Aos sujeitos desta pesquisa, professoras alfabetizadoras, (Maria, Jovina, Maria de
Lourdes, Helena, Odete, Rosa Maria, Narcisa e Dilza) que alimentaram a história
advinda das fontes documentais, salvando aspectos do passado sobre o ensino
primário diamantinense que poderão servir o presente e o futuro.
Jovina de Almeida Soares – 84 anos
Dilza Vanni Lima – 56 anos
.
Narcisa Rodrigues da Silva – 57 anos.
Maria Capistrano da Silva – 93 anos
.
7
Fotos 1: Grupo de professoras, sujeitos da pesquisa – 2005 – Arquivo da pesquisadora.
Helena Pereira Mesquita – 65 anos
62 anos.
Maria de Lourdes Guimarães
70 anos
Odete Neves de Barros – 68 anos.
8
AGRADECIMENTO ESPECIAL
À professora Drª Lázara Nanci de Barros Amâncio, minha Orientadora, pela
sabedoria, competência e segurança com que me orientou desde os primeiros
momentos do mestrado, pelas orientações instigantes e ponderadas, dirimindo
dúvidas e ansiedades e, especialmente, pela grandeza de saber e ser educadora.
9
DEDICATÓRIA
A José Rodolfo Fernandes de Souza, meu querido filho,
razão do meu esforço e busca incessante.
A Antonio Martins de Souza Neto, companheiro e amigo,
que compartilhou de todos os momentos de realização da
pesquisa, estendo também a seus familiares.
A Rodolfo Fernandes e Oracil Fernandes, meus pais,
por terem me ensinado o que sei e o que sou.
Aos meus irmãos, em especial a Elisabete Fernandes, pela
luta compartilhada de nossas vidas, como educadoras.
10
Uma história faz-se com documentos escritos, sem dúvida, mas pode fazer-se, deve fazer-se sem
documentos escritos, quando estes não existem. Entra a habilidade do pesquisador, em utilizar tudo o
que puder para fabricar o seu mel, na falta de flores habituais. Logo com palavras, signos, paisagens
e telhas. Com as formas do campo e as ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos
cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de metais feitas
pelos químicos. Com tudo o que pertencendo ao homem, depende do homem, serve ao homem,
exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.
(Febvre)
11
RESUMO
O estudo objetivou contribuir para a construção de uma história da Alfabetização em
Diamantino MT, por meio da localização de fontes que permitiram a compreensão
e análise das relações entre as normatizações (nacional e estadual), tematizações
(produções teóricas para a alfabetização) e as concretizações (diários de classe,
relatórios de inspetores, atas e depoimento de sujeitos da época) buscando indícios
de uma apropriação por parte das professoras, sujeitos da pesquisa, dessas
possíveis orientações para a sua prática alfabetizadora. O marco histórico ficou em
torno das décadas de 1930 a 1970, compreendido entre a vigência do Regulamento
da Instrução Pública de Mato Grosso, de 1927, das Leis de Diretrizes e Bases - LDB
4.024/61 e 5.692/71. A investigação pautou-se nos pressupostos da história cultural,
numa abordagem qualitativa, mediante pesquisa de fundo histórico, recorrendo ao
levantamento, reunião, seleção e sistematização de fontes documentais e aos
pressupostos da história oral. A análise dos dados foi realizada por meio do
procedimento de análise da configuração textual, com base no conjunto de
normatizações, fontes documentais e depoimento dos sujeitos envolvidos, buscando
a descrição, interpretação e compreensão, da comparação e cruzamento de dados.
Ao término da investigação, foi possível constatar que o regulamento de 1927
prescreve, para o ensino da alfabetização, o método analítico; a LDB 4.024/61,
recomenda o ensino da “língua nacional”, sem enfatizar um método e a 5.692/71
orienta para o ensino da “Comunicação e Expressão”, recomendando “valorizar a
leitura, a escrita e a interpretação”. Quanto às concretizações, evidenciou-se como
recurso metodológico marcante na prática das professoras alfabetizadoras, no
período em estudo, as cartilhas de alfabetização para o ensino da leitura, sendo que
as professoras privilegiavam as lições da cartilha e suas atividades. A forma de
ensinar (método) apresentou-se com algumas variações e mudanças no decorrer do
período em estudo, com predominância do método de orientação sintética,
provavelmente em função da liberdade de escolha e da forma singular com que
cada professora ensinava, o que revela poucos indícios ou vestígios de uma
apropriação das normatizações para a prática das professoras diamantinenses.
Palavras chave: alfabetização, escola primária, ensino da leitura e da escrita,
métodos, cartilhas, normatização.
12
ABSTRACT
The study objected contribute for an alphabetization’s history formstion in
Diamantino-MT, by the way of localization of the fonts that allowed the
comprehension and analisys of the relations between the patterns (national and
statual), subjects (theoretical produtions for the alphabetization) and the
concretization (class diaries, statement of the inspector, register and declaration of
the time subjects) searching rescues of a apropriation by the part of the teachers,
subjects of the research, theses possibles orientations for your alphabetization
practice. The historic mark remains in the turn of the decade of 1930 to 1970,
comprehended between at the current of the Rule of the Public Instruction of Mato
Grosso, from 1927, from that Laws of the Directrises and Basis LDB 4.024/61 and
5.692/71.The investigation staffed in the pressupost of the cultural history, in a
qualitative approach, by means of a research of historical profound, recoursing to a
stand up, reunion, selection and a sistematization of the documental fountains and
the pressupost of the spoken history.The dates analysis was realizated by the way of
conduct of the analyses of the text configuration, in the basis on the conjoint of the
normatizations, documental fountains, and the declaration of the involved subjects,
searching the description, interpretation and comprehension, of that comparison and
crossing of the dates. In the finish of the investigation, was possible to be known that
the rule of 1927 prescribe, for the alphabetization instruction, the analitic method; the
LDB 4.024/61, advise the instruction of the “national language”, without show a
method and the 5.692/71 directs for the instruction of the “Comunication and the
Expression”, advising value the reading, writing and the interpretation”.About the
concretizations, evidenced like methodological recourse of note in the practice of the
alphabetizator’s teachers, in the period in study, the books of alphabetization for the
teaching of the reading, being that the teachers favored the books lesson and their
activities.The way to teach (method) show with some variations and changes elapsed
in the study period, with prevail the method of synthetical orientation, probability in
function of the choice liberty and the singular way that each teacher teachs, whats
reveal few indiciums or traces of a appropriate normatization for the practice of the
diamantinenses teachers.
Key Word: alphabetization, primal school, instruction of the reading and writing,
methods, books, normatization.
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................14
1.0 - O PERCURSO DE CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO........................20
1.1 – Contexto da Pesquisa.........................................................................................20
1.2 – Percurso Metodológico.......................................................................................24
1.2.1– Arquivos Consultados.......................................................................................30
1.2.2– Entrevistas com Professoras Alfabetizadoras..................................................35
2.0 - EXPLICITANDO PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS...........39
2.1 – Pressupostos Teórico-Metodológicos.................................................................39
2.2 Pesquisas Correlatas: breve balanço.................................................................55
3.0 - ESCOLA PRIMÁRIA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO EM
DIAMANTINO – MATO GROSSO (1930 a 1970........................................................65
3.1 – Escolas Isoladas Rurais Mistas: instrução primária rudimentar...............68
3.1.1 – Aprendendo o ABC e a fazer contas.....................................................74
3.1.2 – Boa ordem, disciplina e desempenho dos alunos.................................87
3.1.3 – O ensino da leitura e da escrita, entre tirar, dar ou tomar uma lição:
a presença das cartilhas de alfabetização .......................................................92
3.2 – 1ª Escola Urbana Masculina e Feminina: ler, escrever e contar......................104
3.3 – Colégio Externato Santa Terezinha: indícios do método analítico...................134
3.4 – Escola Reunidas Major Caetano Dias: rumo ao progresso..............................159
3.5 – Grupo Escolar Caetano Dias: concretização da escola moderna....................181
3.6 – Escola Estadual Plácido de Castro: novos tempos..........................................207
CONSIDERAÇÕES FINAIS: DA ESCOLA ISOLADA PRIMÁRIA À ESCOLA
ESTADUAL PLÁCIDO DE CASTRO - A ALFABETIZAÇÃO ENTRE
NORMATIZAÇÕES E CONCRETIZAÇÕES.............................................................227
.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................238
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................245
ANEXOS...................................................................................................................247
14
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, constata-se um crescimento em torno das questões
relacionadas à alfabetização escolar no Brasil, situando-a como objeto de estudo.
Esse movimento, vinculado a uma questão mais ampla a preocupação geral com
vários âmbitos da escolarização tem contribuído para o reconhecimento da
natureza multifacetada desse fenômeno e o entendimento da importância da
contribuição de pesquisas em diversas áreas do conhecimento e com diferentes
enfoques, as quais vêm constituindo-se como instrumentos auxiliares para a
compreensão deste processo.
No entanto, no que tange à análise da alfabetização e seus distintos objetos
correlacionados, de acordo com uma tipologia de pesquisa segundo Soares e Maciel
(2000), pode-se afirmar que há abordagens que ainda são pouco contempladas,
como é o caso da pesquisa de fundo histórico sobre alfabetização, isso tanto em
nível nacional, quanto regional. No estado de Mato Grosso, estudos realizados
apontam uma produção acadêmica ainda pequena que surge somente nas duas
últimas décadas. Estes estudos evidenciam a importância e a necessidade do
desenvolvimento de pesquisas dessa natureza, tendo em vista que podem contribuir
para elucidar questões ligadas ao tema na atualidade.
Desse modo, esta pesquisa sobre o ensino da Alfabetização, em Diamantino
Mato Grosso, consiste no estudo referente ao percurso correspondente às
décadas de 1930 a 1970, analisado a partir da implantação de políticas educacionais
relativas à organização do ensino público, das propostas do ensino da língua
materna na fase inicial de escolarização e da sua possível apropriação para a prática
pedagógica dos/as professores/as alfabetizadoras. Essa opção se justifica, segundo
Graff (1994, p. 174) pela compreensão de que a história da alfabetização “nunca
pode ser uma história isolada, abstraída; ela é uma história como as histórias
maiores, complexas, da sociedade, da cultura, do sistema político e da economia”.
O objetivo maior do estudo é contribuir para a construção de uma história do
processo de ensino da alfabetização, realizada pelas escolas primárias em
Diamantino-MT, mediante a localização, reunião e seleção de fontes que permitam a
compreensão e análise das normatizações, nacional e estadual, para o ensino da
15
alfabetização e a apropriação, por parte dos/as professores/as, dessas possíveis
orientações para a sua prática alfabetizadora.
O tema foi problematizado a partir de questões como: o que preconizavam as
normatizações/orientações para a organização do ensino da alfabetização em Mato
Grosso nas décadas de 1930 a 1970? indícios ou vestígios que podem vir a ser
indicativos de uma apropriação dessas normatizações, por parte dos/as
professores/as de alfabetização em Diamantino - MT?
Entendendo que essa história levará em conta o estudo de práticas plurais,
dinâmicas e contraditórias, considerando também, que as representações serão
percebidas como tudo que está dado a ler, foi necessário identificar as formas como
a realidade diamantinense construiu-se socialmente, buscando partir de um olhar
sobre o percurso histórico do ensino da alfabetização nesse contexto.
Assim, busquei subsídios na pesquisa de fundo histórico, com base nos
pressupostos da história cultural (CHATIER, 2000), a qual certamente contribuiu
para uma melhor compreensão de questões do passado, muitas vezes
imperceptíveis ao olhar contemporâneo.
Foi necessária, num primeiro momento, a localização dos arquivos públicos
que armazenam a documentação escolar gerada no município e, possivelmente,
preservada; e, num segundo momento, a localização das fontes documentais
relativas às orientações político-pedagógicas em Mato Grosso, que permitissem
desvelar os caminhos percorridos pela alfabetização nas décadas em estudo, pois o
desafio apontava a necessidade de relacionar essa realidade específica, ao
processo educacional mais amplo, que deu origem às discussões em torno da
necessidade de reorganização do ensino público também nos municípios.
No caso de uma pesquisa de natureza histórica, as fontes constituem-se em
um fator preponderante, na medida em que os dados coletados sobre o objeto em
estudo, podem determinar uma periodização mais adequada. Embora tenha
localizado, em levantamento preliminar das fontes, dados importantes referentes às
décadas de 1970 a 2000, o que foi muito satisfatório, trazendo novos e variados
questionamentos, optei por investigar um período mais antigo, por acreditar que
traria maiores contribuições.
Diante da proposta de tecer uma história sobre o ensino da alfabetização, as
fontes localizadas apontaram elementos/dados fundamentais para a construção do
estudo, como por exemplo, os sujeitos que vivenciaram a escola primária
16
diamantinense. A partir daí foi salutar a localização das professoras primárias,
seguida de um encontro, conhecimento e reconhecimento. Neste momento foi
necessário recorrer aos procedimentos da pesquisa oral, por meio de depoimento
dos sujeitos que vivenciaram diretamente o fenômeno analisado e que
complementariam as fontes documentais escritas para uma melhor compreensão do
ensino da alfabetização no município.
Por meio da análise do conjunto de fontes documentais, incluindo
normatizações e depoimentos dos sujeitos envolvidos, foi possível, de certo modo,
resgatar e compreender a trajetória da alfabetização em Diamantino. Mediante o
procedimento de análise da configuração textual e do cruzamento de fontes e de
dados, busquei realizar, assim, uma descrição, interpretação e compreensão do
tema em pauta.
O estudo reveste-se de significado porque amplia o campo do conhecimento
de aspectos de uma história do ensino da alfabetização em Mato Grosso,
especialmente das formas peculiares que assumiu no contexto diamantinense,
município que teve o seu início marcado pela influência do ciclo da mineração,
sedimentada, desde a implantação do sistema colonial de exploração de recursos no
estado, o que favoreceu à sua população uma vida sofrida e instável.
Um dos motivos que justifica essa opção é o fato de que pesquisas anteriores
evidenciam que, no Brasil, poucas pesquisas sobre alfabetização numa
perspectiva histórica. Desse modo, o estudo de caráter regional e local, torna-se
também relevante e, no caso específico de Diamantino, apesar de ser um município
colonizado no século XVIII, não conta, ainda, com estudos que tratem da história do
ensino da alfabetização e da educação de modo geral.
Esse período, 1930 a 1970, é apontado nos estudos de Mortatti (2000), como
um dos períodos importantes, constitutivos do movimento por ela denominado de
“constituição da alfabetização como objeto de estudo”. A autora define quatro
momentos considerados cruciais no movimento de constituição da alfabetização
brasileira: o primeiro até 1880 com foco nos métodos “antigos e tradicionais”; o
segundo até 1920, com ênfase nos métodos “modernos”; o terceiro, até 1970, com
enfoque nos métodos “mais modernos”; e o quarto, após 1970, caracterizado pela
“revolução conceitual com o construtivismo e o sociointeracionismo”. Esta
investigação situa-se, nessa perspectiva, no período correspondente ao terceiro
17
momento, no qual busquei estabelecer relações com a história da alfabetização em
Mato Grosso, com especial atenção à realidade diamantinense. Dados sobre
alfabetização em Diamantino são encontrados a partir da década de 1930. O ensino
em Mato Grosso, nessa época, era normatizado pelo Regulamento da Instrução
Pública de 1927 e, na década de 1970, regulamentado pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação n
o
. 5692/71. Percorrendo uma vasta documentação de antigas
escolas, foi possível perceber e acompanhar o movimento de constituição e
organização escolar – das escolas rurais isoladas ao primeiro grupo escolar do
município relacionado ao ensino da alfabetização e sua concretização nesse
período.
A pesquisa está estruturada de forma a abrigar os dados, tanto teóricos, a
partir dos conceitos eleitos, quanto empíricos resultantes da coleta de fontes
documentais escritas e orais, os quais permitiram compreender aspectos do
processo de ensino da alfabetização no município de Diamantino nas décadas em
estudo.
Na primeira parte, trato do percurso para construção do objeto de pesquisa,
enfocando o seu contexto, o município de Diamantino, por meio de uma breve
apresentação de sua história, apontando para o seu percurso na área educacional.
Nesse item apresento também o caminho metodológico percorrido, enfocando as
contribuições da preservação de determinadas fontes em arquivos públicos e a
contribuição dos sujeitos envolvidos no processo recorrendo aos relatos orais.
Na segunda parte, explicito os pressupostos teórico-metodológicos,
apresentando a opção metodológica da pesquisa, as características e importância,
conferidas ao tema, os pressupostos teóricos que possibilitaram a análise da
temática, os conceitos teóricos que permearam a discussão/reflexão do objeto eleito,
uma breve abordagem da metodologia específica para pesquisas de natureza
histórica em educação. Apresento, ainda, um pequeno balanço das pesquisas
realizadas em Mato Grosso e em alguns estados brasileiros preocupados com a
pesquisa de fundo histórico em alfabetização, assim como algumas contribuições de
pesquisadores estrangeiros.
Na terceira parte, procurei abordar o ensino da alfabetização em Diamantino -
Mato Grosso, a partir das fontes documentais localizadas. Foi possível tratar de
aspectos do percurso histórico da alfabetização em escolas antigas de Diamantino,
hoje extintas, percorrendo o seguinte caminho: Escolas Isoladas Rurais Mistas,
18
Escola Urbana Masculina e Feminina, Colégio Externato Santa Terezinha, Escola
Reunidas Major Caetano Dias, Grupo Escolar Caetano Dias e a escola que, de certa
forma, acolheu as anteriores, Escola Estadual Plácido de Castro. Nesse percurso,
procurei tratar de alguns aspectos da história dessas instituições escolares, apesar
do foco principal da pesquisa situar-se na busca de indícios ou vestígios de como
ocorreu o processo de ensino da alfabetização, por elas oferecido.
E, por fim, nas considerações finais deste estudo, penso ter sido possível
apresentar aspectos da alfabetização em Diamantino, apontando elementos que
talvez ajudem, a partir de sua reflexão, a compreender melhor o presente da prática
de alfabetização na escola pública desse município. Espero, também, ter
conseguido estabelecer algumas relações entre as normatizações e as
concretizações, por meio da apreensão da realidade, mesmo relativamente distante
no tempo, buscando construir sentidos numa aproximação destes dados com a
realidade presente.
19
Reescrever uma história é uma dimensão dentro da batalha travada no cotidiano e uma exigência da
nossa geração (...) nos deparamos com dificuldades de recolher fontes impressas e arquivísticas,
geralmente lacunares, parcelares e residuais, mas é no manuseio crítico das fontes que o pedagogo
ganha a distância necessária para olhar de uma nova maneira a pedagogia, tornando-se, pela sua
própria prática e pelo seu projeto, um historiador.
(Nunes e Carvalho, 1993)
20
1. 0 – O PERCURSO DE CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
1.1 – Contexto da Pesquisa
O município de Diamantino
1
situa-se na região médio norte mato-grossense, a
195 km da capital, Cuiabá. Tem hoje aproximadamente 18 mil habitantes, entre
adultos e crianças.
Nasceu dentro de um vale, às margens do Rio Ribeirão do Ouro. Como
relatou Castelnau, viajante europeu que passava pelos garimpos de Diamantino-Alto
Paraguai no século XIX, citado por Barrozo (1997, p. 69-70) “(...) a Vila de Nossa
Senhora da Conceição do Alto Paraguai Diamantino fica situada a uma légua do Rio
Paraguai, num vale muito alongado, formado por dois morros (...) a cidade é cortada
pelo Ribeirão do Ouro que desemboca no Diamantino”.
Herdou os traços deixados pela colonização portuguesa que foram se
mesclando com outros traços das etnias indígenas que ali habitavam: Iranxe, Beiço
de Pau, Canoeiros de Mato Grosso, Paresi, Nhambiquara, Kayabi e Paiaguás, dos
escravos que ali viviam e trabalhavam, dos chegantes mineradores, vindos de
antigas áreas de mineração de Mato Grosso, principalmente da baixada cuiabana e
dos migrantes de outras regiões do país, que conforme Barrozo (1997) “vinham em
busca da pedra que brilha como estrela”.
De acordo com o autor citado, de 1719 até a data de sua fundação,
Diamantino pertencia a Cuiabá. Segundo Barrozo (1997, p. 63-4) duas versões
para o descobrimento das minas de Alto Paraguai Diamantino. A primeira diz que “a
descoberta teria sido feita no ano de 1728, pelo Capitão-Mor de Sorocaba, Gabriel
Antunes Maciel que encontrou ouro e diamante nas cabeceiras do rio Diamantino e
do Ribeirão do Ouro”. A segunda versão diz que “foi Pinho de Azevedo em 1747, o
descobridor das minas de Alto Paraguai Diamantino”.
Mas o que importa é que ali, na confluência do rio Ribeirão do Ouro, com o rio
Diamantino, fundou-se o Arraial do Ouro de Alto Paraguai, nome que,
posteriormente, mudou-se para Paraguai Diamantino, depois para Vila de Nossa
1
O nome tem origem no Diamante, que os gregos chamavam de “adamas”, ou seja, o indestrutível,
invencível, inflexível, indomável. O termo por corrupção, através do latim foi se modificando: adamas,
adamantis. No latim tardio passou a diamas’, diamantis”, até se transformar em “diamante” no
português (BARROZO, 1997, p.58).
21
Senhora da Conceição do Alto Paraguai Diamantino. Tal como na história do nome
do Brasil, se sobressaiu aquele que mais representava a sua riqueza, o Pau Brasil.
Assim, o diamante, foi determinante para que o município passasse a chamar-se
simplesmente, Diamantino.
A povoação foi se constituindo sem planejamento, nos entornos do ribeirão.
As ruas e ruelas do centro histórico eram em sua forma original calçadas de pedras
e abrigavam a arquitetura do século XVIII. A construção de moradias, os casarões
de adobe ou taipa, os quintais, apresentavam muita semelhança com os da capital,
Cuiabá
2
.
O jeito de ser, o modo de vida das pessoas, peculiar de interior, não diferiam
do povo da capital, pois conforme observa Volpato (1993) as mulheres eram dadas à
arte da costura e bordado, cosiam suas próprias vestes e de sua família, sem muito
adorno, eram também habilidosas doceiras. Os homens exímios artesãos. As visitas
de cortesia, mesmo entre parentes, não eram freqüentes e se davam em um clima
de certa cerimônia, dias em que eram usadas roupas de passeio.
As oportunidades de distração também apresentam semelhanças, na capital
segundo a autora citada, eram proporcionadas pelas festas religiosas, por ocasião
da semana santa, dia da padroeira, quando havia procissões, leilões, prendas,
quitandas e bailes e também alguma festa transcorrida nas residências particulares,
assim como piqueniques nas chácaras e sítios aos finais de semana. Esses traços
ainda são observados em Diamantino.
Os prédios públicos, as vendas e praças, que se concentravam na antiga rua
do Comércio. Como na capital, eram desprovidos de atrativos. A primeira igreja
católica recebeu lugar de destaque no espaço urbano, no centro antigo, marco de
um momento histórico, sem nenhuma opulência, carrega uma longa história de
começos e recomeços, até chegar à forma que se encontra atualmente. A outra de
construção contemporânea, no alto, ostenta beleza e indica que a modernidade
chegou.
2
As construções cuiabanas eram simples: mesmo dos mais abastados eram casas de adobe e de
taipa cobertas de telha, em sua maioria de um pavimento só, compondo-se de sala, alcova, loja,
varanda e cozinha. Possuíam quintais espaçosos, cujos fundos iam a outra rua, plantados de árvores
frutíferas. A maioria das casas era apenas caiada. O uso de móveis e utensílios não era comum, a
maioria das pessoas preferia dormir em couros ou redes, o que contribuiu para que se desenvolvesse
o artesanato específico de sua fabricação, havendo vários modelos muito bonitos com bordados e
varandas (VOLPATO, 1993, p. 30 a 38).
22
O município de nome originado do “invencível diamante” passou por diversos
ciclos econômicos, do ouro e do diamante
3
, da extração da poaia
4
, da extração da
borracha
5
e da agropecuária
6
. Assim, Diamantino teve diversos momentos de
decadência, sendo que 1930 a 1970 parece ter sido um período de crise econômica
bastante acentuada. Mas novas possibilidades novamente se descortinavam para
um recomeçar. O que provavelmente justifica a escolha do brasão da bandeira do
município criado contemporaneamente
7
, representado pela ave Fênix, figura
mitológica que atribui o sentido de seus renascimentos.
A partir deste período, segundo Barrozo (1997), Diamantino começa o seu
quarto ciclo econômico, com a expansão da fronteira agrícola em direção ao centro-
oeste, a chamada “Marcha para o Oeste”: um projeto do governo federal com o
objetivo de ocupar os “espaços vazios”, atraindo assim muitos investidores. Em
decorrência desse quadro de mudanças, começa a implantação de assentamentos
rurais no município. Estes núcleos de colonização, posteriormente, tornaram-se vilas
e cidades que, com o passar do tempo, foram se emancipando.
Em relação à educação oferecida à sua população, no período que
compreende sua fundação (1728 até 1800), não se tem notíciais de nenhum tipo de
educação formal; possivelmente, era exercida a chamada educação doméstica, ou
seja, aquelas famílias que tinham algum conhecimento ensinavam rudimentos da
leitura e da escrita aos seus filhos em casa. Das primeiras décadas do século XIX,
3
Nesse período, segundo Barrozo (1997, p. 90), a metade da população da vila era de negros, em
sua maioria escravos. De 1823 a 1826 Diamantino tinha o poder de metrópole comercial e
populacional, chegou a rivalizar com Cuiabá, momento em que foi proposto a Dom. Pedro I que
Diamantino assumisse o título de capital da província, mas por falta de um porto na vila D. Pedro I
indeferiu, escolhendo Cuiabá.
4
A Poaia ou Ipecacuanha é uma erva medicinal que provém de um arbusto baixo (Cephaelis
Ipecacuanha Rich), utilizada também como chá mate. Essa erva cresce geralmente na maior parte da
Serra do mar. Primitivamente aparecia nas matas da Serra do Mar, na Bahia, no Pará e Mato Grosso,
especialmente na encosta da Serra do Parecis, vertentes do Guaporé e cabeceiras do rio: Ji – Paraná
e outros no planalto do extremo ocidental. Notaram-na pela primeira vez, no vale do Paraguai, no rio
Areias, onde a tradição localiza o descobridor, que depois fixou-se em Diamantino (CORREIA FILHO,
2002, p. 295-6).
5
A borracha teve quatro fases: primeira borracha de 1870 a 1872; a segunda borracha de 1912 a
1941; a terceira borracha de 1942 a 1968; a quarta borracha 1969. O seringueiro diamantinense,
tornou-se o descobridor e o conhecedor seguro do sertão, chamado de “soldado da borracha(MATO
GROSSO,1978).
6
“Se Diamantino viu os dias de maior esplendor no século passado, com o ouro, o diamante e a
navegação ininterrupta paranista e logo decaiu (...) viu novamente dias de glória no período da
primeira borracha e depois experimentou a destruição; agora ressurge na agropecuária. A iniciativa
partiu do governo do estado de Mato Grosso, que programou venda maciça de terras e incentivou
colonizações” (MATO GROSSO,1978, p.77).
7
Brasão criado pela lei 21/82, do ano de 1982, na gestão do Prefeito João Batista de Almeida
Arquivo Câmara Municipal de Vereadores de Diamantino – 2005.
23
encontram-se informações em Correa Filho (2002) e Siqueira (2002), do
oferecimento de 1 aula de gramática a alunos do sexo masculino, na chamada
Escola de Primeiras Letras. Nas últimas décadas do século XIX, mais
especificamente em 1889, se tem notícias da existência da Escola Urbana
Masculina. Este modelo de escola, bem diferente das escolas que conhecemos,
consistia em uma sala de aula, onde era oferecido o ensino primário a alunos do
sexo masculino, ministrado por um professor leigo. Posteriormente, nas primeiras
décadas do século XX, o ensino primário estendeu-se também ao sexo feminino,
ministrado por uma professora, também leiga. Esse tipo de escola perdurou em
Diamantino até a metade do século XX. A partir desse período, o município passa a
contar com uma escola nos moldes contemporâneos, como veremos no decorrer
deste estudo.
Atualmente, com 277 anos, o município de Diamantino é pólo educacional, no
desenvolvimento de projetos e programas, em parceria com instituições
educacionais estaduais e federais, agregando diversos municípios da região médio
norte e baixada cuiabana,
8
conta com dez escolas de educação infantil, dezoito
escolas públicas de ensino básico (fundamental e médio), entre rurais e urbanas
9
e,
ainda, duas escolas também de ensino básico (infantil, fundamental e médio) da
rede privada e comunitária de ensino básico
10
. Quanto ao ensino superior conta com
duas faculdades privadas
11
e dois cursos de graduação oferecidos pela rede pública,
8
Alto Paraguai; Arenápolis; Barra do Bugres; Campo Novo do Parecis; Denise; Diamantino; Jangada;
Nobres; Nortelândia; Nova Maringá; Nova Olímpia; Paranatinga; Poconé; Rosário Oeste; Santo
Afonso; Santo Antonio do Leverger; São José do Rio Claro; Sapezal; Tangará da Serra; Tapurah e
Tesouro. Juntos desenvolvem os seguintes projetos e programas: Núcleo de Educação Aberta e a
Distância – NEAD, um projeto da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, fruto de uma
parceria interinstitucional, entre a referida Universidade, a Secretaria de Estado de Educação –
SEDUC e vinte e uma Prefeituras Municipais da região médio norte e baixada cuiabana para oferecer
a formação em terceiro grau a professores em exercício nos anos iniciais do ensino fundamental; o
Centro de Formação e Atualização de Professores CEFAPRO, que oferece formação continuada
aos professores da rede pública de Ensino e dele fazem parte o Arara Azul para formação de
profissionais da Educação e o Proformação para formação de professores leigos (antigo magistério);
o Núcleo de Tecnologia Educacional – NTE, que oferece a formação tecnológica a professores,
alunos da rede pública de ensino e comunidade, e está em fase de implantação o Centro de
Profissionalização Técnica – CEPROTEC, para atender a região com cursos técnicos em nível médio
e pós-médio, entre outros.
9
Escolas Estaduais: Manoel José Murtinho; Serra Azul; Nilce Maria de Magalhães; Plácido de Castro;
Ir. Lucinda Facchini. Escolas Municipais Urbanas: Benedito Moreira da Silva; Castorina Sabo Mendes;
Brás Maimoni; Elza Martins de Queiroz; João Batista de Almeida. Escolas Municipais Rurais: Castro
Alves; Décio Furigo; José Francisco Kroling; Santa Helena; Maria Euzébia Ferreira e Escolas de
Educação Infantil: Tia Alair; Criança Feliz; Carinha de Anjo; Dona Nhanhá e Vovó Celina.
10
Escola de Educação Infantil “Espaço Feliz” e Escola Cenecista “Loreni Covari Härter”- CNEC.
11
Faculdades Integradas de Diamantino FID, a qual oferece os cursos de Pedagogia, Ciências
Contábeis, Administração de Empresas e Sistema de Informação e a Faculdade de Ciências Sociais
24
estando em fase de implantação dois novos cursos
12
. Conta também com outros
projetos e programas educacionais que vêm contribuindo para a educação no
município e região.
Foi nesse contexto que procurei buscar indícios ou vestígios de como ocorreu
o ensino de alfabetização, sugerido nas normatizações no período que compreende
as décadas de 1930 a 1970, procurando de certo modo, compreender as práticas
desenvolvidas pelos/as professores/as a partir da apropriação dessas possíveis
normatizações, com a intenção de contribuir para a construção de uma história da
alfabetização em Diamantino e Mato Grosso.
1. 2 – Percurso Metodológico
A delimitação do marco histórico da pesquisa referente ao percurso do ensino
da alfabetização em Diamantino, ficou inicialmente em torno de outro período, de
1970 a 2000, compreendido entre a vigência das legislações educacionais LDB
5.692/71 e 9.394/96. A pretensão de analisar as últimas décadas do século XX, foi
redimensionada a partir de uma pesquisa preliminar, em que localizei fontes
13
interessantes, referentes às décadas de 1930 a 2000. Assim a abundância de
fontes, direcionou-me a um grande período, evidenciando que a pesquisa de fundo
histórico possibilita revelar fontes valiosas, que podem surpreender e até mesmo
mudar o rumo da pesquisa.
Fiz então a opção por pesquisar o período mais antigo (1930 a 1970). Nesse
sentido, um fator revelou-se, de certo modo, preponderante: a possibilidade de
refletir/compreender aspectos da alfabetização em Mato Grosso dando, de certo
modo, continuidade ao trabalho pioneiro de Amâncio (2000), que trata de aspectos
e Aplicadas de Diamantino União de Ensino Superior de Diamantino UNED, a qual oferece os
cursos de Turismo, Educação Física, Administração em Agronegócios, Administração Pública, Direito
e Enfermagem. As duas instituições oferecem também cursos de extensão e de pós-graduação em
nível de Lato Sensu, em algumas áreas do conhecimento.
12
Cursos de Licenciatura em Pedagogia para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Pedagogia
para Educação Infantil, via Modalidade a Distância, pela Universidade Federal de Mato Grosso
UFMT, por meio do Núcleo de Educação Aberta e a Distância – NEAD, a professores em exercício na
rede pública de ensino. Estão em fase de implantação os cursos de graduação em Administração e
Matemática, nos mesmos moldes dos anteriores.
13
O termo significa por um lado: o ponto de origem, o lugar de onde brota algo que se projeta e se
desenvolve indefinidamente e inesgotavelmente. Por outro lado, indica: a base, o ponto de apoio, o
repertório dos elementos que definem os fenômenos cujas características se busca compreender
(SAVIANI, 2004, p. 4)
25
de um discurso institucional sobre o ensino da leitura em Mato Grosso, até 1930, o
qual possibilitou compreender como se deu a (re)organização da escola primária em
Mato Grosso a partir das reformas de 1910 e de 1927, determinantes da
configuração de um discurso institucional “moderno” neste estado, elevando-o a
condição de outros estados “mais desenvolvidos”.
Outro fator considerado foi, especialmente, a quantidade de dados coletados
por meio das entrevistas, pois se trata de depoimento de pessoas com idade
bastante avançada que vivenciaram a escola daquele período (décadas de 1930 e
outras) e que têm relação direta com as fontes documentais localizadas, que
também eram inéditas e contribuiriam, enormemente, para a reconstituição de
aspectos de uma história da alfabetização em escolas antigas (já extintas) do
município e das quais, até o presente momento, não se têm registros acerca de
como se processou o ensino por elas oferecido. Desse modo, poderia unir o desejo
de conhecer aspectos do passado da alfabetização em Mato Grosso, com o
percurso ou ciclo de vida de algumas escolas primárias diamantinenses, que foram
se transformando, tornando-se maiores, mudando a nomenclatura e, por fim,
constituindo uma única escola estadual de porte médio, ainda existente.
Conforme assevera Gatti Junior, estudos sobre aspectos da história de
instituições escolares no Brasil, ainda apresentam diversas dificuldades, devido à
inexistência de repertórios organizados de fontes. Alguns historiadores da educação,
têm se lançado à tarefa de historiar a educação escolar brasileira, construindo
interpretações a partir de um roteiro de pesquisa bastante similar:
a) os processos de criação e de desenvolvimento (ciclo de vida) das
instituições educativas;
b) a configuração e as mudanças ocorridas na arquitetura do prédio
escolar;
c) os processos de conservação e mudança do perfil dos docentes;
d) os processos de conservação e mudança do perfil dos alunos;
e) as formas de configuração e mudanças do saber veiculado nestas
instituições de ensino (GATTI JUNIOR, 2001, p. 136).
Sem menosprezar os demais aspectos, o estudo irá priorizar conforme o
último apontamento deste autor, as formas de configuração e mudanças ocorridas
no processo de ensino da alfabetização oferecido pelas escolas primárias antigas do
município de Diamantino, nas décadas de 1930 a 1970. Os dados coletados do
período posterior ficarão reservados para outros estudos.
26
Um estudo do dinâmico e rico processo de ensino da alfabetização em
escolas primárias envolve não apenas os sujeitos diretamente relacionados à escola,
mas o conjunto das instituições sociais, que a circunda, na sua constituição interna e
nas suas múltiplas relações. Isso me fez compreender a legislação, conforme Faria
Filho (1998, p. 124) “como um emaranhado de práticas e representações, que uma
vez constituídas como objeto de investigação histórica, podem contribuir muito para
o entendimento do fenômeno educativo em várias de suas dimensões”.
Busquei considerar também, elementos apontados por Mortatti (2000) quanto
à constituição da alfabetização no Brasil a partir de meados da década de 1920 até
1970, com enfoque nos “métodos mais modernos”, marcado pelos métodos
analíticos-sintéticos ou mistos. Momento caracterizado pelos ideais da escola nova,
em que predominavam os testes de maturidade, a partir das contribuições de bases
revolucionárias da psicologia, pois sintetizavam as aspirações educacionais da
época e, segundo a autora, no âmbito delas eram também produzidas as
normatizações que caracterizavam aquele momento histórico.
Para o trabalho de campo, amparei-me em instrumentos utilizados em
pesquisa histórica, como: diário de campo, localização, reunião e seleção das fontes
e relatos orais. Quanto ao universo da pesquisa, selecionei a rede pública de ensino
estadual e municipal de Diamantino e arquivos de instituições públicas, onde realizei
a investigação localizando fontes em três momentos, que apesar de distintos, foram
intrínsicamente relacionados:
Num primeiro momento, fiz um levantamento das fontes armazenadas em
arquivos públicos no município de Diamantino, que se encontram especialmente na
Escola mais antiga: Escola Estadual Plácido de Castro; os passos seguintes foram
sua reunião e seleção, reservando-as para uma análise criteriosa. Foram
consultados também os acervos dos arquivos da Escola Estadual Irmã Lucinda
Facchini, Secretaria Municipal de Educação, Prefeitura Municipal “Palácio Parecis”,
Câmara Municipal de Vereadores “Urbano Rodrigues Fontes”, Biblioteca Pública
Municipal “Monteiro Lobato”, instituições que guardam a documentação gerada no
município e que poderiam ser relevantes para este estudo.
Foi necessário também, o levantamento de outros documentos no Arquivo
Público de Mato Grosso APMT, para cotejar com as fontes referentes à história da
educação de Mato Grosso que abarcam as Diretrizes Nacionais. E ainda, neste
primeiro momento, tendo realizado a reunião e seleção das fontes possíveis; a partir
27
deste momento, foram definidos os documentos com os quais trabalhei mais
pormenorizadamente.
Pelo fato desse conjunto de normatizações fazer parte de uma época
relativamente antiga, decidi manter a ortografia de época, na citação dos
documentos ao longo do trabalho, uma vez que se trata de uma pesquisa situada na
área de linguagem, podendo favorecer ao leitor a possibilidade de observar as
mudanças, mesmo que pequenas, ocorridas nesse período.
Por considerar que nenhuma fonte, por si só, pode ser tomada como
suficiente para o desenvolvimento de um estudo, é importante também, na pesquisa
de fundo histórico, encontrar sujeitos que vivenciaram o fenômeno em estudo e que
estejam dispostos a falar sobre ele. Isso permite re-criar, re-viver a experiência
vivida, re-ler momentos fundamentais dessa experiência e, conseqüentemente,
buscar a confirmação e o confronto com dados oriundos de outras fontes, com
aquelas ligadas à legislação.
Desse modo, o segundo momento da pesquisa consistiu na localização dos
sujeitos da época, muitos deles conhecidos a partir do contato com as primeiras
fontes documentais (diários de classe e termos de posse). A partir dessa localização,
realizei o contato com 23 (vinte e três) professoras, convidando-as para colaborar
com a pesquisa. As mesmas foram solícitas ao convite que, na maioria dos casos,
foi realizado por meio de contatos pessoal e telefônico. Assim, procedi agendamento
das mesmas, informando-as sobre os procedimentos de coleta e análise dos
depoimentos.
Algumas dessas professoras hoje estão aposentadas e, outras continuam
lecionando nas escolas diamantinenses para classes de alfabetização. Ainda neste
segundo momento, procedi à coleta de depoimentos junto a esse grupo de sujeitos
que vivenciaram esse processo histórico, ou seja, com as professoras
alfabetizadoras, recorrendo a um roteiro de perguntas abertas para a entrevista
gravada.
Optei por trabalhar com 100% das professoras que consegui localizar, pelo
fato do município ser pequeno, permitindo a abrangência das escolas estaduais
mais antigas e municipais rurais e urbanas. O deslocamento para a coleta de
depoimentos junto às professoras se deu sem maiores dificuldades. Todavia, tendo
tomado a decisão de estudar as décadas de 1930 a 1970, utilizei neste trabalho
apenas 08 (oito) das entrevistas realizadas, de professoras aposentadas que
28
atuaram na alfabetização. Essa opção se deu em razão de que o grupo inicial (23
professoras) cobria o período de 1930 a 2000, bastante longo para ser pesquisado.
Então foi necessário fazer um recorte menor, para décadas relativamente mais
antigas do século XX. Em virtude dessa decisão, foi possível e necessário trabalhar
com os sujeitos que vivenciaram a escola primária daquele período, assim como as
possíveis mudanças decorrentes da legislação em vigência naquele período.
O conteúdo das entrevistas contempla toda a riqueza do diálogo estabelecido
com as professoras, sujeitos da pesquisa. No entanto, seguindo as orientações de
Bom Meihy (1996, p. 57-8), o texto narrativo, advindo das entrevistas “deve ser visto
com olhos no receptador, visando dar visibilidade ao caso tematizado ou a história
narrada (...), assim o que deve vir a público é um texto trabalhado”. O autor ressalta
que seria, analogicamente, o mesmo que “tirar os andaimes de uma construção
quando esta fica pronta”. Neste caso, num primeiro momento, a transcrição foi literal;
num segundo momento, depois de absorvido o ritmo da narrativa e o sentido
intencional do discurso de cada sujeito, realizei uma interferência no texto de modo a
torná-lo inteligível, evitando alguns vícios de linguagem, erros gramaticais,
expressões repetidas; mantendo, porém, uma dose suficiente para que o leitor possa
sentir o tipo de narrativa e outros aspectos da linguagem oral, peculiar de cada
sujeito da pesquisa.
A idéia foi poder recuperar, de acordo com Nunes (1992), a problematização
apresentada pelos sujeitos do passado, a partir das questões que se colocam no
presente. Seguindo essa lógica, o desafio que se apresenta numa pesquisa dessa
natureza é abrir mão das certezas e, ao mesmo tempo é um estímulo que se
configura numa tarefa árdua, pois o pesquisador tem que forjar seu próprio caminho,
rearticulando as relações existentes entre o objeto de estudo e as fontes levantadas.
O terceiro momento foi de análise das fontes, com base no conjunto de
iniciativas oficiais e por meio dos documentos considerados emblemáticos. A
intenção, conforme Nunes (1992) é construir um percurso no interior da
investigação, na contingência entre o processo histórico vivido pelos sujeitos, a
memória do discurso institucional presente nas fontes, e a argumentação científica.
Assim, nesta pesquisa recorri a alguns conceitos usados especialmente por
Mortatti (2000), como: normatizações, tematizações e concretizações, por considerá-
los pertinentes à natureza deste estudo. Procurarei explicitar meu entendimento e o
uso que estou fazendo desses conceitos.
29
Na análise da documentação repertoriada, estou considerando como
tematização, toda literatura teórico-científica que trata de temas relacionados ao
processo de ensino da alfabetização, referente ao período em pauta e que poderia
elucidar a compreensão acerca da necessidade de (re)organização do ensino
primário, em nível estadual e nacional, produzidos por intelectuais (acadêmicos ou
não). Nesse caso, situam-se artigos, conferências, livros, teses, etc.
Quanto as normatizações estas se referem a conteúdos contidos nas
legislações de ensino. Sendo assim, estão sendo consideradas, nesta pesquisa, a
legislação em âmbito Federal - LDB 4.024/61 e 5.692/71; Estadual Regulamento
da Instrução Pública de Mato Grosso, de 1927 e Lei Orgânica do Estado de Mato
Grosso de 1951, produzidos por legisladores de ensino e administradores públicos.
A legislação como fonte para história da educação, segundo Faria Filho traz
aspectos importantes, como:
a) pode ser um trabalho interessante tanto do ponto de vista da história da
educação como, sobretudo, dos sujeitos singulares que realizam este
trabalho, os historiadores da educação;
b) a análise da legislação isoladamente não é suficiente, é possível realizar
um intenso trabalho de cruzamento de fontes;
c) pode oferecer o ordenamento legal do processo pedagógico,
estabelecendo o repertório discursivo posto à disposição e em movimento
tendo em vista a conformação do campo pedagógico (FARIA FILHO, 1998,
p. 123).
Com relação às concretizações, trata-se de conteúdos contidos - em cartilhas
e livros de leitura, manuais ou guias do professor, memórias, relatos de experiência
e material produzido por professores e alunos no decorrer das atividades didático-
pedagógicas e que indicam, de certa forma, a materialização de propostas
elaboradas em distintos níveis do sistema de ensino como Secretarias de Educação,
Coordenação de escolas e outros. Nesta pesquisa, estão sendo considerados como
concretizações: diários de classe de professores primários, relatórios de inspetores
de ensino e relatos orais (entrevistas), sobre a experiência vivenciada por
professoras alfabetizadoras no contexto escolar do período em estudo, documentos
que podem trazer indícios ou vestígios
14
das práticas escolares exercidas no ensino
14
Indícios ou vestígios estão sendo usados nesta pesquisa, conforme a compreensão proposta por
Chartier (2002), podem ser signos ou sinais que funcionam como manifestação de algo representado,
que não precisa diretamente ser comprovado, mostrado, para ser acreditado ou compreendido.
30
da alfabetização, em Diamantino, produzido por profissionais da educação,
professores e alunos.
A intenção foi contribuir para uma aproximação à temática, por meio de fontes
documentais, que pudessem revelar aspectos de uma história do ensino da
alfabetização, no contexto pesquisado e compreender as relações entre as
propostas oficiais para o ensino da alfabetização e as possíveis apropriações dessas
normatizações para a prática escolar desses/as professores/as, tomando distância
dos diferentes momentos pesquisados, buscando a compreensão do presente.
1.2.1 - Arquivos Consultados
Após ter feito a opção metodológica, estabelecido os critérios para seleção
dos sujeitos, realizei o levantamento dos arquivos públicos existentes no município.
Esse trabalho foi acompanhado por duas dificuldades, seguindo o pensamento de
Nunes e Carvalho (1993), uma de ordem geral: sobre a existência das instituições
memória da sociedade (sistemática destruição das fontes históricas e dos suportes
da memória coletiva); e uma de ordem específica: a lógica das instituições que os
guardam, (contém informações inestimáveis, inéditas, necessárias ao cotejo e crítica
de informações provenientes de outras fontes), porém, na maioria dos casos, são
lacunares e residuais. A pesquisa arquivística como assevera Nunes e Carvalho:
não constitui a solução para as dificuldades presentes, já que a renovação da
interpretação histórica, exige o debate sistemático no campo da
historiografia, a enunciação e o aprofundamento de questões teórico-
metodológicas (NUNES E CARVALHO,1993, p. 26).
Sendo assim, saí em busca de informações sobre a documentação neles
armazenada, que pudessem revelar aspectos da história escolar primária
diamantinense, nas décadas pesquisadas. Esses documentos seriam ofícios,
instruções normativas, diários de classe, planejamentos, programas e currículos,
legislações, livros ata, entre outros documentos e, que pudessem fornecer
informações sobre o objeto em estudo.
A ida a esses arquivos, no início me causava um pouco de receio, pois era
um terreno desconhecido, podia ser ou não autorizada a pesquisar ali. Mas fui bem
31
recebida e prontamente autorizada a realizar a pesquisa em todos os arquivos
públicos com os quais mantive contato formal
15
.
Isso tem um significado próprio, segundo Nunes e Carvalho (1993). Citando
Le Goff, as autoras esclarecem que consiste num poder polivalente: o poder do
doador (pré-seleção, exigências que faz à instituição), do organizador do acervo da
instituição receptora (mecanismos institucionais de acolhimento, preservação,
restauração, classificação, identificação, condições de acesso) e do usuário que os
manipula (vinculação direta com as imposições ou privilégios postos pela instituição).
A partir do momento em que fui aprofundando o levantamento de fontes no
arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, pude perceber que, como num
primeiro momento não encontrava documentos referentes ao período mais recente
(1970 a 2000), fui coletando e organizando as fontes disponíveis, de períodos mais
antigos (1930 a 1970). Ao dar início nos demais arquivos públicos, localizei fontes do
primeiro período citado que permitiam ir fechando o cerco em torno de aspectos que
iam se desvelando.
Desse modo, além de fontes que focalizam aspectos históricos da prática
pedagógica de professores e da escola primária diamantinense, me dediquei
também em encontrar as normatizações em âmbito estadual e federal que regeram
o ensino da alfabetização na escola primária.
Com a localização de fontes escritas e a definição dos documentos mais
importantes, o desejo de narrar os fatos o mais fielmente possível fica aguçado, visto
que fazem parte do discurso institucional e, de acordo com Mortatti (2000), são
documentos, geralmente produções provenientes de autoridades que estão a frente
de alguma instituição naquele momento da história. Porém, é necessário, segundo
Nunes e Carvalho (1993, p. 29) “nos perguntarmos, quantas o as histórias
embutidas num levantamento de fontes da história da educação?”. Segundo as
autoras, é possível entrever algumas: história administrativa, a história política, a
história biográfica, a história intelectual, a história religiosa, a história econômica, a
história pedagógica. Entranhadas nos fragmentos arquivísticos, conforme as autoras
citadas, essas histórias tecem pelo avesso as histórias da educação e nos ajudam a
destacar a especificidade do objeto pedagógico, que reside no seu caráter
multifacetado, nem sempre percebido.
15
Apresento cópia da correspondência solicitando autorização para a consulta aos arquivos no anexo
nº 01 deste trabalho.
32
Por essas razões me propus a recuperar apenas aspectos de uma história do
processo de ensino da alfabetização, nas escolas primárias antigas de Diamantino, o
que exigiu o concurso de vários domínios do saber para serem apreendidos na sua
inteireza e na sua complexidade. É importante lembrar, que à medida que
reformulamos nossas questões de pesquisa, os arquivos podem vir a constituir-se
um problema, implicando novas práticas de arranjos documentais e de seu uso.
Acredito que minha presença nesses arquivos tenha provocado alguma mudança,
ainda que pequena, na sua organização ou simplesmente na maneira de olhar para
tais fontes.
Segundo Nunes e Carvalho (1993, p. 30), do arquivista se espera que evite a
formação de hiatos ocasionados pela dispersão ou destruição dos acervos,
organizando planos de destinação e conservação dos documentos de arquivo, de
modo que “o acervo possa encarnar certa totalidade e organicidade das
atividades/funções, desempenhadas pelas instituições/pessoas/grupos que os
acumularam”.
A indagação sobre a lacuna dos acervos interessa não aos historiadores,
mas também às instituições que os detém e à sociedade em geral. E do pesquisador
se espera que se informe sobre o que há nos arquivos e suas lacunas, fazer a leitura
crítica dos documentos, sofisticar sua análise o suficiente, com o intuito de perceber
de que modo alguns aspectos, do quais não trata diretamente (seja pelo silêncio das
fontes, seja pelas suas opções) atuam sobre aqueles nos quais se fixa.
Dessa maneira, procurei investigar o porquê da escola mais antiga do
município armazenar apenas alguns documentos lacunares, referentes às décadas
de 1930 a 1970, de para frente não se encontram mais documentos. A lógica da
organização permite compreender que cada bloco de fontes armazenadas,
representa momentos importantes no contexto de (re)organização da escola.
Momentos em que foi unindo-se a outra, agrupando-se, transformando-se, até
chegar à escola atual, com criação em 1973.
Mas havia, também da minha parte, uma outra preocupação relacionada a
como operar com essas fontes, pois seria um recurso pedagógico precioso na
pesquisa; então, segui algumas recomendações de Souza (1998)
16
, quanto aos
16
Em virtude de neste trabalho conter contribuições de mais de um autor com este mesmo
sobrenome e com a mesma data da obra, citarei o nome completo do autor em nota. Neste caso, o
autor citado é SOUZA, João Valdir Alves, 1988.
33
cuidados que aquela atividade exigia, por sua singularidade. Qualquer uso que for
feito de um documento histórico de preservá-lo enquanto tal e, devido ao seu
caráter fragmentário, ele precisa ser processado, analisado e inscrito num contexto
histórico, por isso precisa passar por uma leitura que exige um referencial teórico-
metodológico por parte do pesquisador.
Procedi à observação e leitura cuidadosas de todos os documentos contidos
nos arquivos, em que tive acesso, para assim realizar a reunião e seleção, a partir
do seguinte critério: serem correspondentes ao objeto em estudo referente ao
município de Diamantino. Nesses arquivos encontrei muitos documentos
importantes, a partir dos quais foi possível conhecer aspectos do ensino da
alfabetização no município, conforme Quadro 1, a seguir:
Quadro 1 – RELAÇÃO DE FONTES DOCUMENTAIS DIVERSAS
DESCRIÇÃO DA FONTE ANO
Livro de Termos de Visita do Colégio Santa Terezinha 1936 a 1948
Diários de Classe Escola Municipal Rural Mista 1939 a 1968
Diários da 1ª Escola Urbana Masculina 1941 a 1948
Diários da 1ª Escola Urbana Feminina 1941 a 1948
Diários de Classe da Escola Externato Santa Terezinha 1941 a 1947
Livro de Instalação e Outras Solenidades da Escola Reunidas Major Caetano Dias
e Grupo Escolar Caetano Dias
1948 a 1968
Atas de Visitas de Inspetores Escolares do Grupo Escolar Caetano Dias 1961 a 1964
Diários de Classe da Escola Reunidas Major Caetano Dias 1948 a 1961
Livro de Termo de Compromisso de Professores e Serventuários da Escola
Reunidas Major Caetano Dias, Grupo Escolar Caetano Dias e Escolas Isoladas
Rurais Mistas
1948 a 1968
Livro de Registro de alunos Matriculados no Ginásio Estadual Conceição de
Diamantino (1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries)
1968
Diários de Classe do Grupo Escolar Major Caetano Dias 1961 a 1971
Diários de Classe da Escola Estadual Plácido de Castro 1973
Fonte: Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
Localizar estas fontes, sem vida, foi um passo muito importante na
pesquisa, mas como assegura Saviani (2004, p. 5), elas enquanto registros, “estão
na origem, são o ponto de partida, a base, o ponto de apoio para a reconstrução, no
plano do conhecimento histórico”, ou seja, a partir delas e nelas se apoiando, o
pesquisador (re)constrói significados. De acordo com este autor, fontes para a
história das instituições escolares compreendem todos os registros, dos mais
variados tipos, que podemos encontrar e que, de algum modo, possam apresentar
indícios que permitam compreensões acerca do objeto em estudo.
Na localização dessas fontes que focalizam aspectos históricos da
34
alfabetização na escola primária diamantinense, sobressaem-se os diários de classe
como testemunhos dos atos históricos e pedagógicos. Como a intenção do estudo é
uma possível aproximação dos processos relacionados ao ensino da alfabetização
nas escolas primárias de Diamantino, recorro novamente a Saviani (2004, p. 8),
quando assegura que “as fontes principais serão dadas pelos registros relativos à
organização e aos procedimentos adotados pelos professores no trabalho com os
alunos”. Ou seja, os diários de classe, nesse caso, o importantes registros
produzidos pelos professores, ao lado de outras fontes valiosas para um estudo
desta natureza.
A reflexão acerca da possibilidade do cruzamento com outras fontes, favorece
como ressalta o autor citado “brotar, fluir”, a possibilidade de estabelecer algumas
relações e, estas de certo modo, seriam possíveis por meio das normatizações em
âmbito estadual e federal, que regeram o ensino da alfabetização no período em
estudo. De acordo com Saviani (2004, p. 9), “se o objeto de estudo é (também) a
história de uma escola pública , as fontes oficiais terão relevância”. Então procedi ao
levantamento, reunião e seleção de algumas dessas fontes, no Arquivo Público de
Mato Grosso APMT, as quais serviram para realizar o confronto e cotejo com as
fontes anteriormente localizadas, conforme Quadro 2:
Quadro 2 – RELAÇÃO DE FONTES DOCUMENTAIS (NORMATIZAÇÃO)
DESCRIÇÃO DA FONTE ANO
Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso 1927
Relatórios apresentados ao Secretário Geral do Estado pelo Diretor Geral da
Instrução Pública de Mato Grosso
1931, 1942,
1944
Jornal O Estado de Mato Grosso 1940
Decreto de Criação de 100 Escolas em Mato Grosso 1941
Relatório do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos de Mato Grosso sobre a
Organização do Ensino Primário e Normal
1942
Lei Orgânica do Estado de Mato Grosso 1951
Leis de Diretrizes e Bases 4.024 1961
Leis de Diretrizes e Bases 5.692 1971
Legislação Administrativa da Educação de Mato Grosso 1979
Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, 2005.
Outra questão importante a ser levada em conta, ao lidar com fontes
documentais, de acordo com Souza (1998)
17
é de que o conhecimento é um produto
histórico e que a verdade é relativa, pois algo tomado como verdadeiro pode ser
17
A citação refere-se a SOUZA, João Valdir Alves, 1998.
35
posto em dúvida a partir de novas descobertas científicas. As verdades no campo da
história da educação são elaboradas a partir da análise de novos documentos
encontrados, ou seja, da localização e manipulação de fontes inéditas.
Ainda, segundo o autor citado, é importante não se incorrer no uso indevido
das fontes. Por isso é próprio das pesquisas de fundo histórico, além da curiosidade
e das ferramentas teórico-metodológicas do pesquisador, o “senso de garimpeiro”,
para se fazer com competência faiscar o ouro no meio do cascalho bruto”.
1.2.2 - Entrevistas com Professoras Alfabetizadoras
Em busca de aspectos que pudessem complementar e, de certo modo, suprir
as lacunas deixadas pelas fontes escritas sobre o passado do ensino da
alfabetização em Diamantino, a coleta de dados ampliou-se aos relatos orais, por
meio da entrevista
18
, um recurso de grande potencialidade em estudos produzidos
na área da pesquisa histórica educacional, com resultados fecundos.
Dos 08 (oito) sujeitos, que compõem a amostra da pesquisa, todas são
professoras primárias aposentadas. Estas professoras iniciaram e encerraram a
carreira lecionando em escolas públicas, estaduais e municipais, rurais e urbanas.
Apenas duas delas não estudaram o ensino primário em Diamantino. Destas
professoras uma ainda reside em localidade rural, duas residem no município de
Cuiabá e as demais na sede do município de Diamantino. A idade destas
professoras varia entre 56 a 93 anos. Em relação à formação escolar, esta varia
entre 4ª série, Normal/Magistério, Pedagogia e Pós-Graduação Lato Sensu.
No Quadro 3, apresento a relação das professoras entrevistadas, escolas
onde iniciaram a carreira e período em que lecionaram. Essas professoras
contribuíram, conforme Forquin (1992) com suas memórias remotas, para retomar o
tempo vivido, frente ao ensino na escola primária diamantinense:
18
Apresento cópia do roteiro para a entrevista, no anexo nº 02 deste trabalho.
36
Quadro 3: RELAÇÃO NOMINAL DOS SUJEITOS DA PESQUISA (PROFESSORAS
ALFABETIZADORAS)
NOME IDADE ESCOLA EM QUE COMEÇOU A
CARREIRA EM DIAMANTINO
PERÍODO
EM QUE
LECIONOU
Maria Capistrano da Silva 93 anos Escola Urbana Masculina e Feminina 1932 a 1950
Jovina de Almeida Soares 84 anos Escola Isolada Rural Mista de Fazenda
Nova – Jovina Almeida Soares
1944 a 1969
Odete Neves de Barros 68 anos Escola Reunidas Major Caetano Dias 1955 a 1980
Maria de Lourdes Guimarães
70 anos Escola Reunidas Major Caetano Dias 1961 a 1971
Helena Pereira Mesquita 57 anos Grupo Escolar Caetano Dias 1967 a 1970
Dilza Vanni Lima 56 anos Grupo Escolar Caetano Dias 1971 a 1996
Rosa Maria de Lima 62 anos Escola Estadual Plácido de Castro 1971 a 1996
Narcisa Rodrigues Silva 57 anos Escola Estadual Plácido de Castro 1971 a 1996
Fonte: Entrevistas realizadas com o grupo de professoras alfabetizadoras, 2005.
Fiz a opção pela entrevista com roteiro de perguntas abertas que me auxiliou
a orientar o diálogo estabelecido com os sujeitos da pesquisa, possibilitando assim
captar suas memórias, lembranças, sentimentos, pontos de vistas e percepções do
passado educacional diamantinense, tendo em vista as mudanças estabelecidas no
tempo de trabalho docente na alfabetização.
As perguntas se deram em torno de quatro eixos: dados pessoais; memórias
sobre o seu processo de escolarização na alfabetização; formação inicial (em nível
de Magistério (de Ensino Elementar ou Médio), em nível de Ensino Superior e outros
cursos) e, por fim, sobre a prática na sala de alfabetização.
As entrevistas foram realizadas individualmente, nos locais, horários e dias
definidos pelas entrevistadas. Cada entrevista teve a duração mínima de uma hora e
máxima de duas. Sendo que a maioria foi realizada na residência das entrevistadas,
depois foram transcritas
19
.
O roteiro da pesquisa como expliquei anteriormente, constituiu-se, neste caso,
como uma sugestão, deveria apenas orientar o diálogo, no sentido de captar
aspectos do seu percurso de vida (formação e profissional), buscando aspectos
relevantes de seu processo de escolarização desde a alfabetização, até porque sete
das oito professoras entrevistadas, estudaram no mesmo contexto que
posteriormente, receberam a formação docente e, também, atuaram como
19
A técnica de transcrição das entrevistas foi um momento quase que entediante, apesar do
conteúdo ser muito interessante. A transcrição convencional, ouvir e digitar, é muito demorada, assim
procedi com algumas delas. Após essa experiência passei a utilizar o programa computacional via-
voice, que consiste em ouvir um trecho da entrevista e repetir num microfone para que o programa
faça a transcrição no computador.
37
professoras alfabetizadoras.
Houve a liberdade para a inclusão de temas que transitaram por outras
questões, ligadas a lembranças do passado, revelando sentimentos e
ressentimentos, os quais podem sugerir estudos sobre as representações que estas
professoras fazem em relação à profissão docente, condição feminina e
profissionalização.
Os depoimentos aconteceram de forma descontraída e muitas vezes
emocionados e emocionantes. Ao término das entrevistas, elas eram solicitadas a
conceder uma autorização por escrito
20
, para publicação dos seus depoimentos e
imagens (fotografias) neste estudo, o que prontamente o faziam. Sempre indagava
se gostariam de receber a transcrição das entrevistas juntamente com as fotografias
que tirávamos junto delas, deixava também um espaço no final da entrevista, para
que falassem sobre aspectos não contemplados pela entrevistadora.
Esse diálogo revelou muitos dados interessantes sobre essas professoras,
por meio de suas lembranças, alegrias, prazeres e desprazeres, comumente
encontrados na profissão docente. O fato da pesquisadora também ter sido
professora de alfabetização e atuar na educação do município de Diamantino com a
formação de professores, foi um fator positivo, pois de certa maneira nos
conhecíamos, o que favoreceu um clima de familiaridade e escuta, pois como diz
Bosi (1973, p. 55) “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com
imagens e idéias de hoje, as experiências do passado”.
20
Apresento cópia do documento de autorização concedida pelas professoras entrevistadas, no
anexo nº 03 deste trabalho.
38
Escrever uma história do tempo passado enfocando o tempo presente é um grande desafio, por isso
as representações produzidas pelos testemunhos vivos, possibilitam incorporar à trama, as limitações
das fontes documentais, as técnicas de persuasão e construções interpretativas.
(Vieira Peixoto e Khoury, 2003)
39
2.0 – EXPLICITANDO PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
2.1 – Pressupostos Teórico - Metodológicos
A investigação tem como baliza teórica a história cultural, com as
contribuições de Chartier, (2002, p. 61) “a história cultural tem como principal objecto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade é dada a ler”. Na história cultural é importante considerar, de acordo com
este autor, “o consumo cultural ou intelectual como uma produção, que constitui
representações nunca idênticas às que o produtor, o autor, ou o artista investiram na
sua obra” (id ibid). Para este estudioso, não existem objetos históricos fora de suas
práticas e nem discursos e realidades definidas, fixas em cada situação histórica.
Pois a relação do texto com o real é construída segundo modelos discursivos e
delimitações intelectuais próprios de cada situação escrita.
Para Chartier (2004, p. 91), na investigação histórica, busca-se fazer a leitura
das sociedades, esforçando-se para “compreender as tensões que as constituem, a
partir de um ponto de vista particular, de um acontecimento importante, de uma
trajetória de vida ou da história de um grupo específico”, indo até as estruturas,
buscando compreendê-las, por meio de um fato, de uma existência, de uma prática.
Dessa maneira, segundo o autor, a história comumente praticada reproduz as
ideologias das sociedades, e tal forma de proceder pode levar a conclusões
contraditórias, pois o discurso histórico é fundado por dupla operação:
a) constituir como representação os vestígios ou indícios (discursivos,
iconográficos, estatísticos, etc) que indicam as práticas constitutivas da
objetivação histórica;
b) estabelecer hipoteticamente uma relação entre as representações e as
práticas, para verificar suas condições e possibilidades de produção, seus
princípios de regularidade, seus condicionamentos e apropriações, e
poderá ser aceita se for plausível, coerente e explicativa
(CHARTIER,
2004, p. 92).
“Esta história deve ser entendida como o estudo dos processos com os quais
se constrói um sentido” (CHARTIER, 2002, p. 16). A partir dessa compreensão,
vislumbrei a possibilidade de buscar indícios por meio de pesquisa de fundo histórico
- contribuições de Vieira Peixoto e Khoury (2003), Nunes (1992 e 1995), Nunes e
40
Carvalho (1993), para decifrar as experiências históricas do ensino de alfabetização
em Diamantino, constituidoras de práticas sociais, produzidas pelas representações,
mediante as quais, os sujeitos envolvidos atribuíram sentidos à sua experiência e ao
seu mundo social.
Para Vieira, Peixoto e Khoury (2003, p.17-8) o objeto de estudo na pesquisa
histórica “aparece no emaranhado de suas mediações e contradições, recuperando
seu movimento de constituição, do qual fazem parte o pesquisador e sua
experiência social, que se depara com o desconhecido e o inesperado”. Dessa
maneira, possibilita-se a reconstrução do passado, buscando relacionar o fenômeno
em estudo a outras descobertas em contexto mais amplo, buscando outros sentidos
relacionados aos fatos históricos que ocorreram em determinado contexto.
Para explicitar o conceito de pesquisa histórica, Vieira, Peixoto e Khoury
(2003, p.17) consideram que esta “(...) leva em conta toda a experiência humana,
como história real, construída por homens reais, vivendo relações de dominação e
resistência”. A produção do conhecimento histórico é capaz de apreender e
incorporar a experiência por eles vivida, em situações e relações sociais
determinadas, com interesses e necessidades antagônicas.
Essa experiência é traduzida, segundo as autoras, na sua consciência como
cultura valores, tradições, idéias, instituições, arte e religião. Para essas autoras,
tornam-se relevantes os conceitos de: História Cultura Política - Objetividade
histórica e Totalidade:
a) História - concebida como a experiência humana, contraditória, vivida
integralmente e socialmente, um campo de possibilidades, que não tem um
sentido único, homogêneo, linear, nem um único significado;
b) Cultura apreendida como todo um modo de vida e de todo um modo
de luta;
c) Política - entendida como um espaço de luta, de multiplicidade de formas
de poder, contidas nas estratégias de controle e de subordinação no social;
d) Objetividade histórica - pensada como as condições particulares
específicas em que os homens empreendem sua atividade, sob qualquer
configuração: política, literária, social, cultural, econômica, religiosa;
e) Totalidade - reconhecida pelo movimento contraditório se fazendo,
desfazendo e refazendo. (VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY, 2003, p.18).
O entendimento do conceito de pesquisa de fundo histórico é também
amparado pelas contribuições de Nunes. Para esta autora qualquer pesquisa
histórica:
41
(...) parte de um solo de pré compreensões, cujo alargamento não ocorre
somente pela vontade do sujeito pesquisador, mas pelos rumos que
assume o conjunto da produção no qual seu trabalho se insere (...),
buscando recuperar a relação dialética entre a condição de vida dos
homens e a maneira pela qual a contam e a vivem (NUNES, 1995, p. 17).
O objetivo deste tipo de pesquisa, de acordo com a autora citada, é de
caminhar para uma interpretação mais aberta, pressupondo o pluralismo, pois,
segundo seu pensamento, para cada forma histórica, implica uma forma de erudição
e uma liberação de constrangimentos a que o historiador acha-se submetido, no que
diz respeito à sua própria formação ou às suas admirações. Implica também
conforme Nunes (1995) o movimento de sentir a história individual e a história social
com a mesma paixão e a tentativa de resgatar o sentido provisoriamente vivo das
palavras com as quais lidamos.
Para Peixoto, Vieira e Khoury ao tratar de conhecimento histórico é
importante:
(...) pensar o conhecimento histórico como aquele que é capaz de
apreender e incorporar a experiência vivida, é fazer retornar homens e
mulheres não como sujeitos passivos e individualizados, mas como
pessoas que vivem situações e relações sociais determinadas, com
necessidades e interesses e antagonismos (PEIXOTO, VIEIRA e
KHOURY, 2003, p.17 ).
Quanto à natureza e contribuição da pesquisa histórica, segundo as autoras
citadas, interessa - recuperar caminhadas, programas fracassados, derrotas e
utopias, pois nada nos garante que o que ganhou foi sempre melhor; dar ao objeto
eleito para estudo uma explicação global, acima de qualquer compartimentação,
centrando o eixo dessa explicação nos mecanismos que asseguram a exploração e
a dominação de uns homens sobre os outros, e que se traduzem nas relações
econômicas, políticas, sociais, culturais, nas tradições, nos sistemas de valores, nas
idéias e formas institucionais.
Nunes (1995, p. 17) enfatiza que cumpre, ao pesquisador, repensar o vivido
sem se aprisionar as interpretações existentes, tomando as práticas subjetivas, a
partir das quais se pode revelar o calor das relações pessoais e dos próprios
eventos históricos “levando em conta o conceito de totalidade, que envolve, além do
42
confronto de pontos divergentes sobre as mesmas fontes, o papel da teoria, a
estrutura social e política da época e as histórias individuais”.
Na procura por responder questões relativas à época presente, o pesquisador
enfrenta o paradoxo quando reflete sobre o papel da educação no passado, na
elucidação dos problemas pedagógicos da atualidade, como a democratização do
ensino, a formação de professores, a alfabetização. Quando se elege as questões
sobre as quais se trabalha, realiza-se um exercício de poder, cujos limites são
dados, entre outros aspectos, pelo lugar social de onde escreve e pelas práticas
institucionais nas quais se está mergulhado. Segundo Nunes (1992, p. 12) citando
De Certeau “sempre encontra o presente no seu objeto e o passado nas suas
práticas”.
Para Nunes (1995, p. 16) esse enfrentamento do pesquisador numa pesquisa
de fundo histórico possibilita “a dolorosa compreensão de que a esperança não está
no passado idealizado ou no futuro projetado, mas precisa ser construída passo a
passo nas lutas sempre duras do presente”. A autora diz, ainda, que esta postura
implica em conceber o trabalho do pesquisador do ponto de vista pedagógico, como
uma experiência que modifica quem a realiza, porque empurra para fora e para além
de si mesmo, significa a redobrada atenção para não obstaculizar o diálogo da
empiria com a teoria e não atentar contra o material empírico que temos em mãos,
negligenciando pormenores, simplificando dados e, principalmente,
conceptualizando-os antes de havê-los estudado o suficiente, implica em
problematizar a teoria ao mesmo tempo, que ela problematiza o objeto de estudo.
Esta atitude permite que coloquemos entre parênteses as representações
instituídas e nos lancemos na construção de um novo campo: o das representações
instituintes, onde o sujeito que nos interessa passa a ser problematizado pelo
conjunto de relações que o constrói, pelo processo que engendrou a sua prática e o
campo de possibilidades que a constitui e com as motivações que mudam no tempo
e no espaço. Em oposição às interpretações “autorizadas”, Nunes e Carvalho
enfatizam que:
o que se coloca em jogo, não são apenas as teorias em si, mas as
representações que temos delas. Revela a riqueza desse diálogo, a
possibilidade de problematizar a ambas, alterar as representações, que
temos não delas, mas também da própria pesquisa histórica (NUNES e
CARVALHO, 1993, p. 32).
43
Tais representações, para estas autoras, não são apenas criações do espírito,
mas produtos das mentalidades de uma certa época, de certas categorias sociais e
de determinados grupos. necessidade de desconstruir certas representações,
forjadas no âmbito do imaginário da produção acadêmica.
O conhecimento do passado, para Nunes (1995, p.16) “já faz parte de um
presente que nos afeta e que supõe um pertencimento a ser constantemente
questionado em função da responsabilidade que temos”. Nesse sentido, para esta
autora, mais do que mestra, a história é nossa própria vida.
Assim, por ser fundamental o conhecimento do passado para que possamos
compreender melhor o presente, a pesquisa de fundo histórico, traz muitas
contribuições, inclusive para a tomada de decisões político-pedagógicas no contexto
educacional presente.
A tendência contemporânea, segundo Nunes e Carvalho (1993), a partir da
nova história cultural implica, de um lado, abandonar os grandes recortes temáticos
e fazer a opção por análises pontuais, delimitados e tão exaustivos quanto possível
da particularidade das práticas e dos produtos culturais investigados. E do outro
lado, a problematização do lugar simbólico da construção do sujeito e das suas
práticas, implicando a incorporação de referenciais teóricos atentos aos processos
históricos de constituição dos objetos investigados.
Para Vieira, Peixoto e Khoury (2003) a investigação de fundo histórico é,
ainda, uma busca aberta de múltiplas possibilidades, onde o compromisso do
pesquisador deve ser com o “aqui” e o “agora”, mesmo seu objeto de estudo estando
distante no tempo. O diálogo com outros sujeitos sociais que produzem outras
interpretações é importante, evidenciando o caráter incompleto e aberto do
conhecimento histórico e das diferentes temporalidades históricas. Não aceitando o
silêncio do emissor do discurso, pois o significado político está muito presente na
experiência cotidiana e na prática social.
Esse tipo de pesquisa, como apontam Galvão e Batista (1998) possibilita
documentar o que pode ter acontecido num dado grupo social, por isso contribui
para a compreensão do presente, partindo do conhecimento do passado, não como
verdades absolutas, fatos inquestionáveis, pois o passado não será conhecido e
compreendido em sua completude e, sim, em seus fragmentos e incertezas,
possibilitando também pensar sobre o futuro.
44
Desse modo, segundo as autoras, as fontes documentais constituem-se em
um fator positivo para a pesquisa, ressaltando-se que devem ser lidas, interpretadas
e compreendidas como indícios, vestígios, às questões de pesquisa. As decifrações
de sua leitura e a inserção delas no contexto social é que determinarão os
significados a elas atribuídos, fazendo exercícios metodológicos frente ao objeto de
estudo.
O contato direto com as fontes de pesquisa (documento ou pessoa de quem
se obtém uma informação), irá favorecer ao pesquisador enxergá-las, em suas
múltiplas significações, observando aspectos que fizeram parte daquele contexto
histórico, e lhe permitirão fazer algumas perguntas, as quais contribuirão para
responder as questões de pesquisa.
Mapear fontes, como explicitam Nunes e Carvalho (1998, p. 30), “é preparar o
terreno para uma crítica empírica vigorosa que constitua novos problemas, novos
objetos e novas abordagens”, os quais possibilitam construir significados carregados
de valores, no diálogo que se estabelece entre referência e sentido. Outra questão
importante apontada pelas autoras é a organização das fontes:
a) incorporar nesse trabalho o maior número de informações, determinação
do lugar de fala desse documento, sistemas de descrição, indexação e
remissão, para pluralizar as possibilidades de utilização;
b) determinar o lugar de fala dos discursos, constituídos pelo pesquisador
como documentos, constituição da escola nessas relações; incorporação
de aspectos teóricos; alargamento da concepção de fontes e recurso a
novos procedimentos de análise, especialmente pelas contribuições da
história oral e dos diversos campos do saber (NUNES e CARVALHO, 1998,
p. 31).
Historiadores têm considerado, como apontam Nunes e Carvalho (1998), que
é preciso também penetrar no dia-a-dia da escola de outros tempos (os métodos de
ensino, os materiais didáticos utilizados, as relações professor/aluno, aluno/aluno, os
conteúdos ensinados, o sistema de avaliação, as punições, a imprensa pedagógica,
o livro escolar, o caderno do aluno, o mobiliário, o uniforme) e suas condições de
produção e de circulação, seus usos, suas transformações ao longo do tempo, pois
dizem sobre um passado educacional.
Dessa maneira, pensar sobre o interesse da pesquisa de fundo histórico,
suscita que se pense sobre o instrumental com que se trabalha, pois este ajuda
muito mais a perguntar do que a responder. O registro pode se dar por meio de
45
filmagens, fotografias, bloco de notas, gravações, etc. São ferramentas
imprescindíveis para que se possa investigar analisar e interpretar as fontes.
Cabe aqui recorrer a Febvre citado por Nunes e Carvalho (1993, p. 33),
apresentado na frase lapidar no início deste estudo, para evidenciar uma
compreensão sobre o que estou considerando como fonte para esta pesquisa, pois,
para este autor, uma
história é geralmente feita com a contribuição de documentos
escritos, mas quando estes não existem, pela ação do tempo ou pela não
preservação, é possível recorrer a “tudo o que pertencendo ao homem, depende do
homem, serve ao homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os
gostos e as maneiras de ser do homem”.
Estas autoras apontam, também, a importância da problematização e do
alargamento da concepção de fontes em história da educação, “no intuito de
construir uma historiografia menos generalista e estereotipada e a reflexão em torno
da nova história cultural e suas relações com a história da educação” (NUNES E
CARVALHO,1993, p. 8).
Dessa maneira, segundo as autoras, documentos para pesquisa em história
da educação precisam ser tomados na sua mais ampla acepção: podem ser
escritos, ilustrados, transmitidos pelas imagens, pelo som ou de qualquer outra
maneira, como por exemplo, aqueles que têm sido excluídos da análise: os
desenhos, os apontamentos de aula, filmes televisivos, fontes orais, fotografias, etc.
Para Saviani, é necessário lembrar também que “as fontes históricas são
sempre produções humanas, sendo assim é preciso distinguir as fontes”:
- que se constituem de modo espontâneo – encontradas nos vários tipos de
acervos, com mais diferentes formas, são documentos, vestígios, indícios
que foram acumulando-se ou foram sendo guardados, aos quais
recorremos quando buscamos compreender determinado fenômeno
(papéis acumulados em bibliotecas, miríade de peças guardadas em
museus, múltiplos objetos);
- que produzimos intencionalmente – materiais preservados para servir
como testemunho histórico, seja por educadores, seja por pesquisadores,
tendo em vista sua possível importância para estudos futuros, quando
esses materiais, serão, eventualmente, tomados como preciosas fontes
pelos historiadores em sua busca de compreender o seu passado que é
nosso presente;
- que o nos são dadas previamente nós próprios enquanto
investigadores, às instituímos, as criamos, por exigência do objeto que
estamos estudando, são os registros que efetuamos, por exemplo, quando
recorremos a testemunhos orais, cujo registro efetuamos para nos
apoiarmos na investigação (SAVIANI, 2004, p. 5-6-7).
46
Seguindo essa distinção, este estudo valeu-se de fontes produzidas
intencionalmente, por autoridades públicas (legislação, relatórios de diretores da
instrução, relatórios de inspetores); produzidas por educadores (diários de classe) e
ainda, aquelas produzidas pela própria pesquisadora (registros escritos a partir de
testemunhos orais).
Desse modo, é salutar refletir, mesmo que brevemente, sobre o diário de
classe, como fonte para esta pesquisa. Considerei o diário de classe como uma
fonte importante para o estudo sobre a história do ensino da alfabetização na escola
primária, por algumas razões: é, na maioria dos casos, o principal registro que a
escola guarda, relativo à organização e aos procedimentos adotados pelo professor
no seu trabalho com o aluno; é um instrumento de registro que consta a vida escolar
do aluno durante determinado ano letivo, possibilitando a estatística escolar; fornece
os dados para se constituir o histórico escolar dos alunos e; por sua natureza e
especificidade, concentra os conteúdos trabalhados no ensino; a forma de
organização das aulas e a distribuição de conteúdos, permitindo assim, a análise de
aspectos do processo de ensino.
Os diários de classe, neste caso, estão sendo tomados, conforme Saviani
(2004, p. 9) como “fonte, base, apoio, ponto de partida”. A partir dos diários de
professores de Diamantino-MT, foi possível realizar um movimento de leitura na
perspectiva de buscar indícios ou vestígios do cotidiano material e do processo
pedagógico, do ensino da alfabetização de algumas décadas do século XX. Nessa
tentativa de conhecer aspectos da alfabetização, chegou-se ao processo por meio
do qual emergiram várias escolas, instituições de ensino (já extintas) e profissionais
de ensino (professoras aposentadas), até então desconhecidas ou desconsideradas.
Essa situação possibilitou, de certo modo, recuperar aspectos das ltiplas práticas
sociais, culturais e educacionais, que permitiram também, a construção de novos
significados, contribuindo, da mesma forma, para a pesquisa nesta área, em nível
estadual.
No caso da alfabetização, especificamente, de acordo com Amâncio e
Cardoso (2005) esse tipo de fonte principalmente o diário de classe permite
também conhecer títulos de livros e de cartilhas que tiveram circulação em
determinadas localidades, conteúdos ministrados aos alunos e métodos de ensino
utilizados na escola da época. O conhecimento dos títulos, por sua vez, pode
permitir o acesso a exemplares e seus conteúdos e, dependendo do objetivo e do
47
aprofundamento da análise, pode-se conhecer aspectos importantes relacionados
aos fundamentos epistemológicos e pressupostos pedagógicos subjacentes às
propostas de alfabetização.
Buscar essas fontes implica também, segundo Galvão e Batista (2003), em
pensar na fidedignidade que estas possam representar, quanto às ações que
tenham acontecido num dado momento da história, questionar os atores sociais que
tenham vivenciado direta ou indiretamente os fatos ocorridos, fazer observação,
exploração categorização, seleção e reflexão sobre as fontes, o que constitui o
cerne da pesquisa de campo.
A seleção dessas fontes escritas, de acordo com os autores citados, também
é um passo importante da pesquisa histórica, apesar de que estes dados, de certa
maneira, em determinado momento, foram selecionados por sujeitos históricos,
em situações diversas da história; ou seja, por quem produziu esse material, por
quem os conservou, por aqueles que organizaram o acervo, ou pela ação do próprio
tempo.
É importante ressaltar que as fontes em pesquisa dessa natureza, como
informam Galvão e Batista, podem ser primárias e secundárias:
a) primárias consistem naquelas que tiveram uma relação direta com os
fatos analisados, ou seja, pode ser uma pessoa que vivenciou ou observou
um acontecimento, fotografias, documentos, gravações, objetos;
b) secundárias não têm relação direta com o acontecimento registrado,
como obras que falam acerca de um autor, de um livro, ou de uma época,
apoiando-se no que foi deixado pelo autor, livro ou acontecimento de época
(GALVÃO e BATISTA, 2003).
Esse trabalho, para Nunes e Carvalho, exige-nos sensibilidade, pois cabe “ao
pesquisador ao olhar, escolher como ver”, ou seja:
Compreender as fontes não apenas como instrumento manipulado pelo
pesquisador, mas como problema que remete diretamente à constituição
do campo da própria história da educação. Uma postura que esvazia as
fontes do seu significado mais denso, supõe estar apoiada sobre interesses
que nos mobilizam a cutucar certezas teóricas (NUNES e CARVALHO,
1993, p. 8).
Dessa maneira, são interessantes as afirmações das autoras de que o
“pesquisador não depende, apenas das questões formuladas dentro de certas
48
matrizes teóricas, mas também dos materiais históricos com que pode contar”
(NUNES E CARVALHO, 1993, p. 23).
Cabe lembrar que os documentos escritos, conforme Galvão e Batista (2003),
não devem ser considerados como as únicas fontes de pesquisa. São também
importantes os depoimentos de pessoas que fizeram parte da história, se pegarmos
como exemplo o processo de ensino nas diferentes épocas (como a organização da
escola foi se transformando ao longo do tempo) baseando-se nas leis, reformas,
regulamentos, programas, etc.
Outro aspecto importante nesse tipo de pesquisa refere-se aos critérios para
seleção da amostra, que devem levar em conta o universo da pesquisa - envolvendo
informações relevantes e originais; a população - que envolve informações
existentes na atualidade; e elementos - que envolvem dados conhecidos em
determinado tempo e:
(...) empurra-nos na direção dos educadores pioneiros e das suas práticas,
que reavivam a nossa vigilância epistemológica e animam-nos a ensaiar
nuances explicativas capazes de pelo menos indicar a pluralidade de um
universo que escapa as investidas das nossas mais sofisticadas
ferramentas teóricas (NUNES, 1995, p. 16-7).
Sendo assim, é necessário recorrer aos procedimentos e pressupostos
emanados da História Oral
21
, ainda que não seja profundamente, quando não for
esta a abordagem principal da investigação, pois poderá contribuir para a
complementação e cotejo de dados, procurando atender às recomendações de
estudiosos da área, como no caso desta pesquisa que também busca referência em
Bom Meihy (1996)
22
, Bosi (1987) e Sousa (1998)
23
.
A história oral caracteriza-se, segundo Sousa (1998, p.27), como um “método
de pesquisa e um meio de conhecimento”. Podemos distinguir várias espécies de
21
A História Oral firmou-se como um procedimento de estudo, em torno dos anos 50, e no final dos
anos 60, introduziu-se no meio acadêmico, difundindo-se por várias instituições. No Brasil o trabalho
pioneiro coube ao Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea – CPDOC,
sediado pela Fundação Getúlio Vargas RJ, que instalou o programa de História Oral em 1975
(SOUSA, Cyntia Pereira, 1998, p.27).
22
De acordo com este autor, é importante conferir as informações vindas de depoimentos orais, tendo
em vista a falibilidade da memória dos sujeitos, principalmente dos mais velhos e que podem ter sua
saúde comprometida. As fontes orais têm um papel fundamental, mas é necessário tratá-las com
cautela (BOM MEIHY, 1996).
23
Trata-se da autora SOUSA, Cyntia Pereira (1998), citada nas referências bibliográficas deste
estudo.
49
captação oral de dados; segundo a autora, cada uma delas guardando suas
peculiaridades, obtidas por meio de fontes vivas de informações. No caso desta
pesquisa, foi usada a entrevista, chamada também por alguns autores de “arquivos
provocados”. Estes contribuem para a produção de novos conhecimentos e para o
estabelecimento de outras perspectivas, novos modos de olhar e reavaliar
interpretações consagradas, sobre o processo histórico educacional.
É importante, ainda, quando se recorre à História Oral, encontrar sujeitos que
vivenciaram o fenômeno em estudo e que estejam dispostos a falar sobre ele. Isso
permite a confirmação, o confronto com dados oriundos da legislação e as outras
fontes documentais eleitas (atas, regimentos, diários de classe, relatórios de
inspetores, portarias, diretrizes pedagógicas, relações de entrada e saída de material
escolar).
Por isso, para estabelecer um diálogo entre disposições legais, perspectivas
teóricas e as práticas cotidianas da escola, a participação dos sujeitos que foram
contemporâneos ao processo vivido no passado, revela-se como peça de
fundamental importância, obviamente ressalvando-se os cuidados apontados por
autores como Bom Meihy (1996), Bosi (1987), citados anteriormente. Nenhuma
fonte, de acordo com os autores, por si só, pode ser considerada suficiente para o
desenvolvimento de qualquer estudo, especialmente quando se trata de pesquisa de
fundo histórico.
Amâncio e Cardoso (2005) asseveram também que apesar do cuidado
reiterado por estudiosos que vêem esse tipo de fonte com certas ressalvas, as
autoras acreditam que tratados com o devido cuidado os depoimentos podem
complementar e enriquecer outras fontes.
Desse modo, as fontes orais, que contribuíram para o registro das memórias
para esta pesquisa, são de mulheres, professoras, que com sua existência
permitiram-me conhecer e estabelecer relações entre o passado e o presente da
alfabetização diamantinense, pois como afirma Le Goff citado por Mortatti (2000, p.
07) “a memória, onde cresce a história, que por sua vez alimenta, procura salvar o
passado para servir o presente e o futuro”.
A memória, como ressalta Galvão e Batista (2003), é mediada por tempos
plurais, é individual, social e coletiva, permite conhecermos práticas sociais
partilhadas pelos sujeitos de determinado grupo, pois ela é muito mais que um
50
conjunto de lembranças sobre determinado fato, é um processo de luta em torno do
que deve ou será guardado.
Outra questão bastante comum, de acordo com as autoras, é o cruzamento
de fontes em pesquisa histórica, porque garante maior confiabilidade diante dos
fatos, garante também o controle da subjetividade do pesquisador, pois se tem um
leque de fontes que se pode privilegiar e que podem dizer muito sobre a educação
de outras épocas. Não alcança um resultado definitivo, mas sim, provisório, visto que
estão sujeitos à mudança.
Pensando dessa maneira, de que a história é sempre reescrita, uma fonte
nunca está esgotada. Mas isso depende muito da habilidade do pesquisador, por
isso um trabalho pode ser muito rico e confiável conforme o número de fontes a que
se recorreu e, quanto maior tenha sido o rigor exercido no trabalho de confronto
entre elas.
Cada fonte, cada documento tem um valor relativo, estabelecido a partir da
possibilidade de coerência com outros, conforme o trabalho a que é submetido, e
das relações que se consegue estabelecer sobre o tema, metodologia e teoria. Bem
como uma palavra, uma expressão, uma categoria, um estilo de escrita encontrados
em um documento, também adquirem sentido se não se quer cometer
anacronismos, quando colocados em seus contextos próprios de produção e
circulação.
As categorias que servem de apoio, conforme Vieira, Peixoto e Khoury (2003)
são construídas no caminho da investigação e as formas ocultas de resistência,
estratégias de subordinação e controle são essenciais para a compreensão do
social, recuperando a ação dos diferentes grupos que nele atuam; resgatando as
injunções que permitiram a concretização de uma possibilidade e não de outras.
Nessa direção, para que não ocorra uma mera descrição e interpretação das
fontes encontradas, é necessário saber lidar com as imprevisibilidades do fazer
histórico e desenvolver seus próprios métodos, dando inteligibilidade ao material,
estabelecendo categorias, algumas delas sendo definidas pelo pesquisador,
enquanto que outras vão surgindo a partir do trabalho com as fontes, depois de
exploradas e categorizados os documentos, é preciso associar, relacionar,
interpretar e explicar aquele passado que se busca conhecer.
De acordo com Chartier “o historiador procura localizar e interpretar
temporalmente o artefato num campo em que se intersectam duas linhas”:
51
a) vertical ou diacrônica – pela qual se estabelece a relação de um texto ou
de um sistema de pensamento com as manifestações anteriores no mesmo
ramo de actividade cultural, (pintura, política, etc);
b) horizontal ou sincrônica pela qual se determina a relação do conteúdo
do objeto intelectual com o que vai surgindo ao mesmo tempo noutros
ramos ou aspectos de uma cultura (CHARTIER, 2002, p. 61-4).
Para Chartier (2002, p. 65), “ler um texto ou decifrar um sistema de
pensamento consiste em considerar, conjuntamente, essas diferentes questões que
constituem, na sua articulação”. É ao identificar as divisões e as relações que
constituem o objeto em estudo que a história (das idéias, das formações ideológicas,
das práticas discursivas – pouco importa a designação) poderá pensá-lo sem reduzir
a simples condição de figura de circunstâncias de uma categoria supostamente
universal.
É necessário lembrar também, segundo Nunes e Carvalho, das “dificuldades
inerentes à pesquisa de fundo histórico”, dentre elas, as autoras citam:
a) a corrente concepção nas mais diversas instituições e instâncias, quanto
a valorização enfática dos documentos enquanto objetos de caráter
comprobatório, pois o valor informativo, do ponto de vista científico e
cultural, raramente é considerado;
b) a heterogeneidade das instituições portadoras de acervos, cujas
trajetórias próprias impregnam a documentação recolhida. Enfrentar essa
documentação, devido não aos múltiplos poderes que os arquivos
encarnam, mas as formas concretas, singulares, e contaminadas de
articulação de saberes implícitos e que se corporificam em práticas
classificatórias diferenciadas das fontes (NUNES e CARVALHO, 1998, p.
28).
Levando em conta esse conjunto de recomendações, na intenção de
contribuir para a construção de uma história da alfabetização em Mato Grosso, com
especial atenção ao município de Diamantino, busquei recuperar aspectos
relacionados ao ensino, ao modo como foi sendo processado nas normatizações e
procurei, também, compreender como se deu a apropriação dessas possíveis
orientações na prática dos professores diamantinenses. Assim, passo a tratar, por
meio da explicitação de conceitos, o referencial teórico que possibilitou o diálogo
com os dados da realidade pesquisada.
Os conceitos que utilizei para elucidar as discussões em torno da
problemática o especialmente: Alfabetização (SOARES, 2004); Cultura Escolar,
52
(JULIA, 2001); Representação e Apropriação (CHARTIER, 2002); Tradição
(ARENDT, 1968); Análise da Configuração Textual, Documentos Fontes,
Normatizações, Tematizações e Concretizações (MORTATTI, 2000).
Dessa maneira, o conceito de Alfabetização
24
será abordado com base em
Soares (2004), entendido como o processo de aquisição da leitura e da escrita e de
compreensão/expressão de significados, que depende, de características
econômicas, sociais e culturais, referente ao processo ensino e aprendizagem inicial
da escolarização formal.
Intrinsecamente ligado a história do ensino, está o conceito de cultura escolar
desenvolvido por Julia, que a define como:
(...) um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos, incorporação desses comportamentos; normas e
práticas coordenadas a finalidade que podem variar segundo as épocas
(JULIA, 2001, p. 10).
Para este autor, o estudo da cultura escolar é possível por meio da análise
das relações conflituosas ou pacíficas que ocorrem no interior da escola, a cada
período da história, por meio do conjunto das culturas que lhes são
contemporâneas: cultura religiosa, política ou popular.
O modo como os sujeitos envolvidos contribuem para uma apropriação de
discursos (institucionais) sobre alfabetização, será compreendido com base no
conceito explicitado por Chartier; segundo esse autor:
(...) a apropriação tal como a entendemos, tem por objetivo uma história
social das interpretações, remetidas para as suas determinações
fundamentais (que o sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas
práticas específicas que as produzem. Conceber deste modo atenção às
condições e aos processos que, muito concretamente, determinam as
operações de construção do sentido), na relação de leitura, mas em muitas
outras também, as inteligências não são desencarnadas, devem ser
construídas da descontinuidade das trajectórias históricas (CHARTIER,
2002, p. 26-7).
24
O termo Alfabetização em Mato Grosso aparece em fontes documentais somente no início da
década de 1910. Até o início do século XX o uso corrente era “ensino de leitura”, para indicar o
processo de aquisição da língua escrita, no início da escolarização de crianças. Já o termo analfabeto
aparece (não com muita freqüência) no século XIX, muito antes do termo Alfabetização ou
Alfabetizado (AMÂNCIO, 2000, p. 35).
53
Ainda conforme Chartier (2002), as coisas têm significações múltiplas,
multiplicidade de visões, produção, consumo, e os sujeitos têm maneiras particulares
de se relacionar com os significados. Assim a apropriação pretende como objetivo
realizar as interpretações das práticas sociais, que são construídas na
descontinuidade das trajetórias históricas. A apropriação nos remete ao jeito como
fazemos a leitura do que recebemos de forma múltipla.
O conceito de representação será discutido também com base em Chartier
(2002), pois esta permite compreender o funcionamento da sociedade, ou definir as
operações intelectuais que lhes permitem apreender o mundo. As práticas de
apropriação sempre criam usos ou representações muito pouco redutíveis aos
desejos ou às intenções daqueles que produzem os discursos e as normas.
Desse modo, o trabalho do pesquisador, de acordo com o autor citado, é
reencontrar essas representações antigas, procurando fazer leituras necessárias e
adequadas para compreensão de aspectos que compõem o universo cultural da
humanidade. É preciso ler as práticas sociais dos diferentes momentos históricos,
pois as práticas vêm das mudanças históricas, das transformações da realidade
histórica.
Isso implica, segundo este autor, em perceber do que as pessoas se ocupam
(práticas) e o que dizem (discurso), pois o resultado dessa leitura se concretiza em
narrativa, que deve ser organizada no tempo e no espaço, dando inteligibilidade às
coisas. Ao conceber documentos como vestígios e indícios, entendendo as práticas
sociais que deram origem a tais elementos, rompemos com a mera descrição dos
fatos.
História Cultural pode ser concebida conforme Chartier (2002, p. 39), como a
análise do trabalho de representação, isto é “das classificações e das exclusões que
constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias
de um tempo ou de um espaço”.
Tem como objetivo, as representações do mundo social. A noção de
representação, segundo Chartier, permite articular três modalidades da relação com
o mundo social:
a) em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que
produz configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é
contraditoriamente construída pelos diferentes grupos;
54
b) seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade
social, exibir uma maneira própria de estar no mundo significa
simbolicamente um estatuto e uma posição;
c) por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns
“representantes(instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de
forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da
comunidade (CHARTIER, 2002, p. 23).
Desse modo, não podemos pensar a história como linearidade, pois é terreno
inesperado, do improviso. É resultado das atitudes humanas, da conjuntura social,
política, econômica e cultural; por isso, a universalidade se quebra quando
pensamos na experiência histórica como constituidora de práticas sociais que forjam
conceitos e idéias.
Na intenção de compreender a história do ensino da alfabetização levando
em conta tais considerações, torna-se importante também ressaltar o pensamento
de Arendt, ao abordar o conceito de tradição. Segundo a autora,
A tradição contribui para a continuidade consciente no tempo presente,
daquilo que foi passado e que será legado ao futuro, rompendo com o
distanciamento entre modernidade e tradição, com a lacuna entre passado
e futuro, que promove o esfacelamento da tradição e os pontos de conflito
e contradição entre modernidade e tradição e entre antigo e moderno. O
homem na plena realidade do seu ser concreto vive nessa lacuna temporal
entre o passado e o futuro (ARENDT, 1968, p. 39).
O antigo x moderno é uma questão recorrente na área da alfabetização.
Nesse sentido, as contribuições da autora possibilitaram uma melhor compreensão
acerca do objeto de estudo no que diz respeito às disputas pela hegemonia de
determinado projeto de alfabetização, que predominam no discurso oficial, buscando
o rompimento da tradição em nome da mudança, onde geralmente o “novo e
moderno” são considerados melhores que o “velho e antigo”, embora os pontos de
conflitos e de contradição apareçam claramente nas práticas, que na maioria dos
casos apresenta uma continuidade no presente, daquilo que foi passado e que será
legado ao futuro.
Com base no estudo de Mortatti (2000) busquei neste estudo, a compreensão
do conceito de configuração textual, na tentativa de fazer uma aproximação ao
realizar o exame das fontes e a análise dos dados. Para essa autora, a análise da
configuração textual deve levar em conta os documentos considerados
emblemáticos e o conjunto de aspectos que o envolve, os quais possibilitam a
55
compreensão, explicação e interpretação do objeto de estudo, resultante da
“apropriação” que deles se faz.
Esse procedimento é entendido pela autora citada, como a análise integrada
do conjunto de aspectos que propiciam ao investigador reconhecer e interrogar
determinado texto (documentos de caráter emblemático), na posição de um leitor
contemporâneo, para compreender o sentido da experiência vivida, configurada nos
discursos produzidos em cada momento, e que lograram hegemonia. A autora
explica que esses discursos são versões preservadas no tempo e legadas aos
pósteros como documentos/monumentos.
Para a análise dos dados, optei por utilizar os conceitos também trabalhados
por Mortatti (2000), quais sejam, as tematizações, normatizações e concretizações:
as normatizações, por ela entendida como a legislação de ensino (leis, decretos,
regulamentos, portarias, programas e similares); as tematizações que se
caracterizam como, artigos, conferências, relatos de experiência, livros teóricos e de
divulgação, teses acadêmicas, prefácios e instruções de cartilhas e livros de leitura
e, também as concretizações, contidas em cartilhas e livros de leitura, guias do
professor, memórias, relatos de experiências e material produzido por
professores/as e alunos no decorrer das atividades didático-pedagógicas.
Partindo dos conceitos acima descritos, procurei compreender aspectos do
percurso histórico do ensino da alfabetização, em escolas primárias do município de
Diamantino MT, buscando indícios ou vestígios das práticas dos/as professores/as
que vivenciaram a escola primária nas décadas estudadas, dialogando também com
o discurso presente no conjunto idealizado pelas normas instituídas e em vigência
no mesmo período, por meio dos quais como ressalta Forquin (1992) é possível
encontrar tradição e rupturas.
2.2 – Pesquisas Correlatas: breve balanço
Uma revisão da literatura acerca da pesquisa sobre alfabetização no Brasil
evidenciou-se como necessária ao decidir investigar a problemática, com a
abordagem de fundo histórico; por isso, apresento uma breve discussão, a partir de
alguns autores, os quais possivelmente contribuirão para o estudo em questão.
56
Fazendo um balanço da produção acadêmica sobre Alfabetização no Brasil,
sobretudo de fundo histórico, Amâncio (2000), pioneira na área em Mato Grosso,
revela que há uma multiplicidade de estudos sobre a Alfabetização, abordando
problemas ligados ao Alfabetismo e ao Analfabetismo, em suas relações
socioculturais. Porém, enfatiza que poucas pesquisas de cunho histórico; as
razões, entre outras dificuldades se devem à falta de tradição, desse tipo de estudo
no Brasil, que, somente na última década do século XX, apresenta iniciativas nessa
área.
Dentre as pesquisas existentes, a autora, fundamentando-se especialmente
em Soares (1990) e Soares e Maciel (2000), destaca que nas divulgações a partir de
1990, no Brasil, predominam alguns enfoques, como o psicopedagógico (que
abrange a prática pedagógica e aspectos da psicologia), com a tendência do
construtivimo e do sociointeracionismo, além de outras perspectivas. Amâncio
(2000) reforça que no mesmo período começam a surgir estudos informados pelos
enfoques da lingüística, sociolingüística, psicolingüística e outros referenciais que
priorizam a relação entre informática e alfabetização. Outro referencial que começa a
enriquecer esse campo de pesquisa é o da abordagem histórica na alfabetização.
É grande o número de estudos relativos à alfabetização, realizados por
pesquisadores brasileiros e europeus, evidenciando a importância conferida a
temática, segundo Amâncio (2000). Porém, a autora ressalta que a problemática
relacionada aos altos índices de fracasso escolar continua desafiando novas
propostas. Considera que pesquisas de fundo histórico contribuirão para maiores
conhecimentos sobre o passado da alfabetização na escola pública e,
conseqüentemente, para a compreensão das dificuldades presentes no
encaminhamento de políticas de alfabetização.
A autora desenvolveu importante pesquisa histórica sobre a alfabetização no
estado de Mato Grosso, analisando a configuração textual do discurso institucional
sobre o ensino inicial de leitura, produzido nas primeiras décadas deste século, e
afirma que:
É importante ressaltar que nos últimos dez anos, pesquisas baseadas na
abordagem histórica em educação passaram a ter maior impulso em Mato
Grosso (...) No entanto, são raras as pesquisas que tratam direta ou
indiretamente do tema alfabetização nesse estado (AMÂNCIO, 2000, p. 5 ).
57
Em seu artigo “As muitas facetas da Alfabetização”, Soares (1985), apresenta
importante reflexão sobre alfabetização, com foco em sua natureza,
condicionantes/determinantes, fazendo reflexões que continuam atuais sobre o
fracasso escolar e suas causas, apontando a necessidade de compreensão mais
ampla, e da busca de contribuições em outras áreas do conhecimento para evitar
adoção de perspectivas reducionistas, bem como da produção de uma teoria
coerente sobre alfabetização.
Em sua primeira edição da série “Estado do Conhecimento”, Soares (1989)
reconhece o aspecto qualitativo que acompanha o aumento de pesquisas nessa
área. O estudo teve início em meados dos anos 80 sendo que o relatório apresentou
dados relativos ao período de 1961-1986. A pesquisa assumiu a perspectiva de
alfabetização da criança e, o conceito alfabetização, como processo de aquisição da
língua escrita (habilidades básicas de leitura e escrita) no processo de escolarização
regular.
O estudo evidencia que o enfoque psicopedagógico informa 70% dos textos e
30% são destinados a outros enfoques, os quais emergem a partir da década de
1980. Quanto ao referencial teórico em psicologia, ressalta-se que é bastante
heterogêneo, constituem eixos epistemológicos, nas concepções associacionista,
gestaltista, psicogenética e psiconeurológica, com predomínio do associacionismo,
apesar do crescimento da tendência psicogenética, com forte influência de Jean
Piaget, por meio das pesquisas de Emilia Ferreiro, com grande repercussão na
América Latina e Brasil em meados da década de 1980. Tais tendências surgem em
decorrência da complexidade do processo de Alfabetização e da necessidade de
compreendê-la sob a multiplicidade de perspectivas e pluralidade de enfoques.
Quanto ao lugar, não foram encontradas investigações que discutissem o tema em
outras instâncias, além da escola.
A autora ressalta, ainda, que identificou, em nível nacional, apenas uma
pesquisa de abordagem histórica, com Dietzsch (1979), a qual propõe uma análise
do discurso da alfabetização por meio de estudo de cartilhas em uso na cidade de
São Paulo, no período de 1930 e 1970, o que reforça a necessidade e importância
do desenvolvimento de pesquisas com essa abordagem.
Na segunda edição da série “Estado do Conhecimento”, com chancela do
Inep/Comped, Soares e Maciel (2000) apresentam resultados do estudo sobre a
alfabetização no Brasil. Neste estudo, as autoras apresentam, também, dados até
58
1989, resultado da análise de teses e dissertações, sobre o tema alfabetização no
Brasil, de cursos de pós-graduação das áreas de: educação, psicologia, letras e
distúrbios da comunicação. O levantamento que cita 219 teses e dissertações, se
justifica por serem textos acadêmicos de pouca circulação e precária socialização.
As autoras ressaltam que se trata de um estudo que visa contribuir para a
constituição de um banco de dados que não tem término, por duas razões:
a) movimento ininterrupto da ciência ao longo do tempo e assim, a análise
da pesquisa ”estado do conhecimento” vai paralelamente sendo construída,
identificando e explicitando os caminhos da ciência, promovendo a
integração dos resultados, identificando duplicações, contradições e
lacunas, temas precariamente estudados, metodologias de pesquisa pouco
exploradas;
b) caráter de permanência, como banco de dados, atualizado devido a sua
relevância, para pesquisadores e estudiosos, pois no Brasil o único grupo
que dispõe de todo o conjunto de teses e dissertações produzidas sobre o
tema está no Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE, da
Universidade Federal de Minas Gerais UFMG (SOARES e MACIEL,
2000).
Reforçam que, nos últimos 20 anos, o fracasso da escola brasileira em
alfabetizar, transformou-se em preocupação prioritária na área educacional, e não há
como não reconhecer que, hoje, a alfabetização ainda é o problema sico do
sistema educacional no Brasil. Esse reconhecimento tem se manifestado nas
iniciativas dos grupos de pesquisas mediante: seminários, encontros, capacitações,
projetos, programas e, também na multiplicação de estudos e pesquisas nas áreas
acadêmicas e científicas que, para além dos aspectos quantitativos, uma diversidade
de enfoques para a análise do tema.
Até recentemente, conforme Soares e Maciel (2000), os estudos voltavam-se
apenas para a faceta psicológica que privilegiava os aspectos fisiológico e
neurológico e as disfunções psiconeurológicas e para a faceta pedagógica que
privilegiava os pré-requisitos (prontidão) para a alfabetização e os métodos de
alfabetização. À medida que se foi reconhecendo a complexidade do fenômeno e a
multiplicidade de facetas sob as quais o tema deve ser analisado, diversas áreas
entram em cena; ao enfoque psicológico acrescentam-se as abordagens
psicológicas cognitivas, com a psicogênese, a perspectiva psicolinguística,
sociolinguística e a lingüística.
59
A compreensão dos determinantes sociais e políticos da educação, resultado
da análise crítica, nos últimos dez anos, produziu estudos sobre os condicionantes
da alfabetização, sob a perspectiva sociológica, antropológica, econômica e política.
Ao enfoque pedagógico, acrescentam-se princípios de organização e utilização de
cartilhas, formação do professor alfabetizador, etc.
Porém, a colaboração será a partir da revisão dessas perspectivas e
enfoques, de modo que se tenha uma visão do estado do conhecimento em
alfabetização no país, identificando aspectos privilegiados nos quadros teóricos dos
estudos e pesquisas, dos ideários pedagógicos, avaliação do conhecimento
construído e definição de novas linhas de pesquisa, para o avanço na busca de
solução do problema do fracasso das escolas na alfabetização.
As autoras conceituam pesquisa histórica como aquelas que descrevem,
analisam fatos ou fenômenos do passado: o que foi? como foi? porquê foi assim?
Ressaltando que no estudo realizado, encontraram apenas uma pesquisa com estas
características.
Pioneira no Brasil, Mortatti (2000), realizou uma importante pesquisa de fundo
histórico, abordando o movimento de constituição da alfabetização, como objeto de
estudo, enfocando a questão dos métodos no estado de São Paulo, no período de
1876 e 1994. Utilizou fontes documentais primárias e secundárias, em quatro
momentos considerados cruciais no período estudado: até 1880 os métodos antigos
e tradicionais; até 1920 os métodos modernos; até 1970 os métodos mais modernos;
e após 1970 a revolução conceitual com o construtivismo e o sociointeracionismo.
Para a autora, esses momentos caracterizam-se por disputas pela hegemonia
de um determinado projeto de alfabetização, predominando o discurso da mudança
no que se refere a métodos de alfabetização, onde o “novo e moderno”, foram sendo
considerados melhores que o “velho e antigo”. O estudo contribuiu para a
compreensão de aspectos importantes no processo de ensino de leitura e escrita na
fase inicial da escolarização de crianças no estado de São Paulo, fornecendo
elementos para compreender e construir a história da alfabetização em outros
estados e regiões do Brasil.
Bertolleti (1997) também realiza um estudo de fundo histórico em
alfabetização no Brasil, enfocando as cartilhas de alfabetização produzidas pelo
educador brasileiro Manoel Bergstrom Lourenço Filho: Cartilha do Povo (1928) e
60
Upa Cavalinho! (1957): a pesquisa explicita o projeto de alfabetização desse
educador, concretizado nas cartilhas analisadas.
Estas cartilhas, segundo a autora, podem ser consideradas concretizações de
um pensamento hegemônico atuante num passado, ainda presente, na educação
brasileira; sofreram pouca modificação e atualização ao longo do tempo, adquiriram
um caráter de permanência e influenciam até os dias atuais. O estudo contribui para
pesquisas de fundo histórico, que, segundo a autora são pouco exploradas na
educação brasileira, em especial aquelas relacionadas a cartilhas de alfabetização.
No artigo “Ler, escrever e contar.... a história da alfabetização em Minas
Gerais”, Maciel (2003) apresenta um panorama da alfabetização nas escolas
mineiras. A autora faz uma incursão de quase 200 anos de história da aprendizagem
da leitura e da escrita, evidenciando as tendências e ltiplas configurações
assumidas pela escola mineira e as mudanças ocorridas ao longo das práticas em
torno da leitura e da escrita, materialmente expressas por meio dos mobiliários,
objetos, livros e atores. O objetivo do trabalho é demonstrar que as questões
envolvendo opções metodológicas estão postas desde o início da produção didática
nacional.
O estudo apresenta dados estatísticos sobre alfabetização no país, os quais
são considerados pela autora como alarmantes; diz que é lugar comum associar o
fracasso escolar aos métodos e que as inovações nesta área, estão sempre aliadas
a propostas governamentais, que são por sua vez aprovadas por professores, que
podem ser opções de vanguarda ou de retrocesso. Apresenta também, os
resultados de um levantamento realizado no arquivo público mineiro, em que
verificou, os livros mais usados na província de minas. Observa o sucesso do
método global adotado em 1927, atribuído ao material didático produzido naquele
estado, o que incentivou a produção posterior de cartilhas semelhantes (todos com
orientação para professor). Enfatiza que, ao lado das cartilhas mineiras, usa-se
cartilhas de outros estados e que a escolha de um método recaía sempre na escolha
da cartilha. Segundo a autora, os métodos mais usados no estado têm um marco
definido de adoção, porém é difícil definir até quando os mesmos foram usados.
Por meio de um resgate histórico, a autora traz a preocupação com o
presente e o futuro sobre o ensino da leitura e da escrita, a partir dos reflexos do
passado, no sentido de contribuir para o fomento dos debates sobre a história da
alfabetização no Brasil.
61
Em sua investigação intitulada “Invenção de uma Nova Ordem para as
Cartilhas: ser Maternal, Nacional e Mestra. Queres Ler?”, Trindade (2004), realiza
um estudo macro analítico, numa perspectiva cultural e histórica, sobre a adoção de
cartilhas e métodos de alfabetização voltados para o Rio Grande do Sul, no período
correspondente a 1890 a 1930.
Neste estudo, a autora trabalha com os “antigos” métodos de ensino da leitura
e com as “antigas” cartilhas de alfabetização, sendo estes considerados pela autora,
com base na produção acadêmica existente, como artefatos culturais que trazem em
si discursos e representações do que é ser alfabetizado e/ou letrado, com base nos
efeitos que se imagina que a alfabetização possa causar ou promover. Alguns
desses estudos discutem métodos e processos de alfabetização e, mais
recentemente, procuram entender como esses discursos e representações
foram/são construídos culturalmente.
Sobre o estado da arte em alfabetização no Rio Grande do Sul, a mesma
autora diz que os estudos realizados por Soares (1989), nos Catálogos da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas ANPEd (1990 - 1996),
Seminário (1999) e Jornada (1999), apontam o trabalho desenvolvido por Trindade,
observando a significativa ausência de trabalhos sobre cartilhas e livros de leitura
adotados nas escolas gaúchas, o que confirma que pesquisas históricas e culturais
sobre alfabetização no estado tem iniciado recentemente.
Trindade (2004) ilustra o movimento da alfabetização com os estudos
realizados por Soares (1989) sobre o período de 1954 a 1986. Estudos de Brandão,
Baeta e Rocha (1985) discutem a evasão, a repetência e a promoção, até a década
de 70, e para a década de 80 com Soares (1989) e, especialmente, para a década
de 90, com a produção acadêmica divulgada pela ANPEd (de 1990 a 1996) com
uma multiplicidade de abordagens e de referenciais como da lingüística e da história.
Estudos recentes sobre letramento/alfabetização, a autora ilustra a partir dos
estudos históricos e lingüísticos de Graff (1989, 1990 e 1995), Kleiman (1995) e
Soares (1996 e 1998). Com as contribuições da lingüística, realizados por Geraldi
(1984), sobre a questão dos textos nas cartilhas ou livros de leitura inicial, Lemle
(1991) e Tasca (1986). Os estudos da concepção psicolingüística realizados por
Ferreiro e Teberoski (1985), discursiva com Smolka (1988) e sociolingüística com
Braggio (1992). Destaca, ainda, as teses de doutorado nessa área de Monarcha
(1994), Magnani (1997) e Mortatti (2000).
62
O objetivo do estudo de Trindade (2004) é discutir, entre outras dimensões,
quais as expectativas tinha o governo gaúcho, a respeito de alfabetismo e “como” os
métodos de ensino da leitura e da escrita e as cartilhas, ou primeiros livros de ensino
de leitura e da escrita, eram produzidos para atender essas expectativas. Privilegia a
descrição das diferenças, transformações, continuidades e mutações que marcaram
os discursos da dita pedagogia moderna sobre métodos de ensino da leitura e da
escrita e alfabetismo, articulando-o aos discursos políticos que implementaram a
instrução pública republicana no estado, buscando viabilizar as representações que
eles receberam nas páginas das cartilhas.
A autora ressalta, por fim, que as cartilhas fizeram parte de uma cadeia de
produção cultural, sendo sua textualidade marcada pelo impacto da
intersubjetividade da modernidade republicana.
Apesar de, neste estudo, não se ter à intenção de analisar o tema em uma
perspectiva comparada, é necessário levar em conta a existência da diversidade e
das diferenças quanto aos modelos de alfabetização, considerando as
características peculiares de cada contexto, as quais favorecem, também, o
desenvolvimento da alfabetização de forma diferenciada. Neste sentido, apresento
brevemente a contribuição de autores que desenvolveram estudos desta natureza e
que poderão elucidar a compreensão de aspectos relacionados a tipologias e
modelos de alfabetização.
Em sua obra “Alfabetização na Sociedade e na História”, Frago (1993), com
uma abordagem histórico-antropológica, faz análise histórico-comparativa e análise
espacial, apresentando uma visão geral de modelos históricos de alfabetização, na
Espanha e em outros países do Ocidente, desde o século XVII e o delineamento dos
diversos modelos construídos.
Os estudos do autor revelam que não há um único modelo de alfabetização, e
que as pesquisas em alfabetização adquirem sentido a partir de uma perspectiva
comparada. Pois, segundo ele, é necessário levar em conta a existência da
diversidade e das diferenças, que produzem divergências e conferem, a cada
modelo, características peculiares.
Investigações históricas recentes, em contexto internacional comparativo,
baseada nos enfoques e perspectivas da sociologia da comunicação, do
conhecimento e da cultura, da história dos processos de comunicação oral e da
difusão da leitura e escrita, superando as limitações metodológicas, segundo o
63
autor, dão ênfase às causas e conexões ideológico-culturais mais complexas,
reformulando as relações entre industrialização, urbanização e alfabetização.
O centro das atenções desloca-se do analfabetismo para o processo de
alfabetização, seus agentes e modos de atuação, procedimentos, difusão temporal,
espacial e social. Situando analfabetismo e a alfabetização nos países de terceiro
mundo, num contexto mais amplo, o que explica parte do fracasso das campanhas
de alfabetização nos últimos trinta anos. Explica as notáveis diferenças no processo
de alfabetização entre países protestantes e os católicos, e as comunidades dentro
de um mesmo país, com algumas exceções e variações.
O autor reforça que caso se queira chegar a uma concepção mais ampla da
alfabetização, deve-se contemplar também (além da aquisição de ler e escrever) a
capacidade para decifrar/decodificar outros signos diferentes dos alfabéticos; para
ele:
(...) é um erro, uma deformação etnocentrista, circunscrever a alfabetização
ao domínio da leitura e escrita (...) em nossa sociedade atual, temos
exemplos daqueles que consideramos alfabetizados ou letrados, que se
mostram inábeis diante de um mapa, um gráfico, um plano, um quadro
estatístico ou um projeto de engenharia ou arquitetura (...) da fotografia, do
cinema, da televisão ou da publicidade, do mundo da informática (...)
(FRAGO, 2003, p. 43).
O autor chama a atenção para o fato de que, embora seja possível a
construção de uma tipologia de modelos históricos em alfabetização, o existe um
único modelo, em função das peculiaridades regionais e locais, além das variáveis:
sexo, grupo social, causas, agentes e modos de alfabetização; diversidade de
motivações: religiosas, políticas, militares, econômico-individuais, profissionais, de
prestígio social, acadêmicas, corresponde a uma diversidade de agências: escola,
igreja, família, exército, clubes; maneiras, modos e usos de alfabetização.
O modelo ou processo de alfabetização seguido pode modificar esta
distribuição, atenuar ou acentuar diferenças, afetar ou não determinados grupos;
mas, em qualquer tempo e lugar, não se pode fazer sua história sem fazer, ao
mesmo tempo, a história de sua distribuição social desigual. O autor ressalta que a
perspectiva histórica oferece uma ampla diversidade de situações e claras
evidências do generalizado uso da alfabetização mais com propósitos de controle
que de conscientização ou autonomia.
64
Ao investigar a história da alfabetização Ocidental, nos Estados Unidos, com
a abordagem histórico-antropológica, Graff (1994), revela que, na Suécia, sob os
esforços e tutela da Igreja Luterana e do estado, dentro de um século, apresenta-se
elevados níveis de alfabetização, sem relação com a escolarização formal, ou
desenvolvimento econômico ou cultural, a prática era definida pela leitura e não pela
escrita. A campanha antes do século XVIII, patrocinada pela igreja com vigilância do
clero paroquial, foi uma das mais bem sucedidas do Ocidente, enraizada na
educação doméstica, onde os párocos eram os guardiões e as famílias seus
instrumentos propagadores.
Somente a partir da metade do século XIX com o sistema escolar sustentado
pelo estado, que a escrita em acréscimo à leitura torna-se parte da alfabetização
popular. Em outras regiões, de religião nem sempre protestante, como Escócia,
Nova Inglaterra, regiões do interior da Alemanha e da Suíça, também alcançaram
níveis elevados de alfabetização no século XVIII. As reformas do século XVI
representam as primeiras campanhas educacionais. O autor ressalta que o passado
tem muito a ensinar; para ele, a história da alfabetização sugere que não rota,
nem modelo único para alfabetização universal.
O breve balanço apresentado até aqui mostra a importância conferida ao
tema alfabetização, evidenciando, também, que o desenvolvimento de pesquisas de
fundo histórico, contribui para a compreensão do presente da alfabetização; e,
diante das dificuldades encontradas neste nível de ensino nas escolas públicas
brasileiras, pode contribuir para se pensar em propostas futuras.
65
ESCOLA PRIMÁRIA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO EM
DIAMANTINO – MATO GROSSO (1930 a 1970)
66
ESCOLAS ISOLADAS RURAIS MISTAS: INSTRUÇÃO PRIMÁRIA
RUDIMENTAR
“(...) diversos meninos, em bancos sem encostos, seguravam folhas de papel e esgoelavam-se: um b
com um a - b, a: ba, um b com um e b, e: be. Assim por diante, até o u. Em escolas primárias da
roça ouvi cantarem a soletração de várias maneiras. Nenhuma como aquela, e a toada única, as
letras e as pitombas, convenceram-me que a sala, as árvores, transformadas em laranjeiras, os
bancos, a mesa, o professor, os alunos, existiram (...)
(Graciliano Ramos, 1974)
67
Figuras 1: Folha de abertura de diários de classe de professores de Escolas Isoladas
Rurais Mistas, 1939 e 1943.
68
3.1 – Escolas Isoladas Rurais Mistas: instrução primária rudimentar
Tratar das escolas municipais rurais de décadas de meados do século XX, é
um assunto que está intimamente ligado aos espaços e tempos antigos e distantes
dos atuais, portanto pretende-se neste item fornecer elementos para a compreensão
dos limites com o passado, das práticas culturais apreendidas num meio rural, onde
se pretendia oferecer um ensino primário, mesmo que rudimentar.
No período correspondente à cada de 1930, a escolarização formal atingia
provavelmente apenas uma minoria da população diamantinense, assim como em
outras regiões do estado, apesar de que a sociedade se tornava mais complexa, e
as demandas em torno da escolarização aumentavam significativamente. No Brasil,
segundo Galvão e Batista (1998), chega-se ao século XX, com mais de 80% da
população analfabeta.
O ensino, em geral, era dividido em primário e secundário regidos pelo
regulamento de 1927
25
, no qual as escolas classificavam-se em Isoladas Rurais,
Isoladas Urbanas e Isoladas Noturnas. Neste item tratarei, especificamente de
algumas escolas isoladas rurais do município de Diamantino, nas décadas de 1930
a 1970; grande parte delas já extinta, mas o seu percurso histórico ficou como se
estivesse guardado num picuá
26
, que somente depois de aberto, desvelado, se torna
possível conhecer a riqueza que contém.
Para isso, é relevante apresentar a forma pela qual o Regulamento da
Instrução Pública do Estado (1927, art. 5º)
concebia as Escolas Isoladas Rurais:
“São ruraes as escolas isoladas localizadas a mais de três kilometros da séde do
município”.
Estas escolas seriam criadas, de acordo com o referido regulamento (art.14º),
conforme a necessidade de cada localidade, por meio de proposta do Diretor Geral
da Instrução Pública do Estado e das informações dos Inspetores Gerais,
25
Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Mato Grosso, instituído pelo decreto nº
759, de 22 de abril de 1927. O primeiro Regulamento da Instrução Pública do período Republicano foi
em 1896, instituído pelo decerto nº 68/1896 e depois o Regulamento da Instrução Pública Primária do
Estado de Mato Grosso de 1910, expedido pelo decreto nº 265/1910.
26
Cesto, balaio, saco de lona ou algodão (Dicionário Aurélio, 2000, p. 533). Termo utilizado para
designar um recipiente qualquer, usado para armazenar ouro ou diamante em regiões garimpeiras,
bastante usado na região de Diamantino.
69
observando as condições de funcionamento: prédios adequados às necessidades
escolares e número de 30 matrículas no mínimo.
No período de 1918 a 1921, estudavam nas oito Escolas Rurais Mistas,
apenas 121 alunos, 93 destes alunos eram do sexo masculino e 28 do sexo
feminino, para os quais lecionava apenas um professor em cada localidade.
De acordo com o relatório do Diretor Geral da Instrução do Estado, Dr.
Cesário Alves Correa, enviado ao Dr. Virgílio Alves Correa Filho, Secretário do
Interior, Justiça e Fazenda, de 14 de março de 1922
27
, nesse período, Mato Grosso
contava com 156 Escolas Isoladas Urbanas e Rurais, sendo que destas, 7 eram no
município de Diamantino. Destas escolas, 5 eram Escolas Rurais Mistas e 2 eram
Escolas Urbanas, uma Masculina e uma Feminina. Ou seja, foram fechadas ou
extintas 3 das escolas rurais que aparecem no quadro.
Quadro 4 - MAPA DEMONSTRATIVO DOS PROFESSORES/AS PRIMÁRIOS/AS INTERINOS/AS
DAS ESCOLAS ISOLADAS RURAIS MISTAS DE DIAMANTINO E MATRÍCULA, 1918 a 1921.
PROFESSOR POVOAÇÃO POSSE MASC FEM
PORTARIA
Chrispimano S. da Silva Povoação de Lavrinha
14/05/18
28 3 _
Henrique da Costa Neves Povoação de Córrego Fundo 14/05/21 14 8 150
Salustiano S. da Silva Fazenda Velha 14/05/21 25 7 151
Izabel Moreira Visctório Povoação de Simões Lopes 16/03/21 - - 139
Olga da Silva Higgins Reserva Utiariti 09/03/21 26 10
Vaga Povoação de Pontezinha _ _ _ _
Vaga Localidade de Afonso _ _ _
Luiza França de Santana Povoação de Ponte de Pedra _ _ _ _
Fonte: Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso, Dr. Cesário Alves Corrêa, ao
Secretário do Interior, Justiça e Fazenda, Dr. Virgílio Alves Correa Filho, Cuiabá 14 de março de
1922. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Livro 108 – A.
Em 1925 o Diretor da Instrução Pública
28
, dizia que a instrução primária
oferecida pelos grupos escolares era um dos serviços blicos mais eficientes do
estado; porém ressaltava que não podia dizer o mesmo sobre as Escolas Rurais,
espalhadas pelo interior do estado. Segundo ele, faltavam instalações apropriadas,
havia deficiência de material, dificuldade em encontrar professores diplomados, a
fiscalização era praticamente nula e, a contribuição dessas escolas era insignificante
para a infância residente fora das cidades e vilas.
27
Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Livro 108 – A.
28
Mensagem do Presidente da Instrução Pública de Mato Grosso, Dr. Aníbal Toledo, apresentada à
Assembléia Legislativa e lida na abertura da Sessão Ordinária da sua legislatura. 1930. Arquivo
Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
70
É interessante ressaltar que, no ano de 1931, havia um movimento de
redução de alunos nas localidades rurais do município de Diamantino, conforme
Relatório apresentado pelo Diretor da Instrução Pública, ao Secretário Geral do
Estado, que segundo ele, se justificava pela falta de população escolar suficiente
naquelas localidades.
29
Foram extintas 14 escolas rurais no estado (...), sendo 3 no município de
Diamantino. Todas estas escolas não vinham preenchendo os fins a que se
destinavam, pela falta, nas localidades em que estavam, de população
escolar suficiente a sua manutenção. (...) recomenda-se aos inspetores de
ensino uma fiscalização mais rigorosa, a fim de se localizarem as escolas do
estado, nos centros de população onde maior a necessidade se fizer
(Franklin Cassiano da Silva, 1931).
A extinção dessas escolas pode estar associada às condições sócio-
econômicas do estado, porque, até essa época, a maioria da população dos
municípios residia nas regiões rurais
30
. De acordo com Alves (1994, p.115) “a
produção agrícola estava em decadência em virtude da concorrência de firmas
estrangeiras, excesso de produção, confrontos entre interventores federais e
usineiros, desequilibrando a economia mato-grossense”. Esses fatores podem ter
contribuído para a diminuição da população nas áreas rurais, ocasionando a
extinção de escolas, conforme previsto no regulamento:
A escola rural será suprimida por processo idêntico ao da creação, quando:
a) a população escolar diminuindo, torna-se insufficiente;
b)a frequencia média mensal for inferior a 15 alumnos, durante seis mezes
no anno, ou quando o inspetor geral, em três visitas consecutivas, com um
mez, pelo menos, de intervallo, encontar alumnos presentes em número
inferior aquele mínimo, não sendo o professor a causa da deserção;
e) se tornar desnecessária com a creação de grupo escolar ou escolas
reunidas nas proximidades (MATO GROSSO, 1927, art. 8º).
De acordo com o Regulamento, os professores nomeados para estas escolas,
poderiam ser admitidos para lecionar com idade acima de 16 anos para o sexo
29
Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado, pelo prof. Franklin Cassiano da Silva, Diretor
Geral da Instrução Pública. Cuiabá, 15 de abril de 1931. Arquivo Público de Mato Grosso APMT.
Impresso.
30
A economia mato-grossense, nesse período baseava-se na agricultura principalmente cana-de-
açúcar, na pecuária, nos produtos extrativos e numa pequena produção industrial, atividades que não
exigiam escolarização dos seus trabalhadores, daí a precariedade do ensino rural. Permanecia
também o comércio de produtos naturais, como a borracha, a castanha, a ipeca, a erva mate (poaia)
e o quebracho. Em relação a pecuária, Mato Grosso exportava, através da ferrovia Noroeste do
Brasil, produtos como charque, couro, peles e outros (ALVES, 1994, p.115).
71
feminino e, para o sexo masculino acima de 20 anos. Quanto à formação, devia ser
preferencialmente aqueles que tivessem o curso Normal; na falta dele, o curso
Complementar e, na falta deste, qualquer pessoa que fosse idônea. Ou seja, parece
que prevalecia o último critério, pois não havia pessoas com formação para assumir
estas escolas rurais.
O ensino primário normatizado pelo regulamento, buscava modernizar o
ensino mato-grossense, mas os recursos humanos, no que diz respeito à formação e
qualificação de professores, principalmente para atuar em escolas rurais, eram
escassos, de forma a não dar sustentação à reforma almejada desde o Regulamento
da Instrução Pública de Mato Grosso, de 1910
31
.
O Regulamento da Instrução Pública de 1927, normatizava em seu artigo
sobre o ensino primário:
A escola rural tem por fim ministrar a instrucção primária rudimentar; seu
curso é de dois annos e o programma constará de leitura, escripta, as
quatro operações sobre números inteiros, noções de História Pátria,
Chorographia do Brasil e especialmente de Matto-Grosso e Noções de
Higyene (MATO GROSSO, 1927).
Como se vê, o objetivo destas escolas era “a instrução primária rudimentar”,
que consistia em ensinar as noções da leitura da escrita e do lculo. É necessário
compreendermos a forma como este regulamento concebia o ensino da leitura e da
escrita, para este nível de ensino. Em seu art. 91º, parágrafo 5º, o referido
regulamento prescrevia que as escolas primárias “empregarão, no ensino da leitura,
o methodo
32
analytico”
(MATO GROSSO, 1927).
O método analítico
33
tem como pressuposto os processos de análise e de
síntese, tendo a palavra ou a sentença como ponto de partida. Para Micotti (1970,
p. 54) esse método tem como princípio “ir do complexo ao simples e do concreto ao
31
Esse regulamento é tratado mais pormenorizadamente, nas pesquisas de Amâncio (2000), Alves
(2004) e Reis (2003).
32
O termo método foi utilizado nesta pesquisa, no sentido restrito a ele atribuído, no período de 1930
a 1970, de acordo com a conceituação de Soares (2004, p. 96), englobando sob a denominação de
método, apenas os paradigmas didáticos tradicionalmente considerados na teoria e na prática da
alfabetização: os chamados métodos analíticos e “métodos sintéticos”, em suas diversas
modalidades (soletração, fônico, silábico, palavração, global, eclético).
33
O emprego do método analítico segundo Micotti (1970, p. 58), pode ocorrer por meio da
palavração, da frase ou sentenciação e conto ou historieta. O processo da palavração foi introduzido
na Europa, em 1648, por Comenius, em seu livro “Orbis Pictus”, onde sugeria a utilização de palavras
como ponto de partida para a leitura, convenientemente ilustradas, a aprendizagem ocorre de
maneira rápida e não cansativa.
72
mais abstrato”. Dar a criança desde o início, material real e o conjunto de símbolos
escritos tal como se apresentam na leitura do adulto, para assim proceder a análise
de seus elementos constitutivos que são símbolos abstratos.
Isso quer dizer que, a partir daí, a adoção oficial deste método no estado.
O ensino das disciplinas, de modo geral, de acordo com o Regulamento da
Instrução Pública de Mato Grosso, de 1927, deveria ser desenvolvido com base nos
princípios do método “intuitivo e prático”. O artigo 91º prescrevia que “os
professores observarão, no seu trabalho educativo, entre outras, as seguintes
normas básicas”:
- passarão sempre, no ensino de qualquer disciplina, do concreto para o
abstracto, do simples para o composto e complexo, do immediato para o
mediato, do conhecido para o desconhecido;
2º - farão o mais largo emprego da intuição;
- conduzirão a classe às regras e às leis pelo caminho da
inducção;(MATO GROSSO, 1927)
Desde a reforma de 1910, houve no estado de Mato Grosso a tentativa de
introdução de um método de ensino de leitura, especialmente nas escolas da
capital, porém Amâncio (2000, p. 195) assevera que “não chegou a constituir-se
numa política de alfabetização ou de ensino de leitura”. Nas escolas do interior do
estado e, principalmente, rurais, a situação era mais complexa dada à distância da
capital que dificultava a locomoção de professores e a divulgação de propostas
pedagógicas. Como enfatiza Alves (1994, p.84) “poucos professores habilitados se
arriscavam assumir escolas no interior, devido à carência total de recursos e aos
baixos salários oferecidos”.
Para a elaboração deste item, foram importantes as fontes documentais
consultadas: mensagens de presidente do estado, relatório de diretores da instrução
pública, diários de classe, atas, relatórios de inspetores e entrevista com uma
professora alfabetizadora aposentada. Apesar das lacunas, este conjunto de fontes
permitiu compreender um pouco da configuração social construída, no percurso do
ensino da alfabetização nas Escolas Isoladas Rurais Mistas de Diamantino.
Localidades distantes, com suas especificidades e singularidades que, no contexto
maior, compõem a diversidade do estado de Mato Grosso
34
.
34
Nesse sentido foi relevante a localização e consulta aos diários de classe 1939 a 1973, relatórios de
inspetores e ao livro ata de lançamento de compromissos da Escola Reunidas Major Caetano Dias,
73
Por decreto do governo do estado de Mato Grosso, foram criadas, em 1941,
100 escolas rurais de instrução primária no interior do estado
35
. Destas escolas, em
cada município, uma deveria denominar-se Presidente Vargas, em homenagem ao
aniversário do Presidente. No município de Diamantino, esta escola foi implantada
na Povoação de Afonso, outras duas destas escolas foram instaladas na Povoação
de Utiariti e do Gatinho. É interessante situar este fato, como sugere Alves (1994, p.
130), ao contexto político nacional, em que Getúlio Vargas, realiza uma ampla
campanha, “em nome da necessidade de alfabetizar o povo brasileiro para libertar o
país do analfabetismo, em um dia são criadas 1.248 escolas em todo o país,
dentre elas algumas destinadas a Mato Grosso”.
Destas escolas, e de outras escolas rurais existentes no município naquele
período, localizei oito diários de classe, de seis professores
36
, referente a 1939 a
1948, sendo que destes, somente quatro revelam o conteúdo ministrado nas classes
de alfabetização naquele período, os demais apresentavam apenas a lista de
alunos, a freqüência diária e as notas.
Quadro 5 – ESCOLAS E PROFESSORES DAS ESCOLAS RURAIS MISTAS DE DIAMANTINO
LOCALIDADE PROFESSOR ANO ALUNOS.
Córrego Fundo Henrique da Costa Neves 1939, 1941 e 1943
Pontezinha Manoel Nemésio da Costa 1943 e 1946 7/21
Macuco Ir. Carmelita Abreu 1942
Utiariti Maria das Neves Rosa 1945 30
Lavrinha Ir. Zélia Tomelin 1946
Povoação das Pedras João Gusmão de Lara 1948 46
Afonso Urbano Antonio da Cruz 1943
Lavrinha Zilda Lins de Araújo 1943
Fazenda Nova Jovina Almeida Soares 1944 a 1969
Gatinho Adélia Pereira de 1947 35
Gatinho Clarice da Silva Pereira 1947 41
Gatinho Maria Capistrano da Silva
(diretora)
1948 218 (todo)
do período de 1939 a 1968, onde as atas eram lavradas e assinadas até junho de 1952, pela diretora
da escola Irmã Zélia Tomelin e a partir de 1953, pela Irmã Lucinda Faquini, professora que a partir daí
assume a direção da Escola. Foi possível também o levantamento da instalação de escolas e posses
de professores diamantinenses, a partir do qual organizei quadros destes professores, por escola,
constantes nos anexos deste trabalho.
35
Diário Oficial 8.564 do Estado de Mato Grosso, Cuiabá, sexta-feira, 18 de abril de 1941. Arquivo
Público de Mato Grosso – APMT. Lata 1941.
36
Os diários de classe o respectivamente dos/as Professores/as e Escolas Isoladas Rurais Mistas:
Henrique da Costa Neves Córrego Fundo, 1939, 1941 e 1943; Manoel Nemesio da Costa –
Pontezinha, 1943; Ir. Carmelita Abreu Macuco, (s. d); Maria das Neves Rosa Utiariti, 1945; Ir.
Zélia Maria Tomelin Pontezinha, 1946 e João Gusmão de Lara Povoação das Pedras, 1948.
Fonte - Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
74
Fonte: Diários de classe (1939 a 1948) Professores de Escolas Isoladas Rurais Mistas de
Diamantino. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005 e Pesquisa Oral, professora
Jovina Almeida Soares, 2005.
A partir da localização dos diários de classe
37
, foi possível verificar aspectos
sobre o funcionamento daquelas escolas rurais, como: salas mistas, número
variando entre 30 e 35 alunos e idade de 7 a 15 anos. Estas salas eram de e
séries, considerando que, no interior de cada série, havia níveis diferentes de
aprendizagem (A, B, C). Estas salas geralmente funcionavam em um turno, na
maioria dos casos no período matutino. As notas de 0 a 10, variavam entre 4 a 8,
pelos dados de matrícula estes alunos eram na maioria de municípios do próprio
estado e alguns de estados como Bahia e Maranhão.
Fui também em busca dos professores que lecionaram nas escolas rurais,
para que pudesse obter mais informações sobre como se processou o ensino da
alfabetização naquelas localidades e, assim, cotejar com seus diários de classe. Mas
não logrei 100% de êxito nessa atividade: alguns foram morar em outras localidades,
outros falecidos. Todavia, foi possível conhecer e conversar com uma professora
que lecionou por muito tempo em área rural, da qual trato a seguir, embora não
tenha localizado nenhum de seus diários referentes a esse período
38
.
3.1.1 – Aprendendo o ABC e a Fazer Contas
Uma das riquezas que uma pesquisa pode proporcionar ao pesquisador é o
encontro com o outro, com o qual é possível compartilhar aspectos de uma história
que talvez interesse a poucos... Especialmente quando esse outro é uma
professora, que, em sua simplicidade, tem muito a ensinar.
A professora alfabetizadora que foi localizada e contribuiu com este estudo,
lecionou durante vinte e cinco anos na localidade rural Fazenda Nova. Jovina
Almeida Soares tem 84 anos de idade e, como um diamante no meio do cascalho
bruto, brilha pela sua memória fantástica. Continua vivaz, falante e sábia. Esta
37
Apresento capa e folha inicial destes diários de classe, na abertura dos capítulos deste trabalho.
38
Segundo a professora Jovina Almeida Soares, levava todos os documentos da Escola de Fazenda
Nova, para a cidade e entregava para a diretora da Escola Reunidas Major Caetano Dias ou para o
Prefeito Municipal. Na pesquisa realizada nos arquivos da Prefeitura Municipal não foi possível
localizar esse tipo de documento.
75
professora alfabetizadora recebeu-me em sua residência, na Fazenda Nova e abriu
a sua antiga escola e seu coração, para que dentro daquele espaço escolar
pudéssemos conversar.
A professora revelou aspectos importantes acerca do funcionamento daquela
escola rural, sobretudo quanto ao ensino da alfabetização:
Aqui teve aula, vamos ver, não sei se foi sessenta e nove ou setenta, que
completei vinte e cinco anos de serviço, comecei em quarenta e quatro,
agora faz a conta (...) (professora Jovina Almeida Soares, aposentada, 84
anos, 2005).
A escola constitui-se de dois compartimentos, com banheiro e varanda,
conforme Foto 1, construída quando a professora estava quase para se aposentar,
antes disso lecionou muito tempo em sua própria casa.
Foto 1 Prédio onde funcionava a Escola Isolada Rural Mista de Fazenda Nova/Escola Municipal
Rural Jovina Almeida Soares. Arquivo da pesquisadora, 2005.
Conforme evidenciam os dados, a professora Jovina lecionou de 1944 a
1969, na escola da Fazenda Nova que merecidamente recebeu o seu nome. Em
relação a como assumiu a docência, como conseguiu a primeira sala de aula, se
76
houve concurso, se foi nomeada, se foi convidada, como foi seu contrato de
trabalho, quem a remunerava, a professora Jovina revelou que:
Foi o prefeito (...) naquele tempo ele foi que veio falar para mim. Eu não
tenho estudo, mas não tinha ninguém para ensinar e tinha bastante gente
naquele tempo aqui, então ele veio pedir para mim, (...) ensinei as crianças,
como ensinei os adultos também. O prefeito que me pagou toda vida, até
eu parar de lecionar. Eu aposentei, mas eu ganho muito pouco, por causa
do meu estudo, não foi como professora, eu tinha todos os papéis,
apresentei tudo, não foi tão difícil para mim aposentar, o ganho que é
pouco por causa do estudo (...) Eu aposentei com um salário mínimo e
trabalhava tanto. Eu levantava de madrugada para fazer as coisas em
casa, para deixar para depois, sete horas estava na sala de aula, depois a
gente não recebe o dinheiro que chega
(
professora Jovina Almeida Soares,
2005).
Nesse período as prefeituras eram administradas por intendentes, a
professora Jovina não se recordou quem a convidou para lecionar. Pelos registros
dos intendentes daquele período, verifica-se que foi Mário Ferreira Mendes, o qual
assumiu a prefeitura de Diamantino no período de 1942 até 1945. a sua
aposentadoria teria sido na gestão do prefeito municipal Francisco Ferreira Mendes,
que esteve na prefeitura por duas gestões 1967/1970 e 1975/1978.
Em 1911 o Presidente do estado, Pedro Celestino, entusiasmado pela
proposta dos Grupos Escolares implantados na capital e administrados por
normalistas (vindos de São Paulo) expõe a necessidade de estender a reforma do
ensino para o interior do estado, segundo ele “(...) o professorado primário dos
municípios quasi todo interino precisa ser quanto antes substituído, na sua grande
maioria, por lhe faltarem preparo e conhecimentos pedagógicos (...)” (apud
AMÂNCIO, 2000).
Como vemos, parece que essa aspiração dilatou-se por muito tempo, pois
professoras como Jovina, continuaram a lecionar no interior do estado,
principalmente nas áreas rurais, mesmo sem formação, se dedicando e contribuindo,
a seu modo, para o ensino primário naquelas localidades. Vale ressaltar também
que a Escola Normal, em Cuiabá, foi reativada somente no ano de 1911; precisando,
obviamente, de um tempo para preparar professores.
Apesar de haver indícios de uma preocupação quanto à escolarização das
crianças nos municípios, as áreas rurais ainda não contavam com um sistema
organizado. Faria Filho e Vidal (2000) classificam a organização do sistema público
77
de ensino no Brasil em escolas de improviso (século XVIII e XIX), escolas-
monumento (decorrer do século XIX) e escolas funcionais (decorrer o século XX).
Os autores caracterizam como escola do improviso aquelas que “funcionavam
em espaços improvisados, na área rural, geralmente na própria casa do professor”
(FARIA FILHO e VIDAL, 2000, p. 20). A escola da professora Jovina, apesar de
estar no século XX, funcionou por muito tempo dessa maneira, na residência da
professora; a construção da “escolinha” (foto anteriormente apresentada), como
ressalta Jovina, é bem mais recente. Uma outra escola nessa mesma época, na
localidade de Pontezinha, pelas anotações no diário do professor, funcionava em um
compartimento cedido na residência de Isabel de Almeida. A escola de Córrego
Fundo, também funcionava na residência do professor Henrique da Costa Neves.
Sobre o início da carreira, como se sentia diante do fazer pedagógico na sala
de aula, se estava preparada, se recebia orientações didático-pedagógicas e quem
eram as pessoas responsáveis por esse aspecto no município, a professora conta:
(...) eu não sentia preparada para ensinar ninguém, eu falei para ele
(prefeito), eu não tenho preparo nenhum para lecionar, mas a senhora tem
um estudozinho e precisa ensinar as crianças que não sabem nada, eu
aceitei. Fui em Diamantino (...) mas não tive orientação de ninguém,
mamãe que me orientava, ela tinha o quarto ano completo, ela era bem
estudada, então ela me ensinou muita coisa, no mais foi tudo da minha
parte, primeiro pegava o livro, lia e trabalhava com as crianças (professora
Jovina Almeida Soares, 2005).
A realidade a que se refere a professora Jovina parece ser o que ocorria Mato
Grosso afora. Conforme Amâncio (2000), são poucas as referências encontradas em
fontes documentais, sobre orientações para o ensino da leitura e da escrita em Mato
Grosso. Dentre os poucos documentos está o Programa da Escola Modelo Annexa a
Normal, de 1924, determinando a utilização do método analítico-sintético.
Em relação ao horário escolar, recreio e organização das disciplinas a
professora esclarece que:
Era das sete as onze, nove horas era o recreio (...), depois tornava entrar, o
recreio era trinta minutos (...), custou para ter merenda na escola, eu
fazia merenda de madrugada e trazia para escola, eu tinha uns caldeirões
grandes assim, trazia e punha em cima da janela, para a hora de recreio eu
dar merenda para eles (...). Tinha aula sábado, às vezes eu ia para
Diamantino, para levar esses papeis, eu falhava as vezes dois dias de aula,
eu dava aula o dia inteiro, a parte da manhã e a parte da tarde, para
78
refazer, eu nunca fiquei sem um dia de aula esquecido, eu trabalhei muito,
muito mesmo (professora Jovina Almeida Soares, 2005).
A sala de aula da professora Jovina, provavelmente, foi se definindo
lentamente, inicialmente desordenada, com alunos de idades variadas, com histórias
também diversas, agrupados sob uma ordenação e rotina menos rígida, em um
espaço determinado de sua casa, espaço que organizava ou tentava organizar para
ensinar o saber escolar. Os móveis e materiais escolares considerados higiênicos
para a época, especificamente criados para assegurar determinada atitude diante do
conhecimento, não eram presentes naquele espaço; segundo a professora; a sala
era composta por “mesa e bancos, quadro negro tive bem mais tarde”.
Quanto ao planejamento das aulas e a que tipo de material recorria, diretrizes
ou orientações pedagógicas, se alguém acompanhava o seu trabalho, quem eram
as pessoas que o realizavam, a professora enfatiza que:
(...) o material era a mesma coisa de quando eu aprendi né, então eu
ensinava por ele, a mesma coisa como eu estudei tinha nesses livros.
Fazia o calculo para a semana, (...) que era para não ficar tudo misturado,
então ficava muito difícil para mim, na cabeça. Nunca escrevi no
caderno para mandar para ninguém, era só na cabeça. Eles me deram
esses materiais, eles traziam aqui. As coisas da escola eu levava para eles
no fim do mês, para o prefeito e para a diretora, Irmã Gaudência, depois
ficou a Irmã Lucinda (...), tinha que procurar primeiro a diretora, depois o
prefeito. Eu sempre peguei eles em casa, não peguei na escola nem um
dia, toda vez foi na casa deles (...) (professora Jovina Almeida Soares,
2005).
Como se observa, o livro didático ou a cartilha
39
eram os instrumentos que
davam o rumo ao trabalho desenvolvido na sala de aula, possibilitando, ao aluno, o
acesso à leitura e escrita. Embora, segundo Bittencourt (1996, p. 107), na cultura
escolar tenha sido mais comum “o seu uso como instrumento de dominação
ideológica, tanto pelo seu conteúdo explícito, quanto oculto, pelas posturas
hierarquizadas e submissão a um conhecimento que impedia dúvidas e
questionamentos”.
39
O livro didático por ser um produto a ser consumido em tempo breve, de acordo com os ritmos das
reformas curriculares, criou-se um paradoxo: possui uma grande tiragem de exemplares desde o seu
início, mas é pouco preservado, raramente encontrado em locais adequados, na maior parte das
vezes em péssimo estado de conservação (...) não foi e não tem sido depositado em bibliotecas
públicas (BITTENCOURT, 1996, p. 92).
79
Perguntei à professora se fazia alguma atividade que tinha mais a ver com a
vivência das crianças ali daquela localidade, ela revelou a forma como organizava as
atividades de rotina:
Aqui eu tinha no fundo um jardinzinho, eles chegavam na parte da manhã e
primeiro molhavam, que vinham para a aula, quando entrava na aula,
tinha que fazer fila, (...) todo dia cantava o hino, para entrar e para sair da
escola, na hora de ir para casa rezava o Pai Nosso e a Ave Maria,
ofereciam, era assim que eles saíam (professora Jovina Almeida Soares,
2005).
Ao contar, rememorar, lembrar sobre essas atividades de rotina, a professora
fez questão de mostrar como as fazia, mostrar o pequeno jardim, provavelmente
bem diferente do que era naquela época. Conforme Chartier (2002) são
reinterpretações, recitações de acontecimentos, releituras de ritos e símbolos, em
busca de tornar o presente aquilo que está ausente ou ir em busca de uma
presentificação do ausente, uma imagem, que para o sujeito que vivenciou, tem
poder de perpetuação, como legado a memória coletiva.
As declarações da professora Jovina, ao evidenciar como era organizada a
sua sala de aula, mostram que, como nas demais localidades rurais, a sala era
mista, o ensino multisseriado e, os alunos, em sua maioria, vinham de longe para
aprender a “ler, escrever e contar” :
Na mesma sala era menino e menina, (...) a sala era uma, ficavam todas
as crianças. Vinham de longe, tinha criança que vinha do asfalto, cinco
quilômetros de aqui, vinham a pé, chegavam cedo, coitados, eles
levantavam madrugada, porque sete horas tinham que estar aqui. Tinha
criança que vinha de cá do Periquito, uns seis quilômetros daqui. Um tanto
de crianças vinham montadas, outras vinham a pé. Até que tinha bastante
criança, era de muito longe para algumas vir na aula, esses de mais longe
vinham e ficavam comigo, eu ficava até com cinco crianças aqui em casa,
filhos dos outros aí, zelava para eles estudar (...) (professora Jovina Almeida
Soares, 2005).
Como se vê, as relações que a professora estabelecia com a comunidade,
conforme Lang (2001, p. 122) revelam que ali era “um lugar onde as pessoas se
identificavam e se reconheciam”. Construído pelas relações de amizade e de compadrio,
associadas ao desejo de proporcionar aos filhos melhor qualidade de vida, por meio da
oportunidade de oferecer-lhes estudo. Hábitos culturais e valores de pessoas simples e
80
sinceras, que estabeleciam sentimentos de confiança necessários à manutenção da
escola.
Nessa época as professoras eram bastante rígidas, quanto à disciplina dos
alunos. A professora Jovina ressalta apenas o comportamento de um dos alunos que teve
durante o período em que lecionou:
Tinha um menino (...) o pai tinha me avisado (...) em toda escola que ele
foi estudar em nenhuma ele parou e também não aprendeu (...) ele veio
aprender o A-B-C e fazer contas aqui comigo, para ele não aprendeu
com ninguém, também o que ele fazia era demais, eu escrevia para o pai e
ele chegava a corda nele (professora Jovina Almeida Soares, 2005).
Ao falar da relação com o aluno que apresentava de alguma maneira
dificuldade para permanecer na escola e, conseqüentemente, de aprender, a
professora Jovina ressalta que teve êxito, pois, segundo ela, conseguiu fazê-lo
“aprender o ABC e fazer contas”, com a ajuda do pai, que ao seu modo o repreendia
em casa. Mas, como assevera Julia (2001), no labirinto do ler e escrever, alunos
nem sempre puderam gozar de amenidade e paciência da professora: exigia-se
sacrifícios. Há casos em que esta se encarregava de punir o aluno e, a maior auxiliar
nessa tarefa parece ter sido a palmatória, também conhecida como férula e mais
popularmente Santa Luzia
40
.
Ao tratar dos castigos físicos
41
no contexto escolar Siqueira (2000, p. 240) diz
que “métodos da palmatória, férula ou Santa Luzia e vara eram geralmente adotados
como melhores incentivos para o desenvolvimento da inteligência”.
Em relação à orientação pedagógica específica sobre alfabetização, procurei
saber com a professora, quem era responsável por essa questão, se havia algum
supervisor, assessor ou coordenador pedagógico. E se tinha contato com outros
professores para trocar informações, materiais e experiências:
40
A clássica Férula segundo Bretas era feita de couro cru, engrossado em uma das extremidades,
constituindo esta o cabo onde se pegava; era achatada e arredondada na outra extremidade, com a
extensão suficiente para cobrir a palma da mão (era a clássica férula). Depois passou a ser feita de
madeira, quase no mesmo formato, tendo na parte redonda, destinada a cobrir a palma da mão, cinco
buracos, os quais, sem ultrapassar toda a madeira, serviam de sanguessugas. (apud SIQUEIRA,
2000, p. 240).
41
De acordo com a lei de 15 de outubro de 1827, os castigos físicos ficavam proibidos nas escolas
brasileiras, devendo ser substituídos pelos morais. No entanto, em várias províncias essa alteração
não se realizou de forma rápida e em muitas delas foi infrutífera a experiência de adoção de castigos
morais, ocorrendo, muitas vezes, uma volta silenciosa da palmatória ou férula, corretivo bastante
antigo, datado do período Romano, muito usada na Idade Média (SIQUEIRA, 2000, p. 240).
81
Eles toda vida disseram que estava bom, nunca falaram que estava ruim,
toda vida estava bom, tudo em ordem, muito lindo, muito bonito e ensinar
para mim foi uma honra, porque eu não tinha estudo. Eu só consegui
conversar com outras professoras, foi no final dos tempos, conversei com
Aparecida, que os outros falavam que lecionava na escola Lazaro Modesto,
ela até que me ajudou na escola, porque ela é mais sabida do que eu, no
mais não tinha ajuda de ninguém (...) (professora Jovina Almeida Soares,
2005).
Por certo, muitas vezes a professora sentia-se sozinha, desmotivada, se
ressentia pelos possíveis fracassos dos alunos, ficava desesperançada, mas
trabalhava segundo procedimentos que considerava serem os mais adequados.
Essa falta de acompanhamento do trabalho de professores rurais, poderia favorecer
resultados nem sempre esperados e isso conforme Lima (2003) vai além de
considerar tais professores como simplesmente incapazes ou mal formados, com
pouco lastro cultural. Estes professores são também fruto ou vítima de um sistema
de ensino que contribui para que as dificuldades da escola se perpetuem, pois,
como afirma Jovina, as autoridades escolares e municipais que respondiam
oficialmente pela escola, reforçavam que “estava sempre em ordem, tudo muito
bonito”. Essa professora é sujeito de um saber, de um fazer, de um pensar: sua aula
contava provavelmente com seu jogo de cintura e com suas experiências de vida. O
plano de ensino seria apenas um rumo e ficava contemplado pelo livro didático,
apesar de que o imprevisto não estava lá, o processo de aprender e de ensinar,
tinha uma dinâmica diferente peculiar daquela localidade.
Ao conversar com Jovina sobre a questão de material didático
42
, como eram,
quem os fornecia e como tinha acesso a eles, a professora contou que, certa vez, ao
“virem trazer o quadro negro para a escola, tiraram foto de tudo, olharam o material
e levaram embora a palmatória”. Essa declaração pistas de que se a professora
não usava, pelo menos possuía esse instrumento comum nas escolas primárias
brasileiras. Os castigos corporais, de acordo com Bittencourt (1996) eram aceitos a
recentemente como eficazes auxiliares para o aprendizado, utilizados para reprimir
ações indisciplinadas, servindo como instrumento de sanção infligido a
42
Até 1808, Portugal proibia o Brasil de publicar livros e jornais, dificultando o acesso e retardando o
início da imprensa no país. Desse modo às primeiras Cartas do A-B-C destinadas à aprendizagem da
leitura e Cartas de Nomes de todos os alunos eram trabalho do professor. E para conseguir as Cartas
de Fora o mestre recorria aos comerciantes, cartórios, onde comprava autos antigos, para os alunos
decifrar as abreviaturas dos escrivães. Devido a essa dificuldade inicial, são poucas as informações
sobre material didático destinado a alfabetização da população brasileira entre os séculos XVI e XVIII
(MACIEL, 2003, p. 12).
82
contraventores da moral e da ordem. Corrigia as falhas cometidas na exposição das
lições ou atraso de entrega de qualquer tarefa exigida pelo professor.
Percebe-se, também, que a professora utilizava-se muito de cartilhas e livros
para o ensino da alfabetização.
Mudava de ano em ano, todo ano mudava, tinha aquela parcela para um
ano, quando terminava aquele ano entregava o livro para eles e vinha
outro, (...) eu tinha o “Primeiro Livro”, funcionava assim (...) para ensinar o
ABC (professora Jovina Almeida Soares, 2005).
Como esclarece a professora Jovina, “mudava de livro todo ano”,
provavelmente por tratar-se de um novo título a ser adotado. Conforme assevera
Bittencourt (1996, p. 93) “o livro didático, sofria intervenções constantes do poder
estabelecido, estado ou igreja. A interferência do poder era regulamentada por
legislação e a censura foi uma constante na história dessa literatura”. Nessa época,
os livros didáticos ainda não eram escolhidos pelo professor ou pela escola.
A professora explica aspectos do método que utilizava para ensinar a ler e
escrever. Perguntei se acompanhava algum manual, ou algum material específico,
Jovina foi breve “eu não tinha método, mas foi bom, porque o que eu ensinei todos
aprenderam, todos que estavam aqui e que saíram foram para escola alta, não
baixaram, foram para frente”. Ela continua explicitando o que fazia para isso:
(...) primeiro de tudo era o ABC, depois vinham os números, vinham as
letras para soletrar, aprender as continhas também, que eram de somar e
de diminuir, nos primeiros anos (professora Jovina Almeida Soares, 2005).
Essa forma de ensinar apresenta forte tradição no Brasil, conforme as
cartilhas utilizadas para esta prática. Em Mato Grosso, de acordo com Siqueira
(2000, p. 204) “entre 1837 e 1854, o método era da soletração,
43
somente a partir de
1870, com a introdução das escolas públicas de instrução primária é que houve
também a preocupação com um método de ensino da leitura, o método sintético”.
Surgem também os materiais instrucionais, como as cartilhas, que eram compradas
pelos pais de alunos e também doadas pela Diretoria da Instrução Pública. O uso da
43
Esse processo originou-se na pedagogia do canto, praticada no Brasil pelos Jesuítas desde o
período colonial. Os Jesuítas ensinavam os índios a ler e cantar utilizando o recurso da associação
com a música (PERSONA, 1993) e (SIQUEIRA, 2000).
83
soletração e de Cartas ABC, segundo pesquisas realizadas em Mato Grosso por
(Siqueira, 2000); (Amâncio, 2000) e (Amâncio e Cardoso, 2005) foi marcante no
estado por mais de um século.
A tradição dessas atividades no ensino da alfabetização instituiu uma prática
rotineira nas escolas primárias que atravessam séculos, muitas delas presentes nos
dias atuais. Atualmente, como aponta Persona (1993), numa versão diferenciada os
alfabetizadores utilizam o recurso da soletração criando quadrinhas para leituras
cantadas e, quando não, cantando em coro as famílias fonêmicas. Segundo a
autora, essa forma de canto é defensável se levar em conta à importância do ritmo,
da dicção e da entonação da leitura. Na opinião da autora, o canto pode ser
desagradável aos ouvidos do adulto, não da criança.
Ao revelar que tipo de atividade costumava propor para o ensino da
linguagem oral e escrita, como era a aula de leitura, o que se lia, cartilha ou outros
materiais, quais e como eram distribuídos aos alunos, a professora revela outros
indícios ou vestígios do método utilizado para o ensino na alfabetização:
Quando eles estavam compreendendo, eles já faziam direitinho, “tirava
do livro no caderno”, (...) porque primeiro a gente tem que por ele para
“passar por cima”; segundo eles vão “tirar embaixo”, você faz em cima, eles
tiram embaixo; terceiro, eles vão “tirar do livro no caderno”, eles estão
sabendo bem, sabendo o que estão fazendo, aí põe para tirar do quadro no
caderno (...) quando você vai tomar a lição (...) de um por um, quando era
para fazer ditado, todo dia fazia ditado (...) (professora Jovina Almeida
Soares, 2005).
Percebe-se que a professora Jovina ensinava do simples ao complexo, ou
seja, como ela diz “primeiro passar por cima, segundo tirar embaixo, terceiro tirar do
livro no caderno e tirar do quadro no caderno, tomar a leitura e fazer ditado”.
Valorizava no ensino da linguagem, de acordo com Mortatti (2000), os elementos
menores que a palavra e a aprendizagem ocorria mediante a repetição e
memorização.
Escrever na sala de aula parece ter sido uma atividade de repetição de letras
e palavras controladas pela professora. A repetição era quase uma norma imposta
para exercitar a escrita, que, num primeiro momento, era apenas um exercício de
treino motor, depois de cópia. O livro didático tinha importante papel nesse contexto,
84
a professora selecionava um trecho, que era ditado para os alunos copiarem, como
meio de exercitar a escrita.
A declaração permite também inferir que as dificuldades enfrentadas pelas
professoras primárias rurais, no que se refere a orientações metodológicas, se dava
em face do vagaroso efeito da reforma do ensino primário no interior. Parece que,
até essa época, o uso do método analítico para o ensino de leitura não havia tido
eco nas salas de alfabetização. Com relação ao método analítico-sintético, nos
moldes previstos pelo Programa da Escola Modelo Anexa, segundo Amâncio (2000)
parece não haver indicativos de que essa orientação se disseminou pelas escolas
do estado.
Em 1931, o Diretor Geral da Instrução Pública ressaltava, em seu relatório,
que se fazia urgente uma reforma geral nos processos de ensino empregados pelos
professores. Dizendo que esta deveria ser “lenta e gradual”, sugerindo, inclusive o
envio de alguns professores a São Paulo e a Minas Gerais “a fim de freqüentar dois
ou três meses os cursos de aperfeiçoamento existentes naqueles estados”
44
.
Cabe, então, uma reflexão: quando o Diretor Geral da Instrução Pública falava
dos professores realizarem curso, provavelmente referia-se a professores das
escolas urbanas, nos centros mais populosos, ou da capital, pois ao que parece,
eram escassos os cursos de aperfeiçoamento. E como ficavam os professores das
áreas rurais? Em nenhum momento, a professora Jovina referiu-se a algum curso
que recebera, ou que teria participado para lecionar, o que pode indicar que não foi
algo vivenciado durante a sua prática como professora, por não ter sido a ela
oportunizado.
Quanto às disciplinas trabalhadas, procurei saber se priorizava mais o
ensino de algumas delas, e por que razão considerava mais importante:
Tinha Ciências e Estudos Sociais que também ensinava, era quatro
(disciplinas), eu ensinava mais português e matemática, achava que
facilitava mais, porque as crianças eram mais rudes no português e na
matemática, eles custam mais para compreender, então tem que repetir,
para ver se sai (...) (professora Jovina Almeida Soares, 2005).
44
Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado pelo Diretor geral da Instrução Pública,
Franklin Cassiano da Silva. Cuiabá, 15 de abril de 1931. Impresso.
85
A decoração e a memorização, segundo Possari e Neder (2001), são
características marcantes, quando se trabalha com o ensino prescritivo, ou seja, é
necessário repetir para memorizar, nesse sentido a professora Jovina ressalta que
“tem que repetir para ver se sai”. Está implícita também uma concepção de ensino
da linguagem, onde a unidade mínima de significação são as letras do alfabeto, que,
uma vez conhecidas, devem ser repetidas por meio do treino escrito, sendo também
possível formar as sílabas e depois palavras, por meio da soletração.
Esta prática de acordo com Mortatti (2000) fez parte da cultura escolar
brasileira até 1880, por meio do emprego do método sintético-alfabético, fônico,
silábico. Na maioria das escolas, assim como na escola de Jovina, essa prática fora
presente ainda nas décadas de 1940. Para esta professora, era um método que
dava certo, pois os seus alunos aprendiam, “iam para frente, para escola mais alta”.
Quanto à forma como organizava as atividades em torno do ensino da leitura
e escrita, a professora ressalta:
Eles mesmo que mandaram ensinar quinze dias ou uma semana alguma
coisa, tinha que ensinar uma coisa só, se fosse matemática, se fosse
português, esse redação, essas coisas, era tudo uma semana, aquela
semana você praticava as crianças naquilo, a criança menor, de menos
estudo, era mais fácil, para esses era uma semana inteirinha, de segunda a
sábado (professora Jovina Almeida Soares, 2005).
Quando a professora Jovina diz que “eles mandaram ensinar alguma coisa
quinze dias ou uma semana”, indícios ou vestígios de que havia uma possível
orientação quanto ao ensino da alfabetização, como reforça a professora “aquela
semana você praticava a criança nisso”, ou seja, se estava ensinando a letra B,
por exemplo, trabalhava com a soletração da família silábica desta letra, depois
palavras com esta mesma letra. Com este pequeno repertório eram associados
exercícios gradativos de repetição e memorização, como a cópia, o ditado, a
caligrafia, entre outros.
Em relação à avaliação da aprendizagem, busquei saber como era realizada,
se havia exames finais, por quem era aplicado, quem os elaborava. A professora
disse:
Tinha prova no primeiro bimestre e depois no fim do ano tinha prova, se eles
passavam para o outro ano ou não, aí não era eu que dava essa nota, era lá
86
(em Diamantino), a diretora que dava a nota. Levava tudinho, era ela que
dava a nota da prova final, era por eles, essa prova vinha pronta, ajudava
bastante (professora Jovina Almeida Soares, 2005).
Pelo que se observa, a questão da promoção ficava a cargo de alguém
exterior à escola, o que, provavelmente, desconsiderava o acompanhamento
cotidiano, as subjetividades que somente a professora Jovina conhecia sobre seus
alunos. Desse modo, a avaliação passa a ser um meio de controle, onde as
exigências eram prefixadas pelo sistema de ensino a que a escola estava
submetida, visando determinar até que ponto os objetivos teriam sido atingidos, por
meio da medição dos resultados, com o auxílio de um instrumento pré-elaborado e
confiável.
O processo de relembrar, conforme Lima (2003), recontar, reviver e refletir
sobre a experiência é também um processo por meio do qual o professor aprende.
Assim, procurei também saber com a professora Jovina se, durante o período que
lecionou, houve alguma mudança quanto à organização do ensino da alfabetização;
se houve introdução de novos métodos e procedimentos de ensino; a que atribuiu
tais mudanças e o que alterou em sua prática:
Não teve, muito pouco, quase não tinha orientação, era sempre do jeito
que eu ensinava que era dos livros, tinha os livros, (...) um era meu, o resto
das crianças, por esse eu ensinava, pelo livro da professora, mas era
escrito a mesma coisa, eu acho que era para a gente ter consigo (...) No
ritmo que comecei eu continuei (...) (professora Jovina Almeida Soares,
2005).
O aprendizado da professora Jovina, quanto ao “ser professora” ocorreu em
contextos e circunstâncias marcadas pela sua biografia pessoal e escolar, do modo
como lidou com situações complexas, dos vínculos que estabeleceu com os alunos
e comunidade, das posições políticas e religiosas que assumiu. Possivelmente,
recuperou nesse percurso, muito de sua formação como aluna, como filha e aquilo
que recordou no mesmo livro/cartilha que aprendeu a ler. Portanto, não teve
orientações de uma pessoa com formação específica, o conjunto a constituiu como
professora.
É preciso lembrar, conforme Lang (2001, p. 120), que as interpretações que
fazemos “ao rememorar experiências passadas, daquilo que foi feito, que gostaria de
ter feito ou que foi sonhado, tais interpretações o sempre baseadas em imagens
87
que se possui no presente, da experiência que se pensa ter vivenciado”. Portanto,
reinterpretar o passado mantém vínculo dialético com as múltiplas possibilidades
construídas no percurso vivido.
3.1.2 – Boa ordem, disciplina e desempenho dos alunos
A narrativa de fundo histórico como a aqui empreendida, geralmente tem
como base fontes históricas, que, guardadas como monumentos em instituições
escolares ou na lembrança/memória dos sujeitos que integram dialeticamente o
passado e o presente, é de fundamental importância. Por meio dela, busca-se
expressar o movimento de integração de uma história, no tempo e no espaço,
decorrente, também, de um processo de apropriação por parte da pesquisadora.
Desse modo, os diários de classe de professores/as rurais contribuíram para um
contato com outros sujeitos dessa história, os inspetores escolares
45
. Assim foi
possível localizar relatórios de um Inspetor de Ensino, contido nos diários de classe
dos professores rurais. Esses inspetores de ensino, provavelmente, faziam o
acompanhamento e fiscalização sobre o ensino oferecido nas escolas rurais, esse
papel:
era exercido anteriormente pelos juizes de paz e favorecia a política do
clientelismo e do centralismo político. Os regulamentos, desde o século XIX
previam a presença de inspetores de ensino, cuja finalidade era fiscalizar o
trabalho dos professores (ALVES, 1994, p. 85).
O Regulamento da Instrução Pública, de 1910, também trouxe essa
preocupação, o cargo de Inspetores de Ensino, dividindo em Gerais e Distritais,
Diretores de Grupos Escolares e de Escolas Reunidas, os quais tinham como
atribuições fornecer à Diretoria Geral de Ensino, dados a respeito de matrículas de
alunos, posse de professores e outros dados quantitativos sobre a situação do
ensino no Estado.
45
Os diários de classe são respectivamente dos Professores e Escolas Isoladas Rurais Mistas:
Henrique da Costa Neves Córrego Fundo, 1939, 1941 e 1943; Manoel Nemésio da Costa –
Pontezinha, 1943 e Maria Capistrano da Silva Gatinho, 1948. Fonte - Arquivo da Escola Estadual
Plácido de Castro, 2005.
88
De acordo com o Regulamento da Instrução Pública, de 1927 (art. 157º a
159º)
46
, “haverá no estado, um ou mais inspetores geraes do ensino subordinados
ao diretor geral”. Esse cargo deveria ser “preenchido não por pessoas do
magistério como por pessoas de reconhecida competência e operosidade a juízo do
governo”. Esses funcionários do governo deveriam ter “a sua sede nas respectivas
circumscripções, em cidade determinada pela diretoria Geral da Instrucção e
percorrerão incessantemente os municípios”. O objetivo era “inspeccionar e fiscalizar
todas as escolas”. (MATO GROSSO, 1927)
Essa era uma medida que contribuía, também, para que a Diretoria Geral da
Instrução Pública do estado pudesse ter maior controle sobre a organização de
estatística e recenseamento escolar; dentre outros aspectos, mostrando um resgate
da função da escola no contexto sócio-cultural em detrimento de interesses a ela
alheios. Nas escolas públicas esse profissional teria que verificar: freqüência;
escrituração de livros e mapas; livros adotados; material e mobiliário; aproveitamento
dos alunos; assiduidade e pontualidade dos professores; métodos empregados;
condições higiênicas e pedagógicas da sala de aula; horários; programas de ensino
e cumprimento da legislação de ensino. De acordo com o artigo 161º, do referido
regulamento “são atribuições dos inspectores geraes do ensino: 1º - visitar toadas as
escolas do Estado, públicas ou particulares, deixando termos dessas visitas;”.
Sendo assim, o Inspetor de Ensino Augusto Moreira da Silva Filho, visita a
Escola Rural Mista da Povoação de Córrego Fundo, no dia 7 de junho de 1939.
Nesta ocasião este funcionário do governo registra ao final do diário do professor
Henrique da Costa Neves, as suas impressões sobre a escola:
(...) verifiquei o seu funcionamento com a presença de 27 alumnos, sendo
16 do sexo mascolino e 11 do sexo feminino, atingindo sua matrícula de 32
crianças, sendo 18 meninos e 14 meninas, constatando-se boa ordem e
disciplina na mesma, regularidade na escrita dos livros escolares e ótimo
aproveitamento dos alumnos, o que demonstra o esforço a dedicação do
respectivo profesor pelo desenvolvimento da instrução (...)
47
(Augusto
Moreira da Silva Filho, 1939).
46
Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso, 1927 (Art. 157º a 164º). Arquivo Público de
Mato Grosso – APMT. Impresso.
47
Fonte: Diário de Classe do professor Henrique da Costa Neves. Ensino Primário. Escola Isolada
Rural Mista da Povoação de Córrego Fundo, 1939. 53 p. Arquivo da Escola Estadual Plácido de
Castro, 2005.
89
Em consonância com a prescrição normativa, o inspetor escolar registra
dados a respeito de matrículas de alunos e dados sobre a situação do ensino
naquela escola rural “boa ordem e disciplina, regularidade na escrita dos livros
escolares e ótimo aproveitamento dos alunos”. Apesar de bastante genérica,
demonstra que o ensino naquela escola apresentava desempenho positivo, pois o
aproveitamento dos alunos, do seu ponto de vista, estava “ótimo”.
No ano de 1941, verifica-se, novamente, conforme Figura 2, a passagem do
mesmo inspetor, na escola, no dia 09 de setembro, onde registra ao final do diário
do professor:
Figura 2: Relatório de Inspetor de Ensino – Augusto Moreira da Silva Filho - 1941
Em 1939, pelo decreto 262
48
, o Interventor do Estado, conferiu aos
Prefeitos Municipais e aos Promotores de Justiça a atribuição de fiscalizar e
inspecionar os estabelecimentos escolares do estado, da rede pública e privada.
Essa medida retrocede ao regulamento de 1910, pois o regulamento de 1927,
institui o cargo de Inspetores Gerais e de Ensino, que inclusive tinham que possuir
formação pedagógica para isso e, juntamente com Diretores das Escolas Reunidas
e Grupos Escolares se encarregariam de fiscalizar o ensino.
48
Relatório do Interventor do Estado Julio Müller, 1939.
90
As escolas rurais do município provavelmente dispunham de pouco material
didático para que pudessem desenvolver um trabalho que fosse além da cartilha;
percebe-se indícios no relatório do Inspetor de Ensino por ocasião de uma visita na
Escola do Gatinho, em companhia do Prefeito Municipal Benedito Bruno Ferreira
Lemes, no dia 05 de maio de 1948
49
:
Visitando hoje a escola desta povoação do Gatinho”, município de
Diamantino, sob a direção da professora Maria Capistrano da Silva (...)
assisti o seu funcionamento (...) de acordo com o regulamento da instrução
(...) constando-se boa ordem e regular aproveitamento dos alunos, embora
achar-se a mesma desfalcada de material didático (Augusto Moreira da
Silva Filho, 1948).
A reforma iniciada em 1910 para reorganização do ensino em Mato Grosso
não tinha suporte para dar sustentação a mudanças. Como expressar a integração
do estado ao restante do país, onde as reformas também iniciaram no mesmo
período, a exemplo de São Paulo e Minas Gerais. A ruptura dos modelos
pedagógicos propostos apontava para a necessidade de adequação das escolas,
especialmente as rurais.
Em 1922, de acordo com o Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública,
Dr. Cesário Alves Corrêa
50
, o Inspetor de Ensino responsável pela região de
Diamantino era João de Souza. O Diretor da Instrução Pública reitera em seu
relatório:
Poucos são os Srs. Inspetores que cumprem com suas atribuições
reguladas pelo decreto 265, de 22 de outubro de 1910, salientando-se
mais esta falta em não fornecer a esta diretoria elementos com referência a
posse de professores, matrícula de alunos, etc. Todavia nutro a esperança
de que com a execução do parágrafo 29, do art. 22 da lei 845, de 3 de
novembro de 1921, criando o cargo de inspetor regional, possa esta
diretoria ter subsídios para organizar com exatidão o censo da matrícula e
frequência escolar. Apenas pondero como medida conveniente para melhor
fiscalização que fossem dois inspetores regionais, sendo 1 para as escolas
isoladas e grupos escolares do norte e outro para a zona do sul do estado
(Cesário Alves Correa, 1922).
49
Fonte: Livro de Registro de Visitas Oficiais ocorridas no ano letivo de 1948. Escola da Povoação do
Gatinho, 1948. Arquivo Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
50
Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso, Dr. Cesário Alves Corrêa, ao
Secretário do Interior, Justiça e Fazenda, Dr. Virgílio Alves Correa Filho, Cuiabá 14 de março de
1922.
91
Pelo fato de suas atribuições no regulamento
51
, estarem mais voltadas a
aspectos administrativos e burocráticos, não se percebe, nos relatórios desses
inspetores, maiores preocupações com aspectos pedagógicos do ensino, limitam-se
a mencionar a “boa ordem e disciplina e bom ou regular desempenho dos alunos”, o
que de certo modo, dificulta saber a que aspecto do desempenho escolar dos alunos
esse funcionário do governo se refere.
Constam, também, anotações do próprio professor Henrique, “visitou esta
escola o Inspetor Regional de Ensino
52
, Augusto Moreira da Silva Filho, no dia 27 de
maio de 1943”, sem maiores detalhes. Porque será que este inspetor não fez o
habitual relatório no diário do professor? Teria realizado a visita para outros fins?
Nessa ocasião, o professor fez um breve registro desta “inspeção”, apenas para
constar que aquela autoridade escolar esteve naquela data visitando a escola.
A preocupação com as escolas rurais espalhadas pelo interior do estado era
comum nas mensagens de Diretor da Instrução Pública e de Presidente do Estado,
relatando providências tomadas para resolver dificuldades. Outra preocupação que
vai na mesma direção, é do Diretor Geral da Instrução em 1931, demonstrando
preocupação com os mesmos problemas, que pareciam continuar persistindo, como
a desproporção entre as classes da primeira e demais séries do curso, falta de
alunos para funcionamento das classes superiores e inexistência de método de
ensino por parte dos professores
53
.
Talvez isso contribua para se entender a questão da progressão dos alunos.
No caso do professor Henrique, da Escola de Córrego Fundo, ele anota em seu
diário de classe que o teve aluno que concluiu o curso, por isso deixava de
mencionar. Isso quer dizer que este professor não teve nenhum aluno que terminou
o curso primário, naquele ano de 1943? Lamentavelmente, parece que esta escola
não prosperou, pois pelas anotações do professor, foi fechada no dia 5 de setembro
de 1943, devido à sua exoneração.
Nos relatórios do Diretor da Instrução Pública de Mato Grosso, a preocupação
desta natureza, relacionada às escolas rurais, está presente em seus textos
51
Reguladas pelo decreto nº 265 de 22 de outubro de 1910.
52
Cargo instituído a partir da execução do parágrafo 29, do art. 22 da Lei 845, de 3 de novembro
de 1921, sendo 1 para as Escolas Isoladas e Grupos Escolares do Norte e outro, para a zona Sul do
Estado.
53
Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado pelo Diretor geral da Instrução Pública,
Franklin Cassiano da Silva. Cuiabá, 15 de abril de 1931. Impresso.
92
referentes aos anos de 1942 e 1944:
No decorrer do ano findo observaram-se as mesmas anomalias e tão
acentuadas foram elas, que, grande número de escolas rurais tiveram o
curso interrompido, com graves prejuízos para o renome da instrução
matogrossense (Cesário Alves Correa, 1942-44).
Diante das declarações do diretor da instrução pública, pode-se inferir que o
ensino primário nas áreas rurais do estado era bastante precário, num período que
se expressava idéias liberais, na tentativa de adequar o ensino às exigências da
sociedade, a prática ainda se revelava desalentadora, em localidades rurais como
estas: Córrego Fundo, Pontezinha, Fazenda Nova e Gatinho. Assim como aponta
Maciel (2003, p. 12) ao tratar da história da alfabetização em Minas Gerais, uma
região considerada “rica de ouro e pobre de saber”. Contava-se com a boa vontade
e desempenho de professores primários como Henrique, Manoel e Jovina.
Ressaltando-se que, neste caso, a professora Jovina pode ser considerada vitoriosa,
pois com um conhecimento construído no embate da sala de aula, provavelmente
tendo passado por inúmeras dificuldades relacionadas ao aprender e ensinar. Esta
professora conseguiu lecionar durante 25 anos na mesma localidade rural,
enfrentando sozinha duras lutas para levar os seus alunos a “ler, escrever e fazer
contas”.
3.1.3 – O ensino da leitura e da escrita, entre tirar, dar ou tomar uma
lição: a presença das cartilhas de alfabetização
Neste item, pretende-se tecer algumas considerações acerca das possíveis
práticas de professores primários, de áreas rurais distintas, no município de
Diamantino e, que por meio das anotações deixadas em seus diários de classe, foi
possível perceber a presença marcante das cartilhas de alfabetização, a partir das
quais se “tirava, dava ou tomava ou uma lição”, no cotidiano das salas de aula de
alfabetização.
Estes professores deixavam anotações interessantes em seus diários de
classe, na parte de entrada e consumo de material da escola. Como é o exemplo do
professor, Henrique da Costa Neves, que foi nomeado para lecionar, pela portaria
93
150, de 12 de maio de 1921, para exercer interinamente o cargo de professor da
Escola Rural Mista da Povoação de Córrego Fundo, município de Diamantino
54
.
O professor registra em seu diário de classe, de 10 de abril do ano letivo de
1939, além de materiais recebidos, como lápis, tabuada, giz, papel, caneta e outros,
também uma lista com os títulos de cartilhas recebidas, as quais são igualmente
citadas na parte do conteúdo trabalhado por ele na alfabetização. Mais interessante
ainda, é que no final desse diário, há uma página destinada a registrar a “Base
Didática do Programa de Ensino”, onde aparecem “títulos de cartilhas e as
disciplinas a que estas se destinam”. Pela quantidade de citação de títulos de
cartilhas nesses diários, tudo indica que este professor utilizava-se muito deste
recurso para o ensino da alfabetização:
Figura 3: Diário de classe do professor Henrique da Costa Neves da Escola Isolada Rural Mista
de Córrego Fundo, 1939.
Esse professor deixou registrado também em seu diário, que não tinha
professor adjunto, nem empregado, que os móveis da escola eram de sua
54
Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso, Dr. Cesário Alves Corrêa, ao
Secretário do Interior, Justiça e Fazenda, Dr. Virgílio Alves Correa Filho, Cuiabá 14 de março de
1922. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
94
propriedade (1 mesa grande, 3 bancos grandes, 7 pedras de lousa). Ressaltava que
não havia recebido material naquele ano. Pelo que se pode inferir, lecionava em
uma sala, em sua própria residência, o que era bastante comum desde o século XIX.
Pelas anotações do professor, a escola funcionava somente em um horário, das
7:00 às 11: 30 horas da manhã, com recreio de meia hora. Possivelmente, este
professor ainda utilizava com seus alunos as lousas individuais, pois aponta que
possuía “7 pedras de lousa”.
No artigo 86º do Regulamento de 1927, o qual trata dos prédios escolares,
estes deveriam apresentar as condições de: “capacidade; situação em relação ao
solo e a visinhança, ventilação, illuminação e installações sanitárias”. No entanto,
pelo que se pode compreender pelas informações dos professores, as escolas que
estes conheceram e nas quais trabalharam diferiam, em muito, do que era
preconizado nos regulamentos da instrução pública.
Em relação aos aspectos de assistência escolar, especificamente a saúde, o
professor diz que naquele ano não houve exame médico aos alunos na referida
escola. A esse respeito, o Diretor da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso,
em 1944
55
, faz observações que confirmam as declarações do professor, mostrando
que estas eram vivenciadas em Diamantino após alguns anos, assim como em
outras escolas rurais no estado, pois o Diretor da Instrução Pública declara:
Durante o ano findo tivemos oportunidade de visitar rias escolas rurais
localizadas nos municípios da Capital, Rosário Oeste e Diamantino.
Ouvindo de perto os alunos e observando o meio, concluímos pela
necessidade de uma inspeção médica, nos termos da parte final dos
dizeres do relatório de 1942 citado, que passo a transcrever: se nesta
Capital e nos centros prósperos e de franco acesso e onde todos os
55
O Diretor da Instrução Pública Cesário Alves Correa (1942-1944).diz que “o Regulamento da
Instrução Pública, baixado com o Decreto n.º 759, de 22 de Abril de 1927, o Capítulo VIII (Art. 181 a
186) legisla sobre a Assistência Médica Escolar. De acordo com o Art. 182 “Haverá para esse fim, um
médico encarregado da inspeção médica dos estabelecimentos blicos e particulares”. O Diretor
prossegue dizendo o Departamento de Saúde do Estado, parece haver revogado essa parte do
Regulamento da Instrução Pública, como se pode verificar na Parte Terceira Higiêne, Título I,
Proteção à Maternidade e à infância, Capítulo Único, Artigos 315, § Único e 318, pois como se a
população rural de Mato Grosso, vive à míngua de recursos médicos, valendo-se quase que somente
da charlatanice. Sem a menor noção de higiene, vivendo os alunos em promiscuidade nas escolas, a
verminose e outras doenças contagiosas encontram campo fértil para a contaminação. (...) no
aspecto lastimável de centenas de crianças magras, anemiadas, freqüentando as escolas rurais do
Estado, com uma aparência de descorçoamento e tristeza, parecendo um vencido no meio da
natureza exuberante do território pátrio. (...) se assim nos permite, a conveniência de realização de
uma caravana médica, com enfermeiros, percorrendo os núcleos rurais, uma, duas vezes ao ano,
administrando medicamentos e conselhos de higiene, salvando numerosas crianças, saneando o
sertão, tudo dentro das possibilidades econômicas do Estado”.
95
recursos se efetua a inspeção médica escolar, nos centros rurais ela é
completamente nula, direi melhor, inexistente
(Cesário Alves Correa, 1942-
1944).
Observa-se que eram inúmeras as dificuldades encontradas por esses
professores rurais, que numa época em que o transporte era difícil para se chegar
até aquelas localidades, faltava material pedagógico
56
, fiscalização, inspeção
médica, condições de moradia, baixo salário do professor, dificuldade de
comunicação, de transporte, ausência de acompanhamento e outros tantos
57
.
A precariedade evidenciada nas escolas da época é muito semelhante ao que
Amâncio (2000) observa no século XIX. Parece que, apesar dos esforços, e,
certamente, da melhoria que gradativamente se imprimiu à escola pública de MT,
problemas do passado permanecem como condicionantes do ensino, explicando,
de certa forma, dificuldades do presente.
Os professores tinham que desenvolver a docência com garra e coragem
diante de tantos percalços, comparando-se a um garimpeiro que, solitário, em seu
trabalho manual, a beira do barranco manuseia a bateia, na esperança, de que
junto com o entardecer, venha o encontro com o ouro. Ou seja, como Jovina,
Henrique, Manoel, Maria e outros professores rurais, que mesmo distante das
prescrições normativas, dos discursos oficiais, em meio a dificuldades exerciam a
docência, baseada na tradição escolar legada, na maioria das vezes, pela mãe e/ou
pela professora de alfabetização.
No que se refere ao ensino da alfabetização, percebe-se, pelos registros nos
diários de classe, conforme Figura 4, que era corrente o uso de atividades como:
exercícios orais, ditado, relação de família silábica, formação de palavras a partir de
sílabas trabalhadas, exercícios de caligrafia e cópia da cartilha “tirar do quadro
uma lição”, “tirar do livro uma lição” ou “tomar uma lição”. Ou seja, era necessário
fazer cópia daquelas atividades da cartilha, para memorizá-las a partir da repetição
escrita e oral.
56
O material precário das escolas públicas brasileiras obrigava os pais a fornecerem objetos da
escrita, como: ardósias e tinta para as canetas de pena. No início do século XX foram incorporados
novos objetos escolares, como papel e lápis, mas as famílias eram encarregadas de fornecê-las, essa
condição impedia grande parcela de alunos considerados pobres a freqüentar a escola
(BITTENCOURT, 1996, p. 100).
57
Um dos motivos era “a própria condição de moradia, pois a casa dos alunos é paupérrima,
construída de madeira de barro, a cobertura não podia deixar de ser mais humilhante, de palha,
retirada de pastagens” (Sodré, 1941 apud ALVES, 1994, p. 127).
96
Figura 4: Diário de classe do professor Manoel Nemésio da Costa, Escola Isolada Rural Mista de
Pontezinha, 1939.
A análise sobre as atividades de escrita, registradas nestes diários, permite
observar que estes professores, assim como Jovina, utilizavam-se muito da cópia do
quadro para o caderno e da cartilha para o caderno, ditado e caligrafia para exercitar
o ensino da escrita. A incorporação desta aprendizagem supõe um desafio à escola
primária, de ordem material e metodológica (cadernos, livros, métodos), que
permitissem o exercício constante da habilidade a adquirir
58
. Este ensino supõe uma
apropriação da língua, uma tradução de formas orais de comunicação em formas
escriturais.
Em relação à caligrafia, esta é uma discussão antiga
59
, no Brasil, conforme
Vidal e Esteves (2003, p. 119), se teve “uma discussão mais acirrada entre 1910 e
58
O entrave material à escolarização da escrita começou a ser superado no fim do século XVIII e
início do XIX. As propostas de escrita nas mesas de areia com o dedo para os alunos novos e sua
progressão a ardósia e lápis de pedra, antes do uso da pena e do papel, nos últimos anos do
setecentos e primeiros do oitocentos, pelo método mútuo, permitiram pela primeira vez na escola
elementar, a simultaneidade do ensino da leitura e da escrita (VIDAL e ESTEVES, 2003, p.117).
59
Após a superação dos obstáculos materiais para aquisição da escrita, se deu a intensificação do
debate metodológico, com a preocupação do traçado das letras e a discussão sobre a escrita
pessoal, no final de 1800. De braços dados com psicologia, a pedagogia começou, a procurar razões
que a conduziriam ao debate dos métodos, tanto no que concerne ao desenho da letra (caligrafia),
quanto no que se refere a redação correta (alfabetização, ortografia, gramática). Assim de 1880, até
97
1940, sobre a eficácia dos modelos caligráficos que atingiam as escolas primárias,
como: modelo inclinado, modelo vertical e modelo muscular”. Nenhum dos/as
professores/as da escolas isoladas rurais mistas aqui mencionados fez citação em
seu diário ou em seu depoimento, no caso de Jovina, sobre um modelo caligráfico
(Vertical, Inclinado ou Muscular)
60
. Exercitavam a caligrafia como uma atividade de
escrita que auxiliava o aluno em aspectos como o treino do traçado das letras e
palavras, por meio do qual exercitava-se também a repetição e a memorização.
Parece que essa temática não chegou a constituir-se num problema que tenha
merecido preocupações dos professores da época em Mato Grosso, como aponta os
estudos de Amâncio (2000).
Os exercícios orais, para o ensino da linguagem na alfabetização, eram
também muito citados. Provavelmente, o modo como se lia, parece ter sido bastante
característico da época, baseado em “dar e tomar a lição”, consistindo em ler o texto
da cartilha repetidas vezes para depois a professora verificar, através da reprodução
se o aluno havia aprendido. Como ressalta Bittencourt (1996, p. 95), “o aluno deveria
ler o texto, dominar as palavras escritas e repeti-las ao professor diante dos colegas.
A lição do livro caracterizava-se por ser uma repetição oral da palavra escrita”.
Podemos perceber as semelhanças no modo de ensinar dos professores,
mesmo em localidades e épocas diferentes, pois os diários de classe são de
professores que lecionaram entre 1939 a 1943. A professora Jovina, começou a
lecionar a partir de 1944 indo a1969 e apresenta em seus diários as mesmas
recorrências quanto aos modos de ensinar, organizar a sala, usar os materiais e
propor atividades para o ensino da leitura e da escrita.
A partir da consulta a diários de classe desses professores rurais, foi também
possível localizar citações das cartilhas
61
por eles usadas. Embora, em muitas
passagens, estes professores, ao registrarem “cópia da cartilha”, dificulta saber se
tratava-se de um único ou vários títulos, uma vez que pode ter havido a coexistência
1940 o debate sobre modelos caligráficos foi muito intenso em países como França, Estados Unidos
da América e Brasil (VIDAL e ESTEVES, 2003, p. 119).
60
A defesa do Modelo Caligráfico Vertical, em substituição ao modelo Inclinado teve início em São
Paulo em 1910. a discussão sobre o Modelo Caligráfico Muscular teve início, também em São
Paulo, em 1926. Essa discussão foi mais fortemente presente no Brasil até os anos 1940. Conferir
Vidal e Esteves (2003).
61
Entre as cartilhas Portuguesas mais utilizadas no Brasil, segundo Mortatti (1996) estão a
“Grammática da Língua Portuguesa com os mandamentos da Santa Madre Igreja”, mais conhecida
como “A Cartinha de João de Barros” (1539) e a Cartilha Maternal de João de Deus, considerada
inovadora por apresentar os pressupostos do método analítico muito utilizada no Brasil. No Rio
Grande do Sul (TRINDADE, 2001) e em Minas Gerais (MACIEL, 2003, p. 239).
98
de cartilhas diferentes na mesma sala de alfabetização, como mostra a Figura 5,
que os professores trabalhavam com 1ª série A, B, C, ou seja, com vários níveis de
aprendizagem em uma única sala de aula.
Figura 5: Diário de classe de professor primário de Escola Isolada Rural Mista de Pontezinha,
1939.
A partir das citações no registro mensal de aulas e, em listas de materiais
recebidos, registrados ao término dos diários, foi possível relacionar os vários títulos
de cartilhas e livros de leitura citados e, provavelmente, utilizados por esses
professores em sala de aula, conforme podemos verificar no Quadro 6, a seguir:
Quadro 6 – CARTILHAS E LIVROS DE LEITURA UTILIZADOS POR PROFESSORES/AS DAS
ESCOLAS ISOLADAS RURAIS MISTAS DE DIAMANTINO - MT, 1939 a 1943.
Escola Mista Rural do Córrego Fundo – 1939
Título Autor
1ª Cartilha na Roça Renato Sêneca Fleury
ABC Infantil Sem autor
Cartilha das Mães Arnaldo de Oliveira Barreto
Cartilha Meus Deveres Sales Oliveira Rocha
Minha Pátria S Pinto e Silva
Cartilha Nacional (livro de leitura) Hilário Ribeiro
Nossa Pátria (livro de leitura) Rocha Pombo
99
Cartilha Corações de Crianças Rita M. Barreto
Sei Ler Theodoro Jeronymo de Moraes
Primeiro Livro de Leitura Felisberto de Carvalho
Escola Mista Rural do Córrego Fundo – 1941
Título Autor
Cartilha Meus Deveres Sales Oliveira Rocha
1ª Cartilha na Roça Renato Sêneca Fleury
Escola Mista Rural do Córrego Fundo – 1943
TÍtulo Autor
Cartilha da Infância Thomaz Paulo Bom Sucesso Galhardo
Escola Mista Rural de Pontezinha – 1943
Título Autor
Cartilha do Povo Manoel Bergstrom Lourenço Filho
Primeiras Leituras Manoel Bergstrom Lourenço Filho
Fonte: Diários de professores primários das Escolas Isoladas Rurais Mistas de Diamantino - MT
(1939 a 1943), 53 p. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
Conforme Maciel (2003, p. 12) o uso das cartilhas no processo de ensino da
alfabetização “é uma tradição antiga, pois as primeiras cartilhas, denominadas
“cartinhas”, vinham de Portugal
62
e foram utilizadas até o século XX, juntamente com
as produções brasileiras. Estas cartilhas também conciliavam instrução e religião”.
A cartilha era, na maioria das vezes, utilizada como um único instrumento
para desenvolver as habilidades básicas de leitura e escrita e das regras ortográficas
do português. Mortatti (2000, p. 41) explica que “a partir da última década do século
XIX, com a organização republicana, um movimento de escolarização do
processo inicial de leitura e escrita e uma identificação dessas práticas, com a
questão do método”. A partir deste momento, segundo a autora, a cartilha se
consolida como instrumento imprescindível para a concretização dos métodos
propostos, de determinados conteúdos de ensino e de silenciosas concepções de
alfabetização, leitura, escrita e texto.
Das diversas cartilhas e livros apresentados no quadro acima, citados pelos
professores rurais de Diamantino, chama a atenção a presença da Cartilha Nacional
e Cartilha do Povo
63
. A Cartilha Nacional, de Hilário Ribeiro, editada em 1880, teve
uma intensa circulação no Brasil, (alcançou grande repercussão também em Mato
Grosso); é mencionada nas relações de livros escolares adquiridos para as escolas
62
São exemplos: Cartinha de Aprender a Ler, de João de Barros 1539 (primeira a circular no
Brasil); Método Castilho, de Antonio Feliciano de Castilho – 1850; Cartilha Maternal ou Arte da leitura,
de João de Deus 1876. Além dessas cartilhas serviam para o ensino da leitura e da escrita os
textos manuscritos, elaborados pelos próprios professores, cartas, ofícios e documentos de cartório
(BERTOLETTI, 1997, p. 8).
63
O estudo dessas cartilhas foi realizado mais pormenorizadamente por Amâncio (2000, p. 55 -108,
volume Apenso).
100
públicas mato-grossenses a1932, no estudo de Amâncio (2000). No entanto, no
presente estudo, foi possível observar que esta cartilha continuou sendo usada nas
escolas diamantinenses, a partir de 1939. Essa cartilha, como aponta a autora
citada, estava na sua 228ª edição em 1936, traz o método “ensino simultâneo da
leitura e da escripta”, que conforme seu próprio autor era “uma necessidade de
acompanhar os progressos da ciência”.
O uso da cartilha por esses professores, como uma ferramenta pedagógica,
por meio da qual era possível “ensinar a ler e a escrever”, possibilitava de certa
maneira o ensino de conteúdos instrutivos de acordo com a tradição escolar da época.
A Cartilha do Povo é outra também citada, nos diários de classe consultados das
escolas rurais em 1939; e, na escola urbana, é citada nos anos de 1941 a 1943, o que
mostra que teve continuidade de seu uso nas escolas diamantinenses, o que confirma
os estudos de Amâncio e Cardoso (2005). Estas autoras ressaltam que, em Mato
Grosso, a Cartilha do Povo é mencionada pela primeira vez em 1932, evidenciando as
escolhas levadas a efeito pela Diretoria da Instrução Pública.
Em relação à utilização da Cartilha do Povo, Amâncio e Cardoso (2005)
comentam que a orientação metodológica dessa famosa cartilha não se alinhava às
orientações analíticas do período anterior que oficializara o método analítico em 1927.
Cabe refletir sobre alguns aspectos ligados a questão, pois essa publicação de
Lourenço Filho, de 1928, era resultado de um posicionamento teórico-metodológico
a respeito dos métodos de alfabetização, que passaram a partir desse período a
serem relativizados por este autor.
Estudos de Bertoletti (1997, p. 26) apontam que esta cartilha “foi muito
utilizada em São Paulo, onde teve grande sucesso, tendo sido utilizada como
instrumento de ensino da leitura por mais de seis décadas nas escolas brasileiras”.
Até 1995, continuava no catálogo da editora e na lista dos livros indicados pelo
Plano Nacional do Livro Didático – PNLD, do Ministério da Educação – MEC.
Nestes comentários, sobre cartilhas e livros citados pelos professores rurais
de Diamantino, priorizei apenas aqueles que foram mais recorrentes, uma vez que o
objetivo deste estudo não contempla fazer uma análise mais aprofundada desse
aspecto.
A partir da breve aproximação, pode-se refletir sobre a escola primária rural
daquele período e o alcance dos serviços educativos por ela oferecidos, para
101
possibilitar um mínimo de alfabetização aos seus alunos; ou seja, ensinar a leitura e
a escrita por meio do “tirar, dar ou tomar uma lição, presente na cartilha”. Os indícios
ou vestígios
possibilitam compreender que, nas escolas isoladas rurais, era concreta
a possibilidade de decodificar a língua escrita, além de grafar quantidades e realizar
as operações elementares.
Espero que, mesmo com os fragmentos e lacunas, este estudo possa
contribuir para a compreensão dos processos de ensino na escola primária rural
diamantinense. Que seja possível, também, encontrar na sua simplicidade, o lugar
de sua riqueza. Ressalvando-se as prováveis omissões e silêncios (que também são
reveladores), pois como assinala Lang (2001, p. 123) são “carregados de
subjetividade provocados pela ruptura entre o passado e o presente“.
102
ESCOLA URBANA MASCULINA E FEMININA: LER, ESCREVER E
CONTAR...
“(...) tinha uma escola primária. Os garotos estudavam cantando ou melhor, decorando no canto, as
lições do ABC e da tabuada.(...) Confesso, a bem da verdade, que estava louco para ficar. Não
pelo desejo de conhecer a cidade (...) mas, sobretudo, pela vontade de aprender a ler, escrever e a
contar, coisa que sempre foi minha grande aspiração (...)”
(Guimarães Rosa, 1900 a 1945)
103
Figura 6: Termo de abertura de diários de classe das professoras da Escola Urbana Masculina e
Feminina, 1941 e 1943.
104
3. 2 Escola Urbana Masculina e Feminina: ler, escrever e
contar....
Neste item, tratarei conforme Julia (2001, p. 11) “das trocas e transferências
culturais que se operam através da escola” nas relações que esta manteve em
determinado período da história do ensino da alfabetização no município de
Diamantino, com as culturas que lhe são contemporâneas. Nesse contexto, as
normatizações e concretizações são analisadas levando em conta, segundo o autor,
“o corpo profissional dos sujeitos que são chamados a obedecer a essas normas e a
utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os
professores primários”.
As dificuldades para organização das instituições escolares no contexto mato-
grossense em períodos anteriores as reformas de 1910, conforme Amâncio (2000)
se davam por inúmeras razões: dispersas pelo grande território mato-grossense
essas escolas mantinham enormes distâncias entre si; tinham um número variado de
alunos; faltava uniformidade em termos de métodos e programas de ensino;
assistência e orientação por parte de inspetores escolares e; principalmente
ausência de controle e fiscalização por parte de autoridades da instrução pública.
Desse modo, os professores trabalhavam isoladamente, sem condições de
compartilhar os possíveis problemas de sua prática com seus pares. A formação
desses professores que devia ser realizada pela Escola Normal, a qual ficou por um
grande período desativada, somente foi possível a partir de 1911, quando esta foi
reativada. Portanto, para que um professor fizesse o curso normal tinha que ir para
outro estado.
Para que se possa compreender aspectos do processo histórico do ensino
primário em Diamantino, torna-se necessário, mesmo que brevemente, recorrer a
períodos anteriores de sua constituição. Até a sua elevação da categoria de vila para
cidade, em 1920, de acordo com Correa Filho (2002, p. 354) “o município de
Diamantino, tinha uma área de 11.470.000 hectares e 4.475 habitantes e contava
com apenas uma escola na sua sede”. Para que possamos ter uma idéia do quanto
a instrução pública primária no município atingia uma pequena parcela da
população, é interessante observar, no Quadro 7, o número de alunos que
freqüentava a escola pública:
105
Quadro 7 – INSTRUÇÃO PÚBLICA EM DIAMANTINO NO SÉCULO XIX
ANO ESCOLA MASC. FEM.
1823 1 Aula de Gramática 10 -------------
1854 1 escola de 1ª Letras 16 -------------
1880 1 escola de 1ª Letras 87 -------------
1889 1 Escola urbana X X
Fonte: Corrêa Filho (2002, p. 16/29/30/57) e Siqueira (2002, p. 152).
Como se observa, as primeiras iniciativas de instrução pública em Diamantino
datam do início do século XIX, 1 aula de gramática (as chamadas aulas avulsas) e
depois na escola de primeiras letras. Porém, somente a partir de 1889, alunos do
sexo feminino passam a freqüentar as aulas na escola pública primária do município.
A tradição escolar no Brasil, ainda presente em Mato Grosso, de aprender a “ler,
escrever e contar” priorizava os homens, secundarizando as mulheres, que,
provavelmente, se ocupavam com os afazeres domésticos, conforme a tradição
patriarcal comum em todo o país.
Conforme Siqueira, até esse período a organização do ensino público em
todo o estado era muito simples:
(...) ficava a administração das poucas aulas avulsas e das igualmente
minguadas escolas primárias voltadas quase que exclusivamente para a
formação dos filhos das elites, sob o controle e fiscalização do Presidente
da província auxiliado por um Inspetor Geral de Aulas (SIQUEIRA, 2002,
129).
Tão “minguadas” eram as escolas primárias que, no município de Diamantino
havia apenas uma delas. Esta escola era caracterizada como Escola Isolada
Urbana, a Escola Urbana Masculina e Feminina, localizada no centro da cidade.
Uma escola pública mantida pelo governo do estado, que se constituía de um prédio
com três cômodos, onde havia aula para o curso primário, em uma classe de ano
(A, B e C) e e ano primário
64
. No Quadro 8, apresento relação de professores
que lecionaram nesta escola, em períodos anteriores ao deste estudo, para melhor
compreensão do processo histórico do ensino da alfabetização em períodos
posteriores.
64
Diários de classe da Escola Urbana Masculina e Feminina, das professoras Castorina Sabo
Mendes e Maria Capistrano da Silva. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
106
Quadro 8 - MAPA DEMONSTRATIVO DOS/AS PROFESSORES/AS PRIMÁRIOS/AS DAS ESCOLAS
ISOLADAS URBANAS DE DIAMANTINO – MT 1ª ESCOLA URBANA MASCULINA E FEMININA.
PROFESSORES CIDADE POSSE MASC. FEM.
Lucas Evangelista Diamantino - X -
Benedito Rodrigues de Araújo Diamantino - X -
Joaquim Narques da Silva Diamantino - X -
Egydia da Silva França Diamantino 08/11/1916 - 20
Joaquim da Silva França Diamantino 07/02/1918 41 -
Fonte: Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso, Dr. Cesário Alves Corrêa, ao
Secretário do Interior, Justiça e Fazenda, Dr. Virgílio Alves Correa Filho, Cuiabá 14 de março de
1922. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Livro 108 – A.
Essa não era a realidade apenas do município de Diamantino; até o final da
década de 20, Mato Grosso, contava com uma rede de ensino público primário muito
pequena e deficitária, eram ao todo 150 escolas isoladas, sendo 29 do sexo
feminino e 29 do sexo masculino, e 92 escolas isoladas rurais mistas. Estas escolas
atendiam um total de 2.935 alunos. Destas escolas, 1 do sexo feminino (atendia 82
alunas) e 1 do sexo masculino (atendia 144 alunos) e 5 rurais mistas funcionavam
em Diamantino
65
. Percebe-se, porém, que o estado havia ampliado o atendimento
em relação ao início da década.
De acordo com Silva (1989, p. 36)
66
, após a grande guerra, Diamantino entrou
em decadência, muitas famílias deixaram a cidade. Nesse período a sede do
município foi reduzida a uma rua (do comércio), com 426 habitantes. Na década de
20, segundo este autor, “o transporte era feito em lombo de burro e a comunicação
era muito difícil, a intendência municipal não dispunha de muito recurso. As casas e
muros velhos de adobe caiam a cada chuva”. Com a chegada da missão Jesuíta em
Diamantino e a criação da Prelazia
67
em 1930, a cidade começou a se
reestabelecer.
Até o ano de 1926, o presidente do estado Mário Correa da Costa
68
, lamenta
que o Regulamento de 1910 não surtiu o efeito desejado, quando ressalta que “o
estado precisa de uma ampla reforma para suprir as suas faltas e defeitos, para
tornar o seu funcionamento effieciente”. É interessante lembrar que, até 1930, o
65
Mensagem do Presidente Estevão Alves Corrêa, dirigida a Assembléia Legislativa em 13 de maio
de 1926. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
66
Trata-se do autor SILVA, Adelino Dias de, 1989, citado nas referências bibliográficas deste estudo.
67
Em 1929, o Papa Pio XI fez de Diamantino, a sede de circunscrição eclesiástica provisória, uma
Diocese em formação, a Prelazia de Diamantino, com nome de Nossa Senhora da Conceição,
assumida pela Companhia de Jesus, em 1930, na falta de clero secular. A Prelazia passa a Diocese
somente em 1979 (MATO GROSSO, 1978).
68
Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso, Mário Correa da Costa, dirigida a Assembléia
Legislativa, 1926. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
107
estado oferecia somente o ensino primário; o secundário (ginásio) e o ensino
profissional (normal para formação de professores). O atendimento a crianças com
idade abaixo de 7 anos (educação infantil) e o ensino superior eram inexistentes.
Buscando verificar os vestígios ou indícios do modo como se processou o
ensino da alfabetização na prática das professoras da 1ª Escola Urbana Masculina e
Feminina naquele período, foi de fundamental importância a localização de diários
de classe
69
, referentes ao período de 1941 a 1948, sendo que destes diários
somente aqueles referente ao período de 1941 a 1943 apresentam o conteúdo
ministrado nas aulas. Neste período, esta escola, ainda, mantinha a mesma
estrutura citada anteriormente.
Pela lista nos diários de classe, as salas eram constituídas com turmas em
torno de 20 a 25 alunos. As aulas começavam no mês de março e iam até o mês de
novembro. As professoras
70
primárias lecionavam para alunos do sexo masculino
numa sala e do sexo feminino em outra separada, em turnos também separados,
conforme Quadro 9. Estas professoras eram remuneradas pelo estado, de acordo
com informações contidas na parte inicial dos diários.
Quadro 9 MAPA DEMONSTRATIVO DAS ESCOLAS ISOLADAS URBANAS, PROFESSORAS,
VINCULO E FORMAÇÃO
MUNICIPIO ESC
SEXO. PROFESSORAS CONTRAT. EFETIVO FORMAÇÃO
Diamantino Urb Masc. Maria Josefina M. Garcia ou M.
da Glória F.M. Garcia
07/09/1930 ----------------
Leiga
Diamantino Urb Fem. Maria Capistrano da Silva 10/06/1932 Normalista
Diamantino Urb Masc Castorina Sabo Mendes 11/04/1939 ---------------- Leiga
Fonte: Relatório apresentado ao Presidente do Estado pelo Diretor da Instrução blica, Francisco
Alexandre Ferreira Mendes. Cuiabá, 25 de Fevereiro de 1944. Arquivo Público de Mato Grosso
APMT, 2005. Impresso Avulso.
Das professoras que lecionaram nesta escola, a professora Castorina Sabo
Mendes, aposentada, hoje está com 99 anos e reside em Diamantino. Começou a sua
carreira frente ao ensino primário, na década de 1930. Impossibilitada de conversar
69
Diários de classe das professoras Castorina Sabo Mendes (1941 42 43 45 47 - 48) e Maria
Capistrano da Silva (1943 e 1945) da Escola Urbana Masculina e Feminina. Arquivo da Escola
Estadual Plácido de Castro, 2005.
70
É interessante lembrar que, em Mato Grosso, as mulheres tiveram autorização para lecionar
inclusive para o sexo masculino, em 1901.
108
com tranqüilidade devido à saúde frágil
71
, a sua contribuição se deu por meio das
fontes documentais, como diários de classe, por ela produzidos.
A professora Maria Capistrano da Silva, aposentada, hoje com 93 anos de
idade, reside em Cuiabá. Iniciou sua carreira no magistério em Diamantino no ano
de 1932, onde permaneceu até 1950, quando foi transferida para a Escola Modelo
Barão de Melgaço, em Cuiabá, onde lecionou até 1963. Completamente lúcida e
solícita a reviver suas memórias, esta professora recebeu-me por diversas vezes em
sua residência, onde conversamos sobre a sua experiência na alfabetização.
Localizar tais professoras extrapola um sentido factual, da possibilidade de
contribuição para a construção de uma história do ensino da alfabetização no
município, mas reveste-se de um significado que Bosi (1993, p. 333) chama de
“significado dentro de um tesouro comum”. Ou seja, algo que sempre se ouve a nível
individual, de pessoas mais idosas no município, especialmente da educação e, que
pode ser colocado a partir da sua reconstituição, no contexto coletivo. Nesse
sentido, o “tesouro comum”, que deu suporte à existência da 1ª Escola Urbana
Masculina e Feminina foi também o desempenho de professoras primárias como
Maria e Castorina.
Na primeira escola que eu lecionei a Egidia Sabo França lecionava junto
comigo, eu era na feminina e ela na masculina (...). A escola era numa
ruazinha assim, bem no final, bem numa esquina, tinha a praça, atravessa a
rua que era Capim Branco e vai no final. Era um salão assim, bem
grande, era as carteiras mesmo, daquelas bem antigas que sentava de
dois em dois alunos (...) (professora aposentada Maria Capistrano da Silva,
93 anos, 2005)
72
.
Nas escolas, classificadas como Isoladas Urbanas, de acordo com o artigo
13º do Regulamento da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, de 1927 “o
curso da escola urbana é de três annos, sendo o programma dos dois primeiros
annos igual ao das escolas ruraes”.
71
Segundo suas filhas e pessoas da família a professora Castorina Sabo Mendes, continua lúcida e
relembra aspectos importantes do passado; porém, a sua audição bastante debilitada a
impossibilitaria estabelecer um diálogo com a pesquisadora.
72
Segundo a professora Maria Capistrano da Silva, após a morte do professor Joaquim Sabo França,
a professora Egidia Sabo França (sua esposa) ficou muito triste e doente. Passado alguns anos
aconteceu um fato curioso na escola: o relógio da sala de aula deu algumas badaladas e então a
professora Egídia disse que era Joaquim avisando que vinha buscá-la, após três dias essa professora
faleceu.
109
Desse modo, o programa de ensino da linguagem, na alfabetização era
semelhante ao das escolas rurais, “leitura e escripta”, conforme o artigo 6º do
regulamento “este programa tem por fim a instucção primária rudimentar”:
Leitura, Escripta,
Quatro Operações sobre Números Inteiros,
Noções de História Pátria,
Chorographia do Brasil e especialmente de Mato Grosso
Noções de Higyene (MATO GROSSO, 1927)
O programa não trazia especificações para a instrução primária, a educação
elementar era voltada para a formação de trabalhadores, por isso a instrução podia
ser rudimentar; todavia, a par do ensino da alfabetização, deveria ser ministrada
noções de educação moral e cívica, a fim de se promover a integração do povo
mato-grossense ao restante do país, despertando o sentimento patriótico, a idéia da
ordem e do progresso. A higiene também devia ser priorizada, voltada à formação
do cidadão sadio e preparado para auxiliar no crescimento da nação.
O ano de 1932
73
foi um marco para a história do ensino primário no município
de Diamantino, com o retorno da professora Maria Capistrano da Silva,
anteriormente mencionada, que saiu de seu município ainda menina, para estudar
na capital e voltou ao município de origem, com o estatuto de Normalista.
Entrever uma história do ensino ou de uma instituição escolar, segundo
Chartier (2002) requer a busca de procedimentos de acreditação articulados a
valores, práticas e propostas pedagógicas, indícios ou vestígios que contribuem para
presentificá-la. Dessa maneira, a professora Maria contribuiu enormemente para
resgatar aspectos da história do ensino da alfabetização naquela escola. A seguir
apresento Foto 2, de sua formatura, no curso Normal, em 1931.
73
No contexto da Reforma Francisco Campos (1931 1942) merece destaque o Manifesto dos
Pioneiros da Escola Nova, em 1932 Escrita por Fernando de Azevedo e assinada por educadores
como Anísio Teixeira, Almeida Junior e Lourenço Filho. Este documento estabelece princípios de uma
nova política educacional para o Brasil, proclama a educação como direito de todos sem distinção de
classe e situação econômica, reivindica escola pública, gratuita, obrigatória e leiga, tratando a
educação como um problema social.
110
Foto 2: Maria Capistrano da Silva e demais Formandas do Curso Normal do Liceu Cuiabano em
1931. Acervo particular da professora Maria Capistrano da Silva (1ª moça sentada da direita para a
esquerda).
Esta professora, normalista, veio para Diamantino lecionar na Escola
Urbana Masculina e Feminina. Nesta turma de formandas no curso Normal, em
1931, não havia nenhuma outra moça que fosse de Diamantino. Apesar de estar
com uma idade avançada, 93 anos, a professora Maria
74
, relembrou aspectos
importantes daquele tempo, entremeados às marcas espaciais e temporais,
inscrevendo as memórias e experiências escolares de sua formação e também de
sua prática como professora alfabetizadora naquela escola.
Nem o espaço, nem o tempo escolar são dimensões neutras, conforme Faria
Filho e Vidal (2000), permitem as representações sociais e atuam como elementos
na construção histórica da realidade. Desse modo, busquei saber porque, em 1920,
a professora Maria deixou de estudar em Diamantino, preferindo a capital:
74
Atualmente a professora Maria Capistrano da Silva, é aposentada e viúva, mora em Cuiabá, em
companhia de uma de suas filhas. Na ocasião da entrevista que me concedeu mostrou seu álbum
com as fotografias de sua formatura no curso Normal, algumas das quais apresento neste trabalho e
presenteou-me com os livros sobre Diamantino publicados pelo seu esposo, Adelino Dias da Silva,
escritor diamantinense (in memorian).
111
Meu pai me mandou estudar em Cuiabá, porque (em Diamantino) não
tinha condições, tinha professores, mas não eram formados (professora
Maria Capistrano da Silva, 2005).
Grande era o desafio enfrentado naquela época, por algumas famílias
moradoras em municípios como Diamantino, circunscrito no contexto mato-
grossense, de tamanha extensão territorial, com grandes dificuldades para estruturar
um sistema de ensino primário que viesse atender, minimamente que fosse, às
necessidades impostas pelo desenvolvimento social e às reivindicações da sua
população. De acordo com os documentos analisados, de nomeação de
professores, até esse período, contava-se apenas com professores leigos a frente
do ensino primário na única escola que até então atendia à população.
Nesse sentido, não é de se estranhar que a família da professora Maria, que
provavelmente apresentava condições econômicas viáveis para isso, enviasse sua
filha para a capital em busca de formação. Mas poucos eram os que dispunham das
mesmas condições. Procurei saber com a professora Maria se chegou a conhecer
ou freqüentar por algum tempo a escola primária em Diamantino, antes de ir estudar
fora, se recordava quem foram os professores, onde lecionavam e o que ensinavam:
Um era telegrafista, acho que este era professor particular, a gente tinha
uma escolinha. Eu me lembro que eu fiquei na casa do telegrafista (...) que
era professor, e eu vi umas duas vezes aplicando palmatória, mas
depois desse tempo acabou. Eu não estudei lá, ele era assim vizinho, ele
passava alguma coisa e eu fazia, a, e , i , o ,u (risos), fui poucas vezes
(professora Maria Capistrano da Silva, 2005).
É importante lembrar conforme Amâncio (2000, p. 58)
75
que “o ensino
doméstico das primeiras letras, se reduzia ao conhecimento do alfabeto, era o que
vigorava até o século XIX, sendo inclusive reconhecido pelas autoridades da
instrução pública”. Segundo a autora, muitas crianças recebiam noções
rudimentares da leitura e da escrita no seio da família e, para a grande maioria essa
era a única forma de instrução.
75
Embora a Lei Imperial de 1827 determinasse a criação de escolas de primeiras letras em todas as
cidades, vilas e lugares mais populosos, Mato Grosso contava com apenas uma escola dessa
natureza, para meia centena de alunos de toda a província (AMÂNCIO, 2000, p. 58).
112
O acesso ao saber escolar não está relacionado apenas à possibilidade da
escola vir a cumprir a sua função social, mas também a produção da singularidade
da instituição e cultura escolar, que lhe é própria. Por isso, busquei conhecer mais
sobre a forma como esse professor ensinava na alfabetização, a professora Maria
fez revelações importantes:
Primeiro ensinava o abecedário, depois tinha que juntar as letras e depois,
tinha as cartilhas daí seguia. Ele soletrava as letras, escrevia as letras,
continuava copiar, ditava (...) (professora Maria Capistrano da Silva, 2005).
Apesar da professora Maria ter dito que foi poucas vezes na escola ou sala de
aula do professor (telegrafista), fez comentários interessantes sobre a forma como
aquele professor ensinava, pode ser que ela tenha ido mais vezes até lá, pois
recordou que o professor “aplicava palmatória, ensinava o abecedário, utilizava a
soletração das letras, tinha cartilhas, fazia atividades de cópia e ditado”.
Em momentos de encontro como este, de escuta e de troca, a memória
desempenha papel importante. Memórias antigas, segundo Fourquin (1992) povoam
a vida mental das pessoas idosas, que evocam o passado remoto, do qual é rara a
perda, porém pode haver problemas nos mecanismos de busca, como no caso da
professora Maria, que talvez pode ter recorrido a outras experiências que teve em
sua alfabetização. Todavia, como aponta este autor, recordar é saudável tanto para
a subjetividade das pessoas, quanto para os processos históricos das comunidades.
A professora Maria lembra-se que o professor tinha cartilhas. A cartilha pode
ser considerada como um fragmento da cultura escolar de determinado momento
histórico, de acordo com Correa (2000, p. 17) “a partir dela se observa diferentes
valores que fizeram parte da cultura escolar de uma época e sociedade, o seu
método, conteúdo e elementos nela contidos dão vida e significado às práticas
escolares”. Essa autora, ressalta que as normatizações determinam o que deve ou
não ser ensinado nas escolas, legitimando os valores e conhecimentos que a
sociedade quer ver disseminados e, geralmente a cartilha e os livros escolares são
os portadores desses valores e ideologias.
Esses professores conheciam as orientações normativas para o ensino da
alfabetização? Acompanhavam os debates que se travavam na educação naquele
período? Quais eram as determinações sobre conteúdos escolares ou programas e
113
currículos? Sua extensão e distribuição atendiam os preceitos pedagógicos da
época? Se a professora Maria começou a freqüentar aquele espaço escolar, mesmo
que informalmente, aos 7 anos, então pode-se inferir que o programa das escolas
estava incluído no corpo do Regulamento da Instrução Pública de 1910. Teria o
professor (telegrafista) e outros professores interinos do estado, acesso às
normatizações da época? Qual seria o alcance desse regulamento?
Em relação à sua formação em nível primário, ginásio e depois o curso
Normal
76
a professora Maria esclarece que:
Na Escola Modelo Barão de Melgaço, em Cuiabá, estudei de a série e
Ginásio. O Normal estudei no Liceu Cuiabano
77
,
primeiro tinha os quatro
anos primário, tinha dois anos de curso anexo e tinha a Escola Normal
(professora Maria Capistrano da Silva, 2005).
Algumas alterações na organização da Instrução Pública do Estado de Mato
Grosso, segundo Amâncio (2000) são realizadas no ano de 1922, como
simplificação do programa do curso da escola Normal, extinção dos exames finais,
que foram substituídos pelas médias das notas constantes das provas mensais e,
como reiterou a professora Maria, a criação do curso Complementar, de dois anos,
como intermediário entre ensino primário e curso Normal.
Sobre a sua formação no curso Normal, o que a fez optar pelo magistério, se
teve a influência da família, de amigos, se foi opção própria, ou que a fez tomar
essa decisão, a professora diz:
A opção por fazer o Normal foi minha mesmo, eu gostava, tinha meus
colegas lá, no começo tinha até moço, depois eles deixaram nós e
prosseguiu só moça mesmo. (professora Maria Capistrano da Silva, 2005).
76
A primeira Escola Normal foi criada no Brasil, em Niterói RJ, no ano de 1835, preocupada em
disseminar os princípios do método mútuo, instrumentalizando os alunos para seu uso (FARIA FILHO
e VIDAL, 2000, p. 14).
77
Criada pelo Regulamento de 1837, a Escola Normal do Estado de Mato Grosso foi instalada em
Cuiabá no ano de 1840, sendo extinta em 1844. É recriada em 1874 passando a funcionar em 1875.
No ano de 1879 passa a funcionar junto ao Liceu Cuiabano, criado neste mesmo ano. Em 1889 é
desvinculada do Liceu Cuiabano, transformando-se no Externato Feminino para formar professores
para o Magistério primário. Em 1890 volta a funcionar o Curso Normal, com o programa simplificado,
novamente junto ao Liceu Cuiabano. O Curso Normal deixa de funcionar em 1896, ano que se
verifica 20 alunos estudando. A Escola Normal volta a ser criada pelo decreto 266, de 3 de dezembro
de 1910. Passa por uma reestruturação em 1923. Em 1932 em função do decreto nº 132 de 20 de
fevereiro, recebe a denominação de Escola Normal Pedro Celestino, em cuja administração
ressurgira. Volta a ser extinta em 1937 (AMÂNCIO, 2000, p. 142).
114
A formação da professora normalista naquela época conforme Santos,
significava uma tentativa de acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade,
porém:
(...) acontecia de forma muito lenta e desvinculada da realidade das
escolas brasileiras, que recebiam um contingente da massa popular cada
vez maior. Esse contingente exigia a expansão da escola, mas até o final
da década de 1920 o ensino normal se caracterizava pela precariedade e
fragmentação, a maioria dos professores não possuía formação
pedagógica específica e, quando possuía o curso Normal, sua formação
consistia na aquisição de um conteúdo de cultura geral (SANTOS, 1986, p.
67).
A professora Maria se formou em 1931; muitas eram as dificuldades
encontradas por pessoas como ela que saiam de municípios como Diamantino para
estudar:
Vinha para casa somente nas férias de junho e de final de ano, o transporte
era a cavalo. Iam me buscar, meu pai, um irmão e uma pessoa para cuidar
dos cavalos. A viagem da Capital, Cuiabá, a Diamantino demorava dois dias
e meio. Tinha o lugar certo de pouso a noitinha. no ano que me formei
que vim de carro, daqueles que fazem corrida (professora Maria Capistrano
da Silva, 2005).
Segundo a professora, havia alguns “moços” no início; depois, deixaram o
curso, provavelmente foram galgar outras possibilidades de trabalho, uma vez que,
em Mato Grosso, a composição social se tornava mais complexa, em virtude dos
avanços da força produtiva, exigindo mão-de-obra no comércio e na máquina
administrativa. Em 1930, somente um aluno do sexo masculino matriculou-se no 1º
ano do curso Normal, de acordo com a mensagem do presidente do estado.
78
Esse
foi um fator, de acordo com Alves (1994) que também contribuiu para a inserção das
moças mato-grossenses no magistério público e no rol dos trabalhadores
assalariados, ressaltando que os salários eram tão baixos que não mais interessava
aos rapazes.
Quanto aos conhecimentos que aprendeu no curso Normal, a professora
Maria diz que:
78
Mensagem do Presidente do Estado, Dr. Aníbal Tolledo, sobre a Instrução Pública a Gazeta
Official,1930.
115
O ensino era puxado, não é como hoje que a gente tem liberdade, (...) uma
vez uma menina virou para falar com a outra e o professor mandou para
fora, qualquer coisinha ia para diretoria, mesmo a gente sendo grande eles
castigavam, é (risos) era rígido naquele tempo. O curso Normal ensinava
muitas coisas para gente, porque naquele tempo era puxado (professora
Maria Capistrano da Silva, 2005).
Os mecanismos externos aos grupos sociais vieram juntamente com o projeto
de modernidade e, por conseqüência o esforço de homogeneização da clientela
escolar diversa. A escola constituía-se em um espaço de veiculação desses
interesses, em nome da formação da população, preocupação basilar da escola
desde o século XIX. Nesse contexto, conforme Siqueira (2000) integravam-se os
castigos físicos e morais, sendo concebidos como elementos facilitadores, por isso
eram recorrentes nas escolas, a fim de adotar-se uma conduta única a ser seguida
por todos.
Com o Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Mato
Grosso, em 1927, o curso normal era inspirado nos princípios da escola nova.
Propunha, ao professor, uma formação que favorecesse o domínio de métodos
baseados nos preceitos da psicologia, com essa formação seria um professor-
técnico, capaz de ensinar e avaliar os alunos através de meios científicos.
A professora Maria além da sua prodigiosa memória quis também recorrer a
fotografias da época para a elaboração de sua narrativa, evidenciando o sentimento
vivido naquele curso, suas colegas, seus professores, sua formatura. De acordo com
Lang (2001, p. 131) “são representações do passado, do eu antigamente e ao
mesmo tempo o sentido de estar aqui hoje”.
116
Foto 3: Formatura do Curso Normal do Liceu Cuiabano em 1931. Acervo particular da
professora Maria Capistrano da Silva (4ª Formanda da última fila, da esquerda para a direita)
Nessa ocasião, no ano de 1931, foram 31 moças mato-grossenses que se
formaram junto com a professora Maria. Os professores homenageados (sentados)
são Nilo Póvoas e Gertrudes Machado Ribeiro.
Em relação ao seu retorno a Diamantino para lecionar, sobre o concurso
público estadual
79
e o motivo que a fez voltar para sua terra:
Eu fui (para Diamantino) em 1932, eu fiz concurso em 1934. Os professores
que lecionavam até essa época não tinham formação, eu fui a primeira
Normalista formada de lá, vim estudar aqui (em Cuiabá) e depois fui pra
lecionar. o me lembro quanto tempo eu fiquei nessa escola, fui quando
79
O concurso constava de duas provas sendo uma escrita e outra prática e ocorria perante uma
comissão composta pelo Diretor Geral da Instrução Pública, como presidente e de quatro membros
nomeados pelo governo (Art. 63º, Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso, 1927, p. 07).
117
começou a prelazia de Diamantino
80
(professora Maria Capistrano da Silva,
2005).
Recorrendo a fontes oficiais, Alves (1994, p.116) afirma que o estado de Mato
Grosso, até 1933, estava entre os estados da federação mais carentes de escolas
públicas primárias
81
, “daí a necessidade presente no discurso dos governantes de
se intensificar a campanha de alfabetização e de criação de escolas de acordo com
as necessidades de cada região, para que esta fosse mediadora na relação
educação e trabalho”. Nesse período, o município de Diamantino, oferecia o curso
primário apenas nesta escola, em uma sala do sexo feminino regida pela professora
Maria e uma do sexo masculino regida pela professora Castorina.
É interessante apresentar também dados relativos à população
diamantinense neste período para refletirmos sobre a extensão e alcance da
escolaridade primária à sua população. A população estimada era de 6.229 e,
recenseada era de 5.442 habitantes
82
; havia tido um aumento significativo em
relação à cada anterior. Os diários de classe de 1941 a 1948 indicam o número
de alunos e alunas atendidas, para as quais estas professoras lecionavam,
conforme Quadro 10:
Quadro 10 PROFESSORAS E Nº DE ALUNOS POR SALA DA ESCOLA URBANA MASCULINA
E FEMNINA:
PROFESSORAS 1941 1942 1943 1944 .1945 1947 1948
Castorina Sabo Mendes
(alunos do sexo Masculino)
19 24 25 25 27 26 22
Maria Capistrano da Silva (alunos do sexo
Feminino)
------ ------- 24 ------ 25 ------ ------
Fonte: Diários de classe do Ensino Público. Curso Primário. Registro Geral do Estabelecimento
Escolar. Escola Urbana Masculina e Feminina. Rua Coronel Fanchét. Diamantino MT. Arquivo da
Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
Assim como não havia professores formados, não havia professores
concursados nas escolas públicas do interior; a princípio, mas de acordo com o
80
A professora Maria Capistrano esclarece, ainda, que ficou por alguns anos lecionando na Escola
Urbana Masculina e Feminina e posteriormente foi nomeada para a Escola do Gatinho (hoje
município de Alto Paraguai). Depois foi transferida para a Escola Senador Azeredo em Cuiabá, onde
trabalhou aproximadamente uns três anos, indo finalmente para a Escola Modelo Barão de Melgaço,
em Cuiabá, onde lecionou até a sua aposentadoria, em 1963.
81
Mato Grosso 299 escolas, Goiás 222 escolas, Piauí 152 escolas e Acre 91 escolas (ALVES, 1994,
p.116).
82
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Departamento Estadual de Estatítica de Mato Grosso.
Resumo Comemorativo a passagem do aniversário do IBGE, 1940. Arquivo Público de Mato Grosso –
APMT. Impresso.
118
relatório do Diretor da Instrução Pública
83
existia também outros motivos, os quais
considerava “(...) problema de alta relevância, no seu sentido pedagógico e social,
grande número de escolas é servida por professores leigos, impostos pelo
nepotismo dos chefes políticos (Francisco Alexandre Ferreira Mendes, 1942).
Ao que parece, havia uma preocupação do Diretor da Instrução Pública,
relacionada a formação do professor que estava na regência das salas no ensino
primário e, possivelmente, com a qualidade do ensino nelas ministrado. Neste
mesmo relatório, essa autoridade educacional faz alusão à “alfabetização da
infância”, onde segundo ele, “os resultados começavam a serem percebidos”.
De acordo com este mesmo Diretor da Instrução Pública do Estado, em 1944,
havia outros motivos para que o quadro de professores do ensino primário estivesse
nessa situação:
Há mais de um lustro que se não efetua no Estado o concurso para
preenchimento efetivo das vagas existentes no magistério primário.
Decorre este fato de ter o Governo do Estado aguardado até o presente a
solução do problema da regulamentação do ensino primário no Brasil, a
cujo estudo o Ministério da Educação vem procedendo (Francisco
Alexandre Ferreira Mendes, 1944).
Os sujeitos sociais contribuem para a compreensão de uma instituição,
conforme Chartier (2002) como experiência de apropriação que pode ser individual
ou coletiva. Em relação à organização desta escola, quanto aos horários e merenda
escolar, a professora Maria ressalta que “tinha a hora de recreio, de meia hora, tinha
merenda, mas eram os alunos que levavam aquilo que podiam, pois a escola não
fornecia”.
Nessa época, os castigos físicos eram proibidos oficialmente em todo o país,
mas as restrições, penalidades e sanções geralmente permaneciam no cotidiano
escolar, a esse respeito a professora Maria é enfática:
Eu nunca usei palmatória não (risos) palmatória tinha sido extinta (risos),
as professoras punham de castigo em pé, de costa para o quadro,
palmatória não. Eu não aplicava castigo (professora Maria Capistrano da
Silva, 2005).
83
Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, Prof. Francisco
Alexandre Ferreira Mendes, 1942 e 1944. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
119
É importante ressaltar, concordando com Souza (1998) que as
recomendações de uma prática inspirada no movimento escolanovista, cujo marco
no Brasil, é o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, de 1932, caracterizava-se
pela tentativa de reformar a chamada, escola tradicional, introduzindo novos
procedimentos didático-metodológicos, que consistiam em tornar o ambiente escolar
mais agradável, atrativo e menos repressor.
Os castigos eram aplicados nas escolas brasileiras no culo XIX e a o
início do XX
84
. Em Mato Grosso, segundo Siqueira (2000, p. 240), “nos
regulamentos de 1837 e 1854, essa temática não foi objeto de tratamento. Passou a
fazer parte das normatizações escolares a partir da introdução das idéias modernas
neste estado”. No regulamento de 1872, permitia-se aplicar nas escolas apenas os
castigos morais, os castigos físicos deviam ficar a cargo da família no interior do lar.
Ao que parece, a professora Maria, em 1932, havia assimilado novos valores
que provavelmente, dispensavam tais mecanismos de repressão no processo de
ensino aprendizagem. Essa prática é permeada também por valores, quadros
referenciais, pré-concepções, experiências pessoais e profissionais consolidadas
pela tradição escolar, articuladas as vivências da sala de aula e do cotidiano.
No final dos anos 30 e 40, no Brasil, houve a emergência de um novo
discurso na educação pública: o de renovação pedagógica e, nesse contexto, o
ensino da linguagem (leitura e escrita) foi amplamente discutido em novos termos,
marco da adoção dos princípios. A maioria dos estados, assim como Mato Grosso,
adotou novos métodos de ensino, que foram introduzidos sob a forte influência da
Escola Nova. No caso deste estado, as recomendações para o ensino da Leitura e
da Escrita, de acordo com o Regulamento da Instrução Pública de 1927, era do
método analítico.
A respeito da adoção de um método para o ensino da alfabetização a
professora Maria falou pouco, enfatizando apenas que “naquele tempo era um
método bom. Acho que assim eles tinham facilidade para aprender, ficava mais fácil,
logo eles liam, eles pegavam logo”.
84
Não era raro ver-se nessas escolas o bárbaro uso de estender o menino, que não havia cumprido
os seus deveres escolares , em um banco e aplicarem-lhe o vergonhoso castigo do açoite. (...) a
palmatória era o castigo menos afrontoso, reservado às meninas, aplicado por mulheres (...)
(SIQUEIRA, 2000, p. 241).
120
Quanto à questão do método, em 1931, o Diretor Geral da Instrução Pública,
enfatizava os benefícios do seu emprego no ensino da leitura e da escrita. Apesar
desta autoridade educacional fazer referência ao método analítico-sintético, o
método oficializado pelo Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso, de
1927, era o Método Analítico.
O emprego do método analytico-syntético no ensino de linguagem produz
grande resultado quando o professor conhece o processo e o emprego com
enthusiamo, mas é de effeito nulo quando empregado por um professor que
não o conheça perfeitamente (Franklin Cassiano da Silva, 1931)
85
.
Este método, segundo Micotti (1979, p. 54), tem como “ponto de partida a
palavra, a frase ou o texto, o seu princípio básico é ir do complexo ao simples, do
concreto ao abstrato”. Deve-se oferecer à criança um conjunto de símbolos escritos
tal como se apresentam na leitura do adulto; isto é, materiais reais, concretos, que
têm sentido à aprendizagem. A partir daí, o caminho consiste na análise de seus
elementos constitutivos que são símbolos abstratos. Conforme Miaralet, referimo-
nos ao método analítico:
(...) quando pretendemos recordar o trabalho psicológico que se exige da
criança para aprender, a partir de agrupamentos, das denominações das
partes ou sonoridades das sílabas, ao desejarmos colocá-la em presença
de frases e palavras como as que nós próprios lemos. No início encontra-
se o sentido e a letra só aparece no fim (MIARALET, 1968, p. 23).
É difícil saber até que ponto as normatizações orientavam de fato as
professoras quanto a questões metodológicas em sua prática pedagógica, mesmo
porque, não se sabe como eram orientadas, se elas próprias leram, ou como leram
tais recomendações normativas. O que também permite apropriações diversas, que
de acordo com Peixoto, Vieira e Khoury (1993) são as múltiplas possibilidades do
“aqui e agora”, que dependem também da experiência cotidiana e das práticas
sociais de cada sujeito da história.
O dia a dia nas escolas de meados do século XX, segundo Galvão e Batista
(1998), na maioria dos casos continuava sem muitas inovações, os alunos
85
Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado pelo Diretor Geral da Instrução Pública.
Franklin Cassiano da Silva. Cuiabá, 15 de abril de 1931. Arquivo Público de Mato Grosso. Impresso.
121
continuavam temerosos em ler as lições, ainda tomadas em voz alta, pois aas
décadas de 40 e 50, o prazer pela leitura não era comentado na maioria das
escolas, os ensinamentos morais e instrutivos eram considerados mais importantes.
Quanto ao material escolar utilizado por ela e pelos alunos nessa escola, a
professora Maria revela que:
O material ia às vezes daqui (de Cuiabá), acho que o governo que
mandava, a gente dava lá, ajudava, só que eu não lembro o nome da
cartilha. Ai ele dava o material para os alunos (...) e os pais ajudavam
também. Nesse tempo Diamantino tava bem... (em decadência?). A escola
que eu trabalhava era pública, o material a gente ajudava, o prefeito
ajudava também no que podia (professora Maria Capistrano da Silva,
2005).
A professora Maria destaca “a escola que eu trabalhava era pública, o
material os pais ajudavam, a gente ajudava”. A respeito da escola pública como
ressalta Julia (2001, p. 11), historicamente, esta foi concebida como “meio inventado
para adestrar e normalizar o povo, responsável portanto, por veicular as
desigualdades abstratas, pela reprodução das heranças culturais e pela reposição
do mundo tal qual ele é”. Ou seja, se os pais podiam comprar o material o filho
estudava, se não, ficava sem estudar. Isso responde, em parte, os porquês nas
décadas de 30 e 40 as escolas mato-grossenses tinham um número de matrículas
tão reduzido. Em Diamantino, estudava uma média de 50 alunos, entre meninos e
meninas na escola primária daquele período.
É salutar lembrar, que somente com a Constituição de 1934
86
, passa a ser
assegurada a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental. E, com isso,
houve a reivindicação de que a escola fosse a esfera de constituição da
nacionalidade e, universalizar o ensino era o meio através do qual se almejava
afirmar uma identidade nacional. Trata-se, de um momento em que se manifesta um
grande entusiasmo pela educação.
É preciso considerar, segundo Amâncio (2000, p. 237), “as contingências,
sociais, políticas, culturais e econômicas, para compreender que estas se
encarregam de fazer a diferença, quando se trata de apropriação” de um discurso
institucional”, ou seja, de como as coisas são normatizadas e como aconteceram, na
86
A Constituição de 1934 assimilou o trabalho do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova; foi
considerada avançada para a época; porém, em decorrência do golpe de estado, não teve seus
planos consolidados.
122
prática, no caso da escola em estudo. Quando a professora Maria apresenta
algumas reticências em seu discurso sobre essa época, é porque Diamantino em
1930 passava por um período de grande decadência econômica.
A respeito de sua prática como alfabetizadora, a professora Maria fez de suas
lembranças uma ponte para recordar os bons momentos durante o período que
lecionou e também para desabafar:
Os trinta anos que lecionei foi sempre de primeira a quarta série, eu lecionei
muito para a primeira série, comecei com primeira e depois para outras
séries até o quarto ano. No começo eu lecionei para umas turmas boas,
mas depois (risos), a diretora sempre me deixava com menos alunas, mas
eram aquelas que passavam com menor nota (risos), no final do ano eu
tinha que chegar quase igual as professoras que trabalhavam com alunas
boas, aquelas que passavam bem, porque tinha professoras que só
pegavam alunas boas, eu ficava com as piores, as de nota mais baixa. Acho
que isso era porque ela sabia que eu dava conta, me esforçava (...)
(professora Maria Capistrano da Silva, 2005).
As informações sobre as professoras que lecionaram nas escolas da sede do
município de Diamantino
87
foram muito importantes e necessárias para buscar
indícios ou vestígios, de suas práticas escolares; pois, segundo Galvão e Batista
(1998) permitem realizar leituras, decifrações que irão possibilitar a atribuição de
sentidos, sobre como ensinavam e o que ensinavam na alfabetização.
A professora Maria não se recordou dos títulos das cartilhas que utilizava
naquele tempo, como diz, “não me lembro foram tantas”. Neste caso, Chartier (2004)
ressalta que ao pretendermos interpretar, compreender e analisar temporalmente um
processo histórico é recomendável levar em conta a relação do conteúdo revelado
pelas fontes (neste caso orais), com o que vai surgindo ao mesmo tempo noutros
ramos, como nos diários de classe das professoras Maria e Castorina, os quais
contêm citações de vários títulos de cartilhas por elas usadas em suas salas de
alfabetização, a exemplo da Figura 7:
87
Fonte: Diários de classe da Escola Urbana Masculina e Feminina: professoras Castorina Sabo
Mendes (1941, 1942, 1943, 1945, 1946, 1947, 1948) e Maria Capistrano da Silva (1943 e 1945).
Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
123
Figura 7: Diário de classe da professora Castorina Sabo Mendes. Escola Urbana Masculina,
1941.
O cotejo de informações advindas da memória da professora Maria, no caso
do uso de cartilhas, com o conteúdo dos diários de classe produzidos por ela e pela
professora Castorina, foi fundamental. Por meio deles, foi possível organizar o
Quadro 11, com os títulos das cartilhas utilizadas, naquela escola
88
.
Quadro 11 – CARTILHAS USADAS NA 1ª ESCOLA URBANA MASCULINA E FEMININA 1941 a
1943
1941
TÍTULO AUTOR
Cartilha do Povo Manoel Bergstrom Lourenço Filho
Cartilha Amiga Luciano Lopes
Cartilha da Infância Thomaz Paulo Bom Sucesso Galhardo
Cartilha Popular Maria Paula
Meu Livro Theodoro Jeronymo de Moraes
Cartilha na Roça Renato Sêneca Fleury
Cartilha Corações de Crianças Rita M. Barreto
1942
ABC da Infância Não mencionado
Cartilha do Povo Manoel Bergstrom Lourenço Filho
Cartilha Popular Maria Paula
Cartilha Amiga Luciano Lopes
1943
88
Isso foi possível apenas de 1941 a 1943, pois os demais diários (1944 a 1948) não continham o
registros dos conteúdos trabalhados durante o ano letivo.
124
Primeiro Livro Altina Rodrigues de Albuquerque Freitas
Cartilha do Povo Manoel Bergstrom Lourenço Filho
ABC Infantil Não mencionado
Cartilha das Mães Arnaldo Barreto
Cartilha Popular Maria Paula
Fonte: Diários de classe de professoras primárias da Escola Urbana Masculina e Feminina
Diamantino – MT, 1941, 1942 e 1943, 43 p. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
Como vemos, as professoras Castorina e Maria, da Escola Urbana
Masculina e Feminina, utilizavam-se muito das cartilhas na alfabetização. Estes
títulos foram localizados em seis de seus diários, ou seja, naqueles que
apresentavam os conteúdos ministrados na alfabetização. Isso mostra que cada
professora usava pelo menos três cartilhas diferentes numa mesma sala. Todavia, é
necessário ressaltar também, que elas trabalhavam com níveis de aprendizagem
diferentes na mesma sala, o que justifica a coexistência das diversas cartilhas.
Das cartilhas citadas pelas professoras, duas evidenciaram-se como
recorrentes, a Cartilha do Povo e a Cartilha Popular. A cartilha do Povo
apresentada no item anterior, merecendo apenas ressaltar, com base nos estudos
realizados por Amâncio e Cardoso (2005) que nessa cartilha a questão do método
era secundária porque outros elementos precisavam ser observados para se
conseguir o sucesso na aprendizagem. Não se sabe, segundo as autoras, que
influência seu pensamento pode ter tido entre os professores mato-grossenses.
Quanto à Cartilha Popular, de autoria de Maria Paula, nos estudos
realizados por Amâncio (2000, 2003), Amâncio e Cardoso (2004 e 2005) não
observou-se o seu uso nas escolas em Mato Grosso nesse período. Nesse sentido,
este estudo possibilitou detectar a presença desta cartilha de 1941 a 1943, na
escola primária diamantinense.
Amâncio (2003) aponta em seu estudo a freqüência de uso de cartilhas em
Mato Grosso, de 1912 a 1932. Nesse estudo, a Cartilha das Mães é apontada como
a mais utilizada no período citado. A Cartilha Meu Livro, aparece a partir de 1921 e,
a Cartilha da Infância a partir de 1925. A autora ressalta o que é curioso; pois a
Cartilha da Infância é uma das publicações brasileiras mais antigas e, no entanto,
aparece sendo usada em Mato Grosso apenas nesse período.
Pelo que se pode observar no presente estudo, a Cartilha das Mães, Meu
Livro e Cartilha da Infância, continuaram a ser usadas em escolas mato-grossenses,
no caso em Diamantino no período de 1941 a 1943.
125
As cartilhas, segundo Correa (2000), além de configurarem um método, são
veículos de circulação de idéias, traduzem valores e comportamentos que se
desejou que fossem ensinados em determinado momento histórico. Podem ser um
indicador do projeto de formação social desencadeado pela escola, o conteúdo, o
discurso, temporalidade e espaço. Possibilitam, também, algumas interrogações,
como a quem serviu, como um dos instrumentos da prática educacional escolar, pois
está diretamente ligado às políticas educacionais.
Observei, nos diários de classe, na parte do ensino da linguagem na
alfabetização, nas ries A, B, e C, como no exemplo da Figura 8, a recorrência
de atividades de escrita como: pia das primeiras letras, cópia do alfabeto
maiúsculo/minúsculo, caligrafia, cópia de trecho de uma lição no quadro ou do
livro/cartilha, cópia/traslado, ditado, silabação, formação de frases e caligrafia:
Figura 8: Diário de classe da professora Maria Capistrano da Silva. 1ª Escola Urbana Feminina, 1943.
Os mais adiantados faziam caligrafia no caderno, tinha que fazer, porque
caligrafia era uma das coisas principais, é naquele tempo fazia muita
caligrafia, eu mesma passava no caderno para eles fazer (professora Maria
Capistrano da Silva, 2005).
126
Quando a professora Maria salienta que “caligrafia era uma das coisas
principais naquele tempo”, sinaliza também a representação de escrita que circulava
no debate pedagógico naquele período, assim como os diversos valores da
aprendizagem do escrever correntes na sociedade. A associação entre caligrafia e
ortografia era prevista no âmbito dos programas oficiais para as escolas públicas
brasileiras. Conforme Vidal e Esteves (2003, p. 135) “sua permanência, apontava
também para a sintonia dos exercícios caligráficos aos afazeres ordinários da
classe, no sentido de manter o aluno ocupado, enquanto liberavam a professora
para atender outros alunos durante o horário de aula”. Em atividades como “tomar
leitura” ou “tomar tabuada” individual, por exemplo.
Quanto aos exercícios de leitura, os registros nos diários revelam exercício
oral sobre as letras, leitura das letras ou alfabeto maiúsculo/minúsculo, leitura de
sílabas e palavras estudadas.
Naquele tempo era o abecedário e depois palavras (...). Para ensinar o
abecedário eu passava no quadro, depois chamava os alunos para ler no
quadro. Lia no quadro negro assim era, no caderno e cartilha (professora
Maria Capistrano da Silva, 2005).
Nas escolas primárias, nesse período havia uma tentativa de atribuir novos
sentidos à leitura. Dever-se-ia ler-se menos coletivamente e oralmente, a leitura
silenciosa, passou também a ser prescrita. Segundo Micotti (2000, p. 54) “materiais
concretos deviam ser oferecidos à criança, para o uso na leitura, visando uma leitura
com sentido, para a compreensão do que se lia, para assim proceder à análise de
seus elementos constitutivos que são símbolos abstratos”.
Os exames finais, realizados ao término do ano, para promoção dos alunos
para a série seguinte, pareciam ser uma prática realizada pelas professoras, uma
vez que se encontram registrados os resultados desses exames, num relatório ao
final dos diários, como estes, da Figura 9, das professoras Maria e Castorina, no
qual aparece apenas uma reprovação de aluno:
127
Figura 9: Resultados de exames finais de alunos e de encerramento do ano letivo da Escola
Urbana Masculina e Feminina, 1943.
No relatório da professora Castorina, referente à sala do sexo masculino,
aparece o registro do encerramento dos trabalhos escolares do ano letivo, a
presença de 18 alunos, designando os dias 18, 20, 22 e 23 para os exames finais.
Perguntei à professora Maria, se havia alguma fiscalização na escola em que
lecionava, por quem era realizada e com que freqüência era realizada, ela ressalta:
128
De vez em quando o prefeito que ia lá, porque o tinha secretário de
educação, nem inspetor, se tinha o ia (risos)
(professora Maria
Capistrano da Silva, 2005).
Desde a mudança de governo do estado em 1922, de acordo com Correa
Filho (2002, p. 53) estabeleceu-se a “fiscalização das escolas por meio de inspetor
remunerado e da inspeção técnica, assentado em bases mais amplas e metódicas”.
Esta pesquisa possibilitou localizar documentos produzidos por estes
funcionários do governo, que registraram três passagens pela Escola Urbana
Masculina e Feminina, durante o período em estudo. Trata-se de relatórios, escritos
a o, registrados no final do próprio diário de classe das professoras, numa folha
destinada ao “Registro de Visitas Oficias Ocorridas durante o Ano Letivo”. Uma
dessas visitas foi no dia 4 de setembro de 1941, onde o Inspetor de Ensino, Augusto
Moreira da Silva Filho, esteve na escola, deixando registrado em seu relatório:
(...) encontrei em pleno funcionamento com a presença de 21 alunos,
havendo 4 faltas alcançando a sua matrícula geral de 30 crianças, havendo
5 eliminados por falta de freqüência, constatando-se bôa ordem e disciplina
e aproveitamento dos alunos (...)
89
(Augusto Moreira da Silva Filho, 1941).
A outra visita do inspetor de ensino à escola, foi no dia 25 de maio de 1943,
três dias após a visita do ilustre Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso, a
esta mesma escola, conforme os relatórios abaixo. É provável que esta autoridade, o
Diretor Geral, tenha passado alguns dias no município, inspecionando as escolas,
pois deixou registrado, como mostra Figura 10, que assistiu aulas, naquela escola,
nos dias 20, 21 e 22 de maio daquele ano.
89
Fonte: Diários de classe das professoras Castorina Sabo Mendes e Maria Capistrano da Silva.
Ensino Primário. 1ª Escola Urbana Masculina e Feminina, 53 p. 1941 e 1943.
129
Figura 10: Relatório de Inspetor de Ensino Augusto Moreira da Silva Filho e do Diretor Geral da
Instrução Pública Francisco Alexandre Ferreira Mendes, em visita à Escola Urbana Masculina e
Feminina, 1943.
Se partirmos do pressuposto de que o inspetor fazia a sua visita ao menos
uma vez ao ano, teria que conter relatórios nos diários das professoras Maria e
Castorina, dos demais anos, referente ao período em estudo (1942 e 1944 a 1948).
O que teria acontecido? Teria algum motivo para que este inspetor não tivesse
comparecido para realizar a fiscalização naquele período? É interessante ressaltar
que nessa ocasião o Inspetor de Ensino esteve na escola logo após a visita do
Diretor da Instrução Pública Francisco Alexandre Ferreira Mendes, provavelmente
tratava-se de um momento importante para a escola, mas nos relatórios não se
evidencia nada quanto aos motivos das visitas.
Esses relatórios apresentam aspectos semelhantes sobre a inspeção
realizada, o número de alunos registrado; nestes, é bem abaixo do número que
aparece nos diários das professoras, “16 alunas e 18 alunos”, os dois relatórios
apresentam semelhanças também ao enfatizarem “regular aproveitamento dos
alunos”.
130
O Relatório do Diretor da Instrução Pública de Mato Grosso, do final do ano
de 1944, revela uma preocupação com a atuação dos inspetores de ensino, a qual já
fazia parte, segundo ele, do seu relatório desde o ano de 1942:
Da inspeção escolar depende toda a eficácia do sistema educacional. A
nossa legislação em matéria parece completa. Entretanto, exceção feita às
Escolas Públicas da Capital, de Campo Grande e de alguns outros centros
populosos do Estado, podemos afirmar a inexistência da inspeção escolar,
pois que, a que existe é nula. Nula porque, não há profissional do ensino em
exercício do cargo de Inspetor. Os inspetores gerais do ensino e os
distritais, são leigos e logicamente a sua fiscalização é toda exterior, isto é,
de fiscalização uma vez ao ano, em alguns municípios, do número de
alunos matriculados e freqüentes, escrita dos livros estatísticos e só.
Ineficaz por conseguinte, para o ensino e sem valor para a administração,
porque isolada
90
(Franscisco Alexandre Ferreira Mendes, 1942-44).
De certo modo, está explicada a não lembrança da professora Maria, sobre a
presença de inspetores na escola, uma vez que o próprio Diretor da Instrução
Pública afirma a “inexistência de inspeção escolar”, que a ação dos inspetores é
“uma vez ao ano em alguns municípios do estado”. Pode ser que o houve mais
visitas a Diamantino, durante o período estudado, confirmando o silêncio/ausência
de relatórios nos diários de classe analisados, porque o inspetor teria visitado outros
municípios, aos quais não teria fiscalizado o ensino em anos anteriores, uma vez
que as localidades eram distantes, o transporte e outras condições para o
desenvolvimento do ensino público também eram precários
91
.
O alcance da reforma de ensino iniciada em 1910 e pelo regulamento de
1927, provavelmente trouxe algumas melhorias para as escolas primárias no interior
do estado, no que diz respeito ao ensino oferecido, porém Amâncio (2000) realça
90
O Diretor da Instrução Pública do Estado continua “Não negamos o esforço dos inspetores gerais,
porém, como dissemos linhas atrás, a extensão territorial constitui o maior entrave para a fiscalização
do ensino. Quanto aos inspetores distritais, a nulidade da sua ação é manifesta, pois raro é o que se
dedica de fato, com amor e carinho à nobilitante missão que, por ser gratuita e conferida pelo
Governo do Estado a pessoas de critério reconhecido, Art. 176 do Regulamento da Instrução, é
honrosa. Dentre os Inspetores nomeados, cito apenas o da Vila de Barra dos Bugres, distrito de
Cáceres, que corresponde sempre com esta Diretoria, o Sr. Alfredo José da Silva. Foi o único que
nos remeteu um memorial referente à sua atuação (Franscisco Alexandre Ferreira Mendes, 1942-44).
91
A constituição de 1946 já garantia a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário para todos e,
quanto aos recursos financeiros, já havia também uma preocupação em estabelecer percentuais.
Embora insuficientes, representavam o estabelecimento de condições mínimas para garantia do
direito à educação oficial. Esta constituição foi considerada um instrumento de democratização,
caracterizando-se pela preocupação em atender os ideais de liberdade do homem e de contribuir
para o serviço da educação.
131
que os problemas desafiavam as condições sociais e econômicas do estado para
sua implementação.
Embora se tenha indícios ou vestígios da prática alfabetizadora das
professoras desta escola, por meio da análise de seus diários de classe e relatos
orais, ressalvando-se que a distância no tempo é um fator que também deve ser
levado em conta, os dados permitem observar que havia muita semelhança entre a
prática das professoras. O fato de uma, ser normalista, não impediu a utilização das
mesmas cartilhas que a outra, professora leiga utilizava e, conseqüentemente, o
mesmo método para ensinar a ler e escrever.
As professoras Maria e Castorina foram evidenciando-se no percurso
analisado, como responsáveis pelo ensino primário naquele período.
Representavam a própria idéia de escola que se tinha, elas também aprendiam a
“ser professoras” nas lutas do cotidiano. Sobre o desenvolvimento profissional, o
“aprender a ser professor” Lima (2003)
92
ressalta que, nesse embate, o professor
constrói teorias, formas de resolver conflitos, de compreender as particularidades
dos alunos e também, de ser ou não bem sucedido.
A Escola Urbana Masculina e Feminina cumpriu o seu papel, dentro dos
limites a ela impostos, oferecendo o curso primário à população diamantinense até o
ano de 1948, ano em que foi extinta, com a criação da Escola Reunidas Major
Caetano Dias. O enredo de ações representadas são maneiras diferenciadas de
apropriação; segundo Chartier (2002), são discursos que acionam construções,
composições, figuras, tentativas de enunciar, de elaborar um discurso o mais
aproximado possível da instituição.
Com as reflexões e também as reticências (pelo não dito, não revelado, não
percebido) apresentadas neste item, espero de algum modo contribuir para uma
possível compreensão sobre o ensino da alfabetização na Escola Urbana
Masculina e Feminina, lembrando de acordo com Lang (2001, p. 136) que
“reinterpretar o passado é um duplo relembrar, onde concorrem o pensado, o vivido
e as representações, pois as histórias são adaptadas às interpretações atuais”.
92
Trata-se da autora LIMA, Sorahia Miranda de, citada nas referências bibliográficas deste estudo.
132
COLÉGIO EXTERNATO SANTA TEREZINHA: INDÍCIOS DO
“MÉTODO ANALÍTICO”
“Minha escola primária (...)
Escola antiga, de antiga mestra.
Repartida em dois períodos (...)
De entradas, compassadas.
- Bença, mestra.
A casa da escola ainda é a mesma.
- Quanta saudade quando passo ali!
Porta da rua pesada,
Escorada com a mesma pedra,
Da nossa infância. (...)”
(Cora Coralina, 1985)
133
Figura 11: Capa e folha de abertura de diários de classe do Colégio Externato Santa Terezinha, 1939
e 1943.
134
3.3 Colégio Externato Santa Terezinha: indícios do “Método
Analítico”
Neste item, tratarei sobre o breve percurso do Colégio Externato Santa
Terezinha, escola que mesmo tendo seu curso de existência de apenas catorze
anos, pode ter contribuído para algumas rupturas, continuidades e descontinuidades
na escola primária diamantinense, até porque como aponta Julia (2001) a cultura
escolar, penetra, modela e modifica a sociedade.
No Brasil, segundo Oliveira (2001), a história da escola é marcada por
influências religiosas, reservando-se a estas instituições o papel de preparar a
criança para o convívio com os adultos.
Em 1934, veio para Diamantino o primeiro grupo de missionárias, da ordem
das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, a parte feminina da Congregação Jesuíta.
Conforme Shaeffer (2002, p. 132-3)
93
“em Diamantino, encontraram muita pobreza,
doença, casario velho, analfabetismo, decadência física e moral”. A Prelazia de
Diamantino juntamente, com a Prefeitura Municipal, segundo este autor, cederam
um prédio adaptado (hoje Casa Edith) ao grupo de religiosas, para que pudessem
morar e dar início ao trabalho missionário.
Assim, o grupo de missionárias chegou à Prelazia do município, em 21 de
abril do ano de 1934
94
. Nesse período, era muito difícil o acesso a estas
localidades distantes da capital do estado. Esse grupo de irmãs, segundo Mees
(1984, p.4-5), demorou dezesseis dias para chegar até Diamantino, desde que saiu
do estado de São Paulo, “de Cuiabá a Diamantino, foram guiadas por um menino a
cavalo, enfrentaram atoleiros, descidas e subidas de morros, travessia de longos
trechos de mata espessa, pousada em ranchos pobres e sofreram acidente com um
dos carros (...)”. Ao chegarem no município, deram início aos trabalhos com
93
Pe. Renato Schaeffer é formado em Filosofia e Teologia, é mestre em Teologia Pastoral pela PUC
do Rio de Janeiro. Veio para o Mato Grosso em 1982 (Alto Paraguai e Nova Mutum) e para
Diamantino em 1999, como Pároco e Coordenador da Pastoral Diocesana. É autor das obras “As
Migrações Rurais e Implicações Pastorais: um estudo das migrações – campo do sul do país ao norte
de Mato Grosso, 1985” e “Nova Mutum: história e fundação” e do artigo “A igreja em Diamantino,
2002”.
94
Em Diamantino, esse grupo encontrou pobreza e falta de esperança. O grupo era formado pelas
religiosas - Irmãs: Ludovina Prade; Tarsila da Silveira; Maria Rosário Dallabrida; Aureliana Dalpiaz
Sotter e Gaudência Giaccni (MEES, 1984, p. 4).
135
associações (crianças, jovens e adultos), aulas de catequese, novenas, procissões,
casamentos, entre outros trabalhos missionários
95
.
O objetivo dos jesuítas era também realizar uma missão entre os indígenas,
para reatarem a tradição das missões pré-pombalinas, que já vinham tentando
desde 1925, em outros estados. Como sede Diamantino foi alvo de substanciais
obras educativas e sociais e no interior dessa obra missionária, salvou da extinção
os povos Iranxe, Beiço de Pau e Canoeiros de Mato Grosso” (MATO GROSSO,
1978, p. 74-5).
A criação do Colégio Externato Santa Terezinha foi um marco na educação
em Diamantino; teve um sentido individual subjetivo para aqueles que nele
estudaram, mas que pode ser objetivado dentro de um contexto mais amplo, o
político e o religioso. Por um lado, por tratar-se de uma região onde a educação
ainda não tinha recebido a devida atenção pelo poder público, tanto estadual quanto
federal e, por outro lado, porque a igreja católica desenvolvia alguns trabalhos de
catequização e evangelização em localidades como Diamantino.
Ao localizar diários de classe de professoras primárias
96
, livros de registro de
visitas (contendo relatórios de inspetores), posse de professores e outros
documentos relacionados a esta escola, saí em busca de localizar as religiosas que
poderiam ter sido professoras no mesmo período. Embora tenha conversado com
algumas religiosas que residem no município, não foi possível obter informações
sobre a escola, pois nenhuma delas foi professora no Colégio Externato Santa
Terezinha
97
. Segundo esse grupo, não também nenhum espaço na sede da
Congregação em Diamantino (biblioteca, museu), que tenha armazenado a memória
da referida escola. Portanto, a narrativa construída teve como base as informações
contidas nos documentos escolares e de autoridades educacionais, acima citados.
95
“O aspecto da cidade não era estimulante, ruas desalinhadas e sujas, grandes fendas ou
rachaduras nas casas, falhas enormes de reboco, telhados de sapé ou com peças desiguais e
gastas, ausência de toda e qualquer infra-estrutura quanto a serviço de água, esgoto, luz e transporte
regular. Havia morte, pobreza, ignorância, vícios, crimes, doenças, analfabetismo e desalento”
(MEES, 1984, p. 5).
96
Estas professoras são: Ir. Zélia Maria do Santo Anjo da Guarda; Ir. Lourdes; Ir. Julita da Nossa
Senhora Aparecida; Ir. Carmelita; Ir. Lucinda Faquini e Diretora Ir. Gilberta da Imaculada Conceição.
97
Irmãs: Ida Schuster, Inês Miliorini (Ir. Pedrina) e Marcelina Bessi (Ir. Mirian), na ocasião em que
conversamos essas religiosas doaram a pesquisadora a obra de MEES (1984) sobre o Jubileu das
Irmãzinhas da Imaculada Conceição em Mato Grosso, citada nas referências bibliográficas deste
trabalho.
136
O Colégio Externato Santa Terezinha, situado na rua Coronel Fanchét
98
, em
Diamantino MT, era uma escola classificada como de ensino particular, destinada
a oferecer o curso primário a crianças de famílias diamantinenses
99
. A escola
funcionava em dois turnos, matutino e vespertino e o prédio era cedido pela
prefeitura municipal. A fotografia abaixo mostra um grupo de alunas em frente ao
prédio onde a escola funcionava.
Foto 4: Alunas em frente ao Colégio Externato Santa Terezinha, entre 1934 a 1940. Acervo da
Secretaria Municipal de Educação de Diamantino, 2005.
Pelas anotações contidas na parte inicial dos diários de classe das
professoras desta escola, os móveis e materiais que a escola possuía eram: mesas,
bancos, quadro negro e mapas. Havia também uma biblioteca mínima para
professores e alunos. De acordo com anotações de uma das professoras desta
escola em um de seus diários de classe: “o material inclusive os livros são
98
Antiga rua do Quilombo, recebeu o apelido de Francisco Alexandre Ferreira Mendes (Cel. Fanchét),
pela Intendência Municipal da época. O atual nome desta rua é Almirante Batista das Neves (SILVA
1992, p.15).
99
A partir de conversas informais com pessoas idosas que estudaram nesta escola, fui informada de
que seus pais contribuíam com a escola doando mantimentos, porcos, galinhas e outros tipos de
auxílio disponíveis.
137
fornecidos pelos pais de alunos”
100
. Embora tenha encontrado informações em
Shaeffer (2002) e Mees (1984) de que “a escola funcionava em prédio pobre e
desprovido de mobiliários e materiais didáticos”.
O Regulamento da Instrução Pública, de 1927, prescrevia no artigo 249º, que
“as escolas de ensino particular são sujeitas à fiscalização do Estado, que lhes
exigirá”:
1º) - dados estatíticos;
2º) - hygiene e moralidade;
3º) - respeito às leis, regulamentos e às ordens e instruções legaes do
diretor geral da instrução publica;
4º) - ensino obrigatório da língua vernacula, da História Pátria e
Chorografia do Brasil (MATO GROSSO, 1927).
Para que estas escolas pudessem oferecer o curso primário, conforme o
artigo 250, era necessário requerer previamente a autorização da Diretoria Geral da
Instrução Pública, mediante fornecimento de informações como: relação de
professores; alunos matriculados; programa de ensino; duração do curso; horários;
espaço físico; entre outras informações pertinentes ao bom funcionamento da
escola.
No Livro de Termo de Visitas, há registros de vários assuntos relacionados à
escola e também da passagem de pessoas ilustres pelo Colégio Santa Terezinha,
no período de 1936 a 1948
101
. Esse documento é relevante não apenas pelas
informações que contém sobre o processo de funcionamento e institucionalização
daquela escola, mas também pela forma como essas informações foram sendo
elaboradas ao longo do tempo, tornando-se objeto de possíveis reflexões, histórica e
pedagógica.
Pode-se observar neste livro, informações bem elaboradas sobre a passagem
de muitas pessoas por esta escola
102
, ocasião que registravam a visita por meio de
100
Diários de Classe. Ensino Particular. Curso Primário. Colégio Externato Santa Terezinha. Rua
Coronel Fanchét. Diamantino – MT – 53 p. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
101
Documento escrito, fonte preciosa de informação sobre relevantes aspectos históricos ocorridos
no ensino primário diamantinense. Livro de Termos de Visitas do Colégio Externato Santa Terezinha,
1936 a 1948. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
102
É o caso do Capitão André Zambrano (ilegível), comandante de uma caravana de estudantes
escoteiros da República da Venezuela, que registrou, em espanhol, sua visita na escola em 21 de
agosto de 1936. Livro de Termos de Visitas do Colégio Externato Santa Terezinha, 1936 a 1948.
Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
138
relatórios, escritos a mão, trazendo algumas informações significativas e outras bem
genéricas, acerca da situação escolar dos alunos e do trabalho desenvolvido pelas
Irmãs, frente à educação do município. O Colégio Externato Santa Terezinha
contribuiu para a formação de grande parte dos cidadãos diamantinenses, daquele
período, como ressalta a Mees (1984, p. 7) “foi grande a afluência de alunos para
matrículas, alguns bem crescidos, maiores que as professoras, jovens analfabetos”.
Dos relatórios analisados, este estudo priorizou aqueles que se referem a
registros de visitas de Inspetores de Ensino, pelo fato de conter aspectos
relacionados ao ensino nesta escola primária. Em 04 de outubro de 1936, encontra-
se o registro da visita do Inspetor Geral de Ensino, J. M. Correa de Araújo e do
Promotor da Justiça e Inspetor de Ensino, rio Ferreira Mendes, conforme Figura
12. Estas autoridades ressaltam, em seu relatório, o “aproveitamento dos alunos
matriculados, graças aos esforços das abençoadas irmãs”.
Figura 12: Relatório de Inspetor de Ensino em visita ao Colégio Externato Santa Terezinha, 1936.
Não muito que dizer deste relatório, senão o fato de que estes inspetores
tinham um tipo particular de discurso, sem dar maiores detalhes sobre suas visitas.
Ressaltavam apenas o esforço das Irmãs quanto ao desenvolvimento dos trabalhos
em torno do ensino primário naquela escola. A esse respeito alguns autores,
139
também religiosos, como Mees (1984, p. 7) teriam escrito que “os inspetores
escolares e demais autoridades sempre exarararm elogios nos termos de visita, ao
supervisionar a escola”. E também Shaeffer (2002, p. 153) “os inspetores escolares
elogiavam o trabalho das irmãs, entre as quais sobressaia a Irmã Tarsila da Silveira
(...) as professoras e funcionárias, recebiam remuneração do Estado”.
A informação é reiterada pelo depoimento da professora Jovina Almeida
Soares, aposentada, que lecionou durante 25 anos para o ensino primário, na
Escola da Fazenda Nova, que foi apresentada neste trabalho, quando tratei das
Escolas Isoladas Rurais. Esta professora foi aluna no Colégio Externato Santa
Terezinha, segundo ela, ali fiz até terceira série, aí com esses cursos que fiz, eu tirei
a quarta série, nos cursos de quinze dias, vinte e vinte cinco dias”. A professora
Jovina continua dizendo que:
Em Diamantino, estudei com as irmãs que tinham escola ali onde hoje é
loja de Dona Edith, ali que eles tinham escola, que eu estudei (...) A
professora era irmã Zélia (...) Tinha a madre, Gaudência, mas não tinha
esses convênios que tem agora para irmã, nada disso. Eles mesmo que
lavavam a roupas deles e dos padres tudo, por isso que as alunas
ajudavam, limpavam, molhavam plantas, isso na parte da manhã, na parte
da tarde estudavam. Lanche a escola não tinha, era só de casa que a
gente levava, às vezes quando eles podiam, eles davam banana, assim
faisquinhas de banana cortada, cortavam um dedo para muita criança
comer, era difícil demais, não tinha nada fácil naquele tempo, era muito
difícil (Jovina Almeida Soares, professora aposentada, 84 anos, 2005).
Como observa Oliveira (2001, p. 69) “ordens religiosas como a dos Jesuítas,
tornaram-se ordens dedicadas à educação e seu ensino não se dirigia mais aos
adultos, mas era, essencialmente, reservado a crianças e jovens e, teve início na
transição entre idade média (guiada pelos traços do dogma) e idade moderna
(guiada pelos traços do pensamento divergente)”.
Estas observações transparecem nas afirmações de autores, que falaram
brevemente sobre esta escola como Mees ( 1984, p 7) “a disciplina suave e firme, o
programa bem dosado, sensibilizaram a quase totalidade das famílias
diamantinenses, colocando as irmãs a par da realidade mais profunda, permitindo-
lhes a entrada mais fácil para uma evangelização mais direta”. Esta mesma autora
apresenta o programa de ensino trabalhado nesta escola, no curso primário “ensino
religioso teórico e prático, educação artística, educação patriótica, bordado,
costura, lides domésticos, e artesanato”. Shaeffer (2002, p.153) também reforça que
140
“o programa adotado sensibilizou as autoridades e moradores (ensino religioso,
educação artística, prendas domésticas, artesanato e costura)”.
Talvez a imagem abaixo explique, em parte, o grupo de alunos na década de
1940, uniformizados, com a professora Ir. Lucinda Faquini, provavelmente em um
ensaio ou apresentação, exercitando o ensino religioso prático.
FOTO 5: Alunos do Colégio Externato Santa Terezinha com a professora Ir. Lucinda Faquini, década
de 1940. Acervo particular da família de José Fontes (in memorian) um dos alunos da foto, 2005.
Os autores que abordam brevemente sobre esta escola e apresentam o
programa de ensino por ela desenvolvido, fazem questão de ressaltar o “ensino
religioso – teórico e prático”, como parte integrante do currículo escolar. Nesse
sentido, a escola, segundo Oliveira (2001, p. 114) “dimensiona o comportamento
que espera daqueles sob seu domínio, que é uma instituição que estrutura a
atividade humana e a ação formativa da consciência”. Não se tratava somente de
alfabetizar, conforme ressalta Julia (2001, p. 23), mas também “de forjar uma nova
consciência, cultural, religiosa e cívica, por meio da inculcação de saberes
associados à noção de progresso”.
141
Os Inspetores de Ensino, J. M Correa de Araújo e Mário Ferreira Mendes,
visitaram novamente a escola em 05 de junho de 1939 e registraram o seguinte:
Visitando nesta data pela segunda vez este estabelecimento de ensino
primário, (...) tive ocasião de assistir as suas aulas do turno masculino e
turno feminino, constatando boa ordem e disciplina, sendo observado um
ótimo programa de Ensino, de acordo com o Regulamento da Instrução
Pública do Estado (...) (J. M Correa de Araújo e Mário Ferreira Mendes,
1939).
Nesse relatório, os inspetores reiteram as informações de que a escola estava
trabalhando com “um ótimo programa de ensino, de acordo com o regulamento da
instrução pública do estado”. Vejamos o que o Regulamento da Instrução Pública,
de 1927, prescreve para a linguagem no ensino primário. No que diz respeito “aos
méthodos de ensino e das prescrições pedagógicas essenciaes”, no artigo 91º, do
regulamento de 1927, consta que os professores deverão observar as seguintes
normas básicas:
- passarão sempre, no ensino de qualquer disciplina, do concreto para o
abstrato, do simples para o composto e composto e complexo, do immediato
para o mediato, do conhecido para o desconhecido;
2º - farão o mais largo emprego da intuição;
3º - conduzirão a classe as regras e as leis pelo caminho da indução;
4º - conservarão de vista a finalidade educativa e procurarão o melhor
caminho para alcançá-la;
- empregarão, no ensino da leitura, o methodo analytico (MATO
GROSSO, 1927).
Esse método, segundo Micotti (1970, p. 47- 8), “caracteriza-se pela marcha
dos todos analíticos
103
, onde o ponto de partida é a palavra, sentença, ou texto”.
Para possibilitar à criança a compreensão da correspondência entre os símbolos da
linguagem escrita e os sons da linguagem falada, coloca-se a criança em contato
com a linguagem escrita.
Para Braslavsky (1971, p. 75), o método analítico “parte da idéia interessante
e viva, expressada pela frase e pela palavra, para chegar no momento desejado, por
103
De acordo com a classificação dada aos métodos em sintéticos ou analíticos, na XII Conferência
Internacional de Educação, estes podem ser divididos em três grupos: a) sintéticos (alfabético, fônico
e silabação), métodos analíticos, ideo-visuais ou globais (palavra, frase ou texto) e métodos analítico-
sintéticos (uma combinação dos dois anteriores) (MICOTTI, 1970, p. 48-9).
142
meio da análise, à sílaba e à letra e, finalmente pela síntese, à reconstrução de
novas palavras”.
Vejamos de que a professora/aluna Jovina, recorda-se em relação a como as
professoras ensinaram na alfabetização:
Era pelas letras (...) eles ensinavam o ABC, as letras tudo, lia daqui para
e de para cá, para juntar as palavras, duas palavras, três palavras,
quatro palavras, assim que ia começando (...) não tinha aquele livro de
soletrar como (...) aquele que minha mãe aprendeu (...) lia assim (...)
palavras do livro (...) você que tinha que juntar é, eu acho que era até mais
difícil, foi muito difícil, aprender, foi difícil (Jovina Almeida Soares, 2005).
Nos diários de classe consultados referente ao período de 1939 a 1943, foi
possível perceber que as professoras utilizavam-se de um único título de cartilha
para alfabetizar
104
, a cartilha “Meu Livro”, de Theodoro Jeronymo de Moraes
105
.
A cartilha Meu Livro”, de acordo com estudos de Amâncio (2000, p. 76-76-
89, volume apenso) “está entre as mais citadas em Mato Grosso, nas primeiras
décadas do século XX e chama a atenção por ter se mantido por longo tempo”. De
acordo com a autora, essa cartilha, publicada em 1909, passa a ser mencionada
pelos professores mato-grossenses a partir de 1921 e fazia parte do rol das cartilhas
mais usadas também em São Paulo.
Essa cartilha, utilizada pelas professoras do Colégio Externato Santa
Terezinha, conforme citado na Figura 13, traz lições em forma de historietas, foi
elaborada de acordo com os princípios do método analítico, sendo recomendada
para uso nas escolas públicas paulistas. A própria cartilha traz anunciado “primeiras
leituras de accôrdo com o método analytico”. Traz também, orientações ao
professor, sob o título “Direcção”, sobre a organização da cartilha e a utilização do
método mencionado.
104
O uso de cartilhas para alfabetizar é uma prática de longa data. Por volta do século XV, Portugal
fazia uso nas escolas de “cartinhas” que, posteriormente, foram denominadas cartilhas. Eram
manuais que reuniam o abecedário, o silabário e rudimentos do catecismo. Havia remessas desses
livros para as colônias para que neles se ensinasse a ler e escrever. Os jesuítas que vieram para o
Brasil com Tomé de Sousa em 1549 abriram a primeira escola de leitura, escrita e religião. O ensino
inicial da leitura era associado à religião, porque havia preocupação com a conversão religiosa das
crianças e dos nativos (OLIVEIRA, 2001, p. 115). As cartilhas e os livros utilizados em Mato Grosso
eram comprados no Rio de Janeiro ou São Paulo. A partir de 1925 algumas compras são feitas em
Cuiabá (AMÂNCIO, 2000, p. 228).
105
Fonte: Diários de Professoras Primárias do Colégio Externato Santa Terezinha, 1939 a 1943, 53
p. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
143
Figura 13: Diário de classe do Colégio Externato Santa Terezinha, 1941.
Sendo a cartilha “Meu Livro” (analítica), o único título mencionado nos diários
de classe do Colégio Externato Santa Terezinha, significa que o discurso oficial
presente no Regulamento da Instrução Pública do Estado, de 1927, no caso, as
normatizações, estavam sendo consideradas e com fortes indícios de estarem
presentes na prática das professoras dessa escola, que utilizavam uma das cartilhas
bastante recomendadas também no estado de São Paulo. A recomendação
justificava-se pela adequação perfeita às exigências do método analítico, oficializado
naquele estado durante a gestão de Oscar Thompson, Diretor da Instrução blica
naquele período. Atendia igualmente às prescrições do Regulamento do Ensino de
Mato Grosso, em vigência naquele período.
O que fica evidente, no caso dessa escola e que não foi possível (ainda)
perceber em outras, é o atendimento às prescrições oficiais. Independentemente da
materialização/concretização de orientações pedagógicas, que possam oferecer
garantias de aplicação de métodos prescritos nos regulamentos, torna-se
144
significativo verificar que naquela época, em localidades do interior, distantes da
capital, foi possível constatar a adoção de material instrucional sugerido oficialmente,
demonstrando, provavelmente a necessidade de incorporar ao ensino primário
aquilo que era normatizado por ser considerado inovador e pedagogicamente
significativo.
Neste aspecto, a escola demonstra romper com a pedagogia tradicional,
adotando um método de ensino de leitura considerado “moderno” e que apresentava
vantagens aos mais antigos, como os sintéticos. O que não é possível afirmar são
mudanças no que se refere a outros aspectos como a relação professor/aluno,
aluno/aluno, o papel do professor diante do ensino-aprendizagem, os valores da
tradição cultural da comunidade da época, a adequação do programa de ensino à
realidade concreta, a participação dos pais, entre outros aspectos importantes.
Esses elementos da prática pedagógica são decifrações que serão realizadas
somente a partir da leitura dos vestígios ou indícios, que forem se evidenciando, em
outras fontes, os quais poderão possibilitar a atribuição de sentidos a outros
aspectos da escola.
Os inspetores escolares, ao que parece, visitavam muito esta escola, pois, no
dia 15 de setembro de 1937, novamente a visita dos inspetores de ensino J. M.
Correa de Araújo e Mário Ferreira Mendes, os quais constataram bom
aproveitamento dos alunos e alunas, do estabelecimento dirigido pelas irmãs da
Congregação Jesuíta”.
Em 24 de maio de 1938, outro Inspetor Geral, passa pelo Colégio Externato
Santa Terezinha. Este inspetor chama-se Augusto Moreira da Silva Filho, ele
ressalta “a rigorosa disciplina e ótimo aproveitamento dos alunos”:
(...) o estabelecimento de ensino Externato Santa Therezinha regida pela
Madre Ludovina do Coração de Jesus, acha-se funcionando em dois
turnos, sendo o 1º do sexo masculino e o 2º do sexo feminino, cujas
classes observam uma rigorosa disciplina e optimo aproveitamento dos
alumnos pelo que louvo a sua direção e suas dignas preceptoras (Augusto
Moreira da Silva Filho,1938).
Estes documentos apresentam as mesmas características dos relatórios
analisados das escolas rurais e da Escola Urbana Masculina e Feminina quanto
145
ao discurso, a preocupação continua com a organização dos alunos nas classes, a
disciplina e o desempenho dos alunos. Apresentando apenas uma diferença em
relação ao último aspecto, considerado pelos inspetores como “ótimo”.
Quanto à organização das turmas, como as classes eram constituídas, e em
que turnos estudavam, a professora/aluna Jovina faz revelações que também se
confirmam com o relatório do inspetor “eram duas salas, da primeira e segunda e da
terceira, a entrada das meninas era uma hora da tarde e dos meninos era sete horas
da manhã, o recreio era nove horas, eram quinze ou trinta minutos de recreio”.
Quanto ao esforço das irmãs, para com a escola e com o ensino, ressaltado
pelos inspetores, é também reconhecido pela professora/aluna Jovina, apesar de
reconhecer que elas eram bastante severas:
Eles ensinavam muito bem, só que punham muito de castigo (...), num
quarto escuro, tinha castigo atrás do quadro, tinha de joelho (...) eu fui muito
rude. Ah, quase todo dia eu ia de castigo, era difícil o dia que eu não ia de
castigo (...). Olha eu quero dizer que com tudo que tinha, o ensino era bom,
eles ensinavam bem, com todas as outras fraquezas que tinham, mas elas
ensinavam muito bem, fraqueza e brabeza, tinha muito castigo, (..)não
tinha palmatória (Jovina Almeida Soares, 2005).
A professora/aluna Jovina reforça que as irmãs “ensinavam muito bem que
punham muito de castigo”. A escola nessa época segundo Oliveira (2001, p. 114)
“trazia a herança histórica e cultural de séculos passados, agia por meio dos
castigos físicos e da coerção simbólica, o dever infantil atravessado pelo
pensamento ideológico, é preciso subordinar, disciplinar, filtrar de forma eficaz os
conteúdos culturais”.
Proibidos os castigos físicos
106
por regulamento, no estado de Mato Grosso,
desde 1872, estes foram substituídos pelos morais. Todavia a questão ficava
indefinida, especialmente no tocante à competência das escolas particulares em
aplicá-los ou não. Dando margem, segundo Siqueira (2000, p. 242) “ao desagrado
de alguns pais pela não utilização dos castigos físicos no interior das escolas e,
opostamente, elementos deste mesmo segmento queixavam-se porque o professor
fazia uso deles”. Abolir tais castigos, segundo a autora:
106
A Palmatória era um castigo físico muito comum nas escolas no Brasil, além de castigar os alunos
faltosos, servia também para castigar escravos. Seu nome popular era “Santa Luzia”. Toda criança da
escola conhecia e guardava na memória a quadrinha: “Santa Luzia/De cinco buracos/Que tira a
mandiga/De todos velhacos” (SIQUEIRA, 2000, p. 240).
146
Representou um avanço na direção e ao refinamento das práticas
modernas, cujo castigo sutil, silencioso o do olhar, o da representação
(orelhas de burro; rabos; ficar de fora do expediente normal da aula)
calaria mais fundo nas crianças. (...) deveria atingir não mais o físico da
criança e sim sua alma (SIQUEIRA, 2000, p. 250).
Mas os castigos citados pela professora/aluna Jovina “num quarto escuro,
atrás do quadro, de joelho”, podem ou não caracterizarem-se como castigos físicos
presentes no cotidiano desta escola?
O estabelecimento da escola primária, como ressalta Julia (2001, p.23), não
se realizou pacificamente, tanto em relação às lutas das igrejas e dos estados nesse
terreno, quanto às finalidades e valores a ela atribuídos. Portanto, o autor assevera
que “os antigos valores o são eliminados como por milagre, não o apagados no
momento em que nova diretriz redefine as finalidades, fazem parte das insolúveis
contradições nas quais se exerceu o trabalho do professor primário”.
Sobre a forma como essas professoras ensinavam a linguagem oral e escrita
na alfabetização nesta escola, a professora/aluna Jovina diz que:
Naquele tempo, o ponto você tinha que dar de cor, o pai nosso, o
catecismo, tinha que dar de cor, então até você decorar essas coisas, era
difícil (...) tinha cópia, caligrafia, outra hora era ditado, não era todo dia que
tinha ditado, mas a pia era todo dia que fazíamos, (...) o ditado tinha dia
certo de fazer, era uma vez por semana é, sabia escrever porque ditavam,
você pega o livro e dita, as crianças vão escrevendo, para saber se está
certo ou errado, a professora corrige pelo livro, pois ela vai lendo e
prestando atenção se está certo, é ainda corrigia (Jovina Almeida Soares,
2005).
A tradição escolar de culos passados, legada ao século XX, era um modo
de ensinar que tinha a memorização, a repetição e a decoração, como fortes
marcas. Por isso a professora/aluna Jovina conta que “tinha que dá de cor, a leitura,
a tabuada e o ponto”. A cópia, o ditado e a caligrafia eram atividades de escrita que,
em complemento às de leitura, enfatizavam a ortografia e o desenho das letras.
Quanto ao “pai nosso e o catecismo”, segundo Oliveira (2000, p. 117) “é um
pensamento que vem desde a época medieval e a renascença, onde o hábito de
leitura das escrituras sagradas estava sedimentado entre as crianças, para o
respeito aos costumes estabelecidos e para a preservação da fé cristã”.
147
O objetivo da escola ia além do “ler, escrever e contar”, pelas declarações de
Jovina, ensinava também regras de conduta. Para Oliveira (2001, p. 116) citando
Revel (1991) “são regras que de manhã à noite devem reger não o exercício
religioso e o trabalho escolar, como o conjunto dos comportamentos cotidianos da
criança”. A finalidade pedagógica era de fazer valer o ensino e os comportamentos
legitimados.
A alfabetização para Bittencourt (1996, p. 99) teve como objetivo inicial
“desenvolver o conhecimento das verdades da cristã, contentando-se as escolas,
geralmente, em formar leitores apenas para esse tipo de leitura, especialmente as
mulheres, a quem por muito tempo, foi negado o direito do aprendizado da escrita”.
Sobre a forma como as professoras ensinavam a linguagem oral, no que diz
respeito ao ensino da leitura e da escrita na alfabetização nesta escola, a
professora/aluna Jovina diz que:
Tinha leitura, (...) tomava também da gente para ver se sabia, e a leitura era
todo dia, você tinha que dar certo aquela leitura se não o castigo era na
certa, não tinha perdão. Era no livro de primeiro ano, do segundo ano, de
terceiro ano, o que tinha era esses que nós líamos, não lembro o nome
(Jovina Almeida Soares, 2005).
A leitura, provavelmente, devia seguir as mesmas orientações do método
analítico, apesar de que se sabe das possibilidades e das diferentes formas de se
processar um método, o ponto de partida para a leitura passa a ser o conto ou
historieta (conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos lógicos).
Nesse período, vários autores, conforme Bittencourt (1996) adeptos das
idéias de renovação pedagógica, passam a conceber a leitura sob novos
paradigmas, para levar o aluno a ter desejo de ler, formar-se como cidadão, ocupar-
se com uma atividade salutar, organizar o mundo, ser capaz de uma leitura
independente, apreciar e escolher leituras recreativas.
Nesta escola, a professora/aluna Jovina, ressalta que tinha que “dar certo a
leitura senão o castigo era na certa”. Provavelmente, havia o treino dessa leitura,
onde professor e alunos repetem as lições em coro, no quadro negro, até
internalizar, exercita-se a memorização em casa e depois realiza a leitura individual,
em sala, para a professora. Quanto ao castigar, pelo fato do aluno “não saber”,
segundo Siqueira (2000, p. 252-4) desde o século XIX, significava “educar, moldar o
148
cidadão” que se objetivava formar. “Mecanismo capaz de endireitar, regenerar,
civilizar as crianças, para tornar-se aluno-cidadão. A escola moderna, tinha como
objetivo amplo a homogeneização de práticas. Nessa perspectiva, impõe um único
modelo de cidadão, no qual as desigualdades desaparecem”.
O Inspetor Geral de Ensino, Augusto Moreira da Silva Filho, registrou no dia
05 de setembro de 1941, novamente sua visita à escola:
Visitando hoje o Externato Santa Teresina da cidade de Diamantino sob
direção da Irmã Liberata da Imaculada Conceição e suas devotadas
auxiliares, tive a grata satisfação de assistir o seu funcionamento nos dois
turnos com a freqüência de 102 alunos, sendo 45 do sexo masculino e 57
do sexo feminino, havendo apenas 1 falta, elevando-se a sua matrícula
geral a 102 creanças, constatando-se bôa ordem e disciplina e bom
aproveitamento dos alunos nas diversas classes de que compõe o curso
primário (...) (Augusto Moreira da Silva Filho, 1941).
Esse relatório apresenta dados significativos sobre a freqüência dos alunos
“apenas uma falta”, total de alunos matriculados, sendo que, deste total, a maioria
era do sexo feminino. Esta escola cumpria com a legislação no que se refere ao
método para o ensino da leitura. No entanto, a respeito do agrupamento de alunos,
ainda trabalhava em turnos separados, havendo absoluta separação por sexo, na
década de 30 e 40, do século XX
107
.
(..) as meninas na parte da tarde e os meninos na parte da manhã, as irmãs
não confiavam, agora que as irmãs estão diferentes, as irmãs são muito
finas das idéias, não deixavam nem dar bom dia para os homens, não podia
conversar naquele tempo, então por isso que a parte da manhã era dos
meninos, e a parte da tarde das meninas, até quando faziam passeio
conosco era só com as meninas, outra hora era só com os meninos (...) toda
vida foi separado, a gente ia apanhar lenha para eles, amontoar lenha para
eles, (...), porque ali era mato, o São Benedito era mato, então nós
apanhávamos lenha ali e levava para elas, quando era menina, era só
menina, quando era menino era só menino (Jovina Almeida Soares, 2005).
É necessário conhecer conforme Oliveira “o contexto educacional e as
concepções em que o adulto inseriu a criança em formação”. Destas concepções,
que historicamente foram sendo construídas em torno do ensino primário, decorre o
modo como foi tratado também o processo de ensino. “Educar seria inscrever na
subjetividade da criança”, onde segundo a autora, há três elementos da moralidade:
107
Pelos diários das professoras desta escola lecionava-se para meninos e meninas em salas
separadas. Apresento a relação das professoras desta escola no anexo nº 06 deste trabalho.
149
a) o espírito de disciplina (graças ao qual a criança adquire o gosto pela
vida regular, repetitiva e a obediência à autoridade);
b) o espírito de abnegação (adquirindo o gosto de sacrificar-se pelos ideais
coletivos);
c) a autonomia da vontade (sinônimo de submissão esclarecida)
(OLIVEIRA, 2000, p. 110).
Aparece ainda, no relatório do inspetor de ensino, a preocupação com a “boa
ordem e disciplina e bom aproveitamento”. Seria em relação à leitura, ou à escrita,
ou a aprendizagem de maneira geral? Os relatórios dos inspetores silenciam
questões pedagógicas, relacionadas a material escolar, condições físicas da escola,
aspectos metodológicos do ensino e também não deixam recomendações de
natureza didático-pedagógica.
Em 22 de maio de 1943, a escola recebe a visita do Diretor Geral da Instrução
Pública do Estado de Mato Grosso, Francisco Alexandre Ferreira Mendes, o que se
pode observar na Figura 14. O Diretor enfatiza neste relatório a satisfação pela
visita, ressaltando apenas “o que observei basta para convencer que trabalho,
carinho e solicitude sem par”.
Figura 14: Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso em visita ao Colégio
Externato Santa Terezinha, 1943.
150
Certamente, para aquele grupo de professoras, era uma honra receber tão
ilustre visita, pois não era comum o Diretor da Instrução Pública visitar as escolas
nos municípios do interior. Teria sido por alguma ocasião especial, que não foi
evidenciada no relatório? É interessante que, neste mesmo dia, como se observou
no item anterior deste trabalho, esta autoridade educacional, esteve inspecionando a
Escola Urbana Feminina e Masculina, assistindo às aulas nos dias 20, 21, e 22,
onde verificou “regular desempenho dos alunos”.
No mesmo mês, fica registrado também o relatório do Inspetor Geral de
Ensino, Augusto Moreira Silva Filho. Neste relatório o inspetor ressalta “o
aproveitamento intelectual e o desenvolvimento espiritual da mocidade, prestado
pelo estabelecimento de ensino sob direção da Irmã Lourdes”. Uma questão
interessante que pode se observar, tanto pelos relatórios de inspetores, quanto pelo
registro nos diários, é que a direção desta escola se alternava entre o grupo de
professoras/religiosas, as quais ficavam na direção de um a dois anos.
Os diários de classe analisados revelaram também outros aspectos; é o
exemplo de uma anotação, onde a professora declara, “os livros utilizados pelos
alunos para estudar são comprados pelos seus pais”. Pode-se inferir que esta escola
era destinada aos filhos de famílias de maior poder aquisitivo do município de
Diamantino. A informação, sobre a aquisição de materiais se confirma com o
depoimento da professora/aluna Jovina:
Eu escrevia em caderno (...) que era comprado, os pais que compravam,
os materiais inteirinhos eram os pais que compravam, era lápis, caderno,
caneta, até tinteiro, porque naquele tempo era tinteiro, chuchava a caneta
no tinteiro para poder escrever, assim que era (...)
..........................................................................................................................
(...) Olha, eu lembro muito bem, que elas usavam um livro e mais uns
cadernos, mas era muito fino, (...) elas deviam ter muitos materiais; o
nome do livro eu não lembro, era tudo preto e branco, era bem diferente de
hoje, era mais inferior, (...) depois que veio livro que ensinava redação,
essas coisas para gente (...) (Jovina Almeida Soares, 2005).
As salas de série eram também divididas por níveis de aprendizagem A, B
e C, estas de acordo com o registro nos diários de classe tinham como disciplinas:
Aritmética, Geografia, História, Instrução Moral e Cívica, Lição de Cousas, Religião,
Desenho, Ginástica e Português para o ensino da Alfabetização, que era dividido
em:
151
Linguagem oral
Linguagem escrita
Caligrafia
Gramática
Leitura
Os conteúdos, para atingir a concretização do objetivo estabelecido no
programa de ensino, ficavam registrados nos diários de classe. Estes conteúdos se
expressam de forma gradual, desde os primeiros meses de aula. O modo de
registrar esses conteúdos de linguagem para o ensino da alfabetização e,
provavelmente de ensinar, era diferente de uma professora para outra. Apresento
uma síntese do registro mensal, da forma como as professoras apresentavam em
seus diários de classe, o conteúdo ministrado nas aulas de Linguagem:
Quadro 15 – SÍNTESE DO REGISTRO MENSAL DE AULAS DO COLÉGIO EXTERNATO SANTA TEREZINHA, 1939 a 1943.
Março
Linguagem oral palestra sobre o lugar onde nasceu, sobre seus pais; as partes do corpo, vestuário, objetos escolares.
Leitura das primeiras lições da cartilha, lição oral sobre as cousas, gravuras .
Abril
Lição escripta, cópia de exercícios tirados do quadro, caligrafia vertical, análise gramatical, cópia, leitura e ditado com (apl) de
português. Leitura sinonímica interpretação, ditado de sentenças do livro, formação de sentenças com palavras dadas,
decoração de poesia, complementação de sentenças, ortografia, ditado, descrição e explicação com o objeto a vista,
substantivos, anályse, gramatical, artigos, substantivos, gênero, plural, singular, adjetivos.
Maio
A Leitura pelas crianças, uma por vez; escrita as letras no quadro negro, farão o possível para lê-las; leitura de palavras
separadas por sílabas.
J
unho
Lição oral de sentenças com palavras conhecidas pelos alunos, interpretação de lição, cópia no papel de sentenças
conhecidas, escrita destacadamente pela professora, no quadro negro. Leitura de sentenças escritas no quadro negro.
Agosto
Leitura de pequenas sentenças na cartilha, leitura de lições da cartilha, gramática explicação da lição de substantivos,
nomes comuns e nomes próprios, artigos e suas classes.
Setembro
Cópia no caderno de frases escritas pela professora no quadro, cópia do livro no caderno de exercícios, cópia de acordo com
o modelo.
Outubro
Cópia de três letras do quadro negro, cópia de 10 letras, ensino de letras e sílabas no quadro negro, copiar no papel o
alfabeto escrito no quadro, exercício de caligrafia vertical de acordo com o modelo.
Novembro
Recapitulação de todas as disciplinas estudadas, como: escrever 20 substantivos próprios e 20 comuns; escrever 10
sentenças com palavras fáceis por semana; 5 sentenças orais do livro de leitura; ditado de trechos do livro 3 x por semana;
cópia de 30 palavras separando em sílabas; cópia de uma folha ou página de caligrafia vertical; leitura analítica (reconhecer
substantivos, artigos, pronomes e adjetivos).
Fonte: Diários de Classe. Ensino Particular. Curso Primário. Colégio Externato Santa Terezinha. Rua Coronel Fanchét.
Diamantino – MT. 53 p, 1939 a 1943. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
Como se observa o Colégio Externato Santa Terezinha, na cada de 1940,
152
apresentava avanços. Apesar do regulamento de 1927, trazer apenas duas divisões,
no programa para alfabetização “leitura e escripta”, os dados dos diários de classe
da escola revelam uma divisão bem mais abrangente, “linguagem oral, leitura,
linguagem escrita, caligrafia e gramática”. Isso quer dizer, no mínimo, que as
professoras não se restringiam ao programa, imprimiam as suas marcas,
apropriando-se do que lhes era proposto, mas, ao mesmo tempo, modificando,
acrescentando, interferindo nas prescrições estabelecidas.
Esta postura da escola ou do professor alfabetizador é também possível
segundo Julia (2001, p. 24), porque estes professores “são conscientes dos limites e
das possibilidades de seu campo de atuação, distinguindo o possível e o desejável e
tomando por vezes, suas liberdades, diante das diretrizes oficiais, quando elas não
lhes parecem aplicáveis”.
O desenvolvimento da linguagem oral, por meio da lição de coisas, também
prevista no regulamento, era contemplado pelas professoras, que registram as
“lições de cousas” sobre fatos conhecidos e interessantes ao aluno, incluindo
conversação, gravuras, poesia, descrição de objetos, narração de histórias cívicas e
morais.
A Leitura também tinha uma fase preparatória, era necessário conhecer as
letras, os sons, as palavras separadas em sílabas, depois as sentenças. Essa leitura
podia ser realizada no quadro com todos os alunos, de algumas sentenças (frases)
ou individualmente de uma lição da cartilha.
A escrita também era entendida como um aprendizado que requeria muitos
exercícios gradativos e de repetição, por meio de cópia de um número x de letras,
sílabas, ou palavras ou sentenças. Havia uma recorrência em todos eles de
“explicação e repetição”, ou “explicação e decoração”.
À caligrafia, era dada uma atenção especial, “caligrafia vertical”, onde a
professora passava o modelo no quadro ou no caderno para que o aluno
procedesse ao exercício de cópia. Era uma atividade de escrita que estava prevista
no programa de ensino da escola, indicando inclusive o modelo “vertical”
108
, muito
108
A defesa do Modelo Caligráfico Vertical teve início em São Paulo em 1910, relacionava-se ao
método analítico de ensino da leitura. Anterior a este período, no final do século XIX, o Modelo
Caligráfico Inclinado, era o mais recomendado para o trabalho comercial. Seu aprendizado inicia-se
pelo traçado de pauzinhos e debuchos, seguido de um laborioso trabalho de cópia. a discussão
sobre o Modelo Caligráfico Muscular, teve início em São Paulo, em 1926, que se desenvolvia com
exercícios de coordenação motora, ora ritmados por simples contagem ora por meio de palmas,
associados à uma música. Esse trabalho poderia durar mais de um mês. A seguir eram elaborados
153
utilizado no estado de São Paulo, até 1940. Este modelo de acordo com Vidal e
Esteves (2003, p. 133) “apoiava-se nas prescrições higiênicas que associavam o ato
da escrita às posições corporais e que viam na posição do corpo, empecilhos à
saúde escolar causadores da miopia e escoliose. Vinha também interligada a idéia
da máquina de escrever e da cultura do impresso”. Saberes considerados
necessários ao fortalecimento da nação, como a leitura do impresso e o ensino da
língua pátria.
A gramática era ensinada durante as conversações, nas leituras, nas
atividades escritas, utilizavam-se da nomenclatura especial, ao menos no registro
dos diários, “substantivos próprios, comuns, artigos e suas classes, pronomes e
adjetivos”. Essas atividades exigiam “explicação, repetição e decoração” e isso
ocorria por meio da recorrência, realização de um número considerável do mesmo
exercício diariamente, semanalmente ou ao término de cada unidade de ensino.
Outros diários analisados, de duas professoras, revelam a preocupação das
mesmas com o horário para as disciplinas, distribuídas todos os dias com o mesmo
rigor, apenas alternando as disciplinas a serem trabalhadas:
14:00 às 15:00 h - Leitura na cartilha;
15:00 às 15:30 h – Recreio;
15:30 às 16:30 h - Português;
16:30 às 17:00 h – Matemática.
Outro aspecto interessante no Colégio Externato Santa Terezinha, pelo que
se pode perceber, é que foi uma escola bastante visitada pelos Inspetores de
Ensino, sugerindo algumas reflexões como: O que fazia com que os inspetores
visitassem com mais freqüência esta escola? Seria pelo fato de ser particular e por
isso necessitava de maior controle e fiscalização? Seria por considerá-la talvez
eficiente, na medida que parecia cumprir com exigências do Regulamento em vigor?
O que teria levado o Diretor Geral da Instrução Pública a visitar também a escola,
em maio de 1943? Seria por ocasião de alguma data especial? Após três anos,
observa-se novamente a passagem de Augusto Moreira da Silva Filho, no dia 2 de
outubro de 1946, ressaltando:
exercícios para aperfeiçoamento do desenho das letras e algarismos, acompanhados pela construção
de sentenças em cartazes ou no quadro negro, os temas deviam voltar-se para a vida prática,
aproximando-se das teorias escolanovistas dos anos 1930 no Brasil (VIDAL e ESTEVES, 2003,
p.129-0).
154
(...) encontrei em pleno funcionamento a seção masculina no turno
constatando-se boa ordem e disciplina e ótimo aproveitamento dos alunos,
atingindo 92 alunos de ambos os sexos matriculados nas diversas classes
(...) (Augusto Moreira da Silva Filho, 1946).
Aqui, novamente, é enfatizado o “ótimo aproveitamento dos alunos”.
Provavelmente, as constantes visitas de Inspetores de Ensino e até mesmo do
Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, procuravam cumprir
com o artigo 251º, do Regulamento da Instrução Pública, de 1927, pois estas
instituições particulares ficavam sujeitas “a franquear a escola às visitas das
autoridades do ensino”. No dia 07 de maio de 1948, o Inspetor Geral de Ensino
visitou novamente a escola, ocasião em que destacou:
(...) visitei esta escola verificando acharem-se matriculados 77 creanças de
ambos os sexos, sendo 44 meninos e 33 meninas constatando boa ordem e
disciplina e como sempre bom aproveitamento dos alunos
(Augusto Moreira
Da Silva Filho, 1948).
É interessante ressaltar que, mesmo tendo “ótimo desempenho, boa ordem e
rigorosa disciplina”, de acordo com o registro dos inspetores, assim como pelos
diários das professoras e registro no relatório da escola sobre o total de matrícula, o
número de alunos desta escola foi diminuindo gradativamente:
Quadro 16 NÚMERO DE MATRÍCULAS DE ALUNOS DO COLÉGIO EXTERNATO SANTA
TEREZINHA, 1941 a 1948.
ANO Nº DE ALUNOS
1941 106
1943 102
1944 99
1946 92
1948 77
Fonte: Diários de Classe. Ensino Particular. Curso Primário. Colégio Externato Santa Terezinha. Rua
Coronel Fanchét. Diamantino MT, 1941 a 1948, 53 p. Arquivo Escola Estadual Plácido de Castro,
2005.
O que teria acontecido? Foram para outra escola? Houve epidemia na
região? Houve migração da população para outras regiões do estado? Além desse
aspecto, outro fato curioso é que inicialmente o número maior era de meninas,
depois passa a ser de meninos. A razão dessa mudança fica ao menos por ora sem
respostas.
155
Em relação à forma como a escola avaliava o desempenho escolar dos
alunos, que em nenhum dos relatórios de inspetores de ensino apareceu como
preocupação, a professora/aluna Jovina, esclarece que, enquanto estudou na
escola, as provas e exames finais foram uma prática realizada constantemente:
(...) para saber se passou ou não passou, tinha que fazer prova no final do
bimestre e depois no fim do ano fazia outra prova, eu fiz toda vez, eu não
reprovava, também eu era rude, mas não reprovava. Agora, os outros
alunos reprovavam, tinha bastante reprovados, mas eu tinha bastante
vontade de estudar, por isso que eu não reprovava, porque se eu fosse
lerda, quem não é inteligente e também não tem vontade, aí não fazia nada,
mas eu tinha vontade, se meus pais me botaram na escola é porque tinha
vontade de estudar (...) (Jovina Almeida Soares, 2005).
Em 1944, o Diretor da Instrução Pública de Mato Grosso diz em seu relatório
que “para os exames finais do ano do curso primário julgamos de utilidade a
nomeação de bancas estranhas para as diversas provas”. O que teria levado o
Diretor a considerar que os exames deveriam ser feitos por “banca estranha”? Seria
devido a uma possível grande reprovação? Ou pelo fato da aprendizagem ocorrer
centrada apenas no professor, considerava-se que a avaliação do processo final
deveria passar pelo aval de outros elementos do processo? Ou, ainda, seria para
isentar as escolas de qualquer influência afetiva nos resultados? Essas
recomendações eram atribuídas a todas as escolas primárias do estado, tanto
particulares, quanto públicas.
Essa escola, de alguma maneira, foi uma espécie de “escola modelo”. Até
1948, havia apenas uma escola pública em Diamantino, a 1ª Escola Urbana
Masculina e Feminina e menos de uma dezena de escolas isoladas rurais mistas
espalhadas pelo interior do município. Alunas como Jovina, que estudaram nesta
escola, tornaram-se mais tarde professoras em localidades rurais, o que demonstra
o papel importante exercido pela mesma, assim como alguns questionamentos
sobre a possível formação e experiência das professoras/religiosas, que vinham de
outros estados brasileiros. Embora não tivesse como finalidade explícita formar
professores, essa escola foi possivelmente, durante a sua existência, a formadora de
professores daquelas redondezas.
O Colégio Externato Santa Terezinha, atendeu às prescrições normativas,
quando da adoção do método analítico; em algumas situações,
rompeu com
aspectos da cultura escolar cristalizada fazendo acréscimos significativos em seu
156
programa de ensino e ainda, em outras manteve as rotinas e os rituais na
realização do cotidiano do ofício escolar. Todavia conforme Arendt:
sem tradição que selecione, nomeie, transmita e preserve, que indique
onde se encontram os tesouros e qual o seu valor parece não haver
nenhuma continuidade consciente no tempo, e portanto, sem passado nem
futuro” (ARENDT ,1968, p. 31).
Que seja possível encontrar/perceber os tesouros legados por esta escola
que funcionou por catorze anos e uniu-se a Escola Urbana Masculina e
Feminina, no ano de 1948, quando passaram a constituir a Escola Reunidas “Major
Caetano Dias”, uma única escola que passa a partir de então a oferecer o ensino
primário à população diamantinense, sob uma nova forma de organização.
A investigação dos processos: de constituição desta escola, da alfabetização
nela ocorrida e, ainda, de sua relação com as culturas escolares produzidas são
eixos articulares, com os quais pretendeu-se tecer o percurso de sua existência.
Esse percurso, possivelmente, abrigou uma diversidade de questões, a partir das
quais espero suscitar, também, outros interesses de pesquisa e contribuir para
elucidar questões do presente. Parto do pressuposto de que várias histórias,
mesmo quando se trata de uma única instituição escolar, em decorrência de quem a
narra, quando narra, qual o foco da narrativa, entre outros aspectos, sendo possível
uma pluralidade de sentidos.
157
ESCOLA REUNIDAS MAJOR CAETANO DIAS: RUMO AO
PROGRESSO
“Ao chegar à escola (...) estava alfabetizado (...) a professora continuou e aprofundou o trabalho
dos meus pais. Com ela a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura
com a leitura do mundo. Com ela a leitura da palavra foi a leitura da palavramundo”.
(Paulo Freire, 2003)
158
Figura 15: Capa e folha de abertura de diários de classe de professores da Escola Reunidas Major
Caetano Dias, 1948 a 1961.
159
3.4 –Escola Reunidas Major Caetano Dias: rumo ao progresso
Neste tópico, trato da alfabetização em uma escola primária diamantinense
que passa a contar com uma organização diferente das escolas apresentadas em
partes anteriores deste trabalho, a Escola Reunidas Major Caetano Dias.
Procurando aproximar-me dos diferentes momentos de seu ciclo de existência, treze
anos, busquei aspectos da experiência por ela vivida no passado, para compreender
sua trajetória na constituição da história do ensino primário e do modo como lidou
com o ensino da leitura e da escrita nesse âmbito da escolaridade.
A ampliação do debate educacional nas primeiras décadas do século XX,
segundo Romannelli (2003), deve-se em especial às novas necessidades da
população, surgidas em âmbito social, econômico e político em função da
reorganização do Estado. Surge, em decorrência, um sistema escolar dual, escola
secundária, acadêmica e superior e, escola primária e profissional, para atender a
clientelas distintas. Apesar das mudanças, a grande maioria da população
permaneceu distanciada da educação.
No final da década de 1940, a indústria e a urbanização expandiram-se, o que
levou o governo federal a incentivar o ensino profissionalizante para as classes
populares. Àqueles que não necessitavam trabalhar para se sustentar havia a
possibilidade do ensino superior.
No estado de Mato Grosso parece que as dificuldades enfrentadas na área
educacional superaram as providências tomadas pelas reformas de ensino, com a
criação de Escolas Reunidas e Grupos Escolares
109
, assim como, a preparação dos
professores primários, a fim de minimizar os problemas das escolas primárias mato-
grossenses.
Em 1930, havia apenas 4 escolas reunidas em todo o estado, uma em cada
um dos municípios de: Livramento, Santo Antonio do Rio Abaixo, Sant’ana do
Paranayba e Bella Vista. O Presidente do Estado de Mato Grosso ressaltava que as
escolas haviam sido criadas, porém, nenhuma estava funcionando
110
.
109
Neste item, tratarei da Escola Reunidas Major Caetano Dias e no item seguinte sobre o Grupo
Escolar Caetano Dias em Diamantino – MT.
110
Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso, Dr. Aníbal Tolledo, apresentada a
Assembléia Legislativa e lida na abertura da 1ª sessão Ordinária de sua Legislatura. 1930. Arquivo
Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
160
Conforme o artigo 19, do Regulamento da Instrução Pública do Estado de
Mato Grosso, de 1927, seria instalada uma escola Reunidas “Quando, num raio de
dois Kilômetros, funcionarem três ou mais escolas isoladas, com frequência total
mínima de 80 alunnos, o governo poderá reuni-las num só estabelecimento”.
Apesar da existência deste regulamento, desde 1927, parece que o município
de Diamantino não revelava tal necessidade, pois esta escola foi criada a partir da
extinção do Colégio Externato Santa Terezinha e da Escola Urbana Masculina e
Feminina, no dia 11 de maio de 1948. Assim, instala-se em Diamantino a Escola
Reunidas Major Caetano Dias, na sede do município, pelo decreto de 29 de abril do
mesmo ano, conforme ata de instalação, na Figura 16
111
:
Figura 16 – Fragmentos da Ata de Instalação da Escola Reunidas Major Caetano Dias, 1948.
A união das escolas cria uma nova escola com porte de escola média,
passando a fazer parte do quadro das escolas públicas do estado de Mato Grosso,
caracterizadas como “Reunidas”. A partir deste momento, criam-se cargos
administrativos, que não existiam anteriormente, como porteiro-servente e diretor
escolar, este último seria provavelmente, o mediador entre os interesses da
secretaria de educação do estado e da comunidade escolar. Uma escola que
pudesse efetivamente atender o povo diamantinense, quanto à escolarização
primária.
111
Livro Ata de Instalação e Solenidades da Escola Reunidas “Major Caetano Dias”, p. 01. Arquivo da
Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
161
De acordo com Relatório do Diretor da Instrução Pública, Francisco Alexandre
Ferreira Mendes
112
, no ano de 1944 “foi próspera a situação do ensino primário
mato-grossense no ano findo, realizando de acordo com os preceitos pedagógicos o
seu objetivo”. Pelo que se percebe, o ensino primário havia começado a tomar o
almejado “rumo ao progresso”.
Nessa época, de acordo com este diretor, o ensino primário em Mato Grosso,
ficava a cargo dos 12 Grupos Escolares
113
distribuídos pelo estado, 16 escolas
Reunidas instaladas e 5 por instalar; 1 Escola Distrital
114
, e 16 Escolas Isoladas
Urbanas, sendo 4 na Capital; 2 em Diamantino; 3 em Campo Grande; 2 em Alto
Araguaia; 2 em Araguaiana; 1 em Alto Madeira; 2 em Mato Grosso. O diretor, tendo
apresentado esses dados, completa afirmando que “o ensino primário obedece os
métodos preconizados pela Escola Nova”. Outros estudos são necessários para a
discussão dessa temática que, infelizmente, não pode ser abordada no âmbito desta
investigação.
A escola Reunidas em Diamantino absorveu os alunos das duas escolas
anteriores e, contou no início (1948), com 90 crianças matriculadas
115
, passando
naquele momento a ser mista, ou seja, a oferecer o ensino para ambos os sexos
numa mesma sala. Isso se justifica talvez pelo número reduzido de alunos por
classe, pois, de acordo com o artigo 27º do Regulamento da Instrução Pública de
Mato Grosso, de 1927:
As classes das escolas reunidas terão, no mínimo, 15 alumnos e 45 no
máximo, fundindo-se numa classe dois ou mais annos de curso, ou
formando-se classes mixtas quando o número de alumnos matriculados for
insufficiente para a separação de sexo e annos do curso em classes
distinctas (MATO GROSSO, 1927).
112
Relatório apresentado ao Presidente do Estado pelo Diretor da Instrução Pública, Francisco
Alexandre Ferreira Mendes. Cuiabá, 25 de Fevereiro de 1944. Arquivo Público de Mato Grosso
APMT. Impresso.
113
Criados pelos professores Leowigildo Martins de Mello e Gustavo Fernando Kuhlmann,
contratados para organizar a reforma da instrução pública mato-grossense na versão paulista,
embasada em orientações pedagógicas “modernas”, na gestão do Presidente de Mato Grosso, Pedro
Celestino, em 1910 (AMÂNCIO, 2000).
114
A designação de Escolas Distritais se dava em razão de estarem localizadas na sede dos distritos
de paz, cujo tipo, funcionamento e duração assemelhavam-se ao das Escolas Rurais. O relatório cita
uma no município de Diamantino. Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública, Francisco
Alexandre Ferreira Mendes, 1942. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
115
Ata de Solenidade de Instalação da Escola Reunidas Major Caetano Dias, 1948. Arquivo da Escola
Estadual Plácido de Castro, 2005.
162
É interessante lembrar que essas escolas tinham um número maior de alunos
no início da década de 1940, de acordo com o relatório dos inspetores; por exemplo,
somente no Colégio Externato Santa Terezinha, em 1941, havia 102 alunos, entre
meninos e meninas e na 1ª Escola Urbana Masculina e Feminina, trabalhava-se com
duas turmas de 20 a 25 alunos. É importante lembrar também que, em 1940, de
acordo com dados do IBGE
116
, a população do município era de 5.442 habitantes,
numa área de 139.847 Km2. O que teria acontecido para reduzir tanto o número de
alunos no final da década?
Conforme Amâncio (2000), esse tipo de escola revelava-se como mais viável
economicamente, se comparada aos Grupos Escolares, pois nela economizava-se o
salário do diretor. Além da direção da escola e da docência obrigatória em uma
classe primária, esse diretor deveria também fazer a inspeção das escolas urbanas
e rurais, juntamente com os Inspetores Distritais, Autoridades Policiais, Prefeitos
Municipais e Promotores Públicos
117
.
Pode-se observar pela assinatura em ata de instalação desta escola, na
Figura 17, que a direção desta coube a Ir. Zélia Tomelin, que também lecionou para
a série. Além das primeiras professoras da escola que foram: Castorina Sabo
Mendes, da extinta 1ª Escola Urbana Masculina e Feminina, Ir. Maria Célia Arquer e
Judith Dias Pinto. As duas professoras religiosas vieram do extinto Colégio Externato
Santa Terezinha
118
. Neste caso a Escola Reunidas começou com 4 salas de ensino
primário, no ano de 1948.
116
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Departamento Estadual de Estatística. Resumo
comemorativo a passagem de aniversário do IBGE, 1940. Arquivo Público de Mato Grosso APMT.
Impresso.
117
Artigos 171 e 174 do Regulamento da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, 1927. E
Decreto de lei nº 262, de 29 de março de 1939.
118
Livro Ata de Instalação e Solenidades da Escola Reunidas “Major Caetano Dias” 1948 a 1961, p.
Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005 (estas atas eram lavradas e assinadas até junho
de 1952, pela diretora da escola Irmã Zélia Tomelin e a partir de 1953, pela Irmã Lucinda Faquini, que
assume a direção da Escola).
163
Figura 17 – Fragmentos da Ata de Instalação da Escola Reunidas Major Caetano Dias, 1948.
É interessante observar, conforme a ata de instalação, assim como de
inauguração da escola e outros eventos ocorridos, a presença de autoridades e
pessoas importantes, como Governador do Estado de Mato Grosso, Prefeito
Municipal, Juiz de Paz, Promotor de Justiça, Reverendo, Membros de Diretórios
Políticos, Comerciantes, Representantes de Classes, Famílias da Sociedade
Diamantinense, Colegiais e Professores. A escola inaugurou seu prédio próprio no
dia 07 de setembro de 1948, por ocasião dos festejos em comemoração ao dia da
Independência do Brasil. Conforme artigo 23º, do Regulamento da Instrução blica
do Estado de Mato Grosso, de 1927:
A installação das Escolas Reunidas terá caracter festivo, será presidida por
um Inspetor Geral e se efetuará em qualquer tempo, em prédio
previamente adaptado (MATO GROSSO, 1927).
Ao que parece, a diretora da Escola Reunidas exercia um papel importante no
município, pois assim como acompanhava a “instalação com caráter festivo”,
realizava a instalação solene de escolas rurais no município de Diamantino,
contando com a presença de autoridades. Era responsável, ainda, pela nomeação
de professores rurais, exonerações, licenças temporárias e pela documentação das
escolas rurais
119
.
119
Livro para Registro de Instalação e Outras Solenidades. Escola Reunidas Major Caetano Dias.
Diamantino – MT, 1948 a 1968. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
164
Assim, a inspeção das escolas rurais, muitas vezes de difícil acesso, ficava na
responsabilidade do Inspetor Geral de Ensino, em conjunto com a diretora da Escola
Reunidas. Como esclarece o Diretor da Instrução do Estado, “eram somente dois
inspetores para todo o Mato Grosso, um para a zona norte e outro para a zona sul
do Estado, os quais tinham residências, o da zona norte na Capital, Cuiae o da
zona Sul, na cidade de Campo Grande”
120
.
Nessa época, Diamantino era um município de grande extensão territorial,
reduzindo-se depois, gradativamente, devido à emancipação de vários de seus
distritos. Mas até a década de 60, a educação nesses distritos, estava a cargo do
município, o que certamente dificultava o acompanhamento por parte desses
profissionais, nas localidades mais distantes.
Mas, ao que parece, esta escola tornou-se uma instituição responsável pela
mediação sócio-cultural com as demais instâncias da sociedade, através do saber
escolar instrumental e sistematizado, como fator de reconhecimento social,
envolvendo os professores e a comunidade e até mesmo o prefeito municipal, pois a
criação destas escolas no estado tinha um papel a cumprir. A criação da Escola
Reunidas, no estado de Mato Grosso, tinha como objetivo, de acordo com o artigo
22º do Regulamento da Instrução Pública, de 1927:
I – Melhorar as condições pedagógicas e higyênicas das salas escolares;
II – Classificar os alumnos pelo nível do desenvolvimento intellectual;
III – Facilitar e intensificar a inspecção (MATO GROSSO, 1927).
O curso na Escola Reunidas tinha a duração de três anos, obedecendo o
programa previsto nesse regulamento. As classes deveriam ser dirigidas por
professores nomeados pelo governo. Os diários de classe e os termos de posse de
professores desta escola, que foram analisados neste estudo, possibilitaram
organizar um quadro com os diversos professores que nela lecionaram de 1948 a
1961
121
.
A professora Dilza Vanni Lima, hoje aposentada, com 56 anos de idade,
estudou o curso primário nesta escola. A professora/aluna concedeu depoimento
esclarecedor:
120
Art. 157 e 159 do Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso, 1927.
121
Apresento quadro com relação nominal de professores da Escola Reunidas Major Caetano Dias,
no anexo nº 07 deste trabalho.
165
O primário fiz aqui em Diamantino na Escola Reunidas Major Caetano Dias,
a diretora era irmã Lucinda Faquini, lembro de Vanlira Vasconcelos (...) a
minha professora de rie. As minhas professoras, do jardim de infância
foram a irmã Aurora e irmã Clarença (...) então eu fiz de a série
(professora Dilza Vanni Lima, 56 anos, aposentada, 2005).
Naquela época, em Diamantino, as pessoas que concluíam o curso primário
eram consideradas “formadas”, como a professora Dilza, aluna da Escola Reunidas
relata: “meu certificado eu tenho até hoje, da quarta série, irmã Lucinda escreveu e
assinou com pena, fui aprovada simplesmente com oito e meio”
122
.
Em relação à promoção no final do ano, se era necessário realizar provas
finais a professora/aluna Dilza diz que:
Existiam as provas todo final de mês, aí tinha a prova semestral no final de
junho e final do ano tinha outra. Essa do final do ano é que decidia a
promoção da gente para outra série, o próprio professor que aplicava, ah
mas era rígido, você nem podia olhar de lado, era muito rígido (professora
Dilza Vanni Lima, 2005).
Os jovens nessa época, cujos pais tinham condições de levar para estudar
fora, na capital ou em outro estado, prosseguiam seus estudos, os demais faziam
como a professora/aluna Dilza interrompiam seus estudos ao concluírem o curso
primário, por falta de escola que oferecesse o curso ginasial.
(...) depois que terminei o primário, como nós não tínhamos mais nada para
estudar, eu fiquei freqüentando o ano de Admissão, uns três anos (...)
o meu irmão que (...) saiu do seminário, foi para o exército, chegou (...)
escreveu para minha mãe, naquele tempo o meio de comunicação era carta
ou telegrama, (...) que ele havia olhado no Colégio Coração de Jesus,
porque naquela época não misturavam meninas e meninos, então os padres
Salesianos ficavam com os meninos e nós estudávamos no Coração de
Jesus, com as irmãs Salesianas, (...) fiz o curso preparatório e fiz exame de
admissão, fui classificada e entrei na primeira série ginasial. Não havia
acontecido ainda a reforma do ensino, isso foi em sessenta e quatro,
quando foi no final de sessenta e cinco, eu vim para Diamantino (professora
Dilza Vanni Lima, 2005).
122
Naquele tempo, as avaliações se faziam acompanhar de um qualificativo: simplesmente,
plenamente, etc.
166
Em relação ao material utilizado pelos alunos na escola, a professora/aluna
Dilza, tem algumas recordações interessantes, de como para alunos como ela,
mesmo em época mais recente, o material escolar ainda era difícil de ser adquirido:
A gente tinha a promoção, quando saía do lápis para caneta, não existia
lapiseira e caneta dessas que temos hoje, era aquela pena. Caneta Parker
tinha quem tinha muito dinheiro, era uma caneta de marca e na época
não tinha imitação como hoje, então a gente escrevia com a pena, era de
ferro, de bronze ou de lata, porque ela enferrujava. Os materiais eram livro,
caderno, lápis e a pena de escrever (professora Dilza Vanni Lima, 2005).
Ao recordar seus primeiros anos de escolaridade, a dificuldade que tinha
quanto ao acesso a material para estudar, a professora/aluna Dilza conta sua
experiência. Ela reflete sobre o quanto foi fundamental o acompanhamento e
incentivo da família, para superar o descaso do estado com as camadas populares,
quanto às condições para sua permanência e desempenho na escola. Apresenta
alguns detalhes:
(...) o papel que a gente comprava o pão na padaria, esse papel cinza
estronder, a minha mãe ia juntando (...) debaixo do colchão dela, depois à
noite, quando tinha uma quantia boa, partia pra dar pra todo mundo, pra
não ter briga (...) juntava bastante, partia em quatro e costurava para ela
trabalhar com a gente em casa, era tipo um rascunho que a gente tinha. A
minha mãe tinha quarta série primária, (...) muito interessada em ajudar,
(...) tudo que o professor dava na escola, naquela época todo mundo tinha
muita dificuldade (...) ela reforçava em casa, punha a gente para estudar
(professora Dilza Vanni Lima, 2005).
Embora Dilza confesse a dificuldade, especialmente com caderno, sabe-se
que era crescente a produção de papel desde os anos de 1920, repercutindo,
também, em maior impressão e disseminação dos livros e cartilhas dirigidos à escola
primária. De acordo com Vidal e Esteves (2003, p. 134), nessa época foi possível a
disseminação da composição escolar, “possibilitando também a retirada das lousas
individuais das séries primárias iniciais
123
, passando para escrita a lápis e, nas séries
123
Assim como há uma história das dificuldades de aprendizagem (PATTO, 1990), há uma história da
alfabetização. É essa história que nos informa que nem sempre os materiais e os métodos de
alfabetização foram os mesmos. Assim, sabe-se que propostas de escritas nas mesas de areia com o
dedo para os alunos novos e sua progressão às ardósias e pis de pedra, antes do aprendizado do
uso da pena e do papel, nos últimos anos do setecentos e primeiros do oitocentos, pelo método
167
seguintes para a pena metálica” em papel que, provavelmente, permitia uma leveza
de traço que com o lápis ou lousa ainda não podia obter”.
Quanto ao material didático utilizado pelo professor em sala para
alfabetização, a professora/aluna Dilza relata que:
(...) lembro como se fosse hoje do livro da época “Vamos Estudar”, era o
titulo dele, era utilizado de primeira à quarta série, vinha dando seqüência
(...) era português, matemática, história, geografia, ciências, tudo junto, era
integrado. Com gravuras, tudo em preto e branco (...) a cartilha desde a
primeira série, o personagem dela era seu Fungêncio, era um lavrador, um
trabalhador e sua família (...) (professora Dilza Vanni Lima, 2005).
Em relação à Cartilha “Vamos Estudar”, de Theobaldo Miranda da Silva,
usada pela professora Dilza, na Escola Reunidas, nos primeiros anos (1º ano A, B,
C) de escolarização primária, por volta de 1956 a 1960, esta foi muito utilizada em
Mato Grosso, conforme indica estudo realizado pelo grupo de pesquisa
Alfabetização e Letramento - ALFALE
124
. Essa cartilha, mencionada por grande
parte de professores em Mato Grosso acompanhou o movimento de nacionalização
da educação e do livro no Brasil. Os dados da pesquisa citada revelam o uso desta
cartilha em Mato Grosso, especialmente na década de 1960. Mas o que se observa
neste estudo é que a cartilha foi usada também em períodos anteriores, pois a
professora Dilza, começou a estudar em 1956 e, como ela ressaltou, esta cartilha
tinha uma série graduada, inferindo que a mesma foi usada nos anos subseqüentes.
Em relação ao método utilizado pelas professoras para ensinar na
alfabetização, a professora/aluna Dilza afirma que:
A professora de primeira série trabalhava soletrando, B,A - BA, como a
palavra batata, B,A - BA, T,A - TA, T,A - TA, como é que se lê? a gente
ia juntando BA –TA –TA, era soletrando (...) é o método da soletração.
Naquele tempo você tinha que decorar o ponto de geografia, de história, de
ciências, (...) era perguntas e respostas, você tinha que saber ao da
letra, a gente tinha professor que não aceitava fazer colocação com as
próprias palavras, tinha professor que queria até as vírgulas (...). Eu não
sei como foi a forma que eles aprenderam, então acho que da mesma
mútuo, permitiram, pela primeira vez na escola elementar, a simultaneidade do ensino da leitura e da
escrita (VIDAL e ESTEVES, 2003, p.134).
124
Refiro-me ao Grupo de Pesquisa em Alfabetização e Letramento Escolar, do qual faço parte,
sediado no Núcleo de Pesquisas em Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus
de Rondonópolis, coordenado pelas Doutoras em Educação Cancionila Janzkovski Cardoso e zara
Nanci de Barros Amâncio.
168
forma que eles aprenderam eles trabalhavam, ensinavam a gente
(professora Dilza Vanni Lima, 2005).
O “novo método” oficializado pelo regulamento, de 1927, de acordo com
Amâncio (2000, p. 237) “foi apropriado pelos professores, conforme as condições
propiciadas para este fim, levando em conta várias dimensões, tangenciadas pelas
contingências sociais, políticas, culturais e regionais”.
A ponderação da professora Dilza “acho que da mesma forma que eles
aprenderam eles trabalhavam, ensinavam a gente”, pode ser compreendida de
acordo com Chartier (2002) ao afirmar que uma realidade é dada a ler, à medida que
levamos em conta o conjunto de formas de sua apropriação, ou seja, cada uma
daquelas professoras tinha uma formação diferenciada; o que, certamente, levou a
modos de apropriação também diversos.
De acordo com a professora/aluna Dilza, sua professora, foi Vanlira
Vasconcellos, normalista, que pode ter recebido uma formação especifica ou não,
para este fim; poderia, talvez, aplicar em sua prática, conhecimentos científicos,
oriundos do conjunto de saberes de sua formação. De todo modo, obviamente, cada
professora aplicava aquilo que sabia, que fazia parte da tradição escolar e pelo
conhecimento por elas construído no percurso do “tornar-se professora”.
Em 1950, o professor Antonio de Arruda Marques
125
era Diretor do
Departamento de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso. Esse Diretor
apresenta o censo realizado naquele ano, constando que o estado tinha 528.451
habitantes disseminados pelos seus 1.262.572 km quadrados, sendo que dessa
população se encontravam 182.060 nas cidades e vilas e 346.391 na zona rural, ou
seja, 65,54% da população.
Neste mesmo relatório, o Diretor apresenta relação de material escolar
comprado: dentre eles, estão 5.000 cartilhas, cujos títulos são omitidos; ressalta-se
que o governo comprou 15.500 exemplares de cartilhas e livros. Isso mostra que o
uso de cartilhas para alfabetizar era amplamente disseminado no estado. Neste
período, o estado era constituído de 35 Municípios, 855 unidades escolares, 1534
professores e 55.042 alunos matriculados em seu total geral no ensino primário.
Diamantino, nesse período, ainda oferecia o ensino primário a um número
125
Mensagem do Governador do Estado Fernando Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa. 1953.
Arquivo de Mato Grosso – APMT. Impresso.
169
relativamente restrito de alunos, havia apenas a escola Reunidas para atender à
população.
Com a promulgação da Lei Orgânica do Estado de Mato Grosso, 452, de
24 /11/1951, iniciou-se a reorganização do ensino primário no estado. Substituiu a lei
942, de 03/02/1926, (que deu origem ao regulamento de 1927), o qual disciplinou,
por mais de um quarto de século, o ensino no estado. A nova lei tem, como
orientadora, a Lei Orgânica Federal do Ensino. Quanto ao curso elementar, esta lei
reproduz a lista de disciplinas que trazia a Lei Orgânica do Estado de Mato
Grosso, de 1946
126
:
Artigo 7. O curso primário elementar, com quatro anos de estudo
compreenderá:
I – Leitura e linguagem oral e escrita.
II – Iniciação a matemática.
III – Geografia e Historia do Brasil,
IV Conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação para a
saúde e ao trabalho,
V – Desenho e trabalhos manuais,
VI – Canto Orfeônico
VII – Educação Física
Artigo 8. O curso primário complementar, de um ano, terá os seguintes
grupos de disciplinas e atividades educativas:
I – Leitura e linguagem oral e escrita.
II – Aritmética e geografia
III – Geografia e historia do Brasil, e noções de geografia geral e história da
América
IV – Ciências naturais e higiene,
V – Conhecimentos das atividades econômicas da região,
VI – Desenho
VII Trabalhos manuais e práticas educativas referentes às atividades
econômicas da região,
VIII - Canto Orfeônico
IX – Educação Física
Parágrafo único Os alunos do sexo feminino aprenderão ainda, noções
de economia doméstica, e de puericultura (MATO GROSSO, 1946).
Para o curso elementar, o texto da nova lei não traz novidades, a exemplo do
ensino da linguagem, dividida em “Leitura e linguagem oral e escrita”. Aos demais
conhecimentos, eram acrescidos àqueles que seriam aplicados “à vida social, à
educação para a saúde e ao trabalho”. O objetivo era ir além do ler, escrever e
126
Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Cuiabá-MT. Ano LXI . 11.110, de 28 de novembro de
1951. Essa Lei é constituída de 7 títulos, 51 artigos e foi assinada por Fernando Corrêa da Costa e
Demosthenes Martins. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
170
contar, podendo despertar nos alunos o gosto pelo trabalho, aos homens para a
administração e o comércio e as mulheres pelo gosto da vida doméstica
127
.
A partir do ano de 1955, a professora Odete Vieira de Barros, aposentada, de
68 anos de idade, que concedeu importante depoimento para esta pesquisa,
começou a lecionar na Escola Reunidas Major Caetano Dias. Segundo ela, o início
da sua carreira se deu da seguinte maneira:
(...) quando eu comecei a lecionar, era irmã Lucinda a diretora (...) com
esse negócio de política me tiraram, meu marido foi trabalhar na Camargo
Correa e daí eu fui para lá dar aula novamente, (...) Aqui eu tinha sido
exonerada, por política, eles tiravam o professor. Quando a gente era de
um partido que perdia, daí esse que ganhava punha as professoras que
estavam do lado dele, a gente eles exoneravam. Quem me nomeou
na fazenda, foi o prefeito, meu marido não quis mais ficar lá, por causa da
malária, a gente voltou para e minha transferência veio, (...) com
nomeação por ato governamental” (professora aposentada, Odete Vieira
Barros, 68 anos, 2005).
Para que se possa compreender determinadas ões políticas, no estado é de
acordo com Amâncio (2000, p. 79) é necessário recordar que, desde antes do início
da República, a administração pública dos estados brasileiros passa por um período
bastante tumultuado politicamente. “No Brasil inteiro, surgem intensas lutas das
oligarquias regionais pela disputa do poder político
128
; em função disso, em Mato
Grosso parecia não haver espaço para preocupações de ordem pedagógica”.
Desse modo, as declarações da professora Odete confirmam as afirmações
da autora, quando diz que “com esse negócio de política me tiraram, fui exonerada”.
Mesmo se tratando de um período bem mais antigo, tais questões continuavam
presentes na realidade mato-grossense na década de 1950. Parece que ainda
127
Funcionava, em Cuiabá, desde 1948, a “Escola Doméstica D. Julia”, com a finalidade de educar as
mulheres para o “Serviço do Lar e para melhor atuar na Família”, o curso era de três anos, se
ensinava além das matérias obrigatórias do curso primário, trabalhos manuais, conhecimentos gerais,
noção de bom comportamento social e etiquetas. Para os homens funcionava a “Escola do Comércio”
(Cuiabá, Campo Grande e Corumbá), para prepará-los para as necessidades do mercado de
trabalho, nas atividades terciárias e do comércio, mais tarde ampliou a sua oferta também às
mulheres (ALVES, 1994, p. 172).
128
Em Mato Grosso o conflito pelo poder político no início da república era disputado por duas
oligarquias dominadas por coronéis: a oligarquia do norte, composta por abastados senhores de
engenho, mais tarde transformados em usineiros de úcar, e a oligarquia do sul, composta pelos
grandes pecuaristas, pelos comerciantes que lidavam com exportação e importação e pelos coronéis
da erva-mate, representados pela companhia Mate Laranjeira, atrelada ao capital estrangeiro. Esses
grupos se revezavam na administração do estado e mantinham um confronto constante que resultava
em verdadeiras guerras, com emboscadas, golpes e até chacinas” (Siqueira, 1990 apud AMÂNCIO,
2002, p.80).
171
permaneciam as lutas pelo poder entre famílias tradicionais; o que, de certo modo,
refletia na escola da época. Isso também implica, segundo Julia (2001, p. 25) “em
conflitos, confrontos e debates relacionados à manutenção dos valores e finalidades
impostos por esses grupos à escola, o que permite medir as heranças que se
operam no decorrer das gerações”.
Pode-se inferir que estas salas ficavam sem aulas por algum período. A esse
respeito, o Diretor da Instrução Pública do Estado evidenciava preocupações, que
também já vinham de períodos anteriores:
diretores que se responsabilizam pela regência das classes vagas em
tais condições até que se seja nomeado o professor substituto. Nas Escolas
Reunidas, nem sempre é possível observar-se este critério porque os
Diretores destes estabelecimentos têm também a responsabilidade de uma
classe, em virtude de disposição regulamentar (Francisco Alexandre
Ferreira Mendes, 1944).
Um fato interessante é que os termos de compromisso
129
dessas professoras
eram assinados em meses de março a novembro, ou seja, em qualquer época do
ano. Teria essas salas uma rotatividade de professores? Pelo fato de serem
contratados, deixavam a sala em qualquer época do ano, havendo a necessidade
de contratação de outro professor? Ou, como declarou a professora Odete, havia
alguma interferência externa à escola que levava à substituição dessas
professoras?
No Relatório do Diretor da Instrução Pública de Mato Grosso, essa
preocupação esteve presente em sua reivindicação ao Presidente do Estado:
Temos observado com atenção, na administração do ensino, um fato que
urge solucionar-se. O da substituição eventual dos professores nos seus
impedimentos. Numerosos são os casos de interrupção temporária
motivados por licença, que se dão nos estabelecimentos de ensino primário.
Geralmente, o professor, apresentando o seu pedido de licença, abandona
imediatamente o exercício, aguardando o resultado favorável. Durante todo
o tempo que leva o processo a ser solucionado pela autoridade competente,
permanece a classe vaga. Se o Diretor do estabelecimento distribui os
alunos em diversas classes, atrai para si o descontentamento do professor
que se julga sobrecarregado, e os alunos na maioria das vezes, ficam
prejudicados pelo descaso do professor
(
Francisco Alexandre Ferreira
Mendes, 1944).
129
Livro Termo de Compromissos da Escola Reunidas Major Caetano Dias, 1948 a 1968. Arquivo da
Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
172
Isso mostra que as classes ficavam vagas por algum período, ou seja, não
havia aulas nos “impedimentos” dos professores; essa “substituição eventual” a que
se refere o diretor “prejudicava os alunos na maioria das vezes”. O professor era
responsabilizado e também culpado, pois após pedir licença “abandonava
imediatamente o exercício”. Como vimos não foi esse o caso da professora Odete,
no início de sua carreira no magistério, em 1955
130
.
Como é que se processava o ensino nestas escolas? As normatizações de
acordo com o regulamento de 1927 prescreviam a implantação de “modernos”
métodos de ensino de leitura, a serem adotados nas escolas primárias mato-
grossenses. Nesse sentido, o relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato
Grosso, em 1944, evidencia que estavam caminhando nesta direção, apesar das
“falhas apontadas”:
Outro aspecto interessante, de ordem didática, está na modificação dos
métodos de ensino observados nas Escolas Reunidas. Como nos tem sido
dado observar, não nos estabelecimentos de ensino desse gênero, o
rodízio pedagógico tão recomendado e de eficiência incontestável para o
aproveitamento da infância
(
Francisco Alexandre Ferreira Mendes, 1944).
No estado de Mato Grosso, em 1952, conforme relatório, havia 1.261
professores em exercício, mas apenas 300 destes tinham o diploma de normalista.
Esses professores atendiam as 72.113 crianças matriculadas no ensino primário
mato-grossense
131
; o estado havia ampliado sua oferta em relação ao ano de
1950, em que atendia 55.042, segundo declarações do mesmo governador. A
proporção de professores sem formação é grande, apenas cerca de 25% era
normalista. A maioria destas professoras, como aponta Lima (2003)
132
, aprendia a
fazer fazendo, repetindo o modo como tinham aprendido. Aprimoravam o trabalho ao
longo da carreira, o que nos leva a pensar sobre o porquê o ensino acontecia de
determinada maneira e não de outra. Estas professoras eram profissionais que
davam muito mais do que recebiam, certamente a tradição escolar legada pela mãe
ou pelas antigas professoras era também legada aos seus pósteros (ARENDT,
1968).
130
Foram Prefeitos Municipais em Diamantino: de 1952 a 1955, Artur Ferreira e de 1955 a 1959,
Benedito Moreira da Silva.
131
Mensagem do Governador do Estado Fernando Corrêa da Costa, 1952, p. 28-29. Arquivo Público
de Mato Grosso – APMT. Livro n.º 79. Impresso.
132
Trata-se da autora LIMA, Sorahia Miranda de, 2003, citada nas referências deste estudo.
173
Procurei saber com a professora Odete como se sentia no início da sua
experiência com o magistério: se sentia que estava preparada para lecionar, se
havia orientações pedagógicas, quanto ao planejamento de aulas, estratégicas de
ensino e quem as realizava na escola. Como resposta, obtive:
(...) quando a gente era convidada as irmãzinhas ajudavam muito a gente,
elas que podiam auxiliar a gente, não tinha mais ninguém, (...) elas tiveram
um papel importante, as irmãs eram tudo. o passava ninguém para
fiscalizar nada; era bom pelo menos eu não tinha nada a reclamar (...)
(professora Odete Vieira Barros, 2005).
Historicamente, como aponta Forquin (1992), o professor é encarregado da
organização da atividade escolar, do emprego do tempo, do equilíbrio entre as
diferentes disciplinas; para esse autor, esta é uma questão de ordem
essencialmente pedagógica. Quando a professora Odete ressalta que “somente as
irmãs podiam ajudar, não tinha mais ninguém”, mostra que naquele período, as
escolas no município não contavam com outras pessoas que estivessem
preparadas, além do professor, para oferecer uma orientação pedagógica quanto à
organização das atividades de ensino. Segundo Lima (2003) os professores
aprimoravam o trabalho ao longo da sua carreira; a experiência prática ia conferindo
legitimidade ao desenvolvimento profissional.
Os cargos de Orientador Pedagógico e Assistente Escolar foram criados pela
lei 388, de 29/01/51 e regulamentados pelo Decreto 1152, de 08/08/1951,
conforme a mensagem do governador
133
, “iniciamos a composição do núcleo cnico
orientador do ensino a ser ministrado sob os métodos pedagógicos modernos (...)
com elementos integrantes do ensino que se habilitaram nos cursos que fizeram no
Rio de Janeiro”. Dados que evidenciam como se davam às orientações pelas
professoras Orientadoras de Ensino, que programavam e acompanhavam as
atividades a serem ministradas mensalmente pelas professoras do interior do estado
são encontrados em Amâncio e Cardoso (2005).
São poucos os documentos oficiais encontrados que trazem preocupações de
“ordem didática”. O Diretor da Instrução Pública de Mato Grosso, Alexandre Ferreira
Mendes, faz referência aos “métodos de ensino”, observados nas Escolas Reunidas
133
Mensagem do Governador do Estado Fernando Corrêa da Costa, 1952, p. 28-29. Arquivo Público
de Mato Grosso - APMT, Livro nº 79. Impresso.
174
do estado, menciona também o “rodízio pedagógico”, o qual considera
recomendável por sua “incontestável eficiência”. Qual seria o método a que se
referia? Vejamos a explicação sobre o que seria o rodízio pedagógico:
O rodízio visa a corrigir as anomalias. Obrigando-se a professora a
acompanhar sua turma do ao ano, além de estimular o docente no
acompanhar o aluno em todos os graus de aproveitamento, evita ainda, ao
escolar a troca de métodos didáticos, diferentes entre os professores e que,
no aprendizado primário é fator preponderante para o início da formação
dos espíritos.
..........................................................................................................................
O que se nota, é um protecionismo descabido por parte da direção de
muitos estabelecimentos primários, como prêmio ao comodismo de
professoras que, assim, se dedicam mais aos seus interesses particulares,
com injusta preterição de colegas, sério prejuízo para o escolar e grave
responsabilidade para a administração do ensino (Francisco Alexandre
Ferreira Mendes, 1944).
Mas, de acordo com a Lei Orgânica do Estado de Mato Grosso, de 1951, no
capítulo “Da orientação Geral do Ensino Primário Fundamental” (art. 10º),
recomenda-se atingir os seguintes princípios
134
:
a) desenvolver-se de modo sistemático e graduado, segundo os interesses
naturais da infância;
b) ter como fundamento didático as atividades dos próprios discípulos;
c) apoiar-se nas realidades do ambiente em que se exerça para que sirva à sua
melhor compreensão e mais proveitosa utilização;
d) desenvolver o espírito de cooperação e o sentimento de solidariedade social;
e) revelar as tendências e aptidões dos alunos, cooperando para o seu melhor
aproveitamento no sentido do bem estar individual e coletivo;
f) inspirar-se, em todos os momentos, o sentido da unidade nacional e da
fraternidade humana (MATO GROSSO, 1951).
Influenciada pelos pressupostos da Escola Nova, a nova lei recomenda que o
ensino primário possibilite o desenvolvimento do aluno de “modo sistemático e
graduado; considerar a realidade do ambiente; desenvolver espírito de cooperação,
solidariedade; valorizar tendências e aptidões, prezar pelo bem estar individual e
social”. Mas como atingir esses objetivos na escola pública primária se, como vimos
tanto pelas declarações da professora Odete, quanto confirmados pelo relatório do
Diretor da Instrução blica, as preocupações e ações caminhavam em direção
134
Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Cuiabá-MT, Ano LXI. n. 11.110, de 28 de novembro de
1951. Arquivo Público de Mato Grosso - APMT. Impresso.
175
contrária; a escola era utilizada mais como instrumento político-ideológico do que
como espaço de aprimoramento intelectual.
Em relação aos materiais a que recorria para preparar as aulas em sua classe
de alfabetização, a professora Odete diz que “material era mesmo a cartilha, não
tinha nada interessante, nessa época não tinha um plano de aula, a gente pegava
assim pelo livro”. Nesse caso, Correa (2000) assevera que a cartilha era o portador
supremo dos conteúdos do currículo escolar, pois era a única referência tanto para a
professora quanto para os alunos.
É interessante lembrar que, nos diários de classe das professoras desta
escola, de 1948 em diante, o foi possível observar registro de citação de
conteúdos e cartilhas, pois os mesmos apresentam apenas o registro de alunos
matriculados e freqüência de aulas mensais, faltas e notas, como se observa na
Figura 18:
Figura 18: Folha de freqüência de diários de classe de professoras da Escola Reunidas Major
Caetano Dias, 1955.
Sobre o ensino da linguagem na alfabetização, o que se costumava propor de
atividades para leitura e escrita, foi assim explicitado pela professora Odete:
176
(...) para o primeiro ano, a gente lecionava muito com o be - a - bá, era
do livro que passava no quadro. Ensinava o alfabeto, aí depois soletrava (...)
cobrava do aluno, eles tinham que aprender (...) tinha algum que logo
aprendia e outro assim que demorava mais, quanto assim o be-a-bá, as
vogais tinha de cor na cabeça, aí a professora falava quais são as vogais,
tudo mundo a, e, i, o, u! Era aquele alvoroço, assim que foi quando eu
iniciei a trabalhar, porque não tinha outra coisa para ensinar, era somente
assim, por meio do abecedário” (professora Odete Vieira Barros, 2005).
O que ocorria, conforme o depoimento da professora Odete, era o emprego
do método sintético que, segundo Micotti, pode ser feito por meio do processo
alfabético, fônico ou silábico. Neste caso, havia:
o emprego do processo alfabético.
135
A princípio, o aluno deveria aprender
o nome das letras, conforme a sua seqüência no alfabeto. A seguir, a
combinação de duas letras (uma consoante e uma vogal), pronunciando
cada uma delas separadamente e, em conjunto, depois deviam ser feitos
agrupamentos de sílabas para a formação de palavras”. (MICOTTI, 1970,
p. 49-50)
O método alfabético conforme Braslavsky (1971, p. 47) “ensina o nome das
letras e não os sons. Ensina a ler: ele, eme, esse, jota, pê..., e por isso, para traduzir
a visão das letras que compõem uma palavra ao som da palavra, introduziu-se a
soletração”.
A prática não apresenta diferenças do que se fazia no século XIX, a
permanência de procedimentos, para o ensino da leitura e da escrita na
alfabetização, era comum nas escolas mato-grossenses. Isso mostra que as
decisões metodológicas propostas nas normatizações extrapolavam a mera escolha
de um método e a prática solitária do professor, como assevera Bregunci (2004, p.
34), “envolve um conjunto de ações políticas e pedagógicas (formação do professor,
organização das classes, planejamento, rotinas escolares, implementação de um
ambiente alfabetizador, etc)”, o que, certamente, favorecia as lacunas e a
permanência de princípios consolidados pela tradição escolar, pois, segundo Julia
(2001), as rupturas culturais nem sempre conseguem romper a idéia da tradição na
escola primária.
135
O método alfabético é um dos mais antigos métodos. Utilizado na Grécia, Roma e também na
América (MICOTTI, 1970, p. 50).
177
Perguntei à professora Odete, quais foram as mudanças que percebeu na
organização do ensino em especial da alfabetização, durante o período que lecionou
e que tivesse influenciado a mudar aspectos de sua prática em sala de aula; ela
lembrou-se de um curso que participou em Cuiabá, no Centro de Treinamento:
(...) fomos para o centro de treinamento, em Cuiabá, fomos aprender
como ensinar as crianças a ler e escrever por meio de gravuras. A gente
aprendeu como ciências, pegava bastante tipo de plantas, a raiz, para
fazer experiências, os professores ensinavam e a gente colava tudo no
álbum, aquilo que a gente aprendia. Matemática era tudo por meio de
gravuras, quando a gente veio de lá, a gente só ensinava por esses tipos
de materiais, a gente mudou a forma de ensinar por meio do ensino que
a gente teve lá (professora Odete Vieira Barros, 2005).
A professora Odete mostrou o álbum e as gravuras que montou no curso em
Cuiabá e, que ainda guarda como recordação daquele tempo em que lecionou
naquela escola e, aprendeu “novas formas de ensinar”. Quando salienta que
aprendeu trabalhar com “gravuras e por meio de experiência”, mostra sinais da
valorização do aluno como ser ativo e criativo no processo de ensino aprendizagem,
pensamento decorrente da discussão proposta pela escola nova, a partir de 1932.
A respeito do acompanhamento pedagógico nesta escola, como se observa,
não havia outro profissional além do diretor que pudesse auxiliar em questões
pedagógicas; até porque, de acordo com o Regulamento da Instrução blica, de
1927 (art. 56º), “o cargo de diretor das escolas reunidas cabe em commissão, a um
dos professores de maior capacidade profissional, das respectivas unidades
componentes, a critério do governo, de preferência effectivo”. No caso desta escola,
a direção coube às professoras que vieram do Colégio Externato Santa Terezinha,
inicialmente Ir. Zélia Tomelin (1948 a 1952) e, posteriormente, Ir. Lucinda Faquini
(1953 a 1961).
Quanto aos cargos de Orientador Pedagógico e Assistente Escolar instituídos
pela Lei Orgânica do Estado de Mato Grosso, de 1951, não foi possível encontrar
indícios ou vestígios, nos documentos analisados, de que estes profissionais
existiram nesta escola em Diamantino no período estudado. A responsabilidade por
178
nomeações, transferências e outros atos relacionados ao ensino, ainda ficava a
cargo do Inspetor de Ensino
136
.
A Escola Reunidas Major Caetano Dias teve o seu ciclo de duração de 13
anos. Esta escola elevou-se à categoria de Grupo Escolar, por meio do decreto
40, de 16 de março de 1961, passando a denominar-se Grupo Escolar Caetano
Dias. As heranças do passado se desfazem lentamente. Entender as mudanças
gradativas da escola, a constituição de seu grupo, a definição de suas
competências, e em evidência o caráter de movimento e mudança do sistema
escolar e ao mesmo tempo de permanência e tradição. Por isso, para Julia (2001, p.
32) “a cultura escolar é efetivamente uma cultura conforme, e seria necessário
definir, a cada período, os limites que traçam a fronteira do possível e do
impossível”.
As idéias advindas da renovação pedagógica, propostas pelos republicanos
brasileiros, sobretudo os paulistas, em Mato Grosso, iniciadas nas primeiras
décadas do século XX, parecem não ter sido amplamente adotadas no interior do
estado. Até porque, seriam os “grupos escolares” os modelos de escola responsável
por propagar esse conhecimento; e, no interior do estado, a sua implantação ocorreu
muito lentamente. No item a seguir, buscarei discutir/refletir sobre o Grupo Escolar
em Diamantino e sua possível contribuição para a continuidade ou concretização,
mesmo que tardia, de um discurso oficial sobre a questão pedagógica do ensino da
alfabetização.
136
No dia 28 de agosto, de 1959, o termo de posse da professora, Irmã Aurora Maria Nacan,
nomeada para lecionar nas Escolas Reunidas Major Caetano Dias, ainda foi realizado por um
Inspetor de Ensino, que havia sido prefeito em Diamantino de 1950 a 1952. Este Inspetor de Ensino
era José Balduino de Araújo, da zona de Rosário Oeste. Livro Ata de lançamento de
Compromissos da Escola Reunidas Major Caetano Dias, período de 1948 a 1968. 43 p. Arquivo da
Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
179
GRUPO ESCOLAR CAETANO DIAS: CONCRETIZAÇÃO DA
ESCOLA MODERNA
Olhando além do livro de leitura
Ele aprendeu a ler
De um jeito novo
Viu a vida dentro da cartilha
E descobriu que a dança das vogais
Que um dia esconderam no alfabeto
Podia ser de todos
Podia ser do povo.
(Thiago de Mello, 1978)
180
Figura 19: Capa e folha de abertura de diários de classe de professores do Grupo Escolar Caetano
Dias, 1961 a 1973.
181
3.5 Grupo Escolar Caetano Dias: concretização da escola
moderna
Neste item, procuro apresentar aspectos de uma escola primária
diamantinense, circunscrita no contexto educacional mato-grossense, cujo modelo
se desejava “moderna” e adequada aos tempos republicanos. A partir das
exigências dos Regulamentos de 1910 e, mais tarde de 1927, muitas escolas
primárias foram (re)organizadas. A partir dessas reformas, algumas se
transformaram em Grupos Escolares e, os todos para ensinar a ler e escrever,
além de outros aspectos também deveriam mudar, a fim de equipará-los aos
padrões de escolas mais desenvolvidas do país.
Assim, os primeiros Grupos Escolares, conforme Amâncio (2000)
137
foram
implantados no estado de Mato Grosso, na primeira década do século XX. Na
capital, tanto os Grupos Escolares como a Escola Normal (em 1911), foram
administrados por normalistas paulistas, os quais foram contratados pelo governo do
estado, para fazerem a reforma da Instrução Pública no Estado, com a introdução de
“novos métodos” para o ensino primário, bem como a preparação dos professores
mato-grossenses.
Nesse período, em que se começa a organizar o sistema público de ensino,
em nível nacional, a estrutura do sistema de instrução pública em Mato Grosso era
constituída hierarquicamente do seguinte modo: os presidentes de estado, diretores
gerais da instrução pública, inspetores de ensino, diretores de escola, professores e
alunos. O Diretor da Instrução Pública, bem como os Diretores dos Grupos
Escolares e Inspetores de Ensino eram autoridades reconhecidas e respeitadas pela
sociedade, visto tratar-se de altos funcionários do governo a bem do serviço público.
Em 1912, alguns municípios foram contemplados com Grupos Escolares:
Corumbá, Cáceres, Poconé e Villa do Rosário. Após esse período, foram
implantados grupos escolares no ano de 1924, segundo Correa Filho (2002, p. 53)
em Campo Grande, Três Lagoas , Aquidauna e Miranda”. Seguidamente outros
municípios formaram grupos escolares.
Diamantino, um município do interior, relativamente próximo da capital e que,
provavelmente contava com condições e, principalmente, com uma população em
137
Criados em Mato Grosso pela Lei 508 de 1908, normatizada pelo Regulamento da Instrução
Pública de 1910 (AMÂNCIO , 2000, p. 107).
182
idade escolar que favorecesse a sua implantação, veio a contar com um Grupo
Escolar, após meio século, em 1961
138
. Isso se deu com a extinção da Escola
Reunidas Major Caetano Dias.
A organização das escolas em Grupos Escolares pressupunha, segundo
Amâncio (2000, p. 107); “uma nova concepção de escola, alterando desde a sua
estrutura física até as relações humanas intra-escolares (...) uma modalidade de
organização escolar que representava um fator de modernização cultural”. Estas
instituições seriam o lugar privilegiado para formar os futuros cidadãos mato-
grossenses.
De acordo com os artigos 34º e 35, do Regulamento da Instrução Pública de
Mato Grosso, de 1927:
Art. 34º - Os Grupos Escolares terão, no mínimo oito classes, e serão
creadas onde houver, pelo menos, num raio de dois Kilômetros, 250
creanças em idade escolar.
Art. 35º - Funcionará, anexa a cada Escola Normal, um grupo escolar
modelo destinado à observação e prática pedagógica dos normalistas e ao
ensaio e divulgação dos novos méthodos de ensino (MATO GROSSO,
1927).
O corpo administrativo e pedagógico devia ser composto por um diretor, um
professor regente para cada classe (de no mínimo 16 alunos e no máximo 45
alunos); um professor adjunto para cada classe; um porteiro e dois serventes.
Em seu relatório no ano de 1922, o Diretor Geral da Instrução, Dr. Cesário
Alves Correa, faz uma breve alusão aos grupos escolares dizendo que “estes
estabelecimentos situados em diversas cidades do estado, continuam funcionando
com pequena freqüência”.
139
Se esta era a situação deste tipo de escola, como
estaria a situação das demais espalhadas pelo estado? De acordo com Reis (2003,
p. 6) “na estrutura da pirâmide as escolas públicas se constituíam em escolas
isoladas rurais e urbanas; escolas reunidas; grupos escolares, escola modelo e
138
A partir da década de 60, Diamantino sofreu uma intensa migração. Seu antigo território foi cortado
por estradas, através das quais entraram agricultores pobres, que se apossaram de terras
“desocupadas”; agricultores capitalizados que compraram ares de cerrado ou de mata e agricultores
trazidos pelas colonizadoras privadas de quem compraram lotes nos respectivos projetos
(BARROZO, 2002, p. 191).
139
Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso, Dr. Cesário Alves Corrêa, ao
Secretário do Interior, Justiça e Fazenda, Dr. Virgílio Alves Correa Filho, Cuiabá 14 de março de
1922. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
183
complementar e por fim, escola normal”. Nessa escala, poderiam, também, ser
percebidas as condições para funcionamento de cada uma delas, materiais,
formação de professores, orientação pedagógica, fiscalização, entre outros aspectos
a que estas escolas estavam submetidas.
Em 1930, o estado de Mato Grosso havia implantado 11 grupos escolares,
sendo dois na capital. Estas escolas apresentavam um número total de 3.391
alunos. Conforme o Presidente do Estado Dr. Aníbal Tolledo, o ensino ministrado
nestas escolas “era de mais proveito para a mocidade que o ministrado em escolas
isoladas”. Com isso, o presidente solicitava que “fosse retardada a criação de mais
escolas, aque a cidade apresentasse população escolar suficiente para a criação
de grupos escolares”
140
. Ressaltava ainda que, com isso, intencionava criar outros
grupos escolares, na capital e no interior, para fundir neste novo estabelecimento
algumas escolas isoladas de pouca eficiência pedagógica.
Conforme documento da Instrução Pública sobre a Organização do Ensino
Primário e Normal do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, cujo diretor era o
professor Lourenço Filho, em 1942, as classes nos Grupos Escolares teriam 30
alunos, fundindo dois ou mais anos numa classe e a duração do curso de 4 anos.
O ano letivo em todos os estabelecimentos de ensino primário era de de março a
30 de novembro. Horário de 4 horas e meia, com recreio de 40 minutos ao ar livre,
quando a escola funcionasse em um só turno. Quando a escola funcionasse em dois
turnos seria de 4 horas, com 30 minutos de recreio ao ar livre.
Como observa-se no discurso dos Diretores da Instrução blica, os grupos
escolares seriam o modelo de escola para modernizar o ensino no estado. Estas
autoridades ressaltam a sua importância para o bom desenvolvimento do ensino.
Porém, em Diamantino, após cinco décadas da implantação dos primeiros grupos
escolares em Mato Grosso, o relatório de visita de um Inspetor de Ensino
141
, em 25
de março de 1961, ano de instalação do Grupo Escolar, confirma o que, em 1922, o
Diretor Geral da Instrução, Dr. Cesário Alves Correa, dizia em relação a estes
estabelecimentos de ensino no interior do estado, os quais, segundo ele “continuam
funcionando com pequena freqüência”. Vejamos o que diz o relatório, na Figura 20:
140
Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso, Dr. Aníbal Tolledo, a Assembléia Legislativa
e lida na abertura da Sessão Ordinária da sua Legislatura. 1930. Arquivo Público de Mato
Grosso – APMT. Impresso.
141
Livro de Termos de Visita da Escola Reunidas Major Caetano Dias, 1948 a 1961. Arquivo da
Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
184
Figura 20: Relatório de Inspetor de Ensino em visita ao Grupo Escolar Caetano Dias, 1961.
A visita do inspetor de ensino Antonio João de Barros ocorreu dias após o
início das atividades do Grupo Escolar, em 1961. Nesse relatório, ele ressalta
apenas o número de alunos, que ainda é relativamente pequeno: observemos que
esta era a única escola da sede do município que oferecia o ensino primário à
população. Com 172 alunos, divididos em 8 classes, estas classes eram ministradas
por professoras diferentes, nenhuma delas trabalhava 40 horas semanais, pois como
relata o inspetor “a escola era administrada pela diretora, com mais sete
professoras”.
Outro aspecto que merece destaque é que esse inspetor, assim como os
demais inspetores que passaram pelas escolas apresentadas em itens anteriores,
não evidencia preocupação de cunho didático-metodológico, sua inspeção continua
tendo um caráter administrativo: era necessário registrar aspectos relacionados à
185
matrícula de alunos e outros os dados quantitativos a serem enviados à diretoria
geral da instrução pública.
Nesse período, estava entrando em vigência a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação no Brasil LDB 4.024 de 1961
142
, a qual trazia uma nova
divisão, quanto à organização escolar: ensino primário de 4 anos; ciclo ginasial do
ensino dio - 4 anos; ciclo colegial do ensino médio 3 anos; e ensino superior
variável. Estabelecia “diretrizes e bases” para a educação nacional. Os artigos 25 e
27 desta lei dispunham sobre o objetivo do ensino primário:
Art. 26 - O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e
das atividades de expressão da criança e a sua integração no meio físico e
social.
Art. 27- O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e será
ministrado na língua nacional. Para que os que iniciarem depois desta fase
poderão ser formadas classes especiais ou cursos supletivos
correspondentes ao seu nível de desenvolvimento (BRASIL, 1961).
A referida LDB não trouxe nenhuma orientação curricular ao ensino das
quatro primeiras séries. Portanto, os conteúdos a serem ministrados e a organização
didático-pedagógica para se atingir o objetivo proposto no artigo 2ficavam em
aberto, “o ensino primário será ministrado em língua nacional”.
Portanto, a primeira legislação educacional do país, de acordo com Taguchi
(1994, p.58) “não trouxe a possibilidade de oferecer o ensino da língua materna, por
meio de uma orientação mais concreta, mais sintética, mais oral, mais expressiva,
com programas baseados na língua viva da vida nacional”. Segundo a autora citada,
as marcas do nacionalismo reinante na conjuntura político-social permearam o longo
período em que a lei foi sistematizada, apresentada, discutida e aprovada no
congresso.
Como o propósito deste estudo inscreve-se em uma tentativa de atribuir
sentidos ao processo de ensino da alfabetização, nas escolas primárias
diamantinenses, é necessário retomar ao grupo escolar em Diamantino. O Grupo
Escolar Major Caetano Dias foi instalado em um prédio no centro da cidade.
142
A Lei 4.024/61 manteve a estrutura tradicional do ensino; o avanço se deu na flexibilidade
curricular nacional, quebrando a rigidez dos programas, possibilitando disciplinas optativas. Porém, a
lei não correspondia mais aos anseios da sociedade, pois ficou treze anos tramitando no congresso
até ser aprovada e favorecia a iniciativa privada.
186
Conforme revela a professora Dilza Vanni Lima, apresentada no item anterior,
esta escola funcionava “onde hoje é o anexo do Fórum e ao lado tinha salas anexas
ao grupo, então era assim, tudo esparramado”. Esta escola era responsável apenas
pela primeira etapa do ensino, os quatro anos de ensino primário. É interessante
lembrar que a lei 4.024/61 continuava assegurando que a passagem do primário
para o curso ginasial deveria ser feita por meio de uma prova de acesso, o Exame
de Admissão.
Uma das características dos Grupos Escolares, segundo Amâncio (2000, p.
94) é: “a organização das classes; distribuição do tempo em horários escolares;
atividades em certa regularidade; nova forma de professor/aluno relacionarem-se;
diversificação de disciplinas e materiais, de forma a atender os preceitos
pedagógicos modernos”. Isso, conforme Julia (2001) são rupturas culturais vividas
no curso da existência de uma escola, buscando romper toda a idéia de tradição.
O Presidente do Estado Pedro Celestino, por meio do Regulamento da
Instrução Pública, de 1910, declarava que “sem desprezar a tradição escolar do
estado, adotaria preceitos que arejassem o anacrônico aparelhamento existente”.
Neste regulamento, determinava-se que, para a matrícula dos alunos do grupo
escolar, deveria apresentar-se um atestado de boa saúde, para comprovar que não
era portador de nenhuma doença contagiosa, além do comprovante de vacinação
com resultado favorável.
Como seriam as condições de funcionamento dos Grupos Escolares, no
interior do estado, como é o caso de Diamantino? Sua relação com o processo de
ensino, seu regime disciplinar, o movimento interno das classes, o desempenho dos
alunos? Alguns aspectos são possíveis de se verificar indícios ou vestígios. Por meio
dos diários de classe consultados, como por exemplo das classes, que eram mistas
e variavam entre vinte e cinco a trinta alunos em cada uma delas. Embora o relatório
do inspetor (1961) apresente um registro menor, em torno de 21 alunos por classe.
A criação dos grupos escolares, como aponta Reis (2003, p. 149), teve muitos
fatores positivos; dentre eles, “o acesso das mulheres à educação escolar de
maneira mais expressiva, em relação a períodos anteriores”. Outro aspecto, que
pode ter significado positivo, é ressaltado por Amâncio (2000, p. 112) de que estas
escolas “exerciam uma função social como instância cultural a serviço da difusão da
cultura e dos valores cívicos patrióticos, as suas portas deviam estar sempre abertas
para irradiar a cultura”. No caso de Cuiabá, segundo Reis (2003), o “Palácio da
187
Instrução” e de São Paulo, conforme Souza (1998)
143
, “Templos de Civilização”, esta
escola devia ser o símbolo, compartilhado com toda a sociedade.
Em Diamantino, parece que o Grupo Escolar, de certo modo, também cumpria
este papel, pois, como diz a professora Dilza, a diretora do Grupo Escolar, realizava
algumas atividades que eram “novidade”, para os alunos e comunidade. Iam junto a
algumas localidades por ocasião das missas, para “cantar e apresentar peças
teatrais”. Segundo ela, a diretora da escola “se preocupava com o pedagógico, com
a cultura e com o social”.
(...) a irmã Lucinda Faquini, diretora marcava na escola, hoje a noite o
padre vai passar filme, para vocês, é para todo mundo ir. Era Dom
Agostinho (...) então ele passava os slaides explicando (...) sobre as tribos
indígenas: a oca, a taba, a aldeia, os índios da reserva do Cravari, do
Utiariti, do Rio Verde, dos Parecis. Então sempre (...) trazia alguma
novidade para passar para os alunos do Grupo Escolar. O padre ia rezar
a missa, por exemplo, no Piavoré, nós íamos junto cantar, apresentar
peça teatral, com irmã Lucinda. Ela olhava para tudo (...) se preocupava
com o pedagógico, com a cultura e com o social (...) (professora Dilza Vanni
Lima, 2005).
Um dos objetivos da criação dos Grupos Escolares, de acordo com Reis
(2003, p. 140-183) era de passar a funcionar como “foco de atração e como locais
especificamente criados para formar os futuros cidadãos mato-grossenses, levando
a criança a um sistema de ensino diferente, procurando fazê-la participar da vida
escolar, brincar livremente, cantando músicas folclóricas (...)”. O ensino intuitivo, por
meio da lição de coisas, segundo esta autora, devia acontecer em um ambiente que
fosse o mais natural possível, sob um clima de disciplina, o que devia contribuir para
o desenvolvimento pleno da infância. Abaixo, na Foto 6, temos algumas das
professoras que lecionaram no Grupo Escolar em Diamantino, nos primeiros anos de
sua constituição.
143
Trata-se da autora Souza, Rosa Fátima, 1998, citada nas referências bibliográficas deste estudo.
188
Foto 6: Diretora Ir. Lucinda Faquini (a frente do grupo), Professora Maria de Lourdes Guimarães (3ª
da esquerda para direita), Professora Odete Vieira Barros (9ª da esquerda para direita) e demais
professoras em frente ao Grupo Escolar na década de 60
144
. Acervo particular da professora Helena
Pereira Mesquita, 2005.
Algumas destas professoras primárias lecionavam na extinta Escola
Reunidas e continuaram lecionando no Grupo Escolar por muito tempo; outras,
foram deixando o magistério, dando o lugar para novas contratadas, como é o caso
da professora Dilza
145
.
(...) irmã Lucinda Faquini me convidou para dar aula, porque, por incrível
que pareça eu era uma das poucas que tinha boa parte de a série
ginasial né, professora formada com magistério na época que comecei a
trabalhar, tinha Maria da Graça Sabo Mendes, Eniete Capistrano e
Palmira, elas eram normalistas e irmã Marlene de Araújo Luz, que depois
substituiu irmã Lucinda, essa era formada em letras, ela já tinha vel
superior, (...) quando comecei a trabalhar como professora procurava
participar de tudo quanto era curso (professora Dilza Vanni Lima, 2005).
144
As demais professoras da fotografia são da esquerda para direita: Helenita Praxedes; Ercy
Fonseca; Dilza Queiroz; (não identificada); Nelcyna Guimarães; Dilma Vieira de Barros;
Lourdes Sabo Mendes; 10ª Marilza Sabo; 11ª Maria Helena; 12ª Ir. Zélia Tomelin.
145
Apresento o quadro de professoras do Grupo Escolar Caetano Dias no anexo nº 08 deste trabalho.
189
Qual teria sido a preparação destes professores para lecionar no Grupo
Escolar? Pois havia uma nova dinâmica a ser instituída nas escolas, assim como
uma nova forma de organização didático-pedagógica. A exigência quanto à
formação mínima ao professor primário, de acordo com a legislação em vigência
nessa época, era de que teria que possuir o curso Normal de grau secundário
ginasial, de quatro séries anuais e, preparação pedagógica (LDB 4.024/61, art. 53º).
O Programa de Ensino para o ano primário, para os Grupos Escolares, de
acordo com o Regulamento de 1927, devia versar de:
Leitura e linguagem oral e escrita
Aritmética
Geografia
Ciências Físicas e Naturais
Educação Higiênica
Instrução Moral
Trabalhos Manuais
Canto (MATO GROSSO, 1927).
Apesar de que, nesta época, a Lei em vigência já fosse a 4.024/61, não trazia
um programa para o ensino primário, o que nos faz pensar que as escolas
continuavam “seguindo” o programa normatizado pelo regulamento anterior.
Mas, no estado de Mato Grosso, no ano de 1962, é publicado um novo
Programa do Ensino Primário
146
, oferecido nas Escolas Reunidas e nos Grupos
Escolares. O texto “Orientação Metodológica Geral” traz recomendações
metodológicas para cada disciplina. Vejamos o que este programa prescreve para o
1º ano na disciplina de Português:
I – Leitura de sentença, palavras e sílabas no quadro negro utilizando o tipo
comum de imprensa e manuscrito;
II – Leitura oral e silenciosa, com interpretação oral de sentença e períodos
muito pequenos, em livros ao alcance da classe;
III – Estudo gradativo: fragmentação de sentenças, palavras e sílabas;
IV – Conhecimento do alfabeto (MATO GROSSO, 1962).
O programa traz orientações comuns ao regulamento de 1927, como a
questão do método, apesar de que o regulamento oficializa o método analítico, o
programa aborda o método analítico-sintético (sentença, palavras e sílabas). Parece
146
Programa do Ensino Primário. Secretaria de Educação, Cultura e Saúde, do Estado de Mato
Grosso, 1962. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Impresso.
190
que avança, também, no sentido de conceber que o aprendizado da leitura e da
escrita não ocorre por apenas um processo (análise ou síntese); mas que os dois
processos ocorrem simultaneamente.
Valoriza-se a leitura oral e silenciosa, interpretação; ou seja, parece partir do
princípio de que alfabetização vai além da codificação e decodificação de sinais. A
preocupação é com a frase; de acordo com Possari e Neder (2001), nesse processo,
privilegia-se a competência lingüística, apesar de considerar tão somente a
linguagem padrão; portanto, o que há de distinto é a unidade de análise.
O Grupo Escolar instalou-se em Diamantino num período que, na capital de
Mato Grosso, Cuiabá, provavelmente, já havia consolidado a reforma do ensino
preconizada pelo regulamento de 1927. Porém, a legislação vigente nessa época
era a LDB 4.024/61. Por isso, considerei importante ouvir, também, as professoras
que lecionaram nos primeiros anos de funcionamento desta escola em Diamantino.
Foi possível localizar os diários de classe destas primeiras professoras
primárias
147
. Apesar dos mesmos não revelarem conteúdos foram importantes para
a obtenção de dados sobre o Grupo Escolar, professores e alunos. Desse modo,
realizei a coleta de depoimento de uma delas, Maria de Lourdes Guimarães. Das
professoras dos anos seguintes e dos últimos anos de existência do Grupo Escolar,
foi possível coletar depoimento de duas delas: Helena Pereira Guimarães e Dilza
Vanni Lima, já citada como aluna na escola do item anterior, ambas aposentadas.
Em relação ao vínculo, a professora Dilza diz que “na época, éramos contratadas
pelo estado no mês de fevereiro e íamos receber lá pelo mês de setembro, outubro”.
A respeito do início das atividades nesta escola, a professora aposentada,
Maria de Lourdes Guimarães, de 70 anos de idade, residente em Cuiabá, apesar da
saúde debilitada, se propôs a conversar sobre a época em que lecionou no Grupo
Escolar, contribuindo significativamente com este estudo:
Lecionei no ano, no Grupo Escolar Caetano Dias, irmã Lucinda Facchini
era diretora (...) Eu fui convidada para lecionar na série. Meu esposo era
garimpeiro, ele não queria que eu fosse lecionar, porque achava que eu não
tinha competência. Mas meu compadre, disse vai que você conta, eu
fui. Lecionei até enquanto morei em Diamantino (professora Maria de
Lourdes Guimarães, aposentada, 70 anos, 2005).
147
A consulta a diários de classe (1961 a 1973) foi de extrema importância, pois permitiu, também,
observar quais foram as primeiras professoras que lecionaram nesta escola, as quais apresento
quadro anexo a este trabalho.
191
A formação requerida para exercer a função era o curso normal, mas a
realidade diamantinense, assim como nos demais municípios do interior do estado,
não apresentava condições para o seu cumprimento. A Lei Estadual 2399, de 1965,
previa que a “a falta de professores do quadro das escolas primárias do estado
serão providas por monitores (leigos) contratados por um ano, mediante teste de
eficiência” (art. 9º).
A professora Maria de Lourdes disse que seu esposo alertou “você não tem
competência”, mas ela e outras pessoas acreditaram que seria capaz e, talvez por
isso, foi para a sala de aula e se esforçou, muito mais do que esperava e sabia. O
discurso oficial proclamava um modelo de ensino, que previa uma política de
formação do professor, que antecedesse a sua ida para a sala de aula. Mas a
realidade dos municípios impunha outros critérios; a esse respeito, Lima (2003)
148
sugere indagações como: Quem é o professor? Como se constitui professor?
Porque a sua adesão à profissão? Quais foram as circunstâncias que impulsionaram
a sua ida ao magistério?
A concepção de ensino leigo, viabilizada na esperada “prática inovadora dos
Grupos Escolares” criados no estado de Mato Grosso, pelos normalistas paulistas, a
partir da reforma do ensino de 1910 e a oficialização dos “modernos métodos”, a
partir de 1927, não se concretizava no interior do estado, mesmo após seis décadas,
pois, como diz a professora Dilza, “por incrível que pareça, ainda era raro
professores normalistas nesta época em Diamantino”:
Aqui em Diamantino, a maioria dos professores eram leigos. Então eu
também era, mas procurava atender (...) na individualidade o aluno, quando
eu comecei me lembro que eram vinte e seis alunos (...) na minha turma
(professora Dilza Vanni Lima, 2005).
A formação do professor para o ensino primário, de acordo com a LDB
4.024/61, artigo 52, devia ser realizada em escola normal e tinha por fim “a formação
de professores, orientadores, supervisores e administradores escolares destinados
ao ensino primário, e o desenvolvimento dos conhecimentos técnicos relativos à
educação da infância” (BRASIL, 1961).
148
Trata-se da autora LIMA, Sorahia Miranda de, 2003, citada nas referências bibliográficas deste
trabalho.
192
No início da carreira, é comum sentir-se pouco preparada, para enfrentar as
lutas que travamos no cotidiano da escola, na relação com os alunos e com o ensino
e a aprendizagem; nesse sentido, a professora faz declaração interessante:
(...) a Irmã Lucinda sentou-se um dia, uma tarde toda na minha sala, é que
eu comecei só com uma turma, no próximo ano, eles me deram duas
turmas e ficou observando, aí ela falou: Branca (apelido da professora Dilza)
(...) você já nasceu professora, você não precisa ser observada, eu tenho
que ajudar as outras. Então aquilo reforçou tanto minha vontade de
trabalhar, de produzir cada vez melhor (professora Dilza Vanni Lima, 2005).
As declarações da professora Dilza, evidenciam que a diretora do Grupo
Escolar, Ir. Lucinda Faquini, exercia o papel de mediadora entre o professor e o
processo pedagógico, observando, dirimindo dúvidas, “ajudando”. Alfabetização não
é tarefa única do professor; implica, necessariamente em um trabalho conjunto,
envolvendo todos aqueles que atuam na escola, pois a questão deixa de ser teórico-
metodológica e assume um caráter político e institucional, que conta com formas
efetivas de organização e funcionamento, avaliação e decisão coletiva da instituição.
Pelo que se pode perceber, além do acompanhamento da diretora da escola,
havia os Inspetores de Ensino que continuavam (des)cuidando da fiscalização do
ensino. No dia 4 de abril de 1963, após dois anos de início do funcionamento do
Grupo Escolar, o Inspetor Escolar, da zona em exercício, passa novamente pela
escola e, no mesmo ano, este inspetor retorna a Diamantino, em 05 de outubro de
1963:
(...) encontrei matriculados 244 alunos sendo masculino 140 e feminino 104
frecuencia do dia 24 de acordo com o levantamento que fis em todas as
clases,(...)” (Antonio João de Barros, 1963).
“verifiquei esmero e amabilidade em todas as classes por parte das
professoras e diretora do Grupo Escolar (Antonio João de Barros, 1963).
No dia 23 de abril de 1964, o mesmo Inspetor Escolar, retorna a Diamantino
acompanhado de Eduardo de (ilegível) Ferreira, Auxiliar de Inspetor Escolar, o qual
declara “(...) verifiquei ótimo funcionamento e aproveitamento dos alunos inscritos no
estabelecimento acima, deixando consignadas as melhores impressões”.
O inspetor verifica “ótimo aproveitamento dos alunos do estabelecimento”.
Esse seria o primeiro relatório de inspetor, em suas passagens pela escola pública
193
diamantinense no período estudado, a deixar uma impressão positiva de seu
funcionamento no que diz respeito ao desempenho dos alunos. No Grupo Escolar,
os alunos também precisavam acompanhar as inovações daquela proposta de
escola “moderna”, uma delas era apresentar-se uniformizados, de acordo com o
artigo149º, do Regulamento de 1927, “são deveres primordiaes dos alumnos:
1º) ser assíduos e pontuaes;
2º ser attentos, applicados e obedientes;
3º) trajar-se com asseio e decência;
4º) respeitar aos professores, aos diretores, aos empregados do
estabelecimento; estimar os seus collegas. Conservar o mobiliário e o
material escolar (MATO GROSSO, 1927).
Como vemos na foto 7, parece que os alunos diamantinenses procuravam
cumprir com as exigências, quanto ao uniforme escolar:
FOTO 7: Alunos do Grupo Escolar Caetano Dias, com a professora Marilza Sabo de Oliveira (atrás do
grupo de alunos), 1967. Acervo particular de Marlene Mesquita Barros Castoldi (2ª menina da última
fila da direita para a esquerda), 2005.
Com isso, pode-se inferir que a escola estava cumprindo com os objetivos
propostos, tanto do ponto de vista de sua organização, quanto do desempenho dos
alunos, ao menos do ponto de vista das autoridades escolares. Resta-nos buscar
194
indícios ou vestígios sobre o desempenho por ele declarado: se era relacionado aos
aspectos cognitivos dos alunos, relacionados à aprendizagem dos conteúdos
específicos da alfabetização ou a outras questões similares, que deviam ser
ministrados naquela escola.
Nesse modelo de escola, algumas ações pedagógicas e administrativas
deviam ser ajustadas ao tempo social, segundo Reis (2003, p. 152) “diante da
proibição dos castigos no interior dos grupos escolares, era preciso buscar novos
mecanismos para manter a ordem e a disciplina”. Nesse sentido, segundo esta
autora, surge a figura do diretor, que iria organizar e dar o tom, por meio de sua
performance, manifestava a primazia do modelo de escola pretendido. A primeira
diretora do Grupo Escolar Caetano Dias em Diamantino foi a professora religiosa Ir.
Lucinda Faquini, da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, da
Ordem Jesuíta. Esta professora atuava no magistério diamantinense desde o
extinto Colégio Externato Santa Terezinha.
A partir deste período, 1964, não se localiza mais relatórios da passagem de
inspetores pela escola, provavelmente em razão da criação da a Lei 2399 de 25
de fevereiro de 1965
149
, que definia a criação das Delegacias de Ensino e a extinção
dos cargos de Inspetores de Ensino. As delegacias teriam essa mesma função. Essa
mesma lei institui o cargo de Supervisor Escolar para as escolas primárias. Parece
que começava a ser reconhecida a necessidade do trabalho de acompanhamento
pedagógico para subsidiar a prática do professor.
É importante ressaltar que, no discurso oficial (presidentes, diretores da
instrução, inspetores de ensino) parece silenciar o trabalho dos professores, exceto
em casos em que há insatisfação acerca do emprego dos “novos todos”, ou das
práticas inovadoras tão almejadas e difíceis de serem percebidas, concebidas,
apropriadas. O professor, de acordo com Reis (2003, p. 156) aparece como parte
integrante do sistema, controlado, fiscalizado e ”orientado”, não cabia a ele analisar
condições de trabalho, sua competência, seus problemas, propor soluções”. Esta
autora ressalta, ainda, que nesse período ainda havia um entendimento de que a
149
Haverá uma Delegacia de Ensino com sede no principal estabelecimento de ensino primário de
cada município, classificada a respectiva categoria pelo critério populacional, com as mesmas
atribuições das atuais inspetorias de ensino, que ficam extintas e bem assim os cargos de inspetores
de ensino. Os cargos de Delegado de Ensino serão exercidos por professores que tenham feito o
curso Padrão Supervisão do INEP, nos Centros de Treinamento do Magistério PABBAE ou ORPE
(Art. 3º, parágrafo único).
195
educação era um instrumento de conformação social, produtora de uma visão social
harmônica, ordeira e produtiva.
Busquei saber com as professoras Maria de Lourdes, Helena e Dilza, a que
materiais didáticos recorriam para ensinar na alfabetização, uma vez que esta nova
concepção de escola exigia novas metodologias que, na maioria dos municípios do
estado, ainda era novidade. Obtive as seguintes declarações:
Eu usava a cartilha para ensinar, não me lembro o nome, naquele tempo a
gente não escolhia cartilha, a diretora chegava e entregava o livro para
gente trabalhar, o livro do professor era diferente do livro dos alunos porque
vinha com as orientações para ensinar. Para ir para a sala de aula eu fazia
planejamento para entregar na escola (professora aposentada Helena
Pereira Mesquita, 2005).
Eu utilizava a cartilha “Meus Deveres”. Os alunos tinham cadernos de
caligrafia eu passava no quadro para eles copiarem. Quem orientava a
gente de como ensinar era a diretora da escola (professora Maria de
Lourdes Guimarães, 2005).
(...) vinha cartilhas e vinha material, eu acredito que fosse do Estado, (...)
tinha gravuras, hoje eu vejo os professores fazerem álbum seriado, naquela
época vinha pronto, então aquelas gravuras eram a coisa mais linda, para a
gente fazer dissertação, para desenvolver a redação, hoje é produção de
texto (...) Eu pegava folha de sulfite, partia em tiras, para fazer as palavras
chaves (...) quando eu ia dar a silabação (professora Dilza Vanni Lima,
2005).
Durante a fase de implantação da reforma de 1927, a Diretoria Geral da
Instrução Pública, por meio do Conselho Superior da Instrução blica, sugeriu e
distribuiu cartilhas e livros às escolas, aos professores e aos alunos mato-
grossenses. De acordo com Amâncio:
nas primeiras décadas do século XX se usavam métodos de leitura,
diferentes do modelo adotado anteriormente nas escolas públicas (...) eram
disseminados por meio das cartilhas, que eram as portadoras das idéias e
metodologias que deviam ser seguidos (AMÂNCIO, 2000, p. 236).
A professora Maria de Lourdes, revela que usava a Cartilha “Meus Deveres”,
de autoria de V. Cabral, no Grupo Escolar Caetano Dias, no período correspondente
a meados da década de 1960. Parece que essa cartilha teve um uso bastante
localizado, uma vez que, a seu respeito, não encontrei menção nos estudos de
Mortatti (2000), Maciel (2003) e Trindade (2004), que estudam questões
relacionadas à circulação e uso de cartilhas em São Paulo, Minas Gerais e Rio
196
Grande do Sul. Em Mato Grosso, segundo Amâncio (2000) localiza-se a citação
desta cartilha, junto a outras fornecidas nas décadas de 1920 a 1930, pela Diretoria
da Instrução Pública de Mato Grosso. A cartilha Meus Deveres, especificamente,
aparece sendo usada no ano de 1932. Como se observa neste estudo ainda
continua sendo usada na década de 1960, na escola primária diamantinense.
Como esclarece a professora Helena, “naquele tempo, a gente não escolhia a
cartilha; ou seja, era um material “pré-selecionado”, “autorizado” por alguém a ser
utilizado pelo professor
150
. Provavelmente essas cartilhas, seguindo o pensamento
de Correa (2000) eram portadoras da intenção e projeto de construção e formação
social; a entender o rumo que os governantes escolheram para a educação,
evidenciavam saberes consolidados, reconhecidos como representativos de um
projeto nacional comum.
Aliado a essa prática, mediada pelas cartilhas, propagadoras dos métodos
modernos, era comum o desenvolvimento de atividades relacionadas ao ensino da
linguagem; como aponta Mortatti (2000), faziam parte de uma tradição escolar de
séculos passados, como: caligrafia, cartilha, cópia do quadro negro e outros. Até a
metade do século XIX, essa era uma prática muito exercida nas escolas brasileiras,
com ênfase na ortografia e no desenho correto das letras.
Observa-se, também, por meio do discurso das professoras, que novos
elementos surgem no cenário da alfabetização desta escola; o primeiro deles é o
planejamento. Isto implica pensar que havia um acompanhamento pedagógico,
pelo menos no sentido de orientar que era necessário realizar o registro do conteúdo
a ser ministrado, planejar as aulas, o que até então em nenhuma das outras escolas
havia indícios ou vestígios.
Quanto ao ensino da alfabetização, são mencionadas gravuras; álbum
seriado; joguinho de dominó; fichas com palavras; brincadeiras e cantos. Em Mato
Grosso, desde o regulamento de 1896, as normatizações contemplavam o emprego
do método intuitivo
151
. Esse método foi reiterado nas escolas mato-grossenses por
150
A Fundação de Assistência ao Estudante, do Ministério da Educação - FAE/MEC, programa que
distribui e avalia livros didáticos às escolas brasileiras foi aperfeiçoado a partir de 1996, quando passa
a fazer a análise e avaliação do livro didático. Este trabalho é desenvolvido em parceria com o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE e conhecido como Programa Nacional do Livro
Didático – PNLD (SOARES, 2004, p. 83).
151
O método intuitivo tem base nas ciências naturais e fundamenta-se no pensamento do educador
suiço Johan Heinrich Pestalozzi (1746-1827). Seu pensamento foi difundido no final do século XIX, na
Europa e nos Estados Unidos, como símbolo da renovação e da modernização pedagógica. No
Brasil, foi adotado a partir das reformas de ensino em São Paulo, no final do século XIX, devido ao
197
meio do regulamento de 1910. E a sua oficialização, focando o método analítico
para a alfabetização, ocorreu com o regulamento de 1927, na parte “dos méthodos
de ensino e das prescrições pedagógicas essenciaes”, artigo 9os professores
observarão no seu trabalho educativo, entre outras, as seguintes normas básicas:
- passarão sempre no ensino de qualquer disciplina, do concreto para o
abstracto, do simples para o composto e o complexo, do immediato para o
mediato, do conhecido para o desconhecido;
2º - farão largo uso da intuição;
- conduzirão a classe as regras e as leis pelo caminho da inducção
(MATO GROSSO, 1927).
Observando tais recomendações, era necessário aplicar esses princípios nas
escolas mato-grossenses, por meio de exercícios de intuição, ou “noções de
cousas”, para o contato direto do aluno com objetos, posteriormente as gravuras e
outras experiências concretas. Associados a atividade de leitura e escrita, deveria
perpassar todas as matérias. O ensino “prático”, soava conforme Amâncio (2000, p.
133) “como uma inovação, evidenciando uma apropriação cultural de iniciativas
pedagógicas, as quais representavam dentro e fora do Brasil, a vanguarda em
termos de proposta de formação do homem moderno”.
Discorrendo sobre o modo que costumavam propor o ensino da linguagem a
seus alunos de alfabetização e sobre como eram as aulas de leitura e escrita, as
professoras revelam como e o que ensinavam em suas aulas:
Eu ensinava as vogais depois as sílabas, juntando as sílabas para formar
palavras, eu achava aquele método bom, apesar de que alguns alunos
tinham dificuldades, para esses eu passava mais atividades para casa
(professora Maria de Lourdes Guimarães, 2005).
Eu ensinava como eu aprendi, como a gente aprendia ensinava, começava
ensinar pelas vogais, depois as letras do abc e depois juntar as labas, por
exemplo c + a = ca, s+a = sa, ensinava palavras com essas letras e
fascínio pelo sistema norte americano de ensino. Os princípios definidos por Pestalozzi partiam da
compreensão de que a natureza humana é uma unidade indivisível e o fim supremo da educação é o
desenvolvimento integral e harmônico do ser humano. Três aspectos básicos interligados constituem
esse organismo: o aspecto intelectual; o físico; o moral e ético, levando o a instituir princípios gerais
do método a ser contemplado nos processos de formação e instrução, visando o desenvolvimento
harmonioso do homem. Mediante o sistema de “Lição de coisas” acreditava que a aprendizagem
deveria ser: a) espontânea (extrair das crianças, nascer delas); b) gradativa (do simples ao
complexo); c) do conhecido para o desconhecido; e) do particular para o geral; f) por meio da
impressão sensorial (do concreto para o abstrato). A percepção de objetos pelos sentidos, associada
à palavra seria o ponto de partida de toda a instrução (AMÂNCIO, 2000, p. 131 a 140).
198
depois passava para outras letras. Nesse tempo já havia brincadeiras e
cantos também (professora Helena Pereira Mesquita, 2005).
Eu trabalhava com palavra chave, por exemplo, se eu ia dar o ba, be, bi, bo,
bu, eu apresentava a palavra Bola ou Boneca, eu trabalhava a formação
da família silábica, porque na bola, já tinha uma silaba desconhecida, é o lá,
na boneca, tinha silabas desconhecidas que eram o ne e o ca (...) depois
que eles conheciam, eu fazia joguinho de dominó para formar palavras (...)
boi, oba, baú, baba, bebe, bobo, bebê, antes eu havia trabalhado as
vogais, as junções das vogais (...) não tem sílaba desconhecida, então eu
sempre trabalhei do conhecido para o desconhecido (...)
..........................................................................................................................
(...) trabalhava uns dois dias, no outro dia eu mudava para outra palavra
chave, por exemplo, dava a palavra coco, aí eu já ia juntar cubo, caco, boca,
bico (...) formava palavras soltas (...) fazia ditado (...) passava de carteira em
carteira, mandava um por um na lousa, distribuía fichinhas com palavras (...)
o aluno que tem a palavra boi, a palavra bebê, a palavra babá, se eles
demoravam, a gente fazia brincadeirinhas, fulano achou poucas palavras, a
ninguém queria ficar para traz, (...) quando já tinham um grupo grande de
palavras, iam formar orações com elas e depois formavam pequenos textos
(...) (Professora Dilza Vanni Lima, 2005).
Os dados são muito significativos e reveladores, as professoras declaram que
achavam o todo bom (Maria de Lourdes), ensinavam conforme aprenderam
(Helena), trabalhavam com “as vogais depois sílabas, depois palavras” (Maria de
Lourdes e Helena), indicativos da apropriação de uma forma de ensinar que vinha
sendo exercida em outras épocas na escola primária diamantinense, uma vez que
estudaram nesse mesmo contexto.
É possível perceber que as professoras ainda utilizavam os princípios do
método sintético
152
, que de acordo com Micotti (1970, p. 48-9) “refere-se ao
processo mental da criança de combinação dos componentes elementares da
linguagem: som das letras e das sílabas em unidades maiores, que podem ser
palavras, frases ou textos”.
Na base dos métodos tradicionais, todos partem do alfabeto. Segundo
Mialaret (1968, p. 26), no método sintético “a idéia é levar a criança a fixar um
número elevado de letras, sílabas e sons que nada significam, porque esses
elementos não são acompanhados de qualquer idéia que lhes suporte”. Para
esse autor, é o mesmo que querer fazê-la conhecer um objeto, no caso uma blusa,
mostrando-lhe separadamente, as mangas, os bolsos, os botões e não o conjunto.
152
De acordo com o relatório da XII Conferência da UNESCO (1949, p. 25) o ensino pelo método
sintético inicia-se com os elementos da língua: as letras ou os sons, focalizados isoladamente ou
tomados como parte integrante das sílabas. Em seguida mostra-se ao aluno como realizar a síntese,
por meio de exercícios apropriados e sistemáticos, para a decifração e da leitura das palavras
inteiras, frases ou textos.
199
As declarações da professora Dilza confirmam que ela trabalhava
diferentemente, com “palavra chave”, para decompor em sílabas, costumava ir do
“conhecido para o desconhecido”, ou seja, utilizava termos próximos das crianças
para formar novas palavras e depois orações e textos. Nota-se que a professora
parte do princípio do método analítico, onde segundo Possari e Neder (2001) a
unidade básica de linguagem é a palavra; ou seja, havia um alargamento nesse
processo. Esse procedimento muda em relação ao que se usa/usava até pouco
tempo, tendo como pretexto a palavra para dar início à silabação. Os dados indicam
que a professora fazia outro caminho para ensinar; ou seja, à palavra que escolhia
para trabalhar eram acrescidos outros procedimentos e instrumentos, como
fichinhas, jogos e brincadeiras, para a formação de um repertório de palavras que
eram utilizadas para formar frases e outros. Para melhor esclarecer, recorro a Micotti
a qual ressalta que:
O processo da palavração parte do pressuposto de que cada palavra tem
uma forma característica que possibilita o seu reconhecimento, são
geralmente escolhidas de forma a apresentar todos os sons da língua e a
ordem de dificuldades é geralmente planejada, a fim de possibilitar a
aprendizagem rápida, pois a atenção da criança é orientada para as
sílabas, letras e sons, ou seja, é realizada a análise das palavras em seus
elementos constitutivos (MICOTTI, 1970, p. 84).
Ambos os métodos (silabação ou palavração), segundo Miaralet (1968, p. 22)
“procuram fazer a criança compreender a existência de uma certa correspondência
entre os símbolos da língua escrita e os sons da língua falada”. Para tal, um começa
pelo estudo dos símbolos (sons elementares), enquanto o outro, pelo contrário,
coloca a criança perante a linguagem escrita o complexa quanto possa se
apresentar.
Em relação às mudanças que ocorreram durante o tempo em que lecionaram
no Grupo Escolar Caetano Dias, a quê relacionam tais mudanças e, ainda em que
contribuíram para a sua prática na alfabetização, as professoras dizem que:
Na época do governo Pedro Pedrossian, os professores tiveram que fazer
um ano de curso em Cuiabá, aprenderam muita coisa, como confeccionar
cartazes e fazer experiência com semente de feijão. E quando irmã Marlene
chegou na escola, também quis que mudássemos a maneira de ensinar
utilizando a coordenação motora, fazendo as letras no ar e depois no
caderno, tudo emendado aaaaaa e com cartazes. Isso no último ano em que
lecionei em 1971 (professora Helena Pereira Mesquita, 2005).
200
(...) quando comecei a trabalhar, não existia método pronto e acabado, a
gente tinha cursos de capacitação, então a reforma do ensino para nós aqui
no interior começou a funcionar, você sabe quando uma mudança, (...)
veio irmã Marlene aqui para Diamantino (...) havia aprendido métodos mais
inovados (...) em Cuiabá, em Campo Grande (...) para nós aqui começou a
funcionar mesmo no ano de setenta e três por aí, que foi colocado mesmo,
em prática (...). Eu fui professora alfabetizadora dezoito anos consecutivos
com duas turmas, matutino e vespertino, eu nunca peguei uma sala para
falar essa turma passou pela pré-escola (...) então eu sempre ficava com os
alunos que não sabiam nem pegar no lápis, tinham a mão durinha, ia brincar
com eles, com vasilhas, com areia, para desenvolver a coordenação motora,
fazia exercícios, ensinava música, gesticulando com as mãos (...).
..........................................................................................................................
antes da reforma do ensino (...) que aconteceu em setenta e um, que é a Lei
5.692, então tinha primeiro ano A, primeiro ano B e primeiro ano C. Eu
comecei com o primeiro ano A, que era a série que a criança não tinha
preparo nenhum, para mim no começo foi muito difícil, até porque eu não
era habilitada naquela época (professora Dilza Vanni Lima, 2005).
De acordo com Amâncio (2000), com a implantação da reforma normatizada
pelo Regulamento da Instrução Pública Primária em 1910, introduz-se, em Mato
Grosso, orientações metodológicas sobre o ensino de leitura e da escrita, até então
não abordado desse modo. Regulamentos anteriores e relatórios de inspetores ou
de diretores da instrução pública apresentavam preocupações mais gerais. Desse
modo, a metododização do ensino da leitura merece maiores detalhes somente a
partir dessa reforma e se estende provavelmente até 1951 passando pela reforma
de 1927, ano em que é oficializado.
Em Diamantino, de acordo com o depoimento das professoras, na década de
1970, é que esse tema começa a fazer parte das discussões na escola primária e,
provavelmente, a prática também começava a mudar. A professora Helena relaciona
algumas mudanças com a chegada de uma professora, Irmã Marlene,
provavelmente com mais experiência. A professora Dilza relaciona as mudanças à
introdução da LDB 5.692/71 e, à atuação da mesma professora, que teria vindo
da capital e sugeria um novo método.
Até esse período, a prática nas salas de alfabetização tinha como objetivo
levar o aluno ao domínio do código. Observa-se que o professor se depara muitas
vezes com o desconhecido, com o imprevisto. Lima (2003)
153
considera que o
trabalho docente é permeado por múltiplas dimensões: sociais, culturais,
153
Trata-se da autora LIMA, Sorahia Miranda de, 2003, citada nas referências bibliográficas deste
estudo.
201
econômicas, religiosas e políticas; e cada um encontra um modo singular de resolver
as situações complexas que surgem na dinâmica deste trabalho.
Há, também, nesse período, um movimento na direção de tornar o aluno mais
hábil para os usos lingüísticos, seja na linguagem oral ou escrita, valorizando mesmo
que timidamente a interpretação, incluindo a inserção de novos recursos materiais
neste trabalho. Possari e Neder (2001) ressaltam que os conhecimentos das
ciências lingüísticas começavam a influenciar e a exigir um redimensionamento das
questões da alfabetização, extrapolando aspectos mais conhecidos como os
relacionados apenas à metodologia de ensino que nem sempre enfatizava
elementos mais sofisticados como as relações entre pensamento e linguagem,
oralidade e escrita, conceitos de leitura entre outros.
Até os anos 70, como vemos, os municípios do estado ainda não haviam
conseguido mudar o difícil quadro em que se encontrava o ensino; tentativa iniciada,
com os primeiros Grupos Escolares, pois, como ressalta Amâncio (2000, p. 93),
naquela época “vinham se esforçando para implementar uma pedagogia de caráter
científico e racional, a partir dos ideais republicanos”.
De acordo com o Registro Geral de Matrículas do Grupo Escolar, em
Diamantino
154
, em 1970, havia 420 alunos; em 1971 423 alunos; em 1972 478
alunos, o que demonstra que o número de alunos foi gradativamente aumentando.
Como vemos, as mudanças ocorreram lentamente, após a reforma de 1927,
com a oficialização do método analítico que tem uma longa duração (pelo menos
nos documentos oficiais!). vestígios ou indícios da coexistência dos métodos
sintético e analítico para o ensino da leitura nos relatos orais das professoras sobre
a concretização de suas práticas. Percebe-se uma estreita relação entre tradição
(ARENDT, 1968) e inovação na prática pedagógica, muito comum na educação de
modo geral, e, especialmente, em alfabetização.
Diferentemente dos primeiros grupos escolares, fundados no Brasil, conforme
(Souza, 1998)
155
nos grandes centros, foram chamados de “Templos de Civilização”
e, em Mato Grosso de “Palácio da Instrução”, os quais segundo Reis (2003, p. 167)
154
Registro Escolar Modelo I Matrícula, Professores e Aparelhamento Escolar. Ensino Primário.
Grupo Escolar Caetano Dias. Rua Coronel Fanchét. Diamantino MT. Arquivo da Escola Estadual
Plácido de Castro, 2005.
155
Sobre estudo dos Grupos Escolares no Brasil, especialmente no estado de São Paulo, remeto o
leitor aos estudos de SOUZA, Rosa Fátima de, autora do livro Templos de Civilização, publicado pela
UNESP, em 1998.
202
156
“eram imponentes edifícios, palácio-escola, estilo neoclássico, sintetizavam o
projeto político atribuído à educação popular: “convencer, educar, dar-se a ver!”.
Os grupos escolares, distribuídos pelo interior do estado de Mato Grosso,
enfrentaram muitas dificuldades, segundo a autora citada, como: falta de verbas;
más condições físicas (em prédios de adobe); falta de manutenção; falta de
materiais escolares; falta de professores formados; baixos salários; dificuldades para
assimilar e empregar a nova metodologia. Em Diamantino, observa-se indícios ou
vestígios das mesmas dificuldades no Grupo escolar Caetano Dias: além do prédio
de adobe, faltava espaço para que pudesse abrigar todas as salas da escola; pois,
segundo o relato da professora Dilza, as salas ficavam “esparramadas” em prédios
diferentes, ou seja, não foi construído um prédio destinado a este fim.
Pela LDB em vigência nesse período, a Lei 4.024/61, após o término do curso
primário, para ingressar na educação de grau médio, curso ginasial e colegial, o
aluno deveria ter onze anos, no mínimo e, passar por um processo seletivo, o exame
de admissão. O ciclo ginasial era dividido em ramos de ensino, sendo ministradas
nove disciplinas obrigatórias e outras optativas.
Nesse período como ficavam os estudos da população diamantinense, após o
término do ensino primário? De 1965 a 1967, o curso ginasial começou a ser
oferecido pelo Ginásio Conceição, no Seminário Jesus, Maria e José, da Prelazia de
Diamantino, destinado à educação de meninos.
156
O estudo de Reis (2003), dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de Mato
Grosso, dedica um capítulo a estrutura arquitetônica dos primeiros Grupos Escolares de Mato Grosso
(p.189 a 204).
203
Foto 8: Alunos da primeira turma do Ginásio Estadual Conceição de Diamantino, 1968. Acervo
particular da professora Helena Pereira Mesquita, 2005.
Esse curso oferecia formação sica e preparação para o sacerdócio, atendia
também alunos de diversos municípios da região em regime de internato. Somente a
partir de 1968 passa à responsabilidade do estado, com a denominação de Ginásio
Estadual Conceição de Diamantino, oferecendo o curso ginasial a ambos os sexos,
em regime de externato, ou seja, estendendo-se aos jovens da comunidade em
geral
157
.
O Grupo Escolar Caetano Dias, modelo almejado de escola moderna,
funcionou em Diamantino apenas por 12 anos, quando se uniu ao Ginásio Estadual
Conceição de Diamantino, que teve também a curta duração de 6 anos. Em 1973,
157
Segundo Shaeffer (2002, p. 153) “o curso de ginásio começou a funcionar oficialmente no mês de
março do ano de 1965, no prédio do Seminário, no Sítio Caramba, com o curso de Admissão e com
1ª, 2ª, e séries do ginásio, funcionou em regime de internato, até 1967. A criação do Ginásio
Estadual “Conceição de Diamantino”, ocorreu em 11 de junho de 1968, de responsabilidade do
estado. O Ginásio passa a funcionar na cidade, em 1970, no prédio que foi sede da Prefeitura
Municipal e posteriormente, ocupado pelo INCRA”.
O quadro administrativo da escola foi composto por cinco profissionais: um diretor, um secretário, um
inspetor de alunos; um porteiro e um contínuo e o quadro pedagógico ficou composto por doze
professores, conforme quadro anexo nº 09 (Livro de Registro dos Seminaristas do Ginásio Conceição
de Diamantino (férias, missas, passeios, merenda, campeonatos, anúncios, curiosidades,
informativos, aulas, disciplina, sabatina e outros), 1964 a 1968. Arquivo da Escola Estadual Plácido
de Castro, 2005.
204
estas escolas são extintas com a criação da Escola Estadual “Plácido de Castro”,
escola que, desse peodo em diante, vem contribuindo para a formação de alunos
do ensino básico, tanto do município como da região, a qual será apresentada no
próximo item deste trabalho.
Como foi possível observar pelo discurso das professoras, alguns aspectos
foram incorporados à cultura escolar no contexto do Grupo Escolar, outros
referentes ao cotidiano da sala de aula permaneceram, com alguns acréscimos ou
adaptações. Esta seletividade opera no sentido de uma decantação e de uma
cristalização, segundo Forquin (1992, p. 29) “perdura vindo a enriquecer o tesouro
comum dos homens, aquilo que as gerações produzem de mais forte, de mais
original e de mais incontestável, que a escola tem justamente por papel identificar,
de consagrar e de transmitir”.
Compreender os processos de ensino da alfabetização, vivenciados numa
instituição escolar, como a que se intentou fazer neste item, é uma forma de
“garimpar”, o como, ocorreu o fenômeno educativo e, sobretudo, das representações
sociais construídas em torno desse processo. Busquei pequenos indícios ou
vestígios, procurando fugir um pouco do caráter meramente normativo, buscando
possíveis interpretações para este passado, em sua concretude, em que se inserem
as apropriações e singularidades dos sujeitos, que vão se agrupando para
corroborar com algumas assertivas, portanto é apenas uma possibilidade de
construção de sentido sobre uma história que em seu movimento abarca mudanças
e também permanências.
205
ESCOLA ESTADUAL DE GRAU “PLÁCIDO DE CASTRO”: NOVOS
TEMPOS
“O passado pode permanecer presente, sob forma implícita ou latente, incorporado em habitus
intelectuais, em modelos de pensamento, em procedimentos operatórios considerados como naturais
e evidentes, em tradições pedagógicas”.
(Forquin, 1992)
“E eu gostaria, por fim, (...) que a escola fosse esse espaço onde se servem às nossas crianças os
aperitivos do futuro, em direção ao qual os nossos corpos se inclinam e os nossos sonhos voam....”.
(Rubem Alves, 2000)
206
Figura 20: Capa e folha inicial de diários de classe da Escola Estadual Plácido de Castro, 1973.
207
3.6 - Escola Estadual Plácido De Castro: novos tempos...
Como se pode perceber, foi um longo caminho percorrido para se chegar à
criação das escolas estaduais em todo o estado, como a Escola Estadual Plácido de
Castro
158
em Diamantino. As formas de organização desses espaços escolares, os
materiais usados, os sujeitos da época movimentando-se ininterruptamente alunos
agrupados de outros modos, professores enfrentando desafios do contexto sócio-
cultural, buscando qualificação, de acordo com o que lhes permite as normatizações
e as circunstâncias as cartilhas e livros circulando, sendo revistos, os métodos
sendo discutidos em bases mais modernas. o histórias que vão se tecendo e que
permitem leituras daquilo que vai transcorrendo no tempo. São marcas de mudanças
conceituais, que vão surgindo à medida que a sociedade também muda; tudo isso
permite, conforme Chartier, (2002, p. 26) “configurações sociais múltiplas, que
marcam de forma perpetuada a existência dessa sociedade”.
Para empreender esse percurso, foi importante e necessária a realização de
uma breve retomada do processo histórico do ensino da alfabetização nas escolas
primárias antigas e extintas do município de Diamantino, apresentadas em itens
anteriores: Escolas Isoladas Rurais Mistas, Escola Urbana Masculina e Feminina,
Colégio Externato Santa Terezinha, Escola Reunidas Major Caetano Dias e Grupo
Escolar Caetano Dias. Estas escolas foram sendo agrupadas; posteriormente
extintas, encerrando-se com a criação da Escola Estadual Plácido de Castro.
Procurei, nesse percurso, compreender indícios ou vestígios do modo como ocorreu
o ensino da alfabetização por elas oferecido, estabelecendo um diálogo com as
normatizações e também com aspectos do contexto social e cultural diamantinense.
A Escola Estadual Plácido de Castro, por ser resultado de várias
transformações, guardou parte da documentação referente às escolas anteriores. A
partir desses documentos, foi possível uma aproximação a alguns aspectos da
história do ensino da alfabetização ocorrido nessas escolas, as quais
desempenharam papel importante para a formação da população municipal e
158
Esta Escola foi criada com a denominação Escola Estadual de Primeiro Grau Plácido de Castro,
sendo substituída posteriormente por Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Plácido de
Castro e, atualmente, denomina-se Escola Estadual Plácido de Castro.
208
regional, no oferecimento da educação escolar primária, ressalvando-se os
percalços e possíveis avanços encontrados nesse percurso.
Foi no ano de 1973, pelo decreto estadual 1540, que o Ginásio Estadual
Conceição de Diamantino, assim como o Grupo Escolar Caetano Dias, passaram a
constituir uma única instituição escolar, com a criação da Escola Estadual de
Primeiro Grau Plácido de Castro
159
. Desse modo, o ensino formal em Diamantino,
passa a atender os níveis primário e ginasial, com uma nova organização e sob a
direção de uma professora religiosa, Ir. Maria Mora. Este processo de mudança da
escola acontece concomitantemente com a expansão da fronteira agrícola no
estado
160
. Provavelmente, a escola passa a oferecer maior acesso à clientela
escolar, também em crescimento.
Mas uma questão relacionada à substituição do nome desta escola
permanecia sem respostas
161
. Muitas pessoas, tanto da educação do município,
quanto da comunidade, se perguntavam sobre as razões da troca do nome que
vinha desde a Escola Reunidas Major Caetano Dias, passando posteriormente ao
Grupo Escolar Caetano Dias, uma vez que o nome referia-se a uma pessoa que
teria sido homenageada, como ressalta Silva (1993, p. 70)
162
“por ser um ilustre
diamantinense”.
Uma possível explicação é dada por Gonçalves (2000, p. 105) ao abordar
caso semelhante ocorrido no município de Vila Bela da Santíssima Trindade,
também na década de 1970, contextualizando o fato ao momento político em que o
país vivia, a ditadura militar. “Todas as escolas construídas em Mato Grosso, neste
período, têm a mesma arquitetura e, sobretudo, receberam nome de generais,
governadores ou pessoas influentes que tinham sido úteis ao regime militar”.
Segundo essa autora, as escolas criadas nesse período em Mato Grosso, que não
159
A escola inaugura prédio novo denominado Centro Educacional, na avenida Municipal, para o qual
transfere-se. No antigo prédio de dois andares passa a funcionar a Prefeitura Municipal (MATO
GROSSO, 1978, p. 84).
160
Nesse período, Diamantino recebeu grande contingente de migrantes vindos de várias regiões do
país e do próprio estado de Mato Grosso, direcionados a ocupar os espaços tendenciosamente
considerados “vazios”, terras que podiam ser adquiridas a preços relativamente baixos, uma vez que
o proprietário era o próprio estado, interessado em incentivar a ocupação por meio da venda maciça
de terras. Esse processo foi reforçado com o asfaltamento da BR 364, ligando Cuiabá a Porto Velho,
transformando essa região numa área de produção destinada ao mercado e de fácil escoamento
(BARROZO, 2002).
161
Até mesmo na obra de Adelino Dias da Silva (1992, p. 22), filho de Major Caetano Dias, não
explicações para este fato, o autor confessa ignorar o motivo que levou a substituição do nome da
escola.
162
Trata-se do autor SILVA, Adelino Dias, citado nas referências bibliográficas deste trabalho.
209
têm nome de militares, têm nome de padres e freiras que, de algum modo, pelo
trabalho missionário ou por influência de algum bispo junto aos governadores, têm
seus nomes gravados nas escolas, como uma forma de preservação da sua
memória e da significação social da igreja hegemônica.
O nome dado à Escola Estadual Plácido de Castro provavelmente segue essa
mesma lógica, presente na cultura escolar brasileira, pois, de acordo com Lima
(1952)
163
, José Plácido de Castro
164
prestou serviços patrióticos no estado do Acre e
hoje tem o seu nome gravado na galeria dos Heróis Nacionais, em Brasília, ao lado
de Tiradentes, D. Pedro I, Zumbi dos Palmares e Deodoro da Fonseca
165
. Este
“herói nacional”; recebeu, também, homenagem em Diamantino, depois de 65 cinco
anos de sua morte.
Desse modo, em 1973
166
, a Escola Estadual Plácido de Castro inicia a sua
tarefa de oferecer o ensino primário e ginasial à população do município de
Diamantino e da região. De acordo com as recordações de pessoas que estudaram
nesta escola, neste período, ela era famosa por seus festejos e comemorações,
como aniversário da cidade e independência do Brasil, com os tradicionais desfiles,
comuns nas escolas da época. Apresento a Foto 9 para ilustrar os dados:
163
Trata do autor LIMA, Cláudio de Araújo, 1952, citado nas referências bibliográficas deste trabalho.
164
José Plácido de Castro é filho, neto e bisneto de militares, nascido em São Gabriel, Rio Grande do
Sul, no dia 9 de dezembro de 1873. Quando cadete participou da Revolução Federalista, na qual
combateu pelos Maragatos - denominação dos participantes da Revolução Federalista de 1893 no
Rio Grande do Sul, tendo chegado ao posto de Major. Terminada a revolução, não aceitou a
incorporação ao exército, preferindo tentar a fortuna, na Amazônia. Desembarcou no Acre para liderar
uma tropa composta por seringueiros e seringalistas que sonhavam com a regularização da terra.
Naquele estado chefiou a revolução que tornou o Acre independente da Bolívia em 1903. Por
divergências com os agentes do governo federal, conseqüência das disputas locais pelo poder
político, pela posse da terra e pelo controle tributário da produção, foi vítima de uma tocaia no dia 8
de agosto de 1908, vindo a morrer no dia 11 de agosto de 1908 (LIMA, 1952).
165
Projeto de Lei 3.364 de 2000, do Senador Tião Viana, do Partido dos Trabalhadores do Estado
do Acre.
166
Era governador do estado, nessa época o advogado José Manuel Fontanillas Frageli que
administrou Mato Grosso de 15/03/1971 a 15/03/1975.
210
Foto 9: Alunos da Escola Estadual Plácido de Castro, em desfile de comemoração da Independência
do Brasil, na rua da Igreja Matriz em Diamantino, na década de 1970. Acervo da Escola Estadual
Plácido de Castro, 2005.
Parece que desde o início de seu funcionamento, a escola foi bem integrada
com a comunidade escolar. Em relação ao ensino primário oferecido no início de sua
constituição, as aulas ainda começavam no mês de março e iam até novembro; as
classes eram de ensino misto; as salas de alfabetização variavam entre 30 a 35
alunos.
Um aspecto que merece destaque é que no primeiro ano de funcionamento
desta escola, havia 4 classes de primeira série, com número de alunos relativamente
alto; enquanto que das demais séries havia apenas uma turma de cada rie. Havia
mais alunos de alfabetização do que de outras ries, evidenciando, claramente, um
fenômeno que perdura na educação brasileira, à medida que se avança na
escolarização, constata-se número menor de alunos. O Quadro 17 mostra,
respectivamente: professoras, número de alunos e rie, referente ao primeiro ano
de funcionamento da escola:
211
Quadro 17 PROFESSORAS, DE ALUNOS e SÉRIE DA ESCOLA ESTADUAL PLÁCIDO DE
CASTRO, 1973.
PROFESSORA Nº DE ALUNOS Nº DE ALUNOS
Dilza Vanni Lima 24 alunos ‘serie
Hilda Lídia de Arruda 33 alunos série
Narcisa R. Silva 25 alunos 1ª série
Palmira P. de Arruda 37 alunos 1ª série
Nilce Pereira Régis 30 alunos 2ª série
Odete Vieira de Barros 24 alunos 3ª série
Carmelita Abreu 30 alunos 4ª série
Fonte: Diários de classe das professoras primárias da Escola Estadual Plácido de Castro, 1973.
Esse fato pode também ser associado, com a devida cautela, aos avanços
processados no interior do ensino primário, mediante um movimento em direção a
ampliação quantitativa da escola primária que com a lei 5.692/71, traduz-se no
direito à escolarização pela camada popular, que segundo Soares (1991, p. 117)
“altera a clientela da escola pública, que até então atendia um número reduzido de
alunos. O que pode gerar um desempenho indesejado, a evasão e a repetência,
justamente nos primeiros anos de escolaridade”. Essas mudanças ocorridas
tentavam acompanhar as transformações no cenário nacional, sendo necessário
romper com formas antigas de conceber a educação blica primária que se
estende a uma camada bem maior da população.
É importante ressaltar também, que nesta época, ainda eram poucas as
professoras da rede estadual de ensino, com formação em magistério que
lecionavam em Diamantino. Das professoras que lecionaram no primeiro ano de
funcionamento desta escola, para série, foi possível contar com a colaboração da
professora Narcisa Rodrigues da Silva, de 57 anos de idade, aposentada
167
. E com
167
A professora Narcisa iniciou a sua carreira no magistério no ano de 1971, em classes de
alfabetização, no extinto Grupo Escolar Caetano dias. Estudou a alfabetização em Diamantino, na
Escola Reunidas Major Caetano Dias, aos sete anos, em 1955, com a professora Nilce Pereira Régis.
O método era do A, B, C. Do primeiro ano A pulou para o C. No primeiro A, fazia as primeiras
letrinhas, a professora pegava na mão, juntava as sílabas e palavras. A leitura propriamente foi no
primeiro ano C, ali aprendeu a ler e escrever. O curso ginasial iniciou no Ginásio Conceição de
Diamantino, mas teve que interromper para ir trabalhar e cuidar de seus pais. Foi estudar novamente
quando estava lecionando, fez o curso ginasial pelo projeto Madureza, teve como professor de
Português o Dr. Gilmar Ferreira Mendes e de Matemática, Pedro Aires. O curso de Magistério, fez
durante as férias, em Arenápolis, pela Secretaria de Educação, com duração de três anos. O curso de
212
a colaboração da professora Rosa Maria de Lima, de 62 anos de idade, aposentada.
Esta professora foi lecionar na Escola Plácido de Castro, um pouco depois, no ano
de 1975
168
.
É curioso observar, pelo registro nos diários de classe das professoras
desta escola que, mesmo trabalhando com as classes mistas, a lista de alunos
aparece, ainda, separada por sexo, sendo primeiro a lista dos meninos, seguida
de um breve espaço e, então, a lista com o nome das meninas. Seria por força do
hábito das professoras? Ou porque o agrupamento na sala era distinto? Seria
uma exigência superior? A idéia da separação dos alunos por sexo continuava,
mesmo que na lista de freqüência? A figura 21, mostra a forma como a escola
registrava a lista de alunos matriculados e as professoras lançavam a freqüência
e as notas dos alunos:
Figura 21: Folha de freqüência de diário de classe de professoras da Escola Estadual Plácido de
Castro, 1973.
Pedagogia, fez na época do Prefeito Darcy Capistrano, pela UFMT, foram trezentos candidatos
(professores), para cinqüenta vagas, eram professores de toda a região. A professora fez também
uma especialização em nível de lato sensu.
168
A professora Rosa Maria estudou o primário e o ginásio quando morava em Várzea Grande, na
escola Pedro Gardez, nesta mesma escola posteriormente foi professora de alfabetização durante 4
anos. Fez um ano do curso Normal, no Liceu Cuiabano, em Cuiabá. Terminou o Magistério de Férias
na escola Pedro Pedrossian, no município de Rosário Oeste e fez o curso de Pedagogia em Jales-
SP, ambos quando estava residindo em Diamantino. Quando chegou em Diamantino em 1971, foi
lecionar na extinta Escola Rural Mista do Macuco, onde permaneceu lecionando até 1994.
213
Nessa época, a professora Rosa Maria, havia concluído o primeiro ano do
curso de magistério. Já a professora Narcisa, havia apenas começado o curso
ginasial e interrompido ainda no primeiro ano, por problemas familiares; portanto,
quando começou a lecionar não possuía formação. A professora revela “trabalhei no
início (1971 e 1972), com a série. Em 1973, fiquei numa sala anexa à
capelinha (Igreja de São Benedito): era extensão do Plácido de Castro; depois essa
sala passou lá para escola, nessa época a escola era menor, depois foi crescendo”.
Segundo a professora, ela ensinava de acordo com as orientações que
recebia:
(...) através dos cursinhos do pessoal de Cuiabá, tinha que se preparar,
quando começava o ano, primeiro recebia esse treinamento. Mas bem no
começo (1971) eu ensinava através da soletração, trabalhei no começo
com o A, B, C, depois B - A BÁ, cheguei e fiz assim no começo, foi mais
fácil, por exemplo, falava bo-ne-ca, tinha a sílaba BO, do ba, be, bi, bo, bu,
NA, ne, ni, no, nu, CA, do ca, co, cu, tinha feito essa laba, bo, da
família do b, então pegava a família do ne e a família ca, juntava a
palavra “Boneca”, fazia ditado assim. quando eles começavam a
entender era uma maravilha, eram palavras simples, como “navio”, eram
palavras de livre acesso, já vinham na cartilha (professora aposentada,
Narcisa Rodrigues da Silva, 57 anos, 2005).
O método alfabético, de marcha sintética, segundo Braslavsky (1971, p. 53)
“parte dos elementos simples da língua, as letras; aplica-se nesse processo a
soletração para exercitar o treino oral das letras”. Nesse sentido, a professora
Narcisa, buscava como disse “no começo” de sua carreira, uma forma de levar os
alunos à decodificação dos símbolos gráficos: ensinar a língua era uma tarefa
técnica, em que a criança vai recebendo pouco a pouco elementos da linguagem
escrita.
De acordo com a LDB 5.692/71, em vigência nesse período, a matéria
“Comunicação e Expressão”, assim como os demais componentes do núcleo comum
do currículo para as séries iniciais, dirigia-se à educação geral, conforme parecer
853/71, devia valorizar experiências concretas para o ensino e constituía-se de:
Leitura
Escrita
Comunicação oral (fala e escrita)
Ortografia
Gramática
Caligrafia
214
Comunicação escrita pessoal
Literatura (BRASIL, 1971)
O artigo 4º desta lei prescreve que as atividades para as séries iniciais
deverão desenvolver-se “mediante experiências vividas pelo próprio educando, no
sentido que atinja, gradativamente a sistematização de conhecimentos”. A escola
nesse período oferecia aos alunos algumas matérias, na parte diversificada do
currículo, em atendimento ao art. 7º da mesma lei, como “Práticas do lar” e “Práticas
Comerciais”, como mostra a foto 10:
Foto 10: Alunos em aula de Práticas Comerciais (confecção de carrinhos de madeira) na oficina no
antigo prédio do Grupo Escolar Caetano Dias e alunas em aula de Práticas do Lar. Década de 1970.
Acervo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005.
A escola procurava, assim como as demais escolas públicas do estado,
incorporar o discurso oficial, regionalmente localizado, no sentido de educar
integralmente o aluno. Este pensamento sintetiza também as aspirações de uma
política nacional de educação, planejada para preparar o cidadão, para uma
sociedade onde a industrialização era crescente.
Uma questão que se observa na fala das professoras entrevistadas é que
havia também uma preocupação com a “preparação” do professor, por meio de
“treinamentos” ou “cursinhos”; era, de certa forma, necessário reverter a ineficiência
da escola pública primária, representando uma tentativa de mudança na forma de
organizar o ensino e a prática escolar, dando ênfase aos aspectos pedagógicos
inerentes a este trabalho.
Elas recordam-se de como foi o seu processo de formação, no curso de
magistério e depois no curso de pedagogia:
215
No magistério de férias (em Rosário Oeste), na Escola Pedro Pedrossian,
vinha tudo lá de Rondonópolis, (...) foi muito diferente, (...) já começa com o
aluno escrevendo palavras, (...) outros já davam livros (....) eu aprendi
aquele “Método de Montessori” (...) você fazia todos aqueles trabalhinhos,
começava com o alfabeto (...). Não tinha os desenhos, não tinha esse
negócio de fazer abelhinha, coisa e tal, não era assim, você entrava
direto no ABC, no alfabeto, na formação de sílaba (...) não tinha nada de
fazer abelhinha para falar que era a letra A. Eu entrei em contradição (...)
tive que reaprender, porque quando eu estudei, estudei ano A, ano B,
ano C, fizemos primeiro as letras tudo bem bonitinhas, a caligrafia das
letras, das sílabas, então se formava palavras (professora aposentada
Rosa Maria de Lima, 2005)
O Magistério ajudou muito a gente, apesar dos cursinhos que fazíamos,
ajudou a trabalhar com aluno na sala de aula, (...) foi defendido a maneira
do método concreto, que você tinha que trabalhar com a criança (...).Na
primeira série A, nos primeiros dois meses, quase não escrevia,
manipulando material, fazia oficina de letras, depois mostrava como
escrever (...). o ensino na pedagogia foi mais geral (professora Narcisa
Rodrigues da Silva, 2005).
O processo de aprender e ensinar e de aprender a profissão docente, ou seja,
de “ser professor”, conforme sugere Lima (2003)
169
, é um processo de longa duração
e não tem um tempo de término estabelecido a priori. Como se observa, não foi
tarefa fácil para a professora Rosa Maria, que buscava referência para sua prática
alfabetizadora, no seu processo de alfabetização e na formas de ensinar que
aprendeu no curso de Magistério. Esta professora sintetiza o que era mais comum
acontecer no ensino da alfabetização naquele período, “quando aprendi (na
alfabetização) entrava direto no alfabeto, depois formação de sílaba. No magistério
entrava direto nas palavras”.
As declarações da professora mostram que havia um trânsito entre método
sintético (das partes para o todo) e método analítico (do todo para as partes),
mudando a unidade de linguagem tomada como ponto de partida para o ensino da
leitura. Mas conforme Possari e Neder (2001) apesar dessas diferenças pode-se
concebê-las como de uma mesma matriz explicativa, essa concepção percebe a
linguagem como meio objetivo para a comunicação.
169
Trata-se da autora LIMA, Sorahia Miranda de, 2003, citada nas referências bibliográficas deste
trabalho.
216
A polarização centrada na escolha e na eficácia dos métodos prevaleceu no
Brasil até os anos 80, do século XX
170
. Conforme Soares a partir deste momento:
a discutida mudança radical de paradigma conceitual ocorrida, na área de
alfabetização, rejeitando a dicotomia análise/síntese, como explicativa do
processo de aprendizagem da língua escrita, rejeita também, coerentemente,
os métodos de alfabetização fundamentados nessa dicotomia. Mas busca
outros paradigmas metodológicos (...) (SOARES, 2004, p. 92-4).
A professora Narcisa relata que “tinha que trabalhar com a criança,
manipulando material, com oficina de letras”, observa-se indícios ou vestígios de
uma apropriação de outras formas de ensinar provavelmente ainda por influência da
Escola Nova, mas muito parecido com o que preconizava o princípio intuitivo, tão
proclamado nos regulamentos da instrução pública de Mato Grosso desde os
regulamentos de 1896, 1910 e 1927, em que a aprendizagem na alfabetização devia
partir do concreto para o abstrato, por meio da “Lição de coisas”, que consistia em
utilizar-se de material concreto, criando situações de aprendizagem onde o aluno
pudesse atuar ativamente sobre a aprendizagem.
É interessante recorrer às contribuições de Forquin (1992, p. 44) que enfatiza
a importância de “compreender por que em tal época, em tal contexto, ensina-se a
tal blico tal coisa antes que aquela outra, e descrever também os conflitos de
interesse, as relações de poder, os elementos ideológicos que sustentam a
construção de qualquer currículo”. Esse autor, diz ainda que “ensinar e aprender
supõe esforços, custos e sacrifícios de toda a natureza. Por isso é preciso que no
sentido próprio da palavra, aquilo que se ensina valha a pena”.
Em relação ao início da carreira, como iam para a sala de aula, se havia ou
não orientação pedagógica, para o trabalho docente nesta escola, quem a realizava,
com que freqüência e como era realizado, a professora Rosa Maria diz que:
Existia orientação pedagógica, mas era duas, três vezes ao ano, vinha
professores que davam um cursinho assim de dois, três dias, às vezes uma
semana. Eu fiz bastante cursos para alfabetização, mas esses cursos que
eu fiz em Cuiabá, quem selecionava os professores para ir era a diretora e
a supervisora, era delas a escolha de quem ia para o curso, quando a
170
Soares ainda explica que
nos últimos anos, do século XX predominou, até os anos 60 o
paradigma behaviorista, nos anos 70 e 80 o paradigma cognitivista e nos anos 90 deu-se à transição
para o paradigma sociocultural (SOARES, 2004, p. 94).
217
gente chegava aqui, reunia uma semana para repassar para os
professores daqui o que a gente aprendeu lá, sempre era assim. Nessa
época, existia a Delegacia de Ensino, que era nossa aqui e de toda essa
região, era em Alto Paraguai, depois que criou a delegacia daqui, ficou
melhor, da gente trabalhar (professora Rosa Maria deLima, 2005)
Foi difícil, mas como gostava, sempre gostei de lecionar, até as
brincadeiras quando eu era criança eram de ser professora, isso facilitou
um pouco, e aí, começo do ano a gente fazia treinamentos (cursos) para
entrar na sala de aula. Vinha pessoal de Cuiabá e fazia os treinamentos,
(...) eu gostava muito, o media esforços (...) era vinte e quatro horas
trabalhando, enquanto não preparava tudo, não parava (professora Narcisa
Rodrigues da Silva, 2005).
Estava em vigência, nessa época, a LDB 5.692/71; essa lei não traz
instruções metodológicas ao trabalho do professor, mas abre possibilidades de
escolhas; atribui o direito de optar e planejar o desenvolvimento de sua opção.
Passa-se a considerar a importância da formação do professor, entendendo que as
questões de ordem didática, enfrentadas diretamente pelo professor, não são
responsabilidade exclusiva desse profissional, mas do coletivo da escola.
Juntamente a isso, segundo Mortatti (2000) alguns teóricos da educação, começam
a buscar alternativas teóricas de análise e de atuação na escola, no movimento
histórico de transformação da sociedade.
A professora Rosa Maria diz que fazia cursinhos” em Cuiabá, mas, ao que
parece, não eram todos os professores que participavam, ou seja, que se
qualificavam, segundo ela “era da diretora e da supervisora a escolha de quem ia
para o curso”. A professora ressalta também que “reunia com os professores daqui
(de Diamantino) para repassar o que aprendeu”, um aspecto importante que pode
ser considerado nesta questão, refere-se às apropriações que podem ser feitas, pois
como aponta Forquin (1992, p. 32) “aquilo que é retido e compreendido depende das
condições de recepção da mensagem pedagógica, depende também do contexto
social e cultural do sujeito”. E, ainda, segundo Chartier, (2002, p. 28) “estão inscritas
nas práticas específicas que as produzem, condições e processos, que são
determinantes para a construção de sentidos”.
A figura do supervisor escolar também passa a fazer parte do cenário da
escola: um profissional que vem somar com o diretor; este último passou a fazer
parte da escola com a criação dos grupos escolares e escolas reunidas, como um
elemento importante na avaliação, acompanhamento, decisão e aprofundamento da
218
análise das práticas desenvolvidas no interior da escola, que presume ser um
momento dialético de ação-reflexão-ação. Quanto ao acompanhamento na escola
por este novo profissional, o supervisor escolar, como este trabalho era realizado, o
que este oferecia de subsídios teóricos e orientação em relação à alfabetização, as
professoras esclarecem:
(...) a gente se reunia, todo mundo da primeira série, de segunda série,
para discutir, para ver o que o outro estava fazendo, um ajudava o outro,
era a diretora que dava orientação, ela gostava mesmo, era uma troca de
experiências, era muito bom. (...) de vez em quando aparecia o pessoal
para fiscalizar; pegavam os alunos para tomar leitura, eram os
inspetores da época, chegavam para fazer inspeção, a gente cuidava os
alunos tinham que ficar quietinhos, sentadinhos na sala, às vezes vinham
no final do ano (professora Narcisa Rodrigues da Silva, 2005).
Quando entrou a professora Piedade, como supervisora na escola, essa foi
uma excelente supervisora, (...) até a voz dela era aquela voz meiga, para
ensinar, para explicar, para dar orientação. Às vezes, dia de sábado,
quando o tinha aula, ela fazia reunião com os professores, para fazer os
planos de aula, para rever o planejamento, para ver onde a gente estava
trabalhando, se a gente tinha dificuldade para entender alguma coisa, para
transmitir para os alunos, que muitas vezes você pega uma sala que tem
alunos que têm mais facilidade para pegar o jeito de você, o método que
você entra para ensinar e tem outros que não pegam (professora Rosa
Maria de Lima, 2005).
Passa-se a compreensão de que a prática pedagógica em sala de aula é tão
importante que não pode mais ficar restrita à experiência e decisão isolada do
professor. Nesse contexto, o planejamento também assume papel importante,
realizado como parte do trabalho dos professores, em trocas e parcerias com o
diretor e com o supervisor escolar. Este profissional, como se pode perceber,
substituiu o papel do inspetor escolar. Todavia, a professora Narcisa refere-se “ao
pessoal que vinha fiscalizar”, momento em que se “tomava leitura dos alunos, que
tinham que ficar sentados, quietinhos”. Em outras palavras, era o mesmo que a “boa
ordem e disciplina”, registrada nos relatórios dos inspetores nas escolas
diamantinenses das décadas de 30, 40, 50 até 60, a “fiscalização” ao trabalho do
professor primário continuava presente na cultura escolar, na década de 1970.
Mas o trabalho pedagógico começa a ser percebido como algo vinculado à
organização da escola, constituindo preocupação de diretores e supervisores
(também). Este profissional como diz a professora Rosa Maria, citando a
219
professora/supervisora Ir. Piedade, era vista como aquela que podia “ensinar,
explicar, orientar” o professor e vice-versa, num processo cíclico em direção ao
cumprimento dos objetivos da escola primária, que passava a requerer a
incorporação de novos elementos à prática pedagógica alfabetizadora, o que
pressupõe envolvimento de todos os seus segmentos.
Quanto à sua relação com os membros da escola, diretor, supervisor, inspetor
escolar, professores e demais profissionais, a professora Rosa Maria diz que:
(...) eu sempre fui encrenqueira (...) você vai mostrar o seu plano, explicar
como vai fazer, a supervisora dizia ah não (...) isso ele vai aprender no ano
que vem. Ora, se ele tem que aprender agora, você vai deixar para ensinar
no ano que vem? (...) ela queria que você tirasse tudo, (...) a supervisora
falava eu quero ver os planos da prova, ou então o que você vai dar esta
semana, eu mostrava, ah não, eu tinha raiva que riscava, colocava uma
cruz, esse ele vai ver no ano que vem, ora, pois ele tem que aprender
aqui, pois quando ele chegar vai com a base daqui, assim é que
aprende (...) brigava, pelos meus direitos, de meus alunos e de minha sala
(...). Agora com os professores sempre tive boas relações (...), eu implicava
com a diretora e com a supervisora, nós brigávamos, mas quando saiamos
nós vínhamos de abraços para casa, no trabalho a gente tem que debater,
principalmente na educação (professora Rosa Maria de Lima, 2005).
A questão apresentada pela professora Rosa Maria sobre planejamento e
acompanhamento/intervenção do supervisor, e, ainda, as questões de ordem
didática, são temas que também surgem à medida que uma abertura para isso. A
Lei 5.692/71 toma como referência no trabalho escolar, o planejamento, a execução
e a avaliação do processo ensino-aprendizagem, que não devem ser processos
isolados na vida da escola, pressupondo um trabalho discutido em conjunto,
respeitando, obviamente, a autonomia didática do professor.
Quanto à fiscalização do estado sobre o ensino, a quem cabia a realização
deste acompanhamento e sua freqüência, a professora Rosa Maria esclarece que “a
fiscalização que se tinha sobre o ensino era da Secretaria de Educação do Estado; e
dos alunos era pela inspetora escolar que na nossa escola era Dona Nadir”.
Quanto à sua relação com materiais de leitura e o repertório a que recorria
para organizar suas aulas, e também para conhecer novas abordagens sobre
questões de ensino, a professora Rosa Maria fez questão de abrir o seu antigo
espaço de trabalho, a sua biblioteca improvisada, que se confunde com dispensa,
220
mas que guarda o seu acervo. Ali, ela dispõe de livros de literatura, paradidáticos,
didáticos, revistas, planos de ensino, materiais de curso e um computador ainda por
instalar. A professora ressalta:
Nessa época tinha revista escola, o professor tinha assinatura, eu tenho
um monte ainda (...) eu sempre tive livros na minha casa, sem ser livro
didático (...) as vezes na escola nem tem livro, mas em casa eu sempre
tive, (...) como tenho até hoje. (...) Eu procurava cartilhas velhas, eu ia
para Várzea Grande nas escolas, tinha bastante conhecidas lá, eu ganhava
material, pedia livro velho para recortar (...), principalmente jornal que tem
aquelas letras e palavras grandes, (...) eu vinha com um monte, meu
marido falava: essa mulher vai daqui a Cuiabá para trazer lixo. Material
riquíssimo! Dava muito trabalho na alfabetização eu trabalhei uns oito, dez
anos assim (professora Rosa Maria de Lima, 2005).
Parece que havia uma preocupação por parte da professora em conhecer o
que se tematizava sobre educação e alfabetização, recorrendo a revistas e livros,
como reforça “sem ser livro didático”, ou seja, livros que continham referencial
teórico que lhe possibilitasse, provavelmente, uma compreensão acerca do seu
trabalho pedagógico na alfabetização. Outra questão importante, é a introdução de
material alternativo “cartilha velha e jornal, para recortar letras e palavras”, como
ressalta a professora Rosa Maria, é um “material riquíssimo!”. A professora Narcisa
também cita a revista como um material complementar.
Os princípios de uma perspectiva psicogenética da aprendizagem da leitura e
da escrita, segundo Soares (2004) seria permitir à criança a interação livre e
prolongada com a escrita, favorecendo construções de estruturas cognitivas, por
meio da exploração das próprias hipóteses que vai levantando, permitindo, também,
a experimentação daquilo que vai descobrindo. A intenção da professora em
oportunizar à criança o contato com a escrita de outros materiais pode ser indícios
ou vestígios de uma apropriação de novas bases teóricas para apoiar a sua prática
na alfabetização.
Como na Lei 5.692/71 não indicação de todos ou técnicas didáticas,
cabe ao professor buscar estratégias a serem utilizadas para desenvolver o seu
programa de ensino. O que ficava claro, nessa legislação, é que o professor devia
cumprir o programa das matérias do núcleo comum, entre elas “Comunicação e
Expressão”, que orienta para a “valorização da leitura, escrita e interpretação”. Tinha
como objetivo, o “cultivo de linguagens que ensejem, ao aluno, contato coerente
221
com os seus semelhantes e a manifestação harmônica de sua personalidade, nos
aspectos físico, psíquico e espiritual”.
Quanto às atividades que costumavam propor para o ensino da linguagem, as
professoras apontam:
(...) lembro da primeira lição do livro, “ Vamos Estudar” da 1ª série, é pa-pai,
papai chegou da fazenda, era curtinho, era uma, duas sentenças, duas
frases, vamos dizer assim, duas orações, trouxe bolo, queijo para nós, então
ali você ia aprender a dividir as sílabas da primeira palavra, da segunda,
começava assim, aprendia mesmo. Nisso já tinha aprendido o alfabeto, as
sílabas, todas aquelas coisas que tinham na cartilha. Mas assim mesmo tem
vez que eu dava uma puxada porque tem aluno que você tem que dar uma
puxadona nele, senão ele não vai, não anda. No inicio comecei assim,
depois mudou, a cartilha que eu usava era a que vinha, utilizei vários tipos.
Mas depois era um livro da série, com leitura, vinha com textos (...)
(professora Rosa Maria de Lima, 2005)
Tinha caderno de caligrafia, o aluno acompanha a escrita do professor,
ele ia aprendendo as letras, estudando, conhecendo e também aprendendo
a escrever, (...) todos eles que passaram por mim, modéstia parte tinham a
letra bem boa, fazia questão que eles tivessem a letra boa. Depois era no
quadro negro, fazia ditado, eu gosto muito do ditado, com fichas, ia
escrevendo palavras, depois pedia para escreverem no quadro, depois
copiavam no caderno, cada aluno tinha suas fichas, era eu mesma que
confeccionava (professora Narcisa Rodrigues da Silva, 2005)
A professora Narcisa apresenta uma preocupação com a escrita dos alunos,
também como sinônimo de boa ortografia. Conforme estudos de Vidal e Esteves
(2003) a idéia de boa escrita, por meio do treino da caligrafia, como hábito de
higiene, de disciplina mental, legibilidade, disposição elegante, educação estética, foi
mais fortemente presente na tradição escolar brasileira aos anos de 1940. Era
comum, também, às atividades de ortografia e gramática, pois o zelo em relação à
correção dos erros ortográficos era quase uma premissa de bom professor, as
escritas sem perfeita correção ortográfica poderiam desacreditar este trabalho.
Nesse contexto, a pia e o ditado eram rotinas presentes no cotidiano da sala de
aula. Esta prática começou a ser colocada em dúvida por alguns estudiosos, como já
discutimos anteriormente neste estudo, com o advento da escola nova, pois eram
mais utilizados como meio de comprovação do “saber ler e escrever”.
A cartilha “Vamos Estudar”, citada pela professora Rosa Maria, já foi discutida
neste trabalho, quando apresentei a Escola Reunidas Major Caetano Dias. Essa
cartilha, segundo a professora, “trazia sentenças; dela se destacava uma palavra, a
qual era dividida em sílabas”, antes disso “já tinham aprendido o alfabeto”. A
222
professora ressalta: “a cartilha que eu usava era a que vinha”, ou seja, na década de
1970, vigorava a antiga prática do estado enviar livros para a escola, sem consulta
ou escolha feita pelos professores. A prática da “escolha democrática” tem inicio na
década de 1980 e aperfeiçoa-se com o Programa Nacional do Livro Didático
PNLD, a partir de 1996, com uma avaliação mais rigorosa dos manuais escolares.
Em relação ao método para ensino da alfabetização, a professora Rosa Maria
explica que:
(...) ensinava desde o alfabeto, todas as sílabas ba, bé, bi, bo e bu, até a
última, (...) ensinava formar palavras, depois voltava, por isso que tinha
ano A, ano B, ano C, daí você vinha com as letras (...) eu comecei
fazer assim, para ver se dava certo, e dava mesmo, melhor assim do que
chegar com palavras e com frases (...). Então o método era as letras,
sílabas, palavras e depois o texto, com o tempo a gente pega outros
métodos, para ver qual é melhor. Com dois meses ensinava a ler.
Em setenta e três, eu não tinha ainda tanta experiência, fiquei no lugar de
uma professora, no meio do ano as crianças ainda não sabiam nada, nem
leitura, nem escrita. a diretora pediu, na época era a irmã Mora, primeira
diretora lá do Grupo Escolar, depois que passou para o Plácido (...).
A leitura também passava no quadro, lia com eles a primeira vez, pedia
qual era a palavra no quadro, depois passava para o livro. Primeiro treinava
no quadro, ia assinalando as palavras, para ver se liam, era uma leitura
coletiva. Eu fazia eles ler as letras todos os dias. Olha, com dois, três
meses, eles começavam a ler sozinho.
Fazia pergunta individual mais para o final do bimestre, para obter a nota,
tinha que ter nota. Não eram muitos os que reprovavam, aqueles que se
interessavam não reprovavam. Tinha outras coisas para o aprendizado, as
brincadeiras, mas naquele tempo era mais centralizado na leitura e na
escrita, a gente ensinava o que era possível e eles ficavam tão motivados
que se interessavam mais. (professora Rosa Maria de Lima, 2005)
(...) para a leitura tinha as cartilhas, era a Cartilha A ,B, C, tem um menino
e uma menina na capa, depois nas turmas mais adiantadas, (primeira C,
segunda e outras séries) usava a cartilha Vamos Estudar” (Professora
Narcisa Rodrigues da Silva, 2005).
Essa forma de ensinar direcionada ao ensino do sistema alfabético e
ortográfico da escrita, conforme Bregunci (2004, p. 32) é uma tendência, ainda,
presente nas propostas didáticas. “Privilegia o princípio da decodificação, as
relações entre fonemas (sons ou unidades sonoras) e grafemas (letras ou grupo de
letras) em uma certa progressão de unidades menores (letra, fonema, sílaba) para
as unidades mais complexas (palavra, frase, texto)”.
223
Procurei saber com as professoras Rosa Maria e Narcisa, sobre a
organização, metodologia e procedimentos para o desenvolvimento do processo de
ensino e aprendizagem na alfabetização, na Escola Plácido de Castro, no início de
sua constituição. Sobre isso as professoras comentam:
No ano de setenta e um, houve uma mudança nas diretrizes e na prática
mudou bastante (...) a primeira coisa que mudou foi aquela ignorância do
professor que gritava na sala de aula (...). E a forma de ensinar mudou
bastante também, (...) parece que você tem tudo dentro de você, para você
transmitir para os seus alunos, por isso que a gente tem que aprender o
que você vai dar, porque o aluno faz perguntas e você tem que ter
condições para responder (...) (professora Rosa Maria de Lima, 2005).
Norma assim para ensinar não tinha, mais tarde foi que não era para
ensinar assim com o A, B, C, passando no quadro, até Z, ficava que
tinha que estudar aquelas letras, então não era nada fácil, BA, BE, BI, BO,
BU, o A B C isso acabou. era para trabalhar as cartilhas que tinham a
palavra chave, depois a família silábica (professora Narcisa Rodrigues da
Silva, 2005).
Quando a professora Rosa Maria diz que “era necessário o professor
alfabetizador aprender para ensinar”, traz a idéia de que o professor deixa de ser
aquela figura que tinha o domínio supremo do saber. “O aluno faz perguntas”, ou
seja, passa a ser percebido como sujeito ativo, por estar aqui e agora no mundo em
que vivemos; a ele é possibilitado situar-se no seu município, estado e país, para
compreendê-lo e interagir sobre ele. Isso implica compreender que, ao professor
alfabetizador, também estava sendo solicitada a busca de uma outra postura diante
dos problemas que surgiam naquela nova realidade. Então, era necessário
possibilitar ao aluno fazer o exercício da autonomia, da investigação, da iniciativa e
da interação, de acordo com a etapa de desenvolvimento cognitivo em que se
encontrava. Esse pensamento ou modelo permeava também a lei 5.692/71, que
tinha forte influência da psicologia genética de Jean Piaget.
A influência da mudança de paradigma refletiu na questão do método de
alfabetização, segundo Soares (2004):
alterando profundamente a concepção do processo de aprendizagem da
criança, de aprendiz dependente de estímulos externos para conduzir
respostas que, reforçadas, conduziriam à aquisição da língua escrita,
passa a sujeito ativo capaz de construir o conhecimento da língua escrita,
interagindo com esse objeto de conhecimento (SOARES, 2004, p. 89).
224
Conservam-se traços da tradição herdada na alfabetização, pois como reforça
a professora Narcisa “as cartilhas tinham as palavras chaves, depois as famílias
silábicas”. Ainda falando sobre como foi percebendo o ensino na escola,
principalmente no início de suas atividades, no que diz respeito à forma de trabalhar
com a linguagem na alfabetização, a professora conta que:
(...) depois veio livro de série com textozinho, o primeiro livro passou a
ser com textos, (...) eu deixava o livro assim para os alunos, eu misturava o
método, aquele livro eu sempre deixava para pegar no segundo semestre
(...) continuei o método que eu dominava, e até hoje faço assim, com meu
netinho (...) (professora Rosa Maria de Lima, 2005).
O importante é o ensinamento através do concreto para as crianças de
primeira série. Hoje, a criança vem da escola com aquele monte de coisas
para resolver; ela nem sabe escrever, tem que trabalhar bem com a
criança, na sala de aula principalmente, manuseando as letras,
descobrindo para aprender as palavras, para depois na segunda fase ou na
segunda série, passar outros trabalhos. A tarefa para casa é um reforço da
escola, a gente a tarefa para reforçar o que ela aprendeu e se ela
conseguir fazer sozinha, se não souber, retorna e reforça, para não obrigar
os pais a fazer para as crianças. Por isso é importante que primeiro a
criança trabalhe manipulando o material concreto para aprender a ler
(professora Narcisa Rodrigues da Silva, 2005).
Nas atividades de linguagem, fica acentuada a importância da linguagem oral,
a partir da qual surge a preocupação da língua como tal e da ordenação das
experiências sob forma de sistematização gramatical. Quando a professora Rosa
Maria diz “eu misturava o método”, estava considerando o que assevera Bregunci
(2004, p. 32): “ao utilizarmos um método de forma exclusiva, apresentamos
limitações, por não explorarmos as complexas relações entre fala e escrita, suas
semelhanças e diferenças”.
Há, segundo a autora citada, uma ênfase maior na decodificação, situações
artificiais de treinamento de letras, fonemas ou sílabas, que resultam em propostas
descontextualizadas de leitura e escrita, seus usos e funções sociais. A afirmação da
professora, “o livro passou a trazer textos”, está ligada também às mudanças
conceituais ocorridas no campo da alfabetização, que trazem como conseqüências
mudanças nas decisões metodológicas e nos procedimentos didáticos a ela
relacionados.
225
O processo de alfabetização que ultrapassa uma ordem hierárquica de
habilidades, conforme Soares (2004, p. 89) “concebe que a aprendizagem se dá por
uma progressiva construção de estruturas cognitivas, na relação da criança com o
objeto da língua escrita, em que as dificuldades da criança, passam a ser vistas
como erros construtivos, resultado de constantes reestruturações, no processo de
construção do conhecimento da língua escrita”.
De acordo com Mortatti (2000), discutir princípios norteadores para a
alfabetização, adequados a um método para se alfabetizar, teoricamente justificável
é muito importante. Muitas críticas foram feitas aos métodos de ensino da leitura e à
tradição fundada desde meados de 1920 e que vai até 1970, os quais postulavam
que diferentes processos psicológicos deveriam ser considerados como pré-
requisitos para a aprendizagem da leitura e da escrita.
Nesse sentido, pode se perceber indícios ou vestígios de uma apropriação do
discurso oficial, relacionada ao ensino da linguagem, presente nas normatizações,
em alguns aspectos e de possíveis acréscimos na prática das professoras, como
também da continuidade da tradição pedagógica, pois, como diz a professora Rosa
Maria, “com o tempo a gente pega outros métodos”. Nesse sentido, Arendt (1968)
lembra que o homem, na plena realidade do seu ser concreto, vive na lacuna
temporal, entre o passado e o futuro.
Diante da tentativa de narrar um processo histórico da alfabetização, levando-
se em conta normatizações e tematizações atribuídas pela sociedade a escola, é
possível dizer, conforme Julia (2001, p. 33) “que a escola o é apenas lugar de
rotina e de coação e que o professor não é o agente de uma didática que lhe seria
imposta de fora (...) ele sempre tem a possibilidade de escolha (...), de optar pelos
saberes que funcionam e os que não funcionam com seu público”. No processo de
ensino da alfabetização, as rupturas da cultura escolar também acontecem, embora
conforme Arendt (1968), as experiências cristalizadas tenham deixado forte tradição
como legado ao presente.
Desse modo, esse percurso possibilitou a apreensão de alguns elementos
que conferiram identidade à Escola Estadual Plácido de Castro, nos primeiros anos
de sua constituição. Esta escola ofereceu o ensino primário (1ª a série) ao ano
de 1995; a partir de então passou a atender os níveis (5ª a e ensino médio). A
memória escolar, como ressalta Galvão e Batista (2003), é mediada por tempos
plurais, é individual, social e coletiva; permite conhecermos práticas sociais
226
partilhadas pelos sujeitos sociais, pois ela é muito mais que um conjunto de
lembranças sobre determinado fato, é um processo de luta em torno do que deve ou
será guardado.
Partindo do conhecimento do passado, não em sua completude, mas em seus
fragmentos e incertezas, procurei buscar formas de configuração do processo de
ensino da alfabetização nas escolas primárias diamantinenses, valorizando o seu
sentido singular no cenário social do qual faz parte, sem a intenção de encontrar
indícios ou vestígios desse processo histórico para justificar algo; mas sim, contribuir
para a compreensão dos contornos do presente.
227
CONSIDERAÇÕES FINAIS: DA ESCOLA ISOLADA PRIMÁRIA À ESCOLA
ESTADUAL PLÁCIDO DE CASTRO - A ALFABETIZAÇÃO ENTRE
NORMATIZAÇÕES E CONCRETIZAÇÕES
Nas cadas de 1930 a 1940 o Estado de Mato Grosso apresentava um
quadro promissor, com as riquezas extrativas e a agro-pecuária em expansão,
recebendo incentivos à produção agrícola em virtude do projeto “marcha para o
oeste”, idealizado pelo governo federal. Com isso, ocorreu um aumento significativo
da população no estado; intensificou-se a oferta de escolarização e o estado
passou, também, a receber incentivo para construções de obras como escolas
primárias, para concretizar o caráter de modernidade e incentivar o povoamento na
região e, ainda, atingir outro objetivo: diminuir a massa de analfabetos. Nesse
sentido, as reformas no ensino público tinham um papel fundamental: dar suporte a
concretização desses ideais.
A partir dos anos 70, em Mato Grosso, assim como em outros estados
brasileiros, a escola pública passa a receber um contingente maior de alunos da
classe popular (movimento que teve início na década de 1930, época que se
intensificava a democratização da escola, a partir dos ideais escolanovistas). De
acordo com estudos de Soares (2004) até a década de 1970 a alfabetização se fazia
por meio de métodos considerados hoje como tradicionais; foi a partir daí que se
passou a questionar seus fundamentos e a sua eficácia.
Mas o ensino mato-grossense nesse período, ainda tinha uma escola para a
elite, preparatória para os cursos superiores e, uma escola precária principalmente
no interior, com professores/as sem uma formação adequada, destinada à camada
menos favorecida, que se concentrava em escolas urbanas e rurais. Ao mesmo
tempo, havia um discurso que expressava a necessidade de educar integralmente o
aluno; porém, para a maioria, era possível aprender apenas os rudimentos da leitura,
da escrita e do cálculo.
O estudo aqui realizado situou-se, historicamente, nas décadas de 1930 a
1970, aproximando-se ao terceiro momento considerado crucial na constituição da
alfabetização como objeto de estudo no Brasil, proposto por Mortatti (2000),
compreendido entre meados da década de 1920 e meados da década de 1970.
Esse período relaciona-se com a necessidade de renovação e inovação intelectuais,
pressupondo, entre outros aspectos, difusão da instrução elementar, por meio de
228
iniciativas estaduais renovadoras, inspiradas em ideais e princípios da escola nova.
Momento este em que se percebe, claramente, a tensão entre o “novo e o
tradicional” e “as novas e revolucionárias bases psicológicas x os tradicionais
métodos”; nessa tensão, segundo a autora, funda-se uma nova tradição, que
incorpora a tradição herdada. Assim, esse período contou com tematizações que
sintetizam as aspirações educacionais de uma política nacional de educação,
mediante a integração e generalização, em nível nacional, de iniciativas estaduais
renovadoras; mas regionalmente localizadas, as quais passam a ser divulgadas,
interpretadas e institucionalizados pelos reformadores.
Nesse período, ocorreram algumas mudanças na organização da
alfabetização, na tentativa de acompanhar os avanços ocorridos em outros estados
brasileiros. Por meio de reformas da instrução pública, buscava-se a implantação de
idéias inovadoras, com base em estudos de intelectuais estrangeiros. Essas
mudanças estavam presentes no conjunto de normatizações analisadas no período
em estudo: Regulamento da Instrução Pública de 1927; Lei Orgânica do Estado de
Mato Grosso de 1951 e Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBs
4.024/61 e 5.692/71.
Sendo assim, o processo de construção de uma interpretação sobre o
passado da alfabetização nas escolas primárias diamantinenses, fez-se mediado
pelo diálogo entre normatizações, tematizações e também concretizações,
apontados por Mortatti (2000); ou seja, a partir dos indícios ou vestígios de uma
apropriação dessas orientações para a prática de professores/as que vivenciaram o
ensino da alfabetização, no interior das escolas investigadas, possibilitando um
conhecimento destes espaços sociais destinados aos processos de aprendizagem,
na tentativa de compreendê-los como parte integrante da realidade educacional
mato-grossense.
O tema foi problematizado a partir de questões como: o que preconizavam as
normatizações/orientações para a organização do ensino da alfabetização em Mato
Grosso nas décadas de 1930 a 1970? indícios ou vestígios que podem vir a ser
indicativos de uma apropriação dessas normatizações, por parte dos/as
professores/as de alfabetização em Diamantino - MT?
A busca em conhecer, desvelar e atribuir sentidos a esses indícios ou
vestígios objetivou contribuir para a construção de uma história do processo de
ensino da alfabetização realizada nas escolas primárias em Diamantino-MT,
229
mediante a localização, reunião e seleção de fontes que permitissem a compreensão
e análise das normatizações, nacional e estadual, para o ensino da alfabetização e
da possível apropriação por parte dos/as professores/as dessas orientações
normativas para a sua prática alfabetizadora.
Pautada nos pressupostos da história cultural, mediante pesquisa de fundo
histórico, a tentativa de aproximação com aspectos da história do ensino da
alfabetização em Diamantino Mato Grosso, nas décadas em estudo, direcionou ao
levantamento de uma diversidade de fontes documentais e relatos orais (entrevistas)
relacionados à temática. Após a localização dessas fontes, foi possível coletar dados
que levaram a duas frentes/possibilidades distintas, mas complementares: a
construção de uma narrativa acerca das escolas primárias antigas e extintas do
município e a busca de indícios ou vestígios do processo de alfabetização por elas
desenvolvido. A análise dos dados foi realizada por meio do procedimento que se
aproxima da análise da configuração textual proposto por Mortatti (2000),
considerando-a como: conjunto de normatizações, fontes documentais e depoimento
dos sujeitos envolvidos, buscando a descrição, interpretação e compreensão do
tema em estudo, por meio da comparação e cruzamento de dados.
Apreender aspectos desse complexo processo de constituição do ensino
primário nessas escolas e, sobretudo, das representações sociais construídas em
torno desse processo de escolarização, requereu uma intensa busca e confronto,
sendo valorizado tanto os aportes teóricos, quanto as evidências oriundas das fontes
documentais e orais, instrumentos que contribuíram para uma interpretação e
construção de sentidos, sobre o passado em sua concretude. Uma concretude que
constituiu-se numa grande lacuna, onde o passado da escola e suas práticas foram
sendo preenchidos, com os indícios ou vestígios encontrados, ou percebidos no
caminho da investigação, permitindo uma compreensão no presente
171
.
É interessante ressaltar, que foi também de fundamental importância a
utilização de resultados alcançados em estudos nessa área, realizados por
pesquisadores no estado de Mato Grosso, especialmente Amâncio (2000), que
aponta ter percebido que poucos trabalhos que estudam essa temática numa
perspectiva histórica. E os estudos de Amâncio e Cardoso (2005) as quais apontam
171
Sobre as fontes usadas nesta pesquisa, é importante ressaltar que a maioria delas Diários de
Classe, Relatórios de Inspetores de Ensino, Relatos de Professores e outros, foram usadas graças ao
movimento de superação de estereótipos quanto às fontes, tema (que já foi polêmico) comentado por
Nunes (1992) e hoje aceito por grande parte de historiadores.
230
que, em Mato Grosso, a exemplo do que ocorre no país como um todo, somente nos
últimos anos é que a preocupação com a alfabetização, numa perspectiva histórica,
começou a fazer parte de estudos acadêmicos. O presente estudo também verifica
este dado, principalmente, pela ausência de estudos voltados às especificidades e
singularidades regionais ou locais. E ainda, estudos realizados em outros estados
brasileiros, como é o caso de Maciel (2003) em Minas Gerais; Trindade (2004) no
Rio Grande do Sul e Mortatti (2000) em o Paulo, os quais contribuíram para
perceber semelhanças e diferenças nesse processo.
Mato Grosso iniciou seu processo de reforma do ensino primário mais
tardiamente que os estados acima citados, em 1910; mas é o regulamento de 1927
que vem oficializar, para o ensino da alfabetização, a adoção de um método de
ensino da leitura o método analítico
172
: (partindo da palavra, frase ou texto). O
programa para as escolas primárias é semelhante, tanto para as isoladas rurais,
quanto para as urbanas. Este programa para o ensino da linguagem na
alfabetização é dividido em apenas duas partes: “Leitura e Escripta” (artigo 6º). O
objetivo explícito era romper com a tradição e adaptar a educação à nova ordem
política e social do país.
As orientações gerais para o ensino primário, de acordo com a Lei Orgânica
da Instrução Pública de Mato Grosso, de 1951, deviam desenvolver-se de modo
sistemático e graduado; valorizar os interesses, tendências e aptidões dos alunos;
apoiar-se na realidade do ambiente; desenvolver o espírito de cooperação,
solidariedade e fraternidade, visando desenvolver a unidade nacional. Para o ensino
da linguagem, orientava-se trabalhar com “Leitura e Linguagem Oral e Escrita”. Esta
lei amplia-se apenas em relação à linguagem, pois faz desdobramentos inexistentes
anteriormente: a leitura e a linguagem. Esta última deve ser trabalhada nos seus
aspectos, oral e escrito. Quanto ao método, provavelmente, continua o analítico,
visto que não foi abolido oficialmente.
Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases para a Educação
Nacional, o estado de Mato Grosso, passa a acompanhá-la. A LDB 4.024/61,
prescrevia o ensino da “Língua Nacional”, sem enfatizar um método. A LDB 5.692/71
orientava para o ensino da “Comunicação e Expressão”, recomendando “valorizar a
leitura, a escrita e a interpretação”.
172
Extinto em São Paulo em 1920, na reforma de Sampaio Dória, de acordo com estudo de Amâncio
(2000).
231
Diante do exposto, pode-se dizer que, em termos de normatização para o
ensino de leitura e escrita, na alfabetização, a legislação (posterior ao período de
1927, até 1970), abandonou o tema “métodos” para o ensino da alfabetização, no
estado de Mato Grosso. As legislações que se seguem, de caráter nacional,
abordam o ensino da alfabetização do ponto de vista de um currículo, com vistas ao
desenvolvimento da linguagem para o fortalecimento da unidade nacional, dando
(implicitamente) aos professores liberdade didática e teórico-metodológica.
Foi possível perceber, também, pela contribuição advinda do confronto entre
pensado e vivido, recordado, relembrado e reinterpretado e os vestígios ou indícios
contidos nas fontes analisadas, aspectos que dizem respeito à organização das
práticas escolares em Mato Grosso, com especial atenção ao percurso da história do
ensino da alfabetização em Diamantino, ressaltando que é necessário inserir essa
realidade local, no contexto educacional mais amplo. Nesse movimento, algumas
dificuldades ocorridas nesse período evidenciaram-se, confirmando os mesmos
problemas apontados no estudo realizado por Amâncio (2000) e Amâncio e
Cardoso (2005), como:
- a dimensão territorial de Mato Grosso dificultava o trabalho de inspeção nas
escolas, principalmente as isoladas rurais;
- as condições do ensino não eram as ideais segundo as autoridades da época, o
que impedia a realização das atividades escolares;
- o discurso oficial denunciava a precariedade da formação profissional dos
professores, especialmente das escolas rurais, mas silenciava a voz do professor
quanto às razões da não – preparação;
- a diversidade de títulos de livros e cartilhas que circulavam nas escolas com
diferentes orientações metodológicas pode ser um indicativo da não homogeneidade
do método oficializado;
- havia uma dispersão/não identificação quanto ao método de alfabetização utilizado
para o ensino da leitura e da escrita por parte das professoras, bem como um
silenciamento desse tema por parte dos inspetores de ensino;
- a escola não contava com condições favoráveis ao ensino: faltavam espaços
adequados, bancos e mesas, materiais escolares, livros e cartilhas,
acompanhamento pedagógico, orientação específica em alfabetização;
- havia um pensamento em que o comportamento do aluno devia ser único, regido
por normas que, uma vez transgredidas, mereciam mecanismos corretivos (de
232
joelho, em na frente do quadro, no quarto escuro, fora da sala, de joelho no
milho);
- o preservação, pelas professoras diamantinenses, assim como pelas escolas e
biblioteca pública, de exemplares de cartilhas e documentação escolar, utilizado por
professores do período em estudo.
Mas, nesse percurso, houve também avanços e rupturas, nos meandros das
normatizações e concretizações, que podem significar marcas de aspectos positivos:
- as cartilhas eram um recurso metodológico marcante, algumas delas portadoras
dos métodos oficiais, o que sinaliza que, em alguns casos, o discurso oficial estava
presente na prática alfabetizadora;
- a escola pública mato-grossense das décadas de 1930 a 1970, contava com um
conjunto de normatização, coerentes com as decisões do governo federal;
- os métodos e as inovações pedagógicas, sugeridas nas propostas oficiais,
aprovadas por autoridades educacionais eram opções de vanguarda para a época;
- percebe-se a luta e o valor atribuído à escola pelas camadas populares no interior
do estado;
- havia um intenso processo de profissionalização (de aprender a ser professor), por
parte dos/as professores/as primários/as, com base na experiência de sua
alfabetização, por meio das orientações da mãe e pela própria vivência em sala de
aula;
- a forma de ensinar apresentou-se com algumas variações e mudanças,
provavelmente em função da forma singular com que cada professor/a ensinava,
mostrando a presença da tradição na cultura escolar, reforçando que as
apropriações possíveis põem em relevo a diversidade dos modos de emprego das
representações institucionalizadas, permitindo a originalidade.
Uma retomada de alguns aspectos que foram sendo evidenciados nesse
percurso de estudo, por meio da análise particular das instituições primárias mais
antigas do município, tornaram-se relevantes para a compreensão de “como” as
normatizações foram sendo apropriadas ou não na prática alfabetizadora das
professoras diamantinenses. Desse modo, foi muito promissora a “garimpagem”
realizada, pois possibilitou fazer uma incursão sobre as escolas primárias nas
décadas de 1930 a 1970; e, nesse percurso, observar como a alfabetização se
processou em escolas primárias do município, contribuindo, assim, para a
constituição de uma historiografia regional.
233
As escolas isoladas rurais sobreviveram até a década de 1970, sendo extintas
devido à falta de população escolar naquelas regiões rurais. A Escola Urbana
Masculina e Feminina e o Colégio Externato Santa Terezinha uniram-se em 1948,
formando as Escolas Reunidas Major Caetano Dias. Esta escola por sua vez,
funcionou até 1961, quando se elevou à categoria de Grupo Escolar. O Grupo
Escolar Caetano Dias funcionou ao ano de 1973; quando, juntamente ao Ginásio
Estadual Conceição de Diamantino, formou a Escola Estadual de 1º Grau Plácido de
Castro. Esta escola funciona até os dias atuais atendendo alunos do ensino médio,
com a denominação Escola Estadual Plácido de Castro. Vale lembrar, segundo Lang
(2001, p. 119) que “este vai e vem entre passado e presente é sempre uma
interpretação atual dos fatos do passado”.
Tentar compreender os sentidos atribuídos às práticas escolares, práticas
culturais e sociais, buscando recuperar seus passos, através de símbolos, imagens
e palavras, acaba desvelando as duras lutas travadas no seu cotidiano,
considerando, que neste percurso, como aponta Chartier (2000), as representações
são diferentemente construídas pelos sujeitos. Assim, foi importante e necessário
observar o que Gatti Junior (2001, p. 137) aponta quanto a essa tentativa. Segundo
o autor, é preciso “buscar a apreensão daqueles elementos que conferem identidade
à instituição educacional, ou seja, àquilo que lhe confere um sentido único no
cenário social, do qual faz ou fez parte, mesmo que tenha se transformado no
decorrer dos tempos”. Cabe ao pesquisador a tarefa de analisar e interpretar os
dados, para uma compreensão delicada, visando reunir aspectos que articularam o
passado do ensino da alfabetização nas escolas primárias, com o presente.
As normatizações e diretrizes de uma política escolar nacional e mato-
grossense, inspirada em novos ideais pedagógicos e sociais, planejada para uma
civilização urbana, onde o crescimento e a industrialização apresentavam suas
marcas, foram cotejados, com os aspectos evidenciados nos dados coletados,
oriundos de outras fontes (relatos orais e diários de classe), nas décadas em estudo.
Para a análise sobre a concretização dos objetivos, dos programas de ensino
estabelecidos pelos regulamentos e LDBs, havia que se considerar as orientações
emanadas do poder administrativo que normatizavam o modo de se processar o
ensino na prática dos/as professores/as diamantinenses.
Esta discussão em torno do ensino da alfabetização, oferecida/desenvolvida
por estas escolas, possibilitou conhecer aspectos interessantes relacionados ao seu
234
funcionamento como: espaço físico, organização de turmas, horários, materiais
escolares (cartilhas), diários de classe, disciplina. Além daqueles aspectos
propriamente ligados ao ensino como: programas de ensino, formação do professor,
inspeção escolar, métodos, atividades em torno da leitura e da escrita na
alfabetização, avaliação da aprendizagem, entre outros aspectos que fazem parte da
cultura escolar.
Nesse sentido, o Colégio Externato Santa Terezinha (1934 a 1948)
demonstra, de certo modo, fidelidade às normatizações; isso do ponto de vista
documental. Os relatórios dos Inspetores de Ensino evidenciam aspectos gerais
como: ordem e disciplina, freqüência dos alunos e alguns indícios ou vestígios
relacionados a um ótimo desempenho dos alunos e do programa de ensino adotado
pela escola de acordo com as prescrições normatizadas pelo estado.
E ainda, os diários apontaram ou revelaram o registro de uma única cartilha
“Meu Livro”, portadora do método analítico, de acordo com as orientações do
Regulamento da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, de 1927, em vigência
naquele período. Por outro lado, as demais escolas evidenciam uma variedade de
métodos e procedimentos, demonstrando que, nessa árdua tarefa, é imperativo
considerar os valores culturais, por meio dos quais os sujeitos percebem a escola e
o ensino, como espaços de resistência, de mudança, de invenção, de diversidade,
de múltiplas possibilidades, o que favorece também a originalidade.
A organização do cotidiano da sala de aula, em torno das atividades para ler,
escrever e contar, na alfabetização variou em alguns aspectos, em outros manteve a
tradição comum quando se trata de alfabetização. A leitura era ensinada por fases,
de modo que havia uma fase preparatória, de decifração de sinais, assim como a
memorização desses mesmos sinais gráficos, de reconhecimento das letras, das
sílabas e palavras. A preocupação inicial era com a “decifração”, procedimento que
se manteve ao longo do tempo, conforme também evidenciam vários estudos
173
. As
lições eram lidas na própria cartilha, no quadro negro ou no caderno, consistindo, em
geral, em dar e tomar a lição”. Até o final da década de 1970, esses traços eram
marcantes e pelo que se sabe, em muitas escolas, até os dias atuais
174
.
173
Omito nesse momento citações por serem bastante conhecidas dos alfabetizadores a “querela dos
métodos”, pode-se, todavia, lembrar talvez apenas Braslavsky (1971), Micotti (1970), Miaralet (1971)
e Soares (1985).
174
Sobre o uso de cartilhas na contemporaneidade remeto o leitor ao livro Cartilhas, para quê?,
publicado por Amâncio, em 2002, pela EdUFMT/INEP.
235
Quanto ao ensino da escrita, esta se dividia em duas fases, uma preparatória
para aquisição da coordenação motora e a outra de exercícios gráficos sintetizados
pelo traçado de letras, por meio do treino e repetição. Exercitava-se o aprendizado
da linguagem escrita, destinado especialmente às cópias, ditados, ordenação de
palavras, complementação de palavras ou frases e a caligrafia, como sinônimo de
boa ortografia. Devido às cartilhas de alfabetização serem de uso corrente, as
atividades de escrita eram também pautadas nesse material, privilegiando a cópia de
suas lições e atividades escritas. Esses conteúdos eram trabalhados de forma
gradativa, ou seja, daquilo que se considerava simples para o que se considerava
complexo.
Fica evidente, também, o papel mediador e concretizador dos métodos de
alfabetização exercido pelas cartilhas, fortemente presentes durante o período em
estudo. Sem dúvida, eram representativas do pensamento hegemônico de uma
época, a respeito da alfabetização, instrumentos didáticos portadores de um método
para se alfabetizar, embora não tenha sido possível observar a homogeneização de
um método certamente intenção do Regulamento da Instrução Pública de Mato
Grosso, de 1927 - isso se confirma pela diversidade de cartilhas citadas.
As cartilhas eram usadas recorrentemente; e, apesar das orientações oficiais,
sugerindo o todo analítico, os professores/as continuavam a utilizar cartilhas com
métodos sintéticos, que até a década em estudo não eram de escolha do professor.
Havia alguém que era “autorizado” a fazer esta escolha, geralmente membros de
conselhos (como o Conselho Superior da Instrução Pública, plenamente ativo nas
décadas iniciais do século XX) ou outras autoridades educacionais.
O fato de haver uma orientação oficial que, em termos de método teria
vigorado até 1951, pelo menos, parece que não se constituía, como obrigatoriedade
a ser seguida pelos professores/as, naquele período, o que mostra que estes faziam
também suas escolhas. É importante (talvez necessário) refletirmos sobre o papel
das normatizações e, mais que isso, sobre a importância pedagógica dada à prática
de alfabetização. Afinal, na década de 40, especialmente, durante a vigência do
regime chamado Estado-Novo, foi que se iniciou, em nível nacional, a grande
preocupação política com o analfabetismo; nascem neste período as campanhas de
236
alfabetização de adultos
175
: descobriu-se que havia uma infinidade de analfabetos
no país, que os trabalhadores precisavam ler e escrever e, principalmente, votar....
Em relação aos métodos de alfabetização analíticos e analítico-sintéticos,
propostos pelas normatizações e uma possível aproximação daquilo que foi se
evidenciando pelos dados, é possível se dizer que, em épocas distintas, os
professores/as trabalhavam com soletração, silabação, palavração, frase
(sentenças), variando apenas quanto ao momento em que essas operações
ocorriam no processo de alfabetização. No entanto, os indícios ou vestígios nos
mostram que os processos da soletração e da silabação foram sempre presentes,
especialmente no início da carreira. Foi possível perceber, menos acentuadamente,
o uso da palavração e sentenciação, e por fim, os textos foram apenas citados, pois
“vinham na cartilha”. Isso reforça a afirmação de Maciel (2003) de que o marco inicial
de adoção de um método tem uma demarcação definida; porém é difícil definir o
momento final de seu uso, porque uma mudança não ocorre instantaneamente.
Desse modo, as formas de ensinar (métodos) apresentaram-se com
variações e mudanças no decorrer do período em estudo; provavelmente essa
situação tenha vinculação também, com a forma singular com que cada professor/a
ensinava, pois pautavam-se nas orientações das cartilhas, que nem sempre eram as
mesmas e, ainda, nas lembranças do passado de sua alfabetização, como elemento
para elucidar a sua prática naquele momento, mostrando que a tradição na cultura
escolar é muito presente, o que revela poucos indícios ou vestígios de uma
apropriação das normatizações para a prática dos/as professores/as
diamantinenses.
do ponto de vista histórico, as evidências apontam para o fato de que as
professoras aprendem a alfabetizar a partir de um saber prático (LIMA, 2003)
176
, ou
seja, com orientação naquilo que foi a sua experiência vivida, como aluno de
alfabetização ou por intermédio de pessoas mais velhas, ou pela própria experiência
em sala de aula. Indícios de uma cultura, tradições e valores, que conforme Arendt
(1968, p. 28) é “herança deixada sem nenhum testamento”.
Foi, sem dúvida, um estudo interessante que constituiu-se em um grande
desafio. Por meio de uma possível aproximação com um passado relativamente
175
Não cabe neste trabalho apresentação de detalhes nem críticas à essa problemática; cito-a
apenas como ilustração de uma preocupação nacional.
176
Trata-se da autora LIMA, Sorahia Miranda de, 2003, citada nas referências bibliográficas deste
estudo.
237
recente da alfabetização em Diamantino. Objetivou-se, também, contribuir com a
história da alfabetização em Mato Grosso e no Brasil. Ressalvando-se as
dificuldades e limitações inerentes a uma pesquisa, especialmente de fundo
histórico, que requer rigorosa coleta e análise de fontes documentais, nem sempre
de fácil acesso. Portanto, os resultados podem significar apenas uma entre as
múltiplas possibilidades de interpretação ou de leitura.
Reitero, portanto, que fazer uma incursão cinco décadas na história da escola
primária diamantinense e dos processos de ensino da alfabetização nela ocorridos,
sem perder de vista as tendências e múltiplas configurações assumidas em âmbito
estadual e nacional, ao longo da materialização das práticas escolares, foi um
grande desafio acadêmico. Alguns riscos se fizeram presentes todo o tempo da
pesquisa, por várias razões; mas, especialmente tendo em vista que no período em
estudo, desdobraram-se vários momentos de importantes mudanças nas
normatizações e, conseqüentemente, na organização do ensino. Momentos
permeados de certa complexidade, o que pode favorecer possíveis hiatos. Todavia,
espero ter contribuído, de algum modo, para uma possível reconstituição e
preservação da memória da escola pública no estado de Mato Grosso.
Por fim, é necessário lembrar que uma história deve ser entendida como o
estudo dos processos com os quais se constrói sentidos. Se usei as normatizações
oficiais, procurei reportar-me às práticas e aos sujeitos que com ela se relacionaram.
Se falei de práticas escolares, busquei aproximar-me das apropriações e das
representações próprias dos sujeitos sociais em determinado contexto social e
cultural; e estas, por sua vez, evidenciaram-se complexas e diversas. E, nesse
movimento de ruptura e descontinuidade, outros sentidos podem também ser
atribuídos...
238
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247
ANEXOS
248
ANEXO 01 SOLICITAÇÃO PARA A CONSULTA AOS ARQUIVOS PÚBLICOS
DE DIAMANTINO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
Diamantino, 31 de janeiro de 2005.
Prezado (a) Senhor (a),
Sou professora do ensino fundamental, faço parte do quadro efetivo do
município de Diamantino e cinco anos coordeno o Centro de Apoio do Núcleo de
Educação Aberta e a Distância NEAD/UFMT, no oferecimento do curso de
Licenciatura em Pedagogia para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Sou
graduada em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia pelo ICE e em
Orientação acadêmica para Educação a Distância pela UFMT. Dando continuidade a
minha formação e qualificação profissional, estou cursando Mestrado em Educação
e Linguagem, pela UFMT, desde março de 2004.
Para o desenvolvimento da minha pesquisa, que trata de aspectos da história
do ensino da alfabetização em Diamantino, no período de 1930 a 2000, se faz
necessária a consulta a fontes documentais ligadas a normatizações em nível
nacional, estadual e municipal. Desse modo, solicito a Vossa Senhoria a autorização
para o acesso aos arquivos passivos desta instituição, a fim de consultar
documentos referentes a esse período.
Contando com a compreensão e colaboração, antecipo agradecimentos.
Atenciosamente,
Profª. TEREZINHA FERNANDES MARTINS DE SOUZA
Mestranda/ UFMT
Ao Ilmº Sr.
____________________________________________
M.D. _______________________________________
Diamantino – MT
249
ANEXO 02 – ROTEIRO PARA ENTREVISTA ABERTA I – PROFESSORAS
ALFABETIZADORAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
Orientadora: Drª Lazara Nanci de Barros Amâncio
Orientanda: Terezinha Fernandes Martins de Souza
ROTEIRO PARA ENTREVISTA ABERTA I
DADOS PESSOAIS
Nome completo
Nome dos pais
Local e data de nascimento
Endereço
Atividades atuais
FORMAÇÃO EDUCACIONAL
Nome e local da primeira escola que freqüentou como aluno
Nome do primeiro professor e período
Onde estudou o ginásio escola e período
Onde estudou o segundo grau, curso escola e período
Onde estudou o 3º grau, instituição e período
Outros cursos
MEMÓRIAS
I – Do ensino da Alfabetização, como aluno(a):
- onde aprendeu a ler e escrever? Na escola? em outro lugar? onde? com quem?
que idade tinha?
- lembra-se de quando, exatamente, começou a ler? como foi? o que lia?
- como era a escola? qual a localização com relação à cidade? ficava no centro? era
perto ou longe de sua casa?
- como era organizado o horário escolar? quais as disciplinas estudadas? havia
prioridade de alguma disciplina sobre as demais ou eram igualmente tratadas?
- como era o relacionamento professor-aluno? havia castigos, prêmios?
- leitura e escrita eram ensinadas simultaneamente?
250
- fale sobre o ensino da linguagem oral e escrita. que tipo de atividades eram
propostas pelo(a) professor(a) no ensino de língua materna?
- como era a aula de leitura? quem lia? todos os alunos? o (a) professor(a)?
- como era a aula de linguagem escrita? o que se escrevia? havia cópias? exercícios
de caligrafia? havia cadernos especiais para essas atividades?
- qual o método usado pelo(a) professor(a) para o ensino da leitura e da escrita?
aprendia-se com facilidade?
- a que materiais o professor recorria nesse ensino?
- havia cartilhas, livros, manuais? quais os títulos?
- como eram os livros? ilustrados? coloridos? que tipo de letras era usado? e o
papel, de que tipo era?
- de onde vinham esses materiais? Eram publicados aqui mesmo no Brasil? lembra-
se do preço? eram caros?
- conservou algum desses materiais ou algum caderno dessa época? estão
disponíveis?
- existia exames finais realizados anualmente, quem podia submeter-se aos
exames? que tipo de cobrança era feita nessa ocasião? com era composta a banca?
o professor participava?
- havia muita reprovação? o que faziam com os reprovados? que disciplinas eram
consideradas mais difíceis?
- como era constituída a sua turma? naquela época, ainda se separavam, meninos
de meninas? já haviam turmas mistas?
- quantos e como eram os colegas? quais os que ficaram mais marcados na
lembrança? por que?
- como definiria o ensino daquele tempo?
- tem fotografias daquele tempo?
II – DO CURSO NORMAL, COMO ALUNO(A)
a) fale um pouco sobre o motivo que o (a) levou a fazer o curso normal.
- fale um pouco sobre os professores: nome, como eram, de onde eram.
- qual a duração do curso?
251
- quais eram as disciplinas estudadas? como se distribuíam no horário? havia algum
tipo de estágio?
- havia compêndios para as disciplinas? todas? quais os tulos? conservou algum
material desse período? estão disponíveis?
- quais as orientações que se recebia acerca do ensino da leitura e da escrita? havia
sugestão de método de trabalho?
- como era constituída sua turma? moças (quantas)? rapazes (quantos)?
- como eram os exames no curso normal? difíceis? todos eram aprovados? quem
presidia os exames?
- quantos formandos terminaram o curso com você?
- tem fotografias daquele tempo?
b) E quanto ao Terceiro grau.
- fale um pouco sobre o motivo que o(a) levou a fazer o curso superior.
- fale um pouco sobre os professores: nome, como eram, de onde eram.
- qual foi o curso? qual a sua a duração ?
- quais eram as disciplinas estudadas? como se distribuíam no horário? havia algum
tipo de estágio?
- havia compêndios para as disciplinas? todas? quais os tulos? conservou algum
material desse período? estão disponíveis?
- quais as orientações que se recebia acerca do ensino da leitura e da escrita? havia
sugestão de método de trabalho?
- como era constituída sua turma? moças (quantas)? rapazes (quantos)?
- como eram os exames no curso superior? difíceis? todos eram aprovados? quem
presidia os exames?
- quantos formandos terminaram o curso com você?
- tem fotografias daquele tempo?
III – DO MAGISTÉRIO, COMO PROFISSIONAL
- Fale um pouco sobre sua experiência com o magistério. Qual foi a primeira escola
em que trabalhou? Em que período e localidade? Com que série trabalhou? Como
era a sua primeira turma? Quantos eram os alunos (meninas/meninos)?
252
- como conseguiu a sala de aula? houve concurso? como eram nomeados os
professores?
- como era organizada a sua sala de aula? quantos alunos havia? trabalhava com
meninos e meninas? que idade eles tinham?
- sentia-se preparada para ensinar? como preparava as aulas? a que materiais
recorria? haviam algumas diretrizes, orientações pedagógicas? de que tipo? por
quem eram realizadas?
- havia fiscalização do estado ou município sobre o ensino? por quem era realizada
e em que freqüência?
- como era a sua relação (e dos demais professores) com: a) diretor b) supervisor ou
coordenador pedagógico c) inspetor d) outros professores?
- havia alguma espécie de orientação pedagógica específica sobre alfabetização?
quem era responsável por essa questão? o diretor? o supervisor/coordenador
pedagógico? o Assessor pedagógico?
- lembra-se de alguma revista pedagógica, que tratava sobre questões de ensino e
que teve acesso naquele período? qual? como conseguia?
- como definiria o ensino daqueles tempos? tem fotografias daquele período? estão
disponíveis?
- que métodos usava para ensinar? acompanhava algum manual? qual?
- que tipo de atividade costumava propor para o ensino da língua materna?
- como era a aula de leitura? o que se lia? cartilha? outros materiais? quais? como
eram distribuídos aos alunos?
- conserva alguns materiais (cartilhas, caderno de plano, anotações) daquele tempo
(inicio da carreira principalmente)? estão disponíveis?
- durante o período que lecionou houve alguma mudança quanto a organização do
ensino da alfabetização? houve introdução de novos métodos e procedimentos de
ensino? o que mudou na sua prática?
253
ANEXO 03 AUTORIZAÇÃO CONCEDIDA PELAS PROFESSORAS
ENTREVISTADAS PARA DIVULGAÇÃO DE DADOS DA ENTREVISTA E
IMAGENS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
Orientadora: Drª Lazara Nanci de Barros Amâncio
Orientanda: Terezinha Fernandes Martins de Souza
AUTORIZAÇÃO
Eu_________________________________________________________________,
Autorizo a professora pesquisadora Terezinha Fernandes Martins de Souza a
mencionar o meu nome e imagem (fotografia) em sua Dissertação de Mestrado,
publicando dados sobre a entrevista por mim concedida em __________________,
no dia____ do mês de____________ do ano de 2005.
__________________________________
ASSINATURA
254
ANEXO 04 – ESCOLAS ISOLADAS RURAIS MISTAS
PROFESSOR
ESCOLA
ANO
Henrique da Costa Neves Rural Mista de Córrego Fundo 1939/43
Manoel Nemesio da Costa Rural Mista de Pontezinha 1943
Ir. Carmelita Abreu Rural Mista do Macuco 1943
Maria das Neves Rosa Rural Mista Utiariti 1945
Ir. Zélia Maria Rural Mista de Pontesinha 1946
João Gusmão de Lara Povoação das Pedras 1946
Dilza Martins de Queiroz Rural Mista de Melgueira. 1954
Jovina de Almeida Soares Rural Mista da Fazenda Nova 1944
1955
Geremias Leônidas Santana Rural Mista Caeté 1957
Erly Soares Ferreira Rural Mista de Piraputanga 1958
Maria Bonfim Rural Mista Caeté 1959
Liberata Alves Santana Rural Mista Caeté 1959
Nelcy Moreira Queiroz Rural Mista de Melgueira 1959
Odete Barros Vanni Rural Mista Gleba Diamantino. 1961
Luiz Marques da Silva Rural Mista da Fazenda São João 1961
Ir. Lelly Serafim Rural Santo Inácio em Utiariti 1964
Ir. Lourdes Vina da Silva Rural Santo Inácio em Utiariti 1964
Ir. Josélia Martha Tomelin Rural Sto Inácio de Utiariti 1964
Ir. Lavina Ballestieri Rural Santo Inácio de Utiariti 1964
Maria Euzébia Ferreira Rural Mista do Rio Preto 1965
Ir. Conceição Muniz Rural Santo Inácio de Utiariti 1968
Ir. Carmelita Vieira de Abreu Rural Santo Inácio de Utiariti 1968
Fonte: Livro ata de Termos de Posse de Professores - Arquivo da Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Plácido de Castro – 2005 (quadro organizado pela pesquisadora).
.
255
ANEXO 05 –1ª ESCOLA URBANA MASCULINA E FEMININA
PROFESSOR
ES/AS
CIDADE
POSSE
ALUNOS
MASC
ALUNOS FEM.
Egydia da Silva França Diamantino 08/11/1916 - 20
Joaquim da Silva França Diamantino 07/02/1918 41 -
Fonte: Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso, Dr. Cesário Alves Corrêa, ao
Secretário do Interior, Justiça e Fazenda, Dr. Virgílio Alves Correa Filho, Cuiabá 14 de março de
1922. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Livro 108 – A, 2005. (quadro organizado pela
pesquisadora).
MUNICIPIO
ESC
SEXO.
PROFESSORA
S
CONTRAT.
EFETIVO
FORMAÇÃO
Diamantino Urb Masc. Maria Josefina M. Garcia ou M.
da Glória F.M. Garcia
07/09/1930 ----------------
Leiga
Diamantino Urb Fem. Maria Capistrano da Silva 10/06/1932 Normalista
Diamantino Urb Masc Castorina Sabo Mendes 11/04/1939 ---------------- Leiga
Fonte: Relatório apresentado ao Presidente do Estado pelo Diretor da Instrução blica, Francisco
Alexandre Ferreira Mendes. Cuiabá, 25 de Fevereiro de 1944. Arquivo Público de Mato Grosso
APMT, 2005. Impresso Avulso(quadro organizado pela pesquisadora).
256
ANEXO 06 - COLÉGIO EXTERNATO SANTA TEREZINHA
PROFESSORAS (IRMÃS) ANO MASC. FEM
Zélia Maria do Santo Anjo da Guarda 1941 -----------
18
Julita da Nossa Senhora Aparecida 1941 17 --------------
Gilberta da Imaculada Conceição (Diretora) 1942 --------- -------------
Zélia Maria do Santo Anjo da Guarda 1942 ---------- 21
Lourdes 1943 18 --------------
Zélia Maria do Santo Anjo da Guarda 1943 ---------- 19
Carmelita Abreu 1943 ---------- 16
Lourdes (Diretora) 1945 -----------
-------------
Lucinda Faquini 1945 25 --------------
Zélia Maria do Santo Anjo da Guarda 1945 ---------- 17
Carmelita Abreu 1947 ---------- 15
Fonte: Diários de Classe. Ensino Particular. Curso Primário. Escola Externato Santa Terezinha. Rua
Coronel Fanchét. S/N - Diamantino – MT. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005
(quadro organizado pela pesquisadora).
257
ANEXO 07 –ESCOLA REUNIDAS MAJOR CAETANO DIAS
PROFESSORAS
ANO
Maria de Oliveira 1948
Maria do Carmo Magalhães 1948
Ir. Maria Célia 1949
Ir. Lucinda Faquini 1949
Castorina Sabo Mendes 1949
Elina Dias Pinto 1949
Judith Dias Pinto 1949
Ir. Zélia 1950
Ir. Carmelita 1950
Ir. Maria Assunção 1950
Waldice Haiydêe Mendonça Vasconcellos (Normalista) 1953
Ir. Clarência Maria da Imaculada Conceição 1955
Odete Neves de Barros 1955
Wilma Berenice Vasconcellos 1955
Luiza Sabo Mendes 1955
Nilce Pereira Régis 1956
Maria Madalena de Souza 1956
Wilma Bahiense Vasconcellos 1956
Waldice Waydêe Vasconcellos 1957
Tereza Alves da Costa 1957
Wanlira Bahiense Vasconcelos 1958
Tereza Alves da Costa 1958
Ir. Aurora Maria Nacan 1959
Carmem Vieira Dias 1959
Nadir de Souza Falcão 1960
Lucy Maria Vanni Rangel 1960
Dayse Vieira de Barros 1960
Nadir de Souza Falcão 1960
Lucy Maria Vanni Rangel 1960
Ir. Aquiléia 1960
Maria C. S. Mendes 1960
Anadir V. dos Santos 1960
Lourdes Sabo Mendes 1961
Ir. Ana Norberto 1961
Ir. Neuza Teixeira 1961
Fonte: Livro de Registro Escolar. Freqüência Diária. Modelo II. Ensino Primário. Escola Reunidas
Major Caetano Dias. Praça da Bandeira, S/N. Diamantino MT. Termos de Posse de Professores da
Escola Reunidas Major Caetano Dias. Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005 (quadro
organizado pela pesquisadora).
258
ANEXO 08 –GRUPO ESCOLAR CAETANO DIAS
PROFESSORAS
ANO
Miracy Capistrano Ferreira 1961
Dilza Martins de Queiroz 1961
Maria de Lourdes Guimarães 1961
Lourdes Sabo Mendes 1961
Ir. Anadir Virginia dos Santos 1961
Maria Rosa Almeida da Costa (normalista) Auxiliar de Diretor 1961
Cecília Vanni Sabo 1961
Ir. Maria Assunção 1962
Ir. Sarvelina Nicolodi 1962
Odete Vieira de Barros 1963
Nelcina Vanni Guimarães 1964
Dilma Vieira de Barros, 1967
Marilza Sabo de Oliveira 1967
Padre José Moura e Silva 1967
Antonia Abigail Rodrigues Arrais – Normalista 1968
Carmem Vieira Dias 1968
Martha Tomelin 1968
Nelcina Vanni Guimarães 1968
Maria de Lourdes Guimarães 1968
Cecília Vanni Sabo 1968
Eny Magalhães Leque 1971
Helena Pereira Guimarães 1971
Nilce Pereira Régis 1971
Benedita José das Graças 1971
Fontes: Ata de Lançamentos de Compromissos da Escola Reunidas Major Caetano Dias, 1948 a
1968. Diário Oficial do Estado de Mato Grosso. Ano LXV. Cuiabá , 21 de março de 1961. Ata de
Inauguração Solene do Grupo Escolar Caetano Dias, de 30 de março de 1961. Diários de Classe de
Professores Primários do Grupo Escolar Caetano Dias, 1968 e 1971. Arquivo Escola Estadual Plácido
de Castro, 2005 (quadro organizado pela pesquisadora).
259
ANEXO 09 – GINÁSIO ESTADUAL CONCEIÇÃO - 1968
PROFESSORES
/AS
DISCIPLINAS
Pe. José do Lago Latim, Matemática Francês e Canto
Pe. Teodoro Geografia
Pe. Egídio História
Pe. Thomaz Português, Civilidade e Caligrafia
Ir. Lucinda Faquini Aritmética e Desenho
Pe. Heriberto Diretor
Fonte: Livro de Registro dos Seminaristas (férias, missas, passeios, merenda, campeonatos,
anúncios, curiosidades, informativos, aulas, disciplina, sabatina e outros), 1964 a 1968. Arquivo da
Escola Estadual Plácido de Castro, 2005 (quadro organizado pela pesquisadora).
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ANEXO 10–ESCOLA ESTADUAL DE 1º GRAU PLÁCIDO DE CASTRO – 1973
PROFESSORAS
SÉRIE
Nº ALUNOS
Dilza Vanni Lima 24
Odete Vieira de Barros 24
Narcisa R. Silva 25
Palmira P. Arruda 37
Carmelita Abreu 30
Hilda Lídia de Arruda 33
Diários de Classe de Professoras Primárias da Escola Estadual de 1º Grau Plácido de Castro, 1973.
Arquivo da Escola Estadual Plácido de Castro, 2005 (quadro organizado pela pesquisadora).
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