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ARETUSA DE PAULA RODRIGUES
A RE-SIGNIFICAÇÃO DA FEMINILIDADE DE MULHERES
DA TERCEIRA IDADE DURANTE SEU PROCESSO DE
ENVELHECIMENTO
ASSIS
2008
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ARETUSA DE PAULA RODRIGUES
A RE-SIGNIFICAÇÃO DA FEMINILIDADE DE MULHERES
DA TERCEIRA IDADE DURANTE SEU PROCESSO DE
ENVELHECIMENTO
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis - UNESP -
Universidade Estadual Paulista para a
obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Área de Conhecimento: Psicologia e Sociedade
Orientador: Prof. Dr. José Sterza Justo
ASSIS
2008
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. Assis UNESP
Rodrigues, Aretusa de Paula
R696r A re-significação da feminilidade de mulheres da terceira
idade durante seu processo de envelhecimento /Aretusa de Pau-
la Rodrigues. Assis, 2008
233 f.
Dissertação de Mestrado Faculdade de Ciências e Letras
de Assis Universidade Estadual Paulista.
1. Feminilidade. 2. Envelhecimento. 3. Mulheres idosas. I.
Título.
CDD 155.633
301.435
Dedicatória
Dedico este trabalho a minha família e às
colaboradoras dos Encontros para o Bem
Viver.
Agradecimentos
Aos meus pais, sinônimos de amor e dedicação incondicionais, que me
acompanharam durante o percurso desta jornada, oferecendo força e apoio,
fundamentais para que eu enfrentasse com dignidade e perseverança as
adversidades desta caminhada.
Aos meus irmãozinhos, Vanessa e Carlos, pela força e palavras de incentivo a fim
de que eu não desistisse e me direcionasse rumo aos meus ideais.
Aos amigos Sérgio, Lica, Doni e Lê, pelo carinho e companhia durante as viagens a
Assis.
Ao Prof. Dr. Renato Salviato Fajardo, por acreditar em mim e me dar oportunidade
de ser facilitadora dos Encontros para o Bem Viver.
Às colaboradoras da pesquisa e a todas as senhoras que fizeram parte dos
Encontros para o Bem Viver, pela generosidade e disponibilidade de confiarem
suas histórias a mim, no intuito de me auxiliarem na concretização desta pesquisa.
Ao meu orientador, Prof. Dr. José Sterza Justo, pela generosidade e dedicação.
Aos professores doutores: Meyre e Luiz Carlos, participantes da banca do Exame de
Qualificação, pelos apontamentos e sugestões que colaboraram para
enriquecimento, harmonia e concretização do trabalho.
Ao Prof. Dr. Fernando Silva Teixeira Filho, pela compreensão e ensinamentos.
Aos funcionários da UNESP como um todo, que de uma forma ou de outra,
colaboraram para a finalização e organização da pesquisa.
Enfim, para todos que de algum modo colaboraram para a realiza
ção deste trabalho,
demonstro aqui meus sinceros agradecimentos.
A Velhice
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
Olavo Bilac
RODRIGUES, Aretusa de Paula. A re-significação da feminilidade de mulheres
da terceira idade durante seu processo de envelhecimento. 2008. 232 f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia e Sociedade) Faculdade de Ciências e
Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis, 2008.
Resumo
Este trabalho propõe investigar a re-significação da feminilidade em mulheres da
terceira idade. Participaram da pesquisa sete mulheres desta faixa etária, moradoras
na cidade de Araçatuba, que freqüentaram um grupo de vivências denominado
Encontros para o bem viver, grupo esse que faz parte da programação do projeto
Universidade da Terceira Idade, da Unesp - Campus de Araçatuba. A coleta de
dados foi feita através da utilização de entrevista semi-dirigida, realizada nas
próprias residências das participantes, sendo estas posteriormente sistematizadas,
transcritas e interpretadas para análise qualitativa de seu conteúdo. As análises dos
dados foram realizadas através da metodologia de análise do conteúdo proposta por
Bardin, que tiveram como eixo a questão do feminino no processo de
envelhecimento, ou seja, o entendimento e a compreensão da mulher frente à sua
condição nesta fase da vida. Tais leituras foram embasadas também na noção do
curso de vida e em autores que trabalham com a temática da velhice. Os resultados
obtidos sugerem que a feminilidade é vivenciada de formas variadas. Algumas
relatam mudanças importantes para a feminilidade, muitas vezes acompanhadas ou
a partir de eventos como a viuvez, doenças inesperadas, separações e
aposentadoria. Outras, no entanto, não perceberam quaisquer alterações
significativas em suas vidas. No tocante às re-significações da feminilidade, foi
possível verificar que as principais mudanças de sentido situam-se no plano da
sociabilidade, com o aumento de amizades; no plano da autonomia pessoal, com a
sensação de conquista de maior liberdade e no plano das realizações, com a
concretização de aspirações, sonhos e desejos até então cerceados.
Palavras-chave: Feminilidade. Noção do Curso de vida. Envelhecimento.
RODRIGUES, Aretusa de Paula. The re-significance of the womens of the third
age femininity during yoir ageing process. 2008. 232 f. Dissertation (Masters
degree in Psychology and Society) Faculdade de Ciências e Letras, Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis, 2008.
Abstract
This study aims to investigate the resignificance of femininity for old
women. The research was conducted through analyses of seven participants
interviews. The participants' profile matched as old women; who lived in
Araçatuba city, and were engaged in a weekly group named "Meetings for
Well-being", which was sponsored by the Open University for Elderly -
UNESP- Campus of Araçatuba. The data were collected through semidirective
interviews, which were performed in the participants' own residences, being later
these systematized, transcribed and interpreted for qualitative
analyses of your content. The interpretation of the data were accomplished through
the methodology proposed by Bardin focusing on feminine's perspective for the
aging process, in other words, the women's cognition about their condition
facing that phase of life. The analyses were also based on the life course
theory and other authors who studied the aging process. The results
suggest that femininity is expressed in varied forms. Some individuals
refer important changes, frequently linked with events, for example,
widowhood, unexpected diseases, separations and retirement. By the other
hand, others didn't notice any significant changes in their lives.
Concerning the resignificance of femininity, it was possible to observe
the most important shifts were related to the level of sociability with
the increased number of friendships, in the level of personal autonomy,
with the sensation of conquering expanded freedom, and in the level of
accomplishments, with the materialization of goals, dreams and desires,
which were formerly precluded.
Keywords: Femininity. Life Course. Ageing.
Sumário
APRESENTÃO .............................................................................................
10
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12
1 A IRRUPÇÃO DA TERCEIRA IDADE NA CULTURA BRASILEIRA ...........
16
1.1 Imagens e estereótipos da velhice ........................................................... 20
2 A FEMINILIDADE NO CONTEMPORÂNEO ................................................ 25
2.1 As mudanças no papel da mulher ............................................................ 25
2.2 A feminilidade na terceira idade ................................................................
32
2.3 A sexualidade na constituição do feminino ...............................................
40
2.4 O que se tem falado sobre o sexo e o envelhecimento ............................
45
3 NOÇÃO DO CURSO DE VIDA E IDENTIDADE ........................................... 49
4 A PESQUISA EMPÍRICA .............................................................................. 59
4.1 Justificativa ............................................................................................... 59
4.2 Objetivo geral ............................................................................................ 59
4.3 Observações sobre o método ...................................................................
60
4.4 Procedimentos utilizados .......................................................................... 62
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ...................................................... 63
5.1 Breve história de vida dos participantes..................................................... 63
5.2 Análise das entrevistas ............................................................................. 76
5.3 Considerações finais .................................................................................
122
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 126
ANEXOS
ANEXO A - Modelo de Entrevista semi-dirigida ................................................ 131
ANEXO B - Entrevista semi-dirigida sujeito 1 ....................................................
132
ANEXO C - Entrevista semi-dirigida sujeito 2 ....................................................
144
ANEXO D - Entrevista semi-dirigida sujeito 3 ....................................................
159
ANEXO E - Entrevista semi-dirigida sujeito 4 ....................................................
174
ANEXO F - Entrevista semi-dirigida sujeito 5 .................................................... 194
ANEXO G - Entrevista semi-dirigida sujeito 6 ................................................... 208
ANEXO H - Entrevista semi-dirigida sujeito 7 ....................................................
224
10
APRESENTAÇÃO
O interesse em escrever sobre a terceira idade surgiu de uma
experiência de estágio em um Centro de Promoção de Qualidade de Vida PromoVi
localizado na Faculdade de Odontologia (FOA) da UNESP Campus de Araçatuba,
cujas áreas principais de atuação são: a humanização do atendimento profissional
em suas diversas vertentes e a promoção da transdisciplinaridade.
Durante todo o tempo das práticas de estágio, cerca de cinco anos,
participamos de diversas atividades desempenhadas pelo referido centro, dentre
elas: atendimentos grupais e individuais, apoio a cursos de extensão, além de sua
organização e estruturação propriamente ditas já que meu estágio iniciou-se desde
sua implantação até um envolvimento mais assíduo em relação às pesquisas,
como profissional, com uma dedicação maior.
O foco na terceira idade revelou-se com a possibilidade da
concretização de uma capacitação para mais de 394 profissionais da saúde do PSF
(Programa de Saúde da Família) da cidade de Araçatuba-SP. Esse projeto de
pesquisa especial em políticas públicas, intitulado Desenvolvimento de estratégias
para reciclagem e treinamento de profissionais da saúde no atendimento do paciente
geriátrico, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo), visava à sensibilização do profissional da saúde em seu aprimoramento
na assistência à terceira idade, otimizando o relacionamento profissional/paciente e,
por conseqüência, a capacidade de atuação do setor. O objetivo geral não se
limitava apenas à melhoria do atendimento aos longevos, mas às outras faixas
etárias também. Contudo, tínhamos na terceira idade, o enfoque inicial de interesse,
posto que a população senescente crescia em nível sem precedentes em todo o
país e os profissionais, por sua vez, não se mostravam preparados para esse
crescimento, assim como a sociedade em geral.
A ampliação dos conhecimentos frente ao assunto proporcionou-me
benefícios que transpuseram os limites dos compromissos de acordo com a
proposta de trabalho, como o convite para ministrar aula na disciplina de Odonto-
Geriatria do curso de Mestrado da FOA (Faculdade de Odontologia de Araçatuba).
Além disso, foram realizadas algumas palestras nas Unidades Básicas de Saúde
(UBS) de Araçatuba e Coroados (cidade da região), abordando temáticas como:
11
Stress, Sexualidade na terceira idade e Depressão, assim como outras para 150
profissionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) de Birigui (cidade vizinha), em
parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, trabalhando o tema Aspectos
psicosociais do atendimento humanizado ao idoso. Foi efetuada também uma
apresentação aos profissionais de um asilo da cidade de Araçatuba, sobre a
Valorização do Idoso Institucionalizado.
Ainda no meio acadêmico, houve a oportunidade da exposição de
um trabalho, discorrendo também sobre sexualidade na terceira idade, na FEA
Fundação Educacional de Araçatuba.
Percebemos que durante os treinamentos e nessas atividades
fortuitas, as pessoas, ao entrarem em contato com o universo da terceira idade e ao
serem convidadas a refletir sobre o envelhecimento, mobilizavam-se imediatamente
a aplicarem em sua prática profissional as informações recebidas, havendo,
entretanto, um forte sentimento de inquietude e despreparo ao direcionarem-se para
este fim.
Diante desse contexto, pensamos ser de grande valia que essas
reflexões não se findassem em ações isoladas, atingindo apenas alguns
afortunados, mas que fosse um movimento contínuo e que pudéssemos abarcar o
maior número de pessoas possível. Então criou-se, em parceria com a Universidade
da Terceira Idade (UNATI), da UNESP de Araçatuba, o curso Encontros para o Bem
Viver, agora direcionado fundamentalmente ao público da terceira idade,
objetivando a discussão e a reflexão de temáticas relacionadas ao seu universo.
Entretanto, ao iniciarmos o grupo, nos deparamos com a adesão
prevalente de mulheres da terceira idade, ofuscando a participação tímida e
reduzida dos homens. Percebemos ainda, que as mulheres sentiam a entrada na
terceira idade como a possibilidade de reformulação de sua identidade feminina,
antes nunca vislumbrada, engajando-se num poderoso movimento de reflexão e
resgate.
O contato freqüente com essas mulheres, acompanhando suas
transformações, somado à minha própria condição de mulher e à inevitável reflexão
mediante o meu próprio processo de envelhecimento, despertou em mim o desejo
de compreender essa nova anciã que se apresenta, e realizar o trabalho que ora se
delineia.
12
INTRODUÇÃO
Variadas descobertas e transformações vêm acompanhando os
indivíduos neste início de século. Ataques terroristas, abalo da maior potência
econômica mundial, combate à fome, distúrbios na natureza, instabilidades
econômicas e emocionais estão contribuindo cada vez mais para a manutenção das
chamadas doenças do homem moderno. Cresce o número de pessoas morrendo
precocemente de infartos, derrames e suicídios, acometidos por depressão, auto-
estima baixa, fobias etc. Entretanto, alguns dados demográficos apontam que a
realidade e o futuro não são tão cruéis quanto parecem ser.
No cenário ocidental, destaca-se a visibilidade de uma coletividade
da população que tanto sofreu com a segregação e o isolamento os idosos. O
mundo ocidental deparou-se com um fenômeno inesperado: a explosão demográfica
de pessoas com mais de 60 anos, surpreendendo toda uma geração.
Segundo Figueiredo et al. (2007), neste grupo etário aponta-se a
predominância das mulheres, tornando o fenômeno do envelhecimento crescente,
uma questão essencialmente feminina.
Frutuoso (2000, p. 17) considera que envelhecer, ter mais idade,
ser veterano da vida é algo natural, porém, para o ser humano, tornar-se idoso é
surpreendente. Só no século vinte é que conseguimos alongar a vida.
Para melhor compreensão deste acontecimento, faz-se importante
enfatizar que a população humana levou 03 milhões de anos para atingir 1 bilhão
em 1800; em 1930, chegou ao segundo bilhão e em 1960, somente trinta anos
depois, atingiu os 03 bilhões. Em mais 15 anos, 1975, chegou aos 04 bilhões; em
1987, depois de 12 anos, 05 bilhões e em 1999, 06 bilhões (Frutuoso, 2000, p. 17).
Simões (1998, p. 25) aponta que a Organização Mundial de Saúde
(OMS) considera que o indivíduo inicia seu processo de envelhecimento, passando
a ser considerado idoso, a partir dos 60 anos. É embasando-nos neste critério, que o
recorte etário da população pesquisada deste trabalho ora se apresenta.
Entretanto, esta idade varia de indivíduo para indivíduo, bem como
pela cultura a que este é submetido.
As estatísticas, de acordo com o censo de 2000 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que no mundo, em 2050, um
13
quinto da população será de idosos. O crescimento dessa população, em números
absolutos e relativos, é um fenômeno mundial e está ocorrendo em um nível não
prévio. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, em 1998,
quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas,
um crescimento de quase 8 milhões de idosos por ano. As projeções indicam que,
em 2050, a população idosa será de 1.900 milhões de pessoas, montante
equivalente à população infantil de 0 a 14 anos de idade.
Uma das explicações para esse fenômeno é o aumento, verificado
desde 1950, de 19 anos a partir da esperança de vida ao nascer, em todo o mundo.
Os números mostram que, atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60 anos de
idade ou mais e, para 2050, estima-se que a relação será de uma para cinco em
todo o mundo, e de uma para três nos países desenvolvidos.
E ainda, segundo as projeções, o número de pessoas com 100 anos
de idade ou mais aumentará 15 vezes, passando de 145.000 pessoas, em 1999,
para 2,2 milhões, em 2050.
Assim, o Brasil, antes uma nação jovem, está envelhecendo a olhos
vistos. A população de idosos é representada por um contingente de quase 15
milhões de pessoas com 60 anos ou mais (8,6% da população brasileira). As
mulheres são maioria: 8,9 milhões (59,3%) acarretando o fenômeno chamado de
feminização da velhice; 62,4% dos idosos são responsáveis pelos domicílios e têm,
em média, 69 anos de idade e 3,4 anos de estudo.
Os centenários, no país, somavam 13.865, em 1991, e em 2000,
chegaram a 24.576 pessoas, ou seja, um aumento de 77% (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E E ESTATÍSTICA, 2000).
No município de Araçatuba, local de realização da pesquisa ora
apresentada, o crescimento dos idosos também é bastante significativo. Entre a
população total, que perfaz o número de 169.254 habitantes, 18.765 são idosos,
sendo 15.422 eleitores. Vê-se assim, a manutenção de seu papel sócio-político e
sua participação ativa na sociedade (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2000).
Entretanto, o envelhecimento acelerado da popula
ção torna-se, cada
vez mais, uma preocupação na agenda de inúmeros governantes neste início de
novo milênio. Essa preocupação é caracterizada pela falta de intimidade e
proximidade com a idéia do envelhecimento. Apesar de envelhecer ser um processo
14
natural da vida, tornar-se idoso perfaz-se como uma experiência incomum para o ser
humano, principalmente quando a imagem atrelada à senescência é de um período
de doenças, desgastes, dores, sofrimento, solidão, abandono e inutilidade.
Parece assustador, mas as definições encontradas após uma
extensa revisão bibliográfica sobre a temática não têm nada de poético ou
estimulante, pelo contrário, o cada vez mais pejorativas e de mau gosto. Em
caráter apenas ilustrativo, salientam-se algumas definições coletadas relativas à
velhice:
(...) Velhice, estado ou condição de velho. Rabugice ou disparate
próprio de velho. (...) Velho, gasto pelo uso, usadíssimo, antiquado,
obsoleto. Que tem muito tempo de existência (FERREIRA, 1986, p.
1760).
(...) Envelhecer, tornar-se velho, perder a frescura, o vi
ço. Durar
muito tempo. Tornar-se desusado ou inútil. (...) Envelhecido,
decadente, declinante (FERREIRA, 1986, p. 668).
Se o envelhecimento, de maneira geral, traz a sobretaxa dos
estereótipos sociais que desqualificam e inferiorizam os idosos, tanto mais difícil e
problemática se torna a velhice da mulher. O recorte de gênero atravessa a velhice
afetando diferencialmente homens e mulheres. Portanto, faz sentido, investigar a
maneira como a velhice afeta particularmente a mulher, provocando uma re-
significação da feminilidade e essa é a proposta e o objetivo desta pesquisa.
Para tanto, o trabalho será submetido ao seguinte percurso: no
capítulo 1, faremos um apanhado histórico referente à irrupção da terceira idade na
cultura brasileira, passando pelos estereótipos da velhice. No segundo capítulo,
versaremos sobre a feminilidade no contemporâneo e a construção e mudanças do
papel da mulher, até chegarmos ao processo de envelhecimento e suas re-
significações. Logo em seguida, mas ainda no capítulo 2, será delineada a
importância da sexualidade na constituição da feminilidade, enfatizando que ela,
enquanto um dispositivo complexo faz interlocução com o feminino, incluindo neste
processo a visão que a mulher tem de si mesma e de sua postura e papéis frente ao
mundo, ou seja, em linhas gerais, a maneira como a mulher entende e vivencia sua
sexualidade irá repercutir em seu percurso diante de sua trajetória de vida e da
construção de sua subjetividade.
15
No terceiro capítulo, procuraremos entender a forma como as idosas
estão vivenciando e enfrentando os desafios do processo de envelhecimento a partir
da perspectiva do curso de vida.
No capítulo 4, apresentaremos a metodologia empregada para o
desenvolvimento da pesquisa, incluindo objetivo, material e métodos utilizados,
assim como os procedimentos para coletas de dados para posterior análise.
Após a apresentação da parte teórica e metodológica do trabalho,
encontrar-se-ão a análise e discussão dos dados com a caracterização dos sujeitos
e análise das entrevistas.
Por fim, serão apresentadas as conclusões, e nos Anexos estará o
modelo de entrevista semi-dirigida utilizado para a pesquisa, além das entrevistas na
íntegra.
16
1 A IRRUPÇÃO DA TERCEIRA IDADE NA CULTURA BRASILEIRA
A despeito dos mitos e estereótipos criados em torno da velhice,
recentemente vêm ocorrendo modificações importantes em relação à concepção da
velhice e do lugar social destinado a ela.
Tais modificações se fizeram acompanhar de iniciativas importantes
que contribuíram significativamente para a revisão do paradigma do idoso em nossa
cultura, possibilitando aos mais velhos experimentarem papéis antes nunca
imaginados.
A temática sobre terceira idade mostra-se bastante presente no
cenário da nossa atualidade, sendo tema de projetos científicos, da dia, de
documentários em geral, de congressos etc. Cada vez mais se vêem ações voltadas
para essa demanda.
Entretanto, essa mobilização em torno do universo do idoso vem de
um processo iniciado há mais de quarenta anos, quando o SESC (Serviço Social do
Comércio), instituição bem conceituada e de alcance nacional, sensibilizou-se com a
causa dos velhinhos, ao conhecer, em intercâmbio com a Université du Troisième
Age, localizada na cidade de Toulouse, na França, as atividades que ali eram
desenvolvidas referentes às questões da terceira idade, incluindo a saúde física,
mental e social. (NUNES, 2001, p.1-2)
A universidade da terceira idade da França foi fundada em 1973, por
Pierre Valles, que acreditava que as dificuldades decorrentes da idade poderiam ser
compensadas através da inserção social dos longevos em programas que
promovessem novas possibilidades de vida, inserindo-os em atividades físicas,
culturais e de ações preventivas de saúde.
Seguindo a filosofia de Valles, o trabalho social com idosos,
desenvolvido pelo SESC de São Paulo, começou a delinear-se, quando o Brasil
ainda era reconhecido como um país de jovem, nos anos 60. Foi formado um
pequeno grupo de aposentados do comércio, denominado "Carlos Malatesta", na
unidade do SESC Carmo, na capital paulista. Esse grupo realizava comemorações
de aniversários, bailes, festas de diferentes naturezas e jogos de salão. Era um
espaço de convivência, para que o idoso pudesse enfrentar a marginalização e
tivesse a oportunidade de estabelecer vínculos de amizade, compartilhando
17
preocupações, angústias, sonhos e desejos com aqueles que viviam problemáticas
semelhantes.
Essa ação pioneira transformou-se em um marco importantíssimo
para tantas outras que ainda estavam por vir. Observou-se, entretanto, na
composição desses grupos, algo inusitado: a adesão essencialmente definida pelo
gênero masculino. Contudo, essa realidade aos poucos se transformaria a partir do
momento em que as esposas dos participantes fossem a ele incorporando-se e,
hoje, como ocorre em todos os demais núcleos de Terceira Idade do país, as
mulheres representam ampla maioria. (NUNES, 2001)
Esses grupos transformaram o conceito e a visibilidade social da
velhice, assim como a idéia de política pública de assistência, já que naquela época,
as poucas ações sociais voltadas para o atendimento a essa demanda tinham
conotação assistencialista e serviam somente para suprir algumas carências
básicas, como forma de minorar o sofrimento decorrente da miséria e da doença.
Essa forma de assistência confundia-se sempre com caridade e, na maioria das
vezes, efetivava-se por meio de instituições asilares, mantidas pelo Estado ou por
congregações religiosas, com a finalidade exclusiva de garantir a sobrevivência
física do idoso.
Neste contexto, ainda perseverava a idéia de que a velhice era uma
etapa de declínio e que apenas ões paliativas teriam importância neste processo
da vida. Não se integravam a essas ações alternativas de convivência e participação
para o idoso saudável física e mentalmente. Essa forma de assistencialismo tinha
um caráter estritamente paliativo ou curativo, mas nunca preventivo. Assim, a
ausência de políticas governamentais a fim de melhorar a qualidade de vida dos
idosos, e as precárias condições culturais em prol de um envelhecimento sadio
corroboraram para a marginalização dos longevos, expondo-os a sentimentos de
solidão, insegurança e outros problemas psíquicos.
A partir desse primeiro trabalho, notou-se o surgimento, na década
de 80, de novas propostas promovidas ainda pelo SESC, direcionadas a essa
parcela da população, como a criação de escolas abertas para a terceira idade, cujo
objetivo era de atualização dos idosos para que eles estivessem preparados para
acompanhar as transformações políticas, econômicas e culturais da sociedade no
século XXI. Hoje, nessas escolas, existem até mesmo cursos de inclusão digital.
18
As escolas abertas do SESC fundamentaram-se na Teoria da
Educação Permanente, que postula o direito, a possibilidade e a necessidade que
tem o ser humano de educar-se ao longo de toda a vida. Essa iniciativa estimulou,
nos anos seguintes, a formação das faculdades abertas para idosos, em inúmeras
instituições privadas e públicas de ensino superior, hoje presentes em todo o Brasil.
Além desses, outros programas com o intuito de integração e
informação dos longevos fizeram parte do cenário da época, como os programas de
preparação para a aposentadoria, os programas de atividades físicas para idosos,
assim como os congressos e seminários técnicos que têm incentivado a pesquisa e
a reflexão sobre a prática cotidiana.
Tais movimentos ganharam força com a promulgação da nova
Constituição Federal de 1988, que visava a garantir a segurança, o bem-estar, a
educação, a cultura, o lazer e a saúde dos idosos, em suma, os seus direitos, além
da responsabilização das famílias no cuidado e bem-estar do parente idoso. Como
salientado no artigo 229:
(...) os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na
velhice, carência ou enfermidade. (ROCHA, 2003)
Tais eventos ajudaram na formação de lideranças que hoje
compõem os conselhos municipais e estaduais de idosos, além do Conselho
Nacional dos Direitos do Idoso e de outras instituições de defesa da cidadania,
assim como a elaboração do estatuto do idoso que surgiu para regulamentar os
princípios já garantidos pela Constituição de 88.
Deste modo, de todas as iniciativas aqui apresentadas, outra se
destaca como uma das principais formas de visibilidade e divulgação do universo da
terceira idade: a revista A Terceira Idade, editada desde 1988. É uma das
primeiras e principais publicações brasileiras do gênero, tornando-se um importante
espaço para divulgação de investigações gerontológicas e é também referência
nacional como fonte de consulta para trabalhos no campo do envelhecimento.
Atualmente, está estruturada em duas seções: a primeira abrange artigos teóricos,
pesquisas e relatos de experiências; a segunda é reservada a entrevistas com
personalidades idosas que obtiveram notoriedade nos mais variados campos do
19
conhecimento, como ciências, artes, filosofia ou religião. Quadrimestral e com uma
tiragem de 2500 exemplares, esse periódico é distribuído para bibliotecas de
instituições sociais, culturais, universidades e órgãos de governo
1
.
O trabalho social desenvolvido pelo SESC frente à causa dos
idosos estimulou diretamente muitos benefícios aos longevos e indiretamente
incitou diversificadas instituições com as mais diferentes filosofias e idealizações a
aliarem-se à mesma causa.
Neste contexto, constatou-se a estruturação das UNATIs
(Universidade Aberta à Terceira Idade), fruto do engajamento das Universidades
que, sensibilizadas e refletindo sobre a problemática dos longevos, demarcaram
seu papel social. Cita-se aqui a inserção neste movimento das principais
universidades de nosso país, sendo elas: PUC- Campinas, USP, UERJ e UNESP.
A aproximação das referidas universidades com o universo do idoso
iniciou-se na década de 80, quando começaram a surgir os núcleos de estudos
sobre a temática dos idosos. Dessa forma, cada universidade engajou-se
efetivamente à causa propondo atividades de inserção dos longevos em seu entorno
em épocas diferentes. Inclui-se, a partir da década de 90, a PUC-Campinas que,
embasada pela proposta pedagógica do professor Paulo Freire, que preconizava
que o acesso à educação permanente era direito do cidadão idoso, implantou sua
Universidade da Terceira Idade. (NUNES, 2001, p. 2)
Já a UNATI-UERJ abriu suas portas aos idosos dando início às suas
atividades em agosto de 1993, influenciada pela filosofia de Pierre Valles, a qual
inicialmente embasou os trabalhos do SESC, e, conseqüentemente, todas as outras
ações que deram visibilidade aos longevos.
Somadas a essas ações, freqüentes iniciativas de investigação
científica sobre a temática do envelhecimento passaram a fazer parte do cotidiano
das sociedades.
1
Extraído do site: http://www.rcisystem.com/programa.htm em 2 nov 2007
20
1.1 Imagens e estereótipos da velhice
Sobre o envelhecimento, Hayflick (2000, p. 3) afirma: uma das
primeiras constatações que se faz na infância é que a maioria das coisas que se vê
ou que se conhece, inclusive seres humanos, animais e objetos inanimados,
deteriora-se com o passar do tempo.
Frente a esse fato, variadas interpretações surgem: pessoas que
encaram o envelhecimento como algo natural no processo de evolução humana,
aceitando-o e familiarizando-se com ele, lidando com esta etapa da vida de uma
maneira tranqüila e salutar. Outros mantêm uma visão negativa deste processo,
determinam prorrogar ou eliminar as marcas causadas pela passagem do tempo,
como por meio das suntuosas cirurgias plásticas, que muitas vezes acabam por
desfigurar a imagem e até mesmo a essência das pessoas. Outros, ainda, sentem-
se mais belos, desejáveis e bem dispostos ao aceitarem os sinais do
envelhecimento como uma marca de vivências e longevidade.
Neste contexto, Paulo Autran em entrevista concedida, via o
envelhecimento da maneira mais positiva e retratou bem essa visão (VILLELA,
2003). Quando questionado sobre a longevidade, aquele respondeu:
[...] eu só conheço uma maneira de viver mais: envelhecendo. Então
eu quero ficar cada vez mais velho porque eu gosto muito de viver,
(...) eu não sinto minha idade interiormente. O que eu sinto são as
limitações da idade. (...) Deus é muito bom com a idade, ele nos vai
dando contenções na pele, rugas, mas, ao mesmo tempo, ele tira a
nossa visão, então a gente se olha no espelho mas não vê, não
enxerga.
A postura revelada diante da vida e da terceira idade determinará
em grande parte a entrada no processo de senescência, caracterizado pelo período
da vida em que o declínio é lento e gradual, ou seja, é o envelhecimento normal e
saudável; ou de senilidade, termo denominado para designar o envelhecimento
patológico, no qual o declínio físico é acentuado e muitas vezes acompanhado de
desorganização mental. (VIEIRA, 1996)
21
Nos dois processos de envelhecimento, incluem-se diferenças
individuais significativas: na estrutura biológica, no emocional e no contexto social
que circunda o indivíduo.
A terceira idade dar-se-á de forma saudável ou patológica,
dependendo do nível motivacional que o indivíduo longevo conseguir manter durante
sua vida. Estão inclusos nesse universo as relações referentes ao trabalho, ao lazer,
aos relacionamentos afetivos e à própria visão de si e do mundo.
Entretanto, há alguns fatores que independem das ações e desejos
dos longevos, mas que exercem grande influência no processo de subjetivação
destes, como: perda da função social, que está intrinsecamente relacionada ao
sentimento de pertencimento e produtividade; atitudes desfavoráveis da sociedade
para com o idoso, colocando-o na condição de pessoa ultrapassada cujas idéias são
obsoletas, muito aquém de seu tempo; e os estereótipos da terceira idade, rótulos
que segregam e fazem muitas vezes os idosos sentirem-se diferentes e inferiores.
Tais estereótipos advêm de fontes que, devido à sua importância na
constituição do processo identitário, legitimam a segregação e a visão distorcida da
velhice como: o folclore, os contos de fadas e a própria pesquisa científica.
No folclore e nos contos de fadas, a velhice geralmente faz interface
com a crueldade, maldade e perversidade ao representarem suas vilãs com
características e traços pertencentes ao envelhecimento, como: cabelos brancos,
pele enrugada, orelhas grandes e nariz alongado. E por incrível que pareça, a
pesquisa científica também corrobora nesse sentido, principalmente pelo fato de
seus estudos advirem prioritariamente de idosos institucionalizados. (VIEIRA, 1996)
Andrade Filho (2006, p. 7) enfatiza em seu livro Saúde na terceira
idade: ser jovem é uma questão de postura que:
(...) a terceira idade não deve ser vista como triste decadência
penosa. (...) uma fase oportuna para uma decisiva guinada no rumo
da ascensão. (...) fase mais propícia para escapar do vale e galgar o
alto da montanha, para uma verdadeira superação humana.
Para o autor, o idoso encontra-se em uma fase perfeita por muitos
benefícios, basta apenas que ele se dê conta deles. Ao reconhecer a ventura desse
processo, irá perceber que está em um momento ímpar de sua existência, pois pode
22
contar com sua vasta experiência e resignação para enfrentar a complexidade da
vida, além de contar com uma maior liberdade e tempo advindos de seu processo de
aposentadoria, adjetivos faltantes na realidade de pessoas que estão em plena
atividade, correndo atrás de reconhecimento profissional e pessoal, como os mais
jovens. (ANDRADE FILHO, 2006, p. 7)
Apesar de contar com todos esses benefícios a seu favor, o idoso é
vítima, na maioria das vezes, de preconceitos totalmente infundados. Para
exemplificar essa conduta extremamente limitante, cita-se a temática da
sexualidade, que muitos pensam nem existir nessa fase da vida. Este tema, por sua
vez, será aprofundado mais adiante neste trabalho.
Aquino et al. (2003) postula que a maioria dos estudos relacionados
à terceira idade são provenientes da gerontologia.
O enfoque de estudo da gerontologia está voltado para o processo
do envelhecimento onde são incluídos os aspectos sociais, ambientais e culturais,
considerando a senescência um fenômeno biopsicossocial. Este estudo diferencia-
se da geriatria que atua exaustivamente sobre as doenças da velhice e de seus
tratamentos a fim de prolongar o máximo possível a expectativa de vida do longevo.
No prisma da gerontologia faz-se importante considerar a saúde psíquica e
emocional do indivíduo que envelhece, pois ela está intrinsecamente ligada à saúde
fisiológica. O interesse da gerontologia visa à compreensão do envelhecimento a
partir de seus aspectos saudáveis, contrariando as teorias que vêem o processo de
envelhecimento como uma sucessão de doenças e declínios, atuando de forma a
amenizar quadros patológicos.
Os idosos terão que enfrentar ainda vários desafios à frente,
principalmente enquanto não forem respeitados como pessoas que têm muito a
ensinar e a transmitir para as novas gerações e, sobretudo, enquanto forem vistos
como um amontoado de patologias e reclamações, esperando apenas a finitude de
sua existência.
Essa triste condição apresentada por muitos de nossos longevos
acaba por levá-los a quadros significativos de depressão.
23
Stoppe Júnior (2002, p.36) faz a seguinte referência:
Estudos realizados entre a população geral apontam uma prevalência
por volta de 15% de sintomas depressivos (e 1% de depressão maior).
Por outro lado, pesquisas realizadas em instituições revelam taxas de
prevalência significativamente mais altas: 10% a 30% de pessoas com
sintomas depressivos e 5% a 12% sofrendo de depressão maior; em
idosos com doenças físicas, esse número aumenta ainda mais: 30% a
50% apresentam quadros depressivos.
Diversas situações levam o indivíduo da terceira idade a encontrar-
se em condições desfavoráveis como a depressão, sendo algumas delas:
aposentadoria, ociosidade, sentimento de desvalia, desatualização, a chegada da
menopausa nas mulheres etc. Outro drama decorrente dessa faixa etária é o
suicídio. Para Corrêa (1996, p.126), a depressão é a principal responsável pelo
abandono da vida, mais de 80%.
Contudo, segundo BARRILLI (2002, p. 119):
A realidade tem mostrado que freq
üentemente alguns profissionais,
à medida que se aproximam de uma definição quanto à
aposentadoria, questão esta que parecia tão simples, passa a
provocar um comportamento de ambivalência. À primeira vista, na
sua aposentadoria um ganho fundamental, a disponibilidade de tempo
para empreender realizações as quais não teve oportunidade de
executar no decorrer de sua vida profissional. Nessa época poderão
ser idealizadas atividades prazerosas de acordo com a aptidão de
cada um, a sensação de liberdade que é fortemente desejada, pois
não terá mais a obrigatoriedade do cumprimento de horários rígidos,
prazos e outras imposições, que ao longo de sua vida teve sempre
que atender. Nesse contexto, a aposentadoria passa a ser um
momento de realizações, de mudança concreta e real na vida dos
sujeitos. Caracterizando a interrupção ou modificação de certo ritmo
de vida mantido durante muitos anos. Assim, o tempo livre de que
dispõe o sujeito no momento da aposentadoria pode então ser
direcionado para atividades (profissionais ou não) que sempre
programou desenvolver.
(Grifo Nosso)
Ainda conforme a autora (2002, p. 122-123), o que é imaginado como
grande vantagem que a aposentadoria pode trazer ao indivíduo, que é a
disponibilidade de tempo, para o inativo torna-se um verdadeiro dilema: o que fazer
com o tempo livre? Na sociedade em que vivemos não há mentalidade nem
24
preparação para aquilo que denominamos pós-trabalho. O que se coloca como
emancipação individual apresenta-se como um engodo. Os transtornos ocasionados
pela sensação de inatividade geram dolorosos conflitos na mente do velho.
Preparar-se para um novo momento na vida humana, numa sociedade que concede
valor à correria e ao stress do trabalho, torna-se uma inquietação permanente.
Defronte à realidade exposta, pode-se dizer que ser idoso talvez seja
uma das vivências mais complexas de toda a existência humana e quem passa por
ela salutarmente poderá ser considerado um herói.
Felizmente, esses heróis existem e estão por aí, como sugere Pivetta
(2003, p. 4), em artigo da revista Pesquisa Fapesp. Ele afirma que muitos idosos
estão assumindo uma outra realidade, visando a uma postura mais positivista e
humanizada da terceira idade. Além disso, para ele, a constante criação de
estruturas que contemplam variadas atividades está trazendo ao idoso
conhecimento e interação social. Tais como as creches da terceira idade e centros
de convivência do idoso.
(...) se a velhice não está incumbida das mesmas tarefas que a
juventude, seguramente ela faz mais e melhor. Não são nem a força,
nem a agilidade física, nem a rapidez que autorizam as grandes
façanhas; são outras qualidades, como sabedoria, a clarividência, o
discernimento. Qualidades das quais a velhice não não está
privada, mas ao contrário, pode muito especialmente se valer
(CÍCERO, 2007, p. 18).
Com estas palavras, Cícero, romano que viveu em 103-43 a.C.,
traduz sua compreensão de terceira idade.
Como vimos, o universo da terceira idade é uma temática bastante
complexa, perfeita ainda por variados mitos e tabus, mas em processo de crescente
ascensão. O recorte de gênero neste trabalho sugere a discussão das
transformações ocorridas essencialmente no universo feminino, pois -se, com a
enunciação do envelhecimento, um poderoso processo de reformulações e re-
significações a partir da abertura de novas possibilidades, rompendo com o
movimento há tempos instaurado de dominação unilateral e de invisibilidade.
Assim, é sobre essa complexidade que o trabalho se propõe: levar-
nos à compreensão dessa etapa da vida tão enigmática e polêmica.
25
2 A FEMINILIDADE NO CONTEMPORÂNEO
2.1 As mudanças no papel da mulher
A mulher sempre foi alvo de apontamentos e julgamentos morais.
Ora era vista e tratada como santa, ora eleita como bruxa, sendo banida e
amaldiçoada; em alguns momentos, era rotulada como o ser que levaria à perdição
e em outros, à salvação. Tais formas de visibilidade do universo feminino sempre
estiveram atreladas às conveniências e interesses de diferentes épocas.
Nos tempos da Inquisição, criou-se a categoria das bruxas. Em
outras épocas, cultivou-se a categoria da dama puríssima, a quem
os homens deveriam dedicar amor, mas não um amor carnal,
animalesco, e sim um amor romântico, amor pela deusa, adorada e
casta. (...) Isto também reforçou imensamente nos homens a
tendência de pensar as mulheres ou como santas ou como prostitutas
(VEIGA, 1997 apud BAMPI, 2001, p. 2). (Grifo nosso)
Para melhor compreensão do destino, por vezes cruel, da posição
feminina, recorremo-nos à teoria do Complexo de Édipo de Freud, que propunha
explicar a diferenciação entre os gêneros.
Nela, Freud (1925 apud JORGE, 2005, p 48-49) explicava a diferença
entre o masculino e feminino, através dos processos de identificação.
(...) A mãe identificada como objeto de desejo do homem, seu marido,
e com a maternidade, será objeto primário de identificação das
meninas, assim como o pai, identificado com o sujeito de desejo e
com o ambiente exterior ao Lar, será objeto primordial de identificação
dos meninos. (...) a teoria freudiana ensejou-nos compreender os
mecanismos de identificação que permitirão a construção da
identidade feminina e masculina com base na vivência do conflito
edípico, a partir da entrada do pai na relação dual da criança com sua
mãe, e do rompimento da simbiose mãe-filho, da introdução da
castração e da falta, e permitiu à criança a sua identificação de
gênero.
26
Algumas reformulações, porém, ocorreram na compreensão da
constituição dos gêneros, alterando a forma de se olhar tanto para o feminino,
quanto para o masculino:
[...] ninguém nasce homem ou mulher, mas nascem seres humanos
com características sexuais femininas ou masculinas. O tornar-se
homem ou mulher, com os atributos que identificam cada gênero é um
processo que acontece no decorrer da história do sujeito no mundo
onde vive.
(JORGE, 2005, p 49
)
Freud (1925, apud JORGE, 2005, p. 49) defendia que a feminilidade
se constituía a partir do referencial materno. É neste espaço que, segundo o autor, a
mulher se afirma.
Entretanto, esse referencial identificatório constitui-se na forma mais
marcante da ascendência masculina em relação à mulher. A subjetividade da mulher
e por conseqüência, suas práticas, eram definidas por sua função reprodutora.
(...) ser mãe e ser mulher constituíam seres diferentes, pois a figura da
mulher foi construída em torno do ideal da maternidade. Com isso, ser
mãe e ser mulher era o oposto da figura da mãe. A sensualidade
presente no gozo feminino passou a ser encarada como um obstáculo
à assunção da maternidade e à experiência da gestação. (BIRMAN,
1999, p.86)
Neste processo, a mulher teve de renunciar à sua feminilidade,
incluindo seus desejos e vontades, para dar espaço à maternidade.
Entretanto, as mulheres que se mantivessem fiéis aos seus desejos e
se opusessem a tais normas, passariam a ser nomeadas prostitutas. Como salienta
Birman (1999, p. 87-88):
(...) a mulher sensual que mantivesse ainda o atributo feminino da
sedução e do erotismo passaria a ser representada pela figura da
prostituta. Enquanto representação máxima e eloqüente da
sensualidade e do feminino, ela seria o oposto da figura da mãe e da
devoção ao outro, marcada que seria para sempre pelos traços do
egoísmo, da infidelidade e da ausência de castidade. (...) a prostituta
seria a materialização da inexistência de qualquer decência na
mulher, a indecência feita carne, indicando, pois a decadência
feminina por excelência, na medida mesma em que a maternidade
estaria ausente do seu horizonte existencial (Grifo nosso).
27
A prostituta passou a ser um estereótipo importante para a
sociedade, circunscrevendo-se numa função social bastante delineada, uma
alternativa para a satisfação dos desejos carnais dos chefes de família a fim da
manutenção da ordem e dos bons costumes no interior da estrutura familiar
patriarcal e do lar doce lar.
A figura da prostituta seria a condição necessária para a produção da
figura da maternidade, sem a qual esta seria algo da ordem do
impossível. (...) a descontinuidade existente entre essas duas figuras
e a sua enunciação como sendo literalmente os opostos na
representação social, a mãe e a prostituta são as duas faces da
mesma moeda, a dupla face da mesma mundanidade construída
sistematicamente ao longo do século XIX. (BIRMAN, 1999, p.89)
Assim, os papéis destinados à esposa, ignoravam seus desejos e
necessidades, aspectos constituintes de seu processo de subjetivação. Moderação,
freio dos sentidos, controle da carne, era o que se esperava da mulher, pois o ato
sexual não se destinava ao prazer, mas à procriação de filhos. (ARAÚJO, 2001
apud MORO, 2002, p.19) (Grifo nosso)
Esses papéis tão arraigados ao universo feminino trouxeram muitos
danos à mulher, camuflando seus potenciais em prol da servidão integral à família, a
casa e ao marido. Essa benevolência subserviente constitui-se ranço de uma
educação repressora de uma sociedade paternalista, onde o poder e a razão eram
sinônimos da figura masculina.
Para a mulher então, restava a realização através de um processo
projetivo às conquistas dos filhos e do marido.
Os estigmas de dona de casa, mãe e esposa fiel foram atrelados a
ela por duradouros anos.
(...) por tradição histórica, a mulher teve a sua vida atrelada à família,
o que lhe dava a obrigação de submeter-se ao domínio do homem,
seja seu pai ou esposo. Sua identidade foi sendo construída em torno
do casamento, da maternidade, da vida privado-doméstica e da
natureza à qual foi ligada. (NADER, 1997 apud MORO, 2002, p.17)
28
Outro estereótipo, talvez o principal, que assombrava as mulheres,
limitando-as e cerceando-as, era a ascensão masculina à feminina.
(...) a cren
ça numa inferioridade intelectual e emocional, crença esta
que possibilitava a manutenção da ordem e legitimava a superioridade
do homem sobre a mulher, que ele mesmo havia estabelecido,
conservando-a subjugada aos costumes e vontades masculinos.
(MORO, 2002, p.18)
Com o intuito apenas de ilustração dessa visão de subserviência, de
dominação unilateral e de preconceitos relacionados à condição de mulher, que
persistem em assombrá-las, cita-se o relato de Jamila, ao ser entrevistada por
Harriet Logan, uma premiada fotógrafa inglesa que esteve no Afeganistão em pleno
regime repressor do Taleban: Quero um homem que saiba quem eu sou realmente
e o que espero da vida, alguém que me deixe fazer o que quiser, que não me proíba
de fazer as coisas, que me trate como uma amiga e com igualdade. (LOGAN, 2006,
p.12)
A condição de superioridade da figura masculina à feminina era tão
enraizada no imaginário da sociedade que no início da era cristã o discurso de que a
mulher era um homem imperfeito, se fazia presente.
(...) uma mulher poderia vir a ser um homem caso tivesse aumentada
a intensidade de seu calor, conforme a célebre teoria dos humores da
antiguidade. Porém, um homem não poderia ser transformado em
mulher, pois aquele seria a materialização da perfeição sexual. Com
isso o imperfeito poderia vir a ser perfeito diante do aumento corpóreo,
transformando então a mulher em homem, mas a solução contrária
seria impensável na ordem cósmica da hierarquia entre os seres.
(BIRMAN, 1999, p.86)
Segundo Birman (1999, p. 80-81), a figura da mulher fatal construída
no imaginário social em referência à feminilidade surge como um acerto de contas
contra todas as atrocidades por elas vivenciadas em nome da superioridade
masculina:
29
(...) a figura da mulher fatal é uma antiga personagem de nosso
imaginário social sobre a feminilidade que nos obcecou durante
séculos. (...) nesse contexto, a intenção da musa era de se vingar da
condição subalterna que a definia de forma aprisionante no campo
social. (...) não lhe interessava absolutamente a relação amorosa e
sexual que pudesse resultar como desenlace maior, da cena de
sedução. (...) após o gesto mortal da sedução, o homem seria
descartado e desprezado, deixado de lado como um bobo.
Ainda conforme Birman (1999, p. 80-81), havia neste contexto uma
inversão de papéis, a incorporação da atitude de caça que antes era destinada e
internalizada pelo homem passa a fazer parte da subjetividade feminina.
(...) a mulher se valia agora, pois, nessa cena privilegiada, das armas
masculinas capturantes para ludibriar o machismo orgulhoso, os
homens. (...) essa figura feminina era a materialização de uma
mulher-macho, uma espécie de paraíba mulher-macho marcada,
pois, de fio a pavio, pelo ideal fálico, pela ânsia de poder e de
domínio, em que o travestismo pela pseudo-virilidade seria o valor
supremo no mercado do amor.
Apesar da aparente versatilidade da figura feminina, de
desempenhar diferenciados papéis, um lhe era preponderante: o de coadjuvante e
subjugada, papéis estes que as acompanharam por tempos a fio.
Assim, um questionamento torna-se presente: Como se apresenta a
mulher contemporânea? Será que ainda é preponderante o relegar a si, em seu
universo, em favorecimento ao poder masculino?
A desvalorização da mulher, segundo Green (2000), ainda é uma das
mais fortes tendências do pensamento ocidental; apesar da luta constante em tornar
esta uma sociedade mais justa e igualitária, presencia-se, arraigado no inconsciente
da maioria das pessoas, a crença de que as mulheres devem desempenhar papéis
diferentes ou subservientes.
De acordo com as palavras de Kristeva (2007, p. 313), esse gosto
pelo serviço e pela submissão beira à escravidão e ao masoquismo.
No Brasil, segundo Green (2000, p. 252), o papel de superioridade e
poder destinados ao homem, em detrimento da visão estigmatizada da figura
feminina caracterizada por sua inferioridade e subserviência, passou a ser
30
reformulado a partir do século XX. Neste momento, movimentos surgiram
objetivando a reconstrução dos papéis de gênero.
Após a Revolução Feminina que veio problematizar padrões de
comportamentos e dar visibilidade à questão da mulher, um afrouxamento na rigidez
dos papéis de gênero concretizou-se, viu-se surgir uma nova mulher, ciente de seus
direitos, fazendo escolhas e exigindo igualdade e respeito: sabemos que o
feminismo, nas suas demandas políticas, foi bem-sucedido nas suas propostas,
entreabrindo um outro horizonte de possibilidades para as mulheres nas últimas
décadas deste século. (Birman, 1999, p. 80)
Hoje as mulheres não precisam mais recorrer à batalha contra os
homens, mas os vêem em de igualdade, companheiros para compartilharem as
conquistas e os fracassos, não inimigos com quem precisa guerrear para ganhar
espaço.
Birman (1999, p.83) discorre bem sobre essa realidade ao
considerar que:
(...) o poder ser sensual e sedutora não implica mais agora as
artimanhas do aprisionamento da figura do homem pela mulher, em
que esta não opera, na cena do sexual, movida pelos gestos ferinos e
pela ferocidade aniquilante do rival. (...) o homem não é mais o rival
da mulher, o seu inimigo a quem se deve fazer votos de ódio e de
quem ela quer se vingar por sua arrogância. (...) a figura do homem
passa a ser, sobretudo, um companheiro.
As mulheres não se submetem mais às imposições e nem tampouco
assumem papéis que contrariam seus desejos e ideais. As contemporâneas não
se satisfazem mais com sua vida limitada apenas às paredes do seu Doce Lar e da
rotina e tédio de dona de casa. A mulher saiu da proteção do lar e foi buscar fora
deste, algo que pudesse preencher sua vida e dar-lhe um outro sentido. (MORO,
2002, p.19)
Esse movimento de libertação e re-significação do ser mulher foi
percebido com sua inserção no mercado de trabalho, com as novas formas de
organização familiar e econômica. Esta nova organização contribuiu para que a
mulher fosse trabalhar fora de casa, pois necessitava ajudar o companheiro no
sustento da família, pois o marido sozinho já não conseguia prover a família. Em
31
meio a essas transformações, a mulher conseguiu pôr em evidência seus direitos e
conquistar seu espaço. È importante ressaltar que esse movimento não foi recebido
pelos homens sem resistência. Assim, o território antes destinado primordialmente à
mulher, limitado às paredes da residência familiar, expandiu-se.
Neste contexto, é necessário fazer alusão às bravas mulheres que
conseguiram romper barreiras e conquistar seu espaço como: Simone de Beauvoir,
Olga Benário Prestes etc. E para referenciar em poesia a coragem destas e de
tantas outras que sobreviveram aos preconceitos e mostraram que são muito mais
que apenas sombra de um homem, cita-se Chico Buarque de Holanda, no trecho de
sua música intitulada Angélica, que homenageia uma mulher brasileira que
enfrentou a coação, o medo e as represálias da ditadura militar em busca do
paradeiro de seu filho:
Quem é essa mulher
que canta sempre esse estribilho,
s
ó queria embalar meu filho,
que mora na escurid
ão do mar,
quem
é essa mulher
que canta sempre esse lamento,
s
ó queria lembrar o tormento
que fez o meu filho suspirar,
quem
é essa mulher
que canta sempre o mesmo arranjo
s
ó queria agasalhar meu anjo,
para deixar seu corpo descansar... (BUARQUE, 2005)
A instituição familiar, neste ínterim, foi reformulada, passando por
diversas mudanças quanto à sua organização. A família patriarcal estruturada pelo
líder - o patriarca, sua fiel companheira e sua prole - já não perfaz mais a realidade
de nossa contemporaneidade.
Symansk (2001) destaca diversos tipos de modelos de composições
familiares de nossa atualidade, dentre elas estão: a família nuclear, incluindo duas
gerações com filhos biológicos; família extensa, incluindo três ou quatro gerações;
famílias adotivas temporárias; famílias adotivas que podem ser bi-raciais ou
multiculturais; casais; famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; casais
homossexuais com ou sem crianças; famílias reconstituídas depois do divórcio etc.
32
Essas outras formas de organização da família vieram sobrepujar a
estruturação tradicional corroborando para que a mulher tivesse seu espaço e
papéis re-significados.
Em meio a estas transformações, muitas delas passaram a ocupar o
lugar de provedoras do lar, rompendo com alguns estigmas, como o de rainha do
lar que neste contexto ganhou nova conotação. A rainha do lar, então, deixa de
ser a administradora subalterna ao poder masculino ou, na melhor das hipóteses, a
governanta não remunerada, e ganha poder de decisão e autonomia, muitas vezes
assumindo a direção da casa, ao sustentá-la, enquanto seus maridos tomam conta
do lar e dos filhos.
(...) se antes o espaço doméstico era tido como naturalmente feminino
e a mulher sustentada pelo homem, agora são as mulheres que detêm
grande parte do controle sobre os recursos familiares e desempenham
um papel fundamental na vida econômica da família. (...) o tratamento
dado ao trabalho fora de casa passou a ser para a mulher o sinal
concreto de sua emancipação. (NADER, 1997 apud MORO, 2002,
p.20)
As mudanças no universo feminino, apesar de significativas,
apresentam-se apenas como um esboço das iminentes transformações deste novo
milênio, pois o engajamento, a luta por seus direitos e a perseverança passaram a
fazer parte do processo de subjetivação característico da mulher contemporânea,
vindo a repercutir na mulher senescente moderna que cada vez mais se mostra
engajada no processo de reformulação de sua condição de mulher.
2.2 A Feminilidade na terceira idade
O final do século XX e início deste XXI caracterizaram-se pela
ocorrência de grandes transformações na sociedade e conquistas do universo
feminino.
33
As mulheres hoje, pertencentes à terceira idade, cresceram e se
educaram em meio às normas e aos padrões gidos de comportamento que as
cercearam e reduziram suas práticas ao meio familiar e doméstico.
Frente a tal cultura, não vislumbravam muitas perspectivas para seu
futuro, a não ser ceder às normas estabelecidas em sua época, salvo as que não se
importavam em serem apontadas nas ruas e insultadas como mulheres de vida
promíscua. Assim, aceitavam seu previsível destino, entregando sua mocidade aos
afazeres domésticos e almejando tornarem-se moças prendadas, preparadas para
casar e dedicar-se aos cuidados do marido e dos filhos.
Tais modelos de conduta nos remetem aos referenciais constituintes
da identidade feminina descritos anteriormente neste trabalho, os quais postulam
que a feminilidade se afirmava através da maternidade e do desejo de ser amada.
Como afirma Jorge (2005, p.49), entretanto, no processo de
envelhecimento, tais referenciais identificatórios não se encontram mais tão
presentes e fundamentais, pois os filhos já estão crescidos e constituindo suas
próprias vidas. Além do mais, com o surgimento esperado de processos deletérios,
característicos da própria senescência, a mulher não se sente tão desejada como
outrora.
(...) as questões de gênero são bastante difundidas e discutidas na
faixa etária na qual, homens e mulheres encontram-se no período
reprodutivo, momento no qual se estabelecem as relações
matrimoniais e nascem os filhos. (...) são mais perceptíveis os
diferentes papéis e valores estabelecidos para a identidade feminina e
masculina. já na velhice ocorre um obscurecimento da sexualidade e
uma certa negação das questões de gênero, que mascaram tanto as
perdas como os ganhos trazido pelo envelhecimento. (FIGUEIREDO
et al., 2007, p.426)
Diante de tal contexto, a longeva precisa se conectar a outros modos
de subjetivação que lhe tragam prazer e satisfação e que a levem a re-significação
de sua feminilidade para dar continuidade à sua jornada.
34
(...) no sentido de romper com os padrões e valores determinados
para homens e mulheres na sociedade, as mulheres estão sempre
surpreendendo, pois buscam mais informações e participam em
diferentes espaços blicos, desenvolvendo relações interpessoais e
incorporando conhecimentos que são fundamentais para seu
aprendizado. (FIGUEIREDO et al., 2007, p.426)
Ecléa Bosi, em 1995, em seu livro Memória e Sociedade: lembrança
de velhos também versa sobre a necessidade da mulher longeva engajar-se a
processos que promovam reflexões e transformações.
(...) durante a velhice deveríamos estar ainda engajados em causas
que nos transcendem, que não envelhecem, e que dão significado a
nossos gestos cotidianos. Talvez seja esse um remédio contra os
danos do tempo. (BOSI, 1995, p. 80)
Essa re-significação inicia-se com o rompimento dos estereótipos
voltados ao processo de envelhecimento feminino. Não cabe mais a personificação
da mulher idosa com um coque no alto da cabeça, fazendo crochê ou tricô, na
cadeira de balanço, na varanda de sua casa. Hoje, a mulher sexagenária mostra-se
ativa e cheia de planos para o futuro, atrevendo-se a dançar nos bailes da terceira
idade, a viajar com grupos de amigas, a paquerar e até mesmo a arriscar-se num
relacionamento efêmero e sem compromissos.
A terminologia vovó, não lhe define ou agrada, mas, limita-a e a
estereotipa, pois a mulher contemporânea da terceira idade não se sente mais
obrigada a desempenhar papéis antes impostos a ela e que a contrariavam, em prol
de sua aceitação ou cumprimento de padrões sociais. Assim, não perde o baile da
terceira idade para cuidar dos netos, enquanto seus filhos se divertem, como fazia
antes; sente-se mais liberta das amarras que por tantos os anos a imobilizaram. A
flexibilidade passa a fazer parte de seu cotidiano, podendo ser mãe e avó zelosa,
mas também uma mulher madura ativa e atraente, que seduz e cativa.
35
(...) o homem que envelhece passa a ter o seu dia-a-dia no espaço
privado, perdendo assim o poder característico do homem adulto
jovem quem tem no espaço público sua autuação cotidiana; isto
representa, portanto, perda de poder, que tem repercussões
significativas na imagem de autonomia, de liberdade e de poder vivida
pela maioria dos homens, ao contrário do que ocorre com as mulheres
que hoje têm 60 anos ou mais, para as quais, a família foi quase
sempre o principal ponto de referência e poucas têm alguma profissão
ou atuam como profissionais. (...) considera-se o envelhecimento, o
momento de suas vidas que coincide com o casamento dos filhos, a
diminuição das obrigações domésticas e de cuidados com filhos
pequenos e/ou adolescentes. (...) com o direito universal de benefício
vitalício da aposentadoria para as mulheres aos 60 anos, passam a ter
um salário mensal que lhes garantem autonomia e independência
econômica para adquirir bens e produtos que até então as colocavam
na dependência econômica do marido e/ou dos filhos. (BARROS,
1998 apud FIGUEIREDO et al., 2007, p. 424-425)
É importante salientar, que as transformações e posicionamentos em
relação ao universo feminino na terceira idade, advêm de uma construção que
demandou tempo e uma forte reformulação de valores e pré-conceitos estabelecidos
e tidos como verdades absolutas durante muito tempo e que acompanharam nossa
sociedade por centenas de anos. Muitas das mesmas mulheres que lutaram para
conquistar seu espaço e direitos nas décadas de 60 e 70, hoje se vêem frente a uma
nova batalha, agora intensificada, pois somados aos estereótipos que perseveram
relacionados à figura feminina, têm que encarar os estigmas relacionados ao
processo de envelhecimento, ainda mais, que advieram de uma época em que a
mulher era vista como ser inferior e necessitava da uma união estável como o
casamento, para ser reconhecida e respeitada, ou seja, dependiam da superioridade
e do poder masculino.
(...) o casamento era inteiramente sinônimo de segurança, de
respeitabilidade e de fecundidade. (...) como era o casamento que lhe
conferia identidade, se não arrumasse um marido, seria relegada à
posição de solteirona, afastada da vida social, cabendo-lhe cuidar dos
velhos pais, dos sobrinhos, ou colocar-se na casa dos outros em
posição subalterna, como empregada ou como professora. (MORO,
2002, p.22)
36
Apesar das dificuldades, a terceira idade surge como uma
oportunidade de resgatar tudo aquilo que sempre desejou e nunca lhe foi permitido,
mas sim cerceado e reprimido.
A sensação de liberdade de tomar as rédeas da própria vida
apresenta-se, pois as mulheres que se encontram hoje na terceira idade, ocupavam
posição inferior, na qual a vontade dos homens prevalecia. Em sua mocidade, era o
pai quem decidia por sua vida, e após o casamento a opinião do marido tornava-se
lei. Esta posição passiva e subjugada intensificava-se quando o marido lhes era
imposto em casamentos arranjados, privando-as do direito de unir-se a quem lhe
interessava. Seus sentimentos e desejos não eram valorizados, nem tampouco
considerados.
(...) as formas de relacionamento foram, portanto, se modificando ao
longo do tempo e um marco importante foi a introdução do amor
romântico nas relações, possibilitando que o casamento não
ocorresse mais apenas por arranjos estranhos à vontade e ao desejo
do casal, mas por escolha própria. (MORO, 2002, p.22)
O universo feminino foi construído mediante alicerces muito
sedimentados na sociedade. Dessa forma, romper com tais estigmas não se mostra
tarefa fácil.
Uma das reformulações mais marcantes da feminilidade na terceira
idade pauta-se no papel maternal. Como dito anteriormente, a maternidade e a
feminilidade por muito tempo foram opositoras. A maternidade, sempre associada a
fatores como doação, servidão e abdicação, não cedia espaço para o que era de
mais primitivo para uma mulher: o desejo e a vontade.
Entretanto, a mulher na terceira idade deixa tais valores de lado e se
lança a uma realidade menos castradora, permitindo-se ouvir a voz de seus desejos
mais íntimos, rompendo com a obrigação de abdicar de sua feminilidade em
detrimento de seu papel de mãe ou de avó.
(...) pela feminilidade, o que está em pauta é uma postura voltada para
o particular, o relativo, e o não-controle sobre as coisas. (BIRMAN,
1999, p.10)
37
A nova forma de se ver a maternidade e feminilidade como sendo
atributos equivalentes e não opositores, como outrora, corroborou para a ascensão
de uma nova forma de expressão da sensualidade e práticas de relacionamento.
Os papéis rígidos destinados às mulheres vêm sofrendo alterações.
Nesse início de século não encontramos apenas uma única forma de representação
do papel feminino. Há variadas formas de subjetivação da mulher: algumas que
priorizam o trabalho, além da posição social; outras abdicam de uma carreira
profissional para cuidar dos filhos e da família; as que se dedicam à jornada
dupla, tentando desempenhar os papéis de mãe cuidadosa e esposa dedicada
concomitantemente ao de profissional competente. O mesmo ocorre com a mulher
na terceira idade. Presenciamos a reformulação da feminilidade e sua representação
das mais variadas formas.
(...) a mulher idosa, agora com mais tempo dispon
ível, com a
segurança do salário mensal e também por ter mais interesse em
aprender e obter informações sobre cuidados preventivos que lhes
garantam uma velhice mais saudável, com mais qualidade de vida,
buscam inserir-se nos diferentes espaços de convivência que se
implantam a cada dia na área social e de educação, espaços esses
criados para atender as demandas crescentes da população idosa,
principalmente de mulheres idosas. (FIGUEIREDO et al., 2007, p.425)
Vêem-se mulheres idosas permitindo-se experienciar novas formas
de relacionamentos, uniões sem compromissos, tampouco sem expectativas futuras,
destinadas apenas à satisfação do desejo de estar junto, objetivando o
compartilhamento de momentos prazerosos sem obrigatoriedades, abdicações ou
camuflagem de suas vontades em prol de uma união estável.
Pesquisas apontam que o número de idosos sexualmente ativos está
aumentando. Conforme o Ministério da Saúde indica (PECORARO, 2003, p. 1), 67%
da população entre 50 e 59 anos de idade informam ser ativos sexualmente. A partir
dos 60 anos, as estatísticas indicam 39% dos longevos com atividade sexual. As
pessoas com idade superior a 50 anos mantêm em média 6,3 relações sexuais
mensais.
Essa nova forma de relacionamento iniciada no final do século XX e
acentuada no início deste século XXI vêm alterar os objetivos subjacentes à união
de um casal.
38
(...) a segurança material não é mais, portanto, a finalidade do
casamento para as mulheres, que conseguem cada vez mais prover
suas necessidades econômicas. O casamento não é mais
considerado como a condição da respeitabilidade feminina.
(BADINTER, 1986 apud MORO, 2002, p. 25)
Entretanto, não é somente quanto aos relacionamentos que as
mulheres mostram-se mais libertas e ousadas. As idosas passaram a sentir-se
fortalecidas para lutarem pelos seus sonhos e ideais ao se perceberem contribuindo
cada vez mais economicamente para o sustento da família, tornando-se chefes de
famílias.
Segundo Néri (2001, p.8), a mulher conquistou esse status
importante em relação ao seu papel de chefe da família com o fenômeno da
feminização da velhice que, somada à sua principal característica, que é a
prevalência da população longeva feminina em relação à masculina, incluiu o fator
econômico.
As pesquisas realizadas pelo IBGE apontam para essa realidade:
(...) As taxas de atividade econômica da população idosa em 1997
eram de 12,2% das mulheres e de 43,5% dos homens (em 1991 a
taxa para as mulheres era 11,4 e em 1981 10,0 %). Em 1997 quarenta
e cinco por cento da população economicamente ativa feminina
trabalhava por conta própria ou era constituída por empregadoras e
29,7% trabalhavam empregadas, 34% das quais para auto-consumo e
60% como domésticas. (CAMARANO et al., 1999 apud NERI, 2001, p.
8)
As mudanças às quais as mulheres se submeteram colocam-na em
intensos conflitos. Se, por um lado, sentem-se felizes ao romperem com tabus que
por tantos anos as cercearam e têm a oportunidade resgatar coisas que antes não
puderam fazer como: uma volta ao piano, à escultura, a escrever, a viajar, a
aprender uma nova língua, a namorar, a se alfabetizar ou a dançar, por outro, o
sentimento de culpa as assombra ao contrariar as expectativas demandadas de uma
sociedade onde seus filhos estão inseridos (BEAUVOIR, 1980). A mulher idosa
39
moderna, que freqüenta festas, viaja, namora, entra em conflito com os estereótipos
da avó dedicada aos filhos e netos, que faz doces e bolos aos finais de semana
quando toda a família está reunida para os tradicionais almoços de domingo.
Moro (2002, p. 27), salienta tal contexto ao discorrer que:
(...) hoje, apesar da liberdade de escolha, ainda se percebe a
manutenção daquele ideal de mulher, prendada, boa dona de casa e
esposa fiel, resultado de uma educação repressora e machista,
gerando muitas vezes conflitos quando ela se vê pressionada a estar
de acordo com este ideal. (Grifo nosso)
Diante dessa visão, as idosas encontram-se conflitantes, sem saber
qual papel exercerem, além do sentimento de inadequação e rejeição que muitas
destas posturas transmitem.
Na análise de dados de uma pesquisa realizada por
Cardoso (2004)
em um núcleo de Geriatria localizado em um hospital de Florianópolis, que
objetivava analisar os sentimentos advindos do processo de envelhecimento em
cada um dos cônjuges de 38 casais que viviam maritalmente, em média há 38 anos,
mostra que apesar dos aparentes conflitos que as mulheres idosas tendem a
vivenciar, a postura de atividade e entusiasmo são características marcantes de seu
processo de envelhecimento, o que as distancia da postura masculina, que se
apresenta com maior inflexibilidade e inatividade frente às limitações e perdas
características da senescência.
Outro fator importante de re-significação da feminilidade na terceira
idade atrela-se ao referencial de padrão de beleza.
Presenciamos dois movimentos: um que preconiza que a beleza
estética tão cobiçada pelas mulheres mais jovens, ganha novo sentido para as
longevas, o de libertação. Assim, as mulheres na terceira idade vêem-se livres para
serem o que realmente são, não sentindo necessidade de mascarar ou disfarçar as
marcas que o tempo acarretou, utilizando os recursos da beleza a fim de forjar sua
essência. Nesta perspectiva, a mulher consegue a autorização para
verdadeiramente ser quem é, com a iminência da terceira idade, pois, já não deve
satisfações, nem ao menos tem o compromisso de tornar-se objeto de desejo, como
em outras etapas de sua vida. Não necessita corresponder às expectativas sociais,
considerando também que a sociedade, nesta fase, já não demanda expectativas
40
em direção a ela. Assim, o processo de envelhecimento vem legitimar a essência da
mulher, descompromissando-a e libertando-a de corresponder aos padrões sociais e
de comportamento tão vigentes em outras etapas de sua vida, tirando-lhe assim, o
fardo da representação e incorporação passiva de papéis.
(FIGUEIREDO et al., 2007,
p 426)
Entretanto, o outro movimento que também se faz presente nas
práticas da mulher idosa contemporânea, inclui uma busca frenética pelo padrão de
beleza perdido, colocando-a muitas vezes em um processo angustiante para esse
resgate.
(...) A indústria da beleza, da saúde e do bem-estar contribui para
disseminar atitudes fantasiosas a respeito da velhice entre mulheres
dos segmentos médios urbanos, fazendo apologia da velhice como
estado de espírito e condição que pode ser disfarçada, adiada ou
remediada por meio de recursos gerados pela ciência e pela medicina.
(NERI, 2001, p
.8)
Frente a tal realidade, mostra-se compreensível a angústia e o
conflito presentes no processo de subjetivação da mulher idosa que se depara com
tantos e inéditos desafios. Contudo, seja como for, num âmbito geral, apesar das
instabilidades que um processo como este possa gerar para o universo da idosa,
consideramos que ele, só por elucidar tal provocação, já se torna significativo.
2.3 A sexualidade na constituão do feminino
Não é possível falar em sexualidade, no campo da psicologia, sem
mencionar Freud que a elevou como constituinte básico da psique. Encontramos
nele um entendimento da sexualidade como algo referido, basicamente, à força de
adição, de atração, de junção, portanto, segundo suas próprias palavras: A
sexualidade é um conceito amplo e inclui muitas atividades que nada têm a ver com
os órgãos genitais. (FREUD,1998, p. 20)
Entende-se que a sexualidade, muito mais do que a expressão da
genitalidade, é uma energia vital que acompanha o indivíduo em todo o seu
41
processo de desenvolvimento, desde sua tenra infância, percorrendo as fases da
adolescência e adulta, até chegar à senescência. Essa energia é denominada por
ele como libido e se apresenta de diferentes formas, de acordo com a fase e
necessidade do sujeito, tendo grande influência sobre suas escolhas, conduta e
vida.
Enfim, a libido destaca-se como um afeto básico que, em
determinado momento da vida transforma-se em desejo erótico, até culminar num
amor maduro. Esta fase da sexualidade apresenta-se como um aprofundamento de
sensações que, durante a juventude, não são muito consideradas. Sentimentos
como ternura, companheirismo, empatia são elementos que se colocam com maior
vigor neste momento da existência, mais do que o ponto de vista sexual. As
conquistas ganham peso valorativo.
A sexualidade aqui faz interconexão com a construção da identidade
do sujeito e, no caso da mulher, é condição sine qua non à sua feminilidade.
Incluem-se neste processo de construção da feminilidade: a visão desta, frente à
sua sensualidade, aos relacionamentos, intimidade, prazer, atitudes frente ao seu
próprio corpo e sua sexualidade propriamente dita. (BALBINOTTI, 2003, p. 13-14)
Assim, é de fundamental importância o conhecimento de todo o
percurso da sexualidade, as atribuições e conotações dadas a ela em diferentes
épocas até a contemporaneidade.
Segundo Foucault (DREYFUSS; RABINOW, 1995, p.185),
a sexualidade no século XVIII emergiu como um componente central
numa estratégia de poder que, de uma forma eficaz, juntou o indivíduo
e a população através da expansão do biopoder. (Grifo nosso)
Foucault (DREYFUSS; RABINOW, 1995, p.185-188) enfatiza um
aspecto positivo mediante o contexto, e apesar da intenção fixar-se sobre o controle
da sociedade, ele pondera que a sexualidade foi posta em evidência, passando a
ser discutida, refletida e investigada como nunca antes.
Inicialmente, foi submetida
à avaliação da religião, que a julgou e a
condenou como pecado, sendo indigna e contrária aos preceitos morais cristãos.
Já no século XIX presenciou-se uma mudança no paradigma da
sexualidade, após esta percorrer o crivo da ciência médica. A partir de então, a
42
sexualidade circunscreveu-se em anomalias, taras e desvios, passando a ser
medicalizada e diagnosticada.
O autor, mediante essa conjuntura indaga: Que força é essa que,
durante tanto tempo a reduziu a silêncio e mal acaba de ceder, permitindo-se talvez
questionar, mas sempre a partir e através de sua repressão? (FOUCAULT, 1988, p.
76)
Assim, embasado nesta atmosfera de controle, medicalização e
interdição tanto do indivíduo quanto da família, a partir de sua sexualidade, Foucault
(DREYFUSS; RABINOW, 1995, p.188) criou o dispositivo da sexualidade, como
também da aliança. Esse último refere-se a: articulação de obrigações religiosas ou
legais do casamento com os códigos de transmissão de propriedade e de laços de
sangue.
Na terceira idade, enfoque deste trabalho, esse dispositivo de
aliança cerceou durante muito tempo a iminência da sexualidade, particularmente
para as mulheres, pois o sexo sempre esteve ligado, para as senhoras casadas, à
obrigação e ao dever. recentemente, as mulheres estão experimentando a
sexualidade como uma questão individual, atrelada aos prazeres individuais
ocultos e às fantasias.
Em alusão ao dispositivo da sexualidade foram constituídas quatro
unidades estratégicas, nas quais poder e saber se fundem em mecanismos
específicos e construídos em torno dela. Segundo Foucault (DREYFUSS;
RABINOW, 1995, p. 99-100) as unidades são:
a) histerização dos corpos das mulheres caracteriza-se pela
articulação entre a sexualidade feminina e seu papel no corpo social, no qual cabe a
ela transmitir, para seus descendentes, idéias de genuíno valor para a manutenção
da estrutura por meio da repressão de sua libido, reduzindo-a a mero instrumento de
reprodutibilidade humana. Para alcançar este status, o gênero feminino segue por
um julgamento moral, abafando esta energia sexual que é direcionada para outras
atividades, especialmente para exercer a função maternal. Aquelas que não se
enquadram neste paradigma são apontadas como seres patológicos e
desagregadores da estrutura do grupo a que pertencem;
b)
pedagogização do sexo das crianças - para reforçar o aspecto
proibitivo da manifestação sexual, torna-se prudente orientar as crianças quanto ao
perigo de expor sua sexualidade. As táticas contra a masturbação oferecem um
43
exemplo claro da tentativa de manter cerceada esta energia também presente nos
infantes;
c) socialização das condutas de procriação - nesta estratégia,
foram dadas, ao casal, responsabilidades médicas e sociais. Assim, a necessidade
de cumprir os padrões almejados pela sociedade como adequados à criação de
seus filhos coincide com a escassez de recursos que a estrutura econômica pode
oferecer. Em algumas sociedades, como a China, são mantidas restrições fiscais
aos casais que concebem mais de um filho. Pares incapazes de fornecer sustento
inadequado, do ponto de vista social, são vistos como pervertidos e irresponsáveis
aos olhos da comunidade;
d) psiquiatrização do prazer perverso - o pragmatismo em relação
à sexualidade é levado ao extremo quando é separado o instinto biológico do ser
racional, ao se estabelecerem padrões de normalidade e anormalidade frente às
condutas sexuais. Tratamentos médicos são concebidos para recuperar o indivíduo
que extrapola os limites sociais aceitáveis em relação ao sexo. O que poderia ser
considerado apenas como uma fantasia passa a ter conotação de doença ou
distúrbio.
Desse modo, ao se conseguir colocar a conduta sexual numa escala
de normalização e patologização, restringiram-se os desejos e as pulsões à
reprodução, compelindo o estabelecimento de padrões de comportamentos.
(DREYFUSS; RABINOW, 1995, p. 190)
Mais recentemente, surgem a sexologia e a gerontologia, objetivando
o melhoramento do funcionamento da vida sexual e a diluição do caráter
patologizador.
Entretanto, a sexologia isoladamente findou por reproduzir técnicas
de controle como outrora, por embasar-se nos conhecimentos acerca da fisiologia
do ato sexual e de suas possíveis variações.
Nessa perspectiva, a sexologia tende a adotar como estratégias
terapêuticas de intervenção, prescrições de medicamentos e padronização de
comportamentos por meio de técnicas pedagógicas de modelação. A intervenção,
então, limita-se ao corpo e ao indivíduo, não considerando seu entorno. Isso ocorre
com a terceira idade que, na maioria das vezes, direciona-se em maximizar ou
otimizar o exercício sexual e não a promover a recognição da conduta adotada
(AQUINO et al., 2003).
44
Somente a partir da possibilidade da intervenção sobre o sexual
observou-se a efetivação da parceria entre a gerontologia (caracterizar-se pela
promoção de mudanças na condição de vida das pessoas) e a sexologia (disciplina
que se identifica pelo interesse na área da sexualidade e em suas prováveis
intervenções). Essa junção trouxe muitos benefícios para ambas, apesar das
disparidades entre as visões, e da resistência por parte da sexologia frente à visão
global do indivíduo, considerando seus aspectos fisiológicos, psíquicos e sociais.
A gerontologia aproxima-se da visão mais abrangente do indivíduo ao
incorporar em seu campo teórico a heterogeneidade da experiência do
envelhecimento; entretanto, esse movimento ainda permanece muito aquém em
relação à sexualidade, pois a sexologia ainda carrega ranços ao defender a
padronização em relação ao sexo. (AQUINO et al., 2003)
É notório que a sexualidade sempre esteve como pano de fundo na
constituição da feminilidade e que foi através de seu controle que a mulher construiu
sua identidade feminina e conduziu suas práticas no passado; seu cerceamento e
reclusão atrelaram a mulher à maternidade, sufocando e reduzindo suas práticas
apenas à servidão.
Em outro momento, com o advento do movimento feminista e a
inserção da pílula anticoncepcional, a sexualidade foi tratada com maior liberdade, o
que corroborou a libertação da sexualidade feminina. Foi permitido a ela decidir com
quem e em que momento da vida iria ligar-se a alguém afetivamente e construir
vínculos de união estável. A mulher então pôde se posicionar em relação à
maternidade e ao planejamento familiar.
Hoje, esse movimento, apesar de algumas agruras, cresceu e
chegou até as mulheres mais velhas, colocando-as em -de-igualdade em
relação às escolhas e opções frente ao seu corpo e seus desejos.
Nessa perspectiva, presenciamos um forte e crescente movimento
por parte das idosas na construção de uma nova identidade. Identidade esta que
passa a ser solicitada com o prolongamento da expectativa de vida e com a
feminização da velhice: soberania feminina em relação ao universo da velhice. De
acordo com dados do Censo Demográfico de 2000, 55% do contingente
populacional brasileiro maior de 60 anos era composto por mulheres. Entre os
maiores de 80 anos, essa proporção sobe para 60,1%. (CAMARANO, 2004, p.2)
45
Não cabe mais em nossa atualidade o estereótipo das idosas de
vinte anos atrás. O bum da terceira idade exige uma nova postura da mulher idosa
contemporânea, que tende a beneficiar não apenas a essa camada da sociedade,
mas a outras faixas etárias também. Quando vemos autonomia e independência
atingirem um extrato de nossa população, a tendência é de que outros segmentos
populacionais da sociedade também se beneficiem, promovendo assim uma
sociedade mais crítica e menos alienada, sabedora de seus direitos e deveres.
2.4 O que se tem falado sobre o sexo e o envelhecimento
Constata-se que a sociedade mantém grandes dificuldades em lidar
com a questão da sexualidade do idoso. Mas, de onde advêm tantos tabus e
estereótipos? Acredita-se que a repressão sexual, resultado da rigidez dos padrões
de comportamentos existentes em séculos anteriores, colaborou muito para a
interdição do sexo na terceira idade.
Segundo Risman (2005, p. 7-9), verifica-se esta interdição ainda no
final do século XX, por meio de um livro escrito pelo professor Max Sussol,
(conhecido mundialmente por seus estudos e livros nas áreas de misticismo,
paranormalidade e espiritualidade), intitulado O que se pode fazer sexualmente
após os 80 anos?. O curioso desta publicação é que suas páginas apresentavam-
se em branco, o que sugeria a inatividade sexual do idoso, ou seja, uma visão
negativa que tendia para a ridicularização da sexualidade na longevidade,
reforçando o estigma da velhice assexuada e anormal. Entretanto, o livro foi
comercializado em um congresso mundial de sexualidade, realizado em 1993, no
Rio de Janeiro.
Num esforço de atentar para uma visão mais positiva da sexualidade
na terceira idade, um outro livro foi lançado em 1940, na cidade de Lisboa, Portugal,
chamado, A fisiologia do sexo, escrito por Kenneth Walker. Neste, o autor
discorreu abertamente sobre a existência do desejo, do impulso e da manifestação
da sexualidade na velhice. Observa-se, assim, uma dicotomia relacionada à visão do
46
idoso: a que defende com afinco o exercício da sexualidade na longevidade, e a que
exalta a visão pejorativa e decrépita do senil.
Neste embate de idéias, Risman (2005, p. 7-9) chama a atenção
para um importante fator: o surgimento dos contra-mitos, que se constitui como a
visão extremamente otimista e não realista. Estes contra-mitos corroboram a
inversão de valores trazendo graves problemas para a longevidade, como a
liberação da sexualidade do idoso.
Nesta perspectiva, o idoso pode adotar comportamentos de risco
como a prática do sexo com vários parceiros e o uso abusivo e desregulado do
Viagra.
O interessante é demonstrar e permitir que o idoso manifeste sua
sexualidade sem culpa, sem conotações de anormalidades, mas com
responsabilidade e respeito para que não se exponha com atitudes vexatórias e que
possam trazer prejuízos à sua saúde.
Portanto, tanto a visão extremamente limitante, como a
assexualidade na terceira idade, quanto à visão super-otimista podem prejudicar o
comportamento dos idosos e o surgimento do sentimento de inadequação frente às
suas práticas. Particularmente, se a sexualidade satisfatória estiver respaldada em
modelos de referência que associam o seu bom desempenho à juventude, os
idosos, automaticamente, acabam rotulando-se como sendo um grupo de
características negativas, uma vez que as pessoas de meia-idade já estão
apresentando dificuldades sexuais. E não ponderando suas próprias
potencialidades, passam a acreditar que a sexualidade não cabe à velhice e
assumem uma postura muitas vezes de afastamento, desconsiderando os ganhos
que sua experiência de vida garantiu.
Tais modelos de referência prejudicam não somente ao idoso, como
também aos mais jovens, que passam a ter atitudes muito gidas relacionadas à
sua sexualidade, temendo o surgimento do fracasso em potencial, e subjacente a
essa idéia, o medo de envelhecer. (RISMAN, 2005, p. 7-9)
Frente ao contexto, Risman (2005, p. 9) destaca a visão do jovem
em relação à sexualidade na idade avançada a partir de duas pesquisas realizadas,
o que possibilita clarificar o quanto os jovens ainda são influenciados pela visão
pejorativa e preconceituosa da velhice.
47
A primeira delas, realizada por Cameron, em 1970, utilizou uma
amostra de 317 pessoas dos dois gêneros e de idades que variavam entre 18 e 79
anos. Ficou constatado que, independentemente da idade, as pessoas reproduziam
o estereótipo da velhice assexuada ao considerarem o idoso abaixo da média nos
aspectos relacionados ao desejo e à prática sexual, como: desejo para o sexo;
habilidade para desempenhar a sexualidade; capacidade para o sexo; freqüência de
atividades sexuais e oportunidades sociais para a freqüência.
A segunda, desenvolvida por La Torre e Kear, confirma essa visão
ao elencar, como objeto de estudo, as atitudes a respeito do desempenho sexual
dos idosos, considerando, para a classificação, as reações das pessoas frente a
algumas histórias de cunho sexual. A amostra foi constituída por 80 estudantes
universitários e 40 enfermeiros domiciliares. As histórias nas quais foram envolvidos
alguns idosos, obtiveram conotação de imoralidade, diferenciando-se das em que os
jovens eram personagens.
(...) A pouca credibilidade na ocorrência de relões sexuais em
oposição à masturbação pode ser interpretada como um fator, um
sustentáculo para a teoria do desengajamento do idoso das práticas
sexuais, afirmando, assim, ser normal e desejado que ele se retire,
afaste-se tanto da sociedade, como das atividades sexuais.
(RISMAN, 2005, p. 9)
Não se deve admitir que, em pleno século XXI, as pessoas tenham
que se submeter à circunscrição de uma sociedade paternalista e controladora
frente a sua conduta sexual.
Mesmo que a sexualidade na sociedade submeta-se a
condicionamentos culturais e restrinja-se ao caráter estritamente reprodutivo,
verifica-se que essa realidade não é aplicável aos idosos, mediante sua condição de
vida.
Enquanto os mais jovens tendem a cumprir os rituais que a
sociedade espera deles como: casar, ter filhos, educá-los, ou seja, enquanto o papel
do jovem mantém-se voltado para a procriação e formação de sua prole, os idosos
já não apresentam mais esse dever, estando livres para viver sua sexualidade sem a
conotação de procriação, mas apenas em função da busca pelo prazer.
48
Apesar de esta fase constituir-se uma etapa bastante propícia para o
deleite dos longevos, ela caracteriza-se ainda como um momento de muito
sofrimento e inquietação. Um dos fatores que colaboram para esse mal-estar apóia-
se na falta de informação sobre o processo de envelhecimento, as mudanças na
sexualidade, além, claro, dos estereótipos sobre a longevidade (RISMAN, 2005, p.
9).
Entretanto apesar de todas essas dificuldades relacionadas à
questão da sexualidade, o sofrimento e a abnegação não acometem, via de regra,
todos os longevos de nossa sociedade.
Presenciamos um forte movimento direcionado à quebra de tabus
relacionados à sexualidade na terceira idade, particularmente para o universo
feminino, já que tal temática sempre esteve atrelada à questão da constituição do
feminino.
O modo como hoje a mulher lida com sua sexualidade
2
está
intrinsecamente relacionado ao seu processo de re-significação de sua feminilidade.
A busca pela abertura em relação à sexualidade da mulher proporciona-lhes um tipo
de autorização e um poder sobre seu próprio corpo, dando ao universo feminino o
comando frente às suas próprias práticas em relação à sua corporeidade, desejos e
vontades.
2
Entendendo aqui a sexualidade de modo mais amplo, incluindo a sensualidade, a relação da mulher com seu
próprio corpo, a vaidade, a auto-estima etc.
49
3 NOÇÃO DO CURSO DE VIDA E IDENTIDADE
A longevidade constitui-se em temática presente na biografia da
humanidade desde seus primórdios. Variadas visões e teorias surgiram na trajetória
do envelhecimento na história. O livro nese, do antigo testamento, descreve a
velhice como um edifício e a morte representa sua total e definitiva demolição. A
mitologia grega, por sua vez, buscava camuflar ou negar o processo de
envelhecimento criando raças douradas que viviam centenas de anos sem
envelhecer. Já o filósofo Aristóteles, associava o enigma do envelhecimento ao
rebaixamento de calor corpóreo. (AZEVEDO, 2001 apud ARAÚJO; CARVALHO,
2004, p.1-2)
Na cultura oriental, o processo de envelhecimento atrelou-se ao
equilíbrio e à sabedoria, e as pessoas consideradas velhas recebiam o status de
sábio. Assim, todo um ritual de respeito e dedicação em torno da velhice fazia-se
presente.
(...) em países orientais a velhice é objeto de adoração, uma vez
que os jovens procuravam os idosos em busca de conhecimentos e
experiência. (...) no Egito, provavelmente por volta de 3000 a.C., há
registros da obrigação dos filhos em cuidar de seus idosos, e para
os egípcios, viver 110 anos era considerado o prêmio de uma vida
equilibrada e virtuosa. (...) Em Israel, o respeito dos judeus aos
anciãos fica evidenciado tanto na Bíblia quanto do ponto de vista
legal: maltratar os pais era considerado crime que poderia ser
punido com a morte. (LEME, 1996 apud ARAÚJO; CARVALHO,
2004, p. 2)
Após um longo período de especulações, de crenças e sabedoria
popular em torno do envelhecimento, destacaram-se os primeiros trabalhos
científicos referentes à temática da velhice, elaborados por Bacon e Benjamim
Franklin. Bacon preconizava que somente a incorporação de um espírito jovem a um
corpo envelhecido abrandaria o processo de decrepitude característico desta etapa
da vida; já Benjamim, defendia que as doenças é que eram responsáveis pela morte
do indivíduo e não o envelhecimento. Apesar de cada um entender a velhice a partir
de um ponto de vista, ambos concordavam que era apenas através de um
50
investimento científico eficaz que o processo de envelhecimento poderia ser freado
ou retardado. (
ARAÚJO; CARVALHO, 2004, p. 2)
A necessidade de barrar ou retardar o processo de envelhecimento
advinha da concepção da velhice enquanto etapa do curso de vida na qual não
cabiam expectativas futuras.
A busca a fim de vencer as transformações do tempo era
intensificada porque a terceira idade era vista como uma etapa caracterizada por
intensas limitações e deficiências. A estereotipia da velhice e o estranhamento
relacionado à temática eram tão marcantes que nem ao menos esta era considerada
como objeto de estudo do desenvolvimento humano, mas do excepcional.
(...) as quest
ões concernentes ao envelhecimento humano ganharam
destaque na pauta das pesquisas científicas no início da década de
1920, com investigações que contemplavam, basicamente, as
transformações fisiológicas e suas perdas para o organismo nesta
fase do desenvolvimento. Estudos pioneiros, como os realizados por
Stanley Hall, marcaram esta fase embrionária, enfocando a velhice
entre os acadêmicos com a publicação, em 1922, da obra
Senescence: the hall of life (PAIVA, 1986 apud ARAÚJO;
CARVALHO, 2004, p. 4). (...) esta autora ainda menciona que a
velhice por um largo espaço de tempo foi associada a limitações e
deficiências, posto que esta era objeto da Psicologia do Excepcional,
e não do desenvolvimento humano. Não obstante, algumas
publicações de autores como Telford e Sawrey, no último capítulo de
seu livro O indivíduo Excepcional, dedicam-se à velhice. (ARAÚJO;
CARVALHO, 2004, p. 4)
Apesar dos estudos científicos frente ao universo da terceira idade
terem se iniciado na década de 20, eles sempre ficaram à margem dos relacionados
ao desenvolvimento infantil e da adolescência. Só mesmo com a expansão da
Gerontologia no final da década de 50 e a iminência do aumento da população
longeva é que percebemos uma maior atenção ao universo do idoso. (BALTES,
1995 apud
ARAÚJO; CARVALHO, 2004, p. 5)
A procura e a exaltação da eterna juventude, aliadas à tentativa de
amenização dos sinais que a passagem do tempo irrefutavelmente impunha,
acarretaram, por muitos anos, a negação da velhice e por conseqüência sua
estereotipia, processo este que perdurou por anos a fio.
Entretanto, hoje, com o avan
ço da medicina e o prolongamento da
expectativa de vida, a velhice passa por uma revisão de paradigma, colocando-se
51
como uma fase do curso de vida perfeita por ganhos e perdas e não apenas uma
etapa perfeita por intenso sofrimento e declínio.
Segundo Neri (1995, p.39), essa alteração na visão do universo do
idoso ocorreu quando presenciamos o aumento de investimento científico em
relação à temática da terceira idade ao se apresentar no cenário científico a
enunciação da Psicologia do Envelhecimento.
(...) a psicologia do envelhecimento é a área que se dedica à
investigação das alterações comportamentais que acompanham o
gradual declínio na funcionalidade dos vários domínios do
comportamento psicológico, nos anos mais avançados da vida (NERI,
1995 apud ARAÚJO; CARVALHO, 2004, p. 7).
(...) um dos desafios enfrentados pela psicologia do envelhecimento
a
priori foi conciliar os conceitos de desenvolvimento e envelhecimento,
tradicionalmente tratados como antagônicos, tanto pelos cientistas,
quanto pela sociedade civil e a família, tendo em vista que se
considerava a velhice como um período sem desenvolvimento.
(ARAÚJO; CARVALHO, 2004, p. 07)
Juntamente com essa perspectiva teórica, surge o curso de vida,
que veio propor uma nova visão do desenvolvimento humano.
Então o curso da vida surge como a:
(...) Tendência alternativa voltada para o reconhecimento de que
qualquer ponto da trajetória de vida precisa ser analisado de uma
perspectiva dinâmica, como conseqüências de experiências
passadas e expectativas futuras, e de uma integração entre os
motivos pessoais e os limites do contexto social e cultural
correspondente. (SIMÕES, 2004, p. 423)
Nesta perspectiva, qualquer ponto da trajetória de vida do indivíduo é
passível de redefinições, que se consideram os aspectos subjetivos da sua
história e a influência de seu contexto histórico e cultural. Este ponto de vista vem
contrariar as pressuposições de tarefas e questões já esperadas dos outros modelos
clássicos que entendem o desenvolvimento através de um processo sucessivo e
linear de etapas pré-fixadas e homogêneas. A partir desta linha teórica, destaca-se a
importância das pessoas se posicionarem frente aos desafios, necessidades e
interesses particulares de sua própria história de vida, considerando seu processo
52
de subjetivação. A ênfase aqui não é tanto em continuidade e reprodução, mas nos
hiatos, rupturas, improvisações, invenções que singularizam as experiências
geracionais.
(SIMÕES, 2004, p. 423)
Essas improvisações e rupturas que levarão ao conseqüente
processo de re-significação da vida de um indivíduo poderão apresentar-se diante
dos mais variados eventos como: a morte de um companheiro, a perda de um
emprego, o nascimento de um filho ou a inclusão da pessoa em um processo de
crescimento pessoal como um grupo de vivências, ou ainda a entrada de um
indivíduo na terceira idade, proposta do referente trabalho.
Seguindo essa linha de raciocínio, a velhice abandona a conotação
de processo deletério da vida e ganha novas perspectivas e projeções.
(...) os organismos vivos fazem parte de um amplo sistema, global e
complexo, que inclui, no caso dos seres humanos, os ambientes físico
e social. A constante interação que se processa entre eles ocasiona
transformações com tendência à organização crescente. As
transformações podem também ser determinadas pela ação de
eventos fortuitos, circunstância em que o organismo tanto pode evoluir
para novas formas de equilíbrio como para a desordem. (NERI, 1995,
p. 29)
Tal teoria vem desconstruir também a concepção do
desenvolvimento humano a partir do tempo cronológico demarcado pelo calendário,
para incluir neste processo, a idéia de tempo intrínseco, que reforça a influência dos
eventos sociais no percurso de vida do indivíduo e em seu processo de
envelhecimento.
(...) no caso do envelhecimento humano, o tempo intrínseco é criado
por processos físicos, biológicos, psicológicos e sociais, como
propriedades emergentes de sua dinâmica. (...) Cada organismo é
caracterizado por uma série finita de transformações
comportamentais, que se organizam de modo cada vez mais singular.
(...) é seu envelhecimento intrínseco, processo que dura da
concepção à morte. É o envelhecimento intrínseco, e não a idade
cronológica, o determinante básico do desenvolvimento e do
envelhecimento. (SCHROOTS; BIRREN, 1990 apud NERI, 1995, p.
29)
53
Assim, partindo da teoria do curso de vida, não é o tempo objetivo
que determina e afeta o desenvolvimento e envelhecimento do indivíduo, mas sim,
os eventos sociais que o fazem, com os quais se deparam o sujeito ao longo de sua
vida. Apesar de não serem consideradas nessa abordagem, a periodicidade e a
ordenação de eventos pré-estabelecidos, há algumas classes de influências que
afetam o desenvolvimento: as influências normativas ligadas à graduação por idade,
as ligadas à história e as influências não normativas. Neri (1995, p.33) descreve
sucintamente tais influências:
(...) influências normativas ligadas à graduação por idade é
presidida por processos de maturação biológica e de socialização. O
contexto histórico envolve fatores biológicos e ambientais
relacionados ao tempo histórico. Eventos não normativos do
desenvolvimento são aqueles que não ocorrem nas épocas, na
seqüência ou no ritmo esperados para a maioria dos indivíduos, quer
que em virtude de influências biológicas, quer em virtude de eventos
sociais e culturais, Eventos não-normativos tendem a ser
experienciados como crise. (Grifo nosso)
Apesar de cada indivíduo vivenciar a velhice de maneira muito
particular, há alguns eventos universais em seu percurso, tais como: a proximidade
da morte, vulnerabilidade a doenças, aposentadoria, o nascimento de netos etc.
Embora o próprio processo de envelhecimento seja um evento-normativo
(esperado), o surgimento de alguns acontecimentos não esperados ou eventos não-
normativos concomitantes ao seu percurso, tendem a suscitar nas mulheres idosas
a reformulação de seu papel feminino, que uma crise geralmente exige a
aquisição de uma nova postura, um novo posicionamento. Destacamos alguns
destes eventos: a viuvez, problemas de saúde, alteração de padrão sócio-
econômico, entre outros. (FREITAS et.al., 2002, p.958)
Apoiando-nos sobre a teoria do curso de vida que preconiza que o
desenvolvimento tem conotação multidirecional e descontínua, que cada indivíduo
internaliza os eventos em sua vida de forma individual, influenciado
fundamentalmente por seu perfil e sua história de vida, que é única para cada ser
humano, os eventos podem ser propulsores de re-significações positivas, ou de
outra forma, promoverem a desordem, causando sofrimento e adoecimentos em sua
trajetória de vida. (Néri, 1995)
54
Assim, a postura adotada pelas mulheres frente aos eventos e
desafios durante a terceira idade é que irão definir o seu bem-estar.
Segundo Minnemann e Lehr (1994 apud DOLL, 2006, p. 19) existem
três fatores fundamentais para o bem-estar na longevidade, que influenciam
consideravelmente na subjetivação e re-significação da feminilidade das mulheres
idosas, que são: saúde subjetivamente percebida pela própria pessoa, as relações
sociais que são percebidas como equilibradoras e satisfatórias e a situação
econômica.
Entendemos que os dois primeiros fatores do bem-estar estão
atrelados, pois no movimento da terceira idade, são as relações interpessoais as
que oferecem maiores indícios de saúde, sendo nelas que ocorre o processo de
identificação e pertencimento, favorecendo a auto-estima e a valorização do
indivíduo; é através da relação com o outro que o indivíduo se reconhece.
Freitas et al. (2002, p.957) discorre sobre a influência das pessoas
para a aquisição do bem viver na terceira idade:
(...) os outros permanecem potencialmente fonte de segurança, de
amor, de sentimentos de pertencer a um grupo, além de servirem
como parâmetros para o indivíduo avaliar a adequação de seus
comportamentos, sentimentos, e aquisições. Por meio dos outros,
cada um pode confirmar a idéia que faz de si mesmo: sua capacidade,
seus valores, opiniões, e competência.
Nessa linha de pensamento, o grupo destaca-se como grande
propulsor de mudanças e reflexões, particularmente para o universo das mulheres
idosas, onde o movimento de agregar-se a grupos de pessoas torna-se habitual.
(...) as mulheres tendem a afirmar-se pela atividade e pela
participação em espaços de lazer e convivência e tendem a usar
esses espaços como símbolos de liberdade, muitas vezes até
ultrapassando os limites das convenções sociais. Tendem também a ir
para as universidades, que lhes oferecem a oportunidade de atualizar-
se e de aprender sobre o mundo e sobre si próprias, num contexto a
que sempre sonharam pertencer. (NERI, 2001, p. 7)
55
Frente ao movimento de busca por grupos de afinidade, percebemos
forte diferenciação entre os gêneros. Os homens, ao se depararem com os
desafios da velhice, tendem a afastar-se dos grupos e a adentrar em um processo
bastante introspectivo. Os grupos de afinidade nos quais os idosos tendem a se
engajar são, no máximo, caracterizados pelas reuniões nas praças da cidade no
findar do dia, ou nos jogos de bótia, mas estabelecendo, nestas ocasiões, relações
estritamente formais e sem muita proximidade. Essa dificuldade masculina frente
aos relacionamentos interpessoais advém da falta de prática, por não estarem
acostumados a inserir-se em atividades que tenham cunho apenas social, pois em
grande parte de seu curso de vida destinaram suas energias e atenção ao trabalho.
Assim, ao se aposentar e deparar-se com o tempo ocioso, o homem idoso não
encontra sentido de se envolver em eventos que não lhe sejam produtivos
financeiramente.
Por outro lado, no universo feminino, tais atividades sempre se
fizeram presentes, mesmo antes da terceira idade; as mulheres, de um jeito ou de
outro estiveram engajadas em algum evento social, mesmo que apenas como
participantes assíduas das singelas reuniões de amigas no portão de suas casas.
Contato com a sociedade sempre lhe foi bastante familiar.
(...) o grupo, como opção do próprio idoso, é de grande valor para a
manutenção de uma velhice mais saudável. Traz um novo sentido a
essa etapa da vida por romper os paradigmas da sensação de
inutilidade, auxiliando no processo de promoção da auto-estima e,
consequentemente, na sua integração no seio familiar, resgatando
valores como ser humano. (MIGUEL; FORTES, 2005, p.76)
É importante ressaltar que a pesquisa ora apresentada não tem como
objeto de estudo os grupos de terceira idade. Mas não podemos ignorar a forte
influência destes para o processo de reflexão que o movimento da terceira idade
proporciona, além de que toda essa mobilização iniciou-se com os agrupamentos de
pessoas da mesma idade em busca de atividades que lhe pudessem ser prazerosas
e que lhe abrissem perspectivas futuras.
Algumas pesquisas reforçam que o grupo de afinidade auxilia no
processo de re-significação e reformulação dos papéis das mulheres, aproximando-
as cada vez mais de uma velhice saudável. Citaremos aqui a pesquisa de Néri
56
(2001, p.12), para exemplificar esse movimento. Fizeram parte deste estudo 20
mulheres entre 61 e 84 anos, independentes e autônomas que viviam sozinhas. O
objetivo foi analisar como tais mulheres lidavam com aspectos de solidão e como
estes interferiam em seu bem-estar.
O estudo revelou que grande parte das mulheres pesquisadas não
sentia solidão ou isolamento; ao contrário, o sentimento de bem-estar e realização
fazia parte de seu cotidiano. Um fator importante, destacado neste estudo, voltou-se
para a questão do envolvimento social, pois a participação na vida da comunidade,
para elas, perfazia-se como uma alternativa para seu bem-estar. Entretanto, somada
ao envolvimento social elas citaram também a espiritualidade como outra estratégia
utilizada para o enfrentamento das dificuldades da terceira idade e conquista da
qualidade de vida.
Como qualidade de vida, destacamos o conceito da OMS (1994
WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005, p.14):
(...) a percepção que o indivíduo tem de sua posição na vida dentro
do contexto de sua cultura e do sistema de valores de onde vive, e em
relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um
conceito muito amplo que incorpora de uma maneira complexa a
saúde física de uma pessoa, seu estado psicológico, seu nível de
dependência, suas relações sociais, suas crenças e sua relação com
características proeminentes no ambiente.
A ausência de pessoas morando debaixo do mesmo teto não é fator
para a depressão, sentimento de isolamento ou falta de relacionamentos e
vinculações.
A mesma pesquisa de Néri (2001) apontou, entretanto, que apesar
dos amigos ganharem destaque na rotina diária das mulheres da terceira idade, a
família, incluindo os filhos, são os vínculos mais significativos nessa etapa da vida, e
mesmo que não vivam na mesma casa, os contatos são mantidos e continuam
bastante expressivos. (NERI, 2001, p.13)
(...) a família é o grupo insubstituível no qual o idoso deve permanecer
o maior tempo possível, pois, representa, para ele, a provedora
fundamental. (...) além da possibilidade de manutenção de sua auto-
estima, pois, ao participar da vida familiar, com filhos, netos e demais,
ele se sente vinculado com o mundo (MIGUEL; FORTES, 2005, p.
76).
57
Contudo, apesar da sensação de liberdade e de independência,
bastante difundidos no movimento atual da terceira idade, percebemos dois
movimentos em relação à postura das idosas frente à família: um, no qual elas
mantêm relacionamento de maior independência com os filhos e netos, não abrindo
mão de seu cantinho e da liberdade (salvo aquelas que apresentam
comprometimentos advindos de doenças, ou limitações sócio-econômicas para
manterem-se sozinhas), para morarem junto com eles. Entretanto, continuam
preocupando-se com sua família e ajudando-os, mesmo que de forma distante.
Outras atrelam suas rotinas a prestarem cuidados às pessoas da mesma idade,
geralmente ao cônjuge, pais ou sogros, deixando de lado suas próprias vidas. Tais
papéis tendem a trazer danos à saúde e à qualidade de vida. (NERI, 2001, p.11)
(...) mulheres de todas as idades são menos agressivas, mais
solidárias mais envolvidas e mais relacionadas socialmente do que os
homens. Essas características são positivamente relacionadas com
satisfação global com a vida e cm satisfação relativa às relações
sociais. Porém, na meia idade e na velhice são as mulheres as mais
afetadas pelas conseqüências negativas do prestar cuidados a
pessoas da mesma idade ou mais velhas, geralmente o cônjuge, pais
e sogros. (NERI, 2001, p.11)
Já em relação ao terceiro fator (situação cio-econômica) referente
ao bem-estar na longevidade, Motta e Debert (1999 apud Néri, 2001, p. 7) destacam
que a classe social ou nível sócio-econômico são aspectos bastante significativos na
maneira como a pessoa encara e vivencia a velhice. O nível sócio-econômico torna-
se fator determinante no acesso à cultura, à educação e ao lazer, atividades estas
que beneficiam o indivíduo em seus processos de subjetivação, de auto-
conhecimento e de crescimento pessoal, auxiliando-o, assim, no bem-estar geral.
Entretanto, sabemos que em nossa sociedade a grande maioria da
população tem condição sócio-econômica desfavorável e, por conseqüência, o
acesso à educação e cultura também se mantém em desvantagem. Entretanto,
imaginamos que essa realidade tende a se agravar na população idosa feminina,
devido ao seu menor acesso à educação em anos anteriores e principalmente
porque viveu em uma época quando a prioridade em relação à educação da mulher
atrelava-se à aquisição de conhecimentos relacionados às prendas domésticas.
Frente ao contexto, supõe-se que a mulher encontra-se mais exposta à decadência
58
de suas habilidades intelectuais, considerando o acesso à educação como um fator
protetor para o declínio, em relação à inteligência. (NERI, 2001, p.11-12)
Contudo, engana-se quem acredita em tais suposições.
Presenciamos também aqui, a intensidade com que as mulheres estão empenhadas
em derrubar os estereótipos relacionados à sua condição feminina e a encararem os
desafios que a velhice impõe em relação a elas. Apesar delas se manterem em
ligeira desvantagem em relação ao acesso à informação e educação, pesquisas
apontam que elas encontram, no advento da terceira idade, a oportunidade para
resgatar os prejuízos decorrentes da falta de oportunidades ocorridas ao longo de
seu curso de vida. É o que um estudo realizado pelo IBGE (2000 apud
FIGUEIREDO et. al., 2006, p. 458) com mulheres idosas de Teresina vêm
comprovar.
Destacou-se, nesta pesquisa, que apesar da mulher idosa piauiense
sentir-se em posição desfavorável quanto ao acesso à educação, ao adentrar na
terceira idade, o sentimento de renovação e disposição a preenche e a direciona na
realização de planos e projetos, mesmo que não tenha cursado a escola ou
freqüentado uma universidade, mostrando postura pró-ativa frente aos eventos com
os quais tende a se deparar no processo de envelhecimento.
Percebemos que as mulheres, ao se colocarem frente aos eventos
normativos ou não-normativos, tendem a enfrentá-los com maestria. Este movimento
só pode realizar-se através de um intenso processo de auto-conhecimento, e neste
aspecto notamos um engajamento forte das mulheres longevas de nossa atualidade,
talvez para um acerto de contas com todos esses anos de submissão e
desvalorização do universo feminino, um cheque-mate nos estereótipos e pré-
conceitos que só servem para marginalizar, segregar e causar sofrimento. Claro que
não foi apenas um privilégio do universo feminino sua sujeição por milhares de anos
à desvalorização e estereotipia; outras tantas minorias ainda sofrem com as
rotulações e segregações, e ainda mesmo a própria feminilidade tem muito a
conquistar. Entretanto, um primeiro passo foi dado e acreditamos que muitos outros
ainda sejam dados em direção à igualdade e prosperidade.
59
4 A PESQUISA EMPÍRICA
4.1 Justificativa
O crescimento acelerado da população mundial acima dos 60 anos,
particularmente do gênero feminino, visto que, segundo pesquisas, as mulheres
vivem mais que os homens, está gerando inquietação tanto da sociedade que não
se sente preparada para o atendimento a tal demanda, como das próprias mulheres
da terceira idade frente à falta de referências e modelos a seguir, já que o
alongamento da vida ainda se apresenta como uma novidade. Aliado ao medo do
processo de envelhecimento, muitos destes indivíduos direcionam-se a práticas que
colocam em risco sua própria condição física e moral, o que causa sofrimento
generalizado às pessoas e, conseqüentemente, a má qualidade de vida nesta fase.
Nesta conjuntura, questões como: O que farei agora? Como devo
agir? Ainda há tempo? são recorrentes no pensamento das mulheres longevas, pois
se sentem confusas ao perceberem que se inicia uma nova etapa de suas vidas.
Neste momento, faz-se presente a necessidade da construção de uma nova
identidade, principalmente quando a mulher sente-se provocada a re-significar sua
postura frente à vida ao perceber-se em meio a uma forte mobilização com este
intuito que se concretiza nas atividades voltadas para a terceira idade.
Frente a essa realidade e devido à escassez de produção científica
ligada a esta temática, que é bastante recente, considera-se importante o
aprofundamento de estudos e pesquisas voltados para esse assunto, objetivando a
produção de conhecimentos que possam auxiliar os profissionais da psicologia e de
áreas afins no exercício de suas práticas.
4.2 Objetivo geral
Este trabalho propõe investigar a re-significação da feminilidade em
mulheres da terceira idade. Pretende-se apontar as principais mudanças que
60
ocorrem com a identidade feminina na terceira idade, e examinar os significados
dessas mudanças para os próprios sujeitos.
4.3 Observações sobre o método
Os participantes da pesquisa foram mulheres da terceira idade,
moradoras da cidade de Araçatuba que participaram do grupo de vivências
Encontros para o bem viver. Este grupo serviu apenas como um espaço para o
recrutamento das colaboradoras para a pesquisa, devido a nossa facilidade de
acesso a ele.
O referido grupo, do qual sou facilitadora há cinco anos, faz parte do
Projeto da UNATI e tem como objetivo oferecer às mulheres idosas um espaço para
reflexão frente aos desafios do processo de envelhecimento. A minha experiência e
vivência com o referido grupo, me auxiliou nas análises das falas das participantes,
já que mediante os nculos estabelecidos tornar-se-ia impossível uma interpretação
totalmente neutra e ou distanciada.
Como critério de seleção foi estabelecido o seguinte perfil para
atender aos objetivos desta pesquisa:
a) idade acima de 60 anos;
b) uma participante viúva que se casou novamente;
c) uma participante viúva que, posteriormente à viuvez, não
estabeleceu nenhum outro vínculo de união estável;
d) uma participante solteira que nunca estabeleceu nenhum vínculo de
união estável;
e) uma participante analfabeta;
f) uma participante de nível médio ou superior de instrução;
g) uma participante que viveu a maior parte de sua vida no campo;
h) uma participante que viveu a maior parte de sua vida em cidade
grande.
61
A coleta de dados foi feita através da utilização de entrevista semi-
dirigida (Anexo A), realizada nas próprias residências das participantes e o material
acumulado foi sistematizado, transcrito e interpretado para análise qualitativa de seu
conteúdo, utilizando-se, para esse fim, o método da análise do conteúdo, que,
segundo Bardin (2004, p. 42), assim se define:
(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não), que
permitam a inferência
3
de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Os objetivos da análise de conteúdo não se limitam à descrição dos
conteúdos presentes nas mensagens, mas no que há de oculto nestas, o que passa
despercebido na ausência de uma análise minuciosa. Para que se realize essa
apreciação pormenorizada, faz-se necessária a fragmentação do texto, através de
categorias aliadas a uma escuta atenta. A finalidade é de realçar as condições em
que foram produzidas as mensagens e os conteúdos que incitaram as verbalizações
ou textos.
Nesta metodologia, o analista é como um arqueólogo. Trabalha
com vestígios: os documentos que pode descobrir ou suscitar. (BARDIN, 2004, p.
39)
O mais característico da análise de conteúdo é a análise categorial,
que se define pela passagem dos conteúdos subjacentes das mensagens por um
crivo de classificação, seguindo a presença de itens que o analista propõe-se a
pesquisar e que, segundo a autora, são ... espécie de gavetas ou rubricas
significativas que permitem a classificação dos elementos de significação
constitutivas, da mensagem. (BARDIN, 2004, p. 37)
3
Inferência: operação lógica, pela qual se admite uma proposição em virtude da sua ligação com outras
proposições já aceitas como verdadeiras. (BARDIN, 2004, p.39)
Inferir: tirar por conclusão, deduzir pelo raciocínio. (FERREIRA, 1986, p. 943)
62
4.4 Procedimentos utilizados
Convite às participantes que atendam aos critérios pré-
estabelecidos, para uma reunião, a fim de esclarecer os
objetivos e procedimentos da pesquisa.
Apresentação do termo de consentimento e de sua assinatura
para a realização das entrevistas.
Realização das entrevistas.
Transcrição das entrevistas gravadas.
Interpretação dos dados coletados através do método de
análise do conteúdo.
63
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
5.1 Breve história de vida dos participantes
Sujeito 1
O sujeito (1) entrevistado é uma senhora de 74 anos, aposentada,
que perdeu sua mãe quando tinha três anos e foi morar com seus avós paternos,
ficando com eles até se casar. Seu pai casou-se novamente quando a entrevistada
em questão tinha 10 anos, constituindo uma nova família.
Segundo a participante, por ser de uma família cuja condição sócio-
econômica apresentava-se bastante favorável, teve uma infância muito boa, brincou
bastante e curtiu muito esta fase da vida.
Aos 10 anos mudou-se para Araçatuba (cidade localizada a
noroeste do estado de São Paulo) para estudar, pois seus primeiros anos de
escolaridade foram realizados em uma escolhinha rural há quatro quilômetros de
sua fazenda, cujo trajeto era percorrido a pé. Em Araçatuba estudou até completar o
primeiro grau.
Em sua adolescência, como a grande maioria das moças que
viviam em cidades pequenas, naquela época, não tinha acesso ao lazer, pois o lugar
não oferecia muitas opções de diversão, além da educação repressora,
característica daquele tempo.
Frente ao contexto delineado, a entrevistada, muito cerceada por
seus responsáveis, passou a investir sua energia e juventude nas prendas
domésticas, em atividades direcionadas ao Lar. Constituíam-se, algumas delas, em
corte e costura ou em trabalhos artesanais como crochê e tricô, além da culinária,
objetivando sempre ser uma mulher prendada e uma boa dona de casa. Assim foi a
realidade da entrevistada, que passou a dedicar-se à construção da subjetivação do
que era ser mulher há 50 anos.
Aos 15 anos conheceu um rapaz (filho de uma fam
ília amiga) por
quem se interessou e com quem veio a casar-se, após quatro anos de namoro que,
semelhante a outras experiências de sua adolescência, também foi bastante
64
monitorado. Segundo ela, seu avô os acompanhava nos passeios, não os deixando
em momento algum desfrutarem da companhia um do outro com privacidade.
Diante de uma vida monitorada, a entrevistada depositou no
casamento a expectativa de uma existência mais livre.
Casada aos 19 anos, conforme seus relatos, viveu muito feliz ao
lado de seu marido e de suas três filhas, permanecendo casada por 11 anos,
quando ficou viúva precocemente, aos 30 anos.
Após a viuvez, a entrevistada assumiu a casa, passando então a
desempenhar o papel de provedora da família. Nesta época ofereceram-lhe um
emprego público, mas por cerceamento de seu avô, teve de recusar a proposta.
Assim, passou a cuidar dos negócios, tornando-se efetivamente uma fazendeira, já
que sua família era do ramo.
Diante deste contexto, abdicou de sua condição de mulher e da
possibilidade de refazer sua vida ao lado de outro companheiro, para desempenhar
essencialmente a função de mãe e de neta, que cuidou também dos avós até o
findar de suas vidas.
E foi assim que, após os casamentos das filhas e o falecimento dos
avós, o sentimento de vazio e a falta de perspectiva frente ao futuro tomaram conta
da entrevistada. Então, com a iniciação do processo de envelhecimento, foi
percebendo que este seria o momento propício para investir em si mesma e resgatar
sonhos renunciados outrora.
Imbuída do sentimento de renovação e re-significação da vida, a
entrevistada engajou-se em um grupo de terceira idade, no qual chegou à função de
presidente, exercendo-a durante dez anos. Com participação ativa, desenvolveu
uma nova perspectiva de vida para os idosos e para si mesma, com uma visão mais
otimista e prazerosa da velhice.
Após dez anos se dedicando ao grupo, sentiu necessidade de
cuidar mais de si, já que a direção do grupo ocupava muito de seu tempo.
Experimentava, finalmente, a necessidade de ter mais liberdade para si mesma,
iniciando assim um processo de subjetivação mais efetivo e de re-significação de
sua condição de mulher. Passou então a viajar, conhecer lugares, promover
excursões, entre outras atividades.
Em uma destas viagens, encontrou alguém que viria a ser seu
segundo marido, mas também um grande colaborador desse processo de re-
65
significação. Então, viu descortinar-se à sua frente a possibilidade do resgate de sua
feminilidade, com a ascensão de um novo relacionamento, após 34 anos vivendo
sozinha.
Esse resgate não veio apenas com o surgimento do segundo
marido, mas com a terceira idade, que lhe proporcionou a oportunidade de iniciar um
processo interno de crescimento, encontrando tempo para sair com as amigas, fazer
viagens e ter um novo relacionamento.
A entrevistada acredita que hoje é uma mulher mais corajosa e que
essa coragem adveio, em grande parte, de sua própria história de vida, como
também de seu amadurecimento, que se garantiu através da experiência
conquistada com a passagem do tempo.
Ela acredita que os grupos vivenciais também a ajudaram nesse
processo de amadurecimento, ao proporcionarem um espaço de reflexão,
identificação, integração social e compartilhamento de experiências e histórias de
vida, somados ao vislumbrar de perspectivas nunca antes imaginadas, que
favoreceram a re-cognição e uma nova postura.
Sujeito 2
O sujeito (2) entrevistado tem 70 anos, e atualmente é voluntária da
APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). Nasceu em Potirendaba,
cidade do interior do estado de São Paulo, sendo a única mulher entre cinco irmãos,
pois sua irmã mais velha faleceu aos 7 anos de idade, vítima de leucemia. Sua mãe
era doente mental e passou grande parte de sua vida internada em hospitais
psiquiátricos; seu pai era lavrador, e a família de condição sócio-econômica bastante
precária.
Frente à incapacidade da mãe e à perda da irmã, a entrevistada se
viu forçada a assumir o papel da mulher da casa, ficando responsável pelos
cuidados do lar, de seu pai e de seus cinco irmãos, dos quais dois ainda eram bem
pequenos e necessitavam de cuidados básicos e de maior atenção.
Sua infância foi permeada por sofrimento e muito trabalho: passava
uma parte do dia cuidando da casa e a outra, trabalhando na roça. Não tinha tempo
66
para brincar, nem tampouco privilégios por ser menina. O pai era enérgico e tratava
os filhos de ambos os sexos com a mesma rigidez e exigência, aliás, talvez para a
entrevistada, devido sua condição de mulher, a repressão fosse maior, pois nem ao
menos teve a oportunidade de estudar, diferenciando-se de seus irmãos.
No início de sua adolescência, seu pai casou-se novamente e a
madrasta foi incluída na composição familiar. A princípio, a entrevistada mostrou-se
resistente e incomodada com a presença dela, que havia se acostumado a ser a
dona da casa e a fazer as coisas do seu jeito. Por isso, a madrasta acabou
transformando-se em uma ameaça à sua liberdade frente ao lar.
Assim, como a infância, a adolescência também foi uma fase difícil,
trabalhava muito e não tinha tempo para passear. Para que ela pudesse ir à missa
na cidade, submetia-se a ajoelhar-se e a implorar ao pai por sua permissão.
Casou-se aos de 19 anos com um lavrador que conheceu em uma
festa de Folia de Reis, nas terras de seu patrão. Incluindo namoro e casamento, não
se somaram mais que doze meses vividos por pouquíssimos encontros, que se
realizavam a cada quinze dias. Ademais, a entrevistada veio conhecer a sogra e a
família do noivo apenas no dia de seu casamento.
Apesar das circunstâncias em que ocorreu o casamento, as
expectativas de felicidade e liberdade tão desejadas pela entrevistada foram
intensamente depositadas nesta união.
Entretanto, suas esperanças foram frustradas após oito dias de
casamento, quando se iniciou uma nova etapa de consternação em sua vida, pois,
além da repressão e do trabalho, a violência doméstica foi acrescentada em sua
rotina. O marido bebia, não sustentava a casa e a agredia constantemente.
Diante do contexto, precisou trabalhar para sustentar a casa e criar
os três filhos: dois meninos e uma menina.
Após uma vida de sacrifícios e humilhações, a decisão da
separação apresentou-se, iniciando-se assim, uma nova uma etapa em sua vida: a
renovação.
Mas foi com a chegada da terceira idade e seu conseqüente
amadurecimento, que sua história realmente foi sendo re-significada e sua dignidade
recuperada, ao envolver-se em atividades em prol de si mesma, como: aprender a
dirigir autos, freqüentar os bailes do Grupo da Terceira Idade, ir à escola para
aprender a ler e a escrever, entre outras.
67
Entretanto, nesse mesmo período, o falecimento da filha de 45
anos, vítima de um CA no intestino, roubou-lhe todas as esperanças e alegrias tão
penosamente conquistadas.
Quando se via sem perspectivas e à beira um processo depressivo,
entrou em contato com a proposta dos Encontros para o Bem Viver, passando a
freqüentar um espaço que lhe possibilitou a elaboração de suas perdas e possível
re-significação de sua condição de mulher e de vida.
Posteriormente aos encontros, a entrevistada relatou que aprendeu
a ter uma postura mais positiva frente à vida, a cuidar mais de sua própria saúde, a
ter mais coragem para enfrentar os problemas e a acreditar que atitudes que
proporcionem a elaboração de conflitos internos através de um processo de
crescimento pessoal tornam-se fundamentais para a conquista de uma vida
saudável, tanto física quanto psiquicamente.
Sujeito 3
O sujeito (3) entrevistado é uma senhora de 77 anos, aposentada,
viúva vinte e seis anos. Tem três filhos, oito netos e três bisnetos e atualmente
mora sozinha.
A participante é uma pessoa bastante culta, estudou no Mackenzie,
fez curso de secretariado e iniciou o de química, abandonando-o devido ao excesso
de cuidados de seu pai que vislumbrou, em uma pequena explosão ocorrida em um
dos laboratórios da faculdade, que aquela profissão poderia ser de alto risco.
Frente a uma vida diferenciada dos demais sujeitos já citados, por
residir em uma grande cidade como São Paulo, ter maior acesso à cultura e
oportunidade de conviver com pessoas de visão menos tradicionalista, tornou-se
mais moderna e aberta às novidades, não sentiu muita repressão em sua fase de
adolescência e juventude, tinha liberdade para passear e era fortemente estimulada
a estudar, pesquisar, ler... enfim, em conhecer o novo.
Apesar de ter perdido sua mãe por volta dos 14 anos, podia contar
com o apoio incondicional de seu pai, um homem muito inteligente e seu maior
incentivador em questões relacionadas à intelectualidade.
68
Tem um irmão dez anos mais velho que ela, com o qual mantém,
até o momento, um relacionamento de amizade e confiança.
Considera-se uma pessoa à frente de seu tempo e se sentia
assim desde sua juventude: Eu, numa época antiga, eu era pós-moderna, sempre
fui independente (palavras da própria participante).
Não se sentia reprimida em relação à sua condição de mulher, nem
ao menos tolhida de exercer sua liberdade. Em sua juventude, apesar da timidez
(que a acompanha até hoje), sempre fez o que queria: sempre segui a minha
vontade, tive lá meus apaixonados, fui apaixonada, tive decepções, decepcionei
alguém (fala da própria participante).
Muito bonita, a Srª H. sempre foi vaidosa, preocupada com a
aparência, com a opinião dos outros e com o estar bem trajada para a ocasião que
se lhe apresentava.
Tinha planos pessoais de se dedicar ao trabalho e ao casamento,
entretanto, ao se casar, ela viu seus planos, aos poucos, se modificarem. A
liberdade e o incentivo aos quais estava acostumada foram alterados com o
casamento. Abdicou do trabalho e da profissão para dedicar-se aos cuidados com a
casa e com os filhos, mas sentia-se extremamente dependente do marido. Contou-
nos que, se fosse ao Banco, seu esposo providenciava tudo para que não
necessitasse de enfrentar fila. Apesar de toda a comodidade, algo a incomodava,
não ficava feliz ao se perceber cerceada e sem identidade, mas não conseguia
reagir. As pessoas referiam-se a ela como a mulher do Dr. P: Ninguém me
reconhecia, isso me maltratou muito (fala da própria participante).
Entretanto, todo o poder e domínio exercidos por seu marido eram
extremamente sutis e velados, pois ele a tratava muito bem: eu tinha tanto algodão
em volta (fala da própria participante).
Sua identidade foi constituindo-se dividida entre os papéis de
esposa dedicada ao marido manipulador, os afazeres domésticos e a maternidade,
contrariando tudo o que desejou e planejou para sua vida.
Durante quase trinta anos viveu sentindo-se reprimida por um
casamento que a impedia de ser ela mesma.
Mas quem era essa mulher? Nem ela mesma sabia. Veio encontrar-
se consigo mesma ao deparar-se com a viuvez, fato que fez emergir nela tantos
conflitos e medos que foi acometida por um câncer logo após a perda do marido.
69
Sentia-se perdida ao ver-se sozinha e sem o apoio do
companheiro, mas precisava lutar, pois era sua saúde que estava em jogo. Foi um
processo difícil e doloroso, mas conseguiu superá-lo, sem medicações ou
procedimentos invasivos. Decidida a curar-se, freqüentou por 3 anos, sessões de
psicodrama, até resolver que trilharia seu caminho sozinha, sem apoio ou muletas.
Nesse ínterim deparou com mais um desafio: a entrada na terceira
idade e as conseqüências deste processo: não se reconhecia mais no espelho e se
perguntava onde havia deixado seu rosto. Muito vaidosa, começou a sentir o
processo do envelhecimento com muito sofrimento, pois não queria e não aceitava a
velhice, pelo menos não esta que estava vivenciando, decrépita e sem perspectivas.
Apavorava-se ao ver a pele enrugando e tornando-se flácida,
paradoxalmente, sentia-se mais ágil, mais inteligente e esperta. Sempre se dedicou
aos estudos e à leitura e com a terceira idade estes hábitos foram intensificando-se.
De outro lado, independência e liberdade foram também conquistas do
amadurecimento.
Hoje, dedica-se muito mais a si mesma do que aos outros e não
tem vergonha em assumir seu lado egoísta e prático de encarar a vida:
antigamente eu tinha as crianças e não dava muito pra pensar em mim, depois eu
comecei a pensar só em mim, em primeiro lugar, em segundo lugar, terceiro lugar;
eu acho que todo mundo precisa ser um pouco egoísta, e as mulheres, com o
passar da época, esquecer um pouco de filho, de neto, de bisneto, seja lá o que for.
Essa nova mulher foi sendo construída com o passar dos anos,
num processo de introspecção e amadurecimento, entretanto não isenta de conflitos
e de um intenso investimento em si mesma.
Hoje assume quem é, e gosta do resultado, verbaliza não conseguir
ser de outra maneira e também nem o deseja.
Sujeito 4
O sujeito (4) entrevistado é uma senhora de 60 anos, do Lar, viúva
há seis anos, após trinta anos de casamento; tem um filho e mora atualmente
sozinha.
70
A participante viveu sua infância no Sertão do Ceará, com seus pais
e um irmão seis anos mais novo.
Perdeu seu pai, que era bastante repressor e autoritário, aos 17
anos; sua mãe apesar de mais maleável (fala da própria participante), não
contrariava a autoridade do marido, colocando-se numa posição de submissão e
omissão.
Após o falecimento de seu pai, a participante se viu em meio à
liberdade tão desejada, que sua mãe, com a ausência do marido, passou a ser
mais flexível. Entretanto, sua rotina não se alterou muito.
Ah, eu me acostumei naquele ritmo, mas com minha mãe, eu
aproveitei um pouquinho mais. (fala da entrevistada).
Após a morte do pai, ela dedicou grande parte de sua adolescência
a cuidar de sua mãe e dos afazeres domésticos. Não saía muito, pois não havia
condições financeiras para isso. Aproximadamente aos 19 anos começou a namorar
um moço que seria seu futuro marido. O namoro durou cinco anos. Eles já se
conheciam, eram vizinhos e mantinham, anteriormente, uma relação de amizade.
Após cinco anos de namoro decidiram casar-se. Ela projetava em
seu futuro marido o homem com quem sempre sonhou. Para ela, ele possuía
características que lhe agradavam, que esperava de um companheiro e, como
muitas mulheres daquela época, também tinha expectativas de realização e
constituição do feminino no casamento: formar família e ter filhos.
Portanto, o casamento representava, para ela, a oportunidade de
viver uma vida estável com um marido fiel e dedicado, além da segurança sócio-
econômica. Porém, a abdicação de seus sonhos de voltar a estudar e de se realizar
profissionalmente foi o preço que ela teve que pagar para garantir uma família
saudável e feliz.
Seu marido era um grande companheiro, e a estimulava a fazer as
coisas que não tivera oportunidade enquanto solteira, devido as suas limitações
sócio-econômicas e de acesso à informação, que veio de uma família simples e
de baixa renda, situação somada ao cerceamento imposto pelo seu pai e à saúde
debilitada de sua mãe, a quem se dedicava. Tais estímulos, no entanto, eram-lhe
oferecidos desde que não perturbassem suas ações frente aos papéis de esposa e
de mãe.
71
Assim, o desejo de retomar os estudos e fazer uma faculdade foi
sendo postergado em prol do cuidado e educação do filho, pois toda vez que
externava ao marido o desejo de voltar a estudar, deparava com a mesma resposta:
Ah, não, Bem, não vai sair de casa agora não, não vai deixar o menino com
empregada, porque depois a empregada não cuida direito (fala da participante). E
assim, foi abdicando seus sonhos em favor da família.
Após 30 anos de dedicação àquela vida, deparou com a solidão da
viuvez, ao perder o marido repentinamente, por causa de um enfarto, que a
imobilizou emocionalmente, fazendo-a perder o interesse pela vida. Esse estado
perdurou por três anos e meio, mas com a chegada da terceira-idade, viu
descortinar-se a sua frente um leque de possibilidades para elaborar o luto,
abandonar a tristeza e lançar-se rumo a uma etapa da vida cheia de novas
perspectivas.
Para a participante, o advento da terceira idade proporcionou a
construção de uma nova identidade, com a ventura de resgatar antigos sonhos e
desejos que por opção própria ou imposição da vida e de suas circunstâncias (que
nem a própria participante consegue distinguir), cerceou sua liberdade de escolhas.
O antigo e significativo desejo de dançar foi realizado com seu
engajamento nos bailes da terceira-idade, o que possibilitou o contato com outras
pessoas, ampliando sua rede de relações antes restritas ao marido e ao filho.
Para a participante, as principais transformações com a chegada da
terceira-idade concentram-se no resgate de sua auto-estima, independência e
capacidade para a ação, características estas que se mantiveram camufladas
durante longos anos. Ademais, se sente muito feliz ao ter se transformado em uma
mulher que nem ela mesma imaginava que pudesse vir a ser.
Sujeito 5
A participante nasceu em uma fazenda e passou sua infância e
adolescência em meio rural; está atualmente com 82 anos, viúva trinta e um, tem
quatro filhos e mora sozinha.
72
Sempre fui uma pessoa tranqüila e feliz, apesar de meus pais
terem sido muito severos, não guardo mágoa deles não, hoje entendo o porquê de
algumas proibições (palavras da própria participante).
Cursou até o terceiro ano primário em escola da própria fazenda,
tendo pouco acesso à cultura e informação, salvo pelo rádio da família, por meio do
qual fantasiava a existência de uma realidade totalmente diferente daquela que ela
conhecia e vivenciava.
Durante toda a sua adolescência trabalhou na roça e tinha pouca
disponibilidade para passear e se divertir.
Casou-se aos dezoito anos com um amigo da família, seu primeiro
namorado. O casamento durou trinta e quatro anos e findou-se com a viuvez. Diz ter
sido muito feliz em seu casamento, sendo seu marido uma pessoa muito paciente e
educada.
Com o matrimônio, mudou-se para a cidade, apesar de seu
companheiro continuar em meio rural, pois era dono de um sítio e nele trabalhava
enquanto ela e seus filhos ficavam na cidade para que eles pudessem estudar.
Quanto à maternidade, sempre foi rígida na educação dos filhos,
pois assim que foi criada.
Aos 51 anos, ao perder seu esposo, o que era competência dele foi
aos poucos assumido pelos filhos. Ela administrava o sítio da família, fazia trabalhos
de rotina como ir ao mercado fazer compras, mas sempre com a supervisão de sua
prole. Havia, portanto, uma falsa independência.
Somente após cinco anos de trabalho com os filhos, tomou as
rédeas de sua vida definitivamente, quando passou a freqüentar os grupos e bailes
da terceira-idade, e a perceber-se num momento ímpar de sua existência.
Abandonou a postura de mulher dependente e começou a cuidar de
sua vida e a responsabilizar-se por seus próprios atos. Encontrou na liberdade o
prazer de ser e fazer o que bem entendesse e gozar de uma vida prazerosa,
tranqüila e saudável, além de cuidar mais de si, porém sem sentimentos de culpa.
Tornou-se mais corajosa, enfrentando os preconceitos e lutando por seus direitos.
Neste processo de re-significação, de olhar para dentro e dar mais
atenção a si mesma, passou a investir em propostas que favorecessem a saúde
física, mental e psicológica, realizando atividades de jogos de vôlei, danças, canto
coral e de grupos terapêuticos.
73
Neste afã de buscar um bem-estar global, foi contemplada até com
uma medalha de bronze ao disputar um campeonato de vôlei.
Sujeito 6
O sujeito (6) entrevistado é uma senhora de 60 anos, do Lar,
aposentada, separada do marido, mas não legalmente. Trabalhou durante 10 anos
como auxiliar de enfermagem na cidade de São Paulo.
A participante é mãe de três filhas, sendo duas do primeiro
casamento, quando tinha apenas 15 anos e a terceira, a caçula, da segunda união
numa fase mais madura da vida. Entretanto, ambos os casamentos não deram certo
e atualmente, apesar de seu estado civil ser casada, encontra-se separada do
marido e morando apenas com sua filha mais nova.
Nasceu e morou em São Paulo durante muitos anos e mantinha
uma relação bastante distante com seus pais, sem diálogos ou cumplicidade, apesar
de ter contado sempre com seu apoio, mesmo depois de casada.
A convivência com seu primeiro marido foi bastante conflitante e
permeada por violência física, verbal e sexual, somada a várias traições.
Ele era criança, era autoridade, e eu não podia conversar com
ninguém; se ele via eu conversando com um rapaz no portão ele chegava, me
batia, já batia no moço, assim estúpido, muito horrível (fala da própria participante).
Aos 22 anos percebeu-se só, com duas filhas para criar, sem
trabalho e/ou perspectivas futuras. Mas foi à luta, estudou, arrumou um emprego e
retomou sua vida e a criação das filhas, apesar do sentimento de fracasso em
relação ao papel maternal. Teve alguns namorados até casar-se novamente com o
segundo marido, sete anos mais novo que ela. A princípio, lutou contra o sentimento
que ele nela despertava, mas cedeu à paixão e lançou-se à segunda união; agora,
além do amor, procurava também segurança.
Apesar de o segundo relacionamento diferenciar-se do primeiro,
também foi bastante complicado, pois não sentia confiança no companheiro.
Durante esta união, reviveu alguns problemas vivenciados na
relação anterior, mas permaneceu casada por 24 anos. Como no primeiro
74
casamento, viu-se abrindo mão de sua carreira em prol de cuidar da casa e da
família, o que a fazia extremamente infeliz. Assim, sua identidade novamente teve
que ser reconstruída para a ascensão da esposa dedicada e mãe zelosa em
detrimento da mulher independente e dona de seu nariz que decidia por ela mesma
o destino de sua vida.
Tais transformações acarretaram prejuízos frente à sua condição de
mulher, englobando suas necessidades, aspirações e desejos, os quais, a
participante acredita, não foram respeitados e muito menos considerados.
Mediante tudo isso somado a uma traição, optou pela separação
pela segunda vez.
Essa decisão coincidiu com sua entrada na terceira idade, fato que
elucidou e/ou intensificou o desejo de investimento na busca de sua verdadeira
identidade. Passou então a engajar-se nos diversos movimentos da terceira idade,
como a participação em grupos que objetivavam o autoconhecimento e crescimento
pessoal através de discussões e reflexões acerca de temáticas referentes ao
universo do idoso, além de atividades de lazer como bailes e eventos da terceira
idade.
Como conseqüência deste processo interno concomitante ao
amadurecimento advindo da fase da terceira idade, sentimentos e sensações nunca
antes vivenciadas passaram a fazer parte de sua vida, como: segurança,
independência, auto-confiança e liberdade.
Embora a participante tenha iniciado um importante processo de re-
significações e reformulações de sua condição enquanto mulher, questões
relacionadas à feminilidade como: cuidados com o próprio corpo, aceitação das
transformações decorrentes do tempo e relação com sua própria sexualidade, foram
aos poucos negadas, fazendo-a comportar-se e vestir-se de modo a abafar sua
feminilidade e sensualidade.
Sujeito 7
O sujeito (7) entrevistado é uma senhora de 62 anos, professora
aposentada, solteira, morando atualmente sozinha.
75
A participante sempre foi uma pessoa bastante reservada e
dedicada aos outros.
Passou sua adolescência na cidade de Araçatuba-SP, morando
com os pais e os irmãos. Sua juventude foi direcionada aos estudos e ao trabalho. A
quarta mais velha de uma família de nove irmãos, sendo destes quatro mulheres, a
senhora D. era a mais caseira e reservada. Enquanto suas irmãs saíam e
paqueravam, D., no máximo, se aventurava a umas voltinhas na praça.
Aos vinte e um anos formou-se professora e passou a exercer o
magistério na cidade de São Paulo, onde permaneceu por dois anos. Voltou, então,
para Araçatuba e trabalhou em uma escola primária da zona rural durante um ano;
após essa experiência, mudou-se para Lins (cidade próxima à Araçatuba) para
ministrar aulas em uma APAE; depois novamente retornou a São Paulo e se efetivou
em escola municipal.
Por causa de sua vida sempre voltada ao trabalho e aos afazeres
domésticos, auxiliando sua mãe, ela usufruía pouquíssimo tempo dedicado a
momentos de lazer ou namoros. Somente aos 29 anos é que iniciou uma relação
que perdurou por um ano e meio, mas que se findou.
Viveu por 10 anos em São Paulo, morando junto com seus pais e
viu seus irmãos casarem, terem seus filhos e formarem suas respectivas famílias.
Após uma década vivendo na capital paulista, em busca de
qualidade de vida, grande parte da família começou a planejar o retorno à cidade
natal. Neste ínterim, a morte da irmã caçula de 27 anos, vítima de um acidente de
lancha no litoral paulista, acelerou o retorno a Araçatuba, o que foi providencial.
Aos poucos, começou a refazer sua vida nessa cidade. Entretanto,
dois anos depois, viveu mais uma perda, a de seu pai, vítima de um câncer, a quem
se dedicou até seu falecimento. Após sua perda, continuou morando com sua mãe e
cuidando dela que veio a óbito após seis anos, devido à mesma enfermidade que
lhe havia tirado o pai.
Todas as perdas foram intensamente vivenciadas pela participante,
mas a de sua mãe foi a mais significativa e sofrida, pois levou a senhora D. a um
processo de depressão e isolamento.
Movida pela solid
ão e sentindo-se perdida por não ter a quem se
dedicar e de quem cuidar, decidiu morar na companhia de sua irmã e de sua família.
Essa decisão não foi correta, pois mediante as dificuldades de convivência e por não
76
sentir-se à vontade, foi levada a enfrentar a situação de morar pela primeira vez, aos
45 anos, sozinha.
A necessidade de re-significação de sua identidade exacerbou-se
com a aposentadoria e a entrada na terceira idade. A solidão e a ociosidade a
impulsionaram a procurar algo que desse sentido a sua vida, preenchendo-a, mas
que continuava a mascarar sua feminilidade. O seu engajamento e dedicação à
religião e às atividades propostas a partir disso, fizeram-na dar continuidade ao seu
ofício: o de dedicar-se aos outros, agora de uma forma diferente, mas não menos
importante e significativa para ela. Frente a esta nova realidade, os sentimentos de
realização e ação produtiva foram então resgatados de acordo com sua perspectiva
de vida e de felicidade. Porém, como já dito, sua feminilidade que por tantos anos foi
sufocada e negada, na terceira idade novamente é posta de lado.
5.2 Análise das entrevistas
As entrevistas foram submetidas a uma análise de conteúdo,
conforme a proposta de Bardin (2004). Primeiramente, foi realizada uma leitura
inicial para a identificação de temas e, na seqüência, fizemos o estabelecimento de
categorias de acordo com os assuntos que emergiram nas falas dos sujeitos. Para
cada tema selecionamos trechos mais significativos dos relatos das participantes.
Escola, informação e ambiente cultural
No conjunto de falas a seguir, observamos o quanto a instrução,
assim como o acesso à informação são fundamentais na constituição da
feminilidade, incluindo atitudes frente à vida e às escolhas.
Isso se intensifica principalmente nas mulheres idosas, por terem
feito parte de uma camada da população que se manteve em desvantagem em
relação ao acesso à educação, devido terem vivido em uma época em que a
constituição do feminino atrelava-se essencialmente aos cuidados da casa e às
77
atividades domésticas, principalmente nas classes menos favorecidas
economicamente.
...almoçava em casa 9 horas e saía pra escola, e na volta
era mais 4 quilômetros pra voltá, isso era todos os dias, eu fiz
até o segundo ano primário nesta escola, que era uma escola,
num, era rural, que ela era da... da... cidadezinha de perto da
onde eu fui criada, com 10 anos eu vim pra cá (Araçatuba.)
(Sujeito -1)
Podemos perceber no depoimento acima que, apesar de a
constituição do feminino não estar atrelada à educação, ainda mais na zona rural
onde o trabalho assumia total prioridade, a participante não media esforços para se
sentar no banco da sala de aula para aprender, caminhando vários quilômetros até
chegar à escolinha rural.
Este esforço se apresenta intensificado no relato da entrevistada 2
que mediante uma vida de sofrimento e trabalho, repressão e ausência da figura
materna, já que a mãe permanecera boa parte da vida internada em hospitais
psiquiátricos, ainda encontrava disposição para aprender a ler por si, utilizando um
livrinho no qual marcava suas dúvidas para serem sanadas pela madrasta na manhã
seguinte. Essas leituras eram feitas durante as madrugadas com intuito de esconder
o fato de seu pai porque ele poderia não gostar e castigá-la, pois era muito severo.
-...meus irmão estudô e a cavala aqui trabalhava na roça,
divia estudá de noite quando chegava do serviço, da roça e eu
fiquei sem estudá nada ela (madrasta) me ensinô a lê o
livrinho do Padre Donizete do Tambaú e eu tinha uma cabeça
boa com toda a pobreza, com toda a dificuldade, mas eu
consegui decorá aquela estória do Padre Donizete eu
comecei soletrá. Punhava aquele livrinho e decorava as estória
igual decora uma música de Tonico e Tinoco, punhava o
livrinho debaixo do travessero e estudava de noite assim,
marcava onde tinha aquela letra muda, punhava um xiszinho
com lápis no outro dia mostrava pra ela, falava pra ela, ela
falava, isso num vale essa palavra é assim porque essa letra é
muda. Então aprendi lê, fiquei vinte anos sabendo mais num
sabia escrevê
78
-...meus irmão ia pra escola
Neste discurso além das dificuldades para estudar, observamos a
diferença em relação ao gênero. Os irmãos do sexo masculino, mesmo em meio às
dificuldades, tiveram oportunidade para estudar; já nossa entrevistada não. Esta
diferenciação advém da cristalização do papel feminino ligado à subserviência e à
renúncia. As oportunidades eram destinadas e priorizadas ao sexo masculino, que
se mantinha em posição superior à figura feminina, restando à mulher realizar-se
apenas com o papel de cuidadora. Como salientado por Moro (2002),
o estereótipo da
mulher prendada, boa dona de casa e esposa fiel estavam no imaginário de ideais da
mulher daquela época.
(Sujeito 3)
-...estudava no Mackenzie, ele (o pai) era escritor, colaborava
com revista, muito inteligente, então ele sempre me empurrou
pro estudo, então foi muito bom pra mim isso, estudei, me
formei, trabalhei.
-...Muito, estimulou muito (o pai), a escrever, então eu lia
muito, escrevia muito, então eu estava sempre sobre a
orientação dele nessa parte intelectual e mental.
Já nas verbalizações da participante descritas acima, deparamo-
nos com outra realidade. O grau de instrução dos patriarcas das famílias,
intrinsecamente associado à questão sócio-econômica, abre caminho, mesmo para
as mulheres, para expandirem seu universo de vida mantendo contato com outras
culturas por meio de viagens, arte, música, entre outros. Estas vivências podem
contribuir para um olhar mais amplo e menos estereotipado da condição humana,
incluindo a própria feminilidade. É o que notamos neste recorte do discurso da
participante.
A situação sócio-econômica apresenta-se como fator significativo
no distanciamento das mulheres da vida escolar e do acesso à informação, como se
pode visualizar na comparação das falas dos sujeitos 3 e 4.
79
-...lá no sertão, do Ceará, o que se aproveita ali, não tem nada.
A gente fica quase que meio adulto, porque você fica
convivendo com pessoas adultas sem ter nada pra se distrair,
pra ver (Sujeito-4)
É compreensível a verbalização da entrevistada 4, ao referir-se a
um amadurecimento precoce, pois brincar ou estudar são postos de lado quando as
condições de existência são extremamente precárias e a labuta pela sobrevivência é
o centro das preocupações e dos esforços. Nesse contexto de extrema dificuldade, o
desejo é de tornar-se adulto logo, para poder ajudar a ganhar o pão de cada dia.
Relatos de uma vida dura e de extrema privação surgiram com freqüência em
momentos de reflexão no grupo Encontros para o Bem Viver, em meio a muita
emoção e tristeza.
Em outras verbalizações, a participante, referindo-se também às
dificuldades por ela enfrentadas, enalteceu o compromisso e o amadurecimento de
seu irmão, que na época tinha apenas 11 anos, ao assumir o papel de chefe da
casa, com a morte do pai, enquanto ela assumiria a casa e sua organização, além
de cuidar de sua mãe adoentada. Assim, em meio a tal realidade, os estudos e o
acesso à educação foram projetados para um futuro distante, mas que a tão pouco
conseguiu chegar.
Podemos notar também que existem várias maneiras de lidar com a
aprendizagem. Sabemos que a forma como a família se organiza em torno da
aprendizagem influencia sobremaneira todos os seus membros. Somente a título de
breve consideração, a teoria sistêmica familiar defende a idéia de que muitos dos
distúrbios e dificuldades de aprendizagem originam-se como sintoma da
desorganização familiar.
No depoimento da entrevistada 5, apesar de ter freqüentado pouco
tempo a escola, ela se mostra como uma pessoa curiosa e atenta. O interesse pela
leitura e a curiosidade pelo novo sempre a acompanharam. Para ela, toda vez que
se depara com um livro, sente estar em outro mundo, onde é possível ser e agir
como queira. Este movimento de fantasiar e vislumbrar lugares diferentes mediante
a leitura, segundo a participante, é mérito de seu pai, seu maior incentivador. Para
ela, seu pai era um visionário, qualidade bastante exaltada em seu discurso:
80
-...Três anos de escolinha, aprendi muito, graças a Deus.
-... ele (o pai) gostava muito de ler, ele exigia alguma coisa
importante, ele exigia que a gente lesse que fazia a gente ler o
jornal, então assim acho que isso era uma rigidez dele, mas
hoje que eu sei que ele fazia isso pra gente aprender, como ele
dizia, eu era bem criança, quando ele comprou o primeiro
rádio, ele tirou a pilha grande, enorme, e ele dizia que um dia a
gente iria ver a pessoa falando, então eu dizia, eu ficava
pensando como pode ser uma coisa preta, e a gente vendo
uma pessoa falando, justamente era a televisão, ele morreu e
não conheceu.
Como Néri (2001) coloca, a desvalorização ou a extrema
dificuldade de acesso à informação e à cultura induz a previsão de uma velhice
marcada pelo declínio das habilidades intelectuais, mas, como a autora mesma
salienta, não é o que acontece. Para ela, a realidade das mulheres idosas contraria
previsões de uma vida apática, de desgastes ou de limitações cognitivas. O que
presenciamos é a manutenção de posturas p-ativas frente aos desafios do
envelhecimento. As mulheres idosas que participaram de nossa pesquisa
mostraram-se, predominantemente, estimuladas a vencerem as barreiras e os
desafios e a verem, no advento da terceira idade, a oportunidade para resgatar os
prejuízos decorrentes da falta de oportunidades ocorridas ao longo de seu curso de
vida.
Neste processo de busca de compensação para frustrações e
carências anteriores, muitas destas mulheres iniciaram tardiamente a alfabetização,
como a participante 2: eu fui pra escola com 52 anos de idade. Outras, no
intuito de se aperfeiçoarem, participam de cursos variados que estimulam o
raciocínio e a memória, além da busca de informação através da internet. Cabe
mencionar que a informática é uma tecnologia cada vez mais utilizada pelas
pessoas da terceira idade, principalmente, para a comunicação com entes que lhes
são queridos, como seus netos.
É importante destacar aqui o quanto é fundamental e estimulador,
para os idosos, o sentimento de pertencimento ao mundo globalizado e a inclusão
nele. É perceptível a satisfação e o contentamento no semblante de seus rostos ao
conseguirem mandar um e-mail para uma pessoa amiga ou conseguir conversar
com um parente que está em outra cidade ou em outro país, através de uma
81
máquina. Os sentimentos de estranhamento e do maravilhar-se se intensificam ao
depararem com a imagem do outro refletida na tela do monitor, ainda mais quando
percebem que esta imagem pôde ser recebida e transmitida através de uma micro-
câmera.
Adolescência, liberdade e submissão à autoridade dos
responsáveis
A adolescência caracteriza-se por ser uma etapa do
desenvolvimento humano, bastante singular; uma fase de transição, composta por
significativas mudanças físicas e psicológicas que alteram efetivamente o
relacionamento com o próprio corpo e com o outro. É um período de intenso conflito
e insegurança, pois o corpo está em acentuada transformação, sente coisas que
jamais havia sentido, sua aparência se aproxima à do adulto, mas ainda persistem
muitas características da infância.
É importante considerar que para a perspectiva teórica adotada
nesta pesquisa - a teoria do curso de vida - nenhuma etapa da vida é pré-
determinada ou ocorre de forma linear, além do que não é tida como vivenciada de
maneira homogênea pelos indivíduos, sob o comando de universais.
Estamos aqui elencando algumas características comumente
vivenciadas pela maioria dos adolescentes nesta fase, levando em consideração, no
entanto, que essas não podem ser tomadas como regra, tampouco como única
forma de compreensão desse processo.
Entretanto, na década de 40 e 50, período em que as mulheres que
estão hoje na terceira-idade viveram sua adolescência, esta etapa da vida era
constituída e sentida de maneira bastante diferente de como é vivenciada hoje.
Aspectos como ingenuidade e inocência representavam a adolescência daquela
época; contudo essa inocência dividia espaço com as obrigações e
responsabilidades com as quais as moças de então tinham que conviver. Era um
misto de inocência e despreparo com responsabilidade e amadurecimento. Elas
tinham que amadurecer, embora muitas vezes ainda não estivessem preparadas
emocionalmente e/ou fisicamente para isso. Esse amadurecimento precoce vinha
82
acompanhado das exigências e do modo de vida da sociedade daquela época, na
qual o espaço destinado às mulheres limitava-se aos metros-quadrados do lar, como
destacado por Moro (2002).
Neste contexto, as moças tinham seu futuro traçado através dos
mandamentos da época, que prescreviam a elas tarefas de auxílio nos serviços
domésticos e a aprendizagem de afazeres como bordado, costura, culinária,
atributos que toda moça de família deveria dominar.
A diferença mais marcante entre a adolescência atual e a da época
das senhoras idosas de hoje, refere-se ao tempo e sua durabilidade. Podemos
considerar que, na época das senhoras, a adolescência era praticamente
inexistente, se formos analisá-la através dos parâmetros e modelos que temos hoje.
As mocinhas casavam-se cedo e logo passavam a ter responsabilidades de dona do
lar e esposa. Assim, frente àquele contexto, e às perspectivas de amadurecimento e
internalização de papéis de mulher, a vivência dessa transição era prejudicada. o
havia liberdade, os passeios e o lazer, quando existentes, eram extremamente
vigiados e barganhados, pois a prioridade era o aprendizado das prendas
domésticas. A construção do feminino era atrelada à figura da dona de casa e
esposa.
É o que observamos ao analisar os relatos das participantes 1 e 2 a
seguir:
-...mocidade assim, difícil porque as netas (referindo-se à
ela mesma) não tinham liberdade a liberdade que tinha era
passear, ir na praça, mas meu avô ia junto.
-... na minha mocidade, quando eu deixei de estudar, eu fui
aprendê bordá, eu fui aprendê costura, fui aprendê cozinha,
quer dizer, fui ser, ser prendada, porque a moça tinha que ser
prendada, tinha que aprendê a fazer de tudo, então foi o que
aconteceu comigo, eu fui aprendê (Sujeito-1)
-...Ah era muito medrosa, o pai era muito severo demais,
muito, ele falava cala boca e trabaia, trabaia e cala a boca,
pra i numa missa lá de Potirendaba pra i no coqueirar na
missa, era difícir, precisava, injoeiá nos e pedi Pelo Amor
de Deus pra deixá i numa missa que a gente tinha seus 14,
15, 16 anos, tinha vontade de gente , não era na roça,
então foi uma vida muito sofrida (Sujeito-2)
83
Observa-se, nas falas dos sujeitos 1 e 2, a educação repressora da
época. Havia uma carência de diálogos entre genitores e filhos, particularmente
intensificados na educação das meninas, que não contavam com nenhum benefício
frente à sua condição feminina, pelo contrário, trabalhavam como mulheres adultas,
preparando-se para tornarem-se mulheres prendadas e boas donas de casa.
A estereotipia do papel feminino e as diferenças entre os gêneros
em relação à moralidade, segundo Birman (1999), eram intensamente enraizados na
sociedade daquela época e ainda hoje o são. É o que aparece nos depoimentos da
entrevistada 3, que apesar do alto grau de instrução e cultura de seu pai, somados
à sensação de ter ela estado à frente de seu tempo, apresentam-se como
contraditórios, ao fazer alusão, no segundo depoimento a seguir, à postura do pai
frente a questões relacionadas aos comportamentos ditos como aceitos e
adequados socialmente. Nesse discurso acaba por enfatizar as desvantagens da
mulher perante o homem, denunciando a ambivalência de opiniões dele, que
tendem a corroborar com a manutenção dos preconceitos associados à figura
feminina:
-...Ia em bailinho no Mackenzie, Rio Branco.
-...Se eu não quisesse, eu não ia pela vontade de ninguém,
quero ir ao baile vou, se não quero , não quero, eu fazia o que
eu queria, eu sempre seguia a minha vontade(Sujeito- 3)
-...Talvez um pouco mais adiantada que as meninas da minha
época, mas como eu freqüentava o Mackenzie já era diferente,
um colégio diferente, eu então, mais ou menos eu me adaptei
com aquele estilo de vida.
-...nessa idade como todo mundo, ia em bailinho no
Mackenzie, Rio Branco, meu pai era muito inteligente(Sujeito-
3)
-...Meu pai era muito inteligente, ele não era ruim, desses pais
que tolhia os filhos não, ele dava toda liberdade, e a gente
tinha diálogo muito diálogo com ele. Eu numa época antiga eu
era pós moderna, sempre fui independente, ele gostava que eu
fosse assim, mas falava que tudo sempre aparece, então eu
parava pra pensar(sujeito 3).
84
Ao refletir sobre tais verbalizações, percebemos o quanto a mulher
era estigmatizada pela sociedade, mesmo que de forma camuflada, e quanto teve
de lutar para garantir um pouco de liberdade e autonomia sobre suas vidas.
A sensação de não possuir as rédeas de suas vidas era comum.
O poder e a autoridade do macho eram o fortes que a figura feminina foi sendo
construída a partir do que era conveniente a ele, diferenciando-se de época em
época e tempo em tempo. Como salienta
Veiga (1997 apud BAMPI, 2001), ora era
rotulada de bruxa, em outros momentos, era vista como dama puríssima, entre outras.
-...A adolescência pior ainda, você quer sair, ele (o pai) não
deixava. Minha mãe era até assim, mais maleável que ele era, aí
que piorou. Na adolescência ficou pior do que quando eu era
criança, porque ele começou com esse negócio de não
deixar sair, simplesmente não saía. Por exemplo, se ele
deixava sair num domingo, pra dar uma voltinha, no domingo
seguinte ele já não deixava.
-... ele é quem mandava, ele que ia resolver se deixava ou não.
Minha mãe deixava, ela falava: por mim tudo bem, mas vai
pedir para o seu pai. Não ia contra. Porque quando ele falava
não, era não.
-...Quando meu pai morreu, a família toda falava, agora a D.
vai poder aproveitar um pouco mais, poder passear mais, sair
mais (Sujeito-4)
-...Meu pai levava a gente no baile, mas precisava saber
também, onde era o baile, se ele podia levar, e a gente podia ir,
então era muito, não era toda casa, todo lugar que ele levava;
ele sempre que levou, nunca a gente foi com amigas nada, com
ninguém (Sujeito-5)
-... Se a gente quisesse ir em tal lugar, tinha que levar o
irmão, o irmão tinha que olhar (Sujeito- 6)
Vemos também constatado nos relatos, principalmente no do
sujeito 5, a relação de poder e a ascensão da figura masculina frente à feminina,
representados pelos papéis de pai e chefe da casa. Torna-se evidente em suas
verbalizações, o quanto a figura masculina era temida e respeitada, e sua vontade
só deixava de ser regra e ordem suprema, após a morte. Prova de que o masculino
85
era representante de poder e respeito, é o que vemos no depoimento da participante
6 cujo pai só a autorizava a sair, sob os cuidados do irmão.
Estas verbalizações vêm confirmar o que Birman referenciou em
1999, sobre a condição de superioridade da figura masculina em relação à feminina
e do quanto este pensamento era enraizado no imaginário da sociedade,
culminando com o levantar-se da possibilidade, no início da era cristã, de que a
mulher seria um homem imperfeito. Outrora, a rigidez do pensamento referente à
condição da mulher levava-a a ser igualada aos escravos, não sendo muitas vezes,
nem ao menos considerada cidadã. Alguns estereótipos atrelados à constituição do
feminino persistiram por um longo período, vindo a alterar-se a partir do século XX
(GREEN, 2000).
Nos relatos dos sujeitos 3 e 6 deparamos com a liberdade e uma
visão menos ortodoxa de educação. Em ambos os casos, esta maleabilidade
advinha dos costumes e da vivência da cidade grande, situação que colaborava para
uma visão mais aberta perante atitudes e comportamentos, que, ao se viver em
uma cidade maior, inevitavelmente depara-se com uma diversidade de costumes e
pessoas, fato que pode contribuir para a dissolução de visões engessadas e
padronizadas.
(Sujeito-6)
-...adolescência foi melhor do que criança, porque criança tem
aquele negócio, o pai prende, segura, eles não eram assim
muito, tinha muita confiança.
Vê-se que no relato da participante 7, apesar de destacar viver num
ambiente onde a liberdade era mais acessível, ela não usufruía disso, não por
imposição dos responsáveis, mas por opção própria. Essa participante distancia-se
do feminino daquela época, pois não investiu no plano de construir uma família nem
sonhou ser mãe; e embora tais papéis, como se percebe, por muito tempo fossem
impostos socialmente, algumas mulheres não os aceitaram. Entretanto, arriscavam-
se a cair em outro estereótipo: o de titia, tão pejorativo quanto os outros, a partir do
momento em que entra no âmbito da padronização ou categorização, a de mulher
mal-amada. Tais amarras sociais levam as pessoas a perderem a
espontaneidade, impedindo-as de se distinguirem dos demais e de exercerem o que
86
lhes é de direito, isto é, sua individualidade e singularidade (ser quem realmente são
e agir conforme seus valores e sentimentos). Neste aspecto, devemos ser
cuidadosos para não incorrermos no mesmo erro: o de olhar para o ser humano de
maneira uniforme, ao não considerarmos suas particularidades, inclusive sua visão
de mundo, desejos e aspirações.
(Sujeito 7)
-...minha adolescência foi assim: estudava, trabalhava e de
vez em quando dava umas voltinhas na praça Rui Barbosa.
-...Estudava, trabalhava em casa e também de empregada
doméstica.
-...Era muito difícil sair, de vez em quando dava uma voltinha
na praça, esse era o divertimento.
-...tinha liberdade (em relação a como os pais lidavam com a
liberdade)
Trabalho
Força e virilidade são características atreladas ao universo
masculino desde seus primórdios, há milhares de anos, quando o homem primitivo
saía para pescar e caçar animais selvagens a fim de trazer alimento para sua prole,
enquanto a mulher cuidava dos filhos, da colheita de frutos silvestres e do preparo
dos alimentos. As tribos indígenas também têm formas de organização bastante
semelhantes em torno do trabalho: os homens são encarregados da pesca, da caça
e da derrubada de árvores e as mulheres se dedicam ao plantio e à colheita, ao
cuidado com os filhos e ao preparo da comida. São formas de organização humana,
tidas como referência, e que vêm se reproduzindo por muito tempo. Importante
destacar que não vivemos na Idade da Pedra, nem em uma comunidade indígena
no meio do mato, mas os formatos, salvo as alterações que foram surgindo com o
passar do tempo, ainda são bastante representativos no imaginário da humanidade.
Partindo dessa perspectiva, vemos o quanto mulheres de hoje estão, cada vez mais,
alcançando seus direitos e derrubando tabus durante tanto tempo cristalizados.
Ainda há muito o quê se fazer, mas suas conquistas estão retirando-as da sombra
da figura masculina e colocando-as em destaque.
87
A partir dessa visibilidade que teve seu marco no movimento
feminista, vimos emergir uma nova feminilidade. Assim, segundo Birman (1999), a
partir do Feminismo houve um afrouxamento na rigidez dos papéis de nero; o
estereótipo da mulher Amélia de outrora, que destinava toda sua energia aos
afazeres domésticos e à servidão à família, que de acordo com as palavras de
Kristeva (2007, p. 313), esse gosto pelo serviço e pela submissão beirava à
escravidão e ao masoquismo, vem aos poucos se diluindo e abrindo espaço para a
emersão da mulher independente que busca autonomia, tanto de ordem financeira
quanto emocional.
Vemos hoje, no cenário atual, a ocupação, em massa, do sexo
feminino no mercado de trabalho, nas mais diversas áreas de atuação.
Entretanto, no universo das mulheres que se encontram hoje na
terceira idade, a relação com o trabalho não teve a conotação de realização
profissional e pessoal (aliás, mantinha-se totalmente à parte da constituição do
feminino), mas em sua maioria esteve ligada estritamente à sobrevivência e às
necessidades. Como observação, faz-se importante destacar que o trabalho
feminino hoje não se associa apenas à realização e autonomia, pois muitas
mulheres entram no mercado de trabalho por necessidade, aliás, a grande maioria.
Entretanto, vemos uma valorização maior e formas diferentes de lidar com o
trabalho. Sobre a realização pessoal e profissional, o que presenciamos na maioria
das participantes da pesquisa que tiveram vivência laboral fora de casa, é que o
trabalho, para elas, servia apenas como alternativa para suprir as dificuldades,
principalmente na ausência da figura masculina.
Trabalho na infância
As falas a seguir destacam bem a relação das mulheres com o
trabalho, desde a infância, até a idade adulta.
Neste primeiro agrupamento vemos que apesar da educa
ção
repressora voltada às meninas, particularmente intensificadas em referência à
questão da feminilidade na qual se englobavam aspectos como virgindade e
submissão à figura masculina, a mesma educação não era vigente em relação ao
88
trabalho. Neste aspecto, tanto as meninas quanto os meninos, eram submetidos à
rigidez dos pais daquela época.
-... Nossa! Ela tem que ser tratada como uma rainha, mas ele
não me tratava como uma rainha não, por causa de ser só uma
mulher eu era tratada igual os filho homi, mesma coisa, tinha
que trabaía memo (Sujeito- 2)
-...A criação da gente foi assim, eu trabalhei muito, trabalhei
muito na roça, dos 10 anos até casar com 18 anos, trabalhei na
roça. Então, a gente só sabia trabalhar e obedecer (Sujeito- 5)
-...pra passear, isso eles eram mais liberais com os meninos.
Mas o tratamento assim de filho era o mesmo.
-...nós meninas também começamos a trabalhar cedo, na
parte de questão de trabalho era igual (Sujeito 7)
Trabalho na fase adulta
Porém, após tornarem-se adultas, as diferenças entre os gêneros
torna-se presente em relação ao trabalho, como já mencionado anteriormente.
Como referenciado por Freitas et al. (2002), o surgimento de alguns
acontecimentos não esperados ou eventos não-normativos ocasionados na vida de
uma pessoa, tendem a suscitar nas mulheres a reformulação de seu papel feminino,
exigindo muitas vezes a mudança de postura e de atitudes, como na viuvez, quando
este evento impulsiona as mulheres a reverem seu comportamento. Presenciamos
este processo na vivência da participante 1 que, ao deparar-se com a viuvez,
precisou reformular sua postura frente à vida e começar a trabalhar, movida
inicialmente pelo instinto de sobrevivência, que tinha que sustentar os filhos. A
participante 2, embora impulsionada por outras necessidades, como a falta de apoio
do marido, também teve que re-significar seu papel feminino e enfrentar o trabalho
árduo da roça para prover o sustento dos filhos.
... olha trabalhar, eu não trabalhava; naquele tempo emprego
público não era como hoje que é concurso, era oferecido
emprego público. Quando eu fiquei viúva, como o meu marido
era uma pessoa muito social, muito conhecido, meu marido
89
tinha agência de carro e tinha 2 deputados em Araçatuba na
época e os 2 foram na minha casa oferecer emprego público.
Mas meus avós eram assim aquelas pessoa que achavam que
não podiam trabalhar, falavam você não tem... os meninos não
tem pai e não tem a mãe! Então não dá, eu falei eu dizia
assim, eu vou te dá, como é que é, eu te dá vara e te
ensiná a pescá, então me deu a vara e eu fui pescá. o que
que eu fui fazê? Eu fui fazê serviço de home: eu fui criá gado,
eu fui engordá gado, eu fui pro frigorífico, tudo isso que eu
fazia. Minha família toda vida mexeu com fazenda, então foi
essa a minha profissão até criá os menino. (Sujeito- 1)
Vemos descritos neste recorte que, apesar da idade, a participante
mantinha uma relação de obediência à figura de autoridade, neste caso,
representada pelo avô. Tal postura reforça a posição de desvantagem que a mulher
vivia, independente de ser viúva ou não, estando sempre à sombra de um homem.
O avô externa bem nesta passagem, a constituição do feminino atrelado à
maternidade, a mulher que deve sempre estar ao lado do filho.
-...É eu trabaiava e tinha um empregadinho no sítio, então
tinha aquela rendinha, mas eu plantava mandioca, plantava
batata, nossa eu lutava, e mandioca pra te fartura pro fii
(Sujeito- 2)
Apesar de termos mencionado que o trabalho para a maioria das
mulheres não tinha conotação de realização pessoal, os depoimentos dos sujeitos 3
e 7, acenam para uma realidade bastante incomum àquelas que viveram sua
juventude em meio rural em meados das décadas de 40 e 50, pois o trabalho
feminino na grande cidade proporcionava-lhes o status de independência.
Entretanto, esta independência era censurada após o casamento, pelo marido. Nos
casos 3 e 6, as participantes contavam, quando solteiras, com o estímulo da família
para trabalharem e serem independentes, mas, após o casamento, passavam a ser
impedidas por seus companheiros. Estas diferenciações servem para confirmar que
não existe uma padronização frente à questão da feminilidade das mulheres e que
as mudanças não levam em conta apenas os aspectos de gênero, mas questões de
ordem social, econômica e emocional.
90
-...Eu trabalhava, tinha uma vida independente naquela época,
porque eu saia pra trabalhar em São Paulo, deixava o
apartamento e voltava de noite, como secretária de saúde:
trabalhava o dia inteiro, depois ia jantar fora.
-...tive que parar de trabalhar e ficar em casa(após o
casamento) (Sujeito- 3)
-...Não, minha vida aqui foi dedicada ao trabalho, a minha
mãe, as sobrinhas, só. Não tive assim, muitos divertimentos
(Sujeito 7)
Somado ao status de independência, de acordo com as palavras da
entrevistada 7, podemos evidenciar um outro movimento: a negação do contato com
aspectos ligados à feminilidade.
-...meu irmão não, ele falava pra mim: você tem que trabalhar,
acordar pra vida, se dar mais valor, ficar mendigando
dinheiro pra ir no cinema, pois meu pai dava tudo mais não
assim roupa cinema, dava mais na parte de abrigo, aí meu
irmão pegou no meu pé, aí que eu fui pegando o jeitinho,
comecei no primeiro hospital.
-...Ele (o primeiro marido) não mandava eu trabalhar. Não
queria Me queria dentro de casa, morando nos fundos da casa
do meu avô, ele mantendo tudo (Sujeito 6)
Logo abaixo, nos depoimentos das participantes 4 e 5,
deparamo-nos com o feminino caracterizado pelos papéis da mulher cuidadora e
dedicada à família, os ditos padrões de comportamentos esperados naquela
época. Nesta conjuntura, Nader (1997 apud MORO, 2002) salienta que a identidade
da mulher passa a ser construída em torno do casamento, da maternidade, da vida
privado-doméstica.
-...Não trabalhava, não, eu ficava com minha mãe, porque
ela era muito doente e não dava pra eu trabalhar. Quando ela
ficava doente eu tinha que assumir tudo de casa (Sujeito- 4)
-..Me dediquei sempre à família, aos filhos, casa, nunca
trabalhei fora (Sujeito- 5)
91
Namoro e repressão
-...tinha namorado e ele ia junto e ficava esperando lá no
banco; quando acabava de passear a gente vinha embora e o
velho vinha junto. Eu falo pro meu marido aqui que a minha
mocidade foi muito presa, não tenho saudade da minha
mocidade. Minha infância foi muito boa, mas a mocidade não;
acho que é até por isso que as moças casavam muito cedo,
porque não tinha liberdade nenhuma.
-... eu era e da minha mocidade eu não tenho saudade porque
eu fui muito submissa, eu não tinha liberdade pra saí, nada,
sabe, era aquele namoro que às 9 h tinha que tá em casa.
-... não, não, não, saí assim, quando eu fiquei noiva, que eu fui
nu...nu...cinema que eu fui no cinema com meu marido, porque
num tinha liberdade, as moça era moça mesmo, era muito
preservada a virgindade, sabe então não tinha isso de hoje era
totalmente diferente o modo de ser (Sujeito- 1)
-...Namoro, nossa, ele (o pai) era rígido. Ele falava se eu
encontrar você pelas esquinas namorando, pra namorar, tinha
que falar pra ele, tinha que vir com o namorado até em casa.
-...Naquela época não chega nem perto de hoje, nem pertinho
chega, fia, porque a gente também naquela época, a gente
namorava, mas o que acontecia? Ficava mais namorando em
casa, do que saindo, porque naquele tempo, tinha o que?
Cinema, e nem sempre você tinha dinheiro pra ir no cinema,
quando tinha a gente ia no cinema, quando não tinha ficava em
casa (Sujeito- 4)
-...naquela época sim, né, naquela época reprimia. Naquela
época, por exemplo, tinha uma moça, se ela engravidasse,
nossa, era um assim, um fim do mundo. Imagina naquele
tempo, uma moça, tá namorando e fica grávida. Hoje em dia,
isso é a coisa mais normal, a pessoa ficar grávida (Sujeito- 4)
Nestes relatos, vemos evidenciado o controle sobre os desejos e
vontades. A virgindade era tida como algo precioso, um tesouro que deveria ser
guardado e protegido, um símbolo de castidade e pureza, um bem maior bastante
valorizado pela sociedade na época.
Havia todo um ritual e exalta
ção em torno da pureza da moça, a
qual deveria ser entregue ao seu marido, na noite de núpcias.
92
Notamos também que as moças projetavam, na figura de seus
amados, o estereótipo do príncipe encantado que chegaria, em seu cavalo
branco, para salvá-las das agruras do pai castrador, para levá-las até o castelo num
longínquo lugar, onde teriam seus filhos e viveriam felizes para sempre.
Entretanto, em meio à fantasia, a realidade ofertava-lhes, para
desempenhar o papel de príncipe, os amigos de suas famílias ou velhos
conhecidos de seus pais, com cujas bênçãos se tornariam seus amados esposos;
fariam juras de amor eterno e promessas de viverem juntos até o final de suas vidas.
Como nos relatos a seguir:
-... mudamos para Araçatuba, encontramos com a família do
meu marido; aí eu o conheci, namorei e casei (Sujeito 1)
-...Numa folia de reis que teve no patrão nosso, nos terrero do
patrão (Sujeito2)
-...Eu era de dentro da casa da minha sogra, eu tinha
amizade com as meninas, tudo, a gente ia pra escola junto; eu
era de dentro, conhecia eles, foi assim que a gente
começou. Eu era colega das meninas, a gente ia pra escola
junto, aí a gente conhecia todos eles, a sogra (Sujeito 4)
Os casamentos daquela época, em sua grande maioria tinham a
conotação de segurança, de status. Assim, as mulheres que não conseguiam casar-
se experimentavam, muitas vezes, o sentimento de não cumprimento de seu papel
feminino, já que a sociedade destinava como principal função feminina a de
encontrar um parceiro para casar, constituir família e dar continuidade ao sobrenome
do pai
(MORO, 2002).
-...Aí eu me encantei com ele, ele se encantô comigo, logo
pedi pro pai e o casamento saiu drento de um ano (Sujeito 2)
Como vemos, na maioria das verbalizações das participantes, os
namoros da juventude eram intensamente vigiados e controlados, num ritual
destinado a saber se o pretendente da moça era um homem respeitado e de
93
confiança. Entretanto, estas características passavam por um crivo de seleção
bastante engessado, onde o trabalho e a possibilidade de prover a família eram
priorizados e considerados como fatores decisivos para o moço ser considerado
bom partido.
Mediante esta realidade e no afã de encontrar tal segurança, as
moças casavam-se muitas vezes com o primeiro namorado que geralmente eram
amigos ou conhecidos da família. Os sentimentos e as afinidades eram postergados,
sendo priorizadas a segurança e a continuidade do sobrenome da família. Vemos
esta realidade amplamente apresentada no relato da participante 5, no qual justifica
o casamento com o primeiro namorado, como meio de evitar sua difamação.
-...Eu nunca tive paquera, assim, namoradinho; eu casei com
meu primeiro namorado.
-...É, é geralmente, porque naquele tempo a moça namorava
com um rapaz, e largava dele e depois de um tempo passava
pra outro, ela já ficava totalmente falada. Então, nesse ponto os
pais eram muito rígidos. Quase todas as minha irmãs casou
com o primeiro namorado, as mais novas, que depois
namoraram mais (Sujeito- 5)
Já nas falas das participantes 3 e 6, deparamos com uma realidade
um tanto quanto diferenciada da maioria das meninas que viviam no campo. As
entrevistadas, enquanto moradoras de grandes cidades, viveram mais livres e esta
liberdade possibilitava e ampliava as possibilidades da construção de relações
calcadas não apenas em segurança ou status, mas em sentimentos e afinidades.
Apesar das participantes terem vivido numa mesma época, as diferenças destacam-
se, pois o indivíduo é um ser único e a forma como cada um vai construindo seu
processo de subjetivação também é única e particular, como preconiza a teoria do
curso de vida, sendo a vivência em cidade grande o fator propulsor dessa forma
diferenciada de relacionamentos e construção de si mesmo.
A liberdade aparece bastante refletida na quantidade de
relacionamentos da entrevistada 6, que além de ter tido a experiência de dois
casamentos também teve vários namorados. Outro fato que se diferencia das
demais mulheres entrevistadas é que no caso de ambas as participantes (3 e 6)
eram elas que escolhiam seus companheiros, que conheciam em ambientes por
94
eles freqüentados; esses não eram amigos de sua família, nem ao menos
conhecidos.
-...Tive meus apaixonados, fui apaixonada, tive decepções,
decepcionei alguém e acho que normal, tinha nada de
diferente.
-...Eu tive outras experiências, eu era noiva apaixonada e ele
era do ITA de São José dos Campo; e uma amiga foi lá comprar
móveis, e viu ele com outra. Daí, eu falei: me enganou agora,
vai me enganar depois. E eu gostava dele, mas terminei o
noivado (Sujeito- 3)
-...eu comecei a namorar cedo.
-...Esse namorado, eu conhecia ele da escola, ele sumiu,
depois ele voltou, nós nos reencontramos no baile, nós
começamos a namorar.
-...teve o primeiro, depois o segundo, o homem que eu gostei
foi esse o que morou nos fundos da casa da minha avó.
-...o primeiro eles adoravam, o segundo, que esse eu gostei,
mas eu não namorei assim com ele; mas o segundo mesmo
que eu namorei, era bem mais velho, queria casar comigo,
comprou até fogão, e eu não quis nem saber, o terceiro, que eu
casei, ele que quis casar mesmo, depois de um ano e pouco
(Sujeito- 6)
Analisando o depoimento do sujeito 7, a seguir, interessante
observar que esta destoa totalmente de buscar um parceiro, fato presente nos
demais relatos, sem desconsiderar é claro, as variações na constituição destes
relacionamentos. Aqui percebemos o movimento contrário, o feminino distanciar-se
dos papéis de esposa dedicada, mãe zelosa e rainha do lar, que legitimavam a
condição de mulher daquela época.
-...Ah, paquera eu tinha uns doze, treze anos; paquera, não
namorado sério. Naquela época falava flerte. Não passava
disso.
-...Depois mais tarde lá pelos 29 anos, 30 anos eu conheci um
rapaz lá, mas foi assim um namorico passageiro, que não
deu certo(Sujeito 7)
95
Sonhos não realizados
Considerando que nosso público alvo são as mulheres da terceira
idade, que viveram em uma época de opressão, quando suas vontades e aspirações
não eram consideradas, sonhar talvez fosse sua única alternativa para lidarem com
o problema ou amenizarem a realidade por vezes cruel que lhes era apresentada.
Entretanto, numa sociedade repressora, qualquer ato que torne
possível o externar da alma feminina ou que a torne mais consciente e menos
alienada como no caso da aprendizagem, poderia tornar-se perigoso para a
manutenção da ordem. Esse pensamento advinha do conceito demoníaco ligado à
figura feminina cristalizada por anos a fio:
a mulher enquanto ciente de seu poder de
sedução poderia levar o homem à perdição.
Assim, no intuito de manutenção da ordem e no afã de livrar-se de
um poder demoníaco, a mulher foi cerceada e confinada ao papel de submissão e
subserviência.
...eu gostava e o meu marido não dançava e não gostava, eu
não, isso toda a vida eu gostei.
... eu gostava, e era loca por carnaval, nunca pude i, porque
ele não gostava, de baile ele também não gostava, então pra
não criá confusão não vamo, não vamo cria uma confusão né,
na vida da gente. Então não ia e as mulheres eram muito
obedientes aos maridos, quer dizer eram submissas (Sujeito-
1)
-...Ah, eu queria voltar a estudar, mas não podia. Ele voltou a
estudar, ele era novo. Mas ele era o mandão.(1º casamento)
(Sujeito 6)
Sendo considerado como o chefe da casa e como ser superior
(MORO, 2002), o homem, na dinâmica familiar, tinha sempre sua vontade a
predominar e as mulheres, por ocuparem posição inferior na hierarquia da
estruturação familiar, aceitavam isso sem argumentar, mesmo porque se o fizessem
estariam contrariando tudo o que lhes havia sido passado através de uma educação
repressora e patriarcal.
96
Vemos essa idéia amplamente difundida nos relatos de duas
colaboradoras, citadas abaixo:
-...A gente no casamento, por melhor que seja o marido, ele
poda a gente, então a gente deixa de fazer pra não prejudicar,
isso acontece
-...às vezes o marido, às vezes também não deixa, às vezes
gosta de uma coisa, e ele já não gosta, e a mulher é aquela
que sabe renunciar em benefício do marido e dos filhos
(Sujeito- 5)
... Não, não ele não era uma pessoa de proibi e naquele
tempo, as moças casavam para ser ´donas de casa´ (Sujeito-
1)
Nesse último, somado à ascensão do marido perante a mulher,
enfatizado quando a entrevistada coloca que o companheiro detém o poder de
proibi-la ou não de realizar suas vontades, colocando-o como seu dono,
percebemos também em sua fala, a interiorização e fortalecimento da constituição
do feminino voltado para as prendas domésticas, sendo estas, sua função e único
papel.
Imersas neste contexto e influenciadas por essa visão, a maneira
de lidar com sua feminilidade, incluindo seus desejos, aspirações e sentimento de
realização pessoal, torna-se limitada, ao aceitar passivamente seu destino, abrindo
mão de seus sonhos e reprimindo seu potencial e habilidade.
Os papéis de submissão e subserviência foram tão naturalizados no
universo feminino, que as mulheres muitas vezes nem ao menos percebiam que
eram submissas ou que abriam mão dos sonhos e necessidades, contrariando sua
própria natureza e potenciais, em favor da servidão ao companheiro e à família; pior,
o faziam cientes e acreditando apenas estarem cumprindo com a sua obrigação. É
o que vemos nos exemplos das vivências das participantes 1, 4 e 5.
-...a gente renuncia muita coisa, principalmente em relação
aos filhos e ao marido também; a família às vezes também;
muita coisa, que às vezes você assim pronta pra fazer, mas
na hora H, surge um problema e você deixa aquilo(Sujeito -1)
97
Casamento e submissão
Percebemos, na maioria dos relatos de nossas participantes que,
imbuídas da crença de que a vida poderia ser diferente ao se casarem, as moças
depositavam no casamento toda a expectativa de realização pessoal. O casamento
era tão importante na constituição da feminilidade para as mulheres, que era
colocado como solução para todo e qualquer conflito existente em suas vidas,
principalmente para o alcance da tão almejada liberdade. No imaginário da mulher, o
casamento iria ser uma alternativa para se livrar da repressão dos pais. Entretanto o
que se observa é exatamente o reverso: as mulheres, após o casamento, tornavam-
se submissas e vítimas da repressão dos maridos. uma falsa liberdade
conquistada; na verdade, há uma transição do sujeito castrador ou repressor, que
anteriormente ao casamento era o papel do pai e após o matrimônio, passa a ser do
marido.
Assim, deparamos com um paradoxo quanto ao nível de informação
e cultura e sua importância nas escolhas e na construção da subjetivação do
feminino. No relato da entrevistada descrito logo abaixo, percebemos uma
ambivalência de comportamentos anteriores ao casamento e após a união.
Notamos, conforme as verbalizações da participante 3 que se auto-denominava
como uma mulher à frente de seu tempo, dona de si, que decidia por si mesma o
rumo que daria à sua vida e ciente de suas decisões, que ao se casar o discurso
altera-se, e a autenticidade e a independência apresentados outrora, cede espaço
para a mulher submissa que é conhecida apenas como a Sra. do Dr. P, perdendo
sua identidade e auto-confiança.
-...Eu sempre gostei de usar decote, e ele chegava e abotoava.
Foi diferente, 40 e pouco anos.
...Desde a parte física dele, ele era grandão, inteligente , sabia
de tudo, ele era o chefe de tudo, eu era magrinha delicadinha,
timidazinha, então ele me dominou, apesar de que por dentro
eu me sentia, queria ser independente, livre, então foi difícil
essa parte, porque ele não quis que eu trabalhasse mais. Daí
ele tomava conta de mim, dos filhos e da família inteira; vamos
dizer que ele era o rei, tinha que predominar a vontade dele, eu
não era H., eu era a mulher do Dr. P., eu não era H., ninguém
me conhecia, isso me maltratou um pouco (Sujeito 3)
98
Entretanto, essa mudança de comportamento não teve correlação
com a falta de opções ou imposição do pai para seu casamento, pois teve
possibilidade de conhecer seus pretendentes e perceber a presença ou não de
afinidades a partir de várias experiências de namoro. A feminilidade ligada a
aspectos de servidão e inferioridade estão tão arraigados no imaginário dos
indivíduos, assim como a pressão social é tamanha que, aqueles que parecem ter
uma visão mais ampla tendem a entregar-se à normatização de condutas e
pensamentos.
Já no segundo caso, notamos o descontentamento referente ao
papel destinado ao feminino, que no ímpeto de fugir da repressão do pai, a
entrevistada nem ao menos teve tempo para conhecer melhor o namorado; ela
casou-se com ele sem saber de seus costumes, valores e a condição de vida de seu
pretendente e de sua família.
-...eu frustrada com casamento, casei com 19 anos
achando que eu ia encontrá o príncipe encantado, a maior
felicidade do mundo, porque eu saía do mando do pai, da
madrasta (Sujeito -2)
Contudo, as projeções frente à união estável não findavam na
conquista da liberdade e do anseio de viver um grande romance, uma linda história
de amor com final feliz, mas eram atreladas também ao desejo de segurança,
reconhecimento e respeito da sociedade.
Como Nader (1997 apud MORO, 2002) disserta, o casamento
naquela época era visto enquanto legitimador de segurança, de reconhecimento e
de respeitabilidade para a figura feminina, garantindo à esposa o status de mulher
direita e de senhora respeitável.
Porém, para a manutenção de tal condição, muitas mulheres deviam
ceder ao domínio e às vontades da figura masculina, submetendo-se até mesmo a
humilhações com agressões físicas e verbais, como delineado na vivência das
participantes 2 e 6:
-...8 dias de casamento ele me batia, não pudia me descuidá
que era murro e chute, quando eu tava grávida do meu filho
mais novo ele me deu um chutão porque tava bêbado, mas não
99
era muito; ou ele tinha que bêbado de tudo ou ele num tinha
que bebê pra mais ou menos, porque se ele bebesse um
pouco ele ficava muito violento.
-...vivi com ele, depois dele ter me machucado muito, a
1978; vivi 4 anos com ele, eu tinha um medo dele, que até a
sombra dele me fazia mal (Sujeito -2)
-...Tinha briga, ele desconfiava muito, eu não sei; muita briga
tinha, não podia falar nada, ele era autoridade, não podia
conversar com ninguém. Se ele via eu conversando com um
rapaz no portão ele chegava, me batia, batia no moço,
assim estúpido, muito horrível(Sujeito -6)
As humilhações por quais passaram muitas das mulheres que
viveram em uma época de extremo machismo, ultrapassavam as barreiras da
intimidade, como relatado pela idosa participante de nossa pesquisa:
-...Até na cama, se eu falasse do bigode dele, ele falava ah,
mas vo sabe que eu tenho bigode... machucando...
Aí, sabe, ele pronto, sempre tinha que aceitar as coisas dele,
muito estúpido. Ele era imaturo(Sujeito -6)
As mulheres tinham que sofrer caladas, principalmente porque não
seriam ouvidas, já que naquela época, manter relação sexual com o marido fazia
parte do repertório de obrigações destinadas à figura feminina. A boa esposa tinha
por dever, satisfazer seu homem, mesmo que não estivesse à vontade ou
interessada; devia fazê-lo assim mesmo, pois o que contava era a vontade e o
prazer do homem e não da mulher. Sem tomar como via de regra, na maioria dos
relacionamentos daquela época não se priorizava, durante a relação íntima,
carinhos, demonstrações de afeto, mas um envolvimento mecânico com a estrita
finalidade de satisfação unilateral ou de procriação. Neste contexto, atitudes
grosseiras e desrespeitosas durante o coito não tinham conotação de abuso ou
humilhação para a mulher.
Apesar do sentimento de frustração e desrespeito, o preço que a
mulher tinha que pagar ao romper um relacionamento era muito alto, devido ao
preconceito em relação às mulheres separadas. Este medo as paralisava e as
100
levava a prejudicarem suas vidas, permanecendo agregadas a relacionamentos
constituídos por violência e desrespeito.
Essa frustração e o sentimento de sufocação causado pelo
casamento, enfatizado no relato da participante a seguir, representam bem essa
realidade:
-...Minha chefe falava que quando eu não tinha marido, eu
entrava no centro cirúrgico e falava Bom dia chefe , e
contava as novidades da noite. Depois que eu case,i eu abria a
porta do centro cirúrgico e mal falava bom dia, ela falava pra
mim, oh, que foi fazer, foi casar, então o casamento é isso.
Pode até ter filho, ele paga a parte dele e você faz a sua, eu
acho. Por que montar uma casa ficar sentindo
sufocada?(Sujeito -6)
Entretanto, algumas mulheres optavam por não atrelarem suas
vidas à figura masculina e por vezes sofriam as conseqüências desta decisão. O
sentimento do não cumprimento do papel feminino era sentido muitas vezes por
elas, que tinham que conviver com rotulações como: titia frustrada e mal-amada.
Ao analisar as verbalizações da participante 7, deparamos com
algumas contradições:
-...Eu acho que vivi muito bem ela (a vida), me dedicando às
pessoas, não deixei a minha vida de lado, foi o jeito de me
sentir bem, é o meu jeito (Sujeito 7)
-...Pra mim é indiferente, ter casado, não ter casado, me sinto
bem assim(Sujeito 7)
-...não tenho essa sensibilidade, também não me interessei
muito, nessa parte, do jeito que eu olhava a vida, vivia me
dedicando à família pra mim estava bom, me sentia bem,
feliz (Sujeito 7)
Observamos ambivalência de sentimentos no discurso da
colaboradora, ao verbalizar satisfação e contentamento em referência à sua vida,
pois, a todo o momento, quando se abordam questões referentes a relacionamentos,
a participante preocupa-se em enfatizar que não deixou sua vida de lado, o que
denota uma dificuldade de lidar com a questão ou que pelo menos esta não tenha
101
sido completamente elaborada. De acordo com Neri (2001), algumas mulheres
quando deparam com a terceira idade, tendem a atrelarem suas vidas à prestação
de cuidados a pessoas da mesma idade, geralmente ao cônjuge, pais ou sogros,
deixando de lado suas próprias vidas. Entretanto, não é o que observamos na
história de nossa participante, pois essa dedicação exclusiva aos outros vem
acompanhando-a desde sua adolescência, não é uma postura emergida após o
envelhecimento.
Diferenças no exercício dos papéis de mãe e avó
Maternidade
Analisando os discursos referentes aos papéis de mãe e de avó,
vemos uma diferenciação importante em suas práticas, que valem a pena ressaltar.
No desempenho do papel materno, vemos que a prioridade dada ao
cuidado dos filhos é justificada em função de o feminino estar intensamente atrelado
à maternidade. Como disserta Birman (1999), a figura da mulher foi construída pelo
ideal da figura da mãe, que se opunha à figura da mulher feminina, sensual, que
tinha desejos e vontades. No estereótipo da mãe não cabem características
consideradas como mundanas pelos homens, como o desejo. O conceito popular
emitido pelos filhos de várias gerações, minha mãe é uma santa, retrata bem como
uma mulher-mãe deveria se comportar e agir.
O limiar entre ser uma boa mãe ou não, estava intrinsecamente
associado ao quanto esta se sacrificaria em função de seu filho. O ditado popular
ser mãe é padecer no Paraíso, acomoda-se bem à realidade das mulheres dessa
época. As mães que não eram fraternais, subservientes ou, na pior das hipóteses,
que não desejavam serem mães, eram intensamente criticadas pela sociedade.
Assim, poucas mulheres ousavam contrariar a função maternal
enquanto papel fundamental na constituição do feminino, assumindo não terem
vontade de se realizar enquanto mãe, como é o caso da participante 3 que, mesmo
não tendo o desejo de ter filhos, os teve, por se sentir obrigada pelo marido e por
achar que era sua obrigação.
102
-...Eu não queria, eu nunca pensei em maternidade, eu não
queria porque eu trabalhava tinha uma vida independente
naquela época, porque eu saía pra trabalhar em São Paulo,
deixava o apartamento e voltava de noite. Como secretária
de saúde, trabalhava o dia inteiro, depois ia jantar fora, e ele
também, então eu não queria outra vida, era a vida que eu pedi
a Deus, mas ele queria filho e eu não queria; então fui tapeando
dois anos, daí eu vi que precisava ter, tive que parar de
trabalhar e ficar em casa(Sujeito-3)
Na constituição dessa faceta feminina, o sacrifício e o amor
incondicional eram extremamente valorizados. Neste contexto, assim como o
casamento, a maternidade servia como dispositivo de controle da figura feminina.
Então, no intuito de ser respeitada e aceita socialmente, muitas
mulheres se viam mais uma vez abdicando de seus sonhos e de se realizarem
pessoalmente para constituírem o papel maternal.
Birman (1999) defende que a mulher imbuída do sentimento de
inferioridade e por acreditar que sua função é dedicar-se à família, contenta-se em
realizar-se através das conquistas dos filhos e do marido, como percebemos no
discurso da participante 4, a seguir:
-...eu queria ter feito uma faculdade, mas a gente morava fora
e o Junior era pequeno (Sujeito-4)
Outra questão importante a destacar, ao analisarmos a fala da
colaboradora 4, é o quanto a questão de gênero está intrincada na definição dos
papéis. Aos homens, símbolos de força e superioridade, cabia o papel de prover a
família trabalhando fora do lar, a fim de alimentar, vestir e proporcionar aos seus os
benefícios que dependessem de fatores econômicos. Esta era sua contribuição na
criação dos filhos. Já às mulheres, competia a orientação moral e a dedicação
afetiva, além da transformação daquilo que o chefe da casa conseguia com o suor
de seu labor, em alimento saudável e saboroso.
-...Eu procurei assim, ele teve toda a liberdade, ele teve
infância, ele teve tudo, brinca, tudo que ele tinha direito, só que
eu tava sempre orientando ele, porque como o pai dele ficava o
103
dia inteiro fora, ficava por minha conta; então, eu que tinha que
cuidar dele e as coisas que eu via errada eu tinha que corrigir,
eu via que tinha que fazer a cabecinha dele entender, e eu
procurava passar sempre o melhor (Sujeito- 4)
Esta divisão de tarefas e papéis entre o casal era bastante
delineada nos discursos das idosas.
No relato a seguir, vemos esboçado no pensamento das próprias
mulheres a associação de características como autoridade, força, firmeza e razão à
figura masculina. A participante refere-se a elas remetendo-as sempre ao homem e
não à mulher. Esta postura tende a reforçar a conotação de fragilidade atrelada às
mulheres. Consideramos que a rigidez de pensamento quanto às diferenças entre os
gêneros vêm acompanhando as mulheres há tanto tempo, que elas mesmas tendem
a reforçar tal estigma ao interiorizarem essas diferenças e as reproduzirem em suas
práticas e discursos.
-... eu fui severa sim, elas falam que eu era brava, eu era o pai
e a mãe, tinha que ter autoridade; assim elas eram minhas
amigas, tudo elas contavam, mas dentro daquele limite, né,
tinha limite pra tudo; o que eu vejo hoje é que as crianças de
hoje não têm limite pra nada (Sujeito- 1)
Já na fala da colaboradora 6, a maternidade foi vivenciada com
muito sofrimento, pois engravidou muito jovem e se sentia presa a um papel que não
queria desempenhar. A participante ansiava por vivenciar o feminino em seu sentido
mais amplo, ou seja, queria paquerar, passear e trazer à luz outras facetas da
feminilidade como a sensualidade, a sedução, a criatividade, entre outras. Mas se
via atrelada ao papel de mãe e sentindo-se extremamente incomodada por sua
condição.
-...É péssimo engravidar na adolescência, você tem amor
demais, mas não sabe cuidar. Eu queria sair, eu ia em baile, a
criança quer dormir, ela tem horário, pra dormir, mas eu queria
viver(Sujeito- 6)
104
Vemos, escamoteado na fala dessa mulher, seu descontentamento
frente a uma feminilidade engessada, composta por normas e regras padronizadas e
papéis tão definidos a desempenhar.
É possível apreender nessas falas o quanto a maternidade, no
fundo, sacrificava a mulher e servia como mais um dispositivo de seu
aprisionamento no doce lar. O propalado amor materno funcionava como
compensação afetiva para as pesadas renúncias que a mulher tinha que fazer em
prol do cuidado dos filhos e dos afazeres domésticos. Somente à custa de muito
amor à prole ou de muita culpa por eventuais faltas no exercício da maternidade era
possível suportar o pesado encargo da dedicação exclusiva aos filhos. É preciso
lembrar, ainda, que nessa época praticamente não existiam creches e pré-escolas.
Mesmo quando elas existiam, não era praxe colocar a criança na escola antes dos 7
anos.
Papel de avó
Conforme Néri (2001), a família apresenta-se extremamente
importante para as pessoas da terceira idade, constituindo os vínculos mais
significativos nesta etapa da vida. Embora as relações sociais se expandam com o
engajamento das mulheres em eventos como bailes e grupos, os membros
familiares ainda mantêm-se como prioridade. Contudo, a posição de dependência e
preocupação com sua opinião se diluem. Na terceira idade, apesar das mulheres
considerarem muito os membros familiares, a dedicação exclusiva à família perde
espaço; as prioridades tornam-se elas mesmas.
Na terceira idade, os papéis que antes eram atrelados à
constituição do feminino, como a maternidade e a função de esposa, se diluem;
assim, o papel de avó é vivenciado com maior prazer, sem responsabilidades ou
cobranças. Ser avó torna-se mais prazeroso, pois ela não tem a responsabilidade de
educação. Neste contexto, algumas mulheres idosas, que têm netos, tendem não
abdicarem de seus interesses, vontades e de seus compromissos, em prol de cuidar
deles.
Esta postura fica demarcada nos relatos a seguir:
105
-...então eu tinha que deixar a neta, tinha uns 3 anos de idade,
com a Cleide (filha falecida) com dificuldade pra mim i nos
baile, porque era de dia era das 3 às 6 (Sujeito- 2)
-... meus netos eu não posso reclamar, são todos jovens, têm
educação, né. Não sei se isso m da gente que foi
passando, ou se veio depois, mas hoje não é todos, também
é exceção, tem famílias maravilhosas ainda, né.
-... Eu acho, fiz o papel de mãe e de pai né, as três estão
casadas as 3 tem filhos, as 3 tem um lar Graças a Deus,
direito; bom, minha filha mais velha tem 32 anos de casada,
a outra tem 30, a outra tem 25, então são lar que, casamento
que perdura, os meus netos todos quase estão formados já,
então eu acho que eu dei o exemplo porque se não teria
acontecido isso né (Sujeito- 1)
Neste último relato, observamos que a participante da pesquisa em
evidência, sente que cumpriu com seu papel de mãe, na formação dos filhos e
que agora é a vez deles. Sente também que, mesmo que mantenha distância na
educação dos netos, sua história de vida e sua bagagem, servem de exemplo a eles
e essa, para ela, é a sua melhor contribuição. Entretanto, essa postura não está livre
de angústia ou de conflitos, pois ela mesma, num outro momento de nossa
conversa, afirmou com receio, que é preciso ser egoísta, porque assim consegue
cuidar mais de si mesma e se dar mais atenção.
O compromisso com a família torna-se menor no sentido das
obrigações e do cuidado. Os vínculos podem se modificar, surgindo novas formas de
relacionamento, abrindo-se espaços para trocas afetivas, dando às relações a
conotação de carinho e não de sacrifício:
...ser avó é mais gostoso, não tem tanta responsabilidade,
agora uma neta minha vai casar, então a gente vendo as
coisas, porque tudo ela me pergunta (Sujeito -3)
-...meus netos são ótimos, todos, tenho diálogo com eles,
bate papo mesmo, esses dias recebi elogio do meu neto de 21
anos de Campinas, do bisneto; hoje a minha bisnetinha de
cinco anos veio me contar que o pai dela brigou com a mãe, e
eu parei pra pensar, e ela falou pois é, isso é coisa de meu pai
fazer com minha mãe? E eu falei: o que eu vou fazer uma hora
dessa? É... quer dizer então também aquela confiança das
crianças (Sujeito- 3)
106
Referenciando Barros (1998 apud FIGUEIREDO et al., 2007), a
entrada na terceira idade coincide, muitas vezes, com a emancipação dos filhos que
deixam a casa da mãe para casarem-se e constituírem suas próprias famílias. Este
processo corrobora a diminuição das obrigações domésticas e dá maior liberdade
para as mulheres cuidarem de si.
Assim, diferentemente do que ocorria no desempenho da função
maternal, a maioria das mulheres da terceira idade, em nossa pesquisa, não admite
que opinem sobre suas vidas ou queiram direcioná-las. Os papéis tornam-se mais
flexíveis, e assim as idosas continuam a exercer sua função maternal e de avó, mas
não abrem mão de serem mulheres. É o que verificamos na fala abaixo:
-...Ninguém paga as minhas contas, por exemplo; não me
envolvo, na vida dos meus filhos casados. O problema é de
vocês, sempre digo, quanto menos eu souber, melhor pra
mim(Sujeito- 5)
Assim deparamos com um processo de re-significação da
feminilidade. As mulheres que outrora abdicavam de suas vontades em função de
cuidar dos filhos, não fazem o mesmo em relação aos netos.
Sentimento de pertencimento à terceira idade
Se tomarmos como referência o conceito da OMS de iniciação da
etapa da velhice, encontraremos na idade cronológica de 60 anos a sua definição.
Entretanto, embasamos nossa pesquisa na noção do Curso de vida, que preconiza
que o envelhecimento não se caracteriza por um processo homogêneo, nem
tampouco pré-determinado, mas que ocorre com a junção de acontecimentos que,
associados ao tempo intrínseco e cronológico, proporcionam a sensação de
pertencimento à grupo de iguais.
Nesta perspectiva, o que vai determinar a ocorr
ência dessa
sensação e a possibilidade de re-significacão da feminilidade, é a postura do sujeito
frente aos desafios e fatos apresentados a ele durante seu curso de vida,
107
Assim, a possibilidade da re-significação da feminilidade em
mulheres que se encontram na terceira idade não se limita apenas à questão de
gênero, mas a fatores externos como acesso a cultura, educação, oportunidades,
situação sócio-econômica e fatores internos como, disponibilidade interna e história
de vida, além de acontecimentos como viuvez, aposentadoria, separação ou de
ordem da saúde como doenças e limitações diversas.
É a junção desses elementos, que muitas vezes coincidem com a
chegada dos 60 anos, que dá a sensação de ser o processo de envelhecimento por
si só, o propulsor de re-significações e de mudanças.
É o que notamos ao analisar a fala a seguir:
-... Ah, mudou muito, mais inteligente, hoje eu sou mais
inteligente, mais feliz, mais disposta, pra mim 70 anos, pra mim
eu tô mais jovem do que quando eu tinha meus 40 (Sujeito -2)
Notamos também que, cada vez mais e com maior freqüência, a
confusão que se apresenta no pensamento dos idosos de hoje referentes às
propostas e grupos da terceira idade (espaço de promoção de atividades e reuniões
com os mais variados objetivos, desde bailes, grupos de vivência até palestras e
cursos), com a fase da terceira idade (fase da vida, ou seja, o processo de
envelhecimento). Acredita-se que a fusão destas duas, emergiu a partir da
nomenclatura terceira idade, uma visão mais positiva do processo de
envelhecimento, propondo a ruptura de alguns estereótipos voltados à senilidade,
enquanto uma etapa caracterizada por processo de decrepitude e desgaste.
Entretanto, vemos nesta confusão o quanto o grupo torna-se
importante para identificação das pessoas da terceira idade e conquista de seu bem-
estar. Freitas (2002) enfatiza a influência do grupo para a aquisição do bem viver na
terceira idade.
... eu encontrei com um senhor, amigo da gente, que ele falou
assim, me convidou, falou, olha, nós estamos fundando uma
terceira idade, você não quer fazer parte da terceira idade?
Nós vamos ter uma reunião lá no Senac, eu aceitei.
... daí começamos a reunir, ganhamos pela Promoção
Social uma sala no Intec, começamos a reunir a turminha
naquela sala, foi aumentando, então era uma luta, tinha
108
uma assistente social que acompanhava o grupo, ficamos
um ano, o grupo ficou sem estatuto e sem regimento interno,
depois de 1 ano teve então o estatuto o Senhor (J) foi o
primeiro presidente e eu fui a vice dele aí, na realidade foi um
ano o mandato; no segundo mandato eu fui ser
presidente, fiquei sendo presidente dez anos. Aí eu ganhei
terreno, construí a sede, a gente trabalhou bastante. Aí,
quando eu deixei o grupo, em 94, eu deixei 400 pessoas no
grupo e uma sede; deixei organizado que infelizmente hoje
virou um grupo popular (Sujeito- 1)
O grupo destaca-se como grande propulsor de mudanças e
reflexões, particularmente para o universo das mulheres, que mantêm o
movimento de agregar-se a grupos de pessoas ao longo de seu curso de vida. É no
grupo que ocorrem os processos de identificação, aceitação e valorização, pois as
idosas, ao depararem com pessoas e situações que lhes são familiares, sentem-se
fortalecidas e estimuladas, muitas vezes, a enfrentarem as dificuldades com as
quais se deparam, particularmente ao acompanharem e compartilharem histórias de
vida e experiências umas com as outras. Nesse processo de identificação sentem-se
iguais e compreendidas.
-...a terceira idade me ajudou muito. É que eu não tenho
freqüentado muito, estou freqüentando agora, estou
começando a freqüentá agora, porque quando a terceira idade
começou nascê aqui em Araçatuba que foi no Intecc
antigamente ali, pra lá pra baixo da Tanger que veio o primeiro
baile da terceira idade.
-...eu comecei a procurá a terceira idade e comecei a nascer
de novo. Então na terceira idade eu me encontrei e encontrei
vida e não morte. Num danço, nunca dancei, mas de eu
chegá lá e ficá lá 2 horas sentada vendo aquelas pessoas lá
alegres, contente, com todo o respeito, levando a vida, eu
comecei imaginá sozinha lá num cantinho chororó. Falei: puxa,
não é eu que tenho problema, esse povo também tem
problema, todos de cabelo grisalho com certeza passô por
nuvens escuras.
-...No começo, na entrada da terceira idade, eu senti meia pra
baixo porque começa a senti fraqueza, desânimo, sem força,
sem disposição, perdendo aquela energia que eu tinha pra
trabalhá, mas quando eu comecei a participar memo do grupo
da terceira idade, eu comecei nascê de novo (Sujeito- 2)
109
É habitual às mulheres engajarem-se a eventos sociais, a grupos de
diversas atividades, entretanto, na terceira idade, isso se intensifica, particularmente
com a expansão de propostas para os idosos, que contam em sua maioria com a
adesão das mulheres.
Em relação ao momento em que as mulheres perceberam-se na
terceira idade, deparamos com vários discursos. Como defende Neri (1995), as
variadas formas de encarar o processo de envelhecimento advêm da idéia do
envelhecimento intrínseco, a forma como o indivíduo se percebe e sente a
passagem do tempo.
Quanto a algumas participantes, vemos que a questão da estética e
da beleza apresenta-se como fator bastante atrelado à feminilidade e conseqüente
sentimento de pertencimento à velhice. Temos diferentes movimentos: um, quando a
pessoa idosa, ao perceber as mudanças decorrentes do tempo, aceita-as, mas
preocupa-se em se arrumar, parecer mais bonita, não com o intuito de camuflar as
transformações ou de negá-las, mas de cuidar de si mesma e de estar bem
apresentável, reconhecendo na terceira idade, a sua beleza, mesmo que a pele não
tenha mais tanta firmeza e elasticidade, como outrora.
-...assim, na questão de me arrumar, eu gosto mais de cuidar
de mim, pelo simples fato de eu ir na terceira dançar,
tem aquele gosto de se arrumar, de fazer unha de arrumar
cabelo, entendeu (Sujeito 4)
Num outro movimento, a idosa, ao deparar com as transformações
físicas inevitáveis da fase de envelhecimento, encara-as como um processo
deletério e de declínio. Vê na velhice a ausência de beleza e atrativos, aspectos
bastante enfatizados no depoimento transcrito abaixo:
-...Pra mim foi fisicamente, foi aos cinqüenta anos, que eu
olhei perdi meu rosto em qualquer espelho no passado.
...quando saía junto com a minha filha mais velha, os homens
olhavam pra mim, eu saí com ela, ela era mocinha, e eu percebi
que os homens olhavam pra mim; um tempinho depois eu saía
com ela, e eles olhavam para ela. Eu cheguei em casa eu falei
assim pô, tô velha, a minha filha que chama atenção agora; é
uma coisa engraçada, mas é isso aí, foi nessa época mais ou
menos, ela tinha uns 14, 15 anos. que eu comecei a sentir a
110
diferença, que eu tava passando mais pra frente, quando
começam a te chamar de tia, senhora. Outro dia não foi pra
mim, mais uma moça, chamou uma senhora que estava perto
de mim, em uma loja, de senhorinha, eu falei, oh, meu Deus
senhorinha, porque não fala dona fulana, então daqui a pouco
vai ser eu, ela vai passar por mim e me chamar de senhorinha,
então essas coisinhas que a pessoa sente, viu (Sujeito- 3)
E, em outro ainda, apesar também de sentir as transformações no
corpo, a pessoa vê, no advento da terceira idade, a possibilidade de experimentar a
vivacidade e energia, como também a possibilidade de resgatar sonhos e
oportunidades antes perdidas.
-...Eu percebi que eu tava viva e que eu podia andar pra
frente (Sujeito-2)
Apesar de hoje presenciarmos atitudes mais ousadas e livres de
pré-conceitos em relação a temas como sexualidade, paquera e sedução, alguns
estereótipos persistem ainda em perturbar o imaginário das mulheres idosas
contemporâneas.
É o que observamos ao analisarmos a fala da entrevistada em
questão. Vemos o conflito desta em lidar com as mudanças de seu corpo, ao evitar
expô-lo.
-...A vaidade não é muito não, tomar meu banho eu tomo
mesmo, passo uma base e um batom, essa é minha
maquiagem; as roupas são fechadas, não consigo mais usar,
sabe, vou comprar uma meio até mais grossinha, quero ver se
eu consigo usar uma saia, não consigo usar saia, porque acho
que na hora de cruzar a perna, pode aparecer alguma coisa,
sabe entende. Pra ir pra terceira eu sou assim muito fechada,
ninguém o colo do busto , não nada; e quando na
juventude eu não era, eu pra tirar uma roupa era fácil, com a
turma fala de ir pra piscina, vamos , minha irmã sempre foi
mais fechada, eu não, eu era assim liberal (Sujeito 6)
111
Em alusão às participantes 5 e 7, ao analisarmos suas falas durante
as entrevistas e associarmos as suas atitudes e opiniões elucidadas dentro do grupo
Encontros para o Bem Viver, observamos a negação da velhice.
-...Pra mim eu não sei, eu envelhecendo, mas pra mim é tão
normal que eu não vejo diferença, ou qualquer coisa assim
(Sujeito- 5)
-...eu não me sinto que estou na terceira idade, que estou
vivendo a terceira idade, porque na realidade eu sempre me
senti bem, no meio das pessoas mais jovens; tanto é que na
igreja, no meu trabalho na igreja, eu trabalho com jovens,
adolescentes, me dou muito bem com eles (Sujeito 7)
Durante as várias reflexões propostas pelo grupo Encontros para o
Bem Viver, notamos que ambas as participantes apresentam postura de negação
da terceira idade, ao verbalizarem não se sentirem idosas, pois têm energia e
disposição e não perceberem qualquer tipo de transformação em seus corpos e
vida.
Ao nosso entender, a partir do momento em que as mulheres não
conseguem reconhecer as mudanças inevitáveis do processo de envelhecimento,
demonstram não as aceitarem, ou na pior das hipóteses, não associarem aspectos
como energia e vivacidade à velhice, como se estas características fizessem
parte do universo jovem. Tal pensamento vem reforçar a visão estigmatizada da
velhice, enquanto uma etapa da vida em declínio, constituída apenas por perdas,
não reconhecendo neste processo seus ganhos e diversidades.
Além de um aspecto defensivo da negação do envelhecimento,
inevitável quando se aproxima uma visão de finitude associada à velhice, é possível
vislumbrar outra leitura para o surgimento de um sentimento de jovialidade na
terceira idade. De certa forma, sobretudo para a mulher, a vida na juventude tão
contida, policiada, reprimida, confinada e amordaçada se assemelha mais aos
estereótipos que se tem da velhice do que da própria juventude. Por outro lado, uma
vida menos oprimida, conquistada na terceira idade com o desvencilhar dos papéis
femininos ligados à submissão, traz um sentimento de potência, liberdade e de
possibilidade de realização até mesmo daquilo que sequer pôde antes ser sonhado.
Dessa forma, não é absurdo entender que para boa parte dessas mulheres a
112
juventude venha tardiamente com a velhice e que, por sua vez, a velhice tenha
sido vivida precocemente na juventude.
Mudanças e re-significação da feminilidade na terceira idade
Como já referenciado anteriormente, o aumento da idade por si só
não provoca transformações ou re-significações na feminilidade das mulheres
idosas. Entretanto, algumas relatam mudanças importantes, muitas vezes
acompanhadas de eventos como a viuvez, doenças inesperadas, separações e
aposentadorias. Outras, no entanto, não percebem quaisquer alterações
significativas em suas vidas.
Alguns aspectos facilitadores da re-significação da feminilidade na
terceira idade atrelam-se ao maior tempo para refletirem e darem mais atenção a
elas mesmas, pois já não têm compromissos com seus filhos, que na maioria das
vezes estão constituindo suas próprias famílias; nem com o marido e, por
conseqüência, com a casa, particularmente quando viúvas. Nesta perspectiva, o
tempo cronológico destaca-se como forte aliado, o que na maioria das vezes não
ocorre em outras etapas da vida, devido aos compromissos com o trabalho e com a
família, entre outros.
-...Ah, mudou assim, que a vida começou a ficar mais fácil,
não foi tanto trabalho como tinha, e foi tocando o barco, não
foi uma vida como se diz tão difícil, não foi uma vida tão
agitada como era antes, porque também, mesmo as condições
físicas a gente não tem mais; depois dos 50 anos vai
mudando tudo (Sujeito- 1)
Independência, liberdade, autonomia e capacidade são aspectos
destacados no processo da terceira idade em quase todos os depoimentos.
-... hoje eu tenho mais coragem (Sujeito- 1)
113
-...eu tenho a minha liberdade sadia Graças a Deus e todo
mundo me respeita, eu respeito todo mundo, as pessoas, né
(Sujeito- 2)
-...Mais solta, esse solta que eu falo, é uma coisa boa, por
força das circunstâncias; aí você vem com essa mais solta, é
de trás desse tempo que eu passei sofrendo; hoje a gente
mais solta, mais falante, sei lá.
-...Aprende a fazer as coisas, noutrora você era dependente e
agora tem que fazer as coisas(Sujeito- 4)
Pra tomar uma decisão antes tinha que ir conversar com o
marido, você não podia fazer sozinha, e hoje eu sozinha, eu
que tenho que me resolver (Sujeito 5)
-...Ah, liberdade, livre, livre, porque eu me ponho livre, porque
eu não deixo ninguém dominar a minha vida: nem filho, nem
ex-marido, ninguém, eu sou livre, embora a minha filha acha
que eu tô presa, mas eu sou livre (Sujeito 6)
Os sentimentos destacados acima, nas verbalizações das
participantes, advêm de diferentes origens, dependendo da história de vida e
vivência das mulheres. Vemos no agrupamento das falas abaixo, que as mulheres
destinam os sentimentos de liberdade e autonomia a uma variedade de eventos.
A participante 3 acredita que a viuvez foi o acontecimento propulsor
para a re-significação de sua feminilidade, embora tenha sido uma fase muito difícil,
de intenso sofrimento, tanto que foi acometida por um câncer. Esse foi um período
doloroso, que ao ser rememorado desencadeia sensações e sentimentos
ambivalentes, mas que a participante, durante os encontros do grupo, trazia sempre
à tona. Fazia-o, não com o intuito de compartilhar seu sofrimento e colocar-se como
uma vítima da fatalidade, mas o fazia, a fim de mostrar o potencial das mulheres,
apesar de terem vivido em uma época de intensa repressão, quando, muitas vezes,
nem ao menos eram ouvidas ou tampouco consideradas em seus sentimentos.
A participante tende a não associar a doença propriamente com a
viuvez, mas com as dificuldades do enfrentamento de situações com as quais teve
que se deparar e a que não estava habituada. Nesta fase de sua vida, necessitou
fazer contato com as pessoas e construir uma nova identidade, abandonando a
postura de fragilidade e dependência, para internalizar a mulher cheia de iniciativas
e forte o suficiente, para lutar contra um câncer.
114
-...A passagem da minha viuvez foi uma facada em mim, tanto
que o câncer que eu tive eu atribuo a isso. Então foi assim, o
não achava mais o chão quando ele morreu, foi de repente,
então fiquei perdida, completamente perdida. O que eu ia
fazer? Eu tinha que ver tudo (Sujeito-3)
A participante 2 atribui suas mudanças à separação:
-...Ah, mudou bastante, madureci bastante, compreendi; a
minha cabeça agora é outra, o sofrimento da vida fez eu
aprendê, mas eu aprendi porque eu escapei da morte
(referindo-se aos maus-tratos do segundo casamento), porque
o que eu passei, só um milagre divino (Sujeito- 2)
Outra dá como causa de mudanças, o segundo casamento:
-...o segundo casamento a gente tem mais experiência, a
pessoa tem mais experiência de vida, mais compreensão, não
mais aquele ciúmes de quando a gente era jovem, tudo isso vai
acabando com a idade(Sujeito- 1)
E ainda à desobrigação com filhos e maridos, destacados nas falas
dos sujeitos 1, 3 e 4:
-...quando a gente é casado assim novo, a gente tem filho
pequeno(Sujeito 1)
-...Rompi completamente, com tudo, não tenho
obrigatoriedade com nada e às vezes um tique e eu falo:
será que eu certa? será que eu não fria demais,
egocêntrica?Tô mais é assim que eu gosto. O médico me
perguntou, se eu me sinto bem assim. Eu me sinto, então
pronto, a melhor coisa do mundo é a liberdade, saúde e
dinheiro pra fazer tudo isso(Sujeito - 3)
-...Mais ousada, quando eu era casada eu era mais quieta, mas
hoje eu não tenho mais marido pra dar satisfação, então a
partir do momento que você não tem o seu companheiro do
seu lado, você livre. Não vai sair, como doida, mas essa
liberdade que eu falo, você sai a hora que você quer, sem
ninguém te perguntar(Sujeito -4)
115
Assim independente dos eventos que as acompanharam no
processo de transformação, presenciamos um movimento importante, ao menos na
maioria das participantes: a re-significação da postura do papel feminino.
Apesar de o aumento da idade, por si só, não se caracterizar como
uma fase de mudanças, acontecimentos marcantes que acompanham o processo de
envelhecimento, como os delineados acima, tornam a terceira idade repleta de
possibilidades de re-significações.
Contrariamente aos estereótipos criados em torno do processo de
envelhecimento, a terceira idade pode significar a oportunidade de realizações
pessoais como, aprender a ler e escrever ou dirigir carro, sair à noite, bailar, viajar,
como nos exemplos das participantes 2 e 6:
-...Com 52 anos eu entrei na escola, com 54 anos eu tirei o
diplominha, aprendi a escrever, com 56 anos eu aprendi a dirigi
e tirei a minha carta de motorista, dirigi 10 anos, com fuquinha,
recebendo ajuda de um de outro, dos amigos(Sujeito- 2)
Vale ressaltar que a participante 2, exerce atividade de cunho
social, como voluntária na APAE, atividade esta que também colabora para a
manutenção do sentimento de realização pessoal.
-...Dirigir, eu amo, é minha casa, meu carro, eu me orgulho
disso, porque eu nunca pensava, por isso que eu valorizo meu
ex-marido, porque ele pois, falou: você vai, vai
conseguir(Sujeito - 6)
Outro aspecto que corrobora a re-significação da feminilidade na
terceira idade refere-se ao fator sócio-econômico.
Motta e Debert (apud Néri, 2001) apontam que o nível sócio-
econômico é um aspecto de fundamental importância para o bem-estar na velhice,
pois favorece o acesso à cultura, à educação e ao lazer, atividades que beneficiam o
indivíduo em seu processo de subjetivação, de autoconhecimento, crescimento
pessoal, resumindo: em seu processo de re-significação.
116
Nessa perspectiva, Barros (1998 apud FIGUEIREDO et al., 2007)
salienta que a aquisição do direito universal de benefício vitalício da aposentadoria
para as mulheres aos 60 anos, que passa a garantir um salário mensal,
proporcionou a elas maior autonomia e independência econômica, facilitando
também o acesso a viagens e diversões, acesso à saúde e tratamentos, ou seja, a
garantia do bem-estar geral do indivíduo.
-...Eu me sinto mais jovem, eu me sinto mais viva, porque hoje
eu dentro do limite das minhas possibilidade; se eu tivesse
mais um pouquinho de situação financeira eu podia me diverti
mais, né, que eu tenho, às vezes, vontade de viajá(Sujeito -2)
-...Tem o problema financeiro porque você está começando a
vida, então você está lutando pra ter as coisas. Depois de uma
certa idade, como agora, a minha vida e a do meu marido, nóis
somos aposentados, a gente não é rico, mas a gente tem assim
aquela autonomia financeira de não precisá depender de
ninguém, não precisar trabalhar né, então quer dizer, é uma
vida diferente, é totalmente diferente; quando é novo não,
quando é novo a gente tem que lutar muito, pra conquistá as
coisas(Sujeito - 1)
Porém, é importante destacar que tais re-significações não
contemplam todas as mulheres da terceira idade, pois existem variadas formas de
encarar e viver a velhice. Notamos, entre as participantes de nossa pesquisa,
divergências de opiniões e atitudes frente ao envelhecimento. Apesar de
percebermos que para a maioria das mulheres entrevistadas, o processo de
envelhecimento é visto como a chance de viver o que ainda não foi vivido, existem
casos bem diversos, como pode ser visto na fala da participante 7. Desde sua
juventude, ela aprisiona sua feminilidade a um único papel e não o re-significa ao
priorizar unicamente como meta para sua existência a dedicação aos outros,
paralisando seu próprio processo de vida e restringindo sua feminilidade a um
contato altruísta com o outro.
-...Eu acho que eu vivo muito bem ela(a vida), me dedicando
às pessoas; não deixei a minha vida de lado, foi o jeito de me
sentir bem, é o meu jeito.
-...Continuo nesse movimento de me dedicar e sempre vou
me dedicar, eu acho que isso vale a pena, as pessoas se
117
dedicar às outras, pra isso nós viemos ao mundo pra doar
um ao outro.
A religiosidade é outro fator muito presente na vida dos idosos,
exercendo um peso considerável na maneira dessas mulheres vivenciarem sua
feminilidade e a velhice. A maternidade, o casamento, a relação conjugal e tantos
outros aspectos da vida e da constituição da identidade feminina são fortemente
influenciados pelas crenças e dogmas religiosos. O trecho a seguir, mostra bem o
caso de uma velhice dedicada inteiramente a afazeres religiosos.
-...me aposentei, fui morar sozinha, depois de 2 anos, aí fui me
dedicar a vida religiosa, fui fazer trabalho voluntário na igreja, e
me sinto muito bem(Sujeito- 7)
O processo de envelhecimento é composto por sentimentos de
ganhos, perdas e conflitos, assim como os outros ciclos da vida. De qualquer
maneira, é sempre apreciado, no geral, como algo de valor, como se pode verificar
na seguinte fala:
-...A gente tem mais amadurecimento pra ver as coisas, pra
entender, pra lidar com as dificuldades e com as tribulações;
então, é uma fase que vale a pena viver(Sujeito- 7)
Sexualidade e feminilidade na terceira idade
Segundo Foucault (apud DREYFUSS; RABINOW, 1995), a
sexualidade no século XVIII emergiu como um componente central numa estratégia
de poder, ou seja, a sexualidade sempre esteve atrelada ao controle.
Inicialmente, foi submetida à avaliação da religião, que a julgou e a
condenou como pecado; depois passou a ser considerada como anomalia, tara e
desvio, passando a ser problema médico e de diagnóstico.
118
Pensando na sexualidade de mulheres da terceira idade, é
importante remetermo-nos ao dispositivo da aliança, preconizado por Foucault (apud
DREYFUSS; RABINOW, 1995, p.188) que se refere a: articulação de obrigações
religiosas ou legais do casamento com os códigos de transmissão de propriedade e
de laços de sangue.
Vemos, mediante os relatos de nossas colaboradoras, que na
terceira idade, esse dispositivo de aliança tornou-se o grande cerceador da prática
da sexualidade, pois para elas o sexo sempre esteve ligado à obrigação e ao dever.
Só recentemente, as mulheres estão experimentando a sexualidade como
satisfação de prazeres.
A constituição da feminilidade sempre esteve atrelada à sexualidade
e, foi através de seu controle que a mulher construiu sua identidade feminina e
conduziu suas práticas no passado; o cerceamento e a reclusão atrelaram-na à
maternidade, sufocando e impedindo qualquer outra forma de expressão de sua
condição feminina.
Em outro momento, com o advento do movimento feminista e a
inserção da pílula anticoncepcional, a sexualidade foi tratada com maior liberdade, o
que corroborou a libertação da sexualidade feminina.
Vemos a expansão desse movimento abranger as práticas sexuais
de mulheres mais velhas, e alterar efetivamente a maneira destas lidarem com seu
corpo e sensualidade. Vide o intenso engajamento em bailes da terceira idade,
espaço eleito pelos idosos como propícios para paquerar e namorar.
Presenciamos hoje, um forte movimento direcionado à quebra de
tabus relacionados à sexualidade na terceira idade, quando algumas mulheres
idosas se permitem namorar ou ficar e incluem nestas relações, a atividade sexual.
Entretanto, apesar desta abertura frente à sexualidade feminina e
de muitas senhoras vivenciarem tal processo, isto não acontece com todas as
idosas. Notamos que nossas participantes tendem a negar a sexualidade e
internalizarem o estereótipo da velhice assexuada, como justificativa para seu
distanciando cada vez maior do sexo. Esse afastamento pode advir da associação
da sexualidade à obrigação.
Mediante a experi
ência negativa que a mulher teve em relação à
sua sexualidade durante o casamento, tende a se afastar dela na terceira idade,
como na vivência das participantes a seguir:
119
-...da parte sexual de mulher mesmo, é como se não existisse
mais depois que eu fiquei viúva. Então eu não sofri com isso e
ao mesmo tempo não queria mais, eu não sei o que houve
comigo. Foi um corte completo e até hoje, foi muito tranqüilo,
não tive problema nessa parte(Sujeito- 3)
-...é que eu fiz essa opção, eu não quero namorar, só isso, não
é pelos outros, é que eu não quero.
-...eu não agüento mais ninguém me pegando, me beijando ,
até nisso eu peguei implicância: do beijo. E as pessoas que
você encontrar vai querer abraçar, vai querer beijar, e eu não tô
mais aceitando isso. Quer beijar no rosto pode vim, beija; quer
me abraçar, ta liberado, mas não me fala em outra coisa
(Sujeito 6)
Essa aversão percebida no discurso da participante 6 vem
denunciar sua angústia frente ao sexo mediante sua vivência, pois em seu primeiro
casamento suas experiências foram intensamente agressivas, não sentia prazer,
nem tampouco carinho; ao contrário, de acordo com as atitudes de seu marido, o
sensação de invasão e desrespeito lhe eram freqüentes.
Nestas circunstâncias, a assexualidade na velhice é uma
experiência alternativa, um alívio da obrigação da mulher. É intrigante imaginar que
para algumas mulheres, renunciar ao sexo é um ato de liberdade em relação à
opressão masculina.
A velhice assexuada ainda está presente no pensamento dos
idosos, apesar da derrubada de muitos preconceitos. Ainda se mantém a
sexualidade como um tabu, algo feio e inadequado para o universo da terceira
idade. A fala da entrevistada 1 tende para essa visão, ao associar o relacionamento,
no processo de envelhecimento, a cuidados e companheirismo, excluindo a
sexualidade da união.
...É legal ter um companheiro, porque se você fica doente,
você vai ter uma companhia: vai te levar no médico, vai cuidar
de você, tanto eu cuidar dele como ele de mim e aproveita as
coisas boas, porque a companhia, a gente sai, a gente vai
jantar fora, sai à noite, diferente do que a gente sozinha, viver
sozinha não é fácil não. (Sujeito- 1)
120
-..., fica assim, tem os carinhos, os agrados, tem o sexo tudo,
mais fica aquela parte mais de companheirismo, né, fica assim,
uma impressão que fica assim, um pra ver o outro, um
pra cuidar do outro e na parte de carinho muita coisa já fica pra
trás (Sujeito 4)
A sexualidade continua sendo um assunto de difícil acesso, ainda
mais nesse segmento que passou por um processo intensamente repressivo. Não é
possível saber se falas contidas, que minimizam a sua importância na terceira idade,
são frutos de alguma inibição ou se de fato são de mudanças no foco do desejo.
Seja como for, é possível verificar que alguma forma de erotismo atravessa
relacionamentos da terceira idade e é fundamental para o fortalecimento da
feminilidade, seja para impulsionar práticas de cuidado, adereçamento e valorização
do corpo ou para impulsionar a busca do outro.
Entretanto, Risman (2005) chama a atenção para outro fato que
pode colaborar para o afastamento da idosa da sexualidade: a falta de informação
sobre o processo de envelhecimento e as mudanças na sexualidade nesta fase.
Assim, apesar da terceira idade constituir uma etapa bastante
propícia para o deleite dos longevos, esta se caracteriza ainda como um momento
de muito sofrimento e inquietação em relação à sexualidade.
Percebemos que muitas vezes, por medo de expressar seus
sentimentos e serem julgadas, algumas idosas tendem a se colocarem em risco por
não assumirem seus desejos e vontades, praticando sexo sem informação ou
proteção; este movimento justifica o alto índice de idosos infectados pelo vírus HIV.
Entretanto, em relação às experiências que o incluem o sexo ou
compromissos sérios, percebemos uma flexibilidade: as mulheres idosas tendem a
olhar com simpatia relações sem obrigatoriedades, optam muitas vezes por lidar
com as carências e faltas da solteirice, sem se aprisionarem a relacionamentos
duradouros. Exemplo sujeito 4.
-... acho que é melhor eu ficar sozinha do jeito que eu estou,
me divertindo com a minha liberdade, e assim, paquerando,
conversando sem compromisso sério (Sujeito- 4)
121
Ademais, nesta conjuntura, a beleza também passa a ser um motivo
do afastamento da sexualidade, pois muitas vezes, por não se sentirem bonitas e
atraentes evitam e negam o sexo, como nos exemplos das participantes 3 e 6.
-...eu era jovem eu era magrinha, então nunca tive aparência de
velha(Sujeito- 3)
-...Hoje tô mais gordinha né, mas eu adoro aquela roupa juvenil,
mas na hora que eu ponho, eu me sinto assim, para minha idade,
por mim mesmo, em tudo eu mudei(Sujeito 6)
No exemplo do sujeito 7, a negação da vivência da feminilidade é
tão intensa que a espiritualidade surge como uma alternativa para o não
enfrentamento de questões atreladas ao seu universo, como a da sexualidade.
-...Pra eu não ficar sem fazer nada, pra não correr o risco de
entrar em depressão, de ficar com minha vida assim muito
parada, então eu procurei uma atividade pra continuar a vida
ativa (referindo-se à igreja) (Sujeito 7)
122
5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma primeira e mais abrangente constatação da nossa pesquisa é a
de que a vivência da feminilidade na terceira idade não é homogênea. Em alguns
casos ocorrem mudanças significativas na maneira de sentir-se mulher, na terceira
idade, juntamente com modificações profundas no cotidiano, nos relacionamentos
sociais e afetivos, assim como nos papéis assumidos no círculo familiar, nos valores
e na própria identidade. Em outros casos os sujeitos não reconhecem quaisquer
mudanças significativas relacionadas ao seu ingresso no universo da terceira idade.
As mulheres, participantes da pesquisa, que reconheceram ter havido
mudanças na feminilidade, durante o processo de envelhecimento, associam essas
mudanças a eventos como a viuvez, doenças inesperadas, separações e
aposentadoria. Outras, no entanto, não perceberam quaisquer alterações
significativas em suas vidas, apesar de terem passado por experiências
semelhantes às demais, como viuvez, aposentadoria e conquista de maior liberdade
e tempo livre no cotidiano com a diminuição dos encargos domésticos e familiares.
É importante destacar que os dados de nossa pesquisa provêm de
um universo específico e restrito, não podendo ser generalizados para o conjunto
terceira idade. Trabalhamos com senhoras que freqüentam o projeto da
Universidade Aberta à Terceira idade, da Unesp-campus de Araçatuba. Embora tais
projetos, levados a cabo por diferentes universidades do país, sejam, hoje,
organizadores e produtores de uma referência de identidade significativa para a
terceira idade, seus participantes não podem ser tomados como representantes do
conjunto desse segmento da população.
As participantes foram selecionadas de modo a contemplar
previamente variações quanto à escolaridade, tempo de viuvez e de aposentadoria,
situação conjugal/familiar atual e experiência sócio-cultural na juventude (citadina ou
campestre) considerando que tais condições podem diferenciar o processo de re-
significação da feminilidade.
Dessa forma, essa investiga
ção pretendeu identificar acontecimentos
recorrentes na terceira idade, capazes de propiciar uma condição favorável para a
re-significação da feminilidade. Isto porque partimos do entendimento de que a idade
por si mesma não é propulsora de re-significações e mudanças na feminilidade, mas
123
sim a conjunção de vários acontecimentos durante o processo de envelhecimento,
que pode propiciar à mulher idosa a oportunidade de olhar para si mesma de uma
forma nunca antes permitida, livre de obrigações, estereotipias ou de papéis
impostos.
De modo geral, a respeito das re-significações da feminilidade, foi
possível verificar que as principais mudanças referem-se à sociabilidade, à
autonomia pessoal e à liberdade, além da oportunidade do resgate de sonhos e
desejos até então cerceados.
No âmbito da sociabilidade, a liberdade advinda de acontecimentos
como a viuvez, separação e aposentadoria tende a suscitar nas mulheres as
sensações de vazio e de ociosidade. Assim, a fim de preencher o vazio do tempo e
descobrir sentidos na vida, algumas mulheres da terceira idade tendem a se engajar
nas mais variadas atividades como as de cunho social, por exemplo, o trabalho
voluntário (caso de duas participantes de nossa pesquisa, que exerceram atividades
atreladas ao voluntariado, sendo uma, à Apae- participante 2 e a outra participante
1, como presidente de um grupo de terceira idade).
Outra forma de sociabilização surge com a inserção das idosas em
grupos da terceira idade, que promovem atividades variadas, desde freqüência a
bailes, bingos até participações em grupos de inclusão digital e de crescimento
pessoal, estes visando, por meio de propostas reflexivas, a alteração da visão
estigmatizada do processo de envelhecimento. Além disso, elas participam de
eventos como viagens, excursões, entre outros. Tais movimentos proporcionam a
possibilidade de ampliação de relações de afinidades e amizades.
Entre as figuras básicas do processo de re-significação da
feminilidade encontram-se a liberdade e a autonomia, apoiadas, principalmente, na
experiência da viuvez e no desprendimento de papéis tradicionais exercidos pela
mulher no ambiente familiar e doméstico.
Observamos que a mulher, ao deparar com o luto, é acometida pela
sensação de vazio e perda de sentido da vida, que a maioria havia se dedicado
inteiramente ao marido e aos filhos dentro do profundo atrelamento, na nossa
cultura, do feminino à família.
Neste contexto, o estranhamento e a falta de rumo para suas vidas
as fazem sofrer, sendo que muitas até iniciam processos depressivos (colaboradora
4).
124
Contudo, apesar desse estranhamento inicial, aos poucos elas vão
percebendo e se deliciando com uma autonomia e liberdade nunca vivenciadas, mas
sempre desejadas. A descoberta da autonomia e independência associada, ao
temor de envolver-se em novas amarras, produz certa resistência à construção de
relações que representem compromissos. A maioria das mulheres da terceira idade,
como no exemplo das nossas participantes, tende para esse movimento, preferindo
lidar com a solidão a se engajarem em uniões onde reviverão situações de controle
e subserviência. Tais preocupações advêm de sua vivência, que são estas as
memórias presentes frente à condição de esposa e mulher.
Quanto à possibilidade de resgate de sonhos e aspirações
desejados, em alguns casos, durante a vida inteira, as mulheres vêem na terceira
idade a oportunidade para suas realizações. Neste âmbito registramos a
concretização de aspirações das mais simples às mais audaciosas, como: aprender
a dirigir (colaboradora- 6) e aprender a ler e a escrever (entrevistada -2).
É preciso também, fazer alusão às mulheres que não sofreram
mudanças significativas de sua feminilidade em sua trajetória de envelhecimento. A
participante 7 de nossa pesquisa manteve um padrão de comportamento iniciado
desde sua juventude até sua velhice, não re-significando sua feminilidade. Toda vida
direcionou sua atenção e energia para o trabalho e a família, colocando-se à revelia
da constituição dos papéis de rainha do lar, esposa subserviente e mãe dedicada,
característicos do universo feminino de sua época.
Devemos salientar que, apesar da diversidade com a qual
deparamos ao entrarmos em contato com o universo feminino da terceira idade,
particularmente ao analisarmos mulheres de perfis diferenciados, como os
apresentados em nossa pesquisa, notamos que a terceira idade abre um leque de
possibilidades à mulher idosa.
Constatamos que independente da condição sócio-econômica, nível
cultural e de informação, de ter vivido em uma grande cidade ou ter passado parte
de sua vida em meio rural, um movimento em comum se apresenta: o desejo de
liberdade e de livrarem-se das obrigações e das amarras de uma vida de abdicações
e devoções em prol da manutenção de um doce lar.
Esse desejo adv
ém da história particular de cada uma destas
mulheres que igualmente sujeitaram-se à submissão frente à figura masculina.
Sofreram e tiveram que seguir normas e padrões rígidos de comportamentos,
125
contagiadas por uma educação repressora advinda de uma época onde o binômio
poder e respeito era condensado pela figura masculina.
A postura de submissão, nas histórias de vida das participantes,
começou a se delinear já no período da adolescência, ao serem extremamente
controladas e terem seus passos vigiados. Não usufruíram de qualquer liberdade e
em alguns casos extremos, nem ao menos eram consultadas a respeito de assuntos
importantes para sua vida, como, por exemplo, com quem se casariam.
Entretanto não constatamos diferenças entre os gêneros em relação
ao trabalho, salvo uma de nossas participantes que apresentava uma condição
sócio-econômica favorável. As demais, desde tenra infância, exerciam atividades
laborais tão pesadas quanto às destinadas aos homens, como o trabalho na roça.
Notamos também que a diferença entre os gêneros aparece mais
voltada às questões referentes aos padrões de comportamento ditados pela
sociedade patriarcal, sobretudo, quanto aos papéis de esposa e de mãe.
Percebemos que a maioria das mulheres entrevistadas, salvo a participante solteira,
vivenciou de forma bastante semelhante, tais papéis, tendo que abdicar de suas
vidas e aspirações em função do marido e dos filhos.
É frente a esse contexto, que as mulheres de nossa pesquisa
vivenciaram seu papel feminino e vislumbraram, cada uma à sua maneira, seu
processo de chegada à terceira idade.
Não queremos ser super-otimistas ou deixar a impressão de que a
terceira idade caracteriza-se como uma fase da vida essencialmente propulsora de
re-significação ou renovação. Porém, observa-se que as experiências de liberdade e
de descompromisso, propiciadas por essa fase e não vivenciadas em outros
momentos da vida, tendem a ser sentidas e representadas, ao menos para nossas
participantes, como uma etapa intensamente aprazível e repleta de possibilidades
antes nunca imaginadas ou sonhadas, que nem o corpo envelhecido e a ausência
do vigor, representativos de anos anteriores, consegue derrubar.
126
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131
ANEXO A Modelo de entrevista semi-dirigida
Cadastro
Nome:
Idade:
Profissão:
Estado Civil: casada( ) solteira( ) viúva( ) desquitada( ) outros( )
Se viúva, há quanto tempo?
Tem filhos? Quantos?
Mora com quem?
Infância
Adolescência: namoro, iniciação sexual e relacionamento com os pais.
Ambiente cultural.
Questões referentes ao gênero feminino: profissão, lazer, escolhas, etc.
Casamento: mudanças e relacionamento com o marido.
Maternidade.
A chegada da terceira idade.
Sexualidade na terceira idade.
Re-significação do feminino na terceira idade.
132
ANEXO B - Entrevista semi-dirigida sujeito 1
Cadastro
Nome: Sujeito (1)
Idade: 74 anos
Profissão: aposentada
Estado Civil: casada(2ª. vez) solteira( ) viúva( ) desquitada( ) outros( )
Se viúva, há quanto tempo?
Ficou viúva com 30 anos e há 34 anos está viúva
Tem filhos? Quantos?
3 filhas, casadas, formadas
Mora com quem?
Com o segundo marido
E: Conte-me um pouco sobre sua infância e de sua relação com seus pais
nesta fase da vida.
S-1: A minha infância foi a seguinte, totalmente diferente da de hoje, por que
naquele tempo nem brinquedo a gente tinha, eu nasci, quando eu tinha 3 anos, eu
perdia a minha mãe, então eu fui criada pelos meus avós, morava em fazenda e e a
infância é assim era uma muito boa, porque em fazenda a gente brincava, a gente
tinha, eu tinha uma pajem que ficou comigo até os 10 anos, e a gente tinha os
brinquedo que a gente fazia era nos domingo, a gente fazia casinha, então vinha as
amiguinhas do sítio vizinho, e a gente fazia comidinha, a gente brincava de boneca,
as bonecas era aquelas bruxinhas de pano, ou então aquelas de espigas de milho,
com cabelinho que agente tirava do milho, punha as roupinha e fazia os bonequinho,
fazia as caminhas, era embaixo das mangueiras que a gente brincava, passava o
domingo, isso era todo domingo e na escola, era o seguinte, como eu morava a
quatro quilômetros da escola, a gente andava quatro quilômetros pra chegar na
escola, não era fácil, por isso que eu vejo hoje levando criança a pé, de carro, s
andávamos 4 quilômetros, a gente ia mais ou menos em oito meninas, então a gente
entrava na... na... no período da tarde, almoçava em casa 9 horas e já saía pra
escola, e na volta era mais 4 quilômetros pra volta, isso era todos os dias, eu fiz a te
o segundo ano primário nesta escola, que era uma escola, num era rural, que ela
133
era da... da... cidadezinha de perto da onde eu fui criada, aí com 10 anos eu vim pra
cá (Araçatuba).
E: A senhora é filha única ou a senhora tem mais irmãos?
S-1: Não por parte da minha mãe eu sou filha única, com 10 anos nós mudamos
pra Araçatuba pra mim estuda, aí então eu fiz dois anos de primário, naquele tempo,
depois um ano de preparatório, que falavam preparatório, que era onde é o Dibo
hoje (refere-se a uma escola estadual da cidade), o Dibo aquela escola, e aí eu fui
pro ginásio, eu fiz até, hoje é eu acho que a sétima ou a terceira , não sei, eu acho
que é a sétima série hoje, mudou tudo né, era terceira série naquele tempo, agora
mudou tudo, por que era quarto ano primário é, admissão que eles falavam,
preparatório e depois o ginásio, agora mudou tudo, mais que o estudo naquele
tempo, era totalmente tb diferente de hoje, era puxado, não era feito hoje, essas
meninas não sabe nada, a criança naquele tempo, no segundo ano já sabia escrever
carta era puxado num era que nem hoje não, no ginásio tinha latim, tinha todas
essas coisas, era difícil, aí (pausa), então, aí com 15 anos eu comecei a namora o
meu marido, eu conheci o meu marido, aí tb tem uma história (rs), as famílias, a
família do meu avô que foi criada com meus avós, então a família dos avós do meu
marido se conheceram há 40 anos lá, em Ribeirão Preto, depois as famílias se
separaram aí ficaram 40 anos sem ter notícias, qdo nós mudamos para Araçatuba,
encontramos com a família do meu marido, eu conheci o meu marido, namorei e
casei.
E: Quanto tempo durou desde o namoro até o casamento?
S-1: Namoro foi 4 anos, entre namoro e casamento.
E: Quantos anos a senhora tinha quando o conheceu?
S-1: eu tinha 15, qdo eu casei eu tinha 19, ainda faltava uns meses para completar
19, bom com 20 anos eu já era mãe tive a 1ª filha depois com eu 23 tive a 2ª. e com
29 eu tive a 3ª e com 30 anos eu estava viúva, o meu marido morreu de acidente, eu
tava viúva com 30 anos, eu fiquei trabalhando, lutando pra criar os meninos,
sozinha só eu e os menino.
E: A senhora perdeu o contato com seus familiares? Como foi?
S-1: não, não, mãe eu não tinha, mas com meus avós sempre juntos, com o meu pai
tb, aí o meu pai teve outra família casou a segunda vez, e esses irmãos que eu
tenho é por parte de pai, mas eu num perdi o contato não, que eu não morava
com eles.
134
E: Vamos voltar um pouquinho. Como era a relação com seu pai, que ele
ficou viúvo e a senhora foi criada pelos seus avós?
S-1: Minha relação com meu pai foi com 10 anos depois com 10 anos quando ele se
casou pela segunda vez, a gente se separou, meu pai ficou morando em outra
cidade e eu vim para Araçatuba com meus avós paternos, quer dizer, fiquei com
meus avós paternos até casar. A vida inteira porque depois eu casei, fiquei viúva e
aí cuidei dos dois velhos, da minha avó e do meu vô até o final da vida deles.
E: A senhora não morava com eles?
S-1: Não, não morava com eles, morava na minha casa com a minha filha.
E: Como que foi esse período de viuvez repentino?
S-1: Foi difícil né.
E: A senhora trabalhava?
S-1: Olha, trabalhar, eu não trabalhava, naquele tempo emprego público não era
como hoje que é concurso, era oferecido emprego público, quando eu fiquei viúva
como o meu marido era uma pessoa muito social, muito conhecido, meu marido
tinha agência de carro e tinha 2 deputados em Araçatuba na época e os 2 foram na
minha casa oferecer emprego público, mas meus avós eram assim aquelas pessoa
que achavam que não podiam trabalhar, falavam você não tem... os meninos não
tem pai e não tem a mãe! Então não dá, eu falei eu dizia assim, eu vou te dá,
como é que é, eu vo te dá vara e vo te ensina a pesca, então me deu a vara e eu fui
pesca, aí o que que eu fui faze, eu fui faze serviço de homem, eu fui cria gado, eu fui
engorda gado, eu fui pro frigorífico, tudo isso que eu fazia. Minha família toda vida
mexeu com fazenda, então foi essa a minha profissão até cria os menino, depois,
quer dize, aí, as meninas já se formaram, todo mundo já caso, aí eu fiquei sozinha.
E: Como a senhora definiria o seu casamento?
S-1: Enquanto duro foi muito bom, porque a gente combinava muito bem, era um
relacionamento muito bom, era assim, não tinha briga sabe, a minha casa sempre foi
uma casa de muita paz.
E: Ele não cerceava a senhora em nada, por exemplo, tinha algum sonho que
por conta dele a senhora não realizou?
S-1:
Não, não ele não era uma pessoa de proibi e naquele tempo, as moças
casavam para ser donas de casa, quer dizer, na minha mocidade, quando eu
deixei de estudar, eu fui aprende borda, eu fui aprende costura, fui aprende cozinha,
135
quer dizer, fui ser, ser prendada, porque a moça tinha que ser prendada, tinha que
aprende a fazer de tudo, então foi o que aconteceu comigo, eu fui aprende.
E: Mas não tinha nada que a senhora não tivesse vontade de fazer, de dançar,
por exemplo?
S-1: Ah sim, isso eu gostava e o meu marido não dançava e não gostava, eu não
isso toda a vida eu gostei.
E: O que mais a senhora gostava de fazer que o seu marido não gostava?
D: Não era só, porque o meu marido gostava de viaja quer dizer, dentro das
possibilidades a gente viajava todo ano, então o que eu gostava e era loca por
carnaval, nunca pude i, porque ele não gostava, de baile ele tb não gostava, então
pra não cria confusão não vamo, não vamo cria uma confusão né, na vida da gente,
então não ia e as mulheres eram muito obedientes aos maridos, quer dizer eram
submissas.
E: Na sua opinião, a senhora era submissa ao seu pai quando criança. Mas
depois do casamento a senhora sentia-se submissa ao marido?
S-1: Eu era e da minha mocidade eu não tenho saudade porque eu fui muito
submissa, eu não tinha liberdade pra saí, nada, sabe, era aquele namoro que 9 hs
tinha que ta em casa.
E: Não saía pra passear?
S-1: Não, não, não, saí assim, quando eu fiquei noiva, que eu fui nu...nu...cinema
que eu fui no cinema com meu marido, porque num tinha liberdade, as moça era
moça mesmo, era muito preservada a virgindade, sabe então não tinha isso de hoje
era totalmente diferente o modo de ser.
E: Os seus avós criaram a senhora sozinha ou havia mais pessoas?
S-1: Não criou eu e depois meu avô trouxe um primo meu com 3 anos pra mora
conosco agente pra estuda tb.
E: A senhora sentia diferença no tratamento por ser do sexo feminino? Os
meninos tinham permissão para fazer algumas coisas que a senhora por ser
menina, não tinha?
S-1: não meu avô ele era muito severo, independente, ele exigia muito da gente, ele
queria que estudasse, ele não permitia que tivesse nota baixa, era sempre.
E: Em referência à liberdade para sair?
S-1: Não tinha, não tinha, a única liberdade que meu primo tinha era que ele
brincava com a molecada na rua, essas coisas, mas não tinha liberdade e depois
136
com 11, 12 anos ele foi embora pra fazenda, tanto é que eu falo pro meu marido
aqui que ele é mais primo que os outros porque nós crescemos junto né, eu tinha 5
anos quando ele foi mora com nóis e ele tinha 3 então praticamente a gente cresceu
junto né, até hoje a gente é muito amigo, então foi uma...uma...uma, mocidade
assim difícil porque as netas não tinham liberdade a liberdade que tinha era
passear, ir na praça, mas meu avô ia junto, eu tinha namorado e ele ia junto e ficava
esperando lá no banco quando acabava de passear a gente vinha embora e o velho
vinha junto, eu falo pro meu marido aqui que a minha mocidade foi muito presa não
tenho saudade da minha mocidade, minha infância foi muito boa, mas a mocidade
não acho que é até por isso que as moças casavam muito cedo, porque não tinha
liberdade nenhuma.
E: A senhora acredita que depois do casamento essa liberdade foi conquistada
de alguma maneira?
D: Foi, foi porque eu acho que aí a gente tinha a casa da gente a gene tinha
liberdade de passear, de sair então eu acho que foi. Eu acho que em geral as moças
procuravam casar cedo pra ter um pouco de liberdade né porque viviam presas, eu
não sei se todas, mas os italianos tinha o costume de prende muito as filhas, os
filhos homem tinham mais liberdade, mas as filhas eram presas mesmo, então não
saiam, era essa luta de vida.
E: A Senhora está dizendo que: após o casamento, as mulheres continuavam
submissas, que não mais aos pais, mas, aos maridos. Entretanto, havia
uma liberdade, mas ainda eram submissas? Como assim?
S-1: É tinha uma liberdade, mas eram submissas, agora o meu marido como
gostava de pescar ele não me proibia de ir ao cinema, eu ia ao cinema com as
minhas filhas, né, a gente saía às vezes faze visita, hoje não tem mais isso, acabo,
hoje você não não faz mais visita, coisa mais difícil, ou às vezes a gente sentava nas
porta, conversava né, acabou não tem mais aquelas amizades que tinha, o mundo
hoje está muito violento e naquele tempo não tinha violência e depois que eu
fiquei viúva trabalhava muito quer dizer aí não sobrava muito tempo pra nada,
porque além de eu ficar fora de casa ainda tinha minha casa né, tinha a
responsabilidade dos filhos, tinha as 3 minhas filhas pra cuida né.
E: Como foi exercer o papel de mãe?
S-1: Eu acho, de mãe e de pai né, as três estão casadas as 3 tem filhos, as 3 tem
um lar Graças a Deus, direito, bom minha filha mais velha tem 32 anos de
137
casada, a outra tem 30 a outra tem 25, então são lar que, casamento que perdura,
os meus netos todos quase já estão formados já, então eu acho que eu dei o
exemplo porque se não teria acontecido isso né, eu fui severa sim, elas falam que
eu era brava, eu era o pai e a mãe tinha que ter autoridade, assim elas eram minhas
amigas tudo elas contavam, mas dentro daquele limite, né, tinha limite pra tudo, o
que eu vejo hoje é que as crianças de hoje não tem limite pra nada, você é psicóloga
vc sabe bem disso, eles não impõe mais limites nas crianças, então não sei que
vai ser o dia de amanhã e eu acho que os pais estão muito fora de casa, as mães
estão muito fora de casa e os filhos ficam muito sozinhos né então não sei a
mocidade está muito difícil viu.
E: A senhora ficou 34 anos sozinha, e nesse período se relacionou com
alguém?
S-1: Não só cuidando dos filhos. Ah, e outra coisa que vc queria saber como surgiu
a terceira idade né, foi o seguinte eu cuidei do meu avô e da minha avó e depois
que eles faleceram eu fiquei com a vida muito sozinha porque era uma vida muito
corrida que eu tinha, era fazenda, era casa, meus avós moravam na fazenda e eu
morava na minha, então era uma vida assim que eu não tinha tempo pra nada,de
repente meu vô falto e eu fiquei muito perdida sem te o que faze, um dia no
calçadão eu encontrei com um senhor, amigo da gente, que ele falou assim, me
convidou, falou, olha, nós estamos fundando uma terceira idade, vc não quer fazer
parte da terceira idade? Nós vamos ter uma reunião lá no Senac, eu aceitei sabe e
falei: Ah então eu vou conhecer, vo ver o que é, nessa época tinha 11 pessoas,
estava começando o grupo eu fui pra reunião d começamos a reunir,
ganhamos pela Promoção Social uma sala no Intec, começamos a reunir a
turminha lá naquela sala foi aumentando, então era uma luta, tinha uma
assistente social que acompanhava o grupo, aí ficamos um ano, o grupo ficou sem
estatuto e sem regimento interno, depois de 1 ano teve então o estatuto o Senhor
José França foi o primeiro presidente e eu fui a vice dele aí, na realidade foi um ano
só o mandato, no segundo mandato eu fui ser presidente, fiquei sendo
presidente dez anos, aí eu ganhei terreno construí a sede a gente trabalhou
bastante, aí quando eu deixei o grupo em 94 eu deixei 400 pessoas no grupo e uma
sede deixei organizado só que infelizmente hoje virou um grupo popular.
138
E: Quando me refiro à terceira idade, estou falando sobre a fase da vida.
Quando a senhora se percebeu na maturidade, iniciando o processo de
envelhecimento?
S-1: Ah, olha com sinceridade acho que foi bem depois dos 50, é porque toda vida,
tive uma vida assim de gosta das coisas, não te essa agonia de ficar fechada , nem
nada, acho que até hoje sabe. Então eu acho que depois dos 50,eles estão
colocando a terceira idade 45 anos, eu acho muito cedo.
E: O que mudou na sua vida, depois de ter iniciado essa fase?
S-1: Ah mudou assim que a vida começou a ficar mais fácil, não foi tanto trabalho
como tinha, e foi tocando o barco, não foi uma vida como se diz tão difícil, não foi
uma vida tão agitada como era antes, porque tb mesmo as condições físicas a gente
já não tem mais depois dos 50 anos vai mudando tudo.
E: A senhora sentiu que dispunha de mais tempo?
S-1: Tinha mais tempo pra fazer as coisas, mais tempo pra me dedicar aos outros
idosos que tb dá trabalho não é fácil, assim, vc tem que ouvir problemas, vc tem que
da assistência, vc tem que correr atrás das coisas, então, eu tinha a vida totalmente
tomada pra eles, a minha casa ficou, mas eu não me arrependo, porque foram 12
anos que eu vivi lá mas foi muito bom.
E: E o que mais que a senhora sentiu que mudou na sua vida, além de seu
engajamento no grupo da Terceira idade, pensado em sua condição de
mulher?
S-1: Depois dessa época a minha filha caçula casou e eu fiquei morando sozinha,
mas eu ainda estava engajada no grupo aí depois quando eu saí em 94 , quando eu
saí do grupo, eu tinha 61 anos, pra não ficar naquela vida muito vazia eu com um
primo meu nós começamos a fazer excursão, então a gente levava o pessoal pra
fazer excursão, viajava a gente ia pra cidade histórica, Pantanal, Rio de Janeiro,
viajava bastante e numa dessas excursão que eu conheci o J, o meu marido,
começou, ficamos junto lá e tá até hoje são 9 anos de casamento.
E: A Senhora sentiu alguma resistência por parte de seus filhos?
S-1: Olha, da minha filha caçula e dos filhos dele tb teve resistência, mais dos filhos
homem né, tem porque eu acho que os filhos tem ciúmes dos pais e adaptação não
é fácil, essa adaptação é difícil, embora nós passamos pelo mesmo problema tanto
eu quanto ele, que ele tb é viúvo, então quer dizer não é fácil como eu que fiquei
muitos anos a gente fica muito liberal, então depois é mais difícil pra gente se
139
adaptar porque são muitos anos sozinha, então se sabe que sozinha até hoje às
vezes ele me corrige quando eu vou no supermercado que eu chego catando tudo e
saindo com a sacola e ele fala que agora vc tem alguém pra ajudar pra carregar, fica
muito independente, a pessoa fica muito independente, então às vezes eu até falo
que isso não é bom porque vc ficou muito independente e depois vc volta a ter
dependencia novamente né.
E: A senhora acha que a independência surgiu na terceira idade ou foi
quando a senhora ficou viúva?
S-1: Não eu acho que desde de que fiquei viúva, toda vida, eu desde que fiquei eu
viúva eu assim, tive uma força muito grande, parece que tinha uma força dentro de
mim que eu não queria depender de ninguém como até hoje eu não gosto de
depender de ninguém, eu acho que a gente tem que lutar sabe, pra ter as coisas,
tem que lutar mas tem que ser independente, porque não sei se é porque tb eu tive
um exemplo assim que meu marido era uma sociedade e eu sofri muito com essa
sociedade, pra desfaze aquela sociedade, então eu dizia eu quero ganhar 5 reais
sozinha mas não quero dividi com ninguém, então é difícil mas não é fácil.
E: É difícil comparar, mas, na sua opinião, a senhora acredita que está
aproveitando mais hoje, com seu novo casamento, do que aproveitou com o
anterior?
S-1: Ah sim, porque quando a gente é casado assim novo, a gente tem filho
pequeno, tem o problema financeiro porque vc está começando a vida, então vc está
lutando pra ter as coisas, depois de uma certa idade, como agora a minha vida e a
do meu marido, nóis somos aposentados, a gente não é rico mas a gente tem assim
aquela autonomia financeira de não precisa depender de ninguém, não precisar
trabalhar né, então quer dizer, é uma vida diferente, é totalmente diferente, quando é
novo não, quando é novo a gente tem que lutar muito, pra conquista as coisas.
E: Na questão de liberdade, hoje a senhora acredita que dispõe de mais
liberdade pra sair, não tem mais os compromissos que tinha anteriormente
com os filhos, não deve mais obediência ao pai, me fala um pouquinho.
S-1: É a nossa liberdade agora é assim eu e meu marido a gente sai junto ele não
sai sem eu e eu não saio sem ele, quer dizer, é uma liberdade tb diferente porque
qdo eu tava sozinha eu tinha liberdade, eu saia com as minhas amigas né, eu saia
muito de casa, agora é o contrário, porque agora é diferente quando eu saio é junto
com ele, eu não saio mais sozinha agente vai perdendo aquele vínculo das amigas é
140
diferente, né, porque é a mesma coisa que vc é solteira, vc tem as suas amigas
depois que vc casa o que que vc tem o companheiro, né, pra sai com o companheiro
né, então é diferente. Mas hoje eu aproveito mais, ontem mesmo nós fomos no baile
e chegamos 1:00 h da manhã. Agora a gente vai antes não ia como eu te disse o
meu companheiro agora gosta e vai, a gente viaja, a gente vai pro baile, não tem
preocupação com ninguém, é legal.
E: Como é a Srª hoje? Como a senhora se apresentaria pra mim?
S-1: Mais velha, com 74 anos, só que não perdi a alegria, (risos) e acho que só, a
mesma pessoa, gostando sempre das coisas muito certas, não gosto de coisa
errada, as vezes exigente até demais, eu sou exigente, gosto das coisa muito certa,
não perdi assim a vontade de viver, a minha alegria, com mais saúde que eu
gostaria de ter né, sem dor, e enfrentando os preconceitos com meu casamento.
Aliás quando eu fui avisar minha filha eu telefonei e falei:
- Tenho uma novidade pra vc
- O que que é mamãe?
Aí eu falei: - Eu vou me casar outra vez.
Foi assim, eu tenho uma coisa sabe, eu quando, eu sou determinada pra certas
coisas, se eu quero fazer., eu faço.
É legal ter um companheiro, porque se vc fica doente vc vai ter uma companhia, vai
te levar no médico, vai cuidar de vc, tanto eu cuidar dele como ele de mim e
aproveita as coisas boas, porque a companhia, a gente sai, a gente vai jantar fora,
sai a noite, diferente do que a gente sozinha, viver sozinha não é fácil não, então
lutei contra qualquer preconceito e fui em frente, determinei que ia tomar uma atitude
e tomei. Até hoje minhas amigas perguntam: Você está vivendo bem, é bom, como
é que é? - perguntam né, porque acham que é uma coisa estranha, mas não é
tanta gente acontece isso e vive bem, eu acho que o segundo casamento a gente
tem mais experiência, a pessoa tem mais experiência de vida, mais compreensão,
não mais aquele ciúmes de quando a gente era jovem, tudo isso vai acabando com
a idade.
E: A senhora acredita que se estivesse com uns 30 anos, agiria da mesma
maneira ou não?
S-1:
Não em relação às filhas, sempre pensei muito nas filhas, colocar um homem
dentro de casa que não era o pai e ter assim um não um bom relacionamento e
haver desavença, né e tb as vezes vir mais filho, então nunca pensei.
141
E: A senhora se sente mais corajosa hoje enquanto mulher?
S-1: Ah muito, e naquela época mesmo tinha muito preconceito, era o povo que
tinha muito preconceito, eu acho que hoje em certa parte há mais liberdade, não tem
tanto preconceito. É hoje eu tenho mais coragem, então antigamente tinha
preconceito, o povo era diferente justamente por causa daquela formação que veio,
veio dos pais, veio dos avós, veio, agora nós estamos vivendo num mundo
totalmente liberto né, mais liberdade, agora eu não sei, as vezes eu paro e
pendo, se foi pra melhor ou se foi pra pior. Pra mim, eu acho que a liberdade do jeito
que está não é boa, tanto é que vc hoje os casamentos nem duram muito mais,
nem duram, hoje ninguém quer ser submisso a nada, então foi extrapolada a
liberdade, não quer dizer também que a gente não tinha liberdade, a gente tinha
liberdade, mas era uma liberdade controlada, hoje não, extrapolou a liberdade,
liberdade hoje, não se tem horário de se chegar em casa, não tem mais horário pra
nada, não se tem mais respeito pelos pais, pelos mais velhos, ontem mesmo ainda
vi na televisão, uma senhora, ela viajou ela tava num ônibus, era uma senhora de 74
anos com problema numa perna e os jovens todos sentados, ninguém se levantou
pra dar o lugar pra ela sentar, ela teve que viajar em pé, não tem mais gentileza,
cortesia, isso no tempo da gente jamais existia, se a gente via uma pessoa idosa o
jovem tava sentado ele levantava e dava o lugar pro idoso, hoje não tem mais isso e
tb não tem respeito, quantos casos que a gente ai de idoso apanhando, de filho,
de neto, né eu acho que o respeito foi acabado, a liberdade e o povo não tem mais
respeito, não sei se é em toda a família, Graças a Deus na minha família, meus
netos eu não posso reclamar, são todos os jovens tem educação, não sei se isso
já vêm da gente que foi passando, ou se veio depois, mas hoje não é todos tb é
exceção, tem famílias maravilhosas ainda, né.
E: A senhora acredita que as pessoas da terceira idade de hoje, tem a mesma
reclamação?
S-1: Reclamam, quando eu estava no grupo, eu tinha casos, hoje então existe
tem o Conselho do idoso, embora não tenha feito nada, porque a presidente do
Conselho era muito minha amiga, mas tinha tanta reclamações, nas cidades maiores
já tem o Fórum do Idoso, Delegacia do Idoso, o conselho do Idoso é o que está
faltando tb na cidade da gente, porque eles não tem aonde recorrer, tanta coisa
errada e vai aonde.
142
E: A senhora acha que o idoso ainda sofre muito preconceito?
S-1: Da família eu acho, eu acho assim, a família ninguém quer mais cuidar do idoso
né, porque trabalho, não tem mais aquele carinho, aquele amor que tinha
antigamente, a gente quando eu tinha meus avós eu era jovem, a gente sacrificava
tudo em função deles, hoje não tem mais, a gente vê tantas pessoas que tem pai e
tem mãe aí e não quer cuidar, leva pra asilo, porque, porque é a liberdade, né, pra
poder ter a liberdade, não quer ser submissa, essas coisas.
E: O que há de melhor na terceira idade e o que há de pior?
S-1: Bom, o que é melhor é a convivência com os amigos, as reuniões com os
amigos é as amizades, eu acho que isso é bom. Agora na terceira idade tb tem o
idoso tb se extrapolou, o idoso tb, não sei se porque teve uma vida muito presa,
então ta assim como diz a gíria na gandaia (risos), tem os dois lados, se acham
jovens, quer fazer aquilo que não fez quando era jovem e que não está mais na
idade de fazer, vejo isso muito no grupo, ontem mesmo eu vi isso no grupo, ai meu
Deus você está gravando (risos), a gente vê muito isso, sei lá não se a pessoa perde
o bom senso sabe, e se torna ridículo, sabe não sei, porque cada cabeça é uma
sentença, cada um vive de um modo, enfim a vida ta boa, dá pra levar a vida, eles
dizem que a vida ta ruim, não ta nada ta melhor do que antigamente. É em certo
ponto está melhor, não ter que ficar trabalhando tanto não tem que ficar correndo,
ter mais liberdade, mas antigamente a minha vida era boa, sabe, a minha vida era
muito unida, as famílias era muito unida, o que a gente não mais hoje né, não sei
se foi a televisão que tirou tudo isso a união da família, olha eu moro aqui, me dou
bem com tosos os meus vizinhos, mas as vezes eu passo semanas sem vê o
vizinho, todo mundo trancado, tb a violência está muito grande, então o medo
trancou as pessoas, as pessoas tem medo de estar saindo, de ser assaltada, então
virou uma prisão a casa da gente, né, eu vivo trancada aqui dentro dessa casa, são
duas pessoas idosas, de repente chega aí um malandro.
E: A senhora quer falar mais alguma coisa?
S-1: Ah sobre o nosso casamento a união minha com o meu novo marido, e tudo
bem, agente vive bem Graças a Deus, a gente combina bem eu acho os dois assim
que tem um gênio que pra combinar, o segundo casamento é bom, eu acho que
a gente tem mais discernimento das coisas porque tem mais idade e como se diz tb
tem que tb saber entender mais o outro, abrir mão das coisas pra viver bem, mais
143
paciência, isso eu adquiri com a maturidade porque quando a gente é jovem não
tem paciência né.
144
ANEXO C - Entrevista semi-dirigida sujeito 2
Cadastro
Nome: Sujeito (2)
Idade: 70 anos
Profissão: do Lar (voluntária da APAE há 24 anos)
Estado Civil: casada( ) solteira( ) viúva( x ) desquitada( ) outros( )
Se viúva, há quanto tempo?
20 anos, mas fui separada durante 5 anos.
Tem filhos? Quantos?
3 filhos: 2 homens e 1mulher.
Mora com quem?
Sozinha
E: Conte-me um pouco sobre sua infância e de sua relação com seus pais
nesta fase da vida.
S-2: Eu nasci no município de Potirendaba, não tive infância, porque minha mãe era
doente mental, no começo, os médicos achavam que era sistema nervoso, meu pai
como era muito pobre trazia tudo quanto era curador, benzidô, como não teve
jeito acabou internando ela nus hospitar psiquiátrico em Ribeirão Preto, ficou 21
anos em Ribeirão Preto no hospital Santa Tereza, e, eu fiquei muito sozinha com
5 irmãos homem, e o pai, sou a mais velha, de 6 irmãos, era 7, uma irmã mais velha
morreu com 7 anos é uma lembrança bastante triste da minha infância de 4, 5 anos,
porque ela tinha 7 anos quando ela faleceu e eu sou dois anos mais nova do que
ela, quer dizer que eu tava com 5 anos de idade aonde eu lembro muito o dia em
que ela faleceu, porque meu pai catava eu no colo e ficava chorando com medo de
eu morre tb porque nóis tinha medo de uma doença.
E: Ela faleceu de quê?
S-2:Niflite, aquela doença de nimia no sangue, que hoje fala lucimia né, naquele
tempo era nimia, e hoje eu to com 70 anos e ela ta com 72 né, e foi a única que
eu lembro mais dela, aí tinha um outro irmão abaixo de mim que eu não carreguei no
colo, agora os outro 4 eu carreguei, então eles cresceram, ficaram grandão e eu
fiquei pequenininha de tanto carrega eles no colo, mas hoje eles me carregam, eu
145
bato tudo nos braço deles, mas sinto felicidade, me respeita muito Graças a Deus, e
aí.
E: Todos estão vivos?
S-2: Todos estão vivo, menos o pai e mãe e a madrasta, porque depois quando eu
tinha meus 12, 13 anos meu pai arranja uma muié pra cuidar de nóis porque não
tinha quem ensinava porque o pai tinha que trabalha muito.
E: A mãe da senhora estava internada?
S-2: Estava internada no hospital Santa Tereza.
E: Quantos anos a senhora tinha quando ela foi internada?
S-2: Eu tinha uns 12 anos, quer dizer, ela tinha sido internada várias vezes, só que o
meu pai levava e buscava levava vencia aquele prazo buscava, depois, naquele
tempo era tempo do governo de quem internava e ficava lá, ela quase matou ele
com uma porretada, aí o finado pai da minha mãe falou:
- Ramo ela ainda vai te mata e não vai cria esses filho , vc interna ela e vai cria
esses filhos.
Foi o que o meu pai fez, só que depois de 2 anos que ele tava sozinho ele arranjo
uma mulher, e essa mulher foi muito trabalhadeira, morreu na nossa casa, na casa
de meu pai com 86 anos de idade, mas foi duro pra mim acostumada, eu chorava
dia e noite, porque eu tava acostumada sorta de qualqué jeito, mais acostumei, vive
6 anos com a madrasta, me ensino a costurá, me ensino a bordá, me ensinou a lava
a passa, cuzinhá, mais foi muito difícir, porque estava acostumada dois anos
sozinha, eu que fazia e desfazia do meu modo, sujo ou limpo eu que tomava conta
da casa, aí entro uma pessoa pra mi corrigi, foi muito difícil, pra mim acostuma. Mas
ela cuidava muito de mim, pra incurtá a estória, com 16 anos eu me formei moça
porque ela me cuido de mim, porque o meu pai num cuidava.
E: Como era a sua relação com seu pai?
S-2: Ah era muito medrosa, o pai era muito severo demais, muito, ele só falava cala
boca e trabaia, trabaia e cala a boca, pra i numa missa lá de Potirendaba pra i no
coqueirar na missa, era difícir, precisava, injoeiá nos pé e pedi Pelo Amor de
Deuspra deixa i numa missa que a gente tinha seus 14, 15, 16 anos, tinha
vontade de vê gente né, não era na roça, então foi uma vida muito sofrida, eu
num tivi infância o. Trabalhava na roça levantava 4:00 horas da manhã e durmia
em cochão de páia, primeiro era de capim, depois era de paia de milho.
146
E: Havia diferenças no tratamento de seu pai devido à sua condição de
mulher?
S-2: Não, pai trato tudo igual, quando ia gente em casa, meu pai falava:
- Nossa! Ela tem que ser tratada como uma rainha, mas ele não me tratava como um
rainha não, por causa de ser só uma mulher eu era tratada igual os filho homi,
mesma coisa, tinha que trabaía memo, levantava 4:00 horas da manhã não tinha
papo, enchia as moringa e tinha que trabaía com clareava o dia ia pra roça, enchia
os tambor de água pra deixa a água tirada do poço pra minha madrasta que era
muita roupa de homi então foi muito sofrido, mas valeu tb, quando eu peguei, que
aí minha madrasta veio mora com nóis eu tinha uns 14, 15 anos, com 16 anos ela
me deu os remédio me levo no médico, porque com 16 anos não era moça, me
formei com 16 anos, aí com 19 apareceu o príncipe encantado e eu falei:
- Agora eu saio da boca da onça.
E: Como era sua relação com sua madrasta?
S-2: Não um ano e meio, dois anos antes perto deu casa até que foi boa, eu passei
a compreende ela e eu amadureci. Eu amadureci, comecei a compreende ela, ficou
até boa, tinha dela porque era muito serviço, eu fazia por amor, mas no começo
era muito dolorido. Eu chorava dias e dias, até eu peguei uma nimia de fica
chorando na cama de noite escondido.
E: Ela era brava com a senhora?
S-2: Ela era muito nérgica e se ela falava quarqué coisa pro meu pai a coisa em
pretejava e meus irmão estudo e a cavala que trabalhava na roça divia estuda a
noite quando chegava do serviço, da roça e eu fiquei sem estudá nada ela me
ensino a lê o livrinho do Padre Donizete do Tambaú e eu tinha uma cabeça boa
com toda a pobreza, com toda a dificuldade, mas eu consegui decora aquela estória
do Padre Donizete eu comecei soletra punhava aquele livrinho e decorava as
estória igual decora uma música de Tonico e Tinoco, punhava o livrinho debaixo do
travesseiro e estudava de noite assim, marcava onde tinha aquela letra muda,
punhava um xiszinho com lápis no outro dia mostrava pra ela, falava pra ela, ela
falava isso num vale essa palavra é assim porque essa letra é muda. Então aprendi
lê, fiquei vinte anos sabendo mais num sabia escreve, então eu falo que ela foi
uma luz pra mim lê aquelas estórias do Padre Donizete, eu decorava as estória e
aprendi lê, fiquei 20 anos lendo, com 19 anos, eu casei, com tudo eu tava mais
mansa com ela, ela mais compreensíver comigo, porque eu comecei madurece, vi
147
que ela me ensinou a costura, né, roupa de roça, assim, ensino a lê, nunca fui pra
escola, meus irmão ia pra escola, eu fui pra escola com 52 anos de idade, depois
que a minha irmã saiu do hospital, e quando os meus filhos, porque eu casei
com 19 anos.
E: Com 19 anos a senhora conheceu seu marido. Quanto tempo durou o
namoro?
S-2: Aí me casei, pai nunca deixou namoro cumprido, quando ele apareceu, o pai já
falo que num queria namoro cumprido, e me chamo de uma lado e falo pra mim que
casamento não era casaco que punhava e tirava mas que era pra namora e casá,
então com 10 meses namorei e casei.
E: Foi o único namorado da senhora?
S-2: Foi o único, paquerava no meio dos café, assim, mas de longe, um no paiol
dos café e o outro lá no outro paiol que era um quilômetro longe.
E: Qual era seu lazer na adolescência?
S-2: Ah, na minha adolescência não teve, era, nunca teve passeio, falo pro cê que
eu ajoelhei pra pidi pra i numa missa, numa toriada, antigamente rodeio chamava
toriada, lá cada dois ano,só.
E: Quando a senhora conheceu seu marido?
S-2: Numa folia de reis que teve no patrão nosso, nos terrero do patrão com
empregado que era nóis, era emendado, e o patrão nosso que Sr. (S) era muito
devoto de Santo Reis e ele fez um jantar pra Folia de Reis que apareceu lá, e eu
conheci, o pai cumpanhava a Folia de Reis, que ele era parte de caboclo memo,
gostava, aí eu me encantei com ele, ele se encanto comigo, logo pedi pro pai e o
casamento saiu drento de um ano.
E: Como foi o namoro?
S-2: Ele ia cada 15 dia, ele trabalhava pra um sitiante, tocava o sítio dele quando
meus irmão se formo tudo moço o sitio dele fico pequeno pra nóis, nóis fomo ara a
terra por fora, aí. Ele morava na Boa Vista do Cubatão e eu morava no corgo do
coqueiral, em Potirendaba, no município de Potirendaba. E ele vinha cada 15 dias,
aí combino caso, fiz meu passeio de casamento, foi muito lindo, muito bonito, mas
foi mais uma fantasia mesmo.
E: Por que a senhora fala que foi fantasia?
S-2: Ah, sei lá, eu so frustrada, com casamento.
148
E: Fala-me um pouquinho do seu casamento?
S-2: Casei com 19 anos achando que eu ia encontra o príncipe encantado, a maior
felicidade do mundo, porque eu saía do mando do pai, da madrasta , a mãe ainda
estava internada no hospital Santa Tereza sem esperança mais de ela, casei
no sábado, casei pura, que hoje é difícil mas tem ainda, mas eu num conhecia bem
a gente dele fui conhece a minha sogra depois que eu casei, que eu cheguei vestida
de noiva, na casa dele que tinha feito a festa na casa dele.
E: Qual era a profissão dele?
S-2: Era lavrador, também. Cuidava de gado, retiro, fui conhece minha sogra
depois eu tava casada, a minha mãe é aquela lá, tava tirando água numa bomba e
eu pensei:
- Nossa! Onde eu fui me enfia, pessoa pobrezinha, humilde, já penso, tirando água
na bomba, eu tirava no sarilho, mas tudo bem, gostei, era minha sogra, foi muito
bacana comigo, foi uma mãe verdadeira, não é porque ela morreu que hoje eu falo
bem, porque eu sempre falei bem, eu que cortava a unha dela, cuidava dela, quando
ela tava ruim da coluna eu lavava os pé dela, foi uma mãe, só que eu tb procurei se
uma filha. Ela tb não tinha filha muié.
E: A senhora morou junto dela?
S-2: Com ela mesmo eu morei só 8 dias. Que tinha a casa no jeito, uma casinha
no meio do mato, no pasto que via só gado, eu fui pra aquela casinha, aí com 8
dias ele já começo larga eu sozinha, e ia pra venda joga baraio, mas era caminho
dele passa no terreno da casa da minha sogra, então a minha sogra sabendo que eu
saí de uma casa de 9 pessoas, porque tinha minha madrasta, mais 5 irmãos homi,
um adotivo da minha madrasta e meu pai 8 e eu era 9, a minha madrasta vendo que
el passo pra venda e num vortô e sabendo que eu tava sozinha no meio do mato,
numa casinha de tijolo sem reboca, saí da casa de uma família grande pra fica
sozinha no mato, minha sogra tinha muita preocupação comigo aí ela descia e ficava
lá comigo até ele chega, ela me defendeu muito, chegou até a bate nele. Brigava
com ele, naquele tempo dava aqueles pau de vassoura forte e ela espero ele chega,
aviso, aviso ele e ele num obedecia punhou um cabo de vassoura atrás da porta e a
hora que ele chegou, era quase 10:00 horas, ela ripo ele, minha sogra e mas foi, foi
indo, foi indo e eu fui tendo os filho, a gente aquela palavra que o pai falo que,
Casamento não era casaco que punhava e tirava o padre falo que O que Deus
uniu o homem não separa, aquele virou um selo gravado na minha mente, então eu
149
tava vendo que eu ia acaba morrendo mas num saía de lá, mas foi tendo os filho,
fui criando os filho, fui trabaiando, que eu sempre trabaiei, ele trabaiava no retiro
mas era só o retiro, abandonou o retiro porque viveu no terreno do meu cunhado, do
irmão dele, muito obediente meu cunhado, o que me trouxe muito sofrimento, foi
uma carvário pra mim, mas eu venci depois de muitos anos, os filho, cresceu
quando ele batia a torto e direito, porque ele me bebia conhaque, apanhava dele e
trabalhava, trabaiava e apanhava, e os filho foi crescendo naquele sufrimento. O pai
mudou de lá de perto e veio pra São José do Rio Preto, foi bom, porque ele num via
o que tava acontecendo, eu num iscrivia pra ele, não falava nada porque aquela
palavra ficou gravada ni mim né e eu guentei calada muitos anos, até no dia
11/10/1974 e eu vivi com ele depois dele ter me machucado muito até 1978, vivi 4
anos com ele, eu tinha um medo dele, que até a sombra dele me fazia mal.
E: Por quanto tempo a senhora permaneceu casada com ele?
S-2: Vinte e três anos.
E: Quando ele começou a agredi-la?
S-2: 8 dias de casamento ele me batia, não pudia me descuida que era murro e
chute, quando eu tava grávida do meu filho mais novo ele me deu um chutão porque
tava bêbado, mas não era muito, ou ele tinha que ta bêbado de tudo ou ele num
tinha que bebê pra se mais ou menos, porque se ele bebesse um pouco ele ficava
muito violento. Um copo que ele oiava que num tava onde era pra ta ele arrumava
jeito de faze escarcéu, cumida, quando das veis ele falava:
- Quero cume essa bisteca em molho ou quero cume essa bisteca assim.
Eu fazia do maior capricho, ele com a boca queimada de pinga, não sentia gosto,
tacava aquelas panela de cumida fora, eu fazia um frango em molho com polenta
tacava aquela panela de frango em molho pela janela, era de janela tábua, num
cumia, os fio num cumia, eu tb num cumia, vivia aquela vida até cria meus filho,
quando os filho fico homi, grande.
E: A senhora verbalizou que seu pai era muito rígido, depois do casamento,
seu marido também o era?
S-2: Muito rígido, mas era, mas era de safadeza, porque ele não trabalhava, meu pai
ainda trabalhava e era honesto e ele era desonesto.
150
E: Ele não trabalhava?
S-2: Ele não. Ele trabalhou 6 anos de casado, que cuidava do retiro, a vida dele
era pesca, leva ferro no rio e eu trabaiava porque ele tinha um pedaço de terra no
sitinho.
E: A senhora era a provedora da casa, quem a sustentava?
S-2: É eu trabaiava e tinha um empregadinho no sítio, então tinha aquela rendinha,
mas eu plantava mandioca, plantava batata, nossa eu lutava, e mandioca pra te
fartura pro fii, depois quando tava bom ele levava os amigo dele lá, da cidade e
falava que era ele que tinha prantado, óia num deixo saudade não. Porque foi muita
humilhação, foi muito sufrimento, então até hoje eu so frustrada com esse negócio
de casamento.
E: A senhora se separou após 23 anos de casamento?
S-2: Separei porque aí eu tinha dois rapaiz e uma moça a filha com 15 anos, e a
menina dava acesso por causa daqueles escarcéu dele. Quando o meu filho mais
velho começou a nomorá, ele aproveitava quando os menino num tava porque eu
tinha o mais velho que tava namorando e o mais novo ia em Potirendaba, naquele
tempo era footing que falava, dá vorta na rua. O mais novo ia pra cidade de à cavalo
e o mais velho ia namora, depois quando ele chegava da namorada, o mais velho
falava:
- Mãe o pai fez alguma coisa com a senhora porque a senhora está com os joio
vermelho.
- Não meu filho, a mãe é que ta com vontade de chora, mas num é nada não.
Ele tinha insurtado, ele tinha provocado, num pudia abri a boca porque ele era muito
violento.
E: Se a senhora falasse pro seus filhos que ele havia batido na senhora, ele
batia mais ainda?
S-2: Fazia guerra, se eu falasse pros menino, eles ficavam revoltados com o pai e
eu não queria que eles ficassem revoltados com o pai então eu encobria, o mais
veio meu percebeu e ele falava pro (J):
- (J) vc vai fica e eu num vo namora mais a (L) tudo 8 dia.
Porque saía de sábado era só atravessa o corgo.
- Então hoje eu vo fica, sábado que vem eu fico e você vai em Potirendaba. Era
assim um ia e o outro ficava pra me vigia, aí evitá de chega em casa acha eu com
zóio vermelho. Se ele num bebesse, até dava pra agüentar.
151
E: Ele a cerceava de alguma maneira, não lhe deixando fazer algo?
S-2: Não, num deixava ele vendo eu trabaiando ele ficava feliz da vida, porque ele
não trabaiava e eu tinha que trabaiá, passea não.
E: A senhora tinha algum sonho que não pode ser realizado inicialmente por
causa de seu pai e depois, por causa de seu marido?
S-2: Ah, isso teve memo, na infância o, quando tive na infância que eu vi que
meus irmão não tinha muita regalia aí eu me conformava e eu me conformava.
Ah, deixa a gente i numa missa, num baile, pra i num baile precisava das minhas
tias, irmã do meu pai agrada e levava eu pra casa da finada minha vó, aí lá o dia que
ele tava bom depois que ele tinha a madrasta em casa ele me deixava i arguma vez.
E: E depois do casamento?
S-2: Ah, eu gostava de sai com ele, de passiá, visita, depois meu pai mudou pro
Sertão de Rio Preto, ali perto de Jales, porque chamava Sertão de Rio Preto, né. E
ele num queria saí comigo, nunca passeava comigo, ele sempre num era de viaja
muito ele só ia pesca com os companheiro dele, ele num era de passeá, agora tanto
no dia Folia de Reis, fim de ano pra mim era um sufrimento bruto, porque, ele
gostava de mata vaca, pra faze Fola de Reis, vinha em casa bêbado, com a roupa
toda ensangüentada de sangue de gado, e outra vez, até com perdão da palavra
gumitado, e eu tinha que lava aquela ropa, se ele tava mais ou menos ele ficava
violento, senão ele ficava deitado eu tinha que cata banho e leva pra cama e
quando tava bom me chutava me esmurrava. Mas eu consegui ponha amor nele,
que eu gostava dele assim memo, né. ele, com muito trabalho, com muita luta,
compro um jipe, fez empréstimo, compro um jipe e a gente trabaio pra pagá o jipe,
depois, achando que era um mil maravilha par leva a gente na cidade, Sexta-feira
da Paixão, dia que tivesse, dia do Corpo de Cristo, mas ele num levava, ele
gostava de i sozinho, aí o jipe servia pra ele i sozinho, chegava bebia, uma
vez por outra que ele tava mais ou menos, ele levava numa missa, mas chegava,
saía da missa e ia pro bar beber pinga em cima da santa hóstia e eu ficava mais
triste com aquilo. Aí peguei e larguei mão, me lembro uma Sexta-feira da Paixão,
meu filho mais velho já tinha carta, aí eu falava pra ele dá o jipe pro (M) dirigi, e ele:
- Quem manda aqui sou eu.
Ele era o gal
ão, e num dava, num dava e o jipe vinha catando jaraguaia dum lado e
do outro, naquele tempo não era colonhão era jaraguaia. Aque quando chego na
metade do caminho e viu que num dava pra dirigi e deu pro meu filho, aí eu fiz
152
juramento nunca mais saía com ele e num saí mais, fiquei em casa e depois separei
porque antes de separa eu vi a morte, né, porque os filho cresceu, era três homi,
2 filho e um marido, eles era do tamanho dele e a filha volta e meia dava acesso
porque via aquelas crise feia,aí os menino.
E: O que a senhora quer dizer com acesso?
S-2: É dava acesso, ela cai no chão duro, babava, era de sistema nervoso, ficava
dura aí tinha que corre pros vizinho, pegava levava, os irmão chorava, gritava, os
vizinho socorria, levava pro médico.
E: Qual era o diagnóstico?
S-2: Sistema nervoso, ela ficava assim só quando ele agredia.
E: Ele agredia só a senhora ou seus filhos também?
S-2: Agredia os filho, ela não, ela foi a única que escapo dele, ele num batia não nos
menino, ele pegava a faca, aquela faca de 4 dedo de foia de largura, que ele
passava assim na perna e tirava o pelo, pra corta osso de capivara, de paca, custela
de peixe, pegava pintado de 5, 6 quilos, na beira do rio, que nós morava na beira do
rio, chama Cubatão até hoje, Boa Vista do Cubatão, e ele pegava aquela faca e se
a gente num ubidecia ele rossava a gente com faca, mas eu sempre desviava. Aí
ponhava as faca na gaveta da mesa, puxava a toaia, encostava as cadeira porque
até que ele puxasse a cadeira, puxasse a gaveta e erguesse a toaia dava pra gente
corre e essa urtima briga foi a época da separação, os menino tinha cumido pão e
tinha largado a faca em cima da mesa e ele aproveito o embalo, aí com a faca
queria mata, mas queria mata os filho, porque o filho respondeu pra ele:
- Pai, não é mais aqueles pintinho pequenininho que corria debaixo dos pé de
laranja baiana.
Então os menino cresceu naquele sofrimento, aí os menino enfrentava ele:
- Pai agora num é mais como o senhor fazia com a mãe não.
- Ah, porque eu mato, eu frito, eu pico.
- Se o senhor mata a mãe, nóis mata o senhor. O senhor pode prepara.
Aí ele apelava pra violência e eu escondia mais meu sofrimento pra não haver
essas guerras.
E: Como era a sua relação com seus filhos?
S-2:
Ah, com meus filho eu era muito cuidadosa, fui uma mãe choca e eles me
defendia muito, meu mais velho, depois que pegou seus 16, 17 anos ele tocava de
casa porque o meu mais velho defendia eu e ele (pai) tocava ele (filho) de casa, aí
153
ele(filho) ia embora pra casa do meu cunhado, em Rio Preto, outra ora ali no sítio
memo e eu ficava lá trás dos paiol dos chiqueiro dos porco, oiava ele trabaiando
do outro lado só chorava (choro). Foi um pedaço de vida, triste, mas, ajuntava
minhas cunhada, minha sogra:
- (M) volta pra casa que a tua mãe ta se acabando.
(M) vortava, até que um dia ele pego e falo pra mim, na beira do fogão:
- Mãe, se não fosse as lágrimas da senhora eu era muito feliz fora. Cada vez que
eu lembro das lágrimas da senhora eu tenho que vortá pra trás e encara o pai.
Ele é teu pai, hoje eu falo que isso foi uma burrice minha, mas naquele tempo eu
não conhecia o mundo que eu conheço hoje. E aquelas palavra que o que Deus
uniu, homi num separa, ficou um selo na minha cabeça, a palavra do meu pai, aí eu
peguei, esse último dia que foi, fez ano agora dia 12 de junho, véspera de Santo
Antônio, fez 29 anos agora desse Santo Antônio agora, 29 ano, que ele quis mata
todo mundo, aí o meu filho mais veio tomo a faca dele, o meu filho mais velho
queria mata ele e eu falei pro meu filho que num matasse que era o pai dele, quando
eu saí da casa do meu pai eu num levei ele e eu falei ele é teu pai, num pode
mancha as mão, eu peguei pega essa faca e me mata eu que eu num quero vê
mais essa tragédia, ele pego e me deu a faca, eu curri, escondi a faca debaixo
de uma pia de saco de BHC que era veneno de passa na ferrugi do café, a
menina tava caída no terrero, meu sobrinho correu me cato e levo eu e ela no
médico em Potirendaba, dura, babando e os vizinho fico vigiando meu filho pra num
mata o pai, mas eu já tinha escondido a faca, eu num vortei mais, quando eu saí
de Potirendaba eu falei, vo pra casa da cumadre (I) e de lá eu vo embora, num vo
vai em casa. Aí eu separei e fiquei 3 dias na casa da minha cunhada, aí meu
sobrinho me levo eu em Rio Preto pra conversa com o advogado e do advogado eu
vim com o filho mais novo, mais velho ficou na casa da minha cunhada porque tinha
namorada, que é mulher hoje ainda e eu fiquei na casa do meu irmão, primeiro vim
pra casa do meu pai, com os filhos e a filha doente, sem uma roupa do corpo porque
ele queimou toda a minha roupa, dependi das roupa das minha cunhadas, de minha
sobrinha, da minhas cunhada por parte dos irmão dele e outras das muié dos meus
irmãos, um me dava uma peça de roupa, outra dava outra, e eu fiquei sem um
tostão e ele ficou lá na casa, aí eu entrei em demanda, né, na separação do
casamento.
154
E: Há quanto tempo a senhora está separada?
S-2: Há 29 anos.
E: Como foi a vida depois da separação?
S-2: Ah, Graças a Deus, sufri muito porque eu fiquei sem nada, nada, nada,eu sufri
quase uns dois anos, aí até que acabo a demanda, porque a justiça, se meu
cunhado não tivesse entrado no meio, eu tinha separado porque o Juiz me deu todo
o apoio, mas meu cunhado ajusto advogado por causa de que quando eu casei com
ele eu não tinha terra, que ele tinha arranha-gato e espinha-agulha e eu
trabalhei formo café, roça, tinha cal porque o tinha nenhuma casa no sítio, o
meu cunhado achei como eu casei e naquele tempo eu não tinha, eu não levei terra,
ele acho que eu saí de casa que eu ia perde tudo, mas eu levei testemunha, né.
Essa briga duro mais de ano, eu fiquei na casa de meu pai um tempo, depois fui lá
pra casa do meu irmão em Jales, porque a mãe saiu do hospital nessa época, tinha
42 anos quando me separei.
Aí depois de 2 anos, vendeu as terra, eu comprei minha casinha e fui batalhando
pra minha filha e meu filho, o outro caso e hoje posso fala que to bem, Graças a
Deus. Sofri muito a morte da minha filha, mas é melhor que fosse acidente.
E: Mudou alguma coisa na sua vida com a chegada da terceira idade?
S-2: Ah, mudou bastante, madureci bastante, compreendi a minha cabeça agora é
outra, o sofrimento da vida fez eu aprende, mas eu aprendi porque eu escapei da
morte, porque o que eu passei, só um milagre divino.
E: Então a sua infância, a adolescência e a idade adulta foram muito sofridas.
E a terceira idade?
S-2: A terceira idade começou a trazer felicidade pra mim, porque eu comecei ver o
mundo completamente diferente e hoje, hoje a minha cabeça se eu tivesse a cabeça
que eu tenho hoje com 70 anos de idade mesmo com algumas nuvens pretas, mais
a minha cabeça é boa é outra de trinta anos atrás porque hoje se eu vê que deu,
deu se não deu eu sigo outro caminho.
E: Como e quando a senhora se percebeu na terceira idade?
S-2: Eu percebi que eu tava vivia e que eu podia andar pra frente. Eu já que eu vi
que eu não era mais criança eu gostaria de trinta anos atrás te a cabeça que eu
tenho hoje, mas eu ainda louvo a Deus que eu consegui vive no meio de muito
sofrimento, então eu me sinto bem na terceira idade, aprendi bastante, a terceira
idade me ajudou muito é que eu o tenho freqüentado muito, estou freqüentando
155
agora, estou começando a freqüenta agora, porque quando a terceira idade
começou nasce aqui em Araçatuba que foi no Intecc antigamente ali pra pra
baixo da Tanger que veio o primeiro baile da terceira idade, então eu tinha que
deixar a neta, tinha uns 3 anos de idade com a Cleide (filha falecida) com dificuldade
pra mim i nos baile, porque era de dia era das 3 às 6. Meu filho mais velho me
chamou a atenção:
- Mãe onde a senhora vai o problema vai atrás, a senhora está indo pra terceira
idade pra distraí, mas o problema vai com a senhora porque eu tinha uma filha que
dependia muito de mim e e ainda tinha uma neta que tb dependia muito de mim
porque a minha nora era muito pobre e meu filho era muito pobre então eles tinham
que trabaiá.
E: E quanto à fase da terceira idade?
S-2: Eu me sinto mais jovem, eu me sinto mais viva, porque hoje eu vo dentro do
limite, das minhas possibilidade, se eu tivesse mais um pouquinho de situação
financeira eu podia me diverti mais né, que eu tenho as vezes vontade de viaja,
porque eu tenho um irmão fora, mas ainda tem a dificuldade, a burocracia.
E: A senhora acredita que hoje, na terceira idade, aproveita mais do que em
outras fases de sua vida?
S-2: Ah, muito mais, muito mais, apesar das situação financeira complicada, mas
hoje eu aproveito muito mais a minha vida do que aproveitava quando tinha meus
vinte e cinco anos.
E: Por que a senhora acha que aproveita mais hoje?
S-2: Porque hoje eu tenho a minha liberdade sadia Graças a Deus e todo mundo me
respeita, eu respeito todo mundo as pessoas, né.
E: A senhora se deparou com algum preconceito?
S-2: Preconceito sempre teve só que agora eu enfrento eles, porque agora eu
comecei a i nos baile memo, de verdade, só que eu não danço, mas eu comecei a i
porque eu cai eu não sei se vc sabe agora fim de abril, começo de maio me deu
muita saudade da minha filha que faleceu já há um ano e meio de câncer no
intestino.
E: Por quanto tempo ela ficou doente?
S-2:
Que descobriu a doença do câncer ficou 4 anos, que depois que ela opero
ficou mais 3 anos com a bolsinha, mas que ela caiu de cama memo foi 8 mês. Mas
eu sinto uma satisfação muito grande porque eu ia nos médico levava ela nos
156
médicos fazia quimioterapia e eu chorava porque eu queria vê ela melhor e os
médico falava, porque eu sempre batalhei com ela e consegui fazer ela vive os 45
anos, depois que apareceu esse câncer os médicos falava, óia, é uma vitória a sua
filha tá viva porque geralmente essa cirurgia que ela foi feita, a mentalidade dela não
é completa, ela não se ajudava, era tudo eu e a palavra de Deus e as pessoas que
me ajudava, eu recebi muita bênção de Deus, muito favor das vizinhança, pessoas
que me ajudavam, da minha família, ela tinha retardo mental porque ela sofreu de
meningite na idade de 6 meses, a meningite quando não mata aleja, que os
médicos não tratavam ela de meningite, ele tratava ela de paralisia infantil, então se
tivesse acertado a doença no começo eles tinham dado os remédio certo, ela tinha
recuperado a célula, porque ofendeu a célula da positividade porque pro lado
negativo ela entendia tudo.
E: Como e quando, a senhora se percebeu iniciando a fase da terceira idade?
S-2: No começo na entrada da terceira idade, eu senti meia pra baixo porque
começa a senti fraqueza, desânimo, sem força, sem disposição, perdendo aquela
energia que eu tinha pra trabalha, mas quando eu comecei a participar memo do
grupo da terceira idade, eu comecei nasce de novo.
E: À qual grupo a senhora está se referindo?
S-2: O grupo (baile) da terceira idade que nasceu ali no Santana (bairro da cidade),
só que foi na época que eu estava olhando a minha neta que tinha 4, 5 anos eu
acabei afastando e eu tinha a filha então eu saía com a cabeça quente, preocupada,
foi quando o meu filho chamo a atenção que onde eu ia o problema tava atrás, mas
eu fui uns 4 meses, aí foi acabando aquele desânimo, mas eu nasci de novo memo
quando eu comecei participa do grupo da terceira idade, sobre o problema da farta
da minha filha que eu tava morrendo aos poco que foi muito difícil a perca da minha
filha, eu tava com 68 anos e ela faleceu com 45 anos, solteira, a minha vida foi
dedicada à ela, então eu fiquei num vazio muito profundo foi aonde eu comecei a
procura a terceira idade e comecei a nascer de novo, então na terceira idade eu me
encontrei e encontrei vida e não morte, num danço, nunca dancei mas de eu
chega lá e fica lá 2 horas sentada vendo aquelas pessoas alegres, contente, com
todo o respeito, levando a vida, aí eu comecei imagina sozinha num cantinho
chororó, falei puxa, não é eu que tenho problema esse povo também tem
problema, todos de cabelo grisalho com certeza já passo por nuvens escuras.
157
Eu to vivendo agora depois dos 65 anos,com toda a luta com a doença da minha
filha eu acho que eu to vivendo agora depois dos 65 anos.
E: O que a senhora acha que não fez e gostaria de fazer?
S-2: Liberdade, hoje eu tenho uma liberdade total e sadia, Graças a Deus, eu num
gosto de saí de noite, mas se eu quiser ir numa igreja, eu vo, se eu quiser i num
baile, eu vo, num devo satisfação pra ninguém, se eu tive que faze uma visita, eu vo,
se eu quisé i viaja, eu vo, eu num vo mais viaja porque depende de dinheiro.
E: Há algum sonho que não foi realizado e que a senhora gostaria de realizar?
S-2: Hoje eu não realizo mais, mas, tive muitos sonhos, gostaria na infância de
andar de avião , não consegui, agora não tenho mais vontade. Agora hoje eu faço
muita coisa que eu não sabia, por exemplo, hoje eu entro num supermercado, eu
nem sabia o que era mercado, aprendi, muitas coisas aprendi bastante depois 65
anos.
Com 52 anos eu entrei na escola, com 54 anos eu tirei o diplominha, aprendi a
escrever, com 56 anos eu aprendi a dirigi e tirei a minha carta de motorista, dirigi 10
anos, com fuquinha, recebendo ajuda de um de outro, dos amigos, porque meus
filho foi contra:
- Mãe a senhora vai bate o carro, a senhora não tem capacidade pra isso.
Pra quem conheceu uma mãe com um lenço amarrado na cabeça, um sapatão no
pé só pra trabaiá, um meia de variz, então a mãe deles era aquela.
E: A senhora, então, enfrentou muitos preconceitos?
S-2: Pra mim aprende à dirigi, eu lutei pra tira carta eu lutei 3 mêis escundida deles.
Ah eu senti uma felicidade imensa, realizada, hoje eu tenho uma sastisfação tão
grande, é claro que quando que depois que tirei carta, mas não tinha carro, fui
batalhando até compra um fuquinha e fiquei com ele 10 anos, dirigi ele 10 anos, num
ia em qualquer luga com ele, mas eu ia até o meio da cidade largava ele na praça
São Joaquim (praça central da cidade), fazia o que tinha que faze, muitas vezes
imprensava outro carro lá, aí eu pedia pros dono do comércio que tava tira o carro
pra mim lá, me virava, matei um sonho que eu tinha muita cede. Realizei um sonho.
E: Em relação à terceira idade ela trouxe alguma mudança na sua vida em
função de sua condição de mulher?
S-2:
Ah, mudo bastante, me deu muita sabedoria, me ajudo a minha mente, que eu
tava com a mente lá embaixo, fechada, eu tava que nem uma flor encabulada e hoje
abriu aquela rosa e abriu meu cérebo e hoje eu não tenho tanta timidez de fala, me
158
desembaracei muito e sinto mais alegria de vive, porque a vida não tinha significado,
hoje tem.
E: Continua.
S-2: Vivo, hoje eu posso fala, vivo bem, so feliz, to viva, porque era uma viva morta
ou uma morta viva, porque eu tava viva, num tinha disposição pra nada, vivia que
nem um travesseiro veio, um trapo veio, hoje não, hoje eu leio, eu bordo, eu vo
trabaía na APAE participo do grupo, eu procuro aprende mais.
E: Como a senhora se definiria como mulher hoje?
S-2: Eu me considero a (M) de trinta anos, não a de 70, uma força de viver que eu
não tinha quando tinha 30 anos atrás e hoje eu tenho força de viver com 70 anos,
trinta anos atrás ficava cheia de problema e pensando na morte, com 42 fui
para no fundo do poço, mas fui me levantando, me levantando.
159
ANEXO D - Entrevista semi-dirigida sujeito 3
Cadastro
Nome: Sujeito (3)
Idade: 77 anos
Profissão: Aposentada, estudei muito, fiz francês, trabalhei na secretária da saúde
como secretária bilíngüe, tive bastante atividade em solteira, fiz curso de
secretariado, tava fazendo curso de química industrial no mackenzie, houve uma
explosão pequeninha no laboratório e meu pai achou que não servia pra mim, eu
queria me formar pra fazer perfume e cosméticos mas fiz outras coisas, sem gostar
muito mais me dediquei.
E: E ta aposentada há quanto tempo?
S-3: Ah, faz tempo, logo que eu fiquei noiva, meu marido machão, disse que eu não
ia precisar e me queria em casa, e depois a gente também veio pra cá, olha depois
de casada acho que eu trabalhei só uns dois anos, depois eu tive filho, o
trabalhei mais.
Estado Civil: Casada ( ) solteira ( ) viúva (X) desquitada ( ) outros ( )
Se viúva, há quanto tempo?
Desde 82.
Tem filhos? Quantos?
3 filhos, 8 netos e 3 bisnetos.
Mora com quem?
Sozinha.
E: H, me fala então um pouquinho como foi sua fase de adolescência, o que
você fazia, qual era seu lazer, o que mais lembra?
S-3: Eu perdi minha mãe muito nova, eu tinha uns 14, 15 anos eu senti que era a
época que eu mais precisava dela. Eu fiquei com meu pai, estudava no Mackenzie,
ele era escritor, colaborava com revista, muito inteligente, então ele sempre me
empurrou pro estudo, então foi muito bom pra mim isso, estudei, me formei,
trabalhei. Agora, eu tinha, nessa idade como todo mundo, ia em bailinho no
Mackenzie, Rio Branco, meu pai era muito inteligente, posso falar o que meu pai
falava pra mim, naquela época, pois eu saia muito ia pra bailinho, Mackenzie Rio
Branco, ele dizia eu não vou atrás de você, mas lembre de uma coisa, na mulher
160
tudo parece. Isso me marcou menina, e pra mim foi um freio essa estória, de
falar isso eu parei pra pensar, então foi normal, sentindo falta da minha mãe, mas
tendo a minha vidinha gostosa.
E: E como era sua relação com ele, já que sua mãe não estava mais presente?
S-3: Meu pai era muito inteligente, ele não era ruim, desses pais que tolia os filhos
não, ele dava toda liberdade, e a gente tinha diálogo muito dialogo com ele. Eu
numa época antiga eu era pós moderna, sempre fui independente, ele gostava que
eu fosse assim, mas falava que tudo sempre aparece, então eu parava pra pensar.
E: Então quer dizer que ele até te estimulou?
S-3: Muito, estimulou muito, a escrever, então eu lia muito, escrevia muito, então eu
estava sempre sobre a orientação dele nessa parte intelectual e mental.
E: A senhora tinha mais irmãos?
S-3: Um irmão, até tenho ainda, ele é mais velho que eu uns10 anos, e os do meio
morreram antes de eu nascer, eu nem os conheci, então era meu irmão G e eu.
Relacionamento bom, na minha família havia muito respeito, eu acho que eu tive
berço de ouro nesse ponto, né.
E: A senhora está falando que tinha uma abertura pra conversar com seu pai?
S-3: Tinha, tudo.
E: Ele até lhe estimulava a fazer as coisas?
S-3: A única coisa que ele falou foi do curso que eu tava fazendo que teve a
explosãozinha, ele achou que eu ia me machucar, não sei o que ele pensou, então
aí eu mudei, mas ele sempre me estimulou pra isso.
E: A senhora sentia diferença apesar dessa abertura que ele dava em relação
ao seu irmão? A senhora sentia diferença por ser mulher?
S-3: Não, meu irmão é dez anos mias velho que eu, quando eu era jovem ele era
casado, era outra vida, nem morava em casa com a gente, nem nada, mas, até hoje,
eu tenho um relacionamento muito bom com meu irmão, ele mora em São Paulo, e a
gente ah, eu acho que é uma família normal, mas pelo meu pai, minha mãe era mais
tradicionalzinha, mas meu pai era bem adiantado.
E: A senhora tinha essas duas referências masculinas em casa. Assim como é
que era esse contato com os meninos na adolescência?
S-3: Olha, eu nunca fui muito saída, eu era tímida, e por exemplo, quando não
queria, não queria, eu não ia pela vontade de ninguém, quer ia ao baile vou, se não
quero , não quero, eu fazia o que eu queria, eu sempre seguia a minha vontade, tive
161
lá meus apaixonados, fui apaixonada, tive decepções, decepcionei alguém e acho
que normal, tinha nada de diferente, talvez um pouco mais adiantada que as
meninas da minha época, mas como eu freqüentava o Mackenzie era diferente,
um colégio diferente, eu então mais ou menos eu me adaptei com aquele estilo de
vida. Aí você acaba se envolvendo com as pessoas que tinha o mesmo tipo. Eram
pessoas boas que meu pai conhecia porque ele queria que levasse em casa pra ele
ver quem era os meu amigos, era um homem inteligente.
E: Em relação à questões referentes à sexualidade, assuntos que fazem parte
do universo feminino, com quem a senhora compartilhava?
S-3: Eu perdi minha mãe com 15 anos, enquanto ela tava comigo, ela fazia parte da
minha vida feminina, depois que ela morreu tive que passar para o meu pai, ele
chegava a comprar o modes pra mim, não se escondia nada, tanto que ele falou,
tudo aparece então não tinha muito esse problema, ah, to sozinha, tinha amigas,
porque a gente papeia muito com amigas.
E: As duvidas eram mais conversadas entre o grupinho ou com o pai?
S-3: Eu acho que talvez com as amigas, naquela minha época não havia a liberdade
que se tem hoje sexual, e eu achava, agora, vendo hoje as duas partes, eu ainda
preferia a antiga, você vai aqui, você não desvia muito, não havia esse problema
que ta hoje barbaridade, nada disso, eu não tive muito problema, Ah, meu Deus do
céu, não eu fui levando, mas eu era tímida, muito tímida, e isso me atrapalhou muito
também.
E: A senhora é tímida?
S-3: É eu ficava meio sabe, porque eu era mulher, eu sempre fui tímida e até hoje
eu sou , é uma característica da minha personalidade que eu não mudei, agora tudo
bem quem aceitar aceita, quem não aceitar não aceita.
E: Essa timidez te atrapalha?
S-3: Ah, como incomodava aquela época, foi incomodando a vida toda, você quer
um exemplo, eu nunca sabia se eu estava suficientemente vestida e bonita pra uma
festa quando era jovem, eu ficava será que ta bom, sabe besteira de moçinha, mas
continuou isso, depois que fiquei mais velha um pouco depois que casei continuou
isso, então isso sempre eu tive na minha vida, essa timidez.
E: Aí então a senhora continuou estudando, tinha liberdade pra sair.
S: Tinha pra ir pra baile sem problemas, só que não se chegava tão tarde, então era
uma coisa assim bem controladinha.
162
E: E como que foi, a senhora encontrou seu marido, ou teve outros
namorados outras experiências?
S-3: Eu tive outras experiências, eu era noiva apaixonada ele era do ITA de São
José dos Campos, e uma amiga foi lá comprar móveis, e viu ele com outra, daí, eu
falei me enganou agora, vai me enganar depois e eu gostava dele, terminei o
noivado.
E: Quantos anos que a senhora tinha?
S-3: Tinha uns 19 anos.
E: Estava com ele há quanto tempo?
S-3: Dois anos, eu tava de aliança tudo mas daí terminamos, e eu fiquei arrasada,
foi horrível pra mim aquilo, um ano dois anos, eu não quis saber de nada, daí
trabalhando, trabalhava na secretária da saúde , que falei pra você, era secretaria,
ele era dentista de um centro lá, então de repente, você tem que sair com ele, você
não sai de casa, ta muito triste, as amigas falando isso, começou, ele foi me
conquistando aos poucos mas eu não queria, eu não gostava.
E: Era uma pessoa que a senhora tinha contato no trabalho?
S-3: No trabalho. Fui saindo, e ele me conquistando aos poucos, e eu nunca me
arrependi, porque eu fui feliz no casamento.
E: A senhora casou com quantos anos?
S-3: Eu casei com 23 anos, levei dois anos pra ter o primeiro filho, porque eu não
queria, é uma vida que se eu for contar é mais positiva do que negativa, minha vida
conjugal.
E: Quanto tempo vocês ficaram juntos?
S-3: Ah, 40 e poucos anos, com altos e baixos, lá embaixo e em cima(risos), mas
tudo bem.
E: E como era sua relação com seu marido? Em relação à ascensão do homem
sobre a mulher?
S: Desde a parte física dele, ele era grandão, inteligente , sabia de tudo, ele era o
chefe de tudo, eu era magrinha delicadinha, timidazinha, então ele me dominou,
apesar de que por dentro eu me sentia, queria ser independente, livre, então foi
difícil essa parte, porque ele não quis que eu trabalhasse mais, daí ele tomava conta
de mim dos filhos e da família inteira, vamos dizer que ele era o rei, tinha que
predominar a vontade dele,isso foi me, eu não era H., eu era a mulher do Drº P., eu
não era H., ninguém me conhecia, isso me maltratou um pouco.
163
E: E como a senhora conviveu com isso durante quase 50 anos?
S-3: Sabe que as vezes eu nem percebia, isso que minha filha me fala, lá de
Campinas, mãe você nunca sentia que estava massacrada eu tinha tanto algodão
em volta, é como ela fala, meu pai jogava o tapete pra senhora passar em cima, era
muito sutil.
E: Havia controle, mas com uma delicadeza? É isso?
S-3: É, mas pra dizer a verdade, eu dava graças a Deus de alguém resolver as
coisas pra mim, eu não resolvia nada, tudo tava pronto pra mim, e você vai
acostumando com isso e isso não é certo, porque depois que eu fiquei sozinha eu vi
como é bom você dominar sua própria vida , mas não fui infeliz, não tive problemas
como as mulheradas por aí, fui normal, casamento normal.
E: Mas foi diferente da vivencia que a senhora teve com seu pai, naquela
época, parece que seu pai te impulsionava e o marido, fazia o movimento
contrário?
S-3: Foi, meu marido me deixava dentro de casa.
E: E a maternidade?
S-3: Eu não queria, eu nunca pensei em maternidade, eu não queria porque eu
trabalhava tinha uma vida independente naquela época, porque eu saia pra trabalhar
lá em São Paulo, deixava o apartamento e voltava de noite, como secretária de
saúde, trabalhava o dia inteiro, depois ia jantar fora, e ele também, então eu não
queria outra vida, era a vida que eu pedi a Deus, mas ele queria filho e eu não
queria, então fui tapeando dois anos, daí eu vi que precisava ter , tive que parar de
trabalhar e ficar em casa.
E: A senhora sente que por conta da maternidade deixou um pouco sua vida
de lado?
S-3: Muito.
E: A senhora se arrepende?
S: Eu falei pra você que eu não pensava em ser mãe, foi uma coisa que veio, a
gente precisa de filhos, e eu não sei se eu fui uma mãe ótima, eu fiz o que eu podia
na época entendeu, minha filha me diz mãe eu pensei que ia ser igual a você ,
então eu não fui tão ruim assim, é uma referencia boa, mas eu não sei, ah, lindo
meus filhos, você que eu quase não falo dos meus filhos nem netos nada, não
era minha prioridade, entendeu.
164
E: Qual era a sua prioridade então?
S-3: Era viver como eu vivia, trabalhando eu sozinha eu acho que eu sempre gostei
de ser sozinha, independente, eu tratando da minha vida, sem ninguém tratando de
mim.
E: Então a senhora se sentiu cerceada após o casamento?
S-3: Mas foi como eu te disse, tudo forrado com algodão, tudo delicado, então eu
me acostumei, comecei a ficar mais tímida ainda, a ponto de eu o ir ao banco,
quando eu tinha que ir ao banco ele ligava antes, e o gerente já vinha com tudo
pronto pra mim, eu queria matar , porque eu não ficava feliz com isso, ele falava ta
bom pra você, você não precisa fazer nada.
E: Aí acabou se acomodando?
S-3: Acomodei muito. Agora da outra parte.
E: Não pretendia ter filhos?
S-3: Não, nunca pensei, não era prioridade minha, de jeito nenhum.
E: Seu interesse era trabalhar, crescer, crescimento intelectual? Mas me conta
como foi então? Após o casamento a senhora trabalhou por mais dois anos?
S-3: É, eu tinha dispensa, fui ajeitando, às vezes eu ia uma época, nos dois anos, eu
ainda consegui fazer alguma coisa, depois não deu mais.
E: A senhora então virou dona de casa?
S-3: Ah, menina a primeira vez que fui fazer arroz, eu derrubei em cima de mim, eu
não nasci pra isso, tinha filho pra dar comida, nunca gostei mas fui aprendendo a
cozinhar.
E: Então vamos falar agora um pouquinho sobre é esse processo de
maturidade, essas transformações que vão ocorrendo durante a transição da
maturidade para a terceira idade? Quantos anos a senhora tinha quando ficou
viúva?
S-3: Eu tinha uns 50 e poucos, eu era jovem, eu era magrinha, então nunca tive
aparência de velha, essa passagem da minha viuvez foi uma facada em mim, tanto
que o câncer que eu tive eu atribui a isso, então foi assim o o achava mais o
chão quando ele morreu, foi de repente, então fiquei perdida completamente
perdida, o que eu ia fazer, eu tinha que ver tudo, eu só tinha uma filha que hoje mora
em Campinas, em casa, então eu fui fazer um tratamento, porque eu não tinha mais
condições de viver, e nesse tratamento, eu fiquei 3 anos fazendo psicodrama em
grupo, não tomei nenhum medicamento, foi muito bom pra mim, depois de 3 anos, a
165
minha filha que também faz psicologia em Campinas, falou pra mim se já não estava
na hora de eu caminhar com minhas próprias pernas, aí eu falei é mesmo, depois de
3 anos eu fui lá e falei gente hoje é meu ultimo dia, agora eu vou sozinha, aí deixei
lá e caminhei sozinha.
E: A senhora acredita que o psicodrama a ajudou?
S-3: Me ajudou, demais, porque eu sempre fui assim, de aproveitar a lição, eu não
ficava chorando me queixando das coisas, as coisas que veio de ruim pra mim, eu
transformei em crescimento meu e tenho orgulho disso.
E: E a doença ?
S-3: Pra mim foi uma facada que a gente leva, outra pancada em mim, eu senti
aqui, minha filha aqui, e eu falei, e agora? Eu precisava lutar, comecei a lutar e
venci, até hoje nunca mais tive nada, sintoma mais nenhum, e cresci também com
isso , viu, aquela coisa de câncer, não existe mais isso pra mim.Você cuida, você vai
fazendo, você vai vivendo entendeu?
E: Quantos anos a senhora tinha na época?
S: Foi em 2000, faz oito anos que eu tive, foi em julho de 2000, eu ainda to sob
cuidados médicos, por que eles acham que ainda foi pouco tempo.
E: Quer dizer que a senhora estava na terceira idade?
S-3: Tava, oh, se tava.
E: E como foi esse processo de entrada na terceira idade?
S-3: Não sei se foi a Lia Luft ,a única coisa que eu senti demais, que diz assim: em
que espelho eu deixei o meu rosto , você entendeu? Isso me marcou, porque
antigamente eu olhava no espelho, e você com a idade é outra coisa, deixei lá, perdi
o meu rosto, isso me tocou, mas em outras partes não, eu não senti diferença, a não
ser no físico, foi isso, da parte sexual de mulher mesmo. Durante o meu casamento
o sexo foi muito bom pra mim, e depois foi cortado é como se não existisse mais
depois que eu fiquei viúva, então eu não sofri com isso e ao mesmo tempo não
queria mais, eu não sei o que houve comigo, foi um corte completo e até hoje, foi
muito tranqüilo não tive problema nessa parte.
E: Quando a senhora se sentiu na terceira idade?
S-3: Pra mim foi fisicamente, que nem eu já expliquei pra você, pra mim foi aos
cinqüenta anos , que eu olhei perdi meu rosto em qualquer espelho no passado,
mais ou menos por aí.
166
E: Como a senhora se sentiu?
S-3: Eu já estava sozinha, começando a crescer cuidar da minha vida, daí eu senti,
não sou menina mais. E outra coisa, quando saia junto com a minha filha mais
velha, os homens olhavam pra mim, eu sai com ela, ela era mocinha, e eu percebi
que os homens olhavam pra mim, um tempinho depois eu saia com ela, e eles
olhavam para ela, eu cheguei em casa eu falei assim pô, to velha a minha filha que
chama atenção agora, é uma coisa engraçada, mas é isso aí, foi nessa época mais
ou menos, ela tinha uns 14, 15 anos. Aí que eu comecei a sentir a diferença, que eu
tava passando mais pra frente, quando começam a te chamar de tia, senhora, outro
dia não foi pra mim, mais uma moça, chamou uma senhora que estava perto de
mim, em uma loja, de senhorinha, eu falei, oh, meu Deus senhorinha, porque não
fala dona fulana, então daqui a pouco vai ser eu, ela vai passar por mim e me
chamar de senhorinha, então essas coisinhas que a pessoa sente, viu.
E: Como a senhora se sentiu?
S-3: Eu não gostei.
E: Foi difícil?
S-3: Foi difícil, até hoje, porque eu não me conformo com velhice nem minha nem
dos outros e morte também, não me conforme, não tem jeito.
E: Quanto às transformações?
S-3: Pela parte física, pra mim foi, porque mental, eu acho que eu estou até mais
inteligente que antigamente, eu penso melhor que antigamente.
E: Ah, é?
S-3: Ah, não eu to mais ágil que antigamente, eu sei muito mais coisas agora do que
antigamente, eu tenho maturidade e a sabedoria, mas não tenho o físico que eu
queria ter. Eu não me conformei com a velhice, eu não me conformo, eu tenho
sabedoria muito mais que antigamente, e as coisas estão muito mais fáceis pra eu
decidir, pra entender, então não fiquei mais burrinha, esquecida, nada disso, mas a
parte física me pesou muito, muito mesmo. Tem a H. que era jovem e bonita e a H.
madura, que eu gosto da maturidade mas não gosto da parte do envelhecimento, dá
pra entender.
E: A senhora acredita que houve um refinamento com o processo de
envelhecimento?
S-3: Eu sempre estudei, até hoje, eu sempre fui curiosa da vida, então eu sempre
me apaixonei por alguma coisa, e com o tempo passando, eu me dedicava a estudar
167
com mais afinco, me apaixonando mais ainda, então eu fui apurando tudo isso, o
que eu sou hoje, eu não era antigamente, eu sei muito mais agora que antigamente,
mesmo em questões de pesquisar uma coisa outra.
E: A senhora acha que esse movimento, de estudar e pesquisar, foram
intensificados com a entrada na terceira idade?
S-3: Foi sim, porque antigamente eu tinha as crianças e não dava muito pra eu
pensar em mim, depois eu comecei a pensar só em mim, em primeiro lugar,
segundo lugar, terceiro lugar, entendeu?
E: Então o processo de envelhecimento, veio como um momento pra uma
introspecção olhar pra dentro, pra ver quais as necessidades, é isso mais ou
menos que a senhora está falando?
S-3: Isso, eu me transformar em uma pessoa mais inteligente, mais capaz, de tudo,
agora a parte a física até hoje pesa.
E: A senhora acha que é por isso que se afastou da questão da sexualidade?
S-3: Não sei, isso ainda ficou um pouco de mistério pra mim, enquanto ele estava
vivo pra mim foi muito bom, mas depois parece que foi cortado de uma maneira que
eu não pensei mais, e pra dizer a verdade nunca senti falta, entendeu, então eu não
entendi porque aconteceu isso comigo, a ruptura de uma vez.
E: A senhora voltou a sua vida pros estudos pra pesquisa, sente que se
afastou das pessoas? Como é a sua relação com as outras pessoas? Esses
movimentos de bailes da terceira idade? Como a senhora os vêem?
S-3: Ridículo, como é que chama a medicina das gotinhas, homeopatia, eu até me
queixei pra ele, pra ter mais amizades, tolerar as pessoas, gostar das pessoas, eu
queria isso, porque todo mundo tem, mas eu não, eu me sinto bem sozinha.
E: A senhora não sente falta?
S-3: Não, eu tenho contato com minha família, os amigos alguns, eu selecionei
muito, não tenho mais grupos, não tenho nada, não quero. Minha família não, inteira
me relaciono bem com todo mundo, eu sou meio intolerante, assim eu não aceito
determinadas coisas, uma das minhas filhas, fala que eu não aceito as pessoas que
pensam diferentes de mim, e ela fala que eu não sou dona da verdade, e eu sei que
não sou, mas eu quero escolher quem seja da mesma verdade minha pra caminhar
junto, mas é difícil pra mim, porque eu sou diferente, eu tinha uma amiga, que ela
até morreu, que dizia que eu era uma ET na vida, e eu até concordava e concordo
até hoje.
168
E: Então me fala, como é a Heloísa. A H. etezinha, como a senhora está
colocando.
S-3: Primeira coisa, eu tomo cuidado com tudo que eu como, eu tomo cuidado com
tudo que eu ingiro , tomo cuidado com tudo que ponho em mim, se eu to com uma
gordurinha extra aquilo me incomoda, ta errado, vamos tirar tudo isso, e as vezes
nem é possível, e eu faço tudo pra me sentir inteira e as pessoas não entendem
isso. Uma vez me disseram assim você não come mas você vai morrer como a
gente mesmo, e eu falei, claro que eu vou morrer, mas morro bem, então daí eu
comecei a pensar , meu Deus sou diferente mesmo, obrigada eu não como isso,
agora ta me incomodando, eu não como carne , não gosto de determinadas coisas,
então vou ficar comigo mesma, minha companhia é boa.
E: Mas a senhora está falando que agora está lhe incomodando?
S-3: Tá me incomodando, porque é chato, é chato você ser olhada diferente, tem um
desfile de moda, eu fico pensando que eu vou fazer lá, tem um lanchinho e eu penso
que eu vou fazer lá, todo mundo vai, todo mundo gosta né, eu não. Eu sempre fui
assim, eu selecionava, eu quero pessoas que me acrescentam to errada eu sei que
to, mas eu quero gente que venha, sabe, me compreenda, eu não to mais na idade
de ficar de tititi, eu não gosto disso, seu eu falar pra você que eu mal conheço a
vizinha, cumprimentar alguma coisa tudo bem, mas nunca sou de estar assim, não
sou, é assim menina, não é fácil não.
E: Mas a senhora se sente bem consigo mesma?
S-3: Ah, to muito bem comigo, não me faz falta, o pior é isso.
E: A senhora falou que seu pai a impulsionava à fazer as coisas, a cuidar da
sua vida, a estar bem consigo mesma, de repente chega o marido e uma
guinada de 360 graus pra baixo. É isso?
S-3: Eu sempre gostei de usar decote, e ele chegava e abotoava. Foi diferente, 40 e
pouco anos.
E: O que mudou com a viuvez?
S-3: Aí eu botei minha verdadeira personalidade pra fora.
E: A senhora se preocupa com os outros e suas opiniões?
S-3: Não, eu não me preocupo, mas de repente eu pergunto, porque eu sou assim,
e outra coisa, roupa, não me diga põe essa roupa que fica bem, eu não me sinto
bem, eu não vou pôr aquela roupa porque fica bonita, odeio estampado, sei lá, é
uma coisa diferente, minha filhas fala, mãe você tem tanta roupa, e usa sempre a
169
mesma. Eu gosto, a minha calça jeans e uma blusinha, é o que eu sinto bem, o que
eu não me sinto bem, é se to gorda demais, isso não, roupa tudo bem.
E: E agora na terceira idade, vêm os netos os bisnetos, como é a sua relação
com eles?
S-3: Olha, com os filhos é ótimo, não tem problema, quer dizer tem problemas sim,
mas nada grave, eu penso de um jeito, meu filho pensa de outra, é igualzinho, então
bate. Então a B. aqui nós estamos juntas sempre, a A. lá, não é mais nem minha
filha, é mais amiga que filha, e netos ótimos, todos, tenho diálogo com eles, bate
papo mesmo, esses dias recebi elogio do meu neto de 21 anos lá de Campinas,
bisneto, hoje a minha bisnetinha de cinco anos veio me contar que o pai dela brigou
com a mãe, e eu parei pra pensar, e ela falou pois é isso é coisa de meu pai fazer
com minha mãe, e eu falei o que eu vou fazer uma hora dessa, é quer dizer então
há também aquela confiança das crianças.
E: É mais gostoso ser avó do que ser mãe?
S-3: Ah, eu acho, porque não tem tanta responsabilidade, agora uma neta minha vai
casar, então a gente ta vendo as coisas, porque tudo ela me pergunta.
E: A senhora gosta de participar?
S-3: Participo.
E: Como a senhora acredita que as pessoas que são verdadeiramente
importantes para a senhora como a sua família, lhe vêem? A senhora fala que
as pessoas a olham estranho, mas e a sua família?
S-3: Ah, eu acho que bom, muitos não me aceitam muito, mas uma boa parte me
entendem, quem entendem pensa como eu e me aceita bem, e as amigas também
tem uma ou duas que tem a mesma cabeça, agora uma disse esses dias, olha B.
você vai ficar igualzinha a sua mãe, não sai de casa, como se isso fosse um defeito
grave, eu falei, qual o problema de eu ficar na minha casa, é um refúgio, então é
assim, quer pensar assim pensa.
E: Não dá pra agradar todo mundo.
S-3: Mas também eu não to interessada em agradar as pessoas.
E: A senhora tem conflitos hoje?
S-3:
Ah, não. Ixi meus conflitos acabaram, eu tinha antigamente quando era casada.
Ele falava vai se arrumar que nós temos que sair, eu ficava que roupa que eu vou,
e olho e não está bom, era um sofrimento isso pra mim, Chegava sentava e
ficava, por que as vezes não dava nem conversa, sei lá o que era.
170
E: A senhora se sentia à parte do grupo?
S-3: Completamente a parte, então pra mim o conflito foi no passado, agora, se eu
não quero eu não coloco.
E: O que a senhora acha que foi mais significativo de transformação na sua
vida com a chegada da terceira idade?
S-3: Liberdade de pensamento de ação de tudo, uma vez vocês perguntaram lá pra
gente o que é importante na vida de cada um, então uns falaram minha família,
meus filhos, e eu não, eu falei, em primeiro lugar, saúde, dinheiro e liberdade, e
continuo pensando assim, e não é, pra mim é.
E: E quando a senhora fala assim, todo mundo fala família e tal, como se
sente?
S-3: Quando eles precisam de mim eu ajudo, eu to sempre em contato, eu não eu
não sei, ah, não é assim, olha meu filho, não to preocupada o problema é dele
resolver , eu não vou fazer nada, então não to preocupada, to preocupada comigo e
com o meu bem estar, to errada, eu não sei, mas eu sou assim.
E: Eu sinto que a senhora rompeu com as obrigatoriedades. É verdade?
S-3: Rompi completamente, com tudo, não tenho obrigatoriedade com nada e as
vezes dá um tique eu falo, será que eu to certa, será que eu não to fria demais,
egocêntrica, to mais é assim que eu gosto. O médico me perguntou, se eu me sinto
bem assim? Eu me sinto então pronto, a melhor coisa do mundo é a liberdade,
saúde e dinheiro pra fazer tudo isso.
E: Quem fala que não precisa de dinheiro é hipocrisia?
S-3: Hipocrisia, então eu acho que uma pessoa nessa fase, saúde em primeiro
lugar, e graças a Deus eu tenho, custo grande, porque eu faço tudo que eu tenho
que fazer, dinheiro, e liberdade pra fazer tudo que eu quero, aqui na minha casa
ninguém tem direito de dizer um A, tira isso daqui, eu não quero isso é meu, eu
exijo respeito agora.
E: A senhora acha que antes não havia esse respeito?
S-3: Eu tive uma briguinha com meu filho por causa de carro, aí eu pus ele no lugar
dele, ele que queria resolver o negócio do carro, e eu falei pra ele, resolvi, eu
resolvi, eu quis resolver, o dinheiro é meu e o carro é meu.
E: O universo feminino passou por transformações. Como a senhora as
mulheres de nossa atualidade?
171
S-3: A mulher também precisa ter muito cuidado pra dar esses pulos que ela está
dando, nunca perder a classe e a feminilidade, é diferente uma moça do meu tempo
e uma moça de hoje, eu gosto mais da antiga, mais mulheres, mais esses saltos
todos eu acho ótimo, sair sozinha, fazer as coisas, eu acho maravilhoso, mas ainda
conserva, fica aquela desvantagem.
E: Mas a senhora ainda hoje sente essa desvantagem?
S-3: Em mim já não mais, agora sou eu, sou H., o time das velhas bonita, ou feia, ou
chata, gostando de mim, eu sou a Heloisa, eu sou isso aqui, eu quero ficar assim,
não quero que ninguém me acompanhe, e não quero acompanhar ninguém, não
quero exemplo de ninguém, e não quero que ninguém me cite como exemplo, eu to
bem comigo assim, eu nasci assim, é uma coisa de dentro que vem, na próxima
pode ser que eu venha melhor.
E: A senhora se sente feliz?
S-3: Eu me sinto, graças a Deus, eu fico aqui sozinha, nesse horário eu estou
sozinha, e eu acho uma delicia, faço comida a hora que eu quero, não tenho com o
que me preocupar, a minha vida é muito boa, muito boa mesmo, saúde forte, tenho
disposição pra tudo, o que mais que eu quero, continuar né.
E: A senhora quer acrescentar mais alguma coisa?
S-3: Eu acho que todo mundo tem que ser um pouco egoísta, mulheres com o
passar da época, esquecer um pouco de filho, de neto de bisneto, seja lá o que for,
primeiro eu segundo eu, terceiro eu, daí nós reunimos o resto da família.
O meu irmão usa óculos por que tem vergonha de dizer que não enxerga, 80 anos,
ele me fala, minha queria irmã, você está tão bem como eu, eu falo, to melhor
porque sou mais jovem acabo com a alegria dele, esse também é assim do meu
jeito.
E: A senhora acha que ele se parece mais com seu pai?
S-3: Meu pai, ele é inteligente, ele é advogado e até hoje ele tem o escritório dele
em São Paulo.
E: É legal ter essas duas referencias, a impressão que eu tenho do seu pai, é
que ele era forte, muito inteligente, uma pessoa que sabia o que queria fazer.
S-3: Ele empurrava a gente também pra isso, pra parte intelectual, eu comprava
livros pra mim, eu sabia um pouco de francês, então ele me orientava a ler livros
estrangeiros também, e minha mãe a parte delicada, feminina mesmo, fazia doce,
então foi assim, eu não posso me queixar, ah, eu sou assim por causa do passado,
172
eu não sou assim por causa de passado nenhum, eu sou assim porque sou assim
mesmo,eu não tenho nada de e e pai que me influenciou não, não tenho esse
problema, eu que sou assim mesmo, meio tímida e meia chata.
Retomando alguns assuntos:
S-3: A diretoria sabe, data que eu não guardo muito.
E: Em 70?
S-3: 70 e pouco ele foi diretor da FOA, e nós ficamos aqui em Araçatuba por causa
disso.
S-3: Eu sempre fui atenta em enxergar e ouvir e quando eu acordo de manhã, eu
penso assim, pó, o que será que tem de novo pra mim hoje, a empregada que
pede alguma coisa, a campanhia que toca, todos os dias, o dia é diferente da
véspera, e isso apaixona qualquer um viu.
S-3: F., mas esse creme é bom pode passar, então eu me apaixono por aquele pote
de creme, eu me apaixono, mesmo que não der certo eu quero usar, eu gosto do
trabalho, eu não me importo muito com o final com o que acontece, eu gosto de
fazer, enquanto eu estou fazendo eu estou feliz, essas coisinhas não é nada, mas a
gente vive.
S-3: Eu vejo aqui a turma falar, ah, não tem mais graça, eu to sozinha, onde que eu
vou, eu falo arruma um lugarzinho que você gosta de ir, tem que gostar do lugar pra
ir, agora ir, porque a fulana vai nesse baile, ai não tem cabimento, a não ser que
goste, então tem que gostar das coisas, eu gosto de ir ao teatro, ao cinema, tem
programas aqui, porque eu tenho Sky, então tem mil programas que eu descubro
menina, fico descobrindo as coisas.
E: É interessante, por que a maioria das pessoas associam o processo de
envelhecimento com o findar do tempo e a senhora tem outra perspectiva, não
o vê como inimigo, mas como aliado.
S-3: Eu estou começando outra fase, quer dizer eu já comecei, eu estou seguindo
outra fase.
E: tem tempo pra sentar na frente da televisão, e ficar procurando o canal lá.
S: Tenho, tempo, de pegar um papel e marcar o que eu quero escrever o que eu
quero, o almoço, eu vou lá, preparo a hora que eu quiser também, eu acho que tudo
agora é ao meu favor, só o rosto que eu deixei em um espelho não sei aonde (risos),
eu acho o máximo, que espelho eu deixei meu rosto, outra que pensa como eu.
E: Mas isso a incomoda muito? Há sofrimento?
173
S-3: Daí eu olho e falo, puxa não é que amenizou um pouco, essas coisas a gente
até da risada, porque se não a pessoa não vive, tem que ser a sim mesmo, e graças
a Deus eu sou.
E: Como é essa questão da beleza pra senhora?
S-3: A beleza pra mim é fundamental, adoro mulheres bonitas, adoro homens
bonitos . Quando eu era jovem eu não podia olhar pro homem bonito porque se o
ele ia pensar que eu tava querendo alguma coisa, e eu era casada, agora eu olho,
outro dia, um moço veio na escada rolante, eu falei mais que coisa linda, ele deve
ter pensando que eu tava louco, tem isso que é gostoso, eu olho, não vai pensar que
eu to querendo nada com um rapaz de 20 anos, mas eu gosto de ver gente bonita,
eu adoro, o brinco, tudo eu olho, eu acho lindo tudo isso, então enche seus olhos, a
beleza pra mim é muito importante, eu adoro beleza, sempre adorei, eu acho lindo
gente bonita, que pele que cabelo, pra mim sempre foi importante
E: É por isso que incomoda?
S-3: É por isso, porque antes eu tinha minha beleza jovem que era bonita, mas
depois você cai uma vez, você se ajeita, mas não é a mesma coisa bonita.
E: Mas a senhora se sente bonita hoje?
S-3: Tem dia que eu me sinto muito bem, mas tem dia que não, que to lá meia, que
coisa, não consegui olhar no espelho hoje sabe, eu digo que o espelho é meu
amigo, sabe porque, eu abro a porta, e a luz fica aqui atrás, então eu olho e ta tudo
liso, esse é meu amigo, outros não, eu faço essas coisas pra gente dar risada mais
pra mim isso é muito importante, eu acho que eu sofri mais por causa disso, com o
passar dos anos, eu achei que não tinha mais aquela coisa de chamar atenção, é
uma coisa superficial, mas a gente é assim.
S-3: Eu prefiro o elogio masculino, porque daí reconhece a minha beleza, talvez o
resto dela, eu não sei, pelo menos lembra que eu fui jovem. Outro dia me falaram
continua bonita como antes, aquele dia eu fiquei inchada, eu prefiro um elogio
assim, do que quando chegar na sua idade quero ficar como a senhora, eu prefiro
esse outro masculino.
174
ANEXO E - Entrevista semi-dirigida sujeito 4
Cadastro
Nome: Sujeito (4)
Idade: 60 anos
Profissão: Do lar
Estado Civil: Casada ( ) solteira ( ) viúva (X) desquitada ( ) outros ( )
Se viúva, há quanto tempo?
R. 6 anos.
Tem filhos? Quantos?
1 filho
Mora com quem?
Sozinha
E: Me fala um pouquinho da sua infância. Como é que seus pais abordavam as
questões com você na infância, me fala um pouquinho da sua relação.
S-4: A infância não foi muita boa não, no sertão, do Ceará, o que se aproveita ali,
não tem nada pra você brincar, a gente fica quase que meio adulto, porque você fica
convivendo com pessoas adultas sem ter nada pra criança brincar ali no sertão, pra
se distrair, pra ver, foi mais ou menos por aí.
E: E o contato com as outras crianças?
S-4: A gente tinha sim contato com as outras crianças, aquelas brincadeiras, não
tinha brinquedo, só brincava de correr, esconde agachar, essas coisas.
E: E os pais, como eram os pais daquela época? Em questão de liberdade, de
ouvir a opinião dos filhos, existia diálogo?
S-4: Não, assim, não tinha muito diálogo aquela época não. Apra você, a gente
conversa normal, mas eles não explicavam as coisas e também assim, minha mãe
até que não, mas o meu pai era muito rigoroso, a gente tinha aquele medo, porque
ele era muito rígido, muito rigoroso.
E: Mas rigoroso em que sentido?
S-4: Ah, de tudo né, não podia, as coisas que ele queria que não fizesse, não podia
fazer, tinha pessoa conversando, não podia, passava e ia pra lá, não podia ficar
ouvindo a conversa de adulto, a gente não podia ficar no meio deles não. Como
hoje, as crianças ficam no meio das conversas dos adultos, naquela época não tinha
isso e a criação da gente era mais rigorosa, não é como hoje que as crianças o
tudo, tem mais diálogo agora, as crianças são mais espertas, quer saber as coisas,
175
a gente naquela época, ainda mais no sertão, a gente não queria saber de nada,
ficava vivendo naquele mundinho ali.
E: A senhora tem um irmão?
S-4: Um irmão.
E: A senhora sentia diferença no tratamento do seu irmão e da senhora, havia
benefícios por ele ser menino?
S-4: Ah, sim, meu pai era rígido com ele, igualzinho.
E: Não havia diferença, por a senhora ser do gênero feminino?
S-4: Não, o que ele falava que não era pra fazer, não era pra fazer mesmo, quando
ele dava uma ordem assim tinha que ser do jeito que ele queria.
E: E sobre a adolescência?
S-4: A adolescência pior ainda, porque na adolescência o que acontece, você quer
sair, aí ele não deixava, minha mãe era até assim, mais maleável, ele era, que
piorou, na adolescência ficou pior do que quando eu era criança, porque aí ele
começou com esse negócio de não deixar sair, simplesmente não saia, por exemplo,
se ele deixava sair num domingo, pra dar uma voltinha no domingo seguinte ele já
não deixava.
E: A senhora falou que a sua mãe era mais maleável. Mas de quem era a
decisão?
S-4: A palavra dele, não adiantava eu querer as coisas assim, tudo que fosse assim,
eu falava pra minha mãe, mas ela falava, vai pedir para o seu pai.
E: Ele é quem mandava.
S-4: É, ele é quem mandava, ele que ia resolver se deixava ou não. Minha mãe
deixava, ela falava, por mim tudo bem, mas vai pedir para o seu pai.
E: Mas se ele não quisesse, ela não ia contra ele, ela acatava a ordem dele.
S-4: Não, ia contra. Porque quando ele falava não, era não.
E: E havia diferença em relação ao seu irmão, na adolescência? Seu pai
deixava ele sair mais?
S-4: Não, não. do Z. na adolescência, não vai contar, porque quando meu pai
morreu o Z. tinha onze aninhos, ele tava ainda criança.
E: Quanto é a diferença de idade?
S-4:
6 anos, eu sou mais velha. Então quer dizer, na adolescência ele pegou
minha mãe sozinha, né, aí então ele já teve mais liberdade.
176
E: Certo, então a senhora ficou com sua mãe e como é que era sua relação
com ela? A senhora tinha quantos anos quando seu pai faleceu?
S-4: Eu tinha 17 anos.
E: E o Z. tinha 11 anos.
S-4: É nós somos diferença de seis anos, quando meu pai morreu, a família toda
falava, agora a D. vai poder aproveitar um pouco mais, poder passear mais, sair
mais, que eu tava habituada naquele esquema do meu pai e também por
causa da minha mãe ser muito doente, então eu não gostava assim, ela deixava eu
sair, se eu quisesse sair todo final de semana , pedisse pra ela, ela deixava, mas aí
como ela era doente, eu não saia, ficava com ela, mas as coisas que eu fazia com
meu pai, continuei fazendo com minha mãe, saia pouco, porque eu me habituei
naquele sistema, sabe, então todo mundo falava, ah, você tem que aproveitar mais,
porque seu pai era muito rígido, bravo, você tem que aproveitar, mas eu não sei,
se eu acostumei naquele ritmo, mas com minha mãe eu aproveitei um pouquinho
mais.
E: E o seu irmão?
S-4: O Z., coitado, pra aproveitar assim pra sair, ele era criança quando meu pai
morreu, ele tinha onze anos, mas na cabecinha dele, ele ficou assim, durante o
velório ele ficou o tempo todo perguntando, mãe e agora o que nós vamos fazer pra
comer, então ele colocou aqui na cabeça, quando meu pai enterrou no outro dia ele
começou, tinha uma fábrica de doce, ele começou a pegar doce pra sair pra vender,
ele assumiu esse negócio, que nós vamos fazer agora sem pai, ele achava que a
gente ia passar fome, sabe, ele começou a trabalhar novinho, assim, ele começou a
trabalhar muito novinho, com esse medo da gente né, ele foi trabalhar em uma
padaria, aí ele entregava pão de madrugada, minha mãe tinha medo porque ele era
muito novo, aí daí, ele foi sempre trabalhando.
E: A senhora trabalhava nessa época ou não?
S-4: Não trabalhava, não, eu ficava só com minha mãe, porque ela era muito doente
e não dava pra eu trabalhar. Quando ela ficava doente eu tinha que assumir tudo de
casa.
E: E em relação à sexualidade, a namoro, porque essa fase de adolescência é
essa fase de descoberta, como foi, havia diálogo?
S-4: Não, minha mãe era assim muito boa, mas ela tinha vergonha, o povo tinha
vergonha Aretusa. Óh, quando veio a primeira menstruação, você sabe quem me
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orientou, porque eu levei maior susto né, eu pensava pra quem que eu vou falar,
eu fiquei assustada com aquilo que eu nem sabia que tinha aquilo, porque eles não
falavam e quem me orientou foi meu pai, meu pai que meu orientou. Olha filha,
agora você é mocinha, e foi falando que quando a gente começar a namorar não
pode isso, não pode aquilo.
E: Então apesar dessa rigidez, foi ele que orientou.
S-4: Ele que orientou sobre a primeira menstruação, sobre esse negócio de namoro,
que tem que se preservar, foi tudo ele que me falou.
E: E a senhora acha que sua mãe não deu essa orientação por quê?
S-4: Ela não deu por causa dela mesma, acho que ela tinha vergonha de falar. O
meu pai nesse ponto ele já era mais aberto, já me orientou, assim tudo, né.
E: Aí quando começou o namoro, como é que ele reagia?
S-4: Namoro, nossa, ele era rígido. Ele falava se eu encontrar você pelas esquinas
namorando, pra namorar, tinha que falar pra ele, tinha que vir com o namorado até
em casa.
E: Então ele permitia o namoro.
S-4: Ele permitia, só não podia ficar pelas ruas namorando pelas esquinas.
E: Tinha que ficar ali em baixo dos olhos dele.
S-4: É tinha.
E: A senhora se sentia reprimida?
S-4: Reprimida.
E: Mais a senhora sentia que essa repressão advinha só de seu pai ou a
sociedade em geral reprimia mulher?
S-4: Ah, naquela época sim, né, naquela época reprimia. Naquela época, por
exemplo, tinha uma moça, se ela engravidasse, nossa, era um assim, um fim do
mundo. Imagina naquele tempo, uma moça, ta namorando e fica grávida. Hoje em
dia, isso é a coisa mais normal, a pessoa ficar grávida.
E: A senhora achava que essa repressão era só relacionada, a namoro, a
sexualidade ou há outros fatores?
S-4: Ah, tinha, tinha preconceito. De trabalhar fora, até que não, mas de mulher
separada, não era minha assim, naquele tempo não tinha muita separação como
tem hoje. Se separasse, nossa , os outros falavam, olha o fulano separou, ficava
aquela coisa marcante e hoje a coisa mais natural do mundo é casar e separar, é o
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que mais ta acontecendo agora e ninguém fala mais nada, a sociedade aceita, cada
um vai procurar o que é melhor pra você.
E: Tem direito de escolha.
S-4: É tem direito de escolha, justamente. E outra coisa, naquele tempo se
acontecesse de separar, sempre era a mulher que levava desvantagem, porque
mesmo agora que tem toda essa liberdade, as mulheres tem compatibilidade de
direitos iguais ao homem, mas a mulher, ela vai lutar sempre, mas ela sempre vai ter
um pouquinho de desvantagem em relação ao homem, por ela ser mulher, eu acho.
E: Hoje ainda a senhora pensa assim?
S-4: A gente vê pela televisão, né, que as mulheres até no emprego, elas fazem, o
mesmo serviço que o homem e ganha menos, pelo fato de ser mulher.
E: Havia alguma coisa que a senhora gostaria de ter feito, mas seu pai, não
deixou?
S-4: Sabe o que eu pedia pra ele, e ele nunca deixou, eu era louca pra aprender a
dançar. Ele dançava muito bem, mas ele não deixou eu aprender a dançar. Ele não
deixava eu aprender a dançar, ele não deixava eu ver carnaval de rua, ele não
deixava nada, mas o que eu queria mesmo, era aprender a dançar, mas ele não
deixava.
E: Quando a senhora conheceu o seu marido e começou a namorar, como foi?
A senhora teve outros relacionamentos anteriores?
S-4: Não, é. Tinha aqueles namorinhos na faixa dos 17 anos até quando eu comecei
a namorar o meu marido, comecei com 19 anos, quer dizer o que passou foi
namorinho, coisa assim que não nem pra contar como namoro, né, porque, foi
coisa rápida. Eu comecei a namorar o meu marido com 19 anos.
E: Como é que a senhora o conheceu?
S-4: Eu era lá de dentro da casa da minha sogra, eu tinha amizade com as meninas,
tudo, a gente ia pra escola junto, eu era lá de dentro, conhecia eles, aí foi assim que
a gente começou, eu era colega das meninas, a gente ia pra escola junto, a gente
conhecia todos eles, a sogra.
E: Vocês moravam próximos?
S-4:
Perto, pertinho.
E: Vocês se conheceram lá, e como é que foi a paquera, o encontro?
S-4: Eu ia lá tudo, eu era de dentro da casa, mas nunca passou pela minha
cabeça que ele, eu nunca notei que ele gostava de mim, até que um dia eu fui lá,
179
quando eu ia saindo ele colocou um papelzinho dobrado no meu bolso, aí quando eu
cheguei em casa, eu fui ler, aí ele tava se declarando, a gente começou depois a
namorar.
E: Então, ele se aproximou da senhora através de um bilhetinho?
S-4: Uma cartinha, aí eu fui ler, aí ele falava que tava gostando de mim, tal, tal.
E: Então vocês começaram a namorar?
S-4: Ele ia lá em casa, a gente namora em casa, quando começamos a namorar, ele
já foi conversar com minha mãe, que queria namorar assim pra casar, porque sabia
que minha mãe era viúva, muito doente, então, ele só pediu um tempo pra acabar
a faculdade , se minha mãe esperava, foi muito legal ele. minha mãe concordou,
falou pra ele que tudo bem.
E: Que lembranças a senhora têm que memórias a senhora tem da época de
namoro?
S-4: Aí, ótimo. Muito bom.
E: Como é que era o namoro naquela época?
S-4: Naquela época não chega nem perto de hoje, nem pertinho chega, fia, porque a
gente também naquela época, a gente namorava, mas o que acontecia, ficava mais
namorando em casa, do que saindo, porque naquele tempo, só tinha o que, cinema,
e nem sempre você tinha dinheiro pra ir ao cinema, quando tinha a gente ia no
cinema, quando não tinha ficava em casa.
E: O que o seu marido tinha que mais a atraiu?
S-4: Eu antes de namorar ele, conhecendo ele lá dentro da casa, eu sempre achei
ele assim muito legal, muito educado, achava ele uma pessoa muito boa.
E: Isso que lhe encantou nele?
S-4: Eu, por exemplo, eu sempre tive medo de namorar e acontecer de casar com
uma pessoa que não fosse aquilo que eu esperasse né, assim. E nele eu via.
E: O que a senhora buscava em um homem?
S-4: Eu buscava honestidade, sinceridade, uma pessoa digna, de caráter, é isso que
eu buscava.
E: A senhora acha que ele tinha tudo isso?
S-4:
Sim, ele tinha tudo isso.
E: Aí vocês namoraram quanto tempo?
S-4: Cinco anos.
180
E: A senhora viu alguma mudança, depois do casamento? O que mudou, do
namoro pra casamento? Como era a relação de vocês? Era uma relação
aberta? Vocês conversavam? Era diferente da que a senhora viveu junto com a
sua mãe e seu pai?
S-4: Era diferente, porque você passa a conviver com uma outra pessoa, e a gente
conversava muito, tudo a gente conversava, tudo que passava, um queria falar pro
outro, eu ia falava, ele vinha e falava, qualquer coisa que a gente tinha, tava sempre
conversando, um com o outro. Fora isso, a gente tava sempre conversando, ele
chegava do serviço, a noite era a hora que a gente mais conversava.
E: E a senhora via isso, na relação do seu pai e da sua mãe, essa conversa,
essa troca, diálogo?
S-4: Eles conversavam mais assim, o meu pai, ele gostava muito, minha mãe não
tinha muito como conversar com o meu pai, porque meu pai sempre trabalhava fora,
ele ia pras fazenda, abrir fazenda, empreiteira de fazenda, ele ficava as vezes
meses fora de casa, minha mãe ficava mais assim com a gente.
E: Mas, por exemplo, a senhora acha que ela tinha liberdade de falar o que
quisesse pra ele?
S-4: Ah, não naquele tempo não falava. Se ela quisesse falar alguma coisa, eu acho
que ela ia pensar, como que ia falar, né.
E: Com medo de falar, de como ele ia interpretar.
S-4: É.
E: E no seu casamento, havia esse receio? Ou a senhora falava o que queria?
S-4: É, eu falava o que eu queria.
E: A senhora falou que antes quando a senhora era solteira o seu pai podava
um pouco a senhora em relação às coisas que a senhora gostava de fazer. E
no casamento, seu marido também tinha essas atitudes ou não?
S-4: Não, meu marido não me podava em nada, o que eu não fiz, eu o fiz porque
eu não quis, pelo contrário, ele até me estimulava, ele nunca me impedia de nada,
do que eu quisesse fazer, aprender, nada, nunca me impedia de nada, nada mesmo.
E: Aí vocês tiveram um filho, ficaram casados por quanto tempo?
S-4: 30 anos.
E: Vocês saiam pra passear, como era? Vocês estavam sempre juntos ou não?
Como era a vida de vocês?
181
S-4: A gente tava sempre juntos, ele tava sempre aqui comigo, ele sempre tava
presente, um pai presente, assim a noite ele nunca saia, toda vez que ele ia sair, se
fosse pra ir pra casa de uma pessoa, final de semana assim, eu sempre tava junto,
ele não saia assim, sozinho, sabe.
S-4: Juntinhos, sempre. Toda vez que ele saia, eu tava com ele. Pra onde a gente ia
também, sempre pra casa da família, bate papo, fica conversando, só isso.
E: A senhora sentia vontade de fazer alguma coisa e não fazia por estar
casada?
S-4: Não, porque eu nem pensava, porque o que eu falasse pra ele o que eu queria
fazer, com certeza ele ia, se eu falasse pra ele que eu ia fazer tal coisa, ele não ia
me podar, ele ia me incentivar, então o que eu fiz, eu fiz porque eu quis, e nada ele
foi contra.
E: De uma maneira geral, a senhora acha que foi feliz?
S-4: Fui, eu fui feliz no casamento, eu considero que eu tive um casamento muito
bom.
E: E em relação à maternidade, como é essa questão, quantos anos a senhora
tinha, quando foi mãe?
S-4: Eu casei com 24 anos, engravidei com 24 e tive ele com 25 anos, rapidinho,
depois do casamento, eu já engravidei.
E: E como é que foi a maternidade?
S-4: Marinheira de primeira viagem, mas a gente vai, levando numa boa.
E: E o seu marido como pai, como era?
S-4: Não, ele ficava o dia inteiro fora, só vinha à noite, até depois ele resolveu
mudar, justamente por causa disso, porque ele ficava o dia inteiro sem ver eu e o
Junior, por isso a gente resolveu mudar pra onde ele trabalhava, pra poder ficar,
porque ele também sofria muito, ficar viajando a noite, de madrugada, e ele gostava
que a gente ficava mais perto dele.
E: A senhora acha que educou o Junior de maneira diferente da que seus pais
educaram a senhora?
S-4: Eu procurei assim, ele teve toda a liberdade, ele teve infância, ele teve tudo,
brinca, tudo que ele tinha direito, só que eu tava sempre orientando ele, porque
como o pai dele ficava o dia inteiro fora, ficava por minha conta, então eu que tinha
que cuidar dele e as coisas que eu via errada eu tinha que corrigir, eu via que tinha
que fazer a cabecinha dele entender, e aí eu procurava passar sempre o melhor.
182
E: Por exemplo, nessa questão de liberdade, sexualidade, a senhora falou que
o seu pai a orientava, mas era na rédea curta. Em relação ao seu irmão, quem o
acompanhou foi sua mãe. Como era?
S-4: Pra minha mãe, se eu pedisse pra ela deixar eu dar uma volta na praça ela
deixava com certeza.
E: Da mesma maneira que ela deixava seu irmão?
S-4: O meu irmão, não dá nem pra eu te falar direito, se ela ia deixar ele ficar mais a
vontade porque ele, depois teve uma época que ele era muito novo, ele foi trabalhar,
ele foi pro Rio de Janeiro, foi vender aquelas telas de por na frente da televisão, ele
ficava pra lá, demorava pra voltar, ficava de 15 a 20 dias pra vir pra casa, ele
também , ficou assim como eu, não ficava saindo muito, quando ele chegava, ele
ficava mais em casa.
E: E com o seu filho, como foi?
S-4: O Junior já teve tudo, quem orientava o Junior, era eu, porque o pai dele ficava
o dia inteiro fora, então tudo era eu, até na adolescência dele as coisas, o meu
marido falava, mas quem falava mais as coisas com ele, era eu, orientava sobre
drogas, porque ele era adolescente, então a gente precisava saber como falar com a
criança pra ela saber, eu que orientei ele, o pai dele a noite às vezes conversava,
até na parte de sexo era eu que falava, também com ele.
E: E a senhora tinha vergonha de tratar esses assuntos com ele?
S-4: Normal, não tinha vergonha de falar não, liberdade total pra conversar com ele.
E: E ele tinha também liberdade de conversar com a senhora, ou havia
asssunto que ele ficava tímido?
S-4: Nunca perguntou nada pro pai dele assim, ele também nem perguntava pra
mim, eu que falava pra ele, colocando na cabeça dele, porque ele não era muito de
perguntar, como ele jpa tinha aquela personalidade dele que não gostava muito de
ficar perguntando, eu já ia falando pra ele não precisar perguntar.
E: Tá, depois que o filho cresceu, a senhora e seu marido ficaram mais
juntos? Mudou a relação de vocês?
S-4: É aquela história, a fase do namoro foi uma fase, e de casado é outra fase,
outro ritmo, porque já tem uma criança, quer dizer já, você já não, a gente não curtiu
assim, um casamento novo, aquela relação novinha assim, porque veio a criança,
já tinha criança pra cuidar e a vida também era corrida, ele fazia outra faculdade, era
tudo corrido, muito corrido, a gente não tinha tempo, às vezes conversava um
183
pouquinho de madrugada, aí no outro dia saia, cedo ia pra faculdade, depois pegava
o ônibus ia trabalhar.
E: Mas depois que o Junior cresceu houve mudanças?
S-4: Nós sempre ficamos juntos, a gente não saia, a não ser pra casa dos parentes,
o passeio pras praias, fora isso fica uma rotina, mas a gente tava sempre junto à
noite, sempre conversando, vendo televisão, conversando.
E: Depois de 30 anos de casamento, seu marido faleceu. Como foi pra senhora
a viuvez?
S-4: Nossa aí é terrível, é uma coisa assim, que parece que o mundo, parece que eu
não sentia que tava pisando no chão, você fica pisando no ar, porque 30 anos
casada, naquele ritmo de vida, sempre com aquela pessoa, aí a pessoa vem a
falecer, aí você fica, totalmente perdida.
E: Porque a vida da senhora era voltada pra família, pra casa. Não tinha
amigos, não saia.
S-4: Não, não, a vida da gente era assim, só saia final de semana, e pra casa de
parente, conversar né, era isso a vida da gente.
E: Continua.
S-4: Eu fiquei aqui trancada, deprimida, fiquei bem deprimida, fazia tratamento tudo,
aí depois de uns 3 anos e meio, eu comecei a me erguer, foi quando eu comecei
é a freqüentar a terceira idade lá, o grupo da terceira idade. Comecei a me distrair
assim, foi aí que minha vida começou a mudar, porque nesses três anos e meio, eu
fiquei aqui olhando pras paredes. O Junior às vezes saia, e eu ficava aqui sozinha,
não tinha uma amiga pra sair, não tinha nada, ninguém me convidava né. Depois
que eu fui pra terceira idade, realizei o meu sonho que era aprender a dançar, na
época que meu pai não deixa, eu adoro fazer essas coisas.
E: A senhora ficou mais ou menos uns 3 anos, depois de 3 anos que a senhora
começou a sair, à dançar? A senhora fazia isso enquanto casada?
S-4: Não, ele não dançava. Às vezes durante, eu sempre convidava ele pra gente
aprender a dançar. Vamos aprender a dançar bem?, mas ele nunca, ele nem
falava que ia, nem que não ia, ele não mostrava interesse assim de aprender, então
continuou aquela vida.
E: A senhora tinha essa vontade?
S-4: Tinha, desde casada eu queria, queria também, se ele falasse, vamos entrar
em uma aula de dança, eu ia, eu acho a coisa mais linda dançar.
184
E: A senhora deixou de fazer isso por ele, tem algo mais que a senhora deixou
de fazer por causa dele?
S-4: Ah, outra coisa que eu deixei, por exemplo, eu queria ter feito uma faculdade,
mais a gente morava fora e o Junior era pequeno, o que aconteceu, quando o Junior
era pequeno ele falava Ah, não bem, não vai sair de casa agora não, não vai deixar
o menino com empregada, por que depois a empregada não cuida direito, eu fui
deixando, ele falou deixa ele crescer mais um pouco. Quando cresceu um
pouquinho, que eu falava O bem, acho que agora eu vou estudar, vou fazer o
vestibular alguma coisa, ele falava não deixa ele crescer mais ainda porque
agora, porque a empregada não vai dar conta de olhar ele, e ele vai se machucar,
ele sempre quis que eu ficasse com o filho, ele não abria a mão assim de deixar o
filho com outra pessoa.
E: E como é que a senhora recebia isso, a senhora ficava chateada?
S-4: Não, não fiquei chateada.
E: Como a senhora se sentia?
S-4: Não, assim, sabe que de vez em quando, quando a gente conversava, eu
falava assim pra ele Nossa bem, como eu perdi tempo, podia ter feito uma
faculdade, porque eu queria, porque hoje em dia eu podia sair pra trabalhar, ganhar
meu dinheiro, puxa vida bem, eu não estudei, não fiz uma faculdade, ficar cuidando
do Junior, e hoje em dia a gente fica só dentro de casa, e eu podia estar trabalhando
ganhando meu dinheiro, até que um dia, ele me respondeu, Ó, mais quem
garante pra nós, que se você tivesse ido fazer uma faculdade, você poderia estar
trabalhando, ganhando seu dinheiro, mas quem garante que a gente teria o filho que
a gente tem, que foi cuidado, educado, tudo por vocênaquele dia, eu nunca mais
toquei no assunto fiquei quieta.
E: A senhora se arrepende?
S-4: Não, me arrependo. Não me arrependo, porque eu acho, o que ele me
respondeu ta certo, quem me garante, se eu tivesse saído, deixado o meu filho com
empregada, a educação que ele tem hoje, seria a mesma, ou a personalidade dele,
o comportamento dele, quer dizer se eu tivesse deixado ele, e depois que eu tivesse
me formado quisesse sair pra trabalhar fora, ninguém me garante que ele seria o
que ele é hoje, porque eu fiquei com ele, cuidei dele a vida toda.
E: Então a senhora está me dizendo, que abriu mão de algumas coisas pela
família, pelo filho, pelo marido, deixou de fazer algumas coisas. Quando mais
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jovem estes sonhos foram reprimidos por causa de seu pai, depois por causa
de seu marido, como por exemplo, a faculdade. Após ficar viúva e elaborar o
luto, a senhora começou a dançar, a fazer outras coisas, que a senhora não
fazia. O que mais mudou? Como realizou o sonho de dançar, havia mais
alguma coisa que a senhora fez mais e que fazia?
S-4: Depois que passou aquele período difícil, depois que eu comecei a ir na
terceira, você vai encontrando, você vai vendo, que você é livre, você tem uma
liberdade, quando você é casada, a gente as vezes saia, eu vou em tal lugar bem,
agora já não tem mais isso, você começa a ter uma liberdade que é sua mesmo,
se eu quero eu vou, não tenho que dar satisfação pra ninguém, ninguém pergunta,
não tem marido pra falar, onde você foi, então tem esse lado que a gente descobri
de liberdade. Hoje eu posso fazer o que eu quiser, posso ir onde eu quero, que não
tem mais esse preocupação de cuidar de marido, de filho, você se acha mais liberta.
E: Algumas pesquisas apontam que os homens quando ficam viúvos, eles
tendem a casarem-se de novamente, e essas mesmas pesquisas apontam
também, que as mulheres quando ficam viúvas, dificilmente elas casam-se
novamente, porque elas encontram na viuvez, essa liberdade que a senhora
está falando. O que a senhora acha?
S-4: Se eu quiser fazer uma excursão, eu posso, eu sou livre.
S-4: Eu concordo, se os homens, até por questão, por que a mulher, ela sendo viúva
pelo fato de ela saber fazer as coisas, então ela, e se ela tiver assim, se ela ficou em
uma situação financeira que, ela acha que ela não precisa de ninguém, se ela partir
pra escolher alguma pessoa, ela vai pensar muito. Agora o homem, eu concordo que
ele casa, porque ele tem esse problema, já não sabe lidar muito com a casa, ele é
mais dependente.
E: A senhora acha que a mulher vive bem, sem buscar outra pessoa.
S-4: Vive bem assim, em termos, do jeito que eu to te falando, a gente vive bem
assim, a mulher as vezes fica viúva e cada situação é uma situação, por exemplo,
ele deixou como eu sobreviver, o meu filho já é independente, e as mulheres que
ficam viúvas, com filhos pequenos e não ficam em situação financeira que garante o
sustento delas com as crianças, obrigada as vezes arrumar um parceiro pra poder
ajudar, certo, ajudar a manter aquelas crianças e nesse caso eu acho que elas
procuram , se elas ficam com filho pequeno, com pouco dinheiro.
E: A senhora está falando mais na questão financeira, material?
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S-4: Mais material, mas tem a parte que a gente tem as carências da gente.
E: Continua.
S-4: Então, e aí como é que fica a carência, aí eu a gente tem uma certa solidão, eu,
esse cursinho que eu fiz lá na UNESP, eu tirei muito proveito daquele curso, porque
a gente aprende muita coisa que incentiva pra gente, eu sou muito apegada, muito
preocupada com as coisas, por exemplo, se aparece um paquera meu aí, eu fico
preocupada, as vezes eu fico assim, ah, o que os vizinhos vão falar, mas agora eu
to tirando isso da cabeça, porque , acho que a vida da gente a gente tem que viver,
assim você tem que procurar o melhor pra você. A partir do momento que você está
se sentindo bem daquele jeito, o paquera tem que rolar uma química porque senão,
não dá.
E: A senhora se preocupa muito com a opinião dos outros?
S-4: Se fosse antes, eu já ia pensar, que os vizinhos iam falar, a família, o Junior
não vai aceitar, mas agora, eu tenho liberdade de falar pra ele, eu falo pra ele
Olha, Junior a mãe ta viúva, vai fazer seis anos, até isso eu renunciei de arrumar
paquera, por causa dele, porque ele estava comigo, no meu modo de pensar na
parte de moral, eu sempre pensei assim, se eu tiver que arrumar um paquera, eu
quero primeiro que o Junior case, que ele saia da minha casa, porque tipo assim, eu
não gostaria que uma pessoa entrasse aqui com o Junior, agora eu tenho esse
diálogo com ele, Olha Junior, cumpri a minha missão, agora você está com a sua
vida, agora se parecer alguém eu posso encarar, se a gente gostar da pessoa, e a
pessoa gostar da gente, eu sempre falo pra ele que não estou procurando ninguém,
mas que se parecer alguém. Agora ele já, no começo é aquela parte do ciúmes, né,
agora não, é amigo, parece amigos conversando, e então agora eu tenho essa
liberdade de falar pra ele.
E: Essa preocupação que a senhora tem, com os vizinhos, e agora que a
senhora está se dando oportunidade de viver alguma coisa com alguém,
porque agora o Junior está fazendo a vida dele, casou, é outra situação, a
senhora acha que esse cuidado, tem haver com a rigidez que seus pais
criaram a senhora? A senhora acha que se fosse um homem viúvo, mesmo
tendo um filho, as coisas seriam diferentes?
S-4:
Vamos supor, se eu tivesse arrumado um homem, com certeza se a pessoa
entrasse aqui, viesse visitar, se a gente fosse sair juntos, com certeza o povo ia
falar, amiga da gente falaria, a família falaria, que a agora, eu não tenho mais
187
essa preocupação, agora, se aparecer uma pessoa, é aquilo que eu te falei, a gente
fica muito na solidão, ficar sozinha, você fica sozinha a semana inteira, dentro de
casa e quer dizer, se aparecer uma pessoa que se enquadre mais ou menos no
perfil que você quer, aí agora eu já falo pra você que eu encaro.
E: E porque a senhora fala, não, hoje eu encaro?
S-4: Eu encaro porque eu mudei a minha cabeça, porque agora eu aprendi, no
cursinho na UNESP e também assisto muito o Gasparetto, e o Gasparetto ele é
fantástico, eu pego o programa dele todo dia, eu amo de paixão , porque ele ensina
muita coisa pra gente, esse negócio de ficar pensando nos outros, pensando, que
nem vocês falaram no cursinho, que a gente tem que fazer o que a gente quer, e
não ficar preocupado com que os outros vão dizer, com o que os outros vão achar,
viver intensamente cada dia da vida, então hoje, eu não tenho mais essa
preocupação, do que os outros vão falar.
E: E esse paquera que a senhora fala, é de constituir outra família, de ser um
novo marido ou não.
S-4: Não, marido não, assim eu sempre falo, que eu não quero ninguém pra morar
comigo, se arrumar uma pessoa quero assim, ela pode vim pra minha casa, ela
pode vim me visitar, a gente pode sair juntos, mas eu quero eu no meu canto, e ele
no canto dele, mas assim, outro casamento jamais, e morar junto também, agora
assim, no momento o meu pensamento é não morar junto.
E: Por quê?
S-4: Às vezes a gente fala que não quer mais às vezes a gente pode até mudar de
idéia, dependendo da pessoa, mas eu falo que não quero, por que eu acho que, eu
fui casada 30 anos, eu convivi 30 anos com meu marido, porque eu não quero ter
compromisso, assim horário com aquela pessoa é, horário pra cumprir, as coisas
dele está tudo em ordem de novo, então essas coisas eu continuo achando que eu
não quero, esse compromisso, de eu ter que ficar fazendo as coisas, eu caio na
história de querer um pouco de liberdade pra mim. Apesar de que eu acho, a partir
do momento que você arruma um paquera, nem que ele não more, pelo fato de
você arrumar um paquera você automaticamente já fica meio presa, porque você
deve satisfação, novamente e morar junto, pior.
E: A senhora acha que está aproveitando mais agora, que é viúva a sua vida,
do que quando a senhora era casada?
S-4: Apesar de sair pouco, eu acho que agora eu aproveito mais.
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E: Mas em que sentido a senhora está falando, eu saio pouco, em que
sentido a senhora aproveita mais?
S-4: Assim, eu nem sei o que te respondo, porque passear também eu quase não
passeio, fico mais em casa, mas eu falo assim, por exemplo, eu acho que a gente
aproveita mais nessa parte da liberdade que a gente sente. Por exemplo, se eu
estiver aqui sentada, e falo, quero ir na casa de tal pessoa, eu saio e vou, não
tenho horário pra cumprir, é isso que eu falo que a gente aproveita mais.
E: A senhora falou que mudou um pouco a cabeça da senhora nessa questão
de cuidar mais da senhora.
S-4: A auto-estima, eu acho que eu melhorei bastante, assim na questão de me
arrumar, eu gosto mais de cuidar de mim, só pelo simples fato de eu ir na terceira
dançar, já tem aquele gosto de se arrumar , de fazer unha de arrumar cabelo,
entendeu, apesar que me arrumar, eu sempre me arrumei desde quando tinha o tio,
eu tava sempre arrumadinha, você sai, você dança, você faz amizade, você ta ali
sozinha, você ta ali, sozinha, não tem uma pessoa do seu lado, você faz o que
gosta, entendeu.
E: A senhora acha que o casamento acaba acomodando?
S-4: Quando ta sozinha, parece que a gente se arruma mais, mas não é, por
exemplo, quando estou me arrumando, eu não penso nos outros, eu me arrumo pra
mim, pra eu me sentir bem, entendeu, isso eu também eu aprendi lá com vocês, a
gente tem que se sentir bem com a gente, primeiro, porque a partir do momento que
você se sente bem com você, você está de bem com a vida, então, é isso aí.
Quando você está casada, você se arruma, mas dificilmente alguém fala pra você,
nossa, como você está bonita, e agora eu percebo que quando, você sendo viúva,
então você está sempre recebendo elogio nossa como você ta isso, como você está
aquilo, como você está bonita, então eu não sei, se o povo nota alguma diferença,
ou se é a gente que resolveu dar uma mudada, um geral, assim até de espírito,
uma mudança espiritual, quando passa aquela fase mais difícil, que você tem que
regassar as mangas e que você tem que seguir em frente, que você não tem mais
marido pra fazer nada por você e que você tem que sair e fazer tudo, então a gente
se sente até mais útil, mas independente, hoje eu me sinto mais capaz, mais útil,
porque eu tenho que fazer tudo aqui de casa sozinha, tudo que ele fazia, e ele ficava
dependendo dele fazer, hoje eu tenho que fazer, tudo.
189
E: Em relação à sexualidade, a senhora falou que logo quando a senhora
casou, não teve essa vidinha à dois, não pôde curtir o casamento, pois logo
veio a maternidade, fala um pouquinho sobre isso?
S-4: Na convivência sempre bem, mas chega uma hora, conforme vai passando os
anos, se o casal não cultivar as coisas, se a gente deixar algumas coisas ir, ficando
pra trás, vira uma rotina, porque o casamento depois de certo tempo, já é uma
rotina, né, e quando você chega aos 30 anos de casado, fica assim, tem os
carinhos, os agrados, tem o sexo tudo, mais fica aquela parte mais de
companheirismo, né, fica assim, uma impressão que fica assim, um ta pra ver o
outro, um pra cuidar do outro e na parte de carinho muita coisa já fica pra trás,
porque o casamento vai indo, 30 anos casado, se você deixa de cultivar alguma
coisinha, aquilo lá ficou pra trás e você não consegue mais, porque eu acho que
casamento é assim, você tem que ir cultivando, pra não cair na rotina, porque
fatalmente ele cai na rotina, depois de certo anos cai, depois com os filhos, você tem
que dividir o tempo.
E: E hoje, como está essa questão?
S-4: Mas eu não to nessa de ficar não, assim é, já apareceu pessoas, mas uma as
vezes você gosta e você acha que é melhor largar, o outro as vezes gosta e você
não gosta, não é seu tipo, a pessoa é muito legal, mas não é a que você quer, e
também o é fácil você arrumar um paquera, até pra ficar ta difícil, assim ,você
arrumaria se você enfrentar, a mulher que se preze ela vai ter que saber escolher
uma pessoa, né, porque o primeiro que chegar você for, você nem conhece a
pessoa,então eu acho que primeiro a gente tem que conhecer a pessoa, se for pra
gente assumir um relacionamento, pra ver a compatibilidade de gênios, a gente
vai vendo, e aí que ainda não é o que quer, então tem hora que a gente para e
pensa, acho que é melhor eu ficar sozinha do jeito que eu estou, me divertindo com
a minha liberdade, e ia assim paquerando, conversando sem compromisso mais
sério.
E: Mas e se a senhora conhecer alguém que valha a pena investir?
S-4: A partir do momento que eu achar uma pessoa, que eu sinta que eu goste, e
que eu sinta que ta firmeza que a gente pode começar que pode dar certo, eu não
tenho dúvida que eu enfrento que eu aceito.
E: A senhora precisa ter alguém que te passe essa segurança?
190
S-4: Eu tenho que sentir, pra eu assumir um compromisso eu tenho que assumir um
compromisso mesmo, eu tenho que estar certa que a pessoa está gostando de mim
e que eu também estou gostando dela, entendeu. Eu tenho que ter essa certeza
mesmo porque, agora tem coisas que eu me sinto muito insegura, por isso que eu
estou te falando que eu não caio assim em qualquer um, justamente por causa
dessa insegurança, se eu perceber qualquer coisa na pessoa, que eu vejo que não
vai dar certo comigo.
E: Sobre essa insegurança, em que sentido a senhora fala?
S-4: Ah, da pessoa, as vezes a pessoa fala as coisas pra você e de repente você
encontra uma pessoa que conhece essa pessoa, e fala alguma coisa dessa pessoa
e que você, que ela as vezes nem tinha comentado nada, tem pessoas que são
abertas, olha pra você efala Olha, eu sou assim, já casei, fui separado, tinha não
sei quantas namoradas, as vezes eles se abrem e conta pra você, as vezes
outros que já não, que pode até mentir, depois você, quando ta paquerando o
cara, ou até começando um relacionamentinho você fica sabendo coisas daquela
pessoa, que não era o que você tava pensando, você achava outra coisa, daquela
pessoa.
E: O seu marido foi seu primeiro homem?
S-4: Foi.
E: Foi imposto ou foi por opção, a senhora falou que iria se entregar pro
seu marido?
S-4: Não, isso daí, mesmo porque naquela época a gente era muito difícil uma
pessoa não casar virgem, se casava virgem, nossa senhora, se depois que casasse
o cara descobrisse que você não era virgem, tinha eu ser virgem.
E: Tinha que ser virgem, mas a senhora adotou isso por causa da sociedade
ou não, porque pra senhora também era importante?
S-4: Não, pra mim também era importante, que fosse meu marido, iria me entregar
pro homem que eu casasse.
E: A senhora associava o sexo ao que, ao amor, a segurança?
S-4: Principalmente ao amor e confiança naquela pessoa.
E: E hoje a mesma coisa?
S-4:
Ah, eu tenho que sentir firmeza na pessoa, sabe, se eu sentir que ela é, porque
eu já me sinto, pelo fato de eu ter achado um marido excelente, e agora você parte,
você vai querer arrumar outro relacionamento, com uma pessoa, que você nem ta
191
acostumado, vai começar tudo, você não conhece o jeito, você vai começar viver
aqueles momentos, tudo diferente do seu casamento, isso dá um pouco de medo, às
vezes a gente sente um pouco de insegurança.
E: Então a senhora acha que ainda não arrumou alguém, por causa dessa
insegurança?
S-4: Por causa dessa insegurança. Eu quero uma pessoa que esteja mais ou menos
no perfil que eu quero.
E: A senhora falou que quando foi namorar, queria um homem que fosse uma
pessoa boa, e hoje, o que a senhora busca?
S-4: Eu quero que ele seja sincero, eu tenho que sentir que ele gosta de mim, que
ele é uma pessoa honesta e ter confiança.
E: Mas essa segurança, não tem nada haver com dependência, a senhora hoje
é independente, não precisa de ninguém, a senhora faz as coisas sozinhas e
até mencionou que hoje tem auto-estima, que é mais independente do que
antes. De que segurança a senhora está se referindo?
S-4: É relacionado mesmo ao sentimento. Pelo fato, de eu ter encontrado a pessoa
certa, com quem eu casei, toda essa convivência de todos esses anos, essa
insegurança que eu tenho, eu acho que é uma insegurança, até agora, eu considero
uma coisa normal, é um tipo de medo, porque a se tinha um marido muito bom, tem
medo de procurar uma pessoa mesmo que não seja pra morar junto, mas aí te
começa, não dar certo, é isso aí, justamente pelo fato de ter casado bem, com uma
pessoa que não me deu trabalho, você então quer buscar em uma pessoa, o mínimo
daquele que você teve, porque igual, porque como a gente teve um casamento que
deu certo, é difícil, hoje em dia a gente encontrar uma pessoa que vai dar tudo
certinho, mesmo porque é outra pessoa. Outro tipo de pessoa, outro gênio, outra
educação, personalidade.
E: Então a senhora falou que foi feliz no casamento e hoje se sente feliz?
S-4: Eu sou feliz, se você estivesse feito essa entrevista mais pra trás, eu ia falar pra
você que eu estaria infeliz, por que eu estava naquele processo de ficar deprimida,
mas agora que está passando os anos, você já firmou os pés no chão.
E: Mas a senhora se sente mais feliz, ou é uma felicidade diferente?
S-4: Ah, é um outro tipo de felicidade, porque quando estava com meu marido, era
uma outra felicidade, e agora sozinha, é um outro tipo, eu encaro com um outro tipo.
E: Como é que é a M. de hoje?
192
S-4: A M.de hoje já é um pouco diferente da M.de 6 anos atrás.
E: O que a senhora acha que mudou?
S-4: Me soltei mais, pelo fato de você ter que, aprendi mais.
E: Como é que era a M.há seis anos atrás?
S-4: Triste.
E: Enquanto o seu marido era vivo?
S-4: Mais quieta, naquele ritmo de casada, mais pra casa, entendeu.
E: E a M. D. de hoje?
S-4: É mais solta, esse solta que eu falo, é uma coisa boa, por força das
circunstancias, aí você vem com essa mais solta, é de trás desse tempo que eu
passei sofrendo, hoje a gente ta mais solta, mais falante, sei lá.
E: O que as pessoas falam da senhora, a senhora disse que as pessoas falam?
S-4: As pessoas falam, nossa como você está bem, nossa como você está isso, tem
sempre um elogio, como você está bonita, coisa assim que naquele tempo de
casado a gente quase não ouvia. Eu acho que isso daí, quando acontece isso, cada
vez mais você vai melhorando a sua auto-estima, porque tem sempre alguma
pessoa falando alguma coisa de você.
E: Como é que a senhora se sente, mais solta, mais falante?
S-4: Por outro lado o que a gente pode dizer pra você, carência, você não tem
carinho, né porque, carinho de marido é de um jeito, carinho de filho é de um jeito, e
nesses 6 anos você sozinha, é que nem eu te falo, você tem liberdade, vai pra onde
quer, mas tem o outro ponto negativo, porque você sofre essa carência, de não ter
uma pessoa pra te abraçar, isso daí é meio complicado, a solidão, você sente um
pouco de solidão.
E: A senhora acha que tem mais coisas positivas ou negativas?
S-4: Ah, eu acho que agora eu tenho mais coisas positivas, porque a gente vai
mudando, você pensa que você não muda, mas você é obrigado a mudar, você tem
coisa que é automático, né, muda.
S-4: Tem a carência e a solidão, que no sábado a noite você vai, se distrai, conversa
se diverte, dança, eu aprendi dançar sozinha, aprendi mesmo.
E: A senhora se sente mais ousada?
S-4
: Mais ousada, quando eu era casada eu era mais quieta, mas hoje eu não tenho
mais marido pra dar satisfação, então a partir do momento que você não tem o seu
193
companheiro do seu lado, você ta livre, não vai sair, como doida, mas essa liberdade
que eu falo, você sai a hora que você quer, sem ninguém te perguntar.
E: Tem menos medo do que o outro vai falar, mais independente.
S-4: Aprende a fazer as coisas, noutrora você era dependente e agora tem que fazer
as coisas.
E: E a senhora acha que isso é positivo?
S-4: Positivo.
S-4: Eu vejo que as pessoas ficam enciumadas, querendo te jogar uns baldes de
água fria, arruma defeitos, você percebe que a pessoa ta querendo interferir
naquilo, então tem tudo isso, outro dia na terceira tinha um baixinho que começou
a dançar comigo, eu tava dançando com ele, não tinha nada, e aí, quando
passou uma mulher que mora ali, ela me viu com ele, aí ela me cumprimentou, aí ele
falou assim pra mim, você conhece aquele casal?, eu falei conheço, mas você
tem amizade com eles? Amizade não, conheço eles daqui, moro por perto da
minha casa, mas não tenho amizade. o cara foi embora, a mulher dançando,
parou de dançar pra falar pra mim, quer dizer, veio jogar o balde da água, que o
cara, o namorado dela tinha visto ele no final de semana, chegar lá no postinho com
uma mulher brigando.
194
ANEXO F - Entrevista semi-dirigida sujeito 5
Cadastro
Nome: Sujeito 5
Idade: 82 anos
Profissão: Do lar
Estado Civil: Casada ( ) solteira ( ) viúva (X ) Há desquitada ( ) outros ( )
Se viúva, há quanto tempo?
31 anos.
Tem filhos? Quantos?
4 filhos
Mora com quem?
Sozinha
E: Conte-me um pouco sobre sua infância e de sua relação com seus pais
nesta fase de vida. E a vivencia com outras crianças.
S-5: Olha, eu fui uma pessoa muito bem criada, arteira, apanhei muito, mas assim,
meus pais eram maravilhosos, meu pai era assim bravo, exigente, mas eu acredito
que valeu a pena. Hoje a gente sabe o que eles queriam pra gente, do mesmo jeito
que a gente sempre quis para os filhos, mas tem vezes que a gente não consegue.
Então, eu não tenho mágoa dos meus pais, deles só tenho boas recordações, nunca
vi briga entre meu pai e minha mãe, nunca vi mesmo, e olha que era uma turma de
nove irmãos. Eu acho que era uma relação muito bonita, mesmo naquela época que
hoje é tudo tão diferente, mas era muito bom, pra mim eu tenho boas
recordações, apanhei muito por causa de ser muito arteira (rs).
E: Você tinha outros irmãos?
S-5: Tinha
E: Quantos?
S-5: Tinha, todos eram em dez o mais velho eu não conheci, quando eu conheci,
acho que ele morreu bebê ainda, depois nós éramos em nove.
E: Haviam mais mulheres, ou era só a senhora?
S-5: Não, não, era mais mulher, eram oito mulheres e dois homens.
E: Ah, vocês eram maioria. E a senhora sentia alguma diferença no tratamento
das meninas e dos meninos?
195
S-5: Ah, não porque era um irmão, porque o outro, o mais velho morreu bebê, o
primeiro, porque depois veio quatro mulheres, o menino, e depois mais quatro
mulheres.
E: E a sua relação com as outras crianças, como era?
S-5: Com minhas irmãs?
E: Com as irmãs e com outras crianças também.
S-5: Com outras crianças era mais difícil porque a turma era grande, sempre todo
mundo assim, morava no sitio,mudei pra cidade depois de casada mesmo, mas a
gente não brincava com outras crianças, só no tempo de escola mesmo, eu brincava
muito com meus primos, porque eram oito primos.
E: Vocês moravam em fazenda...
S-5: Fazenda é, meu pai tinha uma propriedade ali na jacutinga.
E: Então era brincadeira na própria casa, no quintal.
S-5: É na própria casa, no terreno de café.
E: E vocês freqüentavam escola?
S-5: Todas nós somos alfabetizadas.
E: E a adolescência como foi?
S-5: Eu não me lembro direito, mas para mim eu tenho que sempre tudo foi bom,
assim recordações ruim, de nada.
E: Os pais sempre presentes?
S-5: Sempre, sempre, o meu pai era enérgico e minha mãe muito enérgica, sempre,
mas eu não tenho mágoa, recordações tristes, porque eu vejo muita gente falar,
porque isso, eu não tenho, por isso que eu sou uma pessoa tranqüila e feliz.
E: A senhora fala sobre a rigidez dos seus pais, como era essa rigidez?
S-5: Meu pai era muito bravo, exigia sempre muito da gente, principalmente assim,
em tudo e eu principalmente era muito arteira, sempre exigiu da gente, assim, muito
respeito, por exemplo, a gente nunca dizia não, pra ele não, era sempre assim,
senhor, sim senhor, por isso que eu digo, as vezes eu via nas outras crianças,
principalmente nas da escola que não tinha, então assim com a professora, sim
senhora professora, não podia falar você para ninguém. Assim outra coisa, depois
de alfabetizada tanto eu como minhas irmãs mais velha e mais nova, ele gostava
muito de ler, ele exigia alguma coisa importante, ele exigia que a gente lesse, que
fazia a gente ler o jornal, então assim acho que isso era uma rigidez dele, mas hoje
que eu sei, que ele fazia isso pra gente aprender, como ele dizia, eu era bem
196
criança, quando ele comprou o primeiro rádio, ele tirou a pilha grande, enorme, e
ele dizia que um dia a gente iria ver a pessoa falando, então eu dizia, eu ficava
pensando como pode ser uma coisa preta, e a gente vendo uma pessoa falando,
justamente era a televisão, ele morreu e não conheceu.
E: E ele era alfabetizado?
S-5: Ele era.
E: E sua mãe também?
S-5: Minha mãe não, minha mãe não sabia ler.
E: Qual sua formação escolar?
S-5: Terceiro Grau. Terceiro ano de escolinha de sítio há 70 anos atrás.
E: Terceiro ano de escolinha de sítio hoje corresponde a que, primário?
S-5: Não, não, primeira, segunda e terceira série.
E: Ao primário então?
S-5: Ao primário é, três anos de escolinha, aprendi muito, graças a Deus.
E: Mas me fala um pouquinho mais sobre sua adolescência.
S-5: Eu nunca tive paquera, assim, namoradinho, eu casei com meu primeiro
namorado.
E: Ah, é. o pai era bravo?
S-5: É, é geralmente, porque naquele tempo a moça namorava com um rapaz, e
largava dele e depois de um tempo passava pra outro, ela já ficava totalmente
falada. Então, nesse ponto os pais eram muito rígidos. Quase todas as minha irmãs
casou com o primeiro namorado, só as mais novas, que depois namoraram mais.
E: Não teve nenhum casamento arranjado não?
S-5: Não, não, nem meu casamento nem das minhas irmãs foi arranjado, meu pai
não era daquele tempo.
E: E sobre a questão da sexualidade, sua mãe conversa com você?
S-5: Não, não. De maneira nenhuma, minha mãe ainda era assim, hoje não todo
mundo é muito aberto, mas a minha mãe ainda era assim, ia conversar com a
Comadre e a gente tinha que sair de perto, naquele tempo, quando eu falo que era
muito rígido era nessas coisas assim, pra conversar com minha avó, elas
conversavam em italiano pra gente não entender.
E: Quer dizer que vocês foram descobrindo as coisas...
S-5: Por si mesma,
E: No casamento...
197
S-5: No casamento, casei tontinha, quando casei, eu sabia muito bem duas coisas,
trabalhar e obedecer.
E: E como que era trabalhar e obedecer?
S-5: A criação da gente foi assim, eu trabalhei muito, trabalhei muito na roça, dos 10
anos até casar com 18 anos, trabalhei na roça. Então, a gente sabia trabalhar e
obedecer.
E: Não havia lazer, passeios?
S-5: Não, não. Meu pai levava a gente no baile, mas precisava saber também, onde
era o baile, se ele podia levar, e a gente podia ir, então era muito, não era toda casa,
todo lugar que ele levava, ele sempre que levou, nunca a gente foi com amigas
nada, com ninguém.
E: A senhora falou do rádio, que tipo de música vocês ouviam na época?
S-5: Ah, eu não lembro, eu ouvia assim notícias, meu pai, mas era pra ouvir notícias,
porque ele gostava muito, porque ele assinava oh... naquela época era o diário de
são Paulo e o Comarca da cidade, ele juntava a semana inteira, e no final da
semana ele lia e fazia a gente ler algumas coisas.
E: Ah, que legal. E como foi, com quantos anos a senhora se casou?
S-5: 18 anos.
E: Como a senhora conheceu o seu marido?
S-5: Minha irmã mais velha era casada com o irmão dele. Ele veio da Bahia,
primeiro veio os dois irmãos dele, os mais velhos, depois quando ele veio foi que eu
conheci, a minha irmã já era casada.
E: Ah, já era da família.
S-5: Já era da família, ele era o irmão mais novo.
E: Quanto tempo vocês ficaram juntos, casados?
S-5: Quase 34 anos. Não chegou a 34 anos.
E: Me fala um pouquinho dessa relação, como era? Era uma relação aberta,
haviam conversas?
S-5: Ah, sim, eu sempre falo, eu fui muito feliz no casamento, ele era uma pessoa
muito educada, tinha uma paciência que só, me irritava a paciência dele, eu falava
pra ele, a sua paciência me irrita eu não agüento. O não para os filhos sempre foi
meu, pois ele nunca dizia não para os filhos. Sabe ele sempre fez todas as minhas
vontades e as dos filhos também. Mas também quando eu falava não para os filhos,
198
era o meu não que ficava valendo. A gente viveu muito bem, foi uma vida
maravilhosa, que eu tive.
E: E a senhora considera que ele foi um bom pai?
S-5: Ah, foi. Ele foi um ótimo pai.
E: E a maternidade? Como foi exercer o papel materno?
S-5: Eu sempre fui muito brava, eu fui criada com exigência, e eu também exigi
muito deles, tanto que era assim, o pai era pai, e eu era madrasta.
E: Então era senhora que dizia o não?
S-5: É era eu que dizia o não, tanto que eles tem uma adoração pela memória do
pai.
E: O pai era o bonzinho e a mãe era a...
S-5: É a mãe era a, não mais não, comigo também eles são assim carinhoso,
qualquer coisa comigo, nossa senhora, eles ficam preocupados, eles cuidam muito
de mim. Mas sempre o não foi meu.
E: Foi mais firme.
S-5: É fui mais firme.
E: A senhora falou que está viúva há 31 anos.
S-5: 31 anos.
E: Com quantos anos a senhora estava nessa época?
S-5: Eu tava com 51.
E: estava próxima da terceira idade. Como a senhora se percebeu na
terceira idade?
S-5: Eu sempre fui uma pessoa assim, como é que vou te dizer, que não preocupei
muito assim em envelhecer ou deixar de envelhecer, não sei, acho que nunca liguei
para isso. Para mim é tudo normal, é a lei da vida, então acho que não tive assim,
como tem gente que ah, porque to ficando velha, eu não, eu fui envelhecendo
praticamente sem perceber.
E: Ah, é. Mais ou menos em que momento a senhora se percebeu
envelhecendo?
S-5: Ah, acho que nunca pensei isso, nunca. Eu sempre fui, eu sempre achei que
era tudo normal, pra mim é normal. Pra mim tudo é normal, com 82 anos o que eu
quero mais (rs).
E: O que mudou com a chegada na terceira idade?
199
S-5: Continuou tudo do mesmo jeito, foi caminhando tudo no dia-a-dia, eu não vejo
diferença.
E: Havia alguma coisa ou algum sonho que a senhora tinha e que não realizou
na época de juventude ou mesmo após o casamento que veio realizar hoje na
terceira idade?
S-5: Não recordo de nada agora.
E: A senhora sempre fez tudo o que desejou?
S-5: ah, eu sempre fiz. Eu sempre fui...
E: Nem ao menos o marido, nunca a cerceou?
S-5: Eu não dava confiança.
E: Mas não havia cerceamentos?
S-5: Ah, eu não. A gente no casamento, por melhor que seja o marido, ele poda a
gente, então a gente deixa de fazer pra não prejudicar, isso acontece.
E: Hum, hum.
S-5: Não é mesmo. Agora com o meu pai e minha mãe não. Porque, uma que a
gente não saia sozinho. Não saia. A gente não tinha, a única diversão que tinha era
um bailinho de vez em quando, né, que o pai levava. Fora disso não tinha mais
nada. Você sabia bordar, lavar passar cozinhar, aprendia a fazer as coisas de
casa pra aprender a ser uma boa dona de casa quando casasse.
E: Não haviam sonhos?
S-5: Não, porque a gente não tinha instrução, a gente não era uma pessoa instruída
naquela época, não é mesmo? Você não lia um romance, você não lia uma revista,
não é mesmo?
E: Não havia acesso à informação.
S-5: É, não tinha acesso as informações, eu fui ter isso depois de casada. Aí que eu
comecei quando vieram os filhos, eu vim para a cidade, aí ia atrás de médico, então
foi aí que eu comecei.
E: À conhecer?
S-5: A conhecer as coisas, porque antes não.
E: A senhora morou na cidade?
S-5:
Depois de casada, quando já tinha os 4 filhos, quando eles começaram a
estudar, porque o mais velho acostumou no colégio interno, mas o segundo não, ele
ficou um ano, ou a gente mudava pra cidade, ou ele largava a escola.
E: Seu marido trabalhava também na fazenda?
200
S-5: É a gente tinha uma propriedadizinha lá, então ele tomava conta. a gente
mudou pra cidade.
E: A senhora sempre trabalhou dentro de casa?
S-5: Sempre dentro de casa.
E: Mesmo quando a senhora veio pra cidade, nunca trabalhou fora?
S-5: Não, eu nunca trabalhei fora.
E: E o seu marido, o que ele fazia?
S-5: Ele sempre trabalhava na fazenda, só depois que eu vendi, quando eu fiquei
viúva. Ele também nunca trabalhou aqui na cidade.
E: Mas quando a senhora veio pra cá com os filhos, ele já havia falecido?
S-5: Não, não, bem depois. Eu vim pra cá em 60 e ele morreu em 76.
E: E quando ele estava aqui na cidade ele não trabalhava?
S-5: Não, não. Ele ia sempre pro sítio tomar conta do sítio, porque era sócio com o
irmão dele, depois desapartou a sociedade, depois só nós ficamos com o sítio.
E: Ah, então ele ia para o sítio e a senhora ficava na cidade?
S-5: Ficava na cidade com as crianças, com os meninos que já estavam grandinhos.
Quando eu mudei o mais velho estava com, ele é de 44 e eu mudei em 60.
E: E aí a sua vida foi dedicada à família?
S-5: À família, aos filhos casa, nunca trabalhei fora.
E: A senhora falou que não mudou nada na sua vida com a chegada da terceira
idade.
S-5: Eu acho que não, porque eu fiquei muito tempo logo que eu fiquei viúva eu
fiquei uns cinco anos perdida, eu não conseguia fazer as coisas. Eu fazia o que os
filhos falava. Mãe ta certo faz assim, porque eu sempre tive tudo na mão. Eu não
saia pra fazer uma compra, difícil, fazer mercado assim, eu nem ia, tudo foi ele que
fez, o marido. E depois disso eu fiquei perdida mesmo, uns cinco anos, aí foi quando
a Ana Maria mudou...
E: E nesses cinco anos quem fazia o papel do marido eram os filhos?
S-5: Também não. Porque eles trabalham um era policia rodoviário, o outro
tava lecionando, a menina também era casada, tinha um solteiro , quando ele
faleceu, era o que lecionava o caçula já era casado, a menina e o mais velho
também. Não é que eles falavam faz assim, é que eu ia pro tio e as mulheres
ninguém obedece, hoje não, hoje ta diferente, mas naquela época, não era assim,
então começou a dar prejuízo, então eu falei assim, eu vou vender o sítio.
201
E: Então a senhora tocou por um tempo o sitio?
S-5: Toquei, toquei por uns três anos ainda, ou mais. eu falei assim, não. E eu
vendi, era tudo meu porque no inventário, eles doaram uma parte pra mim, eles
falaram, não e a gente doa tudo pra senhora. Então era meu, eu pude
vender , vendi, dei a parte deles tudo certinho.
E: E hoje a senhora vive do que, de pensão?
S-5: É eu tenho uma renda assim, é sou pensionista, né.
E: E a senhora falou que ficou cinco anos perdida, e depois como é que foi,
então mudou um pouco?
S-5: Nesse ponto mudou, depois da minha viuvez, porque, eu não sabia me virar
sozinha, aí um dia eu resolvi, eu falei, não, foi quando a Ana Maria tava em Campo
grande , quando ela mudou-se para cá, eu fui pra e fiquei três meses com ela lá,
aí tomei uma decisão na minha vida, eu cheguei e falei de hoje em diante eu vou me
virar. Foi aí que eu comecei a freqüentar o Corinthians, comecei a ir a bailes essas
coisas toda, foi aí que eu comecei, mas fazia uns cinco anos mais que eu era
viúva.
E: E nesse momento, porque que a senhora acha que tomou essa decisão?
S-5: Porque, eu achei assim, poxa vida, eu to viva ainda depois você acaba por
dentro ficando neurótica, não é mesmo, eu comecei a participar, ainda não tinha
essas terceira idade na época, porque a terceira idade mesmo, quando é que foi,
nem lembro, faz um quinze anos. Eu ia muito no Corinthians.
E: Continua.
S-5: Eu achei que eu tinha que fazer e comecei a fazer, assim nunca me preocupei
com o disse me disse, eu nunca fui de tomar conhecimento, mesmo que uma
pessoa me disse que eu não podia usar roupa daquela idade.
E: Quantos anos a senhora tinha mais ou menos nessa época, quando decidiu
cuidar da sua vida?
S-5: Péra aí, foi na época que eu comprei a minha casa, faz uns 25 anos, mais ou
menos, eu comprei essa casa em 1980, pra oitenta tem quanto hoje.
E: É isso mesmo.
S-5:
Eu mudei aqui, eu comprei a casa. Se eu comprei em 80 pra 2007, dá vinte
sete anos, é o tempo que comprei essa casa, briguei com o inquilino quase três
anos, pra poder tirar pra depois mudar, faz 24 anos que moro aqui.
E: A senhora devia ter uns 57 anos.
202
S-5: Que eu tinha?
E: É mais ou menos nessa faixa etária.
S-5: É então, foi por aí.
E: O que a senhora acha que mais mudou com a terceira idade?
S-5: Aprendi a lidar comigo mesmo e também assim numa aproximação, auxiliar
alguém que ta precisando assim, um deficiente assim, você sabe, que eu aprendi
muito com isso, que as vezes eu tinha cisma de chegar , eu tinha, que as vezes
você não sabe a reação essa coisa todo, hoje é ao contrário.
E: Cisma, porque?
S-5: Porque cisma assim, porque às vezes você acha que vai, que eles não vão
gostar, que eles não vão querer, ou que eles vão te agredir, porque a gente tem
essa cisma.
E: A senhora acha que você passou a ser mais autoconfiante?
S-5: Justamente, justamente.
E: De enfrentar as coisas?
S-5: Justamente, porque antes eu não tinha, essa coragem, eu não fazia, e hoje eu
faço assim naturalmente, uma coisa bem, como é que vou te dizer, sem cisma de
estar agredindo, ou de não estar ajudando, hoje eu faço confiante mesmo, com
certeza que eu estou fazendo a coisa certa.
E: A senhora falou que antes de ser casada era muito dependente do seu
marido.
S-5: Justamente.
E: Não fazia as coisas sozinha e depois da viuvez acabou tendo que entrar em
contato com isso.
S-5: Tive que aprender a me virar sozinha.
E: A senhora acha que hoje aproveita mais a vida, do que quando você era
casada, ou de quando era mais jovem?
S-5: Sim,
E: A senhora acha que a terceira idade proporciona isso pras pessoas de
alguma maneira?
S-5:
Proporciona, eu acho que melhorou bem agora, depois que surgiu a terceira
idade melhorou muito em si o idoso, eu acho que melhorou muito mesmo, porque,
bom a maioria do idoso é aquela pessoa, triste amarga, que só sabe reclamar, eu
graças a Deus, não cheguei nessa idade. Nesse estágio eu não cheguei e acho que
203
não vou chegar, porque acho que eu não vou reclamar essas coisas, acho que foi
muito bom mesmo, a terceira idade é ótima pro idoso.
E: Quando a senhora fala terceira idade está se referindo à esse movimento
aos encontros da terceira idade?
S-5: É esses encontros, nem toda a terceira idade, mas as coisas que eles ensinam,
eu acho que melhorou muito, não pra mim, por que eu sempre fui mais assim
atirada, nunca dei muita confiança pro que outros falam ou deixam de falar, ninguém
paga as minhas contas, não é, mas em si pro idoso é bem melhor.
E: Um marco, na vida do idoso?
S-5: Foi, foi um marco, eu acho.
E: Eu estou me referindo à terceira idade como a fase da vida.
S-5: Pra mim eu não sei, eu to envelhecendo, mas pra mim é tão normal que eu não
vejo diferença, ou qualquer coisa assim.
E: Mesmo assim, de aproveitar mais?
S-5: Não, eu acho que não, porque sempre tenho feito assim, quero fazer alguma
coisa eu faço hoje em dia.
E: A senhora acha que tem mais liberdade pra aproveitar pra sair, então essa
fase da terceira idade te proporciona isso, cuidar mais de você? É isso?
S-5: Justamente, ter tempo pra mim, agora eu tenho tempo pra mim.
E: Não tem mais filho pra cuidar.
S-5: Não tem mais filho, eu sou sozinha, porque às vezes o marido, às vezes
também não deixa, as vezes goste de uma coisa, e ele não gosta, e a mulher é a
aquela que só sabe renunciar em benefício do marido e dos filhos .
E: Então, quer dizer que a viuvez também trouxe a liberdade?
S-5: Trouxe mais liberdade né. Isso trouxe mesmo, porque com marido é diferente.
E: A senhora acha que as mulheres são mais submissas, não tem jeito?
S-5: Eu acho que por mais que elas conquistaram o espaço delas, ainda são.
E: Apesar da senhora sempre ter feito o que queria, precisou renunciar muito?
S-5: Muita coisa, muita coisa, a gente renuncia muita coisa, principalmente em
relação aos filhos e ao marido também, a família às vezes também, muita coisa, que
às vezes você ta assim pronta pra fazer, mas na hora H, surge um problema e você
deixa aquilo.
E: A senhora se casaria novamente hoje?
S-5: Não.
204
E: Por causa dessa liberdade, ou por quê?
S-5: Não, não. Talvez por medo, porque fui feliz no casamento, como te disse, ele
sempre fez todas as minhas vontades. E eu encontro isso hoje em dia?
E: Hum, hum.
S-5: Não encontro né, ele foi uma pessoa que nunca gritou comigo, eu sempre digo,
tanto que morreu virou santo não, porque ele sabia ser safado, do portão pra lá, ele
sabia ser safado, porque eu tenho certeza disso, mas o que interessava era do
portão pra dentro. E hoje em dia, o que eu vejo aí fora, os homens hoje em dia, pelo
amor de Deus.
E: A senhora acha que ele não ter sido muito correto fora de casa, não
interferia no casamento?
S-5: Não, não é assim que não interferia, porque, eu digo assim, não era que ele era
safado sem vergonha, bebia , tinha amante, essas coisas não, mas ele andou
cantando algumas (rs).
E: A senhora acha que isso é normal do homem?
S-5: Não, eu não acho que é bem normal, mas às vezes certos acontecimentos na
vida do homem, a única responsável às vezes, a mulher também é culpada às
vezes, involuntariamente, mas ela é culpada. E muita coisa principalmente, você
sabe como o mundo ta lá fora, a mulherada como é que anda às vezes o homem cai
em uma cilada pra provar que ele é homem.
E: Mostrar pra sociedade que ele é viril que ele é machão.
S-5: Que ele é machão, que ele é homem, porque o homem não admite ser
chamado de certos nomes, é onde cai, é onde eu digo que é safado.
E: pra encerrar, como é que você define a G. de hoje, nessa fase da
terceira idade, com essas mudanças todas?
S-5: Bem melhor que a de antigamente.
E: Como é que a senhora me apresentaria a G., suas características?
S-5: Sou uma pessoa alegre, pra mim tudo ta certo, tudo ta bom, hoje eu sou outra
pessoa daquela que eu fui bem melhor do que aquela, porque hoje eu sou tranqüila,
tenho paz, né, sempre faço o que eu quero, continuo fazendo, então sou uma
pessoa feliz. Feliz mesmo.
E: A senhora acredita que essas mudanças surgiram com a maturidade?
S-5: Vem com a maturidade, eu acredito que vem com a maturidade, eu acho que
vem, não devo mais nada pra ninguém, meus filhos, estão criados casados, o
205
problema é deles. Ninguém paga as minhas contas, por exemplo, não me envolvo,
na vida dos meus filhos casados, o problema é de vocês, sempre digo, quanto
menos eu souber, melhor pra mim.
E: A senhora acha que quando era casada alguns anos atrás, tinha outro
pensamento?
S-5: Já tinha outro pensamento.
E: Como era?
S-5: Pra tomar uma decisão antes tinha que ir conversar com o marido, você não
podia fazer sozinha, e hoje eu sozinha, eu que tenho que me resolver. Por exemplo,
eu também não admito que os filhos mandem na minha vida. Entendeu?
E: Ninguém interfere na sua vida?
S-5: Não, não, sem palpite. Eu não admito que os filhos mandem na minha vida,
talvez que quando eu tiver com mais idade, vou ter que obedecer um pouco, mas
por enquanto não. Sábado eu fui pra Lins, e uma moça perguntou, a senhora com
82 anos ainda viaja sozinha?
E: A senhora acha que as pessoas ainda associam a terceira idade à
dependência?
S-5: Sim, tem pessoas que sim, eu não. Eu to lúcida, o é mesmo. Acho que o
tem nada haver. Pode ser que com o tempo, a gente não sabe o amanhã, mas por
enquanto não.
E: Quem a senhora acha que tem mais esses pensamentos, o jovem ou o
adulto?
S-5: Eu acho que os jovens pensam mais, eles acham que, por que esses dias
mesmo eu ouvi uma conversa no coletivo que eu fiquei até abismada, fui lá e falei
com o fiscal, porque eu acho um absurdo uma coisa dessas. Só porque uma mulher,
uma senhora perguntou, pro motorista, que ela queria descer no ponto mais próximo
da coopbanc e o motorista foi muito grosseiro com ela, o motorista falou que não
sabia, é bem pra baixo. Depois que passou eu falei pra ela, na hora que ele virar
aqui, no primeiro ponto a senhora desce. Quando ela desceu do coletivo, eu não fui
falar com o fiscal por causa do motorista, um, não sei se é cobrador, ou era
motorista também, o rapaz que tava andando no coletivo, ele falou, onde se viu
esses velhos, idosos tem que andar com acompanhante. Eu fiquei olhando pra cara
dele e ele continuou falando, ele ficou enchendo as paciências e eu não agüentei ,
eu fui lá no terminal e falei com o fiscal. Eu falei, olha aqui, vocês tem que fazer uma
206
reunião, pra ensinar os motoristas, fazer terapia em grupo, nos motoristas e nos
cobradores, pra eles aprenderem a lidar com o idoso, porque isso aí não está certo.
E: Que legal, a senhora foi lá e deu seu recado.
S-5: Fui e falei, ele perguntou quem foi, e eu falei que não interessava, porque se eu
falar se foi fulano ou foi sicrano, é mais um desempregado na rua, a empresa é
responsável por isso.
E: Que legal, se todas as pessoas que fossem insultadas fizessem isso que a
senhora fez, eles aprenderiam à respeitar.
S-5: Aprender a respeitar, porque, isso aí é tudo problema que eles tem.
E: Claro.
E: Coragem de assumir, que a terceira idade tem valor.
S-5: Antes eu não teria essa coragem.
E: Porque a senhora acha que não teria?
S-5: Eu acho que sei lá, como aquele falou pra mulher, depois que ela desceu, o
outro poderia falar pra mim.
E: Medo de ser insultada?
S-5: É disso, porque se ele antes falasse isso pra mim, eu ia responder de outras
maneiras, e, entendeu, eu seria grossa, sem educação, e hoje não, eu converso
com classe.
E: A senhora se sente menorizada?
S-5: Eu não, porque eu sempre me impus, nesse ponto eu sempre fui assim, eu
acho que não é por aí.
E: A senhora nunca ficou em conflito com isso ou não tomava essa postura
de falar?
S-5: Não, não. Por isso que eu digo, quando eu faço alguma coisa, como essa daí
mesma que eu fiz, eu acho que é por aí, que é certo.
E: Lutar pelos direitos.
S-5: Lutar pelos direitos, mas, antes eu não faria isso.
E: Qual o segredo para estar bem consigo-mesma?
S-5: Não ter mágoa, não ter ódio, não ter extinto de vingança, nada, nada disso e de
estar bem a gente mesma, libertar, porque quem não teve uma mágoa na vida, um
desgosto qualquer.
E: Adquirindo autoconfiança?
207
S-5: Adquirindo essa autoconfiança e ter hoje em dia, eu te falo francamente, pois
tem muita gente que acha impossível, mas não é impossível não, eu não tenho um
pingo de mágoa de ninguém, tive ódio de morte, e hoje graças a Deus, eu não tenho
nada disso em mim. Nada assim me trás raiva, hoje em dia. Como esses dias
mesmo, eu atravessando a rua, e o motorista não parou pra mim, ali no ponto do
Passareli. Aí eu falei, Deus te abençoe que você tenha um ótimo dia, um bom
trabalho e subi as escadas ali rindo ainda brinquei com o menino que tava lá na
frente, falei pois é, se eu fosse uma idosa ele teria parado, mas como sou uma
moça bonita, ele não parou (rs), mas sem mágoa, sem raiva.
E: A senhora acha que com a maturidade a pessoa se torna mais paciente e
compreesível?
S-5: Nem todo idoso tem.
E: Não, você?
S-5: Eu tenho, eu consegui isso, aprender a ter um pouco mais de tolerância com o
próximo, porque às vezes você o tem, eu sempre digo assim, conviver com as
qualidades é fácil, mas tem que aprender a entender e tolerar um pouco os defeitos
dos outros.
A participante já fez: vôlei, natação, dança, coral e os Encontros para o Bem Viver.
No vôlei, ganhou uma medalha de terceiro lugar devido sua participação em um
campeonato para a terceira idade.
208
ANEXO G - Entrevista semi-dirigida sujeito 6
Cadastro
Nome: Sujeito 6
Idade: 60 anos
Profissão: Trabalhou como auxiliar de Enfermagem por 10 anos na cidade de São
Paulo, mas parou de exercer a profissão devido à mudança de cidade.
Estado Civil: Casada (X) solteira ( ) viúva ( ) desquitada ( ) outros ( )
Tem filhos? Quantos?
3 meninas
Mora com quem?
Uma mora comigo e as outras são casadas, uma mora fora do Brasil.
E: Qual a memória que a senhora tem da adolescência, fala um pouquinho
sobre essa fase.
S-6: A minha fase de adolescência foi melhor do que criança, porque criança tem
aquele negócio, o pai prende, segura, eles não eram assim muito, tinha muita
confiança, e a minha adolescência assim eu fiz até o ginásio, depois não estudei
mais e parei ali, porque eu não tive assim muita adolescência, eu fui presa,
porque eu comecei a namorar cedo.
E: Mas os pais permitiram?
S-6: Permitiram, principalmente esse primeiro namorado, deram totalmente apoio, e
eu pra quinze anos já casei. Não tive uma adolescência assim.
E: Como o conheceu?
S-6: Esse namorado, eu já conhecia ele da escola, aí ele sumiu, aí depois ele voltou,
aí nós nos reencontramos no baile, aí nós começamos a namorar.
E: Esse foi o primeiro?
S-6
: Não, que eu casei?
E: É.
S-6
: Não teve o primeiro, depois o segundo, o homem que eu gostei foi esse o que
morou nos fundos da casa da minha avó.
209
E: Mas você casou com o terceiro namorado. Como seu pai e sua mãe reagiam
quando a senhora chegava com um namorado, eles conversavam sobre a
questão da sexualidade, sobre relacionamento, como era?
S-6: Não, o primeiro eles adoravam, o segundo, que esse eu gostei, mas eu não
namorei assim com ele, mas o segundo mesmo que eu namorei, já era bem mais
velho, queria casar comigo, comprou até fogão, e eu não quis nem saber, o terceiro,
que eu casei, ele que quis casar mesmo, depois de um ano e pouco.
E: A senhora tinha quantos anos?
S-6: Eu tinha 14 anos, já tinha 15 anos. E logo tive a C., faltava uma semana pro
meus 16 anos.
E: Mais vamos voltar um pouquinho na adolescência, a senhora falou que seus
pais acabavam podando a senhora um pouco, parece que foi diferente da
infância que a senhora teve bastante liberdade. Então na adolescência isso
mudou?
S-6: Já prendeu mais, porque eu fiquei mocinha, a família fica, por prova quando
eu fiquei mocinha, eu tinha 14 anos, eu tava dentro do cinema, aí a família se
preocupa mais.
E: Mas havia liberdade?
S-6: Ah, tinha.
E: A senhora sentiu diferença em relação ao tratamento que lhe era destinado
e ao seu irmão, por seus pais?
S-6: Com meu irmão, natal tinha que passar com a família, podia ser noiva, tinha
que ser com a família.
E: Mas e com o irmão?
S-6: Com o irmão também, natal tinha que ser respeitoso.
E: Mas na hora de sair, havia diferença por ele ser homem, havia mais
liberdade?
S-6: Sim, se a gente quisesse ir em tal lugar, tinha que levar o irmão, o irmão tinha
que olhar.
E: E em relação à informação, a senhora falou que seus pais não foram
presentes, mas quando a senhora ficou mocinha e começou a namorar,
alguém a orientou?
S-6: Nada, nada, nem modes nada. Eu fui descobrindo na rua mesmo, com as
meninas, uma me explicou que eu ia usar modes, na rua, por prova eu fiquei
210
mocinha e não contei pra ninguém, a minha irmã, eu fiquei um mês antes da
minha irmã, quando ela ficou mocinha ela contou pra minha mãe, minha mãe
perguntou e você? aí eu falei o meu veio e já foi embora, não falei pra
ninguém.
E: Não havia interesse por parte da sua mãe, ou a senhora que também não
gostava de falar?
S-6: Não, ela nunca perguntou nada.
E: E quando a senhora começou a namorar? Em relação à sexualidade, havia
diálogo?
S-6: Não, não tinha esses assuntos, você aprendia sozinha.
E: Mas naquela época as moças ainda tinham que casar virgens ou não?
S-6: Tinha, tinha.
E: E em relação à educação. A senhora acha que foi educada pra quê? Pra
trabalhar fora e ser independente ou pra ser dona de casa?
S-6: Sabe que a gente nunca teve esse diálogo assim, criação assim, criou, ou você
vai, trabalhar, eu fiquei sete anos casada, mais nunca falou pra eu ir trabalhar, ah
fica aí tem as crianças, agora meu irmão não, ele falava pra mim, você tem que
trabalhara, acordar pra vida, se dar mais valor, ficar aí mendigando dinheiro pra ir no
cinema, pois meu pai dava tudo mais não assim roupa cinema, dava mais na parte
de abrigo, aí meu irmão pegou no meu pé, que eu fui pegando o jeitinho, comecei
no primeiro hospital.
E: Quantos anos a senhora tinha quando começou a trabalhar?
S-6: 23 anos.
E: Aí a senhora já estava casada?
S-6: Não aí eu já tava separada.
E: A senhora casou com quinze anos e ficou casada por quanto tempo?
S-6: 7 anos, me separei com 22 anos.
E: E no período que a senhora estava casada com esse primeiro marido, como
é que era, sua relação com ele?
S-6: Ah, minha relação com ele era... ele era romântico, romântico demais, mas ele
tinha um negócio, uma fera dentro dele, porque ele casou com 17 anos e ele
detestava ser preso, logo já fez 18 anos, ele gostava de ficar soltando bombinha na
rua com os moleques, ele era também criança, trabalhador, arrumou um emprego no
211
Butantã, tudo, ele fazia a parte dele, mas era assim mulherengo, gostava de tocar,
tinha banda, essas coisas, não ia dar certo.
E: Como era a sua relação com ele?
S-6: Tinha briga, ele desconfiava muito, eu não sei, muita briga tinha, não podia falar
nada, ele era autoridade, não podia conversar com ninguém, se ele via eu
conversando com um rapaz no portão ele chegava, me batia, batia no moço,
assim estúpido, muito horrível.
E: A senhora percebeu alguma mudança na sua vida após do casamento?
S-6: Mudou muito, eu saia, eu trabalhava, e eu já tinha o meu dinheiro, pegava as
crianças saia.
E: Depois do casamento ou da separação?
S-6: Da separação, nossa, foi um carma, e depois que eu entrei com o divórcio,
parece que eu lavei a roupa suja todinha.
E: O que a senhora acha que mudou mais, do tempo que a senhora estava
casada e depois que se separou?
S-6: A liberdade levantava cedo, morava com meus pais, a liberdade, nem compare
minha chefe sempre falava.
E: A senhora sentia mais autonomia, mais independência?
S-6: Tudo, tudo, eu comprava as coisas pra dentro de casa, principalmente quando
discutia com minha mãe, eu sentia um vazio, eu comprava um vaso de flor, eu
sempre pensava, o que ela fez por mim, ninguém vai fazer, então por isso que eu
tenho essa obrigação com minha mãe sabe, mesmo que a gente não se dá, porque
ela tem um gênio horrível, porque a gente não se entende, até hoje, mas eu sinto
que eu tenho, é um apoio, tudo ela me apóia, é uma pessoa assim, ela ta com 83
anos, mas pra morar junto já não mais, mais pra começar ela ta surda, então eu
faço a minha parte, levo pra supermercado, pra receber, mas ela é uma pessoa
assim que me ajudou muito, mas sempre controladora viu. Fiquei separada tinha
liberdade, mas no fundo não tinha não, porque ela esperava atrás da porta.
E: Ela era mais controladora que seu pai?
S-6: Nossa, meu pai ficava no quarto, ele não era de falar, ele falava pra ela, porque
sabia que ela agia. Chegava a hora que eu quisesse em casa. Pegava as meninas
pra passear, eu era praticamente livre, mas não era livre, porque quando você mora
com pai e mãe, não adianta muito você querer ter liberdade.
212
E: Parece que a relação com seu primeiro marido foi bastante conturbada, ele
era muito autoritário, limitava a senhora fazer as coisas, como era?
S-6: Até na cama, se eu falasse do bigode dele, ele falava ah, mas você sabe que
eu tenho bigode, aí ta machucando, aí sabe ele pronto, sempre tinha que
aceitar as coisas dele, muito estúpido. Ele era imaturo.
E: Em relação ao trabalho, como era?
S-6: Não, ele não mandava eu trabalhar.
E: Ele não queria?
S-6: Não queria.
E: Ele queria a senhora dentro de casa?
S-6: Dentro de casa, morando nos fundos da casa do meu avô, ele mantendo tudo.
E: Não havia diálogo?
S-6: Ah, não tinha porque ele era muito imaturo, mas no fundo romântico, porque se
ele pudesse ir lá naquele jardim roubar uma rosa, ele ia roubava e trazia pra mim,
você vê da pra entender.
E: Havia alguma coisa naquela época que a senhora queria ter feito e o fez
por causa dele?
S-6: Ah, eu queria voltar a estudar, mas não podia. Ele voltou a estudar, ele era
novo.
E: A senhora também, não é?
S-6: Mas ele era o mandão.
E: A senhora tinha que ficar dentro de casa cuidando dos filhos?
S-6: Ah, então, nós tivemos uma separação, assim que a A. P. nasceu, a gente se
separou, aí o que eu fiz arrumei serviço lá no Monte Sinai, trabalhava no berçário,
hospital que tava começando, eu fui trabalhar e ele começou a me cercar, vamos
voltar.
E: Quantos meses vocês ficaram separados?
S-6: Ah, dois meses. Aí ele começou Vamos voltar porque a neprecisa de você,
eu to trabalhando tudo. Sabe dois garotos, mas ele não deixou eu voltar trabalhar.
Aí eu levantei cedo pra trabalhar e ele falou você não vai eu queria até pular a
janela. Eu sei que até hoje eu não fui lá receber os meus cinco dias trabalhados. Eu
não fui nem pra receber, e a chefe mandando recado pra eu ir lá receber, porque
eu trabalhei né.
E: A senhora ficou mais quantos anos com ele?
213
S-6: Ah, ficamos o que, a A. P. tinha quase 3 anos, porque quando ele foi embora
mesmo, a A. P. tinha 3 anos, mas ele já tinha aprontado com uma moça, que era
noiva.
E: Ele quem saiu de casa?
S-6: Ele é, porque eu sempre morei com meus pais, aí ele pegou e foi embora, ele
engravidou uma menina, agora não dava mais.
E: Mas a senhora que pediu pra ele sair?
S-6: Foi, porque ele bateu na minha mãe, minha mãe tava tomando café na
cozinha, apartamento escuta tudo, ela tava tomando café, ele pegou uma calça e
falou pra mim toma lava essa calça aí minha mãe falou lá da cozinha, porque ele já
não estava mais comprando as coisas, ele tomou a calça da minha mão, foi na
cozinha e bateu na minha mãe, mas na hora ele se arrependeu, sabe quando você
dá o tiro e fala o porqque fez isso? Aí eu falei pra ele que eu não queria mais ele
aqui, e que não tinha mais o que conversar. Ele falou É que eu to com a cabeça
cheia, eu falei eu sei que você tem outra pessoa, ele sabia que eu sabia que
ele saía com as meninas do bairro, por que ele tocava, mas eu falei pra ele essa
menina que você ta é diferente, ele pegou veio buscar as coisas dele, a menina
estava grávida de 4 meses, e ela era noiva, e ele montou uma agência de carros
usados pra vender e o meu primo que trabalhava com ele, começou a namorar com
uma e ele começou a namorar com outra, que era noiva, ele casou com ela,
casou não porque ele falou que era só comigo, mas ficou junto com ela, teve três
filhos com ela.
E: Me fala da sua vida enquanto mãe, a senhora engravidou cedo, como foi
exercer o papel materno?
S-6: É péssimo engravidar na adolescência, você tem amor demais mais não sabe
cuidar. Você cuida, eu colocava elas na calçada pra eu ir jogar bola. Minha mãe
falava, puxa vida essas meninas vão ser rueiras. Eu queria sair, eu ia em baile, a
criança quer dormir, ela tem horário, pra dormir, mas eu queria viver.
Nesse ponto não fui boa mãe, eu era péssima.
E: Mas a senhora levava as filhas juntos?
S-6:
Levava junto. A C. tadinha, tinha a garganta toda difícil, eu comecei a
namorar o médico que iria operar ela, eu não tinha cabeça, era muito criança, eu
paquerava o médico dela direto.
214
E: Mas de uma maneira geral como a senhora avalia sua postura enquanto
mãe?
S-6: Isso quem devia responder era elas, porque a L teve mãe 24 horas, elas o,
porque quando ela precisava mais de mim eu não estava lá, pra fazer um lanche
pra levar pra escola, elas sempre se viraram sozinhas, mas quando elas eram assim
pequenas, eu levava pra todo lado, não deixava com ninguém, porque a minha mãe
já não olhava mesmo, ela trabalhava, minha mãe nunca olhou elas.
E: E quando a senhora ia trabalhar como é que a senhora fazia?
S-6: Elas ficavam sozinhas as duas dentro do apartamento.
E: E como a senhora se sentia ao sair e deixar as duas sozinhas?
S-6: Nossa, meu primeiro emprego, fui olhar uma velha, eu deixava elas, mas na
hora do almoço eu ia correndo em casa pra ver como é que estava. Mas é duro hein,
nossa senhora, quando elas iam a pé na escola, as vezes eu levava, mas ela ia
sozinha, a C. sempre foi aquele toquinho, comprei um toca, enfiava na cabeça dela,
aí ela ia, eu via ela em cima, eu falava agora ta chegando, ela descia euo
via, aí quando ela subia, eu via, e ela já tava chegando no colégio.
E: Qual era o sentimento?
S-6: Nossa eu queria morrer. Pra não perder as minhas filhas, com esses direitos aí,
eu nunca pedi pensão. Eu tinha medo de ele falar eu dou mais as crianças fica
comigo, nunca o pai delas deu um lápis pra escrever, porque meu pai dava, depois
eu comecei a trabalhar aí eu dava.
E: Mas sempre, seus pais e avós lhe deram retaguarda?
S-6: Ah, sempre junto, só de dá casa e comida, sem cobrar nada.
E: Continua.
S-6: Aí eu namorei bastante, só com um, eu namorei cinco anos, dentista educado,
era baixinho, charmoso, cavalheiro, aquela gentileza que você o hoje, abre a
porta do carro, aquela coisa que você não hoje. conheci o A, eu vi ele em um
casamento, eu fiquei uns 3 meses pra falar sim pra ele, deixei ele viajar, fazer tudo,
aí a gente marcava encontro e eu não ia, dava cano.
E: Quantos anos a senhora tinha nessa época?
S-6: Eu sou 7 anos mais velha que ele, eu acho que eu tava com 30 anos, eu falei,
ah, não ele é muito novo, e eu sempre gostei de paquerar muito, mas eu tava
namorando esse dentista, eu e ele sempre fomos firme, mas eu tinha meus
215
paquerinhas de final de semana. Aí o A. veio com aquela mequisse, levou três
meses, conheci ele em novembro, e eu falei o sim pra ele em março.
E: Esse sim foi com que finalidade?
S-6: Pra namorar, pra sair com ele, sair de vez, falei pras minhas colegas esse cara
ta me enchendo, vo sair de uma vez com ele, porque aí eu vejo o que quer. eu
liguei pra mãe dele, e ela falou que ele não tava, eu falei pra minha mãe que eu não
queria sair com esse moço, minha falou pra pelo menos eu ligar, a mãe dele falou
que ele estava em Araçatuba, eu cheguei e falei, mãe, onde que é Araçatuba,
porque eu não tinha nem noção, minha falou vixi, é oito horas de viagem, eu
falei, mas como se eu tinha visto o rapaz no outro dia, mas não sai com ele porque
eu tive um casamento pra ir com a minha mãe. eu falei, então ta bom, eu vou
nesse encontro, fui obrigada a ir. É muito cano. Aí eu cheguei lá, e ele perguntou pra
mim onde eu queria ir, eu falei ah, telefonei pra você, e você ta em Araçatuba, o
que você está fazendo aqui em São Paulo então? Ele falou foi você, porque minha
mãe falou que alguém ligou, e disse que era uma colega.
E: Por que a senhora acha que houve essa mentira?
S-6: A mãe dele mentiu porque achou que era a L. uma ex namorada dele, ele não
queria mais ela porque ela mentiu, e aí minha sogra mentiu pra mim. a gente saiu
aquela noite, a aí a gente ficou até 20 e poucos anos.
E: Como suas filhas reagiram? Já eram adolescentes, né?
S-6: Por isso que eu casei.
E: Como é que elas viram esse casamento?
S-6: Ah, elas gostaram porque qual é a filha que não quer segurança pra e, elas
gostaram, e até hoje elas gostam dele, se tiver que arrumar um homem é voltar pro
meu marido elas gostam é dele, porque não tem pário pra outro, todas as duas tem
maior paixão por ele.
E: Me fala um pouquinho desse casamento.
S-6: A diferença é que o segundo, eu não sei, tinha alguma coisa no ar, por que foi
muita briga de ciúmes, insegurança.
E: Por parte de quem?
S-6:
Ah, dos dois principalmente da minha, muito ciúmes, se ele atrasasse cinco
minutos eu já ficava louca.
E: Por quê?
216
S-6: Ele passava isso, porque tudo que você sente, ele que passa pra você, se ele
te passa uma segurança, nossa ele pode falar que vai pra China, mas você se sente
segura. Você sabe que ele está a serviço, mas que vai voltar pra você, igualzinho
como ele foi. Mas quando a pessoa sai com você e não te segurança, você
sente, você fica sempre com atrás, às vezes o coitado nem ta fazendo, mas você
fantasiou, porque ele te passa isso.
E: Por que a senhora acha que era tão insegura?
S-6: Não sei o A passava essa insegurança, porque ele falava eu vou ali ele voava
pra lá, você não tinha controle, o cara vai buscar um litro de leite e demora duas
horas, o cara vai lá na esquina buscar uma cerveja e demora, você fica assim
ah, mas porque demorou porque? Alguma coisa, ele andava inteiro pra depois
buscar a cerveja e vir pra casa. Ah, faça favor, então você tava sempre insegura.
E: E dessa relação nasceu...
S-6: A L., e logo engravidei também, eu casei em dezembro dia 11, casei
menstruada e em janeiro já não veio mais. Eu engravidei logo pela idade, eu
resolvi ficar só nela também.
E: E a senhora sentiu diferença em ser mãe em uma fase mais madura?
S-6: As filhas do primeiro casamento tinha essa dificuldade porque trabalhava fora,
não tinha o marido ali pra dar apoio, não podia acompanhar o desenvolvimento das
meninas de perto, sentia uma certa angústia por conta de deixar elas em casa
sozinha, porque tinha que dar conta do trabalho.
E: E no segundo casamento, como foi a maternidade?
S-6: Foi como tivesse sido a primeira, porque eu fiquei 15 anos sem ter filho, com a
responsabilidade de casa, nunca morei sozinha, sempre com apoio dos meus pais,
depois veio a L., nossa aquilo pra mim dava angustia, porque o A. me cobrava
muito, me cobrava casa, porque eu tinha que trabalhar. Nesses 4 meses que eu
fiquei em casa, o que eu podia fazer eu fazia, porque eu já tinha perdido aquele
costume de ficar em casa, o A. não deixava eu sair com a menina na cidade
sozinha, com medo de roubar a menina, sabe, depois eu voltei a trabalhar, ele é que
levava no médico, a L. ficou em São Paulo até dois anos, né, depois que eu saí
do emprego quando a gente veio pra Araçatuba, então era aquela correria, quebrava
o ônibus eu ficava preocupada. Minha chefe falava que quando eu não tinha
marido, eu entrava no centro cirúrgico e falava Bom dia chefe , e contava as
novidades da noite. Depois que eu casei eu abria a porta do centro cirúrgico e mal
217
falava bom dia, aí ela falava pra mim, oh, que foi fazer, foi casar, então o
casamento é isso. Pode ate ter filho, ele paga a parte dele e você faz a sua, eu
acho. Porque montar uma casa ficar lá sentindo sufocada.
E: A senhora se sentia cerceada por ter que parar de trabalhar?
S-6: Aí eu comecei a cobrar dele, eu queria ir numa loja, ele tinha que ir junto, no
supermercado, ele tinha que ir junto, aí eu mudei, quando a gente tava em São
Paulo, eu ainda saía pra comprar alguma coisinha, mas não podia demorar porque
ele tinha que ir pro banco, porque a L. nasceu, foi uma pressão, porque eu tinha
horário pra cumprir em casa, eu tinha que está em casa. Porque ele tinha
compromisso, uma vez o ônibus quebrou e ele ficou quase louco, porque tinha
horário, bate na vizinha, e ela não atendeu pra ficar com a L. 10 minutos, eu cheguei
e ele tava desesperado, e eu estranhei, nossa senhora.
E: E como foi quando a senhora veio pro interior?
S-6: Eu vim pro interior, aí aqui em Araçatuba, eu não estava fazendo nada, eu
ficava doente, aí a gente brigava também, tudo por ciúmes, porque ele passava essa
insegurança, depois ele falou, vou te arrumar um serviço, me abriu um bazar, lá
em cima, aí eu ficava de tarde, depois do almoço, levava o almoço pra ele, ele
trabalhava no banco a noite, de manhã ia pra lojinha, a tarde ele descia pra
dormir pra trabalhar a noite, foi indo, e ele sempre me dando essa insegurança,
porque ele ia buscar alguma coisa ali no aliança demora mais de 45 minutos ficava
lá papeando com as mulheres, ele sumia, sabe a gente não tinha paz com ele, ele
fala que muita coisa ele não fazia, mas ele deixou essa coisa dentro de mim, sabe
essa insegurança.
E: Então, nesse segundo casamento, a senhora perdeu a liberdade, tinha a
insegurança presente na relação, uma outra filha depois de 15 anos como se
fosse o primeiro, como a senhora se sentia?
S-6: Ah, essa daí foi outro nível, tinha mais condições, bota nisso, bota aquilo,
logo eu tirei carta de motorista, pra ajudar o pai porque já tava pesando, mas foi
muito boa a criação, fui pra Magda, morei no interior e ela participou de todas as
festas que tinha, sabe ia a família pra casa, foi ficando gostoso, não estava
mais aquele recém casado e recém nascido, porque ela tava maiorzinha, sabe,
então foi uma fase boa, por mais que a gente tinha alguma coisinha, mas Magda
foi um período gostoso, em tudo, financeiramente, em tudo, o A. mais tranqüilo.
E: E em relação à sexualidade?
218
S-6: Não era prazeroso, porque se deixasse era o dia inteiro, isso não faz parte, isso
no primeiro casamento. Nossa ele tinha assim, se cismasse em uma festa ele
queria, e uma relação não é assim, e eu achava isso demais, eu pensava que
alguma coisa tava errada, mas ele era garoto, então ele tava se descobrindo. Acho
que era bom, então queria fazer toda hora.
E: A senhora não sentia prazer.
S-6: Ele falava ah, você vai sentir isso, sentir aquilo, mas eu ficava procurando,
porque eu não sentia. Pra engravidar, era só passar debaixo da cueca dele, eu não
tive só três eu tive um punhado, tive aborto espontâneo, então era uma coisa
gozada.
E: Era por obrigação?
S-6: É, eu achava que homem não traia mulher.
E: A senhora achava que tinha que ficar ali disponível, por quê?
S-6: Porque eu casei com ele, é assim depois que eu casei, eu achava que o marido
não traia a mulher.
E: Continua.
S-6: Que o homem não trai, pra mim não tinha esse negócio de traição, sabe eu era
obrigada a lavar, passar, não tinha, porque eu era mulher dele.
E: O segundo casamento foi assim ou foi diferente?
S-6: Não, o segundo casamento foi diferente, tinha consciência e tudo. Porque a
gente teve um namoro direitinho, eu já tinha descoberto o sexo, eu sabia que o
sexo era necessário, mas não 90% 100% como no outro. O outro era uma criança, o
primeiro, era tudo mais normal.
E: Hum, hum. Vamos falar um pouquinho da terceira idade, como foi então a
chegada da terceira idade na sua vida, houve mudança, se sim o que mudou
na sua vida?
S-6: Ah, mudou muita coisa, viu, até pra mim pensar sobre as pessoas, aprendi que
você não pode julgar ninguém , você tem que saber o porque daquela pessoa, sabe,
você tem que amadurecer em tudo, sabe, você tem que se dar valor, não se jogar
muito mais pro mundo, ser mais discreta, até naquilo que você vai falar , eu aprendi
muito, conta aqui, aqui fica, tem hora que dá até vontade de falar, olha abre o olho,
mas eu não falo, eu espero a pessoa ver com os próprios olhos, antes não, eu
achava assim que tinha que falar, e outra coisa, você não pode levar tudo a sério
porque se não você vai ficando sem amigas, porque não existe ninguém perfeito,
219
cada um pensa de um jeito. Então se você começar com muita coisa, com o seu
pensamento que não bate com o dela, ou você sai do grupo, ou você continua no
grupo.
E: O grupo pra senhora hoje é importante?
S-6: Tem, porque, é dentro da terceira, o poucas que eu vou na casa delas,
pouquíssimas, tem uma que eu vou mais, sabe, que mora aqui na avenida, as
vezes é que eu vou mais durante a semana, dou uma passadinha lá, as vezes não,
fica só pelo telefone, liga quer saber se eu vou pro baile, se eu não vou, tenho uma
cunhada que vai comigo, mas também é assunto de baile, eu não freqüento a
casa dela, tem alguma coisa lá, ela não faz questão de me chamar, é mais assim
companhia, pra ir no domingo, porque ela não dirige, tem essa dificuldade, é uma
amiga, é uma colega. Tem até duas, mas uma tem marido, a gente se encontra
somos amigas de oito anos, e as minhas amigas são muito sérias, ninguém bebe,
cada um tem seu carro, cada uma tem sua independência, sempre tem aquela que
se importa mais, que liga mais, que chama mais, inclusive hoje eu já vou na casa
dela, já ta marcado, olha M. vem pra cá , vai ter um jantarzinho sábado, a gente vai
ver o que vai fazer , sabe aquelas reuniões assim, sabe, são quatro, é a C., a N., a
R. o Z., o N. e o O., esses são fiéis, esses são assim de se reunir .
E: E essas amizades vieram com o amadurecimento, com esse contato com a
terceira idade e é uma realidade que a senhora tem hoje, que não existia
enquanto a senhora era casada?
S-6: Ah, não existia, mudou, eu não tinha amigas.
E: Liberdade.
S-6: É liberdade, amigos foi mesmo, assim, se eu precisar deles aqui pra
desentupir alguma coisa , eles vem correndo, é que eu não gosto de misturar
amizade de lá de dentro do baile com a minha casa, lá é lá, aqui eu chamo qualquer
um , é muito difícil eu chamar, outro dia eu fui obrigada a chamar um de lá,
porque a piscina tava de um jeito, que se passasse um fiscal ia me multar, aí ele
veio aqui limpou, também paguei, pra não falar, ah não, não quero, ta aqui o
dinheiro, que daqui você vai embora, sabe eu não gosto.
E: Em relação a feminilidade, mudou alguma coisa, até em relação ao seu
próprio corpo, a forma da senhora se vestir, o cuidado consigo mesma?
S-6: A vaidade não é muito não, tomar meu banho eu tomo mesmo, passo uma
base e um batom, essa é minha maquiagem, as roupas são fechadas, não consigo
220
mais usar, sabe, vou comprar uma meio até mais grossinha, quero ver se eu consigo
usar uma saia, não consigo usar saia, porque acho que na hora de cruzar a perna,
pode aparecer alguma coisa, sabe entende, pra ir pra terceira eu sou assim muito
fechada, ninguém vê o colo do busto , não nada, e quando na juventude eu não
era, eu pra tirar uma roupa era fácil, com a turma fala de ir pra piscina, vamos ,
minha irmã sempre foi mais fechada, eu não, eu era assim liberal.
E: Essa mudança de comportamento vieram com as transformações que vão
acontecendo com o passar dos anos ou é uma questão de valor mesmo?
S-6: Olha, eu acho, um pouco do corpo, porque hoje to mais gordinha, né, mas eu
adoro aquela roupa juvenil, mas na hora que eu ponho, eu me sinto assim, pra
minha idade, por mim mesma .Em tudo eu mudei sabe, eu não gosto muito de sair a
noite, eu pago pra ficar em casa, agora seis horas já vou pro quarto, fico assisto a
minha televisão, daqui a pouco eu vou tomo o meu banho, porque eu gosto de tomar
meu banho e ficar bem quentinha , sabe aí eu já vou pra deitar mesmo.
E: A senhora falou que foi muito namoradeira na época da juventude e hoje, na
terceira?
S-6: Ah, como eu queria achar uma pessoa que eu gostasse, até arrisco, olho, a
gente comenta.
E: Então tem paquera, tem o desejo de, de repente encontrar alguém?
S-6: Tem, mais não é muito não, heim, não porque eu não agüento mais ninguém
me pegando, me beijando , até nisso eu peguei implicância do beijo. E as pessoas
que você encontrar vai querer abraçar, vai querer beijar, e eu não to mais aceitando
isso. Que beijar no rosto pode vim, beija, que me abraçar pra ir buscar água, ta
liberado, mas não me fala em outra coisa. Ficar não dar mais. Minha colega falou
que eu estou traumatizada, mas não é, a minha colega que é bem mais velha que
namora com o N., parece uns adolescentes, mas dão beijo na boca , eles esquecem
até da gente que ta em volta, é até gozado, eu acho lindo, de chegar nessa idade, e
estar nessa paixão assim.
E: E porque a senhora não aceita mais um carinho maior?
S-6: Eu não sei, não me vai mais, eu não tenho vontade, mais de nada, eu vejo um
filme, na novela, as pessoas dando aqueles beijos, ah, eu não quero mais, minha
filha fala que eu devo estar com algum problema.
E: Continua.
221
S-6: Eu acho até lindo, não to falando da minha amiga, está assim, naquele auge,
quando ele passa lá na casa dela, até acabou a reunião, começa, a beijar, e eu
acho até bonito, dançam de rosto colado, isso tem oito anos que estão
namorando, que nem eu não sabia, por isso que eu falo, a minha filha fala, nossa
mãe ela tava namorando a sete anos e a senhora não sabia eu falei não, eu só falo
agora aquilo que eu aprendi , só falo aquilo que meus olhos vêem , e nem falo mais,
fico quieta, ela ficou sabendo porque ela contou pra minha filha, porque eu chegar
aqui e falar das minhas amigas, eu não falo mesmo. Porque às vezes eu posso
achar, e às vezes não é, eu não posso falar uma coisa que eu não tenho certeza.
Por que todo mundo lá dentro já acha que eu tenho namorado, porque eu tenho meu
parceiro, eu danço sempre com ele, porque dançar com um mais velho do que
aquele também não dá, então você tem que pegar um mais novinho, e nunca me
viram na rua, no supermercado.
E: A senhora se preocupa hoje muito com a opinião dos outros?
S-6: Ah, não. Porque a única diversão que eu tenho é dentro, fora não vai ver,
eu até encontro na rua e não falo nem bom dia. na terceira eu sou assim, eu
comprimento todo mundo que vem me cumprimentar, eu aprendi isso com a D.,
porque eu não cumprimentava ninguém, não sabia, nem nome de segurança, tem
um segurança que eu tenho umas quedinhas, ele percebeu, porque eu sou
muito séria, e ele é policial mesmo, ele sabe meu nome, ele é lindo, um pitelzinho,
esse mexe um pouquinho comigo, mas deixa pra lá, é casado, a D., fala, fica quieta
aí com seu parceiro, se não ainda vai sobrar, mas isso que eu falo, tudo você tem
que ter certeza, daquilo que você vai falar do outro, isso pra mim foi muito
importante na terceira, aprendi a ver as coisas, agora chego lá, cumprimento todo
mundo por causa da D., por que ela começa desde a portaria a não sei quem,
então, eu to com ela, aí eu passei a cumprimentar também.
E: Então, hoje podem falar o que quiserem?
S-6: Ah, fala quem quiser.
E: Não tem mais essa preocupação.
S-6: Não tenho, porque eu não devo, então mesmo se tiver na lanchonete com
meus amigos, eu to com a alma limpa.
E: O que a senhora acha que ganhou, o que foi mais positivo com a entrada na
terceira idade?
222
S-6: Ah, foi ótimo, de positivo, foi de eu não precisar parar lá na Benedita
Fernandes, né, porque o que eu passei, nossa, a terceira até hoje pra mim, pode
estar ruim o baile, pode estar os velhos caindo aos pedaços , tem vez que a D. fala,
que a gente não merece isso, mas sei lá, é o único lugar que a gente sente segura,
se sente sabe, porque lá tem policial, tem tudo.
E: A senhora está falando do baile. Eu estou me referindo à fase da vida
mesmo, do envelhecimento. O que a senhora acha que mudou? O que foi mais
positivo com o amadurecimento? A senhora citou alguns exemplos: de não ter
que dever nada pra ninguém, de amizades, liberdade.
S-6: Ah, liberdade, livre, livre, porque eu me ponho livre, porque eu não deixo,
ninguém dominar a minha vida, nem filho, nem ex - marido, ninguém, eu sou livre,
embora a minha acha que eu to presa, mas eu sou livre, é que eu fiz essa opção, eu
não quero namorar, só isso, não é pelos outros, é que eu não quero.
E: Qual a transformação na sua vida, que você mais se vangloria assim de ter
tido, transformação pessoal, com o passar dos anos, com o envelhecimento,
com a chegada dos 58, 60 anos.
S-6: É dirigir, né. Eu amo, é minha casa, meu carro, eu me orgulho disso, porque eu
nunca pensava, por isso que eu valorizo meu ex marido, porque ele pois, falou você
vai, vai, ele me deu casa.
E: Ah, senhora dirige há quanto tempo?
S-6: Ah, eu tinha mais de 40 anos. Eu me sinto assim, uma estrela.
E: Pra senhora significa independência?
S-6: Independência, eu vou onde eu quero, faço o que quero, como o que quero,
sabe.
E: Então resumindo, me corrige se eu tiver errada. Com a terceira idade o que
a senhora mais conquistou foi à independência?
S-6: Independência, liberdade, depois da separação, depois que separou mesmo de
casa, porque ele ficou aqui em casa oito anos, faz dois anos que o A. foi embora, de
casa né, que eu me sinto mais assim, foi nesses dois anos mesmo, eu vou onde eu
quero, eu vou no centro, eu demoro duas três horas, porque eu fico olhando as lojas
conhecendo o centro, porque antes eu vivia correndo, porque eu tinha que fazer
comido, eu tinha isso, tinha aquilo, agora não, eu olho pra aquela praça Rui
Barbosa, porque as vezes você passa e vonão imagina como ela é bonita, você
não o negocio que ta na tua esquina na tua cara, você não vê, um restaurante,
223
olha a minha filha teve aqui em dezembro, nós estávamos pra viajar, e fomos comer
na esquina de casa, nunca tinha ido, uma delicia a comida caseira.
E: Então hoje o seu olhar ao redor é diferente?
S-6: É diferente, você valoriza mais as coisas que você vê, que você tem, você
gosta de viver, se não fosse alguns empecilhos que aparecem assim na sua vida,
porque você não é dona totalmente de tudo, você sempre tem que dividir um espaço
com alguém. E eu divido esse espaço com minha filha e certas coisas eu não
admito.
224
ANEXO H Entrevista semi-dirigida sujeito 7
Cadastro
Nome: Sujeito 7
Idade: 62 anos
Profissão: Aposentada
Estado Civil: Casada ( ) solteira (X) viúva ( ) desquitada ( ) outros ( )
Mora com quem?
Sozinha, com Deus.
E: Fala-me um pouco sobre a sua adolescência, como foi essa fase, o que a
senhora fez, onde morava nessa época?
S-7: Morava com meus pais em Araçatuba, minha adolescência foi assim, estudava,
trabalhava e de vez em quando dava umas voltinhas na praça Rui Barbosa.
E: Trabalhava com o quê, nessa época a senhora estava estudando?
S-7: É, estudante, trabalhava em casa e também de empregada doméstica.
E: Em casa de família?
S-7: Em casa de família.
E: Por quanto tempo a senhora ficou trabalhando em casa de família?
S-7: Uns três anos, a partir de uns 15, 14 anos.
E: Quantos irmãos a senhora têm?
S-7: Nove.
E: Quantos irmãos e quantas irmãs?
S-7: 4 irmãos e 5 irmãs.
E: Todos trabalhavam ou só as mulheres?
S-7: Todos trabalhavam e estudavam.
E: A senhora percebia diferença nessa época, dos seus pais em relação aos
meninos e as meninas?
S-7: Não, era tudo igual.
E: Os meninos não tinham regalias?
S-7:
Não.
E: Em relação à passeios, como era?
225
S-7: Ah, sim pra isso eles eram mais liberais com os meninos. Mas o tratamento
assim de filho era o mesmo.
E: A senhora está falando em relação à liberdade de sair, e em relação ao
trabalho, havia diferença também, entre os meninos e as meninas? Como é
que seus pais reagiam?
S-7: Não, era igual, porque nós meninas também começamos a trabalhar cedo, na
parte de questão de trabalho era igual.
E: E a senhora, só trabalhava, não saia?
S-7: Era muito difícil sair, de vez em quando dava uma voltinha na praça, esse era o
divertimento.
E: Era escolha própria?
S-7: Escolha própria.
E: Mas se fosse pra sair seus pais deixavam?
S-7: Deixavam, tinha liberdade.
E: Quais os lugares que a senhora gostava de ir passear?
S-7: Como eu já disse, cinema, naquela época existia dar volta na praça, era isso, o
passeio, o divertimento.
E: Com quem a senhora saía? Haviam grupinhos de amigas ou era em família,
com as irmãs?
S-7: Eram com amigas.
E: E como era a relação da senhora com seus pais, eles conversavam
bastante? Havia diálogo? Ou eram mais distantes? Em referência à orientação
frente à sexualidade e as mudança no corpo, eles falavam sobre isso?
S-7: Não, eles eram muito reservados, não tinha essa abertura assim pra gente,
esse diálogo.
E: Nem o pai e nem a mãe?
S-7: Não, nenhum dos dois.
E: Mesmo com as meninas e com os meninos, igual?
S-7: Hum, hum.
E: Então com quem que a senhora obtinha informações?
S-7: Com pessoas de fora, com amigas.
E: A senhora se sentia em desvantagem em relação aos meninos?
S-7: Não.
226
E: E fora da família, a senhora achava que os homens tinham mais vantagens
que as meninas, nessa época da adolescência, na escola, no trabalho?
S-7: Ah sim, naquela época os homens tinham mais vantagens perante a sociedade
mesmo, eles tinham mais liberdade.
E: A senhora sofria preconceito, sentia diferença?
S-7: Não, porque mulher naquela época geralmente era assim, mais sossegada.
E: Em relação à fase adulta, o que mudou da adolescência pra essa fase?
Quais transformações a senhora sentiu? Estava morando em Araçatuba ainda
ou não?
S-7: Adulto aí a gente já se formou.
E: A senhora se formou em quê?
S-7: Magistério tinha mais responsabilidade, porque já tinha uma vida profissional,
então tinha mais responsabilidade.
E: Com quantos anos a senhora começou a exercer o magistério?
S-7: 21 anos.
E: E o que a senhora viu que mudou da fase de adolescência pra fase adulta?
Haviam mais responsabilidades no trabalho. Mas, em outras situações, o que
mudou? Quais transformações a senhora percebeu?
S-7: Diferença assim, praticamente não teve mais diversão, era trabalho e em
casa, a gente não saia mesmo.
E: A senhora morava aqui em Araçatuba ainda?
S-7: Não, quando eu me formei eu fui pra São Paulo.
E: Com os pais ou não?
S-7: Eu fui um ano antes com os irmãos e depois os pais foram.
E: A senhora foi com os irmãos, como foi? Por que a senhora mudou de
cidade?
S-7: Já existia minha irmã lá, M. T., ela já trabalhava lá, eu me formei e fui pra São
Paulo, morei com meu irmão e com minha cunhada, fiquei dois anos e voltei pra
Araçatuba, trabalhei 1 anos aqui em uma escola primária no sítio, depois 73 eu fui
pra Lins, trabalhei três anos lá, em uma escola especial na APAE, aí em 76 eu voltei
pra São Paulo, fui trabalhar em uma escola Estadual, depois entrei na escola
Municipal, no ano seguinte também, e eu efetivei, prestei concurso e fiquei
trabalhando, até 87. Em 77 minha família foi pra São Paulo.
E: Então quando a senhora retornou pra São Paulo foi junto com sua família?
227
S-7: Eu fui um mês antes e depois a família foi. Eu morava com minha família e
meus irmãos todos.
E: A senhora foi pra Lins por conta do trabalho? Recebeu uma proposta?Por
que a senhora voltou pra Lins?
S-7: Porque na realidade lá em São Paulo quando eu fui, eu só substituía, então não
tinha assim um salário fixo, era substituição, então quando eu vim pra eu teria
um emprego fixo.
E: E a senhora retornou pra São Paulo por quê? A senhora tinha um
emprego fixo aqui, porque a senhora retornou pra São Paulo?
S-7: Pra ver se eu conseguia uma escola estadual, pra conseguir trabalhar o ano
todo e foi o que aconteceu.
E: Mas foi por conta que a sua família ia também?
S-7: Não, primeiro eu fui, aí meu irmão, foi transferido do banco, ele foi, estava
minha irmã M. T. lá, aí eu fui, um mês depois foi toda a família.
E: O que mais mudou na sua vida neste período?
S-7: Só o trabalho mesmo, de vez em quando eu ia em um teatro, mas era muito
raro.
E: Nesse período de 27, 28 anos, a senhora trabalhava, e como era a sua
rotina, em casa, fora de casa, o que a senhora fazia?
S-7: Eu Já falei, de vez em quando eu ia em um teatro, logo quando eu fui pra São
Paulo, porque depois nem isso mais eu ia.
E: E a senhora ficava em casa fazendo o quê?
S-7: Trabalhando em casa, ajudando a mãe.
E: Como é que era a sua relação com os outros irmãos, quem estava naquela
época morando junto com a senhora?
S-7: Tinha mais duas irmãs, dois irmãos.
E: Os outros irmãos já haviam casados e já estavam morando em outros
lugares?
S-7: Aqui em Araçatuba.
E: E como era a sua relação com seus pais e com seus irmãos nessa época? A
senhora tinha 27anos e trabalhava fora, lecionando, como era a sua rotina
dentro de casa, com uma família grande?
S-7: Ah, normal, de vez tinha aquele movimento, por era diferente, mas era assim
tranqüilo.
228
E: A senhora namorou nessa época, ou não? Quantos anos a senhora tinha,
quando teve seu primeiro namorado ou uma paquera?
S-7: Ah, paqueram eu tinha uns doze trezes anos, paquera, não namorado sério.
Naquela época falava flerte.
E: 12, 13 anos a senhora começou a paquerar a flertar?
S-7: É, não passava disso.
E: E na fase adulta, o que mudou nesse aspecto?
S-7: Depois mais tarde lá pelos 29 anos 30 anos eu conheci um rapaz lá, mas foi
assim um namorico passageiro, que não deu certo.
E: Quanto tempo durou?
S-7: Ah, 1 ano e meio.
E: E porque não deu certo?
S-7: Porque não deu, não tinha nada haver.
E: depois, quanto tempo a senhora ficou morando em São Paulo? A sua
vida lá era lecionar, trabalhar em casa, namorou com essa pessoa pelos
seus 30 e poucos anos, ficou um ano e pouco com ela, e depois, como foi?
S-7: Eu fui sempre assim, muito preocupada com a família, dedicada, com os irmãos
com as sobrinhas, nessa parte eu sempre me preocupei com a família.
E: Que tipo de dedicação a senhora está se referindo?
S-7: Preocupação, se todos estão bem, preocupar assim com o bem estar de cada
um.
E: Então a senhora ocupou a sua vida em trabalhar, em cuidar das pessoas, a
senhora cuidava dos parentes, é isso?
S-7: Sim, eu sempre gostei de me preocupar, de me dedicar à família.
E: E depois, quanto tempo a senhora ficou em São Paulo?
S-7: A ultima vez que eu fui, 10 anos.
E: Aí a senhora voltou?
S-7: Voltei, trabalhei aqui mais uns 10 anos e me aposentei.
E: E porque a senhora retornou pra Araçatuba?
S-7: Porque a minha família começou a voltar pra Araçatuba, aconteceu o
acidente com a minha irmã mais nova, a caçula em São Paulo, meus pais não
quiseram mais continuar lá, quiseram voltar, então eles voltando eu também voltei,
porque nessa época, eles ficaram sozinhos porque todos já tinham casados, só tinha
eu e eles, então eu tive que voltar pra fazer companhia pra eles.
229
E: Seus pais eram idosos? Estavam aposentados?
S-7: Meu pai era aposentado, aí viemos pra cá, e depois de dois anos ele faleceu.
E: Então ficaram só a senhora e a sua mãe?
S-7: Eu e minha mãe, ficamos eu e minha mãe.
E: E como era a rotina da senhora nessa época, por volta de quantos anos a
senhora tinha?
S-7: Eu já tinha uns 42 anos.
E: A senhora continuou trabalhando aqui?
S-7: Trabalhando aqui, cuidando da minha mãe, depois ela depois de 6 anos ela
também ficou doente, dediquei também a ela, e depois ela veio falecer.
E: E nessa época, em relação, à sua vida particular, o que aconteceu?
S-7: Não, minha vida aqui foi dedicada ao trabalho, a minha mãe, as sobrinhas,
só. Não tive assim, poucos divertimentos.
E: A senhora sente que deixou sua vida de lado um pouco ao se dedicar a
família?
S-7: Eu sempre gostei realmente de me dedicar à família, de me preocupar com a
família, era assim uma alegria, uma felicidade, eu me sentia feliz assim.
E: E a senhora não sentia falta de fazer outras coisas, sair?
S-7: Na realidade eu não gostava muito de sair mesmo.
E: A senhora não casou, sente falta, se arrependeu de não ter casado?
S-7: Não, pra mim é indiferente, ter casado, não ter casado, me sinto bem assim.
E: A senhora tinha planos de se casar ou nunca pensou nisso?
S-7: Nunca, foi assim, não tenho essa sensibilidade, também não me interessei
muito, nessa parte, do jeito que eu olhava a vida, vivia me dedicando à família pra
mim já estava bom, me sentia bem, feliz.
E: Então a sua mãe faleceu, a senhora tinha quantos anos?
S-7: Uns 45 anos.
E: O que mudou na vida da senhora com o falecimento da sua mãe?
S-7: Continue trabalhando, nessa época foi um período muito duro de adaptação, de
ficar sem ela, foi uma fase bem difícil, e na realidade eu procurava segurar sozinha,
não queria assim envolver a família, foi difícil, depois fui morar com minha irmã, ela
também me apoiou muito, me deu muito apoio, morei um ano com uma irmã, depois
fui morar um ano com a outra, depois fui morar sozinha, me aposentei, fui morar
230
sozinha, depois de 2 anos, aí fui me dedicar a vida religiosa, fui fazer trabalho
voluntário na igreja, e me sinto muito bem.
E: Quando a senhora começou a se dedicar à igreja?
S-7: Uns 6 anos de eu entrar na terceira idade eu aposentei. Na época que eu
aposentei, eu já comecei com esse serviço voluntário na igreja.
E: Porque a senhora procurou a igreja?
S-7: Justamente pra eu não ficar sem fazer nada. Pra o correr o risco de entrar
em depressão, de ficar com minha vida assim muito parada, então eu procurei uma
atividade pra continuar a vida ativa.
E: A senhora sentiu alguma transformação na transição da idade adulta para a
terceira idade? O que a senhora acha que mais mudou na sua vida, com a
entrada na terceira idade?
S-7: Na realidade eu estou me sentindo bem mais madura, porque antes eu era
assim meio é, como é que se diz, indecisa demais, muito medo, de tomar uma
atitude eu sentia medo, muito indecisa, e nessa fase, eu sinto que eu tenho mais,
segurança de fazer as coisas de tomar decisão.
E: O que a senhora acha que mais contribuiu pra essas mudanças?
S-7: É a participação na igreja, conhecimento, ensinamento religioso, que uma
segurança, uma base espiritual pra gente muito boa.
E: E hoje, a senhora está com 62 anos, como é que a senhora, resumiria a sua
vida, como é que a senhora se sente?
S-7: Muito bem, realizada com meu trabalho, tanto o magistério, como meu trabalho
na igreja, na vida religiosa. Poder também ajudar a família quando necessita de
ajuda, eu sinto tudo bem.
E: Quer dizer que a senhora continua nesse movimento de ajudar o outro. E a
sua vida, pessoal, como é que está hoje?
S-7: Eu acho que eu vive muito bem ela, me dedicando as pessoas, não deixei a
minha vida de lado, foi o jeito de me sentir bem, é o meu jeito.
S-7: Continuo nesse movimento de me dedicar e sempre vou me dedicar, eu acho
que isso vale a pena, as pessoas se dedicar às outras, pra isso nós viemos ao
mundo pra doar um ao outro.
E: A senhora quer falar mais alguma coisa, em relação à terceira idade, que a
senhora acha importante?
231
S-7: A gente tem mais amadurecimento, pra ver as coisas pra entender, pra lidar
com as dificuldades com as tribulações, então, é uma fase que vale a pena viver.
E: Esse movimento que a gente percebe na terceira idade, de bailes, reuniões,
viagens, o que a senhora acha?
S-7: Não, nunca me interessei não gosto, dessas atividades, porque na realidade,
eu não me sinto que estou na terceira idade, que estou vivendo a terceira idade,
porque na realidade eu sempre me senti bem, no meio das pessoas mais jovens,
tanto é que na igreja, no meu trabalho na igreja, eu trabalho com jovens,
adolescentes, me dou muito bem com eles, então assim essa questão de atividades
que envolvem a terceira idade, nunca me interessei.
E: Mas porque a senhora não se dá bem com as pessoas da terceira idade?
S-7: Não é que não me dou bem com as pessoas da terceira idade. Na realidade as
amizades, as poucas amizades que eu tenho e que eu tive, são pessoas mais
jovens, parece que eu me dou melhor, e eles também se dão bem comigo, então
não tenho nada contra a terceira idade, mas eu pessoalmente nunca me interessei.
E: E os bailes da terceira idade?
S-7: Não, na verdade nunca gostei de baile, principalmente da terceira idade.
E: Em relação aos homens que a senhora manteve contato, no seu trabalho, na
família, nas horas de lazer. Como foi e é hoje sua relação com os homens?
S-7: Muito bem, nunca tive problemas de relacionamentos com homens, aliás,
assim, o relacionamento, a convivência é bem melhor do que com certas mulheres,
eu me dou muito bem com os homens, só uma pessoa, em um determinado tempo
que foi meu cunhado, a gente vivia muito em atrito, desentendimento, mais assim,
por preocupação com minha irmã, porque na realidade, eles não viviam muito bem,
ele não a tratava muito bem, ele era muito grosseiro, e eu tomava as dores por ela,
então a gente vivia muito assim, em atrito, tanto é, que essa vez que eu estava
morando com ela, eu tive que mudar porque o nosso relacionamento estava ficando
muito difícil, mas por ele não tratá-la bem.
E: A senhora tem contato com os homens nas atividades da igreja?
S-7: Tenho muito e me dou muito bem, e me dou melhor do que com as mulheres,
um relacionamento bom mesmo.
E: E o relacionamento com o seu pai, que estamos falando sobre os
homens, como foi o seu relacionamento, especificamente com seu pai?
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S-7: Foi assim, bom, apesar de naquela época às vezes eu não entendia muito bem
não, as vezes eu era um pouco cabeça dura pra compreende-lo, eu era uma pessoa
que exigia muito, então eu queria que ele pensasse da minha maneira, e não da
maneira dele, então a gente, eu não tinha assim, eu não entendia, não é que não
tinha um bom relacionamento, porque eu o tratava bem, me preocupava muito com
ele, mas a gente vivia alguns atritos, por eu não compreendê-lo.
E: Isso acontecia com a sua mãe ou já era mais tranqüilo?
S-7: Não, com ela era mais tranqüilo, apesar de com toda família, de vez em
quando, não é atrito, mas eu tenho meu ponto de vista e ela tem o ponto de vista
dela, discutia, mas não discussão de briga, mas de ponto de vista.
E: E o relacionamento com seus irmãos? Como é o relacionamento com suas
irmãs e com seus irmãos, havia diferenças?
S-7: Não era tranqüilo, tanto com os irmãos, como com as irmãs, o relacionamento
era o mesmo, gostava de todos por igual.
E: depois veio os cunhados e as cunhadas, e a senhora falou de um
cunhado especifico que a senhora teve alguns desentendimentos. Mas em
relação aos outros?
S-7: Com os outros tinha um bom relacionamento, um bom entendimento, esse
outro é mais pela convivência dele com a minha irmã, não era assim o meu
relacionamento com ele.
E: Por que ele a incomodava tanto?
S-7: É que na realidade ele é uma pessoa muito difícil, assim,uma pessoa meio
egoísta, orgulhoso, que ele sabe as coisas, as vezes gostava de desfazer da
minha irmã, ele acha que ele que sabe, então eu não aceitava muito isso, mas
hoje graças a Deus, a gente tem um relacionamento bom, porque eu passei
entender melhor.
E: E hoje, a senhora acha que as mulheres ainda são submissas aos maridos?
S-7: Hoje, eu acho que a mulher não é mais submissa não, o relacionamento, está
igual por igual, muito difícil hoje a mulher ser submissa, só se ela gosta de sofrer
mesmo, mas senão, ela não tem nada que ser submissa, o tratamento tem que ser
igual por igual, um respeitar o outro, colaborar com o outro, ser solidário, não tem
nada de achar que é homem, que a mulher tem que fazer tudo, tem que ser escrava.
Não, hoje tem que ser por igualdade as tarefas, eles os dois, pra que haja
233
entendimento, solidariedade, se não realmente fica difícil pra conviver, viver em um
lar de paz.
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