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Distorcidas, mas, ainda assim, imagem-lembrança de algo que lhe aterroriza,
que não pôde ser simbolizado.
Em que consiste, portanto, o fenômeno delirante, questiona-se J. Lacan
(1992 [1955-1956]), e remete-nos a pensar que o fenômeno alucinatório tem
sua fonte no que denomina a história do sujeito no simbólico. Afirma, ainda,
que a alucinação é uma forma de mostrar-nos o sujeito completamente
identificado ao seu eu, com o qual ele fala, em seu delírio. Podemos pensar,
então, como sugere J. Nasio (1997), que a alucinação é a expressão de uma
luta do eu contra o desejo. Para S. Freud (1996 [1924]), a alucinação e o
delírio são considerados um retorno do recalcado, visto que a lembrança,
quando recalcada, não pode surgir senão sob forma alucinatória ou delirante.
Acompanhando o raciocínio acima, torna-se possível observar que a
verdade, quando ela ressurge, comporta sempre um coeficiente de delírio e,
mesmo que o delírio não é deduzido, ele reproduz a sua própria força
constituinte, ou seja, a própria estrutura de um eu irredutível, impossibilitado
de operar desde o registro simbólico.
Mais, tendo em vista que o delírio não é deduzido, os profissionais que
se dedicam ao trabalho com sujeitos psicóticos correm o risco de perder de
vista as inscrições simbólicas necessárias para que o delírio possa ter um
percurso viável para estes sujeitos. Neste sentido, J. Lacan afirma que, “no
delírio encontramos uma verdade realmente explicitada, e quase teorizada”
(1992 [1955-1956], p. 37), fazendo-nos refletir sobre o fato de que o que se
explicita no delírio é justamente o mais singular daquele sujeito, e que é
neste fragmento quase teorizado que irá se apresentar a mais particular
percepção daquele que sofre. Podemos, assim, entender que o inconsciente
do psicótico fica desvelado, ele é o próprio testemunho de seu inconsciente, é
falado pela linguagem, pelo Outro.
J. Lacan é enfático, em seu enunciado, quando afirma que “Na psicose
vemos se revelar, e de maneira mais articulada, essa frase, esse monólogo,
esse discurso interior. [...] No discurso alucinatório, o discurso do
inconsciente está literalmente presente” (1992 [1955-1956], p. 132-144),
referindo-se ao discurso inconsciente como uma tentativa de circunscrever
um delírio viável e diminuir um sofrimento intolerável.