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EDUARDO GIAVARA
V
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VIAGEM AO
IAGEM AO IAGEM AO
IAGEM AO D
DD
DESCONHECIDO
ESCONHECIDOESCONHECIDO
ESCONHECIDO ...
... ...
...
O olhar científico nas fronteiras do oeste paulista
1886-1905
ASSIS
200 8
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EDUARDO GIAVARA
VIAGEM AO DESCONHECIDO
VIAGEM AO DESCONHECIDOVIAGEM AO DESCONHECIDO
VIAGEM AO DESCONHECIDO ...
... ...
...
O olhar científico nas fronteiras do oeste paulista
1886-1905
Tese apresentada à Faculdade de Ciências
e Letras de Assis UNESP
Universidade Estadual Paulista para a
obtenção do título de Doutor em História
(Área de Conhecimento: História e
Sociedade).
Orientador:
Dr. Paulo José Brando Santilli.
ASSIS
200 8
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- 1 -
EDUARDO GIAVARA
V
VV
VIAGEM AO
IAGEM AO IAGEM AO
IAGEM AO D
DD
DESCONHECIDO
ESCONHECIDOESCONHECIDO
ESCONHECIDO ...
... ...
...
O olhar científico nas fronteiras do oeste paulista
1886-1905
Banca examinadora
Banca examinadoraBanca examinadora
Banca examinadora
Orientador(a)
Dr. Paulo José Brando Santilli
FCLAr/Unesp – Araraquara
Examinador
Dr. Jozimar Paes de Almeida
UEL – Londrina
Examinador Dr. Paulo Alves
UEL – Londrina
Examinadora Dr(a). Célia Reis
FCL – Unesp – Assis
Examinador Dr. Paulo Henrique Martinez
FCL – Unesp – Assis
Aos três motivos de minha existência:
Suilei, Vitória e Ana Luísa.
AGRADECIMENTOS
Dirijo as primeiras linhas desse agradecimento ao professor Paulo
Santilli por ter me acolhido em um momento difícil e por sempre acreditar no
meu trabalho.
Também gostaria de agradecer aos professores Jozimar Paes de
Almeida e José Carlos Barreiro pela leitura minuciosa e pelas importantes
sugestões dadas na qualificação. Ao professor Paulo H. Martinez também
gostaria de agradecer a leitura minuciosa e as sugestões fundamentais para
que o trabalho ganhasse vida.
Ainda não posso me esquecer do pessoal administrativo da seção de
Pós-graduação, em especial, à Zélia Maria de Souza Barros, secretária da
pós-graduação em História, que tantas vezes me atendeu com presteza,
dedicação e, principalmente, paciência. Ao Carlos Alberto Sampaio, pela
dedicação que tem prestado ao programa de pós-graduação.
Agradeço a Clarice e a Regina, secretárias do Departamento de História.
Ao pessoal da Biblioteca, em especial, ao Auro Sakuraba que nunca mediu
esforços para me auxiliar.
Devo também agradecer aos amigos Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus,
Bruno Mendes, Renato Dardes, Fábio e Márcio Ruela, e tantos outros que me
ouviram e deram sugestões pertinentes ao trabalho.
Agradeço as minhas filhas e a minha esposa por serem compreensivas
durante a minha ausência. Aos meus pais e meus irmãos que sempre me
apoiaram.
A CAPES pela bolsa que me permitiu dedicar o tempo necessário à
pesquisa. Enfim, agradeço todos que colaboraram direta ou indiretamente para
este sonho se concretizasse.
RESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
No final do século XIX, a crescente economia do café no mercado
externo mobilizou os produtores em torno de um modelo científico
que explorasse as terras do oeste paulista, atendesse a demanda
por novas técnicas agrícolas e assegurasse a implantação de mão-
de-obra imigrante para suprir a falta do escravo. Em 1886, a
criação da Comissão Geográfica e Geológica (CGG), por Orville
Derby, procurou atender aos anseios da elite, sendo fundamental
no mapeamento das fronteiras e das potencialidades agrícolas. A
primeira viagem de exploração nos rios Itapetininga e
Paranapanema resultou em publicações no Boletim da CGG com
estudos geológicos, da flora, da viabilidade de navegação e,
separadamente, foi publicado um relatório contendo um conjunto
de mapas que abrangia toda região oeste do rio Paranapanema, no
Estado de São Paulo. Outras viagens ao Vale do Paranapanema
destacaram nomes como de Cornélio Schmidt e Edmundo Krug,
cujos relatórios serão o objeto de análise deste trabalho. Longe da
agricultura de exportação, a população que vivia nas fronteiras
agrícolas lançava-se no sertão bravio e construíam pequenas
vilas, onde viviam das lavouras de subsistência e da criação de
animais. Diante do olhar científico, o homem livre, situado na
fronteira agrícola, foi apresentado como preguiçoso, lasciva e,
perante a civilização, teria que sucumbir.
Palavras-chave: Vale do Paranapanema relações de trabalho
Comissão Geográfica e Geológica Agricultura História da
Ciência no Brasil
ABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
In the end of the century XIX, the growing coffee economy in the
external market mobilized the producers around a scientific model
that explored the lands of the west region of São Paulo state,
assisted the demand for new agricultural techniques and assured
the implantation of immigrant labor to supply the lack of slave
labor. In 1886, the creation of the Geographical and Geological
Commission (CGG), by Orville Derby, tried to assist the purposes
of the elite, being fundamental to the mapping of borders and
agricultural potentialities. The first exploration trip - in the
Itapetininga and Paranapanema rivers- resulted in papers in the
Periodical of CGG with geological studies, flora, navigation
viability and, separately, a report was published with the maps
that covered every area west of the river Paranapanema. Other
trips to Paranapanema Valley detached names as Cornélio Schmidt
and Edmundo Krug, whose reports will be the object of analysis of
this research. Far away from the export agriculture, the population
that lived in the agricultural borders rushed in the wild interior
and built small towns, where they lived on the subsistence s
farming and on the creation of animals. Due to the scientific
glance, the freeman, located in this agricultural frontier, was
presented as lazy, lewd and, before the civilization, would have to
succumb.
Key-word: Paranapanema Valley Labor relations - Geographical
and Geological Commission - Agriculture History of Science in
Brazil
551
G436v GIAVARA, Eduardo.
Viagem ao desconhecido: o olhar científico nas
fronteiras do oeste paulista 1886-1905 / Eduardo Giavara.
Assis, 2007.
178 f. ; 30 cm.
Tese (Doutorado em História) - Faculdade de
Ciências e Letras de Assis, Universidades Estadual
Paulista, 2007.
Orientador: Prof. Dr. Paulo José Brando Santilli.
1. História - Oeste Paulista. 2. Desenvolvimento humano -
Cultura. 3. Geografia – Comissões geográficas. I. Autor. II. Título.
SUMÁRIO
SUMÁRIOSUMÁRIO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
10
I
II
I
.
..
.
AGRICULTURA E CIÊNCIA
AGRICULTURA E CIÊNCIA AGRICULTURA E CIÊNCIA
AGRICULTURA E CIÊNCIA
20
Da escravidão ao colonato 24
República e agricultura 38
A CGG e as expedições ao extremo oeste 52
II. VIAGEM AO DESCONHECIDO
II. VIAGEM AO DESCONHECIDOII. VIAGEM AO DESCONHECIDO
II. VIAGEM AO DESCONHECIDO
63
Cientistas e viajantes no interior paulista 65
A Geografia e a construção do espaço 73
O sertão desconhecido 90
Os índios do oeste paulista 109
III. ENTRE VIAJANTES E CAIPIRAS
III. ENTRE VIAJANTES E CAIPIRASIII. ENTRE VIAJANTES E CAIPIRAS
III. ENTRE VIAJANTES E CAIPIRAS
121
O modelo agrícola das frentes civilizatórias 123
Pequenas lavouras 131
A espoliação da natureza 143
A ferrovia e o fim dos horizontes 156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAISCONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
164
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA
168
ANEXOS
ANEXOSANEXOS
ANEXOS
176
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Inovações técnicas e organizacionais na agricultura concorrem para
criar um novo uso do tempo e um novo uso da terra. O aproveitamento
de momentos vagos no calendário agrícola ou o encurtamento dos
ciclos vegetais, a velocidade da circulação de produtos e de
informações, a disponibilidade de crédito e a preeminência dada à
exportação constituem, certamente, dados que vão permitir reinventar
a natureza, modificando solos, criando sementes e até buscando,
embora pontualmente, impor leis ao clima. Eis o novo uso agrícola [...]
SANTOS, Milton & SILVEIRA, María L.
SANTOS, Milton & SILVEIRA, María L.SANTOS, Milton & SILVEIRA, María L.
SANTOS, Milton & SILVEIRA, María L.
Na região do Vale do Paranapanema, na margem paulista, o avanço da
agricultura moderna” tem preocupado ambientalistas e pesquisadores,
que o uso cada vez maior e descontrolado de defensivos agrícolas e sementes
transgênicas deverão, a curto prazo, causar danos irreparáveis aos
ecossistemas regionais. Tecnologias que, empregadas na ocupação de áreas
de cerrados - ambientes muito sensíveis à prática agrícola - levam a um
processo de degradação irreversível.
Essa ofensiva da agricultura ainda é mais preocupante pelo risco que
tais práticas oferecem aos rios do Peixe e Paranapanema, dois importantes
mananciais de água do estado ainda não poluídos.
Analisando a economia agrícola de nossa região, percebemos que as
premissas da grande produção destinada ao mercado de exportação estão
amplamente colocadas. A essa situação se acrescenta a expansão da lavoura
- 11 -
canavieira que, nos últimos anos, ampliou significativamente sua área de
atuação atendendo as exigências internacionais pela diminuição do
aquecimento global e da emissão de resíduos fósseis na atmosfera.
Na região do Vale do Paranapanema, cada vez mais, a lavoura de
exportação ganha espaço nas pequenas propriedades e, desta forma, se firma
um modelo empresarial de agricultura exportadora e é restringido o espaço
para as pequenas lavouras como o milho, a mandioca e o trigo e, em outros
casos, para o cultivo de hortaliças e a produção de leite, ambos destinados ao
mercado local.
Nesse cenário, uma agravante é que os países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos ainda acumulam a responsabilidade de serem os principais
fornecedores agrícolas para os países desenvolvidos, o que oferece riscos
ambientais e prejuízos causados pelo avanço da agricultura em quase todo o
mundo.
Assim, a moderna agricultura” coloca em cheque o pequeno
agricultor, cuja produção, dedicada apenas ao mercado interno, está sujeita às
intempéries, ao uso de sementes de baixa qualidade e a falta de recursos para
investir em mecanização da lavoura - problemas que têm impulsionado muitos
a abandonarem suas terras, cedendo-as para o arrendamento ou para a venda.
O avanço da agricultura tem ocupado também ecossistemas muito
sensíveis à ação humana, alguns dos quais estão na iminência de desaparecer.
A produção se concentra cada vez mais, em sementes geneticamente
modificadas, além disso, o aumento no uso de defensivos agrícolas mais
potentes tem provocado distúrbios irreparáveis na natureza.
O desenvolvimento desse trabalho coincide com o avanço da lavoura
canavieira, que, nos últimos anos, ganhou espaço considerável em virtude dos
acordos internacionais para a utilização de energia renovável.
- 12 -
Condição do produtor/por estabelecimento no Estado de São Paulo
Condição do produtor/por estabelecimento no Estado de São PauloCondição do produtor/por estabelecimento no Estado de São Paulo
Condição do produtor/por estabelecimento no Estado de São Paulo
1970
19701970
1970 1975
19751975
1975 1980
19801980
1980 1985
19851985
1985 1995
19951995
1995-
--
-1996
19961996
1996
Estabelecimentos
EstabelecimentosEstabelecimentos
Estabelecimentos
326.780 273.187 278.349 282.070 218.016
Proprietário 207.918 199.177 187.021 195.854 179.058
Arrendatário 48.877 29.507 29 194 30.493 18.648
Parceiro 51.197 32.292 40.234 37.231 10.780
Ocupante 18.788 17.373 16.738 18.492 9.530
Fonte: IBGE – Senso agropecuário
1
.
A partir dos dados apontados pela tabela acima, podemos notar que as
posições tradicionais arrendatário” , parceiro” e ocupante” tiveram
quedas expressivas, proporcionando o desligamento definitivo do homem com
a terra. Outro dado preocupante é a redução do número de estabelecimentos
e, conseqüentemente, de proprietários entre as décadas de 1970 e 1990, no
Estado de São Paulo, fenômeno que revela a concentração de terras e a
expansão do modelo agrícola exportador.
Esse panorama de instabilidade ocasionado pelo desenvolvimento
agrícola, nas últimas décadas, tem promovido um extenso debate em torno da
agricultura regional, levando a indagações - cujo espaço era modesto nos fins
do século XIX - acerca do modo de produção, das prioridades de alguns
produtos e do destino dessa produção.
Na tentativa de se esboçar um panorama do Vale do Paranapanema,
suas tradições e costumes e, principalmente, como se processou a destruição
da mata que se estendia por todo o Vale Paranapanema, ao longo do século
XX, recorremos a alguns trabalhos sobre a região produzidos entre final do
século XIX e a primeira década do século XX, dentre os quais encontramos
obras importantes como os relatórios da viagem empreendida por Teodoro
1
A tabela foi produzida com base nos dados fornecidos pelo IBGE:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/35/d35_t01.sht
m> acessado no dia 20/08/2007.
- 13 -
Sampaio, em 1886, e outros, do começo do século XX, escritos por Edmundo
Krug e Cornélio Schmidt.
Embora essas obras tenham despertado a atenção por estarem
presentes na maioria das teses e dissertações produzidas sobre a região do
Vale do Paranapanema, não preenchem uma lacuna importante que é a análise
desse material e do contexto em que foram produzidos.
que se ressaltar, ainda, um outro desdobramento da problemática
levantada, ou seja, a representação desses documentos como parte do
desenvolvimento das instituições científicas e da organização administrativa
do Estado de São Paulo, funcionando como instrumentos importantes para a
delimitação geográfica da região e de sua ocupação.
Nesse contexto, o estudo propõe analisar o processo de ocupação de
Vale do Paranapanema, entre as décadas de 1880 e 1910, a partir do olhar da
Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo e dos relatos de viagem de
Edmundo Krug e Cornélio Schmidt, nos quais são esboçados o cotidiano e os
conflitos sociais vividos pela população local.
A partir destes documentos como objeto de pesquisa, pretendemos
entender a dinâmica da ocupação territorial e os desdobramentos da ação
humana sobre o meio ambiente. Desta forma, a perspectiva da história
ambiental nos fornece condições de estabelecer diálogos com outras áreas do
conhecimento como as ciências naturais, a antropologia, a biologia
2
, etc.
Frente a essa conjuntura, a análise dos documentos exige um esforço
interpretativo que ultrapasse as fronteiras do conhecimento histórico e possa
criar uma perspectiva mais ampla das condições econômicas, sociais e físicas
da região, o que exige um diálogo interdisciplinar, para compreender os
conflitos entre o homem e o meio físico.
2
WOSTER, Donald. Para fazer a história ambiental. Estudos Históricos
Estudos HistóricosEstudos Históricos
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 4,
n. 8, 1991, p. 198-215. p. 214.
- 14 -
A preocupação com a questão agrícola, presente em todos os autores,
centrou-se na degradação” do espaço promovida pelo caipira. O uso da
terra para a agricultura de subsistência era visto como um atraso econômico
por estes escritores que, ao coadunar com os interesses dos cafeicultores,
acreditavam que o uso irracional” da natureza poderia comprometer o seu
aproveitamento futuro para o mercado exportador.
A expansão da lavoura cafeeira para o oeste paulista justificava
devidamente essas preocupações, pois, de certa forma, possibilitou a
modernização da agricultura, o que contribuiu para dinamizar o sistema
produtivo, aumentando as margens de lucro e a possibilidade de ocupação de
solos anteriormente mal utilizados” .
Em conseqüência desse cenário de ocupação regional, o que era visto
como progresso gerou impactos negativos ao meio ambiente e às pequenas
propriedades, uma vez que o uso das novas tecnologias e os paradigmas
neoliberais intensificavam o uso da terra e atendiam somente aos interesses
da agricultura de exportação.
A problemática ambiental passou a ocupar os debates públicos mais
de três décadas, chamando a atenção de vários segmentos da sociedade, como
antropólogos, sociólogos, juristas, economistas, arquitetos, historiadores entre
outros, a repensar o papel do conhecimento científico diante de um mundo em
transformação e com o progresso das forças produtivas ameaçadas pelo
esgotamento do planeta.
Nos primeiros anos da década de 1970, alguns intelectuais ligados à
história chamaram para si a responsabilidade de rever o papel do pensamento
historiográfico diante do iminente caos ecológico que havia se instalado. De
pronto, percebeu-se que a análise factual e centrada somente no passado não
poderia ser condizente com as necessidades prementes. Assim, a história
ambiental” , surgiu como esforço revisionista para tornar a disciplina de
- 15 -
história muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tem
tradicionalmente sido”
3
.
A gênese da história ambiental” es ligada aos manifestos
ambientalistas expostos no Relatório do Clube de Roma publicado em 1972
e o Relatório Brundtland publicado em 1983
4
que foram impactantes
no pensamento ocidental e conduziram o mundo a uma nova era em que o
crescimento econômico teria que passar necessariamente pelo uso dos
recursos naturais e das fontes energéticas. Nesse contexto, os historiadores
ambientais acreditavam em uma responsabilidade moral, “ tendo por trás
fortes compromissos políticos”
5
.
Ao longo das décadas seguintes, os compromissos morais e políticos
abriram espaço para atuação acadêmica e, deste modo, foi possível
aprofundar o nosso entendimento de como os seres humanos foram, através
do tempo, afetados pelo seu ambiente natural e, inversamente, como eles
afetaram esse ambiente e com que resultados”
6
.
No Brasil, o apelo político” fez com que o desenvolvimento da
temática fosse bem modesto e os primeiros trabalhos apareceram somente no
final da década de 1980, com esforços individuais de Warren Dean e de Jose
Augusto de Pádua
7
. A partir de 1990, os trabalhos históricos se multiplicaram
pelo país afora e, no mesmo ritmo, o conhecimento de história ambiental”
foi institucionalizado e a disciplina foi incorporada ao currículo acadêmico de
3
Idem. Ibidem. p. 199.
4
VIEIRA, Flávio Lúcio R. Desenvolvimento sustentável: a história de um conceito. Revista
RevistaRevista
Revista
Saeculum
SaeculumSaeculum
Saeculum, João Pessoa, n. 10, pp. 79-112.
..
. Esses relatórios foram publicados no Brasil da
seguinte forma: MEADOWNS, Donella H., MEADOWS Dennis L., RANDERS, Jorgen.,
BEHRENS III, William W. Limites do crescimento
Limites do crescimentoLimites do crescimento
Limites do crescimento. Um relatório para o projeto do Clube de
Roma sobre o dilema da humanidade, São Paulo: Perspectiva, 1973.; CMMAD. Nosso futuro
Nosso futuro Nosso futuro
Nosso futuro
comum
comumcomum
comum
.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.
5
WOSTER, D. Op. cit.; p. 199.
6
Idem. Ibidem, p. 199.
7
DEAN, Warren. O Brasil e a luta pela borracha
O Brasil e a luta pela borrachaO Brasil e a luta pela borracha
O Brasil e a luta pela borracha
.
São Paulo, Editora Nobel, 1990; PÁDUA, José
Augusto. 1986. Natureza e projeto nacional
Natureza e projeto nacionalNatureza e projeto nacional
Natureza e projeto nacional
:
as origens da ecologia política no Brasil.
Rio de
Janeiro, IUPERJ. [mimeografado]
- 16 -
algumas universidades. Nos últimos anos, a temática ganhou novos adeptos,
estimulando a formação de grupos de trabalho, de cleos de pesquisa e
seminários temáticos.
No contexto regional, a pesquisa em história ambiental foi modesta na
década de 1980, porém, nos últimos anos, ganhou espaço no meio acadêmico
em decorrência do amplo debate que vem acontecendo em vários segmentos
da sociedade; fato que obrigou a universidade a participar ativamente do
movimento. Com isso, temas como o uso da água e a produção agrícola estão
entre as questões mais pesquisadas.
Desde a década de 1980, a região vem sendo estudada
sistematicamente, principalmente, por professores e alunos ligados a
instituições universitárias de Assis e Presidente Prudente, cujos trabalhos
oferecem uma perspectiva histórica, geográfica e biológica da região e tratam
com profundidade temas como a ocupação e as práticas agrícolas, as relações
de trabalho e a formação político-administrativa.
Segundo suas abordagens, poderíamos organizar os trabalhos que
tratam da formação histórico-regional em dois grupos: O da ocupação e luta
pela posse da terra e o das condições em que o capitalismo se reproduziu na
região.
Podemos aqui ressaltar trabalhos como o de Maria do Carmo Sampaio
Di Creddo
8
, José Ferrari Leite
9
, Célia de Carvalho Ferreira Penço
10
e Ademir
Pereira dos Santos
11
, preocupados com a ocupação regional.
8
DI CREDDO, Maria do Carmo Sampaio. A propriedade da terra no Vale do Paranapanema
A propriedade da terra no Vale do ParanapanemaA propriedade da terra no Vale do Paranapanema
A propriedade da terra no Vale do Paranapanema: a
Fazenda Taquaral (1850-1910).
São Paulo: Tese (doutorado) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas. USP, São Paulo, 1987.
9
LEITE, José Ferrari. A ocupação do Pontal do Paranapanema
A ocupação do Pontal do ParanapanemaA ocupação do Pontal do Paranapanema
A ocupação do Pontal do Paranapanema. São Paulo. Hucitec, 1998.
10
PENÇO, Célia de Carvalho Ferreira. A evaporação
A evaporação A evaporação
A evaporação das terras devolutas no Vale do
das terras devolutas no Vale do das terras devolutas no Vale do
das terras devolutas no Vale do
Paranapanema.
Paranapanema.Paranapanema.
Paranapanema. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São
Paulo, 1980.
11
SANTOS, Ademir Pereira dos. Terrenos desconhecidos:
Terrenos desconhecidos:Terrenos desconhecidos:
Terrenos desconhecidos:
solos historiográficos sobre uma
mesma base documental. Dissertação (mestrado) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis.
Unesp, Assis, 1992.
- 17 -
Quanto às condições de reprodução do capitalismo cabe destacar a
pesquisa de Anna Maria Martinez Correa
12
, que analisa a região no momento
em que a ferrovia consolidou seu trajeto de Salto Grande até o ponto final na
cidade de Porto Epitácio. Porém, sua preocupação maior reside na análise da
formação política regional e na respectiva dinâmica de poder.
Outras obras importantes que também tratam da consolidação capitalista
regional são os trabalhos de Jozimar Paes de Almeida
13
, Pedro Paulo de
Andrade
14
e Eduardo Giavara
15
.
O trabalho de Jozimar Paes de Almeida, pioneiro na abordagem dos
impactos ambientais causados pela atuação da agroindústria canavieira na
região, apontou o processo de expansão de industrialização da agricultura
como grande estimuladora da devastação da floresta local.
Entre os trabalhos mais recentes sobre a questão ambiental está a
dissertação de mestrado,
O sonho iluminado
, que procurou analisar os
impactos resultantes do aproveitamento hidrelétrico de Salto Grande. o
trabalho de Pedro Paulo de Andrade
16
se preocupa com a temática ambiental e
analisa o desenvolvimento da lavoura cafeeira e qual seu papel na devastação
da cobertura vegetal do vale.
O estudo que ora se apresenta tem a preocupação de propor uma leitura
dos documentos produzidos por Teodoro Sampaio, Edmundo Krug e Cornélio
12
CORREA, Anna Maria Martinez. Poder político e representatividade partidária no Vale do
Poder político e representatividade partidária no Vale do Poder político e representatividade partidária no Vale do
Poder político e representatividade partidária no Vale do
Paranapanema
ParanapanemaParanapanema
Paranapanema: (1920-1930). Tese (Livre Docência) Faculdade de Ciências e Letras,
UNESP, Assis, 1988.
13
ALMEIDA, Jozimar Paes de. A extinção do arco
A extinção do arcoA extinção do arco
A extinção do arco-
--
-íris
írisíris
íris: a agroindústria e a eco-história.
Dissertação (Mestrado) Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, 1987.
14
ANDRADE, Pedro Paulo de. A devastação da floresta no Vale do Paranapanema:
A devastação da floresta no Vale do Paranapanema:A devastação da floresta no Vale do Paranapanema:
A devastação da floresta no Vale do Paranapanema: uma leitura
dos autos do arquivo do Fórum da Comarca de Assis (1890-1944) 2004. Dissertação
(mestrado) - Faculdade de Ciências e Letras. Assis, 2004.
15
GIAVARA, Eduardo. O sonho iluminado:
O sonho iluminado:O sonho iluminado:
O sonho iluminado:
A hidrelétrica de Salto Grande: memória e
representação. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Ciências e Letras/Unesp. Assis,
2001.
16
ANDRADE, Pedro Paulo de. A devastação da floresta no Vale do Paranapanema
A devastação da floresta no Vale do ParanapanemaA devastação da floresta no Vale do Paranapanema
A devastação da floresta no Vale do Paranapanema: uma leitura
dos autos do arquivo do Fórum da Comarca de Assis (1890-1944) 2004. Dissertação
(mestrado) - Faculdade de Ciências e Letras. Assis, 2004.
- 18 -
Schmidt, analisando seu universo político e social e o olhar lançado sobre as
fronteiras do oeste paulista.
Aliada a essa leitura dos textos propostos, outra problemática que
ganha relevância no trabalho apresentado é o papel que a ciência
desempenhou na construção e na consolidação das instituições de pesquisa no
Estado de São Paulo. Desta forma, a constituição da idéia de região perpassa
por interesses científicos, baseados em um modelo de civilização que se
contradiz com o modo de vida desenvolvido nas áreas de fronteira do oeste.
Inicialmente, procuramos analisar o desenvolvimento da ciência no
Estado de São Paulo, principalmente, seu papel na consolidação e no
progresso das forças produtivas. Paralelamente, contemplamos a criação do
Instituto Agronômico de Campinas e a Comissão Geográfica e Geológica de
São Paulo, destacando a atuação dessas instituições na ocupação do sertão
paulista” como descritoras do universo social e econômico da vida caipira,
qualificando e classificando os recursos naturais da região. Frente a isso, é
importante ressaltar que essas instituições foram legítimas representantes do
desenvolvimento científico, além de atenderem aos interesses da elite
agrícola que entrevia nesse paradigma a possibilidade de progresso e
aumento da área agricultável.
O capítulo seguinte, Viagem ao Desconhecido
Viagem ao DesconhecidoViagem ao Desconhecido
Viagem ao Desconhecido, procura analisar quais
foram os mecanismos utilizados pelos cientistas e exploradores na construção
do espaço, deste modo, o pensamento geográfico do período desempenhou
função decisiva na concepção de uma região que pudesse atrair o progresso
sobre as áreas extremas do Estado. Assim, se tornou imprescindível
inventariar e classificar os recursos naturais para que pudessem ser
revertidos ao processo de expansão do capital cafeeiro. O capítulo ainda
prossegue com a análise do fenômeno da frente pioneira, e quais as
impressões construídas por esses modernos viajantes” , relatando os
- 19 -
primeiros habitantes e o embate com a natureza inóspita e o conflito com o
indígena.
O terceiro e último capítulo procura fazer uma análise mais apurada dos
relatórios e diários produzidos nas viagens à região do Vale do Paranapanema.
Assim, procuramos analisar como o olhar científico tratou a grande aventura
dos pioneiros que se embrenharam pelo sertão” afora em busca de terras
que pudessem ser úteis à lavoura cafeeira.
As questões levantadas nesse trabalho são apenas um esboço sobre a
ocupação do Vale do Paranapanema, pois existem ainda outras lacunas que
contribuíram para a degradação do espaço regional. Assim, as construções de
hidrelétricas, a formação e a expansão das áreas urbanas, por exemplo, são
algumas demandas que ainda precisam ser estudas sob a perspectiva da
história ambiental.
I
II
I
A
AA
AGRICULTURA E
GRICULTURA E GRICULTURA E
GRICULTURA E C
CC
CNCIA
NCIANCIA
NCIA
O caminho é por vezes lindamente ornamentado com as altas e
soberbas mattas virgens de ambos os lados, apresentando
arvores gigantescas e de um verde tão agradável aos olhos, que
o viajante, involuntariamente, percebe que percorre fértil terra,
e sente immensamente que estas possantes testemunhas de
séculos idos tenham de ceder em breve a arma cortante de um
boçal caboclo para ahi, nesse mesmo logar ser feita uma
rocinha cujo producto não vale a millesima parte do valor
existente actualmente. Barbarismo!
Edmundo Krug, 1923
Edmundo Krug, 1923Edmundo Krug, 1923
Edmundo Krug, 1923
As palavras acima foram ditas pelo Engenheiro Edmundo Krug, por
ocasião de uma exploração pelo Vale do Rio Paranapanema, em 1902.
Na oportunidade, o engenheiro observou uma natureza quase que
intacta que cobria grande parte do oeste paulista. Segundo o engenheiro, a
imponente floresta ainda exibia cores, suntuosidade e exalava aromas dos
mais diversos. Entretanto, na mesma exploração, percebeu que esse cenário
sofria com as ações agrícolas e pecuárias de agricultores que ocupavam as
fronteiras do oeste paulista.
Desde a segunda metade do século XIX, os vários grupos de migrantes
que se instalam na região estabelecem o início de um longo período marcado
por conflitos sociais, decorrentes da posse sangrenta das terras e da abertura
da região à economia agro-exportadora. A mesma exploração ainda foi parte
- 21 -
de outras viagens empreendidas na região, as quais exerceram papel decisivo
para que o Vale do Paranapanema fosse estudado, mapeado e catalogado.
Rapidamente, o Vale do Paranapanema passou a figurar como uma
região a ser aberta pela civilização paulista, cujo intuito era utilizar as
terras para a economia cafeeira. Desse modo, o trabalho da ciência, no final
do século XIX, foi de suma importância para que as fronteiras do oeste
paulista fossem abertas a esse tipo de Produção. No entanto, o discurso
científico ancorado nos princípios do positivismo, do determinismo
geográfico e do darwinismo social – permeou a elaboração da idéia de região
e ainda era concernente com os interesses da elite cafeeira, que projetava
nessas áreas extremas do Estado a ampliação das lavouras e a
comercialização de terras aos imigrantes europeus que aportavam no país.
Os relatórios de exploração, elaborados a partir de 1889, mostraram
uma região submersa em intensas mudanças sociais e econômicas que
acarretaram a transformação da paisagem. Dentre essas, a mercantilização
das terras pela lavoura cafeeira e a chagada dos trilhos Estrada de Ferro
Sorocabana estimularam conflitos pela posse da terra os quais fugiram da
esfera jurídica e ganharam proporções de extrema violência que se estende
até os nossos dias. Além disso, impuseram à região uma nova configuração
geográfica, na qual antigas cidades perderam seu prestígio político e
econômico para aquelas que margeavam a ferrovia.
Desta forma só é possível entender expansão agrícola sobre as áreas do
oeste paulista como parte do desenvolvimento histórico de reprodução e
ampliação do capital, através da constituição de uma economia de caráter
nacional, estabelecendo relações e interações com o capitalismo
internacional”
1
. Segundo Iraci Salles, a alta fertilidade das terras do oeste
paulista criava condições para a manutenção e aumento das taxas de lucro,
11
SALLES, Iraci Galvão. Trabalho, progresso e a sociedade civilizada
Trabalho, progresso e a sociedade civilizadaTrabalho, progresso e a sociedade civilizada
Trabalho, progresso e a sociedade civilizada: o Partido Republicano
Paulista e a política de mão-de-obra. São Paulo: Hucitec, 1986. p. 34.
- 22 -
viabilizando a ocupação de novas áreas” . Entretanto, o transporte de carga e
infra-estrutura viária eram entraves a esse desenvolvimento capitalista, era
preciso a superação da distância que separava o extremo oeste do litoral
paulista, deste modo, seria necessária a montagem de um sistema
ferroviário” , destinado a “ expansão da fronteira agrícola da cafeicultura”
2
.
É possível compreender que, a partir da segunda metade do século XIX,
os conflitos e dilemas ocorridos na região pela posse da terra estão inseridos
num contexto mundial. As origens se concentram no mundo urbano-industrial
que expandiu suas fronteiras econômicas para além dos limites geográficos da
Europa e, desse modo, o velho sistema colonial não mais satisfazia as
necessidades do capitalismo. A nova fisionomia da economia internacional,
regida pelas idéias liberais, tornou-se hegemônica e conduziu grande parte
dos países da Europa e da América a reformular suas políticas internas e suas
diretrizes econômicas.
Entre as mudanças advindas desse mundo industrial estão as intensas
transformações que ocorreram nos processos produtivos e no incremento de
técnicas e equipamentos que substituíam o trabalho humano. A construção de
ferrovias e a melhoria dos transportes navais proporcionaram mobilidade
rápida de mercadorias e pessoas. A modernização da indústria e o
desenvolvimento de aços e ligas metálicas permitiram a construção de
maquinários e ferramentas cada vez mais complexos. Segundo Nicolau
Sevcenko:
Essas transformações drásticas do modo de vida ocorreram
concentradamente em especial entre a última década do século
XIX e as primeiras do século XX, entre os países mais
desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. [...] Mas desse
ponto em diante, quando o impacto da Revolução Científico-
Tecnológico se faz sentir na sua plenitude, alterando tanto os
hábitos e costumes cotidianos quando o ritmo e intensidade dos
transportes, comunicações e do trabalho, o mundo que então se
2
Idem. Ibidem, p. 34-35.
- 23 -
estabelece nos parece francamente familiar. Seus potenciais
são medidos em escalas técnicas abstratas de estrito valor
matemático [...]
3
Frente a esse novo contexto de transformações na economia mundial, a
terra foi incorporada como produto ao sistema capitalista, o que afetou
diretamente as relações de propriedade e a produção agrícola. Desta forma, as
antigas lavouras de subsistência foram cedendo lugar às grandes pastagens e
as extensas plantações de algodão para atender aos interesses do mundo
urbano-industrial. Desse modo, a terra passou a fazer parte da economia de
mercado, exigindo “ uma reavaliação das políticas de terras e do trabalho”
4
.
Dentro da realidade brasileira, essas mudanças se apresentaram com
contornos diferenciados, pois grande parte do território nacional ainda era
inexplorado, isso fez com que a disputa por essas áreas acirrasse os ânimos
dos agricultores, episódio que provocou a reestruturação do sistema agrário
nacional. Entre essas mudanças, é possível destacar o Fim do Tráfico
Negreiro e a promulgação da Lei de Terras medidas que impulsionaram os
novos rumos na economia e da política e, conseqüentemente, a adoção de
políticas de colonização que pudessem atender aos novos rumos da economia.
Portanto, a busca por novas terras, a inserção do trabalhador livre na
economia e a busca por um modelo de agricultura que atendesse às novas
necessidades da economia mundial foram fatores decisivos para a criação de
instituições políticas, econômicas e científicas destinadas a repensar o modo
de exploração do trabalho e o aprimoramento do modelo agrícola nacional.
3
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In:
___________. História da Vida Privada
História da Vida Privada História da Vida Privada
História da Vida Privada
III
III III
III. São Paulo: Cia das Letras, 1998. p.10-11.
- 24 -
DA ESCRAVIDÃO AO COLONATO
DA ESCRAVIDÃO AO COLONATODA ESCRAVIDÃO AO COLONATO
DA ESCRAVIDÃO AO COLONATO
Em 1850, a promulgação da Lei de Terras e o Fim do Tráfico Negreiro
marcaram a história brasileira e, especialmente, os rumos econômicos e
sociais da segunda metade do século XIX, abriram-se espaço para a
diversificação étnica e cultural da sociedade brasileira. Também foi nesse
momento que o café rompeu os limites geográficos do Vale do Paraíba e
avançou rumo ao oeste paulista, exercendo forte influência na ocupação
territorial dos Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais.
A expansão da cafeicultura paulista também tinha alguns obstáculos a
serem superados: o primeiro era a busca por novas áreas agricultáveis no
Estado de São Paulo, que pudessem garantir o aumento da lavoura; o segundo
item dessa pauta era a suplementação da mão-de-obra escrava, a qual vinha
se tornando escassa pelas exigências da economia internacional,
principalmente, pela proibição do tráfico negreiro. Em contrapartida a esses
obstáculos a produção cafeeira crescia a passos largos e, entre as décadas de
1820 e 1850, a produção saltou aproximadamente de 3 milhões de sacas para
mais de 18 milhões, o que representa um crescimento de mais 577%
5
.
A superação do primeiro item, a busca de terras agricultáveis foi, de
certo modo, respaldo com a promulgação da Lei de Terras em 1850 e outras
medidas reguladores que serviram de subsídios para que se pudesse manter a
terra sobre o domínio dos grandes latifundiários. A Lei estabeleceu um
controle sobre as terras definindo, na época, as terras de propriedade pública,
e restringiu o acesso as terras públicas somente pela via da compra. Ainda
acrescentava que os fundos provenientes da venda das propriedades
4
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções
A era das revoluções A era das revoluções
A era das revoluções –
1789
1789 1789
1789-
--
-1848
18481848
1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p.
36-37.
5
Caio Prado ainda acrescenta que, depois de 1850, o relativo sucesso do café brasileiro está
diretamente ligado ao processo de desenvolvimento do mercado norte-americano. As
exportações de café para os EUA, elevam a potência a maior consumidora de produtos
brasileiros, desbancando nos anos seguintes tradicionais mercados como Europa e Ásia.
PRADO Jr, Caio. História econômica do Brasil
História econômica do BrasilHistória econômica do Brasil
História econômica do Brasil. São Paulo. Brasiliense, 1994.
- 25 -
devolutas e do imposto sobre a propriedade rural deveriam ser reservados ao
incentivo de políticas de imigração, destinada a substituição dos escravos.
Porém, o uso posterior que se fez da legislação foi uma estratégia para
impedir possíveis regularizações de áreas ocupadas por posseiros, meeiros,
arrendatários e escravos forros, pois, desse modo, foram criados “ obstáculos
à propriedade rural, de modo que o trabalhador livre, incapaz de adquirir
terras, fosse forçado a trabalhar nas fazendas”
6
.
O fim da posse de terras pela via da doação também trouxe outra
conseqüência que incidiu diretamente no manejo do solo, uma vez que a
facilidade de posse ocasionava uma prática agrícola desmesurada que
esgotava o solo em poucos anos, obrigando a busca de novas terras. No
entanto, a nova legislação fez com que muitos agricultores se deparassem
com uma outra realidade, na qual teriam que pensar em técnicas mais
modernas que poupassem o solo do manejo predatório
7
ou buscar novas
porções de terras para a abertura de novas frentes de agricultura.
O segundo item, defendido na pauta dos agricultores era a escassez de
mão-de-obra diante da expansão da lavoura cafeeira. A implantação da Lei
Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico negreiro gerou acusações dos vários
setores agrícolas que acusavam o governo de se omitir frente às necessidades
de mão-de-obra. As políticas públicas de imigração ainda eram insuficientes
para que pudessem atender a demanda da cafeicultura.
6
COSTA, Emília Viotti. Da monarquia a república
Da monarquia a repúblicaDa monarquia a república
Da monarquia a república., p.177. Ver também: SILVA, Ligia Maria
Osório. A apropriação territorial na Primeira República. In: SILVA, Sergio; SZMRECSÁNYI,
Tamás (org). História Econômica da Primeira República.
História Econômica da Primeira República.História Econômica da Primeira República.
História Econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec/ Associação
Brasileira de História Econômica/ Edusp/Imesp, 2002. p. 160.
7
Outro aspecto relevante da Lei de Terras foi à dificuldade que os posseiros, arrendatários e
meeiros encontraram para ter acesso a terra, pois os custos do registro sempre excediam o
preço das suas propriedades e, em outros casos, tinham que disputar seus espaços com o
grande fazendeiro que, através do trafico de influências, acabava por anexar pela força as
pequenas propriedades que viviam na órbita de suas terras. SMITH, Roberto. Propriedade da
Propriedade da Propriedade da
Propriedade da
terra e transição:
terra e transição:terra e transição:
terra e transição: estudo da formação da propriedade privada da terra e transição para o
capitalismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.
- 26 -
Com a falta do imigrante para atender a demanda, os trabalhadores
nacionais eram qualificados como incapazes e preguiçosos para assumirem a
agricultura cafeeira. Segundo Iraci Galvão Salles, as possibilidades de
utilização de mão de obra nacional eram muito reduzidos, uma vez que a
produção não apoiada no trabalho escravo retinha o trabalhador à terra
através, principalmente, da auto-subsistência”
8
.
Frente a esse novo contexto do fim do tráfico negreiro as autoridades
brasileiras foram obrigadas a aplicar políticas de imigração e a avaliar a
condição na qual se encontrava o trabalhador nacional. Uma das estratégias
encontradas pelos agricultores foi a reabilitação do tráfico interno e, desse
modo, o nordeste, com a lavoura canavieira seriamente afetada por crises
sucessivas, forneceu o maior contingente de escravos para a região sudeste.
Rapidamente os negros se tornaram importantes moedas de troca para muitos
fazendeiros e a possibilidade de abolição do trabalho servil foi logo afastada,
reafirmando os laços de dependência do sistema escravista ao universo
político e econômico brasileiro
9
.
A relação servil também foi um grande obstáculo ao avanço do
pensamento liberal no Brasil, pois a manutenção de sua estrutura trazia
conseqüências drásticas para o desenvolvimento de políticas públicas para o
incentivo do trabalhador livre e ainda contribuía, em mesma medida, para a
consolidação de instrumentos e técnicas agrícolas mais modernas.
8
SALLES, Iraci Galvão. Op. cit., p. 37.
9
PRADO JR., Caio. Op. cit., p. 173. Joseph Love, utilizando-se de uma análise de segunda
mão, afirma que em São Paulo, entre os períodos de 1874 e 1884, o aumento do número de
negros é em decorrência das exigências das lavouras de café pelo braço escravo. Assim,
podemos concluir que o número de escravos, apesar de um crescimento em detrimento de
outros Estados. Mesmo com esse aumento, os negros não eram suficientes para atender a
demanda das lavouras, fato que impulsiona os fazendeiros do oeste paulista a exigirem do
governo políticas de imigração mais eficientes. LOVE, Joseph. A Locomotiva
A LocomotivaA Locomotiva
A Locomotiva: São Paulo na
Federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 19.
- 27 -
Caio Prado, em
História Econômica do Brasil
, diz que estrutura
escravocrata, em 1861 (ano da primeira Exposição Nacional)
10
, era a grande
responsável a ausência de manufaturas, atribuía ao trabalho escravo os
obstáculos que impediam o desenvolvimento da indústria nacional
11
. Fernando
de Azevedo, ao analisar o desenvolvimento da economia nacional, soube
explicar de forma concisa qual era o peso que a escravidão exerceu no final
do século XIX.
Diante das necessidades sociais e da mentalidade corrente que
reinava, nessa sociedade liberal, de economia agrícola e de
hábitos coloniais, organizada sobre uma lei de conformidade e
preocupada com suas criações literárias e jurídicas, não se
tornava possível nenhuma reação verdadeiramente eficaz em
favor dos ofícios e profissões industriais. [...] no Brasil, a
escravidão constituía ainda uma barreira insuperável ao
desenvolvimento da agricultura e das artes e profissões
industriais. Por todo o Império e em grande parte do período
republicano, a organização econômica, antes e mesmo depois da
abolição do regime da escravatura, não oferecia nenhuma base
de ação industrial donde partisse esse impulso que revolvia a
sociedade de algumas nações [...]
12
Com isso, se forma o consenso entre republicanos e liberais de que era
preciso romper com a escravidão para que o país também pudesse se libertar
10
Em 1861 foi realizada, na Escola Central (Futura Escola de Engenharia) do Rio de Janeiro, a
primeira Exposição Nacional, visitada por mais de 50 mil pessoas. foram escolhidos,
entre 438 expositores, os produtos que representariam o Brasil na exposição de Londres.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador
As barbas do ImperadorAs barbas do Imperador
As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
11
PRADO JR., C. Op. cit., p. 175. A exposição que Caio Prado se refere aconteceu na Escola
Central (Futura Escola de Engenharia) do Rio de Janeiro. Intitulada Exposição Nacional, a
mostra foi visitada por mais de 50 mil pessoas. foram escolhidos, entre 438 expositores,
os produtos que representariam o Brasil na exposição de Londres. SCHWARCZ, Lilia Moritz.
As barbas do I
As barbas do IAs barbas do I
As barbas do Imperador
mperadormperador
mperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
12
AZEVEDO, Fernando. Cultura Brasileira
Cultura BrasileiraCultura Brasileira
Cultura Brasileira. ed. revista e ampliada. São Paulo:
Melhoramentos; Edusp, 1971. p. 740.
- 28 -
das amarras ideológicas” que prendiam o desenvolvimento do país. Entre
esses republicanos e liberais assíduos na luta abolicionista se destacaram
Joaquim Nabuco e André Rebouças, que acusavam o país de ser anacrônico
e vergonhoso, face ao mundo moderno, e descompassado com o progresso do
nosso século.”
13
Nabuco, severo crítico da escravidão e uma das maiores lideranças
abolicionistas, apontava os efeitos negativos da escravidão sobre a
agricultura:
[...] as vastas regiões exploradas pela escravidão colonial têm
um aspecto único de tristeza o abandono: não nelas o
consórcio do homem com a terra, as feições das habitações
permanentes, os sinais do crescimento natural. O passado está
visível, não há, porém, prenúncio do futuro: o presente é o
definhamento gradual que precede a morte. A população não
possui definitivamente o solo: o grande proprietário conquistou-
o à natureza com os seus escravos, explorou-o, enriqueceu por
ele extenuando-o, depois faliu pelo emprego extravagante que
tem quase sempre a fortuna mal adquirida, e, por fim, esse solo
voltou a natureza, estragado e exausto
14
.
O texto deixa claro que os problemas do regime escravista iriam além
dos aspectos morais e residiam também em um modelo de agricultura que
ainda tinha suas raízes fortemente ligadas ao colonialismo; logo, as
referências de definhamento” , exploração” , falência” e exaustão”
aparecem como sinônimos desse modelo vigente. Outro aspecto relevante era
a concentração de terras nas mãos do grande proprietário” , fato que, além
de abrir precedentes de exploração indiscriminada do solo sem preocupação
13
SKIDMORE, Thomas. Preto no branco
Preto no brancoPreto no branco
Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio
de Janeiro. Paz e Terra, 1976. p. 34.
14
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo
O AbolicionismoO Abolicionismo
O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000. p.106.
- 29 -
de preservá-lo, também afastava a população de homens livres da posse da
terra.
As idéias expostas por Nabuco estão, em certa medida, presentes nos
ideais republicanos, pois o grupo defendia propostas políticas que deixavam
transparecer em seu programa a noção de progresso” . A idéia estava
intimamente ligada as aspirações liberais, que entrevia transformações
sociais, a intensificação e o desenvolvimento da economia nacional, o
desenvolvimento da vida urbana e de uma infra-estrutura que pudessem
garantir o desenvolvimento do país
15
.
Também não podemos nos esquecer que as idéias de progresso”
foram importantes canais de difusão das teorias científicas concebidas na
Europa, as quais eram recebidas e divulgadas de modo controverso ao serem
adaptadas ao contexto do pensamento brasileiro e, muitas vezes, eram
vulgarizadas e se distanciavam das origens européias. Na Europa, o conceito
de progresso” tinha como princípio a condução de uma sociedade baseada
na racionalidade e no cientificismo para a consolidação das forças produtivas.
Roberto Schwarz argumenta que as idéias professadas pelos políticos
nacionais refletiam a disparidade entre a sociedade brasileira, escravista, e
as idéias do liberalismo europeu”
16
, assim, as idéias que aportam no país são
transferidas para a cultura e para o pensamento “ colonial ibérico” que
prezava por relações cotidianas baseadas no servilismo e no favor, deixando
espaços muito estreitos para a racionalidade e a ciência
17
.
A manutenção da escravidão, também sustentou culturalmente na
sociedade brasileira, do século XIX, a idéia de que o trabalho não podia ser
associado a idéia de liberdade
18
. Assim, o conceito de trabalho não se
apresentava de forma racional, de tempo de produção, não exigia o
15
SALLES, Iraci Galvão. Op. cit., p. 42.
16
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas
Ao vencedor as batatasAo vencedor as batatas
Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000. p. 12.
17
Idem. Ibidem, p. 18-19.
- 30 -
aprimoramento de técnicas ou de eficiência, mas um conjunto de tarefas que
se distribuíam ao longo do dia a ocupar de forma mais intensa possível o dia
do escravo.
Os primeiros sinais de esgotamento do sistema escravista vieram do
Vale do Paraíba, reduto da herança colonial, a região tinha sua economia
baseada no latifúndio, na monocultura e no trabalho servil. A diminuição do
trabalhador escravo e a dificuldade de implantação do imigrante europeu
rapidamente conduziram a região ao esgotamento do solo, situação que
acarretou seu declínio econômico e político no cenário nacional.
As transformações mais significativas no sistema escravista brasileiro,
foram possíveis com o avanço da revolução industrial e a consolidação do
capitalismo Europeu, que exigiram das antigas colônias de domínio ibérico a
modernização de suas economias, a abolição dos contingentes escravos e
criação e consolidação de mão-de-obra livre e imigrante. No Brasil, as
primeiras reformas concretas contra a escravidão vieram em 1850, com a
lei proposta pelo ministro Eusébio de Queirós, a qual colocava fim ao tráfico
negreiro no país.
19
Nas décadas que se seguiram ao fim do tráfico negreiro, a proposta de
abolição do trabalho escravo se associou aos republicanos através dos
fazendeiros do oeste paulista, que vislumbravam no final da escravidão
possibilidades de implantação de políticas públicas mais efetivas de imigração,
a fim de sanar o problema de mão-de-obra. A proposta democrática do
Partido Republicano Paulista foi engendrada no bojo das transformações da
sociedade brasileira e como instrumento político do desenvolvimento do
capitalismo no país” , a causa também atingiu os setores urbanos da
18
SALLES, Iraci Galvão. Op. cit., p. 39.
19
A lei foi eficaz, fato que pôde ser percebido na redução do número de escravos que
entraram no país depois de 1850. Caio Prado lembra que no ano anterior a lei, entreva no
país aproximadamente 54.000 escravos, dois anos depois esse número caiu para cerca 700
escravos. PRADO JR, Caio. Op. cit., p. 152-153.
- 31 -
sociedade que viam no fim da escravidão a realização do ideal de progresso e
o estabelecimento de uma
ordem civilizada
20
.
A Sociedade Auxiliadora Nacional da Indústria fazendo discurso
semelhante dos Republicanos defendia a idéia de que o início da modernização
da agricultura viria pela moralização do trabalho nas classes populares, mas
isso seria inviável diante da situação de ambigüidade do sistema escravista, o
qual sustentava práticas agrícolas atrasadas, afetando diretamente a
produtividade
21
.
Em meio a esse cenário, de crise do trabalho escravo e de estímulo à
imigração européia, situava-se o trabalhador nacional, sujeito a condições
precárias de propriedade e inserido no contexto marginal da grande lavoura
cafeeira. A maioria se estabelecia nas terras em condições de posseiros,
meeiros ou parceiros e, com menos freqüência, pequenos proprietários, viviam
alheios ao universo do mercado exportador ou, quando muito, eram
fornecedores de gêneros alimentícios ou criadores de gado. Frente a essa
realidade, era preciso estimular o trabalhador nacional a se incorporar ao
grande latifúndio para que pudesse atender a demanda de mão-de-obra nas
lavouras de café, porém esta realidade esteve muito distante de acontecer.
Brevemente poderíamos dizer que dois problemas fundamentais
inviabilizaram o trabalhador nacional como mão-de-obra: o primeiro era a sua
dispersão no território brasileiro; e o segundo, a sua resistência à
incorporação aos grandes complexos agrícolas. Somando-se a isso também
existia a oposição dos fazendeiros em aderir ao trabalhador nacional, pois ele
era visto como desregrado e indolente para as atividades agrícolas.
Segundo Dafert, coordenador das pesquisas do Instituto Agronômico de
Campinas, o caipira” precisava ser enquadrado dentro da nova ordem de
20
SALLES, Iraci Galvão. Op. cit., p. 44-45.
21
LOURENÇO, Fernando Antonio. Agricultura Ilustrada
Agricultura IlustradaAgricultura Ilustrada
Agricultura Ilustrada: liberalismo e escravidão nas origens
da questão agrária brasileira. Campinas: Unicamp, 2001. p. 133. COSTA, Emilia Viotti da. Da
Da Da
Da
senzala a colônia
senzala a colôniasenzala a colônia
senzala a colônia. São Paulo: Edunesp, 1998. p. 260-261.
- 32 -
trabalho que despontava na agricultura nacional, assim, argumentava que era
preciso:
[...] que
contra os vadios e desocupados
se procure por todos
os meios e principalmente pela instrução elevar o moral dos
proletarios, inculcando-lhes idéias de progresso que, creando
novas ambições e necessidades, os obrigarão a maior
constancia no trabalho, e, em última analyse, applicando
rigorosamente a lei contra a vagabundagem” , promulgada
nos últimos tempos da monarchia.
22
Poucas décadas depois, Monteiro Lobato, também contribuiu em muito
para a imagem degenerada do “ caipira” . Apontava-o como um tipo de
homem inadaptável a civilização” e que vive nas zonas fronteiriças” , e
diante do avanço do progresso se refugia cada vez mais distante e recua
para não adaptar-se
23
.
Apesar de desempenhar papel importante na economia agrícola o
caipira” era visto com preconceito, pois os agricultores associavam sua
vida, baseada apenas na manutenção da subsistência, a uma forma de atraso
diante das necessidades de produção em larga escala na cafeicultura. Por
outro lado, também existia a rejeição da população urbana que considerava a
vida no sertão insalubre e cheia de perigos.
Darcy Ribeiro ao fazer uma breve análise das palavras de Monteiro
Lobato, comenta que a construção dessa caricatura só ressaltava a preguiça, a
verminose e o desalento dessa população e não conseguiu ver, em sua época,
[...] o traumatismo cultural em que vivia o caipira,
marginalizado pelos despojos de suas terras, resistente ao
engajamento no colonato e ao abandono compulsório de seu
modo tradicional de vida. É certo que, mais tarde, Lobato
22
DAFERT, Franz W. A falta de trabalhadores agrícolas em São Paulo. In. Lista de publicaç
Lista de publicaçLista de publicaç
Lista de publicações
ões ões
ões
officiaes do Instituto Agronômico de Campinas nos annos de 1888
officiaes do Instituto Agronômico de Campinas nos annos de 1888officiaes do Instituto Agronômico de Campinas nos annos de 1888
officiaes do Instituto Agronômico de Campinas nos annos de 1888-
--
-1893.
1893.1893.
1893. Campinas: Instituto
Agronômico de Campinas, 1894. p. 36.
23
LOBATO, Monteiro. Uma velha praga. In: Estado de São Paulo
Estado de São PauloEstado de São Paulo
Estado de São Paulo. 12/11/1914. p. 3.
- 33 -
compreendeu que o caipira era o produto residual natural e
necessário do latifúndio agroexportador
24
.
Antonio Candido, também ao estudar a vida do caipira” paulista na
região de Botucatu, na década de 1940, percebeu que uma característica
histórica do caipira” , em sua condição de parceiro ou de meeiro, era sua
dedicação à produção de lavouras de subsistência, e na manutenção de um
núcleo familiar de pequenas proporções territoriais, limitadas em bairros ou
aguadas
25
.
Dentro desse contexto que conferia certa autonomia e liberdade, o
caipira” entrevia no emprego nas grandes lavouras de exportação a
possibilidade de redução de suas chances de mobilidade, pois seu vínculo com
esse modelo de trabalho exigiria tempo para se dedicar às atividades mais
sistemáticas de produção, o que provocaria o abandono de sua rotina de lazer.
Segundo Celso Furtado é possível entender que as raízes culturais que
afastavam fazendeiros e os trabalhadores nacionais estavam nas:
[...] dificuldades de adaptação dessa gente e, em grau menor,
aqueles que vinham da agricultura rudimentar do sistema de
subsistência, contribuíram para formar a opinião de que a mão-
de-obra livre do país não servia para a “ grande lavoura” .
26
Porém, em meio às críticas que desqualificavam o trabalhador nacional,
emergiam outras favoráveis como as de André Rebouças que, no final do
século XIX, foi seu defensor e apontava a necessidade de reformas sociais,
econômicas e financeiras que poderiam contribuir para atrair o grande
24
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro
O povo brasileiroO povo brasileiro
O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia. das
Letras, 2006. p. 352.
25
CANDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito
Os Parceiros do Rio BonitoOs Parceiros do Rio Bonito
Os Parceiros do Rio Bonito
:
estudo sobre o caipira paulista e a
transformações de seus meios de vida. São Paulo. Editora 34, 1998.
26
FURTADO, Celso. Formação econômica
Formação econômica Formação econômica
Formação econômica do Brasil
do Brasildo Brasil
do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional:
Publifolha, 2000. p. 127.
- 34 -
contingente de pessoas que vagavam pelo sertão, que viviam de pequenos
roçados que mal alimentavam a própria família
27
.
As criticas de Rebouças também encontraram eco na Sociedade
Nacional de Agricultura SNA que propunha a modernização e a
racionalização da agricultura nacional. Entretanto, o grupo que apoiava essas
mudanças acreditava que o sucesso poderia se concretizar com a
participação do pequeno e médio agricultor. Com isso, esse novo agricultor
teria seu perfil parecido com a do
farmer
norte-americano e as seqüelas do
atraso agrícola” poderiam ser sanadas com o aumento da produção”
e “ [...] a generalização do uso das máquinas agrícolas” .
28
Sônia Regina de Mendonça mostrou que o debate em torno do modelo
de agricultura a ser praticado pela SNA era um tanto conservador ao propor
modernizar, apenas o bastante para garantir a produção de excedentes
capazes de atenderem a um mercado ampliado, porém com o mínimo de
alteração possível na estrutura fundiária”
29
.
No final do culo XIX e começo do XX, o que prevaleceu em São Paulo
foi a construção desse quadro negativo do trabalhador nacional” . Assim, a
atitude de caracterizá-lo pejorativamente, como caipira” ou caboclo” e
acusá-lo de produzir uma lavoura apenas para subsistência, se acomodava aos
interesses de grandes agricultores que queriam legitimar a posse da terra
através da implantação de um modelo de agricultura agro-exportadora. Restou
apenas ao trabalhador nacional a condição de sujeitado na disputa pela posse
da terra, ficando a mercê do poder do coronel ou de outros interesses
burocráticos instituídos para a manutenção do poder.
27
Cf. REBOUÇAS, André. Agricultura nacional
Agricultura nacionalAgricultura nacional
Agricultura nacional: estudos econômicos; propaganda abolicionista
e democrática, setembro de 1874 a setembro de 1883. ed. fac-similar. Recife: Fundação
Joaquim Nabuco; Massangana, 1988.
28
MENDONÇA, Sônia Regina de. Grande propriedade, grandes proprietários (1890-1930). In.
SZMRECSANYI, Tamas & SILVA, Sérgio. Historia econômica da Primeira República
Historia econômica da Primeira RepúblicaHistoria econômica da Primeira República
Historia econômica da Primeira República. São
Paulo: Hucitec, 2002. p. 175-177.
29
Idem. Ibidem. p. 179.
- 35 -
O panorama do trabalho livre no país só terá mudança mais significativa
com a abolição da escravatura e a vinda dos imigrantes europeus, que
impulsionou uma nova mentalidade cuja base era direcionada pelas idéias
liberais e a possibilidade de abertura de pequenas propriedades familiares. Os
primeiros fluxos de imigração significativos só se tornaram realidade com a
crise em torno da escravidão, ocorrida nas duas últimas décadas do século
XIX.
Outro aspecto da crise da mão-de-obra que se instalou no Brasil, na
segunda metade do século XIX, estava os imigrantes que desempenhavam
papel decisivo no oeste paulista, promovendo um aumento significativo da
produção cafeeira. Desta forma, o trabalhador estrangeiro se caracterizou
como a alternativa encontrada, pelos cafeicultores do oeste, para suprir as
necessidades naquele momento, porém tal iniciativa encontrou algumas
barreiras, como a convivência em um mesmo espaço de trabalhadores livres e
cativos, contribuindo para que, em muitos momentos, os imigrantes fossem
sujeitados às mesmas condições do escravo.
De certa forma, as políticas de imigração que ocorreram no Brasil se
sucederam ao longo de quase todo o período do Império, as primeiras
iniciativas ocorreram através de projetos de imigração baseados na pequena
propriedade como Nova Friburgo, no Rio de Janeiro e São Leopoldo, no Rio
Grande do Sul. O governo imperial entrevia nessas pequenas propriedades
como subsidiárias do latifúndio e não como concorrente direta da lavoura de
exportação. A pequena propriedade devia ocupar espaços vazios,
promovendo a valorização fundiária” e na mesma medida deveria ser
provedora de uma classe intermediária” que pudesse tornar a economia
mais dinâmica, criando, assim, um mercado consumidor e fornecedor de
gêneros alimentícios, dos quais a grande propriedade nunca se ocupou
30
.
30
PETRONE, Maria Thereza Schorer. O imigrante e a pequena propri
O imigrante e a pequena propriO imigrante e a pequena propri
O imigrante e a pequena propriedade
edadeedade
edade (1824-1930). São
Paulo: Brasiliense, 1982. p. 17.
- 36 -
Com o crescimento da lavoura cafeeira, nas últimas décadas que
antecederam a abolição os debates em torno da abolição ganharam novos
rumos e oscilava entre uma política de imigração fixada na pequena
propriedade ou de uma destinada apenas a se tornarem mão-de-obra.
Nessa disputa prevaleceu, em grande parte, a alternativa pela imigração
baseada na mão-de-obra. Entretanto, a opção por criar um fluxo de mão-de-
obra livre encontrou um anacronismo que tomava conta das relações
trabalhistas e estimulavam as críticas de empresários estrangeiros e
agenciadores da mão-de-obra imigrante, que acusava o governo de omissão
diante dos problemas ligados às relações de trabalho. Além disso, era
necessário afastar os riscos de epidemias e criar uma legislação que
beneficiasse o acesso do imigrante à terra e a melhores salários, obstáculos a
serem superados para tornar o país mais interessante aos imigrantes
31
. As
mudanças precisavam ir além das relações cotidianas de trabalho, era
necessário transformar as estruturas jurídicas que separavam o homem livre
do escravo, a sociedade precisava de uma nova:
[...] ordenação da sociedade a nível legal. O aparato jurídico de
uma sociedade baseada na escravidão não mais satisfazia as
necessidades sociais, alteradas as relações de produção. A nova
personagem
(sic)
- o trabalhador livre – exigia a reorganização
das relações de dominação, tornando-se urgente uma legislação
que regulamentasse a compra e a venda da força de trabalho
32
.
Essa regulamentação também encontrou obstáculos para ser
implementada, a persistência do modelo do latifúndio colonial, ainda muito
presente, abrigava contradições entre o trabalho livre e o trabalho escravo, e,
31
PRADO JR, Caio. Op. cit.; p. 186-187. Cf. também COSTA, Emilia Viotti da. Da monarquia a
Da monarquia a Da monarquia a
Da monarquia a
República
RepúblicaRepública
República: momentos decisivos. São Paulo: Unesp, 1999. (em especial o capítulo Política
de terras no Brasil e nos Estados Unidos” , páginas 169-193)
32
SALLES, Iraci Galvão. Op. cit., p. 39.
- 37 -
coronéis e políticos ligados aos parlamentares faziam manobras que tinham
como finalidade contribuir para a manutenção dessa situação.
Não tardou para que autoridades estrangeiras reconhecessem o Brasil
como país duvidoso” para o estabelecimento de imigrantes. Em vários
momentos vários países europeus como Suíça, Alemanha, Itália e Espanha
promoveram políticas de restrições de fluxos migratórios para o país,
alegavam, na maioria das vezes, abusos exercidos pelos fazendeiros e
autoridades brasileiras contra seus cidadãos.
Exemplo evidente dessa situação foi a imigração dos italianos ao país,
pois muitos se sujeitavam às condições de vida piores que na Itália,
[...] suas moradias eram [...] precárias e as condições
sanitárias quase com certeza piores. Isolados, desumanizados,
sem escolas e sem as compensações e o estímulo oferecido
pela vida comunitária na Itália, não é de surpreender que os
imigrantes tenham impressionado muitos observadores pela
regressão cultural que tinham sofrido”
33
.
Frente a essa situação, o governo italiano tomou algumas medidas que
pudessem restringir a vinda de imigrantes nessas condições:
O governo italiano, finalmente, foi levado em 1902 a proibir a
emigração subsidiada para São Paulo e, embora a proibição
fosse burlada de várias maneiras, reduziu substancialmente o
número de italianos importados para trabalharem nas fazendas.
Por algum tempo, os fazendeiros e seus aliados se voltaram
para fontes ibéricas de mão-de-obra barata, embora em 1910,
o governo espanhol imitasse o italiano, proibindo a emigração
subsidiada de seus cidadãos
34
.
Ainda se acrescenta a essa situação um outro obstáculo ao imigrante: a
restrição de acesso a terra. A opção por uma imigração como mão-de-obra
fez com que parte de setores agrícolas tomassem medidas para restringir o
33
HALL, Michael. Italianos em São Paulo (1880-1920). In. Anais do Museu Paulista
Anais do Museu PaulistaAnais do Museu Paulista
Anais do Museu Paulista. Tomo
XXIX. São Paulo, 1979. p. 206. (201-215)
34
Idem. Ibidem. p. 207.
- 38 -
acesso a terra para o imigrante, de tal modo que fosse forçado a se
estabelecer na condição de colono nas grandes propriedades. No entanto,
essas políticas restritivas acabaram por afastar os imigrantes do Brasil,
entretanto, em outros momentos de fluxos migratórios muitos baixos, foi
necessária a revogação dessas medidas para que a pequena propriedade
retornasse a ser um sonho possível ao imigrante.
Com a promulgação da abolição da escravatura e a abertura de terras no
oeste paulista foi preciso preestabelecer regras e condições para que a mão-
de-obra imigrante pudesse ter os resultados esperados dentro dessa nova
conjuntura. Dentre as medidas que inovaram nesse momento foi o
estabelecimento da pequena propriedade como isca” para atrair o
imigrante europeu para regiões ainda despovoadas” do território paulista e
Estados limítrofes. Assim, a pequena propriedade além de funcionar como
atrativo para o imigrante foi um reservatório de braços com os quais o
fazendeiro podia contar por ocasião da colheita” e serviu como importante
instrumento regulador do mercado imobiliário em São Paulo
35
.
REPÚBLICA E AGRICULTURA
REPÚBLICA E AGRICULTURA REPÚBLICA E AGRICULTURA
REPÚBLICA E AGRICULTURA
O advento das idéias republicanas e liberais proporcionaram uma nova
configuração na sociedade brasileira. As mudanças das relações trabalhistas e
de propriedade da terra proporcionaram um novo panorama para a economia
nacional, contudo, ainda era preciso mais, era necessário que o país se
consolidasse no cenário internacional como produtor de café e pudesse
suplantar outros entraves do pensamento nacional: a herança colonial do
latifúndio e da servidão. Para tanto, foi necessário que as idéias republicanas
e liberais se alinhassem a essa concepção de progresso científico.
35
PETRONE, Maria Thereza Schorer. Op. cit., p. 48-49.
- 39 -
Como vimos anteriormente, a expansão da agricultura requeria uma
superação das limitações que o trabalho servil oferecia ao seu
desenvolvimento. No entanto, a consolidação do trabalhador livre na
cafeicultura demandava também algumas necessidades que pudesse tornar o
trabalho livre mais eficiente e menos dispendioso ao fazendeiro. Junto a essas
necessidades estava a busca de terras agricultáveis que pudesse atender as
necessidades de novas áreas para lavoura cafeeira, contudo essa demanda
somente pode ser resolvida através de estudos sistemáticos que pudessem
mapear e inventariar as terras disponíveis para o mercado.
Para tanto, as respostas para essas questões veio, em certa medida,
pela criação de instituições científicas que tinham como objetivo encaminhar
os problemas para além das práticas de agricultura ou da abertura de novas
áreas agrícolas: era preciso estimular a vinda de mão-de-obra imigrante para
atuar nas lavouras de café, proporcionar mudanças significativas no manejo do
solo, implementar técnicas que pudessem melhorar a produtividade e
promover a criação de escolas agrícolas, destinadas a instrução do
trabalhador livre no manejo do solo
36
.
Na década de 1880, as preocupações citadas acima foram debatidas por
políticos e cafeicultores paulistas, principalmente, por aqueles que não
conseguiam ter acesso ao braço escravo. Diante desse cenário, as idéias
científicas passaram a serem apresentadas como viáveis para resolver os
problemas que atravancavam o desenvolvimento da economia brasileira. A
solução apresentada pelo governo Imperial foi a criação de estações
agronômicas que pudessem propor novos modelos de exploração agrícola e a
diversificação dos produtos agrícolas nacional. Especificamente no Estado de
São Paulo, foram criadas, nessa mesma década, duas importantes instituições
científicas: o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a Comissão
36
MELONI, Reginaldo A. Ciência e produção agrícola
Ciência e produção agrícolaCiência e produção agrícola
Ciência e produção agrícola: a imperial Estação Agronômica de
Campinas 1887-1897. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2004. p. 90.
- 40 -
Geográfica e Geológica (CGG), sendo que as duas atuaram diretamente na
ampliação da economia agrícola, proporcionando avanços nas práticas de
manejo e uso do solo e na exploração territorial.
O modelo científico que conduziu a formação dessas duas instituições
era importado da Europa e, pouco conseguia dizer da realidade nacional. Da
mesma forma, acadêmicos e intelectuais que atuaram na formação dessas
instituições também vinham de centros de estudos europeus e embasados por
uma realidade diversa da encontrada em terras brasileiras. De um modo geral,
os ideais defendidos pelos intelectuais e acadêmicos brasileiros, no último
quartel do século XX, se alinhavam com as propostas do positivismo comtiano
e esperavam uma ciência capaz de explicar a história da humanidade e o seu
destino com métodos investigativos baseados nas leis da natureza
37
. Os
profissionais que conduziram a formação dessas instituições, respondiam,
antes de tudo, aos interesses de políticos, agricultores e empresários que
anteviam no desenvolvimento científico como um recurso para a expansão e
para a maior rentabilidade da lavoura no Estado de São Paulo.
Essa apropriação que se fazia dos ideais positivistas propunham uma
incondicional na ciência como paradigma de explicação de vários fenômenos
sociais. No Brasil, o positivismo, enquanto doutrina sobre o conhecimento e
sobre a natureza do pensamento científico, incorporou-se a outras de
correntes análogas, que procuraram valorizar as ciências naturais e suas
aplicações práticas”
38
e, conduziu intelectuais nacionais, a se aproximarem
de teorias como o determinismo geográfico, o darwinismo social, o
spencerismo e tantas outras. Foi essa aproximação com os princípios do
positivismo que conduziram os rumos políticos e sociais dos primeiros anos
República e, conseqüentemente, fundamentou a ideologia das instituições
37
COMTE, Auguste. Pensadores
Pensadores Pensadores
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 7. Ver também: Dicionário
Dicionário Dicionário
Dicionário
do pensamento social do século XX
do pensamento social do século XXdo pensamento social do século XX
do pensamento social do século XX. Editado por William Outhwaite & Tom Bottmoore. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 593-96.
38
COMTE, Auguste.
Op. cit.;
p. XV.
- 41 -
científicas para que pudessem pensar a realidade social, pautando-se no
utópico objetivo de conduzir o país ao “ porto da civilização”
39
.
Segundo Antonio Paim, o comtismo nacional encontrou adeptos
fervorosos, divididos em vários grupos, desde os mais ortodoxos - adeptos da
Igreja Racionalista até os seguidores do Positivismo Ilustrado vertente
que mais conquistou espaço no cenário político da Primeira República e
enfatizou, sobretudo o aspecto pedagógico do comtismo, apostando na
reforma dos espíritos”
40
.
Dentro da lógica econômica e política que operava no Brasil do século
XIX, o positivismo atendia quase que plenamente os anseios da elite nacional,
pois apontava uma direção viável para a consolidação da sociedade brasileira.
Frente à conjuntura nacional,
[...] o positivismo identificou-se logo, no Brasil, com as
ciências aplicadas, que começavam justamente a ganhar
respeitabilidade junto a elite pensante. [...] O positivismo
parecia também atraente àqueles membros da elite que
desejavam o progresso econômico sem mobilização social.
Julgando a massa da população despreparada” para
participação plena na sociedade (devido ao analfabetismo, ao
meio racial inferior etc.), achavam o aspecto autoritário do
positivismo um modelo de modernização, que explicava e
justificava a continuada concentração de poder nas mãos da
elite.
41
Os ideais positivistas encontraram, no país, eco numa parcela da
população jovem e disposta a romper com a tradição católica e com o ensino
religioso como forma de ampliar os horizontes nacionais e criar uma educação
respaldada no cientificismo e na razão. Essas idéias encontraram campo
39
SANTANA, José Carlos Barreto de. Ciência e Arte:
Ciência e Arte:Ciência e Arte:
Ciência e Arte: Euclides da Cunha e as Ciências
Naturais. São Paulo: Hucitec; Feira de Santana: Universidade Federal de Feira de Santana,
2001, p. 32.
40
PAIM, Antonio. Trajetória da Filosofia no Brasil. In. FERRI, Mário Guimarães; MOTOYAMA,
Shozo. História das Ciências no Brasil
História das Ciências no BrasilHistória das Ciências no Brasil
História das Ciências no Brasil. São Paulo: EPU; Edusp, 1979. p. 20.
41
SKIDMORE, Thomas. Op. cit.,; 28.
- 42 -
profícuo na Escola Militar e na Politécnica ambas no Rio de Janeiro
primeiras instituições a comporem os primeiros quadros de engenheiros que
alimentavam as instituições científicas que então se instalavam no país.
Também coube às duas instituições científicas estudadas nesta pesquisa
a elaboração de propostas modernizadoras à agricultura nacional e o estímulo
à abertura das fronteiras agrícolas do oeste paulista às lavouras de café. Em
virtude disso, as extensas terras do Estado passaram por uma leitura atenta e
minuciosa que fez perceber as diferenças entre as escarpas de São Carlos do
Pinhal e os campos de cerrados entre os rios Tietê e Rio Grande, deixando
clara a riqueza das paisagens e a diversidade de solos do território paulista,
fatores que apontavam para um futuro próspero para a economia local.
Segundo Meloni, o cientificismo se encontrava difuso na sociedade” ,
algumas cobranças partiam de fazendeiros, intelectuais e dos próprios
cientistas, que procuravam a solução de problemas pertinentes à agricultura,
ao saneamento urbano, à geologia, dentre outros. Porém, o mais importante é
que se operava no país transformações no modo de produção e, portanto, era
preciso o desenvolvimento de instituições científicas para atender a essa
demanda. Diante dessas mudanças, o governo brasileiro:
[...] viu-se diante do desafio de incorporar a idéia de progresso
e os métodos da ciência nas novas relações de produção que
estavam sendo construídas, pois o momento exigia novas
técnicas que pudessem auxiliar os produtores a enfrentar os
mercados europeu e norte-americano com produtos de boa
qualidade e de baixo custo de produção
42
.
Dentro desse quadro favorável de desenvolvimento, em poucas décadas,
a cafeicultura encontrou no oeste paulista um solo fértil e um relevo propício
à lavoura, onde, algumas cidades como Jundiaí, Campinas, Itu entre outras, se
destacaram pelas extensas fazendas. Com a expansão da ferrovia, esta região
42
MELONI, Reginaldo A. Op. cit.; p. 38-39.
- 43 -
se tornou uma das mais importantes na economia nacional e, muitos
agricultores, beneficiados pelo transporte rápido e seguro, ampliaram suas
lavouras para áreas extremas do Estado. Além disso, tal expansão exerceu
papel fundamental na reorganização do espaço produtivo, acontecendo,
notadamente, nos terrenos desconhecidos” , entre as décadas de 1890 a
1920, momento da consolidação da economia cafeeira no cenário político
nacional
43
.
Além da função dinamizadora da ferrovia na abertura de novas áreas no
interior do Estado de São Paulo, é válido ressaltar que a crescente circulação
de mercadorias e de mão-de-obra imigrante trouxe mudanças que
incentivaram a venda de terras virgens da franja pioneira a baixo custo para
os novos agricultores, que fugiam do oneroso trabalho de recuperação do
solos
44
.
Segundo Sérgio Milliet, essa economia cafeeira, capaz de povoar
regiões abrindo zonas pioneiras, plantaria um rol de cidades vivas, que
durante muito tempo irão viver do café”
45
. A economia pujante do território
paulista invadiu outros estados fronteiriços, conservando características
próprias e desenhando um perfil único que marcou o período com uma cultura
própria e singular. Segundo Monbeig:
[...] a "marcha para o Oeste" é essencialmente paulista e
continua a sê-lo, mesmo ao penetrar territórios de outros
Estados, porque não somente o impulso é dado por São Paulo,
como a maior parte dos homens provêm desse Estado e as
relações econômicas se fazem sobretudo com São Paulo e
Santos. Nem sempre foi assim. Sabe-se que foi a cultura do
café que desencadeou essa progressão: ela começou fora de
São Paulo, em regiões povoadas, havia muito tempo, embora
as culturas mal as tenham atingido. Freqüentemente descreveu-
se o itinerário do café, que começou nas partes montanhosas do
43
MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias
Café e FerroviasCafé e Ferrovias
Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o
desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega, 1974, p. 46-48.
44
MELONI, Reginaldo A. Op. cit.,; p. 25.
45
MILLIET, Sérgio. O roteiro do café e outros ensaios
O roteiro do café e outros ensaiosO roteiro do café e outros ensaios
O roteiro do café e outros ensaios. São Paulo: Bipa, 1946. p. 20.
- 44 -
Estado do Rio de Janeiro, no segundo quartel do século XIX;
acompanhou o vale do Paraíba do Sul, penetrando assim nas
terras paulistas; depois, na segunda metade do mesmo século,
expandiu-se pelo interior de São Paulo. Foi por volta de 1870-
1880 que o movimento se intensificou, alcançando os planaltos
ocidentais [...]
46
Foi nesse cenário que as instituições científicas puderam desempenhar
papel importante na produção e instrução do conhecimento agrícola para o
avanço e o sucesso da agricultura de exportação, pois estimularam
transformações no manejo do solo, nas pesquisas agrícolas e nos estudos
pedológicos, fundamentais no processo de racionalização do uso da terra.
Assim, o acúmulo de pesquisas, ocorridos nas primeiras décadas de
funcionamento dessas instituições, foi importante para a expansão agrícola no
Estado e para a exploração dos terrenos desconhecidos” , que
representavam uma parte significativa da carta geográfica paulista (MAPA -
01). No conjunto, essas entidades propunham a formação de um inventário dos
recursos naturais do país
47
, com o objetivo de integrar a economia brasileira
ao crescente capitalismo dos países industrializados.
46
MONBEIG, Pierre. Op. cit.; p. 23. Cabe também citar o trabalho de Darcy Ribeiro, O povo
brasileiro, no qual ele ressalta que a influência paulista nas áreas limítrofes do Estado se
mesmo antes da produção cafeeira, assim, segundo o autor a cultura caipira teria imprimido
um modo de vida muito peculiar, que se caracteriza pela dispersão demográfica
desvinculada dos mercados consumidores e ligando-se a uma pequena produção de
subsistência. RIBEIRO, D. Op. cit.; p. 383.
47
Segundo Robert de Moraes, o conceito de recurso natural
recurso naturalrecurso natural
recurso natural aparece intrínseco a uma dada
sociedade, que tem por função de discriminar alguns elementos da natureza para que
possam ser utilizados em processos produtivos. Assim, a elaboração desse conceito, no
século XIX, só pode ser entendido como parte dos mecanismos de produção e reprodução do
capitalismo brasileiro. Cf. MORAES, Antonio Carlos R. de. Meio Ambie
Meio AmbieMeio Ambie
Meio Ambiente e Ciências
nte e Ciências nte e Ciências
nte e Ciências
Humanas
HumanasHumanas
Humanas. São Paulo: Annablume, 2005. p. 102.
- 45 -
- 46 -
Além das demandas estruturais apresentadas acima, houve também por
volta da segunda metade do século XIX, o surgimento de pragas na lavoura
cafeeira e esgotamento dos solos em decorrência da precariedade de manejo
do solo. Essas dificuldades não eram novas, porém os avanços científicos e
industriais permitiram aos políticos e agricultores paulistas acreditarem que a
solução desses problemas poderia estar na criação de instituições de pesquisa
e ensino que pudessem apresentar soluções para esses problemas.
Em 1887, é apresentada pelo Império a criação de Estações
Agronômicas por todo o país e, em São Paulo, o local escolhido foi a cidade de
Campinas, principal centro econômico da Província.
Em São Paulo, a Estação Agronômica em Campinas veio se juntar a
recém criada Comissão Geográfica e Geológica, instituída por iniciativa do
governo paulista. Desta forma, estas duas instituições proporcionaram a
consolidação dos trabalhos científicos em duas frentes: a expansão do
território agrícola e o desenvolvimento e aprimoramento de técnicas aplicadas
à agricultura. Ainda cabe lembrar que a Estação Agronômica teve em seu
estatuto fundador o compromisso de proporcionar a abertura e a criação de
espaços de ensino e pesquisa para o desenvolvimento da agricultura
paulista
48
.
Esta preocupação em modernizar a agricultura tem suas raízes no final
da década de 1850, momento em que o Império brasileiro adotou a iniciativa
de criar Estações Agronômicas inspiradas em experimentos realizados na
Europa. Anteriormente, as Estações e o Jardim Botânico no Rio de Janeiro
tinham desempenhado a função de aclimatar algumas espécies de valor
econômico, mas foi somente na segunda metade do século XIX, com o fim do
tráfico negreiro, que veio à tona a necessidade de se criar mecanismos mais
48
RODRIGUES, Cyro Mascarenhas. Gênese e evolução da pesquisa agropecuária no Brasil: da
instalação da Corte Portuguesa ao início da República. Cadernos de Difusão de Tecnologia.
Cadernos de Difusão de Tecnologia.Cadernos de Difusão de Tecnologia.
Cadernos de Difusão de Tecnologia.
nº 4 (1), jan/abr 1987, p. 22-23.
- 47 -
efetivos de pesquisa. Em 1859, foi criada a primeira dessas instituições pelo
Império, o Imperial Instituto Baiano de Agricultura” , um ano mais tarde, a
experiência se repetiu nos Estados do Rio de Janeiro, Pernambuco, Sergipe e
Rio Grande do Sul. Desses institutos, apenas o da Bahia e o do Rio de Janeiro
funcionaram efetivamente no desenvolvimento de pesquisas. A finalidade
deles era suprir as dificuldades encontradas pelos agricultores e criar
condições favoráveis para que a mão-de-obra livre pudesse preencher os
postos de trabalho deixados pelo trabalho escravo. Desta forma, o princípio
de atuação dessas instituições era:
1º. facilitar a substituição dos braços necessários à lavoura por
meio de máquinas e instrumentos apropriados [...]
colonização nacional e estrangeira [...];
2º. fundar estabelecimentos normais, onde se experimentem as
máquinas e instrumentos aplicáveis à nossa lavoura [...]
aperfeiçoamento e a conservação dos produtos agrícolas
[...];
3º. promover a aquisição das melhores sementes e renovos de
plantas [...];
4º. cuidar do melhoramento das raças de animais úteis [...];
5º. auxiliar pelos meios ao seu alcance a administração pública
no empenho de facilitar o transporte dos gêneros,
promovendo a abertura de novas vias de comunicação [...];
6º. promover a exposição anual dos produtos de agricultura,
animando-a por meio de prêmios, e facilitando o transporte
e venda dos ditos produtos;
7º. formar e rever anualmente a estatística rural [...];
8º. criar e manter um periódico no qual, [...] se publiquem
artigos, memórias, traduções e notícias [...] os
melhoramentos que merecem ser adaptados nos processos
agrícolas, e os princípios da economia rural indispensáveis
para o judicioso emprego dos capitais [...];
9º. criar nos estabelecimentos normais, [...] escolas de
agricultura, onde se aprendem os princípios gerais e as
noções especiais indispensáveis para que o trabalho se
torne mais suave, útil e vantajoso
49
.
49
Apud. RODRIGUES, Cyro Mascarenhas. Op. cit., p. 17-18.
- 48 -
Em São Paulo, a iniciativa de propor a Estação partiu de um pedido de
Rodrigo Augusto da Silva, Ministro da Agricultura, que autorizou a implantação
de uma Estação Agronômica, na cidade de Campinas. Instalada nos moldes das
demais Estações que funcionaram no país foi a que mais obteve sucesso no
cenário nacional, devido a proximidade com a economia paulista e com as
lavouras cafeeiras.
A instalação da Estação culminou com alguns problemas agrícolas que já
eram apontados na região, como sinais aparentes de esgotamento e fraqueza
do solo, principalmente, em fazendas do Vale do Paraíba. Outro aspecto que
também preocupava fazendeiros da região era o aparecimento de pragas que
atacavam os cafezais. Fatos como esses deixavam um clima de desconforto
nos cafeicultores; portanto, era preciso buscar soluções mais racionais para
esses problemas
50
.
Constituída a Estação Imperial de Agronomia, representantes brasileiros
solicitaram ao Professor August Von Hofmann, da Universidade de Berlim, a
indicação de um pesquisador que pudesse assumir a sua instalação. O nome
indicado foi do austríaco Franz Joseph Wilhelm Dafert, experiente químico,
doutor pela Universidade de Giessen, atuou como professor assistente na
Universidade de Munique e ajudou na organização da Academia Agronômica
de Poppelsdorf – Bonn.
Dafert ao assumir a direção da Estação, passou a assumir a
responsabilidade pelos trâmites de implantação, como compra do terreno,
equipamentos para laboratórios, contratação de técnicos, etc. Logo no início
dos trabalhos, Dafert deixou claro que o papel da instituição era estimular a
pesquisa científica e promover a sua difusão para que os lavradores pudessem
produzir com uma técnica mais apurada, obtendo, assim, maior rentabilidade
sem comprometer as qualidades do solo
51
.
50
MELONI, Reginaldo A. Op. cit., p. 41.
51
Idem. Ibidem, p. 54-56.
- 49 -
As pesquisas desenvolvidas no Agronômico se concentraram
basicamente nos estudos físico-químicos das propriedades do solo e na
aclimatação de plantas. Porém, em um país onde a pesquisa científica ainda
era incipiente, muitos outros problemas demandavam urgência, por isso a
tarefa da Instituição também foi a de modernizar as relações de trabalho,
principalmente do imigrante, que buscava no Brasil condições de moradia,
saúde e salário que pudessem garantir a sua reprodução
52
.
Entre as várias pesquisas desenvolvidas pelo Agronômico a mais
importante teve o papel de desmistificar a idéia de que o solo paulista possuía
extrema fertilidade. Em um artigo publicado em seu relatório anual, Dafert
apontava que grande parte do solo paulista era improdutivo e exigia
técnicas de estrumação” para recompor os nutrientes necessários à
lavoura. Cabe ainda lembrar que as terras estudadas não atingiam todo o
território, mas em breve análise apontava que:
[...] As terras do Estado de São Paulo
até agora estudadas
são,
sem excepção, pobres em substancias nutritivas. A
cal
em todas
ellas existe uma quantidade insufficiente ou apenas traços. A
quantidade de
azoto
(nitrogênio) é muito variável, mas parece
ser normal. As propriedades physicas dessas terras deixam
reconhecer diferenças grandes, que exigem nos estudos futuros
observações especiais nesse sentido
53
.
Apesar das limitações técnicas da pesquisa, a existência de solos com
qualidades distintas é assinalada por Dafert, cujas preocupações se tornaram
mais claras com os trabalhos da CGG, que, ao explorarem de forma mais
sistemática o Estado, definiram formações geológicas diversas e de qualidade
variada.
52
Idem. Ibidem, p. 78-79.
53
DAFERT, F. W. As terras do Estado de São Paulo. In: Coleção dos trabalhos agrícolas
Coleção dos trabalhos agrícolas Coleção dos trabalhos agrícolas
Coleção dos trabalhos agrícolas
apr
aprapr
apresentado nos Relatórios anuais da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura,
esentado nos Relatórios anuais da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, esentado nos Relatórios anuais da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura,
esentado nos Relatórios anuais da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura,
Commercio e Obras Públicas de São Paulo
Commercio e Obras Públicas de São PauloCommercio e Obras Públicas de São Paulo
Commercio e Obras Públicas de São Paulo, 1893, p. 105.
- 50 -
Em 1896, as primeiras críticas aportaram na instituição, justamente no
momento em que a produção do café passou por uma crise no mercado
internacional. A queda na produção levou os agricultores a cobrarem do
Agronômico medidas mais efetivas para reparar as perdas que se acumulavam
na agricultura
54
.
Os comentários quanto à forma como as pesquisas relativas ao solo
estavam sendo dirigidas se dividiam em dois grupos: o primeiro, entendia o
solo como um recurso esgotável, com isso, o agricultor deveria lançar mãos
de técnicas de recomposição das qualidades químicas para que a contínua
produtividade fosse assegurada. O segundo, embora não visasse o
conhecimento das qualidades químicas, pedia que fossem adotadas medidas de
aclimatação de algumas espécies de plantas nos solos exauridos
55
.
Um fato que também incomodava era falta de proximidade da instituição
com os fazendeiros e agricultores que solicitavam capacitações cnicas com
demonstrações de novas sementes, maquinários e técnicas de plantio, a fim de
melhorar a qualidade da mão-de-obra nacional. Porém, essas medidas
somente vieram a se tornar realidade após 1907, com o Congresso de
Taubaté, onde os cafeicultores paulistas se unem em defesa de uma política
nacional do café.
Frente às críticas, Dafert acabou por ser afastado da instituição e seu
crítico mais severo, Gustavo D’ utra, assume a administração e impõe um
novo rumo às pesquisas agrícolas, privilegiando os trabalhos que prezavam
mais pela policultura. Nesse novo momento, a instituição abandona o modelo
54
Desde os primeiros momentos em que o austríaco esteve a frente da Instituição ele já
apontava para a diversificação dos produtos agrícolas nacionais, exemplo disso, foi a
aclimatação de uvas para o fabrico de vinho. Outras espécies de cana-de-açúcar também
foram introduzidas no país a fim de estimular novamente a produção açucareira no nordeste
brasileiro. MELONI, Reginaldo A. Op. cit., p. 100.
55
Idem. Ibidem, p. 120.
- 51 -
de ciência mais teórica de Dafert e adota medidas mais objetivas, com
resultados em curto prazo e com trabalhos direcionados aos agricultores
56
.
Nas duas últimas décadas do século XIX, o desempenho das pesquisas
agrícolas proporcionou avanços importantes para a lavoura cafeeira, mas foi
também nesse mesmo período que as primeiras crises econômicas atingiram
diretamente os produtores. Não obstante, eles acreditavam que as instituições
científicas poderiam propor a exploração de novos produtos e tecnologias que
pudessem salvaguardar o capital financeiro.
No fim do século, a busca por metodologias agrícolas mais racionais, foi
ofuscada pela abertura das áreas extremas do oeste do Estado. A procura
pela terra-roxa revelou, em poucos anos, o latifúndio cafeeiro como grande
promotor da devastação de grandes áreas de floresta tropical, subtropical e de
campos de cerrado no extremo oeste paulista, abrindo espaço para lavouras e
áreas de pastagens.
A difusão do conhecimento e das técnicas agrícolas, produzidas pelo
Instituto Agronômico de Campinas, ainda foi referência para os avanços da
agricultura paulista, porém, o trabalhador livre, pequeno proprietário ou na
condição de posseiro, nunca encontrou espaço para ampliar seus horizontes,
pois restava-lhes apenas o universo das tradições agrícolas que atendiam
suas necessidades de subsistência, nem sempre vistas como racionais ou
eficientes pela parcela intelectualizada da sociedade. Marginalizados dentro
do sistema escravista e, novamente, excluído pela economia a cafeeira, o
caipira” encontrou lugar nas frentes pioneiras de agricultura ou se
estabelecia em solos menos privilegiados dentro do sistema produtivo.
56
Idem. Ibidem. p. 128.
- 52 -
A CGG E AS EXPEDIÇÕES AO EXTREMO OESTE
A CGG E AS EXPEDIÇÕES AO EXTREMO OESTEA CGG E AS EXPEDIÇÕES AO EXTREMO OESTE
A CGG E AS EXPEDIÇÕES AO EXTREMO OESTE
Por volta da década de 1830, a expansão do café se concentrou
basicamente, na região do Vale do Paraíba, responsável por aproximadamente
88% da produção, enquanto os 12% restantes ficavam a cargo do oeste
paulista. Cinqüenta anos mais tarde, esses números quase se inverteram, de
tal modo que o oeste paulista passa a figurar como principal produtor
57
.
(MAPA 02).
A expansão da lavoura cafeeira para região oeste do Estado trouxe ao
governo paulista a necessidade de um mapeamento preciso das terras e de
suas qualidades para que viabilizá-las à agricultura. Diante dessa questão, o
governo paulista e a elite agrícola, acreditavam que a opção pela exploração
científica pudesse resolver os problemas de mapeamento apontados pela
economia cafeeira naquele momento.
Entre 1850 e 1930, todo o território paulista foi ocupado, até a última
polegada” , pela lavoura de caou pelos capitais oriundos da cafeicultura. O
êxito dessa ocupação deveu-se a dois fatores: a extensão de terra roxa” ,
situada no vale do Paranapanema e nas escarpas de Botucatu; e a geografia
que proporcionava um clima ameno, com altitudes médias que variavam entre
500m e 700m e relevo levemente acidentado – condições ideais para a
lavoura.
Porém, a procura desenfreada pelas terras do oeste paulista também
revelou o lado mais negativo do trato com a terra, pois muitos fazendeiros que
corriam em busca das novas propriedades haviam esgotado suas antigas
fazendas pelo uso intensivo da agricultura
58
.
57
MILLIET, Sérgio. Op. cit.; p. 18-27.
58
MELONI, Reginaldo A. Op. cit.; p. 165.
- 53 -
- 54 -
Diante das novas necessidades, era preciso criar mecanismos que
pudessem dar respostas aos agricultores do Estado sobre o potencial de
terras agricultáveis, a solução encontrada para as dúvidas foi a criação de uma
Comissão Geográfica e Geológica, que pudesse atender às necessidades de
exploração do território paulista.
Em 1886, portanto, o conselheiro João Alfredo de Oliveira Corrêa, em
consonância com as necessidades dos agricultores paulistas, propõe a criação
de uma comissão que desse conta de mapear o território, procurando
aprofundar o conhecimento sobre as características geográficas e geológicas,
sobre os recursos naturais disponíveis e sobre as vias de transporte que
poderiam ser utilizadas na expansão da agricultura de exportação. Assim, o
Conselheiro solicita ao americano Orville A. Derby a elaboração de uma
proposta para compor uma comissão científica.
No mesmo ano, o Conselheiro João Alfredo apresentou sua proposta aos
deputados paulistas na Assembléia legislativa, na oportunidade elogiou os
avanços prodigiosos que a província estava obtendo nas últimas décadas, mas
ressaltava que ainda havia muito a fazer.
[...] Sabem todos a extensão da província de São Paulo, e
quanto ainda há coberto e por assim dizer desconhecido. Devem
também saber, que é justamente nessa parte mais desconhecida
da província onde a qualidade das terras se ostenta na sua
maior uberdade; é justamente nessa parte onde se acha
conciliados a uberdade da terra com o clima temperado,
primeira condição de nossa principal lavoura, que é a do café.
Entretanto, vêm-se os administradores da província
embaraçados e embaraçadíssimos, por que seus próprios
engenheiros fiscais também embaraçam-se pelo mesmo motivo,
com a falta de conhecimento topográfico da província. um
pedido de privilégio não se apresenta um mapa por que não há,
e assim vai se contratando as vezes serviços com prejuízo até
de direitos adquiridos, vai-se vetando a esmo os privilégios. Os
engenheiros da província não podem levantar uma carta
topográfica sem que façam para isso os necessários estudos,
que demandam de um conhecimento geral, que só se pode obter
por uma Comissão composta de homens profissionais,
- 55 -
devidamente habilitados com os indispensáveis instrumentos,
com os quais possam se habilitar devidamente para um trabalho
seguro e positivo
59
.
Em outros momentos a necessidade de se explorar os extremos da
província é alinhada aos interesses do capitalismo internacional, pois a
natureza passa a ter um aspecto valorativo ao ser referenciada como
riqueza” ; assim, imbuído da visão naturalista o conselheiro João Alfredo
acreditava que era preciso realizar um inventário que pudesse dar
valor
às
riquezas naturais” . Neste contexto, o nome de Derby aparece como o mais
qualificado para responder às dúvidas dos agricultores
60
.
Silvia Figuerôa diz que existiam três características fundamentais que
conduziram a formação da Comissão: em primeiro lugar, existia a certeza por
parte da elite agrícola de que as terras do oeste paulista eram uma região de
vastos mananciais” de riqueza e prosperidade para a agricultura de
exportação; depois, havia a urgência de um plano de ocupação do Estado,
expandindo as áreas agricultáveis e a infra-estrutura viária para que a região
fosse viabilizada economicamente; e, por último, havia a certeza depositada no
cientificismo como instrumento da modernização
61
.
Assim, as razões que credenciaram Derby ao trabalho estavam
justamente na experiência acumulada desde a sua participação ao lado de
Charles Frederic Hartt, nas expedições Morgan, entre 1870 e 1871, até a
instalação da Comissão Geológica do Brasil, em 1875.
O modelo proposto por Derby era fundamentalmente baseado em sua
experiência de trabalho com Hartt e nos estudos das explorações americanas,
em especial o
US Geodetic Survey
e
US Geological Survey
. De um modo
59
Apud FIGUERÔA, S. Modernos Bandeirantes
Modernos BandeirantesModernos Bandeirantes
Modernos Bandeirantes:
a Comissão Geográfica e Geológica de São
Paulo e a exploração científica do território paulista (1886-1931). Dissertação (mestrado)
Faculdade de Filosofia e Ciências de Letras. Universidade de São Paulo, 1987, p. 43.
60
Idem. Ibidem, p. 56.
61
FIGUERÔA, Silvia. As ciências geológicas no Brasil
As ciências geológicas no BrasilAs ciências geológicas no Brasil
As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional.
(1875-1934). São Paulo. Hucitec, 1995. p. 164.
- 56 -
geral, os contratempos da sociedade americana não se distanciavam muito
daqueles encontrados na realidade brasileira, pois o fim da Guerra da
Secessão deu um novo ritmo na economia, impulsionando a procura por novas
terras no oeste americano; assim, as expedições geográficas e geológicas
tinham por finalidade elaborar cartas exatas e minuciosas" do território e
ainda classificar as terras quanto aos recursos minerais disponíveis, estrutura
geológica, clima e, além disso, deveriam inventariar as terras públicas
62
.
Como foi dito, nesse contexto, a Comissão foi estruturada com o
intento de explorar as regiões extremas de São Paulo e de elaborar uma carta
que atendesse aos anseios do governo e da elite agrária de expandir seus
negócios. Segundo Silvia Figuerôa, a CGG tinha por finalidade a prestação
de serviços e no atendimento das necessidades básicas pré-determinadas,
sendo que a pesquisa básica e sistemática não passava pelo crivo do
governo”
63
.
Frente às necessidades que se configuravam, quinze dias após a
formação da CGG foi feita uma viagem entre os rios Itapetininga e
Paranapanema. A expedição, chefiada pelo Engº Teodoro F. Sampaio
auxiliado por Francisco de Paula Oliveira e João Frederico Washington de
Aguiar visava sanar o desconhecimento de uma vasta região do Estado. O
resultado foi exposto em um relatório que continha um conjunto de cartas
topográficas, ricas em detalhes de toda a extensão dos rios explorados e um
estudo geológico das margens e as melhorias que precisariam ser feitas para
viabilizar a navegação.
Todos os apontamentos e o material coletado na viagem serviram
posteriormente para publicações no Boletim da instituição sobre problemas
diversos: como as condições climáticas, problemas de terras devolutas, o
62
FIGUERÔA, Silvia
.
Modernos Bandeirantes
Modernos BandeirantesModernos Bandeirantes
Modernos Bandeirantes. p. 58.
63
Idem. Ibidem, p. 72.
- 57 -
desenvolvimento da agricultura, os recursos naturais entre outros assuntos de
interesse dos pesquisadores da instituição.
Entre os textos mais expressivos merece destaque o de Theodoro
Sampaio,
Considerações geográficas e econômicas sobre o valle do rio
Paranapanema
, publicado em 1890, no Boletim da CGG e o do naturalista
Alberto Loefgren
64
, sobre a constituição da flora paulista, que desempenhou
papel fundamental para a primeira catalogação dos vegetais e suas
potencialidades comerciais. Também merece destaque o dos geólogos Luis
Felipe Gonzaga Campos e Francisco de Paula Oliveira, que fizeram as
primeiras observações geológicas sobre a região do Vale do Paranapanema,
destacando a formação de terra roxa” , nomeando-as formação Botucatu e
Faxina e o estabelecimento dos primeiros estudos de estratigrafia
65
em São
Paulo. Esses últimos resultados foram expressivos para as ciências
geológicas, pois foram classificadas nove espécies novas de minerais
66
.
Por quase duas décadas, a viagem empreendida por Teodoro Sampaio,
foi o trabalho de maior envergadura da instituição e, passado o mesmo
período a CGG não tinha produzido nenhuma outra exploração nas áreas do
extremo oeste do Estado. Diante desse quadro, alguns profissionais ligados à
Escola Politécnica de São Paulo passaram a criticar a falta de uma carta
topográfica do território paulista e a ingerência exercida por Derby.
A oposição mais significativa à CGG era liderada pelo professor da
Escola Politécnica de São Paulo, Francisco Bhering, que acreditava que os
trabalhos da instituição usavam uma metodologia atrasada e ineficiente.
64
LOEFGREN, Alberto. Contribuição para a flora paulista; região campestre. Boletim da CGG.
Boletim da CGG.Boletim da CGG.
Boletim da CGG.
São Paulo. 1890. n.º 5. p. 157-205.
65
Estudo sobre a formação, e a sucessão, no tempo e no espaço, das seqüências de rochas de
uma região, buscando-se determinar os eventos, processos e ambientes geológicos
associados, o que inclui, entre outros, a determinação de fases de erosão ou de ausências
de deposição.
66
Cabe destacar o trabalho do geólogo Eugen Hussak, que teve participação nessa
classificação geológica do estado. Ver FIGUERÔA, Silvia
.
Modernos Bandeirantes.
Modernos Bandeirantes.Modernos Bandeirantes.
Modernos Bandeirantes. p. 78.
- 58 -
Durante três anos, os debates travados entre Derby e Bhering ilustraram as
páginas dos jornais
O Estado de São Paulo
e o
Comércio de São Paulo
, com
acusações de ambos os lados.
Em 1905, muitas das críticas atingiram diretamente a administração da
CGG, por isso o Secretário de Agricultura, Carlos Botelho, propôs
transformações na instituição. Diante desse quadro, Orville Derby, não
encontrando mais espaço, pede exoneração da instituição por não concordar
com as mudanças instituídas
67
.
Entretanto, cabe ressaltar que a queda de qualidade dos trabalhos da
CGG estava ligada diretamente à administração pública que, ao longo dos
anos, reduziu as verbas da instituição, conseqüentemente houve cortes de
pessoal técnico e das expedições científicas. As desavenças entre a Comissão
Geográfica e Geológica e a Escola Politécnica eram, antes de tudo, um embate
entre metodologias científicas: a primeira, baseada no modelo geológico
americano e a segunda em princípios franceses, assentado principalmente
sobre o positivismo comtiano
68
. Segundo Silvia Figuerôa:
A visão naturalista de Derby acabou, entretanto, por confronta-
se com os interesses mais imediatos das elites e do poder
público de São Paulo. Após, quase vinte anos de trabalho, a
CGG ainda não havia cumprido sua principal tarefa, explicita
desde a sua criação em 1905, o chamado sertão” de São
Paulo [...] não se encontrava mapeado a fim de viabilizar e sua
ocupação e exploração
69
.
Com a saída de Derby, em janeiro de 1905, inicia-se um processo de
profundas transformações no modelo científico da instituição. O princípio de
uma ciência pura, isto é, a ciência pela ciência é substituída por uma de
caráter mais pragmático. Nesse processo, a principal deficiência apontada
67
FIGUERÔA, Silvia. As ciências Geológicas no Brasil
As ciências Geológicas no BrasilAs ciências Geológicas no Brasil
As ciências Geológicas no Brasil. p. 193.
68
FIGUERÔA, Silvia
.
Modernos Bandeirantes.
Modernos Bandeirantes.Modernos Bandeirantes.
Modernos Bandeirantes. p. 85-87.
69
FIGUERÔA, Silvia. As ciências Geológicas no Brasil
As ciências Geológicas no BrasilAs ciências Geológicas no Brasil
As ciências Geológicas no Brasil. p. 171.
- 59 -
pelos críticos de Derby, ou seja, a falta de resultados da CGG quanto aos
terrenos desconhecidos” , começou a ser solucionada.
Frente a essas emergências, Carlos Botelho fez uma dotação
orçamentária especial, que garantiu à instituição o início das explorações do
sertão. Assim, entre os dias 10 e 24 de maio de 1905, saíram quatro
expedições rumo aos rios Aguapeí-Feio, Paraná, Peixe e Tietê, cujos
resultados foram apresentados em forma de relatórios e traziam em seu bojo
um discurso mais pragmático, diferenciando-se das posições da primeira
viagem, em 1886
70
.
Segundo Silvia Figuerôa, nessas explorações pelo sertão
desconhecido” :
[...] o tom do discurso textual é claramente triunfalista, em que
se ressalta a ideologia burguesa de apropriação da natureza (ou
seja, a apologia da Mãe-natureza exuberante, pródiga e inculta
a espera de utilização econômica pelo Homem) bem como a
supervalorização do papel da ciência nesse processo de
transformação da
natureza
em
Recurso Natural
71
.
Contudo, a conquista da natureza inóspita” e o fim da situação de
barbárie” pela civilização foi o fio condutor dos trabalhos da CGG e, nos
anos posteriores a sua fundação, as fronteiras do oeste paulista passaram a
ser sistematicamente estudadas em proveito da economia cafeeira e,
gradativamente, as lacunas que ocupavam lugar de destaque no mapa paulista
deixaram de existir.
Porém, em muitos outros momentos, os trabalhos das duas instituições
foram questionados por apresentar uma ciência mais teórica e de pouca
aplicabilidade, distante da realidade mais imediata da agricultura. Na verdade,
o que existia era um grande abismo a ser transposto pela ciência no Brasil, a
70
FIGUERÔA, Silvia
.
Modernos Bandeirantes
Modernos BandeirantesModernos Bandeirantes
Modernos Bandeirantes. p. 78. Ver também COMISSÃO GEOGRAFICA E
GEOLICA. Exploração do Rio do Peixe
Exploração do Rio do PeixeExploração do Rio do Peixe
Exploração do Rio do Peixe. São Paulo. Typ. Rothschild, 1913.
71
FIGUERÔA, Silvia. As ciências Geológicas no Brasil
As ciências Geológicas no BrasilAs ciências Geológicas no Brasil
As ciências Geológicas no Brasil. p. 198.
- 60 -
agricultura tropical ainda era pouco estudada e não existiam modelos de
classificação de plantas, animais e nem de solos. Isso gerava a necessidade de
inventariar o meio, estudá-lo e submetê-lo a experimentos mais precisos que
pudessem dar subsídios mais eficazes de aproveitamento.
Todo esse processo de pesquisa poderia demandar décadas de estudos
e investimentos, situação que não era aceita pela elite agrária paulista. Daí se
justifica o fato dos pesquisadores Derby e Dafert nunca encontrarem respaldo
dentro da classe dirigente paulista, que vislumbravam resultados mais efetivos
em curto prazo.
Frente a todas essas demandas que emergiam, a conquista do extremo
oeste foi crucial para que a expansão da lavoura cafeeira continuasse a
proporcionar os fartos lucros que, até então, tinham alimentado os
cafeicultores paulistas. Assim, as instituições deveriam dar suporte necessário
e oferecer metodologias de trabalho que pudessem garantir a exploração e o
inventário dos recursos disponíveis no território paulista.
Porém, no campo ideológico a CGG e o IAC enfrentaram problemas com
a aplicação desses conceitos e princípios científicos, havia a resistência de
acadêmicos nacionais, de alguns setores menos progressistas dos agricultores
e de políticos brasileiros que as acusavam de difundirem conceitos
incondizentes com a realidade brasileira.
Portanto, é possível concluir que agricultores, acadêmicos e políticos do
Estado de São Paulo, ligados a idéias positivistas mais pragmáticas,
professavam uma ciência aplicada e inspirada na Escola Militar do Rio de
Janeiro e na Escola Politécnica de São Paulo. De tal modo que Thomas
Skidmore alega que esse positivismo nacional:
[...] parecia atraente àqueles membros da elite que desejavam o
progresso econômico sem mobilização social. Julgando a massa
da população despreparada” para participação plena da
sociedade (devido ao analfabetismo, ao meio racial inferior
etc.), achavam o aspecto autoritário do positivismo um modelo
- 61 -
de modernização, que explicava e justificava a continuada
concentração do poder nas mãos da elite. A ênfase de Comte na
família como elemento social básico era outra idéia atraente
para aqueles brasileiros interessados na modernizão, mas
preocupados com o forte acento no individual que o pensamento
liberal europeu introduzia e que implicaria, possivelmente, no
enfraquecimento da família
72
.
Diante dos problemas de desenvolvimento do pensamento científico
difundido nas duas instituições é presumível que o positivismo, mesmo o
tendo grande respaldo da sociedade, exercia forte influência sobre os
destinos dos cientistas e do modelo científico que deveria ser adotado e que a
elite brasileira, associada ao militares dissemina um modelo ideológico
conhecido como positivismo de quartel” . Sobre essa égide a República
brasileira será fundada e se tornará hegemônica na aplicação de políticas e no
direcionamento da pesquisa e da educação no país.
Segundo Benjamin Constant, era preciso basear nossa:
[...] educação nos princípios científicos, acessível (...) que este
plano seja para o povo uma espécie de religião, contendo como
dogmas de científica o maior número possível de princípios
teóricos reduzidos a preceitos de imediata aplicações gerais a
vida prática, e por assim dizer usuais e domésticas“
73
.
Nesse contexto, de princípios teóricos reduzidos” , a CGG
raramente foi encarada como uma instituição de pesquisa
stricto sensu
, ou
seja, um órgão que tivesse suas funções inquisitiva e aquisitiva norteadas por
políticas/planos de médio e longo prazo”
74
. Contudo, é possível compreender
que sobre as ações e iniciativas propostas por essas instituições sempre
pesaram mais as decisões políticas que vislumbravam respostas mais
72
SKIDMORE, Thomas. Op. cit., p. 28-29.
73
Apud. BARROS, Roque S. M. A ilustração brasileira e a idéia de Universidade
A ilustração brasileira e a idéia de UniversidadeA ilustração brasileira e a idéia de Universidade
A ilustração brasileira e a idéia de Universidade. São Paulo:
Editora da USP, 1959. p. 122
74
FIGUERÔA, Silvia
.
Modernos Bandeirantes
Modernos BandeirantesModernos Bandeirantes
Modernos Bandeirantes. p. 123.
- 62 -
imediatas aos interesses de alguns grupos e, principalmente, aos interesses
dos cafeicultores.
Assim, o projeto alçado por essas instituições científicas nas áreas
fronteiriças do Estado visava “ apresentar” um mundo inóspito” com
homens livres e índios em constante luta pela terra. A essas instituições
caberia a nobre função de conduzir à civilização” a terra dominada pela
barbárie” , e de resto deveria revelar à sociedade as riquezas naturais.
O período entre 1886 e 1905, para a história da CGG, foi caracterizado
por pesquisas importantes no interior paulista e por profundas mudanças na
administração e no seu redirecionamento institucional. É também nesse
período que a instituição responde as críticas e lança as últimas viagens ao
extremo oeste paulista.
Ao mesmo tempo, os trabalhos produzidos nesse importante momento
foram fundamentais para que os cientistas pudessem registrar suas
impressões sobre a região do Vale do Paranapanema, descrevendo sobre seu
olhar o modo de vida dos indígenas, as vilas, a população local, o comércio e
os vários aspectos da vida cotidiana. Os outros exploradores, que vieram
entremeio as explorações da CGG, também proporcionaram relatos
importantes, e nos forneceram, na mesma dimensão, um panorama sobre a
ação do homem no meio natural.
Ainda que, alimentados por uma visão oficial e elitista, é essencial
salientar que esses documentos oferecem-nos uma perspectiva do embate do
homem branco com o indígena, o conflito pela posse da terra, o processo de
integração da região à economia cafeeira e atuação da elite agrícola paulista
nesse momento histórico.
II
IIII
II
VIAGEM AO DESCONHECIDO
VIAGEM AO DESCONHECIDOVIAGEM AO DESCONHECIDO
VIAGEM AO DESCONHECIDO
A região quase deserta, uma solidão completa onde a mata
virgem com os seus rumores misteriosos domina por toda a
parte, e uns tantos receios fundados na perspectiva de uma
viagem perigosa e incerta geravam a nostalgia e talvez
arrependimentos bem sinceros. Ao desânimo e arrependimento
bem podia seguir-se deserções e não seria em sítios tão pouco
habitados que havíamos de preencher as nossas fileiras
rareadas.
Teodoro Sampaio, 1889.
Teodoro Sampaio, 1889.Teodoro Sampaio, 1889.
Teodoro Sampaio, 1889.
Como vimos, na segunda metade do século XIX, a busca por um
modelo científico foi o ponto de convergência entre a CGG e o IAC. Tal
modelo deveria atender às aspirações de uma elite agrícola que, ansiosa por
expandir a produção, vislumbrava nessas instituições a possibilidade de
modernização no manejo do solo e a conquista de novas fronteiras no
território paulista intenções clarificadas nos relatórios de exploração, nos
artigos e nas opiniões dos técnicos, engenheiros e estudiosos ligados a esses
órgãos.
Desta forma, para que o território brasileiro fosse conhecido e
aproveitado economicamente foram necessárias apropriações de modelos
científicos e de técnicas, formando um conjunto ideológico utilizado como base
para a construção de discursos que justificavam a submissão de indígenas, das
comunidades ribeirinhas e dos caipiras entre outros povos que viviam à
margem do modelo de produção agro-exportador.
- 64 -
Os resultados desses procedimentos ultrapassaram os limites da mera
observação, pois expressavam as ambições de uma elite que buscava a
reafirmação do poder e a reprodução do capital financeiro nas áreas extremas
do país.
Diante desse referencial, parece ser importante analisar os relatórios de
viagens e os boletins informativos produzidos pelos órgãos em questão,
observando os parâmetros utilizados na construção da idéia de região, suas
imbricações com o mundo urbanizado e as dinâmicas sociais e políticas da
fronteira agrícola no Vale do Paranapanema e procurando evidenciar como os
viajantes e os exploradores construíram a paisagem a partir do olhar
científico do século XIX, pois tais documentos apresentam ao mundo
cosmopolita uma região marcada por violentos conflitos entre índios e brancos
pela posse da terra. Ainda dentro desse contexto, não se deve esquecer que
esses viajantes e cientistas respondem aos interesses do capital agrícola na
região do extremo oeste paulista.
Tais documentos foram produzidos graças a esforços institucionais
como da CGG e da Secretaria de Agricultura, cujos representantes foram
engenheiros como Teodoro Sampaio e Cornélio Schmidt.
1
Quanto ao esforço
individual merece destaque o trabalho de Edmundo Krug, que se tornou, ao
longo de décadas, um importante referencial de pesquisa sobre o interior
paulista, em especial, do Vale do Paranapanema.
O relatório de T. Sampaio foi publicado no Boletim da CGG, enquanto
que o texto de Edmundo Krug, produzido em 1901 foi publicado somente em
1923, na revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Por último,
o diário de Cornélio Schmidt também foi publicado posteriormente, em 1941,
nos Anais do Museu Paulista
2
. De um modo geral, essas obras se diferenciam
1
Cabe ressaltar que esses documentos se classificam em relatórios e diários de viagem,
sendo este utilizado apenas por Cornélio Schmidt.
2
O texto publicado nos Anais do Museu Paulista foi iniciativa do sociólogo Carlos Borges
Schmidt, filho de Cornélio Schmidt.
- 65 -
daquelas produzidas pelos viajantes da primeira metade do século XIX, pois
não eram amplamente difundidas, destinando-se a revistas especializadas.
Atualmente esses documentos fornecem uma visão ampla da região, pois
abordam os costumes e as tradições, as técnicas agrícolas, a dinâmica do
comércio bem como os recursos disponíveis à manutenção da vida cotidiana.
Desta forma, o entendimento da perspectiva construída por esses
autores se faz necessário, pois a análise desse material requer uma leitura
aprofundada das afinidades científicas e políticas de cada autor com o
contexto social em que seus documentos foram produzidos.
CIENTISTAS E VIAJANTES NO IN
CIENTISTAS E VIAJANTES NO INCIENTISTAS E VIAJANTES NO IN
CIENTISTAS E VIAJANTES NO INTERIOR PAULISTA
TERIOR PAULISTATERIOR PAULISTA
TERIOR PAULISTA
Dentre os viajantes que estiveram nas fronteiras do oeste paulista, com
certeza, nenhum teve a envergadura e o renome de
Teodoro Fernandes
Sampaio (1855-1937).
Liberto da senzala no interior da Bahia, onde nascera e fora educado,
vai para o sul do país e aprimora os conhecimentos que lhe permitiram entrar
na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1872. Antes mesmo de se formar,
é contratado pelo Museu Nacional para prestar serviços gráficos. Lá, conhece
o geólogo americano Orville Derby, importante amigo que o ajudou na sua
formação e de quem, Teodoro Sampaio ressaltava o apoio, devotando-lhe
gratidão: [...] pelo seu conselho, pela sua interferência oportuna. Devo-lhe
muito do que sei e aprendi no grande livro da natureza, cujas folhas ele me
ensinou a volver com amor e confiança”
3
.
3
SAMPAIO, Teodoro Fernandes. Discurso na sessão solene do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia. Revista do Instituto Histórico da Bahia
Revista do Instituto Histórico da BahiaRevista do Instituto Histórico da Bahia
Revista do Instituto Histórico da Bahia. 42: 199, 1916. Apud. LIMA,
Arnaldo do Rosário. Teodoro Sampaio
Teodoro SampaioTeodoro Sampaio
Teodoro Sampaio: sua vida e sua obra. Dissertação de mestrado em
Ciências Sociais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da
Bahia. Salvador, 1981.
- 66 -
Após sua formação em 1877, o mesmo Derby o convida para a
expedição ao Rio São Francisco fundamental para que sua vocação de
geógrafo, geólogo e naturalista viesse à tona” .
4
Contratado como engenheiro
de classe, elaborou uma série de considerações econômicas, geográficas e
antropológicas durante esta viagem e, anos mais tarde, esses apontamentos
resultaram em seu livro intitulado
O Rio São Francisco e a Chapada
Diamantina,
uma das
mais importantes análises do interior nordestino durante
décadas, destacando– se como uma obra de geografia regional cujos
apontamentos auxiliaram Euclides da Cunha na composição de
Os Sertões
.
Theodoro passa a ser reconhecido pelos seus pares e, com a
constituição da Comissão Geográfica e Geológica em São Paulo, organizada
por Orville Derby, ganha ainda mais notoriedade e, com apenas 31 anos,
torna-se Engenheiro e Chefe de Topografia da Comissão, assumindo a
responsabilidade de explorar os Rios Itapetininga e Paranapanema. A viagem
durou aproximadamente 130 dias, durante os quais foi percorrida a distância
de 1.321 km. Suas análises, como na viagem do São Francisco, também
privilegiaram os dados econômicos, geográficos e antropológicos.
Sua atuação em São Paulo foi além da CGG, destacando-se ainda como
um importante intelectual no Estado, ao compor, juntamente com Antônio
Toledo Piza, Cesário Mota, Horácio de Carvalho e Antônio Francisco de Paula
Souza a Comissão responsável pela instalação da Escola Politécnica.
Outro momento também importante de sua carreira intelectual foi a
publicação do livro
O Tupy na Geografia Nacional
, em 1901, que rapidamente
se tornou referência nos estudos lingüísticos. Parte da obra foi composta a
partir de seus apontamentos sobre o contato com várias tribos indígenas
durante a viagem ao vale do Paranapanema, os quais foram depois divulgados
4
COSTA, Luís Augusto Maia. O ideário urbano paulista na virada do século
O ideário urbano paulista na virada do séculoO ideário urbano paulista na virada do século
O ideário urbano paulista na virada do século: o engenheiro
Theodoro Sampaio e as questões territoriais e urbanas modernas. (1886-1903). Dissertação
de Mestrado. FAU/USP, 2001. p. 24.
- 67 -
como compêndio no relatório de viagem apresentado ao Boletim da Comissão
Geográfica e Geológica.
Sampaio ganhou espaço e prestigio na elite paulista e foi convidado para
assumir, como engenheiro sanitarista, a chefia do Serviço de Água e Esgoto
da cidade de São Paulo, função que lhe permitiu ser parte ativa do
replanejamento do sistema de esgoto e do abastecimento de água. Participou
também da fundação do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da
construção de hospitais, sanatórios e atuou diretamente na criação de uma
legislação sanitária entre muitas outras coisas.
Em 1904, assume, junto ao governo da Bahia, a organização de uma
empresa que fosse capaz de gerir a distribuição de água e o saneamento
básico. Lá, experimenta uma intensa vida intelectual e profissional que o
tornou uma das pessoas mais ilustres, culminando com a sua candidatura, a
convite da elite, para deputado federal. Entretanto, eleito, teve uma passagem
apagada nas cadeiras da Assembléia Nacional. Perto do final da vida, ainda
assume alguns cargos como a administração da Santa Casa de Misericórdia da
Bahia e do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.
5
Conseguiu importante posição entre os intelectuais brasileiros e
destacou-se como um dos maiores nomes da engenharia nacional,
principalmente, pelas viagens de exploração. Renegado pela história, sua
imagem está sendo resgatada nos últimos anos pelo Movimento Negro como
um importante cientista brasileiro no século XIX.
Edmundo Krug (1871-1951)
é o viajante menos conhecido e sua
inserção na comunidade científica não se dá dentro de instituições como o IAC
ou a CGG, talvez por isso, seus escritos passaram à margem dos debates em
torno da ocupação da região. Embora Teodoro Sampaio e Edmundo Krug tenha
5
Idem. Ibidem. 28-31.
- 68 -
sido contemporâneos e membros do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, não existe nenhum debate ou crítica aos seus respectivos trabalhos.
Nascido em Campinas, em 28 de outubro de 1871, Krug sempre foi
definido como um homem múltiplo. Em um recorte do Correio Popular, de
Campinas, ele é apontado como engenheiro, historiador, folclorista,
etimologista e antropólogo; enfim, um homem de cultura vasta, cuja formação
em engenharia civil e agronomia se deu na Real Escola Técnica de Buxtehude
e na Real Escola Técnica de Hannover. Durante alguns anos, lecionou no
Mackenzie College, Colégio Anglo-brasileiro, Faculdade de Filosofia Ciências
e Letras de Campinas e foi o fundador do Centro de Ciências e Letras de
Campinas (CCLAC), também foi figura ativa na política paulista, atuando como
mentor na revolução de 1932
6
.
Sua inserção científica se pelo Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo (IHGSP), local onde publica seus primeiros escritos sobre o Vale
do Paranapanema e Vale do Ribeira. Ainda esteve presente na fundação da
Sociedade de Etnografia e Folclore
7
, criada por Mario de Andrade para reunir
estudiosos das tradições folclóricas do país. Apesar de sua polivalência como
intelectual, ele acabou sendo reconhecido mais pelos seus trabalhos ligados a
cultura e ao folclore nacional.
Embora as viagens realizadas no interior do Estado tenham sido para
locais desprestigiados pela cafeicultura como os Vales do Ribeira e o Vale do
Rio Paranapanema, através de seus documentos de memórias é possível
esboçar um perfil de um homem de múltiplos conhecimentos. Em sua viagem
ao Paranapanema relembra que, ao descansar estava palestrando sobre
política e agricultura” .
8
Na mesma viagem, declara sua paixão pela
antropologia e preocupou-se em coletar material sobre as superstições do
6
Piauí, Francelino S. Campinas Bibliográfica 16. Correio Popular
Correio PopularCorreio Popular
Correio Popular. 15/04/1973.
7
CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. Catálogo da Soci
Catálogo da SociCatálogo da Soci
Catálogo da Sociedade de Etnografia e Folclore
edade de Etnografia e Folcloreedade de Etnografia e Folclore
edade de Etnografia e Folclore. São
Paulo. CCSP, S/D.
8
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. In. Revista do IHGSP
Revista do IHGSPRevista do IHGSP
Revista do IHGSP. p. 405.
- 69 -
interior paulista, o que serviu como fonte para a publicação de duas obras:
Curiosidades da superstição brasileira
e
A superstição paulistana
9
.
O texto de Edmundo Krug oferece características bem marcantes, que o
diferem dos demais viajantes, pois apresenta um texto idílico, no qual defende
a necessidade de um plano racional” , ou seja, ele alimenta a idéia de que
os recursos naturais deviam ser usados coerentemente, de acordo com os
preceitos da moderna ciência e das exigências do capitalismo. Diante disso,
acusa os moradores da região, o boçal caboclo” , de cometer graves crimes
de destruição da natureza, seja pela caça seja pela derrubada de árvores de
extrema importância.
Diante desse estado acredita no poder público e na ciência como únicas
instituições capazes de conduzir a região a se integrar à economia de
mercado:
[...] não será possível que os homens sensatos do nosso bello
paiz, de nosso querido Estado de São Paulo, incutam ao caboclo
ignorante o espírito de conservação? não será possivel crear-se
uma lei que prohiba ao caboclo e ao lavrador a destruição
inconsciente das nossas lindas florestas? não, o nosso povo
roceiro ainda não entende isso, e emquanto a instrucação
publica e privada não introduzir no seu programma o ensino do
belllo e do util, nunca se effectuara esse meu ideal! [...]
10
Nesse trecho, fica clara a preocupação de E. Krug com a vida do
roceiro, qualificando-o como nosso roceiro , ao apontar a necessidade de
9
Possivelmente o gosto pelos temas antropológicos esteja ligado aos seus estudos na
Alemanha e no final do século XIX o intercâmbio cultural que se estabeleceu com a
etnologia alemã tinha laços profundos, com a presença de nomes como de Karl von Martius,
Karl von den Steinen, Paul Ehrenreich, Max Schmidt,Theodor Koch-Grünberg e Fritz
Krause. Além das referências a tais etnólogos, as obras sobre a expansão colonizadora têm
como uma de suas principais características este tipo de descrição detalhada e atenção aos
aspectos miúdos do real nas situações analisadas. FRANÇOZO, Mariana de Campos. Um
Um Um
Um
outro olhar
outro olharoutro olhar
outro olhar: a etnologia alemã na obra de rgio Buarque de Holanda. Dissertação
(mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. Campinas/SP, 2004.
10
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. In. Revista do IHGSP
Revista do IHGSPRevista do IHGSP
Revista do IHGSP. p. 406.
- 70 -
uma instrução que desse conta de criar novas possibilidades de exploração do
solo. De um modo geral, todo o seu texto, As margens do Paranapanema
As margens do ParanapanemaAs margens do Paranapanema
As margens do Paranapanema, é
uma contemplação do mundo natural, no qual ele muitas vezes se indigna com
a atuação irracional do homem, em especial o caipira e se mostra
impressionado com as instalações das fazendas e com as lavouras cujos
recursos de produção acompanham os passos da modernidade, ressaltando
que deveria existir a “
industrificação
das nossas riquezas” .
11
Embora Edmundo Krug tenha tido uma produção acadêmica ativa, com
participação em associações especializadas e publicações em jornais e
revistas do ramo, conforme atesta seu obituário, publicado na Revista do
IHGSP, ele foi acometido de uma moléstia que o afastou dos trabalhos
acadêmicos e o levou ao falecimento no dia 5 de outubro de 1951, em São
Paulo
12
.
Dentre as expedições que desbravaram os sertões a de
Cornélio
Schmidt (1866-1938)
foi uma das mais longas e abrangeu quase todo o
território desconhecido” . Esse também
foi um dos observadores mais
críticos quanto aos trabalhos realizados pela CGG, pois acreditava que era
preciso acabar com os “ terrenos desconhecidos” .
Formado pela escola de Engenharia de Ouro Preto, dividia seus
trabalhos entre a administração da propriedade agrícola, localizada na cidade
de Rio Claro, os ofícios de engenharia e as longas excursões pelo interior,
decorrentes do seu ofício no prolongamento dos trilhos ferroviários.
Segundo seu filho, Carlos Borges Schmidt, por volta de 1890, ele
freqüentava o Avanhandava. Cadernetas, datadas de 1890 e tantos outros
documentos, assinalavam trechos do Tietê e apresentavam croquis do
incipiente povoado do Salto do Avanhadava. Ali era seu centro, nas caçadas
11
Idem. Ibidem. 405.
12
CORDEIRO, J. P. Leite. Necrológio dos sócios falecidos em 1951. In. Revista do IHGSP
Revista do IHGSPRevista do IHGSP
Revista do IHGSP. v.
50. ano 1953. p. 268-269.
- 71 -
anuais que realizava” .
13
Ainda explorou vários rios em suas viagens,
compondo mapas e cartas itinerárias de rios como Jacaré-Pepira e o curso
médio do Tietê.
Cornélio Schmidt ganhou destaque pela polêmica criada com Orville
Derby, chefe da CGG, em 1901. A divergência teve início com um artigo
publicado por Derby, no qual procurava demonstrar que os trabalhos feitos
pela referida comissão eram, até aquele momento, satisfatórios. Entre as
obras destacadas por Derby, estava a exploração da região realizada por
Teodoro Sampaio e a abertura da Estrada Boiadeira por Olavo Hummel
empreendimentos que contribuíram para tirar o local do isolamento.
Contrariando as afirmações, Cornélio Schmidt escreveu um novo artigo,
para o mesmo jornal, no qual mostra que os terrenos do oeste paulista ainda
são “ desconhecidos” e que os trabalhos da Comissão ainda não foram
suficientes para suprir a lacuna existente nos mapas paulistas. Essas
afirmações partiam do conhecimento pessoal que Schmidt adquiriu da região
em suas viagens, não deixando dúvidas que a área era inteiramente
desconhecida e virgem de qualquer pegada de homem civilizado”
14
.
Em 1904, mais uma vez Cornélio Schmidt voltaria à cena a frente de
uma viagem de exploração pelo interior do Estado de São Paulo a pedido de
seu amigo particular Carlos Botelho, Secretário da Agricultura. A proeza seria
acompanhada pelo americano Thomaz Canty, pois o mesmo tinha por
finalidade estimular a imigração de norte-americanos para a abertura de
fazendas para produção agrícola. Segundo Silvia Figuerôa, o empreendimento
não obteve sucesso, porém:
[...] o relatório que Cornélio Schmidt apresentou ao Secretário
de Agricultura era animador quanto as potencialidades naturais
e econômicas da região, e é possível que tenha contribuído
13
SCHMIDT, Cornélio. Diário de uma viagem pelo sertão de São Paulo. In. Anais do Museu
Anais do Museu Anais do Museu
Anais do Museu
Paulista
PaulistaPaulista
Paulista. tomo XV. Ano 1961. p. 341.
14
Idem. Ibidem. p. 343.
- 72 -
favoravelmente para a decisão acerca da exploração dos
terrenos desconhecidos habitados por índios” , classificação
sobre a qual aparecia nos mapas boa parte do interior do
Estado
15
.
Essa e outras viagens empreendidas por Cornélio Schmidt pelo interior
do Estado fizeram dele um importante sertanista que se destacou ainda pela
participação nas viagens de exploração da CGG pelos rios Feio-Aguapeí,
Paraná, Peixe e Tietê.
O trabalho desses engenheiros representa parte no esforço de construir
a região do Vale do Paranapanema, seus manuscritos, mapas, diários, entre
outros documentos, foram registros que contribuíram para a compreensão
desse panorama. Assim, gradativamente os órgãos oficiais vão traçando os
limites da geografia regional e esboçando os aspectos econômicos, sociais e
físicos. Essa montagem externa atendia aos anseios de uma classe dirigente
que necessitava apresentar uma região, com sua composição física e
econômica, dados essenciais para que se pudesse elaborar um plano de
ocupação territorial, e, concomitantemente um projeto civilizatório” que
afastasse a “ barbárie” das áreas extremas do Estado.
Esses documentos estiveram longe de ser decisivos na ocupação da
região, porém, foram partes integrantes do projeto de sociedade nacional e
poderiam ser utilizados em momentos difíceis para que se pudessem superar
crises. Assim, é possível dizer que esses autores foram artífices da percepção
e da construção de um espaço, delimitando-o, povoando-o, aos olhos da
população urbana letrada, das agências estatais de colonização e da elite
agrícola que projetava, nessas áreas, a oportunidade de expandir a lavoura
cafeeira e/ou de incrementar seus negócios com a especulação imobiliária.
15
FIGUERÔA, Silvia. As ciências geológicas no Brasil
As ciências geológicas no BrasilAs ciências geológicas no Brasil
As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional,
1875-1934. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 196.
- 73 -
A GEOGRAFIA E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO
A GEOGRAFIA E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇOA GEOGRAFIA E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO
A GEOGRAFIA E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO
No dia 22 de maio de 1886, o jovem engenheiro Theodoro Sampaio,
saindo da cidade de Itapetininga, partiu em uma expedição que iria percorrer
1.321 km durante quatro meses e cinco dias, pelos rios Itapetininga e
Paranapanema. A empreitada contou com participação dos engenheiros
Francisco de Paula Oliveira e João Frederico Washington e mais 11 homens
para ajudar na transposição dos barcos e na navegação
16
.
A viagem foi marcada por uma série de contratempos como
transposição das cachoeiras, falta de recursos, principalmente a dificuldade de
aquisição de alimentos e o perigo do embate com os indígenas
17
. Apesar
dessas dificuldades a expedição conseguiu produzir excelentes resultados,
como, por exemplo, um relatório da exploração agrícola da região, um estudo
de estradas e caminhos do sertão e a planta geral do Rio Paranapanema e
mais 25 cartas detalhadas que continham informações dos seus principais
afluentes. O relatório ainda foi contemplado com um estudo das principais
características geológicas e topográficas de toda a extensão do rio, sendo,
durante anos, referência para estudos da região e para outras explorações
fluviais. Além disso, a viagem teve a preocupação de coletar dados físicos e
sociais, que renderam, posteriormente, estudos sobre geologia e geografia
física e humana.
16
O número de homens citado acima é exatamente no momento em que a expedição sai de
Itapetininga, segundo T. Sampaio, seria preciso mais homens, mas poucos se aventuravam
rio abaixo com medo de índios e animais selvagens, somente em Piraju que ele encontrou
reforços de homens para continuar a descida. SAMPAIO, Teodoro. São Paulo no século XIX
São Paulo no século XIX São Paulo no século XIX
São Paulo no século XIX
e outros ciclos históric
e outros ciclos histórice outros ciclos históric
e outros ciclos históricos.
os.os.
os. Petrópolis: Vozes. São Paulo: Secretaria de Cultura, Ciência e
Tecnologia, 1978. p. 108.
17
A expedição comanda por Teodoro Sampaio não registrou nem um embate com índios,
porém ele destaca que, logo após sair de Salto Grande, sempre conseguimos ahi alguma
polvora e um pouco de farinha por alto preço, e uns poucos generos insufficientes para uma
viagem atravez de uma região totalmente deserta e infestada de indios como a que iamos
agora percorrer” . Idem. Ibidem. p. 110.
- 74 -
Na virada do século XIX, embora o conhecimento geográfico ainda não
estivesse institucionalizado no país, havia a elaboração de conceitos que se
referiam à relação do homem com o meio natural, os quais eram difundidos
nas escolas de engenharia e outras instituições. Desta forma, as Comissões
Geológicas desempenharam papel importante na difusão do pensamento
geográfico no país e, conseqüentemente, a expedição de Teodoro Sampaio
constitui-se um passo significativo no desenvolvimento dessa ciência.
Segundo Robert Moraes, o trabalho geográfico liga-se diretamente
com a produção do espaço, sendo um dos seus subsídios essenciais do
planejamento [...] a geografia oferece modelos discursivos de interpretação
do real”
18
. De um modo geral, essa perspectiva, aberta pelos estudos
geográficos, atende aos anseios de um governo autoritário, que, visando a
concentração do poder, alça um projeto de expansão e ocupação do território
brasileiro que possa sedimentar e promover a expansão do modelo econômico
e político então vigente. Dentro do contexto paulista de expansão das
fronteiras, essas idéias chegam com entusiasmo e atendem aos anseios de
setores agrícolas, que visavam utilizar ao máximo o território na expansão das
lavouras cafeeiras e na diversificação dos lucros em outras atividades como a
exploração de imóveis e criação de gado bovino.
19
Uma das características do desenvolvimento das ciências em terras
brasileiras foi uma aproximação das idéias positivistas com setores mais
conservadores da sociedade, enquanto que idéias socialistas e liberais, que
18
MORAES, Antonio Carlos Robert de. Ideologias geográficas
Ideologias geográficasIdeologias geográficas
Ideologias geográficas. São Paulo. Annablume; Hucitec,
2002. p. 112.
19
Robert de Moraes afirma que a idéia do expansionismo elaborada por Friedrich Ratzel irá
encontrar ressonância nos meios acadêmicos nacionais. Segundo o autor falta um trabalho
mais apurado das idéias ratzelianas no Brasil, pois o estudo do meio e da raça são grandes
paradigmas da história nacional e as teorias de expansão territorial poderiam encontrar um
campo muito profícuo para pesquisas. Idem. Ibidem, p. 116. Cf. também MORAES, Antonio
Carlos R. A antropogeografia de Ratzel: indicações. In: RATZEL, F. Geografia.
Geografia.Geografia.
Geografia. São Paulo.
Ática, 1990. p. 07-27. __________. Contribuição para uma historia critica do pensamento
Contribuição para uma historia critica do pensamento Contribuição para uma historia critica do pensamento
Contribuição para uma historia critica do pensamento
geográfico:
geográfico:geográfico:
geográfico: Alexandre Von Humboldt, Karl Ritter e Friedrich Ratzel.. Dissertação (Mestrado)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP. São Paulo, 1983.
- 75 -
poderiam promover transformações mais estruturais, não encontraram
respaldo nos meios acadêmicos. Assim, a geografia brasileira, [...] aparece
nesse quadro como atividade da escola normal’ e, do ponto de vista da
pesquisa, como ocupação de engenheiro”
20
.
Mesmo que os trabalhos geográficos” fossem desvinculados de
análises mais profundas e ainda estivessem atrelados ao ofício de engenharia,
resumindo-se a explorações territoriais nas quais se ocupava dos
levantamentos fluviais, classificação de solos, estudos geológicos, estudos
climáticos, confecção de cartas topográficas, etc. a viagem da Comissão
Geográfica e Geológica foi um marco da ciência paulista, pois se tornou
pioneira entre os trabalhos exploratórios liderado por um cientista brasileiro e
além de preencher em parte a lacuna geográfica que se delineava entre os
rios Paranapanema e Tietê ampliou significativamente o conhecimento do
território paulista e proporcionou o entendimento do processo de colonização,
dos grupos sociais envolvidos, da economia e da política de ocupação das
terras.
Mesmo depois da viagem empreendida pela CGG, a polêmica em torno
dos terrenos desconhecidos” ainda persistiu e, em 1901, Cornélio Schmidt,
diante desse debate, produziu uma nova delimitação geográfica para região, na
qual buscava limites mais precisos para definir a grande lacuna que ocupava o
Estado de São Paulo (ver mapa 03). Segundo ele esses limites eram:
20
MORAES, Antonio C. R. Ideologias geográficas
Ideologias geográficasIdeologias geográficas
Ideologias geográficas. p. 116.
- 76 -
Mapa
Mapa
Mapa
Mapa
0
0
0
0
3
3
3
3. Viagem empreendida por Cornélio Schmidt, em 1904, a viagem foi realizada durante 76 dias, partindo da cidade de
Franca e terminou em Cerqueira César, ponto final da Estrada de Ferro Sorocabana.
- 77 -
[...] pelo N. a margem esquerda do rio Tietê até a sua
confluência com o Paraná. Pelo oeste desde esta confluência até
a barra do rio Santo Anastácio, no mesmo Paraná aos 9° 50’ ,
mais ou menos de latitude sul. Pelo sul seguindo as vertentes
do Santo Anastácio até as cabeceiras do Ribeirão Laranja Doce
e deste ponto subindo a Serra dos Agudos para seguir pelo seu
chapadão até as fronteiras do Rio Feio mais ou menos entre 7°
e 15 de longitude O. do rio. Deste ponto ligue-se uma linha
que corte a Serra dos Agudos na sua bifurcação que forma as
vertentes do rio do Peixe, ficando esta linha eqüidistante das
cabeceiras do Rio Feio e da Confluência do Rio dos Bugres e
terminar no Salto do Avanhadava.
Os esforços de Teodoro Sampaio e Cornélio Schmidt
21
visavam a
demarcação do local para que a região passasse a figurar nos mapas. Porém,
não tinham como objetivo ser uma missão salvadora, não se pretendia incluir o
vasto território do oeste paulista por benevolência do poder público, mas era
preciso dar exterioridade aos recursos naturais, à terra e suas qualidades, e
isso tudo aconteceria para a inserção da região na economia cafeeira.
Segundo Teodoro Sampaio, o Vale do Paranapanema compreendia um
território que abrangia as porções paranaense e paulista, e totalizava 109.000
km
2
, estendendo-se desde a Serra do Mar, rumo ao oeste, até desaguar no
Rio Paraná. Porém, ele estudou somente a parte do território paulista
aproximadamente 27.400 km
2
, quase um quarto do território cujas
características eram muito distintas, tanto geológica como socialmente. O
povoamento da região se estendia por quase toda a área estudada e somente
na jusante da cidade de Salto Grande os povoadores tornavam-se mais
escassos, predominando uma ocupação de agricultores com pequenas roças
de subsistência e índios.
21
A descrição feita por Cornélio Schmidt foi realizada posteriormente a viagem de Teodoro
Sampaio, em 1906, assim ele exclui toda a região que margeia o rio Paranapanema.
SCHMIDT, Cornélio. Terrenos desconhecidos. O Estado de São Paulo
O Estado de São PauloO Estado de São Paulo
O Estado de São Paulo. 15 de dezembro de
1901.
- 78 -
Por baixo do Salto Grande pode-se considerar a região como
quase desconhecida; raros comerciantes, que na época das
enchentes animam-se a descer o rio, alguns caçadores que se
embrenham nas matas em longas excursões de passatempo, são
os únicos visitantes desta região que o Paranapanema atravessa
nesta parte inferior de seu curso
22
.
Além do propósito de exploração, a viagem tinha a preocupação de
analisar a navegabilidade do rio. Com isso, uma melhor caracterização do
referido espaço tornou-se imperativa. Por isso, Teodoro Sampaio propõe a
divisão do Rio Paranapanema em cinco setores, cujos parâmetros de
classificação foram os fenômenos geográficos do rio, desde a sua nascente até
a foz.
Das cabeceiras até a Barra do Gareí; do Guareí á
Cachoeira do Jurimirim; do Jurimirim ao Salto Grande; do
Salto Grande a Barra do Tibaji; 5º do Tibaji a Foz do Paraná.
O primeiro e o segundo blocos corresponderiam aos trechos mais
acidentados, fato que impossibilitaria a navegação; o terceiro seria de
acidentes geográficos acentuados, mas com a possibilidade de obras para
superar os desníveis do rio. Abaixo do Salto Grande a possibilidade de
navegação só seria viável a partir da Barra do Rio Tibaji, onde o rio é
relativamente calmo e com poucas corredeiras que poderiam ser transpostas
com maior facilidade e baixo custo.
Durante alguns anos, cogitou-se a possibilidade de se fazer uma
ferrovia que pudesse ser integrada com a navegação fluvial, chegando até
Salto Grande e interligando-se com um sistema de navegação fluvial
envolvendo os rios Paranapanema, Paraná e Ivinhema, atingindo a Vila de
22
A sugestão de se usar o Rio Paranapanema como via de transporte não é algo muito comum,
pelo relato de viajantes como E. Krug e C. Schmidt é possivel perceber um comlexo sistema
de estradas e trilhas que cortam o sertão” paulista. SAMPAIO, Teodoro. São Paulo no
São Paulo no São Paulo no
São Paulo no
século XIX e outros ciclos históricos.
século XIX e outros ciclos históricos.século XIX e outros ciclos históricos.
século XIX e outros ciclos históricos. p. 108.
- 79 -
Miranda, no Estado do Mato Grosso
23
. Depois de alguns anos, analisando os
apontamentos feitos pela CGG, os engenheiros da Estrada de Ferro
Sorocabana (EFS) decidiram pelo abandono da navegação e a ferrovia avançou
pelo espigão entre o rios Paranapanema e do Peixe.
Durante muitos anos, os trabalhos de reconhecimento geológico e
geográfico feitos pela CGG foram o referencial de classificação, e serviram
para outros estudos, incluindo aqueles destinados ao aproveitamento
hidrelétrico do rio em meados do século XX.
Nas duas últimas cadas, as políticas públicas em torno do rio
impulsionaram os municípios e o governo estadual a repensarem uma nova
divisão do rio, optando pela diminuição dos setores e dando a seguinte
classificação: Alto Paranapanema, Médio Paranapanema e Baixo
Paranapanema, sendo mais utilizada correntemente pelo Comitê de Bacias
Hidrográficas (CBH), para implantação dos projetos
24
.
Da mesma forma, a CGG realizou também a classificação do território
regional em três ambientes com formações geográficas e geológicas distintas,
dividindo-o da seguinte forma:
Cerca de metade desse territorio consiste em
campos
, a porção
média adjacente, ao curso do rio e abrangendo a zona mais
baixa, dos principaes affluentes é a
região da matta
, a
cordilheira marítima nas cabeceiras, a serra do Espírito Santo, a
da Fartura, a de Botucatú, a dos Agudos, e a de todo espigão
divisor dos Valles do Paranapanema e Tie são as
terras
altas
25
.
23
SAMPAIO, Teodoro. Considerações Geográficas do Valle do Paranapanema. Boletim da
Boletim da Boletim da
Boletim da
CGG.
CGG.CGG.
CGG. São Paulo. n. 4, 1890, p. 38.
24
Os estudos realizados pela CGG foram durante anos referência para vários outros projetos
relacionados ao rio. Cabe destacar os estudos para implantação da Hidrelétrica de Salto
Grande, em 1929, realizado pelo Serviço Geológico e Mineralógico, sob a coordenação do
Eng. Raimundo Ribeiro Filho. GIAVARA, Eduardo. O sonho iluminado
O sonho iluminadoO sonho iluminado
O sonho iluminado: a hidrelétrica de Salto
Grande, memória e representação. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Ciências e
Letras. UNESP. Assis, 1983. p. 138.
25
SAMPAIO, T. Considerações Geográficas do Valle do Paranapanema. p. 6.
- 80 -
Naquele momento, a elaboração de um subzoneamento seria importante
para que a região fosse apresentada de forma mais clara aos leitores, a fim de
que eles pudessem construir um panorama mais preciso sobre a ocupação do
solo e delinear as características físicas e as potencialidades naturais a serem
desenvolvidas.
A região encontrada por Teodoro Sampaio e sua comitiva ainda tinha
uma paisagem rica em vegetação e fauna, características que contribui para
uma análise mais apurada do meio ambiente. O primeiro domínio geográfico
descrito por T. Sampaio é a
Região da Mata
, extensiva por quase toda a Bacia
do Paranapanema, que corresponde quase a um terço de todo o vale, com a
qual ele teve mais contato. A formação geológica dessa região é composta por
basalto, espécie de rocha que surgiu na superfície terrestre em decorrência
de erupções vulcânicas e cuja decomposição deu origem a uma terra de cor
avermelhada, popularmente conhecida como terra roxa” , que atinge uma
grande da margem paulista do Rio Paranapanema, alguns afluentes e quase
toda a planície paranaense.
A “ terra roxa , de excelentes qualidades agrícolas, tem um solo
argiloso propício à retenção da água e de nutrientes, elementos importantes
para que este domínio tivesse florestas com troncos espessos, cuja altitude
variava entre vinte e trinta metros. A excelente qualidade da terra e a densa
vegetação proporcionaram a formação de uma camada de húmus,
suficientemente rica para que os primeiros agricultores não precisassem
dispensar maiores cuidados com no manejo da terra. Do lado paranaense, a
formação basáltica, também possibilitou que a terra roxa” proporcionasse o
surgimento de florestas de araucária por quase todo o território. Segundo o
mesmo relatório, ainda era possível encontrar outras ocorrências geológicas
- 81 -
de terra roxa” nas terras altas, aproximadamente entre 600 e 800 metros
de altitude
26
.
Edmundo Krug, ao atravessar pelas terras roxas” do oeste paulista,
também se deparou com exuberantes florestas e ressaltava que, próximos aos
ribeirões e rios, as matas se apresentavam com uma vegetação
vigorosa”
27
.:
Ao longo do rio em ambas as margens o solo é riquissimo, a
rocha originaria da tão afamada terra roxa emerge a cada
instante no leito do rio e nos terrenos visinhos. A matta virgem
offerece aos conhecedores da boa terra os indicios mais
incocussos da sua superioridade: a
figueira branca
com raízes
colossaes, o
paó d’ alho
, a
peroba
com grossos troncos
linheiros, a
cabreuva
, o
cedro
, a
chimbuva, guarahitá,
o
jatahy
,
jacarandá
são ahi arvores gigantescas. Enorme variedade de
cipós ou planta sarmentosas faz através da matta uma rede
impenetravel. Grande abundancia de orchideas e de bromelias
cobrem troncos envelhecidos, emquanto da massa espessa de
folhagem se levantam esbeltas e lindissimas palmeiras de que
tambem há aqui grande variedade
28
.
Em outro momento de sua excursão ressaltava ainda que o vigor da
floresta não estava somente nas árvores, mas nas cores e nos perfumes
produzidos que impregnavam os sentidos:
O solo quasi que exclusivamente de terra roxa [...] As matas
são de superior qualidade: árvores grossas e gigantescas
abundam, causando verdadeiro pasmo. [...] Aqui se um belo
e florescente ipê, cujo cerne é duríssimo. [...] Mais adiante
depara-se com um enorme Jataí seguindo-se algumas caviúnas,
saguarajis e diversas canelas. [...] Mas o cheiro que impregna a
atmosfera e insuportável, é acre e semelhante a que exala o
26
Idem. Ibidem. p. 12-13.
27
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 378.
28
SAMPAIO, Teodoro. Considerações Geográficas do Valle do Paranapanema. p. 13.
- 82 -
alho, fazendo nos perceber terrenos de superior qualidade: e o
pau d’ alho, a jurema, donde emana o aroma irritante
29
.
Se as terras próximas ao leito do rio demonstravam todo esse vigor, em
contrapartida, a baixa altitude acabava por desestimular as lavouras de café
que necessitavam de altitudes maiores para a livrarem das geadas
30
. Segundo
E. Krug, em um futuro próximo essas terras mais baixas seriam uma grande
reserva para lavouras de cereais, pois suas qualidades estimulariam os
agricultores a diversificarem sua produção agrícola
31
.
Apesar das prodigiosas qualidades que tomava conta de quase toda
região de terra roxa” ainda se usava técnicas antigas para se aferir a
qualidade da terra. Desta forma, o padrão de riqueza da floresta era medido
pela presença de algumas espécies de árvores como o pau d’ alho, jurema,
etc. e pela espessura da camada de húmus cuja medida mais usual
deveria ser suficiente para um homem afundar nela até o meio da barriga da
perna” , aproximadamente 88 cm, mas, segundo Warren Dean, muitos
fazendeiros novatos” desconheciam as qualidades da terra e ignoravam
29
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 386. Segundo a literatura do século XIX,
o pau d’ alho talvez tenha sido o padrão por excelência para se mensurar a qualidade do
solo. A árvore ainda foi muito usada na fabricação de canga de boi, por ser madeira leve, e
as folhas continham qualidades medicinais usadas no tratamento de lombriga. A condição de
padrão” foi à garantia da sobrevivência da árvore e, muitas vezes, ocupava sozinha a
vasta paisagem do campo. ZOCCHI, Paulo. Paranap
ParanapParanap
Paranapanema:
anema:anema:
anema: da nascente a foz. São Paulo.
Audichromo, 2002. p. 89; DEAN, Warren. A ferro e fogo:
A ferro e fogo:A ferro e fogo:
A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata
Atlântica brasileira. São Paulo. Cia. das Letras, 1996. p. 197.
30
Cornélio Schmidt ao chegar à cidade de Salto Grande do Paranapanema visita algumas
fazendas de café próximas ao rio e destaca que a produção tem sido de excelentes
resultados. Porém, próximo ao Rio Novo, uma plantação com aproximadamente 80.000 pés
de café não escaparam aos efeitos da geada. Da mesma forma, é muito comum ao longo de
seu percurso descrever os efeitos que as baixas temperaturas têm causado a região.
SCHMIDT, Cornélio. Op. cit.; p. 445-6.
31
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 378. Os apontamentos feitos por E.
Krug se concretizaram, anos mais tarde, com a consolidação da economia com a chegada da
Estrada de Ferro. Pierre Monbeig ao estudar a região do médio Paranapanema, destaca que
as “ terras roxas” , localizadas próximas ao Rio Paranapanema, eram excelentes produtoras
de grãos e, em especial o milho. MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo
Pioneiros e fazendeiros de São PauloPioneiros e fazendeiros de São Paulo
Pioneiros e fazendeiros de São Paulo.
São Paulo. Hucitec, 1984. p. 78.
- 83 -
conhecimentos acumulados com o trato da terra, assim, aprenderam com a
experiência e deixaram os saldos negativos contabilizados para a Mata
Atlântica
32
. Assim, em algumas propriedades no Vale do Paranapanema era
comum os proprietários deixarem algumas árvores no meio do campo
devastado, não por benevolência, mas por se tratar de referências que
pudessem servir na hora de negociar o imóvel.
Em contraposição a exuberância das matas de galeria, o campo
campocampo
campo, cujas
características eram bem distintas, foi a região mais apreciada pelas frentes
pioneiras, devido à altitude ideal para o cultivo de café, à vasta planície que se
ajustava aos interesses de criação de gado e à facilidade de preparo do solo
para agricultura.
A região, conhecida também como cerrado devido à vegetação
especifica do oeste paulista, concentrava um ecossistema diversificado, cuja
flora se apresentava de forma gradual, variando do campo sujo” com
capins rasteiros e arbustos pequenos e esparsos até o cerradão”
caracterizado pela presença de árvores de raízes profundas com tronco
longos e finos
33
. (ver Figura 1).
Fig
FigFig
Figura 1
ura 1ura 1
ura 1 – Representação esquemática do gradiente fisionômico da vegetação de Cerrado
34
.
32
DEAN, Warren. Op. cit., p. 197.
33
Cf. AB SABER, Aziz Nacib. Os domínios da natureza no Brasil
Os domínios da natureza no BrasilOs domínios da natureza no Brasil
Os domínios da natureza no Brasil: potencialidades
paisagísticas. São Paulo. Ateliê Editorial, 2003; DURIGAN, G. et. ali. Manual para
Manual para Manual para
Manual para
recuperação da vegetação do cerrado
recuperação da vegetação do cerradorecuperação da vegetação do cerrado
recuperação da vegetação do cerrado. São Paulo. Paginas & Letras, 2003. p. 2.
34
DURIGAN, G. et. Al. Op. cit. p. 2.
- 84 -
Com a abertura das terras, a economia cafeeira nos primeiros anos do
século XIX trouxe para a região muitos agrimensores para trabalharem no
parcelamento das terras. Entre os que chegaram está o engenheiro e
agrimensor Bruno Giovannetti, vindo da Itália, em 1914, e contratado pela
empresa de José Giorgi, para auxiliar na expansão dos trilhos da Estrada de
Ferro Sorocabana, de Salto Grande até as barrancas do Rio Paraná. Sua vinda
para o Brasil lhe proporcionou o contato com a natureza exuberante e
incólume” e, em muitos aspectos, diversa da geografia italiana. Empolgado
pela paisagem, relatou suas impressões sobre a natureza e os homens em
jornais da região, da capital e, até mesmo, em alguns periódicos italianos
35
.
Assim, ao se deparar com os campos, vê, nessa vegetação, a impossibilidade
de se auferir algum lucro com a prática agrícola.
Os campos ocupam largas extensões em nossa zona.
Praticamente inexplorados, alimentam apenas escassas cabeças
de gados. Denominamos campos as terras fracas, cobertas de
macega, com raros arbustos ressequidos, e com enormes
manchas de areia branca que alcançam, em certos lugares,
áreas extensas. A vegetação primária é o cerradinho com
palmeira acaule “ indaiá” e moitas de bromeliáceas.
36
35
Segundo o pesquisador José Antonio Tobias, os jornais regionais em qual Bruno Giovannetti
colaborou são: A Comarca, Paraguaçu Paulista; Correio de Quatá, Quatá; Jornal de Tupã,
Tupã; O Imparcial, Presidente Wenceslau; Diário Paulista, Marília; Jornal de Assis; Assis.
Entre os da capital paulista estão: Fanfulla, Il Piccolo. Na Itália colaborou com os periódicos
La Carfagnana
, de 1915 a 1933,
Varietas
e
O messagero di Luca
. TOBIAS, José Antonio
Tobias. História de Campos Novos Paulista:
História de Campos Novos Paulista:História de Campos Novos Paulista:
História de Campos Novos Paulista: capítulos de boca de sertão do Paranapanema.
Marilia. Editora da Unoeste, 1990. p. 114.
36
GIOVANNETTI, Bruno. Esboço históri
Esboço históriEsboço históri
Esboço histórico da Alta Sorocabana
co da Alta Sorocabanaco da Alta Sorocabana
co da Alta Sorocabana. São Paulo. Revista dos
Tribunaes. S/D. p. 18. Os cerrados durante as primeiras décadas do século realmente eram
vistos como improdutivos e sua função básica era a pecuária extensiva e o fornecimento de
lenha e carvão. Essas atividades apesar de não serem altamente degradantes foram
durantes décadas as principais atividades que colocaram fim a grande parte do cerrado no
Estado de São Paulo. Nas duas últimas décadas, a expansão agrícola e o uso de tecnologias
tem sido os grandes agentes da degradação ambiental que colocou fim ao cerrado em
extensas áreas de São Paulo e na região centro-oeste. O problema acendeu a necessidade
de preservar o meio ambiente, pois novas pesquisas demonstraram que o cerrado é um
importante ecossistema rico em biodiversidade e fundamental para manutenção da vida
terrestre. DURIGAN, G. Op. cit., p. 1
- 85 -
No Estado de São Paulo, os campos
campos campos
campos se estendiam por uma planície que
ocupava quase todo território paulista e ainda se expandia para Estados
vizinhos, principalmente, Mato Grosso e Minas Gerais. Na região do vale do
Paranapanema, a altitude média variava entre 450 e 750 metros, cujas
planícies eram interrompidas pelos rios e afluentes, que faziam profundos
sulcos na terra e formavam uma rica mata ciliar. Com as amostras de solo
recolhidas pela CGG, foi possível elaborar a primeira classificação geológica
da região, o que auxiliou os técnicos a concluírem que o solo regional poderia
ser divido em dois complexos: o solo arenoso” predominante nos
campos
camposcampos
campos e o solo argilo-arenoso” composto basáltico que deu origem
a “ terra-roxa” , predominante nas margens do Paranapanema e se espalhava
por toda a planície paranaense.
37
Apesar das áreas de campos
camposcampos
campos serem destacadas como uma grande
reserva para o futuro, ainda existiam problemas de erosão e lixiviação, não
mencionados nos relatórios da CGG. Porém, as conclusões que a Comissão
chegou sobre os solos arenosos” , se tornaram, em poucos anos,
insuficientes para explicar as qualidades físicas e os cuidados técnicos que se
deveria dispensar ao manejo do solo.
Em 1949, Pierre Monbeig, usando as classificações de Jo Setzer,
indicava uma nova classificação para os solos do oeste paulista. Dentro dessa
nova composição, o solo arenoso” era apresentado em um grande grupo
denominado Arenito Bauru” , porém o que se acrescenta é uma subdivisão
em: Formação Bauru Superior e Formação Bauru Inferior
38
.
37
SAMPAIO, Teodoro. Considerações Geográficas do Valle do Paranapanema. p. 15.
38
MONBEIG, Pierre. Op. cit., p. 78. Atualmente, o uso dessa classificação está ultrapassado,
pois muito se tem produzido sobre a classificação dos solos em todo Brasil. O critério de
adoção desses dados foi em virtude da obra de Pierre Monbeig concentrar informações
relativas ao processo de ocupação do território e às variáveis ambientais presentes na
região.
- 86 -
As conclusões de Pierre Monbeig apontavam para a Formação Bauru
Inferior, presente em quase toda a extensão do Vale do Paranapanema, cuja
constituição é de solos arenosos quase que inóspitos à prática agrícola. A
extrema permeabilidade faz com que a água da chuva promova o processo de
lavagem, retirando os nutrientes da superfície e movendo-os para as camadas
mais profundas. Outra deficiência é a falta de calcário, minério presente em
alguns tipos de solos arenosos, que acarreta a presença de produtos tóxicos
como o alumínio e o aumento significativo da acidez, empobrecendo a lavoura.
Contudo, a maior preocupação com os solos arenosos é a sua grande
suscetibilidade às erosões, fato que demanda um cuidado maior com o manejo
agrícola e exige a aplicação de curvas de vel e a manutenção de uma
cobertura vegetal próxima às encostas dos rios para que se evite danos
irreparáveis
39
.
Apesar da inexistência de uma classificação e de uma sistematização
dos cuidados que o agricultor deveria ter com o manejo do solo, os
documentos possibilitaram observar que os primeiros habitantes
apresentavam sinais do manejo incorreto do solo, provocando a erosão de
áreas. Em 1905, Edmundo Krug, ao passar próximo a Campos Novos do
Paranapanema, depara-se com um desses acidentes e descreve-o da seguinte
forma:
Depois de algumas horas de viagem, chegamos aos campos de
Campos Novos de Paranapanema onde ainda tive occasião de
ver uma extensa vassároca que surprehendeu por demais o meu
companheiro de viagem.[...] Qual não foi a surpreza do bom
velho, quando em logar da fonte de agua, deparou com um
enorme buraco de 30 metros de profundidade, 100 de largura e
mais ou menos 300 a 400 metros de comprimento! Achavamo-
nos deante de uma
vassároca
, deante de uma desta formações
geológica modernas, de um destes enormes buracos carcomidos
pelas pequenas aguas em logares arenosos, que tendem a
crescer enormemente em poucos anos, caso o terreno no qual
39
Idem. Ibidem, p. 80.
- 87 -
ellas se acham seja composto de elementos soltos e movediços.
Estas areias finas e desprendidas destes logares vão depositar-
se em as beiras do rio ou em caldeirões dos mesmos,
engargantando, conseguintemente, o leito deste, ou actuando
sobre as enchentes. Beiras de rios nos quaes se depositam-se
taes sedimentos são, nos tempos de chuvas, muito flageladas
pelas enchentes, sendo este o motivo porque sahir do Rio
Paranapanema muitos metros alem do seu leito nos tempos
chuvosos, pois
vassarócas
não são raras nos cerrados pelos
quaes transitei e esta areia não se deposita immediatamente,
rola levada pelas aguas dos riachos para longe.
40
A falta de habilidade no tratamento com esse tipo de solo também pode
ser observada nos trabalhos realizados na Estrada Boiadeira, pelo engenheiro
Olavo Hummel, em 1893, pois, em poucos anos, muitas das pontes construídas
para passagem do gado vindo do Mato Grosso estavam destruídas em
decorrência do solo arenoso
41
.
Mesmo diante de todos esses percalços, as conclusões de T. Sampaio,
acerca dos campos foram positivas, pois ele acreditava que num futuro
próximo a região poderia se tornar um importante celeiro, o qual deveria ser
usado quando o homem pudesse dispor de tecnologias para que o meio não
fosse totalmente degradado. Por isso, afirma que:
Os campos são na realidade reservas do futuro, serão um dia o
theatro de uma lavoura mais intelligente e racional, quando o
coeffeciente da população relativa deixar de
ser
uma fracção
para se tornar o representativo de muitas dezenas de entes
humanos por kilometros quadrados do nosso territorio. Então os
campos que representam tantos mil kilometros de terras
abertas e desempedidas, com superficie egual ou quasi
40
KRUG, Edmundo. Op. cit., p. 442. Cornélio Schmidt, se depara com problema semelhante no
caminho para o Bairro de São Mateus, relata que próximos as beiras d água, o terreno é
tão arenoso que em tôdas elas tem muitas bossorocas
(sic)
ou desbarrancados profundos, e
isto é o motivo pelo qual o caminho nos campos, com um ou dois anos de uso, fica fundo e
com a aparência de velho e os moradores mudam-se com facilidade. SCHMIDT, Cornélio.
Diário de uma viagem pelo sertão de São Paulo. p. 445-6.
41
Em 1904, o Engº Cornélio Schmidt, ao passar pela estrada, apontava a dificuldade que se
tinha de transpor algumas pontes, pois o que havia eram somente restos. SCHMIDT,
Cornélio. Op. cit.; p. 436.
- 88 -
nivelada, com uma temperatura branda e clima saudavel, serão
de facto, como solo eminentemente aravel, o theatro de uma
poderosa cultura intensiva.
42
Segundo os levantamentos feitos pela CGG,
terras altas
seriam aquelas
que estariam acima 650 metros e seriam predominantemente compostas pelo
solo arenoso. Contudo, usando os dados de Pierre Monbeig o que se via de
fato era a Formação Bauru Superior, que se destacava por afloramentos de
terra roxa” e solo arenoso, entretanto, este último tipo possuía o calcário,
cujas qualidades eram imprescindíveis para as lavouras.
Aqui na região a principal formação de terras altas se localizava na
Serra dos Agudos. Segundo Teodoro Sampaio:
[...] a Serra dos Agudos tem encostas ingrimes ou talhadas a
pique na vertente do rio do Peixe e que o valle deste rio é
montuoso e possue boas terras. Ora ahi temos o mesmo aspecto
de todas as terras altas desta parte de S. Paulo, as mesmas
camadas de gres em fórma de paredões como na Fartura, no
Botucatú, em Itaquery, e por seguinte a existencia muito
provavel de diques e lençóes de rocha erupitiva, de que se
origina a afamada terra roxa. É de crer que a altitude seja ahi
inferior a das outras chapadas, a que nos tem os nos referido,
mais ainda supponho que se acha em horizonte bastante elevado
e apto a cultura de café
43
.
Esses fatores físicos, juntamente com a altitude, que afastava o risco de
geadas, foram decisivos para atrair os pioneiros que vislumbravam nessas
42
SAMPAIO, Teodoro. Considerações geographicas e economicas sobre o valle do
Paranapanema. p. 17.
43
Idem. Ibidem. p. 20. As características das terras altas, descritas por Sampaio, foi por volta
de 1900, questão muito delicada na região, por se tratar do território indígena dos
Kaingangs foi disputada pelos pioneiros que vislumbravam nessas áreas a ampliação de suas
terras. Dentre esses pioneiros o mais notório foi o Coronel Sancho de Figueiredo, destemido
bugreiro, organizou várias dadas a fim de exterminar esses índios. Cf. RODRIGUES, Sônia da
Silva. Kaingang, Oti
Kaingang, OtiKaingang, Oti
Kaingang, Oti-
--
-xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanemaxavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema.
Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. p.
13.
- 89 -
regiões a possibilidade de investimento de suas economias na produção
cafeeira. P. Monbeig afirma que:
[...] o Bauru superior é, entre os solos dos planaltos ocidentais,
o que, depois da terra roxa legítima, oferece as melhores
possibilidades à agricultura. Pela sua posição ao longo dos
espigões, ele ofereceu aos pioneiros que haviam ultrapassado
as manchas de terra roxa, um solo também capaz de exibir
belos cafezais, pelo menos no início de seu aproveitamento.
Pela sua posição topográfica e pelas suas qualidades, o Bauru
Superior teve um considerável desempenho na elaboração da
paisagem
44
.
Entre as classificações sugeridas é possível notar que os trabalhos
realizados pela CGG nortearam-se pela necessidade de se construir a idéia de
uma região e, para tanto, se valeram de pressupostos científicos que
pudessem sujeitar os recursos naturais às pretensões da economia agrícola
exportadora. Com isso, o desempenho de homens como T. Sampaio, E. Krug e
C. Schmidt fizeram surgir aos olhos dessa elite agrícola paulista um novo
mundo, caracterizado como o Eldorado” ou a Nova Canaã” , que poderia
oferecer aos interessados uma terra próspera, fecunda e abundante, regada
por rios caudalosos e à espera da mão do homem para ser desbravada.
Longe dos discursos científicos e do poder do Estado, a vida cotidiana
no extremo oeste paulista obedece a uma rotina conduzida, em grande parte,
pelos interesses externos. A ocupação do Vale do Paranapanema é uma
sucessão de levas migratórias iniciadas por volta de 1850 até as primeiras
décadas do século XX. A distância com dos grandes centros urbanos e o
isolamento de muitas comunidades abriu espaço para a região ser
caracterizada de forma pejorativa e termos como barbárie” , reduto de
pobreza” , vida lasciva e de doenças infecciosas” foram de uso comum em
relatórios e diários viagem. Assim, além das classificações físicas feitas pela
44
MONBEIG, Pierre. Op. cit.; p. 82.
- 90 -
Comissão, também houve o esforço de classificar os aspectos sociais que
envolviam as comunidades rurais da região. Gradualmente, portanto, se
configura uma estratégia do Estado de compor um quadro depreciativo que
pudesse justificar a ocupação e a eliminação de tribos indígenas, caipiras ou
qualquer outro grupo social que não fosse incorporado aos interesses do
mundo civilizado” .
Com isso, o que se lê nas entrelinhas desses documentos, é um modo de
vida singular, com características próprias, que se contrapõem às nascentes
metrópoles, isto é, ao universo urbano-industrial, cuja denominação de
áreas de fronteira” será o enfoque do próximo subitem.
O SERTÃO DESCONHECIDO
O SERTÃO DESCONHECIDOO SERTÃO DESCONHECIDO
O SERTÃO DESCONHECIDO
Conhecer dados precisos sobre as fronteiras do oeste paulista, por
volta de 1850, era fato raro na elite agrícola, pois as políticas de ocupação de
terras ainda não possuíam dados significativos sobre esses terrenos
desconhecidos” e, conseqüentemente, tudo ainda era uma incógnita.
Experiências anteriores, como as entradas dos bandeirantes no século XVII,
corresponderam apenas aos interesses fugazes por índios e pedras preciosas
e, por isso formaram poucos núcleos populacionais pelo interior do país e
deixaram trabalhos significativos de exploração. Grande parte dessas
investidas saiu de São Paulo, mas isso não permitiu que na virada do século
XIX ainda tivesse dentro de seu território regiões inexploradas.
Nesse mesmo momento, afloravam as contradições entre a vida urbana
e a rural: a primeira, ligada a modelos europeus de civilização e de consumo;
a segunda, representada por um contingente de homens livres e mestiços,
usualmente chamados de caipiras, espalhados pela infinitude do sertão e que,
ao longo de séculos, foram reproduzindo uma economia natural de
subsistência” baseada numa agricultura itinerante, [...] combinada com a
exploração complementar das terras, das aguadas, das matas, através da caça,
- 91 -
da pesca e da coleta de frutos e tubérculos” . Marginais na economia viviam
sem nada vender, [...] voltando à vida autárquica de economia artesanal
doméstica que satisfazia, nos níveis possíveis, às necessidades comprimidas a
limites extremos”
45
.
Cidades litorâneas como Salvador, Rio de Janeiro e Recife, grandes
centros econômicos de onde escoavam os produtos tropicais, era considerada
o mundo civilizado” , o interior poucas vezes despertou o interesse dos
habitantes da colônia. O que havia de fato, segundo Sergio Buarque de
Holanda, era um desestímulo da ocupação do interior ou do sertam” ,
designação das regiões distantes da costa, muitas vezes por força da própria
administração portuguesa que proibia legalmente a posse de terras muito além
das costas, conforme sugere a citação abaixo:
Os portugueses, esses criavam todas as dificuldades às
entradas terra a dentro, receosos de que com isso se
despovoasse a marinha. No regimento do primeiro governador-
geral do Brasil, Tomé de Souza, estipulava-se expressamente,
que pela terra firme adentro não tratar pessoa alguma sem
licença especial do governador ou do provedor mor da fazenda
real [...] Outra medida que parece destinada a conter a
povoação no litoral é a que estipulam as cartas de doação das
capitanias, segundo os quais poderão os donatários edificar
junto do mar e dos rios navegáveis quantas vilas quiserem,
por que por dentro da terra fyrme pelo sertam as nam
poderam fazer menos espaço de seys legoas de hua a outra’
[...]
46
Assim, a idéia de sertão” ou interior” passava impressões
negativas; os terrenos longínquos, cobertos pela mata virgem e habitadas por
índios selvagens, eram qualificativos que afastavam qualquer possibilidade de
45
RIBEIRO, Darcy. O povo brasi
O povo brasiO povo brasi
O povo brasileiro:
leiro:leiro:
leiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo. Cia. das
Letras, 2006. p. 346
46
Apud HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil
Raízes do BrasilRaízes do Brasil
Raízes do Brasil
.
Brasília. Editora da UNB, 1963. p. 91-
93.
- 92 -
colonização dessas áreas. Muitas pessoas que decidiam por se isolar nessas
terras queriam fugir dos recrutamentos do exército ou tinham alguma
pendência com a justiça. Longe das convenções sociais, muitos encontravam
nessas áreas liberdade de agir e de se expressar e a rotina do trabalho era
conduzida segundo as necessidades pessoais ou do grupo
47
.
Na segunda metade do século XIX, o mundo urbanizado estava mais
presente nas cidades litorâneas, desta forma, cidades como o Rio de Janeiro e
São Paulo eram as irradiadoras do progresso, onde as novas idéias políticas e
sociais tomavam conta dos salões sociais, academias e bares. A cidade de ar
cosmopolita esbanjava, nos traços arquitetônicos, uma arte que reafirmava a
presença da civilização; nas lojas, homens e mulheres, tinham acesso às
novidades da moda e, a todo o momento, os habitantes eram lembrados de que
suas raízes estavam muito distantes daqui: na Europa
48
.
Toda abundância e ostentação do mundo cosmopolita restrito à costa
brasileira se contrapunha ao interior do país: uma grande porção de terra que
precisava ser “ desbravada e civilizada” . Os contrastes da realidade européia
eram diametralmente opostos ao modo de vida interiorana do país e, em
alguns momentos, essas realidades, confrontadas com as exigências desse
universo, afloravam em conflitos de forma bem contundente. No final do
século XIX, o exemplo claro dessa situação emergiu com o episódio de
Canudos, uma rebelião de flagelados” , no interior da Bahia, cujas bases
sustentavam-se no messianismo e na fixação do homem no meio rural
características opostas ao projeto modernizador em voga
49
.
47
PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato. Uma história da vida rural no Brasil
Uma história da vida rural no BrasilUma história da vida rural no Brasil
Uma história da vida rural no Brasil. Rio de Janeiro.
Ediouro, 2006. p. 61.
48
BARROS, Roque Spencer M. A ilustração brasileira e a idéia de universidade
A ilustração brasileira e a idéia de universidadeA ilustração brasileira e a idéia de universidade
A ilustração brasileira e a idéia de universidade. São Paulo.
Edusp: Convívio, 1986, p. 9.
49
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão
Literatura como missãoLiteratura como missão
Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República. p. 174-176. Cf. _________. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do
progresso. In. ________. Hisria da vida privada no Brasil
História da vida privada no BrasilHistória da vida privada no Brasil
História da vida privada no Brasil 3. São Paulo. Cia. das Letras,
1998. p. 16-18.
- 93 -
Outras manifestações dessas incoerências ocorrem no confronto
cotidiano do colonizador com as populações indígenas e com os bairros de
pequenos agricultores que tinham um modo de vida muito peculiar, com
técnicas, costumes e tradições seculares. Diante de imposições alheias ao seu
universo social e político muitos desses habitantes do interior do país são
obrigados a abandonar suas terras e se apartarem do grupo e de suas
famílias.
No período estudado, a idéia de ocupação do interior do país ganhou
estímulo com a vinda da Família Real, deste modo, foram incentivadas
expedições como a de Langsdorf, de Jean Baptiste Debret, de Johann Moritz
Rugendas, de Auguste de Saint-Hilaire, entre outras que percorreram o
interior do país descrevendo a natureza, os costumes e as tradições. Os
apontamentos feitos durante essas expedições, denominados literatura de
viagem” , tornaram-se documentos imprescindíveis para o conhecimento das
regiões ainda inexploradas pelo homem
50
.
A crescente indústria inglesa, ávida pela matéria-prima, combustíveis e
minérios, entrevia nessas viagens e no material produzido importante
instrumento ao desenvolvimento do capitalismo industrial, tornando os países
periféricos fornecedores potenciais de recursos para a indústria inglesa.
Desse modo, era preciso que essas reservas fossem classificadas,
catalogadas e estudadas sistematicamente, a fim de mensurar a sua possível
utilidade na ampliação das forças produtivas
51
.
Como vimos no capítulo anterior, a Lei de Terras e a crescente
produção cafeeira rumo ao oeste paulista, foram o estopim da questão agrária
que estimula conflitos até os dias de hoje. Entretanto, a Lei de Terras,
promulgada pelo governo Imperial, foi crucial na ocupação das fronteiras do
50
Cf. MENDES, Elizabeth Camargo. Os viajantes no Brasil
Os viajantes no Brasil Os viajantes no Brasil
Os viajantes no Brasil -
--
- 1808
1808 1808
1808-
--
-182
182182
1822
22
2. Dissertação
(Mestrado) – FFLCH/USP. São Paulo, 1986.
51
Cf. FIGUERÔA, Silva. As ciências geológicas no Brasil
As ciências geológicas no BrasilAs ciências geológicas no Brasil
As ciências geológicas no Brasil: 1875-1934. o Paulo: Hucitec,
1995.
- 94 -
oeste paulista, o que proporcionou de imediato uma corrida pela ocupação de
regiões extremas do Estado.
A imposição da lei reabilitou um fenômeno conhecido na realidade
brasileira: a fronteira agrícola. O fenômeno foi estudado em vários momentos
da história brasileira, de tal modo que é possível destacar, para esse trabalho,
os estudos de Pierre Monbeig
52
e José de Souza Martins
53
.
Pierre Monbeig
54
, com uma análise efetuada na década de 1940, ao
fazer referência à problemática, destacava que a franja pioneira” teria os
mesmos princípios de um exército que avança na conquista de um território,
assim, define que:
[...] a marcha pioneira não conhece nem generais nem
estratégias, nem mapas. No máximo, poder-se-á falar em
táticas locais. [...] o avanço do povoamento está longe de ter
aspecto de um
front
contínuo que se pudesse balizar cuidadosa
e regularmente. Trata-se mais de incursões de grupos
numerosos, difíceis de localizar. É, portanto, melhor falar [...]
em franja pioneira , expressão um tanto vaga, mas que
convém melhor a essa região instável e incerta, onde as
manchas de floresta subsistem às vezes por muito tempo,
envolvidas por culturas ou pastagens, mesmo quando bem
mais distantes o solo abriga os primeiros cultivos. É uma
fronteira que progride irregularmente e em direções confusas.
55
Portanto, a franja pioneira” é um processo de consolidação da
civilização e do capitalismo, de tal modo, que o índio nada mais é do que um
precursor desse povoamento e sua preocupação está na alteração da paisagem
pelas sucessivas levas migratórias decorrentes da expansão da ferrovia e da
cultura cafeeira sobre as terras do oeste paulista. Deste modo, o conceito
52
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo
Pioneiros e fazendeiros de São PauloPioneiros e fazendeiros de São Paulo
Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo. Hucitec, 1984.
53
MARTINS, José de Souza. Fronteira:
Fronteira:Fronteira:
Fronteira: A degradação do outro nos confins do humano. São
Paulo: HUCITEC, 1997. __________. Frente Pioneira: contribuição para uma caracterização
sociológica. In: Estudos Históricos
Estudos HistóricosEstudos Históricos
Estudos Históricos. São Paulo, n. 10, p. 33-41, 1971.
54
MONBEIG, Pierre. Op. cit., Em especial o Livro II.
55
Idem. Ibidem. p. 165.
- 95 -
pioneiro” utilizado pelo geógrafo nos remete a relacioná-lo ao empresário
do café, ao comerciante, ao empreendedor e ao pequeno agricultor
56
.
A perspectiva indicada por José de Souza Martins, ao analisar a
problemática da expansão demográfica sobre a região amazônica, na década
de 1970, constitui-se uma releitura desses conceitos, para que sejam mais
amplos e possam abarcar outros sujeitos desse processo. Portanto, seu
trabalho é, antes de tudo,
modos de ver
a fronteira, diferentes entre si por
que são diferentes [...] os lugares sociais a partir dos quais a realidade é
observada”
57
.
Diante dessa controvérsia, destacou-se a idéia de
frente de expansão
,
na qual, segundo Martins,
a fronteira sempre aparece com o limite do humano, [...] além
dela está o não-humano, o natural, o animal. Se entendermos
que a fronteira tem dois lados e não um lado só, o suposto lado
da civilização; se entendermos que ela tem o lado de cá e o lado
de lá, fica mais fácil e mais abrangente estudar a fronteira como
concepção de fronteira do humano”
58
.
Frente a essas posições a ocupação do Vale do Paranapanema, a partir
de 1850, é constituída por interesses diversos e pode ser divididas em dois
momentos: no primeiro, denominado de fronteira da demográfica
fronteira da demográfica fronteira da demográfica
fronteira da demográfica e iniciado por
volta de 1850, foi caracterizado pela formação de grupos sociais provenientes
da região sul do Estado de Minas Gerais. Por volta de 1890, chega a segunda
a fronteira econômica
fronteira econômicafronteira econômica
fronteira econômica, que, distintamente da primeira, é marcada pela ação
de grandes cafeicultores paulistas que projetavam a região como uma
importante reserva de mercado, podendo ser utilizada na expansão dos
cafezais, na diversificação agrícola ou especulação imobiliária. Nessa fase, a
ferrovia será elemento decisivo na exploração das regiões abrindo cidades e
56
MARTINS, José de Souza. Fronteira
FronteiraFronteira
Fronteira. p. 152-153.
57
Idem. Ibidem. p. 152.
58
Idem. Ibidem. p. 162.
- 96 -
dinamizando a economia com articulações, direcionamento e amplitude
inéditos.
Os mineiros que compunham a fronteira demográfica
fronteira demográfica fronteira demográfica
fronteira demográfica eram, em sua
maioria, agricultores vindos com a família em busca de grandes porções de
terras a baixo custo nas frentes de expansão. As famílias vinham atraídas pela
possibilidade de legitimarem uma posse sem a compra ou vinham com um
pequeno capital, oriundos da venda de outras propriedades e jogavam toda a
sua sorte na compra de vastas extensões de terras em lugares longínquos,
depositando expectativas de fortuna e conseqüente mudança de posição
social.
Na última década do século XIX, o governo paulista instalou algumas
comissões para a legitimação das posses da terra e, nas cadas seguintes a
terra foi sendo parcelada em grandes latifúndios. Entre os mineiros, alguns
possuíam títulos de suas propriedades, outros atraídos pela prosperidade” ,
somente ocupavam as terras como posseiros, não tinham nenhum papel que
lhe assegurasse a propriedade. Apesar dessa diferença, os primeiros
imigrantes – vindos de Minas Gerais – viviam um padrão de vida semelhante,
mantendo pequenas lavouras que se destinavam à sua própria subsistência e,
algumas vezes, um pequeno excedente agrícola era produzido para aquisição
de sal, pólvora, ferramentas, medicamentos, bebidas, tecidos, etc.
Muitos que se estabeleceram nesse primeiro momento, vieram atraídos
pelas terras rteis e baratas, tencionados a produzir lavouras de café, foram,
entretanto, desestimulados pela falta de acesso a recursos e à infra-estrutura,
elementos essenciais para que se pudessem tornar a lavoura economicamente
rentável. Diante dessa situação muitos acabaram se restringindo a condição de
pequenos agricultores, mantendo roças de milho, arroz e mandioca e a criação
de algumas cabeças de gado e de porcos ou qualquer outro gênero com que
pudessem garantir a sua sobrevivência. Em 1941, Romeu Pascoalick, imbuído
das idéias utilitaristas, registrou suas memórias sobre a ferrovia e, procurou
- 97 -
demonstrar o papel da Estrada de Ferro Sorocabana EFS na ocupação
territorial do Vale do Paranapanema, segundo o autor, anteriormente à
ferrovia a região era composta de:
[...] singelas povoações, isoladas, com gêneros de vida próprios
e deficientes: a criação do gado, suíno ou bovino, era o principal
elemento; alguns raros e primitivos engenhos de açúcar, o
cultivo de cereais para o consumo próprio [...] As relações
eram limitadas, o burro era o único meio de transporte
utilizável, e as primeiras colheitas de café, eram levadas por
tropas até o ponto terminal da estrada de ferro
59
.
Em 1890, Teodoro Sampaio, ao abordar os problemas do vale no artigo
publicado no Boletim do CGG, também sugeria que a falta de transportes não
era somente com os grandes centros, o que existia eram estradas
medíocres e pouco povoadas” , impossíveis até mesmo de ligar os municípios
vizinhos com uma comunicação mais eficiente e regular
60
. Tudo isso
contribuía para uma economia que tinha suas bases centradas na pequena
produção e no mínimo necessário à subsistência, como por exemplo, a compra
de sal ou pólvora.
Perante essas observações é possível perceber que a região do Vale do
Paranapanema, vai se configurando nesses discursos científicos como regiões
isoladas” , carentes” , de extrema pobreza” , etc. Porém, na visão do
outro, ou seja, na visão do caipira, se é que possível dizer, existe uma infra-
estrutura, isto é, de caminhos” e picadas” que lhes garante a
sobrevivência, de tal modo, que as necessidades apontadas pela CGG não são
prioritárias no cotidiano dele; antes, são externas e atendem aos interesses de
outra economia, a economia cafeeira.
59
PASCOALICK, Romeu.
Uma ferrovia paulista: a Sorocabana. Separata da Revista do
Separata da Revista do Separata da Revista do
Separata da Revista do
Arquivo Municipal
Arquivo MunicipalArquivo Municipal
Arquivo Municipal. Departamento de Cultura. São Paulo, n. LXXVI, 1941, p.183-196.
60
SAMPAIO, Teodoro. Considerações geographicas e economicas sobre o valle do
Paranapanema. p. 4.
- 98 -
Atualmente sabemos que a subsistência de fato nunca existiu nas
frentes de expansão do Vale do Paranapanema, de acordo com os
apontamentos de José de Souza Martins o que havia era uma economia de
excedente” , cuja situação leva o camponês a organizar sua economia em
outras bases de relações de trabalho e troca. Conseqüentemente, os
mecanismos de organização social do trabalho terão que assegurar meios de
produção e de seleção de produtos que possam proporcionar os meios de
subsistência familiar. Assim, na reta final, os produtos se tornam apenas
mercadorias de troca e não produtos cujo preço de venda pelo produtor
esteja eventualmente baseado numa contabilidade de custos, como ocorre na
atividade organizada em bases empresariais”
61
. Ainda vale complementar
essa posição com uma observação do advogado Armando Nogueira Cobra,
estabelecido na região nas primeiras décadas do século XX, de que na região
o dinheiro só veio aparecer de fato com a chegada da ferrovia, em 1909
62
.
Com isso, é possível entrever nos relatórios uma visão mercantilizada
dos problemas, apontavam que era necessário o prolongamento da ferrovia
até a região para que pudessem ser inseridas numa economia de mercado. No
entanto, o que se observa nas entrelinhas desses documentos é um complexo
de cidades, vilas e bairros organizados dentro de bases econômicas que
prezam pela troca e pela produção de pequenos excedentes agrícolas. Nessa
frente demográfica
, os mineiros, entusiasmados com o movimento migratório,
abriram estradas e fundaram os primeiros núcleos populacionais que, nas
décadas de 1880 e 1890, tornam-se cidades como Campos Novos do
61
MARTINS, José de Souza. Fronteira.
Fronteira.Fronteira.
Fronteira. p. 188. Cf. _________. Frente pioneira. p. 35-36.
62
COBRA, Amador Nogueira. Em um recanto do sertão paulista.
Em um recanto do sertão paulista.Em um recanto do sertão paulista.
Em um recanto do sertão paulista. São Paulo. Hennies & Irmãos,
1923. p. 220.
- 99 -
Paranapanema (1885), Espírito Santo do Turvo (1885) e Conceição do Monte
Alegre (1896)
63
.
O segundo momento da ocupação territorial é a front
frontfront
fronteira econômica
eira econômicaeira econômica
eira econômica,
cujo fluxo migratório será diversificado e na qual as relações de trabalho e
uso da terra sofreram sensíveis alterações, sustentando-se em outras bases
econômicas e sociais. Como ação inaugural desse momento, a viagem
empreendida pela CGG tem como finalidade maior pôr em evidencia a região,
dar consistência física e social a um território que até então permanecia
desconhecido pelo governo paulista. De acordo com a atuação do Conselheiro
João Alfredo, presidente de província, a criação da referida instituição estava
destinada a classificar as já mencionadas vias de comunicação, a propriedade
da terra e as possibilidades de se empregar a colonização pública e, ainda, que
era preciso também analisar as condições naturais favoráveis a
industrialização” , conforme suas palavras sugerem:
As cartas serão acompanhadas de memórias descrevendo as
feições físicas da província: a estrutura geológica; os recursos
minerais e agrícolas; a meteorologia; a hidrografia, incluindo
estudos de rios suscetíveis de navegação, e os meios de os
melhorar e os utilizar; as qualidades dos solo; as condições
as condições as condições
as condições
naturais favoráveis à indústria
naturais favoráveis à indústrianaturais favoráveis à indústria
naturais favoráveis à indústria, etc.
64
Através dessas instituições, o governo pretendia criar situações
favoráveis à ocupação das terras, portanto, os documentos são instrumentos
para setores do governo e da iniciativa privada mensurarem as
potencialidades de assegurar a constituição de um mercado de terras. Nesse
contexto, os autores desses documentos Teodoro Sampaio, Edmundo Krug
e Cornélio Schmidt foram participantes ativos da fronteira econômica e
63
CORREA, Anna Maria Martinez. Poder político e representatividade partidária no Vale do
Poder político e representatividade partidária no Vale do Poder político e representatividade partidária no Vale do
Poder político e representatividade partidária no Vale do
Paranapanema
ParanapanemaParanapanema
Paranapanema: (1920-1930). Tese (Livre Docência) Faculdade de Ciências e Letras,
UNESP, Assis, 1988. p. 52.
64
FIGUEROA, Silvia. Modernos bandeirantes
Modernos bandeirantesModernos bandeirantes
Modernos bandeirantes. p. 37.
- 100 -
atuaram diretamente na elaboração desse inventário e na contextualização dos
recursos naturais, dos aspectos sociais e das potencialidades que poderiam
ser desenvolvidas na região.
O fator importante foi à disputa pela terra, os mineiros, possuidores de
grandes propriedades na região, começaram a perder espaço no momento em
que a ferrovia apontava a extensão dos trilhos para o Vale do Paranapanema,
na década de 1890. Com isso, se configurou um novo cenário de disputa pelas
terras que será caracterizado pela chegada de grandes fazendeiros
cafeicultores, em sua maioria, paulistas provenientes de famílias abastadas, os
quais passaram a disputar as grandes porções de terras. Estas aquisições
eram feitas pela compra ou pela grilagem através do forjamento de
documentos de propriedade que expulsava aquele que vivia sobre a terra ou
qualquer outra pessoa que pudesse demandar o domínio em questão
65
.
A chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana na cidade de
Salto Grande, em 1909, exerceu papel fundamental na ocupação do Vale do
Paranapanema, pois, além de aumentar a demanda pela terra, proporcionou um
rearranjo da ocupação regional. Com isso, abriu-se um panorama de
instabilidade, causado pela valorização das terras que margeavam a ferrovia.
Conseqüentemente, o avanço da ferrovia criou novos núcleos
populacionais economicamente fortes, fato que resultou na formação de novos
grupos políticos na região. Rapidamente, as tradicionais famílias de mineiros -
pioneiros na colonização - residentes nas antigas vilas, localizadas em sua
maioria na Serra dos Agudos, não encontravam mais espaço para atuar dentro
65
PENÇO, Célia De Camargo F. A evaporação das terras devolutas no vale do Paranapanema
A evaporação das terras devolutas no vale do ParanapanemaA evaporação das terras devolutas no vale do Paranapanema
A evaporação das terras devolutas no vale do Paranapanema.
São Paulo: HVF representações, 1994. (em especial o capítulo 4). Cf. também LEITE, José
Ferrari. A ocupação do Pontal do Paranapanema
A ocupação do Pontal do ParanapanemaA ocupação do Pontal do Paranapanema
A ocupação do Pontal do Paranapanema. São Paulo: Hucitec, 1998.
- 101 -
da burocracia regional e foram afastados das decisões político-administrativas
locais
66
.
Nas duas primeiras décadas do século XX, o imigrante europeu passa a
ser elemento importante na configuração das novas relações de trabalho,
baseada no colonato e na comercialização de terras
67
. Com essa nova
configuração, os tradicionais cafeicultores paulistas saíram fortalecidos, pois
puderam direcionar o trajeto da ferrovia de acordo com os interesses
imobiliários de seus vários investidores. Rapidamente os trilhos imprimiram
um novo desenho regional, no qual despontavam cidades como Assis (1917),
Ourinhos (1918) e Palmital (1919)
68
.
Diante desse processo, que se inicia com as expedições científicas,
pode-se perceber o acirramento das disputas pela posse da terra, estimuladas
em grande parte pela ação de grileiros, cuja atuação torna o vale palco de
violentos confrontos
69
. Nesses dois momentos, uma característica comum foi
a intensa atividade migratória que se sucedeu na região. Esse fato, segundo
Martins, gera uma instabilidade entre os grupos sociais, sejam eles índios,
posseiros, pequenos agricultores ou grandes fazendeiros que se sucedem na
66
José Teodoro de Souza, era mineiro de Pouso Alegre, e segundo a historiografia regional
chegou em meados do culo XIX, e concedeu a doação de grandes porções de terras para
formação das primeiras vilas. No dia 31 de maio de 1856, registra a posse de suas terras
que, segundo Bruno Giovannetti, iriam desde o rio Turvo até frontear a rio Tibagi com o
rio Paranapanema” . GIOVANNETTI, Bruno. Esboço Histórico da Alta Sorocabana
Esboço Histórico da Alta SorocabanaEsboço Histórico da Alta Sorocabana
Esboço Histórico da Alta Sorocabana. São
Paulo: Revista dos Tribunais. p. 124.
67
Os imigrantes mesmo adquirindo suas terras ainda continuam vinculados a grande
propriedade, dedicando parte do ano nas colheitas de caou algodão. As terras que foram
vendidas a esses imigrantes deram origem a bairros rurais ou aguadas, expressão de suo
comum no vale do Paranapanema. O nome aguada advém das propriedades estarem sempre
próximas a um pequeno rio, ou seja, uma água.
68
GIOVANNETTI, Bruno. Op. cit.; p. 53.
69
P. Monbeig cita que o grande movimento das frentes pioneiras de 1880 a 1910, porém
usamos balizam mais extensas e ainda acrescenta que os grandes fazendeiros vêm
justamente na fase secundária adquirindo grandes extensões de terra. Entre as famílias que
tiveram participação efetiva na aquisição de terras aqui na região estão a Família Almeida
Prado e Toledo Piza com importantes propriedades no Vale do Rio Feio e do Aguapeí
respectivamente. MONBEIG, Pierre. Op. cit.; p. 140
- 102 -
ocupação do território e primam sempre pela violência na tentativa de garantir
o domínio de suas terras
70
.
O clima de instabilidade, provocado pela frente de expansão, gerou
relatórios que foram produzidos segundo os interesses de um poder público
que visava colocar a região dentro das estatísticas econômicas do Estado. No
entanto, torna-se recorrente nesses relatórios e diários de viagem a idéia de
sertão” . Contudo, as opiniões contidas nos relatórios são diversas, algumas
mostraram uma visão mais centrada em dados econômicos, outras oscilaram
entre uma visão idílica ou pejorativa do lugar e das pessoas.
Teodoro Sampaio, com uma posição mais crítica, destacava que a
instabilidade demográfica e a posse da terra eram as principais barreiras a
serem resolvidas. Segundo seus apontamentos, esse curso migratório vae
assim invadindo o sertão e desalojando incessantemente o bugre”
71
e com
posses tão vagamente definidas quão firmemente sustentadas pelos
interessados”
72
, fatores determinantes na violência que imperou entre
brancos e índios.
Edmundo Krug, tem uma visão mais eclética, pois, em alguns
momentos, assume um discurso idílico da situação em outros aponta alguns
vícios da raça” . Ao elaborar seu texto, tinha a preocupação velada com os
problemas de grilagem e das mortes que aconteciam na região, de tal modo,
que falaria somente de conceitos que forem de interesse geral,
commentando em observações subcjetivas e falando sómente em thése de
assumptos mais melindrosos, pois não quero de modo algum que se supponha
que quebrei as normas de hospitalidade”
73
. Para ele, o caipira”
74
e seu
70
MARTINS, José de Souza. Fronteira
FronteiraFronteira
Fronteira. p. 147.
71
SAMPAIO, Teodoro. Considerações geographicas e economicas sobre o valle do
Paranapanema. p. 22.
72
Idem. Ibidem. p. 28.
73
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 371.
74
Expressão usada pelo próprio Krug em vários momentos de seu relatório.
- 103 -
modo de vida, “ simples e singela” , aparecem como elementos de admiração.
Ao apreciar o comércio de sal e pólvora, feito pelos moradores da região,
enfatizava que o caipira” não dispensava o cuidado de comprar um chale
de cores para a amavel namorada”
75
. Admirado com os traços físicos do
caboclo” que habitava a região, interpelava a produção artística nacional a
mostrar essa gente, seus costumes e tradições
76
. Em outra situação, a
caminho de São Paulo dos Agudos, lembrava como o nosso posso é
indolente nas regiões menos férteis” e criticava que os moradores daquela
região não dispensam atenção aos viajantes e “ eram acanhados e vadios”
77
.
Certamente a perspectiva mais contundente sobre a região foi a de
Cornélio Schmidt que não economizou epítetos pejorativos para caracterizar a
figura do caipira” , como por exemplo, indolente” , vadio” e
preguiçoso” . Vale destacar sua visita a Fazenda do Padre Elisário,
localizada na cabeceira do rio Turvo, lugar onde encontrou uma sucia de
caipiras vadiando; porcos sujos e vadios”
78
; prosseguindo sua viagem, ao
passar pela cidade de São Pedro do Turvo, igualmente, dizia que êstes
moradores daqui são todos vadios”
79
. E não lhe sobra dúvida que o caipira
tem de desaparecer devido à preguiça e à inutilidade”
80
.
Ao observar os trabalhos de cronistas regionais como Amador Nogueira
Cobra e Bruno Giovannetti
81
, também estabelecidos na região entre as
décadas de 1910 e 1920, é possível perceber que se trata de um período
75
Idem. Ibidem. p. 416
76
Idem. Ibidem. p. 439.
77
Idem. Ibidem. p. 456.
78
SCHMIDT, Cornélio. Op. cit.; p. 420.
79
Idem. Ibidem. p. 424.
80
Idem. Ibidem. p. 404.
81
Os documentos, relatórios de viagem e diários não falam de crimes envolvendo a posse da
terra na região, talvez por se tratar ainda de assunto muito vivo na memória das pessoas
preferiram se abster a emitir opiniões que pudessem criar algum desafeto. Por fim,
acabaram por falar somente dos conflitos com os indígenas.
- 104 -
conturbado, a violência se alastrava em virtude da posse da terra e os
conflitos armados se estendiam indistintamente entre brancos e índios. De tal
modo, que Amador Nogueira Cobra, argumentava que a cidade de Salto
Grande, final da linha férrea, era a boca do sertão” , lugar de onde se partia
para um mundo cheio de percalços e riscos” ou se podia beber” as
benesses do mundo civilizado, garantias difíceis de serem encontradas no
sertão”
82
·.
O que se percebe nesses documentos é que as descrições oscilam entre
uma visão nostálgica do sertão” , que deixava transparecer o bucolismo da
vida no sertão, exaltando os prodígios da natureza e destacando a vida caipira
como exemplo de um homem puro livre das vicissitudes dos grandes centros
urbanos; e uma que o via como refúgio de criminosos de todo o Estado de
São Paulo” .
A caracterização do sertão pôde existir como o oposto do mundo
civilizado e se referia tanto aos espaços desconhecidos, inacessíveis,
isolados e perigosos, dominados pela natureza bruta” como também aos
redutos para degradados, homiziados, escravos fugidos e miseráveis advindos
de uma sociedade que os excluía
83
.
Nessas áreas de fronteira, a transformação das lavouras de subsistência
em lavouras de exportação se estendeu pelas terras virgens” e
rapidamente se tornaram grandes latifúndios, obrigando a derrubada de matas,
a elevação de cercas e a exclusão de caipiras e pequenos agricultores
rendidos pela burocracia cartorária, que rapidamente viam seus títulos de
propriedade serem desqualificados e, posteriormente, sua condição de
agricultor. Raymundo Faoro ao estudar estas mudanças ocorridas na estrutura
agrária, com a Lei de Terras, argumentava que era nessas fronteiras que o
82
COBRA, Amador Nogueira. Op. cit.; p. 183.
83
AMADO, Janaína. Região, sertão, nação. In: Estudos Históricos.
Estudos Históricos.Estudos Históricos.
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 8. nº.15,
1995, p. 145-151.
- 105 -
lavrador, sem a propriedade das terras, vivia sob o domínio do latifúndio, e
passava a ser apêndices passivos do senhor territorial que, em troca da
safra, lhes fornece, em migalhas encarecidas, os meios de sustentar o
modesto plantio” . Por grandes porções de terras se espalhavam casas
miseráveis, feitas de pau-a-pique que abrigavam posseiros, peões, capangas
e toda sua prole. Essas pessoas viviam à mercê do senhor, trabalhavam sem
estatuto, sem lei ou qualquer outra garantia e, quando não mais atendiam aos
interesses ou questionavam a posse da terra, eram mandados embora ou
assassinados
84
.
Diante da situação de instabilidade é plausível afirmar que a inoperância
do Estado dentro das áreas de fronteiras abriu espaço para a caracterização
pejorativa de sertão” . E será dentro dessa conceitualização que viajantes e
exploradores lançam seu olhar sobre o universo inóspito e embrutecido pelo
confronto com índios e a violenta disputa de terras.
Desvendar as fronteiras do Sertão Desconhecido” foi o grande
empreendimento dos homens da ciência” na virada do século XIX. Através
de apontamentos e dados colhidos em extensas viagens foi possível criar
mapas, cartas topográficas e textos de onde emergiu o Vale do Paranapanema
- região com características próprias que deveria ser integrada a economia
cafeeira. Assim, o conhecimento regional não era apenas curiosidade de
viajantes ou de cientistas, mas significava, antes de tudo, um fator estratégico
para o poder público constituir o Estado-Nação e expandir suas fronteiras
84
FAORO, Raimundo. Os donos do poder
Os donos do poderOs donos do poder
Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo.
Globo, 1997. v. 2. p. 418. Exemplo dessa ocupação de posseiros está no Relatório
apresentado por Teodoro Sampaio, em 1890. Ao se deparar com humildes casebres,
habitadas por pessoas pobres às margens do Paranapanema, relata que as terras
fertilíssimas que avistava eram de propriedade da Família Camargo, senhora de vasto
território nesta parte da Província, onde as suas grandes fazendas de criar contam não
pequeno número de agregados e dependentes. SAMPAIO, Teodoro. Op. cit., p. 110.
- 106 -
sobre o território
85
. As viagens empenhadas pela CGG forneceram subsídios
para abertura dos “ terrenos desconhecidos” à economia cafeeira, ao traçado
da ferrovia e à mercantilização das propriedades agrícolas.
Essas explorações da região constituíram um importante esforço de
interpretar as condições sociais contemporâneas e tendiam a apresentar
soluções para os destinos do país. Assim, a exploração regional se insere
dentro de um paradigma nacional que, segundo Lilia Schwarcz, visava
formular, pela primeira vez, modelos globalizantes, estudos pioneiros, na
tentativa de buscar uma lógica para toda a nação”
86
.
Deste modo, as explorações ocorridas no extremo oeste do Estado de
São Paulo além de constituírem-se uma importante plataforma política dos
cafeicultores paulistas, também foi ponto importante para o debate científico.
Cabe lembrar que o discurso científico estava distante das realidades dos
moradores locais, assim, sempre foi recorrente em alguns cientistas
classificarem essas comunidades, casas, aldeias e tudo aquilo lhes eram
alheios como pobres, miseráveis e distantes das benfeitorias que o progresso
poderia proporcionar.
Também é importante destacar que esse sentimento de aversão à vida
caipira nem sempre foi consenso entre os cientistas, existiam aqueles que
acreditavam que esses grupos sociais eram vítimas do progresso”
87
.
85
LENCIONE, Sandra. Região e geografia
Região e geografiaRegião e geografia
Região e geografia. Edusp. São Paulo, 2003. p. 74. Robert de Moraes ao
trabalhar a formação do território nacional, coloca a conquista do sertão como umas das
urgências do processo civilizador. Assim, a idéia de conquista é “ identificada com a própria
construção da nacionalidade, emerge continuamente com o grande projeto nacional, sendo
alçada a função básica do Estado. O discurso científico argumenta que durante o Império
existia um país a se construir” , e na república é do país em construção” . O mote
imperial é o da
civilização
[...] Neste quadro a natureza brasileira é vista como pura riqueza
a ser apropriada, e o espaço e os recursos naturais são tomadas como inesgotáveis [...]
MORAES, Antonio Carlos R. Território e História no Brasil
Território e História no BrasilTerritório e História no Brasil
Território e História no Brasil. Hucitec/Annablume. São Paulo,
2002. p. 179.
86
SCHWARCZ, Liliz Moritz. O espetáculo das raças
O espetáculo das raçasO espetáculo das raças
O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil 1870-1930. São Paulo. Cia. das Letras, 1993. p. 40
87
Como vimos na página 42 deste capítulo, Edmundo Krug é um cientista que acredita que o
caipira seja vítima desse progresso.
- 107 -
Edmundo Krug, por exemplo, ao expor os motivos de sua viagem ao interior,
destacava que pretendia mostrar ao governo paulista as riquezas” de uma
zona vasta e, com isso, chamar a atenção dos representantes e políticos do
governo para tratarem o assunto com mais cuidado. Acrescentava ele:
O que desejamos é o desenvolvimento de nossa lavoura, a
exportação regular de nosso productos, a
industrificação
das
nossas riquezas que jazem escondidas no subsolo, e o
povoamento de nosso Estado por intermédio de uma colonisação
inteligente. [...] Si o governo presente e os vindouros não se
descuidarem desta prospera zona, veremos em breve ahi se
erguerem bellissimos estabelecimentos agrícolas, e os torreões
das fabricas denunciarão pela fumaça, que ahi se ganha dinheiro
88
.
Percebe-se, nessa proposição, que E. Krug achava necessário que as
riquezas [...] escondidas no subsolo fossem classificadas e inventariadas
com o intuito de tornarem-se rentáveis futuramente. Portanto, a expressão
riqueza natural, passa a ser qualificada por uma sociedade que dispõe de
técnicas de exploração e investigação, cujas funções são apresentar as
dinâmicas dessas riquezas e as qualidades desses fenômenos
89
. Com isso,
pode-se concluir que esses relatórios poderiam servir, num futuro, próximo,
ao desenvolvimento da economia brasileira dentro dos moldes da lavoura de
exportação.
Cornélio Schmidt e Theodoro Sampaio representavam as aspirações da
elite agrícola, por isso, seus mapas e relatos de viagem muitas vezes visavam
expor a natureza de forma a ser convertida em recursos econômicos, outros
detalhes como as populações indígenas, pequenos agricultores e caipiras”
eram apenas obstáculos a serem ultrapassados, como uma onça, um rio, etc.
90
88
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 371.
89
MORAES, Antonio Carlos R. Meio ambiente e Ciências Humanas.
Meio ambiente e Ciências Humanas.Meio ambiente e Ciências Humanas.
Meio ambiente e Ciências Humanas. São Paulo: Annablume,
2005. p. 103.
90
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 455-456.
- 108 -
Ao longo dos anos, a região, denominada de Vale do Paranapanema, foi
várias vezes reconstruída de acordo com os interesses econômicos e políticos
em voga no momento. Conseqüentemente, se originaram expressões como
terrenos desconhecidos” , sertão do Paranapanema” , terras habitadas
por índios ferozes” , Vale do Paranapanema” , Alta Sorocabana” , Vale
Maleitoso” , cujo intuito era desqualificá-la. Com a chegada da Estrada de
Ferro Sorocabana, a região passou a ser denominada Alta Sorocabana, em
alusão à distância que a ferrovia percorria.
Anna Maria Martinez Correa, ao estudar a região, percebeu que o Vale
do Paranapanema não possuía balizas precisas, mas sim classificações
externas impostas por órgãos burocráticos, os quais sempre determinavam as
diretrizes da formação regional baseadas nos interesses econômicos e
políticos
91
. No entanto, essas balizas regionais, antes de tudo foram
delimitadas pelo universo historiográfico, com elementos comuns das histórias
de vida, das memórias, relatos de viagem, cartas topográficas, etc. Portanto, a
região não existe a priori, é resultado de uma série de representações que
possuem historicidade”
92
. Assim, o que nos interessa é a região ou as regiões
construídas e reconstruídas, ao longo dos anos, em relatórios, mapas e
diários, desse modo, a região analisada nesse trabalho é aquela concebida e
vivenciada cotidianamente por cientistas, viajantes e sertanistas que se
embrenhavam pelo sertão afora.
91
Com o fim da ferrovia Sorocabana, na década de 1970, a região vem tentando se
reorganizar regionalmente, muitas qualificações ainda são impostas por organizamos
externos como agências de governo ou o próprio governo. Porém, uma que tem respeitado
padrões e limites geográficos é o do Comitê de Bacias Hidrográficas (CBH), o qual, também
tem se ligado diretamente as práticas agrícolas e ambientais. Segundo Anna Maria M.
Correa, a imprecisão em se demarcar os limites regionais, ao longo do século XX, sempre
esteve ligada aos interesses políticos, principalmente, a diminuição dos currais
eleitorais” , os quais acabavam por estimular os chefes políticos a disputarem novas áreas.
CORREA, Anna Maria M. Op. cit.; p. 46-47.
92
ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões:
Cidades e Sertões:Cidades e Sertões:
Cidades e Sertões: entre a história e a memória. Bauru: Edusc, 2000. p.
24.
- 109 -
OS ÍNDIOS DO OESTE PAULISTA
OS ÍNDIOS DO OESTE PAULISTAOS ÍNDIOS DO OESTE PAULISTA
OS ÍNDIOS DO OESTE PAULISTA
A ocupação colonizadora dos tradicionais territórios indígenas também
foi uma preocupação dentro das áreas de fronteira. Como vimos, as
primeiras levas de migrantes vislumbravam nessas regiões terras mais
baratas e solos férteis, conseqüentemente, menores investimentos.
Entretanto, a ocupação pelos colonizadores brancos estimulou o conflito pela
posse da terra com grupos indígenas que viviam no local vários séculos, o
que abriu espaço para a violência mútua.
Os relatórios produzidos pela CGG e outros documentos de viajantes
sempre colocaram os indígenas como empecilho a ser superado para que a
colonização realmente se efetivasse. Nesse contexto, surge uma perspectiva
preconceituosa contra os nativos e, em vários momentos, foi suscitada pelo
governo a aplicação de algumas medidas que pudessem decidir o destino dos
índios muitas vezes, essas medidas oscilavam entre a catequização e o
extermínio.
Dentre os vários documentos que analisamos, o texto
Considerações
Geographicas e Economicas sobre o Valle do Paranapanema
, escrito por
Theodoro Sampaio, foi o mais detalhado registro para a época sobre as
condições do indígena na região, mas nem por isso dispensa em alguns
momentos uma visão preconceituosa sobre os mesmos. Segundo Theodoro
Sampaio, os índios se dividiam da seguinte forma no Vale do Paranapanema:
Os coroados e os Cayuás occupam principalmente as terras
entre o rio Ivahy e o Paranapanema, mas passam sempre quasi
sempre este ultimo rio para a margem norte, fazem incursões
no valle do Rio do Peixee vão mesmo até as margens do Tieté.
O Cayuá é mais numeroso e occupa maior extensão dentro do
valle. Os chavantes habitam os campos e raramente apparecem
na beira do rio. Estes indios, que parecem proceder de uma
raça vencida e emigrada, temem-se tanto dos outros indios
como do homem branco que lhe toma as terras
93
.
93
SAMPAIO, Teodoro. Considerações geographicas e economicas sobre o valle do
Paranapanema. p. 40.
- 110 -
As informações desse primeiro momento foram elaboradas a partir de
depoimentos e de alguns contatos com os índios da região. Posteriormente,
outros estudos classificaram as tribos obedecendo a critérios étnicos e é
possível perceber que muitos dos apontamentos de T. Sampaio foram
referências importantes.
Da mesma forma como apontou o Relatório de T. Sampaio um estudo
recente de Sônia Rodrigues,
Kaingang, Oti-xavante e Guarani no Povoamento
do Vale do Paranapanema
, permite dividir as populações indígenas
basicamente também em três grupos: os Coroados, índios pertencentes à etnia
caingangue que habitavam as vertentes da Serra dos Agudos, próximo às
nascentes do Rio do Peixe muitas vezes, o grupo ultrapassou os limites do
Vale do Paranapanema e ocupou grande parte da região sul; Os Caiuás, de
filiação lingüística Tupi-guarani, que ocupavam quase toda a extensão do rio
Paranapanema e ainda se distribuía pela bacia do rio Tibaji; e, por fim, os
Xavantes, mais precisamente a etnia Oti-xavante, que constituía um grupo
isolado e habitava a região do Médio Paranapanema região denominada de
plateau central” , formada por extensas terras de campos e cerrados se
estendia até a foz do Ribeirão Rebojo
94
.
Os caingangues, que ocupavam uma vasta região da Província de São
Paulo até a região sul, chegando à Argentina, foi o povo que mais ofereceu
resistência à ocupação. Eles eram considerados de extrema habilidade com a
caça e a pesca, ágeis no manuseio e no preparo das flechas. Cornélio Schmidt,
em sua passagem pela cidade de Campos Novos do Paranapanema, descreve
que os índios caingangues são altos e bem proporcionados, usam [...] tanga,
94
RODRIGUES, Sônia da Silva. Tentativas de aldeamentos em Campos Novos do
Paranapanema (Sagrado Coração de Jesus da Serra dos Agudos e Catequese). In: Terra
Terra Terra
Terra
Indígena
IndígenaIndígena
Indígena. Assis. Ano XV, 81, março de 2000, p. 46. Cf. RODRIGUES, Sônia da Silva.
Kaingang, Oti
Kaingang, OtiKaingang, Oti
Kaingang, Oti-
--
-xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanemaxavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema. Dissertação
(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2003. p. 13.
- 111 -
e têm lanças, flexas e arcos de mais de 12 palmos de comprido e cacetes de
15 p. (polegadas)”
95
.
Na excursão empreendida por T. Sampaio, era comum as pessoas
reclamarem do índio, apontando que sua presença oferecia perigo e exigia
vigilância constante do homem branco. Assim,
O indio é de facto a maior difficuldade que encontra o
povoamento do valle do Paranapanema. Obrigado a fugir sempre
diante do colono invasor, que lhe destróe as mattas, que lhe
restringe dia por dia, a área das excursões venatórias, o indio,
antigo senhor, reage como póde, mata e rouba á traição e jamais
esquece a vingança como nunca se modera em atrocidades. É
bem longa a lista dos que pereceram victimas da ferocidade do
índio nesses ultimos quinze annos: familias inteiras trucidadas,
mulheres, meninos, animaes domesticos tudo parece de maneira
mais cruel
96
.
Com a vinda dos primeiros colonizadores, foi muito comum os
caingangues investirem contra os forasteiros destruindo pequenas roças e
animais utilizados na subsistência, no entanto, muitas dessas investidas
tinham a finalidade de distanciar os posseiros de terras que eram usadas para
caça ou caminhos de comunicação com outras tribos.
T. Sampaio em uma conferência (publicada em 1939, na Revista do
Arquivo Municipal) que deveria ser dada em Itapetininga, para comemorar o
cinqüentenário de sua expedição, retomou alguns apontamentos de sua viagem
e ao referenciar o índio caingangue lembrava que era:
Ladrão, audacioso, ronda o homem civilizado até colhe-lo de
surpresa e lhe infligir nas roças o castigo de sua intromissão
nas terras de seu domínio. Mata a quanto assim colhe de
95
SCHMIDT, Cornélio. Op. cit.; p. 423.
96
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 22.
- 112 -
improviso, para que não fique testemunha do seu crime, nem
indicio algum que possa orientar a desforra do lado branco.
[...]
Si se apoderam de um carro de bois, mortos o carreiro e o guia
para lhes tomar as armas e as ferramentas, arrancam toda a
ferragem que podem, e para facilitar o trabalho queimam o
veículo, reduzindo-o a cinzas. O ferro é o precioso metal que
motiva toda essa barbárie da parte dessa gente
97
.
Os Xavantes, outro povo destacado nos relatórios, ocupavam extensa
faixa de campos e cerrados que se estendia desde a cidade de Avaré até ao
afluente do Rebojo
98
. Estes não ofereceram resistência à ação colonizadora e
foram exterminados logo nos primeiros anos da instalação da frente pioneira
na região. Durante séculos, tiveram os caingangues como inimigos na disputa
pelo território, principalmente, por áreas mais abundantes de caça
99
.
Segundo o trabalho Sonia Rodrigues, o estopim para as ações de
extermínio da etnia foram em decorrência das primeiras investidas dos
Xavantes sobre as criações de animais como bois e cavalos próximo às
cabeceiras do Rio S. Matheus e Jaguaretê. O fato de os brancos possuírem
armas mais eficazes e a passividade do Xavante foram cruciais no processo
de extermínio, sendo que, no ano de 1893, restavam apenas 1 homem, 4
mulheres e 4 crianças”
100
.
Segundo o relatório da CGG:
97
SAMPAIO, Theodoro. Um inédito de Teodoro Sampaio: conferencia que devia ser proferida
na Escola Normal Peixoto Gomide” em Itapetininga. Revista do Arquivo
Revista do ArquivoRevista do Arquivo
Revista do Arquivo Municipal
Municipal Municipal
Municipal . v. V.
n. LVIII. p. 63-90. São Paulo, jun/1939. p. 83. Segundo, foi possível levantar Teodoro
Sampaio não pode comparecer por estar com a saúde fragilizada o que tornou sua viagem
inviável até o interior de São Paulo.
98
As nascentes do Ribeirão Rebojo estão localizadas na cidade de Presidente Prudente/São
Paulo.
99
ROFRIGUES, Sônia da Silva. Kaingang, Oti
Kaingang, OtiKaingang, Oti
Kaingang, Oti-
--
-xavante e Guarani no Povoamento do Vale do
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do xavante e Guarani no Povoamento do Vale do
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do
Paranapanema.
Paranapanema.Paranapanema.
Paranapanema. p. 120.
100
Idem. Ibidem. p. 122.
- 113 -
Os Chavantes são indios do campo e vivem exclusivamente do
que nelle ha; são de tez escura, quase negra, sujos e mais feios
do que os Cayuás. [...] Segundo informam os sertanejos, esses
índios se alimentam de cobra, ratos, lagartixa, vermes do chão,
bicho de taquara, côco, palmito, etc. fazem as caçadas
queimando o campo, pondo-lhe cerco e matando a paulada todo
o animal que busca escapar do fogo.
[...]
Nada cultivam e por isso passam vida miserável. Com
ferramentas toscas ou pontas de paó, fazem profundas
escavações a busca de mel, [...] empregando dias n'um trabalho
que lhes não dá comer por alguns instantes.
Os hábitos dos Chavantes” ainda foram observados por outros
viajantes, os quais igualmente demonstraram repugnância pelos costumes
alimentícios e pela falta de higiene no consumo de alimentos. Edmundo Krug,
ao visitar a fazenda do Sr. Magalhães, em São Paulo dos Agudos, se depara
com uma colônia de índios Chavantes e destacava que o índio dócil em sua
maioria é indolente, pouco amante do trabalho: podendo se esquivar deste,
foge logo para o matto onde fica alguns dias se alimentando e caçando e
alimentando-se de larvas de insectos e de mel, voltando depois ao trabalho
sem dar explicações algumas ao patrão [...]”
101
Segundo os documentos, os índios mais afeitos à presença dos brancos
foram os índios Caiuás, considerados de boa índole e sempre abertos às
benesses da civilização” . Tanto que os primeiros habitantes que se
aventuravam pela região conseguiram estabelecer contato e trocar os
artefatos indígenas por utensílios como ferramentas e roupas. Esses também
foram os que mais assentiram nas reduções missionárias; assim, foram
reduzidos ao aldeamento de Piraju, à cidade de São Sebastião do Tijuco Preto,
e também relatos da presença dos mesmos na colônia militar de São Pedro
de Alcântara, alguns quilômetros adentro do rio Tibaji, afluente do
Paranapanema.
101
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 448.
- 114 -
Segundo os apontamentos de Theodoro Sampaio:
Os caiuás de que esses que encontramos em St. Inácio são
autenticos representantes, vivem derramados no Vale do
Paranapanema, para baixo do Salto Grande; vivem nas matas
marginais deste rio e raro atingem o campo [...]
102
Quanto à índole do Caiuá, Sampaio acrescenta que:
O Cayuá é um indio forte e de mehora aparencia do que o
Coroado. De indole mais branda, mais communicativo e talvez
mesmo mais astucioso o Cayuá é o mais numeroso nos poucos
establecimentos de catechese existentes no Vale do
Paranapanema. Da sua tribu ainda muita gente nas mattas; e
como o índio, apezar de domesticado, sempre é muito
dessimulado parta com elle entre os sertanejos grande
repugnacia e seria desconfiança.
103
Outro aspecto apontado nos documentos é o trato com a agricultura,
segundo a visão dos viajantes a agricultura dos indígenas é de princípios
toscos” com resultados miseráveis” , que pouco atendem às necessidades
básicas que o viajante julgava importantes. Exemplo dessa perspectiva foi
exposta por E. Krug ao visitar uma aldeia caingangue, onde se deparou com
técnicas diferentes das do branco colonizador, qualificando o método indígena
como rústico no trato com a lavoura. Assim, descreve que as roças:
[...] são miseras plantações; as covas são abertas muito juntas
umas as outras, dando em resultado o rachitismo e a produção
nulla das plantas. Tendo os kaingangués instrumentos cortantes
de bem pouco valor prático, com os quaes eles podem cortar
objectos mais ou menos miúdos, mais ou menos molles, e isto
mesmo com muito custo, elles preferem para suas roças logares
ferteis férteis, porem onde a vegetação seja escassa.
104
102
SAMPAIO, Teodoro. Um inédito de Teodoro Sampaio. p. 83.
103
SAMPAIO, Teodoro. Considerações geographicas e economicas sobre o valle do
Paranapanema. p. 41.
104
KRUG, Edmundo. Os índios das margens do Paranapanema. In: Revista do IHGSP
Revista do IHGSPRevista do IHGSP
Revista do IHGSP
.
São
Paulo. Volume XXI, edição abrangendo os anos de 1916 a 1921. 1924, p. 328.
- 115 -
De um modo geral, estas descrições tendem a depreciar a imagem do
indígena, pois conferem-lhe uma nuance de selvageria que o impossibilita de
participar do processo civilizatório.
O estranhamento estabelecido é convertido numa violência disseminada
por grande parte do Paranapanema, no entanto a hostilidade do índio, em
alguns momentos, é compreendida pelos viajantes. Cornélio Schmidt ao
manifestar suas opiniões sobre a violência que se estendiam sobre a fronteira
demográfica dizia que ela acontecia com os índios que estão sendo
exterminados pelos caboclos, e cada vez torna-se mais entranhado o ódio
mútuo”
105
.
Os conflitos se estenderam por toda a segunda metade do século XIX e
as primeiras décadas do XX, foram marcadas pela extrema violência entre
ambas as partes. As investidas indígenas, em sua maioria realizadas à luz do
dia, utilizavam flechas e bordunas e não poupavam ninguém. Bruno
Giovannetti, ao percorrer a região procurou coletar informações sobre o
embate com do indígena com o forasteiro e descreve que:
Em 1874, os índios coroados resolveram assaltar de surpresa a
vila (Campos Novos) para matar[...] o posseiro José Teodoro
de Souza. O cacique da tribu reuniu um poderoso contingente de
índios, calculado mais ou menos em 1.000, que ficou escondido
durante uma inteira noite, no meio de um capão de mato[...]
Entre as 9 e 10 horas um escrava foi procurar um frango no
meio de uma capoeirinha, no fundo do quintal da casa de seu
senhor, quando inopinadamente foi presa por um grupo de
índios escondidos naquele lugar[...] De todos os cantos
ocorreram homens e mulheres para batalha. Era preciso
desferir um golpe de força, e o embate foi violento. O
formidável tiroteio sacudiu a pacatez da Vila[...] Nuvens de
flechas escureceram o horizonte[...] Às duas horas da tarde os
índios sobreviventes, estrondosamente derrotados nessa
105
SCHMIDT, Cornélio. Op. cit. p. 409-410.
- 116 -
tentativa de conquista, fugiram, e a calma voltou de novo no
seio pacato da povoação
106
.
De acordo com Amador Nogueira Cobra, o revide dos homens brancos
não tardou: a ação se caracterizava pela arregimentação, por um fazendeiro
local, da parentela e outros agregados que esperavam o fim dos dias festivos
nas aldeias para atacarem. Assim, com os índios ainda dormindo aproveitavam
para as investidas, matando homens e mulheres e aqueles que conseguiam
escapar eram levados para as fazendas para serem domesticados e
aproveitados no trabalho, às mulheres restavam apenas o casamento com os
colonos. Amador Cobra ainda relata que alguns fazendeiros, diante da
necessidade de exterminar o índio, investiram na prática do envenenamento, a
técnica consistia em assustar os índios, expulsando-os momentaneamente,
para se espalhar rapidamente veneno na água e nos alimentos que
encontravam nas aldeias, depois de dias as primeiras baixas começavam
aparecer indistintamente entre homens, mulheres e crianças
107
.
Porém, Teodoro Sampaio, ao percorrer a região, constatou que, em
outros momentos, a prática de investida contra o indígena também poderia
acarretar mais prejuízos para os próprios colonizadores.
O Sr. Joaquim Pedro de Figueiredo nos fez a narração do triste
caso da morte de seus filhos, dos dous escravos e da
batida
que
organisou para castigar o bugre. Eram trinta e dous homens da
106
GIOVANNETTI, Bruno. Op. cit. p. 102-104.
107
Segundo estudo de Sônia Rodrigues, no momento que as frentes pioneiras estavam se
estabelecendo na região, existiam três formas correntes de se estabelecer contatos com os
indígenas da região que são: o aldeamento, a dada e as bandeiras. O Aldeamento foi a
maneira encontrada pelo Estado de reduzir o índio a espaço estabelecido onde aprenderiam
a cultivar a terra, a prática de ofícios e, o mais importante, seria catequizado e
civilizado a fim de não mais oferecer riscos ao branco. As dadas eram as investidas que
os fazendeiros e posseiros da região faziam contra as tribos indígenas com o claro objetivo
de empurrá-los mais além da fronteira agrícola ou extermina-lo. A bandeira contava com
apoio do governo, não muito diferente da dada, apenas era destinada a capturar os índios e
entrega-lo aos aldeamentos para que fossem catequizados, porém na eminência da
resistência o índio também era eliminado. RODRIGUES, Sônia da Silva. Kaingang, Oti
Kaingang, OtiKaingang, Oti
Kaingang, Oti-
--
-
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanemaxavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema
xavante e Guarani no Povoamento do Vale do Paranapanema. p. 13.
- 117 -
expedição, subiram a Serra dos Agudos e depois de dous dias
de marcha com a noite, deram com uma grande aldêa de
bugres. Estes, tendo presentido o ataque, tomaram precauções,
retiraram as famílias, deixando apenas os velhos e reuniram
todos os guerreiros validos em numero de dous mil, que acho
exagerado, e dividiram-se em partidas emboscadas nos
arredores da aldêa. Quando a gente da
batida
investio contra
esta, tendo deixado atrás alguns homens para cobrir a retirada,
uma nuvem de flexas acolheu-a de todos os lados, travando-se
porfiado combate desde o nascer do sol até cerca de 9 horas
108
.
Com esse cenário de violência instalado na região, houve muita gente
se dedicou ao serviço de matar índios e muitos indivíduos vangloriavam-se
das façanhas praticadas e dos montes de cadáveres que fizeram [...] na sanha
de bater o bugre [...] procediam impiedosamente”
109
e a luta entre
coroados e colonizadores durou quarenta anos e teve fim quando todos os
índios foram exterminados”
110
.
Diante da violência que corria solta, muito se falou em uma solução que
pudesse conter o extermínio. Os impactos da expansão sobre os povos
indígenas pode ser dividido em dois momentos: o primeiro, exposto na
primeira viagem empreendida pela CGG, em que Teodoro Sampaio, diante dos
relatos sobre a violência entre o sertanejo e o indígena, não deixou de criticar
a ação missionária, cuja intenção era abrandar a “ alma do índio” :
A catechese é, a nosso ver, a melhor medida para a pacificação
destes sertões, onde ha tudo a esperar da energia e tenacidade
dos seus actuaes povoadores. Esta medida não deve ter em
vista, como não pode ter, transformar o selvicola em agente de
uma civilisação que elle não comprehende. Do indio
domesticado não licito esperar um operario como o requer a
nossa civilisação. Amançado ou domesticado pela palavra do
missionario, o indio perde toda aquella nobreza selvagem sem
ganhar em capacidade ou em grandeza moral; baptisado, mas
108
SAMPAIO, Teodoro. Considerações geographicas e economicas sobre o valle do
Paranapanema. p. 24.
109
Segundo Amador Cobra, esses homens que estavam empenhados na caça ao índio eram
chamados de bugreiros. COBRA, Amador Nogueira. Op. cit.; p. 137-138.
110
Idem. Ibidem. p. 48.
- 118 -
não christão e simplesmente credulo, elle arrastará uma vida
apathica e miseravel, como essas plantas em estiolamento por
haver mudado de
habitat
. No contacto com a raça mais forte,
que o subjuga, elle tem que perder, pelo efeito d’ essa lei
inflexivel e implacavel que explica a expansão e o
aperfeiçoamento da especie humana
111
.
Ainda é possível perceber nessa explanação que o caráter ideológico da
primeira expedição da CGG cogitava o fato de frear os conflitos decorrentes
da submissão do indígena à catequese. Com isso, o caminho mais plausível
seria restringir a vida indígena aos aldeamentos e domesticá-los para o
trabalho agrícola e para a criação, deixando as extensas terras onde viviam
para ser reaproveitadas economicamente pelas lavouras de exportação.
Nos mesmos apontamentos, ainda é possível perceber que o autor se
coloca receoso com a expansão do local e argumentava que a lei do mais forte
tem sido inflexível e implacável” com os índios e catequese é a única
maneira de protegel-o contra o exterminio a que a conquista da terra
fatalmente o condemna”
112
.
Diferentemente da posição esboçada no relatório de 1886, a exploração
do Rio de Peixe, realizada em 1905, estava inserida em outro contexto
econômico e político, discutido no capitulo anterior. O chefe da expedição,
Gentil Moura expõe outra postura da CGG frente ao indígena:
O caminho do progresso da cultura d’ esta zona está
claramente indicado. Os Campos Novos do Paranapanema é o
sertão mais fácil de se povoar que o Rio Feio e Aguapehy.
Cruzado por uma estrada de rodagem que se acha construída
até a foz do Rio Santo Anastácio e sendo em via de
prolongamento um importante estrada de ferro que penetrará na
sua parte central, não pode continuar por muito tempo a
estagnação de seu povoamento. O inimigo perfidioso,
sanguinario e vingatorio, o corôado selvagem, finalmente terá
que acceitar a civillisação emigrar ou sucumbir e o sertão,
111
SAMPAIO, Teodoro. Considerações geographicas e economicas sobre o valle do
Paranapanema. p. 25.
112
Idem. Ibidem, p. 25-27.
- 119 -
admiravel sertão, abrir-se-ha, sem condições, aos intelligentes
e valentes pioneiros da cultura e da humanidade
113
.
Os apontamentos realizados pela expedição do Rio do Peixe vêm de
encontro aos que defendem nitidamente os interesses da elite agrícola, que
restringiu o espaço dos índios até o ponto de drasticamente repeli-los e/ou
eliminá-los pelas investidas de fazendeiros na região. O relatório da CGG
revela um caráter expansionista marcado pela necessidade de ampliação do
território com a intensificação de um processo de genocídio dos nativos e a
implantação de uma civilização no oeste paulista que não mais comporta a
selvageria” .
Dentro da perspectiva que se constrói da região o índio também é um
dos componentes da geografia regional: o destaque que se a ele é
preconceituoso e demonstra claramente um projeto civilizatório que o
suprime. Assim, as menções ao indígena que surgem nos relatos são
depreciativas e consolidam a idéia de que era necessário o extermínio do
índio para o sucesso do povoamento na região.
Independente das posições expressas nos relatórios, o que pode ser
concluído é que a frente de expansão, localizada no extremo oeste paulista,
foi palco de violentos embates entre os índios e o colonizador branco, que não
pouparam crianças, mulheres, idosos ou animais. Porém, tanto as expedições
armadas por comerciantes e fazendeiros como a ampla difusão das armas de
fogo pelos sertanejos foram determinantes na dizimação dos índios. Os
sobreviventes são reduzidos aos ínfimos aldeamentos e condicionados a uma
vida sedentária, em que eram obrigados a trabalhar com pequenos ofícios
113
O texto foi escrito pelo botânico Gustavo Edwall como notas finais do relatório. Comissão
Comissão Comissão
Comissão
Geográfica e Geológica
Geográfica e GeológicaGeográfica e Geológica
Geográfica e Geológica. Exploração do Rio do Peixe. São Paulo. Typ. Rothschild, 1913.
- 120 -
manuais e, de tal modo, seriam convencidos do mundo melhor que poderia
advir com a “ civilização”
114
.
114
GUILLAUMON, R. Como el hombre se aposó de la tierra indigena en el Pontal do
Paranapanema en el Estado de São Paulo” - Brasil. In: STEEN, H. K.; TUCKER, R. P.
Changing Tropical Forests: historical perspectivas on today’ s challenges in central & south
Changing Tropical Forests: historical perspectivas on today’ s challenges in central & south Changing Tropical Forests: historical perspectivas on today’ s challenges in central & south
Changing Tropical Forests: historical perspectivas on today’ s challenges in central & south
america
americaamerica
america. p. 208-9.
III
IIIIII
III
ENTRE VIAJANTES E CAIPIRAS
ENTRE VIAJANTES E CAIPIRAS ENTRE VIAJANTES E CAIPIRAS
ENTRE VIAJANTES E CAIPIRAS
N'uma zona nova, cheia de florestas por toda a parte, como sucede
nas boas terras de Campos Novos, é preciso cortar matta para fazer
lavouras, não ha duvida; mas respeite-se a matta que não é
absolutamente necessaria para a cultura, não se abandonem os
terrenos desbravados, que sempre darão boas producções quando
convenientemente tratados, e não se desdenhe plantar novas mattas
nos terrenos que o tiverem outra aplicação mais util e de utilidade
mais imediata, porque a silvicultura dá tambem muito boa renda
quando feita com critério.
Amandio So
Amandio SoAmandio So
Amandio Sobral
bralbral
bral
Boletim Agrícola, 1903.
Se pudéssemos traçar um perfil da região do Vale do Paranapanema na
segunda metade do século XIX, os contornos seriam os de um mundo em
transformação, pois o olhar que os modernos viajantes” dispensaram sobre
o território é permeado pelo conflito e pelos interesses. Esse novo horizonte
que despontou foi regido pelos grandes fazendeiros que vislumbraram na
região a oportunidade de expandir as lavouras de exportação e diversificar
seus investimentos na expansão cafeeira, no prolongamento dos trilhos
ferroviários e na especulação imobiliária.
1
Entre as décadas de 1890 a 1910, a região vivia a experiência da
frente
econômica
, caracterizada pelos grandes empreendimentos agrícolas que
contrastavam com a vida simples do caipira. Nesse momento, a disputa pelos
espaços se acirrou marcando um novo cenário no cotidiano local. Justamente
1
PRADO JR, Caio. História Econômica
História EconômicaHistória Econômica
História Econômica do Brasil
do Brasil do Brasil
do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 228-229.
- 122 -
dentro dessa turbulência de transformações que emergiram novos paradigmas,
advindos do mundo urbano-industrial. Assim, a familiaridade do homem com
a Natureza vai sendo atenuada, à medida que os recursos técnicos se
interpõem entre ambos , e a manutenção dos meios de subsistência não mais
dependiam mais exclusivamente do meio circundante”
2
. Gradualmente, uma
nova paisagem, marcada pela voracidade das grandes lavouras de exportação,
em nome do progresso , põe fim nas matas de cerrado e nas florestas que
margeavam os rios da região.
Esse cenário que despontava ganhou vida através do olhar dos viajantes
que, imbuídos de uma formação acadêmica e das ideologias cientificistas do
final do século XIX, imprimiram uma perspectiva particular sobre a região, as
populações locais pessoas e a reprodução de seus meios de subsistência.
Muitos desses documentos, citados em vários estudos acadêmicos da região
do Vale do Paranapanema, além de uma importante fase da história da
ocupação territorial paulista, contemplam também o desenvolvimento da
ciência nacional.
Os apontamentos de Teodoro Sampaio, em 1886, inauguraram as
viagens que ocorreram na região, as quais foram seguidas pelas empreendidas
por Edmundo Krug e Cornélio Schmidt; a última grande expedição foi a da
Comissão Geográfica e Geológica, em 1905, encerrando assim o ciclo de
viagens de exploração no vale do Paranapanema.
Durante esse período, os viajantes desempenharam papel importante na
observação dessas mudanças, pois capturaram e construíram um panorama da
região, preciso em seus aspectos geográficos e ideológicos ao tratarem das
políticas de terra, dos índios e das comunidades locais. Por terem pouco ou
nenhum vínculo pessoal, tais exploradores conseguiram elaborar análises que
ora pendiam para relatos mais amigáveis ora para relatos com críticas mais
contundentes, como o foram os de Cornélio Schmidt. Esses textos eram
2
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito:
Os parceiros do Rio Bonito:Os parceiros do Rio Bonito:
Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira e as transformações
dos seus meios de vida. São Paulo: Editora 34, 1997. p. 176.
- 123 -
direcionados para um público diferenciado – de um modo geral, fazendeiros e
investidores financeiros que, preocupados em diferenciar seus recursos,
entreviam possibilidades de investimentos na expansão de terras. Assim, os
relatos eram importantes fontes de informações que poderiam dar maior
confiabilidade aos seus investimentos.
Nesse capítulo, a preocupação está centrada nos relatos desses
viajantes e em como eles construíram suas impressões sobre a região, sobre o
cotidiano dos moradores e sobre como eles produziam e reproduziam seus
meios de subsistência. Com isso, as observações em torno da agricultura, os
meios de produção e as dinâmicas de troca são elementos importantes para o
entendimento da região e de sua organização social e econômica.
O MODELO AGRÍCOLA DAS FRENTES CIVILIZATÓRIAS
O MODELO AGRÍCOLA DAS FRENTES CIVILIZATÓRIASO MODELO AGRÍCOLA DAS FRENTES CIVILIZATÓRIAS
O MODELO AGRÍCOLA DAS FRENTES CIVILIZATÓRIAS
Como foi visto no capítulo anterior, em meados do século XIX, as
primeiras levas de colonos vindos da região de Minas Gerias começaram a se
estabelecer na região. Essa primeira frente, denominada
frente civilizatória
,
veio com a formação das primeiras lavouras e a exploração dos recursos
naturais.
Antes disso, a deterioração da natureza se processava num ritmo lento
e, nas primeiras décadas do século XX, ganhou proporções inimagináveis e,
em poucos anos, quase toda a cobertura natural da região cedeu lugar a um
modelo de agricultura exportadora e à pecuária extensiva.
Por volta do século XVII, a região do Vale do Paranapanema,
pertencente à coroa espanhola, foi palco dos interesses jesuítas, os quais,
empenhados no projeto de catequização dos indígenas, dominaram quase toda
a bacia do rio Paraná, com missões que se estenderam até o rio
Paranapanema. No vale, a experiência foi desenvolvida em duas reduções
Nossa Senhora do Loreto e Santo Inácio Menor próximas à foz do rio
Tibagi.
- 124 -
A experiência jesuíta nesses dois aldeamentos, foram inseridas práticas
agrícolas e plantas fora do domínio indígena e foi estimulado o cultivo
sistemático junto as tribos indígenas aldeadas. Os vestígios dessa intervenção
trabalho foram observados por Teodoro Sampaio, anos mais tarde, quando
chegou às ruínas dessas reduções:
A 2 de Agosto alcançávamos a barra do Santo Ignácio, onde
estão as ruinas do antigo aldeamento ou reduções, de que hoje
não restam sinão um amontoado de telhas quebradas, alguns
esteios desaprumados da velha capella, e uns tantos pés de
laranjeira que o índio frequentemente visitava
3
.
Por estas palavras, é possível verificar que a paisagem estava
modificada. A laranja era o símbolo desse empreendimento colonizador, pois,
sendo um fruto de provável origem asiática, foi introduzida no país logo nas
primeiras décadas da colonização e se tornou uma das tantas outras espécies
vegetais trazidas para o Brasil pelo intercâmbio que os portugueses
mantiveram com a Índia e a China
4
. No aldeamento visitado, ela se tornou
símbolo dessa influência jesuíta e deveria compor parte dos recursos que eles
utilizavam para atrair o indígena ao mundo cristão.
Na mesma expedição, Teodoro Sampaio se deparou com uma população
indígena que não vivia mais só, dividia seu espaço com o colonizador luso-
brasileiro que, oriundo das Minas Gerais, ocupava gradativamente os seus
campos de caça, destruía a floresta e se alojava no meio natural.
Como vimos anteriormente, a primeira viagem da Comissão Geográfica
e Geológica se concentrou basicamente em explorar a navegabilidade dos rios
Itapetininga e Paranapanema, em cujas margens Teodoro Sampaio descreveu
suas primeiras impressões sobre a população e seus meios de subsistência.
Tais impressões, muitas vezes, foram permeadas pelas concepções científicas
3
SAMPAIO, Teodoro. São Paulo no século XIX e out
São Paulo no século XIX e outSão Paulo no século XIX e out
São Paulo no século XIX e outros ciclos históricos
ros ciclos históricosros ciclos históricos
ros ciclos históricos. p. 110.
4
DEAN, Warren. A ferro e fogo:
A ferro e fogo:A ferro e fogo:
A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. o
Paulo. Cia. das Letras, 1996. p. 102-103.
- 125 -
do autor, assim, a cultura caipira foi descrita em vários momentos como
pobre” , insuficiente” ou de pouco recursos” . Este discurso se
alinhava com os interesses da elite paulista que pretendia construir a idéia de
uma região tomada pela pobreza e pela miséria e, deste modo, o relatório de
Sampaio oferecia subsídios para que essas argumentações ganhassem força.
Na verdade, o que se via por parte dos cientistas e da elite agrícola era
uma preocupação com a falta de conhecimento sobre a região. Isso pode
claramente ser visto nas palavras de Teodoro Sampaio que, ao entrar no rio
Paranapanema, depara-se com um universo singular e desconhecido quasi
deserto, uma solidão [...] onde a matta virgem com os seus rumores
mysteriosos domina por toda a parte”
5
. Ao se embrenhar rio abaixo, avista,
próximo à vila do Espírito Santo
6
;
[...] alguns pobres casebres de moradores ausentes, pequenas
roças de milho, o gado pastando em um pedaço de campo que
ahi vem ter á beira d'agua, e ao longe para o nordeste,
dominando o valle coberto de mattas, [...] A escassez da
população á margem do rio é muito sensivel, incutindo a toda
hora no espirito esse sentimento de tristeza proprio das regiões
desertas
7
.
Esse sentimento de solidão que tomava conta da expedição aumentava
com a descida do rio. Quando a expedição chegou à vila do Salto Grande do
Paranapanema, mais uma vez, era preciso ressaltar as mazelas da vida
caipira” , a escassez de alimentos e outros recursos para a continuidade da
expedição.
No dia 29 de Julho, após breve demora na foz do rio Pardo,
entrámos na grande bacia do Salto Grande. Neste sitio ergue-se
5
SAMPAIO, Teodoro. Exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema
. Exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema. Exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema
. Exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema. São Paulo. Comissão
Geográfica e Geológica, 1889. É preciso também estar atento ao problema de se residir
próximo aos rios que era contrair a febre-amarela e malária. Daí decorre que a experiência
e o conhecimento da doença afastaram essas populações da beira do rio.
6
Sua chagada a vila do Espírito Santo se deu no dia do mês junho, atualmente a vila citada
por Teodoro Sampaio, é a cidade de Angatuba.
7
SAMPAIO, Teodoro. Exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema
Exploração dos rios Itapetininga e ParanapanemaExploração dos rios Itapetininga e Paranapanema
Exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema. p. 4.
- 126 -
agora pequena povoação na margem paulista, destinada a
prosperar em vista da sua posição e boa qualidade das terras
que a circundam; mas são ainda em pequeno numero os seus
habitantes, quasi todos mui pobres, e com pequenas lavouras de
cereaes que apenas dão para o consumo local. [...] Por muito
procurar, sempre conseguimos ahi alguma polvora e um pouco
de farinha por alto preço, e uns poucos generos insufficientes
para uma viagem atravez de uma região totalmente deserta e
infestada de indios como a que iamos agora percorrer.
Em 1905, Edmundo Krug, em sua viagem ao Vale, produziu um discurso
semelhante, que também enfatizava um cenário tomado de pequenas roças”
espalhadas em meio às matas que cobriam a região. Diante de um universo tão
diverso do seu cotidiano, Krug procurou, em vários momentos, legitimar a
idéia de “ pobreza” e “ dificuldade” em que a população local vivia.
O povo dahi vive de pequena lavoura e ganha o seu necessario
sustento carreando mantimentos e outros gêneros de primeira
necessidade a Campos Novos do Paranapanema e a São Pedro
do Turvo, possuindo cada familia invariavelmente o seu fuso e
tear, sobre o qual fazem os mais lindos artefactos
8
.
Em outra ocasião, ao dialogar com um membro da família Paiva, um dos
primeiros habitantes luso-brasileiros da região, Krug buscava destacar um
mundo em transformação, cujo cotidiano ele procurou caracterizar pela
fartura” , pela abundância” e pela fecundidade da terra” algumas
das qualidades lembradas pelo autor na tentativa de mostrar uma terra
próspera que aguardava apenas uma colonização “ racional” . Assim, nos
extremos do sertão paulista:
[...] tudo se plantava ahi, se comprava o sal necessario para
a cosinha, e mesmo as roupas, os tecidos para estas, eram
feitos na própria fazenda, dizia-me (Sr. Paiva) que o trigo
cresce e produz admiravelmente, nunca tendo elles tido
8
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. In: Revista do IHGSP
Revista do IHGSPRevista do IHGSP
Revista do IHGSP. São Paulo, vol. 23. p.
439.
- 127 -
necessidade de comprarem em logares afastados uma sacca
de farinha para o fabrico de pão
9
.
Apesar da visão romântica de Edmundo Krug reiterava que os caminhos
do sertão são sempre longos e os recursos que os moradores dispunham eram
freqüentemente insuficientes”
10
. Elementos que nos levam a comparar
essas descrições com o modo de vida caipira” , uma agricultura que prove
os recursos essenciais apenas para a manutenção do grupo ora ou outra
eram produzidos pequenos excedentes, carreados até as vilas maiores onde
eram trocados pelos gêneros que faltavam: em especial, sal e pólvora.
O uso da terra exclusivamente para pequenas lavouras abriu espaço
para uma crítica muito contundente feita por Cornélio Schmidt. Dizia ele que
as propriedades adquiridas por esses novos migrantes vindos de Minas
Gerais, eram, na maioria das vezes, grandes latifúndios que acabavam sendo
subutilizados com pequenas roças milho e feijão” produtos
característicos das lavouras de subsistência. Essas plantações geralmente não
ultrapassavam 15 alqueires de terra (aproximadamente 36 hectares), tamanho
suficiente apenas para a produção de alimentos que garantissem a
sobrevivência da família e a criação de algumas cabeças de gado e de porcos.
O que é válido destacar nessa crítica de C. Schmidt é a visão
mercantilizada” que ele deixa transparecer ao olhar o modo de produção
desses pequenos lavradores da região do Vale do Paranapanema,
caracterizando-os como caipiras que ocupavam o solo e produziam apenas
para o próprio consumo, fora da esfera comercial.
O gosto do caipira estava na liberdade que esses grandes latifúndios
ofereciam: a mata virgem, a abundância de caça e o horizonte sem fim atraiam
esses homens que, a cada ameaça de aproximação do mundo civilizado,
abandonavam suas terras e partiam para locais mais longínquos.
9
Idem. Ibidem. p. 436-437.
10
Idem. Ibidem. p. 432.
- 128 -
Quem captou essa situação foi o advogado Amador Nogueira Cobra que,
ao entrever uma familiaridade do sertanejo” com os grandes latifúndios,
comenta que:
O sertanejo tem gosto especial pelas grandes extensões de
matas virgens onde, a cada ano agrícola roça, planta e faz
colheita sem necessidade de carpir. O segundo ano em diante é
que começa a sujar” , isto é, no terreno, segunda vez
aproveitado, as plantas daninhas crescem ao lado do milho,
abafando-o” , exigindo carpa, muito cara e difficil. [...] O
benemérito trabalhador nacional enfrenta o jequitibá e
desbrava a selva bruta não aprecia a lavoura com plantações
enfileiradas e arruadas; quando esta atinge uma zona, está
ele longe dali; mudou-se para além e foi, de novo abrir morada
na orla da floresta
11
.
Um dos fatores que foi preponderante na formação desses latifúndios
foi o baixo valor da terra. Fato que foi apontado por Teodoro Sampaio ao
fazer uma comparação dos baixos preços das propriedades da região do Vale
do Paranapanema com as de outras localizadas próximas aos centros urbanos
ou que já tinham sido desmatadas. Segundo seu estudo,
Nos sertões de Campos Novos, onde as posses tem notável
extensão, o preço de terras legitimadas varia de 3$000 a 5$000
por alqueire (2,4 hectares), não sendo beneficiadas, caso em
que ascende o preço de 15$000 ou 20$000 nos sitios mais
proximos dos povoados. Abaixo do Salto Grande, do lado do
Paraná, se tem vendido terras virgens aos preços de 4$000 a
10$000 o alqueire. Nos valles do Turvo e do Pardo, onde a
população é mais condensada, o valor da terra varia entre
15$000 e 70$000 o alqueire. Nas manchas de terra roxa, onde a
cultura do cafeeiro é possivel, como no Rio Novo, Fartura, Rio
Verde, Espírito Santo da Boa Vista, oscilla o preço entre
11
Amador Nogueira Cobra ao relatar esse modo de vida se refere basicamente ao posseiro, o
qual não possui a propriedade da terra e ocupa áreas extremas do sertão paulista, pois
longe dos grandes lavouras de exportação dedica parte do seu tempo a uma lavoura de
pequenos gêneros alimentícios apenas para consumo próprio. Quando a grande lavoura de
exportação chega próximos aos limites de suas terras abandona a casa e a roça e parte para
lugares mais distantes de terra livre” para que possa novamente reerguer a roça e a
casa, à espera de um dia qualquer se sujeitar as mesmas mudanças. COBRA, Amador
Nogueira. Em um recanto do sertão paulista
Em um recanto do sertão paulistaEm um recanto do sertão paulista
Em um recanto do sertão paulista. São Paulo. Hennies & Irmãos, 1923. p. 196-
197.
- 129 -
20$000 e 75$000. Em S. Sebastião do Tijuco Preto o preço
mínimo das terras é de 20$000, e ainda menos se encerram
campos
12
.
O exemplo descrito por T. Sampaio também se repete no relatório de
Edmundo Krug que comparou, em outra época, o custo de um alqueire de terra
aproximadamente 5$000 e o aluguel de uma casa 12$000 ao mês.
Diante desses dados, é possível perceber que a oferta barata de terras atraiu
muitas pessoas interessadas na aquisição de grandes posses. Por outro lado, o
baixo custo também seduziu agricultores que não possuíam um capital inicial
para investir em benfeitorias como a limpeza dos terrenos e a preparação do
solo para receber as primeiras lavouras. Assim, é visível nos documentos
pesquisados que os viajantes sempre encontravam grandes latifúndios com
pequenas lavouras que contrastavam com a mata virgem.
Quem deu destaque à subutilização” do solo foi Cornélio Schmidt
que, durante a sua viagem pelo interior do Estado, fez uma breve parada na
propriedade do Sr. Manoel Ignácio, próximo à cabeceira do rio Capivara. Ali
ressaltava que a fazenda de aproximadamente 1.800 alqueires era de
cultura excelente e pouco aproveitada” , sendo que somente 200 alqueires
eram destinados à criação de 150 cabeças de gado e o restante estava coberta
de campo e mata
13
. Segundo o autor, esse baixo aproveitamento se em
virtude da índole vadia” do caipira que não trabalhava e ficava os dias
deitado, ou pescando, ou se embrenhava na mata em busca de caça.
Essa argumentação utilizada pelo autor fazia parte do debate da eugenia
que ganhava espaço na sociedade brasileira, nos primeiros anos do século XX.
Assim, C. Schmidt expõe implicitamente em seu relatório a questão da raça: o
caipira passa a ser, dentro desses relatórios, o personagem principal de um
discurso que vulgarmente o classifica pela indigência, pela vida lasciva e pela
12
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 35-36.
13
SCHMIDT, Cornélio. Diário de uma viagem pelo sertão de São Paulo. In. Anais do Museu
Anais do Museu Anais do Museu
Anais do Museu
Paulista
PaulistaPaulista
Paulista. tomo XV. Ano 1961. p. 429.
- 130 -
indolência. Reafirmando suas posições científicas, Schmidt, em visita a um
povoado próximo ao Salto do Avanhandava, teve a oportunidade de conhecer
a população local, por ele descrita da seguinte forma:
[...] No Salto o povo cuida em pescar. No tempo da piracema
em setembro ou outubro, depois das primeiras chuvas, finda a
subida dos peixes, eles nada fazem. Passam sentados todo dia,
ou deitados. Plantam os mais trabalhadores, meio ou 3/4 de
alqueire de milho, feijão ou arroz; engordam 2 ou 3 porcos; com
algum peixe que pescam compram rapaduras (o doce) e algum
sal e passam o resto do ano mais felizes e ricos que qualquer
sultão
14
.
De um modo geral, os autores aqui apresentados não demonstravam
abertamente a preocupação de enquadramento da população local dentro de
um conjunto teórico evolucionista ou qualquer outra teoria que pudesse
explicar os problemas sociais. Porém, os apontamentos de Schmidt é parte de
uma situação maior que era a conotação pejorativa feita ao caipira ou qualquer
outro tipo de agricultor que utilizava a terra a fim de produzir alimento para
consumo próprio. A associação que sempre se fazia era de uma agricultura de
baixa produtividade e de técnicas arcaicas como a queimada ou a “ agricultura
de coivara” .
O que pode ser inferido é que existia a preocupação em descrever uma
região pobre” e apontar as raízes dessa pobreza. Portanto, não é errôneo
dizer que as teorias do darwinismo social e da eugenia permeavam os
pensamentos tanto de Cornélio Schmidt como de Teodoro Sampaio embora
para este último a questão da raça não seja sua preocupação principal, pois
acredita que a conquista do sertão é obra do sertanejo” que dia-a-dia luta
contra o indígena para conquistar a terra
15
. Entretanto, assumia sua
14
Idem. Ibidem. p. 399-400.
15
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 4.
- 131 -
aproximação com cientificismo ao estudar as estruturas lingüísticas e as
matrizes étnicas das tribos da região
16
.
PEQUENAS LAVOURAS
PEQUENAS LAVOURASPEQUENAS LAVOURAS
PEQUENAS LAVOURAS
Dentre as pequenas lavouras” que se espalhavam pela região do
Vale do Paranapanema muitas eram de milho, arroz, café, cana-de-açúcar
entre tanto outros gêneros usados para o consumo próprio, cujo excedente
era destinado ao comércio local. Segundo, Edmundo Krug, no comércio da
cidade do Espírito Santo do Turvo:
[...] o principal ramo de lavoura ahi é a cultura de mantimentos,
principalmente do arroz e do milho, pois vi desses generos de
primeira necessidade, enormes quantidades, ignorando, porém,
para que direção eram transportados, julgando serem
consumidos na própria zona, pois para serem levados a mais
próxima estação de estrada de ferro era despeza
demasiadamente grande, devido a grande distancia
17
.
O milho, de origem americana e muito apreciado na culinária indígena,
foi um dos produtos mais importantes das lavouras de subsistência, cuja área
de influência abrangia quase todo o país. Segundo Antonio Candido, este
cereal formou o triângulo básico da alimentação caipira”
18
, sua lavoura foi
uma das que mais sofreu alterações tanto no manejo agrícola como no
beneficiamento dos grãos e ainda proporcionou a convergência de interesses
16
SCHWARCZ, Lílian Moritz. O espetáculo das raças
O espetáculo das raçasO espetáculo das raças
O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
no Brasil 1870-1930. São Paulo. Cia. das Letras, 1993. (em especial capítulo 2) p. 43-66.
17
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 460.
18
Segundo Antonio Candido, essa dieta era composto pela mandioca, milho e o feijão. O arroz
não foi incorporado pelo caipira, pois exigia certos cuidados. Sua incorporação aconteceu
somente anos mais tarde, devido a sua popularização no meio urbano. Esses alimentos, que
compunham o triângulo da dieta caipira, foram gradualmente sendo absorvidos pelos
mestiços e modificados com as contribuições que os portugueses trouxeram, assim,
diversificaram o preparo, acrescentando o sal, a banha de porco e outros temperos
desconhecidos da cultura indígena. CANDIDO, Antonio. Op. Cit.; p. 51-53.
- 132 -
de pequenos e grandes agricultores que buscavam a subsistência de pequenas
famílias, ração para indústria suína, fabricação de óleo e farinhas.
Candido, ao estudar os costumes dos moradores da região de Bofete,
interior de São Paulo, observou os vários destinos que se dava ao milho no
cotidiano doméstico: na cozinha podia ser comido verde, com um simples
cozimento ou assado; ainda podia ser utilizado no preparo de pamonhas,
curaus, bolos etc. Quando seco, podia ser empregado na fabricação da farinha
e do fubá matéria-prima para a preparação de iguarias como bolos, broas,
pães, polenta, angu, cuscuz entre tantas outras
19
.
No Vale do Paranapanema, o aproveitamento que se dava ao milho não
difere muito da região de Botucatu, analisada por Antonio Candido. No
relatório apresentado por Teodoro Sampaio, o milho é apresentado como um
produto, cujo cultivo ocupava grande parte das lavouras na região, devido ao
consumo em larga escala, pois, além de ser utilizado na pecuária e na engorda
de porcos ainda era a base da alimentação do povo
20
.
Outro ramo que se liga diretamente às roças de milho é a criação de
suínos, atividade que também ganha destaque para grande parte dos
pesquisadores que percorreram as zonas pioneiras do Estado. Herança da
migração dos agricultores que vieram das Minas Gerais, a atividade se
estendeu por quase todo o Estado de São Paulo e foi indistintamente praticada
nas grandes fazendas, nos sítios, chegando até mesmo aos quintais de
residências das cidades pequenas.
Nas primeiras décadas, a atividade mereceu a preocupação da
Secretaria de Agricultura de São Paulo, que pretendia melhorar a produção e,
para isso, foi sugerida a introdução de raças de maior produtividade e a
diversificação das rações utilizadas
21
.
19
Idem. Ibidem. p. 53.
20
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 82.
21
CORREA, P. Lima. Secção de industria pastoril: creação de porcos. Boletim de Agricultura
Boletim de AgriculturaBoletim de Agricultura
Boletim de Agricultura.
São Paulo. Secretaria de Agricultura e Obras. Vol. 17, junho 1905, p. 466-480.
- 133 -
A produção local estava longe dos padrões esperados pela Secretaria
de Agricultura e, nos apontamentos feitos por Edmundo Krug, é descrita uma
situação precária:
[...] as vendas que se effectuam são geralmente de porcos magros, o
comprador engorda-os longe do logar da compra, para depois vendel-
os novamente. [...] Também a raça aqui existente de nada vale, é uma
raça degenerada, de porquinhos meudos, com focinho extremamente
longo, percebe-se no aspecto total do porco que elle deve crescer
muito pouco e que engorda com grande difficuldade
22
.
É possível perceber que não era somente a qualidade nos padrões
agrícolas que era esperada na região, os relatórios também se preocuparam
em expor quais eram as “ deficiências” existentes na criação suína.
Mesmo diante de todas as deficiências” , Teodoro Sampaio afirmava
que a grande indústria do Vale do Paranapanema foi a da criação do gado
suino” e segundo seus apontamentos o município de Campos Novos
respondia com 6.000 cabeças anualmente
23
. Um década mais tarde, o Boletim
Agrícola, apontava que a criação de porcos ainda era uma das atividades mais
praticadas na região, e destacava que a vasta produção de milho era para
sustento do gado suíno
24
.
Mesmo diante das críticas de Krug, a criação de porcos se ajustava aos
interesses da cultura caipira pela praticidade de reprodução e engorda, graças
à alimentação variada como milho, mandioca entre outros produtos produzidos
em quase todas as épocas do ano nas pequenas roças. Além disso, o
aproveitamento do porco é quase total: a carne é de fácil preparo e pode ser
consumida juntamente com o couro; em caso de sobra, havia a técnica de se
fazer defumados, lingüiças e chouriços; a banha produzida do derretimento da
22
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 414-415.
23
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 32.
24
SOBRAL, Amandio. A agricultura em Campos Novos do Paranapanema. In. Boletim de
Boletim de Boletim de
Boletim de
Agricultura
AgriculturaAgricultura
Agricultura. Secretaria de Agricultura e Obras.
Vol. 8, ago, 1903, p. 721-730.
- 134 -
gordura do porco, sem dúvida, era uma das melhores qualidades do gado
suíno, pois poderia ser utilizada como óleo na preparação de alimentos e,
depois de endurecida, na conservação de carnes ou no fabrico de sabão para a
higiene doméstica e pessoal.
Nos textos de Cornélio Schmidt é possível perceber que muitos
moradores utilizavam os porcos apenas para o consumo próprio, outros,
apontados por Krug, comercializavam os animais em feiras nas cidades de São
Pedro do Turvo e Santa Cruz do Rio Pardo. Algumas pessoas, talvez em busca
de preços mais atraentes, atravessavam grandes distâncias para comercializar
os animais em cidades como Botucatu, Cerqueira César ou São Paulo dos
Agudos. Nesses mesmos carregamentos transportavam-se milho, arroz ou
feijão para serem trocados por sal e outros gêneros necessários
25
.
Um dos momentos desse comércio de carros de bois, nas primeiras
décadas do século XX, foi descrito por Nassime Direne, filho de um
comerciante na cidade de Salto Grande, que relembrou o período em que a
vila foi o final da Estrada de Ferro Sorocabana. Batizada de “ boca do
sertão” , a ferrovia ficou estacionada na cidade entre os anos de 1906 e 1912,
período em que o local gozou do privilégio de ser centro comercial da região.
Direne lembrou que:
[...] aqui na cidade
(Salto Grande)
tinha o fazendeiro Procópio
Nogueira [...]
(meu pai)
contava que ele criava porcos e ele
levava porcos para a antiga São Paulo de Agudos de carro de
boi. Então, ia dois carros de boi, um levando os porcos e outro
levando o milho. Isso antes da estrada de ferro. Depois, na
volta, eles traziam o carro de boi lotado de sal e às vezes
traziam farinha de trigo
26
.
25
Cornélio Schmidt, em passagem pela vila de São Matheus, observou a saída de um carro de
carga que vai com destino a Cerqueira César, distante aproximadamente 200 km, o caminho
a ser percorrido exigia alguns cuidados a fim de se evitar surpresas com os índios, assim,
se dobrava o número de homens armados que seguiam o carregamento até a cidade de São
Pedro do Turvo. A carga com destino certo também retornava com sal, produto essencial na
dieta da população e dos animais. SCHMIDT, Cornélio. Op. cit. p. 439.
26
Entrevista com o Sr. Nassime Direne. Salto Grande 04/05/97. A entrevista foi concedida
para o desenvolvimento de um projeto de iniciação cientifíca sobre a implantação da Usina
Hidrelétrica de Salto Grande.
- 135 -
Diferentemente do sucesso que a criação de porcos fazia, o gado bovino
não teve a mesma viabilidade comercial. Nos relatórios publicados pelos
cientistas que exploraram o Vale do Paranapanema, uma análise
contundente quanto ao subaproveitamento” da criação e de seus derivados,
pois, de um modo geral, existe um consenso quanto à qualidade das terras na
região para a criação de gado.
Entretanto, Teodoro Sampaio mencionava em suas notas que a região
dos campos” , compreendida entre a mata que acompanhava o Rio
Paranapanema e o espigão divisor do Vale do rio do Peixe, eram terras com
uma vegetação rala, de vastas campinas” propícias à pecuária
27
. Essas
características naturais foram fundamentais para que os primeiros imigrantes
se estabelecessem no Vale.
Segundo o relatório de Teodoro Sampaio, existiam várias espécies de
gado na região, dando-se todas perfeitamente, sobresahindo, porém, as
raças mais conhecidas eram o gado do tipo
franqueiro
28
e o
caracú
29
, as quais
eram “ rezes de admiravel belleza”
30
.
Warren Dean, ao estudar as mudanças ocorridas na região da Mata
Atlântica, descreve que esses rebanhos eram criados em extensas pastagens,
sem técnica de reprodução ou severidade no trato. Os animais que
sobreviviam eram aqueles que escapavam às onças e resistiam às doenças e
rigores da planície sem abrigo” . A rusticidade era o grande valor desses
27
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 17.
28
O gado franqueiro foi introduzido no Brasil pelos jesuítas no século XVI. Importados da
Espanha, serviam aos aldeamentos e missões jesuítas no sul do Brasil. Com o fim dos
empreendimentos missionários esse gado saiu da região sul e foi transportado para Franca,
interior de São Paulo e lá recebeu esse nome em alusão a cidade.
29
Uma das grandes qualidades da raça caracú é a resistência que desenvolveu ao longo dos
séculos desde quando chegou ao Brasil. Fruto de muitos cruzamentos enfrentou em solo
nacional condições das mais difíceis como chuvas, parasitas, adaptação a alimentação, fato
que tornou a raça ideal e resistente para as condições insalubres do sertão.
30
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 33.
- 136 -
animais, viviam soltos e não necessitavam de nenhuma intervenção humana
[...] a única preocupação era à captura para castrar e marcar”
31
.
Apesar da rusticidade e das deficiências” na criação, o gado na
economia regional sempre desempenhou papel relevante no fornecimento de
carnes, no transporte dos produtos agrícolas e nas atividades como o arado, a
moagem de milho e de cana-de-açúcar. Embora a preocupação dos moradores
fosse apenas a criação de gado para atender o consumo local, os relatórios de
Teodoro Sampaio, Edmundo Krug e Cornélio Schmidt apontam sérias
deficiências nesse modelo de criação: como uso de raças degeneradas e o
subemprego” dos derivados. Segundo, Edmundo Krug:
O gado que aqui pasta nas bellas campinas está
extremamente degenerado, elle dá pouco leite, e é de suppor
que em poucos annos, por não dar o mesmo um resultado
satisfactorio, os criadores, por serem pobres, desanimam por
completo deste ramo da industria
32
.
Semelhantemente, T. Sampaio descrevia que:
Além do pouco leite extrahido para o gasto, nada mais se
aproveita da vacca senão as crias, porquanto poucos são, nos
sítios, os individuos que se alimentão de tão sadia e nutritiva
carne, por preferirem a do porco, da qual fazem quotidiano uso
em detrimento da própria saúde. [...] Não fabricam manteiga,
quando é sabido que a podiamos ter melhor e mais barata do
que a importada do exterior
33
.
Ainda que Krug apontasse essa degeneração da raça como um fator
negativo, ressaltava que muitas pessoas não conseguiam melhorar as
condições de aproveitamento do gado devido à pobreza” que imperava na
31
DEAN, Warren. Op. cit.;. p. 128.
32
KRUG, Edmundo. Nas margens do Paranapanema. p 414.
33
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 32.
- 137 -
região. Acrescentava que um processo de ensino, informação e difusão de
técnicas agrícolas ainda encontraria obstáculos na ignorância do “ caipira” .
O lavrador atrazado não comprehende taes cousas, assumptos
de zootechinia são assumptos desconhecidos e até enfadonhos
para elle, uma propaganda por escripto de nada serviria, porque
elle não a leria, e mesmo que a lesse, não a entenderia. O
caipira deve ver as cousas com os próprios olhos, deve
enxergar praticamente os effeitos produzidos do melhor sobre o
peior, só assim que as experiências trariam resultados práticos !
34
O que se pode concluir é que havia um julgamento errôneo quanto ao
modelo de criação existente na região, pois os estudiosos enxergavam a
prática agrícola, a pecuária e a criação de porcos como pobres” , devido ao
fato de não se inserirem nos modelos agropecuários modernos” e não
visarem o mercado consumidor. Com isso, as palavras de Edmundo Krug se
tornam muito importantes, pois sugerem que a pobreza” que atingia a
região contribuia para a falta de conhecimento de técnicas do caipira.
Embora tenha sido o ponto chave das viagens empreendidas na região,
porque despertou o interesse dos exploradores, a cultura cafeeira, também
não obteve tanto sucesso como a criação de gado e as roças de milho, arroz e
feijão. De um modo geral, os comentários em torno da cafeicultura tangiam
problemas como as geadas, os solos inadequados para a lavoura, porém, a
irregularidade de transporte foi um problema lembrado em todos os relatórios,
fato que torna o empreendimento cafeeiro inviável devido aos custos de
transporte.
Segundo as notas de Teodoro Sampaio, em 1886, a concentração das
principais lavouras cafeeiras estava próxima à cidade de São Sebastião do
Tijuco Preto e a região de Campos Novos ocupava posição menor dentro
desse contexto, cuja exportação, em todo o vale, correspondia a
aproximadamente 1.325 toneladas. Entretanto, o mesmo relatório assinalava
34
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 415.
- 138 -
que o local poderia, com a chegada da ferrovia, se tornar mais expressivo
dentro desse cenário regional.
Os mineiros que vieram para a região em meados do século XIX
tinham como objetivo a formação de lavouras cafeeiras, mas a falta de
recursos, de conhecimento e de técnicas que pudessem dar início ao cultivo
do café, acabou inviabilizando a abertura dessas lavouras; os que arriscavam
acabavam em situações de calamidade, causadas por intensas geadas
destruidoras de muitos cafezais, restando apenas os galhos secos e os
prejuízos.
Um exemplo dessa situação foi dado no dia 27 de agosto de 1905, em
um pouso de Cornélio Schmidt na propriedade de Jo Candido Carneiro: ali
encontrou um cafezal de aproximadamente de 20.000 pés, pouco antes
destruído por uma geada. Em suas anotações declara que a qualidade das
terras, próximas ao Salto do Avanhandava são boas, mas a altitude de
aproximadamente 400 metros não é ideal e, conseqüentemente, poderia
deixar a lavoura muito suscetível à geadas
35
. Essa mesma situação será
presenciada em outros locais como em Salto Grande e no Jaguaretê, onde
encontra pequenas roças de café abandonadas devido às sucessivas geadas.
A situação da economia regional descrita através dos olhares desses
cientistas compõe um universo alheio ao modelo de agricultura destinado ao
mercado externo, o que denuncia um perfil tendencioso desses relatórios,
cujas intenções políticas e econômicas de apresentar a região do Vale do
Paranapanema fora do mercado produtivo” , isto é, fora da cafeicultura
tornam-se claras. Deste modo, será oportuno o uso de conceitos como
isolamento” , degeneração” e pobreza” inseridos dentro de um
discurso que pretendia mostrar uma região carente que precisava dos
benefícios da modernização.
35
SCHIMDT, Cornélio. Op. cit. 404.
- 139 -
Cabe lembrar que a vida no interior do país sempre criou certo
desconforto no governo brasileiro, pelo menos é o que sugere o estudo de
Mary Del Priore e Renato Venâncio sobre os costumes rurais no Brasil
Colonial, no qual eles perceberam que os moradores do interior eram mal
vistos pela administração portuguesa e, em muitos casos, esses locais eram
rigorosamente classificados como centros de concentração de bandidos,
fugitivos da justiça e do serviço militar. A agricultura de subsistência, a vida
ociosa e lasciva era considerada, pelos enviados da metrópole, como causa
de atraso” e pobreza” . Da perspectiva portuguesa, a função da colônia
era a de produzir para exportar ou para abastecer as fazendas exportadoras
e, obviamente, quem não estivesse integrado a esse sistema era malvisto”
36
.
Outro aspecto que também exerceu papel fundamental na composição
desses relatórios, foi a hegemonia que o positivismo exercia nos meios
acadêmicos, em especial, nas últimas décadas do culo XIX. E foram
justamente esses ideais de uma sociedade que pudesse ser regida pelas leis
científicas que conduziu o olhar dos exploradores. Portanto, o Vale do
Paranapanema foi mostrado como uma região pobre” , mas que dispunha de
recursos naturais” propícios à introdução de seus negócios ao mercado
cafeeiro e aos incipientes capitais que se formavam no país.
Essas idéias encontraram respaldo em vários setores da sociedade
paulista e foram importantes na constituição de uma imagem negativa da
região, o que resultou na produção de documentos que puderam ser
apreciados pelas academias científicas, pelos órgãos do governo e pelas
instituições políticas e financeiras que pretendiam expandir o capital cafeeiro
no final do século XIX e começo do XX.
Culturalmente se acirra o debate em torno do urbano e do rural: de um
lado, era mostrado um Brasil que pretendia ser moderno e, de outro, um Brasil
36
PRIORE, Mary del; VENÂNCIO, Renato. Uma história da vida rural no Brasil
Uma história da vida rural no BrasilUma história da vida rural no Brasil
Uma história da vida rural no Brasil. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2006. p. 61.
- 140 -
Rural mergulhado em uma lavoura arcaica e povoado de pessoas que
produziam somente para o consumo próprio.
Figura 2
Figura 2Figura 2
Figura 2 Almeida Júnior.
Apertando lombilho
, 1895. Óleo sobre tela 64x68 cm. Pinacoteca
da Estado de São Paulo.
Tais características podem ser apreciadas em duas obras artísticas
muito inspiradoras desse trabalho. A primeira, de Almeida Jr. (figura 2),
pintada no começo do século, retrata o cotidiano da vida caipira. Entretanto, o
que de fato nos interessa nessa obra é a preocupação do artista em mostrar o
homem e a sua relação com o mundo natural, a vida simples, as pequenas
choças em meio à mata. De fato, o que vemos nesta obra é um retrato muito
próximo da vida caipira no sertão retratada nos diários e nos relatórios. O
cenário das pequenas casas envoltas por uma vegetação virgem se mostra
distante do incipiente mundo urbanizado que começava a se formar no Brasil.
Antonio Candido, ao estudar os mecanismos de reprodução do cotidiano
mostrou que a vida caipira não era dissociada da natureza, a floresta na
- 141 -
verdade era a complementação de sua dieta e servia ainda como ambiente
privilegiado para as horas de lazer. “ Havia entre as atividades do caipira uma
correlação estreita, e todas elas representavam, no conjunto, síntese
adaptativa da vida econômico-social”
37
. Dentro desse contexto, as práticas
diárias de pesca, de caça, de coleta de frutos e o labor agrícola
representavam um conjunto de atividades complementares do cotidiano
caipira. Com isso, os espaços de trabalho e de lazer
encerravam-se numa continuidade geográfica, delimitando
esse complexo de atividades solidárias de tal forma que as
atividades do grupo e o meio em que elas se inseriam formavam
por sua vez uma continuidade geossocial, um interajuste
ecológico, onde cultura e natureza apareciam, a bem dizer,
como dois pólos de uma só realidade”
38
.
Em contraposição a obra de Benedito Calixto (1853-1927),
Fazenda de
Café do Vale do Paraíba
(figura 3), retrata uma grande fazenda destinada à
lavoura de exportação com um cenário bem diverso da obra anterior. A vista
panorâmica está completamente humanizada, o retrato da fazenda já apresenta
áreas degradadas, o rio no canto inferior não possui mais a mata ciliar e
está assoreado. Nas encostas a falta de cobertura mostra profundos sulcos
causados pela erosão que toma conta da paisagem.
O contraponto existente entre essas duas obras está justamente no
antagonismo que elas representam: uma representa uma grande lavoura que
avançava sobre a mata e a outra representa as populações caipiras que viviam
da exploração de pequenas roças entremeadas nas florestas. Desta forma, a
obra de Calixto se enquadra dentro do modelo ideal de agricultura” , com
grandes extensões de terra e modernos equipamentos.
37
CANDIDO, Antonio. Op. cit.; p. 173.
38
Idem. Ibidem. p. 173.
- 142 -
Figura 3 Benedito Calixto
. Fazenda de Café – Vale do Paraíba
. Óleo sobre tela 70x102 cm.
Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
O que de fato no modo de vida que se reproduzia nas fronteiras do
oeste paulista era a preocupação de se garantir os níveis de vida e a
sociabilidade da vida em grupo, que poderiam existir se houvesse um
equilíbrio entre as necessidades do grupo e os recursos do meio físico
disponíveis. Com isso, pode-se perceber que a evolução do grupo foi, ao
longo da história, um vasto processo de emergência de necessidades
sempre renovadas e multiplicadas, a que correspondem recursos também
renovados e multiplicados para satisfazê-las, dando lugar à permanente
alteração dos vínculos entre o homem e o meio natural”
39
.
No oeste paulista, esse desequilíbrio começa a tomar proporções
consideráveis com a chegada dos complexos agro-exportadores que impõem
39
Idem. Ibidem. p. 23.
- 143 -
novas relações de comércio e de propriedade da terra e, gradualmente, os
pioneiros perdem espaço de cultivo e de produção.
Assim, o avanço da economia cafeeira fez com que as necessidades da
vida caipira fossem diretamente afetadas pela emergência de novos padrões
de consumo, pela produção agrícola alheia à sua subsistência e pelas novas
relações de trabalho que remeteram a um universo social e econômico muito
diverso do deles.
A ESPOLIAÇÃO DA NATUREZA
A ESPOLIAÇÃO DA NATUREZAA ESPOLIAÇÃO DA NATUREZA
A ESPOLIAÇÃO DA NATUREZA
As décadas de 1890 e 1900 foram importantes no processo de ocupação
regional, pois marcaram o início da crise da vida caipira e o afloramento da
economia agro-exportadora, que exerceu papel preponderante na devastação
do Vale do Paranapanema. Dentro desse contexto, os relatórios de viagens,
elaborados entre 1886 e 1905, são importantes referências para se
compreender a dinâmica desse período e os conflitos pela posse da terra, bem
como os mecanismos de destruição usados pelos vários grupos sociais que
ocupavam a região nesse momento.
Como vimos anteriormente, os grupos sociais que se estabeleceram
no Vale do Paranapanema exerceram papel fundamental na configuração da
paisagem local, uma vez que eliminaram os indígenas que viviam na região.
Posteriormente ao estabelecimento dos luso-brasileiros, é possível perceber,
através das fontes históricas, a ousadia desses pioneiros” , pois destruíram
florestas, devastaram rios e eliminaram os índios, vistos apenas como mais
um elemento da paisagem.
- 144 -
Figura 4 Arvore cortada na cidade de Quatá, o fato é recebido como grande evento para
ser comemorado, chegando ao ponto de merecer fotografia.
Em parte, essa violência contra o homem e a natureza era uma indício
das críticas dos exploradores ao modelo de agricultura empregada e ao uso
dos recursos naturais. Tema que figura nos apontamentos feitos por Teodoro
Sampaio, em 1886. Na ocasião, ele se deparou com uma agricultura tradicional
e sem maiores cuidados com o manejo do solo, por conseguinte, o que se via
era a derrubada indiscriminada de árvores de importante valor comercial
apenas para o cultivo de pequenas roças que mal serviam para sustento
próprio ou para a engorda de porcos.
[...] a destruição das mattas aqui é feita de um modo bárbaro.
Causa indignação, diz ainda o Sr. Pereira Gomes, ver abater-se
imensidade de mattas da melhor madeira de lei, como cabiúna,
canela preta, cabreúva, peroba, angico, sobragi e muitas outras,
cujos troncos chegam a 100 palmos de altura e circunferência
correspondente, entregar-se tudo à implacável voragem do
fogo, para plantar-se 10, 15, 20, 30 e mais alqueires de milho
para criar e engordar porcos! Ou senão para plantar capim fino,
que em vasta escala constitui as grandes invernadas de
engordar gado! Enfim, aqui pode-se dizer que se derruba uma
gigantesca perobeira para em seu lugar se plantar quatro grãos
- 145 -
de milho!! Se isso se o nome de lavoura, eu não sei o que
seja destruição!
40
Edmundo Krug também se indigna diante dessa situação de
irracionalidade no uso dos recursos naturais e talvez este sentimento
provenha de sua aproximação com a cultura européia que, em meados do
século XIX, havia passado pela escassez dos recursos naturais, os quais se
esvaíram em menos de um século de industrialização. As suas conclusões
caminham no intuito de mostrar às autoridades e à elite agrícola a existência
de uma região rica em recursos naturais e as possibilidades de uso racional
pelo homem
41
.
Aqui e acolá o caminho interceptava capões de Perobeiras, que
devido a sua grossura não foram ainda cortadas pela mão pouco
delicada do caipira lavrador, que não attendendo o valor real
dessas arvores multiseculares, roçam-n'as para fazer uma
pequena lavoura, que só lhe produz alguns nickeis de lucro!
42
Em outro momento de sua viagem, se depara com situação semelhante:
O caminho é por vezes lindamente ornamentado com as altas e
soberbas mattas virgens de ambos os lados, apresentando
arvores gigantescas e de um verde tão agradável aos olhos, que
o viajante, involuntariamente, percebe que percorre fértil terra,
e sente immensamente que estas possantes testemunhas de
séculos idos tenham de ceder em breve a arma cortante de um
boçal caboclo para ahi, nesse mesmo logar ser feita uma
rocinha cujo producto não vale a millesima parte do valor
existente actualmente. Barbarismo!
Em 1900, diante do crescimento das lavouras por quase todo o Estado
de São Paulo, a Secretaria de Agricultura decide formar os Distritos
Agronômicos; os quais foram distribuídos pelo interior a fim de acompanhar as
40
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 34.
41
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 369-370.
42
Idem. Ibidem. p. 420.
- 146 -
lavouras, oferecer suporte técnico, realizar conferências e formar e
inspecionar campos experimentais
43
, além de serem distribuídos pelas cidades
de Campinas, Ribeirão Preto, São Carlos do Pinhal, Sorocaba e Iguape.
O responsável pelo Vale do Paranapanema, é o Distrito Agrícola,
sediado em Sorocaba, que, preocupado com as práticas agrícolas, solicita ao
agrônomo José Amandio Sobral que organize um breve relatório das condições
agrícolas da região. No documento, publicado no Boletim de Agricultura, o
autor demonstra preocupação com as práticas agrícolas inadequadas, pois,
diante da visita feita região esperava que:
[...] a florestas venham a ser melhor aproveitadas do que tem
sido até agora em outras zonas, onde necessidade de
cuidar da cultura de plantas florestaes, pois a sua ausencia o
só obriga a ir buscar longe a lenha e principalmente as madeiras
de construcção, como tambem tem modificado
consideravelmente as condições da atmosphera e, por
consequencia, do solo. A lição das outras zonas deve ter calado
nos nossos lavradores, porque essas zonas têem-se
successivamente estragado. [...] N'uma zona nova, cheia de
floretas por toda a parte, como succede nas boas terras de
Campos Novos, é preciso cortar matta para fazer lavoura, não
ha duvida; mas respeite-se a matta que não é absolutamente
necessária para a cultura, não se abandonem os terrenos
desbravados, que sempre darão bôas produções quando
convenientemente tratados
44
.
De um modo geral, ao apontar os problemas da região, os exploradores
procuravam atentar para as possibilidades de desenvolvimento, logo, essas
análises, impressas nos relatórios, podem ser dividas em dois grupos: o
primeiro ficaria circunscrito às conclusões do Engº Teodoro Sampaio, nas
quais ele procura ressaltar a falta de infra-estrutura viária, como estradas e
ferrovias e a insuficiência de aldeamentos indígenas e a precariedade do
comércio regional também foram temas pertinentes ao relatório, que tem um
43
MARTINS, Zoraide. Agricultura
Agricultura Agricultura
Agricultura paulista
paulistapaulista
paulista: uma história maior que cem anos. o Paulo:
Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Agricultura e Abastecimento, 1991. p. 122.
44
SOBRAL, Amandio. A agricultura em Campos Novos do Paranapanema. p. 725.
- 147 -
caráter essencialmente descritivo e se baseia nos dados que foram coletados
na época de sua viagem – o que lhe confere um aspecto mais científico.
Entre as benfeitorias viárias que Teodoro Sampaio acreditava serem
necessárias para o desenvolvimento da região estava o prolongamento da
grande estrada do sertão” que ligava Botucatu a Campos Novos:
O prolongamento da estrada do sertão através destes campos
seria não só um dos meios mais rápidos para attingir o território
meridional de Matto Grosso, como facultaria ensejo de se ir
povoando mais depressa essa vastissima região que a
tenacidade do colono nacional vai, dia a dia, tomando do indio.
A Estrada assim estendia e guardada por postos militares seria
na realidade o melhor auxilio à expansão agrícola e commercial
destas novas regiões.
45
O segundo conjunto de conclusões pode ser atribuído aos exploradores
Edmundo Krug e Cornélio Schmidt. Os dois não tiveram a preocupação de uma
coleta mais apurada de dados, pois não estavam preocupados com análises
mais aprofundadas da agricultura, da indústria ou do comércio. Relataram, em
regra, as impressões da natureza, o modo de vida dos grupos sociais, as
características físicas das cidades. Um ponto conflitante nos dois relatórios foi
o tratamento dado ao habitante da região habitualmente classificado como
caipira” ou caboclo” ; nos relatórios, aparece como um sujeito
indolente” e “ vadio” e se torna o pivô dessa agricultura ineficaz e
degradante do meio ambiente.
Em meio às análises realizadas se destaca a do Engº Cornélio Schmidt,
que criticava a falta de equipamentos adequados que pudessem garantir uma
melhora na lavoura, ironizando as condições de vida no sertão conclui: as
mulheres são mais inteligentes que os homens, porque as maquinas de costura
45
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 38-39.
- 148 -
tiveram bastante aceitação, ao passo que o arado e as máquinas agrícolas não
estão ainda conhecidas”
46
.
Portanto, a agricultura que se praticava na região era na verdade fruto
das condições de instabilidade que se vivia nas fronteiras do oeste paulista.
Segundo Antonio Candido,
plantava-se para viver, com pouca ou nenhuma utilização
comercial do produto; no solo novo, a colheita era enorme em
relação ao plantio, [...] Em caso de enfraquecimento do solo,
associado à precariedade da técnica, era possível recorrer a
novas terras, onde se criavam as condições anteriores”
47
.
É possível concluir que os recursos técnicos, como a utilização de
insumos ou do arado, citado por Schmidt, eram desnecessários, pois o modelo
vigente prezava por terras virgens, as quais não exigiam maiores cuidados no
trato.
Na verdade, os apontamentos feitos por C. Schmidt, apontavam para
uma nova realidade que se manifestava no Vale do Paranapanema: a
agricultura destinada à exportação. Dentro desse contexto, aparecem novos
modos de produção, novas relações de trabalho que indubitavelmente abalam
as estruturas de organização da vida caipira. Conseqüentemente, essa nova
conjuntura exige novas tecnologias de produção que rapidamente se tornam
necessidades para o caipira.
Entre as décadas de 1850 a 1890, o Vale do Paranapanema atravessou
um lento processo de ocupação, caracterizado pela formação de bairros rurais
que viviam das pequenas produções que garantiam apenas a subsistência. As
transformações acontecidas a partir da década de 1900 foram regidas pelos
interesses dos grandes fazendeiros que vislumbravam na terra ainda virgem e
inculta a ampliação de suas lavouras cafeeiras de tal modo que pudessem
repor suas perdas na cafeicultura e ainda projetavam que o excedente de
46
SCHMIDT, Cornélio. Op. cit.; p. 409.
47
CANDIDO, Antonio. Op. cit.; p. 86.
- 149 -
terras poderia ser convertido na exploração imobiliária com o avanço da
ferrovia
48
.
A franja pioneira que avançava sobre a região formava um cinturão de
cidades importantes que se estendia do centro do Estado até a região sul.
Assim sendo, cidades como São Paulo dos Agudos, Santa Cruz do Rio Pardo,
São Domingos e São Sebastião do Tijuco Preto formavam a concentração do
comércio e de serviços, sendo, por isso, pontos de ligação entre o universo
civilizado” e a infinitude do sertão.
Além de oferecerem um universo de produtos importados, esses
núcleos ainda eram difusores de notícias de jornais e outros ganhos que a
modernidade proporcionava. Seduzidas por esse novo cenário, as populações
rurais do entorno passaram a incorporar no seu cotidiano novos padrões de
consumo e de comportamento. Deste modo, a vinda à cidade não era somente
para a aquisição do sal e da pólvora, mas também de outros produtos. Teodoro
Sampaio ao avaliar o comércio na cidade de São Sebastião do Tijuco Preto
observou que
[...] o comércio de importação, representado por tecidos de
vários gêneros, chapéos, claçados, louça, ferragens, assucar,
farinha de trigo, bacalhau, sal, vinho, cerveja, licores, drogas
medicinaes, etc., é bastante avultado, sendo todavia difficultado
pelos transportes. O municipio de São Sebastião do Tijuco
Preto, um dos mais centraes, com uma população de 7 mil
almas, importa anualmente de 15 a 20 mil arrobas, no valor de
mais de 300:000$000.
49
Além das alterações dos padrões de consumo, o modo de vida do caipira
passa por outras, causadas, em parte pelas grandes propriedades que se
48
Bruno Giovannetti ao comentar sobre as divisões de terra no Vale do Paranapanema
relembra que, na década de 1890, foi o momento que mais concorreram da vinda de
agrimensores e engenheiros empenhados nas primeiras vendas de terra na região.
GIOVANNETTI, Bruno. Esboço histórico da alta sorocabana. p. 90-99. Cf. também PENÇO,
Célia de C. F. A “ evaporação” das terras devolu
A “ evaporação” das terras devoluA “ evaporação” das terras devolu
A “ evaporação” das terras devolutas no vale do Paranapanema
tas no vale do Paranapanematas no vale do Paranapanema
tas no vale do Paranapanema. p. 39-45.
49
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 35.
- 150 -
estabeleciam na região. Nesse contexto, surge a figura do colono meeiros,
arrendatários ou assalariados que estava sujeitado às novas rotinas de
trabalho através dos acordos que o impossibilitam de garantir sua própria
subsistência.
Dentre os grupos sociais que irão compor esse novo panorama, o
imigrante europeu terá papel primordial em assumir a posição de colono e os
contratos de assalariamento. O trabalhador nacional, em grande parte
possuidor de terras, acaba por manter a produção dos gêneros alimentícios na
propriedade e alguns se aventuram nos períodos de entressafra a trabalhar
para as grandes lavouras de café. Conseqüentemente, surge uma rotina de
trabalho metódica e alguns gêneros que compõem sua dieta alimentar eram
adquiridos através da compra em armazéns.
A partir da década de 1900, as grandes fazendas destinadas às lavouras
de exportação tornaram-se mais presentes e empurravam cada vez mais os
pequenos agricultores para regiões mais distantes. Teodoro Sampaio expõe
em seu relatório de viagem que a região do Vale do Paranapanema poderia ser
divida acima e abaixo da Vila do Salto Grande do Paranapanema: para cima,
havia uma economia mais consolidada, com cidades que exportavam café e
eram centros econômicos e de serviços (dentre essas cidades merecem
destaque São Sebastião do Tijuco Preto e Itapetininga); para baixo o que se
via era um completo isolamento, devido ao fato de os recursos serem poucos
e haver uma irregularidade nos transportes, o que dificultava maiores
empreendimentos na agricultura
50
.
Duas décadas depois da exploração da CGG, Cornélio Schmidt e
Edmundo Krug, tiveram a oportunidade de relatar empreendimentos agrícolas
diferentes das pequenas lavouras de subsistência” . Esses
empreendimentos, localizados na franja pioneira do Estado, destinavam-se
aos produtos agrícolas para exportação, em especial, a produção cafeeira e,
50
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 35.
- 151 -
para isso, tinham uma considerável infra-estrutura que impressionava o
visitante e contrastava com as antigas propriedades dos caipiras.
Dentre esses empreendimentos estava a Fazenda Val das Palmas
51
,
descrita por Cornélio Schmidt, em 1905.
A Fazenda Val das Palmas, esta situada entre duas vertentes,
uma é a Água Parada, afluente do Ribeirão Batalha. Foi aberta
com grandes dificuldades e gastos, pelo proprietário Cel.
Figueiredo (José Ferreira de Figueiredo). Possui perto de
700.000 pés de café, todos novos, grande colônia, maquinismos,
etc., tem uma regular plantação de cana, engenho de açucar
com 2 turbinas , com produção média de 4.000 arrobas de
açucar e 100 pipas de aguardente. Está com uma colheita
regular de 50.000 arrobas e tem perto de 11.000 alqueires de
terras, toda coberta de mata virgem
52
.
Esta fazenda foi, durante as primeiras décadas, uma das mais
importantes produtoras de café do Estado de São Paulo. Sua história é um
breve retrato da luta pela posse da terra na região do oeste paulista, pois a
propriedade, na segunda metade do século XIX, teve origem com a posse de
Azarias Ferreira Leite e seu parente João Batista de Araújo Leite, os quais,
oriundos da cidade de Lavras, Minas Gerais, ocuparam uma extensa área
próxima à cabeceira do rio Batalha, afluente do Rio Tietê. Posteriormente, a
posse foi comprada pelo Cel. José Ferreira Leite, que a transformou em um
grande empreendimento agrícola destinado a produção e exportação em larga
escala do café.
51
Fazenda Val das Palmas está situada no interior do Estado de São Paulo, município de
Bauru, distante 10 km do centro da cidade. No começo do século XX, a propriedade foi a
maior produtora de café do país, chegou a ter uma estação própria de trem para o
escoamento da produção e tráfego de passageiros. Atualmente, A fazenda Val das Palmas é
parte de um espólio abandonado, que vem nos últimos anos tentando ser recuperado em um
esforço de particulares e a prefeitura de Bauru. Em 1999, a sede da fazenda foi invadida por
militantes do Movimento Sem Terra e incendiada. Em 2003, segundo uma matéria publicado
no OESP, por Agnaldo Brito, a estação ferroviária é a residência da família Evangelista que
estão desabrigados e residiam no local. BRITO, Agnaldo. O Estado de São Paulo,
O Estado de São Paulo, O Estado de São Paulo,
O Estado de São Paulo,
03/04/2006.
52
Antes de acabar o diário C. Schmidt, torna a fazer alusão a fazenda e acrescenta que a
propriedade dispunha de luz a base de gás de acetileno, as quais estavam dispostas na
iluminação da casa e dos terreiros de café. SCHMIDT, Cornélio. Op. cit.; p. 416.
- 152 -
O coronel José Ferreira Leite, era um político influente e grande
produtor de café na cidade de Descalvado; acionista da Cia. Paulista de Vias
Férreas e Fluviais foi o responsável pela expansão dos trilhos até sua cidade.
Com a aquisição da fazenda, pretendia expandir sua cultura cafeeira e
prolongar os trilhos da ferrovia para dentro de suas terras. A propriedade
passou então a se chamar Fazenda Val das Palmas e rapidamente se tornou
referência na produção cafeeira nacional.
Outro exemplo desse momento de transformação é a Fazenda Fundo da
Várzea que pertencia ao Sr. Euclydes Martins e era situada na cidade de
Avaré. A propriedade, de aproximadamente de 300 alqueires, tinha uma
excelente produção de grãos e um gado de qualidade superior, por isso foi
tomada como exemplo pelo Engenheiro Edmundo Krug.
A lavoura do logar não é feita com o auxilio de colonos
extrangeiros. São agregados que ahi moram, e, si entendi bem o
meu amigo, elles teem que ajudar o proprietario pagando com
mantimentos colhidos e trabalho equivalente a porção de terra
que pretendem lavrar. [...] Existem 50 aggregados, com as sua
familias, que teem colhido muitas e muitas vezes, n'um dia,
mais de 600 cargueiros de milho
53
.
Durante sua passagem pela fazenda pôde presenciar:
[...] que de 150 alqueires de roças que plantou juntamente com
seus aggregados, colheu 45.000 saccas de milho. [...] Em um
pequeno logar cultivado com mandioca, talvez uma area
equivalente a um quarto de alqueire, produziram-se 50
alqueires de farinha. [...] Com o milho colhido são engordados
porcos que a fazenda cria em quantidade e exporta para
Avaré
54
.
Um aspecto que merecia destaque era o novo regime de trabalho, agora
baseado no arrendamento de terras. Apesar das lavouras serem de gêneros
alimentícios, não é possível classificá-las como lavouras de subsistência, pois,
53
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 387.
54
Idem. Ibidem. p. 386.
- 153 -
pela descrição, é possível perceber que existia uma grande área cultivada cuja
produção era destinada à engorda de porcos para exportação.
Edmundo Krug e Cornélio Schmidt, ao tomarem essas fazendas como
exemplos de investimento de capitais na região, esboçavam os reflexos da
especulação imobiliária que se fazia no Vale do Paranapanema, com grandes
porções de terras que passaram para mãos de famílias abastadas da capital, as
quais gozavam de influência política e econômica e tinham o objetivo de
expandir seus negócios com a cafeicultura. Muitos valiam-se dessa mesma
influência para direcionar os trilhos da ferrovia para dentro de suas
propriedades, bem como para conseguir elevar vilas a condição de comarca,
entre outras medidas que pudessem garantir a valorização de suas terras.
Concomitantemente ao desenvolvimento do capital agrícola na região,
as pequenas vilas ganhavam uma nova dinâmica social conduzida pela
incorporação de instituições burocráticas, religiosas e pelo fortalecimento do
comércio. Em meio a essas transformações, uma que despertou o interesse de
Edmundo Krug foi, sem dúvida, os armazéns, ali:
O observador attento que se collocar na frente de um grande
armazem acompanhando seu movimento interno e externo, vera
que há bastantes cousas interessantes ahi para se estudar. Fora
do estabelecimento, ao Sabbados e principalmente, aos
Domingos reina grande movimento, ou são os caipiras que
trazem algum mantimento para a Villa afim de converter em
dinheiro, que será logo empregado na compra de algum lenço ou
chale de cores para a amavel namorada, polvora e chumbo para
a caça domingueira ou qualquer outro objecto de urgente
necessidade, ou são os carros de boi ou cavalleiros que passam
em corrida para chegarem o mais breve possivel ao destino
almejado
55
.
Não obstante, é possível perceber no relatório que o armazém
ultrapassava a simples função do comércio, pois funcionava como ponto de
encontro de pessoas da cidade e do campo, além de ser o local privilegiado de
55
Idem. Ibidem. p. 416.
- 154 -
negociação dos produtos agrícolas e de aquisição do sal e da pólvora,
elementos essenciais para vida no sertão.
Antonio Candido, no referido estudo, refere-se aos armazéns,
situados nas vilas, como importantes núcleos de articulação da lavoura
regional, pois agiam diretamente na compra e na venda dos produtos agrícolas
e, muitas vezes, penhoravam essas lavouras com o compromisso de venda
56
.
Edmundo Krug, ao passar por São Pedro do Turvo, esteve em situação
semelhante, pois na análise da produção agrícola local recorreu às suas
informações ao amigo Cel. Antonio de Souza Guimarães, proprietário de um
comércio e uma máquina de beneficiamento de arroz.
Nos relatórios as vilas aparecem também como centro das decisões
políticas e como locais de realização de eventos religiosos. O advogado
Armando Nogueira Cobra, em entrevista aos antigos moradores apontava que:
As famílias sertanejas se ocupavam nos pesados mistéres da
lavoura e da criação de gado que lhe absorviam todos os
cuidados. Iam as povoações, de quando em vez, cumprir
deveres religiosos, votar em dias de eleições e adquirir objetos
necessários ao seu viver primitivo e sem conforto. [...] Dos
generos mais necessários era o sal que procuravam com
empenho e o que mais caro lhe custava, chegando a ter, em
meio deles, função de moeda e de instrumento de permuta.
57
Dentro desse novo panorama é possível entrever nos relatórios de
Cornélio Schmidt e Edmundo Krug e, ainda, no livro de Amador Nogueira
Cobra que as vilas aparecem como o centro privilegiado das relações
econômicas e sociais, e, em alguns momentos, como local de garantia da
civilização”
58
. Esses relatórios deixaram vislumbrar um novo panorama
social que impunha uma nova dinâmica na propriedade fundiária, mudanças nas
relações de produção e de trabalho. Essas mudanças, com matrizes sociais e
56
CANDIDO, Antonio. Op. cit.; 166.
57
COBRA, Armando Nogueira. Op. cit.; p. 96.
58
Idem. Ibidem. p. 98.
- 155 -
econômicas diversas, afetaram o modelo de agricultura dos primeiros
migrantes mineiros e os transportaram a uma nova realidade caracterizada
pelas grandes lavouras de exportação. Com isso, se inicia o processo de
desarticulação de todas as tradições e costumes desses agricultores que,
gradativamente, são empurrados para pequenas propriedades ou, na maioria
das vezes, tornam-se mão-de-obra nessas grandes propriedades agro-
exportadoras.
Antonio Candido ao explanar suas conclusões sobre a cultura caipira
assinala que o mundo urbano-industrial ofereceu vários artigos que
facilitavam a vida do caipira, como por exemplo, roupas, utensílios domésticos
e alimentos de difícil preparo. Com isso, a ilusão de que sobraria mais
tempo e comodidade, mas o que de fato aconteceu foi o desequilíbrio da
renda, ou seja, há uma diferença entre o produto vendido pelo caipira e aquele
que se compra nos armazéns. Entretanto, é válido lembrar que o caipira “ vive
em franco desequilíbrio econômico, em face dos recursos que a técnica
moderna possibilita. Antes, o atraso técnico e a economia de subsistência
condicionavam, em São Paulo, uma sociedade global muito mais
homogênea”
59
.
No horizonte da fronteira econômica, surge uma economia baseada nos
produtos de exportação, proporcionando profundas mudanças nesse universo
de relativo equilíbrio e acentuando as diferenças, o que promoveu a extrema
pauperização e a conseqüente diminuição da qualidade de vida cotidiana e
quando esse processo econômico se avultou, o caipira ficou humanamente
separado do homem da cidade, vivendo cada um o seu tipo de vida”
60
.
Restou ao caipira ou ao caboclo abandonar suas terras e procurar novas
frentes para desbravar ou se atrelar ao grande proprietário. Aqui no Vale do
Paranapanema essa associação se em especial para a derrubada da mata
59
CANDIDO, Antonio. Op. cit.; p. 30-32.
60
CANDIDO, Antonio. Op. cit.; p. 223.
- 156 -
virgem e as atividades em serraria atividades que, na maioria das vezes, eram
temporárias e perigosas.
A FERROVIA E O FIM DOS HORIZONTES
A FERROVIA E O FIM DOS HORIZONTESA FERROVIA E O FIM DOS HORIZONTES
A FERROVIA E O FIM DOS HORIZONTES
Nas décadas de 1890 e 1900, profundas transformações na região,
impulsionaram novos padrões de sociabilidade e de consumo, bem como de
propriedade e de costumes. O estopim dessa mudança estava na consolidação
do modelo de agricultura agro-exportadora que estimulou o avanço sobre as
áreas de floresta virgem, instigando a especulação imobiliária e o processo de
grilagem que desencadeou conflitos pela posse da terra.
Dentro dessa onda modernizadora” da agricultura regional,
floresceram os primeiros núcleos urbanos do Paranapanema que, ainda
incipientes, agregavam funções importantes de comércio, burocracia e vida
religiosa. A cidade, como centro iminente de consolidação do universo
urbano-industrial, vivia um mundo de contradições entre as benesses do
progresso e o “ atraso” da cultura caipira.
Em 1892, os prenúncios de mudanças no sertão tornam-se realidade
com a abertura da Estrada Boiadeira, cuja função era ligar a província paulista
com o Estado do Mato Grosso. A expedição encarregada de cortar o vale foi
chefiada pelo Engenheiro Olavo Hummel
61
e o trabalho final da Comissão
resultou em uma estrada com 24 pontes, com uma largura média de 4
metros
62
, com o objetivo de ligar a cidade Campos Novos do Paranapanema ao
rio Paraná. Passados alguns anos, o trabalho de Hummel não deu o resultado
esperado.
Ao indagar algumas pessoas que utilizavam a via, Edmundo Krug diz que
muitas reclamavam de uma taxa cobrada pela concessionária responsável por
61
HUMMEL, Olavo. Relatorio apresentado ao cidadão Dr. Jorge Tibiriçá M. D. Secretario dos
Relatorio apresentado ao cidadão Dr. Jorge Tibiriçá M. D. Secretario dos Relatorio apresentado ao cidadão Dr. Jorge Tibiriçá M. D. Secretario dos
Relatorio apresentado ao cidadão Dr. Jorge Tibiriçá M. D. Secretario dos
Negócios da agricultura pelo chefe da Commissao Geografica e Geológica
Negócios da agricultura pelo chefe da Commissao Geografica e GeológicaNegócios da agricultura pelo chefe da Commissao Geografica e Geológica
Negócios da agricultura pelo chefe da Commissao Geografica e Geológica. São Paulo:
Comissão Geografia e Geológica, 1892.
62
GIOVANNETTI, Bruno. Op. cit.; p. 27-28.
- 157 -
passar o gado para o lado paulista e que a estrada era deserta entre o rio
Paraná e os Campos de Rancharia, somando-se a isso ainda a ameaça que os
índios representavam aos tropeiros
63
; por isso, em poucos anos a estrada caiu
em desuso. Cornélio Schmidt, ao passar pela estrada, em meados de 1904,
teve muita dificuldade em avançar rumo aos campos do Jaguaretê, pois havia
somente restos de pontes e em alguns pontos a mata já havia tomado conta do
caminho
64
.
Em 1909, a Estrada de Ferro Sorocabana inaugurou a Estação de Salto
Grande, penetrando definitivamente no Vale do Paranapanema. A presença da
ferrovia foi fator preponderante na abertura de um novo contexto na economia
e na política regional. Assim, a antiga conjuntura das famílias de mineiros,
pioneiros na colonização, não encontrava mais espaço para atuar dentro da
burocracia que regia os destinos locais.
As cidades e vilas que compunham o cenário regional estavam
localizadas, em sua maioria, na Serra dos Agudos, distribuindo-se em uma
linha que começa na vila de Espírito Santo do Turvo e ruma para o oeste,
passando pelas cidades de Campos Novos do Paranapanema, Platina e
Conceição do Monte Alegre. Esses núcleos foram, de um modo geral, doações
de José Teodoro para que pudessem ser formadas as primeiras vilas da
região. Campos Novos, vila formada a partir da doação de terras, foi lembrada
pelo engenheiro italiano Bruno Giovannetti chegado à região por volta de
1914, contratado como engenheiro para trabalhar no prolongamento da
Estrada de Ferro Sorocabana até as margens do rio Paraná.
Nos primeiros tempos tudo era tosco e pobre: casebres cobertos
com sapé com paredes de pau a pique, ruas cheias de tocos de
árvores recém abatidas, duas praças quase invisíveis por
estarem asfixiadas no meio do matagal que se alastrava
63
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 437.
64
SCHMIDT, Cornélio. Op. Cit.; p. 436. Em 1906, o governo paulista realiza uma nova
empreitada na Estrada Boiadeira, a cargo da Firma Tibiriçá & Diederichesen e sobre a
chefia do Engº Otto Meusser novamente chegam a barranca do rio Paraná, e lá inauguram o
Porto Tibiriçá (Presidente Epitácio). GIOVANNETTI, Bruno. Op. cit. p. 28.
- 158 -
intensamente fora das linhas geométricas traçadas e que um
tosco cruzeiro indicava a existência das mesmas
65
.
Da mesma forma, Edmundo Krug ao se deparar com a cidade, ironizava
a precedência da pastagem no cenário supostamente urbano, seu aspecto
rudimentar e de poucos recursos.
Não me consta que n'esta localidade haja illuminação, alem da
luz da lua, [...] em um passeio pelas ruas do povoado, que mais
se parecem com um parque inglez do que com ruas de uma
cidade ou villa. Verdade é que nossas cidades ou villas do
interior são, devido as condições precárias das municipalidades
um tanto desleixadas, mas fazer das ruas pastagens para
animaes, é caso um tanto raro
66
.
Cornélio Schmidt, ao passar por Campos Novos, também fez suas
críticas e apontou que a falta de comércio e de maior movimento na economia
são fatores que criavam uma cidade sem vida
67
.
De um modo geral, esses apontamentos revelaram a perspectiva
cosmopolita dos exploradores viajantes, portanto, as necessidades e
precariedades apontadas fazem sentido se entendidas dentro do universo
cultural deles, pois as carências apontadas se limitavam às suas experiências
particulares em cidades como São Paulo, ou mesmo, européias. Assim, os
comentários depreciativos sobre a falta de infra-estrutura que garantisse
meios de comunicação regular, ou mesmo sobre a condição das estradas para
interligar as vilas a centros comerciais maiores, são feitos a partir de
necessidades particulares desses viajantes ou da elite agrícola que queria
viabilizar a região ao mercado agrícola. Portanto, dentro das condições pré-
existentes de pequenas lavouras de subsistência havia um arranjo nos meios
de transporte que garantiam a sobrevivência dos grupos sociais que se
formaram no vale.
65
GIOVANNETTI, B. Op. cit. p. 100-101.
66
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 421.
67
SCHMIDT, Cornélio. Op. cit. p. 427.
- 159 -
Edmundo Krug, ao compor seu texto sobre a região do Paranapanema,
relembrava alguns depoimentos colhidos na sua passagem: “ havia nessa
epocha grande quantidade de onças e um sem número de caça, o que tudo
desapareceu com o progresso” . Com isso, é possível perceber que o insólito
panorama começava a ceder espaço para mudanças na vida cotidiana dessas
pequenas vilas do Vale do Paranapanema que gradualmente incorporam
elementos profissionais e burocráticos urbanos.
Com o avanço dos trilhos, também se acirraram os ânimos pela posse da
terra, assim há um consenso entre os exploradores e os membros da CGG que
era preciso resolver tal problema crônico e afastar a desordem” . Apontado
desde 1890, como um obstáculo, o problema persistiu por quase todo o culo
XX, sendo motivo para episódios violentos e para muitas mortes em torno da
terra. Em 1890, Teodoro Sampaio advertia que:
A questão de terras é uma das mais importantes no
Paranapanema. A região nova, com vasta superfície desocupada
e disponível, recebendo povoadores todos os dias, a terra deve,
por via de regra, valorisar-se a cada momento. A ideia de que
essas terras notoriamente boas, são reservas para um futuro
não muito distante, desperta então o espírito da especulação. O
interesse privado avoluma-se e muitas vezes busca transpor as
raias do justo e do honesto, levantando-se arrogante perante o
interesse publico tibiamente defendido, quando não abandonado,
e não raro fica a victoria a quem não tem por si o escudo do
direito
68
.
Na mesma expedição, Sampaio teve a oportunidade de conferir
pessoalmente alguns títulos de propriedades de pessoas que moravam na
região e logo percebeu que esses documentos eram um acervo de
inexactidões, pela impropriedade das indicações pela falta de elementos
indispensaveis, pela impossibilidade completa de com elles fechar o
perímetro da vastíssima propriedade”
69
. E foi justamente dentro desse
68
SAMPAIO, Teodoro. Consideração Geographicas e Economicas sobre o Valle do
Paranapanema. p. 28.
69
Idem. Ibidem. p. 29.
- 160 -
emaranhado de papéis e documentos falsos, de cartórios comprometidos com
as falsificações e de uma burocracia destinada a retificar o poder da elite
agrícola, que a terra foi sendo, pouco a pouco, espoliada dos índios, dos
caipiras e dos pequenos posseiros que se distribuíam pelo vasto território do
Vale do Paranapanema.
Em 1904, longe do fim dos conflitos pela posse da terra, Edmundo Krug
se declarava conhecedor de:
[...] plantas de vastas extensões de terras da zona do
Paranapanema feitas por engenheiros de nomeada, que estão
completamente erradas; conheço tambem cartorios na zona
sulina cujas escripturas não estão selladas, não tendo ellas
portanto valor judicial é feita o agrimensor tambem tem o seu
bom pedaço de terreno na transação.
Desta forma, muita gente da capital torna-se riquissima, e
proprietaria de zonas fertillissimas sem tel-as visto ou sem ter
tido um vintem para compral-as! Triste facto, porem
completamente verdadeiro
70
.
Por volta de 1914, Bruno Giovannetti, exercendo sua atividade de
agrimensor, pôde notar que as pendências em torno da posse da terra ainda
persistiam e concluiu que em uma terra sem elemento nativo, sem gente, os
aventureiros estranhos com capacidade de mando, souberam fazer-se
senhores poderosos, levando vida nababesca com as fabulosas rendas de um
pedaço de papel, forjada na casa do compadre chefe político”
71
. É notável
nessas observações que o indígena não aparece como elemento humano,
chega a ser contraditório, pois o mesmo autor coletou depoimentos dos
antigos moradores para compor sua obra, na qual eles relatavam os violentos
embates com os indígenas.
Rapidamente, a ferrovia avançou sobre as terras do oeste paulista,
tornando-se, pelo seu progresso, a grande destruidora da floresta existente e
a responsável pela modificação da paisagem com seus trilhos que cortavam
70
KRUG, Edmundo. As margens do Paranapanema. p. 447.
71
GIOVANNETTI, Bruno. Op. cit. p. 92.
- 161 -
antigas campinas e penetravam na floresta virgem, onde novas vilas se
formavam e outras se enfraqueciam diante da nova economia. Portanto, o que
se via era um panorama de destruição entremeado por casas e um estilo de
vida provisório. Conforme a ferrovia avançava, tudo mudava, os negócios
eram transferidos e as esperanças eram novamente reerguidas na estação
mais próxima. Esse aspecto foi relatado por Edmundo Krug, ao passar pela
cidade de Mandury ponto terminal da Estrada de Ferro Sorocabana.
Ressaltava ele o contraste apresentado entre as casas do sertão e a moderna
arquitetura da ferrovia, tornando esta última imponente em meio às casas
locais. Assim,
(...) percebia-se pela construção provisória dos grandes
armazéns existentes e de alguns hotéis, todos feitos de taboa
de Peroba, que eram um contraste pouco esthetico com a
estação que ainda reluzia no seu vestido novo e domingueiro.
(...).
72
Bruno Giovannetti também, em suas primeiras incursões pelo do Vale do
Paranapanema, relata que geralmente o que era visto no começo, era
transitoriedade em tudo: as casinholas dos primeiros moradores davam a
impressão de um nomadismo sem um destino preciso”
73
. Diversamente dos
exploradores das décadas anteriores, dizia ele que nesse novo panorama o
horizonte é o café, com raras manchas de floresta, verdadeiros monumentos
que se elevam soberbamente sobre o grande taboleiro verde sem fim, todo
tomado pela plantação fantástica, jorrando vida e ostentando o símbolo nobre
do trabalho livre e fecundo”
74
.
Nesse panorama de transformação, aqueles primeiros imigrantes
oriundos de Minas Gerais, que se viram sem possibilidade de integração na
economia cafeeira, ocuparam uma posição periférica com produções incapazes
72
KRUG, Edmundo. Op. cit. p. 401.
73
GIOVANNETTI, Bruno. Esboço Histórico da Sorocabana. p. 76.
74
Idem. Ibidem. p. 12.
- 162 -
de fazer frente aos grandes capitais que dominavam a produção do gênero.
Essa mesma elite cafeeira e as empresas colonizadoras atuaram diretamente
na região na compra de terras, grilagem e ainda exerceram influência nos
desígnios políticos, econômicos e sociais, além de orientar o traçado da
ferrovia, afastando sua expansão dos antigos núcleos populacionais criados
pelos mineiros.
Não obstante, o que determinava o ritmo desse novo tempo era a
lavoura de exportação e a idéia de progresso” , trazida não somente pela
ferrovia, mas pelos imigrantes estrangeiros que se faziam presentes em
massa e, assim, formavam uma nova sociedade que tentava plasmar as
longínquas tradições européias no “ sertão” .
Dentro desse conjunto de mudanças expostas pelos exploradores é
possível concluir que eles foram importantes articuladores na construção
desse cenário, pois, mesmo atuando de forma parcial, é possível ler nas
entrelinhas todos os componentes sociais, econômicos e científicos que foram
preponderantes na configuração do espaço regional. Então, as explorações
desenvolvidas entre 1886 a 1905 podem ser vistas como importantes retratos
de uma época, que trazem documentos importantes para a compreensão
histórica do Vale do Paranapanema. Esses exploradores atuaram como
artífices desse momento, mostraram, a partir de seus olhares, um universo em
transformação e criaram problemas ao apontar necessidades e carências do
mundo caipira” , submetendo-os ao processo de modernização.
O que vimos nas décadas que se seguiram foi a perpetuação dos
problemas da terra, ainda existentes nos dias atuais. O caso mais notório
dessa situação, ainda em voga na mídia nacional, é o Pontal do Paranapanema,
que, nos últimos anos, reacendeu o debate em torno das terras devolutas e
explicitou claramente a posição da elite agrícola, que tão ferozmente defende
cada palmo de terra legal ou ilegalmente conquistada. O vigor desse debate
tem se acirrado, nas duas últimas décadas, com a consolidação de duas
instituições a UDR União Democrática e Ruralista – e o MST Movimento
- 163 -
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Porém, desse conflito ideológico, o que
se consolidou de fato foi o poder que os grandes fazendeiros exercem sobre a
máquina pública, fato que resultou em um sistema jurídico e político
comprometido com o clientelismo desses grupos.
CONSIDERÕES FINAIS
CONSIDERÕES FINAISCONSIDERÕES FINAIS
CONSIDERÕES FINAIS
A análise dos documentos aqui apresentados nos permite afirmar que
em cem anos de exploração do Vale do Paranapanema, o que se sucedeu foi
um intenso processo de destruição, histórica e geograficamente distribuído de
forma equânime por toda a região, que atingiu matas, animais e toda a bacia
hidrográfica. A concretização desse processo se deu a partir da instalação do
homem branco no vale e do modelo agro-exportador, em meados do século
XIX.
Somente é possível entender essa ocupação como um processo de
interesses externos e construídos politicamente no bojo da expansão da
cafeicultura. Para tanto, foi preciso a rearticulação da elite cafeeira em torno
de objetivos comuns e na formação de um staff governamental que pudesse
geri-los.
Nesse contexto, a criação das instituições científicas como o Instituto
Agronômico de Campinas e a Comissão Geográfica e Geológica, ambas em São
Paulo, visavam oferecer suporte técnico e intelectual para que as demandas
suscitadas pudessem ser atendidas.
Ao longo das últimas décadas desempenharam papel decisivo na
formulação e delimitação do espaço geográfico paulista. Na região do Vale do
Paranapanema o papel desempenhado pela CGG não foi diferente, atuou
decisivamente na confecção de mapas e na delimitação regional.
Outros cientistas como Teodoro Sampaio, Cornélio Schmidt e Edmundo
Krug foram artífices na configuração regional, pois conferiram a região
características distintas ao cotidiano da população regional. Porém, como
membros dessas instituições a visão construídas por esses era permeada por
um universo distinto e diversificado, de característica cosmopolita,
cientificista e, principalmente, de orientação voltada à economia cafeeira.
- 165 -
Portanto, aos olhos da ciência” o modo de vida que se difundia nas
fronteiras do oeste paulista era um subproduto degenerado das relações
capitalistas. O caipira era apresentado como bárbaro” , destruidor” da
floresta e mero produtor de lavouras de milho para alimentar porcos” . Em
outros momentos, é apresentado como vadio” e o almejado
desenvolvimento da região seria possível com o aniquilamento dessa forma
de vida.
Ainda é possível ler nas entrelinhas desses documentos formas de vida
e de relacionamentos dentro de uma economia voltada para a produção de
gêneros de primeira necessidade. A idéia de carência de recursos e de
pobreza são montadas externamente pelos cientistas como forma de legitimar
a ocupação por um modelo de agricultura mais alinhada com o modelo
exportador, o qual poderia conduzir a região às “ benesses da civilização” .
O trabalho desenvolvido por estas instituições foi de fundamental
importância na formação científica nacional. No contexto regional esses
trabalhos tiveram pouca relevância na vida cotidiana das pessoas que aqui
viviam. Entretanto, como fontes históricas têm se mostrado importante para
pesquisas acadêmicas, mas muito pouco se discute sobre a sua composição.
O material pesquisado, além de romper com a idéia de povoamento e da
expansão ferroviária como condutora da colonização, nos oferece uma
perspectiva abrangente para podermos ampliar as interpretações sobre o
interior paulista, em especial, o extremo oeste.
O povoamento se ao longo da Serra dos Agudos, cujas
características eram propícias a pequena agricultura. A escolha da região foi
determinante aos mineiros, pois, desprovidos de muitos recursos, se
estabeleceram em uma região de vegetação rala, muitas pastagens naturais e
abundância de água. Ao longo da segunda metade do século XIX, não
conseguiram produzir mais do que gêneros alimentícios e a reprodução de um
modelo que convencionamos denominar “ modo de vida caipira” .
- 166 -
No que se refere à expansão ferroviária, cabe relembrar os velhos
paradigmas de estudos regionais, cujo teor apontava a ferrovia como
condutora da civilização e desbravadora de zonas pioneiras.
Deste modo, o material aqui estudado rompe com essa idéia, pois o que
houve de fato foi o avanço dos trilhos sobre áreas povoadas por populações
indígenas e caipiras que se estendiam por quase todo o vale do
Paranapanema.
A formação da região com o empreendimento ferroviário se deu em
condições políticas e econômicas direcionadas ao fatiamento das grandes
propriedades, visando à exploração imobiliária e ao estabelecimento de uma
nova elite agrícola regional. Do mesmo modo, é possível entender que antigos
fluxos populacionais estabelecidos em São Pedro do Turvo, Campos Novos do
Paranapanema e Platina foram desprestigiados pelo traçado da ferrovia por
congregarem grupos políticos que faziam oposição aos interesses dos grandes
empresários da cafeicultura.
Portanto, a Estrada de Ferro Sorocabana ao avançar sobre o Vale do
Paranapanema buscou um traçado desimpedido dos tradicionais problemas de
regularização de propriedade e do poder da oligarquia local. Assim, é possível
entrever na bibliografia histórica regional que os antigos fluxos migratórios de
mineiros cedem espaço para as tradicionais famílias cafeicultoras.
Esse acirramento pela propriedade agrária na região promoveu um
aniquilamento das populações indígenas e a destruição de grandes extensões
de mata virgem e de rios em favor da agricultura agro-exportadora.
Além da análise e da releitura desses documentos científicos produzidos
por essas instituições, cabe destacar que ainda temos muito que pesquisar
sobre o interior paulista e sua formação histórica. As explorações da CGG e as
viagens empreendidas por Edmundo Krug e Cornélio Schmidt são apenas
alguns exemplares dessas atividades. Ainda temos outras fontes históricas
inéditas depositadas em arquivos blicos municipais, jornais, periódicos,
revistas e boletins publicados pelos departamentos e repartições públicas.
- 167 -
Essas fontes se mostram importantes e consistentes para a leitura nas
mais variadas vertentes disciplinares. Porém, o material tem sido utilizado de
forma muito sumária, sem uma reflexão e contextualização de sua produção.
Nessas circunstâncias se abre um importante caminho para a elaboração de
outros trabalhos que possam sair das clássicas questões agrícolas que, muitas
vezes, se reduzem as relações de escravos e senhores ou de imigrantes e
cafeicultores. Os documentos nos oferecem uma visão além desses binômios e
proporciona a dinâmica das relações sociais e econômicas dos homens livres
no momento de transição do trabalho escravo.
Por conseguinte, forma-se, nesse contexto, um importante debate sobre
a temática das áreas rurais e sobre a desmistificação de que a ferrovia se
associava à modernização em São Paulo. Essas transformações que aqui se
sucederam deixaram seqüelas profundas de exclusão social e violência contra
índios, populações ribeirinhas e caipiras.
Atualmente, o que se percebe é a dificuldade de algumas regiões como
Vale do Ribeira e o Vale do Paranapanema de transpor os resquícios dessa
cultura de exploração e de se integrar a uma economia sustentável.
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