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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
RHALF MAGALHÃES BRAGA
INTERAÇÕES ESPACIAIS:
O CASO DA EMPRESA GLÓRIA/PARMALAT EM ITAPERUNA (RJ)
NITERÓI
2006
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2
RHALF MAGALHÃES BRAGA
INTERAÇÕES ESPACIAIS:
O CASO DA EMPRESA GLÓRIA/PARMALAT EM ITAPERUNA (RJ)
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. CARLOS ALBERTO FRANCO DA SILVA
Niterói
2006
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B813 Braga, Rhalf Magalhães
Interações espaciais: o caso da empresa Glória/Parmalat em
Itaperuna (RJ) / Rhalf Magalhães Braga – Niterói : [s.n.], 2006.
127 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade
Federal Fluminense, 2006.
1.Corporação. 2.Indústria leiteira. 3.Leite – aspecto
econômico. I.Título.
CDD 338.74
RHALF MAGALHÃES BRAGA
INTERAÇÕES ESPACIAIS:
O CASO DA EMPRESA GLÓRIA/PARMALAT EM ITAPERUNA (RJ)
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre.
Aprovada em agosto de 2006.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. CARLOS ALBERTO FRANCO DA SILVA - Orientador
UFF
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. JACOB BINSZTOK
UFF
________________________________________________________________________
Prof. Dr. MIGUEL ANGELO RIBEIRO
UERJ
Niterói
2006
4
DEDICATÓRIA
Ao Ser Criador.
Aos meus pais pelo apoio incondicional.
À minha irmã por acreditar no meu trabalho.
Às musas (ninfas, deidades, nereidas) que me conduziram pelo Parnaso e pela Arcádia para a
realização desta pesquisa.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu professor orientador, Carlos Alberto Franco da Silva, pela ajuda inestimável para a
confecção deste trabalho, assim como aos outros dois professores da banca, Jacob Binsztok, e
Miguel Ângelo (UERJ). Agradeço também ao professor Ruy Moreira pela leitura do meu
projeto. A todos os professores do Departamento de Geografia da UFF.
Ao professor Glaucio Marafon (UERJ) pelas leituras e atividades junto ao NEGEF.
Aos amigos Daniela Madanêlo e Genésio Gregório pela ajuda técnica e bibliográfica; aos
colegas da turma de mestrado 2004/2005 pelos bons (embora escassos) momentos vividos
juntos. Ao amigo Jheronimo Anzolin Rodrigues pela leitura crítica, referências bibliográficas
e acaloradas discussões.
A Augusto César Pinheiro da Silva e seu estudo sobre a Leite Glória.
A Luiz Eduardo Araújo da Glória/Parmalat e aos responsáveis pelos postos de coleta pelas
informações e receptividade.
A Capil, aqui representada na figura de Moacyr Seródio (presidente) e Luiz Antonio Boechat
Borges (diretor-secretário) pelas informações.
A EMATER-RIO e suas pesquisas sobre o rural fluminense.
6
“O mundo é mudança; a vida, opinião”.
Demócrito de Abdera
“Não se cogita de defender uma posição já assumida,
ou de projetar uma nova orientação: pretende-se tornar
mais clara a mútua compreensão que herdamos”.
Richard Hartshorne
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO I: ORGANIZAÇÃO ESPACIAL EM REDE:
UMA PROPOSIÇÃO CONCEITUAL PARA O
ESTUDO DAS CORPORAÇÕES 19
I.1) O espaço geográfico como organização espacial 20
I.2) Interações espaciais como dinâmica espacial em rede 24
I.3) Os circuitos espaciais de produção 26
I.4) Redes geográficas corporativas 27
CAPÍTULO II: A INSERÇÃO DA ATIVIDADE LEITEIRA
NO NOROESTE FLUMINENSE 32
II.1) Aspectos da produção leiteira no Noroeste Fluminense 32
II.2) A importância da Capil para o surgimento da empresa Glória 38
CAPÍTULO III: A REDE GEOGRÁFICA CORPORATIVA
DA EMPRESA GLÓRIA (1960-2001) 52
III.1) Interações espaciais entre Glória e Fleischmann & Royal
(1960-2000) 52
III.1.1) A corporação norte-americana Fleischmann & Royal 54
III.1.2) A rede geográfica corporativa Glória/Fleischmann
& Royal 60
III.2) Interações espaciais entre Glória e Kraft Foods International
(2000-01) 63
III.2.1) A corporação norte-americana Kraft Foods International 63
III.2.2) A rede geográfica corporativa Glória/Kraft
Foods International 65
CAPÍTULO IV: A REDE DE INTERAÇÕES ESPACIAIS ENTRE
GLÓRIA E PARMALAT (2001-05) E SUA
RESPECTIVA REDE GEOGRÁFICACORPORATIVA 69
IV.1) A corporação italiana Parmalat 69
IV.2) A rede geográfica corporativa da Glória/Parmalat 74
IV.3) Principais projetos da empresa para a produção
e comercialização 90
IV.4) Crise e reorganização espacial 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS 104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 107
ANEXOS 114
8
LISTA DE QUADROS, FIGURAS, GRÁFICOS, TABELAS, MAPAS E ANEXOS
QUADROS
1. A organização espacial no sistema capitalista de produção 22
2. População residente da Mesorregião Noroeste Fluminense e Municípios
(1940-2000) 33
3. Produção de leite no Noroeste Fluminense segundo municípios (1920-2000) 37
4. Evolução da coleta a granel da Glória - janeiro de 1996 a abril de 1998 66
5. Evolução do número de produtores da Glória (1993-2002) 66
6. Litros de leite recebidos por produtor pela Glória (1993-2002) 67
7. Número de linhas de leite da empresa Glória (1993-2002) 83
8. Número de funcionários dos PRLs – “Head Count” (1994-2002) 88
9. Desempenho da Assistência Técnica: Programa Cana+Uréia (1997-2002) 91
FIGURAS
1. Região Noroeste Fluminense 33
GRÁFICOS
Gráfico 1: Produção de café (em côco) no estado do Rio de Janeiro, na
Mesorregião Noroeste Fluminense e no município de Itaperuna,
de 1920 a 2000 36
TABELAS
1. Produção e distribuição da Capil – 2005 40
2. Produção beneficiada (kg) e volume de leite captado (litros) da Capil -
março 2003 / 2004 / 2005 41
3. Produção de leite (hl) do Brasil segundo as Unidades da Federação-1960 53
4. Produção de leite (hl) dos Estados de MG, RJ e ES por Zonas
Fisiográficas e municípios selecionados - 1960 55
5. Produção da Glória/Fleischmann & Royal em 1998 59
6. Estrutura da Parmalat Brasil - 2004 72
7. Fornecimento de leite (litros) da Glória/Parmalat por
município em abril de 2002 79
8. Produção da Glória/Parmalat em 2004 (postos de coleta) 80
9. Cooperativas e Associações de Produtores que fornecem leite para a
Glória - 2004 81
10. Fornecimento de leite da Glória/Parmalat por município em junho 2005 82
11. Maiores empresas de laticínios, Brasil, 2002 / 2003 / 2004 96
MAPAS
Mapa 1: Rede de produção e distribuição da CAPIL - 2005 44
Mapa 2: Rede de produção da Fleischmann & Royal - 1998 57
Mapa 3: Rede de produção da Glória/Fleischmann& Royal - 1998 58
Mapa 4: Rede de produção e distribuição Kraft Foods International - 2001 64
9
Mapa 5: Rede de produção e distribuição da Parmalat do Brasil - 2004 71
Mapa 6: Rede de produção e distribuição da Nestlé - 2004 75
Mapa 7: Rede de produção da Glória/Parmalat - abril de 2002 77
Mapa 8: Rede de produção da Glória/Parmalat - junho de 2005 78
ANEXOS
1. Informativo Capil. Ano XXIX, nº 363, junho de 2005 115
2. Informativo Capil. Ano XXIX, nº 364, julho de 2005 116
3. Foto do posto da Capil em Laje do Muriaé/RJ e da loja em Raposo (Itaperuna) 117
4. Foto do Posto de Recolhimento de Leite da Capil em Varre-Sai (RJ) 118
5. Glória Rural. Ano IV, nº 53, dezembro de 2001 119
6. Crescimento e melhoria, mas sem exclusão - A. Amorim 120
7. Foto do Posto de Recolhimento de Leite da Glória em Muriaé (MG) 122
8. Produtor Parmalat. Ano 6, nº 63, maio de 2002 123
9. Viver Parmalat. Ano 8, nº 44, maio/junho de 2002 124
10. Leite da Parmalat para rivais/desemprego ronda fábrica. JB (22/01/04) 125
11. Produtor vai assumir fábrica da Parmalat. O DIA – 18/03/04 126
12.Volta a jorrar o ouro branco. O GLOBO NORTE FLUMINENSE – 26/06/05 127
10
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo revelar a rede geográfica corporativa da empresa de
laticínios Glória/Parmalat através de suas interações espaciais. O intercâmbio entre fixos e
fluxos espaciais desenha determinado padrão espacial, no caso, um padrão dendrítico
influenciado pela direção, onde determinadas localidades centrais polarizam áreas produtoras
de leite. Para tanto empreendemos uma periodização desde o surgimento da empresa Glória:
1) (1960-2000) Glória controlada pela corporação norte-americana Fleischmann &
Royal/Nabisco. Os principais pontos da rede de produção da Glória/Fleischmann & Royal
estavam em Itaperuna (RJ), Italva (RJ), Cambuci (RJ), Porciúncula (RJ), Muriaé (MG),
Carangola (MG) e Alegre (ES). 2) (2000-01) Glória controlada pela corporação norte-
americana Kraft Foods International. Neste curto período de dois anos não ocorreram
mudanças significativas, apenas a intensificação dos processos de aumento da produção e
melhoria da qualidade do leite. A rede de produção da Glória/Kraft era a mesma. A rede de
distribuição estava concentrada em Jundiaí (SP) e Recife (PE). 3) (2001-05) Glória controlada
pela corporação italiana Parmalat. A Glória/Parmalat, localizada em Itaperuna (RJ), produz
leite em pó, sobremesas, creme de leite e leite condensado. A rede de produção da
Glória/Parmalat se concentra principalmente nos municípios de Itaperuna, Alegre (ES),
Ibiraçú (ES), Muriaé (MG) e Baependi (MG), ou seja, nas bacias leiteiras de maior volume de
produção nos respectivos estados. A Parmalat Brasil (dividida em Parmalat Alimentos,
Divisão Bakery, Batávia e Parmalat Participações) possui 7 fábricas e 8 centros de
distribuição espalhados pelo país. Estudamos a Glória/Parmalat antes e depois da crise
financeira da sede da corporação em Parma, na Itália. A filial brasileira, uma das mais
importantes do grupo, desde 2000 passava por um processo de reestruturação quando, em
2004 foi afetada pela crise. Esta revelou a vulnerabilidade do setor leiteiro nacional,
extremamente concentrado na Nestlé e na Parmalat, e a necessidade de um monitoramento
permanente. Além disso, ao contrário do que se imaginava, a crise fortaleceu as marcas
regionais e provou a força do cooperativismo no estado do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Rede Geográfica; Corporação; Glória; Parmalat.
11
ABSTRACT
The objective of this work is to reveal the corporative geographical network of the milk
industry Gloria/Parmalat besides its spatial interactions. The contact between spatial points
and their movements shows a determinate spatial type, in this case, a dendritic one influenced
by the direction, where determined central locations controls areas designated for milk
production. For this we made a periodization since the beginning of Gloria: 1) (1960-2000)
Gloria industry controlled by the north-american corporation Fleischmann & Royal/Nabisco.
The principal points of the production network of Gloria/Fleischmann & Royal were in
Itaperuna (RJ), Italva (RJ), Cambuci (RJ), Porciúncula (RJ), Muriae (MG), Carangola (MG)
and Alegre (ES). 2) (2000-01) Gloria controlled by the north-american corporation Kraft
Foods International. In this small period (two years) didn’t occurred big changes, just an
intensification of the processes of elevation of the production volume and benefits of milk
quality. The production network of Gloria/Kraft remains the same as once. The distribution
network was concentrated in the cities of Jundiai (SP) and Recife (PE). 3) (2001-05) Gloria
industry controlled by the Italian corporation Parmalat. The Gloria/Parmalat industry, located
in the city of Itaperuna, makes products like milk in dust, desserts, milk cream and condensed
milk. The production network of Gloria/Parmalat is mainly concentrated in the cities of
Itaperuna, Alegre (ES), Ibiraçu (ES), Muriae (MG) and Baependi (MG), that is, in the
principal milk areas of the respective states. Parmalat Brazil (divided into Parmalat Foods,
Bakery Division, Batavia and Parmalat Participations) controls seven industries and eight
distribution centers all around the country. We studied the Gloria/Parmalat industry before
and after the financial problems in the center of the corporation in Parma, Italy. The Parmalat
industry in Brazil, one of the most important of the group, since the year 2000 was in
restructuring process when, in 2004 was affected by the financial problems. This one revealed
the vulnerability of Brazil’s milk production, extremely concentrated in the hands of Nestle
and Parmalat, and the necessity of an permanent looking. Beyond that, on the contrary of the
expectations, the financial problems fortified regional brands and proved the strength of the
cooperatives in the state of Rio de Janeiro.
Keywords: Geographical networks; Corporation; Gloria; Parmalat.
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo revelar a organização espacial da corporação
Glória/Parmalat através de sua rede geográfica corporativa. Para esta dissertação foram
realizados trabalhos de campo durante todo o ano de 2005, sobretudo o mês de julho, além de
trabalhos de campo adicionais para coletar informações. Durante o referido ano mantive
contato com Luiz Eduardo Araújo, coordenador de política leiteira da empresa Glória e os
coordenadores dos postos de coleta mantidos pela empresa: Francisco (Muriaé - MG); César
(Alegre - ES) e Paulo (Ibiraçú - ES). Na cooperativa de produtores de leite de Itaperuna
(Capil) foi importante o contato com o presidente Moacyr Vieira Seródio, com Luiz Antonio
Boechat Borges (“Luizinho”) (diretor-secretário) e os responsáveis pelos postos: Francisco
(São José de Ubá - RJ), Delano (Laje do Muriaé - RJ) e Luís (Varre-Sai - RJ) e dos
responsáveis pelas lojas da Capil nos distritos de Raposo (Itaperuna – RJ) (Márcio) e Vargem
Alegre (Bom Jesus do Itabapoana – RJ) (“Belo”). Com relação à Parmalat, além das fontes da
empresa Glória, destaco o trabalho de CHAMPI JR. & BARBOSA (2004), a mídia impressa e
eletrônica, esta última principalmente os sites www.milkpoint.com.br e
www.parmalat.com.br. No entanto, como este trabalho é fruto de uma continuidade de uma
monografia de graduação, ao todo cinco trabalhos de campo podem ser considerados.
O primeiro trabalho de campo (16 e 17 de abril de 2001) foi importante para
estabelecer um vínculo com a Cooperativa de Itaperuna (CAPIL) e a Glória e abrir caminho
para o segundo campo (27, 28 e 29 de junho de 2001), ocorrido em conjunto com o
NEGEF/UERJ (Núcleo de Estudos de Geografia Fluminense) ao qual o autor fez parte
durante a maior parte do período de graduação. Foram estabelecidos contatos com a Glória, os
escritórios da EMATER-RIO (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), com
autoridades políticas (principalmente de Itaperuna), além de cooperativas como a Cavil, esta
em Bom Jesus do Itabapoana (RJ). No terceiro trabalho de campo (21, 22 e 23 de março de
2002), em parceria dupla do autor e um bolsista do NEGEF (Eduardo Sol Oliveira Silva), foi
relevante a contribuição de produtores locais e de representantes do poder público em Santo
Antônio de Pádua (RJ). No quarto (17 de maio de 2002) o autor conseguiu informações
importantes sobre a produção de leite junto à Glória. O quinto trabalho de campo (25, 26, 27 e
28 de agosto de 2003) realizado em grupo com o NEGEF/UERJ foi relevante no sentido de
atualização dos dados obtidos até então.
13
Os trabalhos de CORRÊA (1991) e de SILVA (1996) são considerados pontos de
partida para a pesquisa em tela. O primeiro revela a organização espacial da corporação Souza
Cruz pelo Brasil, fornecendo um exemplo de estudos nessa área; e o segundo trata da gestão
do território da Glória/Fleischmann & Royal (1960-1996), nosso objeto de estudo ao qual
pretendemos, na medida do possível, dar continuidade.
A empresa Glória é citada em trabalhos como os de VALVERDE (1985, p. 218), ao
tratar da pecuária leiteira nacional e da bacia leiteira do Rio de Janeiro: “Uma fábrica de leite
em pó (Glória), instalada em Itaperuna, adquire leite em municípios próximos” e SANTOS
(2001, p. 155-56):
Uma divisão territorial do trabalho, interna à firma, exige uma
normatização das tarefas e dos lugares. É o caso da Fleischmann &
Royal, pertencente ao grupo Nabisco Holding Corp., cuja matriz situa-
se em Nova Jersey e cuja rede brasileira abrange 11 fábricas e 7 filiais
de venda no ramo agroalimentar. Nessa holding, a empresa Leite
Glória desenha um circuito de produção, hierarquicamente
organizado, que parte de 2000 produtores locais da região de
Itaperuna, fornecedores dos micropostos de recolhimento de leite da
empresa nas fazendas. Desse modo se abastecem as fábricas de
Governador Valadares (MG) e Itapetinga (BA) e, também, da fábrica
de Itaperuna, que elabora leite em pó e outros subprodutos (Augusto
Silva, 1997) (SANTOS, 2001, p. 155-56).
O estudo das corporações nacionais e internacionais no espaço agrário brasileiro é
ressaltado por BINSZTOK (2000, p. 83):
Nesse sentido, são ilustrativos os exemplos desenhados por líderes
como a Sadia, Souza Cruz, Nestlé, Parmalat, etc, nos quais se define
um tipo de produtor ideal, modelo que deverá ser seguido pelos seus
agricultores integrados. (...) Pelo poder econômico e político que essas
empresas detêm é que suas iniciativas possuem grande influência no
espaço agrário brasileiro (BINSZTOK, 2000, p. 83).
O recorte espacial escolhido é o espaço de atuação direta da empresa Glória, que
compreende a bacia leiteira do Norte/Noroeste Fluminense, Sul do Espírito Santo e Zona da
Mata de Minas Gerais. Por bacia leiteira concordamos com JOVIANO (1960, p. 120): “Por
14
analogia, chama-se ‘bacia leiteira’ a região geográfica que supre de leite um determinado
mercado consumidor, cidade ou centro industrial” (grifo nosso).
É inegável a importância do estudo da atividade leiteira no país e das redes
corporativas no espaço agrário brasileiro. Em 2004 a produção brasileira foi de 23.474.694
mil litros de leite. A importação de leite, principalmente da Argentina, é de caráter acessório e
o país já, desde 2000, tornou-se exportador. O Sudeste do país detém a maior produção,
9.240.957 mil litros. O estado do Rio de Janeiro é o décimo segundo produtor do Brasil, com
produção em 2004 de 466.927 mil litros. O estado do Espírito Santo é o décimo terceiro, com
produção de 405.717 mil litros em 2004. Minas Gerais é o grande campeão, com produção de
6.628.917mil litros em 2004. (IBGE, Pesquisa Pecuária Municipal, 2004).
A bacia leiteira controlada pela corporação Glória/Parmalat é definida pelas
mesorregiões Norte/Noroeste Fluminense, Zona da Mata de Minas Gerais e Sul do Espírito
Santo. Conforme dados da Embrapa Leite e do IBGE (Pesquisa Pecuária Municipal 2004), o
Noroeste Fluminense – sede da corporação – é a primeira mesorregião no estado do Rio de
Janeiro em produção leiteira (produção de 118.409 mil litros anuais, dos quais 69.782 mil
litros da microrregião de Itaperuna). Em segundo lugar vem a mesorregião Sul, com produção
de 114.612 mil litros em 2004, dos quais 69.454 mil litros da microrregião do Vale do
Paraíba. A Zona da Mata de Minas Gerais é a terceira maior mesorregião em produção de
leite do estado de Minas Gerais, com produção de 627.620 mil litros em 2004, dos quais
171.087 mil litros da microrregião de Juiz de Fora. Em primeiro lugar está o Triângulo
Mineiro/Alto Paranaíba com 1.603.020 mil litros e em segundo o Sul/Sudoeste com 1.057.135
mil litros. O Sul do Espírito Santo é o maior produtor de leite, com 126.710 mil litros em
2004, dos quais 58.213 mil litros da microrregião de Cachoeiro do Itapemirim.
A dissertação está dividida em 4 capítulos. O primeiro trata do embasamento teórico-
metodológico da pesquisa; o segundo trata do noroeste fluminense, base de expansão inicial e
sede da corporação Glória e a inserção das atividades agro-pastoris neste recorte espacial,
além de considerações sobre a Cooperativa Agropecuária de Itaperuna (Capil), agente
importante para o surgimento da empresa Glória; o terceiro capítulo tem por objeto a empresa
Glória antes do controle da Parmalat: de 1960 até 2000 temos o controle da Fleischmann &
15
Royal e de 2000 a 2001 o controle da Kraft Foods International; o quarto capítulo aborda a
organização espacial da fábrica Glória e de sua rede geográfica sob a égide Parmalat (2001-
05).
Adotamos a abordagem da organização corporativa em rede, que é o modelo que vem
se desenhando no pós-1970, período que é chamado do “pós-moderno”, de “acumulação
flexível” (HARVEY, 2001), “informacionalismo” (CASTELLS, 2003), “desencaixe”
(GIDDENS, 1991), “meio técnico-científico-informacional” (SANTOS, 2001), quando
mudam as experiências espaciais e temporais nesta nova etapa do capitalismo. Segundo
DALL´ACQUA (2003), os últimos trinta anos foram marcados por mudanças rápidas na
economia transnacional, como o “novo paradigma tecnoeconômico” (a inovação ou “fato
novo” de Schumpeter) calcado nas tecnologias de informação e comunicação, a aceleração da
“terceirização”, a internacionalização da indústria, dos serviços e do capital. As clássicas
vantagens comparativas de David Ricardo (recursos naturais, mão-de-obra e capital) se
tornaram vantagens competitivas do local. As empresas passam a se organizar formando
redes, buscando alianças estratégicas, projetos de cooperação e unidades descentralizadas.
Assim, a economia informacional privilegia o capital privado de empresas transnacionais.
HARVEY (2001) opõe a rigidez do modelo fordista-keynesiano à acumulação
flexível. O modelo fordista não estava conseguindo gerenciar um contexto de crise do
petróleo, altos índices de inflação e crise mundial dos mercados imobiliários. Nas palavras de
HARVEY (2001, p. 140):
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um
confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos
produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de
setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo,
taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional (grifo no original) (HARVEY, 2001, p. 140).
Todavia, tal oposição não elimina a possibilidade da co-presença em um mesmo lugar
de modelos antagônicos, adequados às realidades locais, ambos à disposição das empresas.
16
Destaque-se a forte financeirização das economias e dos mercados, cujo capital cada
vez mais fictício pode – graças às inovações nos sistemas de comunicação – circular de forma
instantânea pelo mundo. As grandes corporações disputam ferozmente redes e mercados mais
competitivos: “O domínio das redes e espaços de mercado permanece sendo um alvo
corporativo fundamental, e muitas batalhas amargas por uma parcela de mercado são lutadas
com a precisão de uma campanha militar para ocupar território e espaço” (HARVEY, 2001, p.
213). O desenvolvimento de redes telemáticas permitiu a fluidez e a rapidez no retorno dos
lucros; cada vez mais se valoriza o dinâmico e o fugaz, conformando aquilo que HARVEY
(2001) chamou de “compressão do tempo-espaço”: “Uso a palavra ‘compressão’ por haver
fortes indícios de que a história do capitalismo tem se caracterizado pela aceleração do ritmo
de vida, ao mesmo tempo em que venceu as barreiras espaciais em tal grau que por vezes o
mundo parece encolher sobre nós” (idem, p. 219).
CASTELLS (2003) define o contexto atual como “informacionalismo” ou “sociedade
da informação”. As sementes tecnológicas e informacionais plantadas nos anos 1970 estão
sendo colhidas hoje na “nova economia”, onde é forte o papel das redes de informação intra e
inter empresas, a circulação do capital financeiro e a biotecnologia. Para CASTELLS (2003,
p. 225), as redes são os componentes mais importantes das organizações, que passam a atuar
de forma horizontal e não vertical, ou seja, de modo descentralizado. As principais mudanças
das empresas foram: organização em torno do processo e não da tarefa; hierarquia horizontal;
gerenciamento em equipe; medida do desempenho pela satisfação do cliente; recompensa com
base no desempenho em equipe; maximização dos contatos com fornecedores e clientes;
informação, treinamento e retreinamento de funcionários em vários níveis; e descentralização
de unidades, que possuem autonomia. Para o citado sociólogo, as redes mundiais principais
giram em torno das empresas multinacionais.
O poder dos fluxos materiais e imateriais é tão acentuado que CASTELLS (2003)
chega a conceber um “espaço de fluxos”, pois na sociedade em rede é o espaço que organiza o
tempo (idem, p. 467). Espaço de fluxos “é a organização material de práticas sociais de tempo
compartilhado que funcionam por meio de fluxos” (ibidem, p. 501). Em uma perspectiva
estruturalista, o autor destaca três camadas para o espaço de fluxos: a primeira camada refere-
se ao circuito de impulsos eletrônicos e todas as vias de comunicação eletrônica instantânea; a
segunda camada é composta pelos “nós” e centros de comunicação espalhados pelo mundo
que utilizam os impulsos eletrônicos; e a terceira camada diz respeito à organização espacial
17
das elites dominantes que controlam tal difusão informacional, como a elite tecnocrática e
financeira que ocupa posições de liderança na sociedade.
GIDDENS (1991) não acredita na pós-modernidade e sim em descontinuidades da
modernidade. Estas descontinuidades dizem respeito ao ritmo das mudanças (que passam a
ocorrer de modo mais rápido), ao escopo das mudanças (a modernidade agora é global) e à
natureza intrínseca das instituições modernas (tudo é passível de ser mercadoria). Estaria
acontecendo uma separação entre tempo e espaço (o que o autor chama de “desencaixe”):
“Por desencaixe me refiro ao ‘deslocamento’ das relações sociais de contextos locais de
interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (grifo nosso)
(idem, p. 29). O espaço não “desaparece”, mas assume um sentido relacional. A mudança
tecnológica e a informatização estão na base do processo de desencaixe.
O “deslocamento” está relacionado ao que o autor chama de “fichas simbólicas” e
“sistemas peritos”. As fichas simbólicas ressaltam a imaterialidade e são “meios de
intercâmbio que podem ser ‘circulados’ sem ter em vista as características específicas dos
indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer conjuntura particular” (idem, p. 30). As
fichas mais usadas (ou mais comuns) são o dinheiro e o cartão de crédito. Os sistemas peritos
são “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas
dos ambientes material e social em que vivemos hoje” (ibidem, p. 35). Na verdade os sistemas
peritos são experts em um ramo de conhecimento determinado. A confiança é a base dos dois
sistemas, ou seja, dependemos do outro. GIDDENS (1991, p. 45) afirma que a modernidade é
reflexiva, o novo e o velho coexistem, sendo o novo o velho refletido e readaptado. Em suma,
para o autor, não há pós-modernidade e sim a radicalização da modernidade.
“Meio técnico-científico-informacional” é a expressão cunhada por SANTOS (2001)
para a dinâmica social e espacial atual. Esse meio que une técnica, ciência e informação é a
“expressão geográfica da globalização” (idem, p. 21). O mencionado meio domina o terceiro
grande período na história territorial brasileira. O primeiro período vigorou até a 2ª Guerra
Mundial, anterior à unificação do território e do mercado nacionais. O segundo período é o do
Brasil unificado, tendo a indústria como fator dinâmico com o objetivo de construção
nacional. Nas cidades reinam dois tipos de consumo: consumptivo, ligado à reprodução social
(educação, saúde, lazer, religião, política) e consumo produtivo, intermediário das empresas
(ciência embutida na biotecnologia, consultorias e dinheiro em forma de crédito). O
18
relacionamento em rede das empresas também é mencionado por SANTOS (2001, p. 298): “O
fato de atualmente a atividade corporativa se realizar por intermédio de empresas-rede acaba
por influenciar a totalidade ou partes significativas do território, por meio das redes das infra-
estruturas e de informação e comunicação”.
Sejam quais forem as terminologias adotadas, fato é que há mudanças na forma de
organização das empresas (e das relações sociais) e que essas mudanças possuem um nexo ou
implicação diferencial no espaço. As multinacionais agem tanto de maneira vertical (são
agentes externos ao local) quanto horizontal (ao se adaptarem às condições locais).
19
CAPÍTULO I: ORGANIZAÇÃO ESPACIAL EM REDE: UMA PROPOSIÇÃO
CONCEITUAL PARA O ESTUDO DAS CORPORAÇÕES
Na Introdução vimos o contexto no qual está inserida a forma de organização em rede
e suas implicações para o estudo das corporações. Neste capítulo veremos os escopos
analíticos de aplicação mais direta neste trabalho.
Atualmente, as empresas se organizam horizontalmente em rede. As redes
organizacionais podem ser internas (dentro da empresa) e externas (fora da empresa) (PECI,
1999). Para a referida autora, toda organização é uma rede. Os termos “organização-rede” e
“empresa-rede” são sinônimos. O pós-fordismo tem como base a flexibilidade e a capacidade
de inovação, cujo objetivo é o aumento de competitividade. As tarefas são cada vez mais
descentralizadas e focadas no cliente (personalização). Segundo PECI (1999), a teoria das
redes marcou um passo adiante da teoria dos sistemas, pois o foco agora está nas relações
entre os atores da rede.
VELTZ (1994) define o novo contexto como sendo de “flexibilidade dinâmica”, com
novas formas de interligação mercado-produção, a procura de estruturas e de formas de gestão
mais transversais, mais horizontais, suscetíveis de valorizar parâmetros como os prazos, a
qualidade ou a inovação. O modelo funcional taylorista entra em crise e cada vez mais ganha
vulto o modelo da “empresa-rede” (p. 195).
BENKO (1994, p. 51-53) afirma que a atuação global das multinacionais caracteriza a
nova divisão espacial e internacional do trabalho, formando variados circuitos econômicos
integrados. A economia internacional da virada do século XX para o XXI, para o autor,
funciona como um puzzle de regiões produtivas especializadas. Três elementos são essenciais
neste contexto: um mercado mundial unificado (zona única de produção e de trocas); as
empresas mundializadas, que organizam a concepção, produção e distribuição de seus
produtos e serviços; e um quadro regulamentar e institucional ainda muito inadaptado para
controlar em escala planetária a interdependência econômica e política (p. 69).
20
Para SANTOS (1994, p. 74) tem ocorrido desde o pós-guerra a evolução dos antigos
trustes, cartéis e monopólios nacionais para a constituição das firmas multinacionais, hoje já
transnacionais, formando complexos produtivos planetários. As redes (com o auxílio das
diversas tecnologias da informação) unem os três níveis espaciais (global, nacional e local). A
rede é a radicalização da globalização, segundo SANTOS (1994, p. 76).
O estudo da organização espacial de uma corporação revela suas interações espaciais e
o padrão (ou a forma) dessas interações no espaço geográfico. Para tanto, torna-se
fundamental estudar a rede geográfica promovida pela corporação, ou seja, como esta
corporação organiza espacialmente a produção e como se configura o circuito espacial. Em
função da complexidade e da materialidade desta rede corporativa, ela pode ser
multifuncional (com várias funções) e/ou multilocalizada (com várias localizações no espaço).
Neste capítulo explicitaremos as bases conceituais que justifiquem as afirmativas feitas acima.
I.1 - O espaço geográfico como organização espacial
O espaço geográfico é a expressão material dos processos históricos de produção e
reprodução social. É a “soma dos resultados da intervenção humana sobre a terra”, um espaço
construído (produtivo), construído como expectativa e não-construído, mas suscetível de ser
valor (SANTOS, 1997a, p. 19).
O espaço geográfico pode ser definido como conjunto de fixos e fluxos (SANTOS,
1985, 1997b, 2002). “Os fixos nos dão o processo imediato do trabalho. Os fixos são os
próprios instrumentos de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa dos
homens” (SANTOS, 1997b, p. 77). “Os fluxos são o movimento, a circulação e assim eles nos
dão, também, a explicação dos fenômenos da distribuição e do consumo” (SANTOS, 1997b,
p. 77). Se o espaço se organiza através de fixos e fluxos, quais são os elementos que o
compõe?
SANTOS (1985, p. 6) destaca pelo menos cinco do que chama de “elementos do
espaço”. Todos são interdependentes e garantem sua individualidade na relação com os
demais. Os elementos são: os homens (relacionados ao trabalho e à demanda); as firmas
(ligadas à produção de bens, serviços e idéias); as instituições (que produzem normas, ordens,
21
legitimações); o meio ecológico (conjunto de complexos territoriais, base física do trabalho
humano) e as infra-estruturas (trabalho humano materializado e geografizado).
Desde o momento em que houve uma universalização da produção e do consumo, as
firmas se tornaram imprescindíveis para compreender o atual estágio de desenvolvimento
capitalista. Aliadas aos outros elementos do espaço, as firmas têm conseguido ampliar seu
capital.
O Estado (elemento instituição) tem papel normatizador e seletivo no espaço
geográfico. Enquanto ator social é a escala intermediária entre o global e o local. O Estado
gerencia conflitos, ora atendendo às demandas externas do capital, ora atendendo a
determinadas demandas sociais (garantindo a reprodução da força de trabalho). Na pesquisa
em tela, a firma é o elemento e ator privilegiado na análise da dinâmica da fábrica Glória em
Itaperuna (RJ). Tal cenário implica uma organização espacial singular.
CORRÊA (1986) fornece pelo menos sete definições de organização espacial
enquanto sinônimo de espaço geográfico. Todas elas complementares e demonstram a
multidimensionalidade da espacialização da sociedade:
1 - organização espacial é a segunda natureza (nos termos de Marx), a configuração
das formas espaciais pelo homem;
2 - organização espacial é um conjunto de objetos criados pelo homem e dispostos na
superfície da Terra; é um meio de vida no presente (produção), mas também condição para o
futuro (reprodução);
3 - organização espacial é a expressão da produção material do homem pelo trabalho
social e reflete as características do grupo que a criou;
22
4 – organização espacial é formada pelo conjunto de cristalizações criadas pelo
trabalho social;
5 – organização espacial implica ação do Estado e das grandes corporações
capitalistas;
6 – organização espacial é reflexo social e condição para a reprodução social
(semelhante ao conceito de “inércia dinâmica” de Milton Santos);
7 – organização espacial é totalidade social espacializada.
Estas definições de organização espacial perpassam aspectos ligados à produção,
como o quê, onde e quando produzir, as relações sociais (entre os homens) e entre homem e
natureza mediatizadas pelo trabalho. A produção também implica reprodução e controle da
produção, que a organização espacial reflete. A organização espacial é o conjunto de fixos e
fluxos e suas cristalizações. A organização espacial no modo capitalista de produção é
sintetizada no quadro 1:
QUADRO 1: A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL NO SISTEMA CAPITALISTA DE PRODUÇÃO
Objetivo Atividade Elemento Material Cristalização
Organização
espacial específica
Fábrica Ponto
Mina Ponto
Indústrias dispersas
ou concentradas
Produção
Campo Área
Áreas rurais
especializadas
Terminal Ponto
Depósitos Ponto
Centros de
comunicação
Canal Linha
Dutos Linha
Circulação
Rodovias etc. Linha
Sistema Viário
Banco Ponto
Escritório Ponto
Centros
Administrativos
Escola Ponto Universitários
Templo Ponto Religiosos
Acumulação de
capital
Controle e decisão
Quartel Ponto Militares
Loja Ponto
Hospital Ponto
Cinema Ponto
Localidades
Centrais
Reprodução social Consumo
Habitação Área Áreas Sociais
Fonte: CORRÊA, 1986, p. 58.
23
Segundo SANTOS (1985, p. 13), os elementos do espaço possuem organização
singular para cada lugar. “A organização se definiria como o conjunto de normas que regem
as relações de cada variável com as demais, dentro e fora de uma área”. A organização
espacial não só é constituída por normas, mas por arranjos de objetos naturais e artificiais que
são dinamizados por processos sociais. A estrutura de uma organização espacial revela redes
dos mais diferentes escopos. Na verdade, as redes envolvem os fixos e os fluxos enquanto
expressão geográfica de uma organização espacial.
No estudo da organização espacial ou da totalidade social espacializada é fundamental
considerar algumas categorias de análise: forma, função, estrutura e processo, como
apontadas por SANTOS (1985, p. 50) e CORRÊA (1986). A forma é o aspecto visível das
coisas, “o arranjo ordenado de objetos” (padrão espacial). É a estrutura revelada. A função é a
tarefa desempenhada pela forma. A estrutura seria o modo de organização, a “inter-relação
entre todas as partes de um todo”. O processo é a “ação contínua para um resultado qualquer”
(intencionalidade) e está relacionado aos conceitos de tempo e mudança. É a estrutura em
transformação. Segundo SANTOS (1985, p. 52) essas categorias devem ser vistas como “rede
de interações” e não isoladamente.
O estudo das categorias referidas acima deve ser feito a partir do presente, pois as
formas presentes acumulam diferentes temporalidades. Parte-se do todo (totalidade) para a
parte, para depois retornarmos ao todo (método dedutivo). Como a totalidade é uma
abstração, que não conseguimos abarcar, estudamos o local, que é a parte visível do todo.
Contudo, não se pode esquecer da totalidade.
A nossa proposta de análise é o estudo da organização espacial desenvolvida pelo
elemento modelador do espaço cada vez mais importante que são as firmas. Nesta pesquisa, a
empresa de laticínios Glória é o objeto de estudo. Vale lembrar que a empresa é apenas um
dos importantes fixos da corporação italiana Parmalat no Brasil, ou seja, uma parte
(importante) da totalidade social. As formas criadas pela empresa (incluindo ela mesma)
desempenham funções ligadas à atividade econômica em torno do circuito espacial produtivo
do leite e objetiva a acumulação e reprodução do seu capital, em uma estrutura baseada no
modo de produção capitalista (modo de produção dominante) em um “meio técnico-
24
científico-informacional” (SANTOS, 1999), cujo processo é marcado por mudanças rápidas e
intencionalidades as mais diversas e conflituosas, pois não é o único elemento a agir no
espaço.
A organização espacial reflete as interações espaciais que animam tal organização e as
interações ocorrem na forma de redes as mais diversas.
I.2 - Interações espaciais como dinâmica espacial em rede
As interações espaciais são um “amplo e complexo conjunto de deslocamentos de
pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço geográfico” (CORRÊA, 1997).
Possuem várias intensidades e representam os vários projetos dos diferentes agentes
produtores de espaço. Como exemplos de interações espaciais temos a circulação de
mercadorias entre fábricas e lojas, o fluir de informações entre unidades de uma mesma
empresa etc. (CORRÊA, 1997). Fizemos questão de ressaltar as interações espaciais no título
da pesquisa por entender que este escopo analítico ressalta as relações espaciais entre os
agentes modeladores do espaço e entre estes e as formas ou fixos criados por eles, pois é a
partir das relações que eles possuem significado.
Segundo SANTOS (1985, p. 7), os elementos do espaço possuem interações:
Na medida em que função é ação, a interação supõe interdependência
funcional entre os elementos. Através do estudo das interações,
recuperamos a totalidade social, isto é, o espaço como um todo e,
igualmente, a sociedade como um todo (SANTOS, 1985, p. 7) [itálico
no original].
A Revolução Industrial teve papel decisivo na ampliação e complexificação das redes
geográficas, envolvendo um número crescente de “nós”, vias e fluxos, assim como dos mais
diversos agentes sociais. Na segunda metade do século XIX intensificaram-se os processos
anteriores, ocorreu uma instantaneidade e simultaneidade na circulação de informações pela
demanda das grandes corporações com várias funções e localizações. Acentuou-se a
internacionalização do capital produtivo, repercutindo nas redes de filiais e subsidiárias da
25
mesma corporação e alterou-se a divisão internacional do trabalho. Formaram-se complexas
redes de produção e circulação.
As interações espaciais, derivadas de diferentes fixos e fluxos, conformam diferentes
padrões espaciais, os quais CORRÊA (1997) destaca quatro tipos:
a) Padrão espacial com interações fortemente regionais. Neste padrão há um forte
grau de autonomia regional e limitada participação em uma pouco desenvolvida divisão
territorial do trabalho. Como exemplo o autor cita o padrão espacial das cidades pré-
industriais européias;
b) Padrão espacial com interações fortemente extra-regionais. Caracterizado pela
longa distância, envolvendo fluxos associados a especializações funcionais, sejam do setor
produtivo, sejam dos serviços, tais como os centros religiosos, portuários, ou de pouca
diversificação industrial;
c) Padrão espacial com interações influenciadas pela direção. Neste padrão espacial
há uma polarização em uma direção da hinterlândia do centro nodal, especializações
produtivas criadas por capitais locais e pelas grandes corporações de múltipla função e de
múltipla localização, com a formação de uma rede de localidades centrais selecionados pela
empresa. Toda a produção é voltada para o centro de transformação final, tais como as
cidades localizadas em fronteiras internacionais;
d) Padrão espacial com interações descontínuas no tempo. Este padrão espacial está
relacionado à variação na escala temporal, nas diferentes formas de organização espacial e na
sazonalidade. Como exemplos deste tipo de padrão espacial, vale lembrar a sazonalidade
agrícola, as festas religiosas e os mercados periódicos.
Na pesquisa em tela, um dos objetivos é identificar qual o padrão espacial da empresa
Glória não só atualmente, mas desde a sua criação em 1960. Em uma primeira aproximação,
26
diríamos que o padrão espacial com interações influenciadas pela direção seria o mais
próximo da realidade da dinâmica espacial da empresa. Primeiro porque a fábrica é o pólo
nodal da produção leiteira não só de Itaperuna, mas de toda a bacia leiteira (zona da mata
mineira, sul capixaba e norte/noroeste fluminense). Segundo pela especialização produtiva.
Tal bacia leiteira desde o século XIX possui uma tradição sobre a qual a empresa fomenta sua
expansão quantitativa e qualitativa. Terceiro porque a empresa empreende uma divisão
espacial do trabalho, selecionando localidades de maior produção leiteira. Enfim, a hipótese
de um padrão espacial com interações influenciadas pela direção é o ponto de partida para a
pesquisa proposta.
Para enfatizar a dinâmica em rede destas interações espaciais da empresa
Glória/Parmalat usamos o conceito de circuito espacial de produção de SANTOS (1997b).
I.3 - Os circuitos espaciais de produção
Os circuitos espaciais de produção podem ser definidos como “as diversas etapas pelas
quais passaria um produto, desde o começo do processo de produção até chegar ao consumo
final” (SANTOS, 1997b, p. 49). É a espacialização da cadeia produtiva.
DALL´ACQUA (2003) conceitua cadeia produtiva como um conjunto envolvendo
distribuição de insumos, processos, produtos e comercialização. É o centro do núcleo
produtivo que implica ligações intersetoriais e reunião, organização e transformação dos
fatores produtivos clássicos (recursos naturais, mão-de-obra e capital). A referida autora
menciona também o conceito de cadeia produtiva de Boudeville, que valoriza a relação
industrial em fluxos unidirecionais em linha (“floresta industrial”), a clara distinção entre
atividades industriais e atividades comerciais e a supremacia de uma indústria motriz que
polariza regiões e promove articulações para frente e para trás. Contudo, consideramos que o
conceito de cadeia produtiva não é em si geográfico, ao contrário de circuito espacial de
produção.
27
Os circuitos espaciais de produção estão ligados à idéia de movimento e de dinâmica;
os fluxos (materiais ou imateriais) que perpassam o espaço geográfico (SANTOS, 2001, p.
143-44). As grandes empresas, ao criarem e organizarem seus circuitos espaciais de produção
estabelecem relações com outros elementos do espaço, como o poder público e outras
empresas. É o que SANTOS (2001, p. 153) chama de “topologias de empresas”.
DALL´ACQUA (2003) concorda com SANTOS (2001) na idéia de que o conceito de circuito
espacial de produção amplia o conceito de circuito produtivo, enfatizando que os novos fluxos
não são apenas contíguos.
No caso da empresa Glória – que inclusive é citada no referido trabalho de SANTOS
(2001, p. 154-55) – pode ser mencionada a parceria da empresa com cooperativas localizadas
na bacia leiteira, como a CAPIL (Cooperativa Agropecuária de Itaperuna). Esta cooperativa
influenciou sobremaneira na instalação da Glória em 1960, ao doar o terreno onde está
localizada a empresa, além de ter um contrato de fornecimento com a Glória de no mínimo
50% da produção. Devido a mudanças no padrão de qualidade do leite requerido pela Glória
(ao se enquadrar em padrões internacionais), a CAPIL, que não conseguiu acompanhar o
ritmo de investimento, passou de parceira a apenas mais uma fornecedora de leite, além de ter
vendido alguns postos de recolhimento de leite para a Glória.
Finalmente, propõe-se o estudo das redes geográficas corporativas como escopo
analítico e reflexo da organização espacial em rede de uma corporação.
I.4 - Redes geográficas corporativas
A rede implica em fluxos, conectividade (DIAS, 2001), este último termo presente já
na obra do geógrafo francês Jean Brunhes. É “um conjunto de nós interconectados”
(CASTELLS, 2003, p. 566)
1
. Se o espaço geográfico é conceituado como um arranjo de fixos
e fluxos e a rede como um conjunto de nós interconectados, então espaço é, também, rede.
1
Apesar de citarmos CASTELLS (2003) neste trabalho, discordamos de algumas proposições do autor, como,
por exemplo, o excesso de importância dada às tecnologias da informação, às redes, a ponto de estarmos vivendo
em uma “sociedade em rede”; à proposição dicotomizada entre “espaço de fluxos” (o espaço já não implicaria
fluxos?) e “espaço de lugares” (os lugares seriam estáticos, imutáveis?), entre outros. Contudo, concordamos
com o autor no que se refere à importância do Estado-Nação (sobretudo no momento atual), dos mercados
28
As redes não estão relacionadas somente aos fluxos e conexões. Para que haja fluxos,
são necessários fixos, afinal, os fluxos possuem origem e destino. Nesta dinâmica, os fixos
são constantemente refuncionalizados. Tais termos são complementares e interdependentes.
Fluxos geram fixos que por sua vez geram novos fluxos. A rede, ao promover relações,
intercâmbios, alterando ou podendo alterar determinada situação, também muda. Toda rede é
mutável.
A rede também se refere ao controle. RAFFESTIN (1993, p. 213) destaca esta
característica das redes, o controle cada vez maior das redes de circulação (de seres e bens
lato sensu) e das redes de comunicação (de informações): “Controlar as redes é controlar os
homens e é impor-lhes uma nova ordem que substituirá a antiga”. Para Raffestin, o estudo das
redes de circulação permite conceber a natureza das redes geográficas.
As redes podem ser materiais ou imateriais. As primeiras são compostas de pessoas,
mercadorias, matérias-primas. As segundas estão relacionadas aos fluxos de informações e/ou
ordens. Ao mesmo tempo em que a rede faz parte do espaço e serve de suporte a este
(SANTANA, 2004), a rede integra o circuito espacial de produção (RAMALHO & CATAIA,
2004).
Concordamos com SANTOS (1999) sobre a necessidade do estudo do tempo das
ações que animam os objetos, ou seja, sua temporalidade. Como as redes são dinâmicas e
alteram constantemente seus fixos, é preciso estabelecer períodos com características
predominantes. Podemos afirmar que a dinâmica das redes da empresa Glória sob a gestão
Fleischmann & Royal (1960-2000) é diferente da dinâmica das redes da empresa sob a gestão
Kraft Foods International (2000-01) que difere da gestão Parmalat (2001 até hoje). Além da
diminuição dos fixos ligados à produção (os núcleos de atendimento ao produtor ou NAPs -
onde o leite é armazenado até ser levado à empresa - caíram de 6 para 4 do primeiro para o
terceiro momento) houve alteração na densidade dos fluxos de matéria-prima básica (leite),
uma vez que o volume de produção por produtor aumentou (em 1993 cada produtor produzia
me média 37 litros; em 2002 cada produtor produzia em média 450 litros).
financeiros globais e das grandes empresas multinacionais no cenário internacional. Para críticas ao seu trabalho
ver RANDOLPH (1999).
29
É interessante destacar o resgate da obra de Miossec feito por RIBEIRO (2001).
Segundo RIBEIRO (2001), o geógrafo francês Miossec em seu trabalho de 1976 (“La
localisation des forces de décision dans le monde: esquisse de géographie politique
théorique”) destaca três tipos de redes geográficas (interdependentes entre si e superpostas):
a) Rede de distribuição: voltada para a distribuição de bens e serviços, foi calcada na
teoria das localidades centrais de W. Christaller (1933). São determinados centros com
funções centrais aptas para a distribuição de bens e serviços. No caso da empresa Glória, em
seu segundo momento de gestão (sob o comando da multinacional norte-americana Kraft
Foods International), a rede de distribuição dos seus produtos estava localizada em dois
centros urbanos, Jundiaí (SP) e Recife (PE). Já no terceiro momento de gestão (sob o
comando da multinacional italiana Parmalat), a rede de distribuição conta com 8 centros
urbanos: Rio Grande do Sul (Porto Alegre), Paraná (Curitiba), São Paulo (Jundiaí), Rio de
Janeiro (Duque de Caxias), Minas Gerais (Contagem), Goiás (Brasília), Bahia (Salvador) e
Pernambuco (Garanhuns).
b) Rede de produção: composta de fluxos de matérias-primas, bens intermediários
e/ou produtos finais. Está relacionada aos lugares com vantagens de produção visando atender
à demanda de necessidades humanas e divisão do trabalho. A rede de produção da empresa
Glória é muito densa, cobrindo diversos municípios dos estados de Minas Gerais, na zona da
mata (42 localidades), Espírito Santo, na parte sul (18 localidades) e norte/noroeste
fluminense, sobretudo noroeste (21 localidades), espaços que formam a bacia leiteira sob
influência da empresa em 2002. A produção dos produtores dessas localidades é enviada para
os quatro “nós” para onde convergem a produção até ser levada para a empresa: Ibiraçú (ES),
Alegre (ES), Muriaé (MG) e Manhuaçú (MG), além da entrega diretamente na sede da
fábrica. Em 2004 o posto de Manhuaçú foi substituído por um em Baependi (MG).
c) Rede de gestão ou decisão: papel gestor desenvolvido pelo Estado ou pelo setor
privado (empresas), formando redes estratégicas onde circulam informações e ordens. No
caso da empresa Glória, a rede de gestão atual gira em torno da sede da empresa Parmalat em
Parma, na Itália, que controla a sede brasileira localizada na capital paulista, responsável pela
distribuição das ordens.
30
Entendemos a rede como um escopo analítico geográfico para a compreensão da
organização espacial de um ou mais agentes (no nosso caso, uma empresa). Não é apenas uma
rede urbana, é uma rede agro-urbano-industrial, pois a produção do leite está no campo e a
sua transformação está na cidade. Consideramos a fábrica Glória uma corporação em rede a
partir de duas características básicas: multifuncionalidade e multilocalização (CORRÊA,
2001), além de articulações em rede horizontais (ligadas à produção propriamente dita) e
verticais (pelas novas necessidades de intercâmbio e aos outros segmentos da produção
ligados à circulação, distribuição e consumo com o capital estrangeiro) (SILVA, 2002).
Logo, uma rede corporativa é um arranjo de localizações geográficas de pontos e áreas
interconectados entre si e animados por um sistema de ações que respondem pela reprodução
do capital da empresa. Assim sendo, propomos o conceito de rede geográfica corporativa para
o estudo do objeto desta pesquisa.
CORRÊA (2001 p. 107), baseado em Kansky, define as redes geográficas como
um conjunto de localizações geográficas interconectadas entre si por
um certo número de ligações. Este conjunto pode ser constituído tanto
por uma sede de cooperativa de produtores rurais e as fazendas a ela
associadas, como pelas ligações materiais e imateriais que conectam a
sede de uma grande empresa, seu centro de pesquisa e
desenvolvimento, suas fábricas, depósitos e filiais de venda
(CORRÊA, 2001, p. 107).
Em outro trabalho, CORRÊA (1997, p. 306) destaca a importância do estudo das
redes geográficas, que são formas para a verificação das interações espaciais. Elas
“constituem parte integrante do longo e cada vez mais complexo processo de organização
espacial socialmente engendrado”.
CORRÊA (2001 p. 110 e 113), com base em seu trabalho anterior sobre a empresa de
cigarros Souza Cruz (CORRÊA, 1991), destaca as três dimensões de análise das redes
geográficas para a referida empresa. Segundo o autor, a dimensão organizacional da empresa
Souza Cruz está calcada no planejamento, no fluxo de mercadorias diversas e informações,
com finalidade de acumulação capitalista, é uma rede real de fluxos materiais e imateriais,
muito formalizada, hierárquica e com certo grau de complementaridade. Quanto à dimensão
temporal, é uma rede de longa duração, com fluxos lentos e outros instantâneos, com
31
freqüência tanto permanente como periódica. A dimensão espacial é de escala nacional, mas
com vinculação com o mercado externo; é do tipo circuito com conexões internas e externas.
É nosso objetivo neste trabalho verificar as dimensões de análise das redes
geográficas corporativas da empresa Glória sob a gestão da multinacional italiana Parmalat
(de 2001 até hoje). A princípio, a dimensão organizacional é caracterizada por uma empresa
planejada, que promove fluxos de mercadorias (matérias-primas e produtos industrializados),
voltada para a acumulação capitalista, com existência real (fluxo de produtos), mas também
imaterial (fluxo de informações e ordens). É uma rede formal – ou “rede da ordem” (DIAS,
2001) – ao mesmo tempo hierárquica e complementar (os lugares são selecionados de acordo
com o potencial produtivo e centralidade para a distribuição dos produtos). A dimensão
temporal é marcada por uma curta duração (a empresa é de 1960), com velocidade variável
(circulação de matéria-prima é rápida graças à coleta a granel; as informações e ordens são
instantâneas devido ao uso das redes telemáticas) e freqüência permanente. A dimensão
espacial possui forma de circuito, com conexões internas (uso da rede da Parmalat Brasil) e
externas (com a sede da Parmalat na Itália), ou seja, com vários “níveis de solidariedade das
redes” (SANTOS, 1999).
Enfim, o estudo da organização espacial e das redes geográficas corporativas
contribui para compreender a dinâmica espacial da empresa Glória; porém, a análise das
redes geográficas corporativas será privilegiada ou desenvolvida com maior nível de
detalhamento, sendo o objetivo principal do trabalho. A análise das interações espaciais e dos
circuitos espaciais de produção é acessória, mas não menos importante.
32
CAPÍTULO II: A INSERÇÃO DA ATIVIDADE LEITEIRA NO NOROESTE
FLUMINENSE
O Noroeste Fluminense tradicionalmente é considerado como “região-problema” do
estado do Rio de Janeiro. Mas como explicar o crescimento da população apesar do tão
propalado êxodo rural? Como explicar a maior produção leiteira do estado? Por que uma
multinacional escolheria um espaço em crise para instalar sua empresa?
Neste capítulo o objetivo é mostrar alguns aspectos da atividade leiteira no recorte
espacial lócus da corporação Glória/Parmalat.
II.1 - Aspectos da atividade leiteira do Noroeste Fluminense
A mesorregião Noroeste Fluminense é dividida em duas microrregiões. A primeira é a
microrregião de Itaperuna, composta de sete municípios: Bom Jesus do Itabapoana, Italva,
Itaperuna, Laje do Muriaé, Natividade, Porciúncula e Varre-Sai. E a segunda é a de Santo
Antônio de Pádua, contendo seis municípios: Aperibé, Cambuci, Itaocara, Miracema, Santo
Antônio de Pádua e São José de Ubá (CIDE, 2001) (Figura 1).
33
Fonte: MADANÊLO, SILVA & BRAGA, 2002, p. 106.
A análise do quadro 2 permite constatar a variação da população do Noroeste e cada
município que a compõe em relação ao total do estado do Rio de Janeiro, de 1940 a 2000.
Pode ser observado que o subespaço em questão possui uma população muito pouco
expressiva se comparada ao total do estado. Apesar disso, alguns municípios aumentaram sua
população, como Aperibé, Itaperuna, Miracema, Santo Antônio de Pádua e Varre-Sai.
QUADRO 2: POPULAÇÃO RESIDENTE DA MESORREGIÃO NOROESTE FLUMINENSE
E SEUS MUNICÍPIOS (1940-2000)
População residente Mesorregião Noroeste
Fluminense e Municípios
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
Estado 3.611.998 4.674.645 6.709.891 8.994.802 11.291.520 12.807.706 14.367.083
Região Noroeste Fluminense 305.066 282.894 285.807 245.561 242.648 273.062 297.512
Aperibé 4.563 5.317 4.473 4.505 4.945 6.309 7.998
Bom Jesus do Itabapoana 33.463 31.852 38.019 29.418 27.970 29.873 33.632
Cambuci 30.401 25.614 22.260 17.571 14.910 14.954 14.617
Italva 20.465 15.649 22.951 15.408 12.865 12.764 12.612
Itaocara 24.508 24.069 22.309 22.264 21.310 22.933 22.999
Itaperuna 67.317 63.841 64.518 60.622 63.086 78.000 86.687
Laje do Muriaé 14.666 11.170 13.612 8.538 7.515 7.464 7.897
Miracema 17.606 18.722 21.069 21.187 22.007 25.091 27.042
Natividade 22.440 20.375 17.063 14.775 13.818 14.642 15.119
Porciúncula 17.161 14.670 15.299 12.395 13.458 14.561 15.941
Santo Antônio de Pádua 32.792 32.743 27.816 26.646 28.568 33.291 38.693
São José de Ubá 13.915 13.056 8.723 6.853 6.127 6.057 6.424
Varre-Sai 5.769 5.816 7.695 5.379 6.069 7.123 7.851
Fonte: MADANÊLO, SILVA & BRAGA, 2002, p. 107.
34
O crescimento populacional dos municípios citados anteriormente pode ser explicado,
em parte, pelo programa estadual Frutificar, cujo objetivo é fomentar a fruticultura irrigada no
Norte e Noroeste Fluminense. Tal programa começou em 1998 em parceria do governo
estadual e da FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro). Linhas de
crédito são abertas aos produtores com juros de 2% ao ano e amparo técnico da EMATER-
RIO (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural). O produtor deve fornecer ao menos
metade de sua produção para as beneficiadoras cadastradas pelo projeto: a Bela Joana,
localizada entre os municípios de Campos dos Goytacazes e São Fidélis, e a Niágara, em
Itaperuna (esta última beneficia principalmente maracujá). Os municípios de destaque no
programa são, de acordo com dados da EMATER-RIO em 2002, São Francisco do
Itabapoana, Campos dos Goytacazes (Norte Fluminense) e Itaperuna (Noroeste Fluminense).
Individualmente, destaquemos alguns fatores. Em Santo Antônio de Pádua a extração
de rochas ornamentais tem atraído consideráveis recursos para o município - inclusive
estrangeiros - e tem contribuído para o aumento da população (MADANÊLO, SILVA &
BRAGA, 2002, p. 112). Além disso, neste município e em Varre-Sai, Miracema e Bom Jesus
do Itabapoana as chamadas Comissões de Conselho Municipal auxiliam a participação da
sociedade, a parceria público-privada e a geração de empregos (ANDRADE, 2001). Em
Varre-Sai a Comissão de Conselho Municipal tem auxiliado na captação de recursos do
Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) para a atividade
cafeeira, dominante no município. Em Miracema a prefeitura vem apoiando a criação de
tilápias - uma das maiores do estado -, além do turismo ecológico, a construção de um parque
aquático e áreas para a prática do vôo livre. Além disso, formou-se uma cooperativa que
funciona como uma central de empregos, encaminhando os trabalhadores disponíveis para os
locais de demanda. A indústria de vestuário tem crescido consideravelmente no município
(ANDRADE, 2001). Em Bom Jesus do Itabapoana destaca-se o trabalho do Hospital São
Vicente de Paula, conformando um pólo médico na região, a exemplo de Itaperuna. Este
último apresenta ainda um pólo de confecções (sobretudo lingerie e roupas leves) e um pólo
turístico ligado a uma estância hidromineral no distrito de Raposo.
35
O êxodo rural ainda é forte. Este fato explica em grande medida o decréscimo
populacional da maioria dos municípios do Noroeste. Como afirma LIMONAD (1996, p.
194): “O baixo dinamismo da agricultura, praticada em moldes extensivos, com baixa
produtividade; a expansão da pecuária leiteira e a sazonalidade do cultivo da cana não
contribuem para fixar a população rural”. A emigração populacional é destacada também por
MASCARENHAS & NACIF (1992, p. 61): “Sendo o café um cultivo que, ao contrário da
pecuária extensiva, retém mão-de-obra, seu declínio, aliado à decadência geral da economia
campista, provocou grande emigração na região. Desde a década de 50 a mesma apresenta
perdas relativas (e em alguns casos absolutas) de população”.
Outro fator para a mobilidade espacial da força de trabalho foi a reconfiguração na
divisão regional através do surgimento de novos municípios, provenientes de outras regiões,
tais como Itaocara, que anteriormente pertencia à Mesorregião Serrana e Italva, emancipado
de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.
Como pode ser observado no gráfico 1, o Noroeste seguiu a trajetória do estado na
evolução da cultura do café, presente no Noroeste desde o século XIX, com o apogeu nos
anos 1920. A partir da década de 1930, com a ascensão da burguesia de cunho urbano-
industrial, tem início um acentuado declínio do cultivo de café. Apesar dos esforços
realizados na década de 1950 para manter altos os níveis de produção, os incentivos e a
rentabilidade do setor já não eram satisfatórios. Hoje o município de maior produção de café é
Varre-Sai.
36
GRÁFICO 1
Prodão de café (em côco) no estado do Rio de Janeiro, na
Mesorregião Noroeste Fluminense e no munipio de Itaperuna,
de 1920 a 2000
0
20000
40000
60000
80000
100000
1920 1940 1950 1970 1975 1980 1985 1990 1996 2000
Anos
Produção (em toneladas)
Estado do Rio Noroeste Fluminense Itaperuna
Fonte: MADANÊLO, SILVA & BRAGA, 2002, p. 108.
A crise de cultivos como o café abriu caminho para a ascensão mais efetiva da
pecuária. Entretanto, segundo BRITO e INNOCENCIO (1988, p. 93), “em extensas áreas do
Estado do Rio de Janeiro, as lavouras assumem pequena importância espacial, uma vez que,
após a decadência da cafeicultura, o espaço agrário passou a ser dominado pela pecuária
bovina extensiva”.
Com a instalação da empresa Glória em Itaperuna, em 1960, consolida-se um novo
padrão de produção e beneficiamento do leite. Desde o século XIX esta atividade veio
crescendo e ganhando importância. Na primeira metade do século XX, a partir da ação das
cooperativas locais (como a CAPIL de Itaperuna que surgiu em 1941), organizou-se a
produção leiteira da região, em franca expansão, como pode ser observado no quadro 3.
37
QUADRO 3: PRODUÇÃO DE LEITE (MIL LITROS)
NO NOROESTE FLUMINENSE SEGUNDO OS MUNICÍPIOS
(1920-2000)
Municípios 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
Aperibé - - - - - - - 3.104
B. J. Itabapoana - 1.785,1 2.522,6 3.711,1 8.720 12.608 9.196 12.142
Cambuci 2,95 600 668,1 1.351,1 7.249 12.960 12.200 8.000
Italva - - - - - - 3.810 5.180
Itaocara 255,9 495,8 793,7 2.280,9 3.528 10.265 7.568 10.208
Itaperuna 1.565,11 4.483,5 4.019 6.954,3 15.823 23.891 19.537 23.697
Laje do Muriaé - - - - 2.115 4.249 2.909 3.200
Miracema - 942,1 844,4 1.893 3.275 6.355 5.065 5.000
Natividade - - 1.952,9 4.768,4 9.046 13.492 7.978 8.000
Porciúncula - - 1.547,1 2.424,9 3.612 5.355 5.260 5.040
Santo A. Pádua 170,68 2.694,7 2.293,8 3.276 6.772 17.549 15.176 12.518
São José de Ubá - - - - - - - 4.800
Varre-Sai - - - - - - - 1.833
Total 1.993,83 11001,2 14.641,6 26.659,7 60.140 106.724 88.699 102.722
Fonte: IBGE. Censos Agropecuários – 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980; Pesquisa Pecuária Municipal –
1990, 2000.
A retirada da subvenção estatal no setor leiteiro nacional a partir dos anos 1980 e
principalmente nos anos 1990, aliado a um quadro de abertura econômica, estimulou uma
maior competição - fruto dos investimentos externos de grandes corporações - e em menor
escala, modernização das cooperativas regionais. Como vimos na Introdução, segundo dados
do IBGE (Pesquisa Pecuária Municipal, 2004), a Mesorregião Noroeste Fluminense
ultrapassou a Mesorregião Sul (tradicionalmente a de maior produção leiteira): 118.409 mil
litros contra 114.612 mil litros, respectivamente. Como veremos no próximo item, a
Mesorregião Sul - palco da atuação da Nestlé - ainda detém a maior cooperativa do estado, em
Barra Mansa.
A pecuária de corte, embora menos significativa do que a leiteira, ainda assim possui
certa expressão. Nos anos 1970, além do apogeu da produção leiteira, começa a ganhar vulto
no Noroeste Fluminense a pecuária de corte (GRABOIS et al, p. 77-80). Destaque para o
Frigorífico Cubatão, localizado em Itaperuna e o maior da região. Emprega 400 pessoas e
conta com abate de 5.000 cabeças durante a safra; na entressafra este número cai para até
3.000. Em torno de 1/3 da produção é obtida no próprio município de Itaperuna e o restante é
oriundo dos municípios fluminenses de Casimiro de Abreu, Itaboraí e baixada campista, nos
municípios mineiros de Teófilo Otoni, Governador Valadares, Aimorés, Raul Soares, Ponte
Nova, Muriaé, Carangola e Miradouro e nos municípios capixabas de Cachoeiro do
Itapemirim, Mimoso do Sul e Guaçuí, perfazendo um raio de 500 km de distância. A
38
produção de charque também pode ser considerada. O município de Itaperuna se destaca com
5 estabelecimentos, um deles pertencente ao Frigorífico Cubatão. Este emprega 80 pessoas e
grande parte da matéria-prima é adquirida nos estado de Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio
Grande do Sul, de onde vem congelada.
Em síntese, a inserção da atividade leiteira no Noroeste Fluminense, lócus da fábrica
Glória e da Parmalat, é marcada pelo crescimento da produção, apesar da qualidade do leite
não acompanhar este ritmo. Como afirma GRABOIS et al (p. 80): “Daí decorre, em todo o
Noroeste Fluminense, o predomínio de sistemas pastoris extensivos, com pouco investimento,
emprego de técnicas rudimentares e reduzida mão-de-obra”.
II.2 – A importância da Capil para o surgimento da empresa Glória
Como veremos neste tópico, a Capil é um agente de primeira ordem para o estudo da
organização espacial da Glória e sua rede geográfica. Primeiro por ser a segunda maior
cooperativa do estado do Rio de Janeiro e coordenar a produção leiteira do Noroeste
Fluminense e adjacências desde o seu surgimento em 1941. Segundo por ter desempenhado
uma função de destaque para a instalação da fábrica Glória em Itaperuna e nas negociações
com o capital estrangeiro representado pela Fleischmann & Royal. E, ainda, por ser o segundo
maior fornecedor de matéria-prima para a Glória, com fornecimento médio mensal de
680.000 litros, sendo superada apenas pela Laticínios Santa Rita, de Muriaé (MG), que
fornece em média 720.000 litros/mês (LEITE GLÓRIA, julho de 2005).
Para se associar a Capil, basta um comprovante de propriedade fundiária, parceria ou
arrendamento, documentos pessoais (identidade e CPF) e fornecer no mínimo 1 litro de leite
por dia. A entrega ainda é feita em latões, apesar da Normativa 51 do Ministério da
Agricultura que estabelece o uso de tanques de resfriamento (ou expansão) para a coleta do
leite. A cooperativa, através do seu informativo de junho de 2005 (p. 8, circular 04/05) (anexo
1), insiste na legalidade da coleta via latão, apenas recomendando uma maior antecipação do
horário de chegada do leite... Já a Glória tem por premissa básica para o recebimento de leite
o uso do tanque de expansão.
39
A Capil (Cooperativa Agropecuária de Itaperuna Ltda) desde o seu surgimento em
1941 tentou sistematizar a produção de leite não só do município de Itaperuna, mas também
do seu entorno. Em 1940, dos 10.505.000 litros de leite produzidos pelo Noroeste
Fluminense, 4.483.000 eram produzidos pelo município de Itaperuna (IBGE, Censo
Agropecuário de 1940). No ano de 1941 os maiores pecuaristas do município, desfrutando de
sua condição privilegiada no campo econômico e também político fundaram uma cooperativa
de produtores de leite.
Em meados dos anos 1940 a Capil polarizava os municípios de Cambuci e Bom Jesus
do Itabapoana, além de seu grande território que, com 2.154 km
2
, englobava os atuais
municípios de Porciúncula, Natividade e Laje do Muriaé. As emancipações destas localidades
ocorreram, respectivamente, em 1947, 1947 e 1963, reduzindo o território do município de
Itaperuna aos atuais 1.188 km
2
.
Das 34 cooperativas existentes no estado do Rio de Janeiro, a Capil é a segunda maior.
Conta com 230 funcionários e a produção média diária gira em torno de 80.000 litros dos seus
1.400 associados. Nada menos do que 90% dos produtores associados fornecem até 50
litros/dia. Pelo menos metade deste volume é repassado à empresa Glória. A Capil centraliza
a maioria dos municípios do Noroeste Fluminense no tocante à sua rede de produção e
distribuição (tabelas 1 e 2). Além do mercado regional, a Capil atende alguns municípios das
Baixadas Litorâneas: Rio das Ostras, Cabo Frio e Araruama.
A primazia cabe à Cooperativa de Barra Mansa, no Médio Vale do Paraíba
Fluminense. Criada em 1940, três anos após a instalação da corporação suíça Nestlé naquele
município, a Cooperativa de Barra Mansa capta em média 120.000 litros de leite/dia
(julho/2003) dos seus 1.000 associados, 80% pequenos produtores. Entre 5 e 10% da sua
produção é repassada para a Nestlé DPA (Dairy Partners Américas) (MADANÊLO, 2004). É
uma das poucas cooperativas do estado do Rio de Janeiro a produzir leite Longa Vida
(100.000 litros diários). Cerca de 8.000 litros/dia são utilizados para a produção de leite
“barriga mole”.
Os municípios atendidos pela Cooperativa de Barra Mansa são Barra Mansa, Piraí, Rio
Claro, Volta Redonda, Barra do Piraí, Quatis, Porto Real, Resende, Paraíba do Sul e Rio das
Flores, além de alguns municípios limítrofes de Minas Gerais e São Paulo. O alcance desta
cooperativa é superior ao da Capil, devido ao maior nível de modernização de suas instalações
e sua preocupação em atender níveis mercadológicos exigentes quanto à qualidade dos
produtos, como o mercado regional do Médio Vale do Paraíba Fluminense e metropolitano da
capital carioca (MADANÊLO, 2004).
Em 2002, por exemplo, confirmou-se a primazia da produção leiteira estadual para o
Médio Vale do Paraíba Fluminense. De acordo com dados do IBGE e da Embrapa Gado de
Leite, em 2002 o Noroeste Fluminense produziu 108.684 mil litros e a bacia controlada por
Itaperuna produziu 61.236 mil litros. O Sul Fluminense produziu 110.654 mil litros e, deste
total, a bacia do Vale do Paraíba produziu 63.440 mil litros. Em 2004 o Noroeste Fluminense
ultrapassou a produção do Vale do Paraíba, com produção de 118.409 mil litros, contra
114.612 mil litros do Sul Fluminense. A produção das duas principais bacias fluminenses em
números é bastante próxima, mas o nível tecnológico do Sul Fluminense e Vale do Paraíba é
notadamente mais elevado.
Nos anos 1970 e 1980, a Capil foi a maior cooperativa do estado, chegando a captar
diariamente em 1978 cerca de 202.000 litros. A construção dos Postos de Recolhimento de
Leite (PRLs) foi feita nos anos 1970 (exceção do PRL Porciúncula, construído em 1965),
auge da sua produção. Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1975, o Noroeste
Fluminense produziu no ano anterior 77.866 mil litros de leite e o Médio Vale do Paraíba
43
Fluminense produziu, em 1974, 66.608 mil litros. Este “boom” de produção dos anos 1970
pode ser creditado ao PDPL (Programa de Desenvolvimento da Pecuária Leiteira), iniciativa
do governo federal que vigorou até meados dos anos 1980 e que fornecia crédito bancário
para modernização da produção leiteira a juros baixos e carência de 5 anos, além dos
investimentos de empresas nacionais e internacionais no setor (exemplo da fábrica Glória, que
teve seu capital acionário controlado pela corporação norte-americana Fleischmann & Royal a
partir de 1976).
Até o final dos anos 1980 a Capil exercia o controle da bacia leiteira do Noroeste
Fluminense através de seis postos de coleta de leite: Italva (distrito de Campos dos
Goytacazes até 1986), Cambuci, São José de Ubá (distrito de Cambuci até 1997), Laje do
Muriaé, Porciúncula e Varre-Sai (distrito de Natividade até 1993). Os municípios atendidos
eram, além dos já citados: Campos dos Goytacazes, São Fidélis (Norte Fluminense);
Miracema, Santo Antônio de Pádua, Itaocara, Bom Jesus do Itabapoana (Noroeste
Fluminense); Bom Jesus do Norte, Guaçuí (Sul do Espírito Santo); Patrocínio do Muriaé,
Tombos, Eugenópolis (Zona da Mata de Minas Gerais). Os postos de venda dos produtos da
Capil (produtos "Prata") estavam localizados em distritos, ou seja, mais próximos ao seu
público alvo que são os cooperados. Localizavam-se em São João do Paraíso (distrito de
Cambuci), Aré, Raposo (ambos distritos de Itaperuna) e Pirapetinga (distrito de Bom Jesus do
Itabapoana).
Com a crise dos anos 1980, a falta de incentivos estatais e a expansão da Glória, houve
uma redução da rede de interações espaciais da Capil com o arrendamento e posterior venda
de postos de coleta para Glória/Fleischmann & Royal. Em 1987 ocorreu o arrendamento do
posto de Italva; em 1991 concretizou-se o arrendamento dos postos de Porciúncula e Cambuci
e sua posterior compra em 1995. Atualmente a Capil dispõe de três postos de coleta de leite
(São José de Ubá, Laje do Muriaé e Varre-Sai) e lojas em Raposo (Itaperuna) (anexo 3) e
Pirapetinga de Bom Jesus (Bom Jesus do Itabapoana), além das lojas dos próprios postos de
coleta e na sede da cooperativa (Mapa 1). O público consumidor destes produtos está na faixa
das classes C, D e E.
44
REDE DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DA CAPIL
2005
Mapa 1
Fonte: Capil, 2005
ES
ESCALA
N
Rio de Janeiro
MG
0 9 18 27 36 km
ITAPERUNA
Varre-Sai
Raposo
Laje
do Muriaé
São José de Ubá
Legenda
Rede
Produção
Distribuição
Pirapetinga
de Bom Jesus
Cambuci
Bom Jesus do Itabapoana
Porciúncula
Natividade
MG
ES
SP
O
C
E
A
N
O
A
T L Â N T I
C
O
Rio de Janeiro
45
O posto de São José de Ubá surgiu em 1976 e é o de maior captação, com recebimento
médio diário de 19.000 litros (julho/2005). O tanque de expansão é de 15.000 litros. Conta
com 12 funcionários (dois no armazém, dois no posto de gasolina, um vigilante, um
veterinário e seis responsáveis pela organização do leite) e 342 produtores. Estes variam
daqueles que fornecem entre 5 e 10 litros por dia daqueles que entregam 500 litros por dia. A
entrega ainda é feita em latões (aliás, em todos os postos da Capil esta prática ainda é
utilizada). São José de Ubá e Cambuci são os municípios atendidos, principalmente o
primeiro. O preço pago aos produtores tem variado entre R$ 0,46 e R$ 0,50 por litro de leite
fornecido. Um dos fatores que compromete uma elevação do preço pago ao produtor é a
terceirização da coleta e a ação dos “carreteiros”. Intermediários entre o produtor e a
cooperativa, o “carreteiro” tem um certo controle sobre as rotas e linhas de coleta de leite. A
má situação das estradas vicinais contribui ainda mais para o aumento do preço do frete. Este
fato foi digno de um artigo de capa no informativo Capil de julho de 2005 (anexo 2) Além
disso, a valorização do Real frente ao Dólar favorece a queda do preço, tendo em vista o
aumento das importações.
Em meados dos anos 1990 este posto era o segundo em captação, com fornecimento
médio diário de 18.000 litros provenientes de 276 associados. Os municípios atendidos eram
Cambuci, Santo Antônio de Pádua e Itaocara. À época, o posto perdera muitos produtores
para o posto Cambuci, arrendado para a Glória/Fleischmann & Royal em 1991. Pela
comparação do volume de leite captado e do número de produtores associados, se percebe
que, passados 10 anos, o número de produtores aumentou (passou de 276 para 342) e o
volume de produção continuou praticamente o mesmo, reflexo da falta de investimento em
qualificação por parte da Capil.
O posto de Laje do Muriaé foi fundado em 1973 (anexo 3) e é o segundo maior em
captação, com recebimento médio diário de 13.000 litros (julho/2005). A variação do volume
recebido na safra (outubro a março) e na entressafra (abril a setembro) é de 16.000 na
primeira e 11.000 na segunda. O tanque de expansão é de 15.000 litros. O posto possui 17
funcionários (quinze serventes, um veterinário e um encarregado) e 180 produtores. O posto
apresenta armazém, farmácia, confecção, leiteria e posto de gasolina (estrutura padrão dos
postos da Capil). Laje do Muriaé e Itaperuna são os municípios atendidos, principalmente o
primeiro (90% dos produtores associados ao posto são de Laje do Muriaé).
46
Em meados dos anos 1990 este posto era o de maior captação, com fornecimento
médio diário de 15.000 litros provenientes de 170 associados. Os municípios atendidos eram
Itaperuna, Miracema, Patrocínio do Muriaé e Eugenópolis (estes dois últimos de Minas
Gerais). Aqui, como no posto de São José de Ubá, a história se repete. Pela comparação do
volume de leite captado e do número de produtores associados, a estagnação é a marca deste
posto.
O posto de Varre-Sai (anexo 4) surgiu em 1975 é o terceiro maior em captação, com
recebimento médio diário de 6.715 litros (julho/2005). A variação do volume recebido na
safra (outubro a março) e na entressafra (abril a setembro) é de 10.000 na primeira e 6.000 na
segunda. O tanque de expansão é de 15.000 litros. Conta com 9 funcionários (dois frentistas,
três responsáveis pelo leite, um encarregado, um responsável pelo posto e dois no armazém) e
123 produtores. Varre-Sai, Natividade, Porciúncula e Bom Jesus do Itabapoana são os
municípios atendidos, principalmente o primeiro (57 produtores que forneceram 96.909 litros
em junho/2005).
Em 1995 este posto também era o terceiro em captação, com fornecimento médio
diário de 4.800 litros provenientes de 63 associados. O posto perdeu muitos associados com a
emancipação de Varre-Sai, em 1992, e o retorno dos produtores à cafeicultura, além da
concorrência com o posto da Parmalat em Cambuci, que controlava grande parte da produção
de Natividade.
As linhas mestras da filosofia da empresa expressam bem o caráter de disciplina e
suposta “igualdade de condições” entre os cooperados: associação livre e voluntária;
interesse limitado no capital investido; educação cooperativista; retorno dos lucros aos
associados e integração entre os cooperados.
A associação livre e voluntária parece contradizer-se, tendo em vista o surgimento da
Capil como organização dos grandes e influentes pecuaristas locais que realmente colocam
47
sob sua influência direta os demais associados. A cooperativa também é um meio de
perpetuação destas elites agrárias no poder.
O interesse limitado no capital investido parece não condizer com as práticas da
cooperativa ao buscar lucros crescentes. A cooptação da Capil pela Glória/Fleischmann &
Royal parece ter acentuado esta tendência capitalista, em função da busca cada vez maior de
aumento da produção e da qualidade da matéria-prima exigidos pela corporação.
A educação cooperativista gira em torno da luta por mercados e pela maximização dos
lucros em curto prazo em detrimento do bem comum. A informação/educação é de cunho
técnico e moral e acentua a alienação do trabalhador, permitindo a reprodução do capital
(anexos 1 e 2).
O retorno do lucro aos associados é restrito, porém garantido. A Capil enfrenta
dificuldades em adequar-se aos padrões mais exigentes no tocante à qualidade da matéria-
prima. Há uma dependência dos cooperados em relação aos produtos e serviços da
cooperativa e o retorno dos lucros está em grande parte na assistência técnica prestada e nos
serviços subsidiados.
A integração entre os cooperados é deficitária se levarmos em conta a política de
preços diferenciados e a estratificação entre os cooperados (pequenos, médios e grandes).
No bojo das transformações econômicas pelas quais o país vinha atravessando,
principalmente com a abertura da economia ao capital internacional, a Capil buscava apoio
para a instalação de uma grande empresa de beneficiamento de leite que possibilitasse uma
maior projeção da região no cenário não só estadual, mas também nacional. A Capil então
entrou em contato com a empresa norte-americana General Milk no início dos anos 1950, que
já possuía um interesse em instalar uma agroindústria na região após estudos de
potencialidade da atividade leiteira.
48
A Capil fez uso de alguns elementos político-institucionais para a sua consolidação, a
instalação da fábrica Glória e a parceria com o capital estrangeiro da corporação norte-
americana Fleischmann & Royal. Nesse sentido, as figuras dos senhores Fábio Garcia Bastos,
Coronel Rubens Garcia Bastos (irmão de Fábio) e Carlito Crespo Martins são fundamentais.
Fábio Garcia Bastos era nos anos 1940 presidente da então Associação Comercial do
Estado do Rio de Janeiro – ACERJ. Através dele a Capil desfrutava de certas regalias para a
importação de máquinas e utensílios agropecuários, além de investimentos ou empréstimos
públicos. A ACERJ, na figura de Garcia Bastos, viabilizaria a parceria futura entre Capil e
Glória.
O coronel Rubens Garcia Bastos (irmão de Fábio Garcia Bastos) foi presidente da
Federação das Cooperativas do Norte do Estado do Rio de Janeiro e diretor presidente da
Capil entre 1944 e 1968. Era proprietário do Frigorífico Industrial Fluminense (especializado
em suinocultura e avicultura) e da fábrica Laticínios Itaperuna, futura sede da Capil em 1956.
Foi um dos 24 fundadores da Capil e possuía grande influência no meio pecuarista local.
Desempenhou papel importante – juntamente com Carlito Crespo Martins – para a parceria
Glória/Fleischmann & Royal.
Carlito Crespo Martins chegou a Itaperuna no início dos anos 1930, possuía amplos
contatos com o Coronel Rubens Garcia Bastos e muita influência. Exerceu cargos de
comando na Capil por vários mandatos (diretor comercial de 1956 a 1968 e presidente de
1969 a 1989). Ele era representante comercial da empresa internacional de automóveis e
máquinas agrícolas Harvister e foi o único revendedor credenciado da Standard Oil na região,
bem como principal articulador da parceria Glória/Fleischmann & Royal. Desempenhou papel
importante como articulador da Esso no país. Em suma, foi um empreendedor e um pioneiro
político.
Havia toda uma atmosfera retórica que visava legitimar discursos modernizantes, seja
através da associação da Capil com a Glória e o capital estrangeiro representado pela
Fleischmann & Royal, seja por meio de obtenção de recursos públicos (via Capil e seus
49
contatos na ACERJ) e privados (via pecuaristas locais). A influência destes elementos
político-institucionais foi tão forte que a cidade de Itaperuna – e não Muriaé (MG) - foi a
escolhida para a instalação da fábrica Glória.
A iniciativa concretizou-se na construção de uma fábrica de leite em pó em 1960. A
Capil fez uso de sua influência econômico-política no município e cedeu o terreno ao lado
para a construção da fábrica e conseguiu obter incentivos fiscais junto ao poder público. Além
disso, existe um duto (conhecido como “leitoduto”) que liga a Capil à fabrica da Glória pelo
qual o fornecimento de leite é feito. A Capil se comprometeu a fornecer pelo menos 50% de
sua produção para a fábrica Glória. No início ainda não existia a marca “GLÓRIA”. A fábrica
tinha o nome de “Produtos de Laticínios do Brasil” e a sua distribuição era feita pela Standard
Brands of Brazil Inc. (GRABOIS & SANTOS, 2000).
SILVA (1996, p. 129-133) destaca pelo menos três fases da parceria entre os atores
envolvidos no processo de controle da corporação norte-americana via Glória. Em linhas
gerais são:
1) (1961-76) Parceria definida em 1961 entre a Fleischmann & Royal (capital
internacional), o poder público e forças políticas locais e regionais (Estado) e a fábrica
Glória (capital nacional).
Esta fase é marcada pelo progressivo fortalecimento da Glória no espaço geográfico
através do entrecruzamento de horizontalidades (forças políticas locais e regionais, Capil e
empresa Glória) e verticalidades (capital norte-americano da corporação Fleischmann &
Royal).
A Capil utiliza sua influência político-econômica local e mesmo estadual para
negociar a parceria com o capital corporativo norte-americano representado pela Fleischmann
& Royal. A parceria visava racionalizar e homogeneizar a produção da bacia leiteira e
permitir a expansão e reprodução do capital corporativo da Fleischmann. A estratégia de
marketing de vincular o nome “Glória” ao da “Fleischmann & Royal” foi fundamental para
50
legitimar a idéia de que uma empresa nacional e local (Glória) estava se “modernizando” ao
se associar a Fleischmann & Royal.
2) (1976-87) “Internacionalização da decisão”, quando a corporação norte-
americana controla o capital acionário da Glória em 1976.
Este momento marca o controle da produção e do beneficiamento do leite na bacia
leiteira de forma racional, a diversificação da produção (não só leite em pó, mas também leite
condensado e creme de leite) e a subordinação da Capil, que passa de parceira a mais uma
unidade ou ponto fornecedor de leite para a fábrica.
Diante das pressões da Glória/Fleischmann & Royal para a obtenção de uma matéria-
prima de maior qualidade e em maior quantidade, a Capil passa a oferecer aos seus
cooperados uma assistência técnica mais apurada e direta e serviços mais amplos. Ao mesmo
tempo em que pressionava a Capil, a Glória/Fleischmann & Royal buscava sua rede de
produção própria ao construir seu primeiro posto de recolhimento de leite em Muriaé (MG)
no ano de 1976, ou seja, logo após adquirir a maioria do capital acionário da Glória naquele
ano.
A racionalização do processo produtivo e sua adequação aos padrões internacionais
pode ser expresso, entre outros, pelo programa Qualitotal iniciado nos anos 1980. O objetivo
era produzir um leite com mais teor de gordura, baixa acidez e menos impurezas. Para isso
foram abertas linhas de crédito para a aquisição de maquinário moderno pelos produtores,
porém o acesso era mais fácil aos maiores e mais capitalizados.
3) (1987-2000) Neste momento ocorreu a quebra do monopólio da Capil na captação
e resfriamento do leite.
A partir de 1987 (quando a Glória arrenda o posto de coleta de Italva da Capil) começa
uma fase de busca da independência na captação e resfriamento do leite pela empresa,
51
arrendando postos da Capil e posteriormente comprando-os. Após o arrendamento e posterior
compra do posto de Italva (RJ), a Glória/Fleischmann & Royal constrói em 1989 um posto de
coleta no município mineiro de Carangola, reforçando sua atuação na bacia leiteira, já que
possuía um posto em Muriaé. Em 1990 inaugura um posto de coleta em Alegre (ES), tentando
um controle mais efetivo daquela área, muito disputada por outros empreendimentos como
Selita, Cooperativa de Guaçuí e Nestlé. Em 1991 compra o posto de Cambuci (RJ) e arrenda o
posto de Porciúncula (RJ), ambos da Capil. Assim, a Glória/Fleischmann & Royal empreende
uma estratégia agressiva para aumentar sua rede de produção e diminuir sua dependência dos
fornecedores, principalmente da Capil.
Esta fase indica claramente a inadequação da Capil no fornecimento de uma matéria-
prima com a qualidade exigida pela empresa. Se em um primeiro momento a Capil serviu de
“braço direito” e instrumento legitimador da Fleischmann & Royal, agora a cooperativa
itaperunense fica em um segundo plano. Nos anos 1960, a Capil e outras cooperativas
associadas forneciam mais de 60% do leite beneficiado pela Glória. Nos anos 1990 inverteu-
se a relação, ou seja, é a Glória que capta mais de 60% de sua matéria-prima.
52
CAPÍTULO III: A REDE GEOGRÁFICA CORPORATIVA
DA EMPRESA GLÓRIA (1960-2001)
A rede geográfica corporativa da empresa Glória é formada pelos fixos e fluxos
materiais ligados à produção, distribuição e gestão dos seus produtos. O controle externo da
empresa Glória por corporações e a sua multilocalização são elementos que compõem a sua
rede geográfica. Esta última faz parte do circuito espacial de produção da empresa Glória que,
por sua vez, demonstra a sua organização espacial.
Dividimos em três momentos as interações espaciais entre a empresa Glória e as
corporações multinacionais que a controlaram. O primeiro momento é o controle da
Fleischmann & Royal (1960-2000), uma corporação norte-americana que engendrou uma rede
geográfica através da Glória durante 40 anos, desde a sua fundação. Um detalhamento deste
momento faz-se necessário para se entender a complexa dinâmica espacial que foi
intensificada posteriormente. O segundo momento é marcado por outra corporação norte-
americana chamada Kraft Foods International, na verdade uma etapa curta (2000-01). O
terceiro momento é o controle da empresa Glória pela multinacional italiana Parmalat e sua
rede de interações espaciais, que será abordado no capítulo 4.
III.1 - Interações espaciais entre Glória e Fleischmann & Royal (1960-2000)
No início da década de 1960 a produção leiteira do Brasil estava em considerável
expansão. A produção dobrara em vinte anos. Em 1940 foram produzidos 18.297.551 hl e em
1960 a produção de leite alcançou os 36.982.598 hl. O estado de Minas Gerais ocupava, em
1960, o primeiro lugar (10.920.278 hl). O estado do Rio de Janeiro era o sexto colocado
(1.724.536 hl) e o estado do Espírito Santo era o décimo primeiro produtor (611.630 hl)
(tabela 3). Internamente aos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo - objeto
da nossa pesquisa - temos, em 1960, ano de instalação da fábrica Glória em Itaperuna, a
seguinte situação com relação à produção de leite: em Minas Gerais, a maior zona produtora é
a Sul, com 3.673.194 hl (destaque para o município de Baependi, 101.552 hl). A Zona da
53
TABELA 3: PRODUÇÃO DE LEITE (HL) DO BRASIL
SEGUNDO AS UNIDADES DA FEDERAÇÃO - 1960
RO 983
AC 25.098
AM 86.408
RR 35.325
PA 142.349
AP 7.182
TO x
MA 159.151
PI 217.378
CE 639.880
RN 270.649
PB 446.752
PE 786.371
AL 248.501
SE 255.288
BA 1.640.567
MG 10.920.278
ES 611.630
RJ 1.724.536
SP 6.762.569
PR 1.197.235
SC 2.199.952
RS 6.050.335
MS x
MT 541.107
GO 1.926.573
DF 6.096
Brasil 36.982.598
Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 1960.
54
Mata vem a seguir, com 1.977.925 hl (Muriaé produziu 39.008 hl, Carangola, 19.958 hl,
Manhuaçú, 9.165 hl); no Rio de Janeiro, a zona de maior produção é a de Resende, com
861.014 hl, em seguida Cantagalo (371.458 hl) e em terceiro lugar a zona de Muriaé 243.788
hl (o município de Itaperuna produziu 69.543 hl); no Espírito Santo as áreas de proeminência
são, respectivamente, Serrana do Sul (264.311 hl; o município de Alegre produziu 27.921 hl)
e Serrana do Centro (113.130 hl) (tabela 4). Todos os municípios citados pertenceram ou
pertencem à rede de produção da Glória. Assim, podemos inferir da análise dos dados que a
empresa Glória controla uma rede que contém as maiores áreas produtoras de leite dos
estados citados.
Esta primeira junção Glória/Fleischmann & Royal é marcada pela consolidação da
corporação na sua área de atuação – com importante destaque para a estratégia de marketing
associando capital nacional / capital internacional / ideal modernizador – e pela "parceria"
fundamental entre corporação / Capil. A partir do final dos anos 1980, iniciou-se um processo
mais agressivo da empresa ao controlar mais diretamente a captação do leite a ser beneficiado,
relegando a Capil a um plano secundário. A associação com o capital estrangeiro foi prática
corrente no pós segunda guerra mundial, sobretudo no governo Juscelino Kubitshek (1955-
60). A abertura econômica era vista como sinal de modernidade que permitiria ao Brasil
competir mais vantajosamente no mercado externo e diminuir a dependência externa, já que
as empresas estrangeiras se instalariam no país.
Iniciaremos a exposição apresentando a corporação norte-americana Fleischmann &
Royal e posteriormente trataremos da rede geográfica corporativa empreendida pela
Glória/Fleischmann & Royal e sua respectiva organização espacial. Este procedimento será
adotado igualmente em relação à Kraft Foods International.
III.1.1 - A corporação norte-americana Fleischmann & Royal
A corporação norte-americana Fleischmann & Royal faz parte do grupo Nabisco
Holding Corp., com capital majoritariamente dos Estados Unidos e com sede em Nova Jersey.
O grupo Nabisco Holding Corp. comercializa os mais variados produtos em mais de 85
países, e através da sua subsidiária Nabisco Inc. produz mais de 200 marcas em 32 fábricas
nos Estados Unidos e em outros 67 países, onde circulam anualmente mais de US$ 7,7 bilhões
(SILVA, 1996).
Segundo pesquisa da Associação Leite Brasil, de 1996, publicada na revista
Agroanalysis de junho de 1998, a Fleischmann & Royal ocupava o 7º lugar em recepção de
leite no país, com uma recepção anual de 280 milhões de litros e 9.500 produtores. Em
primeiro lugar estava a multinacional suíça Nestlé, com uma recepção anual de 1.432 milhões
de litros e 39,2 mil produtores. Em segundo lugar estava a multinacional italiana Parmalat,
com uma captação anual de 1.068 milhões de litros e 35,8 mil produtores.
A Fleischmann & Royal atua no país desde 1930 nos mais variados ramos do setor
alimentício. Em 1931, controlava uma fábrica de fermento em pó na cidade fluminense de
Petrópolis. Contava com onze fábricas espalhadas pelo país e sete filiais de vendas.
Especificamente no setor leiteiro, a Fleischmann possuía duas unidades de beneficiamento -
além da fábrica de Itaperuna – em Governador Valadares (MG) e Itapetinga (BA) (Mapa 2).
A unidade de Itaperuna era a maior das três. Empregava 550 funcionários diretos, contava
com uma rede de produção multilocalizada em 6 postos de recolhimento de leite (PRLs):
Italva (RJ), Porciúncula (RJ), Cambuci (RJ), Carangola (MG), Muriaé (MG) e Alegre (ES)
(Mapa 3 e Tabela 5). Recebia leite dos mais de 2.000 produtores locais, a maior parte coletada
pela rede de produção própria. Em meados da década de 1990 o volume de produção girava
em torno de 200/300 mil litros diários.
57
REDE DE PRODUÇÃO DA FLEISCHMANN E ROYAL
1998
Mapa 2
Fonte: Glória, 2002
ESCALA
0 100 200 300 400 500 600 km
São Paulo
Itaperuna
Governador
Valadares
Itapetinga
SP
RJ
MG
BA
58
REDE DE PRODUÇÃO
GLÓRIA / FLEISCHMANN E ROYAL
1998
Mapa 3
Fonte: Glória, 2002
0 10 20 30 40 50 km
N
Escala
O
C
E
A
N
O
A
T
L
Â
N
T
I
C
O
MG
ES
RJ
MG
ES
RJ
MG
ES
RJ
Muri
Faria Lemos
Carangola
Miraí
Santana de Cataguazes
Patrocínio
do Muriaé
Barão do
Monte Alto
Palma
ITAPERUNA
Eugenópolis
Laranjal
Leopoldina
Miradouro
Recreio
Tombos
Cachoeiro de
Itapemirim
Atílio Viváqua
Castelo
Alegre
Guaçuí
Jerônimo
Monteiro
Mimoso do Sul
Muniz Freire
Bom Jesus do Itabapoana
Cambuci
Campos dos
Goitacazes
Cardoso Moreira
Italva
Laje do
Muriaé
Miracema
Natividade
Porciúncula
São João da Barra
São Fidélis
Santo Antônio
de Pádua
Aperibé
Santa Margarida
Dores do
Rio Preto
Capar
Vieiras
Espera Feliz
Divino
São Francisco do Glória
Fervedouro
o Jo
do Calçado
Itaocara
São Sebastião do Alto
Caiana
Cooperativas Associadas
Muquí
A participação da multinacional norte-americana no cenário nacional teve seu auge na
década de 1950, quando passou a atuar no ramo de sobremesas (1954) e no setor de chás
(1958). A partir de 1959, a Fleischmann passou a agir mais efetivamente no setor leiteiro em
importantes bacias leiteiras do país, como foi o caso da Glória. Esta produzia, então, leite em
pó instantâneo e integral, creme de leite e leite condensado (hoje produz também leite UHT e
sobremesas da linha "festa"). A empresa investia maciçamente em biscoitos finos e iogurtes
para um público mais selecionado.
Nos anos 1990 a multinacional adquiriu duas grandes empresas de porte nacional, a
Avare/SP e a Grumz/SC, além de outras de expressividade regional no Norte e Nordeste do
país. Tentou a compra da mineira Aymoré e da cearense Laticínios Betânia, mas houve uma
antecipação da multinacional francesa Danone em relação à primeira e da italiana Parmalat
quanto à segunda.
III.1.2 - A rede geográfica corporativa Glória/Fleischmann & Royal
Importante destacar nesse primeiro momento que a Capil e outras cooperativas
associadas (Cavil, de Bom Jesus do Itabapoana (RJ), Colagua, de Guaçuí (ES) e Cooperativa
de Miracema-RJ) respondiam por 60% do fornecimento de matéria-prima para a Glória. Os
outros 40% eram captados pela própria empresa nos chamados PRLs (Postos de
Recolhimento de Leite), que são instalações onde o leite é acondicionado em baixas
temperaturas, evitando assim a proliferação de bactérias, até serem transportados para a
Glória. Existem ainda diversos locais de captação que estão na órbita desses fixos. Somavam
ao todo 6 em 1998: Italva (RJ), Cambuci (RJ), Porciúncula (RJ), Alegre (ES), Muriaé (MG) e
Carangola (MG) (Mapa 3 e Tabela 5).
O posto de Italva foi arrendado da Capil em 1987 e representa a estratégia da
corporação Glória/Fleischmann & Royal de assegurar o fornecimento de leite do Noroeste
Fluminense. A produção diária é de 28.938 litros (abril/1998). O município de Campos dos
Goytacazes é o maior fornecedor. Além deste e Italva, o posto de atende os municípios de
Cardoso Moreira, São Fidélis, Itaperuna, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci e São João da
61
Barra. O posto mantém onze funcionários (sendo quatro laticinistas). A concorrência no
espaço de atuação do posto era com a Cooperleite de Campos e com a Parmalat.
O posto de coleta de Cambuci foi arrendado da Capil em 1991 e comprado em 1995.
Segundo a Glória, a Capil não estava conseguindo manter o fornecimento de leite, tendo em
vista a perda de fornecedores para as cooperativas de Macuco, Itaocara e São Fidélis, além da
Parmalat em Aperibé. A captação de leite gira em torno de 18.170 litros diários (abril/1998).
Os municípios atendidos são Cambuci, Campos, Itaocara, Italva, Aperibé, São Sebastião do
Alto, Santo Antônio de Pádua e São Fidélis, este último o maior fornecedor. Este posto, assim
como os outros localizados no Noroeste Fluminense, é carente em recursos e com baixa
modernização. A entrega do leite é feita em latões.
O PRL Porciúncula foi adquirido da Capil em 1991. A captação gira em torno dos
18.036 litros diários (abril/1998) e mantém uma estrutura tradicional herdada da Capil. Os
municípios atendidos são Porciúncula, Natividade, Itaperuna, Laje do Muriaé e Miracema,
além de municípios mineiros vizinhos como Patrocínio do Muriaé, Eugenópolis, Vieiras,
Tombos, Faria Lemos e Muriaé. A concorrência com a Parmalat é considerável. Possui 8
funcionários, sendo 4 deles técnicos em laticínios. O problema principal a ser enfrentado é a
baixa produtividade do rebanho mestiço.
O PRL de Muriaé foi o primeiro a ser construído pela Glória/Fleischmann & Royal em
1976, ano em que houve a definição da parceria entre a empresa nacional Glória e a
corporação norte-americana Fleischmann & Royal e da associação dos nomes das duas
marcas. O quadro de funcionários totalizava nove pessoas (sete no setor de
coleta/resfriamento do leite). Houve perda de fornecedores para concorrentes como Parmalat,
CCPL, Cooperativa de Muriaé, Laticínios Miraí, Cooperativa de Leopoldina, Da Mag e
Normandy. O total de leite captado diariamente é de 35.992 litros (dados de abril/1998). Os
municípios polarizados são Muriaé (o maior colaborador), Miradouro, Recreio, Patrocínio do
Muriaé, Eugenópolis, Santana dos Cataguazes, Barão do Monte Alto, Palma, Leopoldina,
Miraí, Vieiras e Laranjal. A granelização (coleta do leite já resfriado) crescia a passos largos,
pois havia um incentivo para a compra de resfriadores por parte dos associados. O produtor
62
ligado a este posto, apesar de capitalizado, privilegia a atividade cafeeira e resiste a maiores
investimentos na pecuária leiteira.
O PRL Carangola foi o segundo a ser construído pela corporação (1989) e,
juntamente com o posto de Muriaé, representa uma estratégia de controlar a importante bacia
leiteira da Zona da Mata de Minas Gerais, com infra-estrutura de transporte melhor e
produtores mais capitalizados, sobretudo de Muriaé e Carangola. Emprega oito funcionários e
capta diariamente uma média de 15.302 litros (abril/1998). Os municípios atendidos são
Dores do Rio Preto (ES), Carangola, Caparaó, Vieiras, Espera Feliz, Divino, Miradouro, Faria
Lemos, São Francisco do Glória, Fervedouro, Santa Margarida, Caiana e Tombos. As
empresas concorrentes na área eram a Cooperativa de Miradouro, Laticínios Da Matta,
Cooperativa de Faria Lemos, Laticínios Marília e novamente a Parmalat. Tal concorrência
provoca aumento no preço pago aos produtores. Assim como em Muriaé e cercanias, a
atividade leiteira é desenvolvida nos arredores de Carangola de forma secundária à
cafeicultura.
O último posto a ser mencionado é o de Alegre, construído pela corporação em 1990.
A produção gira em torno de 20.890 litros diários (abril/1998). Conta com 8 funcionários e
316 produtores, a maioria, como nos demais postos, de pequeno porte (até 50 litros/dia). A
concorrência com a Parmalat e a Selita é acirrada e o posto investia maciçamente em
modernização e granelização para controlar outra bacia leiteira importante, com leite de ótima
qualidade, a do centro-sul capixaba. Os municípios que constam de seu espaço de atuação são
Alegre (principal deles), Atílio Vivacqua, Cachoeiro de Itapemirim, Castelo, Guaçuí,
Jerônimo Monteiro, Muniz Freire, São José do Calçado, Mimoso do Sul e Muqui.
A rede geográfica corporativa da Glória/Fleischmann & Royal é composta por fixos –
6 postos de recolhimento de leite localizados em Italva (RJ), Cambuci (RJ), Porciúncula (RJ),
Alegre (ES), Muriaé (MG) e Carangola (MG), pela fábrica Glória em Itaperuna (RJ), pelas
cooperativas associadas (CAPIL, CAVIL, COLAGUA e Cooperativa de Miracema), pelos
centros de distribuição da Fleischmann & Royal – , pelos fluxos de matéria-prima (leite) e de
produtos industrializados provenientes da fábrica Glória.
63
Nos anos 1970 e 1980 a Glória/Fleischmann & Royal manteve contratos de
fornecimento com as cooperativas de Itaocara, São Fidélis, Muriaé e Leopoldina, além da
Capil, Cavil, Colagua e Cooperativa de Miracema. A opção pela manutenção de apenas
quatro cooperativas associadas (CAPIL, CAVIL, COLAGUA e Cooperativa de Miracema) se
justifica pela escolha das três mais produtivas e com maior rede de produção, além do
crescente investimento por parte da corporação na rede de produção própria.
III.2 - Interações espaciais entre Glória e Kraft Foods International (2000-01)
As interações espaciais entre Glória/Kraft Foods International foram curtas e
significaram um incremento nas práticas maximizadoras da empresa anteriormente
desenvolvidas, ou seja, aumento da produção, diminuição do número de produtores e
subordinação da Capil.
III.2.1 - A corporação norte-americana Kraft Foods International
No ano 2000, outro conglomerado americano (Kraft Foods International) comprou as
ações da Nabisco, e, conseqüentemente da Fleischmann & Royal. A empresa Glória, depois
da anexação pela Kraft Foods International, não sofreu modificações significativas.
No segmento leite da Kraft, além da fábrica de Itaperuna (que detém 50% da
produção), existem outras duas: uma em Cerqueira Cézar (SP) e outra em Jaraguá do Sul (SC)
(Mapa 4). Segundo Zoarde, engenheiro de produção da empresa Glória, e Carmem, do setor
de recursos humanos, existia um forte intercâmbio (inclusive eletrônico) entre essas fábricas,
no que tange à produção. O PCP (Programa de Controle da Produção) gerencia as
necessidades de cada uma das fábricas e procura supri-las, dentro de uma ótica de mercado.
No tocante às matérias-primas, existia então um intercâmbio com fornecedores
diversos, como os de lecitina de soja do Rio Grande do Sul, de açúcar de São Paulo e de
64
REDE DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
KRAFT FOODS INTERNATIONAL
2001
Mapa 4
Fonte: Glória, 2002
ESCALA
0 100 200 300 400 500 600 km
São Paulo
Itaperuna
Recife
Jundiaí
Cerqueira
César
Jaraguá do Sul
Legenda
Rede
Produção
Distribuição
65
gordura, que vem até da Bélgica. Em 2001 o leite em pó estava em primeiro lugar de vendas
no mercado carioca e o leite condensado em segundo lugar de vendas no mercado do Rio de
Janeiro).
Além do segmento leite, a Kraft controla também, em 2001, as marcas Lacta, Tang,
Ki-Suco, Maguary entre outros nomes de destaque no mercado. Os grandes centros
distribuidores dos produtos Kraft estão em Jundiaí (SP) e Recife (PE) (Mapa 4).
III.2.2 - A rede geográfica corporativa Glória/Kraft Foods International
A Glória possuía em 2001 um quadro de 270 funcionários efetivos (incluindo
usinagem, pessoal de campo e conserto de máquinas), fora os subcontratados - diminuição
significativa ante os mais de 500 funcionários da gestão anterior. A terceirização é prática
recente da empresa, tendo somente 5 anos – isso reforça ainda mais o caráter fragmentado da
empresa, voltada para uma realidade de mercado globalizado. A grande maioria da mão-de-
obra é oriunda do próprio município de Itaperuna (85%), o restante sendo de Campos dos
Goytacazes (parte mecânica) e de municípios vizinhos.
Luiz Eduardo, coordenador de política leiteira da Glória, comentou a concorrência que
a empresa sofria com a Parmalat (principalmente em Campos dos Goytacazes, empresa que
veio a comprar a Glória em dezembro de 2001, como será visto adiante), que já tinha uma
produção de 30.000 litros de leite/dia, ameaçando alcançar o município vizinho de Italva,
onde a Glória tinha fornecedores. Além da Parmalat, a Lamag também tem prosperado em
Macaé, município próximo a Campos dos Goytacazes. “Os pequenos produtores estão indo
para as cooperativas onde o nível técnico é menor”, afirmou Luis Eduardo. Este ainda afirmou
que as cooperativas, sobretudo a Capil, não estão mais dando conta de fornecer um leite em
quantidade e qualidade exigidas pela empresa, o que justifica o processo de coleta a granel,
que em 1998 atingia os 100% como pode ser visto no quadro 4.
66
QUADRO 4: EVOLUÇÃO DA COLETA A GRANEL DA GLÓRIA
JANEIRO-1996 A ABRIL-1998
Período % Período % Período %
Janeiro/1996 19 Janeiro/1997 55 Janeiro/1998 96
Março/1996 22 Março/1997 58 Março/1998 98
Maio/1996 28 Maio/1997 66 Abril/1998 100
Julho/1996 36 Julho/1997 83
Setembro/1996 40 Setembro/1997 84
Novembro/1996 47 Novembro/1997 94
Fonte: LEITE GLÓRIA, maio de 2002.
A empresa investe na fidelidade dos produtores através dos NAPs (Núcleos de
Atendimento ao Produtor, também chamados PRLs). Além da armazenagem do leite, os
NAPs fornecem suporte técnico para os produtores. Estão localizados em Muriaé (MG),
Carangola (MG), Alegre (ES), Italva (RJ), Porciúncula (RJ) e Cambuci (RJ), ou seja, as
localizações dos antigos PRLs foram preservadas (Mapa 3).
A totalização da produção no sistema a granel e a diminuição da coleta das
cooperativas como a Capil deixa clara a atuação da corporação na bacia leiteira, bem como a
inadequação da Capil e de outros fornecedores em fornecer uma matéria-prima com a
qualidade exigida pela empresa. É a busca pela reprodução do capital no contexto de
reprodução da sociedade, como afirma CORRÊA (2001, p. 217-18). Os produtores mais
capitalizados e produtivos foram para a Glória (cerca de 300, com produção média entre 50 e
80 litros de leite/dia em 2001) enquanto uma massa de pequenos produtores continua
associada a Capil. Veja nos quadros 5 e 6 a queda do número de produtores associados à
Glória e o incremento da produtividade por produtor.
QUADRO 5: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE PRODUTORES DA GLÓRIA
(1993-2002)
Ano Nº de produtores
1993 3.017
1994 2.701
1995 2.087
1996 1.220
1997 897
1998 732
2001 300
2002 350
Fonte: LEITE GLÓRIA, maio de 2002.
67
QUADRO 6: LITROS DE LEITE RECEBIDOS POR PRODUTOR PELA GLÓRIA
(1993-2002)
Ano Litros de leite por produtor
1993 37
1994 58
1995 66
1996 96
1997 204
2001 80
2002 450
Fonte: LEITE GLÓRIA, maio de 2002.
A queda na produtividade por produtor em 2001 (80 litros) se explica por ter sido
2001 um ano de reestruturação da produção para os padrões da empresa e também pelo fato
da entressafra ter sido muito rigorosa – um dos sérios problemas a serem contornados é a
ocorrência de anos atípicos de produção em decorrência de problemas ambientais.
Assim, em 2000/01, a rede geográfica corporativa da Glória/Kraft Foods International
é definida pelos fixos da rede de produção (os seis postos de coleta de leite localizados em
Muriaé, Carangola, Porciúncula, Italva, Cambuci e Alegre e as localidades atendidas por eles)
e da rede de distribuição (os dois centros de distribuição da Kraft localizados em Recife e
Jundiaí) e pelos fluxos de matéria-prima (leite) e mercadorias envolvidos entre os fixos.
Importante papel é desempenhado pelos periódicos da empresa norte-americana, como
o “GLÓRIA RURAL”. Além de diversos anúncios e dicas para uma produção melhor,
publicam-se artigos com opiniões sobre diversos temas. Um deles, publicado no mesmo
periódico de nº 53, chamado “Crescimento e melhoria, mas sem exclusão” o autor comenta os
desafios do setor leiteiro nacional e a importância da empresa para os produtores, como na
questão dos créditos: “No caso dos produtores Glória a empresa interfere e além de assessorar
e encaminhar os processos [para a aquisição de crédito], avaliza. Mas quem não tem esse
‘padrinho’ , padece, e acaba desistindo dos recursos” (p. 12, grifo nosso). Os investimentos
prioritários, segundo o autor, deveriam ser para os "inseridos no sistema" e as empresas
repassariam aos produtores os financiamentos públicos. As empresas é que são as grandes
difusoras de inovações. Esse é apenas um exemplo do papel não apenas econômico, mas
também ideológico da empresa junto aos associados (anexos 5 e 6).
68
A Kraft Foods International – segunda maior empresa de alimentos do mundo – não
permaneceu com a Glória por muito tempo pois o segmento leite é de pouca monta para a
corporação. Decidiu-se pela venda da Glória para uma multinacional do segmento leiteiro, a
Parmalat.
69
CAPÍTULO IV: A REDE DE INTERAÇÕES ESPACIAIS ENTRE GLÓRIA E
PARMALAT (2001-05) E SUA RESPECTIVA REDE GEOGRÁFICA
CORPORATIVA
As interações espaciais da corporação Glória/Parmalat estão calcadas na mobilidade
espacial – o número de PRLs vem caindo – e na seletividade espacial – as localidades mais
produtivas são privilegiadas. Escolhemos dois momentos para a análise: 2002 e 2005, ou seja,
logo no início da gestão Parmalat em 2002 e após a crise financeira de 2004.
A estratégia da corporação vem sendo avançar sobre a Zona da Mata e Sul de Minas
Gerais e o Centro-Sul do Espírito Santo, bacias leiteiras com níveis de capitalização maior e
infra-estrutura viária melhor do que no Norte/Noroeste Fluminense. Além disso, a empresa
Glória/Parmalat visa controlar espaços tradicionalmente sob domínio de poderosas
agroindústrias, como a Da Matta em Minas Gerais e a Selita no Espírito Santo, além, é claro,
da onipresente Nestlé.
IV.1 - A corporação italiana Parmalat
A corporação italiana Parmalat foi fundada entre outros por Calisto Tanzi em 1961 na
cidade de Collechio, região de Parma, ao norte da Itália. Aos poucos Tanzi abandona a
indústria de conservas herdada do pai e aposta no setor leiteiro, inicialmente de leite
pasteurizado. Em 1966, a fábrica foi uma das pioneiras na produção de leite UHT ou “Longa
Vida” utilizando uma tecnologia sueca dos anos 1950, que consiste em aquecer o leite a uma
temperatura de 148 graus centígrados (o dobro da pasteurização convencional) seguido de um
rápido resfriamento. Assim, o leite pode ser conservado por até seis meses. Tanzi foi um dos
primeiros a utilizar as embalagens da sueca Tetrapak, até hoje dominante no setor de
embalagens de laticínios. Em pouco tempo sua área de influência já atingia toda a Itália por
meio de forte campanha de marketing na Fórmula 1 e nos jogos de inverno europeus nos anos
1970. Nos anos 1990 houve uma diversificação na linha de produtos. A Parmalat passou a
atuar no ramo de refrigerados – iogurte, petit suisse e leite fermentado, entre outros – além de
atomatados, biscoitos e sucos. Em 1996 foi criada a Gelateria Parmalat.
70
Atualmente são 139 centros de produção espalhados por 30 países e um quadro de
funcionários de 34.800 pessoas. Só na América do Sul, área de maior atuação da Parmalat,
são 15.434 funcionários espalhados por 32 unidades fabris.
No Brasil a empresa conta com mais de 12.000 produtores rurais fornecedores de
matéria-prima e possui 7 fábricas e 8 centros de distribuição. A capacidade instalada atual é
de 2.500.000 litros/dia, da qual 1.800.000 litros são utilizados. No estado do Rio de Janeiro, a
única fábrica está em Itaperuna, a Glória, adquirida em dezembro de 2001 e o centro de
distribuição está no município de Duque de Caxias, na região Metropolitana do Rio de
Janeiro.
A atuação da Parmalat no Brasil, primeiro país escolhido para investimentos externos,
teve início na década de 1970, mais precisamente em 1972, quando se associa a Laticínios
Mococa S. A, por meio de uma joint-venture. O nome ainda não era Parmalat, e sim Yolat. A
primeira unidade fabril foi construída em Itamonte (MG), em 1977. Na década de 1990, com
faturamento de US$ 30 milhões e investimentos da ordem de US$ 500 milhões começa uma
política mais agressiva da empresa, se associando a outras 30 empresas do ramo alimentício (e
com abrangência regional) e estendendo sua atuação no país para a Bahia, Rio de Janeiro,
Goiás, Rio Grande do Sul, Rondônia e Ceará. Até os anos 1990 o setor leiteiro nacional era
fortemente controlado pelo Estado. A partir de 1990 e do governo Collor, ocorreu (e ainda
vem ocorrendo) uma abertura do setor ao mercado internacional. Nessa década, a Parmalat
adquire o controle acionário das marcas Lacesa, Mimo, Bethânia e Duchen (estas últimas da
General Biscuits em meados dos anos 1990), Etti Produtos Alimentícios (1998), a cooperativa
catarinense Batávia S.A. e a empresa de sucos Santal Prosport. A campanha publicitária dos
“mamíferos” em 1997 e o apoio aos clubes de futebol Palmeiras (SP) e Juventude de Caxias
do Sul (RS) alavancaram a visibilidade nacional da Parmalat Brasil. Na década de 2000 foram
adquiridas as marcas Glória e Avaré. A atual estrutura da Parmalat Brasil pode ser vista no
mapa 5 e na tabela 6.
A partir de 2000 o poder da Parmalat Brasil passa a estar dividido em quatro áreas.
Uma que cuidaria das operações na América Latina, da holding Parmalat Participações e das
demais holdings e dos negócios com futebol. Outra responsável pela parte operacional,
71
REDE DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
PARMALAT DO BRASIL
2004
Mapa 5
Fonte: Champi Junior e Barbosa, 2004; www.parmalat.com.br
ESCALA
0 100 200 300 400 500 600 km
São Paulo
Itaperuna
Jundiaí
Ouro Preto D’Oeste
Brasília
Santa Helena
de Goiás
Contagem
Duque de Caxias
Araçatuba
Curitiba
Carazinho
Porto Alegre
Salvador
Garanhuns
Legenda
Rede
Produção
Distribuição
resumida na Parmalat S.A. Indústria de Alimentos. Outra parte fica sob responsabilidade da
Batávia S.A., joint-venture que a Parmalat detém a maior parte do capital acionário. E a
última subdivisão está sob o comando da Divisão Bakery, que fabricava biscoitos e bolinhos,
que teria contato com a sede italiana e seria responsável por planos de expansão. Todas estas
áreas estão direta ou indiretamente ligadas à Parmalat Brasil Alimentos (CHAMPI JR. &
BARBOSA, 2004, p. 5).
A líder do mercado de alimentos e derivados do leite é a multinacional suíça Nestlé,
principal concorrente da Parmalat. Ela surgiu em 1867, na Suíça, por iniciativa do alemão
Henri Nestlé, que lançou a famosa farinha láctea Nestlé, um composto de cereais e leite ideal
para a alimentação infantil. Em 1905 a Nestlé se uniu a Anglo-Swiss Condensed Milk, que
produzia leite condensado desde 1866. Na década de 1970 seu quadro de produtos é
diversificado, atuando também nos setores farmacêutico (através da marca Alcon), cosméticos
e alimentos para animais de estimação (Friskies Alpo e Ralston Purina). Na escala mundial a
Nestlé possui 511 fábricas em 86 países espalhados por todos os continentes e 260.000
funcionários.
No Brasil, a história da Nestlé começa em 1876, quando o país passou a importar
farinha láctea. Em 1921 a Nestlé abriu uma fábrica em território brasileiro no município
paulista de Araras, com produção de “Leite Moça”. São 1.300 produtos fabricados no Brasil,
nos segmentos de leite, café, culinários, achocolatados, cereais, biscoitos, nutrição,
chocolates, refrigerados, sorvetes, foodservices e petcare. O faturamento chegou a R$ 9,6
bilhões em 2003 e a quantidade de leite adquirida naquele ano foi de 1,5 bilhão de litros. A
Nestlé Brasil controla 200 marcas e um quadro de funcionários com 230.149 pessoas (15.149
indiretos). A rede de produção da empresa é constituída de 37.000 fornecedores e 26 fábricas:
São Paulo: Pari e Belenzinho (capital paulista), Araraquara, Caçapava e CPW (Caçapava
Cereais Matinais), Araçatuba, Araras (2) (Nescafé e Refrigerados), Lins, Marília, São José do
Rio Pardo, Ribeirão Preto e Porto Ferreira; Minas Gerais: Ibiá, Ituiutaba, Montes Claros e
Teófilo Otoni; Bahia
2
: Itabuna; Rio Grande do Sul: Camaquã; Goiás: Goiânia, Jataí e Rialma;
2
Já está confirmada a instalação de uma fábrica no município baiano de Feira de Santana, com produção de leite
em pó, leite condensado, creme de leite, sopa em pó, caldos, farinha láctea, café solúvel, chocolate,
achocolatados, sorvetes, biscoitos, água mineral e pet food. O investimento total é de R$ 100 milhões. Será
construído também um centro de distribuição na mesma localidade (
www.milkpoint.com.br 24/10/05 e
03/11/05).
74
Rio de Janeiro: Jacarepaguá (capital fluminense) e Barra Mansa; Espírito Santo: Vila Velha
(chocolates “Garoto”). A rede de distribuição possui centros de distribuição, depósitos e
252.000 postos de venda (12.000 diretos). Os centros de distribuição totalizam 3:
Cordeirópolis (SP), São Bernardo do Campo (SP) e Recife (PE), além de 4 depósitos: Rio de
Janeiro (RJ), Belém (PA), Salvador (BA) e Ribeirão Preto (SP). O consumo perpassa um total
de 1.600 municípios. A sede da gestão da empresa no Brasil localiza-se na capital paulista
(Mapa 6). As informações acima estão disponíveis no site da empresa na internet
(www.nestle.com.br) e são referentes ao ano de 2003.
KAUTSKY (1980, p. 304) já salientava a importância crescente da Nestlé (e aquilo
que chamava de industrialização da agricultura) e a subordinação do produtor rural:
Que extensão tomaram certas explorações da indústria agrícola? É o
que nos mostram, por exemplo, as empresas da casa Nestlé. Ela
possuía na Suíça duas grandes fábricas para o preparo de leite
condensado e uma fábrica para o preparo de farinha láctea. Esta
última, estabelecida em Vevey, trabalha diariamente 100.000 litros de
leite, produto de 12.000 vacas, oriundos de 180 aldeias. 180 aldeias
perderam a sua autonomia econômica e se tornaram caudatárias da
casa Nestlé. Os seus habitantes ainda são, exteriormente, proprietários
de suas terras, mas já não são camponeses livres (KAUTSKY, 1980,
p. 304).
IV.2 - A rede geográfica corporativa da Glória/Parmalat
A ação da Parmalat na grande bacia leiteira do Noroeste Fluminense, Sul do
Espírito Santo e Zona da Mata de Minas Gerais não é tão recente, ocorre desde o final da
década de 1980. Associou-se à tradicional Spam de Manhuaçú (MG) e à Mimo no estado do
Rio de Janeiro, passando a atuar junto aos espaços controlados pela Glória. A partir de 1994
essas empresas assumiram o nome Parmalat.
A ação da empresa junto aos fornecedores de leite aconteceu no sentido de “sufocar” a
área de atuação da Kraft e conseqüentemente da Glória. Tal processo culminou na compra da
Glória pela Parmalat em dezembro de 2001.
75
Fonte: www.nest.com.br
ESCALA
0 100 200 300 400 500 600 km
REDE DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO NESTLÉ
2004
Mapa 6
Salvador
Araraquara
Araras
Lins
Marília
Ribeirão Preto
Ituiutaba
Ibiá
Montes Claros
Teófilo Otoni
Camaquã
Goiânia
Jat
Rialma
Rio de Janeiro
Belém
o Bernardo do Campo
São Paulo
Caçapava
Cordeirópolis
Araçatuba
São José do Rio Pardo
Barra Mansa
Itabuna
Recife
Vila Velha
Legenda
Rede
Produção
Distribuição
Porto Ferreira
76
O número de produtores aumentou para 350 (eram 300), com uma média de 457
litros/dia (ver quadros 5 e 6). Em 1994, com a empresa ainda sob o controle da Fleischmann
& Royal/Nabisco, eram 2.701, com uma média de 58 litros. Na entressafra (abril a setembro)
a produção atual é de 250.000 litros/dia (160.000 litros de produtores diretos e 90.000 litros
de cooperativas) e durante a safra (outubro a março) a produção é de 350.000 litros/dia. A
tendência é a concentração cada vez maior dos produtores mais capitalizados, em detrimento
dos menores. “Ainda há espaço para expandir a produção”, afirma Luis Eduardo, coordenador
de política leiteira da Glória.
O número de PRls caiu para 4 – Muriaé (MG), Baependi (MG), Alegre (ES) e Ibiraçú
(ES), além da coleta diretamente na fábrica (Mapa 8). Em 2002, logo no início da gestão
Parmalat, havia um posto em Manhuaçú (MG), além dos postos de Ibiraçú (ES) e Muriaé
(MG) (ver tabela 7). Em 2004 e 2005 há a presença de um posto em Baependi (MG), mas que
foi arrendado para a Danone no final de 2005 em decorrência da distância em relação à
fábrica (Tabelas 8, 9 e 10). Mas a empresa está privilegiando na maior parte a coleta a granel,
em detrimento dos PRLs. O fechamento dos PRls de Cambuci (RJ) e Porciúncula (RJ) – os
dois menos produtivos e a coleta direto na fábrica – e a abertura de outro no Espírito Santo
indica o novo direcionamento do espaço de atuação da empresa Glória que é a promissora
bacia leiteira do Sul do Espírito Santo. Além disso, como visto anteriormente, nesta porção do
espaço a ação da Selita é muito significativa, o que não é interessante para a Glória.
No estado do Rio de Janeiro, das 18 localidades onde a Glória capta leite (dados da
empresa de abril de 2002), Campos dos Goytacazes é a que tem o maior número de
produtores (66) e a segunda maior produção (438.621 litros). A maior produção mensal
(470.786 litros) é de Italva. Itaperuna fica em terceiro lugar, com 28 fornecedores e uma
produção mensal de 433.998 litros. No estado de Minas Gerais, das 41 localidades atendidas
pela empresa, Barão do Monte Alto conta com o maior número de produtores (26) e uma
produção mensal de 278.464 litros e Muriaé possui a maior produção, 534.050 litros/mês e 23
produtores. No estado do Espírito Santo, Aracruz se destaca com 46 produtores e uma
produção mensal de 274.972 litros (Mapa 7)
77
REDE DE PRODUÇÃO DA GLÓRIA / PARMALAT
ABRIL 2002
Mapa
7
Fonte: Glória, 2002
0 10 20 30 40 50 km
N
Escala
O
C
E
A
N
O
A
T
L
Â
N
T
I
C
O
MG
ES
RJ
MG
ES
RJ
MG
ES
RJ
Manhuaçu
Muriaé
Córrego Novo
Lajinha
Faria Lemos
Inhapim
Abre Campo
Matipó
Aimorés
Bom Jesus
do Galho
Caratinga
Carangola
Miraí
Santana de Cataguazes
Cataguazes
Patrocínio
do Muriaé
Barão do
Monte Alto
Palma
Além Paraíba
Coimbra
Ervália
ITAPERUNA
Araponga
Estrela d’Alva
Eugenópolis
Laranjal
Leopoldina
Miradouro
Recreio
Volta Grande
Pirapetinga
Mutum
Santana
Pedra
Dourada
Pocrane
Sericita
Tarumim
Tombos
Vargem Alegre
Ibiraçu
Cachoeiro de
Itapemirim
Aracruz
Atílio Viváqua
Castelo
Fundão
Alegre
Guaçuí
Ibitirama
Jerônimo
Monteiro
Iúna
João Neiva
Linhares
Mimoso do Sul
Muniz Freire
Presidente Kennedy
Bom Jesus
do Norte
Serra
Vitória
Bom Jesus do Itabapoana
Cambuci
Campos dos
Goitacazes
Cardoso Moreira
Italva
Laje do
Muriaé
Miracema
Natividade
Porciúncula
Raposo
São Francisco do Itabapoana
São João da Barra
São Fidélis
Santo Antônio de Pádua
Aperibé
São José de Ubá
Durandé
Abaíba
Imbé
de Minas
78
REDE DE PRODUÇÃO GLÓRIA / PARMALAT
JUNHO 2005
Mapa 8
Fonte: Glória, 2005
MG
ES
RJ
ESCALA
50 0 50 100 150 200 km
N
Jaguaré
Linhares
Colatina
A
racruz
João Neiva
Ibiraçu
Fundão
Serra
Alegre
Castelo
Guaç
Ibitirama
Muniz Freire
Presidente Kennedy
ITAPERUNA
Aperibé
Bom Jesus de Itabapoana
Cambuci
Italva
Cardoso Moreira
Itaocara
Campos dos
Goitacazes
Laje do
Muriaé
Miracema
Natividade
Porciúncula
São Francisco
do Itabapoana
Santo Antônio
de Pádua
São José de U
São Fidélis
Muriaé
Barão do Monte Alto
Estrela dAlva
Leopoldina
Recreio
Palma
Patrocínio do Muriaé
Pirapetinga
Baependi
Conceição
das Pedras
Conceição
dos Ouros
Passa Quatro
Soledade de Minas
Minduri
São Sebastião
do Rio Verde
A
irituba
MG
RJ
ES
O número de linhas de coleta de leite (ou caminhos por onde circula a produção de
leite entregue nos respectivos postos de coleta) vem caindo sucessivamente, como pode ser
visto no quadro 7. A queda no número de linhas de leite reflete a estratégia da empresa em
concentrar a produção em poucos pontos, aqueles mais produtivos.
QUADRO 7: NÚMERO DE LINHAS DE LEITE DA EMPRESA GLÓRIA
(1993-2002)
Ano Nº de linhas de leite
1993 113
1994 107
1995 89
1996 86
1997 44
1998 34
2002 32
Fonte: LEITE GLÓRIA, maio de 2002.
O PRL de Manhuaçú (MG) foi implantado em 2002 no intuito de expandir a coleta de
leite na rica Zona da Mata de Minas Gerais. Em abril de 2002, a produção estava em
1.109.313 litros (a menor dos PRLs existentes) e contava com 60 produtores. O maior
fornecedor dos 21 municípios atendidos pelo posto é Abre Campo, com 261.309 litros. A
estratégia da corporação em “enxugar” sua rede fez com que este posto em 2005 já não
existisse mais.
Segundo Luis Eduardo, os postos de coleta só são necessários em função de barreiras
fiscais interestaduais, que exigem nota fiscal das mercadorias. Esse aspecto da estratégia da
empresa é relevante para se entender a diminuição do número de postos de coleta da Glória
nos últimos anos. Esse mecanismo parece ser comum, considerando também que a
cooperativa de laticínios de Bom Jesus do Itabapoana (RJ), Cavil, mantém sua sede no
município capixaba de Bom Jesus do Norte em decorrência de vantagens fiscais.
O recebimento de leite diretamente na fábrica sempre foi de maior monta do que nos
postos. Além dos produtores, as cooperativas entregam na fábrica também. A fábrica assumiu
um papel de recolhedora em função do fechamento dos postos existentes no estado do Rio de
Janeiro (Porciúncula, Italva e Cambuci). A coleta a granel era mais vantajosa financeiramente
do que manter em funcionamento um PRL.
84
O PRL de Muriaé (MG) (anexo 7) foi construído ainda na gestão Fleischmann &
Royal (1976) e persiste ainda hoje como um posto de coleta moderno e altamente produtivo.
Apesar de não ter aumentando a sua produção, ao menos manteve uma boa média e reduziu
consideravelmente a variação entre safra e entressafra. Depois da coleta na própria fábrica,
este é o posto mais produtivo. Além disso, a falta de interesse e a desmotivação do produtor
apontados em 1995 como problemas, hoje se converteram em especialização, tecnologia e
dedicação. “Quando marcamos uma reunião, chegam a comparecer quase a totalidade dos
fornecedores. No estado do Rio de Janeiro, com produtores menos capitalizados, para reunir a
metade dos produtores é um sacrifício”, comenta Francisco José de Abreu Lima Junqueira,
coordenador de política leiteira do posto.
O número de funcionários caiu de 9 para os atuais 3 (um assistente operacional, um
para manutenção e outro coordenador de política leiteira). O volume de leite recebido por dia
é uma média de 35.000 litros, a mesma de 10 anos atrás. Na entressafra a queda é de 3.500
litros/dia. O número de produtores em junho de 2005 é 56 (em 1995 eram 285), sendo que
duas associações de produtores rurais entregam leite ao posto. Com a crise da Parmalat em
2004 o posto reduziu para a metade o volume de leite captado e fechou o ano com apenas 11
municípios atendidos, metade do valor de 2002 (Tabela 8). Em junho de 2005 são 8 os
municípios atendidos: Barão do Monte Alto, Estrela Dalva, Leopoldina (o maior fornecedor),
Muriaé, Palma, Patrocínio do Muriaé, Pirapetinga e Recreio.
Um produtor médio entrega no posto 500 litros por dia. Um grande produtor entrega
na faixa de 1.000 litros. Um pequeno produtor entrega menos de 100 litros por dia. O posto
privilegia os médios e grandes produtores, além da necessidade do tanque de expansão. A
entrega em latões foi abolida em 2000. Há uma parceria com a Embrapa Leite para análises
laboratoriais mais complexas e com a Laticínios Da Matta no que tange ao resfriamento do
leite (um aspecto da economia atual é a formação de redes de cooperação, apesar da
concorrência).
A Laticínios Da Matta - um importante concorrente da Parmalat em Minas Gerais -
está há 20 anos no mercado de lácteos, produzindo queijo, achocolatados e outros derivados
do leite. A sede localiza-se no município mineiro de Miradouro; mantém postos de coleta de
85
leite em Aiuruoca (MG), Muriaé (MG), Comendador Venâncio (distrito de Itaperuna - RJ) e
uma fábrica e escritório na capital carioca (bairro da Penha). A coleta de leite se concentra na
Zona da Mata de Minas Gerais e no Noroeste Fluminense.
O posto de coleta de Baependi (MG) no sul de Minas Gerais atualmente (junho de
2005) é o segundo maior captador. Este é um posto que já pertencia à Parmalat e que fornece
leite para a Glória. Contudo, os custos com transporte são elevados devido à distância e a
Parmalat arrendou este posto no final de 2005 para a multinacional francesa Danone. A
localização deste posto reflete claramente a estratégia da corporação Glória/Parmalat em
controlar a rica bacia leiteira da Zona da Mata e Sul de Minas Gerais, com produtores mais
capitalizados, com perfil mais empresarial e com infra-estrutura viária melhor.
Em junho de 2005 a produção ficou em 667.838 litros, provenientes de 20 produtores.
Os municípios atendidos são Baependi, Conceição das Pedras, Conceição Ouros, Minduri,
Passa Quatro (o maior fornecedor), São Sebastião do Rio Verde e Soledade de Minas. Em
2004 foi o posto com menor coleta, 2.878.723 litros, de um total de 42 produtores, o menor
número dentre os postos (Tabela 8). Além dos municípios citados, foram atendidos em 2004
os municípios de Borda da Mata, Brasópolis (o maior fornecedor), Caxambu, Cruzília,
Monsenhor Paulo, Três Corações e Varginha.
Fundado em 1990, o PRL de Alegre (ES) é o terceiro em captação, em média/dia
20.000 litros (junho/2005). Na entressafra a variação é de 10%, ou seja, de 2.000 litros a
menos por dia. Antes da crise da Parmalat em 2004, o posto tinha uma média diária de
captação de 35.000 litros, bem acima dos 20.890 de abril de 1998; durante a crise a coleta
diária girava em torno de 11.000 litros. A concorrência com a Selita é o grande entrave para a
expansão do espaço de atuação do posto. São 60 fornecedores, bem abaixo dos 316 de 1998.
Há produtores que entregam 20 litros por dia e há os que entregam até 1.000 litros por dia. Os
municípios atendidos são Alegre (principalmente), Airituba, Castelo, Guaçuí, Ibitirama,
Muniz Freire e Presidente Kennedy.
86
Atualmente são apenas 2 funcionários trabalhando, um assistente operacional e um
coordenador de política leiteira. No final dos anos 1990 já contou com 8 pessoas. Aliás, esse
foi um fator levantado junto aos entrevistados, de que no passado havia mais recursos e mais
pessoas para ajudar no trabalho. A coleta a granel é feita na sua totalidade desde 1996. O
preço pago aos produtores está entre R$ 0,50 e R$ 0,55. O alto nível de modernização do
posto e a qualidade do leite produzido influenciaram os planos de expansão da rede de
produção da corporação Glória/Parmalat em direção do município de Ibiraçú, na área central
do estado do Espírito Santo.
O PRL Ibiraçú (ES) é o de menor volume de produção (507.816 litros em junho de
2005), uma produção diária que varia entre 16.000 litros e 20.000 litros. São 63 produtores
dos municípios de Aracruz (principalmente), Colatina, Fundão, Ibiraçú, Jaguaré, João Neiva,
Linhares e Serra. O posto surgiu em 1990 e pertencia a Spam de Manhuaçú (MG), unidade
ligada à Parmalat. Há os produtores que entregam 500 litros por dia e os produtores que
entregam 1.000 litros por dia. O latão foi abolido em 1998. O preço pago aos produtores está
na casa dos R$ 0,47. Há forte concorrência com a Nestlé de Teófilo Otoni (MG) que coleta
leite no espaço sob influência do posto de Ibiraçú. Com a crise da Parmalat e o atraso no
pagamento dos produtores, muitos passaram a fornecer leite para a Nestlé. Conta com 2
funcionários, assim como nos demais postos.
A cooperativa de laticínios Selita é forte concorrente da Glória/Parmalat no Espírito
Santo. A cooperativa foi construída em 1938 no município de Cachoeiro do Itapemirim (ES)
por iniciativa do engenheiro agrônomo carioca Djalma Eloy Hees, responsável pela inspeção
animal do Ministério da Agricultura no município e por um grupo de produtores do entorno.
No início chamava-se “Laticínios Cachoeiro do Itapemirim” e recebia diariamente 6.000 litros
de leite. Hoje possui 1.550 cooperados, 339 funcionários e a produção diária é de 192.000
litros de leite em 70 produtos. A coleta é toda no regime a granel. Há duas unidades fabris:
Usina Afonso Costalonga, em Cachoeiro do Itapemirim, responsável pela produção de queijo,
requeijão, manteiga, doce de leite, iogurte e leite C; e a Usina Justino Mameri, localizada no
município de Rio Novo do Sul, mas que será transferida para Cachoeiro do Itapemirim no
início de 2006. Nesta segunda unidade fabril são produzidos leite longa vida, achocolatados,
vitamina de frutas, creme de leite e sucos. A rede de distribuição da cooperativa abrange os
estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia (porção sul). Ao todo, a
87
capacidade de beneficiamento é de 300.000 litros de leite ao dia (outras informações
disponíveis no site www.selita.com.br).
Relevante enfatizar que a Glória/Parmalat não mantém qualquer vínculo empregatício
com seus produtores (esse é um aspecto que reflete o ambiente flexível do mundo atual). A
negociação para o fornecimento de leite é feita diretamente com os produtores de forma
verbal. Se houver contrato formal, um dos lados acaba quebrando o compromisso: o produtor
pode não conseguir cumprir a cota de fornecimento (devido às freqüentes variações sazonais,
os chamados “anos atípicos”) e a empresa por praticar uma política de preços diferenciados e
flutuantes, comenta Luis Eduardo.
O papel dos produtores rurais na organização em rede atual - a exemplo da
importância das cooperativas e associações de produtores para a Glória/Parmalat, como
vemos na tabela 9 - nos leva a fazer algumas considerações. Ao contrário do que pregavam
Lênin e Kautsky, o pequeno produtor familiar não desapareceu de cena ou se tornou um
capitalista. “O processo de diferenciação social dos produtores não progrediu de maneira a
ampliar a quantidade de trabalhadores assalariados no campo” (ABRAMOVAY, 1998, p. 47).
Mais à frente, ainda na página 47: “... é impossível afirmar que a sobrevivência da produção
familiar no capitalismo contemporâneo seja explicável pela miséria do produtor. Mais que
isso: a incompatibilidade entre progresso técnico e produção familiar – tão decisiva no
argumento de Kautsky – mostra-se hoje (...) completamente abolida, se é que alguma vez
existiu” (grifo no original). KAUTSKY (1980, p. 210) talvez tenha encontrado uma resposta
para a questão, ao afirmar:
As fábricas rurais aumentam, pois, as fileiras dos proletariados sem
expropriar os pequenos camponeses, sem arrebatar-lhes as terras. Ao
contrário, ajuda-os, quando ameaçados de bancarrota a conservarem a
sua propriedade oferecendo à classe numerosa dos que possuem as
condições para compra ou consolidação de uma pequena exploração
agrícola (KAUTSKY, 1980, p. 210).
A abordagem do russo Chayanov (1888-1930) parece ser mais atual, considerando que
a unidade de produção familiar é um sistema com especificidades e utiliza alguns artifícios
(como mercado, disponibilidade de terras e padrão tecnológico disponível) para se relacionar
88
com o ambiente à sua volta. Nas palavras de ABRAMOVAY (1998, p. 66): “O campesinato
deixa de ser uma categoria social transitória, contingente, prestes a ser varrida da história
pelas portas dos fundos do desenvolvimento”. Concordamos que há uma certa identidade do
pequeno produtor familiar, e não uma diferenciação como queria Lênin. Mas talvez não a
ponto de formar um modo de produção específico como quer Chayanov. No lugar de
diferenciação, Chayanov escreve penetração capitalista no modo de produção familiar.
Seja um “sistema econômico não-capitalista” (como quer Chayanov) ou algo
intrínseco à dinâmica contraditória do capitalismo que permite até a reprodução de relações de
produção não-capitalistas, fato é que o cooperativismo e as relações de trabalho não-
capitalistas vêm crescendo e investindo em modernização e têm conseguido conquistar
mercado (vide os exemplos Da Matta e Selita). Concordamos com Chayanov também no
sentido de valorizar a pesquisa e extensão rural, promovedores e disseminadores de
modernização no campo. Isso passa por um investimento maior na EMATER (Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural) e na EMBRAPA LEITE.
A corporação investe também em assistência técnica (o departamento de política
leiteira tem o nome de DAPP – Departamento de Assistência ao Produtor Parmalat) e no
melhoramento das péssimas estradas vicinais.
A queda no número de funcionários dos postos de recolhimento de leite registrada
anteriormente já vem de longa data, como pode ser observado no quadro 8:
QUADRO 8: NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS DOS PRLs – “HEAD COUNT” 1994/2002
1994 1995 1997 1998 2002
Nº de funcionários 62 53 30 25 8
Fonte: LEITE GLÓRIA, maio de 2002.
A Parmalat mantém publicações a fim de disseminar informações e integrar seus
produtores espalhados por todo o país. São eles o “Produtor Parmalat”, de tiragem mensal, e o
“Viver Parmalat”, de periodicidade bimestral (anexos 8 e 9). O primeiro deles possui várias
seções – Entrevista, Culinária, Produção, Reprodução, Alimentação, Saúde – com vários
89
anúncios de utensílios agropecuários, palestras e leilões e ao final estão dispostos na seção
“Nossa Gente” artigos e colunas com iniciativas bem sucedidas de produtores ligados à
Parmalat. O segundo periódico é mais voltado para a divulgação de produtos Parmalat e
iniciativas sociais da corporação, mais direcionado ao público em geral.
Em artigo publicado na edição de maio/junho de 2002 do “Viver Parmalat” (p. 8),
seção Tecnologia, destaca-se a parceria entre a Glória e a Parmalat, firmada em novembro de
2001, ambas as empresas atuavam com métodos de trabalho parecidos, sobretudo no quesito
assistência técnica. Há projetos semelhantes na área de redução de custos de produção,
controle reprodutivo do rebanho, leite de boa composição e exploração de pastagem de forma
intensiva e rotacionada. A Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) ligada à
USP fornece cursos de aprimoramento para o quadro técnico e para produtores da Parmalat.
Em reconhecimento ao trabalho desenvolvido pela Glória no espaço em que atua, foi criada
uma subdivisão Sudeste II com sede na empresa Glória para controle da bacia leiteira da Zona
da Mata de Minas Gerais e Centro-Sul do Espírito Santo, totalizando 2,5 mil produtores e um
acréscimo de 21 milhões de litros de leite por mês à Parmalat.
Segundo comentou Luis Eduardo, coordenador de política leiteira da Glória, eram
estes os problemas que mais afligiam a empresa no tocante à produção de leite (com base em
JOVIANO, 1956): a) falta de volumoso na seca: durante a entressafra (outono/inverno) o
índice de chuvas é menor comprometendo o pasto e alimentação do rebanho e,
conseqüentemente, a produção; b) produção estacional ou com tendência de continuar
estagnada: as práticas erosivas tendem a comprometer os rendimentos futuros; c) leite de
baixa qualidade: as deficiências na fiscalização do leite e o restrito nível técnico dos
produtores comprometem a qualidade do leite; d) alto consumo de leite adulterado: até os
anos 1980 a fiscalização do leite consumido pela população era muito deficitária e a maior
parte do leite consumido pela população era “pirata”; e) topografia montanhosa: o relevo
montanhoso oferece pastagens de menor qualidade; f) solo pobre: o solo da rede de produção
da empresa encontra-se em alto grau de degradação devido ao uso predatório de práticas
agrícolas anteriores, como a cafeicultura; g) alto custo de produção: os elevados custos para
manter uma produtividade constante e as várias etapas do processo produtivo encarecem o
produto final; h) dificuldade de financiamento: há poucas linhas de crédito disponíveis no
mercado leiteiro; i) grandes distâncias a percorrer: as longas distâncias que a produção tem
90
que percorrer até a fábrica encarecem o frete e diminuem a qualidade do leite; j) queimadas
nas pastagens: as queimadas ainda são comuns; k) encarecimento e escassez de mão-de-obra:
o forte êxodo rural reduziu a mão-de-obra disponível no campo; l) doenças e parasitos: as
zoonoses ainda preocupam bastante; m) preço baixo do leite: o produtor, com leite de baixa
qualidade (alto teor de água, baixo índice de gordura e muitas impurezas), recebe pouco.
IV.3 - Principais projetos da empresa para a produção e comercialização
Estes são os exemplos mais significativos de projetos da empresa Glória para a
maximização da produção e aumento da baixa produtividade do setor na bacia leiteira. Em
parceria com a Embrapa e a Emater-Rio, a Glória tenta assegurar um fornecimento de leite de
melhor qualidade. Tais projetos tiveram início nos anos 1990 e ainda são mantidos pela
empresa Glória/Parmalat.
Projeto Cana-Uréia. Este projeto foi desenvolvido pela EMBRAPA e é usado pela
Capil e pela Glória (esta desde 1991). O objetivo principal do projeto é fornecer ao gado
leiteiro um complemento alimentar rico em carboidratos e proteínas durante a entressafra,
quando a seca prejudica as pastagens e compromete a produção de leite.
A mistura de cana-de-açúcar com uréia e água é importante na medida em que a cana
apresenta uma qualidade maior em relação à silagem até então produzida, além de possuir um
período de maturação coincidente com o período de escassez de forragens nas pastagens.
Além disso, a cultura da cana-de-açúcar é perene e comum no Noroeste Fluminense, em
proporções para a alimentação do rebanho.
Com a mistura, a produção diária de leite por vaca pode chegar a 14 litros. Contudo,
além da cana e da uréia é necessário mais algum suplemento alimentar, como farelo de arroz,
mandioca, raiz seca mais feno, espiga de milho desintegrada ou sulfato de cálcio. Todavia,
tais ingredientes não são de baixo preço no mercado e o que seria um projeto de baixo custo
voltado para os pequenos produtores acaba sendo o reverso. Um retrato do desempenho deste
projeto pode ser visto através do quadro 9:
91
QUADRO 9: DESEMPENHO DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA: PROGRAMA CANA + URÉIA
1997-2002
1997 2002
Total de fornecedores 732 350
Total de fornecedores com canavial 73% 95%
Nº de cabeças alimentadas 23.739 30.000
Área de pastejo implantado 1.796 ha 3.700 ha
Número de fazendas 54 150
Fonte: LEITE GLÓRIA, maio de 2002.
Projeto Convênio com Lojas. Este projeto tem por premissa o incentivo à abertura de
contas pelos produtores em lojas de insumos agrícolas credenciadas pela Glória. No final do
mês a empresa paga a conta e o produtor como pagamento fornece leite para a empresa. Esta é
mais uma estratégia da empresa em aumentar a dependência do produtor em relação a ela de
forma a oligopolizar também o mercado de insumos agrícolas.
Projeto Leite a Granel. Este último projeto faz parte de uma política leiteira agressiva
e liberal da empresa Glória. A terceirização de várias etapas do setor produtivo é lugar-
comum nos anos 1990.
O objetivo do projeto é deixar por conta do produtor a captação e o resfriamento do
leite, onde progressivamente os PRLs (mais custosos em sua manutenção) deixariam de
existir. São incentivados os micro-PRLs em fazendas selecionadas pela empresa, logicamente
as mais bem localizadas e mais produtivas. São espécies de “fazendas-modelo”, como vitrines
a serem seguidas pelos produtores.
Foram implantados também os caminhões-tanque ou “PRLs móveis” que armazenam
até 30.000 litros de leite e os mantêm resfriados por até uma semana. Segundo Luis Eduardo,
os benefícios desses caminhões-tanque são: a) a redução do frete do primeiro percurso; b)
melhora na qualidade do leite; c) eliminação da necessidade de construção de novos PRLs; e
d) permitem o desafogamento de alguns PRLs que estão sobrecarregados armazenando mais
do que podem. JOVIANO (1960, p. 138) já apontava as vantagens do carro-tanque: “abolir a
pasteurização no interior; a congelação; a chegada do leite do mesmo dia, nenhum
ultrapassando do período de 24 horas, entre ordenha e chegada ao centro de consumo;
92
melhoria acentuada da qualidade; diminuição das condenações; abolição dos chamados
‘atestos’; aumento do engarrafamento”.
O projeto “Leite a Granel” cada vez mais delega os custos de produção para o
produtor, que fica responsável pelo resfriamento do leite. Contudo, os bons frutos colhidos
com estes projetos totalizadores podem não render mais tanto como agora, visto que a
degradação ambiental provocada por eles é muito acentuada. A cada ano os processos
erosivos intensificam-se e mais camadas de solo são perdidas pela ausência de cobertura
vegetal. Agrava-se ainda mais o maior problema a ser enfrentado pelo setor leiteiro nacional:
manter o nível de fornecimento na safra (outubro a março) também durante a entressafra
(abril a setembro). Nesta última, os pastos estão mais secos devido ao baixo índice
pluviométrico e a alimentação do rebanho é prejudicada. Além disso, tradicionalmente na
entressafra (outono/inverno) o consumo de leite é maior, apesar da menor produção. Nessa
época de menor produção e de maior consumo a cotação do leite no mercado sobe e os
produtores recebem um pouco mais pela matéria-prima. Na safra, a oferta de leite é maior,
mas o consumo é menor; a cotação do leite cai e os produtores recebem menos pelo leite
nesse período.
IV.4 – Crise e reorganização espacial
No final de 2003 instalou-se uma crise financeira na sede da Parmalat na Itália,
amplamente divulgada pela mídia. Calisto Tanzi, um dos fundadores da Parmalat, chegou a
ser afastado do cargo pela justiça italiana e pelos credores e está preso desde 27 de dezembro
de 2003. Tanzi afirmou que desviou US$ 642 milhões para outras empresas, como a
Parmatour, uma empresa de turismo em nome da filha Francesca, e para fechar as contas da
Bonlat Financial Corporation em 2002, sediada nas Ilhas Cayman. Além disso, disse que
falsificou assinaturas de estabelecimentos bancários que concederiam empréstimos à empresa.
Contudo, a dívida é maior, chegando a mais de 14 bilhões de euros.
A crise repercutiu no governo italiano, que interveio afastando diretores e até mudando
a lei de falências, para assegurar a reputação e a confiabilidade da empresa e do país junto ao
93
mundo. As ações da empresa, após a crise, caíram mais de 66% em menos de uma semana. A
Bolsa de Valores de Milão suspendeu a negociação de ações da Parmalat em 29 de dezembro
de 2003 e a Bovespa suspendeu a negociação das ações em 14 de janeiro de 2004. No final de
2005 as ações voltaram a ser negociadas, tanto no Brasil quanto na Itália. Em 09 de dezembro
de 2003 o governo italiano nomeou um interventor – Enrico Bondi – para reestruturar o grupo
Parmalat e atualmente ele é o presidente da empresa.
O Brasil foi inserido na crise da matriz italiana em 12 de dezembro de 2003, através do
comunicado da filial brasileira de que os pagamentos aos fornecedores seriam postergados.
Há planos para a venda da Duchen, uma vez que a Parmalat vem tendo sucessivos déficits no
país. Desde 1998, quando a Parmalat Alimentos abriu seu capital à Bolsa de São Paulo,
déficits vêm sendo registrados. A dívida com os produtores do estado do Rio de Janeiro
chegou a R$ 8 milhões, mas mesmo com atrasos foi paga. A Parmalat afirma que os
acontecimentos na sede da empresa não afetarão os negócios no país. A repercussão da crise
ameaçou o comércio de Itaperuna, onde 14.000 pessoas dependem direta ou indiretamente da
venda do leite e que a queda nas vendas possa chegar a 30%, segundo a Associação
Comercial
3
. O atraso no pagamento às cooperativas foi justificado pelo fato de as
cooperativas representarem somente 20% do fornecimento à Parmalat, sendo os restantes 80%
de coleta própria. Na crise, optou-se então por privilegiar a fatia maior.
A situação se agravou com o pedido de concordata pela Parmalat do Brasil em 28 de
janeiro de 2004, um mês após o pedido de falência pela matriz italiana. A filial brasileira
queixou-se dos procedimentos de instituições financeiras, inseguras e temerosas com a
possibilidade de calote. O governo brasileiro acompanhou o caso de perto, promovendo
reuniões no Ministério da Agricultura, criando uma comissão para acompanhar o caso e
disponibilizar recursos de até R$ 300 milhões via Banco do Brasil. Foram levantadas
suspeitas de remessas de lucros ilegais para o exterior, informação desmentida pelo Banco
Central do Brasil em 26 de janeiro de 2004.
Mesmo com a crise, no início de fevereiro de 2004 a multinacional sueca Arla
demonstrou interesse em adquirir total ou parcialmente a filial brasileira, o que não ocorreria.
94
Granarolo, a concorrente da Parmalat na Itália, confirmou a intenção de adquirir a rival.
Apesar de não confirmada oficialmente pela empresa, foi ventilada a venda da Parmalat Brasil
para o presidente da Assolan, João Alves de Queiroz Filho. A mineira Itambé, no mesmo
período, divulgou negociação para assumir as fábricas de Santa Helena de Goiás (GO) e
Itaperuna (RJ), o que também não se efetivou.
Discutiram-se saídas para o impasse com a Glória. Uma delas seria a compra da
empresa por uma associação de produtores ou por uma associação entre as 11 cooperativas da
região. O governo estadual comprou parte da produção no auge da crise para projetos sociais
e escolas (150.000 litros/dia), reduziu para a metade o ICMS do setor (de 12 para 6%) e teve
papel decisivo para a intervenção judicial em Itaperuna (anexo 11).
A intervenção na filial brasileira teve início em 19 de janeiro de 2004, quando o Banco
Sumitomo Misui ganhou ação na justiça para intervir na Parmalat Brasil e buscar recursos
para saudar sua dívida. Em 11 de fevereiro de 2004 o Juiz da 42ª Vara Cível de São Paulo
decidiu pela intervenção na Parmalat Alimentos e na holding Parmalat Participações. O
presidente Ricardo Gonçalves e os diretores foram afastados e assumiu interinamente Keyler
da Rocha Carvalho, professor de Administração na USP, advogado e economista. Nos anos
1980 participou na iniciativa privada por meio da Agroceres e Nitroquímica; na iniciativa
pública foi diretor do Banco Central por duas vezes, durante os governos José Sarney e
Fernando Collor de Melo. A insatisfação de funcionários foi muito grande, havendo até
abaixo-assinado contra a nova diretoria. Os recursos com os bancos não foram retomados e a
desorganização continuou. Tal intervenção vigorou durante aproximadamente 50 dias. Após
esse período houve nova decisão judicial (em consonância com a matriz italiana) de indicar
novos interventores. A presidência ficou com Nelson Sampaio Bastos, ex-fundador da
Gradiente e sócio da Íntegra, consultoria contratada pela Itália. Keyler Rocha Carvalho, antigo
interventor, ficou responsável pelas holdings da Parmalat Participações (CHAMPI JR. &
BARBOSA, 2004, p. 101-16).
Em 09 de fevereiro de 2004 a Batávia S.A., joint-venture da qual a Parmalat tem a
maior parte do controle acionário, pediu a saída da Parmalat da sociedade junto aos outros
3
O GLOBO - 11 de janeiro de 2004.
95
acionistas (cooperativas estaduais do Paraná). A venda da participação acionária da Parmalat
Brasil junto à Batávia (no total de 51%) foi aprovada pelo comitê gestor e de credores em
assembléia de 28/11/05
4
.
Segundo pesquisa realizada pela Leite Brasil, CNA/Decon, OCB/CBCL e EMBRAPA
GADO DE LEITE, a Parmalat em 2002 (antes, portanto, da crise financeira) estava em
segundo lugar entre as maiores empresas de laticínios do Brasil naquele ano. A sua recepção
de leite era de 751.921 mil litros, proveniente de 9.996 produtores com produção média diária
de 206 litros por produtor. Em primeiro lugar estava a Nestlé, com recepção de leite de
1.489.029 mil litros no ano citado, proveniente de 7.192 produtores com produção média
diária de 567 litros por produtor (tabela 11). A comparação entre as duas maiores empresas de
laticínios do país – Nestlé e Parmalat – revela a maior produtividade da primeira, além de um
alcance espacial maior.
A mesma pesquisa realizada no final de 2004 – após a crise – aponta uma queda da
Parmalat para o quarto lugar entre as maiores empresas de laticínios, com recepção no ano de
406.688 mil litros (117.944 mil litros de terceiros), 4.566 produtores e produção média diária
de 173 litros por produtor. O terceiro lugar coube a Elegê, o segundo a Itambé e o primeiro a
Nestlé, que, ao contrário da Parmalat, aumentou sua produção: recepção de leite no ano de
1.509.067 mil litros (372.740 mil litros de terceiros), 6.112 produtores (eram 7.163 em 2003)
com produção média diária de 508 litros por produtor (era de 574 litros por produtor em
2003) (tabela 11). Esses últimos dados apontam para o fortalecimento de marcas regionais
como a gaúcha Elegê e a mineira Itambé.
4
O ESTADO DE SÃO PAULO / MILKPOINT, 29/11/05.
A Parmalat Alimentos reconhece atualmente uma dívida de R$ 850 milhões – R$ 150
milhões de 10.400 credores operacionais ou fornecedores mais R$ 700 milhões de 100
credores financeiros, tanto bancos como detentores de títulos - e R$ 1,5 bilhão é a dívida
reconhecida pela holding Parmalat Participações com credores financeiros. Com a entrada da
empresa em junho de 2005 na nova lei de falências, aumentam suas chances de pagamento
das dívidas
5
. No final de 2004, a Parmalat Brasil conseguiu normalizar sua produção. Mesmo
assim, a empresa registrou queda no faturamento: R$ 755,3 milhões em 2004, contra R$ 1,55
bilhão de 2003. O prejuízo caiu também, de R$ 235,7 milhões em 2003 para R$ 228,2
milhões em 2004
6
.
A Venezuela foi o país escolhido para sediar as operações da Parmalat na América
Latina, segundo afirmou embaixador italiano na Venezuela. Atualmente a Parmalat atua em 5
países da região: Brasil, Colômbia, Venezuela e outros dois países do Caribe
7
.
O montante de produção beneficiada pela Glória/Parmalat aumentou de 2.750
toneladas antes da crise para 2.797 toneladas em maio de 2005. Em março de 2004, pior mês
da crise, a produção foi de 635 toneladas
8
(anexo 12). Os fornecedores da Glória e da Capil
sofreram com atrasos no pagamento e muitos abandonaram seu fornecimento para a
Glória/Parmalat, indo para concorrentes como Nestlé em Teófilo Otoni (MG) e Danone em
Guaratinguetá (SP), apesar da distância e do ICMS maiores (anexo 10).
A Capil não chegou a ser gravemente atingida, pois até aumentou sua produção
beneficiada (tabela 2) e assegurou o pagamento de suas dívidas através do colegiado
interventor. Tal colegiado era composto de quatro pessoas (um representante das cooperativas
- presidente da Capil -, um dos funcionários da Glória/Parmalat, um do governo estadual do
Rio de Janeiro e um do município de Itaperuna) e vigorou de fevereiro a agosto de 2004.
“Asseguramos a volta da credibilidade”, afirmou o presidente da Capil em entrevista
concedida ao autor em 02/09/04. Em 18 de fevereiro de 2004 saiu o primeiro carregamento de
5
ESTADO DE SÃO PAULO de 01/07/05 adaptado pela Equipe MILKPOINT.
6
FOLHA DE SÃO PAULO / MILKPOINT - 31/03/05.
7
EL UNIVERSAL, adaptado por Equipe MILKPOINT – 29/11/04.
98
produtos Glória para venda sob intervenção do colegiado, totalizando recursos de R$ 800.000
para os caixas da Glória. A quantidade de processamento à época era de 110.000 litros/dia,
bem abaixo dos 350.000 litros/dia habituais
9
.
Contudo, nem todos tiveram a mesma sorte. Foi o caso da Laticínios Italeite (atual
Comercial Italac) em Itaperuna. Fundada em 1994 por dissidentes da Glória, esta cooperativa
fornecia até 500.000 litros/mês para a Parmalat e com a crise de 2004 a cooperativa levou um
calote e tenta se reerguer. Já contou com 60 funcionários e hoje possui 21. Investe atualmente
em produção de manteiga (com produção de 30 toneladas/mês) e iogurte. O mercado
consumidor é a metrópole carioca. Há fornecedores até do norte de Tocantins. A política da
cooperativa agora, depois do prejuízo, é produzir gêneros com maior valor agregado e não
apenas “repassar” o leite captado para empresas como a Parmalat ou somente vender leite
ensacado.
A reorganização da filial brasileira da Parmalat já vem ocorrendo desde 2000. A crise
financeira do final de 2003 e suas repercussões prejudicaram a continuidade do plano de
reestruturação, pois a meta passou a ser equilibrar as contas e pagar as dívidas. Mesmo assim,
algumas medidas estratégicas vêm sendo tomadas no pós-crise.
Diante de uma estrutura bastante complexa, com debilitado nível organizacional e
sucessivos déficits, houve a necessidade de um processo de reestruturação da corporação
italiana no Brasil. Esta é uma prática comum, segundo CORRÊA (1991, p. 41): “Esta é uma
característica do processo de expansão das empresas: a dispersão da atividade no espaço, via
criação de filiais e subsidiárias e aquisição de empresas já existentes, ganha uma magnitude
tal que implica uma reestruturação que culmina na centralização administrativa e em uma
nova estrutura hierárquica”. A aquisição da empresa Glória em dezembro de 2001 seguiu esta
tendência de “terceirização” ou de delegação de funções, aproveitando a atuação de outras
empresas no mercado e reduzindo a necessidade (dispendiosa financeiramente) de construção
de novas unidades. Foram fechadas as fábricas de Catalão (GO), Itamonte (MG) e Campos
dos Goytacazes (RJ).
8
O GLOBO, 26 de junho de 2005.
9
O GLOBO – 19/02/04 e TRIBUNA DO NOROESTE – 21/02/04.
99
Assim, em 2000 assume a presidência da Parmalat Brasil o uruguaio Miguel Angel
Reyes Borzone, ex-presidente da Parmalat Argentina, para organizar melhor o gigante criado
no Brasil. O faturamento à época girava em torno de R$ 2 bilhões, eram 11 mil empregados
em 20 fábricas, com produção de um milhão de toneladas por ano de mais de 500 produtos
diferentes. A primeira estratégia de Borzone foi remodelar o “Departamento Pessoal” e criar a
Diretoria de Desenvolvimento Organizacional e Humano para diagnosticar os problemas e
propor soluções para o setor mais vulnerável da empresa que era o de Recursos Humanos
(CHAMPI JR. & BARBOSA, 2004, p. 7-29; 51-56). O lema desta nova diretoria era “fazer
com que a empresa fosse reconhecida como um dos melhores lugares para se trabalhar,
caracterizado por um ambiente de flexibilidade e propício à inovação”.
Após diversos estudos e workshops realizados entre dezembro de 2000 e março de
2001 foi elaborado o “Projeto Eficiência”, que tinha como linhas mestras: 1) definição
estratégica de negócio; 2) ênfase no planejamento, não só em curto prazo; 3) redesenhar a
estrutura organizacional; 4) profissionalizar a gestão com práticas modernas e 5) definir e
investir em um time alinhado. Em síntese, buscava-se uma forma de harmonizar as diversas
culturas organizacionais absorvidas pela Parmalat Brasil.
Para a capacitação e desenvolvimento dos recursos humanos foi criado o ParmaCentro
ou Centro Parmalat de Desenvolvimento Humano, posteriormente renomeado para Centro
Parmalat de Aprendizagem. Surgiu no final de 2001 por meio de uma ação chamada
Programa de Desenvolvimento de Lideranças (PDL) e de uma decisão em centralizar todo o
investimento em desenvolvimento humano da empresa. Está dividido em “escolas” – Gestão e
Liderança, Técnica e Industrial, Supply Chain (rede logística), Vendas e Marketing - e
“fóruns” – Gerentes Executivos, Técnico Industrial, Virtuais e Conhecimento e Integração. A
princípio não havia sede, pois as reuniões e cursos eram realizados de acordo com as
necessidades locais de cada unidade e também por uma questão de contenção de gastos.
Depois se optou por utilizar a sede do Instituto Parmalat em Jundiaí (SP), voltado para a ação
social da empresa.
100
No final de 2001, a Parmalat transferiu Borzone para a filial uruguaia na tentativa de
melhorar os resultados. Foi contratado então Ricardo Gonçalves, ex-presidente da Nestlé no
Brasil e no Chile, ligado à multinacional suíça desde 1970 (CHAMPI JR. & BARBOSA,
2004, p. 31-43). A primeira iniciativa foi reunir sob seu controle todas as subdivisões da
Parmalat Brasil (Parmalat Alimentos, Batávia e a Divisão Bakery, que incluía a Gelateria).
Em seguida pensou em um novo modelo organizacional, implantado a partir de julho de 2002.
O modelo se dividia em duas vertentes principais: “Unidades de Negócios” e “Processos
Corporativos”. A primeira vertente dizia respeito a resultados econômicos, rentabilidade,
posição de mercado e crescimento, conhecimento do consumidor e monitoramento da atuação
dos principais competidores. A segunda vertente diz respeito a aproveitamento da
abrangência, escala e sinergias, busca constante de inovações, eficiência e eficácia dos
processos e das pessoas e melhoria contínua da produtividade, qualidade e competitividade.
Foi durante a gestão Gonçalves que foram formulados pelos dirigentes a visão, missão
e valores da Parmalat Brasil. A visão: “A Parmalat nutre a vida, garantindo evolução
sustentável, alimentando com qualidade, prazer e bem estar, e antecipando necessidades”.
Com essa visão o objetivo era mostrar que a corporação nutria corpo e alma das pessoas, de
forma continuada, respeitando o meio-ambiente e sempre atentos para mudanças. A missão:
“Nutrir a vida, por meio da produção, comercialização e ampla distribuição de alimentos de
alta qualidade, especialmente produtos lácteos e bebidas não-alcoólicas”. Isto significa
alimentar as pessoas com produtos de qualidade e saudáveis e “assegurar a concretização da
visão de negócios”. Os valores (“Os valores são, enfim, os elementos sobre os quais não se
negocia”): 1) “Produtos para toda a família e todas as ocasiões, disponíveis nos momentos e
lugares oportunos”; 2) “Cultura para a qualidade e prazer na refeição”; 3) “Criatividade e
inovação, com relevância”; 4) “Ética empresarial e empresa cidadã”; 5) “Atratividade para os
stakeholders” (parceiros); 6) “Paixão de ser Parmalat”. A crise financeira eclodida no fim de
2003 abalou o incipiente reconhecimento dos funcionários e colaboradores da Parmalat
quanto aos seus valores.
No remodelamento organizacional e da rede logística (supply chain) sob a gestão
Gonçalves, das 17 fábricas restaram apenas 7. Foram fechadas ou vendidas as unidades de
Morada Nova (CE), Natal (RN), Manhuaçú (MG), Cerqueira Cézar (SP), Jaraguá do Sul (SC),
101
duas fábricas em Porto Alegre (RS) (chocolates e refrigerados) e fábricas de leite e
refrigerados em Jundiaí (SP). Dos 10 centros de distribuição, restaram 8.
No que concerne à reorganização pós-crise, segundo o diretor superintendente de
operações da Parmalat no Brasil, Othoniel Rodrigues Lopes, a estratégia está calcada em três
pilares: aumento do estoque, retomada dos antigos clientes e aumento da rede de distribuição.
O primeiro pilar é importante porque a iniciativa da empresa está direcionada
primordialmente para o pagamento de dívidas e a produção ficou prejudicada. Retomar
antigos clientes significa reconquistar a credibilidade do mercado e dos consumidores que em
grande parte desapareceram durante a crise. Uma pesquisa da revista “Supermercado
Moderno”, que contém a opinião de 2.400 executivos ligados a supermercados e
hipermercados de todo o país, revelou que em 2004 a marca Glória perdeu 7,8 pontos
percentuais nas vendas. Segundo o editor da revista, Robert Macody Lund, a marca Glória foi
uma das que mais perderam mercado das 190 marcas pesquisadas.
No dia 01/09/05 a Parmalat Brasil (Alimentos) entregou ao juiz da 1ª Vara de
Falências de São Paulo seu plano de recuperação. A dívida de R$ 720 milhões com credores
financeiros será paga em até 12 anos, sem desconto nos valores nominais. Os cerca de 10.000
credores operacionais, cuja dívida totaliza R$ 150 milhões, receberão o pagamento em até 4
anos, com parcelas de mesmo valor e privilegiando os menores credores
10
. A filial brasileira
também entregou ao juiz de São Paulo um laudo técnico onde afirmou que em 2009 a
empresa voltará a ter lucros e em 2017 (data final do plano de recuperação) o faturamento
alcançará R$ 1,48 bilhão, cifra semelhante ao faturamento de 2003 (ano anterior à crise).
Todos os segmentos onde a empresa atua crescerão de 3 a 3,6 % ao ano a partir de 2007,
inclusive o setor leite, que opera com capacidade 30% inferior (50 milhões de litros por mês)
a 2003
11
.
Em 26 de maio de 2006, ficou acertada a venda da Parmalat Brasil para um consórcio
latino-americano (LAEP – Latin America Equity Partners) e a brasileira Perdigão, que desde
2000 vem apostando no mercado de lácteos. Os novos controladores arcaram com um passivo
10
O ESTADO DE SÃO PAULO / MILKPOINT, 02/09/05.
11
VALOR ECONÔMICO / MILKPOINT, 07/10/05.
102
de R$ 1 bilhão e um aporte imediato de recursos no valor de R$ 20 milhões. A maior parte da
Parmalat Alimentos ficará com o consórcio LAEP. À Perdigão coube o controle da Batávia,
uma fábrica de biscoitos em Jundiaí (SP) e uma fábrica de leite em Garanhuns (PE)
12
.
Segundo levantamento feito pela revista Exame (anuário 2006-2007), a Perdigão é a décima
maior empresa no ramo do agronegócio, suplantada apenas pela Nestlé. O faturamento em
2005 foi de R$ 5.873 milhões, com lucro líquido de R$ 361 milhões. Foi considerada a
melhor empresa de frigoríficos e couro do país. A Batávia, marca de grande expressão no Sul
do país, fechou 2005 em décimo primeiro lugar em captação de leite, está em 115º lugar entre
as 400 maiores empresas do setor lácteo brasileiro, com faturamento de R$ 640 milhões e
lucro bruto de R$ 156,6 milhões. No referido levantamento, a Nestlé aparece em 9º lugar
entre as 400 maiores empresas do agro brasileiro, com faturamento bruto em 2005 de R$
6.672 milhões. A Parmalat ocupa a posição de nº 88, com faturamento bruto em 2005 de R$
836,7 milhões.
O LAEP, experiente em adquirir empresas em crise, administra fundos cujo
patrimônio atinge R$ 300 milhões. Seus donos – Marcus Alberto Elias e Eduardo Aguinaga
de Moraes – atuam desde 1990 em empresas como Unidas Rent a Car (locação de carros),
GDC Alimentos (Gomes da Costa, processadora de sardinha e atum em lata), Camil
Alimentos (processadora de grãos), TendTudo (materiais de construção) e Eurocash, gigante
atacadista sediada em Varsóvia (Polônia). Para eles, o setor leiteiro brasileiro é muito
promissor e digno de investimentos. A Parmalat Brasil, apesar da crise, mantém uma boa
estrutura e uma marca de respeito, segundo o LAEP. O projeto é ambicioso: liderar o mercado
leiteiro brasileiro. A aquisição da Parmalat Brasil foi o maior negócio do grupo, vencendo a
disputa com a GP Investimentos (com patrimônio de US$ 1 bilhão) e a mexicana Lala (que
atua no segmento lácteo e possui faturamento de US$ 1,5 bilhão). Marcus Elias montou uma
equipe para definir o plano estratégico da Parmalat: Gabriel Salomão (ex-presidente da
empresa Sucos Del Valle), Jonh Scott (ex-dirigente da Refinações de Milho Brasil), Alysson
Paulinelli (Ministro da Agricultura no governo Geisel) e Eduardo Moraes (sócio da LAEP).
Entre as principais diretrizes do plano estão mudanças pequenas no quadro diretivo e
remuneração de acordo com plano de metas (FERREIRA, 2006).
12
MILKPOINT, 26/05/06.
103
No âmbito internacional, a Parmalat fechou 2005 com lucro de 45,3 milhões de euros
(frente ao prejuízo de 173,7 milhões de euros em 2004). O faturamento cresceu 3,9% em
relação a 2004, chegando a 3,88 bilhões de euros. O patrimônio líquido passou de 1,61 bilhão
de euros em 2004 para 1,88 bilhão de euros em 2005. A dívida líquida em dezembro de 2005
era de 369,3 milhões de euros (redução de 172,6 milhões de euros em relação a 2004)
13
.
A reorganização pós-crise também prevê o fortalecimento de marcas regionais (como
a Glória), avançar na produção de produtos light e enriquecidos com ferro, diminuição do
quadro de funcionários e do portfólio (de 290 para 180 itens). Tem havido investimentos em
embalagens mais baratas para atingir uma fatia maior do mercado consumidor. A empresa
passou até a abrir mão de sua marca e envasar o leite com a marca do grupo Pão de Açúcar
14
.
Assim, o futuro da Glória/Parmalat é incerto e deve ser acompanhado de forma
continuada. As mudanças vêm ocorrendo de forma rápida e intensa e outros abalos como este
podem acontecer em setores vitais como o leiteiro, expondo os produtores ao risco de calote.
A saída parece estar no investimento e incentivo em cooperativas e laticínios do porte da
Selita, Da Matta, Itambé (considerada pelo Anuário 2006-2007 da revista Exame a melhor
cooperativa do país), Elegê de forma a constituir uma alternativa aos grandes monopólios
internacionais.
13
CINCODIAS.COM / MILKPOINT, 05/04/06.
14
VALOR / MILKPOINT, 21/11/05.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o exposto, pretende-se concluir o trabalho retomando aquilo a que nos propomos
fazer inicialmente e verificar se as hipóteses iniciais se confirmam. Além disso, serão feitos
alguns comentários de forma a propor saídas ou alternativas para a inserção mais efetiva dos
produtores leiteiros da bacia em foco. O objetivo era revelar a organização espacial da
corporação Glória/Parmalat através da sua rede geográfica corporativa e do padrão espacial
das interações espaciais.
A organização espacial da corporação Glória/Parmalat tem por objetivo a acumulação
de capital através da produção e beneficiamento da fábrica Glória em Itaperuna e das áreas
produtoras de leite controladas pela empresa (a sua rede de produção). A circulação da
matéria-prima (leite) é feita através dos postos de recolhimento de leite (PRLs) e das
cooperativas que entregam para a fábrica Glória e a rede de distribuição das mercadorias
produzidas é feita por meio dos centros de distribuição da Parmalat espalhados pelo país. O
controle e decisão é realizado primeiro pela sede da Parmalat em Parma (Itália) e pela sede da
Parmalat Brasil na capital paulista. A reprodução social realiza-se pelo consumo nas inúmeras
lojas que vendem produtos Parmalat.
A rede geográfica corporativa da Glória/Parmalat é composta pelo controle de fixos –
4 postos de recolhimento de leite localizados em Alegre (ES), Ibiraçú (ES), Muriaé (MG),
Baependi (MG) e pela fábrica Glória em Itaperuna (RJ), pelas cooperativas associadas e pelos
8 centros de distribuição da Parmalat – e fluxos de matéria-prima (leite) e de produtos
industrializados provenientes da fábrica Glória.
O padrão espacial das interações espaciais confirma nossa hipótese inicial, mostra-se
por uma rede dendrítica e um padrão influenciado pela direção. A corporação Glória/Parmalat
controla todo um espaço de produção leiteira por intermédio de fixos (PRLs e cooperativas)
que por sua vez polarizam outros fixos e áreas produtoras de leite.
105
A abertura da economia brasileira (sobretudo nos anos 1990) fragilizou muitos setores
antes extremamente subsidiados e dependentes de políticas estatais. Mas, ao invés de ocorrer
um desmantelamento, ocorreu um incremento contínuo no volume de produção e no padrão
tecnológico, o que talvez não fosse possível ou desejável em um contexto de subvenção
estatal.
Em primeiro lugar, é preciso reavaliar o novo papel do cooperativismo regional,
sobretudo da Capil. Tal cooperativismo ainda serve de instrumento para a manutenção das
elites agrárias no poder com significativa força política. O baixo conteúdo tecnológico das
cooperativas tem comprometido o seu papel junto à Glória, altamente exigente por um leite de
qualidade. Para SILVA (1996, p. 206) a reavaliação do papel do cooperativismo regional
consiste em “possibilitar o resgate das atividades agropastoris menos capitalizadas, assim
como redimensionar o papel da pequena produção nas atividades mercantis da sociedade
globalizada”. A cooperativa é vista por OLIVEIRA (1986, p. 72) como importante agente que
permite a reprodução da produção camponesa, ao lado do Estado e dos especuladores
fundiários.
O cooperativismo regional precisa investir maciçamente nos tanques de expansão
comunitários, condição primeira para conquistar mercados com preços vantajosos. A
Associação dos Produtores Rurais de Patrocínio do Muriaé (MG) (APRUPAM), por exemplo,
é uma das duas associações de produtores que fornecem leite para o PRL Muriaé da
Glória/Parmalat. Fundada em 1999, a APRUPAM é uma associação sem fins lucrativos que
objetiva racionalizar a produção preservando o meio-ambiente, garantindo o fornecimento
futuro. É uma associação técnica que visa a informação, sem perder de vista a integração entre
os associados. Os cargos de comando (diretores) não são remunerados e há um conselho
consultivo composto, entre outros, por representantes da EMATER local e da Prefeitura. Os
filiados são produtores rurais, parceiros ou arrendatários sediados no município de Patrocínio
do Muriaé. Aprovada a admissão, se paga uma taxa de manutenção.
Apesar do declínio dos anos 1990 em função da abertura dos mercados e da perda do
poder de barganha e capacidade de investimento, há um fortalecimento das cooperativas,
segundo Informe da EMBRAPA LEITE de fevereiro de 2004, ano 4, nº 6. As cooperativas
106
são responsáveis por 40% da captação formal, empregam 151.000 associados e apresentam
faturamento da ordem de R$ 5 bilhões. O estado do Rio de Janeiro é o segundo em captação
de leite via cooperativas (62% do leite produzido), perdendo apenas para o Rio Grande do
Sul, que capta 74% de sua produção através de cooperativas. Segundo SALLES JR et al
(2003, p. 12): “A fusão de cooperativas e a constituição de associações locais são os caminhos
irreversíveis e necessários para que se atinja escalas competitivas com menores custos, pois a
função ‘Custo de Produção’ deve ser encarada como um grande desafio para a sobrevivência
do setor”.
É preciso que haja uma interação maior entre sociedade civil organizada e o Estado
para promover o desenvolvimento local. No caso do Noroeste Fluminense, como aponta
ANDRADE (2001), o fator “pessoalidade” é muito forte, ou seja, todos se conhecem e o
poder da promessa, da “palavra”, é muito grande.
Espera-se também um reaparelhamento da assistência técnica e extensão rural na bacia
leiteira estudada. Mesmo com recursos escassos, os técnicos da EMATER prestam na medida
do possível auxílio aos produtores, seja com informação, seja com doação de mudas e outros
utensílios agrícolas. Da mesma forma, se espera a continuidade do bom trabalho desenvolvido
pela EMBRAPA GADO DE LEITE (com sede em Juiz de Fora – MG) junto às
agroindústrias. Que ela possa expandir mais sua atuação junto às cooperativas.
Uma outra idéia a ser pensada é a diversificação produtiva. Diversificação esta não
apenas de culturas agrícolas, mas também de atividades em outros setores como o terciário.
Estudos mostram (ANDRADE, 2001; SILVA, 2003, entre outros) a crescente importância das
atividades terciárias na região, principalmente os setores de educação e saúde, tendo como
pólo no Noroeste Fluminense não só o município de Itaperuna, mas também outros
municípios como Bom Jesus do Itabapoana.
Em suma, a situação que temos é a troca de culpas: as empresas se queixam da
ineficiência das cooperativas e a falta de competitividade dos produtores; as cooperativas
reclamam da falta de apoio estatal e da forte e desleal concorrência; e os produtores culpam o
descaso das autoridades e a pressão dos compradores de sua matéria-prima. Mas o fato é que a
produção de leite cresce, mesmo em tempos de crise.
107
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114
ANEXOS
115
ANEXO 1
116
ANEXO 2
117
ANEXO 3
118
ANEXO 4
119
ANEXO 5
120
ANEXO 6: COMENTÁRIO
CRESCIMENTO E MELHORIA, MAS SEM EXCLUSÃO
A. AMORIM
Estamos nos aproximando da implantação do Programa Nacional de Melhoria na
Qualidade do Leite que vai encontrar o setor em desacordo com as necessidades que se
requer. A qualidade do leite brasileiro ainda é baixa; falta padronização; 40% da produção é
informal; ineficácia dos sistemas de fiscalização e, principalmente, grande número de
produtores produzindo pequenos volumes, sem possibilidades de aumentar a escala e resfriar
o seu leite.
É fácil argumentar que por isso mesmo o PNQL deve ser implementado urgentemente,
para que essa situação se modifique. Mas não é bem assim. Há que se pensar na penalização
de grande parte de produtores, que não poderão atender as exigências.
O PNQL está sendo bem elaborado e é sem dúvida o caminho certo para o setor
progredir e se fortalecer. Entretanto, está faltando recursos, para que seja cumprido por
pequenos e mesmo por parte considerável de médios produtores. E há bons programas
lançados pelo Governo, como o Proleite, que visa recursos para a melhoria da qualidade do
leite, com financiamentos para a compra de equipamentos e insumos para aumento da
produção, com juros subsidiados. Acontece, que não é tão fácil para o produtor conseguir os
empréstimos, pois há a complicação dos "papéis", dos formulários, das idas e vindas ao Banco
e depois a parte mais difícil: o avalista.
No caso dos produtores Glória a empresa interfere e além de assessorar e encaminhar
os processos, avaliza. Mas quem não tem esse "padrinho", padece, e acaba desistindo dos
recursos. Daí continua o problema da falta de dinheiro para que pequenos e mesmo parte
considerável de médios produtores possam atender as exigências do PNQL.
Portanto, há que se reformular esse programa, tornando-o mais ágil e fácil de se obter
os recursos, viabilizando a permanência desses produtores dentro do sistema. Caso contrário,
o impacto social será imenso.
Não adianta ficar repetindo que em outros países houve a depuração natural, como nos
Estados Unidos ou na Argentina, sendo que nesta, haviam 44.000 produtores e em menos de
dez anos passaram a pouco mais de 20 mil. No Brasil, apesar de não se ter números
confiáveis, dizem existir 1.200.000 propriedades leiteiras. Se acontecer o mesmo aqui, onde e
como viverão os mais de 600.000 que irão sobrar? Na certa estarão aumentando os números
de nossa pobreza e desnivelando ainda mais, os níveis sociais do país.
É necessário, portanto, ter criatividade e vontade política, para não chegarmos a tal
ponto. Precisamos criar um modelo diferente dos adotados por outros países. Neste aspecto
existem medidas que poderiam ser adotadas pelo governo, que viriam complementar o PNQL,
não excluindo esses produtores. Para que isso aconteça, esse grupo terá que aumentar a sua
produção, se inserir em programas de controle da saúde do rebanho, resfriar o leite coletado e
se possível, em ordenha mecanizada.
Não é impossível fazer isso acontecer. No primeiro caso, bastaria a assistência técnica
efetiva e pouco investimento na melhoria de pastagens, formação de um canavial ou outras
estratégias para se ter alimento na entressafra e melhorar geneticamente o rebanho.
No segundo caso, necessita de um pouco mais de investimentos, financiados a longo
prazo com juros baixos e fáceis de serem obtidos. Também os recursos para os órgãos de
pesquisa e extensão deveriam ser ampliados, capacitando técnicos e produtores. Treinamento
121
no campo em larga escala, são fundamentais. As indústrias já fazem o que é possível nesses
dois aspectos e são elas, em parte, as responsáveis pela melhoria do leite que vem
acontecendo e o aumento da produção leiteira, dos últimos anos. Porém, há um limite nesses
investimentos, pois trabalham com margens apertadas de lucro, pressionadas pelos
consumidores sem recursos e até pressão dos distribuidores.
Uma solução efetiva, seria o Governo estudar uma forma de incentivo para a indústria
láctea, que poderia ser na forma de redução de impostos, e os valores obtidos, repassados aos
produtores em forma de ensinamentos técnicos - o que vem sendo feito em certa escala - e
financiamentos de equipamentos de ordenha e refrigeração.
Isto porque, já se comprovou que a iniciativa privada que atua no setor, está mais apta,
melhor preparada a prestar esses serviços e mesmo porque sabemos como funcionam as
Sudan, Sudene e outras siglas.
As indústrias, com seus departamentos de campo, sabem como estruturar essa
assistência técnica, repassando os ensinamentos que as instituições de pesquisa elaboram e em
estreita colaboração. E estão em contato direto com quem produz. É ela, portanto, quem
melhor pode oferecer esse serviço. Só necessita, de recursos.
Argumentos para o proposto não faltam, bastando conhecer, por exemplo, os gastos
com a reforma agrária, que tenta fixar o homem no campo, a maioria deles sem conhecimento
de seu ofício. Apesar dessa ação ter seus méritos e ser necessária, muito mais lógico e fácil é
manter o pequeno e médio produtor, já inseridos no sistema. Para esses, faltam alguns
ensinamentos e poucos recursos, para viabilizar economicamente o seu negócio. Caso
contrário, acabarão sendo um "sem terra" e quem sabe, engrossando a legião de miseráveis
das grandes cidades, em busca de sub-empregos.
Outro forte argumento, é quando sabemos que a aplicação de recursos no campo
possibilita maior número de empregos, em comparação a qualquer outro segmento
econômico. E não é o momento de desperdiçar empregos.
Além disso, em relação aos demais setores, as indústrias lácteas são tributadas de
maneira desproporcional, já que seu faturamento corresponde a 1,3% do total da economia e
sua contribuição corresponde a 4% do total arrecadado com ICMS.
Poderia ser também via Imposto de Renda, que tantos incentivos já ofereceu e oferece,
a maioria mal gerenciados pelo poder público.
A iniciativa privada do setor está muito mais apta para repassar recursos, não só pela
capilaridade, por estar mais próximo ao produtor mas, principalmente, porque sabe qual o
investimento que é necessário fazer. Isto acontecendo, rapidamente o setor se expandirá e os
recursos acabarão voltando ao Governo na forma de impostos e maior circulação de dinheiro
nas regiões interioranas.
As fábricas e o comércio de insumos, máquinas e equipamentos estarão vendendo
mais e em cascata, atingindo outros setores da economia. E mais que isso, pequenos e médios
produtores, que são a maioria no país, estarão atendendo as exigências do PNQL, produzindo
um leite com alto teor de sólidos e baixa contagem de células somáticas e viabilizados em
seus negócios.
O país então terá um setor moderno e forte, capaz de no futuro, ser um exportador de
lácteos. O consumidor satisfeito, por consumir um produto puro e saudável e quem sabe, até
aumentar o consumo per capita de 138 litros/ano, que ainda é baixa.
Fonte: GLÓRIA RURAL, ano IV, nº 53, dezembro de 2001, p. 12-13.
122
ANEXO 7
123
ANEXO 8
124
ANEXO 9
125
ANEXO 10
LEITE DA PARMALAT PARA RIVAIS
Produção do Rio é desviada para Nestlé e Danone
Alberto Komatsu (com Agência Folha)
RIO e BRASÍLIA – Produtores de leite do Noroeste e do Sul Fluminense pararam de fornecer para a
Parmalat ontem. Juntas, as cooperativas de Bom Jesus do Itabapoana, Itaocara e Barra Mansa entregavam quase
200 mil litros por dia, que passaram a ser absorvidos por outros compradores, principalmente Nestlé e Danone.
O desvio de fornecimento aconteceu por causa de uma dívida de R$ 1,7 milhão que a Parmalat tem com
cinco cooperativas fluminenses. Esse dinheiro foi depositado no último dia 16, mas acabou retido pelo Banco do
Brasil, um dos credores do grupo italiano.
Oficiais de Justiça foram duas vezes ao BB, ontem, para entregar a liminar obtida pelo fabricante de
alimentos, determinando o desbloqueio do dinheiro. Procurado, o BB não se pronunciou a respeito. Segundo a
Parmalat, o banco reteve R$ 7 milhões de um depósito total de R$ 13 milhões. Com isso, produtores de
Pernambuco e Rio Grande do Sul também estão sem receber. No total, a Parmalat depositou R$ 25,4 milhões no
último dia 16, mas utilizou outros bancos para pagar seus fornecedores.
- Complica muito mandar o leite para a Nestlé e para a Danone. Mas temos só duas alternativas: o risco de
perder 100% com a Parmalat, ou a certeza de perder entre 20% e 50% com as outras alternativas. Nós temos que
escolher a menos ruim neste momento, mas ambas são ruins – disse Rodolfo Tavares, presidente da Federação
da Agricultura do Estado do Rio de Janeiro (Faerj).
Ao desviar o leite, explicou Tavares, as cooperativas terão um aumento de custos de até 50% por causa da
distância e dos impostos. Em média, os produtores enfrentavam 100 quilômetros para fornecer para a Parmalat
em Itaperuna. Já a Nestlé em Minas Gerais e a Danone em Guaratinguetá estão a 600 quilômetros de distância.
Outro custo adicional de fornecer para a Nestlé e para a Danone é a cobrança de 12% de Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços, tributados quando o leite sai de um Estado para outro. Com esses custos
adicionais, a estimativa é de que o consumidor final acabe pagando o preço. Já para os produtores, o valor de
venda do leite caiu 10% com a crise.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse ontem que a Polícia Federal vai abrir um inquérito para
investigar a conduta da Parmalat no Brasil.
DESEMPREGO RONDA FÁBRICA
Jacqueline Deolino e Rodrigo Braga (da Agência Matéria-Prima) (com Agência EFE)
ITAPERUNA e ROMA – Os 231 funcionários da Parmalat em Itaperuna acompanharam com medo os
escândalos envolvendo a empresa. Eles se preocupam com atraso no pagamento dos salários, corte de benefícios
ou até demissões em massa. Um funcionário antigo da empresa informou que ele e os colegas se sentem
desinformados e que todas as notícias que obtêm vêm da mídia.
O funcionário, que pediu anonimato, disse ainda que foram suspensas as férias de dezembro e janeiro e que
muitas pessoas que trabalham na firma têm sido liberadas temporariamente ou remanejadas por falta de matéria-
prima em seus departamentos.
De acordo com esse trabalhador, empregado na fábrica há 15 anos, faltam folhas para a fabricação de latas,
açúcar para o processamento do leite condensado e óleo para as caldeiras. Além disso, uma empresa de São
Paulo, terceirizada pela Parmalat para a fabricação de embalagens, teria suspendido os trabalhos por falta de
pagamento. Essa fornecedora opera com equipamentos próprios dentro da fábrica da Parmalat em Itaperuna.
Funcionários temporários também foram dispensados. É o caso do ajudante de produção Elias Carneiro
Rocha. Ele disse que a demissão aconteceu por causa da crise na empresa.
- Eles alegaram que, com a atual situação, não estão podendo contratar ninguém. Prestei três meses de
serviço e ainda tinha mais três pela frente. Não sei o que vou fazer agora. Fui pego de surpresa.
Os investidores afetados pela quebra da Parmalat fizeram ontem uma manifestação em frente à sede do
Banco da Itália, em Roma, contra o escândalo. Centenas de pessoas se concentraram em frente ao palácio Kock,
na Via Nazionale, e gritaram palavras de ordem contra os bancos que venderam bônus da empresa sem se
preocupar em comprovar sua solidez financeira. O rombo na empresa é estimado em R$ 35 bilhões.
Fonte: JORNAL DO BRASIL – 22/01/04.
126
ANEXO 11
PRODUTOR VAI ASSUMIR FÁBRICA DA PARMALAT
Governadora Rosinha lançará segunda-feira as bases “da consolidação e manutenção da
gestão permanente pelas cooperativas”
Taís Gaspar e Valéria Maniero
Os produtores de leite do Noroeste e Norte Fluminense vão assumir a administração da
fábrica da Parmalat, em Itaperuna. Em faz às cooperativas da região, a Federação de
Agricultura do Rio (Faerj) anunciou que a governadora Rosinha Garotinho lançará segunda-
feira as bases “consolidação e manutenção da gestão permanente da fábrica pelas
cooperativas”. Os produtores já vêm participando de uma administração colegiada na
Parmalat há 40 dias.
O Governo do Rio defende a participação das cooperativas, mas evita adiantar detalhes
sobre a implantação desse modelo. “Isso tem como ser feito, do ponto de vista jurídico e
econômico, mas não dá para fixar prazo”, admite o secretário de Agricultura, Christino Áureo.
A Faerj está convocando os cooperados da região para concentração, ao meio-dia de
segunda-feira, no Parque de Exposições da Cooperativa Agropecuária de Itaperuna (Capil).
Lá, segundo o fax, a governadora vai assinar a regulamentação da Lei 4.177, que trata de
concessões de benefícios fiscais para o setor, baseada na redução do ICMS sobre o leite no
estado (de 12% para 6%).
Compra de leite pelo estado é importante – Além disso, Rosinha dará início ao
programa de leite pasteurizado para escolas, com a compra de 150 mil litros por dia. Está
previsto o projeto de compra de leite em pó da Parmalat de Itaperuna para ações sociais.
“A compra de leite pelo estado é importante, porque será feita com regularidade. Com a
crise, seria necessário escoar, diariamente, 300 mil litros de leite. Caso contrário, sobraria
produto, jogando o preço para baixo”, explica o secretário de Agricultura, Christino Áureo.
O presidente da Capil, Moacir Seródio, aposta na administração da fábrica pelas
cooperativas como solução para os problemas. “A fábrica tinha dívida de mais de R$ 8
milhões com as cooperativas quando assumimos. A administração colegiada já pagou 80%.
Os produtores que continuam fornecendo leite para a indústria estão recebendo o pagamento
quinzenalmente. Também estamos acertando aos poucos os débitos com os produtores que
pararam de fornecer”, garantiu Moacir, que participa do colegiado.
Matriz exclui Brasil da reestruturação – Moacir espera que as oito cooperativas da
região voltem a fornecer para a fábrica no próximo mês. Hoje, produtores estão enviando leite
à Nestlé, em Teófilo Otoni (MG), e à Danone, em Guaratinguetá (SP).
A fábrica da Parmalat em Itaperuna tem 300 funcionários e capacidade para processar até
500 mil litros de leite por dia, o que acontece geralmente durante o período de safra, no verão.
Durante o ano, o processamento diário gira em torno de 300 mil litros de leite por dia.
Para o secretário estadual de Agricultura, o fato de a Parmalat ter excluído o Brasil de seu
plano internacional de reestruturação mostra que o País não é mais prioridade para os
italianos. “Pode ser usado para tentar sanear a matriz”, conclui.
Fonte: O DIA – 18/03/04.
127
ANEXO 12: VOLTA A JORRAR O OURO BRANCO
Noroeste comemora boa produção
de leite após crise no início do ano passado
As manhãs são movimentadas na Cooperativa Agropecuária de Itaperuna. A partir das
9h, não se passam dez minutos sem que encoste um caminhão carregado de latões de leite. O
bem-vindo congestionamento gera números que mostram a recuperação da indústria após o
colapso do início do ano passado.
- A melhor época para a produção leiteira vai sempre de setembro a dezembro. Mas
neste início de ano mantivemos os mesmos 74 mil litros diários da temporada de fartura do
ano passado - informa Moacyr Vieira, presidente da Capil.
A crise do ano passado foi gerada por um escândalo nas contas da gigante Parmalat, o
que deu margem a ameaças de fechamento da empresa, grande compradora de leite e dona de
uma fábrica com 230 funcionários em Itaperuna. Mas o setor soube contornar os problemas e
a própria unidade da Parmalat na cidade celebra hoje um bom crescimento produtivo.
A fábrica de onde saem os itens com a marca Glória fechou o último mês com 2.797
toneladas de produtos, mais do que as 2.750 que produzia antes da crise. Em março de 2004,
no pior mês após o escândalo, a produção foi de 635 toneladas.
- Os nossos números refletem a retomada. A unidade capta os mesmos dez milhões de
litros de leite mensais de antes da crise - informa Othniel Rodrigues Lopes, diretor-
superintendente de operações da Parmalat.
Fonte: O GLOBO - NORTE FLUMINENSE, 26/06/05.
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