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FÁBIO PARIDE PALLOTTA
A FERROVIA E O AUTOMÓVEL: ÍCONES DA MODERNIDADE
NA CIDADE DE BAURU
(1917 – 1939)
Assis
2008
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FÁBIO PARIDE PALLOTTA
A FERROVIA E O AUTOMÓVEL: ÍCONES DA MODERNIDADE
NA CIDADE DE BAURU
(1917 – 1939)
Dissertação apresentada à Faculdade
de Ciências e Letras de Assis –
UNESP – Universidade Estadual
Paulista para a obtenção do título de
Mestre em História (Área de
Conhecimento: História e Sociedade).
Orientadora: Dra. Flávia Arlanch
Martins de Oliveira
Assis
2008
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P168f Pallotta, Fábio Paride.
A ferrovia e o automóvel: ícones da modernidade na
cidade de Bauru (1917-1939) / Fábio Paride Pallotta –
Assis: Unesp, 2008.
142 p.
Dissertação (Mestrado em História) Departamento
de História – Universidade Estadual Paulista – Faculdade
de Ciências e Letras de Assis - Assis, SP.
Orientadora: Dra Flávia Arlanch Martins de Oliveira.
1. Ferrovias 2. Automóveis 3. Modernização
4. Bauru, SP I. Oliveira, Flávia Arlanch Martins de
II. Universidade Estadual Paulista .
CDD 981.61
FÁBIO PARIDE PALLOTTA
A FERROVIA E O AUTOMÓVEL: ÍCONES DA MODERNIDADE
NA CIDADE DE BAURU
(1917 – 1939)
Dissertação apresentada à Faculdade
de Ciências e Letras de Assis –
UNESP – Universidade Estadual
Paulista para a obtenção do título de
Mestre em História (Área de
Conhecimento: História e Sociedade).
Comissão Julgadora
Orientadora: Dra. Flávia Arlanch Martins de Oliveira
2ª Examinadora: ___________________________________
3ª Examinadora: ___________________________________
Assis, ___ de _________ de 2008.
Dedico esta Dissertação de Mestrado ao meu avô
Durval Guedes de Azevedo, meu primeiro mestre e
aos meus pais Arnaldo Pallotta e Marília Guedes
de Azevedo Pallotta pela vida concebida e pelo
exemplo e à minha esposa Sílvia a aos meus filhos
Pedro e Isabel pela paciência infinita.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a conclusão deste trabalho aos ferroviários aposentados Gabriel
Ruiz Pelegrina e Vivaldo Pitta pelos ensinamentos e os caminhos a mim revelados e
também pelo amor e dedicação que demonstram à causa da preservação da
memória ferroviária em Bauru e Avaí.
À minha orientadora Flávia Arlanch Martins de Oliveira por manter a
realização do trabalho no rumo correto.
Aos funcionários dos Museus Municipais de Bauru, Histórico Municipal e
Ferroviário Regional pelo atendimento nas horas de pesquisa e pela dedicação ao
acervo e também aos funcionários do Núcleo de Documentação e Pesquisa
Histórica de Bauru e Região “Gabriel Ruiz Pelegrina” depositários de documentos
inestimáveis para a História da cidade de Bauru pelo seu profissionalismo.
Aos colegas e amigos da turma de ingressantes na UNESP ASSIS de
2005, pela companhia nos cafés, pela demonstração de dedicação à pesquisa e ao
conhecimento em especial à amiga Carla Lisboa Porto pelos automóveis” e Lílian H.
Azevedo pelos ensinamentos e atenção.
(...) Sei que devo soar como um romântico, pois
posso me enganar e tudo não passar de uma
ilusão. Mas, no fundo, acredito que os arquivos,
em toda a sua concretude, provêm um corretivo
para as interpretações românticas e mantém o
historiador honesto.
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
RESUMO
A presente dissertação de mestrado tem como objetivo estabelecer uma relação
entre o processo modernizador na cidade de Bauru e os meios de transporte
ferroviário e rodoviário a partir de fontes impressas, em especial jornais da cidade de
Bauru das décadas de 1920 e 1930. Além dos jornais O Bauru, O Dilúculo, Correio
de Bauru, Diario da Noroeste e a Folha do Povo tomados como fontes principais,
documentos oficiais da rede ferroviária compõem as fontes históricas para o
desenvolvimento da pesquisa. Esta demonstra que as ferrovias trouxeram não
apenas a modernização, mas novas práticas sociais e produtos de consumo de
grande status social como o automóvel, além de terem sido as responsáveis pelo
desenvolvimento da aviação como meio de integração nacional. Dentro do recorte
temporal proposto destacam-se fatos importantes ocorridos na transição política
entre a República Velha (1889-1930) e a Era de Vargas (1930-1945). Um dos fatos
marcantes para a cidade de Bauru foi a construção da Estação Ferroviária Central,
que demarcou o poder do Estado Varguista em meio as elites locais em oposição
aos antigos poderes da aristocracia cafeeira. A grandiosidade da estação ferroviária
que uniu as três linhas no entroncamento ferroviário da cidade resultou da atuação
de tentáculos da política varguista em Bauru. Contudo à época de sua inauguração
os veículos automotores já tomavam o lugar de destaque na cidade dando lugar à
outra lógica modernizadora: a da velocidade.
Palavras-chave: Ferrovias, Automóveis, Modernização, Cidade de Bauru.
ABSTRACT
This master presentation has as its main purpose to establish a relationship between
the modernizing process in Bauru city an railroad as well as highway systems
according to news sources, specially gathered from Bauru news papers of the 1920’s
1930’s. Among those sources are: O Bauru, O Diluculo, Correio de Bauru, Diario da
Noroeste and Folha do Povo, official documents from the railroads were used as
historical sources are well. All those sources demonstrated that the railroads brought
forth not only modernization, but also consumption products of great social status
such as the automobile, and also contributing to the development of the air service
as means of national integration. Within the proposed temporal record one can notice
important facts that occurred during the political transition between the Old Republic
(1889-1930) and the Vargas Era (1930-1945). One of the important events that
happened to the city was the construction of the Central Railroad Station, which is
seen as the establishment of the Vargas power among the local elites in opposition
to the coffee aristocracy. The grandiosity of the railroad station united three railroads
thus transforming the area as tentacles of Vargas policy in Bauru. However,
concomitantly at the time of the Central Station inauguration, the automobile was
already gaining stature producing another modernizing logic: speed in transportation.
Key Words: Railroads, Automobiles, Modernization, Bauru city
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I
AS ESTRADAS DE FERRO PAULISTAS:
a modernização da cidade de Bauru 15
Coronéis, engenheiros e mudanças de rumos da “EFNOB”:
modernização de Bauru e as novas sociabilidades 19
Os Reflexos da Administração Varguista da “EFNOB”,
em Bauru, e o problema de transporte 35
As novas oficinas da “EFNOB” 47
Do funcional ao monumental:
as estações ferroviárias de Bauru 61
1.1 As estações existentes: reclamações
e ausência de atitude do poder público 63
1.2 A monumental Estação Central em “Art-Deco” 72
CAPÍTULO II
A ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL:
vínculos entre a ferrovia e o Diario da Noroeste 79
CAPÍTULO III
O AUTOMÓVEL NA CIDADE DAS FERROVIAS 96
O automóvel como um artefato de sedução 99
1.1 O automóvel na cidade de Bauru:
as reações da sociedade local 101
1.2 Disputa comercial 105
1.3 O automóvel no “Correio de Bauru”:
novas versões para o mesmo personagem 113
A outra face: representações sociais
Do novo veículo 128
CONSIDERAÇÕES FINAIS 133
REFERÊNCIAS 134
9
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é estudar Bauru, cidade localizada no noroeste do
estado de São Paulo, que no início do século XX, experimentou uma grande
transformação devido à chegada de três das principais ferrovias paulistas: a
Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia de Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil e a Companhia Paulista de estradas de Ferro.
È sabido que as ferrovias, a partir do século XIX provocaram uma verdadeira
revolução nos transportes e comunicações e também incorporando na sua
administração o telégrafo elétrico, que usado na imprensa, possibilitou a circulação
de informações do mundo inteiro para as redações.
Bauru foi incorporada à economia cafeeira e desde o início da sua ocupação
necessitava escoar sua produção. Foi a chegada em 1905 da EFS
1
que primeiro
cumpriu esse papel e em seguida, 1910 a CP. Também em 1905, a Cia. EFNOB
começou a lançar seus trilhos em direção ao Mato Grosso.
Como entroncamento ferroviário o impacto de transformação na cidade foi
muito grande. Além da mudança do perfil material também segmentos da sociedade
bauruense passaram a entrar em contato com novas idéias e adquirir novos hábitos
de consumo. Contudo, como será visto no trabalho foi a implantação das Oficinas da
EFNOB em 1921 que causou maior impacto na cidade de Bauru. Outro símbolo da
modernidade que passou a seduzir a elite bauruense de 1920 foi a chegada do
automóvel na cidade.
São esses símbolos da modernidade que serão abordados nesse trabalho.
Para tanto nossa pesquisa voltou-se para dois tipos de fontes: os Relatórios da
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil nos anos de 1921 e de 1934 até 1939. Antes de
1921 os relatórios eram feitos com cópias das folhas originais e encadernados sem
nenhuma preocupação com a sua conservação. Foi o Diretor Engenheiro Arlindo
Gomes Ribeiro da Luz que começou a organizá-los dessa forma. Com uma capa e
contra capa de proteção, folhas de papel mais resistentes, gráficos em papel
especiais e coloridos, bem como dezenas de fotografias para ilustrar as realizações
da nova administração que assumira em 1917 com a estatização. Foram utilizadas
1
Optou-se por usar as abreviaturas dos nomes das empresas ferroviárias de São Paulo que iniciavam
ou passavam pela cidade: Companhia de Estrada de Ferro Sorocabana-EFS; Companhia Paulista de
Estradas de Ferro-CP; Estrada de Ferro Noroeste do Brasil-EFNOB.
10
fichas funcionais de alguns funcionários da EFNOB. Hoje elas encontram-se no
Escritório Remanescente da Rede Ferroviária Federal em Bauru. Ainda foram
consultados o Diário Oficial da União de 1917 e 1918, bem como os Decretos
Federais 12.726 de 1917 e 13.285 de 1918.
Contudo a fonte mais explorada neste trabalho foi a imprensa bauruense
entre 1917 e 1939. Foram pesquisados vários periódicos que muito revelaram sobre
o tema. Através do silêncio em relação aos trabalhadores braçais das ferrovias, ficou
claro que se tratava de periódicos voltados às elites da cidade. É marcante nessa
fonte a representação de modernização e o teor das novas sociabilidades que
emergiam na cidade.
Nelson Werneck Sodré, um dos primeiros a estudar a imprensa no Brasil, em
seu clássico “História da Imprensa no Brasil”
2
, classifica a imprensa no início do
século XX como burguesa
3
que estaria interessada apenas nas questões políticas.
Mas na análise da imprensa como fonte primária não se deve esquecer de outros
detalhes jornalísticos como as colunas sociais, propagandas de novos artefatos
técnicos, charges, importantes aspectos da imprensa para a análise histórica.
Contudo a sistematização dos estudos sobre a atuação da imprensa e sua
importância no Brasil teve como marco decisório os estudos das historiadoras Maria
Helena R. Capelato e Maria Lígia Prado com da publicação do Livro “O Bravo
Matutino. Imprensa e ideologia: o jornal O ESTADO DE SÃO PAULO” em 1980,
quando reavaliaram uso da imprensa na pesquisa histórica como mera fonte
confirmadora da análise e não uma fonte autônoma e única
4
.
As representações do mundo urbano surgiam e foram retratadas, com suas
limitações, nos jornais de Bauru que deu relevância à industrialização da cidade a
partir de 1925. As marcas da modernização começavam a chegar à cidade e foram
2
SODRÉ, N. W. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. (atualizada) – Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
3
SODRÉ, N. W. op. cit. p. 355.
4
CAPELATO, M. H. R e PRADO M. L. O Bravo Matutino. Imprensa e ideologia: o jornal O ESTADO
DE SÃO PAULO
.
São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. p. XIX (...)”Os estudos históricos no Brasil
têm dado pouca importância à imprensa como objeto de investigação, utilizando-se dela apenas
como fonte confirmadora de análises apoiadas em outros tipos de documentação. A presente
pesquisa ensaia uma nova direção ao instituir o jornal O Estado de S. Paulo como fonte única de
investigação e análise crítica. A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-
se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção
na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam com mero “veículo de
informações”, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado de realidade político-
social na qual se insere. O Estado de São Paulo foi privilegiado(...) (...)permanente e sempre
reiterada preocupação política do jornal de –para além de sua função informativa- se apresentar com
“órgão modelador da opinião pública”.(...)
11
trazidas pelas ferrovias e alardeadas pelos jornais através de notícias e das
propagandas
5
.
Para o nosso estudo foram usados os seguintes periódicos: O Bauru, O
Dilúculo, o Correio de Bauru, o Diario da Noroeste e a Folha do Povo.
O jornal O Bauru, fundado em 1906, de propriedade do advogado e
empresário do ramo tipográfico Almerindo Cardarelli, nunca chegou a atingir uma
circulação diária e sua linha editorial mudava conforme o sabor da política local.
Contudo foi uma importante fonte, pois apontou a ação de políticos da situação, que
consubstanciava proprietários, gerentes de banco, advogados, importantes
funcionários das ferrovias, em especial EFNOB, na coluna intitulada Vida Social na
seção Hospedes e Viajantes.
O periódico O Dilúculo, fundado em 1916 circulou por apenas 2 anos. Seu
último número (34) data de 12 de novembro de 1916. Teve como diretor-proprietário
Manoel Sandim, empresário do setor gráfico que se lançou no ramo jornalístico mais
para fazer propaganda a respeito do seu ramo de atividade do que o jornalismo
propriamente dito.
O jornal Correio de Bauru, fundado em 19 de novembro de 1916, começou
como um semanário
6
e tornou-se, desde 01 de setembro de 1923, o primeiro jornal
diário da Região Noroeste
7
. Esse jornal trazia, em suas Notas Sociais, uma seção
denominada Itinerante que acusava a movimentação das pessoas pela região
Noroeste evidentemente pela ferrovia.
O jornal Diario da Noroeste foi fundado em 01 de agosto de 1925 pelo
ferroviário da EFNOB João Maringoni. Esse era funcionário da empresa desde 1906
e, mesmo após a encampação pelo Governo Federal em 1917, continuou fazendo
parte do quadro de funcionários. Através deste jornal teve uma atuação cultural
importante na cidade contratando colaboradores correspondentes das capitais do
Estado, a cidade de São Paulo e da Capital Federal a então cidade do Rio de
5
DE LUCA, T. R. Fontes impressas. Histórias dos, nos e por meio dos periódicos. In: Fontes
históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 120 (...)”As transformações conhecidas por algumas capitais
brasileiras nas décadas iniciais do século XX foram, em várias investigações perscrutadas por
intermédio da imprensa, tal como a levada a efeito por Heloisa Cruz, que bem apontou as relações
entre o periodismo, que também se difundia e diversificava, cultura letrada e o viver urbano em São
Paulo. A aceleração do tempo e o confronto com os artefatos que compunham a modernidade
(automóveis, bondes, eletricidade, cinemas, casa noturnas, fonógrafos, câmaras fotográficas), a
difusão de novos hábitos, aspirações e valores, as demandas sociais, políticas e estéticas das
diferentes camadas circulavam pelas cidades(..)
6
Correio de Bauru, anno I, nº 1, 19/11/1916.
7
Correio de Bauru, anno X, nº 1099, 01/09/1923.
12
Janeiro. Este periódico foi objeto de um capítulo a parte devido a sua importância
dentro da presente dissertação.
O periódico Folha do Povo foi fundado pelo comerciante José Lúcio da Silva,
em 1935, tendo como sócio o político Paulino Raphael que foi também, por vários
anos, presidente da Associação Comercial e Industrial de Bauru
8
. Em 1937 se
transformou em um jornal diário e apoiou a eleição de José Américo de Almeida
9
na
campanha eleitoral para as eleições presidenciais que acabaram não acontecendo
devido ao Golpe do Estado Varguista. Quanto a organização do trabalho pautou-se
para a seguinte ordem:
No primeiro capítulo abordou-se a chegada das ferrovias à cidade de Bauru e
sua importância tanto na modernização quanto no desenvolvimento de novas
sociabilidades: a Política dos Banquetes que prestigiava as pessoas consideradas
importantes. Esses eventos deram-se no período à transição da política paulista e
brasileira dos Coronéis Bacharéis para os Engenheiros e Militares. Em Bauru, foram
eles que administraram uma das principais ferrovias da cidade a EFNOB, tanto no
momento da encampação em 1917 quanto no Estado Novo Varguista (1937-1945).
No segundo capítulo, tratou-se da influência da EFNOB no periódico Diario
da Noroeste. Esse jornal foi fundado em 01 de agosto de 1925, por João Maringoni,
funcionário graduado da EFNOB. Funcionava como uma espécie de Diário Oficial
da EFNOB que comunicava os Atos da Diretoria e demais informações referentes
às disposições administrativas como punições, exonerações etc. No tocante a vida
cultural o Diario da Noroeste acabou abrindo espaços para jornalistas paulistanos e
cariocas que escreveram no jornal e trouxeram novas preocupações poéticas,
estéticas e culturais para Bauru. Por exemplo, em 1925, realizou-se uma festa em
homenagem ao poeta Rodrigues de Abreu, nos moldes marinettianos
10
, para a
arrecadação de recursos para o tratamento da tuberculose da qual era portador.
Nele aparecem, também, propagandas de diversos automóveis que faziam
concorrência à primeira marca que havia chagado à cidade: a marca Ford, o Auto
Universal.
8
NAVA, M. R. Viagem através das Ruas de Bauru. Bauru, São Paulo, 1999. Sem Editora. p. 133.
9
NAVA, M. R. op. cit. p. 135.
10
Refere-se ao adjetivo marinettianos do italiano Felippo Tommaso Marinetti, fundador do Futurismo
em 1909. Para ele o movimento, a velocidade, a vida moderna, a violência, as máquinas e a quebra
com a arte do passado eram as principais metas do futurismo.
13
No terceiro e último capítulo foi tratado, mais especificamente um dos
artefatos técnicos da modernização, o automóvel. Na cidade de Bauru que estava
desenvolvendo-se devido à ferrovia, o automóvel, apesar da limitação física para a
sua utilização, surgiu no início da década de 1920, como presença marcante e com
propaganda maciça na imprensa bauruense. Em 1925, quando da inauguração do
Diario da Noroeste, o automóvel passou a ter um grande destaque e a imprensa
utilizou-se da charge, do riso e do burlesco para criticar as pessoas humildes que
não conseguiam se relacionar de forma amistosa com o novo meio de transporte
que chegava a Bauru
11
. Foram várias marcas como: a Rugby da Companhia Durant
Motor Company New Gersey, a Hupmobile, a Studebaker, a Dodge Brothers, a
Buick , Chevrolet, a Oldsmobile, a Ford. A maioria delas não existe mais,
permanecendo no mercado aquelas que se adaptaram a produção em massa e se
adequaram à propaganda: as marcas Chevrolet e Ford. A principal característica do
automóvel, a velocidade,
12
não foi explorada nas propagandas veiculadas. Estas
davam mais atenção ao automóvel como um artefato técnico para ser usado por
toda a família e que podia ser conduzido pelas mulheres. O embate iniciado entre a
ferrovia e o automóvel no início do século XX, e que teria conseqüências nefastas
para o transporte ferroviário, estava apenas no início. O automóvel apesar de todo
o seu apelo e símbolo de status teve que esperar até a década de 1950 para
desfechar os seus ataques decisivos e certeiros contra a ferrovia que trouxe a
modernização para a cidade de Bauru. Nas décadas de 1920 e 1930, o automóvel
já fora domesticado pelo consumo e pela indústria cultural nascente, perdendo a
11
LOBATO, M. O presidente negro ou o choque das raças (Romance americano do ano de 2228). In:
Obras completas de Monteiro Lobato, volume número 05. São Paulo: Brasiliense, 1956. O escritor
Monteiro Lobato revelou grande admiração e interesse pelo automóvel no seu romance o Presidente
Negro de 1926 onde divide a humanidade entre pedestres e rodantes. p.p. 131, 132 (...)Meu serviço
na casa era todo na rua, recebimentos, pagamentos, comissões de toda espécie. De modo que posso
dizer que morava na rua, e o mundo para mim não passava de uma rua a dar uma porção de voltas
em torno da terra. Ora, na rua eu via a humanidade dividida em duas castas, pedestres e rodantes,
como os batizei aos homens comuns e aos que circulavam sobre quatro pneus. (...) Sonhei, portanto,
mudar de casta e por minha vez levar os pedestres a abrirem-me alas, sob pena de esmagamento.
(...) Foi, pois, com maior enlevo d’alma que entrei certa manhã numa agencia e comprei a maquina
que me mudaria a situação social. Um Ford.
12
SUSSEKIND, F. Cinematógrafo das Letras: literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo-
Companhia das letras, 1987. A autora nos lembra que a movimentação do automóvel dava aos
objetos cotidianos contornos meio mágicos e que a influência automobilística daria o nome a uma das
revistas ilustradas mas populares do início do século, a Fon-Fon, publicação semanal que era
anunciada, em 1907, da seguinte maneira: “Semanário alegre, político, crítico e esfuziante. Noticiário
avariado. Telegrafia sem arame. Crônica epidêmica. Tiragem: 100.000 Km por hora. Colaboração de
graça, isto , de espírito” p. p. 50, 51.
14
aura que lhe dera Marinetti. Contudo, foram as ferrovias, que ao darem a Bauru a
condição de entroncamento ferroviário que deu a cidade uma nova feição.
A construção da Estação Central (1935-1939) foi a última grande obra
ferroviária na cidade, fechando um ciclo que havia começado em 1917 com a
estatização da EFNOB. Com a sua construção Bauru ganhou uma estação
ferroviária que reuniu as três estradas de ferro dando conforto e comodidade aos
passageiros e confirmou a ocupação dos espaços político, econômico e social pela
administração Varguista que se consolidava.
15
CAPÍTULO I
AS ESTRADAS DE FERRO PAULISTAS: a modernização da cidade
de Bauru
A cidade de Bauru surgiu a partir da expansão das lavouras de café e
desenvolveu-se com a chegada das ferrovias paulistas: a Companhia Estrada de
Ferro Sorocabana que atingiu a cidade em 1905, a Cia. de Estradas de Ferro
Noroeste do Brasil, cujos trilhos partiram de Bauru em 1905 e a Companhia de
Estradas de Ferro Paulista, que chegou à cidade em 1910.
A ferrovia e o trem eram, à época, os símbolos do progresso e do Estado
Nacional Industrial na Europa. No Brasil foram, em princípio, construídas como vias
de penetração funcional que exploravam, no caso do Estado de São Paulo e do
Oeste paulista, o café.
A Companhia Estrada de Ferro Sorocabana
13
foi criada para escoar a
produção do algodão produzido no século XIX na região de Sorocaba e só no século
XX, após a crise do algodão de 1876, passou a transportar café como principal
produto. Outros produtos substituíram o café: o sal para a pecuária. A partir da
década de 1930 ressurgiu o algodão; o fumo, a banha, o toucinho e os materiais de
construção a partir do início do século XX.
A Companhia de Estradas de Ferro Paulista passou pelas mesmas oscilações
no transporte de mercadorias, transportando o café e as mesmas mercadorias já
mencionadas pela Sorocabana além de batatas em 1912, farinha de trigo e charque
em 1922, sendo muito importante para as ferrovias paulistas o transporte de gado a
partir das décadas de 1910 e de 1920
14
.
Dentre as três ferrovias paulistas existentes na cidade de Bauru a mais
eficiente foi a Cia. Paulista que durante o período pesquisado, de 1917 até 1939, foi
propriedade particular, operada por particulares. Já a Sorocabana passou para a
administração estatal em 1902 e foi arrendada entre 1907 e 1919 para o capitalista
13
SAEZ, F. A. M. As ferrovias de São Paulo: Expansão e declínio do transporte ferroviário de São
Paulo.o Paulo: HUCITEC; Brasília: Instituto Nacional do Livro-MEC, 1981, p. 41.
14
SAEZ, F. A. M. op. cit. p. 117.
16
estadunidense Percival Farquar
15
. A Cia. Paulista foi, até a década de 1950,
considerada a ferrovia com a melhor administração no Brasil. Para a modernização
da cidade de Bauru, a Cia. Paulista também foi muito importante, pois fazia a ligação
entre a Capital Federal, então o Rio de Janeiro, e a capital do estado de São Paulo
com o interior, através da conexão com a Central do Brasil. Transportava não
apenas mercadorias, mas também as pessoas que trouxeram e exerceram as novas
sociabilidades vindas das capitais. Além disso, foi vital para o transporte do material
de construção que transformou fisicamente a cidade a partir do início do século XX.
Com a estatização da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a vinda da sua
administração do Rio de Janeiro para Bauru, devido ao rápido crescimento da
cidade, a dependência do transporte ferroviário foi, reiteradas vezes, mencionada
pela imprensa local. Apesar da sua importância, não foi poupada de críticas como
veremos no decorrer do capítulo.
A ferrovia trouxe consigo, também, avanços técnicos de suma importância
dentre eles o telégrafo, que se tornou essencial para a administração das ferrovias e
para o desenvolvimento da comunicação. Naquele momento a imprensa dependeu
muito desse meio de comunicação, como foi constatado pela pesquisa efetuada em
Bauru.
Como a ferrovia dependia essencialmente do café, já no final do século XIX e
início do século XX,
16
os problemas da oscilação de valores e negociação do
produto no mercado internacional fez com que aquela sentisse frontalmente o
impacto negativo.
Foi em meio a essa crise que a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do
Brasil, que não estava ligada ao café, uma vez que sua principal função era ser
estratégica
17
e de penetração
18
, propiciou uma nova dinâmica à cidade de Bauru.
Isto porque com sua encampação pela União, em 1917
19
, ocorreu a transferência da
administração do Rio de Janeiro, então Capital Federal, para Bauru, o que levou
uma grande quantidade de funcionários oriundos da cidade do Rio de Janeiro a se
estabelecer na cidade.
15
SAEZ, F. A. M. op. cit. p. 129.
16
SAEZ, F. A. M. op. cit. p. 186.
17
QUEIROZ, P. R. C. As curvas do trem e os meandros do poder: o nascimento da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil (1904-1908). Campo Grande: Ed. UFMAS, 1997
18
GHIRARDELO, N. À beira da linha – Formações urbanas da Noroeste Paulista. São Paulo: Unesp,
2002 (a).
19
BRASIL. Decreto 12.746. Diário Oficial da União, 12 dez. 1917, pp 13.325, 13.326.
17
Com a encampação, a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil
passou a se chamar Estrada de Ferro Bauru a Porto Esperança
20
e, finalmente,
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) pela lei orçamentária de 1919
21
.
Pela memória local, a vinda de funcionários oriundos da Capital Federal com
suas famílias ficou conhecida como a chegada dos cariocas
22
uma vez que eram
portadores de novos hábitos, idéias, sociabilidades e costumes. Tal fato contribuiu
para a dinamização das relações de sociabilidades e modernização da cidade de
Bauru.
Como se verá, a presença dos “cariocas” foi importante uma vez que eram
atuantes socialmente, embora não fosse um contingente tão expressivo dentro da
ferrovia. Importante que se diga que seu número era inferior ao dos paulistas vindos
de diversas partes do estado e dos paulistanos oriundos da capital. Porém, no
imaginário social da cidade, permaneceu a idéia de que foram os mais importantes e
gozavam de grande distinção social.
Mais tarde, a partir de 1921, com a centralização em Bauru da Oficina Central
houve o deslocamento para a cidade de um grande número de operários e
funcionários. Ampliou assim o número de pessoas vindas de diversas partes do
Brasil para Bauru disputarem um emprego. Na análise das fichas dos funcionários
da EFNOB percebeu-se um caso interessante e esclarecedor sobre a importância da
EFNOB para a cidade de Bauru e para outras partes do país: um funcionário era
contratado e trazia outras pessoas do seu círculo familiar para trabalharem na
ferrovia.
20
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL. Relatório da Diretoria referente ao exercício de
1921. Bauru. Centro de Memória regional UNESP/RFFSA.
21
NEVES, C. História da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Bauru,o Paulo: Tilibra, 1958, p. 94.
22
Diversas matrículas de funcionários da Noroeste do período estudado são do estado do Rio de
Janeiro e algumas da cidade do Rio de Janeiro, à época, Capital Federal do Brasil. REDE
FERROVIÁRIA FEDERAL (BAURU), matrícula 216, Alcindo Ferreira da Cunha, Rio de Janeiro,
Terezopolis, nomeação 1913; matrícula 14, Álvaro Pinto Mendes, Rio de Janeiro, Nictheroy,
nomeação 1914; matrícula 173, Raul Marques Negreiros, Rio de Janeiro, Nictheroy, nomeação 1914;
matrícula 151, Marino Marques Sobrinho, Rio de Janeiro, Barra Mansa, nomeação 1916; matrícula
114, Jorge Pimentel Pinto, Rio de Janeiro, Neves, nomeação 1918; matrícula s. nº Alarico Leon da
Silveira, Rio de Janeiro, Distrito Federal, nomeação 1922; matrícula 24, Antonio Augusto de Faria, Rio
de Janeiro, Vargem Alegre, nomeação 1923; matrícula 3, Ademar Benévolo, Rio de Janeiro, Distrito
Federal, nomeação 1930; matrícula 16, Américo Marinho Lutz, Rio de Janeiro, Distrito Federal,
nomeação 1937. Marinho Lutz foi diretor da Noroeste de 1937 até 1946 e de 1951 até 1954
mostrando ser homem de confiança de Getúlio Vargas dentro do Exército onde fez carreira. Entrou na
Noroeste como coronel e terminou sua atuação junto à ferrovia como general.
18
Foi o caso de João de Deus da Graça Leite
23
, da cidade de Anadia do Estado
de Alagoas que ingressou na ferrovia em 14 de agosto de 1918, como sub-contador.
Em 1926, já em Bauru, trouxe o parente José da Graça Leite
24
morador da mesma
cidade de Alagoas, que entrou na ferrovia em 16 de setembro de 1926 no cargo de
auxiliar de escrita.
A partir de 1917, os profissionais dessa ferrovia tornaram-se funcionários
públicos federais, com vantagens materiais e sociais que o cargo propiciava,
adquirindo, assim, status social distinto dos demais habitantes da cidade. Esses
profissionais diferenciados impuseram novas formas de sociabilidades,
competências técnicas e atuação profissional. Os bauruenses logo percebiam a
diferenciação nas relações sociais e culturais possibilitadas pela chegada dos novos
funcionários vindos de todas as partes do Brasil.
Em 1924, o jornalista Brenno Ferraz, em seu livro Cidades Vivas tratava da
presença desses funcionários em Bauru, enfatizando o papel que tiveram na
modernização da cidade e na introdução e exercício de novas sociabilidades
25
.
Importante destacar que a política local fora marcada pela decadência das antigas
lideranças do Partido Republicano Paulista (PRP) desde o início da década de 1910.
Desgastadas pela disputa presidencial de 1910 que dividiu o PRP bauruense entre
Hermistas e Civilistas
26
bem como por contendas patrimoniais com a Igreja Católica,
acabaram por permitir a ascensão de novas lideranças representadas por Rodrigo
Romero, juiz de direito e Eduardo Vergueiro de Lorena, promotor público designado
para o processo crime do assassinato de Azarias Leite que governaram a cidade até
a Revolução de 1930.
23
REDE FERROVIÁRIA FEDERAL (BAURU), matrícula nº 100.
24
REDE FERROVIÁRIA FEDERAL (BAURU) matrícula nº 107.
25
FERRAZ, B. Cidades Vivas – Sorocabana, Noroeste e Grupo Jahuense. São Paulo: Monteiro
Lobato & Companhia Editores, 1924. É provável que o título da obra de Brenno Ferraz seja uma
menção a obra de Monteiro Lobato Cidades Mortas onde o escritor critica a decadência das cidades
do Vale do Paraíba, apesar do café e das ferrovias. É possível que por estarem diretamente
envolvidas com a cidade, as elites bauruenses não tivessem percebido as mudanças apontadas pelo
jornalista.
26
VICENTE, M. M. Os partidos políticos em Bauru de 1930 a 1937. Dissertação de Mestrado. Assis,
Unesp, 1987.
19
Coronéis, engenheiros e mudanças de rumos da “EFNOB”:
modernização de Bauru e as novas sociabilidades.
O contexto político, social e econômico do Brasil nos anos de transição do
Império para o regime republicano foi de crise institucional devido a vários
acontecimentos encadeados e que necessitavam soluções isoladas e conjuntas:
abolição da escravidão, afluxo de capitais externos em grande quantidade, em
especial ingleses, chegada dos imigrantes europeus, surgimento do mercado de
trabalho remunerado e o início da industrialização
27
, que no início foi incipiente e
ligada à produção de artefatos ligados ao café.
Dentro deste contexto de transição política com uma mudança de regime
Império-República e de incremento na infra-estrutura com os troncos ferroviários,
além das grandes transformações que tomou conta da Capital Federal e da
Província-Estado de São Paulo, em Bauru, percebeu-se também no período
estudado, uma importante transição. A atuação política social dos Coronéis cedeu
lugar aos engenheiros na construção de representações da modernização da cidade
e das novas sociabilidades.
Coronéis bacharéis, conhecedores das leis, geralmente advogados ou
rábulas
28
, detentores de patentes de coronel da Guarda Nacional, foram
personagens de grande poder político durante a transição Império-República e na
República Velha. Conservadores no trato da economia estavam ligados à agricultura
de exportação, mostravam-se refratários às mudanças que aconteciam rapidamente
após a proclamação da República. Pensavam o café e a propriedade fundiária como
eternos geradores de lucros.
Em Bauru e na região coberta pela EFNOB, durante o período estudado, o
mais importante, dentre os coronéis existentes, foi o Cel. Manoel Bento da Cruz.
Nasceu no Rio de Janeiro em 1875 onde fez os seus primeiros estudos, concluindo-
os no Colégio Dom Pedro II. Embora não desse seqüência aos seus estudos apesar
da preferência pelo Direito, atuou na área sem o diploma de advocacia. Falava
várias línguas como inglês, francês, italiano e espanhol e seu primeiro cargo foi o de
tradutor da Comissão do Planejamento da Vargem do Carmo, bairro do Braz em São
27
SEVCENKO, N. Literatura como Missão. Tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
São Paulo: Companhia das Letras, 2ª ed., 2003, p. 22.
28
FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 1ª Edição. 15ª Impressão, sem data, p. 1180. (Do latim rabula) Substantivo masculino. 3.
Brás. Indivíduo que advoga sem possuir diploma.
20
Paulo
29
. Em sucessivas mudanças, se dirigiu para São Pedro de Piracicaba, São
Carlos do Pinhal e em São José do Rio Preto foi trabalhar como advogado
provisionado e nomeado Curador de Órfãos. Em 1905 percebeu a potencialidade
das terras do novo Oeste paulista como frente de ocupação pioneira de plantação do
café. Isso mostrava a possibilidade aos homens de visão como ele de fazer fortuna
com esse produto agrícola.
Junto aos seus pares, dispunha de uma representação de modernidade que
trazia da Capital Federal e, com isso, tinha muito prestígio e influência na região
noroeste e na cidade de Bauru. Envolvendo-se na compra e venda de terras e na
política como chefe civilista do Partido Republicano Paulista, foi eleito vereador em
1911 e prefeito de Bauru em 1913. Sua tentativa de chefiar a política bauruense nos
moldes ditados à época deveu-se ao seu poder econômico aliado ao conhecimento
e prestígio que possuía junto a cúpula da EFNOB aproveitando-os para obter
vantagens pessoais:
Quando a Noroeste estava aberta, com paralelas de aço alcançando o
Estado de Mato Grosso, os engenheiros e altos funcionários tinham como
ponto de pouso a residência de Bento da Cruz, em Penápolis. Enviavam-lhe
telegramas assim: “Cruz. Chegaremos às tantas horas. Apronte a bóia.”
Essas refeições fizeram época. Eram serviços, com requinte, os mais
variados pratos da cozinha brasileira, regados com excelentes vinhos
estrangeiros e o indefectível champanha francês.
30
O coronel Manuel Bento da Cruz, com a sua visão particular e acreditando na
idéia de modernização da cidade, como chefe do executivo municipal, buscou
colocar a cidade em sintonia com o que havia de mais moderno nas áreas públicas
de São Paulo e Rio de Janeiro. Começou com a remodelação da praça central. De
certa forma, essa proposta de modernização só pôde ser executada devido à
presença de um meio de transporte eficiente à época que era a ferrovia responsável
por trazer para o interior o material necessário para a remodelação da praça como
paralelepípedos, luminárias, artefatos de ferro, ponte e detalhes em concreto
imitando toras de madeira, vindos especialmente da Capital Federal.
Manuel Bento da Cruz enfrentou a Igreja católica que não aceitou receber o
que lhe foi proposto a título de indenização. A praça em questão abrigava a capela
29
ORENTINO, M. Cel. Manuel Bento da Cruz. Apontamentos biográficos. Araçatuba: São Paulo,
Norograf -Tipografia Noroestina Ltda, 1ª ed., 1968, p.23.
30
ORENTINO, M. op. cit. p. 32.
21
original de 1897 e estava ameaçada de desabamento. Mesmo assim, a
administração da igreja não concordava com a sua demolição por ser dona do
aforamento da cidade e das terras urbanas através da Fábrica da Matriz do Divino
Espírito Santo
31
.
Por ordem do coronel, a capela e seu entorno foram declarados de utilidade
pública em 19 de julho de 1913 e a construção que ameaçava ruir, demolida
rapidamente
32
.
Com um projeto arrojado para a época, a nova praça serviu aos eventos
mundanos e seguiu as linhas românticas influenciadas pela idéia de modernização
do coronel Manuel Bento da Cruz:
Os elementos em ferro fundido, como coretos e bancos jamais serão
igualados em qualquer espaço público da cidade.
A iluminação era feita por postes decorativos com lâmpadas a arco voltaico
em qualidade e quantidade maior que em outro local.
O grande lago com capacidade para 337.000 litros era maior que o
reservatório para o fornecimento d’água à população. A vegetação
implantada, exótica, de origem européia, cria intencionalmente forte
contraste com as matas ainda existentes ao redor da cidade
33
.
Esta demonstração de força do antigo coronel lhe custou a perda do poder
político na cidade de Bauru a um líder civilista, o major Antonio Gonçalves Fraga, fiel
à família Almeida Prado de Jaú
34
. Porém, a maior modernização trazida pelas
ferrovias, em especial pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, foi, então,
controlada pelo engenheiro carioca Joaquim Machado de Mello
35
.
Construtor da Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil tornou-se
seu presidente e a administrou de forma temerária: construiu a estrada pelos fundos
de vale, pelos caminhos mais longos; não empedrou o leito da ferrovia diminuindo a
durabilidade dos dormentes que deveriam suportar os trilhos, prejudicando a
31
GHIRARDELLO, N. Aspectos do Direcionamento Urbano da Cidade de Bauru. Dissertação de
Mestrado, São Carlos, USP, 1992, p. 121.
32
Ibidem, p. 123.
33
Ibidem, p. 125.
34
VICENTE, M. Op. cit., pp. 47-48.
35
NEVES, C. História da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, São Paulo: Tilibra, 1958, p. 40-41 “ O
Dr. Joaquim Machado de Mello nasceu em 03 de maio de 1856. Em 1871 seguiu para a Bélgica onde
estudou no Colégio Peperich, em Bruxelas, matriculando-se na Escola de Gand em 1874, onde se
formou em engenharia com alguns distintos brasileiros que tiveram projeção na vida e
desenvolvimento de nosso país, como Sales de Oliveira, Belfort Duarte, Miranda de Azevedo, Artur
Montmorency, Alfredo Maia e Justiniano Lisboa (...) Durante a administração do prefeito Pereira
Passos, Machado de Mello, fez todas as demolições para a remodelação da cidade do Rio de
Janeiro...” As mesmas informações biográficas constam, com algumas alterações no “Correio de
Bauru”, anno I, nº 84, 25/10/1917, p. 2.
22
segurança. Colocou trilhos mais leves e baratos de 20 kg por metro corrente, não
construindo estações adequadas para o tráfego de passageiros, não construiu as
obras de arte, ou seja, as pontes e viadutos, bem como não fez os cortes e aterros
necessários,
36
administrando uma empresa ferroviária do porte da Noroeste a partir
da Capital Federal, a mais de 755 km de distância. Contudo, devido ao seu poder
social e econômico, tornou-se presidente da ferrovia Noroeste, quando esta foi
estatizada devido aos graves problemas financeiros que enfrentava.
Na encampação da EFNOB pelo governo republicano de Wenceslau Braz em
1917 o jornal Correio de Bauru estampou a notícia do ocorrido, mas para não
melindrar o engenheiro presidente o fez de forma discreta:
Tendo o governo de acordo com a autorisação legislativa e com os
interesses da Companhia, determinado a encampação da Estrada de Ferro
Noroeste do Brazil, cumpro o dever, na qualidade de seu Presidente, de
levar ao conhecimento de todo o pessoal da Estrada esta deliberação,
recomendando que se mantenham fieis nos seus postos e que aguardem
confiantes a nova reorganização que trará forçosamente alguma
modificação para a unificação das duas Estradas de Ferro em uma só. A
Administração que for indicada pelo governo saberá, estou certo, resguardar
os direitos adquiridos de cada um, distinguindo pela sua capacidade e
honestidade. Eu continuarei sempre amigo do pessoal que me acompanhou
até agora.
Saudações. Assignado. Machado de Mello Presidente.
Accusae como de costume por carta.
Bauru, 15 de dezembro de 1917. M. Brandão
Chefe do Tráfego
37
.
Joaquim Machado de Mello mostrou sua perspicácia para os negócios e sua
influência social no episódio de 1917.
Recebeu vultosa quantia pela encampação e foi acusado pela Revista Brasil
Ferro Carril e por carta do engenheiro Emílio Schnoor
38
de negociata pelo
36
GHIRARDELLO, N. À beira da linha – Formações Urbanas da Noroeste Paulista: Unesp, 2002, p.
36-37 “...Embora a Companhia recebesse pelo quilômetro de linha construído, deve-se observar que
o prolongamento máximo do percurso não resultava em lucro apenas pelo aumento da
quilometragem da estrada, como habitualmente se pensa. Os ganhos advinham muito mais do desvio
constante de pontos e trechos onde haveria necessidade de obras-de-arte caras e sofisticadas, além
de cortes e aterros.”
37
Correio de Bauru, anno II, nº 91, 16/12/1917, p. 2.
38
NEVES, C. Historia da estrada de ferro Noroeste do Brasil. Bauru, São Paulo: Tilibra, 1958, p. 31. “
Em abril de 1903, o engenheiro Emílio Schnoor publicou o “Memorial do Projeto da Estrada de Ferro
a Matto Grosso e Fronteira da Bolívia”. O grande engenheiro aconselhava a conveniência da ligação
do Atlântico ao Pacífico pela via ferroviária.”
23
recebimento por obras não realizadas como a ponte sobre o Rio Paraná e a ponte
Francisco de Sá
39
.
Apesar de permanecer fora da ferrovia, após a encampação, o ex-presidente
da Noroeste quis levar vantagens pessoais outra vez, ao tentar arrendar a EFNOB
do Brasil, valendo-se de sua teia de relacionamentos entre os políticos nacionais:
NOROESTE DO BRASIL
Syndicato Nacional dará auxilio ao engenheiro Joaquim Machado de Mello,
ex-presidente da E.F. Noroeste do Brasil para arrendar a Estrada de Ferro.
...É provável que tal arrendamento seja levado a effeito, pois sendo o snr,
Dr. Machado de Mello amigo intimo do actual Ministro da Viação, snr. Dr.
Francisco de Sá tudo faz prever que o governo Federal não é extranho a
este movimento...
40
.
Apesar de todo o acontecido na administração da EFNOB do Brasil o
engenheiro Machado de Mello conseguia articular facções políticas para a obtenção
de vantagens pessoais. Para isso valeu-se da máquina administrativa e de seu
capital social construído desde os princípios da República.
Foram essas pessoas, o coronel Manuel Bento da Cruz e o engenheiro
Joaquim Machado de Mello, que a partir de interesses pessoais e do capital gerado
pelo café que procuraram dar a Bauru uma face moderna.
É possível que o engenheiro Machado de Mello, devido a sua trajetória
pessoal e profissional, representasse os interesses dos capitais franco-belga
investidos na construção da EFNOB não se preocupando com a sua importância e
alcance, como um investimento que trouxesse benfeitorias para a sociedade
brasileira. De acordo com as atitudes tomadas frente à administração da ferrovia,
presume-se que não tinham uma visão nacionalista de desenvolvimento como a que
seria adotada por representantes do governo de Getúlio Vargas e de seu grupo
político na condução da ferrovia. Não se preocupavam em aglutinar a massa
anônima em torno de um projeto industrialista que se identificava com uma alta
cultura transmitida por um sistema educacional
41
, como foi realizado durante a Era
de Vargas (1930-1945). Portanto, a má administração da Noroeste que a levou à
encampação teve relação direta com essa visão administrativa que se preocupou
apenas com interesses pessoais e externos.
39
PELEGRINA, G. R. Memórias de um ferroviário. Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 58-61.
40
O Bauru, anno XVII, nº 870, 21/01/1923, p.1.
41
GELLNER, E. O Nacionalismo e a ordem internacional, p. 35-39. In: Dos Nacionalismos, Rainho &
Neves, Ltda. / Santa Maria da Feira, 1998.
24
Contudo, como ele viabilizou a implantação da Noroeste, foi visto como um
homem de importância pela sociedade local. Tanto que os jornais da época
noticiavam os deslocamentos constantes das pessoas nos trens como grandes
acontecimentos sociais, como O Bauru na sua coluna social chamada Vida Social.
Dentro dela os viajantes tinham um tratamento especial com destaque da coluna
chamada de Hospedes E Viajantes. Contudo, destaque especial recebeu Machado
de Mello, que ao se movimentar pela zona Noroeste do Estado, como presidente da
estrada de ferro teve um tratamento diferenciado:
Dr. Machado de Mello
Em carro reservado, ligado ao nocturno da Sorocabana, chegou nesta, no
dia 28 o sr. Dr. J. Machado de Mello, acompanhado do sr. Joaquim
Mendes
42
.
Ou então, na qualidade de presidente da estrada de ferro, ter tido um
destaque de executivo de uma grande empresa:
Companhia Noroeste
Durante a semana finda foram inauguradas as novas estações de
Araçatuba e de Penápolis.
Por esses dias deverá chegar à nossa cidade o sr. Dr. Joaquim Machado de
Mello, presidente da Companhia
43
.
Além de engenheiro, empreiteiro e presidente da ferrovia não se rogava em
utilizar-se dos seus contatos para ampliar sua rede social, bem como tratar de
incentivar a criação de agências bancárias na zona Noroeste como o noticiado
abaixo no jornal O Dilúculo
44
que como todos os outros jornais pesquisados deram
destaque à movimentação pela zona Noroeste e em especial para os dirigentes e
trabalhadores da EFNOB:
Dr. Machado de Mello
Afim de assistir a instalação do Banco São Paulo Matto Grosso esteve na
cidade em dias da semana passada o sr. Dr. Machado de Mello Presidente
da Companhia Estrada de ferro (sic) Noroeste
45
.
A história de Machado de Mello com a E. F. Noroeste do Brasil começou após
os estudos definitivos para a construção desta ferrovia, em 1905, e o início das
42
O Bauru, anno XII, nº 542, 10/03/1918, p.1.
43
O Bauru, anno XII, 543, 17/03/1918, p.2.
44
O referido jornal circulou entre os anos de 1916 e 1918.
45
O Dilúculo, anno I, nº 29, 01/10/1916, p. 2.
25
obras que fora empreitada à Companie Generale de Chemins de Fer Travaux
Publics. Foi esta empresa de capital franco-belga que o contratou.
Apesar de ser considerada uma estrada de ferro diferente, como salientado
anteriormente, de penetração estratégica e não apenas de cunho econômico
46
, ela
foi construída para ter o menor custo de construção e para dar o maior lucro possível
para as partes envolvidas. Depois da encampação da E. F. Noroeste do Brasil a
ferrovia teve que ser inteiramente refeita para o seu bom funcionamento e segurança
dos passageiros.
Dentro deste contexto, outro engenheiro se destacou por tentar imprimir uma
racionalidade administrativa na E. F. Noroeste do Brasil. Trata-se do engenheiro
Arlindo Gomes Ribeiro da Luz
47
, ou Arlindo Luz, como passou a ser conhecido na
cidade. Pelas atitudes tomadas durante a época em que foi diretor da EFNOB e, em
especial pela maneira como se desligou da administração da mesma, mostrou uma
sintonia com certo nacionalismo nascente
48
e que deixaria suas marcas no país
tempos depois. Tal afirmação confirma-se por ter sido ele responsável pela
transferência administrativa da ferrovia, com seus funcionários, procedentes da
Capital Federal e a ampliação e modernização das oficinas que, como dito, propiciou
o desencadear de novas sociabilidades na cidade.
Ao redigir o Relatório referente ao exercício de 1921 da E. F. Noroeste do
Brasil, ele realizou uma peça administrativa de prestação de contas como nunca
tinha sido feito, com gráficos coloridos, extenso material fotográfico que ressaltavam
suas realizações destacando o aspecto moderno das mesmas.
46
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL, Relatório referente ao exercício de 1906. Bauru.
Annexo 4. “Orientação à Companhia Noroeste do Brazil, destina-se a levar a estrada de ferro a
Bahuru, ponto terminal da Sorocabana no Estado de São Paulo, a Cuyabá, capital do Estado do
Matto Grosso. Trata-se de linha de penetração, de longo curso no intuito de ligar o grande empório
commercial do porto de Santos à região Central, ao coração do Brazil e com o escopo da maior
utilidade política e estratégica(...)
47
NEVES, C. Op. cit., p. 140. Arlindo Gomes Ribeiro da Luz foi diretor da EFNOB do Brasil de 14 de
outubro de 1918 até 28 de novembro de 1922.
48
Ainda que sobre esta questão, Hobsbawm tenha afirmado que a base dos “nacionalismos” que
pululavam em diferentes nações era a mesma: “era a presteza com que as pessoas se identificavam
emocionalmente com ‘sua’ nação e podiam ser mobilizadas, como tchecos, alemães, italianos ou
quaisquer outras, presteza que podia ser explorada politicamente.” ver HOBSBAWM, Eric. A Era dos
Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 204. No caso brasileiro, a pesquisa indicou a
importância atribuída ao sentimento “nacionalista” de parte de uma elite brasileira que reivindicava
maior poder sobre o capital estrangeiro e liberal, visto que o socialismo não seria temido como um
sistema político e econômico suficientemente ameaçador por não haver uma expressiva e necessária
adesão das nossas elites.
26
Apesar da importância deste diretor engenheiro para a EFNOB e das notícias
sobre a sua administração terem sido amplamente favoráveis nos órgãos de
imprensa, poucas são as informações sobre ele por meio das fontes pesquisadas.
Por outro lado, é importante destacar que para as elites e segmentos da
sociedade bauruense da época a melhora nos serviços da ferrovia representou,
também, maior acesso ao consumo de teor cultural, como filmes, revistas de
divulgação, jornais, que chegavam à cidade através da ferrovia, de forma rápida,
com preços melhores.
Segundo os jornais, à época da atuação de Luz como diretor houve grande
entusiasmo na cidade devido às suas realizações administrativas:
Dr. Arlindo Luz
Para a felicidade da Noroeste e consequentemente, para a garantia do
progresso de todas as localidades da vastíssima região servida pela
estrada, o notável engenheiro Arlindo Gomes Ribeiro da Luz continua no
espinhoso cargo de confiança e de honra, que lhe depositou em boa hora o
Governo de dirigir uma das mais importantes estradas de ferro do país
49
.
Várias outras notícias foram veiculadas sobre Arlindo Luz, todas elogiosas
como que pedindo ao administrador a continuidade de um bom trabalho como se vê
abaixo:
Melhoramentos na Noroeste
Chegaram os novos trilhos belgas que serão colocados por obra e engenho
do snr. Arlindo Luz que traçou um programa de reconstrucção da Estrada
50
.
Dr. Arlindo Luz
A 16 do corrente (setembro) o snr. Dr. Arlindo Luz digníssimo Director da
Estrada de Ferro Noroeste do Brazil, comemorará a passagem do seu
anniversário natalício
51
.
Assim que assumiu, porém, descreveu ao ministro da viação J. Pires do Rio,
a situação em que encontrou a EFNOB, no relatório referente ao ano de 1921 em
que declarava:
Exmo. Sr. Ministro:
Ao assumir V. Exa. a pasta da Viação e Obras Publicas a Noroeste achava-
se ainda absolutamente desapparelhada para attender a seus objectivos.
Linha sem dormentes de Baurú até Porto Esperança; trilhos fraquíssimos e
em extremo gastos no trecho da antiga Baurú-Itapura; estações quase
todas provisórias, de madeira já apodrecida, sem áreas para abrigar as
mercadorias desembarcadas ou a embarcar; material de tracção e de
49
O Bauru, anno XV, nº 686, 09/01/1921, p.1.
50
O Bauru, anno XV, nº 723, 28/07/1921, p.1.
51
O Bauru, anno XV, nº 741, 15/09/1921, p.1
27
transporte insufficente e em mau estado de conservação; falta de officinas e
de abrigos para o material rodante; ausência de ponte sobre o Rio Paraná,
determinando o estrangulamento do trafego entre São Paulo e Matto
Grosso; pontes provisórias sobre innumeras travessias, em muitas das
quaes os trilhos são lançados sobre simples fogueiras de dormentes (...)
(...) falta de disciplina em grande parte do pessoal cujos quadros se
achavam em phase de reorganização e adaptação conseqüentes à
incorporação da linha Baurú-Itapura, encampada em 1918, à Itapura-
Corumba, já de propriedade do Governo e por ella administrada; tudo influía
para os serviços de trafego, apezar dos esforços da administração se
fizessem com graves irregularidades, sem pontualidade e sem segurança,
ameaçando de ruína a grande fortuna particular empenhada na exploração
industrial de uma das mais férteis regiões da nossa pátria
52
.
Arlindo Luz ficou, de acordo com o relato citado, abismado com a situação da
E. F. Noroeste do Brasil e com todos os tipos de irregularidades que encontrava: do
desaparelhamento da ferrovia até a falta de dormentes, trilhos fracos, estações
provisórias, ausência de pontes, em especial sobre o Rio Paraná, falta de empenho
e competência do pessoal envolvido na administração.
Todas essas irregularidades, de acordo com o que foi citado por Luz, quase
puseram a perder a própria existência da ferrovia. Da maneira em que se encontrava
não conseguia explorar uma região riquíssima que fora desbravada com o capital
particular. Há pouco tinha sido estatizada e passava a funcionar com capital estatal,
merecendo por parte do diretor engenheiro mais atenção para não perder ou desviar
recursos estatais tão preciosos para o desenvolvimento do país.
O relatório citado indica as reformas feitas na ferrovia, às obras-de-arte
(elevações e viadutos) em concreto, as grandes modificações. Contudo, é possível
que as críticas tenham sido feitas para valorizar o seu trabalho como diretor e
desqualificar a presidência de Joaquim Machado de Mello.
Em fotografia de 1919, em posição de destaque e demonstrando estar em
evidência, observa-se Arlindo Luz, o diretor que teve a incumbência de desfazer os
erros na construção da E. F. Noroeste do Brasil.
53
52
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL. Relatório referente ao exercício de 1921. Bauru,
p.3.
53
De acordo com notícia publicada no jornal O Avaiense, que afirmava terem sido permitidas
trapaças e desvios de verba o que trouxe prejuízos para o transporte de mercadorias e passageiros.
28
Figura 01 – Arlindo Luz (centro círculo vermelho) e os funcionários da Noroeste do Brasil em 1919
O Avaiense, ano II, nº 15, junho de 2006, p. 2.
As reformas e medidas realizadas foram importantes, mas, se tivesse havido
um resultado considerado excepcional, a ferrovia não passaria por problemas futuros
e teria funcionado a contento. O que não foi o caso, pois na década de 1930,
durante a administração do Major Américo Marinho Lutz (1937-1946) novamente
fora reiteradas vezes noticiado o problema de transporte na Noroeste:
A premente falta de transportes na NOB foi hontem discutida na reunião de
representantes das Associações Commerciais da Zona
54
.
Importantes as reformas que demonstraram certo desmazelo pela ferrovia
por parte dos antigos administradores
55
.
Urgia a remodelação da via ferra que fora factor primordial desse enorme
desenvolvimento agora a pique de ser ella mesma entravada mercê de sua
installação absolutamente provisória incompatível com o surto de progresso
que invadira a zona feracíssima entre Baurú e o rio Paraná e com os altos
objectivos nacionaes e internacionaes da grande Noroeste.
(...) sentimo-nos felizes em affirmar que as ordens de V. Exa. pela
remodelação da Noroeste foram cumpridas com inexcedível esforço por
todo o pessoal que aqui nos auxilia e que a obra de patriotismo
emprehendida nesse sentido pelo Governo é attestada pelo applauso forte e
unânime de todas as populações regionaes.
54
Folha do Povo, anno V, nº 525, 22/05/1938, p.5.
55
É fato que as fontes revelam dados que servem de suporte, porém devem ser tomadas de forma
crítica. Para este caso, as afirmações foram prestadas por um crítico das administrações anteriores,
ainda que as pesquisas feitas para a presente dissertação tivessem levantado indícios de que o
funcionamento da EFNOB não foi primoroso em nenhum dos momentos pesquisados. Foi comum
acontecerem críticas pelo seu mau funcionamento.
29
SOBRE A ADMINISTRAÇÃO EM BAURÚ
Ao assumirmos a Directoria da Itapura-Corumbá, hoje denominada
Noroeste do Brasil, pela incorporação da Baurú-Itapura, encontramos no Rio
de Janeiro os escriptorios da Directoria e da Contabilidade. Não convindo ao
interesse publico essa situação, obtivemos desse Ministério auctorisação
para mudal-os definitivamente para Bauru; essa mudança effectivou-se com
resultados benéficos que prevíamos.
ORGANIZAÇÃO INTERNA DOS SERVIÇOS DA ESTRADA
Ao lado da desorganização dos serviços de trafego pelas más condições da
linha e do material rodante, verificavam-se nos serviços internos da Estrada
anomalias graves que urgentemente deviam ser corrigidas. Os trabalhos de
Contabilidade, exceptuados os da Thesouraria, sempre em dia e
rigorosamente exactos, eram incompletos e achavam-se em grande atrazo,
a escripturação do Almoxarifado nunca fora feita; os serviços de pagadoria
apresentavam irregularidades gravíssimas e faziam-se (excepto para o
pessoal de ecriptorio do Rio) com atrazo de cinco a seis mezes; nas
divisões do Trafego, Linha e Locomoção essa desorganização central se
reflectia inutilisando todos os esforços dos engenheiros que no campo, sem
pagamento para o pessoal e sem o Almoxarifado para fornecimento de
materiaes, não podiam impedir a ruína da Estrada, que aliás, eram os
primeiros a reconhecer e proclamar.
VIA PERMANENTE
Para dar estabilidade à linha foram desde logo assentadas providencias
urgentes e de grande vulto, que vêm sendo executadas e dentre as quaes
sobressaem a substituição intensiva de dormentes desde Baurú até Porto
Esperança, a aquisição de trilhos de 32 kl por metro linear destinados a
substituição dos de 20 kilos existentes nas grandes travessias de Matto
Grosso
56
.
Como ex-membro da inspetoria das estradas de ferro, Arlindo Luz, ao que
parece, preocupou-se com a remodelação de amplos setores da E. F. Noroeste do
Brasil. Quer na organização interna dos serviços da ferrovia, quer na administração
da via permanente e tráfego, fazendo questão de ressaltar a importância para o país
o saneamento de tais problemas. Obtiveram-se alguns sucessos, de acordo com o
que ele próprio relatou, vale ressaltar que a ponte sobre o rio Paraná, apesar de ter
sido projeto da sua administração, só foi concluída em 1926.
Com as devidas ressalvas, já levantadas, é provável, que a administração
anterior da ferrovia tenha construído a EFNOB apenas para lucrar com ela sem a
menor preocupação com a segurança e a eficácia do transporte ferroviário em si.
O quadro apresentado nos relatórios assinados por Arlindo Luz era realmente
caótico e demonstrou certa evolução no saneamento de uma série de problemas
que foram discutidos pelas fontes pesquisadas ao longo do período estudado.
Mostraram, ainda, terem sido importantes para o desenvolvimento de uma nova
56
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL. Relatório referente ao exercício de 1921. Bauru,
p.4-7.
30
relação entre os habitantes da cidade de Bauru e a ferrovia: a vinda dos escritórios
para a cidade e a construção das novas Oficinas.
Uma prova do prestígio de que gozavam os diretores de estradas de ferro,
como no caso de Arlindo Luz a frente da EFNOB, foi o recebimento de uma grande
honraria: a realização de um grande banquete em sua homenagem.
Os banquetes apresentaram-se como uma prática comum entre as elites
políticas e econômicas na cidade e foram realizadas com certa freqüência. Essa
prática reafirmava os laços de solidariedade entre os participantes, dava status
social e servia, também, para a solicitação de reivindicações e vantagens pessoais
ou dos grupos interessados. Em virtude da importância e destaque que receberam
estes eventos, por meio dos jornais pesquisados, as questões políticas e sociais que
eles encerravam remeteram ao questionamento sobre o ato de comer em público a
partir de uma espécie de cerimonial.
De acordo com Laraia, entre os latinos tal ato se apresenta como um
“verdadeiro rito social, segundo o qual, em horas determinadas, a família deve toda
sentar-se à mesa, com o chefe à cabeceira, e somente iniciar, em alguns casos,
após uma prece”.
57
Para o caso dos banquetes oferecidos às personalidades, estas
ocupavam os lugares centrais ou de destaque e, não raro, proferiam discursos de
agradecimento pela ocasião e sobre suas pretensões ou feitos políticos.
A notícia sobre uma homenagem ao político bauruense Eduardo Vergueiro de
Lorena, do diretório local do Partido Republicano Paulista, quando da sua eleição
para deputado Estadual pelo 5º Distrito deixa clara a importância política do
banquete como evento social:
Banquete ao Exmo. Sr. Dr. Eduardo Vergueiro de Lorena
Os amigos e admiradores do exmo Sr. Dr. Eduardo Vergueiro de Lorena, a
quem não só esta terra como também a zona Noroeste devem incalculáveis
benefícios, desejando offerecer-lhe um banquete, em regozijo pela sua
eleição para Deputado Estadual pelo 5º Districto
58
.
57
LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 74.
58
Ao constar a informação de que várias pessoas são devedoras de “incalculáveis benefícios”
recebidos por intermédio do referido político, recentemente eleito, ficaram claras as intenções
políticas dos banquetes. E, ao mesmo tempo, por serem noticiadas com a freqüência percebida pela
análise das fontes – jornais -, nota-se a relevância social do homenageado bem como dos seus
convivas. O Bauru, anno XVIII, nº 1012, 12/06/1924, p.1.
31
A realização do banquete ao engenheiro diretor da ferrovia Arlindo Luz
confirmava o prestígio social do homenageado e dava visibilidade de seu poder aos
membros do escol que confirmavam sua presença e dele participavam.
Dr. Arlindo Luz
Conforme foi noticiado por essa folha, o banquete que as prefeituras
municipaes da Zona Noroeste irão offerecer ao estimado cidadão sr. Dr.
Arlindo Luz, director da Noroeste do Brasil, ficou marcado par o dia 17 do
corrente mez (dezembro)
59
.
Figura 02 – Banquete realizado em homenagem ao engenheiro Arlindo Luz (centro círculo vermelho).
A foto reproduzida dá a idéia do grande número de pessoas de destaque na sociedade local, bem
como da imponência do encontro. Observa-se a ausência de mulheres, o que demonstra que um
local para conchavos políticos desta natureza apenas homens transitavam.
Aderiram várias autoridades ao banquete de Arlindo Luz:
Até a presente data adheriram a esta justa e merecida homenagem, além
dos srs. Prefeitos Municipaes Heitor Maia de Bauru; Ozório Machado de
Avahy; Dr. J. Meirelles Netto de Pirajuhy; Dr. Urbano Telles de Menezes e
Albuquerque de Lins e Andrelino Vaz de Arruda de Pennapolis, os snrs. Dr.
Raul Renato Cardoso de Mello, Dr. Luiz Pisa Sobrinho, Dr. Francisco
Giraldis Filho, Dr. João Maringoni, Dr. Beraldo de Toledo Arruda, Dr. J.
Maria Rodrigues Costa, Dr. Almerindo Cardarelli e Dr. Virgílio de Toledo
Malta.
59
O Bauru, anno XV, nº 763, 04/12/1921, p.1.
32
A lista de adhesões a qual poderão concorrer todos os amigos do digno e
estimado Director da Noroeste do Brasil, acha-se em poder do sr. Heitor
Maia Prefeito Municipal desta cidade
60
Dr. Arlindo Luz
(...) Além dos nomes que foram por nós publicados nos números anteriores
encontramos na lista que se acha na Camara Municipal os seguintes: Dr.
José de Castro Goyanna, Major Antônio Gonçalves Fraga, sr. Bento Aguiar
de Souza, sr. Joaquim da Silva Martha, sr. Octaviano Pinto Ribeiro de
Presidente Alves, drs. Eduardo Vergueiro de Lorena e Mauri C. de
Negreiros
61
Ainda na década de 1930, tal prática político-social continuou a existir
denotando uma permanência sócio-histórica da celebração como oportunidade para
conchavos e demonstração de força política de diferentes setores da sociedade
bauruense.
62
Importante destacar que o banquete em homenagem ao engenheiro Arlindo
Luz causou desconforto entre políticos e pessoas que não aceitavam seus métodos
administrativos.
O vereador Gustavo Maciel, auto proclamado líder de um grupo contrário a
Arlindo Luz, demonstrando que o engenheiro-diretor não era unanimidade na cidade
e região, bradou contra a homenagem por ter sido convocada por prefeitos e
vereadores da região que não teriam, segundo o julgamento de Gustavo Maciel,
legitimidade para tanto:
Banquete
Do gabinete do sr. Prefeito Municipal recebemos a seguinte nota:
“Com referencia do banquete que, por iniciativa das Câmaras Municipais da
Zona Noroeste, vae ser offerecido ao sr. Arlindo Luz, o vereador Gustavo
Maciel publicou na imprensa local um artigo que esta não pode deixar
passar sem algumas observações: Depois de reconhecer a justiça da
homenagem, o que aliás não podia deixar de fazer, o Cel. Maciel recusa aos
prefeitos municipaes autoridade para promovel-a e discorda da maneira por
que vae ser feita (...)”
63
.
É provável que a ascensão do diretor da E. F. Noroeste do Brasil
incomodasse políticos da cidade que imaginavam perder espaço com o crescimento
60
O Bauru, anno XV, nº 763, 04/12/1021, p.1.
61
O Bauru, anno XV, nº 764, 04/12/1021, p.1.
62
Em 1937 a Associação Comercial de São Paulo ofereceu um banquete ao então político de
prestígio Armando de Sales Oliveira que fora governador de São Paulo. Este oferecimento ficou
registrado no jornal Folha Do Povo (Folha do Povo, anno 3, nº 242, 28/01/1937) do político e
comerciante bauruense Paulino Raphael, Presidente do Partido Constitucionalista na cidade e da
Associação Comercial de Bauru., p.1. NAVA, M. R. Viagem através das ruas de Bauru, p. 133. Bauru,
1999, sem Editora.
63
O Bauru, anno XVI, nº 766, 22/12/1921, p.1.
33
do seu prestígio. O engenheiro Arlindo Luz após afastar-se da direção da E. F.
Noroeste do Brasil, devido à exoneração a pedido dele próprio, foi nomeado para ser
diretor da Estrada de Ferro Sorocabana no ano de 1924. Apesar de não ter
resolvidos todos os problemas da ferrovia que dirigira, houve muito avanço em
relação à administração anterior. No entanto, tudo indica que havia alguma
incompatibilidade entre Arlindo Luz e alguns políticos da cidade. Porém, ainda
assim, demonstrou seu prestígio e poder ao conseguir uma nomeação para outro
cargo de importância dentro do sistema ferroviário paulista.
Noroeste do Brasil
Tendo solicitado exhoneração de seu cargo, o sr. Dr. Arlindo Luz, passou a
direção da estrada, no dia 01 do corrente (dezembro) ao sr. Dr. Oscar
Guimarães.
O sr. Dr. Arlindo Luz voltara a occupar novamente o lugar de Engenheiro de
1ª Classe da Inspectoria Federal das Estradas de Ferro
64
.
ESTRADA SOROCABANA
O distincto engenheiro sr. Dr. Arlindo Luz, que por longo tempo foi director
da Noroeste do Brasil, acaba de ser director da Sorocabana
65
.
As ferrovias, e em particular a Noroeste, apesar da sua importância, no Brasil
e no Estado de São Paulo, foram projetos inacabados e cheios de imperfeições. A
voz oficial quer através da imprensa, quer através dos relatórios sempre enalteceram
o seu papel e minimizaram os problemas. De qualquer forma, apesar da distância
entre o “oficial” e o “real” foram importantes para a modernização da cidade de
Bauru. Todas elas, ou seja: Estrada de Ferro Sorocabana, Cia. Estrada de Ferro
Paulista e Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
A vinda dos escritórios para Bauru e dos funcionários graduado ou não, como
já mencionado anteriormente, foi de suma importância para a cidade em todos os
níveis: os pagamentos de salários que antes costumavam atrasar em até cinco
meses não mais sofreriam, em tese, estes revezes, pois os trabalhadores da ferrovia
haviam se transformado em funcionários públicos federais. Os engenheiros e outros
funcionários mais graduados passaram a morar na cidade e tinham um perfil
diferenciado da formação educacional e cultural daquela encontrada em Bauru.
Um exemplo que mereceu nota no jornal CORREIO DE BAURU parabenizava
o engenheiro Fernando Freitas Melro pelo seu aniversário e teceu elogios sobre a
64
O Bauru, anno XVI, nº 858, 03/12/1922, p.1.
65
O Bauru, anno XVIII, nº 1014, 19/06/1924, p.2.
34
colaboração ao jornal advindas deste que teria certa notoriedade como membro da
ferrovia.
Formado no Rio de Janeiro, trouxera para Bauru também um novo perfil
social exigido pela Capital Federal: formação superior em engenharia que não
atrapalhava a sensibilidade poética necessária nas reuniões sociais, ao contrário,
colaborava para o seu refinamento.
NOTAS SOCIAES
Anniversarios
Completa amanhã mais um anno de vida, o sr. Fernando Freitas Melro,
distincto engenheiro que há pouco tempo fixou morada em Baurú.
Moço de talento admirado, poeta de finíssimos sentimentos, o
anniversariante a quem dedicamos estas linhas rápidas, si bem que resida
há curtos mezes nesta cidade, logrou conquistar vasto circulo de amigos
dedicados, que lhe offertarão hoje, em regozijo, lauto jantar. Formado pela
Escola Polytechnica do Rio de Janeira, apoz brilhante curso dedica esforço
de sua bella intelligencia, ao corpo technico da Estrada Noroeste do Brasil,
onde occupou o logar de engenheiro residente. A Fernando Melro, pois, que
muito nos devanece (sic) contar na plêiade de nossos collaboradores,
apresentamos effusivos parabéns
66
.
Fazendo parte do corpo técnico da E. F. Noroeste do Brasil e com dois anos
de residência na cidade foi homenageado por seus novos amigos com um lauto
jantar, versão menos opulenta dos banquetes oferecidos para personalidades que
tivessem representatividade política no cargo, como os diretores, o que representaria
gozar prestígio social reconhecido.
Outro indicador desse prestígio: foi à única nota na coluna social encontrada
em toda a pesquisa em que aparece uma fotografia para ilustrar a notícia.
Figura 03 – Engenheiro da E. F. Noroeste da Brasil Fernando Freitas Melro. Esta imagem representa
a única nota social com fotografia em todas as fontes consultadas. Correio de Bauru, anno X, nº
1145, 25/10/1925, p. 02.
66
Correio de Bauru, anno X, nº 1145, 25/10/1925, p.02.
35
Os Reflexos da administração Varguista da “EFNOB”, em Bauru, e o problema
do transporte.
Com a Revolução de 1930, os jornais bauruenses favoráveis ao Partido
Republicano Paulista e hostil à Aliança Liberal, quais sejam, o Correio de Bauru e
Diário da Noroeste, foram empastelados,
67
tiveram destruídas suas dependências e
maquinário e tipos, inutilizados. Começava assim um novo período na condução
política na cidade onde o paradigma getulista deveria ser seguido.
68
Em Bauru as conseqüências foram nefastas para as lideranças ferroviárias
populares com o fechamento do Sindicato dos Ferroviários da E. F. Noroeste do
Brasil acusado de ser comunista. O Delegado regional de Polícia de Bauru e Região
se pronunciou a favor da extinção judicial de Sindicato por atentar contra a ordem
pública
O GOVERNO DA REPUBLICA TERIA DADO OS PRIMEIROS PASSOS NA
REPREENSÃO AO MOVIMENTO ALLIANCISTA
O presidente da Republica, segundo foi noticiado assignou hoje, na pasta
da Justiça o decreto que determina o fechamento pelo prazo de 6 mezes da
sede da Alliança Nacional Libertadora nessa capital, bem como nos
Estados
69
.
O FECHAMENTO DO SYNDICATO DA NOROESTE
O juiz de Baurú, julgou-se incompetente para apreciar um mandato de
segurança em favor daquella entidade.
Continua fechado e com guarda policial à porta, o Syndicato dos
Ferroviários da Noroeste. O sr. João Maringoni, sub-chefe da contabilidade
da Noroeste e associado daquella entidade, na qualidade de advogado do
nosso foro impetrou o remédio jurídico que não obteve sucesso
70
.
O FECHAMENTO DO SYNDICATO DOS FERROVIÁRIOS DA NOROESTE
O relatório do Delegado Regional de Polícia de Baurú e região suggere que
por via judicial, se promova o cancellamento daquella entidade.
(... ) CONCLUSÃO – Não pode haver prova mais cabal de que o Syndicato
dos Ferroviários da Noroeste tenha desvirtuado de seus fins, constantes dos
estatutos de fls. 29 no artigo e letras já citados. Sou da opinião, pois que o
mesmo, pelas actividades communistas e alliancistas, deve continuar
fechado e pelo Governo Federal promovida por via judicial, o cancelamento
de registro dessa associação de classe.
Dr. Rolim Rosa
Delegado Regional de Polícia de Baurú
71
.
67
Jornal da Cidade. Imprensa um poder sempre vigilante. Ensaio da Imprensa em Bauru – 1905-
1987. 04 0ut. 1987, p. 10. Caderno Especial.
68
Essa década foi marcada também pelo golpe do Estado Novo ao proibir a existência legal da
Aliança Nacional Libertadora e desencadear a Intentona Comunista de 1935 que autorizou a
perseguição de inimigos do Estado varguista acusados de “comunistas”.
69
Correio da Noroeste, anno V, nº 1340, 13/07/1935, p.1.
70
Correio da Noroeste, anno V, nº 1343, 18/07/1935, p.1.
71
Correio da Noroeste, anno V, nº 1349, 25/07/1935, p.2.
36
Dentro desta nova realidade assumiu a administração da EFNOB, em 1937,
às vésperas do golpe do Estado Novo, o então Major Américo Marinho Lutz.
Nascido em 13 de fevereiro de 1899 no Rio de Janeiro,
(...) Fez o curso de Engenharia (Geologia) na Escola Polythecnica e de
Engenharia Militar na Escola Militar.
(...) Graduou-se no posto de aspirante a oficial pela escola de Aviação
Militar, no Campo dos Affonsos. Após a Revolução de 1930 foi nomeado
Delegado Geral do Interior do Estado de São Paulo, quando era Chefe de
Polícia o major Oswaldo Cordeiro de Farias. Trabalhou na construção da
Estrada de Ferro “Cruz Alta a Porto de Lucena” no Rio Grande do Sul, e na
estrada de rodagem de São João do Barracão no Paraná. Dirigiu a
construção da Fábrica de Explosivos de Piquete e a construção dos
hangares e oficinas da Escola de Aviação, no Campo dos Affonsos.
Foi Lutz Diretor da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil por duas gestões:
25 de março de 1937 a 25 de fevereiro de 1946, quando era major e de 16
de fevereiro de 1951 a 07 de outubro de 1954, quando ocupava a patente
de tenente–coronel.
Foi de grande força para a criação e manutenção do Aero Clube de Bauru,
um dos mais importantes do ramo, do país, no qual a Noroeste
colaborava
72
.
Portanto, para assumir tal cargo, Vargas ou seus assessores indicaram um
“homem competente e de confiança do exército” junto ao governo. Tal escolha
garantiria a fidelidade das tropas e a manutenção da ordem na ferrovia diante da
nova realidade política.
O jornal Folha do Povo de outra orientação política, ou seja, porta voz do
Partido Constitucionalista ignorou o golpe e se manifestou a respeito do acontecido
dias mais tarde. Esse órgão da imprensa, pesquisado como referência do golpe de
Estado, tratava o governo Vargas e seus possíveis desdobramentos como algo sem
importância. Era como se existissem apenas os candidatos oficiais à presidência da
República: Armando de Sales Oliveira, José Américo de Almeida e Plínio Salgado.
Em 24 de setembro de 1937, a Folha Do Povo estampou como curiosidade,
na primeira página a criação do Partido Nacional Getulista.
73
Após essa notícia a
Folha Do Povo, continuou a ignorar a presidência de Getúlio Vargas e no dia 10 de
novembro de 1937, dia do golpe do Estado Novo Varguista, anunciou uma reunião
72
BASTOS, I. A. Falcão-Independência: nossa gente e nossa história. Bauru, SP. Document Center
Xérox-USC, 2002, p. 261. No livro de Correia das Neves, História da Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil, à p. 140, acusa como patente ocupada por Américo Marinho Lutz na sua segunda diretoria a
frente da EFNOB do Brasil a de General.
73
“Partido Nacional Getulista. Uma curiosa organização política fundada no Rio. Rio, 23 – Foi
fundado nesta capital, o Partido Nacional Getulista, que se propõe a lutar pela permanência do sr.
Getúlio Vargas na presidência da República. Em seu programma, inscreve reforma ou revisão
constitucional para reeleger o actual chefe da nação ou, ainda, prorrogar os actuaes mandatos” Folha
do Povo, anno 4, nº 328, 24/09/1937, p. 1.
37
extraordinária da câmara sem importância e a candidatura de José Américo para a
presidência da República, e nenhuma notícia sequer do golpe.
Ainda nessa edição, à página quatro, percebeu-se a continuidade de uma
tradição da imprensa bauruense no seu jornalismo social que era informar, no
espaço dedicado à coluna social, os viajantes ilustres que se movimentavam pela
Noroeste e outras regiões de trem.
Essa deferência era ainda maior quando a personagem que estivesse em
movimento fosse um funcionário das ferrovias paulistas:
SOCIAES
VIAJANTES
Esteve na cidade, tendo regressado hontem, para Ityrapina, onde reside o
jovem Moacyr Bráulio de Mello, funccionario da Cia de E. F Paulista
74
.
A Folha do Povo só manifestou-se a respeito das ações varguistas em 24 de
novembro de 1937, quando anunciou a demissão de todos os governadores de
estados que foram substituídos por interventores escolhidos pelo presidente Getúlio
Vargas.
75
Foi dentro desse contexto político, do Estado Novo (1937-1945) que se
desenvolveu a administração do major Américo Marinho Lutz, militar do exército,
escolhido para administrar a EFNOB por ter a confiança dos seus companheiros de
farda e de Getúlio Vargas.
Quando sua administração completou um ano da região Noroeste e do Mato
Grosso e os presidentes das associações comerciais ao longo da linha reuniram-se
para oferecer ao administrador militar uma prova de consideração política e social:
um banquete em sua homenagem.
Mais uma vez, o detentor de grande prestígio social e poder político seria
homenageado por um banquete com o “(...) apoio de todas as classes
conservadoras e liberaes da zona Noroeste, Matto Grosso e de outras regiões.
O primeiro anniversário da administração do Major Américo Marinho Lutz.
Registram-se novas adhesões á homenagem a ser prestada ao major
Marinho Lutz director da E. F. Noroeste por ocasião da passagem do
74
Folha do Povo, anno 4, nº 366, 10/11/1937. p.4.
75
Noticia confirmada no dia 25: “Demitidos todos os governadores dos Estados e nomeados
Interventores. Plenamente confirmada a nossa notícia de hontem. Rio, 24 – O chefe do governo, sr.
Getúlio Vargas, assignou hoje decretos exonerando do cargo todos os governadores dos Estados
excepto o de Minas Gerais e nomeando Interventores Federais”. Folha do Povo, anno 4, nº 378,
25/11/1937, p. 1.
38
primeiro anniversário de sua dynamica administração, está recebendo o
apoio de todas as classes conservadoras e liberaes da zona Noroeste,
Matto Grosso e de outras regiões.
Essa homenagem que consistira em um banquete a ser offerecido a s.s.,
em dia e hora opportunamente marcados nesta cidade será o
reconhecimento pelos serviços que tem prestado a Noroeste o illustre
administrador
76
.
Uma série de fatos noticiados no jornal Folha do Povo tratou do referido
banquete para comemoração do primeiro aniversário da administração do Major
Marinho Lutz mesmo antes de sua ocorrência. Boa parte deles informava a todos os
interessados as adesões, cada vez mais volumosas, e a data de sua realização.
O primeiro anniversário da administração do Major Marinho Lutz – Entre as
adhesões hontem recebidas destacaram-se as do Dr. Venancio Ayres e do
Automóvel Clube do Estado de São Paulo – Marcada para 23 de abril a data
do banquete.
Continuam a chegar adhesões de todos os recantos do estado ao banquete
que as classes conservadoras e liberaes da Zona Noroeste e de outros
pontos do Estado vão promover ao Major Américo Marinho Lutz pela
passagem do 1º anniversario de sua administração na Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil.
Hontem, a commisão promotora da homenagem recebeu mais as seguintes
adhesões: Dr. Sylvio Cardozo Rolim, juiz substituto deste districto; Dr.
Venancio Ayres, delegado superintendente da Ordem Política e Social de
São Paulo; Automóvel Clube do Estado de São Paulo
77
; Dr. Antonio Bento
Vidal, presidente da Cia Antárctica Paulista e o Dr. Jonathas Castellar,
engenheiro da firma Leão e Cia.
A commisão esteve hontem reunida tendo tomado várias deliberações entre
ellas a que marcou para o dia 23 de abril próximo futuro a data da
realização do banquete
78
.
Vários setores da atividade comercial e de grande prestígio social aderiram ao
banquete. Dentre eles, o Automóvel Clube do Estado de São Paulo, a Cia Antarctica
Paulista e o empreiteiro Leão Ribeiro e Cia. que construía, à época, a Estação
Central responsável por unir as três estradas de ferro paulistas em uma única área
de embarque e escritórios da administração. Certamente, o jornal deu tanto
76
Folha do Povo, anno 4, nº 466, 11/03/1938, p. 1.
77
SÁVIO, M. A. C. A cidade e as máquinas. Bondes e automóveis nos primórdios da metrópole
paulista 1900-1930. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC-SP, 2005, pp.285-286. “Ao longo dos anos
1910 e 1920, todas as grandes ocasiões foram comemoradas no Automóvel Clube, que recebeu em
suas dependências desde políticos de outros Estados da Federação, até delegações estrangeiras
que vinham ao país tratar de assuntos diversos. Essa centralização das ‘grandes ocasiões’ junto às
dependências da associação acabou por ofuscar outras instituições importantes do município, como a
Prefeitura Municipal e a Câmara dos Vereadores que ocupavam os prédios vizinhos ao palacete
Martinico Prado, onde se encontravam as instalações do Automóvel Clube de São Paulo. A
percepção dessa centralidade foi logo sentida pela população da cidade, que em várias cartas
reclamava da pronta disposição de seus representantes eleitos em cuidarem dos interesses do
Automóvel Clube, enquanto a cidade ficava entregue à própria sorte”.
78
Folha do Povo, anno 4, nº 477, 24/03/1938, p.1.
39
destaque ao banquete como forma de se aproximar do administrador da Noroeste,
Major Marinho Lutz, representante do exército e do governo Vargas na cidade.
As adesões para o evento, que foi realizado no salão do Rádio Theatro,
continuaram acontecendo até o último instante. A relevância social e política da
homenagem mereceram até mesmo uma transmissão radiofônica pela PRG-8,
Bauru Rádio Clube.
Os representantes das associações comerciais, os religiosos, os políticos, os
proprietários de empresas teatrais, funcionários da ferrovia EFNOB, sabiam da
importância do transporte ferroviário para a sobrevivência da região e em especial
da necessidade do bom funcionamento da EFNOB que, desde a sua inauguração,
trouxera as marcas da sua incompletude
79
.
Participaram das comemorações, também, funcionários da EFNOB de nível
intermediário que, sem o prestígio dos advogados, engenheiros e administradores
da ferrovia mostravam ao administrador militar, à cidade e aos demais membros da
EFNOB que a nova administração havia sido aceita, ao menos pelos maquinistas,
nos seus novos ditames e condução. O banquete foi realizado no dia 23 de abril de
1938, como fora previsto pela comissão organizadora. A Folha do Povo foi o único
órgão da imprensa escrita bauruense que acompanhou o evento.
Ressalte-se que sobre os operários das oficinas não foi encontrada nenhuma
manifestação por meio da imprensa de aceitação ou de desagravo.
(...) UMA HOMENAGEM DOS CONDUCTORES DE TREM DA NOROESTE
Os conductores de trem da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, tendo a
frente o sr. Manoel Domingues de Oliveira, resolveram associar-se ás
homenagens a serem prestadas ao Major Américo Marinho Lutz, mandando
rezar uma missa em Ação de Graças pelo bello êxito da brilhante
administração que s.s. vem desenvolvendo na grande ferrovia. Essa
homenagem terá logar no próximo dia 24 de abril, ás 10 horas, na Igreja
Matriz, e será officiada pelo reverendo padre Joan Van Der Hultz, vigário
desta parochia. Os promotores da homenagem deram sciencia da mesma
ao Major Lutz, em officio que lhe dirigiram ante-hontem
80
.
Nos discursos durante a homenagem, o prefeito municipal de Bauru, Dr. João
Bráulio Ferraz, não poupou adjetivos quer ao homenageado, quer ao Ministro da
79
Folha do Povo, anno 5, nº 499, 21/04/1938, p.1.
80
Folha do Povo, anno 4, nº 481, 29/03/1938, p.1. “(...) Foram as seguintes pessoas cujas adhesões
a commissão recebeu, além do Prefeito Municipal de Cafelândia: Dr. Oswaldo Sampaio, por si e pela
empreza Theatral Paulista; Associação Commercial de Biriguy, Benecdito Teixeira e Evandro Soares
Costa.” Nota-se que até a Igreja movimentou-se para as homenagens que, por meio dos jornais,
demonstravam que as adesões se avolumavam na proporção em que iam nomeando os ilustres.
40
Viação e Obras Públicas, General João Mendonça Lima. Bráulio Ferraz, além de
elogiar homenageado e ministro, não se furtou de enaltecer o exército e sua
importância para a condução da nação brasileira. O mesmo foi descrito na Folha do
Povo:
DISCURSO DO DR. JOÃO BRÁULIO FERRAZ
O Dr. João Bráulio Ferraz prefeito Municipal de Bauru pronunciou o seguinte
discurso levantando o brinde de honra:
“Senhores, no momento em que é proporcionado ao exmo. sr. Major
Américo Marinho Lutz, receber os applausos mais calorosos pela sua
atuação na directoria da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, manda a
justiça que aqui seja ainda prestada uma homenagem, tão ardente e
enthusiasta como a que acabamos de realizar.
Há ainda um homem para o qual devemos voltar a nossa attenção, pelo seu
valor, pela sua capacidade de realizador, pela sua energia e inteligência e
sobretudo, pelo modo impeccável com que se vem conduzindo no scenário
agitado da evolução e da transformação da vida política nacional destes
últimos tempos.
Quero me referir, senhores, a personalidade inatacável do exmo. Sr.
Coronel (General à época) Mendonça Lima, digno Ministro da Viação e
Obras Públicas.
O exército brasileiro cujas glórias jamais se apagarão e que já nos deu
como administrador capaz o nosso homenageado aqui presente, também
deu ao Brasil esse espírito lúcido e ponderado, padrão de honradez e de
justiça na collaboração da grandeza nacional.
O exército brasileiro que tem sabido manter intacta a integridade da Pátria e
que só tem palmilhado até hoje pelo caminho da honra e da dignidade
acaba de mostrar o quanto encerra de legítimos valores em suas fileiras.”
81
Tal preocupação do prefeito municipal de Bauru justificou-se, pois o golpe do
Estado Novo varguista mal tinha completado cinco meses e havia grande
preocupação com o que esperar dessa nova situação política nacional. Reconhecia
também, o prefeito municipal o cenário agitado da política nacional, erguendo loas
aos vitoriosos, em especial àqueles que poderiam resolver o funcionamento
deficiente da EFNOB do Brasil. Apesar da sua importância, suas limitações foram
sempre muito grandes. Com freqüência a imprensa local mencionou diversos
problemas de ordem material quase que insolúveis.
O próprio homenageado, o Major Américo Marinho Lutz, em seu discurso de
agradecimentos pelo banquete, deu o mote da administração que se iniciava.
Lembrou a todos que faria uma administração pró Getúlio Vargas, sem perseguições
81
Folha do Povo, anno 5, nº 501, 24/04/1939, p.2. Percebe-se que a oportunidade foi tomada como
um palanque, ainda que mais sofisticado: o exagero de frases elogiosas, a necessidade de se
lembrar ou divulgar os feitos dos comparsas que pertenciam às instâncias estratégicas, como o
Exército.
41
ou retaliações às antigas lideranças políticas, desde que a orientação presidencial
fosse obedecida
82
.
O DISCURSO DO MAJOR MARINHO LUTZ
Agradecendo a homenagem prestada á sua pessoa o major Marinho Lutz,
director da E. F. Noroeste pronunciou o seguinte discurso:
“Senhores. Aceitando e agradecendo esta homenagem, não o faço
entretanto, somente em meu nome, senão também, em nome da Noroeste,
que tenho a honra de dirigir e de todos que nella mourejam diariamente no
cumprimento do dever.
(...) Esta homenagem, que me é profundamente grata, não me desperta
sentimento de vaidade, é para mim profundamente significativa, por que
representa o attestado mais frisante da transformação do ambiente, sob o
qual assumi a direcção da Noroeste, há um anno passado.
Naquella época, sob a impressão de graves agitações políticas partidárias,
a minha investidura na direcção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil foi
recebida como a de um delegado de uma facção partidária, para exercer
pressão sobre as que lhes fossem adversas.
Ao assumir o cargo que hoje occupo, sei perfeitamente que a muitos
pareceu iminente o phantasma das remoções e das perseguições arbitrárias
de funccionários da Estrada.
Era impressão dominante que eu iria fazer uso do cargo para favorecer
facções políticas.
Os factos, porém, estão ahi para comprovar o inverso: o pessoal da
Noroeste ahi está, nos mesmos lugares em que o encontrei, até mesmo os
funccionários da immediata confiança da administração cujos factos
desafiam quem aponte um gesto de arbitrariedade.
Nem por isso, reneguei ou renegarei as minhas preferências políticas, que
jamais se confundiram ou se confundirão com os meus actos
administrativos.
Releva ainda notar, que é dupla a minha responsabilidade de director da
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
No exercício desta funcção que me confiou o Governo da República, não
respondo somente pelos actos de simples administrador, sugeito, na
concepção geral, á prestação de contas do ponto de vista monetário.
Si, por um lado, estou na obrigação de dar conta do patrimônio que me foi
entregue, por outro pesa-me sobre os ombros o dever de honrar os galões
que me foram confiados pelo Exército Nacional.
De uma como de outra, posso dar contas ao Governo e aos meus
companheiros de farda aqui presentes com a consciência do dever
cumprido.(...)
83
82
Getulio Vargas em sua administração estadonovista aproveitou antigas lideranças do Partido
Republicano Paulista, o que deve ter acalmado os ânimos políticos de São Paulo e da cidade de
Bauru. “S. Paulo tem novo Interventor Federal. Foi nomeado o sr. Adhemar de Barros, ex-deputado
pelo antigo Partido Republicano Paulista. Demitiram-se todos os secretários e o prefeito da Capital –
Continuam na pasta da Segurança o Tenente Coronel Dulcidio Cardoso, e no commando da força
pública, o Coronel Mário Xavier”. Folha do Povo, anno 5, nº 502, 26/04/1938, p.1.
83
Folha do Povo, anno 5, nº 501, 24/04/1939, p.2 (grifos meus). Nas fontes jornalísticas consultadas
não aparecem quaisquer notícias de perseguições ou o cometimento de arbitrariedades sob a
administração do Major Marinho Lutz. Tais notícias não poderiam constar nos jornais quer pelo
prestígio que contava o Major Marinho Lutz entre os seus companheiros de farda quer o apoio político
que administrador contava para o exercício do seu cargo.
A complacência dos órgãos da imprensa para com as condutas das pessoas de classes sociais
elevadas e com grande prestígio político era importante além do fato de existir desde 1934 o
Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (CDPC) que era responsável pela censura aos
meios de comunicação inclusive os jornais. Esse órgão foi reestruturado no início de 1938 passando
a se chamar Departamento Nacional de Propaganda (DNP) e foi substituído pelo Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) em 27 de dezembro de 1939, com atribuições ampliadas como:
censura prévia de jornais, revistas, cinemas, teatros, livros e diversões publicas tais como festas
42
Além da série de homenagens que foram prestadas ao administrador militar,
no mesmo dia do banquete foi inaugurado o novo campo de aviação construído com
o auxílio da EFNOB. Coube às oficinas da Noroeste realizar a construção dos
hangares por meio do pessoal da marcenaria da empresa. A administração Vargas,
por meio de Marinho Lutz começava a se preocupar em formar aviadores
necessários para a aviação militar e civil
84
.
Primeiro anniversario da administração do Major Marinho Lutz
Esta marcado para o dia 23 de abril a realização do grande banquete
(...) Conforme noticiamos, o novo campo de aviação será inaugurado no
mesmo dia em que se realizar o banquete, sendo esperado grande número
de aviões que neste dia visitarão a nossa cidade.
Ainda hontem, a commisão recebeu a adhesão de conhecido aviador civil,
que virá no seu avião particular, tomar parte no banquete e na inauguração
do campo
85
.
A inauguração foi um acontecimento concorrido e compareceram aviadores
civis e militares para prestigiar o início das atividades do novo aeródromo e participar
das homenagens ao Major Lutz.
A inauguração do campo de aviação
Constituiu espectaculo empolgante, que Bauru lembrará por muito tempo.
Hontem muito antes da hora anunciada, já no novo campo de Aviação se
encontravam milhares de espectadores anciosos por assistirem ao
espectaculo inédito para Baurú, da chegada de mais de uma dezena de
apparelhos.
(...) As 11 horas e 15 minutos começou a chegada dos apparelhos.
populares, circos, bailes, bilhares, esportes, espetáculos e exposições, conforme DE LUCA, T. R. e
MARTINS, A. L. Imprensa e Cidade. São Paulo: Editora UNESP, 2006. p.p. 64-68. O exército
brasileiro dava mais uma vez mostras da sua importância na condução da política nacional sendo o
fiel da balança de qualquer grupo político que governasse o país.
84
MORAIS, F. Montenegro: As aventuras do Marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil. São
Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006. p. 33. E ainda, “na década de 1930, a aviação no país
assumia uma significativa importância com a criação do Correio Aéreo Militar, que voou pela primeira
vez em 12 de junho de 1931, fazendo a rota entre o Rio de Janeiro, então Capital Federal, e São
Paulo. Participaram dessa primeira missão o então Tenente Casimiro Montenegro Filho, da 1ª Turma
de Aspirantes da Arma da Aviação de 20 de janeiro de 1928. À época pertencente ao exército e o
Tenente Nelson Freire Lavenère-Wanderley, da 3ª Turma de Aspirante da Arma de Aviação de 21 de
janeiro de 1930. Em 1932, novas rotas do Correio Aéreo Militar foram criadas, uma delas ligando o
Distrito Federal ao Mato Grosso e fazia escala em São Paulo, Bauru, Penápolis, Três Lagoas e
Campo Grande.”, p. 44. O início do Correio Aéreo Militar foi marcado pelas limitações dos aviões e a
precariedade dos recursos de navegação aérea à época. Como se vê a seguir as ferrovias foram
essenciais para o sucesso das missões realizadas: ”Como não era aconselhável confiar cegamente
na bússola de bordo – e como não havia mapas suficientemente precisos para orientar a missão – os
dois guiaram-se pelo traçado da estrada de ferro que serpenteava embaixo. Era uma forma peculiar
de orientação, que se tornaria comum em todas as rotas posteriores e que os pilotos do Correio
Aéreo logo apelidaram, com bom humor, de navegação ferrodrômica. Além disso, havia outro recurso
de localização aérea, que os aviadores também batizaram, com idêntico espírito, de olhômetro: no
teto das estações ferroviárias, Montenegro mandara pintar um círculo caiado, no interior do qual se lia
a distância daquele ponto, expressa em quilômetros, até a próxima pista de pouso.”, p. 43.
85
Folha do Povo, anno 4, nº 484, 01/04/38, p.1.
43
“Cidade de Marília” pilotado pelo seu proprietário Frank Miloy Milenkovitch.
“São Joaquim”, de Piracicaba pilotado pelo sr. Etalívio Pereira Martins, seu
proprietário.
“Santa Maria”, de Moura Andrade, pilotado pelo sr. João Bernardo e
trazendo como passageiros os srs. Amaral Mello e dr. Otávio Andrade.
Esquadrilha de trez apparelhos de Aviação Militar do Rio, commandados
pelo major Cyro Miranda Correa e pilotado pelos tenentes Renato
Rodrigues, Paulo Cabral e Ruy de Mello Portella.
Outro avião da Escola Militar de Aviação no qual o tenente coronel Ajamar
Mascarenhas, commandante daquela unidade, pilotado pelo major Muricy
Filho.
Dois apparelhos do 2º Regimento de Aviação de S. Paulo, pilotados pelo
Capitão Botelho e tenente Perdigão;
Um avião da aeronáutica civil de S. Paulo pilotado pelo sr. Paulo Sampaio
chefe dos respectivos serviços acompanhado pelos srs. Drs. Marcelo
Pereira da Cunha e Paulo Moreira.
“Araguaya” , pilotado pelo sr. Amadeu Silveira e tenente Tosta, do 2º
Regimento de Aviação.
(...) A primeira senhora a descer no novo campo foi a sra. Lydia Rosato,
esposa do sr. João Rosato, a bordo do avião “Santa Maria” do sr. Moura
Andrade, no qual embarcou na tarde de hontem para Pirajuhy
86
.
Quase um ano após a inauguração do novo campo de aviação, no dia 19 de
abril de 1939 foi organizado o Aero Clube de Bauru, com a participação de diversos
funcionários da EFNOB, como Ângelo Maringoni, João Maringoni, Fernando Freitas
Melro e tendo como presidente o administrador da EFNOB, major Américo Marinho
Lutz. Era a concretização da necessidade da formação de pilotos, principal atividade
do Aero Clube recém formado.
Foi organizado o AERO CLUBE DE BAURU.
Escolhido para a presidência o sr. Major Marinho Lutz – Escola de pilotagem
tem como diretor o sargento José de Barros Silva – O coronel Eduardo
Gomes
87
aclamado presidente honorário.
Reuniu-se ontem, nesta cidade, às 14 horas, no Depósito Sudam, um grupo
de pessoas empenhadas na fundação do Aero Clube De Bauru, cujo fim
será incentivar e desenvolver a aviação, através principalmente, de uma
escola de pilotagem.
(...) Naquela reunião se fizeram as primeiras eleições. Para a Diretoria:
Major Marinho Lutz, (...) vice-presidente: João Maringoni, (...) 2º tesoureiro:
Dr. Fernando Freitas Melro, (...) Conselho deliberativo: Ângelo Maringoni.
(...) Comissão Social: José Fernandes, Paulino Rafael
88
.
86
Folha do Povo, anno 5, nº 501, 24/04/1938, p.4.
87
http://cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_eduardogomes.htm Acesso em 23/12/2007. A
propósito, Eduardo Gomes participou do levante do forte de Copacabana em 1922, da Revolta
Paulista de 1924. Fez parte, então, do estado maior do movimento e foi responsável pelo
bombardeamento de quartéis e prédios públicos da cidade. Com formação na área de aviação militar,
dirigia-se em missão aérea ao Rio de Janeiro, quando por motivos técnicos , seu avião foi obrigado a
aterrissar, caindo em poder do inimigo. Sem sucesso quis participar da Coluna Prestes. Durante o
primeiro governo Vargas se preocupou com a sua carreira militar participando da criação e
desenvolvimento o Correio Aéreo Militar em 1931 que dirigiu com seu colega Casimiro Montenegro
Filho.
88
Correio da Noroeste, anno VIII, nº 2375, 19/04/1939, p.1.
44
Não só a aviação começava a tomar corpo no país como também o
automóvel, que desde a década de 1920 tinha espaço na propaganda da imprensa
bauruense. Esse artefato moderno iria ganhar seu espaço de destaque através da
construção do Automóvel Clube de Bauru (Figura 04), que reuniu os proprietários de
automóveis das elites bauruenses.
AUTOMOVEL CLUBE
Foi hontem assignado o contracto para a construcção de seu majestoso
edifício. O Automóvel Clube vae ser, portanto, uma bellissima e esplendida
realidade, graças aos esforços de elementos de iniciativa de nossa
sociedade e que trabalharam sem desfallecimento, pelo êxito do Clube.
Após o acto de assignatura do contracto o Dr. Sylvio Miraglia offereceu um
copo de refresco as pessoas presentes
89
.
A nova administração militar do Major Marinho Lutz, dentro do Estado Novo
varguista (1937-1945), na perspectiva das elites econômicas, representadas pelas
associações comerciais e grupos de pressão, era a oportunidade de sanar as
deficiências da ferrovia tão vital para a região Noroeste. Naquele momento, quem
dava as orientações de funcionamento para a EFNOB era a ditadura varguista com o
apoio da maior parte do exército brasileiro. Além de a EFNOB ser administrada por
um major, o ministro da Viação e Obras Públicas era o General João Mendonça de
Lima.
Figura 04 – Fachada do Automóvel Clube de Bauru, estilo Neo-Clássico.
Folha do Povo, anno V, nº 724, 15/01/1939, p. 1.
89
Folha do Povo, anno 4, nº 420, 15/01/1938, p. 1.
45
Alguns dias após as homenagens – missa, banquete, discursos em apoio a
Marinho Lutz -, prestadas ao administrador militar começaram a surgir outras
manifestações com a intenção de apontar a precariedade ou, como registradas pela
imprensa local, a falta de transportes na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
O primeiro contato amistoso se transformou em uma relação tensa, pois as
elites políticas, representadas pelas elites econômicas, sabiam que o mau
funcionamento da EFNOB traria conseqüências nefastas para a cidade de Bauru,
para as demais cidades ao longo da linha e para toda a região Noroeste do Estado
de São Paulo e Sul do Mato Grosso.
A EFNOB, essencial para o desenvolvimento material e cultural da região e
maior responsável pela modernização da cidade de Bauru, mostrava, mais uma vez,
que desde a sua criação, em 1905, fora construída sem grandes preocupações
quanto ao seu perfeito funcionamento.
Vale lembrar que medidas como a encampação em 1917, o esforço
demonstrado pelo engenheiro Arlindo Luz entre 1918 e 1922 e, mais tarde, com uma
mudança sem que se pudessem prever as conseqüências da administração
varguista pelo também engenheiro e militar Major Américo Marinho Lutz, a principal
estrada de ferro da região mostrava mais uma vez os seus problemas de
funcionamento.
Tais problemas preocupavam, em especial, os comerciantes de Bauru e a
zona Noroeste. Após as honrarias, mostrando que as elites da cidade e de toda a
região reconheciam e aceitavam a administração imposta pelo estadonovista, veio a
constatação, por meio dos jornais pesquisados, dos defeitos de funcionamento da
EFNOB e as cobranças quanto a melhoria das condições do transporte ferroviário da
Noroeste, quanto às mercadorias transportadas.
A presente falta de transportes na NOB
Foi hontem discutida na reunião de representantes das Associações
Commerciais da Zona a aflitiva falta de transportes na Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil
90
.
O problema do transporte na E.F. Noroeste
O Major Américo Marinho Lutz, director da nossa ferrovia, de regresso do
Rio, concedeu importante entrevista a imprensa de S.Paulo.
S.Paulo, 9 – (Da nossa sucursal pelo telephone)
91
.
O problema do transporte na E. F Noroeste
90
Folha do Povo, anno V, nº 525, 22/05/1938, p.5.
91
Folha do Povo, anno V, nº 539, 10/06/1938, p.1.
46
A Commisão das associações Commerciais de Bauru, Lins, Biriguy e
Araçatuba trataram no Rio e em S.Paulo de outros importantes assumptos
relacionados a nossa região
92
.
O problema do transporte na E.F. Noroeste
O coronel (á época general) Mendonça Lima fala sobre o problema do
transporte e a E. F. Noroeste.
O ministro da Viação sugeriu a acquisição de vagões pelas firmas
interessadas
93
.
O problema do transporte na NOB
S.Paulo, 16 – (Da nossa sucursal pelo telephone)
A “Folha da Noite” divulgou uma notícia referente a visita do sr. Adhemar de
Barros, Interventor Federal, a Três Lagoas, onde se encontrou, domingo
último, com seu collega mattogrosense.
Segundo aquelle vespertino, a conferencia havida entre o chefe do
executivo paulista e o sr. Guilherm Winter, secretário da Viação, com a
presença do Major Américo Marinho Lutz da E. F. Noroeste resultou a
providências de medidas importantes no sentido de ser auxiliada
materialmente essa ferrovia, para que o escoamento dos productos da
Região Noroestina se faça com a máxima rapidez possível
94
.
Os problemas administrativos da E. F Noroeste
O Major Américo Marinho Lutz fala a FOLHA DO POVO sobre o caso da
falta de transporte – O prolongamento de Porto Esperança à Corumbá e a
construção do ramal Campo Grande / Ponta Porã
95
.
A crise de transportes na NOB
A Associação Commercial de Bauru expediu hontem o seguinte telegramma
ao sr. Ministro da Viação:
“Associação Commercial de Bauru apella para os sentimentos patrióticos de
V. Excia, no sentido de obter-se a rápida solução do caso dos transportes
na Estrada de Ferro Noroeste.”
(Ass.) Antônio Garcia – Presidente.
Francisco Carpinelli - Secretário
96
.
A EFNOB do Brasil, diferentemente da Cia. Paulista, que era apontada como
a mais eficiente ferrovia do país, sempre teve problemas na sua criação e
desenvolvimento. Contudo, mesmo assim foi uma ferrovia importante para o
processo de modernização da cidade de Bauru, por isso criou-se sobre ela uma
imagem de progresso por parte das elites bauruenses.
Após as homenagens, portanto, a “realidade” veio à tona e a Noroeste do
Brasil mostrou todas suas fragilidades e deficiências. Apesar de todos os seus
problemas, a EFNOB foi um dos setores mais importantes para a modernização da
cidade de Bauru e de toda a região Noroeste.
92
Folha do Povo, anno V, nº 540, 11/06/1938, p.1.
93
Folha do Povo, anno V, nº 542, 14/06/1938, p. 1.
94
Folha do Povo, anno V, nº 545, 17/06/1938, p. 1.
95
Folha do Povo, anno V, nº 546, 18/06/1938, p.1.
96
Folha do Povo, anno V, nº 551, 24/06/1938, p.1.
47
As novas oficinas da “EFNOB”
97
Nas atividades de uma ferrovia, as oficinas
98
ocuparam uma função de suma
importância na construção, montagem, manutenção e restauro dos vagões e
locomotivas. Não foi diferente, em Bauru, com a EFNOB.
Seus operários não tinham que deter, de início, formação técnica para
exercer as funções que eram aprendidas na prática. As jornadas de trabalho
superavam dez, onze horas e não se recebia pagamento pela realização de serviços
após o que era tratado como expediente
99
.
Figura 05 – Oficina da EFNOB em 1906 em Bauru. Acervo do Centro de Memória Regional
UNESP/RFFSA – Bauru.
Em 1906, período em que era ainda uma empresa de capital privado, a
EFNOB foi autorizada a realizar estudos definitivos como cessionária da Estrada de
Ferro de Bahurú-Cuyaba
100
, ferrovia que não se efetivou, para elaborar um quadro
de pessoal e salários onde os trabalhadores das oficinas teriam os seguintes
vencimentos:
Officinas
1Mestre de Officinas, mensal..........................................................360$000
1Chefe de depósito, idem................................................................250$000
1Ajudante, idem...............................................................................180$000
97
Algumas modificações foram realizadas a pedidos da Banca Examinadora para esclarecer tópicos
da pesquisa, em especial a existência de oficinas na EFNOB, a partir de 1906.
98
Trabalhar nas oficinas não era tarefa das mais fáceis, pois eram construídos vagões pesando
toneladas e montadas as locomotivas adquiridas no estrangeiro. Era um trabalho árduo e extenuante,
mas oferecia uma possibilidade de emprego, salário e sobrevivência fora da produção direta de café.
99
VICENTE, M. M. Os partidos políticos em Bauru de 1930 a 1937. Dissertação de Mestrado. Assis,
Unesp, 1987, p.53.
100
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL. Relatório referente ao exercício de 1907. Bauru.
p. 16.
48
1Apontador, idem.............................................................................150$000
1Ajustador, diária.................................................................................8$000
1Caldeireiro, idem.................................................................................7$000
1Torneiro, idem....................................................................................7$000
1Fundidor, idem...................................................................................7$000
1Ferreiro, idem.....................................................................................7$000
2Malhadores, idem................................................................................4$000
1Serralheiro Soldador, idem..................................................................5$000
1Mestre carpinteiro, idem....................................................................10$000
2Carpinteiros, idem.............................................................................. 7$000
1Pintor, idem..........................................................................................7$000
7Operários, idem....................................................................................5$000
4Aprendizes, idem..................................................................................5$000
4Aprendizes, idem..................................................................................3$000
1Vigia,
idem..........................................................................................4$000
101
.
Como esse quadro acabou não sendo incrementado devido à inexistência
da ferrovia Bahurú-Cuyaba, é possível que não tenha sido elaborado nada de igual
monta para as antigas oficinas da EFNOB e nem mesmo para as novas oficinas em
1921.
A escala das novas oficinas, inauguradas em 1921 (figuras 6, 7, e 8) dava a
dimensão do tamanho e da sua importância para a cidade e suas novas
sociabilidades.
Figura 06 – Vista interna das novas oficinas, seção de carpintaria e marcenaria. ESTRADA DE
FERRO NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente ao exercício de 1921. Anexo
fotográfico.
101
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL, Relatório da Diretoria referente ao exercício de
1907, p.18.
49
Figura 07 – Vista das novas oficinas, vendo-se o plano do carretão e o galpão de carros de
passageiros e vagões de cargas. ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL Relatório da
Diretoria referente ao exercício de 1921. Anexo fotográfico.
Figura 08– Vista das Novas Oficinas de Bauru. ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL
Relatório da Diretoria referente ao exercício de 1921. Anexo fotográfico.
50
O arquiteto Nilson Ghirardello, em estudos realizados sobre o conjunto
arquitetônico da E. F. Noroeste do Brasil escreveu.
(...) Inauguradas no início dos anos 1920, junto a um setor de
expansão urbana, afastado do núcleo central, as oficinas e rotunda
(utilizada para manobrar as locomotivas)
demonstram claramente pela
escala e porte a transferência da sede da N.O.B. para a cidade de Bauru,
efetivada em 1918, juntamente com a encampação da ferrovia pela União
(...). As instalações das oficinas, se comparadas a dimensão da cidade, na
época com 15 mil habitantes expressavam que o conjunto pertencia não a
escala local, e sim a uma estrada de ferro de mais de 1200 km, que
interligava estados e países (...). Para atender as imensas necessidades da
ferrovia foi construída uma verdadeira cidade industrial, que centralizava
suas principais atividades (...) era clara a divisão de trabalho bem como o
processo de montagem, que ao nosso ver, só passa a ser igualado nesta
proporção, em nosso país, com a vinda das indústrias automobilísticas para
o ABC paulista quarenta anos depois (...)
102
.
Como já visto neste trabalho vários dos engenheiros e advogados da EFNOB
receberam elogios dos jornais, além de banquetes para os diretores ou jantares aos
menos graduados, ainda que importantes socialmente. É certo que, devido as suas
origens e atividades exercidas, os trabalhadores das oficinas freqüentassem
circuitos diferentes dos funcionários dos escritórios e do corpo técnico de
engenheiros.
103
A única ocasião em que se percebeu que a chefia das oficinas foi
ocupada por um funcionário de maior qualificação técnica e educacional, foi em
1918 quando o engenheiro Luiz Monte deixou o cargo de Mestre das Oficinas sendo
substituído por um funcionário de carreira da EFNOB. Pelo teor da notícia, esse
funcionário não tinha a formação de engenharia.
Officina da noroeste
Deixou no dia 22 do corrente (maio) o cargo de Mestre das Officinas da
companhia Noroeste o engenheiro sr. Luiz Monte que por longo espaço de
tempo com proficiência desempenhou aquele cargo. Foi nomeado para
substituil-o o sr. Alberto Brault, antigo funccionario d’aquella Estrada
104
.
102
GHIRARDELLO, N. Nos trilhos do passado, o conjunto da NOB em Bauru. In: 5º Seminário
Nacional e 1º Encontro Latino Americano de Preservação e revitalização Ferroviária. Unimep. 15 a 18
de agosto de 2001.
103
Para os propósitos deste trabalho não foi possível, devido à natureza das fontes utilizadas, como
se chegar às sociabilidades desenvolvidas pelos operários das oficinas na cidade de Bauru ao longo
do período analisado. É provável, no entanto, que tenham sido diferentes das desenvolvidas pelo alto
escalão da ferrovia que, por sua vez, passaram a freqüentar os locais destinados à elite
“conservadora” da cidade.
104
O Bauru, anno XII, nº 552, 23/05/1918, p.2.
51
Observando e analisando a principal fonte pesquisada, a imprensa escrita de
Bauru, os trabalhadores das oficinas só apareceram naquele veículo quando
solicitavam exoneração dos cargos ou a bem do serviço público; além de
comunicações de acidentes do trabalho e pedidos de transferência para outras
seções da ferrovia.
EXONERAÇÃO (Actos da Directoria)
Foi exonerado por abandono de emprego o encarregado de deposito de
classe, João Lourenço
105
.
EXONERAÇÃO (Actos da Directoria)
Foi exonerado por abandono de emprego do cargo de 3º escripturário da
Contabilidade, o snr. Quirino Bombonato
106
.
ACCIDENTES NO TRABALHO
A Delegacia Regional de Polícia tomou conhecimento dos seguinte
accidentes no trabalho:
Daniel Amaral, empregado das officinas da Noroeste, que a 08 do corrente,
às 15 e meia horas, foi apanhado na mão direita pela quina de uma
cantoneira, ficando ferido no dedo médio.
Joaquim Francisco Carneiro, guarda freios, que seguia no tender
(compartimento que levava água para a caldeira na locomotiva a vapor) da
locomotiva 105 da Noroeste, que descarrilou e tombou, em 06 do corrente,
junto ao kilometro 170, sofreu ligeira pressão thorácica
107
.
EXONERAÇÕES (Actos da Directoria)
A bem da disciplina foi exonerado o foguista José dos Santos Junior.
Foi exonerado a pedido do cargo de machinista de 4ª classe, José
Bernardo
108
.
Bem diferentes foram as manifestações sociais apresentadas pelos jornais
sobre os funcionários dos escritórios e do corpo de engenheiros que com seu
prestígio social forjavam as representações da modernização em Bauru. Esse
comportamento foi notado ao longo do período estudado (1917-1939) em todos os
órgãos da imprensa bauruense, desde O Bauru, passando pelo Diario da Noroeste
até a Folha do Povo, na década de 1930. As ferrovias e, em especial a EFNOB,
proporcionavam aos seus membros de maior hierarquia funcional maior visibilidade
pública, o que demonstrou influenciar práticas comportamentais das elites
bauruenses do período.
Chronica Social
Enfermo. Esta de cama gravemente enfermo, funccionario do almoxarifado
da Noroeste
109
.
105
Diario da Noroeste, anno I, nº 3, 04/08/1925, p.1.
106
Diario da Noroeste, anno I, nº 7, 08/08/1925, p.1.
107
Diario da Noroeste, anno I, nº 10, 12/08/1925, p.1.
108
Diario da Noroeste, anno I, nº 11, 13/08/1925, p.2.
52
Vida Social – Hospedes e Viajantes
Quinta feira seguio para S. Paulo o snr. Augusto de Moraes, pagador da
Companhia Noroeste
110
.
Sociaes – Itinerantes
Regressou da Zona Noroeste o sr. José Ribeiro de lima, funccinário da E. F.
Noroeste e nosso collega da sucursal dos “Diarios Associados” nesta
Cidade.
Viajou para Araçatuba acompanhado de sua esposa o sr. Raymundo de
Almeida, funccinario da E. F. Noroeste
111
.
Sociaes – Itinerantes
SR. GRAÇA LEITE
Viajou para S. Paulo onde vae tomar parte na reunião mensal dos
contadores das estradas de ferro do Estado de S.Paulo o sr. João de Deus
da Graça Leite, contador da E. F. Noroeste e nosso brilhante collaborador.
Visitas
Esta na cidade e deu-nos o prazer de sua visita o sr. Pedro Silva,
funccionario da E. F. Noroeste
112
.
Sobre as novas oficinas instaladas e sua respectiva importância, no já
analisado período do engenheiro e diretor Arlindo Luz, entre 1918 e 1922, entre seus
relatórios ressaltou a economia de recursos com a realização dos trabalhos na
cidade ao invés de contratar os serviços fora:
NOVAS OFFICINAS.
Não dispunha a Estrada de boas officinas; as que existiam em Baurú e
Aquidauna eram insuficientes mesmo para o pequeno material então
existente e cuja reparação se vinha fazendo com o auxilio das Companhias
Paulista e Mogyana. A essas emprezas tivemos que pagar pela reparação e
reconstrucção de material rodante:
Em 1919 375:843$530
Em 1920 258:646$445
Em 1921 287:900$535
Total 922:390$535
A importância dispendida nos tres annos foi assim de 922:390$535. Nessas
Condições estávamos obrigados a emprehender urgentemente a
construcção de grandes officinas modernas em Baurú, que permitissem não
só a conservação do material existente e que íamos adquirir, como também
a construcção de todos os carros e vagões necessários a Estrada. Não se
explica, de facto, que o Brasil importe carros e vagões para suas estradas
de ferro quando dispõe de excellentes madeiras e de operários habilitados à
execução das mais delicadas obras de carpintaria e marcenaria.
Inauguradas as novas officinas com a presença de V. Exa, em 12 de
outubro de 1921, poz a administração da Noroeste em pratica o seu
programa: não deu mais a officinas extranhas, quer do Paiz quer do
extrangeiro, a encommenda de nenhum carro ou vagão, concentrou todos
109
Diario da Noroeste, anno I, nº 12, 14/08/1925, p.2.
110
O Bauru, anno XII, nº 539, 17/01/1918, p.2.
111
Folha do Povo, anno 4, nº 495, 14/04/1938, p.4.
112
Folha do Povo, anno 4, 21/04/1938, nº 499, p.4.
53
os serviços nas officinas de Baurú, com os melhores resultados práticos e
econômicos.
A preocupação com a boa conducção da coisa publica em benefício da
nação era evidente e mais acurada no sentido de dotar a ferrovia de
condições de aproveitar a matéria prima e a mão-de-obra nacional
existentes na ferrovia
113
.
Em outubro de 1921 a imprensa local passou a noticiar a viagem que seria
realizada por autoridades federais da República como o ministro da Viação e Obras
Públicas, J. Pires do Rio, para inaugurar as novas oficinas. Segundo a imprensa as
novas obras colocariam a EFNOB como possuidora de todos os requisitos de
máxima eficiência para uma ferrovia
114
.
A inauguração mereceu a presença do presidente do Estado, como eram
chamados os governadores de Estado na Constituição de 1891 então em vigor, o Sr.
Washington Luis, além do ministro da Viação Dr. J. Pires do Rio, bem como de
outras autoridades e diversos jornalistas.
Hospedes Illustres
Hoje Baurú têm a subida honra de hospedar os Snrs. Dr. Washington Luis,
Presidente do nosso Estado; Dr. J. Pires do Rio, ministro da Viação; Dr.
Heitor Penteado, secretário da Agricultura; Major Marcílio Franco, chefe da
Casa Militar da Presidência; Dr. Tito Prates, official de Gabinete daquelle
secretario, alem dos deputados Drs. Carlos Garcia, Raul Renato Cardoso de
Mello e Luis Piza Sobrinho. Fazem parte da comitiva, além de outros
cavalheiros, os representantes da “Agencia Americana”, “Jornal do
Commercio”, “Correio Paulistano” e “O Estado de S. Paulo”. Ao chegar
nesta os illustres hospedes, foram hospedados no Grande Hotel Cariani. Os
illustres hospedes (sic), de automóveis percorrerão a nossa cidade que se
acha finamente ornamentada, visitando os edifícios públicos, jardins etc. As
dez horas será effectuada a inauguração das grandes e modernas
officnas(sic) da Noroeste, e os novos escriptorios do trafego
115
.
Por suas dimensões e importância técnica e estratégica, as novas oficinas da
EFNOB, quando inauguradas em 1921, chamaram as atenções da imprensa. É certo
que elas ampliaram a oferta de empregos justamente para aquelas pessoas com
baixa ou nenhuma escolaridade.
Centenas de migrantes rumaram para a cidade de Bauru, em busca de uma
ocupação fixa nas novas oficinas da EFNOB inauguradas em 1921
116
, atraídos pela
113
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL. Relatório referente ao exercício de 1921. Bauru,
p. 12.
114
O Bauru, anno XV, nº 726, 06/10/1921, p.1.
115
O Bauru, anno XV, nº 727, 09/10/1921, p.1.
116
O Bauru, anno XV, nº 726, 06/10/1921, p.1. “(...) Nessa excursão s. Excia. examinará as obras e
serviços que foram executados durante a sua gestão; fará a inauguração de vários edifícios para
estações, depósitos de locomotivas, as grandes oficinas modernas de Baurú, casas para operários,
54
possibilidade de emprego fixo, que pagava salário e acenava com a possibilidade,
também de moradia.
Pelo sistema profissional existente nas oficinas, mesmo com as novas
instalações, os artífices e aprendizes realizavam o seu aprendizado na prática sem
garantia de serem empregados ao final daquele estágio. Trabalhavam para aprender
uma profissão
117
.
Bauru precisava enaltecer suas ferrovias que trouxeram a modernização para
sua cidade e em especial a EFNOB, que nascendo em Bauru seguia rumo ao Mato
Grosso abrindo grandes possibilidades de negócios para os comerciantes locais,
além de advogados, agrimensores, médicos e toda uma gama de profissionais com
formação superior. Os comerciantes de Bauru, através da sua Associação, sabiam
da importância destas novas Oficinas que iriam melhorar os serviços da EFNOB e
gerar muitos empregos. Eram oficinas grandiosas e chamaram a atenção para os
seus propósitos de não depender mais da prestação de serviços de reparos e
construção de vagões da Cia. Paulista de Estradas de Ferro e da Mogiana ou
mesmo da compra de vagões de passageiros no exterior.
Figura 09 – Placa inaugural das Oficinas da EFNOB do Brasil. MOVIMENTO S.O.S. FERROVIAS –
1999. Em 09 de outubro de 1921. A data impressa difere em alguns dias do Relatório da Diretoria.
etc, e inspeccionará outras obras em execução, inclusive os serviços de alvenaria dos pilares da
grande ponte sobre o rio Paraná. (...)”
117
VICENTE, M. M. Op. cit. p.71.
55
O Poder Público, representado pelo chefe do Executivo Federal, aproximava-
se dos cidadãos em ocasiões especiais como essa
118
. Marcava presença, ocupava
espaços, mostrava a sua autoridade e deixava clara a sua capacidade de atuar em
várias instâncias da economia, política bem como exercer o poder simbólico que se
mostrava pela sua atuação.
O snr. Ministro da Viação e a Noroeste do Brasil
No próximo domingo, dia 9 o snr. Ministro da Viação realizará sua projetada
excursão à zona servida pela Estrada de ferro Noroeste do Brasil. Notável
tem sido o progresso dessa via férrea no presente quatriennio e, si
occurencias extranhas á esphera de acção dos poderes públicos não
permitiram poder-se hoje considerar a Noroeste possuidora de todos os
requisitos de máxima efciciência, no objetivo por elle collimado, accentuou-
se, entretanto nos últimos 3 annos um tal beneficiamento de todos os
serviços, actualmente em perfeitas condições de normalidade, que o
almejado de efficiencia completa deixou de ter a feição de uma promessa
apenas, para ser hoje precisamente previsto como conseqüência
irrevogável e fatal dos factos em si e do impulso adquirido.
O apparelhamento conveniente do valiosíssimo patrimônio nacional
representado por esta estrada constituiria, sem duvida alguma, um dos
melhores serviços prestados ao Paiz pelo actual Governo, e assim o tem
compreendido, e muito bem, o actual titular da pasta da Viação. S. Excia.
tem dedicado, desde o começo, uma especial attenção e solicitude aos
assumptos relativos a Noroeste do Brasil, tudo facilitando à sua Directoria
para uma boa fecunda administração, cujo esforço ahi esta patente e
indiscutível e nos é grato assignalar. Nesta excursão s. Excia. examinara a
obra e serviços que foram executados durante a sua gestão; fará a
inauguração de vários edifícios para estações, depósitos de locomotivas, as
grandes officinas modernas de Baurú, casa para operários, etc, e
inspeccionara outras obras em execução inclusive os serviços de alvenaria
dos pilares da grande ponte sobre o Rio Paraná (...)
119
.
Importante ressaltar que Getúlio Vargas, em 1938, portanto já no período do
Estado Novo, fez uma visita a Bauru. Foi acompanhado do interventor de São Paulo,
Adhemar de Barros, antigo político do Partido Republicano Paulista e, à época,
membro dos quadros do Estado Novo. Na cidade, Vargas passou em revista à
construção da Estação Central, fez contatos políticos e em especial deixava claro
que, apesar do aspecto festivo, a ditadura do Estado Novo era uma realidade e tinha
o apoio de uma grande parte do exército.
118
REVEL, J. A invenção da sociedade. In: Coleção Memória e Sociedade. (...)o conhecimento do
território é a produção do território(...) p. 104; (...)A viagem de Estado oferece assim um recurso que
jamais será esquecido. A sua formula será afinada pouco a pouco, a montagem mais elaborada, as
intenções mais complexas, mas é a mesma estratégia de constituição e de legitimação do poder
soberano pelo território que irá a partir daí atravessar os séculos. (..) p. 106.
119
O Bauru, anno XV, nº 746, 06/10/1921, p.1.
56
Baurú recebe amanhã (20 de julho) a visita do chefe da Nação.
Em companhia do sr. Getúlio Vargas e de sua esposa e filha vêm a sra. e o
sr. Adhemar de Barros, interventor federal em São Paulo, o interventor
fluminense comandante Amaral Peixoto, o General José Pinto, chefe da
Casa Militar da Presidência e outras altas personalidades – A viagem será
feita em aviões que voarão directamente do Rio até Baurú, iniciando-se aqui
a excursão presidencial pelo nosso Estado
120
.
Tal viagem, cercada de políticos e autoridades de Estado, além de
demonstrar a garantia da ocupação territorial pelo poder do Estado Novo,
representada pelas visitas oficiais, deixam claras a importância estratégica da
ferrovia.
O jornalista Brenno Ferraz, em seu livro Cidades Vivas
121
, em contraponto ao
livro de Monteiro Lobato Cidades Mortas
122
, também deixou registradas suas
impressões das mudanças causadas pela nova fase da EFNOB, pós-encampação
dizendo que a cidade se assemelhava às “clássicas cidades industriaes” pela
presença dos trabalhadores às centenas. Sem dúvidas Bauru estava distante de
uma cidade industrial, mas as ferrovias e, em especial a EFNOB, estavam
provocando mudanças rápidas e com grande impacto para a vida de seus
habitantes.
Portanto, para os que viveram a década de 1920 era inegável que Bauru
crescia devido à ferrovia, embora continuasse um município com perfil interiorano do
estado de São Paulo. Por outro lado, o progresso visível trazia orgulho para as suas
elites e criava anseios e ideais que não correspondiam à realidade, gerando
representações que apareceram com freqüência nos jornais locais. É possível que
os olhares sobre a cidade e a ferrovia fossem diferentes entre os operários das
oficinas, funcionários da ferrovia e elites da cidade e as pessoas comuns que não
desfrutavam diretamente de todas as mudanças advindas pela presença da EFNOB.
Outro escritor que também se disse impressionado com as novas Oficinas e
suas respectivas atividades, além da modernização e conseqüências que trouxeram
120
Correio da Noroeste, anno VIII, nº 2154, 19/07/1938, p.1.
121
FERRAZ, B. Op. cit., p. 50. VI – Bauru, metrópole noroestina – Um pedaço de vida carioca –
Acção moralizadora da Egreja. “(...) Desnorteia. As três estações, que são três grandes
acampamentos, impressinam como uma só officina. Trabalha-se como trabalham mineiros em uma
mina: machinistas, foguistas e mechanicos, carregadores, carroceiros e operários diversos não
descansam. Deve ser assim uma das clássicas cidades industriaes.”
122
A primeira edição do livro de Lobato foi de 1919.
57
à cidade foi Menotti del Picchia
123
. O poeta modernista, ao visitar conhecidos na
cidade em 1921, mostrou-se espantado e admirado com o movimento e os avanços
trazidos pela EFNOB e seus funcionários. Ainda que longa, a citação a seguir vale
menos pelo teor elogioso que pelo olhar de um cronista observando a paisagem de
um “Sertão Modernista
124
”.
Pouco depois de desembarcar na rica e formosa cidade da Noroeste
Paulista, onde três estradas de ferro incidem as paralelas de seus trilhos e
onde mais de quarenta hotéis abrigam diariamente centenas de forasteiros,
fui, por gentileza dos queridos amigos de lá, convidado a visitar as
grandiosas oficinas (sic) da Noroeste. Inaugurou-as, se não me engano,
meu ilustre amigo Pires do Rio, quando ministro, cargo que não lhe tirou a
qualidade de paulista, fazendo-o trabalhar com especial carinho pelo seu
Estado. Raras são as oficinas que se lhes comparam projetadas por um
jovem engenheiro nosso, dirigidas por brasileiros, sua admirável
organização e grandiosidade enche-nos de orgulho. Três horas passei
tendo por Virgílio, neste circulo dantesco de monstros mecânicos, o Dr.
Carilho, digno diretor do Tráfego da Noroeste – entre esqueletos de aço de
vagões em construção(sic), que aguardavam a carne rosada do cedro e da
peroba nacionaes, para sua revestidura. Lá, onde na era das bandeiras, o
sertão fechado opunha-se como muralha de troncos a audácia da entrada
dos bravos peões fixadores das nossas fronteiras, constroem-se hoje, os
rápidos comboios iluminados à luz elétrica como palácios errantes, que
transportam outros veículos mecânicos destinados a passar fonfonando
pelas estradas de rodagem rasgadas no coração das lavouras.
Bauru, como se vê, é industrialmente uma força. A expansão da Cidade,
que radica seus gânglios tem os bairros longínquos, apesar de hostilizada
pela infeliz formação geológica de seu solo, é incrível. Por toda parte
andaimes, pilhas de tijolos, valles e arcabouços rasgados no chão areento
para fundamento de novas edificações. Cidade Infante, ontem (sic)
engatinhando nas rasteiras palhoças, hoje braceia para o alto a glória das
suas torres, dos seus palácios, dos seus torreões. Curioso ver-se é o
contraste do Bauru de ontem (sic) e de hoje: a casa de madeira, cachimbo
pôde, para dar lugar aos “vilinhos” ultra-modernos e aos “bungalows”. (...)
Sob o aspecto da cultura, a vitoriosa urbe Capital do Sertão oferece o
prodígio de ter uma aristocracia mental de primeira ordem.
Como o “far-west” americano do norte, que se popularizou nos impressivos
“films” que atulham os cinemas, a população heteróclita e cosmopolita parte
flutuante e parte estabilizada, é composta em grande cópia por
profissionais, a par da mais moderna cultura e civilização
125
.
123
HTTP://www.casamenotti.com/biografia.htm Acessado em 22 de agosto de 2008. Menotti Del
Picchia nasceu em 20 de março de 1892 na cidade de São Paulo. Mudou-se com 5 anos de idade
para Itapira, interior do Estado. Foi jornalista, romancista, poeta, teatrólogo. Em 1917 publicou o seu
poema mais famoso JUCA MULATO. Participou com Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e Raul Bopp
dentre outros da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Faleceu em 23 de agosto de
1988.
124
A alusão ao termo modernista aqui se refere ao elogio ao novo, como se fosse possível algo
original, dinâmico refletindo a industrialização. Nota-se, também, certa subserviência do autor e da
própria cidade às máquinas e aos motores que a conduziam à modernidade.
125
PELEGRINA, G. R. Memórias de um ferroviário – XXXII – Jornal da Cidade, Bauru, 27/07/1986,
p.29. Coluna do Jornal da Cidade de 27/07/1986, que relatou a visita realizada pelo poeta Menotti del
Picchia à cidade de Bauru em 1921.
58
Os elogios do poeta são esclarecedores: suas palavras indicam que quis
mostrar seu grande prestígio, com conhecimento social de pessoas influentes ao
afirmar que era amigo do ministro da Viação e Obras Públicas J. Pires do Rio e que
este não perdera sua alma paulista desbravadora herdada dos corajosos
bandeirantes. Revela orgulho pelo amigo que, uma vez ministro, e por meio da
influência política na Capital Federal, não parou de trabalhar pelo engrandecimento
do seu Estado natal.
O crescimento físico da cidade de Bauru, provavelmente se deu à base de
especulação imobiliária, o que pode ter tornado os aluguéis mais altos, em especial
para a população de baixa renda. Pela consulta aos periódicos da imprensa local
observou-se a mesma impressão positiva com a representação do progresso e da
modernização que a EFNOB trouxe para Bauru.
O fato de Menotti mencionar que na cidade haveria uma população culta e
civilizada, certamente foi fruto do convívio com pessoas com as quais entrou em
contato através de seu amigo bauruense. Pessoas que por sua formação e contato
com a Capital Federal e do Estado que, através de viagens de trem, podiam ter
contato com os modismos, maneirismos, visões de mundo e modos de se relacionar
com a realidade. Jornais locais, com freqüência, trazem notícias de pessoas das
elites da cidade em viagens realizadas pelos trens das ferrovias existentes em
Bauru.
Vida Social – Hospedes e Viajantes
Hoje a serviço de seu cargo seguiu para São Paulo o snr. Carolino de
Oliveira, digno gerente dos armazéns da Cooperativa dos Empregados da
Noroeste.
Passou pela cidade com destino a Albuquerque Lins, após estada na capital
do Estado, o fazendeiro snr. João Pinto Ramalho
126
.
Vida Social – Hospedes e Viajantes
Viajou para S. Paulo o snr. Dr. Gumercindo Reis engenheiro da Câmara
Municipal
127
.
Vida Social – Hospedes e Viajantes
Viajou para o Rio o snr. J. J. Castro Afilhado, ajudante chefe da
contabilidade da Noroeste do Brasil
128
.
Vida Social – Hospedes e Viajantes
Hoje pelo nocturno da Sorocabana e acompanhado de exma. família
embarca nesta cidade o nosso amigo snr. Anézio de Lemos, gerente da
agência do Banco do Brasil em Florianópolis
129
.
126
O Bauru, anno XIV, nº 666, 22/08/1920, p.2.
127
O Bauru, anno XIV, nº 668, 05/09/1920, p. 2.
128
O Bauru, anno XIV, nº 671, 26/09/1920, p. 2.
129
O Bauru, anno XIV, nº 681, 05/12/1920, p. 2.
59
O poeta Menotti del Picchia, percebeu a importância da EFNOB devido a
visita feita às oficinas recém inauguradas. Porém, sem conhecer as fraquezas e
deficiências da ferrovia, apenas encantado com o aparente, como o tamanho das
construções visitadas, soube que até o automóvel, que começava a ser usado na
região, por muito tempo teve que chegar à cidade de Bauru e na zona Noroeste nas
gôndolas, vagões especiais para esse tipo de carga para poder “(...) passar
fonfonando pelas estradas de rodagem rasgadas no coração da lavoura.”
Quanto aos operários, nada foi dito pelo poeta, salvo o diretor de Tráfego da
EFNOB que o acompanhou poeta em sua caminhada dantesca pelas novas oficinas.
Importante destacar que apesar do fraco prestígio social, os operários eram
de suma importância para o funcionamento das estradas de ferro e mesmo com
pouca – ou nenhuma – educação formal e teórica tinham conhecimentos empíricos
efetuando reparos, construindo e montando vagões (figuras 10,11,12) e locomotivas
a vapor que chegavam dos EUA para aqui serem montadas
130
.
Figura 10– Vagão dormitório construído nas novas Oficinas de Bauru. ESTRADA DE FERRO
NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente ao exercício de 1921. Anexo fotográfico.
130
BASTOS, I. A. Falcão-Independência: nossa gente nossa história. Bauru, SP: USC, 2002, p.52-57.
Essa situação de aprendizado profissional na Noroeste, semelhante às corporações de ofício
medievais em pleno século XX, onde os trabalhadores se submetiam a condições adversas de
trabalho na esperança de serem contratados ou aprenderem um ofício, perdurou até a década de
1930. Mais especificamente até 1935, no primeiro governo constitucional de Getúlio Vargas. Devido
ao modelo desenvolvimentista-nacionalista-industrialista adotado, era necessária uma mão-de-obra
qualificada e escolarizada, o que não acontecia até então. O interventor de São Paulo, Armando
Salles de Oliveira criou diversos núcleos de ensino profissional. O prefeito municipal da cidade de
Bauru, professor José Guedes de Azevedo, em parceria com a E.F. Noroeste do Brasil implantaram,
a partir de 1935, o núcleo profissional local, subordinado administrativamente à Superintendência
Técnica do Ensino Profissional do Estado e com orientação técnica do Centro Ferroviário de Ensino
Profissional de São Paulo.
60
Figura 11 – Locomotivas “Consolidation”, adquiridas para trens de carga e montadas nas novas
Oficinas de Bauru. ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente
ao exercício de 1921. Anexo fotográfico.
Figura 12 – Locomotivas “Pacific”, adquiridas para trens de passageiros e montadas nas novas
oficinas de Bauru. ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente ao
exercício de 1921. Anexo fotográfico.
61
Com a encampação feita pela União em 1917 e as transformações que
resultaram, dentre as quais a construção das Oficinas Centrais, estas últimas foram
divididas em três grandes seções.
As três seções das novas Oficinas Centrais eram:
Oficina A; Ajustagem; parte operacional: máquinas operatrizes, fornos,
fresas, plainas, usinagem de peças, modelagem para a fundição com um
Alto Forno Siderúrgico.
Oficina B; Eletricidade: transformadores, dínamos, geradores, alternadores
e outros aparelhos correlatos.
Oficina C; Carpintaria-Marcenaria: construção e reparos de vagões, móveis
etc
131
.
Para o funcionamento de uma ferrovia em toda a sua plenitude técnica, com o
transporte de cargas e passageiros, era necessário que as linhas de trens tivessem
suas estações de embarque-desembarque em condições de uso. Elas também
contribuíram para certo tipo de modernização, ao destacar em locais distantes dos
grandes centros urbanos, novos estilos arquitetônicos e acomodações que
expressavam valores materiais e simbólicos.
Do funcional ao monumental: as estações ferroviárias de Bauru
As estações ferroviárias de embarque e desembarque das estradas de ferro
Sorocabana e Paulista não serviam apenas para o trânsito de mercadorias e
pessoas, sendo responsáveis, também, pela criação de uma rede de comunicações
que punham em contato a cidade de Bauru com toda a região Noroeste. Nelas, as
pessoas se encontravam para acompanhar a política
132
, para verem e serem vistas
no processo de construção de novas sociabilidades.
A chegada dos trens nas estações era um acontecimento social de grande
importância; momento em que as pessoas interagiam com a movimentação de
embarque e desembarque para estabelecerem e reforçarem laços sociais e mesmo
131
PELEGRINA, G. R. Memórias de um Ferroviário – XXXII – Jornal da Cidade, Bauru, 27/07/1986, p.
29.
132
Os comícios do Partido Republicano Paulista aconteciam ali até 1930 e após a Revolução de
1930, os comícios do Partido Constitucionalista, da Ação Integralista Brasileira e de tantos outros.
62
políticos
133
. O impacto da estação ferroviária como símbolo do moderno fez com que
fossem vistas como espaços civilizados e civilizadores.
Um exemplo interessante foi à aceitação da importância das ferrovias sem
que houvesse um olhar crítico sobre elas.
No entanto, no início das atividades das ferrovias, e por muito tempo, a
cidade de Bauru e a zona Noroeste contavam apenas com estações precárias,
muitas edificadas de madeira. Por falta de manutenção ao longo dos anos de uso
foram descritas como em estado de putrefação de acordo com o já mencionado
Relatório da Diretoria de 1921 da E. F. Noroeste do Brasil. No entanto, é preciso ter
certo cuidado com o conteúdo desse relatório, porque tinha por objetivo, também,
dar loas ao trabalho que começava a ser realizado e procurava desqualificar a
administração anterior.
Porém, a imprensa como porta-voz dos interesses de setores econômicos
bauruenses, começou a reclamar da situação das estações confirmando que não
atendiam ao transporte de mercadorias e de passageiros, comprometendo o
desenvolvimento comercial não só da cidade, como da região.
Mesmo a EFNOB, apesar de suas já mencionadas características
diferenciadas, não possuía, em 1917, data da encampação pela União, estações
melhores que a Estrada de Ferro Sorocabana e a Cia. Paulista de Estradas de
Ferro.
A população reclamava das estações devido as suas condições precárias,
pois era o único meio de transporte disponível à época
134
. Todavia, a situação só se
alterou com a chegada ao poder de Getúlio Vargas e seu grupo através da
revolução de 1930 e sua perspectiva de desenvolvimento nacionalista.
133
REVISTA BRASILITAS Número especial dedicado à Zona Noroeste. Especial de Bauru. Número
integral à construção da Nova Estação Central Ferroviária e as ferrovias Paulistas. Dezembro de
1937/ Janeiro de 1938.
134
O automóvel começava a chegar ao interior do Estado de São Paulo e contava apenas com
estradas de rodagem precárias. Para chegar aos mercados consumidores recém desbravados os
automóveis vinham em gôndolas ferroviárias até Bauru pela Cia. Paulista e pela EFNOB da cidade
em diante rumo à zona Noroeste.
63
Figura 13 – Inauguração do Ramal da Cia. Paulista de Estrada de Ferro em Piratininga em 1937.
REVISTA BRASILITAS, número especial à Zona Noroeste. Especial de Bauru. Dezembro de
1937/Janeiro de 1938. Página 24.
Exemplo ilustrativo da participação popular do que se configurou como um
ritual social (Figura 12) foi a inauguração do ramal da Cia. Paulista de Estradas de
Ferro na cidade de Piratininga, vizinha a Bauru: é notável o grande volume de
pessoas que compareceu ao evento, provavelmente trajando as suas melhores
roupas!
1.1 As estações existentes: reclamações e ausência de atitude do poder
público
Como já mencionado ao longo do trabalho, apesar de sua importância, as
ferrovias em Bauru não tinham estações de embarque e desembarque que
pudessem servir à população adequadamente. As três estações – Sorocabana,
Paulista e Noroeste -, deixavam a desejar no atendimento ao público, tanto em
relação aos passageiros quanto às mercadorias.
Além disso, ficou patente que a preocupação com a precariedade das
estações de embarque e desembarque eram um problema para o fluxo normal de
escoamento das mercadorias, prejudicando o desenvolvimento econômico de Bauru.
AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE QUEM VISITA BAURÚ.
Não são das melhores, as impressões que da cidade, no seu exterior
formullam á primeira vista, os nossos forasteiros. Isto quando elles
desembarcam em qualquer das estações férreas locaes.
A Sorocabana possue acanhado barracão de tijolos. Sua plataforma
estreitíssima, suja, offerece sério perigo aos que nella aguardam os trens
64
em dias de movimento intenso, que não são raros. Este movimento redunda
em largos proventos que a Estrada offerece, na parte que respeita a venda
de passagens em Baurú.
A Noroeste nos serve em um segundo barracão extenso, e este de madeira
com defficientes acomodações deante do movimento diário de viajantes que
alli facilmente se observa. Estação provisória em vias de substituição como
adeante fallaremos
135
.
Na Bauru do início do século XX, as estações eram pequenas e de arquitetura
ferroviária tradicional. As estações que serviam a Paulista e Sorocabana repetiam
(...) sem grandes variações e com raras exceções, os modelos europeus. As
estações de passagem e os terminais ferroviários apresentaram as mesmas
características construtivas e plásticas das européias, isto é, as estruturas
metálicas (quando existiam) se justapunham aos maciços de alvenaria, sem
integração plástica
136
.
Pela ilustração a seguir, verifica-se que a de Bauru também se encaixava no
relato acima. A estação da Noroeste era pequena, de alvenaria
137
, não
proporcionando conforto aos viajantes que chegavam à cidade. Estava distante de
ser condizente com os anseios das elites que pretendiam que o principal ponto de
chegada àquela localidade fosse semelhante às imagens idealizadas de um “cartão
de visitas”.
Figura 14 – Pela fotografia vê-se que a estação da EFNOB era de alvenaria, mas como os fotógrafos
da época só tiravam fotografias de um determinado ângulo, tinha-se a impressão de que ela fosse de
madeira. “As Ferrovias do Brasil – Nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças”, João Emílio
Gerodetti e Carlos Cornejo, p. 146, fotografia nº 301.
135
Correio de Bauru, anno X, nº 1184, 10/12/1925, p.1.
136
GUEDES, E. A. Parecer no processo de tombamento das estações ferroviárias de Tibiriçá, Val de
Palmas e Curuçá. Processo nº 30300/03. Bauru: 2003.
137
Existia uma controvérsia sobre a estação da Noroeste, na ilustração citada, ser de tijolos ou
madeira. Por meio da pesquisa realizada nas fontes, jornais bauruenses entre 1917 e 1939, e da foto
do livro “As Ferrovias do Brasil – Nos Cartões Postais e Álbuns de Lembranças de João Emílio
Gerodetti e Carlos Cornejo de 2005, confirmou-se que a estação de EFNOB era de alvenaria e que
apenas a ampliação era de madeira.
65
Figura 15 – Estação da EFNOB. PELEGRINA, G. R. Acervo fotográfico pessoal. O autor desta
fotografia captou um ângulo controvertido deixando dúvidas, até pouco tempo atrás, sobre a estação
de a EFNOB ter sido construída em madeira ou não.
As estações das três ferroviárias em Bauru só foram modificadas na década
de 1930 e, até então, permaneceram com aspecto de provisoriedade que a todos
irritava. A falta de preocupação com o transporte de passageiros era uma constante
e, mesmo quanto às mercadorias, as ferrovias existentes em Bauru deixavam a
desejar.
Figura 16 – Estação da Estrada de Ferro Sorocabana, 1906. PELEGRINA, G. R. Acervo fotográfico
pessoal.
Outras imagens (Figuras 16 e 17) das estações Sorocabanas e Paulista
também demonstram a dimensão do acanhamento estético e funcional das estações
ferroviárias à época das reivindicações por melhorias.
66
Figura 17 – Estação da Cia. Paulista de Estrada de Ferro, 1910. PELEGRINA, G. R. Acervo
fotográfico pessoal. Vêm-se as casas da Vila Ferroviária ao lado direito da Estação.
A insatisfação com as estações, além da questão do desconforto e da
precariedade, dizia respeito, também a pouca importância dada pelo governo
Republicano para com o interior de São Paulo; em especial, para com o oeste
paulista por onde corriam as principais ferrovias, além da EFNOB. Pessoas letradas
da cidade registraram, por meio da imprensa, insatisfação por tal descaso e pela
falta de atenção de que os bauruenses se consideravam credores.
Grande esperança foi depositada no governo republicano após a encampação
da EFNOB, bem como no diretor-engenheiro Arlindo Luz. Este último prometeu
construir a nova estação da Noroeste, chegando a elaborar um projeto para a nova
estação. De acordo com a imprensa local, houve a captação de recursos para o
início das obras do projeto
138
, porém o mesmo não foi executado
139
.
Mais uma vez a grita das elites por meio da imprensa se fez sentir. Em tais
ocasiões ficam claros os reclamos sobre as condições das estações da cidade.
Nova Estação
O sr. Arlindo Luz, director da Estrada de Ferro do Brasil, já ordenou a
execução do projecto da nova e grande Estação que aquella Estrada irá
construir nesta cidade no Largo Machado de Mello, entre as ruas Baptista
138
O projeto da nova estação, bem como as plantas, foram aprovadas na seguinte ordem: 29 de
junho de 1922, planta baixa; 19 de agosto, fachada principal e no dia 19 de setembro a fachada
lateral. Estas datas foram encontradas nas respectivas plantas citadas com as assinaturas de Arlindo
Luz, diretor-engenheiro da Noroeste e Olavo F. de Oliveira, engenheiro responsável pela seção
técnica da Vª Divisão, responsável pelas obras novas.
139
Plantas arquitetônicas do acervo do “Centro de Memória Regional UNESP/RFFSA”. Bauru, São
Paulo.
67
de Carvalho e 1º de Agosto. É Certo que a construcção será iniciada em
janeiro de 1922
140
.
A nova estação, além de ser nova, deveria ser grande, como os bauruenses
ansiavam.
Noroeste do Brasil
Retificação de alguns pontos da linha entre Baurú e Nogueira está quase
terminada. (...) Ao que consta, brevemente será iniciada a construcção da
estação desta cidade
141
.
O estilo eclético adotado para o projeto da estação seguiu o mesmo padrão
das remodelações das cidades, ocorridas no Brasil em fins do século XIX e início do
século XX, com o advento da República (Figura 18).
Figura 18 – Fachada principal da nova estação da Noroeste em Bauru. ESTRADA DE FERRO
NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente ao exercício de 1921. Anexo. Projeto da
administração do diretor-engenheiro Arlindo Luz de 1922, nunca construída.
Apesar de carregar nos elementos decorativos, era um estilo construtivo
adotado pela arquitetura em voga: portas e janelas mais bem enquadradas e
vedadas; o uso de banheiros com pias, bidês e vasos sanitários, condição possível
pela criação de rede de água e esgoto nas cidades, que passavam a adotar tanto
um urbanismo incipiente, quanto novas normas de higiene
142
. De acordo com Reis
Filho, na arquitetura ferroviária o eclético se mostrava pelas peças de ferro fundido
140
O Bauru, anno XV, nº 757, 13/11/1921, p.1.
141
O Bauru, anno XVI, nº 801, 04/05/1922, p.2.
142
REIS FILHO, N. G. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo, Editora Perspectiva S/A, 2002.
68
que compunham a gare de embarque com grande trabalho artístico de decoração e
os demais elementos já mencionados.
(...) Os agentes sociais dessas transformações, membros das camadas
sociais urbanas em ascensão, atuariam sob influência do positivismo e do
ecletismo arquitetônico. Essas camadas iriam construir e utilizar uma
arquitetura mais atualizada e tecnicamente elaborada, sem o auxílio do
trabalho escravo
143
.
O desapontamento em relação à construção da nova estação da Noroeste
pareceu, de acordo com a freqüência em que apareceram na imprensa, cada vez
mais algo distante apesar das promessas. Em maio de 1922, ela não havia sido
iniciada mesmo tendo sido prometida para janeiro de 1922. Contudo, de acordo com
a citação a seguir, as esperanças não se apagavam
Estação Noroeste
Consta que por todo mez de agosto próximo será iniciada a construcção da
nova estação da Noroeste do Brasil e que ficará no largo da Independência,
Entre asa ruas 1º de Agosto e Baptista de Carvalho
144
.
Também a Cia. Paulista de Estrada de Ferro, a exemplo das outras ferrovias,
não estava interessada nos usuários dos seus serviços, fosse o transporte de carga,
ou o de passageiros. Também não dava importância para as suas instalações,
consideradas deploráveis pela imprensa local. Esta última fez uma crítica ácida
sobre a companhia:
Companhia Paulista
Muito breve teremos consumada mais um acto, dos tantos, que a
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, pratica em benefício desta
cidade, que ella tanto quer e tanto aprecia. Trata-se da supressão do
Botequim da Estação, não porque os directores da grande empreza sejam
filiados a alguma sociedade de temperança e façam propaganda activa da
lucta contra o álcool, mas para simplesmente não gastar uns dois ou três
contos de reis.
É o caso que a delegacia de hygiene, no firme propósito de zelar pela saúde
pública, condenou o actual boteco que não passa de uma espécie de meio
vagão de carga, coberto de zinco e cimentado em baixo, feio, indecente e
anti-hygienico.
Pois bem, a Paulista, que por esta barraca immunda cobra um exhorbitante
alluguel, fez scientificar o arrendatário que ella não faria reforma alguma no
grande prédio e que estas reformas se o arrendatário quizesse, que as
143
REIS FILHO, N. G. op. cit. p.145.
144
O Bauru, anno XVI, 825, 30/07/1922, p.2.
69
fizesse por conta própria ou quando não que fechasse o estabelecimento
quando exgotado o prazo.
Ora, si (sic) o fechamento do botequim numa estação tão movimentada
como esta, com oito trens diários de passageiros, não é um absurdo, não
sabemos que qualificativo lhe possa ser dado...
Que a Paulista extrague os horários, tolera-se, mas que além de tudo,
obrigue o povo a não tomar uma xícara de café ao embarcar de manhã
cedo, onde um trem parte ás 5 e 30 pode-se francamente dizer que chega
as raias do desaforo.
Mas é que ella naturalmente pensa que numa estação onde não há
privadas e nem mictório é dispensável também o botequim, a sala de
espera e os bancos para sentar.
E o nosso povo tudo supporta e...nada reclama
145
.
A Cia. Paulistao era acusada apenas de não ter uma estação em
condições para os seus passageiros, o problema também se estendia à carência de
vagões para atender às necessidades da cidade de Bauru. Segundo a imprensa
local, o desenvolvimento da construção civil e da cidade estaria emperrado devido à
falta de interesse da companhia em colocar vagões à disposição da cidade e, assim,
trazer mais materiais necessários à construção civil.
Companhia Paulista
O atrazo do desenvolvimento das construcções nesta cidade o devemos
(sic) em parte á estrada de ferro devido a grande escassez de material
rodante em nosso ramal. Faltam vagões de carga e gôndolas para
transportar os materiais necessários ao nosso progresso
146
.
A preocupação com as estações continuava a mexer com os nervos dos
habitantes da cidade em 1922, esperançosos que o então novo diretor-engenheiro
Arlindo Luz, imbuído em mostrar sua competência profissional em oposição à antiga
administração, pudesse começar a construção da nova estação ferroviária.
Nova Estação
No dia 7 do corrente (novembro) o snr. Presidente da República assignou o
decreto aprovando o projecto para a construção da Nova Estação da
Estrada Noroeste nesta cidade, construcção esta que será iniciada
brevemente.
É um edifício magnífico e que muito vira embelezar a nossa cidade.
Agora que a Noroeste vae iniciar esta grande obra, esperamos que as
Estradas Sorocabana e Paulista se resolvam também a construir as suas
estações fazendo com que desappareçam os actuais barracões
147
.
145
O Bauru, anno XVI, nº 828, 10/08/1922, p.2.
146
O Bauru, anno XVI, nº 830, 17/08/1922, p.1.
147
O Bauru, anno XVI, nº 852, 09/11/1922, p.2. Vale lembrar que a nova estação só foi construída
muito mais tarde e o engenheiro diretor Arlindo Luz, como dito anteriormente, ficou decepcionado
com a desatenção para com a sua administração. Outra frustração da administração Luz foi a não
construção da ponte sobre o Rio Paraná, eleita como questão de honra de sua passagem pela
Noroeste, anunciada e também não construída. Devido a essas manifestações de falta de prestígio
político junto ao Ministério da Viação e Obras Públicas, Arlindo Luz requereu a sua exoneração.
70
Nas críticas dirigidas às ferrovias, além dos problemas das estações e da falta
de vagões, a imprensa local satirizava o transtorno que era chegar a Bauru, de trem
pela EFNOB, uma das principais ferrovias que atendiam a cidade.
Mais uma vez, agora em 1925, a crítica foi dirigida em tom jocoso, já que não
se tomavam as providências que alterassem tal situação. Para o trem entrar na gare
da EFNOB era necessário seguir até o antigo armazém de cargas da Noroeste e
retornar de costas à estação. A situação era considerada vexatória pela imprensa.
AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE QUEM VISITA BAURU
(...) Mas falemos de uma excêntrica circunstância na que a Noroeste só
agora, depois de alguns annos, vae remover. A subida e entrada de trens
na gare daquella Estrada, feita às avessas...
O viajante que desconhece esse processo futurista ao vêr partir o trem há
de ficar certamente intrigado.
Só depois de muitos metros de viagem, feita nessa posição, é que o
comboio toma sua marcha regular. Na chegada, o trem vae primeiramente
ter ao antigo armazém de mercadorias para entrar novamente de costas na
estação como em retirada estratégica.
E são todas assim, ou assim mais ou menos as primeiras impressões de
quem visita Baurú. Cheias de esquisitices
148
.
A Estrada de Ferro Sorocabana, que também atendia a cidade, não foi
poupada das críticas pelo acanhamento da sua estação de embarque e
desembarque. A plataforma estreita dificultava a circulação de pessoas e o
desembarque de mercadorias. Tal situação irritava os profissionais da imprensa que,
como porta-vozes dos interesses das elites locais, criticavam aquele estado de
coisas. A comparação entre a Bauru antiga e uma pujante cidade idealizada era
clara:
(...) A Sorocabana, logo depois da primeira sensação que ao viajante
offerece com o barracão que possue á guiza de agencia, arma-lhe a
segunda, esta tão forte em desconsolar quanto aquella. A Estrada alludida
não tocou nem com uma pá na sua exótica esplanada (espaço onde os
trens faziam suas manobras). Permanece ella alli, tal qual as circunstâncias
a conceberam, há vinte annos atráz. Areia, somente a areia característica
da Baurú antiga, ou das ruas que ella tem ainda por calçar
149
.
Verifica-se, por meio dos discursos publicados nos jornais, como o citado
acima, a adesão aos ideais modernizantes e às benesses que gozariam cidades
148
Correio de Bauru, anno X, nº 1186, 12/12/1925, p.1.
149
Correio de Bauru, anno X, nº 1185, 11/12/1922, p.1.
71
mais urbanizadas (como o calçamento das ruas). Como se os habitantes de Bauru,
em especial as elites e a própria cidade, por meio de um desejo destes grupos,
tivessem se “transformado” nos modelos de cidadãos de um espaço urbano de
acordo com os parâmetros da modernidade.
Todavia, a solução, que viria a ser adotada para a resolução do problema das
estações de embarque-desembarque das ferrovias de Bauru, veio de uma notícia
sobre a possibilidade da construção de uma Estação Central em conjunto com as
outras ferrovias e não mais uma estação exclusiva para a EFNOB.
Em 1933, já na vigência do governo de Getúlio Vargas, foi-se avençado entre
o Governo de São Paulo, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro e o Governo Federal
a Sociedade de Melhoramentos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil Limitada.
Esta empresa ficou responsável por executar serviços, obras e melhoramentos na
Noroeste, confirmando o seu caráter diferenciado como ferrovia, de um lado e seus
problemas de caixa na administração, de outro
150
.
Nova Estação
Estamos enformados que a Estrada de Ferro Sorocabana pretende entrar
em negociações com a Noroeste do Brasil, a fim de entrarem em accordo
para que a Nova Estação da Noroeste seja construída pelas duas Estradas
de Ferro
151
.
Ainda em 1933, no Relatório da Diretoria daquele ano ficou acertada a criação
de uma nova estação de embarque-desembarque de passageiros e mercadorias
que reuniria as três estradas de ferro paulistas
152
.
Esse arranjo administrativo beneficiou a questão da construção da Nova
Estação que teve as obras iniciadas, passando a abrigar as três estações
ferroviárias de Bauru: a E. F. Noroeste do Brasil, a Estrada de Ferro Sorocabana e a
Cia Paulista de Estrada de Ferro. Finalmente, a problemática das estações de
embarque-desembarque das ferrovias na cidade de Bauru estava equacionada de
forma adequada e com a aparência e condução do novo período que se iniciou.
O país estava ingressando na Era de Vargas quando novos arranjos políticos,
econômicos e sociais foram acertados. Desde o início, o governo Vargas acenou
150
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente ao exercício de
1934.
151
O Bauru, anno XVII, nº 870, 21/01/1923, p.2.
152
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente ao exercício de
1933.
72
que faria um governo centralizador, cujas prioridades seriam as do seu grupo de
apoio, que contava com uma parcela expressiva do exército nacional.
Essa situação tornou-se ainda mais clara com o golpe do Estado Novo
quando, após um período de adaptação e enquadramento, Getúlio Vargas se
aproximou das antigas oligarquias estaduais, dando-lhes espaço e reduzindo as
tensões contra a sua ditadura.
1.2 A monumental Estação Central em “Art-Deco”
Como é sabido, se a crise de 1929 trouxe inúmeras conseqüências para a
história do Brasil, sem dúvida a principal foi o enfraquecimento momentâneo das
oligarquias cafeicultoras paulistas. Dentro deste contexto, as eleições presidenciais
que pareciam obedecer às regras políticas de então: o grupo da “situação” por meio
do presidente indicaria o candidato oficial que deveria ser apoiado pelas oligarquias
estaduais
153
.
Na cidade de Bauru ocorreram diversas falências, dentre as quais a mais
importante foi a da Casa Veado, nome fantasia da importante casa importadora
Nicolino Roselli & Cia. que fornecia à cidade gramofones, discos de gêneros
variados, armas, munições, perfumaria, cigarros, artigos para a casa e diversas
marcas de automóveis. A Casa Veado foi uma representante oficial de empresas de
automóveis como o Studebaker, Hupmobile, Rúgbi, Dodge e Buick etc
154
. A falência
correu perante o 2º Juízo Cível, a partir de 09 de setembro de 1929 e foi acusada
por alguns credores de ter sido fraudulenta
155
.
A Sociedade de Melhoramentos, responsável pela modernização e
investimentos nas ferrovias do estado de São Paulo, em especial na EFNOB, deu
início à construção da nova Estação Central, entre 1935 e 1939, com uma
curiosidade: a Estação Central começou a funcionar em 07 de dezembro 1938 antes
da inauguração oficial em 01 de setembro de 1939.
153
É notório, no entanto, que as divergências políticas acabaram em golpe político que permitiu a
ascensão de Vargas ao poder.
154
NÚCLEO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA DE BAURU E REGIÃO –
NUPHIS/USC – “GABRIEL RUIZ PELEGRINA”. Autos da Falência de Nicolino Roselli & Cia. 2º Ofício
Cível, caixa nº 634.
155
NÚCLEO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA DE BAURU E REGIÃO –
NUPHIS/USC – “GABRIEL RUIZ PELEGRINA”. Autos da Falência de Nicolino Roselli & Cia. 2º Ofício
Cível, caixa nº 634, fls. 500, 3º Volume, nº 9214, p.508.
73
A NOVA ESTAÇÃO DA N.O.B.
Já está funccionando desde ante-hontem.
Até pouco se concluía sem reclame, sem cerimônia officiaes – a nova e
monumental estação da N.O.B. e começou a funccionar ante-hontem. O
primeiro trem a encostar á grande plataforma foi o da Sorocabana chegado
durante á tarde.
Embora ainda não estejam ali perfeitamente installados todos os serviços
das tres vias, a impressão que se recebe ao entrar ali é magnífica, e não se
pode negar um sincero louvor a quantos trabalharam para a erecção
daquelle verdadeiro monumento
156
.
A administração getulista, que imprimiu sua marca nas administrações locais
como no caso de Bauru, mostrou através da nova Estação Central de embarque que
uma nova ordem política, econômica e social se instalava
157
. Formada por novas
oligarquias e apoiada por parcela expressiva do exército acabou se acomodando às
antigas forças políticas. Desde o início até o Golpe do Estado Novo deixou bem claro
quem eram os novos donos do poder.
O Novo Secretário
Foi escolhido o novo Secretário da Justiça do estado de S. Paulo, o Dr.
Cezar Lacerda de Vergueiro, Secretário da Commissão Diretora do antigo
Partido Republicano Paulista
158
.
Na nova Estação Central o Art Deco
159
deveria demonstrar, com sua
monumentalidade e pureza de formas, a supremacia e dominação do Estado
varguista sobre o Estado de São Paulo, dominando os espaços territoriais em
especial aqueles mais recentemente ocupados como a região Noroeste.
Os reclamos da imprensa a respeito das antigas estações cessaram a partir
do início das obras da nova Estação Central. A construção em si ocupou pouco
espaço nos jornais, embora lembrada devido às formas arrojadas para a época: por
ser monumental e por seu simbolismo. Deve-se lembrar que aquela construção, fora
156
Folha do Povo, anno V, nº 690, 07/12/1938, p.1.
157
A sua construção demonstrava as intenções do Estado getulista em relação ao Oeste paulista e à
cidade de Bauru: a tomada de posse dos corações e mentes no processo simbólico de dominação
política e administrativa.
158
Folha do Povo, anno V, nº 512, 07/05/1938, p.1.
159
BRESLER, H. O Art Decoratif Moderno na França. In: 1º Seminário Internacional Art Deco na
América Latina. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Em Art Deco (diminutivo de
Art Decoratif, termo que passou a ser usado a partir de 1925, em comemoração à exposição de Art
Decoratif em Paris) de caráter monumental. Reunia todas as ferrovias existentes na cidade, com uma
justaposição espacial. Esse estilo arquitetônico nasceu na exposição Internacional de Artes
decorativas e Industriais Modernas de 1925 em Paris (Exposition Internationale dês Arts Decoratifs et
Industriels Modernes) como uma reação aos excessos cometidos pelo Art Nouveau. Sua proposta era
purificar e liberar os edifícios da exuberância do Art Nouveau, passando a ter fachadas planas
eliminando desenhos simbólicos, linhas contorcidas inspiradas na flora, jogos de curvas, tudo em
nome da higiene, da economia e da modernização.
74
de escala para a cidade à época, impressionava as elites comerciais que tinham a
esperança da normalização do fluxo de mercadorias necessárias para continuar
construindo o progresso material da cidade de Bauru. Seu processo construtivo e as
soluções arquitetônicas de concreto armado da engenharia nacional fugiam do ferro
fundido tradicional da arquitetura ferroviária do período anterior e do estilo eclético.
A “GARE” DE BAURÚ. AS PALAVRAS DO PROFESOR ROCHA LIMA
SOBRE A ESTAÇÃO DA NOROESTE
Já comentamos o que representa para esta zona a promessa que o
professor Dr. Rocha Lima, diretor do Instituto Biológico, formulou quando
aqui esteve há poucos dias: uma secção daquelle importante departamento
seria installada em Baurú para atender toda a região. Há uma referência
porém, na entrevista que nos concedeu que merece comentário especial.
Homem que tem viajado largamente pela Europa e por outros continentes s.
s. disse que só na Itália e Alemanha paizes que têm renascido para o seu
antigo explendor, viu estações ferroviárias do porte da que esta sem
conclusão em Baurú.
Deve desvanecer-nos, o confronto de tão illustre brasileiro lembremo-nos do
antigo director da Noroeste, o engenheiro Alfredo de Castilho, sem a sua
iniciativa da qual a grandiosa “Gare” continuaria a ser, não se sabe até
quando aquilo que fora muitos e muitos annos, desde o tempo da extincta
companhia: - um simples e simpático projeto
160
.
Os comentários do cientista citado, Dr Rocha Lima, sobre o “explendor”
italiano e alemão representavam o fascínio que certa arquitetura atribuída aos
regimes nazi-fascistas provocavam entre alguns brasileiros das elites científicas,
jurídicas, políticas e de parte das classes médias. A Estação Central de Bauru
demonstrou naquele momento, portanto, a audácia do seu projeto construtivo e a
finalidade simbólica pela qual foi erguida: a marca do poder da nova orientação
política do país naquele momento.
Figura 19 – Croqui da nova Estação Central de Bauru. ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO
BRASIL Relatório da Diretoria referente ao exercício de 1933. Recebeu as três ferrovias
paulistas mais importantes, com evidente destaque para a EFNOB que ficou ao centro da
construção, dominando a entrada para o embarque de passageiros e o controle do tempo
160
Correio da Noroeste, anno VII, nº 2123, 01/06/1938, p.1.
75
através do relógio. À direita, a administração da Cia. Paulista e a esquerda a Estrada de Ferro
Sorocabana. As três com uma gare de embarque e desembarque comum.
Com 10.756 m2 de área construída, incluindo a Gare (área de embarque-
desembarque) tinha seus arcos de sustentação do teto todos feitos de concreto
armado tecnologia já dominada pela engenharia nacional desde a década de 1920,
mas nunca antes usada em obra de tal envergadura. Essa técnica construtiva
substituiu o uso de estruturas metálicas de preponderância estrangeira como o
proposto no projeto eclético da EFNOB de 1922 do diretor engenheiro Arlindo luz.
O Art Deco não foi a linguagem arquitetônica “oficial” do varguismo, mas da
forma usada na construção da Estação Central, esse estilo arquitetônico “(...) assim
será visto. Quando monumental representará o poder central: sólido e poderoso..
Refletirá o novo e a mudança, mesmo que o novo signifique uma reciclagem do
velho e a mudança se dê apenas nas camadas de superfície”
161
.
Eis que se materializou a Estação Central, “um gigantesco prédio, com
grandioso visual,... assumindo concretamente a expressão máxima de posse do
lugar e do seu imaginário.”
162
A referida construção, por sua monumentalidade,
demarcou espacialmente sua origem ligada à Revolução vitoriosa de 1930. Ela teve
seu papel e importância por habituar o homem comum a uma arquitetura pouco
ornamentada, mas grandiosa em oposição ao rebuscamento estético do estilo
eclético ligado ao período anterior.
Ela lembrava uma segunda vaga de modernização nacionalista e industrial
trazida pela década de 1930. Período pródigo em avanços técnicos, levando ao
surgimento de um novo tipo de exercício da política, baseado no uso da propaganda
e desses avanços
163
.
(...) Da ditadura publicitária...A utilização da imprensa, do cinema, de
canções, rádio, pôsteres, slogans, imagens, cores, símbolos, monumentos,
performances e rituais espetaculares em espaços públicos, propiciou a
esses grupos poderes de comunicação, sedução e apoio político
entusiástico em escala jamais vista. Nas décadas de 20, 30, 40, Estados
potencializados por esse virtual monopólio das novas tecnologias
comunicacionais instituíram práticas de política cultural concebidas como
161
GHIRARDELLO, N. A Arquitetura e o Urbanismo na Revolução de 1930. In: Seminário “O
pensamento da direita no Brasil: perspectivas, ideologia, mídia e cultura”. UNESP Marília, Faculdade
de Filosofia e Ciências. 13 de agosto de 2002.
162
POSSAS L. M. V. Mulheres, trens e trilhos: modernidade no sertão paulista. Bauru: EDUSC, 2001,
p.150.
163
“(...) No campo cultural mudanças de hábitos e valores; à vida urbana...novos ritmos e
temporalidades diferentes...A presença da multidão e do individualismo que se fez reconhecer na
moda, maneira de se vestir, pentear os cabelos, falar publicamente, tudo estimulado pela força do
cinema, que se popularizava e pelo acesso a uma infinidade de revistas e jornais.” Idem, p.30.
76
autênticas engenharias de imaginações desejos e comportamentos.
Estados nesse arcabouço eletro-eletrônico e em efeitos espetaculares
assumiram diferentes feições...e formas híbridas das nações periféricas,
como Juan Carlos Perón na Argentina e Getúlio Vargas no Brasil
164
.
Apesar da audácia do projeto e da execução da Estação Central, ficou na
fotografia oficial da sua construção uma marca sobre a realidade urbana de Bauru à
época: apesar dos avanços materiais e da modernização trazida pelas ferrovias à
cidade ainda era umbilicalmente ligada à realidade rural e agrícola como ficou claro
na presença de um bebedouro para cavalos à esquerda da fotografia.
Figura 20 – Estação Central em Art Deco em construção. Bebedouro animal com um círculo
vermelho. ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL Relatório da Diretoria referente ao
exercício de 1935. À esquerda o bebedouro para cavalos (destacado pelo círculo vermelho).
Em um estilo administrativo seco e objetivo, militar, o Tenente-Coronel
Américo Marinho Lutz
165
“tomou posse” da Estação Central antes da sua conclusão
oficial, em 01 de setembro de 1939. A utilização do complexo ferroviário, ainda
inacabado, deu-se a partir de 07 de dezembro de 1938.
É provável que tal atitude fosse conseqüência da crise do transporte
ferroviário (Crise de Transportes na NOB) que a cidade e a região passavam. Após o
primeiro ano de administração do major aviador e das homenagens prestadas em
1938, os problemas na EFNOB tornaram uma inauguração oficial da Estação Central
constrangedora.
164
SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI – No loop da montanha russa. São Paulo: Cia. das
Letras, 2003, p.84.
165
Como já informado, assumiu a direção da EFNOB em 23 de março de 1937 e saiu dela em 25 de
fevereiro de 1946, tendo sido diretor por todo o período do Estado Novo varguista, assumindo a
construção da Estação Central.
77
A questão das estações de embarque e desembarque de Bauru havia
chegado ao fim, mas não o problema do transporte ferroviário na cidade e na região
como foi pesquisado neste capítulo.
Figura 21 – Placa de conclusão da Estação Central de Bauru. Acervo Pessoal.
As ferrovias paulistas foram de suma importância para a modernização da
cidade de Bauru. Trouxeram as mercadorias que eram compradas e vendidas
propiciando um desenvolvimento econômico muito grande. Através da encampação
da Sorocabana em 1902 que chegou a Bauru em 1905 e da EFNOB em 1917, que
havia chegado à cidade em 1905, fixou-se na cidade uma gama de funcionários
públicos com grande poder aquisitivo e com grande prestígio social. Trouxeram
ainda uma rede de informações, sociabilidades, mitos, alegorias e rituais muito
importantes para a cidade e para toda a região.
A cidade de Bauru passou a ser o centro da Região Noroeste devido ao
entroncamento ferroviário da EFNOB, da Sorocabana e da Cia. Paulista. O destaque
coube à EFNOB devido à atuação dos seus diretores que sucessivamente tomaram
medidas importantes para o desenvolvimento da cidade.
Como o caso de Américo Marinho Lutz, o major aviador, representante do
exército e do getulismo que chegou à cidade para investir recursos da EFNOB na
construção do Aero Clube de Bauru para a formação de pilotos civis e militares. Na
década de 1930, com o surgimento do Correio Aéreo Militar se faziam necessárias
tais medidas para a interiorização do Brasil de forma ágil e expedita.
A atuação dessa ferrovia em Bauru, a EFNOB, foi estratégica, tendo inclusive
participação na criação e desenvolvimento de um jornal na cidade, o Diario da
78
Noroeste, que funcionou como órgão oficial da EFNOB. Comunicava todos os seus
atos oficiais, além de fomentar a cultura de elite e reconfortar a existência do poeta
Rodrigues de Abreu, publicando com destaque a sua produção poética e dando-lhe
a possibilidade do tratamento da tuberculose que era portador.
79
CAPÍTULO II
A ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL: vínculos entre a
ferrovia e o jornal Diario da Noroeste
Em um dia emblemático para a cidade de Bauru, na comemoração de vinte e
nove anos de sua fundação oficial, teve início em 1º de agosto de 1925 a publicação
do jornal Diario da Noroeste. Pelas informações que ali se encontram e pelo seu
caráter fortemente ligado aos interesses da EFNOB, pode ser chamado de “O Jornal
da Ferrovia Noroeste do Brasil”. Seu primeiro diretor foi o ferroviário da EFNOB João
Maringoni que teve como colaborador o também ferroviário João Correia da Neves,
que por sua vez, se destacou no meio jornalístico e cultural da cidade.
Vindo de Campinas com a família, João Maringoni ingressou na Cia. de
Estradas de Ferro Noroeste do Brasil como mensageiro em 21 de outubro de
1906
166
. Em 27 de julho de 1907 demitiu-se, sendo readmitido em 22 de dezembro
do mesmo ano. Novamente demitido em 22 de dezembro de 1908 foi mais uma vez
readmitido em 03 de março de 1909, no cargo de telegrafista, uma prática comum na
ferrovia daquela época. No início da década de 20 exerceu o cargo de encarregado
de reclamações e secretário da diretoria até assumir o cargo de ajudante do chefe
da contabilidade em 1926. Ao que parece, à medida que ascendeu na hierarquia da
ferrovia foi assumindo posições da elite ferroviária. Tanto que no cargo de secretário,
foi congratulado por meio da portaria 11/11/1922, pelo próprio Diretor da Ferrovia:
“Elogiado pela extraordinária capacidade de trabalho de que deu provas no cargo de
Secretário, que exerceu com inteligência, zelo e alta dignidade
167
”.
Em 1924, por indicação do diretor Álvaro Pereira de Souza Lima, Maringoni
foi designado para compor uma comissão de inquérito administrativo para apurar as
responsabilidades dos funcionários da estrada de ferro quanto às faltas disciplinares,
porventura cometidas por simpatizantes da Revolução Paulista de 1924. Coube a
ele, também, apurar a lealdade ao governo dos funcionários da EFNOB. Isso
166
REDE FERROVIÁRIA FEDERAL (BAURU). matrícula nº 103. Em 27 de julho de 1907 demitiu-se
sendo readmitido em 22 de dezembro do mesmo ano. Demitido em 22 de dezembro de 1908 foi
readmitido em 03 de março de 1909, no cargo de telegrafista, uma prática comum na ferrovia daquela
época.
167
REDE FERROVIÁRIA FEDERAL (BAURU), matrícula nº 103. Elogios e penalidades, ficha nº 5.
80
demonstra a sua proximidade com a diretoria da EFNOB e sua vinculação política
com essa mesma direção que lhe dava certa estabilidade nas funções profissionais
que exercia dentro da Noroeste.
Também João Correia das Neves veio de Pernambuco e ingressou na
EFNOB em 03 de fevereiro de 1923
168
. Defendeu o levante de 1924
169
; lutou contra
os “coronéis” locais e ajudou a fundar o Partido Democrático. Militante sindical,
Correia das Neves foi preso no governo Vargas, acusado de ser comunista
170
.
Participou como colaborador de vários jornais da cidade. Produziu obras sobre
assuntos pertinentes à cidade, dentre elas o livro História da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil
171
, publicado em 1958.
Começou sua colaboração no Diario da Noroeste agraciado pelos redatores
na coluna Chronica Social na página 02. Na ocasião, foi parabenizado pela sua
promoção na EFNOB e saudado como o “homem dos sete instrumentos”, fazendo
de tudo um pouco no recém inaugurado jornal diário:
Chronica Social. Parabens. Foi promovido no quadro de funccionarios da
Noroeste, nosso collaborador sr, João Correia das Neves. Essa noticia foi
motivo de regosijo para todos que trabalham no Diario, onde Correia das
Neves bom amigo e auxiliar intelligente é (sic) uma espécie de homem dos
sete instrumentos, indo, conforme as emergencias, desde a penna até á
machina de impressão com escala pelo componer. Muitos parabens ao
Correia e votos de prosperidade
172
.
O breve histórico biográfico desses dois membros do Diário da Noroeste se
fez necessário para melhor entender o vínculo do jornal com a ferrovia, bem como a
sua fonte de financiamento. E, verifica-se, que ao longo do período analisado (1º de
agosto de 1925 até 31 de dezembro de 1925 e os demais números correspondentes
a janeiro e fevereiro de 1926), a maior parte do financiamento do jornal provinha da
EFNOB. Informações a respeito da ferrovia ocupavam espaços consideráveis na
primeira página ou em outras páginas em menores proporções, geralmente em
168
REDE FERROVIÁRIA FEDERAL (BAURU), Matrícula nº 166. Registro Funcional, ficha nº 01.
169
SEVCENKO, N. Orfeu extático na metrópole. São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos
20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. O “Levante de 1924” foi a Revolução Paulista de 1924,
onde a cidade de São Paulo foi tomada pelas tropas tenentistas do General Isidoro Dias Lopes e
bombardeada de forma inclemente como relata o poeta suíço Blaise Cendrars presente na cidade d e
São Paulo durante a revolta: “...Esse absurdo bombardeio durou 29 dias e 29 noites. De noite, os
obuses incendiários tocavam fogo nos bairros operários da Luz e da Moóca, fazendo explodir
reservatórios da Shell e depósitos de café.” p. 304.
170
VICENTE, M. M. Os partidos políticos em Bauru de 1930 a 1937. Dissertação de Mestrado. Assis,
Unesp, 1987.
171
NEVES, C. História da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Bauru, São Paulo: Tilibra, 1958.
172
Diario da Noroeste, anno I, nº 14, 16/8/1925, p. 2.
81
número de quatro. Eram colunas com rubrica E. de F. Noroeste do Brasil
comunicando os principais atos da EFNOB e suas divisões administrativas (Figuras
22 e 23).
Figura 22 – Coluna E. de F. Noroeste do Brasil. Diario da Noroeste, anno I, nº 01, 1/8/1925, p. 02 e
anno I, nº 02, 2 /8/ 1925, p. 02.
Figura 23 - Coluna E. de F. Noroeste do Brasil. Diario da Noroeste, anno I, nº 01, 1/8/1925, p. 02 e
anno I, nº 02, 2 /8/ 1925, p. 02.
82
Portanto, eram manifestações oficiais da EFNOB informando ao público leitor,
em grande parte ligado a ela: Actos da Directoria, Licença, Abono, Nomeação,
Portaria tornada sem effeito; Requerimentos; Sub-Contadoria Seccional;
Thesouraria; Contas que vão ser pagas.
Tal qual um diário oficial da instituição publicou-se, por exemplo, em 2 de
agosto de 1925
173
sob a rubrica E. de F. Noroeste do Brasil com Acto da Directoria
decisões sobre Licenças, abonos, requerimentos, e uma exoneração a pedido, esta
última, devida às condições de trabalho nem sempre salubres na EFNOB. Muitas
vezes aparecem solicitações de funcionários exonerados, demitidos ou afastados
pedindo para serem readmitidos. Em muitos casos foram atendidos e a readmissão
devidamente noticiada com a respectiva publicação no Diario da Noroeste.
Portanto, o jornal funcionou como um Boletim Informativo da EFNOB para
colocar os funcionários da empresa a par das decisões tomadas pela administração
e pelo Ministério da Viação e Obras Públicas. Nesse jornal também apareciam a
contabilidade, os atos da diretoria, do tribunal de contas e todos os atos praticados
por cada uma das divisões, como asmencionadas licenças, transferências,
exonerações, os requerimentos e abonos.
Um sistema informativo legal, impresso pela própria EFNOB,foi criado em
1938, durante o Estado Novo Varguista, com a criação do DASP, Departamento
Administrativo do Serviço Público, que foi uma forma de modernização da burocracia
estatal através da racionalização administrativa.
O DASP foi criado em 30 de julho de 1938. Era um órgão diretamente
subordinado à Presidência da República e tinha por objetivo aprofundar a reforma
administrativa que queria racionalizar e organizar o serviço público do Brasil. Acabou
por controlar o funcionalismo nacional até o fim do Estado Novo (1937-1945). A
partir de 1945, o órgão foi esvaziado e passou a ter o caráter de assessoria
174
.
173
Diario da Noroeste, anno I, nº 02, 02/8/1925, p. 02.
174
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/anos37-45/ev_poladm_dasp.htm Acesso em 05 de abril de
2008.
83
Figura 24 - Boletim do Pessoal da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. BOLETIM DO PESSOAL DA
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL, 11 nov. 1938, nº 01.
A partir da criação do Boletim do Pessoal (Figura 24), no dia 11 de novembro
de 1938, as comunicações foram normatizadas e as relações funcionais facilitadas.
O Boletim do Pessoal continha todas as informações que, no ano de 1925 estavam
sendo veiculadas pelo Diario da Noroeste a um custo que devia manter ou, no
mínimo, ser a maior receita do jornal.
Deve-se lembrar que Bauru, à época, contava com uma população entre
17.500 e 20.000 habitantes, em sua grande maioria analfabeta.
175
Como manter em
funcionamento um jornal diário com tão poucas pessoas alfabetizadas, que
compravam jornais avulsos e com um serviço de assinaturas que não devia cobrir as
despesas? Mais uma vez reforça-se o suposto vínculo com a EFNOB para a
publicação do seu Boletim Informativo que lhe asseguraria recursos para sobreviver.
Provavelmente, a responsabilidade por esse acerto entre o Diario da Noroeste e a
EFNOB tenha decorrido das ligações do seu diretor, o ferroviário João Maringoni, e a
diretoria da EFNOB. Além de ser um órgão informativo da EFNOB era um órgão da
175
GHIRARDELLO, N. Aspectos do direcionamento urbano na cidade de Bauru. Dissertação de
Mestrado. São Carlos, USP, 1992.
84
imprensa de Bauru destinado ao público leitor em geral e aos funcionários da
ferrovia em especial.
Até ser empastelado, devido à Revolução de 1930 e por ser simpatizante do
Partido Republicano Paulista (PRP), serviu como propaganda aos novos artefatos
técnicos de consumo que eram introduzidos na cidade pelas casas de comércio
existentes.
O Diario da Noroeste também publicava pequenas notas sobre as outras
ferrovias, a Sorocabana e a Paulista, comunicando aos leitores sobre a questão do
preço do frete, mercadorias que estavam paradas nos depósitos, informações
sempre genéricas e com um espaço mínimo.
O Diario da Noroeste dispunha de um recurso técnico importante e que é
apontado como indicador da modernidade e das mudanças sociais
176
: o uso do
telégrafo trazido para Bauru pela ferrovia. Era através da coluna intitulada Serviço
Telegráfico que os leitores poderiam informar-se sobre os acontecimentos do país e
do mundo.
O jornal Correio de Bauru também lançou mão de tal recurso destacando,
quase sempre nas primeiras páginas, a coluna O Mundo Pelo Telégrafo, dando
ênfase aos acontecimentos internacionais.
Outro avanço na imprensa bauruense da época foi o aparecimento do jornal
diário, sendo que o primeiro foi o Correio de Bauru, a partir de 01 de setembro de
1923. Esse “ineditismo” foi alardeado pelo proprietário e diretor gerente Manoel
Sandin que, nos números pesquisados, apresentava abaixo do cabeçalho os
seguintes dizeres: Única folha diária da zona Noroeste. Contudo, mesmo quando foi
inaugurado o Diario da Noroeste (01/08/1925), essa informação continuou a ser
impressa até o número 1.128 de 04 de outubro de 1925. Foi quando mudou a
mensagem de única para primeira folha da zona noroeste. Esse aparente descaso
refletiu o tempo em que o empresário Sandin esperou para confirmar se a folha rival
sobreviveria como empresa jornalística ou não.
176
SEVCENKO, N. A Capital Irradiante: técnica, ritmos, e ritos do rio. In: História da vida privada no
Brasil. (org.) República: da Belle Époque à Era do Rádio, 1998.
85
Importante salientar que as duas folhas foram empasteladas em 24 de
outubro de 1930 por apoiarem durante toda a sua existência os próceres do PRP na
cidade e por terem hostilizado, durante a campanha eleitoral, a Aliança Liberal
177
.
Não perceberam que a situação perdia espaço e Getúlio Vargas e a Aliança
Liberal cresciam por todo o Brasil,
178
pagando com a sua eliminação do cenário
municipal através do empastelamento.
O leitor bauruense, ao ter acesso às notícias sobre o mundo e outros lugares,
informava-se a respeito das novidades chegadas da Europa, possibilitando a adoção
de novos comportamentos que, de certa forma, transformaria também a rede de
sociabilidades das elites locais.
Outra novidade incorporada ao Diario da Noroeste foi a utilização de
colaboradores, à guisa de correspondentes da capital. Com uma visão
“progressista”, propiciavam aos que os liam abordagens inovadoras sobre
determinados assuntos permitindo, assim, uma ambientação diferente na sociedade
local.
Entre os colaboradores correspondentes estavam: o jornalista Brenno
Pinheiro do Diário da Noite de São Paulo, e que também colaborava no jornal
Correio de Bauru; o jornalista Pedro Ferraz
179
do Diário da Noite e seu irmão Brenno
Ferraz do Estado de São Paulo, esses dois considerados por Brenno Pinheiro como
“Os Irmãos Ferraz, Bandeirantes do Jornalismo”; o jornalista e escritor Raphael de
Hollanda, editor da revista de variedades Actualidades do Rio de Janeiro; o escritor e
jornalista modernista Victor de Sá, editor da revista modernista Phoenix, também do
Rio de Janeiro. Esses colaboradores divulgavam os órgãos da imprensa aos quais
estavam ligados. É ilustrativo o anúncio reproduzido a seguir (Figura 13). Nele o
jornalista editor da revista Phoenix alardeava que contava com a colaboração dos
melhores elementos da nova geração.
177
Imprensa um poder sempre vigilante. Ensaio da Imprensa em Bauru – 1905-1987. Jornal da
Cidade 04 out. 1987, p. 10. Caderno Especial.
178
SODRE, N. W. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 371.
179
Diario da Noroeste, anno I, nº 92, 17/11/1925, p. 02.
86
Figura 25 – Propaganda da “Revista Phoenix, o melhor magazine do Brasil” revista carioca que era
consumida na cidade. Diário da Noroeste, anno I, nº 157, 03/02/1926, p. 02.
Entre os colaboradores esporádicos dos jornais locais, havia os cariocas e
escritores modernistas Cassiano Ricardo, diretor da revista Novíssima e redator do
jornal Correio Paulistano de São Paulo Francisco Galvão, Orestes Barbosa, Neves
Manta, editor de uma revista modernista chamada Brasil Contemporâneo e os
jornalistas Correia Junior da Folha da Noite de São Paulo e Marbal Pontes do Diario
da Noite de São Paulo.
A direção do jornal o Diario da Noroeste procurava manter um bom
relacionamento com seus colaboradores. Isso pode ser exemplificado pelo jantar
oferecido pela redação do jornal a Raphael de Hollanda em 27 de setembro de 1925
no melhor hotel de Bauru à época: o Grande Hotel Cariani.
Eram em momentos como esse que as sofisticações sociais das capitais
tornavam-se visíveis para a sociedade local. Mais uma vez a prática do banquete se
fez presente como forma de agraciamento e exercício social e, claro, de
oportunidade para uma confraternização política.
Rafhael de Hollanda retribuiu essa homenagem, publicando a fotografia da
filha do ferroviário diretor do Diario da Noroeste na sua revista intitulada
Actualidades publicada na capital federal, então a cidade do Rio de Janeiro. A
notícia de tal deferência apareceu no Diario da Noroeste nos seguintes termos:
CHRONICA SOCIAL – ANNIVERSARIOS
A “Actualidade”, applaudida revista carioca, publicou no seu ultimo numero
um gentil retrato da linda Rosinha Maringoni, fillinha dillecta do nosso
director de cujo lar feliz ella é o mais risonho encanto
180
.
180
Diario da Noroeste, anno I, nº 132, 05/01/1926, p. 02.
87
A notícia da aparição dessa fotografia em uma famosa revista da capital
federal redundava em um grande prestígio social para o Diretor e sua filha frente à
sociedade local. Foi apropriada como uma forma de mostrar que Bauru estava
próxima da sociedade carioca, centro irradiador das representações de certa
modernidade por excelência.
Em 03 de outubro de 1925, o jornal Diario da Noroeste assumiu um
importante papel no empenho de levantar recursos para o tratamento de uma
doença do poeta Rodrigues de Abreu. Nascido em Capivari, Estado de São Paulo
em 27 de setembro de 1897, morando em Bauru desde janeiro de 1923 e vendo sua
saúde piorar dia a dia, sem recursos para o tratamento, o poeta despertou a
consternação do Diretor João Maringoni que se propôs ajudá-lo. Benedito Luis de
Abreu, já era então conhecido como Rodrigues de Abreu.
Havia publicado seu primeiro livro Noturnos
181
, em 1919, através das oficinas
da Gazeta de Piracicaba e Brenno Pinheiro, um jornalista de renome lhe dedicou
alguns comentários. Também na cidade de Campinas, Rodrigues de Abreu recebeu
uma crônica elogiosa. O dramaturgo Celso de Almeida tornou-se amigo e protetor do
escritor que, além de poeta, também começou a se interessar pela dramaturgia.
Com sua chegada, a cidade lucrou com mais eventos culturais. Rodrigues de
Abreu foi agitador cultural, dramaturgo, poeta e orador do Centro Católico. A antiga
revista Capivari em Camisola passou a se chamar Bauru em Foco, com o poeta
interpretando com êxito vários personagens.
O amigo Celso de Almeida, em meados de 1924, custeou o livro inédito de
Rodrigues de Abreu A Sala dos Passos Perdidos, à época já com os primeiros
sintomas da tuberculose
182
. Elogiado pela crítica e reconhecido por Cassiano
Ricardo, um dos principais jornalistas e escritores da época, Rodrigues de Abreu
viveu pouco para desfrutar o sucesso.
A presença do poeta em Bauru foi notificada em agosto de 1925, destacando
sua importância para a vida cultural da cidade. Na coluna Chronica Social, com
freqüência, apareceram informações a respeito do poeta em Bauru como uma série
comentários sobre a sua obra e a comemoração de seu aniversário. Em outubro
1925, a direção do Diario da Noroeste tomou a iniciativa de realizar uma edição
falada do jornal para arrecadar fundos para o tratamento de saúde do poeta, numa
181
SILVA, D. C. Poesias completas de Rodrigues de Abreu. São Paulo: Panorama, 1952, p. 13.
182
Ibid., p. 11-18.
88
firme demonstração de que Bauru abraçava um artista de grande representatividade
do meio intelectual paulista.
Em 14 de agosto de 1925 aparecia:
CHRONICA SOCIAL
RODRIGUES DE ABREU
Rodrigues de Abreu, um dos mais bellos talentos litterários da moderna
geração brasileira, está desde hontem em Baurú, para regosijo de quantos
aqui admiram e lhe querem de todo o coração. Saudando o genial (sic)
artista, antecipamos, em espírito, o grande abraço amigo, que logo
pessoalmente lhe levaremos
183
.
Em 18 de agosto de 1925, outra notificação:
CHRONICA SOCIAL
RODRIGUES DE ABREU
Rodrigues de Abreu, artista genial da “Sala dos Passos Perdidos”, que a
critica dia-a-dia consagra como uma das mais altas manifestações da arte
poética no Brasil visitou hontem a nossa redacção, a trazer-nos o grande
consolo espiritual da sua amizade, do seu abraço leal e bom
184
.
O jornalista Cassiano Ricardo
185
, em 19 de setembro de 1925, noticiou a
realização, em Campinas, da festa de arte e literatura que os amigos e admiradores
do poeta Rodrigues de Abreu ofereceriam a ele para angariar fundos para o
tratamento da tuberculose. No aniversário do poeta em 27 de setembro de 1925 foi
noticiado com destaque:
CHRONICA SOCIAL.
RODRIGUES DE ABREU
Transcorre hoje o anniversario natalício de Rodrigues de Abreu o poeta de
“A Sala dos Passos Perdidos” o que em outro logar prestamos homenagem
pela penna de um dos nossos collaboradores. Rodrigues de Abreu que aqui
conta com um vasto circulo de amizades certo recebera hoje innumeros
cumprimentos a que nos associamos
186
.
A partir dos festejos de aniversário, preparavam-se as atividades para a
arrecadação dos recursos necessários para os cuidados com a saúde do poeta. As
183
Diario da Noroeste, anno I, nº 12, 14/8/ 1925, p. 2.
184
Diario da Noroeste, anno I, nº 15, 18/8/1925, p. 2.
185
HTTP://www.fccr.org.br/cassiano/index.htm Acessado em 22 de agosto de 2008. Cassiano Ricardo
nasceu em São Jose dos Campos em 26 de julho de 1895. Foi jornalista, escritor, poeta, Participou
da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo ao lado de Plínio Salgado, Raul Bopp, Menotti
Del Picchia. Faleceu no Rio de Janeiro em 14 de janeiro de 1974.
186
Diario da Noroeste, ano I, nº 50, 27/9/1925, p.2.
89
atividades seriam uma iniciativa das senhoras e senhoritas da elite
187
local, com o
auxilio do jornal Diario da Noroeste.
Na edição número 55 de 03 de outubro de 1925, uma manchete enorme
estampava a primeira página do jornal: “O pallio portector estendido sobre a cabeça
illuminada de Rodrigues de Abreu, o poeta da “A Sala dos Passos Perdidos” pelas
senhoras e senhoritas da nossa “élite” local...” Continuava a manchete:
O poeta inimitável de rythmo crystalino, das estrophes que calam, tão forte,
no coração da gente, poderá partir em busca de nova força de saude. Assim
o quer Bauru, a cidade dos gestos generosos, o adoptivo rincão natal da
intellectualidade que por aqui passa ou, então que por aqui se fixa
188
.
A representação da cidade nas palavras dos redatores demonstra como o
grupo ligado ao Diario da Noroeste procurava impor uma representação de uma
cidade nova que se modificava, podendo até abrigar intelectuais de destaque
nacional.
O que se chamou de “edição falada” do Diario da Noroeste foi pensada para
imitar a redação do jornal e, ao invés de ser impresso, seria elaborado ao vivo pelos
redatores, colaboradores e correspondentes no salão do Centro Bauruense.
Em sua apresentação o diretor do jornal, João Maringoni, fez um artigo de
fundo intitulado “um assunto palpitante”. O redator chefe, Jorge de Castro elaborou
uma crônica futurista, que contou com o auxilio de uma orquestra para ser
executada nos moldes marinettianos
189
, “com nervosa zumbada”. Brenno Pinheiro,
dissertou sobre o “Jornal de Hoje”. Enquanto o carioca Raphael de Hollanda fez uma
palestra ligeira” em torno do tema brasilidade. Todos deveriam cumprir suas
atribuições falando como escreviam, de improviso, às pressas no jornal, e foi dado
ao público presente o direito de apartearem.
Essa edição falada em prol do poeta Rodrigues de Abreu levantou a
importância de 1.500$000 réis. Importante ressaltar que esse fato, além de levantar
recursos, foi uma atividade intelectual inusitada em Bauru. De certa forma mostrava
o caráter moderno que a cidade buscava demonstrar.
187
AZEVEDO, L. H. Mulher em revista: representações sobre o feminino nas revistas paulistanas O
Pirralho e A Cigarra (1914-1918) Dissertação de Mestrado, Unesp, Assis, 2000, p. 71. As mulheres na
década de 1920, no âmbito público, estavam associadas às obras humanitárias, sendo-lhes negado o
direito da participação direta, uma vez que estavam privadas dos direitos políticos. Divulgavam a
organização de eventos como reuniões, bailes, chás, festas, destinadas a obras de caridade.
188
Diario da Noroeste, anno I, nº 55, 03/10/1925, p. 1.
189
Marinettianos, aqui faz referência ao poeta futurista italiano Filippo Tommaso Marinetti.
90
O poeta, agradecido, retribuiu o gesto dos amigos e admiradores
190
,
publicando na primeira página do Diario da Noroeste, dedicado a Paulo Ferraz,
redator gerente do jornal, o poema Bauru que se tornou um símbolo do período
estudado. Interessante notar é que deu mais ênfase ao automóvel do que à ferrovia,
até então único meio de transporte naquele momento capaz de transportar as
pessoas e as mercadorias pela zona Noroeste. Nesse poema, Rodrigues de Abreu,
com muita perspicácia, mostra a convivência de duas cidades de Bauru: a moderna
e progressista ao lado da antiga boca do sertão e frente pioneira do café, que ele
sintetiza como uma característica das cidades novas do Brasil novo. Nota-se o
destaque de inúmeros contrastes:
BAURU
Moro na entrada do Brasil Novo.
Bauru, nome frisson que acorda na alma da gente
ressonância de passos em marcha batida
para a conquista soturna do Desconhecido!
Acendi meu cigarro no toco de lenha deixado na estrada,
no meio da cinza ainda morna
do último bivaque dos bandeirantes...
Cidade de espantos!
Carros de bois geram desastres com máquinas Ford!
Rolls-Royces encalham beijando na areia!
Casa de taboas mudáveis nas costas;
bungalows comodistas roubados da noite para o dia.
As avenidas paulistas...
Cidade de espantos!
Eu canto as estrelas suaves dos seus bairros chics,
as chispas e os ruídos do bairro industrial!
a febre do lucro que move teus homens
nas ruas do centro,
e a pecaminosa alegria dos teus bairros baixos...
Recebe meu canto, cidade moderna!
Onde é que estão, brasileiros ingênuos,
as úlceras feias de Bauru!
Vi homens fecundos que fazem reclamo da Raça!
E eu sei que há mulheres fidalgas que ateiam incêndios
na mata inflamável dos nossos desejos!
Mulheres fidalgas que já transplantaram
O Rio de Janeiro para este areal!
A alegria buzina e atropela os tristes nas ruas,
A cidade se fez a toques de sinos festivos,
a marchas vermelhas de música, ao riso estridente,
de Colombinas e Arlequins.
Por isso cidade moderna,
a minha tristeza de tuberculoso
190
Diario da Noroeste, anno I, nº 85, 08/11/1925, p.01.
91
contaminada a doença da tua alegria
morreu enforcada nos galhos sem folhas
das tuas raras árvores solitárias
Eu já tomei cocaína em teus bairros baixos,
onde há milonguitas de pálpebras murchas
e de olhos brilhantes!
Rua Batista de Carvalho!
O sol da manhã incendeia ferozmente
a gasolina que existe na alma dos homens.
Febre...Negócios...Cartórios, Fazendas...Café...
Mil forasteiros chegaram com os trens da manhã
e vão, de passagem, tocados de pressa
para o El-Dorado real da zona Noroeste!
Acendi meu cigarro no toco de lenha
deixado ainda aceso
na estrada no meio da cinza
do último bivaque dos Bandeirantes...
E enquanto o fumo espirala, cerrando os meus olhos,
fatigados do assombro das tuas visões
eu fico sonhando com o teu atordoante futuro,
Cidade de espantos!
Rodrigues de Abreu
191
.
No poema mais revelador sobre a cidade que o acolhera, Rodrigues de
Abreu, teceu loas ao artefato técnico que chegava à cidade e a todos admirava, o
automóvel, além de pontuar a vida boêmia que levava na alegria da cidade
moderna, onde não havia espaço para sua tristeza de tuberculoso.
Confessa ter consumido cocaína nos bairros baixos da cidade, vício que
começava a ser condenado pela sociedade devido aos males físicos e a
dependência que causava:
MAIS UMA VITIMA DO “VICIO ELEGANTE”
Na Garça, morreu, intoxicado, o Dr. Lauro Guimarães, medico (sic), que se
dava ao vício da cocaína.
O cadáver do in ditoso moço foi transportado para São Paulo, onde reside
sua família, e onde será sepultado.
Chegou hontem a esta cidade atrelado ao trem da Noroeste; hontem
mesmo seguiu para a Capital, em trem especial, pela Paulista.
O vicio horrível da cocaína, por enquanto, tem-se quase exclusivamente
confinado aos grandes centros; e a sua irradiação para o interior onde a
fiscalisação policial nunca será tão intensa, pode trazer para a
nacionalidade perigos horríveis. Irá crear uma geração de malucos, de
desequilibrados, de impotentes. Antes a febre amarela, o impaludismo, o
beri-beri.
Nesta cidade – sabemol-o – as autoridades não estão dormindo sobre este
assunto grave.
O mesmo é preciso que aconteça por toda a parte, dando-se caça enérgica
aos traficantes da cocaína, seqüestrando-se do convívio social os
191
Diario da Noroeste, anno I, nº 85, 08/11/1925, p.1.
92
empolgados pelo vicio infame. Sem contemplações. Sem generosidade aos
criminosos.
Acima de tudo, a saúde phisica e moral da raça, que é preciso defender-se
á outrance.
Estejam as autoridades de sobreaviso, que nós, pela parte que nos toca,
não lhes regatearemos applausos, estímulos, incitamentos.
Guerra á cocaína.
Em nome do Brasil, guerra á cocaína
192
.
O consumo da cocaína como droga que causava euforia e sensação de
bem estar, vigor físico, aumento da percepção e poder de realização pessoal
substituiu, na virada dos séculos XIX para o século XX, o consumo de ópio e haxixe.
Drogas que causavam uma sensação de torpor e uma percepção de mundo onírica,
incompatíveis com a modernização do país a exigir velocidade dos automóveis e dos
novos maquinismos e artefatos técnicos científicos
193
.
Mas, o preço pago por essa mudança de vícios foi muito alto e colocava a
sociedade em estado de alerta como o anunciado por uma segunda notícia sobre o
“vicio elegante” e suas conseqüências.
A COCAINA
Noticiamos, há dias, o prematuro fallecimento de um medico que se dava ao
vicio da cocaína. Noticias do Estado do Rio, publicadas nos jornaes de São
Paulo, dão conta de um caso não menos doloroso: o assassinato praticado
por um clinico, empolgado pelo vicio escravisador dos estupefacientes,
quando num dos delírios que atacam os viciados. O médico que se tornou
homicida assassinou, a tiros de revolver, um dos seus melhores amigos
sem que tivesse havido causa qualquer. Agiu nesse momento de
alluninação, nada mais.
Na Zona Noroeste, graças ao sentimento de dignidade dos nossos
pharmaceuticos, não se obtem com facilidade, mesmo com receita medica,
cocaína e outros tóxicos. Os pharmaceuticos, não so obedecem,
rigorosamente, as exigências da saúde pública, como, também, collaboram
na repressão ao vicio dos estupefacientes. Alguns delles, quando
procurados por qualquer comprador de tóxico, não hesitam mesmo em
communicar o facto á polícia, no que fazem muito bem.
192
Diario da Noroeste, anno I, nº51, 29/09/1925, p. 2.
193
RESENDE, B. Construtores de paraísos particulares. In: Cocaína e outros companheiros de ilusão.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006. “(...) Como tudo que chegava de Paris no Rio de Janeiro do
final do século XIX, Les paradis artificiels, de Charles Baudelaire, publicado em 1860, causa grande
impacto entre escritores e artistas. Dedicado a sua mulher J.G.F. – ‘ma chère amie’ – Lês Paradis
artificiels inclui ‘O Poema do Haxixe’ e o ‘Comedor de Ópio’.” “(...) Baudelaire se identifica como um
passeador sombrio e solitário, mergulhado no mar das multidões, ou seja, o flânneur. Em “O Poema
do Haxixe” , Baudelaire procura mostrar quais as propriedades do excitante e a relação que o efeito
produzido guarda com os sonhos.(p. 19). E à medida que prosseguiu a Primeira República, o
entusiasmo pela modernização fez com que a idéia de decadência de costumes freqüentemente
ligada ao ópio e ao haxixe fosse substituída pela ambição da euforia encontrada no éter e na cocaína.
(p. 20). “È o ‘vício novo’ que preocupa Coelho Neto, quando passa a ocupar o lugar do álcool: ‘Uma
pitada de cocaína é mais funesta do que um litro de cachaça’. E, ainda para o autor, ‘como vício é
elegante todos os querem, e é hoje comum ver-se na Avenida, à hora de maior freqüência, mocinhos
sonambulando’” (p.21).
93
É o dever de todos prestar auxilio ás autoridades.
Felizmente para Baurú, médicos pharmaceuticos e polícia estão de olhos
abertos, Qualquer que se der ao vicio dos tóxicos não encontrará
condescendências nesta cidade. E os vendedores clandestinos, que trazem
drogas de contrabando podem estar certos que encontrarão, aqui,
autoridades vigilantes.
E a lei é severa. Nós outros do “Diario da Noroeste” disposto sempre á
defeza dos interesses collectivos, não teremos comtemplações. Cada vez
que se der um caso, não occultaremos nomes. Este é o dever de todos os
jornaes. É precizo que se de combate sem tréguas, em todo o Brasil, ao
vício dos tóxicos. A lista de victimas já vae bastante longa
194
.
A cocaína era vendida nas farmácias como remédio para diminuir as dores e
passou a ser inalada para outros fins. Era encontrada nas mãos de pessoas sem a
qualificação farmacêutica em um comércio clandestino que assustava. O Diario da
Noroeste denunciou o consumo e comércio de cocaína e dizia estar atento ao
combate sem tréguas, em todo o Brasil, ao vício dos tóxicos”.
A repressão aos tóxicos e em especial a cocaína não tardou
195
, tendo início
no ano de 1921 com o Decreto–Lei 4.294 que “... estabelece penalidades para os
contraventores na venda de cocaína, ópio, morfina e seus derivados; cria um
estabelecimento especial para os intoxicados pelo álcool ou substancias
venenosas...”, mas como se viu a cocaína era consumida por artistas e boêmios da
época como uma substância estimulante como exigiam as novas sociabilidades
trazidas com a modernização crescente.
Outra passagem do poema que chama a atenção foi o tratamento que o
poeta demonstrou em relação às mulheres que teriam trazido os costumes e
maneirismos da Capital Federal para a cidade. Seriam mulheres públicas, de
costumes diversos daquelas consideradas casadoiras, de família. Estas só poderiam
ocupar o espaço público exercendo atividades profissionais consideradas
adequadas a sua situação social como o cargo de professoras, algumas atividades
no comércio local etc. É provável, pelo teor apaixonado do poema, uma homenagem
aberta àqueles que pensaram e executaram a homenagem, que Rodrigues de Abreu
tenha pensado também nessas mulheres da saciedade que apesar dos interditos
sociais puderam levar a cabo a atividade que arrecadou recursos para o seu
tratamento contra a tuberculose.
194
Diario da Noroeste, anno I, nº 54, 02/10/1925, p. 2.
195
RESENDE, B. op. cit. “(...) A repressão à venda de substancias como a cocaína se inicia em 1921,
com a promulgação do famoso decreto-lei 4.294 e se intensifica, especialmente no Distrito Federal,
em 1926, quando é criada uma delegacia especializada no comércio ilícito de entorpecentes, na
repressão da embriaguez, à cartomancia e ao falso espiritismo” (p. 21).
94
A realidade boêmia da cidade era bem conhecida pelo poeta que confessou
freqüentar os bairros baixos bem como os lugares de sociabilidades das elites como
se viu na homenagem conduzida para custear seu tratamento e que originou o
poema Bauru.
Captou na sua sensibilidade poética as contradições da cidade de Bauru que
se orgulhava das suas representações da modernização que se avolumavam no
imaginário social como as chispas e os ruídos do bairro industrial, mas não deixou
de registrar a realidade agrícola que contrastava com as representações do
moderno, quando ironicamente mostra que Carros de bois geram desastres com
máquinas Ford!. Mais uma vez fez menção ao automóvel, como em várias partes do
poema, enaltecendo-o como o maior símbolo da modernização.
No fim de 1925, o poeta foi para São José dos Campos cuidar da sua saúde,
mas não conseguia ficar parado. Escrevia novos poemas, mantinha correspondência
com amigos, escritores, jornais, enfim, acompanhava os acontecimentos artísticos e
literários do país.
Em novembro de 1926, já com a saúde bem debilitada, Rodrigues de Abreu
voltou para Bauru para escrever e ordenar seus últimos trabalhos. Escreveu Macega
Florida, último capítulo da Casa Destelhada. Em princípios de 1927 Cassiano
Ricardo, por meio de sua Editora Hélios Ltda publicou o último livro do poeta: Casa
Destelhada e Outras Poesias. Faleceu em 24 de novembro de 1927, apesar de
todos os esforços de seus amigos e da edição falada do Diario da Noroeste.
Contudo, o mais importante em relação à presença de Rodrigues de Abreu
em Bauru foi o ar de modernização intelectual que ele trouxe à cidade.
No entanto, uma fotografia do enterro de Rodrigues de Abreu (Figura 14) não
deixa de ser uma expressão das representações de uma Bauru moderna: o enterro
foi acompanhado por uma longa fila de carros, que ostentavam o poder e o status
dos acompanhantes.
95
Figura 25 – Reprodução fotográfica do enterro do Poeta Rodrigues de Abreu, 24 de novembro de
1927. Foto Giaxa. Bauru.
O automóvel como representação da modernização ocorrida na cidade de
Bauru entre os anos de 1917 e 1939 mereceu grande destaque na imprensa
bauruense. Desde 1920 e em uma crescente de propagandas, atingiu o ápice no
jornal Diario da Noroeste de 1925, quando propagandas das marcas de automóveis
existentes à época apareceram em todas as edições até o fim do ano de 1925,
comportamento que não se repetiu mais em nenhuma das coleções pesquisadas. È
sobre esse artefato técnico tão importante que versa o próximo capítulo.
96
CAPÍTULO III
O AUTOMÓVEL NA CIDADE DAS FERROVIAS
Na sua sensibilidade de poeta, Rodrigues de Abreu, em 1925, quando
compôs o poema Bauru intuiu que, apesar do uso e da importância das ferrovias
para a locomoção de mercadorias e pessoas, o automóvel que começava a circular
em Bauru, despertava em muitos o fascínio e o desejo de adquiri-lo.
O historiador Marco Antônio Cornacioni Sávio
196
, estudando o automóvel
enquanto artefato tecnológico, diz ser ele possuidor de poder simbólico e de
relacionar-se com as instâncias de poder
197
. Nessa lógica esse artefato não deixava
de ser, naquele momento, um ator no campo histórico. Portanto, o automóvel
enquanto artefato técnico, não era apenas um símbolo de status e riqueza, mas uma
presença viva para atingir os ideais de modernização.
Essa vontade de modernização, essa busca da modernidade teve suas
origens na 2ª Revolução Industrial a partir de 1870, fenômeno que alterou o
panorama da produção industrial. A produção fabril expandiu-se por grandes
complexos industriais empregando milhares de trabalhadores e provocando
alterações na oferta e qualidade das mercadorias em decorrência da produção em
alta escala. Em decorrência disso, desenvolveu-se um consumo de massa que em
ritmos diferenciados chegou a todas as partes do mundo provocando mudanças
culturais na sociedade. Cidades como Bauru, vivendo a realidade de cidade
interiorana depararam-se com as maravilhas modernas. Contudo, não havia ainda
incorporado a infra-estrutura das cidades burguesas.
Como bem mostrou o poeta Rodrigues de Abreu os contrastes afloravam:
uma cidade com infra-estrutura precária onde o carro de boi convivia com
automóveis e provocava desastres. Nesta época, Washington Luis, presidente do
Estado de São Paulo, pensava as novas tecnologias como um meio de
196
SÁVIO, M. A. C. A modernidade sobre rodas: tecnologia automotiva, cultura e sociedade. São
Paulo: EDUC; FAPESP, 2003.
197
MUNFORD, L. (s/d) The myth of the machine. Technics and human development. Vol. 1. San
Diego, Harvest, HBJ Book apud SÁVIO M. A. C. op. cit. p. 22.
97
aprimoramento físico e moral
198
. Além do desenvolvimento nacional como um projeto
de integração via automóvel e rodovias.
Desde o início da sua carreira política era aficionado por esportes
automobilísticos e percebeu as possibilidades do uso do automóvel e das rodovias
em oposição às ferrovias. Washington Luis pensava que o automóvel poderia acabar
com o atraso brasileiro e criar um ideal de civilidade inclusive no interior do Estado.
O automóvel combateria o “espírito do carro de bois” e difundiria a “ética da
velocidade e do movimento”.
O CARRO DE BOIS E O AUTOMÓVEL
A propósito do passadismo e do modernismo (Em artigo
especial para o “Diario da Noroeste”, Francisco
Galvão apresenta algumas figuras do movimento
modernista do Rio)
O pessoal do “Reboque” não pode
Nem de carro de bois.
Nós vamos de “Hispano-Suisse”
120 quilometros a hora
Chega sae na 3ª
Chispada
-Chi! O pessoal ficou atraz.
Victor de Sá, guia (sic) o carro
Bom chaufer
Dirige na “Phoenix”, o pensamento da geração nova
O passadismo desalentado abandona o caminho
-Uinn, ainn, ainn, uinn, ainn
O carro de bois perdeu a corrida.
Eis o Rio que sonha
O Rio que vae ver o corpo da Doriam no Lírico, anda nos
footings,
E ainda faz mais.
Sabe escrever, e sentir, o minuto efêmero da beleza nova.
Francisco Galvão
199
.
O automobilismo seria algo cívico que iria além do dirigir um automóvel.
Serviria, também, para educar as massas ignorantes que impediam o avanço da
civilização no Brasil.
A elite bauruense não ficou alheia a esse clamor. Em 07 de novembro de
1920 O Bauru trouxe um comentário a respeito da posição assumida por Washington
Luis sobre a importância das estradas de rodagem. Porém, como cidade ferroviária,
não podia negar o progresso que as estradas de ferro haviam proporcionado:
198
SÁVIO M. A. C. op. cit. p. 37.
199
Diario da Noroeste, anno I, nº 76, 28/10/1925, p.04. O escritor Francisco Galvão escreveu sobre o
espírito do carro de bois e a ética da velocidade e do movimento trazida pelo carro.
98
ESTRADAS DE RODAGEM
De modo feliz o snr. Dr, Washington Luis, nestas expressões concretizou
todas as vantagens das estradas de rodagem, não deixando de affirmar o
elemento do progresso das estradas de ferro; mas estas não accodem a
todas as necessidades por que passam em todas as cidades e não passam
nas fazendas, não entram nos terreiros, não passam a porta das tulhas, não
vão do sitio a estação, nem da propriedade agrícola a casa de negocio.
Trabalham a hora certa e por caminhos certos; as estradas de ferro não
podem ser todos os transportes, não supprem todos os vehiculos.
200
Nesse pronunciamento fica bem claro que o presidente do Estado
enfatizou a importância do automóvel não como um bem de expressão de luxo, mas
como um complemento para atender às necessidades da produção agro-
exportadora, cujo produto da vez havia sido representado pelos frutos da grande
lavoura cafeeira.
A pressão pela construção de estradas de rodagem e pelo uso do automóvel
era um assunto que já estava em pauta, pois o Diario da Noroeste de 19 de
setembro, que também abordou esse assunto, destacava a importância das estradas
de rodagem por propiciarem mais progresso.
ESTRADAS S.Paulo 17 (pelo correio)
Acabo de ler, numa revista americana um longo e interessante artigo sobre
estradas de rodagem e quais seriam as suas vantagens: Valorização dos
terrenos próximos às estradas, que viram seus preços quintuplicados
e
mais; fácil abastecimento dos centros populosos pelas instalações agrícolas
da região; grande mobilidade de mercadorias dificultando a acção dos
açambarcadores e permitindo correr apressadamente de um a outro
merca
do;
maior rapidez nas viagens
;
desnecessidade do formidável
apparelhamento das estradas de ferro
e quebra da cadeia rígida do horário
e muitas outras.
201
Dessa forma, a imprensa de Bauru com esses artigos sobre a importância
das estradas de rodagem e, por extensão, o uso de automóveis e caminhões, ia
despertando nas elites locais o desejo de adquiri-lo. Ao mesmo tempo em que
incentivava o pioneirismo na aquisição daquele artefato moderno.
Não se pode esquecer que, apesar de toda a propaganda a favor do
automóvel, era a ferrovia que efetivamente transportava entre as cidades
mercadorias e pessoas, pois as condições das estradas de rodagem eram muito
200
O Bauru, anno XIV, nº 677, 07/11/1920, p. 01.
201
Diario da Noroeste, ano I, nº 43, 19/9/1925, p.01. Grifo do autor
99
precárias para arcar com o volume desses transportes, principalmente à longa
distância.
Contudo, foi na década 1920 que teve início a ascensão do automóvel e,
ao mesmo tempo, a aceleração da decadência das ferrovias, até então soberanas
no transporte no estado de São Paulo.
Tal situação não ocorreu sem rivalidades uma vez que havia uma disputa
acirrada entre “rodoviaristas” e “ferroviaristas”. Os “rodoviaristas” tinham o apoio de
Washington Luis, do Partido Republicano Paulista e de Antonio Prado Jr. Este
último, devido a uma expressiva fortuna pessoal amealhada com o café, bem como
seu envolvimento com o Automóvel Clube de São Paulo e o Automóvel Clube do
Brasil, foi um grande divulgador do automóvel
202
.
O automóvel como um artefato de sedução
No Brasil, esse meio de transporte seduziu e inspirou escritores e literatos
que desde muito cedo o viram como símbolo da modernidade, aliado à mudança e à
velocidade. João Paulo Alberto Coelho Barreto, o João do Rio de tantos
pseudônimos, crônicas e escritas, rendeu-se aos encantos do automóvel.
A modernidade analisada por João do Rio levava em conta a velocidade,
os ganhos econômicos especulativos e uma visão negativa do passado. O passado
era tido como algo anacrônico, fora de moda, fora de lugar, que deveria ser
esquecido a qualquer custo. Importante dizer que João do Rio nada mais fez do que
expressar um sentimento generalizado das elites cariocas.
O jornalista Brenno Ferraz, fez também diversas observações sobre o
automóvel em sua obra Cidades Vivas
203
que tratou das cidades do Oeste Novo,
onde Bauru se inseria.
Em um trecho da sua obra ele dizia:
Agudos – A sociedade fazendária – Sua influencia e suas iniciativas. Uma
fazenda. Além da estrada de automóveis para Lençóis, feita de acordo com
esse município, a Câmara abriu uma para Bauru, também de automóveis e
de acordo com essa municipalidade. Na extensão de 17 quilômetros, a
viagem de uma a outra cidade se faz em 30 minutos. Com o percurso de 12
quilômetros, constrói-se igual estrada para Boreby, fazendo a metade o sr.
202
SÁVIO, M. A. C. A cidade e as máquinas. Bondes e automóveis nos primórdios da metrópole
paulista. 1900-1930. Tese de Doutorado. São Paulo. Puc-SP, 2005, p. 290.
203
FERRAZ, B. Op. cit.
100
Coronel A. José Leite. Projeta-se da mesma forma uma ligação a
Pederneiras
204
.
Ferraz, fazendo um contraponto ao livro “Cidades Mortas” de Monteiro
Lobato, procurava assim enfatizar a disseminação do progresso nas cidades do
novo Oeste, neste caso mostrando a rede de estradas que facilitaria a circulação dos
automóveis. Buscava, assim, evidenciar as estradas vicinais bem cuidadas e o
automóvel podendo adquirir performances admiráveis para a época. Contudo estava
ciente de que pela praticidade o automóvel, apesar de seduzir, não competia com a
ferrovia na região Oeste de São Paulo, uma vez que ela contava com a estrutura já
pronta. E estava ciente que as rodovias eram poucas e muito precárias:
Problemas da Noroeste – Administração Municipal – Luctas contra o
latifúndio - As povoações “imanentes” – Longe das estradas de ferro –
Pirajuí e Cafelândia. Por muito aperfeiçoada, a estrada de rodagem não
bate a de ferro, assim como o automóvel, por barato e perfeito, não vence a
permanência, a regularidade e a precisão mecânicas da locomotiva em
tráfego
205
.
O símbolo de poder e ostentação apontado, que na verdade não pôde ser
usado de modo eficaz em cidades do interior paulista como Bauru, dominava o
imaginário daqueles que queriam ostentá-lo no meio dominante.
Os ideais modernizantes, expressos na velocidade que a imprensa local
divulgava, puderam ser observados na já referida edição falada do Diario da
Noroeste
206
que visou arrecadar recursos para o tratamento do poeta Rodrigues de
Abreu. A velocidade que fascinava os futuristas representava a velocidade das
novas descobertas tecno-científicas da II Revolução Industrial. O automóvel de
corrida que seduzia os aficcionados pela velocidade na Europa e nos EUA também
começava a rugir seu motor em Bauru, embora permanecesse mais evidente na
esfera da representação social das elites, uma vez que as estradas do município
bem como as ruas no espaço urbano, por serem precárias, dificultavam a
locomoção de veículos automotores em velocidade maior.
204
Ibid. p.45-46.
205
FERRAZ, B. op. cit. p. 75, p.80.
206
Diario da Noroeste, anno I, nº 55, 03/10/ 1925, p. 1.
101
1.1 O automóvel na cidade de Bauru: as reações da sociedade local
Se a velocidade era uma virtude por aqueles que ansiavam a modernização,
para as elites bauruenses era um sonho a ser alcançado. A velocidade real,
concreta e almejada, era um apanágio das ferrovias com suas locomotivas que
deslizavam pelos trilhos que rasgavam o sertão.
Apesar do preço e da falta de condições de tráfego, o automóvel, como foi
salientado, era cobiçado. Fazendo parte da rede tecno-cietífica como artefato
moderno era pleno de sentido, pois somente dentro dessa rede é que ele
(...) pode aparecer como uma força impulsionadora de desenvolvimento
científico-tecnológico e como uma manifestação de uma vida considerada
civilizada, porque calcada nos padrões europeus de desenvolvimento. Se o
automóvel for desligado de sua rede de origem, pouco ou nada significa.
(...) Fora da rede, o artefato pouco tem a dizer. Daí não podermos falar do
artefato técnico sem considerar a sua dupla natureza: a sua natureza
tecnocientífica e a sua natureza social. Como resultado de um complexo
sistema de pesquisa e desenvolvimento científico, o artefato técnico está
ligado a uma série de “pontos de força” que garantem a sua sobrevivência
como representante de uma forma de domínio do mundo natural. Quando
falamos do automóvel, não falamos apenas de uma carroceria de madeira e
aço, um motor de combustão interna, um eixo e rodas, mas um vasto
mundo de pesquisas científicas que tornam viável a sua existência
207
.
Contudo, a cidade que era representada para si própria e fora dela como
uma cidade ferroviária precisava ser conquistada pelo automóvel. Foram as
propagandas no jornal O Bauru, a partir de 1920, que começaram a colocar os
bauruenses em contato com esse novo veículo de transporte. A primeira propaganda
de automóvel apareceu em maio de 1920
208
anunciando a primeira agência de
vendas. Localizava-se no espaço da estação da EFNOB chamada Toledo Piza.
Portanto, a dependência da ferrovia era um fato concreto para se ter acesso ao
automóvel.
Era uma propaganda em um clichê simples
209
, que procurava destacar
ser o automóvel da marca Ford um “Auto Universal”. Dizia ser ele leve, e que
207
Apud, SÁVIO, M. A. C. A Modernidade Sobre Rodas: Op. Cit., p. 44. Grifo no original. Aqui o autor
utiliza algumas considerações de Latour a respeito do desenvolvimento das tecnologias e de sua
passagem, através do que chama de “provas de força” , para os produtos finais, através de um
processo de negociação. Sobre o tema, ver Ciência em ação. Como seguir cientistas e engenheiros
sociedade afora. o Paulo, Ed. UNESP, 2000, principalmente o capítulo 3: “Máquinas”.
208
O Bauru, anno XIV, nº 650, 02/5/1920, p. 05.
209
Estão sendo tratados por clichês os resultados do processo pelo qual as imagens, acompanhadas
ou não de textos, eram elaborados para estamparem os jornais. De acordo com MICHAELIS.
Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998, p. 516, esse processo
102
poderia circular com desenvoltura pelos terrenos mais acidentados, arenosos ou
cheios de atoleiros, uma característica específica do município de Bauru.
Figura 26 - Exemplo que ilustra o padrão da propaganda que apareciam no O Bauru: FORD Auto
Universal. Versão com o automóvel e o logotipo.
O Bauru, anno XIV, nº 650, 02/5/ 1920, p. 5.
Essa marca pertencia a uma empresa norte americana que procurava
divulgar propagandas que demonstravam uma nova realidade comercial, competitiva
e mais “científica”. Assim, a própria propaganda (Figuras 26 e 27) era uma prova da
modernização que chegava à cidade.
se realizava pela utilização de uma “placa de metal, geralmente zinco, gravada fotomecanicamente
em relevo, obtida por meio de estereotipia, galvanotipia ou fotogravura, destinada à impressão de
imagens e textos em prensa tipográfica.” Portanto, tanto as imagens quanto a própria placa, que
representa o negativo, recebem o nome de clichê.
103
Figura 27 - FORD Auto Universal. Versão simplificada sem a imagem do automóvel. O Bauru, anno
XIV, nº 650, 02/5/ 1920, p. 5.
Pouco tempo depois, em junho de 1920, uma outra propaganda também
aparecia n´O Bauru, com a informação de que o automóvel da marca Ford, o “auto
universal”, estava chegando a Bauru e que as informações deveriam ser obtidas no
Hotel Central. Chama a atenção a indicação pessoal do anúncio ao se reportar ao
nome do vendedor para que fosse procurado pelos interessados (Figura 27):
Figura 28 – Propaganda FordO Auto Universal. O Bauru, anno XIV, nº 658, 27/06/1920, p. 2. Trata-
se da primeira manifestação na cidade com informações sobre onde e como adquiri-lo.
A partir dessas publicações, referentes aos meses de maio e junho de
1920, os anúncios tornaram-se constantes até dezembro do mesmo ano. É
importante lembrar que, como já foi visto, vivia-se o período do início da implantação
das rodovias que visava atender ao mercado de automóveis. Salienta-se que o
pioneiro da indústria automobilista e inovador dos processos de produção foi o
empresário Henry Ford, conhecido como “o homem que pôs a América do Norte
sobre rodas”, sendo o primeiro fabricante de automóveis a torná-lo um produto de
104
consumo de massas. Conseguiu esse objetivo empresarial baixando os custos por
meio da produção em série e estimulando as vendas pelo barateamento do
produto
210
. As idéias de Henry Ford chegaram com os seus produtos seduzindo
uma região onde o automóvel não tinha condições favoráveis de trânsito.
No ano de 1924, O Bauru que havia sido o pioneiro nesse tipo de
propaganda não publicou novamente qualquer propaganda de automóvel depois das
séries de 1920. É sabido que o automóvel era algo inalcançável para a maioria dos
habitantes de Bauru devido ao baixo poder aquisitivo da população local, pois um
operário da indústria ganhava algo em torno de 1$000 por dia de trabalho
211
e um
automóvel custava em torno de 7.500$000 dependendo da marca e do modelo.
Acredita-se que uma explicação possível para essa “avalanche” de
propaganda
212
de um produto que, aparentemente, não teria mercado para tanta
oferta, foi a excelente safra de café de 1925
213
. Safra essa que certamente gerou
recursos que permitiriam aos representantes da aristocracia agrária local a aquisição
do automóvel.
Esse interesse pelo automóvel, ao que tudo indica, tomou conta das elites da
cidade, pôde ser verificado no Diário da Noroeste que noticiou a disputa entre
agências locais e importadores os quais queriam introduzir a sua mercadoria na
cidade. A possível concorrência com a ferrovia passou a ser um assunto discutido,
como pode ser observado no trecho abaixo:
O ADVENTO DO AUTOMÓVEL
(...) a estrada de ferro deparou, em 1925, com o seu primeiro rival, o
automóvel. Em duas décadas o veículo motor efetuou uma revolução nos
meios de transportes. Hoje em dia não se pode marcar limite para o seu
desenvolvimento futuro nem sugerir um rival que possa tirar da alta posição
que ele já conquistara. (
...)
Mesmo companhias americanas e inglesas de
estradas de ferro, seriamente preocupadas com a concorrência ultimamente
feita pela industria (sic) de transporte por estradas de rodagem, tem tentado
combatê-la E essa concorrência é maior para os transportes de pequena
distância. Um exemplo desse fato é dado pela resolução de uma companhia
que explora uma linha ferrea entre Chicago e Milwakee, nos Estados
Unidos, que tendo começado a sentir os efeitos da concorrência que lhe
210
SANDRONI, P. Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo, Editora Beste Seller, 2002, p. 249.
Verbete FORD, Henry (1863-1947)
211
SÁVIO, M. A. C. A cidade e as máquinas. Op. Cit.
212
Devido à descontinuidade das coleções de jornais existentes nos arquivos optou-se por analisar os
números de jornais correspondentes àqueles anos: Diario da Noroeste e Correio de Bauru. Por outro
lado, as coleções correspondentes aos anos de 1925 e 1926 concentraram curiosamente uma
verdadeira avalanche de oferta de automóveis das marcas tradicionais no mercado brasileiro, como
os automóveis das marcas Ford e Chevrolet e ainda outras marcas pouco conhecidas, e que nem
existem mais (Hupmobile, Studebaker, Rugby, Oldsmobile, Buick).
213
MONBEIG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec; Polis, 1984.
105
faziam pequenas empresas de auto-ônibus estabelecidas na mesma zona
por ela servida, tratou de estabelecer-se nas próprias linhas desses
veículos, para obter com elas a preferência do público e provocar o
conseqüente desaparecimento das outras
214
.
A notícia foi publicada com grande destaque pelo Diário da Noroeste e deve
ser entendida dentro do contexto do Brasil da época, quando ainda as estradas de
rodagem eram de terra, e que na época da seca levantavam pó e na das chuvas
abriam-se buracos que impediam a circulação daqueles veículos. A primeira estrada
asfaltada ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, data da década de 1950
215
.
Para perceber a entrada do automóvel na cidade de Bauru e a contenda
entre as agências que comercializavam as marcas mais conhecidas (e aquelas que
almejavam espaço comercial), devem-se observar as propagandas existentes e os
motivos envolvidos nessa disputa que não eram apenas pela venda de automóveis,
mas de um projeto de modernização para a Nação que atingiu em cheio
representantes da elite bauruense.
1.2 Disputa comercial
Entre as agências já estabelecidas, estavam aquelas que comercializavam
as marcas Ford, à rua Batista de Carvalho, número 134, administrada pela empresa
J. Pinto & Cia. e os automóveis da marca Chevrolet, também à rua Batista de
Carvalho, número 116.
Importadores tentavam, à época, trazer outras marcas como o automóvel da
marca Rugby, produzido pela Companhia Durant Motor Company New Jersey,
criada pelo empresário norte americano Willian Crapo Durant. A marca contava com
um representante na cidade, que mantinha uma exposição permanente daqueles
automóveis, à rua 1º de Agosto, na chamada Casa Veado, de propriedade do
agente importador Nicolino Rosellii & Cia. O automóvel da marca Hupmobile,
produzido pela companhia americana Hupp Motor Detroit Michigam, do empresário
estadunidense Robert Craig Hupp tinha como agente importador Jose Theodosio
Serra.
Em ocasiões especiais, como na semana que antecedeu a comemoração da
independência do Brasil do ano de 1925, a agência Ford organizou um evento com
214
Diario da Noroeste, anno I, nº 56, 04/10/1925, p.1.
215
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003, p. 18.
106
o nome de Semana Ford, que ocorreu entre os dias 05 a 12 de setembro. Os
termos da notícia sobre esse evento foram os seguintes:
Agência local da Ford Motor Company, celebrará, nesta cidade a semana
Ford. Para o dia 07 está designado um pic-nic a hora e local que
oportunamente se anunciarão, devendo receber convite todos os
proprietários locais de máquinas Ford, e outras pessoas.
216
Se a agência local da Ford pretendia convidar todos os proprietários locais
dos automóveis produzidos pela empresa, presume-se que eles não eram tão
expressivos numericamente e certamente restringia-se a alguns representantes das
elites locais.
No jornal Correio de Bauru circularam mais noticias a respeito do tipo de
práticas comerciais e propagandísticas da marca Ford.
Em contrapartida, a agência Chevrolet divulgou seus automóveis
utilizando toda a primeira página do Diario da Noroeste em uma edição de domingo.
Figura 29 – Reprodução fotográfica do anúncio da “Chevrolet”. Diario da Noroeste, anno I, nº 62,
11/10/1925, p.01. “O Filhote Da Cadillac, Producto Da General Motor”.
As agências não lucravam apenas com a venda dos automóveis, mas
também com o combustível e os acessórios necessários à sua manutenção. Por
isso, também, era importante a sua divulgação pela imprensa.
216
Diario da Noroeste, anno I, nº 29, 03/09/1925, p.01.
107
Prova disso são os anúncios atribuídos à agência Ford que informava
sobre ”(...) grande estoque de querosene Jacaré a 33$000 a CAIXA” e “(...) gasolina
Motano, CAIXA, 48$000 (...)”. Além da já concorrente agência Chevrolet que
informava aos seus clientes a disponibilidade de ”(...) pneumáticos MICHELIN e
GOODRICH (...)”
217
As agências que comercializavam as marcas menos conhecidas como
Rugby e Hupmobile, fizeram expressiva campanha publicitária desde os primeiros
números do jornal Diario da Noroeste. Essas propagandas apareciam com maior
freqüência nas páginas iniciais (02, 03 e 04) e, raramente, na primeira página
218
.
É certo que as propagandas de automóveis divulgadas pelo Diário da
Noroeste tenham vindo dos países de origem dessas marcas
219
. Exemplo dessa
afirmação ficou claro com a ocorrência de representações do feminino, incomuns
nas relações sociais dos bauruenses naquele momento ·.
Figura 30 – Propaganda do automóvel Rugby. Diario da Noroeste, anno I, 28/8/1925, p.03. “Os carros
que valem o seu preço” e mais adiante a indicação dos revendedores: “Agentes nesta praça: Nicolino
Roselli & Cia”.
O que podemos observar nessa propaganda do carro Rugby (Figura 28) é
a representação de como a família deveria usar esse carro. Os homens apareceram
sentados no banco da frente, um deles conduzindo o automóvel, enquanto as
217
Diario da Noroeste, anno I, nº 47, 24/09/1925, p. 02.
218
Os automóveis Rugby contaram com 37 propagandas nos 128 números consultados, num total de
28,90%. Os automóveis Hupmobilie contaram com 110 propagandas nos 128 números consultados,
em um total de 85,93%, com propagandas duplas nos números 103, 104, 105, na p.1 e na p. 4 e o
número 106 com propaganda grande na página 2 e na página 4.
219
Ver a propaganda grande do automóvel Hupmobile, p.20. Como as propagandas vinham das
casas importadoras em São Paulo, a probabilidade de terem vindo prontas do país de origem é muito
grande.
108
mulheres, bem como a criança, estavam ocupando o banco de trás. Já em outra
propaganda desse mesmo modelo de automóvel, o mesmo clichê era apresentado,
mas com um texto maior que enaltecia as qualidades do agente importador: a Casa
Veado de Nicolino Roselli & Cia.
Figura 31 – Reprodução de fotografia do anúncio do automóvel da marca Rugby. Diario da Noroeste,
anno I, nº 11, 13/8/1925, p. 03. “Acabam de chegar a esta cidade os afamados automóveis ‘RUGBY’
tão econômicos (sic) quanto os mais economicos (sic) que existem tão velozes como os melhores
carros de alto preço”.
Na disputa por espaço no mercado dominado pelas empresas Ford e
Chevrolet, a marca Rugby procurava enfatizar as vantagens de adquirir o veículo por
ela produzido por meio de um confiável e bem informativo anúncio: o provável
comprador era estimulado a ver e experimentar antes de decidir pela compra.
Também deveria levar em conta a elegância, economia, força e “adaptação às
piores estradas”. Lembrava ainda ao comprador em potencial de que haveria
fornecimento de peças e acessórios adequados para a manutenção.
109
Os carros “RUGBY” são construídos com os mesmos materiais e esmero
que os carros dos mais altos preços. Podem transitar por qualquer estrada
devido a elevação do carter e do diferencial. Podem ser submetidos a
serviços longos e pesados com resultados sempre satisfatórios como
atestam milhares de compradores deste carro. Em resumo, os automóveis
“RUGBY” são OS CARROS QUE VALEM O SEU PREÇO. Convém ver e
experimentar o carro “RUGBY”, antes de decidir da preferência do carro a
comprar; e este carro, pela sua elegância, enorme economia, força e
adaptação as piores estradas será o ESCOLHIDO. Para verificar essas
verdades, basta, experimentar. Exposição permanente no amplo salão da
rua 1º de Agosto n. 20 (em frente à Casa Veado). Agentes autorizados para
vendas nesta cidade, Guaianases, Avaí, Presidente Alves, Pirajuí e
Piratininga até Gralhas. Nicolino Roselli & Cia. Os carros e caminhões
“RUGBY” são produtos da colossal Companhia “DURANT MOTOR
COMPANY NEW GERSEY”, cuja produção diária é de mais de MIL carros.
A maior facilidade para peças e acessórios. Concedem-se sub-agências
para as localidades acima. Para mais informações, com os agentes Nicoliino
Roselli & Cia. Rua 1º de agosto (CASA VEADO) Bauru.
220
Já os anúncios dos automóveis da marca Hupmobile faziam de forma
enfática a oposição cidade versus campo (Figura 32).
Figura 32 – Reprodução fotográfica do anúncio “É UM HUPMOBILE. Diario da Noroeste, anno I, nº
29, 03/9/1925, p. 4. (...) tal a maneira de dizer que é um carro de qualidade. “Inquestionavelmente, os
HUPMOBILE são construídos com bons materiaes e mão de obra prima o que alcançam máximo
conforto e verdadeira potencia”
Portanto, a sociedade de Bauru que vivia em um município pioneiro, ainda
que com predominância do rural sobre o urbano, via nessas propagandas uma
imagem muito distante da realidade. Contudo, certamente, foi havendo por parte de
220
Idem. Mais adiante se tratou do início do que atualmente é conhecido como test-drive para que os
possíveis compradores decidissem pela compra do automóvel anunciado.
110
muitos bauruenses um esforço para aproximarem-se dos novos padrões de vida
veiculados nas propagandas de automóveis que apareceram de forma maciça nos
jornais locais no momento em questão.
Embora o texto enfatize a qualidade e a potência do veículo, a imagem é
bastante forte ao denunciar as diferenças entre a cidade e o campo. O “universo
rural” é representado pela figura de um trabalhador do campo, vestido com um
macacão (como se vestiriam tradicionalmente os estadunidenses que trabalhavam
no campo), próximo a uma leitoa que amamentava seus leitõezinhos. O camponês
observava um automóvel da marca Hupmobile, representante de um mundo urbano,
avançado, rápido, ágil e vitorioso.
Se comparar as propagandas veiculadas entre os anos de 1925 e 1926 com
aquela, já mencionada do ano de 1920, que indicava a vinda do “Auto Universal” na
Estação ferroviária (Figura 26), percebem-se diferenças que indicam também as
transformações da cidade que, certamente, estavam acompanhando as
transformações da sociedade brasileira.
Nota-se que, ao contrário da propaganda do automóvel da marca Rugby
(Figura 30), quem dirige o automóvel da marca Hupmobile (Figura 32) é uma mulher
bem vestida, com uma estola de pele, tal qual as outras passageiras, todas
mulheres, fazendo oposição à figura do trabalhador rural. O vculo seguia em
direção à cidade.
O clichê, ao que tudo indica, era importado, e tinha a função de alimentar na
mulher brasileira, bem como na bauruense, representações da sociedade
estadunidense. Embora os modos de vida dessa mulher estivessem muito distantes
da mulher norte-americana burguesa, a propaganda não deixava de buscar
sedimentar certos valores considerados modernos.
Em outra ilustração (Figura 33), também do automóvel da marca
Hupmobile, foi novamente a mulher que se destacou no ideário a ser propagado. No
entanto, diferente da primeira, essa personagem também foi representada de acordo
com o caráter do carro, um modelo esportivo.
111
Figura 33 – Reprodução fotográfica do anúncio “HUPMOBILE”. Diario da Noroeste, 29 nov. 1925,
anno I, nº 103, p. 01. Modelo ‘6’ para dele fazer o seu carro. Todo mundo esperou o grande carro pois
sabia que a Fábrica HUPMOBILE e o desafio a experiência e os ensinamentos de 17 anos de
produção de finos automóveis. O “SEIS” vai (sic) de encontro a essa expectativa. Sim. Vai (sic) alem
– excede – a. Importadores: João Jorge Figueiredo & Cia – Secção de automóveis. “Rua Líbero
Badaró, 31 – S. Paulo”
Essa propaganda apareceu poucas vezes, talvez devido ao seu custo para
o anunciante. A representação estilizava o automóvel que era apresentado de forma
lúdica, agradável, como um bem destinado ao lazer. Tem-se a imagem de um
automóvel parado, embaixo de uma árvore, com um jovem na direção rodeado de
outros jovens. Uma figura feminina no banco traseiro, a sorrir e outra imagem
feminina em destaque, também despreocupada e alegre, ao lado do texto da
propaganda e correndo atrás de seu chapéu, que rolava por cima do símbolo da
marca do automóvel anunciado. Não se tratava de qualquer representante da marca
Hupmobile, mas sim o do lançamento no Brasil de um modelo com seis cilindros
que, além de todas as qualidades já descritas, trazia melhoras pela experiência de
17 anos na fabricação de finos automóveis. Portanto, era o que de mais novo estava
sendo colocado no mercado e apresentado para a sociedade bauruense.
112
O modelo Seis da marca Hupmobile teria sido aguardado por milhares de
automobilistas e seu advento foi uma boa notícia para os amantes de carros. Esse
mesmo anúncio (Figura 33) tinha por finalidade informar aos possíveis compradores
sobre a força de um motor de seis cilindros aliado a jovialidade das pessoas que o
conduziam. O sorriso de todos na imagem visava mostrar o prazer e a leveza de
dirigir um automóvel tão possante e poderoso. A propaganda, que buscava idealizar
situações hipotéticas, ainda que intencionando torná-las reais, não levava em conta
a realidade interiorana, muito distante da sua proposta. Contudo, o seu poder
simbólico para a representação do urbano moderno era enorme. A Casa Veado não
importava apenas os automóveis da marca Rugby, mas também os Studebaker,
outra marca norte-americana famosa na época.
Figura 34 – Reprodução fotográfica do anúncio “STUDEBAKER”. Diario da Noroeste, anno I, nº117,
16/12/1925, p. 03. “O melhor e mais útil e o mais belo presente para as festas de Natal e Ano Bom
são um ‘STUDEBAKER’, ou seja, um automóvel de fato. O ‘STUDEBAKER’ pode ser adquirido a
dinheiro a vista, ou com facilidades de pagamento. Consulta com seus agentes em Bauru. Nicolino
Roselli &Cia. (Casa Veado)”.
A propaganda (Figura 34), embora menos sofisticada que a do automóvel da
marca Hupmobile, trouxe uma mensagem relacionando o automóvel com algo belo,
pujante, e que proporcionaria a sensação de força e aceitação. No fundo, vê-se um
sol no formato de uma roda de automóvel, levando o leitor e possível comprador a
identificação com o raiar de um novo dia.
A partir de janeiro de 1926, a cidade viu a entrada de outro concorrente na
disputa pelo mercado de automóveis. Chegou à cidade a agência Ribeiro & Aiello,
localizada à rua Piratininga, e importadora da marca Dodge Brothers de automóveis
e a marca Graham Brothers de auto-caminhões.
113
Os anúncios desse novo automóvel e dos caminhões fabricados pela
mesma marca informavam sobre uma nova agência de automóveis na cidade.
Bauru, desde então, passaria a contar com as marcas mais famosas de automóveis.
O Oldsmobile também foi outra marca que apareceu nos anúncios na imprensa
local.
Figura 35 – Reprodução fotográfica do anúncio “Automóveis Dodge Brothers”. Diario da Noroeste,
anno I, nº 131, 03/1/1926, p. 01. “O expoente máximo dos carros da sua classe; Auto –caminhões
Graham Brothers- Os melhores e mais possantes conhecidos atualmente no mercado. A resistência
dos automóveis Dodge Brothers e caminhões Graham Brothers é comprovada pelos serviços
prestados e pelo mínimo custo de manutenção em vários anos de serviço. Assim atestam todos os
que possuem. RIBEIRO & AIELLO, Rua Piratininga – Baurú. Propaganda dos automóveis Dodge
Brothers e do auto-caminhão Graham Brothers”.
A expressiva quantidade de propagandas e a qualidade das mesmas, em
principio, poderia levar a crer que o mercado para o automóvel na cidade de Bauru
era grande. Contudo, o município, em 1925, não contava mais de 20.000 habitantes.
Ainda assim, não deixava de ser um mercado bastante promissor.
1.3 O automóvel no “Correio de Bauru”: novas versões para o mesmo
personagem
Com mais tempo no mercado e ocupando um espaço que O Bauru não
conseguia alcançar, o Correio de Bauru também veiculou propagandas de
automóveis no ano de 1925.
Assim como no Diario da Noroeste, as propagandas de automóveis puderam
dar a dimensão das representações sociais de uma paisagem urbana em sintonia
114
com a sociedade local. Das marcas tratadas, a Dodge foi a menos presente.
Apareceu em um único anúncio, comunicando ao leitor que “dentro em breve”
abriria uma agência onde seriam vendidos automóveis e caminhões, além de peças
da própria marca e de outras empresas (Figura 34). Dizia ser um grande atacadista
dos pneumáticos Michelin, pois havia efetivado um grande contrato com aqueles
fabricantes.
Considerando as dificuldades iniciais que o automóvel enfrentou para se
firmar enquanto meio de transporte, devido à falta de ruas e estradas em boas
condições na região de Bauru, a persistência em divulgar aquele produto, por meio
das propagandas, evidenciou um trabalho de sedução do público-alvo que se fazia
a partir dos ideais de modernização.
Figura 36 – Reprodução fotográfica do clichê “Dodge Brothers Motor Car”. Correio de Bauru, anno X,
nº 1128, 04/10/1925, p.1. “Abrir-se-á brevemente nesta cidade, á rua Piratininga (junto á Casa
Ribeiro) uma bem montada agencia dos afamados automoveis e caminhões DODGE, onde todos os
senhores possuidores de carros, encontrarão todas as peças e demais accesorios de que venham
necessitar. A agencia “Dodge” terá, além das peças para os DODGE, um variado sortimento de
accesorios e peças para automoveis de todas as marcas. PNEUMATICOS MICHELAN: como grande
stokista que è, destes pneus, devido a um grande contracto que fez com os fabricantes, esta agencia
vae vendel-os por preços nunca vistos nesta praça. Terá sempre em stock, pneus e câmaras de ar,
para todas as marcas de carros. NÃO DEIXEM DE VISITAR A “AGENCIA DODGE”. RIBEIRO &
AIELLO Agentes em Bauru.”
Talvez, por ser reconhecida como zona pioneira onde só pela ferrovia se
tinha acesso aos lugares mais distantes e lançando mão de um clichê elaborado
115
para outro lugar do planeta, a empresa Dodge elaborou seu anúncio cuja cena
formava um conjunto bizarro sem nenhuma conexão com a realidade local: o
personagem masculino dirigindo um modelo de sua marca, próximo a um
monumento que enaltecia um herói e aos pés desse monumento, a figura feminina
com trajes típicos de áreas desertas carregando água na cabeça.
Já a marca Studebaker tinha como mote a frase: “O Studebaker hoje é o ideal
de amanhã”. Anunciava que seus modelos eram mais modernos e ressaltava
também o valor que um automóvel representaria (Figuras 35 e 36).
Figura 37– Reprodução dos anúncios do Studebaker. Correio de Bauru, ano X, nº 1128, 04/10/1925,
anno X, p.06 e ano X, nº 1157, 08/10/1925, p.2. “Nenhum outro carro offerece tanto por tão pouco”.
O modelo que aparece na propaganda estava sendo dirigido por um homem,
bem vestido, com sua família e em conversa com alguém, parado em um lugar
aprazível. Ao fundo, repousava a natureza domesticada e agradável, sem
representar ameaça pronta para o usufruto do brasileiro civilizado. A seqüência de
textos, reforçados por imagens, visava alimentar a imaginação e o desejo de possuir
esse novo e sedutor meio de transporte. Percebeu-se que as empresas produtoras
investiram muito em propaganda na região de Bauru, que já era conhecida como
importante entroncamento ferroviário. Tanto que o inspetor nacional da empresa
116
Studebaker visitou Bauru dentro desse espírito de conquista de tais representações
e mercados, recebeu nota na Chronica Social: “Esteve em nossa redacção o sr. A.
Svidenovsky, inspector da studebaker no Brasil
221
”.
Figura 38 – Reprodução fotográfica do anúncio que se propunha responder por que Studebaker
reduzia seus preços. Correio de Bauru, anno X, nº 1128, 04/10/1925, p.06. “Esta affirmativa tem
apoio evidente em cada um dos novos modelos Studebaker. Os novos carros têm uma apparencia
distincta - adeantada um anno do desenho corrente dos outros automóveis – salientando-se pelo
conforto que offerecem, pelo seu admirável funccionamento e valor que representam. Perguntae às
pessoas que os possuem. Para que sua compra seja útil V. Excia. Deve ver os novos Studebakers
antes de adquirir seu automovel. Permitta-mos fazer-lhe uma demonstração pratica destes e depois
lhe daremos liberdade para escolher seu automovel. O STUDEBAKER DE HOJE É O IDEAL DE
AMAN Acceitam-se agentes nas zonas vagas. Studebaker do Brasil S.A. – Rua Barão de
Itapetininga, 25 – S.Paulo. NICOLINO ROSELLI & CIA – Agentes em Bauru”.
A Studebaker por meio de um longo texto se propôs seduzir um possível
consumidor pela redução de preços. O automóvel que levava a sua marca era feito
com as melhores matérias primas, e, luxuoso, seria a melhor aquisição pelo dinheiro
investido; um automóvel da mais alta categoria. Além disso, as peças seriam feitas
na própria fábrica, reduzindo os custos de produção, como nos carros de preços
baixos como a Ford. Apesar dessa “redução” de preços eles estavam distantes da
esmagadora maioria da população.
221
Diario da Noroeste, anno I, nº 28, 02/10/1925, p. 02.
117
PORQUE STUDEBAKER REDUZ SEUS PREÇOS? Levando ao mais alto
grau a excellencia de construcção de automoveis de alta categoria,
consegiu a STUDEBAKER este desideratum, graças ao seu plano de
construcção “One Prolit” que se traduz pela expressão portuguez de “um
unico lucro”. E porque “único lucro”? Entende-se por esta expressão o facto
de ser STUDEBAKER nos carros de alta categoria, a única fabrica ella
mesma todas as principaes peças de seus automoveis, como na esphera
dos carros de preços baixos, acontece com as fabricas Ford. As
incontestáveis vantagens deste plano de fabricação resaltam a primeira
vista. Fabricando todas as principaes peças de seus automoveis nas suas
próprias officinas, a STUDEBAKER elimina os lucros que teriam de ser
distribuídos a fabricantes de peças e estes mesmos lucros se tornam partes
intrinsecas de seus automoveis, traduzidos em luxuosos refinamentos de
construcção....
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STUDEBAKER DO BRASIL S.A.
SÃO PAULO Rua Barão de Itapetininga, 25.
RIO DE JANEIRO Avenida Rio Branco, 180.
AGENTES EM BAURU
NICOLINO ROSELLI & CIA.
Facilita-se o pagamento mediante a entrada de 5:000$000 e títulos
endossados
222
.
A empresa Studebaker ao fazer sua propaganda em 1925, no Diario da
Noroeste, ressaltou uma prática do fordismo que era dominar todas as etapas de
produção e todo o fornecimento de matérias primas para reduzir os custos
(verticalização)
223
. Além dessa tática de propagandear uma atitude que já era
adotada por uma outra marca, o grande apelo da Studebaker era a possibilidade de
compra a prazo.
A concorrência com a empresa Ford, que se dava no âmbito internacional,
era explicitada em Bauru através das propagandas, que no seu conjunto ia
seduzindo um segmento social da cidade às benesses da modernidade.
Já o anúncio do automóvel da marca Buick apresentava-se valorizando a
resistência, potência, velocidade e economia do seu automóvel. Era vendido na
também interiorana cidade de Jaú e contava com representante em Bauru
224
.
222
Correio de Bauru, anno X, nº 1157, 08/10/1925, p.02.
223
SANDRONI, P. Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo, Editora Beste Seller, 2002, p. 249.
Verbete FORDISMO. Conjunto de racionalização da produção elaborado pelo industrial norte-
americano Henry Ford, baseado no princípio de que uma empresa deve dedicar-se apenas a um
produto. Para isso, a empresa deveria adotar a verticalização, chegando a dominar não apenas as
fontes das matérias primas, mas até o transporte de seus produtos. p. 249.
224
Victorino Ghedini na Rua Araújo Leite na Garage Viajantes.
118
Como as demais propagandas de automóveis era a família que dispunha
de maior recurso financeiro que deveria ser conquistada. Assim, o veículo apareceu
estacionado em frente a um rico portão, de uma casa assobradada com um belo
paisagismo à espera de uma mulher com traje de luxo. Aparentavam sair para uma
reunião social, própria àqueles que pertenciam às elites econômicas (Figura 37).
Novamente a mesma mensagem: a natureza domesticada a serviço do ser humano.
E a sociabilidade de caráter burguês da qual o automóvel já fazia parte.
Certamente, muito distante da realidade da sociedade bauruense. No
entanto, propunham no horizonte, um novo padrão de sociabilidade para as elites
locais.
Figura 39 – Reprodução fotográfica do anúncio do automóvel Buick. Correio de Bauru, anno X, nº
1072, 31/7/1925, p.02. “o carro resistente, possante, veloz e econômico
Alguns segmentos da sociedade local já começavam a negociar
automóveis usados, ampliando suas possibilidades comerciais. Ao lado da
propaganda, uma nota, como os modernos anúncios classificados, sobre a venda de
um automóvel da marca Buick com apenas dois ou três passeios (Figura 40).
119
Figura 40 – Reprodução fotográfica do anúncio “classificado” do automóvel usado a preço de ocasião.
Correio de Bauru, anno X, nº 1072, 31/7/1925, p. 02.
A firma que comercializava a marca Chevrolet buscou sobressair-se
anunciando um automóvel prático, econômico e ao alcance de todos. Nos modelos
mais caros, os preços praticados eram a metade daqueles cobrados pelo automóvel
de luxo Studebaker. No clichê que ilustrou esse veículo, mais uma vez apareceu a
natureza domesticada, pagando tributos à civilização urbana. Portanto, muito
diferente da realidade bauruense, onde ainda era comum a convivência com a
paisagem característica do que havia sido a boca de sertãomata e capoeira – nos
limites da cidade, e esta dispondo de condições urbanísticas precárias. Assim, em
contraste com o cotidiano da cidade, a propaganda exibiu uma família, em seu
automóvel da marca Chevrolet comprando frutas e legumes de um senhor de idade
avançada em um passeio ao ar livre, no campo (Figura 41).
Imagem, texto e valor do automóvel deixaram claras as possibilidades de
aquisição de um veículo destinado a toda a família que se esperava popularizar-se.
A própria facilidade de pagamento indicou a atitude das empresas produtoras de
popularizar seus veículos nos mercados mais promissores. Bauru, sem dúvida, seria
um deles.
Na parte inferior do clichê, um chassi de caminhão lembrando que um
Chevroleto era só para o lazer. A empresa buscava especializar-se cada vez
mais em seu segmento lançando tanto veículos de passeio quanto utilitários. E
dessa forma, ganhar a simpatia dos consumidores além de alcançar a maior fatia do
mercado em virtude da redução dos custos da produção.
120
Figura 41 – Reprodução fotográfica do anúncio “CHEVROLET O AUTOMOVEL. Correio de Bauru,
anno X, nº 1026, 06/6/1925, p. 03. “pratico, economico (sic) e duravel (sic), ao alcance de todos”.
Na propaganda abaixo, (figura 42) uma campanha publicitária de página
inteira, em uma edição especial de seis páginas, seguiram os modelos de
automóveis que a empresa estava comercializando e uma foto dos proprietários na
Semana Chevrolet de Bauru
225
. Ela revelava que a agência possuía automóveis
para pronta entrega e elencava os motivos pelos quais se deveria adquirir um
produto da marca Chevrolet:
1) Porque é um carro econômico e sua gazolina é óleo. 2) Porque é duravel
e está sempre em condições de prestar os serviços mais satisfactórios. 3)
Devido as novas e grandes reduções de preços a saber. AGENCIA
CHEVROLET EM BAURU. Para transportes econômicos e seguros o
caminhão CHEVROLET. O carro da actualidade. Independencia de um
casal. para adquirirem carros procurem a agencia chevrolet em Bauru. Rua
Baptista de Carvalho nº 116. Facilita o
p
a
g
amento. Carro de turismo
7:500$000; voiturete 7:500$000; sedam 10:900$000; chassis caminhão
7:350$000
226
.
225
A empresa foi pioneira na cidade em promover esses eventos como estratégia de marketing.
226
Correio de Bauru, anno X, nº 1128, 04/10/1925, p. 03.
121
Figura 42 – Reprodução do anúncio do evento promocional Semana Chevrolet. Correio de Bauru,
anno X, nº 1128, 04/10/1925, p. 03. “AGENCIA CHEVROLET EM BAURU. Photografia tirada na
semana Chevrolet”.
O automóvel da marca Rugby, produzido pela Durant Motor Company New
Gersey, também procurava entrar no mercado alardeando que seu preço era
acessível a todos e tinha a fama de ser um automóvel resistente. No clichê que
apareceu no Correio de Bauru a propaganda foi direcionada à mulher, visto que era
um carro pequeno, de fácil condução, dirigido por duas mulheres.
A autonomia feminina que começava a ser promovida à época estava
muito distante da mulher bauruense. A Casa Veado de Nicolino Roselli & CIA, era a
representante não só da marca Rugby, mas também de outros automóveis. Um dos
atrativos, já comentado anteriormente, foi o de oferecer a possibilidade aos
potenciais compradores de experimentar o automóvel, inaugurando na cidade, a
hoje conhecida prática do test-drive. Já em 1925 a propaganda e o marketing
estavam sendo usados para atrair clientes para a aquisição de um produto fora das
possibilidades de compra da maioria das pessoas.
122
Figura 43 – Reprodução fotográfica do anúncio do modelo Rugby. Correio de Bauru, anno X, nº 1097,
29/8/1925, p. 03. “Os afamados automoveis fabricado pela DURANT MOTOR COMPANY NEW
GERSEY. Convem V. Excia, ver e experimentar o carro RUGBY antes de tomar decisão sobre o
automovel a comprar e a escolha inciderá com certeza no RUGBY”
É possível que a proximidade geográfica das agências (todas no centro da
cidade) tivesse aguçado a vontade consumir automóveis que na época tinham como
grande obstáculo o preço e as condições das estradas de rodagem que eram ruins
ou inexistentes.
As campanhas publicitárias da agência Ford, assim como a da maior
concorrente, a agência Chevrolet, tiveram presença maciça nos jornais de Bauru,
anunciando atendimento aos proprietários e divulgando slogans que sutilmente
solicitavam melhores estradas de rodagem para seus automóveis: “Boas Estradas
encurtam distâncias, unem povos e trazem progresso”.
Essa propaganda, no melhor estilo estadunidense, vinha ao encontro da
campanha política de Washington Luis para a presidência da República. Era notório
o seu engajamento político pela construção de melhores estradas de rodagem para
que os automóveis pudessem ter sucesso. O artigo abaixo citado tinha como
123
finalidade mostrar o empenho da agência Ford em ser competente no atendimento
ao consumidor.
SERVIÇO FORD
No decorrer do mez de junho foram realizadas varias conferencias em
diversas cidades do interior pelo Gerente e altos funccionarios da Ford
Motor company, conferencias essas que visaram obter uma cooperação
mais intima entre a Ford Motor Company e seus agentes. Essas
conferencias que já terminaram tinham por fim principal discutir assumptos
relativos aos serviços por que devem ser prestadom a todo proprietário de
automovel Ford. Foram ventiladas as questões de aperfeiçoamento das
officnas, dos mechanicos e de secção de peças etc. tudo tendo por fim
tornar cada vez mais rápido e efficiente o serviço mechanico a que tem
direito todo o proprietário de um produto da Ford Motor Company. Esta é
uma das normas básicas da Ford Motor Company que vem sendo aplicada
cada vez mais no nosso paiz, de sorte que, o proprietário de um carro Ford,
em qualquer lugar que estiver encontrara sempre serviço mechanico de
absoluta confiança, bem como peças Ford legitimas
227
.
A campanha da agência Ford que apareceu no jornal Correio de Bauru exibiu
um amadurecimento nas práticas comerciais capitalistas em relação às outras
empresas. A empresa, além de haver anunciado que vendia carros com preços
melhores que os da concorrência, deixou claro que lá a prestação de serviços de
assistência técnica era realizada de forma competente.
Dois acontecimentos chamaram a atenção para a conduta da empresa:
primeiro, a criação da Semana Nacional Ford de 5 a 12 de setembro de 1925 com
grandes atividades em todas as agências como corridas, concursos, exposições,
mesma estratégia utilizada meses antes pela rival agência Chevrolet. A segunda, o
anúncio da 1ª exposição Internacional de Automobilismo no Rio de Janeiro de 1 a 16
de agosto do mesmo ano.
No clichê que visava anunciar a agência Ford e seus modelos disponíveis
na cidade, observou-se uma cena onde vários carros estavam em alta velocidade e,
na parte superior, as bandeiras dos Estados Unidos e do Brasil. Esta foi à única
propaganda, entre todas que apareceram nos jornais de Bauru naquele período, em
que se viu uma cena de velocidade. Como foi visto nas demais propagandas, o que
se valorizou mais foi a família unida, a supremacia da cidade sobre o campo, a
demonstração das novas sociabilidades, principalmente em relação à mulher, menos
a velocidade. Era a primeira vez que essa potencialidade do automóvel aparecia na
massiva propaganda automobilística de 1925 no Correio de Bauru.
227
Correio de Bauru, anno X, nº 1078, 06/8/1925, p. 01.
124
Figura 44 – Reprodução fotográfica do evento “Semana Nacional Ford”. Correio de Bauru, anno X,
nºs 1101, 1102, 1106, 03, 04, 09/9/1925, p. 01, p. 03, p.03. Na oportunidade foram oferecidas
“grandes actividades em todas as agencias (sic). corridas, concursos, exposições. Ford Motor
Company
Na representação da corrida de carro comemorativa à semana da pátria, os
veículos da marca Ford foram mostrados como representantes de um avanço em
direção ao futuro, velozmente levantando poeira seguidos por um caminhão e um
trator, que foram deixados para trás, tendo como mote as diferenças entre a cidade
e o campo (Figura 44). Esse clichê da Semana Ford foi publicado três vezes e
sempre atrelado a um evento social – um churrasco oferecido - “aos amigos e
freguezes da agencia Ford local”
228
.
Em outro caso foi à propaganda sobre a 1ª Exposição Internacional de
Automobilismo, que ocorreria de 1 a 16 de agosto (Figura 45).
228
Correio de Bauru, anno X, nº 1101, 03/7/1925, p.01.
125
Figura 45 – Já estão á venda os novos modelos com rodas “Balã”. Correio de Bauru, anno X, nº 1076,
05/8/1925, p. 03. A grafia correta deve ser balão, pois a forma dos pneus indica essa afirmação.
“Consultem o Agente Ford mais próximo sobre o plano Ford de pagamentos semanaes. Prepare a
sua viagem ao Rio de Janeiro para assistir a 1ª Exposição internacional de automobilismo, de 1 a 16
de Agosto. FORD CARROS E CAMINHÕES”.
Todos os anúncios em que apareceram veículos da Ford tiveram a
característica de valorizar o automóvel e, em alguns casos, mostrar a natureza
domesticada como pano de fundo. De qualquer modo, a idéia central era a de
valorizar as representações sobre o futuro que os bauruenses precisavam absorver
para entrar, efetivamente, na modernidade.
De concepção mais simples, outro clichê buscou valorizar o automóvel
Ford como um automóvel universal e o fato de poder atender a seus consumidores
de forma rápida e eficiente (Figura 46). É por isso que apareceu deslocado de um
cenário de fundo. Mais uma vez o profissionalismo capitalista da empresa Ford se
apresentou em vantagem em relação aos concorrentes.
126
Figura 46 – Reprodução fotográfica do anúncio que reforçava a idéia da empresa ser um
“UNIVERSAL CAR. AGENCIA DE BAURÚ”. Correio de Bauru, anno X, nº 1026, 06/6/1925, p. 03.
“Tem sempre em deposito automoveis, caminhões e tractores. PARA ENTREGA IMMEDIATA.
Pneumáticos, camaras de ar e ACCESORIOS EM GERAL. Facilita-se o pagamento. J. PINTO & CIA.
Baptista, 134 – Caixa”.
Como já foi visto o automóvel da empresa Studebaker tentou ironizar os
automóveis da Ford como sendo mais baratos e sem a mesma sofisticação e
qualidade, mas confessou utilizar os métodos Ford para baixar os custos e poder
baratear os seus automóveis, ainda assim caríssimos. Apesar das campanhas da
agência Ford anunciar reduções de preços, seus automóveis ainda eram caros em
relação ao poder aquisitivo dos habitantes de Bauru. Mesmo para os funcionários
públicos da EFNOB, a renda necessária para adquirir um automóvel era muito alta
229
.
Outra novidade da fábrica Ford foi à introdução de pneus mais largos, que
melhoravam a estabilidade do carro e eram conhecidos como pneu balão (Figura
45). Esses anúncios mudaram o texto, mas mantiveram as imagens, valorizando a
família estadunidense, padrão a ser assimilado.
O anúncio do automóvel da marca Oldsmobie apareceu uma única vez no
Correio de Bauru em janeiro de 1926, coincidentemente mês em que não apareceu
229
BARROS, S. M. P. O Estado Novo e o Brasil na Segunda Guerra. In: Nosso Século. Brasil
1930/1945 (II). Abril S. A. Cultural. Editor: Victor Civita, 1980,1985, São Paulo, Brasil. “Em 1931, o
aluguel de um apartamento mobiliado na Cinelândia (centro do Rio) custa 400$000 (4000.000 réis).
Só uma elite de comerciantes em ascensão, altos funcionários públicos e profissionais liberais pode
morar bem nessas vizinhanças. Um médico estabelecido chega a ganhar 1:500$000 (1 conto e
500.000 réis) Comenta-se que os honorários do interventor Pedro Ernesto atingem 10:000$000 (dez
consto de réis). Mas a maior parte do salários da população carioca está bem abaixo disso: um
operário da indústria têxtil recebe 240$000 (240.000 réis) por mês, e uma empregada doméstica,
120$000 (120.000 réis)”, p. 23.
127
nenhuma outra propaganda de automóveis. Foi apresentado como um carro que
satisfaria todas as exigências de seu possuidor, pois não “encontra barreiras nas
más estradas”, uma alusão clara das condições das estradas da região Noroeste e
de todo interior do país. Era um veículo “especial para passeios por ser um carro de
linhas elegantes e bem acabadas”. Se possuísse todas essas características deveria
ser um automóvel caro como seu concorrente direto, o da marca Studebaker.
Figura 47 – Reprodução fotográfica de anúncio que deixa claro o ambiente de concorrência entre as
fabricantes de automóveis que instalavam revendas na cidade. Correio de Bauru, anno X, nº 1203,
02/1/1926, p. 01. “O carro que satisfaz a todas as exigencias (sic) de seu possuidor é o
OLDSMOBILE. O OLDSMOBILE não encontra barreiras nas más estradas. É especial para passeios
por ser um carro de linhas elegantes e bem acabadas. Pedidos aos agentes, Castilho, Souza & Cia.
Phone 2-1-1. BAURU”.
O recém inaugurado Diario da Noroeste com expressivos recursos da
ferrovia através dos anúncios dos seus Boletins, também disponibilizava espaço
para o automóvel, mas para marcas com menos prestígio. Deve-se lembrar que as
propagandas do automóvel Hupmobile não apareceram no Correio de Bauru e
ocuparam grande espaço no Diario da Noroeste. Certamente as relações pessoais
entre diretor/editor dos jornais com os representantes dessas agências é que
pesavam na escolha dos jornais nos quais as propagandas deveriam sair.
No caso do Diario da Noroeste, o público-alvo primordial era composto
pelos funcionários e operários da ferrovia, como já visto em capítulo anterior, sem
grande poder aquisitivo, fato que explica não ter sido escolhido para divulgar esse
artefato moderno acessível a pessoas de posses da sociedade bauruense.
128
O ano de 1925 marcou, de uma vez por todas, a ascensão do automóvel
como um forte símbolo da modernidade na cidade de Bauru. Contudo, na cidade a
ferrovia ainda se destacaria por mais tempo devido ao caráter estratégico e de
penetração da EFNOB. Além disso, o uso desse artefato, que a todos encantava e
atraía, também teve repercussões profundas na cidade ao lado das questões
econômicas. Influenciou sensibilidades, sociabilidades e os folguedos de Carnaval
através do corso que se intensificou a partir de 1926 com a participação de
engenheiros e chefes da EFNOB
230
. Funcionários diferenciados usaram o automóvel
no corso como mostra de prosperidade econômica e social que poucas pessoas
possuíam na cidade: funcionários públicos federais, formação técnica impecável,
remuneração bem acima da média da cidade, e fazendo parte da única estrada de
ferro estratégica ou de penetração do Brasil. Como detentores das representações
da modernização da cidade, auxiliaram na domesticação do espaço bauruense para
o uso do automóvel.
É importante lembrar que o automóvel era, de um lado, um agente
civilizador para as elites e, por outro lado, um transtorno para a população humilde
que perdia espaços de lazer e convívio social nas ruas. Sem familiaridade com esse
artefato, tornava-se vítima de diversos acidentes, muitos deles fatais
231
.
A outra face: representações sociais do novo veículo.
A primeira propaganda de automóvel, como foi visto, havia sido veiculada
em Bauru em 1920, no jornal O Bauru. Tratava-se do automóvel da marca Ford que
chegava à “boca do sertão” trazido por Jayme de Toledo Piza e Almeida. Membro de
poderosa família de cafeicultores, Toledo Piza aproveitava seu capital social para
tornar-se agente da marca Ford por toda a zona Noroeste
232
. Desde as primeiras
notícias do automóvel até as representações a respeito do novo veículo no trânsito
passaram-se cinco anos.
No ano de 1925, o jornal Diario da Noroeste publicou três charges, de
autores desconhecidos, sobre a presença (ou representação do impacto) do
230
RESNER, A. R. Fantasias Carnavalescas de Uma Cidade. Bauru: 1911-1942. Dissertação de
Mestrado. Assis, Unesp, 2002, p. 125-126.
231
SÁVIO, M. A. C. A Modernidade Sobre Rodas. Op. Cit.
232
Na cidade o automóvel da marca Ford chegou através do agente Anacleto Teixeira de Barros que
contratou, para prestar informações sobre o automóvel Ford, Alberto Pires que poderia ser
encontrado no Hotel Central.
129
automóvel na cidade. Todas elas visavam desqualificar o pedestre, o cidadão que
circulava pelas ruas, ainda pouco adaptado com a velocidade implícita à
modernidade.
O que ficou mais evidente ao se observar tais charges foi a tensão entre a
velocidade da nova máquina, representando o tempo da modernidade, e os pacatos
habitantes, representantes do tempo do atraso. Habitantes que não se mostravam à
altura de tal modernidade e da velocidade trazida por ela.
A primeira mostrava uma pessoa que se protegia de um acidente de
automóvel, levando às costas uma carapaça de tartaruga, usada como escudo
contra o automóvel que a atropela (Figura 46). Essa charge permite aferir a
sensibilidade do artista que mostrou tanto a capacidade do homem do interior frente
às novas parafernálias modernas, além da figura do Jeca que relutava em
abandonar o espaço das ruas para o automóvel, até a importância da cidade e o
status daqueles que dirigiam seus automóveis pelas ruas poeirentas. Força e
velocidade se impunham às pessoas “comuns”.
Parodiando o personagem de Monteiro Lobato, Jeca Tatu, o habitante da
cidade sem treino na convivência com o novo artefato tecno-científico era
considerado inábil, atrasado e pouco afeito aos avanços da modernização.
Figura 48 – Reprodução fotográfica da charge “Cautela e caldo de galinha”. Diario da Noroeste, anno
I, nº 09, 11/8/1925, p.01. ” E seus dizeres, ‘Contra o atropelo dos autos. Invenção Futurista. Quando
o automóvel ‘vir’, O Jeca vira tatu, O automóvel faz “zú” , E o Jeca fica-se a rir...”
Outra charge destacou uma morte por atropelamento. O tratamento dado foi
como se fosse algo prosaico e chic desde que o automóvel fosse um dodge.
Outra vez, foi possível considerar o esforço do Diario da Noroeste em
mostrar a cidade de Bauru como sendo dinâmica, eficiente, moderna, e que até a
130
morte por atropelamento era vista como prosaica, a exemplo do que ocorria nos
grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo.
Na charge (Figura 49) apareceu a disputa do espaço entre pedestres e
automóveis como indicador das mudanças que anunciavam o moderno, dando a
entender que a cidade também seria assim.
Figura 49 – Reprodução fotográfica da charge “Mortes Modernas – Morte Prosaica – Dodge era mais
chic. Diario da Noroeste, anno I, nº 14, 17/8/1925, p. 01.
A terceira e última charge relacionada com o automóvel (Figura 50),
procurou demonstrar a preocupação com a questão relativa ao excesso de
população. O periódico a apresentou com um humor mórbido ao propor pela charge
o carro como uma solução para o excesso populacional, ou seja, os atropelamentos
como forma de diminuir o contingente desnecessário de pessoas. Contudo, era o
excedente de pobres que seria conveniente desaparecer.
Figura 50 – Reprodução fotográfica da charge “Peste Moderna”. Diario da Noroeste, anno I, nº 35,
10/9/1925, p.01. A alusão humorística às medidas de origem malthusiana contra a superpopulação foi
clara. Diz o texto: “Certos países se vêem em dificuldades com o excessivo aumento de população.
Pois o remédio é importar automóveis em quantidade.”
131
Assim, as situações do trânsito, desde o início, se mostravam como uma
verdadeira guerra. De um lado demonstrava o despreparo da população frente
àquela novidade que tendia a se firmar e, de outro, o pouco caso dos motoristas
para com os pedestres que “atrapalhavam” o tráfego.
As preocupações com relação ao trânsito de veículos automotores também
apareceram no o Diário do Noroeste
233
. Em 30 de agosto de 1925 o jornal abriu um
espaço ao leitor para que fizesse queixas e reclamações. Entre elas se destacou
uma que tratou do problema da poeira levantada pelos automóveis no espaço
urbano em seu ir e vir diário. Dizia o leitor: “... Birigui, que é Birigui, já tem
automóvel irrigador, conforme o seu jornal noticiou, por que não há de Bauru ter um
também?”.
Apesar de não serem muitos carros em Bauru, as ruas não eram calçadas
e a poeira incomodava muito. Contudo, pelo teor da reclamação tem-se a impressão
de que o leitor incomodou-se mais com o fato de Bauru não contar com um recurso
que Birigui, uma cidade menor, já possuía: o automóvel irrigador
234
. Outra
reclamação da população,
235
reproduzida por meio da imprensa, dizia respeito ao
aturdimento causado pelo excesso de barulho que faziam os caminhões, em sua
maioria com problemas no escapamento. A frase utilizada pelo leitor é emblemática
“... fazia tanto barulho quanto uma peça de artilharia”.
Outra queixa dos leitores freqüentemente citada era o incômodo causado
pelos faróis dos carros: a questão colocada era se deveriam ser acesos ou
apagados na circulação noturna. Em certa ocasião o leitor reclamou dos automóveis
circulando à noite com os faróis apagados, o que quase teria ocasionado um
acidente
236
. Algum tempo depois, surgiu outra missiva só que em oposição a essa. O
queixoso reclamava dos automóveis que circulavam com os faróis acesos durante a
noite, argumentando que deixavam as pessoas tontas. Segue o comentário:
OS AUTOMÓVEIS. SR. REDATOR DO “DIARIO”
Aqui em Bauru, os automóveis, no geral, transitam pelas ruas, de noite, com
os grandes faróis acesos. Não é preciso. As nossas ruas são iluminadas,
dispensam bem aqueles enormes feixes de luz que tonteiam a gente, e que,
se o movimento fosse mais intenso, só serviriam para causar desastres. A
imitação do Rio, S. Paulo, Campinas e todas as outras cidades que têm luz
bastante ao transito publico, os automóveis, em Bauru, devem rodar a noite
233
Diario da Noroeste, anno I, nº 26, 30/8/1925, p.2.
234
Este veículo prestava o serviço de molhar as ruas que tivessem maior movimento de carros.
235
Diario da Noroeste, anno I, nº 29, 03/9/1925, p.2.
236
Diário da Noroeste, anno I, nº 34, 08/9/1925, p.2.
132
com os faróis apagados. Aí fica o requerimento às dignas autoridades
municipais. De V.SX
237
Portanto, o que se percebeu foi que as pessoas da cidade estavam
incomodadas com o tráfego dos automóveis. Contudo, o articulista do texto acima
citado almejava que Bauru fosse próspera, civilizada e moderna, e que podia ser
comparada aos grandes centros como a Capital Federal, a cidade de São Paulo, ou
mesmo Campinas, enfatizando que sua iluminação noturna era suficiente para a
circulação dos automóveis, sem a necessidade de se acender os faróis. Porém,
essa vontade de grandeza foi traída pelo próprio reclamante, quando admitiu que o
movimento dos automóveis não fosse tão intenso assim.
237
Diario da Noroeste, anno I, nº 57, 06/10/1925, p. 2.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois do que foi analisado no trabalho verifica-se que o desenvolvimento de
Bauru muito deveu as ferrovias. A modernização que se processou na cidade de
forma diferenciada e com mais consistência deu-se devido a elas. As
representações sociais das elites letradas entusiasmadas com os progressos
materiais, em especial com a construção das Oficinas Centrais da EFNOB em 1921
e a construção da Estação Central entre 1935 e 1939, pretendiam mostrar a
superioridade de Bauru em relação às demais cidades da região.
A aviação que começava a desenvolver-se como arma do exército
também necessitava dela para alcançar os seus destinos: o Correio Aéreo Militar
usava as linhas ferroviárias para orientar seus vôos. Porém um artefato em especial
chamou a atenção durante as pesquisas nas fontes jornalísticas: o automóvel,
artefato tecnológico de grande sedução e que começou a disputar espaços com as
ferrovias no começo do século XX e nas décadas de 1920 e de 1930 já dava
mostras que era um meio de transporte importante e ganhava cada vez mais
espaço.
Foi visto também que Bauru teve contato privilegiado com a imprensa da
Capital do Estado e Capital Federal devido aos colaboradores dos jornais locais
serem contratados nestas localidades. Eles puseram a mostra novas sociabilidades
e apresentaram novos gostos literários
Importante foi perceber os rituais desenvolvidos pelo Estado brasileiro
para mostrar-se presente e ocupar os espaços políticos, simbólicos, físicos e de
poder. Foi assim em 1908 com o Presidente Campo Sales e foi assim com o
Presidente Getúlio Vargas em 1938. Os dois Presidentes percorreram a região
Noroeste para marcar a presença do estado, reforçar laços estratégicos com
políticos locais e da região além de mostrar pura e simplesmente a sua força.
Portanto se as ferrovias atuavam efetivamente nas transformações físicas,
sociais e culturais da cidade de Bauru, o automóvel, enquanto poder simbólico
seduziu a elite bauruense na década de 1920 e 1930.
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JORNAIS
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Número 49, Anno I, 25-02-1917
Número 84, Anno I, 25-10-1917
Número 91, Anno II 16-12-1917
Números 1026, Anno X 06-06-1925 até o Número 1201, Anno X 31-12-1925.
DIÁRIO DA NOROESTE:
Números 01, Anno I 01-08-1925 até o número 129, Anno I 31-12-1925.
Números 132, Anno I 05-01-1926 até o número 169, Anno I 18-02-1926.
FOLHA DO POVO
Números 49, Anno 1, 17-03-1935 até o número 50, Anno 1, 21-03-1935.
Números 89, Anno 2, 25-08-1935.
Números 135, Anno3, 06-02-1936 até o número 242, Anno 3, 28-01-1937.
Números 406, Anno 4, 29-12-1937 até o número 409, Anno 4, 01-01-1937.
Números 506, Anno V 30-04-1938 até o número 804, Anno V, 20-04-1939.
Números 805, Anno VI 21-04-1939 até o número 862, Anno VI, 30-06-1939.
135
O BAURU:
Números 431, Anno X 16-01-1916
Números 442, Anno X 02-04-1916 até o número 478, Anno X 16-12-1916.
Números 537, Anno XII 03-02-1918 até o número 558, Anno XII 07-07-1918.
Números 632, Anno XIV 01-01-1920 até o número 684, Anno XV 24-12-1920.
Números 685 Anno XV 01-01-1921 e número 686, Anno XV 09-01-1921.
Números 968, Anno XVIII 01-01-1924 até o número 988, Anno 16-03-1924.
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FICHAS FUNCIONAIS/MATRÍCULAS-REDE FERROVIÁRIA FEDERAL EM
BAURU
Ficha Número 19 – Ângelo Maringoni (Marcolino)
Ficha Número 100 - João de Deus da Graça Leite
Ficha Número 103 – João Maringoni
Ficha Número 117 - José da Graça Leite
Ficha Número 166 – João Correia das Neves
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1934. Bauru.
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1935. Bauru.
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1936. Bauru.
ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL. Relatório referente ao exercício de
1937. Bauru.
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