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CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A TELEVISÃO, O SURDO E A ESCOLA: RELAÇÕES POSSÍVEIS
RAQUEL TERZONI TARDELLI
Orientadora: Profª Drª Tárcia Regina da
Silveira Dias
RIBEIRÃO PRETO – SP
2008
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RAQUEL TERZONI TARDELLI
A TELEVISÃO, O SURDO E A ESCOLA: RELAÇÕES POSSÍVEIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro
Universitário Moura Lacerda de Ribeirão
Preto, SP, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Educação Escolar
Linha de Pesquisa: Constituição do Sujeito
no Contexto Escolar
Orientadora: Profª Drª Tárcia Regina da
Silveira Dias
RIBEIRÃO PRETO, SP
2008
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RAQUEL TERZONI TARDELLI
A TELEVISÃO, O SURDO E A ESCOLA: RELAÇÕES POSSÍVEIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro
Universitário Moura Lacerda de Ribeirão
Preto, SP, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Educação Escolar
Linha de Pesquisa: Constituição do Sujeito
no Contexto Escolar
Orientadora: Profª Drª Tárcia Regina da
Silveira Dias
Comissão Julgadora:
_______________________________________________________________
Orientadora – Profª Drª Tárcia Regina da Silveira Dias – (CUML, Ribeirão Preto)
_______________________________________________________________
2ª examinadora – Profª Drª Cristina Cinto Araujo Pedroso – (CEUCLAR,
Batatais)
______________________________________________________________________
3º examinadora – Profª Drª Célia Regina Vieira de Souza Leite – (CUML, Ribeirão
Preto)
Ribeirão Preto, 12 de agosto de 2008.
DEDICATÓRIA
A você, dono dessa voz maravilhosa, que tantas vezes me fez
dormir cantando seu samba...
Que tantas vezes me ensinou com um sermão gostoso de tão
rouco e aveludado.
Que me elogiou e me repreendeu com o tom certo.
Mostrou-me todos os caminhos de tantas formas,
Com um grito soube me barrar,
E com outro levou - me a avançar.
Que silenciou quando necessário, ensinando que os olhos
também falam.
Independente da distância e do tempo, eu vou sempre escutar a
tua voz dentro de mim, por toda a minha vida.
Ao meu pai, José Guilherme, o meu amor incondicional.
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, José Guilherme, que confiou em mim e me incentivou a lutar pelos meus
ideais.
A minha mãe, Eliana, por pedir incansavelmente que Deus abençoe meus sonhos.
Aos meus irmãos, Rafael, Ricardo e Arthur, por compartilhar minha felicidade nas
conquistas.
Aos meus amados nonnos, Luigi e Emma, por me ensinar a buscar a integridade.
A minha vovó Cida, por me ensinar a ter orgulho de lecionar.
Ao meu amado, Denis, por entender-me, encorajar-me e ser o companheiro fiel em todo
o percurso deste estudo.
Ao meu filho Pietro, por nascer durante esse percurso e trazer mais força para alcançar
esse objetivo.
Ao meu filho(a) semente, que vem me dizer para continuar e ir além.
A Tárcia, que me ensinou o verdadeiro sentido da diferença e foi fundamental para que
eu conseguisse espantar da minha vida os fantasmas do preconceito.
Ao meu amigo e companheiro de trabalho Denis Renó, que abriu as portas para o meu
grande sonho de lecionar e me ensina, a cada dia, que ele vale à pena.
Aos surdos, educadores e comunicólogos, que contribuem para um olhar diferente e
inclusivo na sociedade.
Entre as duas teses que ainda vigoram no que diz respeito ao mundo
da mídia, de um lado a que chamamos de otimista por considerar a
mídia um bem em si ou a verdade dos fatos, e, de outro, a que
chamamos de aristocrática ou pseudomarxista que diz, ao contrário,
que a mídia é cretina, destrói o espírito e esconde os verdadeiros
problemas, me permito uma outra tese que pretende não ser uma visão
eufórica da cultura de massas, nem apenas pejorativa. Eu entendo que
se trata de algo complexo que tem aspectos positivos e também
negativos.
Edgard Morin (2000, online)
RESUMO
O estudo aqui proposto descreve e analisa a relação entre sujeitos surdos, a televisão e a
escola. Para isso foram realizadas entrevistas com professores de surdos e alunos surdos
que freqüentaram a escola e a universidade que tivessem o hábito de assistirem a
televisão. Os alunos foram indagados com o objetivo de analisar a existência de relações
viáveis para um aprimoramento da qualidade educacional dos surdos através das
produções televisivas. Isto é, se a escola pode usar a televisão para auxiliar o
entendimento e a assimilação do conteúdo pedagógico pelos alunos relacionando com o
cotidiano vivenciado fora da escola. Os dados receberam tratamento quantitativo e
qualitativo. As entrevistas com os surdos foram mediadas por um intérprete da Língua
de Sinais (LIBRAS) e filmadas. A partir das transcrições e da observação sistemática
das filmagens foram analisadas as respostas e traçado um perfil de telespectador e aluno
surdo e relacionado com os estudos sócio-antropológicos com foco na surdez. Os
resultados do estudo mostraram que os alunos surdos não só assistem televisão, mas são
capazes de reproduzir elementos das produções televisivas em suas vivências na escola
e usá-las nas relações sociais e de aprendizagem. Dessa forma, concluiu-se que a
televisão deve ser um instrumento da escola para melhorar a qualidade do aprendizado
oferecido ao aluno surdo.
Palavras-chave: televisão; educação de surdos; inclusão escolar.
ABSTRACT
The proposed study describes and analyses the relations between deaf people, television
and the school. Were interviewed teachers that work with the deaf, and regular deaf
students in schools and universitieswho are used to watch television. The students were
questioned with the goal of analysing the existence of viable means to improve the
deaf's educational quality throught televisive productions. In other words, if schools can
use the television to help the students understand and assimilate pedagogic content,
relating that to their living outside the school. The data received qualitative and
quantitative treatment. The interviews with the deaf were mediated by a Libras
(Brazilian Language of Signs) interpreter and filmed. Based on the transcriptions and
systematic observation, the answers were analysed and a deaf student telespectator
profile was made and related with social-anthropologic estudies focused on deafness.
The goal of the study was to show that deaf students were able to reproduce elements
from televisive productions in their school living and use them in their social and
learning relations. The television can be, then, a school's instrument to improve the
learning quality offered to deaf students.
Key words: television; deaf education; school inclusion.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
I. AS CARACTERÍSTICAS E POSSIBILIDADES DA TELEVISÃO
1.1 A televisão..........................................................................................................12
1.2 A televisão: uma mídia para a educação e cidadania.........................................15
1.3 A televisão como transformação sócio-educacional de sujeitos surdos.............18
1.4 A televisão e a escola..........................................................................................22
II. A RELAÇÃO ENTRE O SUJEITO SURDO, A MÍDIA TELEVISIVA E A
INSTITUIÇÃO ESCOLAR.
2.1 O surdo, a televisão e a escola..............................................................................26
2.2 Telelibras ............................................................................................................ 30
2.3 Ferramentas de acessibilidade: Close Caption e Janela de Libras.......................34
III – MÉTODO
3.1 Participantes.........................................................................................................38
3.2 Equipamento e material.......................................................................................40
3.3 Instrumento..........................................................................................................40
3.4 Procedimentos de coleta de dados.......................................................................41
3.5 Procedimento de análise de dados.......................................................................44
IV – RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Análise dos dados coletados por meio dos professores de surdos.......................45
4.2 Análise dos dados coletados por meio dos surdos...............................................67
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................94
Referências..............................................................................................................100
Anexos.....................................................................................................................105
10
APRESENTAÇÃO
As preocupações relativas ao uso das novas tecnologias na educação suscitaram
o interesse pelo presente estudo. O fato de a formação acadêmica ter sido na área de
comunicação com habilitação em jornalismo fez com que os estudos aos quais me
lancei na graduação servissem de base para unir áreas que estão cada vez mais
entrelaçadas devido à necessidade de um repensar a escola e suas práticas, isto é, a
comunicação e a educação.
Os estudos relacionados à informação e tecnologia entram na educação
utilizando ferramentas audiovisuais que oferecem um mundo de possibilidades ao
cotidiano dos estudantes, principalmente no que se refere à inovação pedagógica e
desenvolvimento crítico do estudante telespectador.
A televisão tem sido estudada e analisada. Cada vez mais pessoas têm dado
importância aos estímulos que ela produz na vida social, cultural e psicológica do ser
humano, colaborando na produção de conceitos, tabus, regras de conduta e de
convivência. A partir disto, estudar a televisão se torna um assunto de extrema
importância não só para comunicadores, mas para psicólogos, pais, professores,
educadores e todos que, de alguma forma, interferem ou influenciam na educação do
outro, seja de uma criança ou um adulto, visto que todos estão sempre em processo de
formação, construção e desconstrução de idéias e ideais.
Este estudo procura, em seu desenvolvimento, mostrar também os aspectos
negativos da televisão, com a intenção de conscientizar os leitores sobre a importância
de garantir professores preparados para falar do conteúdo midiático através de uma
postura crítica, analisando as produções de forma reflexiva para conseguir passar para
os alunos as entrelinhas do discurso televisivo. Não se trata de tomar uma posição
contra ou a favor da televisão. Esse estudo acredita que ela possui programações úteis,
de caráter educativo, que devem ser aproveitadas pela escola e que também possui
programações fúteis, destrutivas, que devem ser discutidas na escola com a intenção de
interpretá-las e promover a consciência crítica nos estudantes.
O interesse pela televisão e a convicção de que ela pode ser usada para ajudar as
pessoas despertou a atenção para um mundo que até então era desconhecido pra mim: o
mundo dos surdos. A construção da identidade surda, as suas peculiaridades e a
possibilidade dos surdos descobrirem fatos significativos do cotidiano através da
televisão e da imagem em movimento, me motivaram a entrelaçar os universos - surdo,
11
televisão e escola, com o objetivo de descobrir como o surdo vê a televisão na sua vida.
A partir dessas experiências, pensar como a escola pode aproveitar a televisão na
escolarização deste sujeito.
Para atingir esse objetivo é necessário conhecer as características e as
possibilidades de uso da televisão, o que as pessoas pensam sobre este aparato, suas
produções comerciais e educativas e como essas produções, que são televisionadas e
assistidas por milhões de pessoas influenciam suas vidas. Além disso, é necessário
conhecer como a televisão passou da sala de casa para a sala de aula e porque ela vem
sendo usada na escola, quais suas influências no saber científico e quais as
possibilidades que vem sendo pensadas por educadores e comunicadores no sentido de
unir esses mundos. O capítulo I deste estudo vem elucidar o leitor nesse sentido.
Partindo dessas abordagens o estudo procura relacionar o sujeito surdo com a
televisão, considerando aspectos do direito à informação, ao entretenimento e à cultura
por parte deste grupo minoritário. Assim, são consideradas as possibilidades de uso e de
aproveitamento das produções culturais emitidas pela televisão e a forma como os
surdos devem ter acesso a este meio. O capítulo II trata o assunto demonstrando,
inclusive, a utilidade das ferramentas de acessibilidade e tentativas de inclusão do surdo
na mídia televisiva.
O capítulo III apresenta as considerações metodológicas e o capítulo IV trata de
apresentar os resultados obtidos no estudo e a discussão com base nos dados e na
fundamentação teórica. Já o capítulo V, que traz as considerações finais, confirma a
hipótese de que a televisão é utilizada por surdos e pode ser um meio de aprendizado,
traz possibilidades de uso da televisão pela escola do surdo e considera relevante que o
tema dessa pesquisa seja debatido e estudado pela sociedade.
Esclareço que na composição do texto tentei manter sempre presente o
argumento de que a discussão da televisão é necessária na escola, independente de suas
produções comerciais ou educativas, no sentido de estimular o senso crítico do aluno e
formar telespectadores com olhares diferenciados. E ainda, que no caso do surdo, o
estudo trata, antes do conteúdo a ser assistido, da falta de acesso deste grupo à mídia
televisiva. E que foram essas as preocupações que direcionaram a pesquisa.
12
CAPÍTULO 1 – AS CARACTERÍSTICAS E POSSIBILIDADES DA
TELEVISÃO
O presente capítulo ambientaliza o leitor sobre o universo televisivo e apresenta as
características de influência, de manipulação e sócio-educativas deste meio de comunicação.
Suas diferentes concepções e abordagens, assim como as possibilidades de uso e de
aproveitamento dos diferentes tipos de conteúdos pela escola.
Percorre por práticas e fundamentos capazes de introduzir a televisão no cenário
educacional e inseri-la como instrumento de inclusão dos sujeitos surdos.
1.1. A televisão
Desde que a televisão surgiu, provocou significativa mudança nos hábitos e
costumes da vida social. A influência exercida por ela, baseada no tempo que se gasta
para assisti-la e no conteúdo dos programas que se assiste, tem sido estudada desde que
passou a ser o meio de comunicação mais utilizado pelas pessoas. Segundo Thompson
(1998) “de uma forma profunda e irreversível, o desenvolvimento da mídia transformou
a natureza da produção e do intercâmbio simbólicos no mundo moderno”. Ele explica
ainda que os meios de comunicação possuem uma dimensão simbólica importantíssima
pois se relacionam com a produção, o armazenamento e a circulação de materiais que
são significativos para os indivíduos que os produzem e os recebem. Isso significa que
exercem influência na reelaboração do caráter simbólico da vida social, pois em todas as
sociedades os seres humanos se ocupam da produção e do intercâmbio de informações e
de conteúdo que representam o mundo real, as inseguranças do homem em relação a
esse mundo, os desejos, os prazeres e as curiosidades. Segundo Thompson (1998),
A vida social é feita por indivíduos que perseguem fins e objetivos os mais
variados. Assim fazendo, eles sempre agem dentro de um conjunto de
circunstâncias previamente dadas que proporcionam a diferentes indivíduos
diferentes inclinações e oportunidades. Estes conjuntos de circunstâncias
podem ser conceituados como “campos de interação”, para usar um termo
fertilmente desenvolvido por Pierre Bourdieu. Os indivíduos se situam em
diferentes posições dentro destes campos, dependendo do tipo e da
quantidade de recursos disponíveis para eles. Em alguns casos estas posições,
quando institucionalizadas, adquirem uma certa estabilidade – isto é, tornam-
se parte de um conjunto relativamente estável de regras, recursos e relações
sociais. As instituições podem ser vistas como determinados conjuntos de
regras, recursos e relações com certo grau de durabilidade no tempo e alguma
extensão no espaço, e que se mantêm unidas com o propósito de alcançar
alguns objetivos globais. As instituições definem a configuração dos campos
de interação pré-existentes e, ao mesmo tempo, criam novas posições dentro
13
deles, bem como novos conjuntos de trajetórias de vida para os indivíduos
que os ocupam (p.19).
De certa forma, é como se o homem estivesse antenado nos costumes, hábitos,
culturas, horários e tradições de quem está do outro lado, ou dentro da tela, mas como se
fossem regras de conduta que ditam a melhor forma de viver. Dessa forma, mesmo que
involuntariamente, o homem imita ou reproduz na sua vida o que selecionou como ideal
para o seu comportamento.
O estudo de Karl Popper e John Condry (1995), “Televisão, um perigo para a
democracia”, nos mostra aspectos em grande parte negativos da atenção dada pelas
pessoas à televisão. É certo e, já foi mencionado anteriormente, que a televisão possui
aspectos positivos e negativos, mas não se trata aqui de levantá-los e pesá-los uns contra
os outros, já que o objetivo deste estudo é a acessibilidade. Para tanto, é necessário
situar o leitor da magnitude deste meio de comunicação para que a sua relevância seja
considerada. No estudo, Popper e Condry (1995) relatam estatísticas que demonstram o
impacto social causado na vida das pessoas após o surgimento da televisão. Veremos.
Segundo os registros históricos o homem pôde ver as primeiras transmissões em
1920, quando o inglês John Logie Baird usou um sistema mecânico para transmitir
imagens à comunidade científica de Londres. No Brasil, foi Assis Chateaubriand quem
comprou os primeiros equipamentos de transmissão de imagens importados dos Estados
Unidos, para, em 1950, inaugurar a TV Tupi de São Paulo.
Segundo Popper e Condry (1995), no início da década de 50 cerca de 10% das
famílias americanas possuíam um televisor; em apenas uma década, o número se elevou
para 90% e a grande maioria das pessoas que possuíam televisão assistiam suas
programações regularmente. A alteração no emprego do tempo dos americanos foi
significativa e a estimativa conta que a televisão fez aumentar em 58% o número de
horas consagradas pelos Americanos aos órgãos de comunicação. Em1995, as famílias
americanas passam, em média, quatro horas diárias na frente da televisão durante os
dias da semana e um pouco mais aos finais de semana.
O estudo ainda apontou algumas considerações sobre a influência nas crianças
revelando que no ano de 1995, data do estudo aqui mencionado, a criança americana
passava, em média, 40 horas por semana vendo televisão e jogando videogame. Em
geral, começam a ver os desenhos animados aos 2 anos, aos 6, aproximadamente, 90%
delas já são telespectadores habituais da televisão. Entre os 6 e os 11 anos, são as
14
situation comedies(sit com) que vão conquistando suas preferências. O papel
desempenhado pela televisão na socialização dos pequenos merece ser destacado para
entendermos que tanto os aspectos positivos da televisão, quanto os negativos,
transformam significativamente o sistema cognitivo das crianças, o que poderá
influenciar a sua vida através de seu desenvolvimento.
As crianças entendem seqüências curtas do audiovisual. Ao contrário dos
adultos, que entendem seqüências mais longas, recortadas por cenas que montam uma
história como um quebra-cabeça, como é o caso das novelas e reallity show, elas não
são capazes de fazer deduções e de compreender aspectos que estão implícitos no
programa. Por isso que o desenho prende tanto a atenção dos pequenos. É o que Popper
e Condry (1995) nos explica.
As crianças mais novas vêem os desenhos animados porque eles são
codificados de uma forma nítida, isto é, cada ação é sublinhada por efeitos
sonoros particulares, que visam ajudar a sua compreensão e captar a sua
atenção. E, como a atenção das crianças tem dificuldade em fixarem-se, os
códigos sonoros vêm ajudá-las a estar atentas (p.42)
Muitos são os benefícios e os malefícios da televisão, existem muitas
controvérsias a respeito deste assunto e discute-se com cuidado sobre sua influência.
Mas o que nos interessa aqui, para o presente estudo, é verificar que independente do
conteúdo da programação, as crianças e os adultos têm a oportunidade de escolher o que
vão assistir, assim como podem escolher o horário e o canal em que ligarão a televisão.
A possibilidade de escolha, de zapear
1
os canais em busca de algo que lhes
agrade significa, para as pessoas, ter a possibilidade de imergir em um mundo onde
estão acessíveis informações e entretenimento de boa e ruim qualidade, mas que fazem
parte do mundo social e embora estejam imersos em um plano virtual, reproduzem fatos
e as características do mundo real. Os cidadãos têm pleno direito de assistir ou não à
televisão, mas se optarem por assistir, independente do canal que escolherem, terão
acessibilidade. A televisão como mídia social deve ter um acompanhamento da escola e
a vigilância dos comunicadores sociais para que os conteúdos oferecidos sejam
incessantemente criticados e mantidos no ar seguindo um padrão de qualidade. Mas isso
já é parte de uma outra pesquisa.
1
Termo das novas tecnologias que significa selecionar, escolher, procurar.
15
Atualmente, uma tela de TV representa muito mais do que mera distração e não
pode ser encarada apenas como um objeto a ser olhado ou assistido, como um passar do
tempo. Segundo Connor (1992),
(...) a tela forma uma intersecção reativa com os nossos desejos e
representações, tornando-se a forma personificada do nosso mundo psíquico.
O que acontece na tela não está na tela, nem em nós, mas em algum espaço
complexo, sempre virtual, entre os dois (p.131)
O fato da televisão ser uma mídia que exerce influência social é uma discussão
para ouvintes, para os surdos e para todos os outros grupos minoritários também, já que
como cidadãos estão imersos nesse universo de influência e transformações na vida
comportamental vivido pelos telespectadores.
Os programas, em sua totalidade, deveriam ser acessíveis a todos os tipos de
telespectadores. Limitar o acesso pode significar, no caso de uma grande mídia como a
televisão, favorecer determinados públicos em detrimento de outros. E a televisão
deveria ser uma mídia democrática.
Como uma mídia democrática e independente de como tem influenciado os
diversos grupos sociais, é inadmissível que os telespectadores surdos tenham o seu
acesso limitado devido as suas características lingüísticas. Essa limitação se acentua
quando a televisão tem sido introduzida para a transmissão de saber científico dentro
das escolas.
1.2 – A televisão: uma mídia para a educação e cidadania
O mundo encurta, o tempo se dilui. O ontem vira agora; o amanhã já está
feito. Tudo muito rápido... Debater o que se diz, o que se mostra e como se
mostra na televisão me parece algo cada vez mais importante. (FREIRE,
2000).
O conteúdo televisivo se baseia mais em informações e entretenimento do que
em saber científico, apresentado pela escola. Este fato direciona os discursos
oposicionistas perante a relação televisão x escola e demarca a barreira imposta a
práticas que façam os dois campos dialogarem. Segundo Soares (2008), que vem
estudando junto ao Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo
as relações entre as mídias e a escola, “o saber-informação é fracionado, descontínuo,
mostrado em mosaicos” (SOARES, 2008, online). O que interessa na mídia, e nesse
estudo nos referimos a mídia televisiva, é o momentâneo, o instantâneo, o agora. Os
16
fatos do passado e os fatos contextualizados, que são os mais estudados pela escola, não
interessam porque estão desatualizados e não obedecem ao tempo disponível na mídia
que, visando estar ao topo de uma concorrência mercadológica que objetiva elevada
audiência, apela ao inusitado, ao pós-moderno e ao dinamismo para alcançar seus
ideais.
Embora a mídia televisiva obedeça esta cadência, o que se observa na sociedade
e que cada vez mais crianças e jovens vivem e dialogam com a televisão. O fato da
mídia fugir da contextualização e explorar mais assuntos de forma dinâmica, sem
prender-se aos aprofundamentos propostos pela escola, talvez seja um dos principais
motivos que leva as pessoas a dispensarem grande parte do tempo à frente da televisão.
Dessa forma, os alunos chegam às escolas repletos de informações
descontextualizadas, mas que prenderam suas atenções e que podiam ser aprofundadas
no ambiente escolar a fim de completar um conteúdo fragmentado que deixa de fazer
sentido na hora que o telespectador troca de canal ou desliga a televisão, mas que
poderia ser explorado e ter sido transformado em conhecimento. Este fato é mais bem
explicado por Soares (2008, online),
Os alunos que chegam à sala de aula estão impregnados de cultura midiática,
sobretudo a televisiva, mas o fato é ignorado pela escola tradicional, para a
qual existe apenas uma cultura e um saber, aquele promovido pela educação.
Diante dessa situação, os professores são levados a tomar atitudes extremas:
ou bem ignoram a influência dos meios e mantém a tradição da escola e
ignoram a diversidade das realidades sociais e culturais, ou bem introduzem
os meios na escola e servem-se deles para atingir seus objetivos pedagógicos,
esquecendo-se, contudo, de trabalhar sobre os meios e suas mensagens (p.3)
Para Soares (2008, online) existe uma outra perspectiva, capaz de informar e formar o
aluno para a participação de uma mídia e de uma escola cidadã: a EDUCOMUNICAÇÃO.
Assim como define,
Há uma outra via, mais exigente ainda para alunos e para mestres, mas a
única possível no contexto da sociedade de amanhã: a do educomunicador
que aproxima a escola do comunicador, a partir de uma perspectiva cidadã.
Porque não há escolha e, queiramos ou não, os alunos hoje aprendem as
coisas dos meios, mesmo que seja de uma forma que escapa dos padagogos e
dos pais. A escola e os meios têm pontos em comum e o que se aprende na
escola pode ajudar a compreender os meios e vice-versa. Enfim, porque os
modos de apropriação do saber mudaram e mudarão ainda mais na sociedade
que desenvolve as indústrias do conhecimento - indústria cultural. (p.5)
Dessa forma, temos o surgimento de um novo educador, atento e mergulhado
nas inovações culturais. O educomunicador surge a partir da necessidade que o aluno
17
demonstra de apreender ciência e cultura ao mesmo tempo. A função do
educomunicador se desenvolve em duas ciências, a da comunicação e educação e
transmite ao aluno seus entrelaçamentos. Segundo Jacquinot (2008, online), o
educomunicador deve possuir algumas características essenciais, são elas:
Deve ser consciente que uma educação de massa e multicultural situa-se além
da aquisição de conhecimentos escolares. Deve ver nos meios uma riqueza
pelos seus conteúdos informativos certos, mas também pela maneira em que
eles fornecem uma representação do mundo: donde a necessidade de analisar
e comparar, visando retificar as ditas representações. Deve estar convencido
que uma emissão não é um ato passivo, mas mobiliza uma quantidade de
micro-saberes acumulados que o professor pode ajudar o aluno a colocar em
relação, para construir seu conhecimento e lhe dar sentido. Deve saber que,
quando ele introduz os meios como objeto de estudo, não é para fazer do
aluno um pseudo-jornalista ou aprendiz-apresentador, mas para ensiná-lo a
analisar do triplo ponto de vista do poder econômico e ético (político) que os
produz, das montagens do discurso e da cena que constrói as mensagens e da
audiência que lhes dá sentido. Deve, ainda, aceitar um novo referencial para a
relação educador/educando: o aluno pode ensinar ao mestre, principalmente a
manipulação das novas tecnologias, os alunos podem ensinar uns aos outros.
Deve aceitar que entrem na escola outros universos e outras modalidades de
apropriação da realidade. O educomunicador deve reconhecer que não há
mais monopólio da transmissão do conhecimento, e que não é só o professor
que tem direito da palavra. Os professores que introduziram os meios na
escola, a imprensa, a televisão, puderam perceber que isso provoca mudanças
profundas nos objetivos e nos métodos de ensino (p.8)
Os estudos em Educomunicação no Brasil surgiram no início da década de 90
com um grupo de pesquisadores que pensavam na educação usando as tecnologias da
comunicação e na comunicação produzindo para a educação (NCE/USP, 2000, online).
Existe, no Brasil, cada vez mais estudantes e docentes que buscam entender as relações
entre esses campos com a intenção de promover o debate e melhorar as condições de
recepção das mensagens midiáticas e atualizar as práticas de aprendizado nas escolas.
Os que acreditam nesta união visam o mesmo resultado: uma mídia televisiva e uma
escola democrática e cidadã.
A televisão tornou-se aparato indispensável ao homem, as pessoas estão cada
vez mais envolvidas nas produções ficcionais e contam com informações dos fatos
verídicos transmitidos pelo aparelho televisor. Neste sentido, torna-se cada vez mais
relevante criar meios para que os estudantes e os grupos minoritários da sociedade,
como a comunidade surda, tenham alternativas para apreender o mundo e acompanhar
suas mudanças, e, principalmente, para que possam ter um olhar crítico frente às
produções da mídia, incorporando o que assistem com mais cautela.
18
1.3– A televisão como transformação sócio-educacional de sujeitos surdos
A informação sozinha é um ruído.
Edgard Morin (2000, online)
A união da televisão e da escola pode dar possibilidade para que o surdo tenha
mais interesse pela sala de aula, quebrando barreiras sociais encontradas pela
comunidade surda e fazendo da televisão muito mais que entretenimento. Transformar a
televisão em um meio cada vez mais democrático e instrumento da cidadania é um
trabalho social que pode significar o avanço nos modos de pensamento, quebrando
preconceitos e ultrapassando algumas construções sociais como o binarismo
surdo/ouvinte. É para esse aspecto que Porto (2000) chama a atenção da sociedade,
Analisar o papel que as tecnologias e as informações/imagens têm
desempenhado na vida social implica não somente explorar as
características técnicas dos meios, mas buscar entender as condições
sociais, culturais e educativas de seus contextos. Esse enfoque é primordial
para perceber as possibilidades que se estabelecem com o uso das modernas
– algumas já nem tão modernas assim – tecnologias (p.4).
Entre as comunidades telespectadoras do mundo televisivo existe a comunidade
surda, que utiliza parcialmente os recursos da imagem televisiva sem acesso aos
recursos de áudio que ela proporciona. Assim, mesmo que a televisão seja um aparato
tecnológico que possibilita recursos áudio-visuais, a comunidade surda assiste às
produções principalmente no sentido visual.
No Brasil, na atualidade, cada vez mais emissoras vêm valorizando o tipo de
telespectador surdo e proporcionando recursos, como close caption e janelas com
intérprete da Libras, para atingir essa comunidade e proporcionar-lhe entendimento
adequado de suas programações, tal como considerada na reportagem de Ustulin
(2002)
2
.
Nessa reportagem a autora considera o recurso close caption, como um sistema
que permite a leitura do conteúdo do texto dito por atores e apresentadores e por
2
USTULIN, Adriana. Close Caption cresce na TV brasileira. Publicado no site do Jornal da Tarde em
19/07/2002. Disponível em: < http://www.prodam.sp.gov.br/acess/newbanc2.asp?noticias=385
>. Acesso
em 18 de setembro de 2007.
19
intérpretes de Libras. Esse recurso foi implementado, na visão da reportagem, porque a
surdez atinge 2% da população brasileira que provavelmente assistem televisão.
Essa matéria informa sobre um projeto do deputado Hélio de Oliveira (PDT-SP)
que pretende obrigar o uso de legendas principalmente em programas culturais,
educativos, noticiosos e políticos. Lembram que no Canadá, há 30 anos, e na Europa e
EUA, há 5 anos, essa providência já existe.
No Brasil o Jornal Nacional da rede Globo foi o primeiro programa da América
Latina a empregar o close caption. Em 2007, outros programas também estão usando
esse recurso comunicativo, ou seja, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal da Globo,
Fantástico, Programa do Jô, Tela Quente, Ratinho, Hebe, TJ Manhã, Jornal SBT, SBT
Repórter, Show do Milhão, Casa dos Artistas, de Frente com Gabi e Falando
Francamente.
O fato de o surdo ser um telespectador pode significar, para educadores, novas
alternativas de estratégias educacionais para este grupo. Pode proporcionar a criação de
práticas pedagógicas que contribuam para a construção de uma educação com qualidade
para o surdo.
Outras mudanças já vêm acontecendo no processo de escolarização do surdo,
decorrentes principalmente de o fato do surdo ter uma língua própria e ser um ser visual,
como comentado por Larrosa (1994). Para ele,
Um dos temas principais na obra de Foucault e um dos fios centrais que
permitiriam percorrer a maior parte dessa obra é justamente o tema
visibilidade. E a visibilidade é, para Foucault, qualquer forma de
sensibilidade, qualquer dispositivo de percepção. O ouvido e o tato na
medicina, o exame na pedagogia, a observação sistemática e sistematizada
em qualquer aparato disciplinar, a disposição dos corpos nos rituais penais,
etc.(...) Poderíamos formular o problema de Foucault como o de
determinar, em um mesmo movimento, o que é visível e o olho que vê, o
sujeito e o objeto do olhar. Um regime de visibilidade, composto por um
conjunto específico de máquinas óticas, abre o objeto ao olhar e abre, ao
mesmo tempo, o olho que observa. Determina aquilo que se vê ou se faz
ver, e o alguém que vê ou que faz ver. Por isso o sujeito é uma função da
visibilidade, dos dispositivos que o fazem ver e orientam seu olhar. E esses
são históricos e contingentes (p.40).
Se, por um lado, a diferença do surdo está na audição, é essa própria diferença
do “ouvir” que instiga o “ver” (LULKIN, 2005). O surdo se caracteriza como ser visual
com a capacidade de olhar aguçado. Não que “ver” com excelência substitua o ouvir,
mas poder direcionar os sentidos para um campo que produza significados e que
20
represente o mundo deve ser levado em consideração de forma que os surdos possam
valorizar o ato de perceber a imagem. É o que propõe Lulkin (2005),
Ser hábil no ouvir e produzir uma fala a partir das percepções normais da
audição dá poder ao grupo de profissionais ouvintes, para avaliar e conceituar
o outro, diverso, localizado no lugar da deficiência. O poder está nas mãos
dos que ouvem e falam, para dizer, à sociedade em geral e aos surdos, quais
os termos que os descrevem e os diferenciam. Da mesma maneira
determinam-se os projetos pedagógicos, as pesquisas médicas para implantes
cocleares, os programas governamentais de educação pública, etc. Dentro
desses campos semânticos há lutas históricas. Se deixarmos o campo do som
e passarmos ao campo da imagem, dando crédito à cultura visual, as
possibilidades são muitas e reveladoras. No entanto, evitando as armadilhas
ingênuas de substituição de uma verdade por outra, devemos ter claro que não
há isenção de poderes, há câmbios de direção.
Se tivermos atentos ao Panóptico de Bentham, podemos ver a configuração
do conceito de visibilidade como “posto sob a mira de”, onde o controle se
materializa através do olhar. Uma outra perspectiva de educação, onde o
escutar passe a ter o privilégio no lugar de ouvir, permite relocalizar os
deficientes auditivos como eficientes no olhar; uma comunidade(ainda que
dispersa) que tem no código sinalizado uma materialidade, uma representação
sociocultural. Essa alteração sugere que o poder não passa por uma
democratização pelo simples fato de privilegiar outro sentido, mas
redimensiona o campo de luta (p.43).
Skliar (2005) expôs seu pensamento sobre novas práticas pedagógicas para
alunos surdos, empregadas visando superar os efeitos da hegemonia da ideologia clínica
- terapêutica na educação, os quais tem resultado em fracasso escolar massivo desses
alunos.
Tem-se acentuado, nas últimas três décadas, um conjunto novo de discursos
e de práticas educacionais que, entre outras questões, permite desnudar os
efeitos devastadores do fracasso escolar massivo, produto da hegemonia de
uma ideologia clínica dominante na educação dos surdos (p.4).
É acreditando nessas perspectivas que este trabalho tem o objetivo de investigar
como se relaciona o surdo com a televisão e como isso pode ser favorável à sua
educação. Os surdos se beneficiam desses aparatos para se envolverem com o mundo
televisivo? Investigar e responder essas questões pode contribuir muito com educadores,
comunicadores e surdos.
O presente tema se faz necessário na atualidade para que a sociedade contemple
uma época mais consciente em que as diferenças sejam respeitadas nas suas
singularidades, ao invés de continuar sustentando discursos mascarados que pregam a
igualdade.
A idéia de igualdade que prevalece atualmente na sociedade diz respeito ao
tratamento isento de preconceito. Mas para convencer os preconceituosos a aceitar as
21
diferenças alimenta-se um discurso que prega a igualdade, onde todos teriam os mesmos
direitos e deveres, as mesmas possibilidades e as mesmas condições. Ainda que este
discurso tente minimizar os problemas ele está calcado na idéia de tolerância, como se
todos os seres humanos tivessem, obrigatoriamente, que tolerar uns aos outros. Tolerar
o próximo, suportar o próximo não significa respeitar e proporcionar condições de
igualdade, significa, na ótica da normalidade, passar a mão em sua cabeça e aceitar sua
existência no mundo dos normais. Aceitar a diferença é mais que tolerar sua existência,
é necessário proporcionar um mundo que ofereça condições de vida para a diferença.
Assim como propõe Aranha (2000) ao colocar que a igualdade só existirá
quando as diferenças forem consideradas. Isto significa que as necessidades diferentes
de cada pessoa devem ser atendidas de acordo com suas peculiaridades, só assim será
garantida a igualdade social. São necessárias novas tentativas, assim como explica
Skliar (2005),
A reflexão sobre o consenso das potencialidades educacionais dos surdos não
deve ser apressadamente interpretada sobre o modo como os surdos podem
ser educados e, muito menos ainda, como uma sequencia de objetivos
pedagógicos a serem desenvolvidos em termos de uma proposição
metodológica. Também não estou falando de potencialidades num sentido
exclusivamente cognitivo ou como uma delimitação acerca do que os surdos
podem e não podem aprender.É, na verdade, uma tentativa, uma busca de um
consenso, no sentido de gerar as sementes para um projeto político e
educacional (p.25).
Por fim, é de extrema importância que a escola deixe no passado a forma de
tratamento e supervalorização da cultura ouvinte e dominante, passando a tratar as
diferenças de forma que seja capaz de atuar contra o preconceito e a marginalização dos
grupos minoritários. Para que a escola seja espaço de socialização entre todas as
pessoas, independente de suas diferenças. “As pessoas e os grupos sociais têm o direito
a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes quando a
igualdade os descaracteriza” (Santos, apud: CANDAU, 1997, p.10).
22
1.4. A televisão e a escola
Tv: visão, som e fúria
Mcluhan
Novas maneiras de pensar o mundo são proporcionadas através do avanço das
tecnologias e dos meios de comunicação de massa. O fim do século XX assiste a uma
revolução que sacode o mundo com novas tecnologias, sobretudo a revolução nas
informações, com a globalização da economia mundial e com inovadoras formas de
organização do trabalho. Como Thompson (1998) coloca em seu estudo, é
inquestionável a influência que a transmissão de informações com recursos de imagem e
som provoca na vida social e cultural do ser humano.
Os estudos que se propõem a observar a evolução dos meios de comunicação de
massa destacam a grande revolução e o impacto na vida da humanidade causada pelo
surgimento da televisão, a ferramenta que proporciona o deslocamento humano para
quilômetros de distância sem que o homem precise sair do sofá da sala de sua casa,
como comentado por Thompson (1998),
O advento da telecomunicação trouxe uma disfunção entre o espaço e o
tempo, no sentido de que o distanciamento espacial não mais implicava o
distanciamento temporal. Informação e conteúdo simbólico podiam ser
transmitidos para distâncias cada vez maiores num tempo cada vez menor;
quando a transmissão telegráfica foi instalada, as mensagens eram recebidas
em menos tempo do que era necessário para codificar e decodificar a
informação. O distanciamento espacial foi aumentando, enquanto a demora
temporal foi sendo virtualmente eliminada. A disjunção entre o espaço e o
tempo preparou o caminho para outra transformação, estreitamente
relacionada com o desenvolvimento da telecomunicação: a descoberta da
simultaneidade não espacial. Em períodos históricos mais antigos a
experiência da simultaneidade – isto é, de eventos que ocorrem “ ao mesmo
tempo” – pressupunha uma localização específica onde os eventos
simultâneos podiam ser experimentados. Simultaneidade pressupunha
localidade: “o mesmo tempo” exigia “o mesmo lugar”. Com o advento da
disjunção entre espaço e tempo trazida pela telecomunicação, a experiência
de simultaneidade separou-se de seu condicionamento espacial. Tornou-se
possível experimentar eventos simultâneos, apesar de acontecerem em
lugares completamente distintos. Em contraste com a concretude do aqui e
agora, emergiu um sentido de “agora” não mais ligado a um determinado
lugar. A simultaneidade ganhou mais espaço e se tornou finalmente global em
alcance (p.216).
Pela televisão, o homem pode se ver em vários lugares quando muda o canal de
transmissão e um turbilhão de fatos invade diariamente a casa de milhões de pessoas,
23
transmitindo valores ideologicamente construídos, conceitos elaborados por grupos que
visam diversos interesses, padrões estéticos formados através da industria cultural, e
estimulam diferentes sentidos, captados pelo receptor dos meios audiovisuais que,
imediatamente, filtra os sinais recebidos de forma a usá-los na construção da sua
personalidade, na absorção de conhecimento e na relação que estabelece com o mundo
real (IANNI,1995). Diante de todas essas influências da televisão, a questão da
educação, no aspecto da formação humana por meio de recursos televisivos, tem se
constituído em uma problemática, principalmente pela ambivalência desse recurso
quanto à sua função social. As atualizações do mundo tecnológico e da comunicação
influenciam o indivíduo em suas etapas de vida. A programação atende a públicos
específicos e realiza um trabalho de pesquisa para atingir o público alvo com sucesso.
As emissoras organizam estratégias para distribuir seus programas em horários
diferentes de acordo com o desejo do público. Como aponta o estudo de Derrick
Kerckhove (1997),
A televisão é um barômetro da psicologia global, não local; é a nossa
psicologia global eletrônica, fornecendo-nos noções comuns de tempo,
espaço e sociedade, bem como um invólucro psicotecnológico moral, que
seleciona os assuntos e nos unifica em opiniões convergentes (p.37).
As crianças têm acesso a desenhos pela manhã e à tarde os programas se
dividem entre filmes para o público infantil e adolescente e novelas para as donas-de-
casa. À noite é chegada a hora dos adultos. Justamente quando o trabalhador volta para
a casa é que passam os principais jornais nas emissoras contando as notícias do mundo.
A audácia é grande e os desejos de consumo, o apelo á sexualidade, os modelos
estéticos de beleza ganham espaço na televisão (MORAES, 1998).
A televisão desenvolve formas de comunicação sensorial, emocional e racional,
entrelaçando linguagens e mensagens que facilitam a interação com o público. Combina
a comunicação sensorial com a audiovisual, a intuição com a lógica, a emoção com a
razão. Explora o inusitado, o chocante, o sensacional, o drama. E ao mesmo tempo
contempla o belo, o emocional. É fútil e útil. Democrática. Oferece um cardápio extenso
que satisfaz todos os gostos. Consegue vender seu produto a todos os tipos de
consumidores, como explica Ferres (1996),
A força da linguagem audiovisual está em que consegue dizer muito mais do
que captamos, chegar simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos e encontra dentro de nós uma repercussão em
24
imagens básicas, centrais, simbólicas, arquetípicas, com as quais nos
identificamos ou que se relacionam conosco de alguma forma (p.40).
A televisão atinge hoje cerca de 90% dos lares e mesmo com o advento do
computador e da internet ela continua sendo o meio de comunicação mais usado,
principalmente pelas crianças brasileiras (GIRARDELLO e OROFINO, 2001). Um
objeto que atinge diretamente o desenvolvimento psíquico, intelectual e humano do
indivíduo, propaga e difunde idéias divergentes formando opiniões e conceitos na
sociedade. Portanto, o maior meio de comunicação de massa. Ela não apenas transmite a
realidade, mas interfere nela, dependendo dos valores, das posições políticas, dos ideais
e interesses de seus comandantes, como enfatizam Herman e Chomsky (1998),
...serve para mobilizar apoio aos interesses especiais dos que dominam o
Estado e a atividade particular, e que suas escolhas, ênfases, e omissões
podem ser melhor compreendidas, e as vezes com clareza e perspicácia
através dessa análise. Talvez isso seja óbvio, mas a visão democrática é de
que a mídia é independente e cometida em descobrir e relatar a verdade e que
ela não apenas apresenta um reflexo do mundo como os grupos poderosos
gostariam que enxergássemos. Líderes da mídia afirmam que suas escolhas
não são tendenciosas e sim profissionais, objetivas e que o conteúdo é aceito
pela comunidade intelectual. Mas, se os poderosos são capazes de consertar o
discurso decidindo o que a população está autorizada a ver, ouvir e pensar
sobre algo, e se forem capazes de manipular a opinião pública com
campanhas de propaganda constantes, aí a visão que temos de como o sistema
funciona sai completamente fora da realidade (p.1).
Existe um consenso quanto à dualidade que envolve a televisão e suas
produções. De um lado, o fator manipulador, onde o objeto torna-se um meio de limitar
o conhecimento sem nenhum papel mediador entre o ficcional, o alegórico e o real, de
outro, análises mais otimistas, que acreditam que a televisão consegue transportar a
realidade sensível para dentro das casas e substituir relações e instituições humanas. O
fato é que o que era uma ferramenta de distração se transformou em uma arma poderosa
de informação (CONDRY,1994). Uma espécie de janela para o mundo, onde tudo está
ligado por uma teia, que tece fatos, acontecimentos, criações de ficção e realidade. Tem
influencia direta na formação do sujeito e é no contexto escolar, através das relações
sociais e de aprendizagem, que estão afloradas a representatividade do que absorvem na
televisão. Citelli (2002) comprovou este fato em sua pesquisa:
... tanto discentes como professores revelam suas relações com a TV nos
momentos informais vividos na escola. Assim, nos intervalos, quer no pátio,
quer na sala dos docentes, o tema pode ser o capítulo da novela, a notícia que
causou alguma comoção, o acontecimento esportivo, o inusitado de uma
entrevista (p.24)
25
A escola, ao organizar seu projeto pedagógico, pode fazer uso dessas ligações
com os meios de comunicação de forma a se tornar um lugar onde os alunos possam
analisar criticamente as mensagens e informações que impregnam diariamente suas
vidas, despertando a curiosidade e criatividade, suscitando idéias e emoções, como os
estudos de Girardello e Orofino (2001) demonstram. O educador deve relacionar-se com
a televisão de maneira mais íntima, tornando-se capacitado para usar os recursos e as
ferramentas tecnológicas que o mundo atual oferece, introduzi-las na sala de aula e,
dessa forma, atualizar o olhar para que educadores e educandos sejam capazes de
ensinar e aprender usando ferramentas novas: entretenimento educativo proporcionado
pela mídia televisiva. Assim que Morin (2000, online) informou na entrevista publicada
no jornal O Dia,
A função dos mestres não é apenas cumprir a carga horária e o conteúdo
programático. Os educadores devem, a partir do teor de suas classes,
explorar temas afins. Em uma determinada aula, o professor pode, por
exemplo, criar um espaço para debater os programas de televisão. Os
estudantes devem ser esclarecidos de modo que a mídia seja interrogada e
vista sobre um prisma crítico. O que acho ruim é a posição de se sentir em
uma cidadela atacada. Os jovens precisam perceber como são construídos
os programas: sua montagem, estrutura e funcionamento. Outro exemplo
são as telenovelas, cuja audiência é significativa. Por que elas apaixonam e
atraem? Mas, enfim, em vez de ficar criticando a influência persuasiva da
mídia e culpá-la pelo aumento da violência, devemos abastecer nossos
jovens para que possam assistir a programação criticamente (p.6)
Assumindo uma postura crítica, a televisão na escola passa a ser um dos
caminhos de produção de conhecimento e, portanto, de cultura, em que o professor, pelo
cotidiano dos sujeitos escolares ficarem cada vez mais suscetíveis pelos meios de
comunicação, recorre ao processo dialógico para a conscientização no processo de
leitura da realidade e apropriação das linguagens tecnológicas e culturais. Além disso,
pode ser um dos instrumentos de estímulo para esse profissional passar a considerar a
importância do lazer, do prazer e envolvimento emocional existentes no ensino-
aprendizagem, tornando-o dinâmico e interessante aos alunos.
Para conhecer melhor esse trabalho do professor com o sujeito surdo, é
importante esclarecer as relações na tríade: o surdo, a televisão e a escola.
26
CAPÍTULO 2 – A TRÍADE: O SURDO, A TELEVISÃO E A ESCOLA.
O presente capítulo apresenta o sujeito surdo ao leitor, assim como suas
especificidades e singularidades. Trata de relacionar este sujeito com o ambiente escolar
atual e com as possibilidades dessa ferramenta áudio-visual.
2.1. O surdo, a televisão e a escola.
Entre as diferentes identidades e comunidades existentes em todo o mundo, e
que falam diversas línguas, está o grupo dos surdos. Segundo a associação de surdos de
Pernambuco, os surdos são aquelas pessoas que utilizam a comunicação espaço-visual
como principal meio de conhecer o mundo em substituição à audição e à fala. A maioria
das pessoas surdas, em contato com outros surdos, utilizam a língua de sinais.
O Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005) regulamenta a
Lei nº10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a língua de sinais e o art.18 da
Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Nas disposições preliminares deste decreto
está escrito, no art.2º que “considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva,
compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando
sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras.
Segundo o estudo de Marchesi (1995), a perda auditiva que uma criança pode
sofrer é avaliada pela intensidade da mesma, em cada um dos ouvidos, em função de
diversas freqüências.
A intensidade de sons é medida por decibéis (dB). A escala em que se
expressam estas diferenças é logarítmica, por isso, os diferentes intervalos
não são homogêneos. Isto quer dizer que, entre 30dB e 40 dB, há, por
exemplo, uma diferença menor que a que pode existir entre 80 e 90 dB. A
freqüência refere-se à velocidade de vibração de ondas sonoras, de graves e
agudas, e é medida em Hertz (HZ). As freqüências mais importantes para a
compreensão da fala situam-se nas faixas médias, em 500, 1000 e 2000 Hz
(p.198)
Os dados do IBGE demonstram que, no Brasil, o número de surdos, em 2000,
ultrapassava os 5 milhões. O Censo da Educação Superior de 2004 registrou 974 alunos
com algum tipo de perda auditiva que freqüentam curso superior; os dados do Censo
27
Escolar de 2006 já registram a matrícula de 69.277 alunos com surdez de variados graus
na Educação Básica. Com o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais - Libras e,
principalmente, com a publicação do Decreto nº5626/05, a oferta de educação bilíngüe,
que garante ao surdo o direito de aprender a Libras como sua primeira língua e o
português como segunda língua, passa a ser a diretriz que norteia os direitos dos alunos
surdos, por considerar essa educação fundamental para o exercício da cidadania.
Contudo, ainda que existam números que indiquem a existência dos surdos, o
direito à primeira língua, Libras, como língua de instrução e os direitos sociais, as
expectativas compartilhadas socialmente por este grupo demonstram que os surdos
vivem na sociedade como desviantes (BECKER, 1977).
A identidade do sujeito surdo e sua afirmação como membro de um grupo
distinto dentro da sociedade está diretamente ligada à aceitação de sua diferença por sí
mesmo e pelo outro. Essa aceitação é necessária, pois na medida em que o indivíduo
admita ou aprove a sua diferença ele pode melhorar suas condições emocionais, como
auto-estima e segurança, requisitos necessários para qualquer ser humano se incluir no
meio em que vive e interagir com este de maneira saudável.
A identidade cultural não é genética, nem biológica, o que acontece é absorção
da cultura e dos costumes aprendidos ao longo da vida que acabam sendo fixados na
identidade da pessoa como membro de uma sociedade (HALL, 1992).
Segundo Gruzinski (2001), o que temos para fazer no começo de tudo seria uma
aceitação da própria natureza, para que então depois possam compreendê-la. “Aceitar
em sua globalidade a realidade mesclada que temos diante dos olhos é um primeiro
passo” (p.22). O compreender o “outro’ faz parte do crescimento de uma sociedade, e
tal crescimento cultural não deve criar obstáculo, tornando a cultura do próximo
incompreensível. Assim como explica Junqueira (1991).
De modo similar, é possível identificar o amadurecimento de uma sociedade
pela qualidade que ela desenvolve de entender as demais. Em lugar de fazer
com que seus próprios hábitos e valores atuem como empecilho ao
conhecimento, ela se lança na fascinante aventura de tentar compreender o
diferente, o outro (p.11)
Tais conceitos, envolvidos pelos estudos do multiculturalismo, praticam a
tentativa de interação das diversidades e identidades culturais, como uma política da
diferença. Já que segundo Silva (2000) a sociedade hoje “obriga” seus membros a tomar
partido de uma posição cultural.
28
Atualmente, as produções midiáticas reproduzem o olhar da sociedade e tratam o
surdo a partir do ponto de vista da “normalidade”. Como se os surdos fossem encarados
pela sociedade através de uma concepção de normalidade, que insiste em tornar igual o
diferente, legitimando um discurso de normalização através de afirmações que os surdos
podem desenvolver atividades assim como os ouvintes, sem levar em consideração suas
especificidades. A sociedade destaca formas de representação identitárias derivadas de
regimes de verdade, ao mesmo tempo em que cria um discurso carregado de preconceito
mascarado, assim como constatou Thoma (2003) em sua pesquisa.
Os discursos sobre a surdez que se apresentam nos jornais impressos, na
mídia televisiva e na produção cinematográfica, assim como grande parte dos
discursos que têm nomeado o surdo ao longo dos tempos, representam-no
quase sempre como espetáculo. Não há uma linearidade na maneira como os
surdos são representados na mídia, mas uma representação espiral,
descontínua, que apresenta idas e vindas, avanços e retrocessos. As
representações vão sendo, assim, criadas e legitimadas, produzindo efeitos de
sensibilização aos limites que os surdos encontram no mercado de trabalho,
na vida escolar e diária e/ou efeitos de superestimação, considerando os
surdos capazes de realização na trajetória escolar, profissional, afetiva, social,
familiar, apesar da deficiência. O que menos se percebe (ao menos por
aqueles que não convivem frequentemente com membros desta comunidade)
é que tanto em um caso como em outro, o preconceito é o que aparece em
primeiro plano (p.9).
Com o preconceito e a marginalização da identidade surda, o direito à
escolarização do surdo fica comprometido e cada vez mais os surdos ficam socialmente
isolados. A interação social, como elemento constituinte do processo de ensino-
aprendizagem tem de ser repensada no caso dos surdos e sugestões que favoreçam a
língua de sinais e a interação com os ouvintes devem ser lançadas para melhorar a
qualidade de ensino para os surdos, é como considera Marchesi (2004) em seu estudo,
Conseqüências favoráveis que são mais difíceis de obter, se a criança tiver
que se adaptar a modelos educacionais que foram criados pensando-se,
exclusivamente, nas crianças ouvintes (p.215).
Com base no estudo de Tartuci (2005) podemos indicar as preocupações com
relação a interação do sujeito surdo dentro de sala de aula, incluídos em classe comum
na rede regular, onde a pesquisadora identificou a dificuldade de comunicação entre
alunos surdos e professor durante as aulas que, segundo a sua observação, levavam em
conta apenas a presença e participação dos ouvintes.
29
(...) a experiência escolar desses alunos, que se resumia à realização contínua
de exercícios mecânicos (sobretudo cópias) em detrimento de uma
aprendizagem efetiva. Por outro lado, a participação “correta” do surdo nos
rituais de aula, ao fazer (na aparência) o que os outros faziam, possibilitava a
todos o ocultamento da diferença/surdez (p.10)
Trabalhar o surdo utilizando recursos visuais adequados aos seus sentidos, à sua
capacidade de relacionar-se com o outro e que amplie a noção de representação de
mundo e possibilidades é um direito. As informações diárias sobre tudo o que acontece
no mundo, as produções artísticas, como novelas, minisséries e filmes, são produções de
direito dos surdos. Os horários políticos, os programas de auditório, os de
entretenimento e os educativos. Ou seja, tudo o que é veiculado na televisão deve estar
acessível a toda a comunidade surda, para que ela, assim como outros grupos de
telespectadores, escolham o que querem, devem ou não assistir e assimilar. A escola,
pensando em novas propostas de práticas pedagógicas deve levar em conta o surdo
como um telespectador e incluir em seu currículo atividades que utilizem e valorizem
este fato. Não se trata de encarar a televisão como a solução para a educação de surdos,
mas simplesmente um recurso de direito do surdo que oferece cultura e um mundo de
novas possibilidades. Assim como pensa Skliar (2005),
Os estudos surdos em educação devem, no meu entendimento, gerar quatro
níveis de reflexão:
Um nível de reflexão sobre os mecanismos de poder/saber, exercidos
pela ideologia dominante na educação dos
surdos – o oralismo ou, melhor ainda, o ouvintismo – desde suas origens até
os dias atuais;
Um nível de reflexão sobre a natureza política do fracasso educacional
na pedagogia para os surdos, visando a uma redefinição do problema;
Um nível de reflexão sobre a possível desconstrução das metanarrativas
e dos contrastes binários tradicionais na educação dos surdos;
Um nível de reflexão acerca das potencialidades educacionais dos
surdos que possa gerar a idéia de um consenso pedagógico (p.15).
O desenvolvimento e aperfeiçoamento do modo de aprendizagem deste grupo
minoritário da sociedade dependem, em parte, de um repensar a história da educação
dos surdos e identificar suas dificuldades para que se utilizem novos métodos capazes
de considerar suas especificidades e estimular suas potencialidades.
30
2.2 Telelibras
A ONG Vez da Voz existe desde 2004 e foi criada com o objetivo de promover
a interação entre crianças e adultos com diferenças por meio de atividades lúdicas,
produção de materiais didático (livros e vídeos), palestras e eventos em escolas,
universidades, shoppings e empresas. A ONG acredita que por meio dessas atividades a
sociedade se conscientizará que existem formas de comunicação integradas,
independente das condições específicas de cada indivíduo. Outras instituições e órgãos
comprometidos com a responsabilidade social apóiam e assinam parceria com a ONG,
como é o caso da Organização das Nações Unidas (UNESCO), Fundação Educar,
Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de SP (SEPED),
Prefeituras e Secretarias de Educação de Campinas, São Paulo, Jacareí, Franca, Belo
Horizante, Coordenadoria dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CORDE), Fundação
Dorina Nowill para cegos, Associações de Paes e Amigos dos Excepcionais (Apaes), e
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS).
Um dos trabalhos da Vez da Voz é desenvolver pesquisas com o objetivo de
descobrir as necessidades do dia a dia das pessoas com alguma diferença. Foi através de
uma dessas pesquisas, quando alguns surdos, hoje jornalistas que atuam no Telelibras,
explicaram à coordenadora sobre a dificuldade que tinham de entender os telejornais e a
necessidade de saber das notícias diárias que surgiu a necessidade de criar um telejornal
inclusivo. A partir daí os membros da Vez da Voz desenvolveram o Telelibras. Neste
telejornal o jornalista-repórter tem ao seu lado, no mesmo plano, um surdo que conta a
reportagem em Libras. O programa se trata de uma produção local, da cidade de
Campinas, formato de telejornal, gravado em estúdio com cenário simples, apenas com
fundo azul.
Segundo a coordenadora do projeto que concedeu entrevista para este estudo, as
principais dificuldades encontradas pelos surdos para o acesso à informação jornalística
são:
A maioria dos surdos não é oralizada e, portanto, não compreende o
português. São raras as produções jornalísticas em datilologia (alfabeto
manual usado pelos surdos). Apenas alguns telejornais da TV aberta
disponibilizam o sistema de transmissão de legendas, as legendas são em
português, com erros e a velocidade da escrita é rápida. Quase não existem
telejornais com a presença dos intérpretes de Libras, os poucos exemplos são
o See Hear (BBC Inglesa), o Jornal Visual (TVE) e TV do Japão. Quando são
31
disponibilizadas, as janelas estão em formato inadequado, são muito
pequenas, assim, os deficientes auditivos dependem sempre dos outros para
entenderem o que acontece no Brasil e no mundo
3
O projeto foi elaborado para ser veiculado semanalmente na internet e o
primeiro Telelibras foi postado no site da ONG em fevereiro de 2007. Com um ano de
existência, o Telelibras, primeiro telejornal bilíngüe, foi ao ar na internet com 62
programas gravados em estúdio e 20 externas (matérias jornalísticas realizadas na rua).
No programa trabalham 18 profissionais, todos voluntários. Todos os
investimentos e gastos com a produção são das pessoas que estão envolvidas no projeto
e que acreditam estarem criando uma mídia para uma comunidade excluída. O
Telelibras, gravado em estúdio, envolve dois assessores surdos, uma fonoaudióloga, três
intérpretes de Libras, quatro jornalistas, uma atriz, um professor de jornalismo, um
editor de imagens e um profissional que insere os vídeos no site. O Telelibras, externo,
é formado por um repórter com síndrome de Down, um repórter tetraplégico, dois
repórteres cegos e dois repórteres surdos.
O Telejornal procura a inclusão de pessoas com variadas diferenças, mas é
voltado para o público surdo. O formato do telejornal chama atenção por se assemelhar
aos grandes telejornais convencionais, com inovações que procuram atender as
especificidades da comunidade surda. Os boletins de notícias têm cinco minutos de
duração e abordam notícias variadas do Brasil e do mundo em todas as áreas: política,
esporte, economia, cultura, emprego, atualidades e inclusão social. O intérprete de
Libras – Português não ocupa as pequenas janelas, comumente vistas na televisão. O
profissional divide a cena com o apresentador. O telejornal pode ser acessado em
qualquer lugar do mundo pela internet, na página da ONG Vez da Voz e pelo Sistema
Thathi de Comunicação. A meta é transmiti-lo por outras emissoras de televisão.
Segundo a coordenadora, a luta da ONG para que mais emissoras cedam espaço e
consigam subsídios para as produções do Telelibras é interminável. Muitos dirigentes
de emissoras elogiam o trabalho, mas não concedem horários para veicular o programa.
É o que mostra o depoimento da coordenadora:
Queremos atingir ao número máximo de surdos, fazer uma mídia democrática
e manter os surdos informados, conscientes sobre o que acontece no Brasil e
no mundo. Também desejamos difundir a mídia e a inclusão. Nosso ideal é
termos uma redação com o Telelibras diário, de vários locais do Brasil,
repórteres com deficiência que ganhariam salário para trabalhar e queremos
3
Cláudia Cotes, coordendora do Telelibras, em entrevista para a autora do presente estudo.
32
gerar conteúdo para plataformas diferentes: internet, TV e celular. São sonhos
que esperamos, que num futuro próximo, virem realidade. Eu cheguei a falar
com o presidente da TV Cultura, várias pessoas de TV Globo já sabem da
idéia, já falamos com a TV Senado, já falei com o pessoal da Secretaria da
Cultura de SP, mas nada de concreto, só muito parabéns, parabéns, e nada de
concreto. Na verdade, a TV não se interessa por pessoas com deficiência. É
uma mídia que não busca educação pela diversidade. A audiência e o poderio
econômico vêm em primeiro lugar. Eles não sabem o público que estão
deixando de atingir. Infelizmente, a grande verdade é que o surdo é
esquecido. Ninguém pensa neles, dentre todas as deficiências, eles são os
menos assessorados
4
As tentativas de transmitir o programa na televisão começaram a ser
concretizadas em outubro de 2007, quando o diretor do Sistema THATHI de
Comunicação de Ribeirão Preto assistiu ao Telelibras na internet e entrou em contato
com a representante da ONG pedindo para divulgar o Telelibras na emissora. Ribeirão
Preto é a única cidade do Brasil que veicula um jornal para surdos na televisão.Por
menor que seja o alcance do Telelibras, através da emissora em Ribeirão Preto, o
primeiro passo para acessibilidade já foi dado. O exercício da cidadania do surdo e a
contribuição para a perspectiva de inclusão pela emissora de Ribeirão Preto é um
exemplo que deve ser levado em conta por mais emissoras. Ainda há muito que
percorrer, mas o projeto Telelibras é a concretização de que o surdo se interessa pela
televisão e pode usá-la para melhorar a sua relação com o mundo que está inserido.
Assim como descreve Cotes (2007, online):
A acessibilidade na comunicação é fator muito importante para o pleno
exercício da cidadania do surdo e contribui para uma melhor integração e
inclusão do mesmo. O direito à informação antecede a prática dos direitos
humanos, e se constitui no direito-síntese dos direitos sociais. A organização
das Nações Unidas (ONU) enfatiza, como fundamentais, o direito à
informação e o direito à comunicação, que são essenciais para o exercício da
cidadania. A informação é um dos direitos mais preciosos do homem e deve
ser oferecida igualmente a todos, de modo claro, impessoal, preciso, sem
direcionamentos e sem interesses ocultos. O Telelibras poderá ser útil tanto
para o surdo quanto para o ouvinte que deseja aprender a Libras. O formato
do Telelibras, com o apresentador e o intérprete, lado a lado, representa a
igualdade entre ambos. Como tem a missão de promover a interação das
pessoas com e sem deficiência, a ONG Vez da Voz desenvolveu um produto
de qualidade para permitir esse preceito e ajudar a garantir os direitos dos
cidadãos (p.9)
Quanto aos resultados obtidos, a emissora THATHI informou que o Telelibras
ainda não permaneceu no ar tempo suficiente para uma avaliação precisa da emissora
quanto a sua audiência, mas informou que a emissora tem recebido ligações
4
Cláudia Cotes, coordenadora do Telelibras, em entrevista para a autora deste estudo.
33
parabenizando o programa, principalmente de familiares de surdos. Já no site, é possível
medir o acesso dos internautas. Segundo Cláudia Cotes
5
, a página da ONG Vez da Voz,
recebia, em média, cinco mil acessos mensais. Depois da implantação do jornal, o
número saltou para mais de três mil visitas em apenas 15 dias. Atualmente recebem, em
média, dez mil visitas por mês. Além dos internautas que deixam comentários no site,
como a coordenadora conta na entrevista,
Recebemos parabéns de surdos de outros países, como: Portugal, Chile e
saímos em um blog japonês. Do Brasil há surdos de Fortaleza, Sul, RJ que
nos escrevem. Tem surdo do interior da Bahia que vai no Cyber assistir ao
jornal. E tem vários professores que utilizam em aulas. Também soubemos
que funcionários da Caixa Econômica utilizam o Telelibras para estudar
Libras. Recebemos homenagem dos surdos e agradecimentos no ano passado.
Sites educativos pediram parceria da ONG para a divulgação do Telelibras
em suas páginas. A lista de contatos da ONG aumentou, visto que vários sites
voltados à deficiência auditiva passaram a ser contatados para a divulgação
do Telelibras. Constantemente, um aviso dos novos boletins é enviado a este
grupo para que haja uma fidelidade deste público
6
Ao final da entrevista, para entender qual o olhar da ONG e de sua representante
sobre a comunidade surda, foi questionado sobre a forma como a entrevistada se referia
ao surdo e se ela via o surdo realmente como um deficiente auditivo. Segundo o
depoimento, nem ela nem os membros da ONG vêem o surdo do ponto de vista da
anormalidade, ou seja, da deficiência. Ela usa o conceito “deficiente auditivo” por que
julga que na comunidade surda existe uma divisão entre surdos que são oralizados e
preferem ser chamados de deficientes auditivos e os surdos sinalizadores que preferem
ser chamados de surdos. É o que ela explica em seu depoimento:
Vemos a pessoa surda como igual a nós, apenas diferente por não ouvir. A
maior dificuldade é a comunicação. Vemos a comunidade surda dividida, ou
seja, há pontos de vista bem divergentes. Surdos oralizados querem ser
chamados de deficientes auditivos, surdos que falam a Libras só desejam ser
chamados de surdos. Na ONG há surdos que só falam Libras, surdo
oralizado, ou melhor, pessoa com deficiência auditiva, e surdo que é
oralizado e se comunica em Libras. Convivemos com todos, respeitamos suas
diferenças e mostramos aos outros que todos somos diferentes. Na verdade,
nós não focamos se é certo falar a Libras ou ser oralizado. Acreditamos que
5
Durante a entrevista e no site da ONG é perceptível que se referem ao surdo, na grande maioria das
vezes, como deficiente. Aqui, neste estudo, onde procuramos preservar a identidade surda e não trata-lo
do ponto de vista da deficiência, preservei as falas da entrevistada e o conceito que usou para se referir ao
surdo.
6
Cláudia Cotes, coordenadora do telelibras, em entrevista para a autora deste estudo.
34
cada um tem uma história de vida e uma forma de se desenvolver.
Respeitamos a diferença e forma de se comunicar de cada um. Quando
visitamos empresas, levamos surdos que se comunicam de diferentes
maneiras. Eles falam sobre suas dificuldades e formas de se comunicar. Em
nossa ONG, o importante é o surdo ou pessoa com deficiência auditiva se
sentir feliz e integrada. Assim também agimos com os cegos, downs,
cadeirantes, sem preconceitos
7
A Telelibras, como aqui apresentado, pode ser vista como uma das possíveis
alternativas de inclusão e participação social do surdo na mídia televisiva. Outras vias
de inclusão são utilizadas pela televisão, como as ferramentas de acessibilidade Close
Caption e Janela de Libras.
2.3 Ferramentas de acessibilidade: Close Caption e Janela de Libras
No dia 09 de março de 2006 uma consulta pública referente à Norma
Complementar sobre acessibilidade nos serviços de radiodifusão aprovou uma norma da
Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT), que tem como objetivo garantir
aos surdos, segundo eles deficientes sensoriais, os recursos para acessar o conteúdo
disponibilizado na televisão aberta.
O documento coloca a obrigatoriedade de inclusão da legenda oculta,
audiodescrição, dublagem e janela com intérprete de Libras na programação. O
cumprimento da Norma é destinado às pessoas jurídicas que possuem concessão ou
autorização para explorar o serviço de radiodifusão de sons e imagens e as que possuem
permissão para explorar o serviço de retransmissão de televisão, subsidiada ao serviço
de radiodifusão de sons e imagens.
Sobre a janela com intérprete de Libras, a Norma (2008, online) dispõe que:
[...] os programas políticos, eleitorais, noticiosos, jornalísticos, educativos,
campanhas institucionais e informativos de utilidade pública, bem como
debates e entrevistas, deverão conter janela com intérprete de Libras, para
permitir sua compreensão por pessoas com deficiência auditiva ou por
pessoas que não compreendam ou não tenham fluência no Português escrito
(p.10)
7
Idem.
35
Segundo a Norma, os surdos são considerados pessoas que precisam de acesso à
informação e ao entretenimento proporcionado pela televisão. Isso, segundo a Norma,
representa “facilitar a surdos, estrangeiros residentes no país e pessoas semi-analfabetas
a aquisição da língua portuguesa escrita”, além de possibilitar o exercício da cidadania
aos usuários da Língua Brasileira de Sinais.
Em momento algum a Norma (2008, online) faz referência ao tipo de linguagem
que deverá ser usado para o close caption, se a tradução deverá ser na íntegra e escrito
exatamente o que está sendo emitido pelo áudio ou se deverá ser elaborada uma síntese
que proporcione entendimento da imagem. Mas descreve algumas diretrizes que devem
ser seguidas, como:
Nas abreviaturas deve ser adotada a nomenclatura padrão usada para a língua
portuguesa. No sistema CC
8
ao vivo, o texto das legendas deve ter no mínimo
98% de acerto, no sistema CC pré-gravada, o texto das legendas deve ter
100% de acerto. No sistema CC ao vivo, as legendas devem ser alinhadas à
esquerda. No sistema CC pré-gravada, as legendas podem estar alinhadas na
parte central da tela, à esquerda ou à direita, dependendo da posição do
falante. Devem obedecer ao alinhamento que melhor informar ao
telespectador. Devem ser adotados caracteres na cor branca, por permitir
maior eficácia na leitura. A tipologia deve dispor de todos os caracteres da
língua portuguesa, incluindo acentos. A fonte deve ser determinada pelo
fabricante do circuito integrado para o decodificador, seja periférico ou
embutido no aparelho televisor. Os caracteres maiúsculos e minúsculos, ou
somente maiúsculos, devem estar centralizados em relação à tarja, de modo a
permitir a acentuação, a cedilha e a inscrição das letras G, J, P, Q e Y, sem
que sejam alterados o tamanho e o alinhamento horizontal do caractere. Cada
linha deve apresentar no máximo 32 caracteres. Para o fundo, deve ser
adotada a tarja preta, proporcionando ótimo contraste, facilitando a leitura e
garantindo a visibilidade. NO sistema CC ao vivo, o operador ouve antes e
depois envia o texto, logo pode ser tolerado um atraso máximo de quatro
segundos. Devem ser transcritos e indicados entre colchetes todos os sons não
literais, importantes para a compreensão do texto. Quando houver
informações simultâneas de fala e sons não literais, a fala deve estar
posicionada próxima ao falante e o som não literal deve vir informado entre
colchetes. Quando a situação cênica não permite a identificação sobre quem
está falando, ou o personagem está fora de cena, o nome do personagem ou
algum tipo de informação que o identifique deve ser informado entre
colchetes (p.14)
As diretrizes para a janela de Libras indicam, entre outras coisas, que o local
onde será gravada a imagem do intérprete deve ter espaço para que ele não fique colado
ao fundo, evitando sombras, iluminação suficiente e adequada para que a cena tenha o
intérprete e o fundo com qualidade visual, marcação no solo para delimitar o espaço de
movimentação do intérprete. Na janela os contrastes devem ser nítidos entre o plano de
8
CC – abreviação de Close Caption.
36
fundo e os elementos do intérprete. O foco deve abranger toda a movimentação e
gesticulação do intérprete, além de ter iluminação adequada sob o intérprete para evitar
sombras nos olhos ou ofuscamento. A altura da janela deve ocupar, no mínimo, metade
da altura da tela do televisor. A largura da janela deve ter, no mínimo, a quarta parte da
largura da tela do televisor. O recorte deve ser localizar de modo a não ser encoberto
pela tarja preta da legenda oculta. No recorte não devem ser incluídas ou sobrepostas
quaisquer outras imagens.
Considerando essas alternativas de acesso da comunidade surda à televisão, ou
seja: telelibras, close caption, janela de Libras e acompanhamento nacional legendado,
como acontece em filmes estrangeiros, é importante conhecer as relações entre surdos,
televisão e escola, isto é, como o surdo vê a televisão na sua vida e como a escola tem
aproveitado a televisão na escolarização do aluno surdo, na perspectiva de professores
de surdos e de surdos adolescentes e adultos sinalizadores.
37
CAPÍTULO III - MÉTODO
Essa pesquisa se constituiu por um trabalho de campo com abordagem
qualitativa. Segundo Minayo (2000) esse tipo de pesquisa se caracteriza pelo recorte
espacial teórico correspondente à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico
correspondente ao objeto de investigação. Por exemplo, como os surdos se relacionam
com a televisão.
A pesquisa de campo estabelece uma relação de interação social com o
pesquisador e a abordagem qualitativa foi significativa no sentido de tratamento à
subjetividade dos dados. De acordo com Bodgan & Biklen (1994) a abordagem
qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados que são coletados de
forma descritiva, assim, o processo de obtenção de dados tem grande relevância e o
significado empregado pelo entrevistado às questões de sua vida são os focos que
atraem a atenção do pesquisador.
De acordo com Minayo (2000), o trabalho de campo precisa estar baseado em
referenciais teóricos e dos aspectos práticos que envolvem as questões pesquisadas.
Como explica:
Não se pode pensar um trabalho de campo neutro. A forma de realiza-lo
revela as preocupações científicas dos pesquisadores que selecionam tanto
os fatos a serem coletados como o modo de recolhe-los. Esse cuidado faz-
nos lembrar mais uma vez que o campo social não é transparente e tanto o
pesquisador como os atores, sujeitos-objeto da pesquisa interferem
dinamicamente no conhecimento da realidade (p.107)
A base para o presente trabalho é a visão sócio antropológica de surdez, que
entende o surdo como um ser visual, bilíngüe e bicultural. É bilíngüe porque tem como
primeira língua a língua de sinais e, como segunda, o português escrito. É bicultural
porque transitam nas culturas surda e ouvinte.
O método deste estudo será explicitado na seqüência: participantes, equipamento
e material, instrumento, procedimento de coleta de dados e procedimento de análise de
dados.
38
3.1. Participantes
Participaram deste estudo um grupo de oito professores de surdos e oito surdos
adultos sinalizadores.
Os professores tinham idade entre 20 e 31 anos, das cidades de Ribeirão Preto e
Campinas. Para identificá-los ao longo do processo de análise, foi usado a sigla P e um
número correspondente à cada entrevistado. Assim, temos: P1 (primeiro professor
entrevistado), P2 (segundo professor entrevistado) e assim, sucessivamente, até o oitavo
professor entrevistado.
O primeiro participante - P1 tinha 26 anos na época das entrevistas, professor de
uma escola pólo de Ribeirão Preto onde trabalhava com aproximadamente 15 surdos
entre 9 e 17 anos. Possuía os cursos magistério e pedagogia e falava fluentemente a
Língua Brasileira de Sinais – Libras.
O segundo participante – P2 tinha 29 anos, professor da mesma escola pólo do
primeiro participante – P1, mas trabalhava com quatro surdos entre 17 e 19 anos.
Também formou-se em pedagogia e falava fluentemente a Língua Brasileira de Sinais –
Libras.
O terceiro participante – P3 tinha 27 anos, professor da mesma escola pólo dos
dois primeiros participantes, trabalha com surdos de 6 a 15 anos. Formado em
pedagogia e também falava fluentemente a Língua Brasileira de Sinais – Libras.
O quarto participante – P4 tinha 27 anos, professor de uma escola estadual de
Campinas e trabalha com surdos de 10 a 16 anos. É formado em pedagogia, possui
cursos de extensão preparatórios na área de educação e curso de Língua Brasileira de
Sinais - Libras.
O quinto participante – P5 tinha 20 anos, professor de uma escola estadual da
periferia de Campinas e trabalhava com uma sala de aproximadamente 25 ouvintes e
dois surdos. Cursa pedagogia e estava terminando o curso de Língua Brasileira de
Sinais – Libras.
O sexto participante – P6 tinha 29 anos, professor da mesma escola estadual que
o quarto participante – P4. Trabalha com surdos de 15 a 19 anos. Possui magistério,
pedagogia e fala fluentemente a Língua Brasileira de Sinais - Libras.
O sétimo participante – P7 tinha 20 anos, professor particular de dois irmãos
surdos que estudam em escola particular, em classes especiais, da cidade de Campinas.
Os dois alunos surdos possuem 13 e 16 anos. O professor é estudante de direito e fala
39
fluentemente a Língua Brasileira de Sinais – Libras que aprendeu através do contato
com o irmão surdo.
O oitavo participante – P8 tinha 31 anos, professor de uma classe
especial de uma escola Estadual de Campinas. O professor trabalha com deficientes
físicos, jovens com problemas de aprendizado, problemas de comportamento e com 3
alunos surdos entre 10 e 15 anos. Formado em pedagogia e estudante do curso de
Língua Brasileira de Sinais – Libras.
Os surdos entrevistados foram identificados da mesma maneira que os
professores. Dessa forma, temos o primeiro surdo entrevistado, S1, o segundo surdo
entrevistado, S2 e assim sucessivamente. Os surdos entrevistados são maiores de 18
anos, das cidades de Ribeirão Preto e Campinas. A tabela abaixo revela as
características de cada um deles.
TABELA 1 – Caracterização dos participantes surdos
Entrevistados Idade/Anos Escolaridade Fluente
em Libras
Cidade em
que residem
S1
21 Graduação em
Pedagogia
SIM Rib. Preto
S2
22 Graduação em
Letras
SIM Rib. Preto
S3
20 Graduação em
Pedagogia
SIM Rib. Preto
S4
19 7ªsérie. SIM Campinas
S5
23 Ensino Médio SIM Campinas
S6
18 7ªsérie. SIM Campinas
S7
24 Graduação em
Letras
SIM Campinas
S8
17 Ensino Médio SIM Campinas
Todos os surdos entrevistados fazem parte da comunidade dos surdos e
freqüentam espaços como o CAS (Centro de Formação de Profissionais da Educação e
de Atendimento às Pessoas com Surdez), ONG Vez da Voz (Campinas), Associação de
Bairros e pontos de encontro entre surdos para socialização.
40
Os surdos entrevistados usam tecnologias diferenciadas como internet e utilizam
telefone especial.
A pesquisadora, que não é fluente em sinais, trabalhou junto com intérpretes que
mediaram as entrevistas preparadas anteriormente. As entrevistas foram filmadas.
3.2. Equipamento e material
Os dados foram coletados por meio de entrevista previamente elaborada e
testada com ouvinte, visando eliminar possíveis ambigüidades. Foram utilizados
também termo de consentimento e uma câmera filmadora portátil, um tripé e fitas de
vídeo para filmar as entrevistas.
3.3. Instrumento
Os roteiros em suas formas finais são apresentados a seguir.
Roteiro de Entrevista com o participante surdo:
1. Você assiste à televisão?
2. Em que período?
3. Quantas horas por dia?
4. Quantos dias na semana?
5. Quais os canais que você gosta? Por quê?
6. O que eles tem que despertam o seu interesse?
7. Indique o nome de três programas que você goste. Por quê?
8. O que você vê na televisão você discute com seus amigos e familiares?Dê um
exemplo.
9. Em sua casa, a sua família costuma comentar o que vê na televisão? Como?
10. Existe algum programa da televisão que você gosta de assistir com os seus
amigos (a)?
11. Você usa as informações da televisão na sua vida? Você pode dar um exemplo?
12. Você se lembra de ter comentado algum assunto que viu na televisão quando
estava na escola, quando?
13. Os seus colegas falam sobre assuntos que viram na televisão na escola?
14. O que você pensa sobre a televisão? Por quê?
15. A televisão te ajuda em alguma coisa?
16. Como você entende a programação da tv?
17. Você utiliza close caption para assistir a televisão?Por quê?
18. O que você acha desse recurso?
19. (Se o telespectador surdo criticou o recurso close caption) O que poderia mudar
para que o recurso se torne mais adequado ao surdo?
20. Em época de eleição, você assiste o horário de campanha eleitoral gratuita?
21. Você utiliza o recurso da janela de Libras? Por quê?
22. (Se utiliza) O que você acha desse recurso?
41
23. (Se o telespectador surdo criticou o recurso) O que deveria mudar para que o
recurso se torne mais adequado ao surdo?
24. Você quer falar mais alguma coisa a respeito?
Entrevista com os professores dos surdos:
1. Você assiste à televisão?
2. Em que período?
3. Quantas horas semanais?
4. Quantos dias na semana?
5. Quais os canais que você gosta? Por quê?
6. O que eles tem que despertam o seu interesse?
7. Indique o nome de três programas que você goste. Por quê?
8. O que você vê na televisão você discute com seus amigos e familiares?
9. Em sua casa, a sua família costuma comentar o que vê na televisão?
10. Existe algum programa da televisão que você gosta de assistir com os seus
amigos (a)?
11. Você usa as informações da televisão na sua vida? Como?
12. Você discute o conteúdo informativo da televisão em suas aulas, com os alunos
surdos?
13. (se sim) Os seus alunos surdos demonstram interesse quando você faz referência
ao conteúdo televisivo?
14. (se não) Você acredita que isso seria uma alternativa para enriquecer o conteúdo
das suas aulas? Por que?
15. O que você pensa sobre a televisão?
16. O seu aluno surdo comenta fatos vistos na televisão com você. Pode dar
exemplo?
17. A televisão te ajuda em alguma coisa?
18. Você quer falar mais alguma coisa a respeito?
3.4 Procedimento de coleta de dados
No estudo foram utilizadas as entrevistas semi – estruturadas. Entende-se que
nos tipos de entrevistas aqui propostos foi possível estabelecer uma conexão ou
uniformidade e desta forma traçar um comparativo entre os depoimentos levantados
pelos surdos e professores de surdos.
O objetivo deste procedimento foi realizar uma análise evitando assim qualquer
tipo de redundância ou superficialidade, limitando as possibilidades de erro ou
interpretação do entrevistado. A finalidade é estabelecer uma comparação entre relatos
42
similares e diferentes para chegar às conclusões relacionadas ao tema deste estudo.
(DUARTE & BARROS, 2006, p.72)
As entrevistas foram feitas de forma individual com roteiro previamente
elaborado. Para entrevistar os surdos e os professores a pesquisadora entrou em contato
com pessoas que se relacionam com surdos em seu trabalho. Essas pessoas indicaram e
apresentaram os surdos para a pesquisadora.
A presente pesquisa foi realizada nas cidades de Ribeirão Preto e Campinas,
ambas do interior do Estado de São Paulo. Cada entrevistado concedeu a entrevista no
local de mais facilidade para ele, assim, a pesquisadora ia ao encontro do entrevistado
no local e no horário que ele determinava. Segue abaixo a lista com o local onde cada
um foi entrevistado.
Professores:
P1 – Ribeirão Preto
A entrevista com o primeiro professor foi realizada na sala de aula, durante o
período da aula.
P2 – Ribeirão Preto
A entrevista com o segundo professor também foi dentro da sala de aula,
enquanto os alunos trabalhavam em outras atividades.
P3 – Ribeirão Preto
A entrevista com o terceiro professor foi na sala dos professores da escola em
que ele trabalha, fora do horário de aula.
P4 – Campinas
O quarto professor entrevistado foi encontrado através de contatos com pessoas
na Organização Não Governamental Vez da Voz e ele forneceu a entrevista para este
estudo fora do horário de seu trabalho, em sua casa.
P5 – Campinas
43
A entrevista com o quinto professor foi realizada na Organização Não
Governamental Vez da Voz, entidade da qual participa.
P6 – Campinas
O sexto professor foi entrevistado em sua própria casa, pois a escola em que
trabalha não autorizou que ele realizasse a entrevista em seu local de trabalho. Esta
informação foi divulgada no estudo seguindo o pedido do entrevistado. Afinal, segundo
o P6 – “a escola é incoerente com o trabalho idealizado pelos professores. Pois a tentativa de
melhorar as condições dos surdos são sempre barradas pela coordenação da instituição”.
P7 – Campinas
A entrevista com o sétimo professor foi realizada em sua casa, na sala em que
trabalha com os alunos surdos.
P8 – Campinas
A entrevista com o oitavo professor foi realizada em sua casa.
Surdos:
S1, S2 e S3 – Ribeirão Preto
As entrevistas com os três primeiros entrevistados foram realizadas no mesmo
dia, uma em seqüência da outra, intermediada pela mesma intérprete e aconteceu no
CAS – Centro de Atendimento as pessoas com surdez.
S4, S5, S6, S7 e S8 - Campinas
A entrevista com os demais surdos foi realizada no mesmo dia na ONG Vez da
Voz. Os dois primeiros surdos foram entrevistados pela manhã e os três seguintes
durante à tarde. Todas as entrevistas foram mediadas pela mesma intérprete, a jornalista
responsável pelo Telelibras, telejornal já mencionado neste estudo.
44
3.6 Procedimento de análise de dados
Os dados das entrevistas foram transcritos pela pesquisadora, lidos pela mesma e
para a análise foram definidos temas e sub-temas considerados relevantes para atingir o
objetivo do estudo.
A análise se fundamentou na concepção de que as relações humanas são
intersubjetivas e podem apresentar, em seus discursos, suas experiências de vida em
suas múltiplas formas (Cruz, 2007).
Os dados foram analisados qualitativamente, relacionando os depoimentos com
a fundamentação teórica do estudo. Os métodos qualitativos “tendem a suscitar uma
linguagem metafórica e, conjuntamente, produzem um conhecimento científico de perfil
diferente daquele que se obtém comtodos quantitativos e linguagem técnica”
(Santos, 1989, p.116).
Os temas e subtemas selecionados foram:
1. Como os professores de surdos assistem à televisão.
2. Como os professores utilizam as informações absorvidas na televisão.
3. A relação entre o professor de surdo, as informações absorvidas na televisão e o
surdo.
4. O que os professores pensam à respeito da televisão.
5. Como os surdos assistem televisão
6. A relação entre os surdos e os programas televisivos
7. O surdo, a relação entre as informações televisivas e a sociedade que estão
inseridos
8. O surdo e o uso das informações da televisão na escola.
9. O pensamento do surdo sobre a importância da televisão em sua vida.
10. O pensamento dos surdos com relação à legenda,
11. O pensamento dos surdos com relação ao uso da janela de Libras.
12. Opiniões de surdos que tiveram vontade de se manifestar sobre o tema da
pesquisa.
45
CAPÍTULO IV – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados obtidos nas entrevistas serão apresentados em tabelas e quadros e
analisados sob o referencial sócio-antropológico da surdez.
Por questão de organização, estão dispostos primeiro os dados das tabelas,
quadros e análise das entrevistas dos professores dos surdos e depois, estão dispostos os
dados das tabelas, quadros e análise das entrevistas dos surdos. Na discussão
apresentada sobre os dados dos surdos, já se encontra relação com os dados dos
professores, buscando fazer a triangulação dos mesmos.
– Análise dos dados coletados por meio dos professores de surdos
A seguir estão apresentadas as tabelas, os quadros e a relação entre dados e
fundamentação teórica das entrevistas dos professores de surdos.
.
TABELA 2 – Como o professor assiste TV.
Questões Respostas dos entrevistados Síntese dos depoimentos
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
Assiste TV?
pouco sim sim
sim sim sim sim sim Sim 7
Pouco - 1
Em qual
período?
noite noite noite noite noite Horários
variados
noite noite Noite – 7
Horários variados - 1
Quantas
horas
semanais?
3 15 5 10 5 Não
sabe
10 10 Assistem, em media, 7
horas por semana.
Quantos
dias
semanais?
3 5 5 5 7 7 7 5 Assistem, em media, 6
dias por semana.
Quais os
canais
preferidos?
Nat
geo
Globo
Recórd
Cultura
Globo
Recórd
Cultura
Globo
Clube
Cultura
Globo
Discovery
Globo
Universal
Canal
local e à
cabo
Globo
Cultura
Discovery
Globo
À cabo
Cultura
TV à Cabo – 6
TV Aberta - 16
Globo – 7
Cultura – 5
Recórd – 2
Clube – 1
Canal Local – 1
Por que a
preferência?
Informa
ção
Informaçã
o e
Cultura
Entrete-
nimento
Programas
Educati-
vos
Conteúdo
Reflexivo
Entrete-
nimento
Progra
mas
Educati-
vos
Progra
mas
Educati-
vos
Informação
Programas educativos
Entretenimento
Quais os
programas
preferidos?
Desenho
jornal
Café
filosófico
Cocoricó
Provocaçõ
es
TV
Escola
JN
Raul Gil
TV Escola
Clifford
Grande
Família
Minissérie
Jornal
Novelas
Não
soube
respon-
der
Grande
Família
TV Escola
Fantástico
JN
Nat Geo
Adventu
re
Desenhos/ educativos– 6
Jornais 5
Novela/ Entretenimento
– 3
47
De acordo com Tabela 2, todos os professores de surdos entrevistados assistem
televisão, embora um deles (P1) tenha ressaltado que assiste muito pouco. A maioria
assiste televisão no período noturno, em média 6 dias por semana e 7 horas semanais.
A programação assistida pelos entrevistados demonstra a grande hegemonia do
canal brasileiro Rede Globo, sendo que sete, dos oito entrevistados, citaram o canal
como um de seus preferidos. Esse canal, segundo informações publicadas no site
<http://www.microfone.jor.br/hist_globo.htm>, cobre 99,84% dos 5.043 municípios
brasileiros, através de 113 emissoras entre geradoras e afiliadas. Segundo o Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE, ele é o grande líder em audiência
no país e é o responsável pela produção de Telejornais, novelas, minisséries e
programas especiais, sendo a maior produtora de programas próprios de televisão do
mundo.
A diretriz da emissora em retratar todos os lados do Brasil, seja ele pobre ou
rico, bonito ou feio, e se aproximar assim, da realidade da população desigual que
habita o país, faz efeito no sentido de proporcionar aos telespectadores que eles se
encontrem nos programas. Que se identifiquem e se vejam estampados ali, na maior
emissora do país, dentro da tela da televisão. Como se o telespectador pudesse se
reconhecer na tela, assim como explica Rondelli (1995).
Os produtos ficcionais globais se nutrem dos episódios e temas da realidade
exibida nos telejornais, como também, ao abordarem questões contidas nas
várias esferas dos debates contemporâneos sobre a realidade, tornam-se, eles
próprios, notícias. Num movimento inverso, passam a alimentar a pauta dos
telejornais(...) Estamos diante de um processo de elaboração artística
mimetricamente conectado com um real que passa a ser construído nas pautas
da produção ficcional num meio televisivo que informa e fertiliza, de forma
simultânea e massiva(...) Os programas jornalísticos – basicamente os
telejornais e os documentários – agendam seus temas e assim estabelecem
suas maneiras de interagir com os assuntos públicos, muitas vezes
ficcionalizando-os ao reporta-los. Com isso, a televisão agrega audiência e se
estabelece como forma comunicativa de angariar legitimação e de se lançar
como protagonista privilegiada com grande poder de desempenho na
construção de valores públicos e de uma determinada ética (p.9)
A preferência dos professores pelo canal se deve, segundo os depoimentos, às
produções próprias de boa qualidade e ao conteúdo jornalístico de credibilidade exibido
pela emissora, tal como apresentados nos depoimentos abaixo.
“O canal oferece informações mais sadias”. (P1)
48
“Eu confio mais nas informações que eles passam”. (P2)
“Ah a Globo já virou uma mania. É a melhor emissora que tem porque os
programas são melhores produzidos”. (P4)
Os professores também demonstraram ter forte preferência por canais
estrangeiros transmitidos pela TV à cabo. Este fato vem ao encontro das tendências da
comunicação de massa na era global, onde a cultura apresenta-se segmentada e onde
cresce em ritmo acelerado a valorização dos hábitos, costumes e símbolos de um outro
espaço do globo, que não sejam os do próprio país. Motivo pelo qual o mercado
internacional de infotelecomunicações investe cada vez mais na América Latina.
(MORAES, 1998).
Mesmo que as produções televisivas estrangeiras tenham teor ficcional, o que
parece é que as pessoas estão atraídas pelo imaginário que as remete, com ou sem
semelhanças, a outras histórias que não sejam as suas. O fato dos canais à cabo
proporcionarem o conhecimento de outras culturas, pessoas e o comportamento dessas
pessoas, faz com que telespectadores de outros lugares do mundo se espelhem e tomem
para si a cultura do outro: de comer, de vestir, de relacionar-se. (MORAES, 1988). A
referência é sempre a local, mas se é possível ver as maravilhas de um outro mundo
através de um programa de televisão e tomar para si o que ele diz como verdade, então
ele terá lugar especial na sala do telespectador. Esse pensamento de busca de
identificação e reconhecimento é melhor explicado por Rondelli (1995).
A realidade, mal ou bem referida nestes programas, é esta nacional, local,
regional, que não deixa de aludir a outras realidades à medida que os
produtores e produtos culturais, como é o caso dos programas televisivos, são
informados pelo consumo de outras estéticas e expressões culturais
estrangeiras. Nosso principal contato com as culturas norte-americanas e
européia, por exemplo, tem se dado através da literatura, do cinema e da
televisão, com tudo o que esta consegue transmitir. É através desses meios e
linguagens que o imaginário de um país é povoado pelas imagens do que
sejam outros povos, países, costumes e culturas – uma espécie de nunca te vi,
sempre te amei, pelo qual o telespectador é atraído, por exemplo, nos filmes
documentários exibidos na televisão. Verdadeiras etnografias mediáticas.
Neste sentido, estamos um pouco distantes da compreensão de que o reino
das imagens seja povoado só de simulacros, realidades sem referentes, e mais
próximos de aceitar que as realidades são apropriadas pelos produtores
culturais, numa boa busca de diálogo constante com seus potenciais
receptores. Estes, para produzirem os efeitos de ficção, de realidade ou
mesmo de simulação do real, precisam ter alguns parâmetros comuns sobre o
que é esta realidade a partir da qual se arquiteta qualquer discurso (p.4)
49
As produções importadas de preferência dos professores baseiam-se em gêneros
diversos do cinema, como filmes policiais, investigativos e clássicos hollywoodianos,
além dos seriados que demonstram os padrões comportamentais de personagens de
outros territórios e apresentam conteúdo fotográfico de outros lugares do mundo. O
Motivo pelo qual eles justificam a preferência refere-se às produções culturais e às
possibilidades de conhecerem lugares distantes. É o que demonstram os depoimentos:
“Penso que a televisão é poderosa e pode levar o ser humano para outros
lugares que ele nem conhece e nunca vai conhecer”. (P5)
“Eu gosto dos canais à cabo porque tem coisa mais elaborada pra gente
assistir”. (P6)
Outro canal citado pelos entrevistados foi a emissora educativa da Fundação
Padre Anchieta, a TV Cultura, que desde 1969 emite produções voltadas para a cultura e
a educação. Entre as produções estão os documentários de diversos gêneros,
incentivando principalmente as produções nacionais, inclusive de estudantes.
Produz também programas infantis voltados para o desenvolvimento e o
aprendizado, programas jornalísticos de debates e entrevistas e programas de aulas
preparadas por professores e jornalistas para auxiliar estudantes e professores no
processo de ensino/aprendizagem, além dos programas de entretenimento que se unem à
cultura e ao conhecimento, como é o caso de “Repórter Eco”, que está no ar desde 1992,
“Bem Brasil”, “Rá- Tim- Bum”, entre outros. Essa emissora já recebeu diversos
prêmios, entre eles, o primeiro prêmio internacional de sua história com o Projeto
Telescola: Matemática para 6.a série – Introdução aos Números Inteiros, que recebeu o
Prêmio Japão – NHK Corporation de 1975.
Dos professores entrevistados, cinco se referiram a emissora como um dos
canais de preferência e justificaram demonstrando valorizar o caráter educativo da
mesma. Tal como apresentados nos depoimentos abaixo.
“Esse canal tem mais assuntos ligados à escola. Eu aproveito mais”. (P4)
“A gente tira muita coisa pra levar pra aula e dar pros alunos”. (P4)
50
“Os programas são culturais, tem uma seqüência pedagógica, reflexiva”. (P2)
“Discute idéias, envolvem o conhecimento, às vezes coisas que a gente não tem
acesso. Visões diferentes”. (P2)
A Record, emissora que nasceu em 1953 e mais tarde se consolidou com
programas como Note Anote, apresentado por Ana Maria Braga, e Cidade Alerta, foi
mencionada por dois professores que fizeram referência ao jornalismo de qualidade.
Outros canais citados pelos professores, com menor intensidade, foram a TV
Clube, emissora local afiliada a Bandeirantes e canais locais. Esses canais são mais
assistidos porque divulgam notícias e programas voltados para a região em que moram
os seus telespectadores. O que demonstra o depoimento abaixo.
“Assisto porque fico sabendo o que acontece onde eu moro e vejo as pessoas
que eu conheço” (P7)
Se pensarmos a comunicação no seu sentido mais amplo e não apenas como um
intercâmbio de notícias e mensagens, veremos que a informação representa para o
indivíduo mais que a difusão de idéias e esclarecimentos de fatos cotidianos.
Representam também uma espécie de motivação pessoal, e podemos verificar isso
através das entrevistas, sobretudo quando os professores relatam que a televisão e suas
informações ajudam no trabalho e na vida profissional, à medida que perseguem seus
objetivos motivados e inspirados em algum exemplo que viram na televisão, em
modelos de pessoas e vidas que elas gostariam de ter ou ser.
Podemos verificar também que a comunicação representa espaço de debate e
diálogo já que ao apresentar suas produções acaba interferindo nos ideais, nos costumes,
nas crenças, nas culturas dos seres humanos, e, por isso, geram discussões de idéias e
opiniões sobre o que transmite. Então a televisão é, também, espaço para promoção
cultural, pois difunde obras artísticas, mostra as diferentes linguagens da arte, da
estética e transmite, através de programas, o patrimônio cultural de um mundo hoje
globalizado. Portanto, a televisão pode, se tiverem essa intenção seus produtores,
democratizar e encurtar as fronteiras culturais e artísticas através de suas transmissões.
E se a televisão possui esses recursos para movimentar idéias, opiniões,
imaginação, criatividade, realidade e história, então, a televisão é, também, espaço para
51
a educação, pois transmite conhecimentos que contribuem para o desenvolvimento do
intelecto, para a formação do caráter e que, principalmente, instigam os alunos a ampliar
a visão que lhes foi proporcionada através da tela. Portanto a televisão pode ser um
primeiro passo para uma aula de um professor, para uma pesquisa-estudo de um aluno.
Um recurso que não substitui a função do professor, nem dos livros, mas que
complementa as informações com recursos modernos, atuais.
A televisão pode ser usada de diferentes maneiras pela educação devido à
facilidade de compreensão de sua linguagem por estudantes, pois estão imersos aos
recursos audiovisuais no dia-a-dia e usam como distração e divertimento, livres de
compromissos como decorar informações e entender o significado para algum tipo de
avaliação, ou seja, não estão sob pressão. Esta forma de acumular conhecimento é uma
forma mais despretensiosa, na qual as pessoas acabam absorvendo somente o que
desejam ou o que lhes interessam. Por este motivo também é necessário pensar a
televisão como um suporte e não como substituta de nenhuma outra forma de
conhecimento já estabelecido socialmente, como as práticas de aulas expositivas de
professores que se baseiam nos seus estudos e experiências ou os livros que
proporcionam esclarecimentos e conhecimento por forma de escrita.
A seguir o estudo apresenta a Tabela 3, que trata da forma como os professores
de surdos utilizam as informações da televisão em suas vidas.
TABELA 3 – Como o professor de surdos usa as informações da Televisão?
Questões Respostas dos entrevistados
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
Síntese dos depoimentos
explicativos das respostas
Você discute
TV com a
família e
amigos?
sim sim sim Às vezes Às vezes pouco sim sim No geral, discutem opiniões
sobre notícias e fatos do
cotidiano através de
conversas informais.
Geralmente discutem fatos
marcantes atuais.
A família
comenta o
que assiste?
sim pouco Sim,
muito.
pouco sim As vezes Sim sim Quando as famílias
comentam sobre o que
assistiram, também fazem
referência às notícias e aos
fatos do cotidiano que
abalaram a sociedade
Assiste
algum
programa
com os
amigos?
não Sim,
filmes.
Não Não Sim, Big
Brother
não Sim,
filmes
não Sim – 3
Não - 5
Usa as
informações
da TV na
sua vida?
sim sim sim sim sim sim sim sim
Como?
Profissionalmente
Para fazer reflexões
Participar de campanhas
Conscientização política
Mais informação
Ensinamentos para a vida
53
De acordo com a Tabela 3 cinco dos professores entrevistados afirmaram
discutir o conteúdo da televisão com familiares e amigos, os outros três professores
discutem com menor freqüência.
Os professores que discutem o conteúdo disseram que conversam sobre as
notícias divulgadas nos telejornais e programas jornalísticos e os fatos que repercutem
na sociedade. Eles afirmaram discutir o conteúdo televisivo em seus grupos de relações
sociais deixando clara a preocupação em emitir a própria opinião sobre um fato ou
acontecimento visto na televisão. Como é o caso do depoimento abaixo.
“A gente vê na televisão coisas que estão ligadas aos acontecimentos da vida,
do mundo. Então quando estamos nos relacionando, conversando, sempre
comentamos uma coisa ou outra” (P7).
“Geralmente eu discuto os assuntos mais polêmicos, mas quase sempre
notícias que envolvem política e corrupção, porque nosso país o que mais tem
é isso, né” (P4).
Um dos semiólogos que inovaram na compreensão do papel social da linguagem
como construtora de sentidos, Roland Barthes, afirma que “os signos permitem que a
realidade seja compreendida e interpretada pelo ser humano” (BARTHES, 1990, p.34).
Assim podemos perceber que a comunicação de massa deixa o plano da transmissão
para alcançar uma nova dimensão, a de produtora de significados para a construção de
sentidos e perspectivas de ações humanas. É o que defende Oliveira (2002) ao afirmar
que,
As novas interpelações constitutivas acontecem a partir dos meios de
comunicação de massa se considerarmos que a massa de informações – não
só na quantidade, mas na sua variedade de formas e possibilidades de
segmentações – cresce de forma assustadora, a ponto de grande parte dos
teóricos modernos chamarem a sociedade contemporânea de sociedade
midiática ou sociedade da informação (p.7).
Ainda baseado nestes fatos, é possível verificar na Tabela 2 que a maioria dos
entrevistados afirmou que suas famílias também comentam o que assistem na televisão.
Na maioria dos casos, fazem referência aos programas noticiosos e aos fatos do
cotidiano que abalaram a sociedade. Um fato curioso é que a grande maioria dos
professores disse que as conversas estão sempre ligadas a fatos de conotação negativa,
como é o caso de notícias sobre corrupção, acidentes e crimes em geral. Como o
depoimento abaixo demonstra.
54
“Comentamos coisas do tipo, você viu a greve dos correios? O nosso país está
uma vergonha (risos)...ou coisas que chamam a nossa atenção como o
assassinato da menina em que o pai é suspeito. Geralmente comentamos
coisas que causam um certo impacto ou que nos comovem. Se pararmos pra
pensar comentamos mais as coisas negativas, mas é porque elas chocam!”
(p7).
Verificou-se ainda sobre este fato, que as atribuições negativas sob os programas
televisivos causam, de certa maneira, preocupação nos telespectadores e acabam por
tendênciar os conceitos sobre a televisão. Assim como demonstra o depoimento abaixo.
“(P1) - Na minha casa, só conversamos sobre televisão depois que as minhas
filhas dormem.
- Porque não discutem sobre o que assistem na televisão perto de suas
filhas?
(P1) – Primeiro porque quando elas estão acordadas ficamos brincando com
elas e por isso as conversas são mais relacionadas ao mundo infantil. Depois
porque eu acho o conteúdo da televisão muito pesado para elas.
- Você pode explicar melhor o que quis dizer com “pesado”?
(P1) – São assuntos pra adultos, não pra crianças. Criança tem que brincar,
tem que se divertir, a televisão mostra muita coisa triste, negativa.
Geralmente são essas coisas que discutimos, eu não acho bom discutir isso
perto delas.
- Você pode dizer a idade de suas filhas?
(P1) – tenho uma de cinco anos e outra de três anos.
Quando perguntamos aos entrevistados sobre os hábitos de assistirem televisão
com os amigos, pudemos verificar que isso não ocorre com freqüência. As pessoas
geralmente assistem televisão quando estão em suas casas, com seus familiares. Apenas
um dos entrevistados afirmou que assiste com os amigos a um programa de reality show
e outros dois professores entrevistados afirmaram que assistem filmes com os amigos.
Já quando questionamos se o professor usa as informações da TV na sua vida,
todos afirmaram que usam para auxiliar na vida profissional, para fazer reflexões sobre
a vida, para participar de campanhas e se tornar uma pessoa melhor, para aumentar o
nível intelectual, aumentar a consciência política, para obter mais informações sobre o
mundo e para absorver ensinamentos para a vida. O curioso é que mesmo quando
alguns entrevistados (P1, P4, P7) tenham feito questão de atentar, em perguntas
diferentes, sobre um lado negativo e “pesado” da televisão, todas admitiram usar a
televisão para melhorarem a si próprias e suas vidas. Como é o caso dos depoimentos a
seguir.
55
“Uso para refletir sobre o mundo em que eu vivo. Sobre as pessoas e me
tornar sempre uma pessoa melhor, mais informada” (P4)
“Uso. Através de reflexões dos assuntos abordados. Busco outras
informações também. Incluo o assunto em alguma outra atividade, participo
de campanhas, alguma forma de conscientização política” (P2)
“Ah a gente tem que levar muita coisa como ensinamento. Às vezes eu vejo
nos programas pessoas que não tem nada de material e que são tão felizes,
que tão sempre com o sorriso no rosto, sabe? Eu aprendo muito com essas
coisas”. (P6)
Essa forma de o indivíduo absorver para si o que a televisão tem a divulgar
revela conceitos já discutidos anteriormente neste trabalho, no capítulo A televisão como
mídia social, em que colocamos que o homem toma como parâmetros para sua vida as
regras, os valores, as condutas que, de maneira subjetiva, circulam nas produções
televisivas. Ao se relacionar com as mensagens mediáticas, o telespectador empresta as
definições e os ensinamentos que absorveu para a sua vida.
As notícias sobre violência, corrupção, crimes etc., podem ser tanto maléficas
quanto benéficas para a vida do sujeito, isso vai depender do foco que ele emprega na
mensagem, ou seja, como ele recebe esta informação e relaciona com o seu mundo, com
o seu universo. Uma notícia sobre violência pode ao mesmo tempo incentivar o
telespectador ou atenta-lo contra o perigo e contra o mal, dependendo do contexto social
que vive o telespectador. Depende de quem assiste. No caso dos entrevistados, as
informações televisivas podem ser usadas tanto para melhorar a conduta própria como
cidadãos como para orientar outras pessoas, como alunos e filhos. Assim como
demonstra os depoimentos a seguir.
“Eu uso a todo o momento, porque de uma forma indireta você acaba sendo
influenciada pelo que assiste, pela cultura que está assimilando ali,
enquanto se distrai” (P5)
“Sim, porque elas estão ligadas ao nosso dia-a dia. E informação é
necessária pra gente viver em sociedade” (P7).
“Muita coisa eu trago pra minha sala de aula. Se for uma história
interessante eu adapto para os alunos e faço comentários sobre ela. Uma
forma de interpretação”. (P1)
56
A seguir apresentaremos o Quadro 1 que explica, na perspectiva dos
professores, a relação entre o professor de surdo, a televisão e o aluno surdo.
Quadro 1 A relação entre o professor de surdo, a televisão e o aluno surdo.
Resposta dos entrevistados Questões
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
Síntese dos depoimentos
explicativos das
respostas.
Você discute
TV com os
surdos, nas
aulas?
Sim sim sim sim sim sim sim sim No geral discutem
fazendo referência ao
conteúdo e relacionando
com a material de aula.
Eles
demonstram
interesse?
sim sim sim sim sim sim sim sim Em síntese os professores
disseram que os alunos
fazem perguntas sobre o
que eles assistiram na TV
e geralmente sabem do
que estão falando.
Os alunos
comentam
sobre a TV
em sala de
aula?
Sim, sim sim sim sim Pouco,
sobre
desenhos
sim sim
Comentam sobre:
Big Brother
Sítio do Pica pau
Política
Chaves
Homem aranha
Super homem
Xuxa
Filme dos carros
Mônica
Novelas
Pica pau
A TV
enriquece o
conteúdo
das aulas?
sim sim sim sim sim sim sim sim Os professores disseram
que a televisão ajuda a
aula, mas é necessário
filtrar o conteúdo.
58
De acordo com o Quadro 1, todos os professores discutem o conteúdo
televisivo com os alunos surdos, durante as aulas. No geral, os professores discutem os
assuntos dos programas que assistem e fazem ligação com o conteúdo da aula,
empregando uma ênfase mais pedagógica ao assunto que antes foi televisionado. Este
recurso tem sido bastante usado por professores, uma vez que permite aprofundar os
dados ligados a ciência e ao conhecimento a assuntos de interesse público que se
aproximam do cotidiano dos estudantes.
Os professores, ao praticarem esta atividade, levam em conta, às vezes até
inconscientemente, que os estudantes conhecem mais sobre o mundo que é apresentado
na televisão do que o mundo apresentado em livros e nos discursos científicos. Além
disso, aproximar os assuntos não deixa de ser uma forma de facilitar o entendimento, já
que a linguagem que a televisão emprega é uma linguagem mais simples e objetiva.
Dessa forma, a televisão pode ser considerada como uma fonte ou um meio de
conhecimento indireto, o qual a escola e o professor podem aproveitar para
complementar ou aprofundar ou exemplificar os temas envolvidos no conteúdo
curricular dos alunos e que, até há pouco tempo, derivavam apenas dos livros e das
experiências.
Segundo Citelli (1999) há que se entender o papel singular que os meios de
comunicação passaram a exercer na escola e a forma como essa mediação deve ser
trabalhada por professores em ações voltadas à educação formal e não-formal. Assim
como deve ser feita, pelo professor, uma leitura crítica dos meios, para que ele possa
passar para o aluno as entrelinhas das informações divulgadas na telinha. Assim ele nos
explica.
Entendido o papel singular que os veículos de comunicação passaram a
exercer no mundo contemporâneo, agora com o aporte dos novos meios (...) e
que orientam uma revolução nos diferentes âmbitos da cultura, da história,
dos fluxos econômicos, das sociabilidades, etc., é compreensível que o tema
da educação, particularmente no seu âmbito formal, tenha se recolocado
numa perspectiva diferenciada e que requisita, de maneira crescente, o
estreitamento dialógico com informações e conhecimentos gerados em fontes
indiretamente escolares. (p.137)
Por este motivo, cresce também, nos últimos anos, as pesquisas, os trabalhos
teóricos sobre o assunto Comunicação e Educação, por que o cotidiano nas escolas tem
mudado de maneira significativa, requisitando novas posturas e prática dos professores.
Congressos, linhas de pesquisas em universidades e cursos de capacitação ao magistério
59
do ensino fundamental e médio buscam ampliar o espaço de debate e de reflexão sobre
este novo paradigma.
Portanto, é muito interessante, e é um fato que comprova as novas tendências
educacionais, que todos os professores entrevistados tenham afirmado relacionar
conteúdos televisivos na escola, principalmente porque são professores de surdos. Nesse
caso, podemos observar que as novas práticas na escola com relação à televisão
parecem, de alguma forma, superar barreiras sociais que historicamente sempre
atingiram os grupos minoritários.
Para os surdos, assim como para os ouvintes, o desenvolvimento cognitivo está
ligado a mediadores que tratam de significar as relações e os objetos. Ao longo do
desenvolvimento do ser humano, as influências diretas ou indiretas alteram as estruturas
mentais e desenvolvem as funções psicológicas. Todas as relações são mediadas de
forma material e sígnica, afirmando a relação com o objeto e representação psicológica
feita sobre ele (LOPES, 1997). As relações culturais e os mediadores dessas relações
são fundamentais para tornar o processo construtivo e atingir o desenvolvimento
esperado. Dessa forma, nos explica Lopes (1997).
Os signos representam um veículo intermediário entre a ação humana e o seu
pensamento. Eles são construídos a partir de intercâmbios culturais
necessários aos indivíduos para a sua sobrevivência. Também podemos dizer
que são ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos. Tal auxílio
podemos estudar através da linguagem, pois ela é o meio pelo qual o homem
se apropria do legado cultural que integra (p.63).
Assim, podemos considerar que a linguagem televisiva age como uma
ferramenta que auxilia no processo psicológico. E que os professores exercem papel
fundamental de mediar essa linguagem simbólica para o aluno em fase de
desenvolvimento cognitivo. Os professores entrevistados demonstram exercer esse
papel de mediador da linguagem televisiva, e alguns têm consciência e afirmam que os
símbolos televisivos devem ser filtrados para chegar até o aluno de forma crítica e
fundamentada em teorias educacionais. Como é o caso dos depoimentos que
destacamos a seguir.
“Discuto. Faço uso de assuntos de novelas. Pego o tema do programa e levo
para o pedagógico. Levo o assunto para a realidade do aluno e procuro
ampliar. Diversificar porque a versão dele pode ser diferente” (P2).
60
“Sim, muita coisa que eu assisto na TV Escola eu trago para aula. Coisas
relacionadas à saúde, meio ambiente. Eu assisto e comento com os meus
alunos. Mas eu faço isso quando estamos estudando algum tema que por
coincidência passou no programa algo relacionado. Daí eu acho válido” (P4)
“Discuto. Quando eu encontro programas que sei que os alunos gostam e que
vão ajudar a gente a falar do conteúdo das aulas. Dá pra dar muitos exemplos
do que estamos explicando na matéria” (P5).
“Sim, às vezes, nas aulas, quando estamos conversando, nos referimos ao que
assistimos na televisão. Da mesma maneira quando converso com meus
amigos. Falando de coisas ligadas ao cotidiano” (P7).
“Sim. Mas antes eu pergunto se eles também viram. Eu só comento se acho
que é de fácil acesso. Se for muito complexo, não (P1).
Você pode me explicar o que julga ser “muito complexo”? (pesquisador).
“Notícias difíceis, por exemplo. Eu não discuto com eles sobre política ou
sobre economia, mas se tem alguma coisa que passou na televisão que é mais
próximo da realidade deles, como falta de policiamento nas escolas, forma de
tratar os animais, cuidados com a saúde. Essas coisas eu comento” (P1).
Outro fato que comprova a relação entre a televisão e a educação e que nos
remete ainda a uma visão mais ampla acerca do indivíduo surdo é que todos os
professores afirmaram que seus alunos surdos se interessam pela aula e pelo assunto
quando fazem referência à televisão. O que nos chama mais atenção é que os
professores afirmaram que na maioria das vezes sabem do que estão falando, ou seja,
eles assistiram ao programa que o professor comenta e sempre fazem perguntas
questionando opiniões e emitindo as respectivas. Assim como demonstram os
depoimentos abaixo.
“Sim, mas quando eu comento sobre os desenhos eu reparo que existe um
interesse maior. Todos eles assistem, mesmo que não tenha intérprete,
porque é figura, animação. É melhor para eles entenderem” (P1)
“Demonstram. Eles sempre continuam a conversa e dão a entender que
estão gostando do papo” (P3)
“Demonstram. Parece que eles gostam de televisão porque sempre que eu
comento um fato eles assistiram e alguma coisa eles assimilam” (P5)
“Sim, eles demonstram que assistiram algumas coisas e que sabem do que
eu estou falando. Respondem, dão suas opiniões. Normal. Como qualquer
pessoa. A diferença é só a forma como falamos. Mas o assunto e a interação
são iguais. (P7)
Lulkin (2005), ao discorrer sobre as habilidades do surdo focando-o como um
ser visual, se refere a eles como a comunidade dos “eficientes do olhar”, “uma
61
comunidade que tem no código sinalizado uma materialidade, uma representação
sociocultural” (Lulkin, 2005, p.37). A observação parece ser um atributo considerável
na comunidade surda. Talvez seja esse um dos motivos pela atenção dos surdos
destinada ao veículo de massa audiovisual. Mesmo sem utilizar o recurso áudio, a
observação apurada à imagem coloca os surdos diante da tela da televisão. Motivo
também pelo qual se interessam por desenhos animados, expressão artística que utiliza
muito mais os recursos visuais e de movimentos do que a fala em si.
O Quadro 1 apresenta ainda que todos os professores de surdos afirmaram que
os alunos comentam sobre televisão em sala de aula, apesar do entrevistado P6 ter
mencionado que os alunos comentam pouco e apenas sobre desenhos (este professor dá
aula para uma sala especial com crianças de faixa etária entre 8 e 12 anos). Entre as
produções televisivas mais comentadas pelos surdos na sala de aula, segundo seus
professores que cederam entrevista para este estudo, estão as produções infantis Sítio do
Pica Pau Amarelo, Chaves, Homem Aranha, Super Homem, Xuxa, Filme dos Carros,
Mônica e Pica Pau. Os professores afirmaram que eles comentam também sobre as
Novelas e sobre o Big Brother. É o que demonstra as declarações abaixo.
“Eles assistem e comentam principalmente sobre os desenhos. Eles adoram.
A semana passada uma aluna pediu pra assistir. Daí eu liguei a televisão e
estava passando Pica Pau. Eles caíram na risada. Até os mais sérios se
divertiram. Eles adoraram. Eu fiquei impressionada como eles entendem”.
(P3)
Por outro lado, não podemos deixar de ressaltar que os professores
entrevistados, na maioria dos casos, se referem aos seus alunos que são crianças e,
portanto, ainda não são capazes de decodificar a Língua Portuguesa escrita em legendas
(Close caption). Os desenhos são mais independentes da língua falada no país, o
entendimento pode ficar na relação entre imagens.
Nos outros programas, as crianças surdas, educadas com a Libras como primeira
língua e o português como segunda podem precisar de um intérprete para assistir filmes,
seriados, novelas ou outros programas infantis como Xuxa, Sítio do Pica Pau Amarelo,
etc,. Como podemos constatar na fala do entrevistado P4, a seguir
“Os alunos comentam sobre televisão na aula. Eles assistem bastante
televisão, mas não entendem tudo. Eles comentam bem superficialmente
porque às vezes tem uma idéia errada do que assistiram. Eles não entendem
tanta coisa porque alguns fazem a leitura labial e outros lêem, usam aquela
legenda (Close Caption). Mas se até pra gente é difícil entender, imagina pra
62
eles, que não estão escutando. Então é difícil. Daí eles comentam as coisas,
mas com certa confusão” (P4).
Assim, fica claro que por mais que a televisão seja um recurso favorável à
educação e ao surdo, se faz necessário um amplo debate no sentido de melhorar o
acesso para a comunidade surda, que demonstra utilizar os recursos e tem interesse
pelas programações televisivas, mas que ainda não possui espaço suficiente para utilizar
os recursos televisivos sem restrições.
Ainda assim, todos os professores entrevistados afirmaram que a televisão
enriquece o conteúdo das aulas e que acreditam que estudar formas de usar a televisão
na sala de aula com o embasamento pedagógico é necessário nos dias atuais,
principalmente em se tratando das aulas dos surdos, que podem ver na televisão um
novo recurso para o aprendizado e a leitura de mundo. Mas citaram também a
necessidade de cautela com o conteúdo televisivo que pode, por outro lado, ser
altamente destrutivo. Como é o caso dos depoimentos abaixo.
“Acredito. Eu acho que o bom é que geralmente os programas relacionam
os ensinamentos à vida normal. Ao dia a dia mesmo. E isso desperta mais o
interesse dos alunos” (P4)
“Parando agora pra pensar nisso, acho que eu posso investir mais na
televisão. Acho que seria uma alternativa interessante ligar o conteúdo das
aulas a algum conteúdo televisivo, como Tv Escola, como os programas da
Cultura...da Globo acho que não. Teria que selecionar bem, mas acho que
dá pra criar aulas interessantes e proporcionar ensinamentos e melhor
visibilidade da TV e dos acontecimentos da vida pros surdos. Acho
interessante, num primeiro momento, mas tenho que analisar direito” (P7)
A seguir será apresentado o Quadro 2 com informações sobre o pensamento dos
professores de surdos sobre a televisão.
Quadro 2 – O que pensam os professores de surdos sobre a televisão.
Questões Respostas dos entrevistados
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
Síntese dos
depoimentos
explicativos das
respostas.
O que você
pensa sobre
a TV?
É uma arma
de dois
gumes
Entreteni-
mento e
informação.
Falta
diálogo
Faltam
programas
educativos
É boa e
ruim. Tem
que saber
usar.
Ponderosa
Pode
viajar sem
sair do
lugar.
Diversão e
educação,
mas tem
que ter
cuidado
Inevitável
Necessária
mas pode
ser um
problema
É uma
forma de
conhecer
os lugares,
a cultura,
eu gosto.
Os entrevistados
ressaltam que a
televisão é boa, mas
não deixam de
lembrar que deve
existir cuidados
para usá-la.
A TV te
ajuda em
alguma
coisa?
Sim, nas
aulas
Ajuda e
atrapalha
Ajuda no
trabalho
Ajuda na
vida
Na vida,
no
trabalho
Ajuda a
ver o
mundo
diferente
Ajuda
muito.
Interação
com o
mundo
Na minha
vida, no
meu
trabalho.
Todos os
entrevistados
acreditam que a
televisão ajuda na
vida,
principalmente no
trabalho
Você quer
falar mais
alguma
coisa?
sim não sim não não não Este é um
fato muito
importante
para o
surdo.
não. Mais canais devem
se adequar, os
surdos precisam
disso. Eles devem
ser respeitados para
se tornarem
verdadeiros
cidadãos.
64
De acordo com o Quadro 2, todos os professores mencionaram que a televisão
possui aspectos positivos que ajudam a vida humana, apontando suas considerações
para a direção do entretenimento, do conteúdo informativo e da propagação de outras
culturas. Eles afirmaram nas entrevistas que a televisão proporciona elementos
indispensáveis para viver em sociedade, como a possibilidade de estarem informados
sobre os fatos que acontecem em todo o mundo, sejam notícias positivas ou negativas.
Os entrevistados também apontaram a televisão como um meio de melhora para
as pessoas, como se ela pudesse orientar a vida para alguma direção mais adequada, ou
proporcionar armas para lutar por uma situação melhor. Uma espécie de mito, que
conseguiria tratar o pensamento das pessoas. Assim podemos verificar nos depoimentos
abaixo.
“(...) Ela salva, orienta, ajuda, [...] para um lado extremamente positivo (...)”
(P1)
“(...) Eu penso que ela é essencial hoje em dia (...)” (P4)
“(...) Penso que a televisão é poderosa e pode levar o ser humano pra outros
lugares que ele nem conhece e nunca vai conhecer(...)” (P5)
“Me ajuda na minha vida, no meu trabalho, no meu descanso” (P4)
“A televisão me ajuda a ver o mundo de várias formas” (P6)
“A televisão me proporciona informação pra poder interagir com o mundo e
com as pessoas” (P7)
Assim como tais aspectos positivos foram levantados pelos entrevistados, os
aspectos negativos da televisão também foram mencionados, no geral os professores
afirmam que é necessário ter cuidado para usar a televisão e suas informações.
Este pensamento sobre a televisão é levantado atualmente devido ao grande
fluxo de informações que a sociedade globalizada tem acesso e à veracidade e
credibilidade de seus conteúdos. A estes fatos somam-se os aspectos comerciais ligados
65
à televisão onde a disputa acirrada pela audiência proporciona programações de pouca
qualidade, procurando sempre chamar a atenção do telespectador a qualquer custo.
Esse fenômeno está ligado às estratégias da informação agora industrializada
que objetiva a homogeneização do público, até mesmo para encurtar as fronteiras
culturais, onde as diferenças de produtos oferecidos seriam, para o mercado, inviáveis.
Assim, a homogeneização chega aos costumes dos diferentes públicos, que, agora
necessitariam ser idênticos. Concomitantemente, necessitariam dos mesmos produtos
culturais. Sejam eles úteis ou fúteis, o importante é que sejam consumidos (ADORNO e
HORKHEIMER, 1994).
Dessa forma, a televisão seria uma das principais ferramentas do capitalismo no
mundo globalizado, e funcionaria como uma espécie de vitrine de shopping center, onde
os manequins seriam os artistas e pessoas em destaque na sociedade, que exibiriam suas
formas, suas vestimentas, seus hábitos, costumes, gostos, enfim, um arsenal de sentidos
a serem imitados pelo público que precisam satisfazer seus desejos de consumo. Além
disso, a televisão funcionaria como uma espécie de lixo cultural, onde o popular estaria
sempre nas vitrines, já que na guerra da audiência as produções populares ganham das
artísticas, que poucas pessoas tendem a apreciar. É o que Adorno e Horkheimer
chamam de “empobrecimento dos materiais estéticos”, e explicam.
A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema, que é retardada enquanto
os interessados não se põem de acordo, mas cujas possibilidades ilimitadas
prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéticos a tal ponto que
a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cultural pode vir a
triunfar abertamente já amanhã – numa realização escarninha do sonho
wagneriano da obra de arte total. A harmonização da palavra, da imagem e da
música logra um êxito ainda mais perfeito do que no Tristão, porque os
elementos sensíveis – que registram sem protestos, todos eles, a superfície da
realidade social – são em princípio produzidos pelo mesmo processo técnico
e exprimem sua unidade como seu verdadeiro conteúdo. Ele é o triunfo do
capital investido. (...) A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele
idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo crítico (p. 116 e
117)
As análises da indústria cultural, embora pensadas no passado, são atuais se
empregarmos os pensamentos aos acontecimentos do presente. Os efeitos da ganância e
da lógica de mercado da indústria cultural repercutem negativamente sobre a televisão
de forma que introduzem medo e desconfiança nas pessoas, pois a qualquer momento,
podem ser seduzidas pelas manipulações exageradas de um poder inatingível. Como se
por trás das produções televisivas houvesse sempre uma intenção negativa, a de vender
66
os produtos do mercado, a de ganhar o dinheiro da população a qualquer preço, mesmo
que o preço seja passar por cima, até, do conhecimento humano.
Como se os produtores da televisão, os educadores, os jornalistas que estão
envolvidos em todo o trabalho de produção da televisão, não tivessem nenhum
comprometimento ético e até mesmo pessoal com a qualidade do trabalho que realizam.
Por estes motivos, os educadores e os programadores que pensam a televisão de
qualidade estão preocupados e os telespectadores críticos também. Principalmente
quando a sociedade vive esse momento de ligar a televisão com a educação acreditando
serem peças que precisam se interligar. A cautela é sempre mencionada. Como podemos
constatar nos depoimentos abaixo.
“(...) Por outro lado ela é maldosa, enfoca demais o consumismo, ensina
atos errados e é extremamente maliciosa apelando sexualmente para quase
tudo (...)” (P1)
“(...) A gente tem que saber usar a televisão e não deixar ela manipular (...)”
(P5)
Dessa forma, podemos constatar que a televisão, ao mesmo tempo em que
apresenta suas possibilidades, demonstradas no presente estudo, possui também enorme
influência negativa, onde valores, regras de conduta e culturas de outros locais do
planeta, ao mesmo tempo em que podem servir como fonte de conhecimento para a
escola podem ser manipulados intencionalmente em função de interesses específicos.
Esses conteúdos manipulados por trás do entretenimento advêm de certas relações de
poder e de pretensões de dominar uma determinada sociedade ou grupo. Essas
manipulações aparecem em notícias de telejornal, por exemplo, para, de forma
tendenciosa, gerar na sociedade uma determinada posição em relação a um fato. É o que
explica Coutinho (2003).
Na verdade, mais que nunca, realidade e ficção se mesclam. E, se por um lado
a televisão revela, mostra, esclarece, por outro pode confundir e obscurecer,
prestando-se a muitas confusões. Sobretudo pelo motivo de que a televisão,
pelas características que assumiu- é presente e onisciente -, possui uma força
mobilizadora de proporções gigantescas. [...] Penso que a televisão pode ser
considerada instrumento de dominação com características peculiares (p.80)
Coutinho acredita ainda que a televisão funcione como “profeta dos novos
tempos” (Coutinho, p.81), que cria mais apóstolos e fiéis e que seus seguidores vão
assumindo liderança sob os tipos de dominação. Se a televisão tem esse poder
67
manipulador, a sociedade telespectadora precisa filtrar mais criticamente o que assiste, e
então é novamente a escola, uma das instituições que podem criar espaços para
introduzir a televisão em seus debates de alguma maneira, através de alguma atividade,
em suas práticas pedagógicas. Isso porque se a televisão assume esse papel manipulador
e influencia negativamente as pessoas, estamos diante de um problema social que deve
ser discutido pela escola, onde o conhecimento tem espaço para desvendar os mitos e
rever conceitos pré-estabelecidos.
É exatamente nesta idéia que se baseia o Núcleo de Comunicação e Educação da
Universidade de São Paulo ao proporcionar os estudos que se referem à
Educomunicação. Como nos explica Soares (2004, online).
Integrar às práticas educativas o estudo sistemático dos sistemas de
comunicação. Cumprir o que solicita os PCNs no que diz respeito a observar
como os meios de comunicação agem na sociedade e buscar formas de
colaborar com nossos alunos para conviverem com eles de forma positiva,
sem se deixar manipular. Esta é a razão de tantas palestras sobre a
comunicação e suas linguagens (p.3)
A crítica da televisão precisa encontrar espaço nos discursos dos professores,
nas palestras, nas aulas e nos debates entre alunos. Pois se a televisão pode realmente
assumir esse caráter negativo que estamos constatando, e arrebatar cada vez mais fiéis,
eles podem, então, ser alertados pelos professores e pelo espaço de produção de
conhecimento.
Dessa forma, a análise deste estudo quanto às respostas dos professores caminha
para uma afirmação contundente. A escola, nos tempos atuais, sob qualquer hipótese e
qualquer levantamento, deve abrir espaço para a televisão, seja para criticá-la ou para
usá-la como ferramenta de aprendizado.
– Análise dos dados coletados por meio dos sujeitos surdos.
A seguir estão apresentados as tabelas, os quadros e a relação com a
fundamentação teórica dos depoimentos dos surdos.
TABELA 4 – Como os surdos assistem televisão.
Respostas Questões
S 1 S 2 S 3 S 4 S 5 S 6 S 7 S 8
Total
Você
assiste
TV?
sim Sim, às
vezes.
Sim. Sim. sim Sim. Sim. Sim. Sim = 8
Em que
período?
Cada dia
em um
horário.
À noite. À noite. À noite. À noite. Dia e noite Á noite. Á noite. À noite = 7
Dia = 1
Variados =
1
Quantas
horas
semanais?
Não sabe. 16 horas.
(4h/dia)
24 horas.
(4h/dia)
24 horas
(4h/dia)
20 horas
(4h/dia)
21 horas
(3h/dia)
15 horas
(3h/dia)
16 horas
(4h/dia)
Em média,
17 horas
semanais
Quantos
dias na
semana?
7 dias 4 dias. 7 dias. 7 dias. 6 dias. 7 dias. 5 dias. 5 dias. Em média,
6 dias por
semana
69
De acordo com a Tabela 4, todos os surdos entrevistados assistem televisão,
embora um deles (S2) tenha ressaltado que assiste “às vezes”. Como os professores
entrevistados nesse estudo, a maioria dos surdos também assiste televisão no período
noturno, em média 6 dias por semana. A diferença que pode ser observada é que embora
os surdos assistam televisão no mesmo período e durante a mesma quantidade de dias,
eles passam muito mais tempo na frente da televisão, chegando a usar mais que o dobro
do tempo gasto pelos professores, pois de acordo com as entrevistas dos surdos,
podemos observar que eles gastam, em média, 17 horas por semana assistindo televisão.
Estes dados mostram que o surdo pode ser um telespectador assíduo e que este é
um meio que faz parte de sua vida, como de grande parte da população mundial.
Segundo Moura (2000) a construção da identidade do surdo passa por níveis de
percepção, primeiro ele se percebe como diferente quando ainda é incapaz de dominar
tanto a oralidade quanto os sinais. Nessa fase, o surdo se encontra como
“impossibilitado” (Moura, 2000, p.118). Mais tarde o surdo se percebe como
“particularmente igual” (Moura, 2000, p.118) e a sua identidade, ainda sujeita as
transformações, encontra-se subestimada.
Como se o surdo estivesse imerso em sua “clandestinidade”, vivendo em um
mundo dominado por outros, os ouvintes, e usando seus recursos de forma
marginalizada. Aqui Moura (2000) refere - se à escola, mas esse mesmo ponto de vista
pode ser aplicado à televisão. À medida que o surdo vive a sua realidade e se percebe
como excluído, seus desejos passam a ocupar um papel determinante em sua vida, e é
por este motivo, e porque atribui a sua exclusão ao modelo de normalidade, que a sua
identidade se volta para uma nova busca. Assim como Moura deixa explicito.
Ele nos mostra que percebe a sua humanidade na igualdade com os ouvintes.
Finalmente ele incorpora sua humanidade, numa igualdade de diferenciação:
“cresce igual, mas sem aprender”. Ele precisa buscar mais desta igualdade,
tornar-se mais humano e colocar no aprendizado esta expectativa. Ele vai
buscar fora o que não lhe foi dado nos seus dois primeiros grupos sociais: a
família e a escola. Ele vai buscar a sua possibilidade de ser total, brigar pelo
direito de saber das coisas, entender e ser entendido, ouvir e ser ouvido. Se
aprender é o que os ouvintes fazem, então ele também vai aprender. Ele vai
crescer, não fisicamente (nisto o surdo é igual ao ouvinte), mas no sentido do
crescimento do conhecimento. Ele vai tentar ser igual, não pelo encobrimento
da diferença, mas pela procura de caminhos que se assemelhem aos dados dos
ouvintes, isto é, o conhecimento de uma linguagem que lhe permita se
comunicar, relacionar-se no mundo e construir-se como alguém que pode. Ele
procura definitivamente a sua condição de homem, em que estará inserida a
condição de interlocutor, de responsável por si mesmo e não incapaz. A
escola (através dos Surdos) lhe fornecerá a possibilidade de se perceber como
70
falante, mas ele desejava mais e foi explorar o mundo atrás de sua próxima
personagem (p.119)
Este ponto de vista de que o surdo busca ser igual e por isso vai ao encontro de
ferramentas para desenvolver o intelecto, para desenvolver o conhecimento, parece ser,
para este estudo, a explicação mais lógica para entender o motivo pelo qual o surdo se
relaciona intensamente com a televisão. Se ela é, hoje, a maior fonte de
comunicação/informação do mundo, e se, ainda, possui um canal de comunicação com
o surdo, através da legenda em close caption, da qual já falamos anteriormente, então, o
surdo encontra, na televisão, uma maneira de participar na sociedade, de se assemelhar
ao ouvinte e de desenvolver a sua identidade.
Dentro desta relação entre identidade do surdo e busca de conhecimento através
da televisão, é necessário ressaltar que um dos professores entrevistados (P2), quando
interrogado se seus alunos surdos demonstravam interesse quando ele fazia referência à
televisão, respondeu a pergunta supondo a vontade dos alunos surdos em ser igual a ele,
como demonstra no depoimento abaixo.
“Eles gostam que eu assista porque ele se sente igual a mim. Ele assiste TV e
a professora também. É aquela coisa, sabe: “eu faço, você faz”. O surdo tem
muito isso, porque ele demonstra também que apesar de ser surdo ele faz a
mesma coisa que eu” (P2)
Embora este estudo revele a vontade do surdo em se assemelhar ao ouvinte é
necessário deixar claro que com base nos estudos de identidade e inclusão, acreditamos
que este caminho de identificação do sujeito surdo é um engano. Moura (2000) adverte
sobre a “dificuldade que muitos surdos têm em ter uma vida normal no meio dos
ouvintes”, principalmente, quando desejam ser iguais a estes ao invéz de se afirmarem
como diferentes. Como explica:
“Alguns surdos, nessa situação, vão em busca de uma personagem com a qual
se identifiquem, procurando ir além do que lhes foi colocado, isto é, a cópia
de padrões de viver somente de acordo com o modelo do ouvinte. Esta é uma
possibilidade de sobrevivência real, porque lhes vai permitir ver o mundo
como ele realmente é, e não como batalham o tempo todo para fingir que é. É
sair da pura imitação, que nunca é um ato de criação. Desta forma, a inserção
social pode acontecer, não na imitação da igualdade, mas na vivência da
diferença” (p.120).
A Tabela 4, embora revele aspectos quantitativos sobre o uso da televisão pelo
surdo, revela também a vontade do surdo em se incluir nos acontecimentos do mundo e
71
de incluir as informações e o conhecimento que pode ser absorvido pela televisão em
sua busca pela identidade.
Este estudo não pretende justificar o ato do surdo assistir televisão apenas como
uma vontade de se assemelhar aos ouvintes. O ato de assistir televisão é uma prática e
um hábito internacional. Mas este estudo pretende mostrar o potencial deste público que
demonstra, através das respostas das entrevistas, a vontade de se incluir neste universo e
utilizar os recursos da televisão em sua totalidade.
A seguir a Tabela 5 será apresentada com o objetivo de demonstrar a relação
entre os surdos e os programas televisivos.
TABELA 5 – O surdo e os programas
Respostas Questões
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8
Síntese das
respostas das
perguntas
Canais de
preferência
globo Universal
Canal
Brasil
Globo
News
Telecines
Cultura
Universal
Cultura
Globo
Globo
Universal
Telecines
Canal
Brasil
Universal
Cultura
National
geografic
Discovery
Chanel
Multishow
MTV
Globo
Cultura
Globo Globo = 6
Universal = 4
Cultura = 4
Porque
desperta o
interesse
Novelas e
jornais
Cinema
filmes
Os filmes Explicações da
vida.
Cinema e
notícias do
mundo
Coisas para
jovens
Cultura
Arte
Filmes
lugares
Diversão e
informações
da vida
Jornal e
programas
legais
Informação,
Cinema e
entretenimento
Programas
preferidos
Novelas,
jornais e
filmes.
Não
lembra os
nomes.
Filmes em
geral, não
sabe
nomes.
JN
Metrópole/Cultura
Não sabe
falar.
Não sabe
nomes.
JN
Globo
Repórter
Fantástico
JN
A Grande
família
Fantástico
Filmes e
jornais da
Globo.
73
De acordo com a Tabela 5 os surdos demonstraram, assim como os professores,
ter preferência pelo canal brasileiro Rede Globo, sendo que seis, dos oito surdos
entrevistados, citaram o canal como um dos seus preferidos. A preferência pela
emissora se deve às produções jornalísticas que emitem as notícias por meio das quais
os surdos se informam dos acontecimentos do mundo.
Outro canal de preferência dos surdos e igualmente dos professores é a TV
Cultura, mas neste caso a preferência pelo canal se deve, também, ao conteúdo
jornalístico da emissora, que possui telejornais e programas de conteúdo informativo
voltado para esportes, ecologia e entrevistas, entre outros.
Além dos programas informativos/jornalísticos, os surdos demonstraram serem
telespectadores de filmes e seriados, por isso apontaram o canal à cabo Universal como
um dos favoritos. Assim como demonstra os depoimentos abaixo.
“Eu assisto Universal Chanel porque gosto dos filmes de detetive, seriados,
filmes em geral. Eu gosto de cinema, acho que filme nos dá uma visão boa da
realidade” (S2)
“Eu gosto muito de filmes, os de história antiga e que contam coisas da vida”
(S3)
A NBC Universal é uma companhia de mídia e entretenimento formada em
maio de 2004 e opera uma rede de televisão aberta nos Estados Unidos, vários canais de
televisão paga, um grupo de estações locais de TV distribuídos pelo país, empresas
cinematográficas, produtoras de conteúdo televisivo e parques de diversões
(<http://www.nbcuni.com
>, online). No Brasil, o Universal Channel é programado pela
Globosat.
Os seriados e filmes transmitidos no canal exibem modelos de vida norte
americano e possuem produções baseadas em vida real e produções fictícias. Todo o
canal é envolvido por elementos confeccionados em softwares de programação gráfica
modernos, como o 3D, um software usado para criar elementos e imagens em terceira
dimensão. Portanto, o pacote gráfico, incluindo logomarca, vinhetas e chamadas de
programas são todos desenvolvidos com alto potencial que valorizam o design das
imagens e dos elementos computadorizados usados para chamar a atenção do
telespectador.
74
Ademais, toda a programação do canal é falada em inglês, portanto o público
brasileiro têm acesso às produções pela legenda. Mas nesse caso, a legenda é produzida
com alto nível de qualidade, já que todos os brasileiros que não falam inglês, ouvintes e
surdos, utilizam da legenda no canal.
Estes fatos vêm afirmar as suposições de que o surdo é um ser que destina
grande atenção aos detalhes da imagem e que o sentido da visão aguçado pode produzir
novos significados na sua vida.
Para o surdo, que se comunica através da Libras e que por isso educou o seu
olhar de uma outra maneira, os recursos visuais são de extrema valia, pois a Libras é
uma língua visual-espacial, isto é, configura-se em um espaço e é visualizada. O
emprego do olhar aos movimentos rápidos das mãos, dos dedos, junto com as
expressões faciais que também produzem signos, e a capacidade de gerar significados e
sentido, por essa forma de expressão, aguçam mais o olhar do surdo. Para ele essas
relações representam um ato natural, como para nós é a fala. Portanto, embora a atenção
aos detalhes seja uma realidade na sociedade ouvinte, ela é mais aperfeiçoada no mundo
dos surdos, o que se constituí como uma diferença. Mas essa diferença do surdo, não
está conotada na ausência, e sim, na existência de um “algo mais” para a sua visão, em
conseqüência, para a sua cultura e identidade. Dessa forma, para Quadros (2003).
Essa cultura surda é multifacetada, mas apresenta características que são
específicas, ela é visual, ela traduz-se de forma visual. As formas de
organizar o pensamento e a linguagem transcendem as formas ouvintes. Elas
são de outra ordem, uma ordem com base visual e por isso tem características
que podem ser ininteligíveis aos ouvintes (p.5)
A seguir o estudo mostra o Quadro 3 com o objetivo de discutir a relação entre
o surdo,a televisão e a sociedade.
QUADRO 3 – O surdo, a televisão e a sociedade.
Respostas Questões
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8
Síntese das
respostas
das
perguntas
Discute
televisão
com
família e
amigos?
raramente Discute
com amigos
Discute
bastante
com a
família e
com filha
As notícias
que marcam
Notícias e
filmes
Discute
com os
amigos
sobre filmes
Não discute Notícias de
jornal
Geralmente
discutem
notícias e
filmes.
A família
comenta o
que
assiste?
Só entre
eles
Não mora
mais com a
família
Comentam
sobre o que
passa na TV
sobre a vida
Comenta
entre eles,
mas o surdo
presta
atenção.
É difícil. Pouco. não Falam sobre
novelas,
mas só
entre elas
Comentam
pouco,
quase nunca
com o
surdo.
Assiste
algum
programa
de televisão
com
amigos?
Não. Não assiste não não Filmes. Filmes e
seriados.
não não Apenas
filmes, mas
no geral não
assistem
76
De acordo com o Quadro 3 a maioria dos surdos entrevistados conversa com
amigos e com a família sobre filmes e noticiários que assistiram na televisão. Eles
afirmaram que discutem esses assuntos para trocar experiências e porque são assuntos
que geram polêmicas na sociedade. Como é o caso dos depoimentos abaixo.
“Discuto com meus amigos alguma coisa que aconteceu nas notícias, uma
coisa que marcou a nossa cabeça” (S4)
“Discuto bastante. Eu pergunto para a minha família pra depois saber explicar
pra minha filha. Quando ela for crescendo eu tenho que saber orienta-la,
então eu pergunto tudo pra família pra poder educa-la” (S3)
“Discuto as notícias e às vezes os filmes. Quando assistimos o mesmo filme
falamos sobre eles” (S5)
Já quando perguntado se a família costuma comentar o que assiste com o surdo
pode-se perceber que apenas um dos surdos (S3) afirmou que a família conversa com
ele sobre os fatos televisivos. Outros surdos, como o (S1), (S4) e (S8) afirmaram que a
família comenta sobre televisão, mas entre os ouvintes da casa, sem incluir o surdo na
conversa. Assim como demonstra os depoimentos abaixo, indicando uma história de
exclusão do surdo no próprio núcleo familiar.
“Entre eles, sim. Comigo eles não comentam porque não tem paciência pra
ter essas conversas comigo” (S1)
“Comenta bastante entre eles, mas eu percebo que eles estão falando das
notícias, da novela e fico prestando atenção. Às vezes eu entro na conversa,
mas nem sempre. Eles falam muito rápido sobre isso, então eu entendo
algumas coisas pelos lábios, só.” (S4)
“Minha mãe e minha avó falam o tempo todo só de novelas, mas só entre
elas.” (S8)
“O movimento surdo é regado pela dialogicidade”, Teske (2005, p.140). O
diálogo, na cultura surda, deve ocorrer permanentemente e não pode, como geralmente
acontece entre os ouvintes e os surdos, se caracterizar como tal, pois os pensamentos
não complementarão ou se confrontarão para se chegar a idéia ou um consenso sobre
um determinado assunto. Para o surdo, estabelecer relação entre os pensamentos, sobre
77
os fatos da vida, é importante, pois através do que o outro pensa ele afirma o seu senso
de mundo e se constitui como um sujeito. Assim como complementa Teske (2005).
A dialogicidade é fruto da criação humana. É uma das categorias possíveis
para se pensar o mundo da vida, movido pela própria criatividade. Esta
categoria é instigante e instigadora, ao mesmo tempo, na busca de algo mais.
A curiosidade instigadora sempre é uma boa tarefa para nós, seres
inacabados, nos darmos conta do nosso inacabamento. Só é possível existir
esperança, quando nos damos conta de que não sabemos tudo, mas que temos
potencialidade de conhecer e desvelar o mundo onde estamos inseridos. Estes
sentimentos nos apontam vários caminhos onde faz parte a radicalidade
dialógica. A partir desta concepção é que os surdos podem olhar o mundo, ao
invés de apenas vê-lo, e os ouvintes podem escutá-lo, ao invés de apenas
ouvi-lo. (p.144)
As pessoas nascem dentro de um grupo, ao qual estão inseridas e sujeitas as
formas de criação e pensamento de mundo. À medida que se desenvolvem, vão se
relacionando com os pais, amigos, professores e outros interlocutores da vida social.
Assim como explica Teske (2005).
Individualmente e progressivamente os sujeitos aprendem sobre as normas e
valores da família e da comunidade, da sociedade na qual vivem, e sobre os
objetos e tecnologias disponíveis que estão presentes em seu mundo social.
Este processo é tradicionalmente conhecido por enculturation
9
.Ele envolve o
indivíduo e o seu grupo social em um todo complexo, cujas relações
requerem uma comunicação também complexa, pois é desta forma que os
sujeitos incorporam a cultura (p.147)
Os surdos que nasceram em famílias ouvintes acabam sofrendo uma forma de
exclusão dentro de suas próprias casas, pois os pais ouvintes não sabem ao certo como
se comunicar com os filhos surdos e, em raros casos, procuram cursos de Libras para
aprender a língua dos filhos. Nesses casos, os surdos acabam perdendo, de certa forma,
nesse processo conhecido como enculturation, pois os valores culturais herdados
socialmente pelos pais encontram, na relação com os filhos, algumas barreiras
intransponíveis que o impedem de ser transmitidos por conta da falta de comunicação.
É por este motivo que no Quadro 3 encontra-se a diferença entre a forma de
diálogo com a família sobre os fatos vistos na televisão e a forma de diálogo com os
amigos. Pois quando o surdo encontra seu grupo e dialoga com outros sujeitos surdos,
ocorre um processo emancipatório, onde o fluxo de informações não encontra barreiras.
9
Enculturation: Uma pessoa nasce dentro de um grupo e habitualmente é socializada pelos pais, amigos,
professores e outros. Individual e progressivamente aprende sobre as idéias, normas e valores familiares,
da comunidade e da sociedade na qual eles vivem e sobre os objetos e tecnologias artificiais do seu
mundo social. (EMERTON, 1996 p.138)
78
Esses momentos que ocorrem trocas de informações são indispensáveis. Assim como
explica Teske (2005).
A comunidade surda é um complexo de relações e interligações sociais, que
diferem de outras comunidades onde existe a possibilidade da comunicação
oral, pois as pessoas surdas necessitam da língua de sinais e das experiências
visuais para realizarem uma comunicação satisfatória com outras pessoas
(p.148)
O Quadro 3 mostra ainda, segundo os depoimentos dos surdos, que poucos
costumam assistir produções televisivas com seus amigos. Apenas dois dos
entrevistados disseram que assistem filmes e seriados com amigos (S5) e (S6). É mais
importante pra eles dialogar com outras pessoas sobre o que assistem sozinhos, na
televisão.
Nessa lacuna cultural, a escola, com professores fluentes em Libras, pode se
tornar um espaço importante de inclusão do aluno surdo quando prevê discussões sobre
fatos atuais circulados pela mídia. Os alunos ouvintes, naturalmente, participam de
discussões em aula, pois compartilham a mesma língua. No caso dos surdos nascidos
em lares de ouvintes, a escola pode vir a desempenhar um necessário papel de informar
e elaborar a crítica às notícias divulgadas nas mídias.
A seguir será apresentada a discussão acerca do Quadro 4, que trata da forma
como o surdo usa as informações recebidas pela televisão na escola.
QUADRO 4 – O surdo e as informações da televisão na escola.
Respostas Questões
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8
Síntese das
respostas das
perguntas
Você usa as
informações
da TV na
sua vida?
sim Para se
informar
e
conhecer
outras
culturas
Uso até
para
educar a
minha
filha
Uso para saber
dos novos
aconteceimentos
Usa para
ser mais
inteligente
Informar
e
conversar
com os
amigos
Usa para saber
dos
acontecimentos
Se
informar
No geral eles
usam para
ficarem
informados dos
acontecimentos
do cotidiano
Comenta as
informações
da TV na
escola?
Pensava,
mas não
comentava
Não
lembra
Na
faculdade
comentava
bastante
coisa
Notícias do
jornal
Filmes e
notícias de
jornal
Comenta
sobre
filmes
não Comenta
sobre
notícias
As notícias e
os filmes são
bastante
comentados
em aula
Os colegas
comentam
sobre TV
na escola?
Sim,
bastante.
falavam sim Comentam e
relacionam com
a aula
Falavam
de filmes e
notícias
filmes Notícias de
jornal
Comentam
se o
professor
lembra de
algo
Os amigos
falam de
notícias e
filmes também.
80
De acordo com o Quadro 4 todos os surdos entrevistados, assim como os
professores, afirmaram usar as informações da televisão em sua vida para, no geral, se
informarem melhor, saber de novos acontecimentos do mundo, desenvolver o
conhecimento, conhecerem outras culturas e até para proporcionar melhor educação aos
filhos. Assim como podemos verificar nos depoimentos abaixo.
“Eu uso para me informar e conhecer outras culturas, outros lugares” (S2)
“Eu uso até para educar a minha filha” (S3)
“Eu uso bastante porque fico sabendo de muita coisa pela televisão. Fico
sabendo de novos projetos de cultura, das leis, dos preços, de tudo o que
acontece no mundo. Eu leio em sites também, mas na televisão é melhor
porque a gente vê, [...]” (S4)
“Uso para ser uma pessoa mais inteligente, mais informada e pra saber mais
das coisas” (S5)
“Uso pra saber mais sobre os acontecimentos, me informar e conversar com
os amigos” (S6)
Quando questionados sobre o uso das informações da televisão na sala de aula se
os surdos e seus colegas de classe costumavam comentar fatos vistos na televisão
durante as discussões da aula, alguns, (S1), (S2) e (S7), disseram não comentar ou não
se lembrar deste fato. Como nos depoimentos abaixo.
“Lembro-me de ter pensado em assuntos. Acho que não comentei porque eu
me manifestava muito pouco” (S1)
“Não lembro” (S2)
“Eu não lembro, acho que não comentava” (S7)
Outros, (S3), (S4), (S5), (S6), e (S8), disseram que comentavam sobre notícias
de telejornais e sobre filmes. Como nos depoimentos abaixo.
“Quando estava na escola ainda não tinha legenda, então não me lembro. Mas
na faculdade já tinha legenda, então as informações tinham significado pra
mim. Daí eu comentava bastante coisa” (S3)
“Ah eu comento sobre notícias de jornal, sobre filmes. Os colegas também
comentam. Sempre alguém assistiu alguma coisa que é parecido com o
assunto da aula, daí acaba contando” (S4)
81
“Eu comento porque às vezes estamos estudando algum assunto que passou
em algum filme que eu assisti, daí eu comento sobre o filme” (S6)
“Comento sobre as notícias. Às vezes o professor fala e a gente assistiu. Os
colegas também comentam quando o professor se refere a algum assunto da
TV” (S8).
Em seu estudo, Tartuci (2005) desenvolveu trabalho de campo abrangendo
observações de escolas em salas regulares, durante aulas de diferentes disciplinas, nas
quais existiam, em sua minoria, alunos surdos e em sua maioria, alunos ouvintes.
Através do trabalho de campo a pesquisadora constatou que “as escolas envolvidas não
têm passado por qualquer alteração em sua estrutura e em seu projeto a fim de
atenderem aos alunos surdos” (p33).
As escolas mencionadas no estudo não apresentam condições que adéqüem
práticas pedagógicas às diferenças e peculiaridades exigidas pelos surdos no processo
de ensino-aprendizagem. Não apresentaram ainda comprometimento com a condição
bilíngüe do sujeito surdo, oferecendo condições para aprender em Língua Brasileira de
Sinais - Libras. E, contudo, não apresentaram “nem indícios de preocupação com a
forma de inclusão que está sendo implementada” (p.33).
A constatação de Tartuci (2005) é mais uma das conclusões que chegam os
estudiosos do assunto que percebem como a escola está ausente de considerações sobre
as peculiaridades do surdo. A história do surdo na escola é de sofrimento, descaso e
desistências. Mas resistentes, como alguns dos entrevistados do presente estudo, que
também passaram pela exclusão e omissão durante o ensino fundamental e médio,
conseguem, a duras penas, trilhar o caminho da universidade.
As possibilidades de iniciar o diálogo entre professor e surdo, ou entre aluno
surdo e aluno ouvinte, segundo o estudo de Tartuci (2005) eram poucas tentativas onde
a forma de comunicação era menosprezada, “dificultando a produção de conhecimento
do surdo e os deixando à margem do processo ensino-aprendizagem, ou à margem do
diálogo” (p.33). Assim, os alunos surdos estabeleciam relação desigual com os demais
alunos e a situação se agravava tanto no campo das relações sociais, quanto na
necessidade de se afirmarem como sujeitos surdos.
Ainda segundo o estudo de Tartuci, as dificuldades de interação e comunicação
entre professor, surdo e ouvinte impedem a produção de conhecimento pelo surdo,
deixando-o sempre imerso em um jogo do faz-de-conta, onde a presença física e a cópia
82
da matéria fazem com que os outros não se incomodem com eles, já que “visualmente”
eles obedecem ao mesmo padrão do aluno ouvinte. Como explica Tartuci (2005).
Os alunos surdos acompanham o ritual – abrem pastas, abrem livros e
cadernos, “lêem” e copiam, fecham livros e cadernos, guardam cadernos e
livros – por fim, respondem ao sinal, para iniciar tudo outra vez com outro
professor e, finalmente, ir para casa, aguardando um novo dia de aula. As
ações realizadas e seguidas, pontualmente, pelos surdos durante as atividades
acabam por se constituir em estratégias de ingresso no grupo majoritário.
Essas ações possibilitam ao surdo, “integrar-se”, ser/fazer parte do grupo de
ouvintes.(...) Talvez cumprir o ritual seja, acima de tudo, uma estratégia de
resistência, pois do contrário, restaria ao aluno surdo o fracasso e o abandono
da escola (p.34).
O fato dos surdos entrevistados pertencerem às categorias Identidades Surdas
(identidade política), Identidades Surdas genealógicas e Identidades Surdas Híbridas,
segundo Perlin (2002), explica o motivo de a maioria ter afirmado que comenta ou
comentou, durante as aulas, sobre assuntos ligados à televisão. Esses surdos, com
exceção do (S3), que mencionou que comentava sobre televisão apenas na faculdade,
quando já existia a legenda, não se referiram à época em que comentavam sobre
televisão, mas através do estudo de Tartuci (2005), da época que surgiu a legenda e pela
idade dos entrevistados podemos subentender ou ler nas entrelinhas que os surdos se
referiam à televisão em sala de aula após completarem o ensino fundamental, momento
em que a identidade surda já estava formada e quando uma das características do grupo
é de se impor entre os demais para alcançar seu espaço na sociedade.
Também podemos entender, após o relato de Tartuci (2005), o motivo de alguns
surdos mostrarem que não se lembram de ter comentado sobre a TV na época da escola,
porque não se expressava muito durante a aula ou porque ainda não existia legenda na
TV. A comunicação estabelecida com eles era irrelevante e “no jogo do faz-de-conta
que são realmente estudantes”, o diálogo e a expressão de suas idéias não eram regras
básicas.
O fato é que o Quadro 4 afirma ainda mais a constatação de que o surdo como
um ser visual que poderia usar os recursos visuais para melhorar a qualidade da
aquisição de conhecimento. Portanto, pode precisar de adequações da escola ao sistema
de ensino que lhes é empregado. Assim como o ouvinte, que assiste televisão e faz
relação do que assistiu com o que é discutido na escola, o surdo também o faz. O uso da
informação da vida pode ser o diferencial para modernizar o projeto das escolas, a
formação dos professores que lidam com surdos, chegar a formas concretas de ensino-
83
aprendizagem e resultar em programas sócio-educacionais mais interessantes e
comprometidos com a inclusão e com as diferenças na escola.
A seguir será apresentado o Quadro 5 que demonstra o pensamento do surdo
sobre a televisão.
QUADRO 5 – O pensamento do surdo sobre a televisão
Respostas Questões
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8
Síntese das
respostas
das
perguntas
O que você
pensa
sobre
televisão?
Ela é boa,
mostra
muita coisa
que a gente
não veria e
nem saberia
pelas outras
pessoas.
É ótimo. As
pessoas
devem
escolher o
que
interessam
para ajudar
na vida
delas
Gosto da parte
de cultura,
história,
conhecimento,
eu acho que ta
bom.
Gosto.
Acho que
deveriam
ligar mais
pro surdo,
pra gente
poder
assistir
tudo.
Gosta. É a
forma de
entender
melhor o
mundo
Gosta pra
distrair,
passar o
tempo
Gosta de se
informar
Bom pra
saber o que
acontece
Imagem
positiva da
televisão,
no geral,
pelas
informações
que tem
acesso.
A televisão
te ajuda
em alguma
coisa?
Ajuda a
entender as
coisas da
vida
Ajuda. As
reportagens
são
relacionadas
com o tipo
de vida de
cada um,
elas ajudam.
Uso
também
para
cozinhar
Ajuda na
minha vida.
Eu me
informo,
ajudo minha
filha
Ajuda
porque eu
me
interesso
pelas coisas
A viver
melhor
Aprendo
com ela
A ver as
coisas
Ajuda na
vida, pra
saber da
infromações.
Aprendem e
se
informam
85
De acordo com o Quadro 5 e da mesma forma como nas entrevistas com os
professores, todos os surdos pensam aspectos positivos referentes à televisão. A
diferença se caracteriza pelo surdo não mencionar, em momento nenhum, os aspectos
negativos da televisão, como os professores mencionaram.
Para os surdos, a televisão representa mais que entretenimento, pois é através
dela que eles mantêm contato com os acontecimentos da vida e do mundo, onde ficam
sabendo das informações com o mesmo conteúdo que os ouvintes têm acesso. Se para o
professor de surdo, que é ouvinte, a televisão é um veículo favorável, mas perigoso por
conta da manipulação que pode exercer, para o surdo, significa uma forma de acesso ao
meio e ao conteúdo veiculado por ela.
Todos os entrevistados referiram-se à televisão como a forma de se informarem
sobre notícias, leis e outros assuntos que não saberiam por outros meios. Assim como
demonstram os depoimentos abaixo.
“Ela é boa, mostra muita coisa que a gente não veria e nem saberia pelas
outras pessoas” (S1)
“Eu acho que é bom, ótimo. As pessoas têm que escolher os programas de seu
interesse para ajudar na vida delas” (S2)
“Eu gosto de televisão. A gente que é surdo não consegue se relacionar com
todo o mundo, falar com qualquer pessoa. Então a televisão é uma forma de
entender melhor o lugar que a gente vive e como vivemos” (S5)
“É bom pra gente saber o que acontece. Senão a gente não ia ficar sabendo de
tudo, [...]” (S8)
No Quadro 5, os surdos demonstraram ainda, que a televisão os ajuda a entender o
mundo, a apreendê-lo e a lidar com a educação de filhos. Como é o caso dos depoimentos
abaixo.
“Ajuda a entender as coisas que acontecem na nossa vida. As notícias nos
esclarecem” (S1)
“As reportagens são relacionadas com o tipo de vida de cada um, que
mostram o trabalho das pessoas, elas me ajudam. Uso os programas de
culinária também” (S2)
“Ajuda muito na minha vida. Eu me informo, fico sabendo mais das coisas,
ajudo minha filha, conheço as coisas que estão acontecendo e que eu não
saberia porque ninguém ia me falar. As pessoas não pensam que a gente que é
86
surdo tem que entender essas coisas, então não comentam muito com a gente”
(S4)
A seguir será apresentado o Quadro 6 que trata da relação entre o surdo e a legenda
Close Caption.
QUADRO 6 – O surdo e a legenda
Respostas Questões
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8
Síntese das
respostas
das
perguntas
Como você
entende a
programação
da TV?
legenda legenda legenda legenda legenda legenda legenda legenda legenda
Você utiliza
Close
Caption para
assistir TV?
Por que?
É assim que
entende a
mensagem
Sim. A
melhor
forma de
entender
Entendo
assim
Utilizo
legenda
porque não
tem janela
de libras
Assim não
precisa ler
os lábios
Sem ela não
entendo
Para
entender o
que vê.
Assim não
precisa
fazer a
leitura
labial
A melhor
forma de
entender
O que você
acha desse
recurso?
Bom, ajuda
bastante
É só 10% da
mensagem
que está
sendo
passada. A
interpretação
precisa
melhorar
Pra quem
sabe ler e
escrever é
bom
Acho bom,
uma forma
de não nos
excluírem
ótimo bom Boa opção
para o
surdo
Bom pro
surdo
conseguir
assistir
Imagem
positiva
pois
possibilita o
acesso
O que
poderia
mudar nesse
recurso?
Não sabe Ser mais fiel
a
interpretação
e passar tudo
mesmo
Não soube
responder
As frases
melhores
elaboradas
e o tempo
pra ler.
Melhor
articulado
frases e
imagem
Melhorar o
tempo para
leitura
nada Melhor
sincronia
entre
palavras e
imagem
Sincronia
de frases e
imagem.
Tempo de
leitura
87
De acordo com o Quadro 6 todos os surdos entrevistados entendem as
produções televisivas através das legendas veiculadas na televisão (close caption). Essa
forma de traduzir ao surdo o conteúdo falado pelos ouvintes na televisão tem sido a
forma mais eficiente de proporcionar ao surdo acessibilidade ao meio televisivo. Os
surdos conseguem entender o conteúdo falado e relacionar à imagem para que os signos
televisivos produzam-lhes significado.
Embora não existam ainda estudos sobre a forma como o surdo utiliza o recurso
close caption para entender a mensagem televisiva, a Norma Complementar sobre
acessibilidade a qual citamos anteriormente no capítulo II deste estudo, faz-se
necessária e pode ser encarada como um primeiro passo que garante que surdos tenham
o direito de se informar e se divertir através da televisão, assim como os ouvintes que
encaram o meio de comunicação como forma de acesso à informação e entretenimento.
Porém, quando os surdos entrevistados foram questionados sobre o motivo de
utilizarem o close caption as respostas se dividiram entre elogios e falta de opção.
Alguns surdos realmente preferem essa forma, pois acreditam que é a melhor maneira
de entender o conteúdo. Outros disseram que se não utilizarem essa forma, não seria
possível absorver e decodificar o conteúdo. Assim como explicam os depoimentos
abaixo.
“Essa é a melhor forma de entender” (S1)
“Assim não preciso ler os lábios” (S5)
“Sem a legenda não entendo” (S6)
“Assim não preciso fazer a leitura labial” (S8)
“Utilizo legenda porque não tem janela de libras e eu sou surda. Então tenho
que ler o que eles falam” (S4)
“A legenda só proporciona 10% do entendimento da mensagem que está
sendo passada. A interpretação precisa melhorar” (S2)
Embora as opiniões se dividam, é possível constatar pelos depoimentos que o
close caption proporciona a ligação entre imagem, conteúdo falado e entendimento do
88
surdo. Sem ele, possivelmente, os surdos não ficariam tanto tempo na frente da
televisão.
O close caption representa para esta comunidade, uma forma de inclusão
significativa nos meios de comunicação. Assim como demonstram os depoimentos
abaixo.
“Acho bom, uma forma de não nos excluírem” (S4)
“É uma boa opção para o surdo” (S7)
“Bom pro surdo conseguir assistir” (S8)
Quando questionados sobre as mudanças que poderiam ocorrer no sistema para
melhorar o acesso e o entendimento fica clara a idéia de que o surdo, mais uma vez, é
excluído, pois ainda que tenha acesso, ele se dá de forma dificultosa e parcial,
impedindo o entendimento real ou total da mensagem. Assim como demonstram os
depoimentos abaixo.
“Poderia ser mais fiel à interpretação e passar tudo mesmo. Teria que
ser profissionais mais qualificados pra fazer a tradução. As vezes eu
procuro, troco de canal pra ver se em tempo real eu entendo melhor. Eu
tento comparar a legenda com a leitura labial e não é nem 10% da
mensagem que eles passam. Fica pouca coisa pra entender” (S2)
“Acho que deveria ser melhor as frases e o tempo pra ler. Mas eu uso assim
mesmo.” (S4)
“as frases precisam ser no momento da imagem, senão não dá pra entender
direito” (S5)
“Tem que ser mais de acordo com o fato que ta mostrando, senão não dá
pra entender” (S8).
Embora o recurso seja muito utilizado e represente o início da inclusão do surdo
à televisão, existem dificuldades dos surdos com relação à legenda (close caption) no
sentido de haver necessidade de avançar as técnicas para o desenvolvimento do recurso
de forma que seja disponibilizado com maior qualidade.
Não se pretende, neste estudo, apontar as falhas do recurso no intuito de atacá-
lo, mas a realidade sobre a forma como os surdos usam o close caption deve ser
apontada com o propósito de chamar atenção dos produtores da televisão para que
89
vejam o público em potencial que deixam de atingir de forma integral e que, além disso,
é necessário olhar para estes telespectadores e para suas diferenças possibilitando o
acesso.
A seguir será apresentado o Quadro 7 que trata da relação entre o surdo e a
janela de Libras.
QUADRO 7 – O surdo e a janela de Libras
Respostas Questões
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8
Síntese das
respostas
das
perguntas
Na eleição,
você assiste
Campanha
eleitoral
gratuita?
Pouco não não não sim não não não Assistem
muito
pouco
Você
utiliza os
recursos da
janela de
Libras?
não As vezes.
Mas a
janela é
muito
pequena
não Quando tem
ela usa.
Usa, mas é
muito ruim
não Não, mas se
tivesse
usaria
não Utilizam
pouco, pois
o recurso
não é
oferecido.
O que você
acha desse
recurso?
Não sabe Acho que
precisa
melhorar
muito
Acho que
pras
crianças é
fundamental
Ótimo, mas
não usam
direito
Bom se for
feito da
forma
correta
A janela
seria melhor
que a
legenda
Ideal para o
surdo
Seria bom
se os
programas
oferecessem
Imagem
positiva,
mas precisa
ser de outra
forma
O que
deveria
mudar
nesse
recurso?
Ampliar a
janela
O tamanho
e os
intérpretes
Aumentar a
janela,
mudar a cor
do fundo
pra ver
melhor a
mão
Janela
maior, cores
de contraste
A janela
deveria ser
maior
tamanho Tamanho e
cores para
contraste
O tamanho O tamanho
e o
contraste
para
visualização
da mão
91
O Quadro 7, que trata da janela de Libras, tem fundamental relação com o
Quadro 6, que trata da legenda. Ambos representam formas distintas de acessibilidade
ao meio áudio-visual para o surdo. A legenda representa hoje a ferramenta mais usada
pelo surdo e é oferecida por quase todos os canais de televisão, ainda que de forma
parcial. Um fato importante para mencionar, embora as entrevistas não revele, pois
todos os entrevistados são maiores de 18 anos, é que as crianças, em sua grande
maioria, não conseguem utilizar o recurso close caption para entender a programação da
televisão, pois não sabem ler o português, língua hoje reconhecida como a segunda
obrigatória, pois a primeira língua de crianças, jovens e adultos surdos, é a Língua
Brasileira de Sinais – Libras.
O fato das crianças surdas não entenderem as legendas ainda não as exclui
totalmente do conteúdo televisivo, pois embora não existam referências bibliográficas
sobre este fato, os professores de surdos disseram, na Tabela 2 da análise dos
professores de surdos, que a maioria dos seus alunos assiste desenhos na televisão,
mesmo sem entender a língua e sem usar a legenda.
Mais uma vez é importante citar neste estudo que o surdo, em sua capacidade
visual aguçada, possui outras formas de reconhecer e entender o mundo. Para isso, é
preciso que a sociedade considere a forma espaço- visual de sua língua.
Portanto, ainda que os surdos revelem a importância da legenda (close caption)
para a sua comunidade, não podemos deixar de lado o fato de que se a língua de sinais
fosse oferecida em um espaço considerável da tela da televisão para o entendimento do
surdo, a inclusão no mundo cultural em seus diferentes gêneros oferecidos pela
televisão estaria, de fato, ao alcance total do surdo.
No Quadro 7, que trata da relação entre a janela de libras e o surdo é perceptível
a ausência de surdos que utilizam este recurso. Mas o problema não está no surdo que
não utiliza o recurso e sim na falta de oferta e de qualidade do recurso. Pouquíssimos
programas dispõem da janela de libras como recurso, apenas as vinhetas que indicam a
faixa etária permitida para a programação na Rede Globo oferecem a janela de Libras e
alguns programas esporádicos, o telejornal Telelibras veiculado em emissora local de
Ribeirão Preto (TV Thathi) e, em época de eleição, todos os canais em suas campanhas
eleitorais, dada a obrigatoriedade da lei.
Quando oferecem, com exceção do Telelibras que é um jornal voltado para o
público surdo, o fazem de forma descomprometida, pois ignoram as formas ideais de
92
produção da janela de libras para que o surdo tenha acesso satisfatório e consiga, de
fato, se informar por este recurso.
Não fossem estes percalços no caminho da janela de libras, este recurso
certamente seria usado por surdos com maior eficiência e satisfação desta comunidade.
Assim como demonstram os depoimentos abaixo.
“Acho que se fosse janela seria muito melhor que a legenda. Mas é difícil
as pessoas aceitarem isso” (S6)
“Precisa ampliar a janela de intérprete porque é muito pequena. As vezes a
pessoa não entende direito. As crianças fazem confusão com a mensagem
que foi passada. Eu gostaria que fosse ampliada.” (S1)
“Alguns intérpretes eu entendo, outros não. As vezes eu vejo e fico
analisando o que ta faltando e o que ta na janela, mas vejo que é diferente.”
(S2)
“Pras crianças é complicado porque elas não sabem português então não
entendem a legenda. Precisa de intérprete.(...) A janela é muito pequena. As
vezes a cor da roupa bate com o fundo. As vezes ta tudo preto. Tem que
melhorar muito. Tem que ser gente que entende de surdo pra trabalhar na
televisão. O ideal seria por metade da tela a informação e metade a janela
de libras”. (S3)
“É muito difícil ter janela, mas quando tem eu uso. A janela tinha que ser
maior, as cores diferentes da mão, mas tinha que ter nos programas, porque
não tem em quase nada”. (S4)
“Uso a janela, mas é muito ruim, tem que melhorar muito isso”. (S5)
“Não uso a janela. Mas se tivesse na tv eu usaria. Acho que é o ideal pro
surdo”. (S7)
“Acho que seria bom se os programas tivessem a janela, mais surdos
conseguiriam ver, as crianças que não sabem ler”. (S8)
Dessa forma fica nítida a preferência dos surdos e a vontade de possuir um
recurso que significa, para eles, a televisão falando à sua língua. A preferência dos
surdos pela janela de libras na televisão se soma ao fato, mais uma vez, de possuírem as
visões aguçadas, alem, claro, de estarmos nos referindo à sua primeira língua.
O fato é que a capacidade de visão aguçada do surdo, somada à oferta de sua
primeira língua para entender o conteúdo transmitido, poderiam fazer da televisão, uma
ferramenta sem igual para orientar surdos na escola e na vida. Para Sacks (1998) essa
capacidade visual encontra no desenvolvimento neurológico um sistema totalmente
inusitado. Assim como explica:
93
“É como se nos usuários da língua de sinais o hemisfério esquerdo
“assumisse” a esfera da percepção visual-espacial, modificando-a, aguçando-
a de um modo sem precedentes, conferindo-lhe um caráter novo, altamente
analítico e abstrato, possibilitando uma língua e uma concepção visuais”
(p.108).
Sacks (1998) continua sua análise sobre as características visuais do surdo
indagando sobre as possibilidades de desenvolverem outras capacidades visual-espaciais
não lingüísticas, como se fosse possível uma forma de inteligência visual. Seguindo
essas questões foram realizadas algumas pesquisas sobre cognição visual em surdos
usuários da língua de sinais.
Entre os estudos e as pesquisas mencionadas por Sacks, encontram-se testes de
organização espacial para verificar a capacidade de perceber um todo a partir de partes
desorganizadas e conceber o objeto, onde as crianças surdas de quatro anos obtiveram
resultados melhores que alguns alunos ouvintes do curso secundário.
Ainda sobre os testes, Sacks (1998) explica que foi investigada em Hong Kong a
capacidade de crianças surdas e ouvintes para perceber e recordar pseudocaracteres
chineses sem significado apresentados como rápidos padrões de luz. “Neste teste, as
crianças surdas conseguiram decompor os pseudocaracteres, fazer uma análise espacial
muito complexa, e isso auxiliava imensamente suas capacidades de percepção visual,
permitindo-lhes ver os pseudocaracteres num relance” (Sacks, 1998, p.110). Nesse teste,
as crianças surdas tiveram desempenho excelente, enquanto as crianças ouvintes quase
não conseguiram realizar a tarefa.
Dessa forma, a janela de Libras poderia ser extremamente útil para o surdo e fica
claro que ele daria conta de, através do olhar simultâneo, observar o conteúdo da
imagem junto com a língua de sinais. Assim, este estudo ressalta a fundamental
importância dos produtores da mídia voltar o olhar para telespectador surdo e
proporcionar-lhes as ferramentas adequadas para a acessibilidade ao meio televisivo.
94
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com
as informações e inserido no contexto destas. As informações constituem
parcelas dispersas do saber. Em toda a parte, nas ciências como nas mídias,
estamos afogados em informações fragmentadas. (...) Não sou um profeta,
mas espero que o conhecimento complexo possa ser esmiuçado e
desenvolvido. Isso permitiria a cada indivíduo assumir melhor o seu destino
individual e coletivo em sua nação e, também, o da espécie humana.
(MORIN, 2000, online)
Investigar e analisar as relações entre a televisão, a educação e o sujeito surdo
foram os objetivos desse estudo. Durante a pesquisa pode-se constatar que a televisão,
embora tenha aspectos negativos os quais são bastante criticados pela sociedade, possui
papel fundamental na vida dos seres humanos, pois atua como agente comunicador e
pode ser uma nova fonte de conhecimento.
O estudo levantou pensamentos de estudiosos que vêem na televisão um
instrumento que deve ser incluído na escola com o propósito de aproveitar os programas
educativos produzidos atualmente e de criticar outras produções que são vistas como
manipuladoras, sensacionalistas e fúteis por estarem dentro do padrão mercadológico
que a televisão está inserida, mas que devem ser questionadas pela sociedade e pela
escola para que possam contribuir com a construção do conhecimento, o senso crítico e
o saber. Dessa forma, concluiu-se que a superficialidade e a manipulação do
pensamento ocorrem juntamente com a falta de um olhar diferenciado da sociedade
perante a mídia. Assim como explica Morin (2000, online),
Hoje, a televisão domina o audiovisual dentro de uma mesma linguagem.
Mas não é o mundo audiovisual que diminui o pensamento. É, sobretudo, a
maneira como se vive. Creio que é um problema de civilização um pouco
mais profundo. Nós vivemos numa civilização da mídia, da rapidez, que
nos obriga também a sermos rápidos, a vivermos num mundo digestivo. É
observação comum a pessoa que chega em casa tão cansada que não
consegue fazer outra coisa senão assistir televisão para se divertir. A
tendência à superficialidade não vem, portanto, da mídia em si mesma, mas
das condições internas de sua produção e das condições externas da
maneira como a consideramos ou a consumimos (p.8).
Portanto, este estudo acredita na escola como o elo entre o cidadão e a mídia
televisiva no sentido de proporcionar bagagem cultural e científica para um consumo
mais consciente da televisão e para o seu aproveitamento.
95
Os principais dados do estudo apontaram que os professores de surdos, embora
assistam à televisão, principalmente os canais a cabo, demonstram certo receio com
relação à mídia, justificando que sua programação não é confiável e está impregnada de
conteúdo fútil e desnecessário. Embora tenham demonstrado tal pensamento, a maioria
concorda que a televisão pode contribuir com as práticas escolares e o aprimoramento
da didática do professor, mas sempre apontando que deve haver cautela nessa relação.
Além disso, um dado interessante apontado tanto por professores como por
surdos para justificar a preferência pelos canais a cabo é que os programas veiculados
em tais canais possibilitam ao telespectador conhecer lugares do mundo que não teriam
acesso. Observar outras regiões do mundo, possibilitando conhecer novas paisagens e
novas culturas é um dos fatores principais que levam os entrevistados a gostarem de
assistir televisão.
Outro dado importante obtido no estudo refere-se ao fato de os professores dos
surdos demonstraram usar, no dia a dia do trabalho, o conteúdo televisivo de forma
aleatória. Seja em um debate na sala de aula, ou para explicar algum conteúdo
científico, eles admitem que através do conteúdo televisivo a aula se torna mais
interessante e atrativa.
Quanto aos tipos de telespectadores, os resultados desta pesquisa apontaram um
grupo de telespectador diferente e assíduo, capaz de decodificar os signos televisivos e
atribuir significados para eles. Os surdos demonstraram-se capazes de entender as
mensagens televisivas e necessitam usufruir o direito de acesso pleno às produções
veiculadas na televisão, assim como também aos modos de produção e às críticas do
conteúdo que assistem.
A ferramenta mais utilizada pelo surdo é a legenda (close caption), mas seu uso
se restringe aos surdos que compreendem a leitura em língua portuguesa, portanto, o
acesso das crianças surdas à televisão é um problema que deve ser pensado com a
intenção de criar possibilidades.
Ainda segundo os dados, a forma ideal para que surdos entendam as mensagens
da televisão, além de decodificar a imagem, seria através da janela de Libras, que
contemplaria a grande maioria dos surdos e legitimaria neste espaço midiático a Libras.
Embora muitas crianças surdas não dominem a Libras, a oferta da língua pela televisão
seria mais um estímulo pra que a compreendessem.
Os surdos passam grande parte do tempo na frente da televisão, e embora uma
parte não tenha acesso a esta mídia, pois não domina a leitura e, dessa forma não
96
consegue utilizar o recurso close caption (não existe janela de Libras na maioria da
programação). A grande maioria dos surdos entrevistados demonstrou que a televisão
faz parte das atividades diárias de suas vidas e julgam este fato importante para o
desenvolvimento humano. Assim como demonstra os depoimentos dos surdos a seguir,
“Eu penso que quem sabe se divulgar essas coisas (a pesquisa) o mundo vai
perceber que o surdo também precisa participar, precisa se informar. Eu
acredito que no futuro isso possa melhorar para o surdo” (S1)
“Eu tenho muita vontade de lutar, de divulgar, não só aqui em Ribeirão,
mas nas cidades vizinhas também. De mostrar a importância da televisão na
vida do surdo. Pro surdo assistir, aprender e se desenvolver. É muito difícil
pro surdo, as vezes ele desanima de assistir. É muito importante pro surdo,
mas ele só vê a imagem. Ele tem vontade, mas ele fica preso a vontade do
ouvinte fazer com que ele entenda. Tem um bloqueio de comunicação,
porque não são todos os surdos que escrevem e podem se comunicar. Eu
tenho vontade de lutar pra que seja uma realidade pro surdo ter acesso à
televisão” (S3)
Assim, o estudo deixa evidente a urgência do poder legislativo pensar nesse
telespectador e na forma ideal de incluí-lo na mídia televisiva pra que seja
proporcionado aos surdos condições de entendimento ao conteúdo televisivo. Ficou
claro que a legenda já significa, para muitos, o primeiro passo na acessibilidade, mas
que o ideal, inclusive para as crianças surdas, seria a janela de Libras obrigatória em
toda a programação da televisão.
Estes surdos, que demonstraram grande interesse pela mídia, estão e estiveram
inseridos na escola e vivenciam ou vivenciaram grandes dificuldades no modelo de
educação implantado e na forma como exigiram e exigem a participação intelectual nos
moldes tradicionais e oralista. Constatou-se que a escola (tanto para o surdo quanto para
o ouvinte) deve ser repensada levando em conta as influências da televisão e ainda, a
partir da pesquisa e dos resultados, que a escola do surdo pode utilizar a televisão como
aliada em seu aprendizado.
Nesse sentido, algumas experiências nas escolas para ouvintes vêm sendo
implantadas e vivenciadas com sucesso pelos que acreditam na educomunicação como
elemento transformador e inovador nas formas de apreender as mídias e a ciência. A
educomunicação é definida por Soares (NCE/USP, s/d, online),
O conceito da educomunicação propõe, na verdade, a construção de
ecossistemas comunicativos abertos, dialógicos e criativos, nos espaços
educativos, quebrando a hierarquia na distribuição do saber, justamente pelo
97
reconhecimento de que todas as pessoas envolvidas no fluxo da informação
são produtoras de cultura, independentemente de sua função operacional no
ambiente escolar. Os recentes estudos desenvolvidos pelo NCE sobre a inter-
relação comunicação e educação apontam para a emergência de um campo de
intervenção social caracterizado por oferecer um suporte teórico-
metodológico que permite aos agentes sociais compreenderem a importância
da ação comunicativa para o convívio humano, a produção do conhecimento,
bem como para a elaboração e implementação de projetos colaborativos de
mudanças sociais.
O Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo vem
implantando, desde 1996, projetos no ensino fundamental capacitando professores e
alunos para práticas de educomunicação através do rádio e da televisão. (NCE/USP,
online)
Além dos projetos que contam com a participação de alunos na prática do uso do
rádio e da televisão, que envolvem o conhecimento na forma como as informações são
produzidas, editadas e emitidas com o objetivo de demonstrar ao aluno todos os
aspectos que envolvem desde uma notícia de um telejornal até uma produção de
rádionovela ou um documentário, o Núcleo também oferece cursos de aperfeiçoamento
e formação de professores para o uso de linguagens audiovisuais dentro de sala de aula,
na perspectiva da educomunicação.
Projetos como esses, em que alunos são contemplados com uma forma mais
crítica de ver o mundo cultural e suas produções, poderiam ser pensados e empregados
nas escolas para surdos, que segundo os resultados desta pesquisa, demonstram grande
interesse pelo assunto e poderiam aproveitar de forma significativa tais oportunidades.
Não se trata de preencher o tempo de aula passando um vídeo gravado de algum
programa televisivo, ou um filme e de forma despreparada não dar seqüência
pedagógica para tal atividade. As atividades devem ser elaboradas, estudadas por
professores e apresentadas de forma planejada.
Algumas alternativas poderiam ser pensadas pela escola com a intenção de
melhorar o conteúdo escolar e o estímulo ao estudo para o surdo. Embora algumas
possam ser levantadas a seguir de forma superficial, com a intenção de elucidar o leitor
sobre alternativas que seriam trabalhadas pela escola, é preciso deixar claro que cada
uma delas necessita ser pensada pelo professor/educomunicador como um projeto de
pesquisa/trabalho, o que assegura a responsabilidade de elaborar e planejar a atividade e
aplicá-la garantindo a construção do conhecimento e a análise de resultados.
98
O uso efetivo da TV Cultura como o canal base para estas atividades seria uma
proposta acessível a todos os alunos por se tratar de um canal aberto, educativo e por
possuir na sua grade de programação uma gama variada de produções que poderiam ser
aproveitadas pela escola em seus variados níveis e suas disciplinas.
Programas como Roda Viva, Jornal da Cultura, Nossa Língua, Provocações,
Telecursos, Tecendo o Saber, Café Filosófico, Entrelinhas, Observatório da imprensa,
Sr. Brasil, Repórter Eco, Planeta Terra, Saúde Brasil, Alô Escola, Profissão Professor,
DOC TV e muitos outros, possuem conteúdo educativo e cultural e poderiam ser
utilizados de forma que os educomunicadores usassem a inteligência e a criatividade
para elaborar atividades escolares que aproveitassem tais conteúdos. Além de
proporcionar atividades mais atrativas aos alunos, seria uma forma de estimular que
assistissem conteúdos televisivos mais significativos.
O programa Roda Viva é um importante espaço de entrevistas com
personalidades distintas da sociedade onde variados assuntos e temas polêmicos são
levantados toda a semana. A escola poderia aproveitar os episódios que levassem os
temas pertinentes e relacionados com o conteúdo estudado para uma releitura e um
debate sobre o assunto após os alunos surdos assistirem o programa. Assim poderiam
também ser utilizados os outros programas jornalísticos do canal.
A partir desta ótica e utilizando as notícias em destaque na sociedade, seria
interessante que a escola promovesse debates confrontando o discurso dos programas
jornalísticos da TV Cultura com o discurso dos programas jornalísticos mais assistidos
pela população, como os jornais da Rede Globo de Televisão, o que proporcionaria um
olhar diferenciado sob a realidade social e a forma como ela é repassada aos
telespectadores pela mídia.
O programa Nossa Língua, que convida pessoas ligadas à Língua Portuguesa
poderia ser um atrativo diferente para que surdos tivessem contato mais cultural e
menos obrigatório com a língua portuguesa.
Repórter Eco, Planeta Terra, Saúde Brasil e Tecendo o Saber são programas que
tem ligação direta com o conteúdo estudado pelos alunos e poderiam servir de base para
análises, reflexões, atividades em casa, seminários em Libras, enfim, inúmeras
possibilidades dependendo da criatividade e senso crítico do professor que aplicaria a
atividade.
DOC TV é um programa que exibe documentários variados, alguns produzidos
por estudantes. Este é um programa que serve como base para discussão e aprendizado
99
de um gênero do cinema que usa fatos reais como elemento principal. Os surdos
poderiam ser estimulados até a ponto de produzirem, eles mesmos, na escola,
documentários sobre diversos assuntos, inclusive sobre suas vidas.
Os programas voltados para a cultura e para a ciência poderiam ser aproveitados
e servir como base para introduzir um tema na sala de aula que fosse aprofundado pelo
professor em uma classe que já teria feito, através da televisão, contato com o assunto.
Ensinar um assunto que os alunos já possuem em referencial se torna mais prazeroso até
mesmo para o professor, que poderá ser surpreendido com perguntas e questionamentos
dos alunos, tornando a aula mais proveitosa.
Dessa forma, o estudo demonstra a possibilidade de organizar o conhecimento
da mídia e da escola para formar uma linguagem nova, condizente com a época atual e
que seja útil inclusive a grupos minoritários como é o caso dos surdos, respeitando suas
diferenças com o objetivo de proporcionar conhecimento, sabedoria e acesso a uma
nova visão de mundo.
Com a intenção de melhorar o debate sobre este tema, é importante mencionar a
necessidade de novos estudos aprofundados em maneiras diferentes de olhar para as
relações entre os surdos, a televisão e a escola. O presente estudo limitou-se ao
pensamento de oito professores de surdos e oito surdos, uma maior abordagem seria
importante para levantar novas considerações destes sujeitos. Além disso, todos os
surdos entrevistados são escolarizados, sendo que quatro deles possuem nível superior.
Uma pesquisa com surdos do ensino fundamental seria muito relevante para
desenvolver este assunto e as dificuldades que o envolve.
Outro ponto que pode ser desenvolvido é a relação de crianças surdas com a
televisão, inclusive focando o hábito de assistirem desenhos, pois este estudo passou por
este dado de forma superficial.
Além disso, seria interessante fazer uma observação de práticas existentes nas
escolas que usam a televisão para a educação de surdos, assim como também realizar a
observação no ambiente familiar.
Considerando a necessidade de se construir práticas educativas que sejam
realmente inclusivas e que transformem o sujeito surdo, este estudo incentiva as
reflexões e as mudanças no que diz respeito aos modelos tradicionais de educação
voltados para este grupo e deixa claro a necessidade de buscar novas possibilidades para
a vida dos surdos.
100
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Acesso em: 18 de set. de 2007.
105
ANEXOS
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu__________________(nome do surdo)______________, concordo em
participar da pesquisa: “A TV, O SURDO E A ESCOLA: RELAÇÕES
POSSÍVEIS”, de autoria da mestranda Raquel Terzoni Tardelli sob orientação
da Profª Drª Tárcia Regina da Silveira Dias, e declaro estar ciente dos objetivos
da mesma, de minha participação como informante, da possibilidade de
gravações e filmagem, bem como dos cuidados de anonimato e sigilo garantidos
em possíveis divulgações dos resultados em eventos científicos.
Ribeirão Preto, ___ de _________ de 2001.
______________________________
(Assinatura do surdo)
106
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu__________________(nome do professor)______________, concordo
em participar da pesquisa: “A TV, O SURDO E A ESCOLA: RELAÇÕES
POSSÍVEIS”, de autoria da mestranda Raquel Terzoni Tardelli sob orientação
da Profª Drª Tárcia Regina da Silveira Dias, e declaro estar ciente dos objetivos
da mesma, de minha participação como informante, da possibilidade de
gravações e filmagem, bem como dos cuidados de anonimato e sigilo garantidos
em possíveis divulgações dos resultados em eventos científicos.
Ribeirão Preto, ___ de _________ de 2001.
______________________________
(Assinatura do professor)
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