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1
MARCO ALEXANDRE DE AGUIAR
A DISPUTA PELA MEMÓRIA: OS FILMES LAMARCA
E
O QUE É ISSO
COMPANHEIRO?
Tese apresentada à Faculdade de Ciências
e Letras de Assis
UNESP
Universidade
Estadual Paulista para a obtenção do título
de Doutor em História (Área de
conhecimento: História e Sociedade).
Orientadora Profª Drª: Zélia Lopes da Silva.
ASSIS
2008
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3
Dedico aos meus filhos, Leonardo e Julia.
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AGRADECIMENTOS
À professora Zélia Lopes da Silva, por ter-me aceito como seu orientando e
pelo rigor
com que se empenhou na orientação.
Ao professor Carlos Eduardo Jordão Machado, que nos momentos de
desânimo me passou força.
À professora Sandra Pelegrini que, com sua simpatia e competência, trouxe
grandes contribuições a este trabalho.
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que através do projeto
bolsa/mestrado, me permitiu o afastamento das minhas aulas durante dois anos e
seis meses.
À Stela, companheira desde o início até o final desta pesquisa.
À funcionária da UNESP (campus de Botucatu), Solange Spadim, pela ajuda
no fornecimento de teses e livros de vários locais.
Aos meus colegas com quem freqüentei as disciplinas para o cumprimento
dos créditos necessários.
Ao senhor César Piedade, pelo fornecimento de vários filmes do seu ac
ervo.
Ao Daniel Vinícius Alcarás, meu aluno da Faculdade Eduvale, que gravou
vários filmes do Canal Brasil.
Ao Luis Ernesto, ex-aluno e atual colega de trabalho. Entre várias coisas,
contribuiu com o seu conhecimento de informática.
Ao professor Eduardo Victorio Morettin, coordenador do seminário temático
da ANPUH, sobre a relação entre história e cinema.
Ao Fausto e Adilson, estagiários da Cinemateca Brasileira em São Paulo.
5
RESUMO
Um dos maiores divulgadores de visões de mundo no século XX, o cinema se
apresenta como uma fonte preciosa para a reflexão do historiador. Neste sentido,
realizamos uma análise fílmica de Lamarca (1994) e O que é isso companheiro?
(1997)
procurando refletir sobre as opções realizadas pelos diretores Sérgi
o
Rezende e Bruno Barreto em relação ao tema. Essa análise nos ajuda a enxergar
em que sentido esses filmes inserem-se na disputa pela memória, sobre o período
ditatorial brasileiro que se inicia nos anos 1960, notadamente o confronto entre as
forças armadas e os focos de guerrilha dos anos 60 e 70 do século passado. Nesta
problematização realizada, verificamos a repercussão desses filmes em três jornais
da grande imprensa:
O Estado de S. Paulo
,
Jornal do Brasil
e
Folha de S. Paulo
.
PALAVRAS
-
CHAVE: Cine
ma; Guerrilha; Imprensa; Memória.
6
Abstract
The cinema, responsible for spreading the visions of the world in the 20
th
century, is a
valuable source for the historian s reflection. In one sense, we carried out a film
analysis of
Lamarc
a (1994) and O que é isso companheiro? (1997) trying to think
about the options that the directors Sérgio Rezende and Bruno Barreto have chosen
regarding the subject. This analysis helps us see in which sense these films get into
the argument over the memory about the period of the Brazilian dictatorship of the
sixties, specially the confrontation between the army and the guerrilla of the sixties
and seventies of the late century. As a result of this analysis, we have verified the
repercussion of these films in three newspapers of the great press: O Estado de S.
Paulo, Jornal do Brasil
and
Folha de S. Paulo.
KEY
-
WORDS: Cinema, Guerrilla, Press, Memory.
7
Lista de Ilustrações
Imagens do filme
Lamarca:
Figura 1
Imagem de abertura do filme
Lamarca.....................................................39
Figura 2
Estudante abordado por militar.................................................................44
Figura 3
Saída de viagem dos personagens Lamarca e Clara.
........................
.....46
Figura 4
Lamarca e Clara observando caminhão com trabalhadores.....................48
Figura 5
Trabalhadores rurais.................................................................................48
Figura 6
Assembléia dos guerrilheiros. ....
..............................................................60
Figura 7
Imagem de cruzes anunciando a morte do protagonista..........................64
Figura 8
Sertanejo consola pai de Zequinha pendurado.........................................66
Figura 9
Rosto do velho em agonia. No campo de profundidade, militar dorme....66
Figura 10
Lamarca muito magro, observado por Zequinha....................................69
Figura 11
Lamarca deitado na sombra de uma árvore, formando a representação
d
e uma cruz................................................................................................................71
Figura 12
Em outro ângulo, Lamarca formando a representação de uma cruz......71
Figura 13
Lamarca baleado.
.....................
...............................................................
72
Figura 14
Morte de Lamarca...................................................................................72
Imagens do filme
O que é isso companheiro?:
Figura 15
Garrincha no ba
r. ...................................................................................78
Figura 16
Torcida no Maracanã..............................................................................79
Figura 17
Festa em homenagem ao embaixador norte-
am
ericano........................81
Figura 18
Cena de tortura. Afogamento..................................................................85
Figura 19
Jonas da ALN se apresentando ao grupo do MR
-
8................................88
Figura 20
Plano de conjunto com todos os guerrilheiros do filme O que é isso
companheiro?.............................................................................................................
89
Figura 21
Paulo dialogando com Maria..................................
.................................94
Figura 22
A expressão de susto de Maria após receber beijo de Paulo.................95
Figura 23
René vendo a Revista sobre Woodstock..............................................102
8
Figura 24
Periferia do Rio de
Janeiro....................................................................112
Figura 25
Cartaz com os rostos dos guerrilheiros.................................................112
Figura 26
Maria na cadeira de rodas chegando no aeroporto.............
.................115
Figura 27
Maria partindo para o exílio...................................................................115
Figura 28
Fusão de Maria e Paulo criando uma tensão ao se verem...................116
Figura 29
Plano de conjunto, com
Maria na pista do aeroporto............................116
9
SUMÁRIO
Introdução
.................................................................................................................11
Capítulo 1 -
Aná
lise fílmica d
e
Lamarca.
A disputa pela memória
......................27
1. 1) Transformações históricas dos anos 90.............................................................29
1. 2) Um início didático...................................................................
............................38
1. 3) Guerrilha na cidade............................................................................................42
1. 4) Utopia rural.........................................................................................................45
1. 5)
A Repressão avança: a truculência do delegado Flores.
...................................57
1. 6) Major assume comando utilizando-
se da discrição............................................67
Capítulo 2
O que é isso companheir
o?
a memória
vitoriosa?
..........................75
2. 1 Paixão pela luta armada......................................................................................78
2.2 Seqüestramos o embaixador americano!...............................................
..............85
2. 3 A vida dentro de um aparelho.............................................................................93
2. 4 Caça aos guerrilheiros.......................................................................................109
Capít
ulo 3
Os filmes
Lamarca
e O que é isso companheiro?
nos jornais
Folha
de S. Paulo, O Estado de S. Paulo
e
Jornal do Brasil.
.......................................117
3. 1 Adolescentes e polêmica com ex-guerrilheiro na repercussão do filme
Lamarca
no jor
nal
Folha de S. Paulo
......................................................................................119
3. 2 General pobre necessitando de cachê. Repercussões do filme
Lamarca
no
jornal
O Estado de S. Paulo
. .......................................
............................................125
3. 3 Historiadores debatem o filme
Lamarca
no
Jornal do Brasil
.............................131
3. 4
O que é isso companheiro?
na F
olha de S. Paulo.
Absolvição da ditadura?...141
3. 5 Repercussão do filme O que é isso companheiro? no jornal O Estado de S.
Paulo
........................................................................................................................150
3. 6 Um filme de direita ou de esquerda? Um questionamento nas páginas do
Jorna
l
do Brasil
....................................................................................................................155
10
Considerações Finais
...........................................................................................164
Fonte
s
......................................................................................................................167
Bibliografia
.............................................................................................................172
Arqui
vos e Instituições pesquisadas
..................................................................177
11
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea, cada vez mais, leva em conta a influência dos
meios de comunicação de massas. Dentre eles temos o cinema, que surgiu na
França em 1895 e passou pelo seu período áureo. Entretanto, ele continua tendo
importância nas salas de projeção, nas locadoras, cinematecas, escolas e na
relação entre cinema e televisão. Nem por isso, este tipo de material foi considerado
relevante, muito embora os filmes de reconstituição histórica
documentários ou
ficcionais
sejam elementos de divulgação do conhecimento histórico e produzam
uma memória sobre determinadas conjunturas. Tal perspectiva perdurou durante
muito tempo, devido à influência do positivismo, que projetou significativa
valorização do documento escrito e oficial. Estas características davam credibilidade
à fonte, e com essa perspectiva pensava-se em chegar à verdade. Assim, fontes de
caráter popular, ou um filme, por exemplo, não apresentavam confiabilidade e,
portanto, deviam ser desprezadas.
O historiador francês Marc Ferro, que possui uma produção acadêmica
tomando o cinema como fonte de pesquisa, aborda a questão da hierarquia de
fontes que havia no início do século XX. No seu livro Cinema e História, verificamos
como o cinema era encarado: a imagem não poderia ser uma companheira dessas
grandes personagens que constituem a sociedade do historiador: artigos de leis,
tratados de comércio, decla
rações ministeriais, discursos .
1
Porém, isso não significa que seja uma fonte isenta de subjetividade. Desde
os primórdios do cinema houve uma preocupação com o caráter ideológico e político
da nova invenção. Foram rios os líderes políticos que se preocuparam com o
cinema como propaganda política. Desde Lênin, passando por Hitler, Roosevelt e
Getúlio Vargas, todos se interessaram pelo potencial da sétima arte. Os Estados
Unidos despontaram, assim como em outras atividades econômicas, estabelecendo
uma hegemonia que continua perdurando até nossos dias. A chamada decupagem
clássica tornou-se um modelo padrão, questionado por vários movimentos
cinematográficos. Apesar desse questionamento, o modelo hollywoodiano sempre
1
FERRO, Marc.
A História Vigiada.
São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.
83.
12
se manteve dominante de forma massacrante em termos de quantidade de filmes e
bilheterias.
No decurso das pesquisas e leituras, constatamos que o cinema brasileiro
tematizou aspectos diferentes da realidade do país, com enfoques que traduzem as
percepções dos diretores e roteiristas sobre a história e cultura brasileira. A
recuperação dessa trajetória, igualmente permite retraçar a periodização desse
percurso, feita pelos envolvidos, o que interessa sobremaneira para essa pesquisa,
considerando
-se que os filmes analisados inserem-se na chamada retomada do
cinema brasileiro , tal qual aparece no livro O Cinema da retomada
,
2
de Lúcia
Nagib. O termo retomada do cinema brasileiro , denominação que se refere a uma
intensidade maior na produção dos filmes nacionais no período pós-Collor, e que
aba
rca os dois filmes escolhidos para essa pesquisa, Lamarca
3
e O que é isso
companheiro?
4
, é questionado por muitas pessoas do meio cinematográfico. Ao
observar a história do cinema brasileiro, encontramos várias fases de maior
produção e várias de decadên
cia.
No livro de Lúcia Nagib mencionado acima, existem depoimentos de vários
cineastas, que recordaram uma época em que a diversidade cinematográfica existia
de forma intensa, nos filmes italianos, franceses e de outras nacionalidades. A
produção cinematográfica no Brasil apresenta um desempenho razoável, mas o
maior empecilho está na distribuição e exibição dos filmes. A maioria dos filmes
listados por Lúcia Nagib, com exceção daqueles que tiveram grande projeção, como
2
NAGIB, Lucia,
O cinema da retomada.
São Paulo: Ed. 34
,
2002.
3
Lamarca
. Direção: Sérgio Rezende. Produção: Mariza Leão e José Joffily. Intérpretes: Paulo Betti,
Carla Camurati, José de Abreu, Deborah Evelin, Eliezer de Almeida, Ernani Moraes, Robert
o
Bomtempo. Roteiro: Alfredo Oroz e Sérgio Rezende. Baseado no livro Lamarca, o capitão da
guerrilha
, de Emiliano José e Oldack Miranda (130 min). Rio de Janeiro, 1994. Sinopse: O filme
focaliza o último ano da vida de Carlos Lamarca (1971), e através de f
lash
-backs, mostra a sua
história. Trata-se de uma interpretação da história verídica da vida do personagem. O capitão Carlos
Lamarca, um dos melhores atirador do exército brasileiro, rebela-se contra os militares no poder e
adere a guerrilha de esquerda.
Transforma
-se num revolucionário, que sonhava com um país livre de
injustiças, opressões e misérias.
4
O que é isso companheiro? Direção: Bruno Barreto. Produção: Lucy Barreto e Luis Carlos Barreto.
Intérpretes: Alan Arkin, Fernanda Torres, Pedro Cardoso, Luis Fernando Guimarães, Cláudia Abreu,
Nélson Dantas, Matheus Natchergaele, Maurício Gonçalves, Caio Junqueira, Selton Mello, Du
Moscovis, Caroline Kava, Fernanda Montenegro, Lulu Santos, Milton Gonçalves, Othon Bastos.
Roteiro: Leopoldo Serran. Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira (105 min) Rio de
Janeiro, 1997. Sinopse: Trata
-
se da história do sequestro do embaixador dos Estados Unidos Charles
Elbrik ocorrido em Setembro de 1969. O sequestro é realizado por um grupo de jovens, pertencentes
ao
Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) que se une a outro grupo guerrilheiro Aliança
Libertadora Nacional (ALN). Os guerrilheiros condicionam a soltura do embaixador, a leitura de um
manifesto nos principais meios de comunicação no horário nobre e a libertação de quinze
companheiros presos.
13
O Quatrilho
,
Central do Brasil e Carlota Joaquina Princesa do Brazil, não chegaram
ao grande público, uma vez que além de serem raramente exibidos nas salas de
cinema, também não aparecem nas locadoras.
A partir da análise de filmes podemos captar características da sociedade no
momento da sua produção. Além disso, sabemos do poder dos filmes na acirrada
disputa pela memória. Sendo assim, nesta tese serão discutidos os filmes
Lamarca
e
O que é isso companheiro? que enfocam um mesmo tema. Ou seja, a atuação dos
grupos guerrilheiros na época da Ditadura Militar e que, além disso, foram
produzidos em épocas próximas: Lamarca, de 1994 e O que é isso companheiro?
,
de 1997. Neste sentido nos preocuparemos com dois momentos históricos: de 1969
a 1971, quando se intensificou a atuação dos grupos guerrilheiros representados
nos filmes, e a década de 1990, momento em que os filmes foram realizados.
Ao trabalhar com o cinema, o historiador deve realizar uma problematização
dos filmes escolhidos por ele. Assim, se faz necessário observar a trajetória d
os
diretores em questão, fazer a decupagem realizando uma transcrição das
seqüências do filme, analisando as opções realizadas na fotografia e trilha sonora,
refletindo sobre o material utilizado para o roteiro, o figurino, o posicionamento da
câmera. O historiador Eduardo Victorio Morettin, no artigo O cinema como fonte
histórica na obra de Marc Ferro, enfatiza o caráter polissêmico de um filme e realça
a importância de uma análise interna da obra. Nesta perspectiva, optamos por seguir
a metodologia sugerida por Morettin: Refazer o caminho trilhado pela narrativa e
reconhecer a área a ser percorrida a fim de compreender as opções que foram feitas
e as que foram deixadas de lado no decorrer de seu trajeto .
5
No artigo mencionado acima, o historiador faz uma crítica pertinente ao
procedimento metodológico do historiador francês Marc Ferro. Este possui em
relação à fotografia uma crença exacerbada no poder da imagem como expressão
do real. A crítica de Eduardo Victorio Morettin tratou a questão da seguinte m
aneira:
o autor se preocupa com a veracidade da fonte e com a busca do documento
autêntico. Idealiza o alcance de uma realidade, numa perspectiva que tem como
eixo o fato histórico, reinterpretado .
6
Consideramos que toda fonte apresenta-
se
como um discurso sobre a realidade que deve ser questionada. Esses discursos
5
MORETTIN, Eduardo Victorio. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. História
Questões & Debates
. Ano 20
n. 38
Janeiro a Junho de 2003. p. 29.
6
Ibid., p. 37.
14
podem ser identificados e fazem parte de uma batalha ideológica existente na
sociedade.
Uma força da imagem, principalmente da fotografia e dos produtos
audiovisuais, constitui-se na representação do real. Sabemos que essa questão é
complexa; depende de vários fatores e divide os especialistas. A produção de
qualquer imagem passa por um processo de construção e seleção, que
naturalmente não é neutra. A recepção depende do repertório cultural do
espectador. O historiador francês Marc Ferro, no seu livro Cinema e História,
7
cita
uma cena do filme A Greve,
8
em que uma alegoria de um açougue. Cenas com
muito sangue escorrendo chocava um espectador urbano, mas um camponês muito
habituado com a prática de matar animais não causava impacto nenhum. Martine
Joly, no seu livro Introdução à análise da imagem
9
cita o exemplo de uma placa de
trânsito acompanhada de uma seta, escrita Paisagem de Cézanne . Como será o
entendimento dessa placa para aquele que não possui noção nenhuma de quem foi
Cézanne?
Se ao mesmo tempo precisamos levar em conta essas considerações,
precisamos pensar em situações em que a fotografia apresenta-se como uma
evidência. Roland Barthes aborda o caso das pessoas que se deixaram fotografar
nas barricadas durante a Comuna de Paris e pagaram com a própria vida.
10
Martine
Joly enfoca uma situação trágica como a do seqüestro em que a foto do seqüestrado
pode significar que ele ainda esvivo. Embora os dois autores reflitam sobre os
processos de produção da fotografia, Barthes é quem mais acredita no potencial
dela representar o real. Inclusive termina o seu livro abordando o potencial da
fotografia, argumentando que ela pode ser louca ou sensata. Neste último caso
contribuiria para a domesticação, e isso aconteceria quando ocorre uma banalização
desta, prática muito comum em nossos dias.
7
FERRO, Marc.
Cinema e História.
R
io de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
8
A direção deste filme é de Sergei Eisenstein, importante cineasta russo do início do século XX. Este
dirigiu
O Encouraçado Potemkin (1925), obra referência do realismo soviético , em que houve a
preocupação de não enaltecer nenhum indivíduo (protagonista) ou casal, como normalmente ocorre
nos filmes norte-americanos, ao contrário uma ênfase na atitude coletiva dos marinheiros
revolucionários. A cena da escadaria de Odessa, com cortes muitos rápidos, teve grande impacto e
constituiu
-se numa inovação cinematográfica. O realismo soviético foi uma das tendências rebeldes
à hegemonia do cinema norte
-
americano.
9
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas/SP:
Papirus, 1996. p.
81.
10
BARTHES, Roland.
A Câmara Clara:
nota sobre fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.
41.
15
Siegfried Krakauer, que escreveu antes de Roland Barthes, também discute
esse processo de domesticação da fotografia, ao enfocar o papel das re
vistas
ilustradas. Ele apresenta a visão de que estas, nas mãos da sociedade dominante,
constitui
-se numa greve ao conhecimento: Para o sucesso de uma tal greve se usa
em primeiro lugar o arranjo pitoresco das imagens. A sua justaposição exclui
sistematic
amente a conexão que se oferece à consciência .
11
O crítico alemão nos
lembra que a exposição de um esportista por um segundo é suficiente para torná-
lo
célebre. Podemos fazer uma relação com a televisão atual quando, nos reality-
shows , pessoas desconhecidas se transformam em celebridades da noite para o
dia. Sobre a relação fotografia e morte, Krakauer coloca a visão de que: A
recordação da morte, que está presente em pensamento em toda imagem da
memória, as fotografias gostariam de banir pela sua própria acumulação
12
A
maneira como as revistas dispõem as fotografias contribui para uma aparência de
que o presente fotografado ficou eternizado, e assim um esvaziamento destas
fotografias.
Uma questão enfatizada por Martine Joly é a de que na maioria das vezes
uma imagem não é apresentada pura, ou seja, somente ela. Normalmente ela vem
acompanhada da linguagem verbal. Quando olhamos uma foto, logo procuramos
uma legenda para nos situarmos. Como seria o cinema ou a televisão sem o som?
Portanto, não podem
os esquecer que, quando se fala do predomínio da imagem nos
nossos dias, é bom lembrar que ela vem acompanhada de outras linguagens muito
importantes. Nos filmes, as legendas possuem um papel fundamental de
identificação de tempo e espaço. Podemos pensar no final do filme Lamarca, que
termina com sua morte, acompanhada da seguinte informação: Sertão da Bahia. 17
setembro 1971.
Martine Joly considera que a imagem está longe de ser um flagelo ameaçador
e contemporâneo, mesmo uma leitura ingênua e cotidiana
dela mantém em nós uma
memória que exige ser um pouco reativada.
13
Analisando mais detalhadamente
essa questão da memória, podemos recorrer ao historiador Pierre Nora. No seu
artigo
Entre memória e história. A problemática dos lugares
14
,
afirma que
11
KRAKAUER Siegfried.
O ornamento da massa
. São Paulo: Cosac & Naify (no prelo).
12
Ibid., p. 17.
13
JOLY, Martine, op. cit., p. 135.
14
NORA, Pie
rre.
Entre Memória e História. A problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo:
EDUC, nº 10, 1993. p. 8.
16
atua
lmente tanto interesse na formação de arquivos, de preservação de
documentos, porque não existe mais memória. O autor aborda o fim da comunidade
dos camponeses e o processo de urbanização, que provocou transformações
radicais na sociedade e levou a uma decadência do processo natural de
preservação da memória. Dentro dessa questão das conseqüências da urbanização,
podemos mencionar também a aceleração do tempo , ou seja, as pessoas que
viviam no campo tinham a impressão do tempo passar com mais vagar, diferente da
nossa sociedade urbana, onde somos solicitados e estimulados por muitas coisas.
Na ótica de Pierre Nora, a mídia contribuiu para a substituição de uma
memória voltada para a herança, por uma perspectiva que chamou de película
efêmera da atualidade. O historiador francês também enfoca a diferença entre
memória e história. Esta última é sempre questionadora e problematizadora,
apresenta sempre uma análise e discurso crítico. A memória é produzida por grupos,
enquanto a história se pretende univer
sal.
A memória é sempre seletiva. É impossível tentar guardar tudo, como
algumas empresas pretendem. Os profissionais da área arquivística recomendam
uma associação entre preservação e destruição programada. Além dessa questão é
pertinente colocar que muitas vezes certos grupos desejam ocultar ou não gostam
de lembrar determinados eventos. Assim, os historiadores franceses
reconheceram o colaboracionismo com o Nazismo na Segunda Guerra Mundial, mas
a população francesa possui uma recusa, um pudor de se lembrar dessa questão.
Podemos dizer que o historiador Daniel Aarão Reis Filho
15
, ao analisar o período da
ditadura militar no Brasil, enfoca uma questão parecida, o desejo de esquecer certas
colaborações ao regime militar num momento em que a democracia passou a ser
valorizada. Ou seja, políticos, empresários, intelectuais, sindicalistas, que no período
ditatorial apoiaram o governo, não gostam de ficar lembrando desse apoio, uma vez
que atualmente é a democracia a forma de governo que predomina como a idea
l.
Os historiadores certo tempo vêm ampliando seu leque de fontes. Nesta
ampliação temos a utilização da imagem, sejam as fixas como a fotografia, pinturas
rupestres, quadros, sejam as em movimento, como o cinema ou a televisão. O
historiador Peter Bur
ke, no artigo
História como memória social,
faz uma relação dos
meios de comunicação que contribuem na transmissão da memória. Nesta
15
REIS FILHO, Daniel Aarão et al. Versões e Ficções: o Seqüestro da História. ed. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 1997.
17
perspectiva apresenta sua visão de forma clara: imagens, sejam pictóricas ou
fotográficas, paradas ou em movimento. As imagens ajudam na retenção e
transmissão de memórias .
16
A historiadora Maria Antonieta Martinez Antonacci, em
Do Cinema Mudo ao Falado: Cenas da República de Weimar
17
demonstrou como
alguns filmes do cinema expressionista alemão permitiram novas dimensões de
entendimento da República de Weimar.
Assim, podemos perceber, embora não tenha repassado os trabalhos
historiográficos realizados, que utilizam a imagem como fonte histórica, o
interesse dos historiadores por esse tipo de linguagem. Numa pesquisa rápida, por
exemplo, no periódico ArtCultura (UFU) os vários artigos ali publicados sinalizam
evidências claras dessa opção.
Michael Pollak, no seu artigo Memória, Esquecimento, Silêncio, aborda como
a memória se alimenta do material fornecido pela história e como a constante
reinterpretação do passado ocorre em função de uma exigência de credibilidade que
depende da coerência dos discursos produzidos.
18
Pollak analisa os esforços
realizados por partidos, sindicatos e grupos nacionais, como os franceses, na
co
nstituição da memória. momentos em que certos grupos necessitam
redirecionar suas posturas em função de novos fatos que ocorrem, ou
documentações que surgem como, por exemplo, no período em que houve o
desmantelamento da ex-União Soviética. Além dos discursos produzidos
materiais como elementos de enquadramento, como monumentos (as pirâmides ou
as catedrais medievais), museus, bibliotecas. Dentro dessa linha de raciocínio,
Michael Pollak aponta o cinema como importante meio de divulgação da memória.
Vejamos como ele trabalhou essa questão, ao constatar que as pessoas que
estavam na França no dia D (06/07,1944) o se lembram especificamente deste
dia, mas sim dos roncos dos aviões, explosões, gritos de terror, choros das crianças,
cheiros do enxofre:
Ainda que seja tecnicamente difícil ou impossível captar todas essas
lembranças em objetos de memória confeccionados hoje, o filme é o
16
BURKE, Peter. História como memória social. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000. p. 20.
17
ANTONACCI, Maria Antonieta Martinez. Do Cinema Mudo ao Falado: Cenas da República de
Weimar.
História
, São Paulo, v. 10, p. 41
-
70,
1991.
18
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n.
3, 1989, p. 10.
18
melhor suporte para fazê
-
lo: donde seu papel crescente na formação e
reorganização, e portanto no enquadramento da memória. Ele se
dirige não apenas às capacidades cognitivas, mas capta as emoções.
Basta pensar no impacto do filme Holocausto, que apesar de todas as
suas fraquezas, permitiu captar a atenção e as emoções, suscitar
questões e assim forçar uma melhor compreensão desse
acontecimento trágico em programas de ensino e pesquisa e,
indiretamente na memória coletiva. A obra monumental de Lanzmann,
Shoah, sob todos os aspectos fora de comparação com o filme de
grande público Holocausto, quer impedir o esquecimento pel
o
testemunho do insustentável.
19
Esse potencial enfatizado do cinema, ou seja, seu poder de emocionar as
pessoas, ou seu caráter lúdico, possui bastante relação com a utilização do cinema
nas escolas como estratégia pedagógica. Quando professores exibem certos filmes,
em parte esquecidos pelo grande público, que se preocupam com eles somente no
momento do lançamento, eles estão interferindo na disputa pela memória. Na parte
final desse texto de Pollak, podemos perceber uma diferenciação entre o cinema
pr
oduzido para o grande público (
Holocausto
), e outro produzido de forma a não se
preocupar com a utilização de clichês e sem um sentido comercial direto, como é o
caso do filme Shoah (1985), do diretor Claude Lanzmann. Esse último possui
duração de 566 minutos (mais de nove horas) e a estratégia principal utilizada pelo
diretor foi de levar os sobreviventes da guerra aos locais onde ocorreram as
tragédias e incitar as recordações deste.
O cineasta Silvio Tendler, no seu documentário Memória e história em
utopia
e barbárie, colheu depoimento de ex-guerrilheiros, intelectuais, artistas, abordando
os anos 60. O ex-guerrilheiro Apolônio de Carvalho
20
colocou a seguinte questão:
Nós não temos uma memória das esquerdas, que ela merece . Além disso
considera que a utopia é a verdade que hoje não está clara, não está perfeita, mas
que ficará amanhã . Na fala de Susan Sontag,
21
esta aborda uma questão que
19
Ibid, p. 11.
20
Neste documentário de Silvio Tendler, temos a seguinte descrição: Apolônio de Carvalho síntese
de um guerrilheiro da utopia. Combateu em 1935 e foi preso. Ao sair da prisão embarcou para a
Espanha para lutar contra as forças fascistas. Quando saiu para a França ficou preso num campo de
concentração, de onde evadiu-se para combater a favor da resistência pela liberação
francesa.
Recebeu a mais alta condecoração de guerra. Voltou ao Brasil e foi dirigente do Partido Comunista,
de onde saiu para fundar o PCBR. Com armas na mão combateu a ditadura brasileira. Exemplo de
utopia e luta.
21
Susan Sontag (16/01/33
28/12/04). Intelectual de prestígio, crítica de arte e ativista estado-
unidense. Graduou-se em Harvard e destacou-se por sua defesa dos direitos humanos. Publicou
vários livros, entre eles, A Vontade radical, Assim vivemos agora, Contra a Interpretação e Na
19
possui muita relação com essa pesquisa, ao tecer as seguintes considerações: É
interessante como nós tendemos agora mais e mais a lembrar de imagens ao invés
de estórias, narrativas e palavras. Nossa memória está sendo transformada pela
presença exagerada de imagens . Susan Sontag demonstra o poder da imagem, ao
enfocar a cobertura da Guerra do Vietnam, pela tele
visão norte
-
americana:
Não é a primeira guerra filmada, mas é a primeira guerra com
cobertura da televisão, e os militares americanos não entenderam o
poder dessas imagens. Os jornalistas, os fotojornalistas se
posicionaram de forma vigorosamente contrária à guerra. Eles
pegaram essas imagens e as mostraram e isso teve um forte impacto
sobre a opinião pública. Os militares aprenderam algumas ligações
importantes. Quando a Grã-Bretanha invadiu as Malvinas, Margaret
Thatcher, a primeira ministra Thatcher não permitiu nenhum
fotojornalista.
22
No trabalho de análise dos filmes utilizamos as reflexões contidas no livro
Ensaio sobre análise fílmica de Francis Vanoye e Anne Golilt-
lété.
23
Nele
encontramos importantes questões sobre linguagem cinematográfica, bem como as
principais vertentes da história do cinema. Definição de planos (plano geral, primeiro
plano, plano de conjunto, plano-seqüência) e características da linguagem clássica
de cinema, como a busca de uma homogeneidade e coerência narrativa, são
apre
sentados pelos autores com propriedade. Também são objetos de estudo o uso
de metáforas, análise do cenário, a progressão dramática: de acordo com as regras
de alternância entre tempos fortes e tempos fracos e as da progressão contínua da
tensão até o des
enlace, passando pelo clímax .
24
Durante a análise nos preocupamos em verificar o posicionamento da
câmera. A composição de um filme realiza-se com a somatória de vários planos. O
plano corresponde a cada tomada de cena, ou seja, à extensão de filme
compree
ndida entre dois cortes, o que significa dizer que o plano é um segmento
contínuo da imagem. Conforme o enquadramento da câmera, costuma ser dividido
em vários tipos: plano geral, quando a cena enfoca os atores, objetos ou cenários a
América,
pelo qual recebeu em 2000 um dos mais importantes prêmios do seu país, o National Book
Award. Num artigo do jornal The New York Times, em 2004, Sontag afirmou que a história recordará
a Guerra do Iraque pelas fotografias e deos das torturas cometidas pelos soldados americanos na
prisão de Abu Ghraid .
22
Memória e história em utopia e barbárie.
Silvio Tendler. Brasil, 2005.
23
VANOYE, Francis, GOLIOT
-
LÉTÉ, Anne.
Ensaio sobre a análise fílmica
. Campinas: Papirus, 1994.
24
Ibid., p. 26.
20
uma grande distância; plano médio ou conjunto, usado principalmente para
interiores, com uma dimensão espacial menor do que a do plano geral, por exemplo,
um diálogo em uma sala com alguns personagens; plano americano, quando o ator
é mostrado do joelho para cima; primeiro plano, a câmera apresenta apenas um
rosto ou outro detalhe qualquer que ocupa a quase totalidade da tela; primeiríssimo
plano ou close-up, quando uma parte do corpo ou do objeto é mostrado a distância
curtíssima.
25
Na análise selecionamos imagens dos dois filmes para verificar em
detalhe as questões debatidas.
Outro procedimento aqui utilizado é o de analisar a trajetória dos diretores em
questão. O diretor carioca Sérgio Rezende conheceu sua mulher, Mariza Leão, no
meio cinematográfico. Ele considera que formam uma dupla complementar na
produção dos filmes. Mariza se preocupa com a questão dos custos e do mercado, e
Sérgio Rezende com o filme.
26
Observando a sua longa filmografia, percebemos
uma predileção por temas históricos e políticos: O homem da capa pre
ta
(1986),
Lamarca (1994),
Guerra de Canudos
(1997), Mauá, o imperador e o rei (1999),
Zuzu
Angel
(2006). No depoimento dado a Lúcia Nagib, rgio Rezende argumenta que
é um equívoco chamar de adaptação literária os filmes históricos e afirmou: Não
se
pode adaptar nada. Num cinema de ficção tudo é inventado, você tem fatos, mas
os fatos não viram cenas .
27
Obviamente concordamos com Sérgio Rezende quando
afirma que tudo é inventado, mas se chamamos de adaptação literária ou de outro
nome o que os cineastas fazem com os livros referenciais, isso não é o mais
importante. Contudo, considerar que os fatos não viram cenas pode tornar-
se
contraditório, uma vez que passagens do filme
Lamarca
, como a do assassinato do
guarda feito por Lamarca, ele dando treinamento antiguerrilha a bancários, ou a do
assassinato do tenente Alberto Mendes Júnior, foram encenadas. Naturalmente as
cenas podem ser realizadas de diversas maneiras, mas no momento da produção do
filme, o diretor acaba optando por um tipo de encenação.
No livro De Caligari a Hitler. Uma história psicológica do cinema alemão,
Siegfried Kracauer afirma que os filmes refletem características de uma nação, e o
autor coloca a seguinte questão: Que temores e esperanças varreram a Alemanha
25
Essas definições ti
veram como base:
NAPOLITANO, Marcos.
Como usar o cinema na sala de aula.
2 ed. São Paulo: Contexto, 2004, XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico. A Opacidade e a
Transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
26
NAGIB, op. cit., p. 380.
27
Ibid., p. 3
81.
21
imediatamente após a Primeira Guerra Mundial?
28
(momento em que ele está
pesquisando os filmes). O que nos leva a perguntar que temores e esperanças
passaram pela cabeça de Sérgio Rezende e de todos os envolvidos na produção do
filme, que não podemos esquecer o caráter estritamente coletivo da obra
cinematográfica? No depoimento de Sérgio Rezende ele coloca o desejo de
combater o predomínio do neoliberalismo, hegemônico nos anos noventa. Ele fez
questão de falar sobre Lamarca, porque entendeu que este contrariava tudo o q
ue
estava em evidência naquele período.
Ao abordar a questão da produção de filmes históricos, Sérgio Rezende
mencionou filmes como
O Encouraçado Potemkim
e
O Nascimento de uma Nação.
29
Em relação ao gênero de filme histórico considerou: O cinema trabal
ha com aquilo
que ficou no inconsciente coletivo das pessoas, um personagem é a representação
de um inconsciente coletivo .
30
No livro Memória e Sociedade, Ecléa Bosi faz uma
profunda análise sobre a questão da memória, ao abordar o ponto de vista de
Bérgso
n e de Halbwachs, quando esse último enfatiza o fato da produção da
memória ser sempre coletiva. Normalmente ela relaciona-se com grupos familiares,
profissionais, políticos, religiosos. Ecléa Bosi deixa claro que as pessoas, ao tentar
lembrar e comentar com outros, um vai confirmando ou acrescentando algo e assim
a memória de um determinado grupo vai se constituindo.
31
Dessa maneira, no
momento da produção do filme, a figura de Lamarca estava no inconsciente coletivo
de pessoas mais politizadas e de esquerda e a sua realização visava atingir um
grupo maior.
Bruno Barreto (diretor de O que é isso companheiro?), assim como Sérgio
Rezende, possui uma longa trajetória na história do cinema brasileiro. Bruno Barreto
começou muito jovem e em família. O seu pai, Luis Carlos Barreto, teve expressiva
atuação na produção dos filmes do Cinema Novo e depois continuou a sua carreira
28
KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler. Uma história psicológica do cinema alemão. Rio de
janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1988. p. 20.
29
Filme de 1915, com direção do cineasta norte-americano David Wark Griffith. Este criou as bases
do cinema Hollywoodiano, como o flashback e montagem paralela. O filme O Nascimento de uma
Nação
, enfocou a Guerra da Secessão, possuía um ponto vista sulista e instigou a Ku Klux Klan. O
papel dos negros era realizado por atores brancos pintados de negros . Grifft fazia um filme por
semana e no início do cinema, os filmes eram muito curtos. Assim quando este fez um filme de uma
hora, havia um receio da empresa cinematográfica, argumentando que o público não agüentaria um
filme com esta duração.
30
NAGIB, op. cit. p
. 381.
31
BOSI, Ecléa, Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. 3 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994. p. 54.
22
como produtor de muitos filmes. Bruno iniciou sua carreira com o filme Tati, a garota
(1973). A FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), no início dos anos
90, produziu uma série de encartes sobre filmes brasileiros e distribuiu um acervo de
filmes para as escolas públicas do estado de São Paulo. No encarte sobre o filme
Tati, a Garota existe um texto de Ricardo Picchiarini (graduado em cinema pela
USP, roteirista e diretor de fotografia), onde a colocação de que apesar do berço
de ouro, Bruno Barreto não conseguiu a aprovação do seu pai para a realização do
filme, pois o considerava muito jovem (tinha dezessete anos).
32
Entretanto
,
conseguiu recursos com a avó e apoio posterior da produtora L. C. Barreto e da
Embrafilme. Na avaliação de Ricardo Picchiarini, realmente Bruno ainda era muito
inexperiente para a produção de um longa, e não conseguiu se relacionar de forma
produtiva com
a protagonista, uma criança, que necessitava de um cuidado especial.
Além desta questão, o filme foi inteiramente dublado, e a atriz Dina Sfat, pouco
acostumada ao processo, acabou apresentando um resultado mecânico e exaustivo.
Em 1976, Bruno Barreto dirigiu o filme de maior bilheteria do cinema nacional,
Dona Flor e seus dois maridos.
33
Em seu depoimento que está no livro O cinema da
retomada
, ele aponta uma característica dos filmes da retomada, ou seja, a
narratividade. a visão de que o cinema brasileiro desprezou a função narrativa e,
quando se preocupou com essa, obteve sucesso. Ao analisar os filmes da retomada,
Bruno Barreto ponderou: por isso a resistência do blico brasileiro aos filmes
brasileiros diminuiu consideravelmente .
34
No entanto, essa visão está esquecendo,
por exemplo, as grandes bilheterias que o cinema nacional obteve nos anos 70.
Podemos começar inclusive com o filme do próprio Bruno Barreto, Dona Flor e seus
dois maridos, que obteve mais de doze milhões de espectadores, mas podemos
mencionar: A dama da lotação (1978), de Neville D Almeida, com 7,5 milhões;
Lúcio
Flávio, o passageiro da agonia (1977), de Hector Babenco, com cinco milhões;
Xica
32
FDE. Apontamentos 323. Tati, a Garota. P. 10.
33
Este aborda uma história que se passa na Bahia, onde a personagem Flor (Sônia Braga)
possui um
marido totalmente boêmio e mulherengo (José Wilker). Depois da morte deste, Flor se casa com um
marido com características opostas, sério, trabalhador e ouvinte de música clássica (Mauro
Mendonça). Os cenários guardam relação com o nacional-
popul
ar onde vemos muitos lugares
miseráveis. A religiosidade baiana também possui destaque e uma contraposição com valores
científicos.
34
NAGIB, op. cit., p. 92.
23
da Silva (1976), de Cacá Diegues, com dois milhões e quatrocentos mil.
35
Portanto,
dev
emos ao menos relativizar essa afirmação de resistência ao cinema brasileiro.
No depoimento de Bruno Barreto percebemos que este teve um
posicionamento privatizante em relação ao cinema, mas depois mudou de visão,
argumentando que, com exceção dos Estados Unidos, país em que Bruno morou
por muitos anos, o cinema constitui-se em uma atividade subsidiada. O
posicionamento político de Bruno Barreto, que logicamente acabou repercutindo no
filme
O que é isso companheiro?, considera o engajamento partidário ou
ideológico
um estorvo para a atividade criativa. Isso fica claro, na seguinte frase: Não tenho
muito respeito por artistas politicamente engajados, que têm um discurso ideológico,
acho isso extremamente pobre e limitador .
36
Este posicionamento de Bruno Barreto contraria os pressupostos sicos de
uma importante tendência cinematográfica brasileira, a do Cinema Novo.
37
Como
esta tendência teve grande repercussão, é muito comum a comparação com os
filmes da retomada. No início dos anos sessenta, muitos cineastas colocavam-
se
como vanguarda, como direcionadores de uma utopia, que traria melhores
condições de vida para os desfavorecidos. A carga de utopia presente nos dias de
hoje é muito inferior. Uma característica do cinema brasileiro atual é a diversidad
e,
configurando
-se uma situação em que não podemos falar numa certa linha ou
tendência. Na ótica de Jean-Claude Bernardet, não podemos pensar em resquícios
do Cinema Novo nos nossos dias: Havia no cinema dos anos 60 uma ligação e uma
preocupação com uma proposta política que era fundamental para a sobrevivência
35
Esses números de bilheteria foram retirados do
Dicionário de Filmes Brasileiros
de Antônio
Leão da
Silva Neto. Exceção do filme A Dama da Lotação, onde o número de espectadores é retirado do
depoimento de Neville D Almeida contido no livro
O cinema da
r
etomada
.
36
NAGIB, op. cit.
,
p. 93.
37
Um dos marcos do Cinema Novo, Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, apresentou
temas essenciais desta vertente: fome, opressão, Nordeste, subdesenvolvimento, ignorância e
linguagem cinematográfica com planos longos e luz branca . Outro filme importante dentro desse
contexto,
Os fuzis
(1963), de Ru
y Guerra, enfoca um grupo de soldados que são contratados para ir a
um lugarejo, com o objetivo de proteger um armazém do enorme contingente de famintos. Além
desses diretores, temos Glauber Rocha, que dentro de uma longa filmografia, produziu Terra em
Tra
nse
(1967). Este filme realizado sobre grande impacto do golpe militar de 1964, enfoca a questão
do populismo através de políticos que se aliam ao povo para depois no poder ignorá-
lo
completamente. Através da crise do personagem Paulo Martins, tem as angústias vividas pelos
intelectuais, que vivem uma ambigüidade: ao mesmo tempo em que se preocupavam com a
população carente, também a desprezavam considerando-a passiva demais. O filme termina com
Paulo Martins acenando para a atitude desesperada da luta armada. Os filmes do Cinema Novo
buscavam uma conscientização e transformação revolucionária.
24
ideológica do movimento; esta proposta esabsolutamente ausente nos cinemas
de hoje .
38
Ismail Xavier considera que o cinema brasileiro, apesar de não conseguir
realizar uma síntese elaborada ou uma grande obra como a de Glauber Rocha, está
mais leve e aliviado, caminha menos culpado, sem carregar o peso das grandes
decisões nacionais, sem aquele sentimento de urgência em que cada filme mostrava
atrás da câmera um intelectual a diagnosticar o país no seu conjunto e a pensar por
todos nós .
39
As discussões apresentadas ao longo dessa tese materializam
resumidamente nos capítulos que se seguem. No primeiro capítulo realizamos uma
análise do filme
Lamarca
. Ao fazer uma problematização, pesquisamos a
respeito de
linguagem cinematográfica, além de refletir sobre questões levantadas por
historiadores a respeito do período enfocado no filme. Quando se tornou necessário,
buscamos informações recentes na imprensa. Esse foi o caso da ex-guerrilheira Iara
Iav
elberg; através de informações veiculadas nos jornais, podemos constatar todo o
esforço da família para chegar à comprovação que sua morte não se tratou de um
suicídio. Em alguns momentos utilizamos como fonte documentários produzidos pela
TV Cultura (São Paulo) e pela TVE Brasil (Rio de Janeiro). No documentário
Mariguella Retrato Falado do Guerrilheiro, por exemplo, temos o depoimento da
viúva de Carlos Mariguella, Clara Charf, abordando a perplexidade dele ao saber
das atrocidades de Josef Stalin.
Den
tro dessa perspectiva, no segundo capítulo realizamos a análise do filme
O que é isso companheiro? Utilizamos a mesma metodologia realizada com o filme
Lamarca. Na pesquisa com os dois filmes, selecionamos imagens que julgamos
importantes para a nossa análise. Assim, por exemplo, em relação ao filme O que é
isso companheiro?, selecionamos a imagem da personagem Renné lendo a revista
ilustrada Woodstock, porque consideramos que esta personagem, ao realizar um
sorriso malicioso, possui relação com a linguagem televisiva, e uma estratégia de
atrair o público jovem. Também selecionamos imagens da personagem Maria no
final do filme, chegando com cadeira de rodas, que é uma imagem que apresenta
um grande impacto e vários intelectuais e jornalistas mencionaram s
ua importância.
38
NAGIB, op. cit. p. 112.
39
XAVIER, Ismail.
O Cinema Brasileiro Moderno.
São Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 54.
25
Além da análise fílmica, abordamos a repercussão dos filmes
Lamarca
e
O
que é isso companheiro?
na imprensa. Utilizamos três grandes jornais, a
Folha de S.
Paulo
,
O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Dessa maneira, no terceiro capítulo
realizamos um levantamento, seguido de análise, das matérias sobre a repercussão
dos filmes nos três jornais mencionados. Ao trabalhar o jornal como fonte histórica é
importante mencionar uma qualidade deste material, seu caráter informativo. Na
pesquisa
realizada nos deparamos com as seguintes informações: 1) A Polícia
Militar de São Paulo produziu um filme para contrapor-se à visão do filme
Lamarca;
2) O general Nilton Cerqueira tentou uma medida na justiça para impedir a difusão
de
Lamarca;
3) a bilhete
ria de
Lamarca em 1994, o filme brasileiro de maior sucesso
naquele ano, alcançou 200 mil pessoas.
Os jornais, principalmente da grande imprensa, como os aqui analisados,
possuem um grande poder de persuasão. Como se trata de jornais de tradição, eles
pos
suem credibilidade. O historiador francês Pierre Nora, no artigo O Retorno do
Fato
, analisa o impacto da produção do acontecimento, realizado pelos meios de
comunicação, no trabalho do historiador. Dentro da sua argumentação, ele
estabeleceu a seguinte questão: Era o historiador quem selecionava o
acontecimento. De agora em diante, o acontecimento oferece-se a ele do exterior,
com toda a força de um dado, antes da sua elaboração, antes do trabalho do
tempo .
40
Embora Pierre Nora reconheça que a imprensa não inventa o
acontecimento , ele reflete sobre a transformação deste em espetáculo e menciona
o exemplo da chegada do homem à lua, argumentando como este acontecimento
está ligado à imagem exibida pela televisão. Ainda explorando este artigo de Pierre
Nora
, podemos constatar a importância da imprensa para esta pesquisa, refletindo
sobre a seguinte consideração: Pois do jornal local ao diário nacional, somente a
imprensa dispõe de uma gama de virtualidades sem rival, um leque
excepcionalmente rico de manipulação da realidade .
41
Pensando neste poder de
manipulação da imprensa na sociedade contemporânea, justificamos a opção de
trabalhar com a repercussão dos filmes nos jornais. A discussão da temática,
portanto, está ordenada de forma que seja possível perceber as opções dos
40
NORA, Pierre. O Retorno do fato
.
Le Goff, Jacques & Nora, Pierre.
História:
Novos Problemas. Rio
de Janeiro, Francisco Alves, 1976.
41
Ibid., p. 182.
26
cineastas e a trajetória do debate de cada filme, tanto na imprensa como por
aqueles que estiveram envolvidos nos acontecimentos daquela conjuntura.
27
CAPÍTULO 1
LAMARCA. A DISPUTA PELA MEMÓRIA
28
Neste capítulo discutirei o filme
Lamarca
produzido na década de noventa do
século passado, período da chamada retomada do cinema brasileiro. O termo
retomada possui relação com o fim da Embrafilme, uma vez que na realização do
rateio da empresa, criou-se o Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro. Assim entre
1993 e 1994 foram selecionados noventa projetos. De acordo com o historiador
Sidney Ferreira Leite isso gerou o acúmulo de filmes que foram produzidos nos
anos seguintes, gerando um aparente
boom .
42
Além dessa informação, Leite apresenta uma questão relacionada com a
estética dos filmes da retomada: abordar as chagas sociais do país agrega às
produções recentes do cinema nacional uma espécie de chancela de qualidade
intelectual e artística
.
43
Essa consideração possui relação com os filmes escolhidos
para essa pesquisa. Em Lamarca, durante a viagem do protagonista para o sertão
nordestino, os trabalhadores rurais em cima de um caminhão, exibem problemas
sociais. Em O que é isso companheiro? há cenários enfocando a periferia das
grandes cidades. Além disso, os dois filmes possuem uma temática que apresenta a
chancela intelectual mencionada , uma vez que aborda um assunto relacionado
com a política, com os conceitos de democracia, ditadura e
socialismo.
Na tese de doutorado, de Eduardo Victorio Morettin
44
existem reflexões
pertinentes sobre a relação entre cinema e a produção da memória. Sobre essa
questão o autor teceu as seguintes considerações: o cinema ficcional incorpora-
se a
um circuito de produção e perpetuação da memória, cristalizado nos museus e
monumentos destinados a visitação pública . Além dessa questão o autor nos alerta
para a questão que todas as memórias modificam, ampliam, apagam. Neste sentido
a análise dos filmes aqui realizada, levará em conta estas questões. Eduardo
Morettin enfatiza que ao fazer uma análise fílmica, necessitamos de: separar aquilo
que corresponde às leituras feitas da obra, como expressa nas críticas de época e
das falas do diretor, do sentido que emerge de sua estrutura .
45
Dessa maneira nos
esforçamos em mostrar um sentido intrínseco da obra, independentemente das
leituras realizadas sobre esta.
42
LEITE, Sidney Ferreira. Cinema Brasileiro: das origens à retomada. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2005. p. 128.
43
Ibid., p. 130.
44
MORETTIN, Eduardo Victorio. Os Limites de um projeto de monumentalização cinematográfica:
uma análise do filme Descobrimento do Brasil
(1937), de Humberto Mauro. São Paulo, 2001. Tese.
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
45
Ibid., p. 9.
29
1.
1 Transformações históricas dos anos 90.
Os dois filmes analisados nesta tese pertencem à década de 90 do século
passado, estão inseridos em questões e dilemas desse período. Assim, realizamos
uma breve contextualização para pensarmos esses filmes como produtos de uma
época. Como a década de noventa está intimamente ligada a acontecimentos da
década anterior, incluímos este período. Utilizamos algumas obras que podem
contribuir neste sentido, como a de Ana Cristina Teodoro da Silva que, na sua tese
de doutorado
O Tempo e as imagens de mídia capas de revistas como signos de um
olhar contemporâneo, realizou um estudo analisando capas das revistas Manchete,
Veja e Isto é Senhor em dois períodos, final dos anos 60 e final dos anos 80. Uma
capa selecionada pela autora, da revista Isto é Senhor, de dezessete de maio de
1989, apresenta um piso de um banheiro, com uma gota na forma do mapa do
Brasil , escorrendo para o ralo.
46
A composição verbal da capa apresenta a seguinte
frase: Ninguém Segura este país. A historiadora Ana Cristina Teodoro da Silva nos
mostra, através desta capa e de sua interpretação, como na década de 80
prevalecia uma falta de perspectiva para o nosso país. O enorme crescimento da
inflação, a frustração com o resultado da campanha das diretas-já em 1984, a morte
do presidente Tancredo Neves no ano seguinte e a posse de José Sarney, um
presidente
que apresentava um perfil discreto e com uma certa demonstração de
que assumia a presidência assustado devido à morte do titular , configuraram uma
situação desoladora. Desta maneira, a capa de Isto é Senhor usou em sentido
irônico a frase da ditadura militar, que apresentava um otimismo exagerado, assim
como toda a propaganda política do período, a qual propugnava um enorme
desenvolvimento do país, através das grandes obras. A capa, realizada vinte anos
depois, possui o efeito de mostrar como todo esse d
iscurso produzido pelos militares
caiu no vazio.
46
SILVA, Ana Cristina Teodoro da. O Tempo e as imagens de mídia capas de revistas como signos
de um olhar contemporâneo. Assis, 2003. 239 p. Tese (doutorado em História e Sociedade).
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista (UNESP), p. 3
2.
30
A clássica divisão do século XX, realizada pelo historiador inglês Eric
Hobsbawn
47
, apresenta três períodos: de 1914 a 1945, chamado de Era da
Catástrofe, devido a duas grandes guerras mundiais; 1945 a 1973, denominado era
de ouro do sistema capitalista; e de 1973 a 1989, um período onde houve um
predomínio da recessão e da estagnação na economia mundial. Claramente essa
divisão de Hobsbawn traduz o percalço da década de 80, que posteriormente foi
chamada pelos economistas como a década perdida , devido ao péssimo
crescimento da economia brasileira e aos altos índices inflacionários. No começo da
década, vivíamos a chamada abertura política, iniciada pelo presidente Ernesto
Geisel (1974 a 1979) e continuada pelo seu sucessor João Batista Figueiredo (1979
a 1985). Os militares argumentavam que essa abertura deveria ser lenta, gradual e
segura , para ocorrer com certa serenidade.
Francisco Carlos Teixeira da Silva
48
, no seu artigo Crise da ditadura militar e
o processo de abertura política no Brasil, 1974-
1985
, traça um panorama da
abertura brasileira. Inicia apontando três elementos importantes desse processo: 1)
O ator externo, ou seja, a mudança da política norte-americana, ocorrida com a
posse do presid
ente Jimmy Carter em 1976. Neste momento houve um esgotamento
da estratégia dos americanos, de apoiar regimes ditatoriais, como ocorreu em 1964
no momento do golpe militar que depôs João Goulart. Devido à derrota no Vietnã e
ao escândalo Watergate, surge a percepção, com a derrota dos republicanos e
ascensão dos democratas, de que os Estados Unidos deveria mudar de estratégia e
iniciar um discurso favorável aos direitos humanos e contrário ao autoritarismo. 2)
Militares castelistas, interessados na reconstitucionalização. Homens, como Ernesto
Giesel e Golbery do Couto e Silva, Orlando Giesel e João Batista Figueiredo,
trabalharam para obter a abertura. Francisco Carlos Teixeira da Silva estabelece a
seguinte denominação Projeto Geisel/Golbery, que defendia uma transição lenta,
gradual e segura, para conter os militares da chamada linha dura e ao mesmo
tempo estabelecer uma ligação política com os setores moderados da oposição,
para obter uma transição pacífica. 3) oposição organizada em torno do MDB, tendo
à
frente Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Jo Richa, Fernando Henrique
Cardoso, Franco Montoro. Além desses podemos mencionar Marco Maciel e a
47
HOBSBAWM, Eric.
Era dos Extremos:
O Breve Século XX (1914
-
1991). São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. p. 15.
48
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no
Brasil, 1974
-
1985. p. 243
-
282.
O Brasil Republicano. V. 4
.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
31
FIESP, um segmento interno do PDS, e instituições como sindicatos, igreja,
imprensa, universidade e artistas. Nesse bloco oposicionista podemos destacar a
luta pela anistia (1978/79) e a campanha Diretas já! (1983/84). No momento desta
última havia ocorrido a volta do pluripartidarismo e o PT se configurava como um
partido de oposição que não aceitava concessões e alianças . Neste contexto o
partido não apoiou a candidatura Tancredo Neves e José Sarney na denominada
Aliança Democrática
.
Dentro dessa divisão realizada por Francisco Carlos Teixeira da Silva, o autor
enfatiza a importância de mostrar que a transição para a democracia foi uma
conquista de todos os atores mencionados. Essa perspectiva contraria a visão de
militares, como Ernesto Geisel e do ex
-
ministro Delfim Neto, que atribuem a abertura
à iniciativa e promoção dos militares, como se o povo ou a oposição não tivesse
condições e poder de realizar tal empreendimento político. Concordamos com o
historiador carioca, ao afirmar que essa mentalidade possui um viés conservador e
retrógrado, no sentido de considerar que as importantes mudanças históricas
ocorrem de cima para baixo . A participação popular no processo de abertura, como
no caso da campanha das Diretas já, nos remete à luta contra a ditadura desde o
seu início e na fase mais repressora, em que a tortura, o exílio e os assassinatos
tornaram
-se comuns. Todas as formas de resistência devem ser consideradas,
inclusive daqueles que pegaram em armas e partiram para a guerrilha.
Em relação ao processo de abertura, não podemos esquecer a perda de
apoio que os militares sofreram devido à crise econômica que foi se consolidando a
partir da segunda metade da década de setenta. Quando a economia estava bem, o
crescimento da economia chegando aos 11 % ao ano, isto significava ganhos
substanciosos para a classe média e empresarial, portanto havia um namoro entre
esses segmentos e os militares . Entretanto essa harmonia começou a se
desmanchar a partir do momento em que a inflação começou a se elevar a níveis
insuportáveis e os ganhos tornaram-se cada vez menores. Nessa perspectiva um
depoimento do historiador Jaime Pinsky, apresentado em um documentário da TV
Cultura, intitulado Histórias do Poder. No quinto programa dessa série (economia e
política), Jaime Pinky afirma que nenhum governo fracassa quando a economia
prospera, e assim teceu as seguintes
considerações:
32
No período ditatorial via-se isso. A classe média não enxergava
freqüentemente as mazelas da ditadura, não percebia os porões da
ditadura, não ouvia os ais dos torturados quando a economia ia bem e
o chamado milagre brasileiro existia. Quando o milagre brasileiro
começou a deixar de existir, os ouvidos se tornaram mais sensíveis e
os gemidos dos porões da ditadura chegaram àclasse média.
49
No mesmo documentário mencionado acima, uma avaliação de Ronaldo
Costa Couto em relação ao período em que os militares estiveram no poder. Ele
considera inegável o crescimento da economia e a conseqüente melhoria na infra-
estrutura do país, com a construção de portos, aeroportos, energia,
telecomunicação, contudo considera: tudo isso é inegável, agora realmente a
vocação brasileira, a alma brasileira é incompatível com a ditadura. O mal maior do
regime militar foi exatamente andar de costas para a democracia .
50
Muniz Sodré e Raquel Paiva, no livro O Império do Grotesco, ao enfocar a
história da televisão brasileira, apresentam uma questão relacionada à expansão
deste veículo: a repressão à liberdade de expressão, tanto nos espaços públicos e
nas universidades quanto na imprensa, abriu espaço para o entretenimento
vinculado ao mercado de consumo e à tevê .
51
Dessa maneira, a Rede Globo
tornou
-se monopolista , em 1982 ocupava a posição de quarta maior rede de
televisão do mundo. Entretanto, terminado o período autoritário, podemos constatar
que uma preocupação, por parte da Rede Globo, de ocultar essa aliança do
passado, ou seja, no contexto da Nova República, a emissora se esforça em apagar
essa ligação.
Durante a fase de abertura política, não podemos deixar de mencionar alguns
dos atos terroristas levados a cabo por setores militares empenhados em
permanecer no poder. Em 1976, uma bomba explodiu na ABI (Associação Brasileira
de Imprensa) e uma outra foi encontrada na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Em 1978, uma bomba é colocada no altar de uma igreja de Nova Iguaçu (RJ), onde
atuava dom Adriano Hipólito, um notável defensor dos direitos humanos. Em 1980,
nova bomba colocada na ABI, matando a funcionária Lyda Monteiro. No Rio de
Janeiro, várias bancas de jornal sofrem atentados, para forçá-las a não vender
jornais de oposição. Em 1981, ocorre o planejamento de um atentado de enorme
49
Histórias do Poder . 5º episódio: economia e política. Documentário tv Câmara. 2006.
50
Ibid.
51
SODRÉ, Muniz, PAIVA, Raquel.
O Império do Grotesco.
Rio de Janeiro: Mauad, 2002. p. 113.
33
proporção, que felizmente acabou não se concretizando, uma vez que a bomba
explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário. Este morreu e seu
companheiro, o capitão Wilson Machado sobreviveu.
52
Estes atentados da extrema
direita visavam desestabilizar o governo e encontrar uma justificativa para a
manutenção dos militares no poder.
Nesse sentido, o governo do último general, João Batista Figueiredo,
apresentou
-se de forma bastante conturbada. Com a derrota da campanha Diretas-
já, a via do colégio eleitoral, com uma eleição indireta, acabou prevalecendo.
Tancredo Neves, político de grande trajetória na política brasileira e com um perfil
moderado e conciliador, lançou sua candidatura à presidência, tendo c
omo vice José
Sarney. No campo oposto estava Paulo Maluf, político que além de estar marcado
por casos de corrupção, possuía uma ligação com os setores militares mais
autoritários. Em janeiro de 1985, Tancredo Neves é eleito, mas ocorre algo
totalmente inesperado, sua doença e morte antes da posse. Assim, os militares
saem de cena , um presidente civil assume, mas eleito de forma indireta.
Ao analisar a década de oitenta do século passado, Ana Cristina Teodoro da
Silva teceu as seguintes considerações em relação ao governo de José Sarney: Ao
final do mandato, sua imagem é de presidente fraco, impotente diante dos eternos
três dígitos nos índices anuais de inflação .
53
Esse era o clima para as eleições de
1989, momento em que, depois de quase trinta anos, teríamos uma eleição direta
para presidente (a anterior a essa foi em 1960, quando Jânio Quadros se elegeu).
Houve uma polarização entre dois candidatos bastante distintos. De um lado,
Fernando Collor de Melo, que no começo das eleições ainda não possuía
uma
projeção nacional, era conhecido apenas no Nordeste, além de pertencer a um
partido sem expressão, o PRN (Partido da Reconstrução Nacional). Do outro lado,
Luís Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores), candidato de esquerda e com
expressão política devido a sua liderança sindical no final da década de 70 e início
dos anos 80. Nesse período Lula chegou a ser preso devido a sua atuação nas
greves ocorridas no ABC paulista.
Fernando Collor de Melo possuía um perfil atlético e jovem, apresentando-
se
como caçador de marajás . De acordo com depoimento de Fernando Collor, essa
expressão ele obteve do povo quando, num comício, alguém teria dito: Collor, é
52
SILVA, op. cit. P. 271.
53
SILVA, op. cit., p. 31.
34
preciso acabar com os marajás .
54
O candidato alagoano se colocou na posição de
salvador da pátria , argumentando que traria modernidade para o país. No início da
campanha Lula estava à frente nas pesquisas e, apesar da derrota, obteve uma alta
porcentagem dos votos no segundo turno (37,8%, enquanto Collor obteve 42,7%),
transformando
-se no principal candidato oposicionista das eleições seguintes (1994
e 1998). Depois de várias derrotas conseguiu se eleger em 2002 e se reeleger em
2006. Em parte, a sua derrota em 1989 é explicada devido ao seu perfil esquerdista,
com os seus adversários associando
-o
ao fantasma do comunismo.
No dia 15 de março de 1990, Fernando Collor de Melo toma posse, e logo em
seguida ocorre o lançamento de um plano econômico, que confiscou o dinheiro da
caderneta de poupança da população. Isso gerou grandes traumas e muita
con
fusão. A própria ministra Zélia Cardoso de Melo, ao fazer o pronunciamento pela
televisão, não mostrou segurança no que estava propondo. Esse governo
caracterizou
-se pela defesa da abertura econômica e com um discurso forte a favor
da privatização das empresas estatais. O presidente eleito, depois de trinta anos
sem eleições diretas, acabou sofrendo um processo de impeachment (1992) devido
ao seu envolvimento em casos de corrupção. Novamente um vice precisa assumir
de forma precária. Itamar Franco (1992-
199
4), político mineiro, no final de seu
mandato, acaba sendo ofuscado pela presença do seu ministro, Fernando Henrique
Cardoso, que lançou as bases do Plano Real. Esse acaba servindo de trunfo para a
eleição do sociólogo da USP em 1994 (ano em que ocorre o lançamento do filme
Lamarca), uma vez que o trauma do povo brasileiro em relação à questão dos altos
índices da inflação era enorme.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso ocorreu com uma aliança política
entre os partidos do PSDB (Partido da Social Democracia) e o PFL (Partido da
Frente Liberal). O PSDB surgiu de uma dissidência do PMDB e se formou com
alguns políticos que possuíam muita expressão, como Mário Covas, Franco Montoro
e o próprio Fernando Henrique Cardoso. Na aliança realizada, o PFL, partido
conservador, compôs a chapa com o vice-presidente Marco Maciel. O sociólogo
Marco Aurélio Santana, no seu artigo Trabalhadores em movimento: o sindicalismo
brasileiro nos anos 1980-
1990
, apresenta uma característica importante deste
governo:
Fernando Henrique assumirá como insígnia de seu governo o fim da era
54
Histórias do Poder . 5º episódio: economia e política. Documentário tv Câmara. 2006.
35
Vargas e de tudo o que ela representava .
55
Dessa maneira, durante a década de
noventa, temos um processo de flexibilização das leis trabalhistas, e a CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho) passa a ser vista pelos neoliberais como
empecilho para as relações trabalhistas e principalmente como obstáculo na geração
de empregos.
No artigo mencionado acima, de Marco Aurélio Santana, podemos observar
claramente a mudança que ocorreu no movimento sindical brasileiro, na passagem
da década de oitenta para a noventa, devido à conjuntura política e econômica deste
último período. Enquanto nos anos oitenta ocorreu um ressurgimento do
movimento sindical, principalmente na região do ABC paulista, com destaque para
questões políticas, nos anos noventa o sindicalismo se caracterizou por um refluxo.
Houve uma diminuição no número de greves e os sindicalistas passaram a ter uma
postura defensiva, preocupando-se mais com a manutenção dos empregos, do que
com aumentos salariais. No governo de Fernando Henrique houve um
endurecimento no tratamento dispensado pelo Estado ao movimento sindical. Dentro
desse endurecimento, Santana menciona uma atitude tomada, durante uma greve
de petroleiros em 1994, quando o governo deslocou tropas do Exército para ocupar
quatro das 11 refinarias da Petrobrás, sob a justificativa de que se dispunha a
garantir o direito daqueles que queriam trabalhar .
56
No artigo Capitalismo tardio e sociabilidade moderna, João Manuel Cardoso
Melo e Fernando Novais analisam as transformações ocorridas no modo de viver
das pessoas devido à industrialização e à urbanização ocorrida no século XX no
Brasil. Nesse processo os homens deixam de fazer a barba com navalha, as donas
de casa aos poucos vão utilizando enceradeiras, batedeiras, máquina de lavar, e
outros produtos que ajudam nos trabalhos cotidianos. Surgem os supermercados e
depois os shopping centers (o primeiro shopping center do Brasil, o Iguatemi foi
inaugurado em 1966). O alimento industrializado vai se tornando dominante, nem
sempre apresentando apenas mudanças vantajosas: O frango de granja toma lugar
do frango caipira, com grande perda de sabor .
57
um aumento do hábito da
utilização da escova e pasta de dente, ao mesmo tempo em que as rou
pas
55
SANTANA, Marco Aurélio. Trabalhadores em movimento: o sindicalismo brasileiro nos anos 1980-
1990
.
FERREIRA, Jorge, DELGADO, Neves Almeida, Lucilia (org.). O Brasil Republicano. V. 4. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
P. 302.
56
Ibid., p. 303.
57
MELLO, João Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A.. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna.
História da vi
da privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 566.
36
produzidas em massa são mais baratas, e o uso do jeans torna-se preponderante.
No livro de Ecléa Bosi
58
,
Memória e Sociedade, essas mudanças também são
visíveis no depoimento de dona Risoleta (descendente de ex-escravos). Ela
demonstra seu espanto com a existência nas feiras e supermercados de produtos
agrícolas, que antes existiam apenas na época de colheita, mas que atualmente
estão disponíveis o ano inteiro. Também estranha o tamanho das cenouras.
As conseqüências dessas transformações o visíveis na década de 90,
período em que os filmes escolhidos para essa pesquisa estão inseridos. Nessa
época houve uma valorização do individualismo e o diálogo entre as pessoas
diminuiu devido, entre outros fatores, à presença da televisão. Ocupando ela
destaque
dentro da casa, os problemas familiares e a vivência familiar são
renegados a um segundo plano. Em muitas casas passam a existir dois ou três
aparelhos de televisão, chegando ao absurdo de, em alguns lares, cada individuo
possuir o seu aparelho. Um trecho
do artigo escrito por João Manuel Cardoso Melo e
Fernando Novais, sintetiza de maneira bem clara as características do Brasil nos
anos 90:
Correspondendo à predominância da especulação sobre a produção,
surge uma nova personagem, o yupiie, sempre vestido a caráter. No
anos 90, atingimos o ápice deste processo com o neoliberalismo:
estamos, os 160 milhões de brasileiros, sujeitos à ditadura dos
mercados financeiros internacionais, que exigem austeridade
isto é,
a venda do patrimônio público para pagar dívidas, o socorro aos
bancos falidos para manter a saúde do sistema financeiro, o corte dos
gastos sociais para equilibrar o orçamento, a usurpação dos direitos
trabalhistas para aumentar a competitividade.
59
Em que pesem, as transformações em curso, os anos sombrios da ditadura
cada vez mais despertam interesse nos intelectuais de diversas áreas do
conhecimento. O cinema não ficou indiferente ao assunto. Nesse período foram
produzidos os filmes
Lamarca
e
O que é isso companheiro?, objetos de nosso
es
tudo. Nesse capítulo discutirei o filme
Lamarca,
que será analisado a partir de uma
divisão em cinco grandes unidades narrativas. A primeira corresponde a uma
introdução ao espectador, com duas subunidades básicas: os militares reunidos
58
BOSI, ECLÉA, Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. 3 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994. p. 363.
59
MELLO, João Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A., op. cit., p. 6
50.
37
discutindo sobre a trajetória de Carlos Lamarca e guerrilheiros no aparelho
debatendo se negociam ou não com a ditadura, se executam o embaixador suíço ou
se trocam a lista dos prisioneiros a serem libertados.
A segunda unidade narrativa, que denominamos de
guerrilha
na cidade
,
inicia
-se na rua com a personagem Clara (guerrilheira e amante de Lamarca)
assistindo à morte de dois guerrilheiros. Neste bloco destaque para a prisão do
guerrilheiro Jairo, sessões de tortura e sua morte. Além disso, temos os
personagens Lamarca e Clara, que precisam ficar perambulando pela cidade
durante a noite. Na cena em que o casal está no ônibus, a forma de atuação dos
militares é enfocada com uma geral dada aos passageiros. Na seqüência temos
Lamarca e Clara no táxi, observando o pa
i do guerrilheiro, em frente a sua casa.
A terceira unidade narrativa, denominada utopia rural, começa com os
preparativos da viagem para Salvador. Na saída temos uma característica que
permeia todo o filme, ou seja, o desejo de reconstituição, com um outdoor com a
frase Ame-
ou
-
deixe
-o. Durante a viagem para Salvador, na cena em que Lamarca
está dirigindo a combe uma crítica ao milagre econômico , quando um caminhão
lotado de bóias-frias é ultrapassado por Lamarca. Nesta unidade narrativa o ex-
ca
pitão se estabelece no sertão nordestino e a paisagem de uma vegetação seca
começa a predominar. O diretor Sérgio Rezende usou vários flash-backs. Assim
deparamo
-nos com Lamarca e sua família, o seu cotidiano no Exército, o homem
chegando à lua pela televisão, o assalto do cofre de Ademar de Barros e
treinamento dos guerrilheiros no Vale do Ribeira. Essa parte termina com a prisão do
guerrilheiro Kid, que a partir desse momento a tensão aumenta com a atuação da
repressão.
Após a prisão de Kid, há uma cena importante, a da assembléia realizada
pelos guerrilheiros na área de campo. O ponderado Fio defende a desmobilização
da área, enquanto o corajoso Lamarca a continuação da luta. Na quarta unidade
narrativa, intitulada À flor da pele, outro flash-back, mostrando agora o confronto
com o Exército no Vale do Ribeira. Lamarca tenta demonstrar que com meia dúzia
de homens é possível enfrentar o Exército. Esse modelo de guerrilha, ou seja, o
foquismo, constituiu-se tendo como referência a Revolução Cubana. No artigo
Esquerdas revolucionárias e luta armada, Denise Rollemberg
60
, demonstra que
60
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionárias e luta armada. FERREIRA, Jorge, DELGADO,
Neves Almeida, Lucilia (org.).
O Brasil Republicano. V. 4
.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
38
essa idéia do foco foi construída em Cuba como forma de idolatrar os
revolucionários cubanos. Essa memória criada influenciou a luta armada em muitos
lugares. No entanto, a vitória em Cuba ocorreu não apenas devido à valentia de um
pequeno grupo de guerrilheiros, mas a toda uma conjuntura favorável existente
naquele país. Além disso, nessa quarta unidade narrativa, o aparelho em que Clara
e Márcia estavam é estourado e ocorre o suicídio desta. também o ataque à
casa do personagem Zequinha que termina com o saldo de dois mortos, um preso e
o velho (seu pai) pendurado de ponta cabeça na sala de sua casa. Aqui o filme
enfoca algo que aparece no livro Brasil Nunca Mais
,
ou seja, várias situações em
que pessoas que não faziam nenhum tipo de oposição aos militares acabam sendo
presas, torturadas e até mortas.
A quinta e última parte começa com a cena em que o delegado Flores desiste
de tentar encontrar Lamarca e Zequinha, e o comando da repressão passa a ser de
exclusividade do major. No caso deste, o que determina a sua obsessão é o fato de
Lamarca ter pertencido ao Exército. Em várias cenas há ênfase neste aspecto, como
aquela em que afirma: O que me deixa louco é lembrar que ele foi um dos nossos.
Andou no meio da gente. Fez os mesmos cursos. Os mesmos treinamentos. Os
mesmos quartéis. Sentou na nossa mesa e tramou contra nós . Enquanto a
repressão avança, Lamarca emagrece muito, fica doente, e o companheiro Zequinha
vai
carregando, literalmente, Lamarca nas costas, até a morte dos dois.
1.
2) Um início didático .
Em 1994, no momento da produção do filme
Lamarca
, o diretor Sérgio
Rezende usou a bandeira brasileira para formar o nome Lamarca. Essa composição
está no início do filme, durante a apresentação dos créditos, além de estar na capa
do DVD e na página inicial, onde estão as opções para extras, seleção de cenas,
áudio/legendas. Também está no trailer do filme, funcionando, portanto, como
marketing deste. Na nossa primeira imagem extraída do filme
61
, podemos constatar
essa composição:
61
No decorrer da nossa análise, extraímos imagens dos fil
mes
Lamarca
e
O que é isso companheiro
.
39
Figura 1
Imagem de abertura do filme Lamarca
Estamos diante de uma ressignificação da bandeira, um símbolo bastante
importante da república brasileira. Como em qualquer república, este símbolo, junto
com o hino nacional, possui bastante relevância. Bronislaw Baczko
62
, no seu artigo
Imaginação social, mostra a importância do imaginário social na representação da
sociedade. Dentro da história humana, podemos constatar rios momentos da
criação de símbolos para a legitimação de quem está no poder. Baczko considera
que muitas vezes a criação dos imaginários possui maior importância do que os
acontecimentos em si, que os imaginários intervêm activamente na memór
ia
coletiva .
63
Nesse sentido entendemos que o cinema ou, mais precisamente, os dois
filmes aqui em questão estão produzindo imaginários que se inserem na disputa
pela memória.
O estudo das disputas que ocorrem para que um determinado imaginário
predomine,
apresenta
-se relevante para refletirmos sobre as opções que estavam
em jogo durante um determinado contexto histórico. JoMurilo de Carvalho
64
, no
seu livro
A formação das Almas:
o imaginário da república no Brasil,
mostrou como a
confecção da bandeira brasileira foi o resultado de uma enorme disputa entre três
correntes republicanas, o liberalismo à americana, o jacobinismo à francesa e o
positivismo. Sabemos que o imaginário dominante sofre o ataque de visões de
mundo que procuram apresentar uma contra
-l
egitimidade. Nas décadas de 60 e 70 o
62
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social.
Enciclopédia Einaudi.
Vol. 5. Imprensa Nacional
Casa da
Moeda, 1985.
63
Ibid., p. 312.
64
CARVALHO, José Murilo.
A formação das Almas:
o imaginário da república no Brasil. Sã
o Paulo:
Companhia das Letras, 1990. p. 9.
40
socialismo possuía uma grande popularidade, e os grupos guerrilheiros
apresentaram discurso e ação radicalmente opostos daqueles produzidos pelos
militares.
Os militares quando estiveram no poder se utilizaram fartamente do discurso
patriota e nacionalista. Certamente eles não gostaram de ver a bandeira brasileira
com o nome de um traidor e desertor , tal qual Lamarca. A opção de Sérgio
Rezende, ao fazer a bandeira com o nome de Lamarca, quis demonstrar que este
íco
ne da luta armada estava à altura do uso desse símbolo pátrio, Lamarca ou os
grupos guerrilheiros lutaram pela criação de um Brasil mais justo. Eles não foram
apenas terroristas como os militares os consideram, mas apresentaram um projeto
alternativo que
, apesar de derrotado, teve sua importância.
Em relação ao filme
Lamarca
, Sérgio Rezende afirma que optou por um
início didático , que apresentasse a figura de Carlos Lamarca ao grande público, por
que este não conhecia a sua trajetória. Dessa maneira,
na primeira unidade narrativa
temos militares reunidos numa sala, e por meio de um retroprojetor, projeções de
fotos mostram a trajetória de Carlos Lamarca. O filme inicia-se durante o seqüestro
do embaixador suíço e os militares estão tensos discutindo sobre o que fazer. A
primeira imagem mostra em primeiro plano a placa de um carro (Rio de Janeiro 19
81 06) em preto e branco. Sonoramente o barulho do retroprojetor que nesta
primeira unidade vai aparecendo esporadicamente entre os comentários dos
mili
tares.
um coronel que vai apresentando a biografia de Carlos Lamarca. Um
general, que no decorrer do filme apresenta-se com uma característica autoritária,
mostra a ira dos militares: ele é uma afronta ao Exército Brasileiro. Acabar com ele
é uma ques
tão de honra . A câmera fecha em primeiro plano no general, enfatizando
a sua fala. Na descrição da vida de Carlos Lamarca, selecionamos alguns trechos
importantes: Ali o Partido Comunista infiltrava panfletos debaixo dos travesseiros
dos cadetes. Conhece o sargento Denis Rocha, comunista de quem se torna grande
amigo. Fica em Rabba 13 meses. Todos os relatos coincidem que essa estada
marca a sua vida .
Durante a projeção, dois personagens fazem pequenos comentários, e
mostram os seus respectivos perfis: o delegado Flores, com comentários bastante
truculentos, e o major, com sua obsessão: Caçar um militar traidor é tarefa para
outro militar . O fechamento desta subunidade mostra o posicionamento do general:
41
Gomes, faz o seguinte. Divulga a nota, recusando as exigências dos
seqüestradores. Dessa vez o vai ser como das outras. Não é embaixador
americano, nem alemão. Preso que matou, seqüestrou ou cumpre pena elevada não
sai do Brasil, nem trocado pelo papa. E a TV não divulga manifesto terrorista .
Ness
a concepção de cinema escolhida pelo cineasta, que valoriza a
linguagem clássica, depois de apresentar os militares, a apresentação do outro
lado, os guerrilheiros . Assim, entramos no aparelho dos guerrilheiros, onde está o
embaixador suíço. Essa subunidade narrativa começa com um primeiro plano do
Jornal do Brasil, com a seguinte manchete: Governo veta 9 e troca 8 na lista do
seqüestro . Esse procedimento busca dar credibilidade e verossimilhança. Som de
chuva, com muitos trovões. A chuva é utilizada como estratégia cinematográfica de
passar tensão, como nos informa o livro Ensaio sobre a análise fílmica: A tradição
cinematográfica ensinou-nos a ver na tempestade e no vento exteriores que fazem
as cortinas dançarem, o símbolo de uma tempestade mais interior, a que habita os
personagens
.
65
Guerrilheiros com capuz fazendo revezamento na guarda do embaixador.
um primeiro plano numa bacia velha, pingando uma goteira (durante o filme
vários momentos desse procedimento de primeiríssimo plano em coisas banais,
como por exemplo, durante a viagem de Lamarca e Clara para Salvador, quando de
repente temos um primeiríssimo plano em um peixe). O guerrilheiro coloca o na
bacia e olha para cima (foto de Che Guevara na parede). um travelling, e um
plano
-sequência
66
, com duração de um minuto e trinta e cinco segundos, onde
um diálogo com dois pontos de vista: um defendendo o justiçamento, ou seja, a
morte do embaixador e outro defendido por Lamarca de moderação e de tentar
negociar com a ditadura. Numa seqüência do diálogo temos: Guerrilheiro: Não é
essa a posição do comando nacional. Nem da maioria dos companheiros que está
aqui participando da ação
.
Lamarca
:
Mas é a minha . Essa postura de Lamarca de
enfatizar a sua posição também ocorreu em outras
situações.
65
VANOYE, op. cit. p. 75.
66
Travelling = movimento da câmera em diversos sentidos, acompanhando algum personagem ou
objeto. Plano-seqüência, normalmente com uma duração longa e apresentando uma idéia básica,
sem
a utilização de cortes.
42
1.
3) Guerrilha na cidade.
1. 3. 1) Depois de um plano geral da cidade, temos a personagem Clara
dentro de um táxi. Ela vai presenciar o assassinato de um casal de guerrilheiros.
Enquanto policiais revistam as pessoas, Clara resolve parar num cabeleireiro. Esta
folheia a revista
Manchete;
um primeiro plano na página, com a seguinte
manchete: Saigon A Grande escalada vietcongue , e a foto de um vietcongue
deitado no chão com arma na mão. Ao som de Milton Nascimento: Porque vocês
não sabem do lixo ocidental. Não precisam mais temer. Não precisam da solidão.
Todo dia é dia de viver , inicia-
se a cena da morte dos guerrilheiros.
1. 3. 2) No aparelho, pessoas chegam para uma reunião. Companheiros de
Lamarca enfatizam que o momento é de recuo, de deixar o país, mas este não
concorda e decide permanecer. Há um plano de conjunto enfocando quatro
guerrilheiros. Nos diálogos aparecem os argumentos para a defesa de recuo:
Estamos acuados. Prisões, torturas, mortes e um saldo político igual a zero. No
quadro atual eu proponho um recuo para o exterior . Lamarca contra-
argumentando:
Não sou deputado pra passear no exterior. Nós somos a VPR Vanguarda Popular
Revolucionária. E não me submeto à ditadura .
1. 3. 3) Na rua, delegado Flores e general conversam. O primeiro informa
sobre a possibilidade de uma guerrilha no Nordeste. Neste momento temos a
captura do guerrilheiro Jairo. A cena desenvolve-se com um travelling, mostrando
situações. A câmera enfoca Jairo caminhando, com jornal e paletó na mão e este
uma olhada geral. Pipoqueiro mexendo nas pipocas e Jairo observando. Gari
varrendo o chão.
1. 3. 4) Primeiro Plano em Lamarca fumando e dialogando com Clara:
Erramos em muita coisa. Mas e os acertos? Se somos incapazes de transformar o
país, acabar com a miséria e a exploração do povo, por que eles mobilizam toda
essa força contra nós? Com uma música árabe, temos o seguinte: imagem do
deserto com muita claridade. Plano médio, com uma mulher carregando uma criança
e outra maior caminhando. Primeiro plano nos pés da mulher caminhando. Primeiro
plano no rosto da mulher. Plano de conjunto deles caminhando, quase se
arrastando Ela sai de cena e fica a criança menor saindo. Primeiro plano em
Lamarca lembrando desta cena. Corresponde ao primeiro flash-back do filme. No
43
final, durante o último flash-back, onde Lamarca conversa com seu pai, ele conta
sobre como a estada no Oriente Médio mudou sua cabeça, e que a imagem de uma
mulher árabe em lamento de desespero constantemente não saía da sua cabeça.
1. 3. 5) Sessão de tortura em Jairo. Delegado um soco no estômago da
vítima. Primeiro plano no rosto de um torturador negro que puxa duas roldanas com
duas correntes. Primeiro plano no pênis de Jairo que têm ferros enfiados nele , leva
choques e geme d
e dor.
1. 3. 6) Lamarca e Clara conversam sobre uma proposta de um companheiro
considerada absurda por eles: Proponho uma ação de sabotagem, jogando
milhares de ratos nos altos fornos da Companhia Siderúrgica Nacional . Fio avisa da
queda de Jairo. Tod
os se preparam para fugir. Muita tensão.
1. 3. 7) Tortura em Jairo. Câmera alta. Jairo de costa amarrado numa barra de
ferro. Delegado e dois torturadores em volta dele.
1. 3. 8) Cena em que Lamarca e Clara estão saindo do aparelho em função
da queda de Jairo. Eles estão num ônibus circular à noite, com muita chuva. Dentro
do ônibus temos primeiro plano em Lamarca e Clara. No campo de profundidade
67
,
cobrador e passageiro. Câmera subjetiva
68
para Lamarca e Clara, câmera dentro do
ônibus focalizando o que
acontece fora. Dois militares fazem sinal para ônibus parar.
Militares fardados entram para fazer revistas. No fundo do ônibus um rapaz cabeludo
e estudante de sociologia. Um militar diz: vai descendo. Vai descendo . Rapaz
responde: o quê? O que foi que eu fiz? Esta cena mostra o autoritarismo dos
militares, ao levar um estudante sem nenhum motivo aparente. Assim podemos
constatar o moralismo dos militares, ao procurar reprimir todos aqueles que o se
comportavam de um modo considerado adequado, como por exemplo, homens com
cabelo comprido. Em um regime autoritário ocorre uma paranóia, um clima de
suspeição que atinge a todos e neste sentido aqueles que são diferentes e minoria
acabam sofrendo as conseqüências. Os estudantes podem ter uma perspectiva
cr
ítica e questionar, procedimento não valorizado pelos militares, que enfatizam a
obediência. Esses últimos possuem uma perspectiva de intolerância, de não respeito
ao outro. Essas posturas intolerantes, que encontramos em vários momentos
67
Campo de Profundidade. Efeito produzido pelo uso da contra-luz, que cria uma zona de sombra
atrás do objeto iluminado, destacando
-
se do fundo do cenário.
RABAÇA, Carlos Alberto, BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de comunicação. Rio de
Janeiro: campus, 2001.
68
Câmera subjetiva, quando a câmera assume o ponto de vista de uma das personagens. Nem
sempre sua presença é evidente.
44
históricos, em diferentes lugares, contribuem para uma degradação do ser humano.
Na imagem retirada do filme
Lamarca
, observamos um soldado apontando a arma
para o rapaz cabeludo:
Figura 2
Estudante abordado por militar. Filme Lamarca
Na seqüência da cena há um diálogo entre dois passageiros. Um deles
afirma: Hoje em dia todo mundo é suspeito. Estudantes é fácil para eles. Eu quero
ver eles pegar esse daqui, ó (foto de Lamarca no Jornal do Brasil). Difícil. Olha,
Lamarca não é otário. É um militar treinado. Ele conhece todas as manhas . O
sociólogo Marcelo Ridenti, no seu livro O Fantasma da Revolução Brasileira, nos
aponta para uma falta de popularidade dos guerrilheiros e o seu conseqüente
isolamento com o avanço da repressão: os grupos guerrilheiros iam-se isolando e
perdendo o que lhes restava de bases sociais nesse processo .
69
Entretanto é
importante enfatizar que houve um momento em que Carlos Lamarca era um líder
guerrilheiro muito conhecido pela população. Cartazes com a sua foto estavam p
or
todos os lugares.
Na cena do ponto de encontro entre Lamarca, Clara e Fio, eles estão em uma
esquina, embaixo de chuva com guarda-chuvas e dialogam. O personagem Fio
durante todo o filme apresenta um perfil fiel, disciplinado e ponderado. Nesta cena
69
RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: Editora da UNESP, 1993. p.
84.
45
questiona a ida de Clara para o sertão. Lamarca afirma: Não aceito nenhuma outra
decisão .
1. 3. 9) Cena de tortura. Primeiro plano em duas roldanas com duas correntes
correndo, sendo soltas. Barulho naturalista desta. Voz em off (Delegado Flores):
Jair
o.
José Cunha Mendes. Atropelado quando reagia a uma voz de prisão .
Delegado Flores mostra uma das justificativas dadas pelo governo quando matava
alguém.
No filme
Lamarca
o primeiro a ser torturado não fala, resiste à tortura e morre.
Apresentou
-se com um perfil de coragem e dignidade. No filme O que é isso
companheiro?
o primeiro a ser torturado não consegue se manter quieto e logo
entrega os seus companheiros.
1. 4) Utopia rural.
1. 4. 1) Na cena que enfoca a saída de viagem para Salvador, um
plano
conjunto em que Lamarca e Clara caminham embaixo de um pontilhão, em direção a
uma combe. No campo de profundidade um outdoor com a bandeira do Brasil,
com a frase: Ame
-
o ou deixe
-
o, com o óbvio intuito de caracterização do período.
O historiador Carlos Fico, no artigo Espionagem polícia, política, censura e
propaganda: os pilares básicos da repressão,
70
analisa várias questões referentes
ao período da ditadura militar. Começa o artigo enfatizando que a tortura existiu
desde o início do governo do
s militares. Menciona o caso do flagelo sofrido pelo líder
comunista Gregório Bezerra, arrastado pelas ruas de Recife. Os diversos órgãos da
repressão são estudados, ficando claro que alguns faziam o trabalho investigativo e
de espionagem e outros realizavam o trabalho sujo , ou seja, o de tortura. Também
encontramos uma afirmação referente ao apoio norte-americano aos militares:
Indicações expressivas de que a Oban tenha sido criada com a ajuda dos Estados
Unidos . Entretanto, a questão que mais chamou a atenção relacionada a esta parte
do filme
Lamarca
está ligada com a frase Brasil ame-o ou deixe-
o,
exibida no
70
FICO, Carlos. Espionagem polícia, política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão.
FERREIRA, Jorge, DELGADO, Neves Almeida, Lucilia (org.). O Brasil Republicano. V. 4. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
46
outdoor durante a saída dos personagens Clara e Lamarca, como podemos
constatar na imagem abaixo:
Figura 3
Saída de viage
m dos personagens Lamarca e Clara. Filme
Lamarca
No artigo citado acima, Carlos Fico aborda a nomeação dos coronéis Otávio
Costa e Toledo Camargo para chefiarem a Aerp (Assessoria Especial de Relações
Públicas), órgão responsável para a propaganda política do governo do general
Emílio Garrastazu Médici. Os dois coronéis realizaram uma campanha em que
procuravam enaltecer a nacionalidade com imagens positivas, falando sobre a
coesão familiar, a dedicação ao trabalho, a confiança no governo . Além disso,
queriam contribuir para a afirmação democrática , evidenciando uma característica
da ditadura brasileira de tentar manter uma fachada democrática. Entretanto, essa
atuação sofreu divergências de setores militares que desejavam uma propaganda
mais contundente e que demonstrasse força. Carlos Fico teceu as seguintes
considerações:
Assim, a pretensão de Otávio Costa e de Toledo Camargo era educar
o povo , para setores do Exército, havia que demonstrar força .
Inserem
-se nesse contexto de disputa os episódios das autocríticas
de ex-terroristas , o do slogan Brasil: ame-o ou deixe-o e as
comemorações do Sesquicentenário da Independência.
71
71
Ibid., p. 198.
47
Nessa disputa percebemos que várias propagandas veiculadas não possuíam
a aprovação da Aerp. Esta reprovava a exibição de ex-guerrilheiros fazendo
pronunciamentos de arrependimento pela televisão, a frase Brasil: ame-o ou deixe-
o , considerada muito ofensiva, e a peregrinação dos restos mortais de D. Pedro I
pelo Brasil em 1972. A existência dessas propagandas denota o poder da chamada
linha dura . A opção do diretor Sérgio Rezende de escolher essa frase evidencia a
sua postura crítica em relação ao governo dos generais e ao mesmo tempo
demonstra interesse na utilização de clichês.
O historiador Carlos Fico, no artigo intitulado Versões e controvérsias sobre
1964 e a ditadura militar
,
72
criticou algumas visões usuais sobre a ditadura. Uma
delas questionava a divisão tradicional entre os militares da chamada linha dura e
os
moderados
, mostrando que essa divisão é muito simplista. Entretanto, nos dois
artigos mencionados desse autor, ele utiliza essa divisão. Portanto, percebemos
que, apesar da crítica ter sentido porque toda generalização é perigosa, o uso dessa
divisão é realizado conforme a conveniência do autor.
Retomando o filme, no decorrer da viagem, repentinamente temos um
primeiríssimo plano na cabeça de um peixe, que está se batendo numa pedra, com
isso o espectador se assusta. Depois se percebe que era apenas uma parada na
viagem para descanso e Kid aproveitou para fazer uma pescaria no riacho na beira
da estrada.
Na seqüência Lamarca assume a direção do veículo com Clara ao seu lado.
Um caminhão com bóia-fria na frente deles. Câmera subjetiva da combe para
caminhão e Lamarca afirma: país de escravos. Aqui ainda não chegou o milagre
brasileiro (música árabe
tristeza). Clara: único milagre possível é fazer a
revolução . Plano de conjunto dos trabalhadores em cima do caminhão, com
enxadas e foices. Primeiro Plano em Lamarca com cara de indignação.
Selec
ionamos dois planos dessa cena. No primeiro podemos observar a câmera
subjetiva, ou seja, a visão do personagem Lamarca, observando o caminhão a sua
frente e no segundo quando vemos em detalhe o perfil dos trabalhadores rurais:
72
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de
História.
São Paulo, ANPUH, vol. 24, nº 47, jan
-
jun, 2004.
48
Figur
a 4
Lamarca e Clara observando caminhão com trabalhadores. Filme
Lamarca
Figura 5
Trabalhadores rurais. Filme Lamarca
No artigo Capitalismo tardio e sociabilidade moderna, João Manuel Cardoso
de Mello e Fernando Novais demonstram que de 1930 até a década de setenta o
Brasil passou a incorporar padrões de consumo parecidos com os dos países
desenvolvidos. O país começou a produzir aço, a extrair petróleo com a Petrobrás, a
trabalhar os seus derivados como gasolina, óleo diesel, asfalto, detergente e
plástico. Construíram-se gigantescas hidroelétricas, e as indústrias de alumínio e de
cimento se desenvolveram. O processo de urbanização ocorrido teve como
referencial os valores capitalistas, ou seja, do mercado. Com isso o processo de
secularização e de mercantilização aumentou na sociedade e as ideologias que
falavam em solidariedade perderam a força. Além disso, observamos, neste artigo,
uma permanência: o desejo da elite de se inspirar no estrangeiro para constr
ução do
nosso país. No início os jesuítas predominavam, no século XIX o modelo passava
49
por Paris e Londres e no pós-guerra a hegemonia americana, como podemos
constatar no seguinte trecho:
do final do século XIX em diante, e acentuadamente a partir dos
anos 50, o grande fascínio, o modelo a ser copiado passa a ser cada
vez mais o American Way of life. Fascínio, primeiro, do empresariado
e da classe média alta, que, depois, foi se espraiando para baixo, por
força do cinema e da exibição, nas cidades, aos olhos dos inferiores ,
do consumo moderno dos superiores , dos ricos e privilegiados. Não
é por acaso que talvez o brinquedo preferido dos meninos vá se
tornando o automóvel, o símbolo
maior do americanismo
.
73
Eric Hobsbawm, no seu livro Era dos Extr
emos:
O Breve Século XX (1914-
1991), divide o século XX em três períodos e aponta o período de 1945 a 1973 como
o da era de ouro do capitalismo. Portanto, a visão de João Manuel Cardoso de Mello
e Fernando Novais, de que o chamado milagre econômico resultou de um período
favorável do crescimento capitalista internacional, coincide com a perspectiva de
Hobsbawm. Além disso, os autores reforçam a visão de que no Brasil esse
crescimento ocorreu desde os anos 30. Para uma massa de miseráveis que vinham
do campo para a cidade, muitas vezes ocorria uma pequena melhora de vida que
para quem estava numa situação muito precária, uma pequena melhora possuía um
grande significado. Assim concordamos com os dois autores, quando afirmam que
as conseqüências do golpe militar para o Brasil foram desastrosas uma vez que, ao
adotar um modelo concentrador de renda, perdeu-se uma oportunidade de construir
um país menos desigual. também o problema da enorme repressão, acabando
com a efervescência cultural do período. Artistas, intelectuais, estudantes,
sindicalistas, entre outros, que estavam pensando a possibilidade da construção de
um país que levasse em conta os interesses mais globais da sociedade, são
calados. Cardoso de Mello e Novais terminam o artigo mostrando o desânimo
reinante entre nós brasileiros e a falta de perspectiva que passou a imperar no Brasil
a partir da década de 80.
Com certeza, o desânimo político não caracterizava os guerrilheiros dos anos
sessenta, embora o final da maioria deles foi de tristeza. Retomando a viagem
realizada pelos personagens Lamarca e Clara, eles param num hotel . A cena
73
MELLO, João Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna.
História da
vida privada no Brasil. Vol. 4.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 604
-
05.
50
inicia
-se com um primeiro plano num cigarro na boca de alguém sendo acesso com
a bituca de outro cigarro. Depois primeiro plano num dedo jogando a bituca
num
copo lotado de bitucas. Durante várias cenas do filme encontramos Lamarca
fumando. A ênfase num objeto (cigarro) e no ato de fumar, cinematograficamente
possui um significado, ou seja, evidencia a tensão existente naquela situação
vivenciada durante to
do o filme.
1. 4. 2) No encontro de Lamarca com o personagem Zequinha, existe um
plano geral de uma serra (lugar campestre). Ao se cumprimentarem acontece o
segundo flash-back. Lamarca recordando quando ainda era do Exército e estava
reprimindo uma greve na qual Zequinha era líder. Este último aparece sem barbas e
de macacão azul, com uma garrafa explosiva , no meio de duas bandeiras
vermelhas. Durante a cena Jesse (Zequinha) ameaça: se a tropa invadir nós vamos
explodir a fábrica. Som dos operários: Ehh. Lamarca: afastamos coronel? Coronel:
manda recuar. Esse cara é louco .
Neste momento o filme enfoca o movimento operário, que teve muita
expressão no primeiro semestre de 1968 no Brasil. Jacob Gorender, no clássico
Combate nas Trevas, analisa a greve de Contagem, cidade industrial limítrofe de
Belo Horizonte. Gorender relata que a adesão à greve foi grande (16 mil operários) e
conseguiu algo inusitado, o deslocamento do ministro Jarbas Passarinho para Belo
Horizonte, com a intenção de negociar. Com uma vitória parcial a greve termina no
dia dois de maio.
74
Dessa maneira os líderes sindicais começam a preparar uma
greve geral para outubro/novembro. Entretanto, um grupo de Osasco, ligado a
Vanguarda Popular Revolucionária, resolveu antecipar a greve para julho: Na
manhã de 16 de julho, assim que soou o apito, os operários da COBRASMA
paralisaram as atividades, ocuparam as instalações e prenderam dezesseis diretores
e engenheiros .
75
Dessa vez a repressão foi muito violenta e houve intervenção
federal. Neste momento Gorender faz referência ao líder operário Zequinha,
retratado no filme: José Ibrahim caiu na clandestinidade, mas Zequinha, líder dos
operários da COBRASMA, não escapou de três meses no DEOPS, castigado pelo
74
GORENDER, Jacob, Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: das ilusões perdidas à luta
armada. São Paulo: Ática, 1987. p. 143.
75
Ibid., p. 144.
51
cárcere e pela tortura .
76
As greves receberam apoio da CNBB, movimento
estudantil e de artistas do teatro.
O diretor rgio Rezende não se preocupou em mudar os nomes de
Zequinha e Lamarca, ao contrário do que fez em relação ao general Nilton
Cerqueira, que preferiu chamar apenas de major. Na seqüência do filme temos
Zequinha e Lamarca entrando no meio do mato, uma vegetação seca, e
Zequinha, ao levar Lamarca para a área de campo, estabelece o seguinte diálogo:
Você vai ficar na serra de meu pai. É mais seguro. Mesmo que a gente seja contra
a propriedade privada, aqui é só para resgatar quadros. A idéia é desencadear a luta
perto da divisa com Goiás . Lamarca: Guerrilha rural. Na cidade a batalha está
perdida. Se a gente tivesse vindo para o campo antes. anos que eu defendo
essa estratégia
.
De uma certa maneira este diálogo reflete as discussões infindas
sobre as estratégias da esquerda e o fracionamento desta com a criação de muitas
organizações. A historiadora Maria de Fátima da Cunha, no seu livro Eles ousaram
lutar...
A esquerda e a guerrilha nos anos 60/70
,
abordou da seguinte maneira essa
tendência: Cisões intensificam-se em razão, das avaliações das causas que haviam
levado ao golpe e também da necessidade de traçar outras estratégias frente à nova
situação
.
77
Na década de 60 havia muitas avaliações entre as correntes de esquerdas.
Uma visão que parece consensual era a crença de que a sociedade brasileira
atravessava uma crise sem precedentes e que, portanto, algo de muito importante
estava para ocorrer . Com exceção do PCB, ainda fiel à ex-União Soviética, apesar
de todo processo de denúncia das arbitrariedades cometidas por Josef Stálin, as
organizações de esquerda passam a ter como horizonte a luta armada. Na pesquisa
realizada por Maria de Fátima da Cunha, a historiadora aborda o grande impacto
causado pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em
1956, que, ao denunciar o Relatório Kruschev, causou tremendas desilusões: O
Relatório criticava o culto a personalidade (principalmente de Stálin) e isso ger
ou
perplexidade, bem como um efeito destruidor em muitas convicções .
78
No documentário da TV Cultura Mariguella Retrato Falado do Guerrilheiro
o depoimento da viúva de Carlos Mariguella, Clara Charf, falando sobre a reação
76
Ibid., p. 145.
77
CUNHA, Maria de Fátima.
Eles ousaram lutar...
A esquerda e a guerrilha nos anos 60/70. Londrina:
ed. UEL, 1997. p. 17.
78
Ibid., p. 41.
52
dele, ao saber das denúncias de que muitos comunistas autênticos eram
perseguidos e de todas as falsidades cometidas por Josef Stalin. O sentimento de
Mariguella foi de total perplexidade, algo em que acreditara com tanta convicção
estava ruindo de forma repentina. Inclusive Clara Charf afirma que o Partido
Comunista enviou um representante (Arruda) para verificar a veracidade do fato.
Assim, progressivamente, o PCB passou a ser considerado um partido reformista e
burocrático que havia abandonado a idéia de revolução. Carlos Mariguella, assim
como tantos outros, rompe com o PCB e cria a ALN, que se inspira no foquismo
cubano.
Outra organização importante do período, a Ação Popular (A P), de influência
cristã, acabou defendendo o caminho maoísta. A decisão de partir para a luta
armada foi amplamente discutida, e uma porcentagem dos integrantes desta
organização acabou saindo, por se manter ligado à idéia de um cristianismo sem
violência . Entretanto, mesmo aqueles que se pronunciaram favoráveis à luta
armada, também não o fizeram com grande convicção. Jacob Gorender aborda o
mal
-estar causado entre os dirigentes da A P, quando um dos seus integrantes
resolve colocar em prática a luta armada. Em 1966, no aeroporto do Recife, uma
bomba é colocada para receber o presidente Costa e Silva. Entretanto, devido a
uma pane do avião, este e sua comitiva viajaram de automóvel. No atentado
morreram o almirante Nélson Gomes Fernandes e um jornalista. Outras catorze
pessoas ficaram feridas, algumas mutiladas para sempre .
79
Devido a esse
acontecimento
, a A P mudou sua estratégia foquista da Revolução Cubana, que
propunha a guerrilha imediatamente, e passa a defender a alternativa do maoísmo,
que preconizava uma luta prolongada e mais organizada no campo.
1. 4. 3) Plano conjunto de um vilarejo. Dois moleques jogando bola. Uma
igreja. Alguém varrendo. Plano Conjunto de uma varanda muito simples, com seis
homens rindo e conversando. Velho picando fumo, correspondendo a um hábito
perdido com o tempo. Nesta cena, a família de Zequinha apresenta-se feliz e
harmônica, os irmãos brincam entre si e o pai é respeitado. Tendo como referência
os problemas familiares que vivemos atualmente, ou seja, da dificuldade de muitos
pais se afirmarem perante os filhos, a cena possui um tom romântico. Ela também
pode ser encarada como uma harmonia que provavelmente será quebrada. O velho
79
GORENDER, op. cit. p. 112
-
13.
53
(pai de Zequinha) começa a desconfiar do comportamento de Zequinha e a fazer
perguntas.
1. 4. 4) Um belo céu azul, com vegetação seca. Travelling, câmera vem
baixando devagar aenfocar Lamarca sentado, anotando coisas em um caderno.
Voz de Lamarca em off: Meus queridos filhos. Tenho que fazer a autocrítica, de não
ter dado maior importância a correspondência para vocês . Ao escrever essa carta,
inicia
-
se o terceiro flash
-back, onde temos o capitão Lamarca na sua casa brincando
com seus filhos e depois conversando com sua esposa Marina.
Na seqüência, Lamarca comandando seu pelotão no Exército. Câmera no
chão focalizando os coturnos.
Lamarca entra numa sala e conversa com o
coronel. Este afirma que ouviu boato de que ele era subversivo, mas que não
acreditou e o nomeia capitão. Durante a conversa entre os dois o vitrô está aberto e
aparecem dois soldados hasteando a bandeira nacional. O som da corneta ao fundo,
muitos troféus na mesa, bustos
, reforçando a imagem de um quartel.
Plano médio em Lamarca e Marina dormindo na cama do quarto deles. Um
travelling meio ziguezagueante se aproxima de Lamarca. Este, assustado, ergue-
se
e pega sua arma e aponta para a porta. Depois percebe que era apenas a sua filha.
Primeiro plano numa máquina de lavar cheia de armas. Lamarca comunica a sua
esposa a decisão de que vai desertar. Marina e as crianças devem ir para Cuba,
num esquema montado por Mariguella. Com um Primeiro Plano em vários fuzis
numa caixa onde está escrito Fuzil Fal. CAL 762 E B, inicia-se a cena em que
Lamarca deserta com uma combe lotada de armas.
1. 4. 5) Lamarca escrevendo no seu diário para os seus filhos que estão em
Cuba. Afirma que no Brasil as pessoas sofrem injustiças, e que ele ficou no Brasil
para lutar e acabar com isso. Pondera que ninguém é senhor de ninguém, e
aconselha os seus filhos: respeitem os mais velhos, mas exijam que os respeitem.
Termina emocionado falando da sua saudade de todos. Neste momento, o diretor
Sérgio Rezende apresenta pela primeira vez um fundo azul tomando todo o quadro
da cena, com exceção da lua branca, à esquerda e no alto. Na seqüência temos
Lamarca, em primeiro plano, fumando pensativo, e o personagem Zequinha chega
sorrindo, com um rádio na mão, e assobiando (Chico Buarque. O que será que
será
). A partir daqui muitas cenas ocorridas na área de campo vão ter esse azul
granulado .
54
Em outras situações também ocorre tal recurso, como na morte de Clara, na
cena em que o pai de Zequinha está pendurado e
m sua sala e em algumas tomadas
da vila. O diálogo entre Lamarca e Zequinha são de coisas banais e terminam
falando de Clara. Zequinha sai de cena e Lamarca começa a pensar, e novamente
nos deparamos com a lua, agora imensa, para depois percebermos Lamarca e
Clara, com vestido azul e fundo também azul, assistindo pela televisão a chegada do
homem a Lua. Neste quarto flash-back, Clara fica se insinuando para Lamarca. A
imagem da lua na TV é colorida, apesar de que o uso das cores na televisão tenham
surgido
apenas em 1972, enquanto a cena se passa em 1969. A voz da tv em inglês
é traduzida por Cid Moreira: um pequeno passo para o homem, mas um salto
gigantesco para a humanidade .
Como sabemos, o uso das cores no cinema não é inocente; possui as suas
intençõ
es. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, as cores no cinema
não surgiram aproximadamente nos anos 1960, elas apenas se tornaram
hegemônicas a partir desse período. No Dicionário Teórico e Crítico de Cinema
,
Jacques Aumont e Michel Marie nos informam: a cor apareceu bem cedo (antes de
1900) nos espetáculos cinematográficos, na forma de coloração; para isso, era
preciso pintar, à mão, cada parte da imagem que devia ter uma cor .
80
Os autores
também analisam o surgimento de processos mais fáceis de coloração, como a
imersão das imagens em um banho de produto específico. De tal maneira que, nos
1910 e 1920, a maioria dos filmes que possuíam importância apresentavam versões
em cores, inclusive apresentando efeitos criados através da mistura das cores. Além
disso, havia uma convenção: o tingimento azul para as cenas da noite, o tingimento
amarelo ocre para a luz elétrica dos interiores, o vermelho para o fogo, e muitos
outros às vezes simbólicos .
81
A historiadora Ana Cristina Teodoro da Silva, na sua tese citada, O Tempo
e as imagens de mídia capas de revistas como signos de um olhar contemporâneo,
possui um capítulo intitulado Permanências Cromáticas . Ela realiza um estudo das
cores para auxiliá-la na sua interpretação das capas de revistas. Evi
dentemente
cada cultura possui o seu significado em relação a cores, e também uma mesma cor
pode ter sentidos diferentes, dependendo do contexto em que estiver inserida.
80
AUMONT, Jacques, MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Campinas (SP):
Papirus, 2003. p. 62.
81
Ibid., p. 63.
55
Concomitante a esta questão podemos pensar em certos elementos enraizados em
nossa sociedade, assim Cada elemento iconográfico parece ter sua cor: uma
relação estabelecida culturalmente entre Maria e seu manto azul; o sangue e a
violência são associados ao vermelho; o verde é das matas, o amarelo do sol .
82
Ana Cristina Teodoro da Silva analisa a cor preferida da revista Veja, para mostrar o
presidente Costa e Silva, ou seja, cores escuras. Como Veja estava surgindo em
1969 com um posicionamento oposicionista, ela produziu uma capa (18/12/1968)
denunciando o AI 5, quando mostrou o presidente Costa e Silva sozinho no
Congresso Nacional. Na cultura ocidental a cor preta pode estar simbolizando a
morte e infelicidade, pecado e desonestidade, ódio e prisão, tristeza e solidão,
austeridade protestante, elegância e modernidade .
83
Em relação ao azul, cor que encontramos na imagem dos personagens
Zequinha e Lamarca, bastante recorrente no filme, pode ser associado a uma cor
que ameniza e passa tranqüilidade, como indica Ana Cristina Teodoro da Silva. Ela
menciona uma capa de Veja de 05/07/1989, onde o presidente José Sarney é
ironizado. Ele está deitado serenamente numa rede, num sítio onde animais pastam,
enquanto o texto afirma: Silêncio, ele está governando. O fundo desta capa constitui
-
se de azul, para não atrapalhar a soneca do presidente . Entretanto, o azul não
significa apenas placidez, pode ter a seguinte conotação: A predominância do azul
escuro é usada para ressaltar que mesmo um mar calmo pode ser trágico,
dramático .
84
No caso da cena do filme Lamarca, podemos perceber que realment
e
um tranqüilidade, um momento de descontração quando o personagem Zequinha
oferece o rádio a Lamarca e ambos ficam conversando. Este azul granulado em que
aparece várias vezes a área de campo dos guerrilheiros serve também para
demarcar o isolamento e
o distanciamento desta área em relação ao mundo.
No Dicionário Teórico e Crítico de Cinema, os autores Jacques Aumont e
Michel Marie apresentam a seguinte questão: A ausência de leis gerais e
verificáveis explica a ausência quase total de reflexão teóric
a sobre a cor na imagem
em movimento .
85
Mas mesmo assim, eles indicam algumas considerações gerais
que apontam o vermelho como símbolo da guerra ou de paixão, o azul para a paz e
o violeta associado à lamentação funerária. Como já mencionamos, os autores
82
SILVA, op. cit., p. 116.
83
Ibid., p. 127.
84
Ibid., p. 131.
85
AUMONT, MARIE, op. cit., p. 63.
56
lembram que tais valores dependem da cultura e época em que estão inseridos.
Além disso, eles afirmam que a estética das cores no cinema se confunde com os
estilos pessoais ou de efeitos de gêneros. Godard e suas cores pop da década de
1960 e os filtros a
zuis no cinema fantástico .
86
Retomando o filme, na seqüência do último flash-back analisado, a cena
mostrando o momento pós-assalto do cofre do governador de São Paulo Ademar de
Barros.
87
Guerrilheiro com maçarico abrindo cofre e em volta Clara, Lamarca e
outros guerrilheiros em atitude de comemoração. Guerrilheiro afirma: aqui tem pra
mais de dois milhões e meio. Pra fazer a revolução bicho. A revolução . Lamarca:
Com essa grana nós vamos comprar uma fazenda e montar um campo de
treinamento de guerrilha . Aqui temos um dos poucos momentos do filme em que os
guerrilheiros estão realizados, pois além do sucesso da ação, conseguiram dinheiro
da corrupção que seria destinado para a revolução.
Através de uma serra muito verde, surge Lamarca dando instruç
ões ao grupo,
e até durante o treinamento militar Lamarca é educado, pedindo, por favor, empenho
dos companheiros. Clara passa mal e Denis, amigo de Lamarca, discute com este,
afirmando que Clara não pode ficar no grupo, que todos deixaram mulheres e
fi
lhos. Com câmera no alto, Lamarca e Clara se aproximam e se despedem.
Escurecimento de tela.
1. 4. 6) Câmera baixa e plano de conjunto de uma serra. Lamarca minúsculo
diante da paisagem. Lamarca em off: 30 de junho. Neguinha. Estejamos onde
estivermos. H
averá sempre uma realidade a transformar. Agora e sempre .
1. 4. 7) Primeiro plano em mimeógrafo. Fio e Clara conversando, este
explicando que não para Clara ir aonde Lamarca está devido a questões de
segurança. No final da cena, Clara reclama com Claudinha: têm hora que a
militância me parece insuportável . Portanto, temos uma militante criticando o caráter
muito sistemático de outro militante.
86
Ibid., p. 64.
87
Ademar de Barros nasceu em Piracicaba (SP) no dia 22 de abril de 1901. Filho de grandes
cafeicultore
s, proprietários de terras em São Manoel (SP). Sua primeira participação política
expressiva foi como interventor do estado de São Paulo, nomeado por Getúlio Vargas em 1938. Na
dissertação de mestrado de Marli Guimarães Hayashi, A Gênese do Ademarismo (1938-1941), esta
apresenta a versão de que Getúlio Vargas optou por nomear alguém desconhecido para o cargo, mas
com o passar do tempo Ademar de Barros começou a ganhar grande projeção. Político do PSP teve
grande destaque na República Contemporânea. Eleito governador de São Paulo em 1947; perdeu as
eleições para o mesmo cargo em 1954 para Jânio Quadros por pequena margem de votos. Depois de
várias derrotas eleitorais, inclusive para presidente, voltou a se eleger governador de São Paulo em
1962, no período do
governo de João Goulart.
57
1. 4. 8) Vegetação extremamente seca. Um travelling. Lamarca (off): Minha
prática me exige sacrifícios, para os quais não espero compreensão paternalista,
nem comiseração. A revolução me exige isso. E eu quero fazer a revolução. Hoje,
dia da independência dos Estados Unidos da América, viva os panteras negras . A
referência a essa organização anti-racista no
rte
-americana, e que atuou utilizando-
se da luta armada como estratégia política, também é mencionada no filme O que é
isso companheiro?
O personagem Lamarca continua no seu relato: Acabei de ler trabalho
assalariado e capital nas obras escolhidas. Vou passar para salário, preço e lucro,
para depois voltar para mensagem do comitê central à liga dos camponeses .
No
artigo de Denise Rollemberg, Esquerdas revolucionárias e luta armada
88
, a
historiadora aborda uma questão que se refere às motivações e ao perfil daqueles
que partiram para a luta armada. Rollemberg considera que no período de guerrilha
pós
-AI 5 predominou um perfil de pessoas intelectualizadas, homens de classe
média e jovens, mas que, no entanto, houve um tipo de militante que não aderiu a
luta
armada por questões teóricas, mas sim por indignação às injustiças sociais.
Esse seria o caso de Carlos Lamarca: A opção dele não se deu pela adesão à
teoria marxista legitimada pela ciência. A opção de Lamarca se fez pela indignação
diante das desigualdades sociais que perpetuavam a miséria . Dessa maneira,
podemos constatar que a opção do diretor Sérgio Rezende de colocar o
personagem Lamarca como alguém preocupado com questões teóricas confirma a
visão central do filme de glorificação de Carlos Lamarca. Não estamos com isso
considerando que Carlos Lamarca não realizasse leituras, ao contrário, podemos
constatar a sua sensibilidade e coragem, ao romper com uma situação cômoda em
que vivia. Estamos ressaltando apenas que o seu perfil não era de um intelectual e
sim de um homem de ação.
1.
5) A Repressão avança: a truculência do delegado Flores.
88
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionárias e luta armada. FERREIRA, Jorge, DELGADO,
Neves Almeida, Lucilia (org.). O Brasil Republicano. V. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
p. 73.
58
1. 5. 1) Plano Médio no apartamento de Clara e Claudinha. Esta avisa sobre a
prisão de Kid. A personagem Clara nem se preocupou com o Kid em si, apenas se
este ia entregar área de campo ou não.
1. 5. 2) Plano conjunto de um vilarejo. Plano médio, com dois militares
armados correndo e bois e vacas andando pela rua. Primeiro Plano no professor,
com música de tensão. Militares atacando lugarejo com bombas e m
etralhadoras.
Primeiro plano em professor desesperado e Zequinha acordando o mesmo. Essa
subunidade narrativa, um delírio do professor antecipa o que está para acontecer,
ou seja, o verdadeiro ataque dos militares.
1. 5. 3) Lamarca e Zequinha sentados conversando. A Imagem fica azul e
estamos numa noite. Lamarca, fazendo um cigarro, mostra a transformação do
personagem adaptando-se a um costume local. Não mais o cigarro industrializado,
mas o manual. Este é um plano longo (43 s), que termina com um prime
iro plano em
Lamarca, expondo seu ponto de vista contra o justiçamento
89
do professor,
defendido por Zequinha.
Zequinha passa um jornal para Lamarca, com foto deste. Lamarca inicia o
quinto flash
-
back, ao lembrar quando deu treinamento antiguerrilha pa
ra funcionárias
de banco. Primeiro Plano em mulher negra e gorda, totalmente sem jeito no
treinamento. Uma mulher afirma: Subversivos. Minha nossa senhora. Deus me livre
que eles apareçam no meu banco . Lamarca pega arma de mulher e mostra como
se faz , tiros precisos, mostrando a fama de excelente atirador. Mulher com tom
meloso fala que precisa do capitão por perto. Na seqüência temos cena de assalto a
banco.
Lamarca afirma: Bons tempos. A gente andava eufórico. Achando que a
vitória era uma questão de dias. A rapaziada com a maior disposição. Arma numa
mão, panfleto na outra
.
Guerrilheiro se agacha e com spray vermelho escreve no
balcão dos caixas: R E V O L U Ç Â O. Na outra mão um revólver. No final da ação
Lamarca mata um guarda. Primeiro plano em Lamarca e imagem vai ficando
embaçada, com cara de chateado , podendo significar: Nosso herói teve que
cometer um ato desagradável . A cena retoma o diálogo entre Lamarca e Zequinha,
no sertão. Imagem azulada.
89
Justiçamento dentro da linguagem criada pela esquerda durante a ditadura militar, significa matar
alguém que cometeu alguma irregularidade ou traição, que pode ser um risco para a manutenção do
grupo. Outro termo muito comum é caiu significando que determinada pessoa foi presa
pelos órgãos
da repressão.
59
1. 5. 4) Cena de tortura de Kid. Torturador berrando: O nome. O nome de
guerra do seu colega que veio do Rio. Diz pra mim vai? Kid acaba entregando o
nome de Fio e o local, uma pensão em Feira de Santana. Polícia uma revista na
pensão e Fio consegue escapar milagrosamente .
1. 5. 5) Plano de conjunto de uma serra com dia bem ensolarado. Travelling
em direção a Lamarca sentado, limpando a sua arma. Zequinha e Fio chegam para
informar sobre a queda de Kid. Lamarca se coloca contra desmobilizar a área. A
imagem fica azul. Primeiro plano em Fio, destacando a sua fala: se a gente
desmobiliza a área é alguma coisa de razoável. Se a repressão é quem desmobiliza,
os nossos prejuízos podem ser grandes .
Plano médio, onde Fio anda e senta-se numa roda com seis pessoas, uma
assembléia . O argumento de Lamarca é da necessidade de continuar na luta, de
não ser covarde e fugir . Começa o sexto flash-
back
, abordando o enfrentamento do
Vale do Ribeira. Lamarca: Companheiro foi torturado e delatou a base. Milhares de
soldados bateram lá. Nós éramos 17 guerrilheiros. Nove ficaram para defender a
área. Nove. Nós éramos nove . Com o som de helicóptero e da música, temos uma
seqüência de tensão na floresta. Novamente o azul predominando na área de
campo. Também notamos que essa cor predomina à noite, enquanto durante o dia a
luz é outra. Podemos fazer uma ligação com aquela informação mencionada do
Dicionário Teórico do Cinema
, de que o azul era utilizado para representar a noite no
início do cinema. Apesar dessa cena possuir uma enorme tensão, que est
avam
discutindo o que fazer devido ao avanço da repressão, ela possui um fechamento
com o personagem Zequinha sorrindo muito, da história contada por Lamarca sobre
o Vale do Ribeira. Ele afirma que no retorno para São Paulo deixaram os soldados
amarrados de cueca na carroceria de um caminhão. Portanto, o fechamento é de
tranqüilidade. Eis a assembléia realizada no sertão baiano :
60
Figura 6
Assembléia dos guerrilheiros. Filme
Lamarca
uma cena metafórica. Lamarca no centro da tela com metralhadora
atirando intensamente, e no fundo fogo. Som intenso das rajadas da metralhadora e
do fogo queimando. Primeiro plano em Lamarca com expressão de horror. Primeiro
plano no cano da metralhadora e Lamarca atirando e berrando: Ah ah ah ah. Músic
a
de tensão. Saindo um pouco de fogo do cano da metralhadora.
No retorno à assembléia, Lamarca narra o acordo com o tenente Alberto
Mendes Jr. e o não cumprimento deste e sua morte. Professor questiona: mas
matar o cara assim, a sangue frio é? Temos um Primeiro plano em Lamarca
(imagem azul), e este responde guerra é guerra . Com esse exemplo, Lamarca
conclui que podiam continuar com a luta. Fio é o único a discordar, mas acata a
decisão da maioria.
Durante os anos 60 e 70 do século passado, um elemento motivador da luta
dos grupos guerrilheiros foi o exemplo da Revolução Cubana. Denise Rollemberg
90
discute a questão da disputa sobre a memória em relação ao período da Ditadura
Militar. Uma questão importante relaciona-se à criação da memória sobre a
Revo
lução Cubana. A autora considera que, após o período revolucionário cubano,
criou
-se uma visão de que um pequeno grupo de guerrilheiros (foquismo) foi
responsável por uma grande vitória. Essa visão construiu heróis para legitimar os
novos detentores do poder. Assim, temos a formação de um dos maiores mitos da
história contemporânea, Ernesto Che Guevara. Denise Rollemberg expressou-se da
seguinte maneira: Assim, os revolucionários, ao construir a memória da revolução,
90
ROLLEMBERG, op. cit., p. 60.
61
não romperam com a maneira pela qual, t
radicionalmente, os vencedores constroem
o passado
.
91
1. 5. 6) Apartamento em que Clara e rcia conversam. Música baixa que
aumenta de vez em quando, um solo de guitarra lembrando o movimento hippie,
marcando toda a cena. Clara afirma: Estranho a gente viver sabendo que não vai
envelhecer . Plano médio, Márcia com Clara e bomba entrando e explodindo na
sala. Voz off pelo megafone: entreguem-se. O prédio está cercado . Numa
seqüência muito tensa, Márcia se entrega, enquanto Clara pula para apartamento
vizinho . Imagem fica ligeiramente azul e ela está com vestido azul.
Plano médio na sala do apartamento. Dois soldados armados entrando,
enquanto outro permanece na porta. Um aponta para outro seguir num determinado
sentido. Soldado caminha e mete o na sonata e volta-se. Esta cena demonstra a
truculência militar, uma vez que a força da música na cena, além de lembrar o
movimento hippie que pregava o pacifismo, evidencia o gesto grosseiro de se chutar
algo delicado como uma sonata . Assim podemos recorrer ao livro Brasil Nunca
Mais
onde a constatação de que no Brasil o jeito dos militares chegar acontecia
sem nenhuma discrição. Ao contrário, abordavam as pessoas de forma muita
violenta. Essa total falta de respeito às leis ficou evidente: O inusitado, no caso
brasileiro, era a aplicação de torturas antes que o capturado fosse recolhido a uma
dependência policial ou militar, sem se importar com a presença de vizinhos ou
transeuntes .
92
No fim desta subunidade narrativa, quando parecia que a situação es
tava
resolvida , um menino busca caderno e encontra Clara. Militares retomam a busca e
falam para esta se entregar, enquanto eles jogam bomba de gás lacrimogêneo e
ameaçam: Se você não sair eu vou arrombar
.
Gemido de Clara chorando
.
Eu vou
pegar essa puta na unha
.
Cercada, Clara coloca arma próximo ao seio e atira
(imagem azulada). Corpo fica meio deitado, meio sentado. Essa versão do suicídio
apareceu no livro Lamarca: o capitão da guerrilha, de José Emiliano e Oldack
Miranda, que possui um perfil esquerdista. Essa visão utilizada pelo diretor rgio
Rezende foi contestada pela família de Iara Yavelberg, segundo a qual, a
guerrilheira foi metralhada. Na religião judaica, o suicídio é encarado como algo
extremamente negativo e, no enterro dos suicidas, eles são colocados em lugares
91
Idem, Ibid., p. 60.
92
ARNS, Paulo Evaristo.
Brasil Nunca Mais
. 32 ed. Petrópolis: editora vozes, 2001. p. 79.
62
periféricos do cemitério. Em 2003, depois de anos de processo, a família conseguiu
fazer a exumação do corpo. Inclusive no Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro do
CPDOC, no verbete Carlos Lamarca, também encontramos a versão do suicídio:
Para não ser presa, ela preferiu suicidar-se, no dia 20 de agosto de 1971 .
93
Na dissertação de mestrado de Larissa Brisola Brito Prado, intitulada
Estado
democrático e políticas de reparação no Brasil: torturas, desaparecimentos e morte
s
no regime militar
,
94
a autora analisa os casos de indenização aos familiares de
mortos e desaparecidos da época da ditadura militar. Durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, dois casos despertaram enormes polêmicas, o de
Carlos Lamarca e o de Carlos Mariguella. Em relação ao primeiro, a principal
indignação e revolta de setores militares têm relação com o fato de Carlos Lamarca
ter sido um desertor do Exército, portanto um traidor na ótica dos militares. Além
disso, a viúva Maria Pavan Lamarca já p
ossuía aposentadoria. Sobre o caso de Iara
Iavelberg, Larissa Brisola Brito Prado aborda a ampliação da lei ocorrida no governo
de Luis Inácio Lula da Silva, que permite a inclusão de familiares de suicidas na
condição de também receber indenização. Essa mudança ocorreu enquanto o irmão
de Iara aguardava resposta do processo de exumação do cadáver desta, tornando-
se desnecessário, pelo menos no caso de indenização, uma resposta exata se
houve suicídio ou se foi assassinato. O resultado do laudo ocorreu em 2005 e
afirmou que provavelmente não foi suicídio. Em junho de 2006 a família conseguiu
um novo enterro , e os restos mortais de Iara Iavelberg saíram da área periférica do
cemitério e foram transferidos para um local normal . Depois de décadas de luta,
a
família conseguiu o seu desejo.
Outra fonte que podemos mencionar em relação à morte de Iara Iavelberg é o
livro
Memória e Sociedade, de Ecléa Bossi, onde, ao discutir o funcionamento da
memória, a autora enfoca a importância de outras pessoas no ato de lembrar e faz
menção a sua amiga:
Fui colega de classe de Iara Iavelberg, cuja vida e morte precoce e
trágica mpressionaram a nossa geração. * Ela estudou e formou-
se
conosco, dividimos o pão no recreio, discutimos idéias nas aulas.
93
ALVES DE ABREU, Alzira... [et al.] Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-
1930
. Rio de
Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. p. 3011.
94
PRADO Larissa Brisola Brito. Estado democrático e políticas de reparação no Brasil:
torturas,
desaparecimentos e mortes no regime militar. Campinas, 2004. Dissertação (Mestrado em Ciência
Política
). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas.
63
Cada um de nós guardou dela uma conversa, um gesto, uma pequena
lembrança preciosa. Procurei seu vestígio em caminhos que iam dar
no sertão, em escarpas que ela subiu a pé; e que alegria senti numa
venda à beira de estrada ao ouvir suas palavras repetidas por uma
mulher que nu
nca a esqueceu!
95
O asterisco do livro de Bosi remete à seguinte colocação na nota de rodapé:
Iara Iavelberg (1944-1971), psicóloga. Após anos de resistência clandestina à
ditadura militar foi assassinada pela repressão em Salvador . Importante enfatiza
r
que o livro consultado corresponde a terceira edição em 1994, sendo a primeira
edição de 1979. Em relação a esta questão ainda, Ecléa Bossi questiona: Que
interesses terão tais elementos para a geração atual? Encontrarei uma linguagem
que comova as pessoas de hoje, para as quais seu nome pouco significa? As lutas
pelas memórias, eis algo de que todos temos conhecimento de causa .
96
Podemos
pensar no cinema como uma das formas possíveis de uma linguagem que traga
sentido à figura de Iara Iavelberg.
1. 5. 7) Na cena seguinte, ocorre um diálogo entre Lamarca e Fio, na área de
campo. Fio: lembra a reunião de comando no Rio. Queriam que você fosse embora
do Brasil e eu fui contra. Mas agora será que o galo não cantando pela segunda
vez, Cirilo . Na seqüência do filme, conforme avança a repressão e caminha-se para
a morte de Lamarca, há momentos em que ouvimos um galo cantando.
1. 5. 8) Delegado Flores e major pressionando Kid a falar onde estava
Lamarca. Major pergunta a Kid se ele sabia quem matou diversos guerrilheiros. Kid
responde que foi Flores. Este apresenta documento e Kid, chorando, informa que
deixou Lamarca em Brotas de Macaúba.
1.5. 9) Primeiro plano fora de foco, (algumas vezes o diretor Sérgio Rezende
usa esse procedimento), que depois podemos observar que é uma foto de Lamarca
na mão de um policial que está mostrando para população tentar reconhecê-
lo.
Cícero, primo de Zequinha, passa informação para policial.
1. 5. 10) Travelling da serra. Guerrilheiros contanto a Lamarca sobre a
presença
do Exército, e este tenta passar tranqüilidade e comando. Lamarca pede
garrafa ao professor e quebra-a, num ato simbólico de condenação do seu
alcoolismo. A música é de melancolia.
95
BOSSI, op. cit., p. 411.
96
Idem, Ibid., p. 411.
64
Imagem fica azul. Duas cruzes e cavalos passando com homens (só aparece
at
é a cintura deles). Primeiro plano nos óculos na mão do professor e depois no seu
rosto. A música melancólica continua. Barulho da caminhada dos cavalos. Clima de
tensão. Primeiro plano nas patas dos cavalos andando. A seguir temos um plano em
que observam
os a imagem das cruzes:
Figura 7
Imagem de cruzes anunciando a morte do protagonista. Filme
Lamarca
Essas cruzes e o clima criado nesse momento do filme, com o ruído do vento
e a movimentação das tropas, estão anunciando a morte de Lamarca. Na seqüência
temos um plano médio em Oldorico e Otoniel dormindo. Volume da música aumenta.
Plano de conjunto da vila, cruz no meio, igreja e casas ao fundo. Moça caminhando
rápido, como se tivesse avisando o que estava prestes a acontecer, devido ao clima
de tensão criado. Galo cantando duas vezes (a segunda é quase imperceptível); os
militares cercam a casa.
Lamarca e Zequinha acordam e percebem a ausência do professor. Os dois
fogem para o mato.
Oldorico e Otoniel na casa resolvem o que fazer. Este último diz que fora
tem mais de três. Nesta tensão Otoniel estava preocupado em avisar Zequinha. Sai
da casa e acaba sendo morto. Plano médio, professor e Oldorico, este
engatinhando. Contraste entre armas do Exército e dos guerrilheiros.
Oldoric
o tenta um ataque e leva um tiro. Primeiro plano em professor que se
mata com um tiro no ouvido. Velho saindo do quarto e observando o estrago .
Música melancólica. Plano médio da vila. Travelling até Oldorico sem camisa,
65
ensangüentado e preso, em cena ma
rcante. A linguagem policial: E aqui como foi o
placar? Flores: dois a zero pra nós. E mais esse aí raspando no travessão .
1. 5. 11) Com câmera alta, Flores em cima e o velho e outros militares
embaixo. Flores desce a escada e com tom carinhoso e cínico: Tá bom, meu velho.
Não precisa dizer nada não. olhar . Primeiro plano no velho com um corte no
rosto sangrando. Vira-se e olha para um lado. Dois sertanejos se aproximam e
cobrem o corpo. Sertanejos fazem o nome do pai. Dedilhado de violão.
1. 5. 12) Plano Geral, céu azul e bonito. Travelling até Flores, dois militares e
o velho. Talvez possamos pensar no contraste do céu lindo com a situação horrível
de um velho inocente sendo arrastado.
1. 5. 13) Plano médio, Zequinha e Lamarca sentados. Este limpando arma.
Zequinha com cara triste, preocupado com o velho. Como o filme apresenta uma
clara linearidade, nesta cena ele um indício que vai acontecer alguma coisa com
o velho.
1. 5. 14) Sertanejo, com desculpa de que ia pegar arreio, entra na sala
e
encontra velho no meio da sala pendurado. Na parede, quadro de foto tradicional de
um casal.
No filme
Lamarca
, o personagem do velho (pai de Zequinha) demonstra que
pessoas inocentes, na época da ditadura militar, acabam sofrendo as
conseqüências. No livro Brasil Nunca Mais, relatos de muitos casos de pessoas
inocentes que acabaram sendo presas, torturadas e mortas. O filme Pra Frente
Brasil
(Roberto Farias, 1982) que aborda a temática da guerrilha urbana no período
militar, tem como eixo central o caso de um homem inocente, que por acaso acabou
sendo preso, torturado e morto.
Nos extras do DVD temos um depoimento do diretor Sérgio Rezende,
informando que o sertanejo que aparece no filme prestando solidariedade ao
velho não é um ator, e que ele acabou dando um tom dramático bastante
interessante à cena. Depois de um plano médio da vila e muita poeira no chão,
um primeiro plano no rosto do velho de ponta cabeça. A imagem está azul escuro e
o dedilhado de vilão aparece novamente marcando a triste
za, além do som do vento.
O Velho de ponta cabeça geme e reza. Selecionamos dois planos dessa seqüência:
66
Figura 8
Sertanejo consola pai de Zequinha pendurado. Filme
Lamarca
.
Figura 9
R
osto do velho em agonia. No campo de profundidade, militar
dorme. Filme
Lamarca.
1. 5. 15) Plano geral da Serra. Imagem vai clareando gradativamente. Plano
médio: asfalto, Lamarca e Zequinha atravessando a pista. Vegetação seca.
1. 5. 16) Delegado Flores e sua busca com o velho para encontrar Lamarca.
Primeiro plano em Flores desolado, contrastando com a imagem mostrada durante
todo o filme, ou seja, de um militar truculento e autoritário. Este plano significa a
passagem de comando para o major. No diálogo entre Flores e major, este afirma
que para caçar um guerrilheiro precisa agir com simplicidade e silêncio. Flores rindo:
esses baianos . Major: eu sou alagoano, lhe disse. Pra caçar um militar outro
militar. Pra andar pelo sertão, só sendo ser
tanejo .
67
1. 6) Major assume comando utilizando-
se da discrição.
1. 6. 1) Com um plano geral, temos a vegetação seca. Lamarca tossindo ao
lado de Zequinha. Este ergue rapadura para cima e diz frase em latim. Lamarca
questiona
:
Endoidou Zequinha? Zequinha: Tou tentando fazer milagre da
multiplicação da rapadura, pra ver se para nós dois. Eu tive no seminário. Meu
pai queria ter um filho de batina. Até que fui um ótimo aluno. Mas não dava, você
imaginou o Zequinha aqui fazendo voto de castidade .
Lamarca:
podia ser um padre
revolucionário. Se a Igreja levasse ao da letra o evangelho, entrava na nossa
luta . Apesar do personagem Zequinha estar com fome, ele ainda conseguiu manter
o seu humor.
A Igreja Católica, como a maioria das instituições brasileiras, apoiou o golpe
militar de 1964. Entretanto, a ala progressista da igreja, estimulada pelo Concílio
Vaticano II, se posicionou contra a ditadura. Podemos mencionar o nome de Dom
Hélder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns como representantes desta l
inha.
Também mencionamos o caso dos freis dominicanos, que, de uma forma trágica,
acabaram se envolvendo na preparação do cerco para a morte de Carlos Mariguella.
Além disso, abordamos o caso da Ação Popular, uma organização que também
possuía um discurso radicalmente contrário ao governo dos generais. Dessa
maneira podemos perceber que ao menos uma parte da Igreja se comportou como
pediu o personagem Lamarca , pela presença, no período, de padres
revolucionários .
A respeito da posição da Igreja em relação aos movimentos sociais, no artigo
A questão agrária no Brasil pós-1964 e o MST, de Mario Grynzpan, constatamos a
importância da questão da terra para a concretização do golpe militar de 64: a luta
pela reforma agrária, as mobilizações e as pressões sobre o Congresso para a sua
aprovação foram elementos determinantes para o golpe de 64
.
97
Essa importância
é evidente uma vez que, desde o início da ditadura, houve uma preocupação dos
militares em ter uma proposta de reforma agrária. Entretanto, a prática dos militares
passava por uma posição geopolítica de levar trabalhadores principalmente para
regiões norte e centro-oeste, que teoricamente possuíam terras desocupados. Isso
97
GRYNZPAN, Mario. A questão agrária no Brasil pós-1964 e o MST.
FERREIRA, Jorge, DELGADO,
Neves Almeida, Lucilia (org.).
O Brasil R
epublicano. V. 4
.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
68
gerou vários problemas, como os da população que foi remanejada para a
constru
ção de grandes hidrelétricas, que não desejava ir para onde o governo
determinava. Mario Grynzpan constatou a importância central da Igreja Católica na
formação do MST, uma vez que muitos religiosos fazem uma opção pelos excluídos
e a Pastoral da Terra rea
lizou um trabalho de apoio às reivindicações dos sem
-
terra.
1. 6. 2) Através de um plano seqüência (34 segundos), que mostra delegado
Flores indo embora e major assumindo liderança na missão de caçar Lamarca,
ocorre a concretização daquilo que o olhar do
delegado Flores já havia antecipado.
1. 6. 3) Plano médio, com câmera alta. Embaixo casebre e vegetação seca.
Primeiro plano na terra, e lagarto saindo desta. Zequinha fica sabendo do massacre
e das mortes ocorridas. Zequinha para Lamarca, chorando: Filhos de uma égua.
Vou matar um por um. Eu juro capitão. Vamos matar eles. você pode . sica
tema do filme. Essa expressão só você pode , mostra o enaltecimento de Lamarca.
1. 6. 4) Primeiro plano em cartaz: Terroristas Procurados. Foto de Lamarca e
Zequinha.
Ajude a proteger sua vida e o Brasil. O major, pressionando população
para dar informações sobre Lamarca e Zequinha, afirmou: o nome dele é Lamarca,
paulista ou Cirilo. Esse homem é o demônio
.
Em off:
ele é um assassino, terrorista,
comunista.
Tem muitas caras. Muitos nomes, mas o objetivo dele é um só.
Desgraçar com a vida de gente honesta . Claramente o diretor Sérgio Rezende
colocou um discurso moralista.
Em resposta à proposta do major, temos um plano médio em que sertanejos
dialogam. Ser
tanejo:
parece o esquadrão da morte. Outro sertanejo: Ele falou em
comunista. Que diabo é isso? Outro sertanejo: é um bicho que vale mil cruzeiros.
pra comprar uma mula boa .
1. 6. 5) No diálogo entre militar e major, o primeiro afirma: O Lamarca fi
ca
sonhando com a revolução . Major: Ah! (suspiro). O que me deixa louco é lembrar
que ele foi um dos nossos. Andou no meio da gente. Fez os mesmos cursos. Os
mesmos treinamentos. Os mesmos quartéis. Sentou na nossa mesa e tramou contra
nós. Vai ter que p
agar por isso, vai ter que pagar pela traição .
1. 6. 6) Lamarca e Zequinha na casa do primo, saem fugindo devido à
denúncia deste. um plano médio, com Lamarca bem magro, sentado de costa
embaixo de árvore. Essa cena representa o início do período de Lamarca super
magro, cambaleante na caatinga.
69
Plano médio em sertanejo chegando a cavalo (o que entregou Lamarca e
Zequinha). Som de galo cantando. Primeiro plano em menina bem morena e pobre.
Mulher entra em cena: Acho melhor vocês cair no mundo. Severino foi entregar
vocês para a polícia . Zequinha: desgraçado. Judas do sertão .
Lamarca:
muito
obrigado mais uma vez hein moça. Vamo
.
Música tema do filme. Travelling
focalizando Lamarca sem camisa, esquelético. No plano abaixo podemos constatar
o esforço
do ator Paulo Betti, no seu processo de emagrecimento:
Figura 10
Lamarca muito magro, observado por Zequinha. Filme
Lamarca.
1. 6. 7) Major recebendo informação sobre Lamarca e Zequinha. Major:
Esses
desgraçados andaram quase 100 Km em sete dias (valorização de Lamarca e
Zequinha). Imagem fechando em major, duração do plano de 46 segundos. Major
sobe no cavalo. Primeiro plano na cintura com metralhadora. Primeiro plano nas
patas dos cavalos.
1. 6. 8) Zequinha cuidando de Lamarca, colocando-o numa sombra. Lamarca
passa mal. Elogia mulher do primo de Zequinha e compara-a a Marina, sua mulher.
Primeiro plano em Lamarca, sorrindo, expressa orgulho ao falar
:
Sou filho de
sapateiro. Que falta eu sinto do velho. Eu lembro quando eu vol
tei do canal de Suez,
minha filha nasceu quando eu tava . Início do sétimo flash-back. Lamarca fardado
sendo recebido pela família no seu retorno de Suez.
Depois do almoço familiar ocorre um importante diálogo entre Lamarca e seu
pai. Numa cena escura, o pai afirma: fala, Carlinhos .
Lamarca:
aquilo foi um
inferno . Música árabe. Lamarca: a outra criança na enfermaria. Não me conformei
70
pai. Chorei. O major nosso médico, me manda parar. Eu não consigo. ele me
disse: (Lamarca aumenta o tom de voz a partir daqui) Tenente você não veio para o
Canal de Suez para salvar criancinhas. Você veio para instaurar a paz. Mas que paz
é esta que serve pras grandes potências ficarem com o petróleo dos árabes. Não
pode haver paz com miséria, com exploração. Pensei tanto no Brasil. Na nossa
situação. Nós precisamos transformar esse país .
Primeiro plano no pai: É. Mas não é fácil. Ninguém entrega nada de mão
beijada Carlos. Nem fazendeiro, nem empresário, nem ninguém. Esse país vai
acabar incendiado . Lamarca: Suez mudou minha cabeça. Eu descobri que tarefa
militar é tarefa política. Se a guerra fosse declarada eu passava pro lado dos
árabes
.
Pai: seria considerado traidor . Lamarca: Traidor? Mas ser leal o que é?
Ser leal é ficar calado, diante das maiores injustiças. Ser leal é ficar contra o povo.
Eu sempre quis ser soldado e nunca vou deixar de ser, mas mudo de exército se o
nosso passar pro lado dos exploradores . Notamos aqui um discurso clichê de
denúncia do imperialismo norte-americano, da exploração do petróleo pelas
potências e o desejo de tentar a transformação da sociedade.
1. 6. 9) Militares na captura de Lamarca. Primeiro plano num relógio. Caio em
off: Não é que largaram isso . Major em off: É uma isca Caio. Eles estão
provocando a gente . O filme sempre apresenta suas respostas, pois Lamarca havia
dito que ia tentar despistar a repressão, agora major fala que eles estão provocando.
1. 6. 10) Zequinha dialogando com doutor para conseguir ajuda. Este se nega
a ajudar. Lamarca, ao saber que Clara morreu: eu perdi as forças, Zequinha.
Acabou. A luta pra mim acabou, Zequinha . Zequinha: te abandonar? pensando
o quê de mim capitão? Eu não sou covarde. Isso não . Lamarca: Acabou, Zequinha,
acabou . Zequinha: Você vai me desculpar capitão.
Você tá agindo de forma errada.
Até egoísta. A guerra não acabou. E nós vamos vencer .
1. 6. 11) Plano conjunto, ao fundo pé de Lamarca e Zequinha. Estes vindo em
direção à câmera. Zequinha carregando Lamarca nas costas. Lamarca delirando,
dizendo que nunc
a traiu o povo.
1. 5. 12) Primeiro plano em livro na areia (livro parece ter um dimensão
enorme). Céu azul, major falando que o livro é bem coisa de comunista e que
Lamarca foi o maior atirador do Exército brasileiro. Há um enaltecimento de Lamarca
pelo m
ajor que está na sua captura.
71
1. 6. 13) Na cena final em que Lamarca e Zequinha estão deitados na sombra
de uma árvore, predomina o silêncio. Não nenhuma trilha sonora e os policiais
andam lentamente para não acordar os dois guerrilheiros. O silêncio durou
aproximadamente dois minutos e trinta segundos e termina quando o major faz
barulho para armar sua metralhadora.
Ao refletir sobre a estrutura do filme Lamarca, constatamos que ela se
constituiu na criação de um herói e mártir, no sentido de que o protagonista lutou e
morreu por uma causa, tal qual outros heróis, como Tiradentes e Frei Caneca.
Selecionamos quatro planos do momento em que antecede a morte de Lamarca, os
tiros e o corpo estendido, para demonstrar que o diretor Sergio Rezende optou em
associá
-lo com a crucificação de Jesus Cristo. Eis os planos:
Figura 11
Lamarca deitado na sombra de uma árvore, formando a representação
de uma cruz. Filme
Lamarca
Figura 12
Em outro ângulo, Lamarca formand
o a representação de uma cruz.
Filme
Lamarca
72
Figura 13
Lamarca baleado. Filme
Lamarca
Figura 14
Morte de Lamarca. Filme
Lamarca
Essa associação com o cristianismo também foi realizada com um herói da
nossa república, Tiradentes. No livro de José Murilo de Carvalho, A Formação das
Almas
, o autor analisa o processo de construção da figura de Tiradentes.
Constatamos que este foi selecionado entre outros candidatos a herói e contribuíram
para a escolha os seguintes fatores: Tiradentes assumiu abertamente a participação
no movimento, Tiradentes estava relacionado com o centro político da época, a
Inconfidência ficou nos planos, portanto Tiradentes não usou da violência, não teve
grandes inimigos. No caso de Lamarca podemos elencar os seguintes fatores:
Lamarca abriu mão de uma posição confortável, uma carreira brilhante no exército.
Dentro dessa instituição era o melhor atirador e possuía grande disciplina. Reunia,
portanto, algumas características que convém a um herói , como força e coragem.
Precisamos enfatizar que lutou por uma causa, ou seja, por uma pátria que não
73
apresentasse as desigualdades sociais. Morreu em combate, lutando por esse
causa. Bronislaw Baczko, no seu artigo Imaginação social, analisa a importância do
imaginário para as ações humanas. Esse imaginário trabalha para a aglutinação de
um determinado grupo. Ao elaborar uma representação para um grupo, o imaginário
apresenta papéis sociais, espécie de bom comportamento, modelos formadores, o
chefe
, o bom súdito, o guerreiro corajoso
98
No caso de Lamarca fica evidente o
último papel. Este estimulava a participação contra o regime militar.
O imaginário social contribui para a coesão social. Neste sentido, os
detentores do poder elaboraram visões de mundo favoráveis a eles próprios. Baczko
analisa a enorme preocupação com a questão simbólica em diferentes momentos da
história, no período da Revolução Francesa e na época do stalinismo na ex-
União
Soviética. Nesta última havia as famosas audiências públicas em que o acusado era
forçado a reconhecer a sua culpa e através de pormenores contava o que havia
acontecido . Essas audiências procuravam legitimar o poder de Stalin e instituía uma
paranóia terrível entre os soviéticos. Guardadas as devidas proporções, isso
também ocorreu no Brasil na época da ditadura militar. O regime militar preocupou-
se muito com a propaganda política. No semi-
documentário
Que Bom te ver viva
(1989), da diretora Lúcia Murat, temos o depoimento de ex-guerrilheiras. Uma delas
abo
rdou o principal motivo da sua tortura, os militares desejavam que ela fosse à
televisão e renegasse a esquerda e a luta armada, como havia ocorrido com outros
guerrilheiros.
Ainda sobre essa questão do imaginário, novamente recorreremos a
Bronislaw Baczko. Este afirma que o poder estabelecido se protege de possíveis
ataques. Neste sentido: Imaginar uma contra-legitimidade, um poder fundado numa
legitimidade diferente daquela que se reclama a dominação estabelecida, é um
elemento essencial do acto de pôr em causa a legitimidade do poder .
99
Assim,
podemos constatar que Lamarca, e a esquerda em geral, imaginaram uma contra-
legitimidade. Eles propuseram um país socialista e lutaram para alcançar isso,
enquanto os militares, detentores do poder, cuidaram para manter os seus valores.
No momento da produção do filme
Lamarca
em 1994, esse confronto estava
enfraquecido. No entanto o nosso imaginário não está totalmente destituído das
rivalidades e questões que tanto empolgaram o período autoritário. Ao contrár
io,
98
BACZKO, op. cit, p. 309.
99
Ibid., p. 310.
74
quando o diretor Sérgio Rezende enalteceu o personagem de Carlos Lamarca, ele
se posicionou em um debate que ainda perdura. No final do filme, para a
consolidação da criação do seu herói, o cineasta resolveu associa
-
lo com a morte de
Cristo, para assim
atingir o imaginário popular.
O filme
Lamarca
termina com a execução de seu protagonista, enquanto o
personagem Zequinha sai correndo e tenta trocar tiros com os policiais. No final a
imagem de Lamarca fica preto e branco, e aparece a legenda Sertão da Bahia. 17
setembro 1971. Essa informação verbal nos situando no tempo e no espaço é um
recurso muito utilizado no cinema. Da mesma forma o filme O que é isso
companheiro?,
que analisamos no próximo capítulo
,
começa com textos informativos
relacionados ao p
eríodo da ditadura militar.
75
CAPÍTULO 2
O
QUE É ISSO COMPANHEIRO?
:
A MEMÓRIA VITORIOSA?
76
O filme O que é isso companheiro? começa com um texto informativo,
dizendo que este se baseia em um fato verídico, mas que não se limitou a retratar a
estrita realidade dos fatos . Implicitamente essa perspectiva propõe que isso seria
possível de se fazer caso alguém desejasse. Na análise desse filme fizemos uma
divisão em quatro unidades narrativas. As primeiras imagens são de fotos em preto
e branco projetadas rapidamente. É mostrado inicialmente a praia lotada, um bonde,
Garrincha fumando, a torcida no estádio do Maracanã. A sica inicial Garota de
Ipanema
, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, objetivou dar um tom de requinte às
imagens exibidas, que se trata de um ícone extremamente reconhecido de um
gosto refinado . Além disso, a música evidencia o Rio de Janeiro, local de
inspiração dos autores. A primeira unidade narrativa enfoca a adesão dos
personagens Paulo e César à luta armada, e termina no momento em que surge a
idéia de se fazer o seqüestro do embaixador norte
-
americano.
Assim, inicia-se a preparação para a ação. A personagem René se aproxima
do chefe de segurança para obter informações e ocorre a chegada dos guerrilheiros
da ALN (Aliança Libertadora Nacional), Toledo e Jonas, este último torna-se o
comandante da ação. Os companheiros vindos de São Paulo são considerados
experientes, enquanto os do Rio de Janeiro são novatos . No momento do
seqüestro
uma montagem paralela, em que quatro situações são mostradas:
embaixador, guerrilheiros, mulher na janela e guarda. O guarda representado pelo
cantor Lulu Santos corresponde a uma estratégia adotada pelo diretor Bruno
Barreto, de colocar uma personalidade num pequeno papel. No livro memória de
Alberto Berquó O seqüestro dia-a-
dia,
os guerrilheiros, ao planejar o seqüestro,
imaginavam que provavelmente o carro do embaixador deveria ser totalmente à
prova de bala, não deveria abrir por fora, e provavelmente existiria um rádio que
numa eventualidade serveria para uma comunicação direta com algum segurança.
100
Entretanto, no seqüestro real e no filme não existiu toda essa parafernália , e a
ação ocorreu com relativa tranqüilidade. Quando o personagem Paulo afirma:
conseguimos! seqüestramos o embaixador dos Estados Unidos, termina a segunda
unidade narrativa.
O cotidiano do aparelho passa a ser enfocado. Enquanto o personagem Paulo
é o responsável pelo contato da casa com o mundo exterior, saindo para deixar a
100
BERQUÓ, Alberto,
O seqüestro dia a dia
. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 42.
77
lista dos nomes dos presos a serem trocados pelo embaixador ou para comprar
pizzas, a guerrilheira Maria procura no jornal futuros aparelhos e René faz curativo
no embaixador e lava as suas camisas. Essa personagem acaba tendo um perfil de
boa moça , contrapondo-se a Maria que é mais politizada e possui uma posição de
comando. Nesta unidade narrativa ocorre o interrogatório do embaixador e sua
liberação tumultuada. Durante esse último processo temos os militares divididos: um
grupo tentando prender os guerrilheiros e o outro preocupado com as
conseqüências dessa iniciativa. Podemos nos perguntar: O diretor Bruno Barreto
desejou fazer uma relação com a bastante usual divisão entre os militares da linha
dura e da escola de Sorbonne mais moderados? Se essa foi a intenção, podemos
considerar não satisfatória devido, entre outros fatores, ao fato de que o
personagem do torturador realizado por Marcos Ricca não convenceu como linha
dura , mesmo porque ele era subalterno ao militar moderado. Basta compararmos o
personagem do delegado Flores em
Lamarca
e o torturador do filme Pra Frente
Brasil
(1983, Roberto Farias), para percebemos que o torturador em O que é isso
companheiro?
apresenta
-
se com um perfil bem moderado.
A partir do momento em que o embaixad
or é liberado, inicia
-
se a fase de caça
aos guerrilheiros. Durante a cena que antecedeu a captura de Paulo e Maria, estes
discutiam sobre a opção de vida deles. O que estranhamos é que embora eles
estivessem na geladeira , ou seja, tinham que estar totalmente escondidos por
terem acabado de realizar uma ação, o seqüestro aconteceu com grande sucesso, e
mesmo assim estavam totalmente desanimados. Maria encarna a persistente,
ouvi dizer que existe um disco do Gil em que ele grita a palavra Mariguella ,
enquanto Paulo o realista: será verdade? Na época do lançamento do filme O que
é isso companheiro? houve uma forte reação da esquerda. As críticas foram no
sentido de que houve uma absolvição da ditadura. Na ótica de Ismail Xavier, este
protesto aconteceu devido ao fato de que tradicionalmente o cinema brasileiro
possui um perfil contestador e questionador . Xavier considera que se fosse uma
novela ou minissérie, não haveria grandes objeções, que nesse caso não haveria
a tradição que o cinema possui.
101
101
XAVIER, Ismail. A Ilusão do olhar Neutro e a banalização. Revista Praga
.
n. 3, setembro de 1997,
Editora Hucitec. p.142.
78
2. 1) Paixão pela luta armada.
2. 1. 1) O filme inicia-se com textos. O primeiro afirma que, além de estar
baseado em fato verídico e não procurar se limitar à estrita realidade do acontecido,
a mesma pessoa pode ser estar representada por mais de um personagem.
Podemos pensar no caso das personagens René e Maria, uma vez que sabemos
que na ação do seqüestro havia uma mulher. O segundo texto apresenta
informação de tempo e lugar, uma vez que essas informações são difíceis de passar
ao espectador apenas com imagens. Então temos: Rio de Janeiro início dos anos
60 . As Imagens projetadas em preto e branco procuram passar a idéia de imagens
reais . Temos a praia, mulheres em biquínis maiores do que hoje em dia, o
Maracanã com a torcida na sua maioria com cara de euforia, uma noiva, o bonde,
Garrincha. As fotos são projetadas numa seqüência rápida, tendo como fundo
musical Garota de Ipanema, que é a música brasileira mais conhecida
internacionalmente. Abaixo temos dois planos com essas fotos em preto e branco.
No primeiro está Garrincha fumando um cigarro descontraidamente em um bar,
enquanto que no segundo estamos diante da torcida no Maracanã:
Figura 15
Garrincha no bar. Filme
O que é isso companheiro?
79
Figura 16
Torcida
no Maracanã. Filme
O que é isso companheiro?
Na seqüência textos com informações históricas : Em 1964 o governo
democrático brasileiro é deposto por um golpe de estado militar (texto sobre um
fundo preto sem imagem). Acaba a música e começam vozes em off: o povo unido
jamais será vencido. Abaixo a ditadura . Outro texto: Em dezembro de 1968, a junta
militar que governa o Brasil decreta o Ato Institucional 5 pondo fim à liberdade de
imprensa e todos os direitos do cidadão . Ao pensarmos nos textos encontramos a
opção pelo termo golpe de estado, ao invés de revolução, como preferem os
militares. Na afirmação de que o AI-5 pôs fim a liberdade de expressão e a todos os
direitos do cidadão, pode-se interpretar erroneamente que após o golpe de 1964
ainda continuou havendo liberdade de expressão e os direitos do cidadão eram
preservados. No artigo do historiador Carlos Fico
102
, citado anteriormente, o autor
enfatiza que a repressão ocorreu desde 1964. Ele menciona o exemplo do
comunista Gregór
io Menezes arrastado pelas ruas de Recife, logo após o golpe.
As imagens da passeata com os personagens César, Fernando e Artur,
gritando frases clichês, como abaixo a ditadura , que são imagens de arquivo, foram
trabalhadas de tal forma que os personagens entrassem no meio destas . Essa
estratégia também foi utilizada na série Anos Rebeldes da Rede Globo. O
personagem Paulo está com uma cara desanimada, com um certo artificialismo,
102
FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da
repressão. FERREIRA, Jorge, DELGADO, Neves Almeida, Lucilia (org.). O Brasil Republicano. V. 4.
Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 169.
80
enquanto o som de helicóptero produz tensão. Militares atacam as pessoas da
passeata e Oswaldo aparece atirando pedras em policiais. Som de sirene, bombas,
barulho de cavalos.
2. 1. 2) Cena da televisão do homem chegando à Lua, em cores (depois da
passeata em preto e branco fica um contraste nítido). Sonoramente uma voz e
m
inglês da narração do homem chegando à Lua. Embaixo, letreiro da televisão em
português: Ele vai pisar no solo agora. É um passo pequeno para um homem, mas
um grande salto para a humanidade, 20 de julho de 1969 . Dentro de uma república
há três estudantes conversando. César e Fernando ficam ironizando a prepotência
americana. Artur defende os americanos: Vamos parar com inveja. Os caras estão
chegando na Lua. Se fossem os soviéticos vocês estavam babando de prazer . O
cenário da república é muito bem equipado e arrumado. Possui televisão, telefone,
máquina de escrever; na parede o famoso quadro de Che Guevara, pôster de
filme de Glauber Rocha e outros.
No diálogo entre eles, Fernando afirma: tomei porre pelo Gagari e pela
Laika . Artur: Laika? Fernando: a cachorrinha que os russos mandaram para o
espaço . Soa estranho Artur não saber quem era Laika, no decorrer do filme ele
parece politizado. Fica evidente que é uma deixa para Fernando responder e assim
o filme ficar didático. Na televisão aparece o letreiro: Viemos em paz, em nome da
humanidade
.
Em relação à chegada do homem à Lua, a historiadora Ana Cristina Teodoro
da Silva demonstrou, através da sua pesquisa com capas de revistas, o poder
exercido no imaginário das pessoas, no mundo inteiro pela imagem dos americanos
pisando no solo lunar. A autora pesquisou as sínteses realizadas por revistas, como
a Manchete, Veja e Isto é Senhor, no final do ano, de década, ou quando as revistas
fazem aniversário. O acontecimento da chegada do homem à Lua está em todas e
com destaque. Além do desejo dos norte-americanos de realizar propaganda e se
imporem como líderes do mundo , Ana Cristina Teodoro da Silva coloca a seguinte
questão: A eleição da chegada à Lua como o evento do século tem muito a nos
dize
r sobre a relação prepotente do homem com a natureza, sobre a confiança no
conhecimento científico e na tecnologia
103
103
SILVA, op. Cit., p. 211.
81
2. 1. 3) Ambiente do embaixador. Pessoas bebendo e discutindo política. Um
personagem (assessor do embaixador) dizendo Sputnik era. É um ato político,
uma cortina de fumaça para esconder nossa queda no Vietnã .
2. 1. 4) Na república Fernando pergunta a Artur: Vamos deixar a Lua e
vamos voltar para a Terra. Estamos completando seis meses de imprensa
censurada. A extrema direita se instalou no poder. Nós vamos para luta armada, e
você
? O personagem Artur representa aquele que não quis pegar em armas.
2. 1. 5) Cena de uma gafieira. Alguém faz um pequeno discurso enaltecendo
os Estados Unidos, com um caráter submisso . Embaixador dançando com uma
brasileira e a mulher dele dançando com um brasileiro. O enaltecimento do
embaixador que ocorre durante todo o filme em situações mais importantes que
esta, aparece quando uma das mulheres afirma: menina, como ele dança bem!
Abaixo um plano da festa em que o embaixador e sua esposa são
homenageados:
Figura 17
Festa em homenagem ao embaixador norte-
americano. Filme
O que é
isso companheiro?
2. 1. 6) Os personagens Fernando e Artur conversando na rua. Este tenta
persuadir Paulo de não partir para a guerrilha, com o argumento de que a luta ainda
continuava política. Fernando considera que tal argumento é pequeno
-
burguês.
2. 1. 7) O que é isso companheiro?
enquadra
-se num tipo de filme que possui
seu atrativo na relação com a realidade. Desde a sua origem, o cinema teve um
grande potencial nesta área. No artigo Adaptação de literatura testemunhal
origens,
Lara Valentina Pozzobon mostra que filmes como Estação Carandiru,
82
Cidade de Deus
e
O Bicho de sete cabeças, adaptações de fatos reais, são
herdeiros de uma tradição antiga do cinema. A autora aborda como no final do
século XIX havia na Europa e no Brasil um gosto pela realidade reconstituída . Isto
acontecia em estratégias como o Museu de Cera e os Panoramas. Sabemos do
enorme sucesso que tiveram os folhetins publicados pela imprensa e que
normalmente retratavam acontecimentos extraordinários, como crimes inusitados.
Muitos filmes seguiram esse caminho. No artigo de Pozzobon ela menciona o
segundo filme posado do Brasil: Os Estranguladores do Rio (1908), baseado em
fato real que abalou a cidade dois anos antes, largamente explorado pela imprensa .
104
A expressão filme posado faz oposição aos primeiros filmes de um único plano
e aos naturais , filmes de mais de um plano, mas que funcionavam como
noticiários .
Naturalmente essa representação da realidade acontece de diversas
maneiras. No livro O que é isso companheiro? Fernando Gabeira descreve o seu
ritual de iniciação na Dissidência Comunista, organização que originou o MR-8. A
pessoa que comunicou seu aceite na organização fez uma preleção sobre as suas
qualidades e defeitos e as novas tarefas que deveria fazer. Além disso, houve o
seguinte:
Alguns adjetivos altissonantes, menções à inevitável vitória final, ao
inexorável curso da História rumo ao progresso, encerravam aquele
curto ritual de iniciação. O que nos salvou do ridículo total era o fato de
que, tanto ele como eu, éramos péssimos atores e deixávamos
escapar mil sorrisos fora do lugar, ao longo d
aquela conversa mole.
105
Na cena do filme O que é isso companheiro? o guerrilheiro Marcão comanda
a reunião de iniciação , e o faz de uma forma patética, que se apresenta durante
todo o filme com um perfil superficial . Dentro do aparelho Marcão apresenta os
codinomes aos novatos e anuncia a parte principal, a fala da companheira Maria .
Os candidatos a guerrilheiros não podem olhar no rosto dela até serem
definitivamente admitidos no grupo. Na sua fala, Maria investe num tom sério e
104
POZZOBON, Lara Valentina. Adaptação de literatura testemunhal
origens. Estudos Socine de
Cinema, Ano III.
Org. Mariarosari
o Fabris...[et al.]
Porto Alegre, 2003. p. 183.
105
G
ABEIRA, Fernando.
O que é isso companheiro?
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
83
dramático, dando ênfase ao fato de que vários companheiros estão presos e mortos
e que isso pode também ser o futuro deles.
2. 1. 8) Treinamento dos guerrilheiros na praia com um belo visual e o céu
muito azul. Durante o treinamento podemos perceber uma característica
da
linguagem cinematográfica clássica: ao dar indício durante o filme, do que ocorrerá
posteriormente. Assim, na cena em que Oswaldo acerta um tiro, diz: pensei que
fosse mais difícil , Maria responde: uma coisa é atirar num alvo, outra é atirar num
home
m, pensa nisso! Na seqüência temos a expressão de Oswaldo preocupado,
funcionando como um prenúncio da cena em que ele não consegue atirar no guarda
e é preso.
Durante essa unidade narrativa, temos duas ironias realizadas por Paulo. No
diálogo entre Oswaldo e Paulo, este responde à observação de que a sargentinha
havia cismado com ele, da seguinte maneira: É. Ou ela querendo me foder ou
querendo foder comigo . Oswaldo ri e Paulo esboça um brevíssimo sorriso, com um
certo ar de superioridade. Na cena em que estão almoçando, Paulo afirma: A
companheira pode atirar muito bem, mas comer a sua comida é provar a verdadeira
coragem revolucionária . O grupo ri, menos Maria que fica desconcertada. Aqui
podemos pensar na caracterização do personagem Paulo, que apresenta bom
humor e inteligência.
2. 1. 9) A Música de ação e suspense começou na cena anterior. A
expropriação do banco é realizada com Marcão, vestido de terno, explicando a
diferença entre um assalto e uma expropriação por motivos revolucionários. O
personagem faz uma propaganda do MR-8. A câmera está situada embaixo e
Marcão está em cima de uma mesa, evidenciando a sua figura. No seu discurso,
ênfase à necessidade da democracia. Portanto, essa é uma visão que corresponde
aos anos 80 e 90, que, conforme abordamos, a essência da luta dos guerrilheiros
consistia na busca do socialismo. O figurino utilizado chama a atenção, pois
enquanto Marcão está de terno e gravata, as duas guerrilheiras estão
elegantíssimas. Ao compararmos com o filme
Lama
rca
, constatamos aqui um luxo
maior. Essa questão está relacionada com a composição de tipos que não
levantariam suspeitas, mas também traduz preocupações mercadológicas, ou seja, o
desejo de agradar ao espectador e assim vender mais. Guy Debord, no seu li
vro
com título bastante sugestivo A sociedade do espetáculo, considera que o
espetáculo serve como instrumento de unificação e se constitui numa falsa
84
consciência. O autor apresentou a importância do espetáculo na nossa sociedade da
seguinte maneira:
É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas
particulares
informação ou propaganda, publicidade ou consumo
direto de divertimentos -, o espetáculo constitui o modelo atual da vida
dominante na sociedade
.
106
Além disso, podemos pensar, que estamos diante de um filme que possui
pretensões de reconstituir os anos sessenta, nas características desse momento
histórico.
João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais observaram que: A
moda do cabelo comprido e da barba desarrumada surge n
o final dos anos 60, como
símbolo de afirmação e de protesto de uma nova geração avançada , mas depois
vai sumindo .
107
No filme O que é isso companheiro? não nenhum cabeludo,
apenas existe a barba por fazer do personagem Jonas, mas no geral os outros
personagens são visualmente comportados .
2. 1. 10) Nesta subunidade narrativa temos imagens alternadas dos
guerrilheiros no aparelho, discutindo sobre sua próxima ação, com os militares
torturando Oswaldo. Logo após a prisão deste, a câmera focaliza um prédio com a
bandeira do Brasil na frente, e o som do gemido em off de Oswaldo. Dentro do
prédio, dois policiais de terno na frente, e atrás militares fardados arrastando
Oswaldo. No aparelho, Maria critica Oswaldo dizendo que foi um frouxo por não ter
atir
ado no guarda. No retorno a Oswaldo, temos uma cena de tortura, um
afogamento . Ela possui um tom eufemístico perto do que imaginamos como uma
tortura real, ou se comparada com cenas de outros filmes, como Lamarca
e
Roma
Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini, ou ainda tendo como referência
depoimentos de torturados. Durante a cena de tortura militares conversam sobre
coisas banais. No filme Pra Frente Brasil (Roberto Farias, 1983) esse procedimento
ocorreu numa cena em que policiais torturavam, enquanto discutiam sobre o jogo do
Brasil que logo aconteceria. Nessa representação podemos perceber a banalização
da violência, ao mesmo tempo em que constamos a atrocidade dos militares. Essa
unidade narrativa termina no aparelho, com o personagem Paulo fazen
do a proposta
106
DEBORD, Guy.
A sociedade do espetáculo
. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p. 14.
107
MELLO, João Manuel Cardoso; NOVAIS, Fernando A.., op. cit., p. 571.
85
do seqüestro do embaixador americano. Na seqüência temos o plano de tortura em
Oswaldo:
Figura 18
Cena de tortura. Afogamento. Filme O que é isso companheiro?
2. 2) Seqüestramos o embaixador americano!
2. 2. 1) No seu escritório, embaixador conversa com assessor. Este afirma
que precisa tratar de um assunto urgente, uma lista de convidados para uma festa,
já que no Brasil, uma festa tem a mesma importância de uma reunião, e que a elite é
sofisticada. O historiador Nicolau Sevcenko, no seu livro Pindorama Revisitada,
considera que o Brasil nasceu sob o signo do Barroco, e que a essência de toda
manifestação cultural brasileira está num barroquismo latente , que apresenta
algumas características: extremos da fé, cupidez do poder, anseios messiânicos,
ilusão de grandeza, impulso de contradição, exaltação dos sentidos, êxtase da festa,
convivência das disparidades, ...
108
Neste sentido podemos pensar sobre a aparição
no filme O que é isso companheiro? dessa referência à nossa cultura, em que uma
festa e uma reunião são igualmente importantes. Entretanto, temos que cuidar para
essa visão não passar a servir para uma ótica colonialista e conservadora, de que no
Brasil tudo é festa e que nada de sério há neste país.
108
SEVCENKO, Nico
lau.
Pindorama Revisitada.
São Paulo: Peirópolis, 2000. p. 39.
86
2. 2. 2) Na porta da embaixada, René aparece disfarçada de menina do
interior atrás de um emprego. Ela se insinua para o chefe de segurança para obter
informações. Numa cena eles estão num bar, e a música escolhida sinaliza
claramente uma dicotomia utilizada no filme. No início deste, a música apresentada
é
Garota de Ipanema, no momento em que os guerrilheiros ficam sabendo da
libertação dos companheiros temos a música da Terceira internacional e agora que
estamos num boteco , precisamos de uma música popular e brega . Assim,
enquanto ouvimos: Quem é que não sofre por alguém , os dois personagens
conversam em um ambiente com caracterização típica de um bar popular. Em
nenhum momento lembramos características dos filmes dos anos 60 e 70 que
adotaram o caráter
nacional
-popular, tão em evidência no cinema brasileiro. O que é
isso companheiro? é produzido num momento em que o neo-liberalismo estava no
auge no Brasil e no mundo. Então, isso reflete no filme, quando não vemos
nenhuma pretensão de conscientização e sim de contar uma história da forma mais
neutra e racional possível, diferentemente do que ocorria nas décadas anteriores
em que certos filmes assumiam uma postura crítica, inseridas no paradigma
nacional
-
popular.
O conceito de nacional-popular, utilizado nos anos 60, está em questão na
tese de doutorado de Sandra Pelegrini
109
, intitulada A Teledramaturgia de Oduvaldo
Vianna Filho: da tragédia ao humor
a utopia da politização do cotidiano . A autora
menciona alguns movimentos, que estavam preocupados em levar mais cultura e
educação para o povo, como o Teatro de Arena, o Movimento de Educação de base,
da Igreja Católica, o CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE, e o método de
alfabetização de adultos de Paulo Freire. Nesse período, cultura popular passou a
significar cultura produzida para o povo, visando uma conscientização, o combate da
alienação, e não necessariamente cultura produzida pelo próprio povo. No cinema,
podemos citar como exemplo desta perspectiva o filme Cabra Marcado para morrer
(1984),
de Eduardo Coutinho, iniciado antes do golpe militar de 1964, interrompido
em função deste e retomado na fase de abertura política. Entretanto, essa visão de
cultura popular preocupada com conscientização gradativamente foi substituída por
uma noção mais mercadológica, identificada com o que é mais consumido. Dessa
109
PELEGRINI, Sandra Cássia Araújo. A Teledramaturgia de Oduvaldo Vianna Filho: da tragédia ao
humor
a utopia da politização do cotidiano . São Paulo, 2000. 294 p. Tese (Doutorado em Históri
a
Social)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. p. 12.
87
maneira: Produtos culturais como novelas ou discos seriam, a partir de então,
considerados populares se atingissem um grande público .
110
A personagem René não apresenta um perfil politizado como desejavam os
defensores do conceito de cultura popular existente nos anos 60. No filme O que é
isso companheiro?, ela representa a ex-guerrilheira Vera Silvia Magalhães, que no
seqüestro real fez o levantamento das informações. Alguns dos seqüestradores
ficaram ofendidos com o fato de René ter dormido com o chefe de segurança para
obter as informações, que isso não corresponderia à moral de Vera e dos
guerrilheiros em geral. No diálogo com o chefe de segurança, este afirma que
mandou tirar a bandeira dos EUA da limosine do embaixador americano, porque
esta atraía terrorista e afirma: Aqui entre nós, gringo às vezes é muito burro . No
outro dia de manhã René, ao ligar para seu pai, recebe um tratamento muito rude.
2. 2. 3) A chegada dos guerrilheiros da ALN realiza-se com um fusquinha
(táxi), mostrando a preocupação do diretor de reconstituição das características da
época. Maria faz a apresentação de Toledo e Jonas, fazendo uma apologia dos dois:
Eles vieram trazer a sua experiência de luta em São Paulo e auxiliar o Movimento
Revolucionário 8 de outubro nesta missão . Em relação à denominação desta
organização guerrilheira, no livro memória O seqüestro dia a dia, de Alberto Berquó
encontramos uma versão inusitada para a sua origem: a própria repressão, ou seja,
foram os militares que escolheram esse nome. A primeira denominação era
Dissidência da Guanabara, que surgiu questionando o posicionamento moderado do
Partido Comunista Brasileiro.
Alberto Berquó apresenta a informação de que, no primeiro semestre de
1969, o Cenimar havia destruído a Dissidência do Estado do Rio. No entanto, este
nome não era muito conhecido, que os próprios integrantes da dissidência não
gostavam de nomes muitos formais. Eles estavam preocupados em diferenciar-
se
em tudo
da antiga esquerda . Durante a ditadura havia uma disputa entre os órgãos
de repressão. Todos procuravam mostrar serviço , anunciando a captura de
grandes líderes guerrilheiros ou desmantelamento de organizações. Portanto, assim
que o Cenimar conseguiu destruir a Dissidência do Rio, a qual pretendia estabelecer
uma guerrilha no Paraná, havia uma euforia para fazer a divulgação. No entanto,
ficou uma situação estranha para o Cenimar, uma vez que divulgaria o
110
Ibid, p. 77.
88
desmantelamento de quem? De acordo com Berquó, a Dissidência tinha o nome de
um jornal, Oito de Outubro, em homenagem a Che Guevara. Então, aproveitando o
título do jornal, o Cinemar inventou e batizou a recém-liquidada Dissidência do
Estado do Rio: Movimento Revolucionário 8 de outubro, MR
-8 .
111
No
momento em que os seqüestradores foram divulgar o seu manifesto,
assinaram ALN e MR-8, ou seja, assumiram o nome proposto pelos militares.
Fizeram isso porque achavam estranho o nome Dissidência da Guanabara e
também usaram uma estratégia de desmoralizar o Cenimar, uma vez que este órgão
acabava de anunciar a destruição do MR-8 e ele reaparecia com uma força grande,
seqüestrando o embaixador dos Estados Unidos.
Na cena em que Maria apresenta Toledo e Jonas para os jovens do MR-
8,
Júlio acende o cigarro de Jonas, simbolizando neste primeiro contato uma relação
amistosa que continuou durante todo o filme. Quando Jonas começa a falar, este
está em primeiro plano e em leve câmera baixa . Normalmente este procedimento é
utilizado para dar ênfase ou superioridade a um personagem. Jonas começa com
um discurso muito contundente: As minhas ordens serão obedecidas cegamente,
sem nenhum tipo de discussão. s seremos um grupo unido, coeso e disciplinado.
Eu quero avisar que eu mato o primeiro que vacilar ou discordar . A seguir, em
primeiro plano, o personagem Jonas no momento em que é apresentado aos
guerrilheiros do MR-8 e depois um plano de conjunto onde observamos todos os
guerrilheiros:
Figura 19
Jonas da ALN se apresentando ao grupo do MR-
8. Filme
O que é isso
companheiro?
111
BERQUÓ, op. cit. p. 72.
89
Figura 20
Plano de conjunto com todos os guerrilheiros do filme O que é isso
companheiro?
A caracterização do personagem Jonas produziu muita celeuma entre alguns
participantes do seqüestro. Um
a questão que provocou muita irritação trata
-
se dessa
cena em que o personagem Jonas ameaça de morte aqueles que não seguissem a
sua ordem. No ano de 2007 foi lançado o documentário Hércules 56, onde o diretor
Silvio Da
-Rin reuniu os participantes do seqüestro numa roda informal, para recordar
como o seqüestro ocorreu e a importância deste. Em um determinado momento,
quando estavam debatendo sobre o comando de Virgilio Gomes da Silva (Jonas), há
um comentário de que este dirigiu a ação com convicção e firmeza, como se espera
de um líder numa situação como essa. Um dos ex-guerrilheiros (Cláudio Torres)
afirmou que Virgilio (Jonas) falou o seguinte: que todos devem obedecer ao seu
comando e que se alguém fizesse alguma coisa que colocasse em risco a operação,
ele não ia esperar a justiça revolucionária, ele executaria ele próprio . Acreditamos
que a caracterização do personagem Jonas em O que é isso companheiro?
realmente foi exagerada já que, durante todo o filme, ele se apresenta de forma rude
e antipática, entretanto queremos mostrar que a ameaça de morte para os
guerrilheiros indisciplinados fazia parte do horizonte da luta armada.
2. 2. 4) Durante o filme, várias vezes um momento de trégua, de
relaxamento para o espectador, com a tomada da Baía da Guanabara. Neste
momento ocorre pela primeira vez e focaliza uma árvore e um u laranja, muito
bonito. Sonoramente uma música lenta, seguida de uma voz de rádio em off:
90
Repercutiu intensamente nos Estados Unidos da América à declaração do
president
e Richard Nixon de retirar do teatro de guerra no Vietnã 25.000
combatentes americanos. O serviço de meteorologia indica para as próximas 24
horas tempo bom
.
Declínio da temperatura . A referência à Guerra do Vietnã,
significa uma tentativa de contextualização do momento histórico e também passar
credibilidade, que a voz radiofônica passa objetividade, enquanto que a
informação da temperatura com o tom de voz usado pelo locutor procura passar
naturalidade e descontração. O texto informativo:
Quinta
-
Fei
ra, 4 de setembro, 1969
,
apresenta o tempo e espaço da situação. Martine Joly observou que essa
característica é muito comum no cinema, uma vez há muita dificuldade de se
conseguir passar noção de tempo e espaço somente com imagens.
112
2. 2. 5) Ismail Xavier, no livro O Discurso Cinematográfico. A Opacidade e a
Transparência
113
escreveu que uma das principais características da linguagem
hollywoodiana é a montagem objetivando que o espectador esqueça a sua
presença; assim tudo é realizado com vistas a uma verossimilhança. Além dessa
característica, a denominada montagem paralela buscou dar uma noção de
simultaneidade. Um exemplo bastante simples é apresentado nas cenas de
perseguição, onde perseguidores e perseguidos são filmados separadamente, mas
são juntados de tal maneira que a cena apresente essa visão de simultaneidade.
Durante a cena do seqüestro do embaixador americano acontece uma montagem,
onde quatro situações enfocadas: o embaixador e seu ambiente, os guerrilheiros
na rua, a mulher observando na
janela e o policial no telefone.
Durante o café da manhã do embaixador, este estranha o fato de sua mulher
estar acordada e ela afirma que teve um pesadelo. Sonhou que o embaixador
estava na Romênia na Segunda Guerra Mundial, sendo observado pelo drácula. O
fato de a embaixatriz ter acordado cedo justo naquela manhã e ter tido aquele sonho
revela uma maneira de contar uma história . O embaixador responde às
considerações da sua mulher de forma bem humorada, dizendo: Até vampiros
reconhecem a imunidade
diplomática .
Na rua a tensão dos guerrilheiros aumenta cada vez mais. Rena esquina
ameaça sinalizar, mas não sinaliza. A música de suspense cria expectativa. Maria e
112
MARTINE, op. cit. p. 23.
113
XAVIER, Ismail.
O Discurso Cinematográfico.
A Opacidade e a Transparência. Rio de Jan
eiro: Paz
e Terra, 1984.
91
Jonas estabelecem o seguinte diálogo: Maria: era a limusine do embaixador
português
. Jonas: que vaca! Maria: vai com calma, companheiro. A limusine do
embaixador português é parecida com a do norte-americano. Jonas: não é. A do
português têm bandeirinha a do norte-americano não . Essa questão dos
guerrilheiros quase seqüestrarem o embaixador português é apontada tanto no livro
O que é isso companheiro
, como em
O seqüestro dia
-a-
dia
.
Enquanto o seqüestro ocorre, uma mulher de uma janela (Fernanda
Montenegro) liga para a polícia e diz que tem alguma coisa estranha na rua. Quem
faz o papel do guarda é o cantor Lulu Santos, estratégia utilizada pelo diretor, para
dar um certo charme à cena. O guarda liga para a mulher da janela dizendo que a
viatura está indo e para ela se acalmar. Essa questão de colocar algum
personagem observando de uma janela leva a uma identificação do olhar do
espectador com o do personagem, e trata-se de um recurso cinematográfico
bastante utilizado. O espectador tem a impressão de que está assistindo o seqüestro
pela janela. O diretor inglês Alfred Hitchcock, em 1954, realizou o filme
Janela
Indiscreta
, em que havia um fotógrafo que sofreu um acidente e passa a viver
isolado no seu quarto. Como ele morava em um condomínio , começou a observar
a vizinhança da sua janela com um binóculo, assim ele descobriu a trama de um
assassinato.
Ismail Xavier em Grandes Cursos Cultura na TV O cinema clássico na ótica
de Alfred Hitchcock, analisa esse filme detalhadamente. O pesquisador nos chama
a atenção para o início do filme, onde temos uma cortina que se abre, fazendo uma
metáfora com o início de um filme no cinema. Além disso, o protagonista fica
sentado o filme inteiro, correspondendo também a uma metáfora com o espectador.
Em
A Janela Indiscreta constantemente uma discussão em torno da moral e da
justiça. Seria lícito o personagem ficar espiando a vizinhança e a sua namorada
chegar ao ponto de invadir o apartamento do suspeito do crime para tentar elucidá-
lo? Ismail Xavier nos informa que, em 99% dos filmes hollywoodianos (clássicos) a
os anos 50, havia uma tendência de trabalhar com a idéia de tribunal, como um
elemento de um ritual da sociedade, onde o veredicto se faz, como um elemento de
justiça da sociedade.
Na saída do embaixador, o motorista alerta que o segurança não chegou,
porque houve problemas com os trens. Houve uma preocupação de mostrar as
dificuldades da infra-estrutura do país. No momento do seqüestro, o personagem
92
Marcão dá uma coronhada no embaixador. Na edição do livro O que é isso
companheiro?
feita após o lançamento do filme, o autor fez algumas retificações, e
incluiu na capa a frase: O livro que inspirou o filme de Bruno Barreto, como
estratégia de marketing. Uma correção trata-se da coronhada que o embaixador
levou. Nas primeiras edições Fernando Gabeira escreveu pequeno golpe, mudando
para
forte golpe, em virtude das anotações que o embaixador fez no exemplar que
este teria lido. Como o embaixador morreu em 1983, a retificação poderia ter sido
realizada. Entretanto, ela aconteceu depois da produção do filme, em conjunto com
outras, como o da afirmação de que o autor do manifesto dos guerrilheiros foi
Franklin Martins
114
e não Fernando Gabeira, como aparece no filme.
Produzido pela TV Cultura em 2001, o documentário Carlos Mariguella retrato
falado de um guerrilheiro, apresenta depoimento de ex-guerrilheiros, da viúva de
Marighella, dos freis dominicanos, dentre outras pessoas. No depoimento da ex-
guerrilheira Guiomar Silva Lopes, esta falava sobre as ações realizadas, e o
entrevistador pediu para ela mencionar alguma; então ela falou a res
peito da tomada
da rádio Nacional, que na época possuía muita audiência. Ela aborda que esta ação
foi uma convulsão, o pessoal da esquerda ficou maravilhada, achando que a tomada
do poder seria no dia seguinte . Bronislaw Baczko, em artigo citado, enfoca a
questão dos períodos quentes , em que a produção de imaginário social aumenta
fortemente, como no período da Revolução Francesa e também na década de 60 do
século passado. Baczko afirma que o início da revolução é algo exultante, as
pessoas se consideram viver em um momento excepcional. Podemos estabelecer
uma relação entre a fala de Guiomar, a respeito do que as pessoas pensavam ser o
início de uma revolução e as considerações de Baczko: Subitamente, é como se
adquirisse a esperança, e até mesmo a certeza, de que acabaram de vez os
constrangimentos sociais habituais .
115
O ex-guerrilheiro Manoel Cyrilo de Oliveira afirma que o golpe dado no
embaixador ocorreu em função deste tentar se engalfinhar com Vírgilio porque, na
troca dos carros, pensou que seria morto. Cyrilo afirma que o objetivo do golpe foi
para trazer o embaixador para a realidade , e que ele pediu desculpas quando
chegou na casa, porque não teria percebido qual era o tipo de grupo que o estava
seqüestrando. Outra questão importante do depoimento de Manoel Cyrilo de Oliveira
114
GABEIRA, op.cit. p. 118.
115
BACZKO, op. cit., p. 320.
93
é a de que a ação foi vitoriosa desde o início. A leitura do manifesto realizou-
se
antes deles chegarem na casa; portanto não se discutiu nunca a hipótese de matar
o embaixador . Apesar dele não mencionar diretamente, esse comentário possui
relação com o filme O que é isso companheiro?. Ou seja, ele está contestando uma
versão apresentada pelo filme de Bruno Barreto, e nesse sentido entrou no campo
de disputa pela memória em relação a este período.
2. 3) A vida d
entro de um aparelho.
2. 3. 1) Nesta unidade narrativa, o cotidiano do aparelho e as negociações
realizadas com o governo. O personagem Marcão recortando os olhos do capuz,
ao som da televisão: canta canta não sei cantar (Elis Regina). Aqui fala o seu
Repórter Esso testemunha ocular da história, em edição extraordinária, em
homenagem aos jornalistas do Brasil . Acaba a música e entra jornalista: Boa Noite,
Grupos terroristas seqüestraram hoje no Rio de Janeiro o embaixador dos EUA,
Charles Elbrik .
116
Repórter Esso possuía uma grande credibilidade, apresentando
uma característica informativa e não opinativa.
Na cena em que os guerrilheiros ficam apreensivos assistindo o Repórter
Esso, René está segurando a camisa do embaixador. um primeiríssimo plano na
camisa onde sangue. Assim temos a informação de que algum problema ocorreu
no momento do seqüestro. Dos guerrilheiros assistindo à notícia no aparelho, surge
a embaixatriz e assessor assistindo à mesma notícia na televisão. Depois o
policia
l/torturador e sua namorada também assistindo. Durante essa última situação
surge uma briga conjugal e a namorada pergunta: você não está torturando aqueles
garotos? A terminologia carinhosa garotos fica estranha, uma vez que a televisão
116
O Repórter Esso surgiu no rádio e depois passou para a televisão. No Brasil tornou-se comum a
mudança de profissionais do rádio para a televisão. No site Museu da Televisão Brasileira existe a
biografia de Gontijo Theodoro. Originário do rádio foi para a TV Tupi no Rio de Janeiro e por mais de
18 anos atuou apresentando o Repórter Esso. O cinema brasileiro enfocou essa passagem do rádio
para a televisão, no filme do diretor Bruno Barreto, A Estrela Sobe (1974), em que a protagonista
(Bety Faria), originária de uma família com poucos recursos, possuía o sonho de tornar-se uma
cantora de rádio. Depois de muitos percalços, como prostituição, bebidas, reforçando um estereótipo
do
que aconteciam as cantoras de rádio, ela termina o filme ingressando na televisão. Em 1998, o
diretor Guilherme de Almeida Prado, dentro de uma perspectiva diferente, também enfocou essa
transição do rádio para o cinema, no filme
A Hora Mágica.
94
anunciou terroristas, e também ela não era muito mais velha do que os guerrilheiros.
Ao responder a pergunta, o torturador apresenta a justificativa tradicional de que os
fins justificam o meio , ao afirmar a necessidade das informações para se conseguir
manter a ordem e
os inocentes dormirem sossegados .
2. 3. 2) No aparelho, Maria afirma que ficou orgulhosa de Paulo. Apesar de
não saber atirar, escreveu um bom documento. No momento em que Paulo vai sair
para comprar pizzas, ele dá um beijo em Maria e ela assustada: o que é isso
companheiro? Paulo responde: um beijo Maria . No livro de Fernando Gabeira
momentos em que este aborda o que chamou de processo de burocratização vivido
pela esquerda. As questões pessoais não deviam importar e sim o caminho para a
revoluç
ão, onde as classes sociais o apenas definiam a história, mas
pressupunha o completo esmagamento do indivíduo .
117
A imagem dos anos
sessenta como libertária, cheia de idealismos, de contestações, se opõe a um certo
sectarismo da esquerda. Podemos observar a cena em que Paulo parte para beijar
Maria, e esta apresenta um susto e expressão de repreensão:
Figura 21
Paulo dialogando com Maria. Filme
O que é isso companheiro?
117
Ibid.,
p. 149.
95
Figura 22
A expressão de susto de Maria
após receber beijo de Paulo.
Filme
O que é isso companheiro?
Na saída Paulo encontra Artur. No diálogo este último considera: Vocês e os
militares são as duas pontas da ferradura. Parecem distantes, mas na verdade estão
muito próximos . Essa fala do personagem possui bastante relação com o
posicionamento de Bruno Barreto, que este não gosta de engajamento político,
118
e em relação ao filme O que é isso companheiro? se posicionou sempre
argumentando um distanciamento e neutralidade . O comentário do pe
rsonagem
Paulo ocorre de forma artificial como se estivesse falando para a posteridade: Um
dia, quando contarem a história do nosso tempo, todo mundo vai saber que um
grupo de pessoas pegou em armas para lutar contra a ditadura. Isso é importante.
Muito mais do que você pensa. Nem todo mundo se escondeu numa casa de
bonecas . Na volta para casa, dentro do táxi, Paulo encontrou um motorista animado
dizendo que os caras que seqüestraram o embaixador são demais . No livro O que
é isso companheiro? existe essa passagem do motorista animado, apenas os
diálogos são outros.
Essa postura de neutralidade e distanciamento não encontramos em uma
tendência cinematográfica, a do cinema político italiano dos anos 60 e 70 do século
passado.
119
No livro Cinema político italiano. Anos 60 e 70, de Ângela Prudenzi e
118
NAGIB, op. cit. p. 93.
119
Podemos mencionar os seguintes filmes e diretores dessa vertente italiana:
Bandidos em Orgosolo
(Vittorio de Seta, 1961), Os companheiros (Mario Monicelli, 1963), Sacco e Vanzetti (Giuliano
Montaldo, 1971), Giordano Bruno (Giuliano Montaldo, 1973), Os Subversivos (Vittorio Taviani e Paolo
Taviani, 1967), Pai Patrão (Vittorio Taviani e Paolo Taviani, 1977), Antes da Revolução (Bernardo
Bertolucci, 1964).
96
Elisa Resegotti,
120
o depoimento de dezesseis cineastas que produziram filmes
no período assinalado. No depoimento do cineasta Vittorio de Seta, podemos
constatar uma característica do cinema dos anos 60 e 70 e um sentimento da nossa
época, quando este afirma: Antes de mais nada, é preciso dizer que, naquele
tempo, todo o cinema era de esquerda. Hoje quase nos envergonhamos de dizer
isso, mas havia aquela crença, aquela expectativa de poder mudar o mundo .
121
Evide
ntemente não estamos diante de nenhuma novidade, mas não deixa de ser
importante pensar essa questão. Ou seja, o desejo de algumas cinematografias
daquele período de tentar mudar o mundo e nos dias atuais a inibição, o receio de
assumir tal postura.
Na apresentação realizada dos irmãos Tavianni
122
, no livro mencionado
acima, estes são caracterizados como um dos poucos cineastas que não fizeram
concessões ao mercado. Essa idéia é reforçada pelo fato de que durante quarenta
anos de carreira produziram apenas quinze filmes. Na ótica de Ângela Prudenzi e
Elisa Resegotti, isso demonstra o rigor e dedicação que estes cineastas possuem ao
fazer um filme. Numa visão capitalista essa característica dos irmãos Tavianni se
apresenta como demérito, uma vez que nessa perspectiva importa a quantidade e
lucratividade e não a qualidade da produção em si. No depoimento de Vittorio
Tavianni (ele representa a dupla publicamente), ao falar sobre sua juventude,
apresenta a importância, para a vida ter sentido, de uma ética cuja força residia no
fato de convivermos sem distinções de classe .
123
Também uma referência
importante a uma influência cinematográfica, a do neo-realismo italiano. Tavianni
afirma que foram impactados por essa linguagem nova, que mostrava, por exemplo,
cara
cterísticas do sul do país que eles nem imaginavam. uma menção e
admiração, tanto aos filmes, como à pessoa de Glauber Rocha. No depoimento do
cineasta Bernardo Bertolucci, este fala da convivência com os jovens brasileiros,
Glauber Rocha, Paulo César S
araceni e Gustavo Dahl.
120
PRUDENZI, Angela, RESEGOTTI, Elisa. Cinema político italiano. Anos 60 e 70. São Paulo:
cosacnaify, 2006.
121
Ibid., p. 94.
122
Os irmãos Vittorio Taviani e Paolo Taviani, sempre trabalharam juntos na direção, formando uma
dupla de sucesso nos anos 60 e 70 do século passado.
123
Ibid., p. 106.
97
Entretanto houve um momento de crise dos ideais.
124
As conseqüências
dessa crise se manifestam nos anos noventa do século passado, momento da
realização de
Lamarca
e O que é isso companheiro? e ainda atinge os nossos dias.
No
depoimento de Vittorio Tavianni, ele coloca a visão de que no período dos anos
sessenta era fácil enxergar o bem e o mal, mas que essa realidade modificou-se e
tornou
-
se complexa. Ele enfoca a crise dos ideais, citando seu filme,
Os Subversivos
(1967), onde a seguinte conjuntura: Cada um dos protagonistas manifesta a seu
modo um mal-estar por não saber mais o que fazer, por sentir que as respostas que
até naquele momento vinham da política já não eram suficientes .
125
Ainda no livro citado, existe um ensaio, intitulado O Paraíso do espectador ,
de José Carlos Avellar. Neste uma análise sofre o filme A Batalha de Argel
.
Avellar nos informa que vários intérpretes desse filme não são atores profissionais.
O torturado da cena inicial é um ladrão que viveu em Argel durante a guerra civil.
Depois de trabalhar no filme, voltou para a prisão, enquanto um camponês
analfabeto, fez o papel de Ali La Pointe, líder da F L N, organização guerrilheira
criada para tentar a independência da Argélia. Avellar considera A Batalha de Argel
,
uma espécie de ponte entre o neo-realismo italiano e o cinema político italiano dos
anos 60 e 70. O neo-realismo italiano surgiu na década de 40 do século passado e
podemos mencionar os filmes Roma, cidade aberta (Roberto Rosselini, 1945), e
Ladrões de Bicicleta (Vittorio De Sica, 1948) como exemplos desta vertente, que
questionou o modelo hegemônico de se fazer cinema, ou seja, o hollywwodiano. Em
seu ensaio, Avellar aborda a novidade que os filmes neo-realistas exibiam ao:
marcar o quanto eles eram diferentes dos melodramas filmados em estúdio, o
cinema deve colar na realidade como se fosse a sua própria pele, sem
artificialismos . Neste sentido, a ênfase do neo-realismo italiano seria mostrar a
realidade, sem o melodrama, as grandes estrelas e toda encenação glamourosa
produzida nos estúdios. O cinema político italiano dos anos sessenta e setenta
seguiu esses passos, fazendo algumas modificações, como por exemplo, a de que
não necessariamente é preciso ficar colado na realidade, para passar alguma visão
de mundo sobre a sociedade. Ao contrário, o diretor pode lançar mão de alguns
124
Entre outras razões para essa crise, podemos mencionar a burocratização e caminho autoritário
seguido pela ex
-
União Soviética. Já abordamos a angústia ocorrida em 1959, com os acontecimentos
políticos do governo Kruschev, que trouxe a vista todas as crueldades realizadas no governo de
Stalin.
125
PRUDENZI, Angela, RESEGOTTI, op. cit. p. 107.
98
recursos que podem contribuir nesse sentido. Além disso, o cinema político italiano
possuía o desejo de não apenas constatar a realidade, mas também de apon
tar
soluções.
Outro cineasta importante do cinema político italiano, Giuliano Montaldo,
realizou vários filmes com temática histórica, como Sacco e Vanzetti (1971) e
Giordano Bruno (1973). Sacco e Vanzetti conta a história de dois anarquistas
italianos que migraram para os Estados Unidos, no início do século XX, que foram
acusados injustamente de homicídio, e executados na cadeira elétrica. Grande parte
desse filme passa-se no tribunal, onde os anarquistas Sacco e Vanzetti são
julgados. O promotor Palmer possui um perfil de extrema direita, possui um discurso
racista, contrário à presença dos imigrantes nos Estados Unidos. Ele vai discutir
várias vezes com o advogado de defesa Moore. Na metade do filme um debate
entre os dois, onde Palmer desqualifica as testemunhas trazidas por Moore,
argumentando o seguinte: Uma fila de tristes personagens. Saídos do submundo da
nossa sociedade. Miseráveis esfarrapados. Moore acusa Palmer de racismo e este
responde: Quer pior racismo de quem, como a defesa quer contrapor a leais
cidadão americanos, a testemunhas corretas e conscienciosas, uma massa de
pobres imigrantes . Moore responde: Racismo! Racismo! São as mesmas idéias
dos fanáticos da Ku Klux Klan .
Numa comparação com o filme O que é isso companheiro?, pod
emos
constatar que em Sacco e Vanzetti, os diálogos são mais politizados, a questão
política é central e intensa. No depoimento de Giuliano Montaldo, este afirma que
fica impressionado como os filmes de engajamento social e político dos anos
sessenta e setenta continuam atuais. Ele afirma que a intolerância está longe de ser
superada, ao contrário hoje ela é mais intensa, ao se referir ao desprezo pelos
imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos. O que mais angustia o italiano
Giuliano Montaldo é o fato de que entre os que obstaculizam a presença dos
imigrantes estão ítalo-americanos. Neste sentido ele questiona: Que fim levou a
consciência de nosso passado? Por que não o recordamos mais? Eis então que
uma obra como Sacco e Vanzetti acaba sendo extremamente atual .
126
Lúcia Nagib, no livro A utopia no cinema brasileiro, reflete sobre a retomada
do cinema brasileiro, através da análise de filmes, como Terra Estrangeira (Walter
126
Ibid., p. 116.
99
Salles e Daniela Thomas, 1995), Central do Brasil (Walter Salles, 1998),
Crede
-
mi
(Bia Lessa e Dany Roland, 1997) O Invasor (Beto Brant, 2002), Cidade de Deus
(Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002), dentre outros. A autora analisa a questão
da utopia, bastante presente tanto nos filmes políticos italianos dos anos sessenta e
setent
a, como no cinema novo brasileiro, e estabelece uma periodização dentro da
denominada retomada do cinema brasileiro. O filme Terra Estrangeira (1995)
representaria, principalmente para o cinema, o fim de um período de desânimo e
falta de perspectiva, iniciado a partir do governo Collor. Inclusive os personagens
desse filme possuem como principal objetivo deixar o Brasil e tentar a vida na
Europa, uma vez que o governo de Collor não oferecia muitas expectativas. A partir
desse momento, de acordo com Lúcia Nagib, existe a ascensão da utopia em vários
filmes, como Corisco e Dada (1996), Baile Perfumado (1997) e
Crede
-
mi
(1997).
Essa fase termina com Abril Despedaçado (Walter Salles, 2001), onde ocorre uma
decadência utópica. Esse período de utopia no cinema brasileiro corresponde a um
momento de certo otimismo , em relação ao país, vivido principalmente no primeiro
mandato de Fernando Henrique Cardoso, em que, além do Plano Real, havia uma
certa crença no neo
-liberalismo, como se o país estivesse entrando nos trilhos .
Estabelecendo uma comparação, Lúcia Nagib raciocina da seguinte maneira:
assim como o cinema novo passou por uma fase utópica, seguida de um declínio, o
cinema da retomada também passou por isso. No caso do cinema novo, a primeira
fase pode ser exemplificada com o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol
(Glauber
Rocha, 1963), em que o desejo de revolução é evidente. No período pós golpe
militar de 1964, surgem filmes como O Desafio (Paulo César Sarraceni, 1964) e
Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), em que a perplexidade toma conta diante
da nova situação. Em O Desafio, o intelectual protagonista está em crise, assim
como em Terra em Transe. No final deste último, o personagem Paulo Martins acena
com a possibilidade da luta armada, para enfrentar a situação de adversidade. Em
relação à questão da utopia, recorreremos a uma questão levantada por Lúcia
Nagib:
O momento da retomada da produção cinematográfica no Brasil, a
partir de meados de 1990, trouxe de volta mitos e impulsos inaugurais
ligados à formação do Brasil e á identidade nacional, abrindo
novamente espaço para o pensamento utópico. Mas, num mundo
globalizado, pós-utópico e desprovido de propostas políticas, em que
projetos nacionais muito deram lugar a relações transnacionais, a
100
nova utopia brasileira necessariamente significou olhar para trás e
reavaliar propostas centradas na nação.
127
Nessa perspectiva, o cinema da retomada apresenta-se nostálgico e pronto
para homenagear os cineastas do passado, ao contrário do cinema novo, que
possuía uma postura bastante crítica e debochada em relação aos seus
antecessores. Os integrantes do cinema novo se colocavam na posição de estar
criando uma cinematografia nova, assim como ocorria na Europa. Nesse sentido, os
cineastas da retomada são mais modestos, tanto na questão estética, como na
possibilidade de interferência na realidade. Naturalmente a conjuntura pós-
guerra
fria influenciou neste posicionamento. Enquanto o cinema novo possuía uma ênfase
no caráter nacional, muitos filmes da retomada possuem uma postura transnacional.
Dentro da ótica da maioria dos filmes da retomada, a utilização de esteriótipos
não se apresenta de forma problemática. Assim, na cena do filme O que é isso
companheiro?
em que Marcão está fazendo exercício e René lavando a camisa do
embaixador, passando uma imagem de boa menina , estamos numa situação de
reforço de papéis sociais. Na seqüência do filme, a imagem do Corcovado surge
para aquele momento de descontração e para demarcar o andamento da situação
com o seguinte texto:
Sexta
-Feira, 5 de setembro, 1969. O jornaleiro, assobiando a
música
A Banda
, deixa jornal na casa.
2. 3. 3) Cena dos guerrilheiros para interrogar o embaixador. O personagem
Jonas, na sua hostilidade em relação ao personagem Paulo, questiona a s
ua
presença, uma vez que somente a direção das organizações deveriam participar do
interrogatório. Jonas pergunta ao embaixador quais são os homens da CIA no
Brasil? O embaixador responde que não faz a mínima idéia. Jonas, dentro do perfil
estabelecido pelo diretor Bruno Barreto, reage colocando o revólver na cabeça do
embaixador e afirma: Você pensa que está falando com algum palhaço . A
companheira Maria intervem questionando se o embaixador ignora o fato de que
militares americanos dão aula de tortura para militares brasileiros . Novamente o
embaixador responde negativamente. Como o embaixador apresenta um perfil
equilibrado e democrático, o filme acaba corroborando a visão de que o governo
norte
-americano não apoiou os militares. Entretanto, no artigo de Carlos Fico,
127
NAGIB, Lúcia.
A utopia no cinema brasileiro
. São Paulo: cosacnaify, 2007. p. 25.
101
Espionagem polícia, política, censura e propaganda
: os pilares básicos da repressão
nos deparamos com a seguinte consideração: Desde julho de 1969 funcionava, em
SP, a chamada Operação Bandeirantes (Oban). Existem indicações expressivas
de
que a Oban tenha sido criada com a ajuda dos Estados Unidos .
128
2. 3. 4) No açougue, o personagem Julio compra oito galetos de frango. O
dono do estabelecimento estranha este fato e Julio mostra um bolo de dinheiro e
afirma
:
eu posso comprar vinte, cinqüenta se quiser, mas eu quero oito .
Obviamente que este comportamento mostra um vacilo em termos de segurança.
Em alguns livros de memórias, ex-guerrilheiros abordam a questão de que em
determinados momentos se sentiam poderosos. Como eles agiam fora
da
legalidade, eles falsificavam nomes, possuíam dinheiro para comprar coisas. Em
certas situações sentiam-se superiores e abusavam. Esta cena mostra a presunção
do personagem ao esnobar que podia comprar quanto quisesse . Na saída de Júlio,
temos a impressão de que o bonde estava a sua espera e sonoricamente, além dos
ruídos naturais como o do bonde andando, um assobio em off (talvez de um
transeunte) da seguinte música: Eu sou o samba, sou natural aqui do Rio de
Janeiro, quero mostrar que tenho valor . O sociólogo Marcelo Ridenti aborda a
incorporação que a Rede Globo de televisão fez em relação ao conceito de nacional
-
popular surgido nos anos 60.
129
Neste sentido, podemos dizer que Bruno Barreto
realizou o mesmo procedimento.
2. 3. 5) Os militares reunidos, olhando fotos, discutem o que fazer. Um militar
afirma: Algum grupo se apropriou da sigla MR 8. O antigo havia sido eliminado,
extinto . Os militares mais jovens apresentam posicionamento de o aceitar
negociações e o mais velho age com mais p
rudência e moderação.
2. 3. 6) Na saída de Paulo à rua para fazer tarefas, este uma olhada na
bunda de uma menina . Se realmente Bruno Barreto estava preocupado com a
venda do filme para o exterior e, portanto, fazendo um filme para os norte-
americano
s, podemos entender essa olhada, como indicativa da preferência
nacional, em oposição aos norte-americanos que possuem preferência pelos seios.
Também podemos enxergar uma postura liberal, parecida com a que normalmente
encontramos nas novelas, ou seja, de
estar à frente dos costumes, ou de aliviar uma
transgressão. Na cena em que a personagem René olha para a revista sobre o
128
FICO, op. cit. p. 184.
129
RIDENTI, Marcelo.
O fantasma da revolução brasileira
. São Paulo: Edit
ora da UNESP, 1993.
102
Festival de Woodstock e um sorrisinho malicioso, também estamos na mesma
situação. Essa característica ajuda muito na identificação do público, principalmente
do jovem. Durante o filme, René não apresenta nenhuma fala política, portanto não
possui características de uma guerrilheira. Na seqüência temos o plano dela lendo a
revista ilustrada sobre o Festival de Woodstock:
Figura 23
René vendo a Revista sobre Woodstock. Filme
O que é isso
companheiro?
2. 3. 7) Neste momento o filme diminui seu ritmo e o diálogo estabelecido
entre Jonas e Julio se com o primeiro dizendo que Paulo terá que provar seu
mérito.
Além da boa conversa, terá que matar o embaixador caso seja preciso. Com
voz em off, o embaixador a carta que escreveu para esposa. Numa cena
predominante escura, evidenciando a situação do embaixador enclausurado em um
quarto, ele vai descrevendo o perfil dos guerrilheiros que se revezam na sua guarda.
O primeiro é Júlio caracterizado como uma criança e menino fanático. Jonas, com
voz cheia de ódio e ressentimento, um subproduto da Guerra Fria, cuja
determinação supera a ignorância . Toledo, o velho entre garotos: A revolução é um
bom lugar para se esconder de si mesmo. Mas podemos dizer o mesmo do serviço
diplomático . Sobre essa fala do embaixador percebemos um discurso politicamente
correto , uma vez que afirma o desejo de Toledo se esconder de si mesmo, mas
reconhece que isso também ocorre com ele. Nesta caracterização dos
seqüestradores temos maior tempo para Paulo, inclusive com um diálogo entre os
dois, que não aconteceu com os outros, que simplesmente eram mostrados
103
enquanto a fala do embaixador amarrava a situação . Paulo é o que desperta mais
a curiosidade do embaixador e é classificado como culto, embora acredite em cada
coisa! Debateram sobre os Panteras Negras, Vietnã e alfaiates.
2. 3. 8) No açougue os militares pegam informações. Retomando o artigo de
Carlos Fico, uma abordagem sobre o clima de delação que havia na época da
ditadura, portanto o açougueiro pode representar esse sentimento das pessoas.
Depois dessa cena, a tensão se estabelece no aparelho, com o som da campanhia.
Paulo aponta arma para o embaixador, e este acorda assustado. Depois de
resolvida a situação, Paulo leva o embaixador ao banheiro, por um corredor bastante
escuro. Dentro do banheiro bastante luminosidade e o choro do embaixador
sentado na privada. A tri
steza da situação é realçada com um dedilhado de violão.
2. 3. 9) Pela terceira vez, a Baía da Guanabara é enquadrada com o texto:
Seis de setembro de 1969.
2. 3. 10) No momento em que os militares descobrem a casa dos guerrilheiros
obviamente a tensão
se instaura e o personagem Jonas reafirma seu caráter ríspido:
Nosso grupinho é meio amador, eles são profissionais . um travelling da casa
para os militares no poste. Dentro da casa, o primeiro plano em René
rezando
evidencia a situação. No momento em que Paulo segue os militares um travelling
longo, de 37 segundos até a casa de plantão dos militares. Na seqüência ocorre a
discussão sobre quem mataria o embaixador, caso fosse preciso. Jonas articulou
para ser Paulo.
2. 3. 11) No quarto, Paulo e Maria conversam. O primeiro plano na manchete
do jornal O Globo
:
I Exército comanda caça a seqüestradores, busca dar
credibilidade à cena, que muitos acreditam na objetividade da imprensa e dos
grandes jornais, e ao mesmo tempo contribui para o clima de tensão. A personagem
Maria relaxa e abandona o estereótipo de sargentona , predominante na maior
parte do filme, e por um breve momento abandona as normas de segurança,
afirmando seu verdadeiro nome e dizendo que já tinha visto Paulo numa passeata. A
relaçã
o sexual contribuiu para um certo frisson .
2. 3. 12) Texto: 19:30. A marcação do tempo passa ser por hora. Casa de
plantão dos militares, onde os dois torturadores estão conversando. Um deles fala a
respeito de um militar (Peçanha) que se apaixonou pela torturada e casou com ela.
O militar/torturador afirma que Peçanha pegou gosto pelo ofício da tortura. Acabou
encontrando prazer que nunca teve no trabalho burocrático . No prefácio do livro
104
Brasil Nunca Mais, escrito por Dom Paulo Evaristo Arns, este aborda a degradação
moral que ocorre com o torturador: Quem repete a tortura quatro ou cinco vezes se
bestializa, sente prazer físico e psíquico tamanho que é capaz de torturar até as
pessoas mais delicadas da própria família!
130
2. 3. 13) Texto: 20 h e 30 m. A tensão cresce com a troca de turno entre
Marcão e Paulo. O momento próximo ao prazo dado pelos guerrilheiros se aproxima.
Esse clima de tensão possui características óbvias, portanto examinaremos um
detalhe da cena. Quando o personagem Paulo senta-se à frente do embaixador,
observamos no campo de profundidade uma parte da parede totalmente sem
reboque e com tijolos baianos expostos. Esta parede não se encaixa dentro das
características gerais da casa. Esta é bastante grande, bem localizada e não
sent
ido uma parede sem reboque e exposta daquela maneira. No fechamento desta
cena, quando Paulo parte para cima do embaixador para atirar e Maria, no último
instante, avisa que o governo cedeu às exigências, há um certo artificialismo.
Na cena em que os guerrilheiros estão comemorando, a música da Terceira
Internacional possui o efeito de trazer uma certa euforia à cena, característica
inerente a qualquer hino. Entretanto, a música é tocada e não letra. Portanto,
a maioria esmagadora da platéia não saberá que se trata do hino da Internacional e
nem do teor que a letra possui. No momento dos cumprimentos, a diferença entre os
personagens Paulo e Jonas é reforçada com um cumprimento meio sem jeito,
enquanto a personagem Maria reforça seu caráter de vigilante. Durante o diálogo na
mesa em que alguns guerrilheiros estão tomando uma cerveja, esta argumenta que
não basta o pronunciamento público dos militares, mas sim a foto dos companheiros
no México.
2. 3. 14) Novamente a Baía da Guanabara, com a delimitação do tempo:
domingo, sete de setembro de 1969, Dia da Independência . A música de fanfarra
aumenta e o desfile de Sete de Setembro surge em preto e branco, com a exposição
dos tanques e dos militares desfilando. Durante o regime dos militares, estes
inves
tiram muito na idéia de patriotismo, como, aliás, ocorre sempre em regimes
autoritários. Nas escolas havia a necessidade de decorar o hino e andar com fitas
verde e amarelo e outras estratégias nacionalistas. Muitos na democracia sentem
saudades deste perí
odo, argumentando o pouco caso dos nossos adolescentes para
130
ARNS, Paulo Evaristo,
Brasil Nunca Mais
. 32 ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 13.
105
com os assuntos da nação. Essa visão de glorificação de heróis apresenta-se no
mínimo problemática, mas consegue muita penetração. O filme O que é isso
companheiro?,
dentro da sua posição de neutralidade , não problematizou a
questão. A historiadora Denise Rollemberg mostrou que no período havia
preocupação em relação a esta a questão: um país cujas escolas passaram estes
anos formando crianças e jovens na moral e no civismo, ensinando uma história de
grandes personagens e seus feitos, ausente de lutas e movimentos sociais .
131
2. 3 . 15) No banheiro, o embaixador se arruma com o auxílio de René e esta
o elogia dizendo que ele estava elegantíssimo. Muitas vezes o embaixador é
enquadrado com câmera baixa enaltecendo a sua figura. Pensando ainda sobre
linguagem cinematográfica podemos identificar um grande número de primeiros
planos no decorrer do filme. No artigo da historiadora Sandra Pelegrini, História e
Imagem: a ficção teatral e a linguagem cine
matográfica
,
132
ao analisar o filme
O
Auto da compadecida (2000), baseado na peça teatral de Ariano Suassuna, dirigido
por Guel Arraes, a autora reconhece a existência da linguagem televisiva, mas
considera que o filme não se restringe apenas a essa. Quando analisa a diferença
entre as duas linguagens, enfatiza que na televisão a tendência de substituir
plano geral pelo de conjunto, uma vez que este último permite maior clareza nos
pormenores da ação e circunscreve a imagem às dimensões das telas de meno
r
dimensão .
133
No filme O que é isso companheiro? raramente encontramos planos
gerais.
Em relação à duração dos planos, estes na grande maioria são curtos,
apresentando poucos segundos. Dentro desta questão podemos fazer uma
comparação com o filme São Bern
ardo
(1972) de Leon Hirzman. Esse filme,
realizado num contexto completamente diferente e dentro de uma tendência
cinematográfica também diversa, permite uma comparação. O filme São Bernardo
apresenta planos muito longos, vários com duração de mais de três minutos. No
início do filme temos o personagem Paulo Honório sentado na mesa pensando, com
uma voz off apresentando sua meditação. Paulo levanta-se e a câmera acompanha
131
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionárias e luta armada. FERREIRA, Jorge, DELGADO,
Neves Almeida, Lucilia (org.). O Brasil Republicano. V. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003.p. 46.
132
PELEGRINI, Sandra. História e Imagem: a ficção teatral e a linguagem cinematográfica.
PELEGRINI, Sandra, ZANIRATO, Sílvia Helena (orgs). Dimensões da Imagem. Maringá: UEM, 2005.
p. 135.
133
Ibid., p. 135.
106
sua caminhada vagarosa para a varanda da casa. No filme O que é isso
companheiro?,
os
planos na maioria dos casos apresentam poucos segundos, uma
vez que é um filme de ação e está inserido dentro das características dos filmes da
retomada. Em São Bernardo os diálogos onde aparecem as divergências e os
conflitos são mais intensos. Em O que é isso companheiro? há momentos em que
temos a sensação dos personagens estarem discursando de forma didática, como
se estivessem discursando para a posteridade.
Ivana Bentes, no início do século XXI, escreveu no Jornal do Brasil, os
artigos:
Quando o árido fica romântico e Cosmética da fome marca cinema do país,
acabando por criar a expressão cosmética da fome . Em 2002, com o lançamento
do filme Cidade de Deus (Fernando Meireles), a pesquisadora escreveu 'Cidade de
Deus' promove turismo no inferno,
pub
licado no jornal O Estado de S. Paulo. Esses
artigos possuem um tom bastante crítico em relação a filmes da retomada, como
Central do Brasil, Guerra de Canudos e Cidade de Deus. Na visão de Ivana Bentes,
a violência apresentada em filmes como Cidade de Deus aparece
descontextualizada do restante da sociedade; além disso, é tratada de forma
espetacular, acontecimento sensacional, folhetim televisivo e teleshow da realidade
que pode ser consumido com extremo prazer .
134
Na perspectiva da pesquisadora
carioca,
esse discurso do temor leva a um aumento da indiferença em relação à
pobreza e contribui para o aumento da tendência de mais segurança privada e mais
repressão para que as pessoas fiquem nas favelas dentro de guetos.
Evidentemente perspectivas diferentes em relação a filmes como
Cidade
de Deus.
Fernando Mascarello escreveu um artigo com um título que já diz bastante:
O dragão da cosmética da fome contra o grande público: uma análise do elitismo da
crítica da cosmética da fome e de suas relações com a
Universidade.
O autor
analisa duas posições que considera extrema
,
aqueles que têm uma preocupação
exclusivamente mercadológica ao produzir filmes e aqueles que se posicionam
radicalmente contra o grande cinema e querem fazer um filme de autor, sem se
pr
eocupar com a aderência do público. Apesar de em determinado momento
defender um equilíbrio entre as duas posições, percebemos que a preocupação
principal de Fernando Mascarello é a de combater os críticos que apóiam a
cosmética da fome . Seu principal argumento é de que estes acabam tendo um
134
BE
NTES, Ivana, 'Cidade de Deus' promove turismo no inferno.
O Estado de S. Paulo,
14/05/2002.
107
posicionamento elitista. um desejo de saber a origem desse elitismo, entretanto
não há um aprofundamento.
Acreditamos que uma das referências do posicionamento de Ivana Bentes e
de tantos outros que possuem um tom crítico em relação aos filmes da retomada
possui relação com o conceito de indústria cultural criada por Theodor Adorno e Max
Horkheimer. No artigo O iluminismo como mistificação das massas, os autores
abordam os efeitos da indústria cultural, que possui uma postura exclusivamente
mercadológica, ao garantir lucros com esquemas testados e aprovados, tornando-
se
assim parte de uma engrenagem onde o espectador recebe os seus produtos sem
surpresas. Eis um trecho do texto:
Desde o começo é possível perceber como terminará um filme, quem
será recompensado, punido ou esquecido; para não falar da sica
leve em que o ouvido acostumado consegue, desde os primeiros
acordes, a adivinhar a continuação, e sentir-se feliz quando ela ocorre.
O número médio de palavras da short-story é aquele e não se pode
mudar.
135
Neste artigo de Adorno uma questão que possui muita relação com o filme
O que é isso companheiro? Dentro dessa busca por algo testado e aprovado os
cineastas consideram com suspeita todo manuscrito atrás do qual não encontrem
um tranqüilizante best-seller .
136
A família Barreto comprou os direitos sobre o livro
de Fernando Gabeira em 1980, logo após o seu lançamento. Um dos argumentos
apresentados pelo diretor Bruno Barreto para o filme ser realizado so
mente em 1997
é o fato de não conseguir um bom roteirista. Ele gosta do trabalho do Leopoldo
Serran, mas este em determinados momentos se recusou a fazer o roteiro do filme.
Obviamente outros fatores também devem ter contribuído para essa demora, mas a
rel
ação que estamos fazendo aqui é a seguinte: no momento da produção do filme,
em 1997, o livro de Fernando Gabeira já se constituía num grande sucesso e,
portanto, não representava nenhuma novidade para o grande público. Assim não se
corria riscos em termos
mercadológicos.
O espanhol Jesús Martin-Barbero, residente na Colômbia desde 1963
escreveu o livro Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia, onde
135
ADORNO, Theodor, HORKHEIMER, Max. O iluminismo como mistificação das massas.
Indústria
Cultural e Sociedade.
São Paulo: Paz e Terra, 2002. p.14.
136
Ibid., p. 27.
108
apesar de reconhecer a importância da reflexão de Adorno, realiza crítica ao
intelectual da Escola de Frankfurt. Parte do princípio de que a análise de Adorno
padece de um pessimismo e elitismo muito expressivo. Questiona a generalidade do
conceito de indústria cultural, se a idéia de unidade não se torna perigosa quando
dela se conclui a totalização da qual se infere que do filme mais vulgar aos de
Chaplin ou Welles todos os filmes dizem o mesmo
137
Em relação a Walter
Benjamin, Martin-Barbero possui outro posicionamento. Considera que este
conseguiu se desprender de um etnocentrismo de classe para afirmar a massa
como motriz de um novo modo positivo de percepção cujos dispositivos estariam na
dispersão, na imagem múltipla e na montagem .
138
No seu balanço teórico Martin-
Barbero acaba citando Edgar Morin, para demonstrar que este reconhece a
alienação existente na indústria cultural, mas considera que a mediação tecnológica
não é totalmente incompatível com a criação artística .
2. 3. 16) Retornando à nossa análise do filme, temos a libertação do
embaixador de forma espetacular, com a estratégia de usar a saída do Maracanã
como escudo para os guerrilheiros. Esta saída estratégica é mencionada no livro
de Fernando Gabeira, mas não está no livro O seqüestro dia-a-
dia
. De qualquer
maneira o uso do futebol, do Maracanã, de um Flamengo X Vasco (o jogo que
acontecia na época era outro, de menor expressão. Bruno Barreto optou por usar
um jogo com torcidas maiores), caiu como uma luva dentro de uma estratégia de
se utilizar clichês. No artigo Carro-zero e pau-
de
-
arara:
o cotidiano da oposição de
classe média ao regime militar,
139
os autores abordam os opositores ao regime
militar que não optaram pela luta armada. Começam o artigo com um grupo de
classe média intelectualizado, formado de advogados, jornalistas, arquitetos,
publicitários, que se reúnem no dia 21/06/1970 para torcer contra o Brasil, embora
os autores reconheçam que alguns não conseguiam isso. Havia em setores de
esquerda essa perspectiva de identificar o futebol como alienação do povo brasileiro.
Essa visão não aparece no filme, mas a preocupação com a reconstituição histórica
está presente. No momento em que o seqüestrado é libertado, pega um táxi. Na
cena um primeiro plano na placa do carro, GB 1969 8 2633, referindo-se ao
137
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. 2 ed.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. p. 77
-
8.
138
Ibid. p. 88.
139
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares, Weis, Luiz. Carro-zero e pau-
de
-arara: o cotidiano da
oposição de classe média ao regime militar. História da vida privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
109
antigo estado da Guanabara que existia no período. Além disso, o próprio carro, um
dekavê, carro típico da época, também significa desejo de reconstituir o momento
histórico.
O encontro do embaixador com a embaixatriz, e o choro emocionado desta,
nos faz pensar o quanto a relação entre os dois se constitui de forma idealizada
durante todo o filme. No momento em que René e o embaixador estão conversando
uma referência à embaixatriz, que é apontada como uma diva. Na manhã do
seqüestro, a embaixatriz acordou cedo, procedimento que não fazia parte da sua
rotina, evidenciando o que estava para acontecer. No diálogo entre os dois, ela se
mostra boa esposa.
2. 4) Caça aos guerrilheiros.
2. 4. 1) Após a libertação do embaixador, uma cena em que o dono da
casa onde ocorreu o seqüestro entrega ao militar o jornal recortado por Maria. Com
essa estratégia os militares chegam a Paulo e Maria. No livro O Seqüestro dia a dia
,
há referência à questão de um dos seqüestradores, o Cláudio, no momento de saída
da casa, pedir veementemente a Fernando Gabeira para levar um paletó embora.
Cláudio estava preocupado com a etiqueta do alfaiate que poderia dar pista à
polícia. No entanto, Fernando Gabeira não teve esse cuidado e Cláudio é preso e
torturado em função disto. No livro O seqüestro dia a dia percebemos uma certa
bronc
a em relação a Fernando Gabeira por essa razão, enquanto que no livro
O
que é isso companheiro?, o autor se questiona sobre o porquê de tanta preocupação
com um paletó. Mas na seqüência do seu relato Gabeira afirma o seguinte: Quando
o reencontrei na ilha das Flores, e o vi com o cabelo cortado rente à cabeça e com
muitos quilos a menos, reconheci, de cara, todo o sofrimento que imaginara para
Cláudio
.
140
Essa animosidade em relação a Fernando Gabeira fica evidente na realização
do documentário mencion
ado
Hércules 56. O diretor Silvio Da-Rin, que no final
dos anos sessenta possuía um posicionamento de esquerda, convidou para prestar
140
GABEIRA, op. cit.
,
p. 138.
110
depoimento no filme, alguns dos realizadores da ação e as pessoas que foram
libertadas pelo seqüestro (dos quinze liberados, nove estão vivos). Portanto, temos
no lado dos que executaram a ação nomes como Cláudio Torres, Franklin Martins,
Daniel Aarão Reis Filho, Paulo de Tarso, e no grupo dos libertados estão, por
exemplo, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, José Dirceu, Flávio Tavares, Vladimir
Palmeira, José Ibrahin. Fica evidente a ausência de Fernando Gabeira, que não foi
convidado pelo diretor Silvio Da-Rin. No final da matéria do jornal O Globo
(27/11/2006), intitulada Voando para o México, temos o seguinte: Em tempo: o ex-
companheiro Fernando Gabeira, de função menor no seqüestro, não foi chamado a
participar do filme . na matéria de Neusa Barbosa (Cineweb) temos um
posicionamento irônico do diretor Silvio Ra-Din: A explicação do diretor é que
Gabeira era "soldado raso
" da operação e sua intenção era apenas ouvir os líderes .
O documentário Hércules 56
141
apresenta o depoimento das pessoas,
mesclado com imagens de arquivo, como as dos libertados chegando no México em
1969. Nessa cena há a entrevista concedida por Maria Augusta, chegando no país e
falando com certo receio. No depoimento recente para o filme, ela afirma que
naquela ocasião ainda tinha medo de falar abertamente. A ex-guerrilheira também
conta que durante a viagem pediu para ir ao banheiro, mas foi destratada. Franklin
Martins e Daniel Aarão Reis Filho afirmam que o termo seqüestro não se aplica ao
que ocorreu. Franklin Martins prefere captura, enquanto Reis Filho fala em ação
revolucionária, que o termo seqüestro implicaria que eles estariam cometendo um
crime. José Ibrahin relata que combinou com um companheiro, que quando
chegassem a Cuba e se sentissem totalmente seguros, derrubariam uma garrafa
de tequila, o que realmente fizeram. Também afirma que, se os guerrilheiros
tivessem realizado uma lista c
om cinqüenta nomes, o governo teria liberado.
Maria Augusta, a única mulher na lista dos libertados, afirma que ela e outros
possuíam um projeto claro, o de obter treinamento em Cuba e regressar para o
Brasil para continuar a luta. Ela menciona um companheiro que possuía outro
projeto, de ir para a França estudar música. Franklin Martins reconhece que não
havia preparo nenhum para quando o embaixador fosse solto. Travassos,
pensando no legado dos guerrilheiros, afirma: não nos escondemos embaixo da
cam
a , enfatizando a coragem daqueles que enfrentaram os militares. Em relação à
141
Esse é o nome do avião que levou os quinze libertados para o México. Havia o receio, que estes
fossem jogados do
avião durante a viagem.
111
fragmentação da esquerda, um dos ex-guerrilheiros colocou a seguinte situação:
um militar chegou e começou a me chocalhar e afirmou: ala vermelha é a 22 ª
organização que eu desmantelo, assim que vocês pensam que obteram vitória? Pior
que o filho da mãe tinha razão . Uma última questão em relação a esse
documentário relaciona-se a um questionamento surgido: será que a Dissidência da
Guanabara, depois MR-8, conseguiria realizar a ação sem a ajuda da ALN? Franklin
Martins, integrante do MR-8, afirma que sim, enquanto Cláudio Torres (ALN) coloca
em dúvida. Como já mencionamos, a memória das pessoas sempre está relacionada
com um determinado grupo. Aqui estamos diante de um grupo específico que,
durante a ditadura militar, fez a opção pela luta armada. Esse pequeno
questionamento sobre a necessidade ou não da ALN mostra um conflito e denuncia
o grau de complexidade dessa questão.
Além dessa questão, ao observar o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro,
do CPDOC, não encontramos os seguintes nomes: Apolônio de Carvalho, Jacob
Gorender, Mário Reis, Daniel Aarão Reis Filho, Paulo de Tarso, Franklin Martins,
Iara Iavelberg, Joaquim Câmara Ferreira, Vera Silvia Magalhães, José Carlos
Bar
reto, Cláudio Torres, Vírgilio Gomes da Silva, João Lopes Salgado, Paulo de
Tarso Wenceslau, Manoel Cirilo de Oliveira. São nomes de pessoas importantes que
partiram para a luta armada e não constam em um dicionário dessa envergadura,
mostrando que esse te
ma foi negligenciado.
2. 4. 2) No momento em que o personagem Paulo parte para encontrar Maria
uma cena em que encontramos um estereótipo de periferia, que provavelmente
Ivana Bentes classificaria dentro do seu conceito de cosmética da fome . Paulo
ch
ega de ônibus, não asfalto e no interior do aparelho o azulejo está todo
quebrado, e a panela em que está a comida é bem velha e sem cabo . No momento
em que Paulo desce do ônibus, um travelling deste para um primeiro plano nos
cartazes na parede com as fotos dos terroristas procurados e as seguintes frases:
Assaltaram, mataram, roubaram pai de família . Na foto de Paulo está a seguinte
legenda:
Fernando Gabeira (Paulo) e na foto de Jonas está Severino Barroso
(Jonas
). Ou seja, para o personagem representando Fernando Gabeira mantiveram
o seu nome, o que não aconteceu em relação a Jonas, correspondente a Vírgílio
Gomes da Silva. Podemos questionar se esse procedimento não indica uma atitude
consciente de Bruno Barreto de fazer um filme em que a fig
ura de Fernando Gabeira
é enaltecida. Lembrando que este último tornou-se uma pessoa pública, enquanto o
112
Vírgilio é pouco conhecido. Abaixo temos dois planos, um da periferia e outro do
cartaz que mostra os rostos dos terroristas . Este está maior para podemos
enxergar as letras. Gostaríamos de ressaltar que podemos ler o cartaz em detalhes
devido a esse recurso de capturar a imagem, que durante o filme isso passa
desapercebido.
Figura 24
Periferia do Rio de Janeiro. Filme
O
que é isso companheiro?
Figura 25
Cartaz com os rostos dos guerrilheiros. Filme
O que é isso
companheiro?
113
No diálogo entre Paulo e Maria no aparelho, um tom de desânimo. Maria
ainda procurava encontrar ânimo: No último disco do Gil parece que ele grita
Mariguela no meio de uma canção , enquanto Paulo, com perfil de realista: Foi um
sonho que não deu certo. Nós estamos falando pro vento. Ninguém quer ouvir o que
a gente quer dizer. Seu nome não é Maria, é Andréia . O desânimo de Paulo soa
estranho, em função do contexto. Ou seja, apesar de todas as dificuldades do
seqüestro, este havia se concretizado de forma bem sucedida e fazia apenas um
mês da sua realização, portanto pouco tempo para quem investiu muitas energias na
ação estar totalmente desanimado. Podemos perceber que essa fala possui mais
relação com o contexto da época da produção do filme, momento em que estava
consolidada a visão de isolamento dos guerrilheiros e a perspectiva de que Foi um
sonho que não deu certo
.
Essa subunidade narrativa termina com a prisão de Paulo e Maria. Esta
chorando se retira para o banheiro e some , enquanto Paulo, ao olhar a porta
aberta, percebe que os militares estavam ali. Até então a cena transcorria sem
nenhuma trilha sonora, somente com o som naturalista. Neste momento há um
primeiro plano no rosto do personagem e inicia-se uma música de suspense. Na sua
tentativa de fuga pelo quintal a imagem fica em câmera lenta (efeito especial)
enfatizando a sua prisão. A prisão dos outros guerrilheiros não é mostrada. A morte
de Jonas e Toledo é revelada durante a cena final do filme em que Maria é
empurrada numa cadeira de rodas e com a voz off vai relatando os últimos
acontecimentos . Marcão, René e Júlio aparecem nesta cena em que eles
estão
partindo para o exílio.
2. 4. 3) A cena de tortura em que Paulo está no pau
-
de
-
arara ocorre com uma
imagem predominantemente escura, o escuro simbolizando algo tenebroso e cruel.
Encontramos um jogo de câmera entre torturador e torturado, onde uma câmera
subjetiva de Paulo, que está no pau-
de
-arara, olhando o rosto do policial. Este
abaixa e fala: o mundo virou de cabeça para baixo, Fernando? Um primeiro plano
em Paulo demonstrando dor. O policial tira a gravata, simbolizando que a tortura iri
a
começar. A tela fica escura e escutamos o barulho em off do policial batendo o
cassetete e um berro. De certa maneira podemos dizer que o espectador fica
protegido de ver uma cena mais cruel, como a do policial enfiando o cassetete no
ânus de Paulo.
114
Em relação ao figurino dos militares, podemos perceber um predomínio de
ternos e gravatas durante todo o filme. Poucas são as cenas em que observamos
militares fardados. As exceções são insignificantes: o guarda que atira em Oswaldo
no início e o sargento Lulu Santos que aparece fardado. O predomínio do escuro
também ocorreu na outra tortura no início do filme, com Oswaldo. Encontramos
penumbra no momento em que o embaixador está no cativeiro ao lado de
guerrilheiros com capuz. A utilização do escuro ocorre também numa situação bem
diferente, dando um clima de romantismo para o beijo de Paulo em Maria. Podemos
considerar que as cenas de tortura são poucas no filme, apenas duas. A primeira
com duração de um minuto e quarenta segundos e a segunda com um minuto e
doze segundos.
A TV Cultura exibiu um documentário sobre a trajetória do cineasta Sérgio
Luis Person, no dia 24/08/06, com depoimento de várias pessoas, dentre elas Jean
Claude Bernardet. Ao falar sobre a produção do filme O Caso dos Irmãos Naves
(1
967), abordou a dificuldade de fazer uma cena de tortura:
Esse filme político também usava os Naves como alegoria histórica
para se referir a atualidade. O grande problema que enfrentamos foi a
questão da tortura. Por um lado não queríamos fazer um filme
que
fosse sádico, que exibisse a tortura, mas por outro lado não
poderíamos ser muito discretos, porque queríamos que a dor fosse
uma coisa que marcasse o espectador.
142
Podemos perceber a busca de equilíbrio, de não ser demagógico e
sensacionalista com a tortura, mas ao mesmo tempo, a cena servir como
denúncia . Durante o documentário, enquanto Jean Claude Bernardet presta o seu
depoimento, imagens do filme com as torturas são exibidas. Numa comparação com
as cenas de tortura de O que é isso companhei
ro?,
podemos constatar que este
pendeu mais para ser muito discreto . O filme O caso dos irmãos Naves, (1967)
reconstituiu um acontecimento verídico ocorrido em 1937 durante o Estado Novo
sobre irmãos que denunciam o sócio de roubo e acabam passando injustamente de
vítimas para réus, sendo presos e torturados. Obviamente o diretor, ao abordar o
Estado Novo, estava falando sobre as torturas ocorridas durante a ditadura.
142
Person. Documentário da TV Cultura. Exibido no dia 25/08/06.
115
2. 4. 4) Retomando a análise do filme O que é isso companheiro?, após o
texto informati
vo
Oito meses depois, a personagem Maria com imagem bem
debilitada, chega numa cadeira de rodas ao aeroporto. No Congresso da ANPUH em
2004, na UNICAMP (Campinas), a historiadora Maria Aparecida de Aquino,
questionada sobre as polêmicas em relação ao filme O que é isso companheiro?, e
se o exibiria durante as suas aulas, respondeu que não, porque prefere trabalhar
com curtas-metragens. Entretanto, considerou que não havia nenhum problema em
se utilizar do filme, principalmente em função da cena final em que a personagem
Maria aparece na cadeira de rodas. Na visão da historiadora esta cena servia como
denúncia das arbitrariedades cometidas pelos militares . A seguir podemos
observar quatro planos dessa:
Figura 26
Maria na cadeira de ro
das chegando no aeroporto. Filme
O que é isso
companheiro?
Figura 27
Maria partindo para o exílio. Filme O que é isso companheiro?
116
Figura 28
Fusão de Maria e Paulo criando uma tensão ao se verem. Filme
O que é
isso companheiro?
Figura 29
Plano de conjunto, com Maria na pista do aeroporto. Filme
O que é isso
companheiro?
Enquanto Maria é empurrada numa cadeira de roda para se juntar aos outros
companheiros, a sua voz em off vai relatando alguns fatos e afirma: Quanto a mim
não se assuste com o que você vai ver (ela abaixa a cabeça entristecida). Os
companheiros percebem a chegada de Maria e temos um primeiro plano em Paulo,
ressaltando a sua dor ao ver a companheira . Eles se posicionam para a foto.
Primeiro temos um plano de conjunto enfocando as várias pessoas, depois um
travelling em que a câmera vai enquadrando em primeiro plano os personagens
Paulo, Maria, Marcão, René e Júlio. No momento de Marcão, este aparece com um
sorrisinho amarelo e com uma expressão de idiota. Depois um novo plano de
conjunto onde a imagem se torna preto e branco, talvez tentando dar autenticidade a
uma foto que teria ocorrido em 1970 . A imagem vai ficando fora de foco até sumir.
117
CAPÍTU
LO 3
OS FILMES
LAMARCA E O QUE É ISSO COMPANHEIRO?
NOS
JORNAIS
FOLHA DE S. PAULO
,
O ESTADO DE S. PAULO
E
JORNAL DO BRASIL
.
118
O sociólogo alemão Jurgen Habermas, no seu livro Mudança Estrutural da
Esfera Pública
,
143
mostra como a imprensa surgiu a partir de correspondências
privadas entre comerciantes, que sentiam necessidade de trocar informações devido
ao caráter expansionista do capitalismo. Nesse processo, os governantes
perceberam o potencial dos jornais na divulgação de seus interesses. Assim, os
partidos políticos, as diversas religiões, e todos os interessados na divulgação de
idéias ou valores passaram a valorizar a imprensa. Atualmente vivemos numa
conjuntura de profissionalismo da imprensa, em que o perfil dos jornalistas mudou,
se compararmos com o período anterior ao golpe de 1964. João Manuel Cardoso de
Mello e Fernando Novais, ao analisar a imprensa nos anos noventa, apontam para
um domínio de grandes empresas jornalísticas, onde há uma dificuldade para o
surgimento de novos concorrentes. Em São Paulo, duas empresas controlam o
mercado de jornais. No Rio de Janeiro, outras duas; e, no mercado de revistas, o
poderio da Editora Abril é inquestionável. Analisando detalhadamente essa questão,
os dois autores abordam a mudança do perfil dos jornalistas: As redações
burocratizam
-se e o jornalista se converte em simples profissional da informação,
especializado nisto ou naquilo, preocupado, como todo funcionário de grande
empresa, em fazer carreira, deixando de ser um homem público .
144
No livro citado anteriormente, Habermas desenvolve reflexões sobre o
conceito de opinião pública. Ao contrário de um pensamento ingênuo, o conceito de
opinião pública não se refere a uma disputa entre todos os cidadãos da sociedade a
respeito de valores, posicionamentos políticos, econômicos e ideológicos. Na
realidade, temos o seguinte: a disponibilidade despertada nos consumidores é
mediada pela falsa consciência de que eles, como pessoas privadas que pensam,
contribuam de um modo responsável na formação da opinião pública .
145
Dessa
maneira, fica evidente que a disputa ideológica na sociedade contemporânea
apresenta
-se de forma desigual. Os detentores de televisão, rádio, jornais e outros
possuem um grande poder de influenciar a sociedade. Assim justificamos a opção
de observarmos a crítica a respeito dos filmes Lamarca e O que é isso
companheiro?
por meio dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e
Jornal do Brasil
.
143
HABERMAS, Jurgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
2003. p. 228.
144
MELLO, Joao Manuel Cardoso, NOVAIS, Fernando, op. cit.,
p. 639.
145
HABERMAS, op. cit., p. 228.
119
3. 1) Adolescentes e polêmica com ex-guerrilheiro na repercussão do filme
Lam
arca
no jornal
Folha de S. Paulo
.
Em 1994 o filme
Lamarca
é lançado e poderíamos refletir sobre as razões do
espaço dado pelo jornal Folha de S. Paulo a este evento cultural, sem perder de
vista que todo jornal realiza uma seleção das suas notícias com claros interesses e
não de forma aleatória.
146
No livro Juventude de papel
representação juvenil na
imprensa contemporânea, Ana Cristina Teodoro da Silva aponta os critérios de
seleção do jornal
Folha de S. Paulo
:
1) Ineditismo (a notícia inédita é mais importante do que a
publicada); 2) Improbabilidade (notícia menos provável); 3) Interesse
(quanto mais pessoas possam ter sua vida afetada pela notícia, mais
importante ela é), 4) Apelo (curiosidade); 5) Empatia (quanto mais
pessoas puderem se identificar com o personagem e a situação da
notícia, mais importante ela é).
147
Analisando a conjuntura do momento do lançamento do filme, nos deparamos
com uma ssima fase do cinema nacional. Assim, um filme com uma produção
cuidadosa naquele contexto, representava ineditismo e despertava a curiosidade.
Principalmente se levarmos em conta à história do filme retratando um personagem
e um período polêmicos. Dentre os vários locais do jornal onde apareceu a cobertura
do filme temos o Folhateen, caderno da Folha de S. Paulo destinado ao público
jovem. O adolescente normalmente possui uma certa dose de rebeldia, que de forma
genérica poderia levar a uma empatia pelo filme, que Carlos Lamarca e os grupos
146
O jornal Folha de S. Paulo surgiu em 1921, com um perfil voltado para questões municipais e
agrárias. Durante o Estado Novo esteve na oposição e na fase de redemocratização possuía um
discurso antipopulista bastante acentuado. Em conjunto com a maioria da grande imprensa apoiou o
golpe militar de 1964. Quando foi necessário realizou auto-censura e tirou vantagens da situação,
como a aquisição do jornal
Última Hora
sucursal de São Paulo.
Na visão de Ciro Marcondes Filho (O Capital da Notícia), diferentemente do jornal O Estado
de S. Paulo
, que desde o seu início teve um perfil conservador bastante definido, a
Folha de S. Paulo
oscilava entre posições de esquerda e de direita e sempre teve dificuldades de conseguir uma certa
identidade. No movimento pelas Diretas-já em 1984, ela se esforçou para criar uma imagem
progressista. Assim obteve vantagens políticas e econômicas com esse posicionamento.
147
SILVA, Ana Cristina Teodoro. Juventude de papel
representação juvenil na imprensa
contemporânea. Maringá: EDUEM, 1999. p. 75.
120
guerrilheiros são identificados pela postura de contestação. Neste sentido, podemos
perceber como natural o espaço dado no
Folhateen
à divulgação do filme de Sérgio
Resende.
Como qualquer empresa, o principal objetivo do jornal é dar lucros. Para isso
precisa vender bastante para conseguir anunciantes, a principal fonte de renda do
jornal, característica que advém dos primórdios do jornalismo. No livro Teorias da
comunicação de massa, os autores Melvin Defleur e Sandra Ball-
Rocheach,
148
analisando a trajetória do jornal nos EUA, apontam o sucesso de um pequeno jornal
,
o New York Sun. Teve um início modesto em 3 de setembro de 1833, mas
posteriormente obteve um enorme sucesso. Em 1837, o jornal, que custava um
penny, ou seja, um tostão , possuía uma tiragem diária de 30.000 exemplares. Para
conseguir aumentar o número
de vendas, o jornal introduziu uma linguagem popular,
e o que bancava o periódico eram os anunciantes, porque a venda mal cobria o
custo do papel.
Não podemos esquecer que o público jovem constitui-se num segmento
consumidor importante. A criação do Folhateen e as grandes transformações pelas
quais passou visavam conquistar este público. Todavia, o jornal não está
preocupado com todos os jovens. No citado livro de Ana Cristina Teodoro da
Silva, percebe-se a criação de uma identidade imaginária realizada pelo jornal em
relação ao teen, um jovem de classe média e com problemas e questões
específicas. Consideraram natural os pais resolverem uma situação em que eles são
abordados pela polícia sem carta de motorista ou sentir vergonha de ser virgem.
149
Na pesquisa realizada com o jornal Folha de S. Paulo sobre a cobertura do
filme Lamarca encontramos o seguinte procedimento realizado pelo Folhateen
:
selecionaram seis jovens e exibiram o filme e depois colheram seus depoimentos.
Selecionamos um trecho para aná
lise, onde há um depoimento de uma jovem:
Quem acredita que os teens não conhecem a história recente do país
se engana. Eu conhecia a história do Lamarca, e acho que ele
não é mais conhecido porque foi uma pessoa que tentou, mas
infelizmente não co
nseguiu , diz Paula.
150
148
DEFLEUR, Melvin & BALL-ROCHEACH, Sandra. Teorias da comunicação de massa. Rio de
Janeiro: Jorge Jahar, 1993. p. 68.
149
SILVA, op. cit. p. 98.
150
LEMOS, Antonina. Jovens aprendem com Lamarca .
Folh
a de S. Paulo, São Paulo, 13 mai. 1994.
Folhateen.
121
A frase Quem acredita que os teens não conhecem a história recente do país
se engana apresenta uma generalização a partir de depoimentos de apenas seis
jovens. Sabemos dos altos índices de analfabetismo no Brasil e do fraco
desempen
ho escolar dos nossos alunos. Essa questão nos leva a pensar nas
considerações de Ciro Marcondes Filho, quando afirma que a produção de notícias
tende a levar à passividade, à eliminação da contradição, a uma desvinculação com
a realidade.
151
Se levarmos em consideração a afirmação do
Folhateen,
por que
nos preocuparemos com a qualidade da nossa educação?
O estudo da história contemporânea possui suas peculiaridades, uma delas é
de que, quando se estuda um período recente como o da ditadura militar (1964-
19
85), temos ainda muitas pessoas vivas e podem questionar visões produzidas
pelos historiadores. Na pesquisa realizada no jornal Folha de S. Paulo, uma
polêmica envolvendo o jornalista Marcelo Rubens Paiva e o ex-guerrilheiro Celso
Lungaretti.
Marcelo Rubens Paiva, no artigo Polícia Militar conta a história pela metade,
152
criticava a iniciativa da Polícia Militar de São Paulo de realizar um filme para se
contrapor à versão de Lamarca. Por não gostar da produção de Sérgio Resende,
resolveu fazer Alberto Mendes Júnior, a História de um Herói, onde temos a
glorificação do tenente assassinado pelo grupo de Lamarca. Na ótica de Marcelo
Rubens Paiva, a polícia tentou transformar um fiasco do Exército brasileiro numa
glória. No seu relato (sua família possuía terras no Vale do Ribeira onde houve o
confronto entre Exército e grupo guerrilheiro) temos uma referência à delação de
Celso Lungarretti para os militares, sobre a área de campo dos guerrilheiros. O ex-
guerrilheiro ficou ressentido com esta afirmação e escreveu um artigo contestando
Marcelo Rubens Paiva, gerando uma polêmica. Novamente Marcelo Rubens Paiva
escreveu outro artigo e então o jornal Folha de S. Paulo resolveu terminar com a
polêmica de uma maneira considerada democrática: os dois debatedores ter
iam uma
última oportunidade para escrever, e os dois artigos seriam publicados numa mesma
edição. Neste dia temos a seguinte observação do jornal:
151
MARCONDES FILHO, Ciro.
O Capital da Notícia.
São Paulo: Ática, 1986.
152
PAIVA, Marcelo Rubens Paiva. Polícia Militar conta a história pela metade. Folha de S. Paulo,
São
Paulo, 16 jun. 1994. Ilustrada.
122
Com os dois artigos publicados nesta página, encerra-se a polêmica.
O Novo Manual de Redação da Folha recomenda que a maneira
correta de encerrar uma polêmica é avisar as partes de que terão
apenas mais uma oportunidade e igual número de linhas para se
manifestar, e publicar essas manifestações lado a lado .
153
Ao trabalharmos com essa polêmica levantamos algumas questões: 1) No
total de artigos tivemos três para Marcelo Rubens Paiva e dois para Celso
Lungaretti. 2) Na edição do final da polêmica, em que saíram os dois artigos,
percebemos que Marcelo Rubens Paiva leu o artigo de Celso Lungaretti e o con
trário
não ocorreu. Esse procedimento mostra que o jornal não primou pelo caráter
democrático exibido no seu Manual de Redação . 3) Utilizando-se do conceito de
indústria cultural, que analisa a transformação de um objeto cultural em mercadoria,
podemos ver um certo vazio nesta polêmica, com o intuito de vender jornais.
Respeitando a situação trágica vivida por Celso Lungaretti, que entregou a área de
campo sob intensa tortura e sofrimento, não podemos deixar de reconhecer que a
delação existiu. Ele mesmo reconhece que entregou uma área que pensava estar
desativada. Entretanto, os militares, cruzando informações, conseguiram descobrir a
verdadeira área. Além disso, temos o livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha (o
diretor Sérgio Resende baseou
-
se nele pa
ra fazer o filme
Lamarca
), que é de 1980 e
há referência à delação de Celso Lungaretti
154
.
Ainda sobre esta polêmica, acabamos nos deparando com uma aproximação,
ou seja, temos uma mesma preocupação em relação ao filme Lamarca, por parte de
duas pessoas que estavam em lados radicalmente opostos no período enfocado, o
ex
-guerrilheiro Celso Lungaretti e o general Nilton Cerqueira. Celso Lungaretti, no
seu último artigo, faz várias críticas a Carlos Lamarca ao afirmar que: A atual
tentativa de reabilitar Lamarca me assusta: jovens acabarão morrendo por causa
disto
155
. Ou seja, temos uma preocupação com o filme
Lamarca
parecida com a do
general Nilton Cerqueira, que afirma: é perigoso falar nesse assunto, pois a
juventude pode ter uma visão errada deste deserto
r .
156
153
Manual define fim de polêmica.
Folha de S. Paulo,
São Paulo
:
08 ago. 1994. Ilustrada.
154
JOSÉ, Emiliano, MIRANDA, Oldack.
Lamarca,
o capitão da guerrilha. São Paulo: Global, 1980. p.
70.
155
LUNGARETTI, Celso. Lamarca não serve para substituir Luis Carlos Prestes como mito. Folha de
S. Paulo
, São Paulo: 08 ago. 1994. Ilustrada.
156
ESCÓSSIA, Fernanda. Justiça nega pedido de apreensão de Lamarca. Folha de S. Paulo. São
Paulo: 13 mai. 1994. Ilustrada.
123
O filme Lamarca foi um dos primeiros da retomada, seguido do filme
Carlota
Joaquina, princesa do Brasil. Alguns críticos apontam a preocupação
essencialmente mercadológica dessa produção. Na ótica deles não encontramos
uma preocupação com a criação de uma cinematografia original. Ismail Xavier,
abordando este período, escreveu que é notadamente nesta conjuntura de
total
reestruturação dos negócios do audiovisual em que ganha fluência uma concepção
monetária da cultura .
157
Independentemente desta discussão (e ela apresenta pertinência), é
importante refletir sobre a recepção destes filmes, que estão divulgando visões de
mundo. Na pesquisa realizada em o jornal Folha de S. Paulo, encontramos os
seguintes colunistas que escreveram sobre o filme Lamarca: Inácio Araújo, José
Geraldo Couto, Anselmo Cheré e Marcelo Coelho. Uma questão consensual em
relação ao filme é sua qualidade técnica. Anselmo Cheré enxergou no filme um
relato sério da vida de Carlos Lamarca. Já os colunistas Inácio Araújo e José
Gerald
o Couto destacaram no filme um didatismo de esquerda, uma linguagem
muito calcada em clichês e diálogos muito óbvios e artificiais. Na visão deles a
história de Carlos Lamarca poderia ser mais bem aproveitada, se o filme não
tentasse dar uma aula de história de maneira convencional . JoGeraldo Couto
teceu as seguintes considerações:
Com produção bem-cuidada e sem problemas técnicos visíveis,
"Lamarca" sucumbe entretanto ao peso do didatismo de esquerda. O
que poderia ser um eletrizante filme de ação tropeça nos discursos e
poses dos personagens, que parecem saídos de uma peça de teatro
estudantil.
158
Marcelo Coelho escreveu um artigo de título sugestivo, Lamarca é um filme
brasileiro perfeito (18/05/1994), no qual indicou qualidades que, na visão de algun
s
críticos, poderiam ser defeitos . O colunista assumidamente não gosta de cinema
nacional, e enxergou um mérito no filme
Lamarca
: uma linguagem cinematográfica
norte
-americana. Esta seria uma vantagem enorme como podemos observar nos
seguintes trechos d
o seu artigo:
157
XAVIER, Ismail.
O Cinema Brasileiro Moderno
. São Paulo:
Paz e Terra, 2001. p. 12
-
13.
158
COUTO, José Geraldo. Lamarca tropeça no discurso.
Folha de S. Paulo
, São Paulo: 01 mai. 1994.
Revista Folha.
124
A tensão não pára nunca, o momentos de chatice. A pura
história do guerrilheiro dos anos 70 surge na tela, emocionante, real
como um filme de aventuras americano. A diferença é que se passa
no Brasil, que Lamarca é uma espécie de Rambo derrotado, e que os
tipos físicos, a paisagem, a época, nos dizem respeito.
"Alma Corsária" de Carlos Reichenbach, e "A Terceira Margem do
Rio", de Nelson Pereira dos Santos, ressuscitam aquela eterna
ruindade do cinema nacional. Atores mal-dirigidos, diálogos burros,
cenas sem sentido, feiúra quase que ideologicamente desejada,
impasses na história, vontade de dizer muitas coisas ao mesmo
tempo.
159
No ano seguinte ao lançamento do filme Lamarca, localizamos uma matéria
no jornal Folha de S. Paulo (16/04/1995), na qual temos um debate entre três
cineastas, Hector Babenco, Arnaldo Jabor e Carlos Diegues, sobre os filmes
Carlota
Joaquina, Princesa do Brasil e Lamarca. Na visão de Babenco, Lamarca têm o
formato de um filme B, de ação, do tipo americano, e o possui a versatilidade dos
filmes produzidos nos anos 60 e 70 do século XX. Carlos Diegues o considera um
filme digno e eficiente no que pretende ser
160
.
Ao analisar a história do cinema brasileiro, temos na década de 50 a criação
da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que buscou um cinema industrializado
moldado no padrão retórico de Hollywood. No final dos anos 50 e na década de 60
surgiu o
Cinema Novo
, que visava produzir uma conscientização política, procurando
chamar a atenção para os problemas do subdesenvolvimento do país, com a
intenção de superá-lo. Segundo Ismail Xavier, a partir de 1993 predomina o
pragmatismo e não mais aquela dimensão utópica, de projeção para um futuro
melhor da arte e da sociedade. Todavia podemos encontrar resquícios ou
continuidades desta fase:
exceções, mas este terreno hoje está mais do que tudo
incorporado à retórica da Rede Globo, com sua versão industrializada
e mercadológica do nacional-popular bem estampada nas novelas e
nas minisséries, produtos que, para alguns cineastas (Fábio Barreto,
Sérgio Resende), funcionam como referência legítima e, para outros
(Tata Amaral, Murilo Salles), como alvo de uma crítica estética que se
159
COELHO, Marcelo. Lamarca é um filme brasileiro perfeito. Folha de S. Paulo, São Paulo: 18 mai.
1994.Ilustrada.
160
COUTO, José Geraldo, SIMANTOB, Eduardo. Três vezes Cinema. Folha de S. Paulo, São Paulo:
16 abr. 1995. Caderno Mais.
125
articula à própria maneira como focalizam, no próprio enredo de seus
filmes, a interferê
ncia da tv na sociedade brasileira.
161
Essa questão da incorporação do nacional-popular pela rede Globo também é
apontada por outros autores, como Marcelo Ridenti
162
. Mas o que nos interessa de
perto é a referência ao diretor Sérgio Resende. Este, ao fazer Lamarca ou, por
exemplo,
Canudos a guerra no céu do sertão trouxe à tona temas referentes ao
Cinema Novo. Nos dois filmes encontramos uma preocupação com a história do
Brasil e com o nacionalismo. Obviamente muitas diferenças entre os filmes de
Sérgio
Resende e os do Cinema Novo, como o mencionado padrão
cinematográfico norte
-
americano, mas podemos encontrar uma certa relação.
3. 2) General pobre necessitando de cachê. Repercussões do filme
Lamarca
no jornal
O Estado de S. Paulo
.
Dos três jornais analisados nesta pesquisa, O Estado de S. Paulo foi o que
apresentou uma menor quantidade de artigos sobre o filme Lamarca. Uma possível
explicação para essa questão está no caráter conservador desse jornal, pouco
propenso a dar espaço para um filme com perfil esquerdista.
163
O primeiro espaço
dado pelo jornal O Estado de S. Paulo a respeito do filme Lamarca apresentou o
seguinte título: Lula e diz gostar de Lamarca (04/ 05/94). Num pequeno artigo
de Luiz Zanin Oricchio o posicionamento do então candidato à presidência da
161
XAVIER, op. cit., p. 47.
162
RIDENTI, Marcelo.
O Fantasma da Revolução Brasileira.
São Paulo: Editora da UNESP, 1993.
163
O primeiro nome do Estadão foi a Província de São Paulo fundada em 1875. Em 1890 a família
Mesquita comprou o jornal e este passou a ter o nome que permaneceu até hoje. Na tese da
historiadora Maria Aparecida Aquino intitulada
Caminhos Cruzados. Imprensa e Estado
Autoritário no
Brasil (1964-
80
), há uma discussão sobre o posicionamento político divergente do jornal O Estado de
S. Paulo e do jornal A Última Hora. Enquanto este último foi um dos poucos a se manter fiel ao
governo de João Goulart no início dos anos sessenta, o primeiro como a maioria da grande imprensa
apoiou o golpe militar de 1964.
Na pesquisa de Maria Aparecida de Aquino, podemos constatar o posicionamento político do
jornal O Estado de S. Paulo nas seguintes questões: 1) Posicionamento oposicionista a Getúlio
Vargas; na maioria do período do Estado Novo o jornal esteve sob intervenção e a família Mesquita
esteve no exílio; 2) oposição ao modelo nacionalista
-
populista e vínculo com a UDN, inclusive a figura
de Carlos Lacerda era objeto de muita admiração, demonstrando uma visão de mundo comum entre
o líder da UDN e o jornal aqui analisado; 3) utilização de uma linguagem formal e culta, diferente por
exemplo do jornal Última Hora, que buscava uma linguagem mais popular, com a utilização de ironia.
126
República. Lula achou interessante o filme por colocar uma versão diferente da
apresentada durante a ditadura, entretanto considerou muito militarista os métodos
de Lamarca. De maneira implícita podemos perceber uma pergunta feita para Lula:
O candidato que tenta se desfazer da imagem de radical, não teme que a sua
presença na pré-estréia pode lhe trazer prejuízo eleitoral
.
164
Lula considerou
absurdo que alguém faça associações entre a sua presença na pré-estréia do filme
e o ideal guerrilheiro de Carlos Lamarca. Para facilitar o seu posicionamento,
recorda que durante o início dos anos 70 não possuía um comportamento político
atuante.
No dia 06/05/94 nos deparamos com a página de maior espaço dado à
repercussão do filme Lamarca. Na primeira página do Caderno 2 temos entrevistas
com o general Nilton Cerqueira e o cineasta Sérgio Resende, além de uma crítica
sobre o filme e fotos do general Nilton Cerqueira e de Paulo Betti como Lamarca em
cena do filme. Na entrevista de Nilton Cerqueira fica clara a condenação ao filme,
mesmo sem ter assistido. Baseiam-se as suas colocações em informações de
outras pessoas . Neste período o general era presidente do Clube Militar do Rio de
Janeiro e candidato a deputado federal pelo Partido P
rogressista.
No início da entrevista, o general utiliza um discurso bastante recorrente.
Defende o nacionalismo, afirmando que quem realizou o filme cometeu um crime
contra a nação. Depois enfatiza a carência de valores espirituais do nosso tempo ,
receb
endo agora um filme que transforma um assassino em herói. Por sua vez o
colunista do jornal, Luiz Zanin Oricchio
,
faz duas perguntas muito comuns a respeito
de filmes de reconstituição histórica, tentando verificar se o filme mostrou os
acontecimentos tal qual eles aconteceram. Essa postura fica evidente na seguinte
pergunta:
No filme é mostrado um conflito de comando entre o senhor e o delegado
Sérgio Paranhos Fleury durante a caçada a Lamarca. Isso corresponde à verdade?
O general nega tal conflito, argumentando que Fleury era seu subordinado.
Até esse momento da entrevista havia uma certa normalidade . Contudo esta foi
quebrada com uma resposta dada pelo general Nilton Cerqueira, a um pedido do
jornalista para ele fazer uma reconstituição da morte de Carlos Lamarca. A
surpreendente resposta, seguida de contra-respostas é a seguinte: De graça?
Como assim? O senhor cobraria cachê para dar uma versão dos fatos? Sou um
164
ORICCHIO, Luiz Zanin. Lula e diz gostar de Lamarca
O Estado de S. Paulo, São Paulo: 04
mai. 1994. Caderno 2.
127
homem pobre, não vou dar de graça uma informação. O seu fotógrafo veio aqui,
tirou
fotos e eu não ganhei nada . É difícil saber qual das duas afirmações é mais
esdrúxula, se a vontade de ganhar um cachê para prestar um depoimento de cunho
histórico ou a afirmação de um general se considerar um homem pobre num país
onde um enorme contingente da população ganha salários irrisórios.
Infelizmente esse posicionamento não se constitui numa característica única
de Nilton Cerqueira. Em 1999, a TV Cultura produziu um documentário intitulado
Anistia 20 anos, fazendo um balanço retrospectivo sobre a luta pela anistia e seus
desdobramentos. Nele tivemos uma entrevista com o deputado federal Nilmário
Miranda (PT-MG). Havia uma discussão sobre a questão da abertura de arquivos
sobre o período da ditadura militar. O jornalista Heródoto Barbeiro abordava a
abertura do arquivo do DOPS para a consulta pública. Nilmário Miranda ressaltou
que arquivos do DOI-CODI, da OBAN e outros continuam fechados e talvez eles
contenham pistas sobre desaparecidos. No decorrer da entrevista Nilmário
mencionou um militar que tinha a prática de vender arquivos: O Curió, aquele que
participou da morte de tantas pessoas. Ele fala para quem quiser ouvir, que ele tem
arquivo, mas ele quer vender e ninguém vai comprar arquivo de Curió .
165
Nilmário concluiu que Curió guarda arquivo como um trunfo. Caso precise,
ele ameaça que possui arquivos e assim como nesse caso existem outros arquivos
pessoais. Gostaríamos ainda de colocar mais duas questões sobre esse programa
da TV Cultura. Na abertura, Heródoto Barbeiro afirma que a lei de anistia de 1979
perdoou os dois lados, mas perdoar não significa esquecer. uma ênfase na
importância de certos episódios continuarem vivos em nossa memória para que
eles não se repitam nunca mais. Outra questão exibida é da trajetória de Suzana do
Amaral. Esta era jovem durante a ditadura e seu marido era militante da ALN. Lico,
como era conhecido, foi condenado a seis meses de prisão pelo fato de tentar
reativar o grêmio estudantil de uma determinada escola. O casal caiu na
clandestinidade e em setembro de 1972 Lico desapareceu. Sete anos depois
Suzana localizou o seu corpo e posteriormente criou a comissão de familiares de
mortos e desaparecidos, começando uma atividade militante relacionado a este
tema. O nome de Suzana será mencionado no jornal Folha de S. Paulo sobre a
repercussão do filme
O que é isso companheiro?
165
Anistia 20 anos. São Paulo: TV Cultura. 1999.
128
A entrevista de Nilton Cerqueira é precedida por um texto de apresentação
sobre o filme Lamarca, com a visão de que o cinema nacional precisa de uma boa
polêmica para reconquistar o espaço social perdido. Neste sentido e em outros, o
filme de rgio Resende é visto com o potencial de recuperar o público para o
cinema tupiniquim. Quanto à questão da polêmica, temos o seguinte: Lamarca
chega às telas sob o fogo do Grupo Guararapes, de militares da reserva, que
distribui manifesto contra a exibição . O Grupo Guararapes, formado por militares da
reserva possui um site na internet.
166
Neste encontramos a justificativa da criação
do Grupo, em 1991, ou seja, o fato do governo estar levando o país para o caos e
estar abarrotado de elementos esquerdistas.
No artigo do jornal O Estado de S. Paulo o desejo de Nilton Cerqueira e
conseqüentemente do Grupo Guararapes de tentar com uma liminar da justiça
proibir a exibição do filme Lamarca. Essa resistência dos militares a certos filmes
brasileiros que apresentam versões contrárias à dos militares sobre questões em
que são protagonistas acontece desde o início do cinema no Brasil. O importante
crítico de cinema, Paulo Emílio de Sales Gomes, no seu livro
Cinema:
Trajetória no
subdesenvolvimento enfoca um filme de 1912, que nem chegou a ser exibido devido
a uma proibição da Marinha de Guerra. O filme focalizava a vida do cabo João
Candido, líder da rebelião dos marinheiros contra o uso da chibata
como punição.
167
Ao lado da entrevista do general temos a entrevista do diretor Sérgio
Resende. Em entrevista realizada no ciclo Quem Tem Medo de Literatura , da PUC-
Rio, Sérgio Resende afirmou: Os personagens dos meus filmes estão relacionados
diretame
nte com a realidade do povo. Eles apresentam uma energia para
transformar o país .
168
Portanto, Sérgio Resende participa da visão de que o cinema
constitui
-se um importante meio de comunicação para levar a uma conscientização
da realidade brasileira.
No artigo do jornal O Estado de S. Paulo,
intitulado
Diretor retrata figura
humana do guerrilheiro, temos uma breve apresentação do diretor, e uma
comparação com um filme anterior de Resende, O homem da capa preta, que
focalizou a historia do der populista de direita Tenório Cavalcante. Abordando a
extrema diferença ideológica entre os dois personagens dos filmes, Sérgio Resende
166
http://www.fortalweb.co
m.br/grupoguararapes/index.asp
.
167
GOMES, op.cit., p. 35.
168
Quem Tem Medo de Literatura. PUC
-
Rio.
129
afirmou que ele se preocupou essencialmente com as figuras humanas .
Respondendo a uma pergunta referente ao fato do filme abordar a história recente
do país e conseqüentemente de pessoas que ainda estão vivas e podem se sentir
mal representadas e gerar polêmica, rgio Resende considerou que tomou alguns
cuidados. No caso do general Nilton Cerqueira, o diretor preferiu chamá-lo apenas
de major , não fazendo assim uma associação explícita. No filme O que é isso
companheiro
, esse cuidado não aconteceu por parte do diretor Bruno Barreto, já que
os nomes reais dos personagens foram mantidos, gerando assim um processo
judicial por parte da família do ex-guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva (Jonas), que
não gostou da representação realizada. Sérgio Resende informou que pediu
autorização à viúva de Carlos Lamarca, Maria Pavan, e os filhos leram e aprovaram
tanto o roteiro como o filme.
Outro
questionamento feito ao cineasta refere-se à tentativa ou não de
mitificar Carlos Lamarca. Resende não esconde a sua admiração pelo ex-
guerrilheiro, mas diz que não fez essa opção. Considera que a manutenção de duas
passagens da vida de Carlos Lamarca, ou seja, os assassinatos de um guarda e do
tenente Alberto Mendes Júnior no Vale do Ribeira, provam que ele buscou uma
certa isenção.
No decorrer da entrevista, o Caderno 2 faz a seguinte pergunta: Mas nos
avant
-trailler, o Lamarca é vendido como figura épica com frases do tipo você
conhece algum brasileiro que nunca se rendeu .
169
Realmente observando o trailer
do filme encontramos as seguintes frases: Você conhece algum brasileiro que não
tem preço? Você conhece algum brasileiro que enfrenta um exército, pelo seu ideal?
Você conhece algum brasileiro capaz de morrer pelo nosso país? Agora você vai
conhecer. Lamarca o capitão que mudou de lado . Sérgio Resende respondeu a
esta questão argumentando que ele produziu o filme, mas não a publicidade deste;
mas fez questão de enfatizar que na sua visão Lamarca constitui-se numa figura de
grande dignidade e traça vários elogios ao guerrilheiro.
Ao estudarmos a origem do cinema, percebemos essa busca da
espetacularização. No artigo de Tom Gunning, intitulado
Cinema
e História, uma
análise dos precursores do cinema no século XIX, em que vários aparelhos óticos
produziam uma ilusão de movimento como, por exemplo, a lanterna mágica. O
169
ORICCHIO, Luiz Zanin. Diretor retrata figura humana do guerrilheiro. O Estado de S. Paulo, São
Paulo: 06 mai.1994.
Caderno 2.
130
fascínio para com esses brinquedos óticos fizeram com que esses aparelhos
fossem
associados a uma visão sobrenatural. Inclusive um dos primeiro exibidores
de lanterna mágica, chamou-a de lanterna do medo .
170
Entretanto, outros
exibidores, influenciados pelo espírito cientificista faziam questão de mostrar o
caráter racional e de truque desses aparelhos. Além disso, ainda de acordo com
Tom Gunning, no início do cinema ele foi associado a outras formas de
entretenimento de massa, como o museu de cera e as exposições mundiais.
Somando
-se a essa questão, podemos refletir sobre o caráter de indústria e
de mercadoria em que o cinema se transformou. A historiadora Maria Antonieta
Martinez Antonacci, no artigo Do Cinema Mudo ao Falado: Cenas da República de
Weimar, utiliza-se de filmes de Fritz Lang, como
Metrópoles
para estudar sobre a
Repúbli
ca de Weimar na Alemanha. Ela demonstra como a maneira padronizada e
massificada de se fazer filmes levou a uma perda de autonomia dos diretores que,
em geral, passaram a ser subordinados a produtores, os quais possuíam o perfil de
homens de negócios. Além disso, afirma que o surgimento do som no cinema
contribuiu ainda mais para essa padronização. Essa forma industrial de se produzir
filmes, que surgiu nos Estados Unidos e influenciou o mundo inteiro, inclusive a
Alemanha e o Brasil, não estão ausentes na
produção do filme Lamarca.
Ainda no dia 06/05/1994, em Filme analisa voluntarismo político de esquerda
,
Lamarca é novamente apresentado com o potencial de contribuir significativamente
para a reabilitação do cinema nacional. As razões apontadas para isso são as
seguintes: Não por sua qualidade como espetáculo cinematográfico, mas
principalmente pelo conteúdo político .
171
Assim, um dos grandes trunfos do filme
estaria no seu conteúdo, ou seja, o rito de abordar a história de Carlos Lamarca,
um ex-
capitã
o do Exército que toma a decisão radical de desertar e passar para o
lado dos guerrilheiros, fazendo uma série de atividades extraordinárias , como
expropriar o cofre do político Ademar de Barros, fazer assaltos a bancos, comandar
um foco guerrilheiro no Vale do Ribeira, entre outras.
O teórico da comunicação, Marshall Mcluhan, no seu livro Os meios de
comunicação como extensões do homem, enfatiza a forma e não o conteúdo dentro
do processo comunicacional. Na sua ótica, o conteúdo de um meio é como a b
ola
170
GUNNING, TOM. Cinema e His
tória.
XAVIER, Ismail (org.). O Cinema no século. Rio de Janeiro:
Imago, 1996. p. 28.
171
ORICCHIO, Luiz Zanin. Filme analisa voluntarismo político de esquerda. O Estado de S. Paulo,
São Paulo: 06 mai.1994. Caderno 2.
131
de carne que o assaltante leva consigo para distrair o cão de guarda da mente .
172
Entretanto precisamos considerar que conteúdo e forma fazem parte de um mesmo
processo e possuem a mesma importância. No caso do filme
Lamarca
, a adoção
de uma linguagem cinematográfica clássica, onde se busca contar uma história de
forma coerente e onde há uma estética naturalista de representação do real . Todas
essas questões são muito relevantes e devem ser levadas em consideração, mas o
conteúdo escolhido para o filme também é fundamental; caso contrário,
determinando a forma cinematográfica, não importaria se o filme aborda uma corrida
de Fórmula Um, um acidente de avião, ou a trajetória de um jornalista.
A última matéria aqui analisada sobre o filme
Lamarca
é do jornalista Eugênio
Bucci. No artigo Lamarca tira cinema nacional do exílio (14/05/97, Caderno 2),
uma discussão inicial sobre a situação do crítico de cinema no Brasil, que vive uma
espécie de ostracismo no seu próprio país já que, como praticamente não havia
filmes brasileiros, restava aos críticos escrever sobre filmes estrangeiros. Eugênio
Bucci cita Paulo Emílio de Sales Gomes, para demonstrar a importância do cinema
nacional. Enfocou a questão da seguinte maneira: Para quem gosta de cinema, a
pr
esença de filmes nacionais é tão necessária quanto o ar. São neles que você se
mede, que você se vê, se reflete, se encontra
e se critica .
173
Bucci comemora a
existência do filme
Lamarca
, entretanto a maior parte do artigo é focada em dois
pontos: a questão abordada da crítica e uma minibiografia de Carlos Lamarca,
restando pouco espaço para a análise do filme em si.
3. 3) Historiadores debatem o filme Lamarca no
Jornal do Brasil.
A primeira matéria do Jornal do Brasil sobre o lançamento do filme Lamarca é
do dia 01/05/94 na Revista de Domingo.
174
Com a autoria de Luciana Burlamaqui e
172
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix:
2003.
p. 28.
173
BUCCI, Eugênio. Lamarca tira cinema nacional do exílio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14
mai. 94. Caderno 2.
174
O Jornal do Brasil, um dos integrantes da chamada grande imprensa, teve sua fundação no dia
seis de abril de 1891, e passou por várias fases durante a sua trajetória. De 1931 a 1950, o jornal
recebeu o apelido de boletim de anúncios , em função da linha defendida por José Pires do Rio. Esta
1
32
Sérgio Garcia, começa enfocando uma cena marcante do filme, em que Lamarca
afirmava não sair do Brasil, apesar dos constantes pedidos de companheiros que
estavam preocupados com a vida do líder guerrilheiro. O texto possui um enfoque
maior no ator Paulo Betti. Este, antes do lançamento do filme, estava em Nova York
fazendo um curso de teatro. Em relação ao filme, Paulo Betti, apontou a
preocupação de tentar uma aprimorada reconstituição física de Carlos Lamarca.
Dessa maneira fez exercícios para enrijecer os músculos e uma dieta em que
emagreceu 15 Kg. Preocupou-se até em estudar o tipo de caligrafia do capitão
guerrilheiro. Essa postura possui bastante ligação com a linha cinematográfica
clássica, onde há uma busca de naturalidade e de precisão.
Paulo Betti esforçou-se em buscar informações sobre Carlos Lamarca,
utilizando
-
se de livros e acervos de imagens. Uma foto teria chamado a sua atenção,
a de Lamarca lendo Guerra e Paz de Tolstoi, num acampamento do sertão baiano,
que instigou Betti a ler o livro. Luciana Burlamaqui e Sérgio Garcia apontam o filme
Lamarca com o potencial de recuperar o prestígio do cinema nacional, não por
exumar a história de um herói da esquerda brasileira, mas, principalmente, por ter
qualidades. É didático sem ser redundante: ideológico, sem ser maniqueísta .
175
O ator Paulo Betti se caracterizou nos anos 90 por uma postura de esquerda.
Condenou artistas que apoiaram Fernando Collor de Melo e sempre declarou seu
voto a Lula. Neste artigo do Jornal do Brasil, entretanto, está mais ponderado.
propugnava um não envolvimento em questões políticas, artísticas e literárias. Na década de 50 o
jornal começou com uma grande reforma, que passou a incluir nomes bastante respeitáveis, como
Jânio de Freitas, Carlos Castelo Branco, Carlos Lemos, Luis Lobo, Ferreira Gullar, entre outros. No
in
ício dos anos 60, com a entrada de Alberto Dines, houve um grande reconhecimento da qualidade
do jornal. Podemos mencionar algumas inovações desta reforma: 1) criação do suplemento
dominical, que apresentava assuntos diversos e acabou se transformando num caderno literário; 2)
diminuição do número de anúncios; 3) pela primeira vez, em 1957, publicação de uma fotografia na
primeira página; 4) maior envolvimento em questões políticas.
Essas mudanças consubstanciaram o perfil do Jornal do Brasil. No momento do golpe militar
de 1964, assim como a maior parte da grande imprensa, apoiou os golpistas e conseqüentemente o
governo de Humberto Alencar Castelo Branco. A sua tradição liberal ficou bastante ratificada na
oposição ao governo de Ernesto Geisel, devido à política estatizante deste presidente. Em 1981, na
ocasião do atentado terrorista do Rio Centro, o jornal contestou a versão oficial apresentada pelo
governo da época e, devido à série de reportagens realizadas, recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo.
Com
a redemocratização, o Jornal do Brasil, de forma geral, apoiou as medidas adotadas
pelo governo de Fernando Collor de Melo e somente começou a defender o impeachment quando o
processo em curso para retirar o presidente do seu cargo já estava muito adiantad
o. Em 1994, ano de
lançamento do filme
Lamarca,
o jornal carioca considerou o plano de estabilização da economia como
algo positivo dentro do panorama político brasileiro. Informações extraídas de ALVES DE ABREU,
Alzira... [et al.] Dicionário histórico-
bio
gráfico brasileiro pós-
1930
. Rio de Janeiro: Editora FGV;
CPDOC, 2001.
175
BURLAMAQUI, Luciana, GARCIA, Sérgio. Revista de Domingo.Jornal do Brasil, Rio de janeiro, 01
mai. 94.
133
Afirmou que se arrependeu da condenação aos artistas que apoiaram Collor e que
sofreu uma certa decepção no seu contato com o Partido dos Trabalhadores. Ele
apresentou projetos na área cultural e de acordo com seu depoimento estes projetos
não teriam emplacado, mesmo assim manteve a sua declaração de voto a Lula.
Essa postura política também encontramos na produtora do filme, Mariza Leão, e no
próprio filme Lamarca. Este posicionamento mais à esquerda é corroborado pela
menção honrosa recebido pelo filme da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(02/05/1994).
Na matéria de Marcello Maia o filme
Lamarca
novamente é apresentado com
a expectativa de reconquistar o público para o cinema nacional. Desejo que de certa
forma acabou se concretizando com a posteriormente denominada retomada do
cinema brasileiro . Na entrevista realizada com Sérgio Resende, uma
preocupação deste de fazer um filme que fosse fiel ao sentimento das pessoas que
viveram esta história .
176
Quanto ao ator Paulo Betti, considera muito interessante
trazer à tona a história recente do país, principalmente tratando-se de Carlos
Lamarca, um herói na sua visão, que tentou uma transformação da sociedade
brasileira. O colunista Hugo Sukman elogia o elenco do filme e apresenta a visão de
que seu forte é possuir uma dimensão mais pessoal do que política ou panfletária.
Na história do cinema é muito comum a existência de filmes que causam
polêmica. Dependendo do tema abordado sempre tendências que ficam
satisfeitas ou não com determinadas representações cinematográficas. casos de
adversários ideológicos reconhecerem as qualidades de filmes que estão
diametralmente opostos em termos políticos. O famoso ministro da propaganda
nazista Joseph Gobhes teceu vários elogios ao comunista O Encouraçado
Potemkim
de Sergei Eisentein.
177
Lamarca, comparando com o filme O que é isso
companheiro,
gerou menos polêmica, mas como o filme aborda a história recente do
país tivemos pessoas que participaram diretamente dos acontecimentos procurados
pelos jornais para dar entrevista.
Esse foi o caso de João Salgado, que em 1994 possuía negócios na área
farmacêutica e no início dos anos 70 optou pela luta armada e participou de
atividades junto com Carlos Lamarca. Com o codinome Fio, no filme de Sérgio
176
MAIA, Marcello. Lamarca é o destaque numa semana cheia de bons filmes. Jornal do Brasil. Rio
de Janeiro, 06 mai. 1994. Revista de Domingo.
177
FURHAMNAR, Leif, ISAKSSON, Folke. Cinema e Política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p.
42.
134
Resende, é o que possuía mais moderação e tentou rias vezes tirar Carlos
Lamarca do país. Na entrevista dada ao Jornal do Brasil no dia 08/05/1994, João
Salg
ado relata fatos, faz alguns paralelos e vários elogios ao filme. Entre várias
questões enfocadas, há uma diferença de visão entre o MR
-
8 e a VPR. No programa
do primeiro a participação das massas se apresentava de forma essencial, ao
contrário da VPR que valoriza a luta armada em si. O guerrilheiro considerou a
representação humanista de Lamarca bastante satisfatória, ou seja, a sua bondade
e sensibilidade. Em relação ao caso do professor que participou do grupo
guerrilheiro temos a seguinte colocação: O filme mostra bem isso no caso do
professor, que estava conosco na Bahia, tinha problemas com bebida e o Lamarca
não deixou que os militantes o matassem .
178
A entrevista terminou com uma
questão sobre se a fuga de João Salgado aconteceu da mesma maneira que o filme
mostrou.
O
Jornal do Brasil usou uma estratégia parecida com o jornal Folha de S.
Paulo
, a de reunir adolescentes, exibir o filme e fazer questionamentos. Contudo,
analisando a seguinte frase: Mesmo sem ter a menor idéia da história de Lamarca,
os adolescentes demonstraram grande interesse pelo filme ,
179
temos um
posicionamento contrário ao da Folha de S. Paulo, que apresentou a visão de que
os jovens conhecem a história recente do Brasil. Os adolescentes elogiaram o
comportamento do personagem Lamarca, ressaltando seu idealismo na
preocupação com a vida do povo. Além dessa questão, enfatizaram o isolamento em
que Lamarca acabou caindo e se mostraram muito chocados com a questão da
tortura existente no período da Ditadura Militar. No final do artigo temos uma
avaliação do diretor Sergio Rezende, onde este se mostrou satisfeito com a
desenvoltura dos adolescentes e na seqüência afirmou: Vamos promover o filme
em escolas do segundo grau e universidades. É uma história do Brasil. Mas não é a
história
oficial .
Além desta entrevista com o ex-guerrilheiro João Salgado e esta matéria
sobre a visão dos adolescentes, no dia 08/05/94, temos um artigo onde três
historiadores renomados discutem o filme: Denise Rollemberg, René Dreyfuss e
Daniel Aarão Reis Filho. No começo do artigo, o jornalista Hugo Sukman faz uma
observação interessante. Ele cita dois filmes,
JFK
e
Em Nome do Pai
, afirmando que
178
REIS, Paulo. Guerrilheiro relata época.
Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro: 08 mai. 1994. Caderno B
.
179
REIS, Paulo.Jovens se emocionam.
Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro: 08 mai. 1994. Caderno B.
135
estes geraram polêmicas nos respectivos países em que foram lançados, uma vez
que muitas pessoas, ao assistir aos filmes, consideravam as versões apresentadas
como verdade definitiva. O filme Lamarca corre o mesmo risco, que seu poder de
persuasão é grande.
O debate entre os historiadores apresentou um consenso.
Lamarca
foi
considerado o melhor filme sobre o período autoritário. René Dreyfuss apresentou
menos críticas, enquanto Reis Filho e Rollemberg sentiram falta de uma maior
contextualização. Na visão destes as pessoas que nunca estudaram ou viveram o
período consideraram a trajetória de Carlos Lamarca totalmente absurda. Na visão
de Reis Filho, que também foi guerrilheiro na época da ditadura, o filme ficou
excessivamente focado na figura de Lamarca. Denise Rollemberg reconhece que o
movimento guerrilheiro ficou isolado da sociedade, mas afirma: Mas ali no filme
aparece a VPR e o MR-8 e eram 44 organizações diferentes fazendo a luta armada.
O filme não foi capaz de mostrar isso, aponta a historiadora .
180
Se por um lado
podemos reconhecer que uma maior contextualização seria interessante, por outro
desejar que o filme enfocasse quarenta e quatro organizações diferentes é querer
exigir demais de uma obra que se passa em torno de duas horas.
Outra questão discutida entre os historiadores, e enfocada na entrevista
com Sérgio Resende, é sobre o heroísmo de Carlos Lamarca. Na ótica de Denise
Rollemberg temos a seguinte consideração: A meu ver o é um bom caminho
reescrever esta história retomando a figura do herói. Devemos recuperar a história
sem a preocupação do mito . A historiadora considera que a história oficial se
constituiu com heróis e repetir o mesmo procedimento para colocar uma nova versão
não é pertinente. René Dreyfuss não considera que o filme
Lamarca
construiu uma
visão de herói para Carlos Lamarca, enquanto Daniel Aarão Reis Filho enfatiza que
a visão das pessoas na época da ditadura não era de que estavam fazendo
sacrifícios; elas se consideravam iluminadas e se consideravam como uma
vanguarda, ou seja, salvadores da pátria .
Essa postura de salvadores da pátria possui relação com a conju
ntura
política da época, que acreditava na eminência da revolução. Assim como nos dois
jornais citados anteriomente, aqui também nos deparamos com notícias referente à
iniciativa do general Nilton Cerqueira de tentar censurar o filme de Sérgio Resende.
180
SUKMAN, Hugo. Historiadores discutem o filme Lamarca. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 08 mai.
1994. Caderno B.
136
Na reportagem Ação contesta Lamarca, escrita por Macedo Rodrigues, temos a
informação da tentativa do general de ganhar na justiça uma liminar para fazer
apreensão do original e das cópias do filme. No entanto, o resultado judicial foi
desfavorável a Nilton Cerqueira. No texto da ação, escrito pelo general, temos a
visão de que o filme mitifica Carlos Lamarca e induz a se pensar como único
responsável pela morte do guerrilheiro, um sanguinolento e desequilibrado major .
181
Contudo, essa última afirmação é muita exagerada, que o filme retrata a trajetória
do guerrilheiro desde a fuga do quartel, a guerrilha no Vale do Ribeira e deixa claro,
portanto, que o guerrilheiro poderia ser morto a qualquer momento. Sobre a caçada
a Lamarca que o filme apresenta, ela não é absurda. Sabemos que nos anos
sessenta havia sim uma obsessão em prender os líderes guerrilheiros e não havia
tanta preocupação com os guerrilheiros sem destaque. No livro de memória de
Fernando Gabeira,
O que é isso companheiro
há essa visão.
Na
matéria
Público de Lamarca é de 40 mil (20/05/1994), temos uma
demonstração de alegria por parte da Distribuidora Rio Filmes (a única especializada
na distribuição de filmes brasileiros). Nas duas primeiras semanas de exibição o
filme atingiu a marca de 40 mil espectadores em todo o país, a melhor marca desde
o final da Embrafilme em 1989. O sucesso de Lamarca também é mencionado na
coluna de Danuza Leão: A regra de tirar os filmes brasileiros de cartaz logo na
primeira semana de exibição não vale para Lamarca .
182
No terceiro volume de Olho da História. Revista de História Contemporânea
(Universidade Federal da Bahia), uma entrevista com o diretor Sérgio Resende,
onde este abordou a filmagem de
Canudos.
Mas no início da entrevista existem
questões relacionadas a Lamarca e outras gerais. Questionado sobre o seu
interesse por tema histórico, Sérgio Resende argumenta que na história do cinema
mundial é muito comum a produção de filmes com esta temática. Cita a produção
hollywodiana, que começou fazendo filmes históricos e continua produzindo até
hoje, e menciona o cineasta russo Serguei Eisenstein, que produziu vários filmes
nesta área.
Durante a entrevista com Sérgio Resende surgiu o questionamento a respeito
do porquê filmar sobre Lamarca. Na sua resposta o diretor retoma o contexto da
181
RODRIGUES, Macedo. Ação contesta Lamarca. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 13 mai. 1994.
Caderno B.
182
LEÃO, Danuza. Público de Lamarca é de 40 mil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 20 mai. 1994.
Caderno B.
137
época, ou seja, a de praticamente ausência de filmes brasileiros no período pós-
Collor e o predomínio do neoliberalismo na política brasileira. Enfocou uma reunião
entre cineastas e representantes do governo Collor, em que estes afirmavam que o
Brasil não podia produzir de tudo. Então, deveria produzir apenas o que era
competitivo no mercado internacional, ou seja, não havia necessidade de fazer
cinema nacional. Revoltado com esse posicionamento e com o predomínio
excessivo do discurso neoliberal, Sérgio Resende se sentiu sufocado e: Então,
resolvi que devia fazer um filme na contramão daquela onda que estava em curso,
contrapondo
-se um pouco à idéia do Brasil em Miami, do fim da esquerda, da
hegemonia do neoliberalismo .
183
Re
tomando as matérias sobre o filme
Lamarca
no Jornal do Brasil, no dia
10/06/1994, o espaço do leitor, onde encontramos um apaixonado pelo filme e
pela recuperação do cinema nacional. Em relação a Lamarca teceu as seguintes
considerações: O filme é uma obra de arte, é um filme forte na linha do neo-
realismo italiano. As imagens do interior nordestino são um soco no estômago do
pequeno
-burguês metido a protagonista do milagre brasileiro .
184
Essa visão
apresenta uma percepção limitada, que o filme de Sérgio Resende o apresenta
características do neo-realismo. Este buscava um realismo cru, sem efeitos de luz,
em preto em branco, com atores amadores e de preferência o próprio povo atuando.
No filme
Lamarca
existiram alguns pequenos papéis realizados por sertanejos, mas
predominantemente atores profissionais. Nas cenas em que Lamarca e Zequinha
estão no morro, na área de campo, existe um efeito de luz bastante intenso e
aprimorado. Portanto, se alguma relação com o neo-realismo italiano, como a
apre
sentação do povo pobre, em termos estéticos há muitas diferenças.
O filme
Lamarca,
dois meses após o seu lançamento, já estava nas locadoras
a disposição do blico. No artigo de Pedro Butcher (08/07/94) temos a questão
levantada, se isso ocorreu devido a
um fracasso de
Lamarca
no cinema. A produtora
Mariza Leão afirma que não, argumentando que o filme ficou oito semanas em
cartaz, um número bastante razoável para o cinema nacional. De acordo com a
produtora esse comportamento faz parte de uma estratégia de marketing para
surpreender o espectador que ainda não assistiu ao filme. Dessa maneira o filme foi
183
Olho da História.
Revista de História Contemporânea (Universidade Federal da Bahia).
3º V
.
184
MORIER
Luiz.
Lamarca obra de arte para leitor. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 10 jun. 1994.
Caderno B.
138
lançado em locadoras tanto especializadas como o especializadas. Essa questão
reflete uma situação de crise do cinema, já que no Brasil o cinema perdeu s
eu
caráter popular, ou seja, das poucas salas de cinema que o país possui, a maioria é
freqüentada por pessoas de classe média e alta.
Na matéria O candidato e os sem tela , de Hugo Sukman, uma discussão
sobre um encontro no Festival de Gramado entre cineastas e pessoas ligadas à
sétima arte , e o então candidato a presidente Luis Inácio Lula da Silva. Este
recebeu convite do ator Sérgio Mamberti e da produtora Mariza Leão e de militantes
do PT. Durante o encontro Lula recordou a sua infância pobre que assistia a filmes
na praça pública e de graça. Ressaltou a importância da área cultural e afirmou que
Fernando Henrique Cardoso, ligado com o Antonio Carlos Magalhães, não
estimularia o desenvolvimento cultural do país. Mariza Leão apresentou
reivindica
ções para a possibilidade de um governo de Lula.
Em 1994, depois de um período de decadência na presença de filmes
brasileiros em festivais, alguns filmes, como a Terceira Margem do Rio, de Nelson
Pereira dos Santos começaram a reaparecer em vários festivais. Ao ler o artigo
Imagens brasileiras percorrem o mundo, de 26/08/1994, temos a seguinte
introdução: O cinema brasileiro, durante muito tempo, foi pejorativamente
considerado bom de festivais e prêmios e ruim de público .
185
Neste comentário
temos uma generalização problemática, uma vez que em alguns momentos da
história do nosso cinema tivemos grandes bilheterias. Citaremos dois filmes de
grande sucesso, O Ébrio (1946), que ficou duas décadas em cartaz e Dona Flor e
seus dois maridos (1976), que apresentou a maior bilheteria do cinema nacional,
com mais de doze milhões de espectadores. Se essa frase se referisse
especificamente ao cinema novo poderíamos admitir alguma pertinência, porque
realmente os filmes desse movimento tiveram grande sucesso de crítica e no geral
não tiveram grandes bilheterias.
Ao refletir sobre essa questão, percebemos que apesar de o cinema novo não
ter apresentado grandes bilheterias, deixou influência em termos estéticos. Essa
constatação podemos observar em filmes como Central do Brasil, abordando a
miséria brasileira e Os Matadores de Beto Brant, enfocando os dilemas da periferia
de São Paulo e a atitude hipócrita da alta burguesia. Ao analisar mais
185
SALEM, Helena. Imagens brasileiras percorrem o mundo.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro: 26 ago.
1994. Caderno B.
139
detalhadamente o artigo do Jornal do Brasil mencionado no parágrafo anterior, fi
ca
evidente a influência da tradição do cinema novo nesta questão dos festivais: Este
ano, porém, marca a volta da cinematografia tupiniquim às grandes mostras do
mundo, eventos em que se destaca desde os anos 60, quando o chamado cinema
novo se internacionalizou, participando de festivais . Em 1994, além da Terceira
Margem do Rio, temos vários filmes participando de festivais, como Mil e uma
(Susana Moraes), Veja esta canção (Cacá Diegues) e
Lamarca
(Sérgio Resende),
filme apresentado como tendo sucesso no mercado interno e saindo em busca de
novos horizontes.
O Jornalista e professor universitário Alexandre Figueirôa no seu artigo
A
onda do Cinema Novo na França foi uma invenção da crítica?, publicado nos
Estudos Socine de Cinema, Ano III, considera que o cinema novo teve grande
sucesso na França, por que seus filmes se encaixavam no perfil desejado pela
crítica cinematográfica, principalmente da revista Cahier du Cinèma. Os críticos
deste periódico buscavam, além de maior politização, uma estética cinema
tográfica
que rompesse com a dominante, uma vez que estava interessada em divulgar os
filmes franceses. Na visão de Alexandre Figueirôa, essa tradição de julgamento
cinematográfico continua perdurando. Ele menciona o caso de um artigo do crítico
francês
Bill Krohn (publicado em 1988), que esteve no Brasil durante o Festival
Internacional de Cinema no Rio de Janeiro, em que realizou uma análise dos novos
filmes. Na ótica deste crítico, os filmes faziam uma espécie de traição aos
pressupostos do cinema novo. Em relação ao filme O homem da capa preta (Sérgio
Resende), considerou que se tirasse dez por cento dos planos do filme não daria
para se notar o lugar onde foi produzido. Alexandre Figueirôa considera esse
comportamento muito superficial, porque a crítica francesa acabou criando uma
visão dogmática em relação ao cinema brasileiro, que desqualifica qualquer filme
que não apresente as principais características cinemanovistas.
Na matéria Cinema é trabalho, do Jornal do Brasil, a discussão sobre a
importân
cia da presença de filmes brasileiros em festivais internacionais continua.
Numa entrevista com o diretor Cacá Diegues o reconhecimento da importância
dos festivais, mas também uma preocupação que possui uma certa relação com
o posicionamento de Alexandre Figueirôa. O diretor de Bye bye Brasil afirma: Não
podemos transformar os festivais internacionais em juízes que orientam o que é bom
140
e o que não é bom no cinema brasileiro .
186
Essa grande preocupação com os
festivais por um lado apresenta pertinência, que a cultura possui uma dimensão
universal, por outro nos remete a um sentimento colonialista, que sentimos a
necessidade de reconhecimento pelos europeus, ou seja, pelos civilizados . A
crítica de Cacá Diegues vai contra essa mentalidade. Evidentemente essa questão
não se restringe apenas ao cinema. Cacá Diegues termina o artigo fazendo uma
defesa intransigente da diversidade do cinema brasileiro, apontando as diferenças
entre filmes como A terceira margem do rio
,
A causa secreta, Mil e uma e La
marca.
Eis o seu posicionamento: Fico arrepiado quando alguém diz na imprensa que a
saída para o cinema nacional é o filme comercial, ou o filme de autor, ou o
filme experimental .
Dentro do espaço
Opinião dos Leitores
(JB
-
29/09/94), temos a pu
blicação de
cartas dos leitores sobre assuntos variados e sobre o filme
Lamarca
. uma carta
de um militar que estudou com Carlos Lamarca nos anos 50 e somente com o filme
e a foto publicada no Jornal do Brasil, reconheceu seu companheiro de turma. Na
sua
carta Carlos Lamarca é descrito como alguém com objetivos bem claros, como
ser oficial do Exército e com um posicionamento apolítico: Sempre debatíamos em
grupos a situação nacional, mas Lamarca jamais participou desses grupos, nunca
discutiu ou manifest
ou
-se sobre política. Seu objetivo era claro: estudar e seguir a
carreira militar . A carta possui um tom bastante saudosista e sentimental, como a
dizer como um jovem tão sério e comportado acabou tendo uma opção radical.
No final de 1994 (25/12), temos um pequeno balanço sobre a trajetória
cinematográfica deste ano, escrito por Hugo Sukman, chamado A volta do filme de
autor
. No começo há uma avaliação do panorama mundial, apresentando os filmes
A
fraternidade é vermelha
(Krszystof Kieslowski),
Short cuts
(Robert Altman),
A lista de
Schindler
(Steven Spielberg), como exemplos de vida inteligente e interessante nas
telas. Quanto ao cinema nacional, Hugo Sukman escreveu: Lamarca uma eficiente
aventura política, conseguiu a proeza de fazer com que 120 mil brasileiros fossem
ver o Brasil novamente na tela .
187
Podemos observar a baixa popularidade do
nosso cinema no período, uma vez que um pequeno público como este é
considerada uma proeza.
186
ALMEIDA, Carlos Helí. Cinema é trabalho. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 03 set. 1994. Caderno
B.
187
SUKMAN, Hugo,
A volta do filme de autor
. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro: 25 dez. 1994. Caderno
B.
141
3. 4 O que é isso companheiro? na Folha de S. Paulo. Absolvição da
di
tadura?
O lançamento de O que é isso companheiro? (01/05/1997) causou grande
impacto, principalmente entre aqueles que participaram do seqüestro. Num certo
sentido essa reação era prevista que as pessoas envolvidas em situações
extremamente complexas não se sentiram bem representadas. Alguns deles
consideraram que o filme apresentou uma visão distorcida da história , com
eufemismo em relação à ditadura. Um grupo de intelectuais, jornalistas, ex-
guerrilheiros, escreveram vários artigos, e estes foram reunidos no livro Versões e
Ficções: o Seqüestro da História, em que a nica principal é de contestação ao
filme. Como este livro constitui-se basicamente de uma coletânea de artigos
publicados em jornais e revistas, dentre os quais, alguns retirados dos j
ornais
selecionados para esta análise, também serão tomados na perspectiva de
repercussão dos filmes na imprensa.
No livro mencionado acima, o historiador carioca e ex-guerrilheiro Daniel
Aarão Reis Filho, no artigo Um passado imprevisível: a construção da memória da
esquerda nos anos 60,
considera que os livros
O que é isso companheiro?
e
1968: o
ano que não terminou (Zuenir Ventura) são memórias bem-humoradas sobre a
ditadura. Na visão de Reis Filho estes livros apresentam um tom de conciliação, de
não
enfrentamento das questões, que obtiveram sucesso porque a maioria da
sociedade brasileira desejava esse discurso.
A visão de Fernando Gabeira sobre o filme não é a mesma do historiador
carioca. O criador do Partido Verde, de forma geral, não fez sérias restrições ao
filme, ao contrário aceitou razoavelmente a representação realizada. Inclusive
podemos perceber que no período da ditadura havia divergências de opiniões
entre os guerrilheiros. Analisando o livro O que é isso companheiro? percebemos
clara
mente a postura e visão de mundo de Fernando Gabeira na descrição do
período em que esteve na cadeia. Ficamos com a impressão que ele tenta driblar
as situações , ou seja, tenta se comportar bem em determinadas situações para
em outros momentos tentar uma ofensiva para conseguir alguma melhora no
tratamento. observações em relação aos presos comuns, alguns deles
142
encontrando
-se nessa condição somente por serem pobres ou homossexuais. Além
disso, eram obrigados a trabalhar de graça na cadeia.
188
Numa
determinada situação, Gabeira pediu para ir ao banheiro e começou a
conversar com um policial. Este afirmava que estava pensando em abandonar a
profissão, porque não agüentava mais aquele horror. Ele havia participado de um
cerco que resultou na morte de um menino chamado Zé Roberto e considerou
horrível a experiência de ver um garoto morrer daquela maneira.
189
O Roberto
fazia parte do grupo de Gabeira, o que justifica este relato; entretanto podemos
perceber nesse posicionamento uma postura de tentar compreender o outro lado .
Essa questão também aparece no artigo da Folha de S. Paulo, intitulado
Gabeira
não se vê em personagem do filme
de Luiz Caversan (10/05/97). Neste encontramos
o mesmo posicionamento de tentar entender o outro lado . Isso fica evidente na
afirmação de Fernando Gabeira: eu tinha mostrado que o torturador brasileiro
podia ser um bom pai de família, um bom oficial. Mas era um torturador, um
profissional .
190
O livro Em Câmara Lenta de Renato Tapajós foi apontado por dois
historiador
es, Daniel Aarão Reis Filho e Ana Maria Camargo, no XVII Encontro
Regional de História, promovido pela ANPUH-SP em setembro de 2004, como
contra
-ponto ao livro de Gabeira. Realmente este livro apresenta com muito mais
ênfase a questão da dor e do sofrimento, para aqueles que partiram para a opção
radical da luta armada.
Na parte do livro em que se reconhecia que não havia possibilidades de
vitória, que muitos haviam sido exilados, presos e assassinados, nos deparamos
com um compromisso de solidariedade em relação aos mortos. Mesmo não
enxergando sentido na continuidade da luta, como parar com ela, tendo registrado
na mente e no coração aqueles que morreram em condições horríveis? Em relação
a essa opção Tapajós afirma: Mas isso é para os frouxos, para as lesmas, para os
que se entregam e são capazes de viver depois disso. Para os que olham os mortos
e dão as costas a eles .
191
188
GABEIRA, op. cit. p. 206.
189
Ibid., p. 190.
190
CAVERSAN, Luis. Gabeira não se em personagem do filme. Folha de S. Paulo, São Paulo: 10
mai. 1997. Ilustrada.
191
TAPAJÓS. Renato.
Em Câmara Lenta.
São Paulo, Alfa
-
Omega, 1977. p. 153.
143
No livro de Tapajós, a repetição por quatro vezes do momento em que ele,
uma companheira e um companheiro são cercados pela polícia. Ele consegue
escapar, mas ela é presa. Somente na última repetição, ele a seqüência do que
aconteceu depois da prisão. Tapajós estava namorando aquela companheira, que
depois de ser intensamente torturada é assassinada. O autor descreve a sessão de
tortura ocorrida: outros fecharam o círculo, batendo e rasgando-lhe a roupa. Ela
tentava se defender, atingindo um ou outro agressor, mas eles a lançaram no chão,
já nua e com o corpo coberto de marcas e respingos de sangue .
192
No final da tortura um dos olhos dela saltou para fora. Neste momento
podemos fazer um exercício de imaginação. Como ficaria uma versão
cinematográfica dessa cena? Uma produção cinematográfica de Em Câmara Lenta
,
resultaria um filme bastante diferente de O que isso companhe
iro?
A iniciativa de
Daniel Aarão Reis Filho, Marcelo Ridenti, entre outros, de criticar o filme O que é
isso companheiro? apresentou-se pertinente porque a crítica pode nos ajudar a
enxergar outros ângulos sobre uma mesma questão.
Após o lançamento do fi
lme
O que é isso companheiro, o primeiro texto no
jornal
Folha de S. Paulo sobre esse assunto é de Gilberto Dimenstein, intitulado
Barreto sequestra Gabeira. Na visão de Dimenstein o filme enalteceu a figura do
embaixador e perdeu a oportunidade de fazer de Fernando Gabeira um personagem
com maior profundidade. Apresenta também a visão de que os guerrilheiros são
mostrados como ignorantes, como podemos constatar na seguinte frase: Reitera a
impressão deixada pelo livro de que os participantes da operação viviam na fronteira
entre idealistas e débeis mentais .
193
Dimenstein termina discutindo a função
pedagógica do filme: As seqüências policiais têm tudo para atrair grandes platéias.
São capazes de trazer debate, especialmente às novas gerações indiferentes ao
regime militar, expondo
-as à história brasileira .
O filme O que isso companheiro? realmente prende a atenção da platéia.
Exibimos a película em diversas classes, tanto do ensino médio como do ensino
superior e pudemos constatar essa atração. A preocupação pedagógica do cinema
existiu desde os seus primórdios, entretanto, no Brasil, ainda existem muitas
resistências ao uso do cinema na sala de aula. Encontramos desde uma concepção
192
Ibid., p. 170.
193
DIMENSTEIN, Gilberto. Barreto sequestra Gabeira. Folha de S. Paulo. São Paulo, 01 mai. 1997.
Ilustrada.
144
autoritária e arcaica de enxergar o ensino, que encara o cinema como alg
o
exclusivamente de lazer e sem eficiência educacional, como também existe um
posicionamento totalmente oposto, que o cinema e outros recursos audiovisuais
como solução dos nossos problemas educacionais. Neste sentido concordamos com
o posicionamento do historiador Marcos Napolitano, que no livro Como usar o
cinema na sala de aula considera que o cinema não deve ser encarado como uma
panacéia, que a desvalorização do ensino deve ser entendida como uma questão
complexa e que passa por uma não valorização da sociedade pelas questões
educacionais. Napolitano enfatiza que a leitura e a escrita continuam sendo
fundamentais dentro do processo educacional.
No artigo Revalorização do livro diante das novas mídias. Veículos e
linguagens do mundo contemporâneo: a educação do leitor para as encruzilhadas
da mídia, de Ezequiel Theodoro da Silva, uma reflexão sobre o papel das mídias
no processo educacional, com uma valorização da diversidade de mídias com os
quais o aluno pode interagir: Anos atrás era estudar essa língua a partir de um livro.
Hoje, os nossos jovens freqüentemente conhecem outras línguas ouvindo discos,
vendo filmes na edição original .
194
Assim podemos considerar o cinema como uma
das várias mídias disponíveis para a nossa interação. Desejamos lembrar que essa
interação deve sempre estimular a capacidade crítica e reflexiva do ser humano.
Em fevereiro de 1997, a Folha de S. Paulo publicou nove reportagens sobre o
Festival de Berlim, que contou com a presença de nove filmes brasileiros. O que é
isso companheiro? foi o único a se apresentar na mostra competitiva. Na matéria
O
Que É Isso, Companheiro? estréia no festival de Berlim (18/02/97), de Paula Diehl,
um comentário sobre a repercussão no Festival da presença inusitada do diretor
Bruno Barreto, acompanhado de Fernando Gabeira e da filha do embaixador
Charles Elbrik. Neste texto temos também uma afirmação de Bruno Barreto
demonstrando o seu posicionamento político de forma evidente: Eu sempre detestei
todo esse discurso de esquerda e direita. Sempre achei isso uma bobagem, uma
chatice. Mas eu sempre tive uma grande curiosidade pelo ser humano".
195
Essa
194
THEODORO DA SILVA, Ezequiel. Revalorização do livro diante das novas mídias. Veículos e
linguagens do mundo contemporâneo: a educação do leitor para as encruzilhadas da mídia.
Integração das Tecnologias na Educação. Salto para o fu
turo.
Brasília, Ministério da Educação, 2005.
Organização: Maria Elisabeth Bianconcini de Almeida e José Manuel Moran. p. 33.
195
DIEHL, Paula. O Que É Isso, Companheiro? estréia no festival de Berlim. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 18 fev. 1997. Ilustrada.
145
última afirmação de preocupação com o ser humano, que inclusive é bastante vaga,
também encontramos na fala do diretor Sérgio Resende sobre o
filme Lamarca.
Nas reportagens sobre o Festival de Berlim, uma com o título bastante
sugestivo:
Mostra cede aos caprichos de Hollywood (20/02/97), de Leon Cakoff. O
reconhecido crítico cinematográfico considera que o Festival, desde há muito tempo,
rec
ebe enorme influência norte-americana e cede aos caprichos da indústria do
cinema americano. Mesmo o rígido critério de exibir filmes inéditos fora de seus
países não foi respeitado. Quanto à presença do filme
O Que É Isso, Companheiro?,
esta foi considerada uma das unanimidades positivas
.
Na última matéria sobre o
Festival, também de Leon Cakoff
,
há uma avaliação da participação do cinema
brasileiro: O melhor do 47º Festival de Berlim é que ele está sendo positivo para o
cinema brasileiro, celebrado aq
ui como um renascimento .
196
No jornal Folha de S. Paulo, nos deparamos com a matéria Filme 'O Que É
Isso...' afrouxa Gabeira afrouxado, de Marcelo Coelho
(30/04/04).
Inicia falando a
respeito do livro O que é isso companheiro? e do retorno de Fernando Gabeira do
exílio em 1979
,
que, entre outros comportamentos inusitados, começa a usar sua
famosa tanga de crochê nas praias cariocas. Marcelo Coelho faz a seguinte
comparação com o filme Lamarca
:
Aposta menos no conflito. Não heróis ao sul
do Equador. ''Lamarca'', de Sérgio Rezende, voltava-se aos tempos da luta armada
brasileira com um olhar mais grave e mais trágico
.
Portanto, de forma genérica,
Marcelo Coelho concorda com a visão de que o filme abranda as questões
enfocadas. Além disso, discute o isolacionismo dos guerrilheiros: O Rio de Janeiro
continua lindo'' _a câmera parece dizer isso, ou seja, os guevaristas estavam de fato
isolados contra a nossa leniência tropical .
197
O procedimento utilizado pelo diretor Bruno Barreto de mesclar o filme com
imagens do Corcovado, foi interpretado por Marcelo Coelho tanto como estratégia de
marketing como também para denunciar o isolamento dos guerrilheiros. Aqui temos
uma visão correspondente a 1997 e não de 1969. Todos aqueles que se dedicam a
estudar a relação história e cinema, argumentam que o filme fala mais da época em
196
CAKOFF. Leon. Mostra termina marcada por qualidade. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 fev.
1997. Ilustrada.
197
COELHO, Marcelo. Filme O que É Isso... afrouxa Gabeira afrouxado. Folha de S. Paulo, São
Paulo: 30 abr. 1997. Ilustrada.
146
que ele é realizado do que sobre o período enfocado pelo filme. Neste sentido, essa
visão do isolamento dos guerrilheiros não ocorreu na época da guerrilha (a o ser
no período em que a re
pressão já havia golpeado fortemente os guerrilheiros e havia
poucos lutando), mas sim posteriormente, quando as atitudes guerrilheiras
normalmente são encaradas como tresloucadas. Quanto à expressão utilizada,
leniência tropical , podemos interpretar como uma visão preconceituosa de nossa
auto
-
imagem.
Muitas das críticas realizadas ao filme O que é isso companheiro? foram
respondidas por Bruno Barreto por tratar-se de uma obra de ficção e não de um
documentário. Numa entrevista concedida a Patrícia Decia, Bruno Barreto
respondeu a seguinte pergunta: Folha - E como fica a oposição entre realidade e
ficção? Barreto - É um filme de ficção, que reinterpreta a realidade, como o próprio
livro já era uma reinterpretação .
198
Essa questão apresenta uma grande complexidade. Não podemos considerar
que um documentário necessariamente é mais fiel à realidade do que uma obra de
ficção. Tanto o documentário como uma obra ficcional apresenta uma visão de
mundo que é construída elaborando seleções. O teórico da comunicação, professor
do departamento de Cinema, Rádio e Televisão da USP, Arllindo Machado, enfocou
essa questão no seu artigo O filme-
ensaio.
199
Neste fica demonstrado que um
desenho pode construir uma reflexão mais aprofundada sobre a sociedade do que
um document
ário.
No dia do lançamento do filme (01/05/97), o jornal Folha de S. Paulo
também
publicou uma série de reportagens, com entrevistas de ex-guerrilheiros, cronologia
sobre o período, textos de colunistas e uma matéria da editoria de opinião, de Otávio
Frias Filho. Em
Ex
-militante diz que filme é "leviano", Marcelo Coelho faz uma
entrevista com Paulo de Tarso Venceslau, ex-guerrilheiro participante do seqüestro
do embaixador norte-americano. Na visão deste o filme tem muitas infidelidades
históricas, motivadas ou por preguiça intelectual ou por uma opção ideológica de
preservar a ditadura. ''
200
as tradicionais contestações de ordem factual, como a
de que a repressão não sabia exatamente o local da casa onde estavam os
198
DECIA, Patrícia. 'As Time Goes By' inspira 'Companheiro' Folha de S. Paulo, São Paulo: 23 jan.
1994. Ilustrada.
199
MACHADO, Arlindo
O filme ensaio. Anais. XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação
, 2003, Belo Horizonte, MG.
200
COELHO, Marcelo. Ex-militante diz que filme é "leviano . Folha de S. Paulo. São Paulo, 01 MAI.
1997. Ilustrada.
147
guerrilheiros, nem havia uma equipe de militares preparados para abordar os
guerrilheiros na saída destes e nem os torturadores tinham conflitos existenciais.
Quanto à cena em que os militares perseguem os guerrilheiros e são contidos por
um outro grupo de militares, Paulo de Tarso colocou a seguinte questão: Mostra-
se
à repressão contendo seus ''radicais'' e preocupada com a integridade de Elbrick,
temendo um tiroteio. No fundo, é como se a ditadura tivesse salvado o Elbrick . A
colocação dele vai no sentido de criticar o filme, mas realmente havia uma
divergência entre os militares e num certo sentido o governo salvou Charles Elbrick,
que cedeu às exigências, obviamente porque se tratava de um embaixador norte-
americano .
Outra participante do seqüestro a se posicionar, Vera Sílvia Magalhães,
também demonstrou seu repúdio ao filme. Na matéria
'O Que É Isso, Companheiro?'
traz polêmica e quer Oscar, de Cristina Grillo, além de contestar a cena em que a
personagem Renée se entrega ao segurança do embaixador norte-americano ,
afirma: ''Todos nós somos apresentados como pessoas estúpidas, quase bárbaras,
enquanto o torturador é humanizado. Isso me incomoda. Quem foi torturada fui eu,
não foi o senhor Bruno Barreto''.
201
Além do depoimento dos dois guerrilheiros,
existe a visão do produtor Luis Carlos Barreto, que condena o posicionamento de
Vera, elogia o de Fernando Gabeira e também enfatiza uma estratégia para tentar
ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Três dias após o lançamento do filme, o jornal Folha de S. Paulo publicou o
artigo de Elio Gaspari, intitulado O que é isso, companheiro? O operário se deu mal
(04/5/97), que começa com uma citação do pintor Matisse. Estamos diante daquelas
anedotas, onde uma mulher afirma ao pintor que uma perna da mulher pintada
estava mais curta do que a outra, e o pintor teria respondido: Isso aí não é uma
mulher. É um quadro . A comparação com o filme O que é isso companheiro? é que
esse não seria uma narrativa do seqüestro e sim uma grande fabulação. Depois
dessa introdução, Elio Gaspari, não seguindo os princípios de Matisse, começa a
desmontar os diversos erros factuais do filme. Uma questão importante, o
levantada por ele, apresenta pertinência. O jornalista coloca a visão de que um
201
GRILLO, Cristina. 'O Que É Isso, Companheiro?' traz polêmica e quer Oscar. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 01 MAI. 1997. Ilustrada.
148
torturador, e também os militares que faziam vista grossa à tortura, não possuíam
crise de consciência.
Elio Gaspari também saiu em defesa da imagem de Virgílio Gomes da Silva
(Jonas), afirmando que este não possuía a boçalidade apresentada no personagem
do filme: algo de estranho no papel que coube a Virgílio Gomes da Silva na
memorialística do período. Como livro de memórias é coisa de intelectual, o operário
acabou se tornando um estorvo .
202
O jornalista fala em memorialística do período,
mas naturalmente podemos pensar no livro O que é isso companhe
iro?
Entretanto
devemos verificar que a construção do personagem Jonas realizada no filme não
possui relação com o livro, uma vez que neste ele é muito pouco mencionado. No
capítulo Babilônia Babilônia, onde a descrição do seqüestro, o nome de Jonas
aparece no final, quando Fernando Gabeira está fazendo um levantamento daqueles
que caíram : Dois morreram: Toledo, sob torturas em São Paulo; Jonas, o
comandante militar da ação, massacrado a pontapés pela equipe do capitão
Albernaz, na Operação Bandeirantes .
203
Por um lado devemos considerar que a
crítica realizada à caracterização do personagem Jonas deve ser feita a Bruno
Barreto, por outro, podemos estanhar no livro de Fernando Gabeira o pouco espaço
dado a Jonas, uma vez que este era o comandante da ação. Entretanto, como é um
livro de memória, sem um caráter histórico, sociológico, o autor possui liberdade
para recordar o que desejar .
Uma questão bastante discutida nos artigos dos jornais é a iniciativa de
familiares do operário Virgílio Gomes da Silva (codinome Jonas), de mover ação
indenizatória contra Bruno Barreto, com alegação de que o filme apresentou um
Jonas violento e autoritário que não corresponderia ao Jonas real (Editoria
Ilustrada, 17/05/97). O fato desagradou parte da esquerda brasileira, dentre muitas
outras pessoas, Susana do Amaral (presidente da Comissão de Familiares de
Desaparecidos em 1997) e Franklin Martins (ex-guerrilheiro). Em uma cena do filme
o personagem Jonas ameaça de morte os companheiros que não obedecerem à sua
ordem. Na visão dos que criticaram essa caracterização não houve respeito à figura
de Vírgílio Gomes da Silva, que deu a vida por lutar contra a ditadura. Essa questão
202
GASPARI, Elio. O que é isso, companheiro?
O operário se deu mal.
Folha de S. Paulo.
São Paulo,
04 mai. 1997. Ilustrada.
203
GABEIRA, op.cit.,
p. 139.
149
gerou tanta polêmica que Lucy Barreto resolveu fazer um mea culpa . No artigo
Produtora
de 'O Que É Isso...' admite erro, de Marcelo Negromonte (Ilustrada,
06/06/97), existe uma autocrítica da produtora do filme, reconhecendo que foi um
erro chamar aquele personagem de 'Jonas .
204
Fernando de Barros e Silva, na matéria Cineastas brincam de TV na tela
grande
(TV Folha, 29/06/97), possui uma visão bastante crítica, não em relação
ao filme O que é isso companheiro?, como a filmes deste período (
Pequeno
Dicionário Amoroso e
Tieta).
Em essência, seu ponto de vista mostra que muitos
filmes estavam utilizando-se da linguagem televisiva no cinema. O objetivo dessa
estratégia consiste em ficar mais próximo do gosto médio formado pelo padrão
televisivo. Na ótica de Fernando de Barros e Silva isso é de um empobrecimento
tremendo. Especificamente em relação ao filme O que é isso companheiro?, afirma
que este é lamentável devido a duas razões básicas: 1) Tenta resgatar a história,
mas acaba falseando-a. 2) Mas é lamentável também porque padece de um
comercialismo sem vergonha, como se tivesse sido feito de olho na estatueta do
Oscar .
205
Contrariando a maioria das matérias do jornal Folha de S. Paulo,
que
possuem um tom bastante crítico em relação ao filme, temos Esquerda, volver!, de
Marcos Augusto Gonçalves (11/05/97). Aqui a ênfase é a denúncia do caráter
autoritário de parte da esquerda, que censuraria o filme se pudesse. A questão
levantada sobre o personagem Jonas é relativizada por Marcos Gonçalves, com a
afirmação de que realmente, em determinadas situações, companheiros da
esquerda foram eliminados por deslizes cometidos. Faz questão também de
recordar que os militantes revolucionários o lutavam em nome da democracia,
mas sim pela revolução marxista
-
leninista.
Essa questão de companheiros da esquerda se matarem por divergências
também aparece no filme Lamarca, mas isso não foi questionado por ninguém nos
textos publicados nos três jornais aqui analisados. Na época do lançamento do filme
Lamarca
, no
Jornal do Brasil
há um artigo onde três historiadores analisaram o filme,
mas nenhum deles abordou esse assunto. Daniel Aarão Reis Filho está entre
204
NEGROMONTE, Marcelo. Produtora de 'O Que É Isso...' admite erro. Folha de S. Paulo,
São
Paulo: 06 jun. 1997. Ilustrada.
205
BARROS E SILVA, Fernando
de. Cineastas brincam de TV na tela grande.
Folha de S. Paulo
. São
Paulo, 29 jun. 1997.
TV Folha.
150
aqueles que realizou muitas críticas ao filme O que é isso companheiro?, mas essa
questão que aparece nos dois filmes não é enfocada por ele quando escreveu sobre
o filme
Lamarca
. Estamos nos referindo à cena em que o personagem Zequinha
sugere a possibilidade de justiçamento para o personagem do professor, caso ele
não parasse de beber e não se comportasse de maneira mais adequada. Embora
haja diferenças com a cena de Jonas ameaçando seus companhe
iros, na essência a
questão é a mesma.
Marcelo Ridenti, no seu livro O Fantasma da Revolução Brasileira,
206
analisa
a intenção dos revolucionários de lutar pelo marxismo-leninismo, como afirma
Marcos Augusto Gonçalves. Ridenti critica a idéia que justifica a atuação dos grupos
guerrilheiros devido ao golpe militar de 1964 e a conseqüente derrubada da
democracia. Na visão deste autor, o rompimento da institucionalidade teve
influência, mas não foi decisivo. O desejo de fazer uma revolução existia antes de
1964 e o essencial do projeto revolucionário, influenciado pela Revolução Cubana
de 1959, apontava para o socialismo. Entretanto, não se pode utilizar a existência do
desejo de se fazer a revolução antes de 1964, nem as pequenas tentativas de
guerrilha existentes no governo de João Goulart como justificativa para o golpe de
1964, porque estas foram irrisórias.
O antropólogo Ruben George Oliven,
207
no seu artigo Cultura e Modernidade
no Brasil faz referência aos lobbies profissionais para que filmes como
O
Quatrilho
e
O que é isso Companheiro? fossem premiados. Assim podemos refletir o quanto a
sociedade está impregnada pela preocupação mercantil. Naturalmente entendemos
que um filme, ou seja, uma mercadoria, possua preocupação de retorno financeiro. A
nossa
preocupação vai no sentido de que dentro de um festival, um filme devesse
ser premiado devido as suas qualidades artísticas e não através de um lobbie.
Entretanto, não podemos esquecer que o filme possui penetração na sociedade e
está inserido no campo de
disputa pela memória.
3. 5) Repercussão do filme O que é isso companheiro? no jornal O Estado de
S. Paulo
.
206
Ridenti, op. cit., p. 63.
207
OLIVEN, Ruben George. Cultura e Modernidade no Brasil. São Paulo em
Perspectiva.
vol.15
2.
São Paulo,
Abril/junho
2001.
151
No Caderno 2, do jornal
O Estado de S. Paulo
, no dia 17 de fevereiro de 1997
temos a matéria de Rui Martins, chamada Biografia de Gabeira é aplaudida em
Berlim
, onde, assim como no jornal Folha de S. Paulo, uma avaliação da
participação do Brasil naquele festival. A diferença é que neste último jornal houve
uma série de matérias a respeito, enquanto que em O Estado de S. Paulo tivemos
apenas
um. O texto de Rui Martins passa aquela visão do retorno do cinema
brasileiro no Festival de Berlim depois de um período de ausência. A presença de
Fernando Gabeira dando depoimento à imprensa internacional é mencionada como
um aval para o filme. uma pequena entrevista com Bruno Barreto, em que este
coloca a dificuldade de conseguir um roteirista para o filme. Depois de várias
tentativas, o diretor de Dona Flor e seus dois Maridos, conseguiu convencer
Leopoldo Serran, seu roteirista preferencial.
O crítico de cinema do jornal O Estado de S. Paulo, Luiz Zanin Oricchio
escreveu
Luta armada chega ás telas em forma de thriller político (18/04/97). No
início uma caracterização do gênero cinematográfico do filme como thriller
político. Neste sentido, Luiz Zanin Oricchio considera que o filme atingiu plenamente
seu objetivo, uma vez que ele cria tensão e passa verossimilhança. Entretanto,
considera que o filme pode ser julgado como reflexão ideológica e fica claro que ele
separa as duas coisas de forma bastante enfática. Cita algumas cenas que
considera problemáticas, e elogia a cena final em que a personagem Maria chega de
cadeira de rodas ao aeroporto.
Na sua matéria, Luiz Zanin Oricchio, ao comentar o filme, acaba emitindo sua
opinião sobre o período da
ditadura militar. Ao imaginar uma possível crítica ao filme,
a de que os comportamentos e as idéias parecem estereotipadas e com clichês, ele
faz a seguinte consideração:
Bem, era assim mesmo que funcionava. Havia uma ditadura à qual se
opunha a esquerda. O modelo era a guerrilha e foi posto em prática
com todas as trapalhadas imagináveis. Ninguém era muito organizado
e uma das características trágicas daquele tempo foi o simplismo de
análise que, paradoxalmente, aproxima os lados em confronto. Talvez
sem
querer, Bruno Barreto mimetiza esse simplismo. É o que faz de
152
Companheiro um belo filme. Se sua análise fosse mais sofisticada
talvez não parecesse tão sincera.
208
Em primeiro lugar temos essa questão da implantação da guerrilha com as
trapalhadas imagin
áveis
, que acaba corroborando a visão dos guerrilheiros como
irresponsáveis . Em segundo o simplismo de análise, provavelmente se refere à
enorme carga utópica dos movimentos políticos e culturais do período. Essa questão
possui pertinência no sentido de que as ambições dos movimentos políticos se
mostraram totalmente irrealizáveis. No livro O que é isso companheiro? existe a
apresentação de uma idéia muito comum entre os guerrilheiros, a de que o Brasil
vivia uma crise sem precedentes e, portanto, a população, acionada pelas primeiras
ações guerrilheiras, se colocaria pronta para engrossar o exército revolucionário. A
terceira e última questão sobre o texto de Luiz Zanin Oricchio, a de que o filme de
Bruno Barreto é belo porque mimetizou a simplicidade do período não apresenta
pertinência. O resultado do filme deveu-se muito mais às preferências e à linha
cinematográfica adotada pelo diretor, do que a sua assimilação dos valores
existentes na década de 60 .
A jornalista e socióloga Helena Salen escreveu Filme fica em débito com a
verdade histórica. No geral elogios à parte técnica do filme, mas critica a
colocação de Bruno Barreto de que o filme seria uma interpretação ficcional da
realidade. Na sua visão, deveria haver mais respeito à figura dos guerri
lheiros,
principalmente porque o filme opta em manter o nome das pessoas que realmente
participaram do seqüestro. Sua visão se encaixa nas críticas gerais que o filme
recebeu por parte de um grupo de intelectuais que escreveu o livro Versões e
Ficções: O Seqüestro da História, ou seja, a caracterização do operário Jonas
apresentou um personagem muito autoritário, torturadores que não possuíam crise
de consciência. Os guerrilheiros são colocados como idiotas, quando, na ótica de
Helena Salen, alguns dos que pegaram em armas constituíam-se nas melhores
cabeças daquela geração.
Entre as matérias publicadas em O Estado de S. Paulo, o que contou com
maior espaço foi a entrevista com o historiador Daniel Aarão Reis Filho, Ficção é
Julgada Sob as Lentes da Histó
ria
(01/05//97, dia do lançamento do filme). No início
208
ORICCHIO, Luiz Zanin. Luta armada chega às telas em forma de thriller político. O Estado de S.
Paulo
, São Paulo: 18 abr. 1997. Caderno 2.
153
da entrevista realizada por Helena Salem, o ex-guerrilheiro abordou várias questões
sobre o seqüestro em si e depois discutiu questões relacionadas ao filme. Na
primeira parte, existe a informação de que Gabeira não era o único a falar inglês e
ficou sabendo do seqüestro no dia deste; não foi ele quem escreveu o manifesto
divulgado pela imprensa no momento do seqüestro. Na segunda parte Daniel Aarão
Reis Filho considera que Fernando Gabeira fez uma leitura interessante do papel do
torturador, porque mostra a tortura como calculada e pensada por analistas que não
faziam a tortura. A crítica de Daniel é que o diretor do filme fez uma leitura rápida
desta questão e concluiu a entrevista afirmando que o mais importante não são as
questões factuais, mas sim a construção da memória em relação a este período. Na
sua ótica o filme faz uma absolvição da ditadura e considera essa mentalidade
perigosa porque pode contribuir para um desprezo pela democracia.
Apesa
r de considerar a parte factual menos importante, o historiador carioca e
muitos outros que criticaram o filme fizeram questão de corrigir cenas do filme . Isso
acontece, não pelo envolvimento pessoal daqueles que participaram da ação do
seqüestro, mas também porque é difícil, quando se assiste a um filme de
reconstituição histórica, não fazer a seguinte pergunta: será que a história exibida no
filme correspondeu à realidade? Mesmo sabendo que todo filme é uma construção e
uma interpretação do real, que toda recepção é condicionada pela visão de mundo
do receptor, mesmo assim nos questionamos: será que foi assim?
Em um programa da TVE Brasil (Rio de Janeiro) chamado Cadernos de
Cinema, foram exibidos dois curtas-metragens: um sobre a morte de Mariguella e
outro sobre Vladimir Herzog. Depois da exibição dos filmes houve um debate, em
que o diretor do filme sobre Vladimir Herzog afirmou que apesar do conceito de
verdade estar bastante relativizado, de toda a crítica à visão positivista de verdade
absoluta,
ainda assim as pessoas fazem o tradicional questionamento: será que as
coisas aconteceram realmente da maneira como mostrou o filme? O historiador
francês Marc Ferro, no seu livro A História Vigiada, aborda as diversas maneiras de
considerar um filme histórico, e apresenta a seguinte consideração: A mais comum,
herdada da tradição erudita, consiste em verificar se a reconstituição é precisa, se os
soldados franceses de 1914 não estão usando capacete, erroneamente, visto que só
começaram a usá
-
lo a parti
r de 1916 .
209
209
FERRO, Marc.
A História Vigiada.
São Paulo: Martins Fontes, 1989.
154
No dia do lançamento do filme O que é isso companheiro? tivemos mais três
textos a respeito. Carlos Alberto Mattos, em Bruno Barreto mostra sua visão da
guerrilha,
a caracterização do filme como cinema de verdade . Aqui o grande
mérito do
filme é ser comunicativo e de não desejar uma síntese do Brasil em duas
horas. Mas o mais interessante desta matéria é o questionamento que ele faz sobre
o tipo de cinema que desejamos. Eis o questionamento:
De certa forma, ele está funcionando como um termômetro do que os
brasileiros esperam para o seu cinema. Será que estaremos
preparados para ver a história do nosso tempo convertida aos padrões
do cinema de gênero internacional? Ou preferimos vê-la tratada com a
inflamação e a autenticidade herdadas do Cinema Novo? Queremos
a qualidade do selo Barreto ou rejeitamo-la como emblema de
rendição à eficácia industrial do cinema das grandes corporações?
210
Outra reportagem sobre o filme é uma entrevista de uma participante do
seqüestro do embaixador norte-americano. Em Ex-militante inspira personagens
femininas
temos o depoimento de Vera Sílvia Magalhães a Helena Salem. Antes da
entrevista uma apresentação da trajetória de Vera Silvia. Em 1997 ela estava
com 49 anos e é descrita como uma economista de bem com a vida. No seu
depoimento uma vinculação do pensamento dos guerrilheiros com os
questionamentos comportamentais do período: Mas nós pensávamos também em
romper com os preconceitos da família, com os casamentos formais
a gente se
casava, mas não era uma coisa formal
queríamos romper com a virgindade .
211
Vera Silvia Magalhães reconhece que a ação deles foi jacobina, mas afirma que
não éramos uns babacas . Na sua entrevista existe uma informação que não
corresponde à apresentada no livro de Fernando Gabeira. Neste a afirmação de
que Mariguella aceitou a proposta do seqüestro com entusiasmo,
212
enquanto Vera
afirma: O Marighella foi contra o seqüestro, quem foi a favor foi o Toledo .
O diretor Bruno Barreto preferiu construir duas personagens referentes à
participação de Vera Sílvia Magalhães. Inclusive esta não permaneceu na casa
durante o seqüestro. Esta opção do diretor se mostrou coerente dentro do estilo
210
MATTOS, Carlos Alberto. Bruno Barreto mostra sua visão da guerrilha.
O Estado de S. Paulo
, São
Paulo: 01 mai. 1997. Caderno 2.
211
SALEM, Helena. Ex
-militante inspira personagens femininas. O Estado de S. Paulo, São Paulo: 01
mai. 1997. Caderno 2.
212
GABEIRA, op. cit., p. 112.
155
cinematográfico adotado, ou seja, o melodrama. A cena que mais polêmica deu em
relaç
ão à Vera Silvia é aquela em que a personagem Renée insinua-se para o
segurança da embaixada e acaba dormindo com este para conseguir informações .
Vera Sílvia argumenta que isso não aconteceu: houve um flerte e nada mais. Isso
gerou uma certa indignação entre os companheiros que participaram do seqüestro.
Outra cena do filme indicativa do melodrama é aquela em que o personagem Paulo
está prestes a matar o embaixador e a companheira Maria avisa na última hora que
os militares haviam concordado com as exigências. Na visão da ex-guerrilheira o
principal legado deixado pela sua geração foi a bravura e a determinação: Acho que
deixamos legados éticos, estéticos, que você tem de lutar contra o Lancelot de
espada na mão .
3. 6) Um filme de direita ou de es
querda? Um questionamento nas páginas do
Jornal do Brasil
.
O sociólogo alemão Jurgen Habermas, ao abordar a história da imprensa,
reflete sobre a enorme influência da publicidade na constituição dos jornais e a
educação das crianças e adultos como consumidores, com a estimulação de certos
valores. No seu livro Mudanças Estruturais no conceito da esfera pública, uma
análise sobre a repercussão do incremento comercial na imprensa:
A história dos grandes jornais na segunda metade do século
XIX demonstra que a própria imprensa se torna manipulável á
medida que ela se comercializa. Desde que a venda da parte
redacional está em correlação com a venda da parte dos
anúncios, a imprensa, que até então fora instituição de pessoas
privadas enquanto público, torn
a-
se instituição de determinados
membros do público enquanto pessoas privadas
ou seja,
pórtico de entrada de privilegiados interesses privados na
esfera pública.
213
No livro Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética,
de
Bernard
o Kucinski, uma reflexão sobre o papel da imprensa na sociedade
213
HABERMAS, op. cit., p. 2
18.
156
contemporânea.
214
Na sua ótica, a imprensa brasileira, desde a redemocratização,
tem divulgado um posicionamento homogêneo e unitário, e no governo de Fernando
Henrique Cardoso consolidou-
se
uma prática favorável ao neoliberalismo, onde
aqueles jornalistas que tentassem resistir a esta tendência teriam seus empregos
cassados . Kucinski considera que, na época da ditadura, diferentemente de nossos
dias, havia uma pluralidade de posicionamentos e uma imprensa alternativa crítica,
como o Pasquim, Opinião e Movimento. Neste sentido consideramos importante
uma reflexão e análise sobre a repercussão dos filmes na imprensa, para termos
uma postura crítica frente a ela.
Os primeiros textos do
Jornal
do Brasil sobre o filme O que é isso
companheiro?,
aborda a participação do filme no Festival de Berlim. Diferentemente
do jornal O Estado de S. Paulo, aqui houve um grande espaço sobre esse assunto.
Aquela estratégia de Bruno Barreto de levar os atores do filme ao Festival
acompanhado de Fernando Gabeira e da filha do embaixador Charles Elbrik,
utilizada como jogada de marketing, e que encontramos no jornal Folha de S. Paulo,
também está presente no Jornal do Brasil. Na reportagem Cinema brasileiro invade
Berlim,
de Pedro Butcher (07/02/97), existe uma empolgação com o fato do Brasil
participar no Festival depois de muito tempo de ausência do cinema brasileiro: Além
de O que é isso, companheiro?, oito produções nacionais estarão sendo exibidas
pela primeira vez na Alemanha durante o Fórum de Cinema Jovem, uma importante
seção do festival dedicada a cinematografias em ascensão .
215
Depois da
proclamação do resultado do Festival, mesmo sem a vitória de O que é isso
companheiro?
, a avaliação de Pedro Butcher a respeito da participação brasileira
naquele Festival foi positiva. Muitos filmes conseguiram contratos para a sua
exibição na Europa e O que é isso companheiro?, também nos Estados Unidos e
Canadá (distribuição da Miramax).
No dia 14/04/05, portanto próximo do período da estréia do filme O que é isso
companheiro?
temos o texto intitulado Uma aula da história recente, onde há a
informação de que o filme será exibido para 120 professores, numa iniciativa do
sindicato dos professores e da produtora do filme. O produtor Luis Carlos Barreto
afirmou: Ouvimos comentários de professores que pretendiam indicar o filme aos
214
KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética.
São
Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo: editora da UNESP, 2005.
215
BUTCHER, Pedro. Cinema brasileiro invade Berlim. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 07 fev. 19
97.
Caderno B.
157
seus alunos, e então resolvemos promover sessões em conjunto com o sindicato .
Essa declaração a entender que o desejo da exibição surgiu a partir de
comentários dos professores, mas podemos questionar se a origem da iniciativa
realmente foi essa ou tratou-se de uma jogada de marketing, buscando atingir um
segmento do mercado, ou seja, a utilização do filme nas diversas escolas brasileiras.
Ai
nda na declaração de Luis Carlos Barreto, temos a visão de que o episódio do
seqüestro não está nos livros de história e também não está na memória da
juventude. Nos livros didáticos de história de 1997 havia questões referentes à
luta armada, obviamente colocadas de maneira superficial como acontece com a
maioria deste tipo de livro. Quanto à questão da memória, podemos dizer, que não
somente a juventude e nem somente este episódio da nossa história não estão
presentes. Existem tendências políticas que
desejam não expor nossas feridas .
Vários professores saíram emocionados da sessão, alguns fazendo
associação com parentes que viveram no período e tiveram problemas com a
repressão ou de próprios professores que atuaram politicamente na época
analisada.
Em outra matéria que antecedeu a estréia do filme, O que é isso,
companheiro é um filme!, a recordação do filme Pra Frente Brasil, produzido
ainda na época da ditadura, na sua fase de abertura, também enfocando a questão
da luta armada. A comparação desemboca na questão de diferenças entre o
momento em que O que é isso companheiro? foi produzido, ou seja, sem nenhum
problema, e as dificuldades de produção de um filme com a temática de Pra Frente
Brasil
naquele período. Neste texto também a discussão sobre o papel do
torturador, e a seguinte afirmação: O que é isso, companheiro? não é um
documentário. Por isso mesmo, não tem nada a ver com a vida real . Conforme
abordamos, essa argumentação para responder às críticas ao filme, que inclusive foi
utilizada pelo diretor Bruno Barreto, não apresenta sentido nenhum, porque tanto um
documentário como um filme de ficção tem a ver com a vida real. No artigo publicado
no XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, O filme-
ensaio,
de
Arlindo Machado, uma critica à visão existente entre alguns documentaristas,
cada vez menor nas novas gerações, sobre a crença na neutralidade da câmera,
como se fosse possível ligá
-
la no meio das ruas e assim captar o real.
216
216
MACHADO, Arlindo
O filme ensaio. Anais. XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação
, 2003, Belo Horizonte, MG.
158
Esta questão da recepção é importante, que em geral as pessoas, quando
assistem aos filmes de reconstituição histórica, tendem a ficar se questionando
sobre a veracidade das imagens exibidas. Para aprofundar e corroborar as
afirmações de Arlindo Machado recorremos ao artigo de Paulo Meneses,
Representificação:
As relações (im)possíveis entre cinema documental e
conhecimento,
217
em que há essa discussão de que muitos filmes documentários
são assimilados como verdadeiros. O autor cita um filme exibido no Bilan du Film
Ethnografhique
de Paris, em 2000 (Retour à Plozévet), que buscou refazer um
filme etnográfico de Edgar Morin da primeira metade dos anos sessenta. No
documentário de Morin, considerado por muito tempo um dos melhores retratos
sobre uma comunidade em via de desaparecer, as mulheres apareciam em
situações cotidianas sempre com um penteado em forma de coque alto, e isso foi
considerado de uso constante. Entretanto, o filme de 2000 confrontou imagens do
documentário dos anos 60 com depoimentos recentes das mulheres, e se verificou
que
elas investiram num visual específico para a produção do filme, e que muitas
cenas não possuíam relação com o cotidiano destas mulheres.
O crítico de cinema Pedro Butcher em Torcida silenciosa na redação do `JB'
(18/04/1997), deixa momentaneamente de lado a fantasia cinematográfica para
adentrar a realidade , ao contar episódios do momento do seqüestro do norte-
americano, onde a redação do
Jornal do Brasil
transformou
-
se num ponto de contato
com os guerrilheiros. Pedro Butcher enfoca a participação do jornalista Bartolomeu
Brito, que ficou responsável por buscar a lista dos presos políticos que deveriam ser
soltos em troca da vida do embaixador. A lista estava num banheiro de um bar em
Copacabana. Além dessa questão, uma relacionada à participação de Fer
nando
Gabeira: Das telefonistas que recebiam as chamadas misteriosas até o editor chefe,
Alberto Dines, se imaginava a possível participação do ex-chefe do departamento
de pesquisa, Fernando Gabeira .
218
A maioria das pessoas do Jornal do Brasil
desconf
iava da participação de Gabeira, inclusive a telefonista Jahicy Jacklen
reconhecia a sua voz, mas não dava para ter certeza e, mesmo se tivesse,
obviamente teria de ficar calada. Além disso, a telefonista considerou que Fernando
Gabeira não tinha temperamento para participar de um seqüestro. Depois da
217
MENEZES, Paulo. Representificação: as relações (im)possíveis entre cinema documental e
conhecimento.
Revista Brasileira de Ciências Sociais,
fev. 2003, vol.18, no.51, p. 88.
218
BUTCHER, Pedro. Torcida silenciosa na redação do `JB'. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 18 abr.
1997. Caderno B.
159
publicação do manifesto dos guerrilheiros, alguns jornalistas, como Carlos Lemos,
caracterizaram o texto como jornalístico e consideraram como sendo de Gabeira.
Este afirma que durante muito tempo o quis desfazer este erro (o manifesto foi
redigido por Franklin Martins), porque não sabia qual era o conhecimento que os
militares possuíam de Franklin Martins e não quis envolvê-
lo.
Pedro Butcher, em Ditadura militar e ideologia ficam debaixo do tapete
(19/04
/1997), ao abordar que o filme O que é isso companheiro? não é uma revisão
crítica do período, mas sim uma dramatização de elementos humanos e particulares,
considera que: O primeiro ganho desta opção é a possibilidade de comunicação
imediata com a juventude que não conhece o peso de uma militância política .
219
Essa é uma visão que acredita em filmes que permitem uma fácil assimilação do
público, ao contrário de filmes que possuem uma maior dificuldade de compreensão.
Ismail Xavier, em O Cinema Brasileiro
Moderno
, classifica Bruno Barreto como
cineasta que busca referências já estabelecidas e produz um cinema de mercado ,
ao contrário de Glauber Rocha, Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, entre outros, que
se preocupavam em fazer filmes como eles consideravam interessantes,
independente das questões do mercado e do público. Entretanto, dentro da trajetória
do Cinema Novo houve uma preocupação de se fazer filmes mais direcionados ao
grande público; mas Ismail Xavier considera que este objetivo ficou muito mais no
âmbito de discurso, de uma carta de intenção do que efetivamente na realização
destes filmes.
Na ótica de Pedro Butcher O que é isso companheiro? possui muitos acertos,
mas uma crítica realizada consiste na questão de afirmar que não para enxergar
a motivação dos jovens guerrilheiros para fazer a revolução. Ele fez as seguintes
considerações: Onde está a motivação política daqueles jovens? A decisão de
pegar em armas pelo país surge na tela esvaziada, sem ideologia, quase como um
ato irresponsável
de garotos mimados . Acreditamos que existem algumas cenas em
que ocorre a justificativa para partir para a luta armada, como as primeiras do filme
em que os estudantes estão discutindo a situação política do país ou quando o
personagem Paulo sai para comprar pizzas e encontra com Artur e um diálogo
entre os dois. O que podemos afirmar é que esses diálogos são caricatos.
219
______ Ditadura militar e ideologia ficam debaixo do tapete. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 19
abr. 1997. Caderno B.
160
O
Jornal do Brasil publicou (27/04/1997) uma cronologia com os principais
acontecimentos de 1969. No dia do lançamento do filme (01/05/1997), há uma
matéria de Pedro Butcher e uma entrevista com Fernando Gabeira. Este afirma que
não esperava mais a produção do filme, uma vez que fazia muito tempo que ele
havia vendido os direitos do livro para aquele fim. Também afirmou que fica
abo
rrecido com essa questão do filme colocar o seu personagem como o realizador
do manifesto dos guerrilheiros e da idéia do seqüestro, porque pode dar a impressão
de que ele usurpou idéias alheias. Diz que no livro não colocou o autor do manifesto,
Franklin
Martins, para preservá-lo. Quanto ao texto de Pedro Butcher temos: Ao
som de Garota de Ipanema, fotos de um idealizado Rio de Janeiro dos anos 60 se
alternam às manifestações de rua da época. O mesmo cenário de cartão-
postal
acoberta realidades distintas . Essa expressão cenário de cartão-postal possui
relação com o desejo constante da utilização de imagens bastante reconhecidas
pelo público. Podemos pensar nas belas cenas naturais do Rio de Janeiro, as belas
roupas utilizadas pelas guerrilheiras durante
a expropriação do banco, os impecáveis
ternos usados pelos militares no momento da prisão de Paulo , nos clichês usados,
como as imagens iniciais do filme com as passeatas e o povo gritando o povo unido
jamais será vencido .
Essas e outras críticas ao
filme
O que é isso companheiro? foram rebatidas
pelo diretor Bruno Barreto, na entrevista concedida a André Luiz Barros, intitulada
Diretor de 'Companheiro' acha que seu filme também vai irritar a direita
.
Apresentando um tom de irritado, começa dizendo que as ideologias servem para
impedir o pensamento e que as posições extremas tanto de direita como de
esquerda são posicionamentos condenáveis. Respondendo às críticas realizadas ao
papel do torturador, Bruno Barreto informa que para fazer o filme entrevistou ex-
guerrilheiros, mas não conseguiu colher depoimento de um ex-torturador. Considera
que não é difícil imaginar o papel do torturador e faz um questionamento ingênuo:
Essas pessoas que criticam conviveram intimamente com um torturador? Não
preciso conhecer o cara para saber que teve drama de consciência .
220
Ingênuo no
sentido de que uma parte das pessoas que criticaram o filme é de ex-
guerrilheiros
que foram torturados, como Vera Silvia Magalhães. Ainda sobre essa questão: nos
esforçamos para desideologizar propositalmente ambas as partes, pois quisemos
220
BARROS, André Luiz. Diretor de 'Companheiro' acha que seu filme também vai irritar a direita.
Jornal do Brasil
, Rio de Janeiro: 03 mai. 1997. Caderno B.
161
fazer um filme de entretenimento. O torturador é mostrado também como um
monstro: ele briga com a mulher e no final tortura o Paulo
.
Nas páginas do Jornal do Brasil encontramos textos ironizando a polê
mica
sobre o filme
O que é isso companheiro?
Em
Mãe é Mãe, caramba!
há uma situação
imaginada num almoço do Dia das mães, onde dois assuntos estavam proibidos: a
polêmica sobre a privatização da Vale do Rio Doce e o filme O que é isso
companheiro?
Num determinado momento do almoço, o genro provocador começa
dizendo que finalmente conseguimos nos livrar daquela porcaria da Vale . Depois
continua a provocação
:
Os que estão contra a privatização são aqueles mesmos
subversivozinhos que o filme O que é isso, c
ompanheiro?
trata como heróis dos
anos 60!
221
O militante da família não conseguiu se segurar mais e afirmou:
Peralá, ô Cláudio! O que é isso, companheiro? é um filme de direita que glorifica a
tortura e o autoritarismo, a rigor, a mesma gente que está espoliando o país,
entregando nosso subsolo ao capital estrangeiro! Para a desgraça da mãe, o
almoço terminou em xingamentos recíprocos.
O jornalista Newton Carlos (19/05/97), fêz uma comparação entre O que é
isso companheiro? e filmes da América Latina sobre as respectivas ditaduras
militares. O primeiro filme mencionado é o argentino A História Oficial, depois o
chileno
Amnésia
. O próprio título apresenta o direcionamento do filme, ou seja,
não podemos esquecer as arbitrariedades ocorridas. O posicionamento de Newton
Carlos fica claro nas seguintes considerações:
Não se trata de thriller de exportação, com diálogos em inglês,
cortes ágeis e suspense bem construído, como O que é isso
companheiro? Tampouco se sabe se partiu de algum livro ou
relato
. O fato é que aquele deserto poeirento, ressequido, lugar
de o, dependência do inferno pinochetista é a cara da
ditadura que martirizou os chilenos de 73 a 89.
222
O argumento desta crítica possui relação com a visão de que a produção do
filme
O que é isso companheiro? teve uma preocupação essencialmente
mercadológica, enquanto filmes como A História Oficial, Amnésia, A noite dos lápis
,
teriam uma preocupação de conscientização política. O ex-guerrilheiro César
221
VASQUES, Tutty. Mãe é Mãe, caramba! Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 11 mai. 1997. Caderno
B.
222
CARLOS, Newton. Dívida.
Jornal
do Brasil
, Rio de Janeiro: 19 mai. 1997. Caderno B.
162
Benjamin escreveu Cinema na era do `marketi
ng'
(19/05/97), onde uma crítica
parecida com a de Newton Carlos, mas muito mais contundente, como podemos
constatar no seguinte comentário: mostra que o cinema brasileiro evoluiu muito,
principalmente no marketing. Profissionalismo, seriedade e talento, escassos na
concepção do filme, transbordam na operação publicitária que o cerca .
223
Na ótica
de César Benjamin encontramos aquela crítica, muito divulgada, de que o
personagem do Jonas apresenta-se rude e autoritário enquanto Paulo ( Fernando
Gabeira ) seria inteligente, culto e educado. Na abordagem sobre Jonas sobrou uma
farpa para Fernando Gabeira, ao comentar sobre a trajetória de Virgílio Gomes da
Silva:
militante respeitado e digno, de longa trajetória, trucidado na Operação
Bandeirantes; não teve chance de escrever livro contando suas façanhas nem creio
que viesse a ter interesse nisso . Na época do lançamento do filme O que isso
companheiro?,
César Benjamin fez uma projeção para o filme: terá o destino de
toda mercadoria ruim, porém bem-lançada: badalação, sucesso e esquecimento,
caminho inverso ao percorrido por obras de arte .
Um informe importante sobre o filme O que é isso companheiro? aparece no
dia 16/07/97, no Jornal do Brasil, anunciando de forma espetacular, o lançamento de
um livro: Mais chumbo grosso contra O que é isso, companheiro? A turma da
esquerda que torceu o nariz para o filme lança hoje, o livro Versões e ficções: o
seqüestro da história
.
A respeito do livro há o artigo do historiador Ronaldo Vainfas,
Memórias da luta armada, onde de forma genérica existe uma defesa do livro. Na
ótica deste, a preocupação do livro não é tanto de ordem factual, mas sim uma
preocupação com a memória a respeito do período, como fica claro nesta frase:
sobretudo porque O que é isso companheiro? revela visível complacência com os
torturadores e evidente má vontade com os guerrilheiros .
224
A partir do dia 30/10/1997, surgem matérias analisando a indicação e depois
a participação do filme no Oscar. Anabela Paiva, em O que é isso companheiro? no
Osca
r aborda o lobby montado para o filme conseguir chegar à indicação e ao
prêmio de melhor filme estrangeiro. Destaque para a poderosa distribuidora Miramax
que comprou o direito de distribuição do filme nos EUA. Anabela Paiva nos informa
que a Miramax realizou sessões testes, onde 96% do público americano fizeram
223
BENJAMIN, César. Cinema na era do `marketing'. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 19 mai. 1997.
Caderno B.
224
VAINFAS, Ronaldo. Memórias da luta armada. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 19 jul. 1997.
Cad
erno B.
163
avaliações positivas do filme, e ocorreu uma grande empatia pelo personagem do
embaixador. A indicação do filme
O que é isso companheiro?
como representante do
cinema nacional foi encarada com naturalidade. A produtora de Os matadores
,
Renata Bulcão afirma que o critério de seleção não foi artístico e sim mercadológico.
Um dos maiores atores do cinema nacional, José Wilker, se posicionou a
respeito do Oscar, no texto A Miramax e o imenso índio trist
e
(04/11/97). Começa
enfocando um dos temas mais caros do período, ou seja, a globalização e o desejo
dos brasileiros se inspirarem nos americanos. O antropólogo Ruben George Oliven,
no artigo Cultura e Modernidade no Brasil, analisa a dicotomia existente na nossa
história, de momentos em que queremos ser europeus ou norte-americanos e
momentos de nacionalismo.
225
A década de 90 do século passado apresenta-
se
como um momento de internacionalização e de pouco nacionalismo. José Wilker se
revolta contra isso e afirma: Agora, globalizando, o país toma uma atitude e corre,
balançando o rabinho, para saber o que é que os irmãos de acham de suas
decisões .
226
Wilker considera que, apesar de reconhecer que o filme O que é isso
companheiro?
é interessante, ele segue os ditames do mercado internacional e não
com bons olhos esse condicionamento. Na sua visão ocorre o seguinte: Basta
fazer filmes que a Tia Miramax goste. Talvez fosse o caso de mandar o roteiro para
ela, antes de rodar. Se ela gostar, a gente filma
. Senão, para que perder tempo?
Nas matérias escritas sobre as chances de O que é isso companheiro?
ganhar o Oscar estava o fato do filme ter sido exibido nos Estados Unidos por uma
grande distribuidora, enquanto isso não havia ocorrido com os filmes conc
orrentes.
Entretanto, isso não foi suficiente para a vitória, já que os holandeses ganharam a
estatueta, com o filme
Karakter
. Como Central do Brasil havia recebido
recentemente o Urso de Ouro no Festival de Berlim, criou-se uma expectativa de
que o filme de Walter Salles pudesse conseguir a proeza que tanto O quatrilho
,
como
O que é isso companheiro? não conseguiram.
225
OLIVEN, op. cit., p. 5.
226
WILKER, José. A Miramax e o imenso índio triste. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 19 mai. 1997.
Caderno B.
164
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a nossa pesquisa, percebemos que o filme Lamarca se insere
coerentemente dentro da produção cinematográfica de Sérgio Rezende, com uma
predileção por filmes com temática de reconstituição histórica. No trabalho realizado
com os jornais, constatamos como o filme produziu polêmica. A iniciativa da Polícia
Militar de São Paulo de fazer um filme para se contrapor à versão de Lamarca, bem
como a ação do general Nilton Cerqueira de tentar impedir a exibição, mostra como,
na fase democrática, os militares estão atentos em colocar suas visões de mundo
em relação ao período ditatorial. A preocupação do general, a de que os jovens ao
assistir
Lamarca
podem se transformar em guerrilheiros, possui um viés ingênuo.
Essa visão segue a teoria mimética no cinema, ou seja, considera que ao observar a
representação de qualquer ato transgressivo, o espectador tende a imita
-
lo.
Al
ém dessa dimensão, evidencia-se nesse episódio uma clara disputa com
as esquerdas numa contraposição aberta à versão apresentada sobre Lamarca e
seu papel naquele processo de contestação do regime militar. Ao contrário, a
preocupação é definir quem detém
a legitimidade sobre as ações que decorreram no
período e em nome de qual causa a luta armada foi travada e, também, quem eram
os inimigos e traidores da Pátria. Na concepção desse grupo de militares certamente
Lamarca não é o exemplo a ser seguido.
Outr
o aspecto a ser destacado nessas considerações diz respeito à prática da
ditadura militar de forjar o suicídio de pessoas que eram assassinadas nos porões
dos órgãos de repressão, nas emboscadas ou nas caladas da noite, e sob o jugo
da polícia política. Os casos mais emblemáticos foram à versão do suicídio do
jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 e de Iara Iavelberg, contestado
pela família. Contudo, no caso de Iara Iavelberg, o próprio livro Lamarca, o capitão
da guerrilha, de José Emiliano e Oldack Miranda, que possui um perfil de esquerda,
apresentou esta versão. Durante a análise fílmica de Lamarca, buscamos
informações na imprensa sobre o esforço e êxito da família de Iara Iavelberg para
provar que sua morte não se tratou de suicídio. Consideramos que não devemos
realizar um enaltecimento da história factual, no entanto não podemos abandonar os
questionamentos existentes a respeito de versões sobre um determinado
acontecimento.
165
Ainda no campo das reflexões sobre o papel ocupado pelo protag
onista
Lamarca, Sérgio Rezende, evidencia o seu poder decisório, independente das
prerrogativas que deveriam ter os dirigentes máximos da VPR. O personagem
Lamarca várias vezes discorda do posicionamento do comando da sua organização,
ou seja, da VPR. No começo do filme uma discussão sobre o que fazer com o
embaixador suíço, uma vez que o governo não estava cedendo às exigências.
Enquanto outros guerrilheiros defendiam a execução, Lamarca, usando a sua
posição de comando, decidiu por negociar com os militares, trocando a lista dos
prisioneiros. Ele também decidiu permanecer no Brasil, enquanto seus
companheiros argumentavam a necessidade de sair do país. No momento em que
estão se preparando para a viagem a Salvador, um diálogo entre Lamarca, Clara
e Fio. Este último afirma que, em relação à Clara, depois a organização decidiria o
que fazer. Lamarca responde dizendo que ela iria junto e não aceito nenhuma outra
decisão . No filme, quando existe a discussão se desmobilizam a área ou não,
Lamarca diz a Fio que sai com uma ordem expressa do comando nacional.
Entretanto percebemos que essa fala ficou no vazio, predominando a vontade
individual de Lamarca sobre a organização. Evidentemente que estamos falando da
representação de Carlos Lamarca, um dos maiores líderes guerrilheiros do período,
mas mesmo assim o predomínio de sua vontade talvez seja exagerado no filme.
Nesse sentido podemos enfocar essa afirmação da vontade do personagem
Lamarca como uma característica de um tipo de cinema produzido numa
det
erminada época, onde há o predomínio de uma visão mais individual.
Apesar do seqüestro do embaixador norte-americano ser recente em termos
históricos, ele não é muito conhecido do grande público. Neste sentido o filme
O que
é isso companheiro? teve o mérito de tocar nesse assunto. Entretanto, um
posicionamento preocupante está no filme e nas declarações do diretor Bruno
Barreto. Estamos nos referindo a postura de neutralidade almejada. Com o
argumento de que não desejava uma perspectiva maniqueísta, transformou
torturador e torturado em iguais. Se há uma situação em que não igualdade ou
neutralidade , é quando estamos diante de uma tortura. Ao contrário, o torturador
domina totalmente a situação e atua de forma massacrante. Assim podemos
considerar que o filme O que é isso companheiro? tratou o assunto de forma
eufemística.
166
Dentro dessa perspectiva, devemos recordar uma questão discutida nesta
tese, a importância que o cinema possui na divulgação da memória. O invento dos
irmãos Lumiere apresenta um caráter lúdico e possui grande poder de sedução,
interferindo fortemente no imaginário. Como grande parte do público tende a dar
muita credibilidade aos filmes de reconstituição histórica, torna-se necessário
considerar que a tortura e os conflitos deste período foram bem mais intensos do
que o filme O que é isso companheiro? apresenta. Além disso, devido à linguagem
cinematográfica adotada, uma grande preocupação com o suspense para manter
a atenção do espectador, mas ao mesmo tempo ocorre uma despolitização das
questões em foco. Essa característica do filme está relacionada com o contexto
histórico em que está inserido, ou seja, um período de predomínio do neo-
liberalismo, em que o debate político não era valorizado. Ao contrário, havia uma
valorização do pragmatismo, onde questões de ordem política, filosófica ou
existencial não apresentavam pertinência.
Precisamos reconhecer a qualidade técnica do filme de Bruno Barreto, que
realizou uma produção bem elaborada. No entanto, estamos diante de uma temátic
a
claramente política, mas os personagens do filme apresentam
-
se mais entretidos em
resolver as coisas mais imediatas, ocorrendo assim um esvaziamento das propostas
dos anos 60 e início dos anos 70 do século passado. Nessa época, os confrontos
armados entre as esquerdas e os militares no poder ocasionaram perdas humanas
de ambos os lados. Porém, os militares ao fazerem prisioneiros esses militantes,
deixam de lado as convenções humanitárias e recorrem à tortura e ao terror para
impor derrotas a homens e mulheres subjugados, conduta que não podemos
deixar de condenar, pois expressa a intolerância, que deve ser combatida onde quer
que ela esteja.
Essa pesquisa realizou uma problematização sobre a visão histórica dos
filmes
Lamarca
e O que é isso companheir
o?,
com o objetivo de refletir sobre as
diversas opções realizadas pelos diretores Sérgio Rezende e Bruno Barreto. Através
da análise dos filmes, buscamos pensar em outras possibilidades para as questões
apresentadas, e ao usar essa metodologia adquirimos um conhecimento que torna
nossa visão mais aprofundada sobre a temática apresentada por eles.
167
FONTES
1)
Filmes
Lamarca. Direção: Sérgio Rezende. Produção: Mariza Leão e José Joffliy.
Intérpretes: Paulo Betti, Carla Camurati, José de Abreu, Deborah Evelin, Eliezer de
Almeida, Ernani Moraes, Roberto Bomtempo. Roteiro: Alfredo Oroz e Sérgio
Rezende. Baseado no livro Lamarca, o capitão da guerrilha, de Emiliano José e
Oldack Miranda (130 min). Rio de Janeiro, 1994. Sinopse: O filme focaliza o último
ano da vida de Carlos Lamarca (1971), e através de flash-backs, mostra a sua
história. Trata-se de uma interpretação da história verídica da vida do personagem.
O capitão Carlos Lamarca, um dos melhores atirador do exército brasileiro, rebela
-
se
contra os militares no poder e adere a guerrilha de esquerda. Transforma-se num
revolucionário, que sonhava com um país livre de injustiças, opressões e misérias.
O que é isso companheiro? Direção: Bruno Barreto. Produção: Lucy Barreto e Luis
Carlos Barreto. Intérpretes: Alan Arkin, Fernanda Torres, Pedro Cardoso, Luis
Fernando Guimarães, Cláudia Abreu, Nélson Dantas, Matheus Natchergaele,
Maurício Gonçalves, Caio Junqueira, Selton Mello, Du Moscovis, Caroline Kava,
Fernanda Montenegro, Lulu Santos, Milton Gonçalves, Othon Bastos. Roteiro:
Leopoldo Serran. Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira (105 min) Rio
de Janeiro, 1997. Sinopse: Trata-se da história do sequestro do embaixador dos
Estados Unidos Charles Elbrik ocorrido em Setembro de 1969. O sequestro é
reali
zado por um grupo de jovens, pertencentes ao Movimento Revolucionário 8 de
outubro (MR-8) que se une a outro grupo guerrilheiro Aliança Libertadora Nacional
(ALN). Os guerrilheiros condicionam a soltura do embaixador, a leitura de um
manifesto nos principais meios de comunicação no horário nobre e a libertação de
quinze companheiros presos.
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BELQUÓ, Alberto.
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Santana. São
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-
SP.
Cinemateca Brasileira. Largo Senador Raul Cardoso, 207. Vila Mariana. São Paulo-
SP.
Diretoria de Ensino de Botucatu. Praça da Bandeira, s/n. Bot
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