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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DOUTORADO EM GEOGRAFIA
NELCIONEY JOSÉ DE SOUZA ARAÚJO
AS TENSÕES TERRITORIAIS RIBEIRINHAS NA RESERVA
EXTRATIVISTA MÉDIO JURUÁ(AM)
NITERÓI (RJ)
2007
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NELCIONEY JOSÉ DE SOUZA ARAÚJO
AS TENSÕES TERRITORIAIS RIBEIRINHAS NA RESERVA EXTRATIVISTA
MÉDIO JURUÁ (AM)
Tese apresentada a Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor em Geografia
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Franco da
Silva
Niterói
2007
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NELCIONEY JOSÉ DE SOUZA ARAÚJO
AS TENSÕES TERRITORIAIS RIBEIRINHAS NA RESERVA EXTRATIVISTA
MÉDIO JURUÁ (AM)
Tese apresentada a Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor em Geografia
Aprovada em Niterói ,-----,------de -----------
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Dr. Carlos Alberto Franco da Silva - UFF
Professor Orientador
______________________________________________
Dr. Carlos Walter Porto Gonçalves - UFF
Membro da Banca
______________________________________________
Dr. Luiz Renato Vallejo - UFF
Membro da Banca
______________________________________________
Dra. Gisela Aquino Pires do Rio - UFRJ
Membro da Banca
______________________________________________
Dr. Vicente Paulo dos Santos Pinto – UFJF
Membro da Banca
Ficha elaborada por Josianne Marinho Moraes (CRB-11/594)
Bibliotecária da Universidade Federal do Amazonas
A663t ARAÚJO, Nelcioney José de Souza
As tensões territoriais ribeirinhas na reserva extrativista
médio Juruá (AM) / Nelcioney José de Souza Araújo.
Niterói,
RJ : [s.n.], 2007.
328 p. : il. ; 30 cm
1.
Geografia. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Recursos
naturais. 4. Meio ambiente . 5. Território. I. Título.
CDU 910:504.75(811.3)(043.3)
A todos os ribeirinhos do Médio Juruá que
lutam pela preservação do seu modo de
vida e dos recursos naturais e, que não
encontram apoio, infraestrutura e
perspectivas econômicas em prol de sua
sobrevivência, mas mesmo assim, não
desistem de seu ideal. Parabéns!
AGRADECIMENTOS
A autoria de uma tese como esta não seria concreta sem a múltipla ajuda de
pessoas dedicadas, algumas delas aproximando-se da co-autoria. É necessário,
pois – menos por praxe e mais por reconhecimento autêntico –, agradecer os
préstimos e conceder os créditos às seguintes pessoas, especialmente em sua
etapa de campo. Recebi o inestimável apoio dos senhores Evilson, Ferro, Pombinha,
Paquiara, Professoras Geane R. Pereira, Érica Cristina Dias de Lima, Rosângela
Gomes da Silva e Supervisor Raimundo Ailton Barbosa da Silva (Comunidade de
Nova Esperança); Professores Sanderly Ferreira Sampaio e Jaqueline F. Oliveira
Nonato, Senhor Nonato (Líder comunitário), Élson, Assis, Elói, (Comunidade
Gumo do Facão); Professor Joeldo Articlino da Silva (Comunidade Novo
Horizonte); Professores Marinez Gomes de Oliveira, Dauvina Quirino da Silva e
Elmar Ferreira Monteiro, Senhor Bahia (Líder Comunitário), Salim, Marreco
(Comunidade Do Pupuaí); Maria de Lourdes Ferreira da Silva (Diretora),
Professores Silviney Oliveira dos Santos, Manoel Queiroz Gomes, Zeneide Mendes
de Menezes; Raimunda Nonata Queiroz Gomes, Maria Leyr Soares Corrêa e Rosa
Maria Ribeiro Teles, Senhor João de Souza (Jaú) e esposa pela inestimável ajuda e
informação sobre a história da comunidade, além de nos ajudar a nos mantermos
alimentados durante a estada na comunidade, Senhor Bi, do Santos, Senhor
Bastos, Chico Velho (Líder Comunitário) e alunos do TC-2005 (Comunidade do
Roque); Professor Raimundo Nonato F. do Nascimento, Senhor Raimundo
Laureano (Líder Comunitário), Dico, João Rodrigues, Nonata, Adevaldo (ACS),
Ariovaldo, Dona Te e Luba, que foi nosso guia e ajudante na condução pelo rio
Bauna Branco (Comunidade da Fortuna); Professor Osmir Rodrigues da Silva,
Senhor Dodô (Líder Comunitário), Antonio Bahia e sua hospitalidade para conosco,
Benedito (Bena), Ocimar, Raimundo, Mundinho, Lurdes (Comunidade da
Fazendinha); Estimáveis Professores Eranilton Camilo Articlino e Luzineuza e
Ecivaldo, Calixto (Supervisor SEMED), Paula Araújo, os moradores Pongó,
Raimundo Mel, Edmundo, Dona Maria (líder Comunitária), Biruca, Baixinho, Pajé,
Yô, Dói (Jason), Baiá (Comunidade do Tabuleiro); Veco e Branco (localidade
do Turiba); Senhor Raimundo Passarinho (Porto Mel); Senhor Barroso (Morada
Nova) Senhor Mundico Brito; Zé Ane, Maik, Tota, Buna, Caboco, Cláudio, Seu
Simões e o seu Joaquim, homem de uma fibra invejável que, apesar de aposentado,
continua a labutar no corte da seringa e a construir roças, possuidor de um
conhecimento aguçado sobre a fauna e flora do ecossistema amazônico
(Comunidade do São Raimundo); Senhor Sebastião (Líder Comunitário) e sua luta
solitária em prol da preservação de lagos na comunidade, Denílson, Bira, Dona
Maria e sua filha Moça e Pelé (Comunidade de Nova União); Senhor Sebastião
(Líder Comunitário), Pedro e Cacheado (Comunidade do o); Senhor Zeca (Líder
Comunitário) e Antonio (Comunidade de Imperatriz); Professor Divanildo (Diretor
da Escola Estadual Carauari), César e Adlen (Monitores do Laboratório de
Informática da Escola Carauari)
Minha família foi um duplo motor de aceleração e de motivação deste trabalho. Devo
a Luis Eduardo, Francelle e Romilda horas roubadas da intimidade familiar, do
carinho compartilhado.
Devo a meus pais, Nelson e Maria José, bem como a meus irmãos, Jardelson,
Rangelson, Marinelsa e Josefa, o apoio físico e financeiro.
Agradeço também a Claudia e Elson Pacheco da Silva (Conselho Nacional dos
Seringueiros Escritório de Carauari), José Edinaldo (Associação dos Produtores
Rurais de Carauari - ASPROC), Pinto e João de Deus (IBAMA), Eliezer (auxílio nas
horas difíceis junto ao computador), Secretaria Municipal de Educação,
especialmente a Nazaré (bibliotecária) e à Secretária, por disponibilizar os
computadores da Secretaria conectados à Internet, além do pessoal dos barcos da
Prefeitura Municipal de Carauari que, em um momento difícil, nos auxiliaram
especialmente os senhores Gil e George.
Ao “Mais Velho”, responsável pela nossa embarcação e seu cuidado durante o
percurso pelo rio Juruá, conduzindo a embarcação, e ao Sidney (ajudante de
Campo), pelo zelo e companheirismo durante as visitas e estadas nas comunidades.
Aos entrevistados, pela cortesia e sinceridade, muitas vezes deixando seus afazeres
para atenderem às perguntas.
Ao Professor Doutor Carlos Alberto Franco da Silva que, com dedicação, paciência,
espontaneidade, competência, segurança e espírito aberto, soube me conduzir no
âmbito da pesquisa, além de se tornar um amigo estimável que, nas horas mais
difíceis, ficou a meu lado e me apoiou em todos os sentidos.
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia, que contribuíram;
especialmente ao Professor Doutor Carlos Walter, pelo seu vastíssimo
conhecimento e sua percepção aguçada sobre os problemas da Amazônia; ao
Professor Doutor Ruy Moreira e sua colaboração valiosa na recomendação de
leituras preciosas no entendimento da ciência geográfica; e ao Professor Doutor
Marcio Piñon e sua metodologia de ensino, que me fez tomar gosto pelo método
científico e sua problemática, meus sinceros agradecimentos.
Ao Rodolfo, da Secretaria da s-Graduação em Geografia, que sempre se mostrou
solícito em tudo, sempre ajudando com suas informações, demonstrando que um
servidor público poder servir com prazer e zelo a comunidade.
Ao Paulo, pelo zelo com que executou os trabalhos cartográficos e ao INPA que,
através do SIGLAB, cedeu os equipamentos necessários à elaboração dos mapas,
meus agradecimentos.
A Vandete (IPAAM), pela sua inestimável contribuição cartográfica e sua paciência
em me ensinar a manusear as ferramentas de informática específicas para
cartografia, além de sempre se mostrar disponível nos momentos difíceis dos
trabalhos com os mapas e suas inserções no corpo do texto.
À professora Maria Lenir, pela ajuda na correção das normas da ABNT.
À colega e estimada professora Socorro Silva pelas valiosas correções vernaculares.
Ao CIESA que, apesar de ter me proporcionado uma ajuda de custo no primeiro ano
do curso, cortou no segundo, quando mais eu precisava, pois era o ano do trabalho
de campo no Médio Juruá, os meus agradecimentos.
Enfim, um débito maior, porém, persiste para com os ribeirinhos do dio Juruá,
tanto os nomeáveis, quanto os que a evanescente memória faz anônimos.
De tudo ficaram três coisas; a certeza de que
estava sempre começando, a certeza de que era
preciso continuar e a certeza de que seria
interrompido antes de terminar.
Fazer da interrupção um caminho novo, fazer da
queda, um passo de dança, do medo uma escada,
do sonho, uma ponte, da procura, um encontro.
(Fernando Pessoa)
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Figura 1 Criança descascando mandioca ....................................................
196
Figura 2 Regatão comprando banana ..........................................................
223
Figura 3 Típico barco de pesca do Médio Juruá...........................................
230
Figura 4 Peixe liso após sua captura...........................................................
232
Figura 5 Tartaruga capturada dentro da reserva...........................................
234
Figura 6 Espécies mais procuradas na reserva............................................
235
Figura 7 Regatão comprando peixe liso dentro da reserva ..........................
236
Figura 8 Comunidade Gumo do Facão.........................................................
245
Figura 9 Comunidade Novo Horizonte..........................................................
247
Figura 10 Comunidade Pupuaí......................................................................
248
Figura 11 Comunidade Nova Esperança......................................................
249
Figura 12 Cocos de ouricuri..........................................................................
250
Figura 13 Comunidade Roque – 2005..........................................................
253
Figura 14 Comunidade Roque – 2000..........................................................
253
Figura 15 Frutos de andiroba........................................................................
255
Figura 16 Extração do óleo de andiroba pelo método tradicional.................
257
Figura 17 Extração do óleo de andiroba na usina de beneficiamento..........
259
Figura 18 Secador industrial..........................................................................
259
Figura 19 Comunidade Fortuna.....................................................................
265
Figura 20 Mantas de pirarucu secando ao sol..............................................
266
Figura 21 Mantas de pirarucu secando na cozinha da casa de um morador
266
Figura 22 Comunidade Fazendinha..............................................................
269
Figura 23 Comunidade Imperatriz.................................................................
270
Figura 24 Comunidade Pão...........................................................................
272
Figura 25 Localidade Deus é Pai..................................................................
273
Figura 26 Comunidade Nova União..............................................................
275
Figura 27 Morador isolado na localidade Bauana Branco.............................
276
Figura 28 Comunidade São Raimundo.........................................................
281
Figura 29 Flutuante de controle de entrada do sacado do marimari.............
286
Figura 30 Comunidade Morada Nova ..........................................................
288
Figura 31 Comunidade Tabuleiro..................................................................
291
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Reserva Extrativista Médio Juruá.....................................................
22
Mapa 2 Unidades de Conservação do Amazonas.........................................
78
Mapa 3 Mosaico de Unidades de Conservação do Sul do Amazonas..........
79
Mapa 4 RDS Mamirauá..................................................................................
81
Mapa 5 Corredor Central da Amazônia.........................................................
85
Mapa 6 Reserva da Biosfera da Amazônia Central.......................................
89
Mapa 7 Reserva Extrativista Médio Juruá – origem do regatões..................
224
Mapa 8 Reserva Extrativista do Médio Juruá - calendário da Fome.............
263
Mapa 9 SW do Amazonas – Unidades de Conservação...............................
303
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Reserva Extrativista Médio Juruá – Rede de Comercialização da
andiroba..........................................................................................................
218
Figura 2 Lago Manariã...................................................................................
284
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Amazonas – Unidades de Conservação Federal..........................
74
Quadro 2 Moradores da Reserva..................................................................
166
Quadro 3 Óleos vegetais da Amazônia e suas principais aplicações...........
200
Quadro 4 Produtos naturais da Amazônia de interesse da indústria
cosmética.......................................................................................................
201
Quadro 5 Corantes da Amazônia e as suas principais aplicações...............
205
Quadro 6 Tipos de atividades e recursos explorados por ambiente.............
208
Quadro 7 Calendário do extrativismo da andiroba........................................
210
Quadro 8 Quantidade de sementes de andiroba das
comunidades/localidades da reserva extrativista – 2005...............................
212
Quadro 9 Quantidade de sementes de andiroba das
comunidades/localidades de fora da reserva extrativista – 2005...................
213
Quadro 10 Produção de andiroba segundo a CODAEMJ – 2004.................
214
Quadro 11 Produção de murumuru – 2004 ..................................................
215
Quadro 12 Produção de ucuúba (virola) – 2004 ..........................................
216
Quadro 13 Preço em real de alguns produtos...............................................
221
Quadro 14 Principais espécies de peixes da reserva extrativista.................
231
Quadro 15 Associações existentes na reserva extrativista Médio Juruá......
242
LISTA DE ABREVIATURAS
ASPROC Associação dos Produtores Rurais de Carauari
CODEAMA Centro de Desenvolvimento, Pesquisa e Tecnologia do Amazonas
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CNS Conselho Nacional dos Seringueiros
CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações
Tradicionais
FDL Folha de Defumação Líquida
IEA Instituto de Estudos Amazônicos
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IDAM Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMA Instituto de Desenvolvimento dos Recursos Naturais e Proteção Ambiental do
Amazonas
INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
IPAAM Instituto de Preservação Ambiental do Amazonas
ITERAM Instituto de Terras do Amazonas
IFAM Instituto Fundiário do Amazonas
MEB Movimento de Educação de Base
MMA Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal
PPG7 Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais
RPPN Reserva Particular do Patrimônio Nacional
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável
SIVAM Sistema de Vigilância da Amazônia
SEMED Secretária Municipal de Educação
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SDS Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
STRC Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carauari
UC-s Unidades de Conservação
AS TENSÕES TERRITORIAIS RIBEIRINHAS NA RESERVA EXTRATIVISTA
MÉDIO JURUÁ (AM)
Nelcioney José de Souza Araújo
1
Carlos Alberto Franco da Silva
2
RESUMO
Este estudo examina as tensões territoriais ribeirinhas na reserva extrativista.
Partimos das análises clássicas acerca do território e territorialidade, tentando
compreender como se materializam as territorialidades e em que momento são
utilizadas. A unidade de fundamentação empírica é a reserva extrativista do Médio
Juruá, localizada na bacia do rio Juruá e criada em 1997, em função da luta dos
seringueiros. Vivem no interior dessa unidade de conservação aproximadamente
1.955 pessoas, sobre as quais pesam as normas, a gestão e a vigilância imposta
pelo modelo. Tentamos percorrer os (des) caminhos da política ambiental em torno
da criação de unidades de conservação no Brasil e, em especial, no estado do
Amazonas, enquanto estratégia de preservação. Em consonância com esta questão
refletimos sobre a atuação dos diversos atores envolvidos e as conseqüências para
as populações que habitam a reserva. Ilustramos essa atuação demonstrando, por
meio da observação participante, como cada comunidade lida com o modelo e quais
as repercussões, levando em conta que os ribeirinhos estão engessados do ponto
de vista comercial e tanto o órgão ambiental quanto a Associação que os representa
não possuem ainda um plano de desenvolvimento e nem perspectivas para
amenizar essa situação, o que gera tensões. Portanto, as tensões territoriais
observadas na reserva configuram-se como um dos principais problemas
enfrentados pelo modelo.
Palavras-chave: Reserva Extrativista. Território. Territorialidade. Tensões.
Ribeirinhos.
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia – UFF.
2
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Geografia – UFF - Orientador
THE TERRITORIAL RIVERINE TENSIONS IN THE EXTRACTIVE RESERVES
MEDIUM JURUÁ (AM)
Nelcioney José de Souza Araújo
1
Carlos Alberto Franco da Silva
2
ABSTRACT
This study examines the territorial riverine tensions inside the extractive reserve. We
start from the classic analyses concerning the territory and territoriality, trying to
understand how they materialize the territorialities and when they are used. The unit
of empirical establishment is the extractive reserve of the Medium Juruá, located in
the basin of the Juruá river and created in 1997 as a consequence of the rubber
workers’ fight. Approximately 1955 of people live inside this conservation unit, on
which has influence the norms, the management and the monitoring imposed by the
model. We try to cover the environmental politics procedures around the creation of
conservation units in Brazil and, specially, the state of Amazon as preservation
strategy. Alongside we reflect on the involved actors performance and the
consequences for the populations from the reserve. We illustrate this performance
demonstrating, by means of the participant comment, as each community deals with
the model and which the repercussions, taking into account that the riverine people
are lethargic by the commercial point of view and that the environmental agency and
the Association that represents them doesn’t have yet a plan of development nor
perspective to brighten up this situation, that generates tensions. Therefore, the
observed territorial tensions in the reserve are configured as one of the main
problems faced the by model.
Key-words: Extractive Reserve. Territory. Territoriality. Tensions. Riverine people.
_______________
1
Doctoring of the Program of Post-Graduation in Geography – UFF.
2
Teacher Doctor of the Program of Post-Graduation in Geography – UFF - Guiding
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................
20
2 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE: CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS.......................................................................................
37
2.1 Território enquanto categoria de análise geográfica...............................
37
2.2 Territorialidade ........................................................................................
43
2.3 As instâncias de análise do território: política e econômica.....................
48
2.4 Territorialidade e ordenamento Territorial................................................
54
3 O MODELO DE TERRITORIALIDADE NO CONTEXTO DAS
RESERVAS EXTRATIVISTAS......................................................................
67
3.1 A política territorial em torno das Unidades de Conservação no Brasil e
no Amazonas.................................................................................................
67
3.2 Extrativismo e Sustentabilidade...............................................................
95
3.3 Extrativismo e Reserva Extrativista..........................................................
106
3.4 A dimensão territorial da Resex..............................................................
114
3.5 Populações originárias e Unidades de Conservação ..............................
128
4 O RESGATE HISTÓRICO-GEOGRÁFICO DA RESERVA
EXTRATIVISTA MÉDIO JURUÁ...................................................................
132
4.1 A (re)produção socioespacial no Médio Juruá: a gênese de ocupação
social..............................................................................................................
132
4.2 A criação da reserva extrativista diante do espaço social constituído no
Médio Juruá....................................................................................................
147
4.3 O conflito entre o patrão e o seringueiro como embrião para a
constituição da reserva extrativista: as vozes dos sujeitos envolvidos..........
157
4.4 A organização espacial das comunidades ribeirinhas da reserva...........
164
5 A TERRITORIALIDADE RIBEIRINHA DO MÉDIO JURUÁ DIANTE DO
MODELO DE RESERVA EXTRATIVISTA ...................................................
168
5.1 Os modos de reprodução social ribeirinha no Médio Juruá.....................
168
5.2 A territorialidade ribeirinha a partir das sazonalidades ambientais..........
176
5.3 As transformações na organização espacial ribeirinha sob a égide do
modelo de reserva extrativista: tensões e resistências..................................
179
5.4 Extrativismo e atividades complementares na reserva............................
185
5.5 O uso econômico dos produtos naturais da Amazônia............................
199
5.6 As atividades extrativistas........................................................................
206
5.7 Seringueiros da reserva............................................................................
219
5.8 Outros espaços extrativistas na reserva...................................................
220
5.9 As comunidades e o Mercado...................................................................
221
5.10 A comercialização do produto agrícola...................................................
222
5.11 A comercialização da produção extrativista............................................
223
5.12 A atividade pesqueira..............................................................................
226
5.13 Estrutura organizacional e gestão da reserva.........................................
238
5.14 Atividades e projetos em andamento na reserva....................................
243
5.15 As transformações na organização espacial ribeirinha sob a égide do
modelo de reserva..........................................................................................
244
5.16 Os limites das políticas públicas na Reserva extrativista Médio Juruá...
300
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................
305
REFERÊNCIAS...............................................................................................
314
ANEXOS.........................................................................................................
338
20
1 INTRODUÇÃO
A sociedade, desde sempre, organiza-se levando em conta os
recursos que a natureza lhe proporciona, instaurando nos lugares relações
com o meio. No entanto, historicamente, ao estabelecer estas relações
provoca muitos desequilíbrios ambientais, causando, muitas vezes, danos
irreversíveis, prejudicando a própria sociedade. A forma de apropriação e
transformação da natureza responde pela existência de problemas
ambientais, cuja origem encontra-se nas próprias relações sociais. A
ausência de um equilíbrio entre o homem e a natureza decorre de uma
relação de negatividade em que a sociedade encontra-se em contradição com
o seu próprio ambiente, recriando-o e modificando-o constantemente.
As alterações no equilíbrio dinâmico das relações processuais da
natureza ocasionam o surgimento de impactos ambientais. Nesse contexto é
que a estratégia de conservar-se a natureza, por meio de áreas
especialmente protegidas, surgiu nos EUA e traduziu-se na prática, pela
primeira vez, com a criação do Parque Nacional de Yellowstone, em 1872.
Essa estratégia tinha por objetivo a manutenção da beleza cênica e natural
como substrato para o desenvolvimento de atividades recreacionais e
educacionais das populações urbanas e enfocava principalmente áreas que,
na época, se encontravam desabitadas.
Somente muito mais tarde, por volta da década de 1980, a
preservação da biodiversidade tornou-se uma preocupação da humanidade e
as áreas protegidas passaram, como que automaticamente, a ser vistas como
a melhor estratégia para absorver essa preocupação. Como conseqüência,
houve um crescimento mundial no número dessas áreas, “a maioria da qual criada
nos países tropicais em desenvolvimento econômico e sem nenhum título de
propriedade de suas terras” (DIEGUES, 1994,p.23).
Em estudo voltado a traçar um quadro geral sobre a ocorrência de
populações em parques nacionais na América Latina. Amend (1992) indica que, de
um total de 184 unidades analisadas, somente 26 (14%) não eram habitadas por
populações humanas e, em 175 (95%) destas unidades, diversas atividades
21
econômicas eram desenvolvidas, sendo 50% referentes à agricultura de
subsistência. Logo, a idéia de que a proteção baseada na eliminação completa da
intervenção humana pode engendrar efeitos perversos em longo prazo vem sendo
discutida com intensidade e freqüência cada vez maior.
Com base nessa visão, nos últimos anos vem ganhando destaque e
multiplicando-se algumas tentativas que procuram conciliar os dois pontos de
vista e buscar uma solução de consenso, por meio da implantação de
alternativas de desenvolvimento social que garantam a conservação da
biodiversidade e o conseqüente desenvolvimento sustentável de diversos
grupos sociais.
Uma solução consensual, no entanto, ainda está longe de ser
atingida, e a dicotomia continua, tanto em nível mundial quanto nacional.
Essa discussão ganha contornos ainda mais sensíveis quando são levadas
em consideração alternativas voltadas à conservação de remanescentes de
ecossistemas de alta riqueza biológica e sob graus relativamente elevados de
ameaça, como é o caso da maioria dos remanescentes de florestas tropicais.
Nesse contexto é que se implantaram as reservas extrativistas na
Amazônia. Normalmente, a Amazônia é tratada como uma totalidade
homogênea, ignorando suas singularidades socioespaciais. Tal postura talvez
passe pela ignorância do que se conhece tanto em termos sociais quanto
ambientais. Melhor seria se referir as Amazônias (GONÇALVES, 2001), em
suas formações sociais diferenciadas, evitando generalizações arbitrárias,
reducionistas e ineficazes, para fins de explicações multifacetadas tanto em
relação aos ecossistemas quanto à diversidade das configurações sociais.
Neste trabalho, o objeto da pesquisa se volta para as comunidades
agroextrativistas da Reserva Extrativista do Médio Juruá (AM) (Mapa 1) e ao
dilema com que se defrontam frente às novas territorialidades, propiciadas
pela reserva extrativista, que se projeta sobre os espaços sociais
preexistentes.
22
MAPA 1
Desse modo, esta pesquisa objetiva fazer um estudo que venha
subsidiar futuros pesquisadores que trabalhem com a temática de
organização do espaço, tendo o agroextrativismo praticado pelas
comunidades ribeirinhas como principal atividade envolvida com as práticas
de ordenamento territorial. Assim sendo, emergem territorialidades que se
confrontam com o modelo de desenvolvimento social proposto pelas reservas
extrativistas.
Do ponto de vista acadêmico, vale ressaltar que a área em estudo
carece de trabalhos de cunho geográfico que tenham na organização
espacial sua análise principal. Assim, buscar-se-á analisar quais são as
tensões socioespaciais advindas da implantação de uma reserva extrativista
e a territorialidade das comunidades existentes na reserva extrativista Médio
Juruá (AM).
23
A fim de gerir os recursos e a biodiversidade, é necessário
conhecer os ecossistemas e preservar suas funções essenciais. No entanto,
o desenvolvimento sustentável do meio rural, garantia de uma boa gestão da
biodiversidade, é um compromisso entre aquilo que é socialmente desejável,
economicamente interessante, tecnicamente possível e ecologicamente
aceitável.
Diante de tal desafio, é mister revelar as relações que as
sociedades estabelecem com seu meio ambiente; compreender os princípios
genéricos de funcionamento e a dinâmica dos sistemas antropisados e dos
recursos explorados e, por fim, prever respostas às contradições
socioespaciais inscritas em diversos ambientes socialmente constituídos.
É nesse ponto que se ressalta a importância da Geografia e,
conseqüentemente, o espaço geográfico se apresenta como um dos vieses
epistemológicos para as contradições sociais que se inscrevem na sociedade
capitalista moderna. O espaço geográfico é dinâmico. O processo de produção
do espaço geográfico confunde-se com a história do homem sobre a terra.
Assim, no decorrer de sua caminhada, o homem apropria-se da natureza
transformando-a e imprimindo sobre ela as suas marcas através do trabalho,
das relações estabelecidas em cada época e sociedade.
O estudo que pretendemos desenvolver se inscreve numa dupla
ordem de considerações. A primeira ligada à produção teórica do campo da
Geografia e, a segunda, ligada à busca de alternativas ao padrão de
desenvolvimento inscrito dentro de uma perspectiva em que o extrativismo
representa a solução dos problemas sociais, econômicos e ambientais de
determinadas áreas, principalmente na Amazônia.
Nesse contexto, a Geografia tem papel preponderante, pois busca
integrar natureza e cultura dentro de um mesmo campo de interação
(COSTA,1996; HESS, 1993)). Mais que uma questão ambiental, o processo
da degradação do meio ambiente delineia-se como um problema de
ordenamento do território. Para a Geografia, que se preocupa em analisar as
estruturas de dinâmicas territoriais e fornecer elementos para a tomada de
decisões em planejamento regional e ordenamento territorial é, então, de
grande ajuda (PASQUIS, 1998, p. 10). Atualmente o extrativismo e as
24
reservas extrativistas são temas extremamente controvertidos nos debates
sobre o desenvolvimento da Amazônia. Para os críticos, o extrativismo é
inviável (HOMMA,1989), enquanto os defensores (GONÇALVES, 1998;
REGÔ, 1999; HESS, 1993; ALEGRETTI, 1989; FEARNSIDE, 2003 e
ALMEIDA, 1993) consideram-no como a mais importante tentativa de integrar
conservação dos recursos naturais com atividades produtivas, possuindo
grande potencial de impacto regional (BECKER,O.2006). Cabe registrar
ainda, que as resex expressam territorialidades, representando a
reivindicação dos povos da floresta por áreas com peculiaridades históricas,
econômicas e culturais, caracterizada pela existência de grupos sociais
tradicionais da Amazônia. Esse debate polarizado tem obstruído uma análise
objetiva do potencial real do extrativismo como uma opção de
desenvolvimento.
Por ser uma das últimas reservas naturais pouco exploradas de
todo o planeta, a Amazônia é hoje o centro das atenções no cenário
internacional, pois se trata de uma área com potencial econômico
inestimável. Em pleno processo de ocupação, a Amania contemporânea vai
se transformando e sobrepondo-se rapidamente à antiga Amazônia. No
entanto, a Amazônia é plural e é constituída por singularidades
socioespaciais em nível dos lugares, municípios e estados etc. Nesse
sentido, destaca-se o Amazonas.
Sendo considerado o maior Estado do Brasil, com uma superfície
de 1.577.820 km², o Amazonas possui fronteira com três nações sul-
americanas. A floresta Amazônica localiza-se a baixas latitudes, fato que
repercute intensamente no seu meio ambiente, representado principalmente
pela exuberante floresta Amazônica e rio Amazonas. Dentro do espaço
amazonense, o município de Carauari (AM) destaca-se como uma área na
qual a disputa capital-trabalho vem se agravando, gerando problemas sociais
e desequilíbrios econômicos.
25
O processo de ocupação do espaço de Carauari, decorrente do
avanço da frente de expansão do extrativismo gomífero, foi acompanhado da
estruturação de uma sociedade formada também por contingentes
demográficos de origens diversas, tais como cearenses, paraibanos e
pernambucanos. Fatores naturais, acessibilidade e condições
socioeconômicas favoráveis possibilitaram o processo de ocupação, apesar
de terem contribuído para desalojar índios e desarticularem a produção de
alimento.
Por respeitar os princípios da minimização de custo e maximização
de lucro, o capitalismo suscita o aumento da escala de produção e, por
conseguinte, o aumento da área ocupada. A lógica do capital valoriza certas
atividades em detrimento de outras, define-se e redefine-se o papel dos
espaços. Nesse jogo, certas atividades são mais valorizadas, outras perdem
importância e, às vezes, algumas desaparecem.
O extrativismo gomífero parece enquadrar-se no esquema acima,
além de ter sido a principal atividade econômica amplamente difundida na
área da reserva. Isso porque, desde a á década de 1920, a Amazônia deixa
de ter na exploração gomífera uma economia relevante (com excessão do
período da Segunda Guerra Mundial quando houve o aquecimento da
exploração gomifera), fato que acentuou as atividades extrativas não
gomíferas.
Uma das expressões mais significativas das conquistas dos
trabalhadores no ambiente amazônico é, indiscutivelmente, a reserva
extrativista. Produto do imaginário e da resistência social dos seringueiros na
Amazônia, a reserva extrativista pode ser definida como um território
historicamente ocupado por populações que se utilizam do extrativismo para
subsistência de modo compatível com as condições ecológicas.
As reservas extrativistas constituem-se numa figura jurídica sui
generis, na medida em que é uma unidade de conservação ambiental e
possui como protagonista da preservação as comunidades organizadas
através de suas entidades representativas.
26
O resultado de tais práticas e do arranjo espacial subseqüente
exprime uma nova proposta de gestão territorial que aparece como
pressuposto da construção de alternativas de desenvolvimento econômico e
social.
A criação da primeira Reserva Extrativista do Estado do Amazonas,
em 04 de março de 1997, com área aproximada de 253.226 ha e perímetro de
348.029,65 metros dentro do espaço carauariense, onde outrora existiam os
antigos seringais, foi fruto da luta de alguns líderes seringueiros juntamente
com o apoio da igreja católica que através do extinto Movimento de Educação
de Base (MEB), incentivou via organização comunitária a luta pela criação da
reserva, tendo na figura do Padre João Dericx o seu expoente máximo.
A participação do Movimento de Educação de Base (MEB) - órgão
ligado à igreja católica e com apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Carauari (STRC) e Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) - foi
fundamental para a solução de diversos problemas. Isso porque estes órgãos
representaram o único apoio que os antigos seringueiros receberam na luta
pela posse de suas terras e que culminou mais tarde na criação da Reserva.
Diante das repercussões como modelo alternativo de produção e
exploração natural, a Reserva Extrativista Médio Juruá constitui-se no objeto
de estudo deste estudo. A escolha do tema foi fruto de inquietações afloradas
durante a pesquisa de campo para a Dissertação de Mestrado. Além disso,
ser oriundo do município de Carauari e filho de seringueiro, desde pequeno
indignado com o descaso das autoridades em defesa dos ribeirinhos do
Médio Juruá, foi uma das razões fundamentais deste estudo.
No decorrer da luta pela criação da Reserva, houve muitos
percalços que serão abordados na pesquisa, mas o que mais chama a
atenção foi o fato de ter sido criada uma Associação dos Produtores Rurais
de Carauari chamada ASPROC que ficou encarregada de dar assistência aos
moradores da reserva, mas que não cumpre o seu papel.
Ao pesquisarmos as comunidades inseridas dentro da Reserva,
constatamos que elas estão à deriva e a ASPROC não proporciona
assistência a todas as comunidades. Os moradores estão sem opção
27
nenhuma de renda, já que legalmente eles não podem comercializar os
produtos extrativos com os comerciantes dos rios (regatões), nem trazer para
a sede municipal, sob pena de serem expulsos. O IBAMA, que deveria apoiá-
lo, não tem pessoal e nem estrutura para isso (ARAÚJO, 2001).
Dois tipos de questões podem ser levantadas quando falamos no papel
que o extrativismo desempenha ou que poderia vir a desempenhar em uma equação
comumente rotulada de desenvolvimento sustentável: as de natureza
essencialmente econômica e as questões ecológicas. Embora alguns autores
(REGÔ, 1999; ALMEIDA, 1993; BECKER.O. 2006) ressaltem a possibilidade ou até
mesmo a importância do extrativismo para se conciliar o desenvolvimento
econômico com a conservação da biodiversidade, a adoção de reservas extrativistas
tem sido seriamente criticada, tanto do ponto de vista econômico como ecológico.
Certos autores, oriundos principalmente das ciências humanas, insistem
em defender a visão de que populações tradicionais vivem ou podem viver em
equilíbrio duradouro com a natureza. O maior problema aqui é que essa opinião o
costuma vir acompanhada por evidências que a sustentem, mais parecendo a
defesa cega que se faz de uma posição ideológica. Podemos observar que, de toda
a forma, a postura de depender ao máximo da natureza, dentro dos limites de uma
economia voltada para o mercado, esteve bastante disseminada na formação
econômica do Brasil. Em muitos casos isso significou depender da renovação
espontânea dos estoques naturais. “O extrativismo da madeira, peles de animais e
plantas selvagens, por exemplo, representou uma atividade básica para a
reprodução da vida social” (PÁDUA, 2002, p.56).
As Reservas Extrativistas apresentam importante potencial para
auxiliar no estabelecimento de políticas e estratégias de produção
sustentável de recursos naturais. Logo, esse potencial não pode ser
comprometido por iniciativas que visem à implantação dessas unidades sem
que estejam baseadas em uma apropriada abordagem sobre a viabilidade e
adequabilidade dessas reservas para as diversas realidades socioambientais
existentes no cenário brasileiro.
28
Assim sendo, é no bojo de tal problemática que se coloca a questão
central deste estudo: quais são as tensões socioespaciais oriundas da
implantação da reserva extrativista e a territorialidade das comunidades do
Médio Juruá (AM)? Essa questão revela um elemento problematizador a ser
investigado: a reserva extrativista, enquanto política de manutenção de
valores culturais e históricos de comunidades ribeirinhas agroextrativas
autogestoras, ao se projetar sobre uma territorialidade preexistente, revela a
(in)viabilidade de uma certeza diante das realidades socioespaciais
constituídas.
Apesar de as formalidades pertinentes à consolidação da reserva
extrativista Médio Juruá apresentarem-se resolvidas, permanece ainda o
desafio da viabilidade socioeconômica das comunidades de trabalhadores
extrativistas e pequenos produtores agrícolas que fazem daquele território o
seu habitat. Assim, o sucesso da implantação, consolidação e dinâmica
interna da reserva depende do planejamento e do monitoramento (exercido
pelas comunidades) das atividades socioeconômicas.
Supõe-se que os ribeirinhos, após a criação da reserva, passam a
ter uma melhor qualidade de vida, mas cabe lembrar que, a noção de
qualidade de vida deve ser avaliada a partir das demandas sociais de uma
determinada comunidade e não somente em função dos requisitos de uma
sociedade urbano-industrial capitalista. À guisa de exemplificação, para os
ribeirinhos uma canoa é um bem mais importante do que um carro.
Por fim, vale ressaltar que elegemos a Reserva Extrativista como
objeto de estudo em face da nossa experiência como filho de seringueiro. Tal
cotidiano nos colocou em contato com os problemas e limitações do modelo
proposto. Desse modo, há uma impossibilidade de distanciamento do
pesquisador com seu objeto de estudo. Logo, é nesse ponto que a Geografia
e seus pressupostos epistemológicos se afirmam como possibilidade de
construção particular da realidade da Reserva Extrativista do Médio Juruá e
busca do distanciamento necessário à articulação teoria e empiria.
A tese não pretende abordar todos os aspectos referentes à criação,
implantação e gestão de reservas extrativistas na Amazônia. Logo, o objetivo geral é
analisar a territorialidade dos ribeirinhos no bojo da reprodução socioespacial
29
da Reserva Extrativista do Médio Juruá. Os objetivos específicos são: (1) Estudar
as resistências dos ribeirinhos ao modelo de organização coletiva da reserva; (2)
determinar as tensões socioespaciais das políticas públicas na Reserva do Médio
Juruá.
O atual estado ecológico e ambiental do globo terrestre exige da
sociedade uma mudança significativa nas suas formas de compreender e de se
inter-relacionar com a natureza e, portanto, com os recursos que ela abriga. Um uso
racional deveria ser a premissa, não para a exploração sustentável desses
recursos, mas para a própria existência da humanidade. Daí a necessidade de que
seja extrapolada a visão de natureza apenas como uma fonte de recursos naturais,
ou mesmo, como um conjunto de objetos a serem dominados.
Compreendendo-se como parte da natureza, o homem e a sociedade
poderão definir suas estratégias para o ordenamento dos territórios, construindo os
instrumentos adequados para a gestão dos recursos e para a busca do
desenvolvimento sustentável. Ressalta-se no entanto que, o que deve ser
sustentado é o desenvolvimento e não a capacidade (de tolerância) dos
ecossistemas e das sociedades humanas. Outrossim, a sustentabilidade significa
coisas diferentes para diferentes povos. Embora as teorias de sustentabilidade
enfatizem a primazia da justiça social, a posição é freqüentemente invertida, ficando
a justiça subordinada à sustentabilidade. Como nem sustentabilidade nem justiça
têm significados claros, abre-se o caminho para legitimar um dos termos em
referência ao outro.
Essa análise científica tem nos estudos das unidades de conservação de
uso direto uma das possibilidades temáticas. Isso porque as reservas extrativistas
inserem elementos integrativos, com uma visão de totalidade e dinâmica, cujo
movimento de reprodução social demanda uma atenção maior da academia. Desta
forma, a projeção de modelos totalizantes, sobre realidades singulares, revela as
tensões entre um espaço adrede, projetado e concebido, e as territorialidades
preexistentes.
Nesse contexto é que se apresenta o escopo deste estudo. De início,
torna-se necessário entender as mudanças socioespaciais advindas com a
implantação das reservas extrativistas. Ao propor estudar a reserva extrativista
Médio Juruá (AM), estamos cientes das contribuições críticas sobre a implantação
30
de reservas extrativistas enquanto solução para os problemas ambientais, sociais e
econômicos enfrentados pelos ribeirinhos e ex-seringueiros da Amazônia. No
entanto, essas críticas estão fundamentadas, principalmente, numa análise baseada
em princípios econômicos, prevendo a insustentabilidade do extrativismo (HOMMA,
1989), mas que dependendo do ângulo, pode-se constatar o inverso, ou seja, as
resex podem ser uma alternativa viável a manutenção de uma modo de vida das
populações amazônicas (ALMEIDA, 1993; FEARNSIDE, 2003; RÊGO, 1999;
BECKER,O. 2006 e GONÇALVES, 1998).
Por esse motivo, mesmo assegurando a preservação ambiental, via
reserva extrativista, o uso extensivo da terra não garante a longo prazo, as
necessidades econômicas sicas para as populações atuais. Nesse prisma, o
processo de formulação e implementação das reservas extrativistas tem revelado
alguns problemas, dentre eles, o fato de que no Brasil, as unidades de conservação
são criadas pelo Poder Executivo, o que faz com que o Congresso não tenha
grande afeição por elas, tornando dificil sua consolidação e manutenção, haja vista a
falta constante de recursos financeiros para desenvolver projetos dentro das
unidades de conservação.
Destaca-se, ainda, a legislação que regula a existência dessas unidades
de conservação e determina a fixação de planos de utilização, muito mais voltados
para atender aos critérios de utilização de recursos naturais previstos na legislação
brasileira do que as práticas concretas das populações extrativas. Muitas vezes, em
confronto com essas práticas, a necessidade de se promover a melhoria do padrão
geral de vida das populações extrativas reforça a idéia de que o movimento dos
seringueiros focalizava muito mais a regularização fundiária do que a proteção de
um modo de vida. Por fim, as tensões entre sistemas de propriedade estatal e de
propriedade comum criam uma situação de indefinição de responsabilidades e
competências quanto à regulação permanente das formas de acesso e uso dos
recursos naturais nestas unidades de conservação (CUNHA;GUERRA, 2003).
Os debates sobre a valorização econômica da floresta amazônica
favoreceram a criação de uma confusão semântica. A noção geral de
extrativismo, que se remete à atividade e às suas diferentes formas de
expressão, esvaziou-se diante da noção de reservas extrativistas, mas
operatória para pretender traçar a imagem de um modelo de desenvolvimento
31
sustentável e que, entretanto, representa apenas um caso particular das
formas adquiridas pelo extrativismo.
Em sua acepção ampla, o extrativismo dificilmente pode ser visto
como prática geradora de desenvolvimento em si, na medida em que não é
uma atividade praticada de maneira exclusiva. Insere-se com grande
variabilidade, em múltiplos sistemas de produção em que a agricultura, a
caça e a pesca estão também presentes.
Mediante a observação dos problemas encontrados na relação território e
sociedade, principalmente em se tratando de Amazônia, onde existem vários
protagonistas lutando pela causa ambiental em especial alguns movimentos sociais,
destacam-se os seringueiros, que desde o início da formação social e econômica da
Amazônia se encontram como atores principais na defesa de seu espaço social.
Logo, considera-se relevante identificar e precisar as limitações da implantação de
reservas extrativistas no estado do Amazonas, haja vista que este modelo de
ordenamento territorial, implantado em diferentes territorialidades, necessita de uma
rediscussão para que não se apresente como um entrave ao desenvolvimento social
e econômico das comunidades beneficiadas.
Enfim, esta pesquisa pode servir como contribuição teórica para uma
reflexão por parte da ciência geográfica. Ressalta-se que o conhecimento empírico e
teórico sobre implantação de reservas extrativistas no estado do Amazonas pode
ampliar e aprofundar o diálogo da Geografia com a sustentabilidade social,
ambiental e econômica. Além disso, um debate crítico sobre a projeção espacial de
um modelo de reprodução sobre comunidades ribeirinhas visa a desvelar as tensões
entre o modelo teórico de reprodução social e as realidades territoriais constituídas.
No tocante à metodologia da pesquisa, a tarefa operacional de
analisar, do ponto de vista geográfico, uma reserva extrativista, é um grande
desafio. Se levarmos em conta que o objeto de estudo proposto é a Reserva
Extrativista do Médio Juruá, no Amazonas, os desafios ganham maior
dimensão. Isso porque apesar da simultaneidade espaço-tempo no bojo da
globalização das redes técnicas, a distância geográfica ainda é um obstáculo
natural a ser vencido.
32
A Reserva Extrativista do Médio Juruá está localizada a 900 km de
Manaus e os meios de transporte disponíveis são o barco (8 dias de viagem)
e o avião (apenas 3 vezes por semana e com alto custo da passagem).
Diante desse quadro, de início, parece-nos difícil a realização da pesquisa.
Entretanto, a nossa experiência como oriundo de Carauari
possibilita-nos uma maior aproximação com a temática proposta. Além disso,
as dificuldades para a realização da dissertação de Mestrado também se
colocaram como ponto de partida para a viabilidade desta pesquisa. Isso
porque, a pesquisa da dissertação que tinha como tema a organização do
espaço agroextrativista do Município de Carauari foi que nos permitiu
perceber as tensões no seio da territorialidade dos ribeirinhos. Assim sendo,
tais experiências acadêmica e empírica são ferramentas importantes para a
execução dos objetivos já estabelecidos.
Um processo tão complexo como o chamado desenvolvimento
sustentável, cheio de questionamentos por parte da sociedade, requer o
princípio permanente da dialética e uma articulação permanente entre
dedução e indução (LEFÉBRVE,1983). Neste sentido, o método de análise
tem na dialética o ponto de partida para o estudo das tensões socioespaciais
inscritas em diversas territorialidades envolvidas com a proposta de
desenvolvimento sustentável.
Outrossim, um elemento metodológico de extrema relevância, ao
longo da pesquisa, é a empatia entre o Geógrafo e o espaço vivido a ser
investigado. Isso porque a relação entre pesquisador e seu espaço social
constituído é imprescindível, pois a descrição e a compreensão de padrões e
significados das práticas e representações espaciais só são possíveis tendo
em vista um profundo conhecimento do seu contexto cultural. Este ponto é
relevante para nós, pelo fato de sermos originários desta área de estudo. A
identificação topofílica (TUAN,1980) com as comunidades ribeirinhas do
Médio Juruá (AM) nos permitiu penetrar mais profundamente nos meandros
de suas territorialidades.
A observação participante foi escolhida como uma técnica de
pesquisa oriunda da etnologia (MELO,2004), pois essa técnica possibilitou
uma maior integração entre a investigação e o investigado, pois participamos
33
das atividades agroextrativas e, ao mesmo tempo tornamo-nos atores e
observadores, integramo-nos ao grupo, confundindo-nos com seus membros,
a fim de melhor participar do grupo e coletar as informações. O propósito
desta técnica é obter dados sobre a realidade vivida através de contatos
diretos, em situações específicas, nas quais a distração resultante do fato de
ser o investigador agente estranho é reduzida ao mínimo.
Na geografia não há lugar para o dogmatismo. Cada pesquisador
tem a oportunidade de sozinho sentir a força das teorias na pesquisa de
campo, na observação participante.
Essa técnica comporta ainda várias outras técnicas específicas
como: técnica de registro de dados em fitas cassete, técnica de observação e
outras. Assim, durante o trabalho de observação participante, o pesquisador
realiza entrevistas estruturadas ou não, além de poder fazer um diário de
pesquisas.
A seleção de pessoas a serem entrevistadas intensivamente não
obedeceu a regras mecânicas. A seleção supôs a disponibilidade do
entrevistado, a qual não é previsível antes de um primeiro contato. A seleção
resultou de uma avaliação da relevância e da representatividade social (não
estatística) das pessoas.
Os formulários (modelo, Anexo 1) foram diversificados em função
do grau de fechamento ou abertura das perguntas. No tocante às entrevistas
(principalmente na Comunidade de São Raimundo), optou-se pela entrevista
centrada (focused interview), na qual, dentro de hipóteses e de certos temas,
os entrevistados descreveram livremente sua experiência pessoal a respeito
do assunto investigado (THIOLLENT,1985,p.34). As entrevistas não-diretivas
ou aprofundadas foram utilizadas, haja vista que nessas entrevistas a
conversação foi iniciada a partir de um tema geral sem estruturação do
problema por parte do investigador.
Para a execução do trabalho de campo, os meios de transporte
utilizados foram barco e canoa. A pesquisa realizou-se em duas etapas de
cinco meses cada (janeiro a junho e de julho a novembro), haja vista as
longas distâncias que separam as comunidades. Além do fator distância,
34
havia a necessidade de se conhecer o modo como vivem e se relacionam os
ribeirinhos nas duas estações do ano (inverno/verão), por isso, a
necessidade de cinco meses no inverno e cinco meses no verão para que
pudéssemos apreender e vivenciar a realidade estudada.
Como se trata de condições socieconômicas ligadas a uma
economia, cujo desenvolvimento histórico é conhecido, procuramos situá-lo
nesse, tentando esboçar um panorama retrospectivo das condições
socioeconômicas da área em estudo. Pareceu-nos que o recurso à História
daria a dimensão que explica tantos aspectos da realidade observada em
dado momento e cuja ausência pode comprometer as interpretações.
A esse propósito, convém notar, que quando se tratou de esboçar o
desenvolvimento do médio Juruá, não houve maior dificuldade em obter
alguns números e fatos relativos ao passado imediato. Ela surgiu quando se
tentou reconstituir, embora esquematicamente, as condições socieconômicas
dos ribeirinhos pois a História se ocupa do que ficou documentado, e a
documentação se refere geralmente à vida das camadas dominantes.
Lançamos mão, por isso, de dois recursos: 1) buscar, nos documentos e
escritores dos problemas amazônicos, referências e indícios sobre a vida do
ribeirinho do médio juruá; 2) interrogar, longamente, antigos patrões
(seringalistas), soldados da borracha, bem como seringueiros e ex-
seringueiros, a fim de alcançar por meio deles como era o tempo dos
patrões no que diz respeito à questão das condições socioeconômicas e,
principalmente, no tocante à utilização e uso dos recursos naturais.
Combinando ambos, foi possível em muitos casos obter coincidências que
asseguram a validade da reconstituição.
Analisar as populações rurais por meio de números referentes à
produção, área das propriedades, posições no quadro nacional sob esses
vários aspectos é tarefa excelente, cabível sobretudo ao economista
(CANDIDO, 2003, p.13). O geógrafo, porém, a pretexto de buscar o geral,
fareja por toda parte o humano, no que tem de próprio a cada lugar, em cada
momento, não podendo satisfazer-se nesse nível. Desce então ao pormenor,
buscando na sua riqueza e singularidade um corretivo à visão pelas médias;
dando apego ao qualitativo.
35
Regra geral, todas as atividades de investigação social, relativas ao
presente, são ligadas de modo explícito ou não a práticas econômicas,
políticas ou ideológicas associadas ao poder. Muitas vezes, a pesquisa social
convencional desempenha uma função de feedback das decisões que foram
tomadas pelos dirigentes: trata-se de mostrar aos dirigentes quais foram as
reações do público ou das categorias sociais implicadas nos efeitos da
manifestação do poder (THIOLLENT,1985, p.45). Outrossim, a tarefa do
cientista social e, em especial da geografia é a de identificar uma realidade
causal oculta por baixo do nível superficial dos fenômenos observados
(CAPRA, 2003, p.88).
Procurando buscar respostas e compreender a sistemática das
tensões territoriais que envolvem os ribeirinhos da reserva extrativista e as
territorialidades criadas após o estabelecimento da reserva, estruturamos o
trabalho em seis capítulos, além da introdução e considerações finais.
O segundo capítulo constitui-se no referencial teórico da pesquisa.
Primeiramente, buscamos apresentar as concepções dos teóricos a respeito
do território e territorialidade enquanto categoria de análise geográfica. Logo
após, buscamos analisar as instâncias de análise do território do ponto de
vista político e econômico e, por fim, analisar a territorialidade e o
ordenamento territorial.
O terceiro capítulo trata do modelo de territorialidade no contexto
das reservas extrativistas, política territorial em torno das unidades de
conservação, extrativismo e sustentabilidade, dimensão territorial do modelo
de reserva extrativista, populações tradicionais e Unidades de Conservação
e, por fim, dimensão jurídica da reserva.
O quarto capítulo faz um resgate histórico-geográfico da Reserva
Extrativista Médio Juruá, destacando a (re)produção socioespacial, a gênese
de ocupação, criação da reserva e as práticas sociais constitutivas.
O quinto capítulo aborda a territorialidade ribeirinha do médio Juruá diante
do modelo de reserva extrativista, os modelos de reprodução social, a territorialidade
a partir das sazonalidades ambientais, as transformações na organização espacial
36
ribeirinha sob a égide do modelo de reserva e suas tensões e resistências, por fim,
os limites das políticas públicas na reserva extrativista.
Nas considerações finais, serão apresentadas as apreciações-reflexões
sobre os resultados da pesquisa, além de procurarmos identificar os múltiplos
aspectos da realidade, com a preocupação de identificar os diferentes papéis das
políticas desenvolvidas sobre a área.
Somos conhecedores da extensão do tema que nos propusemos a
estudar. A nossa participação, evidentemente, não o encerra. Demos um passo
inicial. Estamos certos disso. Dessa forma, acreditamos que este estudo
contribuirá para o conhecimento da Reserva Extrativista Médio Juruá e, mais
especificamente, das territorialidades ribeirinhas ali encontradas.
37
2 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE: CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS.
Para dar consistência teórica à pesquisa, foram consideradas, num
primeiro momento, duas categorias conceituais. O território, a mais central delas,
produto originado das tensões socioespaçiais, e a territorialidade enquanto prática
espacial. Num momento posterior foi feita uma análise das diversas instâncias do
território, destacando-se a política e a econômica. Finaliza-se com abordagem da
territorialidade e do ordenamento territorial
2.1 Território enquanto categoria de análise geográfica
O conceito de território tem adquirido notoriedade no bojo do
debate acerca das relações de domínio/controle político-militar sobre o
espaço geográfico. Nesse caso, o território é tradicionalmente visto enquanto
solo, ou seja, a base material do Estado Nação.
O termo território deriva da junção entre as palavras latinas terra e
torum. Da combinação entre essas duas palavras podemos extrair que o
território é um conceito que define uma relação social de pertencimento ou
posse de um grupo em relação a uma porção delimitada do espaço. Por outro
lado, pesquisando a origem etimológica do termo território, encontramos na
palavra latina terrio e/ou territio outro possível parentesco. O seu significado,
nesse caso, remete tanto à idéia de assustar ou aterrorizar por meio da
violência física ou simbólica e através da restrição de locomoção, quanto à
ação de expulsar alguém de seus domínios. Com efeito, tal derivativo da
palavra território também aplicar-se-ia ao contexto de um indivíduo ou grupo
que estão sujeitos, pelo uso da força, a ter seus laços de pertencimento a um
espaço bruscamente cortados.
38
A palavra territo, não obstante, também poderia designar a perda
de referenciais simbólicos projetados na paisagem, ou seja, das assinalações
espaço-culturais de um grupo, configurando tipos de desterritorialização
(HAESBAERT, 2004). Para tanto, não é necessário que haja, tal como numa
diáspora, qualquer deslocamento espacial de indivíduos ou grupos.
Assim, podemos imaginar o exemplo de uma tribo indígena que,
ao viver uma situação extrema de perda de seus referenciais espaciais de
cosmovisão e de sua identidade projetada através do terreno, isto é, de suas
representações de ordem e estabilidade social, é obrigada a reterritorializar-
se num outro padrão de racionalidade de organização do espaço, isto é, no
modelo de ordenamento do território imposto pelos órgãos governamentais
da cultura dominante.
A idéia de pertencimento tem relação direta com a questão de uso
do espaço
3
. Essa polêmica lança luz sobre o que, segundo Lefevbre
(1983),é a essência do processo social: a propriedade lutando contra a
apropriação. Enquanto a noção de propriedade diz respeito ao domínio
quantitativo e racional-instrumental, a apropriação é qualitativa e simbólico-
afetiva. A idéia de pertencimento, no seu sentido instrumental, expressa a
relação de propriedade, posse ou domínio do espaço. Ela tem também
relação com a noção marxista de valor de troca ou mercadoria. No tocante à
apropriação do espaço, por sua vez, a noção de pertencimento representa a
liberdade que deveria ser expressa pelo valor de uso. Diferentes formas de
uso (do corpo, do tempo, do espaço) povoam as relações cotidianas; todavia,
são recalcadas, sob a égide do sistema capitalista, em prol de uma
mercantilização de uso. Os sistemas de troca restringem o uso à medida que
o torna mercadoria, fazendo com que a dimensão do sensível tenda a ser
suprimida pela racionalidade instrumental.
O termo território, como relatamos através de sua etimologia, nasceu
para designar uma relação nem sempre harmoniosa de pertencimento,
enraizamento ou identidade dos homens por e a partir de sua terra. É preciso
ressaltar que antes de ser identificado à escala moderna do Estado nacional, o
3
O uso é categoria fundante na seqüência das obras do pensamento de Lefevbre. “Ele busca encontrar as
resistências ou o que denomina de resíduos irredutíveis ao domínio da lógica, da razão” (SEABRA, 1996, p.71).
39
território teria sido originalmente aplicado à escala da cidade e aos distritos que a
circundavam na Polis, as Cidades-Estados gregas. Nesse sentido, baseando-se em
Aristóteles, acredita-se que essa demarcação também simbolizava a separação
entre logos e physis. A polis grega era uma forma-conteúdo do ordenamento
territorial que delimitava, naquela época, o espaço da civilização em oposição ao da
barbárie. Separava a sociedade ou a cultura da natureza. Posteriormente, a
aplicação do termo território aparece para designar a província pertencente a um
governador, vide o caso do Império Romano, indo, doravante, bastante além da
escala citadina da polis grega. Quando hoje nos referimos ao território, é mais no
sentido de ele ser um espaço delimitado por um estado nação soberano que o
caracterizamos. O tratado de Westfália (1648), desse modo, representa uma marca
na definição da lei territorial moderna. Essa passou a reconhecer a soberania de um
estado por e a partir do seu território.
Ratzel (1990) estabelece os contornos do que viria a ser a
concepção de território desenvolvida na geografia política moderna. O
território é a geografia física do Estado que serve para determinar os limites
geográficos da soberania dos Estados nacionais. Conforme o referido autor,
não é possível conceber nem as sociedades mais simples, tampouco os
Estados, sem o território que lhes pertence. Nesse contexto, destaca que a
relação sociedade/território é representativa do grau de enraizamento de uma
sociedade ao seu solo, seu espaço vital; assim, o território seria fonte de
abrigo e de recursos para as comunidades. A função do Estado seria a de
proteção contra as violações estrangeiras e de ataques que visassem
incorporar novas áreas e circunscrevê-las em suas membranas políticas. Tal
concepção ajuda a forjar o ideário de um Estado-nação enquanto incremento
territorial compacto, isto é, dotado de uma unidade naturalizada. Está
subjacente às teorizações de Ratzel sobre o território o processo de
unificação alemã, o desenvolvimento capitalista industrial em seu
expansionismo na Europa e África.
Os discursos mais radicais sobre a relação de lealdade ou
pertencimento e exclusividade entre o povo e o seu território podem ter nas
idéias de Ratzel (1990) grande fonte de inspiração. Seu legado acerca da
simbiose entre nação e território foi de suma importância para a formulação
40
da concepção tradicional de um estado-nação claramente definido e
delimitado. A concepção, que tem em Ratzel um de seus fundadores,
encontra em autores contemporâneos tanto críticas, quanto semelhanças. De
acordo com a definição dada por Foucault (1997, p.157), o território é sem
dúvida uma noção geográfica, mas é antes de tudo uma noção jurídico-
política: aquilo que é controlado por um certo tipo de poder. Apesar dessa
definição inicial, acredita-se que a sua microfísica do poder pode assinalar,
no contexto de nossa discussão, um tipo de deslocamento do estado
enquanto centro de gravidade do poder e do ordenamento do território.
Assim, há uma tentativa de inversão da polaridade de análise do fenômeno
poder que passa a ser visto em suas relações da periferia (a prisão, o
hospício, a escola, o quartel) para o centro (o Estado), e não ao contrário.
O poder, nesse caso, é interpretado por Foucault (1997) como uma
relação disciplinar e hierárquica. O maior ardil do poder é não ser percebido
por quem lhe está sujeito. Produz, com isso, a docilidade dos corpos. O
poder não existe por si mesmo. O que existe são práticas ou relações de
poder situadas em um ponto específico da estrutura social. O poder é ubíquo,
ou melhor, transita por diversos canais. Assim, de um modo geral, podemos
dizer que o poder só existe enquanto uma relação. Inspirando-se em
Foucault, assinala-se três características básicas do poder:
1 A disciplina e/ou normatização são técnicas de ordenamento do
território expressa enquanto controle através das fronteiras, do acesso e da
circulação de indivíduos, mercadorias, informações etc;
2 O controle do tempo é a subordinação do corpo ao ritmo do tempo
de modo que até a gestualidade humana possa estar articulada a finalidades
funcionais como no caso do operário representado por Charles Chaplin em
Tempos Modernos.
3 A vigilância ou o sensoriamento remoto é o processo feito à
distância através de dispositivos técnico-informacionais, o olho invisível, no
caso do panoptismo de Benthan.
41
Embora Foucault limite-se a definir o território de acordo com sua
acepção jurídico-política, acredita-se que paradoxalmente, por ampliar em
muito o escopo de análise do conceito de poder, o território acaba por vir a
ser um dos canais para a relativização aqui proposta. As suas elocubrações
estão intimamente ligadas ao modo como uma ordem hegemônica capaz de
aprisionar, vigiar e punir é gestada.
Por outro lado, Raffestin (1993, p.144) faz uma distinção, ao nosso
entendimento, desnecessária entre o espaço que teria estatuto de noção e o
território com estatuto de conceito. Nesse sentido, o território se prestaria
melhor à formalização/quantificação do que o espaço, ou seja, teria melhor
possibilidade de generalização e estatuto científico, desse modo, o espaço
seria a prisão original e o território a prisão que os homens construíram para
si. O espaço geográfico é visto como algo anterior ao território, isto é, como
uma base física que é apropriada e produzida por múltiplos atores
sintagmáticos. O espaço é, segundo Raffestin, transformado em território que
passa a ser sinônimo de espaço apropriado.
A apropriação do espaço é tanto um ato simbólico de
representação, quanto uma projeção territorial de relações de trabalho.
Assim, o território é ordenado e pode ser lido como um sistema sêmico
marcado pelo modo de produção dominante.
É necessário frisar, por outro lado, que, segundo as considerações
de Raffestin, todo o sistema territorial seria formado por três categorias
básicas: as tessituras, os nós e as redes. Essas categorias são os
invariantes, ou seja, os elementos geográficos universais que estariam
presentes, em diferentes ênfases, em todas as sociedades, de acordo com
Raffestin (1993,p.151) permitiriam assegurar o controle sobre aquilo que
pode ser distribuído, alocado e/ou possuído [...] e revelam um certo domínio
do espaço. As tessituras, os nós e as redes, por serem o essencial visível
das práticas espaciais, seriam a sintaxe através da qual todo geógrafo
poderia ler e interpretar o espaço geográfico.
A noção e limite linear e zonal exprimiria a relação que um grupo
manteria com uma posição do espaço, isto é, seria a manifestação de um
poder numa área precisa. Nesse sentido, a tessitura seria uma área de
42
enquadramento de um poder. Raffestin distinguiu as tessituras políticas de
poder ratificado e de longa duração, das tessituras econômicas, as quais
seriam mais dinâmicas, de poder de fato e de curta duração. Os pontos ou
nós remetem à idéia de localização e hierarquia entre os lugares inseridos
num sistema.
Segundo Raffestin (1993,p.156), é o mesmo que dizer que,
enquanto locais de poder, os pontos definem-se melhor em termos relativos
do que em termos absolutos.
No tocante à idéia de rede, destaca a sua estreita vinculação às
funções de comunicação e informação. As mesmas, contudo, também podem
ser obstáculos a tal ato. Assim, afirma:
Uma rede é um sistema de linhas que desenham uma trama[...] algo
que assegura a comunicação mas, por natureza, a rede que
desenha os limites e as fronteiras não assegura a comunicação. É
uma rede de disjunção (1993,p.156).
É preciso insistir também no fato de que as relações de poder que
definiriam o território, foram criticadas por Raffestin (1993,p.153) para o qual
a suposta tese da geopolítica ratzeliana de que o Estado seria o núcleo por
excelência do poder. Embora se mostre refratário a tal perspectiva de poder,
por ele intitulada unidimensional, propondo a multidimensionalidade e uma
problemática relacional de poder, parece não conseguir romper totalmente a
visão classista que tanto busca criticar. O Estado, mesmo nunca estando
ausente das relações, desempenha o papel de um referencial essencial. De
fato, afirmará que do estado ao indivíduo, passando por todas as
organizações pequenas e grandes, encontram-se os atores sintagmáticos que
produzem o território.
Nesse sentido, Raffestin nos convida a refletir, com sua
problemática relacional, as diferentes escalas de manifestações do poder.
Múltiplos atores sociais podem apropriar-se do espaço para formarem
território e/ou territorialidades. Ao nosso entendimento, é a partir daí que a
questão da representação aparece como essencial.
43
Toda representação territorial é produzida a partir do ponto de vista
particular de um ator devidamente localizado no espaço social; por isso, a
representação também está de acordo com os objetivos e interesses
particulares de cada ator. Isso é o que Raffestin chama de o suporte
egocêntrico da representação. As representações territoriais, com efeito, à
medida que são conhecidas e reconhecidas como legítimas, têm opoder
simbólico de transformar em consenso social o que é uma visão particular de
mundo.
O território é constituído por aspectos materiais que servem de
referencial para o conhecimento e o reconhecimento dos atores sociais a
partir da sua existência. Com efeito, todo território implica a delimitação, a
normatização e o relativo controle sobre um espaço. É por essa qualidade do
território que Sack (1985,p.32) aparece como um importante autor dentro da
discussão em tela. Segundo esse autor, o território é melhor definido como
um processo de apropriação, por determinados agentes sociais, de uma área
geográfica. Ele, por isso, não é somente uma base material. É uma relação
social cuja base material é uma das condições necessárias, embora não a
única, de realização da circunscrição de uma área geográfica por atores
variados.
Tendo em vista as posições aqui discutidas, podemos sinalizar que
esses conceitos serão os utilizados para ilustrar o modo como entenderemos
o território no presente trabalho. Nesse sentido, uma vez que pontuamos
alguns pressupostos básicos acerca do conceito de território, julgamos que a
sua idéia remete à questão da territorialidade.
2.2 Territorialidade
Análoga ao conceito de território, a noção de territorialidade advém
dos naturalistas, particularmente da zoologia, para designar uma área de
ocorrência de uma espécie animal.
44
Esta noção foi construída de maneira sistemática, em 1920, por
H.E. Howard, ao estudar o comportamento de certas espécies animais, no
qual se evidenciaram formas mais elementares de localização, de divisão e
de defesa do espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 123).
Assim, os caracteres e as funções de uma primeira apropriação,
parcial ou provisória, do terreno, os estímulos e as reações defensivas e
agressivas foram analisados em primeiro lugar nas sociedades animais e, em
seguida, tornaram-se extensivos à explicação dos fenômenos humanos.
Os estudos iniciais a respeito da territorialidade humana estavam,
nesse sentido, fortemente associados à concepção naturalista, cujas
interpretações a colocavam como uma ramificação do comportamento animal.
A conduta espacial do homem nessa acepção era entendida como uma forma
instintiva de sobrevivência. Todavia, como ressalva Sack (1986), a
territorialidade humana pode ser usada por uma variedade de razões
abstratas, mas poucas ou nenhuma são motivações animais.
De fato, como a territorialidade humana supõe o controle sobre uma
área, ela pode ser facilmente associada ao comportamento animal.
Entretanto, há que se considerar as regras morais, políticas e culturais que
constituem as marcas distintivas da humanidade. Ë urgente, por conseguinte,
abandonar as analogias animais para tratar da territorialidade humana.
Em Geografia, segundo Roncayolo (1986), a discussão da
territorialidade parece ter sido inserida por Edward Soja, em 1971, através de
seu trabalho The Political Organization of Space.
Soja (1971) define a territorialidade como um fenômeno de
comportamento associado à organização do espaço em esferas de influência
ou em territórios nitidamente delimitados, que assumem características
distintas e podem ser considerados como exclusivos de quem os ocupa e de
quem os define. Soja, acrescenta que a territorialidade afeta o
comportamento humano em todos os níveis da atividade social e que sua
noção é construída a partir da idéia ocidental de propriedade privada.
45
A relação estabelecida por Soja entre comportamento humano e
organização do espaço é desenvolvida também por Raffestin (1993).
Raffestin lembra que a delimitação de territórios inclui bem mais do que uma
simples relação com a área, pois essa é mediatizada pelas relações entre os
homens, e não uma pura e simples relação entre homens e meio que
acabaria levando ao renascimento de um determinismo sem interesse. Dessa
forma, o autor concebe a territorialidade como um conjunto de relações que
se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo, o que
implica analisar a territorialidade em função da apreensão das relações
recolocadas no seu contexto sócio-histórico e espaço-temporal.
A territorialidade corresponde às ações desenvolvidas por vários
agentes sociais em uma determinada área geográfica e em um dado
momento histórico. As ações são produzidas pelas diferentes relações
estabelecidas entre os agentes em um específico recorte espaço-temporal.
Nessas relações, estão incluídos não apenas os processos
vinculados à esfera da produção, mas também, e talvez de forma mais
incisiva, os elementos culturais, tais como a lingüística, a moral, a ética, a
religião, enfim, o conjunto complexo de padrões de comportamento, dado
pelas crenças, instituições e valores espirituais e materiais que são
transmitidos coletivamente e que caracterizam um dada sociedade.
As contribuições de Sack (1986) para o estudo da territorialidade
em Geografia apresenta discussões que vão ao encontro e complemento à
abordagem de Raffestin sobre o assunto. Em função da expressão que
alcançam os estudos de Sack sobre a territorialidade, pelo menos na
comunidade geográfica brasileira, cumpre aqui explorar algumas de suas
principais posições.
Em termos geográficos, conforme Sack (1986), a territorialidade
humana é uma forma espacial de comportamento social. É uma estratégia de
um indivíduo ou um grupo de afetar ou influenciar pessoas, fenômenos e
relações através da delimitação e do controle sobre uma determinada área
geográfica, área essa entendida como território.
46
Assim, variadas são as escalas onde a territorialidade pode ser
investigada. Tanto o quarto, quanto a cozinha, a casa, o escritório, o bairro, a
cidade, a região, o estado ou país, apesar da diversidade de escalas, são
instâncias da territorialidade, são territórios e merecem ser vistos como tais.
De acordo com Sack, ao serem postas em práticas as estratégias
territoriais, um simples lugar, um simples ponto, ou uma dada região da
superfície terrestre transforma-se em território. Ainda segundo o autor, as
estratégias utilizadas para o exercício do controle de uma dada extensão
espacial podem ser agrupadas em quatro tipos de ações: a delimitação de
áreas às quais se estabelecem normas claras do que é permitido ou proibido;
a implementação de limites ou fronteiras através de marcas simbólicas ou
sinais; a distribuição e alocação de recursos; o repasse da responsabilidade
das decisões e atitudes sociais para a área, como se fosse um atributo
natural do lugar (ex: isto é a lei desta terra, é necessário obedecê-la). São
estratégias de natureza múltipla política, ideológica, econômica ou cultural
e podem ser colocadas em práticas tanto por instituições formais quanto
por indivíduos ou grupos sociais.
O caráter histórico-espacial da noção de territorialidade é, da
mesma forma que em Raffestin, bastante valorizado por Sack. Para este
autor, a realização de uma investigação conceitual sobre a territorialidade
requer a consideração do contexto social particular, pois a territorialidade
está intimamente vinculada a uma específica realidade social.
É necessário levar em conta o contexto onde a territorialidade
acontece, pois, do contrário, se correria o risco de realizar uma análise
espacial abstrata. A territorialidade, nesse sentido, é sempre construída
socialmente e seu uso histórico tem sido realizado de forma cumulativa. Isso
significa que uma sociedade contemporânea emprega a territorialidade mais
expressivamente do que empregava, por exemplo, uma sociedade primitiva
4
.
4
Para uma caracterização do uso cumulativo da territorialidade ver os três exemplos apresentados por Sack
(1986): os índios Chippewa da América do Norte e seus contatos com os europeus ilustram as diferenças do uso
territorial entre sociedade moderna e pré-moderna; a territorialidade em um moderno local de moradia e a
territorialidade em um moderno local de trabalho.
47
Portanto, ao se desenvolver uma investigação sobre territorialidade,
é imprescindível considerar seu caráter cumulativo, já que esse adiciona
novos desafios para o conhecimento e para a pesquisa prática ou teórica.
Desde a introdução da noção de territorialidade em Geografia, é
possível notar as diferentes acepções que o termo assumiu. Emergindo com
um forte conteúdo naturalista vinculado ao comportamento animal, sendo
incorporado e desenvolvido a partir de uma ótica relacionada à esfera da
produção e da política nacional, tornando-se importante hoje pela
possibilidade de englobar a perspectiva cultural, o termo territorialidade
passou a ser um dos mais utilizados pelo vocabulário geográfico.
Se, por um lado, valoriza-se atualmente a abordagem que foi
colocada em segundo plano no percurso da história da Geografia, a vertente
cultural o homem enquanto ser social e individual portador de subjetividade
por outro, amplia-se o uso das noções de territorialidade e território,
elevando-se ainda mais o grau de polissemia. Tal situação acaba
promovendo questões extremamente complexas e de difícil resolução para o
desenvolvimento de uma investigação geográfica.
É importante, entretanto, ressaltar que a evolução e a conseqüente
ampliação do conceito de territorialidade foi conduzida pela urgência da
geografia em melhor apreender a intrincada relação sociedade-espaço-
tempo. Novos elementos são considerados no sentido de permitir o
estabelecimento de uma análise mais completa da questão frente ao contexto
social contemporâneo.
O estudo das territorialidades permite compreender o modo de vida
da sociedade e as possibilidades de utilização dos recursos naturais
disponíveis nos lugares a serem investigados. A identidade territorial deve
ser entendida como resultado de ações individuais e coletivas sobre o
ambiente, buscando analisar a maneira como o espaço é organizado por
essas ações. Logo, é preciso compreender e explicar o funcionamento da
sociedade e da natureza através das análises associativas das
particularidades observadas para entender a realidade.
48
Assim sendo, o território se apresenta como viés epistemológico
para se realizar a construção particular de uma realidade, de modo a
geografizar processos sociais.
O uso indiscriminado do termo territorialidade pode conduzir não
apenas ao empobrecimento do objeto de estudo mas do pprio conceito. É
necessário o desenvolvimento de um juízo crítico capaz de alimentar uma
conduta racional de análise pautada em um profundo debate teórico.
2.3 As instâncias de análise do território: política e econômica
A categoria território é uma das mais complexas e antigas nos estudos
geográficos. Essa categoria enfoca diversas dimensões da análise das relações da
sociedade com seu espaço geográfico. Seu enfoque analítico é múltiplo e vem
metamorfoseando-se de acordo com o momento histórico da disciplina e das
posturas filosóficas e políticas dos pesquisadores. Haesbaert (2001;2002) analisa
essa complexidade a partir de um elucidativo mapeamento das diversas correntes e
questões envolvendo a categoria território na tradição geográfica. Diante das
diversas concepções de território, destacam-se: natural(ista), jurídico-política,
econômica (muitas vezes economicista) e cultural(ista).
A primeira refere-se à concepção naturalista presente na geografia
clássica. Ela resulta de uma visão que evidencia a relação sociedade
/natureza. O território é visto fundamentalmente como fonte de recursos
naturais. Os estudos de Ratzel (1990, p.35) personificam essa visão. Em sua
análise, o território é colocado como fundamento da existência do Estado. A
relação solo, cultura e estado é analisada a partir da idéia de ”espaço vital”,
ou seja, o território como abrigo e recurso, algo imprescindível para o
desenvolvimento dos povos, pois “sem território não se poderia compreender
o incremento da potência e da solidez do Estado”
49
Apesar de tais considerações de Ratzel, vale enfatizar a
importância de entender o território como recurso, o pelo viés naturalista,
mas colocando a relação indissociável sociedade/ natureza/ poder/ espaço,
ampliando significativamente a análise geográfica da questão ambiental.
Assim sendo, destaca-se a instância jurídica e política do território.
A concepção jurídica política/disciplinar entende o território como espaço
delimitado por relações de poder. Enfatizam-se o controle de uma área geográfica e
os limites delimitados pelo poder na busca de disciplinar, moldar, influenciar ou
controlar comportamento pelo controle de acesso. Nessa perspectiva, a
territorialidade é definida como “a tentativa, por indivíduo ou um grupo de atingir,
influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos através da
delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica” (SACK,1986,p.78).
A territorialidade é, sobretudo, uma estratégia de poder. É inegavelmente a
concepção mais utilizada pelos geógrafos, mas muitas vezes mostra-se
reducionista, pois devido à sua tradição em discutir o Estado-nação e os problemas
geopolíticos, acaba-se confundindo território com território nacional, admitindo-se
sua existência somente na escala da nação. Nesse caso, o poder é tido como sendo
exclusivo da natureza estatal.
Mais recentemente, os avanços na concepção do fenômeno do poder,
como relação e não posse, e a constatação da existência de uma microfísica do
poder (FOUCAULT,1979,p.28) permitem uma reflexão mais completa sobre a
territorialidade humana, que se por múltiplas relações de poder, que envolvem
diversos atores sociais de distintas naturezas e de forma multiescalar. Rompe-se,
portanto, o paradigma de geografia política que pensava o território pelo viés estatal,
admitindo sua existência de forma monoescalar, ou seja, a escala nacional.
A idéia de território com acesso controlado a uma área geográfica, um
espaço disciplinar, construído pela definição de fronteiras que afetam pessoas,
fenômenos e relações, conforme definiu Sack (1986), é extremamente importante
para o entendimento da nova lógica de ordenamento territorial imprimida pelas
novas estratégias de acumulação do capitalismo contemporâneo sob a ideologia do
desenvolvimento sustentável.
50
De acordo com Becker (1995, p.13) “a questão ambiental está no cerne
do atual paradigma geopolítico”. A escassez de determinados recursos naturais
estratégicos para o atual modelo produtivo (como o petróleo) e de outros recursos
importantes para o paradigma tecnoprodutivo emergente (a biodiversidade) torna as
práticas de ordenamento do território (controle, apropriação e uso), em todas escalas
do planetário ao local, resignificadas pelo prisma geopolítico, que se materializa de
diversas formas socioespaciais.
Esse novo paradigma de ordenamento busca resignificar a natureza como
elemento da produção e reprodução capitalista. A natureza assume a condição de
capital natural - capital de realização presente e futura. Para garantir essa nova
perspectiva, surge a questão da preservação e da conservação ambiental tão
propagada nos dias de hoje como novo modelo do desenvolvimento regional que se
materializa em novas políticas territoriais que se simplificam sob a idéia de reservas.
Sob o manto do mito moderno da natureza intocada criam-se verdadeiros
territórios clausuras, territórios fechados para populações locais que,
dependendo da categoria de Unidade de Conservação, são expulsas,
desterritorializadas, afastadas pela definição de fronteiras legais, mas muitas vezes
não legítimas. Entretanto, se esses territórios reservas se fecham na escala local
para as populações nativas, na escala global, se articulam através de inúmeras
redes, tanto redes ligadas à lógica instrumental do capital quanto as redes
ambientalistas das ONG-s, que são os atores decisivos nesses novos arranjos que
se articulam em diversas escalas em forma de multiterritorialidades. Esses novos
arranjos se materializam de forma contundente na região Amazônia.
Uma outra instância de análise do território valoriza a dimensão espacial
das relações econômicas e a luta de classes dentro do processo de produção e
reprodução da sociedade capitalista (a luta capital versus trabalho).
A última concepção dessa classificação proposta Haesbaert (2001)
refere-se a uma visão cultural(ista) que prioriza a sua dimensão simbólica e mais
subjetiva. Nessa visão, o território é visto, sobretudo, como produto da
apropriação/valorização simbólica do espaço através do imaginário e/ou da
identidade social.
51
Ratzel (1990) coloca em relevo a relação espiritual e psicológica dos
homens com seu solo (território). Raffestin (1993), por exemplo, afirma que o
território é um espaço informado por uma semiosfera, ou seja, mergulhado em uma
cultura. Sack (1986, p.35), mesmo privilegiando o caráter disciplinar e de controle do
território, nos assegura que a territorialidade é, também, um meio pelo qual nós
experimentamos o mundo e o dotamos de significados,como:
A territorialidade como um componente do poder o é apenas um meio de
criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter grande
parte o contexto geográfico por meio do qual nos experimentamos o mundo
e o dotamos de significado.
Nessa perspectiva, baseado na distinção de Lefebvre entre domínio e
apropriação, Haesbaert (2002, p.119) afirma:
O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão
simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos
grupos sociais, como forma de controle simbólico do espaço onde vivem
(sendo, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais
concreta, de caráter político-disciplinar: apropriação e ordenamento do
espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.
Avançando nesse raciocínio, o mesmo autor acrescenta:
Assim, associar o controle físico ou a dominação “objetiva” do espaço uma
apropriação simbólica, mais subjetiva, implica em discutir o território
enquanto espaço simultaneamente dominado e apropriado, ou seja, sobre
o qual se constrói não apenas um controle físico, mas também laços de
identidade social.
Essa perspectiva de território, que abarca os diversos níveis de relação
dos homens com seu espaço, é compartilhada por outros geógrafos que assumem
mais explicitamente uma abordagem cultural, como Claval (1999,p.29):
[...] território: este é uma aposta entre poderes, disputado, apropriado,
ameaçado, povoado e explorado; ele integra uma dimensão natural
(extensão suporte), uma dimensão sóciopolitica (os sistemas de controle ou
apropriação do qual ele é objeto) e uma dimensão cultural (carga simbólica
de que ele se reveste para os indivíduos ou grupos que nele capturam uma
parte ou a totalidade de sua identidade).
52
Neste sentido, resgata-se o valor simbólico existencial-identitário
presente neste conceito, que normalmente é negligenciado nas análises dos
geógrafos. Esses, em geral, reduzem seus estudos à idéia de controle, limite,
fronteira, disciplina, ao invés também de discutirem o núcleo do território e seus
significados. Essa relação existencial-identitária dos homens para com seu território
é muita bem explícita por Claval (1999, p.56), quando nos afirma que “os homens
têm necessidade, para dar sentido à sua presença neste mundo, de se assimilar a
um território que é, para eles, um refúgio e um espaço onde se sentem protegidos,
conhecidos e reconhecidos”.
Na perspectiva de Souza (1995), o território tanto pode ser entendido no
sentido do território nacional, como do ponto de vista da delimitação de um espaço a
partir de relações de poder que um grupo exerce sobre esse espaço. Normalmente,
o território tem sido utilizado quando se faz referência ao território nacional, e se
pensa no Estado enquanto gestor do território nacional a escala de país ou pátria.
Entretanto, o território não deve obrigatoriamente ser reduzido a essa escala ou à
associação com o Estado na condição de gestor.
Souza (1995,p.78), afirma que “o território é definido e delimitado por e a
partir de relações de poder”. O poder, no sentido de Hannah Arendt, explicitamente
assumido pelo autor, não é propriedade de um indivíduo. Por pertencer a um grupo,
ele só é mantido enquanto houver a união desse grupo.
Essa concepção de poder assume um certo antagonismo entre violência e
poder que, para ele, nem sempre é percebida pelos estudiosos do assunto, daí sua
crítica à idéia de poder assumida por Raffestin.
Para Santos (1999,p.75), o território não significa apenas o conjunto dos
sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. Para o geógrafo, o que
importa não é o território em si, senão o território usado. Assim definido,
o território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento
de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do
trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do
exercício da vida.
53
O território pode ser definido como um espaço concreto ou simbólico onde
atores se relacionam entre si a partir das mais diversas relações que envolvem o
poder, o saber e o conhecimento entre as coisas e as pessoas e que se expressam
tanto numa relação de igualdade como numa relação de desigualdade que ocorre
em diferentes escalas espaço-temporais. Portanto, esses atores, ao se apropriarem
desses espaços, através dessas relações produzem seus territórios.
A essas vertentes básicas podem-se somar abordagens semiológicas
que, ao tornarem território preferencialmente como fluxo e redes, e não como
espaço físico -,tratando-os pelo prisma da tecnologia da informação -,também são
úteis à compreensão da Amazônia inserida num “sistema-mundo”, enquanto
produtora e commodities, em que fluxos informacionais redesenham uma
territorialidade para além do espaço físico.
Abordagens de cunho sociológico, por seu turno, procuram dar conta da
relação entre natureza (espaço material) e cultura (espaço do simbólico) na
fundação de um território, com o território social visto como fenômeno imaterial ou
simbólico, produzido pelo imaginário humano. O homem é um animal não apenas
político ou social, mas também territorializador, o que, sociologicamente, pode ser
visto como a capacidade de produzir e habitar mais de um território. Abrindo ainda
mais a leitura de território, a perspectiva psicológica de Guatarri (1985) relaciona
territorialização à subjetivação, tanto individual quanto coletiva.
Essa polissemia denuncia a natureza fluida da noção de território,
desnaturalizando as referências especificamente geográficas e remetendo, ainda, à
distinção entre espaço e território, que se relaciona, sobretudo, à identidade espacial
que, por sua vez, envia para o tema da apropriação simbólica do espaço tornado
território.
54
Diante de tais instâncias de análise do território, vale destacar a
concepção de território a ser investigada nesta pesquisa. Em linhas gerais, o
território da Reserva Extrativista do Médio Juruá é um espaço resultado de relações
de poder entre diversos atores sociais. Esse território é depositário do trabalho e das
articulações e conflitos entre atores sociais individuais, coletivos, blico e privado.
O território dos ribeirinhos é também entendido como possibilidade, isto é, de
sustentatibilidade e garantia de reprodução social.
2.4 Territorialidade e Ordenamento Territorial
Na territorialidade humana, a emoção e o pensamento simbólico são
fundamentais para uma topofilia, que transforma espaço em lugar (TUAN,1983).
Para Raffestin (1993) a territorialidade humana, numa concepção aberta, pode ser
definida como o “conjunto de relações que desenvolve uma coletividade e,
portanto, um indivíduo que a ela pertence com a exterioridade e/ou alteridade, por
meio de mediadores e instrumentos”.
Chega-se, assim, a uma perspectiva territorializante que extrapola aquela
do domínio ou a do controle politicamente estruturado, posto que a fundação do
território implica também uma apropriação que incorpora a dimensão simbólica, de
identidade e afetiva. Essa perspectiva é útil para pressupor, no caso da Amazônia,
um certo campo conflitivo, à medida que a territorialização do capital, deslanchada
nos anos 70 (século XX) e baseada na apropriação privada da terra, torna ilegítimos
outros processos territorializantes fundados em bases distintas. As ligações
simbólicas dos grupos sociais com seu espaço/lugar permitem formular o conceito
de território, como uma área que é limitada formal ou informalmente, possibilitando
pressupor, portanto, espaços aos quais estão ligado as identidades, por grupos
distintos, que detêm ou ambicionam o território e que desejam obter seu controle em
proveito do grupo (COSTA, 1995).
O Brasil oferece o exemplo de um país continental, onde as populações
das zonas rurais, histórica e politicamente, são pouco valorizadas e, portanto, pouco
representadas (SABOURIN, 2002). Fala-se de construção de territórios a partir
das estratégias de atores envolvidos e de mecanismos de aprendizagem coletiva,
quer dizer, a aquisição de conhecimento, de informações comuns, por meio da
55
prática ou da experiência coletiva. A idéia central da abordagem territorial do
desenvolvimento é a preocupação pela integração e pela coordenação entre as
atividades, os recursos e os atores.
O enfoque territorial considera, sobretudo, a valorização coletiva e
negociada das potencialidades das localidades, das coletividades ou das regiões,
chamadas atributos locais. Na terminologia do desenvolvimento local, os atores são
os agentes sociais e econômicos, indivíduos ou instituições, que realizam ou
desempenham atividades, ou, então, mantém relações num determinado território.
A visão do ambiente numa perspectiva global supera a dicotomia
homem/natureza, pois considera o homem em constante interação com a natureza.
Segundo Gonçalves (1989, p.150), a relação homem natureza é entendida como
uma relação social que constrói um quadro de vida, condição de reprodução da
sociedade que o criou. Portanto, o espaço, o habitat ou paisagem, não é neutro.
Representa o quadro de reprodução da sociedade que o criou.
A discussão do espaço social é necessária, pois esse espaço humano é
histórico, obra do trabalho e morada do homem. Nesse sentido, toda atividade
produtiva dos homens implica uma ação sobre a superfície terrestre, uma criação de
novas formas, de tal modo que produzir é produzir espaços.
No dizer de Bertrand (1991,p.47), “a natureza é também um espaço cada
vez mais territorializado, quer dizer, apropriado, explorado, artificializado,
degradado”. A natureza é um espaço cada vez menos natural e cada vez mais
antropizado.
Esse processo de antropização que nasce de uma interação entre
sistemas sociais e sistemas naturais é proveniente dos processos materiais e
imateriais.
A questão ambiental, portanto, diz respeito à maneira como a sociedade
se relaciona com a natureza, e às relações dos homens entre si. O ambiente natural,
por ser um sistema integrado e composto por vários elementos interligados em fluxo
de matéria e energia, sugere para sua análise a utilização de um modelo sistêmico,
realizado por um pensamento também sistêmico.
56
Nesse sentido, ressalta-se que:
Entender as coisas sistematicamente significa literalmente colocá-las dentro
de um contexto, estabelecer a natureza das relações. Na visão sistêmica,
as propriedades essenciais de um organismo ou sistema vivo são
propriedades de um todo que surgem das interações e das relações entre
as partes, e as propriedades das partes não são propriedades intrínsecas
[...] podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo
(CAPRA,1996,p.40).
Podemos, então, afirmar que o meio ambiente está relacionado à
natureza e a sociedade e, por isso, a sua análise exige um método, no dizer de
Bertrand (1991), de complexidade e diversidade. Constitui um sistema tridimensional
composto por: geossistema, território e paisagem. O geossistema, como sendo a
dimensão antrópica de um conceito naturalista; o território como a dimensão
naturalista de um conceito social; e a paisagem como a dimensão cultural da
natureza.
Ordenar é conferir uma intencionalidade aos lugares. No Brasil, ordenar é
também o poder de transformar nem sempre para melhor. É evidente, no entanto,
que transformar não é fenômeno que ocorre de forma espontânea. Por isso notemos
o planejamento público registrado em leis, relatórios, estudos, propostas de políticas
públicas e teremos o planejamento oculto, ou aquele que ocorre pelas não-políticas
intencionais do Estado.
Sem a intenção de precisar quando começa o planejamento
governamental no Brasil, é fato conhecido e discutido por diferentes autores que no
Brasil o ordenamento territorial foi apoiado por uma visão instrumental e técnica que,
geralmente, trazia um caráter autoritário, tecnocrata e racionalista, abarcando
interesses nem sempre da maioria, nem sempre a favor da maioria.
A dimensão ambiental, nesta visão de ordenamento, geralmente se diluía
dentro de propostas convincentes apoiadas nas informações econômicas e sociais.
O ambiente era analisado como um conjunto de componentes e fatores
que interatuavam com os diferentes setores sociais e econômicos, mas sem caráter
de ser considerado como elemento orientador.
57
O ordenamento territorial envolve o estudo das relações, das
combinações, das interações, das conexões, das localizações que se processam a
partir das relações sociais que se inscrevem em lugares e regiões. As práticas
sociais são condicionadas por eventos naturais e pelo ambiente socialmente
construído. O ordenamento territorial é também reflexo de um sistema de ações que
se projeta sobre ela, incorporando novos objetos, refuncionalizando e
marginalizando antigas formas socioespaciais.
O homem (des)ordena o território no qual vive, desde que
conseguiu libertar-se de uma influência sem limites das forças naturais, ou
seja, o ordenamento territorial é parte integrante da história dos grupos
sociais e reflete as mudanças da realidade na sociedade contemporânea,
quer em complexidade quer em dimensão.
Considerado do ponto de vista de sua evolução histórica, é preciso
refletir e levar em conta que o território nunca está organizado de forma
definitiva, que ele não é estático, ao contrário, é profundamente dinâmico e
vai se modificando dialeticamente de forma permanente
(ANDRADE,1989,p.23).
O longo processo de organização e reorganização da sociedade
deu-se concomitante à transformação da natureza primitiva em campos,
cidades, estradas de ferro, etc. Estas obras do homem apresentam um
determinado padrão de localização, que é próprio de cada sociedade. A
geografia viabiliza o estudo da sociedade através de sua organização
territorial. Em outras palavras, a geografia representa um modo particular de
se estudar a sociedade.
Se as organizações espaciais da sociedade capitalista revelam
relações de poder, controle do espaço e valores culturais e simbólicos,
podemos analisá-la a partir do conceito de ordenamento territorial.
A expressão ordenamento territorial só adquire sentido quando
expressa o resultado da ação do homem organizando o espaço que assim
considerado, está em perpétua transformação e:
58
O que hoje aparece como resultado é também um processo, um
resultado hoje é também um processo que amanhã vai tornar-se
uma outra situação [...] toda situação é do ponto de vista dinâmico,
um processo (SANTOS,1988,p.35).
O ordenamento territorial, no contexto da Geografia do século XXI, vem-
se constituindo em objeto de constantes estudos, muito embora esta temática
fosse uma realidade desde o final do século XIX. A sua ascensão e valorização
estão estreitamente associadas à crescente importância adquirida pelos estudos
locacionais e regionais. A geografia tem voltado às atenções para o processo de
poder político no contexto espacial. Isto porque se percebe que as políticas afetam
profundamente a organização espacial da sociedade.
No processo de ordenamento territorial das comunidades rurais, o
grupo social constituído deve ter consciência de ser depositário e
responsável por um patrimônio que deverá utilizar para atender e garantir, da
melhor maneira possível, sua reprodução e desenvolvimento como
sociedade, sem esquecer de sua responsabilidade de conservá-lo e prepará-
lo, de modo a garantir a sobrevivência futura.
Com respeito ao ordenamento territorial de diversos grupos sociais em
áreas rurais, na perspectiva histórica da paisagem, frente à introdução de novos
cultivos, observa-se que:
A cultura de um produto que desaparece vai influir sobre a de um
outro que a sucede [...] muitas vezes a introdução de uma nova
cultura sofre a influência de outra que já era praticada a mais tempo
no mesmo lugar, sem que esta desapareça necessariamente
(VALVERDE,1980,p.54).
A apropriação privada dos meios de produção implica a privatização do
espaço e, nesse sentido, a História do capitalismo nada mais é do que um processo
de privatização contínua e crescente de porções da superfície terrestre e tudo que
ela contém. No bojo da dinâmica social do capital, o Estado emerge como um dos
atores mais importantes.
A análise da natureza do Estado e do papel que desempenha,
fortalecendo ou enfraquecendo a sua soberania sobre o território no qual
exerce o seu poder, é fundamental para a compreensão da ocupação do
59
espaço brasileiro. Hoje em dia, o resgate da organização do espaço envolve
diversos sistemas de ações entre o Estado, sociedade civil, empresas,
organizações não-governamentais etc. Tais relações sociais, normalmente,
são contraditórias e o espaço se assume como expressão das contradições
sociais.
Em termos de contradições socioespaciais, a Amazônia é um
laboratório para os estudos dos conflitos de territorialidades. Diversos
pequenos produtores posseiros, seringueiros, sem-terra/assentados e
proprietários de terra foram e estão se constituindo como sujeitos políticos ao
longo do tempo, a partir não só de condições econômicas particulares, mas
também de experiências concretas relativas às lutas travadas, das alianças
que estão sendo construídas e das oposições com que vêm se defrontando
em seu cotidiano.
As diversas lutas pela terra coletivamente vividas por vários
sujeitos políticos têm gerado práticas associativas após a conquista da terra.
O dado novo, em algumas dessas experiências, está na adequação do
processo de produção agrícola à conservação dos recursos naturais.
Um dos exemplos recentes de alternativa ao desenvolvimento
adotado no país, nos últimos anos, é o que articula a problemática da terra e
da produção com à preservação ambiental, que pode ser verificado através
da criação das Reservas Extrativistas. Tal modelo de ordenamento territorial
resulta da emergência dos seringueiros como protagonistas de um movimento
com peso político e reconhecimento nacional e internacional.
Além disso, foi o resultado de uma história de lutas e busca de
identidade territorial que encontrou condições favoráveis de se revelar a
partir de 1985.
Essas lutas se concretizaram em contraposição às iniciativas dos
organismos governamentais que, através de incentivos fiscais, subsídios,
etc., procuravam mudar a base produtiva dos seringais por meio da
implantação de grandes projetos agropecuários.
60
No bojo da luta contra o desmatamento e a exclusão através dos
empates, foi sendo gestada pelos seringueiros a proposta de criação das
Reservas extrativistas e, com ela, a criação do Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS).
Trata-se de uma proposta de ordenamento territorial que, ao buscar
a preservação dos recursos naturais, propõe-se a desenvolver uma economia
adaptada, capaz de garantir a reprodução dos povos da floresta índios,
seringueiros, castanheiros, ribeirinhos e extrativistas vegetais em geral
através da extração dos produtos da floresta, com a garantia da venda
desses produtos via cooperativas constituídas nas Reservas Extrativistas.
A ação político-educativa, que inclui trabalhos de alfabetização
popular, constitui-se em estratégia para o fortalecimento do movimento. Com
essas práticas,
perdem os grandes grupos econômicos e os latifundiários, tanto pelo
fato de que a natureza passa cada vez mais a ser vista como
patrimônio coletivo cuja exploração não pode obedecer à lei do
lucro, como por restringir o negócio especulativo da terra, limitando
o poder discricionário dos proprietários sobre os homens que da
terra dependem para viver (GRZYBOWSKI,1989,p.24).
Dentro do conjunto de questões que constituem o campo das lutas
sócio-ambientais, a questão da terra pode ser vista como portadora de uma
das contradições mais flagrantes, no sentido de apontar para a
insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento excludente e
concentrador.
Dessa forma, não podemos deixar de relacionar a atual situação de
degradação dos recursos naturais com todo um conjunto de determinantes
econômicos, sociais e políticos.
Essa relação entre sociedade e recursos naturais implica investigar
as territorialidades constituídas. Logo, estamos assumindo que as
organizações socioespaciais apresentam territorialidades.
61
Nesse sentido, o território é crucial para o desenvolvimento e a
complicada problemática do desenvolvimento territorial exige que sejam
abordados separadamente seus três temas centrais: a recomposição dos
territórios, os sistemas produtivos locais e o meio ambiente. Na prática, é
impossível tratar cada um desses três eixos sem que sejam feitas muitas
referências aos outros dois (VEIGA, 2002,p.37).
Os usos dos recursos da natureza em grande medida sempre se
orientaram pelos interesses produtivos. Assim, por exemplo, numa rica floresta
tropical como a floresta amazônica se exploram as espécies de valor madeireiro e
joga-se fora toda a biodiversidade sem valor, como madeira nobre. Extrai-se um
minério de importância produtiva e o passivo ambiental fica como áreas degradadas.
Recentemente a legislação (art. 225 CF) ambiental vem procurando corrigir esse
legado centrado apenas no potencial econômico e de poucos ou raros recursos do
ambiente.
A partir da década de 80 do século XX, a visão passa a se modificar num
processo lento, conflituoso e ainda muito centrado no poder autoritário do Estado.
Sob uma ótica de planejamento ambiental o ordenamento territorial passou a se
configurar como um instrumento institucional e processual de aplicação de políticas
de desenvolvimento sustentável. Na atualidade, podemos dizer que o ambiente é
visto como um objeto do planejamento, dentro de uma ótica restauradora da
importância dos processos socioambientais.
Nessa transição foi importante a incorporação do conceito de Zoneamento
Ecológico Econômico (ZEE) para cuja aplicação ou utilização de um determinado
espaço geográfico exigem-se novos métodos, reflexões e concepções.
Segundo Ab’Saber (1997,p.79) a concepção de ZEE, como ficou
conhecida, exige,
[...] conhecimento do mosaico de solos; detecção das tendências de uso
econômico ou especulativo dos espaços rurais, urbanos, rururbanos; o
balanço da economicidade dos sistemas de exploração propostos: os
espaços livres da exploração econômica; os tipos de módulos rurais
passíveis de serem instalados nos espaços liberados à exploração
econômica; os fatores de apoio as atividades agrárias e o balanço das
carências ou de eficientes infra-estruturas pré-existentes. Por outro lado
implica em se reconhecer e delimitar espaços defendidos por legislações
especiais: parques nacionais, reservas indígenas, reservas biológicas,
62
estações ecológicas, setores críticos dos espaços ecológicos (cabeceiras
de drenagem, florestas beiradeiras de rios) e outras áreas de proteção
obrigatórias ou parciais. A amplitude Das tarefas a serem realizadas exige
uma participação variada de especialistas pertencentes a diferentes áreas
do conhecimento, sob a batuta de pessoas treinadas em métodos de
planejamento regional.
A essa visão bastante completa do Prof. Azziz Ab’Saber, temos na
atualidade a incorporação de propostas de construção de cenários para ZEE a partir
da gestão participativa. Nossa legislação recente incentiva e incorpora na visão do
ordenamento territorial o diálogo entre saberes técnicos e científicos aos saberes da
prática da vivência. Essa abertura recente ainda é bastante imatura no sentido em
que a participação tem sido de referendum e ainda prevalece nas propostas
participativas um centralismo governamental.
Estabelecer as bases de um ZEE nas diferentes conjunturas geográficas
brasileiras requer estudos de vocação de todos os subespaços que compõe o
território, levantamento de todas as potencialidades e criticidades socioambientais.
Não existe uma única metodologia para isso, mas de certo modo geógrafos,
agrônomos, ecólogos, e outros profissionais do planejamento devem ter uma
consistente fundamentação sobre processos interativos em diferentes escalas.
De acordo com Ab’ Saber (1997), podemos apresentar resumidamente
alguns pressupostos principais para uma metodologia de Ordenamento Ecológico e
Econômico em escala regional:
- Entendimento integrado do complexo natural;
- Metodologia fundamentada no ecodesenvolvimento e no planejamento
ecoregional para pensar os usos do território;
- Recuperação correta das experiências anteriores (incluindo razões do
fracasso ou do sucesso dessas experiências);
- Cruzamento dos conhecimentos físicos, ecológicos e econômicos;
- Avaliação do papel de algumas redes pré-existentes (rede de cidades,
sistemas de transportes, etc);
- Reunião obrigatória de toda a documentação sobre a distribuição e
tipologia das áreas de preservação e conservação existentes;
- Conhecimento do mosaico de planos, programas e projetos propostos
para a região;
- Tratamento cartográfico adequado aos objetivos do ordenamento.
63
Ab’Saber destaca que estabelecer as bases de um zoneamento ecológico
e econômico em uma determinada conjuntura geográfica equivale a realizar um
estudo para determinar a vocação de todos os subespaços que compõem um certo
território, e efetuar o levantamento de suas potencialidades econômicas, sob um
critério basicamente “ecodesenvolvimentista”.
As experiências de ordenamento a partir da conceituação de Zonas
Ecológicas e Econômicas têm sido criticadas por uma certa ineficiência de
resultados. Muitos estudos sofisticados foram empreendidos pelo Governo Federal e
praticamente não saíram do papel. Sabemos que, quanto menos especializados for
um espaço em termos de instalação de infra-estrutura instalada, maior é a
possibilidade de orientar o zoneamento para as potencialidades paisagísticas e
ecológicas. As áreas onde a ocupação dos solos por atividades agrárias e a
densidade de redes urbanas tem maior densidade e articulação são as que mais têm
perdido esses potenciais e onde as diretrizes de ordenamento têm sido pouco
implementadas.
Do ponto de vista de Ab’Saber (1997,p.70) o atual ordenamento que
resulta num zoneamento ecológico e econômico deve ser:
a)Democrático: no qual exista uma participação protagônica dos indivíduos;
b)Global: coordenador e integrador das políticas setoriais;
c)Funcional: adaptado aos diferentes cenários regionais;
d)Prospectivo: levar em consideração as tendências e evolução em longo
prazo.
Os órgãos governamentais brasileiros ainda esboçam uma transição entre
planejamento tradicional economicista e desenvolvimentista e planejamento
ambiental participativo e sustentável. O essencial tem sido obter na fase de estudos
uma listagem dos problemas emergentes, de cada uma das áreas identificadas num
pré-zoneamento. Além dissso, é necessário fazer uma sondagem seletiva das
aspirações das comunidades residentes, assim como uma avaliação dos problemas
da organização humana dos espaços; deve-se também considerar as situações de
conflito e propostas de melhorias progressivas e racionalizadas, ou seja, procurar
obter um perfil concreto das conjunturas espaciais, das tendências e utilização dos
64
agrupamentos regionais ou locais de ecossistemas, das fragilidades ambientais e os
níveis de organização entre sistemas, levantando as potencialidades econômicas de
cada espaço ou subespaço a ser ordenado.
A geografia como um todo e em particular os especialistas em estudo da
natureza tem fornecido importantes subsídios para o planejamento ambiental,
porém, apresenta um primeiro problema de cunho metodológico que é a busca das
unidades operacionais espaciais necessárias a todas as etapas do planejamento
(inventário, análise, diagnósticos, planejamento propriamente dito e gestão). A
contribuição da geografia física tem sido maior nas etapas de inventário, análise,
diagnóstico do que em gestão. A gestão, no entanto, não pode desprezar o
planejamento físico ou regional, pelo contrário, deve buscar articulação com este. No
Brasil, o planejamento territorial (físico ou regional) vem buscando articular o
planejamento ambiental ao planejamento sociocultural ao planejamento econômico.
Os maiores avanços no registro e integração encontram-se na
cartografação dos estudos que se potencializam a partir da incorporação de novas
tecnologias de informação, como o geoprocessamento. Não basta ter os
instrumentos que viabilizam a sistematização de grande número de informações
dispersas, é preciso que as operações cartográficas incorporem as visões
conceituais do ordenamento ecológico e econômico.
Outra questão importante é o acesso a essa nova maneira de sistematizar
o conhecimento socializado. O Brasil assim como outros países da América Latina
possuem uma estrutura de gerenciamento territorial ainda bastante precária. No
Brasil, a maioria dos municípios a quem cabe a gestão local do ordenamento
territorial não tem recursos humanos e tecnológicos para poder realizar
satisfatoriamente um gerenciamento territorial. Nesse sentido, que dialogar
criando estratégias de produção de documentos intermediários de utilização viável
pela administração pública. Não se trata de o investir nas tecnologias de ponta.
Trata-se, antes de tudo, de formar competências. Esta é uma proposição para que
as competências técnicas sejam formadas localmente e possam ter capacidade
técnica gerencial do ordenamento.
65
Em nível global, a Amazônia é uma fronteira percebida como
espaço a ser preservado para a sobrevivência do planeta. Coexistem nessa
percepção interesses ambientalistas legítimos, e também interesses
econômicos e geopolíticos, expressos respectivamente num processo de
mercantilização da natureza e de apropriação do poder de decisão dos
Estados sobre o uso do território. Em nível nacional, onde igualmente
coexistem interesses diversos, o interesse e a percepção dominantes ainda
atribuem à Amazônia a condição de fronteira de recursos, isto é, área de
expansão do povoamento e da economia nacional que deve garantir a
soberania sobre esse imenso território. O que não significa a inexistência de
interesses ambientalistas que coexistem com os desenvolvimentistas. Para
a sociedade regional, em particular, e parte de brasileira, a fronteira é o
espaço de projeção para o futuro. Em nível regional/local, a incidências
dessas percepções e ações somadas às demandas sociais, é expressa numa
dinâmica territorial de grande velocidade de transformação e numa geografia
amazônica (BECKER, 2004,p.21).
Há, na Amazônia, uma coalizão insólita que envolve os direitos de
autodeterminação sem excluir uma tendência formal de recuperação da
territorialidade tradicional das populações amazônicas. A luta indígena pela
demarcação de terras ganha simpatia da cidadania mundial e a adesão
explícita de blocos, entidades, instituições influentes nas relações de poder
da ordem global. Ganha, também, opositores declarados.
É necessário destacar que a questão do território na Amania
configura-se:
Numa problemática maior, que é a de sua fluidez e resignificação
física e política continental e local base de sustentação de
formulações acerca da perda de uma ordenação central soberana
e de questões de interesses planetários sobre a biodiversidade, a
proteção aos ecossistemas amazônicos e as suas populações
regionais (SILVA, 2000,p.110).
Em nível nacional, onde igualmente coexistem interesses diversos,
o interesse e a percepção dominantes ainda atribuem à Amazônia a condição
de fronteira de recursos, isto é, área de expansão do povoamento e da
economia nacional, que deve garantir a soberania sobre esse imenso
66
território. O que não significa a inexistência de interesses ambientalistas que
coexistem com os desenvolvimentistas. Para a sociedade regional, em
particular, e parte da brasileira, a fronteira e o espaço de projeção para o
futuro.
No contexto regional/local, a incidência dessas percepções e
ações, somadas às demandas sociais, é expressa numa dinâmica territorial
de grande velocidade de transformação e numa nova geografia amazônica
(BECKER, 2004).
Por fim, a Amazônia pode compor tanto o ideário de bem-estar dos
consumidores de melhores produtos de todo o mundo como um patamar
civilizatório de propostas ambientalistas politicamente corretas da cidadania
mundial. A difusão do fato de que os sistemas naturais são interligados em
escala planetária, e de que o bem-estar e a sobrevivência dos habitantes da
Terra dependem de um equilíbrio, reabre as questões da soberania, do
desenvolvimento sustentável, do zoneamento ecológico e do futuro do
planeta.
3 O MODELO DE TERRITORIALIDADE NO CONTEXTO DAS RESERVAS
EXTRATIVISTAS.
Nesse capítulo pretende-se discorrer sobre as políticas territoriais em
torno das unidades de conservação no Brasil e no Estado do Amazonas, o
extrativismo e sustentabilidade e suas características socioespaciais. Posteriormente
destacam-se as reservas extrativistas enquanto modelo de territorialidade e sua
dimensão jurídica. Finaliza-se abordando as polêmicas envolvendo as populações
originais e as unidades de conservação.
67
3.1 A política territorial em torno das Unidades de Conservação no Brasil e no
Amazonas.
As Unidades de Conservação são áreas naturais ou semi-naturais sob
regime especial de administração, criadas legalmente pelo Poder Público, com
localização e limites definidos. Em geral possuem características ecológicas ou
paisagísticas especialmente importantes, com elevada riqueza de espécies de flora
e fauna, presença de espécies raras, endêmicas ou ameaçadas de extinção,
amostras representativas de diferentes ecossistemas, significativa beleza cênica, ou
recursos naturais indispensáveis para o bem-estar das comunidades humanas. A
proteção e a conservação dos atributos ecológicos são objetivos gerais desses
espaços.
A Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992) é o mais significativo
acordo internacional nessa área, quando a conservação in situ foi reconhecida como
uma das principais prioridades para a conservação da biodiversidade em todo o
mundo. No âmbito da convenção, um sistema adequado de áreas protegidas é
considerado um pilar central para o desenvolvimento de estratégias nacionais de
conservação da diversidade biológica.
Para Pádua (1997,p.37) a conservação tem três objetivos fundamentais:
1 conservar os sistemas de sustentação da vida fornecidos pela natureza,
ou seja, os processos ecológicos que determinam o clima, renovam o ar,
regulam o fluxo de água, reciclam os elementos essenciais, criam e
regeneram o solo, mantendo o planeta adequado a vida;
2 conservar a diversidade da vida no planeta;
3 assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais renováveis
As Unidades de conservação contribuem de forma destacada para estes
objetivos: a) protegendo, por exemplo, mananciais hídricos da deterioração ao
atenuar processos erosivos, ou fornecendo recursos para a recomposição de área
alterada; b) conservando a diversidade biológica através da proteção in-situ de
espécies e dos ecossistemas; ordenando o processo de ocupação do ambiente,
valorizando economicamente os recursos naturais conhecidos e promovendo a
descoberta, através da pesquisa científica, de outros novos; estimulando o turismo
ecológico, gerando empregos e novas alternativas de desenvolvimento para as
68
comunidades locais; educando para a importância da conservação; introduzindo
novos métodos de uso sustentado dos recursos naturais; ou protegendo
comunidades tradicionais de pressões econômicas desagregadoras.
No Brasil, o processo de criação e administração das Unidades de
Conservação foi coerente com o autoritarismo presente na história política brasileira.
A maioria de Unidades de Conservação federais foi criada no Brasil durante a
década de 70 (século XX), em pleno regime militar, quando a autoridade do Estado,
e mais especificamente a do Governo Federal, era praticamente absoluta. Segundo
Castro (1998), a centralização das ações de planejamento do uso do espaço
territorial era vista como uma forma de controle do espaço social. Nessa época, as
áreas protegidas, apenas UC-s de uso indireto, foram criadas por decreto. Não
houve qualquer tentativa de envolver a sociedade, e muito menos as populações
locais em consulta sobre a conveniência ou não da sua criação. Nesta mesma
época, foram definidas as linhas gerais do sistema atual de UC-s e as diretrizes que
até hoje orientam a gestão das áreas protegidas no país (MOREIRA; ANDERSON,
1996).
Muitas dessas áreas sofreram as conseqüências desse autoritarismo dos
anos 70 (século XX), sendo as populações removidas e indo, em sua maioria, a
residir no entorno das UC-s. Para esses, o meio ambiente é associado a fator
complicador de moradia. Essas populações que se localizam em áreas contíguas
aos parques e reservas, continuaram, na maioria dos casos, a oferecer ameaça à
sua integridade, que as atividades predatórias extrativas, em sua maioria,
continuavam a ser praticadas dentro das UC-s.
Hoje, os resquícios da faceta autoritária dos órgãos ambientais, quando se
manifestam, são prontamente questionados. Há, no entanto, uma rie de outras
deficiências ou lacunas que precisam ser corrigidas. A grande diversidade de leis
que se referem direta ou indiretamente às UC-s é um exemplo. Como será visto,
categoriais de UC-s com nomes diferentes, mas objetivos de manejo equivalentes;
há outras que tem objetivos pouco claros e precisam ser redefinidas (PÁDUA, 1997).
O Brasil possui hoje um sistema de unidades de conservação
relativamente extenso, com cerca de 1.000 unidades de conservação e reservas
particulares, federais e estaduais, totalizando aproximadamente 70 milhões de
hectares. Esse dado implica que teoricamente, 8% do território nacional esteja hoje
69
sob alguma forma de proteção oficial (MMA, 2003). Considerando somente as
unidades de conservação de uso indireto que, em virtude das restrições de uso,
constituem-se naquelas de maior relevância para a conservação da biodiversidade,
menos de 3% da superfície do território brasileiro, cerca de 22 milhões de hectares,
se encontra por elas protegido.
Em áreas federais, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) detém 4,59% do território brasileiro, com áreas de diversos tipos
administradas pelo IBAMA. Isso significa 39,07 milhões de hectares. A esse total
referente a Unidades de Conservação Estaduais incluem-se 451 (3,5% do território
brasileiro) e 341 mil hectares de Reservas particulares do Patrimônio Natural
(RPPN), além das Unidades de Conservação Municipais, não computadas nesta
totalização.
Deve ser ressaltado que a pequena fração territorial protegida pelas
Unidades de conservação de uso indireto não se encontra distribuída segundo
critérios de representatividade ao longo das diferentes regiões biogeográficas,
resultando pois em grandes lacunas, fato que pode reduzir a efetividade do sistema
em preservar a biodiversidade brasileira. O baixo grau de representatividade do
sistema pode ser parcialmente atribuído ao histórico de uso e ocupação territorial e,
por conseqüência, às pressões antrópicas internas e externas diferenciadas ao
longo da rede de áreas protegidas em cada bioma.
A maior extensão de áreas protegidas estaduais encontra-se na Região
Norte que concentra 49% dessas áreas e 12% das Unidades de Conservação
estaduais do país. É nessa região que se concentram as Unidades de Conservação
mais extensas. A Região Sul, por outro lado, é a que apresenta menor extensão de
ecossistemas nativos protegidos por Unidades de Conservação estaduais (MMA,
1998).
A Constituição Federal reconhece a importância das UC-s quando
estabelece que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos,
essencial à sadia qualidade de vida, e que, para assegurar esse direito, incumbe ao
Poder Público “definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos (art.225, inciso III). Também a
Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio
Ambiente, estabelece como sendo um dos seus instrumentos a “criação de espaços
70
territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público Federal, Estadual e
Municipal, (art. 9º, inciso VI, com a nova redação dada pela Lei nº 7.804/89).
Os Parques Nacionais são a mais antiga categoria de áreas
ambientalmente protegidas pelo poder público no Brasil. O Parque mais antigo,
Itatiaia, foi criado em 1937, no Estado do Rio de Janeiro, com seções em Minas
Gerais.
Os Parques Nacionais brasileiros foram criados e são administrados sob a
égide do Código Florestal de 1965 (Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965). Os
primeiros parques, entretanto, criados antes de 1965, nasceram sob o Código
Florestal de 1934 (Decreto 23.793 de 23 de janeiro de 1934), que foi o primeiro
estatuto legal brasileiro sobre a flora. Desde a década de 1930 até recentemente, os
parques foram geridos no âmbito do Ministério da Agricultura; antes de 1967, através
do antigo Departamento de Recursos Naturais desse ministério e, após esse ano
pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), também relacionado ao
referido ministério. Esse Instituto se caracterizou por impulsionar as ações
relacionadas ao desenvolvimento econômico da atividade florestal no país, ainda
que, também durante esse período, tenha ocorrido uma considerável ampliação da
rede nacional de unidades de conservação. Essa época coincide com o período do
milagre brasileiro, quando o país experimentou um grande surto
desenvolvimentista impulsionado principalmente por empréstimos estrangeiros
(MORAES, 2001, p.45).
Terminada a época do milagre brasileiro, a carência de recursos
financeiros dificultou a implantação de Unidades de Conservação da Natureza recém
criadas bem como o aparelhamento das mais antigas. Os parques de papel, como
eram denominados, existiam apenas nos decretos elaborados pela administração
pública. A criação do IBAMA, em 1989, veio a se constituir em uma tentativa de
solução para esse problema, efetivando a implantação estrutural das UC-s criadas
juridicamente (DRUMOND, 1997).
O Plano do Sistema de Unidades de Conservação, documento emitido em
1981 pelo IBDF, define os parques nacionais como “áreas maiores de 10 km² com
características naturais espetaculares ou únicas”, em terra ou no mar, sob controle
do poder público. Eles devem conter “amostras representativas de ecossistemas” e
ser administrados num “estado natural ou quase natural”. Toda atividade produtiva
71
ou “uso direto de recursos” é proibida nos seus limites. Cada parque é sujeito
apenas ao “uso indireto” (IBDF, 1981,p.200).
A partir de 1979, dá-se um grande impulso à criação de novas unidades e
entre essa data e 1983, criam-se oito parques nacionais, sendo quatro deles na
Região Amazônica. No mesmo período foram criadas seis Reservas Biológicas,
sendo cinco delas nessa região. Em 1989, com a criação do IBAMA, o
estabelecimento e, administração das unidades de conservação passou para esse
órgão.
No âmbito dos estados e dos municípios existem também sistemas
organizados de áreas protegidas, em geral vinculados às respectivas Secretarias de
Meio Ambiente e com dotações dos respectivos orçamentos. Adicionalmente, muitas
Universidades e Institutos de Pesquisas estabeleceram e protegem significativas
áreas de Reservas Ecológicas/Florestais, com finalidade científica e experimental,
além da conservação. Como exemplos, podem ser citadas a Reserva Florestal
Adolfo Ducker, com 10.000ha, em Manaus, administrada pelo Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), com 1.260ha, em Brasília (MMA, 1998).
Todas as Unidades de conservação, de âmbito federal, estadual e
municipal, integram o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
existente desde 2000.
Por meio da Resolução CONAMA 011/87, a Secretaria de Meio
Ambiente do Governo Federal, consolidou a expressão “Unidades de Conservação” -
embora sem defini-la. O conceito de UC vem esclarecido no Projeto de Lei nº
2.892/92 que modifica o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC:
Espaços territoriais e seus componentes incluindo as águas jurisdicionais,
com características naturais relevantes, de domínio público ou privado,
legalmente instituídos pelo Poder público, com objetivos de conservação e
limites definidos, sob regimes especiais de administração, às quais se
aplicam garantias adequadas de proteção.
72
3.1.1 Categorias de Unidades de Conservação Existentes no Brasil
As áreas naturais ou semi-naturais protegidas no Brasil estão
respaldadas em alguns instrumentos legais. O Código Florestal de 1965, a Lei de
Proteção à Flora e Fauna de 1967 e a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6938
de 1981 são os marcos legais básicos e abrangentes sobre a matéria. a
Resolução CONAMA 011/87 é considerada a mais importante porque, além de
consagrar legalmente o termo Unidade de Conservação, definiu suas diferentes
categorias: Estações Ecológicas, Reservas Ecológicas, áreas de proteção
Ambiental, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, reservas Biológicas,
Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Monumentos Naturais, Jardins
Botânicos, Jardins Zoológicos e Hortos Florestais. Considerando-os como sítios
ecológicos de relevância cultural criados por ato do poder público, engloba aquelas
destinadas à conservação tanto no próprio habitat quanto fora dele (in e ex situ).
Segundo seu uso, as UC-s são classificadas pelo IBAMA em:
1 Uso Indireto: as Unidades de Proteção Integral, onde, pela legislação
vigente, são admitidos somente usos para proteção de espécies de flora e
fauna, pesquisa científica e educação ambiental, não se admitindo a
existência de populações humanas em seu interior. Incluem os Parques
Nacionais, Estaduais e Municipais; Estação Ecológica; Reserva Biológica;
Monumentos Naturais; Refúgio da Vida Silvestre.
2 Uso direto: as Unidades de Uso Sustentável, onde é possível a
exploração de recursos naturais de modo sustentável, regulamentando a
presença de populações humanas no seu interior. Incluem as Áreas de
proteção Ambiental, Floresta Nacional, Estadual ou Municipal, Reserva
Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável,
Reserva Particular do Patrimônio Natural. Essas UC-s permitem a ocupação
pelo homem e a exploração direta de parte de seus recursos. Todavia, o
uso indireto poderá ser indicado em determinadas zonas no interior das
Unidades, quando assim definido pelo plano diretor ou qualquer outro
instrumento semelhante normatizador.
São objetivos sicos do manejo dessas Unidades de Conservação de
uso indireto de acordo com Conduru e Santos (1995,p.78):
- proteger a natureza e preservar a diversidade biológica;
- manter os processos naturais em um estado não alterado (ou restaurado),
para ter porções ecologicamente representativas de um ambiente natural,
73
disponível tanto para pesquisas e estudos científicos, como para a
educação;
- proteger áreas e ambientes naturais, as paisagens e belezas cênicas
notáveis de características ímpares, de importância nacional ou
internacional, para uso científico educacional e recreativo;
- proteger populações, sítios de alimentação e reprodução e habitats críticos
para a proteção de espécies da flora e da fauna, raras, endêmicas,
vulneráveis, ou em perigo de extinção.
Por outro lado as Unidades de Conservação de uso direto têm como
objetivos principais conforme Conduru e Santos (1995, p.79) :
- assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar
as condições ecológicas locais (da área ou da região);
- conservar e administrar os recursos ambientais para fins científicos,
educacionais, culturais, recreativos e turísticos;
- disciplinar o processo de uso e ocupação da área ou região,
compatibilizando usos múltiplos com vistas à promoção do desenvolvimento
sustentável;
- promover o manejo adequado e o uso sustentável dos recursos
ambientais, permitindo o desfrute público, com fins de subsistência ou
exploração econômica, em parcelas ou zonas autorizadas, conciliando a
proteção dos ecossistemas com as necessidades sócio-econômicas e
materiais da própria nação;
- permitir e preservar formas de vida de populações tradicionais que se
desenvolveram em harmonia com o ambiente e dele tiram seu sustento,
ainda que de subsistência, e de modo que esse continue inalterado pela
tecnologia moderna.
Nos últimos anos, o objetivo de fazer com que as áreas de conservação
levem também à conservação da diversidade biológica e da paisagem nas áreas de
entorno (Anexo 2), zona tampão e zona de transição, fez incluir nos planos de
manejo, ações a serem implementadas nessas áreas vizinhas, conforme preconiza a
Resolução nº 13 do CONAMA, de 06 de dezembro de 1990.
Segundo o MMA (1998), no seu Relatório Nacional para a Convenção
sobre a Diversidade Biológica, a principal fonte de recursos para as áreas protegidas
está nos programas de empréstimos e cooperação internacional. As Unidades de
Conservação Federal do Estado do Amazonas(Quadro 1) recebem recursos da
união, para desapropriação de terras e para a manutenção e gestão, assim como o
produto da arrecadação direta de ingressos e concessões de vendas de produtos e
subprodutos florestais.
74
QUADRO 1
AMAZONAS – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO FEDERAL
UCs ÁREA (há) DECRETO ANO DE CRIAÇÃO
RESEX Sauim –Castanheira 109,2 - -
RESEX Lago do Carapanã
Grande
30.146,28 - 03/06/2004
RESEX do Rio Jutaí 275.532,88 - 17/02/2002
RESEX do Médio Juruá 253.226,50 - 04/03/1997
RESEX do Baixo Juruá 187.982,00 - 01/08/2001
RESEX Auti-Paraná 146.950,42 - 07/08/2001
REBIO de Uatu 942.779,00 99.277 19/09/2002
REBIO de Abufari 288.000 87.585 20/09/1982
PARNA do Pico da Neblina 2.200.000,00 83.550 05/06/1979
PARNA do Jaú 2.272.000,00 85.200 24/09/1980
PARNA Juruema 2.002.564,98 - -
FLONA Tefé 1.020.000,00 97.629 10/04/1989
FLONA de Pau-Rosa 827.877,00 - 07/08/2001
FLONA do Jatuarana 837.100,00 - 19/09/2002
FLONA Humaitá 468.790,00 2.485 02/02/1998
FLONA Mapiá-Inauini 311.000,00 98.051 14/08/1989
FLONA Purus 256.000,00 96.190 21/06/1988
FLONA Balatá-Tufari 802.023,00 - 17/02/2005
FLONA Amazonas 1.573.100,00 97.546 01/03/1985
ESEC Juami-Japurá 572.650,00 91.307 03/06/1985
ESEC de Jutaí- Solimões 288.187,38 88.541 21/06/1983
ESEC de Anavilhana 350.018,00 86.061 02/06/1981
ARIE – Projeto Dinâmico
Biológico de Fragmentos
Florestais
3.288,00 91.844 05/11/1985
ARIE Javari-Buriti 15.000,00 91.885 05/11/1985
FLONA Cubaté 416.532,17 99.105 09/03/1990
FLONA Içanã 200.571,47 99.110 09/03/1990
FLONA Içanã-Aiari 491.400,27 99.108 09/03/1990
75
FLONA Pari- Cachoeira I 18.000,00 98.440 23/11/1989
FLONA Pari-Cachoeira II 650.000,00 98.440 23/11/1989
FLONA Cuiari 109.518,55 99.109 09/03/1990
FLONA Taracuá II 559.554,10 99.113 09/03/1990
FLONA Taracuá I 647.744,73 99112 09/03/1990
FLONA Uruçu 66.496,38 99.106 09/03/1990
FLONA Xié 407.935,81 99.107 03/09/1990
FLONA Paraiauara 631.436,66
RESEX Arapixi 133.637,00 - -
RESEX do Rio Unini 883.352,00 - -
Fonte: IPAAM – 2006.
RESEX = Reserva Extrativista
FLONA = Floresta Nacional
REBIO = Reserva Biológica
PARNA = Parque Nacional
ESEC = Estação Ecológica
ARIE = Área de Relevante Interesse Ecológico
Considerando as categorias de UC-s existentes hoje no Brasil, uma
série de deficiências e lacunas que precisam ser corrigidas: categoriais com nomes
diferentes, mas com objetivos de manejo equivalentes e outras que m objetivos
pouco claros e necessitam ser definidas.
3.1.2 Política de Unidade de Conservação no Estado do Amazonas
O impulso à criação de Unidade de Conservação na Amazônia ocorreu
nas décadas de 70 e 80 (século XX), tornando a região a de maior
representatividade em termos de proteção de áreas naturais. Tal fato se deveu à
deflagração da primeira etapa do Plano do Sistema de Unidades de Conservação do
Brasil, em 1979, pelo IBDF, que criou, entre 1979 e 1985, dez Parques Nacionais,
76
quatro dos quais na região amazônica, e treze Reservas Biológicas, cinco dessas na
mesma região. A SEMA, entre 1981 e 1985, criou quinze Estações Ecológicas, onze
na Amazônia Legal (BARRETO, 1999).
Na Amazônia, o Programa de Integração Nacional (PIN) propôs, em 1970,
quinze pólos de desenvolvimento na região e a criação de Unidades de
Conservação. Em 1974 foi criado o Parque Nacional da Amazônia, em Itaituba (PA),
com 1.000 000 de hectares, e em 1979, três novos parques foram criados na região
(Pico da Neblina, Pacas Novas e Serra da Capivara).
Até 1974, haviam sido criados o Parque Nacional do Araguaia (1959) e
algumas Reservas Florestais que nunca chegaram a ser implantadas. Neste mesmo
ano foi criado o Parque Nacional da Amazônia, em Itaituba, no estado do Pará.
A expansão da fronteira agrícola para a Amazônia trouxe consigo a
criação de algumas Unidades de Conservação importantes na Amazônia. Essas
propostas partiram, sobretudo, de preocupações científicas e ambientalistas, por
causa do rápido desmatamento da Amazônia.
Em 1975 o II Plano Nacional de Desenvolvimento também previa a criação
de novas Unidades de Conservação na região amazônica. (DIEGUES,1996,p.115).
Nos anos 80 (século XX), a Amazônia estava praticamente fora das
políticas ambientais propostas no Plano Nacional de Meio Ambiente (PNMA). Esse
quadro vai ter uma mudança substancial com a implantação do Programa Piloto de
Proteção à Floresta Tropical (PPG7) e pela Agenda Amazônia 21. A partir daí
estabelece-se uma política integrada para a região como parte do Projeto
Amazônico, envolvendo desenvolvimento econômico e proteção ambiental.
No Estado do Amazonas, as primeiras tentativas de institucionalização da
questão ambiental se deram a partir da década de 80 (século XX), pelas
Coordenadorias de Ecologia e de Recursos Naturais do Centro de Desenvolvimento,
Pesquisa e Tecnologia no Estado do Amazonas (CODEAMA). Em 1989 foi
criado o Instituto de Desenvolvimento dos Recursos Naturais e Proteção Ambiental
do Amazonas (IMA), que em vez das questões ambientais, tinha o grosso de suas
ações voltadas para as questões fundiárias do Estado, uma vez que esse órgão
também teria substituído o Instituto de Terras do Estado (ITERAM).
77
A questão ambiental passa a ter um direcionamento mais efetivo, em
termos das políticas públicas estaduais, com a criação do Instituto de Proteção
Ambiental do Amazonas (IPAAM), em 1996, que, com o apoio da cooperação
internacional, tem tentado estabelecer estratégias para a gestão da política
ambiental do Estado de modo participativo.
Desde a sua criação, o IPAAM se preocupou em formular e implantar uma
política estadual do meio ambiente, fazendo-se cumprir a legislação ambiental no
que tange ao licenciamento dos empreendimentos potencialmente causadores de
impacto ambiental, como no caso dos Projetos de Assentamento.
O Plano Ambiental do Estado do Amazonas foi elaborado com base nos
princípios da Constituição Estadual, visando orientar as ações dos diversos grupos
sociais para o desenvolvimento associado à utilização racional dos recursos
naturais. O plano tem como principais instrumentos de ação o Zoneamento
Econômico-Ecológico do Estado, o licenciamento ambiental e a proteção das áreas
de relevantes interesses para preservação (Mapa 2). As áreas prioritárias definidas
no plano de ação o a bacia do rio Uatumã, o vale do rio madeira e o Polígono
Cuieiras-Apuaú, este último voltado para o turismo.
78
MAPA 2
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO AMAZONAS
Fonte: IPAAM – 2006
A proposta de gerar emprego e renda para melhorar a qualidade de vida
das populações dos 62 municípios do Amazonas, por meio do desenvolvimento
sustentável, ou seja, da utilização dos produtos da floresta de forma ecologicamente
correta, socialmente justa e economicamente viável, levou o programa Zona Franca
Verde (ZVF) ao feito histórico de reduzir em 3,9%, nos últimos dois anos, a taxa de
desmatamento no Amazonas. Atualmente, dos 1.577 milhões de hectares em que
consiste todo o território amazonense, o maior do país, apenas 2% foi desflorestada.
Noventa e oito por cento da floresta está de pé. Desse total, mais de 40% estão
protegidos por meio das áreas indígenas e unidades de conservação.
79
Manter a floresta intacta é uma prioridade do Programa Zona Franca
Verde. Por isso, no Sul do Amazonas, foram criadas, em dezembro de 2005, pelo
governo estadual, nove áreas, que, juntas, totalizam 3.070.058 hectares e formam
um mosaico de unidades de conservação (Mapa 3) com diferentes propostas de
manejo, com o objetivo de frear o desmatamento, a ocupação desordenada e a
grilagem de terras que se expande, de forma agressiva, do Mato Grosso em direção
ao Estado do Amazonas.
MAPA 3
MOSAICO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO – SUL DO AMAZONAS
Como parte do programa, o Governo do Amazonas havia criado 4,6
milhões de hectares de unidades de conservação, o que representava um aumento
de 56% sobre o total existente até então. Com as novas áreas, esse número sobe
para 7,6 milhões de hectares em unidades de conservação criadas num período de
dois anos.
A criação dessas novas unidades é fruto de um processo de construção
social entre os órgãos de governos federal e estadual juntamente com a população
do Amazonas.
80
Foram realizadas durante todo o ano de 2004 conferências, oficinas,
seminários e consultas públicas com a população dessas áreas para chegar à
conclusão de criar uma espécie de cinturão verde que evitasse o avanço do plantio
da soja e outras pressões sociais vindas de estados vizinhos do Amazonas.
O mosaico de unidades de conservação integra partes dos municípios de
Apuí (232.935,275ha) e Manicoré (171.300,187ha), localizados ao sul do Estado, e
reúne as seguintes unidades: Parque Estadual do Guariba (72.296,331ha), Reserva
de Desenvolvimento Sustentável Bararati (153.083,340ha), Reserva Extrativista do
Guariba (180.904,706ha), Parque Estadual do Sucunduri (1.006.350,041ha),
Floresta Estadual do Sucunduri (545.163,522ha), Floresta Estadual do Aripuanã
(369.337,385ha), Floresta Estadual do Apuí (286.161,751ha), Floresta Estadual de
Manicoré (171.300,187ha) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável Aripuanã
(260.380,111ha).
O mosaico de unidades de conservação é um verdadeiro laboratório a céu
aberto. É dominado por florestas de terras firmes, altas e ricas em espécies de
plantas, florestas de igapó ao longo dos rios e manchas de cerrado, isoladas na
floresta. Essas áreas possuem sinais das mudanças climáticas ocorridas há milhares
de anos na região. Estimativas indicam a existência de mais de quinhentas espécies
de aves e pelo menos catorze espécies de primatas. Grandes mamíferos, como
antas e onças-pintadas, ainda são abundantes. Os rios encachoeirados devem
abrigar um grande número de espécies endêmicas de peixes, muitas das quais
desconhecidas pela ciência.
Esse mosaico serve de núcleo para a implementação do Corredor de
Biodiversidade dos Ecótonos Sul-Amazônicos, uma extensa região que inclui os
Estados do Amazonas, Rondônia, Pará e Mato Grosso e coincide, em grande
medida, com o arco do desmatamento. Junto às unidades de conservação e às
terras indígenas adjacentes, no Amazonas e no Pará. O mosaico protege cerca de
oito milhões de hectares em uma área de maior expansão demográfica de toda a
Amazônia.
81
Outrossim, destaca-se que Mamirauá (Mapa 4) é a única Unidade de
Conservação Ambiental do País, totalmente em área de várzea, o que representa
uma singularidade impar, visto que o ambiente de várzea (ecossistema de águas
brancas) é um dos mais habitados e explorados pela população autóctone. A
Reserva tem 1,224 milhão de hectares e abrange o território de 5 municípios do
médio Solimões: Maraã, Fonte Boa, Juruá, Japurá e Uarini. Amanã, por sua vez,
mantém ecossistemas de águas pretas de 1,313 milhões de hectares, envolvendo os
municípios de Barcelos, Codajás, Coari, e Maraã. Essas reservas são ricas em lagos
e madeira de lei. Na região vivem espécies que correm risco de extinção, como o
peixe-boi e o pirarucu.
Em Mamirauá
5
, administrada pelo governo em parceria com a Ong
Sociedade Civil Mamirauá, o manejo ambiental mostra resultados positivos para a
natureza e a comunidade local, formada por cerca de 5 mil pessoas. Amanã possui
1,5 mil habitantes.
MAPA 4
RDS MAMIRAUÁ
Fonte: IPAAM – 2006.
5
Há muitas controvérsias a respeito desta RDS – para dúvidas consultar www.mamirauá.org.br.
82
Vale ressaltar que, das 33 áreas criadas até junho de 2006, apenas a RDS
Mamirauá possui Plano de Manejo com vistas a sua efetiva utilização. Atualmente,
ao paradigma de ilhas biológicas, estabelecimento de áreas protegidas que
norteou a criação das unidades de conservação na região, foi agregado o paradigma
de Corredores Ecológico, que visa conectar áreas protegidas dentro dos biomas
regionais
6
.
O MMA (1998, p.3) assim o define:
A concepção dos Corredores ecológicos parte de um princípio básico: a
preservação e conservação da biodiversidade tem que ser uma ação
integrada, que leve em conta várias áreas num conjunto maior e uma o
máximo possível de parceiros [...] junto com as áreas protegidas já
existentes, como os parques nacionais e as reservas indígenas, ela
pretende incluir nos Corredores Ecológicos também as reservas particulares
e as áreas de interstícios. Mesmo dentro de suas realidades e
características, cada área é encarada como parte do todo, tendo como fio
condutor entre elas a preocupação de que cada uma contribua para a
região.
Concebido inicialmente no seio do PPG7, como Projeto Parques e
Reservas em 1995, que depois passou a se denominar Corredores Ecológicos,
seriam formados por grandes áreas que contêm ecossistemas florestais prioritários e
viáveis para a conservação da diversidade biológica, compostos por UC-s, Terras
Indígenas e áreas de interstícios.
Boa parte das UC-s do Amazonas foram estabelecidas a partir deste novo
paradigma de Corredores, pois se entende que o modelo de UC não é suficiente
para a proteção de parte significativa da biodiversidade na Amazônia.
A estratégia de estabelecimento dos Corredores Ecológicos vem
comprovar a importância que hoje se confere às florestas tropicais no quadro
ecológico e geopolítico nacional e que tem promovido mudanças na definição
mesma da Amazônia. De lugar selvagem e desabitado, obstáculo à exploração dos
recursos, a região vem adquirindo a forma de um banco de reserva de recursos
naturais, econômicos, sociais e culturais com vistas ao desenvolvimento sustentável.
6
A biologia da Conservação que estabelece o conceito de “corredores ecológicos” diz serem necessárias áreas
protegidas bastante extensas, de forma a se manter os processos ecológicos e evolutivos viáveis à longo prazo.
83
Tendo se tornado um foco nas discussões sobre o meio ambiente por ser
o maior estado do Brasil e apresentar cerca de 98% de seu território intacto, o
Amazonas vem recebendo um tratamento especial por parte das instituições oficiais
que procuram desenvolver um trabalho no intuito de abolir o pensamento que
confundia crescimento com desenvolvimento econômico.
Nesse contexto, percebe-se que houve uma flexibilização do discurso
economicista, que se desenvolveu com as perspectivas alternativas e possibilidades
de que os recursos são esgotáveis e não renováveis. Hoje o se pode olhar mais a
natureza como fonte inesgotável de recursos, idéia típica da sociedade de consumo.
Observa-se que não é possível equacionar a finitude dos recursos sem mudar
hábitos e práticas consumistas. Existem, por outro lado, vários procedimentos que
economizam recursos, evitam desperdícios e geram hábitos mais adequados.
Certamente para disciplinar esse pensamento, acompanhando a evolução
das discussões e dos acontecimentos, o estado do Amazonas procurou
fundamentar-se na aplicação, em nível institucional, de uma legislação pertinente à
questão ambiental sob responsabilidade do IBAMA, IPAAM, Secretaria do
Desenvolvimento Sustentável (SDS), no âmbito estadual, e Secretária Municipal de
Meio Ambiente (SEDEMA), órgão ambiental municipal de Manaus, bem como de
diversas instituições de pesquisas, ONG-s e sociedade como um todo. As principais
leis sobre esse aspecto são:
- Legislação ambiental do estado do Amazonas (Lei 1.532 de 06.07.1982);
- Lei de crimes ambientais (Lei Federal 9.605, de 12.02.1998);
- Instrução Normativa sobre manejo Florestal Comunitário e em escala empresarial
de 28 de dezembro de 1998.
Diante da importância que a região possui em nível global e nacional, a
cada ano abrem-se novos caminhos para garantir a proteção do ecossistema. A
partir da cada de 1980, dezenas de Unidades de Conservação foram criadas no
estado do Amazonas, que tem atualmente pelo menos 62 milhões de hectares de
seu território protegidos, entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas
(NORONHA, 2003,p.130).
84
O mais destacado exemplo centra-se no Corredor Ecológico Central da
Amazônia, que aglomera as Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e
Amanã e o Parque Nacional do Jaú. Juntas essas áreas somam 57.400 km² - quase
duas vezes o tamanho da Bélgica.
Além do Corredor Central da Amazônia (Mapa 5), identificado como
intacto, relevante em importância biológica e de alta prioridade, o Governo Federal
incluiu no programa dos corredores ecológicos a criação do Corredor Norte da
Amazônia, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, identificado como
relativamente intacto, e o corredor oeste da Amazônia, identificado como
relativamente estável, ambos globalmente relevantes e de alta prioridade regional. A
seguir, relacionam-se os principais programas de proteção aos ecossistemas
encontrados no Amazonas.
85
MAPA 5
CORREDOR CENTRAL DA
AMAZÔNIA
Fonte: IPAAM – 2006
1 ZEE – Zoneamento Ecológico-Econômico
Um passo importante na questão ambiental foi dado através da criação do
programa de ZEE, com vistas à política do desenvolvimento sustentável, formatando
um projeto amazônico próprio que deve ser economicamente viável, ecologicamente
adequado, politicamente equilibardo e socialmente justo. O IPAAM, em parceria com
1: 500.000
86
o INPA, EMBRAPA, CPRM e IDAM, procura aprofundar o conhecimento das
potencialidades regionais dos recursos naturais inicialmente nas seguintes áreas:
- Vale do rio Madeira (região Sudeste): região prioritária, onde foram escolhidas
quatro subáreas, as duas primeiras foram escolhidas para ações imediatas. São
elas:
1 Campos naturais de Humaitá-Lábrea, principalmente em Canutama, perfazendo
aproximadamente 10.000 km para agricultura mecanizada de grãos.
2 Rodovia Transamazônica (Apuí), identificada como uma área de concentração de
colonização recente por pequenos produtores, com cerca de 10.000 km.
3 Área de grande fragilidade pedológica e hidrológica em relação à navegabilidade
do rio madeira, bem como sua grande biodiversidade, entre os rios Manicoré e
Aripuanã (município de Manicoré), com aproximadamente 40.000 Km.
4 Várzeas e terras firmes adjacentes, de ocupação relativamente antiga, entre os
paralelos S e sul do rio Amazonas (parte do Carei ro, Autazes, Nova Olinda do
Norte, Maués, Barreirinha e Parintins), com cerca de 10.000 km.
Vale do Uatumã (região Nordeste): com uma superfície de 100.000 km,
também estudada através de quatro subáreas a seguir relacionadas e seguindo a
numeração escolhida pelo grupo técnico amazonense:
a) Distrito Agropecuário da SUFRAMA (Rio Preta da Eva), com cerca de 8.000 km.
b) Lago de Balbina (Presidente Figueiredo), com aproximadamente 10.000 km.
c) Itacoatiara- Silves-Urucará, com 6.000 km.
d) Parque do rio Negro (rio Cueiras), também com 6.000 km.
Os estudos de detalhes tendem a reunir e/ou levantar dados
complementares dessas áreas, a fim de obter informações sobre a sócio-economia,
o clima e os recursos hídricos, elaborando os mapas geológicos, geomorfológicos,
pedológicos, fito-ecológicoa, aptidão agrícola, hidroclimatológicos e cobertura
vegetal. O resultado final é a possível confrontação entre a potencialidade e a
vulnerabilidade, agrupando da seguinte forma as unidades territoriais:
87
Áreas Produtivas:
- De consolidação ou fortalecimento do desenvolvimento humano.
- Destinadas à expansão do potencial produtivo.
Áreas Críticas
- Para a conservação, tendo em vista o elevado grau de vulnerabilidade.
- Para recuperação, face ao alto grau de desenvolvimento e elevada vulnerabilidade.
Áreas Institucionais ou Especiais
- Preservação permanente (parques nacionais e estaduais).
- Uso restrito e controlado, como reservas indígenas e extrativistas.
- De interesse estratégico nacional (áreas de fronteiras).
Vale ressaltar que o zoneamento é uma proposta técnica que procura
sistematizar e representar o conhecimento sobre a área estudada, posto que a
efetiva implantação das Zonas Ecológicas Econômicas está dependendo de amplas
negociações sociais e de regulamentação política. O Brasil divide ainda, com as
nações vizinhas do Tratado de Cooperação Amazônico, a execução do ZEE em
suas áreas de fronteiras. Com a Venezuela existe o projeto de Ordenamento
Territorial e a ZEE entre Santa Elena de Uairem e Pacaraíma, além do Projeto ZEE
da área fronteiriça com a Colômbia, no eixo Tabatinga/Apaporis.
2 Programa Gestão Ambiental Integrado (PGAI-AM)
O Programa de Gestão Ambiental Integrado é um conjunto de ações,
gerenciadas pela sociedade, voltadas à organização ambiental compartilhada,
visando harmonizar o uso e ocupação da região com a qualidade do meio ambiente.
Tem como objetivo contribuir para a proteção das áreas vulneráveis de alta
biodiversidade e promover o uso sustentado dos recursos naturais, pelas
populações tradicionais, através da Gestão Ambiental Integrada.
88
3 Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7)
A execução deste programa é de responsabilidade do Ministério do Meio
Ambiente. Vem obtendo consideráveis avanços nos últimos anos na conservação e
na utilização sustentável da biodiversidade na Amazônia brasileira. É constituído de
quatro subprogramas: Políticas de Recursos Naturais, Unidades de Conservação e
Manejo de Recursos Naturais Renováveis, Ciência e Tecnologia e Projetos
demonstrativos.
Uma outra modalidade de conservação dos recursos naturais semelhantes
às Reservas Extrativistas são as Reservas da Biosfera (Mapa 6) que foram criadas
pela UNESCO através dos do Programa Man end Biosphefe (MAB) em 1976. O
objetivo das Reservas da Biosfera consiste em proteger áreas onde a conservação
de ecossistemas terrestres, costeiros e marítimos e a diversidade biológica é
combinado com o uso sustentável dos recursos naturais para o benefício das
comunidades locais e para o desenvolvimento de pesquisas científicas relevantes.
A diferença com relação as Reserva Extrativistas dizem respeito a maior
amplitude de ecossistemas para as reservas da biosfera, da existência de áreas
protetoras eliminando as fronteiras artificiais entre áreas povoadas e despovoada, de
educação ambiental, do sentido científico, da avaliação do funcionamento e da
primazia da idéia e suportada por uma organização mundial. Apesar da grande
ênfase que essa idéia tem sido colocada, a sua viabilidade econômica é duvidosa,
servindo-se mais para fins científicos e da possível criação de uma consciência
ambiental mais humanizada.
89
MAPA 6
RESERVA DA BIOSFERA DA AMAZÔNIA
CENTRAL
Fonte: IPAAM, 2006.
4 Subprograma Unidade de Conservação/Manejo dos Recursos Naturais
(SPRN)
Este subprograma é parte estrutural do PPG7, tendo como objetivo
solucionar as deficiências institucionais que inibem a implementação e a
consolidação da política Ambiental Brasileira, além de ampliar os conhecimentos da
Amazônia e da Mata Atlântica, bem como promover o uso sustentável dos recursos
naturais renováveis. O Subprograma constitui-se de cinco projetos: Reservas
90
extrativistas; ProManejo (apoio ao Manejo Florestal Sustentável na Amazônia); Pró-
Várzea (Manejo de Recursos Naturais da Várzea); Parques e Reservas; Prodesque
(Monitoramento e Controle de Desmatamento e Queimadas).
Pró-Várzea
Projeto do Governo Brasileiro que faz parte do PPG7. Tem como objetivo
estabelecer bases científicas, técnicas e política para a conservação e o manejo
ambiental dos recursos naturais das várzeas, da calha central da bacia amazônica,
com ênfase nos recursos pesqueiros. O projeto visa realizar esse objetivo pelas
seguintes atividades: promoção de mudanças em políticas públicas;
desenvolvimento de meios de vidas sustentáveis e melhoramento de sistemas de
monitoramento e controle e promoção de co-gestão.
O P Várzea está sendo realizado em parceria com instituições
governamentais e não-governamentais, organizações pesqueiras e comunitárias.
Iniciado em julho de 2000, é financiado pelo Fundo Fiduciário para a Floresta
Tropical (RFT) do Banco Mundial, pelo Departamento do Desenvolvimento
Internacional (DFID) do Reino Unido, a Agência de Cooperação Alemã (GTZ), pelo
Banco de Reconstrução do Governo Alemão (KFW) e pelo Governo Brasileiro. A
unidade de Coordenação do Projeto fica em Manaus, com escritórios regionais em
Santarém (PA) e Parintins (AM).
PROBEM - Amazônia
A finalidade principal do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para
Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia é o de coordenar esforços visando
à instalação de um lo Industrial Biotecnológico na Amazônia e,
conseqüentemente, contribuir para a melhoria sócio-econômica da região, bem
como para a conservação de seus ecossistemas.
91
Várias instituições participam desse programa. Entre elas podemos
destacar o INPA que, por meio do seu Programa Plurianual (PPA), destina recursos
para a pesquisa do uso sustentável dos recursos naturais da Amazônia.
Atualmente o INPA conta com doze Coordenações de pesquisas, com
cerca de 260 pesquisadores de diversas áreas. As principais fontes de recursos são
para pagamento do quadro do INPA e administração (tesouro nacional), e para
desenvolvimento de pesquisa. Há apoio da comunidade européia (PPD-G7), da
Fundação Max Planck, do Smithsoniam Institute, do CNPq, etc. para investimento
em cursos de s-graduação em níveis de mestrado e doutorado nas áreas de
Biologia de Água Doce e Pesca Interior, de Ecologia, de Botânica, de Ciências
Florestais e de Entomologia.
O INPA tem sua sede urbana em uma área de 397.000m² disposta em três
“Campi”. Existem ainda quatro bases de pesquisas flutuantes, duas reservas
florestais, duas estações experimentais e três cleos de pesquisa dispostos nos
estados do Acre, Rondônia e Roraima. Conta ainda com a publicação da revista
Acta Amazônica, o periódico trimestral que leva à comunidade científica do mundo
os resultados das pesquisas desenvolvidas no INPA.
Para o desenvolvimento dos seus programas, o INPA conta com diversos
laboratórios, campos experimentais e Campus com doze Coordenações e gabinete
para pesquisadores. Ademais, para o desenvolvimento de suas ações o
PROBEM/Amazônia conta com o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA),
servindo de apoio ao Pólo de Biotecnologia, instalado no Distrito Industrial de
Manaus.
5 Programas da C&T na gestão de Ecossistema
Este programa também faz parte do Programa Plurianual do INPA e é
formado pelas seguintes ações: difusão da Informação de conhecimento sobre a
Amazônia; preservação e ampliação de coleções científicas da Amazônia;
Ecossistemas Amazônicos em Tecnologia e Manejo de Recursos em Ciências de
Florestas Tropicais, Preservação e Recursos Naturais, Ciências da Saúde,
Tecnologia de Alimentos e Ecologia da Amazônia.
92
6 Monitoramento das áreas de atuação da Petrobrás (PIATAM II)
Na linha de Projetos Cooperativos do CT Petro, o Instituto de Tecnologia
do Amazonas (UTAM, Incorporado a Universidade do Estado do Amazonas - UEA) é
a instituição co-executora do projeto que acompanha potenciais impactos e riscos
ambientais da indústria do petróleo e gás no Amazonas.
7 Corredores Biológicos e Projeto de Expansão e Consolidação de Unidades
de Consolidação de Unidades de Conservação (PROAPAM)
Projetos com um perfil conservacionista
7
na Amazônia Brasileira apoiados
pelo Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF), que devem ser compatibilizados
com as iniciativas voltadas para o ordenamento territorial e desenvolvimento sócio-
econômico de bases sustentáveis.
8 Rede Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente
O RENIMA tem como objetivo principal dar suporte informacional às
atividades técnico-científicas e industriais e apoiar o processo de gestão ambiental.
9 Programa Nacional para a Conservação e Uso da Diversidade Biológica
O Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia
Legal tem desenvolvido, por meio do PRONABIO, esforços que direta ou
indiretamente objetivam propiciar a conservação e o uso sustentável da
biodiversidade.
7
Entendido como a utilização dos recursos naturais de modo a garantir sua renovação (se renovável) ou
sustentabilidade (se não renovável).
93
10 Rede para Conservação e usos dos Recursos Genéticos Amazônicos
A execução do GENAMAZ é feita pelo Ministério do Planejamento e
Orçamento, em parceria com a Agência de Desenvolvimento da Amazônia.
11 Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT)
Neste programa existe a parceria entre o Ministério da Ciência e
Tecnologia – CNPq e FINEP e o Ministério da Educação – CAPES.
O Estado do Amazonas possui também programas específicos de
proteção à flora e fauna, tais como:
a) Conservação e Manejo Sustentável da flora nativa do Brasil;
b) Conservação e Manejo de Espécies Florestais Ameaçadas de Extinção;
c) Reposição Florestal em áreas perturbadas de exploração e
produção/PETROBRAS;
d) PROMANEJO;
e) Programa Nacional de pesquisa da EMBRAPA;
f) Manejo Ecológico de Floresta Tropical de Terra-Firme;
g) Reposição florestal em áreas de pequenos produtores;
h) Projeto Manejo Ecológico da Floresta Tropical.
Outros aspectos relevantes da política ambiental
Por não terem obedecido inicialmente, em sua maioria, a parâmetros
básicos para a seleção e definição de categorias de manejo, surgiram problemas na
definição de algumas Unidades de Conservação, merecedoras, hoje, de um melhor
diagnóstico e configuração dos seus limites. Ressalte-se, por exemplo, a
superposição de unidades que ocorreu no Parque Nacional do Pico da Neblina e a
94
Reserva Ecológica dos Seis Lagos. O caso mais emblemático, no entanto, haja vista
que todas as unidades citadas localizam-se na bacia do Rio Negro, é o da criação
do Parque Nacional do Jaú (1980), pois as populações originárias que habitavam na
área não foram consultadas e nem sabiam da existência desse Parque e após
alguns anos, ficaram sabendo, o que ocasiona ahoje um problema para essas
populações que resistem à expulsão de suas moradias.
Outro caso é os das doze Florestas Nacionais (FLONAS), criadas dentro
do projeto Calha Norte e o programa Nossa Natureza, seis dias antes do final do
mandato do presidente José Sarney. Ocorre que suas criações visaram apenas à
proteção de fronteiras e de comunidades indígenas, não prevendo, seus
idealizadores, que a existência de riquezas, descobertas recentemente, poderiam
atrair garimpeiros e outros invasores, gerando um grande problema à nação.
É possível citar ainda o caso das Florestas Nacionais de Mapia-Inauini e
Purus. Aí reside a comunidade Céu do Mapiá, ligada a uma doutrina (Santo D’Aime),
que considera a área como uma reserva extrativista.
O Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM
O megaprojeto do SIVAM, da construção de um radar, criado em 1990, é
apontado por seus idealizadores como o instrumento mais completo para que o
Governo Federal conta de suas responsabilidades na Amazônia. Apesar das
críticas por parte de alguns setores da sociedade, depois de sofrer três auditorias do
Tribunal de Contas da União e seguidas apresentações no Congresso Nacional, o
SIVAM tornou-se realidade. Agora é de crucial importância que cumpra o papel para
o qual foi idealizado, ou seja, o de contribuir para a proteção da Amazônia, inibindo a
ação clandestina de empresas aéreas, madeireiras, mineradoras, traficantes, etc.
Em suma, as políticas agrárias e as políticas ambientais são hoje temas
cada vez mais interligados, sobretudo no estado do Amazonas. Ambas são
estruturadas no âmbito do Governo Federal, uma na política Nacional de Reforma
Agrária e a outra na Política Nacional do Meio Ambiente, embora na prática por
vezes pareçam políticas concorrentes.
95
Tal fato apenas evidencia que, a despeito do consenso acerca desses
biomas (conjunto de ecossistemas) para a conservação da diversidade biológica da
terra e fundamentais para a regulação do clima no planeta, permanece o conflito
entre a relevância dos fatores estritamente naturais e os de ordem sócio-culturais na
determinação da biodiversidade das florestas tropicais úmidas.
3.2 Extrativismo e Sustentabilidade.
Os últimos anos do culo XX registraram sensível crescimento na
preocupação com os problemas ambientais, baseados no reconhecimento da
importância e complexidade das relações que interligam as atividades humanas com
as condições da superfície terrestre, nas suas diversas escalas de grandeza
espacial. Todavia, as relações entre desenvolvimento e meio ambiente apresentam
nuanças diversas, conforme as localidades, e sofreram transformações ao longo do
processo histórico. Os sistemas ambientais, diferenciados e espacialmente
distribuídos na superfície terrestre, foram organizados por meio de processos físicos,
biológicos, históricos e culturais.
A expansão das atividades humanas provocou mudanças em tais
sistemas, inserindo-se sobre eles as características dos sistemas sócio-econômicos,
construídas em decorrência de contextos avaliativos e de valorização das condições
ambientais. A fim de compatibilizar o atendimento às necessidades e demandas das
sociedades humanas com o aproveitamento adequado dos componentes da
natureza, na atualidade difundem-se as preocupações relacionadas com o
desenvolvimento econômico e com a conservação dos recursos naturais.
O termo desenvolvimento sustentável começou a ser utilizado nos anos
iniciais da década de setenta (século XX), por ocasião da convenção realizada em
Cocoyoca a respeito do desenvolvimento e ambiente. Entretanto, a noção de
sustentabilidade se encontrava difusa no contexto dos problemas ambientais. O
relatório do Clube de Roma, The Limits to Growth, pode ser considerado como um
dos primeiros a tecer considerações das relações possíveis entre o crescimento
econômico global e a escassez dos recursos naturais.
96
Na conferência das nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em
1972, foram destacadas várias questões relacionadas aos problemas da poluição,
da qualidade ambiental e do uso dos recursos naturais, chamando a atenção
simultaneamente para o meio ambiente como elemento básico para atender às
necessidades humanas e eliminar a pobreza.
Também salientou as possibilidades e as implicações decorrentes do
crescimento econômico, assinalando que as necessidades humanas devem ser
atendidas sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Em 1980, tal
idéia era endossada pela International Union for the Conservation of Nature, no
relatório sobre as estratégias de conservação para o globo, pela World Wildlife Fund
(WWF) e Programa do Meio Ambiente das Nações Unidas.
Entretanto, a denominação e o conceito de desenvolvimento sustentável
ganharam explicitamente maior impacto e difusão quando foi publicado o livro Our
Common Future, em 1987, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, conhecida também como Comissão Brundtland.
A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi
estabelecida em dezembro de 1983 pela Organização das Nações Unidas, a fim de
compor uma agenda global para mudança, visando:
- propor estratégias ambientais de longo prazo para obter um desenvolvimento
sustentável por volta do ano 2000 e daí em diante;
- recomendar maneiras para que a preocupação com o meio ambiente se traduza
em maior cooperação entre os países em desenvolvimento e entre os países em
estágios diferentes de desenvolvimento econômico e social e leve à consecução de
objetivos comuns e interligados que considerem as inter-relações de pessoas,
recursos, meio ambiente e desenvolvimento;
- considerar meios e maneiras pelos quais a comunidade internacional possa lidar
mais eficientemente com as preocupações de cunho ambiental; e
- ajudar a definir noções comuns relativas às questões ambientais de longo prazo e
os esforços necessários para tratar com êxito os problemas de proteção e de
melhoria do meio ambiente, uma agenda de longo prazo a ser posta em prática nos
próximos decênios, e os objetivos a que aspira a comunidade mundial (CMSMA,
1988).
97
A fim de propor medidas viáveis para reverter as tendências, o referido
relatório considerava que cada país deveria rever suas políticas ligadas ao meio
ambiente e desenvolvimento econômico e delineava objetivos a serem atingidos,
dentre os quais os principais seriam:
- restabelecimento do crescimento econômico, principalmente nos países pobres,
mais afetados pelos desequilíbrios sócio-ambientais;
- busca de crescimento econômico menos intensivo em energia e mais igualitário
socialmente, baseado na idéia de reforço mútuo entre esses elementos;
- atendimento das necessidades básicas de uma população, expandindo-se pela
criação de empregos que permitam um padrão mínimo de consumo;
- garantia de um nível populacional estável e sustentável;
- conservação e diversificação da base de recursos, em vista do aumento da
pressão exercida pelas técnicas intensivas e pela demanda do crescimento
demográfico;
- reorientação tecnológica e gerenciamento de riscos;
- compatibilização de objetivos econômicos e ecológicos, levando em consideração
os limites do conhecimento científico atual e as conseqüências a longo prazo dos
fenômenos, além do estímulo a participação dos cidadãos e do acesso desses à
informação.
Em 1987, o conceito de desenvolvimento sustentável foi expresso como
sendo a base de abordagem integrativa para a política econômica. No relatório da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que constitui a obra
Our Common Future, é definido como sendo “aquele que atende às necessidades
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a
suas próprias necessidades”.
Dois conceitos-chaves lhe são inerentes. Em primeiro, o delineamento das
necessidades, que devem ser estabelecidas, priorizando mormente a dos países
pobres. Em segundo, a existência das limitações que o estágio da tecnologia e da
organização social impõe ao meio ambiente, condicionando dificuldades para que
tais recursos possam atender às necessidades presentes e futuras. Entretanto,
explicita-se claramente que o meio ambiente e a economia obrigatoriamente se
98
interagem. O desenvolvimento supõe uma transformação progressiva da economia e
da sociedade. Para essa meta, o meio ambiente pode ser considerado como sendo
input valioso, freqüentemente essencial para o bem-estar humano.
A premissa básica salienta que a sustentabilidade representa algo a ser
feito sem que haja a dilapidação do estoque de recursos naturais. O Relatório da
Comissão Brundtland, de 1987, mostra que, no mínimo, o desenvolvimento
sustentável não deve r em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na
Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. No entanto, também
reconhece que o crescimento e desenvolvimento econômico produzem mudanças
nos sistemas naturais físicos, e que nenhum ecossistema, seja onde for, pode ficar
intacto. No relatório de 1980 sobre as Estratégias de Conservação Mundial,
esboçava-se que se devia manter os processos ecológicos essenciais e os sistemas
que sustentam os seres vivos, observar a diversidade genética e assegurar a
utilização sustentável das espécies e ecossistemas.
A noção de sustentabilidade salienta a propriedade de que, para fins
práticos, as atividades podem ser realizadas continuamente, a longo prazo.
Confusões surgem quando se utilizam os termos “desenvolvimento sustentável”,
“crescimento sustentável” e “uso sustentável” como sendo sinônimos, mas entre eles
diferenças conceituais. De modo mais genérico, o desenvolvimento constitui a
diretriz ou conjunto de estratégias visando melhorar a qualidade de vida humana
dentro dos limites de capacidade de suporte dos sistemas ambientais físicos.
O termo desenvolvimento implica escala de valor, incorporando os ideais
e aspirações pessoais e os conceitos que se estabelecem como sendo as metas a
serem atingidas por uma sociedade justa. Embora haja nuanças e diferenciações
conforme os agrupamentos humanos, pois o que se propõe como desenvolvimento
ou progresso para uma sociedade não necessariamente é o mesmo para outra,
possibilidade para se esquematizar um quadro referencial de características que
possam definir as condições viáveis para o desenvolvimento sustentável.
Pode-se dizer que a sustentabilidade é o tema de nosso tempo; é o tema
que atualmente encerra a eterna busca para encontrar respostas que permitam
novamente delinear o processo civilizatório da humanidade, que propõe a
factibilidade de um desenvolvimento diferente que não pondera o valor econômico
sem concessão aos problemas sociais e ambientais que isso gera.
99
Pode-se afirmar que hoje a busca de um processo alternativo de
civilização decorre, principalmente, das condições que as sociedades modernas e
seu entorno natural apresentam; do comportamento dos indicadores econômicos tais
como a crescente pobreza, a exclusão social da grande maioria dos habitantes do
mundo, ou seja, a falta de acesso aos bens e serviços básicos como alimentação,
saúde, educação, acesso à água potável, energia elétrica e esgotos, entre outros.
Os indicadores que estão relacionados ao meio ambiente são: a contaminação, o
uso deficiente e a superexploração dos recursos naturais; a perda da biodiversidade;
o aquecimento global do planeta; a diminuição da capa de ozônio, dentre outros.
Alguns conceitos nos permitem entender a problemática ambiental
vivida pela sociedade atual. Nesse sentido, Leff (1998), desenvolve alguns
conceitos-chave como sustentabilidade, desenvolvimento sustentável,
racionalidade ambiental e saber ambiental. No momento vamos fazer
referência apenas ao primeiro. O autor situa a emergência do princípio da
sustentabilidade no contexto da globalização como marca de um limite e o
signo que reorienta o processo civilizatório da humanidade. A crise ambiental
pôs em questão a racionalidade e os paradigmas teóricos que legitimaram o
crescimento econômico atras da negação da natureza. Se faz necessário
fundar novos modelos de vida baseados na diversidade étnica e nas
potencialidades de cada região. Leff aponta a necessidade de diferenciar os
conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade nas estratégias
do discurso ambiental neoliberal da noção de sustentabilidade que rompe a
racionalidade econômica, que nega a natureza e que surge como uma
condição para a construção de uma nova racionalidade ambiental. Leff opõe
os dois discursos de sustentabilidade: um, o discurso neoliberal que busca
incorporar a natureza ao capital, reconvertendo os processos ecológicos em
capital natural; o outro, o discurso de sustentabilidade baseado em uma
racionalidade ambiental.
100
O comportamento negativo desses indicadores anteriores deve-se, como
Leff assinala, principalmente às estratégias neoliberais. “O discurso da globalização
aparece como um olhar voraz que engole o planeta e o mundo, mais do que como
uma visão holística capaz de integrar os potenciais sinergéticos da natureza e os
sentidos criativos da diversidade cultural (LEFF, 2004,p.24).”
Afirma-se com isso que a degradação ambiental está diretamente
relacionada ao atual processo de desenvolvimento, que subordina os recursos
humanos e naturais às necessidades de produção e de consumo dos países
desenvolvidos. Para alguns peritos, o crescimento da população o seria o fator
determinante para a degradação ambiental, mas sim, que esta se deve mais à
pobreza e à iniqüidade entre regiões, no interior dos países, por serem esses os
fatores mais relevantes para a discussão sobre desenvolvimento e meio ambiente.
É paradoxal que os fatores acima assinalados ameacem não somente à
economia neoliberal, mas também, os sistemas sustentadores da vida na terra,
como assinala Compil (1998,p.186),
A evidência clara disso (reconhecida por especialistas e estudiosos na
matéria) é que em diversas partes do planeta já se ultrapassou em muito
sua capacidade sustentadora: a possibilidade de atender, dentro dos
limites reconhecidos, o bem-estar e as necessidades das gerações atuais
e futuras. Por conseguinte, é preciso aplicar alternativas queatenuem os
problemas complexos e efetuar uma transição ordenada mediante um
desenvolvimento que distribua eqüitativamente os benefícios do progresso
econômico, respeitando os limites ecológico e sua capacidade para
persistir no futuro. Esse tipo de desenvolvimento é definido como
sustentável.
Apesar da noção de sustentabilidade ter sido divulgada, vulgarizada e
até apropriada pelo discurso oficial e pela linguagem comum como assinala
LEFF(2004). Nesse sentido, a atual crise ecológica é resultado da anarquia na
gestão dos bens comuns da humanidade (atmosfera, mares, biodiversidade, etc)
que, em conseqüência, obriga a buscar mecanismos de racionalidade objetiva para
colocar a cooperação acima do conflito e do antagonismo dos interesses
particulares.
101
Mesmo que não seja fácil compreendê-lo, nem sempre se reconhece da
mesma forma que o Mercado não possui a necessária racionalidade objetiva. O
Mercado prefere ser guiado pela razão instrumental e individualista que
transnacionaliza e derruba fronteiras, não para atender a valores universais ou
buscar as necessidades da humanidade; além de maximizar o aproveitamento dos
recursos existentes em função do lucro dos agentes econômicos. Ainda que seja
certo que o Mercado é o mais importante elemento de transformação de nossa
época, também não dúvidas que os efeitos de sua expansão estão na origem da
atual crise ecológica.
Á vista do complexo cenário acima descrito, torna-se fundamental
encontrar modalidades diferentes de desenvolvimento que detenham o desgaste
progressivo do sistema ecológico do planeta, suporte da vida humana; e que o
provejam de bens e serviços suficientes para satisfazer às necessidades básicas da
população em seu conjunto, melhorando progressivamente a qualidade de vida das
gerações atuais e futuras.
O desenvolvimento sustenntável define a necessidade de estabelecer um
proceso de transformação na geração do conhecimento, o que implica propor um
método para pensar de maneira integral os problemas complexos e globais, como
assinala LEFF (2004, p. 50),
[...] demanda novos conhecimentos interdisciplinares e o planejamento
intersetorial de desenvolvimento; porém, é sobretudo um chamado à
ação cidadã para participar na produção de suas condições de existência
e seus projetos de vida. O desenvolvimento sustentável é um projeto
social e político que aponta para o ordenamento ecológico e a
descentralização territorial da produção, assim como a diversificação de
estilos de vida das populações do planeta. Nesse sentido, oferece novos
princípios aos processos de democratização da sociedade, que incluem à
participação direta das comunidades na apropriação e transformação de
seus recursos naturais.
102
O conceito de desenvolvimento deve gerar uma gama maior de aspectos,
de dimensões, como nos informa Sachs (2004,p.90), referindo-se ao
“ecodesenvolvimento” destaca:
sustentabilidade social: representa uma distribuição de renda e de bens e
reduz abismos entre padrões de vida;
sustentabilidade econômica: privilegia a alocação e o gerenciamento mais
eficiente de recursos;
sustentabilidade ecológica: pressupõe um relacionamento entre o consumo
humano e a natureza, diminuindo a poluição, o uso de energia, a produção
de lixo e outros;
sustentabilidade cultural: que valorize, através da etnociência, outras formas
de relação homem/natureza e diversidade cultural.
O ecodesenvolvimento surge como alternativa a uma visão de
desenvolvimento centrada na exploração e na idéia de progresso: desenvolvimento
a qualquer custo. Funciona como uma nova abordagem do desenvolvimento,
transformando-o em uma relação positiva com a natureza com base no tripé: justiça
social, eficiência econômica e prudência ecológica. A tentativa de romper com uma
forma de apropriação predatória da natureza, e isso irá representar as críticas
iniciais em relação à concepção de crescimento zero que permearam as primeiras
preocupações sistematizadas sobre o assunto é definido por Sachs (1986,p.56)
como um estilo de desenvolvimento que “em cada ecorregião, insiste nas soluções
específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos
da mesma forma que os culturais, as necessidades imediatas como também aquelas
a longo prazo”.
Um de seus principais pontos é a questão da diversidade cultural e,
portanto, a diversidade de formas de relação do homem com a natureza e das
adaptações de modelos tecnológicos a realidades regionais, criticando a prática de
transferência de tecnologia sem adaptações a essas realidades.
Para Porter (1993), esse conceito faz parte de uma primeira corrente de
pensamento que pressupõe estratégias baseadas no atendimento às necessidades
fundamentais das populações dos países pobres, na adaptação de tecnologia, na
valorização de resíduos e na organização da exploração dos recursos na concepção
de ciclos ecológicos.
103
Essa concepção foi logo colocada de lado, segundo Porter, por seu teor
radical, frente a interesses políticos e hegemônicos, como os Estados Unidos, que
impuseram a utilização do termo desenvolvimento sustentável.
Não se pode esquecer que conceito de desenvolvimento sustentável não
implica a idéia de não desenvolvimento ou desenvolvimento zero; tampouco
pressupõe a necessidade de se deter o consumo excessivo. De fato, esse conceito
pressupõe um desenvolvimento que auto-sustente, através da preocupação com a
capacidade de suporte da natureza, e ainda transferindo a noção de
desenvolvimento econômico para uma visão mais geral que inclua a natureza, as
sociedades, as culturas, enfim, um desenvolvimento cio-econômico eqüitativo e
holístico.
Sendo assim, desenvolvimento sustentável seria então o desenvolvimento
que, ao contrário das concepções tradicionais, pressupõe uma forma de viver e agir,
em que a finalidade da produção e do consumo é proporcionar o bem-estar da
maioria da população, provocar um impacto menor no meio ambiente, através de
novas formas de conhecimento sobre a relação homem/natureza.
Nesse sentido, diferenças entre os conceitos de crescimento
econômico e desenvolvimento sustentável. O crescimento econômico significa que o
produto nacional bruto per capita está aumentando ao longo do tempo, mas não
significa que o crescimento se encontra sustentado. O crescimento econômico
sustentável significa que o produto nacional bruto per capita está aumentando ao
longo do tempo e o aumento não se encontra ameaçado pelo mecanismo de
retroalimentação, em virtude dos impactos de ordem biofísica (poluição, problemas
de recursos naturais). O desenvolvimento sustentável significa que a utilidade ou
bem-estar per capita está aumentando ao longo do tempo com a permuta livre ou
substituição entre o capital natural e o construído pelo homem, ou que a utilidade e o
bem-estar percapita está aumentando ao longo do tempo sem que haja declínio na
riqueza natural (CHISTOFOLETTI,1993,p.9). O uso sustentável costuma ser
aplicável somente a recursos renováveis, significando o uso desses recursos em
quantidades compatíveis a sua capacidade de renovação.
O enunciado da segunda proposta para o desenvolvimento sustentável
surge como melhor adequada e precisa, porque em sua focalização, inclui: a) o
conceito de não-substituição entre bens ambientais (a camada de ozônio não pode
104
ser recriada); b) a incerteza (ou compreensão limitada sobre as funções exercidas
por muitos bens ambientais como bases para os seres vivos, na manutenção da
vida, motivando que devam ser preservados para o futuro); a irreversibilidade (uma
vez perdidas, as espécies não podem ser recriadas); e a d) equidade (os pobres
são usualmente mais afetados pelos ambientes ruins que os ricos).
A meta fundamental do desenvolvimento sustentável, considerando as
definições propostas pela Comissão Brundtland e outros autores, é de ordem
política. Consiste em utilizar adequadamente os recursos naturais a fim de manter
condições favoráveis para a qualidade de vida das gerações futuras, não menores
que as herdadas das gerações passadas. Nesse sentido, pode-se salientar que essa
meta política pode ser interpretada de três maneiras:
- que a próxima geração deveria herdar um semelhante estoque de riqueza,
compreendendo os bens construídos pelo homem e os bens ambientais;
- ou que a próxima geração deveria herdar um estoque de bens ambientais não
inferior ao herdado pela geração precedente;
- ou que o estoque herdado deveria compreender os bens construídos pelo homem,
os bens naturais e o capital humano.
A primeira interpretação engloba todos os bens de capital, os construídos
pelo homem e os naturais. A segunda salienta apenas os bens do capital natural,
enquanto a terceira compreende as heranças culturais. Em geral, destaca-se que o
desenvolvimento humano recente tem seguido o padrão implícito na primeira
interpretação. Entretanto, considerando a preocupação constante com as
perturbações humanas na estabilidade dos sistemas ambientais, mormente na
riqueza ecológica, como a da biodiversidade, o conceito de estoque encontra-se em
momento propicio para ser absorvido. Mostram também que riscos para a
sobrevivência da sociedade e das riquezas culturais, que se tornam bens perecíveis
para o estoque da herança.
Barbier (1987) considera que o desenvolvimento intrinsecamente envolve
ajustagens entre metas conflitantes, tais como entre o crescimento econômico e a
conservação ambiental, a introdução de tecnologias modernas e a preservação da
cultura tradicional, ou a reconciliação do crescimento com a melhoria na equidade
social. Embora considere que muitas dimensões qualitativas dessas ajustagens não
105
podem ser adequadamente mensuradas, o processo inevitavelmente se torna sujeito
a julgamentos baseados nos valores predominantes e normas éticas. O processo é
dinâmico e se diferencia em virtude das localizações regionais e escalas temporais.
Outras questões encontram-se envolvidas nessa avaliação. Como ainda
não existem, as futuras gerações não podem ser consultadas sobre qual tipo de
mundo desejam para viver. A futura sociedade pode aceitar, e até preferir, um estilo
de vida baseado na demanda de bens naturais e ambientais diferentes daqueles
usados na atualidade. A política de decisão atual baseia-se na modelagem de
cenários possíveis, mas não efetivos. A vantagem consiste no fato de que a
passagem entre as gerações processa-se de modo fluente, sem rupturas, permitindo
que as reformulações se processem constantemente, sempre absorvendo a
experiência e o conhecimento adquirido e considerando a geração futura como
porvir. A história demonstra como as civilizações sucessivas valorizaram
diferentemente o uso dos recursos naturais para as suas necessidades. O
crescimento demográfico constitui outro aspecto, pois a herança do capital dos
recursos naturais e ambientais deverá servir a quantidade maior de pessoas.
Se a noção de estoque pode ser incorporada pela política de
desenvolvimento sustentável, então levanta-se a questão de como manter e passar
o estoque dos recursos naturais de maneira aparentemente intacta. Dessa maneira,
cresce a relevância e o interesse pelo processo de avaliação ambiental, procurando
avaliar os impactos antropogenéticos nos processos ambientais, como também
avaliar em função dos sistemas de valores econômicos.
Se dificuldades para adequadamente se definir e mensurar os recursos
naturais, torna-se óbvio a significância das tentativas realizadas para medir o
estoque dos recursos naturais de determinado ambiente, com a finalidade de propor
o manejo e orientar as tomadas-de-decisão.
Procurando identificar as metas para as políticas de desenvolvimento
sustentável, Barbier (1987) toma como base a existência de três sistemas em
qualquer processo de decisão: o sistema biológico ou de recursos ecológicos, o
sistema econômico e o sistema social. A sociedade humana aplica um conjunto de
metas a cada sistema, cada um com sua própria hierarquia de sub-metas e alvos. O
objetivo do desenvolvimento sustentável será maximizar o alcance de tais metas
nesses três sistemas, em um sistema e ao mesmo tempo, através de processos
106
de ajustagens e adaptações. Não será possível maximizar todas as metas ao
mesmo tempo, e poderão surgir conflitos para decidir sobre as metas delineadas
para os sistemas, a fim de elaborar prioridades.
3.3 Extrativismo e Reserva Extrativista
Apesar de as principais críticas à viabilidade do extrativismo advirem, em
sua maioria, de análises econômicas, alguns autores levantam a discussão de que a
consideração do extrativismo como atividade ecologicamente menos impactante
pode ter validade quando analisada em termos generalistas, mas perde muito a
força quando situações específicas são analisadas. Nesse sentido, parece haver
uma maior preocupação dos aspectos sociais, políticos e econômicos relacionados
ao conceito de Reserva Extrativista do que aos aspectos referentes às
conseqüências ecológicas do extrativismo.
É também em referência à região amazônica que está relacionada a maior
evidência de que o extrativismo seria a atividade econômica relativamente menos
impactante. Até o início da década de 1980, quando a economia regional baseava-
se no extrativismo vegetal, 2,7% haviam sido alterados. Quando atividades como
agricultura, pecuária e mineração passaram a ser mais freqüentes e seus efeitos
difundidos, essa taxa de desmatamento elevou-se em 615% em um período de sete
anos (PETERS 1990).
Dessa maneira, pode-se assumir a posição de que a manutenção dos
ambientes florestais é testemunha da viabilidade ecológica do extrativismo nos
moldes existentes no passado (baixo ou nenhum investimento de capital,
tecnologias de manejo primitivas). No entanto, merece ser destacado o fato de que
essa viabilidade ainda não foi demonstrada à luz das preocupações relacionadas à
intensificação da produção devido ao possível surgimento de novas demandas de
mercado (ou mesmo à luz do desenvolvimento sustentável, como será discutido a
seguir).
107
Esta discussão é de fundamental importância porque os baixos impactos
ecológicos gerados pelo extrativismo em relação a outras atividades econômicas
constituem, até o momento, o principal argumento apresentado como defesa das
Reservas Extrativistas (FEARNSIDE,1989; SCWARTZMAN, 1989; ALLEGRETTI,
1994).
No entanto, Homma (1990), ressalta que o extrativismo, para ser
sustentável, se faz necessário que três condições principais sejam simultaneamente
satisfeitas. “As atividades extrativistas m que se manter lucrativas ao longo do
tempo; melhorar a qualidade de vida dos extratores; e, finalmente, manter o
equilíbrio ecológico dos ecossistemas explorados.”
O fato de o extrativismo gerar impactos ambientais relativamente amenos
não o torna uma atividade inquestionavelmente sustentável do ponto de vista
ecológico. Mesmo em relação aos tipos de extrativismo que aparentemente seriam
menos impactantes, indicadores e critérios mais precisos do que os atualmente
empregados são necessários para checar de maneira mais precisa a
sustentabilidade ecológica desta atividade.
Existem evidências de que a caça e a coleta de frutos ou sementes podem
comprometer significativamente a estrutura das comunidades florestais (PETERS
1990). Portanto, a sustentabilidade ecológica
8
do extrativismo ainda é um assunto
que gera muita polêmica e para qual não há, e talvez nunca haverá, a possibilidade
de chegar-se a uma base mais sólida de considerações generalistas.
Outros dois aspectos são importantes em relação à análise da
sustentabilidade ecológica do extrativismo em ecossistemas florestais tropicais. Um
destes aspectos refere-se às baixas taxas de crescimento características das
espécies arbóreas de floresta primária, que são consideradas como um dos
principais impedimentos ao manejo florestal sustentável. Espécies pioneiras (gap
species), por apresentarem taxas de crescimento relativamente elevadas, são
normalmente as principais candidatas às práticas de manejo florestal.
8
Em geral, nos trabalhos analisados “sustentabilidade ecológica” é definida como a taxa de uso dos recursos
naturais que permite a manutenção em definitivo da atividade de exploração , sem causar a degradação do
estoque de capital, incluindo o estoque de capital natural (CONSTANZA, 1991).
108
O segundo aspecto, relacionado ao anterior, a esparsa distribuição
espacial e a baixa densidade dos indivíduos de uma mesma espécie, características
de ecossistemas tropicais, representam limitações inerentes ao potencial de
sustentabilidade das atividades de extrativismo de recursos biológicos. Além desses
aspectos, populações de espécies florestais arbóreas compostas por um número
limitado de indivíduos adultos apresentam uma limitada capacidade de regeneração,
e são extremamente sensíveis aos efeitos do extrativismo predatórios e,
conseqüentemente, são mais vulneráveis à sobre-exploração (PETERS, 1992, p.43).
As exceções a essa regra são as denominadas florestas oligárquicas,
em que indivíduos adultos de uma mesma espécie ocorrem em formações com
densidade de 100 a 200 por hectares, de 2 a 3 vezes superior às densidades
encontradas em florestas com alta diversidade de espécies. Dados sobre a
densidade, produtividade e valor comercial de florestas oligárquicas da região
amazônicas sugerem que a exploração sustentável é mais viável nestes tipos de
florestas do que em relação a florestas com alta biodiversidade.
Baseados na existência dessas florestas oligárquicas, Kageyama (1991)
propõe o emprego do manejo sustentável visando ao incremento da produção e ao
desenvolvimento de ilhas de alta produtividade, concebidas como áreas de
pequenas extensões (1 a 2 hectares) e voltadas ao cultivo puro ou misto de
variedades geneticamente melhoradas de espécies tradicionalmente exploradas.
Outra vertente que se coloca favorável às resex é o neo-extrativismo
(REGÔ, 1999), incluído na discussão da produtividade da floresta, foi usado em
estudos regionais pela Universidade Federal do Acre e pressupõe a inclusão do
progresso tecnológico ao sistema extrativista tradicional. Representa um esforço
para transformar o extrativismo em atividade mais lucrativa, apesar de ainda sujeito
aos padrões e às demandas socioculturais das populações extrativas.
A questão da melhoria tecnológica nas comunidades rurais pode ser
abordada através de várias práticas, tais como:
a. Adensamento de espécies extrativas na floresta: um seringueiro necessita de três
“estradas de seringa” para sobreviver. Estimando-se que cada estrada cubra 150
árvores, distante até um quilômetro uma da outra, ele possui uma média de 450
seringueiras para explorar.
109
Se as árvores estivessem mais próximas não seriam necessárias três
estradas, que apenas uma seria suficiente para sua exploração, liberando as
outras duas, que futuramente poderiam ser destinadas a seus filhos, impedindo-os
de emigrarem em busca de novas áreas (RODRIGUES, 2003).
Assim, mudanças na produtividade poderiam ser alcançadas pelo
transplante de novas mudas de seringueiras para o interior da floresta. A inovação
técnica trazida pelo neo-extrativismo refere-se às ilhas de alta produtividade,
inicialmente concebida pelo Movimento Seringueiro e posteriormente apresentada
por Kageama (1991), aumentando a produtividade a um nível competitivo
internacional. A proposta prevê o plantio de pequenas áreas de espécies extrativas –
especialmente seringueiras -, distanciadas umas das outras e circundadas pela
diversidade natural da floresta tropical. Ao considerar o crescimento da vegetação
secundária circundando as ilhas de alta produtividade, essa prática contribui para
evitar problemas relacionados com a disseminação de doenças nos cultivos, como é
ocaso do “mal das folhas” fungo que assola os seringais cultivados.
b. Construção de “mini-usinas” na mata: a técnica prevê a produção da “folha
defumada”, produto de melhor qualidade pronto para ser usado na linha de produção
industrial, em lugar da tradicional pela grande bola de borracha defumada ou da
borracha de prensa borracha prensada em caixotes na mata. Estas duas últimas
formas de tratamento do látex precisam passar por outra etapa de processamento
antes de serem utilizadas pela indústria. A grande vantagem da folha defumada é a
eliminação do estágio intermediário, de modo que ela possa ser enviada diretamente
da mini-usina dentro da mata para as fábricas do centro-sul do país.
c. Produção do couro vegetal: exemplo da tecnologia neo-extrativista aplicada à
micro-indústria têxtil. Constitui-se num produto tradicionalmente produzido pelos
seringueiros e que recentemente tem sido incorporado, ainda que em pequena
escala, ao mercado nacional e internacional onde é conhecido como treetap - ,
através da produção de bolsas, sacolas, sapatos etc.
110
d. Criação de cooperativas: criar pontos de coleta para a produção especialmente
da borracha - , possibilitando assim que toda a comercialização seja feita
diretamente com as indústrias do Centro-Sul, eliminando a figura do pequeno
atravessador comercial, o marreteiro, e dos grandes compradores locais que
mantém a cadeia de comercialização da borracha na região.
Apesar do reconhecimento oficial da resex na esfera governamental, o
argumento apresentado por grupos opositores a esse modelo é que as reservas
representam formas arcaicas de cultura e as populações extrativas são anacrônicos
de épocas passadas, e, portanto, com ausência de modernidade. Entretanto, a sua
natureza “moderna” foi defendida ao ser afirmado que,
A proposta da resex é moderna. Em primeiro lugar, a modernodade
da cidadania que pressupõe acesso à saúde e à educação para os povos
da floresta. a modernidade ecológica, agora que se almeja a uma
Reserva da Biosfera (como estabelecido pela UNESCO) que prevê
ocupação humana em áreas de conservação ambiental. a
modernidade na busca de tecnologia para recursos naturais renováveis
em pesquisa para diversificação desses recursos e para a
industrialização dos produtos regionais. Em resumo, a modernidade
na proposta do domínio público da terra em vez de lotes individuais,
porque o mercado, deixado a sua vontade, não garante proteção
ambiental (Folha de São Paulo, 22 de dezembro de 1989).
Todavia, a resex apresenta uma feição peculiar: ela pressupõe a
articulação da pequena produção extrativista com o mercado capitalista enquanto
algumas caracterisiticas não capitalistas são mantidas, como o uso coletivo da
floresta e a organização comunitária dos produtores. O grande desafio desta
proposta é como, no atual sistema econômico neoliberal, atingir essas finalidades
em princípios antagônicas - , com viabilidade econômica equidade social e
conservação da natureza.
111
Na base de todos os esforços feitos pelos pequenos produtores
extrativistas, está o fato de que, se eles conseguirem viabilizar seu modelo de
desenvolvimento regional, será possível a sua permanência na floresta. Isso significa
que a resex pode ter um papel na prevenção da emigração, ao atuar como
instrumento de imobilidade (GAUDEMAR, 1976 p. 25) espacial e contramobilidade
da população rural em áreas da fronteira amazônica.
É importante ressaltar que a resex se caracteriza por ser um modelo
multivariado, o qual pode vir a gerar renda complementar proveniente de diferentes
produtos possíveis de serem explorados. Isso decorre do caráter sazonal das
atividades desenvolvidas, em especial, da variedade de recursos naturais oferecidos
pela floresta.
Em termos de viabilidade econômica, é importante lembrar que o
extrativismo vegetal, o qual se constitui no suporte da resex, apresenta elevada
sustentabilidade ecológica, mas sua sustentabilidade econômica parece frágil, pelo
menos para o futuro próximo. Se os propósitos sociais e ecológicos parecem
irrefutáveis, a questão econômica não é, pois es relacionada à tendência das
forças de Mercado de se tornarem mais agressivas, tanto nacional como
intternacionalmente. Essa situação decorre da conjuntura neoliberal reinante, em
que a dimensão econômica tem prioridade sobre as demais.
Outra discussão vincula a viabilidade econômica à conservação
ambiental e à biodiversidade, na medida em que o patrimônio biológico é
considerado recurso estratégico para as próximas décadas. Nesse sentido, os
recursos naturais tropicais deveriam receber mais atenção que repersentam
bancos de biodiversidade (ALMEIDA, 1994). Sua conservação deveria ser paga pelo
governo (o Amazonas através do “bolsa floresta” paga, mas somente aos
moradores de UC-s estaduais), como meio de compensação pelo fato das
populações residentes não os estarem explorando no presente.
Entretanto, parece impossível conciliar conservação e desenvolvimento
econômico no atual contexto, quando percebe-se a conservação como “subproduto
grátis” do desenvolvimento das resex. Se essas resex fossem consideradas como
UC-s do patrimônio nacional, as populações residentes poderiam ser remuneradas
por suas atividades de conservação. Argumento semelhante foi defendido por
FEARNSIDE (1998, p. 12) ao declarar que “o Brasil deveria adotar uma atitude
diplomática mais agressiva nas negociações internacionais sobre questões
112
ambientais, demandando compensações financieras pelos serviços ambientais”
representados pela existência da floresta amazônica. Como conseqüência, a grande
controvérsia geralmente apresentada é: conservação com atraso, ou
desenvolvimento econômico com degradação ambiental?
Em termos de função socioecológica da resex, é reconhecida que os
ribeirinhos, juntamente com as populações indígenas, tem sido os “naturais
guardiães” do habitat de floresta tropical, dado seu estilo de vida baseado numa
relação de sinbiose com o meio ambiente. Neste sentido, deve ser defendida a idéia
de adotar o modelo das resex, com o objetivo de assegurar tanto a sobrevivência
econômica como cultural dos povos da floresta, preservando vastas extensões da
floresta Amazônica. Para tanto, um modelo de uso coletivo ususfruto da floresta
por um período de 30 anos foi proposto no intuito de garantir a reprodução da
categoria dos grupos de pequenos produtores extrativistas.
Outra questão entretanto, tem sido levantada pelos representantes
contrários ao enfoque extrativista. Pergutam até quando essas populações serão
capazes de manter seu ideal, com a exploração sustentada da floresta, e não
superexplorá-la, uma vez que estão também inseridos num contexto capitalista que
os pressiona na busca pela maior produtividade. A sobrevivência poderia então ser
mais importante que a conservação dos recursos naturais. Segundo Hall ( 1997, p.
45), o “espírito ecológico intrínseco” dos ribeirinhos, isto é, a tendência inerente e
imutável das populações extartivistas em conservar a floresta, seria posto à prova.
Devido à crescente pressão das forças de Mercado e à prevista negligência do
governo em relação à efetiva implantação das resex, a população extrativista
progressivamente empobrecida, seria forçada a matar pela superexploraçao a
fonte de sua renda.
Existem evidências de que a extração de madeiras possa permitir a
manutenção e, inclusive, o aumento das populações naturais da espécie explorada,
como ocorre no caso da exploração do palmito (Euterpe oleracea) por comunidades
ribeirinhas do estuário amazônico.
Por outro lado, mesmo que a manutenção das populações naturais das
espécies exploradas seja possível, a coleta seletiva de produtos florestais
madeireiros geralmente gera significativos impactos sobre outros aspectos
estruturais da biodiversidade (VERÍSSIMO et al., 1989). Esse cenário se estabelece
113
principalmente quando os recursos visados ocorrem em altas densidades relativas
(como as florestas oligárquicas), casos em que a exploração não somente pode
eliminar esses recursos, como também modificar a estrutura da floresta.
As considerações apresentadas demonstram a possibilidade de chegar-se
a uma conclusão mais confiável sobre este importante aspecto, sem que
informações mais “trabalháveis” estejam disponíveis como base de discussão . o
poucos os estudos que têm procurado avaliar a sustentabilidade dessa atividade sob
uma perspectiva exclusivamente ecológica e que, portanto, poderiam contribuir para
a elaboração de uma base de dados mais sólida, a ser então utilizada como
referência comparativa (PETERS, 1990).
Dessa maneira, referências ao extrativismo como um uso por definição
sustentável da terra devem ser vistas com extrema cautela e suspeita.
Considerações generalistas dessa natureza pouco irão contribuir e o mais longe que
se pode nesse nível de discussão é apontar para a necessidade de análises mais
pontuais e restritas da sustentabilidade do extrativismo. Assim sendo, o aporte de
dados concretos referentes a casos reais é absolutamente imprescindível.
Portanto, até que ponto as Reservas Extrativistas são consistentes não
somente em relação à sustentabilidade ecológica, mas também em relação às
demais dimensões - social, econômica, geográfica e cultural do desenvolvimento
sustentável proposto pelo Relatório Brundtland. Essa é uma questão ainda sem
resposta (e, possivelmente, não há como respondê-la no nível de generalizações).
Uma tentativa de restringir o escopo de análise e, assim, lançar mais luz a
essa discussão, relaciona-se a uma classificação normalmente empregada para o
extrativismo, baseada no nível de impacto que essa atividade gera ao ambiente.
Essa classificação basicamente divide o extrativismo em: a) predatório ou de
aniquilação, que leva à morte do recurso quando de sua extração, ou quando a
taxa de regeneração é inferior à capacidade extrativa; e b) não-predatório ou de
coleta, em que o processo extrativista baseia-se na coleta de produtos, mantendo-
se intacta a integridade da planta-mãe que gerou o recurso.
114
Os exemplos que foram sendo identificados desse segundo tipo de
extrativismo, que pode ser caracterizado como de baixo impacto ecológico,
identificaram um potencial negligenciado e inexplorado (com poucas exceções,
como as seringueiras e castanha-do-Brasil) de uma fonte de recursos relacionada
aos chamados produtos florestais não-madeireiros.
3.4 A Dimensão Territorial da Reserva extrativista.
3.4.1 As Reservas Extrativistas e sua territorialidade.
Uma das áreas identificadas como prioritárias em termos de pesquisas
relacionadas ao desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos é o manejo
sustentável de recursos naturais renováveis. Segundo Clusener-Godot e Sachs
(1994), nesse contexto atenção especial deveria ser dada às estratégias de
recuperação de áreas degradadas; a atividades agroflorestais; ao manejo florestal;
ao estabelecimento de reservas extrativistas e da biosfera; e ao uso racional da
biodiversidade para o benefício de populações tradicionais e indígenas nos países
considerados.
O conceito de Reserva Extrativista assume o pressuposto de que a
exploração sustentável dos recursos fornecidos pela floresta e demais ecossistemas
pode ser a base do desenvolvimento local, caso esses ecossistemas estejam
protegidos de outros usos alternativos e incompatíveis com a sua manutenção. Para
que isso seja possível, são de diversas áreas os aspectos que devem ser
adequadamente ponderados, englobando elementos econômicos, sociais,
ecológicos e culturais.
Em termos sociais, três aspectos o freqüentemente considerados como
inerentes ou necessários à viabilidade do conceito aqui apresentado: a) as
comunidades humanas envolvidas possuem um conhecimento significativo da área
considerada; b) a criação das reservas garante os direitos fundiários às
comunidades; e c) a exclusividade de acesso à base de recursos naturais é
garantida aos seus membros.
115
Esses aspectos certamente auxiliam para que as comunidades sejam
agentes altamente interessados nos resultados das iniciativas baseadas nessa
categoria de unidade de conservação.
Por outro lado, o manejo de recursos e atributos naturais nessas áreas
deve por obrigatoriedade sustentar-se nos níveis de produtividade natural dos
ecossistemas por elas englobados. Dessa maneira, as atividades econômicas a
serem nelas implantadas não podem gerar significativos impactos ambientais.
Esse aspecto traz embutido um outro elemento importante.
O respeito à biodiversidade local, que deve ser traduzido por atividades
baseadas no princípio da conservação da natureza, implica o uso das
potencialidades existentes nos locais considerados.
Essas potencialidades locais passam então a constituir a base de
produção e sustento do desenvolvimento das sociedades direta e indiretamente
relacionadas a essas unidades. Dessa maneira, como será posteriormente tratado,
diversidade em suas mais diferentes facetas passa a ser um adjetivo inerente ao
conceito.
Devido a esses aspectos, a concepção de Reserva extrativista vem sendo
considerada como enorme potencial para a solução de vários problemas ambientais,
como demonstrado pela seguinte colocação: “Reservas extrativistas oferecem um
modo de uso da floresta que é, ao mesmo tempo, economicamente competitivo no
curto prazo e (ecologicamente) sustentável no longo prazo” (PETERS et al., 1989).
Essa afirmação, assim como diversas outras de âmbitos semelhantes,
deve ser encarada com extrema reserva e cautela. Com reserva porque dificilmente
pode-se caracterizar Reservas Extrativistas como um modo de uso da floresta (ou de
outros ecossistemas) quando, como acima mencionado, elas essencialmente se
relacionam à diversidade de situações e, conseqüentemente, devem estar abertas à
análise de diferentes estratégias de gestão. Com cautela porque afirmações de
caráter generalista podem facilmente gerar um elevado grau de liberdade no uso de
ambigüidades, as quais geralmente são desprovidas de preocupações sobre a
utilização criteriosa do objeto considerado.
116
O uso indiscriminado e sem critérios é uma situação extremamente
negativa. Talvez não haja nada mais eficaz para se descartar uma opção em
potencial do que descaracterizá-la; e não nada mais eficaz para se
descaracterizar uma opção do que (propositadamente ou não) torná-la inócua; e,
finalmente, não nada mais eficaz para tornar uma opção inócua do que
interpretá-la como melhor convier a quem a interpreta e empregá-la
circunstancialmente.
Devido a essas preocupações, o uso do conceito de Reserva extrativista
deve estar embasado no estreito conhecimento desse conceito, conhecimento este
que necessariamente deve incluir as motivações e inspirações que originalmente o
conceberam, além dos aspectos de caráter técnico e operacional. Nesse sentido,
dificilmente pode-se entender a real concepção de determinados conceitos ou fatos
sem recorrer às suas origens.
3.4.2 Reserva Extrativista - Histórico da Concepção
As primeiras raízes do conceito de Reserva extrativista foram plantadas
em solos amazônicos por seringueiros que buscavam a manutenção de seu modo
de vida dependente do extrativismo de diversos recursos florestais, dos quais se
destacavam o látex das seringueiras nativas (Hevea brasiliensis) a castanha-do-
Brasil (Bertholetia excelsa) a agricultura de subsistência e o uso multiplo da floresta.
A partir de 1975, os seringueiros começaram a se organizar por meio da
criação de entidades como os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e
Brasiléia, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e
as Comunidades Eclesiais de Base (CEB-s), com o objetivo de elaborar estratégias
de resistência à política governamental de desenvolvimento que então se instalava
com maior intensidade na região amazônica, principalmente direcionada à ocupação
de terra via agricultura e pecuária extensivas.
Apesar dessa organização, os seringueiros ainda não haviam
desenvolvido estratégias que efetivamente gerassem resultados positivos contra os
desmatamentos, situação que se alterou no dia 10 de março de 1976. Nesse dia, no
município de Brasiléia, cerca de 1.000 hectares de florestas, localizados no seringal
117
Carmem, iriam ser desmatados e transformados em pastagens. Aproximadamente
setenta pessoas, entre homens, mulheres e crianças, dirigiram-se ao local e
impediram o desmatamento, no primeiro movimento que, posteriormente, veio a ser
denominado empate e constitui a primeira bandeira efetiva de luta do movimento
dos seringueiros
9
(CNS et al., 1989). Germinava, nesse momento, e em solos
ocupados por seringais nativos da Amazônia, a semente das Reservas Extrativistas.
Foram também os empates que, no início da década de 80, chamaram a
atenção de entidades nacionais e internacionais para a situação dos seringueiros.
Por terem como objetivo mais visível e concreto impedir o desmatamento de um
ecossistema internacionalmente considerado como importante e alvo de fortes
ameaças, o movimento dos seringueiros, por meio dos empates, passou a adquirir
maior dimensão junto à opinião pública (principalmente internacional) ao abranger
aspectos claramente ecológicos.
Os primeiros resultados concretos dessa organização, e que viriam a
constituir marcos fundamentais para a consolidação da proposta de Reservas
Extrativistas, foram produzidos no ano de 1985. Em maio desse ano aconteceu o IV
Encontro da CONTAG, em que foram apresentadas sugestões dos trabalhadores no
âmbito da Política Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Dentre essas sugestões, foi
aprovada e apresentada pelos seringueiros do Acre a proposição de número 30, nos
seguintes termos: “que sejam concedidas aos seringueiros da região amazônica
áreas que obedeçam à realidade local, variando entre o mínimo de 300 e o máximo
de 500 hectares” (IEA, 1988,p.18).
Nos dias 31 de agosto e 1 de setembro de 1985, os seringueiros reuniram-
se em Ariquemes, Rondônia, em evento preparatório para o I Encontro Nacional da
categoria, que se realizaria de 11 a 17 de outubro em Brasília.
9
Os “empates”, atualmente ainda empregados, têm como principal justificativa a própria legislação ambiental
brasileira, principalmente a lei n 7.511, de 30 de julho de 1986, e a portaria n 486, de 28 de outubro do mesmo
ano, que proíbem o corte e a comercialização de castanheiras e seringueiras e o desmatamento de vertentes
florestadas (FASE, 1989,p.32). Segundo Chico Mendes, entre 1976 e 1985 haviam sido realizados 45 “empates”,
15 dos quais obtiveram sucesso e evitaram o desmatamento de aproximadamente 1,2 milhões de hectares de
florestas (CNS et al., 1989,p.10).
118
Um fato surgido nesta reunião veio a ter importantes repercussões,
quando os seringueiros, comparando seu modo de vida com o de grupos indígenas
da Amazônia, aventaram pela primeira vez a figura de uma reserva voltada à
satisfação de suas necessidades e à conservação das florestas, e concluíram :
Da mesma maneira como os índios têm reserva indígena, seria interessante
que se tivesse, também, uma reserva para o seringueiro [...]que seja
demarcada como reserva florestal para que eles continuem suas atividades
extrativas (ALLEGRETTI, 1987,p. 44).
O I Encontro Nacional dos Seringueiros, momento marcante na história do
movimento dos seringueiros, contou com a participação de 130 representantes da
categoria, além de pesquisadores, assessores, técnicos governamentais e políticos
(FASE, 1989). Das discussões ocorridas neste evento, surge definitivamente o termo
Reserva Extrativista, cuja aspiração básica foi gerada da análise concomitante de
dois processos (IEA, 1986b): a) uma crítica à política oficial de colonização, que
fracassara na divisão e forma de ocupação da floresta, incompatível com o
desenvolvimento da atividade extrativa; e b) a referência às Reservas Indígenas,
como forma legal de posse e uso exclusivo dessas populações.
Os desdobramentos desse processo foram significativos. Nacionalmente,
um exemplo disso foi o fortalecimento das relações entre seringueiros e grupos
indígenas locais. Segundo Chico Mendes, índios e seringueiros viveram em
confronto permanente até janeiro de 1986 (FASE, 1989), quando começaram a se
aproximar, principalmente devido ao Projeto Calha Norte
10
.
No início de 1987, seringueiros e indígenas articularam-se de maneira
mais efetiva em torno de interesses comuns e, por meio de suas entidades
representativas (Conselho Nacional de Seringueiros CNS - e União das Nações
Indígenas UNI), agendaram reunião com órgãos governamentais, em nível federal
(Ministério da Indústria e Comércio e da Cultura, Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária/INCRA, Senado e Câmara Federal). Esses debates acabaram por
gerar uma forma conjunta de buscar soluções dos problemas ambientais regionais,
10
Projeto de natureza militar, planejado e coordenado pelo extinto Conselho de Segurança Nacional, com o
objetivo de promover a ocupação e defesa da fronteira norte do Brasil. A militarização da região e a abertura de
estradas no âmbito deste projeto previam o desmatamento de florestas e a expulsão de seringueiros e grupos
indígenas (CNS et al., 1989,p.10).
119
denominada Aliança dos Povos da Floresta (IEA,1986b). Talvez o mais
significativo resultado dessa proposta foi que sua repercussão possibilitou maior
visibilidade dos problemas enfrentados por esses segmentos sociais.
Também em abril de 1987, e em decorrência das reuniões realizadas
entre a Aliança dos Povos da Floresta e organismos governamentais, foi constituído
no âmbito do INCRA o Grupo de Trabalho Extrativista, que teve por objetivo traduzir
institucionalmente a pretensão dos seringueiros em relação às Reservas
Extrativistas. Em 30 de julho do mesmo ano, por meio da portaria n. 627, esse Grupo
instituiu a figura Projeto de Assentamento Extrativista (PAEX), com a pretensão
de que essa viesse a se fixar como a forma institucional da concepção das Reservas
Extrativistas. Esta figura prevê a utilização condominial, o domínio público e a
concessão de direito real de uso das áreas, contemplando algumas das solicitações
e aspirações dos seringueiros.
Apesar de até recentemente (2005) terem sido criados no Amazonas
aproximadamente 83 PAEXS, estes não atingiram o objetivo de fixarem-se como
formas institucionais das Reservas Extrativistas. Este fato auxiliou na identificação e
posterior esclarecimento do caráter inovador embutido nas aspirações que geraram
a proposta das Reservas: os PAEXS buscaram traduzir Reservas Extrativistas no
contexto da Política Nacional de Reforma Agrária; no entanto, as aspirações em que
basearam a proposta não se restringiam a esse contexto.
Em linguagem da PNRA, assentamento refere-se à transferência
territorial de populações humanas, o que não era o caso dos seringueiros que
aspiravam ao reconhecimento legal do direito à permanência em áreas por eles
historicamente ocupadas. Segundo Sanson (1994), outras razões da
incompatibilidade da proposta dos PAEXS em relação às aspirações dos
seringueiros seriam:
a) o esvaziamento da proposta de reforma agrária no âmbito da política
nacional;
b) a dificuldade de regularização fundiária das áreas, decorrente da
intrincada estrutura agrária da Amazônia; e (o que realmente gerava a
instabilidade deste instrumento)
c) a fragilidade legal (portaria) de sua base institucional.
120
Esse cenário teve como desdobramento positivo motivar discussões
voltadas à tradução das aspirações básicas dos seringueiros em definições
conceituais e legais das Reservas Extrativistas. O primeiro resultado dessas
discussões foi a essencial constatação de que a idéia de Reserva Extrativista não
poderia ser adequadamente contemplada se analisada exclusivamente em termos
de instrumentos de reforma agrária ou em termos de unidades de conservação.
Levando este aspecto em consideração, Allegretti (1987,p.45) concluiu que as
possibilidades de regularização das áreas de economia extrativista, segundo as
normas legais, então disponíveis, restringiam-se a:
a) defini-las como Florestas Nacionais, Estaduais ou Municipais,
estabelecendo-se normas específicas para a exploração dos recursos
naturais existentes. No entanto, a legislação incidente sobre essa categoria
de unidade de conservação não previa (como não prevê) a ocupação
humana das áreas. Além disso, essa proposta também não contemplava as
especificidades culturais dos seringueiros; ou
b) defini-las como Áreas de Proteção Ambiental, outra categoria de
unidades de conservação. No entanto, uma vez que tais unidades não
interferem na questão fundiária, essa alternativa não se adequava à
situação e às aspirações dos seringueiros.
Analisando essas restrições, a autora conclui pela necessidade de definir
uma categoria de unidade de conservação específica para possibilitar a adequada
consideração das aspirações básicas da idéia, e avança apresentando o que talvez
seja a primeira tentativa de definição conceitual de Reservas Extrativistas, “[...] área
historicamente ocupada por populações que utilizam-se de produtos florestais para
subsistência e comercialização de forma compatível com as características do
ecossistema amazônico” (ALLEGRETTI, 1987,p.47). Fica evidente que até esse
momento não se levava em consideração a possibilidade de que estas unidades
fossem criadas em ecossistemas “não-amazônicos”.
121
Outra proposta foi apresentada por Simonion (1987): Reservas
Extrativistas deveriam ser implantadas em áreas determinadas como propriedade
condominial sobre as quais se sobreporiam Áreas de Proteção Ambiental (APA),
visando regulamentar o uso dos recursos. Schwartzman (1987), analisando as
discussões que estavam sendo desenvolvidas no âmbito do CNS, considerou
Reservas Extrativistas como “bases para um desenvolvimento localmente
controlado, incluindo proteção legal dos direitos fundiários, educacionais e de saúde,
e aprimoramento da comercialização da produção de seringueiros”.
Essa última proposição apresenta, pela primeira vez no cenário de
discussão, um elemento aqui considerado primordial. De acordo com ela, as
Reservas Extrativistas devem se basear nas possibilidades locais (endógenas) de
desenvolvimento, ou seja, devem conceber as características e potenciais locais do
ambiente analisado (aqui englobando não somente os elementos ecológicos ou
“naturais”, mas também os de origem social, econômica e cultural) como critérios
principais e prioritários para a definição das estratégias de desenvolvimento. Tal
concepção, como discutido posteriormente neste trabalho, gera importantes reflexos
sobre a viabilidade tecnológica do uso de recursos naturais em ecossistemas
extremamente biodiversificados.
No entanto, apesar dos avanços relativos ao detalhamento e
esclarecimento da concepção conseguidos por meio dessas discussões, o caráter
inovador da reserva extrativista começou a ficar mais evidente por ocasião das
primeiras tentativas de traduzi-las no âmbito jurídico.
3.4.3 A Dimensão jurídica da reserva: a tradução legal
Em nível governamental, a primeira definição de Reserva Extrativista foi
apresentada pela Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) em 1988, por
ocasião da elaboração do Plano Nacional de Meio Ambiente. Nesse documento,
Reservas Extrativistas (ou Florestas Extrativistas) são definidas como:
áreas de domínio blico, ocupada por grupos sociais que dependem de
produtos florestais para sua sobrevivência e onde são empregados, através
de concessão de uso, usos sustentáveis de recursos naturais, de acordo
com plano de manejo previamente estabelecido (SEMA, 1988).
122
Embora ainda indefinidas, uma importante alteração na maneira de
expressar as aspirações relacionadas a essa idéia. As discussões, que até esse
momento estavam abordando as aspirações às Reservas prioritariamente dentro do
contexto da reforma agrária, passam a explorar, de maneira mais efetiva, o campo
das unidades de conservação.
Segundo Allegretti (1987), até então podiam ser assim sintetizadas as
proposições prático-conceituais referentes à realidade dos seringueiros da
Amazônia:
a) realização de um zoneamento dos recursos naturais da região
amazônica, visando à identificação e conservação de áreas densas em
seringueiras, castanheiras e demais recursos florestais de reconhecido
valor econômico;
b) reconhecimento da posse extrativista em sua peculiaridade econômica e
ambiental e garantia de permanência nas áreas das populações que
exploram sustentavelmente os recursos florestais;
c) criação de uma categoria específica de unidade de conservação,
denominada Reserva Extrativista, incorporando em sua conceituação e
manejo aspectos socioeconômicos e culturais das populações envolvidas; e
d) elaboração de um conjunto de programas tecnológicos, econômicos,
sociais e culturais adequados.
Essas propostas serviram como subsídios para a elaboração do
documento final (Carta de Curitiba) do seminário Planejamento e Gestão do
Processo de Criação de Reservas Extrativistas na Amazônia, realizado entre 12
e 16 de setembro de 1988 sob coordenação do Instituto de Estudos Amazônicos
(IEA).
Nesse documento, as Reservas Extrativistas foram conceitualmente
definidas como Áreas de Extrativismo Sustentável: de domínio público ou privado;
desapropriadas para esse fim; regularizadas através de concessões de direito real
de uso do poder público a populações locais organizadas em associações ou
cooperativas; tendo como principais objetivos a conservação do meio ambiente, a
regularização da situação fundiária das populações locais, o desenvolvimento
socialmente justo, ecologicamente sustentável e economicamente viável da região e
a realização de pesquisas científicas voltadas à consecução dos objetivos
anteriores.
123
Em termos de recomendações finais, a Carta de Curitiba solicita a
identificação de todas as áreas ocupadas por populações extrativistas (referindo-se
aos seringueiros da Amazônia) e sua transformação em Reservas Extrativistas e a
aprovação do projeto de lei n 812/88, então em tramitação no Congresso Nacional,
que dispunha sobre a criação das Reservas Extrativistas como categoria específica
de unidade de conservação. O fato de que 21 milhões de hectares de floresta seriam
conservados e sustentavelmente explorados por aproximadamente 70 mil pessoas,
sem que se incorresse em gastos públicos, constituir-se-ia no principal argumento a
favor dessa solicitação.
Dentro desse contexto, em julho de 1989, foi editada a Lei nº 7.804,
alterando o inciso VI, artigo 9, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, que assim ficou redigido:
Art.9 – São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
[...]
VI – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo
Poder Público Federal, estadual e Municipal, de relevante interesse
ecológico e Reservas Extrativistas.
Essa alteração teve uma conseqüência jurídica de vital importância. Na
opinião de Gomes e Felipe (1994,p.23), a partir do momento em que o extrativismo
sustentado foi institucionalizado como um dos instrumentos da Política Nacional do
Meio Ambiente, juridicamente as Reservas Extrativistas passaram à condição tutelar
de unidade de conservação.
No entanto, apesar disso e paradoxalmente, as Reservas Extrativistas
ainda não haviam sido definidas no âmbito do direito brasileiro, situação que abriu
caminho para a regulamentação da matéria via decreto. Com esse intuito, em
setembro de 1989, foi constituído um grupo de trabalho composto por técnicos do
IBAMA, do INCRA, do IEA e lideranças do CNS. Por sugestão do representante do
IEA, a proposta inicial de regulamentação da norma, no contexto da Lei 7.804/89,
avançou para a elaboração de decreto específico sobre a matéria.
124
Dessa maneira, o presidente da República assina, em 30 de janeiro de
1990, o Decreto 98.897, que define Reservas Extrativistas como “espaços
territoriais
11
destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos
naturais renováveis, por população extrativista” (art.2).
Dispõe também que:
a exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais serão
reguladas por contrato de concessão real de uso [...] que incluirá o plano de
utilização aprovado pelo IBAMA e conterá cláusula de rescisão quando
houver quaisquer danos ao meio ambiente ou à transferência da concessão
“inter-vivos” (art.4).
Importante observar que este instrumento legal, pela primeira vez,
apresenta uma definição conceitual de Reserva Extrativista não restrita à realidade
amazônica.
Em termos legais, a definição jurídica do conceito Reserva Extrativista
apresenta uma situação, mesmo que sem conseqüência práticas, ao menos
extremamente curiosa. O Artigo 1 do Decreto 98.897/90 retira do poder público a
liberdade de escolha da categoria de unidade de conservação a ser estabelecida em
espaços territoriais considerados como de interesse ecológico e social, assim
considerados os que “possuam características da biota que possibilitem sua
exploração auto-sustentável, sem prejuízo da conservação ambiental”. Como
conseqüência desse artigo, a criação de Reservas Extrativistas passa a ser uma
imposição legal e não uma opção. Segundo Gomes e Felipe (1994, p.78), “nesse
sentido é colossal a repercussão deste artigo não no plano ambiental, como no
da ordem social e econômica, onde deve ser indagada sua constitucionalidade”.
11
Espaços territoriais de interesse ecológico e social são definidos nesse instrumento legal como “[...] áreas que
possuam características naturais ou exemplares da biota que possibilitem a sua exploração auto-sustentável, sem
prejuízo da conservação ambiental’(Parágrafo único, art. 2).
125
A insatisfação quanto ao conceito Reserva Extrativista, no entanto,
permanecia. Outras definições foram surgindo, na tentativa de consolidar
definitivamente esse conceito. O IEA (1990, p.78) propõe a seguinte definição:
Denomina-se Reserva extrativista uma área já ocupada por populações que
vivem dos recursos da floresta, regulamentada através de Contrato de
Concessão de Direito Real de Uso
12
, transferida pelo Estado para
associações legalmente constituídas, explorada economicamente segundo
plano de manejo específico e orientada para o benefício social das
populações através de projetos de saúde e educação.
Essa proposta de definição evidencia que Reservas extrativistas não
foram concebidas somente como instrumentos de conservação, mas também como
estratégias de desenvolvimento que contemplavam aspectos mais abrangentes e
relacionados à qualidade de vida, como os referentes à educação e saúde. Cabe
ressaltar também que, apesar de apresentar diretrizes claras no que se refere à
situação fundiária, ao citar o contrato de Concessão de Direito Real de Uso, esta
definição limita a aplicabilidade prática desse conceito, uma vez que o restringe a
áreas florestais já ocupadas por populações tradicionais.
Araújo (199?) também procura contribuir com esse processo, ao propor
que:
as Reservas Extrativistas são unidades de conservação de uso direto,
destinadas à exploração auto-sustentável e à conservação dos recursos
naturais renováveis, por população com tradição extrativista, a exemplo de
seringueiros, castanheiros, pescadores, etc.
Essa proposta abre novamente a aplicabilidade social e territorial, e faz
menção específica da condição de categoria de unidade de conservação desse
instrumento, no entanto deixa em aberto a questão fundiária.
Finalizando essa varredura de proposições conceituais, para ordenar e monitorar o
uso e a ocupação das áreas protegidas no Brasil, o governo federal, com base no
projeto de Lei 2.892/1992, da Constituição Federal, criou o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, constituído pelo conjunto de unidades de conservação
federais, estaduais e municipais.
12
O embasamento jurídico dessa forma contratual está disposto no artigo 7 do decreto-lei n 271, de 28 de
fevereiro de 1967.
126
O primeiro passo do processo de criação de Reservas extrativistas é a
apresentação de uma solicitação por parte de uma representação legalmente
constituída de uma determinada comunidade. Em relação a todas as demais
categorias de unidades de conservação, esse aspecto operacional é singular, uma
vez que o poder público não tem autoridade para constituir Reservas Extrativistas de
maneira unilateral (ou utilizando a expressão usual, de cima para baixo), como é o
caso em relação a Parques Nacionais, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas.
Além disso, a participação comunitária, ao menos em termos legais, deve ser um
elemento efetivo também nos processos de implantação e freqüente adaptação das
atividades de manejo.
Existem ainda dois aspectos para completar o quadro histórico aqui
apresentado. Em termos administrativos, a amplitude alcançada pelas reivindicações
das populações tradicionais e a criação das Reservas geraram a necessidade de
constituição de um órgão institucional especificamente capacitado para lidar com
essas questões. Dessa maneira, em fevereiro de 1992, por meio da portaria nº 22-A,
foi criado no âmbito do IBAMA o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado
de Populações Tradicionais (CNPT), que tem por função administrativa estabelecer
um elo entre o governo, organizações o-governamentais e comunidades
tradicionais.
A criação do CNPT constitui o primeiro espaço institucional na estrutura
administrativa do Estado brasileiro, destinado especificamente ao tratamento das
questões pertinentes ao extrativismo (GOMES; FELIPE, 1994). De acordo com a
portaria 22-A/92, as atribuições do CNPT são: promover o desenvolvimento
sustentado com populações extrativistas; implantar, consolidar, gerenciar e
desenvolver, em conjunto com as populações envolvidas, as reservas extrativistas;
promover e incentivar o estudo e o desenvolvimento de tecnologias para as
reservas; promover, sob todas as formas, a comercialização e a industrialização de
produtos gerados pelas populações tradicionais.
127
No dia 11 de maio de 1994, o IBAMA editou a portaria 51-N, que
estabelece o Roteiro de Criação das Reservas Extrativistas e cujas normas devem
ser obedecidas como forma de uniformizar essa categoria de unidade de
conservação. Embora não apresente novidades significativas em relação ao decreto
98.897/90, essa portaria reitera o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso
como forma de regularização fundiária das Reservas Extrativistas e detalha os
procedimentos de criação, implantação e gestão dessas unidades de conservação.
Importante aspecto das normas definidas por esta portaria é o fato de
elevarem as pessoas interessadas na criação das Reservas a co-responsáveis
diretos pelas mesmas, contribuindo efetivamente para o aumento da consciência
ambiental e possibilitando a formação dos fiscais ambientais especiais,
viabilizando inclusive uma das recomendações finais da Carta de Curitiba,
anteriormente mencionada. Finalizando esse levantamento legislativo, em 31 de
outubro de 1994 foi publicada a portaria IBAMA 118, que aprovou as Normas
Administrativas para Criação, Regularização e Consolidação das Reservas
Extrativistas.
Como pode ser percebido pelas considerações anteriores, a base legal e
institucional das Reservas Extrativistas apresenta-se razoavelmente bem definida,
principalmente levando-se em consideração as disposições presentes no decreto
98.897/90 e na portaria IBAMA 51-N/94, traduzindo para o campo jurídico
algumas das principais aspirações que originaram essa idéia.
As dificuldades encontradas para se chegar a um consenso sobre o que
se entende por Reservas Extrativistas justificam-se pelo caráter inovador da
proposta, traduzido pela pretensão de constituir-se, simultaneamente, em forma de
regularização fundiária e em instrumento de conservação voltado ao
desenvolvimento sustentável local. Esse caráter inovador é o real potencial dessa
proposta, que não pode ser restringido por concepções incompletas e/ou
inadequadas.
128
Para evitar concepções incompletas e apropriações indevidas, a definição
legal e definitiva de Reservas Extrativistas deve simultaneamente contemplá-las e
traduzi-las como instrumentos voltados à: a) regularizão fundiária; b)
conscientização ambiental das comunidades envolvidas; c) conservação e
exploração sustentável dos ecossistemas e de seus recursos naturais renováveis; e
d) pesquisa ambiental.
Como última consideração nesse sentido, o potencial representado por
essa concepção de instrumento ambiental somente será testado de maneira integral
se sua aplicabilidade não for precipitadamente restringida a níveis inferiores às
possibilidades existentes.
3.5 Populações Originárias e Unidades de Conservação
É importante enfatizar que a transposição do modelo Yellowstone de
parques sem moradores, vindo de um país industrializado e de clima temperado
para países do Sul, cujas florestas remanescentes foram e continuam sendo, em
grande parte, habitadas por populações originais, está na base não de conflitos
insuperáveis, mas de uma visão inadequada de áreas protegidas. Essa
inadequação, aliada a outros fatores como os graves conflitos fundiários em muitos
países, noção distorcida da fiscalização, corporativismos dos administradores,
expansão urbana, profundas crises econômicas e a dívida externa de muitos países
do Sul estão na base do que Diegues (1996, p.37) define como a crise da
conservação.
Para Castro (1998,p.27), a principal crítica à concepção tradicional das
unidades de conservação é a de que essas áreas são criadas e geridas sem
consultas à sociedade, especialmente às comunidades mais diretamente atingidas,
vale dizer, aquelas que vivem dentro ou no entorno das unidades. Os parques e
reservas permanecem assim isolados, sem se integrarem à dinâmica sócio-
econômica local e regional. As comunidades mais atingidas são sobretudo aquelas
de menor poder aquisitivo, que vivem no local várias gerações, cuja economia
baseia-se em formas tradicionais de exploração dos recursos naturais, dos quais
dependem diretamente para sua subsistência material e reprodução sócio-cultural.
129
O processo de criação de unidades de conservação de proteção integral
no Brasil em geral e na Amazônia em particular resultou na inclusão de núcleos de
ocupação humana dentro dessas áreas. Em vários casos, os tomadores de decisão
nem sequer tinham conhecimento da existência dessas populações no momento da
sua criação. Em outros, ignoraram a existência delas.
Há pouco tempo, a maior parte dos órgãos governamentais e muitos
pesquisadores e ambientalistas consideravam essencial a retirada dessas
populações para que se conseguisse promover a conservação da natureza. Mais
uma vez o pressuposto era, como diria Diegues (1996), o mito da natureza
intocada, que concebe a conservação dos ecossistemas sem a presença
humana. Isso gerou, por um lado, conflitos entre essas populações e instituições
governamentais e, por outro, um sério processo de expulsão, êxodo, erosão cultural
e empobrecimento socieconômico de populações originárias, com agravamento da
história de degradação ambiental.
Mudamos de século e estamos mudando os paradigmas. uma
crescente aceitação de novas idéias. Pouco a pouco, o que era óbvio para uns
poucos se torna claro para muitos: as populações originárias o o um inimigo a
excluir, mas um aliado a incluir. Elas detêm um valiosíssimo saber etnoecológico,
que não podemos nos dar ao luxo de enterrar como lixo. Além disso, podem ser
vigilantes muito eficazes do que os tradicionais guardas assalariados. De resto,
essas populações têm direitos consuetudinários sobre o uso de suas terras, águas e
serviços ambientais.
Na Mata Atlântica, a Estação Ecológica da Juréia é um caso emblemático
dos desacertos do século passado e dos desafios do novo milênio. Com a sua
criação, os habitantes do lugar passaram a ser tratados como invasores
indesejados. De uma hora para outra, sem o mínimo conhecimento sobre os
sistemas tradicionais de manejo, caíram de pára-quedas pesquisadores e técnicos,
proibindo tudo: roça, pesca, caça, colheita de produtos florestais... Aos
representantes da sociedade urbana industrial que destruiu a natureza no planalto
paulista era impensável existir uma população semi-analfabeta capaz de manejar
seus recursos de forma coerente com o ideal de desenvolvimento sustentável
(VIANA, 2006,p.64). Na Amazônia, casos como o Parque Nacional do Jaú e do
Parque Estadual de Nhamundá mostram um quadro semelhante.
130
É preciso insistir também que é tempo de aprender as valiosas lições
trazidas pela luta dos povos extrativistas, imortalizadas pelo ideário de Chico
Mendes. Não cabe mais investir maior parte de nossos escassos recursos humanos
e materiais discutindo o óbvio – se temos ou não de excluir os homens para
conservar as plantas e animais.
Obviamente, não existem soluções únicas. Cada caso é um caso.
Entretanto, para muitos casos, vale resgatar uma formulação antiga, feita no auge
dos debates acalorados do início dos anos 90 (século XX) e que agora encontra um
contexto histórico apropriado: criar cleos de Reserva de Desenvolvimento
Sustentável ou Reserva extrativista, abrangendo as comunidades originárias que
vivem dentro das unidades de conservação de proteção integral.
Como definir a área e o sistema de manejo permitido? A área deve
envolver uma combinação de quintais, roças e florestas capazes de manterem a
cultura e os sistemas originais de produção local. Obviamente, esses sistemas de
produção devem receber um aporte de conhecimento científico, visando construir
pontes entre o saber original e a tecnologia moderna na busca de maior
sustentabilidade e produtividade. O sistema de manejo deve ser inserido dentro de
um zoneamento, feito de forma participativa, fortalecendo e apoiando-se no saber
original.
Nesse sentido, a gestão deve ser participativa, utilizando todas as
ferramentas atuais para dar eficácia e transparência. Não precisamos reinventar a
roda nem procurar longe: já existem muitos exemplos concretos na Amazônia.
Para certas populações originárias, o território tem dimensões bem mais
definidas, apesar da prática da agricultura itinerante como é o caso, por exemplo,
dos Caiçaras da São Paulo. Algumas populações originárias exploram o mangue,
outros o estuário e outros, ainda, a florestas etc. Não é o caso dos ribeirinhos
amazônicos. Essas populações se reproduzem explorando uma rica multiplicidade
de habitats: a terra, a floresta e a água. Contudo, a exploração desses, como a de
outros ambientes, implica não um etnoconhecimento dos recursos naturais como,
igualmente, das estações de reprodução das espécies, da flora e da fauna e do uso
de um calendário que se ajusta não a vontade unilateral dos homens, mas à
dinâmica dos diversos ecossistemas com os quais eles se relacionam, integrando-
se. É como se eles soubessem e vivessem o aforismo baconiano, saber é poder,
131
mas “dialogando” com a natureza. Nessa relação de respeito à natureza, o território
em que operam as populações ribeirinhas é descontínuo e marcado por vazios
aparentes terras em descanso, lagos de pesca, para o dia-a-dia, lagos de
procriação, lugares de caça etc. o que tem levado autoridades e movimentos
sociais que lutam por sua conservação, a declará-las como unidades de
conservação, por desconhecimento do seu uso, ou então por acreditarem nas UC-s
sem a presença humana (WITKOSKI, 2007,p.126).
Em suma, o principal argumento utilizado para o uso econômico das
unidades de conservação de uso indireto é o de que a ausência de medidas que
tratem das necessidades de desenvolvimento econômico e social das comunidades
que habitam a área de influência irá resultar irremediavelmente na diminuição da
qualidade ambiental perto dessas áreas, que passariam a ser dedicadas a outros
usos, certamente de maior impacto ambiental. Além disso, o não-uso implicaria uma
renúncia de rendimentos, considerados por alguns como sendo significativos, que
poderiam ser aplicados nas agências mantenedoras das unidades de conservação,
tradicionalmente sub-financiadas pelo poder público, além de utilizados para o
manejo e melhoria do sistema.
132
4 O RESGATE HISTÓRICO-GEOGRÁFICO DA RESERVA EXTRATIVISTA MÉDIO
JURUÁ
As reservas extrativistas foram originadas das lutas dos seringueiros em
defesa da floresta amazônica contra os desmatamentos, na realidade foi uma
conquista dos povos da floresta, uma vez que, pela primeira vez na história do
Brasil um movimento social conseguiu criar uma área sui generis dentro do sistema
de unidades de conservação do Brasil. O modelo de reserva extrativista irradiou-se
para outras áreas da Amazônia e, nesse contexto, foi criada a primeira reserva
extrativista do Estado do Amazonas, a do Médio Juruá, em 1997. Neste capitulo,
além do resgate histórico da ocupação social do dio Juruá, destacaremos as
práticas sociais constitutivas da criação da reserva.
4.1 A (re)produção socioespacial no Médio Juruá: a gênese da ocupação social
Para se compreender como o rio Juruá foi incorporado e explorado pela
lógica capitalista, bem como entender a lógica de dizimação imposta pelos
exploradores aos moradores autóctones e que haviam resistido à presença européia
desde o primeiro encontro, faz-se necessário entender como se deu a incorporação
da Amazônia pela Coroa Espanhola, bem como a importância do tex e a
exploração e reconhecimento do rio Juruá.
A região amazônica foi tocada pela primeira vez por europeus em
fevereiro de 1500. Comandava a expedição o espanhol Vicente Yáñez Pinzón, cujas
caravelas singraram vinte léguas do futuro rio Amazonas.
133
Tal qual um Adão geógrafo, Pinzón – eivado de religiosidade cristã e
admiração ante o fenômeno observado estabeleceu uma curiosa analogia entre a
doçura da Virgem Maria e o volume de águas doces que avançava no mar,
batizando o rio com o nome de Santa Maria de la mar Dulce, embora seus
companheiros denominassem aquele rio de Marañon (UGARTE, 2002,p.45). Assim,
a primeira aventura européia em solos amazônicos não ficou apenas no
deslumbramento da grandiosidade e beleza da região.
Iniciou, da mesma forma, na história da Amazônia, uma cadeia de
encontros – seguidos imediatamente de confrontos – com os nativos, já que o
primeiro contato resultou na captura de 36 indígenas, embarcados nos navios
espanhóis.
A viagem de Pinzón resultou em introduzir aquela região recém-contatada
nos planos de conquista e colonização que a Coroa espanhola dirigia no Novo
Mundo. Os reis espanhóis nomearam o próprio Pinzón, como recompensa ao seu
feito, capitão e governador das novas terras.
A segunda expedição européia que chegou às terras amazônicas
também na desembocadura do rio Amazonas foi comandada por outro espanhol,
Diego de Lepe, em fevereiro de 1500, alguns dias após a passagem das caravelas
de Pinzón. Chegando, coincidentemente, ao mesmo lugar onde estivera a expedição
anterior, a de Lepe foi recebida pelos nativos de armas nas mãos, por causa do
cativeiro daqueles 36 índios, levados por Pinzón. Este segundo encontro resultou
em mortal confronto. Os indígenas da região – por não aceitarem a presença desses
novos castelhanos, tidos certamente como escravizadores – tentaram impedir o
desembarque e mataram alguns dentre os espanhóis. Estes revidaram com as
armas de fogo, matando muitos índios e fazendo outros cativos.
De volta à Espanha, Diego de Lepe recebeu dos reis espanhóis uma
Capitulação semelhante à de Vincente Pinzón.
As viagens comandadas, respectivamente, por Vicente Pinzón e Diego de
Lepe inaugurariam a percepção européia sobre o mundo amazônico, em duas
vertentes; 1) o encanto pelo imediatamente visível e positivo as águas doces e a
aparente fertilidade da terra; 2) a expectativa, igualmente positiva, da existência de
diversas riquezas.
134
É preciso insistir, também, no fato de que, no estudo da natureza na
literatura e corroborando as visões das duas vertentes citadas, sempre uma
imagem recorrente sobressaindo-se uma visão selvagem onde a idéia da natureza
apresenta-se como limite da civilização e do domínio humano. Os lugares descritos
inspiram respeito, fascínio e até terror, florestas escuras e rios tempestuosos;
No entanto, é somente a partir do fim da década de 1530 que os europeus
começaram a dispor de mais informações sobre o interior da Amazônia. A região
começava a despertar cobiça pelas riquezas presumidas em seu interior, mas não
somente por isto. A riqueza material (ouro, prata, pedras preciosas, especiarias), na
maior parte das vezes, foi associada a elementos quiméricos, que encontravam
recepção no universo mental dos conquistadores europeus. A “fantasia da
conquista” ocasionava a migração geográfica do maravilhoso, o qual, por sua vez,
transformava-se a cada avanço dos conquistadores.
Indubitavelmente, os espanhóis formaram a frente pioneira na conquista
da Amazônia. Tendo consolidado suas bases na região andina, após conquistarem o
Império Inca, em 1531, os castelhanos realizaram expedições que lhe permitiram um
conhecimento mais preciso das regiões de planície e de floresta ao leste dos Andes.
As cidades de Cuzco e Quito eram os pontos de irradiação da conquista espanhola
para outras regiões da América do Sul.
Foi a expedição de Alonso Mercadilho que, em 1538, reiniciou o
devassamento do território amazônico, a partir dos Andes. Um de seus
destacamentos, composto por 25 homens, chegou à região, hoje em território
brasileiro, entre os rios Tefé e Coari, à época conhecida como “Província de
Machifaro”, mas esta expedição também não logrou êxito, pois não encontraram
metais preciosos, frustrando novamente as aspirações da coroa espanhola.
Tendo em vista os constantes fracassos em busca de riquezas organizou-
se em 1541, sob a direção do Capitão Francisco de Orellana que, associado a
Gonzalo Pizarro, Governador de Quito, Equador, partiram a pelo trajeto dos rios
formadores do rio Amazonas, em direção ao leste, procurando riquezas. Depois de
um certo ponto da viagem, entretanto, Orellana prosseguiu com seus homens, numa
embarcação que eles próprios construíram.
135
Frei Gaspar de Carvajal (cronista) fez vários relatos da paisagem nessa
viagem, como a descoberta do encontro das águas, além de relatar o embate que
diz ter acontecido entre os tripulantes e as mitológicas Amazonas, que veio
posteriormente nomear o caudaloso rio.
Durante um bom tempo, a falta de conhecimentos sobre a região e quanto
ao aproveitamento de suas riquezas, bem como a ausência de pontos da paradas
(aldeias, por exemplo) fizeram muitos homens, alguns portugueses, sucumbirem
diante das adversidades da floresta.
Praticamente, o século XVI foi todo tomado pela presença espanhola na
Amazônia; entre 1560 e 1561, foi a vez de Pedro de Ursúa subir o rio Negro para
chegar ao rio Orinoco, através do canal natural de Cassiquiare (liga a bacia
amazônica à bacia do rio Orinoco).
Alternadamente a presença européia, não espanhola e portuguesa, foi
se manifestando, apesar das dificuldades enfrentadas. Timidamente foram
percebendo que a região não era o El Dorado
13
, como haviam imaginado, porém
possuía especiarias que poderiam tornar-se verdadeiras riquezas, as chamadas
Drogas do Sertão, como as essências nativas, tipo salsaparrilha, o cravo, a canela,
o urucum, a baunilha, a piaçava, resina (extraída do látex), inúmeras espécies de
madeiras, sementes oleaginosas, carne salgada de peixe, entre outras.
Sem dúvida, a maior expressão na conquista e povoamento de nosso
império territorial, só notada no século XVII, foi o General Pedro Teixeira. Ele subiu o
rio Amazonas aQuito, em 1637. Nesse momento observa-se uma maior presença
portuguesa na Amazônia. Por um bom período, eles se preocuparam com outras
áreas do país e haviam estabelecido aqui, até então, apenas fortificações militares e
missões religiosas.
Pedro Teixeira, no sentido inverso (E-W) feito por Orellana, explorou,
montou diversas feitorias e postos de pesca e deu nome a diversos afluentes do
Amazonas, deixando na confluência do rio Napo e Aguarico, fronteira do Brasil-Peru,
o marco de pedra com os brasões e armas de Portugal, concretizando para sempre
a conquista da Amazônia brasileira, sacramentada pelo Tratado de Madri, em 1750.
13
El Dorado - Os colonizadores esperavam, como no resto do País e continente, encontrar riquezas (ouro e
pedras preciosas), mas frustraram-se nesse propósito, que não as descobriram naquela época. Esse nome vem
da lenda de um príncipe que se banhava em pó de ouro todos os dias.
136
Isso só foi possível porque, de 1580 a 1680, Portugal e Espanha achavam-se unidos
sob uma única coroa (união Ibérica), além do papel importante em toda essa história
exercido pelo índio, que era verdadeiramente capaz de repassar conhecimentos
inerentes à floresta, que os portugueses não tinham meios de ocupar
efetivamente a região.
Algumas tribos foram as verdadeiras responsáveis por estas realizações.
Outras, como as do rio Negro, encabeçadas pelos Manaos, resistiram pela força.
Coube, então, aos religiosos a tarefa de pacificá-lo, preparando-lhes o espírito para
a dominação portuguesa. Nas dezenas de missões estabelecidas na Amazônia
pelos jesuítas, carmelitas, franciscanos e mercedários, ensinou-se português aos
indígenas, procurou-se convertê-los ao catolicismo e fazê-los aceitar a vida em
povoados, dedicando-se à agricultura e à extração de produtos a serem exportados
à Europa. As margens do rio Amazonas e dos principais afluentes, estas missões
dariam lugar a vilarejos que se tornariam centros de comércio e expansão
portuguesa.
É preciso ressaltar que, dentre as diversas especiarias que eram
exploradas, uma delas vinha chamando atenção desde o descobrimento, por tratar-
se de um produto totalmente desconhecido pelos portugueses, que passaram a se
interessar mais de perto. É que os nativos da região usavam o leite de certas
árvores, denominadas Hevé ou Cautchuc, como resina para impermeabilização de
diversos materiais, combustível, inflamável, confecção de bolas e tochas ou flechas
inflamáveis.
Os franceses começaram a pesquisar mais profundamente, pois na
Europa não havia nada igual, ou melhor, nenhum artigo que apresentasse tal
elasticidade. Cabe salientar que muitas descobertas científicas revolucionárias se
processaram no Novo Mundo, considerando que os europeus necessitavam de
novas matérias-primas para realizarem a Revolução Industrial, no século XVII. A
partir desse momento, o Amazonas entraria em sua primeira era de grande
prosperidade: a fase áurea da borracha. Todos os esforços e toda mão-de-obra
disponível seriam desviadas para a extração da mesma.
137
Nesse contexto, ressalta-se que cada época histórica elabora um ideal
humano, ao qual as vivências, o modo de ver e sentir encarnam uma espécie de
arquétipo desse tempo. Assim, a Amazônia do ciclo da borracha esquece os
padrões limitados do colonialismo português e entrega-se ao romantismo da
aventura capitalista.
Sem a teologia, e com lances de desbravadores, os novos senhores, os
comerciantes e os seringueiros, aproximaram-se do aventureirismo cavalheiresco
dos espanhóis do culo XVI, sem o messianismo, mas irremediavelmente tomados
pela febre de sensações exóticas (SOUZA,1999,p.15).
O Amazonas nunca mais seria o alucinado quanto durante o ciclo da
borracha. Se ainda era possível reconhecer algumas lembranças da velha ordem
colonial portuguesa, o chamado boom da borracha jogou-as por terra. Frente ao
enriquecimento rápido e as facilidades orçamentárias, as lideranças amazonenses
perderam todas as perspectivas, sobretudo as da própria região. De acordo com a
cotação da hévea, a região devia ser sempre mitificada e esquecida.
O cosmopolitismo do ciclo da borracha, face e sinal de um radical
processo de alienação, parece ter um surgimento forçado e quase num salto brusco.
A região, na historiografia esquemática que se escreve sobre ela, parece ter
experimentado um vigor inesperado que a retirou do silencioso passado colonial,
com suas vilas com poucas casas, para um ritmo trepidante e voraz. Uma nova
psicologia obrigava as elites a não se satisfazerem com a vida pacata e
provinciana. O comércio da borracha vinha proporcionar inquietudes inéditas.
O proprietário de terra e o coletor de drogas do sertão ganharam novo
status. Ao contrário do colono português e do estamento burocrático do império, os
modernos extrativistas sustentavam-se nas casas de crédito, nas hipotecas e na
exportação. Mostrariam um pendor pela ostentação por estarem irreversivelmente
alienados pelo fácil enriquecimento. A riqueza acumulava-se nas mãos de uma
minoria comissionada e de exportadores, em detrimento de uma vasta mão-de-obra
indefesa e no regime do trabalho safrista.
O coronel da borracha, ou seringalista, seria o grande astro desta comédia
de boulevard, a grande personagem desta obra-prima da monocultura brasileira que
foi o ciclo da borracha. Ele era o patrão, o dono e senhor absoluto de seus domínios,
138
um misto de Senhor de Engenho e aventureiro vitoriano. Havia, por isso,
discrepância na sua atitude: era o cavalheiro citadino em Manaus e o patriarca
feudal no seringal. Essa contradição, no entanto, nunca preocupou ninguém
(SOUZA, 1999, p.29).
A face oficial do látex era a paisagem urbana, a capital coruscante de luz
elétrica, a fortuna de Manaus e Belém, onde imensas somas de dinheiro corriam
livremente. O outro lado, o lado terrível, as estradas secretas, estava bem protegido,
escondido no infinito emaranhado de rios, longe das capitais. O lado festivo, urbano,
civilizado, que procurou soterrar as grandes monstruosidades cometidas nos
domínios perdidos, poucas vezes foi perturbado durante sua vigência no poder.
Nesse contexto, os coronéis da borracha pularam da indigência para a
opulência, conhecendo os perigos de uma natureza desconhecida que era selvagem
e virgem e, por isso, eles amaram muito mais a aventura da especulação que a
solidez econômica, além do mais, os resultados financeiros da borracha não eram
bens de consumo, mas de capital.
O cenário descrito acima foi o que determinou a exploração do médio
juruá, em fins do século XIX. Assim, para se entender a gênese dos moradores da
reserva, faz-se necessário compreender como foi que se deu o povoamento efetivo
do rio Juruá, bem como a ocupação do espaço do município de Carauari, onde se
localiza a reserva. Nesse contexto, num primeiro momento, destacaremos as
principais fases de reconhecimento do rio, bem como os seus principais
exploradores. Num segundo momento, analisaremos a ocupação e surgimento do
município de Carauari, bem como a exploração do médio juruá.
Com a procura crescente da borracha no mercado mundial, principalmente
depois que foi descoberto o processo de vulcanização, e as medidas
governamentais que incentivaram o povoamento, iniciou-se, uma nova fase de
ocupação. Saindo à procura de seringueiras nativas, os extratores brasileiros
conseguiram aumentar o patrimônio territorial do Brasil (vide caso do Acre).
139
Todo esse processo de expansão, que gerou um aumento demográfico e
territorial na Amazônia, deve ser entendido dentro de uma visão mais ampla como a
dependência da economia amazonense ao capitalismo monopolista internacional
que estava em desenvolvimento na segunda metade do século XIX, com sua política
de dominação das fontes de matéria-prima e do mercado.
Não podemos esquecer que, conforme aumentava a procura da borracha
no mercado exterior, mais e mais se requeria o trabalho do índio na descoberta do
produto e no conhecimento dos canais, furos e igarapés, que eram as vias utilizadas,
fazendo com que esse produto pudesse chegar ao ponto de partida para a sua
distribuição. Tal qual ocorria no início da colonização portuguesa, ele continuava a
ser descido, escravizado e usado como “índio-remo, “índio-piloto” e “índio-bússola,
para empregarmos imagens de Ribeiro (1996).
Com a pressão da demanda, o aliciamento do indígena foi acelerado o
para a procura de seringais mas também de cauchais. A técnica usada para esse
aliciamento consistia em seqüestrar as mulheres e as crianças, assegurando dessa
forma a cooperação dos homens na busca de novas árvores, principalmente no caso
do caucho, que era abatido para dele se obter o látex. Essa forma de coleta
extremamente rude fazia com que as frentes extrativistas estivessem sempre a se
mover à procura de novos cauchais. Semelhante, as estradas de seringueiras o
possuíam uma disposição simétrica e as técnicas iniciais de obtenção da goma pelo
abate da árvore ou pelo arrocho, em que a planta sofria golpes de cima e depois era
amarrada fortemente com cipó, empobreciam um seringal e faziam, também, com
que essas frentes se movessem cada vez mais. Onde encontrassem índios, as
aldeias eram assaltadas e sua população arregimentada para o trabalho de busca.
Como geralmente a composição demográfica dessas frentes era de homens, as
mulheres indígenas foram usadas para a satisfação do apetite sexual dos mesmos,
fato esse que, tal qual o aliciamento do homem-índio, contribuiu para a extinção dos
grupos mais expostos a esses contatos.
Até 1850, aproximadamente, a exploração de borracha ficou circunscrita
às vizinhanças de Belém e à região das ilhas. A partir daí, os extratores entraram
nos rios Xingu e no Tapajós, onde foram descobertos novos seringais, e, pouco a
pouco, foram-se avizinhando do Amazonas. Iam à procura desse novo El Dorado, o
ouro negro.
140
De Cametá, Gurupá, Santarém, Monte Alegre, Óbidos e outros locais do
Pará, alguns paraenses dirigiram-se para os lagos Autazes e outras áreas do rio
Madeira. Enquanto esses caboclos migravam para o Amazonas, também os
amazonenses, saindo de Tefé, Manacapuru ou Itacoatiara, se encaminhavam para o
Purus e o Juruá (OLIVEIRA,1983,p.225).
Dos relatos escritos no século XVII, pode-se contar com melhores
informações trabalhadas por cronistas que, além de viajarem pelo rio Amazonas e
colheram material in loco para seus escritos, pautaram-se tanto no que viram e,
principalmente, no que ouviram.
Destaca-se, dentre as crônicas do século XVII, como a primeira a fazer
referência explícita ao vale do Juruá, a do padre jesuíta Cristoval de Acuña.
[...] avistamos a boca do rio que, com razão, podemos chamar Cuzco
porque de acordo com o regimento de navegação de Francisco de Orellana,
de que tomei conhecimento, este rio está a norte-sul com a cidade de
Cuzco. Entra no Amazonas a cinco graus de altura e a vinte e quatro léguas
da última aldeia dos Águas. Os nativos os chamam de Juruá, e é muito
povoado de gente
.
O Padre Acuña foi incumbido pela audiência de Quito de escrever um
relato minucioso sobre a viagem de descida pelo rio Amazonas, fazendo parte da
expedição portuguesa sob comando de Pedro Teixeira, em 1639. De acordo com a
literatura consultada, o religioso identifica o rio pelo seu nome indígena, especula
suas origens e tenta descrever, pelo que tinha ouvido, o montante da população
nativa daquela área.
Após cinqüenta anos de viagem do padre Acuña, ainda no culo XVII,
surgiram outras notícias sobre o Juruá, através das crônicas do também padre
Jesuíta Paolo Maroni, que, baseado nos relatos de outro Jesuíta, o padre Samuel
Fritiz, escreveu “o terceiro rio caudaloso que vem do sul e entra no Marañon duas
jornadas antes de chegar ao Negro é o Yuruá”.
As províncias sobre as quais Maroni fornece informações são frutos da
implantação missionária que os jesuítas das províncias espanholas vinham fazendo
desde a década de 1680. Essa implantação missionária fazia parte da estratégia da
Coroa espanhola de salvaguardar a região do alto Amazonas, do qual o vale do
141
Juruá fazia parte, contra o avanço colonial português. Embora a região do alto
Amazonas estivesse sob domínio espanhol todas as terras a oeste do meridiano
seriam de Portugal por causa das incursões lusitanas na região.
As primeiras frentes extrativistas marcam a ocupação do vale do Juruá,
dentro do que diversos autores denominavam de boom da borracha. Essas frentes
extrativistas, comandadas por João da Cunha Corrêa, recolheram drogas do sertão.
Esse sertanista é considerado o primeiro a percorrer o vale do Juruá, chegando a
atingir as terras acreanas. Amigo particular e colaborador de Chandlles e Bates, é
nomeado Diretor de Índios do Juruá pela Província do Amazonas, em 1854, numa
fase marcada pela exploração gomífera e pela violência numa disputa de espaço
com os nativos que habitavam densamente o vale do Juruá.
Em 1768, os moradores do povoado conhecido como Castro de Avelãs
extraem (capturam índios) mão de obra em sua embocadura. No final do século XIX,
o Jesuíta austríaco Samuel Fritz, a serviço da Coroa espanhola, funda algumas
missões na foz.
Entretanto, os primeiro a sulcarem o rio em direção à montante em buscas
das drogas do sertão (salsaparrilha, essências, óleos. etc...) foram os regatões
(comerciantes dos rios) vindos principalmente da localidade de Fonte Boa, Coari e
Tefé. As primeiras migrações para o rio vieram do estado do Pae da província do
Amazonas. Os irmãos Coelho, Cristóvão e Antonio, vindos de Tefé, foram os
primeiros de que se têm registros a se estabelecerem no rio Juruá, tendo sua sede
de negócios na localidade conhecida como Lago Serrado (jusante da sede do
município de Carauari), a qual era um ponto de apoio para a coleta das drogas do
sertão.
As explorações vão se avolumando a partir da segunda metade do século
XIX. O Sertanista João da Cunha Corrêa, oriundo do município de Cametá (PA), foi
um dos diretores dos índios do Juruá, entre os anos de 1855 e 1863. Em 1857,
partindo da sede do diretório que ficava na localidade de Joanico, fez uma viagem
de exploração no rio com o auxílio da fazenda provincial, acompanhado de dez
guardas nacionais da cidade de Tefé. Nessa viagem, deslocou-se até o alto curso do
rio; em seu relatório de viagem, constam informações sobre muitas tribos indígenas.
142
Em 1861, Johann Baptist Von Spix (naturalista alemão) sobe o rio e faz
um levantamento etnográfico do vocabulário utilizado pelos índios Catuquinas,
principal nação indígena do rio Juruá.
O geógrafo inglês Willian Chandles foi o primeiro cientista a registrar
informações sobre os aspectos naturais do vale do Juruá, no ano de 1873, tendo
como guia o senhor João da Cunha Corrêa, considerado perito no contato com os
nativos.
Em 1873, o governo aprova uma linha de vapores para o rio. Assim, entre
os anos de 1865 e 1870, o senhor Antonio Pereira Salles explora seringais desde a
sua foz, tomando posse de vasta área de terra.
O senhor Miguel de Aguiar Picanço entra no Juruá em 1871 e explora e
cultiva os seringais Concórdia, Tambaqui, Xué e Xeruã. Nesse mesmo ano, o senhor
Manoel Victo de Siqueira Júnior compra do governo paraense um pequeno vapor,
chamado “Juruá”, que faz a primeira viagem em 1872.
O povoamento sistemático deu-se a partir de 1872, incrementado pela
linha regular do vapor, o que facilitava o escoamento da produção de látex, bem
como o deslocamento de pessoas vindas do nordeste brasileiro. Entre 1877 e 1888
chega ao rio nordestinos que vieram em decorrência da grande seca que se abateu
sobre o nordeste brasileiro.
Felipe Manoel Cunha Corrêa, filho de João da Cunha Corrêa, partindo da
localidade de Joanico, sobe o rio e compra alguns seringais, dentre eles o seringal
São Felipe (atual Eirunepé).
No período de 1897 a 1908, os padres Jean Batiste Parissier e Algusto
Cabrolier fazem desobrigas no rio, vindos da cidade de Tefé e localidade das
Missões. Nessa viagem fazem muitas anotações sobre os aspectos culturais,
econômicos e sociais do rio.
Em 1901 e 1902, Ernesto Garbe e seu filho Walter fazem uma expedição
patrocinada pelo museu de São Paulo. Em 1904, Herman Von Ilhering publica uma
monografia sobre o rio. No ano de 1905, desloca-se para esse rio a comissão mista
de limites Brasil-Peru, tendo como representante do Brasil o General Belarmino
Mendonça.
143
Nesse mesmo ano, um ex-oficial da marinha alemã, Augusto Hilliges, faz
um mapa detalhado do rio, sendo que o mesmo trabalhou durante muitos anos como
comandante de navios gaiolas que faziam linha regular para o Juruá.
Destaca-se como um dos mais fiéis conhecedores do Juruá o padre
Espiritano Constatino Tastevin que, oriundo da prelazia de Tefé, fez várias viagens
ao rio Juruá, entre os anos de 1905 e 1937, resultando dessas viagens um vasto
material a respeito do referido rio. Conseqüentemente, a partir do inicio do século XX
deu-se a incorporação do rio Juruá ao processo produtivo capitalista que tinha na
exploração do látex seu produto principal.
É necessário frisar, por outro lado, que todas as economias tiveram seu
início em atividades primárias, ou seja, naquelas que lidam ou recolhem da natureza
os bens necessários, sem sua reposição ou multiplicação. Obviamente, os nativos
de Carauari utilizavam-se do extrativismo como principal atividade econômica.
Carauari situa-se na margem esquerda do rio Juruá. Suas margens são
cobertas de igapós, com igarapés desaguando em seu leito, é uma região de
seringais nativos. A origem do nome Carauari vem da língua geral conhecida como
nheengatu, e assim se decompõe: cara – batata, comida, alimento; e uari – de Deus,
do céu. É traduzido por comida abençoada, manjar divino, cujo tubérculo conhecido
como cará é bastante apreciado pelos habitantes autóctones.
Os primeiros habitantes de Carauari foram os índios Marauás, Canamaris,
Catuquinas e Catauixis, que foram dizimados no encontro, principalmente com os
portugueses, e, na seqüência com os seringueiros que procuravam se estabelecer
nas margens dos cursos d’água do médio juruá. Consta, em alguns registros, que
havia índios anões de pouco mais de um metro, e outros dotados de caudas, à
semelhança de símios (DIAS,1867,p.1).
Nas primeiras décadas do século XIX, à procura de caucho e de outras
espécies gomíferas várias expedições singraram o rio Juruá, atraindo também um
contingente grande de nordestino que vinha em busca de trabalho nos seringais. Em
Carauari, estabeleceram-se nos seringais nativos e tornaram-se seringueiros.
144
Como não era comum a presença de mulheres nessas migrações, os
nordestinos procuraram miscigenar-se com habitantes autóctones, contribuindo para
o povoamento da área. Conseqüentemente, os moradores do município são
descendentes de nordestinos, principalmente cearenses, pernambucanos e
paraibanos.
O município surgiu admistrativamente em 1911, no local denominado
Xibauá, com território desmembrado do município de Tefé. Em 1912, a sede
municipal transfere-se para um seringal de propriedade do senhor Leonel Alves
Pedrosa, onde se localiza a sede atualmente. Em 1981, parte de seu território é
desmembrado em favor do surgimento do município de Itamarati.
Segundo dados fornecidos pela Prefeitura Municipal (1997), a zona urbana
do município é formada pelos bairros de Samuel Amaral, Nossa Senhora de Fátima,
Nova República , Morumbi, Ramalhão, Bairro da Luz (antiga Poronga) e 14 Bis. A
zona suburbana é formada pelos Distritos do Gavião, Taquara e Igarapé da Roça.
A zona rural é formada por 35 comunidades, dentre as quais se destacam:
Roque, Pupuaí, Gumo do Facão, Tabuleiro, Mandioca, Bom Jesus, Itanga, Vila
Nova, Santa Maria, Bauana, Fazendinha e Ressaca
A sede municipal localiza-se à margem côncava de um sacado (nome
regional para meandro abandonado), o qual é composto de um duplo meandro que,
ao ser desligado do rio Juruá (década de 1950), formou um lago de traçado em
dupla ferradura. Os meandros se verificam no chamado percurso de planície,
quando o rio, carente de declive necessário ao escoamento rápido, entra numa fase
de indecisão e de velocidade moderada, mas não tanto que não movimente os
redemoinhos e escave o bordo côncavo de uma seção da margem, enquanto
aluviona a seção contrária, ou bordo convexo. Esse processo acaba no
estrangulamento do istmo construído pela meandragem (MONTEIRO,195?).
145
A respeito, desse processo de geomorfologia fluvial, amazônica destaca-
se que:
Os rios ainda não se firmaram nos leitos; parecem tatear uma situação de
equilíbrio derivando, divagantes, em meandros instáveis, contorcidos em
sacados, cujos istmos a revezes se rompem e se soldam numa
desesperada formação de ilhas e de lagos de seis meses, e até criando
formas topográficas novas em que estes dois aspectos se confundem; ou
expandindo-se em furos que se anastomosam, reticulados de todo
incaracterísticos, sem que se saiba se tudo aquilo é bem uma bacia fluvial
ou mar profusamente retalhado de estreitos (CUNHA, 2003,p.35).
Com a formação do lago, a cidade ficou isolada do rio Juruá, situando-se a
oeste desse, assim, leva-se cerca de 40 minutos de barco para se atingir novamente
o rio.
A hidrografia, na organização do espaço rural de Carauari, é muito
importante em virtude da navegabilidade não pelo rio Juruá, mas também pelos
inúmeros cursos d’água que drenam a área. Os rios constituem as únicas vias
naturais e têm quase sua totalidade revestida por espesso manto florestal. Às suas
margens, o povoamento se estende, quer isoladamente na forma de palafítica, quer
em núcleos de diversas categorias.
Nesse contexto, o habitat rural de Carauari pode ser classificado como
linear e disperso, tendo o rio como eixo principal. Assim, a teia potamográfica, o
rendilhado fluvial, em tudo a água impera. Nesse sentido, pode-se afirmar que o
“Rio Comanda a Vida” (TOCANTINS, 1968), haja vista que nos parece bastante
sugestivo em relação à importância que tem a água no modo de vida do ribeirinho
amazônico.
No final da década de 1970, especificamente em 1977, a PETROBRAS
fez pesquisas na área do município e encontrou vários depósitos de hidrocarbonetos
e de gás que não foram explorados por apresentarem uma vazão muito pequena, o
que o inviabiliza comercialmente. Nesse período migraram de outras cidades e até
mesmo dos seringais e de colocações muitas pessoas em direção à sede municipal,
em busca de emprego nas empresas que prestavam serviços à estatal. Esse fluxo
de pessoas ocasionou o surgimento de dois bairros denominados Nova República e
Fátima.
146
Nesse período, a sede municipal se desenvolveu bastante, haja vista as
centenas de empregados que prestavam serviço à companhia petrolífera. Esse
período durou até 1986, quando a PETROBRAS descobriu reservas de
hidrocarbonetos no município de Coari, deslocando a sede da empresa para outro
local, primeiro a Tefé e, mais recentemente, a Coari. Esse deslocamento da base da
estatal fez com que diminuísse o número de funcionários contratados em Carauari,
mas como os moradores possuem experiência em trabalhos de prospecção é
dada prioridade na sua contratação, mesmo que em outro município, o que está
gerando uma migração para a nova sede da empresa.
A agricultura é praticada de maneira tradicional, sem fertilizante,
corretivos, nem acompanhamento técnico, situando-se principalmente nas margens
das estradas vicinais, bem como nas comunidades ribeirinhas do rio juruá. O
principal produto cultivado é a mandioca, sendo os outos cultivos insignificantes
(milho, arroz, melancia, maxixe, etc). Em conseqüência, existe uma baixa
produtividade. Se houvesse uma produção maior, os agricultores não teriam a quem
vender, pois um problema crucial no município é o escoamento da produção. A
pecuária é praticada em sua maior parte na sede do município, às margens das
estradas do Gavião, Riozinho, Taquara, Igarapé da Roça, Igarapé da Areia e Lago
Preto). A avicultura de postura também se faz presente na área, mas sua produção
não atende à demanda.
Em virtude de ser a atividade principal dos moradores, o extrativismo
torna-se de suma importância para o município, que a agricultura representa
apenas uma atividade satélite do extrativismo.
Por fim, faz-se necessário destacar que a ocupação do dio Juruá, bem
como o surgimento do município de Carauari, se deu em decorrência da exploração
de produtos vegetais, tendo sido o latéx o principal. Nesse contexto, os moradores,
sejam da sede municipal, sejam da Reserva Extrativista, são oriundos desse período
conhecido como ciclo da borracha.
147
4.2 A criação da reserva extrativista diante do espaço social constituído no
Médio Juruá.
Os espaços geográficos produzidos no decorrer da história, ou seja, nos
diversos modos de produção, com exceção do Comunismo Primitivo, sempre
demonstraram que sua produção, organização, apropriação e usufruto foram
determinados pelas relações de posse entre os diversos grupos sociais, como
também pelas condições técnicas com que cada um contou em cada época. Assim,
com o mercantilismo e o capitalismo comercial e industrial, iniciou-se um processo
de agressão e destruição da natureza nunca vistos no decorrer da história.
Esse modo de produção, que implicou o aniquilamento de ecossistemas,
provocou verdadeiros desequilíbrios, os quais geraram alterações climáticas,
extinção de várias espécies de animais e vegetais em função de uma lógica
crematística (GONÇALVES, 2004,p.21) insaciável e, como a Amazônia representa
uma grande oportunidade de lucro, atraiu para a região capitalistas ávidos por bons
negócios.
A coleta das chamadas Drogas do Sertão foi a primeira forma de
extrativismo praticada pelos capitalistas na área de estudo. Com o passar do tempo
e após a expedição de Charles Marie de La Condamine (1736), bem como a
descoberta do processo de vulcanização feita por Charles Goodyear (1839), houve a
substituição da coleta das drogas pela da extração do tex, fazendo com que, por
volta de 1870, se intensificasse a exploração dos seringais nativos situados nos rios,
lagos e igarapés que atravessam o município.
A partir daí, foram se constituindo os primeiros seringais, desbravados por
nordestinos, que vieram residir na área do município. Na “verdade, um esteio da
civilização ocidental em plena selva equatorial” (SOUZA,1999,p.11). Para se
apossarem da área, bastava-lhes erguer uma barraca de paxba (palmeira) às
margens do rio ou de algum afluente ou lago. Descobertas as árvores de
seringueiras, montavam-se os primeiros abrigos e dava-se o início à validade do
trecho da floresta escolhido.
148
O processo avaliativo demorava em decorrência da grande extensão de
terras preteridas e das dificuldades impostas pela floresta. O reconhecimento da
área exigia pessoal prático, como demonstra Cunha (1906, p.15) em artigo publicado
na revista “Kosmos”, que sintetiza todas as etapas de apropriação e reconhecimento
da área. (Anexo 3). Num primeiro momento, entretanto, não eram muitos os que
possuíam o conhecimento preciso das áreas ricas de Hevea. E, assim, verificada a
possibilidade de um rendimento compensador, o grupo permanecia. Iniciava-se a
exploração. Estava fundado o seringal, surgindo daí uma territorialidade seringalista
(GONÇALVES,1998,p.203).
Muitas vezes, em meio à exploração de um seringal, descobria-se outra
área gomífera. Ocorria então uma corrida, em que os seringueiros que iam proceder
à localização abriam o seringal e ampliavam o campo de ocupação. A ofensiva tinha
de ser realizada com rapidez para afastar outros competidores.
Mateiros, geógrafos, aventureiros, foram os heróis nômades dessas
explorações, percorrendo a selva por dias e meses, meses e anos em meio aos
chavascais (áreas pantanosas) espinhentos e muitas vezes intransponíveis.
Enfrentando com esforço e sacrifício o desconhecido, revelavam os rios para os
mundos conhecidos. Sem esses homens, o teríamos a posse dos seringais
milionários dos altos rios (BRITO, 2001,p.72).
Vale frisar que o nordestino também foi importante para a fixação da
língua portuguesa na Amazônia, haja vista, que na realidade, a língua portuguesa só
universalizou-se “quando a inserção da Amazônia na divisão internacional do
trabalho como produtora de borracha atraiu para a região, no período de 1870 a
1910, cerca de 500 mil nordestinos, todos portadores da língua portuguesa”
(FREIRE, 2004,p.133).
A posse não se procedia sempre com serenidade, pois o choque entre
seringueiros a serviço de patrões diferentes era inevitável. Quando a facilidade de
ocupação começou a diminuir, os assaltos aos seringais novos, na disputa pela
posse, eram constantes, ocorrendo assassinatos e invasões. Na realidade, havia um
choque de territorialidade seringalista.
149
O mais importante no seringal, além de sua dimensão, era a quantidade
de árvores produtoras de látex. Uma alta produção de borracha tornava o
seringalista prestigiado junto às casas aviadoras. O sistema de aviamento
funcionava em um sistema de dependência mútua, na qual uma parte estava sempre
presa à outra, com endividamento compulsório entre seringalista e seringueiro. O
endividamento também ocorria nos outros níveis do sistema, “porém, nestes havia
mais uma compartilhação dos lucros proporcionados com a superexploração do
trabalhador do que entre si” (SILVA, 1997,p.7). As casas aviadoras eram
financiadas pelas casas exportadoras que, ligadas ao capital monopolista
internacional, conformavam o nó mais forte do elo.
O pequeno estabelecimento, na base do sistema de exploração gomífero,
não podia existir. O estabelecimento constituía um imperativo geográfico e
econômico. Por isso, o latifúndio passou a ser a característica principal do seringal.
Como aconteceu em boa parte da Amazônia, deslocaram-se, para
Carauari, retirantes nordestinos. O movimento migratório era espontâneo, sem
qualquer planejamento ou qualquer política governamental (com exceção do período
da Segunda Guerra Mundial). A abundância de terra e a oferta de trabalho, gerados
pela extração do látex, atraíam cada vez mais nordestinos. Chegando a Hiléia,
vinculava-se ao seringalista, ao qual competia prover a subsistência daqueles. Os
nordestinos eram transportados aos distantes seringais em navios (chamados
gaiolas) movidos a vapor. O destino primeiro dos Arigós (como são conhecidos na
área de estudo os recém-chegados do nordeste e sem nenhuma experiência, em
outras áreas da Amazônia especialmente no estado do Acre, são conhecidos como
brabos) eram os pousos, como eram chamados os locais de hospedagem dos
recém-chegados. Um desses pousos ficava em Carauari, onde os nordestinos eram
alojados e os seringalistas vinham à procura de mão-de-obra.
Os nordestinos, assim que se instalavam nos seringais, tinham todas as
despesas debitadas na conta deles, desde o custo da viagem até o preço das
instalações. Ao fim, as dívidas somavam muito, tornavam-se hipotecas difíceis de
serem liquidadas. Na realidade, o “seringueiro é um homem que trabalha para
escravizar-se”. (CUNHA,1909,p.45).
150
Nos seringais nada se comprava ou se pagava com dinheiro, mas em
espécies. Os preços do carretel de linha, do anzol, dos remédios, das roupas, dos
alimentos, eram todos majorados sobre o valor real. O aviador acrescia-os para o
seringalista e este para o seringueiro. Em última análise, o “seringueiro paga as
mercadorias que lhe vendem com ágio que vai até 100% ou mais. E como não
dispõe de dinheiro para efetuar os pagamentos, tudo adquire mediante crédito que
lhe abre na sede do seringal” (REIS,1997,p.170).
No Médio Juruá havia dois tipos de seringais: os patronais e os patriarcais,
cada um com suas singularidades. Como mencionado anteriormente, nada
acontecia nos seringais patriarcais. Nesses seringais, os próprios moradores eram
os donos das terras. Livres, portanto, poderiam vender sua produção a quem
desejasse. Esses existiram em menor quantidade, sendo os mais comuns os
seringais patronais.
O seringalista (seringal patronal) morava no barracão central, geralmente
localizado em ponto estratégico, como à margem de rios, embocaduras de lagos e
igarapés, pois havia o perigo dos seringueiros desviarem a produção. Sendo assim,
vigiava-se todo movimento de entrada e saída de barcos, pessoas e, principalmente,
de regatões. O chamado Coronel era quem detinha o poder econômico, criava uma
estrutura na qual a lei era sua palavra. As patentes destes senhores eram
compradas do Governo do Estado, que os protegia. Garantias e autoridade eram
outorgadas aos seringalistas, que tinham sua guarda pessoal e cujos atos jamais
eram contestados. Na verdade, a palavra desses senhores equivalia a um
documento.
Um personagem típico dos rios amazônicos e que perpassou ao tempo,
são os Regatões (denominação dada porque regateiam), comerciantes dos rios,
lagos e igarapés. Onde não chegava o patrão, chegava o regatão. Estes
comerciantes visavam comprar a produção gomífera, desviada dos seringais,
quando conseguiam adentrar as colocações ou seringais sem serem interceptados
pelo seringalista. Eles representavam uma alternativa arriscada por parte do
seringueiro em adquirir seus produtos, cujo pagamento se dava em forma de
borracha.
151
A esse respeito, destaca-se que a primeira referência sobre regatão na
Amazônia foi apontada por um documento datado de 1668, que dava conta dos
problemas criados pelos mercadores – regatões – à Fazenda Real.
O regatão participou em todos os momentos e nas atividades do período
colonial, desde a coleta de drogas do sertão, do apresamento de índios, do
extrativismo animal e vegetal e até do incentivo às atividades agrícolas em
diversos momentos. Os fiscais da Fazenda Real e os governantes locais,
viam nele um perigoso aliciador de mão-de-obra indígena, que tentava
escapar aos serviços de sua Magestade; os missionários o consideravam
prejudicial à catequese e o acusavam de ser introdutor de todos os vícios
entre os indígenas. (BARBOSA,1990,p.2).
Com a atividade econômica da borracha e sua conseqüente expansão por
todo vale amazônico, intensificaram-se sobremaneira as atividades do regatão. O
regatão contava ainda com mais um inimigo poderoso dentro da estrutura
econômica e jurídico-política da região: os donos de seringais, que o acusavam de
invadir suas propriedades para negociar com os seringueiros que viviam sob seu
domínio. A esses se aliam os comerciantes estabelecidos nos pequenos centros
urbanos, porque viam no regatão um concorrente desleal. Perseguido pelos
poderosos, aceito pelas populações a quem explorava e servia, o regatão segue sua
trilha histórica, em vários momentos e quase sempre na clandestinidade, chegando
até os nossos dias.
O regatão podia levar meses em uma viagem, parando de porto em
porto ou em pontos estratégicos, mantendo contato com sua freguesia, isto é, com o
grupo de pessoas com o qual realizava suas trocas.
Cada regatão atuava em uma área mais ou menos determinada, havendo
entre eles uma disputa da freguesia, embora norteada por um princípio ético: um
regatão deve sempre respeitar a freguesia do outro. A freguesia podia variar entre
cinqüenta a cem famílias, dependendo da capacidade do regatão em fazer amizades
ou ter mercadorias suficientes para atender (aviar) os fregueses numa viagem
(BARBOSA, 1990, p.3)
Esse tipo de comércio era repudiado pelo seringalista, que temia o desvio
da produção e, conseqüentemente, o endividamento, cada vez maior, dos
seringueiros, que não conseguiriam saldar suas dívidas nas datas previstas
(conhecidas localmente como quinzenas). Essas datas quase sempre caíam num
152
domingo, quando os seringueiros e suas famílias se reuniam na sede do seringal,
ficando o patrão com o encargo de providenciar alimentos para todos. O Regatão, tal
como o patrão, “não usa moeda: entrega suas quinquilharias a crédito e se ressarce,
passado algum tempo do aviamento, recebendo bolas de borracha”
(SANTOS,1980,p.28).
No seringal, todas as despesas dos seringueiros eram devidamente
registradas. Para o registro da borracha, havia um controle burocrático do envio da
produção. Mensalmente, as contas eram remetidas aos seringueiros, para torná-los
cientes se eram devedores ou credores.
Se a morada do seringueiro era muito distante do barracão central, as
contas eram trimestrais. Finda a safra em dezembro, o seringueiro que morava
distante chegava para conferir as contas com o guarda-livro, mas, nada havia a
receber.
Acontece que os seringueiros, homens rudes, na sua imensa maioria são
analfabetos. Estão, assim, sujeitos à honestidade ou não dos que lhes são
devedores ou credores. A escrita dos seringais, onde deverão encontrar
averbado o produto de todo trabalho a que se entregam no seio da floresta,
será exata? O que por eles podem lê-la, falarão a verdade?
(BENCHIMOL,1997,p.176)
Existiram outros personagens nos seringais, tais como o gerente que
assumia o controle na ausência do patrão; o guarda-livro, responsável pela
contabilidade; o caixeiro, que pesava a borracha na hora em que recebia do
seringueiro; os comboeiros, que conduziam as tropas de burros; o mateiro, que fazia
o reconhecimento da floresta e identificava as árvores produtoras de látex; e o
toqueiro, que juntamente com o mateiro abriam e limpavam as estradas.
A jornada diária do seringueiro consistia em fazer duas vezes a ronda da
estrada (onde se localizam as árvores). A primeira, antes do amanhecer, para
sangrar a árvore e colocar a tigela para coletar o látex. A segunda, à tarde, para
colher o líquido. A faina terminava à noite, depois da coagulação do leite,
mediante defumação e acondicionamento da borracha em local adequado.
153
A exploração dos seringais era feita por duas categorias de seringueiros: o
seringueiro livre e o seringueiro de toco. Caso o seringueiro tivesse atingido um
padrão de vida elevado, tornava-se seringueiro livre e, para esse seringueiro, o
patrão não tinha responsabilidade de lhes fornecer gêneros de primeira
necessidade, pois estes seringueiros podiam “vender o produto livremente a quem
lhe convier e der melhor preço, devendo apenas pagar pelo arrendamento da
estrada, 20% sobre a venda da borracha extraída” (MOREIRA,1971,p.31).
Outra possibilidade de ascenção social do seringueiro era a de casamento
com a filha do patrão. No entanto, caso não fosse um seringueiro livre ou não
acontecesse um casamento “arranjado”, um futuro de muito trabalho era o que
restava. O seringueiro de “toco” vivia na dependência do patrão, recebia as estradas
para trabalhar e entregava a borracha defumada. Socialmente era livre, porém sua
condição real era a de um escravo. “Escravizado pela dívida, pelo isolamento e
solidão, pela rotina de trabalho e de vida na floresta” (MARTINELLO,1988,p.45).
O seringueiro era uma espécie de assalariado de um sistema absurdo. Era
aparentemente livre, mas a estrutura concentracionária do seringal o levava a se
tornar um escravo econômico e moral do patrão. Endividado, não conseguia mais
escapar.
Era comum para os seringueiros e arrendatários serem expulsos com a
conivência das autoridades públicas. registros de que, especialmente onde hoje
é a Reserva Extrativista, houve esse tipo de ocorrência, como demonstraremos
posteriormente.
Outrossim, existia nos seringais um Regulamento em que se percebe um
renascer de um Feudalismo acanhado e bronco. O Patrão, inflexível, decretava, num
emperramento gramatical estupendo, coisas assombrosas, como por exemplo, a
existência de pesada multa de 100$000 para quem praticasse os seguintes crimes:
a) Fazer na árvore um corte inferior ao gume do machado;
b) Levantar o tampo da madeira na ocasião de ser cortada;
c) Sangrar com machadinha de cabo maior que quatro palmos.
154
Caso um seringueiro fosse pego comprando do regatão, seria multado em
50% sobre a importância comprada (CUNHA, 2003,p.53). Além disso, ele não podia
se retirar do seringal se não saldasse todas as suas dívidas com o patrão e não
adiantava fugir para outro local, pois havia acordos entre os seringalistas que
impediam tal ousadia.
Nesse sentido, ressalta Cunha que, havia a necessidade de uma “lei do
trabalho que nobilitasse o esforço do homem; uma justiça austera que lhe cerceiasse
os desmandos; e uma forma qualquer do homestead que consorciasse
definitivamente a terra”.
A esse respeito, ressalta-se que, em parte, estas aspirações foram
atendidas com o Estatuto da Terra, promulgado em 1964, todavia o problema foi
que o estatuto chegou tarde demais e não havia mais como retroceder, pois a
realidade do seringal havia acabado e o seringueiro encontrava-se em processo de
total abandono, a exemplo do que ocorreu após a libertação dos escravos.
Além do sistema de exploração, havia outro terrível inimigo para o
seringueiro: o beribéri. A maior parte dos desbravadores da borracha que ali
chegavam, atraídos pela promessa de enriquecimento fácil à custa do látex, era
afetada pela doença. Chegavam dispostos e cheios de entusiasmos, deslumbrados
com a abundância de água:
Metiam-se mato adentro pelas estradas dos seringais, quando estavam se
sentindo donos do mundo, começavam a sentir o chão fugindo debaixo dos
pés, a sentir as pernas moles e bambas, a dormência subindo dos pés até a
barriga. Uma cinta apertando-lhes o peito como uma garra. Era o beribéri
chegando, tomando-lhe conta do corpo, roendo-lhes os nervos, acabando
com a vitalidade do aventureiro nordestino (CASTRO,1969,p.74).
O Personagem Cosme, do livro Homens e Carangueijos (CASTRO,
2001,p.34) narra um dos mais emblemáticos casos da literatura gomífera e relata
bem as causas de sua migração do Nordeste brasileiro em direção à Amazônia em
decorrência do monopólio do algodão praticado por empresas norte-americanas,
além de destacar como o mesmo se transforma em Seringalista (Patrão). Ressalta
também como se vivia nos tempos áureos da borracha, além da luxúria exuberante.
155
Esse personagem é importante porque a dimensão das seqüelas
deixadas pelos que escapavam do beribéri. Numa passagem do livro destaca a
bonança em que vivia o seringalista mas que “da noite para o dia, fiquei importante.
comia coisas importadas da Europa: carne e feijão enlatados, verduras, legumes
e frutas em conservas, chocolates e vinhos finos.” (CASTRO, 2001,p. 35).
Outro ponto que é ressaltado diz respeito às conseqüências e sequelas
deixadas pelo beribéri nos rincões amazônicos, pouco relatadas pela literatura
amazônica, que em muitos casos concentra suas análises apenas nos fatores
econômicos, a exemplo do sistema de aviamento como responsável pelas agruras
sofridas pelos seringueiros. uma passagem emblemática que sintetiza todo um
períodos, pois, segundo Cosme:
Numa noite após sair do cabaré senti na rua, de repente, o chão fugir
debaixo de meus pés. Pensei, a princípio, que tinha bebido champanhe
demais e, por isso, sentia as pernas bambas e os pés fofos. Mas não era
bebedeira o que eu sentia. Era o beribéri subindo-me pelas pernas e
tomando conta de meu corpo. Era a paralisia provocada pela fome de
alimentos frescos que, naquela noite, me jogava na cama, de onde eu
jamais me levantaria com as minhas próprias pernas (CASTRO, 2003,p.67).
O relato acima nos esclarece que as agruras vividas pelos seringueiros
eram de dupla origem: o sistema de aviamento e as doenças. Destaca-se também o
conflito entre seringueiros e seringalistas na área dos seringais onde hoje se localiza
a reserva. O caso que ganhou destaque nacional e que chamou atenção das
autoridades que participaram do V Encontro Nacional de Seringueiros do Vale do
Juruá, realizado no município de Carauari, entre os dias 13 e 17 de setembro de
1986, foi o do seringueiro Elso Pacheco da Silva (Anexo 4), da colocação Gumo do
Facão, pertencente ao seringal Providência.
As relações de trabalho dos seringais da Amazônia sempre foram
caracterizadas por grandes violências. No passado, a mão-de-obra recrutada no
Nordeste chegava devendo aos seringalistas, pois todas as despesas de
locomoção e alimentação, durante os meses de viagem, eram descontadas da
produção realizada na coleta do látex.
156
O preço do produto era alto no mercado internacional e as precárias
condições de sobrevivência do Nordeste liberavam um contingente populacional
disposto a enfrentar uma realidade estranha para poderem sobreviver. Iludidos pela
possibilidade de obterem lucros rápidos e voltarem aos locais de origem, mais de
300 mil nordestinos migraram entre 1872 e 1910 (OLIVEIRA,1983,p.226)
14
.
Eram precárias as condições de sobrevivência na selva e um dos meios
encontrados para reter a força de trabalho era o endividamento permanente.
Trabalhando durante anos, o seringueiro dificilmente conseguia obter saldo em suas
transações com os seringalistas. Aqueles que procuravam fugir eram capturados e
submetidos a diferentes tipos de torturas, como relatam autores conhecidos
(Euclides da Cunha, Samuel Benchimol e Leandro Tocantins).
As torturas físicas nessa época (1986) não existiam mais, nos seringais do
Médio Juruá. A escravidão por dívidas, no entanto, permanecia. A forma de resolver
os conflitos que surgiam entre seringalistas tradicionais e seringueiros que se
rebelavam contra esse regime e procuravam formas de defesa por questões
trabalhistas e fundiárias, era o enfrentamento direto entre seringueiros e policiais.
Assim, era freqüente a expulsão de seringueiros de áreas onde moravam
gerações, quando os mesmos não se dispunham mais a acatar com submissão
os inúmeros regulamentos impostos pelos seringalistas, para controlar a força de
trabalho.
Desde que foram implantados os seringais do médio Juruá, no final do
século XIX, os seringueiros ficaram à margem do sistema educacional e
desconheciam qualquer direito constitucional. Mantê-los analfabetos revelou-se uma
maneira eficiente de controle. Tentativas de implantar escolas eram respondidas
com violência e expulsão.
14
Não há consenso quanto a estes números, alguns autores ressaltam que foram mais de 500 mil nordestinos.
157
4.3 O Conflito entre o Patrão e o Seringueiro como embrião para a constituição
da Reserva Extrativista : as vozes dos sujeitos envolvidos
A entrevista (Anexo 4) feita com o seringueiro Elso Pacheco da Silva, é
exemplar, pois o mesmo, tinha contra si um processo na justiça e tinha sido
interpelado, inúmeras vezes, pelo Delegado de Polícia de Carauari, uma das quais
na presença de várias pessoas que participavam do V Encontro de Seringueiros do
Vale do rio Juruá (PACHECO, 1985)
15
.
O problema foi o seguinte: o referido seringueiro trabalhava na colocação
Gumo do Facão, pertencente ao seringal Providência a nove anos, propriedade do
seringalista João Viana. Tendo nove anos de trabalho no local o patrão queria tirá-lo
do lugar, pois o mesmo passou a ser sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Carauari.
As formas de controle sobre os seringueiros, predominantes nos seringais
da Amazônia, não se instauram sem contestação. Embora silenciosas e perdidas
pela ausência de registros, as reações à dominação se apresentam de diferentes
maneiras. Duas, ao menos, costumam ocorrer nos altos rios. Uma se insere no
cotidiano; a outra é eventual e surge nos momentos de liquidar a borracha, no final
do fabrico. A primeira congrega um conjunto de ações denominadas genericamente
questão com o Patrão.
O segundo tipo de reação tem significado local muito próprio; é a greve, a
revolta, a revolução, como é denominada. Não ocorre sempre, nem em todos os
seringais (ou ao menos o se tem notícias disso). Quando ocorre, no entanto, é
sempre acompanhada de muita violência, tanto por parte do seringueiro como do
seringalista. Algumas revoltas ficaram famosas e nos seringais mais distantes é
sempre possível encontrar algum seringueiro que saiba contar a história.
Uma questão surge quando um seringueiro contesta um regulamento na
prática e considera essa infração legítima. O Patrão ameaça expulsá-lo ou chamar a
polícia, mas ele não recua. Uma situação típica é o caso de vender borracha para o
regatão estando endividado, mas tendo alguém doente na família. Normalmente,
antes de decidir quebrar uma regra, o seringueiro faz várias tentativas de contornar a
15
Conforme a Norma 6023/2002. ABNT, item 7.13.2.
158
situação, sem se confrontar com o patrão. Quando não consegue, entra em conflito
aberto. A questão significa exatamente isso: contrapor-se a uma arbitrariedade e
resolver enfrentar o Patrão.
Esse é o caso do seringueiro Elso Pacheco da Silva. Estando convicto de
que suas reivindicações são justas – a construção de uma escola, a comercialização
da borracha em dinheiro, o pagamento de preços de mercado pelos produtos de
consumo, o direito de se associar ao Sindicato – ele passa a enfrentar o Patrão.
A questão é, talvez, a forma mais incisiva de contestar um Patrão
individualmente. Depois de um certo ponto de desenvolvimento dos conflitos, o que
fica em jogo, prioritariamente, é a autoridade do Patrão sobre o conjunto dos
seringueiros, expressa no cumprimento do regulamento estabelecido. Expulsar o
seringueiro, tomar-lhes as estradas, fazê-lo pagar multa, são formas de reafirmação
perante os outros seringueiros do tipo de relação que deve predominar entre
fregueses e Patrões. Do resultado obtido dependerá o prestígio, a reafirmação da
força, ou a desmoralização do seringalista. É por isso que uma questão, por menor
que seja, precisa ser levada às últimas conseqüências pelo seringalista.
Isso significa tanto colocar a polícia amedrontando permanentemente o
seringueiro, como entrar com um processo contra ele na justiça. É o que fez o
seringalista João Viana.
A resposta que os seringueiros deram após a fundação do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Carauari (1981) difere do passado. Entre eles e o Patrão,
atuava o Sindicato e seus Advogados. E aquilo que no passado era uma questão
individualizada entre seringueiro e seringalista, passa a ser um conflito social que
interessa a todos os seringueiros.
As relações sociais de trabalho predominantes nos seringais e descritas
aqui em seus aspectos essenciais, estão reguladas na legislação trabalhista, no
Estatuto do Trabalhador Rural que serve de referência para as relações capital-
trabalho. Isso por si indica, uma relação capitalista, mas é preciso considerar que
os seringueiros foram os primeiros entre os trabalhadores rurais a terem direitos
trabalhistas consagrados pela Lei 4.841 de 17 de outubro de 1942. Entretanto, esses
direitos nem sempre foram respeitados com se observa no anexo 4.
159
Em geral, o que respaldava as relações trabalhistas como percebe-se no
caso do seringueiro citado era apenas um contrato verbal feito entre seringueiros e
seringalistas, baseado na tradição predominante desde que teve início a exploração
dos seringais nativos.
Aparentemente, o aviamento poderia ser considerado uma espécie de
pagamento de salário em espécie, como ocorre em outras regiões do Brasil,
especialmente no nordeste. A diferença está em que, neste caso, não são definidos,
previamente, os termos nos quais se dará a troca entre o produto do trabalho e as
mercadorias de consumo.
O trabalhador rural que recebe seu salário em espécie sabe previamente
que somente irá receber em produtos de consumo o equivalente ao valor do seu
salário. No caso do aviamento, essa relação de equivalência será feita somente no
acerto de contas. Durante todo o fabrico, o seringueiro adquire produtos de consumo
no barracão do seringalista e produz borracha. Ao final, será feito um balanço entre
o que foi consumido e o que foi produzido.
Conforme já foi salientado, esse sistema permite uma margem muito
grande de manipulação por parte dos proprietários dos seringais, seja no registro
das mercadorias entregues aos seringueiros, no preço por elas cobrado, seja no
valor e peso da borracha. O resultado, via de regra, é que o valor da produção fica
aquém do valor de consumo, sem que exista nenhum mecanismo de controle por
parte dos seringueiros.
Por outro lado, o pagamento de renda, na modalidade que é feita no
seringal, não permite que o seringueiro seja definido como um arrendatário, uma vez
que não tem liberdade de comercialização do restante da produção, mas a
obrigatoriedade de entregá-la ao seringalista que lhe forneceu as mercadorias.
A necessidade de regular as relações de trabalho predominantes nos
seringais em lei especial foi demonstrada, por Santos (1974), o seguinte
esclarecimento:
Sendo reconhecida a relação de emprego existente entre seringalista e
seringueiro, estudo seriam necessários que visassem a facilita concepção
de normas sobre (por exemplo) duração do trabalho, descontos permitidos
no salário a título da alimentação e morada, higiene e segurança do
trabalho, direito a benefícios previdenciários, prazos prescricionais e época
oportuna de vigência da nova lei.
160
Embora a análise por ele realizada tenda a classificar o aviamento
enquanto relação assalariada, não elimina a possibilidade de que esses estudos o
apresentem em sua peculiaridade e permitam a definição de uma legislação
especial.
O caso do seringueiro Elso Pacheco da Silva ilustra as relações entre
patrão e seringueiro na área do médio Juruá, pois é a partir desse caso que o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carauari começa a fomentar, junto aos
seringueiros, a importância da organização sindical. Isso porque foi a primeira vez
que, no rio Juruá, um seringueiro teve a defesa feita por um Advogado, um caso
raro, já que o comum era ser tratado apenas como um “caso de polícia”.
Outros casos envolvendo seringueiros poderiam ser citados, como o do
seringueiro Luiz Sérgio, do seringal Bauana, e o patrão Raimundo Lobo, conhecido
seringalista e madeireiro, atualmente prefeito da cidade de Itamarati, bem como o
seringueiro Deijá Lima, da colocação Boca do Ueré, e o Sr. Ailton, sendo que todos
receberam intimação do delegado de polícia para comparecerem à delegacia afim
de resolverem o problema.
Um caso raro de seringueiros se rebelaram contra o patrão no Médio
Juruá ocorreu no seringal Santo Antonio do Brito, no ano de 1914, quando os
seringueiros saquearam o barracão, levando todas as mercadorias, e em seguida
abandonaram o seringal (DERICKX,1992,p.110).
É necessário frisar, por outro lado, o papel central da prelazia de Tefé,
através de sua paróquia em Carauari, que durante toda a década de setenta e
oitenta respondia e denunciava todas as agressões sofridas pelas populações
ribeirinhas do médio Juruá. Uma data marcante é a Assembléia da Prelazia em
1972. Os padres compartilhavam as preocupações e denunciavam a situação de
escravidão, principalmente nos rios Juruá e Jutaí. Em 1976, o padre Bernardo
Coursol, vigário de Carauari, foi preso pelo Prefeito. Ele era defensor intransigente
dos mais pobres (ribeirinhos, seringueiros e pequenos agricultores citadinos). Esse
episódio despertou uma comoção muito grande na cidade e foi preciso a intervenção
do Bispo da prelazia para solucionar o problema. O mais interessante é que o
Prefeito em questão, após esse episódio, jamais conseguiu se reeleger no
município, apesar de ter se candidatado inúmeras vezes. Outro incansável defensor
das comunidades ribeirinhas foi o religioso conhecido como Irmão Falcon Michiels,
161
que tentava incentivar os ribeirinhos a criarem os comitês de pesca para se
protegerem dos grandes barcos pesqueiros, que invadiam os lagos do Médio Juruá.
Nesse contexto, os empates e as invasões, ao contrário do que ocorria no Estado do
Acre, ocorriam em função da defesa dos lagos, e não da Floresta.
A criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carauari, em 25 de
julho de 1981, veio corroborar com o esforço do MEB e da Paróquia de Carauari, no
sentido de defenderem os ribeirinhos, como ficou demonstrado no caso do
seringueiro Elso Pacheco da Silva. Outros casos e problemas relacionados a
conflitos agroextrativos presentes na área do médio Juruá e especialmente no
município de Carauari, poderão ser visualizados em Araújo (2001).
A partir do I Encontro Nacional dos seringueiros da Amazônia, realizado
em Brasília, de 11 a 17 de outubro de 1985, os seringueiros tiveram sua luta em
defesa da Amazônia reconhecida nacionalmente. A participação de vários
seringueiros do médio Juruá foi significativa. A fundação do Conselho Nacional de
Seringueiros, nesse mesmo ano, veio impulsionar os anseios das populações
ribeirinhas, que, pela primeira vez, tinham a seu lado um organismo capaz de
representá-las e defendê-las junto ao poder público ou privado.
A criação da Reserva Extrativista Médio Juruá foi resultado da luta dos
ribeirinhos e seringueiros locais que, juntamente com o Movimento de Educação de
Base (MEB), Sindicato de Trabalhadores Rurais de Carauari (STRC), Paróquia de
Carauari, Prelazia de Tefé, Associação dos Produtores Rurais de Carauari
(ASPROC), Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), se mobilizaram e
conseguiram convencer o Governo Federal da importância ambiental da região, bem
como de sua capacidade de contribuir, de forma decisiva, para a conservação da
área. Essa luta durou seis anos, culminando com a assinatura do Decreto S/Nº de
04 de Março de 1997.
A Reserva Extrativista Médio Juruá localiza-se no município de Carauari, à
margem esquerda do rio Juruá, distando da sede municipal no sentido montante
doze horas de barco até atingir a primeira comunidade. Com uma área de
253.226,5ha, a reserva limita-se ao Norte com o rio Ipixuna, ao Sul com o Rio Juruá,
ao Leste com o Igarapé Arrombado e a Oeste com o Igarapé Tracoá.
162
Na Reserva, a vegetação é caracterizada pela floresta tropical densa, da
sub-região aluvial da Amazônia, com terraços baixos e planos, sendo muito
freqüente a presença de seringueira, louro, virola, samamumeira; essa vegetação
sofre os efeitos das cheias, registrando a ocorrência do capim canarana.
Seu clima pertence ao grupo tropical chuvoso, com índice pluviométrico de
2 500mm. O período chuvoso inicia-se em novembro, atingindo os maiores índices
entre os meses de janeiro e abril. A temperatura média é estimada em torno de
24ºC, com pequena amplitude térmica, a umidade relativa do ar geralmente está
acima de 90%.
Toda área da resex pertence geologicamente à bacia sedimentar do Norte
do Brasil, cuja formação predominante é a Solimões (Plioceno Médio e Plioceno)
composto por arenito fino a muito finos, micáceos, matriz argilosa, cor castanho-
amarelada, com estrutura maciça, plano parelo horizontal e suborizontal, e
estratificaçoes cruzadas de pequena, media e grande amplitude, dos tipos tabular e
acanalada, que ocorrem comumente associados a siltitos e argilitos-sílticos de forma
intercalada ou interdigitada com contatos bruscos ou transicionais. Nas áreas de
várzea predomina o aluvião (holoceno), caracterizado por apresentar argila, siltes e
areia de fina granulação, com granulometria decrescente da base para o topo. Os
materiais sílticos e argilosos ocorrem também intercalados ou interdigitados com as
areias, apresentam coloração cinza a esbranquiçada com freqüente mosqueamento
ferruginoso e, localmente, lâminas limoníticas e associam-se a restos vegetais com
folhas e troncos parcialmente decompostos. Sedimentos de planície fluviais,
geralmente incosolidados.
No contexto do sistema ambiental amazônico, o componente
geomorfológico expressa-se na forma do relevo, considerando-se sua morfologia e
processos morfogenéticos atuantes. A potencialidade aplicativa do conhecimento
geomorfológico insere-se nas condições ambientais, contribuindo para orientar a
alocação e o assentamento das atividades humanas. Geomorfologicamente a área
está localizada na depressão da Amazônia Ocidental, numa área que compreende
uma estreita faixa de terras planas que acompanha o rio Juruá, com altitude inferior
a 100 metros e desníveis máximo de 60 metros (ROSS, 1995, p. 53).
163
A áreas de estudo apresenta duas unidades geomorfológicas: 1) a de
interflúvio tabular (terra firme), composto por relevo de topo aplainado, com
diferentes ordens de grandeza; 2) e a de aprofundamento de drenagem. Na maioria
das vezes, são separados por vales de fundo plano e raramente em forma de “V”, e
a planície fluvial (várzea) caracterizada por ser uma área aplainada resultante de
acumulação fluvial, periódica ou permanentemente alagada. No geral, comporta
meandros abadonados.
O conhecimento das condições dos solos é fundamental para o
planejamento das atividades agrícolas, tanto no plano regional como no municipal.
Infelizmente, os mapeamentos não são suficientes para atingir o objetivo. Na
composição das associações de solos, elaborada de acordo com os levantamentos
do projeto RADAM (1997, p. 215), em primeiro lugar figura o componente mais
importante, sob o ponto de vista da distribuiçao geográfica, complementada pela
descrição genérica das classes.
Ao se analisar o solo, é preciso se considerae o resultado da mistura de
alguns elementos da natureza, tais como a rocha intemperizada, o ar, a água e a
matéria orgânica, proveninete do intemperismo. Este fenômeno natural fundamentou
o solo amazônico através da ação dos agentes físicos, químicos e biológicos, cuja
ação das rochas dos escudos e dos dobramentos andinos iriam servir para a
formação da bacia sedimentar amazônica. De acordo com o mapeamento do
RADAM as classes de solos mais destacadas na área são: podzólico vermelho-
amarelo (PB), laterita hidromórfica (HLd) e solos hidromórficos gleyzados eutróficos
(Hgel). Os solos de mair importância, do ponto de vista espacial, são os podzólicos
(PB), representados pelos podzólicos vermelho amarelo álico (PB16), argila de
atividade baixa, textura argilosa, Podzólico Vermelho Amarelo Álico e Latossolo
Amarelo Álico, textura muito argilosa. A fertilidade natural desses solos é baixa,
requerendo adubação e calagem (com exceção dos hidromórficos), tendo em vista o
aumento da produtividade. Ressalta-se que apesar desses solos possuírem uma
baixa fertilidade é nele que se desenvolvem a maior parte das atividades agrárias
dos ribeirinhos.
164
Na palnície aluvional encontra-se o Gley pouco Húmico Eutrófico (Hgel)
argila de atividade alta, textura argilosa e, solos aluviais Eutróficos, alta textura.
Esses tipos de solos apresentam-se bastante férteis por terem alto teor de nutrientes
(restos orgânicos e minerais). O aproveitamento dessas áreas vem sendo feito
séculos pelos ribeirinhos através de lavouras de subsistência e culturas comerciais
de pequeno ciclo.
4.4 A organização espacial das comunidades ribeirinhas da Reserva
Extrativista Médio Juruá.
Os ribeirinhos são assim chamados por serem aqueles que constituem a
maioria da população ao longo dos rios. Essa ligação com o rio é dominante para a
constituição de cultura e sua forma de economia e, consequentemente, para sua
forma de vida social.
A forma de organização espacial das comunidades ribeirinhas com
feição de “núcleo” surge a partir da década de 1970. Inicialmente a ocupação era
esparsa, com moradias isoladas nas margens dos rios, lagos ou igarapés. A
denominação “comunidade” também surgiu na mesma década, por meio de
trabalhos desenvolvidos pelo MEB e pela prelazia de Tefé junto a esses moradores,
cujo objetivo era formar lideranças comunitárias e orientar os moradores quanto ao
novo formato da comunidade (CARVALHO, 2007,p.26).
As comunidades (Mapa 1) objeto deste estudo são consideravelmente
pequenas (exceção Roque) e abrigam 1950 habitantes. A maioria das comunidades
nasce de uma única família, residente no local muitos anos, o que determina a
sua continuidade e dinâmica, levando seus moradores a estabelecer uma ampla
rede de relações de parentesco, de casamentos, de festas, de cultos religiosos,
econômicas, constituindo, assim, uma dinâmica sociocultural própria, garantindo a
reprodução social do grupo.
165
Normalmente as comunidades possuem um núcleo central, composto por
uma igreja, seja ela católica, evangélica ou outra, a escola e, em alguns casos, o
centro social, onde as reuniões ou festas são realizadas. As moradias são
distribuídas parte junto aos equipamentos sociais e parte mais distantes
(localidades).
Na Amazônia, os núcleos populacionais obedecem a um certo padrão
linear, pois os rios são as estradas naturais e toda vida social, cultural e econômica
tem o rio como referência, pois é pelo rio que chegam as notícias, é pelo rio que os
moradores se abastecem com gêneros de primeira necessidade, comprados de
regatões ou mesmo dos barcos de pesca profissionais que grassam pelo rio à
procura de peixes, ou mesmo de negócios junto aos moradores.
É necessário frisar, por outro lado, que, na relação entre regatões,
pescadores e ribeirinhos, a moeda de transação comercial nem sempre é o Real. É
praticado em quase todo o vale do médio Juruá uma espécie de escambo, em que
os mesmos entregam para o ribeirinho as mercadorias e eles pagam com produtos
originários do agroextrativismo.
No Médio Juruá a baixa densidade demográfica se traduz num autêntico
deserto humano, que não impossibilitou a atividade econômica devido ao fato de
ter a população se concentrado às margens dos rios perenemente navegáveis.
Embora houvesse um movimento migratório anual provocado pelas enchentes,
permitindo a internação de grande parte da população por centenas de quilômetros
no interior da floresta, a base da fixação humana permaneceu sendo às margens
dos grandes rios.
Durante o inverno a população dispersa-se num grande movimento,
acompanhando a invasão das águas pelos recônditos da selva, coletando frutos,
extraindo essências vegetais e caçando alguns animais que servem de alimentação,
praticando uma verdadeira pantofagia (BASTOS,1987,p.23).
Em suma, a população ribeirinha segue o padrão distributivo da malha
hídrica que compõe a bacia do rio Juruá, mas, em virtude da facilidade do cultivo
opta quase sempre por se estabelecer em terra firme a exemplos das comunidades
de: Tabuleiro, São Raimundo, Roque, Nova Esperança, Gumo do Facão, Pupuaí,
Novo Horizonte, Fortuna e Fazendinha.
166
A população que habita a Reserva Extrativista se distribuem por 13
comunidades e 12 localidades. O levantamento mais recente foi realizado pela
ASPROC e, com base nessas informações e complementando-as com outras
coletadas durante o trabalho de campo, foi possível a construção do quadro a
seguir:
QUADRO 2
MORADORES DA RESERVA
Comunidades Nº de famílias Nº de habitantes
1. Tabuleiro 19 126
2. São Raimundo 18 116
3. Pão 8 48
4. Nova União 12 86
5. Imperatriz 15 96
6. Fazendinha 8 30
7. Fortuna 9 65
8. Roque 74 400
9. Nova Esperança 36 297
10. Pupuiaí 33 180
11. Novo Horizonte 10 60
12. Gumo do Facão 30 200
13. Morada Nova 2 12
14 Monte Cristo (L) 1 5
15 Jaibá (L) 2 12
16 Três Unidos (L) 3 18
17 Estirão do São José (L) 5 30
18 Rio velho (L) 5 30
19 Ido (L) 3 18
167
20 Deus é Pai (L) 4 24
21 Manaria (L) 4 24
22 Chué (lado Resex) (L) 4 24
23 Passarinho (L) 3 18
24 Porto Nel (L) 2 12
25 Turiba (L) 4 24
TOTAL
314 1955
Fonte: ASPROC/Trabalho de Campo. 2005.
(L)= Localidades
As comunidades localizadas ao longo da margem esquerda do rio Juruá
(numeradas de 1 a 13), somam a maior parte dos residentes da Reserva
considerados povos tradicionais (ribeirinhos e caboclos).
As comunidade de Fazendinha, Fortuna, Tabuleiro, Roque, São Raimundo
localizam-se em outros afluentes e paranás do rio Juruá, que forma a espessa malha
hídrica da reserva.
168
5 A TERRITORIALIDADE RIBEIRINHA DO MÉDIO JURUÁ DIANTE DO MODELO
DE RESERVA EXTRATIVISTA
No presente capítulo, os objetivos incluem a apresentação dos modos de
reprodução social do ribeirinho no Médio Juruá, a territorialidade ribeirinha a partir
das sazonalidades ambientais, procurando demonstrar as transformações na
organização espacial ribeirinha sob o modelo de reserva extrativista, e as tensões e
resistências a essa mudança, além da importância do extrativismo e das atividades
complementares. Finaliza-se a exposição demonstrando os limites das políticas
públicas na Reserva Extrativista Médio Juruá.
5.1 Os modos de reprodução social ribeirinha no Médio Juruá
As atuais crises social e ecológica são um indício da crise das relações
entre pessoas e povos e destes com a natureza. Na tradição cultural do Ocidente,
existem três modelos diferentes de relações.
Num primeiro plano, está o modelo hegemônico inspirado na filosofia e
nas ciências da modernidade (de Bacon a Galileu, de Descartes a Newton), baseado
num antropocentrismo exagerado: o ser humano é o centro, o senhor do mundo e
dono da natureza, podendo explorá-la como um objeto inexaurível. Nesse modelo de
relação, os demais seres, animados ou inanimados, não m valor em si mesmos.
Vê-se a realidade vinculando-a ao modo de produzir e de consumir, dando-se
prioridade ao lucro, ao industrialismos e à ideologia do progresso entendido como
crescimento econômico ilimitado. O modelo, no entanto, não pára aí. Da justificação
da atitude de domínio, de posse e de violência contra a natureza passa-se a uma
atitude de negação da alteridade e da diferença do outro. O outro é também “capital
humano” a ser explorado.
169
Outro modelo, também incompatível com a consciência de que formamos
uma comunidade mundial única, é o que poderíamos denominar de biocentrismo
reducionista, para o qual a vida dos animais e das plantas é o centro de tudo
(BRIGHENTI, 2000, p.125). Centra a atenção exclusivamente sobre as espécies
vivas em perigo de extinção, esquecendo que os seres humanos também são partes
do ecossistema. Chega ao extremo de acusar os seres humanos de constituírem um
dano para o equilíbrio da biosfera. Não se chega, neste modelo, a identificar a
diferença, o valor e o papel do ser humano no planeta e, conseqüentemente,
formular a sua responsabilidade na história. Não percebe que existe uma relação
intrínseca entre devastação da natureza e devastação dos povos e suas culturas.
Não raramente, esse biocentrismo reducionista está ligado a certo tipo de
romantismo ecológico, que perde de vista a centralidade do valor e da dignidade da
vida humana em relação aos seus ecossistemas. A vida dos seres humanos é mera
parte do ecossistema.
Um terceiro modelo mais equilibrado poderia ser vislumbrado. Poder-se-ia
falar de um modelo baseado no reconhecimento e no respeito recíproco do valor
intrínseco e do papel de todos os outros seres como seu centro e senhor. Ao
contrário, ele é parte da natureza, do ecossistema, do planeta. Entretanto, distingue-
se dos outros seres do ecossistema pela sua capacidade moral, que faz dele o único
animal capaz de escolher livremente. Conseqüentemente, é responsável pela
administração e pela custódia do planeta, não como proprietário, mas a serviço dos
outros seres, cujo valor é capaz de reconhecer, como também seu papel, seu limite
e as leis de seu equilíbrio. Em segundo, um modelo mais equilibrado implica o
reconhecimento de que todo ser do ecossistema tem um valor intrínseco, uma
diferença e alteridade, que não provêem do ser humano, embora seja ele o único
capaz de reconhecê-los. Entretanto, em seu papel de agente moral e responsável
pelo planeta, o ser humano é fim e não instrumento, ainda que não necessariamente
fim último e centro de tudo. Os seres da natureza não existem prioritariamente para
o ser humano, ainda que este possa utilizá-los para sua sobrevivência e bem-estar.
Com a emergência do capitalismo e da modernidade, eventos locais
tornaram-se crescentemente afetados em virtude de serem ligados a outros que
ocorrem fora do local e, até mesmo, espacialmente.
170
A distinção entre lugar (local) e espaço (global), de acordo com Guiddens
(1991), surgiu a partir da transformação das relações sociais ao longo do espaço e
do tempo. Essas transformações, ao mesmo tempo que distinguiam o local do
global, mantinham os dois níveis dialeticamente relacionados.
Ou seja, tornou-se mais difícil conceber alterações das relações sociais
dentro do local como processos próprios e internos, que as relações passaram a
ser cada vez mais globais.
A inovação na chamada era global é que a relação entre local e global tem
sido enriquecida por meio de um nível novo e qualitativamente diferente, que pode
ser ilustrado pelo que Harvey (1993) chamou hipermobilidade do capital”.
Hipermobilidade do capital refere-se à habilidade de os atores econômicos
(corporações transnacionais, seus agentes e atores) operarem em espaços que
transcendem regiões específicas e/ou nações. Isso permite as corporações
transnacionais erodirem, significativamente, identificações e fidelidades em relações
a países, regiões ou locais onde atuam. Ademais, implica a capacidade de as
corporações movimentarem operações e ativos para além das fronteiras regionais e
nacionais, com relativa rapidez e facilidade, a despeito da resistência dos atores
locais.
A habilidade de movimentação das corporações é potencializada pelos
novos avanços tecnológicos, que possibilitam a redução e a compressão do tempo e
do espaço de operações. Em outras palavras, a velocidade dessas operações tem
sido incrementada tão drasticamente que tem transformado velhas formas de
mobilidade em novas formas de hipermobilidade.
Bastante apropriada é a observação de Giddens (1991,p.130):
de que há, na contemporaneidade, uma distinção entre as categorias lugar
e espaço, a qual se tornou visível com o advento da modernidade e do
capitalismo. Nas sociedades pré-modernas, eventos locais geralmente
desdobravam-se dentro de um único local (lugar) e ficavam contidos no
espaço onde eram gerados. Naquele contexto, era possível manter a
independência do local em relação às forças externas.
171
Mais que uma questão ambiental, o problema da degradação do meio
ambiente delineia-se como um problema de ordenamento do território. Nesse
sentido, a Geografia, cujo objetivo é analisar as estruturas e dinâmicas territoriais e
fornecer elementos para a tomada de decisão em planejamento regional e
ordenamento territorial, é então de grande ajuda.
No entanto, é necessário reconhecer que a problemática ambiental é
inseparável da problemática social, conceber o meio ambiente como um sistema
integral que engloba elementos bióticos, abióticos e sociais é de fundamental
importância.
É preciso insistir também no fato de que o reconhecimento dos processos
sociais que operam o continuo movimento de apropriação/(re) apropriação da
natureza pela sociedade, criando e (re) criando espaços, não deve circunscrever-se
apenas aos limites dos Estados-Nações, que a globalização implicou,
simultaneamente, a sua consolidação , a coexistência espacial de diferentes
estágios evolutivos de forças produtivas, responsáveis por diferentes níveis de
degradação ambiental, associados ao convívio de diversos patamares tecnológicos.
O largo espectro de problemas que permeia toda discussão acerca da
crise ambiental vivenciada atualmente pela humanidade remete a um ponto comum,
qual seja, o da valorização do espaço geográfico. Não se trata , pois, da reificação
de um “fetiche do espaço” enquanto categoria analítica, mas sim do resgate da visão
integradora da ciência geográfica como forma de entendimento de problemáticas
ambientais emergentes de estruturas espaciais a elas subjacentes.
Reconhecendo a imprescindibilidade do enfoque multidisciplinar no trato
da questão ambiental, ressalte-se, contudo, a necessidade de superação de
abordagens setorizadas que conduzem a uma atomização do conhecimento gerado
no âmbito da focalização de problemas ambientais específicos, em detrimento da
compreensão da problemática ambiental com base na abordagem dos processos e
formas de organização do espaço geográfico, ou seja, das sociedades humanas
sobre o território.
Ao aproximar a noção de meio ambiente ao próprio conceito de
espaço geográfico, estar-se-á não apenas superando as dicotomias,
freqüentemente postas em análises ambientais, entre ecologia/economia,
172
sociedade/natureza, meio físico-biótioco/organização socioeconômica, como
também atrelando à questão ambiental o dinamismo próprio ao contínuo
movimento de criação/ (re) criação de espaços e, talvez, fosse necessário
[...] admitir que os produtores do espaço sempre agiram segundo
uma representação enquanto que os usuários suportavam o que
lhes era imposto, mais ou menos inserido ou justificado no seu
espaço de representação (LEFREVBRE, 1974).
É necessário frisar, por outro lado, que as Reservas Extrativistas,
apontadas à sociedade como um manejo florestal em que se combinam
desenvolvimento sustentável e conservação da floresta, vêm sendo questionadas
por autores como Homma (1999). Descartam-se as visões preconceituosas em
relação ao extrativismo vegetal com as quais o compartilhamos. Concorda-se,
entretanto, que, não obstante a existência de experiências bem sucedidas de
algumas reservas, há, no mínimo, necessidade de se comprovar, através de
estudos, a sustentabilidade, sobretudo econômica e biológica, das Reservas, em
médio e longo prazo.
Os problemas de mercado persistem. As reservas carecem ainda da
comprovação de serem as explorações de recursos florestais não-madeireiros
atividades econômicas viáveis, tanto do ponto de vista da sustentabilidade ambiental
quanto da renda monetária. Os preços de muitos produtos frustram a elevação da
rentabilidade num nível compatível com as demandas das populações por bens e
serviços. A intensificação da coleta conduz à diminuição da obediência dos ciclos de
retorno, de forma a reduzir a capacidade regenerativa das florestas e afetar sua
biodiversidade a longo prazo.
A superexploração, conduzindo ao empobrecimento biológico das
reservas, pode estar também associada ao crescimento da densidade demográfica,
uma ameaça decorrente da falta de emprego na região. A exploração sustentável
dos produtos extrativistas tradicionais faz crescer a necessidade de alternativas
como a formação de cooperativas e suas associações com empresas alimentícias,
têxteis, farmacêuticas e biotecnológicas.
173
É preciso insistir também no fato de que as Reservas Extrativistas, apesar
de constituírem uma alternativa visando à manutenção de uma organização social e
econômica ecologicamente estruturada para a ocupação de áreas de mata do
interior amazônico, ressentem-se, ainda, de firmar-se econômica e financeiramente
de forma independente. A diversificação da produção extrativa vegetal,
acompanhada de seu processamento local, assim como a exploração racional de
outros recursos eventualmente existentes aos desafios abertos no sentido de
superar dificuldades de inserção comercial no mercado e geração de renda
atualmente observados.
Não podemos esquecer que, em sua intervenção no espaço amazônico o
Estado arbitrou, como visto anteriormente, relações socioeconômicas pautadas no
pressuposto da hegemonia do homem sobre a natureza, acabando por aprofundar e
criar diferenciações regionais que refletem, simultaneamente, rupturas mais ou
menos profundas, impostas ao meio natural.
Na contextualização da problemática ambiental da Amazônia
contemporânea, ressaltam-se, em primeiro plano, os órgãos, mecanismos e
instrumentos de intervenção do poder público que mediaram, no nível regional, a
ideologia dominante do estado, em diferentes momentos da história recente do país.
E, assim, no esforço de entender a complexa realidade ambiental da Amazônia
contemporânea, torna-se necessário trabalhar com uma concepção ampliada de
espaço geográfico, de modo a desvendar, por detrás de cada situação configurada
na diversidade atual desse vasto espaço regional, a verdadeira natureza do
processo histórico em curso.
Nos parâmetros políticos de 1985, quando a idéia foi gerada, a luta por
tais reservas extrativistas estava explicada. Esse foi um conceito muito alargado
desde então, a ponto de se tornar uma das medidas de preservação mais usadas no
governo Sarney. (SOUZA, 2004).
174
É preciso destacar que a infração reiterada dos princípios ecológicos tem
conduzido a Amazônia a uma série de fracassos, que desde a metade do século XX
vem chamando a atenção dos intelectuais amazônicos, destacando-se Batista
(2003,p.109) que ressalta exemplos de fracassos como:
a) Colonização americana em Santarém, após a Guerra de Secessão;
b) Colonização nordestina da Zona Bragantina;
c) Estrada de ferro Madeira-Mamoré;
d) Colônias Agrícolas Federais;
e) Plantações Ford no Tapajós.
Os fracasos dos projetos acima citados foram totalmente diferentes da
proposta das resex bem como do neo-extrativismo, pois os citados
empreendimentos estavam, em geral, na mão de capitalistas que viam a Amazônia
apenas como fonte de lucro, não demonstrando nenhum respeito pela floresta, bem
como pelas populações residentes, o que não é o caso das resex.
É necessário frisar, por outro lado, que três discursos bastante
conflitantes sobre a sustentabilidade na Amazônia: o primeiro é o do meio
acadêmico, o segundo é o de organismos de desenvolvimento federal, estadual,
municipal ou internacional; e o último, da sociedade civil que articula a questão
social à ecológica, de forma heterogênea. Esses discursos em si são feitos
principalmente no ambiente teórico e raramente o dado empírico é levado em conta,
mesmo porque a Amazônia é bastante heterogênea, seja do ponto de vista social,
cultural ou físico.
Por isso, toda política ou discurso sobre a Amazônia deveria estar voltada
para a utilização de mais de 67 milhões de hectares que foram desmatados,
superior aos 57 milhões cultivados no país, visando promover a conservação por
meio do uso. Essa área é três vezes a do estado do Paraná ou mais do que a soma
dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, o que mostra o
potencial agrícola que poderia ser obtido com a aplicação correta de práticas
agrícolas e de atividades mais adequadas como o RECA (Reflorestamento
Econômico Consorciado Adensado), adotado na divisa do estado do Acre e
Rondônia, que se baseia no manejo dos recursos naturais através do
175
reflorestamento consorciado com espécies nativas e no beneficiamento de frutos
nativos; ou, ainda, Manejo Florestal de Uso Múltiplo que visa conciliar a produção de
madeira com um enorme leque de extração de produtos não madeireiros, propondo
atividades distribuídas ao longo do ano de modo a ocupar o produtor o tempo todo
com a floresta.
No bojo das discussões sobre os destinos da Amazônia, duas propostas
se destacam na defesa da redução dos desmatamentos e queimadas na região:
uma defende a utilização sustentável da floresta mediante a criação de reservas
extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável e manejos florestais
comunitários. Convém salientar que este último é bastante criticado, principalmente
por antigos companheiros de luta de Chico Mendes, por não acreditarem que a
floresta se regenera no tempo definido pelos cientistas (30 anos). Essa proposta,
defendida sobretudo por parte dos movimentos ambientalistas, nega completamente
a atividade pecuária, a extração madeireira, os grandes projetos e a expansão dos
grãos (soja). Na vertente oposta situa-se a defesa da utilização das áreas
desmatadas da Amazônia como maneira de se reduzir o desmatamento.
No entanto, essas duas propostas apresentam limitações. A primeira pela
impossibilidade econômica e social de se atender a um grande contingente
populacional. O modelo do Acre o pode ser transplantado para todos os estados
da Amazônia Legal, que apresentam padrões de desenvolvimento econômico,
social, político e histórico diferenciados. Por outro, lado a utilização das áreas
desmatadas para o cultivo ainda o se mostrou viável, carecendo esta proposta de
experiências concretas para que seja levada em consideração pela comunidade
científica, e pelos formuladores de políticas públicas.
Apesar do forte apelo internacional, os programas de ajuda externa
refletem pouco para a maioria da população, como solução global, assumindo ações
de natureza unilateral. Apesar dos discursos ambientalistas, os países
desenvolvidos estão aproveitando a Amazônia como fornecedora de matéria-prima
mineral, intensivos em energia e como entreposto comercial de seus produtos
industrializados.
176
Consequentemente, a redução dos desmatamentos e queimadas na
Amazônia depende do desenvolvimento de atividades agrícolas adequadas nas
áreas já desmatadas e que tenham mercado, em vez do uso “sustentável” da
floresta e de direitos difusos. Nesse sentido, uma política agrícola teria efeito mais
positivo do que uma política ambiental.
Nesse contexto, existem outros problemas observados em relação às
reservas extrativistas, como exemplo existe a falta de conhecimentos administrativos
por parte dos moradores, que por lei são os verdadeiros gestores das reservas.
5.2 A territorialidade ribeirinha a partir das sazonalidades ambientais.
A bacia amazônica cobre aproximadamente 7 milhões de Km²,
abrangendo desde a floresta tropical chuvosa de zonas baixas e dos bosques
pluviais de montanha, nos confins ocidentais com os contrafortes andinos, até as
matas ribeirinhas inundáveis e as formações de manguezais, na desembocadura do
rio Amazonas.
Os ecossistemas ribeirinhos se diferenciam, principalmente, pelas
características físico-químicas das águas que drenam os rios. Contemplando-se rios
tão diversos, impõe-se logo a questão da causa ou causas de diferenças tão
notáveis na transparência e coloração das águas.
Os rios de água branca ou barrenta têm sua origem nas serranias
situadas, em sua maior parte, nos Andes. O rio Juruá é um dos principais
representantes desse tipo de rio. Nasce na serra das Mercês (serra da Contamana),
a 453m de altitude, e é um dos mais importantes afluentes do rio Amazonas; por ser
bastante caudaloso, é o mais sinuoso da região, possui 3.283 Km de extensão. Seu
leito pode sofrer variações entre 8 a 16m no nível das águas, entre a vazante
(setembro-abril) e a enchente (outubro-março), respectivamente. Mais de 1.000 Km
de seu curso são navegáveis durante a cheia. No período da vazante (seca), a
navegação se restringe.
177
É natural, portanto, que os ciclos das águas e dos rios, cheias e secas,
anunciem e diferenciem as fases de trabalho, ocupação e o-que-fazeres de grandes
repercussões e influência na vida do ribeirinho, de sua casa, de sua comida, de seu
trabalho e até das distâncias a vencer com a sua canoa.
As enchentes e vazantes do Juruá marcam o regime de vida e a estação
na economia do ribeirinho. Essas duas estações, da cheia (outubro-março) e da
seca (abril-setembro) do rio, estabelecem as relações e interações funcionais,
sociais, econômicas e psicológicas entre o ribeirinho e o rio. Os moradores moram,
trabalham, vivem e produzem acompanhando o ritmo das águas.
Uma geografia fluvial toda poderosa que talha o modo de vida e ação,
formas de exploração econômica e de conquista, comunicação, transporte,
habitação, regime alimentar, horizontes de economia e de trabalho. O ciclo
geográfico que o rio atravessa, marcado pelo nível das águas repiquetes,
enchentes, alagações, vazantes influencia e transforma o comportamento de todas
as atividades dos ribeirinhos.
Em função da geografia fluvial de altos e baixos níveis de enchentes e
vazantes, o ribeirinho teve que se adaptar e inventar um calendário de vida,
economia, trabalho. Coletas, roçados e pescarias têm a sua própria época do ano e
variam com as condições locais e imprevistos dos rios, das chuvas, alagações e
secas.
A fartura e a escassez também se alternam entre as duas estações do ano
fluvial. Nas vazantes: boas plantações, colheitas nas várzeas e fartura de peixes nos
lagos. Nas enchentes: calamidade e miséria para o ribeirinho, principalmente os das
comunidades a montante da Fortuna, em virtude de essas comunidades possuírem
uma grande população e não existirem lagos que os supram de peixes.
O ribeirinho é polivalente, atuando como pescador, agricultor e extrativista,
fazendo uso dos diferentes ambientes em consonância com a dinâmica do nível da
água. O ribeirinho, quando as águas descem, plantam nas várzeas a mandioca, a
melancia, o milho; algumas comunidades, o maxixe, cultivos estes considerados de
ciclos curtos (seis meses).
178
As várzeas são áreas inundáveis que possuem o solo enriquecido com o
material orgânico deixado pelas águas logo após o período de cheias. São próprias
para a produção agrícola de cultivos temporários que deveriam ser incentivados.
A principal vantagem da várzea é a renovação anual da fertilidade de seu
solo, graças aos sedimentos depositados durante o período da enchente. Sua
principal desvantagem é a necessidade de deixar extensas áreas vazias durante o
período de cheia, além da incerteza da altura e duração de cada fase do ciclo do rio.
É preciso insistir também no fato de que as territorialidades mudam de
acordo com a sazonalidade. No inverno, o ribeirinho tem sua territorialidade
intrinsicamente relacionada com a várzea, com a canoa, com a praia, com a
pescaria dentro dos lagos e da floresta alagada. Em geral, não pode exercê-la, haja
vista a espessa e labiríntica malha hídrica que se forma nas várzeas do Juruá,
impedindo os ribeirinhos de a exercerem. O que ocorre esporadicamente é entre
eles mesmos, caso se encontre algum morador da reserva praticando pesca
proibida, aí sim, ele procura exercer sua territorialidade.
A vida dos ribeirinhos é um constante movimento de desterritorialização e
reterritorialização, ou seja, estão sempre passando de um território (várzea) para
outro (terra firme). A escala espacial e a temporalidade é que o distintas. No
cotidiano, a dinâmica mais comum é que passemos constantemente de território
para outro. Trata-se de uma desterritorialização cotidiana, onde se abandona, mas
não se destrói o território abandonado.
É fácil constatar essa desterritorialidade cotidiana na atitude dos
ribeirinhos que procuram a cada mudança de estação, exercê-la relacionando de
modo diferente aos ambientes formados. Um ponto que merece destaque é o fato de
os ribeirinhos exercerem no verão sua territorialidade apenas se encontrarem
alguma pessoa nas praias de preservação (tabuleiros), capturando quelônios, aí sim,
eles exercem, chegando a existirem conflitos verbais e aameaças de morte por
ambas as partes.
179
Caso também encontre alguma pessoa roubando ou destruindo seu cultivo
na praia, ele também procura exercer a territorialidade. No inverno como descrito
anteriormente, este morador por falta de apoio, empoderamento e infraestrutura
raramente usa a territorialidade no intuito de influenciar, afetar ou controlar o acesso
à reserva.
Nesse sentido, a territorialidade é bastante flutuante e só é exercida no
verão, pois os espaços de circulação diminuem, facilitando o contato dos ribeirinhos
com pessoas de fora da área, quando eles procuram exercê-la.
5.3 As transformações na organização espacial ribeirinha sob a égide do
modelo de reserva extrativista: tensões e resistências
Muito se tem falado sobre a participação nos projetos de desenvolvimento
das Reservas Extrativistas. Embora a participação seja vista normalmente como algo
positivo, ela pode ser usada com o propósito de transformar o sistema atual ou
simplesmente de manter o status quo. De fato, a participação quando feita de
maneira acrítica, pode respaldar propostas de cima para baixo, paternalista ou
equivocada. O fato de serem chamados para uma decisão, não quer dizer que os
indivíduos tenham possibilidade de uma participação plena. Assim, a participação,
para ser transformadora, exige um processo gradual de crescimento e integração.
De maneira simplificada, existem dois tipos básicos de participação:
a) Mobilização: é o envolvimento da comunidade na execução de uma ação,
como, por exemplo, os mutirões de limpeza que várias prefeituras promovem. Na
mobilização, em geral, as comunidades não participam do planejamento das ações e
não melhoram sua situação de autonomia para implantar melhorias.
b) Empoderamento: é o aprendizado da comunidade em maneiras de
melhorar sua situação e a melhoria efetiva da posição das pessoas em relação a
outros setores, ou seja, é um processo contínuo que fortalece a autoconfiança dos
grupos populacionais desfavorecidos, os capacita para a articulação de seus
180
interesses e para a participação na comunidade facilitando o acesso aos recursos
disponíveis e o controle sobre esses, a fim de que possam levar uma vida
autodeterminada e auto-responsável, participando no processo político (WEIGAND
JR ; PAULA,1998,p.19).
O conceito de empoderamento vem sendo discutido desde os anos
setenta (século XX), propondo, a partir de questões referentes ao desenvolvimento
sustentável, a autogestão de recursos políticos, econômicos e sociais como forma
de diminuição da pobreza. O conceito vai além das noções de democracia, direitos
humanos e participação para incluir a possibilidade de compreensão a respeito da
realidade do seu meio (social, político, econômico, ecológico e cultural), refletindo
sobre os fatores que dão forma ao seu meio ambiente, bem como à tomada de
iniciativas no sentido de melhorar sua própria situação.
Nesse sentido, é importante perceber que o conceito de empoderamento
vai além da participação muitas vezes medida na simples presença em
assembléias. Trata-se de um conceito sistêmico, o qual reconhece que, se há um
maior poder na tomada de decisões e controle por parte daqueles que, antes, não
detinham qualquer poder, uma necessária transformação ao longo do sistema. .
Ora, com a simples participação (que pode ser confundida com aquiescência), essa
alteração pode ser esperada; o empoderamento pressupõe uma participação
crítica e ativa que não pode, de forma alguma, ser confundida com a simples
presença ao longo do processo de decisão.
Assim sendo, um processo de empoderamento eficaz precisa contemplar
quatro níveis:
a) cognitivo, referente à conscientização sobre a realidade e as causas da
dominação masculina;
b) psicológica, ligado ao desenvolvimento de sentimentos de auto-estima e
autoconfiança, requisitos para a tomada de decisões;
c) econômico, relacionado à importância da execução de atividades que possam
gerar uma renda que assegure certo grau de independência econômica;
d) político, relativo à habilidade para analisar e mobilizar o meio social com vistas a
nele produzir mudanças.
181
Logo, um processo de empoderamento eficiente deve envolver tanto
componentes individuais como coletivos. assim é possível desenvolver as
habilidades necessárias para que se obtenham reais transformações sociais.
A participação pode acentuar ou reduzir as desigualdades. Em um projeto,
se ninguém é consultado, isso provavelmente reduzirá os benefícios para todos. Por
outro lado, se um grupo (ASPROC) é consultado, é provável que esse grupo seja
mais beneficiado que os outros. Temos observado esse tipo de distorção, às vezes
difícil de corrigir, na reserva extrativista, onde os homens participam mais do que as
mulheres e onde as comunidades de acesso mais fácil e de maior contingente
populacional recebem mais melhorias, pois (Roque, Nova Esperança, Pupuaí e
Gumo do Facão) são feitas a maior parte das reuniões, resultando em maior
participação daquelas comunidades em detrimento das demais.
A participação comunitária não é somente uma reivindicação política das
populações ribeirinhas, é também uma condição sine qua non para um modelo de
desenvolvimento sustentável. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), destacou a necessidade de incorporar à
todos os atores sociais no processo de desenvolvimento, destacando-se
principalmente as comunidades locais e grupos indígenas.
Para se implementar tal participação dentro da reserva, faz-se necessária
a participação em todos os níveis de decisões. Isso requer o conhecimento por parte
das comunidades dos direitos políticos das associações locais (ASPROC) e a
aplicação de mecanismos que permitam as comunidades fazerem ouvir suas
preocupações, influenciando a tomada de decisões em todos os níveis. Isso supõem
muito mais que uma mera consulta na hora de preparar os projetos a serem
implementados dentro da reserva.
Igualmente, se reconhece que a autêntica participação é complexa. O
intento de incorporar moradores dispersos, sem unidade social e com baixa
educação formal, no processo de tomada de decisão, apresenta muitas dificuldades.
O resultado habitual é uma participação entendida como eleições entre duas ou
mais opções estabelecidas pela instituição que gere a reserva (ASPROC). A
autêntica participação significa que as mesmas comunidades determinem e
analisem as opções que devem eleger.
182
O papel das instituições deveria ser facilitar e apoiar a gestão dos
indivíduos e comunidades no lugar de dirigir essa gestão. Por outro lado, é preciso
atentar para o fato de que necessidade de evitar uma mistificação do conceito de
comunidade. Todas as comunidades são heterogêneas, e uma das
responsabilidades do órgão ambiental responsável deveria ser impor medidas que
impedissem que certos grupos de interesse tenham excessiva influência no
processo de decisão, e em particular na distribuição de recursos e benefícios. É
necessário discutir a necessidade de atender às necessidades de grupos
específicos como as mulheres e de incorporá-las plenamente na tomada de decisão.
É característico da sociedade capitalista a tendência de destruir as
relações sociais que não sejam capitalistas. O que é próprio e característico
dessa sociedade, e do predomínio que há nela das leis de mercado sobre
quaisquer outras leis sociais, é o desenraizamento, a destruição das relações
sociais tradicionais e, portanto, a exclusão das pessoas em relação àquilo
que elas eram e àquilo que elas estavam acostumadas a ser. Por que o
capitalismo faz isso? O capitalismo faz isso para incluir. Por que precisa
incluir? Porque ele precisa transformar cada ser humano, não importa a cor,
altura, tamanho, peso, beleza, em um membro da sociedade capitalista. Há
duas portas para se entrar nessa sociedade. Uma é a porta mais geral da
transformação de todos em produtores e consumidores de mercadorias. Tudo
tende a ser reduzido a mercadoria. Essa redução de tudo a produtores e
consumidores de mercadorias significa que todos, para se integrarem à
sociedade capitalista, devem ser transformados em trabalhadores ou, então,
em compradores de força de trabalho. Em segundo lugar, devem ser todos
transformados em consumidores dos produtos produzidos por essa mesma
sociedade. As pessoas estariam sendo incorporadas para trabalhar, mas não
estariam sendo incorporadas para consumir. Nessa sociedade, não há como
sobreviver sem se tornar consumidor, ainda que consumidor de menor
riqueza do que aquela em cuja produção se esteve envolvido, fato esse
constatado principalmente na comunidade do Roque.
Alguns autores destacam que nas novas unidades de conservação
que vêm sendo propostas, as populações originárias e locais perdem a
primazia no controle e gestão de seus próprios recursos naturais, que
183
passam a ser feitos por empresas e ONG-s em nome do uso racional dos
recursos naturais, conforme as unidades recém criadas FLONAS e RDS. No
entanto, é bom que se destaque que, na Amazônia, não existe nenhuma
reserva extrativista que sirva de modelo para as demais no tocante à
sustentabilidade social dos moradores. Convém destacar, ainda, que a RDS
Mamirauá e a Flona Tefé são consideradas os maiores exemplos de modelos
a serem seguidos, pois proporcionam o bem-estar social e ambiental de seus
moradores. Assim, é necessário se ter o cuidado em se delegar
responsabilidades, principalmente gestoras nas mãos dos moradores de
unidades de conservação, mesmo porque dificilmente sem a ajuda de
instituições e de parcerias a gestão ambiental alcançara o seu objetivo.
O caso da reserva em análise é bem marcante e demonstra que não
é viável, pelo menos num primeiro momento, entregar a gestão ambiental nas
mãos dos moradores.
Constata-se que as instituições que gerem a reserva tendem a considerar
o desenvolvimento como um incremento no volume de produção de mercadorias
(agroflorestais). No entanto, não se percebe que o incremento da produção extrativa
não repercutiu em uma melhor qualidade de vida. Estima-se que o conceito de
qualidade de vida deveria ser o conceito segundo a visão das próprias comunidades;
nesse sentido, deveriam ser consideradas prioritárias na tomada de decisões. Do
contrário, podem propor sistemas de manejo incompatíveis com as aspirações locais
que provavelmente não serão viáveis dentro dessas comunidades.
Qualidade de vida é distinta do conceito de nível ou padrão de vida,
utilizado para designar as necessidades econômicas. Faz referência à satisfação do
conjunto das necessidades humanas: saúde, moradia, alimentação, trabalho,
educação e lazer. “Qualidade de vida significa ter a possibilidade de decidir
autonomamente sobre o seu próprio destino” (GADOTTI, 2000,p.62). A expressão
desenvolvimento humano (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUD -, 1993) é um conceito amplo e vago que, nos últimos anos, as Nações
Unidas passaram a usar como indicador de qualidade de vida fundamentado nos
índices de saúde, longevidade, maturidade psicológica, educação, ambiente limpo,
espírito comunitário e lazer criativo.
184
Esses são também os traços de uma sociedade sustentável, isto é, de
uma sociedade capaz de satisfazer as necessidades das gerações de hoje, sem
comprometer a capacidade e as oportunidades das gerações futuras.
Para Dias (1994, p.9), a qualidade de vida é um termo que necessita maior
definição destacando que:
[...] tenho grandes dificuldades com o termo qualidade de vida; penso que é
um termo ambíguo, que se confunde com vários outros como nível de vida,
padrão de vida, e que tem ou que pelo menos teve durante muitos anos a
pretensão de congregar todas as coisas que contribuem para a qualidade
da existência humana [...] para alguns, os critérios incluem indicadores
como saúde, saneamento, educação, segurança e meio físico; outros
incluem também, emprego, moradia e participação social.
Não se pode esquecer que a área de estudo está muito distante do que
deveria ser o desenvolvimento sustentável e seus reflexos no bem estar social. Com
exceção da questão fundiária e da comunidade do Roque, as demais não possuem
qualquer perspectivas de melhoria em sua condição social. Outrossim, considera-se
que haveria a necessidade urgente de um Plano de Desenvolvimento da reserva,
passo primordial para um melhor planejamento da exploração e beneficiamento de
produtos florestais a dio e a longo prazo. Além disso, um plano serviria para ser
apresentado a instituições de pesquisa e universidades que poderiam desenvolver
pesquisas na área, contribuindo assim para o aumento de oportunidades de geração
de renda dos ribeirinhos.
Conseqüentemente, poderia se pensar em criar uma entidade única que
representasse os moradores, mesmo porque a ASPROC não representa
exclusivamente os moradores da reserva, e sim de todo o município. Outro ponto
que se considera importante é que se ajude os moradores a criarem em cada
comunidade Cooperativas ou associações de moradores, haja vista que os recursos
e as características socioambientais não são uniformes, havendo em algumas,
como na comunidade de Tabuleiro, recursos (açaí) que poderiam ser beneficiados a
curto prazo. Bastaria que os moradores pudessem através, de sua representação
comunitária local, procurar ajuda nos órgãos ou instituições de pesquisas, o que não
ocorre atualmente, em virtude da APROC ser a representante legal deles e,
185
principalmente, pela falta de infra-estrutura e pessoas competentes dentro da
referida associação que não conta com nenhum Engenheiro Florestal, Engenheiro
Agrônomo,Técnico Florestal e, muito menos Técnico em Agropecuária.
Definitivamente, pensa-se que a falta de perspectivas, bem como pessoal
habilitado para desenvolver projetos, além do pouco conhecimento que se tem das
particularidades de cada comunidade inviabilizam qualquer perspectiva de melhoria
de vida dos moradores, que precisam praticar o contrabando de peixes, caças e de
outros recursos para comprarem os produtos de primeira necessidade. Sem um
plano de desenvolvimento, isso continuará a acontecer, mesmo porque esses
moradores são cidadãos como outro qualquer e têm o direito de viverem uma vida
com conforto e terem uma fonte de renda digna para que possam, então, preservar
os recursos existentes na área; caso contrário, o propalado desenvolvimento
sustentável será apenas uma utopia.
5.4 Extrativismo e atividades complementares na reserva
Embora a caça e a coleta ocupem grande parte da história da
humanidade, na atualidade são muito poucas as sociedades que baseiam sua
existência exclusivamente nessas atividades, estando ademais em franca
retrocesso. A maioria das sociedades que mantém atividades extrativas significativas
as combinam com distintas formas de agricultura. Tal é o caso do extrativismo na
Amazônia, onde as comunidades indígenas e extrativistas praticam ao mesmo
tempo uma agricultura para auto-consumo.
As razões que impulsionam essa combinação de atividades estão
relacionadas a uma diversificação da dieta, aumento de garantias de sobrevivência
e, na maioria das vezes, obtenção de algum dinheiro. Essa agricultura e, em alguns
casos, a pecuária são praticadas em uma pequena escala e, em geral, de forma
itinerante. A preparação do terreno, semeadura e coleta podem ocupar uma parte
importante do tempo de trabalho.
Para se garantir a sustentabilidade econômica da reserva se postula
(principalmente por parte do IBAMA) com freqüência a combinação do extrativismo e
a agricultura.
186
Por outra parte, o extrativismo é considerado um passo prévio da
domesticação, o extrativismo passaria por uma fase de crescimento, estabilização e
declive para terminar com a plantação domesticada, que se iniciaria na fase de
estabilização (HOMMA,1989). No caso da andiroba, alguns moradores começam
a pensar em plantio, tendo em vista o que Homma discutiu. Na observação em
campo, isso foi perfeitamente visível, pois, segundo as fases citadas, constatou-se
que o extrativismo na reserva passa para uma fase de estabilização. Nessa visão, o
extrativismo é visto como uma fase transitória; e a criação de reservas extrativistas,
como um modo de ganhar tempo. No entanto, a domesticação bem planejada e
integrada à atividade extrativa pode diminuir os efeitos dos ciclos expansivos e
depressivos dessas economias. Visto numa perspectiva positiva, reforça a idéia do
extrativismo como um intermediário entre a biodiversidade e a biotecnologia,
revalorizando o papel do mesmo.
Para manter-se como atividade viável, o extrativismo deveria:
a) diversificar e intensificar as atividades extrativas, buscando novas fontes de
divisas, ou seja, novos produtos a serem explorados;
b) domesticar espécies locais para agrossilvicultura;
c) melhorar a agricultura de subsistência.
Para pôr em prática esses objetivos, faz-se necessário um maior esforço
de pesquisas, incluindo os sistemas de manejo dos recursos pelos extrativistas. Em
particular, é necessário pesquisar novos produtos e técnicas de extração.
5.4.1 Despesa e consumo familiar
A população extrativista no seu trabalho diário produz parte dos produtos
necessários a sua sobrevivência, principalmente uma parte considerável dos
alimentos, através da agricultura, da caça e da pesca. No entanto, os produtos que a
população consegue produzir o o suficientes para atender às suas
necessidades imediatas. Isso a obriga a se relacionar com o mercado cada vez
mais, para comprar o que não se produz nas comunidades.
187
As despesas familiares mensais se resumem principalmente aos alimentos
complementares não produzidos nas comunidades, que geralmente são pagos pelo
que a família arrecada da venda da produção agrícola ou em formas residuais de
aviamento. As despesas de vestuários e de alguns eletrodomésticos, por sua vez,
são pagos geralmente com os saldos do final da safra da produção extrativa.
Os gêneros alimentícios e de primeira necessidade cada vez mais vão
sendo comprados dos regatões e, em alguns casos, do barco e armazém da
ASPROC; parte dessas despesas é decorrente, principalmente, das dificuldades de
transporte. As dívidas contraídas com regatões e comerciantes da cidade, no
entanto, tendem cada vez mais a ser saldadas em dinheiro.
Quanto ao consumo alimentar da população extrativista, predomina na
dieta alimentar a utilização de pescados e caças, que são complementadas com a
farinha de mandioca e o consumo de vinhos de açaí e bacaba, dependendo da
época das safras e da oferta nas comunidades. Em geral, os pescados predominam
sobre a oferta de caças. Observa-se em todas comunidades, no entanto, o aumento
nas dificuldades na caça e na pesca nos últimos anos.
O agroextrativista tem acesso a alguns alimentos, como carne bovina e
pão (a comunidade do Roque possui padaria), quando vai à cidade fazer compras,
em caso de doenças ou em determinada época do ano.
A população para sobreviver e se reproduzir enquanto tal é obrigada a
utilizar o seu trabalho para produzir alguns produtos, sendo que parte desses são
utilizados para o seu consumo imediato e parte entra no circuito do mercado sob a
forma de mercadorias que nesse mercado, serão trocadas por mercadorias
necessárias para a sobrevivência dessa população que não consegue produzi-las.
A princípio, se imagina que os produtos que essa população produz e
troca no mercado sejam em sua totalidade oriundos da coleta, caça e pesca, que
a mídia parece estereotipar esse produtor amazônico como um extrativista puro. No
entanto, quando mais próximo se chega dessa população verifica-se que a atividade
extrativista é apenas mais uma das atividades que essa população lança mão na
luta cotidiana para a sua manutenção nas condições da Amazônia.
188
A agricultura em pequenas lavouras tem uma importância fundamental na
sua reprodução social, ficando difícil até se concluir qual a atividade principal na
sustentação da reprodução dessa população: a pequena agricultura ou o
extrativismo.
Ao se aproximar cada vez mais dessa população, percebe-se que seria
incorreto chamá-la de população extrativista, da mesma forma que parece difícil, na
condição do Amazonas, encontrar um pequeno agricultor que seja apenas produtor
agrícola, pois em ambas as situações as atividades de coleta, caça e pesca sempre
parecem estar presentes, modificando apenas o grau de importância na manutenção
das necessidades das famílias amazônicas. Nesse contexto é que utilizamos o
termo agroextrativista para as populações rurais amazônicas.
5.4.2 Atividades agrícolas
Uma das principais características da agricultura tradicional que a
diferencia da agricultura convencional é que naquela o processo produtivo está
basicamente direcionado ao atendimento das necessidades da manutenção e
reprodução biológica e social do produtor rural. O termo agricultura de
subsistência, muitas vezes utilizado com conotações negativas, caracteriza a fraca
vinculação e dependência da agricultura tradicional ao Mercado.
Uma vez que todos as necessidades sicas são atendidas pela unidade
familiar de produção, a agricultura tradicional deve produzir uma diversificada gama
de produtos capazes de suprir as demandas da família. Em termos de alimentos, a
produção deverá ser diversificada e estável ao longo e no decorrer do ano. Assim,
as atividades dos agroextratores não se restringem às atividades estritamente
agrícolas, mas, também, ao extrativismo vegetal e animal.
189
Estudos realizados por Silva (1991) mostram como uma comunidade de
agroextratores, localizados no rio Xingu, Estado do Pará, distribui a força de
trabalho no sistema de produção que também se encontra na médio Juruá. Numa
jornada diária de 8,4 horas, cerca de 40% do tempo (3,2h) é dedicado à agricultura e
60% da jornada de trabalho (5,1h) a atividades de manufatura e extrativismo.
Esses dados mostram que, além dos recursos naturais existentes, a força
de trabalho é o único fator de produção, necessitando, portanto, de uma
administração criteriosa de sua utilização.
É interessante observar que, no circuito do Mercado, a renda monetária
auferida não permite ao produtor a compra do mesmo produto vendido, pois parte do
valor do produto é apropriada pelos agentes envolvidos na comercialização.
Nas comunidades, as atividades agrícolas desenvolvidas com o intuito de
suprir as necessidades de reprodução da família e de auferir rendas são
direcionadas para dois espaços produtivos, que são, em sua maioria, a roça na terra
firme e o plantio na várzea no verão. Nesse sentido, vamos descrever e analisar as
atividades que se desenvolvem nesses setores, considerando, principalmente, a sua
época, quem trabalha e a produtividade do trabalho. Essa análise é baseada nos
dados observados in loco durante a etapa de pesquisa de campo.
5.4.2.1 Roça ou Roçado
Atualmente, esse setor ou espaço das comunidades agroextrativistas
fundamental na reprodução social, enquanto população produtora e dona de seu
trabalho. Esse espaço ganhou uma importância maior a partir da decadência do
extrativismo gomífero, pois a coleta desse produto ocupava a força de trabalho e
garantia o sustento de grande parte desses trabalhadores. Assim, com a
decadência, a população passa a ficar sob o controle do pequeno capital mercantil
representado pelos regatões e pequenos compradores locais.
190
Observa-se que cada vez mais a reprodução dessa população
agroextrativa passa a depender do roçado, na medida em que se esgotam as
alternativas de geração de renda. Para os produtores, as principais culturas do
roçado são a mandioca, a macaxeira e a banana, não apenas sob o ponto de vista
econômico (comercial), mas principalmente por essas culturas possuírem algumas
características que as tornam essenciais na administração da subsistência anual
dessa população.
A mandioca e a macaxeira é uma cultura que, além de ser a matéria prima
utilizada na fabricação de um alimento essencial na alimentação dessa população, a
farinha, permite a esse agricultor administrá-la durante o ano de acordo com as
suas necessidades, garantindo-lhe uma certa estabilidade no fornecimento mensal
da quantidade de farinha necessária à família, como também na obtenção de
dinheiro com o excedente comercializado, que lhe garante o suprimento de gêneros
de primeira necessidade durante todos os meses do ano, é uma espécie de
emprego que lhe dá um salário mensal. Isso é possível pelas características que a
mandioca e a macaxeira possui de permanecer por longo espaço de tempo no solo
sem se deteriorar.
A banana é plantada consorciada com a mandioca e a macaxeira, em
decorrência de essa cultura ser de pouca utilidade dentro do comércio local, sendo
que os regatões só compram esse produto de comunidades próximas à cidade, haja
vista a distância e o transporte.
O espaço ocupado pela roça é um espaço da floresta que precisa ser
desmatado; porém o produtor, ao desmatar, seleciona um espaço onde as espécies
que são importantes para a sua manutenção o estejam presentes, sendo um
desmatamento pequeno (em média 0,5ha.) e seletivo. O local é utilizado por
algumas safras e depois abandonado para descanso ou pousio, sendo ocupado por
capoeiras ( vegetacão secundária) que o reconstituem. O espaço, então, volta a ser
utilizado para implantação de roçados 4 a 5 anos depois. Assim, a cada ano, esse
produtor agroextrativista derruba uma área equivalente à metade do tamanho
utilizado pelo seu roçado, visto que a mandioca vai ser colhida um ano após o seu
plantio e, assim, ele terá sempre uma área de roça nova e uma área madura que
está sendo beneficiada.
191
5.4.2.2 Preparo da área
A roça, por ocupar um espaço da floresta ou uma capoeira recomposta,
na sua instalação, torna necessária a retirada da cultura original daquele espaço
físico. Feita a seleção da área a ser trabalhada, respeitando os espaços onde se
concentram as espécies vegetais úteis à subsistência desse produtor, ele
desenvolve as seguintes atividades, que vão deixar o espaço escolhido em
condições de receber as culturas de roçado.
a) Broca é a etapa que consiste no raleamento da mata ou capoeira, com a
retirada das árvores mais finas com o objetivo de facilitar a derrubada da vegetação
mais grossa. Essa operação é feita pela força de trabalho predominantemente
masculina, concentrando-se no mês de agosto e prolongando-se até setembro.
Nessa atividade o instrumento de trabalho utilizado é o terçado (facão), em algumas
comunidades se forma um mutirão (ou ajuri), em que vários trabalhadores se
reúnem para brocar a roças dos escolhidos para aquele dia. Constatou-se essa
prática principalmente na comunidade de São Raimundo, na qual pudemos
participar durante cinco dias como trabalhador do ajuri.
b) Derruba logo após a broca, nos meses de setembro/outubro, inicia-se essa
etapa do preparo de área. Por ser uma atividade muito trabalhosa e arriscada, o
trabalho utilizado é exclusivamente masculino, sendo que em algumas comunidades
se torna freqüente o uso do mutirão (ajuri). Nessa atividade predomina na área o uso
do machado como instrumento principal de trabalho, mas em várias comunidades
observou-se o uso de motor-serra. Durante a derruba, os produtores costumam fazer
a proteção de árvores que lhes são úteis, como a bacabeira e o açaizeiro, fazendo
aceiros ao seu redor para evitar que sejam destruídos pelo fogo. Após a derruba da
vegetação, a madeira de interesse do produtor é rolada em forma de toras para uso
na casa. Nessa ocasião também são feitos aceiros para evitar que na queima o fogo
penetre na floresta.
192
c) Queima essa atividade é realizada na área durante o mês de outubro. Esse
trabalho geralmente é feito pelo chefe de família, que permanece no local entre 3h e
4h - tempo suficiente para esse trabalhador monitorar a queima e evitar que o fogo
penetre na floresta.
d) Encoivaramento essa atividade é realizada após a queima, concentrando-se
no mês de novembro, embora se prolongue pelo mês de dezembro. Essa atividade
é feita quando a roça não consegue queimar adequadamente, ficando muita
madeira na área, o que dificultará as atividades posteriores. Essa atividade consiste
na amontoa da madeira não queimada, para se queimar sob a forma de fogueira.
Nessa atividade as mulheres se fazem presentes. Os instrumentos de trabalho
utilizados na queima são o machado, o terçado e o fogo. Após essa atividade, a
terra estará pronta para receber as sementes e mudas por ocasião do plantio.
e) Plantio da mandioca/macaxeira o plantio é feito através de estacas (pedaços
de caule com 10 a 20cm) retiradas da roça madura. O plantio da
mandioca/macaxeira é feito de duas formas, sendo que uma é o plantio feito na roça
madura à medida que ela vai sendo colhida. Essa forma depende muito da
fertilidade do solo, do grau de infestação das ervas daninhas e da produtividade que
a terra pode oferecer nessa forma de plantio. A outra maneira é o plantio na roça
nova após a queima, concentrando-se esse plantio no mês de dezembro e se
estendendo até o mês de janeiro. O plantio da roça nova é feito utilizando o terçado
para cortar as estacas e a enxada para abrir as covas onde serão enterradas as
estacas. O plantio é feito num espaçamento aproximado de 1m entre as covas, sem
um alinhamento preciso, em função da existência de tocos e pedaços de madeira
resíduos da queima. Nesse plantio, quando trabalha toda a família, os homens
abrem as covas e as mulheres e crianças vêm atrás colocando as estacas e
fechando as covas.
193
5.4.2.3 Tratos culturais da roça
Após o plantio, os cuidados com a roça se resumem basicamente à
capina. A principal praga que ataca a roça é a saúva e ainda são poucas as
comunidades que fazem o controle químico dessa praga, através de iscas. Não se
verifica a incidência de outras pragas causando prejuízos relevantes à lavoura - com
exceção da comunidade de Imperatriz, onde moradores relataram o ataque às suas
roças de porcos do mato que estavam destruindo as roças e causando prejuízos à
comunidade.
Vale ressaltar que o pequeno espaço ocupado pela roça na floresta, não
provoca grandes desequilíbrios na população de insetos, sendo raras as queixas de
ocorrência de pragas que causam grandes prejuízos econômicos, além da saúva.
Assim, o principal trato cultural que a roça recebe é a capina, sendo que
cada cultura tem a sua época adequada de capina, conforme se verificou nas
comunidades.
a) A capina da mandioca/macaxeira nessa atividade participa toda a força de
trabalho familiar. A capina da mandioca/macaxeira se concentra nos meses de julho
a agosto, com maior freqüência, muito embora possa ocorrer em março. Essa capina
de março, com mais freqüência, é feita em área de capoeira onde a infestação de
ervas daninhas se dá com maior rapidez que nas áreas de matas.
Na capina de março, a força de trabalho feminina se faz presente em
grande intensidade, considerando que a mão-de-obra masculina se encontra
ocupada na pesca ou na caça. Os instrumentos de trabalho utilizados na capina são
a enxada e o terçado.
b) A colheita da roça para os moradores, esse é o momento em que se
materializa o resultado do trabalho gasto na instalação e manutenção da roça.
Materialização essa em produtos que poderão ou não ser mercadorias. Esses
produtos também têm épocas de colheita diferenciadas: alguns são colhidos de uma
só vez; outros, se permitirem uma permanência maior no roçado, são colhidos
194
gradativamente, conforme as necessidades familiares. A possibilidade de uma maior
flexibilidade na colheita permite a determinadas culturas terem uma importância
ampliada além de sua condição de ser um produto de consumo imediato ou de ser
uma mercadoria que circulará nos Mercados. Será também uma cultura fundamental
no processo de reprodução social, uma vez que garantirá uma estabilidade ao
agroextrator durante o decorrer do ano, por poder dessa forma ser administrada por
esse trabalhador.
Essa característica é o que faz da mandioca a cultura principal na roça
desse trabalhador, pois lhe permite uma segurança de que poderá se garantir
durante alguns meses, na propriedade, quando ele percebe que a sua roça de
mandioca/macaxeira já pode ser colhida.
c) A colheita da mandioca/macaxeira é uma atividade realizada e administrada
de acordo com as necessidades das famílias durante o ano, seja para o seu
suprimento de farinha, seja para trocar por outros bens necessários à família. As
raízes colhidas serão transformadas em farinha, que é um alimento fundamental na
dieta alimentar da população rural amazônica. Assim, a quantidade de raiz colhida é
a quantidade necessária para abastecer de farinha a família, até a próxima
farinhada, o excedente ao consumo da família é vendido no mercado (regatão ou
sede municipal) e usado na compra de algum outro produto necessário à reprodução
da força de trabalho familiar.
A colheita da mandioca/macaxeira é feita durante todo o ano. Essa
atividade envolve o trabalho de todos os membros da família. Os instrumentos
utilizados na colheita são o terçado, a enxada e o paneiro onde são carregadas as
raízes. Essas raízes são levadas para a casa de farinha onde parte dela é colocada
de molho em tanques plásticos (observados na comunidade do Roque), poços ou
córrego; a outra parte vai para o beneficiamento na casa de farinha, onde se junta
uma parte que foi colocada para macerar e fermentar previamente.
A colheita durante o mês é feita em função da capacidade da casa de
farinha e das necessidades da família, podendo ser mensal, quinzenal, ou
semestral, de acordo com as necessidades das outras atividades agroextrativas.
195
d) Beneficiamento da mandioca – essa atividade merece um pouco mais de
atenção na análise, que é a principal atividade transformadora de produtos
produzidos nas comunidades. Essa atividade se desenvolve nas casas de farinha.
Essas instalações na área existem como propriedade familiar, embora atendendo a
mais de uma família, ou, em algumas comunidades, como comunitárias, atendendo
a todas as famílias. As casas de farinha familiares ficam geralmente próximas às
roças, enquanto que as comunitárias ficam nas sede comunitária. As comunitárias
necessitam de uma maior quantidade de trabalho no transporte das raízes das roças
para a sede comunitária, embora muitas vezes esse trabalho seja compensado pela
diminuição do esforço em outras fases do processo de beneficiamento, pelas
condições de mecanização.
A fabricação da farinha envolve toda a força de trabalho familiar. Esse
dispêndio muito grande de trabalho se deve ao caráter manual da maioria das
atividades nas casas de farinha.
As principais etapas da fabricação da farinha, após as raízes se
encontrarem no local de trabalho, são:
a) Descascamento das raízes – é uma atividade que envolve o trabalho das crianças
(Foto 1) e mulheres, principalmente. É uma atividade realizada com facas, terçados
e, às vezes, raspadeiras manuais feitas de chapas de aço.
196
FOTO 1
CRIANÇA DESCASCANDO MANDIOCA
Fonte: Trabalho de Campo - 2006
a) Ralagem após o descascamento, a mandioca é lavada e vai para o banco, que
é uma bancada de madeira em forma retangular, onde o cevador introduz a
mandioca pela bola (ralador mecânico) acionada pelo motor, que a transforma em
massa.
b) Maceração e fermentação consiste em colocar parte das raízes de molho em
tanques plásticos ou igarapés (córregos) num espaço de 4 a 6 dias. Essa parte de
raízes é descascada manualmente, pois as cascas soltam facilmente. Após o
descascamento, as raízes são amassadas ou raladas para serem misturadas com a
massa ralada de raízes não maceradas, dando origem à farinha regionalmente
conhecida como farinha d’água.
197
c) Prensagem – é a etapa que tem como objetivo reduzir a umidade da massa. Pode
ser feita de dois tipos: tipiti ou prensa feita de madeira; na área, predomina a prensa.
O resíduo da prensagem é utilizado na alimentação ou vendido como ingrediente
alimentar (tucupi).
d) Torrefação - é a fase posterior à prensagem em que a amassa é torrada em
tachos(fornos) feitos de latão e aquecidos com lenha. É uma atividade desenvolvida
com mais freqüência pelo trabalho masculino. É um trabalho feito sobre uma
temperatura elevada, pois tem que se mexer do início ao fim a massa que está
sendo torrada. Após a torrefação, a farinha é colocada em cochos de madeira para
resfriar e, posteriormente, ser armazenada em sacos plásticos até a venda ou
consumo.
5.4.2.4 Sítio ou pomar caseiro
Neste espaço o trabalhador da floresta planta as suas fruteiras. É um
espaço que extrapola a simples área do quintal, pois as fruteiras o cultivadas
também nas roças, casas de farinha e antigas áreas de residência.
As principais fruteiras cultivadas nas comunidades são, no espaço da
roça, a banana, o abacate e o abacaxi. No espaço próximo à residência, se observa
o cultivo das plantas cítricas, como laranja e limão, abacateiros, mangueiras,
goiabeiras e, às vezes, cupuaçuzeiros; essas espécies são também plantadas
próximas às casas de farinha.
As fruteiras são cultivadas em pequenas quantidades (com exceção da
banana nas comunidades próximas à sede municipal), ou seja, visando
prioritariamente ao autoconsumo. A banana adquire um caráter mais comercial
que as outras frutas, sendo que, nas comunidades de Pupuai, Novo Horizonte,
Gumo do Facão, Nova Esperança e Roque, ocupa uma posição de destaque, no
fornecimento de uma pequena renda mensal.
198
A colheita das fruteiras é feita durante o ano todo, sendo que cada espécie
tem uma época específica para a sua colheita. As frutas colhidas são na maioria dos
casos para o consumo da família, embora a comercialização venha sendo feita em
escala crescente com o surgimento de regatões que se especializaram na compra
de frutas e aves domésticas.
5.4.2.5 Criação de animais
O quintal é o espaço em que, além de se cultivarem algumas fruteiras,
canteiros de hortaliças, plantas medicinais e plantas ornamentais, serve também
para a criação de pequenos animais, como galinhas, patos, porcos e algumas aves
silvestres, como o mutum. Esses animais são criados numa quantidade muito
pequena e são destinados ao consumo emergencial, quando impossibilidade de
caçar e pescar, durante os períodos s-partos, ou em caso de doenças na família
ou, até mesmo, durante o período de inverno. Em geral, esses animais são criados
soltos na comunidade, o que com freqüência, causa problemas entre os moradores.
A criação de suínos representa uma característica interessante, pois, segundo os
moradores, atraem onças e outros felinos, sendo que essa criação é pouco
representativa dentro da área. A criação de bois é pouco representativa pois
encontram-se em pequenos números apenas nas comunidades de Imperatriz,
Fortuna e em um morador isolado (Turiba).
5.4.2.6 Cultivos na área de várzea
São feitos somente no período de verão e são realizados em uma
pequena escala com poucas comunidades envolvidas nesse tipo de cultivo. O
obstáculo principal ao cultivo diz respeito à localização das sedes comunitárias que,
em grande parte, localizam-se em terra firme.
199
Em função disso, a distância entre a sede comunitária e a várzea, na
época do verão, inviabiliza o cultivo. É preciso ressaltar que alguns cultivos de ciclos
curtos como milho, melancia e feijão, em geral não fazem parte da dieta dos
moradores ribeirinhos, por isso não há grandes interesses em se cultivar nas terras
férteis da várzea.
5.5 Uso econômico dos produtos naturais da Amazônia
Na região amazônica a abundante biodiversidade existente representa
uma das maiores potencialidades e patrimônios do Brasil neste novo milênio. A
existência de mais de 90% da floresta inexplorada na Amazônia é um dos fatores
estratégicos que explica a crescente preocupação de se concentrarem os estudos
científicos na região, pois são grandes as probabilidades de aproveitamento
econômico dos recursos de modo sustentável. Por essa mesma razão, importantes
empresas farmacêuticas multinacionais estão planejando ampliar os seus
investimentos na região (ABRANTES, 2002).
O aproveitamento econômico dos produtos naturais, conforme apontam
inúmeros estudos efetuados na Amazônia
16
, será o ponto de partida para a inserção
da economia da região na matriz de um novo modelo de desenvolvimento local. A
agregação de valor a esses produtos, via incorporação do fator tecnológico e da
capacidade empreendedora, dinamizará alguns setores da economia e poderá
impulsionar o desenvolvimento sustentável da Amazônia. A título de exemplo,
encontram-se elencados, a seguir, alguns produtos naturais possíveis de exploração
econômica dentro desse novo estilo de desenvolvimento que se vislumbra para a
Amazônia.
16
Biodiversidade Amazônica – Exemplos e Estratégias de Utilização. INPA/SEBRAE, 2000.
Plantas da Amazônia – Oportunidades Econômicas e Sustentáveis. INPA/SEBRAE, 2000.
MACROTEMPO – Consultoria Econômica. Programas Setoriais de Promoção da Competitividade do Norte e
Centro-Oeste. SACE/SEBRAE, 2000. PROBEM/Amazônia, 1997.
200
5.5.1 Óleos vegetais e suas principais aplicações
Os óleos vegetais, animais ou de outra procedência natural constituem
uma alternativa altamente promissora à substituição parcial ou total, em muitas
indústrias, dos materiais derivados do petróleo e dos recursos fósseis e não-
renováveis. As oleaginosas amazônicas apresentam vantagens em relação a outras
fontes naturais de substâncias gordurosas por serem abundantes, renováveis e
praticamente inesgotáveis, desde que processadas racionalmente; além de o cultivo
e a produção não serem poluentes, nem esgotarem o solo.
As mais importantes e valiosas variedades de espécies oleaginosas
silvestres do mundo concentram-se na Amazônia, constituindo para a região uma
fonte natural de riquezas.
A maioria dos óleos tem inúmeras aplicações, sendo que as mais
importantes são encontradas nos setores industriais de alimentos, produção de
sabão, aditivos, corte de metais, pinturas, assim como combustíveis alternativos ao
diesel e, também, na indústria de cosméticos (Empresa NATURA, no caso da área
em estudo). Na Amazônia, são muitas as oleaginosas de grande potencialidade
industrial (Quadro 3).
QUADRO 3
ÓLEOS VEGETAIS DA AMAZÔNIA E SUAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES
Óleo Vegetal Aplicações
Andiroba
(Carapa guianensis)
Antiinflamatório externo
Copaíba
(Copaifera officialis)
Poderoso antiinflamatório, antibacteriano e
cicatrizante.
Ucuúba
(Virola surinamensis)
Contém uma gordura com 30% de trimiristina,
um éster usado em cosmético.
Murumuru
(Astrorarium murumurú)
Contém uma gordura semi-sólida que elimina a
operação industrial de hidrogenação na
produção de margarinas.
201
Buriti
(Mauritia vinifera)
É um óleo adequado para frituras comerciais em
fast foods.
Patuá
(Oenoscarpus minor)
Contém um óleo com características do óleo de
oliva, da pupunha e da castanha-do-Brasil, com
excelente qualidade nutricional.
Cupuaçu
(Matisia paraensis)
Apresenta as mesmas características botânicas
e aplicações industriais do Cacau (Theobroma
cação). Ë uma alternativa na industria de
chocolate.
Fonte: Trabalho de Campo (2005) e Enríquez (2001)
No Quadro 4 apresentam-se os principais produtos naturais da Amazônia
de interesse da indústria cosmética.
QUADRO 4
PRODUTOS NATURAIS DA AMAZÔNIA DE INTERESSE DA INDÚSTRIA
COSMÉTICA
Nome comum Nome botânico Parte usada Aplicação real ou
potencial em
cosméticos
Açaí
Euterpe Oleracea
Suco da polpa Pigmento roxo do suco
(estabilidade incerta)
Andiroba
Carapa guianensis
Óleo das sementes Cremes faciais,
emolientes e
analgésicos
Babaçu
Orbgya martiana e O.
speciosa
1 óleo do caroço; 2
mesocarpo
1 sabão, cremes; 2
medicinal
Bacuri
Platonia insignis
Gordura do caroço Óleos e gorduras para
pomada e creme
Breu branco
Protium heptaphyllum
Exsudato espesso do
tronco
17
(resina)
Perfume tipo incenso
(queima lentamente e
afasta mosquitos)
Carajuru
Arrabidaea chica
Folhas naturalmente Pigmento vermelho
17
Exsudato causado pelo ataque de um inseto.
202
fermentadas para batom ou outro
uso
Castanha-do-brasil
Bertholletia excelsa
Óleo do caroço Óleo insaturado para
cremes e pomadas
Copaíba
Copaíba duckei, C.
reticulata, C.
multijuga
18
Óleo-resina do tronco Bálsamos aromático,
cicatrizante
19
Cumaru
Dipteryx odorata
Sementes (Tonka
beans)
Aromatizante com
atividade protetora
contra o câncer
Cupuaçu
Theobroma grandiflora
Óleo da polpa e
sementes
Gordura para
cosméticos e fins
farmacêuticos
Jaborandi
Pilocarpus jaborandi
Folhas Promove o
crescimento dos
cabelos (combate
alopecia)
Jatobá, jutaí
Hymenacea courbaril e
outras espécies
Exsudato fresco do
tronco; extrato da
casca
Antibacteriano e
antiiflamatório usado
em cistite e prostatite
Mucajá
Acrocomia selerocarpa
Gordura do caroço Sabonete
Patauá
Jessenia
(Oenocarpus); bataua
(palmeira)
Óleo de polpa Parecido com o óleo
de oliva
Píquia
Caryocar villosum
Óleo de polpa Óleo vegetal rico em
caroteno
Pupunha
Bactris gasipaes
Óleo da polpa e
gordura do caroço
Bases para cremes e
pomadas
Puxuri
Licaria puchuri major
Óleo essencial das
folhas por destilação
Perfume
Sacaca
Cróton cajucara
Óleo essencial das
folhas por destilação
Perfume
18
Além de outras espécies.
19
O uso permite pele limpa de infecções e pode ser usado como fixador para perfumes.
203
Tucumã
Astrocarium vulgare
1 óleo da polpa; 2
Gordura do caroço
1 Rico em caroteno;
2- Sabonetes
Ucuúba
Virola surinamensis
Gordura do caroço Base para batom,
pomadas e sabonetes
Fonte: Trabalho de Campo (2005) e Gilbert (2000).
Observa-se que o volume de produção e vendas de cosméticos baseados
em produtos naturais da Amazônia ainda é modesto em relação ao seu potencial.
Uma das dificuldades é a confiabilidade na qualidade constante dos produtos, no
volume suficiente e na estabilidade dos preços.
20
Cabe destacar que aqui reside a sustentabilidade dessa atividade
vinculada muito mais à capacidade de saber empreender do que à abundância dos
recursos naturais e à vocação natural dessa região.
5.5.2 Óleos essenciais e suas principais aplicações
Na pauta de comércio e exportação da Amazônia, as espécies mais
efetivamente demandadas originárias da flora odorífera são: o óleo essencial do
pau-rosa (Aniba roaseodora L.), os óleos e resinas de copaíba (Copaifera ssp C.) e a
semente de cumaru (Dipterys odorata F.). O comércio do óleo essencial do pau-rosa
(essência do perfume Chanel nº 5) teve uma acentuada redução, em decorrência da
proibição, por parte do IBAMA, do corte de árvores nativas e de sua exploração
extrativista, devido à ameaça de extinção das espécies. Ressalta-se, ainda, que os
óleos essenciais, matérias-primas sicas na indústria de aromas, igualmente
encontram aplicações em setores de primeira necessidade, como as indústrias
alimentares e farmacêuticas.
20
Para assegurar o volume e a constância de qualidade que o mercado exige, a produção necessariamente terá
que se basear em cultivo com tecnologia de manejo sustentável e não apenas em extrativismo. A certificação dos
produtos será de fundamental importância para a ampliação dos mercados e para a sustentabilidade dos
empreendimentos.
204
Observa-se hoje que os países em desenvolvimento são os principais
produtores de óleos essenciais devido à menor exigência da agricultura primária.
Guatemala, Índia, China, Egito, Indonésia, Sri Lanka, Turquia e Brasil, entre outros,
são grandes exportadores de óleos essenciais. Os maiores compradores do Brasil
são os Estados Unidos, Holanda, Japão, Argentina, Bélgica e Inglaterra.
Segundo Maia (1998), existem inúmeras plantas aromáticas com potencial
comercial identificadas em pesquisas realizadas na região amazônica . Em trabalho
de campo, foram catalogadas cerca de seiscentas plantas em estados da região
amazônica, os quais permitem produzir trezentos diferentes tipos de óleos vegetais.
Além do conteúdo aromático, Maia (1998) descreve que espécies como a ambrósia,
Ichthyothere e artemísia são usadas como repelentes de insetos por índios e nativos
da região. O maior descobrimento, no entanto, foi o alto teor de safrol encontrado na
pimenta larga, no Acre. Seus compostos químicos são usados como fixador nas
indústrias de cosméticos e fragrâncias. Como aí está o mais importante agente
sinérgico junto ao piretrium, constitui-se no único inseticida natural de conotação
verde e biodegradável autorizado na Europa, EUA e Japão, para controle de pragas
no armazenamento, processamento de alimentos e uso doméstico. O consumo
mundial de óleo de safrol é de, aproximadamente, duas mil ton/ano (duas mil
toneladas por ano), com preço no mercado internacional de, aproximadamente, U$$
5 o quilo. Cabe destacar que quase a totalidade das plantas produtoras de óleos
essenciais possui, além do potencial odorífero, usos medicinais.
A tendência mundial crescente de busca por alimentos naturais é
praticamente irreversível e tem proporcionado um aumento considerável no
consumo de corantes naturais. Algumas plantas das quais se extraem os corantes
mais utilizados no mundo estão no Quadro 5.
205
QUADRO 5
CORANTES DA AMAZÔNIA E AS SUAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES
Planta
Aplicações
Urucum
(Bixa orellana L.)
É utilizado largamente nas indústrias de
alimentos da Inglaterra, Estados Unidos, Nova
Zelândia, entre outros. O Brasil é o maior
produtor mundial de urucum com uma produção
estimada em seis mil ton/ano. Seus corantes
podem ter aplicações industriais o-
alimentícias, tais como remédios (líquidos e
sólidos) corantes, vernizes e ceras para
madeiras, tingimento de tecidos, couros e fibras
em geral, coloração de carnes, cromatografia de
tela, filmes e fotos, cosméticos, óleos vegetais
hidrogenados e ceras para calçados.
Cúrcuma
(Curcuma longa L)
Nativa da Amazônia, pode ser utilizada na
fabricação de produtos alimentícios em geral,
como conservas, bebidas, manteigas, sorvetes,
queijo, doces, sopas desidratadas, misturas para
tortas e recheios de biscoitos.
Cacau
(Theobroma cação L)
Do cacaueiro produz-se, industrialmente, o
chocolate, usado em pequena escala como
corantes alimentícios em produtos de confeitaria.
Dendê
(Elaes guineensis)
A polpa de seus frutos contém um óleo com
grande porcentagem de ácidos graxos
insaturados e de alto teor de pigmentos
carotenóides, destacando-se o betacaroteno
com características pró-vitamina A.
Jenipapo
(Genipa americana)
Frutífera de ocorrência na flora amazônica,
produz um corante azul-escuro e amarelo-
cristalino.
Açaí
(Euterpe oleácea L)
Nativa da Amazônia, produz pigmentos em cores
púrpura e verde-escuro. Sua ocorrência na
região é grande, sendo a base da alimentação
nativa há séculos.
Fonte: Trabalho de Campo (2005) e Enriquez, 2001.
206
A ocorrência dos produtos citados acima na área da reserva é abundante,
mas como não existe, com exceção do óleo de andiroba, nenhum outro projeto de
beneficiamento desses produtos, os moradores vivem sem perspectivas econômicas
a longo prazo. O simples beneficiamento de alguns desses produtos de forma
artesanal seria benéfico e geraria algum tipo de renda, pelo menos para comprar
os gêneros de primeira necessidade. A grande pergunta que se faz é por que a
ASPROC e a Cooperativa o buscaram ainda uma forma de beneficiamento
desses produtos? O que as impede?
Por outro lado, percebe-se que tanto a referida Associação como a
Cooperativa não possuem nenhuma preocupação com o bem estar dos ribeirinhos.
O mais preocupante é que não nenhum projeto a longo, médio ou curto prazo
para o beneficiamento desses recursos, tampouco interesse, infraestrutura,
vontade política, ou pressão por parte dos ribeirinhos para mudar essa situação. Isso
é bastante revoltante, haja vista a abundância de recursos existentes na área e cujo
simples beneficiamento seria um paliativo para a situação em que se encontra a
maioria das comunidades.
5.6 As atividades extrativas
Essas atividades se desenvolvem em espaços florestais onde a natureza
oferece de forma concentrada as espécies fornecedoras de produtos necessários
para o uso direto, no autoconsumo familiar, ou para o mercado, onde serão trocados
(escambo) por outras mercadorias ou serviços necessários ao funcionamento e
manutenção da família. Esses espaços florestais são de usos comuns.
O rio funciona como um espaço amplo, não delimitado, de uso comunal;
assim como a floresta, numa visão mais ampla, subtraídos os espaços privados das
roças e das estradas de seringa (em algumas comunidades), de acordo com o
respeito à utilização privada do produto especifico daquele espaço; por exemplo:
plantação de açaí é propriedade privada enquanto espaço de coleta de açaí, não
enquanto espaço de caça ou coleta de cipó, palha etc.
207
Neste sub-tópico discutiremos com mais profundidade os aspectos ligados
à coleta de frutos de andiroba, por ser o principal produto extrativista da reserva sob
o ponto de vista econômico-social, envolvendo durante a sua safra o trabalho de
quase totalidade das comunidades.
Na área, existe um outro produto extrativo que foi mais importante que a
andiroba na ocupação econômica da Amazônia: a borracha, e que, embora
persistindo o seu grande potencial produtivo, nos últimos anos vem sendo explorada
de forma reduzida em função do seu preço se encontrar em baixa nos mercados.
Sendo assim, a borracha natural da reserva será tratada marginalmente em virtude
da ausência significativa de seringueiros e de um projeto fracassado de produção de
Folha Defumada Líquida (FDL), apesar da sua importância histórica, para a
Amazônia. O quadro a seguir (Quadro 6) nos dá uma idéia dos principais produtos
explorados nas comunidades.
208
QUADRO 6
TIPOS DE ATIVIDADES E RECURSOS EXPLORADOS POR AMBIENTE
Ambiente Margem do
rio, junto à
casa
Várzea Roçado Capoeira Floresta Primária
Atividades
Recursos
Explorados
Frutas
Verduras
Peixes
Criações
Seringueira
Açaí
Caça
Peixe
Frutas
Sementes
Madeiras
Mandioca
Banana
Frutas
Descanso da
Terra
Açaí
Óleos
Resinas
Fibras
Caça
Mel
Problemas
Falta de
assistência
técnica
Invasão de
pescadores e
caçadores
Falta de
recursos
financeiros,
infraestrutura,
apoio do
IBAMA
(exceção da
comunidade do
Roque)
Falta de
assistência
técnica.
Falta de
transporte e
de mercado
para a
produção
Nas
comunidades
mais
populosas o
descanso da
terra dimuiu
Falta de
conservação
das estradas,
caminhos
e varadouros
Sugestões
Cultivos de
plantas
medicinais
Aproveitamento
e
beneficiamento
de frutos
Plano de
manejo florestal
ou madeira
para consumo
e
comercialização
local
Café
Consórcio
agroflorestal
Plantas
Medicinais
Plano de manejo
Meliponicultura (já
em fase
experimental)
Fonte: Trabalho de Campo – 2005.
209
Parece provável que a diversidade biológica existente na floresta,
permitindo a existência de um número muito grande de espécies de potencial
econômico, que com o tempo serão demandadas pelo mercado, faça com que sejam
constituídos novos espaços produtivos para as atividades de coleta nas
comunidades.
Nesse movimento é provável que alguns espaços que hoje são
importantes sejam abandonados, como no caso dos seringais, ou pode ser até que
espaços que hoje estão abandonados sejam reativados. Atualmente, na reserva, os
principais espaços produtivos extrativistas estão sendo os andirobais e o “peixe liso
como espaços de coleta para o mercado, o açaizal e os espaços de caça e pesca
para o autoconsumo.
Assim, para bem gerir os recursos e a biodiversidade, é necessário bem
gerir os ecossistemas e preservar suas funções essenciais, pois a biodiversidade
não se manterá, a não ser dentro de ecossistemas em bom estado de
funcionamento. No entanto, o desenvolvimento sustentável do meio rural, garantia
de uma boa gestão da biodiversidade, é necessariamente um compromisso entre
aquilo que é socialmente desejável, economicamente interessante, tecnicamente
possível e ecologicamente aceitável. O desenvolvimento sustentável implica a
participação ativa e consciente das populações rurais, bem como a descentralização
e a democratização do poder.
5.6.1 As atividades desenvolvidas na coleta da andiroba
As atividades que culminam com a oferta da riqueza extrativista, que
incorporam trabalho num produto natural ofertado pela natureza, precedem o
simples trabalho de coleta com que o leigo se apresenta à primeira vista. Existe uma
série de atividades que consomem trabalho do produtor extrativista e que exigem um
determinado saber, aprimorado pela experiência acumulada por esta população ao
longo dos anos e de gerações envolvidas com a produção da riqueza extrativista.
210
São atividades que vão se desenvolvendo concomitantes ou não à
atividade de coleta da andiroba, mas que são hoje necessárias ao atendimento às
necessidades de oferta do produto andiroba. Para didatizar essa exposição, vamos
relacioná-la sob a forma de um calendário, exposto (Quadro 7) a seguir:
QUADRO 7
CALENDÁRIO DO EXTRATIVISMO DA ANDIROBA
ATIVIDADE MESES
Limpeza Fevereiro
Coleta Março
Transporte/Venda Abril
Venda Maio/junho
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Conforme se pode observar, o extrativismo da andiroba concentra suas
atividades no primeiro semestre de cada ano, sobrecarregando o agroextrativista,
conforme veremos na descrição que faremos de cada atividade nos seus aspectos
fundamentais enquanto utilização da força de trabalho extrativista.
A atividade de coleta da andiroba exige do trabalhador um movimento
constante dentro da floresta e do rio, seja coletando os frutos, seja no transporte até
a canoa, ou ainda na busca de alimentos através da caça, ou coleta de frutos e
outros produtos florestais importantes na reprodução desse trabalhador e de sua
família. Isso exige do extrativista, mesmo considerando a sua destreza em se
movimentar dentro da floresta, um mínimo de manutenção e limpeza dos principais
caminhos e estradas por onde ele se desloca, movimentando um produto da floresta,
que vai pouco a pouco absorvendo trabalho e tomando a forma de mercadoria
passando a ter um valor que se materializará nos diversos mercados por onde
circulará e em novos processos a que se submeterá, agregando mais trabalho e,
concomitantemente, aumentando a magnitude desse valor.
211
Essa atividade de limpeza se desenvolve de abril a julho, absorvendo a
força de trabalho masculina. O instrumento de trabalho utilizado nessa atividade é o
terçado (facão). Na pesquisa se observou que essa atividade é feita
concomitantemente à coleta.
A partir do mês de abril, os trabalhadores extrativistas começam a entrar
nas áreas dos andirobais para a coleta do fruto, se prolongando nesses
deslocamentos até os meses de maio a junho, dependendo do volume da safra.
A distância dos andirobais aos núcleos comunitários faz com que a
freqüência dos deslocamentos dos trabalhadores de suas residências aos andirobais
seja diária. Essa freqüência determina a necessidade de coleta e transporte dos
frutos.
No conjunto das comunidades pesquisadas, se observou que o tempo que
se gasta no deslocamento da residência aos andirobais, em 60% das comunidades,
é de uma a duas horas, a remo e de caminhada. Ao se deslocar aos andirobais, o
trabalhador extrativista leva, além de sacos plásticos e paneiro nas costas, um
terçado na mão e, geralmente, espingarda.
De abril a junho, começam os trabalhos de coleta da andiroba, porém, no
mês de abril, a produção é muito pequena, haja vista que está se iniciando o período
de safra.
Na coleta da andiroba, tanto o trabalhador masculino como feminino estão
envolvidos nesse trabalho, e essa etapa é feita utilizando-se apenas as mãos para
apanhar os frutos caídos na floresta. Após essa etapa, os frutos são transportados
até a comunidade e esperam o barco da cooperativa vir buscá-los.
A venda da produção extrativista é feita diretamente à cooperativa, que se
encarrega de transportá-los até a usina de beneficiamento que fica na comunidade
do Roque. O preço pago por lata no ano de 2005 era de R$ 7.00.
212
QUADRO 8
QUANTIDADE DE SEMENTES DE ANDIROBAS DAS
COMUNIDADES/LOCALIDADES DA RESERVA EXTRATIVISTA MÉDIO JURUÁ -
2005
COMUNIDADES QUANTIDADE (LATA=18L)
Gumo do Facão 95,5
Monte Cristo 100
Nova Esperança 151,5
Fortuna 33
Roque 163,3
Tabuleiro 84,4
São Raimundo 189
Manaria 117,7
Sacado do Marimari 55,9
Deus é Pai 36
Pão 393,4
Nova União 33,4
Sacado do preguiça 423
Morada Nova 58,5
Jaibá 68,8
Total 2.003,40
Fonte: Tesoureiro da CODAEMJ, 01-09-2005
Não podemos esquecer que as comunidades de Pupuaí e Novo Horizonte
não aparecem no referido quadro em virtude de as mesmas não possuírem em seus
domínios andirobais, havendo a necessidade, segundo o informante, de se
deslocarem para a margem oposta da reserva, o que torna essa atividade muito
trabalhosa, além de acirrarem a competição com as comunidades de Nova
Esperança e Roque pela coleta do fruto. Assim, os moradores preferem não
participar da coleta da oleoginosa.
213
QUADRO 9
QUANTIDADE DE SEMENTES DE ANDIROBAS DAS
COMUNIDADES/LOCALIDADES FORA DA RESERVA EXTRATIVISTA MÉDIO
JURUÁ - 2005
COMUNIDADES QUANTIDADE (LATA=18L)
Remanso do Bauana 379,5
Paraíso 98
Maracajá 73,7
Santo Antonio do Brito 556,7
Boa Vista 300,7
Estirão do Japurá 71
Paraíso de Baixo 114,3
Remanso da Cobra 151
São Sebastião 60
Morro Alto 109
Caroçal 48,3
Porto Sade 25,5
São Francisco 24,5
Colocação do Ido 209,1
Surubim 118
Bom Jesus 558
Barreira do Ido 1014,1
Remanso do Zé Feitosa 145
Bauana 328,1
Estirão do São José 227
Vila Nova 23
Vila do Açaí 65,5
214
Santa Maria 633
Aruajá 526
Monte Alegre 174,2
Vila das Flores 446
Carapanã 512,5
Goiabal 124,5
Providência 100
Xibauá 53
Total 7.269,20
Fonte: Tesoureiro da CODAEMJ, 01-09-2005
Observa-se no Quadro 9 que, a maior parte da produção de andiroba
localiza-se no seu entorno e principalmente em comunidades fora da área de
entorno, destacando-se a Barreira do Ido como a campeã de coleta no ano de 2005,
o que injeta na área uma soma importante de dinheiro; lamentável que isso ocorra
apenas no início do ano. No restante, os ribeirinhos ficam sem alternativas de
ganhar dinheiro.
QUADRO 10
PRODUÇÃO DE ANDIROBA SEGUNDO A CODAEMJ - 2004
MÊS QUANTIDADE (LATA=18L)
Fevereiro 5.916,10
Março 20.975,30
Abril 18.822,66
Maio 8.963.70
Junho 3.720,50
Julho 1.642,50
Total 60.040,76
Fonte: Tesoureiro da CODAEMJ, 01-09-2005
215
Observa-se no Quadro 10 que, o ano de 2004 foi bastante produtivo em
termos de coleta de sementes. No entanto, é preciso destacar que, segundo o
conhecimento ribeirinho, quando ocorre uma grande produção num ano, no outro
não se repete. Fato esse constatato, e nem mesmo os engenheiros florestais e os
biólogos sabem o porquê dessa variação.
Outro produto coletado que foi comprado no ano de 2004 pela Natura foi o
Murumuru e a Ucuúba, conforme nos mostram os Quadros 11 e 12. Esses produtos
deixaram de ser comercializados no ano de 2005, não havendo mais interesse pela
empresa. O motivo do desinteresse é desconhecido.
QUADRO 11
PRODUÇÃO DE MURUMURU – 2004
MÊS QUANTIDADE (LATA=18L)
Fevereiro 245
Março 457
Abril 3.119,60
Maio 7.173,4
Junho 2.944,70
Julho 1.619,50
Total 15.559,20
Fonte: Tesoureiro da CODAEMJ, 01-09-2005
216
QUADRO 12
PRODUÇÃO DE UCUUBA(VIROLA) - 2004
Mês Quantidade (latas)
Fevereiro 12
Março 87
Abril 1.129,70
Maio 185,70
Total 1.414,40
Fonte: Tesoureiro da CODAEMJ, 01-09-2005
5.6.2 Rede: Roque – Natura
A inter-relação entre grupos sociais e agentes econômicos, entre outros
locais, apóia-se sobre processos de coordenação entre atores, quer dizer, sobre o
funcionamento da rede de atores sociais que gerenciam fluxos de conhecimentos e
de informações.
A relação local-global, nas atuais circunstâncias, deixa definitivamente de
se vista a partir de uma dicotomia e passa a ser considerada como uma relação
dialética, portadora de um conjunto de inbricações, que a põe em uma situação de
quase completa indissociabilidade. Simultaneamente, fenômenos globais não teriam
significância sem sua concreta expressão material em âmbito local, ou seja, o fator
global não pode existir sem o local, mas, também, o local se caracteriza por relações
moldadas por relações sociais globais.
Vistas como componentes dos territórios, as redes podem assim estar a
serviço tanto de processos sociais que estruturam quanto de processos que
desestruturam territórios. As redes possuem duas estratégias fundamentais: a
circulação e a comunicação, estando uma ligada à outra, pois a informação impõe
uma circulação devido, no mínimo, à exigência de uma co-presença para que ela
funcione (RAFFESTIN, 1993).
217
As redes dinamizam os territórios usados. A densidade das redes e suas
suposições sugerem um processo de organização territorial entre diferentes planos –
regionais, nacionais e internacionais –, o que exigirá uma circulação de tecnologias,
capitais e matérias-primas (andiroba/Roque) dotadas de capacidade de adaptação
às diversas variações espaciais e inovações devido ao avanço das técnicas e do
tempo. Logo, a rede possui uma propriedade de conexidade, isto é, de ligação
característica dos nós que compõe a sua estrutura e, ainda, aspectos e formas
temporárias que podem mudar a qualquer momento de acordo com os requisitos
políticos, econômicos, culturais e ideológicos da lógica capitalista de acumulação.
No entanto, a rede é também social e política, pelas pessoas, mensagens
e valores que a freqüentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se
impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração. Não
podemos, entretanto, esquecer que a rede promove a dialética sociespacial, visto
que da mesma forma que ela liga e conecta diversos lugares (Figura 1) e pessoas,
também tem a capacidade de excluir, que os organismos de gestão da rede,
sejam cnicos, econômicos, sejam jurídicos, não são neutros e põe em jogo
relações sociais entre elementos solidarizados e aqueles que são marginalizados.
218
FIGURA 1
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
É preciso frisar que, no ano de 2004, o IBAMA, através do CNPT, elaborou
um Termo de Referência para a elaboração do Plano de Manejo de Espécies
Oleaginosas na Reserva Extrativista do Médio Juruá (Anexo 5). Na seqüência, esse
Termo de Referência foi apresentado a diversos consultores e/ou instituições ,
Após uma reunião feita em conjunto com esses consultores, avaliou-se a
possibilidade da união de esforços na elaboração de uma proposta única para
atender a todos os objetivos previstos no referido termo de referência. Após uma
avaliação criteriosa da proposta, a equipe de consultores, levando em consideração
a abrangência da mesma, propôs ao IBAMA, como estratégia inicial, a realização de
uma oficina para elaborar uma proposta de trabalho conjunta com a participação de
todos os parceiros envolvidos e definir o cronograma de execução e os custos, que
foram prontamente supridos pela Empresa Natura, que já possuía negócios na área.
219
No decorrer do trabalho de campo, encontramos em muitas ocasiões os
técnicos em conjunto com os ribeirinhos operando um GPS e marcando os pontos
de localização das diversas espécies oleaginosas. Por esse trabalho, cada ribeirinho
recebia uma diária de R$ 20.00. Os ribeirinhos receberam de antemão um
treinamento para saberem operar o GPS e podiam trabalhar na área de sua
comunidade, o que significou um rendimento extra em cada comunidade onde os
técnicos faziam o trabalho.
5.7 Seringueiros da reserva
O espaço de trabalho diário dos seringueiros é a estrada, que é um
conjunto de seringueiras interligadas por um caminho, onde o seringueiro se desloca
diariamente duas vezes, uma para fazer o corte das árvores e, após, para recolher o
látex. Cada colocação na área é composta de duas estradas, sendo sangradas em
dias alternados. Cada estrada tem um número variado de seringueiras, que na área
vai de 100 a 130 árvores.
As atividades de coleta do látex na área, quando acontecem, se
processam de forma similar a outras áreas da Amazônia, bastante discutida na
literatura especializada da região, onde o seringueiro, ainda de madrugada, se
desloca numa estrada, fazendo o corte das seringueiras com faca própria (chamada
localmente de rasgueta) e afixando abaixo do corte a tigela de coleta. Para se
deslocar na floresta ainda escura, o seringueiro usa na cabeça uma lamparina a óleo
diesel que é chamada de poronga.
O corte das árvores, que começa entre 1h e 2h da manhã, se prolonga até
as 6h ou 7 horas. Terminando de fazer o corte, o trabalhador tira um pequeno
espaço de tempo para descansar e merendar; Em seguida, faz a segunda viagem
para recolher o látex, levando um balde para coletar o produto da tigela. O trabalho
de coleta se encerra por volta das 12h da manhã, e se consegue coletar num dia de
trabalho uma faixa de dez a quinze litros de látex que é misturado ao leite de uma
árvore (munguba) que tem o poder de coagulação. Na seqüência, o material é
levado para a prensa, onde fica descansando e coagulando até o endurecimento da
prancha, que então é vendida (R$ 2,10 o quilograma) à ASPROC.
220
Essa atividade está em franca decadência na área da reserva; ressaltando
a comunidade de São Raimundo, as demais não têm na extração do tex a
atividade principal de sua labuta diária. Muitos ex-seringueiros afirmam que não vale
mais a pena trabalhar com a borracha, em virtude dos baixos preços da mesma. É
mais vantajoso trabalhar com a pesca, caça e com a pequena produção agrícola do
que ficar dependendo dessa atividade para conseguir renda.
5.8 Outros espaços extrativistas na reserva
A floresta e os rios ainda oferecem às comunidades ribeirinhas outros
espaços que são fundamentais na manutenção e reprodução social das famílias.
Esses espaços funcionam em relações de uso comunal, como o espaço da caça, da
pesca, coleta de palha, cipós, óleos, frutos, etc.
Das atividades que se desenvolvem nesses espaços, a caça e a pesca
parecem ser as mais importantes, pois permitem as famílias diminuírem a sua
dependência dos mercados nas compras de alimentos e permitem a força de
trabalho familiar. Com isso, não há agravamento das carências nutricionais que
certamente aconteceriam na impossibilidade dessas atividades.
A caça é uma atividade em que predomina o trabalho exlusivamente
masculino e é feita durante o dia (com cachorros ou não) ou à noite, utilizando-se de
lanternas (focagem). Tanto uma forma como outra exigem um saber muito grande
tanto do conhecimento da floresta como dos bitos dos animais a serem caçados.
Os principais animais caçados são porcos selvagens (caititu, queixada), pacas,
antas(principalmente nas comunidades do rio Bauana Branco), pacas e tatus. É uma
atividade que demanda muito tempo de trabalho, geralmente uma noite toda ou um
dia todo, dependendo da oferta de animais nos locais. Nas comunidades maiores
(Tabuleiro, Nova Esperança, Roque, Pupuai, Novo Horizonte e Gumo do Facão)
verificou-se que o excedente da caça é vendido enquanto que nas menores é doado
para a vizinhança, ficando os vizinhos, quando conseguem caçar, na obrigação de
retribuir a oferta, isso é também comum acontecer na pesca (com exceção do peixe
liso, que é salgado e vendido ao regatão).
221
A caça é feita com armas de fogo e a quantidade de caça conseguida
anualmente, na maioria das comunidades pesquisadas, é destinada ao consumo
familiar.
5.9 As comunidades e os Mercados
A comercialização é o momento em que o extrativista se relaciona mais
estreitamente com o mudo capitalista. É nesse momento em que se consolida o
processo de expropriação do fruto do seu trabalho, através de mecanismos de troca
em que esse extrativista mais do que recebe. É o momento em que ele e
sente a desvalorização de seu trabalho, face às grandes dificuldades encontradas
no momento de vender os seus produtos, em que se materializou uma grande
quantidade de trabalho, muitas vezes não reconhecida, por estar materializada em
produtos resultantes da simples atividade de coleta.
Os preços cobrados pelos regatões estão muito acima dos cobrados na
sede municipal e, a título de exemplo (Quadro 13), observa-se um aumento de mais
de 100% nos preços dos produtos.
QUADRO 13
PREÇO EM REAL DE ALGUNS PRODUTOS
PRODUTOS REGATÃO SEDE MUNICIPAL
Isqueiro 4,00 2,00
Lanterna 15,00 7,00
Pilha 3,00 1,50
Bolacha (500g) 5,00 2,50
Gasolina (L) 5,00 3,00
Açúcar (1Kg) 2,50 1,50
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
222
Observa-se, no quadro acima, que os moradores da reserva ainda vivem
presos ao regatão, o que desvirtualiza o pensamento a respeito de uma reserva
extrativista. Imaginava-se que esse sistema não mais perdurasse no dio Juruá,
mas os regatões são persistentes e, diga-se de passagem, sem eles os moradores
estariam ainda em piores condições, pois não existem armazéns e nem cantinas,
muito menos um barco exclusivo que faça esse tipo de comércio entre a sede
municipal e as comunidades. Nesse sentido, recomenda-se que se estabeleça uma
linha regular de transporte, utilizando-se um barco grande (15m), que possa fazer
esse tipo de comércio, barco esse coordenado pelo futuro conselho deliberativo da
reserva, o que livraria os ribeirinhos das garras dos regatões.
5.10 A comercialização da produção agrícola
A comercialização da produção agrícola passa a ser uma atividade
importante nas comunidades, pois é a única atividade permitida e aincentivada
pelo IBAMA, tendo em vista que moram numa reserva extrativista com várias
restrições de comercialização.
Na época do ciclo da borracha, a atividade agrícola não tinha muita
significância, pela inexistência de tempo vago dos seringueiros para fazer roças,
visto que o calendário anual de atividades produtivas na área era completo: no
inverno cortavam-se seringueiras da várzea e, no verão, seringueiras de terra firme.
A agricultura era desenvolvida pelo Patrão (seringalista), para atender às
necessidades de consumo de seus aviados. As famílias que conseguiam manter
algum roçado o faziam quase exclusivamente a partir do trabalho feminino.
Os produtos são vendidos em Carauari, APROC ou para os regatões. Os
principais produtos que são comercializados são a farinha, banana, algumas ervas,
peixe liso e óleos medicinais.
Apesar da comercialização dos produtos agrícolas aparecer como uma
comercialização simples, considerando as estruturas e cadeias de intermediação, é
uma atividade consumidora de muito tempo e trabalho, face às dificuldades de
transporte e acesso aos mercados, comprometendo dessa forma a realização de
outras atividades que são também muito importantes nas comunidades, muito
223
embora esse tempo de afastamento da comunidade também seja importante para a
sua reprodução, à medida que permite ao produtor agroextrativista romper o
isolamento secular que contribuiu para a sua subordinação sob altas taxas de
exploração do capital comercial, devido, principalmente, à falta de alternativas
econômicas ou mesmo de mercado para outros produtos agrícolas.
FOTO 2
REGATÃO COMPRANDO BANANA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005.
5.11 A comercialização da produção Extrativista
Antes de se considerar a questão das possibilidades de mercado para os
produtos não-madeireiros, apresenta-se, a seguir, uma breve caracterização do
processo de comercialização em áreas distantes, ou, mais especificamente, no
interior da floresta, onde estão os atores que darão início à cadeia de
comercialização desses produtos: os extratores.
224
O comércio de produtos não-madeireiros na Amazônia passa por questões
históricas que se referem às relações entre os extrativistas, os intermediários, os
exportadores e os clientes nacionais e internacionais. O sistema de aviamento
(fornecimento de mercadorias a crédito que serão pagas com o produto final da
safra) continua vivo e predominante em áreas de acesso fluvial. Nesse sistema, o
extrativista recebe preço baixo pela mercadoria que fornece e paga caro aos bens
do patrão. Normalmente, o extrativista fica preso a um comerciante ou patrão, pelo
constante endividamento. Entretanto, a participação do chamado marreteiro (ou
atravessador)
21
na cadeia produtiva vem sendo a única oportunidade de negócio
para famílias que vivem e produzem em áreas distantes dos centros urbanos.
Outro elemento dessa cadeia é o regatão ou proprietário de barco que faz
a comercialização a longas distâncias (Mapa 7) e age na logística da maximização
do lucro por unidade de capital e de tempo.
MAPA 7
Fonte: Trabalho de Campo – 2005.
21
Participante da cadeia produtiva que atua como intermediário.
225
Esse repassa os produtos trazidos do interior da floresta para o
exportador, que normalmente está sediado em áreas de grandes portos (Manaus,
Coari, Tabatinga, Tefé) e tem capital suficiente para especular com qualquer
produto, como também criar vínculo de crédito com muitos regatões .
O regatão negocia o preço dos produtos antes das viagens às áreas de
produção e, em muitos casos, já recebe o pagamento pelas encomendas. Com esse
dinheiro, compram mercadorias para vender ou usar como moeda junto aos
extrativistas e/ou marreteiros locais.
Alguns outros problemas limitam a comercialização dos produtos
extrativistas: as más condições sanitárias da produção, a instabilidade da demanda
de mercado, a inconstância da produção e a falta de organização dos produtores
para alcançar uma certa escala de produção. Para alguns produtos, seria necessário
atingir padrões de acordo com normas de higiene e qualidade, como é o caso dos
óleos de andiroba, copaíba, bacaba e castanha, que necessitam de equipamentos
sofisticados e métodos de estabilização.
Nesse sentido, os esforços requeridos para viabilizar e obter sucesso na
comercialização de produtos não-madeireiros seriam: a) dispor de maiores
informações econômicas e estatísticas; b) conquistar os mercados nacional e
internacional; c) identificar potencial de suprimento e padrão de qualidade desses
produtos; d) desenvolver tecnologias de estocagem e transformação (agregação de
valores); e) desenvolver regulamentos de manejo e estudos de custos para esses
produtos; f) realizar marketing adequado (explorar a marca Amazônia); g) criar o
conceito de comercialização conjunta de vários produtos ao mesmo tempo,
buscando o mesmo canal de comercialização. (ABRANTES, 2002, p.93).
Com relação ao mercado para os produtos não-madeireiros, diversas
pesquisas revelam ser crescente o interesse dos consumidores por produtos o-
madeireiros e ambientalmente corretos. No mercado de óleos naturais, estudos
mostram que os óleos de copaíba, andiroba, pequi, ucuúba, patauá e castanha são
utilizados por indústrias farmacêuticas e cosméticas. Porém, apenas os óleos de
copaíba e andiroba estão sendo comercializados em maior escala. No atacado, na
área do médio Juruá, o óleo de copaíba é vendido a preços que variam de R$ 5,00 a
R$ 10,00 o litro. o óleo de andiroba custa de R$ 10,00 a R$ 15,00 o litro no
atacado.
226
O produto extrativista, principalmente a andiroba, que se torna o de maior
importância comercial na área após a decadência da borracha, apresenta variadas
formas de comercialização. Essas são resultantes das próprias transformações por
que passou a Amazônia nos últimos anos.
A venda da produção ao comprador local se processa basicamente de
duas formas: a entrega no barco (regatão) ou, então, na sede municipal.
5.12 A atividade pesqueira
O ribeirinho possui, com relação ao seu ecossistema, um conhecimento
baseado num tempo ecológico e não cronológico. Portanto, quando saí para pescar,
não deixa seu capital cultural em casa e se desloca a esmo atrás da captura que
deseja.
O tempo ecológico internalizado pela vida ribeirinha, habituada pela
referencia à dinâmica do ciclo das águas, condiciona sua prática com relação a
saber, no momento específico de sua vida, que embarcação e apetrechos deverão
ser usados, levando em consideração o tempo de locomoção até o ambiente
aquático escolhido, assim como o próprio tempo nele pescando.
Assim, tanto o deslocamento ao ambiente aquático como a própria
atividade de pesca são mediados por indicadores ambientais marcados por uma
forte topofilia. O pescador sabe, por exemplo, através da massa de água que desce
das cabeceiras dos rios, sem, no entanto, haver chovido no resto do seu curso,
quando as águas dos rios vão começar a encher; o aparecimento da massa
composta e considerável de capim aquático, que se encosta à beira dos rios e lagos
(matupás), também evidencia o início da enchente; sabe que as grandes enchentes
dispersam demasiadamente os peixes, aumentando seu esforço de pesca, tendo,
portanto, que buscar mananciais que lhe sejam mais favoráveis; aves, espécies de
peixes presentes e acidentes físicos são referencias cruciais para sua aventura de
ribeirinho pescador. (WITKOSKI,2007,p.324)
A pesca, sendo uma atividade econômica desenvolvida sobre a
exploração de recursos veis, desenvolve-se de maneira cíclica e depende de
condições naturais para a reprodução das espécies, estando, portanto, condicionada
227
às características de cada região. Mais do que qualquer outra atividade econômica,
a pesca sofre os efeitos das forças da natureza, influenciando diretamente o
processo de captura do pescado e condicionando os grupos humanos a produzirem
de acordo com essas modificações, daí a necessidade de se buscarem novas
técnicas de captura que permitam amenizar os efeitos dessas forças, a fim de
aumentar a produção.
Seguindo esse princípio e impulsionados pelas novas necessidades
impostas pela sociedade, países pescadores buscam maior produtividade, tanto
intensificando o processo de exploração, através de melhorias tecnológicas, quanto
pela criação de espécies em cativeiro.
A pesca, em níveis comerciais, em virtude de uma série de condicionantes
físicos, sociais e econômicos, varia em intensidade, de uma área para a outra.
No Médio Juruá, e em boa parte do território brasileiro existem três,
principais formas de pesca:
1) A produção pesqueira de auto-subsistência ou primitiva é realizada dentro de
uma economia em que só existe a produção de valores de uso. A unidade de
trabalho pode ser própria ou do tipo familiar;
2) A produção pesqueira realizada dentro dos moldes da pequena produção
mercantil. A principal característica dessa forma de organização é a produção de
valor de troca, variando em intensidade, sendo que o produto final (o pescado) é
realizado tendo por objetivo a venda.
São ainda identificadas duas subformas, dentro da produção mercantil:
a) pequena produção familiar dos pescadores-lavradores esse pescador
desempenha também trabalhos na lavoura, atividade que assume maior importância
econômica;
b) pequena produção dos pescadores artesanais aqui, a propriedade individual
dos meios e instrumentos de trabalho da pesca passa a ser um elemento
fundamental em toda a organização produtiva, ao passo que a propriedade familiar
deixa de ser tão importante. Nesse caso, o pescador passa a ser exclusivamente ou
quase exclusivamente profissional da pesca.
228
c) Produção pesqueira capitalista que se caracteriza por realizar-se dentro da forma
de organização social capitalista de produção a qual possui também duas
subformas:
c.1 produção dos armadores de pesca o dono dos barcos não participa da
captura; no barco existem funções bem definidas, como, por exemplo, os mestres,
os cozinheiros, os homens do convés. A remuneração é feita através do sistema de
partes, para a maioria das funções.
c.2 produção de empresas de pesca nesse tipo a propriedade dos instrumentos
de produção está nas mãos de uma empresa, organizada em diversos setores e
integrada verticalmente: o setor de captura, o de industrialização e o de
comercialização.
Havendo diversos tipos de pesca e dificuldades na sua classificação,
conseqüentemente, haverá variedade de tipos de pescador, devido ao fato de esses
pescadores estarem presentes nos mais diversos ambientes aquáticos, utilizando-se
de variados instrumentos de pesca, bem como estarem envolvidos em contextos
sociais e econômicos dissemelhantes.
Muitas são as classificações a respeito de pescadores, havendo inclusive
muitas sub-classificações, a depender dos parâmetros utilizados. Levando em conta
o tipo de produção (MALDONADO, 1986), os pescadores podem ser classificados
como:
- pescadores-agricultores pescam e plantam para consumir e comercializar,
praticando uma pesca simples, não se distanciando muito do local de moradia.
Exploram também a terra.
- pescadores artesanais pescam utilizando tecnologia simples e o seu custo de
produção é baixo. Os grupos de trabalho são formados por referenciais de
parentesco, sem vínculo empregatício entre as tripulações e os mestres. O destino
da produção é essencialmente o mercado, mas em situações peculiares, o objetivo
pode ser o do consumo doméstico.
229
- pescadores industriais trabalham na pesca industrial, ou empresarial capitalista.
A captura, a industrialização e a comercialização do pescado são desenvolvidas
separadamente, e as tarefas são desenvolvidas por grupos de trabalho
diferenciados. Não tomada de decisão por parte do pescador. As relações são
exclusivamente patronais.
Numa tentativa de classificação dos pescadores artesanais com base nos
critérios estabelecidos por Maldonado (1986), tem-se:
- pescadores de águas interiores ou de água doce: pescam nos rios, lagos, açudes,
igarapés, etc.
- pescadores embarcados: utilizam-se de embarcações para a faina da pesca;
- pescadores desembarcados: pescam com linha de mão, tarrafas, arco e flecha,
malhadeiras, etc.
Analisando-se o pescador em função do tempo que dedica à pesca
(NEIVA 199?) distingue-os em:
pescador permanente tem na pesca a sua principal atividade, sendo dela
dependente;
pescador de tempo parcial – geralmente são pequenos agricultores situados
no interior ou próximos de cursos de águas e têm a pesca como atividade
complementar de sua renda;
pescador eventual exerce a pesca ocasionalmente, quase sempre
pressionado pelo desemprego, não tendo compromisso claro com a
atividade. Essa é uma categoria que, nos últimos anos, vem ocupando
espaço em conseqüências dos altos índices de desemprego.
Quanto à atividade pesqueira, Netto (1993) distingue dois grupos: um
formado por aqueles que vivem exclusivamente da profissão e outro composto pelos
pescadores que, em determinados períodos do ano, podem exercer as atividades
pesqueiras concomitantemente a outras, principalmente atividades agrícolas de
subsistência.
Devido à variedade de classificações, identificamos, dentro da reserva
extrativista, os seguintes tipos de pesca:
- artesanal desenvolvida por pescadores autônomos que pescam sozinhos ou em
parcerias, participando diretamente do processo de captura, utilizando-se de
230
instrumentos relativamente simples, sendo eles próprios os donos desses meios de
produção. Nesse tipo de pesca a produção é destinada preponderantemente ao
consumo familiar, sendo que ocorre a venda quando excedente ou quando
o desejo de compra de outro produto que venha a ser destinado à alimentação do
grupo familiar.
A pesca é desenvolvida em rios, lagos e mesmo na praia. A tecnologia
utilizada é rudimentar: tarrafas, anzóis, malhadeiras e arco e flecha. O produto dessa
pesca é geralmente salgado e seco para posterior consumo.
- pesca nos moldes da pequena produção mercantil – aquela cujos pescadores
trabalham embarcados (Foto 3).
FOTO 3
TÍPICO BARCO DE PESCA DO MÉDIO JURUÁ
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
231
As atividades de pesca também podem ser noturnas ou diurnas. Envolve
tanto a força de trabalho masculina, como feminina, consumindo um tempo grande
de trabalho, pela escassez dos peixes em determinadas épocas, principalmente no
inverno, quando as águas invadem a floresta e os peixes a adentram, tornando difícil
sua captura, haja vista a sua extensão. As espécies mais capturadas tanto para
consumo quanto para comercialização são as apresentadas a seguir, conforme
mostra o Quadro -14 e Foto - 6.
QUADRO 14
PRINCIPAIS ESPÉCIES DE PEIXES DA RESERVA MÉDIO JURUÁ
NOME POPULAR NOME CIENTÍFICO
Acará-açu
Astronotus ocellatus
Aracú
Leporinus spp.
Aruanã
Osteoglossum bicirrhosum
Acari/bodó
Hipostomus ssp.
Branquinha
Potamorhina altamaronico
Cascuda
Psectrogaster amazônica
Curimatã
Prochilodus nigricans
Frecheira
Hemiodus unimaculatus
Mandi
Pimelodus blochii
Matrinchã
Brycon spp.
Peixe-boi
Trichechus imunguis
Pacu
Myleus spp.
Pescada
Plagioacion spp
Piraíba*
Brachyplatystoma filamentosum
Piramutaba*
Brachyplatystoma vaillanti
Pirarara*
Phractocophalus hemilipterus
Surubim*
Pseudoplatystoma fasiatum
Piranha
Pygocentrus nattoroni
232
Pirarucu
Arapaima gigas
Sardinha
Triportheus elompatus
Tucunaré
Chico spp.
Traira
Hoplias malabaricus
Tamuatá
Hoplostemus thoracatum
Fonte: Trabalho de Campo - 2005.
* Peixes sem escamas, conhecidos regionalmente como peixe liso. São os preferidos pelos regatões,
pois existe um fraco controle por parte do IBAMA sobre os mesmo.
Os principais instrumentos de trabalho utilizados na pesca, além da canoa
(Foto 4) e o remo, são as malhadeiras, linhas de pesca e anzóis, os espinhéis,
zagaias, lanternas, terçados, arco e flecha, tarrafas, arpões, e jaticás.
FOTO 4
PEIXE LISO APÓS SUA CAPTURA
Fonte:Trabalho de Campo – 2005.
233
A produção pesqueira, mediada pelas relações de parceria, não deixa de ser
uma pesca para o consumo da própria família. Contudo, à época da safra dos peixes
de couro/lisos (agosto, setembro e outubro) os ribeirinhos não deixam de pescar
peixes de escamas -, são capturados com o intuito primordial de comercializá-lo.
Aqui, o produto do trabalho ribeirinho em regime de parceria (parentes, amigos,
vizinhos, compadres etc.), é dividido em duas partes: os peixes de escamas são
destinados, primeiramente, para consumo da família e, de modo secundário, para
comercialização; os peixes de couro/lisos são capturados “exclusivamente” com a
intenção de vendê-los no Mercado embora os ribeirinhos estejam mudando de
hábito alimentar.
O peixe liso e o pirarucu são considerados na área os de melhor
oportunidade de comercialização, em decorrência dos vários regatões que negociam
esses peixes. Representam também uma fonte de renda valiosa e arriscada, pois,
no caso do pirarucu, uma legislação que proíbe o seu comércio, enquanto o do
peixe “liso” é mais flexível, tendo-se que se respeitar apenas o tamanho mínimo de
captura.
É preciso insistir também no fato de que a pesca sempre foi considerada a
principal fonte de alimento dos ribeirinhos. Mesmo em tempos passados, em
decorrência da ambição pela riqueza das árvores extrativas, dos lagos recobertos de
pirarucus, e quelônios (Foto-5) como, tartarugas (Pocdocnemis expansa), tracajás
(Pocdocnemis unifilis) e iaças (Pocdocnemis sextuberculata), a pesca foi
parcialmente responsável pela decadência de alguns silvículas e determinou o
extermínio de outros, pelos “civilizados” (PORRO, 1993,p.22).
234
FOTO 5
TARTARUGA CAPTURADA DENTRO DA RESERVA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Existem quatro tabuleiros (praias) de preservação de quelônios: os
tabuleiros do o, Bom Jesus, Roque e Gumo do Facão, todos vigiados na época
do verão pelos comunitários, que são locais de nidificação de varias espécies de
quelônios e de aves.
235
FOTO 6
ESPÉCIES MAIS PROCURADAS NA RESERVA
Fonte: Trabalho de Campo - 2005.
236
Nesse sentido, é fácil constatar um grande número de negociantes que
tem no peixe liso seu objeto principal. Por outro lado, esses peixes representam a
única alternativa ligada à pesca de se obter algum dinheiro de forma legal.
FOTO 7
REGATÃO COMPRANDO PEIXE LISO DENTRO DA RESERVA
Fonte: Trabalho de campo - 2005
Não podemos esquecer que, tradicionalmente, os amazonenses não são
grandes consumidores de peixe liso, sendo que os mesmos são revendidos pelos
regatões a grandes frigoríficos de Tefé e Coari, que os exportam para a fronteira do
Brasil, principalmente Peru e Letícia (Colômbia). Essa atividade é bastante lucrativa
para os regatões e financiamentos antecipados para os mesmos, feitos
geralmente pelos representantes desses frigoríficos.
237
Além disso, boa parte dos negócios com os ribeirinhos não
necessariamente envolve dinheiro em espécie, e sim o escambo, o que representa
uma fonte de lucro atrativa para os regatões que compram suas mercadorias a
baixos preços e as revendem com margem de lucro alta. O esquema abaixo
demonstra como se a cadeia de transporte do peixe liso até a sua exportação
para a Colômbia e Peru.
CADEIA DE TRANSPORTE DO PEIXE LISO
RIO JURUÁ
REGATÕES
F
RIGORÍFICOS
TEFÉ/COARI
COLÔMBIA
PERU
238
É necessário frisar, que por outro lado, com a proibição do comércio de
quelônios, pirarucus e outros produtos oriundos do extrativismo animal, os
moradores da sede municipal encontram dificuldades de obterem alimentos,
que os regatões procuram vender sua produção extrativa para outros municípios,
pois segundo conversas mantidas com alguns regatões, essa prática é menos
arriscada, em termos de fiscalizações feitas pelo IBAMA. Além disso, ressaltam que,
antes da criação da reserva, toda a produção era destinada ao consumo municipal,
o que não ocorre mais sob pena de pesadas multas, caso sejam pegos com os
referidos produtos.
Nesse sentido, é bom refletirmos sobre o objetivo de uma reserva, pois, se
por um lado resolveu um problema (terra), por outro trouxe conseqüências para a
maior parte dos moradores do Médio Juruá.
5.13 Estrutura organizacional e gestão da reserva extrativista
5.13.1 Estrutura
A Reserva tem sua responsabilidade administrativa a cargo do IBAMA e,
para sua administração, o IBAMA dispõe de dois funcionários.
O IBAMA não possui nenhuma base de apoio dentro da reserva e nem
sistema de comunicação com e entre as comunidades. Somente entre as
comunidades de Nova Esperança e Roque existe ligação por via terrestre de
comunicação.
Os encargos perante a gestão da reserva têm na ASPROC a figura
central, mas a associação não possui quadro nem infraestrutura, o que inviabiliza
toda a gestão da reserva que fica à mercê dos regatões, comerciantes e invasores
que não encontram nenhum tipo de resistência oficial por parte da organização que
representa a gestão da área.
239
5.13.2 Gestão e participação social
Na época de sua criação, a dimensão de envolvimento e participação das
populações residentes da reserva não eram contempladas. À medida que o país
apagava as luzes do período autoritário e descortinava um período democrático, os
processos de gestão foram se tornando mais auditivos em relação aos interesses
das populações que nela habitam em grande parte pela justa pressão delas
próprias, de entidades de representação (MEB/STRC) com atuação na área.
Como se sabe, a ocupação humana da maior parte de áreas geográficas
decretadas Unidades de Conservação no Brasil é muito anterior à própria
implantação jurídica daquelas reservas. A imposição de uma série de restrições de
uso dos recursos naturais para os moradores que vivem no interior das áreas criou
um sério impasse: como preservar a rica biodiversidade e criar condições de
subsistência e sustentabilidade, tanto material quanto simbólica, para a população
local? Até o momento, poucas são as alternativas para a maioria dos povos
tradicionais que vivem no interior ou no entorno das Unidades de Conservação.
Nesse esforço ainda aprendiz e inacabado de construção de processos
participativos de gestão torna-se cada vez mais evidente que a construção da
gestão social raramente pode ser creditada a apenas um sujeito institucional, que
tudo o que se constrói nesse processo é resultante das relações possíveis entre
seus vários atores.
5.13.3 Conselho Deliberativos da Reserva
No Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) está previsto que
as Unidades de Conservação devem ter um Conselho. Esses Conselhos servem
para que todo mundo que mora ou trabalha nessas Unidades de Conservação
possam conversar e discutir juntos os problemas, um modo de administrar a área de
forma participativa. As principais atividades do Conselho são:
240
a) Acompanhar como estão as Unidades de Conservação e verificar se a
fiscalização está correta.
b) Acompanhar as instituições que trabalham nas Unidades de Conservação.
c) Acompanhar a utilização do dinheiro feita pela instituição responsável pelas
Unidades de Conservação.
d) Dar sua opinião sobre obras nas Unidades de Conservação.
e) Dizer suas opiniões sobre como preservar mais as unidades de conservação,
como melhor usar seus recursos, sempre lembrando a forma que vivem os
moradores.
Esses Conselhos têm que ter metade da sociedade envolvida nas
Unidades de Conservação e metade de integrantes do governo. O presidente do
Conselho é o chefe da Unidade de Conservação. O Conselho serve para discutir e
negociar os problemas das Unidades de Conservação, com a participação de todos
os integrantes do Conselho. Que na verdade, torna-se um espaço onde todo mundo
pode dar opinião, e não só o governo.
Ainda segundo a Lei 2.892/1992, o tipo de Unidade de Conservação
pode determinar o tipo de Conselho que deve funcionar:
a) Nas Unidades de Conservação de uso sustentável, o tipo de Conselho que deve
funcionar é o deliberativo. Portanto, o que for decidido pelos conselheiros tem que
ser realizado.
b) Nas Unidades de Conservação de proteção integral, o Conselho é consultivo, ou
seja, para qualquer grande decisão a ser tomada, o chefe da unidade tem que
escutar a opinião dos conselheiros, antes de tomar a decisão.
Na Reserva Extrativista Médio Juruá, existe apenas uma diretoria
composta por seis diretores titulares e seis suplentes, mas o mesmo encontra-se
totalmente desarticulado e raramente são consultados ou participam de reuniões. É
um descaso com todos, a inoperância dos diretores traz conseqüências desastrosas
para a área. O Conselho Diretor é coordenado pela ASPROC, que raramente se
reúne para tomar decisões a respeito da gestão da reserva.
241
Nesse sentido, necessidade urgente de se formar um Conselho
Deliberativo, havendo necessidade de reuniões periódicas, sob pena de haver um
fracasso total na gestão dos recursos naturais existentes, o que se percebe em
larga escala. Caso não haja rapidamente a ativação do conselho, a reserva
extrativista certamente estará fadada a um verdadeiro fracasso em termos de
preservação.
Na Reserva, não existe um Conselho deliberativo formalizado e sua
implantação está prevista para acontecer no final do ano de 2006, segundo
informações coletadas na ASPROC. Pode-se concluir que, sem o Conselho, a
gestão da reserva inexiste, o que torna inviável qualquer tentativa de desenvolver
projetos que venham a contribuir para a melhoria de vida dos moradores. Além
disso, até o presente momento (2006), a reserva não possui um Plano de
Desenvolvimento.
Em suma, do ponto de vista formal, o Conselho deliberativo da Reserva
seria a primeira instância para construção de processos de gestão integrada entre
IBAMA, comunidades e demais atores.
5.13.4 Como se organizam as populações que habitam a reserva
As primeiras organizações de representação das populações que habitam
a reserva foram criadas a partir da década de 1980, com atuação do Movimento de
Educação de Base (MEB).
As Associações Comunitárias (Quadro 15), por sua vez, ainda são poucas
e relativamente frágeis. Criadas e organizadas pelos próprios moradores com apoio
de órgão público municipal, têm tido um papel crescente na representação das
comunidades, na execução dos projetos e no estabelecimento de parcerias para o
desenvolvimento de trabalhos comunitários e de gestão da reserva.
242
QUADRO 15
ASSOCIAÇÕES EXISTENTES NA RESERVA
ASSOCIAÇÕES LOCAIS INTERCOMUNITÁRIAS
ASCOAP Associação Comunitária de
desenvolvimento Sustentável Agroextrativista do
Pupuai na Reserva Extrativista Médio Juruá.
Fundação: 2002
ASPROC- Associaçao dos Produtores Rurais de
Carauari
Fundação: 1997
Associados:235
Representa todas as comunidades da reserva.
Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS
CODAEMJ Cooperativa de Desenvolvimento
Agroextrativista Médio Juruá.
Fundação: 2003
Comunidade: Roque, Nova Eperança
Associação das Mulheres Agroextrativistas da
Reserva Extrativista Médio Juruá.
Associação dos Moradores Assentados da
Reserva Extrativista do Médio Juruá
Fonte: ASPROC/ Trabalho de Campo - 2005
Em decorrência da falta de projetos, perspectivas e assistência por parte
da APROC e da Cooperativa começam a despontar movimentos de formação de
associações comunitárias em algumas comunidades, como a ASCOAP (Anexo 6) e
outra em formação na comunidade do Gumo do Facão. Essas associações visam
facilitar o comércio e a obtenção de oportunidades, pois, caso apareçam, serão
negociadas diretamente com os comunitários, não havendo a interferência da
APROC e nem da Cooperativa.
243
5.14 Atividades e projetos em andamento na reserva
5.14.1 Projetos Coordenados pelo IBAMA
- Projeto de Implementação do Plano de Manejo Florestal Comunitário nas Reservas
Extrativistas Federais do Amazonas – Promanejo/ASPROC;
- Criação de Abelhas – Meliponicultura – CNPT/IBAMA/SDS;
- Extração de Óleos Vegetais – UFAM/CODAEMJ/CNPT;
- Preservação e Manejo de Quelônios – UFAM/NUFAS/IBAMA.
5.14.2 Outras entidades conveniadas e ONG-s atuantes na Reserva
- Regatão Social – SDS/ASPROC;
- Programa de garantia da compra agrícola – CONAB/ASPROC.
5.14.3 Projetos em discussão
- Plano de Manejo da Reserva;
- Construção do Centro de difusão da Reserva;
- Manejo do pirarucu – modelo RDS Mamirauá;
- Manejo do jacaré;
- Criação de galinhas caipiras.
Espera-se que esses projetos não fiquem somente no papel. No entanto,
salientamos que, em função da inexistência de um Conselho deliberativo,
dificilmente esses projetos lograrão êxito. Assim, é urgente que se forme o Conselho
e que rapidamente o mesmo procure instituições, órgãos públicos e privados para
estabelecerem parcerias que venham a contribuir para o desenvolvimento
socioeconômico da área.
244
5.15 As transformações na organização espacial ribeirinha sob a égide do
modelo de reserva extrativista
A característica mais marcante pós-reserva extrativista diz respeito à
formação de comunidade nas áreas onde antes eram os seringais. Para que
houvesse essa formação, foi necessária a intervenção da administração municipal,
no que diz respeito à instalação de escolas, posto de saúde, geradores de energia,
bem como construção de casas comunitárias juntamente com o INCRA, o que
facilitou a aglomeração de ribeirinhos nos antigos seringais.
Vale ressaltar que, após as investigações no campo, constatam-se alguns
problemas referentes à aglomeração de pessoas em uma determinada área, haja
vista que, no antigo sistema (patrões), esses ribeirinhos viviam em colocações
distantes umas das outras, o que facilitava a caça, pesca e, principalmente o cultivo,
sendo este último um dos grandes problemas enfrentados pelos moradores da
reserva.
Outro fato constatado durante a pesquisa de campo é que, no momento
das reuniões para se definir a criação da Reserva Extrativista, existiam apenas
quatro comunidades (Tabuleiro, Roque, Pupuai e Gumo do Facão). Após a sua
decretação criaram-se mais nove, o que demonstra que a unidade de conservação é
uma área de atração populacional, onde muitos ribeirinhos vêm buscar uma melhor
condição de vida. Quando chegam, no entanto, percebem que não adianta muito
morar dentro da área da Reserva, pois as condições e as alternativas econômicas,
com raras exceções, são mínimas.
Se a reserva se afirma pela presença de diversas comunidades, as
tensões territoriais se diferenciam em função da posição e das formas de
apropriação dos recursos naturais. Assim sendo, cabe a constituição de um quadro
síntese das tensões territoriais e as devidas resistências ribeirinhas verificadas no
bojo da reserva em cada comunidade, a saber:
Gumo do Facão Fazia parte de um único seringal Independência-, mas, com a
morte do Patrão (Sr. Mocinho), os herdeiros dividiram à área do seringal, originando
dois seringais: Providência e Independência. A colocação chamada Gumo pertencia
ao seringal Providência.
245
O Movimento de Educação de Base (MEB), bem como o Padre João
Derickx, que fazia trabalhos na área de organização comunitária, após chegar na
frente da colocação, achou o aspecto do terreno parecido com o formato de um
facão, haja vista sua posição longitudinal margendo o rio Juruá, motivo pelo qual a
denominou Gumo do Facão.
Possui uma escola, bem como poço artesiano e casa comunitária. É a
primeira comunidade da reserva a montante da sede municipal. Localiza-se em uma
área plana onde se avista uma grande quantidade de plantio de mandioca, espécie
predominante de cultivo. Outra característica marcante é que boa parte das casas da
comunidade é construída utilizando-se de um produto local conhecido como paxiúba
e coberta com palhas encontradas na floresta em seu entorno, depreendendo-se
que os moradores que não possuem casas cobertas de alumínio são pessoas que
se deslocaram para a área após a criação da reserva e não tiveram acesso a um
crédito feito pelo INCRA aos moradores para a construção das casas.
FOTO 8
COMUNIDADE GUMO DO FACÃO
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
246
O principal aspecto da tensão territorial diz respeito à utilização dos lagos
Redondo e Tracoá, que são explorados conjuntamente por três comunidades, o que
ocasiona problemas em épocas de escassez alimentar. A exemplo das demais,
falta de investimentos em projetos alternativos para gerarem renda na comunidade
e, assim, melhorar o padrão de vida dos moradores. Existem cinco seringueiros na
comunidade: quatro cortam seringa dentro da área da reserva; há apenas uma
estrada de seringa fora da reserva, na margem oposta do rio Juruá.
Um outro aspecto a ser ressaltado é o fato de que existe uma grande
quantidade de madeira morta (derrubada) dentro da comunidade. Madeira essa fruto
de madeireiros que atuavam na área antes da criação da unidade de conservação e
que, após a sua decretação, não puderam retirá-la. Os moradores acham que essa
madeira poderia ser vendida às movelarias da sede municipal, mas o problema é
que, o IBAMA não autoriza tal operação e, assim, essa madeira está apodrecendo
no interior da floresta. Caso o órgão ambiental permitisse, os moradores poderiam
vendê-la, aplicando o dinheiro em benefício da comunidade. Todos os roçados da
comunidade ficam em terra firme que, por sinal, é bastante plana, facilitando o
cultivo e o transporte da produção até a sede comunitária.
Por outro lado, alguns moradores fazem reclamações sobre as
comunidades de Novo Horizonte e Pupuaí, pois, segundo eles, os moradores
dessas comunidades não respeitam o seu tabuleiro de preservação. O que se
estranha é que tanto as praias e os tabuleiros, bem como os recursos existentes
dentro da área pertencem a todos, de acordo com os princípios norteadores das
reserva extrativista. Mesmo assim, os moradores vivem em constantes tensões uns
com os outros em virtude de algumas incursões na área do tabuleiro, principalmente
no verão.
Novo Horizonte Os moradores desta comunidade eram originários da
Comunidade de Pupuaí e viviam em constantes atritos uns com os outros,
principalmente com a família dos Siqueiras. Nesse sentido, a família Jacinto se
deslocou e formou uma nova Comunidade em outro local, denominando-a Novo
Horizonte, já que os mesmos aspiravam a um local onde observassem melhor o rio e
o lago mais facilmente, além de sonharem com uma vida melhor. Assim, se
estabeleceram em uma faixa de terra firme.
247
Outra versão afirma que esses moradores saíram da comunidade do Pupuai em
virtude de a mesma, na época do verão, ficar muito distante do rio Juruá, além de
existirem muitas áreas pantanosas no trajeto até o rio, o que dificultava o transporte
da produção e o deslocamento dos moradores; e, assim, uma família resolveu se
mudar para mais próximo do rio Juruá.
FOTO 9
COMUNIDADE NOVO HORIZONTE
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Existe uma sede comunitária com antena parabólica e poço artesiano. Os
moradores compram em sua maioria os gêneros de primeira necessidade na sede
municipal haja vista a proximidade. Nessa comunidade mora o atual presidente da
ASPROC, que é filho do líder comunitário. Os moradores também destacam o
problema da falta de alimentos na época do inverno, em decorrência de uma grande
concentração de pessoas morando próximo (Pupuaí), o que dificulta a busca por
alimentos.
248
Nessa comunidade não existem pés de andiroba, o que faz com que
alguns moradores necessitem se deslocar até a margem oposta do rio Juruá para
coletá-la, o que vem ultimamente causando o desânimo em algumas pessoas, haja
vista que moradores de outras comunidades próximas também vão coletar na
mesma área. Um aspecto que a destaca das outras comunidade é o fato de que
existe uma grande plantação de bananeiras próxima à sede comunitária, o que
demonstra que os moradores estão diversificando o cultivo, além de evidencia a
existência de compradores para a produção.
Pupuaí Era uma colocação do seringal Pupunha. Os moradores escolheram essa
denominação a partir do nome de uma fruta regional muito conhecida, a pupunha.
Pupuaí significa pupunha pequena. Existe 23 anos e enfrenta, a exemplo de
outras comunidades, a montante da comunidade do Roque a falta de alimentos em
virtude do aumento populacional. Localiza-se em terra firme, às margens de um
lago, e, no verão, o seu acesso se através de um varadouro que passa por
dentro da comunidade de Novo Horizonte e dista cerca de 40 minutos das margens
do rio Juruá.
FOTO 10
COMUNIDADE PUPUAÍ
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
249
O principal problema é a falta de alternativa econômica, além de alguns
atritos com moradores de comunidades vizinhas, principalmente na época da coleta
do fruto da andiroba, pois a comunidade não possui essa espécie, tendo que coletá-
la em outros locais, o que causa problemas. Há o lago preto e lago redondo, que são
explorados conjuntamente como os moradores do Novo Horizonte.
Observou-se também que essa foi a primeira a formar uma associação
comunitária (ASCOAP) para tentar negociar diretamente com o Mercado, sem
necessidade de intermediação da ASPROC.
Nova Esperança Era colocação do seringal Pupunha, local denominado
primeiramente Serraria, haja vista a existência de uma no lugar. A população que
habitava esse local vivia dispersa ao longo do rio e, após a migração de algumas
famílias a este local, resolveram formar (nove anos atrás) uma comunidade, onde
aspiravam a uma vida melhor, por isso escolheram esse nome. Localiza-se às
margens do rio Juruá.
FOTO 11
COMUNIDADE NOVA ESPERANÇA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
250
Um fato que chama atenção na comunidade é que grande parte de seus
moradores o evangélicos da Assembléia de Deus. Não grandes problemas na
comunidade e todos vivem do agroextrativismo. previsão da instalação de uma
usina de beneficiamento de óleos vegetais (biodiesel).
O biodiesel é um combustível feito do óleo vegetal e é empregado em todo
motor movido a óleo diesel não modificado. O biodiesel pode ser feito de todo óleo
vegetal, inclusive óleos virgens, como o de soja ou os extraídos das sementes de
girassol, canola, coco e outras plantas oleaginosas típicas da Amazônia, como
andiroba e aricuri (Cocos coronata), localmente conhecido como ouricuri (Foto 12),
bastante abundante na área. A produção de óleos vegetais em grande escala para a
fabricação de biodiesel é uma prioridade do governo federal, que ganhou força com
o Governo Lula, que o produto como um poderoso instrumento para incentivar a
agricultura familiar, principalmente em pequenas propriedades, em regiões como o
Norte do país, o semi-árido nordestino e o vale do Jequintinhona.
FOTO 12
COCOS DE OURICURI
Fonte: Trabalho de campo – 2005
251
no porto um flutuante da ASPROC que serve de entreposto comercial
para a compra de farinha e a venda de alguns poucos gêneros de primeira
necessidade aos associados. O problema è que nem sempre existem produtos
básicos, como inflamáveis, para serem comercializados, o que causa transtornos
aos associados que precisam se deslocar à sede municipal ou negociar com
regatões os produtos necessários a sua sobrevivência.
Os moradores desta comunidade afirmam que, apesar da mesma fazer
parte da reserva, não existe interesse dos órgãos ambientais, Universidades ou a
mesmo, empresas privadas em propor projetos de beneficiamento dos produtos
florestais (com exceção do biodiesel em fase experimental) para a geração de renda.
um problema de base jurídica que gera uma certa tensão territorial a ser
resolvida, pois existe na comunidade um preposto de uma empresa (Maginco
Madeireira) que afirma que a comunidade não pertence à reserva e, por isso, a
referida empresa irá propor um projeto de manejo florestal ao IBAMA. O fato é que
esta comunidade está consolidada e fica na área de entorno da resex e está
perfeitamente instalada e juridicamente não há o que fazer. Na realidade esse
preposto usa de falácias para intimidar os moradores.
Não existe nenhum lago de preservação na comunidade. No dia 15 de
novembro de cada ano, é feita uma festa na comunidade, a festa da tartaruga, em
que alguns moradores, em conjunto com o órgão ambiental, soltam simbolicamente
filhotes de quelônios. Essa festa é mais uma estratégia de incentivar os moradores a
preservarem os quelônios.
Roque Era uma colocação do seringal Pupunha e dividia-se em Roque I e Roque
II. Esta última situava-se no final de uma restinga, após a passagem de um igarapé
(baixa), sendo mais próxima da floresta de terra firme. Quando se deu a criação da
reserva, os moradores se concentraram todos no Roque I, área mais próxima ao
lago, abandonando o Roque I.
252
A origem do nome Roque é em decorrência de um seringueiro que
trabalhava neste local e cujo nome era Roque. Essa colocação, por não se localizar
às margens do rio Juruá, e sim dentro de um lago, era chamada Roque de Dentro
pelos moradores. Algum tempo depois, os moradores vieram para um local
denominado Ilha dos Macacos. Assim, com o passar do tempo, passaram a se
referir a esta colocação como a do Roque. Na década de setenta (século XX), serviu
como um campo experimental de plantio (250 hectares de seringueiras) que não deu
certo em virtude da alta mortalidade e de doenças que atacaram a plantação.
253
FOTO 13
COMUNIDADE DO ROQUE - 2005
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
FOTO 14
COMUNIDADE DO ROQUE - 2000
Fonte: Trabalho de Campo (2000)
254
É a segunda comunidade mais antiga da reserva e existe ha 25 anos. É
também a mais populosa, o que vem causando sérios problemas, principalmente em
decorrência da dificuldade de se conseguirem alimentos para todos, o que não
acontecia antes da criação da reserva.
No verão, o acesso se dá através da comunidade Nova Esperança, que
fica situada às margens do rio Juruá. Como a comunidade Roque situa-se às
margens de um lago que durante o verão o é alcançado por barcos e dificilmente
por canoas, é melhor ficar na Comunidade Nova Esperança e, de lá, caminhar
durante uma hora por um varadouro no meio da floresta até se chegar à sede da
comunidade. Possui apenas dois lagos principais: o do Roque, onde se localiza a
comunidade, e um lago de preservação denominado lago Comprido. A exemplo da
comunidade Nova Esperança, uma festa da tartaruga no dia 7 de setembro de
cada ano.
Essa comunidade é a mais desenvolvida economicamente, pois existe um
projeto denominado Óleos Vegetais para a Geração de Energia e Valorização da
Biodiversidade, financiado pelos Programa do Trópico Úmido CNPq/MCT, Agência
Nacional de Energia Elétrica/ANEEL, IPAAM e Ministério das Minas e Energia/MME;
e executado pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) através da Faculdade
de Tecnologia, tendo como parceiros o INPA, IBAMA e Universidade de Brasília,
além do apoio do Exército e Aeronáutica. Esse projeto representa uma alternativa (a
única) de se gerar renda com os óleos da floresta para que os moradores não
pratiquem atos predatórios, como derrubada da madeira, caça comercial e invasões
de lagos. A produção é toda comprada pela Empresa de Cosméticos Natura/Cognis
Brasil LTDA.
Após pesquisas, definiu-se que o produto a ser beneficiado seria o fruto da
andiroba (Carapas guianensis), em decorrência de sua abundância no dio Juruá
e pode ser encontrada em sociedade com árvores de ucuúba (virola), héveas e
outras espécies. Andiroba é o termo indígena que quer dizer óleo amargo
(nhandi=óleo, rob=amargo) e pertence à família das meliaceas.
255
A andiroba é encontrada em toda a bacia amazônica, com predominância
nas várzeas e faixas alagáveis ao longo dos cursos d’água, freqüentemente
formando associações com a seringueira e outras espécies. É uma árvore grande,
podendo atingir 30m de altura, de fuste reto e cilíndrico, com sapopemas (espécie de
saia) na base, possui casca grossa e amarga e apresenta descamação em placas. O
fruto é um ouriço redondo, formado de quatro válvulas, duras, de 3mm a 4mm de
espessura, de cor parda, mas quando o fruto esta maduro, abre-se, deixando caírem
as sementes. Estas sementes ou castanhas, cerca de dez, são de grossa
espessura, de formato poligonal, sendo chatas na parte interna e convexas na parte
externa, sua casca é lisa e um pouco esponjosa, cor havana, recobrindo uma massa
branca, levemente rosada, compacta e oleosa (Foto 15). A produção de semente de
uma árvore de andiroba varia de 50Kg a 200Kg por ano.
FOTO 15
FRUTOS DE ANDIROBA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
256
Pelo método tradicional, as semente de andiroba (coletadas na áreas de
várzea) o descascadas, cozidas e expostas ao sol durante 30 dias para que se
possa extrair o óleo.
ETAPAS DA EXTRAÇAO DO ÓLEO DE ANDIROBA PELO MÉTODO
TRADICIONAL
COLETA
SECAGEM
QUEBRA DO
FRUTO
EXPOSIÇÃO
AO SOL
ÓLEO
COZIMENTO
257
FOTO 16
EXTRAÇÃO DO ÓLEO DE ANDIROBA PELO MÉTODO TRADICIONAL
Fonte: Trabalho de Campo – 2005.
na comunidade uma usina de beneficiamento de óleos dotada de duas
prensas, dois trituradores, dois cozinhadores, catorze estufas, um motor de 114 HP
que gera energia para a usina e duas chalanas (barco) de 18 Hp cada para
transporte e compra da produção de andiroba; essa usina tem a capacidade de
processar 700Kg/dia de andiroba. Uma das vantagens desse método é que os frutos
não precisam ser cozinhados. As etapas demonstradas no esquema e as fotografia
abaixo ajudam a compreender melhor o processo de extração do óleo de andiroba
pelo método industrial.
258
ETAPAS DA EXTRAÇAO DO ÓLEO DE ANDIROBA NA USINA
TAMBORES
COLETA
TANQUE DE
COLETA
T
ANQUE DE
FILTRAGEM
M
ÁQUINA
RET. ÓLEO
TANQUE DE
COLETA
SECADOR
TRITURADOR
ESTUFA
TABLADO
-
SOL
259
FOTO 17
EXTRAÇÃO DO ÓLEO DE ANDIROBA NA USINA DE BENEFICIAMENTO
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
FOTO 18
SECADOR INDUSTRIAL
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
260
Foi criada em 2003 a Cooperativa de Desenvolvimento
Agroextrativista de Energia do Médio Juruá. 43 cooperados, mas apenas três
pessoas pagaram a cota que é de R$ 30,00 e mais R$ 1,00 mensal. Essa
Cooperativa é aberta a qualquer morador da reserva, desde que ele pague a sua
cota.
Constata-se que a maior parte dos cooperados são moradores desta
comunidade, pois a maioria dos ribeirinhos de outras comunidades o fazem parte
da Cooperativa.
A criação da Cooperativa, em 2003, se deu em função de uma disputa
política entre os moradores e a ASPROC, pois esta última pagava um preço muito
baixo pelo óleo de andiroba (R$ 6,00) extraído pelos ribeirinhos e o revendiam com
uma margem de lucro de 100%.
A situação mudou com a chegada do projeto de óleos vegetais, sob
coordenação do professor Castro (UFAM), o qual estimulou os ribeirinhos a criarem
uma cooperativa. Dessa forma, haveria uma organização mais viável para a
comercialização do produto e o lucro ficaria na reserva.
Com relação à comercialização dos frutos para a Natura, existe uma
intermediária que é a Empresa Cognis Brasil LTDA, que recebe o óleo da
Cooperativa e faz uma filtragem industrial para, em seguida, remetê-lo para a sede
da Natura no Estado de São Paulo, como demonstrado no esquema abaixo.
261
CADEIA DE TRANSPORTE DO ÓLEO DE ANDIROBA
Um aspecto interessante diz respeito à compra dos frutos, pois os
mesmos não o comprados de regatões e nem de moradores da sede municipal.
Houve casos no início, mas rapidamente foi feito um pacto para que não se
comprassem mais de atravessadores que, em muitos situações, destacando-se os
moradores da sede municipal, vinham invadindo algumas comunidades em busca
dos frutos. Isso estava causando uma grande tensão entre os ribeirinhos, por isso a
Cooperativa tomou essa iniciativa.
COMUNIDADES
CARAUARI
ROQUE
MANAUS
SÃO PAULO
262
Mesmo sendo a única comunidade que possui um projeto em
desenvolvimento e que gera renda para os moradores, existem problemas em
virtude da grande concentração de pessoas, além das que continuam chegando. Um
dos principais problemas é a escassez de alimentos em determinadas épocas
(inverno), pois a dificuldade aumenta e o peixe, principal fonte protéica, adentra a
floresta, dificultando a sua captura. Nessa estação (inverno) entrementes a demanda
da proteína animal é dividida entre a “escassez” de peixe e a “fartura” da caça; na
seca, a fartura do peixe – combinada com a intensa atividade na agricultura
permite que a caça seja uma atividade feita de maneira modesta.
(WITKOSKI,2007,p.179)
Além disso, alimentar diariamente 400 pessoas com base apenas na
pesca representa um impacto à ictiofauna considerável, pois, como a procura é
muita, o peixe afasta-se da área e os moradores começam a consumir produtos
industrializados, como frango, ovos e carnes congeladas de bois que são trazidos
por regatões na época do inverno para serem vendidos aos comunitários. Essa
prática é observada em todas as comunidades a jusante desta, o que demonstra
que o aumento populacional em comunidades amazônicas cuja base alimentar é o
peixe causa problemas aos moradores. Assim sendo, é necessário rever melhor
essa prática sob pena de os moradores passarem fome em determinados períodos,
como ocorre. Todos, inclusive, conhecem o chamado calendário da fome
(outubro a fevereiro), pois quem não tem dinheiro para comprar alimentos
industrializados passa necessidades. Outra opção é a compra de carnes silvestres e
peixes secos de outras comunidades onde existem mais farturas de pescado e
animais.
263
MAPA 8
Fonte: Trabalho de Campo - 2005
Nesta comunidade fica constatado que o modelo de reserva extrativista
proposto precisa atentar para o fato de se propor antes de sua criação projetos
voltados à melhoria da qualidade de vida dos ribeirinhos e que diversifique esses
projetos ao longo do ano. Na realidade o aumento populacional causa impactos
visíveis, como exemplo, no ano de 2005 houve o desmatamento de 7 hectares de
floresta para serem feitos os roçados que como se sabe rendem por no máximo
três anos sendo depois abandonados e desmatadas outras áreas. Fato este
observado apenas nesta comunidade e com a migração para a sede comunitária
não tardará a existir um grande desmatamento, o que vai causar conseqüências
irreparáveis ao ecossistema de terra firme, sendo a principal a relacionada aos
animais que servem de alimentos a população que estão cada vez mais distantes da
sede comunitária. Além disso, as distâncias entre a sede comunitária e os roçados
aumentam anualmente, o que obriga a utilização de carroças pelos moradores para
transportarem a produção.
264
Não podemos esquecer também que, como essa comunidade possui
poucos lagos e localiza-se dentro de um, a dificuldade de pescar aumenta, pois,
como presenciamos, pela manhã há um grande número de moradores que adentram
o lago em busca de peixes e nem sempre voltam para casa com o referido alimento,
haja vista a escassez do mesmo.
Nesse sentido, a tensão territorial que existe é fruto, principalmente, da
falta de alternativas econômicas aos moradores que precisam sobreviver. Mesmo
existindo uma usina, essa só funciona em determinada época do ano, enquanto que,
no restante do ano, os moradores passam somente sobrevivendo do
agroextrativismo, que os mesmos, pela legislação (só via Cooperativa/ASPROC),
não podem comercializar produtos. Acredita-se que o tardará para que a
comunidade se transforme em um dos maiores problemas da reserva. Presenciam-
se na sede comunitária problemas de pequenas cidades, como alcoolismo, uso de
drogas, roubos etc... Além disso, ultimamente, a comunidade vem servindo de
esconderijo para pessoas que cometem delitos na sede municipal.
No entanto, é preciso ressaltar que as relações comunitárias de outrora
inexistem, e quem não possui dinheiro não consome mais os produtos muitas vezes
originários do extrativismo animal (caça) e vegetal (açaí) que anteriormente eram
dados pelos vizinhos aos moradores.
Essa prática, aliás vem sendo esquecida, haja vista que, com a chegada
do dinheiro (projeto dos óleos vegetais), todos os produtos são agora vendidos e
quem não tem dinheiro não consome.
Nesse sentido, é bom refletirmos que a “simples penetração da forma
dinheiro possui uma influência desagregadora onde o dinheiro não é a
comunidade, ele dissolve a comunidade” (MARX apud HARVEY, 2005).
Fortuna A mais nova Comunidade (2002); segundo moradores antigos, seu nome
é decorrência da existência de um lago muito piscoso onde se capturavam com
muita facilidade peixes como o pirarucu, tambaqui e pirapitinga; e, também, em
decorrência de um seringueiro conhecido como Fortuna que trabalhou nesta
colocação. Assim, os moradores de outras Comunidades passaram a chamar esta
colocação de Fortuna, em homenagem ao morador.
265
Foi formada por moradores originários de uma comunidade das margens
do rio Juruá a qual se desfez (Juburi) e se mudou para uma área de terra firme,
dentro da reserva, às margens de um lago. Existe na sede da comunidade um
campo de criação de bois pertencente a um antigo patrão que, apesar de morar na
sede municipal, possui sua criação dentro da reserva. Existe uma escola, igreja e um
gerador de luz.
FOTO 19
COMUNIDADE FORTUNA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Um dos moradores é um predador de pirarucu. Por ocasião de nossa
estada, observamos várias mantas de pirarucu (Fotos 20 e 21) secando ao sol à
espera de serem levadas para a sede municipal para serem comercializadas.
O líder falou sobre essa prática e, segundo nos relatou, o IBAMA
apreendeu mantas de pirarucu desse morador dentro do sacado do juburi, ressaltando ainda
que, se o IBAMA aparecer na comunidade para fazer uma fiscalização e encontrar mantas de
pirarucus secando ao sol, vai achar que ele é conivente com tal prática. Pergunta-se: o que
fazer? Afinal, são pessoas conhecidas e amigas que vivem sem perspectivas de
melhoras de vida. O líder também diz que este morador compra mantas de pirarucu de
outras pessoas e as revende na sede municipal.
266
FOTO 20
MANTAS DE PIRARUCU SECANDO AO SOL
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
FOTO 21
MANTAS DE PIRARUCU SECANDO EM CASA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
267
Encontram-se muitas pessoas pescando livremente dentro da área e
necessita-se urgentemente de uma forma de controle de acesso. um lago
(Branco) que os moradores afirmam ser o mais invadido dentro da área da
comunidade, mesmo porque não existe nenhum tipo de controle de acesso ao local.
Outro problema enfrentado é o fato de alguns ex-moradores que moram
na sede municipal voltarem em determinadas épocas para pescarem, coletarem
açaí, caçarem e plantarem roça na comunidade. O líder já advertiu sobre essa
prática, mas parece que não adiantou muito, pois os moradores continuam
explorando a comunidade.
É necessário frisar, por outro, que existe outra modalidade de exploração
na comunidade. Ela ocorre quando alguns moradores convidam pessoas da sede
municipal para pescarem e caçarem na comunidade. Após conhecerem os melhores
locais de pesca, caça e coleta de frutos, essas pessoas voltam em outro momento
sozinhas, acompanhados de outros para devastarem a área. Nesse sentido, que
ser feito urgentemente um controle de entrada de pessoas na comunidade. Há
também um campo de gado que pertence a um antigo patrão com algumas cabeças
de gado (47), o líder também possui (12), bem como um senhor chamado Salvino
(9).
um ex-seringueiro (João Rodrigues) que, durante as entrevistas,
quando estávamos conversando sobre a liberdade que os moradores adquiriram
com a criação da reserva, nos relatou com saudosismo algumas práticas existentes
na época dos patrões. Segundo este senhor, no barracão havia o roceiro que cuidava da
plantação, bem como o pescador, caçador exclusivo do patrão. Destaca ainda que, na
referida época, depois que o seringueiro cortava quatro dias nas estradas de seringa, ele
podia pescar pirarucu e tambaqui que o patrão comprava. Quando falamos da dificuldade
de os moradores da reserva adquirirem gêneros de primeira necessidade,
novamente relatou na época dos patrões, as mercadorias ficavam no barracão e não
precisava ir até a sede municipal se aviarem e, mesmo as mercadorias possuindo um preço
elevado, eles não gastavam tempo nem dinheiro em combustíveis como atualmente para
comprarem mercadorias.
268
Em suma, percebe-se que a reserva, para se consolidar, precisa ainda de
muito trabalho para que seus moradores realmente se sintam donos da área. Além
disso, há que se empoderar as comunidades e dotá-las de infraestrutura para que as
mesmas possam contribuir para a preservação ambiental; caso contrário as práticas
de exploração relatadas nessa comunidade continuarão a existir.
Fazendinha Era uma colocação e pertencia ao seringal Monte Cristo. O dono do
seringal resolveu criar gado e construiu um campo (terra firme), denominando-o
Fazendinha. Essa comunidade é de difícil acesso no verão, em virtude de se
localizar em um afluente do Juruá denominado Bauana Branco. O acesso é possível
apenas por meio de canoas motorizadas. Além disso, corre-se um risco grande de
se sofrer um acidente durante o percurso, em decorrência da grande sinuosidade e
da grande quantidade de galhos, troncos e desníveis que existem no leito. Leva-se
cerca de três horas de canoa motorizada até se chegar à sede comunitária, isso
depois de deixar o rio Juruá e adentrar a um sacado chamado Juburi, onde o
afluente possui sua embocadura.
A comunidade se estruturou há seis anos e foi formada por moradores que
viviam isolados às margens do rio Bauana Branco. Existem oito casas e não
gerador de energia (única que não possui dentro da reserva); os moradores não
dispõem de nenhum meio de comunicação, nem rádios existem. uma placa solar
que é utilizada para gerar energia na escola, durante as aulas noturnas, mas
constantemente está com problemas.
Observamos, em várias noites, os alunos estudando à luz de lampião a
gás, uma verdadeira tortura para os olhos, principalmente para as pessoas mais
velhas. também um sítio arqueológico a SW da sede comunitária cuja existência
deve ser mais detalhadamente pesquisada, sob pena de se perderem informações
valiosas.
269
FOTO 22
COMUNIDADE DA FAZENDINHA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
A exemplo das outras comunidades, não existe controle de acesso aos
predadores e todos agem livremente no rio e no sacado do juburi, ninguém os
incomoda, é um verdadeiro descaso por parte do órgão fiscalizador. Constatou-se
também que existem moradores que foram ex-seringueiros que migraram para
Manaus décadas e que voltam no período do verão para coletarem, caçarem e
negociarem produtos com os moradores locais, principalmente mel de abelha, que
são levados para a capital do estado.
Nesse contexto, tivemos a oportunidade de presenciar vários litros de mel
(40) que foram comprados por um desses moradores que retorna no fim do verão
para Manaus a fim de vender com um alto lucro o mel coletado na reserva.
Também encontramos pessoas despreocupadamente serrando madeira
dentro do sacado do juburi. O líder comunitário é o principal comerciante de produtos
como pirarucu, peixe liso e quelônios. Coletou-se a informação de que, no ano de
2004, houve a captura de cinqüenta filhotes de pirarucus num lago (Henrique e
270
Tomé) próximo à comunidade, os quais foram vendidos para um criador da sede
municipal. Essa coleta foi feita por um predador conhecido do IBAMA e que mora
próximo à embocadura do sacado do juburi, sendo reincidente em vários crimes
ambientais. O interessante é que a casa desse predador serve de posto de recepção
para moradores da sede municipal que vão predar o lago.
Os moradores possuem consciência da necessidade de se preservar os
recursos, mas dizem que não podem fazer nada para reverter a situação e que ficam
à mercê dos predadores, pois, para eles, a reserva existe no papel. Quando
perguntamos sobre como conseguem dinheiro para comparem produtos
industrializados, muitos moradores relataram que vivem sem perspectivas e que na
época dos patrões trabalhava-se no inverno na madeira e no verão na extração da seringa e,
após a criação da reserva, eles ficaram sem opção nenhuma de renda.
Comunidade de Imperatriz originalmente, o seringal de nome Imperatriz
localizava-se na margem oposta à da reserva e pertencia a um patrão chamado
Constantino que depois o repassou a um outro chamado Ricardo Carvalho (Tefé-
AM). doze anos os moradores se mudaram para a sede atual, mesmo antes da
decretação da reserva. Todos pertencem a apenas uma família.
FOTO 23
COMUNIDADE DE IMPERATRIZ
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
271
Enfrentam problemas sérios de erosão fluvial. A frente da comunidade, por
exemplo, está sendo erodida rapidamente. Em função disso, existem planos para
mudança de local e estabelecimento em uma área mais estável
geomorfologicamente.
O cultivo se na margem oposta da reserva, pois a terra firme fica a
horas da localidade, assim, cultivam no lado oposto em terras de uma comunidade
do entorno (Bom Jesus).
Existe na comunidade uma escola, um galpão e um armazém que serve
de casa comunitária. Há, ainda, uma antena parabólica e todas as casas são
interligadas por uma espécie de trapiche (ponte), que a mesma se localiza em
uma área de várzea e, durante o inverno, alagação; assim, o recurso facilita o
deslocamento das pessoas dentro da comunidade. Chama atenção a grande
quantidade de galinhas que existe na comunidade (verão).
Além disso, possuem dezoito cabeças de gado que criam soltos durante o
verão, nas praias que formam às margens do rio, onde abundam gramíneas que
servem de alimentos. No inverno, são construídas moradias flutuantes (marombas)
para os mesmos.
Como a comunidade é de várzea e faz seu cultivo na margem oposta, em
terras firmes as maiores tensões encontram-se relacionadas à pesca predatória feita
num lago chamado sacado do preguiça, ficando sua embocadura próxima à sede
comunitária. constantes invasões nesse lago no qual há uma rica fauna
ictiológica que gera a grande procura pelo mesmo. Pudemos presenciar vários
pescadores profissionais pescando de forma tranqüila e sem nenhuma preocupação
com o fato de estarem em uma área proibida.
Os moradores dizem que não podem fazer nada, pois não possuem
recursos para fiscalizarem e, muito menos, meios de comunicação para avisarem ao
IBAMA sobre a invasão. Não é difícil observar barcos de pescadores profissionais
atracados próximos à embocadura do sacado, à espera dos pescadores que estão
pescando em pequenas canoas e que, ao fim do dia, retornam ao barco para
armazenarem o pescado nos frigoríficos instalados nas embarcações. Ao
completarem a carga, a maioria das referidas embarcações dirige-se à capital do
estado.
272
Comunidade do Pão O nome dessa comunidade deveu-se a uma padaria que
existia no local no período áureo da borracha. Segundo os herdeiros, o lugar foi
comprado dos índios que habitavam a região e exigiram apenas cachaça e um rolo
de tabaco para irem embora.
FOTO 24
COMUNIDADE DO PÃO
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Esse local era um dos seringais mais antigos e um dos poucos que possui
titulação centenária de suas terras (1903). Estão desde o período da criação da
reserva (1997) esperando a indenização do poder público, o que dificilmente
acontecerá, já que não existem benfeitorias na localidade e, nos parece que a
documentação apresentada ao órgão responsável não esta correta. um antigo
barracão que serve de morada para o herdeiro, além de sete casas, todas em
péssimas condições, além de uma escola. também uma pequena criação de
gado na comunidade que pertence à família do herdeiro que também administra
uma localidade chamada de Deus é Pai, próxima à comunidade.
273
FOTO 25
LOCALIDADE DE DEUS É PAI
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Os moradores fazem suas roças no lado oposto da reserva, na terra firme,
em um local chamado lago do Paroá, onde também existe um campo de criação de
bois pertencente à família do herdeiro. um motor de luz e uma antena parabólica
que é utilizada somente pelo herdeiro.
Essa comunidade e principalmente as localidades de Deus é Pai e
Manariã são as que representam as maiores ameaças à preservação ambiental, em
decorrência de as mesmas serem o centro de comércio, predação e comunicação da
reserva. Existem, também pessoas que são donas de barco de pesca e praticam o
corte e beneficiamento de madeira sem autorização do IBAMA que por sua vez,
finge não saber nada. Além disso, fornecem toda a infraestrutura aos predadores,
274
bem como gêneros de primeira necessidade. Possuem em suas sedes armazéns
onde o estocadas quantidades grandes de pirarucu seco que, na área, é
comprado a R$ 4.00 e revendido em Manaus por R$ 14.00, já que o mesmo não tem
interesse em vender o produto ilícito na sede municipal e o leva para a capital do
estado, onde se obtém um lucro maior. Outro ponto a ser ressaltado é que, na
localidade Manariã, o responsável mantém um verdadeiro entreposto comercial de
inflamáveis, fruto do escambo com balsas que grassam o rio e negociam
combustíveis a troco de tartarugas, tracajás e pirarucus, principalmente durante o
período do inverno, para não levantar suspeita por parte do órgão ambiental.
Não podemos esquecer que os responsáveis o ligados a famílias
tradicionais e com forte influência política na cidade de Carauari e no município de
Itamarati, o que torna difícil qualquer ação eficaz por parte do órgão ambiental.
Nesse sentido, fica difícil compreender o porquê de esses moradores
(comerciantes) permanecerem na área da reserva, pois os mesmos não são
ribeirinhos e nem trabalham com o agroextrativismo diretamente, vivendo apenas do
comércio e do escambo. Além disso, há moradores que possuem barcos de pesca, o
que o é permitido pela legislação ambiental dentro de um reserva extrativista. O
problema é que, mesmo o IBAMA sabendo disso, não toma providências, restando
aos moradores e às pessoas que querem utilizar os recursos de forma sustentáveis
a sensação de impotência, já que não têm a quem recorrerem.
Comunidade da Nova União – Esta localidade anteriormente era uma colocação do
seringal Pão, em frente da qual morava um senhor conhecido como Raimundo
Sabão (margem direita do rio Juruá). Esse morador vivia em constantes rusgas com
os outros e, após algumas brigas, resolveu se mudar para um lugar que era
conhecido como Boca do Urucu. Chegando lá, esse senhor passou a denominar o
lugar como Nova União, pois sonhava com uma vida em comunidade mais tranqüila.
Esse fato ocorreu há cinco anos. Também não existe televisão e nem antena
parabólica. Essa comunidade é uma das mais desestruturadas dentro da reserva.
275
FOTO 26
COMUNIDADE NOVA UNIÃO
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Existe uma escola em fase de desativação em decorrência de os
moradores migrarem para outra área. Também não há luz elétrica e o gerador de luz
encontra-se permanentemente com problemas. Na realidade, essa comunidade é
uma das mais problemáticas no que diz respeito à preservação ambiental e ao
cultivo de mandioca, pois a mesma se localiza em várzea e a terra firme mais
próxima fica, no verão, a três horas de caminhada por um varadouro. Boa parte dos
moradores acaba se mudando para esta localidade de terra firme, denominada
Bauana Branco, em virtude de a mesma se localizar às margens de um rio piscoso,
o qual emprestou o nome a essa comunidade que está se formando e onde se
concentram vários pescadores profissionais que praticam a pesca predatória
principalmente a do pirarucu.
276
A localidade chamada Bauna Branco fica situado às margens de um rio
com o mesmo nome e que também pertence à comunidade Nova União. Essa
localidade representa a alternativa para o cultivo principalmente no verão, já que boa
parte dos moradores se desloca até esta localidade para se dedicarem à agricultura.
FOTO 27
MORADOR ISOLADO NA LOCALIDADE DO RIO BAUANA BRANCO
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Existe um meliponário com vinte colméias, sendo dezoito na sede
comunitária e duas na localidade de Bauna Branco. Ressalte-se que o projeto està
em fase experimental e ainda não gerou nenhum dividendo econômico, mesmo
porque somente o líder comunitário faz parte do mesmo. Existem cinco seringueiros,
inclusive o líder, mas essa atividade não é a principal dentro da reserva, sendo
poucos os seringueiros que ainda se mantêm em atividade.
277
Durante nossa estada na comunidade, tivemos a oportunidade de visitar
os moradores do Bauna Branco e, durante o trajeto, encontramos no varadouro
cinco pessoas transportando cerca de cinqüenta mantas de pirarucu seco para
serem comercializados com um comprador que, por sinal, é morador da reserva.
Como estávamos acompanhados de um morador, não houve contratempos, mas
inicialmente os predadores ficaram parados no meio da floresta sem saber o que
fazer com a carga ilícita. Após me apresentar como pesquisador e dizer que não
tinha relação com o órgão ambiental e nem intenção de denunciar ninguém, foi que
se restabeleceu a tranqüilidade e os mesmos continuaram a sua marcha em direção
à margem do rio Juruá.
Na comunidade se constatam muitos problemas, sendo que os principais
são relacionados a pesca predatória feita por vários moradores da comunidade. O
líder comunitário (ex-fiscal voluntário do IBAMA) necessita urgentemente de apoio
por parte dos órgãos ambientais, pois é um homem que luta de todas as formas
possíveis para a preservação ambiental, mesmo sem nenhum apoio dos órgãos
fiscalizadores. Em função disso, várias vezes sofreu ameaças de morte por parte de
moradores da comunidade.
um lago de preservação (Angelim) que o líder comunitário tenta de
todas as formas proteger dos invasores. Para fiscalizar o lago, possuía uma canoa
que era utilizada por ele, mas os invasores descobriram-na e a esconderam, o que
o levou a procurar a delegacia de polícia do município, mas não houve resolução do
problema. O líder comunicou também ao IBAMA que, por sua vez, o resolveu
nada. É uma situação difícil, mas ele é firme e não desiste de sua luta em prol da
natureza.
Próximo ao rio Bauna Branco ficam os lagos do Aruanã e do Boto, que são
constantemente invadidos, pois não possuem nenhum tipo de fiscalização. Existem
outros lagos na comunidade, como o de Bauana, Socó e do Balieiro, que são
liberados para os predadores. O líder apenas tenta preservar um (Angelim) e,
mesmo assim, os predadores não respeitam e querem invadir todos sem exceção.
No lago do Balieiro, ocorre uma pesca predatória das mais danosas para a
ictiofauna. Essa pesca ocorre durante a chegada do verão, pois existe um morador
que faz um curral (barragem) à medida que o leito do rio afasta-se para o canal
principal, isolando o lago. Existe o desligamento do mesmo e os peixes, durante a
278
vazante, procuram desesperadamente irem para o canal principal do rio, mais são
impedidos, pois a ligação entre o lago e o rio é feita através de um pequeno canal
(chamado regionalmente de sangradouro). Quando tentam migrar, são capturados
pelo morador, o que causa uma grande matança, sem nenhuma chance de
sobrevivência por parte dos peixes. O líder até desistiu de chamar atenção para
esse problema, pois parece não existir interesse em resolver o problema.
É preciso frisar, por outro lado, que a pesca predatória descrita representa
apenas uma modalidade, sendo que a outra, realizada com quelônios, é a mais
criativa, tendo em vista que os predadores descobriram uma tática para enganarem
os fiscais do IBAMA responsáveis pelos tabuleiros de preservação e nidificação de
quelônios.
22
A tática é a seguinte: próxima a essa comunidade existe um tabuleiro
que é guardado por um fiscal (voluntário) do IBAMA, acontece que o fiscal é
somente de fachada, além de manter-se fiel a seu antigo patrão que administra um
antigo seringal e pratica comércio ilegal tanto de quelônios como de pirarucus.
Assim, quando as tartarugas sobem as praias para nidificarem durante a noite,
alguns moradores autorizados esperam-na começar a desovar. As tartarugas, como
ficam imóveis quando estão em tarefa de postura, têm o casco rapidamente furado
por um trado e são amarradas pelos autorizados com corda bastante comprida.
Assim que se dirigem à água, são rapidamente capturadas e levadas a um curral
para posterior comercialização.
Por que esta tática, que seria melhor capturá-la enquanto nidifica? O
problema é que os fiscais conferem as subidas e descidas das tartarugas pelos
rastros deixados na praia. O IBAMA, em suas fiscalizações esporádicas, também
segue essa metodologia. Como existem as pegadas de subida e descida nas praias,
não existem suspeitas de tal captura altamente ilícita e danosa para os quelônios. É
um dos casos mais absurdos que pudemos constatar.
Outro aspecto é que esses antigos seringalistas, mesmo morando dentro
da reserva, possuem um sistema de comunicação com a sede municipal. A família
herdeira é uma das mais abastadas política e economicamente, acompanhando o
movimento dos fiscais do IBAMA tanto a montante (cidade de Eirunepé) como a
22
Na área do rio Juruá, existem duas categorias de praias: as praias livres e os tabuleiros, sendo a segunda de uso
exclusivo para a preservação e nidificação de quelônios, não se permitindo a captura e nem a pesca próxima a
estas. São administradas diretamente pelo IBAMA e estão sob guarda de um morador que tem o dever de fazer a
contagem dos quelônios, principalmente das tartarugas e tracajás que a utilizam.
279
Jusante (Carauari). Os funcionários do IBAMA, quando saem para fiscalizações são
monitorados por todos os predadores do rio Juruá, os quais dificilmente são pegos.
Os predadores fornecem inclusive aos moradores das áreas próximas o sal para que
o utilizem na conservação do pescado.
Vivenciamos essa situação in loco, pois, com vários dias de antecedência
ficamos sabendo que o IBAMA estava se dirigindo à área. Os moradores, regatões
principalmente, são avisados no início da operação e quase nunca são pegos.
Esse sistema é tão organizado que, quando os fiscais se dirigem para
alguns comércios locais, tanto em Carauari como em Eirunepé, e começam a
comprar mantimentos, os próprios comerciantes repassam o aviso que de que vai
acontecer fiscalização. Essa informação é rapidamente retransmitidas a todos, na
calha do rio Juruá, e o aviso chega aos predadores de todas as formas possíveis,
seja através de regatões, pescadores profissionais, moradores que estão fazendo
compras na sede municipal, rádios de comunicação. uma necessidade urgente
de se mudar a tática do IBAMA, caso contrário as viagens de fiscalização
representarão despesas para o erário público, pois, em geral, os resultados são
irrisórios.
O esquema abaixo sintetiza a tensão territorial existente nesta comunidade
e que foi pormeniorizada no decorrer da descrição das características desta parte da
resex.
280
TENSÃO TERRITORIAL
Comunidade de São Raimundo Os moradores dessa comunidade moravam na
Comunidade do Mandioca, a mais distante (montante da sede municipal) do
município. Esses moradores, por estarem localizados em áreas de várzea,
enfrentavam dificuldade para cultivarem produtos alimentícios, pois plantavam na
localidade de Xibauá (margem oposta do rio Juruá, em terra firme). Após 35 anos,
no entanto, os moradores desta localidade começaram a impedir os roçados haja
vista que eles também precisavam de terras, então, para evitarem problemas mais
graves, resolveram, após consulta comunitária, mudar-se para outro local, dentro da
Reserva, conhecido como lago Dona Maria. Como esses moradores comemoram o
dia de São Raimundo, 31 de agosto, resolveram homenagear o santo, dando o
nome à comunidade.
Bauna Branco
Pesca
Predatória
Nova União
Preservação
IBAMA
Falta de infra-estrutura
de fiscalização
281
FOTO 28
COMUNIDADE SÃO RAIMUNDO
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
Cabe ressaltar também que, antes de decidirem o nome, houve várias
propostas (ilha dos pássaros, ilha das palmeiras, mandioca II), saindo dessa
consulta o nome do santo, que ganhou de todos os outros. A comunidade é a mais
nova da Reserva, existindo há apenas três anos (maio de 2003). O acesso à
comunidade, na época do verão, é bastante difícil, pois não é acessível por barco de
médio ou amesmo de pequeno porte, sendo o transporte em canoas motorizadas
o mais utilizado. Para se chegar à sede da comunidade, precisa-se adentrar uma
grande corredeira que se forma ligando o sacado do marimari ao rio Juruá. Como
um desnível grande em relação ao rio, esse percurso é de difícil acesso e os
moradores acostumados a essa travessia conseguem fazê-la sem colocar em risco
os ocupantes de suas canoas. O tempo médio após a corredeira a a sede
comunitária é de cerca de uma hora em canoa motorizada.
282
Todos moram em casas cobertas de alumínio e em bom estado de
conservação, sendo que as frentes das casas possuem um pequeno jardim repleto
de flores, o que chama atenção do visitante, que não é um hábito o cultivo de
flores nas comunidades do médio Juruá. Nota-se, também, que todos possuem
pomares em seus quintais. No tocante aos quintais, observa-se a existência de
setenta colméias de abelhas fruto de um projeto experimental.
Essa comunidade é uma das mais estruturadas em todos os sentidos, pois
casa comunitária, motor de luz, placa solar, escola, capela, barco comunitário
(chalana), quatro antenas parabólicas e todas as casas são interligadas por uma
espécie de ponte (trapiche).
A comunidade se localiza em uma grande área de terra firme e, em seus
roçados cultiva-se bastante mandioca. O que se destaca do restante da reserva, no
entanto, é que essa comunidade produz um tipo de produto que não existe em
nenhuma outra, sendo que o mesmo é comercializado com os diversos regatões que
grassam pela área da reserva. Este produto é o tabaco que é cultivado por um
morador (Sr. Caboclo) há bastante tempo, desde a sua antiga moradia, na
Comunidade Mandioca, a qual tivemos a oportunidade de conhecer durante as
pesquisas de campo para o Mestrado (2000).
Esse fato chama atenção, pois existe um consumo grande de tabaco pelos
ribeirinhos da reserva. O produto, no entanto, é trazido de grandes centros
nordestinos pelos regatões e vendido aos moradores dos rios amazônicos. Acredita-
se que, se houvesse mais incentivo por parte dos órgãos que prestam assistência
técnica (IDAM), esse produto poderia substituir, pelo menos na área, os que são
importados de outra região.
Outro ponto que se destaca é que o líder comunitário é um seringueiro
muito articulado e com bastante experiência sindical, pois participou das lutas em
prol dos seringueiros, além de fazer parte como dirigente do Conselho Nacional de
Seringueiros, do qual é presidente na sede municipal. Essa participação como líder
seringueiro e como líder comunitário é bastante proveitosa para a sua comunidade,
onde se percebe que os moradores possuem uma grande consciência política e,
principalmente, ambiental, diferenciando-os dos demais da área da reserva.
283
Aos domingos, após o culto católico, reuniões para se decidirem os
trabalhos da semana, já que existem dias em que os trabalhadores ajudam os
demais (ajuris) e outros em que trabalham em suas roças individuais.
É necessário frisar, por outro lado, que essa comunidade é a única que
possui 22 seringueiros trabalhando na extração do látex, fato que chama atenção
em decorrência de essa atividade estar vários anos em franca decadência na
área. Com exceção desta comunidade, nenhuma outra possui uma quantidade tão
grande de seringueiros em atividade, o que demonstra que realmente os mesmos
resistem aos baixos preços e, para manterem a tradição continuam cortando
seringa, mesmo porque os baixos preços não compensam a sua extração.
Durante nossa estada, percebemos que os moradores ainda estão se
territorializando na área. Foram bastante proveitosas as nossas incursões no interior
da floresta e as idas aos roçados, pois pudemos observar que, mesmo sendo
pessoas acostumados com as caminhadas e cultivos da terra, eles não se sentiam à
vontade em várias direções a serem seguidas na floresta. Quando perguntávamos o
porquê, os mesmos respondiam que era necessário conhecer melhor as terras,
depreendendo-se que eles estão em franco processo de territorialização. É preciso
ressaltar que, em uma de suas incursões, os moradores descobriram a existência de
dois poços de petróleo tamponados, fruto de prospecções feitas na década de
oitenta (século XX) pela PETROBRAS.
É interessante destacar que o processo descrito é mais percebido no
ambiente de terra firme, o que não acontece nas áreas de várzeas e de igapós, onde
os mesmos possuem uma grande desenvoltura e sabem perfeitamente a sua
localização, seguindo em qualquer direção com toda a segurança, o que não é o
caso do ambiente de terra firme.
Depreende-se que, como a comunidade outrora era de várzea, os
mesmos desenvolveram um melhor conhecimento com esse ambiente. A
transferência para a área de terra firme fez com que os mesmos precisassem se
familiarizar com o novo ecossistema, mas isso demanda tempo.
284
A busca por lucros tendo na pesca a sua atividade principal é uma
constante tanto na vida dos moradores da reserva, como do seu entorno, e
principalmente de pessoas da sede municipal e da capital do estado. A comunidade
possui vários lagos (Recreio, Dona Maria, Saudade, Socó), dentre os quais destaca
como um dos lagos de terra firme mais piscoso da reserva o lago Manariã (Figura 2).
Em função disso, os moradores estão enfrentando vários problemas para mantê-lo a
salvo do ataque dos predadores que tentam invadi-lo de todas as formas e maneiras
possíveis. No intuito de coibir os invasores os moradores da comunidade se
organizaram para fazer fiscalizações semanais nesse lago, o que está causando um
problema sério, já que os mesmos precisam deixar os seus afazeres para fiscalizar o
lago um dos mais compridos lagos da reserva (11 km).
FIGURA 2
LAGO MANARIÃ
Fonte: Google Terra – 2006
285
O que chama atenção é que boa parte dos invasores são moradores da
reserva e de seu entorno. O pirarucu, é o mais cobiçado, em função do alto valor de
mercado na cidade de Manaus. A fiscalização representa uma situação complicada,
pois a maioria dos invasores conhece várias rotas de acesso ao lago e as utilizam
sem serem vistos, o que vem causando alguns conflitos entre os comunitários.
Pudemos constatar inclusive, a existência de ameaças de morte por parte dos
invasores que não aceitam a fiscalização.
É preciso também insistir no fato de que os próprios moradores da
reserva, os que habitam às margens do rio Juruá, são os que servem de guias em
muitos casos para os grandes pescadores profissionais que chegam em barcos
pesqueiros de grande capacidade de armazenamento (60 a 100 ton. ). Essa
situação vem se agravando e, para tentar mudar esse quadro, houve a visita de
pesquisadores do INPA, os quais, fizeram um levantamento para um futuro manejo
do pirarucu. Ao momento, entretanto, não houve nenhuma resposta por parte do
órgão a quem compete a implantação desse manejo. Outro peixe bastante
procurado é o tambaqui, que em Manaus chega a custar R$ 300.00 a unidade, o que
faz com haja uma grande procura pela espécie; os quelônios também são bastante
procurados, pois alcançam, dependo da espécie, um alto valor de mercado.
Ressalte-se, que como foi descrito inicialmente, o acesso à comunidade,
no verão, é feito através de um único local, sendo que na entrada do lago existe um
flutuante (Foto 29) identificado com uma placa, por meio do qual os comunitários
tentam fazer um controle de entrada. Todas as pessoas que desejam ir à
comunidade necessitam passar por esse controle.
286
FOTO 29
FLUTUANTE DE CONTROLE DE ENTRADA DO SACADO DO MARIMARI
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
O problema é que alguns moradores de entorno da reserva e habitantes
da margem oposta à entrada do lago adentram constantemente a reserva para
capturarem quelônios e, principalmente, peixes lisos (surubim, caparari, pirararas
etc). Tivemos a oportunidade de conhecer um senhor que mora no entorno da
reserva que é também um grande predador. No momento de nossa chegada a sua
localidade (Canta Galo), o mesmo possuía uma grande quantidade de quelônios em
cativeiro, chegando inclusive a nos oferecer alguns. Como não estávamos ali para
fiscalizar e muito menos impedi-lo de comercializar, que existe um órgão
competente, aproveitamos a estada para entender melhor a sua tática de invasão a
reserva. A principal é que ele tenta convencer os vigias do flutuante, oferecendo-lhes
dinheiro e outras vantagens para que o deixem adentrar ao lago, o que vem de
alguma forma dando certo. Quando estávamos na comunidade de São Raimundo,
houve a remoção do referido vigia e a substituição por outro.
287
Vale ressaltar que todos os vigias são moradores da comunidade e
sabem muito bem o que representam as invasões a nesses locais, no entanto,
acabam sendo convencidos pelos predadores a os deixarem pescar. A liderança
comunitária encontra muitas dificuldades de encontrar algum morador que se
disponha a morar no flutuante, pois todos possuem roçados em terra firme e
precisam cuidar de sua roças, o que se inviabiliza ao ficarem no flutuante.
Faz-se necessária também a construção de um flutuante e a presença de
um vigia permanente dentro do lago Manariã para se evitarem invasões e
diminuírem as despesas com a fiscalização do referido lago. Convém salientar que,
principalmente no verão, se torna bastante difícil para os moradores empreenderem
a fiscalização, em decorrência de precisarem utilizar canoas (50 minutos) e
caminharem a pé (30 minutos) através de um varadouro até o ponto onde se
encontra a canoa que serve de meio de transporte para os moradores singrarem o
lago à procura de invasores.
Comunidade Morada Nova Outrora pertencente a um rico proprietário (patrão), é
um antigo seringal cujos limites se estendiam desde a localidade Paxiúba (Tabuleiro)
até em frente ao seringal Santo Antonio do Brito; localiza-se totalmente em uma área
de várzea do rio Juruá.
288
FOTO 30
COMUNIDADE MORADA NOVA
Fonte: Trabalho de Campo – 2005
O outrora seringal se reduziu a apenas duas casas habitadas por dois
moradores que, na realidade, são comerciantes. Um deles possui um barco de
pesca (o que é proibido dentro da reserva) e o outro é um pescador que vende sua
produção para os barcos de pesca que grassam no Juruá. Pesca essa concentrada,
principalmente em quelônios e peixes como o pirarucu e o tambaqui.
Ressaltaremos apenas alguns dos inúmeros casos de predação a animais
protegidos por lei para que o leitor tome consciência da situação desse morador,
mesmo sabendo que um trabalho acadêmico não deveria tomar partido dessa ou
daquela situação, a cena causou uma indignação muito grande. Nos dias 25 e 26 de
junho de 2005, o mesmo coletou mais de 1.000 ovos de quelônios de uma praia
vizinha a sua casa; no dia 27, coletou mais 300, ou seja, em três dias coletaram-se
1.300 ovos. Sabe-se que esse morador coleta quantidades ainda maiores durante o
período de verão.
289
A casa desse morador parece mais uma indústria de confecção de
utensílio e apetrecho de pesca. Também observamos uma pesca de arrasto junto a
sua casa. Constatou-se também que esse morador possui um grande curral
(cativeiro) a trinta minutos a de sua casa, no interior da floresta, onde guarda os
quelônios a salvo das fiscalizações ineficientes do IBAMA.
O negócio com os quelônios como pudemos observar, é feito com as
inúmeras balsas que singram o rio Juruá (no inverno principalmente, pois o IBAMA
não fiscaliza) em direção ao seu alto curso, especialmente à cidade acreana de
Cruzeiro do Sul. O mesmo afirmou que um grande interesse por quelônios por
parte do empregados das balsas, haja vista o alto preço que os mesmos alcançam
no mercado em Manaus (R$ 500 no caso de tartarugas). Além disso, os quelônios
são trocados por óleo diesel, gasolina e rancho seco (café, açúcar, sabão etc). A
casa desse morador é uma espécie de entreposto comercial, possuindo um estoque
considerável de inflamáveis que são negociados com os ribeirinhos em caso de
necessidade. Ele também foi abordado pelo IBAMA em época anterior e houve a
destruição de seu cativeiro e apreensão de seus apetrechos de pesca. Essa
apreensão, no entanto, não mudou muita coisa, pois continua sua saga predatória
com uma voracidade assustadora.
Não se pratica nenhum tipo de cultivo, ficando patente que os moradores
não objetivam o trato da terra. Primeiro, localizam-se em área de várzea, a terra
firme se localiza a horas de viagem; e, segundo, o dinheiro arrecadado com os
negócios predatórios lhes permite viver tranqüilos, possibilitando comprar a farinha,
alimento principal da dieta do amazônico. Os outros alimentos são conseguidos na
base do escambo com os barcos (balsas, principalmente).
A metodologia proposta fez com que houvesse uma aproximação com os
moradores que anos presentearam com cerca de dez quelônios e alguns ovos
durante a nossa permanência. O presente foi prontamente aceito e guardado para
que, durante a noite, devolvêssemos os animais à água, enquanto os ovos foram
enterrados posteriormente numa praia.
Outrossim, o morador tem consciência de sua situação de predador, pois o
mesmo afirmou que a legislação ambiental poderia se adequar à realidade de cada
município, afirmando que seria interessante que tanto os peixes (pirarucu e
tambaqui) como os quelônios fossem vendidos na sede municipal.
290
Ressaltou ainda que, no período de grande abundância de peixes, o
excedente deveria ser comprado e estocado pela Prefeitura.
Após o exposto, fica difícil não observar uma tensão territorial nesta
comunidade. No caso do morador predador fica patente que não respeita nem
mesmo a territorialidade imposta pela reserva, tendo, em muitas ocasiões, sido
repelido pelos moradores da comunidade de São Raimundo onde se localiza o lago
Manaria. Além disso, o mesmo ressalta que, na reserva, não existe sinalização, ou
seja, não uma forma de comunicação que possibilite a qualquer invasor saber
que se trata de uma reserva extrativista. Nesse aspecto ele tem razão, pois não há
nenhuma forma de visualização por meio da qual se reconheçam os limites da
Unidade de Conservação.
Comunidade do Tabuleiro Anteriormente essa colocação pertencia ao seringal
Morada Nova. Os moradores mais antigos contam que pelo local passava um
pequeno curso de água (igarapé); com o passar do tempo e em decorrência da
geomorfologia fluvial atuante no rio Juruá, formou-se um lago (meandro
abandonado), onde existe uma rica fauna icitiológica, além de abundância de
quelônios como tracajá (Podocnemis unifilis) a iaça (Podocnemis sextuberculatas)
que utilizam suas praias para nidificarem em época de verão. Como na Amazônia
esses locais onde os quelônios nidificam são conhecidos como Tabuleiros, deram ao
local o referido nome.
291
FOTO 31
COMUNIDADE DE TABULEIRO
Fonte: Trabalho de Campo - 2005
O acesso a essa comunidade na época do verão dá-se através de um
varadouro (caminho), haja vista que não se localiza na calha do rio Juruá, tendo que
se deixar o barco às margens do referido rio e percorrer a (30 minutos) até
encontrar novamente um lago para, então, embarcar numa canoa (20minutos) até a
sede comunitária. Dista da sede municipal, no verão, 72h de barco e, no inverno,
24h, em decorrência da possibilidade de se fazerem vários furos (atalhos), o que
adianta a viagem.
292
Na comunidade, existe uma casa comunitária dotada de um oratório, bem
como uma televisão (parabólica) que é ligada às 19h permanecendo até às 21h. Aos
domingos, os moradores, em sua maioria, fazem um ajuri religioso (culto), haja vista
que muitos são católicos. É preciso ressaltar que existem dois tipos de ajuris: o de
trabalho e o religioso.
A comunidade possui ainda uma placa solar com quatro baterias
(exclusiva da escola), um sistema de telefonia rural que, na maioria do ano, fica
inoperante por falta de manutenção. Existe, ainda, um sistema de iluminação,
gerado por um motor de luz fornecido pela prefeitura, além de um posto de saúde
abandonado. Um fato interessante é que, mesmo as casas sendo de madeira e
cobertas de alumínio, todas, sem exceção, possuem uma cozinha ligada à casa,
coberta de palha e assoalhada de paxiúba (palmeira típica da Amazônia), herança
indígena e, sem dúvida, muito mais adaptada às altas temperaturas durante o dia.
Outro ponto importante diz respeito à falta de sanitário dentro de casa, o que causa,
para o visitante não acostumado a usar a fossa negra, um certo desconforto, pois
essa fossa fica a alguns metros atrás da casa e, se houver necessidade de usá-la
durante a noite, a situação complica-se, pois não existe luz elétrica e corre-se o risco
de se encontrar algum animal peçonhento.
Pela manhã, os moradores se dirigem à margem do rio para sua higiene
bucal, haja vista que a comunidade não possui água encanada. Após essa etapa,
tomam em geral apenas uma xícara de cae novamente descem em direção ao
lago para pescarem, caçarem, lavarem roupa. É preciso destacar que durante o
período do dia, quase todos os homens saem para a floresta ou rio, ficando na
comunidade apenas os mais velhos e algumas mulheres.
As atividades diárias concentram-se nos roçados e nas suas várias
atividades sendo que todos se localizam em terra-firme em virtude da distância da
comunidade aa calha do rio, o que dificulta o trabalho nas várzeas na época do
verão. Há nos quintais, várias fruteiras como: ingá, cupuaçu, banana, jambo, manga,
açaí, mamão etc, o que denota que os moradores apreciam frutas e que as mesmas
complementam sua dieta, fornecendo algumas vitaminas essenciais a sua saúde.
Nota-se também a existência do cultivo de alguns pés de café.
293
Outra atividade extrativa existente na comunidade é a busca no interior da
floresta de colméias de jandaíra, espécie de abelha que faz suas colméias no alto
das árvores. Os homens, principalmente os mais jovens, nos dias de folga da roça,
vão para o interior da floresta em busca de tal iguaria, que não é consumida em sua
maioria, servindo para ser vendida aos inúmeros regatões que chegam a pagar R$
10.00 pelo litro de mel. O grande problema é que em muitos casos há a necessidade
de derrubarem as árvores e algumas mais para conseguirem retirar o mel.
Fruto da parceria entre o INPA e a Agência de Florestas do Amazonas
(projeto Iraquara), um Meliponário (22 colméias) em fase experimental. Se a
iniciativa der certo, será de grande importância para a comunidade, pois a
implantação de meliponários vem ocorrendo no baixo Amazonas com grande
sucesso nas diversas comunidades onde se implantou, destacando-se o município
de Boa Vista do Ramo como o principal centro irradiador desse projeto.
Em todo o perímetro da reserva e em seu entorno se desenvolve o projeto
“óleos vegetais”. Algumas espécies de frutos oleaginosos são coletadas para
beneficiamento e extração industrial dos óleos. As principais espécies são a
andiroba, copaíba, murumuru e a ucuúba (virola). Na comunidade, a mais coletada é
a andiroba, mas não chega a representar uma alternativa econômica das mais
importantes, pois é coletada em determinada época do ano (inverno), ficando os
moradores o restante do ano sem grandes alternativas econômicas, apenas
sobrevivendo da venda de farinha de mandioca e de seu escambo com os regatões,
que na área também são conhecidos como marreteiros. A denominação, segundo o
informante, ocorre porque os preços são tão pesados que parecem que estão levando uma
marretada. Assim, não deixa de ser importante a percepção dos moradores no que
diz respeito a seu papel como cidadão e como consumidores conscientes de que
estão sendo explorados. Apesar disso, infelizmente, não há nenhuma perspectiva de
melhora e de acesso a uma sistema que lhes proporcione preços dignos.
Uma alternativa viável seria aproveitar a grande quantidade de madeira
morta encontrada na comunidade (matas circunvizinhas) e aproveitá-la
comercialmente. Essas madeiras mortas são originárias da exploração feita por
madeireiros antes da criação da reserva. Após a decretação da Unidade de
Conservação, não puderam ser coletadas e ficaram abandonadas.
294
Caso o IBAMA permitisse ou desenvolvesse um projeto de aproveitamento
dessa madeira, a mesma geraria renda às famílias.
Até o momento, no entanto, não existe nada a esse respeito e os
moradores dizem que boa parte da madeira está sendo decomposta e, caso não
seja aproveitada, tornar-se-á imprestável futuramente. Em suma, observa-se uma
tensão territorial entre a territorialidade do modelo de reserva e os ribeirinhos, que
não se beneficiam dos recursos que preservam há séculos.
Outra opção seria o manejo e o aproveitamento de uma grande plantação
de açaí nativo (7,5 hectares) que se localiza próximo à comunidade (igarapé do
samaúma). Basta que alguém ou alguma entidade se interesse pelo produto para
uma exploração e comercialização que beneficiaria a comunidade.
Na comunidade foi constatada, a existência de um grande sítio
arqueológico na área de cultivo do líder comunitário. Ainda que o autor do trabalho
não possua conhecimentos acadêmicos consistentes, verificou-se uma grande
quantidade de utensílios domésticos utilizados por povos que habitaram no passado
a região onde se localiza a casa-de-farinha do líder comunitário. Basta escavar a
terra, que por sinal é considerada pela literatura como terra preta de índio, que o
material aflora.
As terras pretas talvez sejam o melhor indicador de que os ambientes
amazônicos foram modificados pelas populações indígenas que ocupavam a região
antes da conquista. Atualmente, esse tipo de solo é procurado por agricultores em
razão de seu potencial de cultivo, mas pouca gente sabe que foi formado pelos
índios no passado. Além da alta fertilidade, talvez a propriedade mais interessante
das terras pretas seja a estabilidade.
Ainda não se sabe, porém, o que levou à formação das terras pretas. A
hipótese mais provável é que elas resultem do acúmulo contínuo de restos orgânicos
ossos de peixes e outros animais, casca de frutas e raízes, fezes, urina, carvão
etc. em aldeias sedentárias ocupadas durante muitos anos ou décadas, o que tornou
o solo rico em matéria orgânica e nutrientes como o fósforo, cálcio, magnésio e
zinco. Sob essa perspectiva, sítios com esse tipo de solo seriam locais de habitação
no passado (NEVES, 2006,p.53).
295
Assim, mesmo não sendo o objetivo da pesquisa, essa constatação nos
fez refletir sobre a importância de se conhecer, do ponto de vista arqueológico, a
região do médio Juruá, pois poderia contribuir para o desenvolvimento e o
conhecimento da área da reserva extrativista.
Jacaré: um problema ou solução de um problema?
Na Amazônia, desde a década de 1960 foi proibida a captura do jacaré
para fins comerciais, o que fez com que a população desse animal se multiplicasse
assustadoramente. Facilmente constata-se esse aumento populacional, basta
observar qualquer curso de água amazônico ou durante a noite, o grande número de
jacarés. Além dos ataques aos humanos, os jacarés levam os peixes capturados
durante a pescaria diária, bem como as aves caçadas que caem no lago, colocando
em risco a vida dos moradores.
É interessante ressaltar que, mesmo existindo uma grande quantidade de
jacarés, os comunitários não os atacam discriminadamente, porque desenvolveram
uma espécie de harmonia, onde todos se comportam de forma aceitável.
Na área da comunidade observa-se um número excessivo de animais
habitando o lago que, se fosse manejado de forma sustentável, seria de grande
ajuda, pois se tornaria uma fonte de renda aos comunitários. Segundo informações
colhidas in loco, houve visitas de pesquisadores do INPA para avaliação do
potencial de animais que serviriam para um futuro abate e comercialização.
Até o presente momento, no entanto, essas visitas serviram de motivo
de piada por parte dos comunitários, pois, segundo nos contaram, os pesquisadores
afirmaram que a captura de jacarés se fazia com laços e não com armas (de fogo ou
arpão), o que deixou os moradores desconfiados, que é fácil constatar a
existência de animais com mais de quatro metros de comprimento e que, com
certeza, não seria laçado por um homem sozinho sem que houvesse riscos.
296
Neste contexto, mais uma vez observa-se que os pesquisadores teimam
em não levar em consideração os conhecimentos dos ribeirinhos e suas matrizes de
racionalidade diferenciadas, o que, com certeza, emperrará um futuro projeto de
manejo do jacaré.
O assassinato de Chico Mendes
O assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em dezembro de 1988,
causou uma grande comoção nacional e internacional, em decorrência de sua
importante luta em defesa da Amazônia e de sua biodiversidade.
Os responsáveis pelo assassinato, Darly, Darci e Alvarino, eram
fazendeiros que tentavam ir de encontro à luta empreendida pelo líder seringueiro.
Logo após o assassinato, tentaram fugir, mas, com exceção de Alvarino, foram logo
presos pela polícia acreana. O que a reserva e a comunidade do Tabuleiro têm a ver
diretamente com o assassinato de Chico Mendes? Bem, o caso é, que durante o
período de procura do referido assassino, apareceu nessa comunidade um homem
que se apresentava como Arruda e que fixou residência a montante da comunidade
em um local denominado Paraná, dentro de uma grande cacaia (local de difícil
acesso onde se acumula grande quantidade de galhos submersos de árvores).
Os moradores da comunidade começaram a desconfiar do sujeito que
apareceu repentinamente e não gostava de conversar com ninguém, além de andar
sempre armado com um facão com cabo de chifre na cintura. Todas as vezes que
encontrava algum morador, deixava que observassem sua arma, o que deixou os
moradores apreensivos.
Assim como o homem apareceu repentinamente, depois de alguns meses
foi embora, deixando os moradores mais tranqüilos. Passados alguns meses,
moradores foram fazer compras na cidade de Carauari, e ao assistirem à televisão,
souberam que o último procurado pelo assassinato de Chico Mendes tinha sido
pego pela polícia no município de Coari. Para a surpresa de todos, estava o
misterioso Arruda que, durante meses, morou na comunidade. Isso deixou os
moradores aliviados e surpresos, com tal fato, haja vista que alguns eram ex-
seringueiros e conheciam o Chico Mendes pessoalmente.
297
Sabiam que o mesmo tinha sido assassinado, mas não sabiam que,
durante vários meses, deram guarida a um assassino procurado pela polícia.
Outro caso que levanta suspeita na comunidade e que pudemos constatar
durante o período em que ficamos na comunidade é de um peruano que se
apresenta como Rodriguez e, a exemplo do Arruda, está morando na comunidade.
É o único que possui cultivares na várzea do rio Juruá e, no verão, todos os dias, sai
sozinho para a margem do rio para plantar milho, melancia, maxixe e feijão. Alguns
moradores já desconfiam desse novo morador. Conversando com alguns regatões e
madeireiros, soubemos que o mesmo é procurado pela justiça peruana. Assim, mas
uma vez, a comunidade, por possuir um acesso difícil, recebe um morador suspeito
e não se sabe como essa história irá terminar.
Biopirataria
Na Amazônia, a biopirataria é feita sem grandes controles de entrada e de
saída de biopiratas e, dependendo da distância e da localização das bioprospeccões
os moradores nem sabem o que isso significa e fornecem informações
(etnobioprospecção) sobre a fauna e flora amazônica. Na comunidade, houve vários
casos nesse sentido, sendo o primeiro, o de um inglês (Sr. Thomas) que foi
apresentado à comunidade pelo antigo patrão, Sr. Sandoval. O estrangeiro inclusive,
propôs a compra da comunidade e, durante uma semana esteve explorando as
terras acompanhado de um morador (informante). Durante o período, o inglês
anotava, fotografava e pedia informações sobre árvores, animais, peixes, etc. O
negócio, no entanto, não teve êxito em decorrência de a proposta ter sido feita,
depois da criação da reserva e, por que os moradores, que tinham se livrado dos
patrões não sentiam necessidade de ficarem atrelados a ninguém. Soube-se que o
inglês descobriu o negócio irregular em que havia se envolvido com o Sr. Sandoval,
já que a área, por lei, não pode ser vendida.
Outro caso mais preocupante foi o de uma francesa e de um paulista que
apareceram na comunidade e permaneceram por algumas semanas,
desenvolvendo pesquisas e coletando material. Houve relatos de que os mesmos
incentivavam os garotos a capturarem mosquito, borboleta, lagartas, grilos e folhas
298
de algumas espécies que eram secadas em uma estufa e depois acondicionadas
para viagem. Também realizaram expedições de reconhecimento no interior da
floresta, chegando a fazer perfurações em algumas áreas mais elevadas da floresta.
Utilizavam para as perfurações uma espécie de trado manual. O informante que
acompanhava os exploradores observou que os mesmos descobriram um mineral
parecido com o carvão a meio metro de profundidade. Infere-se que, talvez se
tratasse de terra preta de índio, haja vista que a região foi ocupada em tempos
passados por uma grande quantidade de povos. Nesse sentido, supõe-se que se
tratava de um Arqueólogo e de uma Botânica que estavam fazendo prospecções e
coletando informações na comunidade. O interessante é que os moradores
disseram que eles não se apresentaram como pesquisadores e nem disseram se
estavam ali legalmente ou se eram ligados a alguma Universidade ou Instituto de
Pesquisa. Assim, considera-se que eram biopiratas.
Houve também um americano (Ted) e um espanhol fazendo pesquisas e
coletando informações na comunidade. Na realidade, os moradores precisariam de
orientações mais detalhadas sobre como identificar um biopirata, além de um apoio
maior do IBAMA, no sentido de dotar a comunidade de um sistema de comunicação
eficiente, para, no caso da visita de biopiratas, avisarem imediatamente o escritório
do órgão na cidade de Carauari. Caso isso não aconteça, a comunidade corre riscos
de novamente servir de laboratório para bioprospecções tendo em vista que os
moradores são hospitaleiros com os visitantes e, se os mesmos trazem dinheiro,
tudo se torna fácil e os moradores informam detalhadamente tudo o que sabem, sem
se preocuparem se estão passando informações valiosas que trazem consigo e que
foram apreendidas ao longo do tempo. Nesse sentido, se faz urgente um maior
esclarecimento dessa população no tocante ao tema exposto.
Com a criação da reserva extrativista, o controle do acesso a
determinados locais passou para as mãos dos moradores, o que ocasionou alguns
problemas no tocante à territorialidade dos ribeirinhos.
Acostumados a adentrarem os lagos, paranás e igarapés à procura de
peixes, alguns ribeirinhos foram impedidos de pescarem no lago Manariã, que
pertence à outra comunidade vizinha (São Raimundo). De acordo com os
moradores, já houve e ocorrem freqüentemente discussões com os moradores desta
comunidade. Os moradores do tabuleiro são feqüetemente interpelados quando
299
estão no lago, ainda que as duas comunidades fiquem dentro da reserva e os
recursos pertençam a todos. Dois moradores, inclusive, abandonaram a
comunidade e foram para cidade, para não se envolverem em questões mais sérias
com os moradores da comunidade São Raimundo.
Outro caso é os de comunidades (Santo Antonio e Paraíso) que ficam no
entorno da reserva e que a adentram em busca de pesca e caça predatória, o que
causa muitos problemas aos moradores que, mesmo não dispondo de meios de
comunicação com o IBAMA (Carauari-Am), tentam resolver da melhor forma
possível esse impasse, pois estão todos em iguais situações econômicas e sociais e
não existem perspectivas de melhoras econômicas a curto e médio prazo. O
discurso de sustentabilidade é retórica e os benefícios de preservarem a área tão
rica da biodiversidade amazônica não chegaram até eles, de forma que os mesmos
precisam sobreviver como sabem, ou seja, do agroextrativismo.
Caso seja preciso, como ocorre, extraem, capturam e vendem produtos e
animais cuja comercialização é proibida. Quando a reserva foi criada, ninguém
explicou de onde viriam os recursos para os ribeirinhos comprarem os gêneros de
primeira necessidade, o que torna a sobrevivência difícil.
Nesse sentido e seguindo a metodologia proposta para o trabalho, tendo
como informantes a liderança comunitária e um antigo seringueiro, que chegou a ser
arrendatário de um seringal, descobrimos que os mesmos concordam com a
reserva, mas dizem que, com a criação da mesma, foi resolvido o problema da terra,
mas que lhes falta o recurso ou alternativa econômica para sobreviverem, com
exceção da regularização fundiária, outros aspectos de sua existência não
mudaram. Como exemplo, cita-se a dependência dos regatões, que não existem
armazéns e nem comércio na comunidade. O IBAMA, por sua vez, sequer se
preocupa com a sobrevivência dos moradores.
Na realidade, fica claro que antes de se delimitar qualquer unidade de
conservação, é necessário preparar os moradores para tal responsabilidade e
principalmente, dotá-los de alternativas econômicas que os possibilitem sobreviver
sem precisarem ir de encontro à legislação ambiental.
Outros moradores alegaram o desejo de abandonarem a comunidade e
irem para a cidade, pois não há perspectiva de melhoria econômica.
300
5.16 Os limites das políticas públicas na Reserva do Médio Juruá
De 1930 até os dias atuais, o processo de formulação e implementação
de políticas ambientais no Brasil pode ser dividido em três momentos distintos. O
primeiro momento, que vai até 1971, foi marcado pela ação de um Estado
centralizador na definição de códigos regulatórios do uso dos recursos naturais e de
um incipiente aparato institucional para tratar das questões relacionadas com a
proteção à natureza. A partir de 1972, as políticas ambientais serão influenciadas,
de um lado, pela consciência global de uma crescente crise ecológica e, de outro,
por políticas estruturadoras, modernizantes e integradoras articuladas numa
estratégia, no mais das vezes contraditória, de desenvolvimento econômico.
Em 1988, a promulgação de uma nova Constituição indicou alguns dos
principais fundamentos do terceiro momento das políticas ambientais no país, que
chega até os dias atuais. Os conceitos de desenvolvimento sustentável, manejo de
recursos naturais e democratização e descentralização das decisões tornam-se
influentes. Organismos internacionais, ONG-s e corporações passam a integrar tanto
a eleboração quanto a implementação de políticas ambientais. Políticas importantes
no período refletem essa nova situação, como é o caso do Programa Piloto de
Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), financiado pela Comunidade Européia, eo
Zoneamento Econômico e Ecológico do Estado de Rondônia, financiado com
recursos do Banco Mundial.
A análise de políticas ambientais de caráter fundamentalmente
estruturador, como é o processo de criação de reservas extrativistas, revela como
um novo conjunto de idéias e valores tem influenciado o processo de formulação de
políticas ambientais no país. Noções de co-manejo ou gestão participativa,
baseadas numa estratégia conservacionista de proteção da natureza e numa visão
instrumental/reformista dos mecanismos regulatórios do uso dos recursos naturais,
passam a ser dominantes no setor.
Apesar das mudanças indicadas, é necessário ainda superar a maneira
fragmentada ou setorizada de como são eleboradas e executadas as políticas
ambientais no Brasil. Essa tarefa requer um esforço teórico-aplicado de integrar as
políticas públicas voltadas para a exploração dos recursos naturais, regularização
301
fundiária e proteção ambiental, inserido no contexto mais amplo de redefinição dos
papéis do Estado (em suas esferas federal, estadual e municipal), das empresas e
da sociedade civil na definição de políticas ambientais e de modelos participativos
de gestão territorial e do meio ambiente.
A questão central da conservação da biodiversidade e seu uso
sustentável está no desafio de implementar meios de gestão ou manejo que
garantam a continuidade de espécies, formas genéticas e ecossistemas. A realidade
tem mostrado que, quando os meios de ação são bem manejados, podem, de fato,
servir como ferramentas para a preservação ambiental.
As Unidades de Conservação apresentam problemas dos mais diversos,
que vão desde a questão de regularização fundiária (caso das reservas extrativistas
de Ciriaco e da Mata Grande, no Estado do Maranhão) aa ausência de pessoal
capacitado para administrar essas unidades.
As atividades de fiscalização são mecanismos importantes no processo de
proteção à biodiversidade e, particularmente, para evitar a superexploração da fauna
e flora. A deficiência da fiscalização é a causa principal dos problemas relacionados
à proteção da reserva extrativista Médio Juruá. Essa deficiência é determinada por
vários fatores, tais como: ausência de política abrangente para a preservação; falta
de treinamento de pessoal especializado; falta de infraestrutura, dificultando a
disponibilidade de informações sobre a biodiversidade e o estabelecimento de
estratégias mais eficientes de controle; e, por fim, a falta de apenação dos infratores.
Ao governo compete estabelecer a política de desenvolvimento dos
setores da economia, definindo planos para a consecução de metas almejadas.
Nessa tarefa o governo tem se mostrado competente em vários segmentos
industriais, mas, certamente, ainda não obteve sucesso no campo das unidades de
conservação, com raríssimas exceções, dentre elas a RDS Mamirauá , no Estado do
Amazonas.
302
Carece o setor da atenção das autoridades do executivo para a
formulação de uma política que busque alçar o tão almejado desenvolvimento
sustentável da Amazônia para um patamar seguro de desenvolvimento, com
diretrizes e metas exatamente definidas, colimadas através de um plano temporal de
ação. O envolvimento dos sujeitos e atores sociais locais em todo o processo de
elaboração e implementação das ações intervenientes são indispensáveis para
gerar o desenvolvimento.
Na falta dessa política, convive-se com o casuísmo de medidas que,
atendendo a interesses localizados e imediatos, transmitem a falsa idéia de que a
simples demarcação das Unidades de Conservação representa a melhoria de vida
das populações ali residentes. Como exemplo, temos a decretação, em junho de
2005 (Anexo 7), da RDS Uacari no município da Carauari, na margem oposta à da
reserva e que abarca boa parte do território municipal (Mapa 9), engessando ainda
mais o território carauariense, haja vista que também existe uma área demarcada de
terra indígena a Oeste das reservas. Isso nos faz lembrar o pensamento de
WALLESTEIN (2003), e por analogia afirmar que “há uma espécie de princípio de “di
Lampedusa” ou seja, mudar tudo (ou dar a impressão de fazê-lo) para o mudar
nada (embora pareça que tudo tenha mudado).” O elemento-chave de uma
estratégia de “di Lampedusaé nunca proclamar a verdadeira estratégia de uma
forma demasiada aberta, e sim insistir na estratégia aparente. Os moradores
ribeirinhos, num primeiro momento, são convencidos por algumas pessoas mais
politizadas e relacionadas com o poder público sobre a importância e os benefícios
dessas unidades de conservação. Na realidade, no entanto, após sua decretação,
ficam sozinhos, sem poder mais desenvolver qualquer atividade comercial, haja vista
a legislação que precisam seguir.
Quando descobrem que não possuem mais alternativa de auferirem algum
dinheiro com a venda da produção extrativa, é tarde demais e passam, em muitos
casos, a praticarem contrabando de produtos da própria reserva.
303
MAPA 9
Fonte: Trabalho de Campo – 2005.
É necessário frisar, por outro lado, que a preservação das Unidades de
Conservação, especialmente na reserva extrativista do Médio Juruá, se
alcançada se for associada ao desenvolvimento econômico. Essa política deve ser
conduzida à base de uma visão a longo prazo, com objetivos voltados para a
eliminação da pobreza e o estabelecimento de comunidades mais justas e
economicamente mais estáveis. É urgente identificar os problemas, analisá-los em
304
suas reais e exatas dimensões e buscar soluções válidas para equacioná-las, com a
implementação de medidas que possam efetivar essas soluções. É muito difícil um
entendimento racional sobre modelos de desenvolvimento harmonioso da Amazônia,
principalmente quando se analisa o aproveitamento de seus recursos naturais.
De um lado, temos os planejadores do desenvolvimento a qualquer custo,
e, de outro lado, os defensores ardorosos da preservação pura e simples a “nenhum
custo” da floresta amazônica, num ecologismo neurótico, abrangidos até mesmo
aqueles apoiados por grandes grupos econômicos internacionais interessados na
transformação da Amazônia em patrimônio universal, vitrine intocada, evidentemente
até pelo menos enquanto durarem as reservas estratégicas de recursos naturais
ainda disponíveis pelas grandes nações.
Território como o da Amazônia impõe-se com um grande desafio político
contemporâneo. A construção de políticas de desenvolvimento econômico, integrado
e sistêmico, articulando a exploração racional de seus recursos naturais com os
interesses das comunidades, constitui em problema de alcance nacional.
que se ter, em conta, no entanto, a dimensão exata da realidade, para
que o haja influências descabidas de pressões alienígenas, que visam a outros
objetivos que não os reais interesses das populações envolvidas.
Enfim, o que se pretende é que haja a formulação de políticas de
desenvolvimento sustentável da reserva extrativista Médio Juruá, mas que a
exploração dos seus recursos naturais, de um lado, seja utilizada em benefício dos
ribeirinhos de toda a área, objetivando a superação dos seus níveis de pobreza; de
outro, que não comprometa as necessidades das gerações futuras.
305
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reservas extrativistas têm sido apontadas como a grande idéia
ambiental para a Amazônia, pois evitariam o desmatamento, protegeriam a
biodiversidade e gerariam renda e emprego, entre outros benefícios. Essa idéia,
porém, é equivocada, pois o ato de desmatar constitui um reflexo da situação
econômica do extrator. Quando os preços relativos dos produtos agrícolas superam
os dos extrativos, é inevitável o desmatamento para o plantio de roças.
A criação de reservas extrativistas não pode ser preconizada de forma
independente do contexto local, pois ela altera totalmente as relações de força,
podendo criar novas tensões, sem, para tanto, resolver os tradicionais conflitos de
uso e o problema do controle social sobre os recursos. No âmbito da reserva
extrativista Médio Juruá, as comunidades e sua área de entorno não funcionam
como espaços interdependentes e complementares. As riquezas naturais locais são
mal valorizadas e não se integram ao desenvolvimento regional. Quando são
exploradas, beneficiam empresas de fora da região, com pouca repercussão no
local. Toda a dificuldade reside na articulação que deve ser encontrada entre o
território a proteger e uma área a desenvolver. Em meio à questão da preservação
dos recursos naturais, coloca-se também a do nível pertinente de manejo territorial.
As reservas extrativistas têm um papel a desempenhar como peça no
tabuleiro de xadrez do planejamento territorial. Se admitirmos que elas são,
primeiramente, áreas de preservação, é preciso permitir a seus habitantes a garantia
de seu manejo e remunerá-los, em contrapartida, por esse serviço prestado.
O governo federal e estadual, através do IBAMA e IPAAM, não tem
número de funcionários suficientes para implementar, nem fiscalizar e cobrar os
autos de infrações penais justos. Sem essa estrutura, se torna difícil para o governo
promover discussão e avançar na descoberta de novas medidas e todos de
trabalho dinâmico e cooperativo para proteger as unidades de conservação, a fauna
e os peixes. Alguns sucessos devem ser mencionados, como contenção parcial
das forças predatórias, através de medidas justas, a da proteção e reprodução dos
peixes durante a desova nas piracemas, que constitui medida bastante sensata e
que tem protegido muitas espécies.
306
Por sua vez, o governo federal, a despeito de considerar a floresta
amazônica como patrimônio nacional com obrigação de protegê-la e usá-la de forma
racional e inteligente, também não tem conseguido montar uma estrutura financeira
política e científica eficiente para enfrentar esses desafios. A maior parte de sua
ação se concentra na criação de áreas protegidas, que são criadas, mas não
mantidas nem fiscalizadas para evitar invasões e predações.
As reservas extrativistas poderão efetivamente cumprir a finalidade a
que se destinam, com base nos princípios de sustentabilidade, se houver a
percepção de que esses territórios são espaços geográficos aos quais se atribuem
propósitos sociais e que são manipulados por instituições políticas que também têm
objetivos que nem sempre são coincidentes àqueles. A natureza não é natural, ela é
cultural. É o homem que faz a natureza, quer seja a partir de elementos empíricos,
quer seja a partir de elementos imaginários. A eficácia da implantação de unidades
de conservação tem muito mais possibilidades numa mudança de atitude daqueles
que pensam as políticas territoriais do que numa imposição burocrática, institucional,
de continuar gerando tais territórios.
É preciso desenvolver urgentemente, do poder público à sociedade, uma
visão que pensa o território e as forças sociais atuantes nele, para que as políticas e
as ações possam ser decididas numa perspectiva mais totalizante e pactuada.
Contra a lógica desterritorializante da globalização, queremos a sustentabilidade dos
lugares, o que exige pactos territoriais e regulação social sobre o uso desses
lugares.
Para as populações residentes, a conservação dos recursos significa sua
própria sobrevivência e reprodução econômica e social. Isso não implica uma visão
bucólica dessas comunidades, que geralmente são obrigadas a “burlar a lei” usando
de forma inadequada os recursos naturais das áreas protegidas para assegurar sua
sobrevivência. É que o Estado deve insistir para evitar que isso ocorra, aceitando
definitivamente a presença dos moradores tradicionais mesmo dentro de unidades
de conservação de uso indireto, o que é proibido pela legislação atual. Não apenas
são necessários planos de manejo discutidos mutuamente que impliquem limitar a
expansão de suas atividades econômicas, mas que indenizem pelas restrições de
uso impostas pelas unidades de conservação.
307
O Estado deve considerá-lo interlocutores privilegiados nesse processo
participativo e não limitar a negociação com as Ong-s ambientalistas, por maior
poder que estas possam ter conquistado nos meios de comunicação. Esse estímulo
à participação das comunidades locais, por outro lado, não deve ser paternalista,
como por exemplo destacando moradores mais ativos, geralmente jovens, para o
exercício de vigilância. O que sucede é a instituição oficial da delação, pois estes
vigias acabam sendo obrigados a delatar e reprimir membros da comunidade, muitas
vezes os mais velhos, que para sobreviver “desrespeitam a lei”. Essa instituição
desorganiza ainda mais as comunidades tradicionais que baseiam sua autoridade no
conhecimento e poder dos mais velhos.
As novas relações capitalistas geram similares inclusive no nível micro
(comunidade) e nos relacionamentos intercomunitários. Ribeirinhos agora chegam a
comprar peixes, carnes silvestres e açaí do próprio ribeirinho; mesmo o peixe, base
da alimentação, fato que há pouco tempo não acontecia.
Os resultados do estudo nos permitiram, também, perceber como cada
uma das comunidades estudadas conserva sua particularidade, sua diferenciação
territorial na produção das atividades agroextrativas, apresentando cada uma um
tipo de aptidão.
O processo de produção do espaço agroextrativo da reserva, por suas
raízes históricas e pelo quadro atual, apresenta-se sob uma situação de
precariedade marginal.
Os resultados do presente estudo nos permitem identificar algumas tensões
e espera-se que sirva para reflexão por parte do órgão ambiental responsável para
ajustar seu papel no contexto da área.
- Pescadores profissionais x ribeirinhos – os pescadores, geralmente melhor
equipado, competem com os ribeirinhos pela obtenção do pescado. Esses
pescadores realizam a despesca em lagos próximos às comunidades ou então em
sua área de entorno, sendo que raramente algum recurso é deixado para a
comunidade que tradicionalmente usa aquele lago. Esse fato foi constatado
principalmente no sacado do preguiça e sacado do juburi próximos à comunidade de
Imperatriz e Fortuna, respectivamente. Essas áreas necessitam urgentemente de um
controle de entrada, caso contrário, continuarão a ocorrer invasões e depredações.
308
É necessário frisar, por outro lado, a importância das atividades pesqueiras.
Na falta de rendimentos monetários, as comunidades aproveitam a psicosidade do
rio Juruá, a fim de obterem um suprimento alimentar e, algum rendimento monetário.
- IBAMA x ribeirinho a pesca, a caça e a retirada de madeira (com exceção do
uso pessoal ou comunitário) são legais mediante licenças que devem ser pagas
ao IBAMA. A retirada de madeira requer um plano de manejo detalhado, que
especifique quantas e quais árvores serão cortadas, que indivíduos serão deixados
para porta-sementes e qual o planejamento para a reposição dos indivíduos
retirados. Tais requisitos são caros e difíceis de serem obtidos pelos ribeirinhos,
porque exigem conhecimento especializado. Assim, a maior parte da exploração dos
recursos naturais da área é feita de maneira ilegal, o que gera tensões com o órgão
fiscalizador. Por outro lado, em várias comunidades “madeira morta” que está
apodrecendo no interior da floresta e que, caso houvesse autorização por parte do
órgão ambiental, poderia ser vendida ou beneficiada pelos comunitários.
Outro aspecto diz respeito à percepção que os moradores possuem do
IBAMA, o qual é considerado como inimigo, haja vista que sempre que aparece é
com o intuito de aplicar punições a infrações cometidas.
Seria interessante que o referido órgão fizesse um trabalho de
conscientização e também apresentasse alternativas viáveis economicamente a um
curto prazo para os ribeirinhos, caso contrário tudo continuará como descrito
anteriormente.
- Comunidade x comunidade algumas comunidades como as de o Raimundo,
Tabuleiro, Santo Antônio do Brito (entorno) e Nova União enfrentam problemas de
invasões em seus lagos, feitas geralmente por pessoas de comunidades vizinhas. O
interessante é que, mesmo após a decretação da reserva, todos os comunitários
sabem os limites de suas comunidades e, caso alguma pessoa seja pega fora de
seus domínios, é interpelada pelo morador, o que denota que a tentativa de
exploração do “bem comum” ainda está longe de ocorrer e, precisa ser feito
urgentemente um trabalho com as comunidades, demonstrando para as mesmas
que a reserva é de todos e não existe mais limites entre as comunidades. Todos
podem usufruir do recurso, desde que respeitem as leis ambientais e,
principalmente, não os utilizem com fins comerciais.
309
- Moradores x moradores é bastante comum, dentro das comunidades existirem
moradores que o seguem as regras impostas para utilizacão e exploração dos
recursos e que, conseqüentemente, causam algumas tensões e até ameaças de
morte. Nas comunidades da Fortuna e da Nova União, principalmente, os líderes
comunitários se encontram em situações constrangedoras com relação a alguns
moradores que praticam a exploração com fins comerciais, não sabendo mais a
quem recorrerem.
- Morador (predador) x IBAMA casos como os das localidades de Morada Nova,
Deus é Pai e Manariã nos faz refletir sobre os objetivos de uma reserva extrativista
haja vista que nesses locais não se busca o desenvolvimento sustentável e há
necessidade urgente de o IBAMA resolver esse problema.
- Comunidade x área de entorno pela legislação ambiental, as áreas de entorno
também podem explorar os recursos, mas os moradores dessas áreas procuram
explorar os recursos da reserva de forma comercial, causando tensões entre os
moradores.
- Comunidades x morador da sede municipal com a decretação da reserva
extrativista, muitos lagos e matas que serviam para exploração dos moradores
citadinos ficaram em seu interior e não puderam mais ser utilizados para tais fins. O
que ocorre atualmente são inúmeras invasões, principalmente de lagos, feitas
geralmente por pequenos pescadores comerciais que, raramente são importunados,
pois a reserva é bastante extensa.
- Comunidade x Instituições de pesquisa Com exceção da comunidade do
Roque, as demais não possuem nenhum projeto de geração de renda sendo
desenvolvido e isto tem causado tensões. Uma das principais tensões é a migração
de pessoas de outras comunidades e até de outros municípios para a comunidade
do Roque. Isso provoca o desmatamento, pois necessidade de fazer ruas e
roçados, aumentando anualmente a área de floresta derrubada. Outro ponto é que
as demais comunidades ficam sem nenhuma perspectiva de melhoria de vida à curto
prazo. Assim sendo, a grande pergunta que deve ser feita ao órgão competente é
como eles esperam que esses comunitários sobrevivam, que não podem pescar
nem caçar com fins comerciais.
310
- Comunidades x ASPROC a referida associação tem como previsto no plano de
utilização da reserva a obrigação de representar os comunitários e proporcionar-lhes
assistência. Na realidade, entretanto, o trabalho da ASPROC é deficiente, com
exceção do flutuante localizado na comunidade de Nova Esperança, as demais
comunidades ficam sem assistência, principalmente no que diz respeito ao
fornecimento de gêneros de primeira necessidade, pois irregularidades nas
viagens que a associação faz as comunidades, as quais ficam a mercê dos regatões
a maior parte do tempo. Não se pode esquecer que, quando a associação vai até as
comunidades comprar, principalmente farinha, é descontada uma espécie de taxa de
cada saco de farinha, deixando os comunitários revoltados, preferindo vendê-la aos
regatões.
- Comunidades x regatão por não possuírem nenhuma infraestrutura que os
possibilite fazerem suas compras, os regatões são os grandes comerciantes do rios
que compõem a área. Esse personagem descrito na literatura amazônica como um
comerciante que muitas vezes ia de encontro ao patrão durante o ciclo da borracha
e adentrava seus domínios para comercializar com os seringueiros, continua tendo
sua importância ainda maior no momento atual, haja vista que sem ele os moradores
da reserva ficariam sem condições mínimas de adquirirem mercadorias para a sua
sobrevivência. Assim, que ser instalado urgentemente, por parte das instituições
competentes, alguns armazéns situados em pontos estratégicos para que o
ribeirinho não fique mais dependente do regatão e dos altos preços de suas
mercadorias.
- ASPROC x Cooperativa – em virtude de problemas políticos existentes entre
alguns membros das referidas organizações, problemas entre as duas. O
primeiro é pelo Plano de Utilização da Reserva (Anexo 8) por representantes dos
comunitários, mas com a formação da cooperativa, esse poder de representação
diminui, haja vista que a ASPROC perdeu pelo menos na comunidade do Roque sua
representatividade. Além disso, a Cooperativa negocia diretamente com a Natura a
produção de andiroba, o que causou problemas a ASPROC. A melhor solução seria,
segundo nosso entendimento, a formação de mini-cooperativas em cada
comunidade respeitando suas aptidões.
311
- Poder Municipal x Cooperativa segundo conversas mantidas com o Prefeito
Municipal, o mesmo afirma que não tem acesso a quase nenhuma informação sobre
o montante arrecado pela cooperativa junto à Natura, no decorrer da safra de
andiroba. O mesmo acha que esse dinheiro arrecadado pela cooperativa deveria
servir também para melhorar a infra-estrutura da comunidade, o que não ocorre
atualmente, pois quase todos os investimentos são feitos pela prefeitura.
Uma das grandes dificuldades tem sido o financiamento da Associação dos
moradores e usuários da reserva. Algumas comunidades têm boa experiência de
organização e há pessoas capacitadas. Mas existem muitas comunidades que
estão em diferentes estágios de caminhada, com distâncias enormes, o que torna a
consolidação do trabalho em prol de uma melhor qualidade de vida, mais difícil.
A falta de um senso associativista assim como a ausência do
empoderamento gera a falta de compromisso dos moradores, pois uma vez eleito
uma pessoa, muitas vezes passam a considerá-la como funcionário do governo e
que tem que fazer tudo sem que os moradores tenham que ajudar e dar apoio.
Feitas estas considerações confirma-se o elemento problematizador central
formulado na introdução do trabalho de que o modelo de reserva extrativista,
enquanto política de manutenção de valores culturais e históricos de comunidades
ribeirinhas agorextrativas autogestoras ao se projetar sobre uma territorialidade
preexistente, revela a (in)viabilidade de uma certeza (o modelo) diante das
realidades socioespaciais constituídas.
A confirmação conduz a uma reflexão no sentido de que sim a
viabilidade para o modelo de reserva, e que este é perfeitamente ajustável, basta
que para isso o poder público ou alguma organização não governamental interfira no
processo de organização e empoderamento dos moradores, a exemplo do que
ocorreu na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
Nesse sentido, a reserva extrativista é a unidade de conservação onde a
população residente legalmente tem voz ativa nas decisões sobre a condução do
processo de envolvimento econômico e social, além de que se faz necessário no ato
de criação ou das discussões sobre a criação de uma reserva que os moradores
sejam orientados e esclarecidos que após a decretação da unidade de conservação
eles terão que se preocupar em formular alternativas juntos a organismos de
pesquisa e instituição públicas e privadas de ensino, pesquisa e financiamento.
312
É preciso insistir também no fato de que, mesmo sem advogar qualquer
tipo de volta ao passado, perspectivas diferentes daquelas que vigoram nas
sociedades ocidentais no tocante ao relacionamento sociedade-natureza. Os
moradores do médio Juruá buscam justamente uma alternativa que os possibilitem
morar em suas comunidades convivendo com a hiléia de forma sustentável, apesar
da difícil definição desse termo, vale, no entanto, a persistência da tentativa do que
simplesmente a absorção de seu modo de vida pelo capitalismo crematístico, onde
em geral o bem-estar das populações ribeirinhas interessa enquanto produtoras
de matérias-primas que interessem ao mercado.
A sustentabilidade econômica da reserva esta condicionada à capacidade
de promoção das condições de vida. Apenas o profundo conhecimento da realidade
social de cada comunidade envolvida permitiria um planejamento sócio-ambiental
das intervenções, condizentes com as especificidades da realidade a ser
transformada. Por outro lado, a realidade social é um organismo vivo e, portanto, a
apreensão da vida de cada comunidade e das instituições presentes na área
poderia se dar mediante o contato direto com as mesmas.
Não podemos esquecer que, geralmente, a Amazônia é tratada com um
todo, como se explicável duma feita, talvez mais pelo que dela se ignora, do que
pelo que se conhece, tanto em termos sociais, quanto ambientais. Melhor seria
referir-se a Amazônias, em suas formações sociais diferenciadas, evitando-se
generalizações arbitrárias, reducionistas e ineficazes para explicar situações
multifacetadas, tanto em relação aos ecossistemas, como à diversidade das
configurações sociais, a sua sociodiversidade.
Neste estudo, um dos focos privilegiados voltou-se às comunidades
agroextrativistas e às tensões que se defrontam frente às novas territorialidades
sobre seu território físico e social.
Nesse sentido, a maior parte das propostas ambientais existentes parte de
reflexões globais sem a incorporação das realidades locais, onde se defrontam as
populações com o analfabetismo, carência de saúde e transporte e uma onerosa
intermediação para qualquer acesso ao mercado. O pouco extensionismo (IDAM
esporadicamente) existente na área promove a difusão de técnicas e de cultivos
agrícolas padronizados.
313
Em geral, no entanto, não estão preparados para apoiar essas
populações em todas as etapas do processo produtivo para o mercado, crédito,
armazenamento, processamento, apresentação dos produtos, transporte,
comercialização e marketing, ou seja, para uma capacitação para a gestão voltada à
eficácia e aos resultados.
É nossa pretensão, com este estudo, mostrar que, aqueles que vêem a
homogeneidade do espaço camuflam a heterogeneidade das desigualdades
socioeconômicas espaciais. Muitas vezes, se as reflexões foram radicalizadas, é
porque o afã das emoções fluiu no pensar. Todavia, podemos perceber que a
radicalização pode trazer, em si, um germe de verdade.
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www.acritica.com.br
www.emtempo.com.br
www.inpe.gov.br
www.unb.br
www.ufac.br
www.ufpa.br
www.ufac.br
www.unir.br
www.ufrr.br
www.unama.br
www.google.com
www.estadao.com.br
www.oglobo.com
www.unicamp.br
www.usp.br
www.unesp.br
www.pronatura.org.br
www.mamirauá.org.br
338
A N E X O S
ANEXO 1
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - DOUTORADO
ROTEIRO DO FORMULÁRIO – RESEX- MJ
1 - IDENTIFICAÇÃO
Nº---------------------
Nome da Comunidade:----------------------------------------
Outro (s) nome(s):-----------------------------------------------------------------
Local de Nascimento:------------------------------------------------------------
Tempo de moradia na Comunidade:-----------------------------------------
Outros locais de residência:----------------------------------------------------
Quais outras profissões/atividades que o Sr. já praticou?-----------------------------------
2 – LOCALIZAÇÃO DA COMUNIDADE E LUGARES DE MORADIA
2.1 Lugar de moradia da família durante o verão:
( ) Terra Firme ( ) Várzea
2.2 Lugar de moradia da família durante o inverno:
( ) Terra Firme ( ) Várzea
2.3 Se a casa no período de verão não fica na beira do rio Juruá, qual à distância até o rio?
--------minutos/horas ( ) a pé, ( ) remo/canoa, ( ) rabeta ( ) motor de centro
2.4 Tipologia das casas:
Material utilizado na construção:------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
2.5 Distância da Comunidade até Carauari (descendo o rio):
No inverno:---------horas(s) --------dias de ( ) canoa/remo, ( ) rabeta ( ) motor de
centro.
No verão:--------hora(s)---------dias de ( ) canoa/remo, ( ) rabeta ( ) motor de centro.
Obs:---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------
2.6 Tipo(s) de embarcação:------------------------------------------------------------------
O Sr. tem motor? ( ) sim, ( ) não, ( ) sim, mas está quebrado
2.7 Qual a Comunidade mais próxima:
Rio acima: Comunidade:..............................................
Distância:-------------------- -minutos/horas de viagem ( ) a pé ( ) de remo ( )
de rabeta ( ) motor de centro
Rio abaixo: Comunidade:..............................................
Distância:-------------------- -minutos/horas de viagem ( ) a ( ) de remo ( ) de rabeta ( )
motor de centro
Obs:--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
2.8 Qual comunidade que o Sr. mantém mais contato:--------------------------------------
3 – ANDIROBA (murumuru/outros)
3.1 Tem andiroba na Comunidade? ( ) sim ( ) não
Localização das árvores:--------minutos a---------pé---------remo-----------rabeta----------motor de
centro.
3.2 Meses de coleta:................................
3.3 Produção média por safra:-----------------------
3.4 Durante a safra, dá para coletar quantas latas por dia?----------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------
3.5 Preço por lata:-----------------------
3.6 O Sr. acha justo o preço pago pela Cooperativa por lata de produtos coletado?
( ) sim ( ) não
3.7 O Sr. sabe para quem é vendida a produção da Cooperativa? ( ) sim ( ) não
3.8 O Sr. sabe o que é feito com o óleo produzido na Reserva? ( ) sim ( ) não
3.9 A renda conseguida pela venda dos produtos à Cooperativa é suficiente para as
necessidades da família? ( )sim ( )não por que:----------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
4 - OUTROS PRODUTOS EXTRATIVOS
4.1 Quais os principais produtos coletados:
No inverno: --------------------------------------------------------------------------------------------------------
Localização: --------------------------------------------------------------------------------------------
No verão: ----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Localização: ------------------------------------------------------------------------------------------------
5 – AGRICULTURA
5.1 Tem roça na Comunidade: ( ) sim ( ) não
Localização:-------------------------------------------------------------------------------------------
5.2 Tamanho do roçado:----------------Hectares
5.3 Principais produtos plantados:------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------
5.4 Destinação da produção agrícola:
( ) Consumo direto (família)
( ) Criação de animais
( ) Troca com vizinho
( ) Comercializado
( ) Outro (s)
Obs:--------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
5.5 Criação de pequenos animais (Nº de cabeças)
-------galinha------------patos-----------------porco---------------------outros
5.6 Principais dificuldades para a criação de animais:-----------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------
5.7 Bens e implementos agrícolas:
( ) enxada ( ) terçado ( ) machado ( ) motor –serra ( ) casa de farinha ( ) motor
outros:------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
Observações gerais:------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
6 – ABASTECIMENTO E COMERCIALIZAÇÃO
6.1 De quem o Sr. compra mercadorias e outros produtos:
( ) regatão ( ) Cooperativa ( ) Vizinho ( ) Carauari ( ) outro
Forma de pagamento:----------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
6.2 Para quem o senhor vende sua produção:
( ) regatão ( ) Cooperativa ( ) Vizinho ( ) Carauari ( ) outro
Forma de recebimento:--------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------
6.3 O que pode ser feito para melhorar o trabalho de abastecimento e comercialização de
produtos na Comunidade?----------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------
6.4 Outras fontes de renda:-----------------------------------------------------------------------------
7 – CAÇA E PESCA
7.1 Quem na família caça?--------------------------------------------------
7.2 Com que frequência caçam? ( ) semanal ( ) mensal ( ) outro---------------------------
7.3 Técnica(s)/materiais utilizados para caçar:
( ) espingarda ( ) cachorro ( ) espera ( ) outro:-----------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------
Obs:---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
7.4 Quais os animais mais caçados:---------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------
7.5 Qual o lugar mais distante que o Sr. caça? ----------------------------------------------------
-------------------minutos ou--------horas a pé
7.6 Quem pesca na família?-----------------------------------------------------------------------------
7.7 Quais os peixes mais consumidos?--------------------------------------------------------------
7.8 Local de pesca:----------------------------------------------------------------------------------------
7.9 Materiais utilizados:
Inverno:----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------
Verão:------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
7.9.1 Nos últimos anos, tem ficado mais fácil ou mais difícil a pesca?
( ) mais fácil ( ) mais dificil ( ) igual
Porque?----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
7.9.2 O Sr. já vendeu peixe alguma vez? ( ) sim ( ) não
Caso sim, anotar situação:----------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
7.93 O Sr. faz alguma coisa para não prejudicar o peixe? ( ) sim ( ) não
Explicar:----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
Obs. Gerais:----------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
8 – EDUCAÇÂO
8.1 Tem escola na Comunidade: ( ) sim ( ) não
8.2 O Sr. sabe ler ( ) sim ( ) não
8.3 Quantas pessoas na família, estudam?----------------------------------------------------------
8.4 Quais são as dificuldades para frequentar a escola?-------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------------
9 – CULTURA
9.1 Existe alguma data comemorativa na Comunidade? ( ) sim ( ) não
Caso exista, qual/quais?-------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------
9.2 Produz artesanato?--------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------
9.3 Quais os produtos medicinais da floresta que o Sr. conhece:--------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Obs.---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
10 – RESERVA EXTRATIVISTA
10.1 O Sr. conhece:
Reserva Extrativista? ( ) sim ( ) não ( )mais ou menos
IBAMA? ( ) sim ( ) não ( )mais ou menos
CNPT? ( ) sim ( ) não ( )mais ou menos
INCRA? ( ) sim ( ) não ( )mais ou menos
CNS? ( ) sim ( ) não ( )mais ou menos
ASPROC? ( ) sim ( )não ( )mais ou menos
STRC? ( ) sim ( ) não ( )mais ou menos
Plano de utilização? ( ) sim ( ) não ( )mais ou menos
10.2 Participou da discussão sobre a criação da RESEX-MJ ?-----------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
10.3 Há conflitos na Comunidade em relação a Reserva? Quais?-------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------------
10.4 Quais são as maiores dificuldades enfrentadas para se continuar morando na
Reserva?--------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
10.5 O Sr. gostaria que seus filhos continuassem morando na Reserva?---------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------
10.6 O Sr. participa de reuniões na Comunidade? ( ) sim ( ) não
Porque?----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
10.7 O Sr. sabe da existência de uma Cooperativa dentro da Reserva?
( ) sim ( )não
10.8 O Sr. participou das reuniões para a fundação da Cooperativa? ( ) sim ( ) não
Porque?----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
10.9 Como o Sr. avalia o trabalho da Cooperativa?--------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
10.10 Como poderia ser melhorado o trabalho da Cooperativa?---------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------
11 - TERRITÓRIO/TERRITORIALIDADE
11.1 Existe um limite entre sua Comunidade e as Comunidades vizinhas?
( )sim ( ) não
Caso exista, o que delimita esse limite?-----------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------
11.2 O Sr. pode pescar/caçar em qualquer local dentro da Reserva? ( ) sim ( ) não
porque:-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
11.3 O Sr. caça e pesca fora da Reserva? ( ) sim ( ) não
porque:-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
11.4 O Sr. conhece os limites da Reserva?
( ) sim ( ) não
11.5 Os moradores do outro lado da margem direita do rio Juruá podem pescar, caçar e
coletar produtos dentro da área de sua Comunidade?
( )sim ( ) não
11.6 Caso o Sr. encontre pessoas que não fazem parte da Comunidade pescando, caçando
e coletando produtos dentro da área da Comunidade, o que é feito?---------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------
11.7 tentativas de caçadores e pescadores de outras Comunidades e até mesmo de
outras cidades de pescarem, caçarem e coletarem produtos dentro da área da
Comunidade? De onde são?-------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------
11.8 Levando em conta que a Comunidade do Roque detém a melhor infra-estrutura dentre
as demais, o que o senhor acha desse tratamento diferenciado que é dado a Comunidade
do Roque?-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------
11.9 Por que sua Comunidade não tem uma infra-estrutura igual ou parecida com a da
Comunidade do Roque?-------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
11.10 O que poderia ser feito para que todas as Comunidades tivessem a mesma infra-
estrutura da Comunidade do Roque?--------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------
11.11O Sr. percebe que houve melhorias na sua vida após a criação da Reserva?
( )sim, quais?---------------------------------------------------------------------------------
( ) não porque?-------------------------------------------------------------------------------
11.12 Qual o tipo de apoio que a Comunidade recebe dos órgãos públicos?-----------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
--------------------------------------------------------------------------------------------
11.13 O Sr. conhece os direitos e deveres dos moradores da Reserva? ( ) sim ( ) não
Caso conheça, concorda? ( ) sim ( ) não por que:------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------
11.14 Há algum tipo de conflito entre as Comunidades? ( ) sim ( ) não por que:-----------------
--------------------------------------------------------------------------------------------------
11.15 Quais são as Comunidades que o Sr. conhece na Reserva e quais visitou?---------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
--------------------------------------------------------------------------------------
11.16 algum momento em que as Comunidades se reúnem para discutirem os
problemas referentes a gestão da Reserva?-----------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
--------------------------------------------------------------------------------
11.17 O Sr. acha que há uma gestão comunitária da Reserva? ( ) sim ( ) não
11.18 Com que freqüência o Sr. vai a Carauari?------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
11.19 O Sr. concorda com a comercialização coletiva da produção extrativa da Reserva? (
) não ( ) não por que:---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - DOUTORADO
ENTREVISTA
PRESIDENTE DA COOPERATIVA DA RESEX MJ
1 – Qual é o nome da Cooperativa?----------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
2 Como e porque surgiu a Cooperativa?-------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
3 – O Sr. sabia da existência da ASPROC?
4 – Qual foi à posição da ASPROC quando soube da criação da Cooperativa?
5 – Quem idealizou a criação da Cooperativa?
6 – Quantas pessoas e Comunidades participaram da criação da Cooperativa?
7 – Todos os moradores da Resex participam da Cooperativa?
8 – Qual a quantidade de produto (por mês) que é comercializado?
9 – Como é comercializada a produção da Cooperativa?
10 – Como é dividido o lucro da cooperativa?
11 – A Cooperativa dispõe de meios de transportes? Quais?
12 – Como é a relação da Cooperativa com os moradores de fora da Reserva?
13 – Quais os produtos que a Cooperativa adquire dos moradores?
14 Como é feito o abastecimento dos gêneros de primeira necessidade para os
moradores/cooperados?
14 – O Sr. participou das reuniões para a criação da Reserva?
15 – A Cooperativa mantém contatos com outras Cooperativas em Reservas Extrativistas?
16 Quais os planos da Cooperativa para melhorar as condições de vida, bem como a
geração de renda dos moradores?
17 – Houve ou há algum conflito da Cooperativa com a ASPROC?
18 – Quais os órgãos ou instituições que dão apoio à Cooperativa?
19 - Quais são os principais clientes da Cooperativa?
20 – Quais as principais transformações que a criação da Cooperativa trouxe para a
Reserva?
21 – Como é a relação da Cooperativa com o IBAMA?
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - DOUTORADO
ENTREVISTA
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE PESCADORES
1- O Sr. foi a favor ou contra a criação da Resex?
2- Quais os principais problemas enfrentados pelos pescadores em relação a Reserva?
3- Já houve conflitos entre os pescadores e os moradores da Reserva?
4- Os moradores da Reserva podem pescar fora da mesma, mas os de fora não. O Sr.
concorda com isso? O Que sugere?
5- O Sr. acha que houve desabastecimento da cidade em virtude da criação da
Reserva?
6- Quantos associados existem?
7- O seguro defeso é pago?
8- Existe algum morador da Reserva que seja associado?
ANEXO 2
Resolução Conama nº 13, de 6 de dezembro de 1990
O Conselho Nacional do Meio Ambiente Conama, no uso das atribuições que
lhe o conferidas pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, alterada pela Lei
8.028, de 12 de abril de 1990, regulamentadas pelo Decreto 99.274, de 6 de
junho de 1990, e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, e
1
.
Considerando o disposto nos artigos e 27, Decret o n? 99.274, de 6.6.90;
Considerando a necessidade de estabelecer-se, com urgência, normas referentes
ao entorno das Unidades de Conservação visando a proteção dos ecossistemas ali
existentes, resolve;
Art. 1º. O órgão responsável por cada Unidade de Conservação, juntamente com os
órgãos licenciadores e de meio ambiente, definirá as atividades que possam afetar a
biota da Unidade de Conservação. Art. 2º. Nas áreas circundantes das Unidades
de Conservação, num raio de dez quilômetros qualquer atividade que possa afetar a
bipta, deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente.
Parágrafo único. O licenciamento a que se refere o capitt deste artigo será
concedido mediante autorização do órgão responsável pela administração da
Unidade de Conservação. Art. 3º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua
publicação.
Jo A. Lutzenberger
Presidente
nia Maria Tonelli Munhoz
Secretária Executiva
(DOU de 28.12.90)
1
Vide Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 e Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990. Tema 9: "Proteção ao Meio
Ambiente, págs. 1098 e 1188, respectivamente.
Resolução 2, de 18 de abril de 1996
O Conselho Nacional do Meio Ambiente — Conama, no uso das atribuões que
lhe conferem o inciso I, do artigo , da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981,
incisos II e X, do artigo 7º, do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990
1
, resolve:
Art. 1º. Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição
de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento de empreendimentos de
relevante impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente com
fundamento do EIA/RIMA, terá como um dos requisitos a serem atendidos pela
entidade licenciada, a implantação de uma unidade de conservação de domínio
público e uso indireto, preferencialmente uma Estação Ecológica, a critério do
órgão licenciador, ouvido o empreendedor.
§ 1º. Em função das características da região ou em situações especiais,
poderão ser propostos o custeio de atividades ou aquisição de bens para unidades
de conservação públicas definidas na legislação, existentes ou a serem criadas,
ou a implantação de uma única unidade para atender a mais de um
empreendimento na mesma área de influência.
§ 2º. As áreas beneficiadas dever-se-ão se localizar, preferencialmente, 'na
rego do empreendimento e visar basicamente a preservação de amostras
representativas dos ecossistemas afetados.
Art. 2º. O montante dos recursos a serem empregados na área a ser utilizada, bem
como o valor dos serviços e das obras de infra-estrutura necessárias ao cumprimento
do disposto no artigo 1º, será proporcional à alteração e ao dano ambiental a ressarcir
e não poderá ser inferior a 0,50% (meio por cento) dos custos totais previstos para
implantão do empreendimento. Art, 3º. O órgão ambiental competente deverá
explicitar todas as condições a serem atendidas pelo empreendedor para o
cumprimento do dispôs to nesta Resolão, durante o processo de licenciamento
ambiental.
1
Vide Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 e Decreto nº 99.274, de junho de 1990. Tema 9: "Proteção ao Meio Ambiente,
págs. 1098 e 1188, respectivamente.
ANEXO 3
ENTRE OS SERINGAIS
EUCLIDES DA CUNHA
(In revista "Kosmos", Rio de Janeiro, Ano IIl, janeiro, 1906, n 1).
A abertura de um seringal, no Purus, é tarefa inacessível ao mais solerte
agrimensor, tão caprichosa e vário é a diabólica geometria requerida pela divisão
dos diferentes lotes. De feito, relegado a um minimum extraordinário o valor próprio
da terra, ante a valia exclusivo da árvore, ali se engendrou uma original medida
agrária, o "estrada", que por si resume os mais variados aspectos do sociedade
nova, à aventura abarrancada à margem daqueles grandes rios.
A unidade não é o metro é a seringueira; e como em geral 100 árvores
desigualmente intervaladas, constituem uma "estrada", compreendem-se para logo
todas as disparidades de forma e dimensões do singularíssimo padrão que é, não
obstante, o único afeiçoado à natureza dos trabalhos.
Não gizar-se um outro. Perdido na mata exuberante e farta com o intento
exclusivo de explorar a hevea apetecida, o seringueiro compreende, de pronto, que
a suo atividade se debaterá, inútil, no inextricável trama de folhagens, se não vingar
norteá-la em roteiros seguros, normalizando-lhe o esforço e ritmando-lhe o trabalho
tão aparentemente desordenado e rude. É-lhe, ademais, Indispensável que os seus
numerosos camaradas, fregueses ou aviados, destinados a agirem, isoladamente,
não se embaralhem, às tontas, iludidos pelos desvios da floresta.
As "estradas" resolvem a questão. Mas o seu traçado é, de si mesmo, o
primeiro problema imposto a quem quer que intente abrir um sítio de borracha:
Assim é que, erguida rapidamente a primeiro vivenda do barracão, sempre ò
beira do rio principal, na barranca de uma terra firme a cavaleiro das águas, e
feito um reconhecimento preliminar do latifúndio que o rodeia, o sitiante procura um
sertanista experimentado o quem confia o encargo de dividir-lhe e avaliar-lhe a
fazendo. 5l! '
E o mateiro lança-se sem bússola no dédalo das galhadas com a segurança
de um instinto topográfico surpreendente e raro. Percorre em todos os sentidos o
trecho de relva a explorar; nota-lhe os acidentes; apreende-lhe a fisionomia
complexo que vai dos igapós alagados aos firmes sobranceiros às enchentes; troça-
lhe os varadouros futuros; oval ia-lhe, rigorosamente, as estradas; e vai no mesmo
lance, sem que lhe seja mister traduzir complicadas cadernetas escolhendo à beira
dos igarapés todos os pontos em que deverão erigir-se pequenas barracas dos
trabalhadores.
Feito êste exame , geral, apela para dois auxiliares indispensáveis o
toqueiro e o piqueiro; e erguendo num daqueles pontos predeterminados, com as
longas palmas da jarina um papiri, onde se abrigam transitoriamente, metem mãos à
empreitada.
O processo é invariável. Segue o mateiro e assinala
o primeiro de seringa, que se lhe antolha ao sair do papiri. È a boca da estrada.
se lhe reúnem o roqueiro e o piqüeiro - prosseguindo depois, isolado, o mateiro,
até encontrar a segunda árvore, de ordinário pouco distante, a uns cinqüenta
metros. Avisa então com um grito particular ao toqueiro, que parte a alcançá-lo
junto da novo madeira/ enquanto o piqueiro, acompanhando-o mais de passo, vai
tirando a facão a picada, que prefiguro a "estrada". O toqueiro auxilia-o por algum
tempo, abrindo por sua vez um pique para o seu lado, enquanto um outro grito do
mateiro não o chame a reconhecer a terceira árvore; e assim em seguida até o ponto
mais distante, a volta da estrada. Daí agindo do mesmo modo, retrogradando por
outros desvios, vão, de seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima
que termina no ponto de partido.
Ultimo-se o serviço, que dura ordinariamente três dias, ficando a "estrada" em
pique. Partindo do mesmo lugar e adstritos ao mesmo sistema, abrem noutro rumo
uma segunda estrada; e tontas, ao cabo, quantas comporte a natureza circundante,
centralizadas todas pela mesma boca, junto do tijupar que localiza uma barroca.
Busca então b mateiro um outro lugar. Inteligentemente escolhido, e reproduz a
mesmo operação até que, estradado todo terreno, fique completamente repartido o
seringai, como o revela este esboço, .onde, presas pelos varadouros ao barracão
erguido ò beira do rio, se vêem os barracas e as estradas que as envolvem,
contorcidos a maneira de tentáculo de um polvo desmesurado.
È a imagem monstruosa e expressiva da sociedade torturado que moureja
naquelas paragens. O cearense aventuroso ali chega numa desapoderoda
ansiedade de fortuna, e depois de uma breve aprendizagem em que passa de brabo
a manso, consoante o gíria dos seringais (o que significa o passar das miragens que
o estonteiavam para apatia de um vencido ante a realidade inexorável) ergue a
cabana de poxiúba à ourela mais destacada de um igarapé pitoresco, ou mais para
o centro numa clareira, que a mata ameaçadora constringe, e longe do barracão
senhoril, onde o seringueiro opulento estadeia o porasitismo farto, presente que
nunca mais se livrará da estrada que o enlaça, e que ele vai pisar durante o vida
inteiro, indo e vindo, o girar estonteadamente num monstruoso círculo vicioso da sua
faina fatigante e estéril.
A pieuvre ossombradora tem, como a sua miniatura pelágica, uma boca
insaciável servida de numerosas voltas constritoras; e o sorgo quando, extintas
todas os ilusões, esfolhadas uma a uma todas as esperanças, queda-se-lhe, um dia,
inerte, num daqueles tentáculos, o corpo repugnante de um esmoleitado, caído no
absoluto abandono.
Considerai a disposição das estradas.
É o diagrama da sociedade nos seringais, caracterizando-lhe um dos mais
funestos atributos, o da dispersão obrigatória.
O homem é um solitário. Mesmo no Acre, onde a densidade maior das
seringueiras permite a abertura de 16 estradas numa gua quadrada, toda essa
vastíssimo área é folgadamente explorada por oito pessoas apenas. Daí os
desmarcados latifúndios, onde se nota, malgrado a permanência de uma exploração
agitada, grandes desolamentos de deserto...
Um seringai médio de 300 "estradas", corresponde a cerca de vinte léguas
quadradas; e toda essa província anônima comporta o esforço de 150
trabalhadores.
Ora, esta circunstância, este afrouxamento das atividades distendidas numa
faina dispersiva, a par de outras anomalias, que mais^diante'revelaremos, contribui
sobremaneira paro o estacionamento da sociedade que ali se agita no afogado das
espessuras, estèrilmente - sem destino, sem tradições e sem esperanças - num
avançar ilusório em que volve monotonamente ao ponto de partida, como as
"estrados" tristonhas dos seringais.
O ENCONTRO DE EUCLIDES DA CUNHA COM PLÁCIDO DE CASTRO E AS
DIVERGÊNCIAS QUE DAÍ SURGIRAM.
Geraldo Joffily
Em outubro de 1905 estava o vapor fluvial Rio Branco ancorado na Boca do
Acre, embocadura do Rio Acre com o Purus; neste "gaiola", como eram chamados
estes pequenos navios, embarcaram dois passageiros, que se haviam destacado
e ficariam na história do Brasil como símbolos: Euclides da Cunha, que havia
escrito Os Sertões, e José Plácido de Castro, que havia comandado a Revolução
Acreana. Euclides vinha de uma Comissão Demarcatória do Alto Purus, acertando
os limites com o Peru. Plácido vinha do Acre, onde tinha grandes seringais. Viajaram
juntos aManaus, pelo menos sete dias, e a respeito destas duas personalidades,
bem distintas muita coisa ficou documentada. É o que passaremos a examinar:
Tão logo chega ao Rio de Janeiro, Euclides da Cunha publica, na revista
Kosmos, de janeiro de 1906, um artigo com o título "Entre os Seringais”, no qual,
sem qualquer referência direta a Plácido de Castro, compara "as estradas de
borracha aos tentáculos de um polvo, torturando o cearense que ali chega numa
desapoderada ansiedade, e que nunca mais se livrará da estrada que vai pisar
durante a vida inteira..." (Ver anexo I).
No ano seguinte, aos 27 de março de 1907, Plácido de Castro, como Prefeito
de Rio Branco, no Acre, envia longo relatório ao Ministro da Justiça, tratando de
assuntos vários, e aproveita a ocasião para queixar-se do artigo de Euclides, com as
seguintes palavras:
"Em outubro de 1905, a bordo do.vapor Rio Branco, da Companhia
Amazônica, teve o Dr. Euclides da Cunha a franqueza de nos confessar a sua
alheação dos nossos costumes e pediu-nos algumas informações, ao que nos
prontificamos, escrevendo em sua própria carteira de notas uma ligeira
monografia sobre a extração da borracha... Mais tarde vimos as nossas
despretenciosas notas publicadas na Kosmos, profundamente truncadas,
para vir despertar a piedade do público com vivas cores com que pretende
descrever o,proletariado... o nosso -croquis- das estradas de seringa
escapou ileso...”
(x)
É difícil saber se Euclides da Cunha teria tomado conhecimento do Relatório
de Plácido de Castro, mas é provável que soubesse alguma coisa, e mesmo assim
não guardou ressentimento, como se no seguinte tópico de uma de suas cartas
ao seu colega da Academia de Letras, o poeta Vicente de Carvalho:
"A morte de Plácido de Castro abalou-me profundamente. Conheci-o e
conversei-o largo tempo, quando viajamos, juntos, no Purus, em
1904.(equivoca-se, foi em 1905) Era uma alma desassombrada e heróica.
Tinha, talvez, muitos defeitos. Mas não se pode negar excepcional valor, a
quem -de fato- dilatou o cenário de nossa história. De qualquer modo,
merecia outra sorte",
(xx)
Temos em foco o choque de duas ideologias: Euclides, que iniciou a história
sociológica do Brasil; e Plácido de Castro, que muito embora procurasse justificar a
(x)
O Estado Independente do Acre, Genesco de Castro, p. 184, ed. de 1930.
(xx)
Artigo de Wenceslau Rosa, no Correio da Manhã de 9/jan. /1966, transcrevendo carta de Euclides.
posição dos seringalistas, tinha o incontestável mérito de ter chefiado uma
verdadeira guerra anticolonialista, como ele próprio a define:
"No dia 23 de junho de 1902, achava-me no -Território de Colônias, da
Bolívia, demarcando o seringal Vitória, de propriedade de José Galdino,
quando chegaram-me às mãos alguns jornais que noticiavam como definitivo
o arrendamento do território acreano e estampavam o contrato firmado entre
a Bolívia e o -Bolivian Syndicate-. Veio-me a idéia cruel de que a Pátria
Brasileira se ia desmembrar; pois, ao meu ver aquilo não era mais do que
o caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando-no a
lhes franquear a navegação dos nossos rios... Qualquer resistência do Brasil
ensejaria aos poderosos Estados Unidos o emprego da força... Guardei,
apressado, a bússola Casella, de que me estava servindo, abandonei as
balizas e saí no mesmo dia para as margens do Acre, cuidando da pos-
sibilidade de uma resistência...
(x)
Nos apontamentos confiados a Euclides da Cunha, que agora vão
aparecer (ver anexo II), Plácido toda a relação de gastos do "seringueiro brabo",
evidenciando a mais dura extorsão: além das passagens do Ceará ao Acre, os
seringalistas cobravam dos seringueiros as próprias ferramentas de trabalho dos
seringais. Pela maneira de expor, Plácido achava tudo aquilo muito natural; e
apresenta o dono do seringai como vitima de outros agentes:
"A mercadoria é vendida ao proprietário do Acre mais cara do que a qualquer
outro e, além disso, é onerada de avultadas comissões, porque as casas
aviadoras quase sempre compram de terceiros. Um quilo de charque
comprado por 1$200 chega no Acre por 2$000; uma saca de sal de 4$500
por 7$500; milho de 12$000 a saca por 20$000; um quilo de quinino,
medicamento indispensável, custa no Pará 200$000 e chega-nos por
340$000... Facilmente se avaliará por que preço irão os proprietários vender
estas mercadorias aos seringueiros... Na exportação das pelas de borracha o
Governo Federal retira 23%, o transporte até o Pará 6%, o seguro 2%, o
comissário de vendas 3%; ao todo 34%... “Para fazer a aquisição de
trabalhadores, manda o proprietário do seringal um encarregado ao Ceará,
procurando engajar o pessoal, adiantando-lhes dinheiro, sem o que se torna
impossível angariar trabalhadores. . . Muitos falecem em viagem pela
deficiência extrema de alimentação e diversas epidemias. O pessoal chega
ao porto de destino reduzido a pouco mais de 60%. "
(x)
O líder da guerra anticolonialista comportava-se agora como um dono de
seringal, mas examinemos os apontamentos que diz ter confiado a Euclides da
Cunha: na verdade, Euclides recebeu de Plácido de Castro um caderno de 37
folhas, com 64 páginas manuscritas a lápis no rosto e no verso. As 15 primeiras
páginas vêm com o seguinte título: "Como Se Faz A Extração Da Borracha No Acre",
e estão ilustradas com 5 pequenos desenhos e três esboços de plantas de estradas
de seringa. A seguir, vêm mais 47 páginas sobre "A Revolução Acreana'',
numeradas de 17 até 64, igualmente manuscritas a lápis, e ilustradas com 15
esboços de plantas, indicando a posição das tropas e seus deslocamentos.
Todo o material é do próprio punho de Plácido de Castro, sendo comparado
com duas cartas suas ao Ministro Rio Branco pelo ilustrado perito Dr. António Carlos
(x)
O Estado Independente do Acre, ob. cit. , p. 44. Nos apontamentos que diz ter deixado com Eucli-
des da Cunha, repete as mesmas palavras.
(x)
Ibidem, ps. 186 a 191.
Villanova'
(x)
. A parte sobre a "Revolução Acreana" aparece na referida obra de
Genesco de Castro (em 1930), percebendo-se que Plácido trata do mesmo assunto,
com a mesma linguagem, mas sem repetir exatamente as palavras do referido
caderno, e faltando os mapas esboçados.
Naquele mesmo navio fluvial ancorado na Boca do Acre, embarcou também o
Dr.Jango Fischer, um dos secretários do Ministro Rio Branco, que estivera no Acre a
serviço do Ministério do Exterior. Plácido deve ter ficado em Manaus, enquanto
Euclides e Fischer devem ter viajado juntos até o Rio de Janeiro. Fischer era pessoa
acostumada a lidar com documentos, sendo autor de uma "Classificação Decimal
Simplificada, para servir à Biblioteca, do Itamarati" e de um "índice do Dicionário de
Sacramento Blake''. O caderno escrito por Plácido e entregue a Euclides foi parar
nas mãos de Jango Fischer, e depois para as nossas, pois o autor do presente
trabalho casado com a única filha de Jango Fischer.
O professor Leandro Tocantins, autor da notável obra Formação Histórica do
Acre, bem conhecia o Relatório de Plácido e o artigo de Euclides na revista Kosmos,
mas não conhecia o caderno manuscrito de Plácido, agora divulgado (Ver anexo
II).
A respeito da acusação de Plácido, contra Euclides, o professor Leandro Tocantins
tem a seguinte opinião:
"O que Euclides praticou foi simplesmente dar um cunho bastante pessoal na
descrição dos fatos que o impressionaram, ou àqueles que pediu a alguém,
para registrá-los. O registro é a verdade, anotada por Euclides, ou por outros.
Este não poderia alterá-la, em sua essência, como não alterou, mas se
permitiu apresentá-la a seu modo, - e eis aqui a criação literária, cheia de
sugestões estéticas e dimensões humanas. . . ''
(x)
Nossa admiração por Euclides da Cunha tem sido várias vezes reafirmada
(x)
e sempre procuramos tê-lo como modelo, ocorrendo a circunstância de ter
Euclides assinalado, com elogios, as Notas Sobre A Paraíba, de I. Joffily
(xx)
,
mas nada impede que examinemos, detalhadamente, o conteúdo das
informações deixadas por Plácido com Euclides e o que teria Euclides
aproveitado.
Apontamentos de Plácido:
"Segue para o mato o mateiro e assinala a primeira seringueira perto do papiri
a qual será a -boca- da nova estrada, ficam -o toqueiro- e -piqueiro- e
segue o mateiro a procurar outra seringa que se encontrará até 50 metros ou
60... "
Artigo de Euclides:
(x)
Residente em Brasília à SQS 306, BI. F, api 204, tel. 42.8613.
(x)
Euclides da Cunha E ©Paraíso Perdido, p. 76, ed. do Governo do Amazonas,
1966.
(x)
O Sertanista Euclides, Geraldo Irenêo Joffily, artigo publicado no Suplemento
Literário da A União, Paraíba, 1950. Euclides da Cunha E A Rodovia
Transamazônica, Geraldo Joffily, Revista de História da Universidade de São Paulo,
nº 102, p. 777.
(xx)
Contrastes e Confrontos, Euclides da Cunha, 8a. ed.. Leio, 1923, p. 89. E Os
Sertões, do mês mo autor, 6a. ed., 1923, p. 60.
"Segue o -mateiro- e assinala o primeiro pé de seringa, que se antolha ao sair
do -papiri-. É a -boca- da estrada. Aí se lhe reúnem o -toqueiro- e o -piqueiro-,
prosseguindo depois, isolado, o mateiro, até encontrar a segunda árvore, de
ordinário pouco distante, a uns 50 metros...''
Plácido:
''Aí dá sinal por um grito que lhes é peculiar e que ouvido pelos outros parte o
toqueiro a colocar-se junto ao tronco da árvore...''
Euclides:
"Avisa então com um grito particular ao -toqueiro-, que parte a alcançá-lo
junto da nova -madeira...''
Plácido:
"...o piqueiro vai fazendo com o facão um pique na mata para o lado em que
se acha o toqueiro..."
Euclides:
"O -toqueiro- auxilia- o por algum tempo, abrindo por sua vez um -pique-
para o seu lado...''
Plácido:
"A parte mais distante da boca da estrada é ordinariamente o ponto em que
ela volta para o ponto donde partiu e chama-se -volta da estrada-.
Euclides:
"...e assim em seguida até o ponto mais distante, a -volta da estrada-."
Plácido:
"Chegando o mateiro de seringueira em seringueira ao ponto em que partiu, o
que ordinariamente sucede com 2 ou 3 dias de trabalho, diz-se que fechou a
estrada e ela está por conseguinte em -pique-."
Euclides:
"...vão de seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima que
termina no ponto de partida. Ultima-se o serviço, que dura ordinariamente três
dias, ficando a estrada em -pique-."
Plácido:
"Pode considerar-se como média de densidade da seringueira no Acre 16 a
18 estradas por légua quadrada, podendo trabalharem nesta área 8 ou 9
homens no máximo.''
Euclides:
''Mesmo no Acre, onde a densidade maior das seringueiras permite a abertura
de 16 estradas numa légua quadrada, toda essa vastíssima área e
folgadamente explorada por 8 pessoas apenas."
Plácido:
"Esta questão é importante e demonstra a razão porque os seringais ocupam
tão vasta área. O solo não vale nada, a seringueira é tudo..."
Euclides:
''Daí os desmarcados latifúndios, onde se nota, malgrado a permanência de
uma exploração agitada, grandes desolamentos de deserto...''
O aproveitamento dos dados fornecidos por Plácido parece-me demonstrado,
mas devemos considerar que se trata de uma reportagem, podendo-se desculpar a
nenhuma referência ao trabalho de Plácido. Estamos certos de que Euclides
pensava em reunir este artigo a outros, formando um livro, como aconteceu com
tochas as suas valiosas obras, e aí, sim, não deixaria de assinalar a colaboração de
Plácido de Castro, embora discordarido da opinião do guerreiro anticolonialista,
quando defende a posição dos donos de seringais.
PRINCIPAIS TRABALHOS DO AUTOR:
O ACHE DESCONHECIDO. Publicado ao O Observador Edonômico e Financeiro.
Rio de Janeiro, 1940.
LINSCRIPTION PHÉNICIENNE DE PARAHYBA, UN DOCUMENT APOCRYPHE.
Publicado na Zeits der Deuts-chen Morgenlandischen Gesellschaf (RFA), band 122,
1972.
A MORTE DA COBRA MÃE DO RIO. Publicado no Correio das Artes. Paraíba,
10/jul. /l 977.
O JUIZ NA REVOLTA DA CHIBATA. Publicado no Suplemento Cultural do O
Estado de S. Paulo, 19/11/1978.
ATIVIDADES DE UM JUIZ. Edição própria. Brasília. 19G4.
UM CRONISTA DO SERTÃO NO SÉCULO PASSADO. Edição Cultural do Município
do Campina Grande, 1905.
Apresentação da reedição das NOTAS SOBRE A PARAHYBA de Irenêo Joffily. Ed.
Thesaurus. Brasília,! 977.
BRASÍLIA E SUA IDEOLOGIA. Ed.Thesaurus, 1977.
QUEBRA-QUILO, A REVOLTA DOS MATUTOS CONTRA OS DOUTORES. Editora
Thesaurus. Brasília, 1977.
ATUAÇAO DE JOÃO PESSOA COMO MAGISTRADO. A sair nos Anais do II
Seminário Paraibano de Cultura, 1978.
ANEXO 4
ENTREVISTA COM O SERINGUEIRO ELSO PACHECO
nós vivia muito bem. Ninguém tinha questão. Mas depois que eu comecei a ser sócio do
Sindicato ele começou a mexer comigo e outros companheiros mais, porque também eram
sócios. Aí aconteceu de nós fazer uma casa pra fazer qualquer reunião, de escola e de
Sindicato, também.... Porque nós tinha uma escola pelo MEB, mas não tinha casa. Eles
disseram que não tinham condições de fazer pediram que era se nós pudesse fazer, pra ter
uma casa pra funcionar a escola e fazer qualquer reunião. Nós começamos o trabalho da casa,
os seringueiros mesmo. o Patrão cá na cidade soube que nós tava construindo essa casa. Aí
ele manda um bilhete pra nós s achava que s era que mais estava interessado nesse
trabalho, pra nós não continuar no trabalho da casa que o Sindicato era inimigo dele. Mas nós
tinha precisão da casa, continuamos. E outros companheiros que tavam ajudando nós no
trabalho dessa casa, com esse ameaço do trabalho. Aí, nós tava vendo que era preciso fazer
mesmo, enfrentamos. depois com uns dias, foi lá, chamou eu e outro companheiro que ele
tinha mandado esse bilhete, lá num quarto dentro da loja dele pra conversar sobre esse bilhete,
porque disse que ele tinha mandado. Pois bem. Aí ele foi, puxou o assunto que tinha mandado
aquele bilhete pra nós, pra nós não fazer a casa e nós tinha continuado. Ele disse pro outro
meu companheiro, dizendo assim “pra desmanchar a casa, pra ele aumentar a dele, pra
aproveitar, que ele não queria”. eu entrei e disse que a casa nós não ia desmanchar. Falei
pelo companheiro, tomei até a palavra dele, porque eu achei que nós não devia desmanchar a
casa. Podia até desmanchar se fosse uma autorização do Juiz. Aí depois, ele até adefamou do
Sindicato, chamou nosso presidente de patife, cachorro. ainda tive uma discussão meia
hora ao lado dele e ninguém se entendeu mesmo. viemos pra fora, ele ajuntou todo
mundo, veio puxar a mesma conversa. Aí nós pedimos pros outros companheiros falar alguma
coisa, ninguém falou. eu mais o companheiro, entramos de novo, porque tava precisando
nós falar mais alguma coisa, né. ficou assim. passou uma porção de dias. ele chega
lá. Nós tava reunido na casa, ninguém não tava nem esperando, ninguém da cidade.
mandou chamar eu e o outro companheiro. eu disse que não ia, que se ele quisesse algum
negócio com nós, que do mesmo jeito que nós podia ir lá, ele podia vir também. ele veio,
ele e um filho dele e um empregado da embarcação dele. Ele disse que queria falar com
nós dois. Na casa do compadre Dico. (Ele é meu compadre). ele puxou a carta do bolso,
tinha dito pra nós desmanchar a casa e nós o tinha aceitado, que aquela carta era uma
autorização do Juiz pra desmanchar. Agora. Ele ia num acordo com nós, pra ver se nós
concordava. Agora, se nós não concordava em desmanchar mesmo ele voltava aqui com o
Juiz e o Juiz dava uma autorização pra polícia ir desmanchar. eu achei que os outros
também devia participar, que tinha outros que ajudou na casa. eu pedi pra ele ler a carta
pros outros e ele não quis ler mais. Isso faz um ano, mês de setembro. ele não queria ler a
carta, não. eu fui e perguntei pros outros se eles concordavam em desmanchar. nós
viemos, falar com o Juiz. O Juiz ainda quis puxar pro lado dele, pra ver se desmanchava
mesmo...Ele disse que estava fazendo uma investigação com a Prefeitura. Aí passou dois dias,
que foi dar uma resposta. Nós tava no Cartório, mandou chamar o Prefeito, o Vice-
Prefeito. Aí saiu eles dois, nós entramos.Aí disse pra nós, o Vice-Prefeito, que tinha uma casa
lá...Que justamente depois que nós fizemos essa casa lá, pra colocar justamente uma escola lá,
seu João Viana arrumou uma Professora lá. Ele levou todo o material daqui, a madeira, o
alumínio e construíram a casa. Depois que nós tinha feito a nossa. Depois que a nossa casa
tava feita ele conseguiu essa Professora. Uma escola fica a uns duzentos metros, de uma pra
outra. De pra nós vem questionando assim. Agora, ele quer me tirar da colocação. Nessa
época que ele chamou todo mundo pro barracão, eu tava achando que o preço da
mercadoria dele lá, tava demais...Já tinha vindo aqui, tinha visto o preço aqui e tinha diferença
até 100% ao menos na COBAL e na SUDHEVEA, quando tinha mercadoria. eu fui exigi
dele o dinheiro pra vim comprar aqui. Ele foi e me disse que não me dava o dinheiro e
daquele jeito eu não continuava trabalhando mais lá. O João Viana disse que não queria
ninguém do Sindicato no seringal dele. Disse que ele tinha comprado, tinha pagado,
quem mandava no seringal dele, era ele. Isso ele disse. Eu exigi o dinheiro da borracha pra vir
comprar aqui, ele disse que não dava e daquele jeito eu não continuava trabalhando mais lá.
Eu tinha um recursozinho, uma roçazinha plantada, fui vendendo algum paneirozinho de
farinha, e ajuntei uma borrachazinha em casa. Não levei pro Barracão. Paguei a renda,
também em dias, quando aconteceu da carta do Juiz autorizando ele pra desmanchar a casa, se
nós não aceitasse, a polícia ia. na discussão ele foi e disse que nós trabalhasse direitinho
com ele entregasse a produção todinha, que não ia ter problema. Eu digo: “Eu entrego como
eu disse naquele dia,pra você me dá o dinheiro, pra eu comprar onde for mais barato”.Essa
que eu não tinha aí. foi que ele disse que dava o dinheiro. Eu disse quantos quilogramas.
Ele disse que não tava com dinheiro, mas que outra vez que ele fosse, ele dava. Digo: “Não.
Eu vou pra e nós faz o negócio, que não estou precisando vender ela mesmo”. eu vim
com essa borracha, ele me deu o dinheiro e eu comprei aqui. depois, justamente foi em
setembro, já pro fim. Eu passei uma semana lá, aí vim praquele encontro, dos seringueiros em
Brasília (criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, 1985). quando eu chego, cortei
uns dias, aí meu pai tava doente, eu vim visitar ele, eu trouxe uma borracha que eu tinha lá.
Cheguei, ele não tava. Tava a mulher. Fui, falei, ela me atendeu, me deu o dinheiro também.
quando foi no fim do fabrico eu trouxe o resto, pra ele, mês de fevereiro. ele me deu o
dinheiro, me chamou no armazém, tratou, do assunto. Que eu procurasse outro lugar pra
morar que lá, não me queria mais. eu perguntei o motivo. Ele disse que era porque minha
produção tinha sido mais pouca do que nos outros anos e não comprava do gerente dele,
então seringueiro que nem eu não dava resultado pra ele. eu perguntei pra ele se o motivo
era aquele. Ele disse que não, que tinha outro motivo. E eu perguntei o outro motivo qual
era, ele não disse mais. eu disse prá ele que não ia dar resposta pra ele naquele dia, que ia
sair e nem que também não ia. Falei com o Sindicato, eles acharam que era bom dizer que eu
não aia sair mesmo porque eu não tinha dado motivo. Tem nove anos que trabalho lá. Ta com
um ano que nós tamos questionando prá ele querer me tirar e eu não querer sair. fui dar a
resposta. E ele não quis aceitar. Nós tivemos uma discussão, até que ele enfezou-se, foi
embora. Quando eu vim e ele disse que não me queria mais lá, o Damião, meu vizinho, veio
comigo. ele também disse pro Damião que saísse de que ele não queria ele lá, não que
ele era do sindicato. Ele não quer ninguém do Sindicato lá.
Qual foi a conseqüência disso lá, pros outros seringueiros?
Eles não estavam dando força. Eu posso contar mesmo, com a minha pessoa, nesse seringal.
Alguns companheiros não tão desistindo ainda, mas não tão, assim, lutando, pra me dar uma
força. Quem ta enfrentando toda a barreira agora, por enquanto, é eu. Alguns começou. Eram
18 sócios do Sindicato mas agora pode contar com 4, porque esse ano passado foi 4
quem pagou. passou uns tempos chega um Oficial de Justiça do Cartório e um
policial, entregar um ofício pra mim e o compadre Dico. Nós viemos aqui, no Juiz. o
Sindicato achou que devia ter participação de um Advogado, falaram pro Juiz se ele
concordava. Aí não teve avião nessa época. O avião tava aqui, no prego, essa época. O Juiz já
ia sair, disse que não dava, quando ele viesse novamente. foi marcado uma data, eu, o
seu Andrade, que é presidente do Sindicato e o Joacir, que trabalha no MEB. O Juiz
marcou uma data, pra ser resolvido. Nós viemos nessa data, quando chegamos aqui, o Juiz
não tava. O Advogado tava. Mas ele não veio. O Advogado falou com o Juiz, marcou outra
data, justamente nesse último encontro dos seringueiros que teve aqui. Nós viemos, o Juiz não
veio. Aí ficou assim, esperando a decisão do Juiz. Ai foi quando eu recebo essa intimação
pra mim comparecer aí. eu não vim. Vim aqui fazer umas compras, que tava arrumado pra
vim fazer essas compras. Vim no horário que tava marcado no ofício, mas ele tava na marcha,
era no dia 5 de setembro. Ai a gente achou que não podia ir falar com ele e resolver esse
assunto junto com ele na marcha, junto com o povo.Ai ninguém foi. Ai eles acharam que eu
devia ir embora pra minha casa e esperar a decisão do Juiz. Ai eu fui. Ai com poucos dias
chega lá o seu João Viana com dois soldados e um sobrinho dele pra me buscar lá de qualquer
maneira. Mas eu vi que não devia vim mesmo, dei um duro lá pra não vim, e não vim mesmo.
Mas quase eles me agridem, dentro da minha casa. Eles ameaçaram me agredir. Ai foi que
aconteceu esse último caso. O soldado chegou e disse que tinha ido pra me acompanhar
com ele até a Delegacia. eu fui saber o motivo. Ele disse que eu sabia. Eu digo: “Não, não
sei”. Ele foi disse que era devido a essa intimação. Fui procurar saber dele também o motivo
dessa intimação. Que eu não sabia. Eles não disseram. Perguntei se era devido ao meu caso
com João Viana. Eles ficaram calado. Digo: “rapaz, se for devido a esse caso com seu João
Viana, eu não vou atender, vou esperar intimação do Juiz, porque eu não posso ir”. Ai o cara,
debaixo de uma chuvinha, disse que eu cuidasse logo, que do jeito que ele tava molhado, não
queria muita conversa não. Eu disse: “rapaz, eu vou na quarta-feira, mas hoje não”. ele
insistiu que eu viesse, que ia me sair melhor, que eu não ia ser preso, que era acompanhar
ele até a Delegacia. Digo: “Mas eu não vou. Hoje não. Vou na quarta-feira.”. O patrão que
tava ofereceu até rancho pra eu deixar com minha família, pra mim vim, pra acompanhar
ele. Digo: “Não, não vou,vou na quarta-feira”. Aí ele sobe e vem de lá pra cá. Aí eu achei que
ele veio pra me agredir. Aí eu dei um duro mesmo pra não ir e não deixar ele entrar. Aí ele viu
que eu tava dando duro mesmo, que não ia deixar ele me levar na cara de pau, ele me
empurrou, queria entrar na marra. ele veio, conversando, vendo se eu entrava num acordo
pra vim, entrando na minha cãs, parece pra me pegar mesmo na covardia. eu cismei, o
outro guarda tinha subido, tava encostadinho, eu empurrei ele pra trás, pra que ele não
entrasse. Aí ele meteu um queixo ainda pra ver se eu concordava pra vim, mas eu não
concordei. Nem deixei ele mais entra na minha casa, ele também desistiu, que viu que eu
não vinha mesmo.vim pra aí, pra Delegacia, com vocês. Agora ta com 15 dias que eu vim
aqui, trouxe a produção pro seu João Viana e ele me disse que não queria mais minha
produção. Queria as estradas de volta. As estradas que eu estou ocupando. Não posso entregar
as estradas que é o único recurso que eu tenho. Faço umas plantaçãozinhas só pra ir comendo.
Mas não planto que pra comprar as coisas que a gente não pode plantar. O recurso que eu
tenho é cortar seringa. Uso duas estradas, porque sempre venho cortando na Época do
verão.No ano passado, época de inverno, eu usei uma estrada, 3 meses. A casa fui eu que fiz,
mas às estradas encontrei aberta. Mas todo ano tem que conservar. Todo ano eu pago a
renda dele. Era 60 kg que ele exigia, em bola, eu vinha dando. do ano passado pra que
eu passei a fazer borracha em imprensada, eu mesmo dei 40 kg, tava até achando
muita. Ele mesmo não exigiu mais, se ele achou pouca. Agora esse ano que não sei como
fazer pra pagar a renda dele. Eu levei a produção prá ele, ele disse que não queria, queria as
estradas. Eu ainda vou apelar pro gerente, mas se ele não quiser receber, ainda vou ver como
vou fazer. O Advogado me falou que não se pode pagar mais do 10% da produção. Aqueleque
não pagam a quantia que ele pede, sempre ele desconta 20% no preço da borracha. Ë a renda
por dentro. Por fora, é a quantia que ele pede pra gente dar. Ele pede uma quantia. Lá o mais é
60 kg, depende das estradas. Mas às vezes, aqueles que demoram prá pagar, ele faz o
desconto no preço da borracha. Ele reclamou também, no dia que eu perguntei o motivo de
ele não me querer lá, que a minha produção tinha sido mais pouca do que nos outros anos. O
ano passado. Mas eu fui e expliquei pra ele que tinha diferença da borracha de bola e da
imprensada. E falei que lá ainda muitos usam de colocar a massa da mandioca puba e botar na
borracha de bola. Depois que eu tomei conhecimento que nós devia fazer essa borracha sem
impureza nenhuma, eu deixei. E era uma coisa que o gerente dele mandava, mandava o
pessoal fazer. Não sei se ele ainda manda. A massa pura da mandioca. Contei pro Juiz a
mesma conversa. O Juiz até perguntou que diferença tinha da borracha em bola pra
imprensada. Eu disse que tinha diferença de até 30%, que é o que tem mesmo. No processo
ele diz que nós só tem 6 meses de ocupação naquele lugar, e as duas testemunhas dele, uma é
o gerente, uma pessoa que vive às custas do seringueiros, que ele não tem outra profissão.
Ele não planta nenhum de mandioca pra comer mais a família e tudo saí da conta do
seringueiro e do pescador. E o outro, é o irmão do gerente. Falei isso pro Juiz. Ele disse que se
eu não saísse ia ficar perigoso pra mim, porque ele ia me perseguir. Ele disse que ele podia
botar uma cobra no meu caminho,no meu trabalho, pra me pegar. Eu até disse pra ele que
cobra mesmo eu sabia que ele não voltava, podia botar uma pessoa pra me perseguir, mas
cobra mesmo não. Isso foi em fevereiro desse ano. Tem testemunha disso, tinha três pessoas
que ouviu. Um deles veio comigo e a mulher mora aqui, foi justamente bem encostadinho da
casa dela que nós tava tratando desse assunto. E o pai desse rapaz que veio comigo, também
escutou.
O relato que apresentamos é demonstrativo e exemplar da configuração
que assumiam as relações sociais nos seringais da Amazônia e especialmente, nos
do médio Juruá.
Intimado pelo Delegado de Polícia de Carauari, o Sargento José
Rodrigues, Elso Pacheco compareceu no dia 17 de setembro de 1986,
acompanhado das seguintes pessoas: José Andrade Júnior, Presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Carauari; Antônio Barroso de Aguiar, membro do
Conselho Fiscal do Sindicato; Dr. José Wallace Pantoja Correia, Advogado do
Tribunal de Contas de Belém; Osmarino Amâncio Rodrigues, Secretário do
Conselho Nacional dos Seringueiros; Ronaldo Lima de Oliveira, Técnico da OXFAM;
Mary Allegretti, Antropóloga, Presidente do Instituto de Estudos Amazônicos.
A presença de todas essas pessoas na Delegacia de polícia deveu-se a
dois fatos:
1) estava em realização em Carauari, o V Encontro Nacional dos
Seringueiros do Vale do Juruá, uma iniciativa do Conselho Nacional dos
Seringueiros, do qual todos estavam participando;
2) a intimação que o seringueiro recebera, dias antes, causou dúvidas
entre os presentes no Encontro. Para elucidá-las, uma comissão procurou o
Delegado, buscando informações relativas a uma portaria da Secretária de
Segurança Pública do Estado do Amazonas, que define a não interferência das
Delegacias de Polícia em questões fundiárias.
Ouvido o Delegado a respeito dessa questão, o mesmo afirmou que o Juiz
de Direito da Comarca de Carauari, Dr. Adair Rebelo, o autorizava a assim proceder.
Em função dessa afirmação, consultou-se o Juiz, por telefone, que, em palavras
textuais, negou peremptoriamente que tivesse dado essa ordem e sugeriu que o
Sindicato enviasse um ofício ao Delegado solicitando que o mesmo fornecesse uma
certidão atestando a autorização do Juiz.
Assim foi feito. O ofício do Sindicato, em função do tempo de duração do
Encontro, estipulou um prazo para a resposta do delegado. Tendo recebido o ofício,
o Delegado solicitou a presença do seringueiro Elso e do Presidente do Sindicato, às
16h na Delegacia. Todos os demais compareceram, como assessores que são das
entidades já citadas.
Embora a conversa ocorrida entre todas as pessoas não tenha sido
gravada, foi integramente reproduzida logo após o encontro com o Delegado,
procurando ser o mais fiel possível ao que cada um dos presentes afirmou.
1) O Delegado recebeu a comissão e acusou o seringueiro de ter ameaçado dois de
seus homens com um terçado (facão) quando foram entregar a intimação em sua
colocação.
2) Dirigiu-se ao Presidente do Sindicato e perguntou se ele foi informado pelo
Advogado, se ele sabia quais são as atribuições legais de um Delegado de Polícia.
Referiu-se ao ofício dizendo que o Sindicato extrapolou sua competência ao
determinar uma imposição ao Delegado, que é subordinado ao Secretário de
Segurança Pública e ao Governador, só recebendo ordens dos mesmos.
3) Falou que o seringueiro havia sido chamado em outra ocasião e não havia
comparecido, que ele tinha acusação contra o seringueiro e que qualquer cidadão é
obrigado a se apresentar quando recebe uma intimação, que ele havia chamado o
seringueiro para ouvir o que ele tinha a dizer.
4) O Presidente do Sindicato afirmou que o seringueiro veio atender o primeiro
chamado, marcado para o dia 5 de setembro, mas que o delegado não se
encontrava na Delegacia na ocasião, que estava tomando conta do desfile, e que ele
achou que não devia interromper o trabalho do Delegado, voltando para a sua
colocação.
5) O delegado afirmou que ele deveria ter ido dizer que o seringueiro estava aqui e
que ele iria atender, que ele precisava ouvir o seringueiro porque ele sempre faz
assim, uma vez que havia acusações feitas pelo proprietário do seringal, um homem
de bem, cumpridor de seus deveres, pagador de impostos. E a função dele era ouvir
as duas partes.
6) Mary Allegretti perguntou se ele havia ouvido o seringueiro. O Delegado
respondeu que ainda não. Mary Allegretti perguntou como ele podia fazer as
acusações que fez se ainda não havia ouvido o seringueiro. O Delegado disse que
havia chamado o seringueiro e o Presidente do Sindicato exatamente para ouvi-los.
Mary Allegretti perguntou por que ele afirmava que o ofício do Sindicato era uma
imposição. Afirmou que no ofício determinava a hora na qual ele devia dar uma
resposta e isso não compete ao Sindicato fazer.
7) Mary Allegretti perguntou qual era a acusação feita contra o seringueiro. Ele
respondeu: “de estar levando os outros seringueiros a não pagar renda, de não
querer pagar renda, de estar fazendo reuniões com os outros seringueiros,
pertubando a ordem social e fazendo ameaças ao proprietário, que estava
produzindo menos que anos anteriores e estragando as seringueiras”.
8) Elso Pacheco respondeu que não era verdade, que ele não ameaçou os
soldados, que ele estava em sua casa, que não podia sair a qualquer hora porque
precisa trabalhar para sustentar a família, que estava saindo com o terçado (facão)
porque ia pescar. Sempre produziu bastante borracha o estava devendo, nem
nunca ameaçou o seringalista.
9) O Conselheiro do Sindicato afirmou que conhece o seringalista desde criança,
que não sabe porque ele está com essa perseguição com o rapaz, que Elso é bom
seringueiro e veio trazer a produção dele pro Patrão e o Patrão não quis receber.
10) O Delegado disse que precisava desses esclarecimentos.
11) Mary Allegretti perguntou por que o delegado não tomava o depoimento do
seringueiro naquele momento. Afirmou que a Delegacia estava em obras, como se
podia ver, a sala de depoimentos estava sem condições de receber ninguém e
estava fora de hora. Ela perguntou por que, então, ele havia chamado o seringueiro
se já sabia que não ia poder tomar o depoimento.
O Delegado disse que não havia ainda ouvido o seringueiro porque ele
não deixava falar. Mary Allegretti afirmou que não era verdade, porque o seringueiro
já tentara falar e ele é que não havia deixado.
12) O Delegado pediu para o seringueiro falar. Elso disse que se admirava do
seringalista fazer aquele tipo de acusação, que era o seringalista que estava
desrespeitando as autoridades, como havia ocorrido, outro dia, na sede da SUCAM,
quando não deixou ninguém falar. Afirmou que ele morava há muitos anos na
colocação, trabalhava duas estradas de seringa e não estava estragando as
seringueiras e que quem mandava estragar o produto era o próprio gerente do
seringal.
13) O Presidente do Sindicato exigiu que as acusações contra o seringueiro fossem
de conhecimento do Sindicato, que o Sindicato queria ouvir o que o seringalista tinha
a dizer contra o seringueiro.
14) O Delegado dirigiu-se ao Presidente do Sindicato e disse que o mesmo não
sabia de nada, não podia exigir nada do poder judiciário, que ainda precisava ler
muito para entender das coisas.
15) Perguntou ao Advogado, então, se ele não estava certo, se quando havia uma
acusação contra alguém, se ele não devia chamar para tomar o depoimento. O
Advogado disse que ele tinha razão e perguntou se não havia condições de fazer
uma perícia no local para saber quem estava estragando as seringueiras. O
Delegado disse que isso era competência da SUDHEVEA.
16) Mary Allegretti afirmou que o Delegado estava usando de subterfúgios para não
ir na questão central e perguntou, novamente, qual a acusação. Se a acusação se
referia a assuntos de trabalho entre seringueiro e seringalista, não competia ao
Delegado intervir. O seringueiro tinha um processo correndo na justiça e fora o Juiz
quem orientara no sentido de escrever o ofício ao Delegado.
As questões de trabalho e fundiárias estavam sendo objeto de um
processo e que o seringueiro só deveria responder a um chamado do Juiz. Afirmou
que o Delegado estava extrapolando sua competência.
17) O Delegado afirmou que havia conversado com o Juiz, que o Juiz estaria
chegando na cidade no sábado, que havia orientado para que ele deixasse o caso
para quando ele chegasse, que o seringueiro seria novamente chamado para
prestar depoimento na presença do Juiz.
18) Elso falou que queria que ficasse bem claro que ele não viria novamente a não
ser a chamado do Juiz e que o Delegado não iria mandar chamá-lo mais uma vez.
19) Mary Allegretti falou que não tinha mais nada a conversar e que queria deixar
registrado que nunca havia visto uma situação como aquela, que isso não estava
mais ocorrendo no Brasil e que iria fazer um relatório para encaminhar à Comissão
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça.
20) O Delegado falou que iria encaminhar o ofício do Sindicato ao Secretário de
Segurança Pública, pois o que estava acontecendo no município era o Sindicato que
estava dando ordens aos seus associados para não atenderem ao chamado das
autoridades. Ele sempre encaminhava os conflitos entre seringueiros e seringalistas
para o poder judiciário e o Presidente do Sindicato tinha provas disso.
21) O Presidente do Sindicato disse que o Sindicato não dava essa orientação aos
associados e que o Delegado é que o havia proibido de colocar os pés, novamente,
na delegacia.
22) O Delegado disse que não estava lembrando disso, que ele recebia muitas
queixas por dia, não podia se lembrar de todas, mas que isso não era verdade. O
Presidente do Sindicato disse que ia começar a andar com um gravador pra poder
provar o que os outros afirmavam. Falou que o delegado havia realmente proibido a
direção do Sindicato de pôr os pés na Delegacia e que não era verdade que o
Delegado não se metia em questões entre seringalistas e seringueiros. Lembrou-lhe
do fato ocorrido em julho de 1985, quando enviou soldados para prender quatro
seringueiros, inclusive dois menores, no seringal pupunha, em função de problemas
com tabuleiro (praias de nidificação de quelônios). Elso reafirmou este fato, citando
inclusive que Ronaldo de Oliveira havia presenciado, o que o Delegado não
contestou.
23) Osmarino Amâncio se apresentou e disse que os Sindicatos orientavam seus
associados a dialogarem com as autoridades porque achavam que só dessa forma è
que os problemas poderiam se resolver e que não era verdade o que o Delegado
estava afirmando. A justiça afirmava isso para não ouvir o trabalhador.
24) Mary Allegretti falou que o delegado, como filho de seringueiro que era, sabia
muito bem o que significava trabalhar nos seringais, sabia das injustiças que os
seringueiros sofriam, sem nenhuma lei para protegê-los.
25) O Delegado afirmou que ela podia ser defensora dos seringueiros, mas que ele
era responsável pela ordem pública, incluindo o respeito à propriedade, à vida e à
segurança das pessoas. Reafirmou que Elso não iria ser ouvido naquele momento e
que a questão iria ser retomada com a chegada do Juiz, que se encarregaria de
solicitar a presença do seringueiro.
Em fevereiro de 1986, o Sr. João Viana de Souza, seringalista “residente e
domiciliado” no seringal Providência, em Cararauari, Amazonas, através de seu
Advogado, propôs uma AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, com fundamento
no artigo 926 e seguintes do Código de Processo Civil, contra Elso Pacheco e
Raimundo Nonato, seringueiros qualificados de ESBULHADORES, da localidade
denominada Gumo do Facão, próximo ao igarapé Tracuá, no mesmo seringal.
Conforme o processo, os motivos da ação foram assim relacionados: O requerente é
legítimo proprietário do seringal Providência, nesta Comarca, onde produz algumas toneladas
de borracha, anualmente. Ocorre que, com a criação do Sindicato Rural em Carauari,
começaram a surgir invasões orientadas em várias propriedades, em que pese contrariar as leis
do país, que continuam resguardo o direito de propriedade. Assim, os requeridos se
localizaram seis meses, aproximadamente, no lugar denominado GUMO DO FACÃO,
igarapé Tracoá, seringal providência, de propriedade do requerente, sem o consentimento do
mesmo, e relutam em lá permanecer...
Representados por um Advogado da Federação dos Trabalhadores do
Estado do Amazonas, os seringueiros ofereceram CONTESTAÇÃO À AÇÃO DE
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Foi contestada a Ação em sua forma, pelo fato de o
proprietário não ter apresentado documentos comprobatórios de que é proprietário
do seringal Providência. E foi contestada em seu mérito, através de documentos que
comprovam a seguinte situação dos seringueiros, conforme os termos do processo:
O Réu Elso Pacheco da Silva, passou a trabalhar no seringal Providência, sob a forma de
Arrendamento Rural, com a finalidade de explorar o látex...., passando a residir com sua
família...na referida localidade, tendo construído uma casa para sua residência e beneficiado
com plantações de roça, mandioca, arroz, caju, abacate e outros. Nessa localidade nasceram
seus cinco filhos...conforme consta de Certidão de Batismo expedida pela PRELÁZIA DE
TEFÉ...Construiu sob a forma de mutirão, juntamente com outros seringueiros, uma casa para
servir de escola aos filhos. No final de 1985, participou, em forma de mutirão, da construção
de um Galpão para servir de sede aos serviços de assistência médica, odontológica, social e
jurídica no amparo aos seringueiros.
Com base nesses dados, o Advogado afirmou não se tratar de ESBULHO
AO DIREITO DE PROPRIEDADE DO AUTOR, mas tão somente de um CONTRATO
AGRÁRIO, sob a forma de Arrendamento Rural, na modalidade verbal.
Concluindo, solicita o reconhecimento dos seguintes itens:
a) direito de os seringueiros permanecerem no seringal Providência;
b) assinatura pelo proprietário de contrato escrito;
c) direito à indenização quanto às benfeitorias realizadas e que deverão constar no
contrato escrito;
d) pagamento dos frutos em arrendamento em 105 ao proprietário, por este
concorrer apenas com a terra nua;
e) direito de o proprietário retomar o Seringal somente poderá ser feito dentro das
modalidades previstas pelas Seções I, II e III do Decreto 59.566, de 14 de novembro
de 1986;
f) direito de construírem uma sede dentro da base territorial da propriedade seringal
Providência, na forma do que dispõe o artigo 517 da CLT.
ANEXO 5
ELABORAÇÃO DE PLANO DE MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO DE
ESPÉCIES OLEAGINOSAS NA RESERVA EXTRATIVISTA DO MÉDIO JURUÁ,
CARAUARÍ-AM.
PROPOSTA DE TRABALHO APRESENTADO AO CNPT/IBAMA, CNS, ASPROC,
CODAEMJ, AMARENJU E FINANCIADORES
Manaus, julho de 2004.
Instituições parceiras
lBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renoveis/CNPT -
Centro Nacional de Populações Tradicionais, Gerência Regional do Amazonas
CNS - Conselho Nacional de Seringueiros, Regional de Carauarí-AM
ASPROC-Associação de Produtores Rurais de Carauarí-AM CODAEMJ -
Cooperativa de Desenvolvimento Agro-Extrativista e de Energia do Médio
Juruá-AM
AMAREMJU -Associação dos Moradores Agro-Extrativistas da Reserva Extrativista do
dio Juruá-AM
Equipe de consultores
Domingos S. Macedo, Eng. Florestal, MSc.
Philippe Waldhoff, Eng. Florestal MSc.
Marcelo P. Moreira, Eng. Florestal, MSc.
Marina A. da Fonseca, Bióloga, MSc.
Carlos Gabriel Koury, Eng. Florestal
Elenice A. Nascimento, Técnica Florestal
Colaboradores
António Adevalvo Dias da Costa, CNPT/IBAMA
Leonardo Marques Pacheco, CNPT/IBAMA
Luis Augusto Azevedo, M MA
Augusto Marcos Santiago, MMA
Fábio Franco, MMA
Jorge António Carvalho, IDAM
Claudia, CNS
Representantes Comunitários
Raimundo de Lima da Costa, Nova Esperança
António Roberto,Tabuleiro
Vanderlei.Tabuleiro
Êssevalso Dias, Tabuleiro
Francisco Chagas, Santo António de Brito
António Moura da Cunha, São Raimundo
António Faeta dos Santos, São Raimundo
Mike, São Raimundo
Francisco, São Raimundo
José, São Raimundo Raimundo Nonato
(Celso), Barreira do Ido
Sebastião, Nova União
José Raimundo, Nova União
Raimundo, Nova União
Alcimar, Pão
Maria Cilene, Pão
Flávio, Bauana
José das Chagas, Bauana
Valdiza, Bauana
António Naza da Silva, São Jo
António Alcione, São José
Aníonia Janete, Bom Jesus
Raimunda, Imperatriz
Francisca, Imperatriz
Francisco, Fortuna
Raimundo Viana, Fortuna
António Marcos, Fortuna
Luiz Gonzaga, Monte Cristo
Francisco Pinto da Costa, Roque
Raimundo, Roque Maria Nazaré, Bom Jesus
Élson Pacheto, CNS
Maria da Paz de Souza Feitosa, Roque
Sebastiana Terezinha de Souza, Roque
Gilson Pimentel de Souza, Nova Esperança
Francisco Martins de Lima, Nova Esperança
José de Souza Leite, Nova Esperança
Maria das Graças, Novo Horizonte
Maria Conceição, Novo Horizonte
José Lima de Souza, Novo Horizonte
Francisco de Lima, Pupuaí
António, Pupuaí Manoei Gomes, Pupu Olívia da Siiva, Pupuaí
Manoel, Roque
Maria da Conceição, Gumo do Facão
Maria de Fátima, Gumo do Facão
Maria das Graças, Gumo do Facão
Apoio financeiro NATURA
PLANO DE MANEJO COMUNITÁRIO DE ESPÉCIES OLEAGINÇSAS NA
RESERVA EXTRATIVISTA DO MÉDIO JURUÁ, CARAUARÍ-AM.
1. APRESENTAÇÃO
O IBAMA atras do CNPT ela_bõíou em fevereiro de 2004 um Termo de Referência
para a elaborarão do plano de manejo de espécies oleaginosas na RESEX do Médio Juruá,
Carauari, AM, Na sequência, este termo de referência foi apresentado a diversos
consultores e/ou instituições com experiência acumulada no tema em questão.
.Após uma reunião feita em conjunto com estes consultores, avaliou-se a
possibilidade da união de esfoos na elaboração de uma proposta única para atender a
todos os objetivos previstos no referido termo de referência. Após uma avaliação
criteriosa da proposta, a 'equipe de consultores levando em consideração a abrangência
da mesma, propôs ao IBAMA, ÍComo estratégia inicial, a realização de uma oficina para
elaborar uma proposta de trabaiho conjunta com a participação de todos os parceiros envolvidos,
e definir o cronograma de execução e os custos. Além disso, esta oficina serviria como um
primeiro contaío com as comunidades locais, que terão uma participação ativa no processo de
tomadas de decisão, planejamento e execução do plano de manejo. Como resultado, seria
apresentado às comunidades e ao IBAMA um documento descrevendo todas as aíividades a
serem realizadas.
O IBAMA num curto prazo de tempo viabilizou os recursos necessários para a realização
desta primeira atividade. A oficina foi realizada entre os dias 27 a 31 de março de 2004, na
sede de uma das comunidades da RESEX, iocal este determinado pelas próprias comunidades,
associações locais e IBAMA, e que ficaram responsáveis peia logística deste encontro. Foi
fundamental a presença dos representantes das comunidades, principalmente das lideranças
envolvidas com o processo de coleta de sementes e produção dos óleos. Com a participação de
47 comunitários, equipe de consultores e demais colaboradores, foi possível realizar (i) os
trabalhos de identificação e mapeamento dos principais locais de coleta das espécies que serão
priorizadas inicialmente nos planos de manejo; (ii) caracterização preliminar da cadeia de
produção, beneficiamento, transporte e comercialização (iii) formas de divisão do trabaiho,
dentre outros.
Estas informações foram sistematizadas pela equipe de consultores, na forma de mapas e um
banco de dados, que foram essenciais para a formatação da proposta de execução do termo de
referência em questão.
Este documento es dividido em duas partes. A primeira parte apresenta os detalhes de
todo o processo de organização da oficina, métodos e os resultados obtidos, e a segunda
parte descreve as metas, as suas respectivas atividades, cronograma de execução e os
custos necessários, para a elaborão do plano de manejo florestal comunitário das
espécies de andiroba, murumurú, ucuúba e cacau em conjunto com as comunidades da
RESEX do médio Juruá.
2. OFICINA DE MAPEAMENTO PARTICIPATIVO DE ESPÉCIES
OLEAGINOSAS NA RESEX DO MÉDIO JUR
2.1. Introdução
Na intenção de coletar informações para a elaboração de um Plano de Manejo Florestal
Comunitário adequado, que garanta o uso sustentável das espécies oleaginosas exploradas na
RESEX do Médio Juruá, foi elaborada uma oficina de mapeamento participativo da
ocorrência das principais espécies.
A oficina consistiu na interpretão de uma imagem TM do salite Landsat nas áreas de
abrangência da RESEX. Para tanto contamos com a participação de lideranças de 28
comunidades e de mediadores compostos por biólogos, engenheiros florestais, agrônomos e
por funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (l BA M A), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS). A oficina teve a finalidade de localizar no espaço as principais áreas de
.ocorrência e exploração de andiroba (Garapa guianesis), murumuru (Astrocaryum
fatinosum], cacau nativo (Theobroma cação] e ucuuba (Virola surínamensis). Embora o foco
da oficina tenha sido as quatro espécies mencionadas, os lagos, igarapés, diferentes tipos de uso
e cobertura da terra na RESEX e outras espécies oleaginosas como: patauá (Oenocarpus
bataua), tucumã (Astrocarium aculeatum), urucuri (Attalea phalerata), copaíba (Copa/fera
sp.), ma (Omphalea sp.) e cajiroba (Fevitlea sp), com suposto potência! à exploração
também foram mapeados.
A oficina foi dividida em duas etapas distintas. A primeira consistiu numa apresentação
detalhada do termo de refencia e ampla discussão sobre a importância do plano de manejo com
todos os representantes das comunidades. A segunda consistiu numa breve explicação sobre os
materiais e métodos usados na oficina e na execão dos mapeamentos propriamente
ditos. Para finalizar, foi feita uma discussão de "Problemas e Soluções" para detectar as
principais dificuldades enfrentados atualmente pelas comunidades e falias, no processo geral
de trabalho com as oleaginosas, e detectar e subsidiar possíveis soluções.
2.2. A Oficina
Durante a Oficina, realizada entre 27 e 31 de março de 2004, na comunidade Nova
Esperança, contamos com a participação de 47 lideranças de 28 comunidades da RESEX
(ver tabela 1 e anexo 6). Vale ressaltar, que foram registradas inicialmente 20 comunidades
participantes, mas durante a oficina foram chegando mais comunidades que não foram
registradas e na aplicação dos questionários foram identificadas, portanto além das 20, mais
algumas localidades: Boa Vista,'Passarinho, Liberdade, Remanso, Providencia, Rio Velho,
Morada Nova e Ido. As tabelas e os mapas que foram produzidos para a parte de
escoamento e beneficiamento foram gerados para essas 28 localizações. Para as
comunidades, foram geradas as informações somente para aqueles que continham
informações georeferenciadas, ou seja, somente para 20 comunidades. No Anexo (7) estão
os principais mapas gerados na oficina como: Mapa geral da RESEX; mapas gerados para
as espécies de andiroba, murumuru, ucuuba e cacau: (I) intensidade de coleta; (ii)
quantidade de produção; (iii) esforço de coleta; (iv) áreas mais visitadas pelas famílias; (v)
espécies potenciais para a exploração de óleos e (vi) todas as áreas visitadas para coleta
das oleaginosas. Estes mapas foram produzidos utilizando como base uma imagem digital do
satélite Landsaí do ano de 2001, nas coordenadas UTM 19 (Universal Transversa
Mercafor) datum WGS.
Tabela 1. mero de moradores da RESEX, por comunidade, que participaram da oficina de mapeamento
participativo, am das localidades.
Comunidade
Num. Participantes
Barreira do ido 1
Bauana 3
Bom Jesus 2
Pupuaí 4
Fortuna 3
Gurno do Fao 3
Imperatriz 2
Monte Cristo 1
Nova Esperança 4
Nova Uno 3
Novo Horizonte 3
Pão 2
Roque 5
Santo António de Brito 1
o Jo 2
São Raimundo 5
Tabuleiro 3
Passarinho 0
Liberdade 0
Morada Nova 0
Remanso 0
Ido 0
Rio Velho 0
Providencia 0
Boa Vista 0
Deus é Pai 0
Parso 0
Manarian 0
Total 47
Na primeira manhã de trabalho, foram realizadas as apresentações dos participantes do
encontro e dos objetivos e métodos do trabalho, com uma discussão detalhada do termo de
referência e sobre a importância da realização do plano de manejo (Anexo 1). Após as
apresentações, os participantes foram reunidos em seis regiões propostos a partir da
proximidade entre as comunidades (Tabela 2). As regiões foram definidas com base na
proximidade entre as comunidades. Devido ao elevado número de participantes, dividimos a
região í em dois grupos menores "Ia" e "Ib".
Tabela 2. Comunidades divididas nas regiões
Região Comunidades Números de
Participantes
la
Gumo do Facão, Providencia,
Pupuai e Novo Horizonte
10
Ib
Nova Esperança, Roque e Pupuai
9
II
Monte Cristo e Fortuna
4
III
Imperatriz e Bom Jesus
4
IV
São José, Bauana, Pão e Nova
União, Ido e Rio Velho
10
V
Barreira do Ido, São Raimundo,
Manarian e São Raimundo
6
VI
Passarinho, Paraíso e Liberdade
4
Cada grupo recebeu um kit de trabalho composto pelos seguintes itens:
uma imagem TM do Satélite Landsat 5 impressa com a área de abrangência da região;
um mapa impresso da hidrografia e comunidades da região; folhas de
plástico duro;
canetas de retroprojetor, borrachas e lápis; fichas
auxiliares de preenchimento de dados.
Todo o material cartográfico existente nos que encontrava-se na escala de 1:75.000. Cada um
dos grupos foi, ao longo de toda a oficina, orientado por pelo menos um mediador para a
execução das atividades de interpretação das imagens e preenchimento das fichas. A
interpretação das imagens pelos comunitários iniciou com um reconhecimento do material e
com o entendimento da imagem. Na sequência, urna folha de plástico duro era fixada sobre a
imagem e os temas eram reconhecidos e delimitados por polígonos ou linhas desenhados sobre
a folha. Cada polígono e linha recebiam uma codificação e eram caracterizados em fichas
auxiliares. Os temas abordados na interpretação das imagens foram os seguintes:
a) identificação dos corpos d'água (igarapés, paranas, lagos, sacados e furos e
outros) e praias;
b) caracterização da cobertura vegetal e áreas de plantio das comunidades e
localidades;
c) identificação das áreas de ocorrência de andiroba, murumuru, cacau nativo e
ucuuba, caracterizando a abundância local do recurso e a intensidade de
exploração por área,
d) localização das áreas de ocorrência de outras espécies oleaginosas, cujo potencial
comercial merece ser investigado.
2.3. Resultados
2.3.1 Corpos D’ água e Praias
A identificação dos corpos d'água e praias foi a primeira atividade de mapeamento realizada
por permitir que os comunitários se familiarizem com a imagem de satélite e por fornecer
aos mediadores pontos de referência que facilitam a condução do trabalho. Assim, cada
igarapé, paraná, lago, sacado, e praia mapeados e nomeado foram usados, posteriormente,
como uma possível referência para a localização das áreas de ocorrência das oleaginosas.
Os corpos d'água e praias foram identificados no mapa de hidrografia, onde cada um
recebeu um código. O mesmo código era repetido na ficha auxiliar (Anexo 2), onde
informações adicionais como uso e época de uso eram anotadas.
No total, foram identificados 215 cursos d'água, sendo 2 Canos, 1 Escavação, 7 Furos, 70
Igarapés, 100 Lagos, 5 Paras, 1 Rio - excluindo-se o Rio Juruá, 6 Sacados, 1 Varador e
28 Praias. Dos últimos item identificado, 3 foram identificadas como praias preservadas para
procriação, mas os comunitários também informaram 12 delas onde ocorrem desova de
pássaros e quelônios, sendo tartarugas, tracajás ou iaçás. Ressalta-se que alguns cursos
apresentados abaixo foram identificados por mais de um grupo de trabalho (regiões), mas no
trabalho de digitalizão das informações e mapas foram eliminados.
Figura 1. Identificação de Praias e Corpos Dágua.
2.3.2. Tipo de Cobertura e Uso do Solo (Fitofisionomias e Áreas de Cultivo)
Os diferentes tipos de vegetação presentes em cada uma das regiões foram mapeados para que
pudéssemos verificar se existe uma associação entre o tipo de cobertura vegetal e a ocorrência
das espécies oleaginosas de interesse. As áreas de cultivo (roças) também foram delimitadas para
nos auxiliar na compreensão da distribuição das áreas mais intensamente utilizadas pelos
comunitários dentro da Resex. Com uma folha de plástico fixada sobre a imagem o limite das
diferentes fisionomias vegetais e das roças era marcado e os polígonos gerados recebiam um
digo. Assim como para os corpos d'água, o código do polígono era anotado numa ficha
auxiliar (Anexo 3), onde as características da área delimitada eram anotadas.
No total, foram reconhecidos 174 polígonos distribuídos em diferentes fitofisionomias e áreas de
roça, sendo uma área total de 207.329,92 ha, com sobreposições de polígonos. Os polígonos
sobrepostos não foram unificados, pois esse fato ocorreu quando mesmas áreas eram
identificadas em diferentes grupos de trabalho (regiões). Caso os polígonos fossem disso
vidos, muitas informações seriam perdidas, que cada polígono recebia informações
específicas sobre ele, informações esta à partir do conhecimento que os comunitários
divididos nas reges de trabalho possuíam sobre a área. Algumas fitofisionomias
identificadas também não fazem parte dos limites da reserva. (Tabela 3 e Anexo 4)
Tabela 3. mero de polígonos identificados em cada tipo de cobertura da terra na Resex do Médio Juruá.
Cobertura da Terra
aizai
Polígonos
1
Área (ha)
95,50
Área queimada
1
230,05
Caca ia
1
463,61
Campina
8
1.330,37
Canarana
5
426,05
Capím Nativo
2
825,86
Capim Plantado - Pasto
1
471,98
Capoeira
6
1.397,72
Embaubal
1
48,56
fga
1
118,15
Plantios antigos
2
290,11
Praia com Pasto
2
173,35
Restinga
36
4.606,06
Ra
31
3.930,39
Sacado
1
96.461,08
Terra-firme
38
96.461.08
Várzea
37
102.934,45
Total
137
207.329,92
Figura 2: Polígonos de Identificação da Fitofisionomia das área utilizadas pelos comunirios na RESEX do dio
Juruá e em seu entorno.
Figura 3: Polígonos definidos como área de roça e áreas queimadas.
Tabela 4. Número de Polígonos definidos como área de roça e áreas
queimadas, por região.
Grupo
Famílias
N.
de
Políonos
Cultivos Produtos
Comercializados
1a 65 3
Roça (mandioca),
banana, pupunha,
cupuaçu, café, açaí,
manga, abacate,
feijão, milho,
feijão, tangerina,
bíribá, ingá e arroz.
Café, açaí,
manga, banana,
melancia,
mandioca e feijão
1b 115 9
Mandioca, banana,
roça, milho,
manga, café, pupunha,
ananás, cupuaçu
Mandioca,
roça, banana,
milho.
2 12 11
Banana, mandioca,
ananás
Mandioca e
farinha.
3 37 21
Mandioca, banana,
cana (melaço), batata,
cará
Melaço,
farinha
4 4 3
Mandioca, banana,
cana, batata, cará,
pupunha, mamão,
pimenta, abacate
Farinha
5 27 4
Mandioca (farinha),
banana, cará,ananá,
andiroba
Farinha
6 33 2
Banana, macaxeira,
mandioca brava
Farinha
Total
293 53
De forma a facilitar a visualização e interpretação das informações, a tabela acima apresenta as
informações agrupadas por grupos de trabalho e não por roças, pois, caso formatado com
informações por roças, a tabela ficaria demasiado extensa. Como no arquivo digital
geoprccessado, as áreas de roça encontram-se representadas individualmente (Figura 3 e
anexo 4) e as informações estão amarradas a cada uma delas, não demonstrou ser
necessário apresentar esse tipo de informação neste documento impresso.
2.3.3. As Oleaginosas (Andiroba, Murumuru, Cacau Nativo e Ucuuba)
O mapeamento das áreas de ocorrência das quatro espécies de oleaginosas de maior
interesse foi realizado de modo a fornecer a cada polígono identificado os seguintes atributos
(ficha -Anexo 5):
a) Características gerais das espécies
- época de coleta das sementes;
- período de frutificação das árvores;
- periodicidade da produção;
b) Produção, distribuição e intensidade de coleta
- intensidade da produção;
- distribuição das árvores;
- intensidade de coleta;
c) Escoamento (forma e tempo)
-vias de escoamento;
- tempo gasto no escoamento;
d) Sistema e beneficiamento
- número de famílias que beneficiam e o beneficiam as sementes e local de
beneficiamento;
- comunidades que trabalham com andiroba;
- áreas mais visitadas para coleta pelas famías e comunidades.
2.3.4. Características gerais das espécies de oleaginosas da Resex
Foi notado na análise das informações geradas no mapeamento comunitário, que existem
coincidências de períodos, tanto de frutificação, como coleta e produtividade, nas
informações relatadas, em todos os grupos de trabalho. Tal fato mostra que podemos utilizar
essas informações no futuro para cálculos e estimativas de produção no momento do manejo
florestal.
ANDIROBA
Os indiduos de andiroba normalmente ocorrem em vegetação de restinga aiía sendo
menos frequente nas restingas mais baixas.
Foto 1: características das sementes de andiroba coletadas na RESEX do Médio Juruá.
Foi relatado que o período de frutificação vai de setembro até abril e a época de coleta
ocorre entre os meses de dezembro a maio. A produção foi apresentada como anua! e a
forma de ocorrência pode ocorrer na floresta tanto agregada quanto dispersa. A quantidade de
produção por árvore é considerada de média ou grande, se comparada com outras espécies,
oscilando anualmente entre safras excelentes e safras regulares.
MURUMURU:
Foto 2; Detalhe de como são dispostos os frutos numa palmeira de murumuru,
O murumuru apresentou período de frutificação disperso entre janeiro e abril e época de
coleta no mesmo período. A produção é anual, porém oscilando de pequena grande e sua
distribuição também oscila entre agregada e dispersa, dependendo da fisiologia do local.
VIROLA
Foto 3: amulo de piântulas de ucuuba nas matas de restinga da RESEX do dio Juruá.
a ucuuba possui período de frutificação de outubro a janeiro e época de coleta em entre
dezembro e abril. A produção é anual, porém pequena e sua distribuição pode ser tanto
agregada quanto dispersa.
CACAU
Finalizando, o cacau tem sua época de frutificação na região da RESEX de outubro a fevereiro
sendo a coleta realizada entre os meses de dezembro a mao. Sua distribuição é dispersa, sendo
sua produção anual e pequena.
2.3.5. Produção, distribuição e intensidade de coleta
Nesta etapa da oficina, identificamos 55 polígonos de andiroba, 23 polígonos de murumuru, 20
de cacau nativo e 24 de ucuuba. A Tabela 6 traz a quantidade de produção (categorizada em
alta, média, baixa e indefinida, quando há ausência de informação) e o número e o somatório
das áreas (em ha) de polígonos identificados para cada oleaginosa. As Figuras 5, 6, 7 e 8
evidenciam a quantidade de produção (categorizada em alta, média, baixa e indefinida,
quando ausência de informação) e área (em ha) de cada uma das categoria de produção para
as quatro espécies de oleaginosas.
Tabela 5. Quantidade de produção, número e área total de polígonos identificados para cada uma
das espécies de oleaginosas de maior interesse na Resex do Médio Juruá.
Espécie
Quantidade de
Produção
Número de
Polígonos
Área (em ha)
Alta
16
29.454,62
Média
16
14.803,51
Andiroba Baixa
8
1.762,86
Indefinida
1
585,21
Total
41
46.606,20
Alta
8
2.329,19
Média
3
989,85
Murumuru Baixa
6
19.749.86
Indefinida
7
9.483,57
Total
24
32.552,47
Alta
3
15.941,36
Média
0
0
Ucuuba Baixa
18
13.49871
Indefinida
3
20.208,07
Total
24
49.648,14
Alta
0
0
Cacau
Nativo
dia
Baixa
indefinida
1
12
11
194,65
6.128,47
6.074,43
Total
24
12.397,43
Figura 4. Mapa geral das áreas de produção das oleaginosas.
Figura 5. Quantidade de produção de andiroba
Figura 6. Quantidade de produção de murumuru
Figura 7. Quantidade de produção de ucuuba
Figura 8. Quantidade de prodão de cacau
A tabela 6 e as figuras 9, 10, 11 e 12 mostram o número de polígonos explorado com alta,
dia e baixa intensidade pelos moradores da Resex. A intensidade de coleta "indefinida"
refere-se à ausência de informão.
Tabela 6. Intensidade de coleta, mero e área total de pogonos identificados para cada uma das espécies
deoleaginosas de maior interesse na Resex do dio Ju.
Intensidade de
Coleta
Número de
Polígonos
Área (em ha)
Alta
20
19.150,57
Media
9
17.390,90
Andiroba
Baixa
10
9.460,62
indefinido
2
604,13
Total
41
46.606,22
Alta
4
1.867,41
Media
2
899,58
Murumuru
Baixa
12
20.482,73
Indefinido
6
9.302,75
Total
24
32.552,47
Alta
0
0
Media
0
0
Ucuuba
Baixa
0
0
Indefinido
24
49.648,15
Total
24
49.648,15
Alta
0
0
Media
1
134,27
Cacau Nativo
Baixa
13
6.323,13
Indefinido
10
5.940,04
Total
24
12.397,44
Figura 9. intensidade de coleta de andiroba
Figura 10. Intensidade de coleta de murumuru
Figura 11. Intensidade de coleta de ucuuba
Figura 12. Intensidade de coleta de cacau
2.3.6. Escoamento (Forma e tempo)
ANDIROBA
A tabela 7 mostra todas as comunidades que participaram da oficina, a forma de locomoção e
o tempo médio (minutos) de deslocamento da comunidade para as áreas de coleta de andiroba.
No geral, a maioria das áreas são acessadas através de canoa (79 %). As áreas acessadas de
rabeta correspondem 46,5 %. Os acessos feitos tanto por rabeia como canoa correspondem a 25
%. Na época seca 18 % das comunidades fazem o acesso a pé as áreas de coleta. Foi detectado
na oficina que a o uso de rabeta ou canoa está muito associado a disponibilidade de
combusvel.
O uso de rabeta facilitaria bastante o acesso as áreas de coleta das oleaginosas no geral. O tempo
dio, em minutos, de acesso de rabeta as áreas variou de 30 à 210 min. e de canoa de 20 à 180
min. A comunidade do Pupuai foi a de mais rápido acesso e a comunidade Fortuna foi a mais
demorada, respectivamente. A média dos tempos entre as comunidades foi: rabeta = 85 min.,
canoa = 91 min. e a pé - 23,6 min.
Tabela 7. Forma de transporte e tempo médio gasto (minutos) das comunidades até as áreas de coleta de
andiroba.
Comunidade
Forma
tempo
médio
Forma
tempo
médio
Forma
tempo
médio
Gumo do Facão
Rabeta
45
canoa
90
0
Providencia
Rabeta
30
canoa
90
0
Pupuai
Rabeta
60
canoa
90
0
Novo Horizonte
Rabeta
60
canoa
0
0
Roque
Rabeia
60
canoa
0
0
Nova Esperança
Rabeta
60
canoa
180
0
Fortuna
Ra bota
210
canoa
0
30
Monte Cristo
Rabeta
180
canoa
0
20
imperatriz
Rabeta
100
canoa
0
0
Bom Jesus
Rabeta
130
canoa
0
0
Nova União
Rabeta
0
canoa
120
0
Pão
Rabeta
0
canoa
45
0
Ido
Rabeta
0
canoa
140
0
Banana
Rabeta
0
canoa
70
0
Rio Velho
Rabeta
0
canoa
120
0
São Jo
Rabeta
0
canoa
105
0
Deus é Pai
Rabeta
0
canoa
93
0
Remanso
Rabeta
0
canoa
20
0
Manarian
Rabeta
70
canoa
150
0
São Raimundo
Rabeia
38
canoa
80
0
Barreira do Ido
Rabeta
64
canoa
120
0
Sto .António de Brito
Rabeta
0
canoa
49
23
Localidade Boa Vista
Rabeta
0
canoa
60
30
Morada nova
Rabeta
0
canoa
45
15
Paraíso
Rabeta
0
canoa
75
0
Passarinho
Rabeta
0
canoa
30
0
Liberdade
Rabeta
0
canoa
120
0
Tabule
iro
Rabeta
0
canoa
120
0
Figura 13. Tempo médio de acesso de canoa as áreas de coleta, categorizado em esforço de
coleta
Na Figura 13 temos o tempo dio de deslocamento através de canoa a as áreas de
coleta. Categorizando os tempos, podemos ter uma ideia do esforço empregado peias
famílias na coleta para cada área. As áreas mais distantes terão um tempo maior de acesso e
conseqüentemente um esforço maior. Comparando com as outras oleginosas (murumuru,
ucuuba e cacau) observa-se que o esforço das comunidades está muito mais concentrado na
exploração das sementes de andiroba, principalmente por ser a oleaginosa mais
comercializada. As figuras 14 e 15 mostram as áreas acessadas de rabeta e canoa para a coleta
de andiroba, respectivamente.
A tabela 9 mostra que 25 % das comunidades fazem o acesso de rabeta as áreas de coleta de
murumuru. O acesso de canoa é feito por 18 % das comunidades, Somente a
comunidade Fortuna faz acesso a pé a áreas de coleta.
O tempo médio de acesso de rabeta as áreas de murumuru variou de 30 min. à 130 min. e de
canoa de 60 min. à 120 min. A média dos tempos de acesso para as comunidades que coletam
murumuru foi: rabeta = 81 min., canoa = 84 min. e a pé = 10 min.
Figura 14. Mapa das áreas acessadas de rabeia para coleta de andiroba
Figura 15. Mapa das áreas acessadas de canoa para coleta de andiroba
MURUMURU
Na figura 16 observamos que o acesso as áreas de coleta de murumuru são mais restritas e mais
próximas as comunidades. Comparando com as áreas de coleta de andiroba vemos um acesso
bem menor as áreas, devido principalmente a menor comercialização do murumuru. As figuras
17 e 18 mostram as áreas acessadas de rabeta e canoa para a coleta de murumuru,
respectivamente.
Tabela 8. Forma de transporte e tempo médio gasto (minutos) das comunidades até as áreas
de coleta de murumuru.
Comunidade
Forma
tempo
médio
Forma
tempo
rnéd io
Forma
tempo
médio
Gurno do Fao
Rabeta
30
canoa
0
0
Providencia
Rabeia
0
canoa
0
0
Pupuai
Rabeta
90
canoa
0
0
Novo Horizonte
Rabeta
0
canoa
0
0
Roque
Rabeia
0
canoa
0
0
Nova Esperaa
Rabeta
0
canoa
0
0
Fortuna
Rabeta
130
canoa
0
10
Monte Cristo
Rabeta
20
canoa
0
0
Imperatriz
Rabeta
00
canoa
0
0
Bom Jesus
Rabeta
120
canoa
0
0
Nova União
Rabeta
0
canoa
60
0
Pão
Rabeta
0
canoa
60
0
Ido
Rabeta
0
canoa
120
0
Bauana
Rabeta
0
canoa
0
0
Rio Velho
Rabeta
0
canoa
0
0
o Jo
Rabeta
0
canoa
70
0
Deus é Pai
Rabeta
0
canoa
0
0
Remanso
Rabeta
0
canoa
0
0
Manarian
Rabeta
0
canoa
0
0
o Raimundo
Rabeta
0
canoa
0
0
Barreira do Ido
Rabeta
80
canoa
113
0
Sto -António de Brito
Rabeta
0
canoa
0
0
Localidade Boa Vista
Rabeta
0
canoa
0
0
Morada nova
Rabeta
0
canoa
0
0
Paraíso
Rabeia
0
canoa
0
0
Passarinho
Rabeia
0
canoa
0
0
Liberdade
Rabeia
0
canoa
0
0
Tabuleiro
Rabeta
0
canoa
0
0
Figura 18. Mapa das áreas acessadas de canoa para coleta de murumuru
UCUUBA
A tabela 9 mostra que 40 % das comunidades fazem o acesso de rabeta as áreas de coleta de
ucuuba. O acesso de canoa é feito por 21 % das comunidades. Somente a comunidade Santo
António de Brito e Morada Nova faz acesso a pé a áreas de coleta. O tempo médio de acesso de
rabeia as áreas de murumuru variou de 30 min. à 125 min. e de canoa de 30 min. à 90 min. A
dia dos tempos de acesso para as comunidades que coletam murumuru foi: rabeta = 71 min.,
canoa = 67 min. e a pé - 30 min.
Tabela 9. Forma de transporte e tempo médio gasto (minutos) das comunidades até as áreas
de coleta de ucuuba.
Comunidade
Forma
tempo
médio
Forma
tempo
médio
Forma
tempo
médio
Gumo do Facão
rabeta
40
canoa
75
0
Providencia
rabeta
30
canoa
90
0
Pu p u ai
rabeta
45
canoa
30
0
Novo Horizonte
rabeta
60
canoa
30
0
Roque
rabeta
60
canoa
0
0
Nova Esperaa
rabeta
0
canoa
0
0
Fortuna
rabeta
105
canoa
0
0
Monte Cristo
rabeta
105
canoa
0
0
Imperatriz
rabeta
120
canoa
0
0
Bom Jesus
rabeta
125
canoa
0
0
Nova União
rabeta
0
canoa
0
0
Pão
rabeta
0
canoa
0
0
Ido
rabeta
0
canoa
0
0
Bauana
rabeta
0
canoa
0
0
Rio Velho
rabeta
0
canoa
0
0
o Jo
rabeta
0
canoa
0
0
Deus é Pai
rabeta
0
canoa
0
0
Remanso
rabeta
0
canoa
0
0
Manarian
rabeta
0
canoa
0
0
o Raimundo
rabeta
50
canoa
90
0
Barreira do Ido
rabeta
50
canoa
90
0
Sto. António de Brito
rabeta
0
canoa
0
30
Localidade Boa Vista
rabeia
0
canoa
0
0
Morada nova
rabeta
0
canoa
0
30
Paraíso
rabeta
0
canoa
0
0
Passarinho
rabeta
0
canoa
0
0
Liberdade
rabeta
0
canoa
0
0
Tabuleiro
rabeta
0
canoa
0
0
Figura 19. Tempo médio de acesso de canoa as áreas de coleta categorizado
em esforço de coleta
O esforço relacionado ao tempo das comunidades ao acesso as áreas de coleta, também está
restrito as proximidades das comunidades. Este fato também é relacionado a baixa
comercialização de ucuuba (Figura 19). As figuras 20 e 21 mostram as áreas acessadas de rabeta
e canoa para a coleta de ucuuba, respectivamente.
Figura 20. Mapa das áreas acessadas de canoa para coleta de ucuuba
Figura 21. Mapa das áreas acessadas de canoa para coleta de ucuuba
CACAU
A tabela 10 mostra que 40 % das comunidades fazem o acesso de rabeta as áreas de coleta de
cacau. O acesso de canoa é feito somente por quatro comunidades. O acesso a o é
realizado por nenhuma comunidade.
O tempo médio de acesso de rabeta as áreas de cacau variou de 45 min. à 130 min. A média
dos tempos de acesso para as comunidades que coletam murumuru foi: rabeta = 69 min.,
canoa = 87 min. Vale ressaltar, que estes resultados não representam a dinâmica atua! da
coleta do cacau, pois algumas áreas estão ainda sendo exploradas e outras estão
abandonadas, mas foi reagistrado o potencial de exploração e coleta. As figuras 23 e 24
mostram as áreas acessadas de rabeta e canoa para a coleta de murumuru,
respectivamente.
Tabela 10. Forma de transporte e tempo médio gasto (minutos) das comunidades até as
áreas de coleta de cacau.
Comunidade
Forma
tempo
dio
Forma
tempo
dio
Forma
tempo
médio
Gurno do Fao
Rabeia 60 canoa 0 0
Providencia
Rabeta 0 canoa 0 0
Pupuai
Rabeta 60 canoa 0 0
Novo Horizonte
Rabeta 60 canoa 0 0
Roque
Rabeta 60 canoa 0 0
Nova Esperança
Rabeta 0 canoa 0 0
Fortuna
Rabeta 59 canoa 0 0
Monte Cristo
Rabeta 59 canoa 0 0
Imperatriz
Rabeta 120 canoa 0 pé 0
Bom Jesus
Rabeta 130 canoa 0 0
Nova União
Rabeta 0 canoa 0 0
Pão
Rabeta 0 canoa 0 0
Ido
Rabeta 0 canoa 0 0
Bauana
Rabeta 0 canoa 0 0
Rio Velho
Rabeta 0 canoa 0 0
o Jo
Rabeta 0 canoa 0 0
Deus é Pai
Rabeta 0 canoa 0 0
Remanso
Rabeta 0 canoa 0 0
Manarian
Rabeta 60 canoa 105 0
o Raimundo
Rabeta 50 canoa 90 0
Barreira do Ido
Rabeta 45 canoa 68 0
Sto .António de Brito
Rabeta 0 canoa 0 Q
Localidade Boa Vista
Rabeta 0 canoa 0 0
Morada nova
Rabeta 0 canoa 0 0
Paraíso
Rabeta 0 canoa 0 0
Passarinho
Rabeta 0 canoa 0 pé 0
Liberdade
Rabeta 0 canoa 0 0
Tabuleiro
Rabeta 0 canoa 0 0
Figura 22. Tempo médio de acesso de canoa as áreas de coleta categorizado em esforço de
coleta
Figura 23. Mapa das áreas acessadas de rabeta para coleta de cacau
Figura 24. Mapa das áreas acessadas de canoa para coleta de cacau
2.3.7. Sistema de Beneficiamento
ANDIROBA
A tabela 11 mostra que a grande maioria das comunidades (65 %) benefiam a semente de
andiroba fora da comunidade, ou seja, estas sementes são coleladas, vendidas e
beneficiadas pela usina da comunidade do Roque. Das 28 comunidades que trabalham com
andiroba, somente as comunidades Pupuaí, Novo Horizonte, Santo Annio de Brito,
Localidade Boa Vista, Morada Nova, Paraíso e Passarinho trabalham no beneficiamento da
andiroba. Em média o apenas 44 famílias que beneficiam a semente de andiroba de forma
artesanal e mais de 200 famílias que somente coletam a semente e vendem para a usina. Foi
detectado na oficina que o beneficiamento da andiroba na própria comunidade trataria um
benefício principalmente em relação ao preço que é melhor pago pelo pelo óleo já processado.
Tabela 11. Comunidades que beficiam e não beneficiam andiroba e número de falias.
Comunidade
mero de falias que
beneficiam na comunidade
Número de falias queo
beneficiam na comunidade
Gumo do Fao
0
24
Providencia
0
6
Pupusi
4
0
Novo Horizonte
4
0
Roque
0
10
Nova esperança
0
10
Fortuna
0
12
Monte Cristo
0
4
Imperatriz
15
Bom Jesus
18
Nova Uno
12
Pão
12
Ido
Baú anã
30
Rio Velho
o Jo
Deus é Pai
Remanso
Manarian
o Raimundo
18
Barreira do !dó
Sto. António de Bri
to
12
Localidade Boa Vista
Morada nova
Parso
Passarinho
Liberdade
Tabuleiro
Figura 25. Mapa das comunidades que beneficiam e não beneficiam andiroba.
As comunidades em vermelho são as que beneficiam andiroba e as em azul são as que não
beneficiam. Observa-se que as comunidades que beneficiam são as comunidades próximas a
usina da comunidade do Roque e as comunidades mais distantes. Foi detectado na oficina que o
beneficiamento da andiroba na própria comunidade traria um benefício principalmente em
relação ao preço que é melhor pago pelo pelo óleo já processado.
Figura 26. Áreas mais visitadas pelas famílias para coleta de andiroba
Neste mapa estão apresentadas as áreas mais visitadas pelas famílias para coleta de
andiroba (cor marrom escuro). Estas áreas estão localizadas próximas as comunidades o,
Deus é Pai, Ido, Bauana, Bom Jesus, imperatriz e Boca do Rio Velho. Existem algumas áreas
que foram citadas na oficina (cor rosa) que apesar de estarem no mapa como potência! de
cofetada de andiroba, ainda não foram exploradas. As áreas demarcadas pelas comunidades
mostra que existem áreas mais visitadas e consequentemente áreas com maior intensidade
de exploração. Outro aspecto importante que foi encontrado é que apenas 10% das comunidades
o trabalham com andiroba (Figura 27).
Figura 27. Mapa das comunidades que trabalham e não trabalham com andiroba
MURUMURU
A oleaginosa murumuru somente está sendo beneficiada na comunidade Novo Horizonte. O
número de famílias que não beneficiam, mas trabalham na coleta do murumuru, corresponde a
40 % das comunidades. No total 43 % das comunidades trabalham com murumuru.
Apenas 10 famílias trabalham no beneficiamento do murumuru e 88 famílias somente
coletam as sementes e vendem para a usina.
Tabela 12. Comunidades que beficiam e não beneficiam murumuru e número de famílias.
Comunidade
Número de famílias que
beneficiam na comunidade
Número de famílias que não beneficiam na
comunidade
Gumo do Facão
0
1
Providencia
0
0
Pupuai
0
1
Novo Horizonte
10
0
Roque
0
19
Nova esperança
0
10
Fortuna
0
1
Monte Cristo
0
0
Imperatriz
0
15
Bom Jesus
0
0
Nova União
0
12
Pão
0
12
Ido
0
0
Bauana
0
0
Rio Velho
0
0
São José
0
4
Deus é Pai
0
0
Remanso
0
0
Manarian
0
0
São Raimundo
0
0
Barreira do Ido
0
9
Sto. António de Brito
0
1
Boa Vista
0
0
Morada nova
0
0
Paraíso
0
0
Passarinho
0
0
Liberdade
0
3
Paraíso
0
0
No mapa da Figura 28 observamos que o beneficiamento do murumuru é feito somente na
comunidade do Roque, onde está instalada a usina, onde temos em vermelho as
comunidades que trabalham e em azul as comunidas que não trabalham com murumuru. Nas
comunidades que trabalham com o fruto do murumuru a etapa mais trabalhosa está em
despolpar o fruto para a obtenção da semente seca, que é encaminhada a usina da
comunidade do Roque para quebra, extração e esmagamento da amêndoa para obtenção do óleo.
Algumas comunidades coletam a semente dos escrementos do gado, que despolpada
naturalmente pelo intestino do animal.
Figura 28. Mapa das comunidades que beneficiam e não beneficiam murumuru
Figura 29. Mapa das comunidades que trabalham e não trabalham com murumuru
Figura 30. Áreas mais visitadas pelas famílias para coleta de MURUMURU
No mapa da Figura 30, vemos que as áreas mais visitadas peias famílias estão próximas a
comunidades nas margens do Rio Jur(marrom escuro). Comparando com as áreas de
visitação para coleta de andiroba vemos que existe uma redução grande de área. Observa-se
também que muitas áreas de coleta de murumuru também são áreas de coleta de andiroba.
UCUUBA
Atualmente nenhuma comunidade beneficia ucuúba. De todas as comunidades apenas 29 %
trabalham com esta oleaginosa. Foi detectado na oficina que este beneficiamenío é feito todo na
usina do Roque, mas numa escala muito baixa e ainda experimental. Em média 61 famílias
trabalham com ucuúba.
Tabela 13. Comunidades que beficiam e não beneficiam ucuúba e número de famílias.
Comunidade
mero de famílias que
beneficiam na comunidade
Número de famílias que não
beneficiam na comunidade
Gumo do Facão 0 0
Providencia 0 0
Pupuai 0 0
Novo Horizonte 0 4
Roque 0 0
Nova esperança 0 0
Fortuna 0 0
Monte Cristo 0 0
Imperatriz 0 0
Bom Jesus 0 18
Nova União 0 5
Pão 0 1
Ido 0 0
Bauana 0 0
Rio Velho 0 0
São José 0 0
Deus é Pai 0 0
Remanso 0 0
Manarian 0 0
São Raimundo 0 18
Barreira do Ido 0 9
Sto. António de Brito 0 5
Localidade Boa Vista 0 0
Morada nova 0 1
Paraíso 0 0
Passarinho 0 0
Liberdade 0 0
Tabuleiro 0 0
Figura 31. Mapa das comunidades que beneficiam e não beneficiam ucuuba
Figura 32. Mapa das comuidades que trabalham e não trabalham com ucuuba.
Figura 33. Áreas mais visitadas pelas famílias para coleta de ucuuba
CACAU
No beneficiamento do cacau apenas 5 comunidades trabalham com cacau e o
beneficiamento é feito somente pela comunidade da Imperatriz e do Bom Jesus. As poucas
famílias que trabalham com cacau geralmente são para consumio próprio.
Tabela 14. Comunidades que beficiam e não beneficiam cacau e número de famílias.
Comunidade
Número de famílias que beneficiam na
comunidade
mero de famílias que não
beneficiam na comunidade
Gumo do Facão
0 0
Providencia
0 0
Pupuai
0 0
Novo Horizonte
0 0
Roque
0 0
Nova esperaa
0 0
Fortuna
0 0
Monte Cristo
0 0
Imperatriz
15 0
Bom Jesus
18 0
Nova União
0 0
Pão
0 0
Ido 0 0
Bauana 0 0
Rio Velho 0 0
São Jo 0 0
Deus é Pai 0 0
Remanso 0 0
Manarian 0 6
São Raimundo 0 18
Barreira do Ido 0 9
Sto. António Brito 0 0
Boa Vista 0 0
Morada nova 0 0
Paraíso 0 0
Passarinho 0 0
Liberdade 0 0
Tabuleiro 0 0
Figura 34. Mapa das comuidades que beneficiam e não beneficiam cacau
Figura 35. Mapa das comuidades que trabalham e não trabalham com cacau
Figura 36. Áreas mais visitadas pelas famílias para coleta de cacau
2.3.8. Outras Espécies Oleaginosas
As outras espécies de oleaginosas presentes na Resex do Médio Juruá que ainda não são
exploradas ou o são de maneira incipiente são a : patauá (Oenocarpus bataua}. tucumá
(Astrocarium aouleatum), urucuri (Attalea phalerata), copaíba (Copa/fera multijuga), marã
(Omphalea sp) e cajiroba (Fevillea sp). As áreas de ocorrência destas espécies foram
mapeadas e a cada polígono identificado foi atribuída a quantidade de produção {alta, dia,
baixa ê indefinida) da área.
Na tabela 15 apresentamos para cada uma das escies apontadas como potencial à
extração de óleos, o número de polígonos com alta, média e baixa quantidade de produção de
sementes e a área total correspondente a cada uma destas classes de produção. A quantidade
de produção foi dita como indefinida quando ocorreu ausência da informação sobre
produção.
Tabela 15. Quantidade de produção, número e área total de polígonos identificados para as
espécies com potencial para a exploração de óleos na Resex do Médio Juruá.
Espécie
Quantidade de
Produção
Número de
Polígonos
Área (em ha)
Alta
9
13.265,31
Media
1
531,60
Cajiroba
Baixa
2
435,22
Indefinida
7
4.452,99
Total
19
18.685,11
Alta
8
21.042,48
Media
3
134,
92
Marã
Baixa
0
0
Indefinida
10
5.601,90
Total
21
26.779,30
Alta
2
6.295,27
Media
1
27,39
Patauá
Baixa
0
0
Indefinida
8
7.747,20
Total
11
14.069,85
Alta
1
156,05
Media
1
420,32
Tucumã
Baixa
0
0
Indefinida
1
2.092,85
Total
3
2.669,22
Alia
1
527,79
Media
0
0
Urucuri
Baixa
0
0
indefinida
12
21.885,93
Total
13
22.413,71
Figura 37. Mapa das espécies potenciais de exploração de óleos
2.4. Oficina de Problemas e Soluções
No ultimo dia da 1
Q
Oficina de Mapeamenío Participativo de Espécies Oleaginosas na
RESEX do Médio Jurfoi feita uma oficina de PROBLEMAS e SOLUÇÕES, onde os
moradores das comunidades puderam relatar os problemas e as possíveis soluções em todo
processo de exploração das oleaginosas (beneficiamento, coleta, transporte e
comercializão. Estes depoimentos relatados a seguir, foram registrados durante esta
oficina e também durante os trabalhos dos questionários e entrevistas.
Foto 4: Detalhe de um cartaz com os temas discutidos entre os participantes da oficina
2.4.1. Coleta das oleaginosas
Problema: Falta de equipamento de protão (luvas, bota, capacetes, roupa e etc.) para
coleta das oleaginosas, principalmente para coleta de murumuru que tem muitos espinhos.
Solução: Possível financiamento dos equipamentos através da ASPROC ou Cooperativa.
Problema: Falta de local de armazenamento das sementes na comunidade, antes de
encaminhar para o Roque;
Solução: Possível financiamento dos equipamentos através da ASPROC ou Cooperativa.
Problema: Coleta no campo
Solução: Aprimorar a coleta no campo, com aquisição de materiais mais apropriados;
2.4.2. Escoamento das oleaginosas
Problema: Falta de embarcação para escoamento da produção e acesso as áreas de coleta.
Soluções: Barco (Batelão) em comum as comunidades e famílias mais próximas para
escoamento e possível financiamento de rabetas para cada comunidade para acesso mais rápido
e eficaz as oleaginosas.
Foto 5: Embarcação carregada de sementes de andiroba aguardando o desembarque.
2.4.3. Beneficiamento das oleaginosas
Problema: Comunidade do Roque não consegue armazenar toda a semente coletada para
futuro beneficiamento
Solução: Melhorar a forma de beneficiamento, tanto na usina de beneficiamento como no
beneficiamento manual: buscar otimização e melhor rendimento;
Problema: Toda comunidade deseja produzir o seu próprio óleo
Solução: Melhorar a forma de beneficiamento manual e implementar mini-usinas em pontos
estratégicos na RESEX;
Foto 6: Vasilhames utilizados para transporte de óleo de murumuru.
2.4.4. Comercialização
Problema: Preço baixo de comercialização das oleaginosas, principalmente andiroba;
Solução: Aumentar o preço.
Problema: Apenas um comprador para as sementes e óleos;
Solução: Buscar Novos mercados
Problema: Rendimento do murumuru muito baixo e preço quase igual ao da andiroba e preço
pago deveria ser maior;
Solução: Preço pago deveria ser maior pelo esfoo de coleta e produção
2.5. Aspectos Gerais
Melhorias gerais mensionadas na oficina
* Viveiro de mudas para enriquecimento na RESEX;
* Criação de um fundo coletivo para melhorias em todos os processos de produção;
* Fazer coleta de sementes em grupo (coletiva);
* Dividir áreas de coleta por comunidade;
* Estrutura para beneficiamento: fazer em cada comunidade uma mini-unidade de
beneficiamento, que pode ser mecânica (manual) ou elétrica (diesel);
* Fazer capacitação de gerenciamento e comercialização dos produtos;
2.6. Considerações Gerais sobre a Oficina
A primeira Oficina de Mapeamento Participativo de Espécies Oleaginosas na RESEX do
dio Jurteve como objetivo principal entender e conhecer melhor todas as atividades do
sistema de exploração das oleaginosas sendo agora depois de finalizada um subsidio
importante para o plano de manejo. Esta oficina foi uma excelente ferramenta para tomada de
decisões na gestão de uma unidade de conservação, principalmente em uma unidade extrativista.
ANEXO 1
A)
B)
C)
Fotos da Oficina: A) Apresentação do termo de referência; B) Participação dos comunitários; C)
Apresentação dos materiais e métodos para o mapeamento.
ANEXO 2
__________________________________________________________________________
OFICINA DE MAPEAMENTO PARTICIPATIVO DE ESPÉCIES OLEAGINOSAS NA
RESEX DO MÉDIO JURUÁ
__________________________________________________________________________
ALVO: Igarapés ( I ), paranas ( P ), lagos ( L ), sacados ( S ) e etc.
Data:_________________ Comunidade:________________
Grupo:____________________
Reconhecimento e Identificão da hidrografia local
Aponte no mapa e caracterize os cursos d'água utilizados pela comunidade, quanto ao seu uso.
Informantes:_________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________
Código
Nome
Uso
Época
ANEXO 3
__________________________________________________________________________
OFICINA DE MAPEAMENTO PARTICIPATIVO DE ESPÉCIES
OLEAGINOSAS NA RESEX DO MÉDIO JURUÁ
__________________________________________________________________________
ALVO: Cobertura da terra (TF - terra firme; V- rzea; R - roça e outros).
Data: _________________________ Comunidade: _____________________ Grupo:_______________
Reconhecimento e Identificação da vegetão local.
Identifique no mapa e descreva os diferentes tipos de cobertura da terra.
Informantes:_________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________
Código
Nome
Uso
Época
ANEXO 4
__________________________________________________________________________
OFICINA DE MAPEAMENTO PARTICIPATIVO DE ESPÉCIES
OLEAGINOSAS NA RESEX DO DIO JURUÁ
__________________________________________________________________________
ALVO: Copaíba (CO), Urucuri (UR), Tucumã (TU), Patauá (PA), Marã (MA), Cajiroba
(CA).
Data:______________________ Comunidade:___________________
Grupo:___________________
Reconhecimento de outras espécies com potencial para extracão de óleos.
Identifique e caracterize as áreas de ocorrência de espécies com possível valor para a extracão
de óleos.
Informantes:________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________
Código
Quantidade
Observações Gerais
ANEXO 5
__________________________________________________________________________
OFICINA DE MAPEAMENTO PARTICIPATIVO DE ESPÉCIES
OLEAGINOSAS NA RESEX DO MÉDIO JURUÁ
_________________________________________________________________________
ALVO: Andiroba, Murumuru, Virota e Cacau
Data:______________________ Comunidade:___________________
Grupo:___________________
Informantes:________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________
Número do polígono
________________________________________________________________
Espécie
__________________________________________________________________________
Época de coleta
____________________________________________________________________
Período de frutificação
_______________________________________________________________
Periodicidade de produção ( ) anual ( ) bianual ( ) outros
Distribuição ( ) dispersa ( ) agregada
Quantidade de produção ( ) pequena ( ) média ( ) grande
Intensidade de coleta ( ) baixa ( ) alta ( ) média
ESCOAMENTO
Via Forma de transporte
Tempo gasto do local até a comunidade: BENEFICIAMENTO
Comunidade Número de famílias que
beneficiam
Onde? Número de famílias que
não beneficiam
ANEXO 6
Participante
Comunidade
Raimundo de Lima da Costa (Ferro)
-
der Comunitário
Nova Esperança
Annio Roberto
Tabuleiro
Vanderlei
Tabuleiro
Essev
also Dias
-
artesão
Tabuleiro
Francisco Chagas
Santo Annio de Brito
António Moura da Cunha
São Raimundo
António Faeta dos Santos
São Raimundo
Mike
São Raimundo
Francisco
São Raimundo
10
José
São Raimundo
11
Raimundo Nonato (Celso)
Barrei
ra do Ido
12
Sebastião
Nova União
13
José Raimundo
Nova União
14
Raimundo
Nova União
15
Alcimar
Pão
16
Maria Cilene
Pão
17
Fvio
Bauana
18
José das Chagas
Bauana
19
Valdiza
-
Agente de Saúde
Bauana
20
António Nazaré da Silva
o José
21
António
Alcione
o José
22
Antonia Janete
Bom Jesus
23
Raimunda
-
líder comunitária
Imperatriz
24
Francisca
Imperatriz
25
Francisco
Furtuna
26
Raimundo Viana
Furtuna
27
António Marcos
Furtuna
28
Luiz Gonzaga
Monte Cristo
29
Francisco Pinto da Costa
Roque
30
Raimundo
-
diretor da ASPROC e Conselheiro da ResEx
Rogue
31
Maria Naza
-
faz parte da Associação
Bom Jesus
32
Nelson
-
representante do CNS; mora em Carauari
CNS
33
Maria da Paz de Souza Feitosa
Rogue
34
Sebastiana Terezinha de Souza
Rogue
35
G
ilson Pimentei de Souza
Nova Esperança
36
Francisco Martins de Lima
Nova Esperança
37
José de Souza Leite
Nova Esperança
38
Maria das Graças
Novo Horizonte
39
Maria Conceição
Novo Horizonte
40
José Lima de Souza
Novo Horizonte
41
Francisco de Lima
Pu
puaí
42
António
Pupuaí
43
Manoel Gomes
Pupu
44
Oiívia da Silva
Pupu
45
Manoel
Rogue
46
Maria da Conceição
Gumo do Facão
47
Maria de Fátima
Gumo do Facão
48
Maria das Graças
Gumo do Facão
3. ELABORAÇÃO DE PLANO DE MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO DE
ESPÉCIES OLEAGINOSAS NA RESERVA EXTRATIVISTA DO MÉDIO JURUÁ,
CARAUARÍ-AM.
3.1. Apresentação
Esta proposta corresponde à segunda parte do trabalho realizado pela equipe técnica criada para
a elaboração do plano de manejo florestal comunitário de oleaginonas na RESEX do Médio
Juruá. Foi seguido o roteiro apresentado no Termo de Referência preparado pelo
CNPT/IBAMA. Foram incorporadas as informões básicas sobre o cenário local e as
principais diretrizes para a apresentação do escopo desta proposta. Vão ser consideradas para
a realização deste trabalho 22 comunidades que enviaram representantes para a oficina de
mapeamento participativo em março de 2004.
3.2. Contexto
A Reserva Extrativista do Médio Juruá é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável,
estabelecida através do decreto de criação datado de 04 de março de 1997, com área total de
253.226,50 ha., e está localizada na margem esquerda do Rio Juruá, a montante da sede do
município de Carauari, estando totalmente inserida nos seus domínios territoriais. A
RESEX faz limite ao norte com o Rio Ipixuna, ao sul com o Juruá, a leste com o Igarapé
Tracoá e a oeste com o Igarapé Arrombado. Na parte ocidental a RESEX do Médio Juruá faz
limite com as Terras indígenas Biá. Os principais tipos de vegetação que predominam na
área são as florestas inundáveis de várzea e as florestas de terra firme.
O acesso a RESEX é feito através da sede do município de Carauari por via fluvial. A viagem
íern duração de 4 horas até a primeira comunidade (Comunidade Gumo do Facão) e 12
horas até o limite final (comunidade do Tabuleiro), consumindo 400 litros de gasolina e 24
litros de óleo 2 tempos
1
.
1
Considerando um motor de 40 hp. No caso de motora diesel, usado pelas comunidades ribeirinhas, a viagem é de 4 dias
Em 2000, o CNPT/IBAMA, contabilizou na área da RESEX uma população de cerca de 1.308
pessoas, distribuídas em 15 comunidades. Em 2003 este mero aumentou para 17
comunidades e cerca de 2.000 pessoas. Em seu entorno, a RESEX conta com uma
população de aproximadamente 1.150 pessoas, em 16 comunidades. As principais fontes de
renda e subsistência das comunidades são plantio da mandioca, o extrativismo vegetal, a caça
e a pesca.
Atualmente, existem três organizações formadas a partir da mobilização dos moradores da
reserva: a ASPROC (Associação dos Produtores Rurais de Carauari), CODAEMJ
(Cooperativa de Desenvolvimento Agro-Extrativista e de Energia do Médio Jur) e
AMAREMJU (Associação dos Moradores Agro-Extrativistas da Reserva Extrativista do Médio
Jur). Contudo, outras organizações não governamentais, como o Conselho Nacional dos
Seringueiros, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carauari e Paróquia de Carauari têm
atuação política marcante no âmbito da RESEX.
A extração de óleos vegetais a partir de espécies como andiroba (Garapa guiannesis), é uma
prática tradicionalmente realizada pelas comunidades da RESEX do Médio Juruá. Em 2000, a
partir de um projeto experimental para gerão de energia elétrica, desenvolvido em
parceria pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM, IBAMA e MME, a extração de
óleo vegetai foi otimizada com o desenvolvimento de tecnologia, o que possibilitou aumentar o
aproveitamento em uma escala de tempo menor e melhorar a qualidade do óleo extrdo.
Atualmente duas espécies são exploradas na RESEX do dio Juruá, a andiroba (Garapa
guianesis) e o murumuru (Astrocaryum farínosum). Duas outras começarão a ser exploradas no
presente ano: o cacau nativo (Theobroma sp.) e ucuuba (Virola surínamensis) e uma série de
outras espécies com potencial para extração de óleos a serem empregados na indústria de
cosméticos, vêm sendo alvo de estudos e testes na área da Reserva Extrativista do Médio Juruá.
Dentre essas, o uricuri (Attalea excelsa), tucu(Astrocaryum aculeatum) paía(Oenocarpus
bataua), maran (Omphalea sp.) e cajiroba (Fevillea sp.) têm se mostrado promissoras.
A coleta de sementes de andiroba (Garapa guianesis) e murumuru (Astrocaryum farinosum)
para processamento é realizada nas 22 comunidades da RESEX. As a coleta, as
sementes são postas a secar e em seguida transportadas em uma embarcação da
CODAEMJ para a extração de óleo que é realizada na comunidade do Roque, onde está
localizada a micro-usina de extração de óleos. É realizada também a extração artesanal
através da maceração e fervura das -sementes que são, posteriormente, colocadas sobre uma
telha de alumínio com uma leve inclinação para que o óleo escorra. Na última safra (2002)
foram produzidos cerca de 3.800 Kg de óleo de andiroba a partir de 34.200 kg de sementes, e
4.200 Kg de óleo de murumuru a partir de 120.960 Kg de sementes.
A demanda apresentada pelas empresas que atualmente compram o produto processado para
o próximo ano (2004) é de 5.000 Kg de óleo de murumuru (Astrocaryum farinisum) e 15.000
Kg de óleo de andiroba (Garapa guianensis), o que gera a necessidade de coleta de
aproximadamente 144.000 e 135.000 quilos
2
de sementes respectivamente. Deve-se, no
entanto, considerar alguns fatores que podem influenciar nos números reais corno a
produtividade das populações da área, que a andiroba tem uma produtividade regulada em
ciclos anuais de maior ou menor produção, a capacidade e o esforço investido pelas
comunidades na atividade de coleta e o surgimento de novos compradores.
2
8000 latas de 18 Kg.
Embora no Brasil não haja uma legislação específica que regulamente o manejo de produtos
florestais não-madeireiros outros que não o palmito, o decreto 2788, de 28 de setembro de
1998, considerando o disposto no artigo 15 da Lei 4.771, determina que todo e qualquer
manejo florestal realizado nos limites da Bacia Amazônica deve atender a uma série
princípios gerais e fundamentos técnicos que tem como finalidade última a promoção da
preservação do bioma e o desenvolvimento sócio-econômico da região.
Assim, a legislação vigente, a alta demanda apresentada pelos consumidores, o
desconhecimento da capacidade de produção das populações de andiroba, murumuru, cacau
nativo, ucuuba e das demais espécies supracitadas da RESEX e a frequência com que as
coletas são realizadas, suscitam o estabelecimento de um plano de manejo florestal
comunirio para evitar que a sobre explorão prejudique o recrutamento de novos
indivíduos, levando a população ao declínio e resultando na extinção local da espécie.
3.3. Justificativa
Esta proposta vem atender a necessidade de se realizar um estudo para que a coleta de
sementes de espécies oleaginosas na RESEX do Médio Juruá, Carauarí, Amazonas seja
realizada de forma sustentável, sem prejuízo das populações das espécies manejadas e
gerando benefícios para as comunidades locais que tem a sua subsistência garantida pela
atividade de coleta das sementes.
3.4. Objetivo
A presente proposta tem como objetivo a elaboração, através de metodologia participativa,
de plano de manejo florestal comunitário de sementes de espécies oleaginosas exploradas na
Reserva Extrativista do Médio Juruá, Carauari, Amazonas. Sendo elas: andiroba (Garapa
guianesis) murumuru (Asírocaryum farinosum), cacau nativo (Theobroma sp,), ucuuba (Virola
sp.), uricuri (Atíalea excelsa), tucumã (Astrocaryum aculeaíum) patauá (Oenocarpus bataua),
maran (não identificada) e cajiroba (não identificada).
3.5. Metas
Os resultados obtidos na oficina de mapeamento participativo possibilitaram a identificação
pelos comunitários das principais áreas de ocorrência de andiroba, murumuru, ucuuba e
cacau. Foi possibilitado também conhecer melhor as distâncias destas áreas até a sede das
comunidades, formas de acesso e uma ideia do potencial de produção destas espécies nestes
locais.
Com estas informações representadas em diversos mapas, o planejamento do trabalho de
campo a ser executado nas atividades direíameníe ligadas a obtenção dos planos de manejo
ficou bem mais acessível. Este aspecto, aliado ao interesse das comunidades em participar de
todo o processo, vai possibilitar atingir as seguintes metas:
Meta I: Avaliação do potencial para manejo das espécies oleaginosas na RESEX do
Médio Juruá
Para atingir esta meta, serão montadas quatro equipes de campo que serão compostas cada
uma, por um técnico florestal e/ou engenheiro florestal, e 3 a 4 representantes das 22
comunidades envolvidas com o processo de coleta das sementes oleaginosas. Os polígonos
demarcados nos mapas pelos comunitários serão identificados no campo pelas equipes de
inventário por comunidade para cada espécie selecionada. Vai ser dada sempre a prioridade
para as espécies que já vem sendo coletadas nos últimos anos, que são a andiroba e
murumuru.
Como resultado, esperamos obterás seguintes informações sobre cada uma destas
áreas:
Georeferenciamento no campo
Acessibilidade
Realização de inventário florestal de reconhecimento para obtenção de informações
quantitativas e qualitativas das espécies amostradas. Ás principais variáveis a serem
obtidas serão: (I) número médio de indivíduos adultos por hectare, (II) status da
regeneração natural, (III) estado fitossanitário dos indivíduos amostrados, (IV)
distribuição espacial, dentre outros.
• Obtenção de histórico de coleta das espécies.
Realizão de prognóstico de potencial de prodão e utilização como área de
manejo no futuro pelas comunidades.
Meta II: Elaboração do Piano de Manejo Florestal Comunitário (PMFC) para a
produção de óleos em toda a RESEX e Plano Anual de Coleta (PAC) para a safra de
2005 das espécies selecionadas por comunidade.
Os mapas atualizados serão uma fonte de consulta para o planejamento e definição das
áreas de manejo a serem utilizadas e licenciadas junto ao IBAMA no futuro. Estas
informações vão subsidiar também a elaboração do plano de manejo florestal comunitário
para a produção de óleos na RESEX. Este plano de manejo será um documento único e
simplificado e conterá para todas as comunidades:
As áreas potências de coleta por comunidade prioritariamente para as espécies de
andiroba, murumuru,
Sistema de Manejo adaptado para a definição de ciclos e intensidades de coleta para as
espécies a serem manejadas nas 22 comunidades da RESEX.
Sea base de consulta das associações comunitárias e a cooperativa para definir os
pianos de coleta anuais (PACs), em conjunto com as comunidades, grupos de coleta e
cnicos envolvidos.
Os PACs serão apresentados anualmente ao IBAMA para licenciamento das safras, e
deverão conter informações básicas como: (I) o local e área de coleta, (II) grupo ou
comunidade envolvido, (III) intensidade de coleta e (IV) previsão de produção (kg ou
toneladas de sementes). Durante esta fase do trabalho, serão apresentados somente os
PACs para o ano de 2005 de todas as 22 comunidades.
O plano de manejo também deverá prever medidas de monitoramento de utilização das
áreas de manejo em conformidade com a legislação vigente. Estas medidas deverão subsidiar
também as decisões técnicas quanto a questões ligadas às oscilações entre safras com alta e
baixa produtividade. O conhecimento associado dos comunitários, em relação a aspectos
ecológicos relativos a cada espécie, bem como ao meio biofísico, vai ser fundamental para
auxiliar na adaptação dos sistemas de manejo a serem implantados, visando assegurar a
sustentabilidade da produção, seja no contexto ambiental, social e econômico,
3.5. Atividades
Será feito a seguir uma breve descrição "dos métodos que serão utilizados na implementação das
atividades. Naturalmente, à medida que as atividades venham sendo realizadas, poderão
ser feitas alterações nos métodos propostos visando uma melhor adequação à realidade
encontrada.
3.1.1. Infraestrutura local
3.5.1.1. Montagem da casa em Carauarí e infraestrutura de campo na RESEX.
Será localizada em Carauari uma casa adequada para instalar a base do projeto na sede do
munipio. A definão deste local é importante, pois grande parte das atividades de escritório
serão realizadas neste local, que servirá de base também para a equipe cnica quando
estiver em Carauari. O local deverá suportar a estrutura que está sendo planejada para o
projeto (fone/fax; computadores, e-mail, garagem, dormitórios, cozinha, etc.).
3.5.1.2. Contratação da equipe técnica.
Os critérios de avaliação e perfil da equipe técnica serão estabelecidos em comum acordo
entre os parceiros envolvidos no projeto e definidos pela coordenação. A adequação e
competência dos profissionais para desenvolverem atividades de campo em condições
adversas, e habilidade de trabalharem com comunidades tradicionais, se uma condição
obrigatória para o bom desempenho do projeto. Os profissionais serão escolhidos por análise de
currículo e entrevistas, após o anúncio em meios de comunicação (jornal, internet, etc) e/ou
contatos diretos com profissionais da área.
3.5.2 Oficinas
3.3.2.1. Reuno geral sobre o cronograma de trabalho
A reunião será conduzida pela coordenação do projeto com a participação da equipe técnica,
parceiros e comunitários. A reunião será convocada com antecedência para possibilitar a
participação de todos os interessados. O objetivo será de estabelecer um cronograma de
trabalho para o projeto para garantir a presença dos comunitários junto ás atividades a serem
desenvolvidas.
3.5.2.2. Oficina de capacitação em manejo florestal
Esta oficina terá por objetivo nivelar toda a equipe de trabalho quanto aos procedimentos e
todos a serem adotados nas atividades do manejo florestal. Serão abordados temas:
(i) específicos - técnicas de invenrio; demarcação das áreas; preenchimento de
fichas de campo, entre outros, e
(ii) gericos - instruções normativas sobre manejo florestal; certificação florestal;
regras para coleta e transporte; beneficiamento e gerenciamento.
\
3.5.2.3. Oficina de apresentação e discussão dos resultados
Depois de realizados os trabalhos de campo será feita uma apresentação blica dos
resultados, com o objetivo de nivelar todos os parceiros e os comunitários sobre os dados
coletados e analisados, bem como, definir estratégias de encaminhamento da proposta.
Também, espera-se nesta oficina definir regras para o manejo florestal a serem adotadas
peias pessoas envolvidas no projeto.
3.5.3. Levantamento de campo
3
.
5.3.1. Reconhecimento das áreas por comunidade
Foram identificadas áreas potenciais de produção de andiroba, murumuru, virola e cacau, na
primeira oficina junto aos comunitários em março de 2004. As áreas foram identificadas em
imagens de satélites/mapas e nesta etapa do trabalho será feito o reconhecimento "in loco".
Serão tomadas novas coordenadas geográficas das áreas, para confrontar com as
informações originais, e também, serão anotadas características gerais como: densidade das
plantas de interesse, relevo, características de inundação, estrutura da vegetação, dentre
outras, que possam balizar a tomada de decisões futuras. Este trabalho deverá incluir a
maioria das áreas identificadas nos mapas.
3.5.3.2. Demarcação das unidades de manejo e Inventário diagnóstico
A partir do reconhecimento inicial, serão selecionadas, junto com os comunitários, 4 áreas,
por comunidade, para a realização destas atividades. A princípio serão priorizadas áreas de
produção de andiroba e murumuru. De acordo com o interesse da comunidade, poderão ser
selecionadas outras espécies.
Ao se chegar à área de produção selecionada, esta será percorrida e serão coletados (no GPS)
e demarcados pontos, limítrofes, à área, de modo que esta possa ser identificada no local e no
mapa. Desta forma, também poderá ser feita um cálculo, com base em dados reais, do tamanho
das unidades de manejo.
As árvores de produção serão identificadas em campo e serão coletadas informações sobre a
produção, fenologia, tamanho, etc,, de cada uma das árvores. A partir destas informações,
poderão ser feitas estimativas de produção por espécie e por área.
3.5.3.3. Processamento das informações do campo
As fichas de campo serão digitadas no computador para que se possam fazer as análises,
estimativas e cálculos necessários para elaboração do plano de manejo. Os pontos
coletados em GPS serão transferidos para os mapas, digitalizados e inseridos em novos
mapas, onde estejam então alocadas as áreas de manejo de cada espécie com o seu
tamanho e localização reais.
3.5.3.4. Checagem de dados
Deverá ser feita uma vistoria em campo para analisar o trabalho feito, e também dos dados e
informações coletados, procurando diagnosticar possíveis falhas e propor melhoria nos
métodos.
3.5.4. Elaboração dos planos de manejo
3.5.4.1. Avaliação dos resultados
Com base nos resultados apresentados das estimativas de produção será feita a avaliação se
os valores encontrados condizem com valores encontrados em literatura ou coletados através
de informações pessoais. Serão utilizados recursos matemáticos e estatísticos para se
definirem os valores de produção.
3.5.4.2. Confeão dos mapas
Coletadas as coordenadas geográficas em campo, serão feitos novos mapas com base
nessas informões. As áreas escolhidas para serem manejadas, na primeira safra, no plano de
manejo, poderão ser totalmente inseridas nestes mapas. À medida que se incluam mais áreas
para o manejo, estas também serão inseridas nos mapas.
3.5.4.3. Elaboração dos planos de coleta (PACs)
O sistema de coleta se definido pelos próprios comunitários envolvidos na atividade,
podendo os técnicos do projeto contribuir nesta tarefa. Os objetivos de elaborar estes planos
o de diminuir os custos, aumentar o rendimento, aumentar a segurança (principalmente no
que se refere o murumuru), etc.
3.3.4.4. Elaboração dos planos de manejo
Todas estas etapas na verdade, quando agrupadas em um documento, serão a base do plano
de manejo. Neste sentido, será importante manter as atividades e sistematizar as informações
de forma a facilitar a elaboração do plano de manejo. O plano seguirá critérios estabelecidos
em normas específicas do IBAMA, visando uma tramitação mais rápida pelo órgão. A própria
peculiaridade do projeto e o envolvimento do IBAMA por meio do CNPT, em todas as fases,
deverá contribuir neste sentido.
3.5.5. Estudos complementares
3.5.5.1. Estudo sobre cadeia de prodão/comercializão
A coleta de sementes, extração, comercialização e venda de oleaginosas na RESEX do
dio Juruá é um processo que vem sendo tradicionalmente praticado a bastante tempo.
Com a implantação da usina do Roque, as comunidades começaram a se envolver mais com
esta atividade produtiva e a experimentar situações, onde a sua capacidade de gestão se
tomasse um grande desafio para a manutenção de todo o sistema de produção e
comercialização implantado nesta usina.
Questões relacionadas com a própria coleta, distâncias de transporte, capacidade de
armazenagem, relações de compra e venda, formação do preço, melhoria da qualidade do
óleo, agregação de valor, dentre outros, precisam ser mais entendidas à medida que as
comunidades se organizam em relação ao processo de manejo na coleta de sementes. As
demandas por novas espécies e o aumento crescente na expectativa de acessar outros
mercados através da realização de práticas de manejo, devem começar a ser mais
intemalizadas peias instituições que representam as comunidades nas relações atuais e futuras
com o mercado.
Para atender a esta situação a ideia é a realização de um estudo de caracterização das cadeias
de produção e comercialização, identificar os atores envolvidos, gargalos nos processos de
comercialização, dentre outros. Este estudo deverá subsidiar as discussões futuras, auxiliando
no entendimento de questões chave e na superação de problemas dos processos envolvidos com
a produção de óleos. Poderão também delinear estratégias que possam atender a todos os
grupos envolvidos com esta atividade na RESEX. Este estudo se contratado na forma de
Termo de Referência.
3.5.5.2. Estudo sobre organização e gestão comunitária
Uma melhor compreensão sobre os sistemas locais de utilização comunitária de recursos, vai
ser de suma importância para complementar algumas questões que vão ser trabalhadas nos
processos de manejo florestal na RESEX. Estas relações normalmente são favoráveis para a
implementação desta atividade. No entanto, também podem resultar em conflitos entre os
diferentes grupos existentes na comunidade, principalmente quando o manejo da floresta
implica em divergências com relação ás práticas convencionais de uso do solo.
Alguns prinpios básicos que regem a utilização comunitária de espos, recursos e
benefícios devem ser obedecidos, tais como: fronteiras definidas, mecanismos para escolhas
coletivas (para a elaboração de regimentos internos), monitoramento do uso dos recursos
naturais pelos comunitários, sanções aplicáveis aos que desobedecem regulamentos,
mecanismos de resolução de conflitos e reconhecimento do direito mínimo do direito das
populações à organização social.
Em atenção a este aspecto, será realizado um diagnóstico sobre a atual situação das
comunidades quanto ao histórico da ocupação da RESEX, relações entre e dentro das
comunidades sobre o acesso e utilização das espécies oleaginosas, as relações com os seus
interlocutores mais próximos, agentes de desenvolvimento, com os gestores ambientais, dentre
outros. Este estudo será contratado também na forma de Termo de Referência. Será realizada
com os consultores e as comunidades uma oficina para a discussão dos resultados.
3.6. Relatórios (Produtos) 3.6.1. .Relatórios de avanço.
Ao longo do desenvolvimento dos trabalhos de levantamento no campo, processamento e
sistematização dos resultados, serão apresentados relatórios que estarão â disposição dos
demais parceiros de trabalho, envolvidos com a elaboração do plano de manejo e planos de
coleta. Estes relatórios vão dar um suporte para que a equipe técnica possa realizar o
monitoramento do andamento dos trabalhos, realizar re-planejamentos e tomar decisões em
conjunto com as comunidades e demais atores. Ao longo do trabalho serão produzidos
quatro relatórios de avanço (vide cronograma de execução).
3.6.2. Produção de mapas.
A infraestrutura que estasendo montada na cidade de Carauada a equipe local, todas as
condições para que os mapas possam ser produzidos com mais rapidez tanto para o trabalho
de reconhecimento das áreas potenciais para manejo, como para os trabalhos de inventários
florestais. Este aspecto diminuirá a dependência de impressão deste material em Manaus, por
exemplo.
No final dos trabalhos serão apresentados os seguintes produtos:
Apresentação do plano de manejo para licenciamento no Ibama,
Apresentação dos planos de coleta ao Ibama para 2005 para todas as comunidades
para as espécies selecionadas.
Relatório final (Revisão I)
Relatório final (Revisão II)
Relatório final (Versão final)
3.7. Proposta de continuidade
Após o término das atividades e consequentemente o cumprimento das metas estabelecidas para
aconteceram no período de seis meses, as comunidades, associações, a cooperativa e os demais
atores, deverão discutir um plano de continuidade para assegurar que os objetivos do manejo
sejam cumpridos daqui para frente. Esta queso é chave para que haja continuidade no
processo de assistência técnica, manutenção da infraestrutura já criada e prosseguimento do
processo de capacitação das pessoas envolvidas em todos os aspectos ambientais, sociais e
económicos.
3.7.1. Elaboração de plano de gestão comunitária
A equipe técnica pretende iniciar este processo de construção da gestão comunitária, em
conjunto com todos os demais parceiros envolvidos com o manejo das oleaginosas na
RESEX. Este processo deverá ter continuidade e será, sem dúvida, a grande base de
sustentação dos processos de utilização dos recursos florestais da unidade de conservação. A
proposta é de realizar uma oficina para sensibilizar todos os envolvidos na necessidade de se
ter estratégias de tomadas de decisão onde a participação de todos seja assegurada, para a
resolução de conflitos e melhoria da capacidade de gestão das lideranças. Para subsidiar este
trabalho, serão utilizados os resultados do "Estudo sobre organização e gestão comunitária" que
será realizado por um profissional da área de antropologia.
3.7.2. Elaboração de plano de comercialização
O mesmo processo será conduzido em relação aos resultados do "Estudo sobre cadeia de
produção/comercialização", que será realizado por um consultor com experiência na área de
comercialização, marketing e negócios.
3.7.3. Elaboração de plano de capacitação e disseminação
Vários membros que comem a equipe técnica que vai coordenar esta proposta, tem
bastante experiência acumulada em capacitação em manejo florestal comunitário na região e i
propor um programa de capacitação e disseminação dos resultados obtidos durante a
realização deste trabalho.
3.7.4.Elaboração de plano de monitoramento (indicadores social/ambiental/econômico)
A realização deste trabalho na escala que está sendo proposta pelo Termo de Referência, vai
exigir de todas as instituições envolvidas e da equipe técnica um esforço muito grande para
que todas as metas possam ser atingidas. Este trabalho vai disponibilizar uma
oportunidade inédita de discussão de indicadores sociais,cnicos e ambientais, que
poderão contribuir bastante para um avanço na construção de programas futuros de apoio á
gestão de Reservas Extrativistas da Amazônia.
3.8. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO
mês 1
mês 2
s 3
Mês 4
mês 5
mês 6
Atividade
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1. Infraestrutura local
Montagem casa em Carauarí e infraestrutura de campo na RESEX
Contratação da equipe técnica
2. Oficinas
Reunião geral sobre o cronograma de trabalho
Oficina de capacitação em manejo florestal
Oficina de apresentação e discussão dos resultados
3. Levantamento de campo
Reconhecimento das áreas por comunidade
Inventário diagnóstico do potencial por espécie
Demarcação das unidades de manejo por espécie
Processamento das informações do campo
Checagem de dados
4. Elaboração dos planos de manejo
Avaliação dos resultados
Confecção dos mapas
Elaboração dos planos e manejo
Elaboração dos planos de coleta
5. Estudos complementares
Estudo sobre cadeia de produção/comercialização
Estudo sobre organização e gestão comunitária
Avaliação dos resultados
6. Relatórios
Relatórios de avanço dos levantamentos de campo l
Relatórios de avanço dos levantamentos de campo lI
Relatórios de avanço dos levantamentos de campo III
Relatórios de avanço dos levantamentos de campo IV
Mapas finais das áreas potências por espécie e por comunidade
Apresentação dos planos de manejo para licenciamento no Ibama
CRONOGRAMA (continuação)
mês 1
s 2
mês 3
Mês 4
mês 5
m és 6
Atividade
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
1
2
3
4
Apresentação dos plano de coleta ao Ibama para 2005
Relatório finai (Revisão I)
Relatório final (Revisão II)
Relatório finai (Versão final)
7, Proposta de continuidade
Elaboração de plano de gestão comunitária
Elaboração de plano de comercialização
Elaboração de plano de capacitação e disseminação
Elaboração piano monitoramento (indicad social/ambiental/econ.)
3..9. CUSTOS
1. CUSTOS ADMINISTRATIVOS
Unitário
Multiplicado
Sub
-
total
Comentários
Aluguel de uma casa em Carauari
450,00
2.700,00
Infraestrutura para a equipe de trabalho (6 meses)
Aluguel de uma linha telefônica
45,00
270,00
Gastos com energia elétrica
180,00
1.080,00
Gastos com água
40,00
240,00
Gastos com telefone
250,
00
1.500,00
Manutenção
50,00
300,00
Sub
-
total
6.090,00
2. EQUIPE DE TRABALHO LOCAL
Unitário
Multiplicad
Sub
-
total
Comentários
Engenheiro Florestal
Auxiliar administrativo
Técnico florestal
Integrantes da
comunidade
3.300,00
1.320,00
1.980,00
10,00
6
18
880
19.800,00
7.920,00
35.640,00
8.800,00
Salário + encargos (6 meses)
Salário + encargos (6 meses)
Salário + encargos (3 técnicos x 6
meses) Diárias de campo
Sub
-
total
72.160,00
3. EQUIPE DE CONSULTORES
Unitário
Multi
plicado
Sub
-
total
Comentários
Equipe permanente
Consultor na área social
Consultor na área economia e finaas
9.500,00
-
6.000,00
6.000,00
6
1
1
45.000,00
57.000,00
6.000,00
6.000,00
Equipe: Eng. florestal, sensor, remoto, planeja,
particip., etc. (6 meses)
A ser contratado através de Termo de Referência
A ser contratado através de Termo de Referência
Sub-total 69.000,00
4. INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTE Unitário
Multiplicado
r
Sub-total
Comentários
Barco (15metros)
Compra de três Voadeiras equipadas com motor
de 25 hp
Rabetas (contra
-
partida das comunidades)
55.000,00
7.500,00
0,00
1
3
3
55.000,00
22.500,00
0,00
Base de apoio das
equipes Deslocamento
Sub-total 77.500.OO
5. EQUIPAMENTOS
Unitário
Multiplicado
Sub
-
total
Comentários
Aparelhos GPS
1.000,00
3.000,00
Bússolas de precisão 150,00 6 900,00
Aparelhos de rádio
6.000,00
12.000,00
jogo de antena di
-
polo (para o barco e casa em Caraua)
.Trenas de 50 metro
90,00
540,
00
-
Calculadoras
40,00
160,00
-
Pranchetas
6,00
10
60,00
Mochilas de nylon
-
40 litros
90,00
20
1.800,00
Fitas diamétricas
-
100,00
800,00
' Geleiras tipo "Cooler" 450,00 4 1.800,00
, Geleiras de isopor 90,00 4 360,00
Grades plásticas para transporte de rancho 45,00 6 270,00
Terçados com bainha
15,00
30
450,00
Garrafas térmicas para água de 6 litros
45,00
135,00
Fita colorida
7,00
40
280,00
kií de EPI 65,00 80 5.200,00 Botas de borracha, capacete, luvas, capa de chuva
equipamentos de cozinha
150,00
450,00
panelas, fogão; botijas; pratos; copos, talheres, eíc
Pentium ÍV, alta capacidade de memória, monitor 17"
Um computador de mesa
6.000,00
6.000,00
CD/DVD
Um lap
-
íop
7.000,00
7.000,00
Pentium IV com aita capacidade de memória, e leitor
Impressora A
-
3
1.500,00
1
7.000,00
Um Pen-drive de 256 MB -A 450,00 1 450,00
Um Scannerde alta resolução 1.500,00 1 1.500,00
Uma câmera digital de 3 MP
1.500,00
1.500,00
Software 12.000,00 1 12.000,00 SIG, planilha-ele írônjca, texto, banco de
dados, etc) .
Uma geladeira
650,00
650,00
Um fogão + botija
250,00
250,00
Um jogo completo de cozinha
200,00
200,00
Cinco camas de madeira com colch
ão
150,00
750,00
Uma mesa de madeira com seis cadeiras
250,00
250,00
Um arquivo de aço 180,00 1 180,00
Uma estante de aço
60,00
60,00
Duas mesas para escritório
200,00
400,00
Quatro cadeiras giratórias
100,00
400,00
Um aparelho
de fax
280,00
Sub
-
total
-
61.575,00
6. MATERIAL DE CONSUMO
Unitário
Multiplica
Sub
-
total
Comentários
Material de escritório
400,00 6
1.200,00
6 meses
Alimentação
1.800,00
7.200,00
4
meses (fase de campo)
Medicamentos
150,00
600,00
4 meses (fase de campo)
Combustível
3.750,00
15.000,00
4 meses (fase de campo)
Peças de reposição
250,00
1.000,00
4 meses (fase de
campo)
para manutenção dos equipamentos com estojo (fase
Ferramentas
150,00
600,00
campo
-
4 meses)
Sub
-
total
25.600,00
7. SERVIÇOS DE TERCEIROS
Unitário
Multiplicado
Sub
-
total
Comentários
Impreso de mapas
30.000,00
6 5.400,0
0 Serviço a ser realizado em Manaus (6 meses)
Xerox/encadernação
180,00
1.080,00
6 meses
Correios
150,00
900,00
6 meses
Passagens aéreas Manaus-Carauarf-Manaus
-600.00
15 Desíocamento dos consultores
Serviços de manuteão mecâ
nica
2.500,00
2.500,00
Barco, voadeiras, motores de popa, etc.
Sub-total
18.880,00
8) OFICINAS DE CAP AGITAÇÃO
Unitário
Multiplicad
Sub
-
total
Comentários
Alimentação
Transporte
Matéria!
didático
900,00
1.800,00
650,00
.
3
3
2.700,00
5.400,00
1.950,00
Realizão de 3 oficinas de capacitação
Su b
-
total
10.050,00
SUB
-
TOTAL
340.855,0
^TOSaSjfi
TAXAADM. 51.128,25
TOTA
402.208,90
OBSERVAÇÃO: a contrapartida a ser oferecida pelas instituições parceiras poderá minimizar os custos apresentados acima.
3.10. Detalhamento da composição dos custos
Custos administrativos
• Aluguel de uma casa em Carauarí
Aluguel de uma linha telefônica
Gastos com energia elétrica
Gastos com água
Comentários: a importância de se ter uma base na sede do município justifica os itens acima
relacionados, em função do tempo de permanência das equipes tanto no campo como na cidade.
Todo o processamento dos dados coletados no campo será efetuado na cidade, o que otimiza o
trabalho de checagem dos mesmos, caso for necessário, retomar novamente a campo. Como este
processo vai ser feito em todas as comunidades, serão realizados trabalhos de campo em
diversos pontos da RESEX. Este infraestrutura será fundamental para o bom desempenho das
equipes de campo e do pessoal responsável pela organização dos dados a serem processados na
cidade. O local servirá de um escritório de apoio e alojamento para os técnicos. O processo de
acompanhamento do coordenador locai deverá ser feito tanto no campo como na cidade.
3.10.2. Equipe de trabalho local
1 Engenheiro Florestal com a função de coordenador de campo
1 auxiliar administrativo
Equipes de trabalho: três equipes compostas por cinco pessoas:
Técnico florestal
3 integrantes da comunidade
1 Cozinheiro
Comentários:
O engenheiro florestal será o responsável:
(i) pela coordenação do calendário de execução das equipes no campo
(ii) pela condução do processo de capacitação dos comunitários nas atividades de
inventário florestal, confecção de mapas, uso de equipamentos como GPS e bússola e
segurança do trabalho.
(iii) pela coordenação do processamento dos dados recebidos do campo
(iv) pela geração de relatórios mensais para os consultores
(v) pela preparação da documentação dos planos de manejo
(vi) pela responsabilidade técnica dos planos de manejo
Os cnicos campo ficarão responsáveis:
(i) pela execução do calendário de campo
(ii) atuarão em conjunto com o coordenador de campo no processo de capacitação dos
comunirios
(iii) participarão do processo de checagem dos dados coletados no campo em conjunto f com o
coordenador
(iv) atuarão em conjunto com o coordenador na elaboração dos relatórios técnicos
mensais
(v) atuarão também no processo de elaboração dos planos de manejo em conjunto com o
coordenador e consultores
(vi) teo participação na responsabilidade cnica em conjunto com o coordenador e
consultores
Os integrantes das comunidade:
(i) darão apoio nas atividades de campo, seja na localização e selão das áreas a serem
manejadas
(ii) receberão capacitação em todos os processos de levantamento e mapeamento das áreas a serem
utilizadas nos planos de manejo
(iii) terão participação nos processos de decisão dos diversos critérios a serem adotados no
processo de manejo
(iv) atuarão também no processo de monitoramento dos sistemas de manejo a serem
adotados.
O auxiliar administrativo
(i) atuará mais na cidade, apoiando as .equipes de campo e o coordenador nos aspectos de
logística de campo, compra de alimentação e demais suprimentos, pagamento de contas,
auxiliando o coordenador no processo de prestação de contas mensal.
(ii) atuará também os técnicos de campo e o coordenador no processo de digitão dos dados
de campo
Observação: Deverão ocorrer reuniões mensais ou quinzenais de avaliação dos trabalhos com a
participação de todos os membros das equipes de campo, comunitários, auxiliar administrativo,
coordenador local e consultores. Estas reuniões servirão para balizar a tomada de decisões
operacionais,cnicas, administrativas, institucionais e o que mais for necessário para o bom
andamento do trabalho. Deverão ocorrer também reuniões, porém menos frequentes, entre os
executores, parceiros envolvidos e financiadores para a avaliação dos trabalhos.
3.10.3. Equipe de consultores
Equipe permanente: será composta por consultores que terão uma participão integrai em
todas as fases do trabalho que forem objeto do termo de referência.
(i) seo os responsáveis pelo monitoramento e orientação da equipe local
(ii) serão os principais interlocutores entre os atores envolvidos
(iii) ficarão responsáveis pelo fechamento dos relatórios técnicos e financeiros a serem
apresentados aos parceiros envolvidos
(iv) contratão da equipe local e consultores ad-hoc
(v) revisores dos planos de manejo
(vi) atuarão no processo de capacitação dos comunitários e técnicos de campo
Equipe de consultores ad-hoc: participarão em fases especificas para atender algumas ativídades
propostas no termo de referência.
(i) consultor na área social: profissional formado em antropologia ou sociologia que atuará nas
fases de levantamento e capacitação nos processos de organização comunitária e gestão do
processo de produção, comercialização, repartição de benefícios e nero, oriundos das
atividades de manejo comunitário.
(ii) consultor na área economia e finanças: profissional habilitado que atuará nas fases de
caracterização das cadeias de produção e comercialização, otimização dos .processos de produção
e comercialização dos óleos e idealização de plantas adequadas para a produção em pequena e
média escala, em função da realidade das comunidades dentro da RESEX. Este profissional terá
também a incumncia de realizar uma análise de viabilidade económica e financeira da
atividade de produção de óleos vegetais, vislumbrando diferentes cenários de agregação de valor
aos produtos oriundos do manejo comunitário.
3.10.4. infra-estrutura de transporte no campo
Aluguel de um barco com motor de centro (15metros) para cinco meses
Compra de três Voadeiras equipadas com motor de 25 hp Rabetas (contra-
partida das comunidades)
Comentários:
(i) O barco servirá de base para todas as equipes como alojamento e depósito de
suprimentos (alimentação, equipamentos e combustível)
(ii) As voadeiras serão utilizadas pelas equipes para acessar os pontos de trabalho no campo.
O mesmo caso das rabetas onde as voadeiras não conseguem acessar.
3.10.5. Equipamentos
• Três aparelhos GPS
• Seis Bússolas de precisão
• Dois aparelhos de rádio com jogo de antena di-polo (para o barco e casa em Carauarí)
• Seis trenas de 50 metros
• Quatro calculadoras
• 10 pranchetas
• 20 mochilas de nylon - 40 litros
• 8 Fitas diamétricas
• Quatro geleiras tipo "Cooler"
• Quatro geleiras de isopor
• Seis grades plásticas para transporte de rancho
• Todos os componentes das equipes receberão um kit de EPI (Botas de borracha,
capacete, terçado, luvas, capa de chuva)
• Três jogos de equipamentos de cozinha (panelas; fogão; botijas; pratos; copos, talheres, etc)
• Um computador de mesa: Pentium IV com alta capacidade de memória, monitor 17" e
leitor de CD/DVD
• Um lap-top: Pentium IV com alta capacidade de memória, e leitor de CD/DVD
• Impressora A-3
• Um Pen-drive de 256 MB
• Um Scanner de alta resolão
• Umamera digital de 3 MP
• Software para: SIG (ArcWiew/ENVI), planilha eletrônica, processador de textos, banco de
dados, etc)
• Para a casa em Carauarí:
• Uma geladeira
• Um fogão
• Um jogo completo de cozinha
• Cinco camas de madeira com colchão
• Uma mesa de madeira com seis cadeiras
• Um arquivo de o
• Uma estante deo
• Duas mesas para escritório
• Quatro cadeiras giratórias
• Um aparelho de fax
Comentários: Como todas as informações serão processadas em Carauarí, estes
equipamentos são essenciais para cumprir com todas atividades previstas no termo de
referência.
3.10.6. Material de consumo
• Material de escritório
impressão
Alimentação
Medicamentos
Combustível
Pecas de reposição
Quatro jogos de ferramentas para manutenção dos equipamentos com estojo
3.10.7. Serviços de terceiros
Impressão de mapas
Xerox/encadernação
Correios
Passagens aéreas Manaus-Carauarí-Manaus
Serviços de manutenção menica
3.10.8. Oficinas de capacitação
As oficinas de capacitão serão realizadas à medida que o trabalho de campo é realizado.
Estão previstas três oficinas: (i) capacitação em manejo comunitário; (ii) organização social e
(iii) planejamento e gerenciamento da produção.
3.11. Forma de apresentação
O relatórios (parciais e final) serão apresentados em 03 (três) pias impressas e
encadernadas e 02 (duas) cópias digitalizadas, no sistema Portable Document Formai (PDF),
gravadas em compací disc. Gráficos, tabelas e fotografias aos quais se faça referência no texto
serão inseridos em páginas próximas à citação. Mapas, imagens de satélite, fotos aéreas,
produtos gerados nas oficinas, serão dispostos nos anexos. De cada documento será
apresentada uma versão preliminar, impressa, em duas pias e, a partir de manifestações
apresentadas pelo contratante, será elaborada um versão final, conforme descrito acima, onde
serão consideradas as observações apresentadas à versão preliminar,
3.12. Prazo
Para o cumprimento das metas estabelecidas nesta proposta, a equipe técnica estabeleceu um
prazo de seis meses a contar com a aprovação da mesma e estabelecimento da infraestrutura de
trabalho local. À medida que forem sendo realizados os relarios de avanço, poderão ser
estabelecidos ou atualizados novos prazos em fuão de condições metereológicas
desfavoráveis ou outro tipo de impedimento ao longo da execão da proposta.
3.13. Qualificação
O estudo será coordenado e desenvolvido por equipe multidisciplinar composta por quatro
engenheiros florestais, uma bióloga e uma técnica florestal com ampla experiência em
mapeamento participativo envolvendo comunidades tradicionais, realização de estratégias de
sensibilização e construção de processos de manejo florestal comunitário de produtos não-
madeireiros na região, geoprocessamento e manipulão de banco de dados, e na
coordenação de projeíos deste porte na Amazónia.
Além desta equipe, serão contratados consultores para a realização de estudos específicos em
organização social e geso comunitária (antropólogo) e para a realização de um diagnóstico
sobre as cadeias de produção e comercialização das oleaginosas na RESEX (economista). Será
formada também uma equipe de campo, composta por um engenheiro florestal, três técnicos
florestais e um responsável por logística para auxiliar a condução deste trabalho.
3.14. Supervio
As atividades realizadas na RESEX do Médio Juruá serão acompanhadas pelo CNPT/IBAMA e a
atuação dos executores estará sendo avaliada periodicamente em reuniões realizadas com
representantes das comunidades locais. O acompanhamento nos locais das atividades será feito
por um representante da comunidade extraíora que utilizar a área, anteriormente designado em
assembleia comunitária, e um técnico do CNPTYIBAMA. Este técnico será o interlocutor do
executor e providenciará os contatos introdutórios com as comunidades e organizações locais. A
aprovação dos documentos finais será de responsabilidade do CNPT/IBAMA a partir de
deliberação do Conselho Deliberativo da RESEX dodio Juruá.
MAPAS
sair em Notícia Bibliográ-fica de História. PUC' de Campinas. São Paulo. 1979.
ANEXO 6
ASCOAP - Associação Comunitária de Desenvolvimento Sustentável
Agroextrativista do Pupuaí na RESEX MJ.
ATA DE FUNDAÇÃO E APROVAÇÃO
DO ESTATUTO SOCJAL DA ASCQA.P
Aos dias vinte e sete de Abril do ano de dois mil e dois, reuniram-se os moradores extrativistas,
agricultores, pescadores, trabalhadores, lideranças e comunirios em gerai da Comunidade do Pupuaí, na
Reserva Extrativista do Médio Juruá, município de Carauari - AM, iniciando os trabalhos ás 20:00 horas,
com a abertura feita pelo Senhor António de Lima e Secretariada pelo Senhor Cícero São Bento de Lima.
Em seguida o Senhor António de Lima Ribeiro explicou o motivo da reunião enfatizando a necessidade
de ser criada urna associação comunitária para defesa e desenvolvimento da comunidade, em seguida
foram abertas as inscrições de chapas para concorrerem à eleição. Após as explicações necessárias a iodos
os comunitários presentes, por unanimidade fundou-se a Associação com a denominação de ASCOAP -
Associão Comuniria de Desenvolvimento Sustenvel e Agroextrativista do Pupu na Reserva
Extrativista do dio Jur, Após a Fundão da entidade apresentou-se uma pia do Estatuto Social da
entidade, que foi lido, discutido e aprovado por todos os presentes. Em seguida foi exposta a necessidade
de se criar uma Diretoria e Conselhos para dirigir e organizar o processo administrativo da associação. Após
alguns pronunciamentos, discussões e debates foi apresentado na plenária uma única chapa para a
apreciação dos comunitários, que foi aprovada, sendo aclamada por unanimidade a seguinte Diretoria e
Conselhos: Presidente -Annio de Lima Ribeiro; Vice-Presidente - Vanderiei Ribeiro da Luz, Secretário -
Cícero São Bento de Lima segundo Secretário - Eleilson São Bento de Lima, Tesoureiro - José Raimundo
Costa da Silva, segundo Tesoureiro -António São Bento de Lima, Conselho Fiscal - Manoel o Bento de
Lima, Conselho Fiscal - Annio Cláudio de Oliveira, Conselho Fiscal - Annio de Souza o Bento,
Conselho Fiscal - Edmundo São Bento de Lima, Conselho Fiscal - Francisco Dias de Medeiros, Conselho
Fiscal - Raimundo Nonato Pimentel da Silva. Depois de ser criada a Associação, aprovado o Estatuto
Social e feita a eleão para a diretoria e empossada, não tendo mais nada a discutir, mandou-se lavrar a ata,
sendo assinada por mim, cero São Bento de Lima, e assinada pelo presidente da Diretoria eleita.
Comunidade Extrativista Pupu - RESEX /MJ, Município de Caraua (AM), 27 de Abril de 2002.
António de Lima Ribeiro - Presidente: _______________________________________________
Cícero São Bento de Lima - Secrerio: ________________________________________________
ANEXO 7
RDS UACARI
A
ANEXO 8
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÓNIA LEGAL - MMA
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
CENTRO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS - CNPT
PLANO DE UTILIZAÇÃO
DA RESERVA EXTRATIVISTA
DO MÉDIO JUR - CARAUA/AM
BRASlLlA/DF
Abril -1998
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÓNIA LEGAL - MMA
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
CENTRO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS - CNPT
PLANO DE UTILIZAÇÃO DA
RESERVA EXTRATIVISTA DO MÉDIO JURUÁ
CARAUA - AM
UNIDADE EXECUTORA: IBAMA/CNPT
APOIO: PNUD - Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento - PRODEX - BRA/97-008
Ministério de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da \mazonia Legal - MMA
Vlinistro - Gustavo Krause
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - IBAMA
Presidente - Eduardo de Souza Martins
Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações
Tradicionais - CNPT
Chefe - Rafael Pinzón Rueda
SUMÁRIO
"Brasil" Ministério do Meio Ambiente, dos Decursos Hídricos e da
Amazônia Legal - MMA
Plano de Utilização da Reserva Extrativista do Médio Juruá - Carauarí/AM
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
- IBAMA / Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das
Populações Tradicionais - CNPT / Programa de Apoio do Desenvolvimento do
Extrativismo - PRODEX
24p; 21x15 cm
Apresentação ...............................................................................05
Decreto 98.897 de 30 de janeiro de 1990.......................................07
Decreto s/n° de 04 de março de 1998 - (Memorial Descritivo)........09
O que é o Plano de Utilização?......................................................12
Portaria 150/97-N de 20 de novembro de 1997
- Aprova o Plano de Utilização da Reserva Extrativista
do Médio Juruá.......................................................................14
ANEXO l - Plano de Utilização da Reserva do Médio Juruá............14
O Finalidades do Plano........................................................14
O Responsabilidade pela Execão do Plano.......................14
O Intervenções Extrativistas e Agro-Pastorisna RESEX
do Médio Juruá ................................................................15
O Intervenções na Floresta...................................................17
O Áreas Comuns..................................................................17
O Interveões na Fauna......................................................18
O Penalidades......................................................................19
O Diretrizes Gerais...............................................................20
O Direito a Fiscalização........................................................21
O Resolução CONAMA 003 de 16 de março de 1988... ....22
APRESENTAÇÃO
A nossa Reserva Extrativista é uma realidade; ela foi criada mediante um Decreto
do Presidente da República e este livrinho, que agora apresentamos, servirá para provar
a sua realidade e importância.
Aqui está descrito tudo quanto os extrativistas decidiram que ficasse como
regulamento para utilização das riquezas da Reserva; é o "Plano de Utilização da
Reserva Extrativista do Médio Juruá" que foi aprovado pelo Governo Federal e
publicado no Diário Oficial da União. Este reconhecimento do Governo, fornece ao Plano a
força suficiente para se tornar um importante documento de fiscalização. Mediante ele, o
extrativista poderá se dirigir tanto às pessoas que entram na Reserva como aos próprios
colegas para exigir que seja respeitado o que aqui está escrito e que foi aprovado em
Assembleia Geral. Todos devem tomar consciência que este é um documento oficial,
orientador da utilização sustentável da Reserva, isto é, respeitando os recursos naturais.
A Reserva é para os moradores e são os moradores os mais interessados em
conservar os recursos naturais que representam sua sobrevivência. O que se espera é
que este "Plano de Utilização" nos ajude a todos, a bem administrar a Reserva. Para tanto, é
necessário conhecer bem o que aqui foi escrito e aprovado, ou seja é necessário estudar o
Plano, ler e discutir em grupo, pois esta é a norma que deve nos orientar.
Temos certeza de que o conhecimento e o respeito ao Plano de Utilização, são
a garantia para o sucesso da Reserva Extrativista do Médio Juruá.
Rafael Pinn Rueda Chefe do CNPT
DECRETO 98.897 de 30 de janeiro de 1990
Dispõe sobre as Reservas Extrativistas, e dá outras Providências
O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 84. inciso
IV, combinado com o artigo 225, dtc Constituão Federal, e tendo em vista o disposto no
artigo , incise VI. da Lei n° 6.938 (1), de 31 de agosto de 1981, com a redaçãc dada pela
Lei n° 7.804 (2), de 18 de julho de 1989, Decreta:
Art, 1° - As Reservas Extrativistas são espaços ter ritoriais destinados à exploração
auto-sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por populão
extrativista.
Art. 2° - O Poder Executivo criará Reservas Extrati vistas err espos territoriais
considerados de interesse ecogico e social.
Parágrafo Único - São espaços territoriais considerados de interesse ecológico e
social as áreas que possuam características naturais ou exemplares da biota que possibilitem
a sua exploraçãc auto-sustenvel. sem prejzo da conservação ambiental.
Art. - Do ato de criação constarão os limites ge ogficos a população destinatária
e as medidas a serem tomadas pelo Podei Executivo para a sua implantação, ficando a
cargo do Institutc Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA
- as desapropriões que se fizerem necessárias.
Art. 4° - A exploração auto-sustentável e a conserv ão dos recursos naturais se
regulada por contrato de conceso real de uso. na forma do artigo 7° do decreto-lei n°
271 (3), de 28 de fevereiro de 1967
§ 1° - O direito real de uso seconcedido a títul o gratuito.
§ 2° - O contrato de conceso incluirá o Plano de Utilização aprovado pelo IBAMA e
conte cláusula de rescisão quando houver quaisquer danos ao meio ambiente ou a
transferência da concessão "inter vivos".
Art. 5° - Caberá ao IBAMA supervisionar as áreas ex trativistas e
acompanhar o cumprimento das condições estipuladas no contrato de que trata o artigo
anterior.
Art. - Este Decreto entra em vigor na data de su a publicão.
Art. 7° - Revogam-se as disposições em contrário.
Jóse Sarney
João Alves Filho
Publicado no Diário Oficial da União, de 31.01.90
DECRETO
de 04 de março de 1997
Dispõe sobre a criação da Reserva Extrativista do Médio Juruá no Município de
Carauarí, Estado do Amazonas, e da outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuão que lhe confere o art. 84,
inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o art. , inciso VI, da Lei n° 6.938, de 31 de
agosto de 1981, e o Decreto n° 98.897 de 30 de jane iro de 1990, DECRETA:
Art. - Fica criada a Reserva Extrativista do Méd io Juruá, no Município de
Carauarí, Estado do Amazonas, com área aproximada de 253.226,5 ha e perímetro de
348.029,65 metros, tendo por base as Cartas Planialtimétricas da DSG, SB.19-X-A, SB.19-
X-B, SB.19-X-C e SB.19-X-D, Datum Horizontal SAD-69 e Datum Vertical Imbituta-SC, com
o seguinte memorial descritivo: a partir do Ponto 1, de coordenadas geográficas
aproximadas 5°33'54"S e 67°42'47"Wgr, localizado na barra do Igarapé Arrombado,
segue pela margem esquerda do rio Juruá, no sentido jusante, até o Ponto 2, de coordenadas
geográficas aproximadas 33'01"S e 639'41"Wgr, l ocalizado na confluência do Igarapé
Marimari com o rio Juruá; daí, segue pela margem esquerda de Igarapé Marimari até o
Ponto 3, de coordenadas geográficas aproximadas 2 5'41"S e 67°33'06"Wgr, localizado na
confluência de citado igarapé com outro sem denominação; partindo-se deste ponto, segue
até o Ponto 4, de coordenadas geográficas aproximadas 24'50"S e 67°31'16"Wgr; a partir
daí, segue a o Ponto 5, de coordenadas geográficas aproximadas 29'22"S e
67°28'32"Wgr localizado na margem esquerda do rio J uruá; partindo-se deste ponto,
segue pela margem esquerda do rio Juruá, no sentido jusante, até o Ponto 6, de
coordenadas geográficas aproximadas 5°22'33"S e 6 13'55"Wgr, localizado na confluência
do rio Juruá com um Igarapé sem denominação; deste ponto, segue até os Pontos
seguintes, com suas respectivas coordenadas geográficas aproximadas: Ponto 7'
5°22'06"S e 613'57"Wgr; Ponto 8 5°21'44"S e 67°14 '16"Wgr; Ponto 9: 5°21'14"S e
67°16'43"Wgr
Ponto 10:20'45"S e 67°16'59"Wgr; Ponto 11: 5°20' 10"S e 67°16'54"Wgr: Ponto 12:
5°19'33"S e 67°16'06"Wgr: Ponto 13: 19'15"S e 67° 16'06"Wgr; Ponto 14: 5
=
19'04"S e
616'32"Wgr: Ponto 15: 5
C
19'12"S e 67°17'23
!
'Wgr: Ponto 16: 5°18'58"S e 67°17'40"Wgr;
Ponto 17:18'3CTS e 67°17'44"Wgr; Ponto 18: 5°18' 07"S e 67°17'28"Wgr; Ponto 19:
5°17'56"S e 67
G
16'57"Wgr; Ponto 20: 5°18'01"S e 67°16'29"Wgr: Pont o 21: 5°17'56"S e
614'09"Wgr. localizado na margem esquerda do rio Juruá; a partir do ponto 21, segue pela
margem esquerda do rio Juruá, no sentido jusante, a o Ponto 22, de coordenadas
geográficas aproximadas 5°10'08"S e 67°13'00"Wgr, l ocalizado na margem esquerda do
referido rio: deste ponto, segue até os pontos seguintes com suas respectivas coordenadas
geogficas aproximadas: Ponto 23: 5°09'27"S e 67°1 3'13"Wgr; Ponto 24: 5°08'51"S e
67°13'00"Wgr; Ponto 25: 5°08'45"S e 67°13'12"Wgr; P onto 26: 5°08'60"S e 67°14'41"Wgr;
Ponto 27:09'56"S e 67°15'39"Wgr: Ponto 28: 5°09' 46"S e 67°16'16"Wgr; Ponto 29:
5°09'05"S e 67°16'28"Wgr; Ponto 30: 5°08'27"S e 67° 16'25"Wgr; Ponto 31: 5°06'33"S e
615'19"Wgr; Ponto 32: 5°06'09"S e 67°14'52"Wgr; P onto 33: 5° 06'04"s e 613'41"Wgr;
Ponto: 34: 04'58"S e 612'46"Wgr; Ponto 35: 04 '32"S e 67°11'58"Wgr; Ponto 36:
04'33"S e 611'16"Wgr; Ponto 37: 5°05'09"S e 67° 09'43"Wgr; Ponto 38: 5°03'26"S e
606'08"Wgr, localizado na margem esquerda do rio Juruá; a partir do último ponto acima
descrito, segue até o Ponto 39, de coordenadas geogficas aproximadas 4°53'42"S e
615'42"Wgr; localizado na margem direita do Igara pé Ipixuna; Partindo-se do Ponto 39,
segue pela margem direita do Igara Ipixuna, no sentido montante, até o Ponto 40, de
coordenadas geográficas aproximadas 5°28'26"S e 67° 49'41"Wgr, localizado na cabeceira
do referido igarapé; deste ponto, segue até o ponto 41, de coordenadas geográficas
aproximadas 5°28'18"S e 67°47'09"Wgr, localizado na cabeceira de um Igarapé sem
denominação; a partir daí, segue pela margem esquerda do referido igarapé, no sentido
jusante, até o Ponto 42, de coordenadas geográficas aproximadas 29'10"S e
644'30"Wgr, localizado na confluência deste Igara pé com outro igarapé sem
denominão: partindo-se deste ponto, segue até o Ponto 43, de coordenadas geográficas
aproximadas 5°31'58"S e 67°44'49"Wgr, localizado na cabeceira do Igara Arrombado;
deste ponto, segue pela margem esquerda do referido igarapé, no sentidc jusante, até o
Ponto 1, de coordenadas geográficas aproximadas 5°3 3'54"S e 67°42"47"Wgr. marco inicial
deste memorial descritivo.
Art. 2° - A Reserva Extrativista do Médio Juruá tem poi objeto garantir a
exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis
tradicionalmente utilizados pela populão extrativista do Munipio de Carauarí.
Art 3° - O Poder Executivo deverá proceder at desap ropriações das áreas
particulares, que seo incorporadas ac Património blico da Uno e outorgadas, mediante
Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, à população com tradição extrativista, nos
termos do art. 4° do Decreto n° 98.897, de 30 de ja neiro de 1990.
§ Caberá, ainda, ao Poder Executivo a permanente gestãc no sentido de
assegurar a eficaz utilização da área descrita no Art deste Decreto.
Art. 4° - A área da Reserva Extrativista ora criada fica declarada de interesse
ecológico e social, conforme preconiza o art 2° do Decreto 98.897 de 1990.
Art. 5° - Este Decreto entra em vigor na data de su t publicação.
Brasília. 4 de março de 1997; 176° da Independência e 109' da República.
O QUE É O PLANO DE UTILIZAÇÃO
O Plano de Utilização é o principal regulamento da Reserva Extrativista. É nele,
que estão descritas as regras de uso dos recursos naturais, bem como os direitos e os
deveres de todos aqueles que nela e dela vivem.
Este Plano de Utilização, foi elaborado com a participação de muitos extrativistas,
e teve o apoio voluntário de várias pessoas que também abraçaram a causa em favor
das populações tradicionais e das Reservas Extrativistas.
Este Plano foi submetido à aprovação do IBAMA, que através da Comiso das
Populações Tradicionais, criada pela Portaria IBAMA 078/96 de, 30 de setembro de
1996, o analisou e fez algumas alterações visando a sua compatibilização com a
Legislação Ambiental em vigor.
Dessa forma, respeitando a vontade e o compromisso dos extrativistas de viver,
conservar e proteger os recursos naturais da Reserva Extrativista do Médio Jur,
apresentamos a seguir a Portaria IBAMA n° 150/97-N de 20 de novembro de 1997,
publicada no Diário Oficial da União.
PORTARIA 150/97-N de, 20 de novembro de 1997
O PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS
RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS -IBAMA, no uso das atribuições que lhe são
conferidas pela Lei 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, pelo art. 24 do Anexo l ao
Decreto 78, de 05 de abril de 1991 e pelos incisos II e XIV do art. 83, capítulo IV do
Regimento Interno aprovado pela Portaria N° 445, de 16 de agosto de 1989, do Ministério do
Interior, com fundamento no Decreto N° 98.897, de 3 0 de janeiro de 1990, e;
Considerando que a Associão dos Moradores da Reserva Extrativista do
dio Jur, apresentou ao IBAMA um Plano de Utilização da referida Reserva, elaborado
de acordo com a portaria N° 51-N de 11 de maio de 1 994, e aprovado pelos moradores
da mesma;
Considerando que através da Portaria IBAMA 46-N, de 06 de maio de 1994,
foi criada a Comissão das Populações Tradicionais, tendo como incumbência a aprovação
dos Planos de Utilização das Reservas Extrativistas;
Considerando que a Comissão das Populações Tradicionais na sua 17
a
Reunião, realizada no dia 27 de junho de 1997, aprovou o Plano de Utilização da Reserva
Extrativista do dio Juruá, RESOLVE:
Art. 1° - Aprovar o Plano de Utilização da Reserva Extrativista do Médio
Juruá, constante do Anexo l à presente Portaria;
Art. 2° - Esta Portaria entra em vigor na data de s ua publicão.
Eduardo de Souza Martins
Presidente - IBAMA
ANEXO l
PLANO DE UTILIZAÇÃO
DA RESERVA EXTRATIVISTA
DODIO JURUÁ
Finalidades do Plano
1. Este Plano tem como finalidade assegurar a auto-sustentabilidade dos
recursos naturais da Reserva Extrativista do dio Juruá, mediante a regulamentação
das condutas não predatórias incorporadas à cultura dos moradores, bem como as
demais condutas que devem ser seguidas para cumprir a legislação brasileira sobre o
meio ambiente.
2. Objetiva ainda este Plano, oferecer um instrumento para que o IBAMA possa
verificar se os moradores da Reserva Extrativista do Médio Juruá estão realmente
cumprindo as normas que eles mesmos criaram.
3. Como o Plano foi aprovado por todos, ele servi de guia para que os moradores
exerçam suas atividades dentro da Reserva, respeitando os limites estabelecidos.
Responsabilidade pela Execução do Plano
4. Todos os moradores o responsáveis pela execão do Plano, como co-
autores e co-responsáveis pela gestão da Reserva e únicos beneficiários da mesma. De
forma mais direta, a Associação de Produtores Rurais de Carauarí - ASPROC, o
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Caraua, Movimento de Educação de Base - MEB e
o Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS.
5.
O não cumprimento das normas estabelecidas no presente
Plano de Utilização, significará a quebra do compromisso do morador de conservar a Reserva
para seus filhos e netos tal como a recebeu, e resultará na perda do direito de uso por parte
do infrator, nos termos das penalidades estabelecidas neste Plano de Utilização.
Intervenções Extrativistas e Agro-Pastoris
6. Cada família só poderá ter uma colocação e será considerada colocação
uma unidade com o mínimo de 02 (duas) estradas de seringa. Os deficientes e idosos
poderão ter unidades menores.
7. Cada família é responsável para cuidar de sua colocação, e tem o dever de zelar
pelas suas atividades, junto com a Comissão de Fiscalização da RESEX do Médio Juruá.
8. É proibido derrubar as seringueiras.
9. Não fazer queimadas próximo a estrada de seringa.
10. O uso da estrada de seringa será feito na forma tradicional, obedecendo 50 dias de
corte por ano, por estrada (02 dias por semana).
11. É proibido cortar "no pau", sendo empregado o sistema de corte pelo teo, ou
pela banda, até que apareçam outras técnicas mais apropriadas.
12. Fica proibida a derrubada da Andirobeira nativa, e deve haver incentivo ao
cultivo dessa espécie para produção de óleo.
13. Fica proibida a derrubada da Copaibeira. A exploração e extração de óleo deve
ser com uso de "trado"; logo depois da extração fechar com "torniquete". Após a exploração
fica proibida nova extração por um período de 02 (dois) anos.
Fica proibida a derrubada da òorveira, e a extração do seu leite deve ser feita pelo método
tradicional, ou seja. a distância de 04 metros ou 06 metros, de um anel para outro,
respeitando o período mínimo de 08 (oito) dias.
A exploração do Murú-murú deverá ser feita mediante o uso do corte "raso", e anual, sendo
sempre o mais velho a ser derrubado, e somente quando autorizado pelo IBAMA.
É proibido a entrada de madeireiros na RESEX do Médio Juruá, a fim de realizar exploração
comercial de madeiras.
Os moradores da RESEX do Médio Juruá, poderão realizar atividades complementares tais
como: criação de pequenos animais, crião de peixes, pecuária, agro-silvicultura. Essas
atividades poderão ocupar até 10% (dez por cento) da área da colocação.
A criação de animais como porcos, gado e ovelhas, deve ser feita de comum acordo
com os moradores da vizinhança, ficando a construção de cercas e chiqueiros, por conta do
criador. Quando ocorrer invasão nos terrenos dos vizinhos pelos animais, o dono dos
mesmos devepagar os prejuízos que venham a acontecer.
A criação de grandes animais será permitida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da
área destinada pelo item 17, para atividades complementares, ou seja, 5% (cinco por
cento) da área ocupada por morador.
Obedecendo ao Artigo 2° do Código Florestal Brasile iro, não podem ser desmatadas as
"Florestas de Preservação Permanente" entendidas estas como as matas ciliares, as das
nascentes e as margens de cursos d'água, ou outras.
As capoeiras deverão ser aproveitadas para atividades agro-florestais, agrícolas e criação de
animais.
Intervenções na Floresta
22. Madeiras: o podem ser extrdas dentro da RESEX de dio Juruá para
comercialização, somente para use próprio dos moradores como: canoas, casas,
móveis, lenha e instrumentos de trabalho.
23. Açaí: Pode ser extraído somente o fruto maduro, e não derrubar a árvore.
24. Do Buruti, Patuá e de todas as demais Árvores Frutíferas de Alimentação
Costumeira que se encontram na RESEX de Médio Juruá, podem ser extraídos
somente seus frutos, serra derrubar as árvores.
25. Urucurí: Pode ser extraído juntando o coco (fruto) 01 derrubando o cacho e
o a árvore.
26. Mel de Abelha: Aos moradores é permitida a extração de mel de abelha, por
meio de métodos que não exijam se derrubada da árvore.
27. Cipó: É permitida a extrão de ci (titica, ambé, chato timbó-açú), preservando
os verdes (novos).
28. Palha: Pode ser extraída, mas deve-se preservar pele menos as 03 (três)
palhas do olho em cada pé.
29. Paxiúba: Pode ser extraída, mas devem ser preservados os filhotes próximos a
árvore mãe.
>Áreas Comuns
30. o consideradas de uso comum, as seguintes áreas úz Resex do Médio Juruá:
Rios, barrancos, praias, igarapés lagos e varadouros.
31. A abertura de novos varadouros deverá respeitar os direitos individuais e
ambientais, com a devida aprovação dos moradores. A abertura deverá
ser posteriormente comunicada a Associação ou Comissão de moradores da
RESEXdo Médio Juruá.
32. Fica proibido o desmatamento nas margens e nascentes dos rios, lagos,
igarapés e quaisquer outros cursos e mananciais, de acordo com as leis
vigentes.
33. As matas desocupadas deverão ficar para repouso dos animais silvestres e
aberturas de novas estradas de seringa.
34. O uso das áreas comuns deverá ser combinado em acordo com os moradores
mediante aprovação da Comissão responsável pela RESEX do Médio Juruá.
35.
A utilização destas áreas deverá respeitar os usos e costumes dos
moradores.
Intervenções na Fauna
36. É proibida a caça e a pesca profissional dentro da RESEX do Médio Juruá.
37. Os moradores da RESEX do dio Juruá podem pescar para sua sobrevivência,
respeitando a legislação ambiental.
38. Com base num plano de manejo de fauna previamente aprovado pelo IBAMA,
deverá ser estimulado o manejo sustentado da fauna, através da implantação de
criadouros comunitários para espécies com potencial de uso pelas comunidades
ou para fins económicos, bem como de escies que existam em pequena
quantidade na RESEX do Médio Juruá, para serem repovoadas.
39. Fica proibido o trânsito de pessoas nos "tabuleiros" (áreas de reprodução de
quelônios), apanha de ovos, captura da
espécie e a pesca. Devendo ser respeitado o limite de 1.000 metros tanto do ponto
de cima quanto de baixo.
40. Deve-se escolher (priorizar) lagos e igarapés para fins de preservação, e
outros para pesca de subsistência, permitindo apenas pesca com
apetrechos tradicionais (flecha, tarrafa, espinhei, pequenas caçoeiras, linhas
de mão, caniço e arpão).
41. Nas fontes, como lagos e igarapés, onde ocorra naturalmente a
existência de peixes e outros animais, deverão ser preservadas as árvores
frutíferas e estimulado o seu enriquecimento (plantios).
Penalidades
42. Deverá ser criado um Conselho de Penalidades, formado por pessoas escolhidas
pela Associação. Este Conselho se reuni de 06 em 06 meses, e
extraordinariamente quando se fizer necessário, e usará como base de
orientação, os autos de constatação emitidos pelos fiscais colaboradores.
43. No caso do não cumprimento das normas estabelecidas no Plano de Utilização da
RESEX do dio Jur, o infrator será punido nas seguintes condições:
Advertência;
Multa de 10 dias de trabalho;
Multa de 30 dias de trabalho;
Suspensão de 30 dias;
Suspensão de 180 dias;
Expulsão definitiva.
44. Caso o Conselho da Reserva não consiga resolver e conflito, este será
repassado ao IBAMA que deverá tomai as providências cabíveis.
45. Como é direito de todos os cidadãos, o penalizado poderá recorrer a qualquer
instância para buscar seus direitos.
Diretrizes Gerais
46. Todo aquele que pretender morar na RESEX do dio Juruá, poderá, desde
que tenha a aprovação da Associação de Produtores Rurais de Carauarí, e esta, a
aprovação do IBAMA.
47. O associado ou morador da RESEX do Médio Jur que quiser sair da mesma,
antes de vender suas benfeitorias a alguém que habita fora da Reserva, deverá
primeiro obter autorização da Associação e do IBAMA, conforme o artigo anterior.
48. Não sepermitida a moradia de comerciantes, dentro da RESEX do Médio Juruá.
49. A pesquisa, fotografia, filmagem e coleta de material genético no interior da
RESEX do Médio Juruá, só poderão ser realizados mediante autorização expressa
do IBAMA, após ouvir a Associação de moradores da RESEX do Médio Juruá.
50. O presente Plano, pode ser alterado em uma Assembleia Geral,
com presença mínima de 60% dos moradores da RESEX do dio Juruá, e
se a proposta apresentada tiver mais de 50% dos votos a favor, e desde que as
propostas apresentadas não entrem em conflito com a finalidade da RESEX do
dio Juruá.
Eduardo de Souza Martins
Presidente - IBAMA
DIREITO A FISCALIZAÇÃO
Conforme estabelecido no Plano de Utilização da Reserva Extrativista do Médio
Juruá, cabe aos moradores e à Associão, em conjunto com o IBAMA e outros órgãos,
realizar a fiscalização, monitoramento e zoneamento da Reserva. Diz ainda o referido
Plano, que secriada uma Comissão de Proteção da Reserva, com o objetivo de apoiar a
Associação nessa tarefa.
Nesse sentido, o IBAMA/CNPT promoverá treinamentos aos associados de forma a
capacitá-los e credenciá-los na atividade de fiscalização.
Esses treinamentos, terão como base a Resolução do Conselho Nacional do Meio
Ambiente - CONAMA (n° 003/88, de 16.03.88), que dá poderes a entidades civis com
finalidade ambientalista, de, pelo sistema de Mutirão, participar da fiscalização de Unidades
de Conservação, lavrando autos de constatação, circunstanciados cujo modelo será
fornecido pelo IBAMA.
RESOLUÇÃO CONAMA 003, de 16 de março de 1988
O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -CONAMA, no uso das
atribuições que lhe confere o Artigo 48, do Decreto 88.351, de 1° de junho de 1983,
RESOLVE:
Art. - As entidades civis com finalidades ambientalistas, poderão participar na
fiscalização de Reservas Ecológicas, Públicas ou Privadas, Áreas de Proteção Ambiental,
Estações Ecológicas, Áreas de Relevante Interesse Ecológico, outras Unidades de
Conservação e demais Áreas protegidas.
Art. - A participação na fiscalização, prevista nesta Resolução será feita
mediante a constituição de Mutirões Ambientais, integrados no nimo por três pessoas
credenciadas por Órgão Ambiental competente.
§ 1° - Para maior proteção de seus participantes, a entidade responsável pelo
Mutirão Ambiental poderá solicitar a presença e o acompanhamento de pelo menos um
servidor pertencente a uma corporação policial.
§ - Se não for atendida a solicitação prevista n o parágrafo anterior, nesse caso a
realização do Mutirão Ambiental será efetuado apenas se houver a participação mínima de
05 (cinco) pessoas.
§ - Sempre que possível o Mutirão Ambiental cont ará com a participação de
servidor público com experiência em fiscalização, de médico ou de pessoa com
experiência no campo de assistência social.
§ - Para o credenciamento, a autoridade ambienta l competente deverá instruir
os participantes do Mutirão Ambiental, sobre os aspectos técnicos, legais e administrativos,
fornecendo-lhes inclusive identificação.
Art. - Os participantes do Mutirão Ambientai, quanqo encontrarem infrações à
legislão, lavrarão autos de constatação, circunstanciados, devidamente assinados pelos
presentes sobre as ocorrências verificadas.
§ - O auto de constatação será enviado à entidade credenciadora do Mutirão
Ambiental, para aplicação da legislação, devendo quando couber, ser encaminhada ao
Ministério Público.
§ - Se as autoridades locais não se pronunciarem sobre os autos de
constatação, caberá aos órgãos federais competentes atuar em caráter supletivo.
Art. 4° - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
João Alves Filho Ministro
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