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NSTITUTO DE
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IÊNCIAS
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UMANAS E
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RODUÇÃO AGRÍCOLA E PRÁTICAS ALIMENTARES
NA FRONTEIRA OESTE
.
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ELA DA
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ANTÍSSIMA
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RINDADE
(1752
1790)
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UIABÁ
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2008
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U
NIVERSIDADE
F
EDERAL DE
M
ATO
G
ROSSO
I
NSTITUTO DE
C
IÊNCIAS
H
UMANAS E
S
OCIAIS
M
ASÍLIA
A
PARECIDA DA
S
ILVA
G
OMES
P
RODUÇÃO AGRÍCOLA E PRÁTICAS ALIMENTARES
NA FRONTEIRA OESTE
.
V
ILA
B
ELA DA
S
ANTÍSSIMA
T
RINDADE
(1752
1790)
Dissertação apresentada à Banca Examinadora de Defesa de
Mestrado, requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em História, no Programa de Pós-graduação em
História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Orientação: Profª. Drª. Leny Caselli Anzai
C
UIABÁ
MT
2008
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P
RODUÇÃO AGRÍCOLA E PRÁTICAS ALIMENTARES
NA FRONTEIRA OESTE
V
ILA
B
ELA DA
S
ANTÍSSIMA
T
RINDADE
(1752
1790)
MASÍLIA APARECIDA DA SILVA GOMES
Dissertação apresentada à Banca Examinadora de Defesa de
Mestrado, requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em História, no Programa de Pós-graduação em
História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Banca examinadora
_________________________________________
Profª. Drª. Leny Caselli Anzai (presidente)
_________________________________________
Prof. Dr. Tiago Miranda – Universidade Nova de Lisboa (participante externo)
_________________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Rosa - UFMT (participante interno)
__________________________________________
Prof. Dr. Oswaldo Machado Filho - UFMT (suplente)
4
Aos meus filhos, Bruna Letícia e Leonardo
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação
em História que, imbuídos de humildade acadêmica nos guiaram pelas trilhas do fazer
historiográfico. Em especial aos professores Thereza Marta Pressotti, Maria Adenir
Peraro, Carlos Alberto Rosa, João Antônio Lucídio, Otávio Canavarros, Fernando
Tadeu de Miranda Borges e Regina Beatriz Guimarães Neto que, em diferentes
momentos, contribuíram com minha formação acadêmica.
Sou profundamente grata à professora Drª. Leny Caselli Anzai, minha
orientadora, pela sensibilidade, confiança, orientação, paciência e apoio nos momentos
difíceis. Apesar de todas as suas atribuições profissionais, que não são poucas, sempre
teve uma palavra de estímulo, um gesto de carinho; suas preciosas contribuições foram
decisivas na construção desse trabalho. Espero sinceramente ter correspondido, pelo
menos em parte, a confiança em mim depositada.
À Mônica Acendino, secretária do mestrado, pela forma sempre atenciosa,
prestativa e eficiente com que atendeu não só a mim, mas a todos os mestrandos.
Aos professores Tiago C. P. dos Reis Miranda, Carlos Alberto Rosa e Oswaldo
Machado Filho, agradeço pela leitura criteriosa do texto e pelas sugestões feitas durante
o exame de qualificação.
A João Antônio Lucídio Botelho, agradeço pelos preciosos ensinamentos,
quando ainda na graduação começava a trocar os primeiros passos pelos caminhos da
pesquisa.
Aos funcionários e funcionárias dos arquivos e bibliotecas visitados: Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional - NDIHR, Casa Barão de Melgaço, e
do Arquivo Público de Mato Grosso, pelo pronto e eficiente atendimento. Em especial à
Luzinete e Mariza, pela amizade e motivação.
Aos colegas de curso, de um modo geral, pelo agradável convívio estabelecido,
em especial à Cátia, Nathália, Gilian, Maria Auxiliadora, Tiago Kramer, Ana Carolina,
Ruy de Barros (in memorian), Flávia, Carlos e Monique, pessoas próximas que, em
diferentes momentos e situações, contribuíram para a construção desse trabalho. A
Nathália colega e amiga desde os tempos da graduação agradeço o companheirismo em
6
todo esse processo. A Tiago Kramer agradeço as frutíferas discussões teóricas,
indicação e empréstimo de material bibliográfico.
A toda a minha família, de um modo geral, e em especial ao meu pai Miguel, e
minhas irmãs Marluce e Míria, pelo estímulo e torcida. À tia Maria das Dores minha
eterna gratidão, respeito, admiração e amor. Obrigada pelos cuidados e ensinamentos de
uma vida inteira.
Ao meu marido Agnaldo, por respeitar minhas escolhas e compartilhar comigo
as alegrias e dificuldades de mais essa empreitada. Aos meus filhos Bruna Letícia e
Leonardo, agradeço pelo carinho, paciência e apoio incondicional nesse percurso
marcado por freqüentes ausências. Obrigada por preencher minha vida de alegria e
esperança; sem vocês nada disso faria sentido.
À CAPES, pelo apoio financeiro para realização da pesquisa como bolsista,
permitindo dedicação integral às atividades desenvolvidas no Mestrado em História do
Programa de Pós-graduação da UFMT.
7
GOMES, Masília Aparecida da Silva. Produção agrícola e práticas alimentares na
fronteira Oeste. Vila Bela da Santíssima Trindade (1752-1790). 2008, 203f. Dissertação
(Mestrado em História) Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade
Federal de Mato Grosso, Cuiabá.
Resumo
Este estudo tem como objetivo discutir a constituição de uma paisagem agrícola
voltada para a produção de alimentos e as práticas alimentares dos moradores de Vila
Bela da Santíssima Trindade e seu termo, entre os anos de 1752 a 1790. Analisamos a
produção agrícola articulando-a às demandas do mercado interno em crescimento, e a
um quadro maior de expansão e definição dos limites luso-americanos na fronteira
Oeste, na segunda metade do século XVIII. Ao mesmo tempo, baseando-nos em
documentação que registra a produção agrícola interna, e comércio de gêneros de
diferentes categorias vindos de outras regiões, discutimos as práticas alimentares em
vigor, relacionando-as à produção interna e ao abastecimento externo. As fontes que
subsidiaram a pesquisa constam de documentos manuscritos e impressos pertencentes
ao Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT, ao Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional, da UFMT NDIHR, e a Casa Barão de Melgaço -
CBM. Contamos ainda com um vasto conjunto de fontes publicadas. Na análise
evidenciamos a constituição de múltiplas paisagens rurais no Mato Grosso, onde
diferentes agentes sociais trabalhavam na produção e transformação de diversos
gêneros, reproduzindo e recriando práticas, movimentando uma complexa cadeia de
produção que, de forma direta ou indireta, se interligava a outras atividades e aos
mercados internos e externos. Evidenciamos também, que as atividades agrícolas foram
estratégias importantes largamente utilizadas pelas autoridades portuguesas na região,
como forma de garantir a posse do território, e assim assegurar as vitórias lusas
alcançadas no Tratado de Madri.
Palavras-chave- produção agrícola; práticas alimentares; abastecimento; capitania de
Mato Grosso.
8
GOMES, Masília Aparecida da Silva. Agricultural Production and Alimentary
Practices in the West border. Vila Bela da Santíssima Trindade (1752-1790). 2008, 203
pages. Dissertation (Master Degree in History) – Instituto de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.
ABSTRACT
The purpose of this study is to discuss the constitution of agricultural scenery
focusing on the production of foods and alimentary practices of the residents of Vila
Bela da Santíssima Trindade, a district of Mato Grosso, from 1748 until 1790. We
analyzed the agricultural production articulating it to the developing internal market
demands, and to a larger picture of expansion and definition of the Luso-American
limits in the west border, in the second half of the 18
th
century. At the same time, based
on documentation which registers the internal and trading of different categories of
goods coming from other regions, we discussed the current alimentary practices,
connecting them to the internal production and the external supply. The sources which
were used as subsidies for the research consist in handwritten documents and copies
belonging to the Public Archive of the State of Mato Grosso APMT (in Portuguese),
and the Regional Historical Information and Documentation, at UFMT NDIHR (in
Portuguese), and Barão de Melgaço’s House – CBM (in Portuguese). We also counted
on a vast whole of published sources. In the analysis we emphasized the constitution of
many rural landscapes in Mato Grosso where different social agents worked in the
production and transformation of several types, reproducing and recreating practices,
moving one complex production chain which, directly or indirectly would connect to
the other activities and to the internal and external markets. We also emphasized that the
agricultural activities were important strategies largely used by the Portuguese
authorities in the region as a way of guaranteeing the territory ownership and assuring
the Luso victories obtained through the Pact of Madrid.
Keywords: agricultural production, alimentary practices, supply, captaincy of Mato
Grosso.
9
Lista de Abreviaturas
AHU- Arquivo Histórico Ultramarino
AHM – Arquivo Histórico Militar
APMT- Arquivo Público do Estado de Mato Grosso
BNRJ – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
CB – Casa Barão de Melgaço
CU – Conselho Ultramarino
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
NDIHR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional
MB – Museu Bocage
RIHGB- Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
RIHGMT- Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso
10
Lista de Mapas e Ilustrações
Imagem nº. 1
Mapa da Parte do Brasil que compreende a navegação que se faz pelos três rios
Madeira, Mamoré e Guaporé, até a capital Vila Bela, capital do governo do Mato
Grosso
54
Imagem nº. 2
Mapa dos Territórios entre as capitanias de São Paulo e Mato Grosso
56
Imagem nº. 3
Mapa da Configuração da Chapada das minas do Mato Grosso
66
Imagem nº. 4
Mapa topográfico do nascimento e origens dos principais rios Galera, Sararé,
Guaporé e Juruena – 1794
80
Imagem nº. 5
[Traíra] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
119
Imagem nº. 6
[Jacundá] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
119
Imagem nº. 7
[Matrincham] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
119
Imagem nº. 8
[Palmito] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
119
Imagem nº. 9
[Tambaqui ou Palú] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
119
Imagem nº. 10
[Peixe cachorro] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
119
Imagem nº. 11
Joaquim José Codina. [Cheobroma cacao, Linn.] Coleção: Alexandre Rodrigues
Ferreira - BNRJ
129
Imagem nº 12
[Baunilha]. Coleção:Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
129
11
Imagem nº. 13
[Tear indígena]. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
141
Imagem nº. 14
[Crocodilus] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
149
Imagem nº. 15
[Paca] Coleção:Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
152
Imagem nº. 16
[Cotia] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira.BNRJ
152
Imagem nº. 17
[Lebre] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
152
Imagem nº. 18
[Dourado] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
152
Imagem nº. 19
A pesca das tartarugas. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
155
Imagem nº. 20
[O fabrico da manteiga de ovos de tartaruga]. Coleção Alexandre Rodrigues
Ferreira. BNRJ
155
Imagem nº. 21
[Utensílios indígenas]. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
159
12
Lista de Tabelas
Tabela 1
Sítios localizados no Termo de Mato Grosso em 1770
76
Tabela 2
Ofícios mecânicos identificados em Vila Bela e seu distrito, no ano de 1770
144
Tabela 3
Calendário agrícola
147
Tabela 4
Gêneros adquiridos por conta da Fazenda Real de Mato Grosso para a
Expedição da Demarcação de Limites, de 1782 a 1787
168
Tabela 5
Ceias, jantares e banquetes
186
13
Sumário
Introdução
14
C
APÍTULO
I
O Império português, a Amazônia e a Capitania de Mato Grosso
30
Um cenário: a Repartição do Mato Grosso
37
C
APÍTULO
II
A espacialização da produção no Mato Grosso. Múltiplas paisagens
agrícolas
58
A terra e a lei de sesmarias
90
C
APÍTULO
III
Os “gêneros do país” 101
Milho e feijão
105
Mandioca
112
Arroz
114
Cana-de-açúcar
116
Frutas, verduras e legumes
122
A caça, a pesca e os produtos extraídos da mata
124
A criação de gado
130
Tabaco e algodão
140
Os ofícios
144
C
APÍTULO
IV
Um olhar sobre práticas alimentares no Mato Grosso
148
Pelos caminhos da capitania de Mato Grosso
149
A “Mesa Real”
160
A alimentação dos escravos
173
Os banquetes
176
Considerações finais
187
Fontes e Bibliografia
191
14
Introdução
A alimentação é um tema que abrange diversas áreas do conhecimento,
propiciando as mais diferenciadas abordagens e perspectivas; na historiografia brasileira
ainda é pouco discutida, embora nos últimos anos esse quadro tenha se alterado
consideravelmente, e temáticas relacionadas a uma história da alimentação comecem a
ocupar espaço, impulsionadas pela existência de um maior diálogo interdisciplinar
1
.
No território da história, ao longo do século XX, as formas de se alimentar têm
sido objeto de diversas abordagens, com análises ligadas à história econômica, política,
social, cultural, agrária e, nos últimos anos, da história ambiental. No entanto, mesmo
entre os historiadores, não consenso em como se abordar essa temática. De um modo
geral, os estudos mais importantes, que retrataram a alimentação no âmbito da história
econômica privilegiavam aquilo que historiadores atuais denominam a “contrapartida da
alimentação”, ou seja, a história da fome, buscando identificar a relação entre fome e
conjuntura econômica. Nesse sentido, buscavam demonstrar que, devido às condições
de atraso da economia e das técnicas agrícolas, as más colheitas tendiam a se repetir,
provocando escassez, alta dos preços dos alimentos, fome, e um aumento considerável
no número de mortes
2
. No âmbito da historiografia internacional, a tese pioneira de
Ernest Labrousse, cujo enfoque era o movimento da produção e a curva de preços na
França ao longo do século XVIII, é um bom exemplo desse tipo de abordagem.
No âmbito da história social foram diversos os enfoques relativos à
alimentação. Alguns estudos se enquadravam nas áreas de demografia histórica, nas
quais se buscava explicar as alternâncias populacionais a partir de grandes crises de
fome
3
, e outros relacionavam a fome às temáticas relacionadas às rebeliões e desordens
sociais, desencadeadas pela falta de alimentos
4
. Houve ainda estudos ligados à história
1
SANTOS, 2005, p.11.
2
FLANDRIN; MONTANARI, 1998. p.18.
3
Sobre este assunto ver: MORINEAU, In: FLANDRIN e MONTANARI, 1998, p.560-578; ARON, In:
LE GOFF; NORA, 1976, p.160-185.
4
A esse respeito ver: THOMPSON, 1979.
15
da saúde e da doença, nos quais se buscava analisar as relações entre as doenças e o
consumo ou a falta de consumo de determinados alimentos
5
, assim como análises sobre
hábitos alimentares e suas transformações. Já os estudos sobre história agrária buscaram
estudar a alimentação a partir da relação entre a produção agrícola e o meio físico, assim
como o uso de plantas comestíveis e de plantas aclimatadas
6
.
Nos finais da década de sessenta, e início dos anos setenta do século XX, sob a
influência de Fernand Braudel, os estudos sobre alimentação passaram a enfocar
também o cotidiano. Num artigo de 1958, publicado nos Annales sobre a longa duração,
Braudel frisava a importância de se estudar os códigos alimentares e do vestuário,
percebendo-os “como mais determinantes na vida dos grupos sociais do que as
instituições políticas ou as regras jurídicas”
7
. Em sua obra posterior, composta de três
volumes, “Civilização material, economia e capitalismo séculos XV-XVIII”, Braudel
estabeleceu para a economia três níveis: o superior ou financeiro que já se constitui no
capitalismo; o médio ou mercantil formado pela economia de trocas; e o térreo,
formado pelo que denominou “vida material” ou civilização material”, que
comportaria as estruturas do cotidiano”, da qual fazem parte os códigos alimentares e
de vestuário. Segundo Braudel, essas estruturas do cotidiano pertencem ao tempo longo,
onde as transformações ocorrem em um ritmo lento, quase imperceptível. Para Braudel,
essas estruturas do cotidiano são indissociáveis do capitalismo
8
.
As idéias de Braudel tiveram ressonância em toda uma gama de estudos
posteriores que se voltaram para a análise do cotidiano, dentre as quais “Invenção do
Cotidiano 2”, organizada por Michel de Certeau, Luce Giard e Pierre Mayol, publicada
no Brasil em 1996. Nesta obra, Luce Giard analisa as artes de nutrir, e revela como
atividades cotidianas consideradas irrelevantes são carregadas de códigos sociais e
simbólicos que, uma vez analisados, ajudam a evidenciar o modo pelo qual determinada
sociedade se organiza em um tempo e espaço historicamente determinados
9
.
Problematizando o jogo de diferenças e preferências no âmbito alimentar de
cada grupo social, Luce Giard mostra como a alimentação é um elemento que integra
um sistema simbólico pelo qual uma cultura ordena o mundo sensível, classifica e
5
A título de exemplo ver: SORCINELLI, In: FLANDRIN e MONTANARI, 1998, p.792-804.
6
CARNEIRO, 2003, p. 15-19.
7
DEL PRIORE. In: CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 262.
8
BRAUDEL, 1995.
9
GIARD, 1996.
16
organiza a matéria. A cozinha, em sua perspectiva de análise, é um micro espaço que
integra um todo da sociedade que, analisado de perto, pode revelar o modo pelo qual
cada sociedade se organiza para produzir, distribuir, preparar e servir os alimentos
10
.
Ainda no âmbito da história do cotidiano, nos anos de 1980, na terceira fase
dos Annales, historiadores como Jean Louis Flandrin e Jean Paul Aron voltaram seu
foco de análise para o ato o comer e para aqueles que comem, oferecendo consistência
aos estudos sobre sensibilidade alimentar, o gosto, a gastronomia e práticas
alimentares
11
.
Desse modo, considerando as diversas possibilidades que essa temática
proporciona, neste estudo optamos por analisar a produção agrícola e as práticas
alimentares dos moradores estabelecidos no termo do Mato Grosso, capitania de Mato
Grosso, entre os anos de 1752 e 1790.
Consideramos “produção agrícola” as diversas atividades desenvolvidas nos
espaços rurais voltadas para a produção de gêneros básicos de manutenção da vida,
tanto gêneros de origem vegetal quanto animal. Desse modo, a produção agrícola,
conforme a compreendemos, engloba desde as atividades voltadas para a constituição de
roças para o cultivo de cereais e legumes, como o milho, o feijão, o arroz, a batata, o
cará, entre outros, até as atividades criatórias, como a criação de porcos, galinhas, gado
vacum, assim como atividades voltadas para o beneficiamento de produtos e alimentos,
como as farinhas de milho e mandioca, e de derivados da cana, como melado, rapadura
e açúcar.
Consideramos “práticas alimentares” desde a identificação de um determinado
gênero como comestível, até as diferentes formas de se apropriar, preparar, servir e
consumir os alimentos. Cada sociedade, juntamente com os diversos grupos sociais que
a compõem possui formas diferenciadas de se apropriar e transformar o que classifica
como sendo ou não comestível. Neste sentido, o alimento é aqui entendido como uma
categoria histórica, permeada por permanências e mudanças que estão intimamente
ligadas à dinâmica social e cultural de cada sociedade ou grupo social. Desse modo,
alimentar-se não é apenas um ato nutricional, é mais que isso, é um ato social revestido
de códigos sociais e simbólicos, ligados aos usos, costumes, condutas e situações, que
quando analisadas podem revelar a forma pela qual cada sociedade se organiza e se
10
GIARD, 1996, p.234 -256.
11
SANTOS, 2005, p.16.
17
representa em determinado tempo e espaço. Nessa perspectiva de análise, “o que se
come é tão importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com
quem se come”
12
.
Privilegiamos o ano de 1752, como marco inicial da pesquisa, por se tratar do
ano de criação de Vila Bela da Santíssima Trindade. O ano de 1790 foi tomado como
baliza final do trabalho pelo fato de serem freqüentes, na historiografia colonial de Mato
Grosso, os registros de que, a partir desse ano teve início, na capitania de Mato Grosso,
uma grave crise de abastecimento, cujas raízes ainda não foram analisadas de modo
mais aprofundado. Outro aspecto importante que nos levou a adotar esse ano como
marco final do trabalho liga-se ao fato de marcar o fim do governo de Luís de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres que, após dezessete anos à frente do governo da
capitania de Mato Grosso passou o comando para seu irmão, João de Albuquerque, e
retornou a Portugal. Além do mais, foi também em princípios de 1790 que a Comissão
Demarcadora de Limites foi extinta, e seus integrantes enviados de volta a Portugal.
Centramos nossas análises em Vila Bela da Santíssima Trindade e seu termo por
dois motivos. Primeiro porque, apesar de Vila Bela ter sido a capital da capitania de
Mato Grosso por quase setenta anos, a região do Guaporé recebeu pouca atenção dos
historiadores, que a maioria dos estudos sobre a capitania priorizou a Vila Real.
Segundo, porque a publicação dos “Anais de Vila Bela (1734 1789)”, em 2006, e o
desenvolvimento de pesquisas em arquivos portugueses, que resultaram na transcrição
de cartas pessoais enviadas a Luís de Albuquerque
13
, ampliaram em muito as
possibilidades de estudos sobre Vila Bela e seu termo.
A criação da capitania de Mato Grosso, em 1748, foi ato importante, e fez parte
de um conjunto de ações estratégicas implementadas pela Coroa portuguesa com vistas
à legitimação da posse das terras situadas a Oeste da América. A ocupação e domínio
dessas terras exigiram da Coroa lusa um projeto arrojado, com implementação de uma
série de medidas, tais como a fundação de vilas, povoados, fortes, abertura de rotas
comerciais, assim como de uma política de isenções e incentivos fiscais, cujo objetivo
era atrair novos moradores para a região.
Mas, para que esse conjunto de ações surtisse os efeitos desejados, e
garantissem ao Império português as vitórias alcançadas no Tratado de Madri (1750),
12
SANTOS, 2005, p. 13.
13
ANZAI, 2005.
18
utilizando o argumento do uti possidetis era necessário garantir à sociedade que ia se
constituindo na fronteira Oeste, condições mínimas de sobrevivência. Nesse sentido,
consideramos que a constituição de uma paisagem agrícola, cuja produção de gêneros
destinava-se não apenas a garantir as condições de auto-suficiência da população, mas
também à produção de excedentes para atender às demandas do mercado interno do
termo e da capitania em pleno crescimento foi fundamental para garantir o sucesso do
projeto luso na região.
Isto posto, alguns questionamentos guiaram a presente pesquisa. Uma primeira
questão diz respeito ao papel desempenhado pela agricultura no processo de
colonização iniciado após a criação da capitania, e os principais locais em que se
instalaram unidades produtivas no termo de Mato Grosso. A partir de então, outros
questionamentos surgiram, como aquele relacionado à tipologia da lavoura formada no
Vale do Guaporé, se de abastecimento ou mercantil simples, e se havia conexão entre os
locais onde se instalaram unidades de produção agrícola e as questões de fronteira.
Como desdobramento natural dessas questões, outras se seguiram, como a necessidade
de determinar os gêneros mais produzidos nessas lavouras, buscando explicações sobre
a preferência por alguns gêneros em detrimento de outros, a destinação dos alimentos
cultivados e coletados na capitania, e mesmo as representações construídas a partir do
uso de determinados alimentos. Buscamos também identificar as práticas alimentares
dos diversos grupos sociais que compuseram a sociedade colonial nessa vila de
fronteira, e mesmo que de um modo geral, buscamos identificar os alimentos oriundos
de outros locais, que faziam parte da ementa diária de seus moradores.
Essas foram questões fundamentais, que nortearam nossa pesquisa e a
construção da narrativa.
Do ponto de vista teórico, algumas noções nos auxiliaram a compreender e
analisar o objeto de estudo, uma das quais a noção de “circularidade cultural”
desenvolvida por Carlo Ginzburg, que nos permite compreender as trocas culturais via
alimentação, ocorridas a partir do contato entre os diferentes povos que se
entrecruzaram na América, após a chegada dos europeus
14
. O contato entre brancos,
negros e índios produziu uma sociedade multiétnica, com múltiplas influências na base
alimentar que se constituiu na fronteira oeste, a partir das descobertas auríferas
ocorridas em 1734.
14
GINZBURG, 1987.
19
Para o desenvolvimento do trabalho levantamos documentação manuscrita no
Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT, que se encontra organizada em
latas, contendo os “documentos avulsos” da capitania de Mato Grosso, que se
encontram organizados em cinco “fundos”: governadoria, câmara, defesa, justiça, e
fazenda. Pesquisamos também no Arquivo da Casa Barão de Melgaço, onde
encontramos documentos referentes ao período estudado, publicados nas Revistas do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB, e nas publicações avulsas da Casa
Barão de Melgaço.
Outra importante fonte foi a documentação do Projeto Resgate, onde constam
importantes manuscritos referentes à capitania de Mato Grosso, digitalizados dos
originais do Arquivo Ultramarino. Dessa documentação analisamos documentos que
contêm listas de produtos enviados para Mato Grosso, para abastecer a Comissão
Demarcadora de Limites durante suas atividades. Encontramos ainda, nessa
documentação, um balanço de receitas e despesas do ouro enviado de Goiás para
socorrer a capitania de Mato Grosso nas despesas com a demarcação de limites, além de
diversos documentos importantes, como um ofício de Luís Pinto de Sousa Coutinho,
terceiro capitão-general da capitania de Mato Grosso, no qual o governador elaborou
análise profunda das capacidades econômicas da capitania, na década de 1770.
Contamos ainda com importantes fontes impressas, como “Anais de Vila Bela
de 1734 1789”
15
, os “Annaes do Senado da Câmara do Cuiabá: 1719-1830”
16
, as
Correspondências de Antônio Rolim de Moura
17
, alguns volumes das Publicações
Avulsas, editadas pelo Instituto Histórico e Geográfico de Mato de Grosso, além de três
Diários de Viagem dos demarcadores de limites
18
, referentes à viagem de Barcelos a
Vila Bela, no ano de 1781
19
.
Todos os documentos manuscritos foram transcritos com a atualização da
grafia, tendo-se o cuidado em se manter o sentido original. Uma vez feita a transcrição
foram digitados e fichados, com vistas a formar um banco de dados que pudesse
oferecer base empírica para a construção da narrativa.
15
AMADO; ANZAI, 2006.
16
SUSUKI, 2007.
17
UFMT – NDIHR, 1982.
18
LACERDA E ALMEIDA, 1841; PONTES, 1781. In: MENDONÇA, 1985; SERRA, In: RIHGB, 1857.
19
Estes diários de viagem produzidos pelos demarcadores, não representavam meros relatos pessoais ou
literários; eram, sim, relatos de caráter científico, que deveriam ser enviados às autoridades
administrativos do reino, e às associações científicas.
20
No que se refere à história da alimentação, alguns estudos se tornaram
referência obrigatória, por suas perspectivas de análise, como a obra coletiva “História
da alimentação”, organizada e dirigida por Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari,
que apresenta um balanço dos estudos realizados sobre o tema na Europa. Tendo como
fontes livros de receita e impostos sobre alimentos, relatos de viajantes, icnografia e
uma diversificada bibliografia, se propõem novos caminhos e métodos de investigação.
Organizada de forma temática, e dividida em oito partes, a obra apresenta e discute
vários aspectos referentes à temática da alimentação, percorrendo um longo caminho
desde a pré-história e as primeiras civilizações, até as transformações nos hábitos
alimentares ocorridas nas últimas décadas do século XX
20
.
Jean-Louis Flandrin, em “A distinção pelo gosto” analisa as transformações do
gosto alimentar nos séculos XVII e XVIII na Europa, e o lugar que o gosto passa a
ocupar nas relações sociais dessa época. Utilizando como fontes tratados culinários,
relatos de viagens, testamentos, manuais de boas maneiras, entre outros, o autor observa
que os novos hábitos à mesa, advindos da introdução de novos utensílios individuais
prato, copo, faca, colher, garfo , representaram mais um passo do individualismo,
criando verdadeiras muralhas invisíveis entre os comensais. Constata que, assim como
as artes, a literatura e a arquitetura, “os gostos alimentares mudaram ao longo dos
séculos XVII e XVIII. E, ainda mais do que as boas maneiras, o “bom gosto” tornou-se
objeto de modas criadoras de distinções sociais e de novas sociabilidades
21
. Assim, o
gosto passou a ocupar um lugar importante nas relações sociais da época, sendo,
inclusive, via de ascensão social.
Seguindo a trilha das sensibilidades gastronômicas e de uma história do gosto,
Jean-François Revel, em “Um banquete de palavras” analisa a história do gosto
considerando-o em seu duplo sentido, isto é, no sentido de costume, e de sensibilidade
gastronômica. Tendo como fontes livros de receitas e obras de literatura e arte, o autor
segue a trilha do que considera serem as duas faces da gastronomia: a cozinha popular e
a erudita. Para Revel, a arte gastronômica que ganha força e visibilidade em fins do
século XVIII e início do XIX, deve ser entendida como resultante da constante dialética
entre essas duas faces da cozinha no decorrer dos tempos. Com erudição e leveza, Revel
vai mostrando que, se a cozinha é um universo onde convivem imaginação, intuição,
20
FLANDRIN, 1998.
21
FLADRIN. In: ÁRIES; DUBY, 1993, p. 274.
21
sensibilidade e criatividade, possibilitando as mais diversas integrações, é também um
espaço de desaparecimentos e perdas, onde costumes e sensibilidades o se perdendo
no tempo e no espaço das estruturas cotidianas
22
.
Outro estudo fundamental para este trabalho foi “Comida: uma história”, de
autoria do historiador Felipe Fernandez-Armesto. Adotando uma perspectiva global, o
autor retrata a temática da comida como um tema da história mundial, e lamenta que a
maioria das instituições acadêmicas tenha dado pouca importância ao tema. Diferindo
de outras obras referenciais sobre a temática, Armesto adota uma metodologia diferente;
ao invés de privilegiar a forma temática, parte da idéia de acontecimentos importantes
para história da comida, mas que também tiveram repercussões que ultrapassaram e
afetaram outros aspectos da história mundial. Assim, agrega os materiais pesquisados
em oito blocos, que denomina “revoluções”. Guiado por essa metodologia, o autor
aborda a história da comida desde a invenção da arte de cozinhar, passando pela
ritualização do ato de comer, e o desenvolvimento da criação de animais. Armesto
contempla ainda o desenvolvimento da agricultura de plantas comestíveis, o uso da
comida como meio e indicador de diferenciação social, o comércio de longa distância, o
papel da comida em intercâmbios culturais, a revolução ecológica ocorrida nos últimos
quinhentos anos, chamada nos dias atuais de “Intercâmbio Colombiano” e, finalmente, a
industrialização, nos séculos XIX e XX
23
.
A perspectiva adotada por Armesto é importante para o presente trabalho, pois
o autor articula a temática da comida não à história social, econômica e cultural, mas
também à ecologia, conferindo à temática uma articulação com a história ambiental,
possibilitando investigar as relações estabelecidas entre o homem e o meio natural ao
longo dos tempos, e as transformações que a ação humana provocou nas paisagens.
No Brasil, os precursores dos estudos sobre alimentação foram o médico Josué
de Castro, e os sociólogos Gilberto Freyre e Luís da Câmara Cascudo, cujos estudos se
tornaram clássicos. Em “Geografia da fome”, Josué de Castro estudou os efeitos que a
carência alimentar provoca nas pessoas
24
, e Gilberto Freire se dedicou a estudar os
efeitos que a produção açucareira
25
nordestina provocou nos hábitos alimentares,
22
REVEL, 1996.
23
ARMESTO, 2004.
24
CASTRO, 1983.
25
Sobre as transformações provocadas pela expansão do açúcar ver também: HIGMAN, 2000.
22
contribuindo para o surgimento de uma tradição alimentar no nordeste brasileiro, onde o
açúcar se combinava com frutas típicas dos locais no preparo de novos doces
26
.
Relacionada à temática em discussão, o estudo de Luís da Câmara Cascudo,
“História da Alimentação no Brasil” se tornou um clássico. Concebida em dois
volumes, no primeiro deles o autor apresenta os alimentos, condimentos e as técnicas de
preparo características do que denominou “cardápio indígena”, “dieta africana”, e
“ementa portuguesa”, demonstrando as principais contribuições oferecidas por essas três
culturas na formação das dietas alimentares que se formaram ao longo das regiões da
América portuguesa no período colonial. Observa-se em Câmara Cascudo a tentativa de
construção das especificidades das dietas regionais, e a elaboração de certa cartografia
do paladar. Embasado num leque extenso de fontes que vão desde depoimentos de ex-
escravos e senhores de engenhos, até inúmeras fontes históricas e etnográficas, esta obra
traz informações importantes para nosso trabalho, pois a sociedade que se formou no
Vale do Guaporé, a partir da segunda metade da década de 1730, era eminentemente
heterogênea, composta por indígenas, escravos africanos e portugueses
27
.
Outro estudo que trata de questões relevantes, quando o assunto é produção de
alimentos é “Caminhos e fronteiras”, de rgio Buarque de Holanda. Analisando o
cotidiano dos sertanistas paulistas pelos caminhos dos sertões do centro-oeste da colônia
luso americana preando índios e procurando metais preciosos, o autor mostra como os
modos de adaptação destes sertanejos ao meio levou à mescla de elementos da cultura
portuguesa a hábitos indígenas criando um modo próprio de sobreviver e resistir às
agruras dos sertões, modo de vida fundamental no processo de desbravamento do
interior da colônia e no alargamento das fronteiras do império português na América.
Sérgio Buarque defende a idéia de que nessas regiões desbravadas pelos sertanistas
paulistas foi se constituindo uma verdadeira civilização do milho, onde a preferência no
cultivo do milho e do feijão, associado à criação de suínos e galináceos ligavam-se
também a fatores naturais, como solo e clima, e à “simplicidade e rusticidade das
técnicas necessárias à elaboração de seus produtos
28
.
No âmbito de história econômica, alguns trabalhos trazem contribuições
relevantes para a presente pesquisa, e inserem-se neste quadro os estudos de Caio Prado
26
FREYRE, 1951.
27
CASCUDO, 2004.
28
HOLANDA, 1975, p. 222.
23
Júnior e José Roberto do Amaral Lapa. Caio Prado Júnior, em “História econômica do
Brasil”, e “Formação econômica do Brasil”, embora suas análises sejam de cunho geral,
e considerem que a produção agrícola tenha sido uma atividade direcionada pelas
demandas do mercado externo, e que a produção de alimentos tinha papel secundário na
economia colonial , suas obras ofereceram contribuições para pensarmos a produção
colonial, na medida em que nos trouxe diversas informações a respeito da produção e de
produtos agrícolas cultivados em diversas regiões do Brasil no período colonial, assim
como das práticas agrícolas mais utilizadas
29
.
Amaral Lapa, em “Economia colonial” estudou as “monções do norte”,
importante rota comercial que na segunda metade do século XVIII foi responsável pela
ligação fluvial entre a capitania de Mato Grosso e o Estado do Grão-Pará, e de lá até
Lisboa. Ricamente embasada em documentação, a pesquisa de Lapa, além de trazer
elementos sobre a produção e o abastecimento traz também considerações relevantes
para a compreensão dos motivos que levaram a Coroa portuguesa a incentivar a
utilização dessa rota comercial
30
.
Pioneira no campo de estudos sobre história agrária no Brasil, Maria Yedda
Linhares, em parceria com Francisco Carlos Teixeira da Silva, produziu “História da
agricultura brasileira (combates e controvérsias)”, publicado em 1981, nos oferece
subsídios relevantes para o estudo da estrutura de produção de alimentos no período
colonial, situando-a num quadro mais amplo do processo de expansão da colonização.
Discorrendo sobre a problemática da produção de alimentos e do abastecimento interno,
Linhares analisa desde as dificuldades de produção de alimentos, passando pela
formação de um proto-campesinato e pelas técnicas agrícolas utilizadas no período
colonial, até as tipologias das crises de abastecimento. Linhares, em “História do
abastecimento; uma problemática em questão (1530-1918)”, no que se refere ao
abastecimento analisa os problemas que marcaram a formação e desenvolvimento de
um mercado interno no Brasil. Tendo como foco central a produção de alimentos e suas
articulações com os centros urbanos, e a atuação do Estado desde tempos mais recuados
até o início do século XX, a autora oferece importantes contribuições que nos
29
PRADO JÚNIOR, 2004.
30
LAPA, 1973.
24
possibilitam refletir sobre a produção de alimentos e o papel desempenhado pelo Coroa
portuguesa, via câmaras municipais nesse quesito, durante o período aqui retratado
31
.
Mais recente é o estudo de Carlos Roberto Antunes dos Santos, cujo título é
“Por uma história da alimentação no Paraná”
32
, publicado em 1995, em que o autor, ao
analisar a formação do gosto, mostra que vários fatores devem ser considerados, pois
concorrem para sua formação não apenas valores nutricionais e biológicos, mas também
fatores tais como as mentalidades, os ritos, os valores éticos e religiosos, a psicologia
individual e coletiva, etc. Dessa forma, o autor visa chamar a atenção para o fato de que
o alimento “constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanências e
mudanças dos hábitos alimentares em ritmos diferenciados têm referência na própria
dinâmica social”
33
.
Publicado em 2003, “Comida e sociedade: uma história da alimentação”
34
,
Henrique Carneiro apresenta um balanço sucinto acerca da produção acadêmica
brasileira referente à temática, enfatizando também que as comidas possuem estreita
relação com a sociedade na qual estão inseridas. Nos primeiros capítulos o autor mostra
como a alimentação foi abordada ao longo dos tempos pelas diversas áreas das ciências
como a zoologia, a botânica, a medicina e a nutrição, e mostra também como diferentes
ciências humanas abordaram o tema. Para Carneiro, a alimentação é um fato da cultura
material, da infra-estrutura da sociedade; um fato da troca e do comércio, da história
econômica e social, ou seja, parte da estrutura produtiva da sociedade. Mas também é
um fato ideológico, das representações da sociedade – religiosas, artísticas e morais
35
.
A historiografia sobre Minas Gerais colonial também serviu de referência para
analisarmos tanto a constituição da paisagem agrícola no Mato Grosso, quanto para
estabelecermos comparações entre as práticas alimentares registradas nas Minas Gerais
setecentistas com aquelas identificadas em Vila Bela e seu entorno no período em
questão.
Estudo pioneiro e de importância inegável é “O abastecimento da Capitania de
Minas Gerais no culo XVIII” desenvolvido por Mafalda Zemella
36
. Nesse estudo
31
LINHARES; SILVA, 1981; e, LINHARES, 1979.
32
SANTOS, 1995.
33
SANTOS, 2005, p.15.
34
CARNEIRO, 2003.
35
CARNEIRO, 2003; ver também: REZENDE, 2004, p.4.
36
ZEMELLA, 1990.
25
Zemella analisou os mercados que abasteciam as minas, traçou as rotas comerciais que
levavam às minas, o transporte de mercadorias e escravos, o consumo de seus
habitantes, assim como, o surgimento de núcleos de produção em Minas Gerais. Apesar
de apresentar posições superadas pela historiografia, como a afirmação de que
agricultura em Minas Gerais teria se desenvolvido com a crise da mineração, é
inegável, que sua pesquisa teve como mérito abrir caminho para todo um leque de
pesquisas que passaram a problematizar e discutir questões relativas ao abastecimento
nas minas, ao consumo de seus habitantes, assim como, a formação de paisagens rurais,
dentre outros.
Estudo mais recente é de José Newton Coelho de Meneses, que em seu livro
“O continente rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas” analisou
a formação de paisagens rurais, e o abastecimento alimentar na comarca do Serro Frio.
Através da análise de um conjunto de testamentos e inventários Meneses traz
informações importantes a respeito da vida material, dos ofícios ligados ao mundo rural
, da inserção dos produtores no comércio de abastecimento e do consumo. Seu trabalho
trouxe grandes contribuições para nosso trabalho, não por nos possibilitar estabelecer
comparações e perceber semelhanças em relação à alguns apontamentos da pesquisa,
mas também, por apresentar e discutir noções importantes para a nossa pesquisa, que
muito nos ajudaram na reflexão e na adoção de certas noções.
No trabalho “Minas e currais: produção rural e mercado interno de Minas
Gerais 1674-1807”, publicado em 2006, Ângelo Alves Carrara analisa a constituição de
um espaço econômico na capitania das Minas Gerais, onde investiga e tenta traçar as
conexões entre a constituição de diferentes paisagens agrícolas com os movimentos dos
preços dos gêneros agrícolas e pecuários e a capacidade de abastecimento pela
agricultura e pecuária praticados em Minas. Através de registros coletados no vasto
corpus documental, composto de contratos régios, arrecadação de dízimos, mapa de
preços e mapas populacionais, Carrara apresenta diversos dados referentes à produção
agrícola em Minas, que consideramos válidos também para Vila Bela e seu distrito no
período recortado nessa pesquisa
37
.
Outros estudiosos procuraram traçar o perfil da alimentação dos moradores de
diversas regiões do Brasil, perscrutando especificidades e buscando desvelar aspectos
desse que é um dos elementos mais significativos na construção da identidade de um
37
CARRARA, 2007.
26
povo. Dentre essa produção destacamos o trabalho de Eduardo Frieiro, em “Feijão,
angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros”
38
, Mônica Abdala, com “Receita de
mineiridade: a cozinha e a construção da imagem do mineiro”
39
, e Osvaldo Orico, que
em seu ensaio “Cozinha Amazônica (uma autobiografia do paladar)”, refere-se a esta
prática culinária como uma cozinha ao ar livre
40
.
Relacionado à história da capitania de Mato Grosso, duas dissertações de
mestrado desenvolvidas no Programa de Pós-graduação em História da Universidade
Federal de Mato Grosso UFMT, trouxeram contribuições importantes para a presente
pesquisa, trata-se das pesquisas de Luzinéia Guimarães Alencar e de Tiago Kramer de
Oliveira. Primeiramente em “Misturando sabores”, Luzinéia Guimarães Alencar
investigou alguns aspectos referentes à alimentação dos moradores da Vila Real do
Bom Jesus de Cuiabá, entre os anos de 1727 a 1808
41
, enfatizando as trocas culturais via
alimentação, a partir da análise de testamentos e inventários. Para Alencar, a
alimentação dos moradores da Vila Real foi composta desde os primeiros anos de
ocupação portuguesa por uma mistura de sabores que contou com a contribuição das
três culturas que aqui se encontraram, a indígena, a africana e a portuguesa. A maior
contribuição de Alencar para a presente pesquisa é sua constatação de que apesar da
Vila Real contar com a freqüente importação de gêneros vindos da Europa e outras
regiões da América, a importação de gêneros alimentícios era baixa. O que na opinião
de Alencar denota que a população era abastecida pela produção agrícola local e não
pelas múltiplas correntes de abastecimento que se interligavam ao Cuiabá.
Já em “Ruralidade na ‘terra da conquista’ ”, Tiago Kramer de Oliveira analisou
a formação de ambientes rurais no extremo oeste da América portuguesa entre os anos
de 1716 e 1750. Buscando indícios na vasta documentação que analisou composta por
cartas de sesmarias, relatos de viagem, crônicas, correspondências oficiais, dentre
outros, Kramer analisou as articulações entre a formação de espacialidades rurais a
outros aspectos do processo de colonização do extremo oeste. O trabalho de Kramer
trouxe contribuições significativas para a presente pesquisa, na medida em que mostra,
como a mineração, ao invés de desestimular a produção rural, funcionou como “motor
de arranque” para investimento nas atividades agrícolas. Já que parte do capital advindo
38
FRIEIRO,1982.
39
ABDALA,1997.
40
ORICO, 1972.
41
ALENCAR, 2003.
27
da mineração era investido na produção agrícola, que embora oferecesse ganhos
menores, propiciava a garantia de ser um investimento seguro. Seu trabalho nos oferece
contribuições ainda ao mostrar como toda a produção local estava interligada direta ou
indiretamente com os mercados interno e externo
42
.
Outros trabalhos relacionados à alimentação, embora não especificamente
ligados ao período colonial trouxeram contribuições para nosso trabalho
43
, lançando
luzes sobre aspectos importantes
44
.
Carlos Alberto Rosa analisou como se deu a espacialização do elemento
urbano nesta “parte mais central da América do Sul”, com a criação da Vila Real do
Senhor Bom Jesus de Cuiabá em 1727. Embasado em uma vasta e diferenciada
documentação, o autor demonstra que desde os primeiros tempos de edificação das vilas
na fronteira oeste houve, por parte da coroa portuguesa, a preocupação com uma
política normatizadora que visava regulamentar o bem viver nas novas vilas, e garantir a
seus moradores condições de sobrevivência. Este trabalho traz contribuições para a
presente pesquisa ao enfatizar as diversas atividades econômicas -, inclusive atividades
agrícolas e criatórias-, que se desenvolveram nas vilas e seu entorno com a utilização de
mão de obra multiétnica, trazendo a tona, as correlações de força presentes nos espaços
das vilas coloniais
45
.
Otávio Canavarros, em “O poder metropolitano em Cuiabá 1727 1752”
analisou o processo de instalação do poder metropolitano em Cuiabá. Sua tese é que a
fixação de instituições político-administrativas na Vila do Cuiabá faziam parte de um
projeto político desenvolvido pela coroa portuguesa desde o início da década de vinte
dos setecentos, para o autor, tal projeto tinha como objetivo atender aos interesses
geopolíticos da coroa com vistas a assegurar a posse do território localizado a noroeste
do Estado do Brasil. Assim, a instalação do aparato político e burocrático na Vila do
Cuiabá serviu de ponta de lança para a expansão no Vale do Guaporé nas décadas
seguintes. O estudo de Canavarros é importante para nosso trabalho não apenas pela
42
OLIVEIRA, 2008.
43
Estamos nos referindo aos seguintes trabalhos: FERNANDES, 2003; OLIVEIRA, 2003; JESUS, 2001;
MOURA, 2005.
44
Ver, dentre outros: VOLPATO, 1985; MEIRELES, 1989; COSTA, 1999; JESUS, 2006; BANDEIRA,
1988.
45
ROSA, 1996.
28
riqueza das discussões que apresenta, mas também, pelo manancial de fontes
manuscritas e publicadas que apresenta
46
.
Outro trabalho importante para nosso estudo é a tese defendida por Leny
Caselli Anzai, em 2004, intitulada “Doenças e práticas de cura na capitania de Mato
Grosso”
47
. Nesta investigação, baseada no manuscrito “Enfermidades endêmicas da
capitania de Mato Grosso”, de autoria do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, a
autora traça as conexões entre as doenças endêmicas identificadas pelo naturalista na
capitania e os problemas sociais, evidenciando que muitas das doenças enfrentadas por
determinada sociedade em um tempo e espaço determinados, podem estar ligados a
problemas estruturais dessa mesma sociedade. A autora discute que esses problemas
podem advir desde a ocupação e utilização desordenada do espaço até deficiências
nutricionais relacionados à alimentação, que podem estar intimamente ligadas tanto
a fatores culturais, quanto a problemas na estrutura de produção e distribuição de
alimentos daquela sociedade. Ao enfocar as práticas de cura identificadas pelo
naturalista, Anzai traz à tona a relação entre alimento e saúde, e nos a ver muitos dos
alimentos utilizados na capitania de Mato Grosso na segunda metade do século XVIII.
**
Para expor os resultados da pesquisa, organizamos a narrativa em quatro
capítulos. O Capítulo I –“O Império português, a Amazônia e a capitania de Mato
Grosso”, discute as transformações ocorridas em Portugal na segunda metade do século
XVIII, as reformas pombalinas e seus reflexos na Amazônia e na capitania de Mato
Grosso. Faz parte desse capítulo ainda uma reconstituição histórica que visa tecer
considerações gerais a respeito da constituição do Cuiabá e do Mato Grosso como
espaços reterritorializados pelo Império português a partir da década de XX do
Setecentos.
No Capítulo II “A espacialização da produção no Mato Grosso. Múltiplas
paisagens agrícolas”, procuramos analisar a constituição de uma paisagem rural no
Mato Grosso, contrastando com a paisagem das minas de extração aurífera. Desse modo
buscamos perceber em quais locais se constituíram unidades de produção agrícola.
46
CANAVARROS, 2004.
47
ANZAI, 2004.
29
Construímos esse capítulo a partir dos indícios apontados pela documentação escrita
articulados a documentação cartográfica que retrata o espaço e o período recortados na
pesquisa. Fechando as reflexões desse capítulo, abordamos a questão do acesso à terra,
na tentativa de traçar um quadro geral, buscando analisar como o uso de determinadas
práticas se fizeram presentes na capitania de Mato Grosso.
No Capítulo III “Os “gêneros do país’”, procuramos identificar os produtos
cultivados nas roças, e os fatores explicativos para a preferência no cultivo de certos
gêneros em detrimento de outros. Tecemos ainda considerações a respeito das
atividades extrativas como a caça e a pesca, na tentativa de delinear sua importância na
formação da base alimentar dos moradores de Vila Bela e seu distrito. Este capítulo traz
ainda considerações a respeito da criação de gado no termo do Mato Grosso e uma
pequena análise dos ofícios mecânicos identificados nas atividades de transformação do
mundo rural.
No capítulo IV- “Um olhar sobre práticas alimentares no Mato Grosso”
tratamos do que se alimentavam os moradores de Vila Bela e seu distrito, alimentos
estes apontados pela documentação. Analisamos a alimentação dos funcionários reais,
como o capitão-general Luís de Albuquerque e os demarcadores de limites, assim como
as práticas alimentares de índios, escravos e brancos da capitania, com o intuito de
compor um quadro que pudesse nos informar a respeito dos hábitos alimentares dos
moradores do termo do Mato Grosso, no período. Levantamos na documentação quais
produtos oriundos de abastecimento externo se somavam aos produtos identificados na
produção local analisados nos capítulos anteriores, para compor o cardápio dos
moradores da Vila capital no período recortado nesse estudo.
É essa narrativa que ora se inicia.
30
C
APÍTULO
I
O Império português, a Amazônia e a
Capitania de Mato Grosso
Na segunda metade do século XVIII, Portugal se via às voltas com uma grave
crise econômica. Mais de meio século de exploração de metais preciosos no novo
mundo não lhe haviam garantido grandes progressos culturais e econômicos, nem
conduzido o Estado a um lugar de destaque no cenário europeu. A imprudência de D.
João V, ao esbanjar parte das riquezas em luxos ostensivos e doações para a Igreja, e a
crescente dependência de Portugal em relação à Inglaterra país que ascendia como o
mais poderoso império europeu em uma velocidade assustadora no cenário internacional
–, certamente contribuíram para que Portugal fosse visto na Europa como um país
atrasado, incapaz de explorar racionalmente as riquezas de suas colônias, e reverter seus
lucros em prol do desenvolvimento cultural e econômico de seu Estado
48
.
Além disso, Portugal precisava conter a ameaça estrangeira que cada vez mais
pairava sobre seus territórios na América portuguesa. Nesse sentido, era preciso
implementar mudanças que contemplassem esses dois eixos, isto é, reformar a estrutura
do Estado, e garantir a segurança de suas terras americanas, principalmente as terras
auríferas localizadas no interior da América. Tudo isso fez com que, em meados do
século XVIII, regiões americanas como o Extremo Sul, o Extremo Norte, e o Extremo
Oeste, na direção das bacias do Paraguai e do Madeira passassem a ocupar lugar
privilegiado na política diplomática portuguesa. A primeira região carecia de atenção
devido às questões relacionadas à Colônia de Sacramento. Quanto às duas últimas, a
descoberta de metais preciosos em Cuiabá, e posteriormente em Mato Grosso, e a
proximidade com as missões espanholas do Paraguai, de Moxos e de Chiquitos acabou
por alertar as autoridades portuguesas para a importância de desenvolver políticas que
48
MAXWEL, 1997.
31
lhe propiciassem a ocupação efetiva dessas áreas, garantindo-lhes também o controle e a
posse dessas terras
49
.
A morte de D. João V, em 1750, e a ascensão ao trono de seu filho, D. José I,
intensificariam as ações do Estado português nesse sentido. O terremoto que se abateu
sobre a cidade de Lisboa em novembro de 1755, e a reconstrução da cidade devastada
pela tragédia, aumentaram consideravelmente os poderes do diplomata Sebastião José
de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal. Pombal que antes de 1755, era apenas
o terceiro ministro na hierarquia administrativa do reino, a partir do terremoto passou a
comandar o Estado português com mãos de ferro, comandando uma série de medidas
que visavam retirar o país dos graves problemas que se encontravam. Boa parte das
medidas adotadas por Pombal incidia diretamente em espaços coloniais considerados
dispersos, que precisavam ser integrados à política metropolitana de forma mais
incisiva, por serem áreas consideradas estratégicas. Este era o caso da Amazônia e do
Extremo Oeste.
Ao contrário de outras partes da América, o acesso à região amazônica não se
dava através de caminhos terrestres, mas sim pelas estradas móveis dos rios que
compunham a bacia amazônica. Desse modo, o rio condicionava, em larga medida, o
desenvolvimento do próprio empreendimento colonial. Assim, dominar essa região
significava controlar uma extensa e complexa rede fluvial por onde circulavam pessoas,
mercadorias e idéias. Significava, ainda, controlar os diversos povos ameríndios,
habitantes da região
50
. Os indígenas eram profundos conhecedores dos rios e dos
diferentes ecossistemas ali encontrados; logo, para o controle dessa região era
necessário neutralizar suas hostilidades e cooptá-los, transformá-los em aliados, pois
seus conhecimentos, aliados ao seu trabalho eram fundamentais para que o
empreendimento colonial obtivesse êxito
51
.
O domínio da região amazônica garantiu a integração entre o Estado do Grão-
Pará e Maranhão e o Estado do Brasil, através da capitania de Mato Grosso. Foi ainda
extremamente importante, na consolidação das fronteiras do Extremo Oeste e na
proteção das minas de Goiás e Minas Gerais. Uma das vias de acesso para se chegar a
Mato Grosso nesse período, era o caminho praticado pelas monções do norte, ou seja,
49
CANAVARROS, 2004, p. 56.
50
CARVALHO JÚNIOR, 2005.
51
Sobre este assunto ver: DOMINGUES, 2000.
32
navegando-se pelos rios amazônicos. Por essa rota circularam, durante toda a segunda
metade do século XVIII, mercadorias vindas da Europa e de outras partes da América
portuguesa, escravos vindos da África, e ouro. Portanto, através do domínio dos rios
amazônicos a Coroa portuguesa solucionou três problemas: facilitou a comunicação
entre Lisboa e o interior de suas possessões americanas, integrou suas duas unidades
administrativas Estado do Brasil e Grão-Pará e Maranhão, via Mato Grosso , e
facilitou a proteção de seus territórios auríferos localizados no interior das Gerais contra
uma possível ameaça espanhola.
Conhecedor da importância que a região Norte poderia desempenhar na
recuperação da economia portuguesa naquele momento, Pombal implementou para a
região uma política que congregava três eixos: a criação do “Diretório dos índios”
(1757), a expulsão dos jesuítas da América, em 1759, e a criação da Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755)
52
.
O conflito entre Estado e Igreja vivido no reino, no período pombalino, se fez
sentir nas atividades dos missionários na Amazônia, mais precisamente sobre os padres
da Companhia de Jesus. Na visão de Sebastião José de Carvalho, as missões religiosas
na América isolavam os indígenas, ao invés de integrá-los à civilização. Para o Estado
interessava, naquele momento, desenvolver o projeto de “civilizar” os ameríndios, e
com essa finalidade, instituiu o “Diretório dos índios”. Na prática, o Diretório era um
grande programa, que visava integrar os indígenas ao projeto do Estado português de
dinamização da economia, através do fomento das atividades coloniais
53
. O Diretório
previa, dentre outras medidas: o uso exclusivo da língua portuguesa, a interação e a
sujeição dos indígenas às leis civis que regiam as populações urbanas e a retirada dos
índios da tutela religiosa, redistribuindo-os em povoações, nas quais estariam sob o
comando de um administrador, cuja função seria zelar por sua educação e demais
interesses da Coroa
54
. Quanto à agricultura, o Diretório estabelecia que os diretores
deveriam ter um especial cuidado para que todos os índios fizessem roças de mandioca,
feijão, milho, arroz, algodão e tabaco, “e todos os mais gêneros comestíveis”
55
, tanto
52
Sobre a Companhia de Comércio do Grão-Pae Maranhão ver: DIAS, 1970; CARRERA, 1988. Sobre
a atuação da Companhia de Comércio em Mato Grosso ver: RODRIGUES, 2008.
53
BLAU, 2007.
54
FERREIRA, 2002, p. 42, e BLAU, 2007, p. 37.
55
Coleção da legislação portuguesa desde a última compilação das Ordenações redigida pelo
desembargador Antônio Delgado da Silva”. Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: Tipografia Maigrense,
1830. In: Ius Lusitaniae: fontes históricas do direito português. UNL. http://www.iuslusitaniae.fesh.unl.pt
33
para o sustento de suas casas e famílias, quanto para gerar algum excedente para o
municiamento das tropas, e ser comercializado nos arraiais e vilas.
A restituição da “liberdade” dos indígenas instituída pelo Diretório
transformou os indígenas em potenciais colonos. Isso diminuiu o poder dos jesuítas
sobre as populações ameríndias, tanto na Amazônia como em outras regiões da América
portuguesa, e possibilitou a utilização desses povos na política de povoamento da
região. No termo do Mato Grosso, uma das medidas implementadas pela política de
povoamento iniciada no governo do primeiro capitão-general Antônio Rolim de Moura
foi o incentivo aos casamentos interétnicos, conforme instituía o Diretório. Na visão das
autoridades lusas, o aumento dos casamentos mistos “auxiliariam na fixação da
presença portuguesa na fronteira, e estabeleceria uma espécie de ponte entre brancos e a
população nativa”. Somava-se a isso o projeto de civilização dos índios, que visava
transformá-los em trabalhadores produtivos para o Estado português
56
.
A expulsão dos jesuítas em 1759 foi a expressão máxima de um conflito entre
Estado e Igreja, gestadas ao longo dos tempos na Europa e nas Américas
57
. As missões
jesuíticas desempenharam um importante papel na gestão e ordenação do território
amazônico, sendo muitas vezes consideradas pelo Estado português aliadas no processo
de ocupação e expansão de seus interesses na região. Sua atuação na Amazônia
articulava práticas religiosas como a conversão e catequização dos índios a práticas
econômicas e sociais, como a escravização e utilização da mão-de-obra indígena no
desenvolvimento de atividades produtivas, que iam desde fazendas, engenhos e
criatórios de peixes, até atividades extrativas, como a exploração das drogas do sertão.
Porém, essas atividades econômicas desenvolvidas pelos jesuítas não vinham
gerando dividendos para a Coroa, já que os religiosos contavam com privilégios fiscais,
que os isentavam do pagamento de impostos e taxas alfandegárias sobre os gêneros que
produziam. Além do mais, o grande poder adquirido por esses religiosos ao longo dos
anos, passou a ser considerado ameaçador; primeiro, pelos colonos descontentes com a
influência que exerciam sobre os indígenas, e com o predomínio econômico das missões
na região; depois, pelo próprio Estado, que no anseio de aumentar os lucros para a
metrópole, precisava ocupar maiores espaços na economia colonial.
56
BLAU, 2007, p.47.
57
Ver, a respeito: MAXWEL, 1997, e, FERREIRA, 2002.
34
Pelos motivos elencados acima, as missões foram se tornando espaços de
entrave para a economia colonial, pois, apesar de serem redutos da vida produtiva na
colônia, eram espaços inacessíveis ao Estado. É no âmbito dessas disputas econômicas
pela busca de novos mercados, que podemos entender a expulsão dos Jesuítas dos
territórios lusos, em 1759.
Do ponto de vista econômico, a medida mais representativa tomada por
Pombal, no que se refere à Amazônia, foi a implantação da Companhia de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão. Além de fomentar o comércio na região norte e oeste da
colônia, através do Mato Grosso, a instituição dessa Companhia de Comércio fazia
parte de uma política geo-estratégica maior conforme já explicitado , de interligação
do Estado do Grão-Pará e Maranhão com o Estado do Brasil, por intermédio de Mato
Grosso, o que, uma vez consolidado garantiria as fronteiras lusas na América
58
.
A proposta de criação das companhias monopolistas de comércio surgiu como
alternativa para recuperar e desenvolver os setores e espaços vitais da economia. Para
Francisco Falcon, às companhias monopolistas que atuavam no espaço da América
portuguesa interessavam três pontos: o controle monopolístico da circulação, o
incentivo às produções coloniais de interesse comercial e o tráfico de escravos”
59
.
Nesse sentido, a implementação de companhias monopolistas de comércio na
América portuguesa era vista como uma ação estratégica para fomentar o
desenvolvimento das duas regiões em questão, isto é, do Extremo Norte e do Extremo
Oeste. Francisco Xavier de Mendonça Furtado, capitão-general do Estado do Grão
Pará e Maranhão (1751 -1759), cioso por mais investimentos na economia do Estado do
Pará, a fim de desenvolver seu potencial exportador, recomendava a fundação de uma
companhia comercial para a região
60
. Mendonça Furtado acreditava que a criação de
uma companhia de comércio facilitaria o abastecimento de escravos africanos, o que
consequentemente iria neutralizar a necessidade de escravos indígenas, e malograr a
influência jesuítica na região
61
.
58
FERREIRA, 2002, p.37.
59
FALCON, 2001, p. 233.
60
Mendonça Furtado era irmão do Marquês de Pombal e, com certeza, contribuiu bastante na elaboração
de algumas medidas implementadas nas reformas pombalinas com vistas a integrar e desenvolver a região
amazônica, fornecendo ao irmão informações privilegiadas. Muitas dessas informações eram baseadas em
consultas a sertanistas, funcionários do governo e práticos da região. In: CANAVARROS, 2004, p. 238.
61
RODRIGUES, 2007, p.2.
35
Antônio Rolim de Moura Tavares, primeiro capitão-general da capitania de
Mato Grosso, também acreditava que a implantação de uma companhia de comércio
fomentaria o intercâmbio comercial entre as duas regiões. Para Rolim de Moura, a
implantação de uma companhia de comércio iria melhorar consideravelmente o
abastecimento em Vila Bela e seu termo, pois aumentaria a concorrência com os
mercadores que atuavam na repartição do Mato Grosso vindos de outras praças
comerciais, como Rio de Janeiro e São Paulo, cujas mercadorias chegavam à vila capital
e região após passar pela repartição do Cuiabá. Na visão do capitão-general, o aumento
na oferta de produtos forçaria uma queda nos preços exorbitantes então praticados.
Como previa Rolim de Moura, a implantação da Companhia de Comércio
aumentou a oferta de produtos em Vila Bela, assim como a concorrência, promovendo
práticas comerciais na vila capital e em seu entorno:
... o pela multidão dos negociantes que se aplicam a transportar
para esta vila grossas partidas de fazenda pelo rio Guaporé, desde a
cidade de Belém do Grão Pará, mas também por outros que, agora,
novamente pelo rio Jauru transportam da cidade do Rio de Janeiro, e
abundância de umas e outras, concorrente e alternadamente têm
abastecido a terra, fazendo cessar não só a necessidade, senão também
a carestia, que poucos anos era uma das penalidades dos povos
destas minas.
62
Os produtos trazidos pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão
comercializados na capitania de Mato Grosso consistiam basicamente em tecidos,
ferramentas, utensílios, sal marinho, azeite, vinagre, vinhos e alimentos finos, tais como
queijos flamengos, paios, presuntos e chocolate, além da mercadoria mais preciosa, os
escravos, aos quais somente uma pequena parcela da população da capitania tinha
acesso. O transporte era feito por meio de canoas, que uma vez abastecidas seguiam a
rota fluvial praticada pelas monções do norte cruzando os rios Madeira, Mamoré, e
Guaporé
63
. Apesar de ter sido extinta em 1778, a Companhia de Comércio continuou
62
AMADO & ANZAI, 2006, p. 70.
63
Sobre os produtos comercializados pela Companhia de Comércio em Vila Bela ver: RODRIGUES,
2005.
36
atuando na capitania de Mato Grosso até o final do século XVIII, com o curioso nome
de “Extinta Companhia do Grão – Pará e Maranhão”
64
.
Certamente as medidas tomadas por Pombal, que incidiam sobre a Amazônia
contribuíram, em muito, com a política de reestruturação econômica de Portugal. Mas,
desempenharam também um papel importante na ocupação e manutenção dos territórios
localizados ao Norte e Extremo Oeste da América portuguesa, em um momento
decisivo de negociação e definição de fronteiras entre os impérios ibéricos na América.
Com a queda de Pombal, em 1777, ocupou o lugar deixado por ele Martinho de
Melo e Castro, e aumentou o interesse pelo conhecimento das produções e
potencialidades das colônias. O Estado passou a se interessar e a patrocinar expedições
exploratórias, inicialmente mais voltadas as questões ligadas às delimitações de
fronteiras. Em seguida, organizaram-se “viagens filosóficas”, e para comandá-las foram
escolhidos alguns dos estudantes brasileiros que haviam sido alunos de Vandelli no
curso de história natural. Idealizadas por Vandelli, essas viagens tinham objetivos bem
práticos: naturalistas deveriam coletar, estudar e catalogar produtos coloniais, segundo a
sistemática de Lineu, e procurar meios de aclimatá-los, para serem produzidos em
quantidades adequadas que permitissem sua oferta no mercado europeu”
65
. O naturalista
Alexandre Rodrigues Ferreira foi o escolhido, para comandar a expedição que foi
enviada à Amazônia, e entre os anos de 1783 e 1793, que percorreu as capitanias do
Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, fazendo o reconhecimento dessas terras e suas
potencialidades naturais. Ferreira, durante os anos em que esteve na Amazônia,
investigou as riquezas naturais da região do Extremo Norte e Extremo Oeste, e nos
legou memórias, diários e coleções zoobotânicas, mineralógicas e artísticas
66
.
Toda essa movimentação científica idealizada e patrocinada pelo Estado
fomentou, no último quartel do Setecentos, o desenvolvimento das ciências naturais e,
corroborou para a constituição de uma rede de informações que possibilitou ao Estado
português conhecer de forma mais sistemática as potencialidades econômicas de suas
colônias
67
. Nas academias de ciências passaram a circular textos que discorriam sobre
os mais variados assuntos. No entanto, não foram apenas os naturalistas ou os
engenheiros, cartógrafos e matemáticos que produziram tais textos, ou mesmo, que
64
FERNANDES, 2003, p. 45.
65
ANZAI, 2004, p.45- 46.
66
COSTA, 2001.
67
Sobre esse assunto ver: DOMINGUES, 2001.
37
coletaram materiais e os enviaram a Lisboa; participaram desse movimento funcionários
régios, governadores e capitães-generais das diversas regiões do Império, inclusive da
capitania de Mato Grosso. Na década de 1770, Luís Pinto de Sousa Coutinho, então
governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso e Cuiabá (1768-1772) fez um
grande levantamento a respeito das potencialidades da capitania
68
, desenvolvendo
estudos sobre as produções naturais, que versavam sobre a fauna, a flora e a
mineralogia. Seu sucessor, Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, que
governou a capitania nas quase duas décadas seguintes, também empreendeu estudos
nesse sentido
69
.
Com o aval do Estado foram publicadas diversas obras, que versavam sobre os
mais diversos produtos coloniais, cujo objetivo era divulgar informações úteis para o
melhor conhecimento e exploração de culturas agrárias, com vistas a instruir os colonos
para que procedessem à exploração dessas culturas com mais racionalidade
70
. Dentre
essas obras ocupam lugar destaque as de Frei José Mariano da Conceição Velloso, da
qual destacamos “O Fazendeiro do Brasil”
71
, enciclopédia composta por onze volumes,
que versa sobre assuntos como: o cultivo de especiarias, a preparação de leite e seus
derivados, o cultivo da cana e o processo de fabricação do açúcar, as “novas bebidas
alimentares”, como o café e o cacau, dentre outros
72
.
Todas essas reformas empreendidas pelo Estado português na segunda metade
do século XVIII repercutiram nas colônias distendidas ao longo dos três continentes. No
Extremo Oeste da América portuguesa, mais precisamente na capitania de Mato Grosso,
todo esse conjunto de ações teve um efeito direto, se espacializando em outras ações
que incidiram sobre os mais diversos aspectos da vida daqueles que habitavam esse
espaço.
68
AMADO & ANZAI, 2006, p. 129.
69
DOMINGUES, 2001, p.834.
70
DEL PRIORE, 2006, p. 104.
71
Os onze volumes desta obra foram digitalizados pela biblioteca virtual do IEB, e estão disponíveis no
site: www.ieb.usp.br
72
Entre a extensa obra do frei José Mariano da Conceição Velloso constam Florae Fluminensis, um
periódico agrário cujo título é O paládio portugues e Clarin de Palla”, publicado em Portugal, no ano
de 1796, e “O fazendeiro do Brasil”, publicado em Portugal entre os anos de 1795 a 1805. In: DEL
PRIORE, 2006, p.104.
38
Um cenário: a repartição do Mato Grosso
O processo de ocupação das terras localizadas a Oeste da América portuguesa
pode ser entendido como mais um capítulo da história das bandeiras paulistas, que em
suas andanças para prear índios, ultrapassaram a fronteira natural da Serra da
Mantiqueira adentrando territorialidades ameríndias, e avançando sobre as terras que, a
se considerar o Tratado de Tordesilhas pertenceriam à Coroa espanhola. Oficialmente, o
processo de ocupação lusa das terras, que em 1748 constituíram a capitania do Mato
Grosso e Cuiabá teve início em 1719, ano em que Pascoal Moreira Cabral declarou às
autoridades portuguesas haver encontrado ouro às margens do Coxipó, afluente do rio
Cuiabá
73
. Aos oito dias do mês de abril de 1719, Pascoal Moreira Cabral efetivou o
registro de descobrimento do ouro, e neste mesmo dia foi eleito pelos membros da
bandeira guarda-mor regente”, tornando-se autoridade máxima nessas minas. Desse
modo, ficou sob sua responsabilidade a incumbência de
... guardar, socavar e examinar os ribeiros de ouro, aprovar bandeiras
prospectivas e de apresamento, manter a concórdia, nomear guardas-
menores
74
para os diversos distritos, tirar auto de devassa e expulsar
aqueles que fossem considerados régulos e amotinadores.
75
Três anos depois, em outubro de 1722, novas jazidas auríferas foram
encontradas, às margens do córrego da Prainha, local que passou a ser conhecido como
“lavras do Sutil”
76
. Em fins do mesmo ano iniciou-se ali a construção da primeira igreja
da região, dedicada ao Senhor Bom Jesus, e em seu entorno foi se formando um arraial,
que em 1727 foi elevado à categoria de vila, a Vila Real do Senhor Bom Jesus do
Cuiabá
77
.
73
Pascoal Moreira Cabral e sua bandeira encontravam-se na região do Cuiabá desde 1716.
74
Segundo Graça Salgado, o cargo de guardas-menores foi criado pelo regimento de 19/04/1702, e sua
principal atribuição era assistir ao guarda-mor na inspeção das minas descobertas. In: SALGADO, 1985,
p.285.
75
JESUS, 2006, p.53 -54.
76
SUSUKI, 2007, p.49.
77
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p.15.
39
No século XVIII, criar vila significava tratar da instauração de todo um aparato
político administrativo, que ordenava a espacialização da urbanidade através das
câmaras,
...com eleições, estatutos e posturas municipais, normatização da
edificação, da higienização, da saúde, das festas e da alimentação. E
concessão de privilégios e imunidades aos homens de governança
(vereadores, juízes, oficiais camarários) locais, para praticar com a
isenção possível o direito de crítica visando o bem comum.
78
No entanto, o ordenamento das “novas minas do Cuiabá” iniciara antes mesmo
da criação da vila,
... em fins de 1721 o bispo do Rio nomeou Vigário da Vara (juiz
eclesiástico) para o Cuiabá. Em 1723 criou freguesia ou comarca
eclesiástica no Cuiabá, sediada na igreja do Bom Jesus, elevada a
matriz. Em junho do mesmo ano o rei mandou fundar a vila.
79
Logo após tomar conhecimento dos novos achados, a Coroa formalizou sua
conquista por meio da instalação de seu aparato burocrático-administrativo. Isso porque,
essas terras não eram espaços vazios ou desabitados; ao contrário, congregavam
territorialidades ameríndias milenares, muito embora isso tenha sido desconsiderado
pelos portugueses ao invadirem esses territórios, iniciando assim uma verdadeira guerra
para submeter esses povos e se apossar do território.
A fundação da Vila Real, primeira vila criada na região mineradora contou
com a presença de Rodrigo César de Meneses, governador da capitania de São Paulo,
que para se transferiu em novembro de 1726, acompanhado de numerosa comitiva de
aproximadamente três mil pessoas. O capitão general Rodrigo César partiu de São Paulo
em 6 de julho de 1726, acompanhado por “vinte e três canoas, de quarenta a sessenta
arrobas cada uma, para carregar mantimentos e artilharia, e mais cerca de três mil
pessoas, embarcadas em trezentas e oito canoas”
80
, e após navegar quatro meses pela
rota das “monções de povoado” desembarcou nas minas do Cuiabá, em 15 de novembro
78
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p.16.
79
Idem, p.15.
80
ANZAI, 2004, p.71.
40
de 1726. Todo o aparato que acompanhava a viagem do governador para as novas
“minas do Cuiabá” denotava a importância que a região adquirira naquele contexto.
A criação da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá tinha como objetivo
fixar o poder metropolitano na região, disciplinar a cobrança de impostos, e evitar o
contrabando de ouro
81
. Além disso, a elevação do antigo arraial à categoria de vila
passava a idéia de estabilidade, e reforçava sua ligação com São Paulo
82
.
A criação da nova vila estava intimamente ligada a duas características
específicas da região que, na visão das autoridades portuguesas denotavam maiores
cuidados. A primeira característica era sua condição de região mineira; assim como em
Minas Gerais, isso inspirava maiores cuidados, pela própria necessidade de se evitar
conflitos, pois o fantasma da luta emboaba ainda assombrava as autoridades lusas. A
outra característica da região era a localização geográfica dos novos achados, muito
próximos às missões de Moxos e Chiquitos. Essas características foram fatores de
preocupação para as autoridades lusas, que temiam que o local fosse abandonado por
causa de conflitos ou caísse em mãos espanholas
83
.
O povoamento da vila e seu termo apresentaram índices de crescimento
acentuado. Em 1727, os cronistas registraram que dois mil seiscentos e sete escravos ali
viviam
84
. Quanto ao total da população, existem divergências entre os autores. Carlos
Alberto Rosa afirma que no ano da criação da Vila Real viviam no termo do Cuiabá
cerca de quatro mil pessoas
85
. Charles Boxer, por sua vez, estimou essa população em
sete mil habitantes
86
.Otávio Canavarros essa estimativa de Boxer com cautela, e
argumenta que, a considerar a relação entre fogos e habitantes, o número estimado por
Boxer é muito elevado. Para Canavarros e Rosa, mesmo que fossem apenas quatro, e
não sete mil habitantes, ainda assim tratava-se de uma população considerável, se
comparada ao número de moradores de outras povoações coloniais
87
, como Belém, São
81
CANAVARROS, 2004, p. 85-106.
82
VOLPATO,1987, p.31.
83
JESUS, 2006, p. 56.
84
CANAVARROS, 2004, p.80.
85
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p.22.
86
BOXER, 1963, p. 221.
87
Segundo Bluteau pode-se designar como povoação “os moradores de um lugar, vila ou cidade, ou o
mesmo lugar vila ou cidade, como quando se diz grande ou pequena. Grande povoação. Povoação às
vezes vai o mesmo que colônia. vid no seu lugar”. In: BLUTEAU, 1720.
41
Luís, Olinda, e Santos, cujas populações oscilavam entre dois e três mil habitantes à
época
88
.
Além da criação da vila, a Coroa lançou mão de outros mecanismos para
povoar a região. Entre os fins de 1726 e início de 1728, implementou uma política de
distribuição de terras visando promover o assentamento de colonos em locais
considerados estratégicos, visando fomentar a produção local de alimentos
89
. A rota das
concessões de sesmarias mostra que a distribuição não foi feita de forma aleatória, ao
contrário, privilegiou alguns locais como o caminho fluvial Camapuã, Taquari e Alto e
Baixo-Cuiabá, a Baixada Cuiabana, e uma extensão significativa em direção a Santa
Ana da Chapada
90
. Portanto, para os objetivos de ocupação da Coroa não bastava
ordenar o espaço urbano da nova conquista; era necessário também criar mecanismos
que possibilitassem o ordenamento e a formação do espaço rural ligado à nova vila,
ordenamento que se deu simultaneamente à criação e ordenação da Vila Real.
A reterritorialização portuguesa desse espaço foi marcada por características
como a violência e a invasão de territorialidades ameríndias, mas também por
estratégias de dominação seladas por acordos e alianças, entre portugueses e alguns
membros de nações ameríndias, para garantir a continuidade da expansão e da
conquista.
Nesse processo, dentre as inúmeras nações habitantes da região, muitas foram
subjugadas, e passaram a viver como “administrados”
91
, se juntando aos escravos
africanos na lida das minas e no cultivo das roças; outros se embrenharam nas matas
fugindo do português invasor. Porém, algumas nações indígenas ofereceram forte
resistência à ocupação de suas terras. Os Payaguá e os Guaykurú
92
ficaram conhecidos
pela valentia com que lutaram contra a invasão de suas terras. No século XVIII,
Bartolomeu Paes de Abreu se referiu a essas duas nações como “muros que fecham as
minas do Cuiabá” contra as possíveis investidas espanholas
93
.
88
CANAVARROS, 2004, p.81.
89
JESUS, 2006, p. 88.
90
CANAVARROS, 2004, p. 95.
91
“Índios administrados” eram aqueles que, por lei, não podiam ser vendidos nem trocados. Teoricamente
seriam livres, mas na prática faziam trabalhos forçados como os escravos chegando até a serem arrolados
em testamento como “peça de serviço”. In: CANAVARROS, 2004, p. 89-90. Ver também: BLAU, 2007.
92
Sobre este assunto ver: COSTA, 1999, p. 47-55; HOLANDA, 1986, p.48-87; CANAVARROS, 2004,
p. 247-276.
93
CARTA de Bartholomeu Pais de Abreu a Câmara de São Paulo. In: MORGADO; DOURADO;
CANAVARROS e MACEDO, 2007, p. 42-43.
42
Os Payaguá viviam nas margens do rio Paraguai; exímios canoeiros eram
temidos por sua agilidade e destreza em combate. os Guaykurú habitavam as terras
alagadas do Pantanal, no território entre o Apa e o Mbotetey. Temidos por sua força e
valentia dominavam a arte eqüestre com maestria, e essa habilidade lhes rendeu o título
de “índios cavaleiros”. Na região do Pantanal dominaram os Guaná e os Guató, e no
Chaco dominaram os Xamacoco, chegando a ameaçar até os Chiquito. Entre os anos de
1719 e 1768, uma aliança entre esses dois povos Payaguás e Guaykurú prejudicou as
comunicações e o comércio entre as minas cuiabanas e São Paulo
94
. Durante o século
XVIII, essas duas nações formavam um dos maiores e mais temidos obstáculos para
aqueles que transitavam pelos caminhos fluviais do sul.
Foram diversos os ataques empreendidos contra as expedições monçoeiras, o
primeiro deles registrado no ano de 1725, quando atacaram e destruíram uma frota de
canoas, matando quase seiscentas pessoas; ao todo foram registrados pelos cronistas
treze ataques, sendo que o último ocorreu em 1752
95
. O mais conhecido e fatal ataque
ocorreu em 1730
96
, quando a monção em que viajava o ex-ouvidor de Cuiabá Antônio
Lanhas Peixoto foi atacada, e o ex-ouvidor morto. A fim de combater as hostilidades
dessas duas nações, as autoridades portuguesas autorizaram que os cuiabanos
empreendessem “guerra justa” contra esses povos, fato que contribuiu para que, um
século depois, os Payaguá se encontrassem quase extintos
97
.
Embora a extração aurífera tenha sido a atividade econômica que funcionou
como atrativo de grandes deslocamentos populacionais para as minas do Cuiabá, essa
não foi a única atividade econômica exercida nessas minas. nos primeiros anos de
ocupação portuguesa na região iniciaram–se as atividades agrícolas e criatórias, com a
produção principalmente de milho, feijão, abóbora, banana e mandioca, além da criação
de animais de pequeno porte, como galinhas e porcos. Pouco tempo depois foi iniciada
a criação de gado vacum e cavalar
98
. Quanto à cana-de-açúcar, seu cultivo teve início
na primeira metade da década de 20 do Setecentos. Na carta de sesmaria que Rodrigo
César de Meneses concedeu ao Tenente-coronel Antônio de Almeida Lara, no ano de
1726, quando o governador ainda se encontrava em São Paulo preparando-se para se
94
COSTA, 1999, p.50-53.
95
CANAVARRROS, 2004, p.248.
96
COSTA, 1999, p.52.
97
Idem , p.50.
98
VOLPATO, 1987, p.79.
43
deslocar para Cuiabá, Lara afirmou, em sua petição, que estando nas “Minas do Cuiabá,
sitiado e afazendado na Chapadaseis anos, portanto desde 1720, havia montado na
“Chapada” uma fazenda de roças, canaviais e criações”, tendo inclusive engenho, no
qual empregaria “mais de trinta escravos””
99
. Portanto, o cultivo da cana-de-açúcar e a
constituição de engenhos para a produção de açúcar e aguardente na região do Cuiabá
iniciou-se logo após a descoberta de ouro, e não em 1728, como afirmara Holanda
100
.
Além das atividades rurais, as práticas comerciais também se fizeram presentes
desde os primeiros anos da ocupação, ajudando no abastecimento dos novos moradores
da região. Logo que a notícia dos descobertos ecoou nas praças comerciais do centro-
sul, uma leva de comerciantes colocou-se em marcha rumo às novas minas. Para chegar
ao Cuiabá seguiam os caminhos móveis praticados pelas monções do sul. Esse era um
trajeto longo e perigoso, seus viajantes levavam aproximadamente de quatro a cinco
meses para transpor os rios caudalosos e as várias cachoeiras que compunham o trajeto
Araritaguaba-Cuiabá
101
. Em suas canoas os comerciantes levavam vários tipos de
mercadorias como tecidos, ferramentas, utensílios, azeite, vinagre, vinho e alimentos
finos, além de sal e escravos.
Antes de 1725, os caminhos monçoeiros que levavam ao Cuiabá apresentavam
algumas variantes e roteiros alternativos. Havia o caminho praticado pelos antigos
sertanistas que passava pelos Campos de Vacaria, e adentrava nos rios Parapanema e
Ivinhema, afluentes do rio Paraná, ou ainda o que saia do Tietê, passando pelo Pardo, e
o Anhanduí-Guaçu, até cair no rio Paraguai. No entanto, o caminho que se consolidou
como caminho fluvial para se chegar às minas do Cuiabá foi aquele que, descendo o rio
Tietê, chegava no Grande (Paraná), subia o rio Pardo até o ribeirão do Sanguessuga,
onde varava-se por terra para a fazenda Camapuã, para em seguida descer o rrego
Camapuã, e os rio Coxim, Taquari, Paraguai, entrar pelo furo de Axianés até o Porrudos
(São Lourenço) e subir o rio Cuiabá, até chegar à Vila Real
102
. Em 1725 essa rota
estava consagrada como o “caminho geral das monções”.
No entanto, a euforia e o sonho de grandes riquezas, alimentados pelas
descobertas das novas minas cuiabanas logo se esvaíram. Em 1727, ano da fundação da
99
ROSA. In: Revista do RIHGMT, 1995, p.41-42.
100
HOLANDA, 1990, p.53.
101
Idem
102
SILVA, 2005, p. 14. Sobre as monções cuiabanas ver também, dentre outros: COSTA, 1999, p.183-
190; TAUNAY, 1981.
44
vila, a extração aurífera apresentava sinais de queda na produção. Alguns autores
atribuíram essa queda ao caráter efêmero do ouro de aluvião, e, ao baixo nível
tecnológico empregado no processo de extração, que fazia com que muito do ouro fosse
desperdiçado pela forma rudimentar de extração
103
. Contudo, certamente as estiagens
prolongadas que atingiram a região na segunda metade da década de 20 do século
XVIII, contribuíram para a queda na produção, levando muitos mineradores a se
endividarem.
Quanto à segunda questão é preciso esclarecer que as técnicas de extração de
minerais adotadas no Cuiabá, assim como em outras partes da América portuguesa,
eram resultantes de adaptações de práticas oriundas de diversas regiões às condições
locais. Nesse sentido, “experiências das regiões mineradoras de prata nas “Índias de
Castela” foram fundamentais, sobretudo para prospecção do metal precioso, e eram
referenciais nas Minas Gerais ainda em meados do século XVIII”. Além disso,
africanos da África Central e da Costa Ocidental com experiência em mineração
trazidos para a América portuguesa foram aqui excelentes mineradores. Desse modo,
métodos como o “sistema de socavões ou catas” praticado nas regiões do Sudão
Ocidental, da Etiópia e do Zambese, foram adotados na América portuguesa e marcaram
a paisagem das minas. Contudo, o uso da bateia parece ter sido contribuição decisiva
para a mineração da América portuguesa, por ser método mais adequado ao maneio da
areia aurífera
104
.
Desse modo, a queda na extração aurífera aliada aos altos impostos e às
dificuldades de sobrevivência no local, fez com que parte dos moradores da Vila Real
emigrasse. Alguns retornaram para seus locais de origem, outros seguiram para os
novos descobertos de Goiás. Dentre os que ficaram, alguns reiniciaram suas andanças
pelos sertões à procura de mão-de-obra e de novas descobertas.
Foi neste contexto que novos locais auríferos foram encontrados, o mais
significativo deles no ano de 1734, localizado a noroeste da Vila Real, no vale do
Guaporé, bem próximo das missões espanholas de Moxos e de Chiquitos. Registram os
Anais de Vila Bela, que no ano de 1734
105
dois irmãos sertanistas, Fernando Paes de
103
VOLPATO, 1987, p. 80; HOLANDA, 1990, p. 57-59.
104
ROSA, 2006, p. 9-10. Sobre essa questão ver também: GONÇALVES, 2003.
105
Segundo Carlos Alberto Rosa é bem possível que sertanistas tivessem encontrado ouro nessa região
desde 1720, pois bandeiras a noroeste do Cuiabá devassando os territórios indígenas e preando os nativos
como mão-de-obra são datadas desde o início da década de vinte. In: ROSA, 1996, p. 39. Nesse sentido,
45
Barros, e Artur Paes, naturais de Sorocaba, seguiam a noroeste do Cuiabá, e, ao
adentrarem os sertões da Chapada dos Parecis, no sentido poente, em busca de mais
gentio, arrancharam-se “em um ribeirão que deságua no rio Galera, o qual corre do
nascente a buscar o rio Guaporé (...), fazendo experiência de ouro, tiraram nele três
quartos de uma oitava”
106
. Essa narrativa marcou oficialmente o início da ocupação
portuguesa no Vale do Guaporé.
A notícia da descoberta de novas minas foi logo comunicada à Vila do Cuiabá,
e dois anos depois, “seguiu para o Mato Grosso o guarda-mor representante do poder
metropolitano, com a finalidade de repartir as datas”
107
.
Do Cuiabá, a notícia de novos descobertos no Vale do Guaporé logo se
espalhou provocando uma corrida em direção às minas do Mato Grosso, região
localizada na raia Oeste da América portuguesa. “Segundo os cronistas, só de Cuiabá”
teriam “partido, em 1737, mais de 1500 pessoas, em monção de setenta canoas. Muitas
outras teriam “vindo de Goiás, São Paulo e Minas”
108
. Nas paragens onde se descobriu
ouro formaram-se núcleos de povoamento, dando origem aos primeiros arraiais, e assim
se formaram: São Francisco Xavier, Sant’Ana, Ouro Fino, Brumado, Nossa Senhora do
Pilar, São Vicente, entre outros. Carlos Rosa as estimativas dos cronistas apontadas
acima com ressalvas, e argumenta que se considerarmos que, pelos rios que ligavam a
Vila Real ao Mato Grosso não navegavam canoas de grande porte esses números não se
sustentam, pois 1500 pessoas não caberiam em setenta canoas de pequeno porte. Para
Rosa o que ocorria eram deslocamentos periódicos, quando mineradores e funcionários
reais se deslocavam para Mato Grosso, mas voltavam periodicamente ao Cuiabá.
Segundo João Antônio Lucídio, a considerar o processo de extração aurífera
nas minas do Mato Grosso é possível se estabelecer algumas fases. A primeira delas
correspondeu ao período de formação dos arraiais, de 1734 a 1740, fase de
predominância dos trabalhos de faisqueiras. Foi, ainda, o momento de reconhecimento
do ambiente, de organizar a estrutura de produção dos meios de subsistência, e de
abertura de novos caminhos que garantissem o acesso às novas minas, como forma de
atenuar as dificuldades no abastecimento. Enfim, esses primeiros seis anos, foram anos
os próprios Anais de Vila Bela relatam que em 1734 o gentio Pareci estava quase extinto. In: AMADO &
ANZAI, 2006, p.39.
106
AMADO & ANZAI, 2006, p.39.
107
CANAVARROS, 2004, p.190.
108
Idem, p.190.
46
caracterizados por certa mobilidade
109
. A segunda fase apontada pelo autor durou toda
a década de 1740, chegando até 1752, período marcado pela demanda de maiores
investimentos nas atividades mineratórias, exigindo dos exploradores cabedais cada vez
mais altos, para a aquisição de ferramentas, escravos e construção de diques e açudes.
Nesse momento, buscaram-se novas rotas comerciais, e houve tentativas de
aproximação com as missões jesuíticas de Moxos e de Chiquitos
110
.
Assim que foi notificada a existência de minas na fronteira Oeste, o Estado
português buscou criar mecanismos administrativos, no sentido de se fazer presente na
região, ordenando política e administrativamente aquele território fronteiriço e mineiro.
Naquele momento as autoridades portuguesas já possuíam noção da localização das
novas minas, portanto, tinham pleno conhecimento de que estavam bem próximos das
missões jesuíticas espanholas de Moxos e de Chiquitos.
O desconhecimento por parte da Coroa espanhola da existência de metais
preciosos na raia Oeste alimentou seu desinteresse pela posse dessas terras; no entanto,
a descoberta das minas do Cuiabá, e posteriormente do Mato Grosso mudara aquela
situação.
Portugal e Espanha fizeram opções diferenciadas em seus projetos de
colonização e ocupação do território. Do lado espanhol, a política de povoamento tinha
como característica a implantação de cidades, próximas aos portos e centros de
mineração. Para ocuparem as áreas distantes dos centros mineradores, a Espanha optou
por utilizar o trabalho missionário junto às comunidades distantes dos grandes centros
mineradores. Em consonância com os interesses espanhóis, os jesuítas seguiram para as
áreas de fronteira luso-espanholas, onde ergueram missões, como as de Moxos e
Chiquitos localizadas no Oriente boliviano
111
. Portanto, essas missões podem ser
consideradas verdadeiros postos avançados da Coroa espanhola, onde as diferenciadas
etnias indígenas que habitavam essas reduções jesuíticas desempenhavam o papel de
“guardiães da fronteira” espanhola
112
.
A proximidade com as missões de Moxos e de Chiquitos, e com Santa Cruz de
La Sierra significava para as autoridades portuguesas motivo constante de preocupação.
Estima-se que em meados do século XVIII, nesta linha de fronteira estavam
109
LUCÍDIO, 2004, p.23.
110
Idem, p. 23.
111
ANZAI, 2008.
112
MEIRELES, 1989.
47
localizadas os mais de vinte e cinco estabelecimentos das missões de Moxos e de
Chiquitos, que congregavam uma população de aproximadamente quarenta mil
pessoas
113
. Os mapas populacionais da capitania de Mato Grosso do ano de 1776
registraram o número de 16.599 pessoas. O maior volume populacional identificado na
capitania, na segunda metade do Setecentos ocorreu no ano de 1797, quando foi
registrado um total de 40.876 habitantes
114
.
Além do cuidado com os espanhóis, mantendo-os à distância, era preciso ainda
dominar as resistências dos índios, pois aquele espaço era densamente habitado por
grupos diferenciados. Conhecedor de todos esses problemas, o Estado português se
manteve atento à movimentação de seus colonos naquela raia fronteiriça desde os
primeiros momentos, analisando e elaborando estratégias para ocupá-lo efetivamente.
Nesse sentido, desde o início de 1740 iniciou a implantação de um conjunto de medidas
que visavam assegurar o povoamento efetivo da região. Desse modo,
... em 1741 o Conselho Ultramarino recomendou povoamento
induzido no Mato Grosso, com privilégios e isenções. Em 1743 o
Mato Grosso passou a ter juízes ordinários eleitos pela câmara do
Cuiabá. Neste mesmo ano foi criada a freguesia e vigararia forânea do
Mato Grosso. Em 1745 a Coroa obteve autorização papal para instalar
prelazia no termo do Cuiabá, legitimando domínio até o Mato Grosso.
E em 1746 mandou fundar vila no Mato Grosso, com isenções fiscais
e privilégios legais aos que fossem morar na vila.
115
O avanço constante de bandeirantes pelos “sertões”, e a fixação de grandes
levas populacionais nas regiões auríferas dilataram os limites fixados pelo Tratado de
Tordesilhas. No momento de ocupação das minas do Mato Grosso, a necessidade de se
rever as linhas demarcatórias entre os domínios portugueses e espanhóis, através de um
113
SILVA, 1995, p.53.
114
SILVA, 1995, p. 136. [Vale registrar que há uma grande polêmica em relação às estimativas
populacionais referentes ao ano de 1797, registradas nesses mapas populacionais. Para Carlos Alberto
Rosa esses números são no mínimo estranhos, se considerarmos que os indicadores demográficos de três
anos antes (1794), registraram um total de 25.732 habitantes. Ou seja, em três anos a população da
capitania teria tido um crescimento populacional vertiginoso de 15.144 pessoas. Refletindo a respeito
desses dados o próprio Jovan Vilela da Silva diz não ter encontrado em sua pesquisa explicações
plausíveis para um aumento populacional tão significativo, e levanta a hipótese de haver “erros nos
registros estatísticos”.] In: SILVA, 1995, p.207-208.
115
ROSA, 2003, p. 41.
48
novo tratado de limites era inquestionável. A morte de Felipe V, rei da Espanha, e a
posição portuguesa de neutralidade na Guerra de Sucessão da Áustria proporcionaram a
reaproximação entre os dois impérios ibéricos. Desse modo, em 1746, iniciaram-se
negociações para que se pudessem “estabelecer definitivamente as fronteiras entre as
Américas, portuguesa e espanhola”
116
.
Em 13 de janeiro de 1750 foi assinado o Tratado de Madri
,
regido por dois
princípios básicos: o direito de posse, uti possidetis, e o conceito de fronteiras naturais.
Por esse conceito, o estabelecimento dos limites entre os dois impérios seria definido
respeitando-se os limites naturais, fornecidos por montanhas, rios ou outros acidentes
geográficos significativos. O Tratado de Madri
117
, redigido por Alexandre de Gusmão,
embaixador e secretário de D. João V, legalizou , para Portugal, a posse do Mato Grosso
e da Amazônia, e também o atual Rio Grande do Sul, áreas localizadas além do
meridiano de Tordesilhas.
Um dos dispositivos desse novo acordo diplomático estabelecia que deveriam
ser instituídas duas comissões demarcadoras de limites, uma do Norte e outra do Sul,
sendo que cada uma dessas comissões se subdividiria em três “partidas”, as quais
deveriam percorrer e fazer o reconhecimento do território fronteiriço em disputa entre
os impérios ibero-americanos. Desse modo, o reconhecimento das mais de 500 léguas
do território mato-grossense ficou sob a responsabilidade da “Terceira Partida”, que
integrava a comissão demarcadora de limites do Sul
118
. “Partida”, portanto, foi a
denominação que recebeu cada equipe de técnicos que integrava as comissões
demarcadoras de limites, e a elas foi dada a incumbência de “reconhecer e desenhar os
reais contornos das regiões limítrofes”
119
a serem demarcadas. Essas “partidas
deveriam ser constituídas por equipes mistas, compostas por quatro oficiais portugueses
e quatro espanhóis.
A capitania de Mato Grosso recebeu, na segunda metade do século XVIII, duas
comissões demarcatórias. A primeira delas esteve em Mato Grosso entre os anos de
116
CANAVARROS, 2004, p.198.
117
Do ponto de vista diplomático esse tratado foi vantajoso para as duas Coras ibéricas. Na América, a
Espanha manteve sob seu controle a foz do Prata, e legitimou para si a posse das Ilhas Molucas e
Filipinas, na Ásia, e, em contrapartida, cedeu aos portugueses a posse das terras do extenso território
aurífero localizado a oeste da América portuguesa ocupado pelos portugueses em mais de cem anos de
expansão pelo interior.
118
GUERREIRO, 1999, p.30-31.
119
COSTA,1999, p. 210.
49
1753 e 1754, era composta pelos cartógrafos José Custódio de Sá e Faria, e Miguel
Cierra, do lado português. O lado espanhol contou com a presença de Manuel Antônio
Flores e do jesuíta José Quiroga
120
. O grupo contava ainda com a presença de um
médico, oficiais de infantaria, geógrafo, além dos camaradas e práticos que executavam
o serviço pesado e a navegação dos rios. Essa comissão saiu do Iguaçu, de onde
continuou “águas acima até sua origem, dali buscar em linha reta a cabeceira do
Corrientes, baixar por este rio até encontrar os pantanais, atravessar a lagoa de Xarayes
e daí até a boca do Jaurú”
121
. Chegou em 4 de fevereiro de 1754, no local onde fincou o
Marco do Jaurú
122
.
A segunda equipe de comissários demarcadores adentrou as terras do Mato
Grosso em 1781, onde permaneceu por mais de oito anos. Criada em 1778, após a
assinatura do Tratado de Santo Ildefonso (1777), essa nova composição da terceira
partida se diferenciava em pelo menos dois aspectos da primeira formação. Primeiro,
sua nova formação contou com a presença de intelectuais ilustrados, recém egressos da
Universidade de Coimbra, que entre os anos de 1781 e 1790 percorreram as terras da
capitania de Mato Grosso a serviço das “reais demarcações”. Segundo, embora as
partidas devessem ser compostas por equipes mistas dos dois países, esses grupos
jamais se encontraram em território mato-grossense. Entre os demarcadores destacamos
as figuras dos astrônomos luso-brasileiros Francisco José de Lacerda e Almeida,
Antônio Pires da Silva Pontes, e do português e engenheiro-militar Ricardo Franco de
Almeida Serra, intelectuais de vasto saber, que entre os anos de 1781 a 1790 produziram
o “primeiro reconhecimento cartográfico e as medições astronômicos precisas das atuais
terras mato-grossenses”
123
.
Para garantir a legalização da posse dos territórios ocupados, Portugal
desenvolveu uma política de dupla face, voltada para dentro e para fora da colônia.
Assim, enquanto se desenrolavam as negociações diplomáticas do tratado em Madri, em
Lisboa o Conselho Ultramarino emitia parecer extinguindo a capitania de São Paulo e
criando as capitanias de Mato Grosso e Goiás. Na visão do Conselho Ultramarino, a
distância que separava o governador de São Paulo das minas no Mato Grosso era um
120
idem
121
COSTA, 1999, p.57.
122
Marco de mármore trazido da Europa, colocado na foz do rio Jaurú, em fevereiro de 1754. Este marco
se encontra atualmente na praça matriz do município de Cáceres, estado de Mato Grosso.
123
COSTA, 1999, p. 214.
50
problema que precisava ser sanado, pela “circunstância de confinar este Mato Grosso
com o governo espanhol de Santa Cruz de la Sierra, e com as aldeias dos jesuítas
castelhanos de Moxos e Chiquitos”
124
. Portanto, pela ótica do Conselho Ultramarino,
para resolver os problemas de segurança da capitania de Mato Grosso e garantir
efetivamente sua posse era preciso que
... se procure fazer a Colônia do Mato Grosso o poderosa que
contenha os vizinhos em respeito, e sirva de ante-mural a todo interior
do Brasil, para o que parece deparou a providência uma grande
facilidade na comunicação que ali pode haver por água até a cidade do
Pará.
125
Percebe-se, pelo extrato do parecer do Conselho Ultramarino, citado acima,
que Mato Grosso passara a ser considerado pelas autoridades portuguesas peça
fundamental para a manutenção das terras auríferas de Goiás e Minas Gerais,
localizadas no interior da América portuguesa. Pois, a capitania de Mato Grosso, e mais
especificamente seu distrito homólogo, estava situada na raia confinante com os
domínios espanhóis, e se acreditava que se os espanhóis tomassem Mato Grosso,
facilmente dominariam Cuiabá e, consequentemente, chegariam às jazidas auríferas de
Goiás e Minas Gerais.
Criada pelo alvará de 9 de maio de 1748, a capitania do Mato Grosso e
Cuiabá
126
limitava-se com a capitania do Grão-Pará ao norte, com as capitanias de
Goiás e São Paulo ao sul, e a oeste, com as possessões de Espanha (Chiquitos, Moxos e
Paraguai), totalizando uma superfície de 65 mil léguas quadradas. Era formada pelos
termos do Cuiabá e do Mato Grosso. Para governar a nova capitania de Mato Grosso foi
escolhido D. Antônio Rolim de Moura Tavares. Em instrução datada de 19 de janeiro de
1749, a rainha consorte de D. João V, D. Mariana d’Austria
127
passava a Antônio Rolim
124
CANAVARROS, 2004, p. 313.
125
Apud CANAVARROS, 2004, p. 313.
126
Para maior compreensão sobre o processo de ocupação das terras que em 1748 formaram a capitania
de Mato Grosso, não se pode perder de vista os eventos ocorridos na Europa desde o início da década de
1720, assim como seus desdobramentos políticos. É importante lembrar que tais eventos foram nutridos
pelo volume considerável de informações que chegavam das possessões no além mar. É no âmbito da
análise dessas informações associadas ao jogo de forças que se desenrolava na Europa, que podemos
compreender melhor as políticas colonizatórias implementadas pela Coroa portuguesa, primeiro, na
região do Cuiabá, e, posteriormente, no Mato Grosso.
127
INSTRUÇÕES AOS CAPITÃES-GENERAIS, 2001, p.11.
51
de Moura, primeiro capitão-general da capitania de Mato Grosso, várias
recomendações, que diziam respeito ao modo de proceder no comando da nova
capitania. De forma geral, as diretrizes traçadas neste documento nortearam todas as
ações lusas empreendidas na fronteira Oeste, acrescentando-se a elas, basicamente, a
experiência de cada governador ao longo do período colonial
128
.
Nessas instruções, D. Mariana d’Austria determinava que a “cabeça do
governo” deveria ficar no termo do Mato Grosso, e justificou sua determinação dizendo
que “por ter se entendido que Mato Grosso é a chave e o propugnáculo do sertão do
Brasil pela parte do Peru”, era necessário que naquele distrito houvesse “população
numerosa”
129
.
Ressaltam, nessas instruções, as preocupações lusas com a segurança e defesa
do Mato Grosso, tanto com relação aos espanhóis, quanto em relação aos indígenas. De
modo geral, as autoridades portuguesas entendiam que a melhor forma de garantir suas
possessões era colonizá-las. E para que este processo obtivesse sucesso, seria
necessário, segundo as instruções dadas a Rolim de Moura implementar algumas
medidas, dentre as quais a criação de uma vila no Mato Grosso, e a estabelecer uma
política de povoamento com privilégios e isenções para os colonos que se fixassem na
nova vila e seus arredores.
A ordem de fundar vila no Vale do Guaporé não era de todo inédita, pois em
1746 havia sido emitido algo nesse sentido. Contudo, sua execução foi sendo adiada
em decorrência da conjuntura européia desfavorável, isso porque, por cautela, Portugal
não queria agravar as contendas com a Espanha.
Antônio Rolim de Moura Tavares chegou a Cuiabá em 1751, após longa e
penosa viagem pelo trajeto fluvial das monções do sul, e depois de alguns meses seguiu
para as minas do Mato Grosso. Uma vez na região do Guaporé fundou, em 19 de março
de 1752, no local chamado Pouso Alegre, a nova vila capital, denominada Vila Bela da
Santíssima Trindade, nascida com a função de sediar a capitania e de ser um posto
avançado luso na fronteira Oeste da América portuguesa.
Ações como a criação da capitania, em 1748, e a fundação da nova vila capital,
em 1752, devem ser entendidas como parte de um processo mais amplo, pelo qual a
Coroa portuguesa tinha o objetivo de concretizar as vitórias obtidas no Tratado de
128
ANZAI, 2008.
129
INSTRUÇÕES AOS CAPITÃES-GENERAIS, 2001, p.12.
52
Madri. Sendo assim, as medidas tomadas por Rolim de Moura e por seus sucessores
estavam em consonância com as determinações da metrópole em seu projeto de povoar
e fortalecer militarmente o extremo oeste, para assim, seguindo o princípio do uti
possidetis, garantir a posse da região
130
.
A localização da vila capital, às margens do Guaporé, foi motivo de
controvérsias e freqüentes queixas contra Rolim de Moura. No entanto, essa medida
vinha ao encontro dos interesses geopolíticos traçados pela Coroa lusa, e delineados nas
instruções reais. O inciso terceiro da Instrução que tratava da criação de vila no Mato
Grosso, estabelecia que a vila deveria ficar em local próximo a um rio, que facilitasse
sua defesa e fosse adequado à navegação e à pesca
131
. No que tange à defesa da
capitania de Mato Grosso, o Guaporé era considerado um dos rios mais importantes. Na
viagem que fez da Vila de Barcelos até Vila Bela, em 1781, o engenheiro militar
Ricardo Franco de Almeida Serra capitão da expedição demarcadora de limites,
formada em 1777, após o Tratado de Santo Ildefonso , destacou em seu diário a
importância estratégica do rio Guaporé, na defesa da capitania de Mato Grosso:
... o Guaporé por todas as 200 léguas de extensão confina com
multiplicados estabelecimentos espanhóis, principalmente a Oeste do
Forte do Príncipe da Beira com a província de Moxos, e a Sul de Vila
Bela com a de Chiquitos, os quais oferecem outras tantas portas para
as colônias portuguesas, sendo tal a sua situação geográfica, que ele
fecha e cobre as cabeceiras de muitos e grandes rios, e com poucas
léguas de distância, como são as vertentes do Alto Paraguai, ricas em
distância e muito ouro, as do rio Tapajós, igualmente auríferas; e as de
outros rios, cobrindo enfim a comunicação para Cuiabá, Goiás e de
grande parte do interior do Brasil.
132
Como ressaltou o capitão demarcador, o Guaporé era a porta de entrada de um
domínio ibérico ao outro, de forma que, povoar suas margens do lado oriental era
estratégico para conter os indesejados vizinhos espanhóis e mantê-los do outro lado do
rio. Além disso, era fundamental para os objetivos portugueses na região, se fazerem
130
VOLPATO, 1987, p. 36-37.
131
INSTRUÇÕES AOS CAPITAES-GENERAIS, 2001, p.12.
132
SERRA, 1790, p. 430-431.
53
senhores da navegação nesse rio, pois, se os espanhóis dominassem a navegação no
Guaporé, poderiam embaraçar as comunicações de Vila Bela com o Pará.
A comunicação entre a capitania de Mato Grosso com o Estado do Grão Pará e
Maranhão foi concretizada através da navegação pelos rios da bacia amazônica, isto é,
navegando-se pela rota Amazonas-Madeira- Mamoré-Guaporé. Descoberta em 1742,
por Manuel Felix de Lima, essa rota fluvial foi largamente utilizada pelas monções do
norte.
A partir da criação da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão, em
1755, o Guaporé passou a ser principal porta de entrada de mercadorias vindas da
Europa e de outras regiões da América portuguesa. Por essa rota, chegavam a Mato
Grosso boa parte das mercadorias comercializadas em Vila Bela e região. Portanto,
durante toda a segunda metade do século XVIII, essa rota foi a mais importante via de
acesso às minas do Mato Grosso; dela, em grande parte, dependeu “o escoamento do
ouro, a manutenção dos habitantes e segurança da fronteira”
133
, apesar de ser rota
perigosa pelos grandes obstáculos naturais e várias cachoeiras que possuía.
Por essa rota também navegaram diversas autoridades, como os governadores
João Pedro da Câmara, e Luís Pinto de Sousa Coutinho, além de estudiosos como os
demarcadores de limites, e o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Quando
passaram por esse trajeto em 1781, os demarcadores de limites descreveram em seus
diários de viagem o dia a dia, passo a passo, as atividades desenvolvidas e o cotidiano
da comitiva no percurso da viagem, as dificuldades enfrentadas nos caminhos, as
impressões que lhes causaram as pessoas com as quais se encontram pelo trajeto.
Destacaram aspectos da fauna, flora, da geografia, astronomia, distâncias e localização
dos lugares considerados importantes.
A partir de um estudo realizado nesses diários produzidos por Francisco José
de Lacerda e Almeida, Antônio Pires da Silva Pontes e Ricardo Franco de Almeida
Serra, nos foi possível cotejar as várias informações contidas neles. Esse cotejo nos
possibilitou identificar aspectos referentes às potencialidades alimentares e econômicas
do termo do Mato Grosso tais como: os alimentos encontrados pelos caminhos do
termo, as práticas culturais observadas por esses estudiosos, assim como as dificuldades
a que estavam expostos os navegantes dessa rota. Foi-nos possível também, identificar
as dezessete cachoeiras a serem transpostas pelos viajantes dessa rota, no rio Madeira,
133
COSTA, 2001, p.1008.
54
que eram : cachoeira de Santo Antônio (utilizada como fronteira natural entre a
capitania de Mato Grosso e o Estado do Pará); cachoeira do Salto; 3ª dos Morrinhos;
Caldeirão do Inferno do Girau; Três Irmãos; do Paredão; da Pederneira;
das Araras; 10ª do Ribeirão; 11ª da Misericórdia 12ª do Madeira. No rio Mamoré
eram:13ª da Lage; 14ª do Pau Grande; 15ª da Bananeira; 16ª Guajara-guasú; 17ª
Guajara-mirim
134
.
Mapa I
Parte do Brasil que compreende a navegação que se faz pelos três rios Madeira,
Mamoré e Guaporé até a capital Vila Bela, capital do Governo do Mato Grosso
Fonte: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart543212.jpg
Na representação cartográfica acima, de autoria de Ricardo Franco, um dos
demarcadores da Terceira Partida aparecem contempladas as dezessete cachoeiras que
deveriam ser transpostas pelos navegantes das monções do norte. O detalhe pontilhado
em vermelho destaca o trajeto fluvial percorrido pelos viajantes dessa rota em terras
134
GOMES, 2005.
55
mato-grossenses pelos rios Madeira, Mamoré, Guaporé, desde a cachoeira de Santo
Antônio passando pelo Forte do Príncipe da Beira até Vila Bela. É importante destacar
que, embora este mapa esteja referenciado neste acervo como sendo do ano de 1777, é
bem possível que não o seja, haja vista que Ricardo Franco adentrou as terras da
capitania no ano de 1781. O equívoco na datação pode ter surgido pelo fato do mapa
trazer, bem ao centro, no lado superior, o registro “Parte do Brasil que compreende a
navegação que se faz pelos três rios Madeira, Mamoré e Guaporé até a capital Vila
Bela, capital do governo do Mato Grosso, com estabelecimentos e espanhóis a eles
adjacentes”, e logo em seguida o cartógrafo registrou a seguinte observação “as
possessões portuguesas vão de cor vermelha, e as espanholas de cor amarela, e
assinadas segundo o Tratado de Limites de 1777”. Portanto, a data inscrita no mapa
remetia à assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, e não à data de sua confecção. Além
disso, o fato do mapa referenciar o Forte de Coimbra e a povoação de Albuquerque
reforça nossa conclusão. Portanto, é um mapa fundamental para visualizar o espaço
objeto de nossas investigações.
Outro caminho de acesso às minas do Mato Grosso era a rota fluvial do sul,
aquela que, saindo do rio Tietê, em São Paulo, passava pelos rios Paraná-Pardo-
Varadouro do Camapuã-Taquari-Porrudos, chegando ao rio Cuiabá, até Vila Real. Da
Vila Real em diante, seria necessário tomar o caminho de terra até as minas do Mato
Grosso.
Antônio Rolim de Moura Tavares, ao fazer esse trajeto entre os meses de
agosto de 1750 e janeiro de 1751, na viagem que fez de São Paulo até o tio Pouso
Alegre deixou registrado esse roteiro em um mapa, que denominou “Territórios entre as
capitanias de São Paulo e Mato Grosso”.
56
Mapa II
Territórios entre as Capitanias de São Paulo e Mato Grosso
Fonte: GARCIA, João Carlos (coord.). 2000, p. 294.
Neste mapa aparecem em destaque tanto o caminho fluvial das monções do Sul,
consagrado a partir de 1725 destacado na cor azul , quanto o caminho de terra que
passava por Vila Boa, em Goiás, destacado na cor laranja. Além dos caminhos que
levavam à capitania, Rolim de Moura registrou também algumas territorialidades
ameríndias localizadas naquele espaço tais como “os Campos dos Parecis”, “Certão dos
Bororos”, “Certão dos Aycurús ou Cavalleiros” e “Reino do Gentio Caypó”.
Outra forma de se chegar às minas do Mato Grosso era através do caminho de
terra, que passando por Vila Boa em Goiás, chegava até Cuiabá e de continuava até
Vila Bela. A maior parte de animais importados de outras regiões da América
portuguesa como Bahia, Pernambuco e Sergipe chegavam ao Mato Grosso por esse
caminho.
Além da criação de Vila Bela, em 1752, a Coroa portuguesa desenvolveu ao
longo da segunda metade do século XVIII uma política de fundação de povoações com
o objetivo de pontilhar e resguardar as fronteiras dessa importante capitania. Nesse
contexto, foram fundadas as povoações de: Vila Maria do Paraguai, em 1778,
57
Albuquerque, em 1778, e Casalvasco, em 1783; os fortes de Coimbra, em 1778, e Real
Príncipe da Beira, em 1776
135
.
O termo do Mato Grosso, localizado na raia Oeste da América portuguesa foi o
palco onde a partir de meados da década de trinta do Setecentos, diversos atores sociais,
como índios, portugueses, negros e espanhóis encenaram suas relações e vivências no
contexto de expansão, colonização e consolidação das fronteiras lusas na América.
Estas relações foram marcadas pelo clima de instabilidade e inúmeras disputas,
travadas, muitas vezes, no silêncio da luta cotidiana.
135
Sobre este assunto ver: FARIA, 1999. Ver também: MORAES, 2003; REIS, 2008; OLIVEIRA, 2003;
FERNANDES, 2003.
58
C
APÍTULO
II
A espacialização da produção no Mato Grosso
Múltiplas paisagens agrícolas
A historiografia tradicional sobre a capitania de Mato Grosso ajudou a
cristalizar no imaginário regional a visão de predomínio exclusivo de atividades
mineratórias ouro e diamantes. , em que pessoas vindas de diferentes regiões
dependiam de veres importados via monções para sua sobrevivência, pela não
existência de outras atividades produtivas. No entanto, estudos históricos recentes e
fontes documentais ainda pouco exploradas, como os “Anais de Vila Bela”, nos
permitem reconhecer que, simultaneamente à paisagem das minas se configurou uma
rural, com áreas voltadas para atividades criatórias e para a produção de alimentos.
A imagem de paisagem unívoca, construída e consolidada no tempo e no senso
comum silencia a formação de outras, que se constituíram pari passu à mineratória. Se
por um lado, é inegável que a exploração aurífera marcou o início das atividades
econômicas em larga escala na região, abrindo novas frentes de expansão, por outro,
fica evidente que um amplo leque de atividades comerciais, agrícolas e manufatureiras
se estabeleceu simultaneamente às atividades de extração mineral, formando uma
complexa base produtiva, que oferecia sustentação e assegurava o sucesso da
colonização e expansão portuguesa no Vale do Guaporé.
Para Simon Schama, a paisagem nada mais é que o produto da relação entre
homem e natureza; são registros históricos, permeados pela cultura dos homens que
com ela interagiram ao longo dos tempos
136
. Nesta mesma perspectiva, Regina Horta
mostra que a idéia de paisagem como algo puro, dado e intocado é um mito. A
paisagem resultante da interação dialética estabelecida entre homem e natureza pode
revelar aspectos que incidiram e contribuíram para as mudanças efetuadas em dada
paisagem, de determinada sociedade em cada período histórico
137
. Neste sentido, José
136
SCHAMA, 1996.
137
DUARTE, 2005.
59
Augusto Drumond lembra que ao se pensar na configuração de uma dada paisagem é
preciso levar em consideração diversos fatores que, de forma direta ou indireta
interferiram em sua configuração, tais como índices demográficos, capacidade de
produção de alimentos, nível tecnológico, dados do direito diplomático, tal como a
assinatura de novos tratados de limites, além do amplo conjunto de valores religiosos,
éticos, tecnológicos, dentre outros
138
.
Para Maria Yedda Linhares, de modo geral, a economia rural da América
portuguesa tem sido vista como constituída por três paisagens. A primeira, formada pela
grande lavoura voltada para o cultivo da cana-de-açúcar; a segunda, pela pecuária
extensiva; e uma terceira, constituída pelo que Linhares denominou “lavoura de
abastecimento”, ou seja, a paisagem formada pela lavoura voltada para a produção de
alimentos, destinada a abastecer tanto os moradores rurais quanto os urbanos, habitantes
dos arraiais e vilas coloniais próximas a elas
139
.
Linhares ressalta também que na historiografia brasileira são inúmeras as
pesquisas que se dedicaram a estudar a fundo a grande lavoura, mas que, no que se
refere à constituição da pecuária extensiva e das lavouras destinadas à produção de
alimentos ainda há muito a ser feito. Considere-se que a lavoura dedicada à produção de
alimentos esteve presente em todas as regiões da colônia, independentemente da
atividade econômica privilegiada, desempenhando um papel fundamental, como um
“importante elo do macromodelo da economia colonial”
140
.
Por um longo período a historiografia retratou a lavoura dedicada à produção
de alimentos como “lavoura de subsistência”. Ao estudar o abastecimento alimentar na
comarca do Serro Frio, em Minas Gerais, na segunda metade do século XVIII, José
Newton Coelho Meneses aponta para os problemas que o uso do termo “subsistência”
acarreta. Na visão de Meneses, o termo subsistência é problemático porque, do ponto de
vista econômico, “implica em ausência de ligação entre a unidade produtiva e o
mercado, tanto de produtos quanto de fatores como o mercado de mão-de-obra”, por
exemplo. Já sob o ponto de vista sociológico, “subsistência designaria estreita ligação
entre a unidade produtiva e o grupo que a explora e vive exclusivamente dela”. Além
138
DRUMMOND, 2000. Sobre paisagem ver também: SILVA, 1997, p. 203-216; ARRUDA, 2000.
139
LINHARES, 2002, p.113-114.
140
LINHARES, 2002, p. 118.
60
disso, o termo subsistência tenderia a diminuir o potencial comercializável da produção
agrícola para abastecimento alimentar interno “
141
.
Portanto, se operássemos com o termo “subsistência” seria o mesmo que
aceitar que essa produção rural exercia papel praticamente nulo no abastecimento de
vilas e fortes, por exemplo, e não estaríamos respondendo à questão referente à origem
dos recursos utilizados pelos lavradores para adquirir ferramentas e produtos
necessários em seu cotidiano. Por outro lado, considerar apenas a noção de “lavoura de
abastecimento”, proposta por Linhares, significaria concluir que toda a produção estava
voltada para o mercado interno, deixando sem espaço de ação o pequeno produtor, que
não raro ainda praticava o escambo para comercializar o pouco que excedia de sua
produção, para garantir a aquisição daquilo que necessitava para manter sua pequena
propriedade.
Ao refletir sobre essas questões que também são as nossas , José Newton
Coelho Meneses se questiona se não seria mais satisfatório tratar essa produção de
“camponesa” ou de “mercantil simples”, como sugere José Graziano da Silva
142
. Os
argumentos de Meneses se fundamentam em Henrique de Barros
143
, para quem “alguns
impulsos e estímulos exteriores mudam o sistema de subsistência”, tais como
“instalação de comerciantes polivalentes na área; aquisição de terras (ou do direito de
uso) por parte de grandes proprietários; aumento populacional e intervenção de
autoridades”. Concordamos com Meneses quando afirma que é necessário um exercício
de relativização, pois todos esses sistemas agrícolas conviveram e convivem uns com os
outros até os nossos dias. Meneses considera temerária qualquer tipo de generalização,
deixando claro que um sistema não exclui necessariamente o outro, e que tiveram e têm
um papel importante do ponto de vista da produção e do abastecimento alimentar
144
.
Desse modo, da mesma maneira que a historiografia nacional se ressente de
estudos menos generalizantes, na produção regional sobre o período colonial ainda
muito por fazer em relação à formação da paisagem, constituída a partir da lavoura de
abastecimento, pois foram poucos os estudos que se dedicaram a problematizar a
141
MENESES, 2000, p. 98.
142
SILVA, 1980.
143
BARROS, 1975.
144
MENESES, 2000, p. 99.
61
existência de uma produção local de alimentos, com vistas a abastecer as minas e seus
habitantes
145
.
Na produção historiográfica regional encontramos apenas um estudo dedicado
a estudar a temática da alimentação no período em questão. Trata-se da dissertação de
mestrado defendida em 2003, por Luzinéia Guimarães Alencar, na qual a autora
focalizou as contribuições culturais de negros, índios e portugueses na formação da base
alimentar dos moradores da Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá. Embora seja um
trabalho importante para se pensar a temática da alimentação no século XVIII, Alencar
não discute a problemática da produção de alimentos, não adentrando no universo do
produtor e da produção de alimentos, seu foco de análise privilegia o universo urbano.
Além do mais, embora seu recorte seja a capitania de Mato Grosso, a autora não se
deteve no termo do Mato Grosso
146
.
o estudo desenvolvido por Tiago Kramer de Oliveira sobre a constituição de
ambientes rurais no extremo oeste da América portuguesa, entre os anos de 1716 e
1750, traz contribuições relevantes para a discussão a respeito da constituição de
diferentes paisagens agrícolas e da produção local de alimentos. Ao analisar a formação
do que denomina “ruralidade”, Oliveira enfoca aspectos importantes da produção
agrícola, traçando suas conexões com os ambientes urbanos e com circuitos mercantis
locais, regionais e coloniais, rompendo com a idéia de isolamento. As análises de Tiago
Kramer de Oliveira priorizam a história econômica da primeira metade do século XVIII,
e seu trabalho é, sem dúvida, referência quando o assunto é produção de alimentos em
Mato Grosso
147
.
No estudo que desenvolveu enfocando o abastecimento na capitania de Minas
Gerais no culo XVIII, Mafalda Zemella afirmou que no período de apogeu da
extração aurífera, a agricultura era uma atividade tímida e incipiente, encontrando
condições propícias para se desenvolver após a queda da mineração. Segundo a autora,
no auge da produção do ouro, o desenvolvimento da agricultura teria esbarrado em
obstáculos de três ordens. O primeiro, de ordem psicológica: o ouro e a ilusão de
grandes e fáceis riquezas era um entrave ao desenvolvimento de outras atividades, cuja
145
Alguns estudos, embora não focalizem especificamente a produção local de alimentos, contribuem
para se estudar a alimentação no Mato Grosso, tais como: ROSA, 1996; FERNANDES, 2003.
OLIVEIRA, 2003; MOURA, 2005.
146
ALENCAR, 2002.
147
OLIVEIRA, 2008.
62
possibilidade de riqueza era mais lenta e remota. Um segundo obstáculo seria de ordem
política: a Coroa lusa, ávida por tributos, desenvolvia uma política no sentido de
concentrar todas as atividades de Minas na produção aurífera, visando assim, manter
seus moradores dependentes de víveres importados de outros centros produtores
localizados no centro-sul da colônia, privilegiando a arrecadação do direito das
entradas. O último entrave ao desenvolvimento das atividades rurais, apontado pela
autora, estaria ligado à natureza do solo das minas, considerado pobre para atividades
agrícolas
148
.
Contudo, estudos contemporâneos sobre as minas setecentistas vêm
demonstrando, por meio da análise de documentações diversas, que as conclusões a que
chegou Zemella são passíveis de contestação. Dentre os vários estudos produzidos em
Minas Gerais podemos citar os de Caio Boschi que, ao estudar o mercado interno em
Minas Gerais afirma que nas Minas setecentistas, para cuidar e garantir o
abastecimento, simultaneamente à mineração foi se constituindo uma diversificada
estrutura produtiva, marcada por intensas relações comerciais, e práticas manufatureiras
e agrícolas
149
.
Ângelo Alves Carrara, por sua vez, ao analisar o movimento dos preços
agrícolas e pecuários em Minas Gerais lança algumas luzes acerca das demandas
internas naquela capitania no século XVIII. Para Carrara, ao contrário do que afirmara
Zemella, muitas pessoas que se deslocaram para Minas Gerais se dedicaram à produção
de mantimentos com o objetivo de abastecer a crescente demanda criada nas Minas
Gerais a partir da descoberta do ouro
150
.
Tendo como fontes privilegiadas inventários e testamentos pos mortem, José
Newton Coelho Meneses, ao buscar desvelar as estruturas mínimas da vida econômico-
social do produtor de alimentos na Comarca do Serro Frio, na segunda metade do século
XVIII, nos apresenta um mundo rural de estrutura complexa, onde as atividades
mineratórias conviviam com atividades de produção, beneficiamento e comercialização
de alimentos. Sem estabelecer grau de hierarquia entre as atividades, e deixando claro
que seu objeto não é discutir se houve ou não agricultura no período áureo da
mineração, o autor esclarece que a economia agrícola setecentista era dinâmica, não
148
ZEMELLA, 1990, p. 209-210.
149
BOSCHI, 2002, p.58-65.
150
CARRARA, 2006.
63
comportando, portanto, generalizações de qualquer espécie
151
. Desse modo, retornamos
à afirmação de Boschi: “nas minas nem tudo que reluzia era ouro
152
, que também pode
ser aplicada às minas do Mato Grosso, no período estudado.
José Roberto do Amaral Lapa, em “Economia colonial” afirma que em Mato
Grosso a agricultura foi praticada desde o início da colonização portuguesa, pois, em
decorrência dos problemas de fronteira, a Coroa lusa logo se convenceu de que a melhor
forma de garantir o povoamento seria incentivar o desenvolvimento das atividades
agrícolas e criatórias, consideradas importantes para a fixação do homem à terra. Desse
modo, desde os primórdios da ocupação portuguesa nas terras do Mato Grosso, que a
Coroa teria desenvolvido uma política no sentido de incrementar as atividades agrícolas,
buscando não resolver os problemas referentes ao abastecimento de gêneros
comestíveis, mas também guarnecer a fronteira em condições permanentes
153
. Neste
sentido, as constantes instruções passadas aos capitães generais para que levassem
adiante medidas que fomentassem o desenvolvimento da agricultura, a distribuição de
sesmarias e os privilégios e isenções concedidos pela Coroa para aqueles que se
fixassem no Mato Grosso, são indícios claros dessa política lusa.
Nessa perspectiva, as reflexões contidas neste capítulo visam contribuir para
estudos que procurem cartografar os locais em que se formaram unidades produtivas
agrícolas destinadas à produção de alimentos e atividades criatórias, com o objetivo de
compreender o modo pelo qual essa paisagem rural foi se espacializando no termo do
Mato Grosso, entre os anos de 1748 e 1790.
Denominamos “unidades produtivas” aos sítios e fazendas estabelecidos no
termo de Mato Grosso, que desenvolviam atividades como a produção de
mantimentos
154
e criação de animais de pequeno porte, como porcos e galinhas, a
plantação de cana e a fabricação de açúcar e aguardente. Como “unidades produtivas”
são consideradas também fazendas de criação de gado destinadas a abastecer tanto os
moradores rurais quanto os das vilas, além dos militares alocados nos destacamentos
estabelecidos ao longo da fronteira. Ângelo Carrara, ao se referir às unidades produtivas
151
MENESES, 2000, p. 98-100.
152
BOSCHI, 2002, p. 65
153
LAPA, 1973, p. 29.
154
O termo “mantimentos”, da forma como é utilizado neste estudo, engloba tanto os alimentos
cultivados quanto aqueles produtos oriundos de beneficiamento, como as farinhas de milho e mandioca e
o açúcar, além de produtos que, embora não estivessem voltados à alimentação faziam parte das
necessidades cotidianas dos moradores do Mato Grosso, como o tabaco e a aguardente, por exemplo.
64
em Minas Gerais afirma que, segundo a maneira de produzir, essas unidades podiam ser
classificadas de dois modos: unidades produtivas escravistas, e unidades camponesas ou
familiares. A escravista compreendia os setores minerador e agrário, sendo a
responsável pela maior parte da circulação de mercadorias no mercado interno, e a
camponesa ou familiar teria no faiscador o sucedâneo do setor minerador
155
.
Apesar de não dispormos de fontes que poderiam revelar mais dados a respeito
da produção, tais como contratos régios e arrecadação de dízimos fontes utilizadas
por Carrara, quando estudou a produção rural em Minas Gerais , acreditamos que a
classificação feita por ele para pensar as unidades produtivas naquelas minas pode ser
aplicada ao Mato Grosso. No período estudado, é possível identificar, na documentação
consultada referente ao termo do Mato Grosso, tanto unidades produtivas de grande
porte, com um número considerável de escravos, quanto unidades produtivas menores,
cujo comando da produção ficava a cargo do pequeno agricultor e sua família ou
agregados.
Plantar roças pelos caminhos por onde passavam em suas andanças era um
hábito bandeirante. Desde o início da ocupação o índia que no Vale do Guaporé
iniciaram-se a implementação de unidades agrícolas voltadas para a produção e o
abastecimento alimentar, nas quais se plantavam milho, feijão e mandioca. Também foi
iniciada a criação de animais de pequeno porte, como galinhas e porcos. Esses sítios
dedicados ao abastecimento de alimentos seguiam a rota dos novos descobertos
auríferos, ao longo do caminho de terra que ligava a Vila Real ao Mato Grosso. Em
novembro de 1751, após alguns meses de estadia na Vila Real, o primeiro governador
Antônio Rolim de Moura Tavares, em viagem aos arraiais do Vale do Guaporé
encontrou, ao passar pelas imediações do rio Jaurú,
...quatro sítios em distância de duas léguas em que vivem poucos
moradores pobres. Um, que pertence a Antônio da Silveira Fagundes,
assistente nestas minas é maior, e tem uma boa fazenda de gado, que é
o que aqui se gasta. Atendendo a isso, lhe mandei passar várias
sesmarias das mesmas terras que está cultivando, e de que se está
servindo, ficando ele obrigado não somente a aumentar a mesma
155
CARRARA, 2006, p. 61.
65
fazenda de gado, mas também nela bastantes éguas, para o que as
terras têm excelentes pastos.
156
Observa-se na expressão “é o que aqui se gasta”, que parte da carne produzida
por seus animais era destinada a abastecer os viajantes daquela rota, e não também os
arraiais localizados nas imediações da Chapada. Pelos relatos de José Gonçalves da
Fonseca constatamos a existência de outra fazenda de gado na região do Jaurú, de
propriedade de Antônio Francisco, na qual, além de se dedicar à lavoura criava-se gado
vacum, com o qual se socorria muitas vezes os arraiais do Mato Grosso
157
.
A trilha de expansão de estabelecimentos agrícolas voltados para o plantio de
alimentos e abastecimento do mercado local acompanhou de perto o itinerário dos veios
auríferos. Além das roças espalhadas ao longo dos caminhos, outras foram se
constituindo nas imediações da planície da Chapada de São Francisco Xavier, no
entorno das primeiras minas localizadas na Chapada. A documentação nos fornece
indícios de que a formação dessas primeiras unidades de produção agrícola ocorreu
simultaneamente ao descobrimento e início das extrações auríferas no Mato Grosso.
Nos “Annaes do Sennado da Câmara do Cuiabá”, nas primeiras narrativas referentes às
minas do Mato Grosso ressaltam informações sobre o plantio de roças: “... chegaram
neste ano, de Mato Grosso, o sargento-mor Abreu e outros, deixando roças
plantadas”, ou, “quiseram muitas pessoas fazer viagem para Mato Grosso, a colher as
roças que haviam deixado do ano antecedente”
158
. Encontramos informações
semelhantes nos “Anais de Vila Bela”, como o registro de que no ano de 1736 “valia
um alqueire de milho seis oitavas”, milho este “produto das roças e plantas do mesmo
descoberto”
159
.
Na cartografia que retrata o território do termo do Mato Grosso boa parte
dela produzida na segunda metade do século XVIII , destacamos mapas que
identificam muitos dos locais onde estavam localizadas essas unidades de produção
agrícola, como o mapa abaixo, que enfoca o espaço da Chapada das Minas do Mato
Grosso.
156
CARTA de Antônio Rolim de Moura à Diogo de Mendonça Corte Real. 28/05/1752. In: UFMT -
NDIHR, 1982; v. I, p.64.
157
FONSECA, 2001, p.20.
158
Annaes do Senado da Câmara do Cuiabá. In: SUSUKI, 2007, p. 67.
159
AMADO & ANZAI, 2006, p. 42.
66
67
Datado de 1769
160
, este mapa apresenta uma legenda no lado superior direito,
onde é possível ver a discriminação de dezessete itens. Até o item de número dezesseis
foram discriminados os locais onde se minerava no Mato Grosso. Entretanto, no último
item nota-se, logo após o número dezessete, um pequeno círculo, seguido da seguinte
afirmação: “roças que na planície em circunferência da chapada”. Portanto, as roças
existentes na circunferência da Chapada foram identificadas no mapa por pequenos
círculos, que destacamos em detalhes quadriculados em vermelho. Ampliando-se essa
imagem é possível notar que, de um total de doze roças, oito estavam localizadas
próximo ao arraial de São Francisco Xavier, duas no Arraial do Pilar, e duas no arraial
de Santana. Observa-se também que o maior número de roças estava localizado
próximo ao arraial de São Francisco Xavier, o maior arraial do Mato Grosso antes da
fundação de Vila Bela
161
.
Neste mapa podemos visualizar, além dos locais em que mais se minerou
também aqueles em que se configuraram as primeiras unidades de produção de
alimentos na repartição do Mato Grosso, ou seja, “na planície em circunferência da
Chapada”, no entorno da faixa de terras auríferas compreendidas entre os rios Galera e
Sararé.
Contudo, a produção alimentar dessas unidades era ainda incipiente,
considerando o grande fluxo migratório para a região e o conseqüente aumento na
demanda, tornando necessário buscar diversos alimentos no Cuiabá. A viagem até o
Cuiabá era longa e onerosa, e segundo Rolim de Moura o preço do frete para o Mato
Grosso custava o dobro do que pagavam os negociantes do Cuiabá
162
, e as mercadorias
transportadas para os arraiais lá chegavam muito caras
163
. Esses preços altos eram
provocados pelos gastos com a alimentação diária dos comboieiros, dos escravos e dos
animais. O transporte de mercadorias por vias fluviais, apesar das dificuldades impostas
pelos rios caudalosos e cachoeiras, gerava menos custos no frete das mercadorias, se
160
controvérsias sobre a data de confecção desse mapa. Segundo Lucídio, embora seja datado de
1769, é possível que não o seja, “uma vez que não aparece nele o Arraial de São Vicente, nesta data o
mais produtivo arraial das minas do Mato Grosso”. In: LUCIDIO, 2004.
161
Constatamos a existência de outro mapa muito semelhante a este, publicado por Elizabeth Madureira
Siqueira, inclusive com o mesmo nome. Entretanto, ao se analisar as imagens notam-se diferenças. Na
imagem publicada por Siqueira, os itens explicativos da legenda foram dispostos no lado esquerdo
inferior e, além disso, constatamos que foram registradas três roças no arraial de Santana, e não duas
como na primeira imagem, formando, portanto, um total de treze roças, e não doze, como indica o mapa
publicado por Garcia. Ver: SIQUEIRA, 2002, p.49.
162
CORRÊA FILHO, 1994, p.325.
163
BANDEIRA, 1988.
68
comparado ao transporte terrestre. Isso porque as canoas comportavam uma quantidade
maior de mercadorias, sem necessitar de um grande contingente de escravos e de
animais, o que diminuía o custo com a manutenção da comitiva.
Desse modo, a baixa produtividade, aliada à dificuldade no transporte e à
demanda crescente, contribuíam para a elevação dos preços dos alimentos. Os relatos
sobre a carestia de gêneros de primeira necessidade nas primeiras décadas de ocupação
no termo são muito freqüentes na documentação consultada. A título de exemplo, os
Anais de Vila Bela do ano de 1736, no qual foram registrados os preços dos alimentos
praticados naquele ano e nos anos seguintes, nos oferecem a dimensão alcançada pelo
aumento nos preços dos alimentos:
Principiou o feijão a dez oitavas o alqueire e, depois, pelos anos
adiante, valeu a vinte oitavas; chegou a valer a quantia de ouro uma
quarta. Valia uma libra de carne, ou de vaca ou de porco, duas oitavas;
e uma libra de toucinho salgado, vindo do Cuiabá, duas e meia; um
frasco de aguardente de cana 15 oitavas; um prato de sal por quatro
oitavas e, ao depois, cresceu a mais; uma caixeta de marmelada branca
cinco oitavas, e uma libra de alguma marmelada de sumo que
aparecia, valia seis e 7/8; e pelo mesmo preço, uma libra de açúcar.
Uma galinha valia seis oitavas; dos mais gêneros necessários para as
doenças totalmente nada havia.
164
No século XVIII, uma oitava de ouro em equivalia a aproximadamente de
1$200 a 1$500 réis
165
. Tomamos como referência os dados citados acima e convertemos
os preços praticados em oitavas para réis
166
, de três itens comercializados em Mato
Grosso, considerados essenciais para a manutenção da alimentação e da saúde dos
habitantes das minas. Assim, convertendo os preços do feijão, da aguardente e da
galinha, de oitavas para réis, obtém-se que o feijão começou a ser vendido por um valor
que oscilava entre 12$000 a 15$000 réis o alqueire, e que pelos anos seguintes seu valor
ficou entre 24$000 a 30$000 réis o alqueire. Quanto à aguardente de cana, um frasco do
164
AMADO & ANZAI, 2006, p.42.
165
SIMONSEN, 1977, p. 283.
166
Esses valores são usados aqui como parâmetros, pois o valor da oitava não era fixo, variando para mais
ou para menos de acordo com a conjuntura econômica.
69
produto era comercializado por 18$000 réis, podendo chegar a 22$500 réis, e a galinha
chegava a valer entre 7$200 réis a 9$000 réis.
Em pesquisa recente sobre a formação do meio rural no extremo oeste da
América portuguesa, entre os anos de 1716 e 1750, Tiago Kramer de Oliveira comparou
os preços dos mantimentos cobrados nos primeiros anos no termo do Cuiabá, com
aqueles cobrados no termo do Mato Grosso. Kramer elaborou duas tabelas de preços
com dados retirados de diversas fontes documentais, e demonstrou que, se compararmos
apenas os preços praticados nas duas repartições, na década de trinta, chegaremos à
conclusão de que os preços no Cuiabá, naquela década, foram mais baixos que os do
Mato Grosso; no entanto, se compararmos os preços praticados nos dois distritos,
considerando apenas os primeiros anos de ocupação de cada região chegaremos à
conclusão de que os preços praticados no Mato Grosso e em seus arraiais, nos primeiros
anos de ocupação, foram bem mais baixos que os praticados no Cuiabá, antes da
fundação da Vila Real (ou seja, antes de 1727)
167
. Em relação aos fatores explicativos
para essa constatação, por um lado pode ser que os incentivos fiscais concedidos a seus
novos moradores ajudaram a baixar o custo de produção, e isso teria tido um efeito
direto nos preços praticados no termo. Mas, por outro lado, isso pode estar ligado a
fatores climáticos, que teriam interferido na produção e no preço final dos produtos,
haja vista que, no Mato Grosso dos primeiros anos, não se registrou a mesma seca
registrada no Cuiabá da década de 20 do Setecentos. Além disso, é preciso considerar
também que na segunda metade da década de 30 do século XVIII, Cuiabá contava
com uma base produtiva consolidada, e que muitos produtores da Vila Real e seu
distrito forneciam alimentos para o Mato Grosso, fator que certamente ajudou a manter
certo equilíbrio nos preços praticados no Mato Grosso.
É importante observar que, embora se tenha consagrado na historiografia
relatos referentes à idéia de que as minas do Mato Grosso localizavam-se em uma
região insalubre
168
, onde grassavam a doença, a fome e a miséria, foram poucos os
relatos identificados na documentação que tratassem de fome. É preciso lembrar, ainda,
que a fome é um dos dispositivos mais explosivos na configuração de motins e
conflitos, e neste sentido parece esclarecedor o fato da capitania de Mato Grosso não ter
registrado, no período aqui retratado, nenhum motim ou mesmo conflito de maiores
167
OLIVEIRA, 2008, p.123-141.
168
Para maiores esclarecimentos sobre este assunto ver: ANZAI, 2004, p.122-126.
70
proporções. Outra consideração importante é que, embora muitos atribuam a carestia à
falta de mercadorias no mercado interno, esta também pode ser vista como um sintoma
de aumento da demanda, que leva a uma supervalorização do produto no mercado.
Conforme afirma Carrara, “de acordo com a fórmula difundida por Labrousse todas as
altas longas e progressivas dos preços identificam períodos de expansão”
169
.
A agricultura, no século XVIII, sofria também com as instabilidades
climáticas, e o excesso ou a falta de chuvas influenciava diretamente na quantidade e
qualidade dos víveres produzidos. Além dos problemas ligados às águas, os lavradores
lidavam com pragas e até mesmo com o fogo desordenado, que muitas vezes destruía
roças e paióis de mantimentos inteiros, gerando não a carestia dos alimentos, mas
também fome, como a que ocorreu no ano de 1749, devido aos “fogos dos matos e
paióis”, e “por falta de planta e praga que deu na que se fez”
170
.
Além das instabilidades climáticas, das pragas de animais e do fogo, outros
problemas afetavam as lavouras nesse período. No século XVIII não se usava cercar as
roças, e isso fazia com que ficassem totalmente vulneráveis ao ataque repentino de
qualquer tipo de animal, tanto de criação, como gado, porcos e galinhas, quanto animais
silvestres, como capivaras, veados e catetos. Para defenderem suas roças dos ataques
inesperados, restava aos agricultores desse período vigiá-las dia e noite. Como ocorreu
com Antonio Borralho de Almeida, morador do Cuiabá, dono de uma roça nas margens
do rio de mesmo topônimo que, após perder o milho e as abóboras para capivaras e
catetos, passou a ter que vigiar as plantações dia e noite, com espingarda
171
.
As agruras provocadas por um meio ambiente ainda pouco conhecido, e a
alimentação carente de alguns nutrientes, à qual boa parcela da população estava
exposta, foram consideradas por cronistas desse período como as principais razões para
as inúmeras doenças que se abatiam sobre os moradores do Mato Grosso
172
, embora
não se possam negligenciar as ofertas de nutrientes oferecidas pela natureza.
Pelos idos de 1750, chegou ao recém criado termo do Mato Grosso o
comissário José Gonçalves da Fonseca, enviado pelas autoridades portuguesas com a
incumbência de analisar a viabilidade da rota fluvial do norte. No período em que esteve
em Mato Grosso, este comissário produziu um documento que denominou “Notícias da
169
CARRARA, 2006, p. 108.
170
AMADO &ANZAI, 2006, p. 47.
171
SILVA, 2005, p. 88.
172
Sobre esse assunto ver: ANZAI, 2004; JESUS, 2001.
71
situação do Mato Grosso”. Na parte dedicada à “qualidade dos moradores”, José
Gonçalves da Fonseca registrou que, de “mil e cem escravos que havia matriculados na
capitação”, somente seiscentos se poderiam “empregar nas faisqueiras e lavras, pois o
restante seria ocupado “em lavouras de mantimentos, cujas fazendas se acham
estabelecidas na planície em circunferência da chapada, entre esta e o Sararé”
173
.
Portanto, segundo cálculos do comissário, apenas 54,6% dos escravos matriculados
eram destinados à extração de minerais; os outros 45,4% seriam ocupados na
agricultura. Considerando que o período de extração mineral girava em torno de seis
meses por ano, pela necessidade de águas para se minerar, o índice de escravos
utilizados nas práticas agrícolas pode ter sido bem mais elevado durante a estiagem, o
que reforça a idéia de que as atividades agrícolas tiveram importância fundamental no
processo de expansão e consolidação desse território.
Os relatos de Gonçalves da Fonseca também lançam luz sobre outro aspecto
importante: se boa parte dos escravos matriculados na capitação eram destinados à
agricultura, isso mostra que, como afirmamos acima, uma parcela dos
estabelecimentos agrícolas instalados no Mato Grosso eram comandados por homens de
grandes posses, que possuíam um número considerável de escravos. Nesse sentido,
poderíamos dizer que eram estabelecimentos agrícolas de produção escravista, sendo
que as mercadorias produzidas nessas unidades, além garantir o auto-abastecimento das
mesmas, também circulavam no mercado interno regional.
Outras unidades de produção agrícola foram se formando próximo às vilas,
povoações e fortes. Vila Bela da Santíssima Trindade era a principal vila do Mato
Grosso, criada em 1752, para sediar a recém criada capitania de Mato Grosso, e sua
edificação visava ser a representação maior da posse da Coroa portuguesa na fronteira
oeste. Logo após criar a Vila, o governador Rolim de Moura envidou esforços no
sentido de incentivar a plantação de roças nas suas vizinhanças, medida que visava
combater a falta e carestia dos alimentos na vila. Em carta ao rei de Portugal D. José I,
datada de 22 de outubro de 1752, o capitão-general informava que “havia dez roças
plantadas na borda do rio Guaporé e perto da vila, com a planta que basta para fazer a
abundância grande para o tempo da colheita”
174
.
173
FONSECA, 2001, p.16.
174
CARTA de Antônio Rolim de Moura ao rei de Portugal D. José. Vila Bela, 22/10/1752. In: UFMT -
NDIHR, 1982; v. I, p.100.
72
Segundo Rolim de Moura incentivar a formação de uma base produtiva no
entorno da vila seria muito útil para atrair novos moradores, haja vista que a falta de
alimentos e os preços exorbitantes eram grandes obstáculos para se atrair novos
moradores para a vila capital.
Ao que tudo indica, os esforços despendidos pelo primeiro capitão-general não
demoraram a apresentar seus primeiros resultados. Três anos após a criação da vila,
Rolim de Moura informava a Diogo de Mendonça Corte Real, que Vila Bela havia
crescido, que contava com “mais de quarenta casas” em seu espaço urbano, e pelas
suas vizinhanças, à borda do rio havia “vários lavradores estabelecidos que fabricavam
os mantimentos necessários para seus moradores”. O capitão-general informava ainda,
que em “uns campos contíguos aos da vila em maior distância” havia dado início à
criação de fazendas, tendo começado “com bastante número de cabeças de gado”, e que
havia iniciado também a criação de éguas
175
.
Pelos anos seguintes, a produção alimentícia na vila capital foi aos poucos se
consolidando, e em 1758, vinte e quatro anos após o início da ocupação no vale do
Guaporé, a produção de alimentos em Vila Bela e região ofereceu indícios de
considerável melhora, como nos informam os Anais de Vila Bela:
.. a cultura das terras se vai também aumentando e melhorando,
utilizando-se o mesmo passo os lavradores da liberal produção que
delas recebem. Já nos prédios circunvizinhos da vila e nos da mesma,
frutas de várias espécies, como são: figos, uvas, laranjas, limas,
limões, além das bananas, mamões, ananases, melancias e outras que,
em bastante quantidade, principiaram a haver logo depois da criação
da Vila. E de mais de estar dependentes da cultura muitas outras
que naturalmente produz a terra.
176
Os Anais de Vila Bela também nos informam que, em 1758:
... se fabricou algum açúcar nos engenhos desta vila e seu distrito, e
se vendeu por preço muito acomodado, tendo na bondade pouca
diferença do que vem de fora. Nas terras de rio abaixo se colhe cacau,
175
CARTA de Antônio Rolim de Moura a Diogo de Mendonça Corte Real. Vila Bela, 31/01/ 1755. In:
UFMT - NDIHR, 1983; v. II, p.56
176
AMADO & ANZAI, 2006, p. 70.
73
que o sertão espontaneamente produz, de que se faz suficiente
chocolate e, para composição deste, também as matas deste continente
produzem bastante baunilha. Os campos circunvizinhos desta vila se
vão cobrindo de gado. Assim [ilegível] ... cuja também um
princípio de rebanho de ovelhas devido a quem esta Vila deve todo o
seu ser, com o que se vai fazendo esta Vila e esta Capitania
independente de outras povoações e colônias mais antigas.
177
Os relatos acima, além de apontarem para um início de estabilização da
produção agrícola no entorno da vila capital evidenciam que naquele momento se
buscava certa diversificação da produção agrícola e na criação de animais. Mostra-nos
ainda, que os recursos naturais que a terra ofertava em abundância, como o cacau e a
baunilha eram usados para enriquecer e complementar a dieta alimentar dos moradores
do termo.
Ao longo da segunda metade do século XVIII essa fronteira também foi o
palco de manifestações advindas das disputas territoriais travadas na Europa, entre
Espanha e Portugal e seus aliados. Desse modo, se na Europa se acenava com a
bandeira da paz, isso se estendia à fronteira ocidental, considerando-se o tempo que
demoravam as notícias. Mas, se o clima era de desavença e guerra, a fronteira ocidental
sofreria seus reflexos. Esse clima constante de disputa territorial incidia diretamente em
aspectos cotidianos da vida dos moradores dessa área, afetando, inclusive, a produção
de alimentos no termo.
Foi o que ocorreu na década de 1760. Se na década de 1750 a paz entre
Portugal e Espanha, e o constante estímulo à produção agrícola contribuíram para que a
produção de alimentos na vila capital e no termo se tornasse cada vez mais
“independente de outras povoações e colônias mais antigas”, na década seguinte a
produção sofreu uma considerável queda. Isso porque, com a assinatura do Tratado de
El Pardo, em 1761 que anulou o Tratado de Madri aumentou o clima de tensão, e a
constante disputa territorial resultou em conflito armado entre portugueses e espanhóis,
no ano de 1763
178
. Embora o conflito militar tenha sido breve, o clima de tensão e
177
Idem, p.70.
178
A anulação do Tratado de Madri, decorrente da assinatura do Tratado de El Pardo, em 1761, fez com
que portugueses e espanhóis entrassem novamente em guerra na Europa. Uma vez declarada a guerra no
Velho Continente, esta logo se estendeu às possessões ultramarinas. Desse modo, nas regiões de fronteira
entre os Impérios Ibéricos na América ocorreram novos confrontos. Um desses confrontos ocorreu em
Mato Grosso, no ano de 1763. Em fins de 1762, Rolim de Moura se encontrava no Forte da Conceição,
74
instabilidade política nessa área fronteiriça levou à necessidade de aumentar o
contingente militar no termo do Mato Grosso, e chegaram a Vila Bela militares vindos
do Cuiabá, de Goiás e do Pará
179
, aumentando assim o número de pessoas a serem
alimentadas. Além disso, as freqüentes secas que ocorreram nessa década, contribuíram
para a queda na produção de víveres na Vila e em seu distrito.
A movimentação bélica nessa região obrigou muitos lavradores a abandonarem
seus sítios para se juntarem às forças militares portuguesas na luta em defesa do
território. Ao assumir a capitania, em fins de 1768, Luís Pinto de Sousa Coutinho se
deparou com vários sítios abandonados no termo do Mato Grosso. Para fazer frente à
situação preocupante, o terceiro capitão-general, no ano seguinte, ordenou aos seus
subordinados que fizessem um levantamento completo da situação da capitania, com o
objetivo de conhecer suas reais condições e potencialidades econômicas, que
auxiliassem na montagem de um plano de ação visando sua recuperação, crescimento, e
aumento da capacidade produtiva de alimentos. Em 4 de fevereiro de 1770, Luís Pinto
de Sousa Coutinho escreveu a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Secretário de
Estado da Marinha e Ultramar expondo as razões do levantamento e seus resultados.
Sousa Coutinho relatou que, após ter o estudo em mãos fez “convocar uma assembléia
dos seus moradores” exortando-os a “tornarem a restabelecer a cultura das terras
quando chegaram notícias do deslocamento para a região de aproximadamente 500 homens, muitas
canoas, peças de artilharia, armas e munições. Preocupado com a iminência de um ataque espanhol Rolim
de Moura pediu reforços do Pará, de Vila Bela e de Cuiabá. Em 14 de abril do ano seguinte, as suspeitas
se confirmaram, quando um pedestre informou ao capitão general que os espanhóis se encontravam
alojados na barra do rio Itunamas, com aproximadamente 800 homens. Uma vez informado que Portugal
e Espanha se encontravam em guerra na Europa havia um ano e quatro meses, Rolim de Moura organizou
seu efetivo de aproximadamente 224 homens e ficou à espera do ataque inimigo. Passaram-se dias na
espera do ataque espanhol, que não aconteceu. O plano dos castelhanos era bloquear a comunicação do
Forte da Conceição com Vila Bela e com o Pará, através dos rios. Diante da iminência de um bloqueio
espanhol, os portugueses optaram por usar táticas de guerrilha para combater o inimigo. Desse modo,
iniciaram com um ataque rápido e de surpresa às missões espanholas de São Miguel, cujo objetivo era
desguarnecer o efetivo espanhol de alimentos e provisões para a subsistência. Nesse ínterim, os espanhóis
armaram outro alojamento na barra do Mamoré. De posse dessa informação os portugueses passaram a
sondá-los e, em 15 de maio, percebendo a distração do inimigo abriram fogo contra duas canoas grandes
lotadas de espanhóis, que navegavam já bem próximos da barra do Mamoré. Conta-nos os Anais de Vila
Bela que uma dessas canoas era “adornada” e tinha “um camarote onde seguiam três personagens com
ricos vestidos”, os quais foram mortos pelos portugueses, “causando entre os castelhanos, um grande
pranto”. Entre os meses de maio e junho os portugueses empreenderam mais três ataques surpresa, sendo
o último deles em 26 de junho, que deixou um saldo de 23 mortos e 48 feridos no efetivo português. In:
AMADO &ANZAI, 2006, p. 88-99 e 149-175; SILVA,1995, p.130-131.
179
AMADO & ANZAI, 2006, p.107-109.
75
desamparadas”, apontando para a existência de “certo número de escravos conducentes
que podiam aplicar” para este fim, “sem prejuízo da atual cultura das minas”
180
.
O governador encerrou a carta argumentando com Mendonça Furtado que seu
“apelo” daria os resultados esperados se fossem concedidos certos estímulos, tais como
“perdoar direitos de sua Real Fazenda”, e para isso pedia o apoio de Mendonça Furtado
para que intercedesse junto ao rei. No teor da citação acima, assim como de toda a
correspondência percebe-se que Sousa Coutinho considerava a agricultura como
fundamental para o sucesso do empreendimento português na região. Aliás, a
preocupação com o desenvolvimento da agricultura na capitania parece ter sido uma de
suas maiores preocupações no governo; para ele, da agricultura dependiam todos os
outros setores da economia, e até mesmo o futuro do povoamento da capitania, pois:
... sem a abundância das primeiras produções naturais eram ruinosas
todas as mais empresas e manufaturas; se acrescentava
excessivamente o valor de todas as fazendas que o comércio introduz;
o preço do salário e, finalmente, se derramava a infelicidade e o
descômodo por todas as classes de pessoas, a destruir, por último, a
povoação e o próprio trabalho das minas.
181
Observa-se, no discurso de Sousa Coutinho, ressonância das idéias que cada
vez mais ganhavam vulto em Portugal, de ser necessário fomentar o desenvolvimento
econômico através da pesquisa científica, que gerasse melhorias na agricultura por meio
de um aproveitamento mais racional das riquezas naturais
182
.
No ano seguinte, os dados levantados por esse estudo foram enviados por Luís
Pinto de Sousa Coutinho ao Secretário da Marinha e Ultramar Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, em um ofício de 1º. de maio de 1771. Nas trinta e sete páginas que
compõem esse rico documento Sousa Coutinho fez uma profunda análise da situação da
capitania de Mato Grosso enfocando os seus mais diversos aspectos. Tratou de sua
situação geográfica, dos Tratados de Limites, dos pontos de comunicação e os cuidados
180
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela,
04/02/1770. PROJETO RESGATE- AHU – Mato Grosso, 1770, cx.14, doc.nº. 876.
181
OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Francisco de Mendonça Furtado. Vila Bela, 04/02/1770.
PROJETO RESGATE - AHU – cx.14; doc. nº. 876.
182
ANZAI, 2004, p. 45-47. Ver, também, PÔRTO, 2008.
76
que inspirava, da fauna, da flora, do comércio, da povoação, das tropas, dos
eclesiásticos, da agricultura, dentre outros assuntos
183
.
Contudo, a riqueza e peculiaridade desse documento consistem nos cinco
mapas que contém, e nas observações esclarecedoras de Sousa Coutinho. Os mapas são
os seguintes: Mapa geral da povoação da capitania; Mapa do estado eclesiástico; Mapa
do estado civil; Mapa geral das tropas pagas milícias e embarcações da capitania de
Mato Grosso; Mapa do comércio exterior e interior da capitania de Mato Grosso; Mapa
econômico da capitania de Mato Grosso. O presente trabalho vem se valendo das
informações registradas no último desses mapas, o “Mapa econômico”, no qual Sousa
Coutinho registrou informações pormenorizadas sobre o estado da agricultura, das
fábricas, das minas, dos ofícios mecânicos e do gado vacum e cavalar existente na
capitania, nos anos de 1769 e 1770. Embora esse não seja um documento inédito,
acreditamos que foi até agora pouco explorado, considerando a riqueza de suas
informações.
Quanto ao total de sítios levantados no termo, o capitão-general informava a
Francisco Xavier de Mendonça Furtado Secretário da Marinha e Ultramar , que em
Vila Bela e seu distrito, no ano de 1770, haviam sido identificados oitenta e quatro
sítios, sendo dez de fundação recente, e onze que se encontravam abandonados.
Portanto, como é possível verificar na tabela abaixo, no ano de 1771, do total de oitenta
e quatro sítios identificados na repartição do Mato Grosso, setenta e três estavam em
plena atividade em 1771, haja vista que dos vinte e um sítios que haviam sidos
abandonados, dez haviam sido restabelecidos, e apenas onze continuavam em
abandono.
Tabela I
Sítios localizados no termo de Mato Grosso em 1770
Sítios em atividade 63
Sítios fundados de novo 10
Sítios abandonados 11
Total de sítios em atividade
73
Total de sítios 84
Fonte: OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Melo e Castro.
Projeto Resgate. AHU. 1771, cx. 15, doc. 927.
183
OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Melo e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE - AHU. 1771, cx. 15, doc. 927.
77
Nas observações anexadas a esse mapa econômico, Sousa Coutinho esclareceu
que dos dez sítios fundados de novo, nove se destinavam à criação de gado vacum, e um
era de engenho de cana, localizado próximo à vila capital. Quanto aos engenhos,
segundo o governador, sua produção estava organizada da seguinte forma: “cinco de
farinha, dezesseis de aguardente de cana, quatro de mandioca, e dois de açúcar”
184
.
No ano seguinte, ao passar instruções a Luis de Albuquerque, seu sucessor na
administração da capitania, Sousa Coutinho esboçou suas preocupações em garantir o
aumento da agricultura. O terceiro governador acreditava que, para assegurar o bom
andamento no abastecimento de alimentos seria necessário que o novo governador não
perdesse de vista a relação entre a quantidade de sementes que os lavradores lançavam à
terra e sua produção dia, a demanda gerada pelas vilas e tropas da capitania e as
reservas que a capitania deveria manter para suprir os casos de necessidade. A partir da
observação desses três itens, segundo Sousa Coutinho, o governo poderia “prescrever a
quantidade das monções que devem lançar à terra, em proporção ao que devem produzir
nos anos médios”
185
.
Pouco tempo após assumir o comando da capitania, em 1772, Luís de
Albuquerque demonstrava preocupação com a produção agrícola e com a distribuição
de alimentos básicos à população, ao recomendar à câmara da vila que:
... aplicasse todo o cuidado em promover e facilitar a agricultura,
como tão indispensável para a subsistência da república e como objeto
por muitas vezes recomendado por Sua Majestade; e que, igualmente,
vigiassem atentamente sobre os oficiais mecânicos e mais pessoas que
dão comestíveis ao povo, a fim de conter uns e outros dentro dos
limites de um regimento prudente bem econômico.
186
Ao que tudo indica, Luís de Albuquerque deu continuidade às medidas
tomadas por seu antecessor para fomentar e florescer a agricultura, seguindo de perto as
recomendações deixadas por Luís Pinto. Esse fato certamente foi decisivo para
aumentar a capacidade de cultivo da capitania. Nos anos subseqüentes a 1773, a
documentação analisada indica que a produção de gêneros alimentícios na vila capital e
184
OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho à Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE - AHU. 1771, cx. 15, doc. 927.
185
INSTRUÇOES AOS CAPITAES-GENERAIS. 2001, p.43.
186
AMADO & ANZAI, 2006, p 189.
78
seu termo floresceu, garantindo aos moradores certa regularidade no abastecimento
alimentar e estabilidade nos preços.
Ao raiar da década de 1780 a capitania de Mato Grosso recebeu a visita da
expedição demarcadora de limites, também conhecida por “Terceira Partida”. Essa
expedição chegou em Vila Bela no dia 28 de fevereiro de 1782, após duzentos e um dias
de viagem, e um trajeto de quatrocentas e noventa léguas percorridas. Em seu diário, o
capitão Ricardo Franco de Almeida Serra nos oferece uma apresentação sobre os
recursos alimentares disponíveis em Vila Bela, na década de mil setecentos e oitenta:
... é esta vila abundante nas coisas mais necessárias para a vida e
própria produção do país, como são carnes frescas de vaca e porco,
galinhas, patos, peixes, arroz, feijão, milho, farinha de mandioca,
açúcar, aguardente de cana, laranjas, melancias, e algumas uvas, figos
e melões, fora frutas do país, e várias hortaliças, cuja abundante
cultura, e da mesma forma a perfeita construção e adiantamento das
casas, se deve às providências do paternal governo do ilustríssimo e
excelentíssimo senhor Luís de Albuquerque de Melo Pereira e
Cáceres, quarto capitão-general desta capitania, que no espaço de
quase 18 anos que a governou se desvelou a chegá-la ao estado em
que se acha.
187
O relato de Ricardo Franco nos repassa a imagem de uma vila bem provida dos
alimentos necessários à manutenção da ração diária de seus habitantes. Percebe-se que
dentre os produtos citados pelo demarcador, vários são de outras regiões do mundo,
como melancias, originárias da África, uvas e figos, muito apreciados em Portugal, e
que provavelmente chegaram à capitania de Mato Grosso no processo de colonização.
Embora o capitão demarcador não denomine as frutas da terra, se limitando a dizer
“fora as frutas do país”, as mais citadas na documentação consultada foram o cacau, o
ananás e a baunilha.
187
SERRA, 1790, p. 427. importante registrar que o diário de Ricardo Franco que analisamos é uma
segunda versão, apresentada em 1790, e no qual Ricardo Franco fez correções em pontos que considerou
terem ficado obscuros na primeira versão, feita em 1781. Isso explica o elogio feito por Ricardo Franco
ao governo de Luís de Albuquerque, ao afirmar que o estado em que se encontrava Vila Bela e a capitania
se devia “às
providências do paternal governo do ilustríssimo e excelentíssimo senhor Luís de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, quarto capitão general desta capitania, que no espaço de quase
18 anos que a governou, se desvelou a chegá-la ao estado em que se acha”. In: SERRA, 1790, p.427.]
79
Durante o período em que percorreram as terras da capitania, esses estudiosos
produziram diversos documentos, como diários de viagem, representações cartográficas,
memórias, entre outros. De todos os lugares que percorreram na capitania, os
demarcadores nos deixaram relatos sobre alimentos encontrados e, ao cotejar seus
diários com os Anais de Vila Bela, identificamos boa parte deles disponíveis na vila
capital e seu termo, na década de 1780. Esses alimentos, como milho, feijão, mandioca,
arroz, assim como verduras e legumes, tais como cará, batata, quiabo, além de frutas
como banana, melancia, laranja, cacau e baunilha, certamente foram importantes na
construção da base alimentar da sociedade que se formou nessa região de fronteira, em
momento de disputa e definição de limites entre Portugal e Espanha.
Antônio da Silva Pontes, um dos astrônomos dessa comissão registrou em seu
diário não os alimentos disponíveis em Vila Bela e seu termo, mas também os locais
próximos à vila capital pelos quais passou no trajeto da viagem. No dia anterior à sua
chegada em Vila Bela, Silva Pontes escreveu em seu diário que seguia navegando pelo
rio Capivari, juntamente com seu companheiro de viagem, o tenente João Soeiro,
quando identificaram na margem esquerda do rio o sítio “a que chamam Belo” e, deste
ponto, logo à direita, em umas terras firmes viram os sítios de “Inácio da Silva, o do
Caetaninho, e depois do Carvalho”, e no último pararam para jantar
188
.
Saindo do sítio do Carvalho, e tendo entrado nas águas do rio Sararé, o
astrônomo Silva Pontes registrou que ele e seus companheiros de viagem passaram por
diversos locais, “quase todos da parte direita, nas barreiras”, sendo alguns muito
alegres”, um dos quais denominado “do Capitão-mor”. Silva Pontes conta-nos que no
sítio do Carvalho havia “as melhores melancias da capitania”, produzidas em “um
nateiro que deixava o rio defronte da casa, e para o mês de setembro se comem”
189
. O
dono do local, de acordo com Pontes, era
... um venerando velho, pardo de cor e de cã branquíssima, o qual pela
longa idade diz muito a favor deste doentio continente, onde ele tem
vivido há mais de quarenta anos, e segundo o que lhe dissera o próprio
Carvalho era natural de Mariana, onde fora seu padrinho de batismo
188
PONTES, 1781, p.178-179.
189
Idem.
80
D. Pedro de Almeida, depois Conde de Assumar, o que fez crer que
terá os seus oitenta anos.
190
Comparando as informações fornecidas por Silva Pontes com o “Mapa
topográfico do nascimento” que se segue, constatamos que todos os locais produtivos e
os nomes de seus donos, citados pelo demarcador, se encontram referenciados nessa
representação cartográfica elaborada doze anos após seu relato.
Mapa IV
Mapa topográfico do nascimento e origens principais dos
rios Galera, Sararé, Guaporé e Juruena – 1794
Fonte: GARCIA, 2000, p. 410.
Neste mapa aparecem representados a vila capital, Vila Bela, a Povoação de
Casalvasco, os arraiais de São Vicente, Boa Vista, Ouro Fino, Sant’Ana, Pilar e arraial
da Chapada de São Francisco Xavier conforme detalhes em vermelho. Constatamos
190
PONTES, 1781, p.179.
81
ainda, que os locais produtivos das margens dos rios Galera, Sararé, Barbados e
Guaporé, e seus respectivos donos, se encontram referenciados nesse mapa, como, por
exemplo, os sítios de Manoel Rodrigues, Gertrudes, Lessa, Antônio Felipe da Cunha,
Agostinho Barata, Inácio da Silva, Quitéria, e o do Belo e do Carvalho citados pelo
demarcador Silva Pontes. Ao ampliar-se essa imagem verifica-se também, o registro de
vinte e três sítios localizados às margens do Guaporé, ou seja, pontilhando a linha de
fronteira.
Ao analisar um vasto corpus documental composto por requerimentos e
concessões de sesmarias, Vanda da Silva traçou um panorama da concessão de
sesmarias na capitania de Mato Grosso entre os anos de 1748-1823. No que se refere a
concessão de sesmarias no termo da Vila Bela no período recortado nesse estudo, a
autora chegou aos seguintes resultados: no governo do primeiro capitão-general
Antônio Rolim de Moura, a concessão de sesmarias “concentraram-se nas
proximidades do rio Guaporé, nos eixos rio Sararé rio Galera; rio Guaporé rio
Sararé”. No governo de seu sucessor, João Pedro da Câmara, a autora não encontrou
nenhuma sesmaria doada em Vila Bela. Já no governo do terceiro governador e capitão-
general Luís Pinto de Sousa Coutinho, Silva constatou que, “além da expansão de
concessões nas áreas fronteiriças do eixo Guaporé - Arrozal - Sararé” houve também a
“ocupação de áreas próximas ao rio Barbado, Aguapeí, Alegre e Jauru”. No governo de
Luís de Albuquerque houve uma “ampliação na ocupação das áreas de fronteira”. As
concessões de sesmarias no termo da Vila Bela, nesse período “iam desde o rio
Barbados, Guaporé até o Galera”.
Entretanto, no governo de seu irmão e sucessor João de Albuquerque ocorreu
uma “inversão na ocupação do espaço rural no que diz respeito às áreas de fronteira”
diminuindo o número de sesmarias na repartição do Mato Grosso, e aumentando no
termo do Cuiabá
191
. Portanto, os levantamentos feitos por Vanda da Silva corroboram
com nossa hipótese, de que a constituição da paisagem agrícola no termo da Vila Bela,
nas quatro décadas que analisamos esteve intimamente ligada às questões de defesa do
território nesta fronteira; nesse sentido, a ocupação do espaço rural foi estratégia
importante e largamente utilizada pelos governadores e capitães-generais da capitania
no período para assegurar à Coroa portuguesa a posse dessas terras.
191
SILVA, 2008, p.80-81.
82
Contudo, para garantir o bom desenvolvimento da vila capital e seu termo,
além do estímulo à agricultura, outras medidas se fizeram necessárias. Era preciso
também facilitar o comércio, a comunicação com o Estado do Grão-Pará, e até mesmo
com Lisboa, assegurar o domínio da navegação na bacia amazônica, assim como povoar
suas margens. Neste sentido, a abertura oficial da navegação pelo caminho fluvial do
norte, através dos rios Amazonas-Madeira-Mamoré-Guaporé era apontada pelos
administradores como medida importante, que certamente atenderia a toda gama de
interesses envolvidos.
Considerada mais cômoda e mais rápida, as primeiras explorações da
navegação pela rota do norte datam dos anos de 1722-1723, quando o sargento-mor
Francisco de Melo Palheta tentou verificar a possibilidade de estabelecer contato com as
áreas espanholas, e articular o Estado do Pará com as regiões auríferas de Mato
Grosso
192
. No entanto, o trajeto cuja navegação seria autorizada a partir de 1754 foi
percorrido pela primeira vez em 1742, ano em que Manoel Felix de Lima rodou o
Guaporé, adentrou outros rios amazônicos, até chegar a Belém, onde foi preso e enviado
para Lisboa. Esse caminho fluvial foi freqüentado pelos comerciantes que atuavam em
Mato Grosso desde 1749, ano em que chegaram nos arraiais do Mato Grosso as
primeiras carregações de mercadorias transportadas por essa via.
Desde finais da cada de 1740 eram freqüentes os pedidos tanto de
comerciantes proeminentes como João de Souza Azevedo, primeiro comerciante a
chegar ao Mato Grosso com carregações de mercadorias por essa via , quanto de
administradores coloniais, como Antônio Rolim de Moura, e Francisco Xavier de
Mendonça Furtado para que a navegação pelos rios do norte fosse finalmente
autorizada pela Coroa. Em 1750 foi enviado ao Mato Grosso uma expedição de
reconhecimento, para analisar a viabilidade da abertura daquela navegação. Quatro anos
depois a navegação por essa rota foi, finalmente, liberada pela Coroa.
Todavia, para assegurar a posse da capitania e facilitar a navegação por essa
rota era necessário assegurar o povoamento das margens dos rios que a compunham.
Neste sentido, a criação de povoações tornou-se fundamental.
Na segunda metade do século XVIII, foram criadas na repartição do Mato
Grosso, além de Vila Bela da Santíssima Trindade, as povoações de Lamego, Leomil,
Viseu, Lugar de Balsemão, Destacamento das Pedras ou Palmela, Casalvasco (1783),
192
LAPA, 1973, p. 24.
83
sendo as seis primeiras localizadas às margens do rio Guaporé, e a última às margens do
Rio Barbado. Na ótica da política lusa, além de se criar povoações era importante
também nomeá-las com topônimos que lembrassem localidades portuguesas, “a fim de
que se reconheçam posteriormente e com mais facilidade o verdadeiro domínio a quem
pertence”
193
. Ou seja, aportuguesar os nomes das povoações existentes na capitania era
uma forma simbólica de dominação do território. Essa prática de domínio territorial
também foi registrada em Mato Grosso, como nos informa os Anais de Vila Bela, de
1769:
Em 15 de março se deram às aldeias de índios deste estado, por um
bando público, as denominações das povoações do Reino, em
conformidade com as ordens de Sua Majestade, apelidando-se o Forte
da Conceição, Bragança; Aldeia de São João, Lugar de Lamego;
Destacamento das Pedras, Palmela; o Lugar de São José, Leomil; e o
de Santa Ana, no distrito do Cuiabá, Lugar de Guimarães.
194
Além de facilitar no povoamento da capitania e na contenção do inimigo
espanhol era nessas povoações que os navegantes se reabasteciam de alimentos para
continuarem a viagem, consertavam suas canoas e até conseguiam mais índios para o
trabalho nos rios. As povoações foram, portanto, importantes pontos de apoio aos
navegantes que circulavam por esse trajeto. Para se criar uma povoação observava-se,
além da localização estratégica, a qualidade das terras, se eram boas ou não para o
plantio, e a disponibilidade das matas e dos rios para o desenvolvimento de atividades
como a caça, a pesca, e a coleta de frutos. Buscava-se, ainda, criá-las em locais
habitados por indígenas, pois como afirmava Rolim de Moura, a experiência mostrara
que quando os indígenas estavam familiarizados com a região, ofereceriam menos
resistências ao serem administrados por um diretor. Nos Anais de Vila Bela, referentes
ao ano de 1759, o registro de que, após a criação da aldeia de São José que passou
a ser denominada Leomil, após 1769 , foram se estabelecendo
...
roças, plantas de mantimentos e espécies algodoais, de que se
vestiam os índios, para o que havia tear e vários tecelões entre os
193
OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela,
15/06/1769. PROJETO RESGATE- (AHU) – Mato Grosso; cx.14, doc nº. 850.
194
AMADO & ANZAI, 2006, p.133.
84
mesmos índios, canaviais com sua engenhoca, ferraria, carpintaria,
serradores, com todos os aderentes necessários para essas oficinas.
195
Como se pode observar pelas informações citadas acima, uma das condições
básicas para haver povoação era a existência de produção de alimentos, mesmo que se
destinasse apenas à subsistência daqueles moradores. O que é pouco provável, pois
como afirma Fernandes, essas povoações, que estavam localizadas nas proximidades
das fortificações, como Leomil e Lamego produziam alimentos que seriam destinados a
garantir o abastecimento do Forte do Príncipe da Beira, e dali, quando requisitado,
seriam enviados para outros locais, como as vilas, por exemplo
196
. Observa-se ainda,
que essa produção era bastante diversificada, contando tanto com atividades agrícolas,
como manufatureiras.
No que se refere à navegação por essa rota, o que se percebe na documentação
é que o trajeto mais penoso da viagem era o percurso das cachoeiras, pois, além dos
obstáculos naturais que estas representavam para os viajantes, não havia povoações que
pudessem suprir suas necessidades de alimento, conserto de suas canoas, e
disponibilidade de índios para trabalhar no serviço dos rios
197
. A criação do Lugar de
Balsemão representou, neste sentido, a primeira iniciativa de se criar povoações no
trajeto das cachoeiras, tentativa aliás que não deu certo, devido aos freqüentes ataques
indígenas.
A necessidade de se de criar povoações nesse trajeto foi ressaltada no discurso
de vários funcionários lusos durante o período estudado. Um dos relatos mais
contundentes a esse respeito, foi o produzido por Ricardo Franco de Almeida Serra,
registrado em seu diário de viagem, em 1781. Ao passar pela segunda cachoeira do rio
Madeira, denominada de cachoeira do Salto, Ricardo Franco observou que havia
necessidade de uma povoação no local, argumentando que seria “um estabelecimento
vantajoso a si mesmo, útil ao Estado, preciosíssimo para a urgente e necessária
navegação que desde a cidade do Pará se faz para a capitania de Mato Grosso”
198
.
Ricardo Franco observou ainda, que:
195
AMADO & ANZAI, 2006, p. 76.
196
FERNANDES, 2003, p. 61.
197
Sobre esse trabalho indígena ver: ANZAI, 2005, v. 01, p. 263-281.
198
SERRA, 1790, p. 405.
85
... este estabelecimento ficaria no centro de um vasto e
abundantíssimo sertão, rico em todos os efeitos que do Estado do Pará
se transportam para a Europa, como são salsaparrilha, cacau, cravo,
baunilha, pexiri, gomas e madeiras de toda a qualidade, e outras mais
que a natureza espontaneamente cria, não nas margens do rio
Madeira, mas em todos os outros rios laterais que nele deságuam,
todos de fácil e concertada navegação, e formados por terreno capaz e
próprio para uma grande cultura em anil, algodão, arroz, etc. Além
dos mencionados efeitos é este rio abundante de outros muitos que
têm pronto consumo na cidade do Pará, para onde se podem conduzir
nas maiores canoas (não de menos porte e carga do que os maiores
barcos de águas acima do Tejo) em 30 dias de viagem, navegação
menor, mais cômoda e menos perigosa do que as que se fazem desde o
Solimões e Alto Rio Negro até o Pará, em dobrado tempo.
199
Outra grande vantagem de uma povoação no local, segundo Ricardo Franco
seria “polir e catequizar as bárbaras nações” que lá viviam, como os índios Pama,
... nação mansa, e que viveu aldeada nos dois anteriores
estabelecimentos, tudo em suma utilidade das povoações do
Amazonas, que tão exaustas se acham da numerosa população que não
muitos anos tinham, e da carreira de Mato Grosso, pois a falta de
índios nas ditas povoações tem quase impossibilitado esta necessária e
urgentíssima navegação. Utilíssima, enfim, para assegurar e vigiar a
extrema portuguesa com os domínios espanhóis confinantes, sendo a
posse privativa deste importante lugar, não um ponto de apoio para
se ajudarem e socorrerem mútua e brevemente as duas capitanias do
Pará e Mato Grosso, mas um posto pelo meio do qual se pode, ou
facilitar a navegação comum com os nossos vizinhos deste rio, ou
servir-lhe de irreparável estorvo, mormente se o ponto externo e
divisório se assinar defronte da foz do rio Machado, como fica dito,
ponto que fica 39 léguas abaixo desta cachoeira, tão prejudiciais as
atuais possessões da coroa portuguesa.
200
199
Idem.
200
Idem, ibidem
86
Observa-se no discurso de Ricardo Franco que, ao tratar da importância de se
criar povoação no local da cachoeira, não há apenas preocupações referentes às disputas
territoriais, mas também à dinamização da produção de mantimentos passíveis de
comercialização, não na capitania de Mato Grosso e no Estado do Pará, mas também
na Europa. Neste sentido, uma povoação naquele local funcionaria como um importante
entreposto comercial, nos moldes de Camapuã para a navegação das monções do sul.
É importante lembrar que nesse mesmo local, um parente próximo de
Alexandre de Gusmão, chamado Teotônio da Silva Gusmão
201
que fora o primeiro
juiz-de-fora de Vila Bela, nos primeiros anos do governo de Rolim de Moura , havia
estabelecido ali povoação alguns anos antes. Pouco mais abaixo, na quinta cachoeira do
Madeira, a do Salto do Jirau, o terceiro capitão-general Luís Pinto de Sousa Coutinho
havia fundado, em setembro de 1768, outra povoação, batizada de Lugar de Balsemão,
povoada com os índios Pama
202
. No entanto, essas povoações tiveram vida efêmera,
devido aos freqüentes ataques indígenas, principalmente dos Mura, habitantes daquela
região.
Ricardo Franco permaneceu na capitania de Mato Grosso por mais de trinta
anos, até sua morte, em 1809, no Forte de Coimbra. Como legado deixou, além do
diário de viagem mencionado, documentos históricos de valor inestimável, dentre os
quais se encontram alguns mapas utilizados neste estudo. As povoações de que tratamos
estão todas elas localizadas às margens dos rios, passando pelo marco do Jauru, até o
Forte de Coimbra, e a povoação de Albuquerque, os arraiais, e os caminhos que ligavam
a vila capital à vila do Cuiabá.
Além das povoações analisadas acima, na repartição do Mato Grosso foram
criados ainda o Forte da Conceição (1765), renomeado por Sousa Coutinho, em 1769,
de Forte de Bragança
203
, e o Forte do Príncipe da Beira (1776). Criado em 1765, por
João Pedro da Câmara, o Forte da Conceição, apesar de estar localizado em lugar de
significativa importância estratégica, era pouco resistente, pois sofria inundações
201
Segundo Marcos Carneiro de Mendonça Teotônio da Silva Gusmão era irmão de Alexandre de
Gusmão. In: MENDONÇA, 1985, p.182. [O demarcador Antônio Pires da Silva Pontes já afirmara que
Teotônio da Silva Gusmão era sobrinho de Alexandre de Gusmão. Ao chegar na segunda cachoeira do rio
Madeira anotou Pontes em seu diário a seguinte passagem: “Esta cachoeira em que estamos, remarcável,
porque esteve já povoada por algumas vezes, tendo-se aqui estabelecido um “sobrinho” do célebre
Conselheiro Ultramarino Alexandre de Gusmão”. In: PONTES, 1781, p.160.]
202
AMADO & ANZAI, 2006, p.125. [Balsemão era uma referência ao “título do senhorio” da casa de
Luís Pinto de Sousa Coutinho.]
203
OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela,
15/06/1769. PROJETO RESGATE- AHU – Mato Grosso; cx.14, doc nº. 850.
87
constantes, devido às enchentes do rio Guaporé. Este fato acabou inviabilizando sua
manutenção, por ter se tornado muito onerosa para a Coroa portuguesa. No ano de 1769
o Forte da Conceição passou a ser denominado Forte de Bragança. Dois anos depois,
com a enchente de 1771, o Forte de Bragança ficou com a estrutura extremamente
abalada. Em 1774, o governador Luís de Albuquerque, após comandar expedição para
avaliar suas reais condições, condenou sua localização, e decidiu construir uma nova
fortaleza, em local mais alto, que ficasse a salvo das freqüentes enchentes do Guaporé.
A construção de fortes foi uma das mais importantes soluções encontradas
pelos portugueses na união e gerenciamento de seu vasto e disperso império
intercontinental. Essa prática remonta aos primeiros tempos da conquista séculos XV
e XVI , quando a criação dessas unidades ultramarinas tinha como objetivo
salvaguardar e servir de depósito para as mercadorias comercializadas, ou seja,
funcionavam como pontos de abastecimento e paragem das carreiras marítimas, e como
local de diplomacia; eram, portanto, uma base mista do tipo feitoria-fortaleza
204
. Com a
assinatura do Tratado de Madri e os constantes problemas em assegurar a posse do
território, houve uma retomada na prática de construção de fortes como forma de ocupar
e defender o território de possíveis investidas estrangeiras. Portanto, a construção desses
espaços deve ser entendida como parte integrante de um conjunto de práticas que
tinham como objetivo dominar e assegurar a posse dos territórios da América
portuguesa.
Em 20 de junho do ano de 1776, foi lançada a pedra fundamental da nova
fortaleza do Guaporé; era o início da construção do Forte do Príncipe da Beira, que
terminaria oito anos depois, em 1783. Erguido á margem direita do Guaporé
205
, o Forte
do Príncipe da Beira estava localizado em um ponto estratégico do território fronteiriço,
então em disputa. O novo Forte nasceu com pelo menos duas funções bem definidas:
primeiro, deveria servir de baluarte na proteção da fronteira contra possíveis invasões
castelhanas e, segundo, deveria armazenar os produtos comercializados na rota
Guaporé-Amazonas, feita pela Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão.
Ao se estabelecer um forte criavam-se também, em seu entorno, unidades
produtivas que visavam reproduzir nestes locais uma produção mínima, pois, em caso
204
FERREIRA, 2002, p.77-85.
205
O Forte do Príncipe da Beira está localizado no atual estado de Rondônia.
88
de confrontos, uma das táticas do inimigo seria bloquear os canais de abastecimento.
Além do mais, essa produção auxiliaria na contenção dos gastos, e por isso as fortalezas
eram criadas com um núcleo populacional ao seu redor. Segundo Suelme Evangelista
Fernandes, “os moradores paisanos circunvizinhos dos fortes prestavam serviços e
produziam alimentos e objetos necessários à existência daqueles partidos militares.
Eram direta e indiretamente remunerados pela Fazenda Real”
206
.
Nas roças próximas ao forte eram cultivados gêneros como milho, arroz, feijão,
banana, mandioca e cana-de-açúcar. Nas hortas dos moradores da vizinhança
semeavam-se hortaliças como couve, cebolinha, repolho e outras que, após florescerem
iam para o forte, para complementar a alimentação de oficiais e visitas ilustres. A
farinha, alimento essencial para a alimentação das comitivas monçoeiras era fabricada
em engenhos d’água situados nas proximidades do forte. Misturada com feijão,
toucinho ou mesmo pura, a farinha consistia na alimentação básica de escravos, índios e
homens pobres do forte.
Desenvolvia-se também, no forte e suas imediações, atividades destinadas à
criação de galinhas, alimento importante nas práticas de cura desenvolvidas na
enfermaria do forte, porcos e bovinos para alimentação da população que ali residia,
eqüinos para o transporte de pessoas e cargas nas imediações da fortaleza e até
cachorros, utilizados nas caçadas de animais e de escravos fugidos
207
.
A caça de animais silvestres, a pesca e a coleta de frutos da mata eram
complementos importantes no abastecimento do forte e da população da capitania.
Aliás, a carne de animais de caça foi utilizada como fonte alimentar, não apenas pela
população mais desprovida, mas, ao que tudo indica, também pelas autoridades, como
Luis de Albuquerque, que também se valia da carne de caça. Portanto, os fortes
desempenhavam papel importante não na defesa da capitania, mas também no seu
abastecimento.
No termo do Mato Grosso, assim como em outras regiões da América
portuguesa, a expansão da colonização não se processou sem resistência, e, neste
sentido, os quilombos foram um dos símbolos máximos da luta dos escravos para se
libertarem das condições degradantes a que eram submetidos. Dentre os diversos
quilombos que se formaram em Mato Grosso, o maior deles foi o quilombo Quariterê
206
FERNANDES, 2003, p. 61.
207
Idem, p. 63- 65.
89
ou do Piolho, considerada a mais importante formação de quilombos da capitania de
Mato Grosso.
A preocupação das autoridades com esses agrupamentos de negros fugidos era
constante, e na busca de sua destruição as autoridades administrativas mantinham-se
atentas a possíveis indícios sobre formações quilombolas que, quando descobertas, eram
alvo de expedições militares formadas especialmente para atacá-las. Foi o que ocorreu
com o quilombo do Quariterê ou Piolho, como também era conhecido, nos anos de 1770
e 1795.
Quando foi atacado pela primeira vez, em 1770, o quilombo do Quariterê era
governado por uma rainha, que atendia pelo nome de Tereza de Benguela, que era
assistida por um conselheiro, José Piolho. Os relatos a respeito desse quilombo chamam
a atenção por demonstrar uma organização política bem específica, não apenas por
adotar a realeza como forma de governo, mas também pela organização econômica
complexa, que abrigava atividades agrícolas, manufatureiras e até de siderurgia. A
existência de duas tendas de ferreiro e várias armas no interior do quilombo representa
forte indício de que, provavelmente, seus moradores, além de dominarem o trabalho em
ferro mantinham relações comerciais com donos de vendas e lojas localizadas na vila
capital e nos arraiais. Isso denota o quão complexa era essa sociedade em suas relações.
De acordo com relatos deixados pelos integrantes da expedição que o desmantelou em
1770, os moradores do quilombo Quariterê estavam “notavelmente fortes de
mantimentos, porque cada um tinha sua roça muito bem fabricada de milho, feijão,
carás, batatas, amendoim e muito algodão, que fiavam e teciam para se vestir e cobrir,
para o que tinham teares à moda de suas terras”
208
.
O quilombo foi reconstruído novamente por quilombolas remanescentes da
primeira formação que conseguiram escapar do ataque realizado em 1770. Vinte e cinco
anos depois, já no governo de João de Albuquerque, o quilombo do Piolho sofreu um
novo ataque. Da bandeira que o atacou em 1795 resultou um minucioso diário de
viagem, de cuja narrativa emergem imagens que reforçam a idéia da complexidade da
estrutura de produção que se estabelecia nos quilombos. Segundo esses relatos, o novo
quilombo do Quariterê estava situado em “um belíssimo terreno, muito superior, tanto
na qualidade das terras, como nas altas e frondosas matarias, as excelentes e atualmente
cultivadas margens do rio Galera, Sararé e Guaporé, abundantes de caça, e o rio de
208
AMADO & ANZAI, 2006, p.141.
90
muito peixe”
209
. Quanto aos alimentos e produtos cultivados nas roças, consta que se
“achou no quilombo grandes plantações de milho, feijão, favas, mandioca, manduiz,
[sic] batatas, carás, e outras raízes, assim como muitas bananas, ananases, abóboras,
fumo, galinhas e algodão, de que faziam panos grossos e fortíssimos, com que se
cobriam”
210
.
Além da produção alimentar identificada e pontuada por nós até aqui, é
pertinente relembrar o que afirmamos anteriormente, isto é, que as terras localizadas
ao longo da fronteira oeste não eram espaços vazios, ao contrário, eram há muito
habitadas por múltiplos povos indígenas de diversas etnias, que lutavam para resistir à
dominação de uma minoria branca. Muitos desses povos eram exímios agricultores,
sendo em muitos relatos de cronistas da época admirados por isso, como era o caso da
nação Pareci, habitante da Chapada dos Parecis .
Loiva Canova, ao estudar as representações construídas pelos colonizadores
portugueses a respeito dos Pareci, na primeira metade do século XVIII, nos revela que o
fato desse povo praticar a agricultura foi um dos elementos que contribuiu para que
fossem representados pelos colonizadores como dóceis. Analisando os relatos deixados
por cronistas da época, a autora observou que em muitos desses relatos emergem deles
imagens positivas. Segundo Canova, esses cronistas chegavam a demonstrar certa
admiração pela disposição e ordem com que os Pareci plantavam os alimentos. Um dos
relatos destacados pela autora é o de Antônio Pires de Campos: “todos vivem de suas
lavouras, no que são incansáveis”, por serem “gentio de assento, e as lavouras em que
mais se fundam são mandiocas, algum milho e feijão, batatas, muitos ananases, e
singulares em admirável ordem plantados, de que costumam fazer seus vinhos”
211
.
Dentre os vários relatos de cronistas pesquisados pela autora, os produtos
agrícolas mais cultivados pelo povo Pareci eram milho, batata, fumo, cará, mandioca,
ananases.
209
ROSA & JESUS, 2003, p.217.
210
Idem
211
Apud CANOVA, 2003, p. 57.
91
A terra e a lei de sesmarias
Embora não seja objetivo desse trabalho discutir a lei de sesmarias em si, com
todas as suas implicações na formação do sistema fundiário, traçaremos aqui um quadro
geral, buscando demonstrar como o uso de determinadas práticas de acesso à terra se
fizeram presentes na capitania de Mato Grosso indicando suas influências na
configuração da lavoura de abastecimento.
No período colonial, a posse efetiva das terras tomadas ao índio no processo de
colonização era regida pelo estatuto fundiário português conhecido como “Lei das
sesmarias”. Criada em Portugal, por D. Fernando I, no ano de 1375, a “lei das
sesmarias” tinha como objetivo garantir que as terras doadas aos chamados “sesmeiros”
fossem efetivamente ocupadas e exploradas por seus proprietários, para a produção de
alimentos. Nascida sob o signo de uma grave crise econômica e agrária, a lei estabelecia
que os proprietários de terras deveriam “lavrá-las e semeá-las para garantirem seu
domínio”
212
. Uma vez contemplado, o sesmeiro deveria ocupar a terra no espaço de um
prazo preestabelecido para o início de seu aproveitamento, que nos primeiros tempos
era de cinco anos; em caso contrário, a concessão seria cancelada, e as terras retomadas
pela Coroa, e redistribuídas a quem demonstrasse interesse em aproveitá-las
213
.
De modo geral, a concessão de terras através de cartas de doação de sesmarias
estava atrelada às condições econômicas de seu requerente, isto é, para conseguir a
concessão da terra através de uma carta de sesmarias o requerente deveria comprovar
que tinha “possibilidades” de cultivá-la, possuindo cabedal suficiente para implementar
os benefícios necessários, e ser proprietário de escravos. A lei estabelecia ainda, que
caso o proprietário da terra não conseguisse cultivá-la em toda a sua extensão, poderia
conceder parte dela a título de arrendamento para outro interessado, mediante o
pagamento de foro”, espécie de imposto pago pelo arrendatário pelo direito de
exploração da terra. Diferente do dízimo, que incidia diretamente sobre a produção
comercializada no mercado interno, o foro incidia sobre as terras doadas em
concessão
214
.
212
RITTER, 1980, p 12.
213
Idem, p. 39
214
SILVA, 1996, p. 49.
92
As “Ordenações Afonsinas”, publicadas em 1446, incorporaram esses
dispositivos legais, acrescentando dezenove pontos à lei original de 1375. As
Ordenações Afonsinas definiam sesmaria como sendo “um instrumento legal de
apropriação de terra pelo sesmeiro, com o propósito de distribuí-la novamente visando
garantir o cultivo e o aproveitamento do solo”
215
. Um dos dezenove pontos
acrescentados à nova lei estabelecia o prazo de um ano para que o lavrador contemplado
com terras doadas em regime de sesmarias iniciasse o seu cultivo.
Carmem Alveal observa que essa segunda edição da lei de sesmarias presente
nas Ordenações Afonsinas trouxe dois novos elementos. Por um lado, a legislação
tentou se aperfeiçoar, ao estabelecer o prazo de um ano para que todos os agricultores
que recebessem terras em sesmarias as cultivassem. Por outro, evidenciou serem
inúmeras as dificuldades de compreensão da própria lei, e a dificuldade de colocá-la em
prática
216
. Ainda segundo a mesma autora, de um modo geral, as “Ordenações
Manuelinas” (1511), e as “Ordenações Filipinas”, de (1603) incorporaram os princípios
explicitados pelas duas leis editadas anteriormente, acrescidos de alguns novos
elementos. Um aspecto relevante incorporado por essas novas edições da lei de sesmaria
foi o estabelecimento da fiscalização das concessões efetivadas. Desse modo,
passados cinco anos da concessão de determinada terra doada em sesmaria, esta deveria
ser fiscalizada, para que se verificasse se o lavrador havia cumprido a exigência de
lavrá-las
217
.
Transplantado para a América portuguesa, esse modelo agrário vigorou por
mais de trezentos anos. Em 1822, diante de constantes conflitos, a lei de sesmarias foi
oficialmente suspensa. Vinte e oito anos depois, em 1850, foi criada a “Lei de terras”,
que instituiu a regularização da posse através do direito de propriedade da terra,
suplantando assim a idéia de posse por meio do usufruto, um dos princípios básicos da
lei de sesmarias.
Contudo, ao contrário do que acontecera em Portugal onde a lei de
sesmarias, nos seus primeiros séculos de implementação havia possibilitado o acesso de
pequenos e médios produtores à terra , na América portuguesa a forma como esse
sistema agrário foi implementado nos dois primeiros séculos de colonização contribuiu
215
Ver texto completo das “Ordenações Afonsinas”, das “Ordenações Filipinas” e “Ordenações
Manuelinas” em http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/ Acesso 11 de junho de 2008, às 8:00 horas.
216
ALVEAL, 2002, p. 47-49.
217
Idem, p.52.
93
para a doação de grandes extensões de terras, fator que levou alguns autores, como
Costa Porto, a creditarem a esse sistema o surgimento de grandes latifúndios no Brasil,
desde o período colonial
218
. No entanto, Lígia Osório da Silva, em seu estudo sobre a
criação da lei de terras de 1850, argumenta que não é de todo correto creditar a
formação dos grandes latifúndios ao sistema sesmarial; para a autora, a formação de
grandes latifúndios está mais ligada aos condicionantes históricos da colonização
portuguesa na América, como, por exemplo, o desconhecimento da extensão territorial
da nova colônia
219
. E, aliás como observou Vera Ferlini, apesar da doação de grandes
extensões de terras registradas nos primeiros dois séculos, na América portuguesa ainda
havia no “sertão” e nas áreas de grande valor mercantil uma grande quantidade de terras
disponíveis para doação
220
. Além do mais, é preciso se ter em conta também, que a
maioria dos grandes latifúndios no Brasil surgiram da ocupação irregular de terras.
Na tentativa de disciplinar o processo de acesso à terra e garantir que mais
colonos fossem contemplados já que à Coroa interessava o povoamento sistemático
da América portuguesa , foram baixadas novas determinações, restringindo as
dimensões das terras doadas em sesmarias. Desse modo, a Carta Régia de 3 de
dezembro de 1697, estabelecia que as terras doadas em sesmarias deveriam ter a
extensão de três léguas de comprimento por uma de largura, de frente para um rio ou
meia légua em cada uma das margens, sendo que o espaço entre uma e outra sesmaria
deveria medir uma gua de terra, que se conservaria devoluta, na qual nenhum dos
confinantes poderia levantar construções ou realizar quaisquer obras
221
.
O objetivo desta lei era limitar a área de terras doadas aos sesmeiros, para que a
pessoa que a recebesse a cultivasse. Dois anos depois, em 1699, a distribuição das terras
deixava de ser gratuita para todos, e o sistema de cobrar foro passava a ser permitido,
sendo que o aforante deveria comprovar a sua capacidade de cultivar a terra, possuindo
escravos e animais de tiro para a atividade agrícola
222
.
Com o descobrimento das minas e o adensamento populacional rumo ao
interior da colônia acirraram-se as demandas pelas terras localizadas ao longo dos
caminhos, aumentando não o número de pedidos de concessão de sesmarias, como
218
COSTA PORTO, 1982, p. 42.
219
SILVA, 1996, p.32.
220
FERLINI, 2005, p. 301.
221
RITTER, 1980, p. 53.
222
MENESES, 2000, p.153.
94
também a ocupação “não-oficial” e a compra e venda de sesmarias. A partir daí o
mercado de terras, que já existia na colônia desde os primeiros séculos de ocupação
ganhou um novo impulso. A extensa legislação que regulamentava as sesmarias previa
essa possibilidade: após oito anos de ocupação da terra, o sesmeiro que desejasse
poderia vendê-la ou até mesmo comprar mais terras, mas somente se tivessem sido
devidamente aproveitadas
223
.
Visando coibir os abusos, e responder às freqüentes reclamações dos
governadores, frente aos excessos cometidos na ocupação ao longo dos caminhos, a
Carta Régia de 1725 estabeleceu que as áreas concedidas deveriam medir, no máximo,
meia légua quadrada. Ficava proibida também a concessão a um mesmo requerente de
mais de uma sesmaria
224
.
Apesar das inúmeras medidas régias com o intuito de regulamentar e
disciplinar a doação de terras, os abusos e desobediências à lei parecem ter sido uma
constante, gerando disputas, litígios e denúncias, o que se pode constatar na
correspondência que Manoel Rodrigues Torres, então Provedor e Intendente da Fazenda
Real de Cuiabá enviou a D. João V, reclamando da situação das minas. Segundo Torres,
havia
...desgoverno, que cada um toma para si as terras que lhe parece, sem
que peça sesmaria que lhe sirva de título, para justamente as possuir. E
como agora se principia neles a fazer fazendas e gado [há] dúvidas
entre os fundadores delas, porque cada um quer ser senhor de meio
mundo para trazer os seus gados, e não dão lugar para que se faça
mais fazendas dele, o que é muito prejudicial ao estabelecimento da
terra, por cuja razão me parece ser convertido ao Real serviço de
Vossa Majestade, e bem comum dos povos, que Vossa Majestade
mande que cada um seja conservado nas terras de que estão de posse
cultivar, e que sejam medidas, e se lhes passe cartas por onde conste
do domínio e posse delas. E que para os gados se não conceda mais
[que] sesmaria a cada uma pessoa que duas léguas em quadra, sendo
campo, e que tudo o que mais tiverem se lhe tire. E não sendo para
223
SILVA, 1996, p. 44.
224
RITTER,1980, p. 62.
95
gados, se lhe não deixe lograr mais que uma légua, para assim se
acomodar mais povo.
225
O Provedor da Fazenda Real também sugeria ao rei que aqueles que ocupavam
terras sem o devido pedido de concessão deveriam “pedir, e tirar conforme as ordens de
Vossa Majestade”, sob pena de perder as terras que ocupavam, que passariam a ser
consideradas devolutas e retomadas como posses da Coroa
226
. Consultado sobre essa
questão, o Conselho Ultramarino deu parecer favorável à sugestão de Manoel Rodrigues
Torres
227
.
Ao que tudo indica a prática de se ocupar a terra, estabelecer moradas e roças,
para depois efetuar o pedido de concessão utilizando o argumento do cultivo foi prática
recorrente na capitania de Mato Grosso. Em junho de 1752, o capitão mor Antônio da
Silveira Fagundes Borges “morador e assistente nestas minas”, recebeu do primeiro
governador e capitão general Antônio Rolim de Moura carta de doação de sesmarias das
terras onde “se achava situado com roça em o bairro da Conceição, ao da Chapada”,
no distrito do Mato Grosso, local que se encontrava estabelecido “com escravatura
bastante, tanto de minerar, como de cortar”. As terras doadas não deveriam exceder o
total de meia légua quadrada
228
.
No entanto, se por um lado, ao receber uma carta de sesmaria o colono que
vivia na terra longo tempo passava a ter o direito legítimo de “posse”, por outro,
recebia em troca uma série de obrigações, tais como
....
medir e demarcar judicialmente, sendo para este efeito notificadas
as pessoas com quem confrontarem, e será obrigado a fazer os
caminhos de sua testada, com pontes e estivas onde necessário for, e
descobrindo-se nelas rio caudaloso, que necessite de barca para se
atravessar, ficará reservada de uma das margens dele a terra que baste
para a serventia pública, (...) com o encargo de pagar zimos a Deus,
225
CARTA do Provedor e Intendente da Fazenda Real Manoel Rodrigues Torres à D. João V. Vila do
Cuiabá, 01/03/1740. CTA: AHU-MT, cx. 02, doc.41. CT:AHU-ACL - 010, cx.02, doc.133.
226
idem
227
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V, em 9 de Fevereiro de 1741. Lisboa,
09/02/1741.CTA:AHU-MT – cx.03, doc. 05 . CT: AHU – ACL- CU- 010, cx. 03, doc. 153.
228
REQUERIMENTO do capitão mor Antônio da Silveira Fagundes Borges ao rei D. José I, em que pede
carta de confirmação no bairro da Conceição. Vila Bela, 09/05/1752. NDIHR UFMT- CTA: AHU
MT, cx. 6-7, doc. 75, cx. 25, doc. 23. CTA: AHU – ACL – CU, 010, cx.6-7, doc. 436.
96
e outro qualquer que Sua Majestade lhe impuser de novo. E não os
pagando se poderão dar a quem denunciar, (...) reservando também os
paus reais. E faltando a qualquer das ditas cláusulas, por serem
conforme as ordens de Sua Majestade as que dispõe a lei e foral das
sesmarias, ficará privado desta mercê .
229
Aqueles que desejavam cultivar a terra, mas que não contavam com carta de
concessão poderiam arrendar parte de terras doadas a outros sesmeiros, mediante o
pagamento de foros. Essa parece ter sido uma prática bem comum na repartição do
Mato Grosso. Os mapas de receita e despesas da câmara de Vila Bela registraram o
recebimento desse tributo pago pelos arrendatários. Essa documentação camarária é
bem fragmentada; no período estudado encontramos apenas sete mapas de receitas e
despesas da câmara de Vila Bela, três que compreendem os anos de 1772, 1773 e 1775,
quatro dos anos de 1780, 1784, 1785 e 1787, e um do ano de 1791.
De todos esses mapas escolhemos o de 1775, por considerá-lo o mais detalhado
na descrição de pagamento dos foros, embora os outros mapas também mencionem esse
recebimento. Observamos que nos dados registrados no mapa de receita e despesa de
1775, apenas o pagamento de foros rendeu à câmara, naquele ano, a quantia de 34/8-42
r (trinta e quatro oitavas e quarenta e dois réis), que convertido em dinheiro totalizaram
a quantia de 45$988 contos de réis. Pagaram foro, em 1775, os seguintes aforantes: Luís
Lopes de Macedo 4/8 ¼ 12r (quatro oitavas e um quarto e doze is) Manoel de Moura
1/8 ½ e 4r, (uma oitava e meia e quatro réis); as terras aforadas ao falecido Reverendo
Dr. Bartolomeu Torres Pombo 2/8 ¼ 151r (duas oitavas, um quarto e cento e cinquenta
e um réis); o ajudante de ordens Antônio Felipe da Cunha Ponte 2/8 ¼ 15 (duas oitavas
e um quarto e quinze réis)
230
.
A aquisição de terras poderia ser feita também através da compra de terras
pertencentes a outros. Nesse caso, o comprador deveria pagar à câmara uma espécie de
imposto, o “laudêmio”. Em 1775, o ajudante de ordens Antônio Felipe da Cunha Ponte
pagou a quantia de vinte e seis oitavas e meia e sessenta e quatro réis, de seu tio
comprado de Francisco Pacheco de Souza. Pouco tempo depois, o mesmo ajudante de
ordens Cunha Ponte solicitou à rainha D. Maria I a confirmação da carta de doação de
229
idem
230
MAPA de receita e despesa da mara de Vila Bela no ano de 1775. APMT- Fundo: Câmara; doc.
nº.25. Ano de 1772 a 1789.
97
sesmarias que havia recebido de Luís de Albuquerque, em que o governador lhe fizera a
“mercê de conceder por sesmaria duas mil braças de terra em quadro”, já que o ajudante
de ordens se “achava com poucas terras, a despeito dos engenhos que possuía defronte
desta vila”
231
.
Observa-se que, embora as ratificações constantes na lei de terras buscassem
limitar a extensão concedida aos sesmeiros, evitando a doação de grandes áreas, havia
sempre espaços de negociação, e pessoas com mais influência junto às autoridades
sempre conseguiam estender um pouco mais seus domínios, fosse por meio de compra,
arrendamentos ou concessão de mais de uma sesmaria, sob a alegação de que o aumento
de seu domínio traria benefícios à produção.
O caso do citado Tenente-Coronel Antônio Felipe da Cunha Ponte é
exemplar nesse sentido. Militar português, por volta de 1763, Cunha Ponte se
encontrava em Vila Bela ocupando a função de “Furriel de Dragões”, e lutando no
conflito do Guaporé ocorrido naquele ano
232
. Em 1769, foi promovido a “Ajudante de
Ordens”. Dez anos mais tarde foi designado membro da Junta da Fazenda, presidida
pelo capitão-general Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, formada por mais
três membros, denominados “deputados”. Em 1781, foi nomeado pelo capitão-general
Luís de Albuquerque “Primeiro Comissário da Terceira Divisão de Demarcação de
Fronteiras”, e nesse mesmo ano, com nomeação da rainha foi elevado ao posto de
“Capitão de Dragões”. Em 29 de setembro de 1783, participou da fundação da povoação
de Casalvasco, assinando a respectiva “Ata de Fundação”
233
.
Cunha Ponte, ao longo dos anos em que prestou serviços na repartição do Mato
Grosso foi adquirindo e alargando suas posses, e por volta dos anos oitenta era um dos
maiores fornecedores de alimentos à Fazenda Real
234
. As terras de Antônio Felipe da
Cunha Ponte estavam localizadas na serra em frente à Vila capital, onde, além das roças
231
REQUERIMENTO de Antônio Felipe da Cunha Ponte a rainha [D. Maria I] em que pede confirmação
da carta de sesmaria na serra de Vila Bela. Lisboa, 30/04/1782. NDIHR - UFMT -CTA: AHU, MT cx. 20;
doc. 44. CT: AHU, ACL – CU- 010, cx. 22; doc, 1359.
232
AMADO & ANZAI, 2006, p.94..
233
Na função de “Coronel” foi membro de duas juntas governativas que administraram a capitania de
Mato Grosso, a primeira pela saída do capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro (de 15 de
agosto de 1803 a 28 de julho de 1804), e a segunda devido à morte do capitão-general Manoel Carlos de
Abreu e Menezes, quando uma nova junta assumira interinamente o governo da capitania de Mato Grosso
(4 de março de 1806). Antônio Felipe da Cunha Ponte faleceu em Vila Bela, em 30 de agosto de 1806, e
assumiu seu lugar, como membro da Junta Governativa, o Coronel de Engenheiros Ricardo Franco de
Almeida Serra. Cf. SILVA, 2005.
234
REFLEXÕES sobre as depredações e violências que cometem os governadores de Mato Grosso.
NDIHR /UFMT- (AHU); cx. 26, doc. nº. 1536. Ano de 1788.
98
possuía dois engenhos. Se considerarmos que cada engenho possuía, em média, entre 20
e 30 escravos
235
é bem provável que Antônio Felipe possuísse, no mínimo, entre 40 a
60 escravos trabalhando em suas posses. Suas terras podem ser consideradas o que
denominamos no capítulo anterior de “unidade produtiva escravista”. Ou seja, sítios ou
fazendas cujo caráter do processo de produção seguia o modelo escravista, geralmente
propriedades extensas que contavam com um grande número de escravos para o
trabalho. Em áreas de mineração, como no Mato Grosso, a maioria dessas unidades
compreendia os dois setores, minerador e agrário, sendo, portanto, as responsáveis pela
produção de boa parcela dos excedentes voltados para o atendimento das demandas
geradas pelo mercado, como já discutido anteriormente no segundo capítulo.
Em todos os mapas de receita e despesa dos anos subseqüentes a 1775,
elencados nessa pesquisa, podemos verificar que Antônio Felipe da Cunha Ponte pagou
subsídios de seus engenhos localizados na serra em frente a Vila Bela
236
.
Havia também uma prática, apontada pela documentação, de se pedir carta de
doação de terras apenas com o intuito de comercializá-las. Em carta dirigida a Luís de
Albuquerque, o então diretor do Forte da Conceição, José Manoel Cardoso da Cunha
comunicava que, tendo o soldado Agostinho José Botafogo apresentado a ele, diretor do
forte, um despacho do capitão general concedendo ao soldado “duzentas braças de terra
e que tinha roça de mato aberto em ragão”, havia respondido ao soldado “que estava
muito bom, mas que continuasse a fabricar, porque ele tinha roçado havia dois anos”, e
que o mato estava crescido, lembrando a Botafogo que “era obrigação dos sesmeiros
pela lei cultivar as suas terras”. Ouvindo isso, diz Cardoso da Cunha, o soldado
Botafogo lhe respondeu que não poderia cumprir a ordem de “continuar a fabricar”,
pelo fato de “ter outras coisas que fazer, e não ter gente bastante”. José Manoel Cardoso
da Cunha concluiu que era “certo que o dito Botafogo nunca iria cultivar aquela área, o
que queria era ter aquelas terras para depois as vender”
237
.
Nota-se que, se por um lado a concessão de sesmarias era um mecanismo de
formalização da posse de áreas conquistadas”, oferecendo garantias ao contemplado,
235
CARTA do ouvidor João Gonçalves Pereira ao rei D. João V. In: MORGADO; DOURADO;
CANAVARROS; MACEDO, 2007, p. 78.
236
MAPA de receita e despesa do ano de 1780. APMT- Fundo: Câmara de Vila Bela, anos de 1780 a
1789. doc. nº.181. data 3/12/1780; Mapa de receita e despesa dos anos de 1784, 1785 e 1787. APMT-
Fundo: câmara, Lata do ano de 1772 a 1789.
237
CARTA de Joseph Manoel Cardoso da Cunha à Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT- Lata: 1776; Fundo: Defesa , doc. nº. 126.
99
por outro também funcionava como um importante dispositivo de ordenamento do
espaço rural e de inserção de colonos “desgarrados” nas malhas do sistema
administrativo. Contudo, nem sempre essa política de inserção dos colonos oferecia os
resultados esperados, sempre havia aqueles que se recusavam a fazer parte do sistema,
optando por outras formas mais pragmáticas e menos burocráticas de se apropriarem da
terra, como era o caso dos posseiros.
Neste sentido, ao se analisar o número de concessões de sesmarias na Vila
Real, entre os anos de 1726 a 1728, o que se pode constatar é que muitos colonos que
aparecem nos requerimentos de concessão de sesmaria como proprietários das terras
confinantes com as terras descritas e requisitadas nas cartas de doação, não têm seus
nomes nas listas de concessões. Ou seja, muitos colonos que já ocupavam e exploravam
a terra não chegavam a requerer carta de sesmarias, não oficializando efetivamente sua
posse junto à administração, ocupando e explorando a terra na condição de posseiros
238
.
Esta prática pode ser aplicada também à repartição do Mato Grosso no período
estudado.
Durante todo o período recortado neste estudo, o que se observa em questões
relacionadas à terra é que diversas formas de acesso conviveram pari passu no processo
de formação da paisagem rural da capitania de Mato Grosso. Desse modo, podemos
identificar que entre os produtores de alimentos havia pessoas que poderiam ser
categorizadas de diversas formas quanto à sua condição de acesso à terra: sesmeiros,
arrendatários, posseiros, meeiros, entre outras.
Cabe, por fim, ressaltar que, do ponto de vista de acesso à terra não havia
diferenças concretas entre datas minerais e sesmarias. Na prática, as datas ajudaram a
compor a paisagem agrária, pois, como se disse anteriormente, no Mato Grosso
mineradores proprietários de datas se dedicavam a atividades diversificadas, incluindo
as agrícolas e criatórias. Portanto, na prática, o universo rural em regiões mineradoras
como Minas Gerais, Cuiabá e Mato Grosso era formado tanto de datas minerais quanto
por sesmarias; como afirmou Carrara, o mercado de terras era também um mercado de
águas minerais
239
.
Diante dessa especificidade, colocam-se algumas questões relacionadas ao tipo
de cultivo praticado nessas terras: quais foram os produtos agrícolas mais cultivados no
238
OLIVEIRA, 2008, p. 69-70.
239
CARRARA, 2006, p.156.
100
termo do Mato Grosso, espaço recortado nesse estudo? Porque determinados alimentos
foram mais cultivados que outros?
Na tentativa de encontrar respostas a esses questionamentos, seguimos agora.
101
C
APÍTULO
III
Os “gêneros do país”
Após traçar uma “cartografia” da espacialização da paisagem agrícola no termo
do Mato Grosso, neste capítulo procuramos identificar os principais produtos cultivados
no termo, no período em estudo, buscando identificar o porquê de tais preferências.
Lançaremos nosso olhar também sobre as atividades extrativas, tais como a caça, a
pesca e a coleta de frutos da mata, buscando avaliar sua importância na alimentação dos
moradores da vila capital e seu entorno.
Contudo, antes de passarmos a essas discussões, algumas considerações se
fazem necessárias. Um aspecto importante diz respeito ao caráter misto da economia.
Assim como ocorrera em Minas Gerais, proprietários de terras e escravos desenvolviam
atividades econômicas diversificadas, sendo prática recorrente encontrarmos produtores
que, além de se dedicarem à agricultura dedicavam-se também à mineração e a alguma
atividade administrativa. Da mesma forma, comerciantes também se dedicavam à
agricultura e às atividades administrativas ao mesmo tempo. Militares dedicavam-se a
outras atividades como a agricultura, cargos administrativos, e até mesmo comércio em
pequenas tavernas. Foram múltiplas as combinações existentes entre as diversas
categorias e as atividades desenvolvidas
240
.
Outro fator a ser considerado foi a presença de mão-de-obra escrava negra e
mão-de-obra indígena desempenhando atividades em diversos níveis de produção, que
iam desde o plantio, o transporte e beneficiamento de alimentos, até atividades
manufatureiras, como a fiação e a tecelagem. O último aspecto que gostaríamos de
salientar é o fato da agricultura ter representado, nesse período, uma alternativa
econômica importante, que ao lado do comércio e da mineração garantia o acesso à
riqueza. Se pensarmos em termos de categorias, dentre as várias categorias de
proprietários encontradas no Mato Grosso, as predominantes foram o minerador, o
comerciante, e o lavrador ou roceiro. Estimativas indicam que em épocas de crise na
240
REQUERIMENTO do capitão mor Antônio da Silveira Fagundes Borges ao rei D. José I, em que pede
carta de confirmação no bairro da Conceição. Vila Bela, 09/05/1752. NDIHR UFMT- CTA: AHU
MT, cx. 6-7, doc. 75, cx. 25, doc. 23. CTA: AHU ACL CU, 010, cx.6-7, doc. 436. Ver também:
AMADO & ANZAI, 2006, p. 237.
102
mineração, um lavrador conseguia apurar, em um ano de trabalho, segundo Lapa, cerca
de cinqüenta mil réis, considerado um bom rendimento, que o comum era conseguir
cerca de trinta mil réis por ano. Um senhor de engenho podia receber entre sessenta e
setenta mil réis, “e um mineiro, conseguindo seiscentos réis por semana fechava um ano
de trabalho com um valor de 31$200”
241
.
O que se observa a partir das estimativas apontadas acima, é que em anos
normais, ou seja, quando a extração mineral era considerada boa, mineiros e lavradores
obtinham, por um ano de trabalho, remunerações em dinheiro equivalentes; em anos
fracos para o setor de mineração, os rendimentos obtidos por lavradores superavam os
rendimentos dos mineiros em 37,6%. Isso sem falar nos rendimentos dos senhores de
engenho, que a julgar pelas estimativas, era uma atividade altamente lucrativa. Embora
essas estimativas tenham sido construídas a partir de dados extraídos de viajantes que
passaram por Minas Gerais, José Roberto do Amaral Lapa as aplicou ao Mato Grosso
no período em questão.
As investidas de outras categorias, como comerciantes e pessoas que exerciam
ofícios mecânicos pelas fainas agrícolas, não eram vistas com bons olhos pelos
agricultores que, descontentes com a perda de espaço, travavam disputas que
extrapolaram o âmbito do poder local, chegando a ser encaminhadas ao arbítrio do rei.
No início de 1780, os lavradores do Mato Grosso entraram com representação na
câmara de Vila Bela pedindo providências, pois
...os negociantes se intrometeram a fazer roças, recolhendo não
frutos para sua casa, mas para negócio, vendendo-os em muitas
tabernas e causando o prejuízo de não terem esses roceiros quem lhes
comprasse os seus frutos, e de verem muito vexados pelos mesmos,
por compra de escravos e de outras fazendas fiadas e caríssimas.
Sendo que esses roceiros são os principais habitantes desta nova
colônia, e os ditos negociantes se aumentam, logo que ajuntam grande
cabedal do negócio e da mesma lavoura, por estas razões pediam
providência que coibisse aquela ambição, e que fizesse subsistir a
esses roceiros no seu modo de vida. Foi ouvida a Câmara e povo. Até
241
LAPA, 1973, p. 96.
103
agora não houve decisão. E se presume que iria o requerimento à
presença de Sua Majestade.
242
Nota-se que o motivo principal do descontentamento dos agricultores não era o
fato dos comerciantes cultivarem gêneros agrícolas, mas sim de cultivarem e venderem
esses gêneros em tabernas, ocupando um espaço no mercado que outrora era ocupado
pelos lavradores. O outro motivo de descontentamento apontado eram os altos preços
praticados por esses comerciantes na venda aos lavradores, de escravos e fazendas, que
geralmente eram fiadas, e que por isso mesmo, segundo Luís de Albuquerque, seus
preços alcançavam “maior exorbitância, abaixando por outra parte sumamente de
reputação os efeitos de suas lavouras”
243
.
Dessa disputa podemos levantar duas hipóteses. Primeira: pode-se aventar que
um possível endividamento dos roceiros com os comerciantes tivesse levado os
comerciantes a executar suas dívidas, tomando-lhes as terras, passando a cultivá-las,
como era comum no litoral
244
. Segunda a nosso ver a mais provável , é que os
comerciantes, percebendo a conjuntura favorável às atividades agrícolas, com um
possível aumento na demanda por produtos cultivados na própria região, tenham
resolvido expandir seu campo de atuação em mais uma atividade que lhes
proporcionasse possibilidade de grandes lucros. A corroborar esta hipótese, lembre-se
que um ano antes dessa contenda, em fevereiro de 1782, chegara a Vila Bela a equipe de
oficiais demarcadores, e que alguns alimentos destinados ao abastecimento dessa equipe
deveriam ser produzidos na própria capitania
245
.
É importante considerar ainda, que boa parcela dos subsídios do ouro enviado
de Goiás para custear os gastos com as demarcações de limites foi usada para pagar as
grandes somas despendidas pela chamada “Mesa Real”, criada por Luís de
Albuquerque, para atender às necessidades alimentares dos demarcadores e sua equipe
242
AMADO & ANZAI, 2006, p.237.
243
OFÍCIO de Luís de Albuquerque a Martinho de Melo e Castro. Vila Bela, 01/03/1783. PROJETO
RESGATE – AHU- MT- ACL-CU-010, cx.23, doc.nº.1401.
244
LAPA, 1973, p 98.
245
MAPA dos víveres despendidos por conta da real Fazenda de Mato Grosso com a expedição de
demarcação de limites de 1782 a 1787. NDIHR/UFMT- (AHU); cx. 26, doc. 1539; ano de 1789.
104
de trabalho
246
. Desse modo, é bem provável que os comerciantes, percebendo essa
possibilidade, estivessem interessados em ocupar esse espaço aberto pelo mercado.
Um terceiro ponto a observar é que os lavradores, ao construírem sua
argumentação, valeram-se de uma das maiores preocupações da administração
portuguesa na região do Mato Grosso, qual seja, a de assegurar o povoamento da
capitania por meio do incentivo na fixação de colonos à terra. Explicitaram a
importância que a agricultura desempenhou na geração de riquezas ao afirmar que os
comerciantes “ajuntam grande cabedal do negócio e da mesma lavoura”. Juntamente
com o requerimento dos roceiros, encaminhado por Ls de Albuquerque a Martinho de
Melo e Castro, foi anexado um ofício redigido pelo próprio capitão-general, no qual
reiterava o argumento do povoamento utilizado pelos lavradores, e pedia ao Secretário
da Marinha e Ultramar que o encaminhasse à presença do rei, para que o soberano fosse
árbitro da importante matéria
247
.
Contudo, parece que essa questão envolvia também, interesses pessoais de Luís
de Albuquerque. Para um melhor entendimento desses interesses torna-se importante a
análise mesmo que parcial dos “signatários” que compuseram esse Requerimento.
De um total de 55 assinantes, “8 eram totalmente analfabetos” assinaram em cruz , e
dos “47 restantes, pelo menos um tinha bom domínio da escrita, pois foi escrivão da
Mesa da Intendência”. Das treze mulheres que assinaram o Requerimento apenas uma
assinou em cruz. Estavam entre as doze restantes “Maria de Lima e Ana Maria
Francisca da Silva” citadas por Luís de Albuquerque nos apontamentos que deixou
para seu irmão João de Albuquerque , “Maria Romana Pacheco e Izabel Ribeira de
Matos
248
, acusadas seis anos depois demonopólio” de víveres, juntamente com o
Tenente-coronel Antônio Felipe da Cunha Ponte e o capitão Alexandre Barbosa
Faleiros, com o consentimento de Luís de Albuquerque
249
. Segundo Carlos Alberto
Rosa, um documento a respeito da devassa dos bens que deixou João de Albuquerque,
com data de 1798, apontou Izabel Ribeira de Matos “como sendo a mãe de um filho do
246
MAPA das Despesas e receitas do ouro de Goiás. NDIHR./UFMT- (AHU) MT; cx. 26; doc. nº.
1548, ano de 1789.
247
OFÍCIO de Luís de Albuquerque a Martinho de Melo e Castro. Vila Bela, 01/03/1783. NDIHR-UFMT
– (AHU)-ACL-CU-010, cx.23, doc.nº.1401.
248
ROSA, 1996, p. 254.
249
REFLEXÕES sobre as depredações e violências que cometem os governadores de Mato Grosso.
NDIHR /UFMT- (AHU); cx. 26, doc. nº. 1536. Ano de 1788.
105
governador Luís de Albuquerque, Flaviano José de Matos, à época falecido, de quem
tinha sido tutor o referido Alexandre Barbosa Faleiros”
250
.
Quatro gêneros principais cultivados nas roças constituíam a base da dieta
alimentar cotidiana dos habitantes de Vila Bela e seu termo: o milho, o feijão, a
mandioca e o arroz. Desses quatro produtos, sem dúvida, o milho e o feijão foram os
mais cultivados, seguidos de perto pela cana-de-açúcar, mandioca, arroz, além de frutas
e verduras.
Milho e feijão
Caio Prado Júnior, ao analisar o que denominou cultura de “subsistência” no
Brasil colônia dividiu a América portuguesa em duas áreas distintas: “área do milho” e
“área da mandioca”. De acordo com as análises de Prado Júnior, o Mato Grosso faria
parte da “área do milho”, composta pelas regiões colonizadas por paulistas
251
. Nessa
mesma trilha, Sérgio Buarque de Holanda sugere que nos locais colonizados pelos
paulistas fora se formando uma verdadeira “civilização do milho”, e que a
predominância no cultivo desse cereal teria assegurado aos moradores dessas áreas a
mobilidade que necessitavam
252
. Corrobora essa idéia a afirmação do terceiro capitão-
general Luís Pinto de Sousa Coutinho, registrada nas observações anexadas ao “Mapa
econômico da capitania tirada no ano de 1770”, no qual afirmava que os gêneros
alimentícios mais cultivados pelos moradores de Vila Bela e seu termo eram o milho, o
feijão e a cana-de-açúcar, embora se produzisse “pouco arroz e pouca mandioca”
253
.
Na farta documentação consultada encontramos diversos indícios que apontam
ser bem provável que o capitão-general estivesse correto na especificação dos gêneros
mais cultivados no Mato Grosso. Em novembro de 1781, ao passar pela quinta
cachoeira do rio Madeira, denominada “Salto do Girau”, com destino a Vila Bela, o
astrônomo e demarcador Antônio Pires da Silva Pontes diz ter encontrado, por aquelas
250
ROSA, 1996, p.254.
251
PRADO JÚNIOR, 1942, p. 166. Ver também, FISH,1978.
252
HOLANDA, 1975, p. 217.
253
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 1/5/1771.
PROJETO RESGATE –(AHU). cx. 15, doc. nº. 927.
106
paragens, “grande roça”, na qual se cultivava “o aipim, que é uma espécie de mandioca,
e muito milho”
254
. Dois anos depois, Joaquim José Ferreira, comandante da povoação
de Casalvasco informava a Luís de Albuquerque, que se ia “principiando a roça para
feijão”
255
. Em 1785, o comandante do Forte do Príncipe da Beira, José Pinheiro de
Lacerda comunicava a Luís de Albuquerque, que
... o soldado José Rodrigues, com outros vários, se acha estabelecido
presentemente o dito curral da estância, com (...) uma boa roça de
milho e mandioca, seus pés de bananeiras e algumas canas de açúcar,
que tudo pode servir para plantar, em ordem ao aumento do dito
estabelecimento, e muito mais se poderá ir adiantando.
256
As referências a esses gêneros também podem ser encontradas nos mapas dos
armazéns dos fortes enviados aos capitães generais, como podemos observar pelo relato
a seguir:
Remeto a vossa excelência os mapas do mês de julho, a saber: um de
toda a guarnição, e outro do mantimento existente nestes armazéns, e
além do mantimento que dele consta, recebeu-se para eles mais neste
mês quarenta e oito alqueires de feijão, e dezesseis alqueires de
farinha.
257
Portanto, considerando os indícios que a documentação aponta, confirma-se a
afirmação de Sousa Coutinho, de que os dois gêneros alimentícios mais cultivados no
Mato Grosso, que entravam na alimentação cotidiana da população eram o milho e o
feijão. O milho era destinado a satisfazer as necessidades alimentares não dos
moradores e de seus animais domésticos, como porcos e galinhas, mas também de
mulas e cavalos, utilizados na locomoção de pessoas e transporte de mercadorias. Nas
minas do Mato Grosso, cada vez que se pretendia deslocar tropas de animais de um
254
PONTES, 1781, p. 161.
255
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 02/02/1785. APMT-
Lata:1785; Fundo: Governadoria; doc.nº.08.
256
CARTA de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 14/02/1785.
APMT- Lata: 1785; Fundo: Defesa, doc. nº. 114B.
257
CARTA de Manoel Caetano da Silva a Luís de Albuquerque. Forte da Conceição, 22/08/1773. APMT-
Lata: 1773; Fundo: Governadoria; doc.nº.08.
107
lugar ao outro, as autoridades requeriam junto aos moradores quantidades significativas
desse cereal para garantir a alimentação dos animais. Em outubro de 1769, o ajudante de
ordens Antônio Felipe da Cunha Ponte comunicou a Sousa Coutinho, que frei José
havia lhe entregado
...
uma ordem de vossa excelência para os moradores do Paraguai,
Jaurú, e Lavrinha do Guaporé, terem pronto o milho que fosse
necessário para cinquenta cavalos, que até vinte deste mês partiriam
dessa para esta vila. E me disse que a todos a tinha apresentado, e que
todos lhe responderam a executariam. Além disto, mandei chamar
uma preta, chamada Maria Tereza, que mora nesta vila, e é casada
com um preto assistente na dita Lavrinha, e dos que têm mais posses,
e lhe perguntei se seu marido poderia ter nela pronto quinze alqueires
de milho para os referidos cavalos, até dez de novembro. E segurando-
me ela que sim, e que desde já se encarregava desta assistência, me
escusa mandar eu desta vila o dito milho para aquele sítio.
258
Sérgio Buarque de Holanda identifica o cultivo da tríade milho, feijão e
abóbora nas roças em Cuiabá desde os primeiros anos de ocupação lusitana na região, e
afirma que fatores como a facilidade no transporte aliado a um tempo de produção mais
curto, foram elementos importantes na escolha desse cereal pelos paulistas, em
detrimento da mandioca. O milho, em relação à mandioca apresentava a vantagem de
poder ser transportado em grãos por longas distâncias, sem que isso comprometesse sua
capacidade de germinação, e enquanto que a mandioca levava cerca de um ano ou mais
para produzir, o milho tinha um tempo de produção relativamente curto, cerca de cinco
a seis meses, entre plantio e colheita
259
.
O desenvolvimento das lavouras de milho e de feijão se estendeu também ao
termo do Mato Grosso, nos anos iniciais de sua reterritorialização. Quanto ao
rendimento desses cereais, Sousa Coutinho afirmara no mencionado relatório que a
produção do milho “neste país é prodigiosa”, pois cada quantia de milho lançado à terra
258
CARTA de Antônio Felipe da Cunha a Luís Pinto de Sousa Coutinho. Vila Bela, 12/10/1769. APMT-
Lata: 1769; Fundo: governadoria. Lata, 1769; doc. nº. 221.
259
HOLANDA, 1975, p.108-175.
108
não deixava de “render 200”, nos anos regulares, e “20 a 25 o feijão”
260
. O que
significa que, para cada quatro ou cinco grãos de milho lançados à terra
261
obtinha-se
um rendimento equivalente a 200 grãos em anos normais, o que uma média de 40
grãos por um, e de quatro ou cinco grãos de feijão conseguia-se um rendimento de 20 a
25 grãos, o que dá a média de cinco grãos por um.
Ao analisar o rendimento desses gêneros nas Minas Gerais
262
, no século XVIII,
Carrara aponta um rendimento para o milho de no mínimo 40, e no máximo 75 por um,
e o feijão uma média de dez por um. Porém, em lugares de mato virgem, a sementeira
do milho alcançava um rendimento de quinhentos por um, e o feijão chegava a render
sessenta por um
263
. Evidentemente que as condições da terra influenciavam no
rendimento desses grãos, mas outros fatores também interferiam no rendimento do
milho, como práticas de plantio mais adequadas, como se constata no relato do diretor
do Forte do Príncipe da Beira, informando a Luís de Albuquerque que havia mandado
... a relação do milho, que com boa regularidade se acha plantado em
distância ou intervalo de seis para sete palmos, cujo arbítrio fiz este
ano praticar, a bem dos mesmos lavradores, que costumavam plantar o
seu milho com feijão, e por isso colhiam espigas de restolho, e tão
pouco, que a menos de cento por um correspondia de ordinário.
264
Além disso, a proporção de duzentos por um, relatada por Sousa Coutinho,
era alcançada em anos de boa safra. Porém, é interessante observar que Sousa Coutinho
não fez qualquer menção a esses cuidados em seu relatório, limitando-se a dizer que o
alto rendimento do milho e do feijão era devido ao maior “empenho” dos agricultores e
à boa qualidade das sementes
265
. Mas qual seria a razão desse maior “empenho” dos
moradores de Vila Bela com o cultivo do milho?
260
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE – (AHU) –MT; cx. 15, doc. nº. 927.
261
CARRARA, 2006, p. 115.
262
Sobre a importância do milho e do feijão nas Minas Gerais, ver também: FRIEIRO, 1982.
263
CARRARA, 2006, p.207.
264
CARTA de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque de Melo Pereira de Cáceres. Forte do
Príncipe da Beira, 11/11/1785. APMT- Lata: 1785; Fundo Defesa; doc. nº. 146.
265
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE –(AHU) – MT; cx. 15, doc. nº. 927.
109
Luce Giard, em “Cozinhar” afirma que os alimentos que compõem o prato
cotidiano fazem parte de um complexo sistema simbólico pelo qual uma cultura ordena
o mundo sensível; no entanto, é preciso reconhecer que esse jogo de diferenças e
preferências pode ser condicionado não só por fatores culturais e simbólicos, mas
também por fatores ligados à história natural (espécies vegetais e animais disponíveis,
natureza dos solos cultivados, condições climáticas), à história material e técnica e,
finalmente, por fatores ligados à história econômica e social
266
. Seguindo o raciocínio
de Giard, observamos que o “empenho” dos lavradores do termo do Mato Grosso no
cultivo do milho e do feijão ligava-se não a fatores culturais, mas também a fatores
técnicos, pois milho e feijão eram dois produtos que alcançavam bom rendimento, e
eram de fácil cultivo e beneficiamento.
O processo de limpeza, preparação da terra, semeadura e colheita do milho e
do feijão não ocupava mais que alguns meses, e não requeriam por parte dos lavradores
cuidados contínuos, já que no período entre a semeadura e a colheita desse gênero não
exigiam mais que duas capinas, liberando a mão-de-obra para o desenvolvimento de
outras atividades. Em princípios de fevereiro tinha início o processo de limpeza da terra
para a primeira semeadura do feijão. Quando limpa, a terra era dividida em colunas, que
continham entre cinco e sete palmos de distância uma da outra
267
; vencida essa etapa,
abriam-se covas onde se lançava ao solo os grãos de feijão, estocados da colheita
anterior
268
.
Como milho e feijão eram cultivados de forma consorciada, todo o processo de
preparo da terra para a sementeira do milho implicava no seu aproveitamento
concomitante para a semeadura do feijão; no entanto, a colheita se dava em períodos
diferentes
269
. Três meses depois da semeadura o feijão já estava pronto para ser colhido.
o milho demorava ainda em torno de um mês e meio, mais ou menos, para chegar no
ponto de colheita. Câmara Cascudo afirma que na região norte, assim como o plantio da
mandioca, a semeadura do milho ocorria no mês de janeiro, sendo sua colheita em junho
270
, dando uma colheita por ano. Já no Mato Grosso, tudo indica que a semeadura do
266
GIARD, 1996, p. 234-238.
267
CARTA de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque de Melo Pereira de Cáceres. Forte do
Príncipe da Beira, 11/11/1785. APMT- Lata: 1785; Fundo : Defesa; doc. nº. 146.
268
MENESES, 2000, p. 184.
269
Idem, p.180.
270
CASCUDO, 2004, p.111.
110
milho ocorresse duas vezes no ano, pois nas correspondências dos comandantes dos
fortes enviadas para Luís de Albuquerque encontramos expressões como “está acabado
o milho velho, e será conveniente prosseguir-se a moer o novo à proporção que ele for
secando, por estar plantado em três quartéis”. Essa informação nos fornece indícios para
afirmar que o plantio de milho no termo do Mato Grosso ocorria mais de uma vez ao
ano, provavelmente fosse lançado à terra duas vezes no ano oferecendo duas
colheitas
271
. Ainda de acordo com os indícios apresentados por essa documentação, é
bem provável que a primeira semeadura ocorresse por volta do final de fevereiro e mês
de março, e a segunda em fins de setembro e em todo o outubro
272
(Ver calendário
agrícola).
As técnicas agrícolas na segunda metade do século XVIII eram ainda bastante
rudimentares. O processo de lavrar a terra consistia em derrubar a mata e capoeiras com
machados, aproveitando troncos e galhos como lenha. Após a secagem da mata
derrubada se ateava fogo à área desmatada, e em seguida destoucava-se com enxadões e
picaretas, troncos e raízes. Feito isso, a terra já estava pronta para ser coveada e
semeada. Não evidências, na documentação analisada, sobre o uso do arado, nem
tampouco menção a qualquer processo de fertilização da terra, como uso de estrume de
animais.
Portanto, fatores de ordem cultural, econômica, técnicos, geográficos fizeram
com que as culturas do milho e do feijão reinassem soberanas, no período estudado, no
Cuiabá e no Mato Grosso.
O milho era base de alimentos e bebidas consumidos na capitania, tais como:
canjica, cuscuz, biscoitos, pipocas, catimpuera, aluá, aguardente, vinagre, entre
outros
273
. Uma das bebidas derivadas do milho mais apreciadas pelos povos da nação
271
CARTA de JoPinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 14/02/1785.
APMT- Lata: 1785; Fundo: defesa; doc. nº. 115.
272
CARTA de Manoel Caetano da Silva a Luís de Albuquerque. Forte da Conceição, 24/10/1773. APMT-
Lata:1773; Fundo: defesa; doc. nº.84; CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque.
Casalvasco, 26/02/1785. APMT- Lata: 1785; Fundo: Governadoria; doc.nº.09; CARTA de Joaquim José
Ferreira. Casalvasco, 02/03/1785; Lata: 1785; Fundo: governadoria, doc. nº.10. CARTA de Joaquim José
Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 20/02/1785. APMT- Lata:1785; Fundo: governadoria,
doc.nº. 08; OFÍCIO de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira,
14/02/1785. APMT- Lata:1785; Fundo: defesa; doc. nº. 115; CARTA de José Pinheiro de Lacerda a Luís
de Albuquerque de Melo Pereira de Cáceres. Forte do Príncipe da Beira, 11/11/1785. APMT- Lata: 1785;
Fundo : defesa; doc. nº. 146.
273
HOLANDA, 1975, p. 216-217.
111
Paresi era a chicha, largamente utilizada em suas festas e rituais
274
. A chicha era
preparada através da maceração do milho verde que, mastigado por mulheres, era
posteriormente cuspido em recipientes de madeira para fermentar, ganhando um gosto
adocicado. Após esse processo, a massa de milho macerado era guardada em um
recipiente tirado do buritizal, e ao qual as mulheres acrescentavam água até encher.
Dessa mistura derivava a chicha. No entanto, embora importante base alimentar, o
milho não podia suprir a todas as necessidades dos moradores da capitania.
Ainda verde e em espigas, o milho poderia ser consumido tanto assado em
brasas, quanto cozido em água. Do milho verde fazia-se ainda o curau e a pamonha
275
.
Contudo, o consumo do milho na repartição do Mato Grosso se dava, sobretudo, sob a
forma de fubá e de farinha. Esses dois produtos eram fabricados em engenhos d’água.
Embora fosse considerada mais indigesta, tinha-se a farinha de milho como mais
nutritiva que a farinha de mandioca, e segundo Sérgio Buarque de Holanda parece ter
sido a maior contribuição oferecida pelo milho à dieta alimentar cotidiana dos
habitantes das minas
276
, tanto nas Gerais, quanto em Mato Grosso.
A preferência pela farinha de milho parece ter sido mais acentuada nos fortes,
fator que certamente contribuiu, e muito, para o aumento da demanda por esse alimento
no termo. Essa alta demanda aliada à queda na safra de milho fez com que em
determinadas ocasiões os comandantes dos fortes fossem obrigados a ordenar aos
lavradores donos de engenho que moessem o milho ainda meio verde para se fabricar a
farinha, como podemos observar no relato abaixo:
... está faltando aqui a farinha para suprir as datas, de sorte que me vi
obrigado a mandar aos donos dos engenhos que fizessem quarenta
alqueires dela cada um deles, com algum prejuízo, por estar o milho
ainda verde.
277
Em épocas de falta de milho substituía-se a farinha de milho pela de mandioca.
Em 1785, o comandante do Forte do Príncipe da Beira informou a Luís de Albuquerque
que era preciso prevenir,
274
A chicha ainda hoje pode ser encontrada no comércio de Vila Bela.
275
HOLANDA, 1975, p.216-217.
276
Idem, p. 217.
277
CARTA de Joseph Manoel Cardoso da Cunha a Luís de Albuquerque. Forte da Conceição, 30/03/
1777. APMT- Lata: 1777; Fundo: defesa; doc. nº. 64.
112
...
fazendo esforçar os três engenhos do falecido Rocha, Ignácio
Ferreira Marinho e Domingos Francisco dos Santos, os monjolos de
João Cardoso dos Santos, na fabricação unicamente de farinha,
evitando o desperdício de tempo que se costumam divertir com as
cachaças, enquanto os ditos fabricantes se não esforçassem com maior
número de escravaturas, pois em tempo desperdiçado com tal manobra
se podia aproveitar em fazer farinha de mandioca, em ordem a suprir a
falta de milho, e não seria menos proveito e lucro que a mencionada
cachaça.
278
Mandioca
A mandioca foi outra fonte importante de alimento cultivada pelos moradores
de Vila Bela e região. Conhecida dos povos ameríndios antes da chegada dos europeus,
a mandioca dominou facilmente o paladar português, tornando-se alimento
indispensável no uso cotidiano dos colonos americanos
279
. Em 1799, ao discorrer sobre
a utilidade de se ter plantações de alimentos próximas às lavouras de café, frei José
Mariano da Conceição Veloso, autor de “O fazendeiro do Brasil” argumentava:
A mandioca é outra raiz muito útil, e de muita serventia, mas raras
vezes vem bem nos distritos chuvosos. De mais não vegeta bem à
sombra, e conseguinte se não deve plantar entre as bananeiras, mas em
lugar separado. A preparação desta raiz é matéria de alguma
delicadeza, porque seu suco é mortal. A mandioca doce não tem esse
inconveniente, e pode-se comer cozida ou assada, como os inhames e
outras raízes.
280
278
OFÍCIO de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 14/02/1785.
APMT- Lata:1785; Fundo: defesa; doc. nº. 115..
279
CASCUDO, 2004, p.92.
280
VELOSO, José Mariano da Conceição. O Fazendeiro do Brasil. Tomo III, Bebidas alimentosas, parte
II, Café. Lisboa: Imprensa Régia, 1799. p. 44. www.ieb.usp.br Acesso em 20/11/2006.
113
Vimos, pois, pelas palavras de Veloso, que havia no Brasil duas espécies de
mandioca bem distintas: uma brava (amarga), e outra doce, de sabor suave. A brava
continha uma forte concentração de ácido cianídrico, substância xica, o que
inviabilizava seu consumo em estado natural; a mandioca doce não era venenosa, e
podia ser consumida cozida, assada ou em forma de farinha. Quanto à denominação,
Manihot utilíssima é usada para designar as amargas, e Manihot palmata é a designação
das mandiocas doces
281
. Observa-se ainda, pelas palavras de Veloso, que a mandioca
requeria alguns cuidados, que a depender da situação poderia ser considerado
inconvenientes para o seu cultivo constante e sistemático. Segundo Alexandre
Rodrigues Ferreira, a mandioca, quando deixada de molho desprendia um suco cru que
era “um mortal veneno para a maior parte dos animais” que o bebiam
282
.
Frequentemente cultivada pelos moradores das minas do Mato Grosso, a
mandioca parece não ter disputado com o milho espaço em área cultivada. As
explicações para ter sido plantada em menor escala que o milho podem estar associadas
a fatores tais como: tempo de produção mais longo; ser um alimento restrito a
alimentação de pessoas, não servindo de alimento para animais, como era o caso do
milho; não possibilitar certas combinações na produção consorciada, além de apresentar
dificuldade no transporte das ramas utilizadas para plantio. Contudo, isso não significa
que a mandioca e seus derivados não tivessem um papel importante na alimentação da
população de Vila Bela e região. Enfatize-se que grande parcela da população de Vila
Bela era composta por indígenas e seus descendentes, habituados ao consumo dessa
raiz. Na documentação consultada é freqüente a referência a roças de mandioca, que
aparece sob a denominação de macaxeira, aipim ou simplesmente mandioca.
Tubérculo rico em carboidrato, a mandioca poderia ser consumida cozida,
assada, em forma de polvilho para a confecção de biscoitos, em caldos misturada à
verduras, em forma de beijus, mas, sobretudo sobe a forma de farinha. Fabricada em
engenhos destinados a esse fim, a farinha de mandioca era item de presença garantida
nas listas de mantimentos destinados a abastecer os viajantes que trafegavam pelos
caminhos da capitania. Pelos idos de 1770, foram identificados quatro engenhos de
mandioca em plena atividade no termo de Vila Bela
283
.
281
ALENCAR, 2003, p. 91.
282
ANZAI, 2004, p. 177.
283
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE – (AHU)- MT; cx. 15, doc. nº. 927.
114
Arroz
Trazido pelos portugueses para o Brasil, desde as primeiras décadas de
ocupação lusitana, o arroz
284
foi, na opinião de Armesto, o segundo produto agrícola
mais importante transplantado para a América
285
. Esse cereal figura entre os produtos
cultivados em São Paulo em meados do século XVI. No entanto, ao que tudo indica,
seu cultivo foi preterido em benefício de outras culturas durante mais de um século,
reaparecendo na pauta dos produtos cultivados naquela capitania em fins do século
XVII
286
. As capitanias do Maranhão, Grão Pae Rio de Janeiro se destacaram como
grandes produtoras de arroz no período colonial, e há registros de que em 1781, parcela
considerável do “arroz consumido em Portugal era proveniente do Brasil”
287
.
Por volta dos anos setenta do Setecentos, o arroz era um cereal ainda pouco
cultivado na capitania de Mato Grosso. As explicações para esse baixo cultivo não
estavam na qualidade das terras ou no baixo rendimento desse gênero, mais sim na
qualidade das sementes e na falta de máquinas adequadas para descascá-lo, de forma a
deixar os grãos totalmente limpos sem quebrá-los demasiadamente. Visando resolver
esse problema e fomentar o cultivo desse cereal na capitania, em 1770, Sousa Coutinho
“mandou vir do Pará melhor qualidade de semente, e um modelo para se fabricarem
nesta capitania as referidas máquinas auxiliares”
288
.
O arroz foi por algumas vezes o substituto providencial de outros alimentos
básicos, como a farinha, e até mesmo o feijão. Em 1773, o comandante do Forte da
Conceição avisava Luís de Albuquerque de que havia recebido
...
quarenta e oito alqueires de feijão, e dezesseis alqueires de farinha
de mandioca. Do fumo e arroz, consta do mapa, supre muito bem a
284
Originário dos vales secos da Ásia Central, onde surgiu há cerca de 5 mil anos A.C., o arroz
transformou-se depois em uma planta semi-aquática, o que lhe assegurou o seu alto rendimento. Cf.
BRAUDEL, 1995, p.127. No entanto, somente nos séculos XVII e XVIII houve expansão de espécies
agricultáveis. Cf. MARIN, 2005.
http://www.naea-ufpa.org/revistaNCN/ojs/viewarticle.php?id=7&layout=html Acesso: 16/02/2008.
285
ARMESTO, 2004, p. 260.
286
HOLANDA, 1975, p. 237-240.
287
MARIN, 2005, p. 81.
288
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE – (AHU). cx. 15, doc. 927.
115
falta de feijão, dando-se por cada quarta de feijão uma vara de fumo, e
uma quarta de arroz em casca em lugar de meia de feijão, na forma do
costume, por onde julgue o não ser preciso vir feijão para a guarnição,
que existe neste ano.
289
Duas espécies de arroz poderiam ser encontradas em Vila Bela: o arroz branco
e o arroz vermelho ou arroz nativo, como também era conhecido. O arroz vermelho
brotava naturalmente pelos espaços alagados da capitania e, associado ao peixe ou a
carne de caça serviu de sustento para os novos habitantes das minas desde os primeiros
anos de ocupação do território, como podemos constatar pelo relato de um autor
anônimo, que esteve nas minas do Cuiabá entre os anos de 1720 a 1722:
...
[passava] só com peixe do rio que um negro pescava no Cuiabá com
fisga e rede trançada de cipó e palmito de aguaçú, que tirava do mato,
comia com capim arroz das beiradas [dos rios], que pilava, e do pilado
comia tudo misturado, com toucinho de caça gorda, com pouco sal
(...) mel das [abelhas] europa que tirava dos paus, que tudo o tempo
ardentíssimo estragava e consumia.
290
Durante todo o século XVIII o arroz vermelho foi largamente utilizado como
alimento pela população da capitania. Essa espécie de arroz foi registrada nos
documentos produzidos pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Quando seguia
viagem de Vila Bela em direção à Vila Real, o naturalista Ferreira registrou:
Todos os rios e ribeiros que se atravessam, continuando a jornada a
o Cuiabá, são mais ou menos bordados de palmares, tabocais e
diversos arvoredos, assim como as lagoas e as várzeas, semeadas de
arroz vermelho.
291
289
CARTA de Manoel Caetano da Silva a Luís de Albuquerque. Forte da Conceição, 22/08/1773. APMT-
Lata: 1773; Fundo: governadoria; doc. nº. 08.
290
SILVA, 2005, p.88.
291
ANZAI, 2004, p.186.
116
Cana-de-açúcar
A cana-de-açúcar foi outra planta que fez parte da paisagem agrícola de Vila
Bela desde os primeiros anos de ocupação lusitana na região. Largamente cultivada nos
sítios de Vila Bela, a cana deu origem a vários produtos consumidos por sua população,
tais como a rapadura, o melado, o açúcar e, sobretudo, a aguardente. A construção de
engenhos em áreas de extração mineral fora proibida pela Coroa portuguesa desde 1715,
e tinha como objetivo conter a proliferação de engenhos nas Minas Gerais, fato que
vinha ocorrendo desde o início do século XVIII. Como justificativa para a proibição,
segundo Mafalda Zemella, a Coroa alegava que os muitos engenhos construídos na
região aurífera empregavam-se, sobretudo, na destilação da aguardente de cana,
causando prejuízos aos comerciantes de aguardente do reino. Outro argumento usado
pela Coroa para tal proibição era que as lavouras de cana, por ocuparem grande número
de braços desviavam parte da mão-de-obra que poderia ser empregada na extração do
ouro, que na visão dos administradores lusos era mais lucrativa para a Coroa, pois
quanto mais ouro se extraísse, maiores seriam os lucros na arrecadação dos quintos.
Além disso, a Coroa alegava que tais fábricas concorriam para a perturbação do sossego
público, pelas desordens provocadas pelos negros embriagados
292
.
No entanto,
a
pesar da proibição, Zemella constata através das constantes
reiterações da legislação portuguesa a respeito dos engenhos, que tal proibição não
surtiu os efeitos esperados, e a construção de engenhos nas áreas de mineração
continuara a se expandir durante todo o século XVIII
293
.
A construção dos primeiros engenhos no Mato Grosso parece ter iniciado logo
após a descoberta de ouro nas margens dos rios que compunham a bacia do Guaporé. A
esse respeito, o primeiro documento de que temos notícia é de autoria de Tomé Gouveia
e Sá Queiroga, que no ano de 1735, após receber licença do governador de São Paulo, o
Conde de Sarzedas, para construir engenho nas minas do Mato Grosso, pedia ao rei a
confirmação de sua licença, como podemos constatar pelo documento abaixo:
292
ZEMELLA, 1990, p.212.
293
Idem, p. 212-213.
117
Diz Tomé Gouvêa e Queiroga, assistente nas minas de Vila Real
do Bom Jesus do Cuiabá, aonde assiste, (...), a Vossa Majestade, como
também ser ele suplente o motor do descobrimento do tio do Mato
Grosso do sertão Parecizes, donde se espera haver umas minas
continuadas de grande rendimento, e pela sua boa inteligência, zelo e
verdade, o proveu o governo na ocupação de Provedor da Fazenda
Real, o qual exercitou com muito zelo do real serviço, e por ser muito
consciente haver naquele sítio novamente descoberto do Mato Grosso,
e um engenho que se possam fabricar aguardentes e melados, para se
acudir com eles o façam, por não haver um naquele sítio, recorreu ao
governador conde de Sarzedas para lhe dar licença para poder levantar
engenho, que com efeito senhor governador lhe concedeu (...), e pede
a Vossa Majestade lhe faça mercê, em atenção ao referido mandar ao
suplente se lhe passe carta de confirmação da licença que lhe deu o
dito governador, para poder levantar um engenho de aguardente, de
melados, no novo sítio do Mato Grosso, tudo a custa do suplente.
294
Quase três anos depois, em fins de 1738, Queiroga finalmente recebia a
resposta do rei, que, além de negar a confirmação de sua licença, ordenou que “no caso
de se haver erigido engenho o mandais demolir, e não consintas se estabeleçam
engenhos de novo”
295
. Naquele período, Cuia havia se constituído como
verdadeiro entreposto comercial para o Mato Grosso, e as intenções de Queiroga e de
outros homens de posses interessados na construção de tais engenhos no Mato Grosso
não agradaram aos proprietários de engenhos do Cuiabá, que, interessados nas
oportunidades de comércio abertas por aquele novo mercado, se articularam em torno
da câmara da Vila Real para se manifestarem ao rei e pedirem que
... no novo descobrimento do Mato Grosso se não plantasse cana, nem
fabricasse engenho algum de novo. Sem embargo do que tenho notícia
que destas Minas foram alguns instrumentos para se fabricar um
engenho no dito descobrimento, que se conservem os que estão feitos
nestas Minas parece justo, para não perder de todo os donos deles de
294
PETIÇÃO de To Gouvêa e Queiroga enviada ao Conde de Sarzelas. Vila do Cuiabá,
21/01/1736. NDIHR/ UFMT. Rolo 1, microfilme, CTA–(AHU)-Mato Grosso; cx.1,doc. 68; CT-(AHU)–
ACL – CU – 010, cx.1, doc.81.
295
Idem
118
se fabricarem de novo, e principalmente em descoberto é divertir do
exercício de minerar vinte ou trinta escravos, que em cada um se
ocupam, e buscar meio para se perderem muitos homens com bebidas,
como aqui se experimenta, e será justíssimo que Vossa Majestade
proíba com penas graves que se não façam para o futuro semelhantes
engenhos. E assim o praticou o general desta capitania, Antonio da
Silva Caldeira, na criação das minas dos Goiases, por experiência ter
mostrado o prejuízo que causam os ditos engenhos.
296
Importante notar que os oficiais camarários de Cuiabá, além de pedirem para
que não se levantassem novos engenhos no Mato Grosso pediam ainda que não se
demolissem os engenhos existentes na Vila Real, como estabelecia a ordem régia de
1715, ordem que aparece reiterada na negativa a Tomé Gouveia e Queiroga. A
brecha deixada pela legislação através do recurso às licenças, foi um espaço por onde
atuaram diversos interesses, sendo ao mesmo tempo espaço de disputa, mas também de
negociação. Esse caso mostra o quão complexas eram as relações entre a metrópole e a
colônia.
A provisão régia de 12 de outubro de 1737, não proibiu a construção de
novos engenhos, como também extinguiu o recurso à licença, numa tentativa de fechar
as brechas deixadas pela legislação anterior. Quase seis anos depois, uma nova lei foi
editada pelo rei, e estabelecia que,
... sendo-lhe também presente que sem embargo das ditas reais ordens
se tinham fabricado nestas minas alguns daqueles engenhos de que
resultaram vários inconvenientes, e detrimento grande aos moradores
sendo mui prejudiciais a conservação das ditas minas, era servida que
desde logo se fizessem demolir todos os que se achassem proibindo a
sua reedificação ou nova construção, debaixo da pena de dois mil
cruzados que pagaria cada transgressor, a metade para a sua Real
Fazenda e a outra metade para o denunciante, e de cinco anos de
degredo para o Rio Grande de São Pedro, além da perda dos escravos
e mais fábrica dos ditos engenhos mandando que esta real ordem se
296
CARTA do ouvidor João Gonçalves Pereira ao rei D. João V. MF.14, doc. 176-(AHU). In:
MORGADO; DOURADO; CANAVARROS e MACEDO, 2007, volume II, p.78.
119
publicasse e registrasse nesta dita secretaria, e aonde mais conviesse.
297
Apesar da lei de 1743 ter estabelecido duras penas para os transgressores, os
engenhos continuaram a prosperar, tanto em Cuiaquanto em Mato Grosso. Em 1751,
ano em que D. Antônio Rolim de Moura Tavares chegara à recém criada capitania do
Mato Grosso, o distrito de Vila Bela contava com treze engenhos de aguardente e três
de açúcar e rapadura, e em Cuiabá existiam vinte e quatro engenhos de aguardente, e
vinte e dois de úcar e rapadura
298
. Após quase vinte anos, em 1770, Vila Bela
contava com dezoito engenhos de aguardente e três de açúcar e rapadura em pleno
funcionamento, enquanto a Vila Real contava com vinte e um engenhos de aguardente e
dois de açúcar
299
. Analisando essas informações, observa-se que, por um período de
aproximadamente dezenove anos, o total de engenhos destinados a fabricar aguardente
aumentou na vila capital, e continuou praticamente estável na Vila Real; os engenhos
de açúcar mantiveram-se estáveis em Vila Bela, e apresentaram uma queda vertiginosa
em Cuiabá, passando de vinte e dois, em 1751, para apenas dois, em 1770.
Em novembro de 1782, Luís de Albuquerque baixou um novo bando, no qual
esclarecia que através da provisão régia de 9 de outubro de 1749, o rei deixara a cargo
dos capitães-generais a decisão de se demolir ou não os engenhos erguidos em áreas
mineradoras.
Vários moradores se animaram a multiplicar semelhantes engenhos, e
com grave prejuízo público, depois de haverem merecido a real
contemplação e providência que deixo referido, sem nem ao menos
me pedirem a necessária licença, que deverão para isso nos
ponderados termos, pelo que tudo, usando do poder expresso, que a
mesma Senhora me tem concedido para conservar ou demolir as ditas
fábricas, regulando ao meu arbítrio a sua existência, enquanto não
tomo uma resolução mais positiva e oportuna às circunstâncias
políticas que me incumbe não perder de vistas, sou servido proibir
inteiramente a nova construção ou reedificação de qualquer dos
297
BANDO expedido por Luís de Albuquerque Pereira e ceres. Vila Bela, 06/11/1782. APMT- Lata:
bandos; Fundo: bandos; doc. nº. 47.
298
CORREA FILHO, 1994, p.694.
299
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE –(AHU) – MT; cx. 15, doc. 927.
120
engenhos ou engenhocas, expressados debaixo das mesmas penas que
Sua Majestade se dignou estabelecer contra os transgressores, pela
dita real ordem de 12 de junho de 1743, se pagarem dois mil cruzados,
que se aplicarão na forma específica, e de perderem todos os escravos
e bens da fábrica, além do dito degredo de cinco anos a que ficam
sujeitos.
300
Três anos depois, em abril de 1785, Luís de Albuquerque baixou uma nova
portaria, na qual mandou apreender “nos alambiques quaisquer outros instrumentos de
destilar e fabricar cachaças”
301
. No mês seguinte, o escrivão da Fazenda Real do Forte
do Príncipe da Beira, Antônio Ferreira Coelho lavrou um auto de apreensão, e registrou
que
Em virtude da portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Luís
de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, governador e capitão
general desta capitania, expedida em 24 de abril do corrente ano, fui
por mandado do ajudante engenheiro comandante José Pinheiro de
Lacerda aos engenhos abaixo mencionados, e lhe fiz apreensão nos
[alambiques] que achei haver nos mesmos engenhos, que são os
seguintes:
A Domingos Francisco dos Santos
Um alambique de cobre, grande.............1}
Dois ditos mais pequenos......................2}=3
A Manoel José da Rocha
Um alambique grande...........................1}
Dois mais pequenos.............................2}=3
E por ter com efeito executado tudo quanto se me ordenou a este
respeito, relativo à referida apreensão, passo o presente.
Forte do Príncipe da Beira a 14 de maio de 1785. O escrivão da
Fazenda Real, Antônio Ferreira Coelho.
302
300
BANDO expedido por Luís de Albuquerque Pereira e Cáceres. Vila Bela; 06 /11/1782. APMT- Lata:
bandos; Fundo: bandos; doc. nº. 47.
301
CARTA de JoPinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Forte do
Príncipe da Beira; 15/5/1785. APMT- Lata: 1785; Fundo: defesa; doc.nº.134.
302
AUTO de apreensão feito por Antônio Ferreira Coelho, escrivão da Fazenda real do Forte do Príncipe
da Beira. 14/05/1785.APMT- Lata: 1785; Fundo- defesa; doc.nº.134.
121
Não informações na documentação levantada sobre mais apreensões, além
dos seis alambiques citados. De qualquer forma, tal medida nos parece ter tido mais a
finalidade de intimidar e desacelerar a proliferação dos engenhos de aguardente do que
necessariamente acabar de vez com eles no termo, pois o cultivo da cana e a produção
de seus derivados continuou a ser atividade econômica importante em Vila Bela.
Apesar da importância do açúcar e de outros derivados da cana, como o melado
e a rapadura, a aguardente foi, sem dúvida, o produto mais consumido nas regiões de
minas. Além de ser presença garantida em reuniões e festas, a aguardente fazia parte do
consumo cotidiano dos mineiros, que creditavam a ela também dons terapêuticos. Essa
associação é perfeitamente explicável, segundo Leila Mezan Algranti, com a difusão
cada vez mais acentuada do açúcar, e o valor terapêutico creditado a ele desde
Hipócrates, que “acabou sendo associado também aos demais produtos derivados da
cana-de-açúcar, como o melaço e a aguardente, bem como aos alimentos fabricados
com açúcar: os confeitos e os doces de frutas”
303
. Soma-se a isso o fato de muitos
medicamentos serem, naquele período, preparados com aguardente, para não estragar.
A aguardente era muito utilizada no tratamento de dores, inflamações, feridas e
outros males. No tratamento aplicado aos doentes de “disenteria bacilar, doença grave
que geralmente degenerava em ulceração do intestino e gangrena retal, recomendava-se,
além da limpeza corporal, uma dose de aguardente pela manhã em jejum”
304
. No termo
do Mato Grosso, a utilização de aguardente e outros derivados da cana, como o açúcar e
a rapadura foram largamente utilizadas nas práticas de cura aplicadas aos doentes
acometidos de febres e sezões. Tal prática foi identificada pelo naturalista Alexandre
Rodrigues Ferreira, e registrada no documento que produziu sobre as doenças que
acometiam os moradores da capitania de Mato Grosso, denominado de “Enfermidades
endêmicas da capitania de Mato Grosso”. Ao elencar as práticas de cura americanas
aplicadas às febres cotidianas e terçãs Ferreira diz que entre outros tratamentos a “gente
popular” costumava tomar “eméticos do sumo de dois ou até três limões azedos, em
uma chávena de aguardente da terra a que chamam cachaça”. Usava-se ainda adicionar
em “uma pequena quantidade de cachaça a dois ovos batidos” para provocar vômitos,
práticas que o naturalista classificou como “as mais extravagantes” que havia visto
305
.
303
ALGRANTI, 2005, p.34.
304
SILVA, 2002, p.189.
305
BNRJ códice 21, 2, 5. Enfermidades endêmicas da Capitania de Mato Grosso. In: ANZAI, 2004,
p.216. Ver também, PORTO, 2008.
122
De modo geral, a fabricação da aguardente ou cachaça, como também era
chamada, se dava associada à produção de açúcar, ou até mesmo a outras atividades,
como a cultura e fabricação de farinha de mandioca e milho
306
. Seu processo de
fabricação foi registrado em um documento anônimo da capitania de Minas Gerais.
Certamente no século XVIII esse processo o apresentava diferenças nas regiões
auríferas, sendo, portanto, aplicável ao Mato Grosso. O processo descrito seguia as
seguintes etapas: primeiro, a cana era moída no engenho para se extrair o caldo ou
garapa, que era armazenado em um recipiente de madeira, onde permanecia por cerca
de vinte e quatro horas; em seguida, o caldo era fervido e fermentado, após o que era
levado para o alambique, “onde com o fogo por baixo fervia até que destilava a
aguardente, e dali ia para as pipas e se podia beber logo”
307
.
Frutas, verduras e legumes
O cultivo de frutas e verduras marcou a paisagem rural e até mesmo a urbana
de Vila Bela, acrescentando novas cores e formas. Seja nos amplos quintais da casas de
Vila Bela e seus arraiais ou nos pomares e hortas dos sítios espalhados pelo distrito, o
cultivo de frutas e verduras prosperou desde os anos iniciais de fundação da vila capital,
contribuindo para a diversificação da alimentação de seus moradores. Os Anais de Vila
Bela nos informam que em 1758 era possível encontrar na vila frutas de diversas
espécies, tais como “figos, uvas, laranjas, limas, limões, bananas, mamões, melancias”
308
e melões
309
, além de frutas da terra como o cacau, o ananás e a baunilha. Vale
destacar que dentre as frutas elencadas acima, várias são originárias de outras regiões do
mundo, como melancias, uvas e figos.
Com o aumento no número de moradores da vila-capital, a demanda por esses
produtos aumentou consideravelmente, criando a necessidade de se ampliar seu cultivo
para abastecer o florescente mercado.
306
OFÍCIO de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 14/02/1784.
APMT- Lata: 1784; Fundo: defesa, microficha 783.
307
SILVA, 2002, p. 74.
308
AMADO & ANZAI, 2006, p.70.
309
SERRA, 1790, p.427.
123
Nas vilas coloniais as câmaras municipais tinham o poder de disciplinar o bem
viver de seus moradores. No que tange à alimentação, as maras tiveram amplos
poderes de editar normas que abrangiam, desde o controle do comércio e o incentivo de
determinada rota de navegação, até medidas que interferiam diretamente nas práticas
agrícolas, tais como o incentivo ao plantio de determinados tipos de produtos e
alimentos ou até mesmo a adoção de outras práticas agrícolas. Em Vila Bela da
Santíssima Trindade, assim como em outras vilas coloniais, isso ocorreu com certa
freqüência. Visando ampliar a oferta de frutas e verduras na vila, o Senado da Câmara
de Vila Bela ditou normas para que
... os moradores dos subúrbios desta vila pusessem cuidado na
agricultura de frutas e hortaliças (...) para que a ela mandassem
vender. E o mesmo entendem os lavradores circunvizinhos a este
meio, uns dez bastaria para abundar a vila de compradores, na certeza
de que podem nesta vila dar gasto diariamente às hortaliças.
310
Dentre os legumes e verduras cultivados em Vila Bela, os mais citados nos
documentos analisados foram o cará e a batata
311
, e verduras como couve, repolhos
312
,
cebolas
313
e quiabo
314
, além de diversas hortaliças, que Ricardo Franco afirmava
“tinham abundante cultura”
315
.
O quiabo, planta africana da família das malvas, “que no Rio de Janeiro era
conhecida como “qincambó” [Quinganbô]”
316
, servia não como fonte de alimento,
mas também para a fabricação de medicamentos. Silva Pontes, ao identificar o cultivo
dessa planta na capitania ressaltou suas propriedades medicinais: “na medicina pode ser
310
CARTA do Senado da Câmara de Vila Bela a Luís Pinto de Sousa Coutinho. Vila Bela, 03/02/1770.
APMT Lata: 1770; Fundo: mara; doc. nº. 72. Nesta mesma reunião, atendendo a uma solicitação de
Sousa Coutinho, os vereadores criaram normas para incentivar o cultivo do algodão e do tabaco na
capitania.
311
LACERDA E ALMEIDA, 1841, p. 24.
312
OFÍCIO de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 28/09/1787.
APMT- Lata: 1787 A; Fundo: defesa; doc. nº. 906.
313
PONTES, 1781, p. 169.
314
Idem, p. 177.
315
SERRA, 1790, p.427.
316
PONTES, 1781, p. 177.
124
do maior socorro, em todas as indicações de remediar a acrimônia”
317
. Do quiabo
também se fazia xaropes, sendo muito eficiente no tratamento de pacientes com “tosses
ferinas”. Era remédio utilizado não só nos caminhos dos sertões, mas também em
Portugal, inclusive por pessoas ilustres: Em Lisboa a uma pessoa muito ilustre
reconheci que deveu a este remédio, incógnito na farmácia européia, o salvar-se de uma
tosse que o conduzia ao túmulo”
318
.
A caça, a pesca e os produtos extraídos da mata
Outras atividades econômicas como a caça, a pesca e a coleta de frutos da mata
foram durante toda a segunda metade do século XVIII atividades importantes, que
contribuíram sobremaneira para diversificar e enriquecer a dieta alimentar dos
moradores do Mato Grosso.
A caça foi uma atividade praticada cotidianamente pelos habitantes do termo.
Desde os primeiros tempos de ocupação do Mato Grosso, as matas localizadas entre o
rio Sararé e o Guaporé eram frequentemente visitadas para a obtenção de animais que
contribuíam para o sustento cotidiano, que a carne de gado era produto escasso e
muito caro nos primeiros anos de ocupação das minas. Nos anos em que a produção de
alimentos era baixa, como ocorrera no ano de 1752, os produtos da “caça, aves do mato,
e o peixe do rio”, que naquele ano foi bastante, eram o “sustento ordinário”
319
, dos
habitantes do termo.
Dentre os praticantes da caça podemos identificar desde índios encarregados
das montarias
320
, padres, militares, autoridades, até estudiosos, como Antônio da Silva
317
Idem, p. 177. Segundo Bluteau “acrimônia” é um termo médico que significa “agudeza de humor
picante que ofende as partes do corpo em que se acha”. In: BLUTEAU, 1720.
318
Idem Ibidem, p. 177.
319
AMADO & ANZAI, 2006, p.52.
320
Segundo Bluteau, o vocábulo montaria ou monteira refere-se a “caça de montaria”, isto é, a caça que
com cães e armas mata os animais do campo, porém mais propriamente a montaria é aquela que se faz
com cavalo contra os animais silvestres e ferozes como são javalis, veados e outros, que por serem de sua
natureza mais bravos não descem ao raso e se escondem nos montes, por razão do lugar se chamou a tal
caça montaria. In; BLUTEAU, 1720. [Nas expedições fluviais havia as canoas de montaria, que seguiam
adiante, para providenciar alimentos para o grupo.]
125
Pontes, Lacerda e Almeida, e Ricardo Franco. Entre os meses de outubro e novembro de
1783, Ricardo Franco e Antônio Silva Pontes se encontravam em diligência, cujo
objetivo era fazer o reconhecimento do território entre os rios Barbados e Jaurú. Ao
comunicarem suas observações ao capitão-general disseram ter encontrado ao longo dos
caminhos “em muitas partes, muitos cervos, perdizes, patos e bons palmitos”, além de
“algumas palhoças, que parecia de escravos fugidos, e gado vacum”
321
.
As salinas localizadas nas imediações da povoação de Casalvasco era outro
local bastante freqüentado por pessoas interessadas em caçar, principalmente veados,
que era um dos animais mais encontrados naquelas paragens. Aliás, a carne de veado foi
um complemento importante na alimentação dos militares alocados no destacamento
daquela povoação
322
. Do veado também se aproveitava a pele, que não raro era enviada
ao capitão-general. Em 1785, Joaquim José Ferreira, comandante da povoação de
Casalvasco informou a Luís de Albuquerque que nos dias santos do natal havia
mandado
... fazer uma caçada de veados aos campos das salinas, a que foi Jorge
Pompeo, João Soares de Abreu e dois pedestres, na mesma ocasião em
que o [ilegível] vinha, o qual me deu notícia que os tinha encontrado
nas salinas com bastante peles, as suas, as quais mandei cortes e
remeto a vossa excelência um [ilegível], que me pareceu ficara
alguma coisa melhores do que as outras.
323
A pesca foi outra atividade bastante praticada pelos moradores de Vila Bela e
seus arraiais. Os Anais de Vila Bela nos informam que os moradores da Ilha Cumprida,
em seu primeiro ano de existência como arraial costumavam sair à pescaria que, seca
ou salgada, traziam a vender a estas minas”
324
. Abaixo, reproduzimos desenhos de
alguns dos peixes encontrados nos rios da capitania, produzidos pelos “desenhadores”
da “Expedição Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira”
325
.
321
Idem, p. 243.
322
OLIVEIRA, 2003, p.150.
323
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 15/02/1785. APMT- Lata:
1785; Fundo: governadoria; doc. nº. 07.
324
AMADO & ANZAI, 2006, p. 47.
325
http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032.kd//?t=bs&pr=_dig_pr&db=tbn_dig&use=col&disp=list&ss=ne
w&arg=alexandre|rodrigues|ferreira. Acesso em 20 de agosto de 2008.
126
[Traíra]
Coleção Alexandre Rodrigues
Ferreira. BNRJ
[Jacundá] Coleção Alexandre
Rodrigues Ferreira. BNRJ
[Matrincham] Coleção Alexandre
Rodrigues Ferreira. BNRJ
[Palmito] Coleção Alexandre Rodrigues
Ferreira. BNRJ
[Tambaqui ou Palú] Coleção
Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
[Peixe cachorro] Coleção Alexandre
Rodrigues Ferreira. BNRJ
326
A documentação fornece indícios de que as grandes quantidades de peixe seco
usadas para abastecer os fortes na repartição do Mato Grosso eram, por vezes, pescados
no rio Madeira, na altura das primeiras cachoeiras. Em 1773, Manoel Caetano da Silva,
comandante do Forte da Conceição informava a Luís de Albuquerque que havia
recebido
... três cartas de vossa excelência, uma de seis de outubro e duas de
sete, todas a vinte e um deste mês. Na primeira, me ordena vossa
excelência que faça toda a diligência por consertar o bote de índios
que apareceu na cachoeira, nas alturas das primeiras, aque vossa
excelência chegue. mandei dizer a vossa excelência que tinha
mandado deixar ficar em companhia deles uns pedestres, para melhor
os animar; e ajudar-lhes a pescar algum peixe para comerem (...). Pelo
que respeita a continuar-se a pescaria, a não mando continuar por não
ser já tempo de se tirar utilidade, as arrobas de peixe que se
326
http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032.kd//?t=bs&pr=_dig_pr&db=tbn_dig&use=col&disp=list&ss=ne
w&arg=alexandre|rodrigues|ferreira. Acesso em 20 de agosto de 2008.
127
[fizeram]. Na próxima pescaria porão 71 arrobas e vinte e tantas
libras, e destas já mandei dar uma data. A guarnição, que se poderiam
gastar 12 arrobas, pouco mais ou menos, e o mais o reservo para
quando vieram alguns [indos] do Pará ou [pro] o que vossa excelência
for servido determinar.
327
O rio Madeira era rico em peixes de diversas espécies, e segundo Ricardo
Franco era possível encontrar, nesse rio, “mais de 30 espécies de peixes diferentes, e
alguns de tal grandeza, que podem alimentar vinte homens”
328
. É bem provável que por
algumas vezes o peixe pescado nos rios do Mato Grosso, após secagem, tenha sido
produto de comércio entre autoridades da capitania e autoridades das missões
espanholas de Moxos. Em carta a Luís de Albuquerque, o comandante do Forte do
Príncipe da Beira, José Manoel Cardoso da Cunha informava que o alferes Manuel da
Rocha havia lhe pedido “quatro arrobas de peixe seco, que diz é para remeter a D.
Leon”
329
.
Das espécies alimentares coletadas, além de cereais, como o arroz vermelho,
figuram ainda outros tantos frutos nativos, como o palmito, a mangaba, o cacau, o
ananás e a baunilha, dentre outros. Sem desconsiderar a importância que todos esses
vegetais tiveram na alimentação dos habitantes da fronteira oeste, certamente desses
frutos, o que teve maior projeção foi o cacau, que abundava às margens do rio Madeira.
A grande oferta desse fruto ao longo daquelas paragens, ao mesmo tempo em que
provocava encantamento, também despertava a atenção das autoridades que navegaram
por aqueles caminhos, pelas vantagens que sua extração poderia proporcionar, não
aos navegantes, mas também aos possíveis povoados naquelas margens. Em 1768,
quando seguia do Pará, em direção a Vila Bela, o capitão general Luís Pinto de Sousa
Coutinho observou que,
... [nas] vizinhanças do Jamari, um dos sítios mais proporcionados
para qualquer estabelecimento, não por se achar perto da primeira
cachoeira e poder deste modo facilitar a navegação dos comboieiros,
327
CARTA de Manoel Caetano da Silva a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 24/10/1773.
APMT- Lata: 1773; Fundo: defesa; doc. nº.84.
328
SERRA, 1790, p. 416.
329
CARTA de Joseph Manoel Cardoso da Cunha a Luís de Albuquerque.Forte da Conceição, 27/07/1777.
APMT- Lata: 1777; Fundo: defesa, doc.nº.69.
128
mas pela grande abundância de peixe de que goza para sua
subsistência, e do inumerável cacau e azeite de tartaruga que se podia
fabricar naqueles sítios, cujas praias, com o nome de Tamanduá, o
umas das mais abundantes que se conhecem para se estabelecer
comércio deste gênero.
330
Anos depois, ao passar pelo mesmo trajeto, o astrônomo Antônio Pires da Silva
Pontes registrou em seu diário, que toda a margem esquerda do rio Madeira era “um
contínuo bosque de cacaueiros, e em certos tempos têm regalo e remédio para a vida nas
muitas frutas que dão as ditas margens”
331
. Em outra passagem do mesmo diário, Silva
Pontes relata que, após ter vencido a última das doze cachoeiras do rio Madeira, a
expedição continuou a subi-lo, e perto de sua confluência com o Mamoré,
acompanhado do outro capitão da expedição, Joaquim José Ferreira, encontraram
“muitas matas de cacau e ranchos velhos, praticados nos tais cacauais”
332
, que
supuseram ser dos espanhóis que ali vinham fazer suas colheitas. As palavras do
demarcador Antônio Silva Pontes evidenciam um fato que ocorria constantemente na
raia fronteiriça em litígio entre os dois impérios ibero-americanos, explicitando as
relações dinâmicas existentes nessa fronteira, sempre em movimento. Pessoas e
produtos passavam de uma possessão à outra com extrema facilidade, apesar das
proibições oficiais.
O fato de haver ranchos naquelas paragens nos leva a supor que ali havia uma
produção considerável de cacau. Este fruto era utilizado de várias maneiras: quando
ainda verde podia se fazer dele geleada” que, de acordo com o paladar de Silva Pontes
e do capitão Joaquim J. Ferreira era “muito boa”, e quando maduro, dava um ótimo
“refrigerante”.
É relevante observar que o cacau, assim como várias outras frutas, como o
limão, a laranja, a cidra, o caju, a goiaba, o marmelo, eram recomendadas e usadas na
dieta aplicada aos doentes de sezões, muito comuns nas terras tropicais. Essas frutas
poderiam ser ingeridas em forma de “refrigerantes”, cruas ou cozidas, como também em
conservas. Mas, a recomendação geral era a de que fossem colhidas bem maduras, e
330
OFÍCIO de Luís Pinto Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela,
20/06/1769. PROJETO RESGATE – (AHU) – MT - CT-AHU-ACL-CU-010,cx. 13, doc. 829.
331
PONTES, 1781, p. 164.
332
Idem, p 165.
129
nunca quentes do sol. As doenças para as quais em geral se recomendava sua utilização
eram a “febre podre” e o escorbuto, dentre outras
333
.
Do cacau fabricava-se ainda o chocolate, bebida de origem americana muito
consumida pelos povos astecas na região do México, bem antes da chegada dos
europeus. A bebida de textura espessa era preparada através da mistura de cacau torrado
e moído entre pedras, dissolvido em água quente e temperado com pimenta, urucum e
“atolle”. À bebida rústica e de sabor amargo consumida pelos indígenas, o colonizador
espanhol acrescentou o açúcar e algumas especiarias, como a baunilha e a canela
corrigindo-lhe os dissabores causados ao paladar e acrescentando-lhe um aroma suave
334
.
[Theobroma cacao, Linn.]. Joaquim José
Codina. Coleção: Alexandre Rodrigues
Ferreira - BNRJ
335
[Baunilha]. Coleção:Alexandre Rodrigues Ferreira.
BNRJ
336
O uso da nova mistura difundiu-se pela Europa, e o principio da Igreja de que
líquidos não quebravam o desjejum permitiu que o clero consumisse chocolate durante
os períodos de restrição alimentar, auxiliando nessa expansão e aceitação da nova
333
ANZAI, 2004, p. 156. Sobre a indicação de alimentos para fins curativos, ver: FERREIRA, 2002.
334
VELLOSO, 1805, Tomo III, Parte III, p. 129.
335
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_2_18i09.jpg . Acesso em 20
de agosto de 2008.
336
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_2_18i45.jpg. Acesso em 20
de agosto de 2008.
130
bebida. No século XVIII, quando Lineu o denominou Theobroma cacao, que
significava “alimento dos deuses”
337
, o chocolate ou “xicolate” como é muitas vezes
grafado na documentação do Setecentos era considerado uma bebida aristocrática e
afrodisíaca, muito utilizada por uma pequena parcela mais abastada da sociedade. Em
Vila Bela e seu termo também se consumia o chocolate, sua presença é constante nas
listas de produtos enviados do reino para Ls de Albuquerque no período em que
esteve à frente do governo da capitania de Mato Grosso
338
. As quantidades de chocolate
enviadas ao capitão-general, além de servirem para seu próprio consumo, também eram
usadas para agraciar seus colaboradores na administração da capitania. Ser agraciado
com chocolate era motivo de alegria e sinônimo de distinção para quem o recebia.
Joaquim José Ferreira assim se expressou, quando recebeu o chocolate enviado por Luís
de Albuquerque: Beijo as mãos de vossa excelência pelo mimo do xicolate, ficando
eternamente grato por ter a felicidade de viver tanto na lembrança de vossa excelência,
com que sempre me favorece”
339
.
O médico de D. João V, Francisco da Fonseca Henríquez, escreveu em
“Âncora medicinal para conservar a vida com saúde”, que o chocolate “se compõe de
baunilhas, de canela e açúcar”, e que era “a melhor bebida de quantas inventaram os
castelhanos”. Ao explicar o modo como era consumido, Henríquez nos oferece
informações interessantes sobre seu preparo e consumo:
O chocolate melhor é aquele que, sendo bem feito de bons
ingredientes, se usa muitos meses depois; os castelhanos dizem que há
de ser um ano. Toma-se em jejum, ao almoço, de tarde e ao jantar, ou
seja, antes, ou depois de comer, que em qualquer tempo e a qualquer
hora o recebe bem o estômago, falando em comum; porque estômago
pode haver que sempre o receba mal, mas ordinariamente o aceitam
bem os estômagos; e não retarda o seu cozimento, ainda que se beba
no tempo dele. As bebidas quentes sempre o mais próprias para os
tempos frios, mas o chocolate, no inverno, no estio e em todo o ano se
337
CARNEIRO, 2003, p.92, e 2005, p. 101.
338
ANZAI, 2005, p. 38-149.
339
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 30/03/1785. APMT Lata:
1785; Fundo: governadoria; doc.nº.12.
131
pode tomar, usando-o com tal prudência que não ofenda por
excessivo, o que aproveitará sendo moderado.
340
A criação de gado
A carne de gado vacum foi fonte fundamental de proteínas para os moradores
do Mato Grosso. Nos primeiros tempos de ocupação do termo, boa parte da carne
consumida nas minas e arraiais da Chapada vinha do distrito de Cuiabá, cujas fazendas
se encontravam estabelecidas próximo ao rio Jaurú.
José Gonçalves da Fonseca nos informa que, nas margens dos rios Aporé e
Jauru, o “capitão Antônio Francisco Silveira tem duas fazendas de lavouras e algum
gado vacum, com que socorre muitas vezes os arraiais de Mato Grosso”
341
. Quanto ao
fornecimento de carne nas minas do Mato Grosso antes de 1750, os Anais de Vila Bela
nos informam:
Por estes anos atrasados, não havia nestas minas cortes certos de carne
de vaca. quando entrasse para elas alguma boiada, depois daquela
primeira carestia, no descobrimento destas minas, se foi pondo pelos
anos adiante, a quatro oitavas arroba; depois, a três e meia e depois a
três. Já por este ano corria a duas e meia, quando a havia, sendo
Antônio Francisco da Silveira quem por esses últimos anos usava
desse negócio, que ultimamente, no ano de 1750 veio a pôr a duas
oitavas a arroba.
342
Com o decorrer dos anos, outras fazendas de gado foram se instalando nas
imediações do rio Jaurú, tal como a de Antônio da Silveira Fagundes, da qual nos dera
notícia o primeiro governador da capitania, Antônio Rolim de Moura, quando passou
340
HENRIQUEZ, 2004, p. 250.
341
FONSECA, 2001, p. 20.
342
AMADO & ANZAI, 2006, p. 48.
132
por ali em fins de 1751, rumo aos arraiais do Mato Grosso
343
. Apesar do número de
fazendas de gado ter aumentado com o tempo, o que se nota na documentação é que a
produção delas ainda era insuficiente para suprir as necessidades abertas por esse
mercado, cuja demanda era cada vez mais crescente, pelo aumento da população nas
minas e na vila capital recém-criada. Desse modo, mesmo depois da fundação de Vila
Bela, o abastecimento de carne bovina continuou a ser feito por criadores do Cuiabá.
Mesmo assim, levou cerca de oito meses para que em Vila Bela começasse “a haver
corte certo de carne de vaca, com boiadas que do Cuiabá meteu José Roque da Silva
com preço de duas oitavas a arroba”
344
. Dois anos depois da criação da vila, um
aumento na oferta da carne possibilitou a queda nos preços, não só da carne bovina, mas
também da carne de porco e do toucinho, seu derivado mais prestigiado pelos mineiros.
Como nos informam os Anais de Vila Bela,
Neste ano [1754], desde o princípio dele, metendo Antônio da Costa
Aranha abundante gado de corte certo, abaixou o preço, pondo a
oitava e meia a arroba, e da mesma forma se rebaixou, por taxa da
Câmara, o preço da carne de porco fresca, a oitenta réis de ouro a
libra, e a tostão de ouro o toucinho salgado, que até ali corria pela
carestia e falta de sal, a quarto de ouro.
345
Observa-se que a falta de sal era outro fator que onerava o preço da carne. A
pecuária encontrara dificuldades para se desenvolver em Vila Bela, isso porque o meio
natural, com a ausência de campos abertos, não oferecia as condições propícias para seu
pleno desenvolvimento, necessitando trabalho intenso, que requeria, por isso mesmo,
muita mão-de-obra escrava, acabando por inviabilizar essa atividade, considerada de
retorno mais lento
346
.
No Mato Grosso, a criação de gado encontrou as condições propícias para se
desenvolver nas áreas próximas ao rio Jaurú, e mais tarde nas margens do rio Barbados.
Áreas de campos abertos, de solo rico em salinas, um dos componentes nutricionais
importantes na alimentação do gado. Enquanto a pecuária no Mato Grosso não se
343
CARTA de Antônio Rolim de Moura a Diogo de Mendonça Corte Real. Vila Bela, 28/05/1752. In:
UFMT- NDIHR, 1982; v.I, p.64.
344
AMADO & ANZAI, 2006, p. 53.
345
Idem, p.55.
346
BANDEIRA,1988, p.107.
133
desenvolvia, a solução encontrada pelas autoridades para minimizar o problema foi
importar carne dos vizinhos espanhóis, através do contrabando “oficial secreto”.
Analisando a questão do contrabando na capitania de Mato Grosso, Nauk
Maria de Jesus identificou dois tipos: o lícito e o ilícito. O lícito se dava “com a
permissão do rei e assentado numa rede comercial constituída por diversas pessoas,
unidas por laços de cumplicidades”; o ilícito era resultante de ações isoladas
praticadas por pessoas que não estavam ligadas à rede
347
. Nauk de Jesus levanta a
hipótese da Coroa portuguesa “estar buscando uma nova via para o contrabando com os
domínios hispânicos, que Sacramento era constantemente disputada. A capitania de
Mato Grosso, portanto, poderia se tornar uma das rotas de contrabando oficial”
348
.
Portanto, o que denominamos de contrabando oficial secreto era aquele comércio
autorizado e até incentivado pelas autoridades administrativas, mas com os devidos
cuidados, visando mantê-lo em segredo.
Nessa rede comercial, Mato Grosso servia de elo de ligação entre os domínios
hispânicos e Belém do Pará. Desse modo, mercadorias procedentes da Europa, do
Oriente e da África eram importadas, via Companhia de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão
349
, cuja sede ficava em Lisboa, e de eram embarcados em navios para
Belém do Pará. De Belém, as mercadorias seguiam para Mato Grosso, onde eram
negociadas. Uma vez efetuadas as negociações, essas mercadorias atravessam a
fronteira passando pelas missões, de onde seguiam para as “Províncias do Orinoco, de
Quito e do Peru”
350
. Portanto, Mato Grosso funcionava como um entreposto comercial,
cujas transações comerciais ligavam os domínios hispânicos na América a Lisboa.
O interesse de se entabular comércio com as missões era antigo, e tentativas de
aproximação haviam sido feitas desde os idos de 1740, quando duas expedições
rodaram o Guaporé em direção às missões de Moxos, das quais restaram dois
minuciosos relatórios
351
. Em 1763, em pleno conflito militar no Guaporé, o recurso de
passar para o outro lado da fronteira, para apanhar gado criado nas missões foi uma
estratégia utilizada pelos militares aquartelados no forte da Conceição para suprir a falta
347
JESUS, 2006, p.345.
348
Idem, p.341.
349
Sobre a atuação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão em Mato Grosso ver: RODRIGUES, 2005,
e RODRIGUES, 2008.
350
JESUS, 2006, p.374.
351
PEREIRA, 2001.
134
de carne naquele destacamento
352
. No entanto, essa não era tarefa fácil, e para que tudo
corresse bem, além de pessoas preparadas na travessia do gado, era necessário também
uma preparação minuciosa, inclusive com a construção de currais. Mas, com todas as
dificuldades, em 1763 esses militares conseguiram atravessar para os domínios
portugueses aproximadamente
... mais de mil cabeças de gado vacum, 140 éguas e cavalos, e 73
porcos, sendo esse um dos maiores benefícios dos castelhanos, com a
declaração da guerra, pelo grande proveito que nos tem causado com
abundância de carne, de que tanto necessitávamos.
353
Com o término do conflito, a opção de se buscar negociações com as missões,
com vistas a estabelecer redes mais amplas de comércio foi novamente intentada pelas
autoridades, e parece ter obtido o sucesso almejado. Indícios na documentação indicam
que por volta de 1769, Vila Bela e seu termo mantinham uma rede de relações
comerciais bem articuladas com essas missões. Em ofício enviado ao secretário da
Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o capitão-general Luís
Pinto de Sousa Coutinho informava que
... como naquelas povoações de índios [Moxos] entra pouquíssima
prata, por consistir ainda todo o seu comércio na única permutação de
gêneros
,
é certo que as nossas vantagens não podem ser por ora
consideráveis, e se reduzem unicamente a prover-nos de algum gado
vacum, de que necessita muito para se entreter, com menos despesa da
Fazenda a guarnição do Forte de Bragança, e a mais gente que
atualmente se emprega nas suas obras, o que ultimamente se tem
conseguido, transportando-se à nossa banda perto de trezentas
cabeças, que fiz negociar com um dos curas das referidas povoações.
354
352
AMADO & ANZAI, 2006, p.149.
353
Idem, p 170.
354
OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre o comércio
sigiloso com Los Moxos para abastecer o Forte de Bragança. Vila Bela, 21/06/1769. PROJETO
RESGATE – (AHU)- MT- CT-AHU-ACL-CU-010,CX 13, DOC 829.
135
Portanto, segundo Sousa Coutinho, naquele primeiro momento, devido à
ausência de prata nas missões de Moxos, o gado vacum era o único produto espanhol
que despertava interesse nos portugueses, pelas vantagens econômicas que propiciava.
No entanto, ao longo do documento, Sousa Coutinho discorre sobre as vantagens de se
fomentar o comércio oficial secreto, registrando os diversos produtos que os domínios
espanhóis poderiam vir a fornecer para o Mato Grosso, tais como: “esmeraldas, pérolas,
quina, cochonilha, panos de algodão, sebo e vários outros efeitos”. Em contrapartida,
Mato Grosso poderia fornecer produtos de que necessitavam os espanhóis, e além do
ouro, “chapéus, panos de linho bretanhas
355
, meias de seda, chitas, aguardentes, azeites,
vinagres, miçangas, verônicas
356
, [salsa], café e cacau”, dentre outros
357
. Muitos desses
produtos destacados pelo capitão-general Luís Pinto de Sousa Coutinho vinham da
Europa e do Grão-Pará chegando a Vila Bela através da Companhia de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão. Na documentação consultada fortes indícios de que o Forte
do Príncipe da Beira, Vila Bela e a povoação de Casalvasco funcionavam como
entrepostos comerciais; era nesses espaços situados na raia de fronteira, que os
chamados “passadores de fazendas”
358
ou “contrabandistas”
359
espanhóis vinham
comprar dos portugueses o ouro e os produtos manufaturados importados do reino e, em
contrapartida, vendiam suas mercadorias. indícios que além do ouro e de produtos
manufaturados os espanhóis também comprassem na capitania escravos, prática que
Luís de Albuquerque buscou coibir publicando um bando em março de 1776, no qual,
impunha “graves penas aos portugueses que celebrassem” essa prática
360
.
Quanto ao comércio com as missões, vale registrar que a documentação aponta
que ao longo dos anos seguintes a 1769 transitaram diversos tipos de produtos de um
lado ao outro da raia de fronteira. Para Vila Bela e seu termo, além do gado vinham
355
Panos de linho vindos da Bretanha, província da França. Cf. Bluteau, 1720.
356
“Verônica”, conforme Bluteau (1720), “medalha ou bocado de metal a que o papa benzeu, e em que
está gravada a figura de algum santo”.
357
OFÍCIO de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre o comércio
sigiloso com Los Moxos para abastecer o Forte de Bragança. Vila Bela, 21/06/1769. PROJETO
RESGATE – (AHU)- MT- CT-AHU-ACL-CU-010,CX 13, DOC 829
358
OFÍCIO de Luís de Albuquerque a Martinho de Melo e Castro. Vila Bela, 21/03/1783.
PROJETO/RESGATE –(AHU )- MT, cx. 23, doc. nº. 1907.
359
AMADO & ANZAI, 2006, p. 198, 204, 216.
360
Idem, p. 204.
136
produtos como açúcar, farinha de trigo, galinhas, sebo, carne seca
361
, peru
362
, carro de
boi
363
, prata
364
, velas de cera, topázio, pedra de sal
365
. Em 1784, o astrônomo Lacerda
e Almeida, em uma de suas diligências pelos rios do termo, escreveu ao capitão general
pedindo que “lhe fizesse a mercê de lhe mandar vir de uma dessas missões espanholas,
uma jumenta com cria pequena”. O demarcador justificou seu pedido dizendo que,
devido aos efeitos do mercúrio, vinha sofrendo com problemas de tremedeiras nas
mãos, e que o leite de jumenta com cria recente era um excelente antídoto para esses
males
366
. Outro ponto relevante a se notar nesse pedido de Lacerda e Almeida é que, ao
justificar seu pedido, o astrônomo demarcador lança luzes sobre a técnica muito comum
nas Américas no século XVIII, que era a de utilizar o mercúrio no processo de
amálgama de metais, como ouro e prata. O mercúrio, largamente utilizado nas minas de
prata de Potosi, e provavelmente nas minas de ouro de Mato Grosso entrava em contato
com a água contaminando os rios e o ambiente, e o contanto direto das pessoas com os
ambientes contaminados gerava graves problemas de saúde, como queda dos dentes e
cabelos, e tremores incontroláveis
367
.
Na tentativa de resolver os problemas acarretados pela falta de gado no Mato
Grosso, além de se buscar estabelecer comércio com os espanhóis, Sousa Coutinho
doou sesmarias para novos estabelecimentos de fazendas de gado nas vizinhanças do
Jaurú e de Vila Bela
368
, e concedeu isenção no pagamento dos direitos das entradas de
vacas e crias novas
369
àqueles que se interessassem em introduzir gado na região, com a
finalidade de se dedicar à pecuária extensiva. Em 1781, Luís de Albuquerque ampliou
361
Reflexões sobre as depredações e violências que cometem os governadores de Mato Grosso.
NDIHR/UFMT. (AHU) MT; cx. 26, doc. nº. 1536, Ano de 1788; CARTA de Joseph Manoel Cardoso
da Cunha à Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 18/08/1778. APMT- Fundo: defesa; doc. nº.
104.
362
CARTA de Joseph Manoel Cardoso da Cunha a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira,
12/08/1778. APMT- Fundo: defesa; doc. nº.105.
363
CARTA de Francisco José Teixeira da Cunha à Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira,
24/04/1783. APMT- Fundo:defesa; doc. nº. 32.
364
AMADO & ANZAI, 2006, p. 247.
365
OLIVEIRA, 2003, p. 159-160.
366
CARTA de Francisco José de Lacerda e Almeida a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira,
08/03/1784. APMT – Fundo: defesa; doc. nº. 96.
367
ANZAI, 1998, p. 113.
368
AMADO & ANZAI, 2006, p. 176.
369
BANDO expedido por Luís de Albuquerque. Vila Bela, 27/01/1781. APMT- Lata de Bandos, doc. nº.
44.
137
esse benefício também para o gado de corte, estabelecendo que daquele momento em
diante o gado que entrasse naquele distrito não pagasse mais que a metade das
entradas
370
. Embora essa medida tivesse a intenção de fomentar o aumento da pecuária
no termo, como forma de garantir um abastecimento contínuo e regular na região de
Vila Bela, o próprio meio e as condições financeiras da repartição impunham algumas
restrições à introdução de grandes rebanhos de uma única vez, como nos aponta o
comandante do Forte do Príncipe da Beira, em correspondência enviada a Luís de
Albuquerque:
Com efeito, passaram para esta parte do rio [646] cabeças de gado, a
maior parte vacas, e o mais bezerros de ano. Este gado é impossível
que aqui possa [persistir], visto a falta de campos, pastos suficientes, e
me parece que o melhor modo da Fazenda Real não ficar prejudicada
é estabelecer um açougue, em que se corte a carne para [se descontar]
[ilegível] alimentos de cada um, até que fique o número de 200 vacas,
que é o que aqui se poderá manter. E pelo que [respeita] ao preço que
se deverá descontar vossa excelência, para se dar por data acho
inconveniente de que vendo os moradores que se não consumo ao
toucinho, se deixarão da criação de porcos, e a tempo que se acabar a
carne de vaca não haverá o mesmo toucinho para se suprir o
municiamento. Ainda não é certeza de que em São Miguel velho
[haja] campos suficientes, e antes algumas pessoas que por têm
andado dizem que é coisa mui pequena e alagadiça, e que fissuras
que cortam as tetas das vacas. Ainda fosse muito bom, acho uma
grande dificuldade no caminho, porque será de 30 léguas, o que na
despesa que há de fazer vejo que são preciso 120 negros em 60 dias de
serviço, que importam de jornal 1.350/8. Além disto, acresce que,
sendo o mesmo caminho todo pelo mato, não pode o gado chegar,
porque tantos dias de viagem sem ter campos, aonde infalivelmente
morrerá [...] todo inútil esta grandiosa despesa. Antes me parece que
[convindo] vossa excelência que se remeta o gado, ficando as 200
vacas escolhidas, e o antigo que cá se achava se roçasse desde o
palácio todos aqueles matos até os morros, para se fazer pastos, e para
370
Idem
138
isto mesmo carece ocupar muitos negros, fará também grande
despesa, mas ao menos não será sem utilidade.
371
Interessante notar que os argumentos do comandante trazem à tona alguns dos
problemas estruturais que a pecuária enfrentava para se desenvolver na região de Vila
Bela, sinalizando também para os vultosos custos que essa atividade começara a
acarretar à Fazenda Real. Cabe ressaltar ainda, que nesta questão do contrabando com
os domínios espanhóis os comandantes dos fortes exerciam um papel de destaque, na
função de intermediários entre as autoridades lusas e espanholas.
Como se pode depreender das palavras do comandante do Forte do Príncipe da
Beira, as vantagens na importação do gado logo se dissiparam, e as deficiências no
abastecimento de carne bovina voltaram a preocupar as autoridades do Mato Grosso.
Para atenuar a falta de carne no termo, Luís de Albuquerque criou, em menos de seis
anos, duas “fazendas reais”, destinadas à criação extensiva de gado; a primeira foi
criada em 1779, pouco depois da criação de Vila Maria do Paraguai, localizada na outra
margem do rio Paraguai, distante de Vila Maria cerca de uma légua. A aquisição dessa
fazenda, segundo Luís de Albuquerque, visava garantir a
.... indispensável subsistência dos referidos índios espanhóis de que
principalmente se povoa, porquanto sendo criados em países de
imenso gado vacum, como são todas essas adjacentes províncias de
Moxos e Chiquitos estranhariam [infinito] a falta de semelhante
socorro, ou continuariam a obrigar a Real Fazenda à grossa despesa de
lhe estar comprando freqüentes reses [como por necessidade tinha
principiado a executar-se] alguns bois ou carne seca, o que atendido o
maior excesso de preços seria na verdade bem difícil de tolerar.
372
O argumento utilizado acima por Luís de Albuquerque para justificar a compra
da fazenda procede pois, muitos índios das missões espanholas de Moxos e Chiquitos
desertavam dessas missões passando para o lado português e ajudando no povoamento
de Vila Maria. Portanto, manter uma fazenda de criação de gado era garantia de que não
371
CARTA de Jo Manoel Cardoso da Cunha a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira,
18/08/1778. APMT – Lata: 1778; Fundo: Defesa; doc. nº. 104.
372
OFÍCIO de Luís de Albuquerque a Martinho de Melo e Castro. Vila Bela, 25/12/1779. PROJETO
RESGATE – (AHU )- MT; cx.21 doc.1254.
139
faltaria aos índios a carne, alimento ao qual estavam familiarizados, e ajudaria a mantê-
los na capitania. O capitão-general continuou a justificar a compra da fazenda,
enfatizando o bom preço que havia pago:
... tanto que espero que dentro em poucos tempos, no caso de se
administrar com o devido cuidado, não esta se [indenizará]
amplamente do despendido, mas poderá ainda por modo considerável,
vendendo porções do dito gado para o comércio desta capital, em
cujas vizinhanças pelos mais pastos e disposições que na verdade têm,
não foi até agora possível fazer abundar [e melhor] abastecer
sensivelmente a carne do açougue, por mais que nisso tenho cuidado,
e sei que cuidaram os meus antecessores.
373
a segunda fazenda foi criada em 1783, quando, após expropriar a fazenda de
gado de Custódio José da Silva, às margens do rio Barbado, Luís de Albuquerque criou
naquele local a povoação de Casalvasco, e a Fazenda Real de Casalvasco, com vistas a
desenvolver a pecuária na região, com o objetivo de abastecer as guarnições militares e
o comissariado de fronteira. Ao longo dos anos de 1780, parte do subsídio de Goiás foi
utilizado para se introduzir centenas de cabeças de gado nessas duas fazendas reais. Em
1782 foram gastos “719$745 réis, com a compra de gado para a fazenda de Sua
Majestade, em Vila Maria do Paraguai”
374
; cinco anos depois se gastou mais “456$000
réis pela compra de algum gado para Casalvasco”. Ao longo da cada de mil
setecentos e oitenta foram introduzidas centenas e cabeças de gado nessas fazendas; no
entanto, em fins dessa década, o consumo de carne de gado em Vila Bela ainda era
restrito, pois como registrou o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, ali havia carne
fresca “para bem pouca gente”, pois “de dois em dois dias se não mata mais de duas
reses”
375
.
Ao contrário da pecuária, a criação de animais de pequeno porte, como porcos
e galinhas não encontrou obstáculos para se desenvolver no Mato Grosso. Até porque,
como afirmou Malfada Zemella, a criação de suínos não encontrava dificuldades para se
desenvolver em regiões de minas, já que não exigia pastos extensos, podendo ser
373
Idem ibidem
374
MAPA das Despesas e receitas do ouro de Goiás. NDIHR./UFMT- (AHU) MT; cx. 26; doc. nº.
1548, ano de 1789.
375
MB- ARF. 21. Escorbuto ou Mal de Luanda. In: ANZAI, 2004, p. 253.
140
criados facilmente em qualquer nesga de terra, tanto nos ambientes rurais quanto nos
espaços urbanos
376
. Segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, pelas ruas estreitas e sem
calçar de Vila Bela porcos circulavam livremente, escavando e fossando o terreno
úmido, abrindo nele buracos para se deitarem
377
.
Isso nos remete ao “complexo do milho”, descrito por Sérgio Buarque de
Holanda; para se compreender a difusão e preferência no cultivo de milho e feijão
associados à criação de suínos e galináceos, é preciso se levar em conta não fatores
como o solo e o clima, mas também a simplicidade e rusticidade das técnicas
necessárias à elaboração de seus produtos
378
.
Tabaco e algodão
O tabaco e o algodão foram dois produtos agrícolas que, embora não
destinados à alimentação, constituíram-se em gêneros importantes na manutenção da
vida material dos habitantes de Vila Bela no período estudado. Planta nativa da
América, o tabaco começou a ser cultivado primeiramente na Bahia, por volta do
começo do século XVII. Um século depois, o tabaco era o segundo produto da pauta
de exportação da América, tornando-se, inclusive, moeda de troca para a compra de
escravos africanos
379
. Na capitania de Mato Grosso, o cultivo do tabaco teve seu início
no termo do Cuiabá, cuja produção, além de guarnecer o mercado local, era enviada
para outras regiões do termo. Em Vila Bela e seu distrito, a cultura do tabaco principiou
por volta de 1770
380
, e até então era comprado da Vila do Cuiabá.
Quanto ao algodão, até 1770, não era cultivado no termo do Mato Grosso.
Aliás, datam deste ano as ordens emitidas por Luis Pinto de Sousa Coutinho, para que
376
ZEMELLA, 1990, p. 223.
377
BNRJ códice 21, 2, 5. Enfermidades endêmicas da Capitania de Mato Grosso. In: ANZAI, 2004, p.
181. Ver também PÔRTO, 2008.
378
HOLANDA, 1975, p. 222.
379
CARNEIRO, 2005, p.86.
380
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE – (AHU) – MT; cx. 15, doc. 927.
141
se promovesse no termo a cultura do algodão
381
. Em Cuiabá, a cultura desse gênero
se encontrava mais adiantada, sendo que parte de sua produção abastecia a vila capital
382
.
Mesmo a despeito dessas ordens não encontramos evidências na documentação
consultada de que a cultura do algodão tenha se desenvolvido em Vila Bela, embora
tenhamos identificado na documentação a prática da tecelagem em algumas povoações,
como Lamego e Casalvasco. Ao passar por Lamego, em 1782, Antônio da Silva Pontes
registrou em seu diário que ali havia poucos casais de índios, que viviam
... com grande descanso e felicidade, porque o que trabalham é para si,
fazendo seus tecidos de algodão por um método muito simples, à
maneira dos índios das missões espanholas, que é como quem tece
uma esteira sobre uma grade de quatro paus.
383
Em fevereiro de 1785, dois anos após a criação da povoação de Casalvasco
iniciou-se ali a implantação de pequena fábrica de tecelagem. A fábrica iniciou suas
atividades com alguns índios
384
, práticos na arte de tecer, que Luís de Albuquerque
mandou para a povoação aos cuidados do comandante da povoação, Joaquim José
Ferreira. Cinco dias após sua chegada os índios estavam “fiando não para os
tecidos finos, mas também para algum rolo de pano grosso”, que segundo Joaquim José
Ferreira “desejo com brevidade remeter a vossa excelência as amostras”
385
.
381
OFÍCIO de Luís Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela,
04/02/1770. PROJETO RESGATE – (AHU) – MT; cx. 14, doc. nº. 876.
382
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE – (AHU) – MT; cx. 15, doc. 927.
383
PONTES, 1781, p. 170.
384
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 15/02/1785. APMT- Lata:
1785; Fundo: governadoria; doc.nº.07.
385
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 20/02/1785. APMT- Lata:
1785; Fundo: governadoria; doc.nº.08.
142
[Tear indígena]. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
386
O andamento das atividades na nova oficina de tecelagem era acompanhado de
perto pelo comandante da povoação, Joaquim José Ferreira, que repassava as
informações ao capitão-general. Assim, poucos dias após, o comandante informava ao
capitão-general:
As índias já têm uma boa porção de algodão fiado, a coisa mais
deliciosa que é possível. Eu lhes fiz aprontar dois teares de mão,
mas para entrarem a tecer elas pedem-me seda e lã para matizarem. Eu
estou de ânimo mandar desfiar algum bocado de cetim destes restos
que aqui há no armazém, para lhes dar.
387
O entusiasmo do comandante certamente tinha a ver com a qualidade das
índias tecelãs de Casalvasco, que além de panos grossos de algodão e tecidos finos,
teciam também redes e cobertas
388
, e até “umas toalhas de matizes, e para depois dos
dias santos andem botar uma toda branca”
389
. É bem provável que o algodão utilizado
nessa “fábrica” fosse levado de Cuiabá para Vila Bela, e de repassado à Povoação
Regular, a mando do capitão-general.
386
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_1_2_045.jpg.
Acesso em 20 de agosto de 2008.
387
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 26/02/1785. APMT- Lata de
1785; Fundo: governadoria; doc.nº.09.
388
OLIVEIRA, 2003, p.138.
389
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 25/03/1785. APMT- Lata:
1785; Fundo: governadoria; doc.nº.11.
143
Além das índias, outras pessoas práticas não só no ofício da tecelagem, mas
também na construção e manutenção das máquinas usadas na arte de tecer foram
requisitadas para integrar a mão-de-obra da nova fábrica, como podemos constatar pelo
relato abaixo:
O tecelão em que vossa excelência foi servido falar-me na sua carta
passada, vou dizer a vossa excelência, como tendo projetado o estado
da fábrica de algodão grosso aqui, é um pedestre por nome Nicolau
Onça, que aprendeu o ofício de tecelão no Cuiabá. E este me disse que
desejava estabelecer-se nesta povoação, rogando a vossa excelência a
licença para casar. A este é que eu tenho encarregado o fazer os pentes
e todos os mais preparos para quatro teares, o que se acha pronto
para dois. Sem embargo disto, vossa excelência me ordenará o que for
servido. Ainda cá tenho outro pedestre, que também sabe tecer.
390
Nessa mesma correspondência, Joaquim José Ferreira informava ainda que:
... as fiandeiras é que me têm custado a sujeitar, de tal sorte que
esteve a Gertrudes para levar quatro dúzias de palmatórias, por ser
cabeça de motim, até chegou a por as filhas fora da povoação para não
descaroçarem o algodão, de tal sorte que fui obrigado, para
[desimaginar] as outras moradoras do que aquela lhes tinha dito, a
pagar-lhe a ouro cada libra o que custa mais, e esta primeira entrada,
depois estas mesmas andem em dar pedindo.
391
A atitude da índia Gertrudes e a solução encontrada pelo comandante da
povoação evidenciam como o processo de ocupação e domínio desse território foi
complexo e marcado não pela violência física e simbólica, mas também pela
negociação e por um jogo tenso de alianças. O pagamento feito pelo comandante às
fiandeiras se justifica, pois diversos ofícios mecânicos, tais como fiandeira, tecelão,
marceneiro, carapina, ferreiro, seleiro, alfaiate, barbeiro, oleiro, caldeireiro, pedreiro,
pintor, dentre outros, eram ocupações remuneradas e valorizadas. Pois, além de
exigirem de seus executores certo grau de especialização, eram atividades
390
CARTA de Joaquim José Ferreira a Luís de Albuquerque. Casalvasco, 02/03/1785. APMT- Lata:
1785; Fundo: governadoria; doc.nº.10.
391
Idem
144
imprescindíveis para a manutenção da produção de mercadorias básicas, como panos e
instrumentos agrícolas, e para o beneficiamento de produtos primários para alimentação,
largamente comercializados nas vilas e arraiais.
No termo do Mato Grosso, boa parte dessas atividades era exercida por índios,
atraídos para as povoações localizadas ao longo das margens dos rios Madeira, Guaporé
e Barbados, muitas vezes índios que haviam fugido das missões espanholas de Moxos e
de Chiquitos, atraídos pelas autoridades portuguesas. Esses índios, sob administração
portuguesa passavam a desempenhar atividades importantes, como a fiação, o trabalho
nas lavouras e na criação de gado. O fato desses índios “espanhóis” serem treinados
para trabalhos especializados foi, certamente, um fator decisivo para a adoção dessa
prática de atração por parte das autoridades lusas na fronteira oeste
392
.
No mapa econômico citado por nós nesse trabalho
393
, Sousa Coutinho fez
uma pequena listagem dos ofícios mecânicos existentes em Vila Bela e seu distrito,
indicando, inclusive, o número de profissionais existentes em cada localidade do termo,
como podemos constatar pela tabela abaixo.
Tabela II
Ofícios mecânicos identificados em Vila Bela e seu distrito no ano de 1770
Vila Bela Forte de Bragança Lamego Leomil Lugar de Balsemão
Oleiros 3 1 2 1 1
Barbeiros 4 2 - - -
Alfaiates 9 3 2 1 -
Sapateiros 14 2 - - -
Seleiros 2 - - - -
Carpinteiros 28 5 4 2 1
Caldeireiros 2 - - - -
Ferreiros 7 1 1 1 1
Serralheiros 6 1 - - -
Armeiros 1 1 - - -
Pedreiros 9 1 - - -
Pintores 2 - - - -
Fonte: Correspondência de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro.
1/5/1771 Projeto Resgate/AHU. 1771, cx. 15, doc. 927.
392
Para uma análise mais aprofundada da utilização do trabalho indígena no termo do Mato Grosso ver:
BLAU, 2007.
393
CARTA de Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Vila Bela, 01/5/1771.
PROJETO RESGATE – (AHU) – MT; cx. 15, doc. 927.
145
Os ofícios mecânicos
Dentre os diversos ofícios mecânicos apontados pelo terceiro capitão-general,
elencados na tabela acima, alguns deles estavam intimamente ligados às atividades de
transformação do mundo agrícola, exercidas nos ambientes rurais, tais como ferreiros,
carpinteiros, carapinas e seleiros; outras, tais como alfaiate e sapateiro, estavam mais
ligados aos espaços urbanos. Exerciam esses ofícios escravos, pretos forros, livres
pobres e indígenas, que tinham na remuneração recebida no exercício dessas atividades
o meio de garantirem os bens dos quais necessitavam, e assim assegurarem sua
sobrevivência.
Um dos ofícios de maior importância na fabricação e conserto de instrumentos
agrícolas era o de ferreiro, profissional que tinha no espaço rural seu maior mercado de
prestação de serviços. Tendo como matéria prima o ferro e a madeira, as mãos hábeis
dos ferreiros consertavam e davam forma a enxadas, foices, machados, alavancas e
outros instrumentos indispensáveis na lida com a terra, além de ferrar rodas de madeira
para carros de boi e de outras peças de pau para engenhos, engenhocas e outros
equipamentos destinados ao beneficiamento de produtos
394
. Os ferreiros
confeccionavam ainda diversos produtos indispensáveis na lida nas fazendas, tais como
ferraduras e cravos, utilizados na proteção dos cascos dos animais de serviço e das
tropas comerciais; estribos, argolas e fivelas, necessários aos arreios; ferros de marcar
animais com a marca do seu proprietário; cincerros e guizos para pendurar no pescoço
das bestas de guia. Fabricavam também correntes, colares e grilhões, utilizados na
repressão aos escravos, além de candeias e candeeiros, utilizados na iluminação das
moradas e capelas
395
. Aos ferreiros competia também um papel importante na
calafetação de canoas, sendo muitas vezes contratados pela câmara para prestar este tipo
de serviço. No ano de 1780, João Angola recebeu da câmara de Vila Bela a quantia de
cinco oitavas e cem réis, como anual de ferreiro, pelas várias “caliefas” que colocou e
retirou
396
.
394
MENESES, 2000, p. 229
395
Idem, p.229
396
Mapa de receita e despesa do ano de 1780. APMT -Fundo câmara de Vila Bela, anos de 1780 a
1789. Doc. nº.181. 3/12/1780
146
Entre os anos de 1769 e 1770, Vila Bela e seu termo contavam com um total de
11 ferreiros exercendo seu ofício, sendo que sete deles possuíam tendas instaladas na
vila capital, e as quatro restantes estavam divididas da seguinte forma: uma no Forte de
Bragança, uma na povoação de Lamego, uma em Leomil, e uma no Lugar de Balsemão.
No entanto, é bem possível que na repartição do Mato Grosso houvesse mais que onze
tendas de ferreiro funcionando, pois, como dissemos no capítulo anterior, no
quilombo do Quariterê, invadido no ano de 1770, foram encontradas duas tendas de
ferreiro. Além disso, alguns possuíam em suas instalações tendas de ferreiro ou ferraria.
Na herança de Manoel da Rocha constava que este devia a um oleiro dezenove
milheiros de telha, com as quais havia coberto “no seu sítio as casas de vivenda,
cozinha, paiol, ferraria, engenho de farinha e cana”
397
.
Os objetos de madeira utilizados em sua grande parte nos ambientes rurais
eram fabricados pelos carpinteiros ou carapinas. Pelo número de oficiais carpinteiros e
carapinas que se dedicavam a esse serviço, em Vila Bela e outras localidades do termo
apontados pela documentação, pode-se obter a noção da importância desses ofícios.
Desses profissionais dependiam as estruturas básicas de madeira usadas nas construções
de casas, edifícios urbanos públicos e privados, como quartéis e igrejas. Desses oficiais
mecânicos dependiam ainda a fabricação e manutenção de monjolos, pilões, engenhos e
engenhocas, moinhos, prensas, cochos, rodas d’água e de carro, cangalhas, mesas de
carro de bois. Tudo isso requeria trabalho artesanal especializado para suprir, dentre
outras coisas, as atividades de beneficiamento de alimentos que se produziam nas roças.
Assim, diversos produtos fabricados nos ambientes rurais ou até mesmo nas vilas e suas
redondezas, tais como as farinhas de milho e mandioca, o fubá, o polvilho, as rapaduras,
a aguardente, o açúcar, dentre outros, dependiam de equipamentos de madeira.
a fabricação de objetos de couro era tarefa desempenhada pelos seleiros. Da
habilidade desses profissionais dependia a fabricação de objetos como arreios, selas,
selins, cangalhas, bruacas, e outros apetrechos para a tração animal e o transporte de
alimentos, bem como confecção de forros para caixas de viagem e de guardar roupas,
além dos assentos de cadeiras e outros móveis menos rústicos
398
. Os seleiros contavam
como matéria prima básica principalmente o couro de animais, o algodão e seus tecidos,
e por isso é perfeitamente compreensível que em 1770, Vila Bela tivesse apenas dois
397
Carta de José Pinheiro de Lacerda à Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira. APMT- Fundo:
Defesa; doc. Nº 45; ano de 1786.
398
MENESES, 2000, p.237.
147
seleiros. É possível que, com o desenvolvimento da tecelagem e da pecuária no termo,
nas décadas seguintes o número desses profissionais tenha aumentado.
Tabela III
Calendário agrícola
Janeiro Colheita do cacau, plantio da mandioca
Fevereiro
Início do plantio da cana
Limpeza da terra para plantio do feijão
Plantio do arroz, fabricação de farinha de milho
Março
Plantio da cana
Início da colheita do milho, plantio do feijão
Fabricação de farinha de milho
Abril
Plantio da cana, feijão, colheita do milho
Maio
Plantio da cana
Junho
Colheita do feijão
Colheita do cacau
Julho
Colheita do feijão
Agosto
Início do corte da cana
Queimadas
Setembro
Queimadas
Corte da cana
Limpeza da terra para plantio de milho e feijão
Outubro
Queimadas e limpeza da terra
Plantio do feijão e milho
Novembro
Dezembro
Fontes: APMT - Documentos avulsos. Lata: 1785; Fundo: governadoria, doc. nº.10. APMT- Lata:1785;
Fundo: governadoria, doc.nº. 08; CARTA de Joaquim JoFerreira. Casalvasco, 26/02/1785. APMT-
Lata: 1785; Fundo: governadoria; doc. nº. 09; APMT- Lata:1785; Fundo: defesa; doc. . 115.
VELLOSO, 1805; ANDREONI, 1711,.p.175; DEL PRIORE, 2006, p.40.
148
C
APÍTULO
IV
Um olhar sobre práticas alimentares no Mato Grosso
Tomando por princípio o fato de que as sociedades e os grupos sociais que a
compõem possuem formas diferenciadas de se relacionar com os alimentos e sua
obtenção, neste capítulo procuramos compor um quadro que pudesse nos oferecer
informações a respeito de práticas alimentares próprias dos moradores de Vila Bela e
seu distrito, no período recortado nesse estudo. As principais fontes utilizadas foram os
Anais de Vila Bela, os diários de viagem dos demarcadores de limites Francisco José
de Lacerda e Almeida, Ricardo Franco de Almeida Serra, e Antônio Pires da Silva
Pontes , os registro de Alexandre Rodrigues Ferreira, cartas pessoais recebidas por
Luís de Albuquerque, e alguns mapas de receitas e despesas da Expedição das
Demarcações.
Nesta elaboração procuramos não perder de vista que, ao se investigar as
práticas alimentares de uma dada sociedade ou grupo social, é fundamental que se tenha
em conta que “o que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come,
como se come e com quem se come”
399
. Desse modo, procuramos por informações que
pudessem complementar as análises até agora elaboradas sobre a produção interna e o
abastecimento externo da capitania.
Assim, apresentamos dados sobre a alimentação dos funcionários reais como
o governador Luís de Albuquerque e seus convidados, e os demarcadores de limites , e
sobre o modo de se alimentar da “gente popular”
400
da capitania, incluídos colonos,
negros e índios. Objetivamos, desse modo, demonstrar a importância do alimento
enquanto elemento fundamental na criação de redes de sociabilidades, de representações
de poder, e de definição de barreiras hierárquicas da sociedade.
399
SANTOS, 2005, p.13.
400
“Ferreira classificou os tipos físicos que encontrou na capitania de Mato Grosso de acordo com a
dosagem dos componentes “raciais”: caboclo- o resultado do cruzamento do índio com preta; mameluco
do europeu com tapuia; mulato- do europeu com preta; mazombo- filho de europeus, crioulo – o filho dos
negros, mas nascido no Brasil”. Cf. ANZAI, 2004, p.154.
149
Pelos caminhos da capitania de Mato Grosso
Pelos longos caminhos, terrestres e fluviais que levavam à capitania de Mato
Grosso, trafegaram pessoas de diversas condições, em geral, em comitivas. Para se
colocarem em marcha, havia necessidade de uma preparação cuidadosa, que levava
meses, entre os quais o recrutamento de homens para integrarem a guarnição militar,
índios para o trabalho de navegação dos rios, e para comporem as montarias, além de
alimentos para o sustento da tripulação durante a viagem. No entanto, aqueles que nos
legaram informações mais detalhadas foram autoridades, funcionários administrativos,
que registraram suas experiências em correspondências e diários de viagem, nos
informando sobre o cotidiano das viagens, o que inclui a alimentação durante os
trajetos.
Anzai registrou a opinião de alguns desses viajantes: Rodrigo César de
Menezes, governador da capitania de São Paulo foi o primeiro governador a percorrer as
centenas de léguas em direção às minas de Mato Grosso, com uma comitiva formada
por mais de três mil homens, que chegou em Cuiabá em 15 de novembro de 1726, onde
permaneceu cerca de um ano e meio. Ao relatar as inúmeras dificuldades pelas quais
passou durante a viagem, o governador informou que havia se preparado com
mantimentos para nove meses, mas que, após dois meses foi preciso comprar alimentos
nas roças que encontrava ao longo do caminho, como milho e feijão, além de se valer de
“frutas brabas”, jacarés, macacos, papagaios, araras e cobras
401
.
[Crocodilus] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
402
401
Cf. ANZAI, 2004, p.72.
402
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_1_3_022.jpg.
Acesso em 20 de agosto de 2008.
150
Quase vinte e cinco anos depois, em 1750, Antônio Rolim de Moura partiria
em monção de Araritaguaba, em São Paulo, rumo a Cuiabá, com uma comitiva da qual
faziam parte 20 canoas de carga,
... que eram dezesseis pertencentes a el rei, e quatro a mim, e porque
ainda não puderam acomodar todo o mantimento necessário, se tomou
mais uma por empréstimo, que me acompanhou oito dias. Porém, não
somente estas, chamadas de carga, a levavam, mas em todas se meteu
o que podiam acomodar. Nas dos soldados, sem embargo de levar
cada vinte e tantos homens, fora remeiros e pilotos, se meteram os
cunhetes de bala, e pederneira, e a roupa precisa para o caminho, rede,
e mosquiteiro de cada soldado, sem cujo traste, que logo explicarei, se
não pode fazer esta jornada. Mas, sem embargo de acomodarem as
canoas tanto como tendo dito, havendo algumas que chegaram a levar
noventa sacos de mantimentos, e trinta e tantas cargas de barris e
frasqueiras, e tendo eu deixado para vir de aluguel em outras tropas a
maior parte das cargas tanto de el rei como minhas e dos oficiais,
sempre vos de fazer dificuldade, que em tão pouco se acomodasse
o mantimento, que havia de gastar cento e noventa homens em cinco
meses, o que procede constar este de feijão, farinha e toucinho, e
algumas galinhas, para os doentes de maior perigo. Ainda para a
minha mesa este era o fundamento, porque o mais que levava de
paios, presuntos, biscoitos e carne de vinha d’alhos era à proporção do
que as canoas podiam, e não do que era preciso.
403
Pelo relato de Rolim de Moura podemos avaliar as dificuldades enfrentadas
pelos viajantes para distribuir pessoas, cargas e alimentos nos espaços das canoas.
Evidencia-se também a necessidade de complementar a alimentação com aquilo que a
natureza podia oferecer, como os produtos da caça e da pesca. Como esclareceu o
capitão general, três canoas pequenas
... seguiam adiante, para pescarem e caçarem, longe do ruído que faz a
tropa, e quando se chega ao rancho, que ordinariamente é com duas
403
RELAÇÃO da viagem que fez o Conde de Azambuja da cidade de São Paulo para a vila do Cuiabá no
ano de 1751. In: UFMT- NDIHR, 1982; V. I, p.7.
151
horas de sol vão à mesma diligência, por cuja causa chamam a estas,
canoas de montaria.
404
Outro aspecto importante a se destacar no relato de Rolim de Moura é a
presença, entre os alimentos listados, de paios, presuntos e biscoitos, gêneros pouco
comuns entre os itens alimentícios preparados para essas viagens, mesmo em se
tratando de pessoas importantes, como governadores, demarcadores e naturalistas.
Dos frutos da mata e do rio, que a natureza naturalmente ofertava Rolim de
Moura relatou que foram de grande valia as “laranjas maravilhosas recolhidas de um
laranjal, dentro do mato sem cultura”; cajus que nasciam em abundância por entre os
capins; “palmitos de excelente qualidade”, cujo sabor não era “inferior aos das
castanhas”; “bananas, coletadas de um grande bananal abandonado”, em que se
encheram “quatro canoas” delas, para serem repartidas com a tropa”. Rolim de Moura
demonstrou encantamento ao descrever os “vastíssimos arrozais, que naturalmente
crescem por aquele pantanal”, e ali os iam colher todos os anos o gentio”, expressou
surpresa ao relatar que “quanto mais as águas cresciam, tanto mais crescia o arroz, de
sorte que sempre estava cinco ou seis palmos fora da água”, e que o pantanal não estava
cheio dele, “mas estava em rodelas [entrelaçado] com o capim, do qual vi algum já com
o grão formado
405
.
Ao longo de sua extensa narrativa, o governador foi aos poucos se revelando
um apaixonado pela caça, que além de divertimento e distração nas longas paradas,
também lhe servia de regalo e sustento no percurso. Assim, das diversas aves que lhe
serviram de refeição descreveu “patos bravos, maiores e mais gostosos do que os do
reino”, “jacus do tamanho de perdizes, e com alguma semelhança no gosto”,
“papagaios, os quais não são maus com arroz”, “perdizes da mesma cor das nossas, do
tamanho de uma galinha, bastante saborosas”
406
. Os animais de “caça de pele” registrou
serem pacas e capivaras. “As primeiras são do tamanho de um leitão, com os pés curtos
e pêlo como de cão, pardo escuro e, as segundas o “feitio é de rato, principalmente a
cabeça, o pêlo na aspereza é de porco, mas pardo, são do tamanho de um marrão, e o
gosto não é bom; a paca sim, é muito gostosa”
407
.
404
Idem, p.8.
405
Ibidem, p. 27-28
406
Ibidem, p.10-12.
407
Ibidem, p.11.
152
Rolim descreveu ainda outros animais que contribuíam para a alimentação da
comitiva, como “cervos, que são do mesmo feitio, e pouco mais pequenos que os
veados; veados com tamanho equivalente aos de cabras, mas de carne mais tenra e
gostosa que a dos nossos”, além de emas e seriemas, que “de tudo se viu bastante, e se
matou”. Porém, revelou o governador, que a que mais gosto deu foi uma anta, pelo
muito que resistiu”
408
.
[Paca] Coleção:Alexandre Rodrigues
Ferreira. BNRJ
[Cotia] Coleção Alexandre
Rodrigues Ferreira.BNRJ
[Lebre] Coleção Alexandre
Rodrigues Ferreira. BNRJ
409
Sobre a grande quantidade de peixes que encontrou pelos rios citou os “muitos
dourados, que custavam um homem levantá-los; os comuns eram como gorazes, os jaús,
de pele, e muito maiores que os dourados”, e anotou os “peixes que saltavam
continuamente para cima, para apanhar altura, em tanta quantidade, que com fisgas e
paus se matava”
410
.
[Dourado] Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
411
408
Idem ibidem, p.12.
409
http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032.kd//?t=bs&pr=_dig_pr&db=tbn_dig&use=col&disp=list&ss=ne
w&arg=alexandre|rodrigues|ferreira . Acesso em 20 de agosto de 2008.
410
Idem ibidem, p.10. Rolim de Moura chegou em Cuiabá em 12 de janeiro de 1751, onde tomou posse
cinco dias depois. Pouco mais de um ano depois se encontrava no Mato Grosso cuidando da criação da
vila capital.
411
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_1_4i23.jpg, Acesso, em 20
de agosto de 2008.
153
Pelos rios do norte, na rota Madeira-Mamoré-Guaporé, também chegaram a
Mato Grosso diversas autoridades, durante toda a segunda metade do século XVIII,
como os governadores João Pedro da Câmara (1764), Luís Pinto de Sousa Coutinho
(1768), os integrantes da Comissão Demarcatória de Limites (1781-1782), e a
Expedição Filosófica, comandada pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1789).
Como informamos anteriormente, os demarcadores de limites, ao passarem por essa
rota, entre os anos de 1781 e 1782, registraram suas experiências em três diários de
viagem, cujo cotejo nos revelam o passadio durante os trajetos, os alimentos
selecionados para viagem, e aqueles ofertados pela natureza
412
. Desse modo, pudemos
acompanhar a viagem dessas comitivas desde sua saída da vila de Barcelos, até sua
chegada à Fortaleza da Conceição, procurando fazer emergir da narrativa as práticas
alimentares desses navegantes.
Ao iniciar os preparativos para a longa viagem, o capitão da “Expedição
Demarcadora de Limites”, Ricardo Franco encaminhou ao capitão general da capitania
do Pará, João Pereira Caldas, uma lista contendo os itens necessários para que a viagem
transcorresse com a devida tranqüilidade
413
. Terminados os preparativos, finalmente,
por volta da 6 horas da tarde do dia primeiro de setembro de 1781, partiram do porto da
Vila de Barcelos, na capitania do Rio Negro, seis canoas em direção a Vila Bela, capital
da capitania de Mato Grosso. Na primeira canoa seguia o comandante da expedição,
capitão Ricardo Franco de Almeida Serra e sua tropa. Os astrônomos Antônio Pires da
Silva Pontes e seu companheiro, Francisco José de Lacerda e Almeida ocupavam a
sexta canoa, que trazia uma “bandeira larga e flâmula verde”
414
, juntamente com o
porta-estandarte, Manoel Rebelo. Integravam ainda a comitiva o engenheiro Joaquim
José Ferreira, o padre Álvaro da Fonseca Zuzarte
415
, mais os práticos e os camaradas,
encarregados do serviço pesado e navegação dos rios.
Boa parte das cargas das canoas eram mantimentos necessários para alimentar
a numerosa tripulação. De acordo com Ricardo Franco, esses alimentos compunham-se
412
SERRA, 1790; LACERDA E ALMEIDA, 1781 e PONTES, 1781.
413
Ainda na década de 80 do Setecentos, esta mesma lista serviu de base para a preparação da viagem
que a “Expedição filosófica”, do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira fez à capitania de Mato
Grosso, e tudo foi sistematizado da seguinte forma: “1° Homens; Mantimentos; Preparos para a
pesca; Munições de Guerra; Preparos para o risco; Ditos para escrever; Para o serviço dos
doentes na enfermaria; Botica; 10° Consertos de alguns preparos que existem.”. In: ANZAI, 2004, p.
76.
414
PONTES, 1781, p.155. Essa era uma distinção da dinastia de Bragança.
415
CORREA FILHO, 1994, p.410.
154
de farinha, feijão, arroz, toucinho, peixe seco
416
, mas outras comitivas levavam também
farinha de trigo, milho, tartarugas, potes de manteiga, açúcar, chá, pimenta, vinagre,
vinho branco e tinto, aguardente de uva, azeite, canela, carimã, alfazema, aguardente de
cana, tabaco
417
. Vale destacar que muitos destes alimentos eram utilizados nas dietas
aplicadas aos doentes, em decorrência das sezões que contraíam durante o trajeto.
Com vinte e cinco dias de viagem, Lacerda e Almeida caiu doente
418
, e além
dele também sofreram com os desconfortos provocados pelas fortes sezões “os capitães
engenheiros Ricardo Franco e Joaquim José Ferreira, o capelão Álvaro da Fonseca
Zuzarte, além dos soldados, o mercador agregado que acompanhava a expedição e
alguns índios”
419
. Em vinte e dois de novembro, muito debilitado pelos efeitos das
sezões, Ricardo Franco desmaiou, e teve de ser carregado para uma canoa. Para
revigorá-lo, à noite lhe aplicaram uma dieta especial: “vinho fervido com canela, e um
frango de caldo”
420
, alimentos indicados para recuperar as forças aos doentes em
decorrência das febres.
A impossibilidade de se transportar alimentos em quantidade suficiente para
suprir as necessidades diárias dos viajantes fazia com que, ao seguirem viagem, os
produtos da caça e da pesca se tornassem complementos indispensáveis na alimentação
diária desses navegantes. Desse modo, durante as viagens, as expedições mantinham-se
sempre atentas ao que a natureza podia lhes ofertar, limitando-se ao estritamente
necessário, lançando mão daquilo que a natureza pudesse lhes oferecer
421
.
Ao chegarem à boca do rio dos Machados ou Gi-paraná, no dia 9 de outubro,
Pontes observou que “era infinito o peixe que saltava na boca do rio, e muitas aves
aquáticas, que estavam no rio inferior, que é de pouca água, mariscando nas sardinhas
que fugiam dos piravibas e outros peixes que cercavam no golfão do rio”. E concluiu:
“há sinais de ser um rio muito abundante de caça e peixe”
422
. Em 12 de outubro
chegaram à boca do rio Jamari, rio de grande extensão
423
, com águas “cristalinas e
416
SERRA, 1790, p.407.
417
ANZAI, 2004, p.78.
418
PONTES, 1781, p. 157.
419
PONTES, 1781, p.164.
420
Idem, p.167.
421
HOLANDA,1990, p.63
422
PONTES, 1781, p. 157.
423
SERRA, 1790, p. 402.
155
saborosas”
424
. Ricardo Franco observou que havia no rio “mil efeitos”
425
, com arraias,
aravanãs (espécie de peixe pintado e liso), e piravaras (peixe de escama com muita
espinha)
426
.
Quando o alimento era encontrado em abundância, provocava “uma satisfação
admirável ao estômago dos homens”
427
, como ocorreu no dia 14 de outubro, quando a
expedição aportou na famosa praia do Tamanduá. Nesse local, as canoas de montaria
colheram, no espaço de uma noite, perto de duzentas e setenta tartarugas, e segundo
Ricardo Franco, cada uma delas podia oferecer um jantar a dez homens
428
.
A alegria demonstrada pelos demarcadores ao encontrar tantas tartarugas se
justifica, pois, além de ser uma fonte de alimento, destinada a suprir as necessidades
básicas de alimentação humana, a tartaruga ainda tinha outras finalidades importantes.
Sua carne substituía a carne de galinha na dieta destinada a recuperar as forças
dos doentes, além dos ovos também serem utilizados em processos de cura, como o fato
que chamou a atenção de Silva Pontes, que registrou “ter restabelecido um furriel com
424
PONTES, 1781,p.158.
425
SERRA, 1790, p. 402.
426
PONTES, 1781, p.159.
427
Idem.
428
SERRA, 1790, p.403.
429
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_1_1i19.jpg. Acesso em 20
de agosto de 2008.
430
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_1_1i18.jpg. Acesso em 20 de
agosto de 2008.
[A pesca das tartarugas]. Coleção Alexandre
Rodrigues Ferreira. BNRJ
429
[O
fabrico da manteiga de ovos de tartaruga].
Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
430
156
ovos de tartaruga de uma doença nas pernas”
431
. Além do mais, dos ovos também se
fazia manteiga
432
.
Em 15 de outubro a expedição iniciou o trecho mais difícil da viagem, ou seja,
a travessia do trajeto das cachoeiras, em número de dezessete, sendo doze no rio
Madeira, e cinco no rio Mamoré. A primeira cachoeira, a de Santo Antônio servia de
baliza geográfica entre o Estado do Pará e a capitania de Mato Grosso. Nesta cachoeira,
após sirgar
433
as canoas, as cargas foram levadas para uns ranchos ou buracos de palha,
que os mercadores de Mato Grosso haviam feito nas margens.
Ao chegarem na segunda cachoeira, a do Salto, o astrônomo Pontes nos
informou “que as pequenas serras que acompanham estas cachoeiras têm muita
salsaparrilha e muito cacau pelas margens”. Além dos frutos da mata, ressaltou Pontes
“que a grande baía que na cachoeira recebe o tombo das águas está tão empilhada de
peixe, que os arpões se faz grandíssima festa de tambaquis, piravibas e piraputangas”
434
.
Em vinte e nove de outubro, a expedição chegou à quinta cachoeira, a do Salto
do Girau, considerada muito trabalhosa. No caminho para o porto das canoas, no
varadouro
435
onde Pontes afirmou ter ido duas vezes, “encontrou grande roça, e tudo
lhes foi de grande socorro: o aipim, que é uma espécie de mandioca, e muito milho”
436
,
que Ricardo Franco disse estar verde. Lacerda e Almeida completou, registrando que,
além dos produtos que ofereciam, como bananas, mandiocas, batatas e carás
437
, os
índios Puma, que ali residiam, e que estiveram aldeados, auxiliavam os navegantes
que aportavam naquela cachoeira, e ajudavam a varar
438
as canoas
439
.
431
PONTES, 1781, p. 159.
432
SERRA, 1790, p.403.
433
Sirgar: processo em que se amarrava a ponta de uma corda na extremidade da canoa e a outra ponta em
uma árvore. Após as devidas amarrações começava-se a puxar as canoas da correnteza para a margem da
cachoeira.
434
PONTES, 1781, p.160.
435
Varadouro: local do rio que não oferecia condições de navegação, sendo preciso descarregar as canoas
e atravessá-las nas costas, juntamente com suas cargas, por terra, aoutro ponto navegável do rio. Em
alguns desses locais se estabelecerem verdadeiros entrepostos comerciais, funcionando como pontos de
apoio aos navegantes vendendo alimentos cultivados em roças próximas, prestando serviços de conserto
de canoas e até mesmo homens de trabalho para ajudar no transporte das cargas e canoas.
436
Idem , p. 161.
437
LACERDA E ALMEIDA, 1781, p. 24.
438
Varar as canoas, atravessá-las nas costas por trilhas no meio da mata até outro ponto navegável do rio.
439
LACERDA E ALMEIDA, 1781, p.24.
157
Navegando as águas do rio Abuna, que entra no Madeira na margem Ocidental,
no dia 18 do mês de novembro, Silva Pontes comentou que “mostra ser um rio muito
piscoso, porque se via uma multidão de várias espécies de peixes saltando diante da
canoa”. E completou: “toda a margem esquerda do rio Madeira que costeamos neste dia
é um contínuo bosque de cacaueiros, e em certos tempos têm regalo e remédio para a
vida nas muitas frutas que dão as ditas margens”
440
.
A “corrupção dos alimentos” era muito comum nestas viagens, e isso acontecia
devido ao calor e à umidade. Os alimentos que mais se estragavam eram “aqueles mal
preparados, como as carnes e o peixe mal salgados, amontoados nos fundos dos porões
das canoas”
441
, meio apodrecidos, que acabavam por provocar doenças. Além disso,
“compravam-se farinhas mais baratas, e o sal, o vinagre e o azeite, que deviam entrar no
tempero cotidiano, muitas vezes eram distribuídos como remédio”
442
aos doentes. Esses
maus efeitos foram experimentados pelos demarcadores, e Silva Pontes registrou que,
ao chegar à cachoeira das Araras, em 20 de novembro, “a chuva fazia difícil a caça e a
pesca, e foram desagradáveis esses dias porque a farinha corrupta de mandioca, sem o
socorro de caça, não produzia mais que danos e moléstias”
443
.
Continuando a marcha, no dia 8 de dezembro, a expedição chegou à cachoeira
da Misericórdia, e durante a caça foi encontrado um macaco cuja espécie, segundo
Pontes era desconhecida, e que na capitania chamavam “Paravaku”
444
.
Após vencer a última das doze cachoeiras do rio Madeira, a expedição
continuou a subi-lo, e ao chegarem à confluência do rio Madeira com o Mamoré, em 14
de dezembro, Ricardo Franco nos oferece uma síntese das potencialidades econômicas
do rio Madeira, no tocante à produção de fontes alimentares:
São as margens do rio da Madeira, principalmente a oriental, desde a
sua desembocadura no Amazonas até a confluência no Mamoré,
formada por terreno sólido, e o mais próprio para uma grande cultura,
[...], e todos os rios que deságuam nele, suposto que de mediana
grandeza, são navegáveis por
muitas léguas, havendo em todos eles, e
440
PONTES, 1781, p. 164.
441
ANZAI, 2004, p.162.
442
ANZAI, 2004, p. 162
443
PONTES, 1781, p. 164.
444
Idem, p.164.
158
no mesmo Madeira, todos os efeitos que fazem a riqueza do país das
Amazonas, como salsa, cravo, cacau, pexiri, gomas, etc. É este grande
rio saudável e fartíssimo de tartarugas, e de mais de 30 espécies de
peixes diferentes, e alguns de tal grandeza, que podem alimentar vinte
homens. As aves são igualmente abundantes e diversas.
445
Na travessia da segunda cachoeira do Mamoré, onde chegaram no mesmo dia
14 de dezembro, por volta das duas horas da tarde, Pontes identificou “uma erva acutosa
no gosto e no hábito da planta”
446
. Baseado em seus conhecimentos de naturalista,
Pontes considerou essa planta uma “hortaliça deslocada, e que lhe chamam
barbaramente cacaru, nome pirurego que os tupinambás dão às ervas suculentas”
447
.
Dezembro foi o mês mais difícil da viagem, pois, devido às fortes chuvas e ao
aumento das águas, a caça e a pesca ficavam escassas, as febres a cada dia eram mais
constantes, estragavam-se os mantimentos que ainda restavam, e para agravar ainda
mais as condições da viagem, na travessia da segunda cachoeira “quebraram as últimas
panelas, de que não vinha nenhum sortimento”
448
, restando à expedição a alternativa de
preparar apenas um cozido “que se fazia na metade de um pote, que foi de água”
449
.
Entretanto, no mesmo dia tiveram a sorte de encontrar um “socorro que ia para os
negociantes mineiros, de toucinho, farinha de milho e feijão”
450
. É importante observar
que ao nos informar que “quebraram as últimas panelasSilva Pontes fornece dados
sobre o tipo de utensílios levados nessas viagens, ou seja, panelas e potes de cerâmica,
fruto do artesanato indígena, destacando um aspecto da cultura material da maioria dos
habitantes das vilas e povoações da capitania de Mato Grosso.
445
SERRA, 1790, p.416.
446
PONTES, 1781, p.166.
447
Idem, p.166.
448
Ibidem.
449
Ibidem.
450
Ibidem.
159
[Utensílios indígenas]. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ
451
Finalmente, em 27 de dezembro a expedição conseguiu vencer a travessia das
dezessete cachoeiras, trajeto mais complicado e temido da viagem por essa via. A
expedição demorou setenta e sete dias para percorrer as setenta léguas desse percurso,
isso porque “suas canoas eram pequenas e de pouca carga, porém as de comércio, que
são maiores e mais carregadas, nunca levam menos de três meses”
452
para a travessia
do mesmo caminho.
Ao raiar o ano de 1782, a expedição demarcadora encontrava-se bem
próxima da Fortaleza da Conceição. No primeiro dia do ano adentrou no rio Sotério,
que entrava na margem oriental do Mamoré. Segundo Pontes, aquele era um rio de
águas limpas, por isso entrou “nele para encher os potes, e com demora de seis minutos
passaram à minha canoa oito grandes peixes que chamam pacus, e cada um pesa mais
de 18 libras”
453
. Descendo o Guaporé entraram nas águas do rio Cautários, que deságua
no Guaporé pela margem oriental, em oito de janeiro. Seguindo marcha, chegaram a um
local próximo deste rio, onde encontraram, a sua espera, a mando de Luís de
Albuquerque, o tenente João Soeiro, juntamente com Lacerda e Almeida, que havia
seguido por outro caminho, a fim de chegar mais rápido ao Forte da Conceição, em
busca de alívio para as fortes sezões que havia contraído. Pontes se emocionou ao ver o
companheiro e amigo restabelecido, e no dia seguinte continuaram a viagem para a
Fortaleza da Conceição, onde chegaram por volta das oito horas da manhã
454
.
451
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/ARF_JPG/mss21a_1_3_014.jpg . Acesso em 20
de agosto de 2008.
452
SERRA, 1790, p.418.
453
PONTES, 1781, p. 168.
454
SERRA, 1790, p. 420.
160
A chegada na fortaleza
455
representava, para os comissários demarcadores um
alívio para os longos meses de doenças constantes e privações de alimento. É de
Antônio Pontes o relato mais contundente:
Tendo empoado os cabelos pela primeira vez, desde que saímos do
Rio Negro, e fazendo-nos novidades até a vista dos cavalos e do leite
que tomamos, e socorridos de açúcar e chocolate, já nos parecia
respirar outro ambiente.
456
Após cinco dias no Forte, a comitiva finalmente seguiu viagem com destino à
Vila capital, onde chegou no dia 28 do mês seguinte.
A Mesa Real
Dentre os diversos significados que a palavra “mesa” possuía no século XVIII,
o mais freqüente na documentação consultada foi seu uso para denominar “manjares e
iguarias que se serviam a mesa”, para serem consumidos
457
. Usada por Rolim de Moura
em 1751, ao se referir aos mantimentos preparados para a sua alimentação pessoal
durante a viagem que fez de São Paulo à Vila do Cuiabá
458
, essa palavra aparece
novamente na documentação referente ao governo de Luís de Albuquerque, mais de
trinta anos depois, acompanhada da expressão “real”. O significado da expressão “mesa
real” foi explicitado em um fragmento de documento anônimo, denominado “Reflexões
sobre as depredações e violências que cometem os governadores de Mato Grosso”, cujo
teor refere-se a uma denúncia, e nele o autor registrou a seguinte passagem:
455
Importante observar que no diário de Lacerda e Almeida este forte aparece como sendo o do Príncipe
da Beira; no entanto, ao se referir á chegada nesse Forte, Ricardo Franco registrou: “navegamos a S. por
duas guas, espaço em que suas pedras e pequenas ilhas, até a Fortaleza velha da Conceição, a que
chegamos pelas 8 horas da manhã do dia 11 de janeiro”. Ao relatar as condições da fortaleza, Silva Pontes
complementou: “nos parecia defeituosa por ser um retângulo mal flanqueado, e abertas as muralhas em
algumas partes por ser todo o solo de areias soltas”. Portanto, trata-se mesmo do Forte da Conceição.
456
PONTES, 1781, p. 169.
457
Sobre as diversas denominações da palavra mesa, ver: BLUTEAU, 1720.
458
RELAÇÂO da viagem que fez o Conde de Azambuja da cidade de São Paulo para a vila do Cuiabá no
ano de 1751. In: UFMT - NDIHR., 1982; v. I. p.7.
161
Logo que foi constante ao governador de Mato Grosso que sua
majestade tinha fixado a soma de cinqüenta mil cruzados para as
despesas da demarcação
459
, procurou aproveitar-se da maior porção
desta soma que foi possível, e para este efeito inventou uma Mesa, a
que deu o nome de Mesa Real, com o pretexto de dar de comer aos
empregados nas demarcações, e encarregando desta administração a
intendência a Melchior Álvares, fez com que este comprasse para a
Fazenda Real todos os móveis de cozinha, roupa de mesa pertencente
a ele, governador, que lhe ficaram inúteis logo que se estabelece a
Mesa Real.
460
Portanto, como evidencia o documento acima, mesa real” foi a designação
conferida por Luís de Albuquerque, entre os anos de 1781 e 1782, às despesas feitas
para alimentar os comissários demarcadores e demais oficiais empregados nas
demarcações de limites, durante os anos que permanecessem na capitania de Mato
Grosso, e é esta a conotação que lhe conferimos aqui.
A informação de que com a criação da “mesa real” Luís de Albuquerque teria
vendido à Fazenda Real todos os seus móveis de cozinha e roupa de mesa que lhe
“ficaram inúteis” leva-nos a supor que Luís de Albuquerque teria “institucionalizado”
sua mesa, que passou a ser também a dos demarcadores e demais oficiais encarregados
dos trabalhos de demarcação na capitania. Isso se explicaria pelo fato de Luís de
Albuquerque ser o encarregado dos trabalhos das demarcações. indícios na
documentação que essa mesa também era denominada “mesa de estado”, e começou
suas atividades efetivamente em 28 de fevereiro de 1782, dia em que chegou a Vila Bela
a equipe de comissários demarcadores, conforme registro nos “Anais de Vila Bela”
daquele ano:
A 28 deste mês de fevereiro, chegaram pessoas destinadas às Reais
Demarcações: o capitão-engenheiro e comandante Ricardo Franco de
Almeida, o capitão-engenheiro Joaquim José Ferreira, o doutor
matemático Francisco José de Lacerda e o capelão, padre Álvaro
459
Entre os anos de 1782 à 1789, a capitania de Mato Grosso recebeu anualmente um subsídio enviado
pela capitania de Goiás, no valor de 20: 000$000 contos de réis em ouro, para financiar os gastos com os
trabalhos de demarcações de limites, como ordenara a rainha .
460
REFLEXÔES sobre as depredações e violências que cometem os governadores de Mato Grosso.
NDIHR-UFMT; (AHU) – MT, cx. 26 doc. nº. 1536.
162
Zuzarte, ficando ainda em viagem o doutor Antônio Pires da Silva
Pontes. (...) Nesse dia teve princípio a Mesa de Estado no palácio de
Sua Excelência. Vieram nessa ocasião os [quatro palavras ilegíveis]
destinados para a sobredita diligência.
461
Os gêneros que compunham as refeições servidas na mesa real eram adquiridos
no reino e “no país”
462
. Os gêneros importados eram elencados em relações e enviados
a procuradores em Lisboa, que ficavam encarregados da compra e envio para Mato
Grosso. O encarregado de fazer as compras e os envios de mercadorias ao capitão
general em Vila Bela era seu procurador pessoal, Paulo Jorge, que em carta registrou
remessas feitas em novembro de 1783 e 1784, para suprir as necessidades da equipe
encarregada das demarcações de limites, na capitania de Mato Grosso. Em fins de 1783,
Paulo Jorge escreveu a Luís de Albuquerque:
A relação que vossa excelência mandou para a Repartição das
Demarcações me foi igualmente entregue, pelo que cuidei em por logo
pronto e carregar neste navio Maranhão o que consta da inclusa
relação, na conformidade da que vossa excelência de mandou. O
ponto está que a remessa pela charrua de sua majestade fosse logo a
seu destino, e que esta possa seguir, a fim de se por em via a remessa
anual, enquanto não houver ordem em contrário, e para que aqui não
haja demora no embarque, nem os navios de sua majestade padeçam
pela demora do seu apronto, eu o lembrarei em tempo competente
para que se possa assim remeter pelos navios a sair, ou sejam de sua
majestade ou de particulares. A João Manoel aviso para que no Pará
a precisa providência, para que se acautelem todas estas remessas,
não da chuva, por causa da longa viagem até chegar a essa, mas
para que as suas recomendações sejam as mais eficazes nas conduções
de terra, para lhes evitar o prejuízo de avaria, que pelo pouco cuidado
recebem ditos gêneros, sem o que nada pode chegar como é preciso
que chegue.
463
461
AMADO & ANZAI, 2006, p. 232.
462
No século XVIII a palavra país era usada como sinônimo de terra, região. In: BLUTEAU, 1720.
463
ANZAI, 2005, p. 142-143.
163
Como comerciante experiente, procurador de rias autoridades na América
portuguesa, Paulo Jorge era conhecedor dos longos e difíceis caminhos pelos quais
circulariam esses gêneros até chegarem em Vila Bela. O longo trajeto de Lisboa até Vila
Bela incluía mar, terra, rios e cachoeiras, o que tornava comum as perdas:
Nem para mim é reparável as avarias que vejo se experimentam
passando por tantos indivíduos e inconvenientes. Estimarei que o que
agora vai chegue em melhor estado, porque tudo vai melhor e mais
bem acondicionado que pode ser. Os barris da farinha são estanques, e
arqueados de ferro, e breados, como vossa excelência verá, de sorte
que parece nada os pode ofender, antes de chegar a seu destino.
464
A farinha vinda da Europa era matéria prima para a preparação de biscoitos
465
,
e com certeza era utilizada também para a fabricação de outros alimentos que seriam
servidos em ocasiões especiais, como os banquetes oferecidos pelo governador, por
exemplo, dos quais participavam os oficiais demarcadores. Em Minas Gerais da
primeira metade do século XVIII, o pão feito a base de farinha de trigo, figurava entre
os alimentos cuja venda era permitida nos morros de mineração, pois as autoridades
entendiam que não era necessário sua proibição, já que não estava entre os produtos
consumidos habitualmente por negros mineradores, ao contrário do que acontecia com a
“broa de milho”, cuja venda era expressamente proibida. Em 1733, o Senado da Câmara
de Vila Rica publicou um edital, no qual permitia que ambulantes circulassem pelo
morro daquela vila a vender o pão de trigo, frisando que poderiam levar “até seis
frasqueiras” do que quisessem, exceto “cachaça, fumo ou coisa alguma pertencente a
pretos”
466
.
Mesmo com tantos cuidados, era comum que boa parte desses mantimentos
chegasse à vila capital estragados. Os Anais de Vila Bela de 1783, registram que em
março daquele ano chegou a Vila Bela “o anspeçada José Joaquim de Almeida, que
conduzia várias canoas de socorro de mantimentos e gêneros” vindos do reino, “para as
diligências das Demarcações, bem
que grande parte dos mantimentos arruinado pela
464
ANZAI, 2005, p.162.
465
MAPA dos víveres despendidos por conta da Real Fazenda de Mato Grosso com a Expedição da
Demarcação de Limites de 1782 a 1787. Vila Bela, 20/01/1789. NDIHR-UFMT; (AHU) - cx.26 doc. nº.
1539.
466
Cf. SILVA, 2002, p.165.
164
demorada distância”
467
.
Nas cartas, Paulo Jorge lamentava o fato de algumas
encomendas não chegarem em bom estado, apesar dos cuidados que tomava para que
tudo chegasse a Vila Bela em condições adequadas de consumo
468
. Nessas explicações,
conseguimos informações sobre o modo de preparar as cargas e seu transporte:
Os queijos e carnes também vão em barris estanques, e metidos em
azeite, tudo dirigido a chegar como se necessita. A despesa de todos
os barris, por causa dos arcos de ferro é grande, porém, como é natural
que ali possam servir faz-se menos pesado o valor do que neles vão,
cujo conteúdo é preciso que chegue como se deseja. Tudo é comprado
e expedido com todo o zelo e cuidado, e com muito incômodo pessoal
e de meus filhos, que todos ficamos contentes com a honra de servir a
sua majestade e agradar a estes senhores vizinhos, com que muito nos
satisfazemos.
469
Procurando aprimorar seus serviços e evitar dissabores, Paulo Jorge, além de
tomar os cuidados que lhe eram familiares contava também com os conhecimentos e a
experiência de Luís de Albuquerque, a quem sempre pedia orientações:
Vossa excelência faça a mercê de dizer-me se alguma coisa deve ir
diferentemente acautelado do que vai, e ainda que considero que esses
senhores da Provedoria andem ficar satisfeitos, também nessa parte
quero saber se o estão ou não, na certeza de que se tiverem que dizer
coisa em contrário, que nesse caso, por não pode-lo fazer melhor, que
não posso encarregar-me, de sorte que lhes seja mais agradável
.
470
De Lisboa até o Pará esses gêneros eram transportados pelos navios da
Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão, de onde seguiam para Vila Bela
pela rota das monções do norte, mobilizando um grande contingente de pessoas em seu
transporte. Em 1785, a equipe que compôs essa monção era formada pelo alferes-de-
dragões Antônio Francisco de Aguiar, responsável pelo comando e condução de todos
467
AMADO & ANZAI, 2004, p.238.
468
ANZAI, 2005, p. 162- 163.
469
ANZAI, 2005, p. 162.
470
ANZAI, 2005, p. 142-143 .
165
os botes. Completavam a equipe seis dragões, vários pedestres, e perto de duzentos
índios, e a carga transportada compunha-se parte de mantimentos para a delegação das
Reais Demarcações”, e o restante de “vários gêneros de fazendas secas para os
armazéns da Provedoria de Fazenda, que, para maior comodidade de preços, tinha Sua
Excelência mandado comprar na cidade de Lisboa”
471
.
A chegada dessas monções era evento marcante e motivo de grande alegria
para os vilabelenses, que atrasos eram muitos freqüentes, como nos informam os
Anais de Vila Bela:
Não houve nesta Vila coisa alguma memorável ou de alegria de se
fazer lembrança dela para o futuro, até o dia 11 de janeiro do presente
ano, em que chegou ao porto dela uma monção ou comboio do Pará,
com oito meses de viagem, o qual constava de 11 botes, em que se
conduziam os víveres para a mesa real e mais gêneros para a
expedição de limites, encarregada à Sua Excelência, comandado o dito
comboio pelos alferes de infantaria Carlos Daniel de Serpas, com os
militares seguintes: um furriel, dois porta-bandeiras, dois cadetes, dois
cabos-de-esquadra, dois anspeçadas, 17 soldados, um tambor. Nessa
mesma monção veio o Provedor da Real Fazenda, Antônio Soares
Calheiros Comes de Abreu.
472
De Lisboa eram enviados “farinha de trigo, manteiga, queijos, sardinha,
azeitonas, paios, salsichões, presuntos e bacalhau”, mais bebidas, como “vinho,
aguardente, e licores”, além de outros gêneros, com azeite, vinagre, canela, chá,
chocolate, pimenta, mostarda e sal”
473
. Tratava-se de alimentos raros e caros, a que
somente uma pequena parcela da população tinha acesso naquele período. Só para se ter
uma idéia, em 1770, o queijo flamengo valia em Mato Grosso 3$000 réis, o paio
custava $900 réis, o pacote de farinha de trigo com cinco arrobas, quando havia, era
vendido a 30$000 réis, cada frasco de vinho tinto, de vinagre, de azeite e de aguardente
custava cerca de 3$000 réis
474
. Enquanto isso, cada alqueire de milho, que nas palavras
471
AMADO & ANZAI, 2006, p.251.
472
AMADO & ANZAI, 2006, p. 272.
473
MAPA dos víveres despendidos por conta da Real Fazenda de Mato Grosso com a Expedição da
Demarcação de Limites de 1782 a 1787. Vila Bela, 20/01/1789. NDIHR-UFMT; (AHU) - cx.26 doc. nº.
1539.
474
Ver: RODRIGUES, 2005, p.46.
166
do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira era “o pão da terra”, custava em 1789, entre
“480 e 600 réis”, o preço da farinha de mandioca oscilava entre “1500 e 1800 réis”. “O
arroz, 3000 até 3600 réis, o feijão 1800 até 2400 réis. Uma arroba de açúcar feito no
país 4800 réis, e o mesmo o de aguardente de uva, de azeite de oliveira, de vinagre”
475
.
Ao estudar a relação entre comida e classe social, Felipe Fernandez-Armesto
nos mostra que um dos primeiros diferenciadores entre a comida das classes mais altas e
a das classes populares está na capacidade monetária que cada uma dispõe para adquirir
os alimentos que leva à mesa. Desse modo, em um primeiro momento, os mais
privilegiados definem seu lugar na hierarquia social por meio do tipo de alimento
consumido; em um segundo momento, essa barreira passa a ser o modo pelo qual esse
alimento é preparado; finalmente, as diferenças serão marcadas pelo jogo de etiquetas
que marcam os rituais de ingestão desses alimentos
476
.
Embora os alimentos oriundos da produção local tenham exercido um papel
fundamental na alimentação dos moradores de Vila Bela, a aquisição de alimentos finos
por parte de uma pequena parcela da população, verificadas nas listas de produtos; a
maneira de servi-los à mesa com a utilização de utensílios diferenciados e, os indícios
de explicitação de etiquetas e hierarquização dos espaços, durante as refeições servidas
no palácio, reforçam a idéia que em Vila Bela esses elementos de diferenciação social
entre classes, apontados por Armesto se fizeram presentes, desempenhando um papel
importante no amplo quadro de manifestações que visavam delimitar e reforçar as
hierarquias sociais na vila e seu termo.
Tratando-se de alimentos importados, não era comum a presença de bacalhau
nas listas, e apresentamos como exemplo a relação dos alimentos enviados a Luís de
Albuquerque durante os dezessete anos em que permaneceu na capitania, nas quais
identificamos a presença de apenas uma referência ao envio de bacalhau
477
, registrado
em janeiro de 1773. Mas, havia nas listas solicitações de mostarda e azeitonas, entre
outros gêneros de alimentos. Outro fator a ser considerado é que as dificuldades no
transporte e as constantes perdas pelos caminhos, certamente faziam com que a maioria
desses comestíveis importados não se destinasse à ementa cotidiana dos demarcadores
enquanto estiveram na capitania, ficando seu uso restrito a ocasiões especiais. Até
475
FERREIRA, 2007. p.61.
476
ARMESTO, 2004, p. 188-194.
477
ANZAI, 2005, p.34.
167
mesmo porque, como podemos constatar nos mapas de mantimentos adquiridos para as
demarcações de limites, parte das remessas era separada para os gastos com a “mesa
real”, e o restante era destinado aos “oficiais da expedição em diligências” pela
capitania
478
.
Somavam-se a esses mantimentos vindos do reino outros tantos, a maioria
comprados, ao que tudo indica, na própria capitania de Mato Grosso. Desse modo,
segundo os mapas de mantimentos analisados, “no país” eram comprados animais
inteiros, como “bois, novilhas e leitões”, carnes em cortes e em pedaços, “carne de vaca,
carne de porco, lombos de porco, entrecostas de porco, línguas de vaca, mãos de vaca,
fressuras, pernis de porco, [bandas/banhas] de porco e toucinho”. Entre as aves
constavam “galinhas, patos e frangos”, além das “farinhas de milho e mandioca, arroz,
feijão, milho, café, e aguardente de cana” e outros diferentes gêneros, tais como
“marmelada, frascos de leite, ovos, manteiga de porco com frascos, réstias de cebolas,
melancias, bananas, pepinos e peixes”
479
, conforme se pode observar na tabela abaixo:
478
MAPA dos veres despendidos por conta da Real Fazenda de Mato Grosso com a Expedição da
Demarcação de Limites de 1782 a 1787. Vila Bela, 20/01/1789. NDIHR-UFMT; (AHU) - cx.26 doc. nº.
1539.
479
Idem
168
Tabela 4- Gêneros adquiridos por conta da Fazenda Real
de Mato Grosso para a Expedição da Demarcação de Limites
de 1782 a 1787
Fonte: Tabela elaborada a partir do MAPA dos víveres despendidos por conta da Real Fazenda de
Mato Grosso com a Expedição da Demarcação de Limites de 1782 a 1787. Vila Bela, 20/01/1789. NDIHR-
UFMT; (AHU) - cx.26 doc. nº. 1539.
Sobre o café, apesar de o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira tê-lo
incluído entre os produtos que “dão-se excelentemente”
480
no Mato Grosso, não
encontramos evidências na documentação de que fosse produzido na capitania no
período recortado nesse estudo. É bem possível que o café comprado para os
480
FERREIRA, 2007, p. 67.
Gêneros do Reino Gêneros do “país”
Farinha de trigo Carne de vaca
Manteiga Carne de porco
Queijos Lombos de porco
Sardinha Entrecostos de porco
Azeitonas Bois
Paios Novilhas
Salsichões Porcos
Presuntos Leitões
Bacalhau Galinhas
Patos
Bebidas
Frangos
Vinho Línguas de vaca
Aguardente Farinha de milho
Licores Farinha de mandioca
Arroz
Diferentes gêneros
Feijão
Azeite Milho
Vinagre Açúcar
Canela Café
Chá Toucinho
Chocolate Aguardente de cana
Pimenta Azeite de mamona para luzes
Mostrada
Diferentes gêneros
Sal Marmelada
Mãos de vaca
Fressuras
Frascos de leite
Ovos
Manteiga de porco com frascos
Pernis de porco
[banhas/bandas] de porco
Réstias de cebolas
Melancias
Bananas
Pepinos
Peixes
169
demarcadores fosse adquirido no Pará, um de seus maiores produtores na América
Portuguesa, naquele momento.
Originário da Etiópia, após ganhar a Europa, o café chegou à América
portuguesa pelo Pará, onde foi introduzido em 1723, quando o militar português
Francisco de Mello Palheta trouxe algumas sementes contrabandeadas da Guiana
Francesa. Assim como ocorrera com o açúcar, o café também fora considerado até o
século XVIII um remédio, cujas propriedades terapêuticas ajudariam a “confortar a
memória, alegrar o ânimo, ajudar na digestão, no tratamento de vertigens, palpitações
do coração, cólicas, quedas, estupores, paralisias, apoplexias, males dos olhos
481
, entre
outros males. No entanto, no decorrer do século XVIII, o café foi deixando de ser visto
apenas como remédio, ganhando cada vez mais a posição de bebida energética, suas
propriedades estimulantes vindo ao encontro de todo um ideário que começava a ser
propagado na Europa. Desde então, tornou-se a bebida da moda em países como França,
Alemanha, Itália e Portugal
482
, e seu consumo passou a ser associado a todo um estilo
de vida.
Na América portuguesa setecentista, boa parte da produção de café era
destinada às exportações que abasteciam o mercado europeu, o que fazia com que fosse
produto escasso na colônia, e, por isso mesmo, caro, portanto, produto pouco
consumido entre as classes mais baixas da população. Seu consumo estava restrito a
governadores, funcionários régios e pessoas com grandes cabedais. Desse modo, tomar
café era privilégio de uma pequena “elite” colonial, e seu consumo produzia distinção.
Em 1758, Rolim de Moura agradeceu a Francisco Xavier de Mendonça Furtado por ter
lhe enviado café: “beijo a vossa excelência a mão pelo mimo do café, que é meu
almoço
483
cotidiano com leite, de que a terra vai abundando cada vez mais
484
.
Observa-se que ao se referir ao aumento do leite na vila Rolim de Moura evidenciou
também, o aumento da criação de gado.
Nessa mesma carta Rolim de Moura declarou a Mendonça Furtado que gostaria
se “fosse possível” de retribuir-lhe a gentileza pelo envio do café enviando-lhe leite, por
ser um gênero escasso no Pará. A respeito da criação de gado Rolim informou ainda que
481
CARNEIRO, 2005, p.94 ; e CARNEIRO, 2003, p.93-94.
482
BRAUDEL, 1995, p.229.
483
A palavra “almoço” no século XVIII referia-se à primeira refeição do dia, em que se come pouco. In:
BLUTEAU, 1720.
484
CARTA de Antônio Rolim de Moura a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. In: UFMT - NDIHR,
1982; v. III, p.191.
170
embora os campos de Vila Bela tivessem sido considerados “inúteis para gado”, naquele
momento se reconhecia “o contrário, e a experiência” o vinha mostrando no muito,
que se multiplicava, e, “dentro de poucos anos se não necessitará aqui gado de fora”
485
.
O café também foi produto de barganha, com o qual, Luís de Albuquerque
retribuía parentes, amigos e colaboradores na Europa pelos préstimos. Em junho de
1782, Paulo Jorge confirmou ter recebido as remessas enviadas por Luís de
Albuquerque, das quais constavam “as peles de onçae também, “o café”, para serem
enviados para a Província. Além de confirmar o recebimento e encaminhamento das
encomendas, o procurador também agradecia a Luís de Albuquerque pela parte do café
que “lhe fez mercê”
486
. Dois anos depois, em junho de 1784, Paulo Jorge avisara ao
governador em Vila Bela, que “a remessa do café que havia de vir do Pará” para ser
enviada ao patriarca dos Albuquerque havia ficado reservada para outra ocasião, “por
não haver ali de qualidade tal que merecesse aquele destino”. Nessa mesma
correspondência, o procurador também registrou o recebimento de um caixote de prata
lavrada, para ser enviada ao pai de Luís de Albuquerque
487
.
A preparação da comida da “mesa real” certamente ficava sob a
responsabilidade do cozinheiro de Luís de Albuquerque, auxiliado pelos escravos
também de propriedade do governador. A atribuição de servir a mesa ficava a cargo de
alguns escravos escolhidos para isso, como podemos constatar pelo relato abaixo:
Para servirem a mesa [fez] o governador com que lhe mandassem os
seus escravos, fixando-se-lhes o salário a um de 300 réis, a outro de
226 réis, e comida, tudo por conta da Fazenda Real. Nos seus criados
fez das patentes de furriéis, de cabos de esquadra, com os soldos
competentes, continuando a servir-se dos criados e escravos como
fazia precedentemente, e lucrando os salários destes últimos a razão
de oitenta mil réis, e de cento e dez mil réis ano por cada escravo
maior.
488
485
CARTA de Antônio Rolim de Moura a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Vila Bela, 1758. In:
UFMT - NDIHR, 1982; v. III, p.191.
486
ANZAI, 2005. p.111.
487
Idem, p. 148.
488
REFLEXÔES sobre as depredações e violências que cometem os governadores de Mato Grosso.
NDIHR-UFMT; (AHU) – MT, cx. 26 doc. nº. 1536.
171
Nas refeições servidas no palácio, o almoço correspondia ao desjejum
489
, o
jantar era a segunda refeição, e deveria estar na mesa entre meio dia e uma hora da tarde
490
, e a ceia entre seis e sete horas da noite, como era hábito à época na América
portuguesa.
Dentre os utensílios que poderiam ser dispostos sobre uma mesa de refeições
um registro de prata “que se comprou para se fazerem alguns talheres para uso da
Mesa Real”
491
, no ano de 1783. Apesar das lacunas e silêncios da documentação,
podemos destacar na mesa dos convivas outros utensílios muito comuns nas listas de
produtos importados pela Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão: “pratos e
tigelas finos”, “pratos da Índia”, “aparelho ordinário da Índia para chá ou café”, copos
de diferentes volumes, além de pratos de estanho de todos os tamanhos”
492
.
No estudo que elaborou sobre a alimentação dos moradores da Vila Real do
Senhor Bom Jesus do Cuiabá, entre os anos de 1727 a 1808, Luzinéia Guimarães
Alencar levantou, em testamentos e inventários dos moradores da Vila Real, os tipos de
utensílios domésticos disponíveis nas cozinhas desses moradores. Nessa documentação,
Alencar constatou que eram comuns “as colheres, os garfos e cabos de faca feitos com
prata”
493
, em número maior que os encontrados em capitanias como Minas Gerais e
Pará, e a explicação para esse fato estaria na proximidade da Vila com os domínios
espanhóis, que levava a um intenso contrabando na fronteira
494
.
489
D. Antônio Rolim de Moura , Primeiro Conde de Azambuja . In: UFMT - NDIHR, 1982; v. III, p.191
490
pelo menos duas passagens nos Anais de Vila Bela onde se registrou esse horário de jantar. A
primeira refere-se às demonstrações de boas vindas quando da chegada do naturalista Alexandre
Rodrigues Ferreira, chefe da Expedição Filosófica, em Vila Bela, no dia 3 de outubro de 1789. Nessa
ocasião, registrou o vereador e capitão José da Fonseca, que “pouco antes do meio dia, chegou a dita
expedição e mais oficiais que a foram encontrar. Desembarcando todos no porto de Santo Antônio, a
tempo que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General se achava na capela do mesmo santo. E lhe
foram logo falar e cortejar. Recebendo-os com benévola, afável e distinta estimação, recolheu na sua
sege o doutor naturalista. E o trouxe consigo, ao seu palácio, onde depois de chegarem, todos jantaram na
real mesa, sendo depois conduzidos ao quartel que a cada um estava destinado”. O segundo relato refere-
se ao jantar oferecido por Luís de Albuquerque durante as cerimônias que marcaram a posse de seu irmão
João de Albuquerque no governo da capitania, ocorrido em 20 de novembro do mesmo ano. Segundo os
Anais de Vila Bela, “ao meio dia deu o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General um esplêndida e
profusa mesa, a que assistiram o corpo da Câmara, os ajudantes-de-ordens, secretário do governo e todos
os oficiais pagos, capitães e ajudantes militares”. In: AMADO & ANZAI, 2006, p.284-286.
491
MAPA das despesas e receitas do Ouro de Goiás. Vila Bela, 21/06/1789. NDIHR-UFMT; (AHU) -
cx.26, doc. nº. 1548.
492
RODRIGUES, 2005, p.42.
493
ALENCAR, 2003, p.79.
494
ALENCAR, 2003, p.79-82.
172
Apesar de não dispormos de testamentos e inventários completos, que seriam
de valor inestimável para uma pesquisa como a nossa, encontramos referências em uma
carta, que nos informam sobre o andamento de um inventário, no qual constam objetos
de uso pessoal do inventariado. Em carta enviada do Forte do Príncipe da Beira a Luís
de Albuquerque, o administrador José Pinheiro de Lacerda registrou o inventário de um
dono de engenho, Manoel José da Rocha. Pelos itens listados pode-se observar a
simplicidade e a rusticidade dos objetos, tais como:
... três lençóis velhos de algodão de Espanha com suas suturas, vários
retalhos pequenos de fazendas picados de formigas, vinte e um
côvados de chita de Damão, meio barril de manteiga rançosíssima, um
resto de pólvora com seu chumbo, uns pratos ordinários da fábrica,
uns bofetes
495
velhos, dois cabides e vários trastes de pouco préstimo.
[...] No engenho do dito falecido Manoel José da Rocha, há seis
colheres de prata, que se pesaram 106/8// meia dúzia de facas, e garfos
de aço de cabo de casquinha muito velha, as [folhas] das facas. Que
tudo se avaliou em 25/8 ¼ de ouro. Desejava ficar com elas, não
havendo algum inconveniente, para o que mandarei rematar por
outrem, convindo vossa excelência.
496
Observe-se que, neste inventário, os talheres prenderam a atenção de Lacerda,
que desejava arrematá-los. É bem provável que em Vila Bela os utensílios de prata
fossem comuns entre as classes mais abastadas, assim como constatou Alencar para a
Vila Real, pois nos Anais de Vila Bela são freqüentes os registros de comerciantes
espanhóis trazendo prata para ser comercializada na Vila capital. Em outra carta,
Lacerda notificava ao capitão general sobre uma encomenda de louça, que seria feita
com “barros de Lamego e Leomil”, que não havia ficado pronta, porque as povoações
ainda estavam inundadas, prejudicando o material necessário:
... porém de [agosto] por diante se farão com toda a possível
aplicação, e igualmente com fôrmas, potes e talhas que Joaquim
Froes fica acabando de concluir, remeterei em outro bote que daqui
495
Bofete “era uma mesa em que se escreve ou se conta dinheiro”. In: BLUTEAU, 1720.
496
CARTA de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 23/02/1785.
APMT- Lata: 1785; Fundo: defesa; doc. nº. 118.
173
sairá no princípio das águas, visto que assim mesmo convém para a
melhor passagem da dita embarcação, e evitar o risco de quebrar-se a
dita louça ou parte dela, com os tombos nos [baixos].
497
O cotejo entre a documentação analisada evidencia que nas cozinhas dos
moradores de Vila Bela e seu distrito era possível se encontrar utensílios domésticos de
diversos materiais, como prata, cobre, louça da Índia, estanho, “louça de brica”, ferro,
vidro e cristal, a depender do poder aquisitivo de cada morador.
Alimentação dos escravos
Alexandre Rodrigues Ferreira, quando de sua passagem pela capitania de Mato
Grosso registrou algumas observações sobre a alimentação dos escravos. Segundo o
naturalista, não havia diferença do modo como se alimentavam em outras regiões
mineradoras, como Minas Gerais, e para tanto Ferreira utilizou dados retirados de um
livro muito lido à época, “Governo de mineiros”, de José Antônio Mendes:
Fazem à noite os ditos negros uma massa a que chamam angu, que é
feita de fubá, isto é, de farinha de milho muito mal feita no moinho.
Feita a dita massa em água e sal, nem mais tempero algum, e às vezes
bem mal cozida, esta fica feita à noite com algum resto de feijão que
sobejou da ceia, e assim tudo frio é o almoço de que atualmente usam.
O jantar é sempre um pouco de milho cozido em um tacho de cobre, a
que não falta zinabre, e quase sempre mal cozido. Este é o jantar, sem
mais nada. Quando ceia, é um pouco de feijão preto, com uma
limitada porção de sal, e sem mais algum tempero. Este costumar ir
acompanhado com o celebrado angu.
498
De acordo com Ferreira, a alimentação dos escravos, de um modo geral, “não
era muito diferente o passadio dos brancos da capitania”. Apesar do termo do Mato
497
CARTA de José Pinheiro de Lacerda a Luís de Albuquerque. Forte do Príncipe da Beira, 26/07/1785.
APMT- Lata: 1785; Fundo: defesa,doc. nº. 143.
498
Cf. ANZAI, 2004, p. 167.
174
Grosso ser cortado por vários rios piscosos, em Vila Bela o peixe era uma iguaria rara,
segundo o naturalista não porque não houvesse nos rios, “mas porque também se lhe
não faz maior diligência, praticando todos aqueles meios que em outras partes
empregam a indústria dos pescadores”, o que mereceu também do naturalista a
observação de que durante a quaresma os habitantes não seguiam o preceito da
abstinência da carne, embora a carne fresca fosse rara, que se matava apenas duas
reses de dois em dois dias
499
. De um modo geral, o alimento cotidiano constituía-se em
feijão, milho, arroz, carne seca e toucinho, além da carne de animais domésticos criados
em quintal, animais de caça, e vegetais, plantados em roças, pomares e quintais, e
aqueles oferecidos pela natureza.
O sal foi ingrediente extremamente importante na alimentação, utilizado na
salga de carnes e peixes, mas era escasso na capitania, no período em estudo. Importado
de outras regiões da América portuguesa, e até de Lisboa, o sal chegava a ser vendido
na capitania pelo dobro do preço; quando estava barato, custava entre “8400 até 9600
réis o alqueire”
500
. Por isso, tornou-se uma preocupação constante para a Coroa, que
emitia ordens expressas aos naturalistas para que observassem os sinais de possíveis
salinas. Segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, entre 1789 e 1790, esse nero estava
custando 50.000 réis, e já tinha chegado a 40.000 réis o alqueire
501
, o que resultava da
carne seca ser mal salgada, frequentemente meio podre, “porque tão somente se lha
mostra o sal, e não mais”
502
.
No manuscrito “Enfermidades endêmicas da capitania de Mato Grosso”,
analisado por Anzai (2004), Ferreira listou a causa de muitas das doenças que atacavam
os moradores de Vila Bela, muitas delas advindas da má alimentação, tais como:
caquexias, encalhes sanguíneos, inflamações, febres intermitentes, erupções. Para o
naturalista, eram as causas dessas doenças:
... os alimentos grosseiros, e em tudo semelhantes aos que constituem
o cotidiano passadio dos habitantes de Mato Grosso. Quero dizer, a
farinha, ou biscoito de milho, socado depois amolecido e entrado em
fermentação dentro em água, onde adquire um cheiro e sabor azedo. O
499
ANZAI, 2004, p.167.
500
FERREIRA, 2007, p.61.
501
Idem.
502
FERREIRA, In: ANZAI, 2004, p.253.
175
mesmo milho cozido em grão e em sal, que é o que disse, que se
chamava canjica. O feijão cozido com demasiado toucinho,
comumente mais salgado, por excessivo o preço deste gênero. Pela
mesma forma, a carne de porco, que é a que chega a todos, porque
todos tratam daquela criação para com ela suprirem a falta de carne de
vaca, ou fresca ou mal salgada e seca ao sol. A batata, o cará, o
inhame, o aipim e misturadas com mel de engenho.
503
Além dos alimentos acima citados, Ferreira considerava fonte de doenças:
... o abuso de bebidas nutrientes, como são o chocolate ou geléia de
mãos de vaca, o mesmo leite bebido assiduamente em copiosas
porções ou ainda tépido, assim como o mugem das vacas, ou frios e
quase sempre engrossado com um punhado de farinha de milho.
504
Sobre os hábitos alimentares Ferreira acrescentou ainda, que os escravos
costumavam beber água suja dos rios nos quais mineravam
505
; além disso, consumiam
“uma tão depravada bebida, a que chamam cachaça, que é destilada de melaço e borra
de açúcar, que se faz nos engenhos, que o cheiro faz vômitos a qualquer pessoa que
não costuma usar dela”
506
. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, ao destacar as
doenças da capitania provocadas por determinados hábitos alimentares, nos forneceu
importantes informações sobre o tema no período em estudo.
Para Zemella, nas minas coloniais a alimentação constituía-se em problema
não apenas para os escravos, mas também para os homens livres, principalmente para os
moradores das vilas e cidades. Seguindo informações oferecidas pelo autor do “Roteiro
Anônimo do Maranhão a Goiás”, Zemella reforçou o fato de que os escravos se
sustentavam ingerindo legumes e verduras, milho, feijão, e carnes salgadas de porcos
507
.
Mal alimentados, e enfrentando longas jornadas de trabalho, “metidos continuamente na
503
ANZAI, 2004, p.204; PORTO, 2008..
504
Idem.
505
ANZAI, 2004, p. 167.
506
FERREIRA, In: ANZAI, 2004, p.252.
507
ZEMELLA, 1990, p.173
176
água”
508
uma dose diária de cachaça e um naco de fumo tornavam-se a única fonte de
alívio dos escravos nas minas coloniais
509
.
Os banquetes
Oferecer e participar de banquetes sempre representou papel importante na
tessitura dos grupos sociais. Durante a Idade Moderna os banquetes ganharam nova
dimensão, espalhando-se pelas cortes da Europa e tornando-se evento comum em
ocasiões importantes nas cortes, sendo registrados com certa freqüência em países como
França, Itália, Inglaterra e Portugal
510
. Transposta para a América portuguesa, essa
prática também foi registrada em Vila Bela desde a cada de sessenta, do Setecentos.
Na Vila capital, a realização de banquetes esteve associada a outros eventos sociais de
grande vulto, como festas e celebrações, além de cerimônias envolvendo relações
diplomáticas na fronteira.
O primeiro banquete registrado na documentação analisada ocorreu ainda no
governo de Antônio Rolim de Moura. Contam-nos os “Anais de Vila” de 1760, que em
primeiro de novembro daquele ano “portou” em Vila Bela
... um mestre-de-campo, D. José Nunes, cônego de Santa Cruz de La
Sierra, terras de Espanha, com cartas de seus superiores para o
governador desta capitania, o qual lhe deu todo o bom agasalho e o
[ilegível]... com afabilidade, honrando e despendendo com ele mão
liberal, nos poucos dias que se demorou nesta vila. Em sua
contemplação, lhe mandou fazer um sarau no palácio da sua
residência, para o que lhe convidou, e um esplêndido banquete.
511
Há, nos Anais de Vila Bela, um Suplemento, preparado pelos vereadores do
Senado da Câmara, que acrescenta informações que o escrevente anterior deixou de
508
FERREIRA, In: ANZAI, 2004, p.252.
509
Idem , p.187.
510
STRONG, 2004.
511
AMADO & ANZAI, 2006, p.81.
177
registrar, referente ao banquete oferecido ao mestre de campo espanhol, como o registro
do nome completo do visitante, José Nunes Cornejo, que
... foi recebido por Sua Excelência, que com toda a benevolência o
mandou hospedar, com aparato de decência que permitiu a terra. No
dia seguinte o visitou. Foi com ele para a igreja matriz, onde se cantou
uma missa, recolhendo-se depois Sua Excelência para o seu palácio
com o dito mestre-de-campo. Deu-lhe jantar, com assistência de todos
oficiais e pessoas graduadas da terra, havendo de noite a
demonstração obsequiosa de um baile de máscaras e ceia no mesmo
palácio.
512
De acordo com as notícias registradas no Suplemento, na carta da qual foi
portador o mestre-de-campo José Nunes Cornejo o governador de Santa Cruz de La
Sierra protestava pela ocupação dos portugueses da “paragem e território de Santa
Rosa”. O governador castelhano argumentava com Rolim de Moura que aquelas terras
pertenciam à Espanha, e qualquer disposição em contrário poderia ser tomada após a
vinda de “comissários que demarcassem os domínios” ibéricos na América. Ao protesto
do governador de Santa Cruz, Rolim de Moura teria respondido que aquelas terras
pertenciam à Coroa de Portugal, que, de acordo com o tratado de limites, os padres
castelhanos tinham perdido a posse “com a retirada voluntária que fizeram; e que, antes
do estabelecimento das missões dessa parte, tinha sido porto do rio dos portugueses, e
afeito à nossa posse mais antiga”. Apesar da diplomacia de Rolim de Moura, os atritos
com os espanhóis nessa fronteira continuaram, acabando em conflito armado no
Guaporé, em 1763.
Vinte anos depois, no governo de Luís de Albuquerque, a Vila capital foi
novamente palco de jantares diplomáticos. Em 1783, Luís de Albuquerque foi
informado de que no rio Barbados, no sítio de João Correa, se encontrava o coronel de
milícias espanhol D. Antônio Sesane de Los Santos
513
, o capitão D. Antônio Neira, e
outros oficiais espanhóis, que traziam cartas do presidente da Real Audiência de
Chuquisaca, e do governador de Santa Cruz, endereçadas a ele, e que tais oficiais
desejavam lhe falar pessoalmente. Desconfiado, Luís de Albuquerque ordenou ao
512
AMADO & ANZAI, 2006, p.146.
513
Idem
178
tenente-coronel Antônio Felipe da Cunha Ponte, que fosse até o local cumprimentar o
coronel espanhol, recebesse as cartas, e lhe entregasse cartas suas, nas quais o
governador oferecia ao coronel espanhol “tudo do que ele se quisesse servir, e que
igualmente pudesse escolher qualquer outro lugar que lhe parecesse mais cômodo para o
seu acampamento”, já que onde se encontrava estava em condições precárias, não
oferecendo condições ideais
514
.
Diante da negativa do coronel espanhol em entregar as cartas a Cunha Ponte, e
de sua insistência em ir até Vila Bela, Luís de Albuquerque finalmente lhe concedeu
autorização para se deslocar até a vila capital. A chegada do coronel espanhol e sua
comitiva a Vila Bela foi marcada por demonstrações de receptividade e civilidade. A
esse respeito os Anais de Vila Bela registram:
No dia 31 [de agosto de 1783], tendo Sua Excelência franqueado
licença para vir a esta capital o coronel e mais oficiais que [duas
palavra ilegíveis]... fazer-lhes a honra de os ir esperar à passagem do
rio, acompanhado do ministro e oficiais militares e nobreza,
ordenando ali que o tenente-coronel Antônio Felipe da Cunha Ponte
passasse a receber o coronel e oficiais em [ilegível]... botes do
governo com remeiros vestidos de seu uniforme alegre. Chegaram
pelas cinco horas da tarde. Sua Excelência recebeu o coronel com as
mais distintas e honrosas estimações, falando aos mais oficiais com a
maior urbanidade. Os ministros e mais nobreza os cumprimentaram
com mui respeitosa civilidade. Chegando ao palácio Sua Excelência
lhes falou particularmente. E lhes deu uma magnífica e suntuosa ceia,
assistindo os ministros, oficiais militares e nobreza.
515
Terminada a ceia, os oficiais espanhóis foram hospedados “nas casas do
Reverendo Vigário da Vara e Igreja”, que estava ausente, “por serem as melhores da
vila”. Durante os oito dias em que permaneceram em Vila Bela, Luís de Albuquerque
ofereceu aos oficiais espanhóis
514
CARTA de Antônio Felipe da Cunha Ponte à Luis de Albuquerque. Casalvasco, 29/08/1783. APMT-
Fundo: governadoria, doc. nº.53.
515
AMADO & ANZAI, 2006, p.241.
179
... sempre mesa ao jantar, no palácio, com toda a grandeza, sempre
com a assistência dos ministros, ajudantes-de-ordens e mais oficiais
militares, mandando-lhes assistir com todo o necessário para os
almoços e ceias. Houve, em duas tardes, bailes e orquestras no
palácio, com assistência das senhoras principais, ricas e gostosamente
vestidas e toucadas, e havendo sempre ceia com grandeza e
delicadeza.
516
Com a partida dos espanhóis, as suspeitas que recaiam sobre eles a respeito de
suas verdadeiras intenções acabaram se confirmando, e se descobriu que o objetivo real
da passagem desses emissários por Vila Bela era espionar os portugueses e colher
informações sobre as demarcações, que lhes pudessem ser úteis na questão da
delimitação de fronteiras
517
.
Esse hábito, o de se oferecer banquetes diplomáticos era bem comum na
América portuguesa, e não se limitava aos ambientes urbanos, pois eram organizados
também em acampamentos do exército, como constatou Laura de Melo e Souza: no
início de 1756, próximo às cabeceiras do rio Negro, D. José Andonegue, general
espanhol ofereceu, em sua barraca, um banquete a Gomes Freire de Andrade, “e seus
oficiais mais graduados, que terminou às quatro horas da tarde”, e o mesmo fez Gomes
Freire ao governador de Montevidéu e do Paraguai, em Bacacaí-Mirim
518
.
Receber bem emissários espanhóis nas fronteiras fazia parte de todo um
conjunto de práticas políticas empreendidas pela Coroa, nas quais as lutas simbólicas e
as representações políticas e culturais adquiriam uma dimensão cada vez mais
importante, dando consistência ao que afirma Roger Chartier sobre essas práticas não
serem “discursos neutros; ao contrário são reveladores da construção de realidades
sociais que foram pensadas, dadas a ler”
519
.
Os banquetes também fizeram parte das festas e celebrações ocorridas em Vila
Bela durante a segunda metade do século XVIII
520
. Ao analisar as festas e celebrações
ocorridas em Vila Bela da Santíssima Trindade no século XVIII, Gilian Evaristo França
516
Idem, p.242.
517
AMADO & ANZAI, 2006, p.242.
518
SOUZA, 1997, p.69.
519
CHARTIER, 1990, p.17-19.
520
SILVA, 2008.
180
Silva as separou em “festas ordinárias”, aquelas ligadas aos santos de devoção
também chamadas de “festas votivas” –, e em “festas extraordinárias”, comemorações
ligadas à família real, como nascimentos, casamentos e aniversários. Em todas essas
festas e celebrações realizavam-se banquetes. Segundo o autor, nas festas votivas,
sagrado e profano caminhavam juntos, era “como se dentro de cada festa religiosa
existisse uma profana, e vice-versa”
521
. Desse modo, a cada festa em honra aos santos
protetores, após os rituais sagrados seguiam-se um conjunto de manifestações profanas,
como apresentações de óperas, representações de comédias, espetáculos com fogos de
artifício, baile de máscaras e, para finalizar, banquetes oferecidos pelo capitão-general
em seu palácio, para onde convergiam pessoas importantes ligadas ao poder
metropolitano, oficiais camarários, e homens de posses.
Uma das “festas votivas” mais prestigiadas em Vila Bela era aquela em honra
ao “Glorioso Santo Antônio de Lisboa”, realizada na primeira quinzena do mês de
junho. Em primeiro de junho iniciava-se a trezena em honra ao santo, que seguia até o
dia 13, dia de Santo Antônio. Nesses treze dias de celebrações, marcados por cantos e
orações, transitavam pela vila capital moradores da vila, arraiais, sítios e fazendas. No
dia 6 de junho de 1777, durante as festividades em homenagem a Santo Antonio,
... deu Sua Excelência beija-mão, pelas nove horas, aos ministros,
oficiais militares, vereadores e nobreza, em gratulação e para bem do
’cumpre-anos’ de Sua Majestade Fidelíssima, a que se seguiu um
jantar de cobertas de muita profusão, como também a ceia. E a ela
assistiram as madamas desta Vila e arraiais, depois de um brinco
público, em que dançou Sua Excelência com as senhoras do doutor
Ouvidor-Geral e a mais nobreza, concluindo com uma dança de 12
máscaras, ricamente vestidos.
522
No dia treze do mesmo ano de 1777, repetiram-se as cerimônias, e “deu Sua
Excelência jantar com a costumada grandeza, como também ceia, fazendo-se todo o
festejo do dia seis, e repetindo-se, em ambas, várias poesias”
523
. no ano de 1778, os
Anais de Vila Bela não registraram a festa de Santo Antônio, e nem mesmo jantares. Os
521
Idem , p. 68.
522
AMADO & ANZAI, 2006, p.210-211.
523
Idem, p.211.
181
grandes investimentos feitos com a construção de espaços urbanos ao longo da
fronteira, tais como o Forte do Príncipe da Beira, iniciado dois anos antes, a criação do
Forte de Coimbra, a criação de Vila Maria do Paraguai, e da Vila de Albuquerque
podem ter inviabilizado a realização das festas.
No ano seguinte, 1779, os Anais registram que em “5 de junho se celebrou o
aniversário de El-rei, nosso Senhor, com Te Deum na igreja matriz e uma salva real de
artilharia”, e que após o beija-mão, o capitão general ofereceu um baile, “e grandiosa
ceia no palácio”
524
. Quando chegou a festa de Santo Antonio, o registro de que
foram celebradas “com a solenidade possível”
525
. Certamente as dificuldades
financeiras pelas quais passavam a Câmara de Vila Bela naquele ano, e os gastos com a
construção da nova Igreja, sob a invocação de Santo Antônio, prejudicaram o brilho dos
festejos de Santo Antônio. Em dezembro deste mesmo ano 1779, Vila Bela comemorou
o aniversário da rainha, e como era hábito, nas cerimônias de encerramento das
festividades “houve baile no palácio e ceia com profusão costumada, assistindo toda a
nobreza da vila e arraial”
526
.
Na festa de Santo Antonio de 1781, houve motivos a mais para comemorar,
pois a igreja, iniciada em junho de 1779 havia sido terminada, e foi entronizada a
imagem do santo, comprada em Portugal
527
, com intensa participação do capitão
general, que ajudou a carregar o andor com a imagem do santo, e distribuiu “medalhas
ou verônicas de ouro e prata por toda nobreza e militares, que puseram muito
gostosamente nos peitos, como insígnias da irmandade”
528
. No ano seguinte, 1782,
repetiram-se os mesmos festejos dedicados a Santo Antônio, terminando as festividades
com “um suntuoso jantar, na forma dos mesmos anos antecedentes, tudo com muito
júbilo, alegria e animação”
529
.
Nos anos subseqüentes a 1782, até 1787, repetiram-se os mesmos festejos
dedicados a Santo Antônio, com trezena, fogos de artifício, salva real e, como era
hábito, encerraram-se essas festividades com “jantar no palácio”, com a presença do
governador Luís de Albuquerque, acompanhado de “oficiais militares e nobreza”. Já no
524
Idem, p. 220.
525
Ibidem, p. 220.
526
Ibidem, p. 221.
527
ANZAI, 2005, p. 91.
528
AMADO & ANZAI, 2006, p.227.
529
Idem, p.232.
182
ano de 1788, as festividades de Santo Antônio foram realizadas com “toda a grandeza e
solenidade possível”. De acordo com os Anais de Vila Bela de 1788, Luís de
Albuquerque, mesmo estando impossibilitado de assistir às festividades em honra ao
seu santo de devoção, devido ao seu estado debilitado de saúde, mandou “dar ao
ministro José Pinheiro de Lacerda, juiz da festa daquele ano , e a todos os oficiais,
“assim pagos como de milícias, e mais pessoas distintas dessa vila e seus arraiais” um
“suntuoso e esplêndido banquete”
530
. No ano seguinte, 1789, último ano de Luís de
Albuquerque à frente do governo da capitania repetiram-se os mesmos festejos, desta
vez com a presença de Sua Excelência o governador, que após as cerimônias de praxe
recolheu-se em palácio e “deu a todo o clero, oficiais militares e nobreza, um muito
profuso e delicado jantar, depois do qual houve, pelo espaço da tarde, orquestra,
assembléia e baile”
531
.
Nessas ocasiões festivas, o palácio dos governadores se enfeitava, e certamente
o cuidado com o preparo dos alimentos aumentava. Era também a oportunidade de se
experimentar pratos diferentes, com ingredientes vindos do reino, fugindo da ementa
cotidiana. Nas remessas vindas de Lisboa, constavam objetos tais como “toalhas de
mesa, guardanapos”
532
, “toalhas de mão”, “pratos de cozinha” feitos de estanho
533
,
“talher de colher, garfo e faca dito, com seu estojo”
534
, e “castiçais de latão prateado
535
, próprios para a organização de uma mesa para refeição. Poderia complementar esta
provável mesa, “1 talher de galheta de vidro”, “garrafas de cristal, cálices, copos de
vidro”
536
, e poderiam ser servidos alimentos preparados com farinha da terra,
presuntos, paios, chouriços, salpicões
537
, “azeite para prato”
538
, pimentas, queijos
flamengos e queijos “da província”, além de chás e licores finos, aguardente da Ilha,
vinhos tintos e brancos, chocolate, marmelada, bolachinhas, biscoitos. Para o preparo
dos alimentos, azeite comum, sal, vinagre, manteiga.
530
AMADO & ANZAI, 2006, p.274.
531
Idem, p. 279.
532
ANZAI, 2005, p.25.
533
Idem, p. 38.
534
ibidem, p.126.
535
ibidem, p.31.
536
ibidem, p.19.
537
ibidem, p. 185.
538
ibidem, p.23
183
No entanto, mesmo em momentos festivos, esta não era uma ementa que
pudesse atender ao número de pessoas convidadas nessas ocasiões, e os produtos locais
seriam complementos fundamentais. Desse modo, entre as “cobertas”
539
servidas à mesa
real durante esses banquetes, possivelmente seriam saboreadas iguarias feitas à base de
produtos como milho, feijão, mandioca, arroz, cana-de-açúcar e seus derivados. De
sobremesa, certamente os convivas poderiam se regalar com “doces”
540
preparados com
frutas dos pomares e quintais da vila capital e seu entorno. E se considerarmos o papel
social que o doce desempenhava à época segundo Câmara Cascudo, em Portugal
qualquer “oferta, lembrança, prêmio, homenagem traduziam-se pela bandeja de
doces”
541
é bem provável que entre as sobremesas houvesse algum doce tradicional
português adaptado aos gêneros que o “país” generosamente oferecia
542
. Certamente
que o capitão-general e seus convidados poderiam, ainda, degustar frutas como banana,
ananás, ou até mesmo se refrescar com refrigerantes” de frutas refrescantes como
laranjas, limões, cacaus, além de melancias, que poderiam ser compradas no sítio do
Carvalho, próximo ao Guaporé, que como comprovara Silva Pontes, ali se produzia
“as melhores melancias da capitania”
543
.
Gilberto Freyre, ao analisar esses banquetes oferecidos por Ls de
Albuquerque presumiu que no cardápio houvesse “peixes, e talvez caça das águas e das
matas tropicais de Mato Grosso”, tudo preparado “pelos cozinheiros de Luís de
Albuquerque”
544
. Freyre apoiou-se no fato de que nos banquetes mais finos oferecidos
na Europa no mesmo período, os produtos oriundos da caça faziam parte do cardápio
oferecido aos convivas. Isso porque, na Europa, até a Revolução Francesa, “a caça
permaneceu uma prerrogativa da nobreza, portanto era um símbolo de status”
545
. No
Brasil, isso vigorou até meados do século XIX
546
.
539
Cobertas: pratos de várias iguarias. In: AMADO & ANZAI, 2006, 210.
540
AMADO & ANZAI, 2006, p.246.
541
CASCUDO, 2004, p.302.
542
mara Cascudo analisa quatro doces tradicionais em Portugal, que foram transplantados para o Brasil
no processo de colonização, que adaptados aos ingredientes disponíveis na América foram largamente
apreciados no Brasil até o século XIX: “as queijadinhas de amêndoas, manjar-branco, pão-de-ló e as
fartes de espécies”. In: CASCUDO, 2004, p.318.
543
PONTES, 1781, p.179.
544
FREYRE, 1978, p.167.
545
STRONG, 2004, p.192.
546
Sobre esse assunto ver: VARNHAGEM, 1860. Disponível no site: http://www.ieb.usp.br/
184
Quanto aos peixes, em países católicos como Portugal eram consumidos em
grandes quantidades, principalmente os de água doce, como os salmões e trutas
547
, e em
Portugal, por seu grande litoral, também os frutos do mar. Na capitania de Mato Grosso,
um substituto aos peixes consumidos nos banquetes europeus eram os pacus, segundo
Silva Pontes “peixes da classe dos salmões do Minho acima, do mesmo gosto e do
mesmo volume”
548
.
Nas listas de produtos vindos de Lisboa, enviados por Paulo Jorge, obtemos
informações sobre alguns tipos de utensílios domésticos: “um caixote com um jogo de
seis caçarolas com suas tampas”, uma “caldeirinha de cobre para esquentar água”, um
“jogo de cobre de seis caçarolas e tampas”, chocolateiras, e um caixote com indefinidas
“diversas peças de prata”, registrado em 1785. também um registro interessante de
“paios para acabar de encher”
549
.
As mesmas cerimônias e apresentações artísticas que ocorriam nas festas de
Santo Antonio repetiam-se nas comemorações ligadas à família real portuguesa, como
nascimentos, casamentos e aniversários. Em 17 de dezembro de 1782, como já se
tornara costume em Via Bela, comemorou-se o aniversário da “Rainha Fidelíssima”, e
após o Te Deum em ação de graças” na Igreja matriz, na sala grande do palácio, que
estava “muito iluminada e vistosa” ocorreu, à noite, um baile de “bem disfarçadas e
ricas máscaras”, encerrando-se as comemorações com “uma suntuosa e magnífica ceia”,
distribuída em diversas salas, assistindo os ministros e senhoras da terra
550
. Nos anos
de 1782 e 1783, os oficiais demarcadores participaram dessas comemorações,
desfilando pelas salas do palácio a recitar poesias, demonstrando “talento e erudição”,
como registram os Anais de Vila Bela de 1783:
À noite houve um baile no palácio, de máscaras e gostosas danças, na
forma costumada, como também uma comédia. Depois, em várias
salas, uma magnífica e grandiosa ceia, assistindo as senhoras
principais, e repetidas várias poesias pelo Doutor Provedor da
Fazenda, capitão Ricardo Franco de Almeida, e pelo doutor Antônio
547
STRONG, 2004, p.192.
548
PONTES, 1781, p.173.
549
ANZAI, 2005, p. 86 a 182.
550
Idem ibidem, p.235.
185
Pires da Silva Pontes. Já no ano passado, primeiro ano da sua chegada
mostraram estes o seu talento, e erudição fecunda nesse dia.
551
Após a fundação de Casalvasco
552
, da qual participaram efetivamente os
demarcadores de limites, os constantes deslocamentos de Luís de Albuquerque e demais
oficiais envolvidos nos trabalhos de demarcação para aquela povoação, fez com que nos
anos de 1785, 1786 e 1787, as comemorações do aniversário da rainha fossem
realizados ali mesmo, na povoação. Quanto aos banquetes oferecidos por Luís de
Albuquerque nessas ocasiões, merece destaque o referente ao ano de 1787, em que, após
a missa cantada e o Te Deum, realizados na capela de Nossa Senhora da Esperança,
Houve jantar em palácio com toda a grandeza, e quando Sua
Excelência fez [um brinde] à saúde de Sua Majestade deram as peças
de artilharia 21 tiros. À noite houve sarau no palácio, de diferentes
máscaras, assim de homem como de mulher. Dançaram muitas
contradanças e minuetes. Depois se representaram vários entremezes
[duas palavras ilegíveis]... magnífica mesa para as figuras que
dançaram, além de outra para os soldados[ilegível]... e muita
galanteria a dança dos meninos [cerca de dez palavras ilegíveis] ... de
máscaras de homem e de mulheres [cerca de quatro palavras
ilegíveis]... minuetes e contradanças.
553
A informação de que foram preparadas duas mesas, uma “magnífica”, para as
figuras que dançaram, e outra para os soldados pode ser um indício de que nesses
banquetes houvesse uma hierarquização dos espaços no palácio, assim como na
disposição e utilização de móveis e utensílios, e certamente um cardápio diferenciado
para cada grupo social que circulava pelos espaços do palácio. Nesse sentido, os
banquetes seguiriam a hierarquização identificada nos espaços públicos das procissões,
por exemplo, onde cada classe social tinha seus espaços demarcados, nos quais os mais
abastados ocupavam os primeiros, restando aos demais os espaços de menor expressão.
551
Idem ibidem, p.244.
552
Sobre Casalvasco, ver: OLIVEIRA, 2003.
553
AMADO & ANZAI, 2006, p.270-271.
186
Tabela 5 – Ceias, jantares e banquetes
Local
Evento – Ceias,jantares e banquetes.
Período Ano
Vila Bela Banquete oferecido por Antônio Rolim de Moura ao mestre-de-
campo, D. José Nunes, cônego de Santa Cruz de la Sierra, terra de
Espanha, que trazia cartas de seus superiores para o governador da
capitania.
Novembro 1760
Vila Bela Jantar e ceia oferecidos por Antônio Rolim de Moura ao mestre-de-
campo castelhano Dom José Nunes Cornejo.
Novembro 1760
Vila Bela Jantar e ceia oferecidos por Luís de Albuquerque, por ocasião dos
cumpre-anos de Sua Majestade, realizados durante os festejos de
Santo Antônio.
6 de junho 1777
Vila Bela Jantar e ceia oferecidos por Luís de Albuquerque, no penúltimo dia
dos festejos de Santo Antônio.
12 de junho 1777
Vila Bela Ceia oferecida por Luís de Albuquerque durante as celebrações do
aniversário de El rei .
5 de junho 1779
Vila Bela Ceia oferecida por Luís de Albuquerque durante as celebrações do
aniversário da Rainha Fidelíssima.
17 de
dezembro
1779
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque durante o encerramento
dos festejos de Santo Antônio.
13 de junho 1781
Vila Bela Ceia oferecida por Luís de Albuquerque durante as comemorações
que celebraram o aniversário da Rainha .
17 de
dezembro
1781
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque durante a festa de
Santo Antonio .
13 de junho 1782
Vila Bela Ceia oferecida por Luís de Albuquerque durante as celebrações do
aniversário da Rainha.
17 de
dezembro
1782
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque durante a festa de
Santo Antonio.
13 de junho 1783
Vila Bela Ceia oferecida por Luís de Albuquerque aos oficias militares
espanhóis, correspondências, negociações e demarcação de fronteira
31 de agosto 1783
Vila Bela Ceia oferecida por Luís de Albuquerque durante as comemorações
que celebraram o aniversário da Rainha
17 de
dezembro
1783
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque no encerramento da festa
de Santo Antônio
13 de junho 1784
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque no encerramento das
celebrações do aniversário da Rainha.
17 de
dezembro
1784
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque durante a festa de Santo
Antônio.
junho 1785
Casalvasco Jantar público oferecido por Luís de Albuquerque durante a festa de
Nossa Senhora da Esperança
8 de
setembro
1785
Casalvasco Jantar oferecido por Luís de Albuquerque no encerramento das
celebrações do aniversário da Rainha.
17 de
dezembro
1785
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque no encerramento da festa
de Santo Antônio.
13 de junho 1786
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque no encerramento da festa
de Santo Antônio.
13 de junho 1787
Casalvasco Jantar oferecido por Luís de Albuquerque durante a festa de Nossa
Senhora da Esperança.
8 de
setembro
1787
Casalvasco Jantar e ceia oferecidos por Luís de Albuquerque, durante as
celebrações do aniversário da Rainha.
17 de
dezembro
1787
Vila Bela
Banquete oferecido por Luís de Albuquerque no encerramento da
festa de Santo Antônio.
13 de junho 1788
Vila Bela Banquete oferecido por Luís de Albuquerque durante as celebrações
do aniversário da Rainha.
17 de
dezembro
1788
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque no encerramento da festa
de Santo Antônio.
13 de junho 1789
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque ao naturalista Alexandre
Rodrigues Ferreira.
03 de
outubro
1789
Vila Bela Jantar ocorrido durante as celebrações da posse de João de
Albuquerque.
20 de
novembro
1789
Vila Bela Jantar oferecido por Luís de Albuquerque durante as celebrações do
aniversário da Rainha
17 de
dezembro
1789
Fonte: Anais de Vila Bela. AMADO & ANZAI, 2006.
187
Considerações Finais
A constituição da paisagem agrícola no Vale do Guaporé, mais
especificamente a do termo do Mato Grosso, se deu concomitantemente aos
descobrimentos auríferos, iniciando sua espacialização ainda no final dos anos trinta do
Setecentos. A princípio, a produção de alimentos oriundas dos diversos ambientes
agrários que compunham essa paisagem, tais como sítios, roças, engenhos e fazendas
estava ligada às necessidades de abastecimento do grande contingente de pessoas que se
deslocaram para essa região, atraídas pelo ouro.
Contudo, aos poucos se somaram a essas necessidades as preocupações com a
defesa do território. Desse modo, desde a segunda metade da década de 1740, que se
colocou em prática um arrojado projeto que congregava ações econômicas, políticas e
culturais, cujo objetivo era assegurar para Portugal a posse efetiva das terras tomadas
aos índios e aos espanhóis, na fronteira oeste. A criação da capitania de Mato Grosso, a
fundação de Vila Bela, a espacialização de uma rede formada por vilas e arraiais na
linha da fronteira luso-espanhola, e a implementação de uma política de povoamento,
foram algumas das estratégias lusas para alcançar seus objetivos, e garantir as vitórias
alcançadas com o Tratado de Madri (1750).
Diante deste cenário, desenvolvemos o presente estudo com o objetivo
principal de discutir a constituição de uma paisagem agrícola, a importância da
produção de gêneros alimentícios, e seu consumo pelos moradores do termo do Mato
Grosso entre os anos de 1748 a 1790. Ainda são escassos os estudos sobre o tema, e no
caso específico do Mato Grosso, ainda não se focalizou esse aspecto no período
recortado nesta pesquisa. A alimentação enquanto temática, apesar das diversas
perspectivas de análise que propicia, ainda desperta pouco interesse dos estudiosos,
embora este quadro esteja se alterando.
No termo do Mato Grosso, a configuração da paisagem agrícola, a princípio,
seguiu a rota dos descobrimentos auríferos, ocupando espaços pelos caminhos que
levavam as minas, e também em locais próximos das lavras e dos primeiros arraiais. No
entanto, na segunda metade do culo XVIII, essa paisagem foi aos poucos se
desdobrando e atingindo outros espaços próximos às novas vilas, povoações, fortes e
188
guarnições militares localizados ao longo dos rios Guaporé e Barbados, até a altura das
cachoeiras do Madeira. As atividades agro-criatórias, além de garantir a auto-suficiência
dos moradores e abastecimento do mercado interno, também foram consideradas como
estratégias importantes, largamente utilizadas pela política de povoamento como forma
de fixar novos colonos a terra. Observa-se, na documentação, que muitos mineradores
reinvestiam seus lucros na agricultura, pois apesar dos lucros nessa atividade serem
menores, era considerado mais seguro que o ouro. Desse modo, o ouro, ao contrário de
funcionar como empecilho para a expansão agrícola, serviu-lhe de estímulo.
Na documentação investigada, ao analisar o discurso dos governadores
observa-se que o desenvolvimento agrícola voltado para a produção de alimentos fez
parte das preocupações de todos eles, e que o se mediram esforços no sentido de
impulsionar o desenvolvimento agrícola, encarando-o como essencial para assegurar o
sucesso das políticas lusas nessa fronteira. Nesse sentido, Ls Pinto de Sousa Coutinho
foi enfático ao afirmar que sem “o desenvolvimento das produções naturais seriam
ruinosas todas as mais produções”.
No desenvolvimento do estudo procuramos identificar sítios e fazendas nas
quais se instalaram unidades produtivas, e estabelecemos uma tipologia dessas lavouras.
Determinamos também os gêneros mais produzidos e sua destinação, especificamos os
produtos adquiridos por coleta, e identificamos algumas práticas alimentares próprias de
alguns dos diversos grupos sociais que compuseram a sociedade colonial em uma vila
de fronteira, sem deixar de abordar os produtos oriundos de outros locais.
Desse modo, no primeiro capítulo, “O Império português, a Amazônia e a
capitania de Mato Grosso” discutimos as transformações ocorridas em Portugal na
segunda metade do culo XVIII, as reformas pombalinas e seus reflexos na Amazônia
e no Mato Grosso, e enfatizamos a constituição do Cuiabá e do Mato Grosso como
espaços reterritorializados, a partir da década de 20 do Setecentos.
No segundo capítulo, “A espacialização da produção no Mato Grosso.
Múltiplas paisagens agrícolas”, explorando os indícios apontados pela documentação,
traçamos uma cartografia” da expansão agrícola no termo, no período em questão.
Interessava-nos determinar em quais locais foram se configurando unidades de
produção agrícola, destacando sua importância no interior do quadro maior da expansão
territorial. Acompanhamos também a estruturação da produção ao longo das quatro
décadas recortadas, com o intuito de avaliar sua capacidade de abastecimento, e as
demandas do mercado interno, em constante expansão na segunda metade do XVIII.
189
Em seguida, no terceiro capítulo, “Os gêneros do país”, analisamos o que se
cultivava nas roças, em busca de respostas para a preferência no cultivo de produtos
como o milho e o feijão, em detrimento de produtos como o arroz, por exemplo.
Tecemos ainda considerações a respeito das atividades extrativas como a caça e a pesca,
na tentativa de delinear sua importância na formação da base alimentar dos moradores
de Vila Bela e seu distrito. Encerramos o capítulo com alguns apontamentos a respeito
da criação de gado, e uma pequena análise dos ofícios mecânicos responsáveis por
atividades de transformação do mundo rural.
No quarto e último capítulo, “Um olhar sobre práticas alimentares no Mato
Grosso” focamos a alimentação dos funcionários reais, como o capitão-general Luís de
Albuquerque e os demarcadores de limites, e também a dos índios, escravos e brancos,
da vila capital e seu termo. Desse modo, procuramos traçar as conexões entre o que se
produzia no termo, os produtos importados do reino e de outras regiões da América, e a
ementa dos grupos sociais envolvidos, tentando perceber os usos da mesa como
mecanismo de hierarquização, demonstração de poder, e construção de sociabilidades.
Evidenciamos, pois, por meio da análise de documentação, a constituição de
um mosaico de múltiplas paisagens rurais, tais como roças, sítios, engenhos, fazendas e
currais, onde índios e negros trabalhavam na produção e transformação de diversos
gêneros necessários à manutenção da vida, reproduzindo e recriando práticas,
movimentando uma complexa cadeia de produção, que ligava os espaços rurais e
urbanos do termo.
Nas roças, os gêneros mais cultivados eram aqueles que, além de se adaptarem
bem aos fatores naturais, tais como clima e solo, apresentavam alta produtividade,
menor tempo de produção, e exigiam técnicas de produção e beneficiamento
razoavelmente simples. Dos produtos básicos que entravam no cardápio dos moradores,
o milho e o feijão foram, sem dúvida, os produtos mais cultivados no termo,
acompanhados de perto pela mandioca e o arroz, que embora fosse apreciado, não
contava com práticas adequadas para beneficiamento em quantidades mais avultadas.
Cultivava-se ainda, a cana-de-açúcar, batatas e carás, dentre outros. Nos sítios e
fazendas próximos às vilas desenvolviam-se atividades criatórias, com a criação de
galinhas, bois, porcos, patos, cavalos, utilizados nos transporte de cargas e até cães para
caçadas. Nas hortas plantavam-se cebolas, couve, repolho, quiabo, entre outros. Nos
pomares encontravam-se frutas como limões, laranjas, melancias, bananas, uvas, melões
e figos.
190
Entretanto, é necessário salientar que o fato de existirem tais alimentos não
significa necessariamente que todos os habitantes do termo e da capitania dispunham
deles em seus cardápios diários. Dentre a população da capitania eram os escravos,
índios e pessoas mais desprovidas de cabedais os mais afetados pela falta de alimento.
Sendo assim, seu passadio muitas vezes se limitava à farinha misturada com feijão,
toucinho ou a carne de caça, e até mesmo pura.
Pelas vias das monções chegavam a Vila Bela produtos como azeite, vinagre, e
sal. Aliás, o sal foi, em todo o período estudado, um dos grandes problemas do
abastecimento em Vila Bela e região. Ingrediente importante no preparo e conservação
dos alimentos, o sal chegava à capitania com valor muito alto, o que acabava por
restringir seu consumo a pequenas porções, embora fosse gênero de primeira
necessidade. Pelas monções chegavam também queijos, presuntos, chocolate, licores
finos e vinhos, produtos que naturalmente eram consumidos apenas por uma pequena
parcela da população, que dispunha de posses para comprá-los.
Ao término desse percurso investigativo, a imagem que emerge é a de uma
região bem provida de fontes naturais necessárias para a manutenção das necessidades
básicas de alimentos de seus moradores. No entanto, as próprias engrenagens do sistema
colonial impediam que o acesso dos moradores a elas se desse de modo eqüitativo.
Finalizando, com esse exercício de investigação e análise, esperamos contribuir
com as discussões historiográficas mais recentes a respeito do mercado interno colonial
de fins do século XVIII, e para as reflexões sobre o modo pelo qual a produção da
fronteira oeste do império português na América se interligava, de modo direto ou
indireto, aos mercados interno e externo.
191
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