No interior da cosmologia ocidental moderna, inspirada na ciência que ordena o
mundo e fragmenta o conhecimento, constitui-se a escola como um projeto
educativo para a formação do cidadão, com uma identidade nacional. Diz Elias
(1994) que o controle do indivíduo, na sociedade moderna, saiu das mãos das
tribos, das paróquias, dos feudos e guildas e transferiu-se para um Estado
centralizado e urbano. A sociedade, mais complexa e especializada, implementou
formas de segregação espacial e temporal, particularmente das crianças e jovens,
tornando a trajetória educativa cada vez mais longa e complicada, distanciada da
família e do trabalho. A escola, assentada numa verdade supostamente universal
da ciência e da razão, no cristianismo e no conhecimento disciplinar, com o
tempo, passou a ser obrigatória, expandindo-se para propagar o processo
civilizador, desencadeado a partir da Europa. A idéia de escola como lócus
específico e único de educação adquiriu universalidade e naturalizou-se. A
sociedade ocidental moderna tornou-se escolarizada (id. ib.: 8).
Nesse sentido, é possível observar as diferentes concepções de escola,
conseqüentemente de educação. Entre os Guarani, foi possível conhecer seus processos
próprios de ensino-aprendizagem, em que o aprender despertado pela curiosidade privilegia
a observação, delineando um traço característico que busca no fazer e no silêncio dos
corpos, possibilidades concretas em que o aprender e o ensinar acontece naturalmente,
focando atenção nos ritmos corporais e na sua temporalidade.
(...) a pessoa é, desde pequena, uma observadora da natureza, da qual se sente
parte, tendo-a como fonte inspiradora de vida e de educação, mas é também
uma observadora do comportamento de outras pessoas. Especialmente os
pequenos têm nos irmãos maiores e nos adultos seus parâmetros e, por meio da
imitação, constroem seus comportamentos particulares. Nesse sentido, desde
pequena, a pessoa observa, inspirando-se naquilo que a rodeia, tendo como
exemplo as imagens que estão a sua disposição, buscando assemelhar-se ao
outro e, a partir daí, constituir um comportamento próprio, que também o
distinga. Imitam nas brincadeiras e nas demais situações da vida, pois
acompanham os adultos nas mais diferentes atividades. A oralidade, presente
não apenas na fala, mas na escuta respeitosa e atenta à palavra: escutar e entoar
os cantos e se dispor ao ensinamento que é oferecido pela palavra são marcas
importantes da educação tradicional Guarani. Reconheço, também, que o
aprender, mais do que o ensinar, está intensamente presente na vida das
crianças e das pessoas em geral, sendo essa uma postura necessária para se
tornar Guarani de verdade (id. ib.: 6. Grifos da autora).
Além disso, este aprender é realizado através da interação entre as crianças de
diferentes idades, dá-se geralmente pelo irmão mais velho ensinando o irmão mais novo.