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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
Anorexia e Bulimia: Uma Perspectiva Social
Por
Sheila Weremchuk Ida
Orientadora: Prof. Dr. Rosane Neves da Silva
Porto Alegre, 2008
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Meu corpo, não meu agente,
meu envelope selado,
meu revólver de assustar,
tornou-se meu carcereiro
me sabe mais que me sei.
Carlos Drummond de Andrade.
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Agradecimentos
Ao meu marido, Cesar, amor da minha vida, por todo carinho, amor,
compreensão e dedicação.
À minha mãe, por toda parceria e ajuda naquilo que eu não consigo
entender.
À minha avó pela saudável troca de experiências.
À minha melhor amiga, Maria Clara por todo o apoio nos momentos mais
difíceis desse projeto.
Ao meu colega de mestrado Gustavo, pela parceria.
À minha orientadora Rosane Neves por toda atenção, paciência e ajuda
para me ensinar a escrever preto no branco.
Às professoras Tânia Fonseca e Guacira Louro pelas preciosas
contribuições na banca de qualificação do projeto.
À Capes pelo apoio financeiro tão importante para a realização desse
projeto.
4
Resumo
A partir da problematização do conceito de Transtornos Alimentares, esta
dissertação busca investigar a nossa relação com o corpo, colocando em
discussão as práticas normativas que constituem nossos modos de vida.
Diante de um certo padrão estético que associa o corpo com a beleza e a
imagem de sucesso, pretendemos problematizar o contexto social no qual os
Transtornos Alimentares vêm sendo produzidos. Para isso, utilizaremos como
recorte a análise da anorexia e bulimia. De difícil tratamento e de grande
morbidade, os sintomas dessa psicopatologia refletem uma preocupação
excessiva com o peso, a imagem corporal e o medo de engordar. Nosso
interesse é contribuir para essa discussão, saindo de uma perspectiva
individualizante voltada para a jovem anorética e/ou bulímica e as interações
disfuncionais do seu sistema familiar, passando a considerar os transtornos
alimentares como um dispositivo que denuncia o extremismo na forma de
pensar, sentir e experimentar o corpo em nossa sociedade. Assim, nosso
objetivo é apresentar alguns subsídios que permitam deslocar essa questão do
âmbito exclusivo da experiência individual para uma análise das práticas
sociais de relação com o corpo que habitam a experiência contemporânea,
entendendo os transtornos alimentares, na atualidade, como a exacerbação de
um sintoma social.
Palavras-Chave: transtorno alimentar, processos de subjetivação, psicologia
social, normal e patológico
5
Abstract
Based on the problematization of the concept of eating disorders, this paper
aims on the investigation of our relation with the body, discussing the normative
practices that constitute our ways of life. From an esthetic standard that relates
the body with the beauty and success, we intend to problematize the social
context where the eating disorders have been produced. To achieve this
objective, we base our study on the anorexia and bulimia analysis. The
symptoms of this psychopathology of difficult treatment reflect an excessive
worry about the weight, corporal image and of getting fatter. Our interest is to
contribute to this discussion, leaving from an individual perspective focused on
the anorectic and/or bulimic young and the dysfunctional interactions of his/her
familiar system, shifting the focus to the eating disorders as a device that
denunciates the extremism in the way of thinking, feeling and experiencing the
body in our society. Therefore, our objective is to present some subsidies that
allow us to dislocate this matter from the exclusive scope of individual
experience to an analysis of the social practices of the relation with the body
that resides the contemporary experience, considering the eating disorders in
the present as the exacerbation of a social symptom.
Key-Words: eating disorder, subjetivation processes, social psychology, normal
and pathologic.
6
Índice
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................7
2. PROBLEMATIZAÇÃO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES................................14
2.1. PERCORRENDO A HISTÓRIA...............................................................................................16
2.2. PERCORRENDO OS DISCURSOS PSI.................................................................................... 20
3. O CORPO E A NORMA......................................................................................................26
3.1. A MAGREZA COMO NORMA............................................................................................... 26
3.2. A INVENÇÃO DE UM CORPO FEMININO.............................................................................. 29
3.3. O CORPO, A NORMA E A EXPERIÊNCIA CONTEMPORÂNEA .............................................. 37
4. O CULTO À IMAGEM.....................................................................................................47
4.1. IMAGEM COMO DOBRA DA SUBJETIVAÇÃO....................................................................... 47
4.2. O CULTO DA EXTERIORIDADE........................................................................................... 52
4.3 MODOS DE SE RELACIONAR COM O CORPO NA CONTEMPORANEIDADE............................. 54
5. INTERLOCUÇÕES COM UM CORPO QUE NÃO AGÜENTA MAIS.....................64
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................68
7
1. Introdução
A experiência clínica tem mostrado um aumento significativo do
atendimento de jovens com anorexia e bulimia. De fato, nas mais diversas
áreas de conhecimento, como na população em geral, fala-se de forma
alarmante nessas manifestações. Desse modo, o encontro com jovens e
famílias que encarnam o desafio de suportar longos tratamentos psiquiátricos e
psicológicos em função dessa patologia captura nossas forças. Trata-se da
aproximação de uma doença psiquiátrica nomeada Transtornos Alimentares
cuja prevalência média indica afetar predominantemente mulheres jovens. De
difícil tratamento e de grande morbidade, os sintomas da doença refletem uma
preocupação excessiva com o peso, a imagem corporal e o pavor de engordar.
Devido à complexidade da condição clínica, equipes compostas por
psiquiatras, clínicos gerais, psicólogos e nutricionistas buscam o enfrentamento
de tal patologia, fundamentados em princípios que centram sua atenção no
indivíduo e nas interações atuais do seu sistema familiar.
Assim, inserida nesse contexto desde a minha graduação em
Psicologia na UFRGS, estive envolvida no tratamento de jovens diagnosticadas
e identificadas como jovens anoréxicas e/ou bulímicas.
1
Em função do
interesse em conhecer mais esta patologia, passei a participar, depois de
graduada, como voluntária na equipe interdisciplinar do Programa dos
Transtornos Alimentares do HCPA. Nessa experiência acabei aproximando-me
de uma série de estudos cujo fio condutor para o entendimento desta patologia
aparece centrado na idéia de problemas emocionais individuais e padrões
familiares disfuncionais. Assim, para Bruch (1982), trata-se de jovens com um
déficit do senso de identidade próprio que continuam a funcionar como crianças
1
Esse contato e aproximação foi fruto da experiência de um estágio curricular
em Psicologia Clínica vinculado ao Serviço de Psicologia do HCPA. Tal
experiência resultou na produção de um trabalho de Monografia intitulado
Função Paterna e Anorexia.
8
no qual predomina a falta de autonomia e a egocentricidade. No que diz
respeito à exploração das questões familiares, Strober e Humphrey (1987),
afirmam que as mães de anoréticas são descritas como intrusivas,
superprotetoras, ansiosas e perfeccionistas, e com muito medo de separar-se
de seus filhos, sendo os pais destas jovens geralmente descritos como
retraídos emocionalmente, passivos e fechados em si mesmos. De fato, a
discussão da maioria dos casos clínicos centra-se em imagens que
representam mãe e filha grudadas e em conflito no qual o pai encontra-se
excluído. Entretanto, para evitar reproduzir essas discussões deslocamos o
problema do âmbito exclusivo da experiência individual e passamos a nos
interessar em analisar e pensar no que esse sintoma está dizendo dos nossos
modos de vida. Assim, embora tais imagens de fato identifiquem e estejam
associadas com a patologia em questão, passamos a considerá-las como
linhas que compõem uma multiplicidade, saindo, portanto, de uma lógica
binária e dicotômica.
Trata-se, então de retomar a noção de movimento para produzir
desvios, produção de novos sentidos e linhas de fuga. Para isso, esta pesquisa
pretende problematizar o contexto social no qual os Transtornos Alimentares
vêm sendo produzidos.
De fato, vale destacar a visibilidade que, cada vez mais, essa
patologia vem adquirindo nos nossos meios de comunicação. Revistas
2
,
jornais, programas de televisão e novelas com personagens anoréticas e
bulímicas mostram que esse sintoma está aparecendo com freqüência,
principalmente, entre mulheres jovens e bonitas. Sem dúvida, toda essa
visibilidade justifica uma discussão a respeito das práticas em relação ao
2
Ao fazer um levantamento das matérias jornalísticas e revistas a respeito
desse assunto, percebemos que elas estão constantemente reiterando a
questão da anorexia como uma doença grave. Para exemplificar podemos
indicar a revista Claudia de maio de 2006 e a revista Época de novembro de
2006. Ambas contém exemplos de modelos famosas e celebridades que
faleceram vitimas da anorexia.
9
corpo, principalmente aquelas ligadas à produção de um corpo magro na nossa
cultura.
Da mesma forma, ao se percorrer o espaço urbano é possível captar
o registro de inúmeras experiências que colocam o corpo no centro da cena
contemporânea: academias de ginástica, lojas de alimentos que prometem o
mínimo de calorias a serem ingeridas, parques onde vemos pessoas correndo
ou caminhando como forma de exercício, além de clínicas de estética que
oferecem desde uma “limpeza de pele” até cirurgias plásticas removedoras do
excesso corporal. Se nas ruas tal paisagem destaca-se, quando chegamos em
casa e ligamos a televisão ou pegamos uma revista, os apelos continuam:
invista no corpo o máximo que você puder.
Sendo assim, parece haver um certo consenso de que todos são
capazes de modificar e transformar o próprio corpo a fim de adequar-se aos
critérios de beleza, juventude e preocupação excessiva com a aparência
predominantes em nossa cultura.
Somos cotidianamente invadidos por imagens de corpos esbeltos e
belos vinculados a um padrão estético que associa magreza e sucesso. Neste
contexto, os cuidados com o corpo passam a ser importantes, não apenas nos
discursos médicos referentes à prevenção de doenças, mas, principalmente, na
associação do peso com a imagem de sucesso e beleza. Assim, diante do
impacto marcante dessas imagens, pretendemos problematizar as formas de
relação com o corpo que habitam a experiência contemporânea. Desse modo,
ao utilizarmos como recorte os transtornos alimentares conhecidos como
anorexia e bulimia, pretendemos analisar como as práticas e saberes de um
contexto histórico específico constituem aquilo que uma determinada
sociedade reconhece como sendo desviante do modo “normal” de ser.
Temos, então, como objetivo, fornecer alguns subsídios que
permitam sair de uma perspectiva individualizante – que reduz esta patologia
ao entendimento do que se passa exclusivamente com esta jovem anoréxica
10
ou bulímica e/ou sua família – e nos levem a analisar o contexto social no qual
se produz esta doença, uma vez que consideramos que tais patologias refletem
os nossos modos de existência.
Assim, para analisar nossa problemática propõe-se a cartografia
3
como método. Tal proposta baseia-se em uma técnica utilizada pelos
geógrafos na arte de compor mapas, cartas geográficas que tem como base os
resultados de observações diretas das paisagens e a análise de documentação
a fim de construir um desenho das diferentes paisagens sociais. Nesse sentido,
utilizar a experimentação da cartografia é buscar acompanhar algo em
movimento colocando em questão os saberes e realidades que estão sendo
criados com a trajetória do caminhar. De fato, ao utilizá-la rompe-se com a
idéia de que os objetos de nosso estudo estariam prontos e disponíveis à
investigação e busca-se entendê-los como construções de um campo social.
Portanto, essa estratégia metodológica será aqui utilizada como ferramenta
para buscar entender a anorexia e bulimia como sintomas sociais a fim de
construir um desenho em torno das relações com o corpo na atualidade.
Segundo Rolnik (1989), entender para o cartógrafo não tem a ver
com explicar, resolver e revelar e sim dar visibilidade e expressão para a
transição de novas formas de entendimento e história. Ainda para a autora, a
tarefa do cartógrafo é dar um mergulho na intensidade de seu tempo e estar
atento às linguagens que encontra para que assim devore as que lhe parecem
elementos que podem compor não um mapa estático, mas movimentos que
transformem a paisagem (Rolnik, 1989).
Desse modo, a lógica seguida por esse método está situada num
campo de análise compartilhado pelo paradigma ético-estético. Este paradigma
não pretende a quantificação, tampouco a mensuração dos dados, mas sim a
possibilidade de “recuperação da pluralidade, da multiplicidade do mundo,
permitindo a recuperação da dimensão ética” (Pasini, 1997, p.26).
3
Método proposto por Deleuze e Guattari e que vem sendo utilizado em
pesquisas voltadas para o estudo da subjetividade.
11
Contrapondo-se ao paradigma cientificista, que busca encontrar a verdade nas
raízes e nas origens, esse modo de pensar aposta na quebra das dicotomias
buscando fazer um pensamento dos rompimentos com as realidades pré-
existentes e fixas no tempo. Sem um destino ou ponto de chegada utiliza-se
aqui a estratégia da cartografia que pressupõe algumas direções a serem
seguidas na tarefa de analisar nosso campo problemático. Assim, para fazer
essa cartografia, utilizaremos três ferramentas que nortearão nossa pesquisa.
Iniciaremos com uma revisão bibliográfica a fim de problematizar e
decompor a suposta realidade no qual está inserida nossa questão.
Seguiremos para uma análise critica e reflexiva do cercamento da experiência
com o corpo na nossa cultura enfatizando não apenas o papel da mídia nesse
processo, mas principalmente o estatuto da imagem e os inúmeros esforços
envolvidos para que ela seja ancorada quase que exclusivamente na noção de
exterioridade. Entretanto, não se trata de utilizar a mídia como um campo
empírico e sim como ilustrativo da forma como ela captura nossos modos de
vida. Por último, buscaremos entrar em contato com inúmeros sites ligados à
disseminação da idéia da anorexia e bulimia como um estilo de vida escolhido
por pessoas marcadas pelo desejo de emagrecer. Nesse terceiro eixo nosso
objetivo é explorar a relação da imagem e os modos de relacionar-se com o
corpo valorizados pelos usuários/as desses sites.
Assim, para iniciar essa cartografia procuramos fazer uma ampla
revisão bibliográfica em periódicos científicos, livros e demais materiais de
publicação a respeito do termo anorexia e bulimia. Buscamos analisar essa
documentação sob a perspectiva da genealogia tal como foi proposta ao longo
da obra de Foucault. Assim, num texto no qual o autor estabelece uma
interlocução com Nietzsche encontraremos os significados da palavra
genealogia: uma pesquisa que utiliza o passado, portanto, uma pesquisa
histórica, mas que não pretende, com isso, buscar uma origem, uma
continuidade e sim mostrar como os objetos são construídos.
12
A genealogia não pretende recuar no tempo para restabelecer uma
grande continuidade para além da dispersão do esquecimento; sua
tarefa não é a de demonstrar que o passado ainda está lá, bem vivo
no presente, animando-o ainda em segredo” (Foucault, 1982, 21).
O autor também infere que a genealogia é detalhista e exige muita
paciência, pois está lidando com grandes quantidades de materiais a fim de
mapear as condições/contingências que foram necessárias para que
chegássemos a ser o que nos tornamos.
A partir do exercício genealógico que permite traçar um campo
problemático no qual os discursos foram constituindo, ao longo do tempo, a
noção de uma doença, poderemos passar a cartografar esse processo
buscando investigar as idéias associadas a essa patologia no nosso presente.
Ou seja, num procedimento genealógico buscamos fazer uma cartografia que
coloca em questão o modo de habitar o corpo no contemporâneo.
Tal procedimento é indispensável para problematizar a própria
experiência contemporânea discutindo o estatuto da imagem na nossa
sociedade. Assim, buscaremos utilizar a noção de imagem como dobra da
subjetivação inspirada no pensamento deleuziano do termo. A seguir
analisaremos a contemporaneidade inspirada no conceito de sociedade do
espetáculo de Guy Debord e nas idéias de Benilton Bezerra a respeito do
ocaso da interioridade com a forte exaltação do eu e o esvaziamento da
interioridade. Também apresentaremos sites intitulados ana e mia que mostram
como essa doença acaba configurando, de fato, um modo de vida procurando
relacionar com a supervalorização da imagem do corpo nas diferentes
paisagens urbanas.
O que pretendemos com esse trabalho é tomar a anorexia e bulimia
como um campo de análise para pensar o estatuto da imagem do corpo na
contemporaneidade.. Nosso interesse é partir de um território que configura os
13
transtornos alimentares para nos deslocarmos para a análise das diferentes
paisagens psicossociais que marcam nossa experiência subjetiva.
14
2. Problematização dos Transtornos Alimentares
Tomando os Transtornos Alimentares como um ponto de partida
dessa análise, torna-se importante apresentar, mesmo que de forma breve,
algumas definições do termo. Além disso, é importante apresentar uma revisão
bibliográfica que possibilite pensar nessa patologia como expressão dos
nossos modos de vida.
Segundo os manuais classificatórios conhecidos como DSM-IV e
CID-10, as duas principais entidades nosológicas dessa patologia referem-se à
Anorexia e Bulimia Nervosa.
O termo Anorexia Nervosa deriva do grego orexis (apetite) acrescido
do prefixo an (privação, ausência). Portanto, significa uma perda do apetite de
origem nervosa. Entretanto, profissionais especializados no tema afirmam que
essa não é a expressão mais adequada, pois, pelo menos no início do quadro,
é possível identificar uma luta contra a fome (Jaeger de Sousa, 2003). Para
Sanchez, Dorfman e Jaeger (2003) a anorexia é caracterizada por essa luta na
qual é evidente uma perda de peso exagerada devido à redução de
alimentação, métodos purgativos e/ou excesso de atividade física. No que diz
respeito ao termo bulimia, trata-se da ingestão de uma grande quantidade de
alimento alternada com comportamentos para evitar o ganho de peso tais como
vômitos e uso de laxantes.
Portanto, embora classificados separadamente, apresentam uma
etiologia comum no que diz respeito à excessiva preocupação com o peso.
Além disso, Cordás (2004); Claudino e Borges (2002) ao proporem uma
discussão atualizada dos critérios diagnósticos desses transtornos psiquiátricos
enfatizam que, em ambos, aparece, indiscutivelmente, uma distorção da
imagem corporal com perturbações graves na forma de vivenciá-la.
De fato, diante do fato de que muitas pessoas hoje sofrem com a
preocupação de controlar o peso, essa doença acaba predominando em
15
mulheres jovens de diferentes classes sociais. Uma análise dos estudos
epidemiológicos indica que a prevalência da anorexia varia entre 0,5 e 3,7% e
da bulimia entre 1,1% e 4,2% sendo que 94% dos diagnósticos da doença
atingem mulheres jovens e os casos de homens parecem indicar uma possível
associação com a homossexualidade (Pinzon e Nogueira, 2004). Hay (2002)
infere que “os estudos sobre incidência e prevalência de transtornos
alimentares alcançaram um consenso e, como regra, não confirmam uma
incidência atual crescente, exceto possivelmente por um pequeno aumento de
anorexia em mulheres jovens” (Hay, 2002, p.17).
Assim, se é questionável a idéia de um aumento da incidência da
doença no conjunto da população, é preciso levar em consideração o fato de
algumas pesquisas mostrarem que cerca de 30% das mulheres entre 12 a 29
anos controlam o peso utilizando dietas severas, laxantes e diuréticos ou
provocando vômitos (Nunes, 1998). Além disso, há uma acentuada
preocupação com o corpo e a beleza na atualidade. Vale ressaltar que não nos
interessa mostrar se, de fato, existe um aumento ou não da doença do ponto
de vista epidemiológico e sim apresentar as mudanças do objeto na qual a
patologia incide. Se hoje em dia estes transtornos expressam tentativas
extremas de baixar peso associadas à norma rígida da magreza e à busca da
beleza, a história nos mostra que nem sempre foi assim. Ou seja, para
entender os significados dos transtornos alimentares no nosso contexto social
procuraremos mostrar, ao longo do tempo, outros sentidos que encontramos
atribuídos a situações de privação de alimentação.
16
2.1. Percorrendo a história
Cordás (2004) descreve que, no séc XIII, algumas mulheres
utilizavam-se da inanição como uma forma de aproximarem-se espiritualmente
de Deus, a fim de tornarem-se santas. Eram chamadas de “santas anoréxicas”.
Santa Catarina de Siena, Margareth de Cortuna, Santa Rosa de Lima são
alguns dos exemplos encontrados na literatura. A partir de relatos religiosos da
Idade Média, esses comportamentos eram entendidos dentro de um contexto
de práticas religiosas como forma de devoção a Deus, evidenciando que o
medo de engordar e a excessiva preocupação com a imagem não apareciam
como o foco central de tais práticas naquele momento.
Ainda que seja possível estabelecer algumas semelhanças entre as
santas medievais e as jovens anoréxicas de hoje, é discutível pensar que há
uma mera continuidade entre estes dois tipos de experiência: não há como
estabelecer uma relação linear entre ambas como encontramos em algumas
explicações que tentam fazer essa aproximação. Assim, apesar de podermos
encontrar algumas relações de continuidade, não acreditamos ser possível
considerar que a anorexia do presente é uma mera evolução de uma doença
que já existia na Idade Média. O que se pode dizer é que estas duas
experiências são forjadas em contextos históricos distintos e expressam
diferentes modos de subjetivação, ou seja, diferentes modos de produção da
subjetividade: no presente, nos deparamos com mulheres jovens buscando
atingir uma imagem cultivada pela sociedade que associa beleza, magreza e
sucesso; no passado, encontramos mulheres envolvidas em práticas de
purificação espirituais. Assim, se existe uma certa permanência entre a Idade
Média e a atualidade, ela não reside no fato de as jovens anoréxicas estarem
substituindo as santas de outrora e sim na questão dessas mulheres
rechaçarem o próprio corpo para atingir os ideais de uma época, ideais estes
que expressam um determinado modo de subjetivação.
É importante assinalar, no entanto, que os artigos psiquiátricos
parecem buscar nos relatos encontrados do passado possibilidades de poder
17
ordená-los como casos que hoje, após os avanços científicos, poderiam ser
facilmente reconhecidos e diagnosticados como doença (Weinberg, Cordás e
Munoz, 2005; Cordás, 2004).
De fato, apesar de encontrarmos algumas descrições de casos de
privação alimentar ao longo do séc. XVII, Richard Morton, em 1689, é
identificado como o autor que registrou o primeiro relato médico sobre esta
questão. Em torno de 1870, os neurologistas Lasègue & Gull, de forma
praticamente simultânea, descreveram e apresentaram o quadro clínico da
anorexia como uma categoria psiquiátrica (Pearce, 2004). Vale mostrar, na
ocasião, qual foi o significado atribuído ao termo.
“O nome da anorexia poderia ser substituído por inanição histérica,
que representaria melhor a parte mais destacável de suas
complicações. Contudo, o fato é que para defendê-la, é preferível a
primeira denominação precisamente porque refere-se a uma
fenomenologia menos superficial, mais delicada e também mais
médica” (Lásegue, 2000, p.271)
4
As descrições dos quadros clínicos enfatizavam os aspectos
emocionais da doença: insegurança pessoal e negação da doença. As análises
efetuadas por Vandereycken e Van Deth (1989) permitem entender as
discussões médicas e disputas entre Gull e Lásegue, pois o primeiro fazia
questão de poder receber o mérito da idéia. Além disso, parece não haver
nenhuma referência específica que explique porque ao lado do nome foi
atribuída a palavra nervosa. Provavelmente tal associação reside no fato de
tratar-se de mulheres.
Assim, Malson (1998), através de um estudo inspirado na
perspectiva foucaultiana, expõe que a anorexia e a bulimia nervosa não
existem independentes do discurso médico-científico. Segundo a análise da
autora, podemos encontrar elementos para propor um entendimento da relação
4
Traduções em espanhol e inglês foram feitas pela autora.
18
entre essa doença psiquiátrica e as mulheres como algo definido por médicos
do séc XIX e XX que referiam o corpo feminino como um lugar frágil e inferior
cuja função biológica residia na reprodução. Sob uma perspectiva feminista,
tratava-se de excluir a mulher da vida pública e política.
Nesse sentido, Malson (1998) afirma que provavelmente a morte de
Catarina de Siena não foi considerada a tragédia de uma doença e sim o efeito
de uma prática ascética de espiritualidade da sociedade medieval. Também
infere que, seria na passagem das práticas religiosas para a Reforma
Protestante, no qual começava a ocorrer uma transição entre o saber teológico
em proveito do discurso médico, que o jejum feminino passaria, então, a ser
visto como algo suspeito. É, nesse contexto de transição, que aparecia o termo
Anorexia Mirabilis
5
, referindo-se mais a um estado transitório do que
propriamente a um quadro clínico permanente.
“O termo Anorexia Mirabilis inventado por François Boisser de
Sauvages de la Croix no final do século XIII (Brumberg, 1988) indica
esse ponto de transição de explicações teológicas para explicações
médicas do jejum” (Malson,1998, p. 51, tradução minha).
Sendo assim, a autora analisa e explora como a anorexia foi
tornando-se um objeto dos discursos médicos e psicológicos, que, no século
XIX, interessados na histeria
6
identificada em mulheres iriam produzindo as
condições necessárias de aproximação desse termo com a anorexia.
Nesse sentido, Martins (2004), num estudo a respeito da medicina da
mulher, irá evidenciar como o dualismo mente/corpo passaria, através de
discursos médicos dos séculos XIX e XX, a definir uma natureza feminina
5
Mirabilis refere-se perda miraculosa do apetite
6
O termo significa útero e referia-se a uma suposta condição médica peculiar
às mulheres na qual Hipócrates pensava que a causa fosse um movimento
irregular do sangue do útero para o cérebro. Acessado na página web
www.pt.wikipedia.org/wiki/Histeria
19
ligada ao corpo. Tal captura do corpo das mulheres exercia uma poderosa
ferramenta social na qual, por motivos naturais, as mulheres seriam mais
ligadas aos seus corpos. A autora irá mostrar que, apesar de terem ocorrido
muitas mudanças no campo das ciências, ainda hoje esse processo atualiza-se
através das dicotomias de gênero: a mulher sexualizada e o homem racional.
Para a pesquisadora, os problemas residem nas interpretações e
representações que resultaram, emergiram e ainda permanecem deste
processo de constituição das diferenças entre os saberes médicos.
Quanto mais os médicos pesquisavam os comportamentos
femininos, mais se fortalecia a imagem hiperssexualizada da mulher -
um processo que Foucault (1980) denominou de histerização do
corpo feminino. Esta formulação é bastante adequada para se
pensar os dispositivos por meio dos quais a sexualidade feminina
tornou-se um problema e o corpo da mulher um objeto que queria
intervenção médica“. (Martins, 2004, p.113).
No entanto, para tentar escapar da armadilha na qual o conceito de
gênero é construído pela teoria feminista, partindo de uma premissa de que o
sexo é que produz a noção de gênero
7
, concordamos com Butler (1990),
quando ela discute e problematiza os argumentos feministas, mostrando que é
justamente essa tensão dicotômica – de que o sexo é natural e o gênero é
socialmente construído – na qual a própria teoria está baseada, que acaba se
configurando como problemática.
Não existiria, portanto, essa idéia de um sujeito mulher que precisa
libertar-se do patriarcado, ou seja, a própria criação da constituição de um
sujeito a ser representado e, no caso, a ser salvo é problemática para uma
pesquisa inserida sob uma outra perspectiva epistemológica.
7
Utilizamos o conceito baseado em suas articulações com um campo plural,
rizomático no qual não se tenta fixar identidades. Para conhecer melhor essa
problematização, ver Louro (1997).
20
Entretanto, é importante ressaltar a relevância de uma análise de
gênero para discutir nossa questão já que ao buscar no passado e no presente
vemos uma certa estabilidade de casos de mulheres jovens serem afetadas
pela anorexia e bulimia. Mostrar como constitui-se essa diferença focalizando,
para isso, por exemplo, as relações que as mulheres jovens estabelecem com
seus corpos, parece ser fundamental. De fato, mesmo que se admita que
existem homens anoréticos, é consenso admitir que nessa patologia reside um
certo padrão feminino. Tal fenômeno acaba por produzir diferenças e
distinguindo os corpos de sujeitos masculinos e femininos na nossa cultura. Os
atributos da aparência magra e bela associada ao fato de que hoje é o corpo
feminino e nu que é principalmente exposto em novelas, revistas e jornais
acaba configurando diferenças, classificações e hierarquizações. De fato, para
muitas mulheres é natural querer ter um corpo magro e perfeito.
Retomemos, então, a partir dessas reflexões, a busca de recursos
para criar e poder apresentar o nosso problema de pesquisa.
2.2. Percorrendo os discursos PSI
Seguindo nesse percurso investigativo, buscaremos sistematizar as
formas predominantes dos saberes e verdades presentes na produção
discursiva dos Transtornos Alimentares. Nesse sentido, Malson (1998) afirma
que, no final do século XIX, a anorexia nervosa tornou-se um objeto
estabelecido fundamentalmente pelo discurso médico a respeito dos corpos de
mulheres. Para autora, seria somente no século XX que essa patologia
passaria a ser um objeto de diferentes discursos e disciplinas que a constituem
como uma desordem psicossomática e psicológica.
Entretanto, entre 1920-1930, com o crescimento de uma lógica
positivista centrada na verificação empírica, as explicações e entendimentos
indicavam tratar-se de uma disfunção endócrina na qual os sintomas, como o
ato de não comer, emagrecimento, perda de cabelo, baixa pressão sanguínea
21
e amenorréia, eram atribuídos a uma atrofia do lóbulo anterior da glândula
pituitária. De fato, desde o final do século XIX, pesquisadores têm investigado
as possíveis causas orgânicas da anorexia. Segundo Malson (1998),
atualmente os discursos biomédicos a constituem como efeito de uma
disfunção no eixo hipotalâmico – pituitário – adrenal já que algumas mulheres
diagnosticadas como anoréticas apresentam uma disfunção nesse eixo quando
comparadas com um grupo controle. Para a pesquisadora, esses achados não
podem justificar a construção da anorexia como uma entidade de doença
natural com causa física, pois tanto a amenorréia como as demais
anormalidades endócrinas presentes podem ser melhor compreendidas como
os efeitos físicos dos comportamentos de privação alimentar sendo, portanto,
uma possível conseqüência do baixo peso. Além disso, os discursos
contemporâneos centrados em termos neurológicos parecem seguir o mesmo
caminho uma vez que as explicações também inferem tratar-se de um efeito da
manutenção da pouca alimentação. Assim, como as neurociências ainda não
conseguiram descrever claramente a bioquímica dos neurotransmissores
envolvida nas particularidades de um quadro de anorexia e bulimia, a
medicação psicofarmacológica acaba não sendo a modalidade essencial de
intervenção no tratamento. De fato, a psicoterapia é ainda o instrumento mais
utilizado no enfrentamento dessa patologia.
Vemos, então, que, desde 1940, com o aparecimento do interesse
pelas desordens psicossomáticas, os textos de anorexia tornaram-se mais
preocupados com a produção de conhecimento psicológico do que com a
etiologia física da doença (Malson, 1998, p. 77). De acordo com a autora,
esses discursos enfatizam os significados inconscientes dos sintomas
anoréticos e bulímicos buscando uma relação entre alimentação e sexualidade.
Ainda Malson afirma que os textos psicanalíticos constituem a anorexia
nervosa como uma defesa neurótica contra um trauma sexual. Vale ressaltar
que o papel das experiências traumáticas, especialmente o abuso sexual, tem
predominando no entendimento e explicação dessa patologia na perspectiva
psicanalítica. Segundo Galvão, Pinheiro e Somenzi (2006), os pacientes com
história de abuso sexual focam sua atenção no peso e na forma do corpo numa
22
tentativa de lidar com os problemas emocionais. Apesar de Malson (1998)
indicar vários estudos que mostram altas taxas de abuso sexual entre as
mulheres diagnosticadas com Transtornos Alimentares, a autora salienta que é
problemática a generalização da correlação entre abuso e desordem alimentar.
Para pesquisadora, uma situação de abuso pode ser entendida como um
possível aspecto presente na vida de muitas meninas e mulheres, entretanto,
nem todas necessariamente desenvolvem um quadro de anorexia ou bulimia.
Além disso, a pesquisadora destaca estudos que mostram muitos casos de
anorexia e bulimia no qual não há relatos de experiências passadas de abuso,
sugerindo, assim, não ser possível estabelecer uma relação evidente de causa
e efeito entre abuso e transtornos alimentares.
Para a análise dos discursos psicanalíticos é importante mostrar a
articulação entre a anorexia e a bulimia e as relações primordiais,
principalmente, a relação com a mãe. Segundo um estudo contemporâneo
realizado por Ramalho (2001) com pacientes com anorexia e bulimia foi
possível perceber alguns aspectos em comum nos casos analisados: tratava-
se de mulheres que após um rompimento amoroso vivido como uma
experiência de abandono e desamparo passaram a desenvolver os sintomas
da doença. Dessa forma, o entendimento utilizado pela pesquisadora, apoiado
em um referencial psicanalítico, centra-se na fragilidade narcísica por não
terem encontrado um lugar para si no desejo materno. Assim, por não terem se
sentido investidas em suas relações primordiais, essas mulheres passariam a
buscar de seus parceiros uma imagem de si que garantisse a constituição
subjetiva. Ainda para Ramalho (2001), a angústia de abandono é central
nesses casos de tal forma que uma ruptura amorosa é vivida como o
verdadeiro aniquilamento do eu. Portanto, nessas situações de abandono,
essas mulheres estariam reeditando um abandono anterior vivenciado
principalmente junto às suas primeiras relações com a figura materna. A partir
de uma leitura freudiana, a autora infere que parece existir uma maior
tendência à indiferenciação na relação entre mãe e filha, provavelmente
decorrente da dificuldade que uma menina tem em obter um lugar para si no
desejo de sua mãe já que é o menino o representante fálico do desejo materno
23
por portar o pênis. Assim, para Ramalho (2001), essas mulheres estariam
esperando um olhar, um olhar que não receberam de suas mães e, justamente,
é a busca deste olhar que as permite viver. Ou seja, os discursos psicanalíticos
mostram que o desejo de ser olhada, admirada, desejada tem por princípio o
amor das figuras parentais, mais especificadamente, da mãe. Nesse sentido, a
anorexia e a bulimia são reduzidas a uma interpretação familialista tornando
imperceptível que esta família está localizada dentro de um determinado
contexto social.
Coexistindo com discursos psicanalíticos, aparecem os discursos
centrados numa abordagem cognitivo-comportamental. De fato, a terapia
cognitivo-comportamental vem crescendo fortemente nesse território e
exercendo cada vez mais forte influência na produção de diferentes verdades
sobre a anorexia e bulimia. A partir da existência de um esquema cognitivo
particular, Malson (1998) afirma que os discursos da psicologia cognitiva
constroem a anorexia e a bulimia em termos de uma patologia individual
baseada em crenças disfuncionais. Para Duchesne (2006), há nesses quadros
um conjunto de crenças distorcidas que associam a magreza à competência e
sucesso. Seriam, portanto, essas crenças que permitiriam o desenvolvimento
de uma preocupação exagerada com o peso e a conseqüente utilização
inadequada de métodos para diminuir o peso corporal. A autora afirma que
enquanto a maioria das pessoas se auto-avalia numa variedade de aspectos
da vida, pacientes com transtornos alimentares centram seu valor pessoal
exclusivamente no seu formato corporal. Assim são comuns as crenças
associadas à falta de capacidade social, à alta probabilidade de ser criticado ou
rejeitado e à inutilidade da expressão de pensamentos e sentimentos. Quanto
aos estudos apresentados por Malson (1998) nessa área de conhecimento, é
visível uma consistente distinção entre as cognições de anoréticas e não-
anoréticas. De fato, tais estudos constituem a anorexia como um problema de
cognições individuais no qual as experiências das anoréticas estão totalmente
dissociadas das experiências de outras jovens e mulheres de tal forma que o
contexto social onde se constituem essas experiências, parece não ser o
mesmo.
24
Outra prevalência significativa de discursos psi refere-se à
abordagem familiar. Para Falceto (1993), as famílias com transtornos
alimentares são aglutinadas, existindo uma grande distância emocional entre
seus membros. Para a autora, existem sérios problemas de comunicação para
a resolução de conflitos e os padrões de relacionamento são extremamente
rígidos. Segundo Martins e Diniz (2006), os pais de pacientes anoréticas
encontram-se paralisados em estágios anteriores do desenvolvimento
emocional não podendo, assim, realizar suas funções parentais. Em outras
situações, as dificuldades estão na relação do casal de forma que a hierarquia
familiar está confusa.
Ainda vale indicar que dentro da área de terapia de família
encontramos os estudos pioneiros de Mara Palazzoli e Salvador Minuchin. Sem
dúvida, estes autores foram responsáveis pelo interesse de abordar a anorexia
e bulimia dentro de seu contexto social, entretanto, acabaram solidificando a
configuração de um sistema familiar disfuncional no qual a anorexia e a bulimia
são construídas como uma alternativa para as dificuldades familiares. Para
Malson (1998), estes textos constroem a anorexia como conseqüência do meio
ambiente familiar, esquecendo de localizar a família dentro de um contexto
sócio-cultural. Além disso, a autora destaca que, embora muitas mulheres
sejam diagnosticadas com anorexia e bulimia, a categoria de gênero é
totalmente invisibilizada nas teorizações dos terapeutas de família.
De fato, parece haver uma prevalência dos discursos psi sobre os
outros discursos de entendimento dessa patologia. Nosso interesse, portanto, é
ampliar essa discussão, buscando sair de uma perspectiva individualizante
voltada para a jovem anorética e/ou bulímica e as interações disfuncionais do
seu sistema familiar, passando a considerar os transtornos alimentares como
um dispositivo que denuncia o extremismo nas formas de pensar, sentir e
experimentar o corpo em nossa sociedade. Assim, nosso objetivo é apresentar
alguns subsídios que permitam deslocar essa questão do âmbito exclusivo da
experiência individual para uma análise das práticas sociais de relação com o
25
corpo que habitam a experiência contemporânea, entendendo os transtornos
alimentares, na atualidade, como a exacerbação de um sintoma social.
26
3. O Corpo e a Norma
3.1. A magreza como norma
Até o presente momento, vimos lidando com a anorexia e bulimia. De
fato, conforme já assinalamos, ambas colocam em discussão o pavor de
engordar. Com o objetivo de atingir o ideal do corpo magro preconizado pela
estética atual, elas estão diretamente associadas a uma série de práticas como
dietas de emagrecimento, uso de laxantes, privação de alimentação e
malhação. Assim, embora procuremos demonstrar ao longo deste trabalho
como o corpo vem sendo experimentado na nossa sociedade, parece
importante que seja destacado uma das formas mais comuns de seu
significado na atualidade: a magreza como sinônimo de sucesso.
A partir de uma analogia com as idéias desenvolvidas por Louro,
2000, podemos inferir que o corpo magro passou a ocupar culturalmente uma
posição central e de destaque sendo, portanto, representado como normal,
básico, hegemônico e não-problemático. É por comparação a ele que as outras
formas corporais, tais como a gordura
8
, são desqualificadas e excluídas
socialmente. Assim, se a magreza apresenta-se como a forma mais
representativa de sucesso social, a gordura é encarada como desleixo e falta
de controle pessoal sendo considerada, conforme pesquisas de Novaes, 2006,
como o verdadeiro sinônimo de feiúra. Trata-se de uma lógica puramente
comparativa. Nesse contexto, a vigilância volta-se explicitamente para os
corpos. Em interlocução com Foucault (1999), encontraremos subsídios para
compreender que a vigilância do corpo desdobra-se na própria auto-vigilância.
Desse modo, não se trata de uma vigilância exercida somente a partir do
exterior, mas que é também exercida pelo próprio individuo que precocemente
8
Para uma análise aprofundada da obesidade no plano do social ver Fischler,
C. (1995). Obeso Benigno, Obeso Maligno. In: D. B. de Sant´Anna (Orgs.),
Políticas do Corpo. (pp. 68-80). São Paulo: Estação Liberdade.
27
aprende a se controlar. Ou seja, uma vigilância marcada indiscutivelmente pelo
alto investimento no sentido de garantir a norma da magreza.
Segundo Ewald (1993), não há objeto social que escape à
normalização entendida como escolha de valorização de um tipo comum, no
caso da nossa sociedade, o corpo magro. Sendo assim, tomado como norma,
não precisa explicar-se, pois é algo que atinge a todos e no qual ninguém tem
o poder de declará-lo. Isso o torna, de alguma forma, praticamente invisível
exercendo sobre aqueles a quem se dirige uma visibilidade obrigatória.
Numa ordem normativa já não há lugar para o soberano. Ninguém
pode ter a pretensão de ser sujeito da enunciação da norma, ela é o
fato de todos, sem que ninguém o tenha querido explicitamente. Ela
verifica-se, observa-se, não está em poder de ninguém declará-la”.
(Ewald, 1993, p. 109).
Para Foucault o que caracteriza a modernidade é o advento de uma
era normativa. No entanto, trata-se de normas sem uma origem e sem um
sujeito, mas que se configuram como um compromisso, uma ordem que se
dirige a todos, sem distinção. Assim, na ausência de um soberano, ela se apóia
num mecanismo de auto-referência imposto pelo exterior. Nesse sentido, em
Vigiar e Punir, o autor destaca o caráter de ubiqüidade do normativo nas
sociedades modernas. Desse modo, por mais que se possa lutar, ninguém
escapa do poder das normas.
Podemos então constatar que todos os indivíduos estão submetidos
às regras e recomendações da magreza. Mas, ao constatar que todos os
sujeitos se encontram de acordo com essa referência, como podemos
compreender que somente alguns são levados a serem reconhecidos como
anoréxicos e bulímicos?
Inseridos numa ética da normatividade na qual a norma de ser magro
é colocada para todos, podemos identificar o doente num território onde a
28
norma permanece sempre a mesma, sem modificações e sem a possibilidade
de pertencimento a outros padrões normativos. Portanto, é a maneira e a forma
como o sujeito coloca-se diante da norma que está em questão. Para
Canguilhem (1966/2000), a própria vida é uma atividade normativa. Ou seja, a
vida a todo momento está criando normas para poder dar conta das condições
nas quais ela se encontra. Entretanto, é na medida em que uma norma impõe
impedimentos e é percebida pelo sujeito como negativa à expansão da vida
que ela passa a configurar o patológico ou anormal. O anormal, neste caso, é
entendido não como uma ausência de normas, mas sim como uma
inflexibilidade e restrição da própria norma. Então, poderíamos dizer que lutar
pela beleza do corpo, seja com dietas, ginásticas, drenagens linfáticas para a
conquista de um corpo magro, que, por sua vez, condiz com a conquista do
sucesso social, por si só não configuram um aprisionamento. Sem dúvida,
trata-se de estratégias encontradas por alguns para incluir, adaptar e adequar o
corpo na suposta normatividade sócio-cultural. De fato, essas práticas
produzem um certo padrão normativo entre tantos outros possíveis. O autor
ainda sugere que o doente estaria normalizado somente em condições bem
definidas, o qual permanece em um único padrão normativo. Perde, assim, a
sua capacidade normativa e de instituir normas diferentes em condições
diferentes.
Então, poderíamos dizer que este caráter normativo que busca
alcançar corpos esbeltos a serem admirados necessita saber lidar com
flexibilizações na norma corporal a fim de que ela própria possa permitir outras
possibilidades de existência afirmando outras políticas de vida.
29
3.2. A invenção de um corpo feminino
Apesar de a experiência contemporânea mostrar que as mulheres
estão, cada vez mais, ganhando posição social, status profissional e
econômico e que não se limitam a assumir a função do lar como destino, os
estudos feministas de Susan Bordo, baseados na problematização do discurso
feminista sobre o corpo, irão nos mostrar que seus corpos continuam sendo
marcados por mecanismos de controle e manipulação (1997, 1999 e 2003).
Para Bordo (1997), os padrões de beleza e magreza a serem seguidos como
sinônimos de sucesso feminino expressam, no corpo das mulheres, uma série
de práticas e normas de controle social que podem ser entendidas como novas
exigências da atualidade para construir esse território enquanto gênero. Nesse
sentido, pesquisa recente de Novaes (2006) com freqüentadoras de academias
de ginástica e pacientes submetidas a cirurgias plásticas e bariátricas,
demonstrou que a preocupação com a beleza está presente em todas as
mulheres entrevistadas e, independente da classe social, todas utilizam
diversas práticas para livrar-se daquilo que entendem como feio no próprio
corpo. Para a pesquisadora, tal fenômeno é potencializado pelo fato de que a
sociedade atual faz exigências e exerce um controle maior sobre os corpos de
mulheres uma vez que, nos homens, os imperativos de beleza são bem mais
sutis, tolerando-se melhor os desvios e negligências. Assim, Novaes (2006)
afirma que, enquanto no gênero masculino
9
podemos falar de imagens
centradas em conquistas sociais e econômicas, a construção de uma imagem
feminina é necessariamente atravessada por investimentos voltados para o
próprio corpo. Desse modo, a autora destaca que uma bela imagem feminina
requer esforços, investimentos financeiros e tempo.
A beleza da mulher deve ser apreciada nos detalhes, um mero
descuido, um simples desleixo e pronto, já é suficiente para a feiúra
nela aparecer. Um simples descascado no esmalte, uma maquiagem
9
Preferimos manter a nomenclatura utilizada pela autora, mas é importante
lembrar que Butler (1990), faz uma critica a noção dos binarismos
feminino/masculino como uma entidade fixa mostrando que há múltiplas
possibilidades de deslocamento entre eles.
30
fora do tom, uma depilação por fazer, o uso de uma roupa fora das
últimas tendências da moda ou uma raiz mal feita já são aspectos
suficientes para emergirem duras criticas à sua imagem”. (Novaes,
2006, p. 71).
Assim, ao tomar alguns enunciados presentes nas jovens em
tratamento em função da anorexia e bulimia, encontramos falas que expressam
uma multiplicidade de componentes que marcam a subjetividade
contemporânea e não se restringem apenas a estas jovens. Trata-se de um
discurso que está em circulação em nossa sociedade e que acaba produzindo
uma suposta subjetividade feminina.
Ao analisarmos os modos de subjetivação contemporâneos,
percebemos que estamos inseridos em uma lógica capitalística
10
na qual é
permitido manipular, controlar o corpo das mais diversas formas,
transformando-o em um objeto de consumo. Assim, meninas, jovens e
mulheres adultas de diversas classes sociais freqüentam academias de
ginástica, fazem dietas, utilizam cosméticos para afirmar-se na condição do
que é considerado como padrão estético feminino em nossa sociedade.
Parece que enquanto para algumas delas essas práticas significam mais uma
“experimentação como tantas outras que realizam na vida” (Damico, 2004, p.
144), outras acabam transpondo os limites, fazendo com que essas práticas
passem a adquirir uma conotação patológica, expressando, assim, de forma
exacerbada, os modos de relação com o corpo no contemporâneo. Ainda vale
destacar que, segundo as análises realizadas por Bordo (2003), os homens
hoje também passaram a admirar a boa forma, mas acabaram, com isso, tendo
10
O termo “capitalístico” foi criado por Félix Guattari , durante os anos 70,
para designar um modo de subjetivação ligado não apenas as sociedades
capitalistas mas também as sociedades socialistas da época já que o autor
compreendia que todas elas viviam numa dependência do modelo capitalista e
reproduziam o mesmo modo de investimento do desejo no campo social.
31
que descobrir que precisariam manter o corpo em forma. Para a autora, eles
também estão desenvolvendo os transtornos alimentares com perturbações da
imagem corporal que, antes, era considerado um território de exclusividade
feminina.
É importante assinalar, conforme Nicholson (2000), que há muitas
formas de viver a feminilidade e isso marca a impossibilidade de garantir um
sentido definido para o que significa ser mulher. Entretanto, a autora aponta
que algumas dessas formas acabam predominando e definindo assim a
existência de determinados padrões comuns encontrados dentro da história
que dão um certo sentido para a “mulher”. Trata-se, portanto, de buscar a
historicidade de certos padrões.
Assim, o primado da importância dos cuidados com a beleza que
acaba muitas vezes predominando e garantindo a diferenciação e sustentação
do gênero feminino nem sempre esteve presente na história. Segundo análise
de Lipovestsky (2000), durante muito tempo o atributo exclusivo no qual o
feminino residia era exclusivamente na fecundidade. Nesse sentido, o autor
menciona que nas sociedades primitiva e grega era o homem quem
personificava a beleza de tal forma que os grandes símbolos sexuais eram
masculinos. Já na Idade Média falar em aparência feminina era associar à
diabolização e depravação, sendo motivo de punições e vergonha quaisquer
práticas femininas de cuidado com o corpo. Somente na Renascença, através
das artes, que a beleza feminina passa a ser “mostrada como para ver,
espetáculo contemplado narcisicamente por ela própria ou avidamente pelos
homens” (Lipovestsky, 2000, p. 119). Apesar dessas modificações, os
discursos a respeito da beleza feminina eram um assunto restrito ao trabalho
de artistas, poetas e médicos, sendo que os cuidados com o corpo eram
vividos como um segredo entre as mulheres. No século XX, com o avanço da
imprensa, da publicidade, do cinema e da televisão, tais práticas proliferam,
ganhando visibilidade e, segundo Lipovestsky (2000, p. 129), “o culto do belo
sexo ganhou uma dimensão social inédita: entrou na era das massas”. A partir
daí rompem-se as fronteiras e limites e ninguém mais escapa ao consumo de
32
uma série de produtos que passam a determinar uma imagem do que é ser ou
não ser mulher hoje.
De fato, para Novaes (2005), as representações do feminino na
Renascença estão diretamente relacionadas com a sua condição pecaminosa.
Assim, a autora infere que a beleza feminina podia até ser admitida desde que
privada de seu caráter sensual. A autora refere que nos séculos XVII, XVIII e
XIX, com o Iluminismo, a revolução científica e a ascensão da burguesia, as
imagens das mulheres estavam diretamente relacionadas com a maternidade.
Seria, portanto, realmente a partir do século XX que as imagens do corpo
feminino passariam a ser representados como sendo jovem, belo e magro.
Nesse sentido, Sant'Anna (2003) propõe uma discussão a respeito
da importância da visibilidade do corpo feminino pela imprensa brasileira a
partir da análise das transformações históricas das representações do corpo. A
autora concorda que foi a partir da exposição de corpos nus pela pintura que o
corpo feminino ganharia visibilidade. A partir daí ele passou a ser apropriado
pela ciência e depois objeto de outros setores tornando-se, assim, banalizado.
Nesse processo, Sant'Anna (2003) infere que a beleza física não seria mais
correlacionada com a vontade divina e sim como prova de que o mundo
pertence ao homem. Desse modo, a cosmética deixaria de fazer referência ao
cosmos passando a servir como um instrumento de realizações pessoais.
Assim, parece que a expansão da visibilidade do corpo feminino se alia ao
desenvolvimento de uma indústria de produtos destinados a garantir um corpo
como sendo belo e jovem. Nesse sentido, Sant'Anna (2003) percorre uma
longa análise histórica do corpo feminino a partir das transformações ocorridas
nas práticas de embelezamento. Trata-se de mostrar como ele vai ganhando o
status de imagens que incitam o olhar do outro e todo o desejo humano de
atingir um ideal de perfeição.
Sendo assim, a autora infere que até a década de 50, o corpo
feminino não era algo considerado como sendo da mulher uma vez que ela não
podia escolher livremente os produtos e os métodos de embelezamento a
33
serem utilizados. Além disso, o uso de cosméticos era uma experiência coletiva
que tinha a participação de amigas e familiares e somente ocorria em ocasiões
especiais. Ainda a autora afirma que, até a década de 60, o banheiro não
representava um lugar de encontro consigo própria, pois era considerado como
um lugar de passagem rápida, no qual todos os membros da família
compartilhavam os mesmos produtos de higiene. De fato, os utensílios de
beleza eram considerados objetos da casa como, por exemplo, a penteadeira e
muitos materiais eram feitos de vidro, portanto não podiam ser deslocados em
bolsas, os pós para o rosto não eram compactos, os artigos de beleza eram
considerados como luxo. Com a crescente urbanização, os cosméticos que,
antes, até mesmo eram considerados como remédios, passavam a ser
amplamente difundidos entre as ruas das cidades.
A penteadeira deu lugar ao espelho portátil e o gesto embelezador
perdeu em sedentarismo e ampliou suas fronteiras de sexo e idade.
Mesmo assim, a tradição moral de reprovação do gesto embelezador
permaneceu durante décadas”. (Sant'Anna, 2003, p.6)
A autora infere que somente quando as cidades crescem e os
costumes se urbanizam com a expansão da propaganda e da venda de
cosméticos que a pintura do rosto deixaria de ser reprovada moralmente. Vale
ressaltar que as mulheres pobres não ficariam de fora desse processo,
cabendo a elas recorrer às receitas vendidas pelos ambulantes da cidade.
Entretanto, as atenções com o corpo centralizavam-se ao rosto e
cabelos que, no caso, eram as partes mais visíveis. Assim, cirurgias no seio,
barriga e outras técnicas de intervenção corporal ainda permaneciam
desconhecidas.
Segundo a autora, a partir da metade do século XX os cuidados com
o corpo deixam de se limitar ao uso de produtos utilizados na exterioridade do
corpo e passam a integrar-se à industria da alimentação-saúde-beleza que não
34
apenas apresenta seus produtos, mas também mostra o imenso prazer em
utilizá-los.
Ou seja, as práticas deixam de somente ter a função de disfarçar os
problemas com a aparência, mas agem no sentido de corrigir, modificar o
próprio corpo. Se antes era a roupa – como, por exemplo, o espartilho - que
aprisionava o corpo, agora é o próprio corpo que tenta ajustar-se nas medidas.
Desse modo, Sant'Anna (2003) afirma que, com as lutas de
liberação da mulher dos anos 70, ela estaria liberada da autoridade masculina
e poderia consumir livremente os produtos para o corpo. De fato, ela passaria a
ser reinserida no mundo como um objeto exposto pelas revistas femininas que
começam a revelar mulheres interessadas, principalmente, no seu próprio
corpo.
Swain (2001) afirma que há uma verdadeira ausência de debate
político nas revistas femininas, pois o corpo acaba ocupando um papel central
nas discussões sendo que seus excessos remetem à tristeza e infelicidade.
Assim, numa análise de uma revista voltada para o corpo feminino - Revista
Boa Forma - Andrade (2002) mostra que a palavra feliz aparece inúmeras
vezes nos textos indicando um sentimento que pode ser experienciado pela
leitora que seguir as práticas e prescrições feitas pelas reportagens. Portanto,
adquirir um corpo sarado, em forma é, sem dúvida, sinônimo de sucesso
pessoal e felicidade.
É importante assinalar que nosso interesse não são as práticas em
torno da beleza, pois, não sejamos ingênuos de achar que nossa problemática
é a beleza. De fato, se estamos interessados nessa discussão é porque ela nos
aproxima da proliferação de imagens sobre o corpo.
A partir do século XX, principalmente, as imagens de mulheres
despidas e distantes da proteção da Igreja tornaram-se banais em
várias culturas do mundo ocidental: insurgiram na publicidade de
35
jornais e revistas, constituíram cartões-postais, sustentaram boa
parte do sucesso do cinema e, a seguir, da televisão. Imagens de
belas mulheres que incitam o desejo masculino, mas que,
igualmente, instigam todo o desejo humano a ser algo sempre
disponível, pronto para ser acessado. Um desejo que, se não der
provas de sua existência fácil e forte, e se não irromper rapidamente
à flor da pele a cada vez em que é convocado, corre o risco de
abalar a certeza - por vezes miúda e frágil - da importância da própria
existência”. (Sant'Anna, 2003, p.4)
Nessa forma de supervalorização da imagem, o padrão normativo da
magreza tem afetado predominante às mulheres. Nesse sentido, Bordo (1997),
mostra que a submissão dos corpos das mulheres aos modelos estéticos de
uma época estaria “reafirmando as configurações de gênero existentes contra
quaisquer tentativas de substituir ou transformar relações de poder” (Bordo,
1997, p. 21). Para a autora, a busca da feminilidade atua diretamente sobre o
corpo através de imagens normatizadoras amplamente difundidas nos
discursos vigentes e que definem o que é ser ou não ser mulher hoje. Ora,
trata-se da noção de corpo como um território de regulação, manipulação e
controle social. Assim, com base nessa formulação teórica feminista, a
anorexia e bulimia passam a ser entendidas como uma forma de denunciar a
reprodução das idéias de que os corpos precisam ser melhorados, moldados e
transformados. Entretanto, a autora destaca que tal denúncia e resistência
acabam contribuindo para afirmar a manutenção de um estereótipo
predominante de que o feminino tem desejos excessivos, obsessivos e
irracionais, impedindo, assim, que outras imagens e sentidos sejam produzidos
(Bordo, 1999).
Sob essa perspectiva, podemos considerar que essa patologia
acaba reiterando o lugar da mulher como alvo de investimento do poder,
impedindo uma crítica daquilo que produz esses modos de vida. Nesse sentido,
a autora utiliza a definição de Foucault a respeito da noção de “corpos dóceis”
para afirmar que os corpos femininos de anoréxicas e bulímicas tornam-se
36
“corpos dóceis”, uma vez que estão submetidos à sujeição e disciplinamento
externos. Ora, enquanto instrumentos dóceis pouco podem produzir diferença
para si e para o mundo. Entretanto, vale destacar que não se trata de
considerar o sujeito passivo ou uma mera vítima das exigências de nossa
contemporaneidade, e sim como efetivamente constituído nas redes de poder
atualmente em funcionamento. Nesse sentido, autores como Butler, Louro,
Nicholson bem como os próprios trabalhos de Susan Bordo apontam para uma
apropriação pós-estruturalista nas análises do gênero feminino. Trata-se,
portanto, do deslocamento da noção de um feminino preso ao patriarcado,
enquanto um sistema de relações que determina a exploração de um grupo,
para pensar este feminino como um agente de produções socialmente
construídas. Trata-se de assinalar que o sujeito é entendido como efeito dos
discursos.
Então, podemos inferir que a configuração de um corpo e, no caso, o
corpo anorético e/ou bulímico, não existe como uma entidade transcendente,
mas é constituído a partir de determinados regimes de verdade. Ou seja, a
idéia de diferenciação entre um corpo normal e um corpo patológico parte de
uma série de saberes e práticas que entendem o próprio corpo como uma
entidade individual. Entretanto, cabe ressaltar que para Foucault (1982) essa
noção só passa a ser concebida a partir do “efeito do investimento do corpo
pelo poder” (Foucault, 1982, p. 146). Portanto, a idéia de individualização dos
sujeitos no qual cada um é responsável pelo corpo que possui corresponde a
uma verdade que está ligada a determinadas relações de poder. Dentro desta
perspectiva, propor uma definição de corpo é entendê-lo como um território de
relação de forças que estão constantemente em combate. Assim, o corpo não
expressa uma individualidade, um organismo, mas a forma como a própria
sociedade o concebe, o reconhece e o utiliza.
Neste sentido, retornando ao nosso ponto de partida, o desafio para
pensarmos os transtornos alimentares na atualidade consiste em colocar em
discussão não apenas a experiência individual da jovem anoréxica ou bulímica
37
e sua família, mas as práticas normativas que estão configurando nossos
padrões estéticos e que produzem nossas formas de vida.
3.3. O Corpo, a Norma e a Experiência Contemporânea
Refletir a respeito da experiência contemporânea do corpo é
identificar que, no presente, ele vem operando uma forma de relação com o
mundo no qual preconceitos relativos à beleza, associados à preocupação
excessiva com a aparência e com a saúde predominam na cultura. De fato,
vive-se “numa época em que se fala massivamente do culto ao corpo”
(Sant`Anna, 1995, p.13). Sendo assim, há um enorme interesse em privilegiar
os discursos a respeito do corpo para enfrentar um certo desconforto
decorrente da proliferação de determinadas práticas em relação ao mesmo.
“Hoje, em qualquer conversa urbana trivial, é comum a referência às
taxas de colesterol ou triglicerídeos; às novas dietas; aos novos
exercícios físicos; às novas técnicas de relaxação e alongamento
muscular; aos ganhos ou perdas de ‘consciência corporal’. Mais que
isso, além de aprendermos a distinguir diferentes estados posturais,
diferentes ritmos respiratórios, diferentes estados de tensão ou
relaxação muscular, diferentes estados de flexibilidade ou rigidez
articular, diferentes estados de circulação artério-venosa etc.,
estamos nos habilitando a relacionar estados emocionais a
variações em taxas de hormônios, a carência de certo tipo de
alimento, ao excesso de consumo de outros” (Costa, 2004, p. 214).
Para entender como se produz esta relação entre um campo de
saberes a respeito do corpo e a experiência de superinvestimentos de valores
corpóreos, devemos pensar num corpo que não é preexistente de seu contexto
social e histórico.
38
Nesse sentido, Aulagnier, 2001, propõe indagações a respeito dos
efeitos da nossa relação com o corpo a partir do “declínio do discurso religioso
em proveito do discurso cientifico” (Aulagnier, 2001, p. 110). Segundo a autora,
no discurso religioso o interior do corpo era protegido pela Igreja que impedia a
sua dissecação. Tal configuração restringia o encontro do olhar “com um
interior feito de partes, órgãos e pedaços” (Aulagnier, 2001, p. 112). Com o
avanço da ciência, o indivíduo não mais conhece o seu corpo que passa a ser
objeto de estudo e observação dos especialistas. A partir disso, a relação que
antes era entre o corpo e Deus, agora é intermediada pelo outro que conhece o
funcionamento do corpo. Nesse momento, passa-se a considerar a relação do
sujeito com o outro, com o olhar do outro, sendo que “o corpo é pensado como
um receptáculo, onde se inscrevem os cenários do Outro” (Marsillac, 2004, p.
287).
Assim, com o Racionalismo e o Iluminismo, nos séculos XVII e XVIII,
o sentimento do homem em relação ao corpo modifica-se: deixa-se de ser o
corpo e passa-se a ter um corpo. Segundo discussões de Novaes (2006), o
corpo é vivenciado de forma diferente: na Idade Média formava uma unidade
com a sociedade da época, nos séculos XVII e XVIII, o surgimento da
burguesia implicava na possibilidade de liberação do poder feudal e,
conseqüentemente, isso permitiu a possessão do próprio corpo. Desse modo, o
corpo moderno tem como marca a forma da individuação. A partir disso, ocorre
a expansão de possibilidades tecnológicas com o corpo. O corpo não mais nos
pertence. Agora devemos submetê-lo aos conhecimentos de um campo
disciplinar. Trata-se da modernização do corpo (Novaes, 2006).
Foucault (1999) em Vigiar e Punir irá nos mostrar que para
disciplinar é necessário individualizar o corpo. Através da análise dos
conventos, exércitos, escolas e fábricas o autor discute inúmeras técnicas e
procedimentos de distribuição dos sujeitos num modo individual para poder
discipliná-los. Trata-se de colocar cada indivíduo num determinado lugar.
39
“Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e
como encontrar os indivíduos, instaurar as presenças e as
ausências, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o
comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as
qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer,
dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico”
(Foucault, 1999, p. 123).
Segundo o autor, essas modificações produzem a passagem de
mecanismos histórico-rituais a mecanismos científico-disciplinares colocando
em funcionamento uma outra política para o corpo: a referência do homem não
é mais com os seus ancestrais e sim com medidas comparativas que
demarcam uma norma a ser seguida.
Ora, essa tecnologia específica de poder, que Foucault nomeou de
disciplina, centrada numa lógica individualizante cuja norma os sujeitos devem
adaptar-se, atualiza-se na problemática contemporânea dos Transtornos
Alimentares. De fato, quando ter um corpo magro torna-se a norma definida
pela sociedade, as exigências de uma adaptação podem produzir a exclusão
de qualquer outra possibilidade. Quando isso ocorre, a base do entendimento é
sustentada através de regularidades, generalizações e medições de aspectos
individuais e/ou familiares resultando, por exemplo, em um diagnóstico de
anorexia e bulimia. Baseado na idéia de indivíduo - pois, segundo essa
operacionalidade, quem tem o problema é o indivíduo e não a sociedade -,
encontramos os elementos sustentados no “modelo disciplinar” de Foucault
baseados na comparação, diferenciação, separação e exclusão dos indivíduos,
segundo um padrão normativo para melhor controlá-los (Foucault, 1999).
Retomando as colocações de Bordo (2003), quando se trata de
problemas com a alimentação e com a imagem, é extremamente difícil
estabelecer uma norma como referência capaz de produzir uma separação
clara entre patologia e normalidade. A autora infere que enquanto afirmamos
que somente as jovens adolescentes têm problemas, não podemos
40
compreender o quanto as imagens normatizadoras culturais são uma
ferramenta disciplinadora poderosa e onipresente sobre nossos corpos.
Então, poderíamos passar a analisar as relações de
complementaridade entre os regimes de verdade e a expansão desse caráter
disciplinar na nossa experiência com o corpo.
Através da difusão de muitos discursos, principalmente da ordem
técnico-científica, se expressa um território de produções de saberes a respeito
das condições necessárias para o funcionamento saudável do corpo no nosso
cotidiano. Para Damico (2003), fala-se tanto do prejuízo das taxas de colesterol
para o coração quanto do grande “inimigo da saúde declarado pelo discurso
médico-científico” (Damico, 2003, p. 23): o açúcar. O autor também destaca
uma certa produção coletiva de total aversão à obesidade. Identificada como
causadora de diabetes, problemas cardíacos entre outras doenças, temos o
dever de combatê-la se quisermos mais qualidade de vida para nosso corpo.
Nessa forma de rejeição à gordura e supervalorização da aparência e da
beleza, o padrão normativo da magreza tem afetado predominantemente as
mulheres.
Courtine (1995) ao propor uma discussão a respeito da cultura do
corpo afirma que foi nos Estados Unidos, sob influência do puritanismo, que as
práticas de modificações corporais encontraram um território fértil para
desenvolver-se. Baseadas na idéia do esforço pessoal onde cada um é
responsável pelo corpo que possui, o autor analisa as práticas de body-building
mostrando que a exibição do músculo constitui uma das principais
manifestações espetaculares da cultura do corpo. Entretanto, ele salienta que a
potência anatômica exibida não é um simples espetáculo, pois é sustentada
pela indústria do músculo e pela obsessão ao consumo. Assim, ao buscarem
construir uma imagem de esportistas, atletas e modelos, os indivíduos passam
a participar ativamente “do mercado do músculo e do consumo de bens e
serviços destinados à manutenção do corpo” (Courtine, 1995, p. 84).
41
Ainda, como “armas” para enfrentar essa luta, o mercado oferece,
por exemplo, uma enorme quantidade de produtos light e diet. Entretanto, na
cena contemporânea, eles concorrem ao lado de um apelo constante para que
sejam consumidos também produtos altamente calóricos que facilmente
resultarão no ganho de peso. Trata-se, portanto, de um território no qual as
mensagens excluem-se mutuamente: ao mesmo tempo em que é afirmado
socialmente o desejo da magreza, de ser atraente seguindo esse padrão
normativo, temos à nossa frente inúmeros produtos, restaurantes, fast foods
com as comidas mais calóricas possíveis. Nesse contexto, como se submeter à
norma da magreza se somos, ao mesmo tempo, convidados a comer quase
tudo?
Poderíamos dizer que vivemos em uma cultura esquizofrenizante
que nos passa simultaneamente mensagens contraditórias expressas nos
seguintes imperativos: “seja magra e saudável” e “coma tudo”.
Por isso, consumir produtos light e diet e, se possível com zero de
açúcar ocupam um importante dispositivo de controle capaz de organizar a
relação da vida das pessoas com o seu próprio corpo. Entretanto, como
salientamos, na cena contemporânea, eles disputam ao lado de um apelo
constante para que se consumam também produtos altamente calóricos que
facilmente resultarão no ganho de peso. Nesse território, interessa-nos,
portanto, analisar e demarcar este procedimento social esquizofrenizante no
qual se afirma o desejo normativo da magreza enquanto, por outro lado,
convive-se com o apelo constante para o consumo dos produtos mais calóricos
possíveis. Trazer à tona o funcionamento deste processo é também mostrar e
discutir sua relação com o capitalismo onde operam diferentes modos de
captura do desejo. Ou seja, o desejo de ser magra é inseparável de uma
experiência na qual é possível comer e provar de tudo.
Numa análise contemporânea a respeito da alimentação, Sant'Anna
(2003) afirma que o ato de comer também se tornou influenciado pelos
interesses do mercado. As propagandas de comida em anúncios publicitários
42
com fotos de pratos esteticamente impecáveis e alimentos que dão água na
boca disputam a cena com as imagens de corpos belos, magros e jovens.
Como se a ambição de obter prazer pessoal assim como o risco de
fracassar estivessem não apenas nos cosméticos e cirurgias
plásticas mas também todos os dias na ponta do garfo.“ (Sant'Anna,
2003, p. 13)
Para a autora, a comida deve apresentar-se como fotogênica.
Sant'Anna (2003) chama de espetacularização da comida o fato de
encontrarmos uma certa intolerância às imagens de alimentos que escapam
aos ideais de saúde, beleza e elegância associados ao desejo de saber o
conteúdo nutricional e o significado médico de cada alimento. Saber as
calorias, proteínas, lipídios e para que serve cada fruta ou legume, tornou
possível a entrada de saberes científicos em várias conversas.
Sendo assim, Sant'Anna (2003) propõe uma complementaridade
entre a espetacularização da comida e as preocupações com a saúde. Tal
processo acaba transformando o ato de comer em uma “das principais
experiências de prova de amor ou de aversão para consigo” (Sant'Anna, 2003,
p. 14).
Em uma sociedade que cada vez mais valoriza o sucesso individual
torna-se totalmente aversivo e repugnante um indivíduo que não consegue
esforçar-se para atingir o modelo estético da boa aparência. Assim, para
Fischler (1995), uma das características da nossa época é a lipofobia
entendida como uma rejeição maníaca à obesidade associada à obsessão pela
magreza. O autor afirma que as sociedades modernas “não amam nem a
gordura e nem as pessoas muito gordas” (Fischler, 1995, p. 78).
Discutindo como funciona o imaginário social da gordura, o autor
destaca que percebemos os gordos de modo ambivalente. Ao mesmo tempo
em que os obesos são associados aos estereótipos de simpáticos e divertidos
43
eles também são percebidos como irresponsáveis e sem controle sobre si
mesmo.
Dessa forma, o autor propõe a divisão dos obesos em duas
categorias: benignos e malignos. Como benignos, Fischler (2005) refere-se ao
gordo de comportamento divertido, brincalhão e “boa praça” que parece querer
desculpar-se da sua inadequação corporal restituindo a alegria à coletividade.
Já os malignos são aqueles que se recusam a participar dessa troca simbólica.
Entretanto, para Novaes (2003), na sociedade atual, predomina o
julgamento moral de obesos malignos para aqueles que excedem nas medidas
corporais. Com um comportamento desprovido da obstinação necessária para
conter suas medidas, a autora infere que suas imagens traduzem o fracasso no
agenciamento do próprio corpo. Sendo assim, Novaes (2003) salienta que é
visível a intolerância para com a gordura chegando, inclusive, a ser
enquadrada como uma categoria de exclusão.
Carregada de estereótipos depreciativos, a gordura dá lugar à
magreza, que é então positivada e exaltada” (Novaes, 2003, p. 23).
Ora, é justamente a proliferação e potência das imagens do corpo
magro identificado em um modelo disciplinar que se torna o grande modelo a
ser atingido por todos. Com uma ação de controle mais sutil, longe dos
espaços de confinamento, o sujeito continua sendo vigiado, mas, agora,
através de um controle mais eficaz que não tolera desvios nas formas de
conceber o corpo.
“Era preciso que este controle passasse a ser exercido de uma
forma mais imaterial, não permanecendo circunscrito apenas ao
visível; era preciso atingir o próprio modo de existência dos
indivíduos, modelando os seus desejos mais íntimos, tornando-os
44
inofensivos e submissos às novas regras do capital”. (Silva e Nardi,
2004, p. 192).
De fato, a generalização de um corpo-indivíduo onde a imagem de
beleza e sucesso predomina insere-se na lógica do capitalismo. Para atender
tal demanda, é necessário consumir a fim de que o corpo possa ser
transformado em pura imagem. Segundo Foucault (1999), a idéia é tornar os
corpos dóceis. Ou seja, não apenas utilizar o corpo para analisá-lo, mas
também poder manipulá-lo dentro dos interesses do mercado vigente. Para o
autor, de fato, o exercício do poder não é mais sobre os corpos no sentido de
classificá-los, enquadrá-los, mas sim estabelecer estratégias de controle sobre
a vida. Foucault chama de “Biopoder” esse investimento do poder sobre a vida.
Ou seja, exercer poder não apenas sobre o corpo, mas sim no controle da vida.
Ainda, em tal processo, no qual as aparências de sucesso
atravessam e constituem o valor atribuído à própria vida, Debord (1997),
propõe a análise da sociedade do espetáculo. Para o autor, na lógica do
espetáculo, a relação social entre as pessoas estaria fortemente mediada pelas
imagens. Assim, na sociedade do espetáculo o real é desprezado e os
indivíduos passam a buscar tornar-se uma imagem. Ou seja, o espetáculo é
entendido como o próprio predomínio da imagem que, por sua vez, significa
uma certa virtualização no mundo já que as imagens estão sempre sendo
buscadas e almejadas.
Assim, segundo Costa (2004), os famosos, as modelos, as
atrizes/atores com corpos perfeitos que são amplamente difundidos através
dos meios de comunicação são alguns exemplos que, por aparecer, estar na
tela, tornam-se alvo de imitação. O autor afirma que somos constantemente
incentivados a tornarmo-nos personagens da moda.
“A imitação, contudo, não pode ir longe. A maioria nem pode
ostentar as riquezas, o poder político, os dotes artísticos ou a
formação intelectual dos famosos, nem tampouco fazer parte da
45
rede de influências que os mantêm na mídia. Resta, então, se
contentar em imitar o que eles têm de acessível a qualquer um, a
aparência corporal. Daí nasce a obsessão pelo corpo-espetacular”
(Costa, 2004, p. 230).
Portanto, é necessário existir numa imagem que seja admirada
socialmente. Para suportar e enfrentar tal funcionamento social transforma-se o
corpo seguindo “prescrições sociais”, fazendo assim o possível para escapar
da falta de um lugar para si no mundo. O efeito desse modo de relação
apresenta-se num sentimento de que tudo pode ser feito com o corpo.
Na medida em que tudo é possível, Lipovetsky (1983) afirma que a
apatia e a depressão acentuam-se. O autor utiliza o termo “era do vazio” para
designar perturbações narcísicas marcadas pela própria sensação de vazio
existencial. Para a sociedade narcísica importa apenas o presente e suas
estratégias de sobrevivência baseiam-se na busca exacerbada de uma
juventude eterna.
Sem recursos para lidar com a passagem do tempo, resta enfrentá-
lo com o investimento na imagem de si próprio. Entretanto, tal experiência, de
existir na imagem, não escapa da possibilidade de desestabilização. Isso
porque facilmente perdemos a orientação diante de tantas informações.
Assim, frente aos desvios provocados pelo receio de não conseguir
atingir um padrão-imagem estabelecido socialmente, as distorções da imagem
corporal adquirem a condição de critério diagnóstico diferencial indiscutível de
uma patologia grave que pode, até mesmo, levar jovens à morte num mundo
em que apesar de não acreditarmos em mais nada, insistimos em acreditar na
imagem (Kehl, 2005).
Desse modo, seguimos delegando tanto para equipes
especializadas em transtornos alimentares quanto para jovens e suas famílias
46
a urgência de repensar a norma e a imagem corporal que estamos produzindo
e expressando em nossos discursos e práticas. Entretanto, no exercício de
problematização de tais sintomas psicopatológicos podemos nos conectar com
a denúncia social que eles provocam e passamos a considerá-los não apenas
como um sintoma social e sim como algo que está inscrito na nossa cultura.
Ora, trata-se de entender esse sintoma como algo engendrado na própria
cultura e, portanto, inscrito e produzido pelas nossas práticas. Sendo assim,
passamos a ter o compromisso de propor outras formas de pensar, sentir e
experimentar nossa relação com a vida já que essa batalha corporal é evidente
para todos nós.
47
4. O culto à imagem
O objetivo deste tópico é abordar o impacto do estatuto da imagem
corporal no desenvolvimento e manutenção das patologias associadas aos
transtornos alimentares. Assim, pretendemos apresentar, inicialmente, algumas
discussões de caráter exploratório sobre o conceito de imagem corporal
utilizando interlocuções com autores que têm analisado esse tema ( Stenzel,
Costa,Mairesse). Num segundo momento, utilizamos contribuições de autores
que não discutem esse tema diretamente (Deleuze, Neves), mas acreditamos
que utilizar suas indagações nos ajuda a problematizar o contexto social no
qual os Transtornos Alimentares vêm sendo produzidos.
4.1. Imagem como dobra da subjetivação
Podemos afirmar que na cultura da atualidade somos todos
convidados a focalizar, de certa forma, nossa atenção na aparência do corpo.
Assim, mulheres, homens, gordos ou magros buscam estar de acordo com as
regras da aparência que condizem com uma imagem de sucesso necessária
para obtenção de reconhecimento social e pessoal. Somos, portanto, levados a
afirmar que nosso modo de viver na contemporaneidade é fortemente
influenciado pela preocupação com a imagem uma vez que faz parte das
regras de nossa sociedade conseguir tornar-se visível. Desse modo, a forma
como nos relacionamos no nosso meio social, as oportunidades que temos
socialmente e as atitudes dos outros para conosco são fatores importantes na
constituição da imagem que temos de nós mesmos.
Para Stenzel (2006), não é só a forma como os outros nos vêem que
tem grande impacto na nossa subjetividade, mas sim a própria concepção que
nós temos sobre nossa imagem, já que a forma como os outros nos percebem
pode ser totalmente desconectada daquilo que experenciamos. Segundo a
48
autora, esta concepção interna e subjetiva sobre o corpo é chamada de
imagem corporal. Ao propor um histórico sobre o termo, Stenzel (2006) afirma
que foi Paul Schilder quem, nos anos 30-50, configurou um campo de estudos
a respeito da imagem corporal baseado na observação de pacientes com
lesões cerebrais. De fato, Schilder, apesar de buscar delinear as bases
fisiológicas da imagem corporal também investigou as fantasias e os
fenômenos inconscientes que poderiam ocasionar mudanças na construção da
imagem do corpo. Assim como Schilder, Stenzel (2006) aponta que Merleau-
Ponty foi um autor de referência no estudo da imagem corporal naquela época.
Para autora, enquanto Schilder enfatizava o imaginário na construção da
imagem, Merleau-Ponty se preocupou em destacar a intencionalidade da ação
corpórea mostrando que as ações intencionais não eram propriedade de uma
mente separada do corpo. Desse modo, Merleau-Ponty refutava as teorias que
separavam a mente do corpo renunciando o pensamento dualista
predominante nos estudos daquela época. Segundo Costa (2004), Merleau-
Ponty buscou, através da prova da intencionalidade, mostrar o artificialismo das
concepções cartesianas que postulam a existência de um corpo sujeito às leis
da natureza e uma mente que seria substância pensante e não sujeita às leis
mecânicas. Assim, Costa (2004) afirma que se para Merleau-Ponty o que
caracteriza a mente é a intencionalidade entendida como atos que visam à
interação do sujeito com o meio, a distinção entre mente e corpo é
insustentável, pois, segundo Merleau-Ponty, o corpo é perfeitamente
competente para executar este ato. Portanto, o corpo não apenas discrimina os
estímulos de forma reflexa, mas também renova a sua pauta de ações com
uma complexidade equivalente a das funções mentais (Costa, 2004, p. 57).
Vale ainda destacar os acréscimos fornecidos pelas análises de
Costa (2004) para o entendimento do fenômeno da imagem corporal
11.
11
Como estamos interessados em realçar os aspectos utilizados para definir o
termo imagem corporal, não é nosso propósito fazer uma distinção entre os
conceitos de imagem corporal e esquema corporal. Para essa análise,
consultar Costa (2004).
49
Referindo-se aos estudos de Campbell, o autor mostra que quando o sujeito é
capaz de reconhecer a maneira pelo qual seu comportamento afeta os outros
temos a configuração do que podemos chamar de imagem do corpo. Ou seja, o
sujeito que não causa mudanças nas condutas ou desejos dos outros não pode
representar o corpo como imagem corporal. Segundo esta leitura, as distorções
da imagem do corpo ou abusos das sensações corporais podem ser
compreendidos como tentativas do movimento inicial do eu corporal de tentar
produzir mudanças no outro.
Se nos detivermos na análise do conceito de imagem corporal,
encontraremos que esta questão vem sendo amplamente e há bastante tempo
discutida pela literatura psicanalítica. Segundo Mairesse (2003), inspirada em
Jacques Lacan, é no encontro com o olhar do outro que fazemos nossa
inserção no mundo das imagens. Assim, a mãe ou quem faz essa função, ao
interpretar o choro do bebe e nomeá-lo vai atribuindo um significado para as
suas sensações e, seria nesse processo, que a imagem do corpo vai sendo
construída.
”Os significantes maternos, ou seja, os gestos, as palavras
pronunciadas e posteriormente compreendidas, possibilitam a
construção de uma imagem corporal e a condição para o sujeito advir
desde onde ele é alienado, desde onde não tem consciência, porém
de onde ele é, do lugar de que fala” ( Mairesse, 2003, p. 109).
Assim, a relação do sujeito com o outro e a sua inclusão na cultura é
fundamental para a estruturação de sua imagem corporal. Segundo Marsilac
(2003), a imagem do corpo do sujeito é marcada a partir do olhar do outro.
Para a autora, seguimos continuadamente dependentes do semelhante para
nos reconhecer, pois o outro, ao nos olhar, garante a nossa imagem. Diante
dessas análises, somos levados a admitir a importância do espectador.
Portanto, trata-se sempre de uma imagem que busca o reconhecimento do
outro. Entretanto, poderíamos nos questionar a que olhares estariam se
dirigindo os corpos em sua obsessão pela magreza. Parece que estes estariam
50
se importando cada vez menos com a aprovação do outro e mais interessados
em seguir aos apelos sociais do controle do corpo e expulsão dos seus
excessos. Entretanto, entendemos não haver diferença entre o controle social e
os olhares dos outros.
Nesse caso, poderíamos pensar na imagem como um dobramento
construído a partir do fora. Ou seja, um tipo de relação consigo no qual se
produz um dentro do fora. Vale ressaltar que utilizamos o conceito de dobra
apresentado pelo pensamento deleuziano no qual o próprio sujeito é
constituído como uma dobra do fora, ou seja, se constitui como um dentro a
partir dessa possibilidade de fazer uma dobra. A partir de uma leitura de
Foucault e Leibniz, Deleuze mostra que tanto as tecnologias de si propostas
pelo primeiro quanto a mônada do segundo irão expressar a idéia de
multiplicidade e criação presentes no conceito de dobra. Assim, todas as coisas
no plano social estariam dobradas. Desse modo, poderíamos dizer que são
essas múltiplas dobraduras do social que produzem diferentes modos de
existência. Para Silva (2003), a dobra pode ser caracterizada como o ponto de
inflexão no qual se constitui um determinado tipo de relação consigo. Para a
autora, a noção de dobra é totalmente dependente do campo social já que a
produção de um certo tipo de relação consigo é coextensiva às forças
presentes em uma determinada configuração do tecido social.
A dobra realizada a partir de um lugar de inscrição de normas e
valores de uma determinada cultura pode determinar o implemento de uma
imagem corporal que está intimamente relacionada com a cristalização de uma
forma ideal. Nesse caso, a imagem corporal torna-se um simulacro do ideal
preconizado pelas imagens televisivas, publicitárias e jornalísticas. Sendo
assim, cada imagem acaba sendo uma cópia imperfeita diante dos modelos
divulgados pela programação da TV, pelas capas de revistas e pelos apelos
publicitários presentes nas ruas da cidade. Portanto, os efeitos do dobramento
de uma imagem ideal associado à magreza do corpo estariam aumentando o
sentimento de crescente insatisfação em relação à imagem do próprio corpo.
51
Poderíamos dizer que um dos principais produtos de nossa cultura é
o imperativo das imagens. A circulação, multiplicação e abrangência das
imagens mostrando corpos em forma, sarados e na medida certa nos fazem
ver um espetáculo que recobre toda a paisagem psicossocial, cuja forma
predominante em termos de produção de subjetividade é o peso e a forma do
corpo como referência para a imagem que fazemos de nós mesmos.
Seja como for, a proliferação de imagens e o desejo de tornar tudo
visível nos fazem concordar com Kehl (2005): a vida não está além do
espetáculo, o espetáculo abarca toda a superfície da vida. Vivemos em uma
cultura em que o espetáculo determina as normas, o que deve aparecer e o
que deve ser rechaçado.
Debord (1997) formula, na década de 70, a existência da sociedade
do espetáculo. Para o autor, o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas
uma relação social entre as pessoas mediada pelas imagens. Vale destacar
que Debord (1997), tomou a televisão como o mais importante meio da
sociedade do espetáculo. Segundo ele, o espetáculo nada mais seria que o
exagero da mídia, que embora tenha como função comunicar, poderia chegar a
excessos e diversas extravagâncias (Debord, 1997, p. 171). Seria, portanto, a
mídia um meio de propagação da cultura da imagem. Assim, mediante essa
concepção, os modos de vida passam a ser marcados pela busca de
acompanhar as imagens perfeitas e exibicionistas que se apresentam na cena
midiática.
Dessa forma, a função da imagem na sociedade do espetáculo está
ligada a idéia de cópia, imitação, simulacro de um ideal que é atribuído pelos
ícones midiáticos. Assim, a sociedade do espetáculo vive em função das
imagens e promove a própria vida como visibilidade já que existir hoje é
aparecer numa imagem. Entretanto, vale destacar que não se trata de qualquer
imagem. Trata-se de imagens que funcionam como um dobramento da
exibição e exibicionismo e que, necessariamente, nos remetem para uma
desdobra da exterioridade.
52
Podemos, então, afirmar que vivemos num mundo das imagens
feitas de formas perfeitas e exibidas como espetáculo. No entanto, se tentamos
definir a imagem nos deparamos com muitas dificuldades. Assim, de tudo isso,
algo fundamental se destaca: vive-se na imagem. De fato, a experiência
contemporânea mostra que a imagem nos remete a uma subjetividade
ancorada na exterioridade na qual o mundo externo não é independente dela.
A idéia das imagens definindo o modo de vida e a relação entre as
pessoas na nossa sociedade se conjuga aqui com o atual sacrifício do corpo
para adequar-se às imagens da boa forma. Com efeito, os quadros de anorexia
e bulimia parecem atestar essa busca: nega-se o próprio corpo em nome do
terror de não conseguir exibir uma imagem ideal.
4.2. O culto da exterioridade
Sem dúvida, entendemos que o jejum na Idade Média poderia ser
compreendido como uma prática ascética que almejava a interiorização e a
aproximação com Deus. Segundo Fonseca (2007)
12
, tratava-se de um modo de
conversar com Deus no qual era necessário negar o corpo para afirmar a alma.
Para a autora, o corpo era visto como obstáculo, como estorvo para o exercício
do pensamento. Já na contemporaneidade, opera-se o contrário: a negação do
apetite e expulsão dos excessos não se referem mais a um cultivo da
interioridade e a própria alma e o pensamento são empecilhos para o
espetáculo de imagens da boa forma. Embora ainda trate-se de práticas
ascéticas, não importa mais a interioridade.
Birman (1999), inspirado em Debord, destaca que o exibicionismo e
a teatralidade que aparecem na cena social nos remetem necessariamente
para a exterioridade. Para o autor, o sujeito fora de si não se remete mais à
12
Trata-se do parecer elaborado e apresentado pela Prof. Tânia Galli Fonseca
na defesa de qualificação desse projeto em 10/05/2007.
53
concepção de alienação mental tal qual foi proposta pelo discurso psiquiátrico
do século XIX. Portanto, o estar fora de si é identificado por Birman como a
exterioridade da performance atual no qual dedica-se à sedução e fascínio do
outro através das imagens. O autor acrescenta que no plano da exterioridade
se encontram as coisas e os objetos e habitar esse plano marcaria, por sua
vez, a fragilidade do sujeito já que o próprio sujeito apenas poderia ser dentro
de si e na interioridade. Fora destas fronteiras, Birman (1999) afirma que o
sujeito entra em colapso e liquefação.
Nesse contexto, Bezerra (2002) busca refletir o impacto das práticas
com o corpo e técnicas de si mostrando que elas não mais nos remetem a uma
subjetividade intimista do homo psychologicus, mas sim, estão ligadas à
exterioridade visível da imagem. Através da expressão “ocaso da interioridade”,
o autor destaca que, enquanto o homo psychologicus aprendeu a organizar sua
experiência em torno de sua vida interior, nossa bioidentidade estaria sendo
fabricada não mais com base em um repertório de sentimentos, crenças ou
filiação, mas sim em itens ligados à exaltação do eu e esvaziamento da
interioridade. Assim para Fonseca (2007), se considerarmos que,
anteriormente, predominava uma cultura do psicológico e da intimidade de tal
forma que o sofrimento era vivenciado como um conflito interior entre os
desejos e as regras sociais, hoje, o dilema situa-se no plano da performance
física e mental exigida para conseguir se tornar visível no atual plano social.
Podemos, então, pensar nos efeitos desse esvaziamento da
interioridade para as configurações dos quadros de psicopatologia dos dias
atuais. Birman (1999) indagando-se a respeito dessa questão afirma que o que
está sendo discutido é um modelo evidente do que deve ser o sujeito. Ou seja,
trata-se de um imperativo moral no qual devemos corresponder seguindo e
adequando-se as normas de sanidade. Ao caracterizar nossa sociedade tal
qual foi sugerida pela leitura de Debord, o autor enfatiza que o sujeito perde as
noções do tempo e da história importando-se, assim, apenas com a imediatez
do presente. Em tal processo, segundo Birman (1999), perde-se a dimensão do
devir e o sujeito se desdobra nas idéias de exterioridade e teatralidade de tal
54
forma que as idéias de intimidade e interioridade tendem ao apagamento no
universo do espetacular. Sendo o corpo um objeto necessário para se inscrever
na cultura do espetáculo, o autor analisa o aumento das toxicomanias e
adições na atualidade. Para o psicanalista a droga possibilita uma inscrição na
sociedade do espetáculo já que pela “magia da droga tudo se torna possível” (
Birman, 1999, p. 248).
“Apenas nesse contexto podemos interpretar o fantástico
crescimento das toxicomanias nas últimas décadas, pois, seja pelo
narcotráfico, pela farmacodependência ou pelos psicofármacos, o
que está em pauta é a transformação do sujeito inseguro,
deprimido e panicado em um cidadão da sociedade do espetáculo”.
(Birman, 1999, p. 248)
Assim, podemos pensar que a anorexia e bulimia também se
inscrevem nos quadros de adição de nossa atualidade. Ou melhor, poderiam
ser entendidas como o avesso da adição, uma adição ao vazio, a expulsão dos
excessos. Não apenas como um efeito da sociedade capitalista e de seus
apelos de consumo e padrões estéticos, o sofrimento de uma anorética ou
bulímica consiste em algo da ordem de um fracasso para se inscrever na
cultura do espetáculo. Considerando, então, uma analogia com as idéias de
Birman a respeito das toxicomanias, os Transtornos Alimentares também
seriam produzidos pela mesma lógica do consumo que marca a sociedade do
espetáculo. Assim, o modo anorético de ser no nosso contemporâneo marca
uma exacerbação do individualismo no qual o outro passa a não ter muita
importância.
4.3 Modos de se relacionar com o corpo na contemporaneidade
José Gil, 1980, trata o corpo como sendo uma infralíngua porque,
para o autor, ele fala, comunica-se com o mundo e transpõe os limites do
biológico, tornando-se personagem de um determinado contexto cultural e
55
histórico. Assim, poderíamos perguntar o que corpos anoréticos e bulímicos
estão falando a respeito de sua experiência na contemporaneidade.
Através de um levantamento na Internet, identificamos diversos
blogs (diários virtuais) e páginas mantidos por jovens entre 12 e 18 anos do
sexo feminino no qual o enfoque à magreza e às diversas práticas decorrentes
dessa preocupação não configuram o cenário de uma patologia como é
afirmado pelos discursos médico-psiquiátricos. Trata-se de algo diferente,
mudando-se inclusive as regras do jogo: o que poderia ser caracterizado como
doença agora passa a configurar um estilo de vida e um modo de relacionar-se
consigo e com o mundo. Desse modo, a anorexia é chamada de Ana e a
bulimia de Mia
13
e ambas tornam-se verdadeiras amigas de jovens que fazem
de tudo para ficar magras.
“Querida Leitora, Permita me apresentar. Meu nome, ou como sou
chamada, pelos também chamados 'doutores' é Anorexia. Anorexia
Nervosa é meu nome completo, mas você pode me chamar de Ana.
Felizmente nos podemos nos tornar grandes parceiras. No decorrer
do tempo, eu vou investir muito tempo em você, e eu espero o
mesmo de você. Eu vou encher sua cabeça com pensamentos sobre
comida, peso e calorias. Às vezes você vai ser rebelde. Felizmente
não com muita freqüência. Você vai dar força aqueles últimos
pensamentos, e talvez entrar naquela cozinha escura! A porta vai se
abrir devagar, você vai abrindo a porta do armário e colocando sua
mão naquele pacote de biscoitos, e você vai simplesmente engoli-
los, sem sentir gosto nenhum na verdade, você faz isso pelo simples
fato que você esta indo contra mim. Você procura por outra caixa de
biscoitos, e outra e outra. Seu estomago está cheio de massa e
gordura, mas você não vai parar ainda. E o tempo todo eu vou estar
gritando para que você pare, sua vaca gorda! Você realmente não
tem controle, você vai engordar!
13
Segundo os sites e blogs consultados “miar” significa provocar o vômito.
56
Quando isso acabar, você vai vir desesperada para mim de novo, e
me pedindo conselhos porque você não quer ficar gorda! Você
quebrou uma regra, e comeu, e agora você me quer de volta. Eu vou
te forçar a ir ao banheiro, ajoelhada e olhando para a privada! Seus
dedos vão para dentro da sua garganta, e com uma boa quantidade
de dor, a comida vai toda sair. Você vai repetir isso varias vezes, ate
que você guspa sangue a água, e saiba que toda aquela comida se
foi! E quando você se levantar, você vai sentir tontura. Não desmaie!
Fique em pé agora mesmo!Sua vaca gorda! Você merece sentir dor!
Eu sou seu melhor apoio, e pretendo continuar assim. Com
sinceridade. Ana”.
14
Trata-se da apresentação de uma condição de exagero marcada na
experiência dessas jovens. Entre comer ou não comer, perder ou ganhar peso,
ficar gorda ou ficar magra elas expressam todo sofrimento de um corpo-doente.
Entretanto, para evitar acusações de estarem fazendo uma apologia
da doença na Internet, salientam que apenas são a favor da perfeição corporal
e, para isso, deixam bem claras as possíveis conseqüências dessa obsessão.
Assim, através de fotos de mulheres esqueléticas15, afirmam que isso não é a
perfeição que almejam e sim o lado da “Ana doença”.
14
Trechos da Carta da Ana disponível em
http://www.kill-me-ana.weblogger.terra.com.br e acessado em agosto de 2007.
15
Fotos retiradas do site
http://br.geocities.com/proana_paradise/anaaoextremo.htm.
57
“Não estou dizendo para vocês virarem umas vacas gordas, apenas
tomem cuidado para não virarem uma múmia como essas aí em
cima....Nunca fui a favor da Ana ao extremo, nem do no food, o seu
corpo precisa de alguma energia para viver, mas não tanto quanto
recomendado pelos nutricionistas. Sinto tanto nojo dessas difuntas
aí em cima quanto sinto daquelas gordas. Cuidem-se para não
ficarem como nenhuma das duas.”
16
16
Disponível no site www.br.geocities.com/proana_paradise acessado em
setembro/outubro de 2007.
58
As jovens conversam entre si, trocam informações e estratégias para
driblar a fome, desabafam seu sofrimento em relação à insatisfação com o seu
peso e, como inspiração para seguirem nessa luta contra a balança, colocam à
disposição uma série de fotos de mulheres magras que fazem sucesso na
mídia
17
. Chamadas de thinspiration, essas imagens aparecem em grande
quantidade nas páginas analisadas e as fotos acabam funcionando como um
modelo a ser seguido por aqueles/as que buscam a magreza como sinônimo
de sucesso e aprovação social. Na idealização dessas imagens e sonhando
ser como elas, as jovens acreditam poder extrair todo mal-estar e desconforto
que as apavora.
17
Fotos retiradas de www.cantodalegamentemorenaanaemia.uniblog.com.br,
www.fatnever-anaforever.blogger.com.br e www.caminhoanna.blig.ig.com.br.
59
De fato, nada melhor para ilustrar esse mal-estar do que o estatuto
do horror à gordura e as atitudes em relação a ela que aparecem escancarados
nos discursos das próprias jovens.
“Gordas são feias, sofrem preconceitos. As pessoas consideram as
gordas relaxadas. Ninguém gosta de ter amiga gorda. Gorda tem
assaduras no meio das pernas. Gorda é constantemente confundida
com grávida. Gordas tem dificuldade para comprar roupas. Só
podem comprar roupas para velhas, ficam parecendo com suas
mães. Homens não se interessam por mulheres gordas. Ser magra é
chique. Magra fica bem de calça, shorts, vestido social,
terninho...tudo. Magra pode comer em locais públicos sem chamar a
atenção. Magra pode ir na piscina sem fazer o papel de baleia
encalhada. Magras são invejadas pelas outras mulheres. Magras
60
gastam menos com comida e mais com roupas e calçados. Magras
são mais felizes”.
18
De fato, sob um viés moralizante, muitas dessas páginas são
consideradas pelos profissionais da saúde e educadores em geral como
desviantes, prejudiciais e que deveriam ser extintas da Internet. Segundo essa
perspectiva, as pessoas deveriam saber reconhecer a anormalidade das jovens
que se apresentam como Anas e Mias e a única saída para elas seria um
tratamento psiquiátrico. Entretanto, nosso objetivo não é delimitar a
predominância de justificativas patológicas ligados a esses sites de troca, mas
encontrar subsídios para compreender como, em quais condições e por que
esse sintoma vai se transformando num modelo a ser seguido por muitas
jovens em nossa cultura.
Trata-se de mostrar como o mundo das Anas e Mias explora a
questão da imagem, pois, ao que tudo indica, essa preocupação aparece para
todos/as que utilizam esses blogs e sites. Então, nosso interesse é poder
mostrar como o fantasma da feiúra associado ao corpo gordo faz-se presente
em todas as usuárias destes espaços virtuais. Assim, o modo de relacionar-se
com o corpo nesses blogs pode afirmar o que culturalmente vem sendo
excluído pela nossa sociedade: a gordura.
“Gordos sofrem preconceito, gordos são tratados com desprezo.
Seria muito menos sofrido se cada um aceitasse o próximo como ele
é. Mas é difícil remoldar as mentes. Ou se adapta ou sofre. A
escolha é sua”
19
18
Trechos do Tratamento de Choque para Emagrecer e Porque sou magra (ou
pelo menos estou tentando) disponível em http://ana-anamia.blogspot.com e
acessado em outubro de 2007.
19
Trecho disponível em
www.geocities.yahoo.com.br/vida_anorexica/home.html e acessado em março
de 2006
61
Interessa-nos pensar como as manifestações produzidas pelas
jovens nos blogs e sites da Internet produzem algo novo e explicitam as
relações com o próprio o corpo que estão em cena no cenário contemporâneo.
Suas falas podem facilmente ser associadas aos diversos discursos que são
freqüentemente apropriados em nossa cultura. Através da adequação de um
modo individuo, podemos até inferir que existe, sim, um tensionamento nos
discursos sobre o corpo, mas dificilmente tal discurso produz uma forma
diferente de se pensar o corpo junto às jovens. Neste sentido, nosso
levantamento sobre os modos pelos quais as jovens referem-se ao próprio
corpo parece atestar que este só serve para afirmar uma lógica da
exterioridade baseada em sentimentos de inadequação que atravessam as
relações com o próprio corpo na nossa sociedade.
De fato, todo esse excesso na preocupação de exterioridade do
corpo também aparece colocado ao longo de um percurso nas ruas de Porto
Alegre. Facilmente podemos encontrar inúmeros outdoors de academias de
ginástica que prometem transformar o corpo em sarado, bonito e magro. Trata-
se de padronizar o corpo numa forma de esbelteza e magreza com a
estimulação de exercícios físicos voltados para busca desse corpo perfeito.
62
Assim, se podemos afirmar que a exibição de uma série de
academias de ginástica proliferam no espaço urbano como um local ideal para
os cuidados do corpo ainda podemos perceber nas paisagens psicosociais
clínicas de emagrecimento e tratamentos que justificam uma série de
intervenções no corpo para expulsar as gorduras. Como oposição à boa forma
é nas academias de ginástica e nas clínicas de emagrecimento que podemos
extirpar todo o excesso corporal.
63
Ora, ao apresentarmos estes sites e outdoors, não pretendemos
fazer uma análise exaustiva dos mesmos, mas evidenciar o estatuto da
imagem do corpo nos modos de subjetivação contemporâneos. Dessa forma,
não entendemos esses espaços como um objeto em si e sim como uma
expressão do que chamamos corpo anorético e bulímico, buscando mostrar
que não existe algo de fundamentalmente novo tanto no ciberespaço quanto no
espaço urbano daquilo que já havíamos apontado em nossas discussões.
Portanto, perceber os modos de fabricação de um corpo que não
cessa de ser alvo de coações, explorações comerciais e forçado a tornar-se
melhor sob o pretexto de ser facilmente excluído é também mostrar a sua
fragilidade, vazio e sofrimento (Sant´Anna, 2001).
64
5. Interlocuções com um corpo que não agüenta mais
David Lapoujade (2002), afirma de maneira muito clara: o corpo não
agüenta mais.
“Somos como personagens de Beckett para os quais já é difícil andar
de bicicleta, depois, difícil de simplesmente se arrastar, e depois
ainda de permanecer sentado. Como não se mexer, ou então, como
se mexer durante um longo tempo? (...) Os corpos não se formam
mais, mas cedem progressivamente a toda sorte de deformações.
Eles não conseguem mais ficar em pé, nem ser atléticos. Eles
serpenteiam, se arrastam. Eles gritam, gemem, se agitam em todas
as direções, mas não são mais agidos por atos ou formas. É como se
tocássemos a própria definição do corpo: o corpo é aquele que não
agüenta mais, aquele que não se ergue mais” (Lapoujade, 2002, p.
82).
Um corpo que não se ergue mais. De fato, para o autor não se trata
de um fato recente, mas desde sempre e para sempre o corpo não agüenta
mais. Sendo assim, essa seria a própria condição de existência do corpo de
modo que o seu agente não pode ter qualquer controle sobre ele.
Entretanto, ao questionar a respeito do que é que o corpo não
agüenta mais, o autor menciona que o corpo não agüenta mais as formas que
vêm da exterioridade tais como o adestramento e a disciplina. Para Lapoujade
(2002), trata-se de uma coação exterior insuportável tal como descrita por
Nietzsche em A Genealogia da Moral – o adestramento do animal-homem para
a forma homem – seguidas por Foucault em Vigiar e Punir ao descrever a
docilização dos corpos à autodisciplina. O autor salienta que, no primeiro caso,
trata-se de um corpo animal sendo adestrado e, no segundo, um corpo
anômalo que é preciso disciplinar. Entretanto, mesmo diante das crueldades
impostas aos corpos, Lapoujade nos mostra que essas obras admiráveis
permitem que seja inferido que o corpo possui uma potência de resistir. Uma
65
potência que está diretamente submetida e vinculada aos atos do agente.
Portanto, segundo o autor, resistir a estas formas vindas de fora e que se
impõem ao dentro são as condições necessárias para o corpo poder exprimir
uma potência própria.
Diante disso, trata-se sempre de um corpo em sofrimento no qual,
por si só, não constitui um problema, pois esse residiria na questão de
encontrar uma saúde para o sofrimento. Para Lapoujade (2002), trata-se da
questão de ser sensível ao sofrimento do corpo sem adoecer. Desse modo, a
condição de estar exposto ao fora é o sofrer; sofrimento de sua exposição, de
seus encontros, de ser afetado pela exterioridade. Portanto, seguindo com a
leitura do autor, entendemos que reside aí o que ele considera uma “patologia
primária” e nos questionamos a respeito do que pode o corpo. Como saída
para esse impasse, o autor diz que é necessário e indispensável que o corpo
utilize mecanismos de defesa. Assim, ele afirma que as proteções para os
sofrimentos podem ser tanto a fuga, o fechamento como também a evitação de
certas exposições.
Interessa-nos, assim, pensar num sofrimento que aumenta a
potência de agir dos corpos. Poderíamos, então, pensar que o sofrimento de
corpos anoréticos e bulímicos necessita urgente de um agir que o proteja da
morte?
De fato, ao longo desse trabalho, analisamos o corpo e os
respectivos esforços de transformação desse corpo em um objeto cuja imagem
obedece uma ordem externa a ele e que vem da exterioridade com suas
normas de estética e aparência e com seus pesos e medidas pré-
determinados. Portanto, é deste corpo que falamos de um sofrimento por não
agüentar mais tantas normas a serem seguidas.
66
6. Considerações Finais
Ao escrever as considerações finais desse estudo, não temos a
pretensão de retomar as análises sugeridas ao longo deste trabalho.
Entretanto, estamos convictos de que ao discutir a respeito de corpos
anoréticos e bulímicos fez-se necessário a construção de um corpo, um texto-
corpo que parece chegar ao seu fim. Nesse processo, mergulhamos no nosso
tema e nos colocamos diante da seguinte questão: O que a anorexia e bulimia
nervosa estão dizendo dos nossos modos de vida contemporâneos?
Quando começamos nossa pesquisa, a maioria dos estudos
reiterava os aspectos individuais e familiares para o entendimento dessa
psicopatologia. Nosso objetivo, então, era buscar ampliar essa discussão e
deslocar para uma análise das práticas de nossa sociedade atual. Assim,
ingressamos na discussão das normas, na função da imagem em nossa
sociedade e acabamos nos deparando com os valores morais que regem
nossa cultura: a exterioridade.
Fomos em busca de autores, sugestões de leituras e utilizamos o
que podíamos para formar, através da escrita, um corpo. Assim, partindo da
inserção em uma equipe multiprofissional de um Ambulatório de Transtornos
Alimentares começamos a nos apropriar das práticas que constituem o
tratamento dessa doença. Através de uma abordagem genealógica passamos
a historicizar essas práticas mostrando como nosso objeto de pesquisa foi
sendo construído pelos médicos ao longo do século XIX. A conseqüência
desse exercício foi nos deparar com um campo de possibilidades no qual
nossa questão pode ser produzida.
Nesse sentido, nosso contato ao longo de vários anos com jovens e
famílias em tratamento psiquiátrico para enfrentar o sintoma dessa doença
parecia ser insuficiente para dar conta das nossas inquietações. Assim, nossos
encontros com jovens em sofrimento ao invés de confirmar hipóteses e afirmar
o que a grande maioria dos estudos nesse campo vêm discutindo acabaram
67
constituindo-se em momentos de problematização da questão dos Tanstornos
Alimentares na nossa sociedade. O trabalho de campo foi, então, modificando-
se: deslocamos nossa inserção em uma equipe de tratamento localizada em
um hospital-escola e passamos a analisar as imagens e o que é dito sobre o
corpo nos programas de televisão, novelas e mídia em geral. Sem um
protocolo definido fomos mapeando a existência de uma lógica do espetáculo,
da exterioridade evidenciando o horror à gordura e os processos de
ajustamento, correção e exclusão que atacam aqueles que nela encontram-se.
De forma sutil, não como um mero efeito exacerbado de nossas práticas com o
corpo, percebemos a constituição de um modo anorético e bulímico de viver.
Conhecendo participantes de blogs e sites na Internet intitulados Anas e Mias
compreendíamos melhor como se dava a relação entre o preconceito com a
gordura e a função e estatuto da imagem de um corpo magro na nossa
sociedade.
De fato, nossa pesquisa não tratou de delimitar um número
especifico de entrevistas com anoreticas ou bulimicas tampouco configurou-se
como observações delimitadas de imagens do corpo exibidas na mídia. Nosso
objetivo foi produzir uma problematização teórica a respeito das discussões
sobre os Transtornos Alimentares. Através da construção de um campo
problemático buscamos acompanhar um processo presente que coloca em
cena a relevância da magreza como sinônimo do sucesso.
Diante de nossos limites em aprofundá-lo, em seguir em frente,
denominamos aqui um ponto de parada. No entanto, jamais se trata de um
fechamento, encerramento e tampouco uma conclusão de nossas indagações.
Pois, mesmo quando se escreve, é de um corpo sem fim que estamos
tratando.
68
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