Download PDF
ads:
i
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE
BASES PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ESPAÇOS O-
ESCOLARIZADOS: Um estudo com a Comunidade de Retireiros do Araguaia,
Luciara-MT
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, do Instituto
de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como parte dos requisitos
para a obtenção do título de Mestre em
Educação linha de pesquisa em Educação e
Meio Ambiente.
Mestrando: Regisnei Aparecido de Oliveira Silva
Orientador: Prof.Dr Germano Guarim Neto
CUIABÁ-MT
JANEIRO/2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
FICHA CATALOGRÁFICA
Silva, Regisnei Aparecido de Oliveira
BASES PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ESPAÇOS NÃO-ESCOLARIZADOS: Um
estudo com a Comunidade de Retireiros do Araguaia, Luciara-MT / Regisnei Aparecido de Oliveira
Silva.Cuiabá:UFMT/ I E, 2005.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para obtenção do titilo de Mestre em
Educação, linha de pesquisa em Educação e Meio Ambiente.
Orientador: Prof. Dr. Germano Guarim Neto
Bibliografia: p 85 a 92
Índice para catálogo sistemático
1. Educação
2. Retireiro
3. Conservação
ads:
ii
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Germano Guarim Neto
Fundação Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
(Orientador)
Profª. Drª Nágila Caporlíngua Giesta
Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURGS.
(Membro externo)
Profª Drª Maria Lúcia Rodrigues Muller
Fundação Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.
(Membro interno)
Prof. Dr. Manoel Francisco Vasconcelos Motta
Fundação Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.
(Membro Suplente)
iii
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à população de
Luciara que durante cinco anos me
acolheu e me ajudou a produzir este
trabalho através das conversas,
brincadeiras, festas religiosas,
acampamentos, pescarias... e a todos os
povos simples de conhecimento rico
(como os Retireiros do Araguaia), que
podem ensinar a humanidade a viver em
paz consigo e com todos os seres da
Terra.
iv
AGRADECIMENTOS
A quem eu recorro nos momentos de paz e reflexão: DEUS;
A Instituição que me proporcionou este trabalho: UFMT;
A Instituição que me acolheu profissionalmente: UNEMAT;
Aos que me proporcionaram a vida: Meu pai e minha mãe;
Aos que me confortam simplesmente por existirem: irmãos, sobrinhos, cunhada;
A quem deu novo sentido a minha vida profissional e emocional: Minha noiva;
Aos que me deram forças para continuar a caminhada: Meus amigos e amigas;
A quem acreditou que eu pudesse ir mais longe: Profª. Msc. Maria Antonia Carniello;
Aos que me conduziram pelos caminhos do conhecimento: Meus professores;
Aos que com competência e dedicação contribuíram na análise deste trabalho: Membros da
banca examinadora;
A quem se fez de porto seguro para que eu pudesse navegar nas águas profundas do
conhecimento científico: Prof. Dr. Germano Guarim Neto.
v
“A poesia do Araguaia é sua água, sua
areia, sua fauna e flora, a canoa karajá,
o luar, o pôr-do-sol, as lutas e
esperanças dos povos indígenas e do
povo ribeirinho, que no Araguaia tem
procurado uma terra de sossego, nem
sempre tão sossegada”.
(D. Pedro Casaldáliga)
vi
ÍNDICE
Lista de figuras................................................................................................... viii
Lista de quadros.................................................................................................. ix
Resumo................................................................................................................ 01
Abstract............................................................................................................... 02
1. INTRODUÇÃO............................................................................................. 03
2. PERCURSO TEÓRICO
2.1. Meio Ambiente, Humanidade e Conservação....................................... 06
2.2. Diversidade Cultural e Conhecimento Tradicional.............................. 11
2.3. O processo educativo em Comunidades Tradicionais.......................... 14
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. Os caminhos da pesquisa...................................................................... 21
3.2. Metodologia.......................................................................................... 23
CAPÍTULO I
1. O ESPAÇO DE VIVÊNCIA E OS ATORES SOCIAIS ESTUDADOS
A Região Norte-Araguaia do Estado de Mato Grosso.............................. 26
O Município de Luciara............................................................................ 29
Os Retiros................................................................................................. 31
2. ATORES SOCIAIS: Os Retireiros do Araguaia................................... 36
A identidade dos Retireiros do Araguaia................................................. 36
2.2. A organização social, política e econômica dos Retireiros...................... 39
vii
CAPÍTULO II
1.O CONHECIMENTO AMBIENTAL DOS RETIREIROS DO ARAGUAIA
1.1.Conhecimento sobre a fauna local............................................................. 46
1.1.1.A caça................................................................................................ 48
1.1.2.A pesca............................................................................................. 52
1.2.O Conhecimento sobre a flora local......................................................... 55
1.2.1.As Plantas nativas e as diferentes formas de uso............................. 56
1.3.O Saber sobre o ambiente físico............................................................... 60
1.3.1.O Saber sobre o solo, clima e sazonalidade..................................... 60
CAPÍTULO III
1. O PROCESSO EDUCATIVO NA COMUNIDADE DOS RETIREIROS
1.1. A educação no espaço não-escolarizado............................................ 65
1.2. A educação no espaço escolarizado................................................... 68
2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Educação para a vida.............................. 71
2.1. Um modelo de conservação ambiental............................................... 71
2.2. Indicadores para Educação Ambiental .............................................. 73
CAPÍTULO IV
1. O FUTURO DOS RETIROS E RETIREIROS.................................... 76
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 86
ANEXOS............................................................................................................ 94
viii
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1-Mapa da Região Norte-Araguaia...................................................................26
Fig. 2-Mapa do Município de Luciara..................................................................... 30
Fig. 3-Mapa da Comunidade dos Retireiros............................................................ 32
Fig. 4-Casa de retireiro........................................................................................... 33
Fig. 5-O Retireiro.................................................................................................... 36
Fig. 6 – Retorno ao Retiro e lida com o gado.......................................................... 37
Fig. 7-Ciclo sazonal na Comunidade dos Retireiros............................................... 40
Fig. 8-Calendário das atividades desenvolvidas nos retiros................................... 43
Fig. 9. Construção de casa, cerca, porteira e curral com vegetais nativos............. 55
Fig. 10- Pastagem nativa no inverno. ...................................................................... 61
Fig. 11-. Pastagem nativa no verão....................................................................... 61
Fig. 12- Relações estabelecidas no processo de educação ambiental................... 72
Fig. 13-Contraste entre o tradicional e o moderno............................................... 76
ix
QUADROS
Quadro 1. Principais animais citados pelos retireiros do Araguaia.........................51
Quadro 2. Principais peixes utilizados pelos retireiros...........................................54
Quadro 3. Principais plantas nativas citadas pelos retireiros..................................58
Quadro 4. Indicadores de Educação Ambiental......................................................75
1
RESUMO
O presente trabalho foi realizado com a população de uma comunidade tradicional denominada
“Retireiros do Araguaia”, localizada no município de Luciara, região Norte Araguaia do Estado
de Mato Grosso a 11° 05’25” S e 50°37’ 49” N, distante 1200 quilômetros da capital do estado,
Cuiabá. Teve como objetivo estudar a relação entre o saber tradicional desta população acerca do
ambiente e o processo educativo ali estabelecido. Utilizou-se como base metodológica a
observação participativa e entrevista semi-estruturada com retireiros escolhidos por amostra
intencional. A Comunidade é formada por aproximadamente 40 famílias que mais de seis
décadas desenvolvem uma atividade de cria de gado bovino em pastagens nativas da região. O
sistema de uso comum do espaço é característica fundamental para a subsistência destas famílias.
O gado é criado de forma extensiva nos períodos de seca (maio a dezembro) e no período
chuvoso (janeiro a abril) é retirado para as partes altas, onde não há inundação. Para se manterem
inseridos nesse ambiente, os retireiros adquiriram ao longo dos anos uma gama de conhecimentos
que vai desde o manejo da fauna e flora até o conhecimento sobre o ambiente físico (clima, solo,
temperatura). Associado a este saber, percebe-se uma forte ligação deste povo com a simbologia
e misticismo, atribuindo a estes fatores, diversos fenômenos naturais. Todo esse conhecimento é
entendido como um processo educativo informal que ocorre em espaços não-escolarizados no
cotidiano das famílias de acordo com suas manifestações culturais. Nota-se que é este o
conhecimento de que dependem para sobrevivência no local, sendo passado de geração a geração,
por meio da observação e oralidade e registrado culturalmente na memória do povo. Este modelo
é entendido como Educação Ambiental informal e pode servir de subsídio para discussões em
espaços escolarizados, pois além de garantir a permanência da população no local, garante o
equilíbrio do ambiente e consequentemente a conservação da biodiversidade. Além desse saber, a
população participa da educação desenvolvida nos espaços escolarizados, entendida como
educação formal, utilizando-a como mecanismo de conquista de seus direitos e luta para uma
“melhor qualidade de vida”. Estes dois modelos de educação são fundamentais para consolidar o
processo educativo na comunidade e garantir a identidade da população retireira.
Palavras-chave: educação; retireiro; conservação
2
ABSTRACT
This work was carried out with the population of a traditional community called Retireiros do
Araguaia”, in Luciara, Araguaia north region of Mato Grosso State at 1 05’25” S and 50º
37’49” N, at 1200 Km fron the State capital Cuiabá. The aim was to study the relationship
between the traditional knowledge of that population about the environment and the educational
process established there. Participative observation and semi structured interview were used as
methodological base to collect data from itentional sampled retireiros. The community is formed
by about 40 families that region. The common space use systen is a fundamental characteristic
for the subsistence of these families. The cattle raising is extensive in the drought period (may to
december) and in the rainy period (january to april) it is withdrawn to the high sites, where there
is no inundation, being confined in small areas. To maintain thenselves inserted in this
environment, that people have acquired along the years a range of knowledge that goes fron flora
and fauna managemente to the knowledge of the physical environment (climate, soil,
temperature). Associated with that knowledge, it is discernible a strong junction of this people
whit the simbology and mysticism, attributing to these factors, diverse natural phenomenon. All
that knowledge is understood as an informal education process that occurs in non scholastic
spaces in the families quotidian according to their cultural manifestations. It is noted that this is
the knoledge they depend to suvive in that local, being passed fron generation to generation, by
the observation and orallity and cultured recorded in the folk memory. This model is understood
as informal Environmental Education and may serve as a subsidy to discussions in scholastic
spaces, because beyond to warrant the local population permanency, it warrants the
environmental equilibrium and consequently the biodiversity conservation. Beyond that
Knowledge, the population takes part in the education developed in scholastic spaces, understood
as formal education, using it as a machanism of conquest of their rights and fight for a “better life
quality”. These two education models are fundamental to consolidate the educative process at the
community and to warrant the identy of that people.
Key-Words: education; retireiro; conservation.
3
1. INTRODUÇÃO
E aquilo que nesse momento se revelará aos
povos surpreenderá a todos, não por ser
exótico, mas pelo fato de poder ter sempre
estado oculto quando terá sido o óbvio.
(Milton Nascimento)
A Região Norte-Araguaia do Estado de Mato Grosso é banhada pelo Rio Araguaia e seus
afluentes. Esses rios e as características do ambiente: clima, solo, vegetação, regime de chuva
proporcionam à região peculiaridades que exigem das populações que ali vivem uma estreita
relação com o ambiente local.
Nesta região vive um grande número de grupos étnicos, dentre eles os povos indígenas
Karajá, Tapirapé e Xavante. Além dos povos indígenas a presença de populações tradicionais
não indígenas que vivem em comunidades isoladas nesse ambiente, numa relação de dependência
dos recursos naturais. Esta dependência levou esses povos a construir um vasto conhecimento do
ambiente local e criar mecanismos de manejo dos recursos, garantindo o suprimento das
necessidades da comunidade e conseqüentemente a sobrevivência da população.
Estas populações não indígenas são encontradas, principalmente ao longo do Rio
Araguaia, em agrupamentos humanos denominados “comunidades tradicionais”. Dentre essas
comunidades encontra-se a Comunidade dos Retireiros do Araguaia, local de realização deste
trabalho.
A população desta Comunidade se autodenomina “retireiros” e são profundos
conhecedores do ambiente físico e natural, pois é deste saber que necessitam para se manter no
ambiente.
Nesta comunidade há uma evidente preocupação com o processo educativo escolar, com
ações que proporcionam melhoria da qualidade de vida da população, tanto no presente como no
futuro. No entanto, o conhecimento de que dependem para a sobrevivência no ambiente
(Comunidade dos Retireiros) não provém da educação escolarizada, e sim, de um modelo de
ensino e aprendizagem não escolarizado que acontece nos espaços vivenciados, bem como no
interior da cultura local através das atividades diárias, na cotidianidade, sendo transmitido pela
oralidade para as gerações futuras. É esse conhecimento, construído nas manifestações culturais,
que tem garantido aos povos de comunidades tradicionais uma relação de equilíbrio dinâmico
entre os seres humanos e destes com o ambiente natural.
4
Nesse sentido, no presente trabalho procurou-se harmonizar estudos sobre educação,
comunidades e saberes tradicionais e ainda a interação humana com os recursos naturais. O
estudo dos aspectos culturais foi imprescindível para a compreensão e discussão em torno do
modelo de vida adotado pelas populações tradicionais.
Para conceituar populações tradicionais utilizou-se as definições teóricas de Colchester
(2000), onde apresenta os povos tradicionais como grupos étnicos que possuem uma identidade
própria e garantem a sua subsistência com a exploração dos recursos do ambiente em que vivem,
sem contudo serem politicamente dominantes.
Vários outros autores contribuíram nas discussões sobre comunidades e populações
tradicionais, dentre eles destacam-se Diegues (1996, 2000) e Morán (1990). Estudos em
etnobiologia também foram fundamentais para o enriquecimento das discussões. Para tanto,
utilizou-se estudos etnobiológicos de Begossi (2002) e Posey (1996).
A etnobiologia entendida como o resultado de um entrecruzamento da biologia com a
antropologia contribuiu para esclarecer as diferenças culturais, trazer informações sobre o
conhecimento ambiental das populações, bem como auxiliar no conhecimento biológico sobre os
organismos e suas interações.
Trabalhos semelhantes a este, realizados com populações tradicionais em outras regiões
do Brasil também deram suporte ao presente estudo. Dentre esses trabalhos destacam-se a
pesquisa de Marques (2001) com brejeiros em Alagoas; Furtado (1997 e 1993) com pescadores
das várzeas do Rio Amazonas no Estado do Pará; Silva & Silva (1995) em estudo realizado com
pantaneiros no Pantanal Matogrossense e Barcelos (2003) em pesquisa realizada com pescadores
artesanais em Rio Grande RS. Essas pesquisas descrevem o cotidiano de populações
tradicionais abordando aspectos sociais, culturais e econômicos, dando ênfase ao conhecimento
acumulado ao longo do tempo e transmitido às gerações por meio das experiências vivenciadas
em cada grupo social.
Sobre educação destacaram-se os autores que discutem educação popular, promovida
geralmente em comunidades humanas. Esta educação pode ser categorizada em educação formal,
não formal e informal, que pode acontecer nos espaços escolarizados (formal) e espaços não-
escolarizados (informal e não-formal). Para essa discussão foram utilizados os pressupostos
teóricos de Guarim Neto (2000, 2001, 2003), Freire (2001), Gadotti (1995), Brandão (1994,
2002), Gohn (2001), Giesta (2001), Ruscheinsky (2004), dentre outros. Ainda em se tratando de
5
educação procurou-se fazer uma ligação desta com população/ambiente, utilizando como
referência trabalhos em educação e meio ambiente, realizados em todo o Brasil, inclusive em
Mato Grosso. Sendo assim, essas discussões foram sustentadas nos trabalhos de pesquisadores
como Guarim Neto (1995, 1999), Guarim (1995 e 2000), Bortolotto (1999), Ferreira (1995), Sato
(2003), Reigota (1994, 1996), Gutiérrez (2000). A contribuição desses pesquisadores fortaleceu
as argumentações, proporcionando uma maior compreensão da influência da educação nas
questões ambientais.
O futuro da Comunidade também foi abordado neste trabalho levando-se em conta para as
discussões, os relatos dos moradores obtidos por meio das entrevistas e contatos informais. Esses
relatos são importantes para analisar a influência de outras culturas nesta comunidade,
possibilitando assim a criação de políticas que garantam a sustentabilidade da comunidade.
O desenvolvimento desta pesquisa se deu na comunidade dos Retireiros do Araguaia em
Luciara-MT, com o intuito de estudar a relação entre o saber tradicional desta população e o
processo educativo ali estabelecido, utilizando-se para tanto as experiências vividas no cotidiano
desta comunidade, que além de promover a sobrevivência da população garantem a conservação
de manifestações da cultura local e do ambiente natural.
O estudo do conhecimento de povos tradicionais acerca do ambiente físico e natural e
suas relações com os mesmos torna-se relevante uma vez que possibilitará conhecer a
complexidade de funcionamento de diferentes ambientes naturais, bem como oportunizará
mecanismos de discussão de educação ambiental nos diversos segmentos educacionais. Esse
estudo tornará possível também a criação de estratégias de conservação ambiental e cultural,
garantindo assim, um futuro saudável ao ambiente e consequentemente à população.
6
2. PERCURSO TEÓRICO
“O Homem vive da natureza, isto significa que a
natureza é o seu corpo com o qual ele deve
permanecer em processo constante, para não
perecer”.
(Karl Max)
2.1. Meio Ambiente, Humanidade e Conservação
A história da relação entre o homem
1
e o meio ambiente tem início com o surgimento
deste na Terra.
Compreender a evolução da humanidade é fator fundamental para a compreensão das
diferentes formas de adaptação do ser humano no Planeta. De acordo com Capra (1996) os seres
humanos modernos, pertencentes ao Homo sapiens começaram a evoluir do Homo erectus entre
400.000 e 250.000 anos atrás. Essa evolução ocorreu gradualmente e se completou por volta de
100.000 anos atrás na África e Ásia e por volta de 35.000 anos atrás, na Europa.
Para o autor acima citado, embora o Homo erectus evoluísse gradualmente para o Homo
sapiens, uma linhagem diferente ramificou-se na Europa evoluindo-se para a forma Neandertal
clássica por volta de 125.000 anos atrás. As características anatômicas singulares dos Neandertais
(sólidas e robustas, com ossos maciços, testas de baixa declividade, maxilares espessos e dentes
frontais longos e ressaltados) deviam-se provavelmente ao fato de terem sido os primeiros seres
humanos a passar longos períodos em ambientes extremamente frios. Os Neandertais
estabeleceram-se no sul da Europa e na Ásia, onde deixaram para trás marcas de funerais
ritualizados em cavernas decoradas com toda uma variedade de símbolos e de cultos envolvendo
os animais que caçavam. aproximadamente 35.000 anos atrás eles se extinguiram ou se
misturaram com a espécie em evolução dos seres humanos modernos dando origem a uma
subespécie conhecida como Cro-Magnon, a qual pertence todos os modernos seres humanos.
Estes, com uma linguagem plenamente desenvolvida, criaram uma verdadeira explosão de
inovações tecnológicas e de atividades artísticas. Ferramentas de pedra e de ossos
primorosamente trabalhadas, jóias de conchas e de marfim, e magníficas pinturas nas paredes de
1
A palavra “homem” aparecerá no decorrer do texto no sentido de humanidade
7
cavernas úmidas e inacessíveis são testemunhos vívidos dos diversos mecanismos de adaptação e
das diferentes formas de manifestação cultural desses grupos ancestrais da humanidade.
Assim dava-se início a mais importante aventura da espécie humana atual: a luta pela
sobrevivência partindo do desenvolvimento de técnicas para o domínio da natureza.
O homem sempre criou formas de manejo da natureza para suprir suas necessidades. As
atitudes do homem para com a natureza têm variado através dos tempos e ainda variam entre
regiões e culturas.
Para Campos (1996), a relação do homem para com a natureza não foi ao longo da
história uma convivência tranqüila e sem traumas. Esta relação, na maioria das vezes
desarmônicas, resultou em inúmeros impactos. O aumento desse impacto aconteceu à medida que
a espécie humana foi desenvolvendo novas tecnologias e ampliando seu domínio sobre a
natureza.
Os impactos ambientais podem ser naturais ou causados pela ação humana. O maior
problema dos impactos ambientais é o causado pela ação humana (ação antrópica). O homem é
mais um elemento no sistema natural, portanto, sua ação natural (assim como de outros animais)
não causa desequilíbrios ambientais. Em Poltronieri (1999), encontramos informações de que nas
economias pré-agrícolas (caça e coleta), o impacto global sobre o meio ambiente não foi
considerável. Este impacto tornou-se acelerado à medida que a humanidade deixou de ser
nômade. A fixação de residência (vida sedentária) fez com que os recursos disponíveis tornassem
escassos, obrigando-os a domesticar animais e vegetais:
“...após a domesticação das plantas e dos animais, o desmatamento e a degradação
dos solos foram ampliados pela prática da agricultura e do pastoreio. Das
primitivas formas agrícolas até a agricultura moderna e contemporânea, os
impactos provocados pela atividade agrícola vem aumentando, em função da
ampliação da atuação do homem, em vistas dos deslocamentos espaciais que ele
realizou, passando da situação de beneficiado pelos ecossistemas naturais para a
situação atual de dominação e exploração dos recursos naturais” (Poltronieri apud
Del Rio, 1999, p. 238 ).
É interessante salientar, de acordo com Poltronieri (1999), que com o cultivo de produtos
vegetais o homem começa a produzir excedentes, o que lhes garantia a sobrevivência por um
longo período, mesmo que as condições climáticas não lhes fossem favoráveis. A produção de
excedentes levou os povos a comercializar produtos (a base de troca), dando início ao comércio e
8
sucessivamente ao capitalismo, onde agrega valores de compra a cada produto produzido de
acordo com a necessidade da população. O capitalismo industrial levou a humanidade a sorver o
capital da Terra, ultrapassando os limites suportáveis sem considerar as conseqüências
ambientais. Num momento da história, mais precisamente na Revolução Industrial, o crescimento
econômico de alguns países, principalmente da Europa, era gigantesco, tanto em manufatura
quanto em tecnologia, influenciando outros países. A produção de tecnologia teve como objetivo
conquistar a natureza para acelerar o processo de produção e conseqüentemente obter mais lucro.
A máquina a vapor, indústrias de ferro, canais, rodovias, estradas, a transformação de vilas em
cidades eram exemplos de progresso. O desenvolvimento de um país se media pela quantidade de
fumaça e lixo que produziam. Os recursos naturais pareciam inesgotáveis, neste momento a
humanidade não imaginava que a destruição acelerada desses recursos chegaria a ponto de
ameaçar a sobrevivência da humanidade.
Conforme Primack & Rodrigues (2001) a diversidade biológica que levou milhões de
anos para se desenvolver vem sendo devastada pela ação da humanidade em todo o Planeta e
muitas espécies diminuíram consideravelmente, algumas até a ponto de extinção. Entre vários
exemplos de alterações antrópicas, destacam-se os ciclos naturais, hidrológicos e químicos que
vêm sendo alterados em conseqüência da destruição dos ecossistemas, os rios e córregos que são
assoreados constantemente pelo desgaste do solo e também o clima que tem sido alterado em
decorrência da poluição atmosférica e do desmatamento.
Os noticiários mostram que as espécies nunca estiveram tão perto da extinção em tão
pouco tempo e a diversidade genética diminuiu, inclusive entre espécies com grandes populações.
Junto ao problema da perda da biodiversidade, estão os problemas relacionados à população que
cresce rapidamente e, junto a esse crescimento populacional, crescem as desigualdades sociais,
fruto do modelo de desenvolvimento econômico adotado por inúmeros países, dentre eles o
Brasil. Todos esses problemas e as ameaças à diversidade biológica, ao clima, solo, água, ar são
ameaças à continuidade da espécie humana na Terra.
Capra (1996) afirma que há soluções para os principais problemas do nosso tempo,
algumas delas até simples. No entanto, requerem uma mudança radical em nossas percepções, no
nosso pensamento e nos nossos valores. O reconhecimento da necessidade de mudança de
percepção e de pensamento infelizmente ainda não atingiu a maioria dos líderes de corporações,
administradores, professores e nem mesmo outros componentes da sociedade.
9
Ultimamente tem havido inúmeras discussões em torno do atual modelo de
desenvolvimento adotado pelas sociedades capitalistas, que se baseia na exploração dos recursos
naturais (como se eles fossem infinitos), mantendo elevado nível de produção e, no entanto, um
crescente aumento no fator degradação. Tais constatações impõem a necessidade de adoção de
um novo modelo de desenvolvimento, capaz de garantir a humanidade o direito à vida e a
perpetuação de sua espécie, ou seja, um desenvolvimento que sustentabilidade a todos os
povos, que seja orientado para a satisfação das necessidades humanas ultrapassando a
racionalidade econômica atual.
Em Primack & Rodrigues (2001), encontramos uma discussão em torno desta
problemática. Estes afirmam que o que é ruim para a diversidade biológica será, quase com
certeza, ruim para a espécie humana. Tal situação tem levado um número cada vez maior de
pessoas a se preocupar com a proteção e conservação do ambiente natural e da biodiversidade.
Para o autor acima citado o termo conservação é relativamente novo, havendo poucas definições
para tal. De acordo com Diegues (2000), a conservação é freqüentemente definida somente em
seus aspectos técnicos e científicos, sem inserí-la nas teorias mais amplas relativas aos estudos
das relações entre os humanos e a natureza. Ainda em Diegues (2000) encontramos uma
definição da organização WWF (Word Wildlife Fund) que define conservação como:
“o manejo do uso humano de organismos e ecossistemas, com a finalidade de
garantir a sustentabilidade desse uso. Inclui também a proteção, manutenção,
reabilitação, reestruturação e melhoramento de populações e ecossistemas” (WWF
apud Diegues, 2000, p. 01).
Outro conceito para o termo conservação está contido no Projeto de Lei 2.892/1992
descrito pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) onde descreve conservação
como:
“Manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a
manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente
natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às
atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações
das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral”,
(Projeto de Lei 2.892/1992/SNUC apud Diegues, 2000, p. 02).
10
Pensar em conservação ambiental é repensar os modelos de desenvolvimento implantados
em vários países, principalmente na América Latina. No Brasil, o modelo de desenvolvimento
implantado no pós-guerra provocou efeitos destrutivos sobre os sistemas naturais e sobre a
sociedade, obrigando os governos federal, estadual e municipal a criarem leis que regulamentam
a exploração dos recursos naturais e outras formas de relação do homem com o meio em que
vive.
A ciência moderna, de acordo com Brondízio & Neves (1996), nas últimas décadas partiu
em busca desesperada por modelos de desenvolvimento auto-sustentado, forçando gestores e
planejadores públicos a reconhecer que sociedades diferentes das suas, milenar ou secularmente
assentadas nesses ecossistemas, desenvolveram práticas de ocupação do espaço e de captação de
recursos naturais que poderiam ser relevantes no planejamento de ocupação regional.
As formas de utilização dos recursos naturais por populações tradicionais garantem a
sobrevivência sustentável de suas comunidades, mantendo uma harmonia entre os povos e o
ambiente local e a conservação da diversidade biológica e cultural. Esta sustentabilidade é
garantida pela adaptação destas populações em seu ambiente. “A adaptabilidade é o aspecto que
mais contribui para o sucesso das populações de Comunidades Tradicionais” Ibid. Sobre isso os
autores afirmam que:
“Mantendo sempre sua sustentabilidade econômica com base no
extrativismo vegetal e animal, e no cultivo de coivara, as populações
caboclas conseguiram, ao longo da história, identificar nichos que se
abriram no mercado regional, mantendo-se inseridos na sociedade
nacional, ainda que de maneira discreta, mantêm-se com relação a ela uma
independência invejável”, (Brondízio e Neves1996, p. 169).
Os mecanismos de adaptação dos povos tradicionais em diferentes ambientes são
exemplos para modelos de conservação ambiental. Muitas das formas de conservação da natureza
implantadas por governantes e outras entidades não têm demonstrado resultados significativos,
uma vez que deixa de lado inúmeros atores que desempenham papel importante na discussão de
temáticas voltadas para a conservação da natureza. Dentre esses atores estão os povos integrantes
de comunidades que há anos aprenderam a interagir com o ambiente em que vivem num processo
de saber local que de acordo com Geertz (1997), é passado para as gerações futuras, oralmente ou
por meio de observações do cotidiano.
11
Para Posey (1996) os povos tradicionais possuem uma vasta experiência na utilização e
conservação da diversidade biológica e ecológica. A conservação dessa diversidade depende do
reconhecimento por parte de toda a sociedade de que ecossistemas vivos e saudáveis possuem
mais valores do que aqueles improdutivos e degradados. Para o autor os povos tradicionais
podem ensinar-nos a valorizar e conservar os recursos naturais, mas para isso é necessário que
suas culturas sobrevivam.
Diante disso, que se pensar num modelo de conservação que não torne o ambiente
natural um “paraíso desabitado”
2
e sim um ambiente onde toda a diversidade biológica, inclusive
o homem, possa manter-se em equilíbrio dinâmico, garantindo uma vida saudável ao Planeta e
consequentemente à humanidade.
2.2. Diversidade Cultural e Conhecimento Tradicional
“Viver uma cultura é conviver com e dentro de um tecido
de que somos e criamos, ao mesmo tempo, os fios, o pano,
as cores, o desenho do bordado e o tecelão”.
(Brandão, 2002)
O Brasil apresenta uma extensa variedade de modos de vida e culturas diferenciadas que
podem ser consideradas tradicionais. Para Diegues (1996), as populações e culturas tradicionais
não indígenas, geralmente são consideradas camponesas e são frutos de intensa miscigenação.
Dentre elas estão os caiçaras, os varjeiros, pantaneiros, pescadores. Como garantia de
sobrevivência nesses ambientes (na maioria isolados geograficamente), essas populações
desenvolveram modos de vida particulares que envolvem uma grande dependência dos ciclos
naturais e um profundo conhecimento dos ciclos biológicos, dos recursos naturais, simbologias e
mitos. Além dessas relações, as populações tradicionais interagem em grupos humanos formando
comunidades, denominadas por diversos teóricos de “Comunidades Tradicionais”.
2
“Paraíso desabitado” é um termo utilizado por Antonio Carlos Diegues
12
Conceituar “Comunidades Tradicionais” tem sido tarefa difícil para muitos pesquisadores.
Colchester (2000) afirma que não existe definição universalmente aceita de quem são as
comunidades tradicionais. Internacionalmente o termo é usado para designar grupos étnicos
distintos que têm uma identidade diferente da nacional, retiram sua subsistência do uso dos
recursos naturais e não são politicamente dominantes.
Outro conceito para comunidade tradicional é enunciado pelo Banco Mundial onde afirma
que “as comunidades tradicionais são grupos sociais cuja identidade social e cultural é distinta da
sociedade dominante” (Banco Mundial, 1990 apud Colchester, 2000). Essas comunidades são
constituídas por uma população tradicional de características próprias, detentora de um profundo
conhecimento do ambiente local. Este conhecimento, também denominado tradicional, é
construído através da necessidade de adaptação e sobrevivência dessa população ao ambiente em
que vivem.
Cândido (2001, p. 46) corrobora com essas discussões quando afirma que “a sociedade
caipira tradicional elaborou técnicas que permitiram estabilizar as relações do grupo com o meio
mediante o conhecimento satisfatório dos recursos naturais”. Para o referido citado este
conhecimento garante um equilíbrio tanto aos povos tradicionais quanto ao ambiente em que
vivem.
Conforme Ferreira (1995), o saber dos povos tradicionais se caracteriza pela maneira de
interagir com o ambiente em que vivem. Para manter-se inseridos no sistema e mantê-lo ao longo
do tempo exigiu-se desses povos adquirirem experiências e transformá-la em saber que se
manifesta através das técnicas de trabalhar a terra, de manejar a vegetação e os animais. Nesse
sentido Freire (2001) descreve que “na prática de velejar se confirmam, se modificam ou se
ampliam esses saberes”.
Este conhecimento, denominado tradicional por Diegues (2000), pode ser definido como
o saber e o saber fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural, gerados no âmbito da
sociedade não urbano/industrial transmitida oralmente de geração em geração. Para este mesmo
autor, as populações tradicionais, além de conviverem com a biodiversidade, nomeiam e
classificam as espécies vivas segundo suas categorias e nomes. Esses povos não vêem a natureza
como selvagem e sim como algo que possa ser domesticada e manipulada, é um conjunto de seres
vivos que possui um valor de uso e um valor simbólico, participando do mundo natural e cultural.
13
Posey (1996) contribui com essa discussão afirmando que o conhecimento tradicional é
um sistema integrado de crenças e práticas características de diferentes grupos culturais. Esses
grupos, além de relacionarem com o ambiente em geral, possuem um conhecimento
especializado sobre clima, solos, cultivo, animais, vegetais e rituais.
Esta relação é discutida por Guarim (1995), onde afirma que as comunidades tradicionais
desenvolveram ao longo do tempo uma estreita relação com o seu ambiente. Esta relação
decorreu da necessidade de adaptação em resposta à exigência ambiental como garantia de
sobrevivência desses povos. Bortolotto (1999) argumenta que o conhecimento que os povos
tradicionais possuem sobre as espécies da fauna e flora e o manejo dos recursos naturais são
importantes para garantir sua sobrevivência. Como forma de manter esse conhecimento as
comunidades tradicionais têm se preocupado em transmiti-lo a seus descendentes, num processo
de educação informal, como manutenção das características culturais e conseqüentemente a
conservação dos recursos naturais. Begossi et. al. (2002) sustentam essas informações
descrevendo que tanto a transmissão genética como a cultural são bases do comportamento
humano, ocorrendo antes do nascimento e durante o desenvolvimento do indivíduo,
respectivamente.
Para Laraia (2000), o homem é resultado do meio cultural em que foi socializado, sendo
herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência
adquiridos pelas sucessivas gerações. Para este autor as inovações e invenções em determinado
grupo dependem da manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural.
Para estudar os mecanismos de transmissão cultural do conhecimento e o modo de vida de
diversas populações em diversos ambientes vislumbra-se a necessidade de uma ciência que
promova uma ligação entre as ciências naturais e sociais. Com isso surge a etnobiologia que de
acordo com Begossi et. al. (2002) busca entender os processos de conhecimento e de interação
das populações humanas com os recursos naturais.
Para estes autores a etnobiologia traz informações sobre o conhecimento ambiental das
populações, contribuindo com técnicas de conservação, bem como auxiliando no conhecimento
biológico sobre os organismos e suas interações. Além de estudar os processos de interação das
populações humanas com o ambiente natural, contribui para esclarecer diferenças culturais e
analisar a diversidade ou heterogeneidade cultural.
14
De acordo com Brondízio & Neves (1996) no Brasil, durante muito tempo, os estudos
sobre o etnoconhecimento concentram-se em comunidades indígenas. poucos estudos sobre
comunidades tradicionais não indígenas e não se tem noção da gama de conhecimento que estas
populações são detentoras.
Estudar o conhecimento, a utilização dos recursos naturais e os meios de transmissão deste
conhecimento por diferentes grupos sociais são importantes para compreender a interação dessas
populações entre si, com o ambiente em que vivem e ainda o processo educativo ali instalado.
Estes estudos possibilitam promover discussões em torno de modelos de exploração dos recursos
naturais que sejam minimamente degradante e altamente sustentáveis.
Segundo Guarim Neto et. al (1999), o estudo da temática ambiental deve ser contínuo e
centralizado no educando, com respeito a sua cultura. A educação deve produzir uma reflexão
baseada nas experiências da realidade, contribuindo para fortalecer a prática de conhecimentos
vivenciados. A essência do ato educativo é o acontecer dinâmico das lutas cotidianas. “O
processo pedagógico é esse caminhar cotidiano que busca, promove e fomenta a vida” (Gutiérrez,
2000 p.97). O resultado desse aprendizado precisa ser levado em consideração nos modelos de
desenvolvimento, pois são carregados de experiências vividas e contribuem na compreensão do
ambiente, podendo servir de instrumentos nas discussões e possíveis soluções para os problemas
atuais.
2.3. O processo educativo em Comunidades Tradicionais
Nas Comunidades Tradicionais o conhecimento de que necessitam para sobreviverem e
conviverem no ambiente provém das práticas cotidianas e das relações sociais estabelecidas entre
os grupos, onde criam e recriam formas diferenciadas de adaptação no ambiente. No entanto, as
transformações do mundo moderno e a pressão do modelo de desenvolvimento implantado no
Brasil levaram esses povos a adquirir conhecimentos gerados em espaços escolarizados a fim de
que possam reconhecer seus direitos e buscar alternativas para os problemas até então
desconhecidos pela comunidade.
15
Sobre o processo educativo em comunidades tradicionais, Reis (1995) afirma que a escola é
o local adequado para a tomada de consciência da existência dos problemas ambientais, devendo
valorizar o saber de populações tradicionais, utilizando esse saber para permear o currículo
tradicional nas escolas. Nesta perspectiva Gadotti (1995) comenta que “o professor precisa
reordenar esse saber e o seu próprio elucidando-o, tornando-o coerente. Deve cuidar para que
esse saber mantenha uma ligação com as experiências dos alunos”. Ainda sobre este assunto
Paulo Freire (2001) comenta que “respeitar o saber popular implica respeitar o contexto cultural
de cada povo”.
Para Giesta (2001) grande parte da população brasileira anseia por dias melhores, maior
participação nas tomadas de decisões e no mercado de trabalho. No entanto, a escola atual ainda
não está preparada para atender a todos os anseios da população. Sobre este assunto a autora diz:
“Ao discutir e atuar na educação escolarizada não se pode deixar de considerar
que o sistema educativo passou, dada a política de expansão escolar, de um
ensino de elite para um ensino de massa, mais flexível ao acesso, mas incapaz
de assegurar em todas as etapas, um trabalho adequado às características e
interesses dos alunos” (Giesta 2001 p.).
Este modelo de educação (educação escolarizada) surgiu como mecanismo de domínio de
povos e posteriormente como mecanismo de sustentação do sistema capitalista. Com o avanço do
capitalismo a tarefa da escola torna-se ainda mais específica e é muitas vezes contestada por
grande parte da população e por estudiosos, uma vez que ela atende o interesse das classes
dominantes e reproduz as mazelas sociais. Bourdieu (1999) destaca a influência da escola na
sociedade. Para ele, a escola exerce uma violência simbólica quando com suas práticas reproduz
a cultura dominante, sustentada por uma prática pedagógica padronizada ignorando as diferenças
sociais, culturais e econômicas. O fazer pedagógico no ensino formal não leva em conta o
interesse do aluno, a menos que este esteja em consonância com os sistemas de classes
dominantes. Brandão (2002) argumenta que o ensino formal é o momento em que a educação se
sujeita à pedagogia, criando situações próprias para o seu exercício. Neste modelo de aprendizado
a educação tem objetivos, regras e público definido. uma intenção previamente estabelecida.
Sendo esta (a intencionalidade) algo marcante na educação formal.
Sobre a educação formal Ribeiro & Ribeiro (2003, p. 156) destacam que:
16
“... a educação escolar e os sistemas formais de ensino procuram
homogeneizar os valores, a cultura, os métodos e os conteúdos de ensino
de modo que desrespeitam as particularidades culturais, as alteridades, as
diferenças de tempo/espaço e os ritmos de aprendizagem,
consequentemente, desconsidera todas as formas de aprendizagem e
educação transmitidas pela família e que leva em consideração os
costumes, as tradições, as festas religiosas, as brincadeiras, as histórias de
vida e tantas outras formas de construir um saber”.
Crespo (1998) discorre sobre educação no sentido geral. Para o autor a função social da
educação divide-se em duas principais correntes. A primeira é a que vê a educação como
transmissão, ensino de conteúdos sistematizados ao longo de gerações, onde tem como objetivo
principal a formação de cidadãos preparados para lidar com o sistema sócio-cultural e econômico
onde se inserem. A segunda corrente entende a educação como aquisição de um sistema amplo e
dinâmico de conhecimentos que não são adquiridos exclusivamente através da escola, ou pela
grade curricular do chamado ensino formal, e visa formar indivíduos críticos, capazes de entender
o mundo e a cultura onde vivem orientando suas atitudes por um padrão ético e por uma
inteligência questionadora.
O autor comenta que ambas as correntes receberam críticas:
“A primeira por seus claros compromissos com a reprodução e conservação dos
valores do sistema vigente, além de vínculo direto com o sistema produtivo. A
segunda por descolar-se da realidade de uma sociedade de massa e por ser
orientado por uma concepção elitista da educação” (Crespo, 1998, s.n.p.).
Diante dessas considerações, a escola precisa estar atenta para as mudanças que estão
ocorrendo no mundo e assim promover uma educação de qualidade. Não pode ignorar os avanços
tecnológicos e a alta competitividade do mercado mundial e ao mesmo tempo não pode permitir a
padronização das culturas nem a capacidade criativa dos indivíduos.
Sobre o papel do ensino formal Monteiro (2002) afirma que a educação escolarizada
precisa desenvolver conteúdos que proporcionem o conhecimento levando em conta o domínio
da humanidade sobre a natureza e as relações sociais estabelecidas. Assim, ela acontece
vinculada às necessidades concretas de grupos sociais com suas atividades produtivas, levando os
indivíduos ao domínio de conhecimento e de habilidades na busca de transformações
socioeconômicas.
17
Para uma população dita tradicional, a escola ocupa um lugar importante em seu plano de
vida, onde se esforça para manter seus filhos com a intenção de que terão melhor qualidade de
vida. Para os membros de uma comunidade tradicional o estudo dos filhos significa livrá-los das
dificuldades da zona rural. Educação para esses povos não é a mesma coisa que ter estudo. Para
eles, a educação é o aprendizado que adquirem na vivência do dia-a-dia com os pais ou com os
mais velhos, estando relacionada ao comportamento moral (respeito), dedicação ao trabalho e a
família. Ter estudo significa conhecer as “técnicasde viver na cidade, aprender uma profissão e
usufruir as regalias de uma vida moderna. Os livros didáticos estão carregados de informações
que divergem desse pensamento. Trazem a vida no campo como uma vida saudável e feliz, “o
homem do campo é feliz com a vida campestre, em contato com a natureza, não apresentando
nenhuma espécie de problema mais sério” (Deiró, 1978 apud Ferreira, 1995).
Diante dessas considerações percebemos que a educação formal não é o único método de
aquisição e socialização de conhecimento nos diferentes grupos sociais. O conhecimento de um
povo está relacionado ao contexto cultural em que vive. Nesta perspectiva Artunduaga (1998),
afirma que a educação é a forma privilegiada de transmitir, conservar, reproduzir e construir a
cultura.
Esse pensamento é reforçado por Brandão (2002) afirmando que não existe uma forma
única nem um único modelo de educação e ela pode ocorrer em diversos lugares: em pequenas
sociedades tribais de povos caçadores, agricultores ou pastores nômades, em sociedades
camponesas, em países desenvolvidos e industrializados. A educação pode ser uma das maneiras
que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença. É uma fração do
modelo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam em sua sociedade. Para este autor os
modos de vida, idéias, formas de saber e de pensar não refletem apenas o efeito de posições e
relações de classes ou categorias, mas a seu modo, um modo de poder. O autor ainda afirma que
os processos culturais de reprodução do saber são uma modalidade e um instrumento de
realização do poder que sustenta a teia de relações estabelecidas em diversas sociedades.
Cada grupo humano conta com os mecanismos básicos para educar seus membros dentro
de maneiras próprias que lhe garante a sociedade os elementos necessários para construir seu
dever histórico no contexto de seu projeto de homem e de sociedade.
Nos grupos étnicos a educação corresponde a processos endógenos de formação e
socialização, de acordo com as características culturais, sociais, políticas e econômicas. Os
18
processos etnoeducativos devem unir suas raízes na cultura de cada povo de acordo com os
padrões e mecanismos de socialização de cada um em particular.
Sendo assim o processo educativo nas comunidades tradicionais não se pauta apenas às
atividades formais de ensino, mas também às atividades do cotidiano da população,
proporcionadas pela própria família ou pelos componentes da comunidade num processo de
aprendizagem que se realiza ao longo da vida. Este tipo de educação é denominado informal por
Gohn (2001), a qual afirma que a referida educação decorre de processos espontâneos ou naturais
no decurso de vida dos indivíduos, tendo um caráter permanente.
Para Lima (2004) a valorização e a difusão deste saber perpassarão por uma questão de
respeito à diversidade cultural. Para esse autor, o diálogo entre os grupos sociais torna-se
relevante para discutir as questões de trabalho e as condições de vida no exercício da cidadania e
da manutenção do saber.
Diante disso podemos pensar a educação como um processo de complementação e
humanização do ser humano que se ao longo da vida, em espaços não escolarizados,
ocorrendo em casa, na rua, no trabalho, na igreja, na escola e de muitos modos diferentes. É uma
prática social anterior a escola que tem por finalidade o desenvolvimento de habilidades
existentes no ser humano de acordo com sua cultura.
A educação como mecanismo que leva o indivíduo a mudança de atitudes, remete-nos a
refletir sobre conceitos de Educação Ambiental que prepara o indivíduo para tais mudanças em
relação ao meio ambiente ou conceitos que se caracterizam por ensinar regras ambientais.
Compreendemos, no entanto, que a Educação Ambiental deve ir além das mudanças de atitudes,
promovendo a formação da consciência, contemplando aspectos de ética e cidadania. A formação
da consciência cidadã poderá levar o indivíduo a mudanças.
Entendendo a educação enquanto processo de humanização, chegamos a conclusão que
não a família e organizações, mas também a escola pode formar cidadãos livres, conscientes
do seu papel social e capazes de promover as mudanças necessárias para a melhoria da qualidade
de vida da sociedade. No entanto, se compreendermos educação enquanto resultado de um
sistema institucionalizado deixaremos de formar cidadãos e reproduziremos os problemas sociais,
perdendo a escola o seu valor.
Pensar em Educação Ambiental como formação da cidadania é preparar o indivíduo para
conhecer seus direitos civis, políticos e sociais e assim, pensar uma nova forma de encarar a
19
relação entre os seres humanos e destes com a natureza. Esta nova relação pressupõe novos
valores humanos, centrados na ética e no respeito às diversidades biológicas e culturais. Neste
sentido é importante observarmos o que diz o Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global:
“A educação ambiental para uma sustentabilidade eqüitativa é um processo de
aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal
educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e
social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades
socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação
de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e
coletiva a nível local, nacional e planetário”. (Leonardi, 1999, p.399).
Para a concretização desta nova ordem é necessário o envolvimento de toda a sociedade e
de todas as formas de ensino (formal não-formal e informal). A escola, enquanto promotora da
educação formal pode e deve encarar este desafio.
A interdisciplinaridade é um componente importante para se trabalhar a educação
ambiental, pois parte do diálogo entre as disciplinas, possibilitando aos educadores e educandos
uma ampla compreensão dos problemas ambientais. “Temos que reorientar nossos objetivos, bem
como reinventar a forma de fazer educação, criando assim, uma escola que lance sementes
daquilo que denomino de educação para a vida” (Barcelos, 2003).
A educação ambiental deve ser utilizada em todos os segmentos da sociedade como
instrumento de discussão de temáticas ambientais, dos modelos de desenvolvimento e
conservação dos recursos naturais, embora muitas vezes o termo educação ambiental tem sido
utilizado erradamente, separado do processo chamado educação, como se existisse uma educação
que fosse ambiental e outra simplesmente educação.
Sato (2003) expõe que as primeiras definições para a Educação Ambiental limitavam-se
aos aspectos de conservação dos sistemas de vida, com uma ênfase exagerada aos aspectos
ecológicos, observados até os dias atuais. O termo Educação Ambiental tem sido utilizado de
diversas formas por diversos segmentos da sociedade e em diferentes momentos. Talvez não
tenhamos e nem seja possível ter um conceito único para a Educação Ambiental. Ela pode estar
presente nos aspectos econômicos, na saúde, trabalho. Pode estar inserida nas ciências sociais,
naturais, exatas... Assim como a Educação, a Educação Ambiental pode ocorrer em todo lugar,
20
no cotidiano das pessoas, na escola, na igreja, no ambiente de trabalho, na família. Pode ser
promovida intencionalmente por escolas, ONGs ou outras organizações. Deve ser trabalhada por
diferentes atores em diferentes lugares. Portanto, todos os saberes são necessários para promover
a Educação Ambiental e todos os profissionais devem praticá-la.
Para Reigota (1996) a Educação Ambiental é uma filosofia da educação que tem por
objeto a formação do cidadão, visando não a utilização racional dos recursos naturais, mas
também a participação nas tomadas de decisões. Deve procurar estabelecer uma aliança entre a
humanidade e a natureza, tendo como base o diálogo entre gerações e culturas, estimulando a
ética nas relações econômicas, políticas e sociais.
Guarim Neto (2001) aponta a Educação Ambiental como um instrumento para se ter uma
educação para o ambiente com fortes indicadores para a introdução do conhecimento manifesto
através do saber não escolarizado em um ambiente escolarizado. Para o autor nos espaços não-
escolarizados as relações se manifestam em uma adaptabilidade que mostra a importância da
manutenção dos valores ancestrais:
“Nesses espaços de vivência e de pluralidade de experimentações, impregna-se
um saber próprio que define, em muitos casos, entre as comunidades humanas
inseridas nesse ambiente, características biorregionais de fundamental
importância para a manutenção das relações ecológicas, educativas, sociais,
econômicas e culturais” (Guarim Neto, 2001, p.341).
Diante dessa abordagem a Educação Ambiental não escolarizada pode servir de
instrumento para a discussão ambiental em espaços escolarizados. Ruscheinsky (2004) afirma
que este modelo de Educação Ambiental possui todas as virtudes que apontem para uma maior
abertura à sociedade civil, sem o rigor das formalidades, transformando-se na mediação do
discurso socioambiental brasileiro.
Dessa forma, educação e meio ambiente se fundem, fundamentando um processo
educativo, o qual é gradativo e mostra caminhos a percorrer, situações a enfrentar e desafios a
vencer, dentro dos limites e possibilidades de cada ser humano, fora ou dentro da própria escola.
Uma relação educativa para a vida, em uma dimensão cósmica, transcendental.
21
3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
“Estudar culturalmente um outro indivíduo,
grupo ou população, significa também tornar-se
mais consciente de si mesmo enquanto postura e
forma de vivenciar o mundo”.
(Viertler, 2002)
3.1. Os caminhos da pesquisa
O interesse na realização desta pesquisa se deu a partir de uma longa convivência com os
moradores da Comunidade dos Retireiros do Araguaia. Esta convivência teve início em 1998
quando fui morar na cidade de Luciara, município onde se localiza a referida Comunidade, à
margem esquerda do Rio Araguaia, Região Norte - Araguaia do Estado de Mato Grosso. Região
esta historicamente caracterizada por uma forte tensão social e cultural em virtude de freqüentes
conflitos agrários entre grupos indígenas, posseiros e latifundiários.
As peculiaridades dessa região e da população retireira, em especial, motivaram
acadêmicos de Geografia e História da Universidade do Estado de Mato Grosso, a realizarem
seus trabalhos de conclusão de curso abordando aspectos das relações sociais ali estabelecidas.
Embora esses trabalhos tenham uma consistência científica e serviram de base teórica para outras
produções, não trazem informações profundas sobre o saber ambiental e, inclusive o processo
educativo ali estabelecido. Dessa forma surgiram várias inferências a serem investigadas
resultando em produções científicas sobre a região.
Durante cinco anos participei ativamente da vida desta comunidade, observando e
vivenciando as formas de relações sociais, econômicas e culturais estabelecidas entre os membros
da comunidade, entre estes e o meio físico, natural e sobrenatural, bem como os mecanismos de
sobrevivência neste ambiente, aparentemente “marginal” aos padrões habituais.
A relação ali estabelecida, aparentemente caracterizada por uma forte dependência, tanto
da população entre si, quanto dos recursos disponíveis levou-me a indagações que manifestaram
o desejo de compreender o modo de vida desta população.
Junto a esses fatores despertou-me interesse também a gama de conhecimentos
manifestados pela população nas relações diárias. Conhecimento estes manifestados pelo saber
22
sobre a fauna, flora, o ambiente físico e a relação destes com um saber sobrenatural caracterizado
por mitos e crendices, que contribuem para a sobrevivência da população e a conservação dos
recursos naturais.
No decorrer dos anos de convivência e em favor da forte relação estabelecida com a
população, procurei registrar as informações obtidas nas conversas informais, nas atividades
desenvolvidas e nas observações das atividades do cotidiano. Inicialmente com a intenção apenas
de escrever um artigo científico. Intenção que culminou na realização desta pesquisa para a
Dissertação de Mestrado.
com a intenção de realizar a pesquisa para a Dissertação de Mestrado, deu-se início o
estabelecimento de mecanismos para a coleta de dados que pudessem garantir uma melhor
qualidade ao trabalho e consistência dos dados.
Inicialmente foram escolhidos intencionalmente cinco dos retireiros mais antigos da
Comunidade com os quais realizou-se as primeiras entrevistas. Posteriormente, seguindo os
mesmos critérios foram escolhidas pessoas mais jovens que desenvolviam a atividade,
totalizando 10 entrevistados. As mulheres não foram entrevistadas por não serem consideradas
“retireiras” e não terem uma vida freqüente nos retiros, embora desempenhem, dentre outros, um
papel importante para a população da comunidade que é garantir a proteção e educação dos filhos
que permanecem grande parte do tempo vivendo na cidade.
As entrevistas parcialmente estruturadas, realizadas com os dez retireiros previamente
selecionados, foram acompanhadas de conversas informais e observações das atividades
desenvolvidas por membros da comunidade. Estas entrevistas tiveram o intuito de verificar as
relações sociais, econômicas e culturais ali estabelecidas, o saber tradicional sobre o ambiente
físico e natural, bem como o processo educativo instalado na Comunidade especialmente a
educação ocorrida nos espaços não escolarizados, como define Ruscheinsky (2004).
A convivência estabelecida entre o pesquisador e a comunidade ao longo dos anos, bem
como o critério de seleção dos informantes, considerando os mais antigos e os mais jovens, foi
fator importante para a coleta de dados durante a pesquisa.
As entrevistas foram realizadas individualmente, nas casas dos retireiros, com o auxílio de
gravador, enquanto que as conversas informais e as observações se deram, geralmente durante a
realização de atividades na comunidade como em pescarias, na praia, em festas e entre familiares
nas visitas às casas.
23
Para a entrevista elaborou-se um roteiro de perguntas semi-estruturadas (Anexo 01). As
perguntas fechadas procuraram traçar o perfil dos entrevistados: nome, origem, idade,
escolaridade e tempo de moradia. As questões abertas eram em forma de tópicos e procuraram
obter informações a respeito do conhecimento sobre a flora fauna, ambiente físico, fenômenos
naturais, educação escolar e sobre o futuro da população. Com as entrevistas foi possível também
adquirir informações sobre o percurso de vida dos retireiros, sua história, dificuldades, alegrias e
relações sociais.
Além das entrevistas foram registradas informações consideradas importantes, tanto de
conversas informais quanto de observações realizadas por mim, do cotidiano da população ou
durante visitas à comunidade.
Diante dessas informações percebeu-se que a coleta de dados não teve um momento único
e sim um percurso, embora houvesse momentos de maior intensidade na aquisição das
informações. Esses momentos de maior intensidade aconteceram em julho de 2003 e janeiro e
julho de 2004, períodos em que realizei entrevistas com as pessoas escolhidas e visitas
intencionais na comunidade.
Para ilustrar as informações obtidas foram feitos registros fotográficos de diversos
aspectos do ambiente local e de atividades que pudessem manifestar o modo de vida da
população, suas relações ambientais e educativas.
1.1. Metodologia
Como afirmamos anteriormente, o Brasil é um país rico em diversidade biológica e
cultural. Diferentes povos em diferentes ambientes adquiriram modos de vida particulares que
garantem a sustentabilidade dos povos e do ambiente natural. Conhecer esses diferentes modos
de vida é importante para a sociedade urbano-industrial, que procura neste momento saída para os
diversos problemas ambientais da era moderna, podendo estar no conhecimento dos grupos
étnicos a solução para tal.
Segundo Viertler (2002), estudar a cultura de seres humanos constitui tarefa que requer
cuidados especiais por parte do pesquisador. Deve-se despir de rejeições a diferenças culturais e
ter o cuidado de não dar interpretações e significados de sua própria cultura.
24
O etnopesquisador necessita especializar-se em várias técnicas de pesquisa, adotando-as
de acordo com seu público ou situação. As técnicas de pesquisa qualitativa são imprescindíveis
em pesquisas com comunidades humanas, embora possam ser complementadas com informações
quantitativas, enriquecendo o trabalho.
A presente pesquisa é do tipo etnográfica baseada nos pressupostos metodológicos de
Bogdan & Biklen (1994). Os referidos autores entendem por etnografia a tentativa de descrição
da cultura ou de determinado aspecto dela. Para estes autores, a etnografia é bem sucedida
quando consegue ensinar aos leitores o modo de comportamento adequado em diferentes
contextos culturais.
Outro conceito de pesquisa etnográfica é descrito por André (1995), onde afirma que este
método de pesquisa é um esquema desenvolvido por antropólogos para estudar a cultura e a
sociedade. Etimologicamente etnografia significa “descrição cultural”.
Para Geertz (1997), a etnografia consiste numa descrição profunda dos aspectos culturais.
Nesta perspectiva o etnógrafo ao examinar uma cultura depara-se com uma série de
interpretações da vida e do senso comum. Diante disso o etnógrafo tem por objetivo apreender os
significados que os membros da cultura têm como dados adquiridos e posteriormente apresentar o
significado às pessoas exteriores à cultura. Para este autor não é necessário ser um nativo para
conhecê-lo. O pesquisador deve-se “nadar na corrente de suas experiências” (Geertz, 1997, p.
89).
Para a coleta de dados utilizou-se como técnicas de pesquisa a observação participante,
onde o pesquisador vivencia as diversas atividades do pesquisado, e a cnica da entrevista na
qual permite ao pesquisador fazer o registro das informações adequando a cada entrevistado e
situação. Os entrevistados foram escolhidos por meio de amostras intencionais, que de acordo
com Thiollent (2000) trata-se de um número pequeno de pessoas escolhidas pelo pesquisador em
função de sua influência na comunidade, podendo suas informações ser mais consistentes e
garantir uma melhor qualidade para a pesquisa.
As entrevistas, de acordo com Viertler (2002) podem ser organizadas de várias formas:
estruturadas, parcialmente estruturadas e não-estruturadas. Nesta pesquisa utilizou-se a entrevista
parcialmente estruturada, pois ao mesmo tempo em que deixa o entrevistado à vontade para suas
argumentações permite flexibilidade ao pesquisador em direcionar os tópicos anteriormente
elaborados.
25
O registro das informações ocorreu por meio de gravador, onde o pesquisador grava a fala
do entrevistado para posterior transcrição e por meio de caderno de campo onde, além das falas o
pesquisador registra as conversas informais e os acontecimentos vivenciados durante as
observações.
As análises de dados foram realizadas no decorrer da pesquisa baseadas nos pressupostos
teóricos de autores que desenvolveram trabalhos com comunidades semelhantes em diversas
regiões do Brasil. Entre esses autores destacam-se Marques (2001) que realizou estudos sobre a
população de brejeiros e sua relação com o ambiente local no Estado de Alagoas; Furtado (1993 e
1987) com estudos realizados com pescadores do Rio Amazonas e do litoral paraense (ambos no
Estado do Pará); Silva e Silva (1995) com estudos sobre a população pantaneira matogrossense;
Em Mato Grosso também há os trabalhos realizados por Guarim (2000), Silva (2002); Lima
(2004); Bortolotto e Guarim Neto (1998). Contribuíram para reflexões sobre a diversidade sócio-
cultural os autores Diegues (2000), Posey (1996) e Primack & Rodrigues (2001).
Dados sobre o processo educativo entre a população retireira, o conhecimento tradicional e
sistematizado, bem como sua a relação com o ambiente natural, foram cuidadosamente
analisados, sendo esta análise sustentada por teóricos como Freire (1992), Gadotti (1995), Gohn
(2001), Ribeiro e Ribeiro (2003), Ruscheinsky (2004) dentre outros. Esses autores descrevem
processos que garantem a compreensão da socialização de conhecimentos em agrupamentos
humanos, principalmente aquelas populações excluídas do processo educativo formal
caracterizando assim como um processo de educação não escolarizada.
26
CAPÍTULO I
1. O ESPAÇO DE VIVÊNCIA E OS ATORES SOCIAIS ESTUDADOS
“Aqui é o nosso lugar. Se tirar nóis daqui
como é que vamo viver?” (Retireiro)
A Região Norte-Araguaia do Estado de Mato Grosso
A Região Norte-Araguaia do Estado de Mato Grosso compreende uma área entre os rios
Xingu e Araguaia localizada no extremo nordeste do Estado (figura 1). Apresenta um baixo
índice populacional, ocasionado pelo isolamento geográfico e por conflitos sociais que viveu a
região.
Figura 1. Região Norte-Araguaia-MT Fonte: Brasilchannel.com.br
27
Para Soares (2004) as tentativas oficiais de estabelecer o povoamento não-indígena no
Vale do Araguaia remonta ao império. No século XIX o governo Imperial e os presidentes das
províncias de Goiás e Mato Grosso, empenharam esforços no sentido de instituir um povoamento
não-indígena nas margens dos rios Araguaia e Tocantins. Para tanto construíram vários presídios
e colégios ao longo dos referidos rios e também incentivaram a entrada de ordens religiosas para
catequizar as sociedades indígenas e garantir o povoamento não-indígena desta região.
Estas ações não foram muito eficazes, e até o final do século XIX a parte nordeste do
estado de Mato Grosso era território dominante das sociedades indígenas Kaiapó, Xavante,
Karajá e Tapirapé. Esta região começou a ser povoada por não-indígenas no final da segunda
metade do século XIX.
Um fator que influenciou o povoamento da região Norte - Araguaia do Estado de Mato
Grosso foi a queda na produção da borracha a partir do início do século XX. Ianni (1978) afirma
que este fato possibilitou uma nova organização na economia dos povoados da região sul do Pará
que se formaram a partir do mercado da borracha, passando parte da população a dedicar-se a
atividades agrícolas, pecuárias, de caça, pesca ou outras. Garimpos do leste mato-grossense
também atraíram boa parte dessa população que subiram o rio Araguaia e foram para esta região
em busca de trabalho.
No entanto, Soares (2004) afirma que nem todos os povoados do sul do Pará viviam em
torno da economia da borracha. A economia principal dos povoados mais ao sul do estado era a
pecuária extensiva de subsistência.
Ele relata que os primeiros povoados não-indígenas da região nordeste do Estado de Mato
Grosso foram constituídos nas margens do Araguaia, a partir das primeiras décadas do século
XX. A população destes povoados é procedente do sul do estado do Pará e norte do estado de
Goiás (hoje Tocantins) e veio a procura de pastagens nativas para o desenvolvimento da pecuária
extensiva:
“A vinda desta população está intimamente ligada à busca de novas áreas para
criação da pecuária. Existem atualmente na região várias famílias tradicionais
que criam gado nas margens do rio Araguaia nas áreas denominadas “varjões”,
onde o gado vive solto e as terras não têm cercas, prática utilizada nos
povoados do sul do Pará. Os motivos que levam as pessoas a ingressarem nestes
deslocamentos para outra região, são os mais diversos, não só as precárias
condições econômicas, mas as dimensões míticas e simbólicas presentes no
imaginário dessa população”. (Soares, 2004, p.114).
28
As relações interétnicas entre esses povos e as sociedades indígenas que habitavam (e
ainda habitam) a região (Kaiapó, Karajá, Tapirapé e Xavante), foram (e são) marcadas por
conflitos, alianças e outras correlações de poder estabelecidas ao longo do processo de
povoamento não-indígenas da região do Vale do Araguaia em Mato Grosso.
A região, isolada geograficamente, passa por modificações lentas ao longo da primeira
metade do século XX. A partir da década de 1960, com a chegada das grandes empresas institui-
se uma nova prática de demarcação do espaço. Começa então um novo ciclo do povoamento da
região, agora marcado por constantes conflitos de terras, ora pela permanência, ora pela posse e
se estendem (em menor proporção) até os dias atuais.
Reconhecida internacionalmente pelos conflitos sociais durante o regime militar e pela
atuação da igreja católica (Prelazia de São Félix do Araguaia), a região atualmente procura se
destacar no cenário nacional com suas características ambientais e culturais.
Suas belezas naturais, caracterizadas pelo Rio Araguaia e seus afluentes com uma rica
ictiofauna, pelo cerrado com sua riqueza de fauna e flora, bem como as diferentes etnias
(Xavante, Karajá e Tapirapé), são atrativos para o turismo na região.
Outro cenário que a região vem se destacando é na agricultura. A região que
historicamente viveu da pecuária e da pequena agricultura, hoje desperta para a monocultura de
soja e mamona, fato que tem promovido grandes debates na região, em decorrência do agravo
ambiental e cultural que o modelo de agricultura implantado pode proporcionar ao ambiente local
e às populações tradicionais (indígenas e não-indígenas).
A falta de infraestrutura nas cidades da região como falta de estradas e energia elétrica
contribuiu para o seu isolamento e retardo no “desenvolvimento”. Os constantes conflitos pela
posse da terra entre fazendeiros, posseiros e indígenas também foram fatores que desestimularam
a entrada de pessoas de outras regiões. Os conflitos na região Norte Araguaia foram descritos
por diversos autores, dentre eles destacam-se Esterci (1987), que relata os conflitos ocorridos pela
posse da terra no município de Santa Terezinha - MT e Ianni (1978) que discorre sobre a luta pela
Terra na região de Conceição do Araguaia-PA.
Atualmente a região se mostra como um novo cenário estadual. Freqüentes
transformações econômicas e sociais estão se desenhando com a entrada de grupos populacionais
vindos de diferentes locais do país. Com isso as comunidades tradicionais e os povos indígenas
29
procuram se unir para mais uma batalha de luta para que seus direitos minimamente sejam
respeitados.
Essa atual situação mostra também a necessidade urgente de pesquisas no campo
ambiental e cultural, uma vez que toda essa transformação vem ocorrendo sem um estudo prévio
do suporte desse ecossistema e para que se possa pensar em estratégias de conservação para a
região.
A Região Norte Araguaia apresenta um período sazonal definido em período chuvoso e
seco, denominados regionalmente de inverno e verão. De acordo com informações dos moradores
da região o início e final desses períodos podem variar de ano para ano, mas geralmente
acontecem de dezembro a abril e maio a novembro, respectivamente.
Em toda a região é possível encontrar grupos humanos reunidos em comunidades que
vivem numa relação simbiótica com o ambiente local, utilizando os recursos naturais para a sua
sobrevivência, criando assim uma teia de relações que garante a conservação das características
ambientais e manifestações culturais do local. Essas relações harmônicas” entre homem e
natureza estão sendo cada dia mais fragilizadas em decorrência do avanço da fronteira agrícola e
a chegada de recursos tecnológicos.
Esses povos ao longo dos anos resistiram à entrada do capital e do modelo de
desenvolvimento implantado pelos governos. Resistência esta que de acordo com relatórios da
CPT (Comissão Pastoral da Terra) caracterizaram a região como uma das mais conflituosas do
Estado de Mato Grosso.
O Município de Luciara
As informações sobre o município de Luciara foram retiradas do Diagnóstico Sócio-
Econômico-Ecológico do Estado de Mato Grosso (1996). De acordo com este relatório o
município de Luciara localiza-se na região Norte Araguaia do Estado de Mato Grosso a 11°
05’25” S e 50°37’ 49” N à margem esquerda do Rio Araguaia, distante 1200 Km da capital do
estado, Cuiabá (figura 2). Possui uma população correspondente a 2.494 habitantes, oriunda de
diversas regiões do país, principalmente do Norte e Nordeste (IBGE, 2000). Apresenta uma
30
vegetação típica de cerrado, sendo grande parte caracterizada como cerrado alagado, denominado
“varjão” pelos moradores locais. Os “varjões” correspondem a mais de 60% da área total do
município. A maior parte desta área encontra-se em poder de populações tradicionais que fazem o
uso deste espaço de forma comunal para a criação de gado. A região apresenta duas estações
definidas: estação seca (verão) e estação chuvosa (inverno).
Figura 2. Em destaque o Município de Luciara-MT Fonte: Cabral, 2003
Os índios Karajá foram os primeiros habitantes do lugar, hoje concentrados em aldeias
próximas a cidade. A etnia Karajá do município de Luciara conta com uma população de
aproximadamente 150 pessoas vivendo em uma área de 5.700 hectares. A manifestação cultural
desses povos está presente em grande parte das atividades dos não índios, herança que tem
contribuído para a permanência do homem neste ambiente.
Os não índios chegaram a região para fixar residência por volta de 1934, vindos do sul do
Pará à procura de terras para a criação de gado. Para Soares (2004), nos primeiros anos do
povoado de Luciara, a criação de gado já se constituía uma das principais atividades econômicas.
31
O líder dos não-índios era o Sr. Lúcio da Luz, nome que deu origem à cidade:
Lúcio+Araguaia=Luciara. Nos anos seguintes chegaram inúmeras famílias, como relata um
retireiro:
“Nóis chegamo aqui em 1941, eu era menino ainda. O veio Lúcio tava aqui.
Ele chegou em 34. Quase todo mundo que vinha era pra trabalha pra ele.
Comecei vaqueira com 10 ano de idade, lidano com gado nesse campo aí, cheio
de Kaiapó. Tinha que an armado e de turma, se não os Kaiapó pegava.
Estrada num tinha era só canoa e tropa” (B. P. S., 67- retireiro).
De acordo com Azambuja (2002) o município de Luciara possui uma área de 4.644 Km²
que corresponde a 1.104.304.10 hectares, distribuídas em 223 propriedades. Destas, 37 são
consideradas pequenas propriedades, 40 são consideradas médias e 146 grandes propriedades. Da
área total do município cerca de 60% são consideradas varjões, 4% são áreas de floresta e 36%
áreas de cerrado. As terras indígenas são excluídas desta porcentagem.
A área alagada onde se localiza a Comunidade dos Retireiros encontra-se titulada pelo
Governo do Estado, porém, nunca utilizada por seus “proprietários”. Esta área corresponde a
300.000 hectares, ou seja, quase a metade dos 662.582 hectares de áreas alagadas do município.
O sistema de ocupação das terras, semelhante a toda a Região Norte Araguaia se deu
por influência do poder econômico ou político. Os mais abastados economicamente ou que
exerciam poder político sobre os demais foram ocupando as terras altas onde não havia
inundação, ficando as terras de várzeas (de menor valor) sem interesse de utilização pelos
proprietários, permitindo que as pessoas de baixa renda fizessem uso dessa área. Dessa maneira
constituiu-se um sistema de posse caracterizado como “retiros”, formando um grupamento
humano característico que com o passar do tempo são denominados “retireiros”, pessoas que
vivem nos retiros.
Os Retiros
Na linguagem regional retiro é o local onde o retireiro se instala e vive um determinado
período do ano (verão) para o desenvolvimento de uma atividade de criação e manejo de gado
32
bovino. É uma prática secular entre os povos tradicionais. Na região Norte - Araguaia do Estado
de Mato Grosso os retiros compreendem parte de uma grande área denominada “varjões”.
Esses varjões são áreas periodicamente alagadas onde desenvolve naturalmente uma
vegetação graminosa que serve de alimento para o gado. Esta vegetação típica do cerrado suporta
as duas estações consideradas na região, o inverno (cheia) e o verão (seca). Esta área ocupa
aproximadamente 30% do município de Luciara-MT (figura 3).
Figura 3. Município de Luciara e Comunidade dos Retireiros do Araguaia. Fonte: Pref. Munic. Luciara
Não há uma demarcação física da área e nem uma regulamentação oficial, apenas acordos
verbais. mais de 50 anos que esses povos realizam esta prática. Cada retiro é constituído de
uma casa (barraco), um piquete, um poço (cisterna), um curral e inicia a atividade de manejo de
seu rebanho nas pastagens nativas daquela região, caracterizando assim o uso comum dos
recursos vegetais entre os componentes da comunidade.
33
Para Diegues (1997) este modo de ocupação do espaço caracteriza-se pela utilização
comum de determinados recursos e existem em comunidades tradicionais com forte dependência
face ao uso de recursos naturais renováveis. O autor ainda afirma que o modo de vida dessas
populações tem garantido a proteção ecológica de ecossistemas florestais ou aquáticos avaliados
como de importância fundamental para a conservação diversidade biológica e cultural.
Na Comunidade dos Retireiros para todas as construções edificadas são utilizados
recursos do próprio ambiente. Em decorrência da elevação das águas as casas geralmente não
possuem paredes (figura 4) e poucas cercas. De acordo com os retireiros o arame e a madeira
não suportariam a água da cheia e logo “apodreceria”.
Figura 4. Casa de Retireiro Foto: Almeida, 2002
O conjunto de retiros forma a Comunidade de Retireiros do Araguaia. Esta comunidade
compreende uma população residente na região Nordeste do Estado de Mato Grosso, que se
caracteriza por desenvolver uma atividade de estreita relação com o ambiente em que vivem: a
criação e manejo de gado em áreas de pastagens nativas denominadas “varjões”, no município de
Luciara-MT.
O gado é criado em sistema extensivo nos períodos de seca (maio a dezembro) e no
período chuvoso (janeiro a abril) o gado é retirado para as partes altas, onde não inundação,
34
permanecendo livres das conseqüências das cheias. Atualmente estas áreas (terras firmes)
encontram-se em poder de latifúndios que alugam pastos para os retireiros. Este fato provoca uma
mudança na lida com o gado, pois enquanto nos varjões o gado é cuidado pela própria família,
nas áreas altas, geralmente é apenas um membro da família ou os próprios peões das fazendas,
causando um custo às famílias dos retireiros. Semelhante situação de alternância no trato com o
rebanho é percebida por Furtado (1993) entre os pescadores do Rio Amazonas, onde ora é toda a
família, ora é apenas um de seus membros ou mesmo terceiros.
Não se tem uma data precisa do início dos retiros na Região do Araguaia. Relatos dão
conta que a prática dessa atividade remonta ao início do século passado. Muitos retireiros desta
comunidade são oriundos da Ilha do Bananal no estado do Tocantins, onde a prática de retiros foi
bastante comum em tempos passados, por ser uma região alagada com vegetação nativa de
gramíneas, servindo de alimento para o gado. “A ilha era cheia de retiros
(B. P. S., 67 - Retireiro)
.
De acordo com informações dos retireiros, na década de 1980 o Governo Federal, por
intermédio do Ibama procura fazer da Ilha do Bananal uma área de preservação ambiental
desabrigando inúmeras famílias que ali viviam e dali tiravam seu sustento. Estas famílias, sem ter
para onde ir e sem ter onde colocar o gado foram morar nas cidades próximas da Ilha criando seu
rebanho em áreas de várzea (semelhante à ilha), num sistema de propriedade comum. Assim,
chegaram a Luciara:
Um comportamento semelhante é observado por Silva & Silva (1995) numa pesquisa
realizada com pantaneiros matogrossenses. Para as autoras os pantaneiros são tradicionais
criadores de gado em áreas alagadas, usando essas áreas de forma comunal, sendo esta sua
principal atividade econômica. uma profunda relação com o regime de cheia no Pantanal.
Durante as cheias o gado se desloca para os morros aonde não chega a inundação. Marques
(2001) também faz relato semelhante estudando os “brejeiros” de Marituba (Alagoas). Estes se
definem como moradores de várzea e que com ela mantêm uma relação de intimidade,
geralmente caracterizada pela dependência da área alagada e dos seus recursos bióticos. O uso
comum dos recursos naturais e a conservação do ambiente para o futuro da população são
características entre comunidades tradicionais. O autor afirma que nas várzeas de Marituba há
extensões de “pedaços comuns”, onde o acesso se de forma não regulamentada. Entre os
quilombolas também predomina uma atividade semelhante. De acordo com Guanaes et. al (2001)
nos quilombolas a terra não é vista como propriedade privada, mas como um bem de uso comum.
35
Para os quilombolas do Vale do Ribeira a ocupação da terra se através do cultivo de roças
coletivas e mão-de-obra familiar para a subsistência e dependem dos recursos desse ambiente
para garantir sua sobrevivência.
O uso comum das áreas de rzeas é discutido por Silva & Silva (1995) em estudo com
pantaneiros-MT, por Marques (2001) estudando brejeiros-Alagoas, citados anteriormente, e
Furtado (1987) em estudo realizado com varjeiros do Rio Amazonas-Pará. Essas experiências,
segundo Diegues (1997), subsistem geralmente em regiões dotadas de ecossistemas “marginais”,
onde os solos são vistos como impróprios para o uso agrícola (em grande escala) ou urbano-
industrial. Esta forma de apropriação dos recursos naturais é caracterizada pela utilização em
comum de determinados espaços e recursos por meio de extrativismo vegetal, animal, da pequena
agricultura e criação de animais. A apropriação da terra se dá de forma diferenciada: a terra não é
vista como propriedade particular, mas como um bem de uso comum. A identidade cultural é
construída com a apropriação comunal do espaço. Esses sistemas não são somente formas de
exploração econômica dos recursos naturais, mas revelam a existência de um complexo de
conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos, de mitos e simbologias que
levam à manutenção e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais.
A mobilidade que ocorre nas áreas de uso comum, recria o meio permitindo encontrar as
condições desejadas, garantindo assim o equilíbrio dos componentes do ambiente. Nos retiros
essa mobilidade é possível graças ao sistema de propriedade, onde prevalece o uso comum de
toda a área, não havendo posse nem cercas para impedir a circulação tanto dos humanos como
dos animais.
Nas várzeas do Araguaia o uso comum dessas áreas teve influência do próprio processo
de ocupação da região, transformando as áreas secas (altas) em grandes latifúndios, restando as
áreas alagadas (sem importância para os latifúndios) para os empregados e vaqueiros das
fazendas que aos poucos vão se tornando independentes aumentando a produção de gado. Não
havendo onde colocar seu rebanho começam a fazer uso dessas pastagens nativas, criando assim
uma nova categoria no cenário rural brasileiro, o retireiro (figura 5).
36
2. OS ATORES SOCIAIS: Os Retireiros do Araguaia
“Nunca duvide que um pequeno grupo de
cidadãos preocupados e comprometidos
possa mudar o mundo; de fato, é isso que o
tem mudado”. (Margaret Mead)
Figura 5. O Retireiro Foto: Azambuja, 2002.
2.1. A Identidade dos Retireiros do Araguaia
O nome retireiro deriva da palavra retiro, que na linguagem regional é o local onde se cria
e cuida do gado (quem vive da atividade sócio-econômica do retiro é retireiro). O retireiro se faz
pela experiência adquirida e acumulada em sucessivos anos. Tendo um papel seminômade,
muitas vezes o termo “retireiro” assume outra interpretação, sendo considerado o fato das
famílias se retirarem do local juntamente com o gado durante o período chuvoso do ano.
Grupos humanos que desenvolvem atividades semelhantes recebem denominações
diferentes dependendo da região do país. No Baixo Amazonas são chamados de varjeiros, no
norte de Minas são os geraizeiros, em Alagoas os brejeiros, no Pantanal os pantaneiros e assim
37
seguem diversas denominações para os diferentes grupos sociais. Todos são grupamentos
humanos que habitam geralmente ambientes marginais, onde, em decorrência de fatores
climáticos e/ou físicos desenvolveram um modo de vida próprio, numa simbiose com a natureza,
que lhes garante a sobrevivência.
Na região Norte - Araguaia do Estado de Mato Grosso o retireiro tem sua vida marcada
por ciclos climáticos ocorrentes na região. Quando as águas do Rio Araguaia começam a subir e
começam a alagar as áreas baixas é o momento em que o retireiro tem que retirar o gado. O gado
é retirado para as partes altas onde não inundação. Este trabalho é realizado geralmente pelos
homens, raramente mulheres ou crianças desempenhando esta atividade. Como as partes altas
atualmente são ocupadas por fazendas, os retireiros alugam as pastagens dessas fazendas e vão
morar na cidade ou em chácaras próximas. Este período, geralmente vai de janeiro a abril,
podendo variar. No início de maio, quando as águas baixam é hora de retornar. Todo o gado é
trazido de volta aos retiros juntamente com outros animais e os utensílios domésticos
pertencentes aos retireiros. A partir de maio até o final de dezembro a vida continua nos retiros,
reiniciando toda a atividade retireira (figura 6).
Figura 6. Retorno para o Retiro e a lida com o gado Foto: Azambuja, 2002.
38
Todas essas atividades caracterizam a vida dos retireiros, que é moldada pela experiência
adquirida e acumulada em sucessivos anos. O retireiro é um homem simples. Os mais velhos
geralmente não possuem instrução formal, mas são dotados de um profundo conhecimento das
características do ambiente, onde desenvolveu através dos tempos, formas de organização que
lhes permitiu garantir a conservação dos recursos naturais. Não desmatam, não queimam, não
cercam, pois acreditam que o ambiente não suportaria tais ações. Este fato pode ser observado no
depoimento de um retireiro:
“Nós conhecemos tudo aqui, todas as plantas, os bichos, peixes, sabemos nos
defender, sabemos livrar da cheia e da seca. Nós cuidamo muito do lugar. Aqui
não derruba, não queima, porque se não como é que vai viver? Na época das
queimada fica todo mundo cuidando para não entra fogo” (B. P. S. 67 retireiro).
Esta afirmação nos remete ao estudo realizado por Silva & Silva (1995) com os
pantaneiros. Estes se assemelham ao retireiro, pois também dependem dos ciclos sazonais para o
desenvolvimento de sua principal atividade de criação de gado em pastagens nativas e são
também portadores de um profundo conhecimento do ambiente local, o que lhes garante a
sobrevivência, por meio de estratégias concebidas culturalmente.
Estratégias de manejo e utilização dos recursos naturais são comuns em Comunidades
tradicionais. Esse fato é discutido por Gadgil et. al. apud Begossi et. al. (2002 p.96) onde
afirmam que “as estratégias de manejo são comuns em populações sedentárias que puderam
aprofundar sua percepção e conhecimento sobre o ambiente”.
É este saber e este modo de se relacionar com o ambiente que dá ao retireiro uma
identidade característica tornando-o um profundo conhecedor das peculiaridades do lugar em que
vive e faz de suas práticas um mecanismo de sobrevivência que garante a conservação de
inúmeras manifestações culturais, do ambiente natural e a transmissão do saber através das
gerações.
Dentre os dez retireiros entrevistados todos afirmaram serem oriundos da própria região,
ou seja, da região do Araguaia compreendendo o nordeste do estado de Mato Grosso, oeste de
Tocantins e sudeste do Pará. Moram no município e desenvolvem a atividade desde que
chegaram ao local (1940 a 1950) ou desde o início da vida para os mais jovens. A idade dos
entrevistados variou entre 20 e 67 anos de idade. Dos cinco mais jovens, apenas um não possui
39
escolaridade, os demais possuem o ensino médio completo. Entre os mais velhos apenas um
possui escolaridade, os demais são semi-alfabetizados.
São todos criadores de gado, uma atividade lucrativa para o momento. As famílias
encontram-se em ascensão econômica. Todos os entrevistados possuem casas mobiliadas na
cidade, onde, principalmente os mais jovens passam o final de semana e participam da vida
citadina. As casas dos retiros são construídas com a própria vegetação do local e servem apenas
como abrigo provisório, pois durante a cheia ficarão alagadas, não merecendo nenhuma melhoria
como paredes, pisos ou móveis.
É possível notar que os retireiros mais velhos freqüentam menos a cidade e são mais
detentores de conhecimento. Os mais jovens dividem o cotidiano entre a vida do retiro e da
cidade e em algumas vezes atribuem aos mais velhos todo o conhecimento sobre o ambiente
local. Esses dados são percebidos não apenas entre os entrevistados, mas em todos os membros
da comunidade.
2.2. A Organização Social, Política e Econômica dos Retireiros
A vida em um ambiente peculiar levou os retireiros a adquirirem mecanismos de se
organizarem para garantir a sobrevivência. As dificuldades do meio físico e ambientais são
corrigidas pelo modelo de organização social e pelo conhecimento adquirido culturalmente pela
comunidade acerca dos recursos do ambiente local.
Para Cândido (2001) “a existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um
equilíbrio entre as suas necessidades e os recursos do meio”. Esse equilíbrio é observado no retiro
em face ao modelo de exploração do ambiente e as relações sociais ali estabelecidas nos períodos
sazonais.
O movimento sazonal caracterizado pelos períodos de cheia e seca define o hábito de vida
da população retireira, as relações desta com o ambiente, bem como as relações sociais ali
estabelecidas. A sazonalidade determina o ritmo de vida e garante a sobrevivência da população.
Cada sujeito desta comunidade vivencia essa sucessão de acontecimentos e está preparado para
essas eventuais mudanças.
40
Na Figura 7 podemos visualizar o ciclo de atividades dos retireiros nos dois períodos
sazonais, considerados regionalmente pela população como inverno e verão:
Retireiro
Figura 7. Ciclo sazonal no Retiro
Neste ciclo de relações entre os retireiros e a sazonalidade é que se pode perceber o
conhecimento e o modo de vida desta população. Todas essas relações culminam no processo
educativo vivenciado pela comunidade, caracterizado como educação formal (com o
conhecimento adquirido na escola) e informal (através do conhecimento adquirido fora da
escola).
SAZONALIDADE
INVERNO VERÃO
ATIVIDADES
Educação Informal Educação Formal
RETIREIRO
41
Esta última é manifestada através das inúmeras atividades desenvolvidas nos dois períodos
(inverno/verão). Estas atividades vão desde a pesca, caça, coleta de vegetais até as relações de
respeito e solidariedade entre familiares e amigos, manifestadas nos momentos de atividades
coletivas como retirada ou retorno do gado, vacinação e nas manifestações de luta pelos direitos
da população (reuniões, abaixo-assinado, etc.).
Há inúmeras regras moralmente estabelecidas e respeitadas por todos. Muitas dessas
regras têm a função de regular o acesso aos recursos naturais, garantindo assim a sua
conservação. O uso comum dos recursos naturais disponíveis é marca registrada desta população.
Não há posse da terra e sim do direito de explorá-la. Este fato pode ser observado a seguir:
O retireiro é dono do gado e da casa, curral, piquete. O resto é de todo
mundo” (R. S., 40 - retireiro).
Os meses do ano são, na maioria das vezes ignorados, utilizando sempre a expressão
inverno ou verão. Característica semelhante é observada por Furtado (1993) onde argumenta que
“os ribeirinhos raríssimas vezes usam o nome dos meses para determinar a ocorrência de tarefas
ou de outro acontecimento”.
As duas estações definidas pelos retireiros são geralmente subdivididas em períodos de acordo
com os afazeres. Tanto o inverno como o verão é subdividido em início, forte e final. O início do
inverno é a época de retirada do gado do retiro para as partes altas. A retirada do gado, dos
pertences e da população é marcada por grande movimentação, reunindo-se famílias inteiras e
vaqueiros de outros retiros. No forte do inverno não presença de retireiro nos retiros. Neste
período as atividades nos retiros são interrompidas, exigindo dos retireiros uma mudança brusca
nos seus hábitos, que na maioria das vezes iniciam uma vida urbana restringindo-se a
atividades individualizadas, como a lida com o gado em fazendas, a pesca de canoa, a coleta de
frutos nos varjões ou atividades no comércio e na construção civil. É um período que não agrada
a maioria dos retireiros como observado neste relato:
No inverno é muita chuva. O gado é tirado, se não tirá eles vão embora pro alto.
Fica tudo alagado. Ninguém fica no retiro. É muito difícil nessa época. Num vai
carro, tropa. A estrada alaga tudo. nos monchão que fica seco”. (J. P., 50 -
retireiro)
42
O final do inverno é o momento de preparação para a volta. Nesta época o gado é trazido
de volta aos retiros, vindo também toda a população, para ali permanecerem por mais alguns
meses. A definição das atividades para os próximos oito meses inicia neste momento como a
contratação de vaqueiro (se necessário) e forma de pagamento. O pagamento aos vaqueiros
geralmente não é feito em dinheiro, mas em gado, utilizando um sistema próprio de divisão que é
seguido por todos:
O vaqueiro não tem salário todo mês. O pagamento é feito com a cria no final do
ano. O pagamento é chamado de “laço”. Um laço é 5 bezerro ou bezerra, depende
de como combinar, pode ser 6 ou 4, mas a maioria é 5. De cada 5, o vaqueiro
escolhe 1, e assim vai até terminar todas as cria daquele ano”.(J. E., 25 - retireiro).
Após receber seu pagamento e no decorrer do ano o vaqueiro, geralmente, vende parte do
gado (bezerros) para custear as despesas (alimentação, remédios, roupas), conservando os
demais, que são criados junto ao gado do “patrão”. Em alguns casos as despesas com alimentação
são de responsabilidade do patrão, dependendo do acordo firmado. Apesar disso há vaqueiros que
preferem receber salários, que também são combinados por meio de acordos informais. Em
ambos os casos percebe-se uma relação de confiança entre patrão e empregado, uma vez que não
possuem contrato formal e sim acordos verbais estabelecidos e honrados conforme a tradição
cultural.
Essas relações e a alternância das atividades na sazonalidade de inverno e verão contribuem
para o enriquecimento das experiências vividas pela população da comunidade. Tais experiências
são caracterizadas como um processo educativo informal estabelecido culturalmente no seio da
população, ao qual Guarim Neto et. al. (2000) definem como um processo de educação não-
escolarizada. Assim como no inverno, o verão tem suas subdivisões, embora neste período a
gama de atividades seja maior no retiro. No verão manifestam-se atividades mais intensas,
geralmente atividades que envolvem todos os membros da família, como a lida com o gado, a
pesca diária, a caça, a coleta de vegetais para cerca, casas, lenha (Figura 8).
Esses dois momentos denominados inverno e verão é que define o modo de vida dos
retireiros e estrutura as relações sociais, econômicas, culturais, ambientais e educativas.
43
Atividades
Inverno Verão
J F M A M J J A S O N D
Pastoreio do gado no retiro
Retirada do gado
Descida do gado para o varjão
Pesca de Rio (mais intensa)
Pesca de lago (mais intensa)
Caça *
Coleta de vegetais p/ construção
Figura 8. Calendário das atividades no Retiro
* Para os retireiros a caça acontece o ano todo, dependendo da espécie a ser caçada.
Para eles não se tem uma data precisa para o início ou fim de uma estação. Isto pode
mudar de um ano para outro. Assim, o calendário de atividades no retiro não é preciso e está
sujeito a variações, de acordo com as variações do tempo. O importante é que o retireiro sabe a
hora certa de retirar o gado ou voltar com o gado para os varjões. Este saber vale também para
todas as outras atividades realizadas no retiro (retirada de madeira, palha, cultivo de vegetais).
No retiro todos trabalham e todos se ajudam, embora haja divisões evidentes entre sexos e
faixa etária. Desde cedo as crianças começam a participar das atividades do retiro com os pais,
irmãos mais velhos ou parentes. Diferente dos pescadores do rio Amazonas citado por Furtado
(1993), a mulher do retireiro (não há retireira e sim mulher de retireiro) participa das atividades
de pesca para o sustento da família. Percebe-se entre os retireiros que não existe nenhuma regra
sobre a não-participação da mulher nas atividades dos retiros nem restrições sobre a
participação do homem nos afazeres domésticos. Apesar disso uma prevalência de gênero
em algumas atividades (como na lida com o gado), provavelmente em decorrência de hábitos
culturais que ainda perpetuam. Os homens têm a responsabilidade de “vaqueirar” o gado.
Geralmente vão para o campo em grupo. Poucas mulheres atuam no campo, elas se dedicam
aos filhos que ficam na cidade para estudar ou às atividades domésticas do retiro:
“As mulher e as crianças fica na cidade porque tem que estuda, vai pro retiro
nos fim de semana” (B. P. S., 67 - Retireiro).
44
Os retireiros dividem as tarefas do retiro com os vaqueiros. Já a divisão sexual do
trabalho é mais evidente durante o inverno quando cessam as atividades nos retiros e a maioria da
população passa a ter uma vida urbana. A mulher continua em suas atividades domésticas
enquanto o homem fica a espera do verão sem muitos afazeres.
A atividade retireira, aparentemente provisória ou oportunista, é caracterizada por regras
estabelecidas culturalmente passadas de geração em geração de forma oral entre os membros da
comunidade, através da convivência diária. Cada família possui um retiro onde todos trabalham.
O retireiro é o dono do retiro e o vaqueiro é quem cuida do gado do retireiro. Isso não impede que
o retireiro trabalhe no campo ao lado do vaqueiro e que o vaqueiro também seja proprietário de
gado, o que na maioria das vezes acontece, pois recebe gado como pagamento dos serviços
prestados. O vaqueiro aparece nesse contexto como alguém da confiança do retireiro, com um
vasto conhecimento da atividade e do ambiente, garantindo a ambos os sucessos nos lucros e uma
convivência pacífica.
Embora ninguém seja dono da área física, uma demarcação simbólica da área, que é
denominada pelo nome do proprietário, exemplo, “retiro do fulano de tal”. O fato de denominar o
espaço ocupado por uma família pelo nome do responsável caracteriza para os retireiros uma
posse daquela área, sendo o seu direito respeitado. Esta codificação de relações sobre a posse
também é discutida por Marques (2001) onde afirma que entre os brejeiros de Marituba é comum
topônimos para definir a posse de determinado espaço físico.
Na Comunidade pesquisada os retireiros estão organizados através de uma Associação,
denominada “Associação dos Retireiros de Mato Verdinho”. A maioria dos retireiros são
associados e fazem dessa associação o suporte para as tomadas de decisões, como por exemplo a
entrada de pessoas de outros municípios no retiro, a extração de madeira, palha, caça, pesca. É
através da associação que os retireiros vêem seus direitos assegurados e lutam por sua garantia.
A criação de gado bovino para cria e recria é a principal fonte de renda dessas famílias.
No entanto, não fazem dessa atividade sua única fonte de renda. Possuem uma economia bastante
diversificada que vai desde a pesca a trabalhos temporários na cidade. Semelhante atividade
econômica é descrita por Furtado (1993), entre os varjeiros do baixo rio Amazonas. Estes se
caracterizam por desenvolverem uma estreita relação com as regiões de várzeas fazendo delas sua
principal fonte de renda, embora sua economia também seja diversifica, dependendo do período
do ano.
O fator econômico tem um papel decisivo na interação homem/natureza. Lima (1984)
45
afirma que este processo está condicionado à necessidade que a humanidade sente de explorar a
natureza com o propósito de torná-la mais útil à sua sobrevivência. Esta relação também é
manifestada por Leff (1994) quando afirma que as condições ecológicas e comunais da produção
aparecem como suporte de uma nova racionalidade produtiva. Esta nova ordem está guiada por
valores culturais diversos, manifestados nas práticas cotidianas de lidar com o gado, na pesca, na
caça, nos mitos e nas manifestações religiosas.
O autor ainda afirma que as condições para a existência dessas comunidades passam pela
legitimação dos direitos de propriedade das populações sobre seu patrimônio de recursos naturais
e de sua própria cultura, e pela redefinição dos processos de produção, dos estilos de vida e dos
sentidos de sua existência.
A organização dos atores sociais pesquisados os retireiros do Araguaia mostra como
são definitivos o respeito e a fraternidade entre eles, no sentido de que a reciprocidade é benéfica
e auxilia as relações que se manifestam no cotidiano dessa população que mantém e ressignifica
seus espaços de vivência e experiências mútuas. Que tem no Araguaia um bem comum, coletivo
e altamente percebido e mantido.
46
CAPÍTULO II
1- O CONHECIMENTO AMBIENTAL DO RETIREIRO DO ARAGUAIA
“Nóis conhecemo tudo aqui. Os bichos, o lago,
rio, o varjão...” ( retireiro).
O conhecimento que a Comunidade dos Retireiros do Araguaia possui acerca do ambiente
garante-lhes a adaptação e consequentemente a sobrevivência. Esse conhecimento não se resume
apenas à utilização dos recursos naturais, mas também à compreensão da complexa teia de
relações entre os seres e a dinâmica do ambiente natural. O ambiente físico (clima, solo, regime
de chuvas, secas) também é parte da gama de conhecimento desta população.
1.1. CONHECIMENTO SOBRE A FAUNA LOCAL
Os recursos oriundos da fauna local possuem um grande valor na manutenção da vida do
retireiro naquele ambiente. Assim como a flora, a fauna local está presente na vida cotidiana dos
retireiros sendo utilizada na medicina e principalmente na alimentação.
A relação homem/animal é marcada por encontros harmônicos e desarmônicos. Embora
os animais sirvam o retireiro para a subsistência e na medicina, os mesmos configuram uma
ameaça à população local quando promovem uma competição com o retireiro na ocupação do
espaço e na busca por alimentos.
O ser humano ao longo dos tempos desenvolveu técnicas e armas para captura de animais,
exercendo um total domínio sobre estes. O retireiro, além de possuir armas para a caça é um
profundo conhecedor dos hábitos de vida dos animais, seus ciclos reprodutivos, seu hábitat e suas
formas de defesa. Na maioria das vezes o retireiro sai vitorioso desta relação. Marques (2001) diz
que “o homem atua com plena consciência do seu papel interativo de matador”. Mata muitas
vezes sem necessidade, explicitando agressividade e poder sobre os outros seres (animais) desta
cadeia.
47
Os retireiros entrevistados falam receosos sobre o consumo de animais de caça, seja na
alimentação ou na medicina. Evitam também falar de animais que lhes causam prejuízos como a
onça que come os bezerros e ameaça suas vidas. São mais abertos ao diálogo sobre a pesca, pois
segundo eles a lei é menos rigorosa, com exceção do período da piracema. Este medo de falar
sobre os animais de caça é em decorrência da forte fiscalização dos órgãos ambientais que atuam
na região. Esses órgãos atuam de forma fiscalizadora e punitiva, quase nunca informativa ou
educativa. A maioria dos retireiros (exceto um mais jovem) desconhece as leis de crimes
ambientais e muito menos a permissão para a caça e pesca de subsistência ou defesa de sua
propriedade ou familiares. Essas proibições têm provocado mudanças no hábito alimentar desta
população, como se pode observar no relato de um retireiro:
“Antigamente comia peixe e caça, hoje tudo proibido, agora tem que comprar
carne e outras comida no mercado” (B. P.S., 67 - retireiro)
Percebe-se com isso que as práticas tradicionais de alimentação e utilização de remédios
caseiros oriundos de animais, estão sendo substituídas por produtos industrializados. Essas
mudanças interferem não no hábito alimentar, mas também na economia das famílias que se
sentem obrigadas a comprar produtos do comércio local, interferindo também na cultura desta
população. Aparentemente inevitáveis tais mudanças precisam ser acompanhadas de práticas
educativas que valorizam o conhecimento das populações tradicionais e de políticas de incentivo
a cultura e a permanência dessas populações em seu ambiente. Nesta abordagem Bortoloto
(1999), descreve que a diminuição da procura de animais silvestres para a dieta das populações
tradicionais, por causa da proibição da caça é um assunto que deve ser discutido sob a perspectiva
conservacionista e educacional. Freire (2001) reforça essa idéia afirmando que os educadores
jamais podem subestimar os saberes de experiências sócio culturais de crianças que chegam a
escola. Para este autor o respeito a esses saberes implica necessariamente o respeito ao contexto
cultural.
48
Discussões nesse sentido possibilitariam aos retireiros vislumbrar a permanência em seu
ambiente, garantindo assim a manutenção de seus hábitos culturais e conseqüentemente uma
melhor qualidade de vida.
1.1.1. A caça
Embora a caça não seja a principal atividade desenvolvida pelos Retireiros do Araguaia
ela está presente no cotidiano das famílias. Às vezes como defesa do rebanho (onça ou cobras
peçonhentas), às vezes como fonte de alimento e, em alguns casos para uso medicinal (Quadro
1). Não se teve durante a pesquisa, informação de caça como fonte de lazer. Portanto, enquanto
que para as populações não-tradicionais a caça, a pesca e coleta é fonte de lazer, nas comunidades
tradicionais é fonte de subsistência e trabalho.
De acordo com a população pesquisada a caça entre os retireiros é realizada pelos homens
adultos e nunca por mulheres e crianças, por causa, principalmente, do uso de arma de fogo.
Segundo os entrevistados os animais de caça têm diminuído ultimamente, acreditando ser
em virtude do desmatamento aos arredores. Assim como em outras regiões do Estado a caça é
uma atividade cada vez menos freqüente. Os retireiros afirmam ser difícil encontrar animais de
caça hoje em dia.
Em trabalho realizado no pantanal mato-grossense, Bortolotto (1999), relata que
moradores mais antigos afirmam que antigamente era mais fácil ver animais nas redondezas.
Tanto os retireiros do Araguaia quanto os moradores do Pantanal afirmam que a escassez de
animais decorre do desmatamento na região.
O consumo de animais na alimentação dos retireiros é acompanhado de uma infinidade de
recomendações (tabus alimentares) a respeito destes alimentos. Muitos animais não são
consumidos pela maioria da população, sem citar motivo ou simplesmente porque acham a carne
ruim. Outros porque são prejudiciais à saúde, como é o caso do porco-do-mato (porcão), que para
os retireiros possui uma carne reimosa, prejudicando o sangue. o tatupeba é pouquíssimo
consumido porque causa hanseníase e come defunto e “coisa podre”.
Foram citados vários animais utilizados na alimentação da comunidade. Dentre essas
espécies destacam-se a capivara, tatu-galinha, tartaruga, tracajá, veado, anta e paca. Alguns
49
animais são caçados durante o ano todo, outros em períodos de maior facilidade como é o caso do
tatu-galinha, que no período chuvoso torna-se uma presa fácil como relata um retireiro:
“Nessa época o tatu-galinha não pode cavar buraco porque tudo alagado, então
eles fica nos monchão, faz um casa de folha e então é pegar” (D. E., 56 -
retireiro).
“Monchão”, na linguagem dos retireiros são murundus, porção de terra alta recoberta por
vegetação onde a água não chega, servindo de refúgio para diversos animais, inclusive o tatu.
Além dos recursos oriundos da caça, os retireiros realizam uma atividade bastante comum
que é a coleta (em período de desova) de ovos de tartaruga, tracajá e de aves como as gaivotas,
além da coleta de mel. Essas atividades são realizadas por homens, mulheres e crianças.
Muitos animais são citados por alguns retireiros como impróprios para o consumo,
alegando ter carne pesada (reimosa), sendo prejudicial à saúde.
No período menstrual, as mulheres não consomem peixe de couro, nem carne de caça,
pois também são prejudiciais à saúde. Essas regras alimentares também são observadas em
comunidades indígenas e entre os caboclos das várzeas amazônicas. Morán (1990) afirma que um
grande número de tabus alimentares é comum entre populações indígenas do Brasil. Um exemplo
relatado por este autor é os Camaiurás de Mato Grosso, que, assim como os retireiros,
consideravam reimosos os peixes lisos, ficando as mulheres grávidas proibidas de comê-los. O
mesmo acontece com os animais de caça onde os caboclos da Amazônia consideram várias
espécies como reimosas. o se sabe ao certo a que estão relacionados esses tabus alimentares,
sabe-se, no entanto, que os peixes considerados reimosos são mais gordurosos e abundantes.
Begossi apud Bortolotto, (1999) afirma que tabus alimentares são um luxo e as comunidades que
dispõem de proteína animal abundante podem apresentá-lo.
A utilização de produtos de origem animal na cura de diversas doenças é muito comum entre
os retireiros, como no relato abaixo:
“Iiiii! Tem muito animal que serve pra remédio: tatu, sucuri, a banha de sucuri é
boa pra reumatismo, cascavel, tartaruga... a parte que usa mais é a banha, usa o
sangue também, né. Da cascavel usa o osso, né”! (B.P.S. 67, Retireiro).
50
Todos os entrevistados citaram algum tipo de animal utilizado como remédio. As formas de
utilização variam, podendo ser ingerido in natura ou preparado em garrafadas, chás ou
misturados a pratos da culinária local. As partes utilizadas são gorduras, ossos, sangue, dentre
outras. O sangue do anu misturado na pinga é utilizado para combater o alcoolismo. Um produto
de origem animal bastante utilizado para fins medicinais entre os retireiros é a gordura,
denominada pelos retireiros por “banha”. A banha da capivara é utilizada como depurativo do
sangue (“serve para limpar o sangue”), para gripe e bronquite. Para isso utilizam-se poucas gotas,
geralmente misturadas a outros alimentos como mel de abelha. A banha de sucuri é usada no
combate a reumatismo e os ossos para combater as dores. Uma outra serpente utilizada pelos
retireiros na medicina é a cascavel. Sua banha quando ingerida combate doenças de pele. Banha
de tatupeba quando derretida é usada para dor de ouvido e a banha do tatu-galinha serve para
problemas na vista. A banha de arraia serve para combater bronquite. Outra parte utilizada é o fel
(a bile) de paca que segundo os retireiros serve para dores e para arrancar espinhos na pele.
Alguns animais utilizados na medicina são geralmente acompanhados por rituais de
benzeção.
Os retireiros não relataram fazer uso de animais em rituais, no entanto afirmaram que
alguns animais da fauna local têm poderes como é o caso do boto, que seu olho quando carregado
por homens serve como atrativos de mulheres bonitas. Este animal também é protagonista de uma
interessante lenda conhecida por todos da comunidade. Outro fator importante é que muitos
remédios naturais de origem animal, assim como os de origem vegetal, são acompanhados de
rituais, na maioria das vezes de orações ou demonstrações de fé.
Marques (1999) descreve que o comportamento ou canto de inúmeras aves muitas vezes são
associados, por ribeirinhos ou povos tradicionais, a mitos, lendas, a anúncios de boas vindas ou
até mesmo morte de pessoas próximas.
Para os retireiros o urutau ou mãe-da-lua é muitas vezes temido pela característica do seu
canto melancólico. O bem-te-vi é também ignorado pelos retireiros, associando este pássaro à
história bíblica de Maria e José com o menino Jesus fugindo do Rei Herodes. Segundo a lenda,
este pássaro tentou entregar Jesus com o seu canto: bem-te-vi, bem-te-vi. Outro pássaro que traz
agouro é a coruja. Seu canto durante a noite pode estar anunciando a morte de pessoas conhecidas
ou de alguém da família. Segundo esses povos o beija-flor, dependendo de seu comportamento,
51
pode trazer sorte ou azar. Quando este pássaro entrar em casa cantar e sair é anúncio de boas
vindas. Mas se entrar, voar e sair sem cantar é sinal de más notícias.
Quadro 1. Principais animais citados pelos retireiros do Araguaia*
Nome comum Habitat Finalidade
alimento medicina rituais defesa
Anta Varjão e
campo
X
Beija-flor** mata X
Boto** rio X
Capivara Beira de lago
e pântano
X X
Cascavel Campo*** X
Cotia mata X
Galinha D’água
Beira de lago X
Jacaré Rio e lago X X x
Jacutinga Mata X
Jaó Campo X
Jibóia Varjão e
pântano
X x
Juriti Mata X
Lobo-guará** Campo X
Nambu Campo X
Onça Mata x
Paca Varjão X X
Perdiz Campo X
Pomba margosa
Mata X
Quandu Campo e
mata
X
52
Sucuri Varjão e
pântano
X
Tamanduá
mirim
Mata X
Tartaruga Rio e lago X X
Tatu Varjão e
campo
X X
Tatupeba Varjão e
campo
X X
Tracajá Rio e lago X
Veado Campo X
* Ver lista das espécies animais em anexo 3.
** Na Comunidade não caça do boto, lobo e beija-flor. Foram citados aqui apenas como
animais pertencentes a algum ritual ou crendice.
*** Na linguagem do retireiro a palavra campo se refere a campo-cerrado, ou seja, cerrado
formado por vegetação graminosa e poucas árvores.
Todos os animais acima citados já fizeram parte do cotidiano dos retireiros, seja na
alimentação, medicina ou como ameaça à população ou ao rebanho. No entanto, hoje em dia
essas espécies, são pouco caçadas ou utilizadas e fazem parte muito mais de relatos do passado
do que de fatos do presente. A caça é uma atividade que, na atualidade, não tem mais uma
expressividade entre os retireiros.
1.1.2. A pesca
Assim como a caça, a pesca não é uma especialidade e nem uma atividade cotidiana na
vida do retireiro. Ele utiliza esse recurso apenas como complemento alimentar e na medicina.
Apesar disso, esta comunidade detém um profundo conhecimento sobre peixes, períodos de
pesca e estratégias para captura do pescado (Quadro 2). A pesca é realizada por todos os
membros da comunidade: homens, mulheres e crianças.
A pesca entre os retireiros acontece durante o ano todo, embora em alguns meses do ano
observa-se uma maior freqüência (figura 6). No auge do período chuvoso o rio transborda
tornando alagada toda a vegetação ciliar, constituindo as matas alagadas, que na linguagem
53
local é denominada “empuca
3
”, local preferido para realização de pesca, pois há abundância
de peixes em decorrência da farta alimentação ali encontrada. Os períodos de pesca variam de
acordo com a espécie pescada. Algumas espécies são capturadas no período chuvoso e outras
no período seco:
“Existe peixe que é mais de rio e peixe que é mais de lago. O tucunaré é
um peixe de lago. Quando as águas baixam o que dá é tucunaré nos lago e
naquelas impuca. pega ele, até sem isca. No rio pesca o ano inteiro,
mas na cheia lá pra março é época dos cardume de piau de todo tipo. Tem
também piabanha e outros peixe” (R. S.,40. -retireiro).
Para a pesca é utilizado o “caniço” (varas de bambu) com anzol ou linhada (linha de mão).
Não informaram sobre o uso de redes, tarrafas ou armadilhas. Apenas um retireiro comentou
sobre a pesca do pirarucu na qual utiliza o arpão. As iscas utilizadas para a captura variam de
acordo com a espécie de peixe a ser capturada. As utilizadas com maior freqüência são:
peixes, milanga (minhoca), fios de abelha (larvas de abelhas), milho, iscas feitas com trigo ou
fubá e até casca de pau ou sacolas plásticas. O termo fio de abelha (filho=larva= larvas de
abelhas) também é observado por Marques (2001) em seu trabalho com os brejeiros de
marituba, no nordeste brasileiro. A diferença é que os brejeiros utilizam a abelha “arapuá” e os
retireiros a abelha “oropa”. Para a captura do tucunaré basta colocar um pedaço de sacola
plástica branca (sacola de compras) no anzol, jogar e puxar o anzol na água (bater o anzol na
água). A carne é pouco usada como isca por causa das piranhas, peixe carnívoro, abundante no
rio Araguaia e pouco consumido pela população, sendo utilizada eventualmente em caldos
caldo de piranha.
Dependendo da espécie ou da época do ano utilizam estratégias diferentes de pesca. O uso
da canoa é a prática mais utilizada entre os retireiros. Com ela o retireiro pode chegar a
diversos lugares, inclusive ficar parado no meio do rio ou lagos. Outra forma muito utilizada é
a pesca de barranco, esta acontece mais no rio que nos lagos. Para a pesca do pirarucu utiliza-
se uma única estratégia: dentro de uma canoa, no meio do lago, armado com um arpão, o
pescador fica à espera do peixe. Quando ele bóia atira-se o arpão. O pirarucu, por ser um peixe
de tamanho e peso elevado, tem a necessidade de respirar fora d’água.
3
Denominação regional atribuída a vegetação periodicamente alagada próxima aos lagos ou rios
54
Os retireiros pescam para seu consumo e de sua família diferentes espécies de peixes. Os
mais consumidos são os peixes de escamas. Para eles os peixes de couro (bagres), não
possuem o mesmo valor nutritivo, além de serem considerados reimosos.
O consumo de peixes também está relacionado ao período do ano. Tudo na vida do
retireiro é movido pela sazonalidade. Assim o tipo de pescado também varia de acordo com a
época do ano. No período de verão (seca) o peixe mais consumido é o tucunaré. no inverno
(período chuvoso), há outras espécies consumidas como o piau, pacu, dentre outras.
Quadro 2. Principais peixes utilizados pelos retireiros*
Nome Habitat Utilização
Época do ano Tipo de isca
Arraia Margens de
Lagos e rio
Medicinal Ano todo carne
Barbado Lagos e rios Alimento Ano todo Carne ou
milanga
Cachara Rios e lagos Alimento Ano todo Carne, peixes
ou milanga
Caranha Rios e lagos
de água
limpa
Alimento Mais no
inverno
frutos
Curvina Rios e lagos Alimento/
medicinal
Ano todo Carne ou
milanga
Matrinchã
Rios e lagos Alimento Ano todo frutos
Pacu rios Alimento Ano todo frutos
Piabanha
Rios ou
grandes
lagos
Alimento Inverno Frutos ou
peixes
Piau rios Alimento Inverno Frutos e
pequenos
peixes
Pintado Rios e lagos Alimento Ano todo Pequenos
peixes
Pirarara rios Alimento Ano todo Carne e peixes
Pirarucu lagos Alimento/art
esanal
Mais no verão peixes
Piranha Rios e lagos Alimento Ano todo Carne e peixes
Tucunaré lagos Alimento Verão Peixes, casca
de pau, sacolas
plásticas.
* Ver lista de espécies de peixes em anexo 4.
55
1.2. O CONHECIMENTO SOBRE A FLORA LOCAL
A economia dos retireiros depende basicamente da flora local. As gramíneas nativas que
crescem nas áreas de várzea no período de estiagem constituem o alimento consumido pelo
gado durante um período de mais ou menos oito meses, sendo este o motivo de existência e
sobrevivência da Comunidade. Além das pastagens a flora local está presente diariamente na
vida do retireiro.
Todos os retireiros entrevistados fazem uso de plantas nativas de diversas formas (Quadro
3). Usam para construção de casas, cerca, curral (figura 9), utilizam como medicinal, como
alimento, para confeccionar cabo de enxada, foice, machado, como combustível de fogão para
o cozimento de alimentos, como isca e como assessório de limpeza.
Figura 9. Construção de casa, cerca, porteira e curral com vegetais Foto: Azambuja, 2002.
O conhecimento da utilização desses vegetais é transmitido internamente entre os
membros da comunidade através da oralidade e no decorrer das atividades diárias. Este
conhecimento vai além dos mecanismos de uso e está associado também a mecanismos de
conservação da flora local como garantia da sobrevivência desta população. Este fato é
apontado por Bortolotto & Guarim Neto (1998, p.26), quando afirmam que “nas comunidades
tradicionais, a utilização das plantas está associada, na maioria das vezes, com sua
conservação, uma vez que disso depende a sobrevivência dessas comunidades”.
56
O conhecimento tradicional sobre os vegetais é uma das grandes riquezas de populações
tradicionais. Portanto, o estudo desse conhecimento, denominado etnobotânico, precisa ser
amplamente divulgado nos meios acadêmicos para a sua valoração e reconhecimento. A
respeito de estudos etnobotânicos, Posey (1996) afirma que este pode servir para propiciar
novos usos de plantas existentes, até então desconhecidas pela ciência moderna. Para este
autor os povos tradicionais usam de alguma forma, cerca de 75% de todas as espécies
existentes enquanto que apenas aproximadamente 2% é explorado economicamente na Região
Amazônica.
1.2.1. As Plantas nativas e as diferentes formas de uso
Para a produção de remédios, tanto para a população quanto para os animais, os retireiros
utilizam inúmeras espécies de plantas nativas. Dentre esses vegetais os que mais se destacam
são: pau-doce, inharé, jurubeba, piaçava, gervão, capim de vereda, candeia, manacá e
guatambu. Além desses vegetais a população faz uso de outras plantas medicinais encontradas
em áreas fora da comunidade dos retireiros.
Guarim Neto & Moraes (2003) corrobora com essa discussão afirmando que a relação
entre o ser humano e a flora medicinal é bastante forte e aparece em diferentes momentos da
vida cotidiana. Afirmam ainda que o uso de plantas medicinais nativas da flora tropical por
populações ribeirinhas pode servir de instrumento para o desenvolvimento de atividades de
educação ambiental.
Os retireiros conhecem muitas plantas nativas usadas como alimento. Para Silva (2003) a
região possui uma grande variedade de fruteiras nativas e estas fazem parte da vida cotidiana
da população. De quase todas essas plantas utilizam apenas o fruto como abacaxi-do-campo,
araticum, bacaba, baru, buriti, caju-do-cerrado, coco-babaçu, inharé, jatobá, jenipapo,
mangaba, murici, oiti, pequi, curriola e cagaita. Somente um retireiro citou a utilização do
palmito de babaçu como alimento.
Embora percebe-se que nos aspectos culturais do povo retireiro haja uma ligação forte
com a religiosidade, bem como com a simbologia e o misticismo, disseram não fazer uso de
57
nenhuma planta com especificidade ritualística. Citam, no entanto, que conhecem várias
plantas que têm poderes sobrenaturais para purificar o ambiente e trazer sorte para a família e
que a maioria das plantas medicinais para a efetivação da cura necessita ser acompanhadas de
orações e fé. As plantas citadas como purificadoras do ambiente (espantar mau-olhado) não
são nativas do local e esta crendice se faz presente entre os mais jovens, como pudemos
perceber com um retireiro:
“O povo mais velho diz que arruda é boa pra espantá mau-olhado” (J. E.,
25 – retireiro).
Esta referência ao saber dos mais velhos pelos mais jovens demonstra a transmissão do
conhecimento entre as sucessivas gerações, bem como o respeito ao conhecimento das
pessoas mais experientes da comunidade.
Nas construções e fabricações de utensílios domésticos (artesanatos) os retireiros fazem
uso de um grande número de vegetais. Essas construções e as fabricações de artesanatos vão
desde a própria casa até objetos como concha de madeira para utilizar na cozinha. Na
produção de artesanatos é grandemente empregado o sarã, planta muito comum nas margens
de lagos e rios da região e que tem uma consistência leve possível de ser trabalhada
(moldada). Para a construção de casas utilizam o landi, canjerana e piaçava. O landi e a
canjerana são utilizados para a construção de toda a estrutura da casa, como pilares, paredes e
teto e as folhas de piaçava são utilizadas para a cobertura. O curral e porteiras são construídos
com landi, canjerana, candeia e cega-machado, enquanto que a cerca é feita com a madeira de
landi seca. O landi é uma madeira abundante na região, típica de regiões periodicamente
alagadas, atribuindo a ela inúmeras finalidades, inclusive na construção de canoa:
“O landi tem dimais aqui. É a que mais usa aqui pra cerca, curral, pra faze
casa, canoa..., canjerana e a palha de piaçaba todo mundo tira também. O
landi é resistente porque é do varjão mesmo, onde tem varjão tem ele, ele
dura mais aqui por causa disso. É a madeira mais usada nessa área” (D.
E., 56 – Retireiro).
Modo de construção semelhante é encontrado em diversas regiões do país. Cândido (2001
p.48) descreve o modelo das casas dos caipiras do interior de São Paulo: “sua casa é um abrigo
58
de palha, sobre paredes de pau-a-pique, ou mesmo varas não barreadas, levemente pousado no
solo”.
Além dessas construções os retireiros utilizam as plantas nativas como o guatambu e o
cega-machado para confeccionar cabo de enxada, machado e foice. Outra utilização das
plantas nativas citadas pelos retireiros é para a queima em fogão a lenha no preparo de
cozimentos. Há ainda retireiros que citaram a utilização da folha de sambaíba como assessório
para limpeza de vasilhas de alumínio e ferro, em substituição à palha de aço.
Entre os retireiros não há registro de plantas nativas utilizadas para ornamentos. o
entre eles a preocupação de “enfeitar” as casas dos retiros onde dificilmente encontra-se uma
flor cultivada:
“Ah, isso aí é para as casas da cidade, as mulher que gosta de cuidá disso,
aqui nem adianta plantá porque no inverno vai acabá tudo, mas no campo
tem muita flor bonita” (J. E., 25 – retireiro).
Neste relato pode-se perceber que nos retiros o trato com plantas ornamentais é tarefa
dedicada à mulher e a não presença constante delas nos retiros (tendo que se dividir entre a casa
da cidade e a do retiro) pode influenciar na ausência desses vegetais nestas áreas.
Nota-se que as plantas nativas citadas pelos entrevistados e suas diversas formas de
utilização fazem parte do cotidiano da população da Comunidade dos Retireiros do Araguaia,
percebendo uma estreita relação de dependência desses povos em relação aos vegetais.
Quadro 3 – Principais plantas nativas citadas pelos retireiros*.
Vegetal Parte utilizada Construção Medicinal Alimento
Outros**
Abacaxizinho
Fruto X
Araticum Fruto X
Bacaba Caule, fruto x X
Barbatimão Casca X
Baru Fruto X
59
Buriti Fruto, palha x X X x
Cagaita Fruto X
Cajui Fruto, casca X X
Candeia Caule, casca x X
Canjerana Caule x
Capim-
vereda
Folha X
Coco babaçu Fruto, folha x X
Curriola Fruto X
Guatambu Casca, Caule X x
Inharé Fruto, raiz,
casca
X X
Jatobá Fruto, casca X X
Jenipapo Fruto X X x
Jurubeba Fruto X
Landi Caule x
Manacá Raiz X
Mangaba Fruto X
Murici Fruto, caule x x
Oiti Fruto X
Pata-de-vaca Folha X
Pau-doce Caule, casca X
Pequi Fruto, folha,
casca, raiz
X X x
Piaçava Folha x X
Sambaíba Raiz, folha X x
Velame Raiz X
* Ver lista de espécies de plantas em anexo 2.
**Outros está relacionado à fabricação de cabo de enxada, foice, machado, artesanatos e para
queima.
60
1.3. O SABER SOBRE O AMBIENTE FÍSICO
Além do conhecimento sobre o ambiente natural, os retireiros são detentores de um
enorme conhecimento sobre o ambiente físico. A vida no retiro só se tornou possível graças ao
conhecimento do meio físico e natural que o retireiro construiu através dos tempos. Dessa
maneira ele conseguiu compreender a teia de relações estabelecidas entre os componentes
bióticos e abióticos do sistema do qual faz parte. Não seria possível caçar, pescar, tirar palha,
madeira ou mesmo pastorear o gado se não tivessem domínio do conhecimento sobre o solo, o
clima, os períodos de chuva e seca.
1.3.1. O Saber sobre o solo, clima e sazonalidade
Para o retireiro, o solo do varjão, embora ácido e arenoso é bastante rico em matéria
orgânica, resultado dos ciclos de chuva e seca ocorrentes na região. Após a cheia fica uma
camada de matéria orgânica depositada no solo através das águas (figuras 10 e 11). É, segundo
os retireiros, essa matéria que dá vida ao capim que servirá de alimento para o gado.
61
Figura 10. Pastagem nativa no inverno Foto: Silva, 2001
Figura 11. Pastagem nativa no verão Foto: Silva, 2001
Sendo a criação de gado, a base da economia dos retireiros, poucas famílias desenvolvem
a agricultura. Esta por sua vez não seria possível mais de um ano consecutivo, pois a camada
de nutrientes depositada no solo pelas chuvas não suportaria o manejo. As poucas plantações
existentes nos retiros comprovam a fragilidade do solo. Os retireiros sabem também da
62
capacidade de suporte do solo e que o pisoteio de animais pode provocar compactação
impedindo o desenvolvimento das gramíneas. Por isso evitam cercar as pastagens, permitindo
que o gado circule num espaço maior evitando a concentração.
“O solo do varjão é fraco. nos primeiros anos, depois com adubo. Uns
pranta alguma coisa, mas é pouca: mandioca, feijão trepa-pau, alguns de fruta,
um pouco de milho, arroz. Isso é mais no final do verão quando começa entrar o
inverno” (B. P. S., 67 -Retireiro).
Conforme Morán (1990) os solos dos cerrados são geralmente ácidos, altamente
lixiviados e deficientes em importantes nutrientes. Isso levou os habitantes do cerrado a
desenvolverem formas próprias de manejo do seu ambiente, manejo este geralmente
acompanhado de conservação dos recursos naturais para o sustento da população.
Para aos retireiros o verão e o inverno apresentam características diferentes das
comumente aceitas pela literatura. De acordo com o saber local as estações do ano se baseiam
em duas: verão e inverno. Verão é o período seco que geralmente vai de maio a novembro e
inverno é compreendido pelo período chuvoso que vai de dezembro a abril. O conhecimento
que possuem acerca dos dois ciclos geoclimáticos é que permite o desenvolvimento de
atividades e movem a vida nos retiros.
Quando as chuvas param é início do verão (geralmente acontece em maio) e é o momento
que o gado começa a descer das partes altas à procura das pastagens do varjão (parte baixa). O
ritual de descida do gado é compartilhado por todos da comunidade. É um momento de muito
trabalho, pois a necessidade de preparar o retiro para receber o gado e para o retireiro viver
por mais ou menos oito meses. Reconstruir curral, barracos, cercas, contratar vaqueiros, são
algumas das tarefas neste momento de volta ao retiro.
No verão é o período de atividade no retiro. É nesse período que o gado fica solto e
necessita dos cuidados dos vaqueiros. Além da lida com o gado, no verão é época de retirar
palha de piaçava e diversas madeiras utilizadas na construção de casas, cerca e curral. Neste
período também um cuidado redobrado com a utilização do fogo, pois a vegetação se
encontra seca e qualquer descuido pode provocar um incêndio, destruindo toda a pastagem.
63
No inverno inicia-se a retirada dos animais, retirando-se também toda a população e seus
pertences. As casas ficam vazias. Poucas famílias se aventuram a permanecer no local.
A vida no retiro permitiu ao retireiro obter ao longo dos anos um profundo conhecimento
sobre a instabilidade do tempo, graças a observações diárias realizadas por toda a vida e
passadas de geração em geração. De acordo com o saber tradicional da comunidade é possível
o retireiro prever se vai chover, estiar ou fazer frio ou ainda se o inverno e o verão serão
rigorosos ou não. Estas previsões, geralmente são associadas a comportamentos de animais,
minerais ou fenômenos naturais. Como exemplo tem-se as formigas saindo do formigueiro, as
aves cantando ou voando a certa direção ou altura, pererecas coaxando, larvas de insetos à
beira do rio ou lagos, a posição da lua.
“Quando a lua ta torta com a curva virada para cima é que vai chover. Outro jeito
de saber se vai chover ou sol é quando tem círculo na lua. Se o círculo tiver
longe é chuva perto e se tiver perto é chuva longe. Nóis também se vai chove
através do sal. Sal pingando é sinal de chuva. Canto de pássaro ou revoada de
qualquer ssaro é sinal de chuva. Cupim também quando cria asa é que vai
chover. Quando o céu ta escamento é chuva na certa”. (D. E., 56 – retireiro)
Morán (1990) mostra que os caboclos da Amazônia também observam tais fenômenos
como o comportamento dos marrecos, mergulhões, patos e outros pássaros aquáticos para
indicar a oscilação dos níveis de água. A chegada dessas espécies nas praias antes das chuvas
caírem nas florestas é sinal de chuvas fortes em breve.
Todo esse saber permite ao retireiro (e às populações tradicionais) a realização de suas
atividades sem prejuízos frente aos fenômenos físicos e naturais. Ao mesmo tempo lhes permite
criar estratégias de conservação da natureza, garantindo-lhe um ambiente saudável e fonte de
subsistência para toda a população e para as futuras gerações.
64
CAPÍTULO III
1 – O PROCESSO EDUCATIVO NA COMUNIDADE DOS RETIREIROS
“A educação existe onde não a escola e por
toda parte podem haver redes e estruturas
sociais de trasnferências de saber de uma
geração a outra, onde ainda não foi sequer
criada a sombra de algum modelo de ensino
formal e centralizado” (Brandão, 2002).
O processo educativo na Comunidade dos Retireiros do Araguaia se tanto em espaços
escolarizados (educação formal) como nos espaços não-escolarizados (educação informal e
não-formal) e é marcado pelas lutas de resistência para se manterem neste ambiente. Esses
dois mecanismos de aquisição e socialização do conhecimento garantem aos povos desta
comunidade a sobrevivência e a esperança de dias melhores. Brandão (2002) contribui com
esta discussão quando afirma que a educação adquirida no espaço escolarizado sempre
coexistiu com a educação não-escolarizada. O autor ilustra esta informação citando o exemplo
da educação familiar (educação não-escolarizada) que na maioria das vezes é suporte
importante para o sucesso do indivíduo na educação escolarizada.
Os constantes conflitos vivenciados pela população da região Norte-Araguaia
fortaleceram esses povos para a prática de luta coletiva na busca e efetivação de seus direitos.
Albuquerque (1995) comenta que boa parte da população da região Norte Araguaia “carrega
uma larga experiência de luta organizada e de ações nas soluções de seus problemas”.
Além das lutas sociais, para o retireiro a produção do saber está associada às relações
estabelecidas entre este e os primeiros habitantes do lugar, os povos indígenas.
Os ciclos sazonais que definem o modo de vida desta população consolidam o processo
educativo informal, permitindo-lhes adquirir um vasto conhecimento das características desse
ambiente, garantindo a sua sobrevivência e de seus familiares.
Para as comunidades tradicionais o aprendizado de que necessitam para se manterem no
local acontece pela prática cotidiana, no fazer das atividades e pela coletividade das ações. O
saber e o fazer estão intimamente ligados na aquisição e socialização do conhecimento. Nesse
65
sentido, a socialização desse conhecimento, se pela oralidade e o seu registro é mental, de
acordo com aspectos culturais de cada grupo ou família.
Na Comunidade dos Retireiros (e na maioria das populações tradicionais) observa-se que
a família exerce grande influência na educação, podendo considerá-la como componente
educacional de maior expressão, advindo dela os valores sociais e profissionais. Prova disso é
a atribuição aos familiares o conhecimento adquirido sobre o ambiente local e a preocupação
em repassá-lo aos descendentes. Este conhecimento entendido como educação informal é
responsável pelas ações de socialização dos indivíduos no desenvolvimento de atividades
diárias.
Para Lima (1984) esses conhecimentos estão relacionados aos benefícios que podem ser
extraídos do ambiente sendo estes relacionados ao uso dos recursos da flora, fauna e recursos
minerais. Para essa autora a educação informal tem um papel importante na integração do
homem com o ambiente, reforçando a posição de que os conteúdos sobre meio ambiente
devem emergir do processo de interação homem/ambiente. Essa interação é possível ser
observada na Comunidade dos Retireiros do Araguaia evidenciando uma educação ambiental
informal que garante a preservação do ambiente natural para o sustento da população.
Sobre este saber ambiental Furtado (1993 p.199) escreve:
“O conhecimento do ambiente em que vivem e a habilidade para fazer as coisas
para utilizar esse ambiente, à medida que vão sendo transmitidos e absorvidos
pelas gerações, transformam práticas, hábitos de vida, modos de apreensão e
apropriação da natureza com traços característicos do povo no seio do qual o
desenvolvidos”.
Esses conhecimentos são construídos em dois espaços diferentes que de algum modo se
interagem: o espaço não-escolarizado, que compreende a educação informal e não-formal e o
espaço escolarizado, compreendido pela educação formal.
1.1. A educação no espaço não-escolarizado
O conhecimento adquirido no espaço não-escolarizado (educação não-formal e informal)
é que garante a manutenção da vida do retireiro no ambiente em que vive.
66
O processo educativo não-formal tem fortalecido a organização da Comunidade sendo
manifestado por meio da Associação de Produtores, pelo rádio, Ibama (Instituto Brasileiro de
Recursos Naturais Renováveis) e Fema (Fundação Estadual de Meio Ambiente). Esses
organismos têm contribuído para garantir o direito de cidadania desses povos aliviando as
pressões que a população vem sofrendo com as mudanças sócio-econômicas e culturais.
Conforme Gohn (2001), o objetivo principal da educação não-formal é a formação da
cidadania e acontece na coletividade. Ainda comenta que este modelo de educação é
intencional e surge como alternativa para classes populares se organizarem na luta por direitos
sociais. Inúmeras organizações como sindicatos, associações, partidos políticos e igrejas foram
responsáveis pela implantação da educação não-formal e pela promoção da mesma em
diversos segmentos da sociedade. Na região Norte Araguaia e na Comunidade dos Retireiros,
a igreja católica regional (Prelazia de São Félix do Araguaia) na pessoa do bispo D. Pedro
Casaldáliga, exerceu grande influência nas lutas sociais. Além de atuar diretamente nas
tomada de decisões contribuiu também na formação de lideranças para atuarem nas frentes
populares de lutas por direito e cidadania, cumprindo assim o objetivo da educação não-
formal.
De acordo com Escribano (2000), Casaldáliga chegou à região em 1968, período de forte
tensão social no Araguaia, principalmente de fazendeiros contra posseiros e indígenas, pela
posse de terras. Desde então, desenvolveu uma estreita relação com os povos indígenas e
comunidades ribeirinhas, assumindo junto a estes uma luta por direito à terra, trabalho,
cidadania e um ambiente saudável. Para tanto organizou entidades específicas que pudessem
atuar nas diferentes questões como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão
Pastoral da Terra (CPT). Estas entidades e diversas outras atuações de Pedro Casaldáliga em
favor dos trabalhadores garantiram-lhe reconhecimento internacional.
A atuação da Prelazia de São Félix do Araguaia ainda continua nos dias atuais e é aliada
importante dos retireiros, ribeirinhos e povos indígenas em suas reivindicações e no processo
educativo tanto na educação formal (na implantação e acompanhamento de centros de ensino
fundamental, médio e superior) quanto não-formal (na criação e atuação de entidades não-
governamentais).
Além do conhecimento não-formal adquirido em espaços não-escolarizados, os retireiros
adquirem um conhecimento que é próprio de sua cultura, aqui denominado de educação
67
informal. A educação informal é construída no seio da cultura local e registrada apenas na
memória do povo. Este conhecimento é transferido para as gerações, geralmente por familiares
ou pessoas próximas, através do convívio diário: na ação de vaqueirar, de pescar, de caçar, de
coletar madeira, de construir casas, no cultivar dos vegetais ou na engenhosa observação do
tempo e dos fenômenos naturais. A família e as formas de organização social são grandes
responsáveis por este modelo de educação.
Brandão (2002) faz referencia ao modelo de educação informal denominado por ele de
educação não - intencional:
“A educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e
recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de
educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que
ensinam e aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais
de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato
ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida
do grupo e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a
natureza e entre os homens” (Brandão, 2002, p.10).
O aprender ou o ensinar no cotidiano da comunidade não acontece intencionalmente, mas
necessariamente. É a necessidade de se manter no ambiente, geralmente marginal, que garante o
aprendizado dos grupos sociais de comunidades tradicionais. Não vontade de ensinar ou de
aprender. Há, no entanto, a necessidade de ensinar e aprender e essa necessidade é manifestada
sem intenção tanto por quem ensina como para quem aprende. Esta necessidade de aprender pela
sobrevivência é percebida no depoimento de um retireiro:
“Aqui todo mundo aprende na lida. Ninguém aprende na escola não é aqui
mesmo. É veno os mais velho fazê as coisa e a gente vai aprendeno. Tem que sabê
né, se não como vai vivê aqui?” (D. E., 56 – retireiro).
O processo de aquisição e transmissão desse conhecimento é um processo histórico e
manifestado pela cultura. A interação entre os retireiros e destes com o ambiente, além de
perpetuar os saberes antigos promove a construção de novos saberes, garantindo a
sobrevivência da população e a conservação dos recursos naturais, frente às transformações
ambientais e sociais por que passa a comunidade. Este saber, de acordo com Lima (2004),
68
poderá ser um instrumento para reflexão nos mais variados espaços escolarizados, inclusive
para própria comunidade.
1.2. A educação no espaço escolarizado
A educação que ocorre nos espaços escolarizados é denominada por Gohn (2001) de
educação formal. Este modelo de educação se caracteriza por apresentar com objetivo e
público definidos e métodos e regras previamente estabelecidos. Acontece em espaços físicos
preparados (denominados escolas) e com executores especializados para tal finalidade
(professores). Embora não leve em conta a realidade de todos os grupos sociais, a educação
formal atua como mecanismo de perspectiva para dias melhores para as populações marginais
como as comunidades tradicionais.
Para uma população tradicional, a escola ocupa um lugar importante em seu plano de
vida, onde se esforça para manter seus filhos com a intenção de que terão melhor qualidade de
vida. Para os membros de uma comunidade tradicional escolarizar os filhos significa livra-los
das dificuldades da zona rural. A Comunidade dos Retireiros do Araguaia não foge à regra.
Todos os filhos de retireiros freqüentam a escola:
“Quem num vai pra escola vai virá retirero. Aqueles que vai estuda fica por lá,
esquece tudo e nem sabe mais lida no retiro. Os que num estuda vira retirero.
Desde cedo aprende tudo no retiro. A escola ensina outras coisa pra si formá”
(B.P. S., 67 – Retireiro).
Esta afirmação lembra um trecho de uma carta de um chefe indígena, citado por Brandão
(2002) recusando a proposta de enviar os jovens índios para estudar em escolas dos brancos:
69
“Muitos dos nossos guerreiros foram formados nas escolas do norte e aprenderam
toda a vossa ciência. Mas quando voltaram para nós, eles eram maus corredores,
ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome, Não
sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a
nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam
como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros” (Brandão, 2002, p. 08).
Para os retireiros, os filhos não aprenderam na escola (educação formal) o saber de que
precisam para viver no retiro e sim como eles, fora da escola, nas atividades diárias e na
necessidade que as condições de vida lhes impõem (educação informal). No entanto, há a
necessidade de uma preparação para o futuro incerto da vida do retireiro, ou seja, nova garantia
de sustento que advém da educação formal, a formação escolar. Esta formação é entendida pelos
retireiros como aquisição de outras habilidades que não as do cotidiano da vida nos retiros.
Educação para os retireiros não é a mesma coisa que ter estudo. Para eles educação é o
aprendizado que adquirem na vivência do dia-a-dia com os pais ou com os mais velhos,
estando relacionada ao comportamento moral (respeito), dedicação ao trabalho e a família. Ter
estudo significa conhecer as “técnicas” de viver na cidade, aprender uma profissão e usufruir
as regalias de uma vida moderna. Este fato é apresentado por um retireiro quando perguntado
intencionalmente como é a educação do povo retireiro:
“O povo aqui tem muita educação. Vive bem uns com os outros, é todo mundo
unido. Os mais velho aqui quase ninguém tem estudo” (D. E., 56 – retireiro).
No retiro não há escolas. Os filhos dos retireiros estudam nas escolas da cidade. A
educação formal que recebem é uma educação citadina, onde prepara o indivíduo para uma
vida na cidade, no caso dos filhos dos retireiros, prepara-os para deixar o retiro e viver na
cidade se ocupando de outras atividades. Embora pareça contraditório, percebe-se nos
depoimentos colhidos que é justamente isso que os retireiros querem para seus filhos e é com
este pensamento que se esforçam para mantê-los na escola, proporcionando-lhes um meio
mais seguro de sustentar a vida:
70
“Tem que se formar pra alguma coisa, porque o estudo é garantido, ninguém tira.
Agora o retiro eu não sei o que vai ser daqui algum tempo” (M. S. 59 - retireiro).
Isso nos leva a crer que embora os retireiros tenham um vasto conhecimento do ambiente
e sabem lidar com o regime de inverno e verão, parecem ainda não se sentirem seguros neste
ambiente. São muitas vezes desestimulados a viver nos retiros pelas interferências culturais e
econômicas do mundo de fora e as constantes ameaças por fazendeiros que tentam ocupar o
espaço.
Apesar dessas provocações do “mundo de fora”, a forma de organização social, do
trabalho grupal e do uso em comum dos recursos naturais pela comunidade permitiu que o
conhecimento fosse socializado e que exista uma forte resistência em manter pelo menos os
mais velhos no ambiente:
“Todo mundo ajuda aqui. Um cuida do gado do outro. Vai todo mundo pro
campo. Às vezes vai junto. Mais sempre é em grupo. Um depende do outro. A
comida é da rua e daqui mesmo. Muitos faz roça, planta uma verdurinha, pesca
pra comê... mas a maioria é a carne e a pesca. E também a tartaruga...é uma das
carne que o pessoal mais gosta” (D. E., 56 – Retireiro).
Esta manifestação de união e organização entre os retireiros sustenta a teia de relações e
em conseqüência garante a socialização do saber.
Os processos educativos instalados na comunidade (educação informal, não-formal e
informal) embora pareçam dissociados, estão intimamente ligados, garantindo aos retireiros a
manutenção da vida no ambiente e a esperança de dias melhores para todos os membros da
comunidade.
Este fato é percebido nas entrevistas e em conversas com os retireiros mais velhos.
Percebe-se que tanto o processo escolarizado como o não-escolarizado é fundamental na vida da
comunidade. É através da educação não-escolarizada que se mantêm no retiro e adquirem o seu
sustento e é através da educação escolarizada que sonham com dias melhores para seus filhos. A
escola para eles não é algo negativo, pelo contrário, é motivo de esperança e de certezas de um
71
futuro promissor para seus descendentes. Os mais jovens, no entanto, vivem de incertezas quanto
ao valor da educação formal para ascensão econômica e profissional. Acreditam apenas que é
importante saber ler e escrever (o que sabem), mas que não lhes permitem ganhar dinheiro e
entrar no mundo moderno.
2 – EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Educação para a vida
“Educar-se é impregnar de sentido as
práticas da vida cotidiana. (Francisco
Gutiérrez)
2.1. Um Modelo de Conservação Ambiental
O estudo da relação entre educação e meio ambiente se faz necessário no contexto vivido
pelos Retireiros do Araguaia. Embora nos retiros não haja diferença entre educação ambiental e
educação propriamente dita, faz-se necessário perceber a relação entre o processo educativo
instalado na comunidade e a conservação dos recursos naturais. Conservar os recursos naturais
para os retireiros não é luxo, não é missão e nem mesmo uma ação política de interesses. É uma
atitude necessária para garantir a sobrevivência da população. Essas atitudes podem ser
compreendidas como uma ação de educar para o meio ambiente, como garantia de qualidade de
vida, caracterizando-se como educação ambiental informal.
Nas Comunidades tradicionais a conservação ambiental está intimamente relacionada à
qualidade de vida da população. Para tanto, é necessário que haja um desenvolvimento sócio-
econômico sustentado e estável que leve em consideração as interações existentes entre a
humanidade e a natureza.
Storey (1998) corrobora com essa discussão quando diz que “a Educação Ambiental
precisa desenvolver-se dentro de sua realidade e da sua condição regional e global e,
conjuntamente com a população, elaborar seus próprios programas”. No entanto, para que esses
programas se efetivem, é preciso conhecer o cotidiano das pessoas, suas representações, sua
72
cultura, sua sociedade, sua situação econômica, histórica e religiosa. Com isso pode-se buscar
soluções aos problemas sócio-ambientais num plano de ação conjunto e, dentro desse tentar
melhorar as relações entre seres humanos e a natureza e os seres humanos entre si.
A educação ambiental instalada na comunidade dos Retireiros é inerente ao modo de vida
da população, sendo manifestada nas atividades do cotidiano e podendo servir de base para
discussões sobre conservação ambiental em sociedades modernas. Nesse sentido Reigota (1994)
afirma que o que deve ser considerado prioritariamente são as relações econômicas e culturais
entre a humanidade e a natureza e a relação dos homens entre si. O que move esta relação é a
capacidade de diálogo entre as gerações e culturas, tendo como resultado uma Educação para o
Meio Ambiente ou simplesmente Educação Ambiental.
X
Figura 12 - Relações estabelecidas no processo de educação para o meio ambiente
Ao tratar de Educação Ambiental, Reigota (1996) enfatiza que esta deve ser entendida
como educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir
justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais com a
natureza. Para este autor a educação ambiental deve ser entendida como uma filosofia da
educação que tem por objetivo a formação do cidadão, capacitando-o para a utilização racional
Relações econômicas e culturais
Humanidade Natureza
Educação Ambiental
73
dos recursos naturais e agindo nas tomadas de decisões da comunidade. Nos retiros o
conhecimento acerca dos fenômenos e recursos naturais e sua relação com os mesmos, levam
o indivíduo à além de uma utilização racional dos recursos disponíveis, lutar por cidadania que
é a conquista do direito de permanecer no seu ambiente, garantindo a sua sobrevivência e de
seus familiares.
A vida na Comunidade dos Retireiros é garantida pelas relações harmônicas estabelecidas
entre a população e o ambiente, num processo de educação ambiental informal, em espaços
não-escolarizados. O sujeito ambientalmente educado é um sujeito preparado para a resolução
dos problemas ambientais de sua realidade. “Os problemas ambientais foram criados por
homens e deles virá a solução” (Reigota, 1994).
Os grupos étnicos, de acordo com Artunduaga (1998), possuem valores cuja importância
transcende os estreitos limites de uma região ou grupo e tem um significado profundo para a
humanidade. Nesses grupos os diversos meios de adaptação ambiental formam parte de um
grande acervo cultural que não pode ser ignorado. Este acervo compreende indicadores de
uma relação sem grandes conflitos com a natureza, servindo, portanto, como indicadores de
educação ambiental.
2.2. Indicadores para Educação Ambiental em espaços não-escolarizados
O modelo de utilização dos recursos naturais e as manifestações culturais desenvolvidos
pelos Retireiros do Araguaia podem ser compreendidos como indicadores de Educação
Ambiental para a sociedade não tradicional” em espaços formais de ensino. Este componente
educativo ambiental é percebido nas relações entre os membros da comunidade e os recursos
da natureza:
“Aqui ninguém derruba o mato, as vez pra faze uma rocinha. Num cerca, num
queima, se não como é que vai vive ?...todo mundo caça ou pesca pra come,
né”? (R. S., 40 - retireiro).
74
Experiências como estas são comuns em diversos lugares do Brasil. Carvalho (1995)
afirma que no Brasil inúmeras experiências de populações que manejam de forma
sustentável o seu entorno. Diante disso, é preciso situar o processo educativo ambiental como
aspecto importante nos mecanismos de conservação e que considere as relações sociais e
ambientais nas tomadas de decisões políticas. Assim a educação ambiental pode e deve se
articular na construção de novas bases éticas, políticas e ambientalmente sustentáveis para as
interações entre sociedade e natureza. Deve acima de tudo promover o desenvolvimento de
hábitos e atitudes que garantam a conservação ambiental e respeito à natureza, a partir do
cotidiano de vida das populações e de toda a sociedade.
Para que isso seja concretizado a educação ambiental deve tornar-se um processo de
aprendizagem constante não tendo um modelo ou uma fórmula própria. Ela acontece no seio
de cada grupo social do jeito que cada cultura possa expressar, ou seja, nas atividades práticas
do cotidiano de cada povo, no fazer as atividades, nas relações com as pessoas e seres, nas
relações com o ar, água, com o solo.
Este modelo de educação aqui descrito e vivenciado na Comunidade dos Retireiros do
Araguaia não se esgota apenas nas relações com a natureza, mas na forma de organização
social, política e econômica ali estabelecida. Torna-se um modelo educativo sustentável, pois
há uma interação entre os processos educativos formal, não-formal e informal, ocorrendo num
processo permanente em que os sujeitos tomam consciência de seus valores e competências
tornando-os aptos a resolver os problemas relacionados ao meio ambiente.
Guimarães (1995) sustenta essas informações argumentando que a Educação Ambiental
apresenta-se como uma dimensão do processo educativo voltada para a participação de seus
atores na construção de um novo paradigma que contemple as aspirações populares de melhor
qualidade de vida e um mundo ambientalmente sadio.
A Educação Ambiental para uma sustentabilidade eqüitativa é descrita por Sato (2003)
afirmando que esta se manifesta como um processo de aprendizagem permanente que fomenta
valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação
ecológica.
Essas transformações, manifestações do resultado desse processo educativo voltado para o
meio ambiente, são evidenciadas na Comunidade dos Retireiros frente aos problemas
75
ocorridos e as relações estabelecidas. As tomadas de decisões são coletivas evidenciando a
relação de dependência e organização entre os membros da comunidade.
Essas estratégias além de garantir a conservação dos recursos ambientais garantem
também a sustentabilidade da comunidade, demonstrando assim um modelo de educação
ambiental, de caráter permanente, que promove a consciência ecológica de todos os membros
da comunidade.
Guarim Neto & Moraes (2003) apontam a Educação Ambiental como elemento que
integra os conteúdos veiculados, agindo como agente de informação e transformação. Para
tanto, os autores propõem atividades de Educação Ambiental com a utilização de recursos da
flora medicinal nativa interligando diferentes disciplinas em seus conteúdos programáticos.
Sendo assim, as atividades desenvolvidas e vivenciadas pelos retireiros, são aqui
apontadas como indicadores para Educação ambiental (Quadro 4), podendo ser utilizadas
como subsídio para trabalhar a compreensão dos ecossistemas e a conservação ambiental no
ensino formal.
Quadro 4. Indicadores para Educação Ambiental
1. Atividades de Pastoreio e trato com o rebanho nos retiros
2. Retirada do rebanho das áreas alagadas para as partes altas
3. Retorno do rebanho para os retiros
4. Pesca individual e em grupo
5. Caça para obtenção de alimento, remédio ou para defesa dos humanos ou
rebanho
6. Coleta de vegetais para alimento, remédio, construção ou artesanatos
7. Construções de curral, cerca, casa
8. Previsão do tempo, geralmente realizadas pelos mais velhos
9. Mitos e lendas contadas, principalmente pelos mais velhos
10. Festas folclóricas (bumba-meu-boi)
11. Acampamentos e acompanhamento aos turistas
76
CAPÍTULO IV
1. O FUTURO DOS RETIROS E DOS RETIREIROS
“Malditas as vossas cercas, homens sem
escrúpulos, abortos da Mãe Terra! Malditas as
cercas em que vos encurralais para criar
barriga como porcos cheios de banha, e vos
envolveis com títulos e arame para excluir os
irmãos e seus filhos seus mortos, do direito à
terra e ao trabalho...” (D. Pedro Casaldáliga)
Diante do avanço tecnológico que chega à Comunidade dos Retireiros é possível perceber
que ainda conseguem manter-se atrelados aos costumes e tradições, embora aos poucos absorvam
os recursos oriundos da modernidade (figura 13).
Figura 13. Contraste entre o tradicional e o moderno Foto: Guarim Neto, 2001.
Para os retireiros a aquisição de bens de consumo móveis ou a utilização de produtos
industrializados na alimentação, medicina ou máquinas para o desenvolvimento de atividades
reflete apenas um ajustamento da estrutura organizacional da comunidade à nova exigência da
77
economia moderna. Para a população é uma transformação necessária para que não sejam
excluídos do mercado ou da possibilidade de ascensão social.
No entanto, o que ameaça o futuro dos retiros e retireiros é o avanço da fronteira agrícola
do Estado. A agricultura tem ocupado as terras altas, destruindo as pastagens e consequentemente
deixando os retireiros sem ter onde colocar o gado no período chuvoso.
Sobre o futuro da Comunidade percebe-se divergências nas falas, como pode-se perceber
nos depoimentos abaixo:
“É, eu acho que num vai longe não. O povo ta ficano cansado. Cada dia ta mais
difícil alugar pasta no inverno e agora tão vendeno as fazenda pra pranta soja.
Quem tem pouco gado um jeitinho coloca daqui e dali, na beira da estrada,
agora quem tem muito, aí eu num sei ou vai te que ir embora ou vendê o gado, né”
(D. E., 56 - retireiro).
“Ainda vai longe. Se depender da nossa luta is vamo conseguir legalizar essa
área e vive tranqüilo aqui” (R. S., 40 – retireiro).
“É difícil saber o que vai ser dos retiros no futuro. Essas briga sempre tiveram. A
gente torce para continuar os retiro, né!” (M.S., 59 – retireiro)
Para discutirmos e talvez refletirmos sobre o futuro dos retiros é interessante mergulhar
um pouco no processo histórico da região. Os conflitos existentes na Comunidade dos retireiros
são históricos na região Norte - Araguaia do estado de Mato Grosso e ameaçam constantemente a
vida da comunidade.
Políticas de ocupação adotadas pelos governos Federal e Estadual em diferentes
momentos da história e principalmente no início da década de sessenta foram fatores
consideráveis para o aumento dos conflitos entre “caboclos” e latifúndios. Essas políticas, com o
suposto objetivo de ocupação da Amazônia brasileira desestruturaram as organizações rurais
instaladas, provocando um colapso social, cultural e ambiental na região.
A população da comunidade dos Retireiros, na sua maioria, chegou até este local vinda do
sul do Estado do Pará onde realizavam a atividade de cria de gado em pastagens nativas.
78
Incomodados por grandes latifundiários (já na década de 1930) subiram o Rio Araguaia à procura
de espaços para continuarem com a referida atividade.
Na nova região, com o passar dos anos, a população dos retireiros também é
intranqüilizada com ameaças de supostos “donos” da área que tentam tomar posse a força.
Azambuja (2002) relata que na década de setenta os retireiros foram expropriados dessa área
(retiros) por grupos armados que se diziam donos do lugar. Ao passar quatro anos inicia a volta
retomando também suas atividades. Porém, os conflitos não cessaram. Fato semelhante ocorreu
em meados do ano 2000 quando um grupo de peões ocupa a área manifestando estarem
realizando atividades para um suposto dono. Neste fato prevaleceu a organização dos retireiros
resistindo às ameaças e permanecendo na área, como manifesta um retireiro:
“Os cara vieram dizendo que era dono das terras. Começaram fazendo
picada, queria toma a terra, né? Era uma meia dúzia de peão. Nóis era
uma turma grande. Todo mundo unido. Aí nóis embargamo os cara.
Colocamo num caminhão e mandamo embora” (B. P. S. 67 - retireiro).
Esta resistência é fruto da história de luta deste povo aliada a organização e educação
adquirida através de espaços escolarizados e, principalmente espaços não-escolarizados como a
Prelazia, associação de produtores, sindicatos, dentre outros.
Para Azambuja (2002) a região Norte – Araguaia continua sofrendo a influência das
políticas implantadas pelos governos Estadual, Federal e Municipal. O modelo de vida adotado
pela população dos retiros que até então resistiu às pressões do mundo moderno, parece estar com
os dias contados, se não adotarem medidas que lhes garanta a inserção no mundo moderno. Este
modelo, embora seja sustentável para as populações ribeirinhas, não competem com as técnicas
modernas de produção, ficando esta população à margem dos avanços técnico-científicos que
garantem uma “melhor qualidade de vida”.
Para Giesta (2001) as técnicas modernas de produção no campo, responsáveis pelo êxodo
rural no passado, exigem dos trabalhadores maior formação acadêmica para facilitar sua
comunicação e contato com o mundo moderno, garantindo-lhes uma maior inserção ao mercado
de trabalho.
As novas técnicas de produção têm ocupado áreas rurais até então consideradas marginais
para o desenvolvimento de atividades lucrativas, permitindo assim que as fronteiras agrícolas se
79
avancem cada vez mais, sem levar em conta as populações tradicionais, com seus costumes e
tradições.
Atualmente a região Norte Araguaia começa a entrar em um novo ciclo econômico,
caracterizado pela monocultura da soja. Imensas pastagens estão sendo substituídas por lavouras
e toda a atividade manual substituída por máquinas. Com isso, agregam-se às terras um maior
valor, aumentando os interesses de grandes empresas e consequentemente os conflitos sociais.
Assim, esse modo de vida e as atividades desenvolvidas por essa população, poderão ser
consumidos pela pressão do modelo de desenvolvimento atual. Junto, poderá se perder também
todo um conhecimento sobre a fauna, flora, o ambiente físico e todas as formas de manifestações
culturais desse povo.
Outro fator que nos últimos anos vem descaracterizando o modo de vida do retireiro é a
posse de áreas, nas proximidades do rio ou dos lagos, por pessoas oriundas de outras regiões, com
interesse de explorar o turismo. Com isso exploram os ribeirinhos com seu conhecimento sobre a
pesca e o ambiente local, fazendo destes um guia a serviço do turismo exploratório. Essa
atividade exige uma modificação do espaço. Para tanto, as áreas estão sendo cercadas impedindo
a circulação de animais e pessoas, comprometendo as atividades e consequentemente a vida do
retireiro. Este fator pode levar a região dos retiros ao que aconteceu em outras regiões do país.
Conforme Silva e Silva (1995), no pantanal Mato-grossense a atividade de manejo de
gado em pastagens nativas encontra-se comprometida em decorrência do fim do sistema de uso
comum das terras, passando para um sistema de posse, onde cada pantaneiro tornou-se dono de
uma área, cercando-a e consequentemente descaracterizando todo o sistema de produção:
“Anteriormente às cercas, durante a cheia, o gado deslocava-se para os morros e ganhava o outro
lado. Desta maneira a sobrevivência dos animais estava garantida. Com os cercados, o gado fica
confinado e sem espaço para se movimentar” (Silva e Silva, 1995 p.83).
Cândido (2001 p.204) descreve fato semelhante:
“A vida tradicional sobreviveu até aqui em muitas áreas, embora mais ou menos
alterada. Parece difícil que possa, daqui por diante, resistir à expansão capitalista...
A conseqüência é a incorporação progressiva desta área, e de outras parecidas, à
esfera da economia moderna, processo que repercute fundo em toda a organização
da vida social”.
80
Para este autor as mudanças na forma de organização e trabalhos alteram também o
equilíbrio ecológico e os mecanismos de aquisição e transmissão do conhecimento sobre o
ambiente.
De acordo com o Presidente da Associação dos Retireiros inúmeras iniciativas vêm sendo
tomadas para garantir a estabilidade da população e consequentemente a conservação do
ambiente, dos costumes e saber deste povo. Dentre as iniciativas destaca a luta junto ao
Ministério do Meio Ambiente para a legalização da área como “área de uso comum”. Segundo o
presidente, diversos contatos foram realizados junto a este Ministério, estando no aguardo de
respostas.
Vários trabalhos acadêmicos vêm sendo realizados no sentido de registrar o modo de vida
e organização da comunidade, para que além de servir de instrumento para o ensino formal, sirva
também para a divulgação em diversos segmentos da sociedade.
Estudar os filhos é uma alternativa utilizada pelos retireiros para o fortalecimento de sua
luta. Embora haja um conflito entre estudar os filhos como garantia de uma vida melhor no retiro
ou estuda-los para adquirir outra formação e viver na cidade, o certo é que a formação dos
mesmos tem contribuído com as conquistas da comunidade. Muitos de seus filhos hoje possuem
o ensino médio ou curso superior. Estes, embora não atuam nas atividades com os pais,
contribuem nas discussões e tomadas de decisões da comunidade, garantido-lhes a permanência
no local.
Percebe-se aqui, que a educação (tanto formal como informal) é o caminho para
emancipação desta população. O entrelaçamento entre educação formal e informal é que sustenta
a permanência do retireiro na comunidade. Sobre este assunto Silva (2002) afirma que a educação
proveniente do lar vai se entrelaçar com a educação formal, balizada pela escola, completando as
etapas de sua formação para a vida.
O que necessita, no entanto, é a escola ampliar seus entrelaçamentos com o saber informal
das comunidades tradicionais. Honda (1998) reforça essa interação quando afirma que para os
povos ribeirinhos a educação é tida como instrumento que garante a mobilidade social, possibilita
melhores condições de trabalho e de vida e permite-lhes exercitar o direito à cidadania.
Na fala dos retireiros mais jovens é possível notar que a educação formal está mais
propícia a prepará-los para a conquista de direitos que para a melhoria da qualidade de vida. A
81
maioria dos jovens da comunidade possui ensino médio completo e na atividade que
desenvolve um meio economicamente lucrativo que lhes garante ascensão social:
“É bom estudar né, porque o estudo ninguém tira. O gado dinheiro,
até mais que muita gente que estuda, mas pode acaba né. E também a
pessoa que tem estudo mais preparada pra se defendê e lutá pelos seus
direitos” (C. S. 26 – retireiro).
Nesse sentido percebe-se que o fato de freqüentarem a escola garante a eles a aquisição de
informações que permitem trilharem caminhos que os levem a conquista de direitos como terra,
saúde, estradas e como conseqüência uma melhor qualidade de vida. O que não se pode, no
entanto, é tornar a boa lucratividade, garantida pela atividade desenvolvida nos retiros, um
desestímulo para as crianças continuar freqüentando a escola, podendo comprometer as lutas
sociais da comunidade que cada vez mais necessita do conhecimento de seus direitos de cidadãos.
A manutenção desses povos com seus costumes e saberes em seu ambiente passa
necessariamente por discussões sócios ambientais que envolva ética e cidadania. Neste sentido a
Educação Ambiental tem papel fundamental na promoção de debates em toda a sociedade e na
criação de mecanismos que estruturem e sustentem a organização da comunidade, possibilitando
assim lutar por direito à terra, a um ambiente saudável e à manutenção das características
culturais, garantindo a sustentabilidade do ambiente e consequentemente da população retireira.
De acordo com Nordi (2001) a Educação Ambiental tem o desafio de consolidar o
entrelaçamento entre saber tradicional e científico. E vai mais além:
“A formulação de ações em Educação Ambiental ou concepção de planos de
manejo, que visem o desenvolvimento sustentável com justiça social não terá
eficácia se não houver uma contextualização de todo o conhecimento indígena e
caboclo sobre o funcionamento e diversidade dos diversos sistemas” (Nordi,
2001 p. 136).
Para Freitas (2004) as atividades de Educação Ambiental devem estar orientadas para as
distintas formas de apropriação e uso dos recursos naturais. Para o autor cada cultura constrói
uma imagem diferente de sua natureza, portanto, os saberes tradicionais sobre os ecossistemas
82
poderão ser compreendidos na sua integralidade se considerarmos os aspectos cosmológicos
pertinentes a cada cultura.
Dessa forma é possível superar o desafio da conservação da Comunidade de retireiros do
Araguaia com seus aspectos sociais, naturais e culturais. Vislumbrando assim a garantia de um
futuro, não apenas como um retrato do passado, mas como manifestações vivas e atuais de um
grupo que consegue interagir com o mundo moderno aliando conhecimento tradicional e
científico, por meio dos processos educativos formal, não-formal e informal. E além de tudo,
permitindo transmitir seus conhecimentos e seu modo de vida a toda a sociedade como
ensinamento de um modelo de relação entre a humanidade e a natureza que demonstra ser
economicamente rentável, ecologicamente saudável e socialmente justo.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização desta pesquisa pode-se perceber que a Comunidade dos Retireiros do
Araguaia, localizada na região Norte - Araguaia do Estado de Mato Grosso é um exemplo de
relação entre os seres humanos e o ecossistema. Esta relação é permitida graças ao modelo de
manejo dos recursos naturais adotado pela população.
A identidade sociocultural dos Retireiros do Araguaia é manifestada pela prática sócio-
econômica e cultural desenvolvida pelos mesmos e pela sua história de vida.
Natos criadores de gado em pastagens nativas da região de cerrado alagado, vivem suas
vidas de acordo com o regime das águas do Araguaia, fazendo dos períodos sazonais um
mecanismo de aprendizado e socialização de saber.
A história de vida desta população é marcada pelos constantes conflitos pela posse da terra
contra o capital privado que sempre ameaça sua estabilidade fazendo deste, um povo retirante,
que apesar de tanto tempo ainda luta por um espaço definitivo para morar. A vida do retireiro
também é marcada pela luta para a sobrevivência num ecossistema marginal que apresenta
enormes dificuldades de acesso e estabilidade.
A superação das dificuldades é garantida graças ao padrão de organização social
estabelecido na comunidade e à profunda gama de conhecimento do ambiente local. A divisão de
trabalho e os laços de companheirismo fortalecem as ligações na comunidade, tanto nas relações
sociais entre os membros da comunidade como as relações destes com a natureza. Conhecer o
ambiente natural para esta população é o aprendizado fundamental, pois dele dependerá o futuro
da comunidade. O conhecimento que possuem, denominado de conhecimento tradicional por
diversos autores, além de garantir a sobrevivência da população conserva o ambiente natural
como garantia de sustento para as gerações futuras.
Nesta pesquisa pode-se notar que o conhecimento que os retireiros possuem acerca dos
recursos naturais e do ambiente físico é primordial para a vida da população e conservação do
ambiente. Esse conhecimento não se manifesta apenas na utilização dos recursos da fauna e flora,
mas também na compreensão da relação entre os seres e a dinâmica do ambiente natural. O saber
sobre o clima, solo, regime de chuvas, secas são atributos que garantem a vida do retireiro em sua
comunidade.
84
A aquisição e socialização desse conhecimento acontecem no seio da comunidade por um
processo de manifestação cultural manifestado no cotidiano da população. Para tanto, os mais
jovens aprendem nas observações e no fazer com os mais velhos, caracterizando assim um
processo educativo informal que é vivenciado por todos da comunidade. Nesse sentido de se
convir que o retireiro “se faz” pela experiência adquirida e acumulada em sucessivos anos de
experiência.
Embora nos retiros não haja escola, todos os retireiros têm acesso à educação escolarizada,
saindo dos retiros para estudar na cidade. Os mesmos não utilizam desta para as práticas
desenvolvidas na comunidade e sim como mecanismo para superar o modelo tradicional de vida
no retiro e buscarem alternativas de sobrevivência.
A preocupação com a conservação do ambiente natural é percebida na comunidade. Para
os retireiros, conservar o ambiente é garantir a sobrevivência da população e das gerações
futuras. Com isso desenvolvem um modelo de Educação Ambiental informal que é percebido nas
práticas cotidianas: pastoreio do gado, pesca, caça e coleta de recursos da flora.
A Educação Ambiental que acontece na Comunidade dos Retireiros é um processo de
aprendizagem permanente e não tem um modelo ou uma fórmula. Ela é manifestação cultural,
percebida tanto nas atividades desenvolvidas no retiro como no modelo de conservação
adotado pelo grupo.
que se dizer que a educação ambiental desenvolvida pelos retireiros segue um
caminho oposto da educação ambiental formal, primando por desenvolver um conhecimento
que seja sustentado por valores e atitudes, levando a população a viver em harmonia entre si e
com a natureza.
O modelo de vida adotado pelos retireiros pode servir de subsidio para propostas de
educação Ambiental no ensino formal a partir dos espaços não-escolarizados. Para a
concretização desta idéia, que se ampliar o leque de pesquisas em etnobiologia e educação
e meio ambiente para que se compreendam diferentes mecanismos de conservação ambiental e
a complexa teia de relações estabelecidas nos ecossistemas, capaz de garantir a sistematização
de um complexo conjunto de conhecimento relativo ao meio ambiente de populações
tradicionais.
85
Esse conhecimento pode ser revertido em políticas ambientais que garantam a
conservação de ecossistemas vivos capazes de dar suporte econômico a toda a sociedade,
garantindo também um ambiente saudável para a vida das populações futuras.
Neste sentido estudos como estes contribuem para a construção de um novo modelo de
desenvolvimento, que seja social e ambientalmente sustentável. Para tanto o saber dos povos
tradicionais como dos Retireiros do Araguaia, a respeito do ambiente precisa ser respeitado,
levando-se em consideração nas tomadas de decisões das políticas desenvolvimentistas do país. A
preservação do conhecimento das diferentes culturas sobre manejo dos recursos naturais, além de
garantir a conservação da riqueza cultural, garantirá a manutenção da diversidade biológica.
Portanto, a teia de relações que se estabelece entre os retireiros, suas famílias e a região do
Araguaia propiciam uma interlocução fecunda envolvendo ambiente, educação e favorecendo as
ações advindas de uma Educação Ambiental comprometida com um mundo mais justo e
igualitário.
Que os Retireiros do Araguaia tenham, se não nos ensinado, mostrados caminhos a
percorrer e a desvelar modos de vida peculiares em uma região que certamente é das mais ricas e
belas deste Estado de Mato Grosso, repleto de possibilidades e limites, tendo como princípio o
respeito ao conhecimento local instalado e mantido.
86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, J. Da experiência do saber ao saber da experiência: uma abordagem do
Projeto Inajá II a formação do supervisor. Revista de Educação Pública, v.4 n.5: 413 a 425.
UFMT: Cuiabá, 1995.
ANDRÉ, M.E.D.A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.
ARTUNDUAGA, L. A. “La etnoeducación: uma dimensión de trabajo para la educación en
comunidades indígenas de colombia. Revista Iberoamericana de Educación. Nº 13 Out/1998.
AZAMBUJA, F. A. Retireiro do Araguaia: uma identidade em construção. Trabalho de
Conclusão de Curso, Universidade do Estado de Mato Grosso, Luciara – MT, 2002.
BARCELOS, V. H. O conhecer, o saber e a ecologia: em tempos de pós-modernidade. Revista de
Educação Pública, 12(21): 149 a 168 – UFMT: Cuiabá, 2003.
BARCELOS, J. R. M. A Educação Ambiental na Vila da Barra-Rio Grande do Sul: uma análise
de representações sociais em uma comunidade de pescadores artesanais. Dissertação de
Mestrado, Fundação Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Rio Grande, 2003.
BEGOSSI, A. et. al. Ecologia Humana, Etnoecologia e conservação. In: AMOROZO, M. C. de
M. et. al. Métodos e Coletas de dados em Etnobiologia, Etnoecologia e Disciplinas Correlatas.
Rio Claro, SP: Coordenadoria de Área de Ciências Biológicas – UNESP/CNPq, 2002.
BODGAN, R. e BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação – uma introdução à teoria
e aos métodos – Porto: Porto Editora, 1994.
BORTOLOTTO, I. M. Educação e uso dos recursos naturais: um estudo na comunidade de
Albuquerque, Corumbá, Mato Grosso do Sul, Pantanal Dissertação de Mestrado, Programa
Integrado de Pós-Graduação em Educação. UFMT: Cuiabá, 1999.
87
BORTOLOTTO, I. M. e GUARIM NETO, G. Conservação da Natureza em uma escola rural do
distrito de Albuquerque (Corumbá, Mato Grosso do Sul): uma abordagem para a educação no
contexto da etnobotânica. Revista de Educação Pública, v.7 n.11: 25 a 41. UFMT: Cuiabá, 1998.
BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.
BRANDÃO, A. C. O que é Educação. 31 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
_______________ A Educação como Cultura. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2002.
BRONDÍZIO, E. S. e NEVES, W. A. Populações Caboclas do Estuário do Amazonas: A
percepção do Ambiente Natural. In: Pavan, C. Uma Estratégia Latino Americana para a
Amazônia. Vol 01. São Paulo: Memorial, 1996.
CAMPOS, J. G. F. de. Agenda 21: Da Rio 92 ao Local de trabalho. São Paulo: Iglu, 1996.
CÂNDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos
seus meios de vida. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2001.
CAPRA, F. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Ed.
Cultrix, 1996.
CARVALHO, I. (org) Conflitos sociais e meio ambiente: desafios políticos e conceituais. Rio de
Janeiro: Ibase, 1995.
COLCHESTER, M. Resgatando a natureza: Comunidades Tradicionais e áreas protegidas. In:
DIEGUES. A. C. Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos São
Paulo: Hucitec,2000.
88
CRESPO, S. Educar para a sustentabilidade: a educação ambiental no programa da agenda 21. In:
NOAL, F. O.; REIGOTA, M. e BARCELOS, V. H. de L. Tendências da educação Ambiental
Brasileira. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1998.
DIAGNÓSTICO Sócio-Econômico-Ecológico do Estado de Mato Grosso – Outubro, 1996.
DIEGUES. A.C. (Org.) Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos
– São Paulo: Hucitec, 2000.
_____________ O mito do paraíso desabitado: as áreas naturais protegidas. In: Ferreira, L. de C.;
Viola, E. (orgs). Incertezas de sustentabilidade na globalização. Campinas: Ed. Da Unicamp,
1996.
_____________Repensando e recriando as formas de apropriação comum dos espaços e recursos
naturais. In: Vieira, P. F. e Weber J. (orgs). Gestão de recursos naturais renováveis e
desenvolvimento: novos desafios para a pesquisa ambiental. São Paulo: Cortez, 1997.
ESCRIBANO, F. Descalço sobre a terra vermelha. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000.
ESTERCI, N. Conflito no Araguaia: peões e posseiros contra a grande empresa. Petrópolis:
Vozes, 1987.
FERREIRA, M.S.F.D. A comunidade de Barranco Alto: diversificação de saberes às margens
do Rio Cuiabá Dissertação de Mestrado, Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação
UFMT: Cuiabá, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de
janeiro: Paz e Terra, 2001.
FREITAS, S. F. Educação Ambiental em Espaços Não-escolarizados: gestão e conservação. In:
TAGLIEBER, J. E. e SILVEIRA, A. F. (orgs.). Pesquisa em Educação Ambiental: pensamentos
89
e reflexões de pesquisadores em Educação Ambiental. I Colóquio de Pesquisadores em Educação
Ambiental. Pelotas: Editora Universitária/UFPol, 2004.
FURTADO, L. G. Curralistas e redeiros de Marudá: pescadores do litoral do Pará. Belém:
Museu Emílio Goeldi, 1987.
_______________Pescadores do Rio Amazonas: Um estudo antropológico da pesca ribeirinha
numa área amazônica. Belém: Museu Emílio Goeldi, 1993.
GADOTTI, M. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório 9 ed. São Paulo:
Cortez, 1995.
GEERTZ, C. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes,
1997.
GIESTA, N. C. Cotidiano escolar e formação reflexiva do professor: moda ou valorização do
saber docente? 1ª ed. Araraquara: J.M. Editora, 2001.
GOHN, M. da G. Educação não Formal e Cultura Política. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
______________ Movimentos Sociais e Educação. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
GUANAES, S. et. al. Quilombos e usos sustentáveis. In: Diegues, A. C. e Viana, V. M. (orgs)
Comunidades tradicionais e manejo dos recursos naturais da mata atlântica. São Paulo:
NUPAHUB/ESALQ-USP, 2002.
GUARIM, V.L.M.S. Conservação da natureza e educação em comunidade Ribeirinha
tradicional Dissertação de Mestrado, Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação
UFMT/IE: Cuiabá, 1995.
90
GUARIM, V. L. M. S. Educação e Sustentabilidade Ambiental em Comunidades Ribeirinhas
Tradicionais. Tese de doutorado, Cuiabá: IE/UFMT, 2000.
GUARIM NETO, G. O Saber Tradicional Pantaneiro: as plantas medicinais e a educação
Ambiental. In: Anais do Seminário de Educação. Cuiabá: IE/UFMT, 2001.
GUARIM NETO, G., FERREIRA, M. S. F. D. e GUARIM, V. L. M. S. O conhecimento
ambiental e o contexto escolar no Pantanal Matogrossense. Revista de Educação Pública, v.8
n.14: 27 a 40, UFMT: Cuiabá, 1999.
GUARIM NETO, G. e FREIRE, E. M. D. A botânica e a prática da educação ambiental. Revista
de Educação Pública, v.4 n.5: 183 a 193. UFMT: Cuiabá, 1995.
GUARIM NETO, G.; GUARIM, V. L. M. S.; SILVA, J. V. B. ; JORGE, S. S. A & SANTANA,
S. R. Flora Medicinal no contexto da educação não-escolarizada. III Encontro de Pesquisa em
Educação do Centro Oeste. Anais. Cuiabá. UFMT, 2000.
GUARIM NETO, G. & MORAES R. G. Plantas medicinais e Educação Ambiental: uma
experiência na região noroeste de Mato Grosso. In: SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO, 2003,
Cuiabá. Anais...Cuiabá: IE/UFMT, 2003. p. 342.
GUIMARÃES, Mauro. A dimensão Ambiental na educação. Campinas: Papirus, 1995.
GUTIÉRREZ, F. Ecopedagogia e cidadania planetária. 2 ed. São Paulo: Cortez:Instituto Paulo
Freire, 2000.
HONDA, N. Educação no Pantanal: a atuação da Base de Estudos da UFMS na região do
Passo do Lontra. Campo Grande: UFMS, 1998.
IANNI, O. A luta pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1978.
91
LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 13 ed. ; Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 2000.
LEFF, E. De quién es la natureza?: sobre la apropriación social de los recursos naturales. Red
de Formación Ambiental para América Latina y el Caribe. México, 1995.
LEONARDI, M. L. A. A educação ambiental como um dos instrumentos da superação da
insustentabilidade da sociedade atual. In: CAVALCANTI, C. (Org.). Meio Ambiente,
Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez/ Recife: Fundação Joaquim
Nabuco, 1997.
LIMA, A. M. Um estudo com pescadores pantaneiros de Cáceres: o Rio Paraguai como
elemento educativo. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação
UFMT/IE: Cuiabá, 2004.
LIMA, M. J. A. Ecologia Humana: realidade e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1984.
MARQUES, J. G. W. Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva
ecológica. ed. São Paulo: Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas
Úmidas Brasileiras, USP, 2001.
__________________ Da gargalhada ao pranto: inserção etnoecológica da vocalização de aves
em ecossistemas rurais do Brasil. Tese de doutorado,Universidade Estadual de Feira de Santana:
Feira de Santana, 1999.
MONTEIRO, R. S. Educação Ambiental em Mato Grosso. Brasília: Ministério da Integração
Nacional/Universidade Federal de Mato Grosso, 2002.
MORÁN, E. F. A ecologia Humana das populações da Amazônia. Petrópolis/RJ: Vozes, 1990.
92
POLTRONIERI, L. C. Percepção de custos e riscos provocados pelo uso de praguicidas na
agricultura. In: Del Rio, V. e Oliveira, L. (org.) Percepção ambiental: a experiência brasileira. 2
ed. São Paulo: Stúdio Nobel, 1999.
POSEY, D. A. Os povos tradicionais e a conservação da biodiversidade. In: Pavan, C. Uma
Estratégia Latino Americana para a Amazônia. Vol 01. São Paulo: Memorial, 1996.
PRIMACK, R. B. & RODRIGUES, E. Biologia da Conservação. Londrina: Primack, R. B. e E.
Rodrigues, 2001.
REIGOTA, M. O que é Educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1994.
_____________ Por uma filosofia da educação ambiental. In: Pavan, C. Uma Estratégia Latino
Americana para a Amazônia. Vol 01. São Paulo: Memorial, 1996.
REIS, S. L. de A. Educação ambiental e a prática pedagógica nas escolas de grau nas
localidades do Morro de Santo Antonio Revista de Educação Pública, v.4 n.6: 159 a 171,
UFMT: Cuiabá, 1995.
REIS, S. L. de A. As relações ambientais e educativas no cotidiano da comunidade ribeirinha de
Porto Brandão, Pantanal de Barão Melgaço - MT. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação em Educação. UFMT/IE: Cuiabá, 1996.
RIBEIRO, H. de S. e RIBEIRO, M. M. Educação informal, formal e não-formal Revista de
Educação Pública, v.12 n.21: 149 a 168 – UFMT: Cuiabá, 2003.
RUSCHEINSKY, A. A Educação Ambiental em espaços não-escolarizados: gestão e
conservação. In: TAGLIEBER, J. E. e SILVEIRA, A. F. (orgs). Pesquisa em educação
Ambiental: Pensamentos e reflexões de pesquisadores em Educação Ambiental. I Colóquio de
Pesquisadores em Educação Ambiental. Pelotas: Editora Universitária/UFPol, 2004.
93
SATO, M. Educação Ambiental. São Carlos: Rima, 2003.
SILVA, C. J. da e SILVA, J. A. F. No ritmo das águas do Pantanal. São Paulo: NUPAUB/USP,
1995.
SILVA, O. S. A dimensão ambiental e educativa nas comunidades ribeirinhas de Figueira e Pai
Caetano, município de Rosário Oeste MT. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso: Cuiabá, 2002.
SILVA, R. A. O. & GUARIM NETO, G. O saber tradicional da Comunidade dos Retireiros do
Araguaia sobre Frutos Nativos do Cerrado: Luciara,MT. In: 14° Encontro de Biólogos. Anais.
Cuiabá, 2003. p. 209.
SOARES, L. A. B. Trilhas e Caminhos: povoamento não-indígena no Vale do Araguaia-MT na
primeira metade do Século XX. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Humanas da
Universidade Federal de Mato Grosso: Cuiabá-MT, 2004.
STOREY, C. Gênero e Educação Ambiental na Amazônia. In: NOAL, F. O.; REIGOTA, M. e
BARCELOS, V. H. de L. Tendências da educação Ambiental Brasileira. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 1998.
THIOLLENT, M., Metodologia da Pesquisa- Ação. São Paulo: Cortez, 2000.
VIERTLER, R. B. Métodos antropológicos como Ferramentas para estudos em etnobiologia e
Etnoecologia. In: AMOROZO, M. C. de M. et. al. Métodos e Coletas de dados em Etnobiologia,
Etnoecologia e Disciplinas Correlatas. Rio Claro, SP: Coordenadoria de Área de Ciências
Biológicas – UNESP/CNPq, 2002.
94
ANEXOS
95
Anexo I
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
1- Identificação:
Nome:
Origem: Idade:
Escolaridade: Tempo de moradia na área:
2- Informações sobre a flora local
a) Que planta utilizam na alimentação, medicina, construção, como ornamentos e rituais?
b) Qual a parte das mesmas é utilizada?
c) Em que época do ano realiza as coletas?
d) Com quem aprendeu utilizar os vegetais?
e) Percebe a diminuição dos recursos vegetais?
f) O que fazer para conservar esses recursos?
3- Informações sobre a caça
a) Realizam caça?
b) Qual a finalidade da caça?
c) Que tipo de animais caçam?
d) Onde caçam?
e) Em que época do ano caçam?
f) Com quem aprendeu a caçar?
4- Informações sobre a pesca
a) Realizam a pesca?
b) Qual a finalidade da pesca?
c) Que tipos de peixes pescam?
d) Onde pescam?
e) Que petrecho e isca utilizam para pescar?
f) Em que época do ano pescam?
g) Com quem aprendeu a pescar?
96
5- Informações sobre o ambiente físico
a) Como é o solo dos retiros?
b) Como é o clima e a vida no retiro durante o verão?
c) Como é o clima e a vida no retiro durante o inverno?
d) Como você percebe que vai chover, fazer sol ou frio?
e) Como você adquiriu esse conhecimento?
6- Informações sobre o processo educativo
a) Todo esse conhecimento é repassado para seus filhos? Como?
b) A educação que seus filhos adquirem na escola ajuda a conhecer a vida no retiro?
c) Você acha importante a escola para seus filhos?
d) Como você acha que deveria ser o ensino nas escolas hoje?
7- Informações sobre a vida do retireiro
a) Como você se tornou retireiro?
b) O que torna a vida difícil no retiro?
c) O que torna a vida agradável no retiro?
d) O que você gostaria de mudar no retiro?
e) Qual o futuro dos retiros?
f) O que você espera do futuro de seus filhos em relação ao retiro?
97
Anexo II
Vegetais que aparecem no texto
Nome popular Família Nome científico
Abacaxizinho
Araticum
Bacaba
Barbatimão
Baru
Buriti
Cagaita
Cajuí
Candeia
Canjirana
Coco babaçu
Curriola
Guatambu
Inharé
Jatobá
Jenipapo
Jurubeba
Landi
Manacá
Mangaba
Murici
Oiti
Pata de vaca
Pau doce
Pequi
Piaçava
Sambaíba
Velame
Bromeliaceae
Annonaceae
Arecaceae
Mimosaceae
Leguminosae
Arecaceae
Myrtaceae
Anacardiaceae
Compositae
Vochysiaceae
Arecaceae
Sapotaceae
Apocynaceae
Moraceae
Leguminosae
Rubiaceae
Solanaceae
Clusiaceae
Rutaceae
Apocynaceae
Malpighiaceae
Chrysobalanaceae
Leguminosae
Vochisiaceae
Cariocaraceae
Arecaceae
Dilleniaceae
Apocynaceae
Dyckia aff. machrisiana
Annoma dióica St. Hil
Oenocarpus disticus Mart.
Stryphnodendron adstringens Mart.
Dipteryx alata
Mauritia flexuosa
Eugenia dysenterica DC
Anacardium sp
Gochnatia polymorpha (Less) Cabr
Vochysia divergens
Orbygnia phalerata Mart.
Pouteria ramiflora Mart.
Asplidosperma australe
Brosimum gandichaudii Trec
Hymenaea stigonocarpa Mart.
Genipa americana L.
Solanum paniculatum L.
Calophyllum brasilense Camb.
Spiranthera odoratissima St. Hill.
Hancornia speciosa Gómez
Byrsonima verbacifolia (L) DC
Couepia sp
Bauhinia rufa (Bong.) Stend.
Vochysia rufa (Spr.) Mart.
Caryocar brasiliense Camb
Attalea exígua Mart.
Curatella Americana L.
Macrosiphonia velame M. Arg.
98
Anexo III
Lista de animais (menos peixes) que aparecem no texto
Nome popular Família Nome científico
Anta
Anu
Beija-flor
Bem-te-vi
Boto
Cascavel
Capivara
Cotia
Galinha d’água
Jacaré
Jacutinga
Jaó
Jibóia
Juriti
Lobo guará
Nambu
Onça
Paca
Perdiz
Pomba margosa
Quandu
Sucuri
Tamanduá mirim
Tartaruga
Tatu
Tatupeba
Tracajá
Veado
Tapiridae
Cuculidae
Trochilidae
Tyrannidae
Platanistidae
Viperidae
Hidrochaeridae
Dasyproctidae
Jacanidae
Alligatoridae
Cracidae
Tinamidae
Boidae
Columbidae
Canidae
Tinamidae
Felidae
Agoutidae
Tinamidae
Columbidae
Erethizontidae
Boidae
Myrmecophagidae
Podocnemidae
Dasypodidae
Dasypodidae
Podocnemidae
Cervidae
Tapirus terrestris
Crotophaga ani
Eupetomena sp
Tyranus melancholicus
Inia geoffrensis
Crotalus durissus
Hidrochaeris hydrocaeris
Dasyprocta azarae
Gallinula chloropus
Crocodillus Caiman Yacare
Penelope jacutinga
Crypturellus noctivagus
Boa constrictor
Leptotila sp
Chrysocyon brachyurus
Crypturellus tataupa
Panthera onca
Agouti paca
Alectoris rufa
Columba plumbea
Coendou prebensilis
Eunectes sp
Tamandua tetradactyla
Podocnemis expansa
Dasypus novencintus
Eupharactus sexcintus
Podocnemis unifilis
Manzana sp
99
Anexo IV
Lista de peixes que aparecem no texto
Nome comum Família Nome científico
Arraia
Barbado
Cachara
Caranha
Curvina
Matrinchã
Pacu
Piabanha
Piau
Pintado
Pirarara
Pirarucu
Piranha
Tucunaré
Patamotrygonidae
Pimelodidae
Pimelodidae
Lutjanidae
Sciaenidae
Characidae
Characidae
Characidae
Anostomidae
Pimelodidae
Pimelodidae
Osteoglossidae
Characidae
Cichlidae
Potamotrygon laticeps
Pinirampus pirinampu
Pseudoplatystoma fasciatus
Lutjanus cianopterus
Micropogonia furnieri
Brycon cephalus
Piaractus mesopotamicus
Brycon insignis
Leporinus spp.
Pseudoplatystoma corruscans
Phractocephalus hemilliopterus
Arapaima gigas
Serrasalmus spp
Cichla ocellaris
100
SOBRE O AUTOR
Regisnei Aparecido de Oliveira Silva nasceu em Mirassol D’oeste - MT em 26 de abril de
1971. Criou-se em São José dos Quatro Marcos, também em Mato Grosso onde estudou o
ensino fundamental, parte na zona rural e posteriormente na zona urbana. Aos 15 anos mudou-
se com a família para o município de Lambari D’oeste - MT, parando de estudar e
envolvendo-se nas atividades agrícolas da família. Aos dezoito anos, com apenas o ensino
fundamental começa a dar aulas na escola rural de um assentamento, iniciando também o
curso médio de magistério na cidade de Rio Branco-MT. A jornada de 40 quilômetros diários
até a cidade, ora de ônibus, ora de caminhão ou carona, não impediu que terminasse o ensino
médio em 1992. Em 1993 é aprovado no exame vestibular da Universidade do Estado de Mato
Grosso para o curso de Ciências Biológicas e no concurso blico para professores da rede
municipal de Cáceres. Muda-se para Cáceres, onde inicia o curso superior e continua a dar
aulas, agora na periferia da cidade. Gradua-se se Ciências Biológicas em 1996 e em 1997 é
aprovado em teste seletivo para Coordenador Local do Curso de Ciências Biológicas da
UNEMAT no Campus Universitário do Médio Araguaia em Luciara - MT. Em janeiro de
1998 muda-se para Luciara onde permanece por 5 anos. Em Luciara além das atividades de
Coordenação, desenvolve atividades de docência no ensino superior e médio, faz curso de
especialização e participa de vários projetos junto às comunidades da região. Em dezembro de
2002 é aprovado na seleção para o Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, desenvolvendo uma pesquisa que tem esta dissertação como resultado. Atualmente é
professor substituto no Departamento de Ciências Biológicas da UNEMAT/Campus de
Cáceres e Coordenador do Programa de Educação à Distância desta mesma Universidade.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo