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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA - TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
LINHA DE PESQUISA - EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
LEITURA, ESCRITA E LETRAMENTO: UM
ESTUDO DE CASO NA PRÉ-ESCOLA
EM RONDONÓPOLIS-MT
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CUIABÁ-MT
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA - TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
LINHA DE PESQUISA - EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
GEPLL - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM
LEITURA E LETRAMENTO
LEITURA, ESCRITA E LETRAMENTO:
UM ESTUDO DE CASO NA PRÉ-ESCOLA
EM RONDONÓPOLIS-MT
Teina Nascimento Lopes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Instituto de
Educação da Fundação Universidade Federal
de Mato Grosso, para a obtenção do título de
Mestre em Educação na área de concentração
Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação
Escolar, na linha de pesquisa Educação e
Linguagem.
Orientadora: Prof
a
. Dr
a.
. Ana Arlinda de Oliveira
CUIABÁ-MT
2008
ads:
L8641l LOPES, Teina Nascimento.
Leitura, Escr
ita e Letramento: um estudo de caso na
pré-escola em Rondonópolis-MT / Teina
Nascimento
Lopes.— Cuiabá: UFMT/IE, 2008. 170 p.: il. Color.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação
da Universidade Federal de
Mato Grosso, como requisito à obtenção
do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Ana Arlinda de Oliveira
Bibliografia: p. 164 – 170.
CDU – 37.014(817.2)
Índice de Catálogo Sistemático
1- Leitura
2- Escrita
3- Letramento
4- Educação Infantil
Aos meus filhos:
Tannyor, meu porto seguro:
pela eterna amizade, companheirismo
e alegrias inesquecíveis;
Tayron, que me ensina diariamente a
reaprender a ser mãe, seu carinho e
determinação são alimento para minha
alma.
À minha sobrinha Marianna, cuja
alegre curiosidade e sede de aprender
são constante desafio.
AGRADECIMENTOS
À Prof
a
. Ana Arlinda de Oliveira, com quem pude re-significar minha dimensão de
leitora, pela inestimável colaboração, paciente orientação e eterna amizade.
À Prof
a
. Ana cia Goulart de Faria, pela contribuição, mesmo que distante, esteve
presente pelos livros.
À Prof
a
Lázara Nanci de Barros Amâncio, pelas importantes contribuições, atenta
leitura e construtivas críticas.
Ao professor Ademar de Lima Carvalho e a saudosa professora Soraiha Miranda de
Lima que muito contribuíram com meu trabalho nos seminários de pesquisa.
Ao companheiro e amigo Javert Melo Vieira, pela compreensão em momentos de
grande pressão e que nunca privou-se em me dar seu apoio e carinho.
À minha mãe Joana e minha irmã Érica pela presença efetiva e apoio incondicional.
À amiga Genialda Nogueira, primeira incentivadora deste trabalho.
A todos os colegas da Linha de Pesquisa Educação e Linguagem que estiveram
nessa caminhada e especialmente às “amadinhas”, Cleusa Barcelos, companheira
de viagem, estudo, insônia, obrigada por partilhar de minhas aflições, Ieda, Claudia,
Rosana, Marijane e Jeane.
Às amigas e companheiras, do Departamento de Educação Infantil, da Secretaria
Municipal de Educação, Adriana, Alessandra, Glória, Luísa, Mirian, Rosilda, Roseli e
Sandra. Obrigada pelo apoio sempre incondicional, pelas reflexões que me
possibilitaram fazer através da convivência diária, pelos estudos e pelas muitas
vezes que me deram a mão e aconchego.
Aos colegas e amigos da Secretaria Municipal de Educação, Ana Angélica, Antonio,
Aparecida Polizel, Aureny, Daniele, Dania, Dolores, Dulcilene, Eledir, Franklin,
Isabel, Jacilene, Letícia, Liliane, Marlides, Márcia, Maria Helena, Maria Lúcia, Maria
Odeth, Marisa, Messias, Molise, Neide, Renato, Rosemeire Moraes, Rosemeire
Caldeira, Silvia, Soleida e Vanuza. Obrigada pela torcida e cooperação.
À professora Rosemeire Lucas Barreto, amiga querida e dedicada, sempre pronta a
contribuir e aprender.
Às professoras Anailda, Mair, Raquel e Sandra, e auxiliares Dona e Rita,
funcionárias da EMEI Mateus Vinícius Braz, pela oportunidade concedida para a
realização deste.
A todos os professores, coordenadores pedagógicos e diretores de Educação Infantil
de Rondonópolis, que possibilitaram ampliar meus conhecimentos acerca da
infância.
A todos aqueles que cooperaram direta ou indiretamente para que este trabalho se
efetivasse, meu muito obrigado.
Olhar da infância
Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro -
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inonimadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
Podia dar ao canto formato de sol.
E, se quisesse caber em uma abelha, era
só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela.
Como se fosse infância da língua.
Manoel de Barros
RESUMO
Esta dissertação tem como tema as práticas pedagógicas de letramento, leitura e
escrita na Educação Infantil e como cenário a Escola Municipal de Educação Infantil
Mateus Vinícius Bráz, no município de Rondonópolis-MT. O estudo teve como
objetivo central investigar e conhecer as concepções e práticas relacionadas ao
aprendizado da leitura e escrita na Educação Infantil. Tomei por base de análise
estudos referentes ao letramento, leitura e escrita e estabeleci um paralelo entre
eles e os procedimentos práticos da professora. A questão central para esta
investigação é: Como uma professora de Educação Infantil interage com as
crianças nas práticas de letramento, leitura e escrita e quais são as relações
estabelecidas entre o coletivo infantil e a professora? Da bibliografia específica
sobre a Educação das crianças no Brasil, destaco os estudos de Faria e Mello
(2002, 2005 e 2007), Ferreiro (1987), Garcia (2005), Jobim e Souza (2005), Kramer
(2003, 2004, 2005 e 2006), Kishimoto (2007), Kuhlmann (1998, 2004), Lajolo e
Zilberman (2003), Mortatti (2004), Oliveira. A. (2005), Oliveira. Z. (2000, 2004,
2005), Soares (2000, 2006, 2007), entre outros. A análise dos dados revelou as
práticas significativas realizadas pela professora e a dificuldade diante da mudança
para novos fazeres. A pesquisa é de cunho qualitativo, um estudo de caso; como
instrumentos de investigação utilizei a observação, entrevistas semi-estruturadas e
conversas informais com a professora e as crianças. Busquei também informações
em fontes documentais como diário, caderno de campo, relatórios descritivos,
proposta pedagógica e outros. O convívio cotidiano com a docente e as crianças
facilitou sobremaneira a obtenção das informações desejadas e a realização do
estudo. A relevância da pesquisa está em contribuir com reflexões acerca das
práticas significativas na Educação Infantil, especialmente as voltadas ao
letramento, leitura e escrita.
Palavras chave: Educação Infantil; Letramento; Leitura; Escrita; Práticas
Pedagógicas.
ABSTRACT
This thesis is addressing the educational practices of literacy, reading and writing in
Education and Children's scenario as the Municipal School of Education Child
Matthew Vinícius Bráz, in the city of Rondonópolis-MT. The study aimed to
investigate and understand the core concepts and practices related to the learning of
reading and writing in Infant Education. I have a basis of analysis studies relating to
literacy, reading and writing and establish a parallel between them and the practical
procedures of the teacher. The central question for this research is: As a professor of
Education Child interacts with the children in the practices of literacy, reading and
writing and what are the relations established between the child and teacher
collective? The literature on the specific education of children in Brazil, highlight the
studies of Faria and Mello (2002, 2005 and 2007), Ferreiro (1987), Garcia (2005),
Jobim and Souza (2005), Kramer (2003, 2004, 2005 and 2006), Kishimoto (2007),
Kuhlmann (1998, 2004), Lajolo and Zilberman (2003), Mortatti (2004), Oliveira. A.
(2005), Oliveira. Z. (2000, 2004, 2005), Soares (2000, 2006, 2007), among others.
The analysis of the data revealed significant practices carried out by the teacher and
the difficulty of moving forward to make new. The research is qualitative stamp, a
case study, as the research instruments used the observation, semi-structured
interviews and informal conversations with the teacher and children. Busquei also
information on documentary sources as daily, standard field, descriptive reports, and
other educational proposal. The daily interaction with faculty and children particularly
facilitated the achievement of the desired information and conduct the study. The
relevance of research is to contribute to discussions about the significant practice in
Education Children, especially those focused on literacy, reading and writing.
Key words: Child Education; Literacy, Reading, Writing; Pedagogical Practices.
ÍNDICE DE FIGURAS
Fig. 01 - Frente da Escola Est. de 1
o
Grau Augusto de Moraes .....................07
Fig. 02 - Fundos da Escola Est. de 1
o
Grau Augusto de Moraes ..................07
Fig. 03 - Leitura do espaço da sala com o auxílio da Professora .................105
Fig. 04 - Crianças observando as ilustrações do alfabeto
exposto na sala ........................................................................................... 105
Fig. 05 – Crianças brincando no pátio da escola ........................................ 106
Fig. 06 - Brincadeiras com montagem de peças ......................................... 106
Figs. 07, 08 - Desenho livre .........................................................................107
Figs. 09, 10 - Representação do passeio realizado na chácara
do Tio Chico ................................................................................................ 108
Fig. 11 - Desenho de giz, uma flor ...............................................................109
Figs. 12 - Desenho de giz, um carro.............................................................109
Figs. 13,14 - Crianças no pátio da escola realizando desenhos de
grande dimensão com giz colorido, após assistirem ao filme Pippi ..............109
Figs. 15, 16 - Crianças realizando desenho livre com giz colorido no pátio da
escola após assistirem o filme Pippi. Atividade realizada com a mediação da
professora......................................................................................................110
Fig. 17 - Narração do passeio realizado por Geovanna ...............................111
Fig. 18 - Criança realizando atividade oral, cantando a música,
Borboletinha ................................................................................................. 112
Figs. 19 , 20 - Os meninos vão à frente cantar e dramatizar, atividade
realizada diariamente .................................................................................. 112
Fig.21 - Hora do recreio, as crianças tinham liberdade de escolher
com o que queriam brincar, Geovanna escolheu o lápis e o papel ............ 115
Fig. 22 - Atividade de recorte e colagem de palavras e letras já
conhecidas pelas crianças............................................................................115
Figs. 23, 24 - Crianças utilizando do espaço da lousa para
realizar a escrita do nome a professora mediava o processo ......................116
Figs. 25, 26 - A roda do rádio, audição de rádio na sala ..............................120
Figs. 27, 28 - Leitura de jornal e intervenção da professora quando solicitada
pelas crianças...............................................................................................123
Figs. 29, 30 - Leitura de história pelas crianças ..........................................126
Fig. 31 Roda da história no pátio, professora narrando a história, A Formiga
e o Grilo ....................................................................................................... 127
Fig. 32 - Momento de euforia causado pelo livro vivo ................................. 129
Fig. 33 - Atividade de leitura e ao fundo exposição de cartaz realizado pelas
crianças.........................................................................................................129
Fig. 34 – Leitura de histórias pelas crianças ............................................... 129
Fig. 35 - Atividade oral, narração de histórias realizadas pelas
Crianças ........................................................................................................130
Fig. 36 – Criança em momento de leitura de história .................................. 131
Fig. 37 - Professora conta a história, Chapeuzinho Vermelho .....................132
Figs. 38, 39 - Crianças manuseando as histórias
confeccionadas pela professora .................................................................. 133
Figs. 40, 41 - Crianças assistindo ao filme Pippi, atividade realizada
pelas duas turmas ........................................................................................138
Fig. 42 - Roda de conversa...........................................................................139
Figs. 43, 44 - A viagem de ônibus, entusiasmo e empolgação entre
crianças e professoras ..................................................................................141
Figs. 45, 46, 47 e 48 - Região rural, pasto com gado ao fundo.....................142
Fig. 49 - Chegada à chácara do Tio Chico ...................................................143
Figs. 50, 51 - Desembarque do ônibus chegando na chácara......................143
Fig. 52 - Organizando as crianças para o lanche..........................................144
Figs. 53, 54 - Hora do lanche.........................................................................144
Figs. 55, 56 - Os primeiros macacos a aparecer ......................................... 146
Figs. 57, 58 - Os próximos a surgir por entre as árvores..............................146
Figs. 59, 60 - Mais alguns que surgiram por entre as árvores......................147
Figs. 61, 62 - Expressão das crianças ao ver os macacos nas
Árvores .........................................................................................................147
Fig. 63 - Crianças e professoras em visita ao rio Arareau............................148
Fig. 64 - Flora: a beleza da primavera atrai todos........................................149
Fig. 65 - Pose para a despedida ..................................................................150
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................01
Os Desafios de me tornar Leitora ...................................................................06
I - O PERCURSO DA PESQUISA ..................................................................15
1.1 - Pressupostos Básicos da Pesquisa ....................................................15
1.2 - O Locus da Pesquisa ..........................................................................20
1.3 - A Escolha do Sujeito ...........................................................................22
1.4 - Expondo o Problema ......................................................................... 25
1.5 - Os Caminhos e Procedimentos Metodológicos ..................................26
II - A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO NACIONAL: PONTOS A
PONDERAR ...................................................................................................31
2.1 - As Proposições Políticas para a Infância ...........................................32
2.2 - Contribuições Históricas para a Efetivação de uma
Educação para a Infância ...............................................................................40
2.3 - O Contexto Pré-escolar em Rondonópolis-MT....................................45
2.4 - As Escolas Municipais de Educação
Infantil em Rondonópolis-MT...........................................................................53
III - LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL .....58
3.1 - E por Falar em Leitura... ....................................................................61
3.2 - As Concepções de Leitura e Escrita que Permeiam o Espaço
Educativo da Infância .....................................................................................66
3.3 - As Possibilidades para a Formação de Leitores na
Educação Infantil ............................................................................................70
3.4 - Letramento, Leitura e Escrita: elementos indissociáveis....................75
3.5 - As práticas de Letramento, Leitura e Escrita que se Efetivam na
Escola de Educação Infantil............................................................................77
3.6 - As Linguagens Verbal e Não-verbal como Possibilidades de Interação
e Descoberta ..................................................................................................81
IV - ANALISANDO AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO DA
INFÂNCIA .......................................................................................................85
4.1 - Referencial Orientador da Educação Infantil em Rondonópolis .........86
4.2 – Aspectos da Proposta Pedagógica ....................................................89
4.3 - Reflexos da Teoria na Prática: ouvindo a professora .........................96
4.4 - Instrumentos Utilizados para Subsidiar a Prática Pedagógica ..........100
4.5 - Vivenciando as Práticas Pedagógicas de Letramento, Leitura e
Escrita............................................................................................................10
2
4.6 - Audição de Rádio como Conhecimento da Realidade .....................118
4.7 - Leitura de Histórias para a Formação da Criança Leitora ...............125
4.8 - Histórias como Recurso Disciplinar .................................................134
4.9 - Interação, Coletividade e o Uso Social da Escrita para
o Letramento ................................................................................................136
4.10 - Uma Experiência com a Natureza .................................................140
4.10.1 - A viagem de ônibus ............................................................141
4.10.2 - A interação com a natureza ...............................................143
4.10.3 - A visita aos macacos ..........................................................145
4.10.4 - O rio Arareau ......................................................................148
4.10.5 - A volta ................................................................................149
PARA NÃO CONCLUIR ..............................................................................155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................164
INTRODUÇÃO
Uma criança torna-se mais preciosa com o
avançar da idade. Ao valor de sua pessoa soma-
se o dos cuidados que custou; à perda de sua
vida soma-se o sentimento da morte. Portanto,
deve-se pensar sobretudo no futuro ao zelar pela
sua conservação; é contra os males da
juventude que devemos armá-la antes que tenha
chegado a ela, pois, se o valor da vida aumenta
até a idade de torná-la útil, que loucura é não
poupar alguns males na infância e multiplicá-los
na idade da razão! São essas as lições do
mestre?
Jean-Jacques Rousseau
Falar sobre Educação Infantil em nosso país requer resgatar na história
a justificativa para o descaso que com as crianças brasileiras. O atual
processo de escolarização das crianças de 04 e 05 anos, ao mesmo tempo
em que anuncia a inserção da criança na história da educação e o
reconhecimento da mesma enquanto sujeito e cidadão capaz de produzir
cultura, denuncia o atual cenário brasileiro na área da infância, no qual a falta
de investimento, neste vel de ensino, aparece como o grande vilão contra a
oferta de vagas e o atendimento de qualidade. Atualmente se discute sobre os
novos paradigmas da educação e sobre as políticas de qualidade; no entanto,
paralelas a estas perspectivas estão as possibilidades de investimento nos
equipamentos, na formação contínua do professor e, consequentemente, na
melhor qualidade do ensino. No Brasil, em se tratando de Educação Infantil
tudo é muito novo, e as políticas desse nível de ensino começam a sofrer
mudanças e questionamentos por parte da sociedade.
Por outro lado, a atual política educacional brasileira para a infância
exige dos profissionais da educação uma formação voltada à especificidade
desta faixa etária. A idéia de que é preciso compreender as concepções
acerca da infância não é mais um dogma e sim uma realidade. Ter formação
é requisito necessário para atuar na Educação Infantil, que é tida como a
primeira etapa da educação básica e requer professores, para “educar e
cuidar” das crianças de zero a cinco anos, e o mais os “cuidadores”, sem a
exigência da formação docente. O perfil deste profissional tem sido muito
discutido, entretanto, somente bem pouco tempo os olhares das
instituições de ensino superior se voltam para a formação desse professor,
educador da infância.
1
A cada dia os educadores da infância são desafiados pelas crianças a
saberem mais, a buscarem mais entendimento sobre a infância e sobre a
criança que temos hoje, embora os caminhos que percorremos por essas
teorias ainda sejam tímidos. Gostar de crianças foi, no passado, a única
exigência para ser um educador da infância, porém, atualmente esse requisito
deixa de ser o centro e lugar à ão de aprender a aprender, a ensinar, a
viver com o dilema, com a contradição e o paradoxo proposto pela criança.
Considerando o que muitas pesquisas já mostraram, em relação às
práticas escolarizantes na infância, pode-se afirmar que a educação das
crianças pequenas passa por dois vieses, dos quais o primeiro é o modelo
educacional importado do Ensino Fundamental para a Educação Infantil. O
segundo refere-se à falta de conhecimento da cultura da infância, visto que
poucos educadores o possuem, e uma grande parte destes considera que
para ser professor de crianças não é necessário formação e conhecimento
das teorias que as explicam. Talvez seja este o maior dos desafios do
professor de Educação Infantil deste início de milênio, a busca da importante
compreensão de uma cultura da infância.
1
Esse assunto é analisado por Anamaria Santana da Silva (2003) em sua tese de doutorado, intitulada A Professora de
Educação Infantil e sua Formação Universitária UNICAMP. A autora discorre sobre “[...] qualificação dos
profissionais de creches e pré-escolas que sejam capazes de planejar, executar e avaliar situações educativas nos
espaços de educação e cuidado das crianças pequenas. Assim, a construção da pedagogia da educação infantil se
constitui através de pesquisas e estudos elaborados nos meios acadêmicos [...] Os cursos de formação inicial e
continuada são espaços não apenas de transmissão desses conhecimentos, como também de re-elaboração desses
saberes [...] Por isso, são espaços essenciais e fundamentais na construção da pedagogia da educação infantil.”
Neste sentido, observa-se que práticas que não compreendem o
tempo da criança e que, ainda, em muitas instituições de Educação Infantil, os
educadores atuam como detentores do saber e se utilizam de exercícios
repetitivos, sem considerar o conhecimento que as crianças trazem
consigo. As atividades significativas estão pouco presentes nas escolas; desta
forma, continua-se a aplicar o modelo escolarizante do Ensino Fundamental,
segundo o qual a criança precisa fazer tarefa, possui cadernos, um para cada
disciplina, desenvolve atividades mimeografadas fora de um contexto
significativo e de cunho escolarizantes e, por fim nas escolas particulares,
ainda existe o tão famoso vestibulinho.
Tendo as concepções e práticas de letramento, leitura e escrita na
Educação Infantil como objeto de estudo deste trabalho, da abrangência do
tema, delimitei o estudo à investigação da prática pedagógica de uma
educadora da infância da Rede Municipal de Ensino de Rondonópolis-MT. O
objetivo da pesquisa é investigar e conhecer as concepções e práticas
relacionadas ao aprendizado da leitura, escrita e letramento na Educação
Infantil, na tentativa de oportunizar o estudo de metodologias e o incentivo à
leitura no universo infantil.
São estas as questões de pesquisa a que pretendo responder ou
instigar ainda mais a reflexão no campo dos estudos sobre a educação das
crianças: De que forma a leitura, a ludicidade e o encantamento pelo qual a
criança percorre o caminho da escolarização são introduzidos pela professora
nessa turma de Educação Infantil? Quais práticas de leitura e escrita a
educadora proporciona às crianças? Em que contexto se dão essas práticas
pedagógicas? Como são propostas as atividades no contexto do letramento
às crianças? Entendo que essas questões carecem de reflexão, observação,
estudo e pesquisa, portanto, é este o estudo que me proponho realizar no
presente trabalho. Dentre as indagações acima, exponho como a questão
central para esta investigação:
Como uma professora de Educação Infantil interage com as crianças nas
práticas de letramento, leitura e escrita e quais são as relações estabelecidas
entre o coletivo infantil e a professora?
Nessa perspectiva, busquei inicialmente discorrer sobre minha história
de leitura, fazendo um relato de como me constituí leitora, bem como do meu
processo de iniciação à leitura e escrita e das práticas de letramento
vivenciadas por mim no espaço da escola e fora dela. Nestas vivências,
ancoro muitas de minhas concepções de educadora da infância.
Visando à consecução do objetivo do presente estudo, o trabalho
estrutura-se como descrevo a seguir. No primeiro capítulo, relato o percurso,
o locus e os pressupostos básicos da pesquisa. Falo ainda sobre a escolha
do sujeito e quais foram os critérios que a nortearam, o problema que me
moveu a fazer a pesquisa e os caminhos e procedimentos metodológicos na
realização do estudo.
Discorro no segundo capítulo, sobre as políticas da infância no Brasil;
apresento os aspectos legais do que foi elaborado até os dias atuais em
termos de legislação pós-Constituição de 1988 e discuto em que a legislação
tem contribuído para os avanços e retrocessos na educação das crianças
brasileiras. Faço considerações sobre alguns aspectos da história da infância
no Brasil e exponho o pano de fundo do atual contexto pré-escolar em
Rondonópolis-MT e as políticas que o município tem traçado para o
atendimento às crianças dessa faixa etária. Apresento um breve histórico das
EMEIS Escolas Municipais de Educação Infantil, que foram criadas com
vistas às atuais metas de ampliação de matrículas associada à qualidade na
Educação Infantil.
no terceiro capítulo destaco os conceitos de leitura, escrita e
letramento, tratando de forma particular a indissociabilidade destes e as
possibilidades para a formação de leitores na Educação Infantil, bem como as
concepções e práticas de leitura e escrita que permeiam as escolas da
infância. Delineio alguns traços da escolarização da leitura e escrita, tecendo
algumas considerações sobre os equívocos que se constituíram nas escolas
acerca da educação das crianças, mais especificamente do ensino da leitura
e escrita. Dentro deste cenário, trago as concepções dos professores como
vilãs das práticas escolarizantes com as crianças e, por fim, aponto algumas
configurações da linguagem no processo de leitura e escrita das crianças.
Detenho-me no quarto capítulo a descrever as práticas de leitura,
escrita e letramento que observei na sala focalizada, por meio dos dados da
observação das aulas e da documentação pedagógica e faço algumas
proposituras acerca da efetivação de práticas de leitura e escrita significativas
para as crianças. Apresento um relato dessa experiência, a qual, em meio às
contradições no tocante à relação teoria x prática, pude partilhar e vivenciar,
efetivamente, na prática diária da observação. Proponho-me fazer uma
análise comparativa entre a Proposta Diretriz Curricular Municipal para a
Educação Infantil, encaminhada pela Secretaria Municipal de Educação e a
Proposta Pedagógica da escola na qual se realizou a pesquisa. Para a
análise que se segue no capítulo, traço alguns temas para análise, com os
quais relato, descrevo, indago e pontuo a intenção explícita da prática
pedagógica e o implícito das conversas mantidas com a professora. Analiso
as práticas de leitura e escrita das letras, do mundo e da realidade, que a
docente propôs, e as respostas das crianças a estas sugestões.
Nas considerações finais, dedico-me a apresentar algumas proposições
pretendidas com a pesquisa, no intuito de contribuir com práticas de
letramento, leitura e escrita. Proponho concepções e práticas pedagógicas
que compreendam o tempo vivido pela criança, livres de pré-conceitos,
carregadas de significados e que primem pela concepção de criança
enquanto sujeito de direito e capaz de produzir cultura no mundo globalizado.
Os Desafios de me Tornar Leitora
Por isso, é valido sugerir que a história da
literatura de um povo é a história das leituras
que foram feitas e se fazem de seu acervo
literário, em especial divergentes, sem
silenciamentos, sem censuras.
Pedro Demo
Falar de minha história de leitura requer reviver na memória alguns
fatos marcantes, às vezes frustrantes, mas também de enorme satisfação
pessoal vividos na infância. A pesquisa me possibilitou recordar os momentos
vividos que fizeram de mim a leitora que sou.
Assim, passo a tecer, aqui, lembranças prazerosas da escola,
considerando que na década de 70 iniciava-se no Brasil uma tendência que
buscava conciliar cuidado e educação, mais conhecida como educação
compensatória; como o próprio nome diz, esta tinha por princípio compensar
as crianças que eram privadas culturalmente, ou seja, dar a elas o que os
educadores da época achavam que lhes faltava.
Posso afirmar que em minha experiência de leitura não foi a escola a
responsável pela simpatia que tenho pelos livros. Comecei muito cedo no
caminho da escola, pois sou a “filha do meio” e, com meus pais trabalhando
fora e a falta de escolas de Educação Infantil e creches, fui obrigada a ir para
a escola de Ensino Fundamental aos quatro anos de idade, acompanhada de
meu irmão, então com seis anos, matriculado na pré-alfabetização, no ano de
1976. Minha experiência com a escola começou no Grupo Escolar, hoje
conhecido como Escola Estadual de 1
o
Grau Augusto de Moraes, situada à
Av. Rio das Garças s/n
o
, em Guiratinga - MT.
Figura n
o
01 Figura n
o
02
Frente da Escola Est. de 1
o
Grau Augusto de Moraes Fundos da Escola Est. de 1
o
Grau Augusto de Moraes
Lembro-me de pouca coisa nesse primeiro ano escolar, pois eu não
gostava de quase nada lá; o uniforme, saia azul plissada, camiseta branca,
meias na altura dos joelhos e tênis, era tudo que eu não queria usar aos
quatros anos. As cadeiras eram desconfortáveis, meus pés não alcançavam o
chão, a sala era muito numerosa e como se não bastasse era a última do
corredor. Tinha a sensação de que, se quisesse fugir por alguma razão, não
conseguiria chegar até a porta. Com exceção do recreio, tudo era causa de
insatisfação.
Havia também uma cartilha de cujo nome não me lembro; eu adorava
ver as figuras, porém não podia ficar nessa atividade por muito tempo, pois
tinha que “cobrir os pontinhos”, uma das atividades que mais fazíamos na
escola.
Mas tinha um momento de que eu gostava, que era o dia de cantar o
Hino Nacional e hastear a bandeira. Torcia para chegar o dia em que eu
fosse convidada a levantar a bandeira, mas esse dia não chegou, pois eu era
muito pequena, a menor da turma e, portanto, era considerada incapaz para
algumas atividades. De vez em quando ouvia alguém dizer que eu estava
como ouvinte. Não entendia o que isso significava, mas sabia que tinha que
ouvir bastante e falar bem pouco.
No entanto, pude levar dessa escola a letra do Hino Nacional, pois ao
término do ano letivo eu havia aprendido a cantar o mesmo e nunca mais o
esqueci. Lembro que cantava com ou sem o instrumento eletrônico, pois
havia aprendido de verdade. Associo a isso o fato de ser esse um momento
prazeroso na escola, pelo menos era o que eu mais gostava, pois a cerimônia
era realizada no pátio, como se fosse um ritual, com toda a escola reunida em
posição de sentido. Não sabia por que, mas sabia que era um dia importante,
no qual não era admitido atraso nem “brincadeiras”. Aliás, brincadeiras é uma
coisa que não me lembro de ter feito nessa escola.
No ano seguinte, 1977, meu irmão foi para a 1
a
série e mudou de
escola, e eu fui junto. Fomos estudar com uma tia, parente bem próxima de
nossa mãe, o que dava a ela plena autoridade para o castigo, caso algo não
saísse dentro do “programado”. Ela era querida, porém rígida e considerada a
melhor alfabetizadora da cidade; todos diziam que se tivesse alguma criança
que não soubesse ler, tinha que passar pela professora Marlizinha.
Eu tinha cinco anos e não me interessava pelas atividades que eram
propostas na escola, tudo era chato, tinha muita tarefa, pouco recreio,
nenhum parque, a escola era escura e com corredores muito longos, o que
me instigava a passear por eles até ser “convidada” a retornar para a sala,
que também tinha muitos alunos; por fim, as cadeiras continuavam
desconfortáveis, eu pouco tinha crescido e ainda não alcançava os pés no
chão.
Mas nessa escola os alunos da 1
a
série participavam das festividades,
e fui escolhida para levar uma bandeira no desfile de 07 de setembro daquele
ano. Por insistência de minha tia Marlizinha, fui representar a turma e levar a
bandeira de um estado que não me lembro qual era. O que era tão esperado
por mim acabou se transformando num desespero, pois estava muito quente
e demorava muito a começar o desfile, que, enquanto faltasse uma
autoridade no palanque, as escolas não eram autorizadas a desfilar pela
avenida. Naquele dia, comecei a entender por que diziam que as crianças
menores tinham que ir no carro. Minha roupa era de cetim amarelo,
extravagante e desconfortável; fui vencida pelo cansaço e não consegui
concluir minha tarefa, desisti na metade do caminho, deixando de lado a
bandeira e o desejo de representar a escola.
No ano seguinte minha mãe foi contratada para trabalhar como auxiliar
de limpeza na Escola de e Graus Santa Teresinha. Era um colégio de
freiras, que ficava perto de nossa casa, e eu sabia que ela me levaria junto.
estudavam apenas mulheres, e isso significava me separar de meu irmão,
o que também foi traumático, pois perdia aí meu “protetor”.
A ida para a nova escola implicava alguns problemas. O primeiro deles
eram minhas notas, que não eram boas, e o segundo era que minha idade
não me permitia ser matriculada na 2
a
série e, assim, novamente fui fazer a 1
a
série, tendo como professora agora uma freira. Essa escola possuía uma
estrutura física mais ampla, mudaram o uniforme e a cartilha, porém tudo
acontecia como anteriormente. Lembro-me de ouvir nessa escola, pela
primeira vez, a palavra “prova”. Eu já sabia ler e lia bem, pois não soletrava, e
os professores gostavam disso. Os únicos livros que percorriam a sala eram
as cartilhas e o Novo Testamento.
Durante os anos que caminhei pela escola me vi sempre ladeada pelo
livro didático. Não me lembro de nenhum outro livro que complementasse as
atividades da aula. Também não me lembro de nenhuma professora contar
histórias para nós. A escola tinha uma biblioteca, mas era permitida a visita
apenas às alunas que cursavam o Magistério; passávamos pela porta, mas
não havia nada lá que nos chamasse a atenção.
Nomeio como fato marcante, o mais desafiador e o responsável em
provocar em mim o sentimento e vontade de conviver com os livros, o que
narro, a seguir. Esta é a lembrança de maior significado que trago da infância
e a grande incentivadora para o caminho dos livros. Brincava muito na rua de
minha casa, e minha melhor amiga era Patrícia, cuja mãe era professora e o
pai, dentista. Em sua casa o ato de leitura ocorria como uma ação diária; o
pai via jornal na televisão e a mãe, a professora, lia.
Na sala de jantar havia uma poltrona e uns armários com alguns livros
que tinham as laterais douradas e que a mãe de minha amiga vivia lendo. De
vez em quando, ao chamar Patrícia para brincar, passava por aquela sala e lá
estava a mãe, de óculos, sentada numa poltrona, lendo tão distraída que não
notava minha presença.
Intrigava-me o fato de ver aquela expressão de prazer no rosto dela ao
ler e me perguntava: O que será que tem naqueles livros dourados que ela
gosta tanto? E era uma prática constante, pois quase todas as noites lá
estava ela, na poltrona, de óculos, tomando chá e lendo. Certa vez, perguntei
a Patrícia se ela lia aqueles livros grossos de sua mãe, e ela respondeu que
não, pois aqueles não tinham graça, não tinham figuras e, por isso, eram
livros “de adulto”. A resposta não me convenceu, e eu dizia que um dia iria ler
um livro daqueles.
De fato, o dia chegou. Nos reunimos para discutir a ida à fazenda, que
seria no fim de semana, e fazer uma lista de coisas que teríamos que levar.
Isso acontecia na cozinha, e de onde eu estava podia observar a mãe de
minha amiga lendo. Ela percebeu o ato e me chamou. Logo pensei que
poderia ser útil para alguma coisa e como prêmio teria a oportunidade de
adentrar o espaço que eu conhecia como proibido.
Ela me perguntou sobre a escola, se eu sabia ler e se queria algum dos
livros emprestado. A seguir, começou a mostrar o livro que ela lia. Levantou
colocou-o sobre a mesa com abajur que ficava ao lado da poltrona e me disse
para ir lendo, pois quando ela voltasse eu contaria sobre a leitura realizada.
Mais que depressa ajoelhei-me ao lado da mesa e comecei a folhear aquele
livro pesado, de folhas amarelas e letras miúdas. Não entendia nada
daquelas palavras, pois não faziam parte de meu vocabulário, ainda tão
restrito, e comecei a me preocupar, porque ela voltaria e eu teria que dizer
alguma coisa do que estava lendo.
Assim que ela voltou, perguntou-me o que havia achado do livro.
Respondi ter achado bom, mas que a história era difícil de entender. Ela
sorriu, disse que era Filosofia, que eu ainda iria estudar o assunto na escola e
se propôs fazer empréstimo de um livro de literatura infantil sob a condição de
que eu cuidasse muito bem dele. Recebi apressadamente o livro, me despedi
do grupo e fui para casa. Eu estava encantada com o livro, que contava a
história A Bela Adormecida.
A casa dessa amiga era um ambiente propício para despertar o gosto
pela leitura, pois seus pais eram leitores, liam Veja, faziam assinatura do
jornal local e tinham muitos livros pela casa, com um vasto acervo de
literatura infantil que eu comecei a utilizar. A mãe de Patrícia permitia que ela
me emprestasse os livros e, assim que os lia, devolvia. Me encantava, pois
havia alguns desenhos que se moviam, o que acabava por dar vida aos
personagens.
Toda essa realidade era completamente oposta à de minha casa. Meu
pai freqüentou apenas até o 4
o
ano da escola primária de seu tempo, minha
mãe à custa de muito sacrifício estudava ainda e conseguiu concluir a 8
a
série. Num tempo ainda recente, em que os livros eram de propriedade dos
ricos, não havia outra possibilidade de me apossar deles que não fosse por
empréstimo. Sem contar que em minha casa o havia um discurso para
incentivar-nos a ler. A fala sempre era: Vai estudar, você tem que estudar....
A leitura era vista como uma exigência para o estudo e nunca como
conhecimento de mundo ou simplesmente um ato prazeroso.
Outra passagem da infância de que me recordo com muita saudade era
a das histórias contadas. Não ganhei livro algum de presente quando criança
e os que li foram aqueles emprestados por Patrícia. Meu pai, contudo, uma
vez deu-me de presente uma fita com as histórias contadas da Chapeuzinho
Vermelho e Branca de Neve. Estas são as melhores lembranças de sonho e
encantamento pelas histórias infantis que tenho.
Lembro-me de que não tínhamos aparelho de som em casa, mas meu
pai tinha um toca-fitas em seu carro e eu contava os minutos para ele chegar
do trabalho, a fim de ir para o carro ouvir as histórias. Tenho na memória as
mais saudosas lembranças daqueles sons de cachoeira, a voz da vovozinha,
o ronco do lobo mau, o choro dos sete anões e o relinchar do cavalo do
príncipe. Não me cansava de ouvir essas histórias e cada vez que ouvia tinha
algo novo que não havia percebido antes. Era tão encantador que às vezes
dormia e acabava sonhando que fazia parte da história.
Os anos seguintes na escola não tiveram grandes inovações ou
momentos que marcassem minha vida de leitora. Uma passagem
interessante aconteceu na 7
a
série. Minha professora de Língua Portuguesa
tinha como propósito a leitura de um livro por bimestre, e assim cada aluna
comprava um livro diferente; líamos e, no bimestre seguinte, trocávamos o
livro entre as colegas. Avalio a experiência como positiva, com uma ressalva.
Digo que a experiência foi positiva porque aqueles foram os únicos
livros que li na adolescência inteira, frutos desse projeto na escola. Nunca me
esqueci das histórias de Pollyana Menina, Pollyana Moça e Pollyana Mulher.
Como último livro para leitura, fomos todas orientadas a ler Memórias
Póstumas de Braz Cubas, de Machado de Assis. Guardo esse exemplar até
hoje. Foi intrigante a leitura, mas pouco entendi; então, pedi à professora que
falasse sobre o livro, mas ela “escapou” dizendo que eu fora desatenta e
precisava ler de novo.
Aqui vem a ressalva: levei comigo a incógnita do livro e somente na
universidade entendi que faltava compreensão. Refiz a leitura após anos de
escolarização, uma leitura que não foi imposta, mas sim escolhida por mim. Li
novamente Memórias Póstumas de Braz Cubas e concluí que se precisa de
maturidade para a compreensão da leitura. Faço esta afirmação baseada
nessa passagem e na conversa que tive com a mãe de minha amiga, ainda
na infância, quando ela pediu que eu lesse o livro tão cobiçado e depois tive
que responder não ter entendido a leitura.
Outros momentos de interessantes leituras aconteceram na
universidade. Eu cursava Letras, curso que exigia muitas leituras, entretanto,
percebi que a literatura me agradava bastante, não havendo problema para
ler as obras indicadas. Fiz um acervo de literatura brasileira e li quase todos
os livros enquanto estava na universidade. Além das leituras obrigatórias me
deliciava com os romances que chamava de leitura “escapista”. Considero a
universidade como sendo a responsável por aguçar em mim o desejo pelos
livros, pois não parei mais.
Fiz uma Especialização voltada para os interesses da leitura e escrita e
quando comecei a trabalhar como professora entendi que estava nas práticas
escolares com a leitura o hiato entre a leitura e o sujeito leitor. Desta forma,
quis resgatar as práticas de leitura de uma educadora da infância para um
possível trabalho de pesquisa e, é o que faço hoje, pois investigo quais
leituras ocorrem no espaço da Educação Infantil, como elas ocorrem e como
as crianças as recebem.
Compreendi, através da reflexão sobre o processo de me constituir
leitora, que o incentivo à leitura na infância pode ser determinante na
formação de leitores. Vejo e entendo que a escola é um locus de
aprendizagem com grande potencial incentivador para o mundo dos livros e
com poder de decisão na formação do sujeito leitor.
CAPÍTULO I - O PERCURSO DA PESQUISA
Nascemos fracos, precisamos de força;
nascemos carentes de tudo, precisamos de
assistência; nascemos estúpidos, precisamos de
juízo. Tudo o que não temos ao nascer e de que
precisamos quando grandes nos é dado pela
educação.
Jean-Jacques Rousseau
Propus-me discutir nesta pesquisa as concepções e práticas de
letramento, leitura e escrita na Educação Infantil. Essa delimitação permitiu-
me evidenciar a problemática central a ser investigada, as práticas de leitura
e escrita na perspectiva do letramento que se consolidam com uma turma de
pré-escola. O estudo tomou como base para análise as observações da
prática pedagógica da professora, as entrevistas realizadas com essa
educadora e as crianças, o Projeto Político Pedagógico da escola em questão
e a Proposta Diretriz Curricular Municipal para a Educação Infantil de
Rondonópolis-MT.
1.1 - Pressupostos Básicos da Pesquisa
Entendo a pesquisa como um processo emancipatório e político, como
preceitua Demo (2004, p. 124) ao afirmar que “pesquisa é a atitude de
‘aprender a aprender’”, e é essa atitude de aprender a aprender que procurei
vivenciar no espaço da investigação. Esse procedimento, muitas vezes,
envolve a criação de possibilidades, para se chegar às fontes do
conhecimento. Neste sentido, vejo ser o professor um orientador e mediador
de tal processo. Ele deverá assumir essa postura, no sentido de despertar
nas crianças a curiosidade e a criticidade diante das informações postas no
cotidiano.
Por isso, é na perspectiva de mediar o trabalho educativo e
potencializar novas práticas educativas, voltadas ao coletivo de crianças e
professores, que pretendi nortear esta pesquisa, mais particularmente na
construção que requer a atitude de “aprender a aprender”.
Convém lembrar, neste ponto, que a legislação em âmbito nacional, a
LDBEN 9394/1996 da qual se tratará no capítulo seguinte concebe a
Educação Infantil como a primeira etapa da educação básica e, embora eu
veja a importância dessa etapa, vejo também quão necessário se faz discutir
as práticas que se efetivam nesse nível de ensino, uma vez que seu currículo
foi pensado em moldes escolarizantes e tem a proposta de preparar as
crianças para estarem aptas a serem “promovidas” para o Ensino
Fundamental.
Diante de tal cenário, busquei estudar algo singular, que retratasse o
atual contexto educacional das crianças de 04 e 05 anos matriculadas na pré-
escola, o que me possibilitou realizar um estudo de caso na Escola Municipal
de Educação Infantil Mateus Vinícius Bráz, com uma professora do II Ciclo
2
da Educação Infantil.
A escolha por realizar um estudo de caso veio pela singularidade que
gostaria de dar a esta pesquisa, cuja proposta era estudar a realidade de uma
sala com crianças de 04 e 05 anos e analisar criteriosamente quais práticas
de letramento, leitura e escrita se efetivavam nessa turma. Entretanto,
ressalto que esta opção somente foi delimitada após a análise de
documentos, dados levantados e cedidos pela Secretaria Municipal de
Educação, informações sobre a formação dos professores de Educação
2
A Educação Infantil no município de Rondonópolis é organizada em ciclos de formação desde 1992. O 1
o
ciclo é
composto por três agrupamentos, tendo o 1
o
agrupamento crianças de zero a dois anos; o 2
o
crianças de dois a dois
anos e onze meses e o 3
o
, crianças de três a três anos e onze meses. O 2
o
ciclo é composto por dois agrupamentos; o
1
o
, com crianças de quatro anos a quatro anos e onze meses e o 2
o
, com crianças de cinco anos a cinco anos e onze
meses.
Infantil, quantas turmas de pré-escola havia nas escolas de Ensino
Fundamental, quais outros espaços eram ocupados pela pré-escola, onde e
em que condições funcionavam, como se dava o ingresso dos professores
para atuarem na Educação Infantil, quem eram os professores que
trabalhavam com as crianças de 04 e 05 anos e quanto tempo eles o
faziam. Enfim, à luz destes dados o contorno da pesquisa foi-se delineando
para a escolha de um estudo de caso.
Lüdke e André (1986) assim conceituam esta modalidade de estudo:
Um caso, seja ele simples e específico, como o de uma
professora competente de uma escola pública, [...]. O caso
pode ser similar a outros, mas é a ao mesmo tempo distinto,
pois tem um interesse próprio, singular. [...] O interesse,
portanto, incide naquilo que ele tem de único, de particular,
mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas
semelhanças com outros casos ou situações. Quando
quisermos estudar algo singular, que tenha valor em si
mesmo, devemos escolher o estudo de caso. (LÜDKE e
ANDRÉ, 1986, p. 17).
A partir desse conceito a opção pelo estudo de caso numa abordagem
qualitativa foi ficando cada vez mais clara, visto que tal procedimento me
pareceu adequado para examinar as múltiplas determinações do objeto de
pesquisa. A preocupação central da trajetória desta investigação está no ato
de compreender e explicar propriamente o objeto de estudo, delineando
criteriosamente os passos da investigação e atendo-me às minúcias na
descrição dos fatos observados.
O trabalho de campo permitiu realizar a observação da prática
pedagógica, que nesta investigação visa destacar aspectos específicos da
Educação Infantil referentes às relações que as crianças estabelecem com a
leitura, escrita e às práticas de letramento.
Os instrumentos utilizados na pesquisa foram entrevista gravada,
análise documental, anotações diárias oriundas da observação em sala e do
relatório descritivo, observação das atividades realizadas com as crianças
fora do espaço da sala, questionário, análise dos diários e do planejamento,
caderno de campo, participação nas atividades e fotografias. A diversidade de
instrumentos analisados possibilitou ampliar o foco no objeto de estudo,
permitindo conhecer e compreender as práticas pedagógicas propostas pela
professora, os equívocos, riqueza e diversidade dessas práticas. Além disso,
em alguns momentos, pude obter elementos que justificavam a distância
entre os pressupostos teóricos e as práticas pedagógicas que se efetivavam
na escola.
Levei também em conta, para a realização da pesquisa, que o estudo
de caso numa abordagem qualitativa possibilita ao pesquisador retratar as
particularidades do cotidiano da escola. Lüdke e André (1986, p. 24) salientam
que “esse tipo de pesquisa oferece elementos preciosos para uma melhor
compreensão do papel da escola e suas relações com outras instituições da
sociedade”. No cenário de contradições entre escola e sociedade, surge a
proposta de construção dialética do contexto escolar na infância, o que
descaracteriza a especificidade e singularidade na Educação Infantil.
A partir dos anos 80, a pesquisa qualitativa ocupou lugar de destaque
no campo educacional, contribuindo para uma presença mais efetiva do
pesquisador em campo. É com o propósito de desvelar fenômenos ainda
ocultos que as pesquisas qualitativas emergem, sob a luz de investigações
cuidadosas e em profundidade. Chizzotti (1991) afirma que,
Os dados na pesquisa qualitativa são fenômenos que não
se restringem às percepções sensíveis e aparentes, mas
se manifestam em uma complexidade de oposições, de
revelações e de ocultamentos, é preciso ultrapassar a sua
aparência imediata para descobrir a sua essência.
(CHIZZOTTI apud BAPTISTA.1996, p. 36).
A interpretação e a escrita são características preponderantes na
pesquisa qualitativa pós-moderna, sendo que Bogdan e Biklen (1994)
discutem a pesquisa nessa perspectiva. Para os autores, esse movimento de
construção de um novo perfil de investigador, que passa a considerar textos
escritos como seu objeto de estudo e a problematizar seu trabalho científico,
foi muito importante para a qualidade das pesquisas na abordagem
qualitativa.
Assim, inicialmente me dedico a um fenômeno que necessita ser
investigado considerando que a princípio as pessoas enxergam coisas
diferentes num mesmo objeto de estudo. É o que observam Lüdke e André
(1986, p.25): “[...] o que cada pessoa seleciona para ver’ depende muito de
sua história pessoal e principalmente de sua bagagem cultural”. Neste
sentido, vejo que muitas vidas geradas no caminho percorrido enquanto
educadora da infância contribuíram para as análises realizadas e para o
desejo de investigar o tema, considerando que um longo caminho a ser
percorrido no tocante às pesquisas acerca da infância no Brasil.
Sobre o assunto, Kramer (2003) faz um convite àqueles envolvidos nas
causas da infância:
[...] destacar a necessidade de que seja realizado amplo e
consistente estado da arte das pesquisas da infância no Brasil,
de modo a mapear a área, traçar um panorama das principais
tendências teórico-metodológicas de investigação, discutir
resultados e apontar tanto os avanços e conquistas quanto as
(muitas) lacunas ainda existentes. (KRAMER, 2003, p. 27).
necessidade de apontar e discutir as várias questões que permeiam
o campo da infância, discutindo os avanços e retrocessos em relação às
muitas facetas da educação das crianças no Brasil, fato que culminou nesta
pesquisa, porém, trazendo a certeza de que não estará aqui a “receita” para a
resolução dos problemas e conflitos entre ensino x educação na Educação
Infantil, mas o propósito de contribuir para a reflexão daqueles que laboram
na educação das crianças. A partir dos relatos das práticas e de sua análise,
pretendo discutir os resultados e apontar alguns caminhos para a pesquisa no
campo da infância.
1.2 – O Locus da Pesquisa
A escolha da Escola Municipal de Educação Infantil Mateus Vinícius
Bráz
3
como locus de investigação deu-se primeiramente por esta atender
exclusivamente à modalidade pré-escola
4
. Neste espaço são matriculadas
aproximadamente 100 (cem) crianças com idade entre 04 (quatro) e 05
(cinco) anos. Um segundo ponto que me chamou a atenção foi o fato de que
as professoras que trabalham nessa escola são todas concursadas para a
Educação Infantil e atuam nesse nível de ensino há mais de 10 (dez) anos.
Por último, considerei o espaço físico da escola ponto determinante
para a escolha do locus da pesquisa, pois a mesma não dispõe de parque
infantil, brinquedoteca, biblioteca, quadra de areia ou outro tipo de área
externa, a não ser uma pequena quadra coberta. Assim, frente a um cenário
bem aquém do que acredito ser indispensável ao desenvolvimento integral da
3
Antes da criação da escola de Educação Infantil, funcionavam neste prédio 04 turmas de pré-escola, sem autorização
do CEE Conselho Estadual de Educação e sem ser regulamentadas. Somente em janeiro de 2006 a EMEI Mateus
Vinícius Bráz foi criada, com o nome inicial de EMEI Ana Maria Machado, em homenagem à escritora brasileira,
porém após alguns meses a Secretaria Municipal de Educação orientou a mudança do nome em virtude de uma lei do
TCU Tribunal de Contas da União que informava ser proibido instituições públicas possuírem nome de pessoas
vivas, sob pena de bloqueio de recursos. O coletivo da escola se organizou e decidiu homenagear um ex-aluno da
mesma, o qual teve sua vida ceifada tragicamente num acidente de trânsito; a mudança ocorreu em julho de 2007.
4
Utilizei o termo pré-escola por essa nomenclatura ser a utilizada na LDBEN / 1996 para identificar a modalidade que
atende às crianças de 04 a 06 anos, sendo que a partir de 06 de fevereiro de 2006, com a Lei n
o
11.274 / 2006, as
crianças de 06 anos de idade foram incluídas no Ensino Fundamental de 09 anos.
criança, propus-me investigar as práticas pedagógicas de letramento, leitura e
escrita que se efetivavam na escola em foco.
A qualidade intrínseca ao pesquisador, a curiosidade, fluiu em mim, pois
senti-me estimulada a investigar sobre as práticas de letramento, leitura e
escrita vivenciadas neste espaço que pouco tinha a oferecer às crianças.
Surgiu a indagação: Será possível realizar atividades significativas para
as crianças num espaço que aparentemente não possui características de um
ambiente alegre, agradável, desafiador, prazeroso e acolhedor? A resposta a
esta pergunta está posta no quarto capítulo, na análise das práticas cotidianas
da professora.
Apropriei-me dos estudos de Faria (2005) para aqui tecer minhas
considerações acerca da importância do espaço físico das escolas da
infância, que na maioria das vezes é considerado apenas pela metragem das
salas, e se esquece a importância de o mesmo ser transformado em um
ambiente de envolvimento, interação e aprendizagem.
Concordo com as idéias da autora: é preciso desorganizar o tempo e o
espaço do mundo adulto para reorganizá-los no sentido de que as crianças
possam produzir as culturas infantis no ambiente da escola. Deve-se ter em
vista que instaurar uma cultura da infância nas escolas é tarefa de todos s,
profissionais da educação.
Ainda sobre o locus da pesquisa, vejo ser necessário retomar a questão
da ausência de parque infantil nessa escola. Nas contribuições de Faria
(2005), a idéia de parque infantil é algo real e ao mesmo tempo distante do
que temos hoje em nossas escolas. A autora relembra o parque infantil
proposto por Mário de Andrade, em 1935, na cidade de São Paulo; nesses
parques não havia sala de aula, estes eram espaços com características de
um bosque, onde as crianças brincavam, interagiam e conviviam com as
diferenças e as mais diferentes culturas das diversas regiões do Brasil. No
parque de Mario de Andrade era permitido às crianças produzirem cultura.
Sobre a importância do espaço físico da escola da infância, Faria
(2005), ainda considera:
O espaço físico assim concebido não se resume a sua
metragem. Grande ou pequeno, o espaço o espaço físico de
qualquer tipo de centro de educação infantil precisa tornar-se
um ambiente, isto é, ambientar as crianças e os adultos:
variando em pequenos e grandes grupos de crianças,
misturando as idades, estendendo-se à rua, ao bairro e à
cidade, melhorando as condições de vida de todos os
envolvidos, sempre atendendo às exigências das atividades
programadas, individuais e coletivas, com ou sem a presença
de adulto (s) e que permitam emergir as ltiplas dimensões
humanas, as diversas formas de expressão, o imprevisto, os
saberes espontâneos infantis. (FARIA e PALHARES, 2005, p.
70).
É com essas idéias acerca das possibilidades de aprendizagem pela
interação no espaço da escola e que vejo ser possível caminharmos rumo à
descoberta da infância.
1.3 - A Escolha do Sujeito
Para este trabalho tomei como ponto de partida a figura da professora
5
,
que no contexto de pesquisa foi o principal sujeito, no tocante às práticas de
letramento, leitura e escrita que esta educadora da infância potencializava às
crianças.
5
Nessa escola há apenas profissionais do sexo feminino atuando com crianças. Vale ressaltar que num universo de 138
professores de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino, há apenas dois professores do sexo masculino, atuando
na direção de UMEIs Unidades Municipais de Educação Infantil, que correspondem ao atendimento de crianças de
zero a 03(três) anos.
Escolher apenas uma professora exigiu uma análise criteriosa, num
universo de 138 professores de Educação Infantil efetivos da RME- Rede
Municipal de Ensino. O primeiro passo foi levantar quantos educadores
trabalhavam no segundo agrupamento do 2
o
ciclo da Educação Infantil, mais
especificamente em EMEIs Escolas Municipais de Educação Infantil, pois
estas unidades atendem exclusivamente à modalidade pré-escola, que foi
outro critério definido para a pesquisa.
Após obter estes dados parti para outro momento do estudo, que foi
analisar a formação dos profissionais e o tempo em que atuavam nessa
modalidade de ensino para, a partir daí, delinear outros limites que
possibilitassem uma seleção mais criteriosa.
Identifiquei que neste contexto havia apenas uma professora que
preenchia os requisitos pensados, que incluíam o tempo de serviço e a
formação para atuar na Educação Infantil, entendo que a experiência
vivenciada pela professora ao longo de sua vida profissional, é ponto
preponderante no tocante a sua formação, faço esse parêntese considerando
que a formação inicial da professora não a habilitou para atuar na Educação
Infantil, no entanto, sua experiência e vivências nesse nível, é determinante
de sua formação para atuar com as crianças pequenas. Ressalto que apenas
essa professora estava há mais de 15 (quinze) anos atuando nesse nível de
ensino e possuía formação acadêmica em pedagogia e era especialista em
Educação Infantil
6
e, por fim, considerei sua participação efetiva nos cursos de
formação por acreditar que este seria fator determinante de suas concepções
e práticas.
6
É importante esclarecer que, nesse universo de 138 professores, apenas oito (até o momento em que a pesquisa estava
sendo realizada) possuíam especialização em Educação Infantil. Considero este um dado relevante, em virtude de os
cursos de graduação em Rondonópolis-MT começarem a habilitar professores em Educação Infantil a partir de 2006,
com a mudança na grade curricular de Pedagogia.
Por último, precisava contar com a aprovação deste sujeito; para tanto,
fui até a escola para a primeira conversa com ela sobre o trabalho e,
posteriormente, comuniquei-lhe que gostaria de observar sua prática
pedagógica. A professora recebeu a notícia com certo nervosismo, mas se
dispôs a pensar sobre o assunto e então dar a resposta. A seguir, ela me
informou que seria uma tarefa difícil, uma vez que havia sido removida para
aquela escola naquele mesmo ano (2007) e que tudo ainda era novo, além da
dificuldade com a estrutura física, que deixava a desejar e também da falta de
materiais pedagógicos.
Após alguns dias recebi um telefonema da docente dizendo que não
seria possível a observação em sua sala, visto que ela não se sentia segura
para a realização de um trabalho dessa natureza.
Como havia feito um estudo e tinha certeza do trabalho que queria
realizar, voltei a insistir. Dessa vez argumentei quão relevante seria para a
Educação Infantil em nosso município a pesquisa a ser realizada e que a
observação tinha o propósito de contribuir com sua prática pedagógica.
Acrescentei o intuito de socializar as questões de que educação se faz em um
espaço que aparentemente pouco tem a oferecer às crianças, desde os
recursos mínimos até os que julgamos imprescindíveis na Educação Infantil,
como o brinquedo e o parque infantil, que não faziam parte da realidade
dessa escola. Em meio à indecisão por parte da professora, propus iniciar a
observação em sala, com a ressalva de que, caso ela não se sentisse à
vontade com minha presença, eu abandonaria o trabalho. Sabia o que isso
representaria, àquela altura da pesquisa, mas era necessário propor, na
tentativa de obter a confiança da professora.
Foi-me pedido mais um tempo para pensar. Certa de que ela não
negaria, aguardei a resposta, que o tardou a chegar e, dessa vez, de forma
positiva. A docente concordou com o trabalho, colocando-se à disposição
para a pesquisa, dizendo, entretanto, que ainda assim não se sentia segura,
mas concordaria em fazer parte da pesquisa. Assim, dei início à observação.
1.4 - Expondo o Problema
São muitas as perguntas que ainda estão sem resposta no atual
contexto da Educação Infantil brasileira, porém pretendo instigar ainda mais a
busca de respostas e, dessa forma, contribuir para o avanço do trabalho
realizado acerca dos fazeres educativos na infância. É compreensível que a
falta dessas respostas acabe gerando a incapacidade de se fazer educação
de qualidade. Dentre as muitas questões que permeiam neste cenário, talvez
as que mais afligem consistam na falta de recursos para o nível de ensino em
pauta, na insuficiente formação do profissional da Educação Infantil
7
e na
preocupação exacerbada em se escolarizar essa etapa, não se primando pela
educação que acaba por ser sucumbida ao ensino.
Esta última afirmação foi o que me despertou para o problema de
pesquisa, selecionando para um estudo mais particular as práticas de
letramento, leitura e escrita de uma educadora da infância. Mais do que
responder a questionamentos sobre as práticas dos professores de Educação
Infantil, a presente investigação procura evidenciar, legitimar e auxiliar nos
avanços necessários às práticas pedagógicas de letramento, leitura e escrita
existentes na área da infância. Para tanto, a pergunta central desta pesquisa
é:
Como uma professora de Educação Infantil interage com as crianças nas
práticas de letramento, leitura e escrita e quais são as relações estabelecidas
entre o coletivo infantil e a professora?
7
Sugiro a propósito a leitura da tese de doutorado de Anamaria Santana da Silva, A professora de Educação Infantil e
sua Formação Universitária,UNICAMP, 2003.
Para dar início às discussões vejo ser necessário situar o espaço/tempo
da criança na escola da infância, particularmente no cenário em que realizei a
pesquisa. A escola se organiza com a mesma estrutura do ensino
fundamental, com mínimo de duzentos dias letivos, o que indica uma carga
horária de aproximadamente oitocentas e sessenta horas, considerando as
quatro horas e trinta minutos diárias que elas permanecem na escola. No
contexto da primeira etapa da Educação Básica, que se observar a
organização do espaço / tempo para estar favorecendo às crianças, vivências
e interações no coletivo infantil, visando a brincadeira e as múltiplas
linguagens da criança, como forma de descoberta.
1.5 - Os Caminhos e Procedimentos Metodológicos
Na busca da conceituação de metodologia, vemos que André e Lüdke
(1992) a definem como sendo o percurso seguido pelo pesquisador no
processo de construção do conhecimento. Baseada neste pressuposto tracei
os procedimentos metodológicos adotados no decorrer da investigação.
Para o trabalho de campo, recorri à observação, que significa não
simplesmente olhar e sim destacar num conjunto algo de interesse específico
para o estudo. Iniciei com o levantamento de informações prévias
8
sobre
número de professores, formação e origem de lotação destes, as escolas,
sua localização, número de crianças e funcionamento.
De posse dessas informações detive-me a analisá-las e somente após
esse estudo decidi por uma escola e um sujeito, o que possibilitou um estudo
de caso. Posteriormente, apresentei-me à escola escolhida e através de
8
A princípio contei com as informações muito gentilmente cedidas pelo Núcleo de Estatística da Secretaria Municipal
de Educação, que deu todas as informações solicitadas.
questionário passei para outra etapa de informações, dessa vez com o
sujeito em questão.
Conforme salientei, recebeu lugar de destaque a observação, através da
qual foi possível estabelecer um contato mais próximo com a professora, as
crianças e os demais funcionários da escola. No início da observação portei-
me como uma espectadora e gradualmente fui me tornando uma participante
do processo. Procurei, durante os momentos em que me fiz presente na
escola como nos encontros de formação, na observação em sala de aula e
fora dela, nas entrevistas e conversas informais com a professora (que por
sinal foram muitas) e com as crianças, manter uma postura aberta, revelando
a todo o grupo os objetivos de meu estudo e, talvez por esta postura, obtive
do grupo grande colaboração no tocante às informações.
Algumas vezes foi-me solicitado pelas professoras da escola que
estivesse com elas, para discutirmos questões relativas às práticas
pedagógicas das mesmas e possíveis mudanças na estrutura física e estive à
disposição para dialogar com o grupo sempre que solicitada. Também estive
presente em alguns momentos de diálogo com as crianças, a pedido das
educadoras.
Nos primeiros dias de observação, confirmava-se a idéia de
escolarização pré-concebida por mim; no entanto, a postura da professora
diante das situações de construção de conceitos pelas crianças foi delineando
um outro caminho para a análise dos fazeres.
Ao analisar as informações colhidas na observação e as transcrições
das entrevistas, procedi ao cruzamento dos dados coletados, por acreditar
que desta forma teria um texto com mais sentido e com conexão entre a
prática pedagógica e o que foi dito pela professora.
Realizei entrevistas com esta e com as crianças, desta forma obtendo
informações relevantes para a pesquisa. Optei por um roteiro mais livre e
flexível para a investigação, o qual permitiu o estabelecimento de um diálogo
aberto, amplo e ao mesmo tempo direcionado às questões que norteiam esta
pesquisa. O roteiro para entrevista possuía uma seqüência lógica entre os
assuntos, desde o mais simples até o mais complexo e tive especial cuidado
também com a ordem psicológica do assunto, pois em muitos momentos as
expressões, gestos e entonações de voz validavam o que havia sido dito.
A docente se dispôs a responder às perguntas, com algumas restrições.
Dei um caráter de interação às entrevistas, visto que somos educadoras da
infância, e em muitos momentos trocamos experiências sobre nossas
práticas. Por meio desse instrumento foi possível captar de modo mais
imediato a intenção da professora e também me aprofundar em assuntos que
julgava necessário, a exemplo do uso do rádio como recurso para produção
de conhecimento e, as possibilidades de interação entre as crianças e suas
linguagens, como as descritas no quarto capítulo.
A relação posta com a entrevistada pautava-se pelo princípio do
respeito, primeiramente zelando por cumprir o combinado em relação ao local
e horário estabelecidos. Outra característica da entrevista foi a liberdade nas
respostas da entrevistada, deixando-a à vontade para explicar pormenores se
assim o desejasse. Apesar de utilizar um roteiro para direcionar as perguntas,
com o fim de não fugir da linha de investigação, mantinha um caminho,
embora estreito, para conversarmos à vontade sobre outras preocupações
demonstradas pela professora no decorrer da entrevista.
A análise documental constou de material escrito, que foi viabilizado
para a investigação, tais como caderno de campo, diário, planejamento,
proposta pedagógica da escola, Proposta Diretriz Curricular Municipal para a
Educação Infantil e a legislação vigente que garante às crianças o direito a
uma educação de qualidade: LDBEN 9394/1996, Diretriz Curricular Nacional
para Educação Infantil / 1999, Política Nacional de Educação Infantil / 2005,
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil / 2006. A
utilização dos documentos citados teve o propósito de validar as informações
obtidas nas entrevistas e observações e minhas considerações acerca das
concepções e práticas de letramento, leitura e escrita da professora.
A análise dos documentos partiu das relações estabelecidas pela
professora entre suas concepções e sua prática pedagógica, e ficou
explicitada a distância que há entre os fazeres que se efetivam e o que
planejam os professores e os órgãos responsáveis por traçar políticas
públicas.
Procurei estar próxima da professora para conhecer seu trabalho e
compreender as concepções postas em sua prática, acompanhar sua rotina
diária de atividades, o que foi imprescindível para obter a compreensão dos
fatos pedagógicos. Em todas as cenas ocorridas na escola estive presente: no
recreio, nas rodas de conversa, na socialização com as turmas, na hora do
filme, nos passeios, nas apresentações e dramatizações, nas conversas,
formais ou não, sendo estas no momento da entrevista, do café e do próprio
desabafo de ambas e, ainda, na formação continuada com as professoras. A
observação da turma ocorreu entre abril e setembro de 2007; foram sessenta
e dois dias de presença na escola, seja em observação na sala, entrevistas
com a professora e as crianças, atividades na sala e fora dela, conversa com
as outras professoras, encontros de formação e festividades.
A partir do estudo das falas e cenas vividas pelas crianças e propostas
pela educadora, algumas questões foram configurando-se como fundamentais
pontos para análise. Foi o caso da leitura de jornais associada à audição de
notícias pelo rádio e às atividades de interação fora do espaço da escola, a
exemplo da excursão.
Com o propósito de percorrer caminhos ainda não conhecidos e de
contribuir com o debate e a construção de novos conceitos, pautados em
pesquisas já realizadas e em teóricos que discutem as possibilidades de
letramento, leitura e escrita, atendo-me a construir conhecimentos e conceitos
relacionados às práticas que se efetivam no contexto da Educação Infantil,
sem desconsiderar as relações coletivas propostas pelas crianças e suas
descobertas das coisas e do mundo, venho propor uma discussão que
permeie os espaços e ambientes de trocas coletivas privilegiando as
aprendizagens infantis.
CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO NACIONAL:
PONTOS A PONDERAR
A política pública é uma atividade orientada para o
bem comum, ou interesse público. Não se faz
política pública para um grupo de pessoas, nem
para um partido político ou uma igreja. Os
destinatários de uma política pública são todos os
cidadãos, sem exceção.
Edson Araújo Cabral
O sentimento de infância surgiu na passagem da Idade Média para a
Idade Moderna. Esta última foi marcada, sobretudo, pelo processo de
industrialização, o avanço tecno-científico e o ingresso da mulher no mercado
de trabalho, sendo estes alguns dos acontecimentos históricos que
contribuíram para mudanças significativas na forma de organização político-
social em escala mundial.
Oliveira (2005) apresenta um conceito de infância ainda não superado
pela sociedade atual:
O termo “infância” (in-fans) tem o sentido de “não fala”. Pode-
se com base nisso, perguntar: a que período da vida humana
ele se referiria? Caso seja aos primeiros meses de vida,
quando a criança ainda não adquiriu a língua de seu grupo
cultural, é preciso lembrar que, desde o nascimento,
começam a ser construídos sistemas de comunicação [...], Na
educação grega do período clássico, “infância” referia-se a
seres com tendências selvagens [...]. o pensamento
medieval entendia a “infância” como evidência da natureza
pecadora do homem [...]. (OLIVEIRA, Z., 2005, p. 44).
A idéia de que a infância é algo vazio e que é tarefa dos adultos
ensinar às crianças e prepará-las para a idade adulta surgiu em um cenário
bem antigo e lamentavelmente resiste ainda no século XXI.
Como surgimento de uma nova mentalidade, na qual a mulher
inaugurou seu espaço, enquanto sujeito ativo no mercado de trabalho, que
emergiu a preocupação com a criança, ou melhor, a preocupação em onde
deixar os filhos para fazer valer seus direitos enquanto mulher cidadã. A partir
desse momento, as inserções sociais tornaram-se diferenciadas, sobretudo,
para as crianças, visto que as trabalhadoras passaram a reivindicar um lugar
para seus filhos enquanto buscavam seu espaço no mercado de trabalho.
2.1 - As Proposições Políticas para a Infância
No Brasil, somente em 1943, no governo de Getúlio Vargas, houve a
preocupação em elaborar uma legislação que contemplasse a infância,
determinando que as empresas criassem berçários para abrigar os filhos das
operárias durante o período de amamentação. Por um longo período as
discussões no país, acerca do atendimento às crianças em creches ficaram
adormecidas, e apenas no ano de 1964 as ações político-sociais começaram
a considerar a educação da criança como uma realidade possível. Oliveira
(2005) faz uma observação interessante nesse sentido:
No período dos governos militares pós 1964, as políticas
sociais adotadas a nível federal, através de órgãos então
criados como LBA, FUNABEM e a nível estadual continuaram
a acentuar a idéia de creche como equipamento de
assistência à criança carente, como um favor prestado à
criança e à família. Intensificaram ainda mais a ajuda
governamental às entidades filantrópicas. Muitas destas,
gradativamente, passaram a esboçar uma orientação mais
técnica a seu trabalho, incluindo preocupações com aspectos
da educação formal das crianças nas creches. (OLIVEIRA, Z.,
2005, p.20).
A grande caminhada em nível mundial em favor dos direitos da criança
teve início em 1923, quando a união internacional, Save The Children, redigiu
e aprovou um documento que ficou conhecido como Declaração de Genebra,
a qual continha cinco princípios básicos de proteção à infância.
Em 1959, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas,
órgão máximo da ONU, aprovou a Declaração Universal dos Direitos da
Criança, com dez princípios cuidadosamente elaborados e redigidos, que
afirmavam o direito da criança à proteção especial e a que lhe fossem
propiciadas oportunidades e facilidades capazes de permitir o seu
desenvolvimento de modo sadio, normal e em condições de liberdade e
dignidade.
As discussões em torno da proteção e dos direitos da criança não
pararam por aí, e no ano de 1979 a Comissão de Direitos Humanos da ONU
examinou a proposta da Convenção Internacional dos Direitos da Criança,
apresentada pelo governo da Polônia. Enquanto a Declaração Universal dos
Direitos das Crianças de 1959 possuía caráter meramente sugestivo nos
princípios pelos quais os povos deveriam guiar-se no que diz respeito aos
direitos da criança, a Convenção estabelecia normas, deveres e obrigações
aos países que a ela aderissem. No entanto, essa discussão estendeu-se por
alguns anos, e somente em 1989 foi aprovado por unanimidade, pela
Assembléia Geral, o texto da Convenção Internacional dos Direitos da
Criança.
No final dos anos 70 do século XX, as políticas adotadas passaram a
sofrer modificações; os trabalhadores reivindicavam seus direitos, exigindo a
ampliação das entidades filantrópicas, que, por sua vez, também começavam
a encarar as crianças com certa preocupação no tocante ao aspecto
educativo, com base na teoria da privação cultural.
No processo de construção das políticas da infância em nosso país, a
Constituição Brasileira de 1988 foi um marco decisivo na garantia dos direitos
da criança à educação. No seu artigo 208, estabelece: “O dever do Estado
com a educação será efetivado mediante garantia de (...) atendimento em
creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos”. Campos (2001) diz acerca
da relevância de se ter no texto constitucional o direito à educação para as
crianças de zero a 06 anos que,
Este fato, por si só, representa um avanço extremamente
significativo em direção a uma realidade mais favorável ao
desenvolvimento integral da criança brasileira. Enquanto as
constituições anteriores limitavam-se a expressões como
“assistir” ou “amparar a maternidade e a infância”, a nova
Carta nomeia formas concretas de garantir, não esse
amparo, mas, principalmente, a educação dessa criança.
(CAMPOS, 2001, p. 18).
O fato de a creche e a pré-escola serem incluídas no capítulo da
educação evidencia o reconhecimento do caráter educativo dessas
instituições e a responsabilidade da União, Estados e Municípios para com a
educação das crianças.
Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA veio
consolidar os direitos da criança, considerando-a, ao longo de 54 artigos, em
posição de absoluta prioridade na formulação de políticas sociais e na
destinação de recursos públicos.
Ainda nos anos 90, mais especificamente em 1996, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional LDBEN estabeleceu o vínculo entre as
crianças e a educação:
A União incumbir-se-á de: (...) estabelecer, em colaboração
com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e
seus conteúdos mínimos de modo a assegurar formação
básica comum.
A educação infantil, 1
a
etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 (seis)
anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual
e social complementando a ação da comunidade. (LDBEN /
1996).
Em 1998, o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil
RCNEI foi lançado pelo MEC, com o propósito de normatizar e uniformizar a
Educação Infantil. Foi recebido com muitas críticas, entre as quais se vêem as
de Cerisara (1999) e Kuhlmann Jr. (1999), que se pronunciaram com
veemência a respeito. Este afirmava que,
O Referencial Curricular Nacional terá um grande impacto. A
ampla distribuição de centenas de milhares de exemplares às
pessoas que trabalham com esse nível educacional, mostra o
poder econômico do Ministério da Educação e seu interesse
político, muito mais voltados para futuros resultados eleitorais
do que preocupados com a triste realidade de nossas crianças
e instituições. Com isso, a expressão no singular referencial
significa, de fato, a concretização de uma proposta que se
torna homogênea, como se fosse única. (KUHLMANN apud
GODOI, 2004, p.38).
De acordo com o primeiro autor mencionado acima,
O aspecto de maior consenso e preocupação entre os
pareceristas com relação ao RCNEI foi o de que a Educação
Infantil é tratada no documento como ensino, trazendo para a
área a forma de trabalho do Ensino Fundamental, o que
representa um retrocesso em relação ao avanço
encaminhado na educação infantil de que o trabalho com
crianças pequenas em contextos educativos deve assumir a
educação e o cuidado enquanto binômio indissociável e não o
ensino. (CERISARA apud GODOI, 2004, p.39).
Os profissionais que atuavam na Educação Infantil começavam a
repensar suas práticas e a postular novos fazeres. Sob a orientação do
RCNEI, estava posta a escolarização na Educação Infantil, tarefa árdua, a
qual muitos estudiosos e educadores da infância discutem ainda nos dias
atuais. E é nesse cenário que se inicia a caminhada em favor dos direitos das
crianças brasileiras, que a sociedade lhes negava até então.
No ano de 1999 o Conselho Nacional de Educação elaborou as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que vieram
regulamentar as instituições que atendem a esse nível de ensino (de zero a
cinco anos), em caráter mandatório, este documento orienta a elaboração das
propostas pedagógicas para a Educação Infantil a partir da articulação entre
cuidado e educação, para tanto, o documento define três princípios pelos
quais as propostas devem fundamentar-se: Princípios Éticos, Estéticos e
Políticos.
Na seqüência, foi aprovado em 2001 o Plano Nacional de Educação
PNE, que assim se expressava em relação à educação das crianças de zero
a cinco anos: “A educação infantil inaugura a educação da pessoa (...).
Considera-se, no âmbito internacional, que a educação infantil terá um papel
cada vez maior na formação integral da pessoa”. A partir das orientações do
Plano Nacional de Educação, o Ministério da Educação, em parceria com a
Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, apoiava os
municípios brasileiros para que estes pudessem elaborar seus Planos
Municipais de Educação, condicionando a liberação de recursos à elaboração
destes.
Em 2004, deu-se início à discussão do documento, Política Nacional de
Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à Educação.
Essa discussão avançou com a participação de representantes dos
municípios de quase todo o Brasil. Foram realizados oito seminários regionais
nas diversas regiões brasileiras, que discutiram os objetivos e metas para se
alcançar uma Educação Infantil de qualidade no Brasil. A versão final do
documento foi aprovada em 2005.
No âmbito da implementação das políticas educacionais em nível
nacional, o Ministério da Educação promoveu o ciclo de discussões
Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos, que ocorreram de fevereiro
a julho de 2004. Nestes seminários os gestores municipais e estaduais
discutiam a referida ampliação, com o princípio sico da inclusão das
crianças de seis na escolaridade obrigatória, as quais até então eram público
da Educação Infantil.
Dentre as muitas questões que foram postas nos seminários, as que
ecoavam com mais dúvidas entre os professores e gestores eram: O currículo
para as crianças de seis anos seria o mesmo da pré-escola ou o da 1
a
série?
A criança com seis anos incompletos poderia ser incluída no Ensino
Fundamental de nove anos? Outras indagações, como as relativas à
expansão da Educação Infantil e à organização do Ensino Fundamental em
ciclos ou séries, também compunham a pauta das discussões.
Essas questões permeiam até os dias atuais a escola de Ensino
Fundamental e Educação Infantil, pois a nova organização escolar exige
outra característica de ambos os níveis de ensino e, conseqüentemente,
requer uma formação docente mais elaborada, voltada para uma maior
compreensão da infância e de novas práticas.
Naquele cenário, o Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula
da Silva, sancionou a Lei n
o
11.114, em 16 de maio de 2005 e, em 06 de
fevereiro de 2006, Lei n
o
11.274, que alterou a redação de alguns artigos da
Lei n
o
9394/1996, tornando obrigatório o ingresso das crianças aos seis anos
de idade no Ensino Fundamental.
Particularmente, vejo que ainda muito a ser feito no que diz respeito
a uma educação justa, equânime e de qualidade, que venha compreender e
garantir os direitos da criança a permanecer na escola e, principalmente, a
aprender. Essas são questões a que ainda cabe muito debate e pesquisa e
que deverão ser discutidas em outros trabalhos, pois se trata de um campo
vasto a ser estudado e que necessita de muitos olhares para que ocorram
mudanças nas concepções e práticas. Entretanto, não aterei aqui em me
aprofundar nessa discussão, que não é o foco do presente trabalho, mas que
requer a atenção, debate e pesquisa dos estudiosos da educação.
Em meio a inquietações e muitas dúvidas, o MEC disponibilizou em
2006 o documento Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil - Vol. I e II, elaborado por estudiosos da área da infância. É um
documento de cunho teórico e que traz relevantes contribuições para a
construção de uma Educação Infantil de qualidade. Tendo como objetivo de
estabelecer padrões de referência, que orientam os sistemas de ensino no
que diz respeito a funcionamento e organização das instituições de Educação
Infantil, o referido documento estabelece parâmetros e indicadores de
qualidade, aos quais os municípios deverão nortear suas políticas para a
infância.
Todavia, observa-se que os documentos que norteiam a Educação
Infantil são insuficientes para a mudança das práticas, pois a Educação
Infantil ainda é pensada de acordo com os moldes do Ensino Fundamental.
Num espaço onde as crianças deveriam ser vistas na sua totalidade,
valorizando as diferentes linguagens propostas por elas, nos deparamos com
modelos de ensino concebidos segundo uma proposta para se ensinar aquilo
que é “pré-destinado” sem ouví-las e muitas vezes sem conhecê-las.
Tal modelo educacional não o conhecimento sistematizado como
articulado às práticas não-formais de ensino; neste sentido Faria (2007)
sobrepõe à prática docente uma nova formação capaz de garantir educação
às crianças:
O compromisso com o conhecimento, produto da formação
científica e artística na docência para a infância , favorecerá a
construção de uma pedagogia capaz de formar o cidadão de
pouca idade centrada em ações integradoras do ser, tais
como o brincar, ação humana em que o pensar e o fazer
podem não estar dissociados. (FARIA, p. 2-5, 2007).
Essa perspectiva, que considera uma nova organização curricular para
a Educação Infantil, com a inclusão da criança aos seis anos no Ensino
Fundamental, deverá permear a nova pedagogia para a infância, que
compreenda e respeite o tempo da criança em seu processo de aquisição do
conhecimento e que leve em conta as diferentes linguagens nas mais
diversas formas.
Pelo exposto, vê-se que, se a qualidade desejada ainda não é uma
realidade nas escolas da infância, isto não se deve a falta de documentos que
orientem ou de uma legislação específica, mas atribuo as mazelas existentes
a dois motivos. O primeiro a falta de investimentos por parte da União, dos
Estados e Municípios, sendo que este último por sua vez, foi responsabilizado
por oferecer Educação Infantil a todas as crianças que procurassem por
matrícula, sem se considerar os recursos de cada município, sua população,
a demanda existente e as possibilidades e caminhos para os investimentos
em estruturas físicas adequadas, material pedagógico e recursos humanos
com formação específica. O segundo ponto talvez se deva ao fato de termos
intrínseco em nossa cultura a idéia de dependência, de incapacidade da
infância e de ainda não conseguirmos construir em nosso tempo a verdadeira
cultura do educar na infância, de fazer uma “educação grande para os
pequenos”.
2.2 Contribuições Históricas para a Efetivação de uma Educação para
a Infância
Antes de se discutir a escola da infância e as práticas educativas
aplicadas às crianças, evidencia-se a necessidade de compreender a infância
e, para tanto, esboçam-se aqui alguns conceitos, pautados em expoentes
diversos. O primeiro deles é o conceito de Platão acerca da infância, de que
esta seria um mal necessário e de que, como as ovelhas que não poderiam
ficar sem pastor, as crianças também não poderiam ficar sem ser vigiadas.
O segundo conceito vem de Rousseau (2004), para quem de nada
adianta depositar nas crianças ensinamentos, conteúdos e normas. Foi este
pensador o responsável pela visão de singularidade da criança e de que ela
teria seu ritmo próprio e particular para aprender e se desenvolver.
Durkheim (1997) trata de um conceito de infância que nos permite
refletir sobre a criança que temos hoje, seus desejos e sentimentos:
Passa de uma impressão para outra, de um sentimento para
outro, de uma ocupação para outra, com a mais extraordinária
rapidez. Seu humor não tem nada de fixo: a cólera nasce e
aquieta-se com a mesma instantaneidade; as lágrimas
sucedem-se ao riso, a simpatia ao ódio, ou inversamente, sem
razão objetiva ou [...] sob a influência da mais tênue.
(DURKHEIM apud FERNANDES, 1997, p. 65 - 66).
Vê-se que o autor conceitua a criança por seus atributos natos e não
por sua vivência ou aproximação com os adultos. Fernandes (1997) explica o
conceito de Durkheim com estas palavras:
Um espelho, então, no qual Durkheim projeta um ser fraturado
em duas faces díspares, opostas, divergentes: curiosidade,
imaginação, instabilidade, de um lado; tradicionalismo,
credulidade, receptividade às ordens, do outro. Durkheim
comemora os bons serviços que os educadores podem obter
da segunda face, essa que denuncia a criança como animal
domesticável, mas está disposto a enfrentar em batalha e a
destruir a primeira. Curiosidade, imaginação, instabilidade são
o que de bicho no filho do homem; isso que a faz habitante
do mundo primitivo; semelhante ao déspota; análoga às
mulheres, aos loucos e aos poetas. Criança imaginária
fraturada: uma parte útil, pois serve de alavanca ao papel do
educador; uma parte bicho, que o educador manterá sob
vigilância constante, transformará em faltas, submeterá à
censura e punição enquanto produz na criança o remorso e a
vergonha. (FERNANDES, 1997, p. 66).
Essa é uma premissa que ainda vivenciamos em casa com as famílias
e nas escolas com os professores. À criança também não é permitido viver
sua infância, e ela ainda é vista como um ser em miniatura, como conceitua
Ariès (1981), um ser que ainda não fala, in-fans, portanto, ainda não existe.
Atualmente em muitas escolas da infância o professor insiste em se portar
como vigia ou como tutor do conhecimento, aquele que tudo ensina e que
prepara a criança “para ser alguém”, como se ela ainda não o fosse.
No entanto, foi Rousseau que apresentou um novo modo de ver a
educação das crianças de seu tempo, idéias estas que se mantêm em alguns
setores do modelo de educação moderna, conforme aponta Oliveira (2005):
Rousseau revolucionou a educação de seu tempo ao afirmar
que a infância não era apenas uma via de acesso, um período
de preparação para a vida adulta, mas tinha valor em si
mesma. Caberia ao professor afastar tudo o que pudesse
impedir as crianças de viver plenamente sua condição. Em vez
do disciplinamento exterior, propunha que a educação
seguisse a liberdade e o ritmo da natureza, contrariando os
dogmas religiosos da época, que preconizavam o controle dos
infantes pelos adultos. Defendia uma educação não orientada
pelos adultos, mas que fosse resultado do livre exercício das
capacidades infantis e enfatizasse o o que a criança tem
permissão para saber, mas o que é capaz de saber.
(OLIVEIRA, Z., 2005, p.65)
Rousseau afirmava que a criança tinha valor em si mesma e que era
papel do professor permitir que ela vivesse sua função plena de ser criança.
Dessa maneira, pode se observar que as palavras de Rousseau ainda não
ecoaram nas práticas de muitos professores, que tentam ensinar aquilo que
se propõem e resistem em aprender com as crianças, ouvi-las dizer e fazer
com elas, insistindo em fazer para elas.
Analisando sucintamente a história da criança em nosso país, podemos
iniciar com a observação de que durante o Brasil colônia, as crianças eram
trazidas dentro dos navios juntamente com os adultos para ofertarem mão-de-
obra ao trabalho escravo. Muitas dessas crianças eram órfãs e, em virtude
das péssimas condições em que eram transportadas, poucas conseguiam
chegar com vida ao destino; as que chegavam dificilmente conseguiam
sobreviver até a idade adulta, pois eram consumidas pelo trabalho pesado,
pelas doenças, maus-tratos e abuso sexual.
Entretanto, mesmo diante de tanta fraqueza essas crianças chamavam
a atenção dos adultos, pois mostravam-se seres com facilidade de
compreensão. A idéia de ensinar as crianças partiu dos jesuítas, que
entendiam ser mais fácil moralizar se começassem pelas crianças, que
estariam abertas a receber o pensamento da igreja sem questionamentos. Foi
somente com a sociedade industrial que teve início no país um novo
pensamento em relação à criança, em especial à de origem burguesa. Partiu-
se desse princípio para o que chamamos de enclausuramento das crianças
nas instituições de ensino, o que mais tarde denominamos de escolarização.
Sobre a escolarização das crianças no Brasil, Bujes (2001), contribui
com uma visão bem otimista, afirmando que,
[...] a criança vive um momento fecundo, em que a interação
com as pessoas e as coisas do mundo vai levando-a a atribuir
significados àquilo que a cerca. Este processo que faz com
que a criança passe a participar de uma experiência cultural
que é própria de seu grupo social, é o que chamamos de
educação. (BUJES, 2001, p. 16).
Ao longo dos anos o processo de escolarização e tratamento dado às
crianças foi invenção dos adultos: foram eles que pensaram e fizeram toda a
estrutura escolar que temos e que resistimos tanto em mudar. As nuances
dos estudos da história da infância no Brasil, segundo Kuhlmann (1998, p.
17), nasceu da história da assistência, ao lado da história da família e da
educação. E é partindo desse tripé, assistência, família e educação que
proponho discutir a educação que fora oferecida às crianças no passado e
cenas que serviram de parâmetros para o cenário educacional atual.
As primeiras instituições de Educação Infantil começaram a surgir no
Brasil em 1899. Naquela época, de acordo com o que relata Kuhlmann
(1998), ocorreram dois fatos que o autor considera o marco inicial na história
da educação da infância neste país. O primeiro foi a fundação do Instituto de
Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro; o segundo foi a
inauguração da primeira creche no estado do Rio de Janeiro, para atender
aos filhos dos operários da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado.
Aproximadamente em 1920 é que começaram a ser criados os espaços
para as crianças de 03 a 06 anos. As entidades brasileiras primeiramente
fundavam creches para, posteriormente, instalarem os jardins-de-infância. A
creche ainda era vista por muitos como um mal necessário, pois ela veio para
substituir as Casas de Expostos, que recebiam crianças abandonadas; estas
apareciam como sendo um amparo às mães para que o abandonassem
seus filhos.
Neste contexto, faço um parêntese para um breve comentário sobre as
escolas em Mato Grosso. Durante o período de 1910 a 1927, o estado
investiu no processo de reconstrução da escola pública, proposto pelo então
presidente do Mato Grosso, Pedro Celestino Corrêa da Costa.
Amâncio (2000), que discorre sobre o ensino da leitura em Mato Grosso
no início do século XX, afirma que no processo de reconstrução da educação
no estado, foram criadas as Escolas Normais, sendo que anexos a elas
estavam o Jardim de Infância e a Escola Modelo
9
, como exigência para o
funcionamento das mesmas. Segundo a autora, o objetivo de se ter um
Jardim de Infância e uma Escola Modelo anexos à Escola Normal seria que
os estudantes normalistas pudessem aplicar os conhecimentos teóricos vistos
em sala de aula e preparar as crianças para o ensino primário. É neste
espaço que surgem as classes para as crianças de três a seis anos a
educação das crianças ocorria segundo os processos froelbelianos onde o
ensino compreendia um período de três anos e funcionava por quatro horas
diárias. Aos sete anos as crianças ingressavam na Escola Modelo de ensino
primário obrigatório.
Estabelecendo uma relação entre as concepções do passado e do
presente, Kuhlmann (1998) aponta algumas questões:
Não precisamos mais inventar a roda da educação, nem basta
anunciarmos a sua existência: é preciso dizer se a roda
apenas gira em torno de si, ou a que lugar se dirige; é preciso
qualificar que educação queremos proporcionar às crianças,
que relação estabelecer com as famílias e que concepção
defender sobre as relações sociais e a democracia. A
interpretação da história deixa de ser uma linha evolutiva: se
há um passado sombrio, o terreno é o da ambigüidade e não o
da polaridade entre o passado e presente. (KUHLMANN,
1998, p.194).
9
Sobre as Escolas Normais e a Escola Modelo em Mato grosso, sugiro a leitura da tese de doutorado da professora
Lázara Nanci de Barros Amâncio (2000), Ensino de leitura na escola primária no Mato Grosso: contribuições para o
estudo de aspectos de um discurso institucional no início do século XX. (Universidade Estadual de São Paulo).
O pano de fundo da Educação Infantil atual propõe mudanças para a
fundamentação das políticas e práticas. Na efetivação destas, verifica-se a
necessidade de uma educação de qualidade para as crianças, sejam elas
ricas ou pobres, sendo que este último traço por sua vez, não serve como
determinante de boa ou educação. Faz-se necessário que as práticas
educativas na infância se pautem na cultura da emancipação em detrimento
da subordinação. A idéia de que as crianças devem ser apenas vistas, mas
não ouvidas, importada da educação européia, precisa dar lugar às vozes
silenciadas há séculos. A criança deve ser entendida como um ser
participante de propostas e ações e não como alguém que está em eterna
espera de participação. Com essa proposta, a centralidade da ação de
aprender, muitas vezes voltada para a figura da professora, começa a dar
lugar e voz às crianças, que têm muito a aprender com seus pares.
2.3 - O Contexto Pré-escolar
10
em Rondonópolis -MT
O município de Rondonópolis-MT conta hoje com aproximadamente
180.000 habitantes, de acordo com dados do IBGE – 2007.
A Rede Municipal de Ensino está composta por aproximadamente
16.000 mil alunos neste ano de 2008; na Educação Infantil municipal há 5.066
crianças matriculadas, sendo 1.180 nas UMEIs – creches, 2.186 na pré-
escola e 1.700 nas Cáritas - conveniadas. O município conta hoje com 718
docentes na Rede Municipal, sendo 138 professores de Educação Infantil.
São 48 equipamentos Educacionais: 35 EMEFs – Escolas Municipais de
Ensino Fundamental, 09 UMEIs – Unidades Municipais de Educação Infantil e
04 EMEIs – Escolas Municipais de Educação Infantil.
10
Apesar de não concordar com o termo pré-escola, pelo fato de o mesmo explicitar algo que não faz parte da escola,
que antecede a ela, utilizarei essa expressão em virtude de os documentos oficiais assim se manifestarem em relação a
essa modalidade de ensino.
Nos últimos quatro anos muito foi investido nas escolas / unidades
municipais, no tocante às estruturas físicas e à formação continuada dos
professores. Nos equipamentos de Educação Infantil foram realizadas
reformas e construções e até por esta ampliação nas estruturas houve a
possibilidade de aumento nas matrículas das crianças com idade entre zero e
cinco anos. Entretanto, o crescimento de matrículas exige não somente a
ampliação de estruturas físicas, mas profissionais habilitados a atuarem como
professores de Educação Infantil. Apresento nos parágrafos que seguem a
caracterização das pré-escolas em Rondonópolis-MT e algumas
considerações acerca das concepções e práticas das professoras de
Educação Infantil.
Culturalmente a escola é tida como o locus do saber, de transmissão de
conhecimento e o espaço onde as crianças devem aprender a ler e escrever.
Diante desse conceito cristalizado pela sociedade, fica a responsabilidade
das escolas de ensinarem as crianças a qualquer preço, mesmo à custa de
repetência, a ler e escrever. E como uma das propostas para um rendimento
escolar “satisfatório”, surge a escolarização na Educação Infantil, ou seja,
esta é considerada ainda por muitos professores como responsável por
preparar os alunos para o ingresso no Ensino Fundamental.
De acordo com os novos paradigmas da educação, seria ingênuo
pensar que a aprendizagem vem num tempo pós-desenvolvimento, como nos
moldes da escola tradicional; porém a idéia de preparar as crianças para a
alfabetização ainda se faz presente na prática pedagógica da pré-escola. O
processo de construção autônoma do conhecimento, numa relação dialética,
ainda é pouco permitido na infância e acaba dando lugar às atividades
programadas e formatadas para as crianças. Por outro lado, a dicotomia de
que na pré-escola se brinca e na escola se aprende reflete a falta de
articulação entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
No âmbito da aprendizagem das crianças na escola da infância, Garcia
(2005) faz uma interessante reflexão acerca do currículo:
Faz muita diferença uma sala de aula em que as crianças
pintam, desenham, recortam revistas e colam folhas em papel,
e vão amontoando a sua “produção” em pastas, e outra sala
em que as crianças planejam, executam e avaliam projetos
coletivos em que estas atividades e outras passam a ter
sentido porque têm como referência uma totalidade. (GARCIA,
2005, p. 17).
Pensando numa prática autônoma e descentralizada da ação particular
do professor Garcia propõe novas práticas educacionais para a infância,
voltadas para um coletivo escolar, que pautem as atividades propostas para
as crianças tendo como referência a totalidade que constitui a escola da
infância.
É verdade que nos dias atuais, pode-se dizer que a educação das
crianças recebe um olhar mais atento, com maior preocupação e
responsabilidade por parte de vários segmentos sociais. A afirmação se pauta
na ampliação, adequação e reforma de estruturas físicas, no maior
investimento na formação dos professores, em mobiliários adequados e na
ocorrência de ões menos prescritivas, voltadas às especificidades exigidas
pela criança.
Contudo, apesar dos avanços, ainda muito que se fazer. Estamos
caminhando em direção à construção de uma cultura da infância, e romper
com concepções cristalizadas ao longo dos séculos não é um movimento
confortável, porém é necessário para o novo olhar que devemos voltar às
crianças. O novo paradigma da escola da modernidade não nos permite
conceber a criança como uma página em branco para ser escrita pelos
adultos. Arrisco-me a afirmar que ver a criança como sujeito pensante e
transformador da realidade seja o maior desafio do educador da infância de
nossos dias.
Segue uma análise do crescimento do número de matrículas na
Educação Infantil em Rondonópolis-MT, a partir de 1997, pós- LDBEN/1996,
visto que a partir desta data, o nível de ensino em foco sai das instâncias da
Secretaria de Assistência Social e passa a integrar o sistema de ensino,
conforme preceitua a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
De acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação de
Rondonópolis, as matrículas na pré-escola no município vêm crescendo de
forma a contemplar boa parte das crianças que aguardavam por vagas em
extensas listas de espera. Rondonópolis tem investido no tocante à ampliação
da oferta na Educação Infantil, nos últimos onze anos, conforme mostra o
gráfico 1
11
, entre os anos de 1997 a 2008
12
.
Gráfico 1
878
846
631
1.071
1.145
1.043
1.268
1.303
1.295
2.851
3.023
3.886
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
4.000
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Obs.: Os dados referentes a 2008 foram coletados nos quadros enviados pelas escolas no mês 03/2008.
Comparativo do número de alunos da rede municipal de ensino - pré-escola
Número de alunos de pré-escola
11
Dados fornecidos pelo Núcleo de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis-MT.
12
O mero de crianças apresentado no gráfico referente aos anos de 1997 a 2008 não contempla as Unidades
conveniadas; este é composto apenas por crianças matriculadas na Rede Municipal de Ensino.
Analisando os números acima, um decréscimo de matrículas no ano
de 1998, mais acentuado ainda em 1999. Após investigar as causas, é
possível justificar que o decréscimo seja em virtude da implantação do Ciclo
Básico de Alfabetização em Mato Grosso. O Ciclo Básico começou a ser
formulado em Mato Grosso em 1997, seguindo a1999, e tinha por objetivo
favorecer a flexibilidade, na organização curricular, dos tempos e espaços da
escola e uma nova prática avaliativa, visando assegurar o sucesso na
aprendizagem com a garantia do direito de aprender.
Em 2000 a Escola Ciclada foi implantada no estado, tendo por objetivo
proceder a uma Educação transformadora, capaz de fazer da escola um local
privilegiado de reflexão, estudo, construção e vivência de cidadania, no qual
todos tivessem assegurado o direito de acesso, permanência e terminalidade
com sucesso na Educação Básica. Na organização para a implantação do
Ciclo Básico e da Escola Ciclada as crianças passaram a ingressar aos 06
anos no ensino obrigatório.
Este contexto de implantação de uma nova organização escolar exigia
da escola a progressão do aluno, diante da nova realidade e da insuficiência
de espaço físico verificou-se a necessidade de diminuir as turmas de pré-
escolas nas escolas de Ensino Fundamental, para atender à demanda deste
nível de ensino.
No município de Rondonópolis a implantação da Escola Organizada em
Ciclos de Formação Humana se deu em 2000; a orientação, por parte da
Secretaria Municipal de Educação, era a de que os alunos somente poderiam
ser retidos no último ano de cada ciclo. Em virtude desta nova organização,
ocorreu o decréscimo de crianças na pré-escola nos anos de 2002 e 2005.
De acordo com o Censo 2006, realizado pela Secretaria Municipal de
Educação, 80% das crianças com idade entre 04 e 05 anos estão
matriculadas, quer nas escolas infantis, quer nas 55 turmas de pré-escola
existentes nas escolas municipais de Ensino Fundamental, nas escolas
particulares ou filantrópicas. Analisando os números, vemos que há um
universo de aproximadamente 20% de crianças desta faixa etária que se
encontram fora da escola.
O crescimento, a partir de 2006, é conseqüência da ampliação de
matrículas nas escolas de Ensino Fundamental, nas UMEIs Unidades
Municipais de Educação Infantil
13
, e de convênio com as Cáritas
14
(instituição
filantrópica),como demonstrado no gráfico 2
15
que segue:
Gráfico 2
46,89%
45,22%
7,90%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
50,00%
Escolas Cáritas UMEIs
Percentual do número de matrículas por dependência - Pré escola 2006
Percentual do número de alunos
13
Unidades Municipais, credenciadas no Conselho Estadual de Educação para o atendimento a crianças de zero a 03
anos, na modalidade creche.
14
A Cáritas Diocesana de Rondonópolis é uma instituição filantrópica sem fins lucrativos, que se mantém através de
recursos vindos da Alemanha; é coordenada pelo Padre Lothar, tendo por objetivo maior ofertar serviços à comunidade
de baixa renda. A Prefeitura Municipal de Rondonópolis firmou convênio com essa instituição no ano de 2006 para o
atendimento à Educação Infantil e à EJA – Educação de Jovens e Adultos.
15
Dados fornecidos pelo Núcleo de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis-MT.
O gráfico demonstra que as vagas oferecidas na Educação Infantil
ainda são insuficientes e, portanto, não se oferece acesso a todas as crianças
que almejam matricular-se neste nível de ensino.
A política para a Educação Infantil em Rondonópolis-MT tem sido
discutida no sentido do crescimento da oferta paralelo à qualidade. O gráfico
3 abaixo demonstra números das matrículas nas pré-escolas/2007, sendo que
esses dados contam com o mero de vagas oferecidas em virtude da
criação das EMEIs. O número de crianças matriculadas nas escolas de
Ensino Fundamental, que é de 43,43%, e na Cáritas perfazendo 35,46% do
atendimento. Vê-se que apenas 21% das crianças em idade pré-escolar estão
matriculadas nas Escolas Municipais de Educação Infantil e considera-se que
este é um número pequeno, tendo em vista um universo de 78,89% de
matrículas entre escolas de Ensino Fundamental e unidades conveniadas.
Gráfico 3
43,43%
35,46%
3,97%
17,14%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
Escolas Cáritas UMEIs EMEIs
Percentual de matriculas pré-escola 2007
Percentual do número de alunos
Há muito que se fazer para alcançar uma educação equânime e com os
princípios de eqüidade para todos. Através dos dados apresentados vê-se o
quanto as políticas municipais têm avançado no tocante à ampliação de
vagas, no entanto, este crescimento da oferta requer maior investimento em
estruturas físicas e na formação contínua do profissional docente, pois estes
são fatores determinantes de uma educação de qualidade para as crianças.
O aumento de matrículas na pré-escola, nos anos de 2007 e 2008 é um
dos indícios da formulação de políticas públicas para a infância; aliado à
ampliação da oferta, constata-se o investimento em estruturas físicas,
material pedagógico e formação dos profissionais da infância. Estes são
pontos relevantes à implementação da qualidade na Educação Infantil, mas à
medida que as estatísticas denotam aumento em relação à ampliação do
atendimento, um investimento maior se faz necessário, visando que a
permanência da criança na escola seja vivida com qualidade.
Esta ampliação de matrículas na Educação Infantil relaciona-se ao
espaço de democratização da educação brasileira, da construção e vivência
da e na cidadania e dos conflitos que permeiam a dialética das construções
histórico-sociais. Portanto, entendo que devemos caminhar rumo a uma
escola que permita a construção do conhecimento num ambiente
democrático, de construções coletivas e particularmente lúdico. Penso nesta
escola sem paixões, pois, como diria Fernandes (1997, p. 64), “educar já não
é mais a arte de cultivar as paixões”. A escola da modernidade sinais de
que, certamente, lidar com os conceitos que cada um possui em relação às
coisas e ao mundo implica “declarar guerra, interminável e sem tréguas,
contra as paixões”, conclui a autora.
É intrínseco os conflitos e contradições a ação de educar, e são nessas
diferenças que os educadores da infância devem buscar a edificação de uma
Educação Infantil que priorize a infância e que a sede por coisas novas possa
adentrar as práticas que permeiam a educação das crianças pequenas, na
batalha por permitir que estes seres, cheio de imaginação, curiosidade e
fantasia, possam atuar enquanto sujeitos singulares e capazes de se
constituir por sua própria natureza e o somente pela ação e convívio com
os adultos.
2.4 - As Escolas Municipais de Educação Infantil EMEIs, em
Rondonópolis-MT
As EMEIs Escolas Municipais de Educação Infantil, foram criadas em
2006, com o propósito de que fossem espaços de aprendizagens
significativas e prazerosas às crianças com idade entre 04(quatro) e 05(cinco)
anos, primando pela qualidade na educação destas e, principalmente, com o
intuito de ampliar o atendimento a uma demanda de crianças que se
encontravam fora da escola ou freqüentando espaços não adequados a esse
nível de ensino. Para o início do ano letivo de 2007 começaram a funcionar as
escolas relacionadas a seguir.
A EMEI Rubens Alves de Sousa situa-se no bairro Nossa Senhora do
Amparo e é a maior das escolas infantis, com 180 crianças matriculadas
inicialmente e com capacidade para 240 crianças. Nesta região uma
Unidade de Educação Infantil UMEI, que atende às crianças de zero a três
anos. O prédio da escola foi alugado da Fundação Júlio Müller, sendo que
neste espaço anteriormente funcionava a Escola Estadual de Ensino
Fundamental Princesa Isabel, que após construção de prédio novo se
removeu. O número de matrículas inferior ao previsto se dá em virtude do
aguardo pela construção de novos banheiros. O atendimento nesta escola é
de período integral, ou seja, 11 (onze) horas diárias, das 06:30h. às 17:30h. A
estrutura física é composta por 10 (dez) salas de atividades, secretaria, sala
de professor, sala de TV e vídeo, brinquedoteca, cozinha, refeitório, despensa
e banheiros, além de um amplo pátio aberto; no segundo semestre foram
instalados um parque infantil e uma quadra de areia. O grupo de servidores
da escola compõe-se de 01 diretora nomeada, 01 coordenadora pedagógica,
01 secretária escolar, 20 professoras, 20 estagiárias, 12 Auxiliares de
Serviços Diversos - ASDs e 04 vigilantes. Para o início do ano letivo, muitas
adequações foram necessárias, uma vez que o atendimento à Educação
Infantil possui suas especificidades.
Outra escola que também teve sua criação em 2006 e o início dos
trabalhos em 2007 foi a EMEI Cora Coralina, situada no bairro Parque São
Jorge, em prédio próprio, a única escola de Educação Infantil da região. Neste
espaço funcionava a Escola Municipal de Ensino Fundamental Parque São
Jorge, que após construção de uma sede maior deixou a estrutura, a qual
funcionava muito precariamente. Para o atendimento à Educação Infantil, o
prédio passou por ampla reforma, com espaços adaptados às necessidades
das crianças. A princípio a escola atende a aproximadamente 75 crianças,
porém possui capacidade para 150 crianças; em virtude da baixa procura por
matrícula
16
nesta região, está iniciando, como se vê, com 50% de sua
capacidade. O atendimento ocorre em período parcial, permanecendo as
crianças por apenas 04h e 30 minutos. A estrutura física contém 03 salas de
atividades, 01 secretaria, 01 banheiro para funcionários, 01 banheiro para as
crianças, 01 cozinha, 01 refeitório e um pequeno pátio aberto. O quadro de
funcionários se compõe de 01 coordenadora pedagógica nomeada, 01
estagiária administrativa, 06 professoras, 04 auxiliares de serviços diversos e
02 vigilantes.
16
Para abertura da escola a Secretaria Municipal de Educação fez um estudo da demanda, e a abertura desta escola se
deu em virtude da entrega de novo conjunto habitacional a ser entregue nesta região para o ano de 2008. A construção
da escola foi pautada na demanda futura da região: serão aproximadamente mil famílias de baixa renda a serem
contempladas com a entrega das novas casas.
A EMEI Mateus Vinícius Bráz está situada no bairro Jardim Brasília,
região central da cidade; funciona em prédio do centro comunitário, um
espaço alugado pela Secretaria Municipal de Educação mais de dez anos.
96 crianças matriculadas, e o atendimento se em período parcial de 04
horas e 30 minutos diários. As dependências, que o precárias e recebem
pouco investimento uma vez que o prédio é da associação de moradores
compõem-se de 02 salas, 01 secretaria, 01 cozinha, 01 despensa, 02
banheiros e 01 pátio coberto. O quadro de funcionários comporta 01
coordenadora pedagógica nomeada, 04 professoras, 02 auxiliares de serviços
diversos e 02 vigilantes.
O prédio da EMEI Machado de Assis é cedido pela associação de
moradores da região e está situado no bairro Luz D’yara, onde a escola
funciona mais de 08 anos. A estrutura é muito precária, coberta com telha
eternit, o que torna o espaço muito abafado e quente. Neste espaço 98
crianças matriculadas e grande número à espera de vagas. O funcionamento
se em período parcial, ou seja, 04 horas e 30 minutos diários. As
dependências são compostas por 02 salas, 01 salão coberto, 02 banheiros
pequenos, 01 cozinha, 01 sala de professor e 01 amplo pátio aberto. Os
servidores que exercem função nesta escola o 01 coordenadora
pedagógica nomeada, 01 estagiária administrativa, 04 professoras, 02
auxiliares de serviços diversos e 02 vigilantes. Para 2008 a previsão é de que
a escola será transferida para o novo prédio que está sendo construído na
região, sendo então o número de matrículas ampliado em virtude de o espaço
a ser oferecido contar com área ampla.
Para a criação das EMEIs fez-se necessária uma reforma administrativa
na Rede Municipal de Ensino. Esta teve por proposta inicial o
reenquadramento dos professores nas UMEIs, sendo que tal procedimento
pautava-se numa nova organização. Até então o quadro de profissionais que
atuavam nas Unidades Infantis era composto exclusivamente por professores.
A relação adulto/criança seguia as orientações das Diretrizes Curriculares
Nacionais; em alguns casos, dependendo do número de crianças, havia até
seis professores por sala, fato que, segundo os gestores da Secretaria
Municipal de Educação, era responsável pelo alto custo da Educação Infantil,
e em virtude destes valores a ampliação de vagas estaria comprometida.
A reforma administrativa trouxe mudanças drásticas e de grande
repercussão entre os professores deste vel de ensino. A nova organização
pautava-se em manter dois professores em cada sala de aula de período
integral, um por turno, contando com a participação de estagiários e Auxiliares
de Apoio ao Docente na realização dos trabalhos pedagógicos. Com essa
nova característica do quadro de profissionais, haveria então professores a
serem removidos para as EMEIs, as novas escolas.
Apesar do descontentamento por parte dos professores e em meio a
questionamentos e restrições acerca da qualidade do trabalho pedagógico e
das orientações do Ministério da Educação sobre os profissionais a atuarem
na Educação Infantil, o argumento de que não seria possível ampliar o
atendimento sem reorganizar a atual estrutura foi maior que qualquer outro.
Diante do exposto, fica uma ressalva. Vejo como motivo de
preocupação a substituição da figura do professor por outros profissionais que
não possuem habilitação para a docência. Neste sentido, cabe ressaltar que a
ampliação da oferta de vagas na Educação Infantil não deverá estar
desassociada à qualidade da educação oferecida, portanto é de
responsabilidade dos gestores e da sociedade articularem, conjuntamente,
políticas de ampliação associadas aos padrões mínimos de qualidade.
CAPÍTULO III LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Lemos para dar conta da realidade e de todos os
desafios que dela recebemos ou a ela impomos. A
cidadania é a referência maior. Uma democracia
de qualidade é possível com uma população
que sabe pensar. Saber pensar inclui, entre outros
ingredientes, saber ler.
Pedro Demo
A atividade de aprender a ler e escrever é muito complexa e na
Educação Infantil deve ocupar lugar de destaque. É necessário que o
professor da infância crie situações de leitura e escrita com as crianças, e
uma das portas para despertar o prazer pela leitura está nos textos de
literatura infantil, pois quando a criança ouve histórias ela desenvolve a
capacidade de compreensão, o imaginário e as possibilidades de escrita,
ladeadas com as aprendizagens significativas. Além de aguçar a imaginação,
por meio das histórias ela é instigada para um mundo de conhecimento, no
qual ensinar e aprender de forma coletiva acorre indissociavelmente. Rizzoli
(2005) afirma que Einstein, ao ser perguntado sobre a melhor maneira de
provocar nas crianças o gosto pela ciência, sugeriu que se contassem a elas
muitos contos de fadas:
Segundo ele, somente quando a criança tem uma grande dose
de curiosidade é que ela vai se sentir interessada a enfrentar
situações específicas e seus desdobramentos. Se a criança
desenvolver a imaginação, se ela tiver a curiosidade
desenvolvida, ela poderá responder às várias situações que
surgirão durante a vida e solucionar problemas futuros.
(RIZZOLI, 2005, p. 10).
Esse pensamento possibilita-nos refletir sobre como está sendo
cultivado nas crianças a leitura e a escrita. Será que a literatura infantil
permeia o espaço educativo da infância, levando as crianças a ter
curiosidade, interesse e desenvolvendo nelas a imaginação, a ponto de
potencializar ações criadoras e determinantes em sua trajetória enquanto
sujeito que produz cultura?
A escola está imersa em reproduzir conhecimentos e pouco faz para a
criação ou invenção dele. Demo (2006) classifica a escola como sendo um
espaço que distancia a criança das condições de convívio em sociedade e
diverge da afirmação de que a escola é, o único espaço possível de se
produzir cultura, pois esta, para o autor não se restringe unicamente ao
espaço escolar. A criança vive em constante processo de construção de
saberes, com uma diversidade de linguagens distintas, essa relação se a
partir da interação com seus pares e esse processo de criação coletiva deverá
ser o ponto de partida para os fazeres na escola da infância. As preocupações
acerca da leitura e escrita na forma escolar, abrirão espaços para as
produções livres, faz-de-conta e todas as atividades que envolvam as
expressões infantis na sua essência, o que não cabe a reprodução de
conteúdos e atividades escolares.
Observando a escola e a universidade hoje dificilmente
escapamos do susto de reconhecer que parecem preparar os
alunos para a Idade Média, não para o mundo de hoje,
tamanha é a distância entre o que se faz e as demandas
sociais na vida em sociedade. (...) a discussão em torno do
letramento / alfabetismo padece pelo menos deste déficit: ao
badalar questões pertinentes, deixa submerso o problema da
aprendizagem, em especial que a aprendizagem adequada
não se restringe ao reprodutivismo e ao ambiente meramente
escolar. (DEMO, 2006, p. 42).
Para Ferreiro (1987, p.64) o conhecimento não coabita apenas na
escola, para a autora esta foi criada para controlar os saberes dos sujeitos.
Ferreiro acredita que “o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito
antes da escolarização.” Leva em conta que as crianças assim que nascem
começam a aprender e adentram o espaço da escola com uma bagagem
imensa de conhecimento da leitura e escrita, fruto de suas vivências e das
relações estabelecidas no seio das ações sociais.
O letramento na escola, por sua vez, é confundido com a alfabetização
por meio de técnicas de reprodução e decifração do código lingüístico, o qual
permeia as condições reais de cada indivíduo ao falar, argumentar, e vem daí
sua inserção nas tomadas de decisão nos mais diversos contextos sociais
vivenciados e experienciados.
Para Kleiman (2006, p.20) as práticas de letramento vão além da
cultura escrita; a autora, porém considera a escola como sendo “a mais
importante das agências de letramento.” As instituições de ensino são as
responsáveis por introduzir formalmente o sujeito no mundo da escrita,
entretanto a escola, segundo ela, preocupa-se com apenas uma prática de
letramento, a alfabetização, enquanto as práticas sociais ocupam lugares
secundários naquele espaço.
As práticas de letramento diferem da alfabetização, no sentido de que o
sujeito pode possuir estratégias de letramento na oralidade, mesmo sem ser
alfabetizado. Isto acontece quando ele estabelece uma relação entre o que é
dito e o texto escrito; mesmo sem saber ler e escrever ele poderá
compreender na oralidade aquilo que em algum momento foi vivenciado nos
grupos sociais do cotidiano. São as vivências e relações estabelecidas com
os grupos sociais, que possibilitarão as situações de letramento nas mais
diferentes questões e permitirão que estas passem a ter significado e
características da oralidade letrada, quando houver a possibilidade de se
articular essas características nas atividades do cotidiano.
As atividades de ler e escrever não são atividades inversas, mas
intrínsecas uma à outra; serão sempre uma atividade de interação com o
sujeito, pois estarão ladeadas pelas trocas e convívio com seus pares. Elas
não são involuntárias, autônomas e solitárias, porém dotadas de sentido,
intenção, emoção e pautadas nas relações de troca com as idéias do autor.
Ferreiro (1987) entende ser necessária muita “imaginação pedagógica”
para oferecer às crianças situações variadas e significativas, capazes de
proporcionar as interações entre as diferentes formas de leitura e escrita nas
situações de letramento.
3.1 - E por Falar em Leitura ...
Todo ser humano possui um potencial para atribuir significado às coisas
que servem para expressar ou simbolizar o mundo. Esse potencial é
desenvolvido no seio do grupo social, dentro de condições concretas que
estabelecem suas possibilidades. Silva (1995) afirma ser a leitura na sua
essência uma prática social, e partindo dessa premissa discuto alguns
conceitos acerca do sujeito leitor e de como este se apropria dos textos no
início de seu processo de escolarização.
Para tanto, faço um recorte na postura do professor diante da prática de
leitura que se efetiva na escola, considerando esta como a instituição
oficialmente responsável por introduzir a criança no mundo letrado e o
professor, inicialmente, o protagonista desse processo.
Neste sentido, Foucambert (1997) assemelha o professor a,
[...] uma ponta-de-lança dentre todos os atores que vão
permitir aos alunos tornar-se leitores e que ele deve
necessariamente conceber e conduzir sua ação em coerência
com o aparato global [...] Não nada de utópico nessa
convocação; irreal seria esperar que se passe ao largo disso.
(FOUCAMBERT, 1997, p. 138).
Ser ator no processo de apropriação da leitura consiste em caminhar
rumo à construção de conceitos significativos, para que isso ocorra, conhecer,
valorar e assimilar a história de vida que cada criança traz consigo é fator
preponderante nesse processo. A base de todo aprendizado é a compreensão
e, assim, a leitura precisa ser compreendida para ser aprendida.
Charmeux (1994) chama a atenção para um aspecto fundamental da
atividade de ler:
Ler é uma atividade-meio, que está a serviço de um projeto
que a ultrapassa. [...] O que permite afirmar que a leitura foi
eficaz é a realização do projeto que a provocou. Essa
realização do projeto é também o que chamamos
“compreender”. E podemos imaginar sem dificuldade que não
pode haver leitura se essa compreensão não ocorrer. Saber
ler é compreender, e uma criança que não compreende o que
lê, na realidade não leu. (CHARMEUX, 1994, p. 41).
Na escola da infância, fica o professor, na maioria das vezes,
responsabilizado pela atividade de ensinar as crianças a ler. Ele deverá se
desdobrar para que a atividade de aprender a ler seja uma realidade para as
crianças, permitindo que estas possam através da leitura transformar seus
conceitos inicialmente primários em conceitos mais elaborados. Isto lembra o
que preceitua Smith (1991, p. 216): “As crianças aprendem relacionando seu
conhecimento novo àquilo que conhecem, enquanto modificam ou
elaboram o seu conhecimento anterior”.
Considerando que a leitura não consiste em algo que se aprende
através de instrumentos desconexos ou isolados, mas, sobretudo, que se
aprende por meio de conexões com o meio e com conhecimentos prévios
interiorizados pelo sujeito, Geraldi (1991) observa que,
[...] a própria compreensão é um processo ativo, produtivo, em
que significados anteriores, resultantes de processos
interlocutivos prévios, se modificam por um processo contínuo
em que, quanto maiores as diversidades de interações,
maiores as construções de significados e em maior número
serão as categorias com que a criança vai construindo suas
interpretações da realidade. (GERALDI, 1991, p. 09).
Assim, vê-se que ensinar a ler não é apenas levar a decifrar códigos
escritos, mas sim possibilitar ao sujeito a compreensão desses códigos. Neste
sentido, Maria (2002) tece algumas considerações sobre o processo de
leitura:
Existe uma grande diferença entre ver e examinar, ouvir e
escutar... Ler não é ver o que está escrito, nem tampouco lhe
atribuir uma versão oral. Quem ousaria dizer que sabe ler em
latim porque sabe pronunciar as frases que lhe o
apresentadas? Ler é ser questionado pelo mundo e por si
mesmo, é saber que certas respostas podem ser encontradas
na produção escrita, é poder ter acesso ao escrito, é construir
uma resposta que entrelace informações novas àquelas que já
se possuía. (MARIA, 2002, p. 21).
Compreendendo, então, que a leitura ultrapassa a decifração de
códigos escritos, admite-se que esse processo exige esforço daqueles que o
orientam e, mais ainda, daqueles que buscam se apropriar dela. Isto porque o
conhecimento não é algo estático e, sim, uma construção, em que tudo que já
internalizamos foi construído em meio a uma necessidade posta pelo meio
social em que estamos inseridos.
Ainda sobre as situações de aprendizagem da leitura, Demo (2006)
adverte para a prática equívoca que ocorre nas escolas no tocante ao binômio
ensinar e aprender e para as convicções errôneas de que há “receitas” para a
aprendizagem da leitura e da escrita. Para o autor, a questão central está no
ato de aprender e não no de ensinar:
A questão fundamental é de aprendizagem a partir das
crianças. Assim, a leitura não pode ser ensinada para as
crianças. A responsabilidade do professor não é de ensinar as
crianças a ler, mas de tornar a aprendizagem da leitura
possível. [...] Nascem aprendendo. Há, porém, professores
que atrapalham, seja impondo métodos únicos que não
passam de receitas primárias, seja não respeitando a
motivação da criança e seu modo de aprender, seja por falta
de habilidade e compromisso. (DEMO, 2006, p.70).
Tendo em vista essas idéias, tenho tentado ao longo do trabalho deixar
claramente definido o papel do professor enquanto mediador e orientador mas
não tutor do conhecimento. uma grande distância entre práticas que
ensinam as crianças a ler e práticas pedagógicas que lhes possibilitam a
leitura das coisas, dos fatos e do mundo que as cerca.
A escola da infância na modernidade exige um professor capaz de
romper com as amarras que o compromisso de dar aulas lhe impõe e de
propor um novo cenário, no qual a criança protagonize e atue como principal
sujeito na construção de seu conhecimento. O foco das interações coletivas
na infância deve ter a perspectiva de uma Pedagogia da Infância
17
, voltada
para a criança e sua capacidade de organizar o pensamento, ou seja, a
complexidade de ler e escrever deve dar lugar às “cem linguagens”
18
da
criança apontadas por Faria (2005). Estas, intrínsecas à natureza da criança,
são esquecidas no contexto escolar, onde os adultos estão
“metodologicamente” prontos a ensinar e acabam por roubar dela noventa e
nove de suas linguagens, todavia é chegado o momento de devolver-lhe o
que lhe tem sido roubado ao longo da história. Para tanto, será necessário,
como sugere Faria (2005), que os adultos se alfabetizem nas “cem
17
De acordo com os estudos de Oliveira-Formosinho, a Pedagogia da Infância concebe a criança como um ser
participante das ações de educar e não como alguém que está em eterno estado de espera. Esta prima pela
transformação, pelos direitos dados às crianças e voz a elas para a transformação da prática pedagógica,
contemplando as dimensões humanas e a diversidade social e cultural.
18
Refiro-me às cem linguagens propostas por Malaguzzi nas escolas da infância de Reggio Emilia na Itália.
Nessas linguagens pode se ler e escrever sem letras, onde a linguagem gestual, artística, visual, dos sentidos, da
alegria, dos sonhos e da realidade, constituem o espaço educativo da criança.
linguagens” da criança, o que é um desafio para a consolidação de uma
Pedagogia da Infância que respeite e valorize o conhecimento infantil.
A leitura e a escrita não devem ser consideradas apenas no ato de ler
os livros e de escrever as letras, mas na pluralidade das inúmeras formas de
leitura e escrita, visto estarmos criando códigos e símbolos a todo momento
em nossas representações do mundo. Neste contexto, a leitura e escrita das
letras é apenas uma das formas de representação, portanto não que se ter
pressa para que a criança adentre esse mundo.
Talvez devêssemos, todos nós educadores da infância, centrar nossas
ações no resgate da cultura da leitura e da escrita. O professor mediador,
nesse caso, pode ser uma figura decisiva e determinante que, para auxiliar no
processo de formação de sujeitos leitores, cultive nas crianças o poder da
leitura: elas precisam compreender que ler é uma atividade social e que
através desta poderão construir e reconstruir os conceitos das coisas, das
pessoas e do mundo. Portanto, é tarefa dos educadores tecer a leitura e
escrita conjuntamente com as crianças, por esta não ser um produto de
isolamento e repetição, mas sim de interação social e compreensão. Quando
afirmo que caberá ao professor essa incumbência, penso em sua condição de
mediador da aprendizagem, pois será ele quem possibilitará ou não à criança
as aprendizagens significativas de leitura e escrita no espaço da escola.
3.2 - As Concepções de Leitura e Escrita que Permeiam o Espaço
Educativo da Infância
Tomo por espaço educativo, aqui, a escola e, mais especificamente, a
sala de atividades. Portanto, para se compreender como se o processo de
leitura e escrita, é preciso saber de quais concepções está imbuído tal
processo, nesse espaço. Em se tratando de crianças, vimos que ao longo da
história estas eram tratadas como seres incapazes e animalescos. Seres que
estavam sempre à mercê dos adultos, inclusive para servi-los”, pois, eram
dependentes deles para todas as suas ações. Acredito que seja em virtude
dessa submissão criada e imposta pelos adultos, que as crianças vivem um
legado de inferioridade em relação aos mesmos.
Na escola, particularmente a da infância, as crianças estão quase
sempre na condição de aprender, pois historicamente elas ocupam um lugar
de inferioridade, considerando-se que é o professor quem pode ensinar, visto
como uma figura dotada de conhecimento e autoridade.
É Fernandes (1997, p. 64) quem caracteriza os tempos atuais como
“modernidade doente”, pois a criança continua a ser tratada, como um ser
domesticável e passível de moralizar. Tais afirmações transporto para o seio
da sala de atividades, para onde as crianças são conduzidas para aprender a
ler e escrever, tarefa que na maioria das vezes é seguida de fracasso, que
as concepções vigentes nas práticas educativas se encarregam de tolher as
crianças, não permitindo que estas sejam educadas para questionar, mas
para se subordinar.
Silva (1995) faz algumas observaçõs pertinentes sobre o papel ocupado
pela instituição escolar no que diz respeito à leitura:
[...] o ensino da leitura perdeu sua naturalidade, caiu na esfera
dos reducionismos e, de certo modo, transformou-se numa
estafante rotina. Não mais se lê para compreender a vida, mas
para cumprir os artificialismos e pretextos impostos pela
escola. (SILVA, 1995, p. 22).
Além disso, para muitos educadores ainda não outro caminho senão
alfabetizar as crianças antes que estas aprendam a ler, esquecendo-se eles
de que a leitura precede a escrita. Se a leitura de mundo ocorre desde o
nascimento, não necessidade de esperar conhecer as letras para
posteriormente lê-las; lemos, desde que nascemos, lemos as cores, os sons,
o cheiro e as imagens. Mas, quando as crianças chegam à escola, são
convidadas a esperar pela hora de aprender, pois não podem queimar etapas.
Desta forma, o processo de alfabetização das crianças mostra-se como
o que podemos chamar de anomia, pois elas são conduzidas ao que vou
denominar aqui de fase da espera: esperam para falar, andar, brincar, dormir
e tudo o mais que envolva uma atividade educativa na escola. Entretanto,
felizmente, ainda não se conseguiu um método que as façam esperar a hora
para pensar. Este atributo não se pôde roubar das crianças, e é através do
mesmo que elas romperam o silêncio e a apatia das escolas da infância. É
evidente que caminhamos nas escolas da infância na contramão das
crianças, pois estas querem ser participantes ativas do processo, enquanto o
adulto ordena que esperem, pois ainda não é chegada a hora.
É preciso também de ter clareza que, por mais que as mudanças
ocorram mesmo que a passos lentos elas não se dão por decreto, mas
são resultados de transformações nas concepções pedagógicas. Barbosa
(2004) faz considerações importantes, no tocante às escolas da infância e às
concepções que as permeiam:
A transformação da creche em escola infantil tem sido
entendida como a busca de um modelo idêntico ao da escola
fundamental, e o fato de o profissional ser o professor e não o
educador leigo traduz-se em alfabetização precoce, em dividir
o tempo entre o brincar e o trabalhar. Tornar-se uma escola de
educação infantil tem significado, muitas vezes, desconsiderar
o pedagógico como a soma dos cuidados e da educação e
privilegiar o ensino sistematizado, as práticas de
preenchimento de folhas, o trabalho na mesa e cadeira, etc.
(BARBOSA, 2004, p.69)
Diante dessa realidade, que encontramos em muitas das escolas
infantis, há que se pensar na edificação de uma escola da infância com a qual
não haja abismos, ou seja, truncamentos no processo educativo.
Mas que, por outro lado, atenda às necessidades da criança enquanto
criança. Considerando que a escola se instaurou nos últimos três séculos
como o espaço legítimo dos processos de ensino-aprendizagem, ela precisa
acompanhar o avanço da modernidade e produzir práticas autônomas e
verdadeiramente sociais. O desafio de se construir a escola da infância do
século XXI numa perspectiva autônoma, democrática e de qualidade talvez
esteja tardando a se realizar pelo fato de estarmos tratando de uma cultura
escolar que se consolidou ao longo dos anos a partir de pressupostos das
classes dominantes. Considero impossível aos professores da infância romper
com concepções cristalizadas ao longo de sua carreira profissional se
continuarem prisioneiros da realidade ingênua, imposta às classes
dominadas.
Diante dessas concepções e práticas escolarizantes se faz necessário
um olhar atento ao espaço escolar e, neste sentido, Rangel (2005) contribui
com a observação de que:
É fundamental destacar que a concepção de espaço escolar
traz, em si, historicamente, a idéia de segmentação, do
ocultamento e aprisionamento atrelada à impregnação de uma
rotinização importante para a introdução e implementação de
conteúdos e práticas de uma formação com vistas aos
interesses do Estado, que exige um trabalho eficaz da escola
para garantir a formação de cidadãos politicamente iguais.
(RANGEL, 2005, p. 74)
É muito difícil romper com as idéias pedagógicas sedimentadas e dar
lugar a novas; Para que isso aconteça, é necessário grande esforço e
dedicação. Nas escolas de Educação Infantil é comum ver, entre vários
problemas de inadequação, espaços que não condizem com a realidade das
crianças de 04 e 05 anos e professores que insistem em propor a estas que
reproduzam atividades mecânicas e repetitivas. Não o fazem por falta de
conhecimento: pelo contrário, eles reproduzem essas práticas por terem sido
introduzidos ao processo de alfabetização desta forma e por acreditarem que
esta é uma prática que traz resultados positivos.
O comprometimento do professor também é fundamental, enquanto
educador; trata-se da responsabilidade consciente e competente para com a
profissão que exerce. As mudanças de concepções são possíveis, porém é
necessário voltar o olhar para o novo e também para a história, a qual relata
as mudanças que ocorreram ao longo dos séculos para a partir delas nos
permitirmos andar por novos caminhos. Neste contexto, é preciso romper com
o pensamento e a ação escolar que tratam a relação entre o leitor aprendiz e
a escrita como simples vocalização dos sons inscritos nas marcas gráficas
sem levar em consideração o significado do que é lido, visto que aprender a
ler é colocar em funcionamento a interação entre elementos gráficos e
elementos semânticos.
3.3 - As Possibilidades para a Formação de Leitores na Educação Infantil
Um outro aspecto que muito tem afligido os educadores e tem um papel
determinante em sua prática pedagógica está relacionado aos métodos.
docentes que acreditam que o método bom é aquele que alfabetiza.
Entretanto, estudos de André (1984) e Kramer (1986) apontam para a
variedade de métodos responsáveis pelo sucesso e fracasso na
aprendizagem da leitura e escrita. Kramer (2004) faz uma reflexão acerca da
importância do método e adverte que Emília Ferreiro, em 1979, já,
Havia insistido na necessidade de se relativizar a efetividade
do método de ensinar, ao lado da relevância de conhecer o
processo de aprender.
Não cabe, assim, propor mudanças no todo ou
mesmo criar um novo método como forma de garantir a
alfabetização. Esse caminho não se justifica, por mais que tal
método se apóie em pressupostos teóricos consistentes.
Trata-se ao contrário, de uma mudança na concepção do
processo de leitura/escrita e de uma transformação da prática
pedagógica, cunhada no seu cotidiano. (KRAMER, 2004, p.
64).
Os diferentes métodos de alfabetização e os seus efeitos na formação
do leitor vieram mostrar que não é o método em si, mas o professor e o uso
que ele faz do método, o elemento mais importante para o encaminhamento
do processo de alfabetização e de leitura na escola. Charmeux (1994)
discorre acerca dos métodos para ensinar a ler como sendo meras
pretensões científicas:
Ora, ler é uma atividade muito mais complexa de que se
acreditava até agora. Sabemos hoje que sua análise deve
recorrer a dados científicos pertencentes a disciplinas diversas
(...), e que sua aprendizagem o pode ser definida sem os
novos dados da psicologia da criança e das teorias da
aprendizagem (CHARMEUX, 1994, p.24).
A escola é tida como sendo o espaço de ensinar às crianças a leitura e
a escrita. Essa idéia persistiu e ganhou corpo quando limitamos à escola a
transmissão do conhecimento sistematizado através dos métodos. Porém,
enquanto os professores investiam nos métodos para ensinar às crianças a
leitura e a escrita, estes, em sua maioria, não eram articulados ao
conhecimento de mundo que as crianças traziam consigo, ficando este
relegado ao silêncio.
Sobre os métodos, vale uma ressalva. Considerando que nas últimas
décadas passamos a vivenciar várias inovações no ensino da leitura e escrita
e, este fato tem levado os professores a buscarem modificar as práticas
pedagógicas anteriores, as novas práticas pedagógicas têm sido pensadas na
concepção do letramento, que de acordo com Soares (2004) consiste em
cultivar as práticas sociais que fazem uso da leitura e escrita e não apenas o
ato de ler e escrever. Acredito, desta forma, que os métodos para o ensino da
leitura e escrita devam passar por práticas que incluam a criança no processo
e não que a deixe à margem deste.
É importante considerar a experiência dos professores alfabetizadores,
pois sua resposta diante de novas perspectivas, seja ela afirmativa ou não de
ensinar, é pautada em fatos vivenciados ao longo de sua vida profissional.
Muitos resistem a dar um outro olhar às novas práticas pedagógicas, outros
apenas sustentam aquilo em que acreditam e que conhecem
verdadeiramente. Frade (2003) afirma essa posição diante dos estudos
realizados acerca dos métodos, e pontua positivamente aqueles docentes que
conseguem cultivar uma prática pedagógica com situações reais de
aprendizagem, que possibilitem à criança emergir nos eventos de letramento
e através destes obter sucesso.
As várias pesquisas levadas a efeito m demonstrado que ainda hoje
em nossas escolas ouve-se dizer que o “aluno alfabetizado é o aluno leitor”.
Pode se afirmar que essa concepção é reducionista, pois a alfabetização
deve advir de momentos incessantes de “pós-alfabetização”, compartilhados
por todos os professores das diferentes áreas do conhecimento, sem o que
não há como formar o leitor crítico e maduro.
O equilíbrio entre a ação de aprender e ensinar é fundamental, pois as
descobertas ocorrem cotidianamente e independem da intenção do outro. Na
Educação Infantil as ações coletivas ocorrem diariamente entre as crianças e,
é importante que o professor se sinta parte dessa coletividade, onde as
crianças constroem e desconstroem seus sonhos, dando oportunidade à
criatividade, curiosidade, à invenção e a diversidade de idéias, que o
características intrínsecas à infância e que muitas vezes não são exploradas
na escola. A instituição escolar atem-se as regras e normas escolares,
responsáveis por dificultar que a imaginação das crianças, consideradas
criadoras nato, fossem exploradas. Portanto, é possível pela ação coletiva e
interação, se aproximar das crianças a ponto de aprender com elas, sem
necessariamente ter que ensiná-las.
Chartier (1996) também contribui com estas discussões colocando em
pauta algumas atribuições da escola em relação às atividades escolares que
permeiam o processo de leitura; para o autor estas devem estar pautadas nas
experiências das crianças, em suas vivências fora do contexto escolar:
Uma das primeiras tarefas da escola é, pois, proporcionar uma
pedagogia da cultura escrita que considere muito
concretamente experiências infantis. As aquisições extra-
escolares efetuadas em casa, no bairro ou na rua podem e
devem servir de ponto de apoio para as aprendizagens feitas
em aula. (CHARTIER, 1996, p. 26).
Sobre uma Pedagogia para a infância, Faria (2007) discute a
necessidade urgente de se construir um currículo, tendo como centro as
crianças de 0 a 10 anos. Para tanto, o investimento teórico na formação
docente voltada para a cultura lúdica e escrita, além da formação em arte que
é indispensável a um educador da infância. Estes são os três eixos para a
consolidação de uma Pedagogia para a infância, segundo a autora. Sobre a
cultura da escrita que deverá permear a escola da infância, ela não
compreende a alfabetização sistematizada para as primeiras idades; neste
contexto a segmentação do conhecimento das crianças deverá dar lugar às
experiências vivenciadas por elas e às diversas linguagens do contexto
individual e coletivo de cada uma delas.
Em muitas situações é unicamente na escola que as crianças têm a
oportunidade de ter contato com os livros; considerando que seja possível
realizar leituras o apenas por eles, mas estes são o que chamarei, aqui, de
veículos potencializadores da leitura. São nessas condições adversas que
procuro abordar os conhecimentos acerca da leitura e escrita. Sobre esse
assunto, Gnerre (1985) contribui para o entendimento de que,
A maior herança que a escola pode deixar a um aluno é a
capacidade de ler e o gosto pela leitura. Se o aluno passar
pela escola e aprender pouco, mas for um bom leitor, ele terá
nos livros e revistas uma prolongação da escola e poderá se
desenvolver muito além do que a escola esperaria de um
aluno ideal. (GNERRE, 1985, p. 25).
Diferentes considerações, também interessantes, sobre o ensino da
leitura são explicitadas por Charmeux (1994), ao afirmar que,
[...] professores ou pais, diante dos fracassos das crianças em
leitura, acusam a ausência de mecanismo de base, eles se
enganam redondamente: não é a sua ausência que é preciso
incriminar, é infelizmente a sua presença! (CHARMEUX, 1994,
p.88).
A autora pontua com muita propriedade a justificativa de pais e
professores diante do fracasso das crianças frente à leitura: muitas vezes
tentam justificar e colocam a culpa na falta de livros ou do local apropriado
para a realização da leitura. Muitas vezes a causa de os alunos não lerem
está relacionada à presença de leituras indesejadas e maçantes, impostas
por exigência da escola.
Concebendo a Educação Infantil como a primeira etapa da educação
básica, a leitura e a escrita nesse nível mostram-se instrumentos
imprescindíveis da educação, considerando a linguagem como o fio condutor
para o universo da criança e que a leitura e a escrita não são as únicas
formas de linguagens, mas sim uma das linguagens infantis. A leitura e a
escrita não são artifícios, mas, sim, o meio pelo qual professores e crianças
poderão partilhar momentos prazerosos e significativos para o
desenvolvimento infantil e, estas não deverão sucumbir a capacidade
expressiva e criativa da criança. Entretanto, tais ações no universo da
infância deverá primar pelas linguagens infantis, que o compreendem
apenas a leitura e escrita, mas sim as diversas representações e
manifestações da realidade que as crianças vivenciam e expressam através
das linguagens gestual, corporal, da arte, da imaginação, do prazer enfim,
num universo em que suas ações pautem-se nas experiências vivenciadas e
adquiridas por ela.
A preocupação em ensinar as crianças a ler e escrever originou a
escola preparatória na Educação Infantil, o que não cabe no espaço da
Educação Infantil, pois este tem características e objetivos próprios, onde as
relações estabelecidas com o coletivo criança / professor são as referências
para a construção singular dos fazeres cotidianos entre as crianças. Essa
construção diária e coletiva é a responsável pela organização singular da
escola da infância.
É evidente que o espaço e a atuação do mediador no processo de troca
de experiências infantis é imprescindível, e também é inegável que o prazer
pelos livros partirá das primeiras experiências que as crianças tiverem com
estes. Se forem momentos prazerosos com certeza a criança experimentará
outras vezes; caso contrário, correremos o risco de condená-la a fazer parte
do grupo de pessoas que não lêem por não saber, por não ter interesse ou
simplesmente por não gostarem.
3.4 – Letramento, Leitura e Escrita: elementos indissociáveis
Considerando as pontuações anteriores sobre práticas de leitura e
escrita, faço aqui algumas considerações no âmbito das práticas educativas
que ocorrem na escola da infância. Sabe-se que ainda muitos equívocos
sobre no currículo da Educação Infantil e que muitas são as dúvidas dos
professores, entre as quais estão questões como alfabetizar ou não na pré-
escola. Alfabetizar, ensinar as crianças a ler, que método utilizar e letramento
ainda não encontram significado em numerosas práticas aplicadas às
crianças, pois muitos educadores da infância não dominam esses conceitos e
agem aleatoriamente com os pequenos, em suas ações pedagógicas.
É nesse contexto que ocorre a leitura. Esta é uma atividade
eminentemente humana que consiste em dar sentido às mais diversas formas
de manifestação do homem e do meio. Trata-se de um processo de
compreensão e sentido no qual o leitor nunca está sozinho, um processo de
interação contínua, pois sempre o leitor, o livro e o autor dialogando, numa
tríade de imagens que fazem parte da constituição do sujeito como ser social.
No ambiente educativo da escola da infância, deve-se ler muito com as
crianças, pois elas estão em busca de respostas, e é nessa busca pelo
porquê das coisas que se chega ao conhecimento e as ões de letramento.
A respeito deste último termo, Mortatti (2004) o conceitua como sendo,
sobretudo, um conjunto de práticas sociais em que os
indivíduos se envolvem de diferentes formas, de acordo com
as demandas do contexto social e das habilidades e
conhecimentos de que dispõem. (MORTATTI, 2004, p. 105).
Para Soares (2004, p. 105) letramento é entendido como, o que as
pessoas fazem com as habilidades e conhecimentos de leitura e escrita”;
portanto, letramento é o produto da relação que se estabelece entre essas
habilidades e os valores nas práticas sociais.
Acredito que seja a confusão posta entre alfabetização e letramento que
leva aos educadores da infância a escolarizar a Educação Infantil e não se
apropriar de práticas habituais do cotidiano escolar para transformá-las em
significativas. Como se viu, a alfabetização está limitada à aquisição da
escrita, e é preciso tomar consciência de que nem todas as pessoas
alfabetizadas são letradas e nem todos os que efetivam práticas de
letramento nos mais diferentes contextos sociais são alfabetizados.
Portanto, é importante que a criança, mais do que ser alfabetizada,
adentre o mundo letrado e possa ser um leitor crítico da realidade. A escola
não é um lugar de formar leitores ingênuos e, na Educação Infantil, através da
curiosidade das crianças, as possibilidades de leitura formam um leque de
investigação e pesquisa, conduzindo as crianças a serem sujeitos leitores e
críticos.
Kramer (2004) adverte para a preocupação dos professores em valorar
as atividades motoras por não compreenderem a importância do aspecto
simbólico no processo de aquisição de leitura e escrita pela criança:
Se se compreende, por outro lado, que a aprendizagem da
leitura/escrita envolve uma dimensão simbólica, expressiva e
cultural, ser alfabetizador consiste em favorecer esse
processo, propiciando inicialmente, que as crianças realizem
atividades sistemáticas, organizadas de tal forma que as
diferentes formas de representação e expressão infantis sejam
ampliadas gradativamente, até que elas compreendam o que é
a leitura e a escrita, e façam uso desse objeto cultural para a
sua comunicação e expressão. (KRAMER, 2004, p. 99).
Essa dimensão cultural de aquisição da leitura e escrita de forma a
valorizar as expressões e representações numa dimensão individual e
coletiva, caminha para a compreensão da realidade não linear e ilimitada, pois
estes são traços do letramento. O letramento é sempre contínuo, e seu
desenvolvimento se por níveis, que podem ir do mais elementar ao mais
complexo quanto às habilidades de leitura e escrita e aos usos sociais
decorrentes delas. A criança desde os anos iniciais da escolarização pode
desenvolver seus níveis de letramento, por meio de atividades significativas.
Diante do exposto, vê-se que ensinar e aprender, em toda sua
essência consiste na quebra de paradigmas e de concepções cristalizadas.
Esse processo de contínuo aprendizado, para o professor e a criança, não
tem um tempo para terminar.
3.5 - As práticas de Letramento, Leitura e Escrita que se Efetivam na
Escola de Educação Infantil
A Educação Infantil se constituiu enquanto um ensino calcado nos
moldes do Ensino Fundamental, o que a torna escolarizante e
descontextualizada das especificidades exigidas pela criança. Se tomarmos
como princípio que a educação é uma das responsáveis pela constituição do
indivíduo enquanto sujeito, temos que dar a devida importância ao processo
educativo na infância. A visão escolar ainda é um estigma que ultrapassa os
muros da escola: os pais acreditam nesse modelo de ensino e o querem para
seus filhos. O espaço onde deveria ser instigada a curiosidade a criatividade,
a emoção, a sensibilidade, a socialização, o respeito, a investigação, as
diversas formas de leitura e escrita, lugar, para na maioria das vezes, a
uma aula que, inclusive, desconsidera grande parte das habilidades e saberes
que as crianças possuem.
Os professores de Educação Infantil têm, na sua maioria, se
empenhado cada vez mais em efetivar práticas que escolarizam,
demonstrando sua preocupação em ensinar as crianças a ler e escrever, o
que inclui prepará-las para o Ensino Fundamental. É o que Bujes (2001)
denomina de,
[...] “escolarização precoce”, igualmente disciplinadoras, no
seu pior sentido. Refiro-me a experiências que trazem para a
pré-escola, especialmente, o modelo importado do ensino
fundamental, as atividades com lápis e papel, os jogos ou
atividades realizadas na mesa, a alfabetização ou a
numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos
horários e da distribuição das atividades, as rotinas repetitivas,
pobres e empobrecedoras. (BUJES, 2001, p. 16 e 17).
A leitura e a escrita de forma contextualizada, articulada as outras
linguagens infantis e com significado para a criança ocupam lugar secundário
nas escolas da infância. As afirmações, por parte dos professores, do tipo.
Não temos material de leitura na escola. Não há livros de literatura infantil, por
isso não lemos para as crianças. Não se investe em material de leitura e
depois nos cobram que não ensinamos as crianças a ler, tentam justificar o
fracasso da aprendizagem da leitura nas escolas e conseqüentemente,
denunciam o despreparo dos educadores frente a esse processo. Demonstra-
se a necessidade de uma nova formação docente aos professores da
infância, período aqui compreendido entre zero e 12 anos.
Muitas são as mazelas da educação e as quais o cabe a este
trabalho apontar, pois estas passam por muitas questões, já discutidas ao
falar de concepções e práticas, porém nenhuma delas justifica o fenômeno do
analfabetismo, que também por equívoco passou a ser uma preocupação das
escolas de Educação Infantil, esta não é uma especificidade da escola da
infância, as crianças e professores de Educação Infantil coabitam um espaço
e ambiente com características próprias, onde as linguagens infantis devem
protagonizar os fazeres coletivos sem a preocupação de ensinar e aprender,
mas sim partilhar experiências singulares entre as crianças respeitando a
diversidade de culturas existentes. Quiçá chegue o dia em que na escola da
infância as crianças possam “ler” efetivamente o mundo, construir,
desconstruir e reconstruir significados a partir das mais diversas idéias, não o
fazendo pela silabação, repetição, pontilhados, silêncio, leitura doutrinária e
muitas outras práticas desprovidas de significado. Como diria Demo (2006), é
preciso desler o texto, é necessário formar leitores que reconstruam o texto
após lê-lo, que façam uma leitura crítica da realidade e dos fatos sociais.
O silêncio, muitas vezes imposto às crianças na escola da infância, tem
a ver com a relação de poder, visto que existe a necessidade de se impor
algo, e o primeiro item da lista da autoridade é o silêncio; é isso que temos
visto em muitas práticas pedagógicas nas escolas da infância. Querem calar
nossas crianças, esquecendo-se de que a linguagem é um atributo nato do
ser humano e que é por ela que nos fazemos seres sociais, o que diferencia o
homem dos outros animais.
As práticas pedagógicas que se consolidam no âmbito da escola da
infância constituem práticas de caráter fragmentado, que seguem uma rotina
estática, com horários inflexíveis, numa estrutura pensada pelos adultos e
com uma preocupação exacerbada em dar o maior número possível de
atividades às crianças, para que estas não fiquem sem “fazer nada”. Faço
aqui um recorte da fala de uma e a quem, ao encontrar no portão da
escola, perguntei sobre o que achava da escola em que a filha estudava, e ela
respondeu: É boa, gosto das professoras, aqui as crianças aprendem. não
gosto da professora não passar tarefa. Acho que as crianças devem ter
tarefas, que as professoras deveriam passar tarefa para casa no caderninho,
assim acho que as crianças aprenderiam a ler e escrever mais rápido. Mello
(2005) articula alguns fazeres pedagógicos de professores com base nessa
concepção:
Entre as concepções de educação infantil que dirigem as
práticas de educação das crianças brasileiras entre 3 e 6 anos,
percebo uma concepção muito forte muitas vezes
sustentada pela pressão dos pais, mas sobretudo pela própria
formação dos professores que trabalham com a educação
infantil que defende a antecipação da escolarização, e tal
escolarização precoce ocupa o tempo da criança na escola e
toma o lugar da brincadeira, do faz-de-conta, da conversa em
pequenos grupos quando as crianças comentam experiências
e conferem os significados que atribuem às situações vividas.
(MELLO, 2005, p. 24).
Vê-se esta realidade em muitas escolas. A respeito desse fato, é
costume, nos grupos de estudos realizados com os professores de Educação
Infantil, na Secretaria Municipal de Educação, esclarecer as vezes que os pais
não têm a obrigatoriedade de compreender as concepções que permeiam a
infância, mas nós educadores da infância temos o dever de conhecê-las e
efetivá-las em nossa prática.
Kramer (2005) aponta a dimensão indissociável entre teoria e prática:
[...] a teoria é um conjunto de regras também práticas e que a
prática não é um ato qualquer, mas um ato que concretiza um
objetivo e é pensado em relação a princípios. Essa ação
refletida remete ao conceito de “práxis”.
[...] Práxis é “a atividade de quem faz escolhas conscientes e
para isso necessita de teoria”. A práxis, portanto, chama a
consciência para o problema, é a prática que necessita da
teoria para justificá-la. (KRAMER, 2005, p. 146).
Portanto, as práticas de leitura na escola da infância passam pela
compreensão do professor do que seja leitura e pelas concepções que
permeiam suas práticas de leitura. Sabe-se que toda prática está ancorada
em uma teoria, e precisamos concordar que, se não uma prática
significativa de leitura e escrita na Educação Infantil, isto quer dizer que temos
que repensar nossos fazeres e concepções acerca de como ser professor na
escola da infância.
3.6 As Linguagens Verbal e Não-verbal como Possibilidades de
Interação e Descoberta
Considerando que a linguagem está intrinsecamente ligada ao processo
de desenvolvimento do homem, não podemos conceber práticas de leitura
desprovidas de diferentes tipos de linguagens, sendo esta o atributo maior do
ser humano.
Para Mello (2005), que disserta sobre a importância de o educador da
infância trabalhar com as crianças as diferentes linguagens, verbal e não-
verbal, gestual, linguagem da arte dentre outras,
[...] quero dizer que se queremos que nossas crianças leiam e
escrevam bem e se tornem verdadeiras leitoras e produtoras
de texto o que, de fato, é uma meta importantíssima do
nosso trabalho como professores , é necessário que
trabalhemos profundamente o desejo e o exercício por meio
de diferentes linguagens [...]. (MELLO, 2005, p. 36).
Para tanto, é importante apresentar às crianças as diversas
possibilidades de leitura, escrita e as demais linguagens que compreendem o
universo infantil, para que elas possam ampliar seu leque de comunicação
diante das diferentes formas de apropriação da linguagem. Considerar a
criança como protagonista da aprendizagem é peça-chave nesse processo,
no qual é necessário valorizar as capacidades, intrínsecas a ela, de construir
conhecimento a partir de suas hipóteses e interesses. Conforme propõe Mello
(2005) é importante conceber o processo de aprendizagem da leitura e escrita
pela criança a partir da linguagem escrita e não apenas das letras.
O contexto das diferentes linguagens abre espaço para a criança
enquanto sujeito produtor de cultura, a criança com seus valores, portanto,
com voz nos espaços sociais. Jobim e Souza (2005) interpretam a linguagem
que a criança constrói através de sua realidade:
É por meio da linguagem que a criança constrói a
representação da realidade na qual está inserida. Agindo, ela
é capaz de transformar a realidade, mas, ao mesmo tempo, é
também transformada por esse seu modo de agir no mundo.
Sua participação na dialética da subordinação e do controle
deve ser entendida a parti do papel que ela assume na
recriação de sua realidade histórica por meio do uso que faz
da linguagem nas interações sociais. (JOBIM e SOUZA, 2005,
p. 24).
É a partir do movimento de contradição de idéias e de sua autonomia
em relação à representação dos fatos, que as crianças se constituem
enquanto sujeitos culturais, e não será a partir das necessidades e idéias
subjetivas dos adultos que elas terão voz. A interação e interpretação dos
conceitos entre criança e adulto é a porta de entrada para suas relações com
a cultura social, pois não basta estar vivo para estar inserido na cultura. De
acordo com Jobim e Souza (2005, p. 60), “Para entrar na história não é
suficiente nascer. É necessário um segundo nascimento um nascimento
social”. Este é o ponto de partida para a construção do sujeito enquanto ser
social, que se constitui não somente em suas relações com o outro, mas
também com o meio criado por ele.
Através da linguagem percorremos a corrente da comunicação verbal,
por meio da qual o homem se estabelece na interação com o outro pela
palavra. Bakhtin (2005) se pronuncia a respeito da comunicação e da palavra
carregada de sentido ideológico como instrumentos a favor da linguagem:
Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou
escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más,
importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc. A
palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um
sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN apud JOBIM E
SOUZA, 2005, p 98).
A interação verbal faz parte de um processo de comunicação que não
se finda, e é a partir desse processo que as crianças penetram no caminho da
linguagem e nela se estabelecem enquanto sujeitos. As relações que se
constituem no seio da interação através da linguagem estabelecem o diálogo
de sentido entre a realidade lida e vivida, e as práticas pedagógicas que se
efetivam no ambiente escolar.
A compreensão das práticas de leitura e escrita como fonte de
conhecimento emerge transgredindo o passado através da história,
independentemente de quais sejam estas práticas impostas às crianças na
modernidade. O caráter de tutora que a escola tem tido frente à leitura e
escrita vem sendo questionado pelas práticas daqueles que a efetivam; a
escola tem um olhar diante da aprendizagem da leitura e escrita como se
estas fossem armas do instrumento dominador. Kramer (1993) comenta sobre
essa dimensão:
Será justo exigir que as crianças permaneçam na aridez da
linguagem mecânica instrumento –, distanciado-as, ao invés
de aproximá-las, do significado da escrita como arma e
sonho? E o retirar prazer do lido? E o expressar idéias,
sentimentos, desejos? E o penetrar no mundo do simbólico e
também assim conhecer outros povos, outras terras, outras
gentes, o meu Brasil. (KRAMER, 1993, p. 28).
A autora convida todos a refletirem sobre a importância de as crianças
sonharem, sobre o modo como a escola se apropria desses sonhos, para
chegar à origem singular da leitura e escrita. Através da comunicação obtida
pela interação nas relações sociais, seria possível retirar a leitura e escrita do
enclausuramento atual. É preciso, enfim, a escola se desprender de práticas
tradicionais e doutrinárias, para mergulhar no universo de práticas
multiculturais e libertadoras.
CAPÍTULO IV - ANALISANDO AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO
CONTEXTO DA INFÂNCIA
Talvez não haja na nossa infância dias que
tenhamos vivido tão plenamente como
aqueles que pensamos ter deixado passar
sem vivê-los, aqueles que passamos na
companhia de um livro preferido.
Marcel Proust
Discuto neste capítulo as práticas pedagógicas observadas no âmbito
da Educação Infantil e proponho algumas reflexões acerca desses fazeres,
correlacionando-os aos fatores de qualidade na Educação Infantil. Para tanto,
que se explicitar o conceito que se tem de qualidade na educação,
atualmente. Em linhas gerais, conceituo qualidade na educação relacionando-
a a diversos fatores, como à formação dos profissionais da infância, à
participação da sociedade na educação das crianças, ao financiamento para
este nível de ensino e às condições físicas e materiais das escolas. Entendo,
também, que os valores humanos constituem um dos instrumentos mais
importantes a favor da qualidade na educação; são atributos valiosos e
necessários rumo a uma educação de qualidade, a uma escola cidadã e
humanizada.
A análise das entrevistas realizadas contribuiu de forma significativa
para a discussão que me propus realizar neste trabalho, pois, por meio delas,
foi possível me aproximar das concepções e práticas da professora
focalizada. Na abordagem das entrevistas foi dado um destaque aos relatos
que melhor evidenciaram o aprendizado da leitura por parte das crianças
19
e
as concepções da professora
20
. Os elementos citados acima me permitiu
evidenciar que a professora vive um momento de transição em suas
19
Aqui não refiro às crianças por seus nomes verdadeiros.
20
A professora será chamada de Emília, numa alusão à personagem das histórias de Monteiro Lobato, que criava e
estava sempre pronta a aprender.
concepções e práticas pedagógicas, esta postula alguns fazeres tradicionais,
no entanto, por meio das ações com o coletivo infantil é possível identificar e
correlacioná-las à concepção sócio-construtivista. Essas ações ou atividades
coletivas a que me refiro e, que apresentam uma professora rompendo com
conceitos tradicionais e articulando-os a outra concepção serão exploradas
nesse capítulo.
Ainda nesse capítulo estudo alguns temas que emergiram dos dados
para análise, tais como: Referencial Orientador da Educação Infantil em
Rondonópolis; aspectos da Proposta Pedagógica; reflexos da teoria nas
práticas de leitura e escrita; instrumentos utilizados para subsidiar a prática
pedagógica; práticas de leitura, letramento e escrita; audição de rádio como
conhecimento da realidade; leitura de histórias para a formação da criança
leitora; interação, coletividade e uso social da escrita para o letramento; uma
experiência com a natureza. Estes foram os temas aos quais ative-me a
analisar neste 4
0
capítulo.
4.1 – Referencial Orientador da Educação Infantil em Rondonópolis
A Proposta Diretriz Curricular Municipal para a Educação Infantil
PDCMEI foi construída pelo coletivo de professores da Rede Municipal de
Ensino. As primeiras discussões acerca da elaboração da Proposta
aconteceram em 1999; foram vários encontros com os técnicos da Secretaria
Municipal de Educação e professores de Educação Infantil, estando presentes
na pauta para discussão os objetivos, os caminhos para a elaboração do
documento, os eixos norteadores da prática educativa, os princípios da
organização curricular, os saberes e habilidades para o e ciclos, o perfil
dos professores e a avaliação. A publicação da Proposta ocorreu em
dezembro de 2003.
Em linhas gerais, apresento os pontos principais contemplados pela
Proposta Diretriz Curricular Municipal para Educação Infantil. Entre estes,
estão os objetivos, os eixos norteadores da prática educativa, os saberes e
habilidades a serem trabalhados com as crianças do 1
o
e 2
o
ciclos, o perfil do
professor de Educação Infantil e a avaliação.
O referido documento tem por objetivo construir uma identidade
curricular em sua comunidade, e da administração central / Secretaria
Municipal de Educação, na tarefa de construir e propiciar condições materiais,
formação e carreira condizentes com este nível de ensino” (PDCMEI, p.19). É
com esse propósito que os profissionais de Educação Infantil se articularam
na elaboração da Proposta.
Quanto aos eixos norteadores da prática educativa, pautam-se nos
estudos de Vygotsky, dando primordial destaque à linguagem e trazendo
implicações importantes para as práticas diárias do professor, numa
concepção de interação, que considere as diversas formas de comunicação e
troca. Partindo desses estudos os professores se comprometem com uma
proposta que valorize o lúdico, considerando os significados inscritos no
brincar, enquanto atividade fundamental e imprescindível para o
desenvolvimento integral das crianças. [...] propomos a brincadeira como um
dos princípios norteadores de todo o trabalho pedagógico nesta etapa
escolar” (PDCMEI, p.16). A Diretriz traz o compromisso dos professores em
pautarem suas práticas nas atividades de ludicidade e prazer, que
compreendam a criança e respeitem seu tempo de aprendizagem.
Os saberes a serem contemplados nessa construção, por sua vez,
estão ancorados em três áreas do conhecimento: Linguagens e Códigos,
Ciências Naturais e Matemática e Ciências Sociais. Dada a amplitude das
áreas e sem a pretensão de dividi-las, mas de oportunizar vivências
significativas, estas foram delimitadas na perspectiva de favorecer as práticas
de letramento. A delimitação enfatiza a Linguagem e Expressividade; Práticas
Lingüísticas; Linguagem Corporal; Linguagem Artística; Identidade e Cultura;
Ambiente Natural e Higiene; Leitura Numérica e Lógica Matemática.
Nessa perspectiva, o perfil do professor de Educação Infantil é de
importância ímpar, e ele tem como “papel preponderante proporcionar às
crianças uma educação de qualidade que as ajude a entender e superar a
realidade em que vivem, criando no espaço escolar uma atmosfera
democrática que respeite, valorize, promova a diversidade e que conduza ao
bem-estar emocional e físico das crianças [...], encorajando-as a
expressarem-se livremente suas expectativas, interesses e necessidades,
fazendo uso das diferentes formas de linguagem(PDCMEI, p.130). Assim
sendo, a atuação do professor será de grande complexidade, pois ele deverá
exercer uma prática que promova as crianças para seu desenvolvimento,
considerando as diferenças no processo das inter-relações, na construção do
conhecimento.
Como último pilar abordado na Diretriz, situo o papel da avaliação, esta
pautada no desenvolvimento integral da criança, considerando o caráter da
provisoriedade e as habilidades individuais de cada uma delas no tocante à
aprendizagem. Dos instrumentos utilizados no processo de avaliação
destaca-se, o caderno de campo, composto dos registros diários, por sua vez
fruto da observação realizada pelo professor, no tocante às atividades das
crianças em relação a seu processo de construção de conhecimento. Um
segundo instrumento é o relatório descritivo, elaborado semestralmente; este
é individual e registra a evolução da criança. Ambos possuem importância
singular, pois na elaboração do relatório o professor se utiliza dos registros
constantes no caderno de campo para descrever o progresso da criança e as
intervenções realizadas por ele.
Os eixos descritos acima compõem as diretrizes da Proposta para a
Educação Infantil Municipal; tais referências são sugeridas como norteadoras
da Proposta Pedagógica das escolas da infância, cabendo ao coletivo de
professores e comunidade escolar articular as mesmas numa construção
democrática, social e com princípios autônomos e de cidadania.
4.2 – Aspectos da Proposta Pedagógica
Entendo ser a Proposta Pedagógica algo que se concretiza na prática,
um mecanismo interno da escola que deve surgir da interação entre alunos,
professores e comunidade escolar. Entretanto, muitas propostas pedagógicas
surgem de um ideário do professor, sem levar em conta o que pensam as
crianças e como desejariam que a escola fosse, sem considerá-las como
sujeito ativo desse processo. Vimos a distância que entre o conhecimento
produzido pela escola e o proposto pelos professores.
Sempre que instigados a elaborar uma proposta pedagógica, a primeira
indagação dos professores é: Como elaborar uma proposta pedagógica sem
material ou recursos para executá-la? Vejo ser este um dos problemas, porém
não o maior; acredito que ele passe pela formação do professor de Educação
Infantil e suas concepções. No entanto, o problema o justifica a não
elaboração da proposta, pois é esta que mostrará as práticas pedagógicas
que se efetivam na escola. Portanto, é tarefa dos profissionais da educação
conjuntamente com a comunidade e as crianças elaborarem suas propostas e
não recorrer a outros para que o façam. A legitimidade da proposta está em
oficialmente ser elaborada por pessoas ávidas por fazer educação e colocá-la
em prática. É importante lembrar que as propostas não devem ser elaboradas
para cumprir requisitos das Secretarias de Educação, mas, sim, por uma
necessidade de caminhar, por parte da escola.
Nos pressupostos de Kramer (2005), toda proposta pedagógica ou
curricular necessariamente precisa reunir em suas bases teóricas aspectos
que viabilizem a efetivação da mesma, levando em conta que ela não seja o
fim em si mesma, porém o caminho que todos, professores, crianças e
comunidade escolar devem percorrer. Este caminho, todavia, nunca estará
pronto, pois deverá ser passível de construção, de acordo com os problemas,
as necessidades e realidades diversas. Kramer (2005) contribui com esta
reflexão, afirmando que “uma proposta pedagógica é um caminho, não é um
lugar. Uma proposta pedagógica é construída no caminho, no caminhar. Toda
proposta pedagógica tem uma história que precisa ser contada. Toda
proposta tem uma aposta” (Kramer, 2005, p. 169). A construção desse
caminho requer assumir uma identidade para essa proposta, pois currículo é
identidade.
Pela análise das práticas pedagógicas da professora em foco, é
possível afirmar que estas estão ancoradas na Proposta Pedagógica da
escola, que por sua vez se apóia na Proposta Diretriz Curricular Municipal
para a Educação Infantil. Inicialmente, abordo a Proposta Pedagógica da
escola na qual realizei a pesquisa, seguindo com os pressupostos de Kramer,
que aponta alguns princípios básicos para a elaboração desta, que prime por
uma concepção de infância, de educação e de Educação Infantil, como
também concepções acerca da cultura e do desenvolvimento infantil e a
função da instituição escolar em relação à criança, à família e à comunidade.
A Proposta Pedagógica da EMEI Mateus Vinícius Bráz é composta por
objetivos, justificativa, algumas considerações acerca da infância, plano de
ação da coordenadora, projeto de formação das professoras, conceito de uma
política de qualidade, as metas em relação à reforma e ampliação do espaço
físico, quadro de funcionários com suas respectivas funções e horários de
lotação, o regimento escolar, formação de turmas, os aspectos físicos da
escola, o histórico da criação da escola, horário de funcionamento e
justificativa do mesmo, além do planejamento semestral. Analiso, a seguir, os
aspectos que julgo de maior relevância.
A Proposta Pedagógica da escola em pauta traça um histórico da
criança ao longo dos séculos, entretanto, nela não expressa as concepções
atuais acerca da infância. É evidente que a construção da proposta foi
efetivada pelo coletivo de professores, porém nem todos os segmentos da
comunidade escolar participaram desse processo. Está implícito que os ideais
ali propostos partiram dos “sonhos” das professoras, aquilo que elas
imaginam ser o melhor para as crianças, mas estas por sua vez, não foram
ouvidas para falar dos seus sonhos e de tudo aquilo que elas esperam da
escola.
A missão da escola explicitada na Proposta é “Proporcionar às crianças
um processo de desenvolvimento num ambiente lúdico e prazeroso em todas
as suas dimensões [...] tendo em vista sua autonomia [...] as capacidades de
relação com o outro, a identidade, as atitudes de tolerância e o respeito às
diversidades”.
Acredito na escola que trabalha na busca de sua identidade e na
construção de práticas autônomas que possam contribuir para termos sujeitos
leitores e críticos da realidade social na qual estamos inseridos. Na
observação das práticas pedagógicas da professora, observei que ela dava
grande importância a atividades como histórias lidas e contadas, desenho
livre em papel, no chão e na lousa, roda de conversa, música, leitura de
jornais e revistas, entre outras. E a prática pedagógica da professora dava
permitia que as crianças trabalhassem num ambiente autônomo.
A política de qualidade contemplada na Proposta visa “[...] como política
de qualidade manter um trabalho em parceria com a comunidade / família /
SEMEC e outros, visando investir no processo de formação e
desenvolvimento do educando, [...] na busca da melhoria constante do
processo de ensino-aprendizagem das crianças”. Sobre o item qualidade, o
qual é voltado à parceria com a comunidade e a família, entendo este como
ponto de destaque para discussão, pois considero verdadeira a proposta que
voz aos pais, aproximando-se de seus anseios e dificuldades reais de
onde e como vivem, buscando conhecer a realidade de cada família e o que
esta espera que a escola faça por seus filhos. Julgo legítima uma proposta
que esteja aberta à contribuição de toda a comunidade escolar, tendo como
principal personagem a criança, pois este me parece o caminho para a
construção de uma proposta capaz de educar para a emancipação.
O objetivo principal mencionado na Proposta é “Promover uma prática
educativa que leve em conta as características dos educandos e da
comunidade estabelecendo e ampliando cada vez mais as relações sociais
[...]”. Ao ler este item, as perguntas emergiram: Como seria ampliar as
relações sem partilhar com os pais a construção da proposta? Como seria
esse caminhar sem a participação de pais e crianças? Por esse objetivo não
seria possível saber em que apostam os profissionais da educação: seria em
seu trabalho, nas crianças ou nas famílias? Mais uma vez reafirmo que seria
difícil valorizar as características individuais de cada criança sem o
envolvimento destas e de suas famílias. Portanto, entendo que a legitimidade
de uma proposta está em sua construção coletiva, com a participação dos
pais, crianças e comunidade nesta construção e neste caminhar.
Sobre a formação continuada de professores na unidade, inicio a
discussão pelo objetivo central do projeto de formação que consta da
Proposta da escola: “Propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas
educacionais, troca de experiências, estudos coletivos, apoiando-se numa
reflexão sobre a prática educativa, promovendo um processo constante de
auto-avaliação, que oriente a formação contínua de competências
profissionais, que contribuam com o aperfeiçoamento das práticas educativas
destinadas à Educação Infantil das EMEIs”.
Tendo posto o objetivo maior do projeto de formação, traço algumas
considerações acerca dos momentos coletivos que optei por chamar aqui de
reuniões pedagógicas, pois na observação e na entrevista pude perceber que
não uma formação articulada ou estudos coletivos em consonância com o
objetivo explicitado acima. Em entrevista a professora Emília declarou que, “A
escola em si não fornece formação continuada, nós temos a HTPC (Hora de
Trabalho Pedagógico Coletivo), onde nesse momento nós discutimos,
fazemos leitura de textos...”.
A fala da professora requer uma reflexão: o que seria formação para a
mesma? De fato, observei o caráter não intencional da formação, a leitura
aleatória de textos, artigos voltados a temáticas diversas como currículo,
leitura, alfabetização, brincadeiras, entre outras; esses textos eram pauta da
discussão coletiva. Participei apenas de um momento coletivo na unidade, o
qual teve por tema teve a discussão de alguns encaminhamentos da
Secretaria de Educação em relação ao atendimento nas EMEIs.
A HTPC é o único momento coletivo entre as professoras e a
coordenadora pedagógica. Na oportunidade em que participei e na analise da
Proposta e da fala da educadora percebi apenas a socialização de
experiências e discussões de textos que não estão articulados a um projeto
de formação, como apontou a professora: “Na HTPC nós temos momentos
riquíssimos de troca de experiências e discussões coletivas sobre as
práticas”.
Retomo a formação de professores na escola, pois o equívoco está
posto, com a fala da professora de que não há formação continuada na
unidade. De fato, falta articulação entre as necessidades formativas que
deveriam alavancar a construção de um projeto de formação, e que não
aparecem, e o suporte teórico para discuti-las. Fica explícita aqui mais uma
característica da “proposta de gaveta”, elaborada para cumprir as exigências
das Secretarias de Educação, pois a Proposta Pedagógica da escola em que
se realizou a pesquisa contém um projeto de formação, no entanto sugere-se
que ele existe apenas para cumprir requisitos exigidos. O que se propõe,
desde as concepções de formação, objetivos, metodologia, avaliação,
cronograma e temas a serem estudados, a julgar pelo depoimento, não saiu
do papel.
Para o referido momento coletivo as professoras têm uma jornada de
três horas e trinta minutos semanais. É possível observar que essas
discussões se perdem por não estarem articuladas a um projeto coeso e que
prime pelas necessidades formativas, que a princípio deveriam ser levantadas
por elas próprias. Com a articulação da formação ancorada nessas
necessidades, o grupo não correria o risco de permanecer nas discussões
primárias como a decoração nas datas comemorativas, as culminâncias de
projetos, as atividades a serem realizadas ou as melhorias a solicitarem à
Secretaria de Educação. o que esses encaminhamentos não devam fazer
parte dos momentos de formação, mas não se deveria destinar todo o tempo
em que os docentes se reúnem apenas para resolver problemas, a meu ver,
de menor importância. Deveriam realizar estudos de natureza teórica, que
pudessem ajudá-los a resolver os problemas cotidianos e a vencer as
resistências a novos olhares em relação à educação das crianças.
Sobre a formação, vê-se em Kramer (2004) que,
Parece que é chegada a hora de recuperar o valor da escola,
a especificidade do pedagógico e, consequentemente,
resgatar o seu papel. Muito pode ser feito nesse sentido,
particularmente no que se refere à formação dos professores
em serviço, ponto que permanece nevrálgico no nosso
sistema de ensino. (KRAMER, 2004, p. 91).
A formação dos professores, aqui diagnosticada por Kramer como um
ponto nevrálgico, é uma chave para a implementação de estratégias e
mecanismos que visem à resolução de problemas da escola e aos avanços
significativos de práticas que favoreçam a autonomia e a capacidade crítica
do sujeito.
Em linhas gerais, os aspectos que compreendem a linguagem, na
Proposta da escola, compreendem atividades que contemplam a
comunicação e expressão em vários gêneros orais, literatura infantil,
diversidade textual, relatos de experiências, leitura, escrita e desenho. Estes
são saberes delineados na Proposta Diretriz Curricular Municipal para a
Educação Infantil, que o Projeto da escola primou em realizar e que foram
evidenciados na prática pedagógica da referida professora. O planejamento
das atividades em questão é realizado semestralmente e no coletivo de
professores. O tema do projeto inicial desenvolvido durante todo o
semestre intitulou-se Identidade e autonomia: todo eu tem seu nome, e me
dediquei a analisar especificamente as habilidades voltadas às práticas de
leitura e letramento, que são o foco desta pesquisa.
O projeto desenvolvido no 2
o
semestre, Construindo Cidadania, não foi
possível analisar, em virtude de o mesmo estar sistematizado apenas no
caderno das professoras e, até o término da observação, não ter conseguido
uma cópia; mas as práticas pedagógicas analisadas permitiram-me fazer as
leituras que serão explicitadas posteriormente, ressaltando que tal falta não
impossibilitou a realização de fazer a análise a que me propus.
A seguir descrevo as práticas pedagógicas observadas no contexto da
sala de aula e a articulação destas com a Proposta Pedagógica da escola e
com a Proposta Diretriz Curricular Municipal para a Educação Infantil, bem
como procuro deixar minha contribuição em favor dessas práticas.
Segundo a professora Emília, a Secretaria Municipal de Educação de
Rondonópolis promove um encontro mensal com as professoras, no qual são
estudados textos relativos à Educação Infantil. De acordo com seu
pensamento, enquanto professora de Educação Infantil, temos que estar em
busca constantemente, e portanto, refletirmos sobre nossa prática [...]. Parto
dessa afirmação para a discussão do ponto a seguir.
4.3 - Reflexos da Teoria na Prática Pedagógica: ouvindo a professora
Para iniciar a discussão sobre a articulação entre teoria e prática, faço
um breve comentário acerca dos encontros pedagógicos realizados pela
Secretaria Municipal de Educação. Vejo que o foco central destes está
voltado para as práticas pedagógicas dos professores e para que não se a
escolarização na pré-escola de forma prescritiva, mecânica e
desconsiderando o conhecimento de mundo das crianças . Ao se analisar o
projeto de estudo, torna-se evidente que a articulação teórica pauta-se nos
estudos de Kramer, Kishimoto, Faria, Barbosa, Mello, Arroyo, e os fazeres
pedagógicos intrínsecos à abordagem de Reggio Emilia quanto a primeira
infância, com as contribuições de Edwards, Gandini e Forman. se também
a preocupação por parte da Secretaria em discutir com os professores
aspectos voltados à construção de suas propostas pedagógicas, que
priorizem uma escola democrática, autônoma, interativa e que respeite os
ideais da infância.
A proposta para os encontros pedagógicos visa a reunir os
aproximadamente 54 professores de Educação Infantil que atuam na pré-
escola e seus coordenadores pedagógicos para discutirem conjuntamente,
fazendo uma reflexão acerca de suas práticas. Os professores têm
participação efetiva, entretanto, este é o único momento em que todos se
reúnem para estudos e discussões a respeito da prática pedagógica, atendo-
se às especificidades desse nível de ensino.
Pude perceber que, nas discussões sobre a formação docente que
ocorrem nesses encontros, preponderam as preocupações temáticas que
configuram a valorização da escola, de seus profissionais e das crianças nos
processos de democratização da sociedade brasileira, a organização da
escola, os currículos, os espaços e os tempos de ensinar e aprender, o
projeto-político pedagógico, as condições de trabalho e de estudo, o trabalho
coletivo e a escola como espaço de formação contínua. Compreendo a
relevância de serem esses temas discutidos no atual cenário da educação
brasileira, porém entendo que eles requerem ser estudados também no
espaço das escolas, considerando as particularidades de cada uma, e o
somente permanecerem nas discussões promovidas pela Secretaria de
Educação.
Considero ser a formação continuada a instância para a reflexão da
prática docente para possíveis mudanças de concepções, pois o ato de
refletir na e sobre a ação permite ao educador participar ativamente dos
problemas da escola, rever suas rotinas e buscar novas hipóteses na
resolução desses problemas. Isto significa que ao refletir sobre sua prática,ou
seja, ao transformar a mesma em conteúdo de reflexão, o professor toma
consciência de sua prática de ensino e de seu trabalho intelectual. Agindo
assim, o docente atua como pesquisador, constrói sua autonomia
profissional, enriquecendo-se de conhecimentos e práticas não solitários, mas
construídos em conjunto com outros professores. Ele estará, através desses
encontros, participando da tomada de decisões, da organização e da gestão
da escola.
A análise dos primeiros relatos da professora demonstra a preocupação
que Emília tem com sua auto-formação e a importância que às “reuniões
pedagógicas” que se realizam na escola. Percebi que ela considera ser
possível, aí, a reflexão sobre a prática:
Primeiramente o professor tem que querer, porque ele
querendo ele vai em busca, o professor de Educação Infantil
tem que estar constantemente em busca do saber.
[...] a formação chega de uma forma muito boa, além de
estarmos adquirindo novos conhecimentos ela traz o momento
de estarmos refletindo sobre a nossa prática, trazendo
sugestões, então é uma forma de os professores estarem
buscando diariamente esse saber. (Prof
a
. Emília).
Em relação à HTPC que se efetiva na escola, vejo-a como positiva, pois
as discussões coletivas acerca das práticas são importantes no processo de
desmistificação de conceitos. Todavia, entendo ser necessário articular a
essas reflexões estudos de natureza teórica que venham ao encontro da
socialização de experiências e possível solução de problemas; a socialização
das vivências dessas professoras não terá sentido se não articular as
mesmas às teorias que discutem as práticas.
Kramer (2005) revela quão indissociáveis considera as concepções
teóricas da prática:
[...] se partirmos do pressuposto de que o caminho é uma
construção coletiva dos sujeitos envolvidos na prática
educativa, a teoria assume uma outra dimensão. O movimento
de apropriação não se dirige à teoria, mas à própria prática,
pois é refletindo sobre os desafios enfrentados na prática que
o profissional reconstrói a teoria e apropria-se de seu fazer,
tornando-se livre para agir conscientemente.
Portanto, o é possível sair da teoria e entrar na prática,
pois, ao praticar, o professor reconstrói a teoria, que, por sua
vez, reinventa a prática. (KRAMER, 2005, p. 148).
Esse processo de reconstrução da prática a partir da teoria pode ser
visto nas reflexões da professora, quando esta demonstrava seu
comprometimento com a formação continuada e com os momentos de troca
de experiências e discussões sobre os fazeres pedagógicos. Estes se
mostraram pontos relevantes em suas concepções, como de fundamental
importância para sua profissionalização.
Ao se expor a importância da articulação entre teoria e prática, coloca-
se em evidência a escola como espaço institucional de práticas coletivas. A
compreensão dos processos de constituição do saber fazer docente abre
caminhos para o estudo na escola nos cursos de formação e para novas
possibilidades de se articular as formações inicial e contínua. Os estudos
coletivos que ocorrem no espaço escolar contribuem para os processos de
reflexão e intervenção concreta na prática pedagógica.
O espaço da escola é e deve ser tido, cada vez mais, como um locus
de estudo e de construção de conhecimento, os quais são parte
indispensável do processo de formação contínua do professor. É neste local
que ele efetiva seus fazeres, portanto, deverá ser este um espaço de troca de
experiências, anseios e aprendizagens coletivas. Entendo que o ambiente
escolar seja insubstituível no tocante aos questionamentos, reflexões e
produção de conhecimento, é neste espaço que deverão ser realizadas e
consolidadas as discussões sobre as concepções e práticas pedagógicas que
se efetivam na escola.
4.4 - Instrumentos Utilizados para Subsidiar a Prática Pedagógica
Ao olhar para o universo curricular da Educação Infantil, imediatamente
nos deparamos com um modelo de ensinar “importado” do Ensino
Fundamental. Isso é perfeitamente explicável, pois sabemos que todos os
instrumentos utilizados na Educação Infantil foram pensados dentro do
modelo oficial de ensino que se tinha na época, conforme enfatiza Kuhlmann
(2005):
Na versão preliminar dos Referenciais Curriculares para a
Educação Infantil, as propostas para as crianças menores
subordinam-se ao que é pensado para as maiores, seguindo
um atrelamento ao ensino fundamental. Para ser educacional,
o modelo por excelência seria aquele. Daí a
compartimentação e o contorcionismo para encaixar as
especificidades da educação da criança na faixa etária dos 0
aos 06 anos. (KUHLMANN, 2005, p. 56).
Entendo que a articulação que deveria ocorrer perdeu-se na
subordinação a algo “superior”, no caso o Ensino Fundamental, em
detrimento do “menos importante”, a Educação Infantil. Esta é a leitura que
faço, a julgar pelas políticas e investimentos prioritários no ensino obrigatório.
Entre tantas propostas sugestivas de trabalho na infância, o RCNEI
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - 1999, se
estabelece enquanto referencial de consulta. Segue a fala da professora em
relação aos instrumentos que subsidiam seu planejamento e,
conseqüentemente, sua prática pedagógica:
Eu diria que o RCNEI seria o carro-chefe, no nosso
planejamento, além dele nós corremos atrás de outros
instrumentos, texto,... na formação continuada, na discussão,
o que está tendo de sucesso, êxito.
A Proposta Diretriz Curricular do município é muito boa, mas
como em todo momento nós precisamos estar ampliando,
buscando, é... e o que é melhor, ela vem contemplar para que
nós trabalhemos de uma forma interdisciplinar. (Profa. Emília).
A idéia de subsidiar a prática através de instrumentos teóricos é
intrínseca às concepções da professora. Segundo a mesma declara, fazem
parte dos aportes utilizados por ela, o RCNEI e a Proposta Diretriz Curricular
para a Educação Infantil no município. No entanto, os eixos sugeridos na
Diretriz municipal apresentavam detalhes pouco definidos na Proposta
Pedagógica da escola, a exemplo das habilidades referentes à linguagem.
Acredito que o ponto de conflito ocorria por se conhecer esses saberes, mas
não os articular ao projeto da escola. Os fazeres da professora se voltavam a
atividades relativas a planejamentos isolados e desconectados de uma
proposta, por mais que se mostrassem significativos às crianças.
O RCNEI e a Proposta Diretriz trazem algumas reflexões acerca do
trabalho pedagógico com as crianças e da responsabilidade do professor de
Educação Infantil: “[...] compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular
das crianças serem e estarem no mundo [...] é o grande desafio da educação
infantil e de seus profissionais” (RCNEI, Vol. I). Sobre o assunto, a Proposta
Diretriz (2004) preceitua:
Para a superação deste desafio, o profissional da
educação infantil, precisa de respaldos teóricos
/metodológicos que sustentem sua prática pedagógica e
o torne alguém capaz de compreender-se político e
pedagogicamente com a realidade social, econômica e
afetiva das crianças. (PDCMEI, 2004, p. 30).
Baseado nesses pressupostos, Kramer (2004) vem reafirmar que a
proposta pedagógica de uma escola vive em constante movimento, o que nos
permite estar em processo diário de discussões passíveis de construção.
Concordo com as palavras de Kuhlmann (1998) no sentido de que não é mais
preciso inventar a roda na educação, ela foi inventada, agora é ir aparando
as arestas, num contínuo processo de construção e reconstrução de
significados e conceitos.
4.5 – Vivenciando as Práticas Pedagógicas de Letramento, Leitura e
Escrita
Ao longo do tempo, muitas têm sido as discussões sobre as
concepções e práticas na educação. Em se tratando de Educação Infantil,
também foram inúmeros os olhares, e entre eles o de Kramer (2005), que
propõe enxergarmos a criança como dotada de capacidade de vivenciar
práticas enquanto sujeito ativo no processo educacional.
A prática que pode levar o professor a uma apropriação de
seu fazer é aquela capaz de ir além das demandas imediatas
do dia-a-dia para alcançar a condição de práxis: prática
pensada, refletida. [...] no caso da educação infantil tem o
desafio de trazer a criança, como sujeito histórico-cultural, [...].
(KRAMER, 2005, p.152 - 153).
Quando me propus discutir a prática pedagógica de uma educadora,
logo me reportei às atividades propostas por ela, àquilo que as crianças
fazem, do que gostam, as rotinas, enfim, a toda uma organização proposta
pela escola.
Com base nas observações, dispus-me a apresentar um quadro que
contemplasse a organização diária realizada pela professora Emília. De
antemão, esclareço que não foi uma tarefa fácil, em virtude de a professora
não seguir uma “rotina” estável, que organização diária proposta por ela
não era linear, todos os dias havia uma condução diferenciada dos trabalhos.
Denomino esse quadro, exposto a seguir de Síntese das Atividades Gerais de
Organização Semanal.
Síntese das Atividades Gerais de Organização Semanal
1 Receber as crianças na porta da sala.
2
Conversar com os pais sempre que estes vierem
trazer os filhos.
3
Músicas: propostas na maioria das vezes pelas
crianças.
4
Atividades de leitura propostas pela professora e
pelas crianças: leitura de história, de jornal, de
revista, de livros, do espaço da sala de aula, dos
nomes das crianças, dos cartazes expostos, das
atividades realizadas pelas crianças, do dia da
semana, mês e ano, do relógio do tempo.
5
Narração de histórias: pela professora e pelas
crianças. Utilizando livros de literatura infantil,
fichas de leitura, gravuras e cartazes.
6 Socialização no pátio (entre as duas turmas).
7 Roda de conversa diária.
8
Filme, sempre numa ação coletiva de interação
(juntamente com a outra turma).
9
Relatos de experiências vivenciadas pelas
crianças.
10
Leitura de adivinhas, parlendas e poemas com
rimas.
11
Interpretação e análise de textos e histórias “lidas”
pela professora e pelas crianças.
12
Atividades de leitura e escrita: recorte, colagem,
produção livre em pequenas, médias ou grandes
dimensões, desenhos com giz branco ou colorido,
no caderno,na lousa, no pátio ou em cartazes.
13
Atividades de pesquisa dirigida (uso de jornais,
revistas e livros diversos, para pesquisar letras,
palavras ou objetos sugeridos pela professora).
14
Ginástica de relaxamento, jogos em sala e no
pátio, brincadeiras de faz-de-conta – interação.
15
Passeios pela comunidade e em locais de
natureza diversa.
Decidi chamar a realização das atividades de organização e não rotina,
uma vez que esta última palavra remete, na maioria das vezes, a coisas não
mutáveis, inflexíveis, o que não era o caso desta sala. Não havia tempo
estipulado para essas atividades, e as crianças não eram obrigadas a
participar, todas, das mesmas atividades, num tempo proposto. A sugestão
das crianças na elaboração dos “combinados” diários era acatada, à medida
que a maioria concordasse. Também as atividades o eram as mesmas
diariamente, todas as manhãs eram propostos novos “combinados”, uns
encaminhados pela professora e outros pelas crianças.
Com o intuito de ilustrar o cenário de atividades exposto acima,
apresento um recorte da fala da professora Emília, delineando seus fazeres e
experiências em sala de aula:
No meu dia-a-dia eu trabalho levando a música, a leitura,
história ... e de uma forma bem espontânea [...]. As crianças
cobram de mim a leitura de histórias.
Eu ofereço vários tipos de texto, revistas, jornais, rótulos,
então eu estou sempre oportunizando à criança a estar
escrevendo, lendo e tendo esse contato com a leitura e
escrita, então é a oportunidade.
Fazemos leitura de calendário, dos numerais, de cores, da
janelinha do tempo, na lousa com nome das crianças, da
escola, quantidade... então essas são leituras que as crianças
têm contato diariamente, sem falar das leituras de histórias ...
o visual... então esse é meu trabalho que diariamente eu faço
com as crianças. (Profa. Emília).
Vejo a importância de fazer, neste ponto, um relato sobre algumas
atividades que permeavam a sala de aula; destaco a relevância das
atividades orais, de leitura, escrita e desenho, realizadas pelas crianças, pois
eram atividades corriqueiras e significativas.
A leitura do espaço da sala de atividades era uma dinâmica diária e que
aparece nas figuras 03 e 04 a seguir:
Fig. 03 - Leitura no espaço da sala auxiliado Fig. 04 - Crianças observando as ilustrações do alfabeto
pela professora. exposto na sala.
Nessa dinâmica, com nuances diferentes, ora a professora fazia a
leitura de todos os cartazes e objetos da sala, ora as crianças eram
convidadas a realizar individualmente a leitura. Era uma atividade que elas
partilhavam com muito entusiasmo, pois estavam lendo, e ficava evidente que
tinham prazer em realizar. A participação de todos era bastante efetiva,
passava a idéia de ser a primeira vez que o faziam, no entanto era uma
atividade diária. As crianças que pouco falavam viam-se motivadas pelas
outras a participarem, a docente mantinha uma postura de incentivar a todos,
porém com respeito àqueles que limitavam sua participação.
Percebendo que a professora não fazia uso de cópias mimeografadas
nas atividades, perguntei na entrevista sobre o valor do mimeógrafo como
recurso para sua aula. Emília se mostrou indignada com o uso deste
instrumento na realização de atividades para as crianças:
Não, não gosto. Por que as crianças levarem prontas as
atividades? Elas que têm que criar, têm que colocar todos os
desejos, as vontades, os conhecimentos de mundo,
conhecimentos familiares, o meio que elas vivem, elas vão
colocar ali no papel, não é aquele material pronto e acabado,
então eu abomino o mimeógrafo. (Prof
a
. Emília).
Com essa fala, fica evidente o quanto as produções livres e criadoras
das crianças possuíam um significado nas práticas diárias da professora.
Chego a essa colusão com base na entrevista realizada com Emília e na
observação, visto que nesta pude vivenciar tais experiências, a exemplo dos
desenhos e dos momentos individuais e coletivos de brincadeiras diversas.
Era interessante observar as crianças nas atividades que envolviam as
brincadeiras no pátio e sua autonomia relativa à escolha dos brinquedos e
brincadeiras, o que fazia parte desse fenômeno.
Fig. 05 – Crianças brincando no pátio da escola. Fig. 06 – Brincadeira com montagem por peças.
As figuras 05 e 06, demonstram a liberdade das crianças em brincarem
com os colegas e com os objetos que escolhessem para tal, dando
significado ao contexto em questão, conforme preceituam as idéias de
Kishimoto (2000) de que o prazer da interação está na correspondência entre
o significado e a ação. Neste sentido, o faz-de-conta e a interação são
peças-chave para o desenvolvimento da criança.
Situação semelhante ocorria na produção e reprodução de desenhos,
em que as crianças se sentiam livres para expressar suas idéias e trabalhar
com a linguagem artística.
Fig. 07 - Desenho livre. Fig. 08 - Desenho livre
Foram muitas as experiências em que o desenho livre era a atividade
principal, como as apresentadas nas figuras 07 e 08 propostas pela
professora para que os pequenos desenhassem o que mais gostaram do
passeio à chácara do Tio Chico (descrito neste capítulo). Em meio a tanta
imaginação e vivências significativas, as crianças tiveram a oportunidade de
efetivar por meio dos desenhos, o que a memória havia registrado.
Figuras 09 e 10 - Representação do passeio realizado na chácara do Tio Chico.
Na figura 09, Bradley desenhou o que mais gostou do passeio, que foi
a piscina; Geovanna gostou da experiência com os macacos, e sua
tentativa de desenhá-los é apresentada na figura 10. Sobre a capacidade
representativa dos desenhos, manifestada na intenção de reproduzir algo,
verifiquei que a professora tinha papel importante na tarefa de desinibir as
crianças em relação às suas próprias produções. Ela as estimulava a produzir
e dava destaque às produções; sempre as levava para o varal de exposição
existente na sala, sem deixar de escrever o nome das crianças nos trabalhos,
no caso daquelas que ainda não dominavam tal escrita.
A atenção que a educadora dava aos rabiscos e traços que as crianças
produziam é uma postura a se ressaltar; pois esta tentava sempre dar
significado ao desenho e procurava estar à disposição das crianças mediando
e sendo sua “escriba”, identificando objetos e personagens desenhados por
elas. A atividade de desenhar às vezes era percebida pelas crianças como o
simples ato de rabiscar, porém as relações entre lápis e papel, giz e piso eram
constantemente estabelecidas através da representação nos desenhos, como
os demonstrados nas figuras 11, 12, 13 e 14 a seguir:
Fig. 11 - Desenho de giz, uma flor. Fig. 12 - Desenho de giz, um carro.
Figuras 13 e 14 - Crianças no pátio da escola realizando desenhos de grande dimensão com giz colorido, após
assistirem ao filme Pippi.
Nesses momentos era possível perceber que a atividade do desenho
livre proporcionava a essas crianças grande prazer e atendia à sua
necessidade de expressar seu conhecimento de mundo e suas emoções. A
professora acompanhava os alunos mediando as mais diversas formas de
expressão de suas idéias através do desenho.
Figuras 15 e 16 Crianças realizando desenho livre com giz colorido no pátio da escola após assistirem
o filme Pippi. Atividade realizada com a mediação da professora.
Na atividade mostrada nas figuras 15 e 16 acima, as crianças estavam
no pátio e realizavam desenhos de grandes dimensões, com giz colorido. Os
traçados e gráficos se transformavam à medida que o pensamento evoluía, e
através da interação e de atividades de leitura e escrita as crianças permitiam
que essa ebulição de idéias viesse a ser representada em seus desenhos.
Essa era uma atividade da qual as crianças gostavam muito e que a
professora proporcionava-lhes sempre após a narração de história, filme,
passeio ou outra atividade que lhes permitisse representar. Nas atividades de
desenho a professora não recorria a modelos prontos: tinha esta como uma
oportunidade para as crianças criarem e recriarem desenhos ligados a
conquistas internas próprias de suas representações. Nesse contexto de
produção não existia o feio e o bonito ou o certo e o errado, mas era um
momento de aprendizagem e isso era levado em conta pela docente.
No chão do pátio os pequenos podiam contar com um espaço
privilegiado, usando o giz colorido, de modo que saíam da folha de papel. O
desenho não era visto como uma maneira de passar o tempo, mas como uma
atividade mental da criança, capaz de representar sua cultura e seu nível de
desenvolvimento intelectual. As atividades de desenho propostas pela
professora Emília demonstravam que ela valorizava o desenho livre das
crianças como uma linguagem propulsora para a interação social, psíquica e
cultural das mesmas.
Momentos muito especiais na sala ocorriam nas atividades de
oralidade: instigadas pela professora, as crianças iam à frente para contar
histórias, cantar, representar ou apresentar seus trabalhos. Nessa atividade
elas divertiam bastante, pois contavam suas experiências, inventavam
histórias, e era um momento ímpar para estimular os mais tímidos e fazer fluir
a imaginação. Ao término da fase de observação, todos já se propunham vir à
frente para se expressar das mais diversas formas. Entendo serem de
fundamental importância atividades que valorizem a oralidade da criança,
considerando que esta ainda não possui o domínio da escrita e edifica seu
mundo na oralidade. As figuras abaixo representam as diversas atividades de
oralidade que se envolviam as crianças.
Na figura 17 Geovanna conta aos colegas sobre seu passeio ao
zoológico da Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá; ela é minuciosa
nos detalhes e todos ouvem atentamente o relato de sua experiência.
Fig. 17 - Narração do passeio realizado por Geovanna.
Lica, conforme mostra a figura 18, vai à frente para cantar; a oralidade
com o uso do microfone é realizada freqüentemente com as crianças e
consiste em uma forma de estimulá-las nas atividades de ler, contar e cantar.
Fig. 18 - Criança realizando atividade oral, cantando a
música,Borboletinha.
Nas figuras 19 e 20, os meninos dramatizam a música A Natureza.
Cantavam e se expressavam através de gestos, com o uso do microfone e a
custo de muita diversão. Eram atividades que envolviam as crianças numa
dimensão lúdica e prazerosa, provocando entusiasmo, envolvimento e
satisfação, que as convidava a vir à frente, num processo de interação,
diversão e aprendizagem.
Figuras 19 e 20 - Os meninos vão à frente cantar e dramatizar, atividade realizada diariamente.
Essas situações de se expressarem livremente permitem às crianças
criarem uma infinidade de manifestações e práticas significativas. Vejo ser a
oralidade uma atividade tão importante quanto a escrita, e a professora em
foco tem ancorado nas concepções sobre a mesma a importância do resgate
dessa atividade na Educação infantil. A oralidade antecede a escrita e,
portanto, a ela deve ser dada a devida importância na educação das crianças.
Por meio das atividades orais foram instauradas as condições para a
interação que potencializasse o estimulo à escrita; entretanto, acredito que
em virtude das interpretações equivocadas em relação à escrita na Educação
Infantil, a professora não se aprofundava por períodos prolongados em
atividades que exigissem das crianças o uso desta. Por outro lado, o diálogo e
a contextualização entre oralidade e escrita ocorriam nas práticas
pedagógicas diárias propostas pela docente, e nesse contexto a criança era
produtora de textos, principalmente do texto oral. Acredito na importância da
produção desses textos, inclusive por ser a linguagem oral uma das
responsáveis pela compreensão da linguagem escrita. Como afirma Cardoso
(2000, p. 258), “A narrativa oral na sala de aula revela a força da linguagem
[...]”. Este é um espaço fecundo de aprendizagens significativas e possíveis
de diversas linguagens.
Sobre a escrita foram diversas as cenas de experiências significativas
para as crianças, e momentos potenciais de escrita; entretanto, também
ficaram outros momentos nos quais a escrita passou a ser elemento
secundário, quando seria indispensável sua presença.
As práticas de escrita na sala observada foram muitas. Não estou me
referindo as escritas escolarizantes, à repetição de letras e sílabas, mas ao
direito das crianças de criarem suas produções, à relação de respeito que
aquele grupo de crianças e professora estabeleciam no decorrer dos dias, o
que, sem dúvida nenhuma, foi conivente para o prazer das crianças ao
interagirem nas práticas de leitura e escrita .
Muito me chamou a atenção a maturidade da professora ao responder à
pergunta de como se efetivava a escrita das crianças dentro das diversas leituras
que são realizadas e citadas anteriormente. A docente nos propiciou alguns
exemplos, sempre se reportando às aulas anteriores e recordando as
atividades realizadas, o desempenho e envolvimento de cada criança,
chegando a afirmar que algumas crianças faziam a leitura de livros e jornais,
outras já pediam ajuda por querer escrever tal palavra que identificaram na
revista e assim por diante. Seguem algumas declarações da professora:
Além de incentivar a elas escreverem, tem um andamento
espontâneo, no coletivo, sem censurar o certo ou o errado.
Traduzimos a escrita através de dramatizações, de desenhos
com giz no chão, no caderno, em folhas, enfim, nos diversos
espaços que tivermos para isso.
Eu trabalho sempre incentivando as crianças, às vezes eles
até chegam e pedem para eu desenhar para eles, daí eu digo,
mas por quê? Você é o inteligente, você é capaz eu tenho
certeza que o seu vai sair mais bonito do que o que a
professora vai fazer, daí ele faz, ele acredita, a partir desse
comentário que você faz ele acredita no seu potencial. (Prof
a
.
Emília).
Presenciei na sala que a participação das crianças nas atividades de
leitura e escrita eram incentivadas pela professora, colocadas em cartazes ou
mesmo dramatizadas pelas crianças. As crianças trabalhavam a leitura e a
escrita, ora individualmente, ora coletivamente, usando suportes variados para
suas produções: cartazes, quadro de giz, o chão, o caderno, conforme
mostram as figuras n
os
21 e 22, que reportam uma atividade de escrita. Na
figura 21, em momento de brincadeira no pátio, Geovanna dá pistas de que a
escrita está incorporada em suas brincadeiras. Na figura 22 são as
atividades de recorte, colagem, elaboração e exposição de cartazes
construídos com letras e palavras que norteiam o trabalho coletivo.
Fig.21 – Hora do recreio, as crianças tinham Fig. 22 - Atividade de recorte e colagem de
liberdade de escolher com o que queriam brincar, palavras e letras já conhecidas pelas crianças.
Geovanna escolheu o lápis e o papel.
Entrevistei uma das crianças sobre o que ela achava de ler e escrever
na escola, o que se transcreve a seguir.
[...]
E você gosta de ler?
- Gosto !
Você lê de tudo ou tem alguma coisa que você não sabe ler?
- Eu leio de tudo, mas não sei muito ler. Mas eu gosto de
brincar com os livros.
Você gosta de livros que têm muita letra ou que têm muito
desenho?
- Letra, muita letra. Mas gosto dos que têm desenho também,
mas os que têm muita letra é mais legal.
Já sabe escrever seu nome?
- Ainda não ! (Geovanna)
Face a essas respostas, observei que essa criança, especificamente,
partilhava em casa de um ambiente de letramento, e na escola de Educação
Infantil a professora deve atuar como mediadora na aprendizagem da leitura e
escrita. Entre as experiências de escrita relatadas aqui, percebi que o maior
conflito das crianças estava no desejo de escrever seu nome, as figuras
abaixo refletem esse desejo.
Figuras 23 e 24 – Crianças utilizando do espaço da lousa para realizar a escrita do nome;
a professora mediava o processo.
Esse era um momento em que a professora conjuntamente com as
crianças realizava as hipóteses sobre a leitura e escrita; as crianças se
envolviam problematizando a escrita, na tentativa de solucionar as dúvidas
em relação a escrever o nome. A professora agia como mediadora do
processo, intervindo sempre que solicitada pelas crianças. A observação e
análise por parte da mesma ocorria não com o objetivo de classificar as
crianças em quem sabe mais ou menos, mas sim com o intuito de nortear as
práticas voltadas à leitura e escrita. Cheguei a essa conclusão baseada na
observação das práticas da educadora.
Pude observar que ela não recorria aos métodos tradicionais do
ensino da leitura e escrita, mas propiciava às crianças experiências
significativas com a linguagem oral e escrita, ampliando suas competências
de fala, escuta, leitura e escrita.
Criticando as atividades tradicionais e os métodos para o ensino da
leitura e escrita, Kramer (2004) assim conclui:
[...] eu diria que a decisão sobre métodos e técnicas a serem
utilizados precisa levar em conta até que ponto eles favorecem
essa compreensão, por parte das crianças, de que palavra
escrita significa algo, texto escrito não é um conhecimento
livresco, abstrato, mas, ao contrário, uma forma concreta de
expressão e entendimento de objetos, sentimentos e
pensamentos reais. A escolha de como se ensina deve estar,
então, relacionada à compreensão de como a criança aprende
e também ao entendimento de que na prática da alfabetização
pessoas (professores e alunos, adultos ou crianças) que
são criadores de cultura e que são criados na cultura.
(KRAMER, 2004, p. 100).
Sobre a escrita na Educação Infantil, Vygotsky (apud Faria e Mello,
2005, p. 26) chama a atenção para as representações da escrita que se
efetivam na escola: “Ensinamos às crianças a traçar as letras e a formar
palavras com elas, mas não ensinamos a linguagem escrita”.
Neste sentido, Mello (2005) considera que,
[...] a escrita representa a fala, que, por sua vez, representa a
realidade. Por isso, a escrita é uma representação de segunda
ordem.[...]. Para Vygotsky, a aquisição da escrita resulta de
um longo processo de desenvolvimento das funções
superiores do comportamento infantil que o autor chama de
pré-história da linguagem escrita. Esta história que é, na
verdade, a história das formas de expressão da criança é
constituída por ligações em geral não perceptíveis à simples
observação e começa com a escrita no ar, com o gesto da
criança ao qual nós, adultos, atribuímos um significado. Entre
o gesto e o signo escrito dois elementos se interpõem: o
desenho e o faz-de-conta. (MELLO, 2005, p. 26 - 27).
A respeito de a professora focalizada na pesquisa compreender,
instigar e valorizar as práticas de escrita que se efetivavam no coletivo entre
as crianças, foi possível evidenciar diariamente, na observação e também na
fala da mesma, atividades dessa natureza. Uma de suas respostas assegura
que:
O desenho, a produção oral é uma das que eu mais utilizo, a
interpretação livremente [...] Assim eles comentam, depois eu
instigo eles a colocarem na folha, no caderno, com giz na
lousa, onde eles vão colocar ali todos os conhecimentos que
eles adquiriram no momento em que foi contada a história ou
a música. Isso não só através da história, mas a música,
assistir um filme e assim vai sucessivamente. Jamais a gente
trabalha sem que eles produzam. (Prof
a
. Emília).
Como se evidenciou, foram muitas as situações de oralidade, no
entanto, a escrita às vezes assumia lugar secundário, talvez devido às
interpretações que se fazem da escolarização da Educação Infantil, das
críticas a algumas práticas pedagógicas e aos equívocos de concepções.
Mesmo tendo a professora dedicado maior atenção às atividades orais, vi sua
preocupação em todos os momentos em que as crianças adentravam no
caminho da escrita. Imagino que, diante de tantas práticas significativas, ao
término do ano letivo as crianças estivessem próximas de serem as autoras
de seus próprios textos.
Dessa maneira, é possível afirmar que a professora, ao permitir às
crianças que se apropriassem das várias linguagens, oferecia a elas a
oportunidade de elevar seu nível de letramento.
4.6 – Audição de Rádio como Conhecimento da Realidade
Um novo tempo exige novas práticas pedagógicas, pois numa
sociedade letrada, as crianças estão expostas todo o tempo aos signos
escritos, antes mesmo de seu ingresso na escola.
Além disso, segundo Kramer (2005), a criança é um,
[...] sujeito histórico e social, capaz de expressar idéias e
sentimentos e de assumir sua condição de sujeito inventivo,
com o poder de virar pelo avesso a ordem natural (ou
naturalizada?) das coisas. (KRAMER, 2005, p. 133).
Na observação, pude partilhar das mesmas idéias, pois todos os dias
vimos as crianças mexendo com nossos conceitos e exigindo de nós
professores mudanças nas concepções e práticas pedagógicas.
O relato a seguir, consistiu em um momento da prática da educadora
que me causou interesse e muito prazer ao partilhar dessa experiência.
Primeiramente, a professora aguçou meu interesse sobre o assunto na
entrevista, quando contou que havia levado o rádio até a sala para ouvir com
as crianças:
Eu levei o rádio para a sala, e eu levei o rádio com a proposta
de as crianças ouvirem os acontecimentos de nossa cidade.
Era um programa de noticiário, e eles acharam muito estranho
e diferente [...] mas assim sempre tinha dois ou três que não
se envolviam e ficavam fazendo outras atividades sem achar
interessante. Os demais já se prenderam, chegaram a ficar a
com a cabecinha bem próxima ao rádio. E o objetivo foi
mesmo levar o que estava acontecendo em nossa cidade. Foi
logo no início do ano e eles acharam algo diferente porque até
mesmo em casa eles não tinham o hábito de ouvir, então o
objetivo foi atingido; as crianças estavam eufóricas, pois foi no
início do ano[...] logo nos primeiros dias, trabalhava a questão
do silêncio, do ouvir[...] então foi assim muito bom, mesmo, foi
uma experiência muito boa, mesmo. (Prof
a
. Emília).
É sabido que o rádio é um dos meios de comunicação de grande
alcance, porém não é muito difundido no meio das crianças, pois estas
costumam ser atraídas pelas imagens, a exemplo da televisão; entretanto,
nessa escola o rádio era o diferente, que permeou as aulas da professora.
Para mim foi uma surpresa ter em uma sala de aula de Educação Infantil um
enfoque nas notícias do rádio. Este é considerado um dos mais significativos
meios de comunicação do século passado, no entanto, como se afirmou, não
é o preferido da maioria das crianças. Mas é muito gratificante poder relatar e
discutir uma experiência tão significativa, que envolve situações de leitura,
sentido, reflexões e muita curiosidade.
Antes de vivenciar essa experiência, havia entrevistado as crianças e,
como já tinha ouvido da professora sobre a experiência com o rádio, perguntei
a algumas delas o que achavam de ouvir o rádio na sala de aula. As
respostas foram várias:
Eu gosto de ouvir o rádio, a gente fica sabendo das notícias, o
que mais gosto no rádio são das músicas, das histórias que
eles contam e de ouvir minha mãe e meu pai, porque eles
trabalham no rádio. (Geovanna)
É legal ouvir rádio, mas gosto de ouvir música, e se você ligar
lá eles colocam a música que você pedir. É legal! Mas todo dia
enjoa, não ouço todo dia, não. (Vitória)
Eu não gosto de jornal nem de rádio. Ouvir rádio é chato.
Minha mãe fica o tempo todo com o rádio ligado, eu não gosto.
Gosto mesmo é de brincar e ver televisão. (Bradley)
Passados alguns dias da entrevista, a professora proporcionou
novamente a atividade de audição de programa no dio. E estavam as
crianças atentas às notícias; o programa que elas ouviam era noticiário local,
sendo que o locutor narrava fatos cotidianos ocorridos na cidade. O rádio foi
colocado sobre uma cadeira, no centro da sala, e as crianças ficaram em
círculo, sentadas no chão, pois queriam ficar bem próximas ao aparelho,
sendo que alguns chegavam até a encostar o ouvido neste. As fotos, a seguir,
demonstram o fato descrito, a interação que ocorria nessa atividade e a
expressividade do rosto das crianças. Surpreendeu-me a atenção que estas
davam às notícias narradas e ao tempo em que ficaram concentradas em
ouvir as notícias, o que, de fato, era uma atividade significativa para elas.
Figuras 25 e 26 – A roda do rádio, audição de rádio na sala de aula.
O assunto em questão era o noticiário local, e a notícia que estava em
pauta era sobre as queimadas que ocorriam nas redondezas de nosso
município, mais especificamente na Aldeia Tadarimana, onde vivem os índios
tadarimanas. Havia uma especulação divulgada pela dia de que os
responsáveis pelas queimadas seriam os próprios índios, e isso gerou certo
desconforto na cidade; os alunos índios começaram a ser discriminados nas
escolas, enfim, havia um clima de inquietação por parte de toda a sociedade,
em virtude da péssima qualidade do ar, que estava causando muitas doenças
respiratórias.
As crianças haviam discutido anteriormente a importância do ar em
nossas vidas, pois quase todos os dias, durante o mês de agosto, elas
reclamavam de dor de garganta, ardência nos olhos, afirmavam que havia
alguém doente na família, enfim, muito foi discutido sobre a questão do meio
ambiente e especialmente do ar.
E o assunto do noticiário, naquele dia, era exatamente o incêndio que
devastava a aldeia; portanto, estavam todos muito atentos para entender do
que se tratava a notícia, e o que teria o rádio de informação nova a somar
com o conhecimento adquirido em relação ao assunto. As crianças ouviam
atentamente a notícia, que falava da situação difícil que enfrentavam os índios
e na oportunidade o locutor defendia que estes eram vítimas do incêndio e
que não seriam eles os responsáveis pelo fogo, conforme noticiavam os
meios de comunicação local. Foi dito que as autoridades da aldeia estavam
na cidade para discutir com as autoridades do município a ajuda para
solucionar o problema, em virtude de os índios estarem com muito prejuízo
material e muitos com doenças respiratórias.
Após ouvirem a notícia, alguns duvidavam que os índios não fossem
culpados, outros ficaram com pena deles, dando margem para muitos
questionamentos e uma ampla discussão em sala. Vimos ser este um
momento de grande aprendizado, abrindo-se um leque de possibilidades para
se trabalhar com a linguagem oral e escrita.
Dentre tantas possibilidades de se trabalhar com o rádio, quero aqui
destacar a prática interativa que o rádio promove: muitas são as
possibilidades de estabelecer o diálogo com o radialista, e esta seria uma
experiência ímpar para as crianças. Acredito que a comunicação através
desse meio deve ser voltada para a transformação e, assim, nessa
experiência as crianças poderiam se utilizar do espaço aberto para reivindicar
melhorias para sua escola e comunidade. Desta forma, elas estariam se
utilizando desse meio de comunicação no intuito de contribuir para a
transformação das condições de vida de todos.
A ação dialógica é função indispensável da linguagem, e as crianças
precisam necessariamente partilhar dessa experiência para reduzir as
distâncias que entre elas e outras pessoas, permitindo que elas
desenvolvam a reflexão que deve ocorrer no ato de ouvir, a fala
questionadora e a capacidade criativa de transmissão de significados. O uso
do rádio possibilita transformar o ambiente da escola, re-significando as
relações existentes nesse espaço interativo e carregado de intenção.
Após alguns dias da atividade com o rádio as crianças partilharam de
momentos de leitura do jornal local A Tribuna, do qual foram distribuídos
vários exemplares, de dias diferentes, para que as crianças fizessem a leitura
dos mesmos e dissessem o que mais chamou a atenção. Em uma mesa onde
estavam sentadas três crianças, elas começaram a interessar-se pelo mesmo
jornal, pois haviam visto uma foto que chamou sua atenção. A foto era do
prefeito, alguns índios e policiais; as crianças não se contiveram e pediram à
professora que lesse para elas, pois, na atividade de ouvir o rádio, a imagem
que construíram do prefeito e dos índios havia ficado em suas lembranças.
As crianças estabeleceram uma relação entre a notícia de rádio, que
informava sobre a vinda dos índios à cidade para falarem com as autoridades
locais a respeito do fogo que consumia suas terras, e as imagens do jornal no
qual fizeram a leitura. O código escrito e a audição estavam sendo
referenciados pelas crianças num contexto de letramento e de práticas
pedagógicas significativas.
Naquele momento não foi intencional a ação da professora em trabalhar
as notícias do rádio e o texto escrito dos jornais, porém as crianças trouxeram
para a sala uma aula que possibilitou à educadora articular as duas situações
de comunicação, o auditivo e a escrita.
As imagens e o texto escrito das notícias dos jornais permitem às
crianças, por meio da linguagem verbal e não-verbal, realizar percepções
sobre o cotidiano e desenvolver as habilidades do uso da língua.
Figuras 27 e 28 – Leitura de jornal e intervenção da professora quando solicitada pelas crianças.
E as crianças enveredavam pelo mundo das letras, dando significados
aos fatos e objetos vistos por elas, em uma prática pautada em princípios de
letramento, leitura e escrita. (figuras n
os
27 e 28).
Essa experiência apresenta um elemento relevante, tendo o rádio como
instrumento educativo na escola da infância. A professora se propunha ouvir
com as crianças o noticiário local, sempre no intuito de articular a notícia
escrita com a falada. Quando indaguei às crianças sobre o que achavam de
ouvir o rádio na escola, apenas uma disse o gostar, porém justificou. Não
gosto de ouvir o rádio porque em casa minha mãe vive com o rádio ligado!
(Bradley). Entretanto, em meio ao que não se interessou por ouvir o rádio,
que não me aterei aqui a causa, a maioria das crianças se interessava pela
atividade, denominada A roda do rádio.
Entendo que a identidade da escola e mais precisamente das aulas se
constitui com espaços como este, de aprendizagens plenas significado e
prazer. Nessa escola, especificamente, o espaço a ser trilhado pela vivência
do conhecimento, no caso, através do rádio, começou e, nesse contexto, a
professora era a grande incentivadora de tal prática.
Pude ver que o uso do rádio em sala proporciona às crianças o saber
ouvir o outro. Ao utilizar na Educação Infantil esses dois meios de
comunicação, o rádio e o jornal, a professora ampliou as possibilidades de
linguagens, da leitura e da escrita. Essa experiência comprovou que as
crianças participaram, de forma dinâmica, de um evento de letramento, o que
necessita ser constante na escola da infância. Conhecer diferentes suportes
de texto é fundamental para que se constitua um ambiente que
possibilidades de desenvolvimento cada vez maior do nível de letramento das
crianças. Essa oferta de oportunidades de usufruir da diversidade textual,
certamente, ampliará o acesso ao mundo letrado.
4.7 – Leitura de Histórias para a Formação da Criança Leitora
Sobre a Literatura Infantil, a leitura e a escrita, Gnerre (1985) acentua
com propriedade a importância e indissociabilidade destas, no processo de
aquisição da escrita na infância.
Contar estórias na infância é sem dúvida um modo muito
eficaz de introduzir as crianças ao mundo da escrita e da
leitura. [...] Ao contrário, as crianças que não tiverem tal
oportunidade, terão um trabalho muito árduo para dominar a
escrita e a leitura apenas com as explicações e atividades que
a escola lhes proporciona na alfabetização. (GNERRE, 1985,
p. 25).
A observação da autora é oportuna, pois a história conduz as crianças
ao caminho das letras, e conseqüentemente, do letramento. A nossa história,
enquanto homem, sempre foi ladeada pelo ato de contar histórias, pois ouvir
histórias agrega, une, convoca as pessoas a partilhar momentos de ouvir e
viver novos sonhos. E, em se tratando de escrita, a história é sem dúvida o
caminho mais suave e prazeroso para que as crianças adentrem no mundo
da escrita e da leitura.
Sobre o ato de contar histórias na Educação Infantil, Valdez e Costa
(2007) lembram que,
[...] contar histórias na Educação Infantil contribui com a
formação global da criança. Tal prática, além de favorecer a
relação afetiva da criança com o livro, desde a mais tenra
idade, proporciona momentos de prazer, desperta a
curiosidade, criatividade, fantasia e a imaginação. (VALDEZ e
COSTA, 2007, p. 172).
Foi essa relação entre as histórias contadas e o livro que pude observar
no dia-a-dia da sala de aula. Ao entrevistar as crianças, foram muitas as
referências que fizeram aos livros e às histórias contadas pela professora:
Você lê aqui na escola? Você brinca de leitura?
- A professora que fala pra gente de leitura.
E você gosta que ela leia para você ou não ?
- Gosto.
Ela conta histórias para vocês?
- Conta.
E que histórias ela conta?
- Qualquer uma que a gente querer ela conta. (Vitória)
Você gosta de ouvir história?
- Gosto. A professora conta uma historinha do Piu piu que
carinho... aí quando derrama chocolate nele a gente vai ter que
tirar a roupinha dele...
A sua professora conta história pra vocês sempre?
- Conta ! Ela tava acabando de contar uma história você foi
me chamar.
Qual a história que você mais gosta de ouvir?
- Da Barbie ! Eu não canso de ouvir ! (Geovanna)
Você gosta de ouvir história?
- Gosto.
E livro de história, você gosta de ler?
- Gosto !!! Livro de história eu gosto.
E quais livros de história que você mais gosta, são aqueles
que têm muita letra ou muito desenho?
- Gosto daquele que minha professora tem, com figura.
(Augusto)
Foram muitos os momentos de leitura que observei na sala, porém a
hora da história era algo mágico. Esses momentos eram inerentes à prática
pedagógica dessa professora e das crianças, o que se vê nas fotos a seguir.
Fig. 29 – Leitura de história pelas crianças. Fig. 30 – Leitura de história pelas crianças.
Fig. 31 – Roda da história no pátio, professora narrando a história, A formiga e o Grilo.
Quando indagada sobre a disponibilidade de livros na escola, a
professora não aceitava ser essa a justificativa para não se ler para as
crianças, pois afirmava serem muitas as possibilidades de leitura de histórias
a serem contadas e lidas para elas.
Não temos biblioteca, mas temos livros de história, poucos,
mas temos. As crianças trazem de casa também...
praticamente assim todos os dias as crianças trazem um livro
de história de casa para que eu conte aqui. Então esse contato
é contínuo.
As crianças trazem livros de casa. Além do meu planejamento,
eu planejo de duas a três histórias por semana, eles trazem e
pedem mais histórias e, neste momento, eu conto... No outro
dia eu peço que contem a história que trouxeram, eles vão
contar, que conhecem. O pai e a mãe contaram em casa
para eles... então, vão querer contar para seus colegas. (Prof
a
.
Emília).
Atrevo-me aqui a fazer uma analogia entre a professora e a
personagem Dona Benta, de Monteiro Lobato, que aparece no relato a seguir.
O mesmo ocorre em um momento de nossa história, por volta de 1930, em
que a escassez de livros de literatura infantil no Brasil era fato que intrigava
os leitores da época.
Coitada de vovó! disse um dia Narizinho. De tanto contar
histórias ficou que nem um bagaço de caju [...]
Era pura verdade aquilo. Tão verdade que a boa senhora teve
de escrever a um livreiro de São Paulo pedindo que lhe
mandasse quanto livro fosse aparecendo. O livreiro assim fez.
Mandou um e depois outro e depois outro e por fim mandou
Pinóquio.
– Viva! – exclamou Pedrinho quando o correio entregou o
pacote. Vou vê-lo para mim só. Debaixo da jaboticabeira.
Alto lá! interveio dona Benta. Quem vai ler o Pinóquio para
que todos ouçam, sou eu, e lerei três capítulos por dia, de
modo que o livro dure e nosso prazer se prolongue. [...]
A moda de dona Benta de ler era boa. Lia, “diferente”
dos livros. Como quase todos os livros para crianças que
no Brasil são muito sem graça, cheios de termos do tempo da
onça ou usados em Portugal, a boa velha ia traduzindo
aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje.
(LOBATO apud SOARES, G., 2002, p.140).
A professora entrevistada, falou sobre a importância que ela via em ler
e contar história e entendia as duas coisas como distintas e imprescindíveis
na Educação Infantil:
Na verdade, eu leio, eu conto, dou a oportunidade para que a
criança conte também a história, e ele tem esse contato de
uma forma bastante natural. Nós temos aqui na escola um
livro, um único livro vivo onde a criança ajuda o personagem
do livro de história. Então é um livro que você apaixona e ele
fica em contato, eu peço... (diz o nome de uma criança) por
favor, vem me ajudar... então elas viajam, elas deliram, elas
entram nesse conto. Então eu conto, eu leio e dou a eles a
possibilidade de contar e recontar esse momento da história.
(Prof
a
. Emília).
Fig. 32 Momento de euforia causado pela Fig. 33 -
Atividade de leitura e ao fundo exposição de
presença do livro vivo. cartaz realizado pelas crianças.
A figura 32 demonstra a educadora tentando contar a história e a
euforia das crianças em ver o livro e ouvir a história Durma bem, Penélope.
Na figura 33 o cartaz exposto ao fundo demonstra a representação coletiva
das crianças sobre a história. Durma bem, Penélope. Conforme relato da
professora, é o livro de que eles mais gostam, por se tratar de um livro vivo
21
.
Percebi, na atividade de observação, que a participação das crianças é
muito efetiva na hora da história. Elas recontam, opinam e relacionam as
histórias ouvidas com suas próprias experiências.
Fig. 34 – Leitura de histórias pelas crianças.
21
O livro vivo dá vida aos personagens, estes se movem à medida que as páginas são manuseadas, e muitos livros
desse tipo possuem som, dando aos personagens a condição de surpreender o leitor.
Fig. 35 – Atividade oral, narração de histórias realizadas pelas crianças.
Sobre o aspecto visual e a qualidade dos livros, a professora tem
clareza dos elementos fundamentais para que as crianças se encantem pelas
histórias, pois explora as gravuras, além das onomatopéias, dos espaços e
ambientes que o livro possibilita.
Lajolo e Zilberman (2003) acreditam que a literatura infantil desperta a
sensibilidade e a imaginação da criança, pois ao afirmam que,
[...] se o caráter infantil de uma obra talvez não se defina
necessariamente por seus elementos internos, à medida que
os livros para crianças foram se multiplicando, eles passaram
a ostentar certas feições que, pela freqüência com que se
fazem presentes, parecem desenhar uma segunda natureza
da obra infantil. É o caso, por exemplo, da ilustração.
Se a literatura infantil se destina a crianças e se se acredita na
qualidade dos desenhos como elemento a mais para reforçar a
história e a atração que o livro pode exercer sobre os
pequenos leitores, fica patente a importância da ilustração nas
obras a eles dirigidas. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2003, p.12).
O trabalho pedagógico na Educação Infantil com a literatura mobiliza na
criança, por meio do texto e do contexto da história, o desenvolvimento da
imaginação, do conhecimento de mundo e de si mesma, abrangendo tanto a
linguagem pictória quanto a verbal.
Segundo Turchi (2004), as várias linguagens ou códigos do texto
literário para crianças conduzem a outros campos do conhecimento, pois o
espaço plural desse tipo de texto movimenta o imaginário, estabelecendo
pontes entre a literatura e a psicologia, a literatura e a educação, a literatura e
as artes visuais, a música, entre outros.
As fábulas, os contos, as lendas, o relato de aventuras proporcionam
por meio do texto o, “alargamento dos horizontes” (Zilberman, 1994, p.24), o
que os remete à sua função formadora.
Ainda sobre o encantamento da história e o despertar da leitura,
Perrone e Lara (2002), observam:
Como é gostoso e importante para a formação da criança ouvir
histórias.
Ao contá-las instigamos a curiosidade e o desejo de “quero
mais”, expresso pelas crianças no “conta outra vez”, são esses
sentimentos que nos movem para conhecer e aprender as
coisas que estão no mundo, e, sabendo-as registradas em
livros, certamente iremos recorrer a eles, nos tornando, assim,
leitores por desejo e motivação. (PERRONE e LARA, 2002, p.
123).
Fig. 36 – Em criança em momento de leitura de
História.
Fig. 37 – Professora conta a história, Chapeuzinho Vermelho.
Na figura 37 a professora conta a história e apresenta as ilustrações.
Pode se perceber que cada criança permanece em seu lugar junto à mesa. O
ideal, no momento da narração de histórias, seria que a docente organizasse
um espaço menos formal, no qual a criança ficasse mais à vontade. A sala
observada oferecia a possibilidade de organização de um local que fosse
preparado para esse momento, apesar de possuir um espaço bem aquém do
recomendado nas Diretrizes Nacionais.
A organização das crianças em um local agradável, no qual elas
possam ficar à vontade, sem uma postura rígida, contribui para a
expressividade, para que se manifestem corporal e verbalmente
demonstrando assim as idéias, os sentimentos e sensações decorrentes do
contexto da história contada pela professora.
Admito que muitas podem ser as dificuldades em relação aos suportes
para a narração de histórias, no entanto ouvir histórias e sentir a emoção da
fantasia e do encantamento é um direito da criança. É preciso manter viva a
prática da leitura e narração de histórias, mesmo sem livros; como
argumentava a professora Emília, não ter livro não é desculpa para não se ler
para as crianças. A ausência do livro será determinante para outras ações,
mas, se não houver livros para contar histórias, que se produzir fichas de
histórias como as apresentadas nas figuras que se seguem.
Figuras 38 e 39 – Crianças manuseando as histórias confeccionadas pela professora.
O fato de não haver livros de história em quantidade que atendesse à
demanda das crianças exigiu da professora que recorresse a outros meios,
elaborando materiais para que a imaginação e o encantamento chegassem
até elas através de histórias elaboradas por ela. Dessa forma, a professora
manteve viva a prática da leitura de histórias em sua sala de aula. Fica posto
seu compromisso e suas concepções acerca da importância de se ler para as
crianças, mesmo tendo que se valer muitas vezes de empréstimo, de
montagem de material ilustrativo, de cartazes e, principalmente, de sua
curiosidade, pois essa, em sala de Educação Infantil, não pode faltar.
Nesse universo de encantamento proporcionado pela literatura infantil,
outros meios para se contar história às crianças, os quais as escolas da
infância não podem desmerecer, como a dramatização e o teatro de
fantoches. Estes são subsídios que acabam por dar vida à história contada e
levam as crianças a participar efetivamente da mesma. É preciso que os
professores de Educação Infantil se desprendam, às vezes, do viés da
didática em seus fazeres; no caso da literatura, esta deve ser efetivada pelo
simples fato de proporcionar às crianças o prazer de adentrarem a outros
mundos que não sejam o mundo real em que vivem.
4.8 – Histórias como Recurso Disciplinar
Perguntei à Emília quais histórias ela mais contava às crianças e o
porquê disso. Se era por gostar ou por ser solicitada pelas crianças. Deixei a
professora à vontade para responder, sem qualquer tipo de interferência de
minha parte,
somente um livro vivo na escola e esse é o que eles mais
gostam, a história é Durma bem, Penélope. As outras que
conto são Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, A Cigarra e a
Formiga, então são essas as histórias que eles mais solicitam.
Trabalhamos de acordo com nossa realidade e com nosso
planejamento e, principalmente, as histórias que vêm trazer um
exemplo de vida, histórias que vão acrescentar algo. (Prof
a
.
Emília).
No depoimento da professora fica a evidência do cunho moralizante /
doutrinário que às vezes permeia os momentos de história. Outro fato que
reflete esse propósito é o relatado abaixo, também extraído da entrevista
realizada com a professora. Perguntei se, ao longo desses anos em que ela
trabalha como professora de Educação Infantil, havia algum fato que tivesse
marcado sua experiência a ponto de influenciar sua prática pedagógica, e a
resposta que obtive foi a seguinte:
Recentemente aconteceu um fato que eu gostaria de relatar.
Eu estava com o meu plano pronto e acabado para executar
na minha aula e chegou uma aluna por nome de Vitória, que é
uma aluna muito participativa, e ela chegou com um presente
e pediu que eu abrisse esse presente. Ela havia visto esse
presente e pediu que eu abrisse a caixa, e olhar, e ler para os
colegas, e foi assim muito emocionante, porque era uma
Bíblia, e nessa Bíblia veio uma dedicatória que ela pediu que
eu lesse para os colegas, e eu li e ela pediu que eu lesse toda
a Bíblia, e eu falei pra ela o seguinte, a professora hoje não
consegue ler toda a Bíblia, mas a professora vai ler um
capítulo e um versículo. Dei uma aula maravilhosa, onde
entrou a natureza e sociedade, falei dos valores da família, a
importância da amizade, a importância de presentear os
nossos amigos. Então essa foi uma experiência que valeu a
pena. Se eu não fosse essa professora que tivesse em busca,
não daria abertura a minha aluna. Eu sou assim, eu dou
abertura para as crianças participarem, deixo que elas falem
para os colegas o que eles têm vontade de partilhar.(Prof
a
.
Emília).
Sobre o uso da literatura infantil para disciplinar, Oliveira (2005) ressalta
que a utilização do livro deve ser determinada pela criança não pelo
professor:
[...] o livro infantil precisa ser agradável ao olhar, ter um texto
que seduza o leitor, e oferecer conhecimento sem, no entanto,
ter que necessariamente ser objeto de ensino. Se a Literatura
Infantil pode ensinar, é a própria criança que em seu
desenvolvimento irá apreendendo isso, a partir, também, do
seu interesse pessoal.(OLIVEIRA,A., 2005, p. 126).
Ainda sobre o uso da literatura infantil para a instrução, doutrinação, a
autora considera que a literatura infantil, nesse caso, perde sua identidade de
encantar. Neste sentido, Oliveira (2005) esclarece essa perspectiva
equivocada.
A Literatura não é veículo para instrução moral ou cívica, mas
sua atuação está no impacto indiscriminado da própria vida, e
dessa maneira educa com ela, com altos e baixos, luzes e
sombras. [...] Doutrinação e fruição não caminham juntas,
porque doutrinar é dar sentido unilateral ao discurso, enquanto
a fruição do texto possibilita maior liberdade de pensamento.
(OLIVEIRA, A., 2005, p. 127).
Os livros de literatura infantil devem ser bem escolhidos pela
professora, de forma a conquistar as crianças e remetê-las a esse universo e
às maravilhas que este reserva a seus leitores. É esse o sentimento que as
histórias precisam causar nas crianças, não com o intuito de ensinar as
virtudes necessárias à boa formação, às quais são concepções que
prevaleciam na educação das crianças nos séculos XVIII e XIX, quando nas
escolas era introduzida a leitura dos livros voltada à moralização e instrução
das crianças. Os ideais das histórias que eram contadas às crianças desse
tempo eram de combate à mentira, à preguiça e à desobediência.
A transmissão da moral através das fábulas ainda é, nos dias atuais, o
principal viés utilizado pela escola para educar as crianças de acordo com o
que os adultos esperam delas. Esse cunho pedagógico que é dado ao ato de
contar histórias requer um olhar mais atento pois eles podem e devem dar
outros valores à literatura infantil, como permitir que através das histórias a
criança conheça e estabeleça uma relação com o mundo, com o
encantamento e com a fantasia; acredito ser este o valor dos livros e das
histórias.
4.9 – Interação, Coletividade e o Uso Social da Escrita para o Letramento
Considerando que aprendemos nas interações e crescemos na
coletividade, quer queiramos ou não, encontramos dificuldade em socializar e
partilhar as nossas idéias com o outro. Vivenciei uma experiência de
socialização e interação entre a professora observada e uma colega de
trabalho e as crianças que não poderia deixar de explorar aqui. Perguntei à
professora Emília como se dava a relação pedagógica entre ela e a
professora da outra turma. Emília descreveu a situação com as seguintes
palavras:
Ela vem, convida, eu vou, convido e as crianças embarcam
nessa ... Nosso trabalho, resumindo, é maravilhoso. Dessa
forma, duas vezes na semana nós estamos reunidas eu, ela e
as crianças. Nós damos a oportunidade às crianças de
relatarem seu final de semana, relatar o dia anterior e, ali,
sempre os alunos dela junto com meus alunos. Então esse
contato é maravilhoso porque aí a gente consegue passar para
as crianças também esse contato, essa amizade e esse
respeito.(Prof
a
. Emília).
Durante as observações, surgiu um momento da prática pedagógica de
ambas. Quis saber com Emília como se dava a organização desse trabalho
conjunto, e ela respondeu: Eu tenho uma organização, um dia é história,
outro dia é um bilhete, às vezes eu e a professora Mair trocamos bilhetes para
eu ler o bilhete dela para a minha turma e vice-versa. (Prof
a
. Emília)
Insisti em saber mais sobre o uso dos bilhetes como forma de trabalhar
com a leitura e escrita com as crianças e de incentivar suas produções. Tinha
também a intenção de compreender de que concepção estava imbuída essa
prática. E Emília explicou:
Ela escreve o bilhete... pedindo um objeto, e eles estão tão
curiosos e perguntam logo: Tia que bilhete é esse? Quem
escreveu? Eu digo: Calma ! E todos ficam sentados e eu vou
ler. Olha, a professora Mair está pedindo a tesoura da tia
emprestada, e daí eles sabem que essa é uma forma de
comunicação e linguagem também. (Prof
a
. Emília).
Vi então, o movimento coletivo desde o planejamento entre ambas, a
discussão das atividades propostas, das brincadeiras, do projeto. Visualizei
uma situação de cumplicidade que estava posta nas práticas pedagógicas
das professoras e nas atividades vivenciadas pelas crianças.
Outro momento de interação entre as duas, era a hora do filme, que
ocorria sempre às sextas-feiras. A escola não dispunha de DVDs (filmes);
então, para que esses momentos ocorressem de fato, era preciso contar com
a ajuda das crianças e das professoras, pois os filmes eram trazidos ora por
estas ora por aquelas.
Figuras 40 e 41 – Crianças assistindo ao filme Pippi, atividade realizada pelas duas turmas.
As figuras 40 e 41 demonstram as crianças das duas turmas assistindo
ao filme Pippi. O filme era interessante e provocava a concentração e o
interesse das crianças, que se mostravam bastante à vontade para assisti-lo.
Ao término do filme, as crianças são instigadas pelas professoras a
discutirem sobre ele, seus personagens, do que mais gostaram, do que não
gostaram; enfim, fazem uma interpretação oral em relação ao filme. As
crianças interagem nas respostas, cada uma quer falar algo, a palavra é
passada a todas para expressarem e falarem o que quiserem sobre o filme.
Após ampla discussão as crianças vão para o pátio, onde são estimuladas
pelas professoras a desenharem, no chão, com giz colorido, os personagens
do filme e a criarem novos personagens.
Neste cenário de interação e coletividade a professora Emília traz mais
um relato, que também tive oportunidade de observar na prática:
Eu seleciono os textos a partir da conversa, da rodinha da
novidade. Esse é um dos momentos que as crianças podem
falar de seus anseios, seus problemas e diante daquele
momento ali é que nós vamos estar selecionando esse
material, os textos. Eu deixo a criança falar, é daí que eu vou
em busca da minha pesquisa. São eles que dão as pistas pra
eu fazer a seleção dos textos que serão utilizados. (Prof
a
.
Emília).
A figura 42 ilustra esse momento de ouvir as crianças, pois
considerá-las em seus anseios, seus sonhos e suas leituras de mundo é
importante, e compreende um currículo vivo e dialético.
Fig. 42 – Roda de conversa.
Essa ação educativa foi e é significativa dentro deste contexto histórico-
social, e vejo que através dela essa professora e as crianças estão re-
significando a linguagem, a escrita e a leitura.
Percebi que o espaço da sala é um ambiente propício à aquisição da
leitura e da escrita, pois nele estão expostas as produções das crianças e os
recursos pedagógicos por meio dos quais a professora provoca a
aprendizagem das mais diversas formas de linguagem.
4.10 – Uma Experiência com a Natureza
No dia 15/09/2007, um bado, as professoras dos dois turnos
(matutino e vespertino) e aproximadamente 50 crianças da EMEI Mateus
Vinícius Bráz, realizaram um passeio rumo à Chácara do Tio Chico. Esta
proposta era parte integrante do Projeto Meio Ambiente, que contemplava
discussões em torno da poluição dos rios, preservação das matas e animais.
O objetivo do passeio era proporcionar às crianças situações reais de contato
com essa diversidade de elementos que compõem a natureza.
A escolha da Chácara do Tio Chico se deu pelo fato de esta oferecer os
elementos que as professoras trabalharam com as crianças e ainda por duas
outras particularidades. Uma delas é o Rio Arareau
22
, um dos rios da região
que passa pelas terras do sítio. As professoras queriam que as crianças
fossem a uma das margens deste para observar e identificar se ele
apresentava sinais de poluição ou não. A outra particularidade provocou mais
encantamento nas crianças: o fato de na mata que circunda o sítio haver uma
grande quantidade de macacos, e conhecer estes animais de perto foi o
momento “mágico” do passeio, como apresento nos relatos que se seguem.
Após decidir o local, o próximo passo seria pedir autorização aos pais e
solicitar da Secretaria Municipal de Educação o ônibus para transportar as
crianças. As professoras tiveram então que enfrentar o primeiro obstáculo,
pois estavam temerosas em relação ao número de crianças (nessa escola
96 crianças matriculadas); caso todas fossem, teriam 06 adultos para
acompanhá-las (04 professoras, a coordenadora pedagógica e eu). Após
discutirem, definiram os critérios, que seriam aproximadamente 50 crianças e
que iriam as crianças com 05 anos completos ou próximas de completar, por
fim, passaram pelo terceiro crivo, que era a autorização dos pais. Como já era
22
O Rio Arareau corta o perímetro urbano da cidade, é afluente do Rio Vermelho e um dos mais comprometidos
da região, do ponto de vista ambiental.
esperado, algumas mães não autorizaram os filhos a ir, portanto, chegou-se
ao número de crianças para o passeio. Descrevo, a seguir, a experiência das
crianças na chácara do Tio Chico.
4.10.1 – A viagem de ônibus
Foi uma festa o embarque, a liberdade sentida ao se despedir dos pais,
que por sua vez faziam muitas recomendações e se mostravam aflitos, a
acomodação de todos nas poltronas, a emoção de fazer o passeio de ônibus,
para muitos pela primeira vez. Víamos ali mais de cinqüenta rostos
sorridentes e ansiosos. A alegria era geral, o percurso foi à base de música e
muita descontração. Perguntas como: É longe? Quanto tempo mais demora a
chegar? e alguns alertas como: Estamos com fome! Foram pistas que eram
dadas pelas crianças como parte de sua ansiedade. A emoção está registrada
nas figuras n
os
43 e 44, a seguir.
Figuras 43 e 44 – A viagem de ônibus, entusiasmo e empolgação entre crianças e professoras.
Em virtude de a escola se localizar no centro, muitas voltas foram dadas
no perímetro urbano, e as crianças iam reconhecendo os lugares: Minha avó
mora nessa rua. Minha mãe trabalha aqui. Passo nessa rua quando vou à
escola. A igreja que eu vou é bem ali.
No caminho até chegar à chácara as surpresas não tardavam a
aparecer. A que mais chamou a atenção foi o encontro entre dois bois, que
deduzimos estarem disputando um lugar no pasto, conforme a hipótese
levantada por nossos pequenos pesquisadores (figuras n
os
45 e 46).
Figuras 45 e 46 – Região rural, pasto com gado ao fundo.
Em meio a tantas surpresas e novidades continuávamos a viagem, e mais uma
vez as crianças avistaram um bezerro preto e um burro marrom, que logo também
viraram alvos de perguntas. Por que estão sozinhos? Quem é o dono? Ele é bravo?
Ele está triste? Foram alguns dos questionamentos levantados pelas crianças. Mais
hipóteses sobre estes animais surgiram em meio às dúvidas: Será que é um burro
ou um cavalo? Macho ou fêmea? Ele tem família? Irmão? Enfim, as professoras
precisariam de tempo e muito estudo para dar conta das respostas, que a pedido
deveriam ser imediatas. Entretanto, elas se desdobravam para aguçar a
curiosidade das crianças e na medida das possibilidades responder às perguntas.
Figuras 47 e 48 – Região rural, bezerro e burro no pasto.
Continuamos nossa viagem e, finalmente, avistamos uma placa: a julgar
pelas letras que a compunham, as crianças foram logo criando hipóteses e a
dedução que ali era a Chácara do Tio Chico e estavam corretas, pois nos
aproximávamos da chácara e a placa era o aviso; o momento está expresso
na figura n
o
49.
Fig. 49 – Chegada à chácara do Tio Chico.
A essa altura a euforia era contagiante e tomava conta de todos.
Queríamos chegar logo e conferir o que nos aguardava.
4.10.2 – A interação com a natureza
Finalmente chegamos e começou então um trabalho que exigia muita
organização e responsabilidade por parte de todos.
Figuras 50 e 51 – Desembarque do ônibus chegando na chácara.
As crianças desciam do ônibus (figuras n
os
50 e 51) e já se deparavam
com algumas surpresas: a primeira delas eram os cachorros e a necessidade
de prendê-los, depois uma piscina (figura n
o
52) que as convidava para um
banho; porém nosso tempo ali era curto, pois tínhamos horário para voltar e
não poderíamos perder o foco de nossa visita.
Fig. 52 – Organizando as crianças para o lanche.
Hora do lanche e de fazer alguns “combinados”. As professoras
conduziam as crianças para um espaço aberto, ao lado da piscina e pediam
às crianças que fossem se sentando em círculo para terem uma conversa e
fazerem o lanche antes de irem para o campo, conforme registram as figuras
n
os
53 e 54 abaixo.
Figuras 53 e 54 – Hora do lanche.
Após combinar os passos para a visita, estabelecer alguns limites e
fazer algumas ressalvas, as crianças começaram a partilhar o lanche. Esse
também foi um momento muito especial, em que elas dividiam e socializavam
o lanche que trouxeram, em clima de descontração e expectativa para todos,
crianças e adultos. O motorista, seu Elísio, senhor simpático, paciente,
cauteloso e curioso, nos acompanhou e pôde partilhar conosco dessa
experiência.
4.10.3 – A visita aos macacos
Começávamos a nos organizar para ver os macacos. As professoras
pediram às crianças que entregassem ao caseiro da chácara as bananas que
trouxeram de casa para estes animais, pois ele iria ao local colocá-las e todos
poderiam acompanhá-lo. Fomos para o local, percebi que as professoras
estavam um pouco tensas, porque não tinham certeza se os macacos viriam
até o lugar onde as bananas estavam sendo postas e, ao mesmo tempo,
ficavam apreensivas em não frustrar as expectativas das crianças.
Ali, aguardávamos pelos tão esperados habitantes da mata e fomos
avisados de sua chegada. Antes de vê-los já ouvíamos o som que eles
produziam, algo semelhante a risos e cochichos ao mesmo tempo. As
crianças se mostravam apreensivas e assustadas, pois aquela era uma
cena inédita em suas vidas e na nossa também. Estávamos a postos com
filmadora, máquinas fotográficas e olhos, estes bem arregalados. O
inesperado aconteceu, pois os macacos, animais inteligentes, provavelmente
perceberam que havia uma grande movimentação de pessoas estranhas,
ficaram ariscos e não se aproximavam. As professoras, então, sugeriram às
crianças para se afastarem e fazerem silêncio, na tentativa de obter sucesso;
não demorou muito a aparecer o primeiro macaco e depois o segundo.
Figuras 55 e 56 – Os primeiros macacos a aparecer.
E o terceiro e o quarto também chegaram, a festa era geral, dos macacos
por comerem tantas bananas e das crianças por verem o espetáculo que os
animais da mata ofereciam a elas, registrado nas figuras de n
os
55, 56, 57 e
58.
Figuras 57 e 58 – Os próximos a surgir por entre as árvores.
Crianças e adultos, todos estávamos perplexos diante de tamanha
beleza e liberdade. Enfim, uma família inteira de macacos apareceu por lá,
inclusive um bemacaco; estavam famintos e eufóricos com o banquete de
bananas.
Figuras 59 e 60 – Mais alguns que surgiram por entre as árvores
Em meio a essa imagem de extrema beleza e ousadia era indescritível a
expressão das crianças diante de tanta graça e encantamento, registrada nas
figuras n
os
61 e 62 a seguir.
Figuras 61 e 62 – Expressão das crianças ao ver os macacos nas árvores.
A exibição encantadora dos macacos às crianças e professoras ia
causando uma ebulição de perguntas entre todos: Por que eles moram ali?
Por que gostam de bananas? Como conseguem subir nas árvores e pular de
galho em galho tão rápido? Quem os levou para aquele local? O homem
mata os macacos? É proibido matar ou não? O que acontece com quem
maltrata os macacos? Quem cuida deles? E quando eles forem embora,
quem vai dar comida a eles? Eles se casam? Como têm filhos? (entendo que
esta pergunta surgiu em virtude de haver um bebê macaco)
4.10.4 – O rio Arareau
Fomos para a segunda proposta do dia, a visita ao Rio Arareau.
Caminhamos por uma trilha até chegarmos ao rio, as professoras desceram
as crianças por um pequeno barranco, e logo avistamos a beleza do rio, que
naquela altura e talvez, por estar em terras particulares, não sofria com a
ação do homem.
O pedido para tomar banho no rio foi imediato, porém as professoras
logo explicaram que o rio era fundo e que seria perigoso elas adentrarem sem
os pais. Aceitaram o argumento, mesmo porque os pais haviam
recomendado a elas que não adentrassem o rio, entretanto havia uma parte
em que a água apenas cobria os pés e, claro, elas não perderam a
oportunidade de se assentarem ali e brincarem com a água, momento
registrado na figura a seguir n
o
63 .
Fig. 63 – Crianças e professoras em visita ao rio Arareau.
As crianças permaneceram ali e brincaram na água, viram que estava
fria e também fizeram muitas perguntas em relação ao rio: Onde ele nascia?
Tem bicho nele? Tem peixe? Enfim, foram muitas as situações reais e
potenciais de aprendizagem. A água do rio estava límpida e a margem bem
protegida, e neste sentido houve mais uma razão para discutir e pesquisar
sobre sua importância para as espécies que ali habitam.
Era hora de deixarmos o rio correr por seu leito tranquilamente; saímos
do rio e no caminho era impossível não notar a natureza à nossa volta.
Passamos por uma planta que chamamos primavera, que na oportunidade
estava florida e fizemos mais uma parada para o registro, conforme figura n
o
64 abaixo.
Fig. 64 – Flora: a beleza da primavera atrai todos.
A sensibilidade das crianças para tudo que estava à nossa volta era
algo impressionante! Os ponteiros do relógio nos avisavam que nosso
passeio estava quase chegando ao fim.
4.10.5 – A volta
Já era hora de começar a organizar a volta (figura n
o
65) e nos despedir
dos macacos, do rio, das plantas, da piscina e da mata, elementos que
compunham o cenário da Chácara do Tio Chico. As indagações continuavam
a surgir, e a cada passo dado ouvíamos referência a mais uma novidade
encontrada. Nos despedimos e as professoras estavam com o propósito de
voltar com as outras crianças que não tiveram a oportunidade de partilhar
desse momento que fez parte de um currículo vivo e significativo.
Figura 65 – Pose para a despedida.
Vimos ser esta uma rica experiência para abordagem por outras áreas
do conhecimento, como ciências, mostrando para as crianças os elementos
da natureza tão devastada e perseguida pelo homem, a água, a fauna e a
flora, pois tais elementos fizeram parte de uma vivência curricular palpável e
significativa.
O imprevisto pegou carona em nosso passeio: quando o motorista,
senhor Elísio, fazia o contorno para pegarmos a estrada, encalhamos na
areia. As professoras, temendo o atraso, sugeriram que todos descessem,
para que o ônibus ficasse mais leve e pudesse talvez se soltar do “abraço” da
areia. Parte das crianças desceu e se abancou em um balanço embaixo de
uma mangueira, enquanto os outros torciam pelo desatolamento do ônibus.
Passados alguns minutos estava tudo resolvido para seguirmos em
frente, levando conosco o cansaço e a vontade de chegar à escola, pois
tínhamos muito a contar.
A experiência vivenciada em poucas horas desse dia poderia ser
abordada no restante do ano, que ainda assim, por sua tamanha relevância,
não daria por finda a discussão. O conhecimento adquirido pelas crianças foi
pauta de muitas vivências, pois o local havia sido transformado em um locus
de pesquisa e aprendizagem jamais imaginado por nenhum de nós ali
presentes.
Com mais essa vivência, vimos ser o professor o mediador e nunca o
tutor do conhecimento; portanto, será seu papel reviver nas crianças as
lembranças daquilo que viram e articular estas num movimento de interação e
troca de conhecimentos. Conhecimentos não apenas da paisagem, mas da
Geografia, da História, da ngua Portuguesa, da Arte e da Matemática, sem
perder a crença de que todas essas áreas devem ser articuladas para discutir
de forma humanizadora o conhecimento de mundo e de vivências.
Posteriormente ao passeio, voltei para a sala, pois queria ver e ouvir o
que as crianças tinham a contar, perguntar, relembrar e acrescentar às
experiências vividas. A professora deu início à aula cantando com as
crianças, e estas pediram a ela para cantar a música Respeitar o mundo. Foi
sugerido pela docente que todos viessem para a frente compor o coral, e
assim foi feito.
Após cantar, a professora começou a atividade oral, com as crianças
contando sobre o que realizaram no fim de semana; nessa atividade todos
falavam, iam à frente quando desejavam e contavam suas vivências. As
crianças que haviam participado do passeio à chácara do Tio Chico queriam
falar sobre tudo que tinham visto, e a professora mediava o processo,
oportunizando a todos relatarem suas experiências. Posteriormente, ela
sugeriu uma atividade de desenho na qual as crianças registrassem a
experiência vivenciada durante o passeio. A docente identificava os desenhos
produzidos, que iam sendo colocados no mural expositivo, e passou à
atividade seguinte, que foi a leitura de jornal.
Eu aguardava pelo momento em que ela faria os questionamentos com
as crianças sobre o que acharam do passeio, do que gostaram e não
gostaram, o que mais chamou sua atenção; enfim, seriam muitas as questões
que deveriam surgir. Entretanto, o repertório de perguntas e respostas
pareceu superficial, em oposição a importância que, imaginava, seria dada às
experiências partilhadas no passeio.
Evidentemente, uma experiência como aquela não poderia ser limitada
às figuras, pois as crianças deveriam suscitar o que fora significativo a elas
em termos de conhecimento. No entanto, é papel do professor ater-se à
proposta pedagógica da escola, para relacionar todo o conhecimento vivido a
tal proposta. Esta, por sua vez, nunca deve estar pronta, pois, se ela é um
caminhar, temos que tê-la sempre em construção, e para que se efetive de
fato é preciso seguir as crianças, ouvi-las e direcionar o nosso trabalho para o
caminho que elas possam trilhar coletivamente.
As áreas do conhecimento, especialmente a linguagem e
expressividade, a identidade e cultura, o ambiente natural e a lógica
matemática, deveriam ser exploradas de forma interdisciplinar, pois o
contexto favorecia atividades a partir da vivência de todos que partilharam
dessa experiência.
Para os momentos que seguiram essa discussão, necessariamente
deveriam ser elaborados roteiros, para não se correr o risco de deixar
nenhuma experiência sem questionamentos. Para tanto, o caderno de
anotações deveria estar à mão do professor pesquisador desde o momento
da entrada no ônibus, a fim de não sermos traídos pela memória. Nesse
caderno, apontamentos sobre o tema e os questionamentos das crianças
seriam anotados para posteriormente serem trabalhados em sala de aula. As
falas das crianças, as indagações e relatos deveriam ser todos anotados, pois
o planejamento para as aulas futuras seria feito baseado nas curiosidades
levantadas pelas crianças.
Tentei aqui me aproximar um pouco do que Barbosa (2007) chama de
coisário (um lugar imaginário onde se guardam os conhecimentos adquiridos,
uma caixa de ferramentas intelectuais). Imaginei que as crianças que
participaram do passeio estivessem com seus coisários abarrotados de
informações novas e precisavam criar referências significativas a partir delas.
Pensei sobre o que as crianças fazem quando estão com seus coisários bem
cheios, e cheguei à conclusão de que a resposta seria um Por quê. É
exatamente o que supus, o por quê, tão utilizado pelas crianças, surge
através das hipóteses que elas começam a levantar sobre determinado
assunto, e a partir das respostas aparecem novas perguntas, pois esse
coisário é infinito.
Todos nós temos nosso coisário, que está em eterno conflito, pois as
incertezas acabam por trazer mais indagações e requerem de nós recuperar o
que de perdido nele, considerando que o conhecimento não se de
forma isolada, e que as informações ancoram-se umas nas outras em busca
de novos significados. E assim deve fazer o professor, sempre recorrer à sua
caixa de ferramentas e consultá-la quando necessário.
Portanto, a escola somente será um locus efetivo de educação se for
capaz de se tornar um espaço aberto de contradições, de questionamentos,
de socialização, de interação e eminentemente multicultural, onde seja
possível se estabelecer uma relação particular com o saber.
Para Não Concluir
Findo a análise dos pontos propostos aqui, após analisar e estudar
sobre as concepções e práticas pedagógicas de uma professora de Educação
Infantil. Optei aqui pelo intróito “para o concluir”, em virtude da dimensão e
complexidade dos estudos acerca das crianças pequenas e com pretensão de
não findar a discussão dos pontos postulados nesse trabalho, uma vez que ao
término dessa pesquisa, imagino haver muitas outras a iniciar e em
andamento nessa área, que possui um vasto campo a ser investigado.
Atenho-me com cuidado nesta discussão, para o fazer uma análise
prematura, no entanto, não será difícil destacar alguns pontos essenciais da
discussão em pauta.
Diante da complexidade dos estudos postulados sobre as culturas
infantis nos espaços das escolas da infância e das inquietações iniciais que
motivaram o presente estudo, foi possível conhecer através das vivências do
coletivo infantil e das práticas pedagógicas da professora, o processo de
escolarização percorrido pelas crianças, mais especificamente o processo de
leitura, escrita e letramento nessa turma de Educação Infantil.
Considerei para fazer parte da investigação, as linguagens infantis
articuladas às atividades de leitura e escrita, as experiências vividas pelas
crianças no coletivo infantil e, as concepções e práticas da professora que
interagiam com esse coletivo. Procurei pautar o diálogo estabelecido na
pesquisa com a professora e as crianças na concepção de que não se
transmite conhecimento na Educação Infantil, pois este nível de ensino se
compõe por todas as dimensões humanas e, não apenas a dimensão
cognitiva. Considerando que ler e escrever está intrínseco às ações humanas,
portanto, esta ação também está compreendida no currículo da educação
Infantil, no entanto, não se constitui o eixo curricular principal, pois este deverá
estar pautado na vivência da infância, no sentido de permitir às crianças
exercer a infância em todas as suas dimensões, e romper com as práticas que
escolarizam a Educação Infantil.
Buscando refletir sobre a escolarização posta na Educação Infantil,
considerando o cenário nacional e a experiência na escola em que realizei a
pesquisa, foi necessário me apropriar da literatura a respeito do tema, realizar
análise das entrevistas e observação da prática pedagógica da professora em
questão e articulá-las a outros fazeres, para poder compreender as
concepções e práticas abordadas nessa pesquisa. Os instrumentos citados
acima permitiram compreender, que não se rompe imediatamente com
concepções, como se estas não servissem mais, considerando que
vivemos em constante processo de construção, e que as práticas fazem parte
das experiências adquiridas nos fazeres diários e, sejam bons ou não, foram
construídos ao longo de uma vida e com certeza não serão descartados por
simplesmente os professores ouvirem dizer que não compreendem nossas
crianças. Percebi que as mudanças vêm ocorrendo, mesmo que a passos
lentos e, que os professores estão dispostos a mudar, a aprender e a
solucionar suas inquietações, por mais conflituoso que isso possa parecer às
vezes.
Vejo que a própria história em que se constituiu a educação das
crianças seja a responsável pelo processo escolarizante na Educação Infantil.
Pois, a integração da Educação Infantil ao sistema de ensino foi o início do
rompimento com as amarras do assistencialismo, impostas por um longo
período em que a criança era vista como um ser que necessitava de cuidados
alimentação, sono, banho, roupas e outros artefatos de assistência que
conseqüentemente fazem parte da educação das crianças –; contudo, essa
passagem possibilitou muitas mudanças como, a exigência de formação
específica para a docência daqueles que atuam com as crianças e a
indissociabilidade entre a educação e o cuidado, os quais foram avanços a
considerar.
Entretanto, a idéia de educar as crianças exigiu do sistema um modelo
educacional que inicialmente foi pautado nos princípios escolarizantes do
Ensino Fundamental e, que vivenciamos ainda na atualidade. Compreendo
que os professores têm problemas urgentes a serem resolvidos, em virtude de
estarem inseridos num contexto de práticas escolarizantes, pautadas na
preocupação de preparar as crianças para outra etapa. Nesse contexto está
posto mais um equívoco sobre o papel das escolas da infância, que se
preocupam em prepará-las para aprender os conteúdos sistematizados,
desconsiderando a singularidade de viver a infância.
Educar para a emancipação é uma das árduas tarefas da escola da
infância e, para tanto, o professor deverá protagonizar com as crianças uma
educação para emancipação. Considerando esta realidade, não será possível
construir uma escola democrática com princípios emancipatórios, sem
estabelecer uma relação de interação que respeite as vivências das crianças.
A concepção de educação tradicional deverá dar lugar a uma concepção no
mínimo interacionista.
A professora investigada nesse trabalho demonstra através de suas
práticas pedagógicas, estar numa transição entre o tido como tradicional e o
sócio-construtivista, pois apresenta situações reais de práticas que permitem
construir conhecimentos e não apenas estão voltadas ao ato de ensinar e
aprender, concepção esta ultrapassada principalmente na Educação
Infantil, onde as múltiplas linguagens infantis têm papel importante para
desmistificar a alfabetização neste nível da Educação Básica, uma vez que é
preciso alfabetizar nas diversas linguagens e não tão somente no ato de ler e
escrever.
Parto do pressuposto de que a construção do conhecimento é diária e
pautada em ações que exigem a mudança de comportamento, e ser professor
da infância consiste em reconfigurar a cada dia uma nova cena, pois as
crianças são mister em inovar e propor novas linguagens ao que
aparentemente está acabado. Apesar de a professora observada romper
com muitas das amarras impostas pela escola obrigatória, como o movimento
de preparação para a leitura e a escrita e, com a cobrança dos pais para que
as crianças dominem essas linguagens, ela ainda se atém a algumas práticas
que primam em alfabetizar e atua num cenário carregado de linguagem oral e
escrita, onde a relação com a linguagem da música, da pintura, da dança, do
desenho em diversas dimensões e categorias, da interpretação e
representação, da história contada e “inventada”, da multimídia, do teatro, da
mímica, dos gestos, do cinema, dentre uma infindável relação com as mais
diversas linguagens postas e propostas pelas crianças, todas essas
linguagens acabam tomando um espaço secundário, em detrimento da
importância dada à linguagem escrita e a leitura.
Faço aqui uma reflexão acerca da importância de se estudar e conhecer
sobre a cultura oral, pois o conhecimento acerca desta permitirá o trabalho
com outras linguagens, pois linguagens desprovidas da palavra escrita. E
esta é uma discussão a ser feita pelos professores de Educação Infantil, no
intuito e compreenderem que outras práticas a serem propostas e
consideradas no coletivo infantil, não tão somente a da leitura e escrita.
Faço essa afirmação a partir da experiência de observar as crianças,
que demonstravam estar, todos os dias, em processo de ebulição constante a
favor do conhecimento! Após observá-las pude compreender a que Barbosa
(2007), se reportava ao referir-se ao coisário das crianças, pois este não se
farta nunca. A criança está a postos a todo momento para acrescentar um
pouco mais nas idéias do adulto, e este por sua vez precisa usar de suas
habilidades para ouvir e trabalhar a resiliência no tocante ao que falam, ou
melhor dizendo, a todas as linguagens infantis.
Nos estudos aqui postulados, foram realizadas análises de alguns
temas em relação à prática observada, das quais dei maior ênfase à proposta
pedagógica da escola; à formação continuada da professora, com especial
atenção à oferecida pela Secretaria Municipal de Educação; à organização
diária na sala de atividades; aos instrumentos que nortearam a prática
pedagógica da professora, RCNEI e Diretriz Curricular Municipal para a
Educação Infantil; aos desenhos; às brincadeiras; à produção espontânea das
crianças; às linguagens, oral, escrita, gestual, cantada, dentre as mais
variadas formas; ao rádio e ao jornal como veículos vivos de linguagem; aos
livros e histórias que disputaram a atenção particular pela leitura e escrita das
crianças; e por último à experiência com a natureza viva, proporcionada pela
visita à chácara do Tio Chico. Estes foram os temas de análise que me
permitiram fazer as reflexões pontuadas neste trabalho.
Ao iniciar a pesquisa propus-me a responder algumas questões,
acredito que após a observação, interlocução com os teóricos e análise do
material utilizado será possível fazê-lo, ou instigar ainda mais para a reflexão
no campo dos estudos sobre a educação das crianças. Inicialmente pretendia
conhecer os fazeres que se constituíam naquele espaço do coletivo infantil e
compreender de que forma a professora se apropriava de suas concepções
para estar propondo às crianças a leitura e a escrita. Através da observação,
percebi que as práticas significativas permeavam todo o espaço da escola,
apesar de perceber que a professora por diversas vezes se rendia à
preocupação de escolarizar, ou seja, as linguagens infantis davam lugar em
alguns momentos à necessidade da escrita sistematizada na forma escolar.
Entretanto, havia coerência entre o proposto nas atividades de escrita, estas
não se pautavam nas atividades mimeografadas, repetitivas e de pontilhados,
mas davam lugar às produções livres individuais e coletivas e às leituras dos
espaços e das coisas.
Quando me propus a conhecer as práticas de leitura e escrita, imaginei
estar adentrando num terreno arenoso de muitas ambigüidades, no entanto,
percebi que as práticas de leitura e escrita partiam de uma necessidade diária
das crianças para se comunicar umas com as outras, e dessa forma, estavam
articuladas ao coletivo infantil. Foram muitas as leituras realizadas, as quais
classificarei aqui de categorias de leitura, abordadas pela professora. A ação
diária da professora permeava as práticas de leitura. Era leitura de jornal, no
qual as crianças estabeleciam algumas relações com os fatos do cotidiano,
leitura do espaço da escola e do bairro, de revistas, rótulos, cartazes e
receitas, dentre as inúmeras inferências das crianças que possibilitavam
outras leituras além das previstas pela professora. O material utilizado pela
professora para as atividades de leitura, eram em sua maioria confeccionado
por ela, como as fichas de leitura as quais eram ilustradas e figuras
organizadas em categorias de animais domésticos e silvestres, aves, répteis,
carnívoros e herbívoros, mamíferos e ovíparos, enfim uma dimensão de
categorias eram propostas para as leituras e conseqüentemente hipóteses a
serem levantadas.
Sobre a literatura infantil, muitas foram as formas de interação, pois a
professora abria as diversas possibilidades ao coletivo infantil para momentos
de apreciação das histórias e estórias , práticas pautadas nas experiências
pessoais de cada criança, que contavam seus “causos” e “liam” os livros para
outras crianças. Outro recurso utilizado pela professora, era a seqüência de
história, este material consistia em gravuras coladas em fichas para que as
crianças fizessem a leitura e organizassem a história. Estes estavam à
disposição das crianças para essa interação de linguagens, as quais eram
dialogadas em ações coletivas.
Evidenciei que as práticas de escrita estavam articuladas às atividades
de leitura, e as mais utilizadas pelas crianças eram os desenhos de pequenas
e grandes dimensões. Essa prática permitia às crianças efetivar a o
sonhada escrita, nessa ação a professora assumia o caráter de escriba dos
diversos “autores”, pois era procurada para dar nome aos objetos construídos
pelas crianças e algumas vezes para “desenhar” as letras nas histórias
ilustradas por elas.
Ainda sobre as práticas de escrita propostas às crianças pela
professora, entendo ser importante o caráter lúdico dado à ação de escrever,
outro fator importante era a espontaneidade para essa ação, que na maioria
das vezes partiam das crianças o interesse por trilhar o caminho das letras.
No entanto, vejo a escrita como mais uma das representações de linguagem
e não a única a ser considerada no espaço da Educação Infantil. Sua
importância é inegável, porém, não deverá ocupar espaço de maior relevância
em detrimento das outras linguagens que permeiam a comunicação entre os
sujeitos, independentes de serem crianças ou adultos.
Pelos fazeres da professora foi possível conceituar que suas práticas
partilhavam do contexto de letramento, pois pautavam nas leituras de mundo
que as crianças traziam consigo. Por meio da linguagem oral essas
experiências infantis eram trazidas para o espaço da escola, no qual, eram
abordadas várias dimensões, a exemplo a dimensão lúdica intrínseca à
infância e das vivências, trazendo para uma discussão coletiva e de muitas
inferências por parte de todos. Afinal em se tratando de experiências
vivenciadas cada sujeito possui a sua e considerando que a criança com sua
dimensão criativa e “inventiva” tem muito a contribuir com as outras crianças
através dos espaços de trocas de experiências.
Os pontos discutidos acima, sobre leitura, escrita, letramento, literatura
infantil, experiências infantis, oralidade, coletivo e linguagens infantis, deram
voz inicial a esse trabalho. Entendia que eram questões que careciam ser
investigadas na busca de justificar a o escolarização na Educação Infantil,
a não preparação para o Ensino Fundamental e a não alfabetização precoce,
que ocorre quando as crianças começam a ser alfabetizadas na Educação
Infantil. O espaço da escola da infância configura a interação coletiva, as
múltiplas linguagens infantis, as relações com outras crianças, adultos e o
meio social, as experiências a serem realizadas através da troca e construção
de conhecimento, dentre outros caminhos postulados pela própria criança.
Tive como questão central para a pesquisa, conhecer como a
professora interagia com as crianças na prática de leitura e escrita,
dispensando relevante atenção às relações que se estabeleciam entre o
coletivo infantil e a professora. Acredito que a resposta a esta questão ficou
posta no quarto capítulo, onde trago para análise alguns temas oriundos da
observação e que permitiram uma reflexão acerca desse coletivo. No entanto,
gostaria de destacar a postura da professora diante das práticas efetivadas,
pois esta permitiu às crianças que fossem participantes ativas no processo de
construção do conhecimento, dando voz a elas para que pudessem entrelaçar
o caminho da linguagem às dimensões lúdica, social, psicológica e cognitiva.
Nessa discussão, em particular sobre as práticas de leitura e escrita na
Educação Infantil, centrei-me na perspectiva do letramento, e através desta
apresentei algumas proposituras acerca da postura do professor de Educação
Infantil. o se trata de conceituar como certa ou errada determinada prática
pedagógica, ou de ensinar aqui o que realizar com as crianças, mas de
oportunizar um novo olhar aos fazeres na escola da infância. Trata-se de
possibilitar alguns caminhos que apontem para uma educação diferente, que
prime por suprir as necessidades da criança e não esteja subordinada ao
fazer repetitivo, mas a uma prática autônoma, capaz de produzir
conhecimento, em uma escola democrática e rumo a educação para a
emancipação.
Certamente, as ações de intervenção através de pesquisa, como a
realizada nesta escola, mais especificamente com essa turma, contribuem de
modo favorável para a divulgação e reflexão das práticas acerca da Educação
Infantil. Neste sentido, considero de fundamental importância os estudos na
área da infância, pois estes permitirão outros olhares sobre os fazeres dos
professores da infância, como também maiores possibilidades de se
estabelecer uma relação transformadora, capaz de edificar uma escola da
infância que respeite as múltiplas linguagens infantis.
E no mais, que nossas crianças possam exercer seu papel diante da
imensidão de coisas que lhes são postas pelos adultos e possam ver, fazer,
descobrir e experimentar sua própria infância. Como diz Chico Buarque, ao se
expressar sobre a infância e suas relações com o espaço ideal para ela:
Deve ter alamedas verdes
a cidade dos meus amores
e os pintores e os vendedores
as senhoras e o senhores
e os guardas e os inspetores
fossem somente crianças !
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